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Copyright © 2022 Zoe X

BAD PRINCE

1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: Gialui Design


Revisão: Bárbara Pinheiro

Diagramação: April Kroes

Ilustração: Daniel Caetano

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada
ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis –
sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA


LÍNGUA PORTUGUESA.

sumário

aviso

antes de ler

playlist

nota da autora

epígrafe

prólogo

capítulo 1

capítulo 2
capítulo 3

capítulo 4

capítulo 5

capítulo 6

capítulo 7

capítulo 8

capítulo 9

capítulo 10

capítulo 11

capítulo 12

capítulo 13

capítulo 14

capítulo 15

capítulo 16

capítulo 17

capítulo 18

capítulo 19

capítulo 20

capítulo 21

capítulo 22
capítulo 23

capítulo 24

capítulo 25

capítulo 26

capítulo 27

capítulo 28

capítulo 29

capítulo 30

capítulo 31

capítulo 32

capítulo 33

capítulo 34

capítulo 35

capítulo 36

capítulo 37

capítulo 38

capítulo 39

capítulo 40

capítulo 41

capítulo 42
capítulo 43

capítulo 44

capítulo 45

capítulo 46

capítulo 47

capítulo 48

capítulo 49

capítulo 50

capítulo 51

capítulo 52

capítulo 53

capítulo 54

capítulo 55

capítulo 56

capítulo 57

capítulo 58

capítulo 59

capítulo 60

capítulo 61

capítulo 62
capítulo 63

capítulo 64

capítulo 65

capítulo 66

capítulo 67

capítulo 68

capítulo 69

capítulo 70

capítulo 71

capítulo 72

capítulo 73

epílogo

agradecimentos

Este é um romance bully. Aqui você encontra o extremo do enemies to


lovers, em que os personagens não têm uma relação saudável entre si e,
como já se denomina o gênero, fazem bullying um com o outro. Ele pode
causar desconforto, contendo, além do bullying, agressão física, psicológica
e sexual. Abuso de drogas lícitas e ilícitas. Suicídio, depressão, pânico.
Esta é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos. A autora não
apoia e nem tolera esse tipo de comportamento. Não leia se não se sente
confortável com isso.

há um filtro no Instagram chamado Bad Prince Zoex, feito pela

@_lerporamor. Use-o para filmar suas reações e seus trechos favoritos,


marcando a autora.

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Instagram, acesso o linktree e entre no canal do telegram e não perca
nenhuma novidade.

Esse livro custa menos de 10 reais na Amazon e está disponível na


assinatura do Kindle Unlimited. A autora é nacional, independente (sem
editora ou investidores) e precisa receber por seu trabalho. Se você recebeu
esse arquivo de sites ou grupos de pirataria, saiba que você está cometendo
um crime.

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spotify

Eu jurei que tiraria férias depois de cinco anos presa a uma série.

A Dark Hand me trouxe absolutamente tudo o que tenho hoje.

Praticamente 99% das minhas leitoras vieram através dela e eu tinha um


medo do caralho de nunca mais escrever algo que eu olhasse e sentisse tanto
orgulho.

Três dias depois de lançar Invulnerável, Conrad me pegou, e quando digo


pegar, o negócio foi quase físico. Acredite você ou não em outras vidas,
Conrad era algo meu, uma memória passada, e ele foi exigente da primeira
até a última letra.

Eu o sentia andando pelo meu escritório tarde da noite. Em uma dessas


vezes, ele me expulsou por não fazer como ele queria, e eu precisei me
reconectar e descobrir que toda aquela braveza vinha de uma frase que
escrevi e ele tinha odiado.

Nenhum personagem meu mandou tanto em mim.

Ele não me deixou planejar. Ele me acordou várias vezes no meio da


madrugada quando o meu corpo estava pronto para a batalha nesses últimos
três meses. Ele também me mandou dormir e se debateu tanto dentro da
minha cabeça, que joguei quinhentas cenas fora e reescrevi centenas de
diálogos, porque se não fizesse, parecia que ia vomitar.

Conrad Prince trouxe o caos.

Ele me jogou de cara na parede para enxergar coisas que a Zoe da vida
privada precisava mexer com urgência e, depois dos três meses mais
intensos, dormindo duas horas por noite, escrevendo até a exaustão, com
uma refeição no dia, alguns packs de monster de chá e maçã verde, nós nos
curamos.

Eu nunca senti um alívio tão grande ao digitar a palavra FIM

em um texto.

Eu nunca senti tanta paz e orgulho por saber que, aqui, eu entrego para vocês
o que eu tinha de melhor até agora.

Eu nunca me senti tão segura para entender que: o medo de ser só a Zoe da
Dark Hand é infundado. Eu sou a Zoe da Dark Hand, para muitas das minhas
leitoras, eu sempre serei. Mas também sou a Zoe de Singular, de Bailando no
Inferno, de Azhara,

de Não Seja Uma Boa Menina, de Mirrors e de Mar aberto. Eu sou todas
essas Zoe’s de antes, mas agora, também, serei a Zoe de Bad Prince.

Espero que vocês gostem dessa minha versão. Que vocês também a
abracem.

Ela é um pouquinho diferente das anteriores, mas ainda acredita fielmente


que o coração é rei dentro das decisões.

Se você não conseguir fazer nada disso e não gostar do que entrego aqui,
está tudo bem. Só não fecha a porta para conhecer outro lado meu depois,
ok?

Sendo assim, espero que você chegue ao final desta história com a sorte de
ter algumas feridas curadas. Eu tive.
Com muito amor e respeito,

Zoe X.

Para H.

Ninguém nunca conseguiu me quebrar mais do que você, e talvez eu nunca


tenha amado tanto alguém quanto te amei, até que acabou.

Quando colocar o fim nesta história, encerro nossa ligação.

Finalmente, eu te liberto, mas melhor ainda: estou livre.

Fisicamente, habitamos um espaço, mas,

sentimentalmente, somos habitados por uma memória. o que a memória ama


fica eterno. O

passado não reconhece seu lugar: está sempre presente.

josé saramago, adélia prado, mario quintana.

Os olhos dela faiscaram.

Fogo e fumaça.

Uma única lágrima rolou marcando o caminho úmido na fuligem em sua


bochecha.
Foi então que eu soube: Scarlet me odiava.

Me odiaria para sempre.

E não havia nada que eu pudesse fazer a não ser odiá-la de volta.

scarlet

então me olhe nos olhos, diga-me o que você vê. paraíso perfeito se
desfazendo. eu queria poder escapar. eu não quero fingir. eu queria poder
apagar, fazer seu coração acreditar, mas eu sou um péssimo mentiroso.

b a d l i a r, i m a g i n e d r a g o n s .

Eu nunca mais havia chorado, mas naquela manhã, quando o despertador


tocou, eu tive vontade de fazê-lo. Fechei os olhos, respirei fundo e prendi a
respiração enquanto o cansaço se apossava das lágrimas que queriam descer,
drenando cada uma delas.

Cinco segundos depois de soltar o ar preso nos pulmões, foi como se nunca
tivesse tido aquele pensamento.

Encarei o teto com os traços pintados de preto e vermelho, me sentindo mais


refém do que nunca daquela vida e brinquei com a língua no céu da boca
antes de criar coragem para começar o dia.

Se eu tinha conseguido dormir três horas naquela noite, era muito, mas de
um jeito ruim, meu corpo já parecia adaptado para dar o seu máximo mesmo
com o mínimo de energia.

Aquele ciclo durava dias até que, finalmente, eu cairia na cama e nada
conseguiria me acordar. Eu preferia assim, pois, quando exausta, eu quase
nunca sonhava.

E se sonhava, não me lembrava. Mas nas raras vezes em que meu


subconsciente falhava em me proteger, eu sabia que o veria.

Era um tormento saber que na minha mente eu ficaria presa com ele, e há
anos eu vinha fugindo disso, mesmo que vez ou outra fosse obrigada a voltar
lá: no dia em que perdi tudo, no dia em que ele arrancou o resto de vida de
mim.

Meu primeiro horário de aula era às nove e eu poderia facilmente enrolar um


pouco mais nos lençóis, mas tinha combinado de tomar café com Isaac. Eu
precisava ir para recompensá-lo, uma

vez que ele não forçou quando ouviu minha milésima desculpa para evitar
assistir a mais um dos seus jogos de futebol.

Joguei as pernas para fora da cama, desistindo da ideia de ficar e ter pena de
mim mesma, vasculhei com a mão sobre a mesa de cabeceira, conferindo
que meu maço de cigarros já estava pela metade e, sacudindo para que um
pulasse do pacote, o prendi entre os lábios. Acendi e traguei em um
movimento natural, prendendo a fumaça nos pulmões, conforme ajeitava o
cabelo no alto da cabeça e me levantava para ir ao banheiro.

Quando pronta, de banho tomado, dentes escovados e vestida, conferi a


escolha do dia no espelho de corpo inteiro preso à porta do closet. Minhas
botas pesadas por cima da calça jeans preta com rasgo no joelho me faziam
parecer uma rebelde. O

complemento não ajudava, já que por baixo da jaqueta de couro dos Fierce
Lions, a camisa xadrez vermelha e a regata branca não ficavam tão à vista,
mas era o bastante para enfrentar aquele começo de outubro mais gelado do
que o esperado.
Passando a mochila pelos braços, ensaiei o melhor sorriso que podia em
frente à porta, ajeitei o piercing de argola no nariz, girei a maçaneta e deixei
o único lugar seguro dentro daqueles muros para encontrar meu namorado.

Eu era uma mentirosa de merda, ainda bem que ele não percebia isso.

A Prince University era antiga, renomada e cara, muito cara.

Eu não era pertencente, mas fazia o meu melhor para honrar a chance de
estar ali. Suas escadas largas, seus corredores escuros, seus vitrais góticos,
torres altas e salas esquisitas, de algum jeito sombrio e torto, se
transformaram no meu lar.

Minha cafeteria favorita, a única que servia um café colombiano decente,


ficava no quarto andar. E com um cigarro na boca, fones nos ouvidos, na
melhor tentativa de passar completamente invisível enquanto descia as
escadas até lá, quase esbocei uma reação que não deveria quando,
finalmente, cheguei ao meu destino e abri a porta.

Meu ego havia sido extinto há alguns anos. Ou talvez nunca tenha existido,
porque no momento em que notaram minha presença, o jeito como Isaac
deslizou para fora do banco das líderes de torcida poderia ter me feito chorar.

Fingi estar distraída, fingi não o ver, e arranjei o que fazer para que ele
tivesse tempo de vir até mim. Arranquei os fones, procurei por tempo demais
o lugar onde o lixo estava para poder jogar a bituca do cigarro fora e,
finalmente, senti seu toque no meu ombro.

Eu não era baixa, no alto dos meus 1,76, quando me virei para encará-lo, o
sorriso de Isaac estava bem na altura dos meus olhos.
Ele parecia perfeito, como sempre, e ninguém diria que estava fazendo algo
de errado, minutos atrás, nem mesmo eu.

— Por um minuto… — Seus dedos vieram para o meu rosto.

Apesar de manter meu cabelo preso em um rabo de cavalo alto, as mechas


descoloridas da franja estavam soltas e ele afastou uma delas para trás da
minha orelha. A plateia suspirou por ele, não por nós. — Achei que
precisaria levar seu café no quarto.

Inclinando-se para mim, o garoto de cabelos claros e olhos verdes me beijou.

— Eu… — me afastei e lambi os lábios, tentando pensar com clareza,


sabendo que tinha gente demais prestando atenção na nossa interação —...
não perco o café.

— É, eu sei. — Pegando na minha mão, o loiro atlético, de sorriso divertido


e olhos que brilhavam como mil estrelas, me guiou

para uma mesa distante e vazia.

Foi inevitável encarar o restante da cafeteria ao me sentar, e eu só olhei para


o meu parceiro quando ele soltou um riso baixo.

— Você ainda não se acostumou, não é? — Ele sabia que eu odiava aquela
sensação de ser observada.

— Nunca vou — admiti.

— Eles são só curiosos. — Ao contrário de mim, Isaac amava ser o centro


das atenções.

Acostumado com isso desde que nasceu, sendo quem era, aquilo era natural
para ele.

— Mas já faz quase dois anos… — Suspirei e me ajeitei quando a garçonete


veio tirar os pedidos. — Achei que uma hora ia melhorar.

Era uma confissão inocente, idiota, mas real.


Na frente dele, todo mundo me tratava bem, mas quando Isaac virava as
costas e não tinha nenhuma testemunha, eu podia ouvir os comentários.

“Aproveitadora.”

“Tenho certeza que morando naquela casa, ela deu para o pai e para o filho.”

“O que ela tem demais? Vagabunda.”

E dali era ladeira abaixo.

Quando começou, jurei que aguentaria, que seria passageiro até que algo
maior acontecesse e nós saíssemos dos holofotes, mas Isaac Prince nunca
saía dos holofotes.

Ele os amava e os atraía feito a lua e os vagalumes.

Consequentemente, eu acabava estando lá, e nós nunca nos tornamos


irrelevantes.

— Isso te faz repensar sobre nós? — A pergunta era sutil, mas feita com
tanta constância que eu precisava me controlar muito para não gritar com
Isaac.

— Não. Mas e você? — Ergui os olhos para os dele e sua expressão séria era
a mesma que havia conquistado minha confiança.

— Jamais. Você sempre será minha. — De novo, sua mão buscou meu rosto
e eu deixei que ele acariciasse minha bochecha.

— Então estamos resolvidos. — Sorri, tentando relaxar um pouco antes do


café ser servido, me afastando do contato físico que

às vezes era incômodo pra caramba. — E como foi o jogo ontem?

Soube que os Fierce Lions acabaram com os Birds of Prey.

— Soube como? — Ele ficou levemente tenso e eu não entendi o motivo.


— Os fogos pela minha janela eram laranjas, além de que, os gritos pelos
corredores do pessoal voltando não me deixavam cochilar.

— Ah, isso. — Isaac relaxou. — Acabamos com eles, é verdade. E com isso,
vamos ter uma boa festa no campo em comemoração amanhã, o que acha?
Meu pai disse que é ano de anunciar o Torneio das Espadas, então...

— Torneio das Espadas? — Quis rir do nome ridículo. —

Vocês vão mesmo duelar?

— Não, baby. — Ele riu da minha expressão. — Hoje em dia o torneio é


entre as fraternidades e com todos os esportes possíveis.

— Hm… em quantos você vai disputar?

— Futebol, basquete, nado, corrida e o que mais aparecer…

Mas e você?

— Eu? — Juntei as sobrancelhas e franzi os lábios, negando com a cabeça.


— Você sabe que tenho dois pés esquerdos.

— É, mas você mata qualquer um no videogame. É melhor do que eu. —


Nosso café foi servido. O meu era um copo grande de viagem, o dele um
prato completo e um belo suco de laranja. —

Quero que você participe da competição.

— Amor, eu… — Tentei fugir, mas Isaac me encarou do modo mais pidão e
irresistível.

Meu namorado era lindo, meu único amigo naquela merda de lugar, e ele
sabia muito bem como arrancar as coisas de mim, já que eu odiava
desapontá-lo.

— Por mim, por favor. — Ele era profissional em fazer cara de cachorrinho
que caiu da mudança. — Preciso exibir minha namorada superinteligente e
rainha dos controles.
— Eu não sei… — Minha voz saiu baixa, um sopro, e tentei encarar a
janela, vendo o gramado vazio naquela manhã.

— Por favor, Scarlet. — A mão dele veio para as minhas e eu suspirei. —


Prometa que vai pensar.

— Certo. — Voltei minha atenção para nossas mãos e perguntei, encarando-


o: — Quando as inscrições abrem?

— Amanhã. — Conseguindo o que queria, o toque foi interrompido. —


Parece que hoje à noite tem alguma coisa

acontecendo com os Vipers. — O desprezo no meio-sorriso que ele abriu


quando mexeu nos ovos com o garfo me deu um frio na espinha.

Era para eu ser uma Viper, mas escolhi os Lions porque não tinha estômago
para ver a desaprovação nos olhares de Isaac e do senhor Prince. Não
quando todos os Prince eram Lions e tinham orgulho disso.

— Alguma coisa, tipo? — A curiosidade atiçou dentro de mim.

— Não faço ideia, mas seria bom você me prometer não sair do seu quarto.
Sabe que aqueles idiotas não têm limite, e não quero nenhum deles podre de
bêbado ou sabe mais lá o que esses idiotas usam, pegando você fora do seu
quarto depois do toque de recolher…

— Não vou sair. — Mordisquei o lábio depois do primeiro gole de café. —


Eu tenho muito trabalho a fazer.

Mesmo que nenhum deles fossem meus.

A verdade era que, se alguém desconfiasse, eu estava na merda, mas havia


um servidor onde eu era contratada de forma anônima para fazer trabalhos
da graduação. O pagamento era feito na entrega, dentro do horário do toque
de recolher, e era com

aquele dinheiro que eu planejava ter um futuro em outro país, do outro lado
do oceano.
A América me esperava. Eu seria uma enfermeira das boas.

— Sempre tão responsável… Você é um anjo, Scarlet. —

Isaac sorriu com os olhos e colocou uma das pernas entre as minhas. — Mas
ainda quero saber quando terei minha namorada em uma noite dessas… —
O suspiro era uma chamada de atenção.

Eu o amava, mesmo.

Não via a possibilidade da vida com outra pessoa que não ele.

Isaac era meu parceiro.

Ele me protegia como podia e, de longe, era meu único amigo, mesmo que o
tempo entre nós fosse escasso.

— Acho que esta semana… Pós-festa? — Era uma merda aquele clima de
fugir do contato íntimo. Mesmo que nós já tivéssemos feito coisas, minha
virgindade estava intacta.

Nunca parecia a hora certa.

— Perfeito. — O rosto dele se iluminou.

— Certo. — Olhei para o relógio do visor do celular, notando que eu tinha


quinze minutos para atravessar o prédio e suspirei,

afastando a cadeira da mesa, puxando o maço de cigarros do bolso da


jaqueta.

— Você não diminuiu, não é?

Como era atlético e todo geração saúde, Isaac odiava me ver fumando.

— Claro que diminui — menti, segurando o maço nas mãos. —

Antes, eu fumava dois desse, hoje em dia um anda bastando. —


Querendo evitar mais uma discussão, ainda mais em uma manhã tão
proveitosa, me levantei carregando o café na mão livre e me curvei sobre
ele.

O cabelo loiro bem-penteado e modelado com o gel tinha um cheiro bom, e


eu o aspirei ao máximo quando beijei sua testa. Desta vez, Isaac não foi tão
rápido, ou discreto. Suas mãos me puxaram pela bunda contra si e eu quis
rir, mas não tive tempo porque seu rosto se ergueu, sua língua forçou a
entrada na minha boca e suavemente fez com que minha respiração
acelerasse. Eu não era imune ao charme dele, nem sobre sua habilidade.

Quando meu corpo todo esquentou a ponto de eu querer me livrar da jaqueta,


soube que era hora de me afastar.

— Eu te amo — sussurrei entre o beijo.

— Eu também. — A correspondência me fez sorrir, e quando ele selou os


lábios sobre os meus, precisei de muito esforço para soltar meus braços que
estavam em volta do seu pescoço e caminhar para fora da cafeteria sem olhar
para trás, sabendo que a plateia animada agora me xingava mentalmente.

Foda-se. Nós seríamos para sempre.

Isaac era o único que merecia o meu amor.

O som estrondoso do lado de fora quase meia-noite me fez colocar o


travesseiro sobre o rosto e gritar. Eu queria muito dormir.

Já havia acabado com meu maço de cigarros, tomado um dos comprimidos


que o último médico com quem me consultei mandou, mas o sono não vinha
de jeito nenhum. A única coisa que eu sentia era uma vontade incontrolável
de fumar e uma fome que parecia ter grudado meu estômago nas costas.
Mais um grito do lado de fora e eu desisti de ser uma boa menina.

Se fosse pega nos corredores, ganharia uma advertência, mas justificar a


fome junto da minha média global não mancharia em nada meu histórico.
Para minha desculpa ser ainda mais crível, nem tirei a calça de moletom
cinza. Enfiei os pés com meia nos chinelos, coloquei a jaqueta sobre os
ombros, soltei o cabelo, e com o dinheiro no bolso, saí.

O único lugar para comer àquela hora era o refeitório.

Eu já o tinha enfrentado mais cedo, mas com tanto trabalho para fazer, mal
comi e agora pagava por isso. Desci todos os lances de escada brincando
com o zíper da minha jaqueta, morrendo de medo de ser pega e, finalmente,
cheguei ao térreo.

A porta de entrada do prédio, com mais de três metros de altura, estava


aberta.

Estranhando, me aproximei e encarei o gramado pouco iluminado sendo


castigado pela chuva. A vontade de ir lá para fora me mordeu os
calcanhares, mas parei antes de descer o primeiro degrau quando ouvi o som
de uma trombeta.

Era de dentro que vinha aquele barulho todo?

— Não pode ser… — soprei, indignada.

Aquele som era ouvido apenas no primeiro dia de aula, quando o


encerramento das divisões das fraternidades acontecia. Era algo que só
ocorria em setembro, no começo do ano letivo, não fazia sentido estar
tocando quase um mês depois.

A trombeta tocou de novo e vinha das portas do grande salão fechadas às


minhas costas.

Eu tinha que entrar lá de qualquer jeito, precisava comer, mas algo me dizia
para não fazer.
“Suba as escadas, volte para sua cama, beba água da torneira para tapear a
fome”, o instinto soprou nos meus ouvidos, mas ignorei. A curiosidade era
grande demais para voltar pelo caminho que havia feito.

Eu não tinha andado tanto por nada.

Atravessei a curta distância de um portal ao outro, pousei a mão na porta, e


então a cabeça, tentando ouvir algo de lá de dentro.

Era uma bagunça sem fim, mas por quê? Festas ali eram proibidas quando
não oficiais. E se eram oficiais, por que não era aberta para todo mundo da
faculdade?

Empurrei um pouquinho a porta gigantesca para espiar lá dentro, mas no


segundo seguinte em que a forcei, alguém do lado

de dentro a puxou.

A madeira rangeu, a porta se escancarou e fui atingida em cheio por toda a


informação que meus olhos enxergaram. Eu deveria ter corrido quando vi o
primeiro desenho de serpente, mas minha única reação foi congelar no lugar.

Havia fogo lá dentro e não era pouco.

Eu quase me mijei tentando entender o que acontecia.

Havia alunos por todo lado, vestidos de verde, prata e preto.

Capuzes na cabeça, a serpente envolta no crânio por todo lado.

Um aro de fogo no meio de tudo, e o meu pior pesadelo acontecendo.

Era ele, sozinho, parado no meio da sala.

Os olhos pretos como carvão me aprisionaram no lugar.

Minha boca se encheu do gosto amargo do ódio.


Meu coração martelou nos ouvidos e minhas veias arderam no segundo em
que ele me reconheceu. Eu o vi atravessar o fogo, vitorioso, sem sorrir. Pior
ainda, enquanto sua nova turma vibrava, ele continuou a andar na minha
direção.

Ele não estava saindo deliberadamente, estava vindo para mim.

No último segundo, piscando, sabendo que aquilo era real, minha reação foi
uma só:

Eu corri.

Corri como se minha vida dependesse da maior distância que conseguisse


manter dele, e só parei com os pulmões explodindo, dentro do meu quarto,
com a porta muito bem trancada.

Curvei-me sobre os joelhos, escorregando para o chão, sem saber se chorava


ou se gritava e, conforme tentava me acalmar e me convencer de que aquilo
era uma alucinação causada pela fome e o medicamento, meu celular vibrou
no meu bolso.

Eu

voltei,

Red.

Tapei a boca, segurando o grito, mas não tive tempo de fazer mais nada antes
de ver outra mensagem pular vinda do mesmo número.

E vou fazer da

sua

vida

um

inferno.
Eu não tinha dúvidas de que ele conseguiria.

Na verdade, ele já tinha feito.

Conrad

nada é divertido, não como antes. você não me deixa bem, não mais.
costumava tomar um, agora é preciso quatro. você não me deixa bem, não
mais.

youdon’tgetmehighanymore,threedaysgrace.

Era ela.

Soube no instante em que vi as chamas refletidas nos olhos verdes


assustados me encarando, em choque. Inevitavelmente, a segui como um
caçador que reconhece sua presa, que está pronto para acertá-la. Mas Scarlet
se recuperou mais rápido do que deveria

e fiquei parado na porta, vendo sua corrida desengonçada para longe.

Quis rir.

— Não adianta correr quando não há onde se esconder, desgraçada — falei


tão baixo quanto um murmúrio e fiquei encarando o final do corredor por
onde ela havia sumido.
— Ei, o que tá fazendo? — Thomaz colocou um dos braços sobre o meu
ombro e olhou na mesma direção que eu. — Quem era?

— Quem você acha? — Meu meio-sorriso o fez abrir a boca.

— O que Scarlet faria aqui, tão tarde? Ela odeia ser notada.

— Ela sabia que eu vinha? — perguntei para ele, voltando para dentro.

— Não. — Meu melhor amigo negou com a cabeça. — Fiz questão de


guardar esse segredo de todos, até de Bella. Inclusive, você vai ficar puto
comigo se eu disser que fodi com ela algumas vezes durante esses anos que
esteve longe?

Meus olhos foram do garoto de cabelos escuros para a morena de cabelos


curtos, maquiagem pesada e corpo esculpido.

— Nenhum pouco. — Eu não poderia me importar menos.

Roubei um cigarro do bolso de Thomaz, o acendi, traguei, e ainda olhando


para o escuro, soltei a fumaça para cima, tombando um pouco a cabeça.

— Que bom, porque tenho certeza de que ela tem algo para te dar de boas-
vindas, e isso vai além de uma boa chupada.

Ele se afastou para comandar a mudança de lugar da festa para a sala da


fraternidade, e aproveitei o momento sozinho para mandar duas pequenas
mensagens no número que eu havia conseguido fuçando a agenda do meu
pai quando decidimos que eu viria para essa merda de lugar.

A sala verde, prata e preta, revestida de pedras escuras era maior do que eu
me lembrava na infância, nas raras visitas que fiz até ali. Agora, em uma
noite de festa, o lugar estava lotado, o som no último, e eu era um deus.

O primeiro Prince a escolher os Dangerous Vipers.

Meu pai já tinha me xingado ao telefone mais cedo, quando avisei para onde
as minhas malas iam, mas não me importei. Na verdade, foi até divertido
irritar o velho.

Naquele minuto, eu tinha Bella dançando à minha frente, esfregando a bunda


no meu pau, Thomaz ao meu lado, fumando um baseado e rindo de algo que
eu não tinha entendido, e várias pessoas vindo me cumprimentar.

— É verdade que você veio para cá porque matou um cara? —

uma garota chapada demais perguntou e eu não respondi. Aquela era só mais
uma suposição idiota do porquê eu havia sido expulso da faculdade francesa.

Eu não me importava. Adorava os boatos e quanto piores, melhor para mim.

Os únicos que sabiam a verdade eram Thomaz e Bella.

Os dois estavam comigo há anos, e mesmo que não soubessem tudo de mim,
eram os mais próximos de amigos que eu tinha.

Depois de um tempo naquela barulheira, com meu amigo se divertindo com


a garota chapada, resolvi que era minha vez. O

tempo foi gentil com Bella. Ela era ainda mais gostosa do que na

adolescência e como eu tinha tirado sua virgindade, meio que nunca houve
uma pausa nas vezes em que queríamos transar. Ela nunca teve um
compromisso, eu também não. Quando a virei para mim, prendi seu corpo
no meu, tendo seu olhar preso ao meu rosto, vi o sorriso surgir quando
abaixei a cabeça na direção dela.

O beijo de Bella tinha gosto de menta, cigarro e o pequeno amargor do MD


que vi ser compartilhado entre algumas garotas. O
ritmo era acelerado, seu corpo pulsava contra o meu. Seus peitos grandes e
macios contra mim denunciavam que ela não negaria partir logo para os
finalmentes, mas em um momento de completa insanidade minha, como não
acontecia há muito tempo, abri os olhos e, olhando para Bella, eu não a
enxerguei.

De repente, eu vi cabelos ruivos, olhos verdes, mais sardas do que poderia


contar e, meu pau que já começava a pesar na calça, perdeu toda e qualquer
vontade de continuar.

Não. Você não vai me infernizar assim — pensei, fechando os olhos para
beijar Bella ainda mais profundamente. Ainda assim, a visão de Scarlet de
anos atrás brilhou na minha mente.

Desgraçada, filha de uma puta.

— Preciso de um minuto — pedi, empurrando a morena para longe.

Visivelmente em transe, com a respiração descoordenada e os lábios


inchados, Bella concordou sem entender, mas era tarde demais para ela
tentar discutir qualquer coisa porque, em meio segundo, eu já tinha me
enfiado no meio da multidão.

O ódio mais uma vez me consumiu. A sala da fraternidade dava acesso a um


pequeno corredor numa porta que se abria para os quartos, e fui nessa
direção. O meu era o último, privado, discreto e com um diferencial especial.
Quando abri a porta, com o isqueiro na mão, brincando com fogo mais uma
vez, tentando relaxar ao tilintar do som do abre e fecha da tampa de metal,
sabia que não conseguiria dormir.

Coloquei um cigarro na boca, ergui as mangas da camiseta até os cotovelos e


arranquei o fundo falso do armário, indo para minha sala secreta. As caixas
que eu havia deixado ali mais cedo para meu pequeno laboratório ainda não
haviam sido mexidas.

Aquela porra me faria rico. Independentemente do que meu sobrenome


poderia me proporcionar, se é que até o final daquele
ano letivo meu pai ainda me consideraria seu filho, seria minha dedicação e
inteligência que me levaria longe. Era mérito meu.

E tentando distrair a cabeça, sabendo que o dia seguinte seria cheio, comecei
a organizar minha pequena fábrica de diversão.

— Você está atrasado. — Meu pai nem mesmo ergueu o rosto para me
cumprimentar naquela manhã. E eu sabia que um dos motivos disso era que,
agora, eu exibia a jaqueta de couro com o desenho dos Viper de maneira
orgulhosa.

— Nem notei — comentei, me jogando no sofá, colocando as botas sobre a


mesa de madeira cara à minha frente.

Eu sabia que estava atrasado. Na verdade, fiz questão de começar a me


arrumar na hora que ele disse para estar em sua sala. A consequência disso
era o prazer de ter empacado seus compromissos da manhã, uma vez que ele
lia uma pilha de papéis e assinava compulsivamente.

— Conrad — ele parou por um minuto, tirou os óculos e me encarou como


se eu fosse um marginal —, sei que você não está acostumado com regras,
mas aqui elas valem para você tanto quanto em qualquer outro lugar.

— Qual é, pai? Me chamou até aqui para fazer coisa errada e quer que eu
seja o bom moço na luz do dia?

Quis gargalhar.

John Prince, o reitor, o dono do mundo, sabia que eu tinha sido um erro.

Mas ele me devia. Devia muito. E seu modo de lidar com isso era me tratar
como a porra de um sociopata que eu não era. O
odiava, mas nem sempre foi assim.

Eu tinha uma mágoa absurda dele, mas um dia tive esperança de dias
melhores e carinho pela figura que acreditei que pudesse me proteger. Eu
não era um monstro, tentasse ele fazer eu acreditar nisso ou não. No fundo,
ele devia saber que o monstro era ele, e agora que eu estava de volta, com
certeza o faria enxergar.

— Não falei disso aqui. — O tom nervoso era o ponto alto. —

E, sim, vai seguir as regras durante o dia, além do mais, você não

deveria exibir essa droga de símbolo com tanto orgulho. — Ele quase
cuspiu.

— Só porque não sou um maldito leão, vai me deserdar? —

provoquei sorrindo, mas não com os olhos.

— Você sabe da fama dos Vipers, e ninguém dessa família escolheu ir para
lá, nunca.

— Não sei qual a sua surpresa, pai. — Pesei o tom de voz, entediado. — Eu
não sou da sua família, e é uma honra ser diferente do restante de vocês.

— Eu já disse, moleque, aqui você precisa andar na linha, ou… — ele me


ameaçou, apontando com os óculos na minha direção.

Aquilo me irritou. Me sentei na beirada do sofá e endireitei a coluna,


encarando-o de igual para igual. Meu pai sabia muito bem o motivo de eu ter
voltado e, mais do que isso, ele me queria ali e precisava de mim. Sua capa
de homem honrado na sociedade era um disfarce que eu poderia arruinar a
qualquer minuto.

— Ou o que, John? — Minha ameaça foi recebida em um silêncio mortal.

Ele não queria admitir em voz alta a podridão que ele mesmo havia deixado
se instalar dentro daqueles muros. E, pior ainda, não queria enxergar que
havia colocado o próprio filho para cuidar de algo tão perigoso e sujo por
puro abuso de poder. — Você não me assusta mais, então eu te aconselho a
cuidar da própria vida e não me provocar.

Meu pai parou, me analisando friamente, não entendendo quem eu era.

Fazia cinco anos desde que nós tínhamos nos visto antes da minha volta, e
eu não era mais o garoto assustado e medroso que ele mandou para longe.

O som de batidas na porta foi o que fez nosso contato visual quebrar, e
quando eu vi quem entrava, senti meus dedos coçando pelo meu isqueiro ou
por um cigarro.

Isaac congelou quando me viu.

Covarde do caralho — pensei.

— Conrad — ele cuspiu meu nome quando se recuperou, mais rápido do que
sua namoradinha de merda. — O que faz aqui?

— Não é da sua conta — respondi, mas meu pai falou por cima:

— Conrad está aqui para estudar.

— E ninguém me avisou? — Isaac impôs ao meu pai e, tendo o mesmo


poder da vadia da sua mãe, nosso pai não o respondeu.

— Eu não sabia que você precisava de um memorando —

provoquei.

Meu irmão se aproximou cauteloso, com as mãos nos bolsos da calça de


moletom, me analisou de cima a baixo.

— É melhor fazermos isso direito. Agora é um Viper, não?

Podemos nos dar uma trégua antes que as coisas saiam de controle. — Meu
pai não se intrometeu. Desde que ninguém saísse morto, a universidade
contava com o bom senso dos alunos e suas castas para a ordem tomar conta
daqueles corredores.
Sabendo que a preocupação de Isaac era o que eu poderia causar a ele e sua
namorada, respirei fundo e me ergui, encarando-o de cima, eu era bons vinte
centímetros mais alto do que seu um metro e oitenta e quatro.

— Tem mais alguma coisa com que eu possa ajudar, John? —

perguntei ao meu pai, sem tirar os olhos de Isaac.

— Não. Pode ir. Se precisar, mando chamar.

— Certo.

Dei o primeiro passo, mas meu irmão não se conformou. Ficou no meu
caminho e ergueu a mão.

— Nossa trégua, o que diz? — Ele ia mesmo se humilhar tão cedo?

Encarei sua mão, o meio-sorriso surgindo involuntariamente no meu rosto.

Ali tive plena certeza de que o ódio que sentia por cada um dos Prince era o
mais genuíno possível.

— Cara… nem se você chupar meu pau tão bem quanto sua namorada vai
fazer.

E dando uma boa ombrada nele, tirando-o do caminho, eu saí do escritório


do meu pai, sabendo que lá dentro Isaac começava a pirar só pela ameaça da
minha presença.

Talvez, contudo, voltar não tenha sido uma má ideia — pensei.

O sabor de perturbar e foder quem fez de mim miserável a vida toda era
saboroso demais para deixar passar tão rápido assim, e sabendo disso, fui
atrás do alvo que me interessava no momento.

Scarlet ia querer deixar o próprio corpo para fugir se dependesse de mim.


scarlet

minhas lágrimas estão sempre congeladas. eu posso ver o ar que respiro.


tenho meus dedos desenhando imagens no vidro em minha frente. deite-me
junto ao rio congelado onde os barcos passaram por mim. tudo que eu
preciso é me lembrar de como era me sentir viva. dias silenciosos,
perseguição violenta. nós estamos dançando novamente em um sonho, à
beira do lago.

winterbird,aurora

cinco anos atrás

— Finalmente, só falta uma semana para as férias. — Ouvi minha irmã


declarar sobre o banco onde eu estava com as costas apoiadas. — Você acha
que o vovô vai me deixar viajar com a família da Emily?

Eu sabia a resposta, mas era uma que Susan não gostaria de ouvir, então
respondi em um sussurro:

— Não sei…

A reação explosiva dela não poderia ser outra.

— Você nunca sabe de nada. — O tom amargo e agudo foi a última coisa
que ouvi antes dela levantar e se afastar.
Não reclamei. Queria ficar sozinha. Queria continuar a observá-lo
secretamente sobre as páginas do exemplar de O morro dos ventos uivantes
que eu lia.

Conrad Prince não me notou.

Qualquer um raramente notava e aproveitei daquela condição para observá-


lo atentamente.

Eu tinha quatorze anos, ele tinha dezesseis.

Eu era invisível. Ele era o garoto mais popular do colégio, talvez mais
popular que o próprio meio-irmão.

Mas mesmo parecendo ter a vida perfeita e não ligar para nada ao redor, eu
sabia que havia algo de errado com o príncipe bastardo.

Seu cabelo preto como petróleo tinha um corte rebelde que combinava muito
com ele. Sua pele, o que era exposto, era tão branco quanto a camisa que
usava. E ao contrário de todos os outros que erguiam as mangas na primeira
oportunidade, notei que Conrad nunca exibia os braços.

Nunca.

Não importava o calor que fizesse, ele sempre se mantinha coberto.

Com o tempo, isso e outras coisas me fizeram gastar tempo demais


procurando-o em segredo. Ele era uma boa distração, e enquanto aquilo
fosse algo sigiloso e discreto, eu não teria problemas. Vi Conrad mais vezes
do que poderia contar com seu isqueiro prateado nas mãos, brincando com
os dedos sobre a chama, ou colocando fogo em alguma coisa
deliberadamente.

Lixeiras eram seus alvos favoritos pelo que eu tinha notado.

E enquanto ele assistia ao fogo dançando, eu contemplava sua beleza como


se fosse proibida, errada, até um pouco sombria. As
mãos de Conrad eram minha perdição. Os dedos simétricos e a forma como
eles manipulavam o pequeno objeto de metal me deixavam absorta por
horas, tanto que, mesmo depois de olhá-las por várias vezes durante o dia, eu
chegava em casa e as desenhava no caderno de desenhos que mantinha sob
minha cama.

E eu focava tanto assim em suas mãos porque, de uma forma ridícula e


imatura, eu não aguentava olhar em seus olhos.

Tentei uma única vez, mas ele notou que era observado e quando me achou,
mesmo com mais um romance que eu havia alugado na biblioteca entre nós,
mesmo que tenha sido por menos de cinco segundos, foi como ser pega por
um buraco negro.

Eu não consegui desviar o olhar, mesmo querendo muito.

Conrad me atraía me puxando direto para sua órbita. Era assustador. Ainda
mais quando aqueles olhos tão escuros faziam parecer que ele podia ler
minha mente.

Depois daquele dia, eu os evitei a todo custo, e dessa vez eu não fiz


diferente.

Olhava para ele todo, mas escapava dos olhos que tudo viam e tudo sabiam.

— Droga — minha irmã bufou, voltando para o banco sabe lá Deus quanto
tempo depois. — Acho que não vou ter alternativa, além de passar as férias
toda trancafiada com você.

Eu não entendia o desprezo na voz de Susan.

Queria acreditar muito que era apenas uma reação passageira por todo o
nosso histórico, mas começava a duvidar que tivesse estômago para aguentar
mais um ano todo daquilo.

Minha irmã parecia me odiar cada vez mais desde a morte dos nossos pais.

Há três anos, em um acidente envolvendo moto, ponte e água, mamãe e


papai deixaram o mundo dos vivos sem ninguém estar preparado para lidar.
Nem nós, as filhas deixadas para trás, nem meu velho avô paterno, o militar
de coração mais mole que eu já havia conhecido.

Susan e eu saímos de uma casa confortável no interior da Inglaterra direto


para Edimburgo, para a casinha do número treze na rua das samambaias,
onde passamos a dividir o banheiro com nosso avô e entender que a
dinâmica familiar seria completamente diferente.

Papai era muito bom em controlar o gênio de Susan, mamãe era melhor me
encorajando a colocar os sentimentos para fora, mas nosso avô não tinha
nenhuma experiência com meninas adolescentes e estávamos nós duas de
novo em nossas bolhas.

Ela na dela, cheia de ressentimentos e ódio; e eu na minha, onde falar em


voz alta qualquer pensamento era sinônimo de confronto.

E o ódio e a frustração da minha irmã foi numa escala crescente naquela


semana.

No penúltimo dia de aula, depois de chegarmos em casa e darmos conta das


tarefas, vovô chegou para o jantar e foi recebido com mais lamentos de
Susan.

Era estranhamente confortável assistir àquela cena como se não fizesse parte
dela, e escapando de Susan, sabendo que precisaria de boas distrações no
verão, aproveitei o horário do intervalo do dia seguinte e fui até a biblioteca.

— Olá — cumprimentei a mulher atrás do balcão. — Qual a quantidade de


livros que posso retirar para o verão?

— Cinco — respondendo, completamente entediada, a mulher de pele oliva


e olhos cansados nem mesmo ergueu o rosto de sua

revista de moda.

— Há alguma chance de conseguir mais? — Tentei ser gentil, mas isso me


fez ganhar um olhar de reprimenda.
Era um alto e sonoro não para quem sabia entender os sinais e eu logo fugi
dela, sabendo que precisaria de mais do que cinco livros para sobreviver.

Enfiei-me entre os corredores, analisei cada um dos títulos, pesei qual deles
deveria levar e, no final, todos os romances clássicos que ainda não tinha
lido estavam na minha pilha, menos o meu favorito.

Já havia lido e relido O morro dos ventos uivantes pelo menos quinze vezes.

Sabia a história de trás para frente e, ainda assim, toda vez que lia, o
sentimento de loucura, de pena, de compreensão e de ódio estavam lá.

Amava aquele poder de mexer com os sentimentos que só boas histórias


tinham, e não resisti. Quando passei pela edição gasta e bonita do meu livro
favorito, olhei em volta e me estiquei para pegá-lo.

Alguém o tinha colocado na prateleira mais alta e eu, apesar de não ser tão
baixa, não alcançava.

Tentei com afinco, fiquei na ponta dos pés, cheguei a pular para tentar puxá-
lo.

O plano era enfiá-lo na mochila discretamente e finalmente não precisar


devolver.

E eu estava certa de que faria aquilo sem problemas até que, por cima da
minha cabeça, a mão branca que parecia ter sido esculpida em mármore
atravessou o espaço entre mim e o livro e o pegou.

Eu congelei.

De repente, cada célula minha ficou ciente de que Conrad Prince estava atrás
de mim.

O efeito sobre minhas bochechas foi imediato. Senti o rosto queimar, assim
como o pescoço e as juntas dos braços. Tudo parecia desconfortavelmente
em chamas.
Ele retirou o livro, ouvi o barulho das folhas sendo folheadas e respirei
fundo, fechando as mãos em punho coladas ao corpo.

— Emily Brontë? — A pergunta me fez, pouco a pouco, girar o corpo.

Meus olhos fitaram a gravata mal colocada, o meio-sorriso divertido e o


livro em suas mãos.

Confirmei com a cabeça, sem conseguir achar minha voz.

— Nunca li. — A voz dele era baixa e muito intimidadora para um garoto de
só dezesseis anos.

Conrad não olhou para mim, mas sim para as páginas.

Para as marcações que eu havia feito nos rodapés e no próprio texto.

Levou pelo menos um minuto até que ele fechasse o livro e o oferecesse a
mim.

Ergui a mão, me sentindo uma idiota por tremer tanto e, mordendo a ponta
da língua a ponto de me machucar, peguei o exemplar do meu romance
favorito tomando cuidado para não tocar em seus dedos.

Ele pareceu querer rir, e eu cometi um erro.

Ergui os olhos e encarei sem nenhuma proteção o rosto de Conrad.

Seus olhos escuros eram ainda mais intensos tão de perto. A íris se
confundia facilmente com a pupila e eu não sabia o que era o

que sob os cílios grandes, escuros, tão contrastantes com o resto dele.

Conrad parecia de mentira, de tão bonito que era.

Meus pulmões não aguentaram e precisei soltar o ar. Caí na besteira de


respirar fundo de novo e fui atingida pelo cheiro de cigarros com amaciante
e sabonete. Não esperava que ele tivesse aquele cheiro. Era incrivelmente
bom. Bom demais.
Ele era assustadoramente belo e hipnotizante, ainda mais com a luz vinda do
vitral acima de nós caindo sobre seu rosto. Eu sabia que não poderia deixar
aquilo passar, e enquanto permitia Conrad me ler como bem entendesse,
gravei cada mínimo detalhe dele para reproduzir mais tarde.

Levou menos de trinta segundos para que ele soltasse logo o livro na minha
mão, e parecendo incomodado, seu rosto se fechou, a sombra do sorriso
sumiu e os olhos se estreitaram, e no meio do meu silêncio, aproveitando os
últimos segundos que tinha para vê-lo, assisti a Conrad Prince virar as costas
como se não tivesse acontecido absolutamente nada e eu fui coberta
novamente pelo manto da invisibilidade, afetada demais para fingir qualquer
coisa ou correr.

Achei que renderia mais, mas mesmo lendo absurdamente devagar, acabei
com os primeiros três livros que havia pegado na primeira semana das férias.
O tempo, como prometido, começava a esquentar muito e, na segunda
semana, aquela tarde de terça parecia chata demais para passar dentro de
casa.

O bairro onde morávamos era simples, mas cheio de crianças.

A parte de trás da casa dava para o que deveria ser um parque, mas pela
preguiça do governo, os moradores se esforçavam para manter a grama baixa
e o riacho que passava ali limpo. Com o esforço da comunidade,
conseguiram montar uma quadra, balanços e bancos, o que foi oportuno, já
que, com o meu exemplar de O morro dos ventos uivantes roubado debaixo
do braço, eu queria algum lugar minimamente confortável para sentar e ler, e
o encontrei no balanço próximo ao riacho, preso no galho grosso da árvore
onde minha irmã e suas amigas estavam sentadas no único banco sob uma
boa sombra, observando os meninos jogando basquete na quadra, na outra
margem. Meus olhos miraram
rápido, reconheci quase todos os rostos, mas os que se destacaram foram os
dos irmãos Prince.

Engoli a seco a última experiência esquisita com Conrad e me obriguei a


encarar as letras do livro, mas, de repente, as palavras pararam de fazer
sentido e a conversa ao meu lado ganhou voz.

— Como Conrad aguenta se manter debaixo daquela roupa nesse calor? —


uma das amigas de Susan que eu não me importava de saber o nome,
perguntou.

— Eu acho que ele é tímido. Tem todo aquele Q misterioso, sabe? Eu


adoraria descobrir o que ele esconde ali… — minha irmã disse e eu precisei
me segurar para não revirar os olhos.

— Acho que vou convidar Isaac e Conrad para viajar. Meu pai quer garantir
meu lugar na Prince University e o jeito de estreitar o laço vai ser esse… —
Heather, a loira de olhos verdes e lábios finos, comentou.

— E para onde vocês vão? — perguntei. Não deveria, mas não aguentei.

— Provavelmente, para a França. — Ela era a menos cruel das garotas mais
velhas e sempre era gentil comigo. — Vocês poderiam vir junto. Meus pais
não se importariam.

E aí, a merda aconteceu.

Era alguém mais velha, rica e popular convidando a mim para um ambiente
que Susan acreditava que só ela merecia pisar.

— Ela não vai! — Foi a primeira reação da minha irmã e todos nós nos
assustamos.

As crianças em volta pararam de correr para assistir. Susan se ergueu sobre


mim em dois segundos.

Quando me dei conta do que acontecia, estava meio que de pé, com o livro
contra o peito, usando-o de armadura, caso ela tentasse encostar em mim.
— Por que não posso? — A minha resposta foi uma só, baixa, chateada.

Não era justo que minha irmã me odiasse de graça.

— Você não vai! — ela gritou mais alto.

Mais atenção.

Fechei os olhos, sentindo algo queimar nas minhas costas e tive medo de que
fosse o olhar dele.

— Susan, ela tem o direito de ir, eu a convidei. — Heather tentou ser


sensata, mas nem assim minha irmã se conteve. O que

era raro, porque na frente das amigas, ela tentava só ser pouco cruel comigo
e me ignorar grande parte do tempo.

— Eu não vou ter você como distração. — A cada palavra, carregada de


desprezo e raiva, Susan dava um passo para frente, e eu, sem opção, dava um
para trás. — Você não vai roubar mais atenção, você não vai acabar com a
minha chance! — ela gritou com o rosto contra o meu.

Seus olhos castanho-claros brilhavam cheios d’água, avermelhados. Sua


boca era uma linha fina, ela era mais alta que eu, mais forte também, mas o
que me assustava era a aura quente e maligna sobre mim.

Era sufocante estar perto dela naquele segundo.

Era horrível perceber que minha irmã tinha uma mágoa de mim que eu nem
sabia o motivo.

— Susan, eu… — Queria me defender, mas tinha medo.

— Chega. Nem tudo é sobre você, ou para você.

Nesse minuto, a lágrima grossa rolou por seu rosto e nós estávamos na
margem.
Sua mão no meu ombro era dura, e quando me empurrou, meus pés não
tiveram apoio algum. Eu caí de costas, com o livro na

mão, dentro do riacho de correnteza forte, e o pior de tudo é que eu não sabia
nadar.

O choque da água gelada no meu corpo expulsou de vez o ar nos meus


pulmões. Eu tentei bater os pés e os braços, mas não parecia certo. A
correnteza me balançou, algo bateu no meu braço.

Meu coração parecia que ia explodir.

Eu não queria morrer.

Tentei mais uma vez ir para cima, precisava de ar, mas não tinha no que eu
me agarrar e não tinha como procurar onde firmar os pés para pegar impulso.

Meu pulmão queimava, eu queria respirar, mas a água entraria e acabaria


com tudo.

Minha visão escureceu rápido demais. Eu precisava tentar, mas o peso nos
meus membros era demais, até que, por um milagre, alguém pegou minha
mão.

Eu não conseguia enxergar direito, mas não podia ser mais grata.

Minha cabeça emergiu fora d’água.

Sorvi o ar desesperadamente.

Havia água na minha boca e eu tossi.

Ainda assim, a mão que me mantinha com a cabeça fora d’água não me
deixou.

Estava de costas para o meu salvador, com seu braço no meu peito, me
puxando junto de si conforme nadava para a margem.

Ninguém nos ajudou a sair da água, mas ele não parecia precisar de ajuda.
O garoto de cabelos pretos me jogou para terra firme e pulou ao meu lado
como se não precisasse fazer nenhum esforço.

Tremendo muito, com frio, com medo do que poderia ter acontecido, eu me
abracei.

Foi nesse segundo que o notei ajoelhado ao meu lado, as mangas compridas
molhadas nos braços de quem havia me salvado. Gentilmente, ele pegou
meu rosto e ergueu para o seu.

Olhou bem nos meus olhos, conferiu meu peito batendo, me deixando
constrangida pela atenção dada a minha blusa branca sem sutiã por baixo, e
sério demais para um garoto de dezesseis anos, ele me perguntou:

— Você está bem?

Seus olhos me engoliram, ferozes, aflitos? Eu queria entender o motivo de


Conrad Prince ter me salvado e estar me olhando daquela maneira tão
protetora naquele segundo.

Engoli com dificuldade, minha garganta doía, mas fiz que sim com a cabeça,
agradecendo por estar molhada e as lágrimas que escapavam do meu rosto
não ficarem em evidência.

— Ela está bem. — Minha irmã apareceu e só então eu notei o ponto onde
eu havia caído, e onde eu estava agora. Também notei as folhas e a capa do
livro indo pela correnteza e senti meu coração doendo.

Por um segundo, não existia nada além das páginas cheias de anotações que
eu havia perdido. Pela primeira vez, senti ódio de Susan.

— Bem? — Conrad me chamou a atenção. A voz dele carregava ironia


pesada, e ele respirou fundo antes de seus olhos deixarem meu rosto e ele se
erguer sobre minha irmã. — Você quase matou sua irmã afogada.

O rosto de Susan se tornou tão vermelho quanto uma pimenta.

— Eu, não, eu… — gaguejando, ela veio para perto de mim.


Não queria que ela me tocasse, então fui mais rápida e me coloquei de pé.

— Ela está bem, viu! Já ficou até de pé. — Ela riu o sorriso mais amarelo
que eu já havia visto e parei, pensando se valia a pena me descontrolar com
ela bem ali.

Minha vontade era de sacudir os ombros de Susan, de tentar enfiar em sua


cabeça de uma vez por todas de que nós éramos irmãs e não competidoras.
Que eu não era sua inimiga, mas que se ela tentasse me matar, poderia me
tornar. Que o esforço que eu fazia para amá-la estava chegando ao limite e
que a morte dos nossos pais não podia ser desculpa para que virássemos
seres humanos horríveis, mas não disse nada disso, não quando Conrad se
colocou na minha frente e a ameaçou.

— Se eu souber que você a machucou fisicamente de novo, que está


colocando a vida da sua irmã em risco, vou atrás de você.

Os olhos de Susan se encheram d’água.

Para ela, aquilo era a maior humilhação.

Os Prince eram como deuses e na sua imaginação, algum dia ela se casaria
com um deles.

Naquele segundo, por minha causa, sua doce ilusão se quebrava.

Ela me odiaria ainda mais.

— Scarlet… — ela disse num sussurro. — Vamos para casa.

— Engolindo o resto do orgulho que restava, ela deu as costas e começou


sua caminhada.

— Obrigada… — Foi a única coisa que consegui dizer antes de passar por
ele, me abraçando para evitar que todos vissem o efeito da transparência da
blusa.

Os olhos de Conrad queimaram em minhas costas até o momento em que


fiquei fora de sua vista e eu não sabia como agir depois daquilo.
De um lado, eu tinha uma irmã inconsequente e maldosa.

Do outro, o garoto que eu era obcecada descobrindo que eu existia.

E eu não estava pronta para lidar com nenhum dos dois.

scarlet

como eu posso decidir o que é certo se você fica nublando meus


pensamentos? eu não posso ganhar sua luta perdida o tempo todo.

decode,paramore.

Havia uma bola de demolição sobre o meu peito.

Já havia mais de uma hora que estava no meu quarto, com as costas contra a
porta, e em nenhum segundo a coisa ficou mais fácil. Em nenhum minuto o
medo dele descobrir qual era o meu quarto, dele romper a barreira que eu
construí com muito custo para afastá-lo, foi embora.

E, lentamente, surgindo do lugar mais escuro e profundo da minha alma, o


pior dos medos disse olá na minha mente. Tentei fugir, mas meus olhos não
viam mais minha cama desarrumada e a pilha de livros em cima da mesa.

Eu vi a cena de cinco anos atrás.

Eu vi tudo desmoronar.
O pânico colocou as duas mãos sobre a minha garganta e me sufocou.

O calor do meu corpo foi minguando, as extremidades quase congelaram.

Ele ia me pegar. Ia me pegar e eu não podia fugir.

O medo, o desespero, o nada.

Um grande nada.

A merda da fobia desenvolvida quando percebi que era frágil demais para
um mundo cheio de perigos, onde quem você amava podia te destruir pedaço
por pedaço, sem nenhum remorso ou consequência, estava viva e presente, e
com ela, foi a vez dele, do meu velho conhecido, dar as caras.

O ódio chegou, me ajudando a ter coragem e, num surto, na tentativa de me


livrar daquela confusão de sentimentos, juntei as

mãos sobre os olhos.

— PARA! — gritei. Era uma ordem direta à minha mente inconsequente.

Depois de respirar fundo duas vezes e conseguir acertar a senha do meu


celular, apertei o contato de Isaac e esperei, me segurando com tudo o que
era. O telefone tocou algumas vezes e caiu na caixa.

Quis chorar, puxando o aparelho contra o peito, respirando fundo, tentando


me livrar das lágrimas que turvaram minha vista.

Idiota, não comece a chorar! Ele não pode te fazer mal. Ele não tem mais
nada para levar de você — pensei, tentando me acalmar, mas meu coração
não ficou mais leve, ou a garganta menos dolorida.

Conrad era meu pior pesadelo, e com tudo, era injusto que ele estivesse de
volta.

Ele tinha sido o quebra-cabeça mais difícil de montar, e quando entendi que
nunca teria todas as peças, o guardei em um lugar onde ninguém poderia
tocar. Onde não poderia mais me machucar mesmo que, vez ou outra, o
subconsciente gostasse de me torturar trazendo-o nas noites de sono mais
inquietas que já tive.

Por causa dessa infindável tortura, eu aprendi a odiá-lo. E para o azar de


Conrad, meu corpo era um terreno muito fértil para aquele tipo de
sentimento.

Respirei fundo, tentando ser racional e disquei de novo o número de Isaac.

Chamadas intermináveis e, de novo, caixa de mensagens.

Joguei o aparelho na cama e enfiei os dedos nos cabelos, me sentindo


completamente louca. Eu só tinha visto o cara e estava desse jeito, qual era o
meu problema?

Eu vivi por cinco anos na casa do pai dele, namorava seu irmão, como pude
ser inocente de achar que nunca mais o veria?

Ri da minha imbecilidade.

— É só Conrad. É só o irmão desajustado, ele não pode te assustar desse


jeito — me aconselhei como se fosse minha melhor amiga.

E no fundo, qual era o meu problema?

Eu tinha medo de que ele pudesse me fazer mal? Tinha.

Mas o odiava. Odiava tanto que podia sentir meu coração quente em
contraste com todo o resto gelado, gritando que eu deveria acertá-lo bem no
meio da cara, caso tentasse algo.

Era isso — ri, mesmo sem graça alguma, me esforçando para ficar de pé.
Estava decidido. Conrad Prince não me machucaria. Não mais.

Era impossível.

Porém Isaac devia saber que o irmão estaria de volta.

Isaac tinha que ter me contado, mas ele não o fez e agora não atendia a
merda do telefone.

Aninhei-me no parapeito da janela, abri apenas o bastante para que a fumaça


que eu soprava pudesse ir para fora e fumando um cigarro atrás do outro,
com os olhos vidrados na floresta sombria que se erguia atrás do castelo
gótico que era a Prince University, esperei o primeiro raio de sol para lavar
aquela noite do meu sistema e ir direto atrás de Isaac.

Eu precisava gritar com alguém e, infelizmente, ele era a única opção.

Com um agasalho estilo canguru por baixo da jaqueta de couro, puxei o


capuz por cima da cabeça e subi mais um lance de escadas até estar no
corredor do dormitório masculino dos Lions.

Ninguém mexia comigo ali e isso não era porque eles me respeitavam como
pessoa. Não. Eles respeitavam e temiam meu namorado.

Quando entendi isso, quase vomitei de nojo.

A porta do quarto de Isaac era, como a minha, a última do corredor.

Ele, eu e alguns alunos que pagavam taxa extra tinham a opção de escolher
quartos únicos. O resto dos dormitórios eram duplos ou quádruplos, e aquele
era mais um motivo para eu ser muito grata por John Prince gostar tanto de
mim, ou tentar calar a minha boca.

A memória da oferta de futuro promissor me fez ter mais raiva e quando bati
na porta de Isaac, não fui gentil.

— Isaac? — chamei. — Por favor, se você estiver aí, abra.

Nada.
Bati de novo, e continuei batendo, mas ninguém abriu.

— Scarlet, né? — um garoto do primeiro ano perguntou, olhando para mim


como se eu fosse doida. Não o respondi, só confirmei com a cabeça. — Ah,
então, o Isaac não está.

— Não está? — Parei no meio do corredor, virando a cabeça, processando a


informação.

— Não — ele confirmou.

— Então, onde?

Ele era um péssimo mentiroso. Ficou um pimentão, encostou a mão na porta


e encheu o pulmão.

— Bem…

Eu não precisava de um recado daqueles.

O garoto mal começou sua frase, mas nem precisou.

Só a remota ideia de me decepcionar com Isaac me fazia querer desmoronar,


mas segurei aquela frustração com tudo o que tinha na mandíbula e saí
andando, deixando o menino de cabelos castanhos falando sozinho.

Para onde eu iria?

Minha mente mapeou o campus, os lugares possíveis para Isaac estar àquela
hora, e meus pés obedeceram. Procurei no

campo, na orla da floresta, no pedaço do porão tive coragem de só gritar da


porta o seu nome, já que morria de medo de lugares escuros e fechados.
Procurei no vestiário, na quadra, na sala de aula que sabia onde seria sua
primeira aula.

Procurei em todas as cafeterias, no refeitório principal e até nos banheiros


chamei por ele, mas foi quando finalmente cansei, que fui para a biblioteca e
me fechei dentro de uma das cabines de estudo para controlar a vontade de
chorar, que ele me achou.

— Bom dia. — Num tom de voz profundo, sério, Isaac entrou pela porta
transparente e parou na minha frente.

Eu, sentada na cadeira com os cotovelos apoiados nas coxas e o rosto


escondido nas mãos, só consegui suspirar, puxando toda coragem restante no
ar para dentro dos meus pulmões conforme me erguia para encará-lo.

— Por que você não atendeu seu celular? — Meu tom de voz era
melindroso, agressivo, mas baixo.

— Precisava pensar. Acabei de sair da sala do meu pai, e…

aconteceu algo e preciso te contar.

Até aquele segundo, os olhos de Isaac fugiram dos meus.

Suas mãos dentro do blusão branco do time de futebol estavam

fechadas em punho, dava para ver a marcação no tecido, e ele estava tenso,
comprovei isso quando consegui forçá-lo a manter contato visual comigo.

— Que Conrad agora estuda aqui, e é um Viper. — Os olhos dele se


arregalaram em surpresa, seu corpo se ergueu, desencostando da mesa atrás
de si.

— Como você soube?

— Eu o vi ontem à noite. — Fui clara. Não tinha motivo para mentir.

— Onde? Você não me prometeu que ficaria no seu quarto? —

Havia raiva em sua voz, mas ignorei.

— Precisei comer, não tinha nada no meu quarto e eu desci, como uma aluna
qualquer com fome na madrugada. — Minhas palavras eram duras, não
davam margem para ele tentar me questionar, ou mandar em mim.
— Merda. — E ali eu soube que ele já sabia ontem.

Isaac sabia de tudo quando me viu na manhã anterior, quando me pediu para
não sair do quarto.

— Desde quando você sabe disso?

— Meu pai me contou há uma semana, mas achei que algo aconteceria e um
dos dois desistiria da ideia. Você sabe que Conrad odeia nosso pai.

Mais do que isso, ele odeia todos nós — pensei.

Estreitei os olhos para Isaac, magoada, desconfiada, cheia de vontade de


bater em seu peito e gritar que ele era um péssimo amigo. Mas não o fiz.

Tive medo de perder a única pessoa com a qual pude contar nos últimos
anos.

E quando ele, percebendo a merda toda, se ajoelhou na minha frente e entrou


na minha guarda, engoli com muita dificuldade toda minha vontade de
brigar.

— Scarlet, baby. — As mãos de Isaac puxaram as minhas para seus ombros


e ele, se encaixando entre minhas pernas, abraçou minha cintura, apoiando o
rosto na curva do meu pescoço.

Eu não me movi, mas ele suspirou.

— Me desculpe. Eu sei que meu meio-irmão é um problema para você… Eu


sei que ele é um descompensado, louco, problemático, mas acredite, eu não
vou deixar ele chegar perto de você. Não vou deixar ele tocar em você.

Os lábios de Isaac roçaram pelo meu pescoço, pelo desenho do meu maxilar
e então, ele estava lá, frente a frente comigo. Olho no olho, nariz com nariz,
boca com boca.

Um milímetro de distância. Uma parede de vidro invisível entre nós.


Seus olhos pareciam desesperados para uma reação minha, suas mãos na
minha cintura também.

— Me perdoa, Scar… Eu só queria te proteger.

Mas não fez — essa seria a minha resposta.

Entretanto, calculando o quanto perderia, vendo que Isaac parecia mesmo se


importar comigo, fechei os olhos, respirei fundo mais uma vez e tentei
relaxar.

Com a testa tocando a dele, ainda de olhos fechados, acariciei seu rosto com
ambas as mãos e soprei baixinho:

— Não faça mais isso. — Era um pedido sério, do mais profundo do meu
coração.

— Prometo que não. — Juntando a boca na minha, Isaac me beijou


profundamente, mas daquela vez eu não senti nada, nem um mísero calor. Eu
o beijei de volta por obrigação. Era só o que eu

tinha para dar naquele segundo, e ele precisaria me desculpar também.

— Ok — falei quando me afastei. — Por que ele está aqui?

Eu precisava de mais informações.

— Não faço ideia. — Ele deu de ombros.

— Existe alguma chance dele ir embora? — Era minha maior e mais frágil
esperança, e se partiu como um cristal quando meu namorado negou com a
cabeça.

Engoli o choro com dificuldade e balancei a cabeça, conversando comigo


mesma em paralelo, sabendo que teria que suportar aquilo.

— Eu poderia ir embora… — A ideia passou pela minha cabeça, mas para


onde?
Melhor ainda, como?

John Prince era o meu tutor. Bancava meus estudos, o asilo do meu avô,
minhas roupas, comida, livros e tudo mais que eu quisesse ter. A sorte dele
era que eu achava tudo aquilo um grande abuso. Por isso, me mantinha com
os pés no chão, sabendo que alguma hora aqueles privilégios todos seriam
perdidos.

— Nem pensei nisso — Isaac respondeu num tom de voz mais ríspido, mas
logo se corrigiu: — Eu não poderia ficar sem você.

— De qualquer jeito, não tem para onde eu ir. — Relaxei contra a cadeira e
encarei o teto. — Que caralho! É injusto demais que seu irmão esteja aqui.
Ele deveria estar… — A palavra presa ficou entalada na minha garganta.

Aquilo, de uma forma ou de outra, também era culpa minha.

Aceitar o tratado dos Prince não foi unicamente pelo futuro.

Foi porque eu poderia livrar Conrad.

Naquele minuto, não sabia se tinha feito o certo.

— Mas ele está aqui, e eu não acho que ele vá nos deixar em paz.

— E por quê? — Meu tom de indignação foi acompanhado dos meus pés
batendo no chão. — Por que Conrad só não vive sua vida e nos esquece?

— Porque ele é ruim, amor. Ele é o pior de nós. — A resposta de Isaac me


fez ficar em silêncio por mais tempo do que gostaria.

Era desconfortável.
Ele se ergueu e sentou ao meu lado, colocando a mão sobre a minha e me
deixando deitar em seu ombro. Eu aproveitei. Precisava de carinho, queria
algum apoio.

Era uma merda, mas a vida tinha dessas: era injusta pra caralho e te dava
uma rasteira quando você menos esperava.

Sendo muito consciente de tudo ao nosso redor, cinco anos atrás, Isaac
forçou para adentrar minha nova bolha quando tudo aconteceu. Eu até tentei
pará-lo, mas dia após dia, lá estava ele com um videogame novo, um doce,
uma flor e foi assim, até que eu permiti que ele ficasse. Mas mesmo com
todo esse esforço, eu via quem ele era. O grande atleta, o bom menino da
família, o favorito do pai que contrastava muito com a concorrência. Ele
tinha o mundo na palma da mão e, sinceramente, não precisava de mim ou
de segurança comigo. Talvez fosse por isso que ele verdadeiramente nunca
conseguiu me acalmar, mas só de não estar sozinha, eu já ficava melhor. Até
porque, sabia que era muito errado, mas preferia

acreditar na mentira bonita dele de que ficaria tudo bem a que encarar a
realidade assustadora.

— Eu sei que você está tensa e tudo mais, mas você pode ir comigo à festa
hoje?

— Achei que já tinha te liberado para ir sozinho nessa.

— É, eu sei, mas quero você comigo. Não quero te deixar sozinha por aí…
— Eu sabia que agora o motivo era outro. — E

você precisa distrair a cabeça. Qual foi a última noite em que foi curtir assim
comigo?

— Isaac… — Virei o rosto para encarar o novo sorriso divertido e o olhar


bondoso.

— Vamos, vai? Só um pouquinho. Se você não gostar, podemos sair de lá e


eu prometo que passo a noite toda assistindo a você jogar qualquer um dos
seus jogos de terror.
— Hm… — Pensei na possibilidade, e ele engatou:

— Além do mais, agora com meu irmão nos Vipers, é bom mostrar que
ainda estamos na ativa.

— Você quer mostrar poder. — Quis rir daquela coisa de macho alfa
mijando para marcar território.

— Quero, por isso, se você disser que sim, quero que vista aquele vestido
vermelho que amarra no pescoço.

Quase gargalhei.

Isaac queria me exibir.

Ele raramente sentia necessidade de fazer isso, até porque eu não dava um
pingo de moral para nenhum outro cara naquele lugar, mas conhecendo o
modus operandi daquela família, sabia que aquilo era um recado que se
espalharia pelo campus em fotos nos perfis de Instagram e Facebook.

— Como está organizado isso?

— Lions, Birds e Badgers.

— Sem Vipers?

— Ninguém gosta deles, você sabe.

— Mesmo assim…

— E ninguém confirmou. Achamos que estão de complô contra o resto da


faculdade agora que o torneio está para começar.

Falando nisso, inscrevi você.

Eu não gostei daquilo. Eu disse que iria pensar, mas não discuti.

— Certo…

— E te pego hoje, às dezenove.


— Estarei pronta.

Isaac não demorou muito para sair. Já havia perdido o primeiro tempo todo
comigo, não queria arriscar um segundo. Eu tinha a agenda livre até às dez, e
aproveitei para fuçar entre os livros da biblioteca.

Os romances sempre foram os meus favoritos.

Sempre.

E mesmo que eu nunca mais tenha lido O morro dos ventos uivantes, as
cenas que li e os diálogos que destaquei no meu antigo livro ainda estavam
vivos na minha mente. Tudo vinha como um filme, e de forma injusta,
enquanto no colégio só havia uma cópia, na faculdade tinham muitas, das
edições mais diferentes possíveis.

Era reconfortante ler o mesmo nome escrito em fontes diferentes nas


lombadas, mas naquele dia, quando olhei para o lugar onde eles costumavam
ficar, vi um grande vazio.

Não havia mais nenhum exemplar do livro.

Nenhum.

Subitamente a vontade de lê-lo me pegou pelos calcanhares.

Sem pensar, parei em frente à bibliotecária e perguntei assim que ela ergueu
o rosto para mim.

— Desculpe, eu queria muito pegar O morro dos ventos uivantes, mas não
tem nenhum exemplar na prateleira. Há algum disponível?

— Só um momento, gracinha. — A senhorinha ajeitou os óculos na


beiradinha do nariz e mexeu no computador que parecia muito avançado
para ela. — Eu acho que vou ficar devendo — ela disse, cinco minutos
depois. — Todos estão fora do sistema.

— Todos? — perguntei mais uma vez e a mulher deve ter me achado burra.
— Sim, todos, queridinha.

— Ok, obrigada. — Dei as costas, chateada.

Todo o meu mundo estava passando por instabilidade e, naquele momento,


só queria que existisse um botão para que eu pudesse pular para o dia
seguinte, e ir pulando, até acordar em um dia em que Conrad estivesse longe
e eu me sentisse minimamente segura.

Meu cabelo estava solto em ondas pelas costas. O vestido de lantejoulas


vermelhas que Isaac havia me dado era colado ao corpo, mais curto do que
qualquer coisa que eu costumava usar, e o decote da frente me incomodava
um pouco. Eu não tinha peitos pequenos, mas eles não eram tão grandes e,
com o único sutiã que eu tinha perdido no fundo do armário, ajeitei o decote
da melhor forma possível e me conformei que meu peito não era aqueles de
revista, superjuntos e empinados.

Minha maquiagem não era das mais leves também, e eu gostava muito de
brincar com aquilo.

Quanto mais maquiada, mais fácil sustentar que eu estava saudável e feliz, e
com um bom delineado e batom vermelho, coturno e jaqueta de couro dos
Lions por cima, me senti pronta e muito bonita.

De fato, olhando mais uma vez no espelho, precisava admitir que era bonita.

Talvez quando mais nova, meus olhos não fossem tão fundos, e eu não era
mais a magra saudável, só era alguém que fumava

demais, se esquecia de comer e não se exercitava nunca. Meu corpo se


adaptou a isso e, bom, não tinha muito o que fazer.
Aproveitando os últimos minutos de paz, fumei meu último cigarro da noite,
sabendo que Isaac não me deixaria fumar mesmo que beber me desse uma
vontade do cão, e escovei os dentes três vezes antes de beber uma latinha de
refrigerante e colocar balas de menta na boca. Era o único jeito dele não
reclamar do gosto do cigarro e eu não queria arranjar problemas.

Foi enquanto retocava o batom com The Strokes tocando ao fundo no meu
computador, que ouvi a batida na porta.

Meu sorriso cresceu antes de vê-lo e, como sempre, Isaac estava perfeito.

O cabelo loiro bem arrumado, o cheiro de seu perfume almiscarado no ar, o


sorriso galanteador de sempre no rosto… Ele era realmente bonito.

Encostado no batente da porta, me puxou pela cintura para si e falou contra


minha boca:

— Se beijar você, vamos ficar vermelhos?

— Não — confirmei, passando o dedo pelo lábio e mostrando que o batom


não saía.

— Ótimo.

Quando Isaac se curvou para me beijar, eu sabia que ele também se


esforçaria para fazer da noite a melhor possível para que nós ficássemos
bem.

— Eu queria muito… — ele sussurrou contra minha boca e eu senti sua mão
livre subindo por minha coxa. Sabia o que ele queria, mas por algum maldito
bloqueio, eu não tinha a mesma vontade.

— Nós vamos nos atrasar…

Eu não era uma completa tapada.

Nós já havíamos feito tudo de cunho sexual que não envolvia penetração,
mas ele ainda queria, e eu não entendia por que eu não. Será que era algum
defeito do meu corpo?
Algum defeito da minha cabeça?

— Podemos depois? — propus, sabendo que terminaria a noite com mais um


daqueles questionamentos malditos. — Eu não quero arruinar tudo isso
agora. — Indiquei a produção toda.

— Acho que o argumento é válido, mas não espere que eu vá dormir antes
de provar você. — Ele me beijou mais uma vez.

Fechei os olhos e me esforcei muito, mas não tinha a mesma ansiedade que
ele.

Quando a coisa esquentava, eu realmente entrava no clima, mas até


esquentar…

Isaac finalmente me puxou, tranquei meu quarto e nós descemos para a festa.

A caminhada foi longa, mas era importante, com uma quantidade gigantesca
de alunos, que o campo ficasse longe das salas de aula. Ninguém aguentaria
dormir com o som naquele volume e enquanto Doja Cat explodia cantando
sobre uma boa foda nas caixas de som do DJ, Isaac abriu caminho entre as
pessoas para nos levar até o palco.

Era o combinado, o time que ganhava tinha direito à área vip.

O melhor amigo de Isaac cheirava uma carreira branca nos peitos de uma
menina em seu colo. Os outros pareciam entretidos em suas próprias bolhas,
e alguém arranjou cervejas estupidamente geladas que pararam em nossas
mãos sem eu saber como.

Isaac desempenhou seu papel de líder popular direitinho.

Fiz o básico de sorrir, acenar, beijar na hora certa, beber os shots que ele me
oferecia, rir de suas piadas e fingir que estava

tudo bem. Isso funcionou até minha quarta tequila, e eu sabia que era por
isso que Isaac amava me arrastar para as festas.
Eu não tinha limite quando começava a beber, e a bebida trazia uma parte de
mim que me esforçava muito para guardar.

Em menos de uma hora, meu cabelo estava preso no alto da cabeça em


voltas dele mesmo, in the dark do tiesto foi tirada do cemitério e tocou no
último volume, e de mãos dadas com garotas que eu nunca lembraria o rosto,
eu dancei, ri, pulei, e bebi mais.

Meu namorado assistia, gostando do que via.

E, saindo da linha, ele se divertia bebendo tanto quanto eu.

Foi em alguma hora que ele veio para perto que girei até parar contra seu
peito. Mal precisei puxá-lo, Isaac já estava sobre mim e aproveitou que o
beijei com todo o fogo que nunca aparecia quando as luzes estavam acesas.

Minha língua brincou com seu lábio inferior, depois invadiu sua boca e o
dominou.

Ele não tinha como recusar nada vindo de mim.

Suas mãos na minha cintura puxaram meu corpo contra o seu.

Ele estava duro, eu poderia resolver, mas era divertido vê-lo me querendo e
entre luzes vermelhas e laranja da fraternidade

rolando pela grande pista de dança, me virei de costas para ele, sentindo suas
mãos me pressionando contra si. Curtindo a música, a leveza na cabeça, os
risos sem sentido, rebolei, provocando-o de propósito.

Isaac mordiscou minha orelha, eu puxei sua mão para o meu rosto e
mordisquei a ponta de seu dedo indicador. Ele riu, eu também.

Era simples, não era?

— Scar, eu quero muito foder você. — Senti o volume sendo pressionado


contra mim e, por mais que minha mente falasse: podemos ir até o fim com
isso logo? , meu corpo respondeu de outra forma. O fogo quase sumiu
completamente.
O prazer de provocar era muito mais divertido do que saber que eu me
comprometia com algo que não queria fazer, e isso fez com que o efeito do
álcool diminuísse drasticamente no meu sistema.

A música entrou em uma parte lenta, a final, e eu me desvencilhei dos braços


dele.

— Preciso ir… — Não sabia para onde, mas avisei, ignorando a cara de
poucos amigos de Isaac, e pulei para fora do palco.

Meus pés foram precisos e me senti inteligente demais por não ter arriscado
um salto alto contra o gramado. Caminhando entre a multidão, sentindo o
corpo mais leve que a cabeça, li em letras pouco embaralhadas o letreiro do
bar. Mudei a direção e em pouco tempo estava na fila para abastecer o
reservatório que judiaria do meu fígado. Quando chegou minha vez, sabendo
quem eu era, a garota do outro lado do balcão me deu uma dose de tequila.

— Quero mais duas — gritei sobre o som, mostrando a quantidade em dedos


da mão.

Quando a menina de cabelos coloridos colocou as outras doses, sem pensar,


sem respirar, eu as virei. Uma a uma.

Alguém atrás de mim comemorou, balancei a cabeça algumas vezes para


sentir o efeito do álcool logo e, mesmo com o estômago vazio reclamando de
como era abastecido, eu só soube rir. Meu cabelo caiu em volta de mim, quis
tirar a jaqueta enquanto caminhava na direção contrária de onde estava,
pensando no que faria em seguida.

Eu poderia ficar ali embaixo, ou poderia voltar lá para cima.

Qualquer um dos dois parecia uma boa ideia. Rindo sozinha, ajeitei

a alça do vestido, girei sobre os calcanhares e encarei o céu noturno.

Aquela sensação de estar fora do corpo, leve e feliz poderia durar para
sempre, mas quando endireitei a cabeça, quando meus olhos focaram no que
tinha ao meu redor, tudo o que senti foi como se estivesse presa, mais uma
vez.
Os olhos de Conrad queimavam em mim, e a minha reação foi ainda pior.

Meu cérebro parecia não conseguir processar o que acontecia.

Era como se aquele fosse só mais um pesadelo, mas do tipo mais apavorante.

A bebida que antes queimava no meu estômago congelou e a vontade de


vomitar cresceu.

Fechei as mãos em punhos com os polegares para dentro, tentando conter o


mal-estar. Correr dali não era uma opção quando meus pés pareciam pesar
uma tonelada.

Todo o ódio que senti antes pareceu uma mínima fagulha perto do medo que
senti naquele segundo, na pouca luz da festa ele parecia ainda mais
ameaçador. Era como se a batida de “I love

rock’n’roll” fosse feita para acompanhar seus passos. E ele vinha na minha
direção.

Na minha cabeça, a distância entre nós era pouca, mas a espera, a ansiedade
do trajeto, fez com que eu sufocasse. Até porque, como uma maldição que
parecia ser eterna, ainda podia sentir seu olhar queimando em mim como
sentia anos atrás, como senti na noite passada.

Houve um tempo em que eu adorava aquela sensação, mas naquele segundo,


se eu pudesse, se tivesse coragem, arrancaria os olhos de Conrad só para que
ele nunca mais provocasse aquilo dentro de mim.

Eu quis derreter, me dissolver na terra, sumir, mas não podia e, dessa vez, a
sensação de formigamento que ele causava atingia todo meu corpo, fazendo
com que me sentisse exposta, desprotegida.

Ainda assim, não me movi. Na verdade, eu esperei.

Sabe lá Deus o motivo, mas esperei. E então, quando achei que não poderia
demorar mais, ele chegou.
Conrad Prince vestia calças e coturnos pretos, mas diferente de antes,
embaixo da jaqueta de couro com mangas erguidas, não havia nada. Ele não
tinha mais sua barreira de proteção e a primeira coisa que fiz foi revistar seus
braços.

Agora a pele era revestida de camuflagem permanente.

Tatuagens desciam por seus braços e até uma das mãos. Estava escuro
demais, e junto da minha bebedeira, eu não consegui entender o que eram os
desenhos, mas isso não me impediu de continuar a esquadrinhá-lo com os
olhos. O peito e o pescoço também carregavam desenhos novos. Aquilo, de
algum jeito estranho, não me surpreendeu.

Quando cheguei ao seu rosto, soube que ele havia feito a mesma revista na
minha aparência, e agradeci por estar em um bom dia para aquilo acontecer.
Engoli em seco na minha última olhada para o todo e tentei ficar o mais
firme possível conforme via o abdômen marcado e forte pela brecha aberta
da jaqueta.

Foi inevitável controlar o calor nas minhas bochechas quando senti algo
esquentar no meu ventre só por vê-lo daquele jeito. Eu deveria me controlar,
mas havia um pedaço venenoso e sujo dentro de mim que não queria. E
prolonguei aquela sensação, aquela pequena guerra interna, até perceber que
a razão podia perder.

Culpei o álcool e me esforcei para erguer a cabeça, Conrad era muito mais
alto que eu nos meus 1,76. A mandíbula marcada foi a primeira coisa que vi,
seguido pelos lábios desenhados e cheios, o nariz bem-desenhado e um
pouco largo, e então, sabendo que tudo em mim desmoronaria, eu cedi.

Qualquer outra possibilidade de tomar uma atitude foi engolida quando


encarei seus olhos.

Pretos, duros, demoníacos.

Eu senti medo.

— Está bêbada, Red? — ele zombou, cruel.


Sua voz continuava profunda, ainda mais grave.

— Não é da sua conta — respondi num sussurro raivoso e ele precisou ler
meus lábios para entender.

Conrad deu mais um passo para frente, ficando a cinco centímetros de mim.

— Como é? — ele falou mais alto, me desafiando. — Tudo aqui é da minha


conta. — Ele se abaixou e sem me tocar, disse bem perto da minha orelha:
— Tudo aqui é meu.

Definitivamente, eu não estava pronta para aquela proximidade.

Enquanto as luzes da festa mudavam para verde, preto e cinza e o som


parava do nada, o cheiro dele invadiu meu cérebro como um soco. O calor
do corpo dele contra o meu fez com que o ódio que eu sentia por Conrad se
virasse contra mim também.

— Não há nada aqui para você. — Sentia meu corpo tremer.

Eu deveria bater nele, mas no passado houve um limite sobre toques. Eu


queria respeitá-lo e lembrá-lo disso.

Era minha única certeza de segurança, mas Conrad a destruiu em segundos.

Sua mão deslizou pela minha cintura e ele me puxou com força contra si.

— A vítima persegue seus matadores, creio eu. — Era uma frase do meu
livro favorito.

Tudo em mim pegou fogo. Minha mente girou.

Ele ainda lembrava.

— Você nunca foi a vítima aqui — vociferei entredentes.

— Não brinque com a sorte, Red. Eu vou te engolir, sua traidora de merda.
— A ameaça queimou nos meus ouvidos, rasgou minha pele, esfregou sal
nas minhas feridas.
Meu ar faltou, eu o empurrei.

Quando me afastei para vê-lo, enxerguei-o cruel, sombrio e desumano.

— Eu te odeio. — Foi tudo o que saiu da minha boca junto do tapa estralado
que dei em seu rosto. Conrad mal sentiu o impacto físico, mas fechou os
olhos, sentindo o peso das minhas palavras.

Aproveitei o segundo incerto para fugir. Dei as costas a ele, e mesmo com o
mundo confuso ao meu redor, corri na direção que sabia estar o palco.

Noite maldita, noite maldita, noite maldita! — repeti mentalmente.

Era uma péssima ideia estar tão bêbada sabendo dos riscos.

E, pior ainda, era me sentir daquele jeito por causa de Conrad. A vontade de
chorar era quase incontrolável, eu só queria minha cama e meu quarto, mas
pensar nisso foi difícil quando vi gente correr em volta de mim.

Um pouco perdida, olhei sobre o ombro e vi Conrad no bar, metendo o pé


em toda a estrutura do balcão. O que ele ia fazer?

Procurei um ponto de segurança e o encontrei em Isaac. Um irmão de cada


lado. Um o próprio caos e o outro me oferecendo salvação,

como sempre. Meu namorado parecia preocupado e, de cima do palco, ele


esticava a mão para mim. Ignorando Conrad e sua quebradeira, eu voltei a
caminhar com a visão turva pelo gramado, sofrendo dos empurrões das
pessoas que previam a confusão e corriam na mesma direção a qual eu ia.

E eu estava quase lá. Só mais um pouco e Isaac me envolveria e me


protegeria, mas o som de algo quebrando sobre a cabine do DJ me fez ficar
sem entender nada. Os gritos me fizeram parar de novo. Olhei mais uma vez
sobre o ombro e não entendi nada daquela enorme confusão. Mesmo assim,
sabendo onde ele estaria, encontrei Conrad se divertindo enquanto jogava
garrafas cheias de bebida nas caixas de som do nosso DJ.

O que ele ia fazer?


Parei para assistir.

Conrad enfiou a mão no bolso e algo em mim se retorceu por saber que ele
não era alguém que gostava de usar fósforos, ele gostava de isqueiros. Em
particular, do seu isqueiro prateado.

E em meio ao caos, assisti ao garoto que habitava meus pesadelos riscar o


maldito palitinho de madeira e começar a andar

na minha direção. Eu não esperei, ainda olhando para ele, voltei a me mexer,
indo de encontro a Isaac.

Havia muito ódio nos olhos de Conrad para que eu arriscasse um confronto
físico, mas ele tinha planos piores. Caixas de som do outro lado do campo
fizeram todos os presentes ouvirem.

— É uma nova era, há um Prince com os Vipers e ele é puro fogo!

Play with fire vibrou alto da caixa de som dos rivais, as pessoas pararam de
correr, e todas elas foram testemunhas da fogueira que Conrad Prince fez
onde uma vez nosso DJ estava.

O fogo cresceu, as pessoas gritaram e bateram palma, mas na minha cabeça


aquilo não era mais só uma brincadeira. Aquilo era uma ameaça. Aquilo era
morte.

Eu tinha certeza de que o pânico ia me pegar completamente vulnerável e


em campo aberto, já que eu via a possibilidade da minha vida acabar em
segundos, mas foi pior. Não só ficou difícil de respirar, como, de repente, o
ar não existia mais.

Quando minha mente apagou de vez, eu ainda conseguia ver os olhos


escuros me perseguindo.
scarlet

oh, é engraçado como os sinais de alerta podem parecer borboletas.

oh, porque eu continuo cavando minha própria cova e não vou parar até
chegar onde você está. eu continuo correndo, mesmo quando meus pés doem
e não vou parar até chegar onde você está; oh, quando você passa pelos seus
momentos mais obscuros eu teria percorrido todo esse caminho até o
cemitério.

graveyard,halsey

cinco anos atrás

Sentada em volta da mesa de jantar, fingi que os desenhos de frutas da toalha


impermeável eram mais interessantes do que a cara de choro de Susan ou os
gritos rabugentos do meu avô. A vizinha fofoqueira havia contado do acaso
da tarde, do que minha irmã havia feito comigo e, muito sinceramente,
achava que ela realmente precisava ouvir aquele sermão.

Ela não podia descontar todo o ódio que sentia do mundo nas minhas costas,
ainda mais quando isso podia me machucar ou me matar.

A sensação da falta de ar, do desespero, do medo de me afogar, ainda


estavam lá e eu ficava gelada toda santa vez que pensava que poderia ter
morrido se não fosse por ele.

E eu não queria pensar nele, mas era inevitável.


O toque extremamente cuidadoso, o trabalho de pular na água para me
salvar… Conrad Prince nunca entenderia o quanto significava tê-lo me
tirando da água, ou me protegendo da minha própria irmã.

Susan soluçou entre o choro alto, engolindo um ataque de raiva.

Segurei um suspiro.

Meia hora depois, a bronca havia acabado e ela correu escada acima,
provavelmente, para descobrir como faria um boneco vodu meu.

— E como você está? — vovô perguntou, se sentando onde minha irmã


estava.

Parei de desenhar sobre a toalha e ergui os olhos para fitá-lo com timidez.

— Bem. — Ele se esforçou para ouvir meu tom de voz baixo.

— Acha que esse problema com sua irmã pode ser superado?

— Susan odeia ser órfã. E odeia ser pobre. E odeia que não tenha as coisas
que suas amigas têm para poder se exibir — falei, desviando a atenção de
novo para a mesa. — Uma hora, eu acho que melhora. — Dei de ombros,
como se aquilo não me afetasse, mentindo mais uma vez.

— Bem, eu também. — Meu avô parecia cansado. — Já jantou?

Neguei com a cabeça.

— Vou fazer uma sopa — ele anunciou.

Apesar de ser verão, era assim que ele resolvia as coisas.


Abriu a lata, despejou o conteúdo na tigela, mexeu com a colher e enfiou
tudo no micro-ondas.

— Sabe, seu pai nunca me deu trabalho. E eu não tinha uma outra criança
para me preocupar, era casado… Talvez uma mulher pudesse ajudar vocês.

— Você faz um ótimo trabalho, vô. — Tentei acariciar seu ego.

— É que, somos adolescentes. Ninguém sabe odiar o mundo melhor do que


nós.

Ele sorriu para mim.

— É, tem razão. Você é uma boa garota, Susan. — Ele bateu na minha
cabeça de modo carinhoso, confundindo meu nome, e eu não o corrigi. Sabia
que isso não importava.

Naquela noite, dormi no sofá. Apesar de não admitir em voz alta, tinha medo
de subir e minha irmã surtar. Pelo menos, ali embaixo, se ela descesse, eu
ouviria o ranger das tábuas da escada e acordaria antes.

A manhã seguinte foi desastrosa. A batida na porta me acordou, mas tudo o


que fiz foi cobrir a cabeça para fugir da claridade e tentei voltar a dormir.

A pessoa foi insistente, bateu de novo.

Meu avô, vindo da cozinha, gritou um:

— Já vai!

O som da chave girando na fechadura e da porta abrindo me fez ter um


grande arrependimento por dormir no sofá florido e duro, mas fiquei em
silêncio, até ouvir a voz do visitante.

— Olá, bom dia, senhor. Meu nome é Conrad Prince e soube que Scarlet
mora aqui.

Meu avô parou por um segundo, devendo achar aquilo tudo estranho e eu
engasguei sob a coberta. O que Conrad Prince fazia na minha porta,
perguntando sobre mim?

— É amigo dela? — meu avô perguntou.

— Fui eu quem a tirou da água ontem. — não havia emoção nenhuma em


sua voz.

Meu avô deveria ter entendido o recado dele: não, não somos amigos. Mas o
meu bom e amado avô não entendeu.

— Ah, nesse caso, entre.

O QUÊ? — minha mente gritou e me sentando num pulo, descobri a cabeça


a tempo de ver Conrad entrando e vovô fechando a porta.

O cabelo dele estava perfeito, suas roupas escuras não me surpreenderam.


De algum jeito, eu sempre soube que fora do uniforme ele nunca usaria nada
de outra cor. Não só por causa delas, mas o garoto Prince não parecia ornar
em nada com nossa salinha apertada de móveis velhos.

O choque na minha cara por vê-lo ali pareceu diverti-lo.

— Belo penteado.

— O quê... — Minha voz sumiu e precisei limpar a garganta antes de


perguntar de novo: — O que faz aqui?

— Passei para ver se você estava bem. Há casos de morte, horas após o
afogamento — ele disse com a mesma emoção de quem pede um copo
d’água, brincando com o isqueiro fechado em suas mãos.

— Eu estou viva, e bem — dei uma pausa —, eu acho.

Ele quase sorriu e meu coração pareceu pesar dez quilos, amassando meu
estômago. Se deuses fossem de carne e osso,

com certeza eles se pareceriam com Conrad.

— Ótimo. Se for assim, acho que já posso ir. Cuidado por onde anda.
— Ok… — falei, observando-o sair de cena como se fosse um E.T.

Vovô foi abrir a porta para que a visita inesperada partisse, quando ouvi o
rangido alto da escada e, como se tivesse corrido demais para fazer aquele
pequeno trajeto, Susan surgiu.

— Conrad? — ela perguntou, animada, como se eles fossem velhos amigos,


mas o jeito como ele a encarou gelou toda minha espinha.

— Até mais, Scarlet. — E com a cara fechada, ele saiu pela porta.

Tentei processar o que tinha acabado de acontecer enquanto ouvia minha


irmã perguntar:

— O que ele fazia aqui?

Meu avô ia dar alguma resposta que me colocaria em risco, então o cortei e
respondi primeiro:

— Não faço ideia.

Se ela tinha acreditado, eu não sabia, mas meus dedos tinham uma
necessidade fora do comum. Pulei do sofá o mais rápido que pude e corri
escada acima, pronta para trabalhar ainda mais firme no meu pequeno
projeto supersecreto de desenhar os olhos de Conrad com perfeição.

Eu sempre os evitei, mas agora parecia uma nova obsessão.

Seus olhos eram incrivelmente pretos, raros e hipnotizantes.

Se eu pudesse, ficaria o dia todo encarando-o só para aprender a lê-lo, ainda


que fosse a coisa mais difícil de se fazer na vida. Do pouco que eu tinha
conseguido, sabia que olhar tão intensamente para Conrad só me faria cair
em um abismo profundo demais.

Seria impossível escapar dele.

Seria incapaz de mentir para ele.

Acabaria confessando tudo e qualquer coisa, e ele teria acesso mesmo que eu
não abrisse a boca. Era como se depois de algum

tempo olhando para aquele ônix brilhante, não houvesse mais chance de
proteger os pensamentos mais profundos.

Entretanto, alguém como Conrad Prince nunca se importaria com alguém


como eu, pelo menos, foi o que pensei em mais uma das minhas escapadas
para a pequena pista de pouso desativada.

Passei pelo buraco feito há eras que ninguém se preocupou em consertar, e


com minha mochila, fui até o lugar de sempre. Me sentando no meio do que
um dia foi a pista de decolagem, puxei um pacote do meu biscoito favorito,
meu estojo e o meu caderno de desenho, aproveitando a paz daquele lugar
completamente esquecido para cuidar do meu projeto.

Pouco a pouco construí os traços, deixando tudo tomar forma no seu tempo,
e cada vez que pensava naqueles olhos, nas sobrancelhas perfeitas, nos cílios
longos, meu estômago era balançado por todas as malditas borboletas que
viviam escondidas à espera de qualquer coisa sobre ele.

Foi perdida em pensamentos, tentando acertar o limite de sua pupila, que


tomei um susto gigantesco quando, atrás de mim, a voz dele soou clara, alta,
num tom debochado que eu nunca tinha ouvido.

— Não sabia que você era do tipo que gosta de invasão de propriedade
privada.

O medo de ele ver o que eu fazia me fez fechar o blackbook com tudo e
escondê-lo contra o peito. Conrad girou em volta de mim, parando do meu
lado direito e, com o isqueiro girando nos dedos da mão esquerda, ele
perguntou:
— O que é isso?

— É particular. — Corri para ajeitar o caderno dentro da bolsa, evitando


olhá-lo, mas completamente consciente de que seus olhos não perdiam
nenhum movimento meu.

— Você gosta de desenhar?

— Gosto — declarei na defensiva..

— E faz isso bem, ou é ruim como a maioria das pessoas?

Aquilo me fez querer rir. Era amargo, mas eu pensava igual.

Fechei a mochila e forçando os olhos por causa da luz, encarei Conrad e


respondi:

— Eu ainda preciso melhorar, mas sou acima da média. —

Não era dada a falsa modéstia.

— Hm, acho que tenho algo interessante para te mostrar então, vem comigo
— dando a ordem, virou-se e começou a andar, como se soubesse que era
impossível não o obedecer.

Coloquei-me de pé, joguei a mochila nas costas e dei uma corridinha de leve
para acompanhá-lo numa distância segura. Notei quando Conrad enfiou a
mão no bolso, guardou o isqueiro e tirou de lá um molho de chaves.

Encarei a estrutura grande de teto curvo no fundo do terreno e repensei.

— É uma boa ideia a gente entrar aí?

— Ninguém está te obrigando — ele abriu a porta, empurrou-a e virou para


mim —, ou está?

Havia um desafio em sua pergunta, e eu não queria ser covarde na frente


dele.
— Não.

— Então — ele indicou com a cabeça —, primeiro as damas.

E eu passei por Conrad, sentindo seu cheiro de cigarros e amaciante quando


meu ombro quase esbarrou em seu peito.

Nunca sonhei que aquela mistura poderia ser boa, mas era.

E combinava perfeitamente com ele.

Estava escuro ali dentro e o receio de estar no meio de alguma pegadinha me


acertou em cheio. O nervoso se espalhou, fazendo minhas palmas das mãos
suarem. Tentei enxergar logo o que havia ali, mesmo no escuro, mas Conrad
foi rápido em acender as luzes e o que vi em seguida me surpreendeu de uma
maneira inimaginável.

Meu queixo foi ao chão, minha mochila caiu do meu ombro e eu fiquei um
bom tempo querendo rir sozinha.

— Gostou? — Ele parou ao meu lado, admirando os desenhos na parede.

Era uma grande floresta em preto e branco, com detalhes bem-feitos de luz e
sombra, numa profundidade intensa.

— Foi você quem fez? — perguntei, não conseguindo ignorar a proximidade


dos nossos braços. Era só eu ou ele também sentia aquela tensão?

— Foi. Mas não sou bom com cores, e eu acho que seria bom pintar. Desde
que meu pai abandonou isso aqui, tinha a sensação de que o mato tomaria
conta em pouco tempo, então tentei acelerar as coisas.

Conrad deu de ombros, como se aquilo, aquela arte toda, fosse nada.

Fiquei mais algum tempo em silêncio, encarando tudo, pensando na beleza e


na tristeza incutida ali em cada traço, e finalmente perguntei:

O garoto de cabelos pretos se afastou no tempo que perdi contemplando sua


arte e foi para a parede às nossas costas.
Quando me recuperei, finalmente achei minha voz.

— O que quer que eu faça? — Caí com os olhos sobre ele e o vi de braços
cruzados, encostado na parede, com um dos pés apoiado nela. Seu rosto
tinha uma expressão blasé, mas seus olhos eram vibrantes demais para que
eu caísse naquela mentira de que ele estava desinteressado.

— Acha que pode pintar para mim? — O choque da pergunta me fez


arregalar os olhos.

Minha garganta secou.

— Eu?

— Não há mais ninguém aqui, ou há? — Ele não era um doce de pessoa,
mas Conrad tinha razão, era uma pergunta burra.

— Bem, eu não tenho material para isso… — Antes que pudesse completar,
ele me interrompeu:

— Eu tenho — indicou as latas de tinta com a cabeça —, mas se você não


quiser…

Frustração subiu pelo meu peito.

— Calma. — Ergui a mão, fazendo-o calar. — Não é isso…

— Então o que é? — Ele parecia irritado, mas não exatamente comigo.

— É que, e se eu estragar? É seu trabalho e — suspirei, encarando de novo a


parede —, é enorme, e muito bom.

O sorriso que Conrad Prince deu me desmontou.

Eu não estava preparada, nem meu coração.

Foi como tropeçar e cair de novo naquele riacho de água fria.

— Pelo que soube do seu talento, acho que você dá conta do recado.
Analisei mais um pouco o galpão, tentando processar que aquele garoto que
eu observei desde que mudei para aquele lugar esquisito e não pertencente
estava procurando saber sobre mim. As marcas de pequenos incêndios na
parede contrária denunciavam

que Conrad realmente passava algum tempo ali, e não consegui segurar a
pergunta.

— Você já me viu aqui alguma outra vez?

— Já. — A resposta era fria, mas ainda assim fez minhas bochechas
corarem. — E já vi alguns rascunhos seus jogados por aí.

Meu coração veio à boca.

Será que ele sabia que era a inspiração de boa parte daqueles desenhos?

— É por isso que sei que você pode fazer isso por mim. Eu realmente não
sou bom com cores.

— E é só isso? — Virei rápido para encará-lo de novo e vi uma de suas


sobrancelhas erguidas, tentando processar minha pergunta.

Distraidamente, Conrad brincava com a chama do isqueiro e tentei fingir que


aquilo não me fascinava.

— É… — Ele sorriu de canto e meu coração bateu tão forte dentro do peito
que tive medo dele ouvir. — E não.

— Então o que mais você quer?

— Conhecer você — ele foi direto, sua expressão era séria de novo, seus
olhos fixos nos meus não me permitiram fugir.

— Por quê? — Era a única resposta possível.

— Porque você me intrigou. — O silêncio entre nós naquele minuto durou


uma era, e sem pensar, sabendo que ele tinha quem quisesse na mão, fui
clara no meu recado.
— Eu não sou um animal exótico, Conrad. — Era a primeira vez que eu
dizia seu nome em voz alta.

— Eu sei.

— Então o que quer?

— Que você pinte minha parede. — Era tudo, menos aquilo. —

E que vá comigo hoje à noite ao parque.

Ah, o maldito parque. Eu até gostaria de ir, mas Susan odiava precisar me
levar junto.

— Não. — Fui rápida e ele colocou o pé no chão e se afastou da parede.

— Por quê? — Foi mais ríspido do que eu esperava e eu me encolhi um


pouco.

— Não posso sair sem minha irmã — justifiquei com vergonha.

— Ah, é isso? Leve-a.

— Acho que você não a conhece bem… — Não era uma boa hora

— Acredite, eu sei quem é sua irmã. — Ele acendeu o isqueiro, a chama


dançou contra a pele de sua mão livre.

— Ainda assim, eu adoraria ir, mas não posso. Susan ainda está muito
magoada com os últimos acontecimentos e é bom evitar provocá-la por
alguns dias.

Ele não gostou, mas relaxou.

Parecia que ouvir o motivo da minha recusa o confortava.

— E a parede, quando posso começar? — Tentei mudar o foco para que meu
coração se recuperasse daquela intimação.

— Amanhã.
— Certo… Então, acho que já vou.

Eu já estava há tempo demais com ele, e se no dia seguinte ficaria mais,


precisava me preparar. Dei as costas, pronta para ir embora, quando Conrad
me chamou:

— Ei, Red. — O apelido soou estranho, mas eu o atendi de primeira,


olhando sobre o ombro. — Venha preparada, porque eu realmente quero te
conhecer melhor.

E aquela foi minha queda.

Na manhã seguinte eu me senti o próprio James Bond.

Antes que Susan acordasse, escovei os dentes, me vesti o mais


silenciosamente possível, escolhendo um short jeans folgado e a camiseta
branca cheia de manchas que era mais curta na barriga por causa do calor,
prendi o cabelo no alto da cabeça, peguei meus vans falsificados e desci as
escadas o mais silenciosamente possível.

Como não tinha ideia de que hora voltaria, engoli o pãozinho que meu avô
havia deixado para o nosso café, enfiei uma garrafa d’água na bolsa junto de
dois pacotes de biscoito e escrevi no porta-recados preso à geladeira “volto
mais tarde, qualquer coisa me liguem”.

Era o bastante, não?

Vovô confiava mais em mim do que em minha irmã, sabia que eu não era o
tipo de garota que causaria problema e que precisava

respirar longe de casa quando me sentia agoniada.


Minha ausência não seria um problema a menos que Susan implicasse mais
tarde, mas como estávamos nos dias em que ela fingia que eu não existia,
duvidava que ela daria o braço a torcer para reclamar do meu sumiço.

Fazendo o menor barulho possível, saí de casa ainda de meias, me sentei nos
degraus da porta e depois de calçar os tênis, ajeitei a mochila nas costas e
comecei minha caminhada.

Levou menos de meia hora até que eu passasse novamente pelo buraco da
grade, e se já estava ansiosa antes, montando um milhão de possíveis
diálogos na minha cabeça, pensando como deveria me comportar, quando vi
a porta do galpão aberta, meu cérebro derreteu.

Respirei fundo, apertei com mais firmeza o rabo de cavalo no alto da cabeça
e passei os dedos pelas alças da mochila antes de ter coragem de seguir em
frente. E de fato, ainda bem que eu estava preparada, porque quando entrei
pela porta, Conrad, sentado no meio do lugar com uma lixeira entre suas
pernas, colocava fogo em pequenos pedaços de papel e os fazia voar.

— Está aqui há muito tempo? — perguntei, não querendo pegá-lo de


surpresa, mas o garoto nem se abalou comigo, continuando sua pequena
distração.

— Acho que cheguei há meia hora…

— Certo. — Caminhei até estar ao seu lado e parei, encarando todo o


trabalho que teria. — O que você tem em mente?

— O que você quer fazer? — Havia algo errado. Conrad parecia chateado,
mas eu não era sua amiga, nem sua colega, para perguntar o que tinha
acontecido.

— Posso ver as tintas?

Ele deu de ombros.

Larguei a mochila ao lado dele e avancei para ver os cinco galões,


conferindo as cores, ficando um pouco decepcionada. Eram vermelho, azul,
verde, amarelo e branco. Eu precisaria misturá-las, se quisesse algo legal.
— Há um balde ou algo onde possamos misturar isso aqui?

Ele olhou em volta e então, não achando nada, virou a lixeira à sua frente de
boca no chão, dando algumas batidas no fundo, expulsando seu amontoado
de brasas.

— Isso serve?

Quem deu de ombros fui eu, uma vez que não tinha opção melhor.

— Eu trouxe pincéis para você.

Em segundos, Conrad estava na minha frente, perto demais, me olhando de


cima com a lixeira sendo oferecida. Engoli em seco o suspiro que quis dar.

— Obrigada, mas — peguei o que ele me oferecia — para mim? E você, não
vai trabalhar?

— Eu te disse, não sou bom com cores. — Ele voltou a olhar para a parede,
e então de novo para mim. — Você é.

Quis sorrir pelo elogio, mas não quis parecer boba.

Com ajuda do material que ele me ofereceu, abri as latas de tinta, mexi o
conteúdo e tentei pensar no que faria.

— Pode me ajudar? Eu quero chegar a um tom exato de verde, e acho que


vou precisar misturar o azul, o vermelho e o amarelo para uma base marrom,
mas não aguento o peso desses galões.

Conrad não falou nada, fez o que pedi e, de forma obediente, despejou as
quantidades de tinta conforme eu ia mexendo com o pedaço de madeira até
ter certeza do tom que precisava. Foi

quando ele finalmente colocou a tinta verde que meus olhos desviaram um
pouco para ver que a manga de sua camiseta estava erguida e um vergão
vermelho marcava a pele clara alguns dedos acima do pulso. Parecia a marca
de uma corrente, porém não tive tempo de ver melhor. O garoto notou que eu
tinha visto algo que não devia e largou o galão de tinta por um minuto para
ajustar as mangas da blusa.

Eu não disse nada. Não parecia que devia.

Quando finalmente atingi o tom que desejava, pedi por tinta branca, e depois
de uma boa quantidade do tom que clareou minha mistura, o verde que eu
queria ficou perfeito.

— Era isso mesmo que você queria?

Conrad não botou muita fé na cor.

— Exatamente essa — confirmei, não dando margem para ele me questionar.

Não tinha me chamado até ali para isso? Então que confiasse no que eu faria.

— Hm… — Ele parou, me encarando de um jeito esquisito e eu tentei lê-lo,


não conseguindo, mais uma vez. Antes que pudesse me parar, a pergunta
saltou da minha boca.

— O que está pensando?

— Que isso pode dar errado. — segurei com todo meu autocontrole para não
revirar os olhos. — E que achei que você não viria.

— Eu disse que viria, não disse? Sou do tipo que cumpre o que fala.

— É, mas você poderia achar que isso era algum tipo de pegadinha, não? —
O tom dele não era ameaçador, mas a possibilidade de ser feita de boba foi
como ter um balde de água fria na cabeça.

— Se isso fosse algum tipo de brincadeira sem graça, eu teria que te matar.

Conrad riu.

Ele não só sorriu, riu abertamente, mostrando todos os dentes bonitos,


jogando a cabeça para trás. Não o interrompi, queria gravar aquele momento
com perfeição, mas durou pouco. Quando se recuperou do golpe inesperado,
Conrad me encarou de cima a baixo, fazendo um calor esquisito se espalhar
pelo meu corpo, como se eu fosse um daqueles míseros pedaços de papel, e
disse baixo:

— Eu adoraria ver você tentar.

Fiquei atordoada, mas precisava desconversar.

— Ok, todo-poderoso-Prince. Você vai ficar? — Era a única desculpa para


que ele não pegasse em um pincel.

— É claro que sim. — Por um segundo, acho que ele pensou que eu fosse
burra.

— E eu vou ter todo o trabalho da parede sozinha, sem receber por isso?

— Estou proporcionando um prazer genuíno no meio deste verão


desgraçado. Isso já é um pagamento decente, não?

Foi minha vez de rir.

Peguei o primeiro pincel largo que encontrei e joguei para ele.

Conrad o pegou no ar.

— Se vai ficar, vai trabalhar.

— Já disse que não sei pintar — ele insistiu, tendo certeza de que eu era
burra.

— Relaxe, vossa alteza — passei por ele, indo para o balde de tinta —, eu
vou te ensinar.

Conrad não discutiu. Marquei todos os pedaços que era para pintar com
aquela cor, expliquei para ele o que queria que fosse feito e, no final das
contas, depois de achar mais uma lixeira velha, dividimos a tinta e atacamos
cada um uma extremidade da parede.
E ele tinha razão, enquanto seus traços eram muito bem-detalhados, o garoto
Prince tinha zero talento para colorir, o que na minha cabeça, até aquele
momento, era tecnicamente impossível.

Mesmo assim, Conrad cobriu bem a área que eu precisava. Depois, eu só


seguiria com um pincel mais preciso e ajustaria os detalhes, a textura… Não
seria um problema.

Quando já havíamos coberto uma boa quantidade de folhas na parte de baixo


da parede, Conrad largou o pincel e foi se sentar. Ele também tinha trazido
sua mochila e, só me alertando antes, jogou uma garrafa d’água na minha
direção.

— Merecemos uma pausa.

E de fato, sob aquele teto quente, sem nenhum vento, com o cheiro de tinta
inundando nossos pulmões e o suor escorrendo a ponto de molhar a
camiseta, eu não pude negar a possibilidade do descanso.

Aproximei-me dele, sabendo que não teria alternativa que não fosse sentar
naquele chão sujo de fuligem e resto dos seus pequenos incêndios, e
querendo uma confirmação, ao me sentar e encostar as costas na parede,
perguntei despretensiosamente:

— O que aconteceu aqui, deste lado? — Indiquei os pontos cheios de marcas


de explosões ou chamas contra a parede.

— Pequenos acidentes. Eu gosto de ver algumas coisas queimar — ele disse


como se não fosse nada de mais.

Sentado com as pernas flexionadas e os braços apoiados nos joelhos,


brincando com a garrafa d’água, vi pela visão periférica como Conrad
vistoriava meu corpo. Não me senti invadida, mas era inevitável não me
constranger. Encarei a parede, não querendo interromper aquele momento,
acreditando que era justo ele me olhar daquele jeito, pois eu tinha feito o
mesmo nos últimos dois anos sem sua permissão e me distraí notando a
diferença do que tínhamos feito cada um em sua parte. Levou alguns
minutos para eu me mexer. Sentei na posição birmanesa (pernas de índio)
fazendo um anúncio de que o encararia, mas nem isso parou Conrad, e
segurando um meio-sorriso, peguei seu olhar nas minhas coxas.

Tentei adivinhar o que ele pensava, se desaprovava algo em mim, se


analisava algum detalhe imperfeito, mas me surpreendi quando seus olhos
voltaram ao meu rosto e ele perguntou:

— Qual sua história?

O que eu poderia contar?

Desviei os olhos dos dele, encostei a cabeça contra a parede e respirei fundo
antes de soltar meu resumo pronto.

— Meus pais morreram há três anos. Eu e Susan só temos nosso avô, e


viemos da Inglaterra direto para cá. É isto, desde então. Não há uma grande
coisa, sabe?

Fechei a garrafa d’água e pousei no chão, ainda evitando encará-lo.

— Acho que está errada.

— Como poderia? — Sorri, mesmo sem querer. — É o que é.

— Mas não significa que não seja uma grande coisa. Seus pais eram bons
pais?

— Os melhores possíveis. Mamãe era linda e sabia fazer com que tudo
ficasse bem em menos de cinco minutos de conversa.

Papai era o tipo de pessoa rara no mundo, um abraço dele e você sabia que
nada poderia te machucar. — Suspirei, saudosa, e virei

um pouco a cabeça para olhar para Conrad. — Ok, você tem razão.

É uma grande coisa, mas eu gosto de fingir que não é.

— Por quê?
— Porque… É assim que dói menos. — Sorri sem graça mais uma vez e
evitei seus olhos de novo.

— E sua irmã?

— Susan? Acho que decidiu odiar o mundo, e eu estou no pacote. É o jeito


que ela encontrou de lidar com tudo, e por isso eu não a julgo mesmo que
doa muito ver o quanto ela pode machucar os outros só porque não lida com
as próprias feridas. No fundo, ela é uma boa pessoa, acredite.

— Mesmo que ela quase tenha te matado. — Seu tom era imperdoável.

— Foi um acidente — defendi minha irmã insensata e impulsiva. — Não


posso levar isso para o coração, ou nunca mais vou conseguir dormir em paz
ao lado dela.

— Bom ponto — ele concordou. — E os desenhos?

— São meu escape. Quase ninguém sabe que eu gosto de desenhar, é como
um hobby secreto que, nos últimos tempos, sem meus livros, me ajuda a
passar o tempo…

— E o que mais você gosta de ler além de O morro dos ventos uivantes?

— Todos os romances clássicos — continuei, sem fitá-lo.

Assim era mais fácil me abrir. — Eu tenho o meu favorito e é o que você
indiretamente me ajudou a roubar da biblioteca e agora está perdido para
sempre. — A tristeza daquele fato ainda não tinha me acertado e para
superá-la, eu precisei de ar. — Mas, de todo o jeito, eu adoro romances. Os
clássicos me trazem uma ideia estranha e tentadora de que os conflitos todos
provam ao casal que gestos e atitudes diante de uma sociedade problemática
são o que realmente importa. Adoro a ideia de um amor platônico, puro e
gentil, mas gosto ainda mais quando ele pode se tornar real e movimentar
toda uma cadeia que entra em colapso quando pessoas estão predestinadas e
fazem de tudo para ficarem juntas.

— Mas, se eu estou certo, O morro dos ventos uivantes não é sobre um


monte de gente que se odeia? Sinceramente, até tentei ler essa história, um
ano atrás, mas me irritei tanto com Catherine e Heathcliff, que quase
coloquei fogo no livro.

Quis rir daquilo.

— Eles são peculiares. Ele é criado no ódio, na inveja. Cresce com a ideia de
que Catherine não acha que ele é digno dela por causa de um mal-entendido,
e mesmo com todo seu plano de vingança, todo seu ódio por ela e sua
família, ele não consegue deixar de amá-la. É visceral. É maior que ele.
Catherine, por outro lado, sabe o que a sociedade quer dela, porém, se
Heathcliff tivesse tentado, se tivesse ficado, ela teria ido com ele para
qualquer lugar no mundo. Os dois se pertenciam, mesmo que ela estivesse
com outro, o coração dela sempre foi dele. Eu gosto disso. Eles não são
perfeitos, eles são falhos, reais como nós, e perdem uma vida inteira para
descobrir no final que, não adiantava fugir, o amor é a coisa mais poderosa
do mundo.

Ficamos os dois em silêncio. Minha análise não era algo que eu


compartilharia assim de mão beijada, mas era ele, e era natural falar daquela
forma. Eu não deveria, e acreditei que seria muito diferente, mas Conrad,
apesar de toda sua aura sombria e enigmática, me fazia sentir em casa.

— E é isso que você realmente acredita? — ele disse baixo, num tom mais
grave, depois de absorver o que eu havia dito.

— É. — Encarei-o sem medo dessa vez. — E você gostar de ler é uma


surpresa — quis desconversar. — Qual o seu romance

favorito?

— Não deveria dizer. — Ele sorriu de canto e apoiou a cabeça na parede


enquanto me olhava. — Entretanto, se eu disser, você vai manter segredo,
assim como não vai contar para ninguém sobre este lugar, ou o que estamos
fazendo aqui.

— Certo — prometi.

— Gosto de Jane Austen. — Sua voz era baixa, preguiçosa e meio grave,
boa de ouvir. — Minha mãe lia para mim, e depois de um tempo, enquanto
trabalhava, conforme eu estava aprendendo a ler, pedia para eu ler em voz
alta para ela.

— Eu também gosto dela. Qual seu favorito?

— Tenho três, e eles mudam a ordem de preferência com o tempo. Mansfield


Park, Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade.

— Eu gosto desses. — Sorri, feliz por mais uma coisa em comum entre nós.

Por um longo minuto, só havia dez centímetros de distância nos separando


sem um pingo de constrangimento.

Eu pude olhar para Conrad sem precisar me esconder, sem precisar fugir.

E foi divino. E foi minha queda.

Era demais para o meu coração suportar.

Por sorte, meu celular tocou, nos arrancando daquele transe esquisito.

— Oi, vovô! — atendi o mais rápido possível, e depois de dizer que voltaria
logo para casa quando ele disse que eram quase três horas, me coloquei de
pé.

— Você precisa ir? — Conrad perguntou, parecendo chateado.

— Acho que sim…

— Posso te levar?

— Eu acho que não, seria complicado explicar, sabe? Outra que, quero evitar
conflitos. — Ele entendia o recado.

— Eu moro perto de você, podemos arranjar uma desculpa, se você quiser.

Ele me dava a oportunidade de ficar mais tempo junto dele, mas era demais
para um dia.

Eu precisava respirar e processar.


— Quem sabe depois?

Conrad não gostou da minha negativa. Seu rosto virou aquela máscara
esquisita de mandíbula travada e olhos impenetráveis de novo. Eu me senti
culpada por barrá-lo, mas precisava fazer.

Precisava ou, pelo andar das coisas, em minutos eu estaria dizendo que o
imaginava como a minha versão de Darcy, ou Heathcliff, ou Coronel
Brandon, ou Edmund, ou todos os mocinhos de romance dos quais falamos e
dos que eu já tinha lido.

O silêncio constrangedor durou até que nós terminássemos de ajeitar as


coisas e, quando achei que ia embora com aquele peso nas costas, Conrad
me avisou:

— Red — ele esperou que eu o olhasse para continuar —, amanhã nós não
podemos vir aqui.

— E quando voltaremos? — Tentei não parecer decepcionada, mas falhei.

— Eu te aviso, mas amanhã, não. — Percebi uma nota de irritação em sua


voz.

Aquilo era algum tipo de punição?

— Certo. — Eu não questionei.

— Mas, se você não for fazer nada amanhã à noite, eu realmente gostaria de
ir com você ao parque. E leve sua irmã, o

meu irmão também vai, será uma boa distração.

— Isaac? — perguntei.

— Você sabe que sim.

— Acho que podemos, mas como… — Foi tão rápido que eu quase caí.
Em um segundo, Conrad estava na minha frente, com o peito quase junto ao
meu, seus olhos escuros me prenderam no lugar e seus dedos tocaram a
borda do bolso da frente do meu shorts, puxando meu celular para si.

Engoli em seco, tentando não respirar rápido demais.

Como se fosse a coisa mais natural do mundo, seus dedos digitaram rápido
algo na tela e percebi quando ele enviou a si mesmo uma SMS do meu
celular ao dele.

— Pronto. Agora, se você puder, confirme logo.

Sem cerimônia, ele voltou a colocar o celular no meu bolso.

Meus dedos se apertaram em volta das alças da mochila.

Eu queria gritar. Queria que ele me tocasse.

Mas havia ali uma barreira invisível difícil demais de transpassar.

— Até mais, Red. — Seu hálito quente soprou sobre o meu rosto e eu
confirmei com a cabeça, não conseguindo falar nada.

Virei as costas e me obriguei a andar em linha reta para fora dali, com o
coração batendo contra o peito quase rasgando a carne, louco para gritar para
Conrad Prince que eu o amei desde o segundo que coloquei os olhos nele.

E que talvez nunca me recuperaria disso


conrad

eu me tornei tão entorpecido, não posso te sentir aí. me tornei tão cansado,
tão mais consciente. eu estou me tornando isso, tudo o que eu quero fazer é
ser mais eu mesmo e ser menos como você.

numb,linkinpark.

Coloquei o cigarro na boca, cobri a chama do meu bom e velho isqueiro com
a mão e puxei o ar, fazendo a ponta brilhar em laranja enquanto enchia meus
pulmões com a primeira tragada. Apoiei os dedos no filtro como se fosse um
baseado e olhei para a porta enquanto soltava a fumaça no ar. O balde
escondido sob minhas pernas estava tapado com plástico filme para conter o
cheiro lá e,

apesar disso, Scarlet precisava agradecer por eu não ter ido atrás de
tioacetona (substância mais fedida do mundo), se tivesse ido, ela nunca mais
conseguiria se livrar do cheiro.

— Não pode fumar aqui dentro. — Ganhando minha atenção, ergui os olhos
para ver Bella se aproximar. Permiti que ela puxasse minha mão para sua
boca e notei seus olhos espertos em mim enquanto dava uma grande tragada.

— E o que você está fazendo agora? — Minha ironia nunca a incomodou.

— O cigarro ainda é seu. — A fumaça escapou por seu nariz e ela se sentou
entre Thomaz e eu. — Qual é o plano? Os Lions estão bem irritadinhos com
a gente depois do que fizemos.

— Arruinamos a festinha de merda deles, e daí? — Thomaz deu de ombros,


encarando a mesa do outro lado do salão.

— Não é só isso. Estão falando sobre Conrad estar com os Vipers, sobre os
motivos que o fizeram voltar. — Ela me olhou de soslaio, o lápis forte em
volta dos olhos escuros. — Estão tentando adivinhar.

— Que tentem. — Deixei de lado, mas Thomaz não parecia disposto e seu
ego às vezes lhe subia fácil demais à cabeça.
— É bom que vejam Conrad conosco e entendam que não há lugar para
coitadinhos aqui. Esta universidade tem nome, tradição, e é absurdo que
qualquer merdinha sem ter onde cair morto entre por aqui e se sinta algo
importante.

Apesar de não admitir, eu sabia por meios não muito decentes que a família
de Thomaz estava falida, mas eles ainda tinham um sobrenome forte, um
brasão que parecia valer mais do que qualquer bem, e o faro para gente
importante e talentosa. Se alguém sem dinheiro tivesse algo a oferecer, eles
poderiam facilmente fingir que a pessoa era do círculo deles. Se tivesse um
sobrenome poderoso em qualquer indústria que fosse, seria bem aceito, mas
qualquer coisa fora disso não valia nem mesmo uma segunda olhada. Bella
não era muito diferente, mas eu tinha certeza de que era a influência de
Thomaz sobre ela que a deixara tão arrogante. Ainda assim, com todos os
defeitos do mundo, ambos me acolheram e, por isso, e pela minha história,
quando meus olhos fitaram os do meu melhor amigo, ele soube que tinha
falado merda.

— Eu não quis… Você é um Prince. — Era o máximo de desculpas que eu


conseguiria dele.

— Por parte de pai. — Minha resposta ríspida o colocou de pé.

— Não foi o que quis dizer, você sabe. Vou ajeitar o telão. — E

no segundo seguinte, ele se afastou.

Terminei meu cigarro em silêncio, analisando tudo à minha volta, ignorando


a mão de Bella acariciando minha nuca.

— E então, como é estar de volta?

— Nunca me senti melhor. — Era verdade. Cada vez que meu ódio era
ativado, cada vez que a possibilidade de pisar em quem havia acabado
comigo surgia, eu só sabia me sentir disposto a ir mais e mais longe.

— E, sobre o que você contou, quando vai… — Ela ia perguntar algo que
não deveria em voz alta e eu tirei sua mão de mim, fazendo Bella prender a
respiração e encerrar a pergunta.
— Nunca fale disso, ainda mais em um ambiente aberto como este. E as
coisas vão como devem ser. A noite da festa do tal torneio está chegando,
você vai saber em breve o que é uma

Supernova[1]. — Fitei-a de soslaio e a morena manteve os olhos estreitos,


desconfiada e curiosa.

— Ok, se você diz… Estou ansiosa para experimentar, dizem que transar
com ela no sistema é… — Eu a interrompi de novo.

— Algo que você nunca experimentou.

— E poderia, com você. Pelos velhos tempos, o que me diz?

Eu não a respondi. O máximo que fiz foi sorrir de canto, sabendo que ela
tentaria o seu melhor e que, a qualquer hora, eu poderia precisar daquela
vantagem da nossa amizade, mas não queria nenhum sentimento envolvido e
sabia o que uma Supernova poderia fazer. Era melhor dar algumas amostras
de presente para que ela e Thomaz consumissem juntos, assim o risco de
Bella me olhar diferente cairia drasticamente.

Pensando sobre o que ela queria, vi quando meu celular vibrou e a


mensagem apareceu no visor.

Traga a estrela.

23h50.

Eu sabia para onde ir.

E sabia o quanto de dinheiro entraria na minha conta depois daquilo.

Era inevitável ficar feliz sabendo que, além de me fazer rico, eu teria provas
o bastante para foder com ele, caso fosse pego.

Pensando nisso, me peguei listando o que faria mais tarde para matar hora,
antes de encontrá-lo. Era hora de ver minha mãe, hora
de mostrar à cidade que eu estava de volta. Não precisava mais me esconder
ou abaixar a cabeça. Eu não era mais o garoto que todo mundo odiava, ou
ainda era, mas não estava nem aí.

— Conrad. — Ouvi de longe a voz de Bella em alerta. — Porra, Conrad,


cuidado! — O isqueiro na minha mão aquecia o pano que pendia de dentro
da cesta de frutas à minha frente e minha amiga precisou jogar parte da jarra
de suco para apagar a chama que avançava no tecido.
— Me distraí. — Era o meu pedido de desculpas.

— É, mas não deveria. — A bronca veio enquanto ela colocava papéis em


volta do pequeno desastre molhado. — Olhe só quem chegou, e
desacompanhada. Ela não costuma tomar café aqui.

— Eu sabia que ela viria. — Menos de uma semana dentro daquelas paredes
e eu já sabia de tudo da rotina deles.

— Como?

— Porque meu irmão está ocupado demais fodendo com uma líder de
torcida para cuidar da própria namorada.

— E você sabe disso de que modo? — Os olhos de Bella brilharam numa


maldade ácida rara de ver.

— Tenho minhas fontes. — Fechando o isqueiro, colocando-o dentro do


bolso, eu me levantei.

Os cabelos ondulados, laranjas como o fogo, estavam soltos e espalhados


pelas costas. As novas mechas quase brancas caíam pelas bochechas
escondendo os olhos verdes, espertos, que estavam concentrados no lugar
onde ela se sentaria. Aquele parecia um modus operandi seguro dentro da
bolha em que ela vivia, até notar minha presença.

Sempre foi assim. De algum jeito sobrenatural, Scarlet sempre sentia quando
eu a olhava e, daquela vez, mesmo com todo aquele tempo de distância, não
foi diferente.

Notei isso quando ela parou subitamente e olhou em volta.


Seus olhos queimaram na minha direção. Brilhantes, grandes e intensos.
Aquela era a única parte dela que continuava tão viva quanto antes, mesmo
depois de todo o seu mundo se partir em pedaços, seus olhos ainda não
mentiam, ainda resistiam.

Aquilo me corroeu por dentro.

Em cinco anos, eu raramente a vi. Na verdade, mesmo evitando, vez ou


outra eu tinha que encarar a presença dela nas fotos de família que meu pai
fazia aparecer em algum jornal. Ela sempre ao lado de Isaac, sempre com as
mãos dele em volta de sua cintura, me mandando um recado claro,
independentemente de onde eu estivesse. Eu venci — era o que os olhos dele
diziam para a câmera.

Tudo o que eu queria era a chance de responder: ainda não.

Eu já tinha todo o plano na cabeça.

Eu a machucaria, provocaria, faria perceber que meu irmão nunca poderia


protegê-la, que ele era o real inimigo, e deixaria os dois afundarem. Eles
mereciam.

O fogo no meu peito cresceu ao pensar em como ela ficaria sem reação e
indefesa, toda suja, fedendo, marcada. Seria fascinante ver como todos
assistiriam àquela cena. Em como se orgulhariam de ver que eu era o vilão
perfeito para aquele teatro que armaram com tanto custo.

E ao meu sinal, com o vídeo que Thomaz passou o final de semana editando
enquanto Scarlet estava reclusa no quarto de Isaac, as paredes de tijolo
antigo do refeitório viraram uma grande tela onde, com o som engraçado de
algo gosmento caindo, ela era vista desmaiando e, em uma montagem
malfeita, virando merda ao chão.

Os risos começaram fracos. Scarlet pareceu perdida. Vi quando suas mãos


sobre a mesa se fecharam em punho e foram recolhidas para o colo ao
mesmo tempo em que ela encarava o vídeo na parede à sua frente.

Bella reforçou o barulho, gargalhando alto de cima da mesa dos Vipers e


apontando para Scarlet, não dando chance do nosso alvo se esconder.
Assisti pacientemente aos olhos de Scarlet se fechando. A respiração ficando
pesada, o lábio inferior tremendo.

Chore, grite, esperneie — eu implorei mentalmente.

Mas ela só ficou sentada ao som dos risos e dos olhares curiosos.

A vontade de socar a parede cresceu numa impulsividade absurda dentro das


minhas veias. Por que ela não reagia? Queria

provocá-la, queria que ela começasse a duvidar da própria sanidade, e


avancei com o balde na mão, pronto para fazê-la tão imunda quanto um
banheiro público. Eu só não esperava que, naquela curta distância, fosse
precisar me esforçar tanto para engolir o que deveria deixar esquecido no
mais profundo da minha mente: o cheiro de Scarlet ainda era o mesmo.

A fragrância de capim limão recém-cortado atingiu meu cérebro em cheio e


eu a odiei ainda mais quando me lembrei de ter dormido abraçado à minha
blusa com o perfume dela até que o tecido perdesse o cheiro.

Era fresco, limpo, intenso. Era ela, sua personalidade, sua essência. Agora,
anos depois, ela tinha uma nota mais madura, algo a ver com o cigarro que
descobri ser seu novo vício. Ainda assim, eu adorava, odiava, queria
arrancá-la daquele pedaço meu que ainda sentia falta, e com essa vontade
berrando em cada célula minha, eu não pensei duas vezes antes de arrancar o
plástico do balde.

A mistura de terra, água e merda pareceu ainda mais nojenta quando ergui o
balde e o despejei sobre a cabeça dela e, finalmente, ganhei uma reação.

O grito de Scarlet atingiu meus ouvidos e meu coração. Era como uma
droga.

Eu adorei. Queria que ela se lembrasse para sempre que, se ela atormentava
minha existência, eu foderia com a dela duas vezes mais.

O riso em volta de nós foi ainda mais cruel, mas eu não ri.
Não era a graça que eu queria, mas ainda assim, estava satisfeito quando ela
levantou e me encarou, tremendo.

O meio-sorriso rasgou meu rosto, incontrolável.

Dei dois passos para trás, mostrando todo meu nojo no olhar que dei de cima
a baixo nela e larguei o balde.

— Agora você tem o cheiro certo — disse em um tom de voz baixo e calmo
conforme a via entender o que eu tinha feito.

As mãos rentes ao corpo, fechadas em punho. Os olhos com uma raiva sem
igual.

Ela não tinha mais medo de me encarar como nos dias anteriores.

Scarlet queimava em raiva, e era isso o que eu queria.

Pode vir, baby — pensei.

Ela fechou os olhos. Os lábios pequenos em formato de coração se


comprimiram.

E quando achei que ela gritaria, que surtaria, que sairia correndo, ela abriu o
zíper da jaqueta. A primeira peça foi ao chão.

Depois a camisa. E, maldição, com todo aquele tempo, Scarlet ainda não
tinha aprendido a usar sutiã.

Os seios marcados contra a regata branca molhada foram motivo de chacota,


mas mesmo com todo mundo rindo, Scarlet pareceu surda, carregando no
peito o desafio de me mostrar que aquilo não a abalaria. Abriu os olhos de
novo, encarou-me como se fosse capaz de me matar, e arrancou as botas,
pulando para longe do molhado.

Quando a vi abrir o botão da calça jeans, não acreditei.

Mas ela continuou, se livrando do tecido imundo, escorregando-o pelas


coxas e o arrancando com os pés. Precisei segurar a respiração. Aquilo era a
última coisa que a garota que eu deixei para trás faria, mas lá estava ela, se
abraçando, molhada, fedendo, seminua. Foi impossível não conferir a
calcinha de renda vermelha, ou o contorno das coxas, ou de sua bunda
quando ela

deu meia-virada para olhar para trás e ver o rosto das pessoas que a
apontavam.

Tive meio segundo para me controlar.

Eu não deveria pensar em algo diferente do que massacrá-la, mas gostei do


que vi, e não fui o único.

— Agora eu sei por que o Prince a esconde — alguém gritou e fez a raiva
aquecer meu sangue de novo quando lembrei que meu irmão tinha livre
acesso à Scarlet daquele jeito.

Ela voltou a me encarar, completamente consciente de que eu era a causa do


problema inesperado. Vê-la daquele jeito só me deixou mais feliz.

Ainda sorrindo, cruzei os braços e esperei.

Aquilo não podia ser tudo e eu estava certo.

Scarlet caminhou na ponta dos pés até ficar na minha frente.

Seus olhos brilhavam, contendo as lágrimas, a raiva, o desgosto, a mágoa.


Eu saboreei aquilo como um louco. Ela havia me traído, ela merecia.

Scarlet era uma traidora.

— Posso estar fedendo agora, mas nós sabemos quem é o merda aqui, e não
sou eu. — Sua voz era mais firme do que eu
esperava ouvir, mas ainda assim baixa demais para que outro alguém
escutasse.

— Tem razão, é o cara com quem você fode que é o merda da situação, você
só está suja assim porque fica tempo demais com ele… — E ao final da
minha fala, surpreendendo a todos, inclusive a mim, a mão dela veio firme,
aberta, e deu um tapa estalado no meu rosto.

Os risos cessaram, eu vi tudo em vermelho e precisei me segurar no lugar


para não retribuir. Scarlet já estava longe, saindo pelo salão tão rápido
quanto havia entrado, me poupando do esforço.

Aquela humilhação pública deveria bastar, mas era só o começo. Foi ela
quem me ensinou que eu era fascinado pela destruição e, por isso, talvez, eu
nunca fosse capaz de deixá-la de lado. Por isso, talvez, fosse eu quem
precisasse acabar de vez com ela, assistindo a cada pedaço se partir. Ou só
de vê-la por aí distribuindo sorrisos para o desgraçado do meu meio-irmão,
eu sabia que seria ela a me destruir.

Como o bom aluno que era, frequentei toda a minha grade daquele dia,
anotei tudo o que precisava das matérias, e assim que minha última aula se
encerrou, fui direto para o meu quarto.

Tranquei a porta, conferi se não tinha ninguém escondido embaixo da cama


ou no banheiro, e abri o closet, desencaixando o fundo falso, tendo acesso ao
meu laboratório.

Meus últimos dias na Prince University foram cheios, dentro e fora do meu
quarto. A ausência de sono era a culpada em grande parte, mas sabia que
naquela noite eu dormiria o sono dos justos.
Separando os pacotes com os comprimidos azuis das Stars e os roxos com
Supernova, guardei tudo na mala, sabendo que aquele estoque na minha
faculdade anterior rendia pelo menos quinze dias e segui para ver minha
mãe.

Meu Mustang GT era preto, com duas riscas laterais brancas e finas de cada
lado, e outras duas mais grossas que iam do capô até o porta-malas. Com
algumas modificações que fiz depois de comprá-lo com o primeiro dinheiro
decente da minha produção, ele ficou perfeito para correr. Não era o modelo
mais novo, mas nunca

havia me decepcionado, e virou minha distração no meio da solidão


francesa.

Era o meu xodó, e era um carro que chamava atenção.

Alguns caras estavam de olho nele e se afastaram quando apertei o botão


para desativar o alarme na chave. Sem olhar para nenhum deles, abri a porta
do motorista, joguei minha mochila no banco, acendi um cigarro, coloquei o
som para tocar Metallica no último volume e deixei o estacionamento da
universidade para trás, fazendo o motor rugir ao ignorar a placa de 20km/h.

A viagem que daria uma hora e pouco na velocidade permitida foi reduzida a
quarenta e poucos minutos comigo pisando fundo no acelerador. Quando as
ruas conhecidas surgiram à minha vista, senti como se houvesse uma camada
de lava resfriada e dura sobre o meu peito. Nada poderia me atingir.

Conferindo as horas no relógio, esperei às seis da tarde e notei que tinha algo
errado ao não ver ninguém saindo, levou mais uma

hora e meia até que minha mãe saísse com o uniforme do trabalho gasto,
rosto cansado e desânimo sobre os ombros. Mesmo estranhando, tentei dar
meu melhor. Desci do carro, batendo a porta e a chamei.

— É você a mulher mais linda do universo?

Ela parou, primeiro estranhando a brincadeira e então, finalmente me viu


direito.

— Ah, filho! — Atravessando a rua correndo para me abraçar, mamãe sumiu


contra o meu peito, me apertando com força contra si.

Ela também tinha cabelos escuros como eu, mas os olhos claros de minha
mãe eram tempestuosos e envoltos em rugas, testemunhas de tempos nada
gentis junto da falta de sono e de dinheiro.

— Como a senhora está? — Beijei o topo de sua cabeça.

— Bem. Não sabia que viria hoje. — Ela me abraçou e eu a guiei para a
porta do passageiro do carro.

— É, mas eu vim, e quero saber por que está trabalhando até tão tarde. —
Não era uma pergunta.

O sorriso amarelo que ela me deu quase esgotou meu bom-humor por vê-la.

Atravessei o carro, respirando fundo e me lembrando de que ela era o motivo


de tanto esforço, e entrei pela minha porta.

— Philip perdeu mais um emprego, e me pediu ajuda. — Havia medo em


sua voz.

— Achei que você o tivesse deixado. — Apoiei o cotovelo na porta e evitei


encará-la. Ela não respondeu, por vergonha ou qualquer coisa similar, pelo
menos acreditava que fosse. Suspirei, encarei o teto do carro por alguns
minutos e, sabendo que ela continuaria quieta, finalmente olhei para ela. —
Mãe, eu vou continuar cuidando de você, mas você precisa deixar esse
cara…

— Eu sei — ela concordou. — É que, eu tenho pena dele. A bebida o


esgotou, e ser humano nenhum merece um final desse, sem nem um prato de
comida. Eu juro que não tenho mexido no dinheiro que você manda.

— Mas tem que mexer. É seu, mãe. — Me controlei muito para não
transformar aquilo em uma bronca, mas ela já tinha se magoado.

Ficamos em silêncio por um tempo, eu encarando a rua, ela com a bolsa


contra o peito como se fosse seu escudo, e quando finalmente me cansei
daquilo, perguntei:

— E os remédios? — Eram minha maior preocupação.

— São muito bons. Tenho ficado mais disposta, e consigo entender tudo. —
Aquilo era um bom sinal.

A criação da Star[2] veio quando notei que minha mãe tinha alguns
problemas graves de concentração que custaram alguns empregos, e junto de
traços depressivos, a vi ficar dependente de um bêbado desgraçado. Com
toda a merda que aconteceu, no meu tempo recluso, só me restou estudar.
Devorei cada livro de química possível, fiz todos os cursos disponíveis, e
vendo como minha mãe tinha se comportado com cada medicamento que ela
tentou ao longo dos anos, estudei, pesquisei e descobri algo novo.

Chamei-a de Star. Era a minha estrela da sorte, até cheguei a tomar algumas
vezes para absorver melhor alguns conteúdos. Era uma versão mais limpa e
potente do queridinho do mercado, talvez, pelo menos até o momento,
menos perigosa, e se misturada com alguns ativos recreativos, se
transformava na Supernova. E a Supernova era algo que a massa que
adorava uma boa viagem

tinha necessidade, tudo era batido demais e causava uma dependência


extrema. Ela era melhor que o MD para sensações extrassensoriais. Era mais
divertida e duradoura que o LSD. Podia reproduzir o efeito de qualquer
droga sintética potencializada, mas era mais cara e a produção não era tão
rápida. O que eu tinha agora era de um estoque, e tirando um potinho
daqueles de farmácia do bolso, coloquei-o no colo de minha mãe e avisei:

— Trouxe mais. Não pare de tomar, ok? Quero a senhora bem.

— Ok.
— E, mãe…

— O que, meu filho?

No tom de voz mais sério possível, eu avisei:

— Estou de volta à cidade, isso quer dizer que se eu souber que você anda se
acabando por causa daquele desgraçado, vou acabar com ele, certo?

— Conrad…

— Certo? — Não tinha brecha para discussões.

Eu não era mais um garotinho frágil, e não seria mais refém do dedo podre
que minha mãe tinha para homens.

— Certo — ela confirmou, cedendo finalmente.

— Ok, então vamos jantar.

O restaurante favorito da minha mãe era um italiano antigo, com tecido


vermelho brilhante nas almofadas das cadeiras, comida farta e muito queijo.
Fiz sua vontade ao não beber nenhum gole do seu vinho, deixei que ela me
contasse sobre as pessoas que eu não via há muito tempo e não lembrava
nem dos nomes ou dos rostos.

Ouvi atentamente quando ela contou as raras ocasiões em que viu meu pai, e
dei minha opinião quando ela disse que estava pensando em comprar uma
casa. Se realmente havia guardado todo o dinheiro que eu tinha dado para ela
nos últimos dois anos, ela tinha um bom valor.

— Faça como achar melhor, se precisar, posso levá-la para visitar algumas.

— Ah, querido, seria muito bom tê-lo comigo nessa decisão. E

você pode passar alguns dias em casa, já que está de volta.

— Hm… — Brinquei com o palito de dentes sobre a mesa, a garganta já


arranhando de vontade por um cigarro. — Podemos ver.
Era um não. Enorme e sonoro não, mas não queria decepcioná-la.

Eu só sairia da universidade, caso fosse obrigado, de resto, cada mísero


segundo passaria dentro daquelas paredes me preparando para o futuro e
infernizando cada segundo da existência de Scarlet, Isaac e meu pai.

Minha mãe encarou o relógio de pulso e ergueu as sobrancelhas.

— O que foi?

— Está tarde, são quase onze horas.

— E eu preciso voltar — menti.

— É. — Ela ergueu a mão para pedir a conta, porém coloquei a mão na


carteira primeiro. — Posso pagar minha parte — mamãe anunciou, mas
ignorei.

— Desta vez, é por minha conta.

O garçom não recusou meu dinheiro e, minutos depois, estávamos de volta


ao carro.

Deixei minha mãe em casa e, assim que ela entrou pela porta, tirei um
cigarro do maço. Fumando, dirigi pela cidade, reconhecendo ruas que há
muito eu não andava. Conferi o novo endereço do meu

padrasto maldito e o vi sentado em frente à televisão pela janela que dava


para a rua.

Se ele continuasse a importunar minha mãe, nossa próxima conversa seria


diferente. Ele, com toda a certeza, não estava pronto para encontrar comigo
na versão adulta.

Segui em frente, mas quando vi que o final da rua daria no velho parque, que
agora estava desativado, fiz meia-volta e deixei mais uma memória trancada
para trás.

Não tinha mais por que enrolar, eu chegaria mais cedo no compromisso, mas
até aí, meu distribuidor não tinha motivos para reclamar, eram negócios de
pai para filho.

O velho moinho havia se deteriorado muito com o tempo.

A primeira vez que eu fui até ali foi com Thomaz, Bella e nosso antigo
grupinho para fumar e beber escondido. Apanhei que nem um filho da puta
quando voltei para casa bêbado e minha mãe não

estava. Aquele era o tipo de memória que não ia embora, mas eu já tinha
superado.

Agora, aquele lugar não parecia atrair muita gente. Com toda a floresta
crescendo em volta e pelo estado das paredes e do teto, eu duvidava que
alguém apareceria, ainda mais em uma noite escura e com um céu nublado
como aquele.

Tinha parado o carro na beira da estrada, passado a mochila pelas costas e


acendido mais um cigarro para aguentar a ansiedade e pequena caminhada
até ali. A mania de não querer o cheiro da nicotina entre meus dedos me
obrigava a segurar o filtro entre a ponta do polegar e do dedo indicador,
como se fumasse um baseado, e foi quando acendi o segundo cigarro e o
mantive assim, escondido nas sombras da parede que restava do moinho, que
ele chegou.

Não teve um “boa noite”. Não teve um “olá, filho”.

O tom de John Prince foi duro, uma bronca.

— Você fuma maconha também? — Era amargo.


Ergui os olhos para vê-lo surgir de moletom escuro e cabeça coberta. Nada
normal ou comum para o reitor.

— É costume seu fazer esse tipo de coisa? — Ignorei-o e traguei mais uma
vez, pegando o cigarro daquele jeito que parecia irritá-lo, soprando a fumaça
na direção em que ele vinha.

— Não. Mas você ainda é meu filho, e não vou te colocar em contato com
um traficante, a menos que não tenha escolha.

Aquilo me divertiu. Quis rir. Agora ele se importava pelo fato de eu ser seu
filho?

— Não vou manchar sua reputação, pai. — Ele fingiu não perceber o
sarcasmo na minha voz.

— Você trouxe? — Ele apontou para a mala e eu confirmei com a cabeça.

— Você vai me explicar o motivo? — Era o meu preço naquele momento.

John respirou fundo, apoiou as mãos na cintura e encarou o céu acima de


nós.

Meu pai havia envelhecido bem, ainda tinha poucos cabelos brancos, o rosto
sempre perfeitamente barbeado, e a pose de quem tinha dinheiro e sabia do
seu poder.

Herdei dele o bom gosto por anéis pesados, o cabelo escuro e a crueldade.

Éramos Prince mesmo, afinal.

Respirando fundo, ele soltou o ar pela boca e me encarou.

— Há poderes que nem mesmo eu posso controlar. A droga dentro da


universidade é uma delas. Houve um comentário crescente sobre você,
Conrad. Eles sabem de você, do que andou fazendo, e trazê-lo para perto foi
minha única opção. Você produzir o que produz te faz um alvo, mas se
pudermos controlar minimamente…
— John, não finja que se importa comigo — o interrompi. Dei a última
tragada, joguei o cigarro no chão e o pisoteei como se fosse a cabeça do meu
pai. — A Star vai fazer seus alunos mais produtivos, os resultados da
universidade vão melhorar seu nome por toda a Europa, não ache que eu sou
burro. — Ele pareceu ofendido por ter a capa de super-herói arrancada tão
cedo naquela noite. — Não existe e nunca existiu um traficante grande
dentro da universidade, e nós sabemos, não é? Sempre existiu você e o
interesse em sempre ganhar ou melhorar a merda do seu sobrenome, não
precisa fingir para mim.

Meu pai continuou em silêncio, confirmando o que eu pensava.

— Você sabe onde fica meu dormitório. Quero o dinheiro até domingo de
manhã na minha porta, ou nunca mais verá um grama sequer do que eu faço.
— Atirei a mochila contra seu peito. — E

faça o favor de melhorar o serviço de entrega. Eu não vou me meter no mato


mais uma vez por sua causa. Se tem medo de Isaac ver você comigo, ou
fazendo esse tipo de coisa, deveria arranjar uma distração melhor para ele, o
playground que montou para o seu filho favorito não parece mais tão
interessante.

Eu estava pronto para dar meia-volta, mas ele me chamou:

— Conrad.

Olhei sobre o ombro, uma das sobrancelhas erguidas, esperando.

— Não pense que não te amo.

— Eu não penso. Eu tenho certeza. Acabamos por hoje, pai.

— Virando para frente, segui meu caminho, pensando que poderia deixar o
carro ali e caminhar de volta, talvez aquele fosse o único jeito de relaxar
depois daquele minuto de tensão em que, com certeza, eu mostrava que não
era um perdedor.

Meu pai aprenderia pela dor, e quando ficasse dependente de mim, mesmo
que fosse no bolso, eu o quebraria também. Ele me
devia. Devia quase mais que todo mundo, talvez só não tanto quanto Red.

A chuva começou a cair em uma garoa grossa quando estacionei o carro o


mais longe possível do dormitório. Eu precisava caminhar, esfriar os
pensamentos, e quando cruzei o limite do gramado, um trovão cortou o céu,
iluminando o velho castelo de forma fantasmagórica. Foi impossível não
olhar para cima, e inevitável não contar as janelas.

Eu sabia onde era o dormitório dela, e mesmo que não soubesse, era
impossível ignorar as janelas abertas e a garota de cabelos ruivos compridos
com metade do corpo para fora, tomando chuva no rosto.

Ela era linda pra caralho, sempre foi e não tinha a mínima noção disso.

A visão de mais cedo, do corpo de Scarlet, me atingiu em cheio.

Meu peito queimou, e diante de tudo, escolhi a raiva para me apegar.

Era mais fácil odiá-la, era mais fácil sentir raiva, do que dor, do que mágoa,
do que tristeza.

Como sempre, ela me viu. Notou que eu a observava em menos de um


minuto, e mesmo a toda aquela distância, seus olhos encontraram os meus.

Ela se retraiu rápido, voltando o corpo para dentro do quarto.

Pensei que era por medo e quase sorri, mas no último segundo, ela deu o
dedo do meio para mim e fechou a janela.

Para mim era ótimo que fosse desse jeito.


Dali para frente seria uma constante tentativa de um quebrar o outro, e eu
tinha certeza de que não me partiria. Era duro demais para alguém conseguir
fazê-lo.

scarlet

se você não consegue lidar com um coração como o meu, não perca seu
tempo comigo. se você não está disposto a sangrar, não, oh. se você não
consegue lidar com os enforcamentos, as mordidas, o amor, o sufocamento
até você não aguentar mais, não aguentar mais, vá para casa.

highschoolsweethearts,melaniemartinez

Eu odiava dar trabalho.

Tentei passar despercebida quando meus pais morreram porque sabia que
Susan precisava de uma assistência maior. Tentei

engolir tudo o que tinha na garganta e no coração porque via vovô lutando
com a missão diária de superar o luto e educar e criar duas adolescentes.

Quando Conrad surgiu, eu jurei que estava salva. Jurei que, pela naturalidade
das coisas, a solidão que eu sempre senti tivesse seus dias contados e eu
poderia secar minhas feridas ao sol, mas de repente, tudo foi por água
abaixo.

Eu tinha certeza de que, se houvesse um monstro no meu armário, ele se


pareceria com Conrad. Ele me assustava, mas eu não podia deixar isso me
vencer.

Não depois daquela humilhação.

O cheiro ainda estava impregnado no meu nariz, e mesmo tomando cinco


banhos, alguns de uma hora cada, e esfregar tanto a pele que havia me ferido
em alguns cantos, eu ainda me sentia suja.

Pensar em feder para sempre, ou em ser apontada por aquele ataque aberto e
tão exposto me consumiu as entranhas por toda a tarde, e mesmo com o
choro preso na garganta, mesmo sentindo as lágrimas prontas para sair, eu
não conseguia chorar.

Parecia errado. Eu não tinha permissão.

Estava pagando por um dia ter amado a pessoa que arrancou tudo de mim.

Estava pagando por ser uma traidora.

E não queria lidar com aquilo.

Isaac apareceu naquela tarde e eu não consegui tocá-lo. Não consegui ficar
perto. Tinha medo dele sentir aquele maldito cheiro, ou se descontrolar a
ponto de me silenciar, e daquela vez eu realmente queria brigar.

Queria revidar, queria fazer Conrad pagar, queria provocá-lo e mostrar que
eu não era mais a garotinha boba que ele deixou para trás. Agora seria olho
por olho e dente por dente, mesmo que acabássemos banguelas e cegos.

— O que quer fazer? — Isaac perguntou, com os braços cruzados, parecendo


furioso. — Se não posso quebrar a cara dele agora, qual é a solução?

— Quero revidar. Conrad não agiu sozinho, os Vipers estão juntos nessa, ele
só apertou o botão.

— E você tem alguma ideia? — Meu namorado com o cabelo loiro bonito
colocou os olhos sobre os meus e eu sabia que sua
mente estava pensando em algo relacionado à violência física, mas eu não
era tão extrema.

— Acha que consegue sangue de porco? — Minha voz foi tão firme que vi o
sorriso no rosto de Isaac surgir.

— Sangue de porco?

— É, se conseguir, quero um animal também. Bem pesado e meio podre.

— Porra, Scar. — Ele riu. — Para quando?

— Amanhã. Eu não vou mais ficar presa aqui. Sábado nós temos uma festa
para aparecer e se for para ser lembrada por algo, não será por ter merda
jogada em mim.

Isaac veio até mim e, mesmo insegura, deixei que ele me beijasse.

— Você é perfeita, e eu estou indo agora mesmo arranjar essas coisas.

Quando meu namorado saiu do quarto e eu pude deixar toda a frustração, o


medo e todo o resto de coisas ruins me pegarem, peguei meu caderno de
desenhos, me cobri com o capuz, enfiei o celular no bolso e saí sendo o mais
discreta possível.

Minutos depois, com um café na mão, sentada na parte mais privada, plana e
secreta do telhado, abri meu velho blackbook, vendo os desenhos que tinha
feito há tanto tempo de Conrad e não tive coragem de jogar fora.

De lá para cá, as coisas tinham mudado. Eu não era mais uma artista, mas
ainda era daquele jeito que gostava de me expressar quando parecia que nada
mais funcionava.

E daquela vez, meu plano foi arquitetado no desenho, no porco gigante com
os olhos negros, olhos dele.

Na fogueira sob seus pés, em todos os traços grosseiros, cheios de raiva, de


frustração, de dor. Eu só queria que aquilo parasse, que fosse embora, e antes
que pudesse perceber, ao dar o último traço naquilo, o soluço veio forte,
sacudindo todo meu corpo.

Joguei o caderno longe, me encolhi contra a parede e me abraçando, chorei


pela primeira vez, em anos.

As lágrimas pareciam finalmente ter conseguido desentupir o caminho até a


superfície e eu deixei cada gota daquilo ir embora, queimando meu rosto,
meu peito, minha garganta. Tentando fazer as boas memórias sumirem junto
daquela água parada dentro de mim, querendo que só sobrasse a indiferença,
mas não consegui.

Já era tarde quando Isaac mandou mensagem.

Consegui o que

você queria e

descobri

que

amanhã eles vão

jogar.

É a oportunidade perfeita.

Meu coração pulou no peito.

Certo, deixe o

resto por minha

conta. Só arranje

gente disposta a

ajudar a fazer
uma

bela

bagunça.

Respondi certa de que não havia outra saída.

Estamos sempre

dispostos. ;)

Preciso

treinar,

amor.

Te

vejo

depois.

Eu não respondi. Encarei o céu nublado, desesperada por aquela chuva, e


desci para o meu quarto. Sem fome, sem vontade de nada, só queria meu
bom e velho exemplar de O morro dos ventos uivantes para tentar entender
de que lado eu ficaria daquela vez. Talvez, naquele minuto, eu fosse
Heathcliff, e sem admitir que poderia haver algo além do ódio, eu só queria
vingança.

Ver Conrad do lado de fora naquela noite de quarta fez eu me sentir em uma
jaula. Não que já não me sentisse em uma, mas agora nem mesmo sentir a
chuva eu podia mais, e na manhã seguinte, depois de conseguir cochilar
meia hora, decidi que tiraria o dia para cuidar do plano daquela noite. Fui
atrás de pincel, cetim e agulhas, e depois de fumar dois maços de cigarro e
beber um copo

de 800ml de café, me sentia anestesiada o bastante para fazer o que


precisava.

Perto da hora do começo do jogo, entrei no banho, me esfreguei mais uma


vez com vigor, deixei o sabonete de molho na pele por meia hora, caprichei
no perfume pós-banho, escovei os dentes uma porção de vezes e esperei o
sinal.

Meu celular apitou menos de cinco minutos depois e eu li no visor:

Estamos

te

esperando

no

corredor

dos

Viper.

Respirei fundo, encarei meu reflexo no espelho e, me dando uma dose extra
de coragem, peguei as coisas e desci, sabendo que não poderia voltar atrás.
Cumprimentando-me com um beijo rápido, Isaac saiu da frente para que eu
visse os rostos do resto do time de futebol. Todos corresponderam ao meu
aceno fraco e me senti menos esquisita por isso.

— Como vamos entrar? — perguntei, sabendo que Isaac já tinha pensado em


tudo.

Ele adorava ferrar com os Vipers, aquilo seria sua cereja do bolo.

— Vamos entrar causando bagunça, então não se perca ou se assuste, ok?


Nem todo mundo foi ao jogo, então vamos prender os que ficaram no
armário e filmaremos tudo. Quando terminarmos, um dos nossos garotos vai
colocar para rodar no telão do jogo, por isso, temos que ir logo. Você
consegue?

Confirmei com a cabeça. O coração saltando no peito, a ansiedade por fazer


algo errado e ser pega me consumia, mas eu não tinha outra opção que não
fosse continuar.

— Vamos logo fazer isso. — Meu namorado parecia orgulhoso da minha


firmeza.

Desviei o olhar do dele por um segundo e foi quando vi a caixa sendo


segurada por três dos jogadores mais fortes, além dos outros

que carregavam baldes. — É o que pedi?

— Acho que vai gostar de ver o que temos. Essa porra fede muito, é sério —
ele reclamou, mas virou para espiar pelo corredor e avançou sem falar nada.

Vendo os outros seguindo, apertei o passo e fui atrás de Isaac, observando-o


arrebentar a tranca da porta com um chute, e como ele previu, a sala de
descanso dos Viper não estava vazia. Duas garotas deram gritinhos e
tentaram correr.

— PAREM AÍ — Isaac as alertou. — Essa é nossa retaliação

— anunciando, ele avançou para o garoto mais próximo e o pegou pelo


ombro. O outro mais magro nem discutiu e, um pouco assustada, paralisei ao
lado da porta enquanto via todo aquele movimento.

Os garotos foram rápidos em colocar os remanescentes para dentro do


armário e arrebentaram a fechadura depois de trancar.

— Scarlet, se mexa. — Ouvi a voz de Isaac numa ordem, me puxando de


volta para a realidade e sacudi a cabeça, afastando o medo e a chance de
raciocinar qualquer coisa que me fizesse desistir.

— Ei, puxem aquela mesa para cá e coloquem o porco nela —

pedi aos grandões e fui atendida enquanto os outros quebravam o resto da


sala e jogavam sangue de porco em tudo quanto era canto.

Tentei ignorar os risos, as piadas e focar no que precisava.

Ajudei os garotos a arrebentar o resto da caixa onde o bicho morto estava.


Ele era grande, devia ter facilmente duas vezes o meu peso, e estava quase
verde.

O cheiro era nojento, mas puxei a blusa sobre o nariz, passei a respirar pela
boca e trabalhei rápido, quando vi, a faixa escrita Conrad Prince sobre o
porco estava perfeita, e eu já tinha um pincel sobre a mão. Mergulhei no
primeiro balde de sangue próximo, usando do resto do líquido viscoso e subi
numa poltrona, escrevendo sobre a parede de pedra:

Um só passo falso acarreta uma série de desgraças.

Era uma frase de Orgulho e Preconceito.

Era um: “se mexer comigo, se prepare porque eu vou devolver”.

— Scar, o que é isso? — O tom enciumado de Isaac me fez encará-lo,


girando rápido demais.
— É um recado — me forcei a não gaguejar —, Conrad vai entender.

Os olhos dele engoliram os meus.

Estava claro que ele não havia gostado, mas eu estava pronta para contornar
aquela situação.

— Posso ir dormir com você?

Ele parou por um segundo, analisando e me estendeu a mão.

— Vamos.

Era o que eu precisava. Uma pequena folga, um canto para não pensar
demais.

E Isaac me daria aquilo porque odiava pensar em dividir a mim com


qualquer parte do passado de Conrad que ainda habitava meu ser.

Acordei ao lado de Isaac e suspirei.

Ele ainda dormia. Como sempre, eu havia dormido depois dele, e acordado
antes dele sonhar em levantar. Meu namorado bonito parecia ter bons
sonhos, e nua, depois de mais uma noite cheia de amassos intensos, tentei
me levantar sem fazer nenhum barulho e vesti minhas roupas.

— Aonde vai? — ele perguntou, de olhos fechados, quando me ouviu


escovar os dentes.

— Preciso ir, tenho aula no primeiro horário hoje. Além de que, é sexta.
Sabemos como são suas sextas…
— Você sabe que posso trocar qualquer coisa para uma noite dessas, e
podemos fazer isso melhorar. — Eu sabia, Isaac nunca escondeu o quanto
queria transar comigo.

Estávamos há anos brincando com mãos e boca, mas eu ainda não queria,
não me sentia completamente segura de ir até o final, e não sabia o porquê,
pois era natural acabar sem roupa dentro daquele quarto.

— Agora não temos tempo. — Beijei a cabeça dele, ri quando ele tentou me
segurar, mas me soltei em segundos e ajeitei minha mala nas costas. — Não
vá perder a hora, te vejo no almoço?

— Pode ser. Te mando mensagem.

— Certo.

Eu já ia abrir a porta, quando ele me chamou:

— Scar.

— Oi. — Virei para vê-lo melhor.

Isaac ainda tinha os olhos fechados, mas um sorriso divertido no rosto.

— Eu gostei de ontem. Precisamos fazer mais disso.

— Ah, está apaixonado pela minha versão rebelde?

— Estou apaixonado por todas as suas versões. — Eu sorri, acreditando


naquela mentira saudável.

— Eu te amo. — Aquilo era verdadeiro.


Sem resposta, abri a porta e saí, pronta para encarar um primeiro tempo
intenso e agitado, ouvindo o tempo todo sobre como os Vipers estavam putos
e assistindo ao vídeo onde Conrad era um porco podre.

Talvez seria mais fácil se ele realmente fosse.

Foi perto do meio-dia que fui liberada para o almoço.

Dei a sorte de não cruzar com nenhum Viper popular no meio do caminho
naquela manhã, mas assim que coloquei os pés no andar do meu quarto, meu
peito congelou, e todo meu corpo paralisou. Havia uma grande plateia ali e
um único canto do corredor livre para passagem, e foi por ele que eu vi a
frase no fundo do corredor.

Nada é mais enganoso do que a aparência da humildade.

Era uma frase de Darcy, eu sabia, tinha decorado a porra do livro favorito
dele, e antes que desse por mim, minhas pernas descongelaram. Meus passos
até meu dormitório foram vacilantes, meus olhos estavam cheios d’água,
turvando minha visão, meus dedos estavam segurando as alças da mochila
com tanta força que poderiam arrebentar a costura.

O cheiro de queimado atingiu meu nariz assim que cheguei à porta, meus
olhos viram a bagunça que era meu maior refúgio dessa vida e eu quis
morrer.

Abri a boca, meu grito mudo ficou preso.

As edições de O morro dos ventos uivantes que haviam sumido da biblioteca


agora pegavam fogo no chão do meu quarto, dispostos como o desenho de
chamas que Conrad tinha mania de deixar por todo canto como sua
assinatura, mas não era aquilo que me preocupava. Ver meu colchão em pé
no estrado da cama me causou pânico, ver que meu caderno de desenhos não
estava lá era um belo soco na minha cara.

Toda e qualquer emoção que eu não tenha dito ou escrito em todos aqueles
anos estavam presas ali. Ele tinha tudo o que mais me importava e ainda me
fazia humana nas mãos.
Notei água vindo no banheiro também e, entrando um pouco, consegui a
visão do chuveiro faltando.

Que porra era aquela?

Eu não tinha mexido em seu quarto.

Eu não tinha invadido seu espaço.

Aquilo era além do permitido, era além das regras que eu conhecia, mas tudo
me fazia crer que agora não tínhamos mais um limite e esse jogo era
perigoso.

Encarei aquela bagunça toda, sabendo que não tinha escolha.

Como no passado, me lembrei da frase do livro favorito de Conrad e meu


peito queimou.

O contexto dela agora seria terrivelmente diferente, mas como Darcy, eu não
sabia como aquela merda toda havia começado, mas estava no meio dela,
enterrada até o pescoço e, de algum jeito louco, não ia me permitir cair.

Não mais.

scarlet

eu sei todas as suas razões para me impedir de ver. tudo está realmente uma
bagunça, mas agora eu estou partindo. todos nós só estávamos sonhando.
d r e a m s , i m a g i n e d r a g o n s cinco anos atrás

Aquilo era um encontro?

Eu não sabia dizer, mas parecia que eu tinha engolido uma porção de grilos e
eles não paravam de pular dentro do meu estômago. Eu tinha quatorze anos,
nunca havia sido beijada, ou

olhada e, de repente, estava sendo convidada para um passeio no parque com


Conrad Prince.

Será que ele sabia o quanto aquilo era diferente e especial para mim? Eu não
tinha ideia, mas sabia que ele já havia feito aquilo algumas dezenas de vezes,
afinal de contas, ele era ele, e eu não era boba de achar que com todo aquele
magnetismo e poder, o garoto tinha se privado de qualquer experiência.

Pensar naquilo me colocava em um pequeno buraco dentro da minha mente,


e foi por isso e por saber que Susan seria algo para lidar naquela noite que
saí dele o mais rápido possível.

Não importava o antes, na verdade, não importava nem mesmo o agora.


Talvez Conrad tivesse me chamado porque ele tinha o plano de ter uma
amiga que tivesse gostos em comum.

Gostos dos quais ele não se sentia confortável em compartilhar com outras
pessoas.

É. Era só isso. Aquela ideia era mais fácil de aceitar.

A expectativa era o problema de quase todas as relações do mundo, e se eu a


mantivesse trancada em uma caixa, não precisaria me decepcionar, caso
Conrad só gostasse de mim por perto para falar sobre desenhos ou romances
do século passado.

— Repete. Como foi que ele te chamou para hoje? — Susan me chamou de
volta para a realidade quando chegamos ao parque e não o vimos.

— Ele só perguntou se poderíamos aparecer. — Não dei maiores detalhes.


— Fale como foi, palavra a palavra — ela insistiu e eu rolei os olhos.

— Susan, pare, por favor. — Olhei em volta com as mãos nos bolsos da
jaqueta jeans que combinava com o short que vestia. —

Olha, Conrad quer fazer amizade, o irmão dele também vem…

— Eu não consigo acreditar que ele nos chamou por você. —

Era uma afronta, mas tentei não cair na dela. — Por que não deu meu
número para ele?

— Porque ele não pediu, caramba!

Eu já estava perto de perder a paciência e nossa troca de olhares poderia ter


causado uma explosão, mas, por sorte, em segundos, vi cabelos loiros ao
longe e mudei meu foco.

— Se comporte, Susan. Isaac Prince acabou de chegar —

avisei e a vi ajeitar a postura.

Minha irmã também não queria decepcionar, mesmo que a maquiagem que
ela tenha escolhido naquela noite a fizesse parecer mais velha e menos
bonita do que realmente era.

— Vocês estão esperando por Conrad também? — Foi assim que Isaac
Prince nos cumprimentou pela primeira vez. — Você deve ser Scarlet. — Ele
não me beijou, não me deu a mão, só me mediu de cima a baixo. — E você,
Susan. — Foi a vez da minha irmã ser inspecionada pelo garoto que cheirava
à colônia cara e escondia alguma coisa no olhar.

— É isso mesmo. — Susan amoleceu o clima. — Achei que vocês fossem


viajar com Heather.

— Ah, a menina Simons, né? Ela até convidou, mas não vai rolar. Minha
mãe morreu no ano passado, então estamos todos meio que de castigo este
verão — ele comentou sem parecer sentir tanto a morte da mãe.
— Sabemos como é perder alguém assim — minha irmã completou.

— Sinto muito por sua mãe, Isaac. — Minha voz saiu num sopro baixo.

— Está tudo bem, ela está melhor assim, sabe? O câncer a pegou de jeito, foi
rápido demais para que pudéssemos fazer algo.

O bom é que o foco se virou para o futuro, ir para a Prince University, ser
alguém na vida do qual ela se orgulharia. Vocês já sabem para onde vão?

— Eu quero muito ir para a Prince. — O orgulho na voz da minha irmã era


um pouco exagerado.

— E você, Scarlet? — Os olhos verdes brilharam sobre os meus de novo.

— Ah, eu não sei. Não temos tanto dinheiro…

— Scarlet, cale a boca — minha irmã rosnou entredentes, naquela fé cega de


que se não disséssemos que éramos pobres, ninguém desconfiaria.

Pensei ter arruinado o humor dela cedo demais e que aquela noite acabaria
ali, mas, por sorte, a voz de Conrad acendeu a chama dentro de nós.

— Desculpe o atraso — ele disse, ajeitando o cabelo ao parar ao lado do


irmão.

Os dois se cumprimentaram tocando as mãos e então, toda a atenção de


Conrad estava sobre mim.

Meu rosto queimou, minha garganta secou.

Eu nunca me acostumaria com ele me olhando tão diretamente.

— Olá, Red.

Meu oi não passou de um sopro.

— Conrad. — A felicidade correu cada letra do nome dele na língua de


Susan. — Oi!
Ele não tirou os olhos dos meus.

— Oi — respondeu num tom desinteressado.

— Estávamos falando com Isaac sobre ir para a mesma faculdade e agora


que você chegou, Isaac e Scarlet podem ir buscar algo para nós, não? Os
mais velhos têm alguns direitos e… — A frase estrangulou na goela dela.

Conrad estendeu a mão para mim.

Um convite, uma barreira a ser quebrada: o toque.

Não havia outra possibilidade. Ergui a mão, toquei a sua, sentindo a pele
macia, fria, tão bonita quanto qualquer desenho que eu tinha feito. Quando
meus dedos ficaram sobre os seus, ele os cruzou e me puxou com gentileza.

— Até depois — ele disse para nossos irmãos e nos colocou em movimento.

Susan me mataria.

Isaac ficaria bravo com ele.

Mas eu não teria feito diferente, e por seu meio-sorriso ao sair de mãos
dadas comigo, eu sabia que ele também não.

Conrad me levou em todas as barracas primeiro.

— No que você é bom e ninguém sabe? — perguntei.

— Muita coisa — ele admitiu sem falsa modéstia e eu gostei.

— Ok, mas algo que possa me mostrar agora?

— Minha mira — ele disse, indicando a barraca de tiro ao alvo.

— Prove. Faz um tempo que preciso de um pato de pelúcia no meu quarto.

— Afinal de contas, você adora nadar, não é? — O tom cheio de ironia me


fez rir.
— Minha atividade favorita — falei, segurando o riso, caminhando junto
dele na direção das espingardas de mentira.

Conrad não disse nada quando nos encostou no balcão.

Soltou minha mão, fazendo meu estômago afundar ao sentir falta do calor
gerado entre nós, e sem me olhar, deu a ficha para o homem que controlava a
brincadeira.

— Cinco tiros. Se acertar todos, pode escolher um daqueles brindes. — Ele


indicou a fileira onde o pato que eu havia visto estava.

Conrad se concentrou, ajeitou a espingarda apoiando-a no ombro e mirou.

— Qual será o nome do pato?

Ele deu o primeiro tiro e o patinho de papel tombou.

— Hm, alguma ideia?

Ele sorriu e atirou mais uma vez. Um segundo pato caiu.

— Você pode chamá-lo de pato.

Mais um tiro, mais um acerto.

— É simples demais, não? — Tentei argumentar.

Ele riu, e acertou o quarto alvo.

— É, mas é assim que as melhores coisas são.

— Então você se considera uma pessoa de gostos simples? —

Eu não olhei para os alvos, olhei para ele, encantada.

Assisti como sua respiração controlava o momento em que o dedo puxava o


gatilho e como Conrad parecia saber que sua mira não falharia.

— Na maioria das vezes. Para que complicar quando o óbvio é simples?


— Nem sempre é assim.

— Na maioria das vezes, é. — O homem trouxe o pato para o qual Conrad


havia apontado e ele me ofereceu. — Você queria o pato, se eu não tivesse
uma boa mira, teria pulado lá dentro e roubado ele para você, mas você teria
o pato e ambas as formas seriam fáceis.

— Roubar não é fácil.

— Lidar com o pós do roubo talvez não seja, mas roubá-lo é. O

problema das coisas são as consequências, e nunca se pode fugir delas.

Conrad suspirou quando notou o peso que a conversa ganhava e devolveu a


espingarda para cima do balcão.

— Eu concordo — refleti depois de alguns segundos em silêncio.

— É?

— É. Não dá para fugir das consequências. Você poderia passar ileso do


roubo, mas sempre saberia ao olhar para o pato que não o ganhou
honestamente, e talvez não o merecesse. Isso é pior do que precisar pagar
por ele.

O meio-sorriso de Conrad atingiu os olhos.

— Você entendeu. — Parecia que aquilo era algo estrondoso, mas para mim
era normal.

— E qual é a dificuldade disso?

Conrad balançou a cabeça e me guiou pelo ombro, já que estava abraçada ao


meu pato, para o próximo brinquedo.

Nós comemos algodão doce, giramos nas xícaras malucas, brincamos nos
carrinhos de bate-bate, andamos na montanha-russa pequena, mas intensa, e
eu precisei fechar os olhos e esconder o rosto no ombro dele quando notei
que íamos mais alto.
Foi como ir ao céu e voltar a ter o braço de Conrad ao meu redor, me
puxando para si, parecendo querer me proteger.

— Vamos na roda gigante? Tem um ponto que quero te mostrar lá de cima.

— Lá de cima? — gemi e fechei os olhos depois de encarar a altura que o


brinquedo ir.

— Qual o problema?

— Eu realmente tenho um pouco de medo de altura, mas o problema não é


esse, é que… Odeio lugares apertados. Essas cabines parecem sufocantes,
e…

Eu não precisei continuar me explicando.

— Sem problemas. Não é nada de mais e tem outro lugar para ir.

Conrad daquela vez não pegou minha mão, mas eu o segui lado a lado, ainda
encantada com tudo o que tinha acontecido naquelas duas horas juntos.

Em um silêncio confortável demais para ser quebrado por nada, fomos


saindo da parte movimentada do parque e, sem sombra da minha irmã, fui
com o garoto de olhos pretos para trás do prédio de quatro andares da
administração.

— O que vamos fazer? — perguntei quando ele parou em frente à escada.

— Me dê o pato — ele pediu e eu obedeci. — Agora suba.

— Não é proibido?

— Deve ser. — Ele jogou a cabeça um pouquinho para o lado e deu de


ombros.

Meu coração tropeçou e senti meu rosto esquentar, mas não deixei Conrad
notar.

Virei para a escada e comecei a subir.


— Não olhe para baixo. — Foi o conselho mais bobo que já ouvi.

— É um pouco óbvio.

— Nem sempre. — Ele riu e eu quis ver, mas resisti ao último até estar no
topo do prédio.

Quando finalmente passei a perna para o telhado reto, relaxei um pouco,


ainda mais quando ele surgiu logo atrás de mim.

— Foi muito difícil?

Conrad se ajeitou no chão e deitou, colocando um dos braços atrás da cabeça


e batendo no chão ao seu lado para eu imitá-lo.

— Não — menti. Queria dizer que tinha sido difícil passar tanto tempo sem
olhá-lo, mas com certeza ele me acharia maluca.

— Ótimo.

Deitei ao lado dele e encarei o céu noturno estrelado.

Era bonito, calmo, silencioso e trazia paz.

Nosso silêncio de novo foi a maior e melhor conversa que poderíamos


compartilhar naquele minuto, até que ele o interrompeu.

— No que está pensando? — Sua voz veio em um sussurro.

— Que nunca mais parei para ver o céu desde que perdi meus pais —
confessei no mesmo tom baixinho — e você?

— Você não quer saber de verdade. — Mal sabia ele que eu queria saber
daquilo e de todo resto. Queria ser capaz de montar de desmontar o quebra-
cabeça Conrad Prince de olhos fechados.

— Me teste — provoquei-o e vi de soslaio o sorriso de Conrad.

Ele mordiscou o lábio pela milésima vez naquela noite e soprou.


— Gostaria de estar lá em cima.

— Flutuando?

— Morto.

Eu engasguei, quase me sentei, mas seu braço me impediu.

Conrad buscou minha mão e eu a peguei, chateada.

— Por que disse isso?

— Porque seria mais fácil. E eu desconheço alguém que tenha voltado para
dizer que há uma consequência.

— É porque na morte, seja lá o que tiver do outro lado, você precisa


enfrentar sozinho. E isso vai ser o futuro da sua alma. A consequência da sua
morte são os que ficam que sofrem. — As palavras saltaram da minha boca e
lágrimas se acumularam nos cantinhos dos meus olhos. Minha voz
embargou e Conrad pareceu notar, ficando em silêncio de novo, apertou
meus dedos com mais força.

Encaramos aquele pano escuro cheio de brilhantes por mais algum tempo
antes dele me dizer baixo:

— Desculpe.

— Você não tem culpa — rebati rápido demais. — Ninguém tem. — Minhas
palavras se perderam no meio do nó da garganta.

Eu não me lembrava da última vez que tinha me permitido chorar pelas


perdas que havia sofrido, mas em segundos, a possibilidade de perder o que
eu nem tinha com Conrad me destroçou e lembrou o quão pequena, indefesa
e frágil eu era. Eu odiava a possibilidade de perder tudo num piscar de olhos.
Odiava a morte, odiava o que ela dava e o que tirava.

— Red — ele me chamou depois de alguns minutos, falando mais alto do


que antes.
— O quê? — Funguei antes de perguntar, sem coragem de virar o rosto.

— Eu gosto do seu cheiro. — Era algo inusitado e inesperado.

Quis rir e não resisti, virando para encará-lo.

Conrad já me olhava.

— E gosto do seu cabelo. — Cuidadosamente, ele tirou a mão de trás da


cabeça e pegou uma das mechas espalhadas pelo chão do meu cabelo que era
comprido. — A cor é como fogo-vivo. —

Depois de dizer isso, com os olhos ainda nos meus, Conrad aproximou a
mecha do próprio rosto e cheirou.

Meu corpo todo esquentou.

Aquilo era algo novo, eu nunca havia experimentado, mas era bom.

Era como queimar, mas sem ser consumido pelo fogo. Eu gostava.

— Quem é você, Conrad Prince? — perguntei em voz alta no auge da minha


loucura.

— Um erro — ele respondeu como se fosse normal.

— Isso é completamente impossível.

E mesmo minha resposta sendo a mais verdadeira possível, ele suspirou


como se fosse doloroso falar daquilo e tirou os olhos dos meus, voltando a
encarar a imensidão do céu noturno.

Eu não. Continuei ali, admirando-o secretamente, esperando por mais, por


qualquer coisa que ele ainda quisesse me dar.

— Você jamais vai conseguir entender como é nunca se encaixar. —


Amargo, ele deu uma risada sem graça. — Do que adianta ser filho do cara
mais rico da cidade e morar onde eu moro?
Ver minha mãe se foder em um emprego merda, ou… — Ele engoliu e eu
respeitei seu espaço, até perceber que ele não soltaria mais nada, não naquela
noite.

— Eu não sei sua história, Conrad. Mas se um dia quiser me contar, ficaria
honrada, e não contaria para ninguém. — Era uma promessa.

— Eu sei, Red… — Pegando minha mão, ele a puxou para cima do seu
coração, e aquela foi a primeira vez, em anos, talvez em toda a vida, que eu
tenha me sentido em casa.

— Nós podemos pintar amanhã? — perguntei na inocência e senti seu peito


inflando, conforme ele acariciava meus dedos.

— Conrad, porra, sai daí! — Ouvimos alguém gritar.

— Caralho. — Ele fechou os olhos. — Já vou! — gritou de volta.

Ele se levantou em um pulo e eu o imitei.

Indo para a borda atrás de Conrad, vi o carro conversível parado lá embaixo,


com Isaac de fora olhando para nós e um outro homem no volante. Aquele
devia ser o pai deles, não?

— O que faz aí em cima? E quem é essa garota? — O tom de voz do homem


me fez me encolher.

— Já estou descendo e é só uma amiga — o garoto de cabelos escuros gritou


lá para baixo e se virou para mim —

Precisamos ir… E amanhã não podemos ir pintar.

Foi algo rápido, esquisito e desconfortável precisar descer, ainda mais


porque Conrad não disse nem tchau, ele só subiu no carro e como se eu não
fosse nada, foi embora.

Doeu, mas engoli aquilo mesmo que sangrasse por dentro e voltei ao parque
para procurar por Susan, sabendo que minha irmã acabaria comigo por todo
o caminho para casa, mas nada poderia
me atingir, já que a surpresa do dia seguinte coroava tudo o que aquela noite
havia sido de boa e mais um pouco.

Estávamos limpando o quintal da frente, Susan, vovô e eu. A manhã tinha


sido baseada em Susan de péssimo humor, vovô concentrado nas pequenas
apostas matinais e eu com meu caderno de desenhos, até que ele achou que
arrancar ervas daninhas do jardim seria uma boa ideia de trabalho em
equipe. Mal sabia ele.

Quando o motoqueiro parou em frente à casa e desceu com um buquê de


flores laranjas enormes, eu pensei que fosse engano.

— Scarlet Wright? — o homem de meia-idade perguntou.

— Sou eu. — Levantei, tapando o sol com a mão para poder enxergá-lo
melhor.

— Isso é seu. — Estendendo o buquê para mim, não me deu alternativa a


não ser aceitá-lo.

— Quem mandou? — Susan gritou alto e eu não respondi, vendo o cartão


pendurado, sentindo minhas mãos tremendo demais para soltá-lo do arranjo.

Quando finalmente consegui, abri o envelope e li.

❝ Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a intimidade, é só a


disposição. Sete anos seriam insuficientes para algumas pessoas se
conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para outras. ❞[3]

Minha irmã surtou. Ela sabia de onde tinha vindo antes mesmo de ver meu
sorriso.

Mas Susan podia colocar a casa abaixo que eu não poderia me importar
menos.

Conrad não era indiferente a mim e aquilo era, sem dúvida alguma, tão
grandioso e intenso quanto o nascimento de uma galáxia. Nada em mim
poderia resistir à beleza do que crescia no meu peito.
quando eu tinha 16 anos, os meus sentidos me enganaram. pensei que tinha
gasolina nas minhas roupas. eu sabia que alguma coisa iria sempre me
governar. eu sabia que esse odor era apenas meu.

tudo que você tem é o seu fogo e o lugar que você precisa atingir.

nunca dome seus demônios, mas sempre os mantenha em uma coleira.

a r s o n i s t ’s l u l l a b y e , h o z i e r Mais do que nervoso, eu estava


queimando de ódio.

A humilhação de ver aquele porco podre envolto em uma faixa com meu
nome, passando no telão do campo, foi algo que pensei que não sentiria. De
fato, eu nem mesmo cogitei a possibilidade de

algum deles ter coragem de retalhar, mas quando cheguei à sala de descanso
dos Viper e vi a frase brilhando na parede, fiquei mais desacreditado ainda
por ver a mão de Scarlet naquilo. Se ela queria brincar, eu estava pronto.

Passei aquela madrugada com um maço de cigarros e um livro de química


avançada na mão, mas volta e meia, quando olhava pela janela, não
conseguia deixar de pensar nela, na tensão entre nós, em seu corpo… Toda
santa vez que o corpo dela surgia na minha mente, e minhas veias
queimavam por outro motivo que não ódio, eu me estapeava mentalmente.

Não era para ela ter qualquer tipo de controle sobre mim e o recado estaria
claro no dia seguinte. Scarlet podia achar que estava no mesmo degrau que
eu, mas perceberia logo que fugir era a única opção já ficar para lutar só
causaria mais dano. E eu soube exatamente onde atingir graças ao
presentinho que havia roubado do quarto dela naquela tarde.

— O que é isto? — Bella esticou a mão para tentar pegar o blackbook de


mim naquela tarde de quinta, mas desviei dela, erguendo o caderno,
deixando longe do seu alcance.

— Não é da sua conta. — Não era minha intenção, mas sabia que quem não
me conhecia e ouvia nossa conversa me acharia rude.

— Não é da minha conta? — Erguendo as sobrancelhas e cruzando os


braços, Bella me repreendeu: — O que é que você quer com isso, hein?
Achei que era só assustar a garota depois dela fazer nossa sala de descanso
um matadouro. — Encarando as paredes em volta, ela franziu o nariz. —
Ainda consigo sentir o cheiro do porco morto.

— Reclame de novo e peça para a equipe de limpeza vir uma segunda vez,
porém, isso aqui não é problema seu, nem como eu lido com Scarlet.

Dei as costas a ela e já ia para a porta que dava para o corredor do meu
quarto, quando ela me chamou e me obrigou a parar.

— Conrad. — Olhei sobre o ombro.

— O quê? — respondi entediado e um pouco sem paciência.

— Achei que você estaria mais disposto a ferrar com seu irmão do que com
a garota Wright, e não sou a única…

Virei-me para a garota de cabelos curtos e escuros.


— O que você quer supor? — O mau humor pesou minha voz e a envenenou
com sarcasmo e ironia. — Acha que eu tenho algum interesse nela?

— É você quem está dizendo. — Bella deu de ombros, tão venenosa quanto
eu.

— Eu odeio a Scarlet — rebati com urgência. — E se eu acabar com ela,


acabo com meu irmão junto. Ela é a única coisa que ele tem que acha que
pode me atingir, e é só isso.

Dei as costas a ela de novo, mas Bella não parou.

— Se quer mentir para si mesmo, vá em frente. Posso fazer o papel de vadia


malvada o tempo todo porque eu realmente sou uma, mas quando estiver
desfilando com Scarlet ao seu lado, não espere que haja competição entre
nós porque, antes de brigar com uma mulher por causa de um bom pau, eu
prefiro enterrá-lo. Sou uma vadia má, mas uma vadia consciente.

Não voltei para respondê-la. Bella estava errada, não tinha nada a ver com
estar ou não com Scarlet, e eu provaria isso mais

tarde.

Meu caminho para o laboratório foi rápido e certeiro. Precisava ajustar


algumas coisas para a nova leva de mercadoria, mas o caderno na bancada
chamava minha atenção a cada cinco segundos. Era realmente uma tentação
não o olhar, e depois de uma hora, eu não resisti. Larguei a bancada e,
arrancando as luvas, a máscara e os óculos de proteção, peguei o blackbook.
Minhas mãos queimaram com a memória da primeira vez que toquei o
antigo caderno de desenho de Scarlet.
Aquilo parecia ter sido em uma outra vida, e com uma inquietação estranha
no peito, fui o mais hesitante possível quando ergui a capa dura.

De fato, eu não errei. Não estava preparado para ver aquilo, ainda mais
quando era um desenho de mim, logo na primeira página.

Foi um soco na minha cara.

Por que ela tinha aquilo quando namorava meu meio-irmão por tanto tempo?

Quando havia escolhido um lado?

A blusa de mangas compridas, o cabelo preto e rebelde… Não tinha como


confundir.

A frase “onde você está?” estava encaixada em todo o azul em volta.

Ali, Scarlet ainda era boa com cores, mas foi só passar algumas páginas que
percebi o quanto ela havia se perdido no próprio caos. Alguns desenhos
tinham frases, palavras, mas boa parte deles era uma completa bagunça
laranja, vermelha e preta.

Eu sabia o motivo.

Eu era o motivo.

Outros desenhos eram só planetas, estrelas, casas no topo de um morro.


Tudo mais escuro, mais sombrio, mais triste, e me vi em mais coisa do que
deveria, do que ela gostaria que eu visse.

Ela ainda desenhava minhas mãos, mas não tinha mais nada dos meus olhos
por ali.

Será que eu a assustava? Será que ela tinha pesadelos com eles?

Eu adoraria saber, e adorava a possibilidade de atormentá-la tanto quanto ela


fez comigo por tanto tempo. Criando coragem, voltei ao primeiro desenho.
Era estranho como vê-lo me incomodava, apesar disso, me forcei a analisá-
lo.

Por que Scarlet havia deixado meu rosto em branco?

Ela perguntava onde eu estava, mas ela bem sabia.

Foi por ela que eu fui embora, e ela era uma mal-agradecida do caralho, uma
traidora.

Fiquei tempo demais analisando o caderno e só o larguei quando ouvi água


borbulhando para fora do recipiente. Quando voltei para a obrigação,
secretamente, sabendo que ninguém poderia espiar dentro da minha mente,
me senti quase glorioso ao comprovar que, depois de todo aquele tempo, ela
ainda pensava em mim enquanto não havia nada de Isaac naquelas páginas.

Se ele achava que tinha ganhado, estava completamente enganado. Aquele


caderno era a prova.

Ele não conhecia Scarlet, e eu usaria aquilo a meu favor. Por causa disso, no
dia seguinte, sabendo que ela não havia consertado o chuveiro que eu tinha
quebrado, fui até ela.

O vestiário feminino do terceiro andar estava quase vazio. O

aviso de Bella correu rápido entre as garotas e, para minha sorte, ninguém
era amigo o bastante de Scarlet para avisá-la, ou se era, o medo que Bella
causava era maior do que qualquer pingo de empatia. Por conta disso,
quando adentrei pela porta no banheiro revestido com pequenos azulejos
brancos e armários de tom verde-claro, cheio de vapor e do cheiro do xampu
dela por todo canto, soube que não teria nenhuma intromissão.
Era noite dela se exibir ao lado do meu irmão. Era dia de engolir os dois
sendo vendidos como o casal modelo por meu pai, e obviamente eu não
estaria presente, mas o gosto de deixar Scarlet desestabilizada e pensando
em mim pelo resto da noite foi mais forte do que eu.

Ela estava lá. A única pessoa no vestiário. Envolta na toalha de banho


marrom, com os cabelos molhados, de costas para mim enquanto abria o
armário onde tinha colocado suas roupas, ela nem

desconfiava que estava correndo perigo e então, quando notou minha


presença, já era tarde demais.

Eu estava a um metro de distância quando seus ombros se endireitaram.

Scarlet respirou fundo, surpresa, mas não se moveu.

Continuei em sua direção, ficando a um braço de distância.

Seu cheiro me enchendo os pulmões em uma dose cavalar, quase demais


para aguentar, e eu tentei não respirar tão profundamente.

Notei sua pele arrepiar, o nervosismo na tensão de seus braços, na forma


como ela respirava, e quando estava quase em cima dela, Scarlet se virou.

Seu cotovelo esbarrou no meu peito quando ela o fez e a onda de choque foi
sentida por nós dois. Scarlet grudou as costas no armário, e eu acabei com o
último espaço que havia entre nossos corpos, grudando meu quadril ao dela.
A ruiva, tentando não parecer assustada, manteve o queixo erguido para
demonstrar que não tinha medo.

Era um desafio.

— O que está fazendo aqui?

Não pude evitar, o instinto era mais forte do que eu.

Pousei ambas as mãos no armário, uma de cada lado da cabeça dela,


abaixando a cabeça para ficar o mais próximo possível do seu rosto.
As bochechas dela ficaram vermelhas, sua boca entreabriu e vi os pequenos
dentes inferiores desalinhados surgindo antes dela lamber os lábios e respirar
fundo.

Scarlet se desarmou, manteve os olhos no meu pescoço, encarando o novo


desenho que tinha lá com muita atenção.

— Gostou? — provoquei.

— Se você não sair, vou gritar. — A ameaça saiu baixa

— Se você gritar, vou fazer uma cena, Red. — Com a mão direita, toquei
seu queixo com o indicador, fazendo com que ela erguesse o rosto para me
ver com clareza. Aquele toque ínfimo fez toda minha mão formigar e, no
meio daquela iluminação de merda e do vapor, não sabia dizer se seus olhos
eram verdes ou se estavam naquele tom amarelo bonito que eu gostava
quando mais novo. —

Já pensou que legal. meu irmão saber que você estava aqui comigo, em uma
situação dessa?

— Em qual situação você acha que… — Antes dela continuar sua frase
vociferada, tirei a mão de seu queixo e, violentamente,

puxei a toalha dela para baixo.

O tecido desceu fácil, Scarlet tapou os seios, enquanto eu olhava para baixo
e a prendia com a pressão contra seu quadril. A visão daquilo,
surpreendentemente, foi melhor do que antes, e seria meu tormento por mais
alguns dias. O corpo de Scarlet tinha se desenvolvido bem até demais. Os
seios cobertos pelo braço caberiam perfeitamente nas minhas mãos, a barriga
com dois pequenos vincos estava encolhida e eu vi a joia do piercing no
umbigo brilhar. Não consegui resistir e abri um sorriso pela novidade, mas
saboreando canto a canto da visão que tinha, sentindo a respiração dela
acelerar e meu corpo vibrar numa vontade alucinante de tocá-la direito,
soube que era perigoso continuar com aquele jogo, por isso fiz meu melhor
para não encarar demais a calcinha preta que abraçava o quadril dela tão
bem.
— Meu irmão gosta dessas rendas? — provoquei, respirando de propósito
contra sua boca.

Scarlet engoliu seco, vi cada detalhe de sua garganta afundando antes de


mirar seus olhos e ver que ela queria me matar.

— Adora, mas acho que deve ser de família, você parece não ter superado a
última vez que me viu usando uma dessas. — Eu

não esperava aquela chicotada, mas gostei.

O sabor da provocação era doce na minha boca, e ver Scarlet não correr do
jogo me deixou com um tesão louco. Daquela vez, não fiz questão de me
segurar tanto, e conforme ficava duro, não a poupei nenhum pouco de saber
do meu estado.

— Talvez eu até goste — aproximei o rosto do dela a ponto de roçarmos


nossos narizes e soprei —, mas só porque é divertido saber que você fode
com meu irmão enquanto pensa em mim.

Scarlet me fodeu no segundo seguinte.

Sua boca se curvou num sorriso e depois se escancarou numa gargalhada.


Ela deitou a cabeça para trás, seu corpo pressionou o meu, a pressão dentro
da minha cueca aumentou.

— Conrad, você é tão prepotente. — Viperina, ela limpou uma lágrima de


riso, e quando afastei o rosto, foi ela quem encurtou a distância. — Sabe
qual é a única hora em que penso em você? —

Sua voz era um sussurro sedutor demais, e eu neguei com a cabeça. —


Quando percebo que Isaac é o melhor que eu poderia ter.

Fui eu quem quis me afastar dessa vez. Ardeu no mais profundo do meu ego
ouvir aquilo. Mas Scarlet segurou minha

camiseta, me mantendo no lugar.


Seus seios mal eram cobertos pelo cabelo e notei a pele arrepiada, quente…
Eu não podia cair no jogo dela. Estava esperando encontrar uma garotinha
medrosa, mas ela ia me engolir se eu não pensasse rápido.

Scarlet ficou na ponta dos pés e aproximando a boca do meu ouvido, disse
baixo:

— Você fodeu meu coração, mas seu irmão — ela riu —, eu nem sei te dizer
quantas vezes ele me fez esquecer que você existia.

Aquilo foi demais para mim.

Minha mão foi direto para o seu pescoço, eu a empurrei contra os armários,
batendo com a cabeça dela contra o metal. Ela sufocou um grito, mas me
encarou como se estivesse adorando me ver daquele jeito.

Isso só fez o fogo nas minhas veias ficar pior.

Aquela provocação toda, a vontade de dizer a verdade bem na cara dela, de


foder com Scarlet bem ali física e mentalmente era grande, mas eu só sorri,
da forma mais cruel que pude, e encarando seus olhos, não medi minhas
palavras.

— Você é uma mentirosa terrível, Red. Se ele é tão bom assim, por que é
que você ainda me desenha? Não vi menção alguma do meu irmão naquelas
páginas. — o sorriso dela morreu.

— E eu aposto que se eu te tocar, meus dedos vão escorregar direto para


dentro de você de tão molhada que está agora. Estou errado,?

— Você não… — A frase não foi concluída e eu vi a guerra dentro de seus


olhos.

— Eu vou te tocar. Não aqui, mas vou. E quando fizer, você vai implorar
para eu não parar.

— Nunca — ela disse entredentes, seu corpo queimando contra o meu.

Minha mente bifurcou.


Eu tinha duas opções.

A primeira era jogar a toalha por uma hora e foder com ela ali com os dois
cheios de ódio. Seria do caralho, provavelmente a melhor transa de todas,
mas eu ainda queria brincar com a cabeça dela. Queria que Scarlet não
conseguisse virar a esquina sem ter medo de me encontrar do outro lado,
tanto por sofrer uma

humilhação das grandes ou porque queria sentar em mim, e foi aí que a


segunda opção venceu.

— Nunca diga nunca, Red — soprei contra sua boca e fiquei encarando-a.

Aquele minuto de tensão se estendeu pelo que parecia uma hora.

Nós dois estávamos no limite. Os corações batendo como se fossem saltar a


qualquer minuto. As respirações queimando, batendo uma contra a outra,
mas eu não conseguia soltá-la, e ela não conseguia deixar de corresponder.

Naquele segundo, quase me esqueci do motivo de estarmos brigando. Quase


esqueci que, por anos, fui privado de viver como queria. Que ela havia me
traído, me arruinado.

Quase deixei tudo de lado para beijá-la.

Ela fechou os olhos como no passado, sua boca se abriu um pouco mais.

Ela queria, e de algum jeito errado, não deveria ser assim.

Ela não era mais a garota de quatorze anos bêbada no banco do meu carro.

Ela era uma filha da puta que merecia pagar junto com o lado que havia
escolhido.

— Espero que meu irmão não se importe que todo mundo veja melhor o que
ele tem, já que você não pareceu nenhum pouco desconfortável antes. —
Minha voz saiu como um murmúrio, e ela abriu os olhos. A mágoa brilhou
neles, mas durou pouco, lá estava o ódio de novo.
Ela me empurrou, não se preocupando nenhum pouco em se cobrir, não pude
deixar de notar algo brilhando nos mamilos e só então notei os piercings.

Caralho, eu tô fodido — pensei. Seria impossível esquecer aquela visão.

Tirei os olhos dela, e peguei a peça de roupa do armário antes de pegar a


toalha no chão.

O plano original não era aquele, mas com raiva, se tornou.

— Se você ainda não entendeu — falei quando notei que ela não ia se mover
—, é agora que você sai.

Ela fechou os olhos mais uma vez, tapou os seios com o braço de novo
mesmo eu já tendo visto tudo, e respirou fundo antes de me encarar com o
maior desdém do mundo.

— Deve ser uma merda para você saber que só vai poder olhar mesmo, não
é? E, se você está aqui para ver uma segunda vez, é porque gostou muito do
que viu antes. — Ela começou sua caminhada, mas parou antes de sair, e
mantendo o resto do orgulho que tinha, disse: — Espero que saiba que não
importa com quem você transe, lá no fundo sempre vai se perguntar como
seria comigo, e se você quiser saber, só o seu irmão poderá te dizer.

Quando ela saiu do banheiro, ouvi os assobios e os gritos pelo corredor, mas
nem depois de tentar me conter a raiva foi embora.

Foi por isso que soquei a porta do armário dela e fiz questão de deixar a
merda do vestido laranja pegando fogo lá, junto de todo e qualquer desejo
que eu poderia ter por ela, como se meu ódio pudesse consumi-la como as
chamas faziam com o tecido, antes de sair dali.
— Ei, Prince! — Uma garota de óculos de grau, cabelo azul e que com
certeza não era uma Viper me encontrou no corredor, fumando meu terceiro
cigarro seguido. Eu a medi de cima a baixo

enquanto a assistia tomar fôlego. — Seu pai está mandando te chamar.

— Quem é você? — Minha cara de poucos amigos a fez tagarelar.

— Amanda Rudson, sou uma Bird, estou participando do comitê de


organização do torneio e seu pai está tentando te ligar há umas duas horas…
Estamos em cima, a festa de abertura começa em meia hora.

Meu celular estava no silencioso há um bom tempo.

— Ok.

— Certo, até depois, Prince. — E ela saiu correndo pelo corredor.

Sabendo que o velho estava me procurando, tentei fugir, porém quando


cheguei à porta do meu quarto, encontrei-a aberta, com meu pai sentado na
cama, de braços e tornozelos cruzados, parecendo achar tudo em volta
medíocre.

— A decoração é por conta da casa — falei, pulando suas pernas para ir até
o banheiro lavar as mãos. — O que quer?

— Notei que precisamos conversar direito.

Parei, erguendo uma das sobrancelhas e querendo rir, o encarei.

— Levou vinte e um anos para o grande John Prince perceber isso?


Parabéns. — Ele desaprovou meu tom sarcástico, para variar.

— Você tinha razão. Eu é quem tenho o maior interesse pela Star. — Quase
bati palmas pela evolução de admitir que eu estava certo. — Mas, pela
Supernova, não. Tem alguém maior e mais perigoso próximo de nós que tem
interesse nela, e eu não quero você com mais problemas, é por isso que
tomei a frente das coisas.
Apoiei o ombro no espelho ao lado da minha estante, encarando meu pai,
tentando ler a mentira em sua voz, mas não a encontrei.

— Como essa pessoa me descobriu?

— Porque eu fui idiota o bastante para falar sobre você.

Meu pai me olhou com expectativa e, de fato, não achava ser mentira. Ele
gostava de se exibir nas horas vagas, eu só não imaginava que meu nome
estaria algum dia envolvido nesse papel.

— Eu acredito.

— Ótimo, porque estão cobrando mais.

— Sem chance, só vou ter mais daqui, pelo menos, uma semana — me
desarmei. — Meu laboratório é pequeno, sou eu quem cuida de tudo
sozinho, então não adianta querer aumentar a produção e fazer alguma
merda no processo.

— Prudente. — Ele parecia não esperar aquilo de mim. — Mas eu estou aqui
para outra coisa também.

— O quê?

— Vi que você se inscreveu nos jogos, e com a possibilidade de um dos


meus filhos ganhar, quero que você vá para a festa de hoje à noite.

Encontrar Scarlet, meu irmão e meu pai em um mesmo lugar?

Sem chance. Neguei com a cabeça.

— Não quero.

— Não estou pedindo. Você indo, como um Prince na Dangerous Viper,


conseguirei investimento dos antigos membros da sua fraternidade, então
vim negociar.

Aquele sim era meu progenitor.


— E o que você tem a oferecer, John? — Tirei um cigarro de trás da orelha e
o acendi, sabendo que aquilo o irritaria.

— O que é que você quer?

— Uma foto da família estampada no jornal da cidade —

traguei e soprei antes de continuar — e usada no cartão de Natal, comigo


incluso nela, com todos os membros bem sorridentes, o que acha? Acha que
seu filho favorito pode obedecer a essa ordem?

— Farei o possível.

— Então, se eu achar que isso vale, te vejo daqui meia hora.

— Acenei para ele, indicando a saída, num sinal claro de que o queria fora, e
foi o que ele fez, saindo sem se despedir, fechando a porta a suas costas, me
fazendo anotar mentalmente que eu precisava trocar aquela fechadura logo.

Toda a universidade parecia caminhar na mesma direção.

Todos estavam saindo para o gramado, indo para a parte de trás do prédio,
para a floresta que naquela noite tinha tochas amarradas no tronco das
árvores para guiar o caminho da multidão.

Segui com o resto dos alunos até a clareira, vendo o palco armado, meu pai,
meu irmão e Scarlet lá em cima conversando

entre si, ignorando o barulho em volta. O DJ já tocava algo no palco onde


eles estavam, o bar já estava abastecendo os alunos que queriam aproveitar
aquela sexta com tudo o que ela tinha para dar, mas eu fiquei imóvel na
plateia, observando o triozinho do ódio, pensando como seria a sensação de
ver em seus olhos que eu, o indesejável número um, tinha colocado a casa
abaixo.

Os três me varreram para debaixo do tapete. Cada um, ao seu modo, me


feriu. E eu devolveria cada uma das merdas com juros e correção.

— Você veio mesmo? — O tom desacreditado de Thomaz me chamou


atenção.

— É, não aparecer faria me parecer fraco.

— Já estamos sabendo que todo mundo viu Scarlet atravessar os corredores


praticamente pelada. A essa hora, a foto da bunda dela está rodando a
internet — ele disse aquilo como se não fosse nada, virando sua cerveja.

E eu também não deveria me importar, mas algo me cutucou.

Encarei a garota em cima do palco que sorria como se vivesse em algum


mundo perfeito e foi inevitável não a comparar com a pessoa que encontrei
mais cedo. Inteligente, provocante, que não queria

sair por baixo… respirei fundo e afastei o incômodo. Não era problema meu.

— Preciso subir. Jurei que estaria aqui para essa merda, depois encontro
você.

Batemos as mãos e eu me afastei, indo para a pequena escada, evitando


encará-los tão diretamente até estar na mesma altura. Quando os três me
notaram ali, a conversa animada morreu.

Enfiei as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e, ignorando meu pai porque
não tinha o que gastar de palavras com ele, e louco para provocar meu
irmão, encarei Scarlet que tentava se esconder num meio abraço de Isaac.
Descaradamente, medi seu o corpo da maneira mais grosseira e sexual
possível, não fazendo questão de esconder que gostava muito de vê-la
usando o vestido esverdeado bem colado nos quadris, e não perdendo o
detalhe dos seios pesando no tecido graças às alças finas, dei um meio-
sorriso perverso.
— Esse vestido ficou melhor do que o que você ia usar. A cor te favoreceu,
Red. — Ela engoliu a respiração. — Só não é melhor do que aquela calcinha
preta, aquilo sim é um espetáculo. Você ainda está usando ou trocou depois
do nosso encontro?

Meu irmão se inflou como um pavão, ela o segurou no lugar.

— Não dê o que ele quer. Conrad é um idiota. — Scarlet mal conseguia


olhar para mim.

— Um idiota que quer perder os dentes — Isaac esbravejou.

Dei um meio-sorriso, tirando as mãos dos bolsos, erguendo as mangas da


jaqueta.

— Gostaria de te ver tentar. — A ameaça estava lá, a tensão, a vontade de


brigar.

Se ele me desse a brecha, eu o pegaria com todo o ódio que nutri por todos
aqueles anos e, com toda a certeza, se não me tirassem de cima dele, seria
capaz de matá-lo.

— Vocês dois, parem com essa merda agora mesmo — John mal moveu os
lábios quando nos repreendeu.

— Pensei que você manteria seu cãozinho e o brinquedinho dele na coleira,


John — provoquei sem tirar os olhos do meu irmão.

Seu rosto era uma máscara de ódio e frustração, seria de um prazer sem fim
quebrá-la.

— Conrad, por favor, se comporte. Temos um acordo, não? —

Meu pai se colocou entre nós e, depois de ponderar um pouco, abaixei os


braços e dei de ombros.

— Foda-se, tanto faz. O que é para fazer?


— Espere aqui, estou esperando o resto dos alunos chegar para anunciar
como as coisas vão funcionar.

— Ok, então. — Tirei o maço de cigarros do bolso. — Você não vai se


importar se eu fumar, não é?

Ele deu de ombros e, vendo que eu não seria mais um problema, se afastou
para ver algo com o DJ.

Scarlet não tirou os olhos de mim. Não do meu rosto, mas do resto do corpo,
como fazia antes. Claramente receosa, apreensiva, parecendo esperar meu
próximo golpe.

Mal sabia ela o que eu estava pensando em fazer.

Fumei meu cigarro em paz, mas completamente consciente dos dois ali,
observando a maneira como meu irmão a segurava para si, e em como ela
fugia do meu olhar toda vez que eu a encarava diretamente. A tensão entre
eles, a conversa baixa.

Cheguei a ler os lábios dela um pedido para que Isaac não fizesse nada
comigo ali e quis rir. Não precisava da proteção dela, não queria que Scarlet
o fizesse desistir, porém Isaac era covarde o bastante para não me atacar em
campo aberto. A maior prova de

sua covardia, inclusive, era estar com Scarlet em seus braços daquela forma.

Peguei um segundo cigarro. Scarlet suspirou quando me viu dar a primeira


tragada e percebi que ela também queria fumar, mas meu irmão geração
saúde devia encher a cabeça dela e, mais uma vez, eu quis rir. Era sério que a
dependência dela deixava com que ela fosse contida daquele jeito? Onde
estava a garota que começava a me peitar?

Enquanto a observava, meu pai bateu no microfone algumas vezes. O som


do DJ parou, todos os alunos olharam para ele, e John Prince sabia fazer por
merecer aquela atenção toda.

Assobios, aplausos e gritinhos o recepcionaram.


— Boa noite, alunos da Prince University! — ele cumprimentou sua
audiência com entusiasmo. — Estamos aqui esta noite, minha família — ele
apontou para nós no canto do palco — e eu, para anunciar que os jogos mais
esperados por vocês, chegaram! A tradição nos colocou a oportunidade de
disputar com honestidade, hombridade e respeito entre as fraternidades desta
casa tão importante. — Ele indicou o emblema da universidade em seu peito.

— Quem está pronto para mostrar que sua casa é maior que as outras?

O grito da plateia foi alto, a algazarra foi grande. John Prince, o hipnotizador
de massas, estava radiante e não pude deixar de notar os olhares de Isaac e
Scarlet. Meu meio-irmão sorria, admirando o próprio pai como um espelho
do seu futuro, comprando o discurso dele como todo mundo lá embaixo, mas
a ruiva? Apesar do sorriso no seu rosto, me surpreendi com a clareza que vi
em seus olhos.

Scarlet encarava meu pai sem uma capa de super-herói, e por quê?

Como poderia, se ele deu tudo a ela, se ela se manteve ao lado deles por todo
aquele tempo?

Algo me incomodou, mas não tive tempo de vasculhar minha mente naquele
segundo, já que fui anunciado.

— E temos aqui, meu sangue competindo! Isaac, venha. —

Meu irmão foi todo orgulhoso até ele, e meu pai ergueu sua mão, como se
ele fosse o campeão dentro de um octógono. Todos os Lions e algumas
outras garotas de fraternidades diferentes gritaram para ele. — E, o primeiro
Viper da linhagem Prince, Conrad! — Eu não esperava por aquilo, mas todo
mundo em volta, até mesmo alguns Lions, gritaram por mim.

O que aquilo queria dizer? O ódio e a inveja brilharam no olhar do meu


irmão, e percebendo que a audiência seria minha aliada, me aproximei do
meu pai, dei meu melhor sorriso e peguei o microfone dele.

— Finalmente este lugar parece decente. — Os risos vieram acompanhados


de gritos da plateia. — Vocês estão prontos para ver como será essa disputa?
Estão prontos para ver como se sai o melhor dos Prince?
Meu pai, parecendo feliz pela minha provocação, desapontou meu irmão que
ficou sem fala e com cara de poucos amigos, e puxou sua audiência
novamente.

— Essa vai ser uma boa competição, mas vocês Birds e Badgers têm chance
de colocar o ego dos meus filhos no chão, hein? E não se esqueçam, o aluno
vencedor, que acumular maior pontuação, leva cinco mil libras. Já a
fraternidade que pontuar mais, ganha a taça dos campeões e mil libras para o
caixa da próxima festa. — Foi unânime, todos comemoraram. — Lembrem-
se que desonestidade e trapaça são inaceitáveis nessa competição. Se você
for pego, será suspenso e sua fraternidade será multada. E, sendo assim, que
o torneio comece!

A música começou a tocar de novo, meu pai abraçou a mim e meu irmão e
se virou para chamar Scarlet para a foto, mas antes que ela atravessasse,
passando por mim e por meu pai para chegar em Isaac, eu a peguei.

Passei a mão por sua cintura e prendi seu corpo ao meu lado, não dando
tempo de ela fugir quando o fotógrafo abaixo de nós disse: “diga xis”.

A vitória no meu rosto de mostrar que só por eu chegar, as coisas seriam


diferentes, seria estampada no jornal e no cartão de Natal dos Prince, e fiquei
realmente ansioso para receber um daqueles logo.

A sessão de fotos durou vinte segundos. Foi só o fotógrafo sair da nossa


frente que Scarlet tentou se afastar, mas meus dedos foram rápidos em se
ajustar no corte do vestido e eu a segurei pela cintura, pele com pele, firme o
bastante para fazê-la me encarar.

— Me solte. — Era uma ordem que ignorei com prazer.

Abaixando o rosto para a curva do pescoço dela, aspirei o cheiro do qual


secretamente senti falta demais para admitir em voz alta e me mantive
sorrindo, sabendo que meu irmão nos observava.

— Eu vou, mas antes quero saber, Red, vai pensar em mim quando foder
com ele hoje? Imaginando se sou maior, melhor…
Não consegui terminar minha frase, mesmo assim, fiquei feliz por ver sua
pele se arrepiar antes dela ser puxada por Isaac.

— Crianças, estamos em público — meu pai, ainda conectado com a plateia,


deu o lembrete de que não deveríamos envergonhá-lo.

— Vem, Scarlet, porra. — O tom nervoso de Isaac fez o sorriso no meu rosto
se tornar genuíno, e eu assisti enquanto os dois se afastavam discutindo.

Não conseguindo prestar atenção em mais nada, me enfiei no meio da


multidão, seguindo-os com o olhar, assistindo à briga do casal. A chateação
na cara de Scarlet, o jeito grosseiro como meu irmão colocava as mãos nela,
a forma triste e cansada como ela discutia, como tentava se defender de algo
que não tinha culpa…

Era lindo ver meu irmão caindo sozinho, colocando todo o peso nos ombros
de Scarlet, desgastando aquela bosta de relacionamento que eles tinham. O
negócio cresceu tanto que, uma hora depois, com meu irmão e ela já tendo
bebido um tanto considerável, ambos gritaram um com o outro e ela foi
embora.

Ele não ligou. Foi Scarlet desaparecer no meio da multidão que Isaac
começou a conversar com uma loirinha que com certeza iria foder, e eu fui
atrás dela sem pensar duas vezes, disposto a começar minha tarefa de
mostrar que, mesmo depois de todo aquele tempo, mesmo depois de tudo
desmoronar, Scarlet ainda sentia algo por mim.

scarlet
e aqui estamos, nossa última noite vivos, e à medida que a Terra vai
queimando. oh, garoto, é com você que eu me deito enquanto a bomba
atômica se aproxima. oh, garoto, é você com quem assisto TV à medida que,
à medida que o mundo desmorona.

astheworldcavesin,sarahcothran.

cinco anos atrás

Eu estava feliz demais. Tão feliz que o surto de Susan após a confirmação
que as flores vinham de Conrad não me causou nadinha, nem um pouquinho
de culpa sequer. E mantendo aquele

bom humor como uma cápsula protetora, organizei a casa toda, limpei a
mesa do jantar, só eu e meu avô comemos, e na manhã seguinte, não me
importei de cuidar do café da manhã também.

Susan não resistiu à fome e estava sentada bem atrás de mim, com a cara
inchada, me encarando como se pensasse um meio efetivo de esconder meu
corpo e não levar a culpa. Apesar de achá-la idiota, não podia julgá-la, já que
eu me machucaria tanto quanto, caso descobrisse o interesse de Conrad em
outra pessoa. Não era segredo algum para mim, depois de todo aquele tempo
observando-o de longe, que gostava dele, e agora conhecendo-o, as coisas
caminhavam numa crescente.

Ainda assim, fingi que sua cara de choro não era problema meu, que seu
olhar não me assustava, e organizei a louça limpa no armário, liberando
espaço no lava-louças para mais peças sujas.

Vovô entrou na cozinha pouco tempo depois. Se serviu de café com as


ferramentas presas em seu macacão tilintando a cada movimento dele que
era barrigudinho no espaço apertado entre os armários e a mesa, e finalmente
se sentou.

— Aqui — ofereci o pote de açúcar e ele agradeceu em um grunhido


preguiçoso.

— Filha, você pode me dizer quem foi que mandou as flores de ontem? — A
seriedade em seu rosto, o fato dele não olhar nos meus olhos quando
perguntou e o sorriso que surgiu no rosto de Susan, me fizeram pensar que
algo ruim estava chegando.

— Foi aquele garoto que me tirou do rio, vô. Conrad Prince, você o
conheceu.

— E você tem passado muito tempo com ele? — Ouvi a colher raspar no
fundo da xícara e quando notei, os olhos de meu avô estavam nos meus,
ansiosos pela resposta.

— Um pouco — admiti. — Fomos com ele ao parque naquela noite…

— E Scarlet sumiu com ele. Eu te contei, vovô, ele é bastardo, não é como o
irmão que tem berço. Conrad é o rebelde, anda com gente esquisita, fuma,
não é boa companhia para Scarlet. Aposto que foram fazer algo errado.

— Não minta, Susan. — Tentei me conter, mas ouvi-la sendo venenosa


daquele jeito me consumiu por dentro. — Vovô, nós não fizemos nada de
mais. Conrad me deu um ursinho, me levou aos brinquedos e conversou
comigo, foi só isso, eu juro!

— Esse rapaz… — Ele deu um gole no café, limpou a garganta e juntou as


mãos sobre a mesa. — Ele gosta de você?

— Eu não sei. — Queria gritar com toda certeza que sim, mas eu não podia.
Minha voz saiu fraca, baixa. — Eu acho que gosta…

— Ele é mais velho, você precisa tomar cuidado. — Ele não conseguiu
terminar de falar, pois Susan se aproveitou do momento e, em um tom de
desdém, soltou:

— Conrad Prince gostar de Scarlet? Por favor, o mundo ainda não está
acabando. — Ela riu da própria piada. — O máximo que vai acontecer é ele
iludi-la, se divertir e jogá-la fora. Afinal de contas, o que é que ele ia ver em
você?

O sangue me subiu como nunca, e não consegui me conter.


— Conrad não é esse tipo de garoto, e mesmo que fosse, não sou burra a
ponto de me deslumbrar por alguém só por ser rico ou bonito, Susan. E se
você quer saber o que ele viu em mim?

Simples, eu não sou uma vaca amarga que sempre que pode é horrível como
você. Me conte, qual é o prazer em sempre ser alguém tão desprezível?

Meu avô ficou quieto, Susan calou a boca, ambos surpresos pelo meu ataque.

Eu não ia pedir desculpas.

Larguei a louça como estava e saí da cozinha, atravessei a porta de entrada,


caí na rua e, com o peito fervendo e as lágrimas queimando no rosto, saí sem
rumo até me acalmar.

Aquilo não funcionou na primeira hora, já que comecei a continuidade do


diálogo ao qual eu tinha fugido na minha mente, e falando sozinha, discursei
para meu avô os motivos pelos quais Conrad era uma boa pessoa, expliquei
o que Susan queria com aquele confronto, o porquê estava tão incomodada, e
naquela realidade alternativa, também colocava minha irmã no lugar dela.

— Droga — xinguei quando me vi longe demais de casa e percebi que a


oportunidade de ter aquele diálogo todo só existia na minha cabeça.

— Ei, Scarlet, não é? — Eu não tinha parado para prestar atenção nos carros
que passavam na rua, mas quando ouvi aquele tom de voz, parei para olhar
quem me chamava.

De dentro de um carro branco que eu não tinha ideia do modelo, loiro,


perfeito e confiante, Isaac Prince me chamava.

— O-oi — gaguejei. — É, é isso.

Ele riu da minha falta de jeito.

— O que faz por aqui? Sei que você mora do outro lado da cidade… — Ele
olhou para frente, franzindo as sobrancelhas.

— Eu gosto de andar quando fico nervosa…


— Sério? Meu irmão tem dessas também. — Meu coração se acendeu. —
Escute, tem algo para fazer agora?

— Nada. — Neguei com a cabeça. — Por quê?

— Meu irmão está em casa, e acho que ficaria feliz de ver você.

— Eu… — Tentei ser racional, mas pensar em Conrad me fez tropeçar


direto na ânsia de vê-lo. — Não sei.

— Vamos lá, é aqui perto e pelo menos você descansa um pouco da


caminhada sob esse sol. — Ele insistiu e, sabendo que normalmente eu não
faria aquilo, respirei fundo e concordei com a cabeça, estava morrendo de
sede.

— Está bem.

— Ótimo. — Ele apertou o botão para que a porta do passageiro abrisse,


fazendo o som das travas me tirar do lugar.

Atravessei pela frente do carro, abri a porta e apostei alto quando entrei no
carro.

Coloquei o cinto, respirei fundo e o encarei.

— Você já pode dirigir?

— Falta pouco para fazer dezessete. — Foi a desculpa que ele me deu, mas
com o pai dele mandando na cidade, duvidava muito que alguém teria
coragem de parar um Prince e dizer que ele não podia fazer algo. Ele voltou
a acelerar pela rua e puxou o assunto.

— Aquele dia, você e Conrad sumiram. Sua irmã ficou um pouco…

— Ah, podemos não falar dela? — Meu tom de voz entregou tudo.

— É por causa dela que você saiu andando pela cidade?


— É. Susan poderia facilmente competir pelo cargo de satanás em dias em
que está inspirada e hoje é um desses dias — lamentei, me apoiando na
porta.

— Entendo como é. Conrad às vezes é alguém difícil de lidar.

— Acredite, ele não chega aos pés de Susan.

— Você ainda não conhece Conrad. — Ele deu um meio-sorriso, me


desafiando a acreditar em sua versão.

— Você também não conhece Susan, mas em meia hora com ela, o que foi
que achou?

O sorriso amarelo que ele deu fez de mim a vencedora.

— Certo, você tem um ponto. Mas somos os caçulas, sempre vamos sofrer
mais na mão dos mais velhos do que o resto do mundo.

— Talvez seja um tipo de treinamento — supus.

— É… E você e meu irmão?

— O que tem? — Tentei não olhar para o loiro.

— O que vocês têm?

— Sou amiga dele. — Era óbvio, não?

— Mas só amiga? Conrad não tem só amigas. — Ele pesou o tom.

— Então eu sou a primeira. — Fui firme na minha resposta, e até pensei em


continuar, mas ao ver que o garoto parou em frente a um portão preto todo
ornamentado, com um grande P no alto, minha voz sumiu. Foi bonito de ver
ele se abrir automaticamente na nossa frente, e eu me senti uma idiota de
imediato por ficar encantada com algo tão bobo.

Assim que cruzamos a entrada, tive a visão da casa de longe.


Era imensa, mas não foi isso o que me chamou mais atenção. A estrada que
levava até a mansão era de pedras e coberta pela copa de árvores que se
entrelaçam, fazendo um belo arco de folhas por onde o sol brincava
procurando por brechas para atingir o solo. Era a coisa mais linda que eu já
tinha visto.

O som dos passarinhos e de água corrente me encantou também, e olhando


pela janela, mal notei quando Isaac estacionou.

Caí em mim quando ouvi a porta do carro abrindo e corri para tirar o cinto e
acompanhá-lo logo, mas foi só sair do carro e olhar para a casa suntuosa e
imponente que me senti pequena, meio suja e completamente inadequada
para entrar ali. Estava de short jeans escuro e uma blusa que quando nova
era branca, mas agora era meio amarelada, de um tecido levinho e que
deixava meus ombros e parte da barriga à mostra. Meu cabelo tinha sido
preso no alto da cabeça em voltas dele mesmo no meio da caminhada, e me
sentia suada, com meus tênis falsos nos pés. De fato, eu não era digna de
estar ali, e até cheguei a encarar o caminho bonito pelo qual havia acabado
de passar, pensando em quanto tempo correndo eu atingiria os portões
novamente e fugiria de Isaac sem maiores explicações.

— Ei, é por aqui — o garoto, parecendo ler minha mente, chamou, e tive
vergonha demais para seguir meu plano de arrependimento.

A entrada da mansão Prince tinha uma fonte d’água bem em frente à porta
principal, e eu segui Isaac pelos degraus de pedra da cor da minha blusa. Ele
passou por uma porta de vidro a qual eu provavelmente teria dado com a
cara se ele não estivesse me guiando e a luz do hall de entrada se iluminou
só pela nossa presença graças a algum sensor.

— Isaac, será que eu posso usar o banheiro? — perguntei, quando olhei


sobre o ombro dele e vi a escada gigantesca à nossa frente.

— Claro, tem um depois da sala de jantar. — Sem alternativa, eu continuei


seguindo o garoto.

Passamos por uma sala de estar enorme, com sofás de couro, tapetes que
custavam o valor da casa onde eu morava e obras de arte das quais eu não
entendia o conceito.

Tudo me fazia sentir insignificante, mas o pior golpe veio quando viramos
no final do corredor e tudo ao meu redor se congelou.

A sala de jantar tinha um espelho no fundo, bem de frente para quem entrava
no ambiente, e eu me vi uma bagunça. Meu cabelo emaranhado, meu rosto
vermelho, minha roupa que não era nem de longe a certa para estar ali, tudo
isso somado a uma mesa de almoço posta para três, com cada mínimo
detalhe da decoração ajeitado para fazer quem não se encaixava naquela
roda íntima desconfortável. Ainda assim, aquilo não foi o que me fez vacilar,
mas sim o olhar de Conrad quando me viu.

Seu rosto passou de entediado para surpreso, e não era como se eu fosse uma
boa surpresa. Sua testa se vincou, as sobrancelhas se juntaram, os olhos
escuros que podiam ver através de mim me mediram de cima a baixo nada
felizes por me ver. Todo meu corpo esquentou e eu quis que a terra se abrisse
aos meus pés para eu poder pular dentro. Minha vontade era de chorar, de
pedir desculpas, mas não tive tempo de abrir a boca.

— Isaac, você não avisou que traria alguém para o almoço.

Quem é essa mocinha? — Minhas mãos estavam juntas na frente do corpo e


só quando a voz do pai deles soou, é que consegui me libertar do olhar de
Conrad.

— É uma amiga minha e de Conrad. Esta é Scarlet, pai. Você a viu algumas
noites atrás. Eu a encontrei caminhando e como ela

está longe de casa, a convidei para almoçar aqui, tudo bem?

— Isaac, não. — Minha voz saiu estrangulada. — Não precisa, eu só queria


mesmo usar o banheiro.

— Scarlet, não precisa ter vergonha. O banheiro é ali atrás —

o homem ao qual mal tive coragem de encarar direito indicou o caminho


com a mão, — mas faço questão que almoce aqui. Faz tempo que não temos
uma presença feminina nesta mesa.
— Eu… — e vendo de onde Conrad havia puxado aquele olhar, aqueles
olhos, não pude dizer não —... está bem.

Fitando o chão, forcei minhas pernas a caminhar em um ritmo que não


parecesse desesperado e que não me fizesse tropeçar e cair, e quando abri a
porta, ouvindo John Prince pedir mais um lugar à mesa para algum
empregado, me tranquei logo no lavabo e encarei meu reflexo no espelho de
novo.

Eu precisava melhorar aquela bagunça.

Abri a torneira, lavei o rosto com a água gelada, na tentativa de acalmar a


vermelhidão da pele, soltei o cabelo e o desembaracei com os dedos da
melhor forma possível.

Não fiquei muito melhor, mas era o que tinha.

Respirei fundo antes de sair dali e, reunindo cada mísera gota de coragem,
voltei à sala de jantar.

O pai se sentava na beirada da mesa, Conrad ao seu lado direito, Isaac ao


esquerdo, e meu prato estava ao lado do caçula dos Prince.

Sem conseguir olhar para Conrad, me sentei ao lado de Isaac e mordisquei o


lábio inferior, pensando no que faria com mais de três garfos para um
almoço.

— Scarlet, de onde conhece meus filhos? — John me chamou e ergui o rosto


para encará-lo melhor. Não queria que ele pensasse que eu era uma idiota.

— Estudamos na mesma escola.

— Estão na mesma sala? — o pai perguntou antes de levar a taça com uma
bebida clara cheia de bolhas à boca.

— Não. Eu sou mais nova — respondi e me assustei com o braço que surgiu
ao meu lado, servindo o prato de salada na minha frente.

— Quantos anos você tem?


— Quatorze. Faço quinze em janeiro.

— E já sabe para onde vai na faculdade?

— Pai… — Conrad protestou pela primeira vez e ganhou minha atenção.

— Não — respondi, depois de ver qual garfo estava na mão dele. — Ainda
não sei. Não temos dinheiro para estudar na Prince University, então eu e
minha irmã vamos tentar alguma bolsa fora quando chegar a hora.

— Nós temos bolsas de estudo para bons alunos, como é sua média? E o que
mais você sabe fazer?

— Pai — ele disse uma segunda vez, mas foi ignorado.

— Eu tenho uma média boa, mas não sei se tenho algum outro talento que
interesse a você…

— Imagino que tenha. Seus pais são daqui?

— Meus pais faleceram há três anos. — O homem não me deu uma pausa e
comecei a sentir a tensão de Conrad adentrando minhas veias.

— Sinto muito. Com quem você mora hoje?

— Meu avô.

— Em que parte da cidade? — Ouvi o tom sutil de julgamento e parei,


pensando em como responder. Apesar de mais velho, os olhos de John não
eram como os de Conrad.

Eu não conseguiria processar a pergunta, eu teria respondido o garoto de


primeira, mas não queria mais falar com o pai, e fui salva no último
segundo.

— Chega dessa merda. — Conrad empurrou a cadeira para trás e se


levantou. — Vem, Red.
Em meio segundo, eu estava de pé, com a mão de Conrad na minha
enquanto ele me levava para fora dali. Se eu tinha alguma esperança de
voltar à casa dos Prince, ou de achar que a família de Conrad seria legal
comigo, aquela experiência me colocou com os dois pés na realidade.

Eu não pertencia ao mundo perfeito e endinheirado dos Prince.

Eu nunca viveria em uma casa como aquela.

Eu nem mesmo seria uma opção para o filho de John Prince, e ficou bem
claro naquele segundo. Foi por isso que quando Conrad me guiou até o
primeiro carro perto da porta, uma picape mais antiga, não disse
absolutamente nada quando ele me colocou para dentro da porta do carona.
Havia um bolo de constrangimento, vergonha e culpa na minha garganta.

Conrad parecia furioso e aquilo não ajudava, não conseguia entender se eu


também era alvo da sua raiva naquele minuto.

Quando ele deu partida e manobrou o carro para passar pelo arco de árvores,
não consegui ver mais um pingo de beleza naquilo, até porque minha vista
estava completamente embaçada pelas lágrimas gordas que se acumulavam
nos olhos antes de caírem pelo meu rosto.

Aquela foi a primeira vez que chorei por causa de um, ou todos os Prince.

Demorou pelo menos cinco minutos para que Conrad percebesse que eu
estava chorando, estava concentrado no seu silêncio furioso, mas assim que
ele viu meu estado, finalmente parou de acelerar feito um idiota e encostou o
carro.

Conrad girou a chave, desligando o motor, e antes que eu percebesse o que


ele fazia, o braço dele veio e me puxou para si, me abraçando, escondendo
meu rosto no seu pescoço, fazendo minha mente nublar ao sentir o cheiro
vindo dele.

— Me desculpe, Red — ele pediu, acariciando meu cabelo, em um tom de


voz baixo e sério. — Eu não devia ter deixado isso acontecer, e essa
confusão foi o único jeito de te tirar de lá. Meu pai não presta, acredite. Ele
compra tudo em volta dele, e o que não consegue comprar, ele destrói. Isso
serve tanto para gente, quanto

para coisas. Não queria você exposta a ele tão cedo… — ele lamentou ao
mesmo tempo em que tremi no meio do soluço choroso.

Foi o que bastou para ele me abraçar mais forte e me manter ali mais tempo,
e ele só me soltou um pouquinho quando teve certeza de que meu choro
havia cessado.

Olhando para baixo, ele moveu gentilmente meu rosto para fora da curva do
seu pescoço e me encarou. Minha pele queimou sob seus dedos, será que ele
percebia?

De rosto inchado, descabelada e vermelha como ficava quando nervosa, eu


devia estar horrível, mas Conrad não pareceu notar.

— Está mais calma?

— Você está bravo comigo? — Minha voz foi quase um miado.

— Não. Estou furioso com meu irmão, irado com meu pai, mas com você?
Como poderia, Red? — O meio-sorriso de Conrad fez meu coração acelerar,
e quando ele acariciou minha bochecha, pensei que eu fosse entrar em
combustão em seus braços, até fechei os olhos esperando por isso. —
Quando eu puder, vou sumir no mundo. — O prazer daquele momento durou
pouco. Arregalei os

olhos para encará-lo, mas Conrad não me olhava. Na verdade, apostava que
sua visão estava em um futuro no qual ele havia desenhado para si mesmo
muito antes de eu chegar. — Para bem longe deste lugar e dessas pessoas,
uma vez que fora daqueles portões, eu sou só mais um fodido. Não nasci
para viver de aparências, e não quero que você se suje com esse meio de
merda.

Eu não sabia de nada, mas desconfiava que a ferida daquela família era
profunda e feia demais para que eu tentasse mexer, ainda mais depois da
tarde desastrosa.
— Está com fome? — ele perguntou depois de soltar um suspiro e,
infelizmente, me devolver ao meu banco.

— Não. — E era verdade. Havia uma pedra no meu estômago naquele


minuto.

— Então vou te levar para casa.

E ele seguiu pelo caminho, me deixando apreciá-lo, quieta, tendo certeza de


que o mundo do lado de fora poderia estar em chamas, tudo poderia
desmoronar, mas se ele me mantivesse em seus braços, tudo ficaria bem.

Quando ele parou em frente à casa do meu avô, confundindo ainda mais
minha cabeça, ele não me tocou. Isso foi meu meio de

entender que havia um limite, e eu estava pronta para lidar com ele quando
abri a porta da velha picape.

Meus pés escorregaram para o chão e eu suspirei antes de bater a porta, mas
quando o fiz, Conrad me chamou de volta e me virei para encará-lo.

— Você está livre amanhã?

Confirmei com a cabeça.

— Ótimo. Se prepare, vamos sair. Te mando mensagem depois.

E ele partiu, me deixando na porta de casa com o coração esperançoso, mas


a mente nublada. Por que o meu primeiro amor não podia ser simples?
Scarlet

eu sou louca, mas você gosta disso, eu mordo de volta.

d a i s y, a s h n i k k o

Eu estava no limite, completamente de saco cheio daquela merda toda.

Queria gritar com Isaac, dizer que ele era um idiota por ficar bravo comigo
porque seu irmão me segurou, porque chegou perto de mim, porque sorriu,
porque me tocou, porque falou comigo. Eu não podia controlar a porra dos
Prince, nenhum deles! Era o pai querendo me usar de exemplo como boa
aluna dedicada, como garota com a qual ele fez caridade e que descobriu que
o filho mais

novo era seu par perfeito para a eternidade. Era Isaac querendo me exibir
como um troféu e Conrad no meio do caminho para foder com tudo.

Eu não queria mais aquele joguinho, mas parecia mais presa nele do que
nunca, foi por isso que quando perdi a paciência junto de um copo de vodca
com suco de morango que me deixou um pouco mais solta, eu deixei Isaac
falando sozinho e saí andando.

Na caminhada de volta para o meu dormitório, o ano anterior passou como


um filme. A calmaria, a sensação de segurança, o sossego no meu
relacionamento. Tudo parecia por um fio naquele minuto e eu sabia quem era
o culpado de toda aquela confusão. A ameaça que Conrad fez mais cedo
ainda estava fresca na minha mente e ele ainda tinha meu caderno de
desenhos.

— Desgraçado! — xinguei quando me vi no andar do dormitório dos Viper


e, sem pensar direito, fui resolver meu problema.

De estômago vazio, a bebida tinha me deixado mais mole do que devia, e


quando cheguei à porta do final do corredor, ignorando se alguém tinha me
visto ou não, fiquei feliz por ser a garota de confiança do reitor. No meu
molho de chaves, dentro da bolsa, eu

tinha a chave mestra dos dormitórios. A regra era nunca a usar a não ser em
caso de emergência, e para mim, aquilo era uma emergência e tanto.
Olhando em volta, conferindo se não vinha ninguém pelo corredor, enfiei a
chave na fechadura e a girei até ouvir o trinco ceder.

Meu sorriso de vitória veio fácil, e rindo, abri a porta e entrei, fechando-a
nas minhas costas, trancando-a de novo, sabendo que se fosse pega ali
dentro, Conrad me mataria.

Foi só abrir o quarto dele e respirar fundo que o cheiro esmagador ao qual
senti falta por tanto tempo me afogou.

Secretamente, por anos eu tentei sentir aquele aroma exato, mas nunca
encontrei nada que se igualasse. Era uma mistura de sabonete, amaciante e
cigarros que só ele tinha e eu, não resistindo, me joguei em sua cama,
mergulhando a cara no travesseiro, absorvendo ao máximo tudo o que podia.

Era bizarro odiar tanto alguém, mas se dar conta de que sentiu sua falta de
forma tão tremenda e significativa. Eu o queria longe, mas era divertido
poder ser a pessoa que devolvia o tapa que tomava. Era ainda mais estranho
me sentir de volta à minha pele

por conta disso. Verdade seja dita, aquilo ainda era um treino, mas Conrad
me forçava a ser forte, a ser eu. Se não fosse, ele já teria me engolido logo
no dia de sua volta.

A cama de lençóis verdes estava feita perfeitamente antes de eu deitar nela.


O banheiro de Conrad era maior que o meu pelo que eu via da porta aberta, e
ele tinha uma estante enorme de livros.

Agarrada ao travesseiro, me levantei para ler os títulos, e de algum jeito foi


decepcionante não ver nenhum romance. Aquele velho Conrad parecia ter
morrido mesmo. No lugar de boas histórias, livros de química pesados e
chatos lotavam as prateleiras. Um par de óculos de leitura estava apoiado no
calhamaço que ele estava lendo na mesa de cabeceira ao lado da cama. Ele
tinha alguns maços de cigarro ali também, e não vi problema em roubar um,
era da mesma marca da qual eu fumava.

O computador tinha senha, as gavetas tinham camisinha, lubrificante,


cadernos de anotações com números que não diziam nada para mim. Notas
fiscais, chiclete, um cofre pequeno que parecia cheio de moedas, uma garrafa
de bebida sem identificação, e várias coisas que não me importavam. Fechei
a gaveta e abri o closet dele, foi nessa hora, vendo o que tinha na prateleira
de cima,

que ouvi o xingo do lado de fora enquanto a chave se enfiava na fechadura.

Não tinha para onde correr, e com o travesseiro na mão, no auge do meu
desespero, me fechei dentro do armário o mais rápido que pude, usando do
objeto para abafar o som da minha respiração e me drogar um pouco mais
com o cheiro de Conrad.

Ele entrou parecendo saber que tinha algo de errado.

Meu estômago se afundou.

Conrad bateu a porta e olhou em volta, desconfiado e com a cabeça girando,


não entendi minha vontade de dar risada daquela situação. A vontade durou
menos de dois segundos, porque, de repente, Conrad olhou na minha direção
e parecendo me enxergar, ele sorriu.

Meu corpo todo gelou achando que tinha sido pega, mas meio segundo
depois, ele me deu as costas, se livrou das botas e tirou a jaqueta, jogando a
peça de couro em cima da cama.

Ok, ele está no quarto dele, tudo bem tirar a jaqueta quando não está tão
frio, não é? — pensei, e logo depois o vi tirar a camiseta.
Foi como voltar ao passado quando Conrad exibiu as costas cheias de
marcas. Meu ar faltou, eu quis chorar quando lembrei como aquilo havia
sido feito, quando me lembrei como foi cair dentro dele e me apaixonar pelo
garoto quebrado a ponto de nunca mais tirá-lo do meu sistema. Ver as outras
marcas cobertas me fizeram ficar sem entender o motivo daquelas ainda
estarem aparentes. Eu quis abrir a porta e perguntar, mas quando ele se virou
para mim, perdi a coragem. O peito de Conrad era definido, os braços fortes,
o abdômen delineado, a cintura mais estreita.

Ele ainda era a porra de um deus grego.

Engoli em seco e senti o calor começar a tomar minhas bochechas e pescoço.


Os novos desenhos eram muitos, eu os vi na nuca, nos ombros, no pescoço,
na garganta, no peito, barriga, por todo o braço. Conrad agora tinha muitas
tatuagens e eu tive uma vontade súbita de descobrir cada uma delas, queria
vê-las de perto, descobrir seus traços, seus significados...

— E como queria — falei baixo e tapei a boca com o travesseiro logo em


seguida quando ele prestou ainda mais atenção em mim através da porta.
Parecia que ele sabia que eu estava lá e, por Deus, parecia que ele gostava.

O olhar no rosto de Conrad quando ele colocou as mãos no cós da calça era
de triunfo.

Ele não vai fazer isso — pensei.

Mas ele fez, e quando dei por mim, Conrad Prince estava abaixando calça e
cueca de uma só vez, ficando pelado bem na minha frente.

É possível isso ser real? — não consegui controlar minha mente.

Eu quis gritar, não acreditando que aquilo acontecia, mas tudo o que fiz foi
morder o travesseiro quando o vi duro, grosso e grande, com algo inusitado
bem lá.

A joia escura brilhava na cabeça do seu pau e apesar de num primeiro


momento meu pensamento ser “isso deve ter doído horrores”, não pude
deixar de imaginar como seria sentir aquilo nos meus mamilos, ou na minha
língua, ou entrando em mim.
Porra. Eu não conseguia parar de pensar como seria aquilo entrando em
mim, e me colocando contra a parede, Conrad deitou a cabeça para trás e
começou a se tocar. Sua mão forte e grande envolveu boa parte do
comprimento de seu pau e, gemendo baixo, puxando o ar entre os dentes, ele
se masturbou comigo de plateia.

Não consegui fugir da sensação, todo meu corpo esquentou e meu ventre
pulsou como há muito não acontecia. Meus seios latejavam. Como era
possível? Aquele tesão todo deveria ser proibido, mas era impossível
ignorar.

Esfreguei as coxas uma na outra, tentando buscar algum tipo de alívio, mas
não adiantou de nada. Queria mesmo era me tocar, aliviar a pressão e o ódio
que sentia por aquele ser de mais de dois metros de altura, mas não podia
ceder, nem em segredo.

Meu prazer nunca seria de Conrad Prince, não enquanto eu ainda tivesse o
mínimo de força para negá-lo e mantê-lo longe. Já era difícil demais lidar
com ele no meu sistema por anos daquele jeito que era, se eu permitisse
Conrad vencer mais essa barreira, seria impossível não cair direto em sua
armadilha, e eu não era burra.

Mesmo assim, admirá-lo não era proibido, até porque eu não tinha outra
opção, ainda mais quando ele gemeu mais alto e mordiscou o lábio inferior
logo em seguida.

Seu pau brilhava de tesão, seu corpo parecia tenso na busca do alívio, e
enquanto eu apertava o travesseiro com toda minha

força para resistir, travando meu corpo em uma tensão nunca sentida, Conrad
abaixou a cabeça e olhou para onde eu estava.

Minha boca secou, meu coração parecia bater nos ouvidos, e eu o vi


diminuindo o ritmo de sua mão quando, fazendo cada parte de mim vibrar,
ele disse em um tom alto só o bastante para que eu o ouvisse:

— Está gostando do que vê, Red?

Foi como cair dentro de um vulcão.


O filho da puta sabia que eu o espreitava!

Conrad se aproximou do armário e meu coração disparou com medo dele


abri-lo. Para minha sorte, ele não o fez. Ainda assim, não mudou muita
coisa, já que tão de perto, conseguíamos ver um ao outro pelas frestas de
madeira.

— Sabe no que estou pensando? No que tem me deixado duro a cada cinco
segundos? Em você hoje mais cedo… — Ele continuou se tocando, dessa
vez mais rápido.

Puta que pariu, era eu quem o deixava daquele jeito?

— Me conte, Red, como você acha que meu pau vai ficar entre os seus
peitos? — A pergunta foi quase um rosnado e me deixou mole.

Eu nunca me imaginei em tal situação, nunca pensei que aquilo me excitaria,


mas conseguia imaginar muito bem a cena que Conrad havia sugerido e não
consegui me conter. O gemido baixo que saiu da minha boca enquanto todo
meu corpo se arrepiava vendo-o ter prazer sozinho foi mais forte que eu.

Não era justo ele ser tão lindo, mais ainda do que quando éramos mais
novos.

Não era nada justo ele ser tão gostoso, ter um pau tão grande e grosso, e
ainda por cima ter aquele piercing! Não era certo eu desejar Conrad daquele
jeito, com aquela intensidade, não quando eu sabia que seria seu próximo
alvo para consumir e destruir, mas ainda assim, eu não conseguia evitar. Eu
era um grande ímã de desgraças e Conrad era a pior delas porque era o
veneno que eu consumia pouco a pouco e porque queria, eu sabia disso.

Havia mil e uma alternativas para não o ver mais. Eu poderia sim pedir
transferência com as notas que tinha, podia chorar para que John me
mandasse para longe, podia me jogar de cabeça nos trabalhos universitários
para juntar mais dinheiro e tentar bolsa do outro lado do oceano, mas não
queria.

Queria estar ali.


Queria ver Conrad e seu meio-sorriso cretino.

Queria socá-lo e queria beijá-lo.

E eu era uma mentirosa, uma traidora do pior tipo por admitir aquilo para
mim mesma e não fazer nada para mudar o rumo das coisas.

— Ah, Scarlet... — O prazer dele em gemer meu nome me consumiu.

A mão livre se apoiou contra a porta do closet, a outra continuou o


movimento intenso de masturbação, e quando Conrad gozou contra a porta,
me senti a vadia mais suja do mundo quando pensei que ele poderia fazer
aquilo no meu corpo.

Caralho, eu estava muito fodida!

— Porra, Red. — O corpo dele tremia, a respiração pesada entregava o quão


intenso aquilo tinha sido, e eu mordi o lábio inferior, sabendo que meu
castigo seria não me aliviar de jeito nenhum naquela noite. — Agora você
sabe o que te espera. — Ele deu um meio-sorriso, ainda me encarando pelas
brechas da madeira. — Já que eu sei o que você veio buscar, só vou dar a
dica de que você não vai achar tão fácil assim. E como sou um bom

anfitrião, vou para o banho para que você saia daí, e espero que deixe meu
travesseiro no lugar antes de ir.

Conrad se virou para ir na direção do banheiro, a bunda perfeita foi a


primeira coisa que mirei antes das antigas cicatrizes, mas ele me puxou para
longe daquele pensamento de novo quando olhou sobre o ombro e avisou:

— E não volte mais aqui se não quiser foder comigo. Da próxima vez, não
serei tão gentil.

O aviso estava dado, e eu me vi facilmente voltando ali, mesmo que fosse


idiotice.

Aquele desgraçado estava começando a foder com a minha cabeça e eu não


sabia como fazer, ou não sabia se queria fazer, aquilo parar.
Uma hora ou outra, nós dois colidiríamos e acabaríamos com tudo em volta.

scarlet

estou andando rápido pelos semáforos, ruas lotadas e vidas ocupadas e tudo
o que sabemos é incerto. estamos a sós com nossas mudanças de ideias, nos
apaixonamos até que doa ou sangre, ou desapareça com o tempo. você chega
e a armadura cai, atravessa o quarto como uma bala de canhão. agora tudo
que sabemos é não deixar passar. estamos sozinhos, só você e eu no seu
quarto e nossas fichas estão limpas. então você nunca foi um santo e eu amei
em tons errados. nós aprendemos a viver com a dor, mosaico de corações
partidos, mas este amor é valente e selvagem. e eu nunca previ você
chegando, e eu nunca mais serei a mesma.

stateofgrace,taylorswift.

cinco anos antes

Estou na porta.

Pegou

sua

toalha?

Eu nem respondi. Já tinha avisado meu avô que não estaria em casa no dia
seguinte, mas que levaria o celular e que não era para ele se preocupar, ou
dizer para Susan. Ele não tentou me podar, só me pediu para ser cuidadosa e,
se precisasse, ligar que ele me buscaria em qualquer canto da cidade.

Eu o agradeci e subi as escadas na noite anterior, jurando que conseguiria


dormir, mas só de repassar as boas coisas daquele dia, como o fato de
Conrad me abraçar daquela forma e se importar comigo, meu sono
evaporou.

Por toda a madrugada, eu encarei o céu noturno pela brecha da cortina,


imaginando como seria viver uma vida toda com os braços dele ao meu
redor, e nenhuma possibilidade diferente daquilo me pareceu tão perfeita.

Mesmo que Conrad só me visse como amiga, no final das contas, mesmo
que ele só quisesse me manter perto sem nenhum

motivo romântico, eu aceitaria só para ter mais dele, já que agora eu me


sentia um pouco mais preparada para encarar o quebra-cabeça Conrad
Prince. Por conta disso, se eu consegui cochilar por uma hora inteira foi
muito, mas o que importava era que estava com minha mala pronta antes das
nove, esperando por ele no sofá de casa, tentando não parecer tão ansiosa
por fora quanto estava por dentro.

Eu nem consegui tomar café, e quando a mensagem apareceu no visor, o


mais silenciosamente possível, corri para a porta de entrada e girei a chave
com delicadeza, rezando para que minha irmã não espiasse pela janela do
seu quarto, ou a volta para casa seria um inferno.

Quando finalmente tranquei a porta e desci os degraus da entrada, encarei a


picape preta e o vi com um dos braços apoiados no volante. A blusa de
mangas compridas de sempre, o rosto meio inchado pelo sono e o cabelo
bagunçado eram um charme à parte.

Naquela manhã eu não tive receio nenhum de encarar os olhos escuros e


intensos de Conrad, e quando eles sorriram para mim, senti como se pudesse
flutuar.

Cortei a distância entre nós em uma corridinha rápida e logo abri a porta,
pulando para dentro do carro, tomando cuidado para
não perder meus chinelos.

— Bom dia — eu o cumprimentei — Se importa se sairmos aqui da porta?

Ele não respondeu, mas deu um meio-sorriso como se não acreditasse


naquilo e acelerou quando fechei a porta.

— Dormiu bem, Red?

Eu deveria mentir?

— Dormi o suficiente. — Era mentira, mas não havia um pingo de sono no


meu corpo naquele minuto. — E você?

— O de sempre. — Dando de ombros, ele avançou pelo bairro.

— Já entendeu aonde vamos hoje? — Conrad deu uma boa olhada para
minhas roupas e eu olhei para baixo também, conferindo a parte de cima do
biquíni que havia roubado de Susan, eu não tinha nenhuma peça de banho
que me servisse, o short, e a mochila com toalha e coisas para comer, já que
não tinha dinheiro para gastar em canto nenhum.

— Algum canto com água? — chutei e o sorriso dele cresceu.

Conrad voltou a olhar para frente e concordou.

— É, mas você já foi pra Porty, certo?

— Hm… Se você está falando na praia de Portobello, não.

Nunca fui. — Olhei sem jeito, encolhendo os ombros. — Meu avô nunca nos
levou.

— Bom, espero que ele não se importe de eu levar você hoje, então.

Conrad ligou o som, abriu as janelas e enquanto o vento soprava e Papa


Rouch tocava nos alto-falantes, eu o imitei colocando uma das mãos para
fora da janela e brinquei com o vento, sabendo que fosse o que fosse, aquilo
era só meu.
Meus momentos com o garoto com o qual eu sonhei por dois anos.

Meus segundos de preciosa intimidade com o menino que fazia meu coração
bater mais forte. E estava conformada que o final do verão podia ser o final
daquilo, era mais do que óbvio que meus os próximos amores poderiam ser
intensos, mas nenhum deles seria avassalador como o meu primeiro.

O trajeto foi rápido, e como Conrad gostava de correr, não demorou muito
para que eu finalmente pudesse ver o mar, escuro e cheio de ondas, batendo
contra a areia enquanto várias pequenas barracas estavam erguidas na areia.

— Vai ter algo aqui hoje?

— O tempo ia firmar e o pessoal resolveu fazer uma festa. Vai até à noite,
provável que se torne um luau, mas você não vai poder ficar, não é?

— É, meu avô não ia gostar muito da ideia de eu sair tão cedo e não ter hora
para voltar, ainda mais depois do que Susan disse da última vez… — O final
da frase era para ser um pensamento, mas escapou pela minha boca.

Olhei para Conrad, com medo de sua reação e o vi fazer uma careta
desacreditada enquanto dava seta para estacionar.

— O que sua irmã disse?

— Ela não foi muito legal ontem, só para variar…

— Ok, mas o que ela disse? — ele insistiu, não parecendo mais tão passivo.

— Que você só queria brincar comigo, que não era uma boa influência, que
me faria de idiota e que... — meu tom de voz diminuiu, o nó voltou para a
minha garganta como no dia anterior, e eu soltei em um sussurro, desviando
o olhar do dele —... que eu não tinha nada de interessante para que você
quisesse algo comigo.

Minhas bochechas pegaram fogo, quis que o banco me engolisse logo em


seguida, mas Conrad soltou o ar em uma bufada.
— Sua irmã é uma idiota. — O tom de voz sério me fez olhar para ele, e que
erro o meu. Tropecei nos olhos sérios de Conrad, tão intensos e sombrios nos
meus, que mal pude me recuperar quando ele se aproximou e soltou meu
cinto de segurança. Seu rosto estava há cinco centímetros do meu, sua
respiração tinha cheiro de hortelã, e seu cheiro ainda era bom demais para
ser verdade. — Só alguém completamente insano não veria o que eu vejo em
você, Red.

Meu ar faltou. Eu queria gritar, mas não pude. Estava presa em seus olhos,
refém do seu próximo movimento, prisioneira de qualquer vontade que ele
tivesse.

Seus olhos deixaram os meus por um minuto e ele fitou minha boca. Eu
lambi os lábios.

O coração rasgando o peito, fazendo tudo em mim girar em uma espiral


irracional. Se ele não se afastasse, eu não resistiria e, para minha sorte, ou
completo azar, o cinto subiu entre nós e ele se endireitou.

— Espero que goste de água gelada, essa daqui é de doer os ossos.

Conrad Prince abriu a porta, pulou para fora do carro e eu me joguei contra o
banco, deitando a cabeça no encosto, não acreditando que era real.

Ele me achava interessante.

Sorri feito idiota, abri a porta, passei a mochila pelo braço e desci.

Nada poderia estragar aquele dia.

N a d a.
Com minha toalha estendida na areia não tão próxima ao resto das pessoas,
fiquei admirando Conrad que, com as mãos apoiadas na cintura, encarava o
mar. De bermuda e com aquela blusa, ele parecia um surfista, porém, algo
dentro de mim esperava que ele fosse se livrar dela em breve.

— Quer? — ofereci o protetor solar que começava a passar nos ombros.

— Não — ele negou e ergueu o braço, como se fosse óbvio não precisar por
causa da blusa. Mordi a língua querendo perguntar, e ele notou. — Quer
saber o porquê não vou tirá-la?

Só confirmei com a cabeça.

— Você nunca exibe os braços, ou qualquer parte do tronco.

Nem me deixa pegar em você nessas partes. — Fui direta demais e isso o
chocou.

— Não? Acho que já é automático. Me dê isso, vou passar nas suas costas.
— Ele pegou a embalagem do protetor e ficou atrás de mim. Ergui o cabelo e
senti um arrepio quando o produto gelado tocou minha pele já quente.
Conrad soltou um riso nasalado e eu mordi o lábio com força, não querendo
correr o risco dele se calar de novo.

— Eu tenho algumas marcas que não gosto de exibir. — A mão de Conrad


era suave contra minha pele, esfregando, espalhando, quase acariciando
minhas costas. — Em sua maioria, a dos braços são queimaduras. Acho que
você já notou que eu gosto de brincar com o que não devo, não é?

Confirmei com a cabeça, querendo que ele não parasse de se abrir, nem de
me tocar.

— E as outras… — Tentei forçá-lo quando o silêncio ganhou espaço entre


nós.

— As outras… As outras são assunto para outro dia. — Ele terminou e se


deitou ao meu lado, apoiando o corpo no cotovelo. —

E você?
— Eu o quê?

— Não tem nenhuma cicatriz para contar história, nenhuma interna?

— Interna?

— É. — Sua cara de desinteresse não me ganhou. Seus olhos foram longe


quando ele disse: — O tipo de cicatriz mais feia que existe.

— Ah — respirei fundo, abracei as pernas e encarei o mar —, desse tipo eu


acho que tenho aos montes.

— Além das que são sobre sua perda?

— Além delas. — Encarei a areia, que era rara em praias europeias, e


suspirei. — Acho que é por isso que me agarro na ideia dos romances
clássicos serem tão puros. Aquilo nunca poderia

acontecer de verdade, mas a paz de saber que alguém imaginou algo daquele
jeito me conforta.

— O morro dos ventos uivantes não é puro. Emily Brontë explorou a


capacidade do ser humano se perder no mais puro ódio por conta de um
amor não correspondido.

— Mas o amor foi correspondido. — Encarei Conrad. — O ódio se instalou


pela má comunicação, pelas meias-verdades, por causa do sofrimento. O
amor não teve nada a ver com aquilo, inclusive, ele é a cura para os primos
no final…

Ele fez uma careta, depois deitou com a barriga para cima e tapou a testa
com o braço.

— Prefiro Jane Austen. Ainda há falta de comunicação, porém sinto que tem
mais esforço dos personagens para resolver isso.

— Ainda assim, é um problema do ser humano não falar e pecar pela


imaginação. A expectativa pode destroçar qualquer um
— completei, olhando com casal que passava correndo na nossa frente, rindo
alto.

O garoto perseguia a menina e ela queria ser pega, mas ainda gritava entre o
riso para ele se afastar e corria dele.

— O exemplo está aqui. Ela quer que ele a pegue, mas a graça toda é saber
se ele está disposto a realmente pegá-la, entende?

— Você tem só quatorze anos mesmo? — Quando voltei a olhar para


Conrad, ele não me olhava como se eu fosse um E.T., mas sim como se me
admirasse.

— Tenho.

— Não deixe meu pai descobrir essa sua inteligência. Você seria um ótimo
ratinho no laboratório dele. — Conrad bufou e voltou a esconder os olhos
sob o braço.

— Seu pai e você… A relação não é boa?

— Nunca foi, mas fazemos o mínimo, assim ele continua a bancar minha
educação e minha mãe um dia vai ter a chance de sair da vida que leva.

— Sua mãe é bonita — soltei baixinho e ele sorriu.

— Você devia ver as fotos dela do passado. Dezesseis anos atrás, ela era a
mulher mais linda desta cidade, tanto que meu pai não passou impune.

Ajeitei-me para deitar ao lado de Conrad e o instiguei.

— Como ela conheceu seu pai?

— Minha mãe era dealer, dava as cartas na mesa e em uma bela noite, John
Prince, o rei do mundo, foi jogar.

— E ele se apaixonou — chutei e fiz Conrad soltar um riso amargo.

— Antes fosse isso, ele só queria foder com ela.


Fiquei horrorizada pela forma que ele disse aquilo, mas me segurei.

— Minha mãe era bonita, inocente demais, ele era tão bonito quanto ela, e
de um caso de uma noite, eu nasci. Meu pai era casado, sua mulher vivia
lutando para engravidar e conseguiu dois meses depois que minha mãe
descobriu a gravidez, quando o assunto vazou e descobriram que havia um
bastardo Prince por aí, esta cidade caiu em cima da minha mãe como se ela
fosse uma criminosa. Ela perdeu o emprego, quase perdeu a casa em que
morava, e se não fosse um advogado meia-boca que conseguiu com as
últimas economias, ela teria chegado ao ponto de comer lixo. — O desprezo
na voz de Conrad fez os pelos do meu braço se arrepiarem. Eu odiaria meu
pai se ele tivesse feito o mesmo com minha mãe. — Finalmente, ela
conseguiu assistência, mas meu pai, muito inteligente, enrolou minha mãe de
novo. Hoje em dia ele

custeia minhas despesas, mas é só o que faz. Quando há algum problema


sobre falarem de onde eu moro ou coisas do tipo, tudo o que ele diz é que eu
já tenho capacidade de escolha e se quiser, posso morar com ele, mas o que
seria da minha mãe? Não posso deixar Caroline, não posso sonhar em… —
Ele suspirou. — Já falei demais.

— Não, eu te entendo. Acho que odeio seu pai também.

Ele riu.

— Não é algo difícil. Ontem, quando ele começou a te pressionar… Achei


que fosse bater nele.

— Eu não valho uma confusão desse porte, mas obrigada por me tirar de lá.

— O problema não foi você, Red. O problema foi meu irmão, mas isso é
assunto para outra hora.

— Certo, então é da sua mãe que você puxou o gosto para leitura?

— É, eu ainda sei os clássicos, mas hoje prefiro as fantasias.

— Você sabe? — perguntei, sem entender.


— É, eu sei em um nível de que posso declamar qualquer parte de qualquer
livro que tenha lido para você. Dizem que minha

cabeça é boa em decorar coisas — ele disse como se não fosse nada e eu o
achei ainda mais incrível.

— Me prove.

Conrad limpou a garganta e virou a cabeça para mim.

Olhos nos olhos, próximos demais.

— Sei que é generosa demais para fazer pouco de mim. Se os seus


sentimentos são ainda os mesmos que manifestou em abril passado, diga-me
imediatamente. O meu amor e os meus desejos permanecem inalterados;
mas basta uma única palavra sua para que nunca mais lhe fale no assunto.
— Ele suspirou, esperando algo meu, mas não consegui fazer nada além de
sentir minhas bochechas queimando e meu estômago tremendo. —
Elizabeth, sentindo, além do mais, a difícil e aflitiva situação em que Darcy
se encontrava, esforçou-se então por falar; e imediatamente, embora de
forma hesitante, lhe deu a entender que os seus sentimentos tinham sofrido
uma transformação tão substancial desde o período a que ele aludira que a
levavam agora a aceitar as suas declarações com prazer e gratidão. A
felicidade que esta resposta causou em Darcy foi a maior que até então
conhecera; e, na ocasião, ele exprimiu-a nos termos mais calorosos que o
seu coração de

apaixonado logrou encontrar. Se Elizabeth tivesse podido erguer os olhos,


teria visto toda a felicidade refletida no rosto dele, infundindo-lhe uma
animação que o tornava belo; mas, se ela não podia olhar, podia ouvir, e ele
contou-lhe tudo o que sentia, o que, ao provar a importância que ela tinha
para ele, valorizava a cada instante o seu amor aos olhos de Elizabeth…[4]

— Você…— soprei contra seu rosto e o vi mordiscar o lábio inferior,


olhando para minha boca.

— Eu o quê? — Conrad respondeu.


— É completamente injusto com o resto do mundo que você seja como é e
ainda saiba esse tipo de coisa. — Minha boca secou, eu queria me aproximar
ainda mais dele, mas não sabia como fazer, como seria, qual era o ponto em
que estávamos.

Conrad abriu um sorriso enorme quando me ouviu e sua mão se encaixou


sobre a minha.

Uma pequena galáxia explodiu no universo naquele instante tamanha minha


felicidade.

— Talvez essa seja a única forma de competir com o meu lado fodido. Se eu
fosse só o amontoado de erros e problemas, você nunca chegaria perto de
mim.

— Conrad? — Ouvi um grito feminino vindo de longe e o vi se sentar num


pulo. — Conrad! — Me ergui rápido o bastante para ver a garota de biquíni
verde-limão e camiseta preta vir na nossa direção junto de outro garoto que
eu não sabia o nome, mas já havia visto uma porção de vezes.

Eu não gostava muito deles, mas fiquei quieta, além de precisar engolir a
bola de ciúme que surgiu na minha garganta quando vi o abraço cheio de
intimidade da garota com Conrad.

— Quem é sua nova amiga? — Os olhos da menina de cabelos escuros


compridos me engoliram.

— Bella, Thomaz, essa é Scarlet. — Ele se virou para mim como quem
sentia muito por sermos interrompidos e disse: — Esses são meus amigos.

— Oi. — Acenei sem graça e abracei os joelhos.

— E aí! — o garoto que fumava me cumprimentou, a garota não.

— Você não confirmou se vinha! — ela continuou a dar atenção a ele.

— É que eu e Scarlet andamos ocupados. — Gostei da forma como ele me


incluiu naquilo, mas ainda assim, o peso no meu peito
não sumiu. Tentei prestar atenção na conversa, mas me distraí totalmente
quando Conrad esticou a mão para o amigo e pegou o cigarro dele, dando
uma tragada longa antes de devolver.

— Estou tentando parar.

— Se conseguir, me avise. — Os outros dois tiraram sarro. —

Você fuma, menininha? — Thomaz perguntou, me oferecendo, e eu neguei.

— Obrigada.

Ele deu de ombros.

A conversa girou em torno do que fariam naquelas férias ainda, de lugares


para ir, festas para dar e eu só assisti a tudo se desenvolver sem mim. A vida
de Conrad em breve voltaria à rotina da escola, dos amigos, e talvez minha
irmã tivesse razão. Talvez eu não fosse mesmo interessante ao ponto de
manter Conrad na minha órbita por tanto tempo assim.

— Vamos para a água? — Bella sugeriu sem nem cogitar minha presença.

— Scarlet não sabe nadar, acho que vou ficar por aqui. —

Conrad me olhou, preocupado.

Era nítido que ele queria cair no mar, e eu seria a última pessoa a impedir.

— Não, relaxe. Eu vou ficar aqui um pouco, é bom ter alguma distância de
você. — Tentei sorrir.

— É mesmo? — Por um segundo, ele se esqueceu dos amigos e focou de


novo em mim.

— É, você faz minha mente nublar, Conrad Prince. Uma overdose de você
não me mata, mas pode me tornar uma viciada.

— Eu gosto disso. E, eu já volto. — Sem que eu estivesse esperando, sem


ligar que a praia estava começando a encher, sem se preocupar com o que
falariam, Conrad se curvou na minha frente e beijou meu rosto.

Não era um beijinho inocente.

Foi um beijo demorado, segurando meu queixo como se fosse para me


impedir de fugir daquilo, e eu só soube sorrir.

— Volto logo — ele sussurrou na minha orelha, e eu quis explodir em mil


pedacinhos de tanta felicidade.

— Vou esperar. — Foi como me despedi sob os olhares todos,


principalmente os dos amigos dele. E sabendo que ele tinha feito aquilo tão
publicamente, a sensação de ser inferior diante de

qualquer outra pessoa, ou de qualquer relação de Conrad, evaporou do meu


sistema.

Conrad voltou para a areia três vezes, e vê-lo sorrir daquele jeito me
encantou tanto que não me importei de comer meus biscoitos sozinha, ou
tomar sol como precisava há tempos.

Eu até tentei molhar os pés, mas a água era tão gelada que na primeira
ondinha eu corri de volta para minha toalha e entendi que meu lugar era ali,
em terra firme.

Isso durou até perto das duas da tarde, foi quando Isaac me descobriu.

— Scar, eu não tinha te visto aí. — Sorrindo, com uma garrafa transparente
cheia de um líquido vermelho na mão, ele veio até mim com sua turma.

Eu me levantei e o esperei se aproximar um pouco mais para poder


responder.
— Oi, Isaac. — Meu tom não foi o mais dócil e ele percebeu.

— Queria te pedir desculpas por ontem. Meu pai é um pouco sem noção,
mas não era minha intenção ter tudo aquilo. Eu até tentei pegar seu número
com Conrad, mas ele não me passou e, provavelmente, também não repassou
minhas desculpas, não é?

— Não. — Neguei com a cabeça. — Não repassou.

— Droga. Você deve estar me achando um idiota, não é?

— Não — menti. — Você não podia prever o que seu pai faria.

— E acredite, ele mesmo não vê que fez algo errado. Logo depois que vocês
saíram, o papel de explicar para ele a merda que tinha feito ficou toda nas
minhas costas. — O sorriso faceiro no rosto dele me amoleceu.

— Ok, me sinto um pouco melhor agora.

— Ótimo. Quer um gole? — ele me ofereceu a bebida da garrafa.

— O que é isso?

— Alguma coisa com suco de morango. Não pergunte o que é essa coisa.

Olhei em volta, Conrad se divertia na água, o pessoal em volta de mim tinha


a idade dos Prince e todos bebiam. Peguei a garrafa e cheirei. Não era tão
ruim, mesmo assim, tentei devolvê-la.

— Não sei se é uma boa ideia.

— Ah, Scar… Estamos de férias. — Ele pegou a garrafa, mas logo em


seguida, alguém ofereceu um copo de plástico e ele o encheu quase até a
boca.

— Ela está saindo com Conrad Prince e não aguenta um copinho desse? —
Ouvi a risadinha de deboche e, mesmo sendo inteligente o bastante para não
cair naquele tipo de provocação, eu não queria ser vista como alguém não
pertencente. Nem indigna de Conrad.
— Vira, Scar! — Isaac começou a brincadeira e o coro de vira-vira ganhou
força.

Encostei o copo na boca um pouco incerta, e quando o gosto de morango e


álcool tocaram minha língua, entendi que seria melhor engolir tudo de uma
vez. Aquilo bateu no meu estômago e me senti estremecer.

— É forte, né? — falei para Isaac que riu da minha careta e já encheu meu
copo de novo.

— Um brinde à Scarlet! — Ele puxou, e todo mundo bebeu, inclusive eu.

Dois copinhos de trezentos ml cada para alguém que nunca tinha bebido.

Minha mente nublou em menos de cinco minutos, meu corpo ficou ainda
mais quente, e eu quis rir muito quando Isaac fez alguma piada que eu nem
entendi direito. Ele me ofereceu outro copo, tinha gosto de laranja, e quando
eu ia virá-lo, Conrad chegou.

— Que porra é essa? — Ele parecia prestes a matar alguém.

Parei, me sentindo uma criminosa. O copinho caiu, eu ergui as mãos.

— Eu só dei um golinho — menti em um tom mole demais e todo mundo


riu.

Sem entender direito, notei a proximidade do corpo de Isaac e sua mão na


minha cintura.

— Qual é, Scar é sua namorada? Desculpe, ir… — A palavra não foi


finalizada.

O punho de Conrad afastou Isaac de mim tão rápido que eu nem tive tempo
de ter uma reação. E então, rápido demais para minha mente confusa
entender, Conrad recolheu minhas coisas com uma mão enquanto segurava
meu punho com a outra, e me arrastou de volta para o carro.

Senti-me estúpida vendo o quão bravo ele estava, e assim que ele me ajeitou
no banco do carona e prendeu o cinto na minha cintura, eu o segurei pelos
ombros molhados.

— Conrad. — O nome saiu com dificuldade, ver toda aquela braveza nele
me fez querer chorar e minha voz saiu um fio agudo.

— Me desculpe, eu me senti pressionada.

Ele respirou fundo, colocou ambas as mãos na minha cintura e me apertou.

Aquilo doeu, mas foi absurdamente bom.

— Você é uma criança, Red. Não tem que beber. — Depois de um suspiro,
ele me soltou, fechou a porta e rodou o carro. Eu o acompanhei com a
cabeça e assim que o vi entrar no carro, protestei.

— Eu não sou uma criança.

Pelo jeito que ele me encarou, sabia que minha voz estava mole demais.

— Era responsabilidade minha cuidar de você. Que merda…

— Ele bateu no volante e eu me assustei.

Sem entender o motivo, meus olhos se encheram d’água e eu comecei a


chorar como se tivesse cinco anos de idade, escondendo

o rosto nas mãos, me sentindo culpada por tudo aquilo.

— Red, o que foi? — ele perguntou, mas não consegui. —

Red... — Conrad insistiu, mas continuei como estava. Eu o ouvi suspirar,


então seu cinto foi solto, o meu também e ele me puxou para si como no dia
anterior.

Eu poderia muito bem me acostumar com aquilo.

— Fale comigo, por favor, Scarlet — chamar pelo meu nome fez efeito.
Ergui o rosto para encará-lo e, tão perto, vi a exata linha onde pupila e íris se
fundiam. Conrad ficou em silêncio, me olhando de cima e acariciou meu
rosto, limpando as lágrimas do caminho.

— Eu amo seus olhos — confessei baixinho e o vi abrir um sorriso.

— É mesmo?

— É. Mas tenho medo deles. Às vezes, quando você está distraído, eles
ficam sombrios demais. — O sorriso morreu, mas não me parou. — O que te
assusta tanto, Conrad?

Ele não me afastou, não fechou a janela, não me negou a informação.

— Coisas que tirariam seu sono. — Ele continuou a acariciar meu rosto, mas
eu o fiz parar, peguei sua mão e a ergui, olhando

para cada detalhe que já havia passado horas observando e o soltei.

— Mesmo tendo medo às vezes, eu te acho lindo — de novo, Conrad riu —


e eu te desenho o tempo todo.

— Você me desenha? — Sua voz era divertida.

— Desenho. O caderno não sai da minha bolsa, você quer ver?

— Posso?

— Acho que pode. — Minha mente estava lenta, confusa, parecia um sonho.

Sem me largar, ele se curvou e fez minha cabeça girar com o movimento,
mas quando trouxe meu blackbook para meu colo, eu o abri e mostrei cada
uma das folhas em que ele estava.

Conrad não disse nada, só observou e me aninhou melhor em seu colo,


depois embrenhou o nariz no meu cabelo e ficou ali até não ter mais páginas
brancas para eu mostrar.

— Viu? — perguntei, olhando para cima, para ele, quando terminei de


mostrar.
— Vi. Você é muito boa, pareço melhor nos seus desenhos do que na
realidade.

Foi a minha vez de rir.

— Nunca. Sua versão real é a minha favorita.

E tão próxima, concentrada na boca dele, com Conrad concentrado em mim,


eu jurei que ele me beijaria. Fechei os olhos me preparando, juntei a boca em
um biquinho ridículo e fiquei desapontada demais quando, depois de longos
segundos, ele beijou minha testa e puxou meu rosto contra seu pescoço.

— É a primeira vez que você bebe, não é? — Seu tom de voz era calmo, ele
não parecia mais tão bravo agora.

Confirmei com a cabeça contra seu peito. Era tão óbvio assim?

— É normal ficar bêbada da primeira vez. — O tom de voz mais suave me


fez erguer os olhos e o tronco.

— Não estou bêbada. — Fiz meu melhor em mentir, mas não ajudou em
nada.

— Está.

— Não tô!

Como se eu fosse uma criança, ele me puxou de novo contra seu peito e eu
não relutei.

— Está. Eu sei que está porque na minha primeira vez tomando essa merda
batizada que o Isaac rouba do meu pai, passei o dia todo vomitando depois.
E não posso te devolver assim ou sua irmã vai ter razão ao dizer que sou um
péssimo amigo.

Amigo. Eu não gostava daquela palavra agora. Era algum tipo de punição?

— Você está bravo?


— Estou.

— Comigo?

— Não.

— Isaac?

— É. Meu irmão ama competir comigo. Ele precisa sempre ter a melhor
roupa, o melhor carro, as melhores garotas… Babaca.

— Então quer dizer que eu sou mediana?

— Não, você é a melhor delas. É por isso que ele está fodido de ciúme e
inveja.

Quis rir, sonolenta.

— Não se preocupe.

— É? Por quê? — Eu o encarei como se fosse óbvio.

— Seu irmão não faz meu tipo.

— É?

— É, você é quem faz.

E feliz por estar ali com ele, minhas pálpebras pesaram demais e, mesmo
sem querer, eu adormeci.

Foi como estar presa dentro de uma onda. Minha cabeça foi jogada de um
lado para o outro algumas vezes e quando abri os olhos, sabia que queria
vomitar.

Conrad foi rápido, abriu a porta do carro, segurou meu cabelo no alto da
cabeça e me manteve segura até toda a mistura de bebida e biscoitos sair do
meu estômago.

— Aqui, toma — ele me ofereceu papel e, morta de vergonha, limpei minha


boca depois de cuspir, joguei o papel no chão e bati a porta, apoiando a
cabeça com cuidado no banco, morrendo de dor.

— Que merda aconteceu? — perguntei de olhos fechados.

— Sinto muito — podia saber que ele sorria pelo seu tom de voz —, mas
não vou te contar.

Forcei um pouquinho e abri os olhos, vendo que não estávamos na praia.

— Onde estamos?

— No estacionamento da farmácia.

Minha careta o fez rir.

— Não é engraçado.

— Ah, é. É sim, agora espere aqui um pouco que vou atrás de remédio, mas
antes, preciso elogiar. Adorei os desenhos que você fez de mim, me faz
parecer melhor do que sou.

— O quê? — Ergui a cabeça e arregalei os olhos com tudo, mas ele já tinha
descido.

O mundo girou, me larguei sobre o banco de novo, gemendo de dor e


vergonha, e fiz o meu melhor para não vomitar antes dele voltar.

Quando ele o fez, me fingi de boba e aceitei o remédio, a água e mais


alguma coisa de gosto meio amargo.

— É bom para o fígado — ele avisou e não discuti.


Conrad com certeza tinha um histórico de bebedeira maior que o meu. Ele
sabia do que falava.

Fiquei cinco minutos quieta até o remédio começar a fazer efeito e quando
abri os olhos, a primeira coisa que fiz foi roubar uma bala de menta do
pacotinho que ele tinha no porta-copos do carro.

— Está melhor?

— Não muito.

— Espere até amanhã…

— Isso não ajuda.

— Eu sei. — Ele deu partida.


Ergui as mãos para colocá-las sobre o rosto e notei estar com uma blusa de
moletom que não era minha.

— Que horas eu vesti isso?

— Ah, você estava com frio, então te vesti.

A farmácia era na rua de cima de casa, então me ajeitei para tirar a blusa e
devolvê-la, mas com a mão na minha perna, Conrad me impediu.

— Não precisa, depois você me devolve.

— Ok.

Estava constrangida demais para continuar qualquer conversa e me esforcei


mais do que nunca naqueles minutos para tentar lembrar o que fiz nas
últimas horas. Os flashes vinham rápido, mas tão inconsistentes que eu não
sabia se era real ou imaginação.

Quando ele estacionou em frente à minha casa, eu não tive coragem de abrir
a porta e descer. Encarei o porta-luvas do carro e suspirei.

— Conrad, eu não sei o que me deu, não sou de fazer isso…

Me desculpe.

— Eu já disse isso mil vezes, mas vou repetir, não foi culpa sua. Só me
preocupa que você tenha se sentido pressionada, e acho que você precisa me
fazer uma promessa agora. — Encarei-o curiosa e ele continuou: — A de
nunca mais fazer nada se sentindo forçada, não importa se isso for comigo,
seu avô, sua irmã ou outras pessoas. Você pode, e deve, falar não, ok?

— Ok. Eu prometo.

Por um segundo, a vontade de correr para casa foi gigantesca.

Abri a porta, joguei as pernas para fora com cuidado e depois de fechá-la,
quando notei que Conrad ainda estava de olho, voltei para encará-lo.
— Preciso fazer uma pergunta.

— O que é?

— Somos amigos?

— Acho que sim — ele me respondeu sem entender aonde queria chegar.

— Então talvez eu não queira ser só sua amiga. — Usei cada grama de
coragem que tinha para ser tão verdadeira e direta, e a resposta daquilo não
podia ser melhor.

Conrad me encarou surpreso, abriu um sorriso que era digno de outdoor, e


me respondeu com os olhos escuros queimando minha alma:

— Que bom, porque eu também não quero.

Quando me virei para entrar em casa, senti as borboletas no meu estômago


mais vivas do que nunca. Se aquilo realmente fosse um sonho, eu nunca
mais queria acordar.

conrad

se você vai me segurar, e não vai me deixar entrar nas paredes do seu
castelo, nenhum de vocês pode mantê-las porque se eu tenho que queimar
tudo, então vamos queimar tudo.

burnitalldown,pvris.
Eu não conseguia ficar quieto, por isso, aquela merda de torneio acontecendo
era uma ótima distração. E verdade seja dita, os Vipers precisavam de um
braço forte no comando.

Thomaz era bom, mas boa parte do tempo estava chapado demais para
pensar racionalmente em como seguir com a liderança e ele não se
importava de me ver tomar a frente das coisas, já que

se beneficiaria com os resultados. Naquela noite, quando forcei o treino de


futebol e insisti na mudança das estratégias, ele não disse nada, e como me
seguiu sem questionar, os outros fizeram o mesmo.

Era certo, eu não podia perder para o meu irmão em nada que fosse
individual, mas conseguir atropelá-lo junto de sua fraternidade seria bom
demais.

Depois de duas horas insanas e cansativas de treino, meu uniforme estava


encharcado de suor e eu começava a ficar satisfeito em como os garotos
estavam respondendo às mudanças de tática.

Observando o time todo concentrado, parei na beirada do campo com a


garganta seca e abri a caixa térmica atrás de uma garrafa d’água.

— É, sua chegada realmente empolgou o resto deles. —

Sentado perto de onde eu estava, Thomaz também notava a mudança de


energia.

— Espero que seja o bastante para o jogo do torneio, mesmo consciente de


que se ganharmos, será um milagre.

— É, esse crédito aos Lions eu preciso dar. O time deles é melhor que o
nosso.

— Ainda assim, podemos dar algum trabalho. — Abri a garrafa e estava


pronto para beber, mas assim que encarei a lateral do campo, todo meu corpo
se tensionou quando vi meu irmão e três dos seus amigos brutamontes vindo.
A água desceu gelada pela minha garganta e, se fosse capaz de traduzir o
calor do meu ódio fervilhando, ela sairia em vapor pelo meu nariz.

— E lá vem confusão… — Thomaz cantou ao se levantar, batendo as mãos


para limpá-las, ficando ao meu lado, um passo atrás. — O que você fez
agora?

— Efetivamente com ele? Nada. Ainda. — Era verdade.

— E quando vai fazer algo?

Não tive tempo de respondê-lo. Meu meio-irmão já estava muito perto.

— Que porra você fez com ela? — Isaac falou alto, entredentes, com as
mãos fechadas em punho.

Ele queria briga, mas não sabia o que o aguardava. Sua postura também não
me assustava, e fiz questão de deixar isso claro quando o enfrentei de peito
aberto.

— Eu vou te dar um único aviso — falei no meu tom mais sóbrio,


encarando-o sério, sentindo a adrenalina tomar conta das minhas veias. —
Se encostar em mim, vai se arrepender.

Ele parou a centímetros de mim, analisando se valia a pena.

— Você está passando dos limites, Conrad. Eu vim acertar as coisas.

Eu sorri, provocando-o.

— E você acredita mesmo que trazendo seus amiguinhos vai me obrigar a


fazer algo?

— Quero você longe da Scarlet. — Eu quase gargalhei ouvindo aquilo.

— Deixa eu ver se entendi direito... — Larguei a garrafa d’água e me


aproximei de Isaac, acabando com o espaço livre, ficando cara a cara com
meu irmão, evidenciando a diferença de altura entre nós, eu o peitei. — Você
veio até aqui querendo mandar em mim?
— Eu vim aqui te dar um aviso. — Entredentes, visivelmente se segurando,
Isaac não se intimidou. — Ou você deixa ela em paz…

— Ou o quê? — Dei um passo para frente, fazendo-o recuar.

— Vai tentar mesmo mexer comigo? Não se esqueça do que eu

posso fazer.

— Você fala demais, Conrad.

— Falo? Então eu deveria aproveitar a proximidade com Scarlet para contar


uma versão diferente da história que ela conhece, não é mesmo?

Seus olhos brilharam em reconhecimento.

— Se afaste dela. É meu último aviso. — Ele bufou, frustrado.

— Ou o quê?

— Não pague para ver.

Minhas veias queimaram. Queria socá-lo, arrebentar aquela arrogância dele,


mas humilhá-lo com toda aquela gente em volta parecia melhor.

— Não me peça para ficar longe dela quando é ela quem não sai do meu pé,
inclusive, pergunte se ela pode me devolver meu travesseiro.

Aquilo foi realmente mais eficiente que um soco. Meu irmão deu um passo
para trás, os olhos confusos, as sobrancelhas juntas.

— Não sabia que além de tudo, você era mentiroso. — Ele tentou, mas me
fez rir.

— Não é mentira, e se está duvidando, pergunte a ela.

A tensão durou mais alguns minutos.

— Nos deixe em paz, Conrad.


— Não. Não vou deixar, e é bom que vocês entendam isso de uma vez por
todas.

— Eu vou…

— Vai aguentar caladinho, porque se algo acontecer comigo, no dia seguinte


todo mundo vai saber o segredinho sujo dos Prince.

E conforme-se, ela nunca será sua — falei baixo essa última parte e meu
irmão entendeu que minha ameaça era real.

Eles não podiam contra mim. Não mais.

— Isso não acaba aqui. — Ele tinha perdido, sabia disso, mas não queria sair
por baixo.

— Não mesmo, ainda vou torturar vocês por algum tempo. E

faça o favor de tornar cada vez mais divertido, porque quando fico
entediado, você sabe, gosto de colocar fogo em lixo. Velhos hábitos não
mudam, e você pode ser o próximo a queimar.

Meu irmão me ignorou. Deu as costas, pronto para ir embora, quando eu o


provoquei mais uma vez.

— E é real, vê se pede para sua namorada me devolver o travesseiro.

O esforço que Isaac fez para não vir para cima de mim custou dele tudo de
si, eu sabia.

Quando ele saiu do campo, os garotos do time olhavam curiosos para mim e
Thomaz se aproximou.

— Acho que seu plano está funcionando, não?

— Sério? E olha que eu nem me esforcei muito ainda… —

Olhei em volta, vendo a plateia e falei alto: — Vocês têm um jogo para
ganhar, não? Vai, todo mundo se mexendo. — Bati palmas, espantando-os, e
peguei minha garrafa d’água do chão.

— Bom, seja como for, podemos ver como o território está na festa dos
Birds desta noite, o que acha?

— Festa?

A possibilidade de encontrar com Scarlet lá acendeu uma chama na minha


mente.

— É, já deve ter começado. — Meu amigo conferiu o relógio de pulso.

— Eu vou.

O laser azul do DJ brincava pelas paredes da sala dos Birds, desenhando


formas geométricas entre fumaça de cigarro, maconha e gelo seco. A música
estava alta, todo mundo que me via parecia animado, e eu matei que aquilo
tinha dedo meu indiretamente quando uma garota mostrou a língua, exibindo
uma Supernova se dissolvendo.

Aquela era a primeira vez que eu a via solta no campus, e assumi uma
postura diferente. Não queria perder nada, queria estudar como as pessoas ali
se comportariam com ela, e pegando um copo de cerveja de cima do balcão,
fugi de Bella e de Thomaz, indo sozinho para o fundo da sala, fazendo um
garoto visivelmente deslocado se levantar de uma das poltronas para poder
sentar.

Com a mão livre, tirei o cigarro que havia pegado do maço de Bella de trás
da orelha e o apoiei nos lábios antes de conseguir pegar meu isqueiro do
bolso da jaqueta e acendê-lo.
A primeira tragada, no silêncio da minha mente, foi para aplacar a
frustração.

Eu sabia o motivo de ter ido até ali, e a procurei de forma insana com os
olhos enquanto atravessava o ambiente só para descobrir que Scarlet não
estava lá.

Matei meu copo de cerveja de uma vez, apoiei-o sobre o braço da poltrona e
coloquei os pés sobre a pequena mesa de centro, cruzando os tornozelos,
ignorando os casais se pegando nos dois sofás em volta. Meu foco era outro.

Mais uma tragada profunda e, enquanto observava o grupinho que eu sabia


ter consumido da minha droga para se divertir, girei o isqueiro entre os
dedos por um tempo.

Nada parecia fora de ordem. As garotas beijavam entre si, beijavam os


garotos que passavam, dançavam animadas e pareciam em outro mundo.
Uma menina mais alta, de cabelo escuro cheio de mechas coloridas era a que
mais chamava minha atenção.

Com um copo de bebida na mão, ela suava mais que o normal.

— Ei, você. — Bati nas costas de um dos caras que se amassava com uma
garota e ele me encarou meio aéreo. Sua expressão mudou rápido, em um
minuto, ele estava pronto para me xingar, no outro, ele tinha me
reconhecido.

— Prince?

— Eu mesmo. Faça o favor, traga aquela menina aqui. —

Apontei para a morena alta e ele acompanhou o movimento.

— Agora? — ele lamentou.

— Agora.

Completamente frustrado, ele se levantou. A menina de cabelos curtos


embaixo dele sorriu para mim, mas ignorei, fingindo não ver, me deitando de
novo contra a poltrona.

Não levou cinco minutos até o garoto fazer o que eu tinha mandado, e na
minha frente, sorrindo como se acreditasse na possibilidade de eu querer
algo com ela, a garota alta sorriu completamente convidativa.

— Oi. — Ela acenou e depois passou a mão nos cabelos, jogando-os para o
lado.

— Oi. Qual seu nome? — perguntei, pousando os pés no chão e me


ajeitando no assento.

— Peggy. Você é o Prince, não é?

— Sou. Peggy, você pode se sentar aqui por um minuto?

— Claro! — Animada, ela sentou onde antes eu estava com os pés apoiados,
bem na minha frente.

— Ótimo. — Me aproximei dela, segurei-a pelo queixo, e usando a lanterna


do celular, iluminei seu rosto. As pupilas dilatadas quase tomavam conta da
íris e ela, de fato, estava mais quente do que deveria. — Me conte, o que
você usou esta noite?

Ela riu.

— Ou o quê? Você é tipo um policial?

— Não, mas você parece um pouco alta demais, e talvez eu queira ficar igual
— menti.

— Ah, sim… Nós bebemos muito, então alguém trouxe maconha, e quando
passou o efeito, alguém enfiou uma estrelinha na minha boca. Eu gostei tanto
que roubei uma segunda beijando minha amiga ali. — Ela indicou com a
cabeça.

Mesmo parecendo sã, ela estava acelerada demais, me tocando os joelhos e


coxas, passando a mão pelo jeans como se a textura do tecido fosse algo
muito bom de ser tocado. Seus dentes também estavam rangendo enquanto
ela ficava em silêncio e o corpo não parava quieto, balançando de um lado
para o outro.

— Bom, eu tenho uma missão para você agora, será que pode me ajudar?

— Claro que sim, você é um Prince. — Ela tentou tocar meu braço, mas
puxei de volta, num reflexo que eu não devia mais ter.

— Ok, Peggy. Preciso que você coloque esse pirulito na boca por um tempo.
— Era emergencial, mas eu sempre levava alguns no bolso. E quando
ofereci um deles para a menina, ela pareceu ver ouro. Seus dentes
massacraram o doce quando o colocou na boca.

Aquela fissura toda não era bom sinal. — E a outra coisa é que, quero que
me leve até o seu quarto.

— Oh, meu Deus! Conrad Prince quer ir ao meu quarto! — ela comemorou.

— Isso, agora, pode ser?

Ergui-me, Peggy fez o mesmo e eu a segurei pelo ombro, guiando-a para


fora da sala lotada. Do lado de fora, ela andou rápido e animada para o
quarto, mas eu não deixei de observar seu pescoço e rosto muito vermelhos.
Sua íris, mesmo sob a claridade, ainda era muito escura. O sistema daquela
menina ia colapsar a qualquer segundo.

Ela não conseguia pegar a chave no próprio bolso, seus movimentos


pareciam travar e eu a ajudei, colocando-a para dentro

tomando cuidado para ninguém em volta nos ver e, assim que entramos, ela
tentou me agarrar.

— Peggy, não foi para isso que eu te trouxe aqui — avisei, tentando afastá-la
sem machucá-la.

— Não? Mas nós podemos, não? — O tom pidão dela não me conquistou, só
me fez ter dó.
— Não, não podemos. Você está sobrecarregada. — Ela me olhou sem
entender. — É, a droga que você usou, você está começando a ter os efeitos
colaterais.

— Mas eu me sinto tão bem! — Começando a pular, eu precisei pegá-la


pelos ombros e colocá-la na cama mais próxima, que imaginei ser a dela,
pois sua foto em família estava na mesa de cabeceira.

— É, mas em alguns minutos, aposte, não vai estar.

E antes que eu pudesse fazer algo, ela parou, segurou o estômago e disse:

— Conrad, acho que você tem razão.

O jato de vômito colorido molhou todo o chão e, por sorte, não pegou em
mim.

Ajudei a garota a terminar de colocar tudo para fora, lavei seu rosto e a
obriguei beber uma garrafa inteira de água gelada enquanto o corpo se
acalmava.

— Isso vai passar? Sinto meu corpo queimar — ela reclamou, querendo tirar
a roupa.

Eu a contive com um pouco de força bruta.

— Vai, mas você precisa descansar. E se você se lembrar, me conte o que


mais você tomou, porque a Supernova não costuma agir assim no
organismo, mesmo que em uma dose maior…

— Ah, um garoto trouxe um cogumelo e disse que era legal…

— E antes dela terminar, apagou contra o travesseiro.

Cogumelos? Pelo amor de Deus, estávamos em que ano?

Cobri a garota, deixei a recomendação do que tomar no dia seguinte anotada


embaixo de mais uma garrafa d’água e saí do quarto.
Aquela noite parecia ser um completo desastre, e eu faria meu pai conter o
comércio de plantas naquela porra. Quando voltei para a sala dos Birds,
Thomaz e Bella haviam sumido. Os dois provavelmente haviam saído para
transar, e em uma frustração sem fim, voltei para o meu quarto. Eu precisava
de uma boa noite de

sono, o dia seguinte seria cheio, ainda mais se eu quisesse fazer meu irmão
comer aquela bola de futebol pelo rabo.

Eram quinze para às sete da noite. Estávamos todos no vestiário.

Os uniformes verde e preto do time dos Viper tinha um brasão que brilhava
no peito, além da cobra envolvida nos números na parte de trás. O estádio
estava lotado, a música que tocava do lado de fora também saía dos alto-
falantes dali de dentro, e acima dela, nós conseguimos ouvir os gritos.

— Ok, todo mundo junto — Thomaz chamou e o time se ergueu. — Nós


ainda não somos tão bons quanto eles, mas vamos para cima. Nada de
facilitar, certo?

Todos concordaram.

— E não se esqueçam, deixem meu irmão para mim — avisei.

Não houve protesto.

We will rock you começou a tocar alto de repente, e aquela era nossa deixa.

Saímos pela porta para o corredor e, de cara, encontramos com o time


adversário.
Meu irmão e eu nos vimos, seu olhar no meu dizia que ele estava pronto para
me matar.

O meu era só uma correspondência. Se precisasse, eu quebraria suas pernas.

Fizemos uma fila indiana, seguimos lado a lado com o inimigo para fora da
cobertura, e quando entramos no gramado, o público foi à loucura. Todo
mundo sabia que aquele jogo era vida ou morte, o começo do desafio, Prince
contra Prince.

Girei para ver o mundo de gente que prestava atenção em nós, vi a


organização dos Vipers na torcida e me surpreendi positivamente. As líderes
de torcida também não decepcionaram, agitando a arquibancada com danças
e refrões decorados, mas entre toda aquela gente, eu só parei de procurar
quando finalmente a encontrei.

Scarlet estava lá, envolta em seu casaco, uma touca na cabeça, parecendo
querer se esconder não só do frio. Comprovei que era real quando ela se
encolheu ao sentir meus olhos em seu rosto.

Suas mãos saíram do casaco, e se concentrando muito no ato de tirar um


cigarro do maço e o acender, ela me evitou. Não consegui conter o impulso
de lamber os lábios imaginando o gosto de sua língua depois da primeira
tragada.

O hino da Prince University começou a tocar nos alto-falantes e eu voltei a


me focar no que acontecia à minha volta. Com as mãos para trás do corpo,
mantive a postura ereta e esperei meu pai terminar de falar suas baboseiras
quando a música acabou. Seu discurso durou pouco, inflamou os
espectadores, e me deu ainda mais vontade de ganhar, mesmo que por um
milagre.

Quando o time adversário passou para nos cumprimentar, nenhum dos Viper
deu as mãos.

— Preparado para perder? — meu irmão provocou quando chegou sua vez
de me cumprimentar.

Encarei Isaac de cima a baixo, sem sorrir, e cuspi em seus pés.


— Está preparado para sair do campo em cima de uma maca?

Ele estreitou as sobrancelhas e ficou parado na minha frente, pensando se


minha ameaça era real ou só uma provocação.

— E parece que teremos um embate daqueles, Conrad e Isaac Prince


parecem prontos a se esbofetear! — o narrador animado comentou.

— Vem, Isaac! — algum amigo dele gritou e meu irmão demorou para
obedecê-lo, mas finalmente me deu as costas, desconfiado.

— Nossos três atacantes vão ter que fazer um grande esforço

— Thomaz disse antes de ir até o centro para disputar pela bola.

— Que seja, eu só não vou entregar isso daqui de bandeja.

Antes de ir para minha posição, inevitavelmente, eu a procurei mais uma


vez.

E que surpresa agradável foi pegá-la no flagra, com os olhos nos meus.

O primeiro tempo foi intenso. Thomaz perdeu o cara ou coroa, mas roubou a
bola em cinco segundos do jogador adversário. Ele avançou bem, dividindo
a bola em um bom passe para o atacante mais próximo, e o garoto não
poupou força no pé ao mirar no gol.

O goleiro precisou se esforçar para pegar aquela primeira bola e o estádio


todo gritou.

— É, meus amigos! Parece que os garotos da Dangerous Vipers tomaram


uma boa dose de ânimo com a presença do Prince.
Se essa primeira jogada ditar o resto do jogo, esse será o melhor da
temporada!

E ele tinha razão, já que com vontade de revidar, o outro time contra-atacou
pesado.

Em menos de quinze minutos de jogo, eu já sentia os pulmões queimando e


o suor escorrendo pelo couro cabeludo. Meus passes eram bons, minha
marcação em cima de Isaac o irritava e nós já havíamos nos empurrado
alguma porção de vezes.

Seus amigos bem que tentaram me tirar de perto dele, mas além de alto, eu
não era leve, e sabia como usar o corpo para afastá-los.

Foi graças a um desses trabalhos que meu passe entrou na área direto no
peito de um jogador Viper, e quando ele dominou a bola, era tarde demais
para qualquer um entrar em seu caminho.

Ele chutou, a bola sacudiu a rede adversária, o estádio e o locutor foram à


loucura.

— E COM UM PASSE FENOMENAL DE CONRAD PRINCE, JORDAN


MOODY MARCA EM CHEIO!

O time se aglomerou para comemorar. Jordan, mais baixo do que eu, pulou
nas minhas costas. O choque do toque físico me fez parar no lugar. Meu
rosto se transformou em uma máscara, o ar faltou no fundo do peito, mas em
meio aos gritos, eu me recuperei rápido e ninguém pareceu notar meu
incômodo.

— Vai, caralho! — Thomaz ergueu a mão para que eu batesse nela e nós
voltamos à posição para cuidar da raiva que o time adversário traria para o
nosso lado.

E eles vieram implacáveis.

Foi difícil marcar meu irmão, afastar a bola da nossa área, mas no sufoco,
conseguimos segurá-los até o intervalo. Quando o placar anunciou os
primeiros quarenta e cinco minutos de jogo, me juntei
ao pequeno bando de jogadores para beber alguma coisa e entender como
seguiríamos.

— Nós marcamos! — alguém comemorou.

— É, mas eles não estão para brincadeira — outro disse.

— E eu tô morto, cara — mais um completou.

— Ei, vocês estão indo bem. Se conseguirmos marcar mais um, teremos
alguma folga — Thomaz puxou.

— E se não conseguirmos, tentem impedi-los de continuar —

rosnei quando consegui umedecer a garganta. — Ninguém está para


brincadeira aqui, ou está?

Ninguém discutiu. E se tinha uma coisa que os garotos da fraternidade não


se importariam em fazer, era ser bruto com alguém dos Lions. Era isso que
eu faria com meu irmão.

O juiz apitou, nós voltamos ao campo, e agora correndo para o lado que
havíamos defendido, as coisas estavam diferentes. Parecia que aquele
segundo tempo era mais difícil, que o ar estava mais pesado, que os
jogadores do time adversário não estavam tão

castigados quanto nós, mesmo assim, ninguém entregou a toalha e nós os


seguramos por quase meia hora.

Meu irmão recebeu três passes, em dois deles eu consegui roubar a bola, no
terceiro, não consegui evitar um bom passe. Ele me empurrou quando
passou correndo por mim para acompanhar o time que crescia no campo, e o
narrador gritou:

— E agora, finalmente, Isaac parece conseguir se livrar um pouco da


muralha que é seu irmão! E os Lions estão avançando com força, e olhem lá,
lá vem o lance!

O segundo seguinte foi de um desespero ensurdecedor.


Aquela bola girando dentro do gol me fez raivoso.

Meus olhos foram direto para a arquibancada, quando vi Scarlet


comemorando, tudo dentro de mim queimou. O ódio ferveu, minha
mandíbula travou e eu vi tudo em vermelho.

— E lá vai Conrad para cima de Isaac. Ele passa por Ned, Robert, e
finalmente chega na bola. Conrad domina, Thomaz está perto, Nial também.
Ele vai fazer o passe, mas O IRMÃO ROUBOU

A BOLA! E os Lions estão reagindo, meus amigos! Mas, esperem, NOSSA,


ISSO DEVE TER DOÍDO PRA CARAMBA!

Meu irmão tentou dar de esperto para cima de mim. Seu sorriso de satisfação
ao tirar a bola de mim foi o estopim, e quando me vi, estava no chão junto
dele. Eu o derrubei, fazendo uma falta das feias.

Meu corpo não desacelerou, a dor me satisfez.

Minha vontade era de quebrar a perna dele, e eu não tinha vergonha alguma
de assumir isso, tanto que quando o juiz veio com o cartão amarelo na minha
cara, nem gastei tempo discutindo.

— E o avanço de Conrad Prince contra Isaac Prince gerou uma falta! Será
que é isso que vai definir a partida, meus amigos?

Naquela hora, mirei a cabine onde o locutor estava e o fitei.

Se estivesse ao seu lado, o faria engolir o microfone.

Ele pareceu entender o recado ficando quieto, e eu me conformei que tinha


me fodido quando um atacante adversário marcou a falta no lugar do meu
irmão e, na confusão dentro da área, o gol dos Lions saiu.

Os garotos ainda reagiram, mas a pressão que o time adversário fez em cima
de nós não deu margem para uma reação mais expressiva, e antes que eu me
desse conta, mesmo com todos os acréscimos, quando o fim do jogo foi
anunciado e a bagunça
começou na arquibancada e no campo, meus olhos só conseguiram enxergar
uma coisa.

Era Scarlet, descendo da arquibancada para correr na direção do meu irmão.

Ele a recebeu no colo e os dois se beijaram na frente de todo mundo,


esfregando na minha cara aquele namorinho de merda deles. Me obrigando a
saborear mais uma vez a solidão e o gosto amargo das cinzas de um passado
onde me vi posto de lado.

O beijo apareceu no telão. Toda a arquibancada vibrou, e foi como se


tivessem jogado gasolina nas minhas veias. Meu ódio cresceu, dominando
meu coração como uma massa viscosa e escura, me fazendo querer que
aquilo acabasse de vez, mas não sem toda a humilhação que ambos
mereciam.

E eu daria, mais do que nunca.

Eu os faria queimar antes que se dessem conta, principalmente Scarlet.

Com ela seria diferente. Quando o fogo a consumisse, eu a faria pedir por
mais.

scarlet

lendas nunca morrem. elas estão escritas na eternidade, mas você nunca verá
o preço que isso custa, as cicatrizes coletadas ao longo de suas vidas.
legendsneverdie,halocene.

— Baby — Isaac me chamou enquanto eu olhava para o e-mail secreto que


vinha acumulando cada vez mais pedidos de trabalhos urgentes. A grana era
alta, eu estava pronta para aceitar cada um deles para sair daquele inferno.

— O quê? — Ergui os olhos, distraída, mas quando notei a perturbação em


seu rosto, bloqueei a tela e descansei o aparelho no

colo. — O que foi?

Isaac parecia preocupado e isso nunca era bom.

Eu sabia que não estava no meu melhor desde nossa última discussão, e
depois de ter visto Conrad como vi, de sair do quarto dele como saí, não
consegui voltar à falsa normalidade. Estava distante, fria, pensativa, e era
involuntário, mas tudo aquilo me consumia de um jeito sobrenatural.

— Eu fui atrás de Conrad antes do jogo. — Minhas sobrancelhas se


ergueram.

— É? Por quê?

Estávamos do lado de fora, o ar gelado e úmido era a única testemunha


daquela conversa esquisita, e enquanto minha bunda congelava sobre o
banco de cimento e ele estava em pé na minha frente, firmei as solas dos pés
no chão, pronta para me defender de qualquer merda que Conrad tivesse
contado sobre aquela sexta-feira.

— Desde que ele chegou, você está diferente. E não é o que eu esperava…
— Os olhos verdes analisavam meu rosto como um predador. — Você ainda
o odeia, não é? Por tudo o que ele causou…

— Sempre. — Fui firme. A raiva daquela desconfiança arranhando minha


garganta. — Nunca vou perdoar Conrad, por tudo o que você sabe… — E
pelo que não sabia também.

— Certo, mas… Ele realmente não mexe com você, não é? —


Isaac deu um passo para frente e desviou os olhos dos meus, engolindo algo
difícil antes de não me deixar responder. — Porque você teria que ser uma
vagabunda sem coração para sentir qualquer coisa que não fosse raiva
daquele fodido.

A ofensa bateu na minha cara, mas me segurei com firmeza no lugar.

Eu não discordava dele.

Aquela sensação desgraçada que tomava conta de mim quando Conrad


chegava e se escondia lá atrás depois do ódio, da raiva e do medo, era algo
que só interessava a mim.

— Impossível, amor. Seu irmão só tem de mim o mais puro desprezo. —


Como boa jogadora, suspirei enquanto erguia o rosto e colocava as mãos em
suas coxas, trazendo Isaac para ficar entre minhas pernas, eu o obriguei a me
encarar. — Não existe possibilidade de isso mudar. Olha só o que ele veio
aprontando comigo desde o dia em que chegou. Só se eu fosse louca.

Talvez eu fosse.

— É mesmo? Então, por que ele me mandou falar para você devolver o
travesseiro dele?

— Oi? — Dei um meio-sorriso bobo, perdida. — Que travesseiro?

— É o que eu gostaria de saber, Scarlet. Você foi até o quarto dele?

— Não! Nunca. — A mentira saltou da minha boca tão automaticamente que


até eu me surpreendi. — Isaac, você não pode estar falando sério sobre isso.
Vai mesmo cair na do seu irmão? De provocar você publicamente só para
tentar causar problemas entre nós? Amor, fala sério, por que eu roubaria um
travesseiro, ainda mais o dele? Não é o meu tipo de vingança.

O minuto em que ficamos nos encarando durou o mesmo que uma longa
hora, mas finalmente os olhos verdes cederam. Isaac relaxou um pouco e
ergueu a cabeça, olhando para longe enquanto me abraçava.

— É, pode ser isso.


— Não pode ser. É. Não desconfie de mim. — Meu tom ofendido fez efeito.

— Não, você tem razão. Desculpe, Scar… Esse desgraçado mexe com a
minha cabeça e nós temos uma corrida amanhã…

— É, eu sei. É bom você ganhar, eu apostei em você. — Tentei deixar o


clima mais leve como a namorada perfeita, mas mesmo que por fora
parecesse que tudo estava bem e eu fosse muito segura, dentro de mim tudo
era vermelho, laranja e amarelo, rodopiando, trovejando e quebrando.

Conrad tinha sido muito filho da puta por me colocar naquela posição, então
era óbvio que eu precisava mantê-lo longe. Era óbvio que, mesmo tendo
visto uma brecha sobre como ele se sentia sobre mim, ele não era confiável e
eu não deveria abusar da minha sorte ou trair a confiança de Isaac.

Nós nos separamos naquela tarde, ele resolveu levar o carro para ser testado
e eu tinha trabalho a fazer. E deixando ainda mais as minhas coisas de lado,
não recusei um só e-mail daquela lista sequer, pensando que aquela conversa
seria só a primeira de muitas, e uma hora eu não aguentaria mais. Eu
precisava dar um jeito de me livrar dos Prince. De todos eles. Mesmo que
me doesse e me fizesse pó.

Aquela vida era uma grande prisão.

Na manhã do dia seguinte, antes do nascer do sol, saí da frente do


computador única e exclusivamente para me livrar do travesseiro. Caminhei
como uma fugitiva pelos corredores até estar fora do castelo e, quando
finalmente encontrei as lixeiras, segurei o travesseiro contra o peito e, com
raiva e vergonha, como se eu enterrasse o garoto do passado, o que ainda
mexia comigo, inalei profundamente o cheiro e o larguei dentro de um dos
tambores.
Que apodrecesse, assim como o interior de Conrad tinha feito.

Minha cabeça estava limpa.

Eu podia jurar que o ritual de me livrar do travesseiro tinha feito meu


cérebro entender que não importava o quanto o Conrad adulto fosse bonito e
atraente, ele nunca mais seria o garoto pelo qual meu coração pertenceu no
passado. Mesmo me achando um pouco burra por só entender aquilo tanto
tempo depois, tentei ser gentil

comigo mesma. Eu sabia que a marca que Conrad tinha deixado em mim
nunca seria completamente apagada, era por isso que eu agora reforçaria
cada mínima ação negativa dele e me manteria longe.

Sem revanche, sem brigas, sem gasto de energia desnecessário e,


principalmente, sem contato físico, ou situações em que eu ficaria sozinha
com ele. Não. Eu evitaria tudo isso, focaria em juntar dinheiro e, com
certeza, depois do meu aniversário já teria dinheiro o bastante para ir
embora. Eram só mais alguns meses daquela merda toda, e então, nunca
mais.

Pensar em me afastar de Isaac era doloroso, mas ele superaria mais rápido do
que eu.

Ele era bonito, inteligente e forte. Meu namorado, quando virasse ex, ficaria
bem.

Engoli aquele sentimento amargo conforme caminhava para a cafeteria, e


deixei de me achar uma grande filha da puta quando pensei que, finalmente,
cortando os Prince da minha vida, eu poderia começar a viver de verdade.

E depois de tanto tempo, eu merecia.

Merecia muito.

De repente, por um momento utópico, me imaginei do outro lado do oceano


não sendo mais a garota fodida. Lá, do outro lado, eu seria quem quisesse ser
e ninguém poderia me parar.
Foi esse pensamento, e a fé cega de que tinha resolvido os problemas que me
cercaram nos últimos cinco anos em cinco segundos, que me fizeram ficar
pronta e encontrar com Isaac perto da uma da tarde.

Meu namorado, apoiado no capô de seu Tesla junto dos amigos, se levantou
quando me viu e veio me abraçar, parecendo orgulhoso por me ver vestida
como ele tanto gostava.

Mesmo com roupas de frio, eu tinha caprichado na maquiagem e colocado o


batom vermelho que não saía nem por um decreto, não importava o quanto
ele me beijasse.

Isaac me puxou pela jaqueta de couro, e quando estava perto o bastante, me


abraçou pela cintura e me beijou.

— Que bom que você veio — ele sussurrou contra a minha boca.

— Eu falei que viria. — Encarei seus olhos e pousei as mãos em seus


ombros. — Apostei uma grana alta em você, não me

decepcione.

— Nunca. — Selando os lábios nos meus, ele se afastou e pegou minha mão.

— Como vai funcionar? — perguntei, inocente.

— A corrida não tem como ser aqui. Vamos até a cidade, naquele velho
aeroporto que meu pai tinha, lembra.

Minha coluna congelou.

— C-claro — engasguei para responder e limpei a garganta —, eu lembro.

— É, meu pai mandou reformar a pista. Lá tem espaço de sobra para correr e
ele mandou instalar proteção em volta dos muros, assim, se acontecer algum
acidente, ninguém se machuca.

— Acho ótimo. Aquilo está abandonado há tanto tempo…


— É, por mim ele detonava o lugar, ou vendia, mas até que não foi uma má
ideia transformar em pista de corrida.

— Não, não foi. — Meu estômago embrulhou.

Ir até lá, encarar as memórias do passado…

Você superou isso, você superou — jurei para mim em silêncio.

Aquela seria a porra de um grande teste, mas não tinha como fugir.

Entrei pelo carona do carro de Isaac, que fez questão de acelerar sob os
gritos dos amigos que nos seguiriam pela estrada, sabendo que precisaria
aguentar no personagem só até voltar para o meu quarto, só até cair de cara
no próximo trabalho.

Só até ter a chance de sair daquela merda de país e nunca mais olhar para
trás.

O Tesla de Isaac ia de 0 a 100 em menos de 2 segundos, e ele provou que era


o candidato perfeito para ganhar aquela corrida com os pés nas costas
acelerando pela estrada até a cidade.

Meu estômago doeu quando passamos pela placa de boas-vindas, e pareceu


ter um alien dentro dele conforme Isaac fazia o caminho para o velho
aeroporto particular.

Eu queria vomitar, mas não o faria, não quando precisava passar naquele
teste.

Quando finalmente avistei o lugar, quase não o reconheci. O


galpão estava lá, como sempre esteve, intocado pelo tempo com seu telhado
verde e paredes externas brancas, mas o lado de fora?

Tinham aproveitado toda a borda do terreno livre, que não era pequeno, para
fazerem as pistas.

No centro de tudo, dentro das proteções, estavam as torcidas, barracas de


bebidas e a mesa do locutor. Os carros dos competidores estavam em fila, do
lado de fora, prontos para entrar na pista, e foi inevitável não ter o coração
pulsando ao ver Conrad apoiado contra o capô, quieto, sozinho, analisando
tudo em volta.

Concentrado daquela maneira, com os braços cruzados e cara de poucos


amigos, eu senti medo como quando era adolescente, até porque, daquela
vez, seus olhos não estavam procurando por mim, mas vidrados no galpão, e
eu sabia o motivo.

Engoli em seco, fingi não o ver e me concentrei em Isaac e sua conversa


leve. Tentei me render ao assunto, mas quando ele enfileirou o carro, eu não
tive opção que não fosse sair dali.

Controlando meu corpo para não tremer de nervoso, respirei fundo e abri a
porta olhando para o chão. Sabia que nossa chegada não tinha passado
despercebida, ainda mais com o show que as

buzinas dos amigos de Isaac fizeram ao nos verem passar. E foi só colocar o
pé para fora que senti aquela queimação louca que sempre acontecia quando
ele me olhava.

Supere — avisei meu cérebro, mas meu corpo não parecia disposto a
obedecer.

Firmei o passo para colocar o corpo para fora e ergui o rosto, encarando o
lugar para onde teria que ir, buscando uma rota alternativa para não passar
por Conrad que estava no meio do caminho.

— Ei, Scar — meu namorado chamou quando eu já ia me afastando, sem


pensar muito. — E meu beijo de boa sorte?
— Opa — amoleci, tentando sorrir o mais naturalmente possível —, quase
esqueci.

Apesar das últimas discussões girarem em volta de Conrad, eu sabia que ele
me esfregaria na cara do irmão de propósito, e daquela vez, eu não achei
nenhum pouco ruim.

Como no pós-jogo de futebol, Isaac e eu caminhamos na direção um do


outro, e em frente ao Tesla e a toda a plateia atenta à nossa chegada, ele se
preparou para me pegar no colo e eu prendi as pernas ao redor de sua cintura
antes de tomar sua boca.

Os gritos e assobios começaram. Alguns xingamentos também, mas não me


importei.

A mão de Isaac veio pesada para minha bunda, me apoiando, e eu fiz questão


de brincar com sua língua e fazê-lo da forma mais sensual possível.

Sabia que Conrad olhava, e aquilo era um recado.

Meu relacionamento não era algo que ele pudesse tocar e destruir como tudo
em volta dele.

Eu não ia permitir.

— Boa sorte — soprei quando Isaac riu contra o beijo e selei a boca na dele.

— Eu vou ganhar. — Só um idiota correria contra aquele carro.

Ele sabia.

— Eu sei que vai.

Saber que todo mundo me encarava não melhorava o peso de saber que
Conrad continuava lá, mas foi fácil ignorá-lo como fiz com todos os outros
quando passei perto dele.

Segui para junto dos Lions, para perto de John que me deu um sorriso de
aprovação, ele havia acabado de assistir a toda a zorra
que havia provocado junto de Isaac, e depois de abraçá-lo, meu tutor me
segurou pelos braços, me olhando de cima a baixo e sorriu.

— Querida, como está?

— Bem, John. E você? — Fui dócil.

— Muito bem… Ainda não me acostumei totalmente sem você e Isaac em


casa, por causa disso tenho trabalhado mais. Gostou do que fiz aqui? —
Olhei em volta, fingindo admiração e sorri para ele.

— Adorei.

— É, foi o que deu tempo. O plano era derrubar aquele galpão

— meu coração doeu miseravelmente quando ele disse aquilo —, mas acho
que posso usá-lo ainda, vamos ver o que o futuro reserva, não? — Ri sem
graça, tentando me conter.

Minhas mãos estavam geladas, eu estava doida por um cigarro.

— E como vão os estudos? Seus professores me disseram que suas últimas


semanas foram conturbadas… Espero que os meninos não estejam te
perturbando.

— Ah, não. Não… Conrad é seu filho, ele tem direito de estar aqui. Isaac
sempre é o melhor, você sabe.

— Sei. — Havia orgulho em sua voz, mas algo mais em seu olhar. — Mas
me chateia ver uma das minhas melhores alunas perdendo o fôlego logo no
começo do semestre. Eu tenho algumas coisas que podem ajudar, que tal
você dar um pulo no meu escritório quando puder?

— Claro.

Aquilo era tudo o que eu não precisava, mas fingi que estava tudo bem, mais
uma vez.

Era quase fácil. Pelo menos costumava ser antes de Conrad voltar.
— Ótimo, te vejo depois, querida. — Depois de dar alguns tapinhas nos
meus ombros, ele me deixou e foi pegar o microfone.

De fato, John Prince merecia a fama que tinha. Sua língua era mágica e os
alunos, além de respeitarem sua autoridade, o admiravam. John era tudo o
que eles queriam ser no futuro.

Magnata, inteligente, poderoso e muito seguro de si.

Sua elegância era sentida no ambiente, sua presença era imponente…


Talvez, anos atrás, quando ele veio para resolver todos os nossos problemas,
eu tivesse dito sim só porque era o que ele queria que eu dissesse.

E, mais uma vez, eu o vi hipnotizar a plateia e conforme o sol caía naquela


tarde, acompanhei a mudança em sua postura ao anunciar que a próxima
corrida seria entre Conrad e um garoto chamado Lucio. Os dois eram Vipers,
o que dividiu a torcida a um pequeno grupo de amigos do garoto
desconhecido, contra todo o resto de pessoas que torciam pelo Prince
bastardo. Ainda assim, mesmo as pessoas fiéis a Isaac estavam atentas, era
impossível passar por aquele segundo sem ansiar por ver o desempenho de
Conrad, e no momento em que eu o vi entrar com seu carro na pista, com
Last Resort explodindo nos alto-falantes, todas as borboletas do meu
estômago resolveram bater asas.

Respirei fundo, me contendo para não demonstrar mais do que devia, e vi o


garoto adversário parar com o carro vermelho ao lado do de Conrad, depois
da primeira volta de reconhecimento da pista.

Uma garota Viper ficou responsável por erguer a bandeira, e enquanto ela
caminhava para ficar em frente aos carros e o locutor reforçava as regras, o
motor de Conrad rugiu, fazendo com que todos duvidassem do que ele
guardava sob o capô.

Melhor do que ninguém ali, eu sabia o quanto ele gostava de correr quando
era mais novo. Sabia que ele tinha roubado os carros do pai na madrugada
uma porção de vezes só para correr pela
estrada e se sentir vivo junto do motor. Sabia que ele era bom naquilo, e que
com certeza não deixou aquela paixão de lado ao longo dos anos que passou
afastado. Seu carro era muito bonito e bem-cuidado, mesmo não sendo novo,
e com certeza daria trabalho.

Eram doze carros naquele dia. Oito estariam fora quando a fila rodasse, e
aquela era a sexta corrida. Isaac correria a última volta daquela etapa. Rezei
para um dos dois perder antes do final chegar, mas quando a garota desceu
os braços e os carros avançaram, quando Conrad passou por nós como um
raio e cresceu em distância na primeira curva, tive a infeliz certeza de que
não me livraria de ver irmão contra irmão até o final do dia.

Como esperado, com folga, e sem preocupação, Conrad passou pela linha de
chegada e todo mundo comemorou, menos eu.

Encarei-o contra o vidro, seus olhos estavam nos meus.

Ele sorriu, eu lhe dei o dedo e me virei para entrar no meio da multidão.
Precisava de um cigarro antes de Isaac correr, e não podia fumar na sua
frente.

Depois de me acalmar um pouco com a nicotina no sistema, bebi um copo


de Coca-Cola e mastiguei como louca dois pacotes de bala de morango.
Nesse tempo, vi meu namorado vencer sua volta tão sossegado que a
preocupação deixou meus ombros por alguns instantes. Na verdade, o
relaxamento durou até a segunda volta de Conrad. Daquela vez, ele correu
contra um garoto dos Birds e seu Volvo polido. Conrad foi tão desaforado na
pista que brincou em ziguezague numa velocidade muito reduzida depois da
segunda curva, impedindo o adversário de avançar, fazendo graça. Quando
ele cruzou a linha de chegada, sua plateia bateu palma. Eu odiei, mas não
mais do que sua terceira volta.
Sem gracinhas, Conrad avançou como um louco para a linha de chegada.

Ele estava tão concentrado que nem mesmo seus olhos queimaram em mim
como da última vez, e eu soube, quando Isaac cruzou a linha de chegada em
sua terceira volta, que a próxima seria um combate de gigantes.

Engoli em seco ao lado de John, que ao contrário de mim, parecia alucinado


para ver qual dos filhos se sairia melhor.

— E a disputa final aqui será de Prince contra Prince. Lions contra Vipers, e
quem será que leva?

Já estava escurecendo. As luzes em volta das grades estavam acesas e todo


mundo estava vidrado na pista. O que será que aconteceria?

Fiquei em pé, com as mãos nos bolsos da jaqueta, observando atentamente


enquanto os carros de Conrad e Isaac paravam lado a lado. Meu coração
doeu, meus pés estavam gelados como pedras de gelo dentro das botas, mas
me mantive firme.

— Temos um problema — o garoto que veio para a mesa do locutor alertou,


e eu e John nos viramos para ver o que era ao mesmo tempo.

— Que problema?

— O carro de Conrad é manual, o de Isaac é a porra de um Tesla. É


automático, ele quase não precisa dirigir… É injusto, não?

John colocou uma das mãos sobre a ponte do nariz e respirou fundo.

— E vocês não pensaram sobre isso antes? — ele reclamou, mas não era
para os alunos e sim para a secretária que seria

escorraçada quando encontrada. — Chamem os dois aqui — o reitor mandou


e o recado correu.

Vi quando ambos desceram dos carros, se encararam e seguiram na minha


direção.
Cada passo que davam encurtando a distância, meu coração parecia
desacelerar a ponto de não querer mais bater. Eu morreria a qualquer
segundo.

— O que foi? — Isaac perguntou, os olhos desviraram do rosto do pai para o


meu por um minuto.

— Seu carro é um problema. Seu câmbio automático facilita as coisas…


Você precisa trocar de carro — John respondeu, nada feliz.

— O quê? — meu namorado se ofendeu muito. — Não havia uma regra


sobre isso antes.

— Eu sei, e a falha foi minha — o reitor lamentou.

— Esperem… — Foi a hora de Conrad abrir a boca, e eu, mais uma vez, caí
na besteira de prestar atenção nele. Seus olhos escuros e intensos tinham
ideias perversas, eu soube quando o meio-sorriso cruel surgiu em sua boca.
— Estão achando que vou perder para ele? Nem que ele estivesse pilotando
um avião. — Ele riu. — Mas, para resolver as coisas, vamos deixar assim,
eu

concordo em correr mesmo com esse problema, desde que você —

ele se dirigiu ao meio-irmão — bata uma aposta comigo.

— Qual? — Isaac parecia realmente interessado.

— Se você ganhar, com o seu carro, não será uma novidade, não é?

— É. — Meu namorado deu de ombros.

— Então, se eu ganhar, sua namorada vai me beijar, bem aqui, na frente de


todo mundo.

O ar que estava nos meus pulmões sumiu.

Eu soltei um grito engasgado.


— Não! Isaac! — Tentei, mas quando os olhos de Isaac vieram para o meu
rosto, havia algo que eu não conhecia lá.

— Eu…

— Isaac, nem pense. — Dei um passo em sua direção, mas a mágoa do dia
anterior surgiu em seus olhos. O filho da mãe não havia superado a
provocação do irmão.

Isaac ia me testar.

Ia me jogar no fogo e assistir enquanto eu queimava.

— Eu topo — Isaac Prince respondeu.

Todo e qualquer sentimento que eu pudesse ter naquele segundo sumiu.

Por um longo momento, fiquei suspensa, processando o que ele dizia.

Isaac estava abrindo mão de mim para uma aposta ridícula com Conrad.

— Ótimo. Você ainda tem gosto de bala de morango, Red? —

Ouvi Conrad provocar já voltando para o carro, mas Isaac veio até mim.

— Baby, ele não vai ganhar. — Sua mão tentou tocar meu rosto, mas meu
primeiro reflexo foi repeli-la com um tapa.

— Não! — Dei um passo para trás, negando com a cabeça, sendo consumida
pelo mais puro ódio. — Você me colocou em risco. Com ele. Isaac… — Seu
nome saiu num rosnado que nem eu reconheci da minha voz. Eu queria
chorar, eu me senti traída, mas estava na cara que ele não entendia.

— Scarlet, eu não vou perder.

— O problema não é esse... — Engoli em seco a vontade de chorar e de


bater nele, e quando notei que não estávamos sozinhos, respirei fundo,
tentando me conter. — Você me traiu.
— Amor, deixe de ser louca, eu… — Ergui mais a mão, fazendo-o calar a
boca.

— Louca? Isaac, volta pra merda do seu carro e ganha essa porra, ou você
vai se arrepender muito do que acabou de fazer.

Meu namorado não tentou discutir mais.

A música alta estourou na pista enquanto eles se ajeitavam e eu precisei me


abaixar, ficando de cócoras no chão enquanto me lembrava de como era
respirar sem sufocar por causa das lágrimas presas na garganta.

Eu não podia beijar Conrad. Simplesmente não podia.

Aquilo seria trair minha família, seria trair Isaac, seria trair a mim mesma.

Fechei os olhos e afastei a memória de quando fiz aquilo pela primeira vez.


Deus, como doeu! As lágrimas, as restantes, saíram pelos cantos dos meus
olhos e eu, no desespero, fiz uma promessa.

— Se Conrad perder, eu juro que vou embora amanhã. Eu juro. Me ajude


com isso, Deus, ou qualquer santo, por favor — falei baixinho, para mim,
com toda a fé que restava nos meus ossos.

Respirei fundo algumas vezes, segurando o ar nos pulmões um pouco antes


de soltar, e quando me senti bem o bastante, me

ergui a tempo de ver a garota abaixar a bandeira na frente dos carros.

Foi algo fora de série ver como Conrad estava focado, e mesmo com um
carro inferior, os dois correram quase que lado a lado antes da primeira
curva. Naquele segundo, eu tive certeza de que Isaac ganharia, mas do nada,
um rugido mais alto que a música ganhou o ar, fogo saiu dos escapamentos
estilizados do Mustang, e o carro voou na pista.

— Ele é louco de fazer isso na curva? — John gritou, parecendo preocupado


pela primeira vez em todo o tempo em que eu convivia com ele.
E o pai não era o único impressionado. O Prince mais velho ganhou a pista e
fez questão de humilhar o caçula. O Mustang impediu o Tesla de avançar
cortando qualquer chance que meu namorado tinha, e a cada curva perigosa,
meu coração parecia que ia sair pela boca.

Eu não queria nenhum dos dois machucados, verdade fosse dita, mas
também não queria precisar cumprir minha parte numa aposta a qual eu não
tinha entrado.

No auge da loucura, fechei os olhos e abaixei a cabeça. Não queria a


confirmação de que Conrad havia ganhado. Não queria lidar com Isaac
frustrado. Não queria cair do precipício quando o beijasse. E consegui ficar
daquele jeito, mesmo com todos em volta gritando o nome dele, mesmo
ouvindo os gritos dos Vipers, mesmo com o som do carro acelerando em
provocação.

Talvez, se eu me mantivesse daquela forma, ficaria invisível.

Acreditei que aquilo era possível até sentir o primeiro empurrão.

— Ela está aqui! — Um garoto dos Viper me pegou pelo ombro e gritou. Eu
o empurrei com um solavanco.

— Me solte!

Alguém riu.

Aquilo era divertido para a plateia.

Onde estava Isaac? E John?

Eu não enxergava nenhum deles no meio daquela confusão.

— E senhoras e senhores, vai acontecer! Isaac Prince perdeu para Conrad


Prince, e enquanto um é consolado pelo pai em seu Tesla, o dono do
Mustang envenenado está aqui para receber seu prêmio! E ele é Scarlet
Wright, a namorada do irmão!

O olhar que eu dei ao locutor o fez perceber a merda que havia feito.
Eu não conseguia parar, mesmo que minhas botas tenham riscado o chão, as
pessoas pareciam ansiosas por aquele momento.

Todo mundo me empurrava, e quando olhei para frente, lá estava ele.

Conrad, em sua perfeição cruel, completamente vestido de preto, como


sempre, com os cabelos rebeldes, a pele claríssima sob os holofotes, e o
isqueiro na mão, sendo aberto e fechado enquanto me encarava, só
esperando.

Engoli em seco, mas de uma hora para outra, entendi que queria evitar
aquilo porque, de um jeito sujo e vergonhoso, eu queria beijar Conrad.

Queria esfregar na cara de Isaac que ele havia feito uma cagada homérica.

Queria provar que Conrad não mexia comigo.

Queria me mostrar superior.

E foi por isso que engoli toda e qualquer vontade de fugir, sentindo as
borboletas no meu estômago piores do que nunca, assumi a postura que
precisava.

Fechei os olhos de novo, tirei as mãos dos bolsos, girei os ombros para tentar
relaxar e, num último suspiro pesado, tomei coragem, abri os olhos
encarando-o, e enquanto queimava, dei o primeiro passo na sua direção.

Conforme a distância entre nós diminuía, o som da turba em volta também


era apagado.

De repente, não fazia diferença se estávamos ali, em um estádio lotado, ou


sob um telhado no meio da noite escura.

Importava que Conrad me encarava sério, e eu o correspondia de igual para


igual.

Quando cheguei à sua frente, inevitavelmente, o cheiro dele me atingiu.

Esforcei-me para me fingir de indiferente.


— O que é que você quer, Conrad? — Meus olhos nos seus eram
desafiadores, e naquela claridade artificial toda, eu, mais uma vez, não sabia
dizer o que era íris e o que era pupila.

Conrad guardou o isqueiro no bolso, suspirou perto demais de mim e veio


me tocar. Suas mãos subiram para o meu rosto, o toque quente, firme,
tentador. Quando as palmas envolveram parte do

meu pescoço e mandíbula, meu coração foi de zero a cem mais rápido do
que qualquer motor naquela tarde. Ele sentiu. Meu rosto queimou. Eu o
encarei.

Estávamos perto demais. Não havia nada entre o meu peito e o dele que não
fossem as roupas, ainda assim eu não o toquei.

— Está disposta mesmo, Red?

— Acabe logo com isso. — Foi tudo o que consegui dizer, e o vi sorrir.

Com os olhos nos meus, Conrad se abaixou para acabar com a última
distância que havia entre nós e eu aguardei, sabendo que ele podia ouvir
muito bem as batidas do meu coração insano naquela pouca distância.

E não tive vergonha daquilo. Meu real problema era com o que acontecia no
resto. Minha pele parecia queimar onde ele tocava, e quando ele desviou da
minha boca para roçar os lábios cheios nas minhas têmporas, me afogando
com o cheiro do seu pescoço, meu ventre pulsou. Conrad arrastou a boca
contra minha pele devagar, como se provasse algo ali, causando uma
expectativa desgraçada.

Meus mamilos reagiram e a simples pressão do tecido pareceu ser


insuportável.

Eu tremi sob aquele ataque baixo e tentei reclamar, mas o som que saiu da
minha garganta quando eu entreabri a boca foi quase um gemido.

— Ah, Red… Posso sentir o cheiro da bala de morango — ele disse tão
baixo que me causou arrepios.
Seus olhos vasculharam meu rosto, então desceram para minha boca e eu o
imitei.

O desgraçado já tinha provado que me queria, e era inevitável querê-lo de


volta.

Seus dedos acariciaram minha pele devagar, ele voltou a encarar meus olhos
e quando finalmente desceu para minha boca, quando seus lábios roçaram os
meus, Conrad caiu numa gargalhada tão cruel que tudo em mim pareceu
morrer.

O único idiota que ainda sobrevivia era meu coração, batendo


desesperadamente, suplicando para que Conrad não o machucasse mais.

— Você achou mesmo que eu ia beijar você? — isso ele disse alto, para que
todo mundo ouvisse.

Minha respiração acelerada machucou meus pulmões, mas nada foi pior do
que o riso em volta.

— Scarlet, você é fácil demais. — Perdi o controle do meu corpo e não


consegui me afastar, mas Conrad o fez, e ficou parecendo pior do que já era.
— Não tem um pingo de diversão aqui. Volte correndo para o seu
namoradinho de merda e continue pensando em mim enquanto fode com ele.
Garanto que eu faço melhor…

— Conrad… — soprei seu nome com tanta dor, mas não vi um pingo de
compaixão em seu rosto. — Você é cruel.

— E você é uma traidora mentirosa, mas quem está contando pecados por
aqui?

Naquele segundo, com toda a certeza, Conrad ouviu meu coração, aquele
que demorou anos e anos para conseguir se recuperar pelo menos um
pouquinho, terminar de se quebrar. Cada maldita borboleta no meu estômago
se transformou em vespa, e elas me picavam com tanta força que doía, e com
isso, mesmo que minha vontade fosse de socá-lo, mesmo que eu quisesse
reagir, não conseguia.
Era realmente demais para mim. Eu estava farta.

— Hoje é meu último dia aqui. Espero que tenha aproveitado.

— Foi tudo o que consegui soprar para ele antes de sair pelo lado

contrário da multidão, mais dilacerada e cansada do que nunca.

Eu odiava John Prince.

Eu odiava Isaac Prince.

Mas mesmo odiando, eu ainda amava Conrad Prince, e era uma idiota por
não ter visto isso antes.

conrad

meus maus hábitos levam a olhos arregalados encarando o espaço e eu sei


que vou perder o controle das coisas que eu digo.

é, eu estava procurando uma saída, agora não posso escapar. nada acontece
depois das duas, é verdade, é verdade. meus maus hábitos levam a você.

e d s h e e r a n , b a d h a b i t s Eu ouvi seu coração partir. Tive certeza


disso quando vi os olhos verdes cheios d’água transbordarem em mágoa,
raiva e descrença enquanto a plateia se acabava de rir dela.

Porra, eu teria beijado Scarlet. Eu queria beijar Scarlet, mas ela não merecia.
Não depois de esfregar mais uma vez seu relacionamento com meu irmão de
propósito na minha cara. Ela não queria dar show?

Então, eu só armei o palco.

Ainda assim, não conseguia me livrar de seu cheiro na minha mente, ou da


sensação de sua pele contra a minha. Ver tão de perto aqueles olhos claros
salpicados dos tons de verde mais diversos fazia com que cada vez mais eu
quisesse mantê-la na minha vista.

Caralho, só de pensar em pegá-la ali, na frente de todo mundo, meu corpo


respondia da forma mais óbvia e eu não tinha nem como disfarçar.

— Filha da puta — xinguei mais uma vez, olhando para o caminho onde ela
tinha ido, imaginando a garota sozinha rodando pelas ruas que ela caminhou
um milhão de vezes no passado. Será que estar ali mexia tanto com ela
quanto comigo?

Talvez eu nunca fosse descobrir, ainda mais com a frase dela martelando na
minha cabeça.

Encostado no meu carro, sozinho, fumando o terceiro cigarro pós-confusão,


com os olhos fixos na chama do meu isqueiro, fiquei imaginando se ela
realmente iria embora.

Logo agora? Não.

Eu não queria Scarlet longe.

Tinha demorado muito tempo para conseguir voltar, para conseguir a


permissão de fazer o que eu quisesse com ela, e eu não ia perder.

Meu pai agora era controlável, meu irmão era frágil, fácil demais de quebrar,
e ainda que isso não fosse livrá-lo de um ataque futuro, o melhor jeito de
comer sua mente era mexer com o que ele se vangloriava tanto de ter
roubado de mim. Além de que, Scarlet era a única forte o bastante para
aguentar tudo o que eu tinha, tanto antes quanto agora. E eu a levaria ao
limite, tanto por ter me traído, quanto por ter se vendido.
Como ela podia me julgar cruel quando era ela quem deitava na cama de
quem deveria odiar? Quando comia na mesma mesa do homem que comprou
sua vida toda em troca de silêncio?

Ela era a última que poderia me julgar naquela merda de lugar.

— E cadê meu campeão? — meu pai surgiu do nada e o encarei como se


fosse um estranho.

Isso não abalou John, e ele veio com as mãos no ar, pronto para me dar um
abraço.

Eu não me movi, e isso não o impediu de tentar.

Ele bateu nos meus ombros como podia e se afastou, dando um tapinha na
lataria do carro antes de encostar ao meu lado.

— Não imaginei que fosse capaz de ganhar daquele carro.

— Você nunca imaginou que eu fosse capaz de qualquer coisa que não fosse
foder com tudo, mas te perdoo, sua mente é realmente limitada, John Prince.
— Soprei a fumaça dos pulmões, joguei a bituca no chão e pisei sobre ela
antes de me apoiar ainda mais contra o capô.

— Conrad, Conrad… Você não sabe do que está falando. —

Ele tentou fazer graça, sorrindo para parecer próximo de mim para qualquer
um que espiasse de fora. — Seu irmão não está acostumado a perder.

— E eu queria saber onde está escrito que me importo. — Meu tom de


desinteresse não o atingiu.

— Você não é tão esperto quanto pensa, filho. Armar aquela cena toda com a
pobre da Scarlet? O que foi? Ainda gosta dela ou só quis mexer com seu
irmão?

Sorri, e dessa vez eu sabia que parecia o gato de Cheshire.


— Está abalado porque atrapalhei seu plano de família perfeita, pai? —
provoquei também.

— Não, estou preocupado porque você está mexendo em algo que talvez não
possa controlar, e vá se arrepender.

Virei a cabeça para encará-lo.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que seu irmão pode ser mais vingativo do que você espera, e
isso pode recair sobre ela também.

Dei de ombros.

— Não me importo. Ela não escolheu vocês? Que aguente as


consequências… Ainda assim, ela disse que vai embora.

— Ela quer ir? — Meu pai não pareceu surpreso. — Acho até que demorou
muito.

— É, mas você não vai permitir.

— Não? — Ele me testava, e por isso, desviei o olhar.

— Não.

— O que você tem planejado, filho?

Neguei com a cabeça, tirando o maço de cigarros do bolso para pegar mais
um.

— Não é problema seu, mas até onde eu sei, dos favores —

pesei o tom, usando toda minha ironia — que você me deve, um deles é
manter Scarlet bem aqui. Ela não vai embora.

— Conrad, seja lá o que você planeja fazer com ela…


— É problema meu. E você trate de se manter longe, ou vai sobrar para o
seu rabo também.

Ficamos em silêncio um ao lado do outro por um tempo, observando os


alunos que nos cercavam com medo de se aproximar, já que o reitor estava
bem ao meu lado, e quando meu pai percebeu que não era mais bem-vindo,
se levantou.

— Verei o que posso fazer por você…

— Antes de ir — minha cabeça deu um estalo e John parou, me encarando


—, você mexeu no galpão?

— Não. — Uma ruga surgiu em meio à sua testa. — Por quê?

— Quero as chaves. — Eu não tinha que justificar.

Dando um suspiro pesado, desistindo de ser o bom pai naquele teatrinho


ridículo, John sacou o molho de chaves, separou uma delas e jogou na minha
direção.

Ergui a mão, peguei-a no ar e guardei no bolso, sentindo o peso triplicado


que o objeto tinha.

— Não entro lá há anos.

— Ótimo.

— O que está pensando? Quer trazer o laboratório para cá?

O pensamento dele estava em uma única coisa: dinheiro, como sempre.

— Te aviso, caso precise de paitrocínio.

— Juízo, Conrad.

— Até mais, papai. — Acenei, num claro recado que nosso papo tinha se
encerrado.
John me deu as costas, e foi só ele se afastar que Bella e Thomaz chegaram.

Ela grudou no meu pescoço, daquele jeito expansivo de sempre e


comemorou.

— Você tinha que ver a cara dele! Enquanto você tava lá fazendo a ruivinha
passar vergonha, Isaac assistiu a tudo, e meu Deus, ela realmente ia beijar
você na frente de todo mundo! — Ela já estava bêbada e sua fala era meio
mole. — Você é um sádico louco, Conrad. Fez o casal brigar sem nem
mesmo colocar a boca na dela.

— O que não é verdade, já que você quase a beijou mesmo, não foi? —
Thomaz também não parecia sóbrio.

— Eu não ia. — Tentei convencê-los, mas não me esforcei muito.


Provavelmente, eles não se lembrariam daquilo mais tarde.

— Vocês vão ficar aqui?

— Vamos! Não temos hora para ir, e você?

— Preciso resolver uma coisa ou duas na cidade. Como vão voltar?

— Fique tranquilo, a gente se vira.

— Ótimo. Vejo vocês depois.

Bella se soltou no meu pescoço depois de beijar minha bochecha com muito
esforço.

Thomaz bateu o braço no meu e despenteou ainda mais meu cabelo.

— Fiquei orgulhoso de você hoje, correu como um profissional.


— A risada solta dele me fez quase sorrir também.

— Não vai perder a consciência e acordar pelado e sozinho aqui, hein?

— Até vou acordar pelado, mas não aqui. — E ele abraçou Bella que só
sabia rir.

Com a minha volta, achei que ela seria a primeira a se jogar em mim, mas de
alguma forma, Bella parecia ter amadurecido o bastante para entender que,
talvez, eu só fosse seu amigo e nada mais, pelo menos naquela fase da vida.

Não foi algo desagradável, mas foi esquisito entrar no carro e deixar os dois
para trás naquela noite. Quando, ao som de gritos, assobios e aplausos, eu saí
da pista, soube que precisava mergulhar minha cabeça em trabalho, ou
acabaria fazendo uma besteira.

Rodei um pouco pela cidade, fui perto da casa da minha mãe, me lembrando
de como foi encontrar uma boa casa para ela depois de todos os anos
embaixo do teto do meu padrasto, passando por tudo o que passei só para ela
ter onde morar… Por um minuto, pensei em descer, mas decididamente não
queria encontrá-la naquele humor desgraçado piorado pelas lembranças
todas. Até mesmo perto da casa do meu padrasto, onde cresci, eu fui, mas
quando percebi que poderia descontar nele toda aquela espiral de raiva que
sentia dentro de mim, estacionei o carro e bati no volante.

— Merda! — xinguei alto antes de apoiar a testa onde havia batido.

Respirei fundo algumas vezes, tentando organizar os pensamentos, tentando


me sentir vitorioso pelo que havia causado, mas lá no fundo, parecia que o
monstro que vivia dentro do meu peito queria mais.

Com Scarlet longe, sem seu cheiro, sua pele, sua boca, seu corpo sendo
tentação, era muito difícil enxergar qualquer outra missão que não fosse
magoá-la tanto quanto ela me magoou. Que não fosse rasgar seu peito como
ela fez com o meu.

Que não fosse trair sua confiança, como ela havia feito com a minha.

Meu irmão era um lixo, mas ela era pior.


E era questão de vida ou morte fazê-la enxergar que, por todos aqueles anos,
cada dia em que ela acordou e olhou para eles, comeu na mesa deles, viveu a
vida deles, ela cravava uma estaca no meu peito, fazendo juras e mais juras
de completa maldade.

Agora, comigo liberto, eu estava pronto para fazê-la pagar, e era culpa dela,
e só dela.

A chave no meu bolso voltou a pesar quando meus dedos bateram nela,
procurando meu isqueiro, mas me senti um covarde de merda. Não queria
entrar no galpão. Não queria ver o que o passado tinha de bom.

Aquelas memórias, aquela garota, tudo havia sido destruído.

Nada era igual, e ver provas de que o passado existiu, sentir que ele
realmente tinha sido tão bom, me fez jogar a chave no porta-luvas do carro e
largá-la lá.

Eu não queria nada da parte boa, era o caos que me alimentava, e era nele
que eu me refugiaria.

Mais calmo, com a cabeça um tanto quanto mais limpa, dei partida e saí dali,
pegando o rumo da Prince University de uma vez, já que aquela madrugada
seria longa.

Já era quase meia-noite, estava escuro e uma garoa contínua e fria caía na
estrada vazia. No rádio do carro, Metallica tocava alto, e eu mal pude
acreditar no que meus olhos viram.

No canto da pista, Scarlet estava abraçada a si mesma, com cara de poucos


amigos, andando na mesma direção que eu ia.
Meu cérebro pensou “vá, siga em frente”, mas tudo o que eu fiz foi reduzir a
velocidade e abaixar o vidro da porta do carona.

— O que está fazendo andando essa hora por aqui? —

perguntei.

— Vá embora, Conrad. — Ela tremia de frio.

Eu a encarei, vendo as pequenas gotas de água pingando de seu cabelo,


molhando seu rosto.

— Se você pedir com jeitinho, posso te dar uma carona —

provoquei.

De repente, aquilo era mais divertido do que qualquer outra coisa no mundo.

— Nem morta.

— Você também falou algumas coisas mais cedo, e quase me beijou. Ou


seja, para as duas coisas, carona e beijo, você vai precisar pedir.

Scarlet parou no lugar e eu pisei no freio vendo-a se virar lentamente para


mim.

Quando conseguiu uma visão decente do meu rosto, a ruiva me encarou


como se fosse capaz de colocar fogo em mim só pelo pensamento e disse:

— Quero que você vá tomar no cu. Que me deixe em paz.

Prefiro comer lama a beijar você, Conrad. Prefiro dar uma volta inteira no
mundo a pé a entrar nessa porcaria de carro.

Levou um minuto para eu processar o que ela dizia. Conseguia ver o nó se


formando em sua garganta, e conhecia Scarlet bem o bastante para saber que
ela estava se esforçando para não chorar.

— É sua última chance.


— Vá para o inferno, Conrad. Prefiro ir embaixo de chuva para qualquer
lugar do que até a esquina com você.

Era aquele jogo que ela queria jogar? Ótimo.

Respirei fundo, medi-a de cima a baixo e dei um meio-sorriso.

— É, até porque — olhei em volta — essa é a única opção que você tem.
Está brava comigo, mas foi seu namorado que te colocou na merda e ainda te
largou aqui. Mas você é interesseira, não é, Red? Uma vadia interesseira. —
Os olhos dela queimaram, mas eu estava cansado de ser legal. — E amanhã,
mesmo com Isaac te tratando que nem merda, você vai estar embaixo do pé
dele. Eu deveria saber…

— Como é que você ficou tão podre? Sério, como?

— Eu fiquei podre? — Não pude segurar a risada amarga. —

Você é a porra de uma hipócrita, Scarlet. — O nome dela queimou na minha


língua.

— E você é um monstro! Antes era só um garoto assustado, mas hoje é a


porra do monstro dentro do meu armário! — ela gritou, descontrolada. Tinha
certeza de que se tivesse ao seu lado, ela teria me batido.

— Então tome cuidado, e não fique no escuro, porque eu vou te pegar. — Os


olhos dela se arregalaram e ela parou com a boca entreaberta, absorvendo o
que eu tinha acabado de dizer. Respirei fundo, mudei a marcha e encarei a
estrada com a mandíbula dura de tanta raiva. — Aproveite a caminhada.

No segundo seguinte, eu já estava longe, não entendendo por que o buraco


que havia no meu peito queimava tanto, ou, na verdade, até entendia, mas
nunca diria em voz alta.
scarlet

minha, minha garotinha triste, eu estive pensando em você. minha, minha


garotinha triste, você ficou tão insensível e fui eu quem a deixou assim.

jaded,aerosmith

Eu nunca havia chorado tanto. Parecia que o choro acumulado de todos


aqueles anos resolveu sair de uma vez, e enquanto as lágrimas rasgavam seu
caminho pelo meu rosto entre as gotas de água vinda do céu, eu caminhei até
não poder mais.

Quando entrei no castelo, meu rastro molhado ficou pelo caminho, e eu


chorei ainda mais ao ver a quantidade de degraus

que precisaria subir até chegar ao meu quarto.

Ainda assim, era bom quase não ter testemunhas daquilo.

Era eu e todo o meu desespero, toda minha tristeza, toda a minha decepção,
sozinhos pelos corredores, e quando a chave girou na fechadura, eu me
arrastei para dentro, e tudo o que fiz foi cair na cama.

Não me importei em tirar a roupa ou os sapatos.

Não me importei com a água.


Não me importei com nada além daquela dor gigantesca em cima do meu
peito.

Encarei a pintura no teto do quarto, pensando em como aquelas sombras


tinham feito de mim tão pequena e insegura, tentei entender como os
sentimentos bons por Conrad conseguiram sobreviver por todo aquele
tempo, mas não tinha uma resposta.

Tudo o que sobrava quando eu encarava o que carregava no peito era


vergonha, e por isso, tapei o rosto e continuei a chorar o mais
silenciosamente possível, sabendo que o dia seguinte seria o dia da
despedida.

Eu não aguentava mais. Eu iria embora.

E me convencendo de que aquilo era o melhor a fazer, consegui me livrar


dos sapatos e das meias, joguei as roupas para fora da cama de qualquer
jeito, e agarrada ao meu travesseiro, sabendo que acordaria moída, me
encolhi nua embaixo da coberta e adormeci, esperançosa de que aquilo tinha
data marcada para acabar.

Como eu sabia que aconteceria, meu nariz acordou tapado, minha cabeça
doendo, e apesar do frio, sentia meu corpo suado.

Meu quarto estava claro, graças ao sol que batia contra a janela que tinha as
cortinas abertas, e eu pensei se não era melhor deitar e dormir mais, porém o
medo de entrar em um sonho lúcido com Conrad era tanto que pulei da cama
direto para o chuveiro.

O banho morno me ajudou a despertar, mas meu coração ainda continuava


pesado, coisa que, depois do choro da noite anterior, eu pensei que
melhoraria. Encarei o celular sem bateria e o coloquei para carregar. Quando
a tela finalmente abriu, foi um misto

de decepção e conformismo ver que não havia nenhuma mensagem ou


ligação de Isaac sequer.

Ele havia me colocado em jogo como se eu fosse um objeto, tinha se


ofendido por me perder, e não tinha movido um dedo para cuidar de mim.

Aquilo também era traição.

Respirei fundo, largando o aparelho no quarto, entendendo que não queria


nenhuma desculpa da parte dele e saí para resolver o que precisava.

A primeira parada foi a enfermaria. Depois de um analgésico forte e uma


garrafa de isotônico tomada em goles gigantes, conferi meu cigarro no bolso
canguru da blusa que eu vestia e meus pés foram certeiros e raivosos pelo
caminho da reitoria.

Eu não ia esperar o dia seguinte para uma conversa definitiva com John
Prince.

Eu não queria passar mais nenhum segundo dentro daquelas paredes.

Eu ia embora, e treinando mais uma vez o discurso que faria para o meu
tutor, subi até a ala mais alta do castelo.

— Scarlet, quanto tempo! — A secretária de John, Maressa, me acolheu com


um sorriso discreto. Seus lábios cheios e escuros escondiam um sorriso de
dentes perfeitamente brancos e alinhados.
Seus cabelos crespos estavam presos em um coque no alto da cabeça e seus
grandes olhos me analisavam sobre as lentes meia-lua dos óculos que
pairava na ponta do nariz. — Está precisando de alguma coisa?

Ela ajeitou o terno azul-escuro e fez como quem ia se levantar.

— Ah, não se preocupe. — Ergui a mão, impedindo-a. — Eu só vim


conversar com John… Ele está disponível?

Na mesma hora, a porta da sala dele se abriu e dela surgiu o reitor.

Seus olhos espertos me mediram de cima a baixo e, como o pai esforçado


que ele fingia ser, sua mão se ergueu na minha direção.

— Scarlet, querida. Ia mandar te chamarem agora mesmo.

— Até mais, Maressa — soprei antes de ter chance de dizer mais alguma
coisa e a secretária acenou com a cabeça. Havia algo sombrio, mas não tive
tempo de me concentrar em qualquer mensagem secreta. Não quando minha
mente reforçava o discurso pré-pronto que havia feito para me despedir
daquela vida.

Assim que John me abraçou e me passou para dentro de sua sala quentinha,
fechou a porta e veio indicar a poltrona próxima à sua mesa para que eu
sentasse.

— Vi que você passou na enfermaria, está tudo bem? —

Quase engasguei.

— Viu?

— É, você e meus filhos têm um pequeno diferencial do resto do campus.


Recebo um alarme cada vez que vocês faltam às aulas, vão à enfermaria ou
recebem uma advertência. Sabe como é, os pais precisam tomar conta dos
filhos. — Ele piscou e sorriu para mim.

— Ah, bem… Noite passada foi uma pequena bagunça — com as mãos
juntas dentro do bolso da blusa, encarei meu colo —, acabei tomando chuva
e peguei um belo resfriado.

— Conrad foi um idiota de provocá-la como fez, mas Isaac jamais poderia
ter colocado você em jogo, não é mesmo?

Segurar o choro naquele minuto fez meus ouvidos doerem, e eu só consegui


confirmar minha decepção com a cabeça.

— Eu imaginei… Foi um erro meu trazer Conrad de volta sem conversar


com você antes, querida. — O tom paternal de John podia não ser cem por
cento verdadeiro, mas ele me pegou de jeito, até porque, desde que meus
pais haviam morrido, ele era o mais próximo que eu tinha.

John foi mais meu pai que meu avô um dia conseguiu, e era por isso que eu
o amava. Ainda era um fantoche em suas mãos?

Era. Ainda tinha a sensação de que ele me usava constantemente?

Tinha. Mas não podia jogar fora e excluir as partes boas da nossa relação, e
por conta disso, não consegui me conter.

A primeira lágrima teimosa e pesada avançou pelo meu rosto.

Desviei o olhar para a janela e a limpei como se não fosse nada antes de
conseguir encarar o homem que cuidou de mim nos últimos anos.

— Não se desculpe. — Limpei a garganta. — Ele é seu filho e tem tanto


direito de estar aqui quanto eu.

— Ainda assim, eu deveria tê-la preparado. — O tom compreensivo dele me


confortou um pouco. — Não é de hoje que venho notando você se
esquivando. Sei que Isaac é temperamental, eu o criei e confesso que o
mimei muito. Namorá-lo não deve ser uma tarefa fácil. E trazer Conrad de
volta… Acho que é por isso que você não tem dado conta das entregas, não
é? — Meu olhar de dúvida foi respondido logo em seguida. — Você é uma
aluna nota A, Scarlet. Nunca ficou abaixo disso, nunca me deu trabalho e eu
queria muito que Isaac aprendesse isso com você, mas seus professores se
queixaram das entregas atrasadas, das faltas…
— Eu não ando muito bem… — Estava pronta para dizer que precisava ir
embora, mas ele me interrompeu.

— Eu sei, e por isso queria conversar com você.

— Minhas notas estão abaixando porque eu não consigo mais lidar com a
pressão que a presença de Conrad vem causando —

desabafei, encarando os olhos do reitor, em um tom de voz mais alto para ser
ouvida. — E não acho que isso vá melhorar. — Ri sem graça e não parei
mais nenhuma lágrima. — Sei que é infantil vir até você para me queixar
disso, e como falei, Conrad é seu filho e tem até mais direito do que eu de
estar aqui, mas… — suspirei —... eu não consigo mais. — Minha voz saiu
em um sussurro.

Engoli o nó na garganta e continuei:

— Ele afeta minhas notas, minha saúde mental, meu relacionamento, e


sinceramente, John, estou aqui porque, apesar de ser grata demais a tudo o
que você fez por mim e por minha família, eu quero ir embora. Não consigo
me concentrar, não consigo me divertir, tenho medo do que ele pode fazer
e…

— Não precisa continuar, Scarlet. — Os olhos dele eram benevolentes, e se


era uma farsa, era uma farsa muito, mas muito boa mesmo.

John suspirou e continuou:

— Eu sei que Conrad é difícil, mas eu o trouxe de volta porque… — seus


olhos desviaram para a mesa por um segundo, ele franziu os lábios e
suspirou, se dando por vencido antes de me encarar de novo —... estou
doente.

Meu coração estrangulou no peito.

— O quê? — As palavras saltaram da minha boca e eu me inclinei para


frente. — O que você tem?
— Um nódulo apareceu na bexiga… Estamos investigando, procurando um
bom tratamento que não me definhe fisicamente, mas é isso. Esse é o motivo
de eu ter trazido meu filho bastardo de

tão longe mesmo sob todo o falatório. Conrad não é fácil, mas é meu filho, e
você, apesar de tudo, também é. Sei que quer ir embora, que a pressão é
demais, e que o pedido deste velho não deveria ser tão levado em conta, mas
aqui e agora, Scarlet, eu gostaria de manter minha família unida durante esta
guerra. Você acha que consegue aguentar um pouco mais por mim? Só até eu
me recuperar, ou até seu aniversário? Não gostaria de perdê-lo.

Meu aniversário era em janeiro. Ainda tinha todo o final de outubro pela
frente, um novembro e dezembro intensos…

Mordisquei o lábio, encarei a janela por alguns minutos e perdida, entreguei


os pontos.

— Claro, John. É claro que posso ficar por você.

As palavras amargaram minha boca, mas que opção eu tinha?

— Obrigado, Scarlet. Isso significa muito. Vou tentar controlar Conrad, eu


prometo. E, para te ajudar, conversei com um amigo meu, psiquiatra, e ele
indicou isso aqui. — Ele abriu a gaveta de sua mesa e tirou um pote laranja
de lá, esticando na minha direção.

Ergui-me, indo até ele e peguei o potinho para ler a embalagem, mas não
havia nada, nem etiqueta, nem uma marca.

— O que é? — perguntei depois de girá-lo na mão.

— É um medicamento novo, para concentração. Ele me garantiu a eficácia,


mas como é algo ainda muito novo, gostaria de contar com sua discrição.
Tome uma pílula a cada doze horas e vamos ver o que acontece. Qualquer
coisa, me ligue ou venha até aqui, ok?

— Ok. Mais alguma coisa?

— Quando é que você viu seu avô?


Fiz uma pequena careta, mordiscando a língua, feliz por não estar mais
chorando.

— Faz um tempo…

— Menina, por favor — o tom brincalhão de John me relaxou

—, não demore muito para vê-lo, e mande minhas lembranças.

— Farei meu melhor nisso — concordei. — E você, por favor, não deixe de
me dar notícias.

— Não se preocupe com isso, agora vá descansar.

Colocando o medicamento no bolso junto dos cigarros, me despedi de John


com um abraço forte e saí da sala com um sentimento que não sentia há
muito tempo, aquilo era pertencimento.

Ok, que ele era uma pessoa extremamente racional, por vezes, muito frio e
arrogante, mas John Prince tinha me dado tudo e além do que precisava para
me recuperar, para ter uma boa vida, e sim, de algum jeito torto e esquisito,
eu era parte da família.

Quando voltei ao quarto naquela tarde, mesmo cansada, resolvi testar a


medicação que ele havia me dado, e quando meu cérebro pareceu acordar
para a vida, me perdi pela madrugada colocando meus trabalhos e o dos
outros em ordem.

Apesar da promessa de ficar pelo menos até o meu aniversário, não tinha
como relaxar. Eu precisava de dinheiro, e continuaria juntando cada mísero
centavo que conseguisse, sem distrações, e o mínimo envolvimento entre
Conrad e Isaac.
Na segunda-feira, quando saí do meu quarto para assistir à primeira aula, me
surpreendi com um Isaac recém-saído do banho,

em frente à minha porta, com um copo imenso de café na mão.

Por um minuto, eu não soube o que falar, mas com a movimentação em volta
de nós, fechei a porta e o encarei.

— Mais efetivo que um buquê de flores, mas não vou ser comprada com um
copo de café. Tenha um bom dia. — Dei as costas para ele, mas o conhecia
bem para saber que ele insistiria.

— Scar, Scar, amor, porra, eu errei. Eu não deveria ter…

Como se alguém tivesse colocado gasolina nas minhas veias e Isaac fosse a
fonte de calor mais próxima, eu explodi.

— Não deveria o quê? Ter me testado? Ter me apostado? Ter me largado


depois de ter sido humilhada mais uma vez pelo seu irmão? Ter me deixado
voltar para a universidade a pé, debaixo de chuva? O que você não deveria
ter feito, Isaac? Me conte qual era a dificuldade de ser um namorado decente
em vez de ficar lambendo suas feridas? — Eu estava quase gritando com ele,
e a plateia do corredor gostou muito do que via.

— Me desculpe, por tudo isso. — Ele se encolheu.

— Ah, pelo amor de Deus. — Revirei os olhos e voltei a andar, mas ele
pegou meu braço.

— Scarlet, me escuta, por favor… Eu não quero terminar. —

Dei um puxão violento, me livrando de suas mãos e ele estranhou.

— Você não tem que querer nada, porque eu já decidi por nós.

Posso não ir embora, mas não quero um relacionamento assim.

— Ir embora? Que história é essa?


— Eu não aguento mais você e seu irmão! Não dá mais, e você ainda
desconfia de mim… Isaac, chega. E eu não quero conversar, ou brigar mais.
Minhas notas estão indo pra merda, preciso ir.

— Espere! — Ele tentou mais uma vez, mas era tarde demais.

Fiquei tentada a roubar o café, mas foi mais legal sair andando e deixá-lo ali,
pensando em tudo o que tinha causado, em como me machucava. Era bom
que ele sentisse minha falta, eu não queria mais correr atrás do rei do mundo.

Antes de entrar na aula, feliz por começar a colocar as coisas no lugar, levei
mais um daqueles comprimidos à boca. Queria correr atrás do tempo perdido
e, de fato, eu não me lembrava de uma aula tão bem aproveitada quanto
aquela.

conrad

não é do seu feitio pedir desculpas. eu estava esperando por uma história
diferente. dessa vez eu estou errado por entregar a você um coração que
valesse a pena partir e eu estive errado, eu estive deprimido. estive no fundo
de todas as garrafas, estas cinco palavras dentro da minha cabeça gritam: nós
ainda estamos nos divertindo?

n i c k e l b a c k , h o w y o u r e m i n d m e Aquela era a porra da minha


manhã favorita desde que eu tinha colocado os pés naquela merda de lugar.

— Conta de novo — mandei.


— Todo mundo viu, ela terminou com ele ou, pelo menos, ele ficou sabendo
que ela não queria mais nada agora de manhã.

Scarlet gritou sobre ser humilhada, ser deixada para caminhar até aqui
debaixo de chuva e Isaac não soube nem mesmo responder, só ficou lá como
um palhaço pedindo desculpas, é isso que estão dizendo — Bella contou.

Eu sorri, apoiando os braços atrás da cabeça, esperando um dos dois


aparecer no refeitório para almoçar.

— E ela compete hoje à noite, vocês estão sabendo? —

Thomaz disse ao meu lado.

— Hoje? Eu também, mas…

— Dizem que ela joga bem.

— Do que eu me lembro, não é tudo isso. — Tentei não me preocupar. —


Agora que eles estão separados, talvez seja divertido mexer com a
insegurança do meu irmão com mais afinco…

— Qual o plano?

Eu já tinha terminado de comer e precisava ir para a próxima aula.

— Vocês vão saber em breve.

Levantei-me da mesa, passei a mochila pelos ombros e saí, sabendo que a


noite seria mais divertida do que nunca.

O refeitório tinha mudado completamente. As mesas estavam alinhadas mais


para o centro do salão, os telões estavam distribuídos nas paredes em volta
para todos verem, mas o jogo aconteceria em uma televisão de sessenta
polegadas do outro lado da sala. O jantar naquela noite seria servido nas
salas de descanso das fraternidades e eu entrei pelas portas com Bella e
Thom às minhas costas, encarando todos os possíveis competidores, mas
buscando por ela.

Senti a tensão no ar se intensificar, principalmente, quando a vi.

Encontrei-a com os cabelos soltos em ondas bem-feitas, sentada sobre uma


das mesas, com os pés apoiados nos bancos, distraída no celular enquanto o
cigarro queimava entre os dedos.

Qualquer um que não a conhecesse acharia Scarlet segura, mas vi

de longe a postura rígida e a mandíbula marcada quando ela notou minha


presença.

Não consegue fingir, não é? — pensei.

— O que vocês vão jogar? — Bella perguntou, meio desinteressada,


avançando para dentro do salão.

— Algum jogo de luta, provavelmente Mortal Kombat, pelo que vi —


comentei.

— Hm… chato. — Ela segurou o riso junto de mim e Thomaz.

— Mas tente ganhar fazendo aquelas mortes legais, tá?

Ela e Thomaz foram sentar e eu fui até o final da sala confirmar minha
presença.

Encostei-me na parede, observando de longe com um cigarro na boca e o


isqueiro nas mãos, e depois de vinte minutos, conferindo que meu pai não
tinha se dado ao trabalho de aparecer onde eu não competiria com Isaac, o
locutor daquela noite começou a explicar as coisas. Não demorou muito até
chamarem Scarlet, e ela e uma garota Bird, vestida de azul dos pés à cabeça,
foram competir.
A ruiva escolheu Mileena, a outra o Cage. E eu assisti, interessado, enquanto
Scarlet colocava o controle sob a blusa, algo

que eu ensinei, anos atrás, para os dedos deslizarem melhor sobre o controle.

Eu a vi fechar os olhos, respirar fundo, fuçar com a mão no bolso e levar


algo à boca. Ela mastigou rápido e engoliu, me causando estranheza, mas
não tive tempo de olhar mais nada além dos olhos dela muito concentrados
na tela, pronta para o primeiro golpe assim que o jogo começou.

Foi lindo ver o primeiro fatality, Mileena arrancando a cabeça de Johnny


Cage e devorando sua língua. A garota Bird soube perder bem,
cumprimentou Scarlet e virou as costas, meio decepcionada, indo para o
fundo da sala. Notei o olhar de Thomaz no meu, parecendo preocupado por
ver o que Scarlet era capaz de fazer, e dei uma longa tragada, negando com a
cabeça, mostrando que aquilo não me preocupava.

Outras disputas aconteceram, até me chamarem e contra um garoto Badger,


eu escolhi propositalmente Kitana. Era um recado direto para Scarlet, já que
Mileena era um clone da princesa a qual eu tinha escolhido.

A luta foi boa, mas nada que me fizesse suar.

Por quatro rodadas, eu joguei; Scarlet também, até que, na semifinal, fomos
chamados.

— Scarlet Wright e Conrad Prince! — anunciaram, e dessa vez, eu a esperei


aparecer primeiro.

Levou alguns minutos e, no meio deles, pensei que ela desistiria, que fugiria
pela memória que aquele ato traria para sua mente. Que, como a maldita
mentirosa que era, correria da possibilidade de me enfrentar e encarar o
passado.

Repetiram nossos nomes, e nada dela, mas no último segundo, quando achei
que Scarlet tinha mesmo ido embora, ela finalmente surgiu, abrindo caminho
e pegando o controle. Só então fui para o lado dela.
— Olha só, como nos velhos tempos… — provoquei quando percebi que ela
não queria papo.

— Me deixa em paz. — Ela encarava a tela.

— Acha que consegue ganhar de mim, sem que eu deixe? —

debochei.

— Tenho certeza que sim. — Raivosa, sua voz era firme.

— Eu aposto que não.

Então ela parou, olhou para mim e sorriu diabolicamente.

Eu nunca tinha visto Scarlet daquele jeito.

— É isso. Vamos apostar.

— Só se valer a pena. — Parei tudo, me virando para ela também.

Os olhos verdes tinham as pupilas dilatadas e me encaravam como se


naquela noite eu fosse a caça e ela, o caçador.

— Se eu ganhar, você me deixa em paz.

— E se eu ganhar, você fica sem poder me dizer não.

Ela franziu as sobrancelhas, não entendendo.

— Nem fodendo.

— É pegar ou largar. A chance de eu nunca mais te perturbar contra a chance


de eu mandar em você igual meu irmão fez todos esses anos, e aí?

Era óbvio que eu não cumpriria com a minha parte do acordo, mas ela não
precisava saber.

— Eu topo. — Levou menos de um minuto para ela decidir.


— Ótimo.

— Esperem aí! — o locutor avisou. — Nessas duas últimas rodadas, vocês


vão trocar de personagem.

Procurei algum desconforto no rosto de Scarlet, mas não achei nenhum.

Ela, na verdade, foi mais rápida do que eu para escolher o que queria, e
quando vi que selecionou Kung Lao, eu escolhi Shao Kahn.

A atmosfera à nossa volta ficou densa, e assim que o jogo começou, fui para
cima dela sem pensar duas vezes. Scarlet defendeu bem, tomou pouco dano
do que eu esperava e então veio devolver o que eu tinha dado com muito
mais intensidade.

Eu tentei muito, mesmo, mas ela era implacável.

Nos segundos finais, quando nossas vidas estavam descendo na mesma


proporção, a filha da puta acertou o golpe e eu joguei o controle longe.

— Desgraçada! — xinguei enquanto ela dava o fatality de Kung Lao.

O chapéu do personagem virou uma serra no chão e ela me rasgou no meio.

— Porra! Melhor de três, agora! — gritei, exigindo aquilo dela.

E do alto do seu orgulho, me olhando como se fosse superior, Scarlet sorriu


da forma mais doce que pôde, jogou o cabelo sobre o

ombro e disse:

— Até nunca mais, Conrad.

Ela não ficou para jogar a final. Ganhar de mim bastou.

E dando as costas, ela foi embora, me deixando louco de ódio, com as veias
queimando para pegá-la pelos cabelos. Eu só não sabia se queria matá-la ou
fodê-la. Talvez os dois, mas não conseguiria descobrir, não tão cedo.
scarlet

você pode me segurar em seus braços?

canyouholdme,nf

cinco anos antes

Aquele era o verão mais quente da minha vida, eu tinha certeza.

Minhas coxas suavam na parte de trás, onde ficaram em contato com banco
do carro do meu avô naquela tarde e eu fiz o melhor que pude para me
manter fresca com o vento da janela, o que foi por água abaixo quando ele
estacionou seu carro antigo em

frente a uma casa nada parecida com a nossa, um pouco mal-acabada, no


final da nossa longa rua.

— Precisa que venha te buscar? — Vovô estava me dando um voto de


confiança, apesar de todo o pandemônio que Susan vinha fazendo, tanto que,
naquele dia, com o convite de Conrad para conhecer sua mãe, ele havia me
incentivado a colocar aquele vestido. O tecido era pardo, cheio de girassóis
distribuídos pela saia e dorso. Não havia decote. Os botões meio que me
sufocavam e ele me cobria bem até o limite dos joelhos, mas ainda assim,
era decente e eu achava ser uma boa escolha.

Nos meus pés, não havia uma segunda opção, e os tênis de sempre estavam
lá.
Assim que os bati sobre a calçada ao descer do carro, me arrependi de não
ter prendido o cabelo, mas não tive tempo de fazer qualquer coisa, já que
quando encarei a fachada da casinha novamente, lá estava ele na janela,
dobrado sobre o parapeito.

Perfeito, com o cabelo ainda molhado do banho, camiseta preta de manga


comprida e cara de bom moço, ele esticou a mão para cumprimentar meu
avô e só depois olhou para mim. Quando ele o fez, foi difícil respirar.

Será que alguém conseguia sentir a magnitude de tudo o que eu sentia


quando estava perto de Conrad? Será que alguém, algum dia na Terra,
poderia ser tão apaixonado por outro ser como eu era por ele?

Eu duvidava muito.

— Conrad, é sua amiga? — Ouvi uma voz feminina vindo lá de dentro e


imaginei ser de sua mãe.

Mais uma vez, aquela palavra amargou nos meus ouvidos.

— Sim, Scarlet chegou. — Ele também não gostou da palavra, mas se


ergueu, parecendo medir minha reação ao vê-lo responder daquele jeito.

Umedeci os lábios e joguei o cabelo por cima do ombro esquerdo, antes de ir


para a porta, sabendo que, quando ele sumiu da janela, estava fazendo o
mesmo que eu, e foi estranhamente bom e engraçado vê-lo parado no portal,
me esperando.

— Se eu disser que ela não é minha amiga, você vai implicar, caso eu a leve
para o meu quarto? — ele disse para a mãe com os olhos em mim e eu quase
tropecei no degrau da entrada.

— O quê? — a mãe perguntou, por não ouvir com clareza, mas Conrad não
repetiu.

O sorriso que ele deu quando viu minha reação foi um dos mais lindos que
eu já tinha visto.

— Olá — ele sussurrou quando me viu perto o bastante.


— Oi — respondi em um sopro.

Era estranho vê-lo depois da troca de mensagens insana daquela madrugada.

Tínhamos deixado claro que não queríamos ser só amigos, mas com a minha
falta de experiência, eu não fazia ideia do que havia no meio do caminho
depois disso.

— Gostei do vestido. — Conrad tirou os olhos dos meus e me analisou de


cima a baixo. — Combinam com você.

Era sobre os girassóis.

— Gosto muito deles — assumi, dócil, realmente ansiosa para ver Caroline.

E ela também parecia querer me conhecer.

— Conrad, entre logo com ela. — Ouvi a chamada de atenção em tom


carinhoso e notei, na respiração de Conrad, que havia algo errado.

— Por favor, tente não dizer nada sobre… — Sua voz saiu em um sussurro,
eu precisei me esforçar para ler seus lábios, mas ele não conseguiu terminar
o recado.

— Filho… — A mão de sua mãe surgiu em seu ombro, e então o rosto de


Caroline, a qual eu não sabia o sobrenome, surgiu ao seu lado, e precisei de
tudo de mim para controlar a língua e não perguntar se estava tudo bem.

Ela era mais baixa que ele, mas ainda mais alta do que eu.

O cabelo escuro estava na altura dos ombros e uma franja meio infantil
cobria sua testa.

Seus olhos eram claros, muito diferentes dos do filho, mas eu conseguia ver
Conrad no desenho de sua boca cortada, e talvez o veria melhor se a maçã
direita de seu rosto não estivesse tão roxa e inchada.

— Você deve ser Scarlet — animada, como se não houvesse nada de errado,
ela me cumprimentou com um sorriso caloroso.
— Caroline? — Ela confirmou com a cabeça.

— Entre, por favor.

Tentando manter meu sorriso e evitando o olhar de Conrad, passei pelo


portal e fui engolida pela casa que, por dentro, era tão

ruim quanto por fora. Engoli em seco, quando pensei sobre Conrad vivendo
entre dois mundos completamente diferentes.

A mesa da cozinha era pequena, de madeira, e tinham três cadeiras em volta


dela. Uma branca, bem antiga, com almofada vermelha no assento. Uma de
madeira mais escura que a da mesa, com estofado azul, e uma de ferro com
marcas de ferrugem. Os eletrodomésticos eram brancos, antigos, as paredes
de madeira pareciam nada seguras para o inverno, e os armários da cozinha
estavam, em sua maioria, sem portas.

A sala, ao lado, tinha um sofá de dois lugares com a espuma aparecendo e


uma poltrona grande com o couro gasto. A mesa de centro abrigava alguns
romances em pilha, um gato preguiçoso dormia ao lado e a televisão de tubo
estava passando o programa da tarde em volume mínimo. Porém, apesar de
muito simples, tudo parecia limpo e organizado, e não me importei com mais
nada, a não ser o fato de que Conrad confiava em mim o bastante para me
colocar para dentro daquele modo.

Não consegui me conter, meu sorriso foi de orelha a orelha e eu não


conseguia relaxar o rosto para desfazê-lo. O garoto de olhos escuros pareceu
notar e soltou uma risada nasalada que sua mãe não entendeu.

— É a primeira vez que meu filho chama alguém para eu conhecer —


Caroline disse, orgulhosa, e Conrad a repreendeu em um tom carinhoso.

— Mãe…

— O quê? É verdade. — Ela parecia feliz por fazê-lo passar por aquilo pela
primeira vez.

Caroline bagunçou o cabelo do filho antes de voltar para o fogão e anunciou:


— Vão lá para dentro. Eu já vou terminar isso daqui e chamo vocês… —
Conrad e eu trocamos um olhar cúmplice, mas Caroline completou sua fala:
— Porta do quarto aberta, ok?

— Mãe… — Conrad reclamou de novo, mas não houve discussão.

A alguns passos de distância da mãe, ele parou ao meu lado e ofereceu a


mão.

Encarei o gesto com o coração flutuando e, sem pensar duas vezes, a peguei.
Foi o tempo dele se aproximar e sussurrar:

— Obrigado.

Eu tinha entendido, mas isso não significava que não queria perguntar,
mesmo entendendo que talvez não fosse a hora de

saber.

Havia uma porta que dava na sala que, por um momento, pensei ser o
banheiro, porém, quando olhei para o corredor e vi a porta do banheiro
aberta, desconfiei que fosse o quarto da mãe. E

se era assim, a outra porta, preta, era dele. Se não houvesse nada segurando,
meu estômago teria saído voando quando ele colocou a mão livre na
maçaneta e a girou.

Esperei ansiosamente conforme o lugar tomava forma diante dos meus


olhos, e me surpreendi por ser tudo tão claro.

As paredes eram de madeira como o resto da casa, a cama de Conrad era


simples como a minha, de solteiro, com uma colcha azul-claro por cima,
apoiada de lado bem embaixo da janela. Em frente a ela havia uma mesa
com o computador e o videogame em cima, e o chão era de carpete verde-
escuro. Pronto, aquilo era o quarto de Conrad Prince.

Parecendo inseguro pela primeira vez, Conrad parou sob o batente da porta e
me colocou para dentro, soltando meus dedos para que eu pudesse olhar as
coisas mais de perto.
Vi uma estante no fundo do quarto com alguns títulos que não conhecia,
algumas fotos com a mãe quando mais novo, um pote

cheio de isqueiros de plástico e algumas medalhas de ouro, prata e bronze


falsos.

Enquanto eu olhava tudo, sentia o peso do olhar dele na minha nuca, e


aquela energia esquisita entre nós. De repente, o quarto parecia abafado, o
cheiro dele intenso e delicioso parecia capaz de grudar na minha pele e,
sabendo que a cabeça de Conrad devia estar a um milhão naquele minuto, eu
tentei invadi-la.

— Não sei se algum dia vou te levar em casa, principalmente, ao meu quarto
— falei, tocando nos pequenos objetos dele, sabendo que isso o provocaria
de alguma forma.

— É mesmo? — Notei quando se moveu e ouvi o colchão gemer quando se


sentou sobre ele. — Por quê?

— Porque, antigamente, ele era um armário. Quando nós viemos morar com
meu avô, a casa já era pequena e cheia de coisas, mas Susan foi mais esperta
e reivindicou o único quarto disponível. Vovô, já sabendo que não seria fácil,
ou seguro para mim, manter duas adolescentes no mesmo ambiente, liberou
o armário do corredor.

— Foi injusto — Conrad julgou.

— Não acho. — Suspirei, largando a fotografia que olhava atentamente e


indo me sentar ao seu lado, continuei: — Era isso ou uma cama de montar
no quarto do meu avô. E, acredite, ele ronca tão alto que conseguimos
escutar de qualquer canto da casa, imagine no mesmo quarto? Além disso,
ganhei uma janela enorme.

A casa não foi projetada como as outras, alguém se confundiu e, graças a


isso, tenho uma visão privilegiada do parque lá de trás e do céu.

— Eu tenho sorte por esta casa ser a última da rua. Consigo uma visão boa
do céu daqui também — ele indicou a janela —, mas raramente me lembro
de olhar.
— E você mora aqui há quanto tempo? — A pergunta causou desconforto.

Percebi quando ele encheu os pulmões de ar e soprou, como se tentasse se


livrar de alguma memória ruim.

— Desde os cinco anos. É o mesmo tempo em que minha mãe está com meu
padrasto. Esta casa é dele. — O tom de Conrad era morto e fiquei sem saber
para onde ir com a conversa.

Juntei as mãos sobre o colo, não querendo abrir uma porta a qual ele não se
sentia confortável para compartilhar e encarei

minhas unhas.

Por alguns segundos, pensei que Conrad tinha se arrependido de me levar até
lá, mas não conseguia encontrar palavras para dizer que eu estava feliz por
ser a primeira ali.

Quando tentei formular uma frase decente, ele suspirou ao meu lado,
escorregou para a beira da cama e abriu a gaveta embaixo da mesa.

— Já jogou videogame antes, né?

Até então, ali dentro, ele não havia me encarado, e continuou assim quando
colocou o controle no meu colo.

— Na verdade, não. — Ele riu e me olhou sobre o ombro.

— É sério?

— É. — Confirmei com a cabeça. — Nós não temos um computador em


casa, quem dirá um videogame. Outra que, minha irmã não é muito disso,
né? E eu prefiro passar o tempo lendo…

nunca senti a necessidade de aprender, e nunca tive ninguém para ensinar.

— Ok. — Ele não me julgou, mas se aproximou e indicou os botões. —


Com esses, você anda, com esse você pula, esse você
bate. Na verdade, aperte esses aleatoriamente e veja o que acontece.

— Certo. — Empolgada, me sentei na beirada da cama junto dele e aguardei


mais instruções.

Conrad me ajudou a escolher o personagem menos terrível do joguinho de


luta e me deixou ganhar a primeira rodada.

— Isso é injusto. Você me deixou ganhar! — O cutuquei com o cotovelo,


rindo.

— Não, claro que não. — Tentando ser sério, Conrad juntou as sobrancelhas.
— Vamos de novo.

Mas eu não era tão boba. Tinha usado a primeira vez para ver que comando
fazia o que, e via como Conrad combinava botões para conseguir golpes
com poder. Minha segunda rodada foi usada para descobrir isso. Na terceira,
eu realmente dei trabalho e ele resolveu reagir. Dessa vez, ele não me deixou
ganhar e, apesar de ter entendido como funcionava, não tinha um décimo da
sua prática.

— Você é espertinha, não? — Seu tom de voz me fez mordiscar o lábio


inferior e o encarei pelo cantinho do olho.

— Não era você que não tinha me deixado ganhar? Eu só estou tentando
fazer por merecer. — Virei o rosto, apoiando o

queixo no ombro, não fugindo dos olhos escuros que, naquele dia, pareciam
ainda mais sombrios. — O que foi que aconteceu?

Ele sabia do que eu perguntava e, perto demais, negou com a cabeça.

— Você não vai querer saber.

— Você não sabe… — Eu queria tudo dele.

— Sei. E dessa merda, ainda quero te manter fora.


Conrad não foi desrespeitoso, nem grosseiro. Eu enxerguei em sua fala, em
seu olhar, nada mais do que proteção.

Ainda assim, continuei a encará-lo, e ele não cedeu.

— O que foi? — Tão próximo, senti sua respiração contra o meu rosto e não
me movi.

Minha pele toda arrepiou de uma vez, meus pés pareciam formigar, e quando
neguei com a cabeça, ele, tão lentamente quanto podia, girou o corpo para
ficar de frente para mim.

Eu era uma pequena mariposa naquele segundo. Conrad era a luz que
confundia meu radar. Eu queria chegar até a lua, mas havia encontrado algo
muito mais quente, mais brilhante, mais intenso e, mesmo que me queimasse
no processo, não conseguia desviar.

— Você devia corrigir sua mãe — apontei quando notei que ele não ia se
afastar.

— É mesmo? — Ele largou o controle do videogame e como se pedisse


permissão, me dando tempo de recuar, veio com a mão sobre o meu pescoço.

Não me movi. Nem me atreveria.

— É.

— Por quê?

— Não suporto mais a palavra com A — respondi tão de imediato que o fiz


rir.

O meio-sorriso que Conrad abriu teria me derrubado se eu estivesse em pé.

— Eu também não. Não mais. — Pouco a pouco, ele veio para perto.

Seu nariz estava a cinco centímetros de distância, seus olhos nos meus
pareciam ter me enfiado em um transe sem volta, e eu suspirei
profundamente esperando pelo meu primeiro beijo.
— Red. — Ele ajeitou a mão em mim e seus dedos acariciaram parte da
minha nuca.

— Hm… — Meus olhos escaparam para sua boca.

— Você tem certeza disso? — Mais uma vez, ele colocava a


responsabilidade na minha mão, e só então eu recobrei a sanidade.

Depois daquilo, não teria volta. Depois daquilo, nada conseguiria tirar
Conrad Prince do meu sistema. Depois daquilo, não importava quantos
viessem, ele sempre seria o primeiro.

— Eu…

E a minha resposta, o nosso momento foi quebrado ao meio, assim como o


som do vidro se partindo na cozinha.

— Você não deveria estar aqui! — Ouvi Caroline gritar e então, o olhar de
Conrad se arregalou. Sua mão na minha nuca pesou.

— Scarlet, promete não sair daqui?

— O que tá acontecendo? — Tentei espiar, o som de uma voz masculina que


não era a de Conrad começou a xingar na sala, mas o garoto de olhos escuros
que parecia pronto para erguer uma guerra, me chamou de novo.

— Não saia daqui. — Era uma ordem séria demais para alguém de só
dezesseis anos dar.

E eu era uma idiota por não conseguir obedecer.

Conrad se afastou e saiu do quarto tão rápido, que eu não entendi o que
acontecia até estar de pé, seguindo-o, preocupada.

— Vagabunda, a casa é minha! Acha que pode enfiar esse bastardinho aí


aqui dentro e brincar de casinha com as minhas coisas? — Ouvir aquilo e ver
a cena seguinte me desestabilizou por completo.
Caroline estava encolhida na quina dos armários, sem ter para onde fugir, e o
homem que devia ser seu marido, padrasto de Conrad, erguia a cadeira de
assento azul para jogar nela.

O ar me faltou, eu quis correr, mas só consegui me encostar contra a parede,


assistindo a Conrad interferir para ajudar a mãe.

— Sai daqui, seu bêbado! — Conrad se jogou contra o padrasto, recebendo o


impacto da cadeirada. Ele aguentou bem, mas sua careta de dor entregava
que tinha algo errado.

— Moleque folgado, por que não manda aquele seu pai me pagar para
aguentar você e a puta da sua mãe? — E o homem não parou. Com os
punhos e pernas, mesmo alterado pela bebida, atingiu Conrad como dava.

— Pare! PARE! Pelo amor de Deus! — Caroline se jogou entre eles, ganhou
um soco, empurrou o marido. — Ah, meu Deus! — Ela

agarrou Conrad, havia sangue em sua mão, eu quis gritar, mas mal tive
tempo.

No segundo em que o homem me viu, me tornei um alvo.

— E quem é essa putinha? — Ele cambaleou na minha direção.

Eu não consegui correr, e para onde eu iria?

Juntei-me à parede, querendo ter algum poder mágico nas mãos para me
tornar parte dela, mas nada aconteceu. Ele lambeu os lábios como se eu
fosse suculenta e arrancou o cinto que prendia suas calças com dificuldade.
De algum modo insano, por nada, ele queria me bater também e, por um triz,
achei que faria.

Foi quando Conrad se jogou mais uma vez contra o homem.

Os dois caíram no chão aos meus pés e, finalmente, consegui gritar.

Minha garganta ardeu, meu coração pareceu voltar a bombear sangue, mas
nada me preparou para ver Conrad tão descontrolado sobre o outro, socando-
o de uma forma quase animalesca.

— Você não vai tocar nela! — A frase saiu entredentes, quase rosnada.

— Filho, pelo amor de Deus! — Caroline se aproximou para tentar tirar o


filho de cima do marido.

A coisa toda era tão caótica que, quando o padrasto parou de reagir, Conrad
pareceu se acalmar, empurrou a mão da mãe e me encarou.

Havia vergonha, medo e raiva em seu olhar, mas nada disso me afastou.

Assim que ele se levantou, me joguei contra ele, abraçando-o com tanta
força, tão assustada, que quando percebi, ainda estava agarrada a ele, mas do
lado de fora da casa.

Levou, pelo menos, meia hora antes de eu me afastar o bastante para olhar
para o seu rosto, e nele eu não consegui ler nada. Com medo do que viria a
seguir, grudei de novo a cabeça contra seu peito e agradeci por ele não dar
nenhum indício de que iria me largar.

— Você… — sua voz saiu mais grossa e ele limpou a garganta

—... está bem? — Sua pergunta era baixa, dura, distante, ainda assim,
queimou nos meus ouvidos.

— Não. E você?

— Ninguém se importa. — De novo, a versão morta de Conrad deu as caras


e, outra vez, afastei o rosto de seu peito para poder encará-lo.

Sem pensar muito, minhas mãos foram parar em suas bochechas, meus olhos
nos dele eram sérios, inquisidores, reais demais para ele tentar ignorar.

— Eu me importo. Eu sempre vou me importar. — Minha voz também não


deixou dúvidas, mas ele não quis acreditar.

Conrad me largou, desviou o rosto do jeito mais brutal que poderia fazer, e
como se não se importasse, tentou me ferir.
— Vá em frente, Red. Vá embora e amanhã espalhe para a cidade toda. A
casa miserável que vive o Prince bastardo, conte o que viu aqui…

Em um primeiro momento, aquilo me fez dar um passo para trás, mas no


seguinte, com as lágrimas queimando pelas minhas bochechas, voltei a
colocar as mãos em seu rosto e o obriguei a me olhar, mais uma vez.

— Se você acha que eu faria algo do tipo, você não me traria aqui. Acha que
eu me importo com sua casa? Acha que vou te abandonar depois de ver o
que eu vi? Você só pode estar louco.

Você me conhece, Conrad. Você me conhece melhor do que qualquer uma


das pessoas com quem eu vivi nos últimos anos, e não é isso que vai me
afastar de você.

Os olhos dele estavam naquele modo em que eu não sabia onde começava
uma coisa e terminava outra. Conrad lia minha alma naquele segundo e,
mesmo assim, ele me testava.

— E o que vai?

— Você — soprei a resposta com tanta sinceridade que doeu.

— Só você pode me afastar agora. É isso o que quer? — Tão próxima


quanto podia estar, meu nariz quase roçava o dele e eu estava na ponta dos
pés, esperando desesperadamente por uma resposta.

— Diga agora que me quer longe, que isso tudo foi um erro, que vou embora
nesse instante, mas não pense que isso tudo lá dentro poderia me machucar
mais do que ficar sem você.

— Você tem quatorze anos, Scarlet. — Eu odiei ouvir meu nome naquele
minuto. — Não sabe o que diz.

— Eu não sou criança! — Foi minha resposta raivosa.

Foi aí que tudo girou. Conrad me afastou e, mesmo no meio da rua, mesmo
evitando fazer isso por todo o tempo em que eu o
observava secretamente, Conrad tirou a blusa e eu vi o horror que haviam
feito dele.

Os braços tinham tantas marcas, tantos roxos, tantas cicatrizes… E elas


subiam pelos ombros, peito, abdome...

Meu horror não o conteve. Conrad, evitando olhar para o meu rosto, girou, e
então se ainda havia em mim alguma lágrima presa, ela se soltou ali.

Suas costas eram marcadas na parte de cima com várias e várias outras
cicatrizes. Alguns machucados eram recentes e se tornariam novas marcas
muito em breve.

Aquilo não era obra de uma ou duas surras. Aquilo era a prova de uma vida
inteira de agressões. Era feio, doloroso, pesado.

E explicava muita coisa.

— Meu Deus — o protesto saiu baixo.

— Não há Deus nenhum nisso. — Foi a resposta mais dura dele naquela
tarde.

Conrad colocou a blusa e, visivelmente, abalado, tentou se afastar de mim.

Ainda assim, me coloquei à sua frente e não o deixei seguir.

— Vai, Red. Você não precisa ficar por pena de mim. — Ele evitou me
encarar daquela vez, mas eu vi as lágrimas se acumulando nos seus olhos.

— Não! — gritei, finalmente chamando sua atenção. Uma única lágrima


caiu pelo rosto dele. — Eu vou ficar porque eu amo você.

E eu beijei Conrad Prince pela primeira vez, e diferente de tudo o que eu


havia imaginado para o meu primeiro beijo, aquele, em particular, tinha
gosto de cura.
scarlet

você está contando isso da forma como vê, como se a verdade fosse o que
você decide. algumas pessoas vão acreditar e algumas vão ler nas
entrelinhas.

s k i n , s a b r i n a c a r p e n t e r Estava trancada no meu quarto, com os


fones no ouvido, impedindo qualquer ruído externo de me perturbar. Era
quase meia-noite, quase a hora da entrega dos trabalhos, e eu estava
aproveitando os últimos minutos dentro da minha bolha segura.

As cinzas do meu cigarro estavam indo para dentro do copo de café vazio
que eu tinha largado sobre a mesa, mas sentada na

cadeira do computador, com as botas apoiadas na cama, minha mente não


conseguia deixar de trazer uma sensação que achei que havia sepultado
dentro de mim.

Isaac tentou contato o dia todo. Precisei desligar o celular quando ele sugeriu
que eu queria beijar Conrad e isso o magoou.

Eu não queria mentir, mais uma vez, então esperei que o meu silêncio me
acobertasse da verdade, mas lá no fundo, esfregando suavemente meu lábio
inferior com os dedos, quase conseguia senti-lo na minha língua.

Nosso primeiro beijo foi caótico, me senti no céu, fui guiada por um anjo
mesmo que ele estivesse no meio do inferno. E ainda que a memória
estivesse fresca como se eu ainda estivesse lá, conseguia ver a linha onde
minha lealdade a Conrad ainda teimava em existir.

Mesmo depois de tanto tempo, eu nunca tinha aberto a boca sobre aquele dia
para ninguém. Eu nunca contei sobre seus segredos, sobre seus medos, sobre
toda aquela loucura da qual ele tinha vergonha.

Eu nunca o expus ao ridículo, nem faria. Não era o meu jogo, ao contrário do
dele.

A qualquer segundo, eu imaginava que ia abrir a porta e ter alguma


pegadinha me esperando, que ele me machucaria mais e mais, até realmente
não sobrar nada.

— Falta pouco — repeti para mim mesma no escuro e dei mais uma tragada
no cigarro.

A fumaça entrou pelos pulmões e, quando a segurei, senti o corpo relaxando


enquanto a música tocava suas últimas notas, anunciando seu fim,
anunciando que eu teria que me jogar de volta à realidade caótica.

Pelo menos, ela tinha um prazo para acabar, e eu não gastaria mais tempo
com aquela loucura de família. Quando o relógio no meu pulso vibrou às
23h50, apaguei o cigarro com mais força do que o necessário na sola da
minha bota, e pegando os papéis que precisava, saí para a entrega daquela
noite.

A Prince University tentava burlar o que eu fazia de todo jeito.

Cada trabalho deveria ser entregue em um determinado papel,


escrito à mão. Era uma sorte nem todos serem tão extensos. Era por isso que
eu sempre pedia dos meus clientes uma amostra de suas letras e me
esforçava para copiá-las. Chegou um tempo que eu não sabia mais como era
a minha própria letra, e talvez isso tenha afetado minha personalidade em
algum grau. Aquela facilidade de me adaptar ao ambiente em que estava
para sobreviver tinha que ter algum limite, eu começava a desconfiar que o
meu estava próximo de me engolir. Ainda assim, cobri a cabeça com o
capuz, escondendo o cabelo, e sem a jaqueta dos Lions, escondi os trabalhos
embaixo da blusa e saí. Não tinha alternativa, eu precisava do dinheiro, e foi
essa a justificativa que repeti mentalmente quando saí do meu quarto, feliz
por não encontrar ninguém do lado de fora.

O caminho pelos corredores foi rápido, quando cheguei até a porta de


entrada, que sabe lá Deus o motivo continuava aberta, desci pela grama
molhada tomando cuidado para não escorregar e corri até o primeiro ponto
de entrega.

O garoto dos Badgers, que já havia comprado comigo algumas vezes, não
falou nada quando me viu. Separei seu trabalho, ele me passou o dinheiro e
eu dei as costas em silêncio depois de conferir

o valor. Cinquenta pratas por cinco páginas de um resumo bem-feito da


Primeira Guerra Mundial com ênfase nos conflitos políticos e uma bela
crítica ao capitalismo. Eu devia ter cobrado mais.

A segunda entrega era para um garoto do outro lado do campus. Na porta da


pequena capela, ele me esperava fumando um baseado e quando tentou se
mover para ver meu rosto contra a luz, quase gritou.

— Você não é namorada do filho do reitor? — Ele parecia em pânico.

— Costumava ser, e é por isso que ninguém vai acreditar se você abrir a
boca, entendido? — Meu tom mais ameaçador saiu no automático, e os
olhos claros dele pareceram entender o recado.

Ele me passou o dinheiro, entreguei o trabalho e dei as costas sem dizer mais
nada.
A última entrega era no dormitório de uma garota que havia ficado doente e
eu não tive alternativa, a não ser entregá-lo em mãos, dentro do prédio.

Eu a fiz jurar que estaria na frente do quarto, que não precisaria bater, e


assim que entrei pelo corredor, encontrei Peggy.

Ela era uma Bird, e apesar de parecer inteligente, era alguém que

sempre pedia ajuda extra bem no final do semestre. De tudo, eu não podia
reclamar. Minha taxa de urgência era alta, mas quase pensei em ignorá-la
para todo o sempre quando virei o corredor e a vi lá, de camisola, cabelos
soltos, bem-arrumada, acompanhada por Conrad.

— Eu juro que não sei, mas posso te ajudar nisso — ela flertava baixinho
com ele e eu quis vomitar. Era uma pena não conseguir voltar pelo caminho
que havia feito, já que pelo som dos meus passos, ambas as cabeças giraram
na minha direção.

— Caralho — xinguei baixo. Não dava para fugir.

Os olhos escuros dele pesaram sobre meus ombros e eu parei no lugar.

— Você trouxe? — A garota alta girou o corpo na minha direção e abriu um


sorriso enorme.

Tentei realmente ignorá-lo e focar no rosto de Peggy.

— Uhum. — Droga, ela não podia ser mais discreta? —

Podemos ir até ali? — Indiquei o outro lado do corredor, longe dele, para
fazer aquilo.

— Ah, não se preocupe com Conrad, ele é meu amigo.

Por um mísero segundo, desviei o olhar para o rosto dele, querendo ler sua
reação.

Ele era mesmo amigo dela? Pela sua falta de expressão, eu diria que não,
mas e se fosse isso ou algo a mais? Meu peito queimou. A vontade de
picotar o trabalho dela virou um pequeno monstrinho dentro da minha
cabeça, mas me contive quando a vi vindo na minha direção, balançando os
cabelos castanhos, parecendo no céu por ter a atenção de Conrad Prince.

Eu a invejei, e tive dó dela naquele segundo, porque eu sabia exatamente


como ela se sentia. Sabia exatamente como era a sensação de tê-lo sob a pele
e não conseguir escapar, mesmo com muito custo.

— Achei que estivesse doente. — Meu tom de voz foi duro com a menina.

— Estou melhor, graças ao Conrad… Peraí, vocês se conhecem, não? Ele é,


tipo, seu cunhado. — Eu não estava olhando para ele, mas sabia que ele
sorria em provocação.

— Ele não é nada meu. — Tentei ser o mais neutra possível.

Como eu poderia fazer aquela garota calar a boca e não contar nada para
Conrad?

— Mas eu fiz aquele nosso trabalho. Vim te trazer agora que terminei, leia,
faça algumas correções, se quiser, te encontro

amanhã na aula — falei alto para que ele ouvisse e não achasse que tinha
algo de errado.

— Nosso trabalho? — A garota olhou para mim e eu a encarei como se fosse


capaz de matá-la. — Ah, sim, nosso trabalho! — Ela não sabia disfarçar. —
Obrigada por fazer isso.

E burra o bastante para não entender que eu realmente não podia me foder
com Conrad mais do que já estava fodida, ela me ofereceu o dinheiro na
frente do desgraçado.

Fechei os olhos, aceitei, e jurei por Deus e todos os santos que nunca mais
aceitaria nenhum trabalho dela.

Quando dei as costas para Peggy naquela noite, sabia que as consequências
viriam, e tão certo quanto poderia ser, meu celular vibrou antes mesmo de eu
entrar no meu quarto.
Vendendo

trabalhos

esta

hora da noite,

Red?

Não é da sua

conta.

Foi inevitável não responder.

Queria cortá-lo em mil pedaços.

Ah, mas tudo o

que você faz é da

minha

conta.

Espere até meu

pai saber disso.

Minha garganta fechou lendo aquela mensagem. Precisei parar no corredor e


pensei em voltar para enfrentá-lo, pessoalmente, mas sabe lá Deus onde ele
estaria naquele minuto, e depois de tudo, não queria ficar sozinha com ele.
Não quando não conseguia ter dimensão do que sentia, e como sentia, por
Conrad.

— Filho de uma puta — xinguei, enquanto digitava a mensagem.

O que você quer


para manter essa

merda de boca

fechada?

Está

tentando

negociar, Red?

Como você disse,

é pegar ou largar

Quis morrer ao digitar aquilo.

Vou pensar em

algo divertido, não

se

preocupe.

Continue

trabalhando

na

ilegalidade,

combina

com
você, trapaceira.

Se eu não precisasse do aparelho, naquele segundo, o teria jogado contra a


parede.

O ódio por Conrad ganhou naquele segundo, e precisei ser rápida para voltar
ao meu quarto e gritar contra o travesseiro todos os palavrões que conhecia,
antes de haver possibilidade de eu bater em sua porta.

Por dois dias inteiros, eu vivi no limite da ansiedade.

Todo segundo, eu esperava algo ruim acontecer, fosse uma mensagem de


Conrad, fosse John me chamando até seu escritório… Se ele fosse me
expulsar, não acharia de todo ruim, porém ficaria terrivelmente devastada
por desrespeitá-lo depois de tudo o que ele já havia feito por mim, ainda
mais naquele momento delicado.

Também descobri da pior forma que o remédio que ele havia me dado tinha
um efeito esquisito. Se eu começasse a estudar depois de tomá-lo, aquele
seria meu único foco, mas se minha cabeça puxasse qualquer outra distração,
ficaria presa nela, e naquele minuto, eu estava arrependida de ter abusado da
dose, tomando um comprimido a cada quatro horas, para desperdiçá-lo
encarando o teto.

Na minha cabeça, eu já tinha tudo ensaiado. O bom e o ruim.

Eu só não imaginava ter que colocar algum deles em prática naquela noite.

Não eram nem seis da tarde quando meu celular tocou e meu estômago
pareceu mais pesado que um saco de cimento quando atendi a ligação de
John Prince.
— Alô? — perguntei, esperando pelo tom de voz duro.

— Scarlet, querida. Como vai? — Consegui soltar o ar dos pulmões quando


notei o tom descontraído.

— Bem, e você? Precisa de algo? — Minha preocupação tomou conta da


ligação.

— Não se preocupe, estou perfeitamente bem. Escute, estou ligando para


saber se você tem algum compromisso esta noite.

Gostaria de chamar você e meus filhos para um jantar em família, acha que
pode fazer isso por mim?

Meu estômago que já estava pesado resolveu queimar.

— Hm, um jantar hoje?

Porra, quanto eu estaria na lista de espera para o inferno, caso recusasse o


convite de um doente?

— Acho que posso sim. — As palavras pularam da minha boca ao mesmo


tempo que o arrependimento subiu nos meus ombros.

— Ótimo. Espero você daqui a uma hora.

— Certo, até.

Quando a ligação encerrou, fiquei encarando o telefone como se fosse um


objeto alienígena. Que merda eu tinha na cabeça por não conseguir dizer um
simples e pequeno não? John Prince era um cara ocupado o bastante para
entender quando outras pessoas recusavam convites feitos em cima da hora,
certo?

— Merda — soprei o palavrão pulando para fora da cama e indo para baixo
do chuveiro, sabendo que não teria alternativa que não fosse fazer o papel da
garota agradecida e gentil, mesmo que minha vontade fosse mandar meio
mundo à merda naquele dia frio de outubro.

Muito a contragosto, gastei algum dinheiro com o táxi e, atrasada vinte


minutos, adentrei a alameda da mansão Prince. A copa das árvores estava
alaranjada e mesmo sob a luz artificial das luminárias do caminho, era bonito
de se ver.

E eu já tinha passado estações demais dentro daqueles muros para entender


que, mesmo no inverno, quando tudo virava um emaranhado de galhos
pelados, eu ainda podia ver beleza ali.

Quando adentrei pela porta de vidro e cruzei a casa para chegar à antiga sala
de jantar dos Prince, decorada como anos atrás, respirei fundo pela volta da
memória a qual eu fugia sempre que me via refletida no espelho atrás da
mesa.

— Scarlet, filha. Bem-vinda. — Levantando-se, John abriu os braços para


me receber e eu fui abraçá-lo.

— Como vai? — perguntei, depois de abraçá-lo e beijá-lo.

— Bem. Sente-se onde preferir. — Ele indicou os três lugares vagos. —


Quem chega primeiro tem preferência de escolha.

— Isaac e Conrad vêm? — Foi impossível não perguntar quando puxei a


cadeira do seu lado direito, ficando de frente para a entrada da sala.

— Estou chegando ao ponto da vida onde acredito que fui um péssimo pai e
um ótimo administrador. Veja, não te criei, mas cuidei da sua vida, e você é a
única aqui. — Ele serviu minha taça com o espumante que estava bebendo.

— Bom, eu ainda sou menor de idade — avisei, vendo a taça sendo enchida
até a boca quase.
— E fuma e bebe desde nova, pelo menos, essa parece ser uma tradição
nesta casa e uma falha na minha administração. É, talvez eu não seja nem
bom pai, nem bom administrador. — Ele riu sem graça.

— Não é verdade, você fez muito por mim. O apoio, a acolhida…

— Era minha obrigação.

— Não. Não era. — Peguei a taça e dei longo gole, resolvendo ser um pouco
honesta. — Mas você cuidou de mim, mesmo que isso tenha sido só uma
contenção de danos.

O olhar que ele me deu foi o único que eu imaginava que não ganharia.

John Prince parecia orgulhoso de mim.

— Era o que eu tinha para oferecer.

— E me salvou — admiti com o sabor do prosecco apertando minha língua.


— E sempre serei grata.

— Mesmo que não seja mais uma garotinha inocente, a qual desconfio que
você nunca foi, não é?

Meu sorriso para John o fez relaxar na cadeira.

— Ótimo. O que acha que errei como pai, se me permite perguntar?

— Com qual dos filhos?

— Hm… Isaac primeiro? — Ele pegou sua taça, cruzou os braços e esperou.

— Acho que seus filhos são muito parecidos, John. Os defeitos… Nenhum
dos dois gosta de esperar, nenhum dos dois aceita ser contrariado. Eles
odeiam a possibilidade de alguém comandá-los, gostam de mostrar que são
bons, não, que são os melhores…

— E o que os difere?
— Os motivos para fazê-lo. — Era real, e foi duro ouvir o que veio em
seguida.

— É por isso que você se apaixonou por eles?

Ri sem graça, tentando encarar aquilo com uma leveza que não tinha.

— Não. — Era uma meia-mentira. Era não para um deles, mas pelo outro?
Foi por isso e muito mais. — Conrad sempre esteve lá, e Isaac... — Sorri,
lembrando em como ele veio ganhando terreno, se

esforçando para conquistar seu espaço, sabendo que competia com o irmão
dia e noite, mesmo sem o outro estar presente. — Isaac fez por merecer.

— Talvez eu precise conversar com meu filho, para saber como fazer um
relacionamento durar — ele brincou, mas eu não ri daquela vez.

— Bom, no momento, não sei dizer o status do que temos…

— Você terminou com ele depois do que ele fez? Se sim, eu não a julgo.

— Não conversamos — confessei.

— Porque ela não quis, que fique claro. — A voz de Isaac me chamou para
prestar atenção na porta.

Seus olhos estavam um pouco fundos, mas, de resto, meu não sei se ex ou
atual namorado, estava perfeito. A blusa de mangas compridas de tecido
fino se agarrava aos músculos dos braços, sua barba estava começando a dar
o ar da graça e os cabelos estavam perfeitamente arrumados.

— E não será agora, na frente do seu pai. Olá — cumprimentei e terminei


com a bebida da minha taça.

Ele veio até mim e, por trás da minha cadeira, se curvou para beijar minha
bochecha.

— Olá. — Seu tom era carinhoso e imponente. Eu sabia que não escaparia
de uma conversa com ele naquela noite. — E oi, pai.
John se ergueu para abraçar o filho e indicou o lugar à sua esquerda para que
Isaac se sentasse.

— Conrad não vem? — ele encarou o lugar vazio e perguntou, olhando para
mim.

— Sei dele tanto quanto você. — Tentei meu melhor tom de desprezo.

— Eu o convidei, mas se vai aparecer…

— Melhor que não venha — Isaac soprou, dando de ombros.

— É, falhei mesmo como pai. — John me imitou, zerando o conteúdo de sua


taça. — Vocês acham que devo esperar para servir o jantar?

— Não — respondemos, eu e Isaac, ao mesmo tempo.

— Que seja, então.

E em um passe de mágica, o primeiro funcionário da casa apareceu, trazendo


mais bebida e as saladas de entrada.

A noite foi mais agradável do que eu jamais havia sonhado.

Todos falamos um pouco sobre como ia o torneio, John falou dos filhos com
orgulho, e na ausência de Conrad, alimentou o ego de Isaac. Falei um pouco
da minha jornada de estudos, expliquei que estava querendo focar em
melhorar minhas notas de novo e Isaac contou as novidades do campus que
o pai não sabia.

Falamos sobre música, esportes, a última viagem em família que havíamos


feito e, finalmente, sobre o meu avô.

— Você vai visitá-lo? — John perguntou.

— Estou tão relapsa… A última vez que o vi, foi pouco depois do começo
do semestre. Já faz um mês que não apareço. — A culpa junto do álcool
marejou meus olhos.
Eu deveria ser uma neta melhor, mas depois de tudo, como poderia?

— Você é ótima, querida. Ele entende que sua vida é agitada agora. Me
deem licença por um minuto? — O patriarca Prince se levantou e foi na
direção do lavabo, deixando a mim e Isaac sozinhos na mesa.

— Se quiser, amanhã não vou usar meu carro. Me ofereceria para ir com
você, mas terá um jogo em outra cidade, vamos jogar

contra outra universidade e, como você odeia isso e não vou poder implorar
para me acompanhar desta vez, acho que seria legal visitar seu avô.

Dei um meio-sorriso e o olhei com carinho.

Sabia que Isaac fazia aquilo de bom coração.

— Obrigada. Acho que vou fazer isso mesmo…

— E quando voltar, podemos conversar?

Suspirei e deitei a cabeça para trás, não querendo lidar com aquilo.

— Podemos — concordei e voltei a encará-lo. — Mas não pense que isso é


uma volta.

— Então terminamos, mesmo?

Era errado, mas só de pensar em não ter a segurança que Isaac me


proporcionava, meu estômago doía. Ainda assim, aquela era uma falsa
sensação, já que, desde a volta de Conrad, eu nunca estava segura.

— Você quer uma afirmativa para sair galinhando por aí? —

Tentei brincar, mas o tom de voz dele era sério.

— Não. Quero fazer você ficar.

— Isaac… — Suspirei. — Preciso pensar.


— E eu vou te esperar. — Não era uma fala inocente, jogada ou dita com
compreensão.

Era uma decisão firme.

— Você… — Eu ia dizer que ele também podia usar seu tempo para analisar
a situação, mas ouvi a porta do banheiro destrancar e soprei: — Estamos em
um tempo, certo?

— E acabaremos com ele logo.

— Conversaremos sobre isso depois. — Ajeitei-me na cadeira antes de John


se sentar de novo.

— De onde paramos?

E o papo continuou normalmente, mesmo que os olhos de Isaac não


desgrudassem de mim.

Horas mais tarde, depois da minha sobremesa favorita ser servida, John
anunciou que precisava se recolher e Isaac disse que me levaria embora. De
qualquer modo, eu não recusaria a carona, mas sabia que a viagem de meia
hora seria cheia de uma conversa que não sabia se queria ter. Para minha
sorte, quando entrei no carro, Isaac quis me comprar com memórias e todas
as músicas

importantes do nosso namoro tocaram durante o caminho e eu não consegui


não cantarolar algumas melodias. Quando a mais apaixonante delas começou
a tocar, estávamos entrando no terreno da faculdade e assim que ele parou na
vaga de sempre, desligou o carro, fazendo o som morrer e me fitou com os
olhos brilhando.

— Eu sei o que você está tentando fazer… — Meu tom de voz era baixo, e
apesar do meu sorriso, era um alerta.

— Eu sei que você sabe, mas preciso te mostrar que temos mais boas
memórias do que ruins. Sei que falhei, e que vou falhar muito mais, Scarlet,
mas não quero desistir de você. — Ele suspirou e, com cuidado, pegou
minha mão que estava pousada no colo e, entrelaçando nossos dedos, a levou
para o seu rosto. — Por favor, não desista de mim, ainda.

— Isaac… — Suspirei mais uma vez e recolhi a mão que ele havia pegado,
soltando o cinto de segurança e me ajeitando para ficar de frente para ele. —
Eu amo você, isso não se perde do dia para a noite, mas realmente preciso de
um tempo. Preciso respirar…

— Acho que eu posso esperar — ele se moveu, me imitando

—, mas... — Seu corpo inclinou na direção do meu e nós dois

sorrimos. Era difícil dizer não quando ele assumia aquela postura e parte de
mim gostava muito daquela sensação de controle. Só por isso, permiti que
ele chegasse perto o bastante para tocar o nariz no meu. — Não demore.
Sinto muito sua falta.

E, se não fosse por Conrad, eu também sentiria a dele.

Se não fosse aquele maldito sentimento que eu não conseguia fazer


desaparecer ou controlar, nós ainda estaríamos dentro da nossa bolha.
Naquele segundo, não consegui dominar minha mente e a memória do
primeiro beijo com o Prince bastardo veio alucinadamente. Ele chorava, eu
chorava, nossas bocas se chocaram e eu lembrava como se aquele fosse meu
filme favorito ao qual eu havia passado pelo menos um mês assistindo em
looping. Suas mãos na minha cintura, então uma delas no meu rosto. O
corpo quente grudado ao meu. O coração disparado, a sensação dos lábios
dele contra os meus, a naturalidade com que nossas línguas se tocaram, a
surpresa pelo sentimento de pertencimento, a ausência do medo de errar, o
instinto vindo do encaixe perfeito, a descoberta do gosto, de como respirar,
de como viver depois daquilo…

Isaac estava perto demais, e de um jeito ruim, ele era minha âncora.

Ele e nosso relacionamento eram meu lembrete do depois.

E quando dei por mim, quando os lábios do garoto loiro roçaram nos meus,
tentei expulsar Conrad do meu sistema e beijei seu meio-irmão.
Beijei o garoto que permiti entrar, que se esforçou dia e noite para ter sua
chance, que batalhou contra a merda de uma memória forte demais para ser
superada e que agora voltava para nos assombrar.

Naquele segundo, beijando Isaac, eu quis que desse certo.

Eu quis amá-lo acima de tudo, e por causa de tudo, mas não era algo que eu
pudesse comandar. O coração tinha suas regras e, para o meu azar, o meu era
insanamente louco e gostava do perigo, ainda mais quando ele vinha
acompanhado por um par de olhos escuros mais profundos do que qualquer
abismo.

— Isaac — interrompi o beijo quando percebi que ele avançaria a base, e o


empurrei com a mão em seu peito —, espere.

— Scarlet, por favor.

— Não é tão simples… — Não tive coragem de encará-lo.

— Eu já pedi desculpas. — E lá estava o garoto que não sabia esperar.

O tom de voz frustrado me azedou.

— E eu estou tentando aceitá-las. Não deveria ter beijado você. — Não parei
para me despedir, virei o corpo para abrir a porta e, do mesmo jeito que tudo
tinha começado bem, terminava em completa ruína.

Eu não entendia o motivo de querer chorar tanto.

Não entendia aquele sentimento de luto por alguém que ainda estava vivo.

Mas sabia que, por causa do que sentia, se Isaac desconfiasse, com certeza
eu morreria para ele, e eu não tinha certeza se conseguiria sobreviver
sabendo que machucava a única pessoa que se preocupou em me fazer
inteira de novo, depois de tudo o que havia acontecido.
scarlet

eu ainda escuto sua voz no trânsito, nós dois rindo por cima de todo aquele
barulho. deus, eu estou tão triste, sei que terminamos, mas eu ainda te amo
pra caralho, amor.

driverslicence,halocene.

Na manhã seguinte, em frente à porta do meu quarto, havia um copo de café


e a chave do carro em um envelope. O café já tinha esfriado, mesmo assim,
eu não o recusei. Era um pedido de desculpas dele trazer a bebida, e foi um
meu bebê-la.

Aquele outono parecia determinado a sugar qualquer gota dourada de


felicidade em seus dias molhados, mas, pela primeira

vez eu vi o sol ganhar força naquele outubro, e a primeira coisa que fiz foi
vestir uma das minhas saias favoritas. Ela era curta, preta com riscas
brancas, rodada e de cintura baixa. Junto de uma regata simples mais
curtinha que exibia meu piercing do umbigo, caso eu me mexesse muito,
joguei a jaqueta de couro por cima, coloquei as botas mais pesadas que tinha
no armário, e depois de tomar uma das — carinhosamente apelidadas de —
estrelinhas da concentração, peguei minha bolsa, acendi um cigarro e desci
para o estacionamento.

O Tesla de Isaac estava estacionado no mesmo lugar de onde fugi na noite


passada, e eu precisei me livrar do cigarro antes de entrar pela porta do
motorista. Sorri ao ver dois pacotinhos de balas de morango sobre o painel
do carro.

Era mais um pedido de desculpas.

Depois de colocar uma bala na boca, ajustei o banco, os retrovisores,


coloquei o cinto e dei partida. O motor não fez nem um mínimo barulho e eu
agradeci.

Odiava dirigir e só fazia aquilo quando não tinha opção.

E por mais que inventasse um bilhão de histórias para justificar meu


problema com o volante, aquela era só mais uma coisa na

minha vida a qual Conrad tinha arruinado.

Ainda assim, eu não tinha outra opção naquela manhã. Me adaptando aos
vidros escuros, tirei o carro da vaga sem dificuldade alguma e, quando passei
pelo lugar que sabia que Conrad parava o carro, espiei a vaga vazia um
pouco decepcionada, um pouco aliviada, e me senti idiota.

Será que existia alguma magia, algum feitiço, que pudesse fazer aquele
sentimento desaparecer? Será que um dia, de tão machucada, eu só o olharia
com o desprezo que ele merecia?

Esperava que sim, àquela altura, ele não havia me chantageado e eu não
sabia se era porque tinha esquecido ou porque estava armando algo maior e
mais maligno do que antes.

O rádio do carro me fez companhia por uma hora e meia de viagem, e


quando o GPS indicou o portão cheio de flores e plantas ganhando as
paredes da entrada, dei seta e subi com o carro no caminho de pedras da
entrada do asilo onde meu avô morava.

Estacionei na vaga mais próxima da entrada, peguei minha bolsa e suspirei,


reunindo toda coragem que havia dentro de mim antes de descer.

Sentia-me uma neta relapsa, mas meu avô entendia que eu tinha mudado. Ele
não era do tipo de forçar, e eu sabia que, apesar de tudo, sua vida naquele
lugar era muito boa.

Ele tinha muitos amigos, vivia fazendo passeios, tinha enfermeiros


preparados para qualquer emergência, vinte e quatro horas por dia, se
alimentava bem e finalmente podia descansar de uma vida cheia de trabalho
e perdas.

Quando avisei na recepção que estava ali para vê-lo, o recepcionista me


pediu um minuto e enquanto eu rodava pelo saguão, foram avisar meu avô.
Levou ao menos vinte minutos até alguém dizer que eu podia seguir para o
quarto dele, e sabendo onde era, não precisei de ninguém para me guiar.

Vovô não tinha os joelhos tão bons quanto quando era novo, e eu sabia que
ele às vezes acabava dormindo na sala da nossa antiga casa porque tinha
dores para subir as escadas. Ali, seu quarto era no térreo, e para ajudar, agora
ele usava uma bengala vez ou outra.

Quando bati na porta de seu quarto e a abri um pouquinho, coloquei a cabeça


para dentro e me anunciei:

— Cheguei…

— Entre, menina. — Vovô, apesar de tudo, não havia mudado.

Ele ainda era o militar de coração mole que eu amava e que nunca sabia
direito como começar uma conversa, mas que demonstrava em atitudes o
quanto se importava.

Com a permissão dada, passei para dentro do quarto, analisando tudo em


volta e segui até a varandinha. Meu avô estava sentado, de pijamas, enrolado
em um roupão azul que quase não fechava em sua barriga redondinha.
Curvei-me para beijá-lo e enfiei o nariz em seu cabelo, aspirando o cheiro de
sabão. O jeito dele retribuir foi dando dois tapinhas no meu braço.

Afastei-me e ele me deu uma boa olhada.

— Como estão as coisas?

— Um pouco corridas…

— Sente aqui. — Ele bateu com a bengala na cadeira ao seu lado e eu me


sentei. — Já almoçou? Vão servir daqui a pouco.

— Não — neguei. — O que vai ter hoje?

— Algo melhor do que sopa enlatada. — Ele ainda se lembrava e eu sorri.

— Perfeito.

— Você sempre avisa quando vai vir, por que não fez isso hoje?

— Ah… — Olhei para frente, para vista bonita que o terreno verde e cheio
de árvores tinha, tomando coragem de contar para o meu avô o que
precisava. — Eu só quis vir. Precisava te ver —

encarei minhas mãos no colo e brinquei com a chave do carro —, não quero
falhar com você mais do que já fiz.

Ele ergueu a mão e a girou no ar, como se eu falasse alguma besteira.

— Pare com isso. Você é boa, é jovem, precisa superar o passado e viver sua
vida.

— Não é assim, vô.

— É assim, sim. Nada vai mudar o que aconteceu, não é mesmo?

— Não. — Nada mudaria, estávamos partidos para sempre.

— Então siga em frente.


— Até gostaria, mas Conrad está de volta.
Ele suspirou, me encarou e ficou em silêncio por um tempo.

— Eu já sei — vovô assumiu aquilo com tanta naturalidade que eu me


engasguei.

— C-como?

— Ele veio aqui. — Foi a vez dele encarar a paisagem.

— E? — Meu timbre foi agudo.

— E nada, falei para o menino que estava tudo bem.

— Quando foi isso?

— Acho que meia hora antes de você chegar.

Minha mente entrou em pane.

— Espere. Você está dizendo que Conrad Prince esteve aqui, hoje?

— Sentado nessa mesma cadeira. — Ele fez que sim com a cabeça. — Ele
foi minha visita da manhã.

Um misto de raiva, incredulidade e revolta se apossou do meu peito.

— Achei que ele estivesse proibido de te ver.

— Eu posso estar velho, mas ainda estou lúcido. — Ele tocou com a ponta
dos dedos na cabeça. — John Prince pode mandar na sua vida enquanto você
deixa, mas não manda na minha. O garoto não é um monstro.

Ele não sabia do que falava.

Vovô estava ficando doido!

— E eu não acho que nem ele, ou você, deveria se culpar pelo resto da vida
pelo que aconteceu.
— Eu não me culpo. — Tinha mágoa na minha voz, e eu não entendia o
motivo.

Como assim, meu avô estava perdoando Conrad?

— Se culpa sim, menina. E cuidado, quando contamos uma mentira muitas


vezes, passamos a acreditar que ela é a verdade.

Eu não tinha o que responder.

Eu não conseguia responder.

Minha garganta ganhou um nó, meu estômago parecia prestes a colocar todo
o café que eu tinha tomado para fora, minha cabeça doeu.

— Vô…

— Quer ir pensar? Eu não planejo sair daqui tão cedo.

O bichinho me conhecia de cima a baixo mesmo sem conviver comigo


diariamente, há mais de três anos. Eu precisava pensar, precisava entender e,
quem sabe, confrontar Conrad para saber que tanto ele foi encher meu avô.

Será que ele tinha ido atrás de perdão mesmo?

Será que ele realmente tinha se redimido?

— Eu volto para te ver. — Foi o que consegui dizer quando abracei meu
avô.

— É bom que volte mesmo, menina. — Dando mais tapinhas carinhosos nos
meus braços, ele me liberou para ir.

E achando que não podia ficar pior, saí do quarto meio tonta, fora de mim,
até chegar à beira do corredor, de frente para a recepção, e dar de cara com
Conrad.

Não tá nem dando uma cuspidinha, né, universo? O dedo no meu cu vai
entrar no seco — pensei.
— O que você faz aqui? O que veio falar com meu avô? — eu o ataquei sem
pensar duas vezes, e ele, que estava de costas, me olhou sobre o ombro com
tanto desprezo naqueles olhos pretos que quis arrancar minha própria pele.

— Está com a chave daquela merda de carro aí? — Ele não estava no melhor
humor.

Sua voz fez minha pele se arrepiar e eu concordei com a cabeça.

Ele suspirou, virou de costas para o balcão e mirou o chão por um segundo
antes de decidir me pedir algo.

— Preciso de uma carona.

Oi?

— Quê?

— Ficou surda? Eu preciso de uma carona. — Não havia um pingo da


evolução que meu avô fez propaganda, dois minutos atrás.

— E o que faz você pensar que vou dar? — Seus olhos engoliram minha
resposta atravessada e ele sorriu daquele modo cruel ao qual eu odiava.

— O que te faz pensar que pode recusar qualquer coisa que eu pedir? Ou
esqueceu que eu sei do seu esqueminha sujo?

Engoli o nó em minha garganta, sentindo ser rasgada por dentro.

— Vamos logo, eu não posso me atrasar. — Conrad desviou o olhar do meu,


a mandíbula marcada, o mau humor exalando de cada poro.

E ele foi para fora, não me dando alternativa a não ser ir atrás.

Conrad desceu as escadas com as mãos no bolso da jaqueta de couro. O


símbolo da serpente em suas costas me causou nojo.

Ele estava no lugar certo mesmo, era uma víbora venenosa. Suas botas
pesadas fizeram barulho contra os pedregulhos do caminho e ele me olhou
sobre o ombro para ver se estava atrás dele.

Gostaria muito de não estar.

Quando viu que eu o obedecia, vi a sombra de um sorriso em seus olhos


antes dele voltar a me ignorar e ir em direção à porta do motorista.

— O que pensa que está fazendo? — perguntei, indo para o mesmo lado que
ele.

— Acha mesmo que vou deixar você dirigir? — A arrogância em seu tom
me fez querer socá-lo. — Vamos, passe a chave logo.

— Não posso. — Engoli em seco. — Isaac vai me matar se descobrir que


você dirigiu este carro.

Aquilo só tornou ainda mais divertido para ele.

— Em quantas línguas você quer ouvir que não me importo com isso, Red?
— Era nítido que ele se divertia. E com a mão esticada na minha direção,
voltou a me apressar. — As chaves.

Encarei os dedos, agora tatuados, ainda tão brancos e bonitos quanto antes, e
suspirei.

— Você é um lixo — soprei antes de me dar por vencida. —

Aonde vamos?

— Para a cidade. — Ele não podia parecer mais entediado.

— Cadê seu carro? — questionei, querendo saber mais e ele revirou os


olhos, impaciente.

— Está parado não muito longe daqui. Preciso de um guincho, alguma


merda aconteceu, acho que meu radiador furou. Vamos logo ou quer passar o
dia todo aqui? — Bufando, o garoto de cabelos escuros agitou os dedos,
pedindo outra vez a chave.
— Vai me contar o que veio fazer aqui?

— Talvez. Vai me dar o que em troca?

— As chaves.

Conrad recolheu a mão, girou para ficar com o corpo de frente com a porta e
apoiou os punhos em cima do carro. Sem me encarar, ele cumpriu com sua
parte.

— Vim pedir desculpas para a única pessoa nesta cidade a qual eu devia
alguma coisa.

— Então meu avô não enlouqueceu… Você realmente veio fazer isso. Uau.
— Soltei um riso cheio de ironia. — Não sabia que você era capaz de sentir
remorso.

A cabeça dele deitou um pouco para trás, e diferente de antes, Conrad me


mediu pelo canto do olho. Seus lábios se entreabriram um pouquinho, e
depois dele os umedecer com a ponta da língua, abriu um sorriso maligno.

— Parece que temos a mesma opinião um sobre o outro. Por que está com o
carro do meu irmão hoje? Deu a boceta em troca da chave, já que vocês não
são mais um casal? — Ele queria me ofender como o troco por se sentir
ofendido.

— Não só a boceta, idiota. E você não sabe se somos um casal ou não,


inclusive, não é da porra da sua conta. — Dei um sorrisinho irônico. Se ele
queria me pintar como uma puta, que fosse, não me importava mais. Ou,
pelo menos, não deixaria ele ver

que me afetava. — É bom você não causar nenhum acidente. —

Joguei a chave na direção dele com força, queria que pegasse na cabeça e o
machucasse, mas Conrad foi rápido ao mover o braço, pegando a chave no
ar.

— Existem algumas coisas que não mudaram, uma delas é a minha mira.
Então tenha cuidado, Red, você é um alvo muito fácil de atingir.
Quando ele entrou pela porta do motorista, todo meu corpo doeu, mas era
pegar ou largar, eu não tinha escolha, ou até tinha, mas queria pagar para ver.

conrad

apenas me dê tempo e espaço para perceber que você estava ocupada


mentindo, dormindo com outros caras. e o que diabos a gente era? não me
diga que éramos apenas amigos, isso não faz muito sentido. mas eu não
estou magoado, estou tenso porque eu vou ficar bem sem você, querida.

friends,atlantic

— Então, você voltou mesmo com meu irmão tendo te feito de palhaça? —
perguntei, assim que manobrei o carro para fora do estacionamento. Aquilo
seria insuportável, o cheiro cítrico dela estava forte demais para ignorá-la ali
dentro.

— Eu já disse, não é da sua conta. E nós não vamos para a cidade? É para o
outro lado. — Scarlet parecia disposta a me evitar o máximo que podia, mas
ciente de que talvez eu devesse fazer o mesmo, não conseguia evitar, ainda
mais com ela vestida daquele jeito.

Ainda que ela mantivesse suas pernas juntas, o comprimento da saia não
escondia muita coisa e minha imaginação não perdoou.

Era uma distração e tanto, e precisei me repreender porque aquele dia estava
completamente fora de mão.
— Tem uma cidadezinha aqui pra cima, mais próxima. Não vou ficar mais
do que meia hora com você, Red. Não adianta implorar.

— Ela bufou, cruzando os braços e as pernas, balançando o pé erguido,


completamente desconfortável enquanto encarava a janela, na tentativa de
me ignorar.

Eu planejava visitar Charlie Wright assim que coloquei os pés em


Edimburgo de novo, mas com toda a merda de produção, o drama familiar e
todo o resto, eu simplesmente o deixei passar. Foi depois da ligação do meu
pai, na noite passada, dizendo que Scarlet iria até ali, que vi que não poderia
adiar mais. Saí o mais cedo possível para não precisar cruzar com ela e fui
até seu avô para que qualquer coisa que ela fosse lhe contar, não
influenciasse

sobre quem eu era agora. Naquilo, eu tinha dado sorte. O velho parecia feliz
de me ver, e além de me achar homem por voltar e pedir desculpas por
arruinar sua família, me concedeu seu perdão.

O que ainda pesava na minha cabeça eram suas últimas palavras para mim
naquela manhã.

— Acho que Scarlet também precisa dessa conversa com você

— o senhor que não se levantou nem mesmo para se despedir de mim, disse
quando eu ia saindo pela porta.

— Perdão? — Voltei a encará-lo, sem entender.

— Minha neta. Aquela pela qual você invadiu minha casa uma vez às três da
manhã, se lembra?

— Acho que tem algo de errado aqui. — Voltei para dentro do quarto e
fechei a porta. — Scarlet, ao contrário do senhor, se vendeu ao meu pai. Me
virou as costas, me repudiou…

— E isso você tirou de onde? — Ele suspirou diante do meu silêncio. —


Filho, escute esse velho, minha neta sofreu muito com tudo o que aconteceu,
mas ela te esperou.
E por causa daquela fala, do respeito que eu tinha por aquele homem, eu
quase pensei em sentar com ela e perguntar se era verdade a fala de seu avô.
Quase mesmo.

O término com Isaac era um sinal de que ela não era completamente
vendida, ou se era, algo tinha mudado, mas assim que eu a vi com o carro
dele, toda e qualquer vontade de tentar descobrir o que havia acontecido foi
quebrada.

— Pode ir mais devagar, por favor? — A voz de Scarlet me puxou de volta


para a realidade.

Quando vi, ela tirava a blusa de frio e abria um pouco o vidro.

— Não posso, estou com pressa. — Olhei em volta na pista pelos


retrovisores e, me aproveitando do piloto automático do carro, tirei as mãos
do volante para acender um cigarro.

— Não faz isso aqui! — Ela bem que tentou me impedir, mas fui mais
rápido, afastando o cigarro dela, abrindo minha janela também.

— Ou o quÊ? Fala sério, você não fuma mesmo perto dele?

— Ele odeia o cheiro — ela lamentou. — E diz que peguei essa merda de
vício de você.

— E foi?

Pela primeira vez, eu a encarei com o muro baixo. Os olhos verdes se


perderam nos meus.

— Não… — Meio trêmula, em um tom baixinho, sua mentira me fez sorrir.

— Tem certeza? — Não tirei os olhos dos dela, tragando meu cigarro e
soltando a fumaça pelo nariz enquanto a analisava intensamente.

— Não restou nada de você em mim, Conrad…

— Nada? — instiguei só por diversão.


— Não. — Ela endireitou a postura, tentando se recuperar.

Aquilo só me atiçou ainda mais. — Temos raiva, ódio e decepção no


cardápio. Algo mais? — Era verdade que aquilo existia, mas não era só,
senão ela não pressionaria as coxas uma contra a outra, ou sua pele não
ficaria arrepiada como estava, nem seus mamilos marcariam daquele jeito
contra a blusa.

Mordisquei o lábio quando a medi de cima a baixo. Até onde aquilo iria?

Era inevitável, meu corpo todo respondia quando Scarlet estava perto.

Sentia o coração acelerado, o tesão batendo tão forte que meu pau ficava
pesado na calça, mas sabia que aquilo era tudo

alimentado pela maldita tensão por um passado mal-acabado, por um


sentimento mútuo corrosivo.

Nós nos odiávamos e aquilo era intenso demais para o cérebro compreender
totalmente.

Traguei algumas vezes, acabando com metade do cigarro em segundos e fiz


questão de jogar a fumaça ali dentro, fingindo prestar mais atenção na
estrada do que nela, até então.

— Me conte, como é conviver todo santo dia com uma cópia inferior e mal-
feita de mim? — provoquei, vendo pela visão periférica os olhos dela
mudando da minha boca para os olhos em um ritmo lento.

Era bom ver que eu não era o único sofrendo o efeito daquela atmosfera
desgraçada, já que nem as janelas abertas ou a fumaça do cigarro fez o
cheiro dela ficar menos delicioso.

— Isaac não tem nada a ver com você. — Foi a vez dela avançar. Scarlet
ficou tão próxima a mim que sua respiração bateu contra meu rosto. Sua voz
era macia, orgulhosa, ela queria me machucar também. — E acredite, ele é
muito melhor do que você jamais foi, do que jamais será um dia. — E aquela
provocação foi demais.
Meus olhos escaparam para o visor do GPS. O lugar que eu precisava ir
ficava a cinco minutos de caminhada, e do que faria, eu realmente precisaria
caminhar.

Sem pensar duas vezes, desliguei o piloto automático, dei seta e parei no
acostamento.

— O que está fazendo? — ela me perguntou, mas já era tarde.

Soltei meu cinto e o dela. Scarlet não se moveu, paralisada pelo medo, ou
pelo choque, também não resistiu quando a peguei pela nuca.

Grudei sua testa na minha, a respiração dela pesou. Não a julguei, pois,
estava igual.

Seu corpo era quente, seu hálito ainda tinha o mesmo cheiro de morango de
antes.

Hipnotizante, fodidamente tentador.

— O que você disse? — Estava furioso de um modo inexplicável.

Fui de 0 a 100 como o motor do carro.

— E-eu — ela gaguejou —, você sabe.

— Repita. — Embrenhei os dedos melhor no cabelo de sua nuca e a


imobilizei, forçando Scarlet a olhar nos meus olhos. — Se tiver a mínima
coragem, repita o que disse — ordenei entredentes, vendo suas pupilas
dilatando.

Ela arfou.

— Conrad... — era quase uma súplica.

— Repita. — Trouxe seu rosto mais para perto do meu, e parecendo tomar
coragem, ela suspirou e, com tanta raiva quanto eu, cuspiu as palavras:
— Você é inferior, Conrad. Você é mau. — Seus olhos encheram d’água,
mas ela resistiu. — É cruel. É terrível. Seu irmão é muito melhor que você
como amigo, como namorado, como parceiro. Como pessoa. — Ela me
esbofeteou sem se mover. — Me fodendo, me beijando e me amando…

E eu não deixei que ela terminasse.

Irracional, envenenado, girei o corpo de Scarlet e a coloquei sentada no


apoio de braço entre os bancos. Puxei suas costas para o meu peito e com a
mão esquerda, a imobilizei pelo pescoço.

Toquei sua coxa nua com a mão livre e ela não se moveu. Seu coração batia
alucinadamente, e eu senti sua veia pulsando contra

os meus dedos.

Aproximei a boca de sua orelha e rocei os lábios por ela, rindo para provocá-
la.

— Se eu sou tão podre assim… — Mordisquei o lóbulo, ela mordeu o


próprio lábio. Minha mão deslizou pela pele lisa, subindo para baixo da saia
curta. Ela fechou os olhos, engolindo com dificuldade, apreensiva. — Por
que é que você não grita? Por que é que não foge?

Ela não disse nada, nem se moveu. Entendi que não era a fuga que ela
queria.

— Sabe por que você não vai me pedir para parar? —

Avancei, tocando a parte interna de sua coxa, sentindo a pele quente,


sabendo que aquilo era o mais puro combustível para mim.

— Porque, Red — avancei com os dedos sobre a calcinha e sorri, vitorioso,


quando senti o fundo quente, absurdamente úmido, contra meus dedos —,
você é tão podre quanto eu.

Ela segurou o gemido que daria quando a massageei sobre o tecido


preguiçosamente. Deslizando os dedos sobre seus lábios inchados, decidido
a fazê-la perder o controle, ergui a saia e vi o tecido branco, visivelmente
molhado. Não houve uma conversa, um

pedido, mas ainda assim, ela ergueu o quadril e eu abaixei a calcinha. Havia
maior consentimento que aquele? Eu duvidava.

Tirando a peça de roupa dela com sua ajuda, larguei o pedaço de pano em
cima do banco e, afastando bem suas coxas, deslizei a mão por seu monte
liso e escorregadio, me sentindo duro feito pedra por vê-la daquele jeito pela
primeira vez na vida.

— Caralho, Red… — rosnei com a boca contra sua bochecha e ela arfou
quando, com o dedo anelar e o médio, a abri ao meio e esfreguei toda sua
extensão.

Ela estava tão encharcada que mal tive atrito fora o clitóris inchado,
implorando por atenção. O corpo de Scarlet estava tenso, seu quadril dançou
procurando alívio contra minha mão e eu apertei ainda mais seu pescoço
antes de me ajeitar no banco para ter acesso a ele com a boca.

O cheiro da sua pele junto do da sua boceta naquele carro fechado me


nocauteou.

Mordisquei a pele clara, lambi e a chupei com força, marcando-a


propositalmente enquanto voltava ao seu clitóris. E

como se ela fosse o instrumento mais fácil do mundo de ser tocado, eu a


masturbei.

— Geme pra mim, Scarlet. Geme, como a putinha que você é

— exigi dela, mas aquilo a desgraçada não quis me dar com facilidade.

Sua boca entreabriu, ouvi quando arfou e senti sua mão que estava apoiada
na minha coxa me apertando com força. Ela tentou resistir, e talvez, se eu
não fosse tão baixo, ela teria conseguido, mas minha mão escorregou de seu
pescoço e envolveu seu seio esquerdo sobre a blusa. Ele coube na minha
mão perfeitamente e, sentindo o piercing contra o tecido, eu o apertei e
estimulei, ao mesmo tempo em que meus dedos tocavam o ponto inchado
dela com mais intensidade.

Ela tentou se segurar. Deitou a cabeça para trás, mordeu o lábio, mas nada
ajudou. Quando lambi do pescoço à base de sua orelha, Scarlet abriu a boca
e gemeu alto, tão gostoso que eu seria capaz de gozar só de ouvi-la daquele
jeito.

Sem vergonha, sem conseguir se conter, ela jogou a toalha e colocou a mão
sobre a minha que estava em seu seio, me fazendo apertar mais forte. Aquela
não era uma ordem para eu recusar. O

rosto dela veio para o meu. Scarlet buscou minha boca no meio daquela
insanidade e eu quase, por muito pouco, tendo visão do seu rosto no meio do
prazer, cedi.

O cabelo era selvagem, as mechas descoloridas envolviam a face cheia de


sardas, de bochechas vermelhas e sobrancelhas claras. Seus olhos fechados,
os cílios longos, a boca inchada de tanto ela morder, o nariz fino e empinado
com o piercing prateado de argola… Tantas mudanças e ela ainda era a
garota que tinha me quebrado.

Consciente do que fazia, tentado demais para deixar passar, peguei minha
dose de pecado e mordi seu lábio com força. Ela quase gritou, mas desistiu
quando escorreguei dois dedos para sua entrada e a invadi sem cuidado
algum.

Ela deu um gritinho contra minha boca e deitou a cabeça para trás. Seu lábio
rasgou entre meus dentes e o gosto do seu sangue preencheu minha língua.
Ainda assim, não parei. Ajeitei seu corpo no meu colo de modo que
conseguisse estimulá-la por dentro e quando meus dedos encaixados dentro
dela começaram o atrito contra a parede interna, Scarlet choramingou algo
ininteligível.

— Eu vou fazer você gozar aqui, Red. Vou entrar tão fundo na sua mente
que você nunca vai me tirar de lá, não adianta para onde tentar correr.

— Não…— Isso eu ouvi muito bem.


— Quer apostar? — Meu tom de graça não atingiu.

Ela estava em outro planeta naquele segundo, assim como o meu juízo.

Suas pernas estavam escancaradas, seu corpo suado, sua boceta pingando. O
barulho que ela fazia contra os movimentos da minha mão era a única coisa
além dos seus gemidos, e quando seu ventre começou a se contrair, ela ficou
tão apertada que tentou expulsar meus dedos. A garota no meu colo se
desesperou.

Eu tinha certeza de que o bostinha egoísta do meu irmão nunca a tinha feito
gozar feito um homem de verdade, mas lá estava eu, mostrando que era
superior em tudo, inclusive, na cama.

Quando a pressão do jato interno de Scarlet me empurrou, foi quase profano


ver a garota que eu pensei um dia ser um anjo, gozando daquele jeito.

— Caralho! — O grito dela foi quase rosnado conforme, sem conseguir se


controlar, ela molhava tudo.

O vidro, o banco, o chão.

Eu a mantive nos meus braços só até seu corpo parar de tremer,


extremamente satisfeito por deixá-la daquele jeito, encarei

seu rosto ao vê-la abrir os olhos e levei os dedos molhados com o gosto dela
até a boca e os chupei.

— Quase melhor que o gosto de morango. — Ela piscou algumas vezes, não
acreditando no que via. — Que desperdício, Red.

E então, parecendo se dar conta do que havia acontecido, ela me empurrou.

Foi uma pequena confusão para ela voltar ao seu lugar, mas conseguiu.
Olhando para baixo, morta de vergonha, sem entender o que tinha
acontecido, se apertando contra a porta do carro para ficar longe de mim, o
arrependimento estava escancarado em seu rosto.

O personagem que ela tentou sustentar estava quebrado.


Quis rir daquilo.

Aspirei uma última vez aquele cheiro, sabendo que minhas bolas ficariam
doloridas, e abri a porta do carro.

— Ah, antes que eu me esqueça — sentindo sua bunda contra as costas da


minha mão quando a enfiei atrás dela, peguei a calcinha e a girei no ar —,
isso é meu.

— Conrad… — Ela tentou, mas claramente estava uma bagunça.

— Fique tranquila, Red. Isso foi só uma amostra para te mostrar que sim, em
muitas coisas, eu sou superior ao meu irmão.

Seja sendo cruel, seja sendo o melhor que você um dia vai chegar perto. —
O sorriso no meu rosto era difícil demais de dissolver. —

Aproveite para se lembrar disso quando for encontrar com ele. Eu sou
melhor em tudo, e as provas estarão para sempre aqui. —

Indiquei onde ela havia esguichado. — Aproveite as fodas medianas com


Isaac, Red. Até mais.

Quando desci do carro, não demorou dez passos para ouvir o grito dela.

Era raiva, frustração, mas também compreensão.

Ela me queria. Ela viria até mim. E eu aceitaria, não por querer machucá-la,
mas porque não via a hora de me enterrar nela.
scarlet

sentimos a vibração. amor, você vem dar um passeio? quando eu olho em


seus olhos, só quero te segurar a noite toda.

m e e t m e a t o t o u r s p o t , w i l l o w cinco anos antes

— Você pode me passar o vermelho? — perguntei, sentada no alto da


escada, encarando a parede que havíamos começado a pintar naquele verão.

Fazia exatamente sete dias desde que eu havia beijado Conrad.

E há exatos sete dias, nós só nos desgrudávamos para dormir, e ainda assim,
a troca de mensagens até o sono ganhar era intensa.

— Depende, o que vou ganhar com isso? — Conrad ganhou minha atenção
junto de um sorriso.

— Como é? Esqueceu que estou trabalhando de graça aqui?

— Indiquei toda a pintura.

— Não é de graça. — Orgulhoso, ele piscou.

— Ah, não? — questionei, quando o vi escalar a escada para ficar entre


minhas pernas. O rosto na mesma altura do meu, as mãos apoiadas nas
minhas coxas, as borboletas imaginárias voando dentro de mim e em volta
de nós. Como eu poderia resistir?
— Não. — Convencido, ele se aproximou. — Seu pagamento é ter tanto
tempo livre comigo. — Sua voz quase se transformou em um sussurro
quando os olhos mais negros que a noite mirou minha boca.

— Você não acha que é um pouquinho folgado? — ponderei, depois de um


grande suspiro, me afogando no cheiro peculiar de Conrad, sabendo que
quando me afastasse dele, não conseguiria

pensar em nada além de chegar até a manhã seguinte para encontrá-lo.

— Acho. — Ele continuou encurtando a distância até sua boca estar contra
minha. — Isso é um problema, Red?

Aquele apelido em sua boca fazia todo meu corpo se aquecer.

Ele e as mãos de Conrad em mim. Suas mãos e a boca. Sua língua na minha.

Nem em mil anos, pensei que aquilo pudesse ser tão bom, mas era. Na
verdade, era melhor. Macio, quente, intenso. O beijo de Conrad parecia fazer
surgir uma espiral dentro de mim e tudo me consumia, inclusive, o
desconhecido.

Meu corpo formigava, quase doía, queimava. Eu queria que ele me tocasse,
que me abraçasse, que se apertasse contra mim, e quando avancei, trazendo
mais seu rosto para o meu e o abracei com as pernas, fui brecada.

— Hey — ele chamou minha atenção. — Não sou de ferro. —

Rindo, ele afastou o quadril do meu e eu evitei olhá-lo, sentindo minhas


bochechas fervendo, sabendo que devia estar vermelha como um pimentão.

— Eu… desculpe. — Não tinha muito por onde fugir.

Eu sabia que Conrad já tinha saído com muitas garotas, e que provavelmente
fez sexo com algumas delas. Ele tinha muito mais experiência do que eu, e
por mais que adorasse beijá-lo, e algum dia quisesse que ele fosse meu
primeiro em outras coisas também, naquilo eu concordava com ele. Quatorze
anos parecia cedo demais para uma experiência daquela dimensão.
— Você não tem culpa. Na verdade, nenhum de nós tem, mas é o que eu te
disse…

— Tudo tem seu tempo — repeti o que ele disse da primeira vez em que me
colocou contra a parede e eu fiquei com medo das expectativas dele sobre
mim.

— É… — Não consegui olhá-lo e Conrad, visivelmente desconfortável,


suspirou e se afastou um pouco.

— Red, quer falar sobre isso? Meio que, é química… — Meu


constrangimento foi embora e eu caí no riso.

— Química?

— É o que temos. E o que acontece aqui — ele tocou a têmpora com os


dedos médio e indicador —, quando você quer muito ficar com alguém…

— Eu tive educação sexual. — Fiz com que ele parasse com aquele papo
constrangedor. — Eu sei o que acontece, só… A gente pode mudar de
assunto? — Engoli em seco, não porque fosse tímida demais para falar sobre
sexo, mas sim porque a ideia de falar sobre sexo com Conrad não era nada
confortável.

— Não estava falando de sexo, Red. — Ele riu, pronto para descer. —
Estava falando sobre química.

A provocação em seus olhos me pegou de jeito, e quando dei por mim, tinha
passado o pincel no rosto de Conrad, deixando uma risca vermelha em suas
bochechas e nariz.

— Mas, que porra? — Ele ficou sem fala por meio segundo, me olhando de
boca aberta, sem acreditar. — Espera aí, que você vai sair daqui realmente
vermelha.

Conrad começou a descer e eu, rindo no desespero, desci junto.

— Não, não, não! — gritei, meio rindo, pulando em suas costas antes de ele
alcançar o balde de tinta, impedindo-o. Ainda assim, Conrad girou comigo
presa a ele, e quando conseguiu se soltar, me segurou na sua frente e passou
o rosto sujo na minha blusa, pescoço e contra o meu rosto também.

— Ridículo! — reclamei com a boca dele contra a minha, segurando seu


rosto.

— Abusada. — Foi um sussurro baixo feito com um sorriso nos lábios, mas
foi o bastante para me render.

Conrad me beijou de novo, da forma mais apaixonada possível,


comprovando que me queria mesmo, só parando quando ficamos sem fôlego.

— Você é um veneno, Scarlet — ele me alertou quando afastou o rosto do


meu. Conrad me encarou com uma das sobrancelhas erguidas e com a
expressão séria, respirou fundo e concluiu: — Seu efeito começa devagar,
pequeno o bastante para ser ignorado e, de repente, está espalhado por todo
canto, corroendo tudo por dentro.

— Está me dizendo que sou perigosa? — Quis rir.

— Estou dizendo que é perigosa para mim. Ou que eu sou para você agora
que não posso deixá-la ir. — E ele me abraçou de novo.

Colei a testa na de Conrad, puxando-o pela cintura, e fechei os olhos, feliz


por aquele pequeno segundo de paraíso nosso.

— Estou disposta a correr o risco. — Subindo as mãos para abraçá-lo, passei


sem querer pelo caminho machucado e notei quando seu corpo se enrijeceu
de repente, claramente incomodado pelo toque.

— Porra — ele xingou baixo e negou com a cabeça.

— Me desculpe. — Afastei as mãos rapidinho dali e encarei nossos sapatos.


— Está doendo?

— Não tanto. — Conrad se mantinha de olhos fechados e eu esperei.

Quando ele os abriu, eu soube que nosso tempo ali tinha acabado.
— Pegue suas coisas, vou te deixar em casa…

Ele não me soltou de forma brusca, e senti como se tivesse se enfiado em


uma redoma de vidro a qual eu precisaria quebrar, e foi isso o que fiz.

Suavemente, conforme o carro avançava pelo asfalto, me aproximei de


Conrad e apoiei a cabeça em seu ombro, ficando em silêncio enquanto o pôr
do sol beijava a cidade. Em alguma hora, ele amoleceu só com o contato e
beijou o topo da minha cabeça, me fazendo sorrir. Graças a isso, não segurei
minha boca.

— O que vai fazer depois de me deixar?

— Levar o carro até a casa do meu pai e, provavelmente, dormir lá. Amanhã
é dia de almoço em família. — Seu tom de voz estava mais maleável. — Por
quê?

— Porque vou conseguir dormir em paz, sabendo que você terá uma noite
segura.

— Red… Você pode esquecer o que viu? — Era a segunda vez que ele me
perguntava aquilo.

— Não. — Ergui a cabeça e apoiei o queixo em seu ombro quando Conrad


parou o carro em um semáforo. Seus olhos escuros pesaram nos meus.

— Você precisa esquecer.

— Você se esqueceria se fosse comigo?

— Não, mas é diferente. — Ele olhou para frente, visivelmente incomodado.


— Não tenho escolha, Red. Não tenho como deixar minha mãe sozinha lá…

— Posso tentar ajudar — observando-o, ofereci.

Conrad riu de um jeito triste, então me fitou e, ignorando que o sinal havia
ficado verde, pegou meu rosto com ambas as mãos e me
segurou como se fosse a coisa mais preciosa do mundo conforme se
aproximava.

Eu me perdi nas ônix brilhantes que eram seus olhos.

— Será que você realmente ainda não entendeu? — Seus polegares


acariciaram minhas bochechas.

— O quê?

— Qualquer pessoa, seja homem ou mulher, que não souber apreciar um


bom romance deve ser insuportavelmente estúpido [5]

— ele citou Jane Austen mais uma vez. — E eu não sou idiota, Red.

Você é toda a ajuda que preciso. Você é o meu lugar seguro.

Quando ele me beijou daquela vez, foi diferente.

Tinha sim aquela paixão adolescente louca, tinha sim toda a intensidade que
só Conrad Prince parecia capaz de carregar, mas havia mais, e eu não sabia o
que era, só que estava disposta a enfrentar o universo todo para proteger.

conrad

oh, a miséria. todo mundo quer ser meu inimigo. poupe a simpatia, todo
mundo quer ser meu inimigo.
e n e m y, i m a g i n e d r a g o n s .

Que porra eu tinha feito? Com toda a certeza, eu seria massacrado no


tribunal das boas almas, mas não havia sequer um pingo de arrependimento.
Sentado no banco do carro, atrasado por mais de uma hora, já que meu carro
precisou de um conserto que me levou uma boa grana pela urgência, estava
com a calcinha já seca na mão e deslizei os dedos pelo tecido. Olhando em
volta,

conferindo se não seria pego, me lembrei da cena de horas atrás e precisei


fechar os olhos e respirar fundo para me controlar.

Era inevitável, como a colisão entre dois carros desgovernados, não reagir à
memória da visão de Scarlet se contorcendo nos meus braços, não
conseguindo lutar contra, me permitindo deixá-la daquele jeito… Seu cheiro
era outro problema, qualquer dose dele seria insuperável, e depois de prová-
la daquele jeito, de sentir seu gosto agridoce ganhando minha língua, tudo o
que conseguia pensar era a próxima vez que a teria daquele jeito.

Não.

Da próxima vez seria melhor, mais intenso.

Eu a faria gritar, implorar para eu não parar.

E não haveria gentileza.

— Conrad? — Ouvi de longe a voz da minha mãe e abri os olhos a tempo de


voltar a guardar o tecido pequeno no bolso da jaqueta. — Finalmente, filho.

Não demorou para minha mãe entrar pela porta do carona e eu a


cumprimentei com um abraço apertado, recebendo seu beijo na bochecha
esquerda.

— Foi mal, mãe. Meu carro deu problema, por isso me atrasei.

— Me afastei, girando a chave na ignição.


— Não tem problema. — Ela parecia feliz naquele conjunto de saia e camisa
azul. — Liguei para o corretor quando percebi que teríamos problema com o
horário e ele remarcou. Podemos pegar as chaves na imobiliária e… —
Minha mãe entrou em um monólogo profundo e longo, mas minha mente só
pescou algumas palavras.

E enquanto isso, minha mente vagou pelas esquinas, pensando em como eu e


Scarlet corremos aquelas ruas quando mais novos, limitados, cegos,
idiotas… será que se ela soubesse do futuro, teria vivido o passado?

Será que teria me deixado entrar sob sua pele? Será que teria permanecido
mesmo vendo toda a merda que eu já carregava naquela época? Pelo nosso
encontro de mais cedo, eu podia jurar que sim, mas naquele ponto, quem era
eu para julgar?

O ódio bateu firme quando me lembrei dela naquele carro.

Era um claro sinal de que Isaac ainda estava no radar, que ele ainda a queria,
mas eu esfregaria com tanto gosto em sua cara que Scarlet nunca lhe
pertenceu mesmo comigo longe que, só de imaginar o que faria mais tarde
naquele sábado, não pude deixar de

ficar ansioso. E fumando em toda oportunidade, aproveitando os momentos


em que minha mãe entrava e saía de possíveis casas futuras, acabei cedo
demais com meu maço de cigarro e, no meio de uma visita, precisei voltar
para o carro para pegar mais.

Abri o porta-luvas, vendo o maço fechado bem ao lado da chave e repensei


sobre mudar o caminho daquela tarde. Bem naquele momento, meu celular
apitou.

Já temos mais

produto?

Meu pai era um canalha mesmo.

Peguei
material

novo hoje. Até

quarta devo ter

algo.

Ótimo. Me deixe

informado.

A ideia de visitar o velho galpão foi engolida de repente.

De um segundo para o outro, a vontade de ir até lá evaporou.

Se eu precisava seguir odiando Scarlet. Se precisava de força para não


pensar na possibilidade de perdão para nenhum deles, me conectar com
velhas memórias não era a melhor opção.

— Conrad, eu gostei muito dessa — mamãe me chamou da porta e virei-me


para vê-la, com meu cigarro na boca. — Não quer entrar para ver?

Analisei toda a estrutura externa da casa. As belas portas de vidro cheias de


detalhes brancos que não permitiam ver o interior direito eram bonitas. O
jardim bem ajeitado, a garagem tinha um bom tamanho e depois de uma boa
análise e algumas tragadas, neguei com a cabeça.

— Você gostou?

— De todas, esta foi a que mais me agradou. Não é tão perto da cidade, mas
não me importo de andar… — parecendo insegura, ela argumentou.

— Então eu vou pagar por ela — falei com os olhos no rosto da minha mãe e
esperei ansiosamente ela processar a informação.

Pouco a pouco, o sorriso quis ganhar seu rosto, mas ela o tapou.

— Conrad, como?
— Eu posso, mãe. Não pergunte como, só acredite, eu posso.

— Ela veio até mim, para me abraçar e chorar, e eu quase fiz o mesmo.

Só nós dois sabíamos o valor de ter um teto seguro.

Só nós dois tínhamos noção do que significava não ter medo de ficar na rua.

Só nós dois entendíamos o alívio de deitar e descansar sem precisar acordar


ao som de qualquer barulho no escuro.

E por tudo aquilo, por todos os anos de dor, a segurei firme e soprei baixinho
em seu ouvido:

— Conseguimos, mamãe. Este será o nosso lugar seguro.

Aquela era, de longe, a minha maior conquista.

Morrer no dia seguinte não seria um problema, desde que ela ficasse bem.

Depois que minha mãe conseguiu parar de chorar, assinou alguns


documentos, acertou com o vendedor como seriam os

próximos passos e veio feliz da vida para o carro.

— Vamos almoçar fora? Eu pago hoje. — Comemorando, ela segurou a


bolsa contra o peito e fechou os olhos apoiando a cabeça contra o banco do
carro.

— Sério? Estou com saudade da sua comida — resmunguei, mas segui o


caminho do seu restaurante favorito.

— Acha que agora vai poder vir dormir comigo alguns dias?
— Se você voltar a cozinhar, aposte com isso. Vou ter um espaço na
garagem?

— Na garagem, na sala, na cozinha. Onde você quiser, meu filho. É a nossa


casinha. — Encantada, minha mãe bateu no meu ombro com carinho e riu do
nada, para o nada, como se não houvesse momento mais feliz em sua vida.

— E como vai ser descer para o trabalho? Aliás, você ainda vai querer
trabalhar? — Curioso, olhei para ela de canto. — Eu já disse que você não
precisa mais. Já tenho o suficiente para cuidar de você.

— Conrad, filho — acariciando meu rosto, minha mãe sorriu gentilmente e


negou com a cabeça —, não quero ser um peso.

— E nunca seria, mãe.

— Mas errei muito com você, meu menino — mamãe lamentou em um


suspiro.

— Você fez o que podia — rebati.

— O que foi muito pouco. Se eu pudesse ressuscitar aquela mulher para…

— Não, mãe… — Balancei a cabeça, evitando que aquelas memórias me


pegassem. — Não pense nisso agora.

— Seu padrasto também. Como eu pude deixar que ele te machucasse por
tanto tempo?

— Porque tinha que ser, porque o pai que eu tenho seria capaz de me colocar
para dentro, mas te deixaria na rua, e eu nunca deixaria você para trás. Você
é a única que nunca mereceu nada disso. Agora, se não quer acabar com
nosso dia feliz com mais memórias fodidas, podemos mudar de assunto?

— Certo. — Ela limpou as bochechas, afastando as lágrimas.

— Você tem razão. Essa casa nova, esse passo, é só a certeza de que o futuro
é adiante, e não vai se construir olhando para trás, não é? — Confirmei com
a cabeça. — Ótimo. Vai ser ótimo me mudar, assim Philip não vai mais me
incomodar.

Minha mente girou em vermelho.

— E ele tem feito isso? — Ela notou a mudança no meu tom de voz.

— Eu te disse… A vida dele é deprimente, Conrad. Acho que é Deus,


punindo-o por tudo o que fez…

— Não conte com a justiça divina nisso… — Se Deus se importasse, tinha


me poupado de duas costelas quebradas, dedos luxados, surras de fivela de
cinto e muitos olhos roxos quando mais novo. — Se ele voltar a te procurar,
me avise.

— Não se preocupe, ainda mais que agora, com esse passo, tudo ficará ainda
mais enterrado no passado.

Demorei alguns minutos para engolir aquilo.

— Tem razão. É nosso tempo de prosperar.

E o assunto cheio de pesar foi encerrado com minha mãe perguntando como
eu gostaria do meu quarto novo.

Nosso almoço foi leve, deixá-la em casa com a promessa de que voltaria
para ajudá-la a empacotar tudo me deixou verdadeiramente feliz, e quando
voltei para o carro, pronto para voltar para a universidade, recebi mais uma
mensagem.

Tá sabendo de

hoje? Vai rolar


uma festa pré-

Halloween.

Era Thomaz.

Não

fazia

ideia.

Ótimo. Sua sorte

é que Bella já

cuidou de tudo.

Até depois.

Carreguei sozinho, discretamente em uma mala, boa parte do material que


usaria para a produção das Supernovas e das Stars, e quando coloquei tudo
para rodar, parei observando o pequeno ambiente, sendo chamado para o
caderno de capa preta em cima de uma das mesas como se ele fosse um ímã.
Eu o havia deixado ali, escondido, como um tesouro que não deveria ser
descoberto,
mas, mais uma vez, meus dedos correram aquelas páginas e eu só segui o
curso de analisar os desenhos um a um.

Minha única vontade de devolver aquilo era para descobrir o que Scarlet
pintaria em seguida, e quando meus dedos terminaram de rodar as páginas
com desenhos, lembrei-me de como era bom naquilo, de como nunca mais
me atrevi a desenhar desde que a ação me lembrava ela e nosso projeto
juntos.

Ainda assim, para o plano perverso daquela noite, eu precisava voltar a tocar
naquela memória, naquele dom secreto que escondi sob uma pilha de outros
hobbies. E enquanto minha produção ia a todo vapor, busquei os lápis que
havia comprado quando a ideia do que faria bateu na cabeça e tratei de me
esforçar para forçar o traço ser o mais próximo do dela.

Se era um empurrão que ela precisava para se livrar do meu irmão e cair no
meu colo, era isso que eu daria.

— Pare de se mexer, porra. — Bella beliscou meu braço enquanto eu


brincava com o isqueiro na mão. Sentada no meu colo, ela que já havia
pintado a si e a Thomaz como caveiras, fazia o mesmo em mim.

— Você sabe que vou esquecer essa merda e vou me coçar alguma hora —
resmunguei, provocando-a e ganhei mais um beliscão.

— Se você borrar todo esse meu trabalho espetacular, mato você. — Seu
sorriso perverso era pura brincadeira, mas qualquer um que ouvisse seu tom
de voz e não a conhecesse, acharia ser verdade. — Estou quase terminando,
fique parado só mais um pouquinho.

Seus dedos esfregavam tinta preta por todo lado e eu imaginava o estado da
minha toalha de banho depois que tentasse me livrar daquilo. Sem camisa,
tinha tinta por todo meu torso, braços e mãos, preta para a ilusão de falta de
carne, branca para delimitar o desenho dos ossos.

Suspirei pesado, evitei encarar Bella tão perto e enquanto Thomaz fuçava na
minha estante, esperei ansiosamente ela acabar o que fazia.

— Pronto! — ela comemorou, batendo palmas. — Eu sou muito boa mesmo.


O engraçado era que Bella tinha tanta segurança daquilo que não importava
se alguém dissesse que estava uma merda. Na verdade, ela provavelmente
faria a pessoa derreter só com um olhar, mas ainda assim, aquilo nunca
abalaria sua autoestima.

— Ok, levanta, vai ver no espelho. — Saindo do meu colo, ela me pegou
pela mão com cuidado para não estragar seu trabalho e eu obedeci. Fitando o
meu reflexo, o dela e o de Thomaz, agradeci a Bella com o olhar e girei para
roubar um dos cigarros de Thom.

— E aí, vamos? — Ele foi para a porta.

Confirmei com a cabeça e, sem ser muito discreto, ergui a mão e peguei o
blackbook que estava no alto da estante.

— O que é isso? — os dois perguntaram ao mesmo tempo.

— Isso? — Não consegui conter meu meio-sorriso. — Bom, isso — sacudi o


caderno no ar — é uma bomba, meus amigos. E

estamos atrasados para vê-la explodir.

Meus amigos se entreolharam e, atiçados pela minha ideia de vingança,


foram logo para a porta.

— Bella — eu a chamei, sério, e enquanto Thomaz saía, ela me encarou.

— O quê?

— Tenho um favor para pedir, posso?

— Depende… vai causar confusão? Se sim, estou dentro.


A festa era um mimo da faculdade para os alunos. Feita no subsolo, a
entrada era por um alçapão de onde a luz negra saía acompanhada da música
alta. Qualquer conversa ficou impossível naquele volume, mas eu não
precisei abrir minha boca. Quando botei o pé para dentro daquele lugar,
vendo o tamanho, o agito e a confusão de corpos, fui notado mesmo sob toda
aquela tinta. As fantasias eram as mais variadas. Garotas se vestiam da
forma mais sexualizada que eu já tinha visto, os garotos não pareciam tão
preocupados, e sabendo que tinha ido ali para causar, assim que meus olhos
acharam Scarlet e Isaac naquele caos, o caderno pesou na minha mão.

— Vamos para o bar! — Bella gritou, cutucando meu ombro e indicando o


amontoado de gente. Como era cedo, apesar de não conseguir tirar os olhos
dela, fui junto da garota morena que, assim como eu, não tirava os olhos do
seu alvo.

— Seu irmão tentou vir de zumbi? — minha amiga desdenhou.

— E o que Scarlet está vestindo? É uma versão de pernas da Ariel?

De top, minissaia e uma bota plataforma azul, de um tecido que brilhava


muito, os cabelos ruivos estavam presos em duas marias-chiquinhas baixas,
ela também tinha aquele mesmo tecido enrolado nos pulsos e dançava
sensualmente em volta do meu irmão.

Com toda certeza, ela tinha bebido, já que o copo em sua mão estava pela
metade e o sorriso no seu rosto era de alguém que não se lembrava daquela
manhã.

— Não faço ideia. — Dei de ombros, não querendo admitir que a ver
daquele jeito me incomodava.

— Bom, seja como for, aquela graça vai acabar rapidinho.

Parando no bar, cada um de nós tomou três shots de bebida e fomos para
longe. O plano precisava ser colocado em prática e enquanto Thomaz
reuniria um grupinho para brincar de verdade ou

desafio, Bella atrairia o projeto de casal que era Scarlet e meu meio-irmão.
Não levou mais de vinte minutos até a rodinha estar formada no fundo do
salão com uma garrafa no chão. Meu irmão e sua namorada apareceram para
participar e só depois disso que me aproximei, ficando bem de frente para a
garota que ainda não tinha me visto e batia palmas, animada, enquanto outra
menina que eu não conhecia abria a boca para receber bebida.

— VIRA, VIRA, VIRA! — era o coro animado em volta e quando a menina


tirou o rosto, ganhando um banho de álcool, todo mundo riu.

Foi naquele segundo que peguei a garrafa e ela me viu.

Seus movimentos morreram aos poucos, mas Scarlet era inteligente o


bastante para não dizer nada. Quando girei a garrafa e ela parou exatamente
onde eu queria, entendi que era o destino me incentivando.

— Ora, ora… — Foi inevitável não sorrir de canto para provocá-los.

Era lindo ver a insegurança expor seus tentáculos e abraçar Isaac e Scarlet.

— Seu…— Ele ia me xingar, mas Scarlet apertou seu braço, fazendo com
que Isaac se calasse.

— Verdade ou desafio, Red? — flertando abertamente com ela enquanto


fazia a pergunta, prendi seus olhos nos meus, querendo forçá-la a se lembrar
do que havia acontecido mais cedo.

— Verdade. — A resposta veio depois de alguns minutos pensando.

— Ótimo. — E então, ergui a mão escondida nas minhas costas, exibindo


seu blackbook. — De quem é este caderno e o que tem dentro dele?

Ela engoliu em seco, me encarando como se eu fosse o maior filho da puta


do mundo.

— Eu…

— Se mentir, sabe que eu posso mandá-la fazer o que eu quiser, não é? —


me gabei e vi o ódio brilhando em seu rosto.
— É meu. São meus desenhos. Você os roubou.

— Não roubei — me defendi. — Eu só peguei emprestado, mas estou


devolvendo. Amei ver seus desenhos sobre mim da primeira vez, queria ver
como eles estariam depois de tanto tempo…

Ergui a mão e encarei Isaac, sabendo que meu irmão cairia na minha
armadilha e antes que os dedos de Scarlet sonhassem em se erguer, seu
namorado arrancou o caderno da minha mão com muita brutalidade.

Eu só sorri.

A plateia em volta de nós estava animada acompanhando aquela briga


silenciosa.

O olhar de Scarlet em mim era de descrença antes de se virar para Isaac.

— Você desenhou isso mesmo? — O tom de incredulidade do meu irmão


enquanto ele passava as páginas era palpável.

— Eu… — Ela tentou se defender, mas ele chegou até a última página.

— Scarlet, que porra é essa? — A agressividade dele me fez querer socá-lo,


principalmente quando Isaac girou o caderno e quase o enfiou na cara de
Scarlet. Até dei um passo para frente, não entendendo aquele instinto
protetor surgir.

Ela encarou a página, o meu desenho de mim cheio de “quero você” escritos,
como no primeiro desenho do caderno.

— Não fui eu que fiz isso! — indignada, ela gritou e me encarou. — Você é


podre, Conrad!

— Podre é aquele Tesla horrível de dirigir. — O choque no rosto de Isaac


chegou com força e eu me diverti muito. — Não acredito que meu
irmãozinho ainda não sabe que você me deixou dirigir hoje cedo… Ele já
sentiu o… — Os olhos dela se arregalaram quando percebeu que eu
entregaria o que havia acontecido, e me surpreendendo, Scarlet voou para
tentar me bater, mas um dos garotos amigos do namorado a segurou pela
cintura.

— Uou, a leoa tem garras — fiz graça e a plateia riu. Eu ri também, mas ela
parecia prestes a me matar, assim como meu irmão, que olhava de mim para
ela, não sabendo em que acreditava.

— Scarlet, isso é sério? Você…

— Não! Para, não! Eu não sinto absolutamente nada por esse desgraçado,
Isaac. Eu não fiz nada… — Ela engoliu a mentira. —

Por favor, não quero brigar aqui, não quero mais isso. — Ela ia chorar.
Estava quase…

— Não sente? Você jura? — provoquei.

— Conrad, seu filho da puta… — Meu irmão se virou para mim,


direcionando toda sua raiva.

Eu adorei.

— Peça para ela me beijar, então, e veja com seus próprios olhos se ela
mente ou se sou eu que estou mentindo. Você não conhece sua namorada? E
sobre seu carro, aquele detalhe quadrado do painel é meio zoado, não? —
provoquei ainda mais e ele não se aguentou.

Pegando Scarlet pelos ombros, ele a fitou sério. Ela parecia com medo, mas
não resistiu.

— Você vai beijá-lo.

— Não — ela se negou.

— Vai. Vai beijá-lo agora, e se eu desconfiar que gostou…

— Não me peça para fazer isso! — ela gritou, tentando trazer meu irmão
para a racionalidade. — Eu não quero beijá-lo!
— Mas você vai.

E eu fiz o próprio Isaac colocar Scarlet na minha frente, sem opção.

Seu peito subia e descia rápido antes mesmo de eu tocá-la.

Seus olhos queimavam nos meus. Vi sua pele se arrepiar e os mamilos


marcarem no top colado.

Meu corpo vibrou. Eu a queria.

— Eu te odeio — ela sussurrou para mim, fazendo questão de que eu


sentisse sua raiva vibrar em cada letra dita, e mesmo com a música alta, eu
ouvi e senti perfeitamente.

— É assim que se ganha uma guerra, Red…

scarlet

e lá estamos nós outra vez, quando ninguém precisava saber. você me


manteve como um segredo, mas eu te mantive como um juramento, oração
sagrada, e nós juramos que iríamos lembrar disso tudo muito bem.

a l l t o o w e l l , t a y l o r s w i f t cinco anos atrás.

— Isso não vai causar problemas? — cogitei quando Conrad desarmou o


alarme do carro já com a mão na maçaneta.
— Só se não conseguirmos sair antes do meu pai notar que fiz isso de novo,
ainda mais com este aqui… Seu novo Maserati é o brinquedo favorito do
momento. — Abrindo a porta para mim, ele indicou com a cabeça para que
eu entrasse logo.

O carro vermelho, bonito e com cheiro de novo me abraçou quando entrei e


fiquei ligeiramente incomodada com aquela sensação, mas não tive muito
tempo para processar, já que Conrad escorregou pelo capô para assumir o
lado do motorista e em menos de dois minutos estava na estrada.

Em silêncio, sem música, ele forçou o motor e quando o carro acelerou


quase sem fazer barulho, o garoto de olhos escuros pareceu decepcionado.
Me segurei na porta quando ele forçou o pé um pouco mais, com a noite
caindo e a estrada vazia, usei de toda minha fé em Conrad para confiar de
que ele não nos mataria só por estar frustrado com o carro que valia mais
que minha casa.

Em geral, aquele dia tinha sido esquisito. Mais cedo, com Isaac por perto
tentando puxar assunto, Conrad não pareceu feliz quando me viu nos bons
termos com o irmão, mas eu realmente acreditava que todo mundo merecia
uma segunda chance e que, impondo limites, alguma hora o garoto ia cair
em si e se afastar de mim com segundas intenções.

Minha irmã era outra que parecia começar a desistir de me ignorar. Deve ter
sido realmente doloroso para Susan entender que eu e Conrad éramos algo,
mesmo que sem um título. Eu ouvi seu choro antes de dormir nas noites em
que Conrad me levava até a porta de casa e sabia que não devia ser fácil. Eu
mesma, se estivesse no lugar dela, não conseguiria ser tão boa. Ainda assim,
mesmo com a sensação de que a qualquer segundo ela me afogaria na tigela
de cereal com leite, aos poucos ela começava a falar pelo menos o mínimo
comigo e eu achei que, em breve, com aquela evolução, poderia começar a
trazer Conrad para dentro de casa.

Pensando sobre aquilo, aproveitei a decepção de Conrad com o carro e dei


um suspiro profundo.

— Nós vamos ficar muito? Vovô me deixou ficar até às vinte e uma na rua,
graças a sua promessa de me levar para casa.
— Não se preocupe, vou cumprir com a minha palavra. Só quero que você
conheça melhor meus amigos. — O desejo era genuíno e, por um minuto,
apreciei a inocência de Conrad em achar que aquilo teria alguma liga.

Eu não tinha o mesmo apreço por seus amigos como tivera por ele nos
últimos anos.

Para mim, Thomaz era só cruel e desinteressado demais no resto do mundo,


já Bella… Ela era a representação de tudo o que me deixava insegura, até
porque eu sabia que a amizade dela e de Conrad ia além do convencional.

Lembrava-me perfeitamente de vê-lo beijando a garota de cabelos escuros e


isso não fazia meu coração se acalmar, ou as coisas ficarem mais fáceis. Na
verdade, como eu não tinha ninguém e estava acostumada com aquilo, não
entendia a necessidade de Conrad ter aqueles dois já que, em toda a cidade,
eles eram considerados péssima companhia, mesmo que os pais tivessem
dinheiro o bastante para bancar toda a educação possível.

— Como vocês se conheceram? — Tentei procurar alguma linha que fizesse


sentido.

— Estudamos juntos desde sempre, meio que aconteceu. E, apesar de tudo,


somos meio parecidos.

— Não te acho cruel. — Foi mais forte do que eu e quando botei os olhos
nos dele, notei o desconforto.

— Então, talvez você ainda não me conheça totalmente. — A sugestão dele


revirou meu estômago.

— Ou você se veja pior do que realmente é.

O silêncio pesou entre nós e eu encarei a estrada pela janela.

— Está longe?

— Não muito.
E, menos de cinco minutos depois, Conrad diminuiu a velocidade e parou no
acostamento.

— Agora precisamos andar.

Sem questionar, tirei o cinto de segurança e não esperei por ele para abrir
minha porta.

Atravessei a frente do carro até ele e, levando embora minhas inseguranças


sobre nós naquele segundo, Conrad pegou minha mão e entrelaçou nossos
dedos. Erguendo-as, ele beijou o dorso da minha mão e suspirou contra meus
dedos.

— Sei que eles não são o melhor exemplo da boa moral, mas são os amigos
que me acolheram quando precisei, e que estão comigo mesmo com toda a
merda que você sabe. E acredite, eles não sabem de tudo como você. Eles
nunca viram…

— Suas marcas?

— Sim — ele afirmou.

— Mas eles sabem o que acontece?

— Sabem. — Concordou com a cabeça, me deixando indignada. — Também


entendem que não há nada que possa ser feito.

— Podemos matar seu padrasto e esconder o corpo aí. —

Indiquei a floresta atrás de nós.

Conrad riu e negou com a cabeça.

— Pensei que meus amigos é que eram perigosos.

— Eu posso ser, se quiser. — Ele não me levou a sério quando me puxou


para perto para selar a boca na minha, mas tinha mais verdade nas minhas
palavras do que qualquer vez antes.
Depois do pequeno beijo, Conrad me guiou pela trilha escura e logo surgiu
luz à nossa vista. Bella e Thomaz estavam sentados em volta de uma
fogueira, cada um com seu cigarro, ambos partilhando uma garrafa de vidro
transparente com um líquido que eu desconfiava não ser água dentro.

— E aí — Conrad os cumprimentou.

— Conrad! — Bella sorriu para ele, e apenas para ele, animada.

— Demorou, hein? Pegou o carro? — Thomaz perguntou sem nem mesmo


erguer os olhos do fogo.

— Peguei, está lá na estrada perto do seu, mas… achei uma merda. Gosto de
câmbio manual. — Ele deu de ombros.

— Porque você é um velho de noventa anos aí dentro. Quem é que gosta de


deixar o carro morrer ao trocar de marcha? Carros automáticos são mil vezes
melhores.

— Mais práticos? Sim — Conrad rebateu, nos levando para mais perto. —
Melhores? Nunca. Scarlet estava comigo, ela pode provar. — Ele tentou me
incluir na conversa, mas tudo o que ganhei foi o olhar desinteressado
daqueles dois.

Encaixando-me na minha insignificância, me sentei perto do fogo com


Conrad e não falei muita coisa. Os assuntos deles iam longe demais para
alguém como eu. Eles falavam de viagens que tinham feito juntos, das
próximas que fariam. Relembraram coisas específicas dos três, riram dos
momentos chapados que se lembravam, e desses eu ri um pouco também,
mas me senti invadindo algo muito privado quando os outros dois me
encararam.

Era nítido que, por mais que Conrad fosse tentar fazer aquilo funcionar, não
aconteceria tão cedo, e a prova veio quando Bella, depois de matar quase
toda a garrafa de vodca sozinha, me

encarou quando Conrad e Thomaz voltaram até os carros para pegar mais
bebida e cigarro, e perguntou:
— E qual é a sua, ruivinha?

— A minha?

— É. Você é muito nova para estar aqui. E sabemos que Conrad é Conrad.
Ele nunca se envolve com ninguém de fora por tanto tempo… — Era uma
direta. Ela era a única, eu era uma intrusa, passageira.

— Bem, eu gosto dele. E acho que ele gosta de mim.

— Só até a próxima festa, se posso te ajudar. — Ela tragou seu cigarro e


soprou a fumaça na minha direção. — Cuidado para não se machucar na
queda.

— Está dizendo isso porque você já se machucou?

Ela não gostou da minha pergunta. Seu sorriso era amargo.

— Você não faz o tipo dele, estou só avisando.

Minha vontade era revidar, mas encarei o fogo e me concentrei nas chamas,
sabendo que os olhos dela estavam em mim.

— É sério, garotinha. Quando ele quiser se divertir, Conrad não é o tipo de


cara que gosta muito de controle, ou de celibato,

sabe? O histórico dele não deixa. — Minha vontade era de calar a boca dela
com meu pé, mas, por sorte, Conrad vinha com Thomaz pela estrada e,
assim que eu o vi, me coloquei de pé.

— O que foi? — O sorriso que ele dava sumiu quando viu meu rosto.

— Meu avô ligou — menti. — Preciso voltar.

Ele conferiu o visor do próprio celular.

— Mas ainda são oito horas… temos tempo, Red. — Ele parecia chateado e
me doeu mentir daquele jeito, ainda mais com Bella sabendo que eu só
queria ir embora por estar incomodada com ela.
— Não temos mais. — Tentei não ser tão desagradável. —

Obrigada, Bella, Thomaz. A gente se vê. — Passando por eles, fui para o
carro sem esperar por Conrad.

Não demorou cinco minutos para que ele viesse até o Maserati e liberasse o
alarme para eu poder voar para o banco do passageiro. Quando ele entrou
pela porta do motorista, seu rosto era uma máscara a qual eu queria muito
quebrar.

Levou alguns minutos na estrada até ele perguntar:

— O que aconteceu?

— Nada — menti.

— Impossível. Eu conheço você, também conheço Bella. O

que ela disse?

— Basicamente? O que você está se negando a ver.

— E o que é?

Eu me negava a admitir o que ela tinha dito e, com a garganta presa em um


nó esmagador, suspirei e, de olho na estrada, coloquei para fora o óbvio.

— Eu não gosto dos seus amigos.

— Por quê? O que eles fizeram? — Incomodado, ele encostou o carro para
me encarar.

— Não é de hoje, não esqueça que eu observo você e quem está na sua
órbita há tempos, e eu sei o quanto aquela garota pode ser cruel, ou ele, e…
Eles não são bons. Sinceramente, se fossem, já teriam dado um jeito de te
ajudar, não ficar no meio do mato fumando aquela erva fedida.

Conrad suspirou, pousou uma das mãos no volante e negou com a cabeça.
— Vocês precisam funcionar, ou…

— Ou o quê? — Minha mente nublou, meu coração se apertou e a vontade


de chorar ganhou meu peito.

— Ou não vamos funcionar.

— Espera… — me virei para ele, tentando ser lógica —... eu posso arranjar
briga dentro de casa por você, mas não posso não gostar dos seus amigos?

— Sua irmã é um saco, Scarlet.

— Mas ela ainda é minha irmã! — me exaltei.

— E eles são meus amigos! — ele devolveu.

— Então passe bem com eles. — Sem pensar duas vezes, abri a porta do
carro e desci.

Verdadeiramente, enquanto dava os primeiros passos na direção de casa, no


escuro, eu esperei que ele fizesse algo, mas Conrad não fez. Ele só me
assistiu afastar, e assim que tive certeza de que ele não faria nada, as
lágrimas desceram quentes pelas minhas bochechas. Eu quis gritar, mas
segurei a mágoa na garganta e a única coisa possível que fiz foi correr.

Queria distância dele, dos amigos que não eram verdadeiros, daquela versão
que parecia colocar o que tínhamos em aprovação de outras pessoas.

Eu não queria ser aceita por eles. Eu não queria passar na merda de um teste.

E, definitivamente, não queria ter o coração quebrado por um Conrad que


não enxergava a dimensão do que eu sentia por ele.
— Scarlet — vovô me cumprimentou assim que passei pela porta. — Está
atrasada.

— Eu sei — minha garganta rasgou quando respondi —, me desculpe.

Meus pés doíam muito, mas não mais do que meu peito, e quando minha
irmã ergueu os olhos de sua revista para me encarar, vendo meu rosto
inchado pelas lágrimas, deu um sorriso cruel.

— Ué, ele já te magoou? — Esticando o pescoço, tentou olhar atrás de mim.


— Veio a pé? O carro dele não é tão silencioso.

Ela se sentia vitoriosa, e eu não tinha uma resposta para dar.

Quando passei por ela, pronta para subir as escadas, ouvi Susan dizer:

— Finalmente, você vai enxergar seu lugar.

De todo o coração, eu queria ter forças para responder, para brigar, para
dizer que Susan estava errada. Mas não tinha.

Tudo o que me sobrou foi correr escada acima e me trancar no meu quarto,
deitando sobre a cama com os pés doloridos, coração em frangalhos e
lágrimas nos olhos, encarando a lua crescente lá fora, sabendo que ainda não
estava pronta para perder Conrad e que, talvez, nunca estaria.

A madrugada entrou, o sono não veio, mas a imagem dele me deixando ir


grudou na minha mente com garras e dentes afiados, fazendo com que as
lágrimas descessem em uma naturalidade brutal. E eu quase pensei que
poderia me dissolver em água sobre a cama quando, de repente, algo bateu
na minha janela.

O barulho me fez ficar alerta e duvidar da minha sanidade, mas menos de


meio minuto depois, de novo, um cascalho bateu no vidro.

Incerta do que veria, me levantei da cama e me aproximei da janela, vendo


Conrad lá embaixo, na parte de trás de casa, com as mãos no bolso, olhando
para cima.
Neguei com a cabeça e voltei para sentar na minha cama.

Eu não ia sair por ele naquela noite.

Não depois dele ter me abandonado na estrada, não depois de me sentir tão
insignificante.

De novo, mais um cascalho bateu na minha janela e eu ignorei.

Meu celular vibrou logo em seguida e eu também o deixei de lado.

Deitei na minha cama e fechei os olhos, fingindo não ver nenhuma de suas
tentativas de me chamar atenção às duas e meia da madrugada.

Contei mais sete cascalhos na janela e três mensagens no celular.

Quando ele percebeu que eu não responderia ao seu chamado, tudo silenciou
e meu coração se escureceu. Ele tinha desistido, e tudo bem.

No final das contas, eu não sabia o que mais doía, eu ter confiado em Conrad
ou as falas da minha irmã fazerem sentido.

Meu peito tremeu quando suspirei, e tentei me consolar sozinha como já


tinha feito tantas vezes antes, mas enquanto me

abraçava, encolhida na cama, de olhos fechados, ouvi uma batida forte na


janela e me sentei, assustada.

Quão surpreendente não foi abrir os olhos e encontrar Conrad Prince do lado
de fora, no telhado, determinado a falar comigo? Meu estômago e suas
milhões de borboletas deram sinal de vida e, sem alternativa, me levantei,
abri a janela empurrando-a para cima e enfiei a cabeça para fora.

— O que faz aqui? — Estava brava, magoada, e fiz questão de deixar claro


em cada mínimo sinal, fosse na voz, nos olhos e na postura de não o deixar
entrar.

— Vim te pedir desculpas, Red. Você pode me deixar entrar?


— Seu tom de voz era baixo como o meu, mas muito mais manso.

Encarei Conrad por um longo minuto, divino, perfeito, lindo…

Seus olhos nos meus eram sérios e intensos. Ele não se colocava como
inferior, mas era óbvio que queria me convencer a perdoá-lo.

— Você não merece, pelo menos, não hoje. — Suspirei, não aguentando a
pressão de manter seu olhar e encarei o chão, pronta para mandá-lo embora.

— Encontrei você. — Ele foi rápido quando viu minha intenção de fechar a
janela. — Você é minha afinidade. — Meus olhos se ergueram para seu
rosto, reconhecendo o que ele fazia, o que citava. Meu coração foi a milhão
e precisei morder o lábio inferior com força para não chorar mais. — Meu
melhor lado, meu anjo bom. — Conrad não era mais tão silencioso, e pegou
minha mão direita, colocando sobre seu peito, se aproximando o bastante
para que eu sentisse seu calor, as batidas que seu coração dava, quase
alucinado. Encarei seus olhos, vendo a verdade naquele poço negro e
brilhante. — Estou ligado a você por laços muito fortes. — Ele se ajeitou
para ficar estável apenas pelas pernas e sua mão livre veio para minha nuca,
me puxando para fora até minha testa encostar com a sua. Seu hálito bateu
contra o meu rosto, era uma mistura confusa de bebida, cigarro e hortelã. —
Acho-a boa, talentosa, adorável. — E então, segurando meu rosto com
ambas as mãos, ele se afastou um pouquinho e me encarou de novo, como se
eu fosse a única coisa que importava antes de declamar a parte que fez meu
coração parecer como novo. — Uma paixão fervorosa e solene surgiu em
meu coração. Ela se inclina para você, traz você para o centro e para a
fonte da vida, envolve minha existência em torno de você e, através de uma
chama pura e poderosa, nos funde. — Eu já

chorava de novo, e vendo seus olhos, apostaria que, se não fossem os anos
de autocontrole sob o que ele vivia, Conrad também estaria chorando.
Chorando por mim. — A você e a mim, num só ser. [6]

— Conrad… — sussurrei seu nome de forma tão profunda que doeu nos
meus ossos.
— Scarlet, por favor, foi estupidez da minha parte fazer o que fiz mais cedo.
Não sou dado a pedir desculpas, nunca precisei, mas não sei como acordar
amanhã sem você lá.

Num impulso, eu o abracei e ele se desequilibrou. A queda sobre mim foi


inevitável e fizemos um barulho absurdo quando batemos no chão.

— Ai — reclamei, sentindo minha cabeça doer.

— O que está acontecendo aí? — A voz de Susan veio acompanhada dela


abrindo minha porta. — SCARLET? — meu nome foi gritado, então ela
acendeu a luz, processou a cena e, como uma criança desesperada, berrou:
— VOVÔ! TEMOS UM

INTRUSO!

— Merda. — Conrad se levantou, xingando, e me ajudou a ficar de pé.

— O que está acontecendo? — Ouvi quando meu avô veio pelo corredor e
chegou até a porta do quarto.

— ELE E SCARLET ESTÃO APRONTANDO! EU SABIA! —

Susan continuou gritando perto de nós, parecendo querer anunciar para o


bairro todo o que tinha flagrado.

Ainda assim, me colocando de pé, limpei o rosto, nervosa o suficiente pelo


dia estressante e disse com firmeza, enquanto percebia que, antes de tomar
qualquer decisão, meu avô tentaria me ouvir:

— Vovô, eu juro, não foi nada disso. Conrad veio me pedir desculpas, ele
estava para fora do quarto, mas eu o abracei, ele se desequilibrou e caiu.

— Claro que não! Ela é uma vadiazinha safada e estava colocando o


namorado para dentro para fazer… — Minha irmã não teve tempo de
terminar a frase.

Minha mão voou pesada sobre seu rosto, o tapa a fez virar a cabeça e
silenciar.
Quando Susan se deu conta do que acontecia, virou para mim cheia de ódio
e gritando como se estivesse possuída, resolveu revidar.

Eu não fugi. Enquanto suas mãos vinham para me unhar o rosto e puxar o
cabelo, eu dei um belo soco em um dos seus olhos e um chute certeiro na
canela. Foi um pandemônio, e mesmo com Conrad tentando me segurar e
vovô fazendo o mesmo com Susan, nós ainda gritamos ofensas pesadas uma
contra a outra.

— Vagabunda!

— Invejosa! Você é podre! — gritei, me debatendo, querendo acertá-la.

— Você é só um brinquedinho para ele. — Meu avô finalmente conseguiu


nos separar. Eu fiquei sem um pouco de cabelo e a pele machucada no
processo.

— Mesmo assim, eu sou algo para ele, coisa que você nunca vai ser, sua
idiota! — gritei de volta, conforme ela era arrastada para fora.

— Red, pelo amor de Deus, se acalme, se acalme! — Conrad tentou me


conter no lugar e eu finalmente consegui voltar à racionalidade quando meu
avô jogou Susan para dentro de seu quarto.

— Eu não aguento mais ela! Não aguento mais esse inferno!

Queria que… — E a frase ficou presa na minha garganta. Não

porque eu era boa demais para dizer em voz alta que gostaria que minha
irmã estivesse morta no lugar dos meus pais, mas porque eu sabia que não
era hora de dizer.

— Se acalme. Vem aqui. — E não me deixando fugir, ele me abraçou,


acolhendo minha raiva, meu coração agitado, meu cansaço e minha dor.
Apoiei a cabeça contra seu ombro e ficamos em silêncio enquanto a casa
toda parecia tentar se estabilizar.

Eu, pelo menos, só consegui isso com a cabeça contra o peito dele, ouvindo
seu coração bater, tentando ajustar meu ritmo ao dele.
Isso durou pouco, muito pouco, já que menos de dois minutos depois, meu
avô apareceu na porta e, com sua voz grossa, cansada e aparentemente
decepcionada, ele me chamou:

— Scarlet.

Eu não fugiria da minha responsabilidade.

— Eu sei, vovô — com toda a sinceridade do mundo, eu o confrontei. — É


sério, eu não sabia que ele viria. E eu também não o colocaria para dentro.

— É verdade, senhor — Conrad acrescentou, depois de limpar a garganta,


não me deixando sozinha naquilo. — Eu não ia entrar, a verdade é que ela
me ignorou e eu queria ser notado.

Depois de um suspiro profundo e de nos analisar friamente, meu avô ergueu


as sobrancelhas e soltou:

— É, quis ser notado e, com certeza, foi, não só por Scarlet, mas como por
toda a rua. Rapaz, por favor, me acompanhe até a saída e vá para casa.
Scarlet, deitada. Se eu ouvir algo vindo daqui, vou te deixar de castigo.

— Certo. — Confirmei com a cabeça.

— Tchau — Conrad soprou quando passou por mim e, sem abaixar a cabeça,
ele passou por meu avô, me deixando sozinha depois de toda aquela
confusão.

Deitei contra a cama, com a luz apagada de novo e fechei os olhos, deixando
a tensão escorrer do meu corpo, dando lugar à vontade de rir.

Mordi o lábio inferior, lembrei-me do que Conrad havia dito e me enrolei


nos lençóis como uma boba apaixonada. Que Susan se trancasse em toda sua
fúria e decepção, eu não ligava mais. Tudo o que importava era que, até o
final daquele verão, eu viveria um dia de cada vez, porque, inevitavelmente,
meu coração era de Conrad, até depois do dia que ele não o quisesse mais.

Era dele e ponto.


Fechei os olhos, tentando dormir, forçando o corpo a relaxar depois daquela
carga toda de adrenalina e, quando achei que fosse conseguir, um ruído me
fez abrir os olhos de novo.

Mais uma vez, a sombra preta e alta estava na minha janela.

— Você está doido? — sussurrei exasperada quando o vi passar pela


abertura e tirar os sapatos.

— Não. — Ele parecia se divertir com aquilo e, antes que eu pudesse


expulsá-lo, Conrad se enfiou na minha cama.

Meu coração disparou. Qualquer gota de sono evaporou do meu sistema.

— Mas não ia embora tão facilmente assim. Já perdi muito tempo longe de
você.

E eu não tive tempo de correr, de pensar em pará-lo.

Quando a ponta dos seus dedos acariciou minha bochecha, com ele tão perto
invadindo meu cérebro com seu calor, sua presença, seus olhos escuros
hipnotizantes e sua boca cheia e tentadora, não me afastei.

O beijo de Conrad naquela noite foi casto, diferente, e eu entendi que aquilo
mudaria tudo quando ele se afastou por um

segundo depois de puxar meu lábio inferior entre seus dentes e soprou contra
minha boca.

— Eu acho que amo você, Red.

Não houve chance de resposta. Ele não deixou, e acho que nunca precisou.

Eu o amava, o amava com cada pedaço meu. Com cada fibra e célula do meu
corpo.

O tipo de amor que quebra cadeias, move montanhas e vem de outras vidas.
O tipo de amor que ou me ressuscitaria, ou me mataria E eu nunca me
arrependeria.

scarlet

estou paralisado, estou com medo de viver, mas estou com medo de morrer.
e se a vida é dor, então eu enterrei a minha há muito tempo atrás, mas eu
continuo vivo.

paralysed,nf

cinco anos atrás

— Tem certeza de que quer fazer isso? Te convidei porque, você sabe, é
importante ter você comigo, mas… — Ele tentou me convencer de desistir
da ideia mais uma vez, mas peguei sua mão em meu colo e sorri, mostrando
que estava tudo bem.

— Não se preocupe. Quero fazer isso. Quero estar com você.

— Ok. — Ele suspirou, se curvou para beijar meus lábios e sussurrou: —


Você está linda nesse vestido roxo.

Era um achado do brechó do centro da cidade, assim como a sandália que eu


usava.

Achei que aquilo era melhor do que a roupa na qual apareci da primeira vez
na mansão, e como era aniversário de John Prince, achei que aquilo merecia
uma atenção especial.

— Obrigada. Gostei da sua roupa também.

Aquilo não era bem uma verdade. Eu tinha amado, adorado, ficado
completamente encantada com Conrad de social. A gravata preta de cetim
não estava justa como deveria. Em seu pescoço, uma corrente grossa
prateada aparecia graças ao primeiro botão da camisa aberto e, apesar das
calças também serem naquele estilo engomadinho, suas botas pesadas no pé
diziam que, de fato, aquele era o filho problema. O cabelo meio bagunçado
também não era algo dentro do código, mas caía tão bem em Conrad que
ninguém se atreveria a tentar mudá-lo.

— Ok — ele suspirou —, é um chá da tarde idiota. Vou te mostrar a casa,


ficamos por meia hora e depois te levo para comer

hambúrguer em algum lugar legal do outro lado da cidade, certo?

— Certo — confirmei e esperei quando ele desceu do carro e veio para o


lado do passageiro para me ajudar a descer.

— Está atrasado. — A voz de Isaac chamou nossa atenção e erguemos o


rosto ao mesmo tempo para cima, vendo o outro herdeiro Prince na sacada
do que deveria ser seu quarto. — Olá, Scarlet — ele me cumprimentou,
erguendo dois dedos no ar.

— E por que não está lá atrás? — Conrad ignorou a interação de seu irmão
comigo. Eu realmente não tinha ideia de como eles estavam desde o episódio
da bebedeira na praia, e aquilo fazia mais de três semanas.

— Gente velha é um saco. Estão se revezando no piano, me faz lembrar


minha mãe, não gosto. — Isaac fez uma careta. — Mas você deveria ir tocar,
o velho vai ficar feliz e possivelmente ignore você ter trazido uma amiga.

— Scarlet não é minha amiga.

— E o que ela é?
Eu também queria saber, mas Conrad não disse, só pegou minha mão e me
tirou da vista do irmão.

— Vocês estão bem? — perguntei baixinho quando passamos para dentro da


casa.

— O de sempre. — Ele deu de ombros — Mas nunca espere completa paz


entre nós. É impossível, Isaac é muito babaca para isso.

— E você está sempre certo? — provoquei, vendo Conrad dar um meio-


sorriso divertido, me provocando de volta.

— Como sabe, é impossível eu errar.

— Aham… — Meu tom o fez dar risada e eu também queria rir, mas logo
nos viramos para encontrar o mundo de gente espalhado no quintal da
mansão e meu estômago ferveu de nervoso.

Apertei a mão de Conrad com um pouquinho mais de força e ele retribuiu,


mas era o que era, e por estar de mãos dadas com o filho bastardo de John
Prince, todos olharam para nós.

Talvez eu tenha entendido Conrad ser como era naquele minuto. Ele nunca
ia se encaixar naquela casa enorme e cara, mas também nunca pertenceria à
casa precária que vivia com a mãe. Ele viveria constantemente em dois
mundos sem nunca se sentir pertencente a nenhum deles. Era triste.

— Ah, o mais velho de John chegou. — Ouvimos uma senhora muito


elegante dizer. — Está bonito, filho.

— Obrigado.

— Quem é sua amiga? — Aquela palavra de novo.

— Essa é Scarlet Wright.

Conrad repetiu isso uma centena de vezes, até que seu pai nos viu e encerrou
a conversa com amigos que vestiam bermuda e camiseta polo.
— Prepare-se — ele me avisou discretamente quando beijou minha
bochecha e soltou minha mão para poder abraçar John.

— Feliz aniversário — Conrad disse sem muita emoção.

— Obrigado. Fico feliz que tenha vindo com... Scarlet, acertei?

— Seus olhos de águia, intimidantes como os do filho, me fitaram.

— Isso — confirmei. — Olá, senhor Prince. — Ergui a mão. —

Feliz aniversário.

— Obrigado, querida. — Ele aceitou meu cumprimento, seus olhos


brilhando, cheios de interesse.

— Não vamos ficar muito — Conrad avisou, pegando minha mão logo que
ficou livre e roubando a atenção do pai de volta para

si.

— Imaginei que não, ainda assim, você poderia tocar para mim? Sinto uma
falta enorme do talento de Giana.

— Eu não gosto. — Senti como o garoto ao meu lado ficou gelado de


repente e a aura em volta de nós mudou.

— Por favor, filho. Aposto que Scarlet adoraria vê-lo tocar, não é mesmo,
mocinha?

E eu não podia negar.

— Eu não sabia que ele tinha mais esse dom…

— Conrad? Ele é o superfilho que tive a honra de ter. — O

sorriso de John parecia genuinamente orgulhoso. — Vamos, toque

— ele pediu de novo para o garoto ao meu lado, que parecia que ia quebrar a
mandíbula a qualquer segundo pela tensão em seu rosto.
— Me ajude, Scarlet.

— Não. — Estúpido como eu nunca tinha visto, Conrad respirou fundo,


tentando se controlar. — Não precisa usar ela. O

que quer ouvir?

— Mozart?

— Alegre demais. — A voz séria, mais baixa e rouca dele arrepiou cada
centímetro do meu corpo.

Conrad soltou minha mão, e encarando o pai com as sobrancelhas baixas, em


um embate mental com seu genitor que sabia disfarçar muito bem, ele abriu
os botões da camisa nos pulsos e exibiu os braços marcados.

O pai encarou-o como se algo o incomodasse, mas não disse nada, e depois
de uma bufada claramente nervosa, Conrad disse para mim entredentes:

— Eu já volto, fique perto, por favor.

E eu o obedeci.

O quintal estava cheio de gente espalhada. A decoração era meio rústica,


com várias mesas cheias de comida e bebida espalhadas pelo gramado.
Crianças correndo em volta de uma fonte, e de longe eu via um coreto. Mais
próximo de nós, sobre um tablado de madeira, estava um piano esperando
por Conrad, e quando o herdeiro bastardo se aproximou da peça, todos
pararam para olhar.

Primeiro, o garoto que eu amava apoiou um dos braços superbrancos sobre a


parte alta do instrumento e testou algumas teclas.

Ele não parecia confortável e, como se de propósito, parou, estalou os dedos,


e me surpreendendo, sacou um cigarro do bolso e o colocou atrás da orelha.

Seus olhos passaram pelo rosto do pai antes dele sentar no banco e, como o
resto daquelas pessoas, notei quando a respiração de Conrad mudou.
Ele encarou as teclas, umedeceu os lábios e mordiscou o inferior antes de
começar.

A canção pesada e triste soou primeiro meio baixa, e então foi ganhando
corpo. Os dedos de Conrad não se distanciavam muito uns dos outros, e seus
olhos de repente estavam fechados conforme a melodia mudava. Ficou
devagar, as notas quase sumiram, até que uma nota forte preencheu o ar e
depois morreu.

Ele tomou fôlego, hipnotizando todos nós e encarou o nada.

Não tinha acabado.

A música mudou.

O ritmo era diferente do começo, mas não era menos melancólico, e ele se
derramou enquanto suas mãos dançavam em cima das teclas avidamente.

Era arte. Pura arte.

Ele tinha mesmo talento, e não era só eu quem via isso.

Não havia ninguém impune à beleza daquilo, mas era doloroso também.

Tão doloroso que eu quase conseguia tocar a dor de Conrad toda hora que a
música mudava, que via sua concentração contra as teclas, sua feição, sua
respiração.

Sua dor parecia ser um monstro que crescia em suas costas, que o rasgava a
cada nota emitida.

Como ninguém o impedia de continuar?

Como ninguém o segurava no colo e cuidava daquele horror?

Meus olhos estavam cheios d’água quando ele finalmente encerrou a música
e todos em volta bateram palmas, menos eu e seu pai.
— Por que você fez isso com ele? — As palavras saíram baixas da minha
boca.

— Porque ele precisa superar. — A resposta de John Prince não fez sentido
algum, mas quando Conrad cambaleou na minha direção com os olhos
vermelhos, só aceitei sua mão massacrando minha cintura, enquanto
entrávamos na casa sem dizer nada.

Enquanto ele me guiava, não disse uma palavra e eu também não. Minha
mente estava concentrada em me manter em pé e andando na mesma
velocidade que ele. Quando subimos as escadas, me surpreendi com
corredores superbrancos, bem-iluminados e portas gigantes, mas não tive
tempo de notar nada com muita atenção já que Conrad quase arrebentou a
quarta porta à direita e me jogou para dentro.

O lugar não tinha janelas e, de forma sufocante, estar no escuro sem saber o
tamanho daquele ambiente fez minha claustrofobia dizer olá. O ar ficou
ainda mais denso, eu quase gritei por ajuda, mas os dedos dele foram rápidos
em apertar um botão e, imediatamente, a lareira acendeu.

A luz laranja e seu calor invadiram o lugar, exibindo paredes de madeira


escura e muitas e muitas prateleiras de livros. Aquilo não era uma simples
sala com estantes. Do que eu conseguia ver em volta de nós, além de uma
mesa grande, no que devia ser o andar de cima, cadeiras de leitura estavam
espalhadas e havia um espaço vago que eu imaginava pertencer ao piano que
estava do lado de fora.

Verdade fosse dita, não estava frio para justificar o fogo, mas eu sabia que
não tinha nada a ver com a temperatura.

— Aquele filho da puta… — rosnando, Conrad me deu as costas e socou a


parede com tanta força que eu engoli o choro e corri para segurá-lo.

Seu corpo sacudiu num soluço alto, em um grito meio preso.

Abracei suas costas, envolvi suas mãos com as minhas e pedi:

— Não. Por favor, não — implorei no meu tom mais doce. —


Não precisa se machucar.

— Preciso. — Irado, Conrad tentou brigar. — Essa merda. —

Ele se movimentou e percebi que ia dar uma cabeçada contra a parede, já


que não podia socá-la sem arrebentar meus dedos no caminho.

Fui mais rápida, e mais baixa, com agilidade, me enfiei entre ele e a parede,
amortecendo sua tentativa, acolhendo-o para o meu ombro.

Foi absurda a mudança dentro daquele ambiente, a energia entre nós.

Em um segundo, eu achei que ele fosse colocar a casa abaixo, então no


segundo seguinte, foi Conrad quem desmoronou. O som dos seus joelhos
contra o chão de madeira me assustou, mas sem alternativa, fui junto dele
para o chão.

Meu menino quebrado gritou contra minha pele, então cravou os dentes
contra o meu ombro e me mordeu com força. Eu segurei o grito, e chorei
com ele quando seu corpo se sacudiu junto dos soluços.

Chorei pela dor física, pela que ele carregava, pela minha.

Chorei por nós, por querer curá-lo, por saber que, talvez, eu fosse incapaz de
fazê-lo.

— Está tudo bem. — Tentei acalmá-lo. — Shiiii. Está tudo bem.

— Acariciei suas costas, sua nuca, e pouco a pouco, ele começou a relaxar.

Levou pelo menos meia hora para sairmos daquela posição, mas quando ele
se recuperou e se ergueu, evitou me olhar, limpou o rosto contra o antebraço
e foi para frente da lareira. Eu não me movi. Observei Conrad lá, encarando
as chamas, inerte, visivelmente exausto e perdido. Por mais de meia hora, ele
ficou daquele jeito e eu esperei, vendo que havia sangue em meu vestido
onde ele havia me mordido.

— Eu odeio este lugar. — Ergui o rosto para medi-lo novamente. — Odeio


esta casa, odeio esta sala, odeio cada uma das pessoas que viveu ou vive
aqui. — A confissão foi tão baixinha

que eu só ouvi por estar concentrada nele, e por vê-lo começar a falar,
entendi que ele queria colocar para fora.

Talvez, aquela fosse a peça que faltava no quebra-cabeça que era Conrad
Prince. A mais escura e dolorosa peça daquele quebra-cabeça de cinco mil
peças. Me coloquei de pé o mais silenciosamente possível e fui até ele.

Não houve a mínima resistência de sua parte quando o abracei por trás e
achei que aquilo era um bom sinal.

Aspirei seu cheiro, toquei seu abdômen e peito, ouvi seu coração.

— Se quiser, você pode me contar. Eu nunca falaria para ninguém, você sabe
— incentivei.

Ouvi o peito de Conrad se encher de ar e senti quando ele tremeu ao colocá-


lo para fora.

Doeu dentro de mim, mas nós dois juntos éramos mais fortes.

— Você vai me achar sujo. — Sua voz era baixa, cruel.

— Nunca — neguei.

— Você viu lá embaixo, ninguém acredita em mim… Mesmo depois daquela


desgraçada morrer, ninguém... — Ele segurou o choro de novo.

— Eu não entendo. — Tentei de novo.

— Meu pai era casado. A mãe de Isaac, Giana. Vaca desgraçada que deve
estar queimando no inferno — ele rosnou, cheio de ódio. — Essa mulher fez
o que podia para foder com a minha mãe, mas o que ela fez comigo… Sabe
aquele piano lá embaixo? Eu costumava adorá-lo. Com quatro anos, Giana
fingia gostar de mim e me ensinou a tocá-lo, então aos seis, ela disse ao meu
pai que eu era muito talentoso e que queria me dar aulas. —
Conrad tremeu, mas pegou minha mão e, erguendo a camisa, passou meus
dedos por cima de uma textura estranha. — Essa foi a primeira vez que ela
me queimou por errar. — O horror prendeu o ar na minha garganta. — Os
abusos físicos não pararam aí. Em casa, eu tinha que lidar com meu padrasto
bêbado batendo na minha mãe. Aqui, eu tentava me esconder, mas Giana
sempre me achava e sempre dava um jeito de me punir quando eu não a
agradava.

Isso durou até os doze. Fiquei bons seis meses sem dar as caras por aqui,
depois de uma briga feia com meu pai, e quando voltei, com meu corpo
mudando, de repente, ela começou a me agradar.

Presentes, viagens, dinheiro… — Ele suspirou, notei a vergonha em sua voz.


— Eu achei que ela estava começando a se arrepender da merda toda,
mesmo que suas últimas punições fossem piores. Ela

esquentava a ponta de uma bengala esquisita que usava para cima e para
baixo e marcava meus braços com a ponta em forma de lua nova. — Ele
ergueu o braço nu para que eu pudesse ver direito e, contraluz, Conrad
parecia um tigre malhado, cheio de pequenas marcas de texturas diferentes.
— No meio da confusão de hematomas que eu já tinha por coisas que você
já sabe, ninguém desconfiou dela. Foi então que, do dia para noite, ela
começou a me elogiar, e um dia, aqui nesta biblioteca, ela me tocou…

Imediatamente, quando meu cérebro entendeu o que tinha acontecido, meu


coração se rachou. Eu pude ouvi-lo. Eu senti sangrar.

Agarrei Conrad com mais força, meus dedos pressionando sua carne, meus
olhos arregalados, o pânico daquela situação me sufocando.

— Não. — Meu espanto ganhou voz, mas ele não me poupou.

— Eu não entendi o que aconteceu da primeira vez, ou fingi não entender,


mas continuou discreto, até que ela me pegou roubando. — Ele não parecia
orgulhoso de me contar aquilo. — Meu padrasto mandava eu levar coisas
daqui para que ele vendesse e pudesse colocar comida na mesa, eu não tinha
como dizer não. E
após esse maldito dia — suspirando, com a voz quase falhando, Conrad
assumiu — fui obrigado a consumar o ato. Fui obrigado a transar com ela.
— Seu peito inflou quando ele tomou fôlego e notei que prendia minha
respiração. Precisei respirar, mas a sensação era que não conseguiria. Na
minha mente, a mulher que eu já tinha visto em revistas era o monstro que
corrompia meu amor. — Conforme fui crescendo, eu aprendi a gostar. Foder
com Giana na cama do meu pai era o auge do meu prazer. Ouvi-la dizer que
eu era em uma versão melhorada, era divertido. Machucá-la, dominá-la, tudo
isso parecia bom. Eu quase me viciei na sensação que causava, quase não
conseguia parar de procurá-la… até entender que isso ia me corromper ainda
mais e não sobraria nada de bom. — Conrad parou.

Eu precisava de uma pausa tanto quanto ele.

Fechei os olhos com força, pedindo para que Deus, o universo ou qualquer
outro ser divino ouvindo pudesse ajudar e nos tirar daquele sonho horrível,
mas nada aconteceu. E pior, ele continuou a falar:

— Quando Giana ficou doente, consegui me libertar, mas ainda me sinto


sujo, ainda me sinto… — Conrad escondeu o rosto

entre as mãos e chorou. Seu corpo todo tremeu, ouvi-lo cortou minha alma
em pedaços.

— Não, por favor, não. — Girei em volta dele e o abracei, envolvendo-o


novamente nos meus braços, querendo que ele soubesse que ali era seguro,
que ali era o seu lugar.

— Porra! Eu não deveria tocar em você, Scarlet! — de repente, Conrad


gritou e me pegou pelos ombros. — Eu não deveria chegar perto de
ninguém, eu sou podre, fodido. Eu deveria morrer toda vez que te beijo, toda
vez que tenho vontade de te tocar e… —

Conforme ele avançava, eu dava passos para trás, até não ter para onde fugir,
ficando contra a parede ao lado da lareira. Minhas costas doeram com o
impacto, seus dedos massacraram minha carne, mas engoli qualquer
reclamação. Não podia. Não conseguia. Encarando-o sem nenhuma barreira,
seus olhos eram mais selvagens do que nunca, sem aquela maldita divisão de
íris e pupila. O rosto em uma máscara assustadora de dor e ódio, sua postura
era de quem poderia me matar. — Me mande sair da sua vida! — ele exigiu.

— Não. — Neguei com a cabeça.

— AGORA! — Conrad me soltou por um segundo, socou a parede bem ao


lado da minha cabeça e voltou a me segurar.

Eu mal me movi. Meu coração parecia prestes a abrir meu peito e pular fora
dele.

Mas, calmamente, da forma mais suave possível, eu repeti:

— Não. — E continuei: — Eu não te acho sujo, ou imoral, ou qualquer coisa


ruim. Você é só uma vítima de um monte de gente doente, Conrad. Você é
uma criança sem lar, um garoto abusado, um menino perdido. E ainda assim,
você é a coisa mais maravilhosa que eu já vi. — Ele desdenhou, mas foi a
minha vez de obrigá-lo a encarar como eu o via. — Te observei por dois
anos. Dois longos anos percebendo que havia algo a mais por trás daquela
postura de garoto sombrio, e nunca vou saber dizer quando e onde é que a
curiosidade se transformou, mas eu me apaixonei por você tão cedo, tão
fácil… Como alguém indigno de amor poderia causar isso? Como alguém
errado poderia despertar isso? É real, você sabe que é real. — Segurei o
rosto de Conrad entre as mãos e acariciei suas bochechas. — Não me peça
para ir embora de novo.

Eu não quero te deixar, eu não quero ficar sem você.

Parecendo se acalmar, Conrad encostou a testa na minha e me manteve ali


por minutos, parecendo ponderar o que seria feito.

— Você vai ser engolida por toda essa merda uma hora. —

Quando ele disse isso, voltou a erguer os olhos para medir os meus,
analisando minha reação.

— Eu não me importo, desde que você fique.


— Eu vou ficar — finalmente ele cedeu. Seu quadril prendeu o meu contra a
parede e ele me abraçou. — Eu vou ficar, Red, enquanto você quiser que eu
fique.

— Prepare-se para nunca ir embora, Conrad Prince. — Seu sobrenome


morreu na minha boca quando, inesperadamente, ele me beijou.

Sua língua invadiu minha boca com tanta vontade, com tanto desejo, que a
única coisa que pude fazer foi aceitar. Deixei que Conrad me guiasse pela
espiral conflituosa de seu peito, que me mergulhasse no fogo das suas veias,
que me despedaçasse no meio dos sentimentos tempestuosos. Permiti que ele
me levasse até o mais profundo abismo do que éramos, do que poderíamos
ser, e eu, que tinha tanto medo de água, nunca mais quis voltar à superfície.

Tudo era ele.

Tudo era dele.

Era para ser assim desde que o vi pela primeira vez.

scarlet

envenenados até a raiz, qual de nós dois enfim vai sucumbir?

somos uma tragédia anunciada, vender minha alma ainda parece nada. peço
perdão pois prefiro esse caos a um amor mortal.

caos,camaleoa-músicafeitaparaBadPrince
Eu ainda não tinha me recuperado do que havia acontecido mais cedo.
Quando Conrad saiu levando minha calcinha, quando entendi o que tinha
permitido acontecer, como tinha permitido… A vergonha me comeu por
dentro, a vontade de arrancar meu coração do peito também. Sequei o carro
o melhor que pude, corri de volta

para casa com as janelas abertas e prometi que nunca mais encostaria no
Tesla, que nunca mais ficaria sozinha com Conrad, que fugiria daquele
monstro dentro do meu peito que implorava por mais.

Eu não podia.

Eu não devia.

Mas queria muito.

Achando-me o pior tipo de gente, não consegui me esquivar de Isaac


naquela tarde. Parecia que a consciência pesada era o pior carrasco e foi por
isso que prometi que ficaria com ele naquela festa, mas de frente para
Conrad, depois dele ser tão baixo, depois de colocar aquilo na mesa…

— É assim que se ganha uma guerra, Red. — Sua voz ardeu na minha pele,
assim como o calor do seu corpo me atraiu feito um ímã.

Vê-lo pintado daquela forma era perceber que, se a morte tivesse aquela
aparência, aquele magnetismo maldito, se eu fosse passar pelo véu e não
voltar mais, eu aceitaria. Mas aquela não era a realidade e eu me conhecia
muito bem para saber que beijar Conrad foderia com tudo. Nada do que
tinha acontecido até ali era

tão perigoso quanto beijá-lo porque, por todos aqueles anos, eu não havia
superado. Por todos aqueles anos, todo e qualquer beijo que dei em seu
irmão nunca chegou aos pés do mínimo beijinho que Conrad já tinha me
dado antes. Não tinha competição, nunca teve.

Sempre foi ele, e eu temia que sempre seria.

— Estou cansada de ser seu alvo, Conrad. Eu não vou beijar você. —
Tentando me manter firme, estava pronta para dar as costas a ele e causar o
pandemônio antes de encerrar as coisas de vez com Isaac. Para o inferno se
ele achava que era meu dono para ordenar daquela maneira.

E, de fato, me conhecendo, neguei com a cabeça quando notei Conrad vindo


para perto, dei meio passo para trás e estava pronta para girar o corpo e ir
embora. Aquilo devia ser só mais uma graça dele para me deixar como na
pista de corrida. Eu não ia cair naquela armadilha de novo. Mas, antes que
eu pudesse processar o que acontecia, antes que pudesse ir embora, senti o
peso na minha nuca. Sua mão era firme, seus dedos exigentes, e quando ele
me puxou violentamente contra si, não tive como correr.

O encaixe foi rápido demais para que eu processasse, já que em um minuto


eu estava indo embora e, no outro, minha boca

estava colada à do garoto que era meu tormento, minha ruína, meu inferno.

— Eu não vou… — Tentei me defender de novo, mas Conrad ignorou.

Quando ele forçou o rosto contra o meu e sua boca se abriu junto à minha,
todo meu corpo endureceu. Meu cérebro emitiu o alerta vermelho, e mesmo
um pouco alterada pelo álcool, quando o gosto de cigarro e hortelã se
alastrou pela minha língua, eu caí. Caí como quando coloquei os olhos nos
dele pela primeira vez, depois de todos aqueles anos. Caí como quando senti
seu cheiro. Caí como quando me dei conta de que não o havia esquecido,
que não o odiava, que não o queria longe. E, por um erro que nunca poderia
ser evitado, o correspondi. Envolvi sua língua com a minha conforme uma
das suas mãos corria pela minha cintura e, quando no quadril, passou para as
costas, pressionando meu corpo contra o dele, suguei seu lábio inferior antes
de avançar com a língua para dentro de sua boca, matando a sede, a vontade,
a saudade. Eu não era mais uma garotinha perdida e quando o dominei,
quando impus meu ritmo sentindo meus seios dolorosamente sensíveis
contra seu peito duro, movimentei a cabeça, segurando sua nuca com uma
das mãos como ele fazia comigo e, propositalmente, para mostrar que

não era a única atingida, a única a cair, ergui a mão livre e a encaixei sobre a
divisa da sua calça no quadril, roçando as unhas nas entradinhas que ele
tinha ali, provocando-o como o diabo dizia que devia fazer.
Ele não aguentou. Sua mão desceu para minha bunda e ele apalpou com
força, gemi contra sua boca, ele me puniu. Conrad pareceu disposto a me
devorar e sugou minha língua, meu lábio, meu queixo e voltou a me beijar a
boca como se o mundo todo tivesse parado naquele segundo.

Éramos nós dois sozinhos no meio daquela festa lotada.

Não havia música. Não havia Isaac. Não havia uma plateia fofoqueira.

Havia o cara para o qual eu tinha dado meu coração e tinha me devolvido em
frangalhos.

Que me viu gritar por ele na rua e não virou para trás.

Conrad era o meu maior tormento, mas também era a única ponte para uma
versão minha a qual eu sentia falta demais para esquecer.

— Chega! — Ouvi Isaac gritando, mas não parei. Não queria parar. Nem
Conrad. — Chega, caralho! — Meu não mais namorado

enfiou os braços entre nós e nos afastou. — Scarlet, que porra é essa?

Quando ele nos afastou, meu peito sujo de tinta preta subia e descia rápido.
O de Conrad também. Seus olhos não conseguiam deixar os meus, e eu tinha
certeza de que a mesma dúvida que rondava minha cabeça o perturbava
também.

Qual era o controle que aquela merda de sentimento ainda tinha sobre nós?

O que é que havia sobrado?

Como matar aquilo?


— É a merda da sua insegurança — me dirigi a Isaac, ainda respirando com
dificuldade. — E eu não te devo nada, nem a você

— falei apontando para Conrad. — Chega. Eu cansei. Não aguento mais os


Prince. Fodam-se os dois.

E sem esperar uma resposta, sem querer uma também, eu dei as costas
àquela cena ridícula, caminhando direto para o banheiro, com a vista
embaçada pelas lágrimas que queriam descer.

Assim que me olhei no espelho, tratei de esfregar a tinta preta do meu rosto e
corpo. Qualquer coisa de Conrad que estivesse do lado de fora precisava
sair, mesmo que o veneno contido em sua saliva já fizesse efeito sobre mim.

Eu não conseguia controlar meu coração, nem minha mente.

Minha boca tinha seu gosto, meu corpo sentia o rastro de seu toque e, como
o inferno, minha pele queimava onde ele havia encostado.

— AH! — gritei, me debatendo feito louca. — SAI DA MINHA CABEÇA!

— Nossa, essa tá pior que a gente… — Meu olhar foi direto para a dona do
comentário e, quando viu que havia sido pega, a garota arregalou os olhos.
— Droga. Esconde! — ela disse para outra.

— Esconde o quê? — Indo até elas, me metendo como nunca faria antes, em
uma fúria que poderia colocar aquele castelo abaixo, peguei a mão que a
garota tentava esconder e, segurando seu pulso tão forte que seria capaz de
machucar, a obriguei mostrar o que escondia.

Dentro dela, quatro estrelinhas roxas apareceram. Parecia uma versão maior
do que eu havia ganhado de John.

— O que é isso?

— Chama Supernova. É tipo um MD, só que mais legal.

— Ótimo. — Peguei duas e larguei as garotas para trás.


— Ei! — Ouvi uma delas reclamar, mas já era tarde.

Meus pés me levaram direto para o bar.

Estava cansada de ser a boa menina de sempre.

— Me dá qualquer coisa forte — pedi quando chegou minha vez. O cara do


bar não negou.

Virei três doses da bebida que queimava minha garganta e esperei que o
gosto dele na minha língua diminuísse. Erro meu.

Joguei-me na pista de dança, tentei extravasar, mas mesmo com a cabeça


rodando e a mente lenta, não consegui esquecê-lo.

Beijá-lo era a única coisa que eu não podia fazer.

Era a única merda que eu tinha que evitar.

E agora não tinha jeito.

Enfiei duas das Supernovas na boca. Esperei se dissolverem.

Tudo ficou mais intenso e eu quis gritar.

Minha mente girava em uma espiral.

Conrad, Conrad, Conrad.

Eu o queria.

Eu precisava dele.

E quando senti aquela queimação esquisita na nuca e procurei em volta,


quando encontrei os olhos negros sobre mim, entendi que não era a única
afetada. Conrad estava a metros de mim, ao lado de uma porta, os braços
contra o peito, um dos pés apoiados na parede contra a qual ele se apoiava.

Seus olhos em mim eram cruéis como sempre, mas havia mais. Um mais tão
cheio de coisas e sentimentos que me consumiu.
Parei de dançar e encarei-o de volta abertamente, e cansada de lutar contra,
cansada de me conter, cansada de ter medo, fui na única direção possível.
Conforme atravessava o salão cheio de gente, desviando dos corpos, sabia
que em algum lugar, a marcha fúnebre tocava. Sabia que assinava meu
atestado de burrice. Que era cega, fraca e idiota.

Que nunca haveria perdão nem volta.

Mas Deus sabia que, quando ele esticou a mão para pegar a minha, eu não
tinha um pingo de arrependimento no corpo.

Era só desejo.

Era só eu.

E ele.

Para sempre.

scarlet

Você não sabe que eu chorei lágrimas de ouro por você?

t e a r s o f g o l d , d a n e l i y a t u l e s h o v a cinco anos atrás

Conrad estava atrasado, não era comum.


Mandei quase dez mensagens ao longo daquela hora e, quando ele não
respondeu nenhuma delas, não tive alternativa e o liguei.

Ninguém atendeu.

Havia algo errado e meu coração sabia.

Coloquei a mochila nas costas, calcei os tênis e saí sem dar satisfação para
Susan que me olhava, curiosa.

O primeiro destino sob o sol do meio-dia foi até sua casa.

Estranhei quando vi as janelas fechadas e não tive coragem de bater. Dei a


volta no terreno, subi nas latas do quintal e consegui uma bela visão de seu
quarto. Tudo parecia normal. A cama estava desfeita, a porta fechada… nada
diferente.

E mesmo esperando por alguns minutos, não vi nenhum sinal da presença de


Conrad.

Voltei a caminhar e, meia hora depois, cheguei à velha pista de pouso.

O carro dele não estava lá, nem a porta do galpão aberto.

Tentei mais uma vez seu celular.

Nenhuma mensagem, ninguém atendeu a ligação.

Quis chorar. Tinha alguma coisa acontecendo e eu precisava descobrir o que


era.

Prendendo o cabelo no alto da cabeça, graças ao calor, forcei os olhos para


conseguir enxergar adiante enquanto minha pele queimava na árdua
caminhada até o outro lado da cidade. Quando

bati na porta da mansão dos Prince, precisei parar para recuperar o fôlego.

— Quem é? — A voz no interfone me assustou.


— Ah, oi. Eu… Sou Scarlet, amiga de Conrad. — Na falta de título melhor,
usei o mais próximo. — Gostaria de saber se ele está.

Houve um minuto bagunçado até que alguém pudesse me responder.

— Entre, senhorita Wright, o rapaz Prince irá recebê-la.

Não consegui descrever o alívio que senti ouvindo aquilo.

Meu corpo todo pareceu relaxar e lágrimas se acumularam nos cantinhos dos
olhos.

Ergui o corpo, coloquei as mãos sobre o coração, e ainda que não gostasse
daquele lugar, nunca me senti tão feliz por percorrer a pé o caminho bonito
sob as árvores.

O carro de Conrad não estava em lugar nenhum ali, o que estranhei de


primeira, mas sabia que nem sempre o pai o deixava desfilar com a picape e
ela podia muito bem estar guardada na garagem. Avancei cuidadosamente
perto dos funcionários que cuidavam do jardim, os cumprimentei e,
desconfiada, subi os degraus e passei pela porta de vidro.

Não havia vida vindo dali de dentro. E eu não entendia o motivo de Conrad
estar lá sem ser nos dias em que era obrigado.

Ainda assim, avancei melindrosa para a sala de estar e olhei em volta,


estranhando não ser recepcionada por ninguém.

— Olá? — chamei, me esticando para ver se alguém vinha de algum dos


corredores. Um morador, um funcionário, ou, de preferência, Conrad. Mas
ninguém me respondeu.

— Está procurando meu irmão? — A voz de Isaac não era tão convidativa
como sempre, e todo o suor que escorria pela minha nuca, de repente,
congelou.

— Eu… — Engoli em seco quando o vi descer as escadas de calça de


moletom, tênis nos pés, mas o peito nu, parecendo recém-acordado. —
Estava — concordei com a cabeça. — Sabe dele?
— Por que deveria? Conrad só aparece aqui quando é obrigado.

— Mas — olhei confusa para trás e apontei sobre as costas —, disseram que
ele estava aqui.

— Não. — Ele negou com a cabeça. — Disseram que eu tinha te deixado


entrar.

Ah, então esse era o rapaz Prince em questão — pensei, incomodada com
aquele jogo de palavras.

— Se Conrad não está aqui, vou continuar procurando. — Dei as costas,


ignorando sua chegada ao térreo, mas ele me chamou:

— Scarlet, espere. Posso ir procurar com você, mas preciso comer algo
antes. — Parei no lugar e virei só um pouquinho do corpo para vê-lo. —
Tenho hipoglicemia, é meio que um saco. —

Não me movi, ainda encarando-o. Isaac tirou uma mecha do cabelo loiro do
rosto e jogou para trás, voltando ao tom de voz que usava para tentar me
amansar. — Vai, vem comigo. Aposto que vai ser melhor do que rodar a pé
por aí sem saber aonde ir.

— E você sabe?

— Sei. Posso não ser o melhor amigo dele, mas conheço meu irmão. —
Sabendo que havia me pegado pelo ponto fraco, ele seguiu para uma área da
casa que eu não conhecia, e não me restou nenhuma opção a não ser ir atrás.

Segui a uma distância segura de Isaac e quando ele entrou na cozinha, parei
embaixo do batente, encarando a grandiosidade do ambiente. Uma ilha
realmente grande ficava em frente à pia. O

conjunto de armários brancos, os eletrodomésticos de aço

escovado, as grandes janelas que davam visão a uma varanda e ao quintal…


Aquela não era nem de longe a minha realidade se fosse comparar com a
cozinha escura e apertada do meu avô.
— Está com fome? — Ele perguntou enquanto ia na direção da geladeira.

— Não — neguei no automático. — Obrigada. — Forcei minhas pernas a se


moverem para sair do ponto de passagem.

— Pelo menos, beba alguma coisa.

— Água — incisiva, ganhei seu olhar por alguns segundos e percebi que ele
notou a diferença no meu tom.

— Já aprendi a lição. Nada de álcool para a… amiga íntima —

ele achou o termo e o disse com um sorriso de escárnio no rosto, enquanto


colocava a pilha de coisas que ia comer sobre o balcão —

do meu irmão.

Suspirei e rolei os olhos. Não estava com tempo para brincadeiras.

— Você já aprendeu a não gostar de mim tão rápido? Conrad já te


contaminou desse jeito? — ele perguntou, espalhando manteiga no pão,
rindo de alguma piada que eu não conhecia, concentrado em suas mãos.

— Conrad não disse nada.

— Então, de alguma forma, você não gosta de mim naturalmente?

— Eu não tenho o que gostar ou não gostar, Isaac. — O que eu disse em


seguida, o atingiu: — Eu nem te conheço.

O garoto riu para si mesmo antes de dar uma mordida em seu lanche.

Enquanto mastigava, largou o pão sobre a mesa, foi até um dos armários
altos e arranjou dois copos, servindo com água gelada. O meu, ele empurrou
sobre o balcão e eu o parei com a mão, molhando um pouco da bancada.

— Obrigada.

— E daria a chance de me conhecer agora?


Foi minha vez de rir.

— O quê? — me fiz de desentendida enquanto levava o copo à boca.

Eu realmente tinha sede.

— Agora que já tem uma visão pré-fabricada de mim, com Conrad, com as
infelizes experiências anteriores, acha que

conseguiria me conhecer?

Entendi aonde ele queria chegar e abaixei o copo quase vazio, um pouco
ofegante, tentando processar aquela informação.

— Para não haver um erro de comunicação aqui — encarei a pedra cinza,


preta e branca —, está me perguntando se eu quero ficar no meio de uma
competição entre você e Conrad? — Neguei com a cabeça. — Não, muito
obrigada.

— Eu não sou o irmão ruim. — Ele assumiu a postura defensiva e eu,


erguendo as sobrancelhas, disse baixinho, só para mim:

— Eu duvido muito. — Queria ter mais água para enfiar na boca e fugir
daquilo.

— Bom, se Conrad não te envenenou, mas você tem essa opinião…

— É o que tenho visto desde que cheguei, Isaac — fui clara, cristalina, sobre
o que pensava dele.

— Então não vê muita coisa com clareza. O que meu irmão inventou para
você? Que meu pai é péssimo? Que minha mãe era uma vaca? Que eu sou
um idiota mimado? — Fiquei quieta,

engolindo o preço do segredo. — Podemos ser tudo isso, mas Conrad não é
nenhum santo. Sabia que ele já tentou me matar?

— O quê? — Minhas sobrancelhas se juntaram em total descrença.


— É, e não foi só uma vez. Meu irmão tem problemas com controle de raiva,
o médico disse que é por isso que ele passa por um processo dentro de sua
cabeça onde inventa histórias…

— Não. — Ergui a mão, fugindo daquela tentativa de lavagem cerebral. —


Nem comece.

— Tudo bem, Scarlet. Vamos fazer o seguinte. — Ele mordeu seu sanduíche
mais uma vez, mastigou e me encarou numa profundidade absurda. —
Vamos aguardar. Conrad vai acabar com você, eu não dou mais um mês para
esse conto de fadas sobreviver, e aí, quando você precisar de um amigo de
verdade, estarei aqui.

A raiva me pegou de jeito.

— Você está errado. — A ameaça estava intrínseca nas minhas palavras.

— Espero que sim, porque, do jeito que está apaixonada por ele, será uma
tristeza sem fim ver você se machucar.

Fiquei parada, absorvendo as palavras de Isaac, sem acreditar no que ele


dizia.

— Eu… — Mas antes que pudesse falar qualquer coisa, o som de algo sendo
destruído, gritos e buzinas vieram do lado de fora.

— Que porra é essa? — O garoto Prince foi mais rápido do que eu e correu
para a entrada comigo nos seus calcanhares, e nenhum de nós estava pronto
para ver aquilo.

Em um conversível prata, Bella, a amiga de Conrad, tinha arrebentado o


portão.

O carro estava amassado, todo mundo que trabalhava no quintal estava


assustado, Isaac parecia furioso e eu não entendi o que acontecia, até olhar
para a cara dela.

— Seu filho da puta! — A garota de cabelos compridos desceu do carro de


punhos fechados e veio na direção do herdeiro Prince.
— Cadê o bosta do seu pai? Eu vou matar vocês!

— Você é maluca? Olha o que fez com o portão, porra! —

Isaac não se escondeu dela, o que eu achei ser uma péssima ideia, porque
quando a distância entre os dois se encurtou, Bella desceu um tapa forte,
estalado, grosseiro e certeiro no rosto dele. Suas

unhas deixaram um pequeno rastro de sangue no rosto angelical e perfeito do


Prince.

— Como é que vocês o deixaram chegar naquele estado? —

ela gritava ensandecida e fez meu coração pulsar dolorosamente.

Ela falava de Conrad?

— Onde ele está? — Não tive coragem de ir em sua direção, mas finalmente
ganhei sua atenção.

— O que é que você faz aqui? — Eu seria a próxima vítima de sua raiva.

— Vim procurá-lo. Ele não me encontrou hoje como tinha dito que faria, não
o achei em sua casa, nem onde marcamos de ir, pensei que ele estivesse
aqui…

— Conrad nunca teria vindo para cá sem ser obrigado a isso.

— Era uma bronca, mas ela não parecia mais querer me bater.

— Bella, que porra aconteceu? Como você se acha no direito de invadir


minha casa deste jeito? — Poderosa como eu um dia gostaria de ser, Bella
jogou os cabelos escuros e voltou a encarar o loiro.

— Escute bem o que vou dizer — com o dedo apontado na cara do meio-
irmão de Conrad, ela abaixou seu tom de forma tão

ameaçadora que até eu tive medo —, se seu pai não começar a cuidar direito
de Conrad e da mãe dele, vou fazer um inferno nesta cidade até que todo
mundo saiba o quanto John Prince é um lixo, entendido? Não vão conseguir
pisar em lugar nenhum sem que vejam o que vocês permitem acontecer. O
preço de arrumar essa bosta de portão vai ser pouco perto do que ele vai ter
que pagar.

— Mas… — Isaac bem que tentou dizer algo, mas ela não deixou.

— Mas nada. Eu cheguei ao limite. Se seu pai acha que tem poder, minha
família tem ligação direta com a porra da rainha, então não me provoquem
mais! — ela voltou a falar alto, engolindo qualquer intenção de Isaac dizer
algo.

Quando ela percebeu que seu recado foi entendido, voltou para o carro e
assim que abriu a porta, me viu parada sem saber o que fazer.

— E você aí, cabeça vermelha, se quiser ver Conrad, te dou dois segundos
para entrar no carro.

Eu não esperei um segundo convite. Corri para obedecer Bella e vi a raiva e


decepção nos olhos de Isaac quando me viu partindo.

Era meio que um lembrete de sua previsão, como o predador que

sabe que sua presa, inevitavelmente, vai cair em sua armadilha, cedo ou
tarde.

Rezei silenciosamente para ele estar errado enquanto a garota alucinada ao


meu lado manobrava o carro e voltava para a estrada, correndo feito louca,
visivelmente nervosa.

— Você foi burra — Bella disse, depois de cinco minutos imersas no


silêncio. — Nunca mais procure por Conrad dentro daquelas paredes. Se ele
estiver lá, ou será na obrigação, ou porque foi sequestrado.

— Ele não atendeu ao celular, eu não sabia mais aonde ir…

Ela bufou, engolindo mais alguma ofensa.

— Não quero te odiar de graça, mas já sei que você sabe. —


Ela olhou pelo retrovisor por um minuto antes de me olhar de soslaio. — E
me surpreende que você ainda esteja aqui.

— O quê? Achou que eu abandonaria Conrad depois de tudo?

— Achei. — Ela confirmou com a cabeça. — E até agora eu não entendo o


que ele viu em você. — Seu tom era tão comum naquela frase que nem
chegou perto de me ofender.

— Nem eu — concordei, olhando para o caminho, me sentindo uma tola. —


O que aconteceu com Conrad?

— Desta vez? — Engolindo o ódio que sentia, ela socou o volante antes de
parar o carro atrás da caminhonete, me fazendo entender aonde iríamos. —
Veja com seus próprios olhos. É melhor ele te contar essa parte antes que eu
acabe falando o que não devo.

— Soltando o cinto, ela desceu rápido, me deixando para trás.

Encarei a entradinha escondida para o velho moinho acabado e respirei


fundo, descendo do carro também, sabendo que talvez não estivesse
preparada para ver o que me aguardava.

Segui pé ante pé, vendo de longe Bella abaixada ao lado de Thomaz.

O garoto tinha uma garrafa d’água na mão e, pela primeira vez na vida, tinha
uma expressão que não era blasé na cara. Isso me alarmava muito, mas meus
pés continuaram seguindo, até que ele entrou no meu campo de visão e eu
não consegui me mover, sufocando no lugar.

Minhas mãos estavam na boca, tapando meu grito. Meus olhos encheram
d’água, evitando que eu visse o resto dos machucados.

Daquela distância, a única coisa que via era o único olho meio aberto de
Conrad, me notando bem ali.

— Merda. — Eu o ouvi xingando. — Por que a trouxe? — ele brigou com


Bella.
— Cale a boca, não é hora disso — ela desconversou. —

Quero saber dessa história direito, o que aconteceu… Já acabei com um


portão hoje, não acho que vá ser um problema atropelar alguém.

— O quê? — Conrad olhou para ela sem entender. Consegui ver isso porque
as lágrimas liberaram meus olhos, escorrendo quentes pelo meu rosto.

— Invadi a porra da casa do seu pai. Arrebentei o portão, e bati no seu irmão
— ela completou com nenhum peso na consciência.

— Caralho, Bella. — Conrad não tinha forças para brigar.

— Ah, cale a boca. Inclusive, se não tivesse feito isso, não tinha salvado a
princesa ali.

A atenção dos três rostos veio para mim e, engolindo em seco, consegui me
mover.

Ignorei os amigos de Conrad e me joguei de joelhos ao seu lado,


mergulhando na terra, sem saber se poderia tocá-lo. Em um

primeiro momento, até ergui a mão, mas desisti e voltei a tapar minha boca.

— Meu Deus, o que fizeram com você? — Meu tom embargado e baixo o
fez virar o rosto.

Ele parecia com raiva por eu vê-lo daquele jeito.

O cabelo dele estava sujo, muito sujo, de suor e sangue seco.

Eu conseguia sentir o cheiro.

O rosto de Conrad estava desfigurado. Seu olho esquerdo estava tão inchado
que não abria e, corajosamente, toquei seu queixo com muito cuidado e o
obriguei a me mostrar a obra completa. Seu olho esquerdo era uma mistura
preta e vermelha.
Alguma veia tinha estourado. Havia um corte no supercílio, outro na maçã
do rosto. Seu nariz, por um milagre, parecia intacto e precisei soltar o ar dos
pulmões para continuar vendo os hematomas.

Sua boca estava machucada, inchada, cortada no lábio superior e no inferior.


O pescoço tinha marca de mãos, como se tivessem tentado sufocá-lo, e os
braços com as mangas da camiseta erguidas, exibiam mais e mais marcas,
tão roxas, que eram quase pretas. Tive muito medo de ver o que ele escondia
sob o tecido daquela vez.

— Conrad… — A lágrima mais grossa que eu já havia produzido na vida


voou direto para o chão antes de eu erguer a cabeça. — O que é isso?

— Noite passada, o padrasto dele chegou bem mal em casa —

era Thomaz quem respondia, e ainda assim, meu olhar não conseguia deixar
o rosto do garoto que eu amava. — Começou a bater na mãe dele, mas
Conrad se meteu e…

— Eu devia tê-lo matado — o garoto de cabelos pretos rosnou.

— Onde está sua mãe? — Não entrava na minha cabeça que ela deixasse o
filho passar por isso, que ela aguentasse viver naquele inferno de agressão e
brigas.

— Caroline me ligou. Até estranhei, mas o celular de Conrad foi quebrado


no meio da confusão. Ela pediu para que eu fosse até lá buscá-lo antes da
polícia aparecer.

— A polícia? — foi Bella quem perguntou. — Seu padrasto vai ser preso,
finalmente?

— Não — de novo, não foi Conrad quem respondeu. —

Caroline não prestou queixa, com medo do que John faria quando ligassem o
nome dela e de Conrad ao dele.

— Como assim? — Aquilo não fazia nenhuma lógica no meu pensamento.


— Se meu pai tiver problemas comigo nesse ponto, minha guarda é dele.
Minha mãe vai ficar sozinha, não posso deixar.

— Mas… você não está bem. Já foi até um hospital? — Ele deu um riso sem
graça e segurou as costelas. Ver aquilo me enfureceu e eu aumentei o tom de
voz: — Você precisa de um médico!

— Não. — Seu tom de voz frio, distante e seco me calou por dois segundos.

— Você é um idiota, Conrad! — reclamei, agoniada.

— NÓS NÃO TEMOS OPÇÃO, PORRA! — quando ele avançou gritando


na minha cara, minha única reação foi chorar. —

Caralho, que merda você tinha que trazer ela aqui? — mudando seu foco, ele
brigou com sua amiga, que, me surpreendendo, se colocou de pé e veio me
puxar para si.

— Ela só colocou em palavras o que todos nós estamos pensando, há anos.

— Vocês são surdos? Não ouviram meus motivos? — Ainda que eu não
conseguisse enxergá-lo porque meu choro magoado

não queria cessar, conseguia ouvi-lo muito bem.

Frustrado, ele buscou apoio nos amigos.

— Cara… Elas têm razão. Quando te peguei desacordado, achei que


estivesse morto.

Nós três, o grupo improvável de pessoas, estávamos do mesmo lado.

Será que, com isso, Conrad estava feliz?

— Vocês não entendem… — Puxando o ar entre os dentes por causa da dor,


Conrad juntou as pernas, erguendo os joelhos e, apoiando a cabeça nas
mãos, escondendo o rosto, ele confessou:

— Não tem o que fazer.


Quisesse ele dizer algo ou não, tivéssemos nós alguma ideia ou não, não
tivemos tempo de dizer. O som do carro de polícia encheu o ar. Conrad não
teve coragem de erguer o rosto, e nós sabíamos, não dava para fugir.

Então, surgindo no mato com seu terno bem-cortado, com o policial à sua
esquerda, e Isaac à sua direita, John Prince apareceu.

Seus olhos nos analisaram e só depois caiu sobre o filho.

— Conrad — o pai o chamou e ele respirou fundo, bufando de raiva.

Com todo o esforço que podia fazer, o garoto continuou a olhar para o chão,
conforme tentava ficar de pé sozinho, recusando a ajuda do amigo.

Ele se ergueu como uma montanha, endireitou a coluna e, por último, o


rosto.

— Odeio vocês. — Sua frase baixa nos bateu como um chicote. Não era um
amontoado de palavras vazias, e quando digeri, no segundo seguinte, senti
meu coração se desmanchando em cinzas.

O garoto seguiu para longe e o policial o acolheu, seu pai ainda ficou
encarando-nos e avisou:

— Senhorita Mountbatten — era com Bella que ele falava, e a garota não se
intimidou —, ligarei para o seu pai para conversarmos sobre o portão.

— Ligarei para o conselho tutelar sobre sua paternidade — ela devolveu,


mas o homem a tratou com a insignificância com que tratava todo mundo,
nos dando as costas, deixando a mim, Bella e Thomaz para trás.

— O que vai acontecer com ele agora? — perguntei baixinho quando


consegui achar minha voz.

— Não sei, cabeça vermelha, mas é bom rezar. Conrad vai querer nos matar
— foi Bella quem disse.

— Ninguém aqui chamou a polícia — Thomaz tentou se defender.


— Isso importa? No fundo, essa não era nossa vontade? —

Ela fechou o assunto e nós três ficamos cada um em um ensaio mental em


como seria a próxima conversa com Conrad.

Dos três, eu achava ser a menos apta para aquilo naquele segundo.

conrad

agora você me pegou porque estou drenado. tento tanto que meu cérebro está
ficando dormente. mais do que eu posso aguentar, esperando aqui, eu sei que
está longe de ser luxúria. muito fodido para dizer que você é quem está
controlando nós dois. por que você tenta jogar? todas as palavras que eles
dizem se alinham. você aparece quando estou sozinho, quando estou preso
nesta zona, quando estou caindo mais rápido do que respiro.

apareça quando eu estiver preso nesta zona. agora, você me pegou porque é
fraca. eu posso ver como você mudou, sentindo todo o peso do mundo,
nunca pensei que esse fosse o seu destino.

n u m b , k i i a r a , p v r i s & d e a t h b y r o m y.

Eu sabia que aquela seria a queda dela.

Quando a vi na pista de dança, quando percebi seu desespero para me tirar


do sistema, tudo o que precisei fazer foi esperar, ansiosamente, por aquele
minuto.
Então, como sempre, ela me notou.

Minha mão estendida foi um convite. Meu pau duro feito pedra desde a hora
que ela tinha colocado a boca na minha era outro, e quando seus dedos
deslizaram delicadamente sobre os meus, aceitando, meu coração bateu tão
forte dentro do peito que precisei me repreender mentalmente.

Ela sabia, eu não era o cara de foder por foder. Não era do tipo que me
exibia com números, mesmo que gostasse muito do ato, pelo meu histórico,
por ser doente, por aceitar que minha natureza me puxava para aquilo, de
qualquer forma. Medi o corpo de Scarlet de cima a baixo. O tecido que
cobria seus peitos só fazia ser pior o relevo dos piercings e do mamilo,
denunciando sua excitação. Ela estava suada, acelerada, podia ver pela sua
íris fina que havia algo a mais no seu sistema, mas o modo como ela me
olhava não deixava brechas para saber que aquela decisão era sóbria.

Envolvi seus dedos com os meus, me afastei da parede e dando um passo


para o lado, com a mão livre, abri a porta da sala precisamente abandonada
ali embaixo. Scarlet tomou fôlego, desviando o olhar do meu para encarar a
escuridão que era oferecida e, depois de ponderar, soltou o ar dos pulmões e
deu o primeiro passo.

Não tinha mais volta.

Lembrei-me de sua claustrofobia e percebi que, se ela resolvia encará-la, as


coisas estavam realmente fora do eixo.

Fechei a porta logo que entrei atrás dela e antes que pudesse fazer qualquer
coisa, foi ela quem me grudou contra a porta. No escuro, suas mãos não
foram tão delicadas quando me bateram contra a madeira, ou quando ela
agarrou minha nuca e me puxou para baixo, sedenta por continuar de onde
havíamos parado.

Sua boca tinha um gosto diferente, um pouco mais amargo, muito álcool,
mas ainda era ela.

Meu coração disparou, minhas mãos seguiram sem pudor algum para sua
bunda e eu a apalpei sem dó, sabendo que era doloroso o que fazia quando
Scarlet deu um gemido incômodo e mordeu meu lábio com força. Puxei seu
corpo contra o meu,

colocando a ruiva no meu colo e inverti as posições, conforme suas pernas se


prendiam em volta da minha cintura.

Massacrei-a contra a porta, alisando sua bunda onde a sustentava no alto e


resvalei os dedos no fundo de sua calcinha. Era quente, tanto quanto sua
boca naquele segundo e, comemorando que a provaria em breve, envolvi sua
língua com a minha em uma sintonia fodida, entregue, nossa.

Porra, eu não lembrava quando um beijo tinha encaixado tanto. Não me


lembrava de alguém ter aquela porra de poder sobre mim. E achei que teria
superado, que estaria ali minimamente para quebrá-la até que não houvesse
nenhuma proteção que evitasse que ela visse a verdade, que visse que
sempre fora minha e que ainda me amava.

Queria torturá-la por suas escolhas.

Queria puni-la por cada vez que deixou meu irmão tocá-la, beijá-la, fodê-la.

Queria machucá-la tanto quanto ela me machucou, mesmo quando não tinha
ideia do que fazia.

Suas unhas roçaram meus ombros, nuca e cabeça. Ela me pegava


alucinadamente enquanto forçava as pernas ao meu redor,

me prendendo feito uma cobra. Eu gostei.

Mordisquei seu lábio inferior de propósito, senti o gosto do seu sangue na


minha língua e depois de sugá-lo, beijei seu queixo, traçando uma linha cega
até o pescoço.

Seu cheiro me atingiu, minhas bolas pulsaram. Que caralho de mulher era
aquela?

Sustentei-a no alto com meus quadris, e sabendo que seu corpo estava um
pouco acima do meu, avancei por sua garganta.
Suguei sua pele ciente de que a marcava, lambi preguiçosamente conforme
minhas mãos subiam desenhando sua cintura, tocando suas costelas,
precipitando seus sentidos do que queria fazer em seguida.

A ansiedade dela foi transmitida pela pele. Senti sob meus dedos quando ela
se arrepiou e ri contra a curva do seu pescoço.

— Quer tanto assim que eu te mostre como sou melhor, Red?

— Minha voz era baixa, grave, e minha respiração contra sua pele fez com
que ela tremesse.

— Acho melhor você fazer do que falar — no mesmo tom de voz que o
meu, muito mais ofegante, ela respondeu.

— Você se lembra do meu aviso? — Subindo para perto da sua orelha,


mordiscando o lóbulo direito de Scarlet, ganhei um gemido baixinho
conforme ela confirmava com a cabeça. — Ótimo.

— Afastei o rosto dela para tentar enxergar meu próximo passo.

Subi ambas as mãos, seguindo o desenho de suas costelas, até invadir o


espaço entre o top e sua pele, e o puxei para baixo, avançando logo em
seguida para seus seios que, naquela escuridão, eu só conseguia ver o
contorno perfeito e os enfeites de metal brilhando. Foi impossível não os
envolver, medindo como cabiam perfeitamente nas minhas mãos, sentindo a
textura da pele arrepiada, quente, perfeita. O coração de Scarlet batendo
forte também não era algo que pudesse ser ignorado.

Engoli em seco quando lembrei que, antes, causar aquilo nela era minha
motivação diária.

Agora, havia se tornado uma vingança que consumiria a nós dois.

— Ele ainda está valendo — avisei pela última vez e voltei a beijar seu
pescoço enquanto meus dedos atingiam seus mamilos excitados. E tomando
cuidado com os piercings, pincei-os e puxei, ganhando um grito de dor e
prazer vindo dela.
— Conrad… — ela choramingou meu nome.

— Shiiii. — Mantive um dos bicos apertado entre meus dedos e com a mão
livre, a peguei pelo pescoço, batendo sua cabeça contra a porta, voltando
minha boca para a sua. — É para doer mesmo, Red. É para você sentir o que
fez comigo quando me destruiu.

E tomei sua boca de novo, ganhando uma mordida enquanto ela me socava o
peito.

Soltei seu corpo quando senti algo molhado e ela foi para o chão. Dei meio
segundo para ela me soltar, mas brutal, em uma raiva que nunca pensei ser
capaz de vir dela, Scarlet me empurrou enquanto mantinha a boca na minha,
me jogando para trás.

Batemos em uma cadeira, eu caí praticamente sentado, ela ficou em pé entre


minhas pernas, mas suas mãos arranharam todo meu peito com raiva e
desceram até o cós da calça. Seus dedos brigaram com os botões e o zíper, e
quando ela desceu o tecido de calça e cueca de uma vez, envolveu meu pau
com ambas as mãos.

A sensação daquele mínimo toque me fez pegar fogo. Tentei puxá-la para
sentar no meu colo, para fodê-la de uma vez e acabar com tudo, mas ela não
deixou. Me apertou com força, fazendo com que

eu gemesse contra sua boca e, quando ela, desgraçada e mortal, roçou os


dentes pelos meus lábios e se afastou, soube que tinha caído na minha
própria armadilha.

Eu daria o mundo para ver aquela porra de cena no claro.

Daria minha vida para não perder os olhos de Scarlet quando ela se ajoelhou,
quando seus dedos espalharam a prova da minha excitação pela cabeça do
meu pau. Quando a desgraçada, mostrando ser experiente no que fazia, me
encaixou em sua boca e brincou com a língua contra meu piercing, tentando
atingir o freio do meu pau. Eu não aguentei.

— Filha da puta — xinguei, pegando seus cabelos sem o mínimo cuidado,


com raiva por saber que ela tinha treinado tudo aquilo com meu irmão, e me
forcei contra seu rosto.

Ela não fugiu. Senti a cabeça do meu pau bater no céu da sua boca, mas ela
se ajeitou e o colocou mais para dentro. Nem assim conseguiu ir até o fundo,
não aguentando todo meu tamanho. Ela me deu um tapa forte na coxa, eu a
liberei e a vi tossir.

— Não tá acostumada, é?

Ela não respondeu. Afastou minhas mãos de si e fui obrigado a segurar na


parte de baixo da cadeira, dependendo quase

completamente dos meus sentidos para acompanhar o que ela fazia. Scarlet
cuspiu em mim, o som daquilo me deixou mais duro.

Uma corrente quente e intensa percorreu as partes de dentro das minhas


coxas e desceu por minhas pernas quando ela massageou minhas bolas. A
outra mão me masturbou onde sua boca não chegava, e sua língua quente e
maleável brincou no meu comprimento todo, me deixando ansioso e
arrepiado até ela decidir me colocar de novo dentro de sua boca. Dessa vez,
eu não atrapalhei. Seus dentes roçaram a cabeça do meu pau e, naquela
sensibilidade fodida, quis gritar.

— Vai, caralho. — Até ergui a mão para pegá-la de novo e me forçar, mas
Scarlet foi esperta, bateu na minha mão e apertou minhas bolas, me fazendo
obedecer e desistir da minha intenção.

Pouco a pouco, seus lábios molhados foram me envolvendo.

Em momento nenhum, sua língua parou de brincar com meu piercing, e me


vi deitando a cabeça para trás quando ela acertou o ritmo com que sua mão
acariciava minhas bolas e o vaivém com a boca continuava firme.

Scarlet não parecia ter pressa, ora tentava me forçar mais, ora brincava com
a cabeça do meu pau com lábios, língua e dentes, me surpreendendo por não
causar um acidente mesmo no escuro, e foi

na sua última tentativa de me colocar completamente na boca que, puto por


não ter uma visão real daquilo, só a sensação e o contorno dela entre minhas
pernas, a puxei para mim.

Claramente, ela não esperava, mas quando a sentei contra o meu quadril,
com meu pau batendo contra sua bunda, tão duro que seria capaz de parti-la
ao meio, a ruiva tentou me beijar.

— Espera. — Meu tom de voz a fez parar completamente.

Senti quando ela tremeu, incerta. E, porra, eu não deveria perguntar.

Eu jurei que não me importaria, mas aquilo ia contra tudo. — Tem certeza?

O silêncio dela em seguida fez todo meu corpo tensionar. Se ela dissesse que
não, nem um banho no gelo acalmaria meu pau.

Nem dez anos longe a arrancaria, seu cheiro, seu gosto e seu corpo do meu
sistema. Ainda assim, por tudo o que passei, eu não podia forçá-la. Não
estava ali para isso.

Queria que ela caísse. Queria que ela enlouquecesse.

Mas a queria consciente, porque no dia seguinte, ela teria que encarar suas
escolhas como nunca.

O corpo dela se curvou para frente, sua boca encontrou a minha, suas mãos
vieram para o meu rosto e ela acariciou minhas

bochechas. A memória de um tempo diferente tentou me atingir, mas eu era


bom em expulsá-las, mesmo que aquela fosse resistente. Apesar disso, eu
não estava preparado para o que vinha a seguir.

Eu imaginei que ela diria um simples sim. Que me deixaria fazer o que
queria, porque era assim que tinha que ser, mas senti quando ela ergueu o
quadril e tirou as mãos do meu rosto.

— Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. — Sua fala contra minha
boca era pesada, dolorida. — Não por prazer, tal como eu não sou um prazer
para mim própria, mas como parte de mim mesma, como eu própria[7] —
ela citou contra os meus lábios antes de me morder e eu senti seu movimento
ao mover a calcinha para o lado. — Eu te odeio, Conrad. — Sua voz estava
embargada de novo quando Scarlet pegou meu pau e, me desarmando
completamente, esfregou-me contra si. Era molhado, quente, tão bom que
fechei os olhos e segurei o palavrão. — Mas uma parte gigante e indomável
dentro de mim ainda quer você. E estou aqui, neste momento, para matá-la.
— Scarlet suspirou quando me encaixou em sua entrada.

Todo meu corpo formigou. Meu coração disparou.

Eu a amava.

Eu a odiava.

Eu a queria. Desesperadamente. Eu a queria.

— Então, por favor, faça doer. — O pedido dela morreu na minha boca.

Envolvi seus lábios com os meus de forma bruta, firme, alucinada. Minhas
mãos no seu quadril foram perversas. Apertei sua carne e, enquanto a puxava
para baixo, fui de encontro com o quadril, entrando de uma vez.

Scarlet berrou. Eu dei o que ela pediu. Era pura dor.

As mãos dela agarraram meus ombros, sua boca implorou por afago da
minha, mas não era isso o que eu tinha para dar. Não era isso que ela tinha
acabado de pedir para mim.

Se ela queria que eu fosse o carrasco, o desgraçado, eu seria pior.

Suas lágrimas molharam meu rosto, sua boca procurou por ar, e eu não parei
de meter por nenhum segundo. Seu quadril cedeu contra mim, sua boceta
massacrou meu pau. Tão apertada, tão quente, tão dolorosamente boa. Eu a
ajeitei no meu colo, sua boca saiu da minha e eu encaixei o rosto contra seu
ombro. Ela cravou as unhas no meu torso, eu cravei os dentes em seu ombro
como anos

atrás. Bati em sua bunda com força. Ela tentou segurar o grito. Suas unhas
rasgaram minha pele, meu pau invadiu sua boceta mais uma vez até o fundo.
Ela gemeu pesado e eu a abri para me receber melhor, e quando meus dedos
resvalaram em seus lábios externos pressionados por conta da minha
grossura, suguei onde eu havia machucado e desci com a boca para seu seio.

Eu lambi, chupei, suguei. Marquei sua pele conforme comandava o vaivém


gostoso e barulhento dentro dela. Melada, apertada, surreal de tão boa,
Scarlet aos poucos se acostumava comigo e minha raiva dava espaço ao
tesão avassalador.

Seus gritos e gemidos de dor davam espaço para arfadas irregulares de


prazer. Ela mal conseguia respirar, mal conseguia se manter em pé. Seu
corpo suado sobre o meu exalava cheiro de sexo misturado ao seu de capim
limão. Eu queria prová-la com a boca, queria consumi-la por inteiro e
enquanto ela voltava a tocar meu pescoço e rosto, roçando as unhas entre
meus cabelos num incentivo carinhoso para eu continuar a chupar seus
peitos e brincar com a língua com os piercings, tive um medo do caralho de
ficar refém dela de novo. O ódio aqueceu minha garganta, larguei sua bunda
para pegá-la pelos cotovelos e os prendi para trás enquanto

sugava com uma pressão desnecessariamente forte um dos seus peitos.

Ela berrou, mas não me pediu para parar.

E enquanto eu a machucava daquele jeito e aumentava as investidas do meu


quadril contra ela, enquanto sentia o atrito de nossos corpos um dentro do
outro, quente, íntimo demais, intensamente perigoso, quase não me aguentei
quando fui pego de surpresa.

Queria que tivesse a porra de uma luz acesa para que eu pudesse enxergá-la
naquele segundo. Queria ter filmado para assistir para sempre quando Scarlet
ergueu o peito tentando fugir, mas não teve tempo de fazê-lo.

Seu grito foi mais alto do que a música que vinha de fora.

Nada me preparou para ouvi-lo, assim como nada me preparou para senti-la
tremendo daquele jeito, me apertando tanto que quase me expulsava.

Larguei seus braços e ela caiu sobre mim, ainda encaixada no meu pau.
Scarlet choramingou, mas não tive dó.

Por mim, aquele seria só o começo.

Envolvi meus dedos nos cabelos de sua nuca e bati de leve em seu rosto. Ela
tremeu.

— Relaxa, Red. — Minha voz era quase um rosnado, mas ela não atendia.
Seu peito descia e subia, ofegante, e eu podia sentir seus olhos queimando
sobre os meus, mesmo que não os visse direito.

— Conrad — ela balbuciou meu nome baixinho e eu soube que precisava


dela gritando-o tão alto quanto pudesse comigo dentro de si. — Não
aguento… — Seu corpo parecia perto de um colapso, dava para sentir a
energia no ar.

— Ah, mas vai aguentar. — Puxei sua boca para minha e a ergui de novo no
colo. Tinha visto uma mesa de relance atrás de nós e com Scarlet encaixada
em mim, me segurando com toda força que tinha, limpei um canto
empurrando as quinquilharias que tinham largado ali e apoiei sua bunda
contra o tampo. — Vai aguentar porque, se você quer matar o que sente por
mim, eu vou fazê-lo viver.

— Não… — ela soprou, me segurando pela cintura, tentando me impedir


quando comecei de novo o movimento de vaivém dentro dela ainda mais
melada por seu gozo anterior.

— Vou fazer isso te corroer, meu amor — disse contra sua boca, prendendo
seu rosto contra o meu. — Vou fazer você sofrer, e vai doer, como doeu para
mim.

— Por favor… — ela choramingou, tentando puxar meu rosto para encostar
a boca na dela. — Eu não aguento mais, eu não aguento mais…

— Estou ligado a você por laços muito fortes — citei o texto que havia
declamado para ela, anos atrás, pendurado do lado de fora da sua janela, e
senti suas lágrimas molhando meus dedos que agora estavam em seu rosto.
Sua boceta me apertou dolorosamente conforme seu corpo tremeu. — E você
será minha para sempre.
Curvei-me um pouco, obrigando a garota a deitar para trás e, enquanto
mantive o pescoço de Scarlet preso com uma das mãos, controlando a
quantidade de ar que ela podia respirar, desci com a outra vasculhando sua
boceta até achar seu clitóris.

Esfreguei-a com a ponta dos dedos lentamente junto do movimento de


vaivém. Ela arfou e se abriu mais para me receber.

Intensifiquei meu toque. Ela escancarou a boca para soltar um gemido


estrangulado. Seu corpo reagiu cedo e foi como se o fogo que corresse em
minhas veias invadisse as dela.

Scarlet brigou para me beijar, eu deixei.

Queria seu gosto na minha língua mesmo sabendo que demoraria uma vida
toda para me livrar dele. Voraz e intensa, seus lábios cobriram os meus, suas
mãos puxaram meu corpo para frente e seu quadril dançou contra meu pau,
contra minha mão.

Ela queria mais e eu daria mais.

Investi pesado contra ela, saindo quase no limite e voltando até o fundo. Sua
boca na minha se revezava em gemer, beijar, morder e sugar. Era uma
bagunça e eu a imitava. A mesa batia contra a parede com violência, minha
mente me recriminou por gostar tanto de me enterrar nela daquele jeito, mas
lembrar que Scarlet tinha feito aquilo mil vezes antes com meu irmão, que
trepou feito uma puta suja com Isaac, que deixou ele marcar seu corpo por
dentro e por fora, me enfureceu de tal forma que precisei me afastar.

Saí dela e, segurando com força em sua cintura, a apertei e apoiei a cabeça
sobre seu ventre. O cheiro de sexo dela me pegou de jeito. Eu o aspirei como
um viciado.

Scarlet se sentou e me ergueu, não entendendo o que acontecia.

Queria ver seus olhos. Queria desesperadamente ver seus olhos.

E queria chorar por perceber que ao longo de todos aqueles anos, meu
coração destruído continuava a bater por aquela desgraçada.
— Desgraçada — repeti em voz alta, pegando seu rosto entre as mãos com
força, sabendo que a machucava, esfregando meus lábios nos dela. — Eu te
odeio — soprei em um tom agoniado.

— Não mais do que eu — ela completou, arranhando meu peito, não


sabendo se me atraía ou se me afastava.

Então decidi por nós.

Desci Scarlet da mesa, virei seu corpo de costas para mim e pegando em sua
nuca, abaixei sua cabeça contra o tampo. Afastei seus pés com o meu,
notando que aquilo não seria o suficiente, com a mão livre, ergui seu joelho
e, segurando meu pau na base, esfreguei o prince albert [8]contra seu
clitóris, me masturbando enquanto isso.

— Conrad — ela gemeu meu nome e apoiou as mãos nas nádegas, se


abrindo para que eu entrasse logo.

— Peça — ordenei. — Peça pra que eu te foda. Diga que me quer.

— Eu quero, você sabe. — Era a confissão mais vergonhosa do seu


mundinho frágil. — Termine com isso logo, por favor.

— Vou terminar, Red. — Me encaixei em sua entrada e brincando de um


vaivém lento, vendo Scarlet se remexendo sob meu aperto, me curvei sobre
ela para que a música externa não a impedisse de me ouvir. — E vou gozar
em você, bem no fundo. Vou encher você com a minha porra e você nunca
vai esquecer de como adorou, de como pensou em pedir por mais, em como
eu sou o melhor que você já teve.

E sem mais esperar, me fundi com Scarlet. Duro, forte, grosseiro.

Meus dedos se afundaram contra seu pescoço e sua cintura.

Seus gemidos acompanharam as estocadas e quando a velocidade aumentou,


eles se transformaram em gritos. Seu corpo me acolheu, engoliu. Sua boceta
parecia ainda mais apertada daquele jeito, e inchada, com o atrito de pele
contra pele, do piercing contra sua carne, ela não teve para onde fugir.
— Conrad! — finalmente ela gritou meu nome.

Com raiva, como aviso, e então me apertou como se fosse capaz de me


despedaçar.

O gozo de Scarlet veio junto do meu e eu me grudei nela, fundo, sentindo


meu pau pulsar a cada jato de porra que vinha.

Precisei fechar os olhos, minhas mandíbulas travaram com força antes que
eu conseguisse abrir a boca e gemer.

— Caralho — xinguei, dando uma última investida com o quadril nela.

Respirando fundo, acalmando o fogo que corria pelo meu corpo daquele
orgasmo insano, eu a larguei. O corpo trêmulo de Scarlet foi ao chão e ela
caiu sentada.

Pensei em abraçá-la, em confortá-la, mas não podia, não devia.

Ergui as calças que estavam nas canelas, ajeitei meu pau dentro da cueca e
me recompus.

Quando coloquei a mão na maçaneta, olhei para trás e lutei muito com tudo
o que passava pela minha mente.

Pegue-a.

Perdoe-a.

Nunca — rosnei aos meus pensamentos insanos.

— Espero que tenha te machucado o bastante, Red. — Foi tudo o que pude
dizer antes de sair, sabendo que ela não aguentaria levantar pela próxima
meia hora, pelo menos.

Foi só quando entrei no meu quarto, que me dei conta de que havia algo de
errado. Thomaz estava deitado sobre a minha cama, fumando um baseado,
olhando para o teto.

— O que faz aqui? — perguntei no meu pior humor.

— Esperando Bella voltar. Não acredito que pediu para ela…

— A frase morreu no ar.

— Está com ciúme? — perguntei, fechando a porta e acendendo a luz.

— Porra. — Ele tapou os olhos com uma das mãos e forçou a vista para me
encarar — Não… Conrad, você se machucou?

— Quê? — Olhei para baixo e então notei.

Meu peito estava cheio de arranhões, alguns sangravam, mas eram meus
dedos que preocupavam. Havia sangue nas minhas

mãos já sem tinta.

— Porra. — Um alerta gritou na minha cabeça. — Não —

sussurrei. — Não, não, não! — Meu tom mais urgente fez Thomaz se sentar
para me encarar e entender o que acontecia.

Corri para o banheiro, encostei a porta e desabotoei minha calça.

Dito e feito.

Minha cueca, antes branca, estava vermelha.

Meu pau também estava sujo de sangue.

Minha reação foi a pior possível.

— PORRA! — gritei, acertando o espelho do armário.


— O que foi? — Meu amigo, curioso, tentou entrar, mas não deixei.

Das duas uma, ou meu irmão tinha o pau muito pequeno, ou Scarlet era
virgem.

E eu apostava na segunda opção.

Não podia ser. Não podia ser.

Desgraçada! Que alma amaldiçoada eu seria agora que sabia como ela era?

Como eu conseguiria acalmar minha mente sabendo que, durante todos


aqueles anos, ela tinha mesmo me esperado?

scarlet

quando você esteve aqui não conseguia te olhar nos olhos. você é como um
anjo, sua pele me faz chorar. você flutua como uma pena em um mundo tão
belo. eu queria ser especial, você é especial pra caralho, mas eu sou uma
aberração. eu sou um esquisitão. que diabos estou fazendo aqui? eu não
pertenço a este lugar.

creep,gleecast.

cinco anos atrás

Cada dia era um inferno.


Cada segundo era uma tortura.

Ainda assim, eu sobrevivi daquela forma por duas longas semanas.

A cidade estava enlouquecida pelo acontecido e ninguém falava sobre outra


coisa, era por isso que eu sabia que Caroline estava dormindo em uma
pensão barata no centro da cidade e tentando se equilibrar em dois
empregos, enquanto se recuperava de um nariz e uma costela quebrados. O
padrasto de Conrad estava preso, e pelo que eu sabia, continuaria assim até
John Prince mandar soltá-lo. Já do meu garoto de olhos escuros, eu não tive
notícias.

Eu não conseguia comer.

Não conseguia rir.

Nem mesmo ler.

Quando me lembrava do estado de Conrad, da raiva em seu único olho bom,


nas suas palavras, meu coração se despedaçava.

Eu só queria chorar, e achei um milagre minha irmã me deixar em paz.


Finalmente, Susan parecia ter achado algo interessante para fazer e, saindo
cedo e voltando tarde, não incomodava nem a mim ou ao meu avô.

Sendo assim, minha única distração virou desenhar de novo.

Se eu não tinha o talento de colocar meus sentimentos em palavras, nos


desenhos eles fluíam que era uma beleza, e eu perdi a conta de quantos
desenhos dele eu fiz. De quantos pedidos de desculpas silenciosos eu fiz,
mesmo sabendo que não tinha culpa de nada.

A falta dele, do seu cheiro, dos seus beijos, dos seus braços, me consumiu e
quando achei que não suportaria mais, naquela quinta, quando minha irmã
saiu pela porta, desisti de esperar.

Eu era uma covarde, e admitir isso para mim mesma enquanto descia pela
rua em direção à estrada aliviou o peso no meu coração. A verdade era que,
em vez de procurá-lo pelos cantos da cidade, ou ir até sua mãe, ou enfrentar
de novo a mansão Prince, eu procurei por seus amigos.

O medo de Bella voar no meu pescoço, ou Thomaz ser tão indiferente


quanto antes, corroeu meu estômago, mas quando vi o conversível dela
intacto parado no acostamento, soube que não tinha alternativa.

Segurando o nó na garganta, encarei o chão como se fosse morrer, caso


erguesse os olhos, e avancei cegamente até não ter como fugir.

— O que você faz aqui? — Foi a voz desinteressada de Thomaz que me


chamou primeiro.

Respirei fundo e ergui o queixo, fitando-o com o coração martelando meus


ouvidos.

— Conrad não está — ele completou.

— Não vim vê-lo. — Meu tom de voz era nada além de um ruído.

— Então veio fazer o quê? — Bella bateu seu cigarro, e sentada, abraçou os
joelhos e continuou me encarando, curiosa.

— Vim perguntar dele.

Os dois riram e abaixaram a cabeça depois de trocarem um olhar.

— Ele não quer saber de visitas.

— Mas…

— Scarlet, não é? — Meu nome na boca de Thomaz parecia errado. — Acho


que é melhor você esquecer Conrad.

— Não — neguei.

— Então vá lá — Bella disse como se eu fosse burra. — Bata na casa dos


Prince e deixe que ele pise na sua cabeça. Garota,
Conrad no momento nos odeia, os três. Isaac disse que a culpa da polícia ter
aparecido é nossa, e por algum maldito efeito daquela surra, Conrad parece
ter acreditado.

— O quê? Não faz o mínimo sentido. — Fiquei tão confusa que dei um
passo para frente.

— É, mas é o que ele disse. — Bella me fez parar no lugar, completamente


furiosa.

— Como? Vocês o viram? — indaguei, ainda sem estar convencida e ela


sacou o celular do bolso.

— Tome, aqui. Leia, eu não me importo. — Dando de ombros, antes de


tragar seu cigarro, ela me ofereceu o aparelho.

Chamar a polícia

foi a pior merda

que poderiam ter

feito. Nunca mais

quero olhar para

vocês.

— Isso não se parece com Conrad. Digo, por que é que ele não me mandou
nada? Como é que…

— Garota — o olhar dela no meus quando pegou o celular da minha mão,


gritava sua opinião sobre mim —, se poupe. Se ele não te mandou uma
mensagem é porque…

Então minha ficha caiu.


— Porque ele não se importa.

Ninguém disse nada.

Ninguém mal respirou.

E por isso, acreditei que eles foram capazes de ouvir a rachadura que surgiu
no meu coração se formar.

Não consegui me despedir. Não pude fazer isso.

Meus pés seguiram enquanto meus olhos estavam cegos.

Minha mente nublou. Mil e duzentos pensamentos, possibilidades e


conversas que nunca existiriam surgiram na minha mente, mas nenhum deles
era seguro, ou bom, ou serviu para me acalmar.

Quando dei por mim, o sino da porta que eu abria anunciou minha chegada e
os olhos claros de Caroline encontraram com os meus. Não consegui nem
mesmo dizer oi.

— O que aconteceu? — perguntei, vendo seu rosto com os claros sinais de


recuperação da agressão.

— Eu não sei também. — Percebi que ela queria chorar. Sua voz embargou.

A mulher fungou, ajeitou o cabelo e olhou em volta, confirmando que


estávamos sozinhas na loja de conveniência do posto de gasolina.

— Não posso falar ou ver meu filho sem supervisão. E não posso tê-lo de
volta até ter um canto decente para morar… — A mulher encarou as
próprias mãos, desconfortável, derrotada, em uma dor que eu nunca pensei
ser capaz de entender.

— Você o viu?

— Por quinze minutos, na semana passada — ela admitiu depois de limpar a


garganta.
— Ele está bem?

— Melhor. O pai tem dinheiro para pagar por bons médicos. —

Havia mágoa naquela declaração.

— E quando vai vê-lo de novo? — erguendo a cabeça para me fitar, Caroline


respondeu.

— Amanhã. Às quinze. Quer que eu dê algum recado?

— Não. — Neguei com a cabeça. — Eu vou com você. — Não era uma
pergunta, era um aviso, e eu não dei tempo dela me dizer que não.

— Vai sair? — Susan, milagrosamente de bom humor, me perguntou quando


me viu indo em direção à porta.

Respirei fundo e a respondi da melhor forma que podia:

— Vou. Você vai?

— Não agora. — O sorriso que ela deu era quase bom demais para ser
verdade, mas com tudo o que vínhamos passando, não tinha a mínima
vontade de saber o motivo.

Deixei minha irmã para trás e caminhei até estar na frente da mansão dos
Prince, antes das quinze. Não queria perder a chance de entrar.

Não podia arriscar e perder a chance de vê-lo.

Encostei-me contra a muradinha de pedra, limpei o suor que escorria pela


minha testa com as costas da mão e encarei o céu tão
bonito de verão. Desejei de todo meu coração que aquele fosse um bom
presságio do que enfrentaria a seguir e, antes que pudesse pensar em
qualquer outra coisa, o portão novo da mansão se abriu.

Era um convite?

— Oi? — chamei pelo interfone, mas ninguém respondeu.

Daquela vez, não tinha uma alma viva para que eu desse um oi no meio do
caminho, e atravessei a alameda de folhas verdes achando que meu corpo
entraria em curto quando, apesar do calor que sentia, tudo em mim congelou.

Tentei conter minha respiração. Tentei controlar as batidas do meu coração,


mas saber que eu o veria assim que cruzasse aquelas portas, levou todo meu
controle pelo ralo.

Quando cruzei a porta de vidro, acostumada com a recepção pouco


convidativa daquela casa, e encarei à minha frente, quis chorar.

Conrad estava lá, sentado no sofá, recém-saído do banho e muito menos


machucado do que da última vez que eu o vi.

Entediado, como se aquela parte morta dele tomasse conta do corpo, ele
mudava os canais da televisão gigantesca à sua frente, parecendo
desinteressado em qualquer coisa ali, até que me notou.

A mudança de canais parou em um programa de reforma de casas. Ele


recolheu o braço e, como se fosse um robô, virou o rosto na minha direção.

Eu, na minha gana de chegar até ele, apressei o passo, mas assim que desci o
primeiro degrau para a sala, precisei parar. Seu olhar era raivoso, acusador,
terrivelmente cruel, e colocou em volta de si uma barreira que, no primeiro
choque, não consegui atravessar.

— Conrad… — disse seu nome numa mistura de alívio e medo, mas ele não
ouviu.

— O que faz aqui? Quem te deixou entrar? — Aquilo era raiva na sua voz?
— Eu… — me desarmei. Não havia como lutar contra ele. —

Precisava ver você. O portão abriu e pensei que…

— Pensou o quê? Que pudesse invadir propriedade privada?

— Seu desdém me acertou em cheio e o ar me faltou. Travei a mandíbula,


tentando conter o nó na garganta e a vontade de chorar.

Não funcionou por muito tempo. — Se queria me ver, já viu. Agora pode ir
embora.

— Eu não entendo. Por que está me tratando desse jeito? —

Meu tom magoado não o atingiu e eu tentei dar um passo para trás, me
afastando daquela versão de Conrad que eu não gostava. Ele se ergueu em
resposta e deu um passo na minha direção, me deixando ver com mais
atenção os machucados dos mais variados tons de amarelo na pele clara.

— Por que isso não é a porra de um conto de fadas, Red.

— Você está magoado por tudo, eu sei, mas…

— Você não sabe de nada. — A grosseria dele me cortou em duas.

Definitivamente, eu não estava pronta para aquilo.

— Você acha mesmo que nós chamamos a polícia? Acha que queríamos
separar você e sua mãe?

— Não importa o que vocês queriam. Importa o que está feito.

— Conrad, para — balbuciei, enquanto a primeira lágrima descia pelo meu


rosto e avancei para perto dele. — Por favor, não faz isso.

Suas mãos foram para o bolso da calça de moletom, mas as minhas o


envolveram.
Eu o abracei, morta de medo daquela ser a última vez, e me senti
absolutamente frágil quando não senti seus braços em volta de mim.

— Scarlet — sua voz foi dura —, me solte.

— Não — neguei. — Não importa o que você diga ou faça agora. Eu sei que
você está machucado, que está magoado. Sou capaz de virar as costas agora
e fingir que este encontro aqui nunca aconteceu, mas, por favor, por favor,
diga que vai ficar tudo bem. —

Minha voz se tornou um sussurro enquanto minhas lágrimas molhavam sua


blusa.

O coração dele batia tão forte quanto o meu. Conrad suspirou.

Eu sentia que estava quase atingindo-o, que estava quase encontrando a


versão dele que me deixaria entrar de vez, mas assim que ele tocou minhas
costas, ouvimos passos de todas as direções e ele se retraiu de novo.

Ergui o rosto o mais rápido que podia, sabia não estar no meu melhor, mas
não fugi.

Seus olhos brilharam por um segundo. Era uma mistura de mágoa,


insegurança, medo que logo foi levada por sua versão morta ao ouvir a voz
do pai.

— Achei que sua visita seria mais tarde, não sei se Conrad…

— E então, John parou, acompanhado por mais alguém que eu desconfiava


ser Caroline.

— Eu estou pronto — a voz sem nenhuma emoção disse e ele ergueu o


rosto, encarando onde o pai estava.

Recolhi meus braços, limpei as lágrimas e tentei me recompor.

— Scarlet? — o Prince pai me chamou.

— Olá, senhor Prince — o cumprimentei sem realmente encará-lo.


— O que faz aqui? — Ele também não parecia muito feliz com a minha
presença.

— Vim ver se Conrad estava bem.

— Ela está de saída — o garoto que maltratava meu coração anunciou.

Eu o perdoei e fiz que sim com a cabeça.

— Te vejo depois? — Minha pergunta baixinha não teve resposta, até


porque, todos os pescoços, menos o meu, se viraram para ver quem vinha
pelas escadas.

— O que está acontecendo aqui? — Isaac perguntou quando notou o clima


esquisito.

— Scarlet está de saída, a mãe de Conrad veio vê-lo — John explicou. — E


você?

— Vou sair. — Isaac, pela primeira vez, pareceu preocupado comigo. —


Scarlet, está tudo bem? Estou indo para o seu lado, se quiser, posso te dar
uma carona.

Funguei, ainda sem desviar o olhar do rosto de Conrad, implorando qualquer


migalha de atenção, mas não ganhei nada.

— Não se preocupe. — Minha voz saiu trêmula. — E-eu vou a pé.

— Não, é loucura. Isaac, faça isso. Leve a garota. — Era uma ordem direta,
e naquele momento, eu não tinha força alguma para contestar.

Foi como ter meu coração esmagado quando Conrad me deu as costas e saiu
pelo outro lado do sofá. Não consegui nem mesmo ver para onde ele ia.

Fiquei parada, processando tudo aquilo.

— Scar? — Isaac colocou a mão no meu ombro sabe lá Deus quanto tempo
depois. Seu tom gentil ainda não me inspirava
confiança. — Ei, eu sei que você não está bem. Vamos sair daqui, ok?

— Ok. — A afirmativa saiu da minha boca com alívio.

Eu queria mesmo sair dali. Queria nunca mais voltar. Queria, na verdade, ser
capaz de apagar aquela tarde toda da cabeça.

Isaac me guiou para fora com a mão no meu ombro. Eu me abracei, e


enquanto ele me colocava no carona do seu carro, minha mente não
conseguia deixar de tentar desvendar o que eu tinha lido no olhar de Conrad,
minutos atrás.

Por todo o caminho, enquanto via o tempo fechar, fiquei trancada na minha
mente, e só quando Isaac desligou o carro em frente à minha casa, é que
suspirei, parecendo que todo o ar que tinha respirado dentro da sala dos
Prince só tinha sido solto ali.

— Obrigada — soprei, tirando o cinto.

— Scar, não leve tudo isso para o pessoal. Meu irmão está machucado e…

— Eu sei. — Minha vontade de chorar quase me dominou, mas engoli tudo,


quase estourando minha garganta e soltei: — Eu o perdoo.

— Mesmo? — Ele parecia não acreditar no que ouvia.

— Sempre. — Olhei de soslaio para Isaac, tentando entender seu tom de


voz. — Por que é que você mentiu que nós chamamos a polícia?

— Quem inventou isso? — Pela indignação de seu tom, não parecia mentir.

— É o que dizem por aí.

— A polícia foi acionada pelos funcionários da casa, eu não fiz


absolutamente nada, nem falei de vocês, mesmo que Bella merecesse.

Eu o medi por longos segundos, até ver que ele não tinha motivo para
mentir.
— Esqueça. — Suspirei e meneei com a cabeça. — Acho que todo mundo
precisa de um tempo para digerir essa droga.

— Não, não esqueço. Quem disse isso?

— Bella. — Não vi mal algum em dizer o nome dela.

— Ah, isso explica muita coisa, aquela vadia louca… — Não gostei do tom
de voz dele. — Sabe que ela mentiu, não é?

— Como assim? Eu falei com ela ontem, ela disse…

— Seja lá o que ela disse, mentiu. Bella saiu de casa hoje, lá pelas três da
manhã, e se está duvidando da minha palavra, posso provar.

— Como?

Bufando por não gostar que eu duvidasse da sua palavra, ele mexeu no
celular e me mostrou o vídeo da garota de cabelos escuros cruzando o
corredor.

— Isso pode ter sido de qualquer outro dia, Isaac. — Não o levei a sério.

Não podia.

Se pensasse na possibilidade de ser verdade, nunca mais me recuperaria.

— Quer que eu procure nas câmeras de segurança de casa para doer mais?
Todo mundo sabe que eles têm um lance meio fixo há anos.

Afastei aquele pensamento.

— Está tentando me envenenar? — Franzi as sobrancelhas, não querendo


aceitar qualquer hipótese de Conrad me… Como ele poderia me trair, se eu
não era nada sua?

— Não, mas odeio a forma como você duvida da minha palavra.


— Que motivo eu tenho para confiar? — Meu desafio na mesa foi recebido
com um sorriso cafajeste. Eu não gostei.

— Relaxe, Scarlet. Eu agora tenho outros planos, e eles estão vindo aí.

Ouvi a porta de casa bater e uma Susan bem-arrumada e feliz saiu jogando
os cabelos.

— Vocês estão…

— Saindo — Isaac completou. — É. Depois de um tempo conversando, ela


não é tão irritante.

— Meu Deus…— Não consegui esconder o espanto. — Boa sorte. — Pulei


para fora do carro antes dela pensar qualquer coisa errada e surtar comigo
ali.

Meu emocional precisava de um descanso, mas minha irmã mal se importou


de eu estar com Isaac.

— O vovô avisou que vai demorar hoje — Susan me avisou quando passei
por ela.

— Você demora para voltar? — Encarei o sorriso perverso dela.

— Não me espere acordada.

Quando eles saíram pela rua, me deixando sozinha, não pude dizer o quanto
me senti aliviada. Queria chorar. Queria gritar. Queria entender. E seria
muito melhor sem ninguém dizendo “eu avisei” nas minhas costas.
scarlet

Porque eu te amava naquela época e te amo agora e não sei como… acho
que é difícil saber quando ninguém mais vem por aí, se eu estou te
superando ou apenas fingindo que estou me convencendo de que te odeio.

m a l e f a n t a s y, b i l l i e e i l i s h Erguer-me daquele chão foi a coisa


mais difícil que eu já tinha feito na vida.

Sentia Conrad escorrendo pelas minhas coxas, em cada parte dolorida do


meu corpo, ardendo. E ainda assim, apesar de toda a dor física, nada poderia
doer mais do que o meu coração.

A dor era dilacerante. Queimava. Estava em carne viva.

E não havia droga ou bebida que fosse capaz de diminuir, de aliviar, de


melhorar um pouquinho aquilo tudo.

Ajeitei a roupa sobre o corpo, tateei no escuro atrás da maçaneta e, sem nem
olhar em volta, caminhei silenciosamente de volta para o meu quarto. Sem
coragem de ver o estado do meu corpo, não acendi a luz, não olhei para
baixo. Passei os dedos no maço de cigarros e no isqueiro sobre minha mesa
de cabeceira e fui direto para o banheiro.

Eu só me livrei das botas.

Entrei no boxe, girei o registro para a pressão máxima, e quando a água


gelada caiu sobre a minha cabeça, abri minha boca e gritei.
Gritei alto, com tudo de mim.

Quando finalmente consegui me livrar da agonia, dei olá para a vergonha, a


tristeza e o arrependimento.

Bati a testa contra a parede algumas vezes, querendo ter coragem de fazer
com mais força. Querendo ser capaz de rachar meu crânio ao meio e arrancar
Conrad, seu olhar, suas mãos, seu

gosto, seu sexo e seu cheiro dos meus pensamentos, das minhas memórias
mais cruéis.

Queria que ele continuasse a ser só o garoto pelo qual eu me apaixonei de


tanto observar, que não tivesse entrado na biblioteca naquele dia, que não
tivesse pulado no riacho para me salvar.

Queria mesmo que ele não estivesse lá para me salvar, porque estar morta
significaria não sentir, e eu odiava o que sentia naquele segundo.

Na verdade, eu odiava o que sentia por todos aqueles últimos cinco anos.

A pressão de ser alguém que eu não sabia se queria ser me corroía. A


sensação de dívida eterna com os Prince, o medo de ser taxada de ingrata…
Por que eu só não conseguia seguir em frente?

Por que era tão difícil odiá-lo, mesmo com todos os motivos do mundo?

Eu o odiava por me fazer querê-lo, e o odiava por ter aceitado minha mão
naquela noite, mas não podia dizer que ainda o odiava quando o beijei,
quando revivi a única época feliz da minha vida, quando o tive da forma
mais brutal e significativa que alguém poderia ter.

Ele era meu primeiro beijo.

Ele era meu primeiro homem.

E eu era uma vagabunda amaldiçoada.

Suspirei, com o peito tremendo, não sabendo como ainda conseguia chorar.
Enquanto a água gelada descia, esfreguei meu rosto, meu peito, os braços.
Tentei me lavar entre as pernas, pensando se aquilo seria o suficiente para
evitar um acidente ainda pior, e entendi que não era hora de me punir ainda
mais pensando em uma possibilidade tão remota quanto uma gravidez
acidental.

Arranquei a roupa molhada, joguei para o canto do boxe e, no escuro, me


sentei no chão. Procurei pelo meu cigarro, e mantendo a cabeça fora do fluxo
de água, fumei um atrás do outro na vã tentativa de que as lágrimas
diminuíssem. Até que a vontade de ir atrás dele e pedir mais deixasse meu
sistema.

Conrad tinha me machucado, mas eu nunca amei tanto sentir dor.

Conrad tinha me marcado, muito, mas eu nunca pensei que poderia ser
diferente.

E era isso que me fodia.

Quando o assunto era Conrad Prince, eu nunca sabia dizer não.

Quando era com ele, eu sempre abriria uma exceção.

Eu só não sabia se isso me tornava louca ou masoquista.

Se isso me tornava tão cruel quanto ele.

Se me fazia ser exatamente todas as merdas as quais ele acusava.

Traidora, mentirosa, vagabunda — sua voz queimou minha cabeça.

Eu era, eu era, eu era. Mil perdões, mas eu era.

E o que faria com isso?

Não sabia.

Então fiquei ali, eu e meu cigarro. Eu e o escuro.


Eu e as mil e uma possibilidades de futuro que nunca existiriam, porque o
amor da minha vida nunca me amaria de volta.

E mesmo que amasse, nunca poderíamos parar ou conter aquele ódio.

E eu não podia, e nem queria, machucar quem esteve comigo por todos
aqueles anos.

A lealdade, a amizade e o cuidado de Isaac foram o que fizeram meu corpo


sobreviver.

E, fosse ele o que fosse, mimado, difícil, arrogante, era tudo o que eu tinha.

Era a minha família, pelo menos, nos últimos cinco anos.

Meu maço de cigarros acabou. Eu não tive coragem de sair dali.

Queria que o chão me engolisse.

Que meu coração parasse.

E ele quase parou, quando, de repente, Isaac abriu a porta do banheiro e


acendeu a luz.

A fofoca devia ter se espalhado. Eu sabia que todo mundo estava de olho em
mim e em Conrad entrando naquela salinha. Que meu corpo exibia marcas
demais depois de eu sair dela.

— Scar… — O peso de sua decepção bateu no meu rosto.

E eu assisti conforme a compreensão baixava sobre ele.

Isaac Prince, o loiro atlético e perfeito, o único amigo que tive durante todos
aqueles anos, estava quebrado. A fúria o fez entrar embaixo do chuveiro e
erguer meu corpo do chão.

Suas mãos massacraram meus braços já doloridos, enquanto ele revistava


meu pescoço, peitos e todo o resto. Quando os olhos dele voltaram ao meu
rosto, arregalados, horrorizados, vi um ódio genuíno brilhar neles.
— Ele te forçou?

Não tive coragem de responder em palavras e neguei com a cabeça.

— Valeu a pena?

E, daquela vez, por mais que eu fosse muito boa em mentir, tudo o que saiu
da minha boca foi:

— Eu sinto muito.

As mãos de Isaac me jogaram para trás. Minhas costas bateram contra o


registro.

Ele me machucou fisicamente, mas nada doeu mais do que o nojo em seu
rosto.

— COMO VOCÊ PÔDE? COMO? — gritando, ele saiu do banheiro e,


enquanto me xingava de todos os nomes conhecidos, quebrou todo meu
quarto em seu acesso de fúria.

Sabendo que não tinha o que fazer, me encolhi no cantinho do boxe, me


escondendo, esperando tudo acabar logo. Quando

finalmente ele saiu pela porta, desliguei o chuveiro e, pisando sobre vidro
quebrado, sentindo a dor massacrar meus pés, achei o resto da cartela de
comprimidos para dormir jogada e tomei os últimos três de uma vez, triste
por não ter mais.

Eu podia provocar uma overdose.

Podia entrar em um coma profundo.

Qualquer coisa seria melhor do que lidar com a realidade, e foi convencida
disso que deitei e apaguei, querendo nunca mais acordar.
conrad

despedacei meu coração, eu me fechei. minha fraqueza é me importar


demais e minhas cicatrizes me lembram que o passado é real. despedacei
meu coração só para sentir.

scars,paparouch

Minha garganta arranhava.

Queria colocar as mãos em Scarlet no claro. Queria olhar em seus olhos para
entender, mas assim que virei no corredor do seu dormitório, o que encontrei
fez todas as minhas boas intenções apodrecerem.

— O que está fazendo aqui? — perguntei, parando a alguns passos dele.

Meu meio-irmão encarava a parede à sua frente, indignado, sentado com as


costas contra a porta dela.

— Como foi? — Seu tom sugestivo me dizia muito.

— Não é da sua conta — rebati, mas ele continuou, me ignorando:

— Esperei por ela por cinco anos. Cinco longos anos. E você nem mesmo
chegou direito e já a tomou de volta… Como? Depois de tudo, como você
conseguiu? — Erguendo o rosto para o meu, Isaac parecia inconformado.

— De novo, não é da sua conta.


— Ah, é… — Isaac se ergueu, batendo as mãos uma na outra e, endireitando
sua roupa, se virou para mim. — É da minha conta, sim. Scarlet não para de
chorar, com aquelas marcas todas no corpo, a perda da virgindade, o
histórico de vocês… Sabe o que aconteceu? Eu a convenci de que você
abusou dela.

— O quê? — Dei um passo para frente, minhas veias queimando conforme


eu fechava os punhos. — Você o que, seu filho da puta?

Isaac sorriu, tão cruel quanto qualquer outra vez.

— Você acabou com ela, Conrad. Você é o vilão. Quando sugeri o que
poderia ter acontecido, ela enlouqueceu, quebrou o quarto todo. Só
conseguiu se acalmar quando prometi que estaria ao seu lado, caso ela
quisesse te denunciar. O que acha? Será que desta vez você se livra da
prisão?

Ameacei ir para cima dele e meu irmão deu um passo para trás, rindo.

— Isso, me bata. Bata muito. Vai ajudar na hora de dizer que fui defender
Scarlet e você me agrediu. Mais uma queixa na sua ficha.

— Seu…

Ele queria que eu perdesse a razão. Ele queria que eu me descontrolasse.

Isaac queria, de todo jeito, sair por cima.

— Você sabe que o que te deu a chance de ficar com ela, de se aproximar, foi
eu ter ido embora, não é? — provoquei também. —

Que você é e sempre será o prêmio de consolação.

— E, mesmo assim, você terá que suportar que é com o prêmio de


consolação com quem ela vai ficar, com quem um dia vai

se casar. — O sorriso de Isaac estava pedindo para perder alguns dentes. —


Ela te odeia, Conrad. Você, além de todo o mal que já causou a ela, a
estuprou.
— NUNCA! — rosnei, me segurando no limite para não avançar sobre
Isaac. — Eu nunca faria isso.

— Mas agora é o que ela acha que aconteceu, até porque, você tem noção de
quão delicada é a pele de Scarlet? Seu controle de raiva não está em dia,
está? Acho que não, ou você não teria feito tudo aquilo com ela… E se você
duvida do que eu contei, a porta está aberta. Volte aos seus joguinhos de
perturbá-la, eu não ligo, isso só vai fazê-la te odiar mais. E se você não se
importa, estou indo porque deixei uma amiga em comum na minha cama,
completamente nua. — Ele passou por mim e parou antes de continuar: — O
que será que você tem feito de errado que todas as garotas que tinham algum
tipo de paixão por você, agora estão todas comigo?

Quando Isaac sumiu pelo corredor, precisei respirar fundo algumas vezes.

De fato, eu tinha problemas com a minha raiva.

Não seria nada difícil ir atrás dele e socar seu rosto até quebrar cada mínimo
osso. Dar com sua cabeça na parede ou esganá-lo até que ele parasse de
respirar…

Seja racional — pensei.

Não podia deixar Isaac entrar na minha mente daquela forma.

Não podia permitir que ele vencesse quando, no dia seguinte, a minha
vingança poderia acabar com ele.

Porém, depois de tudo, aquela ameaça… Ele tinha mesmo feito a cabeça de
Scarlet?

Caí na tentação.

Minha mão foi direto para a maçaneta de seu quarto. Meus dedos gelaram,
mas eu a girei. A porta rangeu quando abriu e, pela luz da lua do lado de
fora, precisei engolir a seco minha vontade de xingar, de gritar comigo
mesmo.
O quarto estava uma bagunça. Havia sangue no chão, cacos de vidro, livros e
roupas por todo lado, mas não era aquilo que me preocupava.

Na cama, de costas para mim, deitada de lado, nua e descoberta, estava


Scarlet.

O cabelo meio úmido estava uma bagunça, mas não foi ele quem chamou
minha atenção.

Seu corpo era uma mistura de cores insana.

Os braços, a cintura, as costas, a bunda… até a altura das coxas, não havia
um canto de Scarlet onde minhas mãos não tinham apertado, batido,
machucado.

Que porra tinha acontecido dentro daquela sala?

Que demônio tinha se apossado do meu corpo?

Passei a mão nos cabelos, perturbado.

Como ela não me pediu para parar?

Mas mais do que isso, como é que Scarlet, me pedindo por aquilo, tinha
acreditado na ideia louca do meu irmão?

Eu…

Respirei fundo, encarando de novo o corpo nu da menina adormecida ali e,


como ela não tinha se movido, cruzei o portal e me aproximei
cuidadosamente de sua cama. Toquei seu braço. Queria ver o restante dela.

Para minha sorte, ela não acordou. O máximo que Scarlet fez foi deitar de
barriga para cima, me dando uma visão perfeita de

tudo. Foi então que entendi que não importava o que eu dissesse.

Se ela realmente caísse na besteira de ir na de Isaac e me acusar de estupro,


ninguém duvidaria.
— Caralho… — xinguei baixo, tentando entender a confusão em que tinha
me metido por não controlar o sentimento que achei não existir e saí daquele
quarto.

O cheiro dela me chamava. O corpo, o gosto… Era tudo puro veneno.

— Desgraçada — soprei mais uma vez quando bati a porta do quarto e senti
o sabor da derrota na boca. Era amargo demais, assim como perceber que o
que a garota tinha tentado matar naquela sala escura quando fodeu comigo
estava vivo.

Mais vivo do que nunca.

E, para piorar, dentro do meu peito também.

scarlet

olhos castanhos culpados e pequenas mentiras. sim, eu me fiz de boba, mas


sempre soube que você falava com ela, talvez tenha feito pior ainda. eu
fiquei quieta para poder manter você. e não é engraçado como você correu
para ela no segundo em que terminamos? e não é engraçado como você disse
que eram amigos? agora com certeza não parece isso. você me traiu e eu sei
que você nunca vai se arrepender pelo jeito que me machucou.

t r a i t o r, o l i v i a r o d r i g o cinco anos atrás

O
que

está

fazendo?

A mensagem chegou enquanto eu olhava para o teto naquela sexta esquisita.

O número era diferente, um que eu nunca havia visto.

Conrad?

Meus dedos estavam duros no teclado.

Olá, Red.

Meu coração estava tão machucado, eu tinha tantas perguntas para fazer que,
antes de respondê-lo, olhei para o céu noturno. Já passavam das oito, meu
avô não estava em casa e Susan cantava no chuveiro.

Nada.

você?

Queria

vê-la.

Acha que pode

me encontrar no

parque?

Agora?

É.
Precisamos

conversar

Algo não estava certo.

Meu coração sentiu. Pesou. Mas ainda que eu soubesse, meus dedos
teimosos e ansiosos responderam rápido.

Estou

indo.

Era a primeira vez que eu estava de calças naquele verão e eu não me


preocupei de trocá-las quando coloquei os tênis. Bem naquele segundo,
minha irmã apareceu na porta do quarto, me olhando, desconfiada.

— Aonde vai?

— Ao parque. — Tentei não discutir, ou dar brechas para ela causar. — Quer
ir?

— Vai encontrar alguém lá? — A curiosidade dela me irritou um pouco.

Saindo com Isaac, ela sabia muito bem da minha situação com Conrad.

— Se está esperando que eu diga, para fazer algum alerta…

— séria, disse aquilo já me colocando de pé.

— Não. Espero que se divirta…

— Obrigada. Eu volto antes do vovô — avisei quando ela saiu do caminho.

Naquela sexta, meu avô ia usar a marcenaria de um amigo depois do horário


de funcionamento e acabaria jogando baralho e bebendo alguma coisa por lá.

Nós nunca o julgamos, ele tinha direito de continuar a ter uma vida, mesmo
depois de assumir a responsabilidade de criar a mim e a Susan, mesmo que
aqueles momentos de diversão agora fossem menos frequentes.
Quando caí na rua e enfiei as mãos nos bolsos da calça, me encolhendo
contra o vento de chuva, tomei aquilo como um aviso.

Mãos geladas e coração frio, Scarlet. Você precisa descobrir como as coisas
estão — pensei.

Aquele era um bom caminho para seguir, ainda que eu tivesse certeza que ao
colocar os olhos em Conrad, cada célula minha

pegaria fogo.

Mesmo com o anúncio de chuva, o parque estava lotado. A música do


carrossel enchia o lugar, o riso, as conversas animadas.

As crianças correndo, os adolescentes rindo, os adultos fingindo que não


tinham responsabilidade depois de uma semana intensa de trabalho, e eu no
meio deles, perdida, procurando pelos olhos escuros aos quais eu era viciada.

Vasculhei cada centímetro do lugar, cada fila de brinquedo, cada atração que
sabia que ele gostava, até que, foi só olhar para cima que, milagrosamente,
eu o vi.

No alto da roda-gigante, Conrad estava com Bella.

Os braços dela em volta do pescoço dele, e de onde eu via, com certeza


aquilo era um beijo.

As lágrimas brotaram nos meus olhos.

Eu quis gritar. Jogar algo neles. Mostrar que estava ali.


E parecendo ouvir meu desespero silencioso, ele moveu a cabeça, tirando a
boca dela da dele e olhou para baixo. Seus olhos queimaram em mim, mas
Conrad não disse nada.

Não que isso importasse muito.

Quando corri dali, achei que meu corpo não fosse suportar a dor.

Aquela era eu, o pequeno Heathcliff correndo com o coração quebrado por
Catherine Earnshaw. A diferença era que não havia meias-verdades. Eu tinha
visto tudo.

scarlet

o que eu senti, o que eu soube, nunca refletiu no que eu demonstrei.

nunca livre, nunca eu mesmo, então eu vos nomeio os imperdoáveis.

t h e u n f o r g i v e n , m e t a l l i c a Eu não sei por quanto tempo dormi,


mas quando acordei com as batidas violentas na porta, já estava
escurecendo.

— Acha que ela está bem? — alguém perguntou.

— Scarlet, se você não abrir, vou entrar. — Reconheci a voz John e eu dei
um pulo, sentando e fazendo tudo girar.
— Espere — falei o mais alto que podia e voltei a fechar os olhos, tentando
me localizar no mundo.

Respirei fundo algumas vezes, esfreguei o rosto e me espreguicei.

Ao abrir os olhos e ver a bagunça do ambiente, soube exatamente onde


estava. Por que estava. Como estava. E a tristeza me abraçou.

Sem conseguir me olhar direito no espelho quebrado, sabendo que estava


uma bagunça, prendi o cabelo no alto da cabeça, tentei tomar mais cuidado
onde pisava e me enrolei na colcha da cama.

Aquela era a única possibilidade de atender a porta antes de invadirem e


verem o estado do meu quarto.

Tentando o meu melhor para esconder as marcas que sabia ter, abri uma
fresta da porta e vi os olhos de John mais aflitos do que nunca sobre mim.

— Você está bem?

— Eu… — Movi um pouco a cabeça, não entendendo o que acontecia,


vendo Maressa ao seu lado. Ambos pareciam muito preocupados. — Estou.
O que aconteceu?

O alívio dele ao ver minha confusão foi imediato.

— Estão dizendo por aí que Conrad te…

— John — eu o interrompi —, não quero falar disso, mas —

desviei o olhar por um segundo, repensando se deveria dar aquela satisfação,


e sabendo que para ele eu realmente precisava, encarei-o como nunca na
vida e completei — tudo foi consensual.

— Tem certeza?

Comprimi os lábios, confirmando com a cabeça.

— Certo. Precisa de algo?


— Não — menti.

Precisava de outra vida, mas ele não queria me dar uma.

— Então, por favor, se arrume e desça. Você é um dos nomes inscritos para a
última prova do torneio.

— Eu? — Fiquei confusa. — Mas não me inscrevi em nada…

— Não, mas eu inscrevi meus três filhos na caça ao tesouro.

— Não era algo negociável. — Te vejo depois.

John saiu andando pelo corredor antes que eu tivesse tempo de pensar em
fechar a porta.

Por sorte, Maressa ficou ali. A mulher de pele negra e grandes olhos sábios
se aproximou da fresta da porta e me perguntou:

— Scarlet, querida?

— Oi… — Minha voz saiu flácida. Eu queria chorar.

— Você precisa de alguma ajuda?

— Não preciso, eu já… — Ela me interrompeu:

— Ajuda feminina, sabe?

— Ah. — Ergui o rosto, entendendo o que ela me oferecia. Abri um pouco


mais a porta para vê-la melhor e confirmei com a cabeça enquanto a lágrima
muda rolava pela minha bochecha.

— Vocês usaram proteção?

— Não. Na hora, eu nem pensei nisso… — Mais uma burrada para a lista
interminável.

— Ah, menina. — Doce como sempre, ela sorriu para mim, tentando me
confortar. — Não se preocupe. Mais tarde, encontro você com ajuda.
— Certo. Obrigada. — Tentei sorrir de volta. — O que eu devo vestir?

— Roupas de banho e algo atlético por cima. Vocês vão para a floresta.

— Ok… E — antes de fechar a porta, precisei perguntar —

quem foi até John? Quem inventou isso?

— Isaac. E eu sinto muito, mas parece que todos estão comentando.

Meu estômago revirou.

— Obrigada. — A palavra saiu num ruído maldito da minha boca antes de


eu fechar a porta e voltar para a cama, me sentando sem saber o que fazer.

Eu não podia conversar com Conrad. Não me atrevia ficar sozinha com ele
de novo.

E não queria mais falar com Isaac. Sabia que aquele boato ganhava vida pela
minha traição à sua confiança, mas também tinha dedo do seu ego quebrado
por saber que eu tinha dado ao irmão algo que sempre neguei a ele.

Completamente consciente de que ao sair do meu quarto, enfrentaria uma


batalha, tentei meu melhor. Escovei o cabelo como dava, prendi tudo no alto
da cabeça em um rabo de cavalo e tentei esconder as marcas mais aparentes
que a gola da cacharrel preta não dava conta com maquiagem. Não me
preocupei com a roupa de

banho, já que não entraria de jeito nenhum no lago, pois não sabia nadar, e
então quando chegasse a hora, choraria para John me deixar voltar ao meu
quarto com a desculpa de que estava com dor de cabeça e aquele inferno de
parecer uma família feliz ao lado daqueles três acabaria.

Vesti a calça preta de tecido sintético, meus tênis, joguei a jaqueta dos Lions
por cima de tudo e saí do meu quarto evitando qualquer olhar, qualquer
conversinha fiada.

Não queria alimentar a história de ninguém. Nem deixar que me


machucassem mais.
Quando, finalmente, coloquei os pés no jardim, agradeci por outubro estar
indo embora, mesmo que molhado e implacavelmente frio.

Parecia meu coração, e eu não fiquei parada ali para me ver congelar e
quebrar como ele.

Avancei escondida na multidão para atravessar o gramado e descer para a


floresta, seguindo a trilha iluminada que os troncos tinham, sabendo que para
uma última prova, John tinha se esforçado para fazer-nos suar.

Por sorte, o palco não estava armado naquela noite, e apesar de eu ver Isaac
perto de seu pai na pequena clareira, me mantive longe o bastante para
mostrar que não queria aproximação. Meus olhos estavam aflitos por outro
motivo, e foi um misto de alívio e frustração não ver Conrad lá.

— Finalmente, a última noite! — John chamou nossa atenção com seu


megafone. Havia muita gente mesmo ali, e a algazarra que fizeram quando
ele chamou pelo público foi ensurdecedora. — Eu agradeço por ter os
melhores alunos, os mais inteligentes, os mais atléticos e capazes que
qualquer universidade europeia já viu. São vocês que fazem esta casa ser
uma das mais disputadas e, por anos, a melhor e mais tradicional instituição
de ensino deste continente.

Houve mais gritos e palmas.

— Hoje mudaremos os moldes porque, apesar de suas fraternidades estarem


competindo, descobriremos como será trabalhar em grupo. Vinte alunos
estão inscritos, o restante de vocês está aqui para apoiar seus colegas, e
verão como eles se

comportam dando as mãos para outras fraternidades. — A plateia se dividiu.


Parte aplaudiu, parte vaiou. — Garotos, pensem… —
John os tinha na palma da mão. — Podemos competir entre nós, mas lá fora
— e os olhos escuros de John Prince vieram sobre mim, fazendo a vontade
de ser invisível ser mais forte do que nunca quando ele completou — somos
uma família.

Somos porra nenhuma — quis gritar, mas não o fiz.

— Se você está inscrito nesta noite, saiba que vantagens foram adicionadas
ao desafio. O time vencedor da noite leva cinco mil libras extras, cedidas por
velhos patrocinadores. O jogador que liderar melhor seu grupo, ganhará duas
mil libras a mais. —

Ninguém mais pareceu achar aquela coisa de se misturar ruim. —

Então, caso você seja um dos competidores, venha até aqui para que
encontre seu grupo e receba sua missão. Há itens escondidos nesta floresta e
vocês precisam encontrá-los fugindo das armadilhas e de sabe lá mais o que
se esconde no escuro — John tentou fazer graça e ser minimamente
assustador, mas ninguém levou aquela parte a sério.

De algum jeito, todo mundo, inclusive eu, estava focado no dinheiro.

Certa de que faria meu melhor, fui para a fila de espera como qualquer outra
pessoa, sabendo que havia olhares demais queimando nas minhas costas, e
esperei minha vez.

Maressa me deu o número, um envelope e piscou para mim.

— O que faço?

— Procure outras pessoas com esse número. Elas serão seu grupo. Cada uma
de vocês terá um envelope com dicas e o objeto que precisa ser encontrado.

— Ok — agradeci antes de me afastar, encarando a plaquinha na minha mão


com um cinco desenhado de um lado e o logo do leão dos Lions do outro.

— Scarlet? — A voz fria de Isaac me chamou e, instintivamente, ergui o


rosto.
Meu peito se aqueceu com raiva.

— Eu… — ele tentou.

— Não tenho nada para falar com você. — Meu tom de voz cortou suas
intenções ao meio. Isaac esfregou o queixo, inflou os pulmões e concordou
com a cabeça.

— Boa sorte. — O desejo dele era o mesmo que nada, e sem mais
explicações, ou querer continuar perto de Isaac, dei as costas,

fugindo dele, e agradeci por não o ver insistir.

Alguma hora, eu conseguiria ser racional e gritar com ele por saber que a
mentira tinha se espalhado por sua culpa, mas aquele não era o momento.

Meu foco era outro, e usei dessa energia para procurar meu grupo.

E assim que eu vi o número cinco brilhando em fundo verde, nas mãos de


alguém que eu odiava, não pensei duas vezes.

— Como troco isso? — Foi a primeira coisa que perguntei, erguendo a


plaquinha para Thomaz e duas meninas que nunca tinha visto na vida.

Ele deu um sorriso debochado.

— Não pode trocar, Scarlet. — O deboche em sua voz me consumiu.

— Tem certeza?

— Terá que me suportar pelo resto da noite. — Havia orgulho em sua voz e
eu fiz a maior cara de nojo possível.

— Não se puder evitar. — Ignorando-o, deixei-o de lado e olhei para as


outras duas pessoas que nunca tinha visto na vida. — Sou Scarlet, como se
chamam?

— Lilian. — A menina de cabelos pretos presos como os meus exibindo


uma águia no peito pareceu mais disposta a fazer as coisas darem certo. — E
essa é Sammy.

— Ótimo. O que vocês pegaram? — Precisei incluir Thomaz na pergunta


quando ergui o envelope.

Quanto mais cedo aquilo acabasse, mais cedo eu poderia dar no pé.

Todo mundo do grupo rasgou o pedaço de papel e arrancou dele um card.

— O meu é o desenho de uma chave pendurada em uma árvore. Tem um


mapa atrás… — Lilian respondeu, intrigada.

— O meu é uma caixa dentro da água. — A garota Badger, Sammy, ajeitou


os óculos e me perguntou: — Teremos que nadar?

— Provavelmente, só um de nós. — E eu ia fazer o escolhido ser Thomaz.


— E você? — perguntei para o garoto que nunca me desceu direito.

— O seu primeiro.

— É uma faca. — Mostrei o card entre os dedos, girando para que ele visse
o pequeno mapa atrás.

— O meu é uma tocha. Mas qual a ordem disso? — Seu cérebro não parecia
ter sido derretido depois de tanta droga, no final das contas.

Naquele segundo, um apito chamou nossa atenção.

John voltava a nos chamar.

— Competidores, se coloquem em suas posições.

Apontando para seguirmos um pouco mais para baixo de onde estávamos,


chegamos às grandes árvores com os números referentes aos grupos
pendurados nelas.

— Vocês têm duas horas para terminar a prova, e isso significa que
precisarão correr. As trilhas estão sendo monitoradas, então tentem não se
perder. Se, por acaso, isso acontecer, cada um de vocês agora vai receber um
apito. — Uma garota de boné azul veio distribuindo de mão em mão o
objeto. — Soprem apenas em caso de emergência, e isso se enquadra em
membro ferido ou perdido.

Entenderam?

— Sim — o murmúrio foi geral.

— Certo. Boa sorte até a fogueira. Até lá, vocês estarão juntos, e depois…
— O tom misterioso dele daquela vez conseguiu causar arrepios na minha
nuca. — É, boa sorte.

Por um mínimo segundo, não me segurei e olhei para as outras equipes.

Se John tinha inscrito seus dois filhos, onde estava Conrad?

Meus olhos não captaram os seus naquele minuto, mas aquela queimação
maldita de quando ele estava perto não parava de me incomodar.

— Corram! — o reitor mandou.

A plateia gritou.

Nós corremos.

E, naquele segundo, entendi que não havia alternativa.

Eu precisava ganhar, como competidora e como líder.

Aquele dinheiro todo seria meu passe para a liberdade.

Ignorei a dor dos pés feridos e tive plena certeza de que ainda havia
estilhaços de caco de vidro neles. Mesmo assim, não parei de correr por
nenhum segundo. Meus pulmões reclamaram daquele

esforço já que eu não era dada a exercícios e fumava feito uma chaminé,
porém, nada me fez parar de correr na direção da grande fogueira que
brilhava há vários e vários metros à nossa frente.

Thomaz também tinha a desvantagem de ser fumante, e mesmo que


praticasse esportes, não parecia confortável em correr no escuro, precisando
desviar de raízes que poderiam quebrar seus tornozelos, monte de folhas que
podiam abrigar animais peçonhentos, ou moitas com bichos que não
daríamos conta.

Essa sensação só piorou quando algo grande uivou e fez todas as equipes
pararem no lugar. Eu mesma fui uma que desacelerou bruscamente para
ouvir melhor.

— Isso é… — Nem terminei minha pergunta.

— Um lobo, eu acho — a garota Bird respondeu, tão atenta quanto eu.

— Bom, se vocês quiserem ficar aqui paradas, eu vou indo. —

Thomaz foi o primeiro a se recuperar. Outros o imitaram e eu não me deixei


ficar para trás.

Era óbvio que competiríamos pelo lugar da liderança.

Depois de quase meia hora de corrida intensa, chegamos aonde as tochas


estavam.

Fomos o segundo grupo no meio da balbúrdia e conseguimos acendê-la com


rapidez.

— Certo, agora, pra onde? — a menina dos Badgers que eu já tinha


esquecido o nome perguntou e me esforcei para analisar o pequeno mapa
atrás do meu card.

— Acho que é a faca. Com ela, nós vamos cortar a corda da chave e então
vamos para o lago.
— Vamos precisar entrar na água? — O tom desanimado da garota me
confortou.

— Acho que um de nós já basta, e eu voto que seja o homem.

— Eu não vou entrar naquela porra. A água vai estar mortal, além de que é
fundo. — Ele tentou fugir.

— Eu voto pelo homem — a Badger disse.

— Eu também — A Bird a seguiu.

— Ótimo. A maioria vence. — Encarei Thomaz, devolvendo todo deboche


dele sobre mim ao longo daqueles anos e, da forma mais ameaçadora que
podia, disse: — Não se constranja de nadar na água gelada. Ninguém liga
muito para o que você esconde dentro das calças. — Dei as costas, já
caminhando para onde achava que devia ir.

Sete mil libras me deixaram corajosa, e assumindo o posto na marra, segui


na frente na direção que o mapa indicava, sabendo que ele estava carregando
a tocha bem atrás de mim com as garotas que, infelizmente, estavam no
meio de um fogo cruzado.

Secretamente, eu sabia exatamente aonde ir.

Alguns anos atrás, logo quando Isaac entrou na universidade e eu ainda não
podia frequentá-la, fui visitá-lo e resolvemos caminhar.

Isaac e eu nos enfiamos na floresta por achar que seria uma boa ideia acender
uma fogueira perto do rio e acabamos descobrindo uma caverna no pé de
uma das paredes de rocha que sustentavam o terreno do castelo que ficava no
alto.
Aquele desvio nos faria atrasar, era como se estivéssemos voltando todo o
caminho em ziguezague, pois a chave ficava para o outro lado e o píer do
lago um pouco mais para frente de onde iríamos buscar a faca.

Parecia que John queria nos manter entretidos dentro de um perímetro


seguro, e eu não o julguei. Se alguma merda acontecesse, era ele quem
responderia por ela.

Ninguém do meu grupo era realmente muito atlético e quando finalmente


descemos pelo terreno mais íngreme e encontramos o que eu queria, pedi a
tocha de Thomaz, enquanto todo mundo aproveitava a pausa para recuperar
o fôlego.

— Olha lá — indiquei. — O facão.

— O reitor é doido de colocar uma arma dessa nas nossas mãos? E se um de


vocês vira um tipo de serial-killer? — A Badger, ofegante, se sentou, tirou
os óculos embaçados e, limpando a testa, se virou para ver nossos olhares
incrédulos em sua direção.

— Quem vai subir? Não conte comigo. Sou uma merda em escalada —
Thomaz avisou.

— Eu também acho que não aguento — a garota com camiseta de águia


falou, e eu não esperei mais uma recusa.

Dei a tocha para a garota mais próxima e indiquei para Thomaz que
precisaria de ajuda.

Ele não recusou. Me dando o impulso que precisava, consegui encaixar as


mãos entre pedaços da rocha fortes o bastante para içar

meu peso por elas e comecei o maldito exercício, pensando no porquê havia
começado a fumar.

Eu sabia o motivo. E aquela era mais uma coisa que Conrad Prince direta ou
indiretamente tinha estragado para mim.
Com muito custo, completamente concentrada e com medo de enfiar a mão
onde poderia ser picada por aranhas, ou ter uma bela queda ao escorregar,
ganhei alguns arranhões, mas finalmente meus dedos roçaram o cabo da faca
pendurada no alto.

— Consegui! — avisei. — Saiam de baixo, vou jogar! — Mas não ouvi uma
devolutiva. Por um segundo, um frio desgraçado passou pela minha espinha
e eu soube que havia algo errado. —

Gente? — perguntei e me atrevi a olhar para baixo.

Eu estava há pouco mais de cinco metros do chão, mas vi perfeitamente a


tocha queimando presa à terra e ninguém, absolutamente ninguém, lá
embaixo.

— Porra! — xinguei alto, derrubei a faca e tentei fazer o processo de descida


o mais rápido possível.

No último metro, eu caí.

Minha bunda bateu com força no chão e eu segurei o grito na garganta.

Xinguei mais uma vez e fechei os olhos.

O que faltava acontecer?

Levantei-me em um pulo, sentindo todo meu corpo dolorido e bati com as


mãos uma na outra antes de limpar meu traseiro cheio de terra. Durou menos
de cinco segundos de distração, mas quando ergui o rosto de novo, lá
estavam os três.

— Aonde é que vocês foram?

— Pegar umas coisinhas — Thomaz avisou, um meio-sorriso rasgando sua


boca e, de repente, ele veio para cima de mim.

Eu caí mais uma vez sem entender direito o que acontecia, e quando
processei, era tarde demais.
Eles iam me matar. Eu tinha certeza. Eu ia morrer.

O ar me faltou, a sensação de tudo pequeno, sufocante, apertado, tomou


conta da minha mente e dos meus pulmões quando um saco preto veio parar
na minha cabeça.

— Que porra é essa? — Tentei afastá-lo, me debati, chutei e soquei o ar


quando consegui, mas com a ajuda das outras duas, ele amarrou minhas
mãos e meus tornozelos.

As cordas arderam contra a minha pele.

— Ótimo. — Senti um tapa pesado contra minha coxa e ouvi a voz de


Thomaz. — Você deveria odiá-lo mesmo, menina. Seria mais fácil para todo
mundo.

Quando meu corpo foi erguido como se eu fosse nada sobre o ombro de
alguém, tentei me acalmar. Conrad não me faria mal. Ele não podia me fazer
mal. Não tinha a mínima condição de alguém fazer o que tínhamos feito na
noite passada e a consequência daquilo ser um assassinato, mas, minutos
depois, quando fui jogada no chão, pensei que estava errada. E não era
porque, quando o pano preto saiu da minha cabeça, eu vi uma multidão
segurando velas e me encarando como se eu fosse um bicho.

Nem porque em volta de nós, eu vi quadros enormes de Isaac pelado, com


outras meninas, com a minha maior insegurança em forma de mulher na face
da Terra que era Bella. Foi porque, lá na frente, no único vão da multidão,
estava Conrad. E na sua frente, uma cova aberta me esperava.

Como eu sabia que era minha?

A lápide tinha o meu nome.

E eu podia ler mesmo naquela distância: Aqui jaz a mentirosa Scarlet


Wright.

— Isso não é engraçado. — Olhei em pânico para Thomaz, o rosto


conhecido mais próximo e o vi rir.
— É engraçado sim, mas não para você.

Ele tinha razão.

Nunca era.

scarlet

eu não me identifico com você porque eu nunca me trataria tão mal.

você me fez odiar esta cidade e eu não falo merda sobre você na internet.
nunca disse nada de ruim a ninguém porque essa merda é constrangedora.
você era tudo para mim e tudo o que você fez foi me deixar triste pra
caralho, então não desperdice o tempo que eu não tenho e não tente fazer
com que eu me sinta mal.

h a p p i e r t h a n e v e r, b i l l i e e i l i s h Meu pequeno grupo traidor


tinha se desfeito. As garotas sumiram de vista e ao meu lado, depois de
soltar meus pés, estava

Thomaz me puxando como se eu fosse um cachorro pelas cordas presas no


meu pulso.

— Isso dói — reclamei, tentando me manter em pé, mesmo que meu corpo
tremesse tanto que mal conseguia dar um passo.

— Dói tanto quanto noite passada? — ele me provocou e, inevitavelmente, a


mágoa me calou.
Meus olhos foram direto para Conrad, e minha mente nublou.

Por que é que ele fazia aquilo? Por que é que, depois de tudo, ele ainda vinha
tirar mais e mais de mim?

Naquele segundo, não me importava aquele meio mundo de gente apontando


o dedo para mim, pronto para ver algum espetáculo ao qual eu seria a atriz
principal sem nem ter feito teste para o papel, pronto para rir da minha
desgraça.

Só me importava que, se Conrad não parasse o que tinha planejado naquele


segundo enquanto eu era obrigada a me arrastar em sua direção, ele acabaria
com a última fagulha que restava dentro de mim.

Quando eu fui obrigada a parar em frente a Conrad, minha visão embaçou


graças às lágrimas acumuladas. Eu nunca tinha chorado tanto quanto desde
que ele havia voltado.

— Por que você está fazendo isso? — com toda a dor que conseguia traduzir
na voz, perguntei, inquisidora.

O rosto dele era uma máscara. Seus olhos dois abismos negros, frios demais
para qualquer compaixão, profundos demais para que eu conseguisse colocar
os pés em algo que não fosse ódio e crueldade.

Conrad não me respondeu. Na verdade, tudo o que ele fez foi desbloquear o
celular em sua mão e me mostrar algo pelo qual eu nunca me recuperaria.

O vídeo era de Isaac. Eu reconheceria aquela bunda em qualquer lugar.

Meu ex-namorado estava entre as pernas de uma garota a qual, graças a


Deus, não dava para ver o rosto.

— Nós não estamos mais juntos. — Engoli o orgulho. — Isaac pode dormir
com quem quiser. — Com as mãos juntas, limpei o canto dos olhos.

— Olhe de novo — Conrad mandou, e eu notei a data do vídeo no cantinho.

Aquilo era de mais de um ano atrás.


Meu peito tremeu. Tentei olhar para o lado e ignorar, mas Conrad quis me
humilhar ainda mais, colocando vários e vários vídeos em sequência.

— Eu… — engasguei. Não tinha desculpas.

Isaac havia me traído mais vezes do que eu poderia contar e, no fundo, eu


sabia.

Eu realmente sabia.

Eu sempre soube.

Eu só não podia tomar uma decisão.

Eu só não podia ver.

— Por que está me mostrando isso? — Minha voz era menos que um sopro,
que um ruído.

Tudo doía, principalmente minha garganta.

— Porque você escolheu um lado. — Conrad parecia não ter emoção


nenhuma naquele minuto, e quando ele puxou a corda que me segurava das
mãos do amigo, me trouxe para mais perto. Ali eu podia sentir seu cheiro, o
calor do seu corpo, a porra da magnitude de nós. Seu olhar baixou para
minha boca por um segundo, e quando seu rosto se aproximou do meu, o
gosto dele surgiu na minha língua sem nem mesmo tocá-lo. Mas Conrad
parou. Sua

respiração bateu contra mim, e quando ele disse aquelas palavras, sua
crueldade me fez cair como nunca: — Só estou te fazendo colher as
consequências das suas escolhas, Red.

Em um movimento rápido, ele me empurrou e eu caí de costas na cova cheia


de terra.

— Aqui jaz uma mentirosa — ele gritou para a plateia, com os olhos nos
meus, absorvendo todo o meu choque por não entender aonde aquilo
chegaria. Ele me enterraria viva?
Conrad apertou a tela do celular e jogou para mim.

— Veja o que seu eleito disse sobre você, depois de te convencer que eu a
estuprei ontem…. — Quando o aparelho caiu na minha barriga e eu
consegui olhar a tela, era Isaac gemendo, o som de corpos batendo, e lá
estava Bella.

A minha insegurança em forma de gente.

Mais velha, mais experiente, mais bonita.

Mais rica, mais legal, mais descolada e que tinha acesso ilimitado a Conrad
Prince.

— Não está com saudade da ruiva? — ela perguntava.

— Scarlet é uma vadia… — Me livrei das cordas que prendiam meus pulsos
e consegui desligar o celular.

As lágrimas no meu rosto eram tantas.

O ódio, a raiva, o constrangimento, a dor.

Tudo me dominava. Tudo acabava comigo.

E em um último sopro sobre a brasa que restava de coragem no meu ser,


enquanto terra vinha sobre mim e o riso das pessoas lá fora acompanhava
alguma piada sexista e baixa feita para me ferir mais, eu gritei tão alto e tão
agudo, que tudo parou.

Todos olharam para mim enquanto, ainda gritando, eu me colocava de pé.

Até Thomaz parou de jogar terra na minha cova para assistir enquanto eu
saía dela e ia para Conrad.

— VOCÊ É INSANO! INSANO, CONRAD! — Não havia mais nada


contido dentro do meu peito. — Não há nada mais para você quebrar aqui,
porque, de fato, eu sou mesmo uma filha da puta. Eu sou mesmo a merda de
uma mentirosa, de uma traidora, de uma idiota. Sou burra! Mas não pense
que eu sou qualquer uma dessas coisas porque vivi sob o teto do seu pai, ou
porque namorei seu irmão enquanto ele me botava todos os chifres possíveis.

Avancei para cima dele, o rosto tão próximo que podia ver cada mísero
detalhe das íris escuras sob a luz das tochas, e quando ele

deu um meio passo para trás, eu avancei, não dando brecha alguma entre
nós. — Eu fui tudo isso porque eu esperei por você, porque eu lutei por
você, porque pintei você e escrevi para você um bilhão de cartas que você,
covarde, nunca teve coragem de responder. Eu realmente esperei você. EU
LUTEI POR VOCÊ, CONRAD. — Bati contra seu peito com o dedo
indicador, seus olhos eram ilegíveis, suas sobrancelhas franzidas não me
diziam muita coisa, mas nada importava naquele segundo. — E eu não
deixei de amar você por nenhum segundo, mesmo quando você partiu meu
coração naquela merda de roda-gigante, ou quando incendiou minha casa e
assassinou minha irmã! — O choque foi geral. A plateia segurou a
respiração. Conrad engoliu em seco, mas eu não me calei. Não aguentava
mais. — É por isso que eu não comprei, nem de longe, essa ideia de estupro.
Eu nem mesmo sabia dela. Fiz porque quis, porque de algum jeito maldito,
você ainda está em mim, porque, mesmo depois de todos esses anos, eu
guardei tudo o que era nosso, todos os seus segredos, todas as boas
memórias. Fiz porque acreditei no seu amor com uma fé inabalável, mas isso
tudo era ilusão. Você não pode ter me amado um dia, Conrad, porque quando
se ama, não se quebra, não se destrói, não se machuca o outro como você fez
comigo.

Ofegante, parei encarando-o, tão brutal quanto ele.

— Eu… — Não deixei que ele terminasse de falar.

Ergui a mão e dei com tudo o que tinha e o que não sabia ter.

O tapa estalado em seu rosto deixou a marca dos meus cinco dedos contra a
pele branca.

— Vou dar uma referência clara, que você vai entender. Aqui, nessa história,
na nossa história, você não é o amável e injustiçado Darcy, você é o merda
do Wickhan! O único traidor aqui, o único covarde, é você. E eu cansei!
Estou te expulsando de vez da minha vida, Conrad Prince. Estou agora
acabando com você tudo e qualquer coisa que um dia achei que pudesse ter,
porque você é podre. Você não tem coração. Você é realmente o pior dos
Prince.

— E eu corri, porque por mais que minha boca dissesse aquilo, por mais que
eu quisesse que a magia daquelas palavras fizesse algo de imediato, elas não
faziam.

Era eu e meu coração partido, morto, acabado.

E eu não tinha mais razão nenhuma para continuar tentando.

scarlet

não é adorável estar completamente sozinha? Coração feito de vidro, e a


mente feita de pedra, rasgue-me em pedaços, da pele ao osso. olá, bem-vindo
ao meu lar.

l o v e l y, b i l l i e e i l i s h , k h a l i d

— Vadia Prince, vadia Prince! — o coro de pessoas gritava vindo atrás de


mim.

Nossa distância, minha e daquela multidão, era pouca, já que graças às velas
que eles erguiam, eu conseguia ver o caminho até o píer.
Naquele segundo, quando olhei sobre o ombro, odiei o fogo.

Mais do que qualquer vez na minha vida.

Mais do que cinco anos atrás.

Tentando não tropeçar, sentindo meu tornozelo doer mais do que poderia
demonstrar, andei o mais rápido que pude para a água e, inevitavelmente, as
memórias que tentei repelir por todo aquele tempo, me acertaram como um
soco, uma punição.

Quando vi Conrad beijando Bella, precisei me esconder. Subi no alto


daquele maldito prédio onde ele me levou para ver o céu noturno. Ali,
sozinha, encarei as estrelas que ainda brilhavam mesmo com as nuvens
cinzentas prontas para apagá-las e gritei.

Gritei tão alto, tão forte, que minha garganta arrebentou.

Ardeu.

Machucou.

Mas o choro não cessou.

Bella era a forma física da minha insegurança e não porque eu queria


competir com a garota, mas sim porque, por anos, eu a observei tendo o que
eu tanto queria. De todo o coração, eu nunca pensei sobre estar roubando
Conrad dela, mas naquele momento, não podia deixar de me achar pequena e
insuficiente ao vê-la junto de Conrad de novo.

Eu deveria ter acreditado em Isaac.

Eu deveria ter sabido que, com tudo, eu nunca bastaria para alguém como
Conrad Prince.

E o desgraçado me puniu dia após dia, mesmo depois de ir embora, porque


quando eu cruzava com Bella pelos corredores, quando pensava que ela
ainda mantinha algum contato com ele, que ela tinha o acesso que me foi
negado, eu morria de inveja por ainda querer estar no seu lugar.
Eu só desci daquele telhado quando tive certeza de que conseguiria caminhar
de volta para casa. Isso foi quase uma hora depois, e eu me lembrava do
resto do caminho ser uma confusão escura na minha mente, estava
concentrada em acertar o caminho de casa. Porém, quando virei a esquina,
naquele dia, não sabia o que pensar, o que sentir, o que dizer.

Meu peito doeu quando o soluço o atingiu, igual naquela noite quente de
verão.

Naquele segundo, no tempo real, eu encarava o lago escuro, quieto e


profundo.

Naquela noite, anos atrás, eu encarava minha casa pegando fogo.

Caminhei pelo píer, o rosto molhado, a última fagulha de força apagando.

Caminhei pela rua, não acreditando no que via, querendo poder salvar
alguma coisa.

Em passado e em presente, meu ser parecia pronto para ser quebrado.

A eu do presente parecia ter mais coragem de acabar com tudo, já que não
havia coisa nenhuma pela qual lutar. Arranquei os tênis enquanto a multidão
atrás de mim ria, assobiava e me xingava.

Cada olhar um chicote.

Cada incentivo a pular era um pouco menos de coragem de me manter em


terra firme.

Eu só queria que acabasse logo e, fechando os olhos, pedindo perdão aos


quais eu havia traído, aos quais eu poderia ferir por desistir, eu pulei.

Quando me aproximei do meu antigo lar, o fogo me repeliu.

Quando caí na água gelada, o ar foi expulso dos meus pulmões.

Eu pensei que lutaria, que tentaria desistir da ideia, mas ali era silencioso.
Confortável.

Fechei os olhos, me lembrando de ver Conrad pulando para fora pela janela
lateral.

Seus olhos estavam assustados. Era a primeira vez que eu os via tão
profundamente com medo. Nós nos encaramos, eu não entendi.

— Conrad? — chamei, no passado e no presente.

Ele não atendeu nem na lembrança, nem na realidade.

O garoto ergueu-se com dificuldade e então correu.

Correu como se sua vida dependesse daquilo, e talvez, ela dependesse


mesmo, já que indo embora, ele assinava seu atestado de culpa.

Conrad Prince havia colocado fogo na minha casa, logo após quebrar meu
coração.

— Scarlet! — Ouvi a voz do meu avô de fundo não sei quanto tempo depois,
e quando me virei no escuro do lago, lembrei a expressão de pânico em seu
rosto. Ele me abraçou e perguntou, exasperado: — Onde está sua irmã?

— Susan? — Minha ficha caiu aos poucos, então encarei a fogueira que
iluminava toda a rua e queimava cada madeira e

lembrança daquela casa, sabendo onde ela estava.

— Deus… — Seu nome divino na minha boca era uma prece.

— SUSAN! — Tentei desesperadamente chegar até a porta, mas vovô me


jogou no chão e me segurou. — ELA ESTÁ LÁ DENTRO!

ELA ESTÁ LÁ DENTRO!

Como se ouvisse o meu chamado, ela gritou.

O som daquilo era poderosamente doloroso e inesquecível.


A agitação dos bombeiros na rua fez com que eu percebesse
momentaneamente o caos que se seguia em volta de mim, mas ali, com a
cabeça contra o gramado, vendo todo mundo tentando lutar contra o fogo, eu
chorei.

Imbecis. Não se pode lutar contra ele — pensei naquela hora, no auge da
minha inocência.

Idiota, você não pode lutar contra ele — minha mente me corrigiu, e a visão
de Conrad entre as chamas com seu isqueiro me atingiu.

E era verdade. Eu não podia lutar.

Foi por isso que quando apaguei, sentindo a água entrando pela minha
garganta, me senti feliz pela primeira vez, em anos.

Se aquilo confortava Conrad Prince, que ele ficasse com a vitória da guerra.

Eu só queria paz.

conrad

Pensei ter encontrado um caminho, pensei ter encontrado uma saída, mas
você nunca nunca se vai, então eu acho que tenho que ficar agora.

l o v e l y, l a u r e n b a b i c

Eu queria afastá-la.
Queria matá-la, verdade fosse dita.

De vergonha ou de ódio, no final das contas, eu não me importava.

O plano daquela noite era parte disso.

Feito para ela quebrar, para ela enxergar — pensei, enquanto cavava aquela
cova mais cedo.

Eu só não esperava que, naquela merda toda, eu fosse atingido junto.

Quando Scarlet se ergueu, quando se aproximou, eu nunca a vi tão furiosa.

Seus olhos queimavam em mim, sua voz era clara, mas suas palavras
trouxeram muita confusão. Ela me acusava de ser insano, e aquilo eu
realmente era. Mas onde é que havia perdido todo o resto?

De repente, eu me senti burro.

Você realmente não sabe? — o diabo soprou na minha orelha enquanto a


multidão avançava pelo terreno, me deixando ali sofrendo pelo tapa verbal e
físico de Scarlet, enquanto o nome de meu irmão brilhava em vermelho na
minha mente.

— Filho da puta — xinguei baixo e me virei para procurar por ela.

Nós tínhamos, finalmente, muito para conversar.

Uma conversa que John Prince e seu filhinho amado fizeram de tudo para
não acontecer no passado, que minha mãe havia sido

o maior peso para isso, que minha idiotice e rebeldia tinha falhado em deixar
ver a necessidade.

Caralho, se o que ela dizia fosse realmente verdade, se fizesse sentido…

Não quis pensar na possibilidade de não ser.

Queria muito, pela primeira vez na vida, estar errado.


Ela ainda era minha.

Ela ainda me esperava.

E eu corri atrás dela.

Desci pelo terreno, abri caminho entre os idiotas que seguiam minha ideia de
acabar com a vida de alguém, e quando vi a cabeça ruiva na ponta do píer,
tirando os tênis, gritei:

— SCARLET, NÃO!

Meu grito não superou o coro de “vadia Prince” da multidão.

Eu ainda estava muito longe e ela ia pular sob aquela acusação.

Ela ia se matar porque eu arranquei tudo dela.

E eu não podia deixar.

Precisava impedir, precisava ser rápido, mas nem todo o controle do mundo
me daria o poder de desacelerar o tempo, ou revertê-lo. Foi por isso que
quando ouvi o baque do corpo na água e a comemoração em volta, o
desespero me consumiu.

No mesmo segundo, achei o rosto do meu melhor amigo na multidão.

— Que… — Cortei a pergunta de Thomaz que me olhava sem entender.

— CHAMA A PORRA DA AMBULÂNCIA, ELA NÃO SABE

NADAR!

Minha ordem não abriu nenhuma brecha para discussão.

As pessoas com velas nas mãos pararam de aplaudir quando me viram


correndo desesperadamente entre elas.

Eu não pensei no que fazia.


Avancei o mais rápido que meus pés podiam para perto do píer.

Não, não, não — minha mente repetia continuamente — por favor, não.

Mesmo rápido, quando a madeira do píer reclamou sob meu peso, eu sabia
que era tarde.

Qualquer segundo respirando aquela água era demais.

Vasculhei com os olhos a superfície escura, procurando qualquer ponto


laranja e não encontrei, ainda assim, quando deu espaço, peguei impulso e
mergulhei de cabeça.

Eu precisava encontrá-la, precisava salvá-la.

Porque se não fizesse, aí sim eu realmente seria um assassino.

conrad

todas estas palavras não são da boca para fora e nada mais importa.

nothingelsematters,metallica.

cinco anos atrás

Ela era um sopro de vida no meio de toda a merda onde eu vivia.

Scarlet, com suas sardas, bochechas rosadas e coração leve me trouxe vida.
Mas só durou um instante.

Minha carga era demais para que a garota que tinha um caleidoscópio verde
no lugar dos olhos pudesse entender. Que pudesse abraçar.

E quando ela apareceu, oferecendo um minuto de paz em meio a toda aquela


confusão que era minha vida, não resisti.

Estava cansado, precisava parar, precisava me fortalecer para aguentar mais


e mais.

Então, eu a puxei de cabeça para o meu mundo. E assisti tudo morrer.

Eu era só uma criança perdida quando as coisas começaram a se perder.

Passei a ser um adolescente quebrado. Fúria, sexo, bebidas e cigarro foram


minhas alternativas de fuga. E o fogo. Mas o fogo era quem eu era, quem eu
queria ser, na verdade. Quando apanhava no lugar da minha mãe, ou quando
Giana me beliscava com suas unhas enormes e vermelhas, ou me queimava
com a ponta daquela merda de bengala, tudo o que eu queria era ser fogo
para queimá-la de volta, para machucar Philip. Para consumi-los e fazer
gritar.

No final das contas, eu nunca consegui fazer quem tinha me machucado


sofrer.

Em compensação, sobre quem tinha me dado a mão…

Quando acordei daquele pesadelo, daquela última surra, sabia que era sorte
estar vivo.

— Cara, você precisa ir para o hospital. — Thomaz parecia preocupado.

— Não — consegui falar, mesmo com o peito doendo. — Não fode.

— E se você quebrou alguma coisa? Se estiver sangrando por dentro? — Ele


dirigia meu carro, assustado. Minha cabeça pendia para a janela aberta e o
vento contra o meu rosto era quase um carinho.
— Eu vou dar um jeito.

— Conrad…

— CARALHO, NÃO! — Me esforcei mais do que deveria.

Minha costela doeu.

É, eu acho que tinha quebrado algo mesmo daquela vez.

Apoiei a mão no lugar machucado, acreditando que aquilo ajudaria e me


sentei o melhor que pude.

— Se você chamar a polícia, se isso se espalhar, você sabe o que acontece.

— Sua mãe perde tudo.

— Mais do que isso. Eu perco. — Era verdade, e eu queria chorar, mas


segurei a vontade, sentindo a garganta inchar. — Se meu pai for exposto, se
alguma merda desse nível acontecer, Philip vai preso e, com certeza, vai nos
tirar de casa. Se ele fizer isso, minha mãe vai perder o lar, minha guarda, e
sabe lá como vai sobreviver com a condição dela. Eu já te disse, não posso…

— Me odeie agora, cara, mas eles são adultos. Eles que se virem.

— Não. — Neguei com a cabeça. — Não é tão simples. Eu não posso deixá-
la…

Mamãe e a severidade do seu transtorno a fazia perder muitos empregos. Ela


não podia ficar sem um teto, não podia ficar sem mim e o dinheiro que eu
ainda conseguia arrancar do meu pai para ajudá-la.

Era absurdo que o todo poderoso John Prince não cuidasse da mãe do seu
filho, mas eu era só um bastardo indesejado, que
arranjou problemas demais no seu casamento e ainda comeu sua mulher.

Não. Meu pai era bem vingativo, e por mais que fingisse não ver, ele sabia.

Ele sempre soube.

— Merda — Thomaz reclamou quando viu seu celular vibrando. — É Bella.


Liguei para ela antes de te pegar.

— Não conte nada.

— Tarde demais.

— Porra. — Fechei o único olho bom e tentei acalmar o coração dentro do


peito.

Antes que pudesse dar conta, cansado, minha mente apagou.

Estavam os três ali.

Bella, Thomaz e Scarlet.

Meus amigos não sabiam mais o que fazer.

A garota pela qual me apaixonei chorava.

Eu odiava que eles estivessem envolvidos naquela merda.

Eu odiava o olhar de pena vindo deles, mas não era tarde para acabar com
tudo.

Não era tarde para evitar um futuro pior.


— Eu odeio vocês. — Foi tudo o que consegui dizer enquanto a raiva
corroía meu peito, enquanto via meu pai imponente, pronto para acabar com
minha mãe, mais uma vez.

Enquanto via meu irmão testemunhar meu fracasso.

Enquanto caminhava com o policial, que cedo ou tarde, eu descobriria como


foi parar ali, pensando em uma mentira palpável para que conseguisse salvar
quem tanto precisava de proteção.

Quando fui colocado no carro do meu pai pelo policial, estranhei.

— Aonde vamos?

— Você? Ao hospital. Existem procedimentos a serem feitos, mas não se


preocupe, sua mãe e seu padrasto já estão presos, eles…

— O QUÊ? — Meu corpo dolorido foi a única coisa que me segurou no


lugar.

— Entenda, garoto. Você assim…

— Minha mãe não fez nada. Philip não fez… — interrompi o policial com
mais uma mentira, mas meu pai, que se aproximou sem que eu pudesse ver,
colocou a mão na porta e tirando o homem da lei de perto de mim, me calou
a boca.

— Chega, Conrad. Essa história já foi longe demais. — Seus olhos


revistaram meu rosto. Sua expressão não era das melhores.

— Olhe seu estado. Sabe lá Deus se não quebrou algo, se não tem uma
hemorragia interna, se vai conseguir enxergar direito desse olho fodido. —
Ele raramente falava palavrão. Aquilo significava muito.

— John, eu… — Tentei me defender, defender minha mãe, achar uma


solução, mas fui interrompido.

— Pai — ele me lembrou. — Meu título aqui é pai. E não me peça para
acreditar em mais uma mentira sua. Essa brincadeirinha de vocês acabou
aqui. Depois do hospital, você vai para casa e eu, para a delegacia.

— Mas minha mãe…

— É adulta. — Ele bateu a porta.

A dor daquelas palavras me bateram em cheio.

Meu peito parecia sangrar, mas eu não podia nem mesmo me encolher para
chorar.

Travando com tudo o que podia, fazendo o maior esforço do mundo, sendo
capaz de quebrar alguns dentes no processo, apertei minha mandíbula e
deitei a cabeça contra o banco. Fechei os olhos, tentando ter um pouco de fé.
Um pouco de calma.

Nada vinha, além do velho e confortável sopro do diabo nas minhas orelhas.

Eu não avisei? Você é um erro — sua voz macia tomou meus pensamentos, e
eu concordei.

— Não adianta ficar com raiva de mim. Você é um Prince, goste disso ou
não. — Meu pai rompeu minha bolha e, naquele minuto, virou minha
cabeça.

Se eu era um deles, por que nunca me senti como um?

Uma semana se passou.

Eu não tinha mais um celular.

Eu não tinha mais nenhuma distração.


Ninguém apareceu para me ver, mas, de alguma forma, isso me deixou mais
confortável dentro da decisão que tomei. Scarlet precisava ficar livre. E
mesmo quando ela, seus beijos, seu cheiro e nossas boas memórias
dançavam pelo meu quarto tarde da noite, eu entendia que não podia mais
sustentar aquilo, ainda mais depois de Isaac dizer que a ruiva tinha ido até a
casa do meu pai falar que estava preocupada comigo pelas agressões, que
Bella também tinha falado uma parcela de coisas que não deveria.

Nenhuma das duas soube calar a boca, mas só consegui me chatear com
Scarlet.

Meio que, Bella e Thomaz sempre estiveram lá, sempre souberam de tudo.

Scarlet não. Para ela, eu apresentei meu mundo. Para ela, eu tinha aberto a
porta.

E junto disso, tinha cometido o erro de acreditar que o segredo estava


guardado.

Quando a irmã dela apareceu em casa naquela semana, eu quase não


acreditei.

Ela e Isaac estavam conversando na cozinha e pararam assim que entrei.

Susan me encarou de cima a baixo, comprimiu os lábios e suspirou.

— Nossa, minha irmã disse que estava ruim, mas não imaginei que era
tanto…

Meu olho já tinha desinchado, o pior agora eram os roxos e, ainda, as dores
musculares.

— Sua irmã disse? — Foi a única coisa que consegui pegar daquela frase.

— É, Scarlet contou para todo mundo como você apanhou do seu padrasto,
de como sua mãe é uma fraca desregulada que…

Eu virei as costas. Mais do que raiva, a decepção me consumiu.


— O que eu disse de errado? — Ouvi a garota perguntar inocentemente ao
meu irmão, mas não fiquei por perto para ouvir o resto.

Como Scarlet podia?

Engoli a raiva à prestação naquela tarde.

Eu a enfiei para dentro em pedaços, junto com as palavras que deveriam sair
quando cruzei com meu pai, mas só consegui fazê-lo depois de um jantar
servido no quarto.

Ouvi o toque na porta e pensei ser uma das empregadas, mas quando olhos
escuros como os meus surgiram, procurando alguma resistência no meu
rosto, suspirei, afastei a bandeja e pedi:

— Entre. — Não tinha outra opção. Estava na casa dele.

— Como está? — Meu pai entrou, fechou a porta e puxou a cadeira que
ficava em frente à mesa de estudos.

— Melhorando.

— Ótimo. Precisamos alinhar algumas coisas. — Seus olhos sob as


sobrancelhas mais grossas que as minhas pareciam cansados. — Você não é
mais uma criança, não é mesmo?

Perguntei a mim mesmo se algum dia eu realmente fui uma.

— Não — respondi, prontamente, mantendo o tom de voz o mais estável


possível. — Mas não é algo que você não saiba, é?

O olhar dele me respondeu. Havia ódio lá, mas nada que me abalasse já que
era completamente e intensamente recíproco.

— Sua mãe está livre da cadeia. Achei que você merecia saber. — Jogando o
corpo para frente, ele apoiou os cotovelos nos joelhos e juntou a ponta dos
dedos enquanto me encarava como se aquela fosse uma notícia ruim.

— Para começo de conversa, ela não deveria ter sido presa e você sabe.
— Conrad, tudo o que eu sei é que ela vem te usando como escudo há anos.

— Não. — Tentei calá-lo.

— E que ela o fez acreditar que eu sou um monstro…

— Minha mãe nunca falou um A de você — rebati, sentindo a raiva sufocar


minha garganta, mais uma vez.

— E, mesmo assim, te fez achar que eu sou o pior pai do mundo. — Minha
respiração ficou ofegante e eu neguei com a cabeça ao ouvir aquilo.

— Não. Você é quem me mostrou que é isso. Eu não deveria ser seu filho.

— Então deveria ser de quem? Daquele bêbado falido que te espancou?


Porque, eu juro, dentre todos desta cidade, eu era a

melhor opção. — A calma de John me irritou profundamente. Joguei os pés


para fora da cama e o encarei.

— O que veio fazer aqui?

Ele endireitou a coluna e me encarou daquela forma superior que eu odiava.

— Vim avisá-lo que, se você quiser, permitirei que sua mãe venha visitá-lo.

O desgraçado me desarmou.

— Como?

— Primeiro, eu quero que você se afaste daquela ruivinha. —

Nada viria de graça.

— Scarlet não é mais um problema. — Eu ainda estava magoado e as notas


disso saíram na minha voz.

— Ótimo. Segundo, eu quero você saindo deste quarto.


Convivendo com todos como um membro dessa família de verdade, como
deve ser.

— E o que mais?

— Você vai chamar seus amigos, conversar com eles e desmentir todas as
histórias mirabolantes que tem contado sobre

mim.

— Eu… — Tentei falar, mas John me interrompeu:

— Não terminei. — Apoiando os cotovelos sobre os braços da cadeira dessa


vez, ele voltou a juntar seus dedos e continuou: —

Você vai voltar a conviver em sociedade, com nomes que importam para o
seu futuro. Vai mostrar orgulho do sobrenome que carrega.

Vai ser um filho modelo.

— E minha mãe? — Fui inocente em perguntar.

— Eu já não disse? Ela poderá vir vê-lo. Uma vez por semana, de forma
assistida no começo…

— E quando vou poder morar com ela?

— Quando Caroline tiver capacidade de ter um teto por conta própria. E,


garantir que você será bem-cuidado. Até lá, você fica aqui.

— Como prisioneiro?

— Como convidado.

Quis rir.

Convidado a uma casa que nunca seria meu lar.

— É pegar ou largar. O que vai ser? — Havia excitação no meio-sorriso que


meu pai deu, e eu não pude acreditar que aquela conversa era real.
Como um pai pode negociar aquelas coisas com o filho? Não era obrigação
que ambos cuidassem de mim, do meu bem-estar?

Engoli a vontade de gritar com ele.

Não era daquele jeito que eu ganharia de John Prince.

Não era daquele jeito que eu faria as coisas melhorarem.

— Me avise a hora. Ficarei pronto, esperando por ela. —

Entreguei os pontos, sabendo que não teria oportunidade melhor.

Quando John passou por mim, saindo do meu quarto se sentindo o melhor
pai do mundo, o vencedor, minha vontade foi bater com a bandeja na sua
cabeça. Só não fiz porque aquilo não me ajudaria em nada, e eu não tinha
mais espaço para guardar as lágrimas que acumulei.

Tranquei a porta, me ajeitei sob as cobertas e, no escuro, sabendo que


ninguém poderia ver, eu chorei.

Chorei por me sentir indefeso.

Por tudo o que tinha perdido, e por tudo o que nunca mais poderia ter.

Chorei pela raiva que queimava nas minhas veias, pelo pensamento impuro
de como resolver isso em um curto prazo.

Pensei em Scarlet. Pensei em Bella. Mas só faria algo quando não


conseguisse mais lidar com o monstro dentro do meu peito.

Por que é que ela tinha que aparecer?


Depois daquela tarde, de ela me abraçar, de pedir uma resposta que eu não
tinha para dar, de deixar seu cheiro na minha roupa, Scarlet dominou minha
cabeça.

Definitivamente, eu quase cedi.

Quase, por muito pouco, não coloquei as mãos em volta de sua cintura.

Não desci o rosto para o dela, beijando sua boca mentirosa, tentando
entender por que é que ela tinha falado aquelas coisas sobre mim, sobre
minha mãe… Por que é que ela não tinha guardado o meu segredo se dizia
que me amava?

O cheiro de capim limão não saiu da minha camiseta.

Seus olhos não deixaram minha mente por nenhum segundo desde que
minha mãe tinha saído, e eu não conseguia dormir.

Algo forte, escuro e terrivelmente poderoso se alastrava pelas minhas veias.

Queimava.

E eu sabia o que era.

Não — rosnei para o monstro que havia crescido dentro de mim. — Não
posso.

Na minha mente, eu vi a cena do demônio que tinha meus olhos, sorrindo,


enquanto arrancava a blusa de Scarlet.

Não — reclamei mais uma vez. — É cedo demais para ela.

Eu não podia negar que queria. Era real, e eu era de carne e osso, mas sabia
dos limites.

Era cedo para você também, mas ninguém ligou, por que você liga? — era
verdade, mas eu não podia acabar com ela só porque tinham acabado comigo
antes.
Porque, por mais que ela tenha me traído, eu não posso quebrá-la, não
posso machucá-la. Eu a amo — doeu admitir aquilo, mesmo na minha
mente.

Então arranque esse amor daí — o monstro respondeu, e como em um passe


de mágica, o corpo, o rosto e o cabelo de quem ele abraçava também mudou.

Era Bella.

E eu conhecia bem o bastante cada curva dela.

Nossa relação era intensa, de carinho e amizade. De sexo, desejo e


cumplicidade.

E mesmo que parte dela ainda teimasse em insistir em algo além da amizade,
nós nunca seríamos mais do que aquilo. Transar com Bella era divertido e
me ajudava a não acabar com mais ninguém. Eu precisava da fúria, do
alívio. Ela precisava do sexo, do carinho.

Era isso e nada mais, e eu nunca menti sobre isso.

Éramos amigos com benefícios. E, depois de tudo aquilo, eu precisava muito


daquele benefício. Fosse para matar Scarlet dentro de mim, fosse para aliviar
a tensão toda que vinha se acumulando.

— Ok. Eu vou fazer isso.

O monstro sorriu em meio às chamas.

Eu me conformei.

No fundo, Scarlet não merecia, e não aguentaria tanta sujeira, tanta desgraça.

E, eu tinha avisado, eu era um erro.

No dia seguinte, no café da manhã, pedi o celular do meu irmão emprestado.

O número de Bella estava gravado nele.


Conrad aqui. Me

encontre

no

parque

mais

tarde, perto das

dezenove.

Por que eu faria

isso?

Porque

eu

preciso. E você

ainda é minha

amiga

com

benefícios.

Esperei cinco minutos para receber uma resposta, mas ela não veio.

Estarei lá.

Mandei só para confirmar que a esperaria.

Mais cinco minutos de silêncio.


Idiota — me xinguei, apaguei as mensagens e devolvi o celular para o meu
irmão.

Ainda assim, eu estaria mesmo lá.

conrad

venha deitar-se ao meu lado, isso não machucará, eu prometo. ela não me
ama, ela ainda me ama, mas ela nunca vai amar de novo.

ela se deita ao meu lado, mas ela estará lá quando eu me for?

theunforgivenII,metallica.

cinco anos atrás

Eu estava certo de que aquilo podia funcionar.

Fumando um cigarro e brincando com a chama do isqueiro enquanto via


Bella vindo na minha direção, fui surpreendido quando

ela, rompendo qualquer barreira que eu tivesse colocado antes, se jogou


contra mim, me abraçando.

— O que é isto? — perguntei, antes de afagar sua cabeça.

— Senti sua falta, desgraçado. — Ela me mordeu o peito e eu ri, me


afastando.
— Eu sei.

— Está melhor? — As mãos dela vieram para o meu rosto e ela se afastou o
bastante para me revistar inteiro. — Meu Deus, achei que você nunca mais
ia abrir esse olho.

— Estou como novo. — Abri os braços, me exibindo como podia.

— Certo. E o que quer? O que quis dizer sobre ser sua única amiga com
benefícios? Achei que você me odiasse, ainda mais depois daquela
mensagem.

Franzi a testa, não entendendo.

— Que mensagem? A de hoje?

— Não. — Ela cruzou os braços. — Está falando sério que não sabe do que
estou falando?

— Eu juro. Que mensagem, Bella?

Ela abriu o celular e me mostrou, quase que esfregando-o na minha cara.

— Eu não escrevi isso. — Fui firme. — Estou sem celular.

— Mas é do mesmo número que me enviou as de hoje, como não eram suas?

Coloquei o cigarro na boca, traguei profundamente e, encarando o céu,


neguei com a cabeça. A fumaça saiu pelo meu nariz, a raiva adentrou
quando respirei de novo.

— Esse número é do meu irmão.

— Isaac… Filho da puta! — Bella xingou. — O que ele queria?

— Eu não sei. — Neguei com a cabeça. — Só sei que quando encontrá-lo,


ele vai precisar ter uma boa história para contar.

— Tá sabendo que ele e a irmã da Scarlet estão saindo?


O incômodo de ouvir o nome dela me acertou. Cocei a nuca e tentei me
manter neutro.

— Eu a vi esta semana lá em casa, a irmã, no caso.

— E a ruiva? Ela estava desesperada atrás de você também, e se eu fizer as


contas direito, você não quis nada comigo desde que começou a sair com
ela, então se me chamou…

— Foi fogo de palha. — Dei a última tragada e joguei a bituca longe,


soprando a fumaça para o lado, antes de passar o braço em volta dos ombros
dela e começar a caminhar. — Já acabou. Ela é muito…

— Nova? Ingênua? — Bella chutou.

— Isso. Não ia funcionar.

— E aí eu sou o prêmio de consolação? Conrad, você é um filho da puta —


quando ela disse aquilo, sorriu.

— Você nunca é um prêmio de consolação, nosso acordo sempre foi claro.

— Estou brincando. Não ligo de você me usar como alívio para sexo. A
verdade é que você também é o meu, mesmo que eu ainda goste de você. Sei
separar as coisas, sou prática. Aproveite isso enquanto não decido se transo
com outra pessoa quando você estiver ocupado.

— Certo, aonde quer ir? — Não queria prolongar o papo e entrar em


assuntos sobre nossa relação que poderiam esbarrar em sentimentos que eu
não tinha para dar.

— Lá. — Ela indicou a roda-gigante. — Posso me aproveitar de você lá em


cima, sem ninguém encher o saco.

— Que seja, então.

Era aquilo que eu mais gostava em Bella. Ela era decidida, e eu não tinha
mais tempo para perder.
— Vamos.

Nós entramos na fila e ela me contou sobre o pai brigando com ela por causa
do carro, falou sobre como arrebentou o portão da mansão, de como bateu
em Isaac e o ameaçou. Me falou sobre como Thomaz estava chateado com a
minha ausência, mas que ele era fechado demais na bolha dele e que sua
casa também não ia bem. Quando foi nossa vez de entrar na cabine, Bella
parecia mais ansiosa do que eu. Passou pela minha frente, se sentou e bateu
no banco ao seu lado.

Soprei o ar dos pulmões, tentando me livrar daquela sensação esquisita de


estar cometendo um erro, e fui junto dela. Quando a trava foi puxada para
nos prender, de repente, eu não sabia mais se queria aquilo.

Meu estômago embrulhou e uma sensação de peso se alojou nos meus


ombros.

— Tudo bem? — Bella perguntou quando nos movemos, subindo.

— Está — menti. — Me fale mais sobre o que fez enquanto não estávamos
juntos nessas férias.

— Não quero conversar. — E direta como era, ela colocou os braços em


volta de mim, me puxando para si.

Primeiro, minha melhor amiga beijou meus olhos, depois meu nariz.

Seu cheiro era quente, bom, mas eu esperava sentir algo fresco e cítrico…

Sai da minha cabeça, porra — xinguei Scarlet mentalmente e abracei Bella


de volta.

— Eu não vou ficar me declarando, mas — ela disse baixo, confessando —


eu senti sua falta. E senti ciúme. Não deveria, eu sei, mas senti. Ainda assim,
eu sabia que você voltaria.

— Bella… — Queria acabar com o papo.


— Não, espere. Eu sei que o que temos não é algo fixo, mas você pode me
preparar para quando for se apaixonar por alguém?

Pode avisar antes? — A boca dela estava contra a minha.

O pedido era justo.

Fechei os olhos e concordei.

— Posso.

— Ótimo. Agora vamos ao que interessa.

Já conhecia a boca de Bella. Seu gosto, suas manias, o modo como ela
ronronava quando o beijo a deixava excitada.

Eu só não esperava aquele choque esquisito e incômodo.

Aquela sensação de que era um erro.

Que porra estava acontecendo comigo?

Eu insisti. Segurei a cabeça dela, aprofundei minha língua na sua e agradeci


por ela corresponder meu empenho, mas a reação de sempre, do meu corpo,
da minha mente, não aconteceu.

Porra. Será que eu estava quebrado?

— Conrad, o quê? — ela reclamou quando eu a afastei.

Era muito tarde para desistir?

Encarei a altura em que estávamos e, para minha surpresa, lá embaixo, eu a


vi.

Os olhos verdes tinham uma grande mistura de tristeza e decepção.

Eu poderia culpá-la?

Nunca.
— Ah, porra… — Bella xingou quando viu o que eu via.

Scarlet saiu correndo.

Eu a segui com os olhos, me retraindo, apoiando os braços sobre a trava que


nos segurava ali em cima.

— Você está gostando dela, não é? — Bella riu de nervoso. —

Essa história de que acabou, que superou e que não é para ser, é mentira.

— Eu… — Não tinha o que dizer.

— Ah, Conrad, faça-me o favor. — Minha melhor amiga estapeou meu


ombro. — Larga de ser idiota. Você gosta dela!

— É, mas eu não posso — admiti, perdendo o cabelo ruivo de vista. —


Então, preciso matar isso.

— Você terminou com ela? Disse que não queria mais? —

Neguei com a cabeça. — Então tenha a decência de terminar o que começou.


Scarlet não é minha pessoa favorita no mundo, mas merece isso. O que
aconteceu com você? Está convivendo muito com seu pai?

— Bella… — avisei que aquele não era um bom terreno pela mudança do
meu tom de voz.

— Desculpe, Conrad. Mas se você vai começar a agir como ele, não precisa
mais me procurar. — Erguendo o corpo para fora, ela fez um X com os
braços.

— O que está fazendo?


— Te dando a chance de não ser um idiota e ir corrigir isso.

Pelo sinal de Bella, a roda-gigante se moveu rápido para que pudéssemos


descer.

— Me ligue quando essa merda estiver resolvida. Vou adorar compensar o


tempo perdido, mas faz isso direito, tá? — Se colocando na ponta dos pés,
ela beijou minha bochecha e acariciou meu rosto. — Até depois.

Quando Bella se afastou, enfiei as mãos no bolso e encarei o céu noturno.

Vinha um temporal por aí e, sabendo que tinha feito merda, não tive
alternativa, a não ser andar logo, fazendo o caminho da casa de Scarlet,
prevendo que a volta para casa seria um caos molhado, já que meu pai não
tinha me liberado o carro.

Aquela sensação no meu peito não passou. Nem o peso sobre os meus
ombros.

Minha mente tentava ser lógica. Eu daria adeus à Scarlet e ambos


seguiríamos em frente.

No futuro, ou ela ou eu não estaríamos mais naquela cidade, e tudo o que


aquele verão tinha proporcionado faria parte de memórias que gostaríamos
de esquecer por saber que, de qualquer modo, nunca teria futuro.

Eu já estava no quarto cigarro quando cheguei em frente à casa dela, mas


antes que pudesse chegar até a porta, estranhei o carro parado do outro lado
da rua.

Era o carro de Isaac.

E por mais que ele e a irmã de Scarlet estivessem saindo, o que ele fazia na
casa delas sem o avô por perto?

Pronto para pegar meu irmão fazendo algo errado e colocá-lo contra a parede
com alguma moeda de troca na mão, eu não fui direto para a porta de
entrada. Primeiro rondei as janelas do andar de baixo, vendo que tudo estava
apagado e que a luz vinha do andar de cima, do quarto de Scarlet.
Se meu irmão estava lá, consolando-a…

Tentei engolir o monstro do ciúme e, como já tinha feito antes, escalei a casa
por fora, tomando cuidado para ser o mais silencioso possível, enquanto ia
na direção do quarto ao lado do de Scarlet, o que devia pertencer à Susan. A
janela aberta me ajudou muito e quando me sentei nela com as pernas para
dentro do cômodo, fiquei quieto, ouvindo o que vinha do quarto ao lado.

— Meu Deus, uma hora dessa minha irmã deve estar em prantos. Você tem
certeza do que aconteceu?

— Eu tô te falando, eu a fiz ir até o parque e fiquei espreitando.

Sua irmã viu Conrad e Bella se beijando. Não fiquei para ver o depois, vim
direto para cá. Queria ser o primeiro a recepcioná-la. —

Ele riu.

— Que tanto vocês estão interessados em Scarlet? — A garota parecia


irritada.

— Não é por ela. É por ele. — A raiva na voz de Isaac me fez ficar ainda
mais atento e meus dedos coçaram, fazendo com que eu pegasse meu
isqueiro do bolso e o abrisse o mais silenciosamente possível para assistir a
chama dançando enquanto o ouvia. — Eu vi

algo que não devia, anos atrás, e Conrad é o culpado de muita merda.

— O que você viu? — Curiosa, ouvi o som dela sentando ao lado dele,
forçando as molas da cama.

— Não posso dizer, baby. Mas sua irmã odiando Conrad para o resto da vida
será uma pequena parcela do pagamento.

— Você acha que ela acreditou naquele vídeo? Eu tenho a mesma altura de
Bella, a peruca que compramos está bem escondida na minha gaveta de
calcinhas, ela nunca vai descobrir…
— Imediatamente, eu me ergui e abri a primeira gaveta da cômoda com
cuidado. Afastei as peças de roupa íntima e encontrei a tal peruca. Ergui
aquilo na mão e senti meu sangue ferver. — Espero que o que ela viu hoje,
junto do vídeo, a faça achar que eles estavam juntos.

Foi automático colocar aquela peça maldita sobre o fogo.

Demorou para pegar, mas logo a chama ganhou força e eu taquei o cabelo
dentro do lixo cheio de papel bem embaixo da janela. A fogueira crepitava e
eu saí do quarto para acabar com aquela festinha.

O plano do meu irmão era sujo demais, e assim que eu saí no corredor, o
ouvi dizer:

— Espero que sim. Consegue ligar para ela? Quero ver logo sua cara ao
descobrir quem é Conrad e que eu não estava errado sobre ele.

Apoiei o braço no batente da porta aberta, vendo Isaac e Susan sentados na


cama de Scarlet como imaginei que estariam, e quando abri minha boca, os
dois se levantaram em um pulo.

— Como você pode dizer quem eu sou, se vai descobrir isso agora? —
Brincando com o isqueiro na mão, olhando para eles dois assustados, dei um
meio-sorriso. — O que foi, Susan? Cansou de tentar chamar minha atenção e
resolveu chupar meu irmão?

— C-conrad — ela gaguejou meu nome. — Não. Quer dizer, não é o que
você está pensando.

Ainda que ela falasse, meus olhos estavam sobre o rosto de Isaac.

Apesar de ser pego no flagra, ele sorria também.

— E você, Isaac? O que acha que está fazendo?

— Eu não tenho que te dar satisfações.

Sua voz, a provocação, a raiva que senti dele, tudo foi ao limite.
Eu não estava em um bom dia.

Eu não conseguia mais me controlar.

Quando respirei fundo, fechei os olhos e tapei a chama com a tampa do


isqueiro, soube que um de nós poderia morrer, mas não estava mais nem aí.

Abri os olhos, encarando meu alvo e, sem esperar, voei para cima dele,
acertando seu corpo, jogando-o no chão.

A irmã de Scarlet gritou.

O meu irmão riu debilmente depois do primeiro soco.

E eu não parei.

Isaac reagiu, tentou me tirar de cima de si, e como era forte, conseguiu.

Ainda assim, eu não desisti.

Destruímos o quarto de Scarlet, mas cego pela raiva, eu mal vi o que


acontecia.

Eu só queria machucá-lo. Eu só queria acabar com ele.

E, felizmente, ele tinha a mesma gana de foder comigo.

Ele me jogou contra a janela, senti minha cabeça cortando, mas aquilo só me
alimentou. Acertei um soco de direita no rosto de Isaac e o empurrei com o
pé para cima da cama. Subi em cima dele, ganhei um soco na costela, mas
não parei de acertá-lo.

O mundo ficou em tons de preto e vermelho sob os meus olhos. Eu queria


mesmo matá-lo.

Nem o grito de Susan avisando que a casa estava pegando fogo nos parou.
Quando a parede do quarto de Scarlet começou a escurecer e as chamas
avançaram para engoli-lo, eu e Isaac caímos para o corredor que também
brilhava em laranja.
Sem conseguir ver outra coisa que não fosse o rosto dele, vacilei sendo
empurrado contra a parede e ele tentou me enforcar.

— DESGRAÇADO! EU SEI O QUE VOCÊ FEZ COM A MINHA MÃE!

Para me salvar, tentei enfiar os dedos em seus olhos. Não adiantou muito, até
que Susan se meteu.

Isaac tentou afastá-la, ela lutou contra ele e a resposta que ganhou foi um
soco forte no rosto. Sua cabeça bateu contra a parede e ela amoleceu no
chão. Consegui me soltar pela distração

dele, mas meu irmão queria acabar comigo tanto quanto eu com ele e Isaac
avançou sobre mim, me empurrando pela escada.

Nós rolamos, caímos, mas mesmo machucados, ninguém parou.

Ele foi o primeiro a se erguer, indo na direção da cozinha.

Quando voltou, estava com uma cadeira na mão e a quebrou contra minhas
costas que ainda não estavam cem por cento. Isaac me chutou, eu segurei seu
pé. O calor era alucinante dentro daquela casa, o ódio também. Puxei o pé do
meu irmão e o virei.

Ouvi o som do osso quebrando e, quando caiu, ele caiu me batendo e me


xingando.

Nós ficamos cegos.

Nós perdemos o tempo hábil daquilo.

Quando percebemos, a casa começou a desabar.

Isaac foi mais esperto do que eu, o desgraçado aproveitou que me afastei da
primeira viga que desceu sobre nós em chamas e, mancando, saiu pela porta.
Eu não tive essa sorte. Bem na hora que ele saiu, o teto da sala desabou.

— Porra, Susan — lembrei-me da garota escada acima, mas não tinha o que
fazer, eu não podia subir. — Porra!
Ainda tentei brigar com o fogo. Pela primeira vez, quis que aquela minha
fascinação fizesse com que eu fosse imune ao calor arrebatador, mas não.

Não era.

Queimei o braço no corrimão, olhando as chamas descendo, comendo o


carpete, dominando tudo. Olhei para cima, sentindo uma angústia e um
desespero sem fim, mas não tinha como eu fazer nada.

Não tinha como salvá-la sem morrer junto, mesmo que parte de mim
estivesse morrendo lá com ela. Tive certeza disso quando pulei pela janela e
vi Scarlet.

Os olhos dela faiscaram.

Fogo e fumaça.

Uma única lágrima rolou marcando o caminho úmido na fuligem em sua


bochecha.

Foi então que eu soube: Scarlet me odiava.

Ela me odiaria para sempre.

E não havia nada que eu pudesse fazer a não ser odiá-la de volta.

Então eu corri.
conrad

se eu não posso deixar você ir, a escuridão se dividirá? pois, a ficção do


amor é a verdade de nossas mentiras. estávamos jogando para valer, mas nós
dois sabíamos o custo. agora, a única saída está na sua caixa em forma de
coração, mas odeio que parecia que você nunca foi o suficiente. estávamos
quebrados e sangrando, mas nunca desistimos e eu odeio ter feito de você o
inimigo, e eu odeio que seu coração foi a vítima. agora odeio que eu preciso
de você.

a n o t h e r l i f e , m o t i o n l e s s i n w h i t e O choque da água gelada


no meu corpo não foi nada comparado ao meu desespero por encontrar
Scarlet. Mergulhei

fundo, meu pulmão reclamou, mas quando vi os cabelos ruivos espalhados


na água, as mãos estendidas e os olhos dela fechados, me esforcei ainda mais
para pegá-la. Passei o braço ao redor da cintura de Scarlet e nos impulsionei
com tudo o que tinha de força para cima. Quando tirei seu rosto da água, ela
não se mexeu.

— Porra, porra, porra! — xinguei, enquanto envolvia seu pescoço com o


braço e nadava para o raso. Fiz o melhor que podia e quando meus pés
alcançaram o chão de lama, eu a peguei no colo, caminhando para fora do
lago com o corpo inerte nos braços.

Atrevi-me a olhar para fora e nunca senti tanto medo antes.

Nunca pensei que a veria daquele jeito, fria, sem reação.

Eu não podia deixá-la morrer.

Scarlet não podia me punir daquela maneira.

Thomaz me encontrou no raso, eu vi meu pai correndo com uma lanterna na


mão na nossa direção. Isaac vinha também. Eu o ignorei. Não podia encará-
lo e perder a cabeça naquele minuto.

Precisava fazê-la viver.


Precisava trazê-la de volta.

Meu melhor amigo me ajudou a levar Scarlet para fora d’água e eu a


coloquei no chão.

— Ela tem pulso. — Thomaz conseguiu sentir.

— Mas não está respirando. — Dava para sentir meu desespero em cada
palavra.

— Tente respiração boca a boca, vai! — ele me incentivou e eu obedeci.

— O que está acontecendo? — Meu pai se aproximou. —

AQUI, MÉDICOS, AQUI!

Não consegui prestar atenção nele, nem no meu irmão chamando por ela.

— Vamos, Red. Vamos. Reaja — pedi depois de inflar o ar por sua boca.

Ela não se moveu.

Thomaz continuou o que fazia e eu tentei mais uma vez.

Água brotou da sua boca, nós tentamos colocá-la de lado.

— VOCÊ A MATOU! — Ouvi Isaac chegar, mas não olhei para ele.

Meus olhos estavam vidrados no rosto branco, molhado, inerte.

Tentei forçar o ar em seus pulmões mais uma vez, mas fui afastando.

Um homem de branco chegou ao lado de Thomaz, outro veio para perto de


mim.

— Afogamento — os dois se comunicaram e começaram a trabalhar.

Caí de bunda no chão molhado, botando as mãos no rosto, completamente


descontrolado enquanto eles expulsavam a água do pulmão dela.
Você não pode morrer — pensei. — Não agora. Por favor, não agora.

Tudo parecia muito rápido ao meu redor, mas o meu tempo mental corria
devagar.

Assisti enquanto colocavam a máscara de oxigênio em Scarlet, quando a


moveram para cima de uma maca de remoção, e me levantei no primeiro
movimento que fizeram.

Eu iria junto dela para o hospital, não tinha nem mesmo o que ser
conversado.

— SE AFASTE, AGORA! — Isaac gritou, vindo meter o peito contra o


meu.

Não pensei duas vezes e o soquei no rosto. O impacto o fez cambalear e meu
pai se meteu entre nós.

— VOCÊ A MATOU! VOCÊ MATOU SCARLET! TODO

MUNDO VIU!

— Cale a boca. Cale a boca. Cale a porra da sua boca! —

comecei em um tom de voz baixo e fui aumentando, até que estava perto
dele, com o punho erguido novamente.

— Conrad — meu pai se meteu, a mão levantada, tentando me parar. —


Scarlet pode mesmo morrer, não é hora disso.

— Eu vou com ela — teimei.

— Não é uma boa ideia agora.

— Vai tentar matá-la no hospital? Vai terminar o serviço, Conrad? — Isaac


voltou a provocar.

Naquele segundo, era demais para mim. Ignorei meu pai, empurrando-o, e
caí matando em cima do garoto loiro que já tinha sangue na boca. Aquele
desgraçado havia fodido a única coisa boa que eu tinha. Se o meu ódio por
Scarlet havia sido alimentado por todos aqueles anos, se ela era o meu alvo
constante, a culpa era dele.

Dele.

E minha.

Consegui acertá-lo mais três vezes antes de nos separarem.

Thomaz me pegou por trás e me puxou.

A raiva me dominava, sentia o ar denso queimando nos meus pulmões. Eu


queria mais e meu irmão também, mas seus amigos deram um jeito de contê-
lo.

— Eu não tenho tempo para isso agora. Conrad, você tem explicações a dar.

Eu tinha?

É, eu tinha.

A visão da última meia hora fodeu com a minha cabeça e só isso me


acalmou.

Isso e ver Scarlet sendo colocada dentro da ambulância que, por um milagre,
tinha conseguido descer até o lago.

— Ela vai ficar bem, não vai? — Foi a pergunta mais inocente que fiz na
vida quando meus olhos cruzaram com os do meu pai.

— É bom que ela fique, porque temos testemunhas demais desta vez para a
sua ficha continuar limpa. — Como sempre, cruel, John Prince não me
poupou.
Eu estava fodido, e não porque tinha medo de ser preso.

Tinha medo de realmente me tornar um assassino e, pior ainda, saber que


tinha matado a única pessoa que me amou com tudo o que tinha para dar, e
além.

Eu ainda estava molhado. Ainda tinha o sangue fervendo, mas estava


abrindo meu carro e me jogando na estrada. Precisava saber que Scarlet
estava bem. Precisava estar lá, caso…

Eu não queria pensar no pior.

Os olhos dela nos meus, sua boca, seu corpo, sua risada que há tanto eu não
ouvia, seu cheiro, suas mãos, tudo dela que bloqueei por anos, tudo o que
evitei lembrar, ver ou sentir, veio como uma avalanche nos minutos mais
tortuosos da minha vida.

Imaginei seu corpo na ambulância. O que diriam ao ver as marcas que eu


tinha causado?

Quando perguntassem o porquê de ela ter caído na água, o que ela


responderia?

Eu precisava estar lá para, pela primeira vez na minha vida, dizer que sentia
muito.

Precisava estar lá para receber minha parcela de culpa.

Daquela vez, eu não correria como uma criança assustada, e quando acelerei
tanto a ponto de encontrar com a ambulância, eu a segui até o hospital sem
pensar duas vezes.
Quando nós viramos na entrada da emergência, parei meu carro de qualquer
jeito, abri a porta, deixando a chave no contato, e desci.

— Preciso saber dela — falei, me aproximando do paramédico que abria a


porta.

— Rapaz, para trás — ele avisou, mas eu não queria obedecer. Queria ver o
rosto de Scarlet.

— Ela está bem? Está viva? — insisti, tentando ver algo além de Scarlet
imobilizada, quieta, com um monte de coisa sobre a boca. — O que é
aquilo?

O homem tentou me barrar e logo dois seguranças tentaram me afastar.

— Garoto, você não pode parar o carro ali. Deixe os socorristas fazerem seu
trabalho. — Ganhei um empurrão como

aviso.

— Mas…

— Mas nada. — Ouvi a voz do meu pai surgindo da ambulância. — Eu vou


ficar com ela, Conrad. Scarlet está viva.

Agora vá se ajeitar, tirar essa roupa molhada… Te ligo se for para voltar
aqui. — Os olhos escuros nos meus eram sérios, cansados, punitivos.

— Pai… — saiu sem que eu percebesse.

— Eu entendo. Mas vá. Se ajude.

Engolindo a contragosto, soquei a lataria do carro mais próximo e, sabendo


que os seguranças estavam de olho em mim, ergui as mãos e dei meia-volta,
indo direto para o carro.

Manobrei no curto espaço que tinha ali, saí do estacionamento puto,


cantando pneu, e dirigi para a velha casa da minha mãe.
Precisava de um banho, de roupas limpas, e então voltaria até ali e ninguém
conseguiria me tirar de lá até que Scarlet acordasse para me dizer
pessoalmente que não queria me ver.

Estacionei o carro na frente da portinha da casa dela, que no momento era


um apartamento sobre uma loja de condimentos, e querendo fugir do
silêncio, peguei o molho de chaves no porta-

copos do carro e desci. Não pedi permissão, não avisei que estava indo, e
quando terminei de subir as escadas, quis muito acreditar que estava
alucinando.

A porta lá de cima, que dava para a sala, estava entreaberta.

Na mesa de jantar redonda, no apartamento claro e bem-ajeitado, estava


minha mãe com uma taça de água nas mãos e ao seu lado, Philip.

Eles riam de algo.

— É bom ver que você está bem — ela disse, galanteadora.

— Eu precisava melhorar, por você, Caroline.

Quê?

Sem acreditar no que via, meti a mão na porta e a escancarei.

— Que porra é essa? — A pergunta entredentes veio tão cheia de raiva, de


mágoa, que minha mãe se atrapalhou e deixou a taça cair.

— Filho, eu…

— Calada. — Ergui a mão com o indicador levantado para ela.

Era a primeira vez que eu sentia algo ruim por minha mãe e não sabia se
aguentaria mais aquela decepção, ainda mais naquele

dia de merda.
— Você — mudei meu foco para Philip —, o que faz aqui?

— Vim visitar sua mãe, como costumo fazer, garoto.

— Phill… — Ela tentou, mas meu ex-padrasto se empertigou.

— Nós ainda nos gostamos, e eu estou tratando o problema com a bebida…

Eu não conseguia acreditar nisso.

Minha vontade de chorar, como não fazia há anos, cresceu no meu peito.

Eu ia explodir.

— Mãe… — Minha voz saiu baixa, eu mal conseguia olhar no rosto dela. —
Que porra é essa?

— Conrad, eu ia te explicar, eu ia…

Fechei os olhos e dei dois passos para trás, saindo do pequeno apartamento,
batendo com as costas contra a parede, já trazendo as mãos para a testa.

— Não pode ser, não pode ser — falei baixo, querendo que uma mágica
acontecesse, que aquilo fosse efeito de muita droga,

que qualquer merda pudesse justificar aquele circo, mas quando ela falou de
novo, eu sabia que era real.

Era real pra caralho.

— Conrad, por favor… — Abri os olhos a tempo de ver o rosto da minha


mãe esculpido em tristeza e solidão. — Eu…
Ela havia me matado.

Meus braços caíram, algo dentro de mim desligou.

Eu não me sentia humano.

— Você é uma puta. — Minha crueldade a atingiu. Ela cobriu a boca com as
mãos. — E eu odeio você — completei, sabendo que a machucava ainda
mais.

Quando desci as escadas, tão rápido quanto entrei, ninguém tentou me


impedir.

Entrei no carro, pronto para ir para lugar nenhum, só sabendo que não podia
continuar ali.

Segurei aquele peso no peito e na garganta até que meu carro fez o caminho
que eu andava evitando. Nem pensei direito quando abri o porta-luvas,
pegando a chave que parecia queimar contra meus dedos e desci com o
corpo molhado contra o vento frio.

A pista de corrida que meu pai havia mexido estava vazia, escura, mas eu
acertei o caminho até a porta do galpão.

O metal rangeu quando eu o empurrei e, ao acender a luz, o impacto do que


vi foi demais.

Na parede onde eu tinha construído uma história com Scarlet, havia um


desenho novo.

Ela não havia apagado o de trás, mas tinha construído sobre ele.

Eram nossos rostos em tons de laranja, vermelho, amarelo e preto juntos em


um beijo.

Como característico da arte dela, sempre havia um texto, uma palavra junto,
e daquela vez, raspado com a espátula por cima do que deveria ser nós,
pequenos infinitos de “eu te amo” estavam espalhados. Se não bastasse
aquele soco que fez a primeira lágrima rolar no meu rosto, a data era ainda
pior. Aquilo tinha quatro anos.

Eu já tinha ido embora há um bom tempo, mesmo assim, ela ainda estava lá
por mim.

— Que porra eu fiz?

Passei as mãos pelo cabelo, atordoado e me agachei.

As memórias me fuzilaram.

As vezes em que fui mais adulto do que todos em volta de mim eram
infinitas, mas foi Scarlet quem pagou quando minha arrogância prevaleceu.
Eu a deixei para trás por mil e um motivos que o meu eu, de dezesseis,
achava válidos.

Eu a odiei por anos, por nada, por um erro meu.

E talvez, agora, fosse tarde demais para recuperar o que eu tinha arruinado.

O que, possivelmente, eu tinha matado.

Se não Scarlet, o seu amor por mim.

scarlet
eu quero você e sempre vou querer. eu gostaria que eu valesse a pena, mas
eu sei o que você merece. você sabe que eu prefiro me afogar do que
continuar sem você, mas você está me puxando para baixo.

oceans,seafret.

Eu estava em choque.

Lembrava exatamente da sensação do meu cérebro dizendo

"Conrad te traiu. Conrad colocou fogo na sua casa. Conrad matou sua irmã".
Mas não conseguia reagir. Não conseguia falar, nem andar, nem chorar.

Era como se tivessem jogado cimento dentro do meu corpo e tudo se


solidificasse rápido demais para que eu agisse.

"Susan está morta." Ouvi minha mente dizer, mas não conseguia processar.

A sensação era de que aquilo era um sonho lúcido, um pesadelo intenso, um


estado de alucinação desconhecido e, por isso, quando me afastaram do meu
avô para o colocarem na ambulância e examiná-lo, fiquei parada na rua,
junto do resto dos vizinhos, olhando para os bombeiros que não conseguiam
apagar o fogo de jeito nenhum.

Foi naquele momento, em que eu me dei conta de que não sabia onde ia
passar a noite, que a mão de John Prince pesou no meu ombro.

— Scarlet, querida. Eu sinto muito. — Lembro-me de erguer os olhos e vê-


lo concentrado no fogo. — Podemos conversar em particular?

Que opção eu tinha? Concordei com a cabeça.

John Prince me guiou para o outro lado da rua, minhas pernas só seguiram,
tanto que eu mal notei quando entramos em seu carro.

— O que aconteceu? — ele disse, após um suspiro, tentando buscar minha


atenção.
Encarei primeiro a traseira do encosto de banco do passageiro e vi a cena
queimando diante dos meus olhos.

— Eu vi Conrad saindo pela janela. A casa já estava em chamas. Minha irmã


morreu lá dentro. — Minha voz era robótica diante do processo de buscar
informações.

Sentia-me uma estranha no meu próprio corpo.

— Você contou isso para mais alguém? — O tom terno e preocupado na voz
do homem ao meu lado não me comprava, mas ele também não me
assustava.

— Não. — Suspirei e encarei o pai de Conrad sentado com as pernas


cruzadas e o braço apoiado no banco, meio virado para mim, me analisando
como se eu fosse um grande experimento que podia dar errado a qualquer
segundo. — Não contei — sussurrei.

— E você vai contar?

Franzi minhas sobrancelhas ao ouvi-lo.

— Minha pergunta é clara. Você vai contar? Porque, se o fizer, Conrad não
tem escapatória. Se souberem o que ele fez, de colocar

fogo em sua casa e causar essa fatalidade com sua irmã, ele será preso.

— Não entendo… — Encarei o que restava da minha casa para o fogo


terminar de consumir. — Por que ele fez isso? Por que Conrad… — Eu nem
mesmo terminei a pergunta. A confusão dentro da minha cabeça fazia tudo
doer. Cérebro, rosto, garganta, peito e estômago. Tudo doía. Principalmente
o coração.

— Scarlet, escute. Sei que está magoada, mas preciso da sua ajuda agora.
Pense no seu futuro, no do seu avô. Sei que Charlie não tinha um seguro, que
mal recebe do governo. Sei que você é uma aluna exemplar, uma garota
bem-educada…
— O que quer, John? — Virei o rosto com os olhos desconfiados, analisando
o rosto do patriarca Prince e o vi dar um meio-sorriso. Seus olhos brilhavam
na fraca iluminação, e por onde ele levava a conversa, sabia que viria algo
pesado.

— Não quero que isso vaze. Não posso deixar meu filho ir preso, e vim
perguntar se você está disposta a aceitar esquecer que viu Conrad aqui hoje
por uma ajuda. — Ele ajeitou o paletó e voltou com a mão para perto do meu
cabelo, pegando uma mecha entre os dedos, me causando estranheza. —
Estou aqui oferecendo ser seu

tutor. Seu avô e você terão um teto, e quando chegar a hora, Charlie terá à
sua disposição enfermeiras, ou uma casa de repouso da melhor qualidade, o
que ele e você acharem melhor. Para você, eu serei como um pai. Ou melhor
do que isso, já que talvez tenha falhado na missão com pelo menos um dos
meus filhos.

— Está disposto a assumir essa dívida só por causa do meu silêncio? — Eu


podia estar abalada, mas não era burra.

— Quero o bem do meu filho, assim como você também quis um dia, estou
errado? Se firmarmos este acordo aqui, se você disser que aceita, Conrad
estará fora da cidade na primeira luz do dia e você e seu avô estarão seguros.

Meu coração se apertou de um jeito tão doloroso que quis me estapear.

— Eu… — Os olhos de Conrad, suas mãos, seu último beijo, tudo passou
pela minha mente naquele minuto e eu me curvei, escondendo o rosto entre
as mãos, querendo ser capaz de não sentir o impacto do que falaria em
seguida. — Eu aceito. Só... só me deixe falar com ele antes dele ir.

— Farei o meu melhor, mas você o conhece…

— Certo. — Respirei fundo, não acreditando que era naquele maldito


segundo que carimbava o meu futuro, e olhei para fora, vendo meu avô
cambaleando para fora da ambulância. — Eu tenho dois pedidos para agora.
Tire meu avô daqui em segurança antes que ele tenha um ataque do coração
e cuide para que Susan tenha um funeral decente.
— Seu pedido é uma ordem. Vou mandar arrumar os quartos de vocês
também.

Eu não agradeci.

Quando desci daquele carro, sabia que não fazia aquele acordo por mim, ou
por meu avô.

Eu fazia por Conrad, para livrar sua cara. Para tentar amenizar as coisas e
dar a chance de ele explicar o que tinha acontecido, já que, nem com ele
acabando com tudo, meu coração conseguia amá-lo menos. Nem com ele
colocando fogo em tudo, não conseguia transformar meu amor por ele em
cinzas.

E depois do mergulho naquela memória desgraçada, depois de encarar o


ponto de virada do meu destino, do que me levou até ali, eu acordei.

— Scarlet, acorde. Respire. Você está no hospital, estamos extubando você.


Você me ouve? — A voz feminina era da mesma pessoa que segurava minha
mão. — Scarlet?

Forcei-me a abrir os olhos, me forcei respirar.

Doeu e eu franzi as sobrancelhas.

— Scarlet, respire. Continue respirando, vamos puxar agora.

E então alguém arrancou o tubo do meu corpo.

A sensação desconfortável me fez chorar. Eu ainda queria dormir, mas


colocaram algo no meu rosto. Tentei afastá-la, tudo incomodava.
— É uma máscara de oxigênio, querida. Você precisa acordar um
pouquinho, precisa respirar por conta própria.

Que sonho esquisito era aquele?

Eu conseguia respirar, não?

Tentei puxar o ar. Doeu. A garganta incomodou muito. Minha boca secou.

Sentia-me pesada, grogue. Pior do que qualquer vez em que usei drogas ou
bebi demais.

Ainda assim, quis obedecer a moça tão gentil e tentei de novo.

— Isso. Mais um pouquinho disso e você pode dormir de novo.

E eu queria muito dormir.

Aos poucos, me acostumei com a sensação do ar passando pelos meus


pulmões e quando ela me liberou para dormir, voltei a descansar, mas aquilo
não durou muito.

Pelo menos, não para mim.

Eu não sabia se já tinha passado uma hora ou quatro desde o momento que
tentaram me acordar, se aquilo era verdade ou um sonho. O que sabia era
que estava cansada de ficar deitada, e incomodada com aquela dor na
garganta. Quis me forçar a acordar e, aos poucos, minha mente ficou mais
consistente.
Minha última memória era da cova.

Terra em cima de mim.

Eu ia morrer? Eu ia ser enterrada viva?

O pensamento me fez sentir o peso do pânico sobre o meu peito e eu abri os


olhos, arregalando-os, buscando por ar. Minha

garganta doía, eu tentei levantar.

— Calma, calma, calma. — Eram as mãos da enfermeira tentando me


manter no lugar. — Senhorita Wright, por favor, se acalme! A senhorita está
no hospital, isso é uma máscara de oxigênio. Você se afogou.

E então, mais rápido do que eu gostaria, a memória veio forte.

O rosto de Conrad, cruelmente belo, acabando com o que restava de mim.

A caminhada humilhante até a praia, os xingos, os julgamentos, o


desespero… O fim.

Foi quando parei de brigar com a mulher e me abracei a ela, agarrando-a o


mais forte que podia, que comecei a chorar.

As lágrimas quentes, grossas e incessantes desceram pelo meu rosto, minha


respiração ficou difícil, minha garganta parecia em brasa, mas o desespero
era tanto que não conseguia me conter, não conseguia me segurar.

Eu não queria morrer. Não mais.

Eu só queria que a dor parasse.

Eu só queria me sentir bem de novo, algum dia, mesmo que agora achasse
impossível aquilo acontecer.
— Está tudo bem, está tudo bem — disse a mulher de branco que eu nem
mesmo vi a face e me acariciou os braços. Mas ela não sabia de nada.

Não estava nada bem, nunca estaria de novo, e a culpa era toda minha.

Levou muito tempo até que eu me acalmasse. Avisei que não queria dormir
de novo, mas ninguém se importou em me ouvir.

Quando aplicaram a medicação no acesso da minha veia, foi difícil brigar


com a força quase sobrenatural que fazia minhas pálpebras se fecharem.

Acordei de novo mais tarde. Sabia que era noite porque só tinha uma luz
mais fraca acesa no meu quarto e não tinha claridade nenhuma vinda das
persianas. Minha boca estava seca, minha língua parecia uma lixa, e respirar
continuava sendo esquisito, dolorido.

A dor na minha garganta não era muito melhor, mas daquela vez, minha
mente confusa não me permitiu pensar muito em nada do presente,
principalmente, quando meus olhos focaram nos girassóis ao lado da minha
cama, espalhados pelo chão do quarto, em cima do sofá.

Tentei suspirar, mas acabei tossindo no processo e, do corredor, surgiu John.

— Você acordou — ele constatou quando viu meus olhos abertos. — Como
se sente?

— Dói. — Minha voz saiu mais grossa do que o normal e eu me incomodei,


apontando para a garganta.

— É, eu sei. — Aproximando-se da minha cama, com uma mão no bolso da


bermuda e a outra segurando um copo de café, ele avisou: — Precisaram te
entubar, é por isso que a garganta dói. E
você precisa ficar com isso no rosto mais um pouco, precisamos ter certeza
de que vai ficar bem…

— Eu… — queria perguntar.

— Não chegou a morrer, mas quase. E eu te proíbo de me assustar assim de


novo. Está sedada há quase quatro dias, ganhou

uma pneumonia de brinde… — Era a bronca mais carinhosa que já o vi dar,


e tirando a mão do bolso, ele pegou na minha perna.

— Me desculpe… — soprei.

— Não precisa se desculpar, só não… Só não tente outra vez, ok? Faço o
que precisar, mas quero minha filha bem.

— John… — Eu não era sua filha.

— Não discuta. — Bebericando seu café, ele tirou a mão de mim e eu quis
sorrir.

— Talvez você devesse ter tido mais meninas.

— Seriam terrivelmente mimadas. — Sentando-se na beiradinha do colchão,


ele suspirou. — Ainda bem que você veio pronta.

— Sou só uma suicida em potencial, não? — Desviei o olhar do dele e voltei


a encarar os girassóis.

— Quer falar sobre isso agora?

— Não. — Neguei com a cabeça, engolindo com dificuldade.

— Eu posso beber água? Minha boca...

— Vou ver com a enfermeira. — Ele já ia se erguendo, quando perguntei:

— De onde vieram essas flores?

— Ah, isso… — O suspiro dele era uma repreensão. — Foi Conrad.


Eu não respondi. Tudo o que saiu de mim foi o pouco ar que minha
respiração curta aguentava manter nos pulmões junto de um tremor que
ganhou meu peito.

Era sério?

Em algum momento da minha vida, aquilo funcionaria.

Para ser mais exata, até aquela última humilhação, aquilo funcionaria.

Mas agora, sobre a cama hospitalar, nem que ele transformasse meu quarto
em um campo de girassóis, eu conseguiria perdoá-lo.

Não dava mais.

Eu precisava me libertar.

Quando John voltou acompanhado da enfermeira, eu precisei perguntar:

— Sabe onde ele está?

— Sei. Na sala da recepção, lá fora. — A informação me fez arregalar os


olhos. — Eu não o deixei entrar, e não vou, a não ser que você queira. — A
sensação de alívio e ansiedade conviveram dentro do meu peito naquele
segundo.

— Não quero. — As palavras pularam da minha boca.

— Então ele não entra. — A cumplicidade que veio de John naquele


momento foi maior do que qualquer outra vez.

Eu não podia negar, era uma merda estar entre os Prince, mas era muito bom
quando me sentia pertencente.
Por longos dez dias, eu fiquei internada.

A pneumonia me fez ganhar uma tonelada de medicações e exames, mas não


podia reclamar.

— Isso é bem comum em casos de afogamento, Scarlet. — O

médico da família Prince me atendia naquele momento. — Ainda mais,


depois de ser entubada. Seu potássio que era o mais

preocupante está ok, o edema pulmonar está sob controle, mas a água suja
daquele lago…

— O tratamento fez efeito? Quanto tempo mais ela precisa ficar aqui? —
John perguntou.

— Bom, pelos últimos exames, ela já pode ir para casa, mas é bom não
abusar. Nada de cigarros, certo? — A olhada acusadora dele na minha
direção me fez encolher os ombros. — Se não cuidar desses pulmões, você
realmente pode complicar as coisas, menina.

Concordei com a cabeça.

Faria mesmo o meu melhor para ficar bem.

— E eu posso mesmo ir?

— Poder, pode. Mas quero você aqui para refazer os exames na semana que
vem. Também vou passar uma medicação para casa, e quero você seguindo
tudo à risca e descansando.

— Eu vou — concordei na hora e John me ajudou.

— E eu mesmo a trarei.

— Ótimo, até porque vou indicar que ela faça fisioterapia pulmonar se não
ver melhora nos próximos exames — o médico disse rabiscando algo no
bloco de papel em sua mão. — Vou deixar as medicações prescritas e cuidar
das coisas para a alta.
Deitei a cabeça contra o travesseiro, relaxando os ombros, sentindo o peso
indo embora.

Finalmente, eu seria gente de novo.

E mesmo que ficar sem fumar estivesse me matando, até aproveitaria aquela
oportunidade para tentar parar de vez.

— Vou sair para você se arrumar. Suas roupas estão ali. — Ele indicou a
bolsa em cima do sofá. — Se agasalhe porque está frio. —

Foi o último recado antes dele sair e a enfermeira entrar.

Livre de tudo sobre minha pele, do acesso em minha mão, finalmente pude
sair da cama. Me levantar rápido fez o mundo girar, apesar disso, me segurei
firme no lugar e percebi que o cansaço, até ficar boa de novo, seria meu novo
companheiro por algum tempo.

Lentamente, respeitando o limite, me vesti, penteei os cabelos e, quando


olhei em volta, pensando no que podia ter acontecido, do que eu tinha me
livrado, decidi sair dali alguém que pudesse me dar orgulho no futuro.

Meu primeiro passo foi abrir a lixeira e enfiar todas as flores lá dentro.

Girassóis significavam felicidade, lealdade e coisas positivas demais.

Girassóis não combinavam mais comigo e com Conrad.

Eu sabia que o veria. Só não sabia que seria naquele estado.

Ao passar pelas portas automáticas que davam para a recepção do hospital,


precisei parar.
Conrad e John discutiam baixo entre si, e quando me viram, pareciam pegos
em algo que eu não deveria ver.

Os olhos de Conrad estavam fundos. A pele, que antes era clara, estava
escura sob os olhos. Quanto tempo será que ele tinha ficado ali?

Meu coração reagiu de imediato, mas não me permiti cair.

Não me permiti ceder.

— Scarlet, vamos? — John veio para mim, a fim de pegar a mala na minha


mão.

— Vamos — respondi sem tirar os olhos do rosto de Conrad. E

quando consegui fazê-lo, ele me chamou.

— Viu as flores que mandei? — Estava a poucos passos de distância.

Eu só queria ir embora, mas não consegui.

Sua voz era séria, baixa, inquisidora, e seus olhos queimavam na minha
nuca.

— Vi. — John me encarou, preocupado, mas minha expressão o


tranquilizou. Virei de lado e encarei Conrad em uma fúria que desconhecia,
até então. — E só não recusei porque estava desacordada quando chegaram.

— Scarlet… — Odiava ouvir meu nome em sua boca, ainda mais depois de
tudo.

— O que você pensou? — Minha voz era fria e mesmo quando seus olhos
estavam nos meus, demonstrando pela primeira vez a guarda baixa, eu não o
poupei. — Que depois de jogar um balde de água e merda em mim, me fazer
atravessar a faculdade pelada duas vezes, destruir meu quarto, me aterrorizar
psicológica e fisicamente, me humilhar em público tantas vezes, que até
perdi a conta, e tentar me enterrar viva, eu ia te perdoar por causa de
merda de uma lembrança sobre como você achava que girassóis
combinavam comigo? — Ri, nervosa, sendo cruel como nunca em toda
minha vida. — Eu não tenho mais quatorze anos, Conrad.

— Eu sei que não, mas me ouça… precisamos conversar.

— Não. — Ergui a mão, impedindo-o de dar mais um passo na minha


direção. — Não temos nada para conversar. Você me deu tudo o que tinha
para dar e eu entendi o recado. — Virei completamente o corpo para ele e
busquei fôlego. Tremendo por dentro, com o coração martelando forte contra
o peito e o rosto aquecendo pela vontade de chorar, minha voz ficou mais
baixa e intensa. — Você não merece meu tempo, não merece meu amor, não
merece nada de bom que eu ou qualquer pessoa tenha te oferecido. — O
choque no rosto do garoto que tinha meu coração era visível. Ele não
esperava, mas eu estava cansada. — Você é egoísta e cruel, mas também é
triste e vai acabar sozinho, e sabe o porquê? Porque todo mundo que te ama,
você só sabe machucar.

— Eu… — perdido, Conrad balbuciou, mas não deixei que ele continuasse.

— Você se parece com um anjo, mas é um demônio. Acreditei uma vez que
você era um deus do Olimpo, mas se isso for verdade,

você seria como Hades — a raiva me fez soltar, entredentes, enquanto uma
única lágrima caía pelo meu rosto. Eu a limpei. — E

eu não vou ser a porra da sua Perséfone. Você queria me odiar, não queria?
Então estou te dando uma oportunidade concreta. Vá, faça de mim a pior de
todas. Me odeie pelo resto da vida, mas me odeie no seu canto, longe de
mim.

— Quem é você? — Ferido, seus olhos se estreitaram e ele deu um passo


para trás.

— O monstro que você criou. Agora lide com isso.

Quando dei as costas a Conrad, sabia que tinha terminado.


Que finalmente tinha colocado para fora o que deveria antes de perder o
controle, antes de deixá-lo tomar conta dos meus sentidos.

E doía. Doía pra porra, mas eu não voltaria atrás.

Passei cinco anos escolhendo-o em vez de olhar para mim.

Suas chances tinham acabado.

conrad

nós perseguimos mentiras mal contadas. nós enfrentamos o decurso do


tempo e eu ainda luto, e ainda luto essa batalha completamente sozinho. sem
ninguém com quem chorar, sem algum lugar para chamar de lar. meu
próprio dom é violado, minha privacidade é revirada e eu ainda encontro
repetindo na minha mente: se não posso ser eu mesmo, eu me sentiria
melhor morto.

n u t s h e l l , a l i c e i n c h a i n s cinco anos atrás.

Quando forcei a janela do meu antigo quarto e pulei para dentro, não
imaginei que seria ali o lugar onde buscaria por abrigo, por proteção.

Vivi um maldito inferno por anos, aguentei calado, suportei o insuportável


dentro daquelas paredes e jurei que na primeira oportunidade que tivesse,
nunca mais colocaria os pés lá, mas lá estava eu, enrolado nas cobertas da
cama onde dormi por anos, assustado como nunca, revivendo todo o
espetáculo desastroso que havia acabado de viver.
Como eu poderia esquecer que no andar de cima daquela casa, uma pessoa
morria e eu não podia fazer nada? Como poderia engolir o olhar de Scarlet e
encará-la quando descobrisse tudo?

Merda, eu precisava colocar a cabeça no lugar. Precisava respirar, pensar,


descobrir o que faria em seguida.

Meu braço ainda latejava pela queimadura e uma bolha ganhava forma nele.

Quando finalmente me acalmei um pouco, a primeira coisa que fiz foi ir até


o banheiro e me lavar na pia. Aquela merda ia ficar feia, mas era só mais
uma cicatriz no meio de tantas outras.

O peso dela é diferente, idiota. Dessa vez, é o lembrete de que você errou.
De que você é feito da mesma matéria dos que tanto odeia — o diabo soprou
nos meus ouvidos, e com as mãos contra a porcelana branca, vendo a água
ficar escura conforme eu limpava a fuligem do corpo, não consegui
desmentir. Não consegui me defender daquelas acusações.

Encarei meu reflexo no espelho, tomando coragem de olhar nos meus


próprios olhos e tentei me redimir da culpa.

— Respire fundo, você só precisa explicar o que aconteceu.

Foi tudo acidental. Não foi você quem matou a garota… — disse para mim
mesmo, como se fosse meu melhor amigo, e tentei me obedecer.

O ar entrou pelos meus pulmões, fechei os olhos e aos poucos os nós no meu
estômago foram se soltando.

— Ok, pense — insisti, mas não vinha nada.

Nenhuma possibilidade decente de me livrar daquilo tudo.

Antes que eu conseguisse me desesperar de novo, ouvi as batidas na porta da


frente e fiquei alerta quando a voz do meu pai chamou por mim.

— Conrad, eu sei que está aí. Abra. — Ele não parecia nada amigável.
Qual era a chance de eu fingir não estar?

— Conrad, se você não quer se meter em mais problemas, abra essa merda.
— Raramente John Prince falava palavrão, e impelido pela ideia de que,
daquela vez, ele poderia ser um pai decente, eu abri.

Seus olhos escuros como os meus foram mais cruéis do que nunca.

— O que é que você fez? — O julgamento, o desprezo, o nojo.

Tudo impresso em seus olhos, em sua voz, em como passou por mim
medindo a casa. — Sente-se. — Não tive tempo de me recompor para
rebater. Quando ele puxou uma das cadeiras, eu já estava sentado na outra à
sua frente.

Na luz vinda do banheiro, nenhum detalhe do rosto do meu pai me escapava.

Era esquisito vê-lo ali. Ele não combinava de jeito nenhum com o cenário.

John Prince nunca devia ter colocado os pés em algum lugar onde o piso não
fosse mais caro do que toda aquela construção.

— Conte, do começo. Preciso saber exatamente o que aconteceu.

— Você já se encontrou com Isaac? — consegui perguntar.

— Estou perguntando sua versão dos fatos. Aproveite enquanto ainda tem a
chance de me contar.

Engoli o medo em seco e juntei as mãos no colo, evitando o olhar dele.

— Fiz uma merda, achei que pudesse resolver as coisas com Scarlet, com
Bella. Mas parece que seu outro filho estava determinado a fazer as coisas
mais difíceis. Ele e a irmã de Scarlet estavam saindo e trabalhando juntos em
uma história insana querendo me foder. Eu acabei saindo com Bella, Susan e
Isaac deram um jeito de Scarlet ver e quando fui até a casa dela para encerrar
as coisas como deveria ter feito, vi o carro de Isaac lá. —
Ri, sem graça, pensando que deveria ter esperado Scarlet do lado de fora da
casa. Idiota. — Tinha algo estranho e eu escalei a casa…

— Já tinha feito isso antes? — Ergui a sobrancelha ao encarar meu pai.

— Qual a relevância disso?

— Responda. — O tom exigente sob os olhos impacientes me fez ficar em


silêncio por alguns segundos.

— Já. Mas não fiz nada de errado.

— Conrad, pelo amor de Deus, essa garota tem quatorze anos! — Meu pai
levou aquilo para um lado que eu não gostaria de entrar.

— E eu não fodi com ela! — Aumentei o tom de voz também, rebatendo. —


Não faria isso, eu… — e quase em um sussurro, completei —... eu realmente
gosto dela.

Nós dois suspiramos.

— Entrei pela janela de um dos quartos, ouvi toda a conversa de Isaac com
Susan, e acabei colocando fogo em algo… Foi no impulso, sem querer. —
Afastei a cadeira, me curvei um pouco, apoiando os cotovelos nos joelhos e
massageei minhas têmporas.

— Juro que coloquei fogo só na lixeira, mas deve ter pegado em algo que
não vi. — A raiva dominou minha voz. — Pelas coisas que ouvi, estava
nervoso e não pensei direito antes de ir até os dois.

Acabei brigando com Isaac. O fogo se alastrou enquanto isso, a garota tentou
nos separar na hora que Isaac tentava me enforcar e ele a socou também. Sua
cabeça bateu tão forte contra a parede

que ela desmaiou na hora. Depois disso, nós rolamos escada abaixo, foi uma
loucura do caralho… — Eu não queria mais falar.

— E?
— E seu filho tentou me matar — ergui os olhos para encarar meu pai —,
ele me culpa por coisas que aquela sua mulher imunda fez. Ele sabe, pai.

Foi a vez dele engolir em seco.

— Continue.

— Se eu não tivesse machucado o pé de Isaac, ele teria largado a mim e a


garota lá para o fogo queimar, mas não. Ele conseguiu se arrastar para fora
da casa antes de algumas vigas do teto desabarem e fugiu. Eu ainda fiquei lá,
eu ainda tentei salvá-la…

— Ergui o braço, mostrando a queimadura. — Mas não tinha como subir


sem morrer também. — Havia lágrimas nos meus olhos, mas eu não as
repeli. Ajeitei a postura, limpei o nariz e fitei meu pai. —

Quando consegui sair pela janela, vi Scarlet.

— É, ela te viu também.

— Eu sei.

— Que bom que sabe. — Ele soprou o ar e apoiou os cotovelos na mesa. —


Porque agora, Conrad, você vai precisar ir

embora.

— Como? Eu não tive culpa, foi tudo um acidente! Eu não matei ninguém!
— Me ergui, me afastando da mesa, me sentindo encurralado.

— Como vou explicar isso? A garota te viu lá, ela só sabe que você, que
adora brincar com fogo, estava na casa dela em chamas, e que a irmã dela
morreu lá dentro. No momento, ainda está em choque, mas o que você acha
que vai acontecer quando passar? O

que acha que vai acontecer com nosso nome, com nossa honra, quando você
for acusado por todos os crimes que ela era a única testemunha?

— Mas eu…
— Alguém viu Isaac saindo de lá? — meu pai me interrompeu.

— Não sei…

— Então você não tem como provar ser inocente. Isaac vai dizer que estava
em outro canto da cidade, que quebrou o pé, que nunca poderia fazer nada
do tipo. A garota morta não vai poder te defender agora. Scarlet está
processando, e quando a raiva chegar…

— Ela não faria, você não a conhece. Me deixe falar com ela.

— Eu não a conheço? — A risada amarga dele me atingiu e matou minha


última esperança. — Conrad, se eu não a conheço, como é que consegui um
acordo com a menina antes de vir até você?

— Oi?

— É. Acabei de fazer um acordo com Scarlet. Ela se mantém em silêncio


para o resto da vida e eu serei seu tutor. Cuidarei do futuro dela e do avô em
troca de ela nunca abrir a boca sobre você.

Meu pai me bateu da forma mais crua e poderosa que poderia.

Aquilo doeu mais do que qualquer machucado físico.

Nem que ele tivesse arrancado meu coração do peito, poderia doer mais.

— Mas…

— Não tem mas, nem mais. Temos uma adolescente confusa, órfã, que
acabou de perder a irmã em um incêndio causado pelo namoradinho que
quebrou seu coração mais cedo. O que é que você acha que vai sair disso?

Minha mente viu em vermelho e eu virei de costas, apoiando as mãos na pia,


trazendo o rosto de Scarlet enquanto via tudo pegando fogo.

Seu olhar tinha tristeza, tinha raiva…

Minhas pernas quase perderam a força quando aquilo me atingiu.


Meu pai tinha razão.

— É só mais alguém que tem interesses em jogo, sorte sua que pude brincar
com eles — John Prince, o carrasco, anunciou quando se levantou.

Ele não viu a última lágrima, a mais dolorosa, escorrer pelo meu nariz e
pingar sobre a pia.

— O que eu faço agora?

— Você fica aqui. Tome um banho, faça suas malas. Amanhã sua vida nova
começa.

— Não — briguei, a raiva ganhando espaço no meu peito quando me virei


para vê-lo.

— Não?

— Antes de eu ir embora, antes de eu contar o que seu filho bonzinho


realmente fez e levantar a suspeita, você precisa cuidar da minha mãe.

— Conrad, eu…

— Isso não tem negociação. Ou você cuida dela, ou todo mundo vai saber de
tudo, inclusive, do que eu passei por todos os anos aqui e na sua casa. — A
ameaça era genuína.

— Nem todo mundo vai acreditar.

— Eu não preciso que acreditem, só pela possibilidade, imagine como vão


falar da sua falecida esposa nas rodas da alta sociedade, onde ela era um
membro tão querido?

Vestindo a máscara que usou por todos aqueles anos quando ficava
desconfortável, ele ajeitou a gravata e o terno antes de me responder:

— Farei o possível.

— Então amanhã, seja lá a hora que precisar ir, me avise.


Ele ia sair sem dizer nada, mas da porta, se lembrou de algo e parou.

— Scarlet pediu para ver você antes de ir.

— Não quero. — Era real, firme, a melhor decisão a tomar. —

Se ela aceitou sua proposta antes de falar comigo, ela sabe que não há
chance de eu ouvi-la.

— Boa noite, Conrad. — Com as mãos no bolso, sem paciência para mais
problemas, ele foi embora.

E em dezesseis anos, aquela foi a pior noite da minha vida.

Eu preferia mil vezes nunca ter olhado nos olhos de Scarlet.

Preferia mil vezes nunca ter sentido absolutamente nada das coisas boas, se
fosse para perder tudo daquele jeito.

scarlet

se você me disser que está indo embora, eu facilitarei. vai ficar tudo bem. se
não podemos parar o sangramento não temos que repará-lo, não temos que
ficar.

i t ’ l l b e o k a y, s h a w n m e n d e s cinco anos atrás

Meu avô não lutou contra a ajuda de John Prince.


Sinceramente, nem eu. Estávamos cansados, destruídos, consumidos pelo
fogo junto da casa. Porém, ao contrário de Susan que tinha partido, éramos
nós que sofreríamos as consequências.

Passei a noite em claro na mansão Prince, pela primeira vez em um quarto


que disseram que se tornaria meu, mas levantei antes do sol raiar e caminhei
sozinha até os escombros do que era minha casa.

A equipe do corpo de bombeiros ainda trabalhava.

Tinha fumaça saindo do que sobrou da casa, mas não havia nada em pé.

Parei na calçada, observando de longe, enquanto os últimos homens


trabalhavam e ouvi quando um deles finalmente achou o que sobrou da
minha irmã.

Não consegui derrubar nenhuma lágrima quando o corpo de Susan foi


movido para um pedaço de plástico preto. No fundo, me recusava a acreditar
que aquilo era real, que aquilo era culpa minha.

Se eu não tivesse provocado, se eu não tivesse me envolvido com Conrad


naquele verão, ele não teria motivos para ir até a minha casa e acabar com
tudo daquele jeito.

Mas, por mais que doesse, algo em mim gritava, desesperadamente,


alucinadamente, alto como só os sinos de igreja são capazes de ser, que
Conrad merecia o benefício da dúvida. Que ele precisava disso.

Quando os bombeiros finalmente deixaram a cena, a polícia não se


preocupou em ficar no lugar. E sem ninguém para me barrar, atravessei a
faixa amarela de atenção e avancei por entre a confusão escura que agora era
minha antiga casa.

Meus olhos vasculharam em volta, procurando qualquer coisa que tivesse


sobrado, qualquer coisa que restasse, mas não havia nada além de fuligem e
desastre.

Meu coração se apertou. A dor quase física me atingiu.


Eu resisti.

Engoli a vontade de chorar, engoli a memória de Conrad pulando para fora


da janela, das escadas que rangiam, do sofá onde vovô me cobriu um bilhão
de vezes e as enfiei em um canto escondido da mente, onde fosse difícil
acessar, onde sentia que aquilo não me destruiria.

— Scarlet? — Ouvi uma voz conhecida e, tão parecida com a voz de


Conrad, não pude deixar de atender. Infelizmente, quando meus olhos
fixaram Isaac, o desânimo me atingiu.

Ele ergueu a mão e, com muito custo, me obriguei a caminhar até ele. Foi
nesse minuto que me senti pisando em algo escorregadio e quando olhei para
baixo, vi a prova do crime.

Escondido sob uma pilha de cinzas, estava o isqueiro de Conrad.

O fogo não o havia danificado por um milagre, e sutilmente, eu o


escorreguei para dentro do bolso do casaco maior que eu que usava. Respirei
fundo, tomando coragem, e me ergui, voltando a caminhada na direção de
Isaac.

— Oi — cumprimentei baixinho, mantendo as mãos no bolso quando


cheguei perto dele, com o isqueiro bem apertado entre os dedos. — Fiquei
sabendo do seu acidente, como está sua perna? —

Franzi os olhos graças ao sol que castigava meu rosto com sua luz.

— Uma torção grave, vou precisar ficar imobilizado, mas como meu carro é
automático, não estou tão ferrado assim. — Ele abriu a porta do carro, com
dificuldade pousou a bota preta no chão e se ergueu. Isaac não me deu tempo
de dar um passo para trás.

Quando sua mão firme me puxou para si pelo braço, fui encaixada em seu
peito e fiquei imóvel ali. — Eu sinto muito por sua irmã, Scar…

— Susan deve estar gritando com Deus neste minuto, dizendo que Ele levou
a irmã errada. — Ri sem graça e senti as lágrimas escapando
silenciosamente pelos cantinhos dos olhos. — Mas tudo
bem, talvez ela tenha razão desta vez. — O embargo da minha voz fez Isaac
me apertar contra si.

— Vai ficar tudo bem…

Concordei com a cabeça e, quando me controlei, fazendo o choro parar,


consegui me afastar.

— E, você sabe do seu irmão? — Desviei os olhos para os meus sapatos. Era
o único par que eu tinha agora. — Sabe de Conrad? — A vergonha de
perguntar me atingiu. Minhas bochechas ferveram.

— Eu ouvi algo… — Ele pareceu incerto em me dizer.

— O quê? — Meus olhos, esperançosos, grudaram em seu rosto.

Isaac parecia preocupado. Olhou em volta na rua, tendo certeza de que


ninguém mais nos ouvia e sussurrou para mim:

— Ele foi atrás do meu pai ontem. Disse coisas absurdas de você, coisas…
— Ele parecia com vergonha de repetir.

— O quê? — Estrangulada, a pergunta saiu da minha boca mesmo sem eu


querer realmente saber.

— Ah, Scar. Eu sinto muito.

— Isaac — engoli qualquer medo e endireitei a coluna, firmando minha


postura —, me conte. Me conte agora.

— Eu acho que seria melhor ele te dizer, mas meu irmão assumiu que foi ele
quem matou sua irmã, que colocou fogo na casa… E foi por isso que meu
pai veio aqui, foi por isso que veio fazer o acordo com você. Neste
momento, acho que Conrad já está de malas prontas para ir embora e se
livrar das consequências de ter, você sabe, arruinado tudo.

— Não. Ele não… — Parei antes de continuar negando.


Ele sim, Scarlet. Ele fez — minha mente assumiu e fechei os olhos,
engolindo aquilo com o sabor mais amargo que já havia sentido na boca.

Minhas lágrimas mais grossas molharam meu rosto e eu precisei de alguns


minutos em silêncio antes de cair. Quando desisti de tentar segurar tudo,
Isaac me abraçou.

— Está tudo bem, garota. Está tudo bem. Nós vamos cuidar de você. Vamos
te deixar inteira de novo, ok?

Eu achava impossível ele conseguir, já que sempre faltaria um pedaço meu.

Um pedaço que pertencia a Conrad, e sempre seria dele.

— Como você tem tanta certeza de que ele vai estar lá? —

perguntei mais uma vez, incerta de como tudo seguiria se aquele plano desse
certo.

— Você não me viu ligando para o meu pai? Ele disse que Conrad está se
despedindo da mãe. É sua chance. — Isaac estava acelerando mais do que
devia pela via, mas não reclamei.

Ele realmente precisava ir rápido, se eu quisesse ter uma chance.

Alisei o cinto de segurança um bilhão de vezes no trajeto, incerta do que


aconteceria.

Outras bilhões de situações possíveis passaram pela minha cabeça. Diálogos,


ações, olhares e toques. A ansiedade fez as borboletas no meu estômago se
agitarem como nunca, ainda assim, eu rezei.
O carro de Isaac entrou pela rua de pedras cantando pneu.

O posto de gasolina onde a mãe dele trabalhava estava vazio, a não ser por
um carro preto parado ao lado da porta da conveniência, e chegamos perto o
bastante para ver Caroline abraçando o filho.

O rosto dela era uma máscara inquebrável, molhada pelas lágrimas de


tristeza, da validade de sua incapacidade de ser uma boa mãe para o meu
menino quebrado. Eu teria começado a chorar naquele segundo,
compartilhando aquela dor, se meus olhos já não estivessem molhados
demais de tudo antes.

Isaac não foi discreto quando estacionou, e pude ver o olhar de Conrad
atento a nós quando se afastou da mãe. Aquele olhar…

Tentei soltar meu cinto, mas paralisei vendo o alerta ali. Era um claro “não
se aproxime” no rosto machucado de mandíbula travada, lábios comprimidos
e sobrancelhas franzidas.

Havia desprezo em seus olhos. E, surpreendentemente, quando fitou a mim,


ódio.

Engoli em seco o medo, querendo muito o poder de ler mentes naquele


minuto, mesmo que a de Conrad parecesse ser resistente a qualquer força
sobrenatural.

A crueldade em seus olhos escuros me consumiu.

Parte da minha coragem desapareceu.

Conrad saiu de perto da sua mãe, e só depois disso minhas pernas pareceram
querer responder ao comando de se mover.

Abri a porta do carro, mas já era tarde. Enquanto eu descia, Conrad se


ajeitava no banco do passageiro do outro carro e Caroline ficava lá plantada.

Como ela conseguia?

Era ELE indo embora!


Aproximei-me da janela dele, não conseguindo ver nada do lado de dentro,
graças ao vidro fumê, mas não desisti.

— Conrad… — chamei baixinho, quase num sopro.

Minha visão nublou graças às novas lágrimas. Minha garganta ardeu


violentamente por tudo o que segurava. Meu peito queimou.

— Por favor, precisamos conversar — choraminguei um pouco mais alto,


mas ele não me deu uma chance.

Ele nem mesmo abriu o vidro.

— Conrad, por favor — implorei, dessa vez tentando abrir a porta trancada.

O carro começou a se mover e, sem pensar em uma alternativa, caminhei ao


seu lado, batendo no vidro escuro.

Eu faria aquilo até meus pés sangrarem ou ele decidir parar.

Eu esperava que a segunda opção acontecesse antes da primeira.

— Não vá embora, por favor, não vá embora — insisti, acelerando o passo


junto da velocidade do carro.

Mas não adiantou.

O motorista não parou.

Conrad não desceu.

E quando dei por mim, estava correndo o mais rápido que aguentava. O
máximo que minhas pernas podiam, tudo para vê-lo continuar como se eu
não valesse nada, como se não se importasse.

Ele nem mesmo olhou para trás…

— CONRAD! — meu grito era agudo, alto demais para qualquer um


ignorar.
Menos para ele e seu coração inexistente.

Aquilo doeu. Doeu mais do que quando meus pés falharam, do que quando
caí no chão e o vi desaparecer pela estrada.

Ele foi embora — pensei, desesperada. — Eu estou sozinha, abandonada


por Heathcliff.

Não consegui me levantar, não consegui pensar em nada além de quão


desgraçada eu era.

Não conseguia dimensionar o quão acabada eu estava.

Só sabia chorar.

Só sabia que não havia nada depois daquilo.

E que se ele precisava ir embora, mesmo depois de me machucar como


ninguém antes, tudo bem.

Eu o esperaria.

Esperaria para sempre, se precisasse, se tivesse a certeza de que o veria de


novo.

Essa foi a única coisa que me fez levantar.

conrad
Então eu afogo isso como sempre faço dançando pela nossa casa com o seu
fantasma, e eu o persigo, com um tiro de verdade.

dançando pela nossa casa com o seu fantasma.

ghostofyou,5secondsofsummer

— Chega disso, pelo amor de Deus. — Bella arrancou a coberta de cima de


mim. — Vai, levanta. O mundo tá lá fora girando e você vai ficar aqui tendo
pena de si mesmo até quando?

Como um furacão, ela partiu para abrir as cortinas e a janela do quarto.

O vento frio do meio de novembro arrancou minha última parcela de bom


humor.

— Porra, me deixa quieto. — Escondi a cabeça embaixo do travesseiro


novo.

— Não! — gritando, Bella veio para cima de mim. — Vai, levanta. Você tá
podre, precisa de um banho, de um copo de café e de uns tapas na cara. Se
não levantar em dois segundos, a ordem vai ser invertida. Anda, Conrad!

Empurrei a garota magricela de cima de mim com uma mão só, mas ela
aproveitou a deixa e me mordeu. Seus dentes cravaram com força no meu
braço.

— Caralho, isso dói, porra! — reclamei nervoso enquanto me sentava.

— Foda-se. Pelo menos está acordado. — Vi Bella cruzando os braços,


impaciente como se eu fosse uma criança.

— Vai decidir viver ou vai continuar aí lambendo suas feridas?

— Você não sabe do que está falando. — Minha voz mais grossa a fez
erguer as sobrancelhas.

— Ah, não sei? Espera, vamos ver o que eu perdi. —


Contando nos dedos, começou: — Primeiro você foi enganado por

seu irmão, depois deixou seu irmão e seu pai manipularem todo mundo junto
da cabeça vermelha. Aí você teve que ir embora e quando voltou, começou a
se vingar, a garota não aguentou, tentou se matar e aí, como em um passe de
mágica, você, o cara que nunca dá para trás, se enfia neste quarto e parece
que morreu e esqueceram de enterrar. O que está faltando aqui?

— Bella, me dá cinco minutos?

— Dois. — Ela recuou. — Vá escovar os dentes e tomar um banho antes de


me explicar o que está acontecendo.

Esfreguei o rosto, bufando, sem opção, e olhei em volta.

— Onde está Thomaz?

— Cuidando da vida dele, mas eu não tinha nada mais importante, então vim
cuidar da sua. — Ela deu de ombros. — Vai, anda logo, chuveiro. —
Apontando para a porta onde eu deveria ir, minha melhor amiga me fez
sentir com três anos de idade.

Mas ela não estava errada. Eu não conseguia mais me encaixar, não
conseguia entender.

Estava quebrado. Brutalmente fodido. E não queria ver.

Não queria encarar.

As últimas palavras de Scarlet ainda dançavam na minha cabeça, assim


como o fantasma do passado, do que fomos um dia.

Era demais pedir para voltar lá e acabar com tudo, antes que um fosse capaz
de magoar o outro da forma como aconteceu?

Sabia que era.

Escovei os dentes no chuveiro e tomei o banho mais gelado possível.


Quando saí com a toalha enrolada na cintura, Bella me encarou, medindo
meu corpo de cima a baixo e suspirou.

— Sua versão adulta está de parabéns. — Ela foi a única capaz de arrancar
um sorriso meu. — Deixe de besteira, venha, sente aqui.

Sem alternativa, fui em sua direção e fiz como ela pediu, apoiando os


cotovelos nas coxas, sem ânimo para nada.

— O que quer saber?

— Tudo. Thomaz disse que você virou uma chave, do nada.

Quero entender o que aconteceu desde vocês terem transado.

Aliás, você tem certeza de que ela era virgem? — Os olhos castanhos
estavam vidrados no meu rosto, mas eu não conseguia encará-la.

— Scarlet não fez o que achei que tinha feito. — Dizer aquilo em voz alta
me fodeu. Suspirei pesado, meu peito tremeu. — Na verdade, estou certo de
que tudo o que joguei em cima dela por todos esses anos, nunca foi
realmente sua culpa.

— Conrad, a garota usou o que aconteceu para subir na vida.

Você precisou deixar sua mãe, precisou mudar de país, tudo por causa dela…
— Bella não entendia, e foi nessa hora que eu a encarei.

— Não, Bella. Você não percebe? — Ri de desespero. —

Scarlet nunca abriu a boca para falar sobre mim, ou sobre minha mãe.
Scarlet nunca contou a ninguém sobre ter me visto saindo da casa, e mais do
que isso, ela não tentou subir na vida. Isaac a amarrou. — Como eu podia ser
tão burro? — Naquela noite, eu realmente tirei a virgindade dela. Isaac
estava puto do lado de fora do quarto antes de ir até você. E ele disse tanta
merda… — Minha boca amargou. — Não sei se fui mais idiota de acreditar
nele ou de descontar tudo nela. — Escondi o rosto nas mãos e inflei as
bochechas na hora de soprar o ar. — Meu cérebro parece que vai explodir.
— Ok, vamos jogar com a possibilidade de Scarlet ser — ela fez aspas com
as mãos — “inocente”. Você fez tudo isso pela sua

mãe, Conrad.

— Mãe que, na noite em que Scarlet se afogou, descobri que ainda sai com o
cara que nos espancou minha vida toda.

— O quê? — Foi a vez dela entrar em choque. — Tem certeza disso?

— Bella, eu os vi. — A raiva na minha voz entregava tudo.

— Puta que pariu… — Minha amiga me abraçou e ficou quieta por alguns
minutos, pensando junto comigo. — É, você se fodeu.

Quis rir.

— Obrigado. — O sarcasmo na minha frase quase a queimou.

— Ok, não sei dizer o que faria agora. Provavelmente, eu teria batido na sua
mãe.

Olhei para ela de soslaio, mas Bella não ligou.

— Porém, finalmente, você está livre.

— Como?

— Conrad, pelo amor de Deus, você não é burro, ou é? Chega de se


sacrificar pelos outros. Sua mãe é adulta, tem livre arbítrio, e se ela prefere
sair com o cara que quase matou o filho dela… Bom, é escolha dela, e não
sua. Você fez sua parte. Na verdade, muito

mais que sua parte, né? Porque, de onde eu vim e do que entendo, os pais é
quem devem cuidar dos filhos, não o contrário. Você não pode mais ser o
super-herói da sua mãe, nem de mais ninguém.

Você é maior, vacinado, o que sua mãe tinha de obrigação com você já foi, já
era. Vocês fizeram o melhor com o que tinham e, cara, olha só pra quem
você se tornou, mesmo no meio da merda?

— Você não entende…

— Não. Quem não entende é você. Todo mundo na vida vai arcar com as
consequências das escolhas, Conrad. Deixa sua mãe viver as delas e cuide
das suas. Inclusive, chega disso de brincar de Breaking Bad, né? Você já fez
dinheiro o bastante para se manter pelos próximos anos. Que tal se formar, ir
atrás de um laboratório que invista em pesquisa decente, que te dê respaldo
para ser o novo garoto de ouro do mercado farmacêutico? Porque, apesar de
você hoje controlar seu pai e sua mãe pelo poder que isso te traz, a longo
prazo, você vai desperdiçar tudo se for preso.

— Quando é que você ficou tão inteligente?

— Eu sempre fui. — Ela fez charme, batendo os cílios. —

Fiquei mais ainda quando deixei de ser apaixonada por você. — Era
brincadeira, mas tinha um fundo de verdade.

Bella sabia o que queria e mandava em seu coração como eu nunca vi


ninguém fazer.

— Sério, você sabe que tem tudo o que precisar de mim, sempre.

— Obrigado. — Deitei a cabeça sobre a dela quando a garota se apoiou no


meu ombro.

— E agora, o que vai fazer?

— Ceder um estoque grande ao meu pai, pegar o dinheiro da venda e tomar


um rumo na vida — desabafei.

— Que seria?

— Não sei… — Encarei nosso reflexo no espelho.

— Você ainda gosta dela, não gosta?


— Isso importa?

— Só se você quiser que sim.

Dei um meio-sorriso e acariciei a coxa de Bella.

Ela era a certeza de que família e parente eram coisas absurdamente


diferentes.

Tentei me manter fora do radar de todo mundo enquanto não conseguia


controlar a raiva no meu peito. Ignorei cada uma das tentativas de contato da
minha mãe. Cada ligação, cada mensagem, cada pedido para que eu fosse
vê-la.

Não conseguia suportar a ideia de olhar para ela, não depois de tanto…
Aquilo sim era traição. Aquilo sim era agressão. Ela deveria saber das
consequências.

Meu pai me pressionava sobre mais mercadoria e eu avisei que trabalharia


para entregar tudo o que tinha, e que precisava de uma reunião antes.

Já Scarlet…

A cada pausa que dava no laboratório ou entre as aulas, meus dedos


coçavam para digitar algo, para tentar descobrir como ela estava, mas era
estranho que agora eu a visse como igual. Antes, era como se ela estivesse
bem em se manter submissa, que eu fosse o sol do seu universo, mas depois
daquelas palavras raivosas, do que forcei ela a se tornar, não sabia se estava
pronto para

encará-la sem estar pautado sobre a pilha de mentiras na qual me apoiei nos
últimos anos para justificar querer destrui-la.
A verdade era que, talvez ela tivesse sido o meu alvo principal porque ela
sempre havia sido. A polaridade havia mudado, já a pessoa, a intensidade?
Não.

Sempre seria ela e isso me fez tirar o resto de novembro para cuidar das
coisas como precisava, antes de pensar no próximo passo, antes de resolver
colocar parte de coisas inegociáveis minhas no chão.

Foi na tarde mais fria do ano até ali, depois da primeira neve do ano aparecer
antes do esperado, que saí com quatro malas de viagem cheias do meu
quarto com a ajuda de Thomaz e me dirigi até a reitoria.

— Te vejo depois? — ele perguntou, tocando minha mão.

— Te ligo quando sair daqui.

— Fechado.

Quando meu amigo deu as costas, Maressa já estava de pé, limpando a


garganta e ajeitando o conjunto violeta.

— Olá, Conrad. No que posso ajudá-lo? — Ela tinha um tom mais duro
sobre mim.

— Ele está aí? — perguntei, indicando as portas do escritório dele fechadas.

— Está, em uma reunião privada.

— Com quem?

— Bem… — Ela suspirou antes de anunciar, juntando as mãos em frente ao


corpo. — Sua mãe.

— O quê? — Não a esperei dizer mais nada.

Fui direto para a porta e meti a mão na maçaneta, pegando John e Caroline,
próximos demais um do outro. Ela, sentada na poltrona em frente à lareira.
Ele, em pé, apoiado ao lado do fogo.
— Que porra mais eu não sei? — vociferei, fazendo minha mãe pular da
poltrona e meu pai dar um passo para trás.

— Conrad, isso é uma reunião privada. — A voz de John se manteve serena,


mas firme.

— Foda-se. Você sabia que ela ainda trepa com o cara que me espancou a
infância toda? Que me fez roubar da sua casa para pagar contas? — O olhar
do meu pai saiu do meu rosto e foi para o de Caroline, inquisidor.

Minha mãe quase entrou em pânico enquanto as portas às minhas costas se


fechavam.

— Caroline?

— Não é isso…

— Ah, foda-se — explodi. — O que ela faz aqui?

— Estávamos falando sobre você, sobre seu futuro.

— Ótimo. Eu também vim falar sobre ele. — Me larguei sobre a outra


poltrona mais distante. — Vamos lá, o que o papai e mamãe do século tem
planejado para o filhinho bastardo?

— Conrad, não fale assim! — Magoada, minha mãe com os olhos cheios
d’água, tentou me repreender, mas eu só tinha ódio para dar de volta.

Sacudindo a perna direita sem parar, ansioso, nervoso, um meio-sorriso


maligno cortou meu rosto.

— E quer que eu fale como, mãe? Quer que eu te dê parabéns? Quer que eu
diga que a casa que comprei, depois de anos de abuso do meu pai sem te dar
um tostão, uma ajuda, um nada, é um presente para seus anos de ouro com
Philip? Quer que eu perdoe as vezes em que com um tempo pior do que este

apontei pela janela — ele me colocou nu para fora de casa antes das seis da
manhã quando chegava bêbado e me pegava dormindo na sua cama com
você? Eu tinha o que, uns seis, sete anos? — Ela

tremia, olhando para o meu pai com medo e eu estranhei, mas não me
contive. — Quer que eu finja que nunca me coloquei entre vocês, enquanto
ele se descontrolava, enquanto tentava te matar?

Que apanhei, que passei fome algumas vezes, que fiz de tudo para você
porque acreditava que, se não tivéssemos aquele teto, estaríamos na rua e eu
teria que viver com meu pai sem coração e a mulher amiga do diabo que ele
tinha e nunca mais veria você?

Quando me calei, minha mãe chorava e, no meu rosto, uma única lágrima
escorreu.

Eu não a limpei. No fundo, queria que ela soubesse que havia quebrado a
única coisa sagrada que tinha.

— Caroline? — O tom do meu pai era frio, lento. — O que Conrad acabou
de dizer, é verdade?

— John…

— É. — Não deixei minha mãe falar mais nada.

Éramos meu pai e eu contra ela naquele minuto, coisa que nunca pensei ter
possibilidade de acontecer.

Vi minha mãe se encolher, com medo, insegura, quase desesperada. Suas


mãos subiram para o rosto e, aparentemente magoada comigo, ela começou
a chorar alto, soluçando, tremendo.

Pela primeira vez na vida, eu não tive um pingo de dó.

— Conrad, sua mãe nunca te contou que eu a ajudava com três mil euros,
mais as suas despesas? — Os olhos de John estavam sobre ela tão julgadores
quanto os meus.

— O quê? — Aquilo era uma novidade e tanto, já que ouvi a vida toda que
meu pai não ajudava, que a massacrava e tudo mais.
— O combinado era que eu daria isso para o resto da vida dela, cuidaria dos
seus gastos e ela não me pediria mais nada. Era por isso que todas as vezes
em que você dizia algo, eu falava que você podia ir morar comigo, se
preferisse. — Meu pai olhou para mim, entendendo boa parte das coisas que
começavam a fazer sentido para mim também.

Minha boca se abriu e fechou sem que eu soubesse o que dizer.

Meus olhos foram dele para ela uma porção de vezes, e quando eu
finalmente processei tudo, vi a imagem de super-heroína da minha mãe se
partir bem na minha frente.

Aquilo doeu como a pior surra que tomei.

— Mãe. — Minha voz saiu mais baixa e ela continuou tapando o rosto
enquanto chorava. — Caroline — falei mais alto, em um tom

que ela sabia que se ignorasse, teria problemas.

Suas mãos se mantiveram no rosto, mas os olhos azuis, que estavam


avermelhados pelo choro, foram descobertos e me encararam de volta.

Ali ela sabia que tinha me perdido.

— Esqueça a casa. Esqueça tudo. A partir de hoje, eu não sou mais seu filho.
Fiz o que fiz, por você e por mim. Achei que fosse seu herói, achei que fosse
importante, e agora vejo que não. Que não passei de um idiota, mais uma
vez. — Aquilo me quebrou. —

Suas escolhas foram feitas e as consequências delas chegaram. Se meu pai


ainda quiser te ajudar, é um problema dele. De mim, não espere nem mesmo
um oi se estiver cruzando a mesma rua.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Meu corpo todo parecia rejeitar a ideia
de falhar.

Como tudo podia virar daquele jeito em dois meses? Quando pisei naquele
lugar, tive certeza de que destruiria tudo e todos, que acabaria com cada um
dos que me feriram, e agora eu repudiava a única pessoa pela qual era capaz
de me sacrificar. Agora eu tinha certeza de que havia falhado com a única
pessoa que tinha me

amado dentro de todos os absurdos e acidentes no meio do caminho.

Tinha entrado naquela sala vazio. Ia sair sem menos ainda.

Como isso era possível?

Enchi os pulmões de ar, minha respiração cortou o silêncio além do choro de


Caroline que não conseguia dizer nada, nem um sinto muito. Mas era
porque, talvez, no fundo, ela não sentisse mesmo.

— Conrad, acho melhor você deixar eu e sua mãe sozinhos por um


momento.

— Façam o que quiserem. — Limpei, finalmente, as lágrimas do meu rosto.


— Passei aqui para avisar que estou fora daquele negócio de família
também. O que você precisa de material, para usar como bem entender, estão
nas malas lá fora.

— Conversamos sobre isso depois. — O tom alerta dele me deu a entender


que John tentaria me convencer de continuar.

— Não tem um depois, pai. — Encarei-o com muito custo. — A única


conversa que teremos depois é para descobrir como você vai me pagar, e se
ainda me quer como estudante nesta merda.

E poupando a eles e a mim de mais humilhação, me levantei e saí, batendo


as portas e ouvindo o choro da minha mãe se libertar.

Maressa estava sentada, fingindo prestar atenção demais em um documento


antes de me olhar.

— Precisa de algo, querido? — O tom amável entregava que não tínhamos


sido nada silenciosos da porta para dentro.

— Você não conhece alguém que queira brincar de roleta-russa agora, não é
mesmo? — Meu tom de brincadeira não a enganou.
— Acho que você precisa de uma boa cerveja e dos seus amigos. — O
conselho dela foi feito em tom maternal e eu dei um sorriso sem dentes, com
os lábios comprimidos e fiz que sim com a cabeça.

— Até depois.

Eu sabia aonde ir.

E não era para nenhum bar.

scarlet

gritando para o céu, gritando para o mundo, querido, por que você foi
embora? eu ainda sou sua garota. me mantendo firme, com a cabeça nas
nuvens. só o céu sabe onde você está agora. como eu amo de novo? como
confio novamente? eu fico acordada a noite toda, digo a mim mesma que
estou bem. querido, você é mais difícil de ver do que a maioria. eu coloco
música para tocar, espero até eu ouvir a nossa música. toda noite eu danço
com seu fantasma.

dancingwithyourghost,sashasloan.

Largar o cigarro quando decidi ficar em casa foi uma péssima ideia.

Apesar de Conrad e Isaac estarem proibidos por John de colocarem os pés na


mansão Prince, eu ainda tinha a sensação de que, a qualquer hora, um dos
dois invadiria meu quarto e, por causa disso, ficava acordada até o sol dar os
primeiros sinais de vida pela janela. As madrugadas insones me lembravam
o tempo em que o abajur ao lado da minha cama projetava estrelas no teto e
o meu eu de quatorze anos, esperançoso, imaginava Conrad voltando.

Imaginava a possibilidade de tudo ser um pesadelo em uma cama macia.

Mas dia após dia, conforme tudo se tornava real, eu me permitia fugir de
tudo e deixar as memórias boas dançando pelo quarto, bebendo delas ao
máximo para suportar o dia seguinte, e o dia seguinte, até que não sobrou
nada para se aproveitar.

Amar Conrad era como se jogar de cabeça em um vulcão.

A adrenalina era alucinante, a beleza daquilo nunca seria apreciada por


todos, mas quando batesse no fundo, quando mergulhasse na lava, nada te
salvaria e o resto do trajeto seria agonizante até sua morte.

Eu senti isso com tanta intensidade no passado que, inevitavelmente, pintar


não era mais o suficiente. Por isso, escrevi

cartas aos montes, por um ano inteiro.

Isaac foi meu parceiro nisso, e quando todas as cartas voltavam com o
carimbo de devolução ao remetente, foi ele quem aturou meus choros todos.

Não tive coragem de jogá-las fora, e naquela manhã, quando abri meu closet
e meus dedos tocaram as caixas do fundo do armário, me senti um pouco
mais corajosa de encarar meus sentimentos encapsulados.

Antes de enfiar as botas e ir caminhar no frio, eu as puxei para fora e


coloquei sobre a cama.

Eram duas caixas grandes, lotadas até a boca de coisas que me lembravam
Conrad.

A primeira tinha todas as cartas que escrevi, as letras de música que copiei,
os devaneios, os sonhos quebrados, a decepção pela ausência de resposta,
por ele nem mesmo querer ler o que eu tinha para falar, mas em nenhuma
delas houve cobrança.
Em nenhuma delas, o meu amor por ele foi menor.

Naquela época, eu ainda acreditava que o tempo podia curar tudo, mas como
eu estava enganada. O que Conrad sentia por mim,

com o passar dos anos, se transformou no mais puro ódio, desprezo e, por
Deus, eu não queria mais pensar sobre aquilo.

Ainda assim, quando abri a segunda caixa, vi a blusa de frio dele que tinha
sido largada na casa do pai e foi meu travesseiro por quase dois anos, até
uma empregada desavisada lavar e tirar o cheiro de Conrad dela. Folhas do
quintal, uma para cada estação do ano em que ele ficou longe. Minha
primeira caixa de cigarros, porque sim, eu sabia que tinha começado aquela
merda de vício por causa dele. Alguns desenhos que fiz em guardanapos dos
lugares onde ele costumava me levar. Um potinho com areia da praia onde
fomos juntos e, escondidos, como meu maior tesouro proibido, o isqueiro
antigo dele. O que fez com que eu me apaixonasse por suas mãos, o que
queimou minha casa.

Pressionei os dentes contra o lábio inferior e fechei a caixa.

Era muito claro o que eu precisava fazer, e quando vesti minhas botas, passei
os dedos no telefone e liguei para John.

— Scarlet, algum problema? — O tom de alerta dele quando me atendeu foi


recebido com um riso nervoso.

— Oi, não. Está tudo bem aqui, e aí?

— Um pouco conturbado. O que você precisa?

— Eu pensei em sair… Posso pegar um dos carros?

— É claro que pode. Só tente não voltar tarde, ok? E me ligue se precisar de
algo.

— Certo.

Despedi-me dele, peguei as caixas e desci para a garagem.


O sensor fez com que a luz acendesse assim que passei pela porta e quando
vi os quatro carros estacionados lá, meu coração clamou para pegar a velha
caminhonete de Conrad esquecida lá no fundo.

Como antes, quando eu ia até ali escondida para deitar no banco e chorar até
adormecer, passei os dedos nas chaves, abri a porta do motorista e, depois de
um suspiro saudoso, entrei. O carro ainda tinha o cheiro dele, mesmo depois
de tanto tempo, e todas as lembranças presas nas costuras dos bancos.
Coloquei as caixas no lugar do passageiro, girei a chave e, ao ouvir o motor
rugir, senti meu coração acelerar, revivendo as vespas que viviam no meu
estômago agora.

Se acalme — pedi, colocando a mão sobre a barriga. — É só um carro —


menti para mim mesma.

E como Conrad me ensinou, pisei na embreagem, coloquei na ré e saí da


garagem, tentando organizar os pensamentos para o que ia fazer a seguir.

Consegui comprar um buquê de flores amarelas, álcool e fósforos, corri do


café quente, já que ele me traria ainda mais vontade de fumar e, quando
finalmente entrei no cemitério, agradeci por todas as vagas estarem livres
naquela manhã.

Parei com a picape o mais próximo da calçada e quando desci, abri a porta
do carona, peguei tudo o que precisava. Caminhei lentamente, sozinha pela
pequena rua de concreto, beirando às lápides grandes e já meio apagadas.
Com a touca do blusão sobre a cabeça para me proteger da garoa fina que
teimava em cair, rezando para não ficar tão frio a ponto de nevar de novo
como na noite passada.

O cemitério era antigo, com uma aparência meio acabada proposital, mas a
cada estátua que passava, a cada mausoléu que via, notava a beleza daquilo.
Talvez Susan estivesse feliz em algum outro mundo, talvez estivesse
dormindo, ou reencarnado, ou sabe lá a resposta do que acontece após a
morte.

Eu só esperava que, de tudo, minha irmã não estivesse presa eternamente


naquela casa em chamas como em um filme de terror.

Quando achei sua lápide, precisei me segurar ao máximo para não começar a
chorar antes do tempo. Me aproximei dela, segurando as caixas encaixadas
no quadril, levei a mão livre até a pedra bem ao lado do nome de Susan
entalhado lá, e suspirei.

— Olá, irmã — falei baixinho, antes de escorregar e me sentar no chão,


mesmo sabendo que aquilo arruinaria minhas calças.

Coloquei minhas coisas de lado, as caixas, a vergonha, a culpa e, em mais


um suspiro profundo e sôfrego, deixando a primeira lágrima cair, apoiei a
cabeça contra a pedra como se ela fosse um portal para que Susan pudesse
me ouvir e falei baixinho:

— Hoje eu vim aqui te pedir desculpas. Hoje, vim dizer que eu gostaria de
nunca ter tido vontade de ter outra vida e, por isso, precisar mergulhar nos
livros. Hoje, vim te dizer que eu trocaria toda essa dor, todas as minhas
escolhas erradas, para te manter viva. —

Lambi os lábios quando minha voz falhou, tentei me recompor, mas

de olhos fechados, imaginava Susan do outro lado da lápide, me ouvindo,


analisando se eu merecia ou não ter uma chance, continuei: — Eu sei que
você me odiou muito, e por muito tempo.

Mas eu também sei que você me amou. É uma droga pertencer ao mundo
que você tanto amava, que tanto queria. Acredite, não é tão bom estar aqui.
Dinheiro pode te deixar dormir aliviado por não precisar pensar nas contas,
mas ele não consegue limpar a culpa dos erros do passado ou trazer a leveza
de um lar unido. Nós tivemos isso, lembra? Faz muito tempo, mas tivemos e
eu sinto uma falta absurda. Acho que foi isso que nos separou, Susan. Acho
que, quando papai e mamãe se foram, eu senti muito medo de ficar sozinha e
isso me fez me trancar e não tentar abraçar sua dor e frustração. Me
questionei seiscentas vezes sobre isso no último ano, acredite, e eu sinto que
deveria ter tentado mais. Não podia ter desistido de você… E eu sei que sua
última mágoa minha, o motivo mais recente para você me odiar, foi o
mesmo que te matou. Eu sei.

— O choro era tão intenso que sacudia meu corpo. — E eu te juro que se
soubesse, se pudesse… Mas nunca pude. Essa é a verdade.

Por mais que eu queira voltar no tempo e desfazer todos os laços que me
levaram até Conrad, hoje, vítima deles, eu não consigo nem mesmo suportar
a ideia de tirar esse amor de dentro do meu peito.

É ele quem sustenta parte do ódio que sinto, mas também é ele quem me faz
ficar viva — confessei. — Irmã, eu juro. Eu tentei me livrar disso. Eu me
esforcei muito, mas por mais que lutasse contra, por mais que o repudiasse,
ele aparecia nos meus sonhos, nas pequenas vontades, nas comparações
involuntárias… Me pergunto se, se você estivesse aqui, conseguiria entender
a magnitude do que eu sinto. De carregar esse amor amaldiçoado e perpétuo
por alguém que só me machucou, que me tirou tudo, que tem prazer em me
destruir. — Coloquei uma das mãos livres sobre o coração. —

Me pergunto se você teria uma solução para arrancá-lo do meu peito. Se


conseguiria entender que nunca foi por dinheiro, por beleza, por coisas
superficiais. Sempre foi por ele ser Conrad, e não por ser Prince… Será que
se você estivesse aqui, se visse com seus próprios olhos o quanto isso me
mata pouco a pouco, será que conseguiria me perdoar? Será que conseguiria
olhar para mim e ter piedade? Porque, de tudo, esse amor só me apodreceu, e
eu não tenho mais ninguém, Susan… Eu não tenho amigos porque nunca
consegui me ligar a ninguém com medo de todos irem embora, como foi
antes. Não tenho Isaac porque, de tudo, eu sei que o magoei mais do que
poderia explicar e que ele me manteve por perto porque se sentia um rei.
Não tenho o vovô, porque acho

minhas cargas pesadas demais para ele carregar. Não tenho John, porque
apesar de ser como um segundo pai, algumas vezes eu consigo ver
perfeitamente os números da matrix se movendo atrás dele enquanto suas
palavras são calculadas e os seus atos muito bem pensados. E, eu acho que,
depois de tudo, eu nunca tive Conrad.
Eu não aguentava mais chorar.

— Eu acho que, depois de tudo, Susan, não sobrou nada.

Sem forças depois daquela confissão, juntei os joelhos e abracei minhas


pernas, escondendo o rosto enquanto terminava de colocar para fora aquela
merda toda que parecia prestes a me matar.

Eu, definitivamente, não queria morrer. E ia brigar por isso.

Eu só não esperava que precisaria ficar pronta para a briga tão rápido.

Quando abri os olhos, quando limpei o rosto nas mangas da blusa, algo se
moveu no meu campo de visão e eu ergui a cabeça para olhar.

Atrás da lápide de Susan, com os olhos escuros queimando nos meus, estava
Conrad.

E eu não sabia há quanto tempo ele podia estar ali.

Há quanto tempo ele estava ouvindo tudo.

conrad

eu viverei para sempre.

f o r e v e r, l a b r i n t h
A garota caiu para trás, assustada.

Com as mãos na terra, Scarlet me encarava com os olhos verdes inchados e o


rosto molhado de tanto chorar.

— O-que você faz aqui? Há quanto tempo está aí? — Apesar de parecer
confusa, ela não estava.

— Acabei de chegar — menti.

O impacto de cada uma das suas palavras me pegou, mas se ela se achava
boa em fingir, era porque não me conhecia direito. A

chuva estava mais grossa, meu cabelo começava a pesar e eu o afastei do


rosto.

— O que é que você faz aqui sozinha?

Scarlet pareceu demorar meio segundo para processar que não precisava me
responder, e o fez se sentando direito.

— O que eu faço não te interessa. — A frieza de suas palavras não me


atingiu como ela esperava.

Apesar de não me agradar, agora eu sabia até onde ir. E

descobriria como ir.

De repente, se dando conta de que eu não me moveria, a garota tirou os


olhos dos meus, esticou as pernas, mas se manteve abaixada. Colocou o
buquê aos pés da lápide, voltou para as caixas e para a sacola largadas no
chão, as ajeitou no colo e as ergueu.

— Está indo embora por minha causa? — provoquei.

— Não — ela ainda respondeu, me dando as costas.

Querendo acreditar que o destino não tinha me puxado para aquele lugar à
toa, eu a segui.
— Ficou óbvio que está.

— Então — Scarlet me olhou rápido sobre o ombro, conferindo que estava


bem atrás dela —, se você é inteligente o bastante para ver isso, se afaste. —
Era uma ameaça.

— É mesmo? E se eu não quiser?

— Ah, Conrad. Pelo amor de Deus, você é inacreditável. —

Bufando, a ruiva não se preocupou em cobrir de novo a cabeça, mas


apressou o passo e eu a imitei.

O rosto de Scarlet ficou vermelho, conforme ela se esforçava para manter


alguma distância.

Eu não permiti, até chegarmos ao estacionamento.

Precisei parar ao vê-la indo na direção da minha antiga picape e comecei a


rir.

Scarlet estava colocando as caixas em cima do capô para poder pegar as


chaves em seu bolso, e me encarou com as sobrancelhas juntas, cruzando os
braços, parecendo brava e curiosa.

Linda.

— Do que você está rindo?

— Fala sério, Red. — Me aproximei dela, ignorando a chuva, ignorando sua


raiva, e qualquer coisa que pudesse me parar. Fui tão

atrevido que fiz Scarlet recuar e a prendi, apoiando as mãos na lataria do


carro, uma de cada lado dos seus quadris.

Scarlet não se moveu, mas sua respiração se tornou ofegante, seus olhos nos
meus eram intensos. Um alerta para eu parar, ainda assim, não me importei.

A boca extremamente bem-desenhada e de lábios cheios, se entreabriu.


— Não — era um sopro baixinho.

Fingi não ouvi-la.

— Você me odeia, Red? — Olhando para baixo, para o rosto mais bonito
que já havia visto na vida, acompanhei a confusão nublar sua expressão.

— Quer isso desenhado ou por escrito? — A sombra de um sorriso surgiu na


minha boca.

— Acho que usar meu carro antigo não é bem um atestado concreto de ódio.
— Forcei o corpo um pouco para frente e prendi seu quadril com o meu.
Scarlet bufou.

— Não, idiota. Mas as lágrimas que derramei no banco dele por sua causa
são. — Ela não abaixou a guarda, não se moveu. —

Mais alguma coisa?

Vistoriei o corpo de Scarlet com o meu. Ela era a única fonte de calor
interessante naquela droga de cidade, naquela merda de mundo. Minha pele,
minha mente, meu pau, tudo a queria. Negar era burrice, nós dois já
tínhamos tido a prova e eu podia jurar que seus mamilos estavam duros junto
da pele arrepiada por baixo daquele moletom maior que ela.

Seus braços entre nós eram a única coisa que me impedia de senti-la.

— Sim. — Pressionei o peito contra o seu até que Scarlet abaixasse os


braços e suas costas também tocasse a lataria.

— Conrad… — ela me alertou, mais uma vez.

— Diga que não me ama.

Seus olhos nos meus vacilaram por meio segundo. As sobrancelhas se


ergueram ao mesmo tempo em que umedeceu os lábios e quando ela soltou o
ar, soprando forte, encarou meu pescoço.

— Não… Eu não vou cair nesse jogo. Me deixe ir embora.


— Ou o quê? — Procurei seu rosto com o meu e ela fechou os olhos.

— Conrad, não. — Era uma ordem a qual eu não obedeceria.

O cheiro da pele de Scarlet me acendeu. Movi minhas mãos para o rosto


molhado, segurando com firmeza, obrigando-a a me encarar.

Ela não deu um pio. Seu coração acelerou.

Quando acariciei suas bochechas com os polegares e desci um deles para


esfregar seus lábios, ela me mordiscou.

— Red, eu não sou de pedir — rosnei baixo, naquela porra de tensão que
fazia todo o ar em volta de nós parecer elétrico.

— Você não pode, esqueceu? — Scarlet soprou contra meus dedos, contra
minha boca, e ergueu os olhos verdes, me matando no último segundo. —
Eu não tenho nada para te dar.

— Você é tudo o que eu quero.

A confusão a atingiu, mas a garota não teve tempo de processar.

Quando juntei nossas bocas, seus braços imediatamente me abraçaram, me


puxando contra si. Ela me queria tão dolorosamente quanto eu precisava
dela.

Scarlet envolveu minha língua com a sua brutalmente. Seu ódio todo foi
traduzido quando se afastou de mim e seus dentes vieram sobre meu lábio
inferior. Ela me machucou, mas era bom.

Não permiti que se afastasse e a busquei, indo com os dedos para sua nuca,
segurando os cabelos, mantendo seu rosto erguido e parado para que eu a
beijasse mais.

As mãos dela invadiram minha pele sob a blusa, tatearam todo meu corpo
que, sob o toque mais frio e molhado, reagiu de imediato.
Me pressionei contra o ventre de Scarlet, mostrando que a queria, mostrando
seu efeito desgraçado sobre mim.

Ela me devorou no segundo seguinte, sua boca na minha era esperta, hábil,
gostosa demais para eu pensar em parar.

Queria colocá-la dentro do carro e fodê-la. Queria amá-la.

Queria fazer tudo o que tínhamos sido impedidos de fazer. Ser tudo o que
não pudermos ser.

Será que existia, em algum lugar da Terra, alguém que fosse capaz de
traduzir aquilo em todas as línguas para que ela entendesse que eu sentia
muito e a queria de volta?

Ela me arranhou e me puxou para si. Eu só obedeci.

Meu pau doía contra a pressão da calça, contra a pressão nela.

Era praticamente impossível beijá-la daquele jeito e, sabendo como seria


estar dentro dela, não querer mais. Ainda assim, Scarlet

parecia lutar contra, tentando me empurrar sem tirar a boca da minha.

Era caótico.

Ela me queria.

Ela me odiava.

Ela me mantinha.

Ela me afastava.

A chuva piorou.

Eu não me distanciei nenhum milímetro sequer.

Nem queria. Mas precisei erguê-la para cima do capô quando percebi que era
capaz de transar com ela bem ali, ignorando a hora, o local, a situação.
Ela também não parecia disposta a parar.

Até que suas caixas caíram no chão e ela, em um tranco esquisito, como se
tivesse tomado um choque, se afastou.

— O quê? — Olhei para baixo, para a bagunça que tinha dentro das caixas
rolando pelo chão. — O que é isso?

Eram cartas? Tentei pegar algumas, mas notei outras coisas lá, como um
moletom meu. Era antigo e eu só usava na casa do

meu pai…

Quando me levantei e a encarei, Scarlet parecia de volta à realidade.

Suas lágrimas se misturavam com a chuva e ela nem tentava mais disfarçar.

— Isso, Conrad, é a prova de que eu tentei. E agora, depois de tudo, é injusto


você fazer isso comigo.

— Isso são cartas? — Eu realmente não entendia, mas Scarlet parecia ter
esgotado toda sua paciência. Ela revirou os olhos, bateu no meu peito, me
afastando e desceu para o chão.

— Não se faça de idiota. Você as rejeitou, lembra? Enviei cada uma delas, de
novo e de novo, mesmo quando você nem mesmo as recebia. Gastei todos os
meus papéis bonitos e as melhores músicas que ouvia com você, e por mais
que eu te ame, e eu acho que amo muito, não posso esquecer que você jogou
isso no lixo. —

Sua mão já estava na porta do carro. — Eu não posso, Conrad.

Sinto muito, mas não dá…

— Por que você está com isso aqui? — Foi a única pergunta que fiz.

— Porque eu ia pedir perdão para minha irmã e ia queimar.


Mas Deus tinha outros planos, e agora a água destruiu. O resto é seu, fique.
Inclusive, seu velho isqueiro, aquele com que você colocou fogo em casa,
está nas coisas. Eu nunca entreguei para a polícia, nem contei para ninguém
que tinha achado. — Quando ela entrou no carro e o ligou, bati em seu vidro.

— Eu nunca recebi carta nenhuma sua, Scarlet.

— Não minta. — Ela riu, desacreditada, enquanto já dava ré.

— Eu juro pela vida da minha mãe. — Era a única coisa que me importava
naquela época.

Scarlet parou, me encarou pelo vidro e negou com a cabeça.

— Não sei se posso acreditar em você. Ainda assim, agora você sabe delas.
Adeus, Conrad. É a minha vez de sair andando e te deixar para trás.

Quando ela saiu acelerando pela rua, minha mente explodiu.

Como é que eu nunca tinha recebido nenhuma daquelas cartas?

Como é que tinha deixado isso passar?

conrad

o que eu sou agora? e se eu for alguém que não quero por perto?
estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo. e se eu estiver
disposto? E se eu desistir? e se eu for alguém de quem você não falará?
estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo. e eu tenho a
sensação de que você nunca mais precisará de mim novamente.

f a l l i n g , h a r r y s t y l e s Tentei salvar tudo o que estava no chão, mas


assim que entrei no carro e espalhei as coisas no banco do passageiro,
percebi que havia perdido muito. Era a mesma sensação de quando o correio

não entrega algo e você precisa ir buscar, mas quando chega lá, o pacote já
voltou para o remetente.

O foda era, eu não reconhecia nenhum daqueles envelopes, eu não recusei


nada, mesmo que o endereço estivesse certo. Como podia?

Boa parte das cartas estavam encharcadas. Se forçasse para tentar abri-las
ali, o papel ia se desfazer na minha mão e não sobraria nenhuma palavra,
nenhuma frase para eu tentar desvendar.

Tentei escolher as menos afetadas, as que ainda pareciam inteiras e liguei o


ar-condicionado do carro, colocando-as sobre a saída de vento em cima do
painel.

Com resto, eu não tinha muito o que fazer.

Na outra caixa, onde meu moletom antigo e que nem cabia mais em mim
estava, vi guardanapos com os logotipos de onde já tinha ido com Scarlet e,
infelizmente, pela chuva, os desenhos que ela fez sobre eles viraram borrões.

A compreensão daquilo me bateu aos poucos.

De repente, eu não podia mais esperar.

Abri cada uma das cartas do painel com o maior cuidado possível e, até a
penúltima, todas estavam estragadas. Ainda assim,

conseguia ler vários “sinto sua falta”, “volte”, “me perdoe”.

Sinceramente, havia algo pelo qual eu precisava perdoá-la?


Eu era um idiota e Scarlet só me ajudou a ver isso com maior clareza quando
abri aquela carta entre as centenas que ela escreveu.

Conrad, eu não sei até quando vou ter forças para isso.

Já escrevi em algumas cartas antes que elas seriam as últimas, e eu


realmente diminuí a frequência, mas em dias como hoje, tarde da noite,
quando olho pela janela do quarto da casa que você aprendeu a odiar e se
tornou meu lar, me pergunto se algum dia vou ter a chance de ver você
entrando pelos portões e atravessando o arco das árvores nesse outono
monótono para fazer tudo voltar a ter vida para mim.

Hoje faz oitocentos e cinquenta e dois dias que você se foi, e apesar de todos
os medos, todas as coisas que ficaram entreabertas, todas as dores que você
me causou, eu ainda não consigo te odiar. Eu ainda não consigo aceitar que
o garoto de olhos

ônix pelos quais eu me apaixonei tenha sido capaz de tanto para me


machucar, ainda mais de propósito.

O quão mal-agradecida sou ou louca e fora de mim, eu devo estar para


admitir que sou apaixonada pelo assassino da minha irmã, ou o assassino
da minha própria alma?

Quantos romances eu vou precisar ler para entender onde nos encaixamos?
Talvez, por nunca conseguir encontrar uma resposta, eu venha deixando
meus livros de lado.

Droga. Estou chorando de novo. Estou caindo de novo, Conrad.

Desta vez, acho que não posso me levantar.

Desta vez, memória nenhuma nossa, das boas, parece ser suficiente já que
eu as usei todas. Elas estão velhas, puídas, sem brilho. Não são mais tão
resistentes para me segurar quando eu caio.

E eu caio quase todos os dias quando, antes de dormir em uma cama que
ainda não sinto cem por cento como minha, sinto sua falta.
Espero que um dia você volte.

Espero que quando isso acontecer, eu ainda seja capaz de te perdoar como
sou agora, já que eu preferia morrer naquela casa em chamas do que sentir
a dor da sua perda dia após dia.

Espero que eu ainda tenha coragem de te enviar esta carta, e espero muito
mais que, finalmente, você a receba. (Se aceitá-la, saiba que outras centenas
te esperam.)

Por favor, volte enquanto eu ainda me sinto… eu.

Com amor, sempre sua, Red.

PS: acho que consegui algo. Acho que, agora, sou Heahtcliff.

“E o que não me faz recordá-la? Não posso olhar para este chão, pois seus
traços estão impressos nas lajes! Em cada nuvem, em cada árvore…
enchendo o ar à noite, e vislumbrada em cada objeto de dia… Estou cercado
pela sua imagem! Os rostos mais comuns de homens e mulheres, meus
próprios traços, debocham de mim com alguma semelhança. O mundo
inteiro é uma terrível coleção de recordações de que ela existiu, e de que eu
a perdi!” [9]

Fui destroçado em minutos. Li e reli a carta, fincando mais fundo no meu


peito aquela faca.

Ela realmente me esperou. Ela realmente achava que eu ia voltar, até que não
suportou mais…

Soquei o volante quando percebi o abismo em que tinha caído.

Meus sacrifícios, minhas atitudes, meus medos… tudo tinha me levado até
ali, e como minha mãe, agora era eu quem colhia as consequências das
minhas escolhas.

Fui eu que escolhi afastar Scarlet.

Fui eu que tentei apagá-la primeiro.


Fui eu que nem mesmo pensei na possibilidade de dar a chance de ela dizer
algo.

E a condenei primeiro quando ela, depois de sabe lá quando, decidiu fazer o


mesmo comigo.

Que tipo de amor era resistente àquele tipo de dúvida?

Ela sabia que eu podia ter mesmo matado sua irmã.

Ela me viu saindo da sua casa em chamas e era óbvio que a culpa era minha.

A prova estava ali, guardada por ela há anos, escondida para me proteger
além do combinado com meu pai, além do peso do seu sangue, além da
minha possível traição.

De tudo, eu realmente tinha sido o pior para ela.

E agora, mesmo querendo vingança, eu não podia justificar os meus erros


com os erros dos outros. Eu precisava ser adulto. Eu precisava tomar uma
decisão.

scarlet

sinto como se dormisse com um fantasma, eu te liguei pra te avisar: eu


realmente gostaria que pudéssemos ter dado certo.
w i t h o u t y o u , m i l e y, k i d l a r o i Era hora do jantar, e apesar de ter
beliscado a tarde inteira, sem o cigarro para ajudar na ansiedade, me sentia
faminta.

Sentada, esperando John terminar de lavar as mãos para servirem a refeição,


brinquei com os talheres, pensando naquela manhã, em Conrad, na surpresa
em seu rosto quando falei das cartas.

— Como foi seu dia? — John me chamou de volta para a Terra e me


desarmei.

Com a sombra de um sorriso no rosto, tirei as mãos de cima da mesa, alinhei


a coluna e inflei os pulmões antes de respondê-lo.

— Bem — menti. — E o seu?

— Caótico. — Suas sobrancelhas se ergueram conforme colocava o


guardanapo no colo, claramente cansado.

— A faculdade tomou muito de você? — sondei.

— Um pouco. Inclusive, me diga, acha que consegue voltar?

Neguei com a cabeça.

— Sinceramente, não queria…

— Então fique o tempo que precisar. Você sabe, é seu lar.

Entregando os trabalhos em dia, podemos dar um jeito de você assistir às


aulas on-line.

— Seria perfeito. — Sorri um pouco mais, mas não consegui evitar


perguntar: — Estava pensando… — Pausei quando serviram nossos pratos
de salada, mas enquanto esperava, os olhos de John brilharam sobre o meu
rosto, completamente atento com os punhos apoiados sobre a mesa. — Você
se lembra do endereço de Conrad em Paris?
— Lembro. O mesmo que te dei. Por quê? — Seu olhar era estranho,
sedento por informação, mas escondia algo.

— Eu — suspirei antes de contar e pausei o caminho do garfo até minha


boca —, vi Conrad hoje, e no meio da discussão, falei sobre cartas que
enviei, mas ele disse que nunca chegou a receber.

John deu de ombros.

— Devo acreditar? — Enfiei a salada na boca e o encarei, forçando uma


resposta.

— Acho que deve. — As borboletas no meu estômago alçaram voo. Mas


como? — Isso foi hoje, mesmo? — Meu tutor parecia surpreso. — Como ele
estava?

— Não sei, na verdade, foi bem rápido.

— Hm… — Pausamos um minuto enquanto tentávamos comer e ele engatou


na pergunta: — Como estamos neste assunto, Conrad falava muitos absurdos
sobre mim quando mais novo, não é?

Minhas bochechas coraram e eu me esforcei para engolir a alface que


ganhou gosto de plástico.

— Eu... é... — Mordisquei o lábio inferior, com vergonha. — Ele tinha suas
questões.

— Uma delas era achar que eu era um pai relapso, não? — ele desabafou. —
E não nego. Fui mesmo, mas não adianta lamentar

agora.

Tentei ficar em silêncio, sentindo o peso que aquela conversa começava a


ganhar.

John me respeitou, até que nossos primeiros pratos estivessem limpos e a


boa e velha lasanha fosse servida.
Ainda assim, foi esquisito assistir John Prince começar sua tormenta interna
e trazê-la para fora daquela maneira. A raiva com que cortou o primeiro
pedaço e o meteu na boca ainda quente o fez ficar com os olhos cheios
d’água.

Não esperei um pedido, passei para ele um copo de suco e depois dele beber
e respirar fundo, segurando o copo com mais força que o necessário, ele
soltou:

— Eu fui um pai de merda, mas não como vocês pensam, sabe?

— John, eu não posso… — Tentei fugir daquela conversa. Não era problema
meu.

— Escute, menina — ele me interrompeu e eu me recolhi, escutando. — Eu


errei muito, mas nunca deixei Caroline viver naquela espelunca por falta de
dinheiro. Hoje eu entendi o motivo de nunca a encontrar quando Conrad era
mais novo. Entendi o porquê

dela sempre fugir dos encontros triplos. Era só assim que poderia fazer a
cabeça do garoto.

— Do que você está falando? — Queria entender melhor, mas as


informações jogadas não completavam o quebra-cabeça.

— Conrad descobriu, no dia do seu acidente, que a mãe ainda tem contato,
ou uma relação mais íntima, se é que me entende, com o homem que quase
matou o próprio filho no passado.

O choque me atingiu em uma velocidade inesperada.

Meus braços caíram, grudando no corpo, e meus olhos se arregalaram.

— Como? O homem, Philip, que quase matou Conrad? — E

que eu vi xingá-la e tentar bater nela também? Como podia?

— Esse. — John ergueu o copo, validando minha fala e terminou sua bebida.
— Mas… Ela não vivia com ele porque não tinha onde morar?

— A indignação na minha voz fez John dar um meio-sorriso amargo.

— Então você também sabia dessa história? — Ele não pareceu surpreso.

— Eu…

— Não precisa se explicar, Scarlet. A falha foi minha. Eu deveria dizer que
dava dinheiro para a mãe dele, devia ter deixado claro como as coisas
funcionavam, mas achava que ele era criança demais na época.

— E Conrad agora sabe disso?

— Sim. Na verdade, ele descobriu hoje cedo e…

— E foi até o cemitério. — As informações finalmente foram se alinhando


na minha mente.

Pedaço por pedaço.

E naquele segundo, eu me senti vazia, em um buraco escuro.

Conrad tinha perdido o chão. Eu sabia, eu tinha visto, presenciei tudo o que
o amor pela mãe o fez passar, e nem imaginava como é que ele devia estar se
sentindo depois daquela descoberta.

A vontade de levantar-se e ir até ele foi grande, mas dessa vez, não tinha o
que fazer.

Eu não podia.

Eu não conseguia.
Então fiquei e engoli a comida que, misteriosamente, tinha ganhado gosto de
cimento e acabado com minha fome.

Depois de dar boa noite a John, escovar os dentes e tomar meu remédio para
a ansiedade que agora ocupava o lugar ao lado das estrelinhas da
concentração que eu tomava todo dia, tirei os chinelos, liguei meu abajur, e
antes de deitar, fui para perto da janela, encarar o céu noturno enquanto
trançava os cabelos.

Eu nunca imaginei que gostaria daquela casa.

Eu nunca imaginei me sentir protegida dentro daqueles muros.

Mas era tudo o que eu tinha.

Encarei a entrada da propriedade, o túnel de galhos que tinham ainda poucas


folhas grudadas neles, resistentes demais ao frio e à chuva que vinham
anunciando um inverno rigoroso. Talvez naquela noite nevasse de novo, mas
nada disso amorteceria o choque das revelações daquele dia.

Apesar de tudo, e talvez por causa de tudo, eu não conseguia pensar em


outra coisa a não ser em como Conrad estaria. Nossas memórias gastas e
esgarçadas apareceram para dançar em volta de mim mais uma vez e eu
desisti de afastá-las. Prestando atenção nelas, conseguia ouvir o timbre de
sua voz magoada no passado, conseguia me lembrar perfeitamente do
aniversário de seu pai, de toda a dor que ele carregava. Via em detalhes a
cadeira sendo quebrada em seu corpo, ouvia com clareza os xingos do
padrasto, a mãe que não sabia o que fazia enquanto eles se atracavam…

Lembrei-me dos minutos antes do meu primeiro beijo, de como Conrad se


escondeu atrás de muros altos, em como desconfiou de mim, em como
tentou me afastar. Revisitei com tristeza e desespero sua pele machucada,
marcada, fodida. E fechei os olhos quando vi claramente o conformismo
com que o seu eu de dezesseis anos levava aquela vida.

Ele achava que não tinha escolha, e aquilo quase o matou.

Naquele segundo, meu coração queimou de raiva por Caroline deixar


Conrad ser abusado a vida toda.
Não é mais um problema seu — minha mente soprou, e então, como se
alguém tivesse apagado a luz, as memórias desapareceram.

Engoli aquela verdade com dor de estômago e me deitei, encarando o teto.

Eu esperava que alguém estivesse abraçando Conrad depois de todo aquele


dia conturbado. Que algumas das minhas cartas tivessem sobrevivido à
chuva.

Que as coisas ficassem cada vez mais claras.

Naquela pequena fé cega, quando fechei os olhos, fiz um pedido esquisito,


feito com todo meu coração.

— Se há alguém por mim do outro lado. Se há alguma chance de isso ser


mais do que uma lembrança, me dê um sinal.

O sono me pegou desprevenida, e quando acordei com o sol invadindo meu


quarto graças às cortinas abertas e a gritaria no corredor, levantei desperta,
como se soubesse que alguma resposta tinha chegado.

Saí da cama, esfregando os olhos e abri a porta do quarto para entender o


que acontecia.

— Me deixe, porra! É o meu quarto! — Isaac gritava, driblando a


empregada.

— O senhor Prince avisou que não era para você estar aqui, menino! — Ela
tentou convencê-lo, mas Isaac a desprezou. Sua

mão bateu na porta quase em frente à minha do outro lado do corredor e


então, antes que eu tivesse o reflexo de me trancar, seus olhos fixaram em
mim.

— Vai me dedurar? — O desafio era para mim.

— Não é para falar com menina! — A mulher baixinha e gordinha tentou


mais uma vez, mas eu já estava vendo a hora que Isaac a empurraria para
que ela saísse do caminho.
— Está tudo bem. — Mesmo sabendo que não deveria, saí do quarto e fui
até eles.

Pousei a mão no ombro da senhora que eu não sabia o nome, já que o rodízio
de funcionários naquela casa era absurdo e a confortei.

— Isaac só vai pegar o que precisa e ir embora. Não é? —

Encarei o garoto que agora era um estranho para mim.

Vendo que aquilo era um acordo de cavalheiros, ele demorou um pouco para
admitir que não teria como fugir e concordou com a cabeça.

— Pronto. Pode descer e esperar lá embaixo, por favor. —

Meu tom de voz amável e dócil fez a senhorinha confiar que podia ir.

Quando a mulher sumiu pelo corredor, Isaac voltou a me encarar e rosnou.

— Não vou te perdoar.

Foi minha vez de debochar, vendo-o entrar em seu quarto.

— E, em qual viagem ácida você se meteu, para achar que eu quero seu
perdão? — perguntei, impressionada pelo ego nas alturas realmente ser algo
de família e segui logo atrás dele.

— Você fodeu com Conrad, Scarlet — me acusando, enquanto largava uma


mala vazia em sua cama, Isaac não me viu sentar sobre a mesa do
computador vazia, e cruzando os braços e as pernas, testemunhei aquele
espetáculo digno de circo, assistindo-o abrir os armários para pegar roupas
como um garotinho revoltado.

— Você nunca me deixou…

— Nunca deixei você me comer — completei, para seu completo horror. —


É isso que é para você, né? — Ri, amarga, vendo Isaac como o que ele
realmente era: um mimado. — É, não teria valor, não é mesmo? Ou até teria,
já que você encararia minha virgindade como um troféu. Mas ficou muito
claro que, para você, isso só seria sexo. Assim como você fez com todas
aquelas garotas que vi nos vídeos…

— Eu sou homem — me interrompendo, ele se ergueu depois de jogar


algumas blusas na mala e, finalmente, se virou para mim, me encarando.

Ele suspirou e, pela sua cara, parecia realmente acreditar naquela


justificativa.

— Você é um idiota. — Minha fala foi tão séria que o fez arregalar os olhos.
Eu nunca fui minimamente grosseira com ele ao longo daqueles últimos
cinco anos. — E eu preciso ir até uma igreja e agradecer que não entreguei
minha virgindade na mão de um imbecil que acredita que por ter um pau é
justificável trair.

— Se está tão nervosa assim, se o que fiz foi tão grave, o que acha que vão
pensar de você ter dado para o assassino da sua irmã?

A ofensa não doeu como pensei que faria, mas ativou um lado meu tão cruel
quanto poderia.

— Vão achar bom, já que ele me fez gozar de primeira. Duas vezes. —
Ergui os dedos, contando — Três, se a gente contar a vez do seu carro.

Isaac veio na minha direção. Eu não me movi.

Seus olhos nos meus eram violentos, seu corpo todo gritava que ele queria
poder me agredir, mas não tive medo. Ele não era louco, ou até podia ser,
mas até gente doida sabia com quem podia extrapolar, e no meu estado atual,
eu não era uma boa opção.

— Por que a gente não resolve isso indo para longe? — O

choramingo de Isaac não me ganhou. — Porque, porra, esse filho da puta


acabou com tudo, acabou com você e acabou com a gente… — Estendendo
as mãos na minha direção, querendo me abraçar, ele veio tentando nublar
minha mente.
— Não! — cortei, erguendo a mão, toquei seu peito e o mantive longe. Meus
olhos nos seus eram um alerta ao qual ele odiava receber. — Nem tente. Seu
irmão só teve brecha porque você abriu.

— Ou porque você nunca o esqueceu — Isaac soprou a verdade na minha


cara.

Aquilo sim me bateu.

Meu coração acelerou, o dele contra os meus dedos também.

Fechei os olhos por um segundo, respirei fundo para me recompor e neguei


com a cabeça antes de encará-lo de novo.

— Isso não muda o fato de que você foi quem me entregou de bandeja para
ele toda vez que me deixou sozinha, ou quando me apostou, ou quando me
traiu.

— E você não me traiu, Scarlet? — Ele alterou o tom de voz e tentou chegar
mais perto.

Forcei a mão contra seu peito, mantendo Isaac ainda distante.

— Sinceramente, Isaac? Traí a mim mesma achando que isso aqui daria
certo. — Fitei os olhos do cara que tinha tentado me fazer superar nem que
fosse à força o que sentia por Conrad e, naquele minuto, me senti burra.

Nunca, nem em mil anos, ele conseguiria.

Isso não anulava o carinho, o amor que cultivei por ele, mas se colocado
lado a lado com o que sentia por Conrad, era a mesma coisa que querer
comparar o volume de uma gota contra o oceano.

Suspirando, ele parou de se forçar contra mim e me deu uma folga enquanto
ia revirar suas gavetas.

— Você está cometendo um erro — ele disse, abrindo uma após outra,
jogando coisas para fora em busca de algo específico.
— Conrad vai acabar com você e desta vez eu não estarei lá. —

Suas narinas infladas e o rosto começando a ficar vermelho entregava que


Isaac se esforçava para não chorar.

— Não é mais da sua conta. Na verdade, isso nunca foi e…—

Eu teria continuado a colocar Isaac em seu lugar, mas isso foi só até que
meus olhos grudaram em uma caixa girando para o chão, com o selo do
correio. — O que é isso?

Abaixei-me antes que ele pudesse me impedir.

— É meu, deixe isso aí! — Isaac até tentou, mas fui ágil em abrir a caixinha
de papelão bem ali, liberando o carimbo e a almofada. A palavra que
marcava todas as cartas que ele deveria ter levado até os correios brilhou à
minha vista e, somando um mais um, quando ergui os olhos para Isaac, não
podia ter uma atitude diferente.

Minha mão voou firme, com dedos juntos, direto para o seu rosto.

O estalar foi alto.

— Você é um maldito — rosnei.

— Scar, espera, eu posso explicar.

Mas eu não queria, nem precisava de explicação nenhuma.

Antes que ele pudesse encostar em mim, eu estava na porta,

gritando pelos seguranças.

— ESPERA, PORRA! — O limite havia sido quebrado.

Isaac ia enlouquecer, mas ele não me conhecia.

Nunca conheceu, para ser sincera.


Meus olhos foram direto para sua mão segurando meu braço com força e
então para seu rosto.

— Me solte — ameacei baixo, em um tom de voz mortal.

— Scarlet, me deixe explicar, não é o que você está pensando.

— O que eu estou pensando? — perguntei no meu tom mais distante, não


sentindo um pingo de dó quando o vi perdido, sem saber o que dizer. —
Você fala tanto de Conrad, mas é muito pior que ele, Isaac.

O nojo impresso nas minhas palavras o atingiu e ele me soltou antes que os
seguranças chegassem. Quando o primeiro homem de terno apareceu, vesti a
capa de Prince que aprendi a usar ao longo daqueles anos e anunciei:

— Senhores, Isaac vai pegar o que precisa e sair. Por favor, acompanhem-no
até a saída e depois comuniquem o senhor Prince que ele esteve aqui.

Que ele se fodesse.

Eu tinha cansado de ter pena dos outros e não pensar em mim.

Voltei ao meu quarto sabendo que os olhos dele queimavam nas minhas
costas e quando fechei a porta, encostei nela e escorreguei para o chão,
enfiando os dedos na raiz do cabelo, soltando todo o ar dos pulmões.

Eu não sabia dizer o quão triste estava por descobrir aquilo.

Mas também não entendia a felicidade por, finalmente, entender que Conrad
não tinha mentido.

Ele nunca havia recebido nenhuma das minhas cartas porque, de fato, elas
nunca tinham sido enviadas.
scarlet

é agridoce pensar sobre os danos que causamos porque eu estava me


afundando, mas eu estava fazendo isso com você. sim, tudo que quebramos e
todos os problemas que criamos, mas eu digo que te odeio com um sorriso
no rosto. oh, olhe o que nos tornamos. todas as coisas que eu fiz, só para eu
poder te chamar de meu. todas as coisas que você fez, bem, espero que eu
tenha sido seu crime favorito. porque, amor, você foi o meu.

f a v o r i t e c r i m e , o l i v i a r o d r i g o Uma semana se passou.

Uma semana insana.

Vi a saúde de John realmente piorar a ponto de acordar no meio da noite e


ouvi-lo tossir por minutos seguidos. Ele, em um desses ataques, chegou a
vomitar.

Briguei com ele, tentando obrigá-lo a diminuir seu ritmo, mas ele sempre
vinha com a história de que não era mais jovem como eu para que pudesse
perder tempo. Aquilo era um carinho, até porque, depois da briga que o ouvi
ter ao telefone com Isaac, imaginava que só lhe restava a mim.

E, mesmo sem tocarmos o nome de Conrad, ele me dava um vislumbre ou


outro do que se passava na universidade envolvendo-o, o que me corroeu por
dentro a cada segundo que pensava em pegar o celular e ligar, ou mandar
uma mensagem. Mas só pela possibilidade de fazer aquilo, meu estômago
doía e eu desistia no segundo seguinte. Havia algo estranho lá no fundo,
como se, apesar de remover um item da lista de coisas que Conrad fez para
me magoar, ainda existiam muitos outros, e como tentava me proteger, sabia
que precisava ir com calma.

Aquele momento chegou em um dia nublado, com a neve na altura dos


tornozelos.

Praticamente todas as minhas roupas de frio estavam na faculdade, e apesar


de eu não precisar delas dentro de casa, precisava do meu computador, de
anotações e outras coisas deixadas para trás.

Outro problema que precisava ser resolvido era que fiz John prometer que
ninguém entraria no meu quarto enquanto estivesse fora e eu precisava
limpar aquela bagunça maldita.

Era meio que meu ritual de passagem. Ou, pelo menos, fazia parte dele. Por
isso, naquela quinta, conferi os pneus da picape e, sem pensar muito, joguei
as malas vazias na traseira dela, limpei a neve do vidro e esperei o motor
aquecer o bastante para sair pelos portões.

Dirigi com cuidado, o tempo não estava dos melhores, cantarolei minhas
músicas na busca de paz, mas minha mente, insana, forçava a visão de
encontros mágicos pelos corredores.

Parecia que, depois da ideia de não ser completamente rejeitada por Conrad,
minha eu de quatorze anos tomava conta do corpo da pessoa de dezenove.
Não era justo, mas era incontrolável.

Estacionei o carro na vaga mais próxima da entrada do prédio que encontrei


e, com as duas maiores malas nas mãos, fiz um

esforço sobre-humano para subir até o andar dos dormitórios femininos dos
Lions.

O primeiro choque veio ao entrar no corredor e ver que, em frente à minha


porta, tinha uma porção de velas apagadas, flores e post-its com bons votos.

Dizer que desejava o meu bem depois de tentarem acabar comigo era fácil,
né?
Fiquei tentada a fazer uma pequena cena, mas não valia a pena.

Abri a porta, sentindo meus dedos pesarem demais contra a maçaneta e


conforme a empurrava e enxergava o caos lá dentro, o desânimo quis me
pegar.

Parecia que um furacão tinha passado por ali.

Girei, observando cada coisa fora do lugar e suspirei, tirando o casaco.

Não tinha por onde fugir.

Mantendo a porta encostada, abri as janelas para correr vento ali dentro e
comecei a limpeza. Joguei muita coisa nas malas, tirei tudo o que precisaria
levar embora e, o que sobrou, organizei em

um cantinho do armário para pegar depois ou não passar vergonha, caso


alguém precisasse pegar para mim.

Tirei o lençol da cama e o dobrei, colocando sobre a mesa do computador


para levarem para lavar e comecei a cuidar do chão, quando, de repente, ouvi
alguém tocar na porta.

Ergui o corpo rápido demais, com os cacos de vidro na mão, sem entender o
que ela fazia ali.

— Oi, cabeça vermelha — Bella me cumprimentou e todo meu corpo


formigou. — Posso falar com você?

— Como soube que… — Ela nem me deixou terminar a frase, abriu a porta
em um sorriso que podia ser considerado maligno e me olhou como se eu
fosse burra.

— Garota, todo mundo achou que você tinha morrido. É óbvio que quando
você apareceu lá fora, todo mundo comentou sobre também. — Entrando
sem convite, Bella veio para perto de mim e me mediu de cima a baixo.

— E o que você quer?


— Me justificar, mesmo que não precise, e dar a chance de Conrad cortar
meu pescoço. — Seus olhos castanhos brilharam com a possibilidade de
confusão.

A curiosidade me comeu por dentro.

Eu deveria mandá-la embora, mas só esperei, e parecendo satisfeita por eu


escolher ouvi-la, Bella se abaixou, jogando as mechas curtas para trás
enquanto começava a recolher os cacos de vidro.

— Anos atrás, no dia em que sua casa pegou fogo, você me viu com Conrad,
não é?

Aí, era aquilo? Meu corpo todo tremeu, rejeitando a sensação que se repetia
só de lembrar da cena.

— É. Eu vi — respondi sem olhar para ela, me abaixando para pegar mais


cacos de vidro.

— Por que você foi até lá? — A pergunta de Bella fez minha eu de quatorze
anos chorar.

— Porque Conrad me chamou. Recebi uma mensagem dele pedindo para me


encontrar no parque…

— Filho da puta. — Bella parou, xingando enquanto rolava os olhos,


parecendo descrente.

— É, nisso concordamos — soltei baixinho.

— Não, garota. Pense! — Ela pegou no meu pulso, chamando minha


atenção, fazendo com que eu a encarasse — Conrad estava

sem celular. Usou o do irmão para mandar mensagens para mim, ou seja…

Mais uma peça no quebra-cabeça se encaixou.

— Foi Isaac — meu tom cansado a atingiu —, mas que caralho… — Lambi
e mordisquei o lábio inferior, processando a informação. — Bella, ainda que
tenha sido armado, isso não muda o que eu vi.

— Não — ela nos forçou a levantar —, não muda. Conrad realmente tinha
me chamado lá para conseguir se aliviar de algum jeito, para tentar tirar você
da cabeça. Você conhece do histórico dele e, infelizmente, ele cresceu
achando que sexo também era uma forma de punição ou de extravasar. Nada
saudável, mas incrivelmente interessante, você sabe. — O comentário dela
fez minhas bochechas ferverem. — Mas, o ponto é, ele mal me deixou beijá-
lo naquele dia, e quando vimos você, quando eu entendi o que acontecia…
Conrad foi até sua casa para ajeitar as coisas, Scarlet.

— Ou para acabar com tudo de uma vez… — desabafei.

— Você, algum dia, já tentou ouvi-lo? — Quando notei o tom de


desconfiança dela, ergui um muro. Quis rir diante daquela acusação.

— Conrad é quem nunca quis falar comigo, Bella.

— Acho que vocês finalmente merecem essa conversa. — Ela soltou meu
punho e me ofereceu os cacos de vidro que tinha recolhido.

— Acho que você não tem que se meter, até porque, para que eu ouça, ele
vai ter que fazer por merecer.

Ela demorou um segundo para analisar o que eu dizia, mas assim que
entendeu, deu de ombros e fez um biquinho estranho.

— Justo.

Ela já ia dando as costas, quando parou e voltou.

— Ah, desculpe ter transado com Isaac também. Nem foi bom, eu juro. Me
esforçar para não ter meu rosto vazado na sextape me obrigou a ficar numa
posição desconfortável. Fora que, né? Meio mixuruca o negócio.

— Eu não estava mais com ele. — Foi tudo o que consegui responder diante
daquela naturalidade toda.
— Que bom. Porque, transando com os dois, posso te garantir, fica só com
Conrad. É mais vantajoso, viu? — Ela demonstrou o tamanho da vantagem
com as mãos e eu quis rir, mas me segurei.

— Ok, Bella. Obrigada pela ajuda. — Sacudi a mão com os cacos no alto.

— A gente se vê, cabeça vermelha. — E como chegou, ela se foi, deixando


minha cabeça ainda mais confusa e meu coração ainda mais magoado com
Isaac.

De tudo o que vivi, o que era real e o que era armado?

Mais do que isso, por que tanto empenho em me afastar de Conrad?

Depois de limpar toda a bagunça naquele quarto e as homenagens falsas da


porta, joguei tudo dentro de sacos de lixo e separei o que consegui para que a
equipe de limpeza não tivesse tanto trabalho assim. Peguei todos os meus
itens de higiene do banheiro, minhas maquiagens, enfiei dentro de uma das
malas e percebi que a missão de descer com duas malas cheias seria muito
pior do que a de subir com elas vazias. Descobri isso quando eu as arrastei
pelo corredor e encarei o caminho de volta até o carro. Foi

enquanto tentava pensar em como faria para descer com todo aquele peso,
procurando qualquer alternativa que não fosse dividir tudo em duas viagens
cansativas, que a voz profunda, que fez todos os pelos do meu corpo se
arrepiarem, surgiu.

— Quer ajuda? — Eu parei, em completo choque.

Era ele, eu sabia que era ele.


Mordisquei o lábio inferior, tomei fôlego, procurando coragem e me virei
aos pouquinhos para ver Conrad bem atrás de mim. Seus olhos queimaram
nos meus e precisei engolir em seco.

Eu poderia recusá-lo. Poderia inventar qualquer desculpa.

Poderia dizer que desceria pelas escadas fazendo snowboard em cima das
malas, mas tudo que saiu da minha boca foi um simples e sonoro:

— Sim.

Ao ver que eu não recusava, Conrad se aproximou. Seu cheiro bateu em


mim brutalmente, mas tentei ser firme, observando o homem de mais de dois
metros não ter dificuldade alguma para segurar as malas e começar a descer.

— Achei que não veria você aqui tão cedo — ele disse, me olhando de
soslaio, e eu não soube entender de onde vinha a

naturalidade daquilo.

— É que eu precisava de algumas coisas que tinham ficado por aqui, como
meu computador…. — Parei de tentar me justificar e, depois de um suspiro
pesado que fez meu peito tremer, eu o encarei abertamente. — E, de
verdade, vamos mesmo fazer isso? — Minha pergunta fez um sorriso surgir
no canto do seu lábio.

Meu coração errou uma batida.

— E como você quer que isso aconteça? — A pergunta me tirou do eixo,


mas não paramos de nos mover, descendo mais um lance de escadas.

— Não faço ideia — neguei com a cabeça —, só é estranho…

Bella acabou de sair do meu quarto como se fôssemos melhores amigas, e eu


acabei de descobrir mais uma coisa que não era como eu pensava que fosse,
então, estou em estado de alerta, esperando qual vai ser o próximo choque.
Fico me perguntando, o que mais eu não sei de cinco anos atrás?
Conrad ficou quieto por alguns minutos, então foi sua vez de ficar
desconfortável.

— Você quer mesmo falar sobre isso agora? — Sua pergunta era genuína.

— Sinceramente não, porque, por mais que existam interferências externas


no meio do caminho, você fez sua escolha.

Foi você quem foi embora, e foi você que não tentou me ouvir… —

Meu peito doeu com a memória e eu não o poupei. — Nunca vou conseguir
me esquecer da sensação de cair no chão depois de tentar te acompanhar e,
mesmo assim, saber que você não parou…

ainda lembro perfeitamente do carro sumindo pela estrada.

Conrad não discutiu. Nem tinha o que tentar. Mas continuou ao meu lado,
me acompanhando em silêncio até a saída do castelo.

Assim que chegamos ao gramado, ele tentou de novo:

— Como está sendo dirigir meu carro? Achei que você não gostasse dele. —
A pergunta foi tão natural que a resposta saiu pulando da minha boca.

— Eu prefiro mil vezes a caminhonete ao Tesla, se você quer saber… —


Quis dar risada assumindo aquilo, mas antes que começasse um assunto tão
genérico, o som de batidas e vidro rachando fez com que nós dois
parássemos no lugar para assistir a Isaac transtornado, revoltado, alucinado,
em cima do capô da caminhonete, estraçalhando o vidro e a lataria com um
taco de

beisebol, gritando a plenos pulmões para quem quisesse ouvir,


principalmente sua plateia animada em volta.

— É assim que você vai ficar, Scarlet. É isso que meu irmão vai fazer com
você. Está preparada? Sua hora está chegando.

Foi sufocante ouvir e ver aquilo. O medo me paralisou de um segundo para o


outro, junto da vontade de chorar e a sensação de que eu morreria.
E eu odiava pensar naquela possibilidade.

Era inevitável, eu tinha medo da morte. Eu tinha um medo fodido da morte,


e ter Isaac perto de mim fez com que isso só piorasse. Se ele era capaz de
mentir, de inventar, de manipular como ele havia feito durante todos aqueles
anos, ele também seria capaz de me matar só para mostrar o que poderia
acontecer comigo, caso eu continuasse perto do seu meio-irmão.

Quando notou o pânico no meu rosto, Conrad largou as malas no chão e


fechou os punhos com força. Vi os nós de seus dedos ficando ainda mais
brancos e seu rosto se fechar em uma máscara de ódio. Ele estava prestes a ir
lá e piorar tudo.

Isaac achou graça. Girou o bastão no ar e provocou:

— Pode vir! — o caçula dos Prince gritou.

E quase conseguiu o que queria. Vi Conrad dar o primeiro passo, mas, por
sorte, a voz de John desarmou todo mundo. Ele, naquele minuto, era o reitor
e o pai zangado.

Sua aparição cortou toda e qualquer ação naquele segundo. A plateia


apareceu murchar, Conrad parou no lugar, e Isaac com taco de beisebol no ar
encarou o pai, sabendo que estava ferrado.

Em cinco anos, sob os tetos dos Prince, eu nunca tinha visto aquilo, mas
quando Isaac colocou os pés no chão e tentou começar a se explicar, John o
interrompeu, pegando-o pela orelha, punindo-o na frente de todos, enquanto
anunciava:

— Scarlet, Conrad e Isaac. — Sua voz continha muita raiva. —

Os três, no meu escritório, agora.

Meu corpo pareceu descongelar e a troca de olhares que tive com Conrad
naquele segundo, me fez lembrar do passado. Houve uma espécie de
cumplicidade que eu não sentia há anos com mais ninguém e, lado a lado,
seguimos atrás de John e Isaac na direção da reitoria.
conrad

nunca nos libertaremos, cordeiro para o abate, o que você vai fazer quando
houver sangue na água? o preço da sua ganância é seu filho e sua filha, o que
você vai fazer quando houver sangue na água?

b l o o d / / w a t e r, g r a n d s o n .

Scarlet tremia ao meu lado, mas isso não a impediu de continuar a


caminhada até a reitoria. Meu pai realmente parecia nervoso e, chegando
finalmente ao seu gabinete, apontou para uma cadeira vazia perto da janela e,
só com o olhar, deu a ordem à

Scarlet de sentar nela. A garota ruiva não discutiu, na verdade, meio em


choque, ela nem piscou. Assisti enquanto ela se sentava, completamente
desconfortável, brigando com algo dentro de sua cabeça conforme encarava
os anéis em suas mãos sobre o colo.

Tentei algum contato visual, mas ela não ergueu a cabeça de jeito nenhum,
parecendo acuada. Isso se devia ao show de puta que Isaac continuava
dando, chutando e resmungando, tentando se manter dentro de um padrão
que meu pai aceitava, já que ele sabia que o pior estava por vir.

Ele foi o primeiro a entrar no escritório, John entrou logo em seguida e eu


fui o último, fechando a porta depois de dar uma última conferida em
Scarlet, a qual Maressa, agora, dava alguma assistência.
Virei-me a tempo de ver meu irmão dando um chute na poltrona e encarei-o,
cruzando os braços, esperando ver até onde meu pai permitiria aquele
desrespeito.

— O que pensa que está fazendo, garoto? — John Prince, naquele segundo,
era o reitor não nosso pai. Seu tom de voz frio, sério e cheio de repreensão
agoniou Isaac.

Meu irmão parou por um minuto, fitou meu pai com olhos vidrados, mãos
em punho e veias do pescoço saltadas. Ele era pura raiva e gritou em
resposta:

— ISSO TUDO É CULPA SUA! E SUA TAMBÉM, SEU

DESGRAÇADO! — A última parte da frase era direcionada a mim, e veio


acompanhada de dedos apontados na minha direção.

— Minha? — perguntei, debochando.

— É, você arruinou tudo desde que chegou, mas eu sei como você vai voltar
para o buraco de onde saiu. Quer que eu conte, ou você conta para o papai
sobre o seu negocinho ilegal? O sorriso que cortou meu rosto naquele
minuto confundiu Isaac.

— Está falando das drogas? — Gargalhei de forma cruel quando ele


confirmou com a cabeça e apontei para John.

— É, de fato, eu sou um exímio produtor, mas aqui está o meu traficante,


então reclame com ele sobre o pós-venda, irmão. — Meu tom ácido foi um
bônus.

A cara de Isaac foi ao chão. Ele não conseguia acreditar e, por quase um
minuto, ficou calado, olhando do meu rosto para o do meu pai.

— Pai? — ele soprou, os olhos enchendo d’água. Ele parecia um garotinho


perdido. — Como assim? Você sabia disso? Você está ajudando esse
desgraçado? — Apontando para mim, inconformado, Isaac se aproximou de
nosso pai que parecia cansado.
— Isaac — mandão e grosseiro, meu pai mandou —, cale a boca!

O clima gelou como se todas as janelas não existissem. Eu não me movi, só


assistindo ao circo pegar fogo.

Meu pai suspirou, esfregou o rosto e passou as mãos pelos cabelos. Em


seguida, se sentou e encarou a mim e ao seu outro filho.

— Vocês dois não sabem a merda em que estamos metidos. É

melhor para todo mundo que essa conversa não saia daqui.

— Ou o quê? — Isaac fez birra, parecendo ter cinco anos de idade.

— Você é idiota ou o quê? — perguntei, desacreditado. — Não é óbvio? Se


descobrirem que o reitor da faculdade e sua família estão metidos com isso,
o nome, o status, o poder que os Prince têm… Vai tudo para a lama. E o
nome é a coisa mais importante para ele, ou você se esqueceu que o papai do
ano aqui — indiquei

John com o indicador e o dedo médio — só se mexeu para me tirar de casa


quando houve possibilidade de os jornais estamparem algo negativo sobre
ele?

De repente, meu irmão lembrou que tinha cérebro.

Isaac fez contas mentais e encarou o pai, surpreso.

— É por isso que você o trouxe de volta!

— Meu Deus, como você é inteligente! — voltei a debochar do meu meio-


irmão e rindo, cruzei os braços e me sentei sobre a única poltrona no lugar,
enquanto observava o loiro engolir as informações todas. — O que foi,
Isaac? Está triste por não ser o filho inteligente?

Está magoado pelo seu papaizinho não ter contado nada, por você ser um
imbecil? Um burro sem noção do caralho?

Com as ofensas, ele considerou vir para cima de mim.


Na hora em que percebi, me ajeitei na ponta do assento.

— Isaac… — Meu pai tentou repreendê-lo e eu ergui a mão em alerta para


que John ficasse fora daquilo.

— Venha — chamei o desgraçado que tentou de todo jeito tirar tudo o que
era meu. — Mas saiba que eu só vou parar quando você não estiver mais
respirando.

De repente, eu não era mais um alvo interessante.

— Covarde do caralho — disse entredentes, mas Isaac me ignorou, virando


para nosso pai, como um bebê chorão.

— Como você pôde? Ele arruinou tudo! Você sabe! A minha mãe, você,
Scarlet… Ele acabou com todos nós! — Meu irmão enfiou as mãos no
cabelo, os puxando pela raiz, completamente fora de si.

Meu pai trocou um olhar tão piedoso com meu irmão que me fez pensar que
houvesse ainda um pedaço humano dentro dele.

Quando ele abriu a boca, quis saber mais daquela mudança, mas fui
impedido.

Limpando a garganta, ele ajeitou a gravata e apoiou os punhos na mesa à sua


frente, sendo polido como nunca.

— Conrad, por favor, saia para que eu e Isaac possamos ter uma conversa.

— Ah, eu vou perder o show? — provoquei, mas nenhum dos dois olhou
para mim.

Estavam focados um no outro, em seus segredos, em suas histórias as quais


eu não fazia parte, onde eu era um completo estranho, um forasteiro.

— Que seja. — Soprei o ar pela boca. — Continue a quebrar tudo, Isaac. É


lindo ver você agir como uma criancinha mimada.
— Filho, por favor, agora não — quando John falou, eu não sabia se era para
mim ou para Isaac, mas respeitei.

Nenhum dos dois me olhou ou se despediu quando me ergui, mas quando


abri as portas, pronto para sair, meu pai avisou:

— Mais tarde, nós conversamos.

Encarei a cena dos dois se medindo sobre o ombro e respondi:

— Você sabe onde me encontrar.

Saí do escritório um pouco decepcionado por não poder ver mais daquilo. O
que era uma caminhonete quebrada, perto de ver a humilhação que Isaac
passava ao perceber que o papaizinho dele era meu cúmplice?

Não pude esconder o sorriso no rosto quando cruzei o portal, mas foi só ver
Scarlet lá, ainda tremendo, com copo d'água entre as mãos com Maressa
ainda ao seu lado, que fui atingido. A garota não merecia nada daquilo, e a
culpa dela estar envolvida até o último fio de cabelo era minha. Fui eu quem
achou Scarlet interessante, a trouxe para o meio da bagunça e, infelizmente,
soltei sua mão quando ela mais precisava ser protegida.

Um gosto amargo tomou minha boca junto da vontade de fumar. Meus dedos
tocaram meu isqueiro no bolso só pela segurança de tê-lo ali.

A verdade era uma só, ela estava presa naquilo por culpa minha e eu
precisava encarar que, no final das contas, era muito mais fácil lidar com as
consequências dos meus atos quando elas só batiam em mim.

Os olhos verdes focaram pouco a pouco no meu rosto, meio arregalados,


meio dispersos, ela parecia não saber o que fazer.

Respirei fundo, pensando que deveria levá-la para a casa do meu pai, mas no
primeiro passo que dei em sua direção, meu telefone tocou.

Era muito raro Thomaz me ligar e não pensei duas vezes em atendê-lo.

— Alô?
— Cara… — sua voz do outro lado da linha era desesperadora

—... eu fiz uma merda.

— Onde você está? — Tentei manter o tom calmo.

— Eu… — Ele respirou fundo. — Você consegue vir até a casa dos meus
pais?

— A casa dos seus pais? — O que Thomaz foi aprontar a uma hora e meia
dali? — Posso, mas o que aconteceu?

— Cara, não consigo falar agora, mas se você puder, traga um pouco de
Supernova com você.

Aquilo estava muito estranho, mas ainda assim, eu confiaria minha vida a
Thomaz.

— Certo. Me dê alguns minutos, estou saindo daqui.

Com uma sensação esquisita dentro do peito, pesada, e a previsão de que


alguma merda grande aconteceria, me aproximei de Scarlet e lutei contra a
vontade de tocá-la, abraçá-la e protegê-la.

Era tão intenso que meus dedos pareceram queimar e precisei enfiar as mãos
nos bolsos da jaqueta.

—Você está bem? — Mantive meu olhar sobre o dela, estranhando a


fragilidade que ela não demonstrou comigo até que eu a quebrasse.

— Acho que sim. — Sua voz era baixinha, meio que um sopro.

Definitivamente, ela não estava bem.

— Precisa que eu faça algo?

Ela negou com a cabeça.


— Já vai passar. — Seu olhar se fixou no copo d'água nas suas mãos.

— Certo, mas se precisar, você tem meu número.

Scarlet não processou o que eu dizia, mas concordou com a cabeça.

— Até mais, Red. — Não havia mais nada que eu pudesse fazer ali.

Foi desconfortável sair dali daquele jeito, mas não tive escolha.

Quando entrei no meu carro para ir até Thomaz e vi minha antiga picape
toda fodida, pensei em descontar aquilo, mais cedo ou mais tarde, na cara do
meu irmão.

A casa dos Craig era gigantesca. Envolta em um muro cheio de grades


escuras e lanças afiadas, as paredes brancas da fachada estavam
acinzentadas. Apesar de meio falidos, o senhor e a senhora Craig ainda
tinham muito poder e influência, ainda mais quando, nos últimos anos,
Thomaz Craig pai começou a participar

ativamente do conselho da universidade. Ele e meu pai eram próximos, mas


não melhores amigos, e eu não podia dizer que não entendia o motivo.
Aquele casal era cruel e não tinha problema nenhum em esconder isso.

Vi meu melhor amigo crescer sob o olhar de pais rígidos, que o puniam
ignorando sua existência sempre que ele os desagradava.

Thomaz criou uma resistência enorme a falar de si e contar seus problemas,


graças aos pais. Por isso, aquela visita era ainda mais intrigante e eu estar
envolvido tornava tudo suspeito.
Quando parei com o Mustang em frente ao portão, ele se abriu
imediatamente para receber meu carro e me acolher dentro dos terrenos da
propriedade. Querendo não me demorar mais que o necessário, estacionei
próximo à porta de entrada, onde era livre de neve, e fui recepcionado na
porta por um Thomaz aflito, de olhos vidrados.

— Cara, o que foi que aconteceu? — perguntei, pousando uma das mãos em
seu ombro, falando baixo.

— Conrad — ele falou mais baixo do que eu —, porra, eu não sei como ele
soube, mas me pressionou tanto que eu não tive como mentir.

— Sobre o que você está falando? — Deu um leve tranco para ver se aquela
agonia acabava.

— Meu pai, ele sabe sobre a Supernova, sobre a Star, e eu fodi tudo quando
disse que era você quem produzia.

Meu corpo gelou. Meu instinto não estava errado.

O choque no meu rosto foi recebido com ainda mais desespero por Thomaz
e fui pego no meio do caminho, enquanto pensava em uma solução rápida.

— Ah, Conrad, querido! — A voz feminina cantarolou. — Entre logo, está


muito frio aí fora.

A senhora Craig era muito elegante, e surgiu em um vestido verde de


mangas compridas e cabelos pretos muito escuro, como os meus, presos no
alto da cabeça. Ela sorriu abertamente. Era a mesma coisa de ficar frente a
frente com um crocodilo. A única diferença era que do crocodilo, eu não
tinha medo, já daquela mulher…

Respirei fundo, tomando coragem e troquei um olhar cúmplice com Thomaz.


Ele não precisava de mais julgamentos sobre suas costas, e confiando que
tudo daria certo, adentrei a casa dos Craig.

— Vou mandar colocarem mais um prato, você fica para o jantar. — Não era
uma pergunta e eu odiei aquele tom. — Thomaz, por que você não leva seu
amigo até seu pai? Como você bem sabe, eles têm muito a tratar.
Ele não conseguiu respondê-la, mas soltou baixinho para mim um “venha”.

Sem outra opção, segui com ele, atravessando a sala em direção à escada que
corria pelos dois lados da parede até o andar superior.

Se eu tinha pisado ali na adolescência três vezes foi muito. A verdade era
que eu sempre fui muito bem-tratado por ser um Prince, mas nunca
valorizado o bastante por ser bastardo, ainda assim, a casa continuava sendo
impressionante com suas esculturas em mármore espalhadas pelos
corredores, tapetes de couro, ornamentos de diferentes culturas, sombras de
um tempo em que a família ainda tinha muito dinheiro para gastar com tanta
superficialidade.

Eu conseguia ver o suor se acumulando na testa de Thomaz, mas não tive


tempo de tentar acalmá-lo. Quando ele virou comigo no corredor, indicando
com a cabeça que aquela próxima porta era

o escritório do seu pai, confirmei em um aceno que estava pronto para


qualquer coisa ao seu lado.

Isso pareceu ajudar.

Ele tomou fôlego e eu o imitei antes que sua mão trêmula girasse a
maçaneta, revelando um senhor Craig de sorriso pretensioso no rosto. Foi
um choque quando entrei, ser recebido com um abraço. Aquele ganhava na
lista dos mais falsos que já havia recebido.

— Conrad, quanto tempo garoto! — Não devolvi os tapinhas camaradas que


ele me deu nas costas e tentei me afastar o mais rápido possível. — Meu
filho disse que você está empreendendo. —

Foi a primeira coisa que o Thomaz pai disse quando me largou.

Direto, reto, sem tentar nenhuma curva.

Aquele homem conseguia ser pior do que meu pai.

— Defina empreendendo — pedi quando ele ofereceu as poltronas para que


eu e seu filho nos sentássemos.
— Você sabe — ele acendeu um cigarro —, negócios de homens grandes. —
Sua primeira tragada me fez desejar fazer o mesmo.

— Hm, não. Não faço ideia do que você está falando — me fiz de


desentendido, e ele sorriu como se fosse Don Corleone.

— Não se preocupe, estamos entre amigos. Inclusive, trabalho com isso


junto do seu pai. Ele nunca comentou? Sou eu que distribuo para fora das
portas da universidade a sua criação divina.

Sentando-se na poltrona atrás de sua mesa como o chefe de alguma máfia


muito grande, Thomaz Craig pai fez os pelos da minha nuca se arrepiarem.

— Bom, o meu trabalho é bem diferente do de vocês — meu corte foi frio
— e o que o senhor trata com meu pai, é um problema dos senhores.

— Conrad, Conrad, Conrad… — Ele não pareceu gostar de me ver tirar o


corpo fora. — Acho que você não entendeu o motivo de eu pedir
educadamente que meu filho te convidasse para hoje.

— Ele se curvou sobre a mesa, se aproximando o máximo que podia de mim


enquanto dava mais uma tragada. — Estou aqui —

ele soprou a fumaça — para te fazer uma proposta. Uma mais vantajosa do
que a que seu pai tem oferecido.

— E essa seria?

— O dobro de lucro, um investimento em um laboratório próprio…

— E o que mais?

— Seu pai fora da jogada, e o desenvolvimento de novos meios de


diversão… — Ele voltou a se encostar e pensei que, a qualquer segundo, um
gato pularia em seu colo. — O que acha?

Fiquei em silêncio, pensando em tudo até ali, e quando respondi, meu tom de
voz era mais do que frio, era perigoso.
— Acho que — fiz uma pequena pausa e considerei antes de responder —
não.

— Está pensando direito, menino? — Lá estava a rachadura na máscara de


amigo.

— Perfeitamente. Acredito que o senhor não precisa lavar as orelhas para


entender o meu não.

Meu melhor amigo se segurou na cadeira ao meu lado, mas nem eu pude rir
da minha piada feita fora de hora.

— Thomaz me contou que você poderia ser mais resistente, mas você não
deve fidelidade ao seu pai com tudo o que o passado nos reserva, não é
mesmo?

— O que quer dizer?

— O que todos sabem, ou aquela garotinha ruiva, Scarlet, ganhou na loteria


só pela bondade Prince em acolhê-la? Ela não era sua namoradinha?

Aquilo sim me tirou do sério.

Soprei o ar dos pulmões, meus dedos ficaram brancos conforme a pressão


contra o braço da poltrona e eu me levantei.

— O passado não interessa ao senhor. Nem Scarlet. E caso tente usar ela ou
Thomaz para me coagir, acredito que vai perder um filho, ou algo mais.

O olhar que dei a ele naquela ameaça aberta não era nenhum pouco dócil e o
homem recuou.

— Acho que estamos muito exaltados, não?

— Acho que o senhor deveria saber quais palavras usar na tentativa de uma
negociação. Depois disso, não tenho mais nada para fazer aqui.

— Não acho que terminamos, Conrad.


— Terminamos, sim. Minha resposta continuará sendo não.

Boa noite.

Thomaz seguiu meus passos até estarmos fora da casa.

Eu sabia que seu pai nos observava da janela do escritório e só por isso não
dei um soco na sua cara.

— Você deveria ter calado a boca — dei uma bronca sutil, tentando não
descontar nele meu nervosismo.

— Você não conhece meu pai… — Thomaz tentou se justificar.

— Não, mas você o conhece e precisa me avisar se alguma merda for


acontecer.

Vendo o medo nos olhos do meu melhor amigo como eu nunca vi antes,
recuei para entrar no carro. Manobrei na direção da saída e parei ao seu lado,
abaixando o vidro para o último aviso.

— Saia dessa merda antes que ela te consuma igual me consumiu. A única
família que presta aqui é de Bella e você sabe disso.

— É, eu sei, mas eu preciso ficar até depois do jantar…

— Você é adulto, Thomaz. Dependendo do lado que escolher, sabe bem o


que vai ter.

Eu não estava ameaçando o meu melhor amigo, eu estava alertando-o para


que ele não jogasse no time adversário.

Aquela merda começava a ir longe demais, e mesmo com todos os meus


contatos, dependendo do que acontecesse, eu não

poderia salvá-lo.
scarlet

agora, de repente, você está pedindo para voltar. você pode me dizer onde
conseguiu essa coragem toda? É, você pode dizer que sente falta de tudo o
que tínhamos, mas eu realmente não me importo com o quanto dói quando
você me quebrou primeiro, você me quebrou primeiro.

y o u b r o k e m e f i r s t , t a t e m c r a e Bati na porta entreaberta e


espiei pela brecha.

— Queria me ver? — perguntei quando John ergueu a cabeça do livro que


lia.

Eu raramente entrava na biblioteca. Fugia das memórias de lá,


principalmente das que não eram minhas.

— Sim. — Ele se ajeitou na cadeira. — Entre, por favor.

Obedecendo ao meu tutor, já de pijamas naquela noite fria, sabendo que o


inverno dava seu melhor naquele final de dezembro, pisei descalça contra o
chão de madeira e me sentei em uma das poltronas perto dele. O calor da
lareira aquecia a sala de forma tão aconchegante que, se não fossem as
memórias, eu passaria todos os dias trancada ali.

— Está tudo bem? — perguntei, notando os títulos dos livros sobre a


mesinha entre nós.

Eram todos livros de medicina.


— Está… — John esfregou os olhos e me fitou. — E com você?

— Tudo sob controle.

— Ótimo. Queria te perguntar sobre o Natal. — Relaxei sem perceber que,


até aquele minuto, tinha medo de alguma bomba explodir entre nós.

— O que tem?

— Como você sabe, Isaac não estará presente. O enviei para férias
antecipadas e prolongadas com uma tia por parte de mãe, mas temos um
pequeno problema.

Ah, lá estava a bomba.

Ele nem precisou citar o nome do problema e as borboletas no meu


estômago ganharam vida.

— Conrad brigou com a mãe, e soube que está sozinho nos dormitórios da
universidade. Ele é meu filho, e você, a única que sabe do meu estado de
saúde, entende que eu não posso deixá-lo lá, não é?

— Com certeza, John. — Engoli a borboleta que tentava voar pelo meu
esôfago. — Acho que você realmente deve chamar Conrad para passar a
semana aqui. — Tentei meu tom mais calmo e, pela feição dele, havia
funcionado.

— Pensei que você também poderia convidar seu avô. Sei que talvez ele se
sinta desconfortável pelas escadas, mas podemos dar um jeito no quarto lá
de baixo e, minimamente trazê-lo para o dia do Natal, o que acha?

— Acho muito bom.

— E você pode cuidar da casa para esta data? As coisas são tão mórbidas
que…

Ele realmente queria tentar algo, e eu faria aquilo por John. Eu lhe devia.
Estiquei-me na sua direção, peguei em sua mão, estranhando os dedos tão
gelados e os apertei de levinho.

— Ei, não é trabalho nenhum. Vamos tentar fazer um ano diferente. Se


quiser, convide alguns amigos para o almoço de Natal.

Vou me reunir com o pessoal da cozinha e descobrir o que fazer.

— Acho que este ano não quero ninguém de fora. — A resposta veio fácil.

— Então, assim será.

— Você é um anjo, menina. — Sorrindo para mim, coisa rara de acontecer,


vi os traços compartilhados com o filho que eu tanto amei.

Como é que os dois podiam ser tão iguais, mas tão diferentes ao mesmo
tempo?

Contudo, analisando o último mês em que ele ficava meio esquecido e tirava
pelo menos um dia de folga na semana para descansar, me forcei a ficar com
John mais algum tempo na

biblioteca, passando os olhos pelos meus trechos destacados favoritos de


Emma e, quando ele se cansou, ajudei-o a se erguer e fomos cada um para o
seu quarto.

A ansiedade me acompanhou até a manhã do dia vinte.

Naquela segunda, quando John desceu para tomar café, eu já estava de pé e


pronta para ir às compras.
— Ei, esqueci de avisar, Conrad disse que, se vier, vem dia vinte e três e fica
só até o almoço do dia vinte e cinco.

— Ah… — Minha decepção me pegou desprevenida. — Ele disse o motivo?

— Disse que tinha trabalho a fazer. — John não me deu muita atenção. —
Tenho uma consulta às onze hoje, você precisa de algo?

— Não, tenho seu cartão, lembra? — Ergui o adicional que ganhei dois anos
atrás e nunca usei mais do que o necessário. —

Vou comprar o Natal — brinquei.

— Espero que sim. Faça o papai Noel aparecer com aquele saco mágico, por
favor — ele disse em um bom humor raro antes de matar sua xícara de café e
sair pela porta.

Coitado do velho John Prince — pensei. — Será que ele não entende que só
boas crianças ganham brinquedos? Todos nós naquela casa, com exceção
talvez do meu avô, ganharíamos carvão.

Terminei meu café da manhã, peguei a droga do Tesla de Isaac que era o
único carro que eu me atrevia a dirigir na garagem, já que a picape ainda
estava toda quebrada, saí para as compras e tentei ao máximo encher minha
cabeça naqueles dias para fugir da ansiedade que era pensar que eu e Conrad
ficaríamos a um corredor de distância do outro.

Controle-se. Você não aprendeu ainda? — minha consciência me


repreendeu.

E eu até tinha aprendido, só não queria colocar em prática.

Depois de uma noite de insônia pesada, como não tinha há muito tempo,
desci descabelada e de mau humor para tomar café

com meu avô e, me sentindo idiota, ainda sonolenta, tomei um susto.

E esse susto era Conrad, perfeito como sempre, entrando pela porta, vindo
na minha direção.
— Bom dia, Red — ele disse, parando ao lado do sofá.

Meu coração disparou, meus olhos se abriram ainda mais.

Qualquer sono havia evaporado do meu corpo.

— Achei que você só viesse dia vinte e três. — Tentei meu melhor para não
gaguejar.

— Hoje é vinte e três. — O tombo foi grande.

— Ah, neste caso, eu vou voltar para a cama. — Ergui a mão, acenando de
forma robótica.

— Belo cabelo — ele zombou e, na minha mão, só sobrou o dedo do meio


erguido enquanto eu voltava pelo caminho que tinha vindo.

Merda, merda, merda — xinguei mentalmente, me escondendo embaixo das


cobertas.

Não tinha como ser pior?

conrad

e bem diante dos seus olhos estou desmoronando, sem passado, sem
motivos, apenas você e eu. esta é a última vez que estou te pedindo isso,
coloque meu nome no topo na sua lista. esta é a última vez que eu pergunto
o porquê você parte meu coração num piscar de olhos.
t h e l a s t t i m e , t a y l o r s w i f t Eu ainda não sabia como tinha
aceitado aquele convite, na verdade, sabia.

Trabalhei que nem um filho da puta durante todo mês, tentei acabar com
todo o estoque de matéria-prima que tinha para

entregar logo nas mãos do meu pai e me livrar de uma possível ameaça
vinda do pai do meu melhor amigo, além de querer fugir de um possível
futuro tenebroso, ao qual só então depois daquela conversa com Bella, me
dei conta de que poderia ter. Ainda assim, quando estacionei em frente à
mansão do meu pai e entrei pela porta daquela casa, onde não pisava há
anos, vendo Scarlet descendo as escadas com os cabelos rebeldes e cara de
sono, percebi que o trabalho não era nada perto da minha vontade de estar
ali. Eu ainda tinha as minhas obrigações a fazer, ainda precisava dar conta
daquilo que tinha deixado maturando no meu laboratório, mas era Natal e
para não pensar em minha mãe possivelmente passando a data junto daquele
desgraçado, quando meu pai fez o convite, pensei estar resolvendo dois
problemas com um único tiro depois da recepção calorosa que tive por parte
da ruiva.

Caminhei desconfortavelmente pela casa e cumprimentei o avô dela, que


terminava de tomar café um pouco mal-humorado na sala de jantar.

O velho Charlie me encarou, querendo rir, e soltou:

— Também foi obrigado, menino? — Foi inevitável não sorrir.

— Culpa da sua neta — respondi antes de roubar um pão da mesa e voltar


para sala.

Encostei-me em uma das grandes janelas que davam para o quintal, abri uma
brecha, e vendo a imensidão branca que era o jardim, coberto de neve,
acendi um cigarro.

Era estranho estar de volta.

Era estranho não ter Isaac para brigar, pior ainda, estar ali com um objetivo
completamente diferente do que tinha quando voltei àquela cidade.
Tentei tirar minha cabeça daquilo, ou começaria a pirar antes do tempo.
Voltei para o carro, peguei minhas coisas, e sozinho subi para o meu antigo
quarto, fazendo as contas involuntariamente na minha cabeça sobre a
distância da minha porta até a porta de Scarlet.

Foi uma surpresa ver meu quarto praticamente intocado por todos aqueles
anos.

Apesar de limpo, não tinha nada de diferente, nem os antigos posters de


bandas que eu ainda ouvia nas paredes. Se não fosse por nenhuma das
roupas do meu closet estarem pequenas para mim, ninguém desconfiaria que
eu tinha ficado tanto tempo fora. E

aquilo foi outra coisa que me chocou em uma análise interna: eu tinha
passado muito tempo longe, mas alguns hábitos permaneciam os mesmos,
como as roupas pretas, o gosto musical e a organização, vide os CDs antigos
guardados nas gavetas da cômoda em ordem de preferência, e o meu velho e
saudoso videogame, que quando toda a merda estourou, acabou ficando na
casa do meu pai.

Como ainda era cedo e minha noite anterior foi regada a energético e
trabalho, liguei a TV em um canal qualquer, deitei sobre o colchão que havia
sido trocado depois daqueles anos todos e mal notei quando o sono me
pegou.

Acordei de repente, sabe-se lá quanto tempo depois, com uma batida seca na
minha porta. Em um pulo, estava pronto para abri-la e, como esperado,
peguei a ruiva do outro lado, com a mão erguida, pronta para bater de novo.

Os olhos de Scarlet vieram na direção dos meus, surpresos, logo em seguida


suas bochechas coraram. Eu sabia que ela tinha se enrolado em algum
diálogo mental que não aconteceria.

O cabelo dela dessa vez estava arrumado, solto, tão comprido quanto
qualquer outra vez que eu tinha visto. Ela vestia calças jeans

e, para ser um pecado na Terra, como se feita para me castigar, usava um


daqueles croppeds que estavam na moda, preto de mangas compridas. Para
variar, a filha da mãe não usava sutiã e, talvez, eu tenha demorado mais do
que o tempo socialmente aceitável analisando seu corpo. Quando parei nos
pés descalços, com unhas pintadas de preto, ela limpou a garganta, me
obrigando a voltar a encarar seu rosto.

A pergunta saltou da minha boca.

— Com quantos anos você fez esses piercings todos? — Fui tão direto que a
assustei.

— O quê? — Ela estranhou, mas piscou algumas vezes e disse meio,


confusa: — A-acho que faz uns dois ou três anos. —

Sem me dar espaço para pensar, ela perguntou também: — E suas tatuagens?

— Algumas eu fiz logo que saí daqui.

— Hm… — Seus olhos baixaram para o meu pescoço que era o único lugar
fora minhas mãos, exposto. — Alguma tem, você sabe

— de repente, senti seu nervosismo —, algum significado importante? —


Scarlet girou os anéis de seus dedos, claramente desconfortável.

Vendo sua reação, dei um meio-sorriso, apoiei o braço na porta e me


aproximei dela em uma distância confortável.

— Posso ficar pelado e te contar a história de cada uma delas, se preferir.

A maneira como ela reagiu foi divertida.

Scarlet revirou os olhos enquanto bufava, cruzando os braços, jogando o


peso do corpo para um dos pés.

— Acorda, Conrad. Vim te chamar porque preciso de alguém mais alto do


que eu, e você é praticamente uma escada humana.

Será que pode me ajudar? — O modo impaciente havia sido ativado. Eu


gostei.

— O que vou ganhar com isso, Red? — provoquei.


— Não sei, tipo, admiração? Parabéns? Espírito de trabalho em equipe? —
Seu tom sarcástico me fez rir.

— É um começo… — E ela não me esperou confirmar.

Quando Scarlet virou as costas para me deixar sozinho, fechei a porta e a


segui pelo corredor, descendo as escadas a uma distância segura do cheiro
dela.

Se me mantivesse muito perto, sabia que em alguma hora não me


controlaria.

— Onde está meu pai? — perguntei quando chegamos à sala.

— John está descansando. Ele não anda muito legal. —

Discreta, ela não se aprofundou no assunto.

— E seu avô?

— Vovô também está descansando. Segundo ele, a velhice pesa. — Nós dois
meio que sorrimos, e aquilo foi estranhamente bom. Muito bom.

— Ok — soprei a respiração pela boca —, o que você precisa de mim?

— É que, na verdade, eu comprei cortinas novas. — Se ajoelhando entre as


sacolas todas que estavam no chão da sala, procurando pela certa, Scarlet me
olhava como se tivesse aprontado alguma. — E é Natal, ninguém vai
conseguir instalar uma cortina tão em cima da hora. — Segurando o tecido
vermelho nas mãos, ela fez uma cara de piedade tão eficaz como se fosse um
filhote de cachorro.

Levei a mão ao rosto, apoiando a outra na cintura, e segurei a ponte do nariz,


enquanto processava a informação.

— Você está falando que comprou cortinas para uma sala que tem um pé
direito de quatro metros e quer trocá-las agora?

— É — ela respondeu como se eu fosse burro ou surdo.


— Ok. — Cruzei os braços, encarando-a, ainda acreditando que havia uma
pegadinha envolvida. — Como você planeja que eu escale essa merda?
Porque, até onde sei, eu ainda não sei voar.

Bufando, impaciente, Scarlet se levantou e colocou as mãos na cintura.

— Não precisa voar. — Seu tom correspondente ao meu era excitante. —


Existe um negócio chamado escada, que nesta casa tem várias. — Cruzando
os braços, ela se sentiu superior. — E eu pedi para os meninos que cuidam
do jardim separarem uma.

Inclusive, eles já devem trazer.

Neguei com a cabeça.

— Se tem funcionários na sua casa, pra que caralho você quer que EU suba
para trocar a cortina?

Scarlet realmente me atestou como burro.

— Porque, apesar de ter um milhão de funcionários na SUA casa, nenhum


deles é MEU funcionário.

Aquela troca de farpas fez seus olhos faiscarem.

Como pude me manter tão longe?

— E eu sou?

— Não — tentando conter um sorriso divertido, ela continuou, dando de


ombros —, mas é o que está tendo.

O argumento dela não era o melhor, mas me convenceu.


— Ok. Só não vai dizer que você vai querer montar a decoração de Natal
toda hoje…

Ela arregalou os olhos, colocando as mãos nas bochechas, dramática.

— Como você adivinhou? Meu Deus, você é mesmo um gênio da lâmpada!

Encarei aquela piada esquisita dela e não me contive.

Segurei seus olhos nos meus, e abaixando o tom, flertando abertamente,


avisei:

— A diferença é que, se você me esfregar, dependendo do lugar, não são três


desejos que você vai ganhar.

Scarlet revirou os olhos, fugindo de mim, sem conseguir responder.

De fato, deu um trabalho da porra fazer tudo que ela queria, mas, no final das
contas, ficou tudo muito bom. Levamos pelo menos três horas para
trocarmos as cortinas todas e montar a base da árvore de Natal.

Como não era escravo, parei para almoçar, mas ela nem isso fez.

Quando voltei até a sala, ela se esforçava para passar o pisca-pisca em toda
árvore de Natal no alto de uma escada menor que a que usei para trocar as
cortinas.

Sentado no sofá, ignorei as regras de etiqueta e acendi um cigarro, ignorando


que estávamos em um ambiente fechado, e fiquei observando-a, quieto.

Depois de alguns minutos naquele completo silêncio, Scarlet me deu uma


olhada de rabo de olho e soltou:

— Pode voltar para ajudar, seu intervalo já acabou. — Ela era minha nova
chefe?

— Estou na sobremesa. — Indiquei o cigarro na minha mão e ela suspirou,


parecendo saudosa. — Você parou de fumar mesmo?
— Parei. — Ela não parecia tão feliz sobre aquilo. — Meu pulmão ficou
meio fodido depois do... — pausando, desconfortável, ela parou —... você
sabe. E eu também estou tentando ser mais saudável. — Ela deu de ombros e
logo em seguida se esticou ao máximo, fazendo o tecido que cobria seus
peitos subirem, me dando uma ótima visão do que escondia ali.

Fiquei quieto, só observando, e ela notou.

Scarlet tentou se cobrir e fingir que nada tinha acontecido, mas ao mesmo
tempo que ela fazia isso, minha mente não colaborava.

Terminei meu cigarro, tentando manter o controle sobre meu corpo e,


enquanto pensava em coisas aleatórias para que a ereção não ficasse
evidente, voltei a trabalhar.

— Olha só, isso está ótimo! — meu pai elogiou quando entrou pela porta da
sala carregando alguns presentes. — Já posso colocar sob a árvore?

Scarlet desceu da escada que usava para terminar de pendurar os enfeites e,


depois de olhar tudo em volta e se dar conta de que não havia nada fora do
lugar, fez que sim com a cabeça.

— Acho que vou colocar os meus agora também... — ela comentou mais
para si e eu perguntei:

— Eu posso também?

Tanto ela quanto meu pai me fitaram, surpresos.

— Você trouxe algo? — Não era uma provocação vindo dela e sim pura
surpresa.
— Trouxe — provoquei, me aproximando — e olha só como eu sou
bonzinho, não é nenhuma bomba. — Apesar da minha ideia de fazer graça,
nem ela ou meu pai riram.

— Certo. — Ela juntou as mãos, meio desconfortável. — Acho que vou


acordar meu avô e nós podemos jantar… O que acham de pedir comida
hoje?

— Acho que uma pizza cairia bem — meu pai me incentivou.

— Eu vou fazer o pedido, e vocês dois estão liberados. Aviso quando chegar.

A garota sumiu corredor adentro e eu a segui com os olhos, não disfarçando


o interesse.

— Demorou muito tempo para que eu me permitisse ver —

meu pai falou baixo, só para mim —, mas conforme os anos foram passando,
cada vez mais eu entendi o que você viu nela.

— E o que vocês tentaram tirar de mim — quando respondi, nem mesmo me


preocupei de olhar para ele.

Só atravessei a sala e subi as escadas, de volta para o que era o meu quarto.

Sinceramente, eu não estava tão a fim de participar daquele teatrinho de


família feliz e quando Scarlet bateu no meu, quarto horas mais tarde, eu não
atendi.

Ela deve ter pensado que eu tinha dormido ou qualquer coisa do tipo, mas a
verdade é que passei boa parte da noite jogando videogame como não fazia
há muito tempo.
Quando o relógio marcou 23h, larguei o controle do videogame, tomei um
banho decente, me lembrando do quanto era bom o chuveiro daquele
banheiro, e vesti as calças de moletom. A verdade é que eu tinha me
acostumado a dormir só de cueca, até por causa do piercing, e mesmo no frio
não conseguia ficar com tanta roupa. Achava que aquilo era resquício de
uma infância vivida

em uma casa sem tanta proteção térmica. Aquela experiência tinha


endurecido meus nervos.

Antes de deitar, não pude negar que me arrependi de não descer para comer,
e contrariando a ideia de adolescente rebelde que dorme com fome para
contrariar os pais, do jeito que estava, resolvi descer.

A casa toda estava em silêncio.

A árvore de Natal era a única coisa iluminando o andar de baixo, e passei


por ela, admirando o trabalho em conjunto com Scarlet antes de chegar até a
cozinha.

Nada tinha mudado, e por isso não foi um problema, no escuro, abrir a
geladeira e tirar de lá os restos do jantar.

Peguei um grande pedaço de pizza de queijo, um copo de refrigerante, e no


escuro, me apoiei no balcão para comer.

Estava quase no final quando, de repente, a luz acendeu.

Meus olhos arderam e quando finalmente consegui me recuperar do choque


de luz nos meus olhos, ver Scarlet com o cabelo para cima, em uma blusa
colada e calças largas, me atingiu em cheio.
— Porra! — ela gritou, colocando a mão no coração. — Que susto! O que
você está fazendo aí, parado no escuro?

Ergui o resto da pizza e o copo de Coca para ela.

— Desci para comer. — Minha voz tinha ficado profunda de repente.

— Hm, certo. — Ela, de repente, pareceu desconfortável. —

Me deu sede e minha garrafa do quarto está vazia… — ela justificou como
se me devesse alguma explicação conforme se aproximava.

Meus olhos não conseguiam focar em outra coisa que não fosse seu corpo, e
para minha surpresa, ela também não parecia mais tão imune a mim. Me
olhando de soslaio, como eu fazia com ela, Scarlet mordiscou o lábio
inferior algumas vezes, enquanto tentava ver melhor minhas tatuagens.

A tensão entre nós cresceu.

Scarlet coçou sua nuca.

O calor nos atingiu.

Virei-me um pouco, o mais discretamente possível, para conseguir vê-la


melhor depois dela passar por trás de mim. Scarlet demorou mais do que o
normal para conseguir achar o que queria, e parecendo ser de propósito,
ficou pelo menos dois minutos com a bunda erguida enquanto caçava uma
garrafa d'água na parte de baixo da geladeira.

Aquela porra era uma tortura.

Minha vontade era de pegá-la com força, beijar sua boca, seu corpo, foder
aquela bunda gostosa… Mas me segurei, mesmo com o desejo queimando
nas minhas veias e afastei aquela ideia. Não queria queimar largada. Quando
Scarlet se ergueu, respirei fundo e ela me imitou, e como quem não queria
nada, soltou numa voz meio baixa e rouca:

— Acho que vou comer alguma coisa também.


A desgraçada se curvou novamente, ainda mais do que da outra vez. O rabo
para cima, praticamente me chamando.

Desviei o olhar, tentei brigar com meu corpo enquanto passava as mãos no
rosto e no cabelo, mas era tarde demais.

O efeito daquela porra de provocação já estava marcado nas minhas calças.

Fechei os olhos, achando que aquilo era uma piadinha de mau gosto do
destino.

Eu tinha jurado que ia tentar levar as coisas de um outro jeito com Scarlet.
Que ia tentar ser minimamente decente, mas era impossível, ela não se
ajudava!

Parando perto de mim, a uma distância de um braço, ela largou cinco


morangos sobre o balcão, abriu uma garrafa d'água e deu um golinho
enquanto me olhava.

Involuntariamente, mordi o lábio, claramente querendo morder outra coisa.

Scarlet largou a garrafa aberta sobre o balcão, e como se fosse a coisa mais
sensual do mundo, mantendo os olhos nos meus, pegou um dos morangos e
o levou até a boca. Ela o mordeu, mastigou lentamente e engoliu, lambendo
os lábios no final, assinando meu atestado de loucura.

Meu pau chegou a doer conforme a imaginava envolvendo os lábios em


volta da cabeça dele. Quis socar minha cara contra o balcão.

— Caralho — xinguei baixo, tentando ignorá-la.

— Hm — se fazendo de idiota, ela soprou —, desculpa, você quer?

Hipnotizado, assisti enquanto ela virava a garrafa de água na boca e me


oferecia o morango com a mão livre. A água escorreu pelo seu queixo e
deslizou pela garganta. Minha respiração pesou, vendo a gota se perder pelo
decote.
Scarlet, naquele segundo, acabou com qualquer chance que tinha de se livrar
de mim.

Em um movimento rápido, afastei meu copo e o resto da pizza, peguei seu


braço esticado e puxei seu corpo violentamente para mim.

— O quê? — Ela tentou entender o que acontecia, mas minha boca sobre a
dela impediu qualquer diálogo e erradicou qualquer dúvida.

Suas mãos deslizaram do meu peito para minha nuca, as minhas não
perderam tempo. Mergulhei em sua bunda, puxando-a para cima do balcão,
me forçando entre suas pernas, ao mesmo tempo em que devorava a sua
boca. Scarlet era uma bruxa, a porra da maior tentação, eu era fraco demais
para resistir.

Eu não queria mais resistir.

Sua língua tinha gosto de morango mais intenso do que qualquer outra vez e
aquilo acabou comigo. Nosso beijo não era gentil, principalmente seus
dentes contra meu lábio, mas eu devolvi na mesma moeda. Apertei suas
coxas, pressionei meu pau contra sua boceta, mesmo com todo aquele tecido
entre nós, envolvi os cabelos de sua nuca com a mão e forcei sua cabeça a
ceder conforme mordia seu lábio inferior. Ela gemeu contra minha boca e
me vi enlouquecendo. Desci para o seu queixo. Trilhei um caminho de beijos
por sua garganta, seu pescoço. Scarlet arfou, nossas peles se arrepiaram num
claro recado: não dava mais para ficar tão perto sem as malditas
consequências.

Ela era macia, seu cheiro me enlouquecia.

Eu queria Scarlet e queria naquele segundo, não aguentava mais esperar.

Mas, como um balde de água fria sendo jogado tanto nela quanto em mim,
antes que eu pudesse descer a boca sobre seus seios, ouvimos um ataque de
tosse vindo do quarto onde seu avô estava.

— Caralho! — ela xingou e me empurrou, me dando uma bronca sussurrada:


— Você não pode fazer isso!
E parecendo ter ganhado um choque, ela pulou do balcão e correu. Dava
para ouvir seus passos na escada enquanto eu me segurava com as mãos
espalmadas sobre o balcão, tentando conter o fogo em minhas veias.

Contei até dez, mas nada aliviou, e eu desisti de esperar.

Desisti de fugir.

Apaguei a luz da cozinha, tentando ser racional sabendo que, se aquilo


acontecesse, anteciparia ou arruinaria meus planos, mesmo assim, eu estava
apostando alto.

Passei no meu quarto, única e exclusivamente para pegar o pacote de


camisinha e a primeira parte do presente dela, e saí pelo corredor, pronto
para deixar para trás toda e qualquer mágoa que um dia pude sentir dela.
Pronto para lutar duas vezes mais se fosse eu preciso, caso ela me colocasse
para fora.

Acreditando que a surpresa seria a melhor escolha, que eu não estava


disposto a negociar o que queria, não bati na porta. Eu só entrei.

Eu nunca tinha visto o quarto dela dentro da casa do meu pai.

Tudo era branco, mas parecia quente sob a luz da luminária infantil que
reproduzia estrelas amarelas que dançavam pelo teto e

paredes.

Deixei o que havia trazido sobre a mesa do computador, ouvindo o chuveiro


ligado, e espiei pela porta aberta, Scarlet atrás do boxe de vidro, de olhos
fechados embaixo do jato de água.

Pela cara dela, era um banho frio.

Eu entendia muito bem a situação e esperei, arrancando minha calça e cueca


de uma vez, até que ela abrisse os olhos.

Quando ela o fez, o choque e a surpresa não foram suficientes para que se
cobrisse.
Seu corpo molhado e arrepiado gritava por mim.

Dei um passo na sua direção, e mais um.

Ela não disse nada, até que eu abri o boxe.

— O que você faz aqui? — Era a pergunta de um milhão de libras.

— Vim te dar parte do seu presente de Natal. Vim foder você.

Quando caí sobre Scarlet, ela não teve como correr.

scarlet

nunca existiu neblina nos meus olhos, insanidade é nosso purgatório. peço
perdão, pois eu pequei, eu acho que eu me entreguei, ao rei mau. virei rainha
do meu próprio caos. a linha é tênue entre o amor e o ódio. posso sangrar pra
mostrar que me importo, mas não se engane ao duvidar, que eu também
posso te fazer sangrar, somos espelho, peça perdão, você pecou primeiro.

caos,camaleoa-músicafeitaparaBadPrince

Eu juro que pensei em sair como estava no quintal e me jogar na neve, de


cabeça.

Aquilo pareceu ser a única coisa capaz de fazer meu corpo esfriar, de
mandar aquela vontade, aquele desejo insano, embora.
Mas era tarde demais para colocar aquele plano em prática.

Eu já tinha subido para o meu quarto, e se descesse agora, se passasse perto


dele, eu cairia. Cairia profundamente, sem chance alguma de levantar.

Aquele dia era prova viva disso. Funcionar tão bem ao lado de Conrad me
fazia pensar que, talvez, se ele tivesse outra chance, se eu fosse capaz de dar
outra chance, as coisas dariam certo.

Enfiei as mãos na raiz do cabelo e puxei, duvidando da minha sanidade


enquanto andava de um lado para o outro dentro do meu quarto. A única
solução me pareceu um banho gelado.

Sem pensar demais, arranquei a roupa, me enfiei no chuveiro e segurando a


respiração para não gritar na hora do choque térmico, ativei a alavanca,
liberando a queda d'água.

Eu realmente quase gritei, mas não por causa do frio. A culpa era daquela
porra de vontade desgraçada que não ia embora. Eu ainda queria descer.
Ainda queria ser devorada por ele.

Como eu conseguiria fugir?

Resistir?

Não tinha ideia. Nada parecia capaz de ajudar.

Continuei embaixo da água, sentindo o efeito na minha pele, não


conseguindo deixar de imaginar qual seria o efeito de Conrad pelo meu
corpo, do tanto que foi intenso da última vez. De como pareci estar no
paraíso cinco minutos atrás, beijando sua boca, desbravando seu corpo,
matando uma vontade que eu já sabia que nunca passaria.

Eu sempre ia querer Conrad, sempre precisaria dele.

E tinha cometido o erro de experimentá-lo… Será que, algum dia, alguém


sobre aquela Terra, seria capaz de me dar algo parecido ou melhor do que ele
havia dado?
Eu duvidava muito. Duvidava com a minha alma.

Foi então que meu corpo queimou. Aquela sensação incômoda, mas muito
conhecida, de quando ele me observava.

Achei que estivesse alucinando, porém, ao abrir os olhos, comprovei que


não.

Soube, naquele instante, que não importava quanto tempo passasse, quantas
vidas eu vivesse, quantas pessoas eu conhecesse, ninguém nunca chegaria
aos pés de Conrad.

Deus sabe que tentei ser forte, que tentei fugir, que tentei negar, mas quando
ele adentrou no chuveiro junto de mim, sem roupas, não havia o que fazer.

Conrad era como um oásis no deserto, e eu era alguém perdido, desesperado


por uma gota d'água. Suas mãos vieram sobre meu corpo. Primeiro tocou
minha cintura, então o quadril, e de repente, ele me ergueu enquanto me
empurrava contra a parede.

Me apoiei em seus ombros e o abracei com as pernas também.

Suas mãos desceram e me sustentaram pela bunda. O choque da parede


gelada contra minhas costas só me fez me apertar mais ainda contra ele. A
sensação de seu corpo quente contra o meu me dominou. O contraste de tudo
era uma bagunça, mas quando sua boca se encaixou na minha, eu me
entreguei.

Não havia mais tempo para esperar, e nisso, nós pensávamos igual.

Quando ele me encaixou contra seu pau, soltei o quadril e o recebi de uma
vez.

Conrad me invadiu, deslizando devagar, quente, intenso, mortalmente bom.

Ele xingou contra minha boca, eu o imitei. Mesmo molhada em um nível


fisicamente duvidoso, seu tamanho ainda incomodava.
Meu peito tremeu quando suspirei, tentando conter o choque do primeiro
entra e sai lento. Tentei afastar o rosto do dele, mas fui punida com seus
dentes mordiscando meus lábios.

Conrad soprou contra minha boca entreaberta, roçando os lábios nos meus.

— Relaxa para mim, Red. — A voz baixa, meio rouca, arrepiou cada pedaço
do meu corpo que ainda estava a salvo. Meu ventre pulsou contra a investida
dele, saboreando o entra e sai lento, curto, que me preenchia por inteiro a
ponto de doer. — Caralho — ele rosnou —, eu mandei você relaxar essa
bocetinha apertada.

Conrad se manteve dentro de mim, mas ficou parado.

Seus dentes contra meu pescoço fizeram meu ventre se contrair, mais uma
vez. Ele gemeu alto, numa forma meio animalesca, e aquilo me excitou pra
caralho. Não queria que ele me poupasse de nada.

Arranhei sua nuca e seus ombros, mergulhei os dedos em seu cabelo e


incentivei que ele me mordesse, que ele me marcasse.

Entendendo fácil o que eu queria, ele desceu para o meu seio direito

e sugou o mamilo com tanta pressão que gritei. Suas mãos abriram minha
bunda, tentando dar mais abertura para seu pau como se aquilo fosse aliviar
de algum jeito o que acontecia dentro de mim.

Mas ele não podia controlar aquilo. Era involuntário o modo como minhas
paredes apertavam Conrad. Era tão íntimo, tão profundo, tão apertado, que
de um jeito muito louco, eu sabia exatamente onde aquele piercing dele
roçava, e a pressão certeira que fazia.

Minha carne parecia em chamas. O anúncio de que eu gozaria rápido por


todo aquele prelúdio tortuoso era denunciado por cada pequeno pedaço meu,
mas Conrad parecia ter outros planos.

Ele me tirou do chuveiro. Eu o abracei um pouco assustada, cortando o


clima momentaneamente, e como o apertei sem querer, ganhei um xingo
enquanto ele saía de mim para me colocar na cama.
Não era a primeira vez que eu o via nu, e ele também já tinha espiado algo
do meu corpo, mas era a primeira vez que nos olhávamos como iguais. Eu,
deitada, com as pernas entreabertas, sem nada que pudesse me cobrir. E ele,
um pequeno semideus, esculpido em mármore, perfeito, lindo, e
independente do futuro ou

do passado, era inteiramente meu. Mesmo que aquilo só durasse por um


momento, que aquela fosse nossa última vez, ele sempre seria meu.

Analisei suas coxas grossas entre as minhas, suas mãos grandes e fortes
sobre meu quadril, os braços, os ombros, o pescoço… Conrad era cheio de
desenhos. Uma decoração muito bem-vinda nas paredes daquele templo.

E depois de uma revista minuciosa sobre seu corpo, sabendo que ele fazia o
mesmo comigo, umedeci os lábios ao ver o efeito que tinha sobre ele. Era o
misto de orgulho e uma luxúria que seria capaz de me condenar para sempre,
mas ver que o deixava duro, com as veias saltando, tão úmido que seu
piercing brilhava, me fez querer sorrir. E eu o fiz, antes de, finalmente, focar
em seu rosto.

A boca dele entreaberta, os dentes retinhos, a pontinha da língua… Eu não


podia deixar de imaginar como seria provar do meu gosto daquela boca.

O nariz perfeito, os cabelos bagunçados e agora meio molhados, tão escuros


quanto à noite, mas não tão escuros quanto seus olhos. Olhos que estavam
presos em mim, cheios de desejo,

de uma vontade insana, assim como eu sabia que os meus também estavam.

A comunicação foi rápida. Ao encará-lo, entendi que ele me convidava.

Quando ergui um dos joelhos e abri mais as pernas, sabia que meu recado
ficava claro. Eu queria cair naquele abismo, e cairia outras mil vezes com e
por ele.

Conrad entendeu minha ação como permissão.

— Como é que eu pude deixar você… — Sua voz não passava de um


sussurro conforme ele se abaixava, com o rosto na direção da minha coxa
erguida. Sua respiração bateu contra minha pele e todo o meu corpo tremeu
de ansiedade.

Fechei os olhos, sentindo a corrente elétrica entre nós correr e se espalhar


pelo meu ventre, seios, e subindo pelo pescoço. Conrad nem tinha feito nada
ainda e eu já estava me sentindo no céu.

Apoiei-me sobre os cotovelos para assisti-lo e, enquanto os seus olhos não


deixavam os meus, eu resisti.

Seus lábios roçaram contra minha pele, depois deram espaço para os beijos
começarem e, logo em seguida, sua língua e dentes apareceram. O caminho
tortuoso que ele fez, aquele clima de

antecipação, engoliu meu juízo e me deixou ofegante. Conrad fez meu


coração bater tão forte que achei que ele pudesse escutar.

Sentia-me pesada, molhada, pronta. E, meu Deus, como eu queria ver como
seria o final daquilo.

Cansado de me torturar, Conrad chegou no seu destino, mas como se eu


fosse um vinho caro demais para matar na boca, usou ambas as mãos para
me abrir e fechou os olhos quando me cheirou.

— Puta que pariu. — Ele parecia um viciado, finalmente tendo acesso à sua
droga favorita.

Assistir àquilo era quase profano, e não aguentei, preparei o palavrão e


quando abri a boca para soltá-lo, ele morreu na minha língua quando sorvi o
ar entre os dentes ao sentir o primeiro toque da língua de Conrad sobre meu
clitóris.

Foi lento, intenso e, no segundo seguinte, eu queria mais.

Deitei a cabeça para trás, perdendo um pouco da visão maravilhosa que era
tê-lo entre minhas pernas, mas fiquei refém da sensação dele agarrando
minhas coxas, deixando a gentileza de lado.
Incentivando-o, minhas mãos foram os meus seios ao mesmo tempo em que
ele me lambia de cima a baixo e me sugava na fonte.

Meu corpo parecia prestes a gritar.

— Eu tinha razão — ele soprou contra minha coxa e me deu uma


mordidinha —, seu gosto é muito melhor do que qualquer bala de morango.

Senti o riso na sua voz. Eu mesma quis rir, mas não tive tempo porque, sem
me preparar, Conrad arrancou de mim o gemido mais alto que me permitia
dar dentro daquela casa.

Ele foi o primeiro, sua sequência não teria controle e, desesperadamente,


levei uma mão à boca, tentando me calar.

Aquilo pareceu só incentivá-lo a fazer as coisas ficarem ainda piores.

Sua língua girou várias e várias vezes sobre meu clitóris, seus dedos
acariciaram minha entrada e, de repente, eu o senti em outro lugar.

Apesar de estranhar, eu não reclamei. Estava entregue.

Conrad faria de mim o que quisesse, como quisesse. Estava ali para servir.

— Eu não vou comer esse rabo hoje, ou você vai acordar a casa inteira, mas
você me paga pela tentação lá embaixo.

Não discuti, fiz que sim com a cabeça e coloquei uma das mãos sobre os
seus cabelos, puxando-o, incentivando para que ele continuasse a me chupar
conforme dançava com os quadris contra sua boca, rebolando contra sua
língua e sentia seus dedos dentro de mim em todos os lugares possíveis.

Com maestria, Conrad manteve o ritmo, e não parou nem quando eu tentei
impedi-lo de continuar. Meu ventre tremeu mais do que qualquer outra vez.
Perdi o controle da minha respiração, do volume dos gemidos, e senti
quando Conrad precisou se desdobrar para manter um dedo no meu cu outro
na minha boceta, o ritmo sobre o meu clitóris além da mão sobre a minha
boca. Quis rir, mas tudo o que consegui fazer foi gritar contra sua pele
conforme gozava tão intensamente que podia ouvir o barulho do atrito dos
seus dedos contra mim.

Mordi sua mão conforme meu corpo sofria daquela porra insana que ele
causava. Conrad parou de me chupar aos poucos, parecendo disposto a beber
tudo de mim antes de vir com o rosto contra meu quadril e mordê-lo.

— A próxima vez que eu te chupar — ele avisou —, quero você assistindo


até o final.

E escorregando o corpo sobre o meu, Conrad não deixou eu me recuperar. O


garoto, que parecia ser dono de mim, beijou minha boca trazendo o gosto
que eu tanto queria experimentar para minha língua, brincando comigo da
forma mais erótica possível.

Abracei seu corpo, sentindo-o duro, latejando contra o meu quadril.

Conrad era realmente grande, pesado, para fechar a mão em volta do seu
pau, lembrei que precisei realmente forçá-lo. E só para comprovar que não
era loucura minha, encaixei a mão entre nós e comprovei o fato.

Aos poucos, conforme meu corpo se acalmava, eu o obriguei a sair de cima


de mim, e ficando de quatro, com a bunda ao alcance dele, encarei seu pau.

Envolvi a grossura com a minha mão e o apertei um pouquinho, fazendo


Conrad gemer e descer um tapa ardido contra minha bunda. Eu gostei muito
daquilo. E ainda mais excitada, fiz o primeiro o movimento de sobe e desce,
devagar, acariciando-o da base ao topo e voltando.

Fiz isso algumas vezes, antes de aumentar o ritmo, masturbando ao mesmo


tempo em que colocava a língua para fora

e brincava com a cabeça do seu pau, lambendo ao redor do piercing,


colocando-o na boca e tirando com alguma pressão, arrancando de Conrad
alguns tremores junto dos gemidos.

De propósito, o provoquei daquele jeito até que ele perdesse a paciência, e


conhecendo aquele lado dele que secretamente adorava, não reclamei
quando ele meteu a mão nos meus cabelos, me puxando com brutalidade
pela nuca, me forçando a sair da cama, enquanto ele também vinha.

Conrad se sentou na beirada do colchão, me colocou de joelhos na sua frente


e, com a mão livre, segurou meu queixo e me deu um beijo rápido. Quando
afastou o rosto do meu, segurou seu pau na frente da minha boca,
esfregando-o nos meus lábios, e ordenou:

— Quero ver você olhando para mim enquanto me chupa, gostosa.

Seus olhos faiscaram no meu. Minha boca encheu d’água, de vontade, de


tesão.

Mais do que gostar de ser submissa, eu gostava de Conrad mandando em


mim, gostava da sensação de controle que ele tinha sobre o meu corpo,
gostava de agradá-lo.

Porra, eu queria desesperadamente agradá-lo. E fiz aquilo presa em seus


olhos, vendo seu prazer em foder minha boca.

Quase engasguei quando ele tentou forçar tudo até o fundo da minha
garganta, mas era impossível colocá-lo inteiro na boca, pelo menos, naquela
posição. Ainda assim, fiz o meu melhor. Vi o quanto ele gostou de me ver
cuspindo sobre ele, ouvi seus gemidos de aprovação e prazer quando o
mantive no mais fundo que aguentava, percebi a surpresa em seus olhos
enquanto massageava suas bolas.

Eu o suguei, mamando seu pau, saboreando seu sabor salgado e intenso.

Conrad era tudo o que eu esperava e mais.

— Caralho, Scarlet! — ele rosnou quando me puxou pelos cabelos para ficar
com o rosto na altura do seu. E no meio de um beijo agressivo e insano,
caótico como nós dois, ele disse:

— Se você não parar agora, vou fazer você engolir minha porra e me chupar
de novo, até eu ficar duro para gozar dentro de você.

Quase voltei a ficar de joelhos, mas ele não deixou.


Conrad me jogou contra a cama e veio por cima de mim.

Sua mão no meu pescoço me travou no lugar, a outra mão livre beliscou
meus mamilos e estapeou meus seios, depois desceu pelo meu ventre e foi
direto para minha boceta.

Com a ponta dos dedos, Conrad esfregou meu clitóris e eu busquei por ar.

Sua boca desceu para a minha, mas ele não me beijou.

Os olhos nos meus eram intensos de uma maneira que eu nunca tinha visto
antes.

Aquilo era desejo, palpável e infinito.

Conrad bebeu do meu desespero por ar, do meu prazer ao gemer conforme
ele me tocava, e quando se enfiou de uma vez em mim, até o fundo e liberou
minha garganta, juntou a língua com a minha sem gentileza alguma.

Era animalesco, mas era bom demais para eu tentar pará-lo.

Ele me prendeu na cama com seu peso. Minhas pernas estavam erguidas e
seu quadril vinha cada vez mais rápido, fazendo o colchão gemer contra
nosso peso e a intensidade das estocadas.

Eu o sentia fundo, me fodendo sem dó, e eu não deixei por menos.

Arranhei suas costas, puxei seu corpo contra o meu. Queria fundir Conrad a
mim de todas as formas que pudesse e ele parecia ter a mesma ideia. Por um
minuto, eu pensei em reclamar quando ele saiu de mim, mas agradeci a
consciência de um de nós dois, quando ele foi atrás de camisinha.

O recado foi dado na troca de olhares.

Nós não precisávamos de uma criança no meio daquela confusão toda.

Nós nem sabíamos como seria a manhã seguinte.

Afastando o depois dos pensamentos, Conrad voltou para a cama e se deitou.


— Sente em mim, Red. — Não era um pedido, era uma ordem.

Fui para cima dele e, quando o senti encaixado na minha entrada, forcei o
corpo para baixo de uma vez. As mãos de Conrad massacraram meu quadril.

Ele xingou e eu quis gritar, mas me contive, travando a mandíbula e jogando


o corpo para trás, só soltando o ar quando senti suas bolas contra minha
bunda.

— Meu Deus… — soltei com dificuldade. — Você vai me matar.

— Só se for de foder. — Sabia que ele sorria só de ouvi-lo.

Eu também esperava que fosse.

Levou um tempo para que eu entendesse que o movimento de cavalgada era


melhor do que tentar ficar pulando em cima dele. Por sorte, e experiência,
Conrad já sabia disso e moveu meus quadris, me guiando.

Comecei devagar, um pouquinho ofegante, me aproveitando das sensações


de tê-lo dentro de mim. Ainda ardia, ainda era visceral e um pouco
incômoda, mas nada superava o prazer.

Toda aquela espera tinha valido muito a pena.

Encarei o garoto pelo qual eu esperei por toda a vida, que tinha meu coração
nas mãos desde que ele descobriu que podia bater por outra pessoa, e
acariciei seu rosto.

Conrad notou a mudança do que eu fazia e beijou a palma da minha mão.

Acelerei o ritmo dos quadris sobre ele e o vi respirar fundo enquanto fechava
os olhos.

Aquilo era bom.

Saber que eu tinha algum controle sobre seu prazer era divertido também.
Suas mãos seguiram o desenho do meu corpo, subindo dos quadris para a
cintura, então para os seios, e ele os envolveu.

Conrad os acariciou com cuidado, estimulando os mamilos, brincando com


os piercings e tudo em mim respondeu.

Minha pele voltou a se arrepiar, um formigamento estranho e intenso se


espalhou do meu centro para as extremidades. Meu ventre pulsou, e a cada
vaivém do meu quadril, sentia que o limite estava perto.

— Conrad… — sussurrei, sem muito controle e ele puxou meu tronco para
baixo.

Meu peito ficou contra o seu, mas fiquei meio de lado e ele se aproveitou.

Ambas as mãos na minha bunda, apertando com firmeza depois de um tapa


inesperado e ardido. Me contraí e o apertei sem querer. Ele me xingou e eu
gostei.

Fiz de novo, mas o castigo foi outro. Conrad segurou minha bunda, como se
me abrisse mais e então, apoiando os pés contra o colchão, investiu contra
mim em uma intensidade insana.

Eu perdi o controle da fala.

Gemi com o rosto contra seu pescoço conforme a sensação de formigamento


se fortalecia e espalhava. E, de repente, senti uma pressão ainda mais forte.
Quando Conrad me ergueu um pouquinho, saindo de mim, me assustei,
perdida pela sensação.

— Eu… — Olhei para baixo, não entendendo o que acontecia.

— Você esguichou, de novo — ele avisou, quase rindo. — Se acostume, é


algo normal comigo.

Tentei sair de cima dele, mas minhas pernas pareciam feitas de gelatina.
Tremiam como se o exercício tivesse sido muito intenso.
— O que foi, Red? Não consegue andar? — zombando de mim, Conrad me
ajudou a ir para o lado, e como se fosse sua boneca, me colocou de joelhos
na cama.

— Agora sim…— Me pegando por trás, roçando o pau ainda duro entre
minhas coxas, ele afastou meu cabelo das costas e desceu beijando minha
coluna conforme me colocava para baixo, me deixando de quatro, com a
bunda bem erguida.

Senti sua língua sobre meu cu e não acreditei que, na segunda transa da
minha vida, o negócio estava naquele nível. Mesmo assim, não neguei.

Era ele, e eu queria tudo com ele.

— Vou amaciar esse rabo e fazer você pedir por mais… —

Conrad avisou antes de me beijar lá como se beijasse minha boca.

Ele forçou a língua no espaço estreito, enquanto seus dedos brincavam nos
lábios da minha boceta, pronto para me deixar excitada de novo.

Aquilo funcionou mais do que eu conseguiria explicar. Não levou cinco


minutos para eu ouvir o sorriso provocante em sua voz.

— Melada desse jeito, acho que você quer passar a noite fodendo… Na
verdade, Red — seu pau forçou a entrada, mas escapou, acabando sendo
envolvido por meus pequenos lábios —, acho que você vai dar esse cu pra
mim hoje.

Ao dizer isso, Conrad não teve dó de mim.

Seu quadril fez um vaivém lento e curto antes de mal se encaixar em mim e
entrar até o talo. Enfiei a cara contra o travesseiro e berrei.

Ardeu, mas foi incrivelmente bom.

— Caralho — ele bateu na minha bunda e encaixou um dedo na entrada do


meu cu — ou você relaxa, ou não vou aguentar.
— Não consigo — choraminguei.

— Então vou precisar treinar essa boceta.

De repente, eu tinha um novo som favorito e ele era a mistura dos nossos
gemidos, com o som dos nossos corpos se chocando e da minha boceta
engolindo seu pau completamente encharcada.

Era som de sexo, do nosso sexo, e eu queria ouvir aquilo todo dia.

Conrad não deixou de estimular onde tanto parecia querer entrar e, relaxada
como estava, senti quando um dos dedos deslizou para dentro.

A pressão daquilo, somado ao seu pau me preenchendo inteira, foi


alucinante.

Eu queria gritar, queria que durasse horas, mas a sensação que tinha era que
meu corpo entraria em combustão a qualquer segundo.

— Porra, você tá me massacrando. — Era uma bronca dada entredentes, em


rosnado bruto. — Vou gozar em você, Scarlet.

E, sem pudor algum, desci uma das mãos para me tocar, enquanto ele
investia mais pesado contra mim, triplicando a intensidade daquilo.

O orgasmo duplo causou uma confusão no quarto.

As mãos dele acabaram com a minha cintura ao me prender contra si.

Eu o sentia latejar dentro de mim e o apertei mais ainda com toda aquela
pulsação enlouquecedora no meu ventre.

Meu corpo parecia ter perdido a força, eu não conseguia me mover, e Conrad
parecia estar na mesma situação.

Levou pelo menos cinco minutos para que nós nos soltássemos um do outro,
e quando ele se afastou, eu desmoronei na cama.

Sentia-me inchada, dolorida, mas incrivelmente satisfeita.


Minha respiração estava fora de controle, meu corpo suado, o cabelo um
ninho, mas eu não me importei. Tudo o que fiz foi me arrastar para deitar em
um dos lados da cama de casal, liberando o outro para ele, e quando Conrad
veio, parecendo pensar em se despedir, eu o desarmei, estendendo a mão
num claro convite para permanecer.

Ele suspirou, considerando e, finalmente, se rendeu, deitando completamente


nu ao meu lado, oferecendo o braço para eu me aproximar.

Não tinha a possibilidade de eu recusar.

Aninhei-me contra ele, abracei seu corpo quentinho e aspirei seu cheiro feito
uma viciada.

Assumindo uma postura completamente diferente da hora do sexo, Conrad


cheirou meu cabelo e, depois de mais um suspiro, perguntou:

— Tem certeza de que quer que eu fique?

Abri os olhos, alerta, e o encarei.

— Fique — quase implorei. — Fique porque, quando você sair por aquela
porta, eu não sei como vai ser quando eu vir você.

E entendendo que era assim que tinha que ser, Conrad me abraçou mais
forte, beijou minha testa de novo e, cansados pelo sexo e pelo desgaste
emocional daquela relação caótica, nós dormimos juntos pela primeira vez,
depois de tudo.
scarlet

na profundeza onde seus segredos se escondem, onde estivemos milhares de


vezes, engula cada mentira, pegue tudo de mim. eu nunca vou te mandar
embora porque eu já cometi esse erro.

l o v e r o f m i n e , 5 s e c o n d s o f s u m m e r Eu podia jurar que tinha


me mantido em um sono leve. E

jurava que abri os olhos de cinco em cinco minutos para conferir se Conrad
ainda estava lá, mas acordei perto da uma da tarde, coberta, com o cheiro
dele por toda a cama, completamente sozinha.

Meu corpo ainda estava dolorido, mas quando passei as mãos sobre os
lugares onde ele havia tocado, não consegui não sorrir.

Ok, Scarlet, você sabia que seria assim — tentei me conformar antes de
colocar os pés para fora da cama.

Minha primeira visita foi ao banheiro para um banho quente e, depois de


secar os cabelos e escovar os dentes, me vesti e fui pegar a medicação para
ansiedade. Depois da noite passada, eu realmente precisava dela, mas parei
no lugar quando, sob os remédios, havia um envelope branco que se
camuflava na madeira.

Engoli em seco, imaginando que horas Conrad tinha colocado aquilo ali e,
com a mão sobre o peito, sentindo meu coração batendo tão forte a ponto de
fazer meu corpo tremer, tomei coragem de pegá-lo.

Tentei ser rápida, prática, e quando o abri, me surpreendi com a letra de


forma bem-encaixada e redondinha, mal me aguentando quando vi meu
nome lá.

Scarlet, ou divina, amável e maldita criatura mais bela que já vi.

Deveria escrever aqui cada um dos meus intermináveis pedidos de


desculpas, mas então isso não seria apenas uma carta, mas sim um livro de
terror, e eu sei que esse não é um gênero que te atrai, não é mesmo, Red?
Por isso, escolhi desvendar aqui, e dizer a você, o porquê há essa maldita
cola chamada amor entre nós dois. Gostaria que eu tivesse sido o primeiro a
te notar, assim poderia me vangloriar de que, enquanto você vivia, eu
sobrevivia das suas migalhas, mas mesmo que não tenha sido assim no
começo, você e eu sabemos que, depois que descobri sua existência, nunca
foi diferente.

Eu sempre fui fascinado pelo fogo. Queria estar dentro dele, queria queimar
junto dele, e no dia em que meu olhar pegou o seu me observando, algo
mudou. Lembro-me de como suas bochechas ficaram vermelhas enquanto
você fingia se concentrar no seu livro favorito, e do meu primeiro
pensamento ao analisar você. O que me atraiu primeiro, e eu seria um
grande mentiroso se dissesse outra coisa, era que você era rara, era beijada
pelo fogo, e como eu já disse, eu sempre fui fascinado pelo fogo, então era
óbvio que ficaria por você.

Depois de te descobrir, tentei não parecer tão obcecado, mas descobri tudo
o que podia.

Seu nome, sua idade, seu endereço.

A rotina, as notas, de onde tinha vindo e por que estava ali.

Seus hábitos, seus talentos… Red, eu fui a porra de um stalker para poder
conquistar você.

Minha mente já tinha me alertado “ela é muito nova, isso será um


problema”, mas quando te vi entrando na biblioteca naquele dia, não pude
evitar.

Ali foi a primeira vez que senti seu cheiro. Foi a primeira vez que vi seus
olhos de perto.

E, por causa disso, achei que deveria me manter longe, já que, mal tinha
virado as costas e queria voltar para vê-la, para cheirá-la… Era doentio
sentir aquilo de primeira, mas você me atingiu como se eu fosse um murro
no meio da estrada sendo arrebentado por um carro a 200km/h.
Tentei o meu melhor para te evitar. Aproveitei o início das férias para fazê-
lo, mas inconscientemente, não recusei nenhum convite para jogar bola
atrás da casa do seu avô, na esperança de você aparecer.

Esperei ansiosamente por quase uma semana, e finalmente lá estava você.

Thomaz brigou comigo por perder lances e não tirar os olhos do outro lado
do rio, espiando toda vez em que sentia seus olhos em mim. Mas era
impossível não ficar hipnotizado pela garota de cabelos laranjas vibrantes
que dançavam contra o vento como a chama do meu isqueiro. Lembro-me
das suas roupas, onde pisou, da sua feição.

E queria sua atenção, Red.

Queria que você me notasse desesperadamente.

Assisti atento à sua discussão com sua irmã assim como todos em volta. Foi
bom ter todo mundo te olhando, porque então eu seria só mais um, mas
quando você caiu, quando eu pensei na possibilidade de você se machucar,
só notei o que fazia quando te tirei da água.

Você se lembra de como fiquei enfurecido?

Acredite, eu seria capaz de agredir sua irmã naquele dia.

Como ela se atrevia a fazer aquilo com você? Porra, eu sabia como era
viver com duas famílias destrutivas e, mesmo não querendo que aquele fosse
nosso primeiro laço, eu quis proteger você.

Fiquei tão mortalmente afetado por você, com medo de algo te acontecer,
que sai dali direto para o hospital. Fui procurar o médico

da família e perguntar quais as chances de você morrer pós-afogamento.


Tem ideia, Red, que a remota possibilidade de te perder antes de ter
qualquer coisa com você já era inaceitável para mim? Foi por isso que, na
manhã seguinte, fui bater na sua porta. E

eu nunca pensei que poderia me apaixonar pela versão recém-amanhecida


de alguém, mas quando te vi assustada, claramente acordando naquele sofá,
percebi que não podia mais ficar longe.

Que você valia as apostas, os riscos, que era você.

Verdade seja dita, eu já tinha te visto algumas vezes na pista de pouso, mas
sempre de capuz, sempre distante, e parecendo concentrada demais nos
desenhos que claramente te frustravam.

Você só escapou de mim antes, porque imerso na merda, todas as vezes em


que fui até aquele galpão, estava cansado e machucado demais para me
preocupar em ver seu rosto. Dito isso, depois que fiz as contas e entendi que
era você, rodei o terreno feito um idiota até achar um dos seus rascunhos e
perceber que, assim como eu não era imune a você, você também não era
mim.

Admito, roubei três jogos de Isaac naquele verão e os vendi para completar
o dinheiro das tintas, para, finalmente, ter um tempo com você. Queria
entender se aquela fascinação toda era só física

graças ao meu histórico fodido, ou se você era forte o bastante para


aguentar ser amada por alguém como eu.

E eu amei você. Perdidamente, como nunca achei capaz de ser, a cada


banho de chuva, a cada surpresa, a cada vez que olhei nos seus olhos e me
vi refletido lá. Foi um choque, Red, perceber que apesar de toda minha
sujeira, eu ainda podia manter algo tão puro dentro do meu peito e ser
correspondido.

Doeu não poder esconder de você a minha parte feia, o pior de mim.
Porque, acredite, Red, de onde os últimos meses saíram, não é uma porta
dentro de mim a qual você queira entrar. Ainda assim, você me surpreendeu
vez após vez em uma maturidade inesperada, em uma compaixão
impressionante, quando viu minhas feridas, parte dos meus traumas, da
maldita bagunça que eu era, e não me amou menos por isso.

Deixei você entrar, Red, onde nenhuma outra pessoa pisou. E

por cinco anos, durante a porra do meu exílio, enquanto teorias malucas
eram formadas no fundo da minha mente, mesmo com todos os motivos que
eu tinha e que pareciam tão palpáveis para te odiar, nada conseguiu apagar
a memória de como os seus lábios nos meus, pela primeira vez, foram
capazes de aplacar parte da agonia que eu sentia. Era como, finalmente,
não ser só.

Scarlet Wright, você acabou comigo.

Eu estava pronto para ser o pior de mim, para ser sozinho, para ser a porra
do rei do caos, e você me desmontou. Você fez isso quando amou minhas
imperfeições, quando acolheu meus medos, quando, com todos os motivos
para me odiar, correu atrás do carro até não aguentar mais, e me
transformou na porra do vilão por não ter parado por você.

Os últimos cinco anos foram uma bagunça, não conseguiria explicar nem
que tentasse. Tudo que posso te dizer é, dia após dia, tentei te odiar, tentei
arrancar a memória dos seus cabelos, do seu maldito cheiro viciante, da sua
boca, das suas sardas e do seu olhar.

Tentei esquecer seu corpo, sua mente perspicaz, transformei as memórias do


seu coração bondoso em intenções manchadas pela podridão que eu
conhecia do mundo, e de repente, quando te vi sorrindo ao lado do meu
irmão, como um casal, sendo esfregada na minha cara, tive raiva.

Sinto muito, Red, não havia espaço para mais nada.

Hoje, depois de tudo, eu sei por que Isaac te queria: você é irresistível
demais para passar despercebida. Seu coração é

corajoso, bondoso e paciente, muito mais do que eu fui em qualquer minuto


da minha vida. Porque, vamos ser sinceros, Red, em que mundo alguém tão
magoado, tão machucado, esperaria por outro alguém como você esperou
por mim?

Eu não acredito em Deus e você sabe disso, mas se Ele não existe, como
poderia ter me enviado a porra de um anjo?

Que fique claro, Red, não quero nublar seus pensamentos, confundir seus
instintos, ou convencê-la de que não sou merecedor do seu ódio, da sua
desconfiança, da sua raiva.
Nem pense o contrário, eu fui um filho da puta, mas, se você ainda me ama,
se já consegue enxergar que não sou nenhum personagem de romances e
sim de tragédias shakespearianas, permita-me ficar. Permita-me tentar.
Permita-me convencer você de que não há outro no mundo que te mereça
como eu.

Se sua resposta for sim, se assim como eu, você não consegue e desistiu de
lutar contra, me encontre no velho galpão hoje à noite.

Estarei esperando.

Irrevogavelmente seu, Conrad Prince.

Eu precisei de uma pausa.

Sentei na cama, em choque, com o rosto lavado pelas lágrimas e apoiando os


calcanhares na madeira da cama, me encolhi como em uma bola, apoiando a
testa nos joelhos, tentando entender o que acontecia dentro de mim.

Enfiei os dedos sob os cabelos e me balancei um pouco.

Cada palavra daquela carta ardendo na minha mente, no meu coração.

Eu o queria.

Eu o queria tanto que doía.

E estava cansada demais para admitir, para pensar nos erros, para tentar ser
moralmente correta. Que inferno me condenaria por amar? Quem poderia
me julgar por só pensar em estar ao seu lado?

Eu precisava entender, precisava ter certeza de que aquelas palavras ainda


eram válidas, e quando saí pela casa, procurando-o em cada porta do andar
de cima, descendo as escadas como louca, fazendo todo mundo estranhar, vi
meu avô sentado no sofá, com as mãos sobre a bengala, parecendo ansioso
para eu aparecer.

— Bom dia, filha — ele disse com um sorrisinho sabichão no rosto.


— Oi, vô, você sabe do…

— O menino saiu cedo, e disse que não volta hoje.

Engoli em seco, olhei para a porta da frente, voltei a encarar a carta nas
minhas mãos e soltei um suspiro profundo que levou tudo de mim.

— Está tudo bem? — A voz do meu avô trazia um pouquinho de


preocupação.

— Eu acho que… — Mesmo com toda a confusão dentro de mim,


estranhamente, eu não menti quando respondi: — Sim. Acho que,
finalmente, está tudo ficando bem.

Voltei ao meu quarto da mesma maneira que havia descido.

Precisava reler aquela carta até decorá-la, até levantar todas as pequenas
dúvidas em cada letra. Até entender que aquilo não era mais uma brincadeira
sem graça para me machucar.

conrad

tenho medo de tudo que eu sou. minha mente parece uma terra estrangeira. o
silêncio ressoa dentro da minha cabeça. por favor me leve para casa.

a r c a d e , d u n c a n l a u r e n c e Eu tinha me empenhado.
O velho galpão mal parecia o lugar abandonado que encontrei depois de
tantos anos.

Precisei me virar para superar a ausência de um aquecedor, mas depois de


espalhar quase duas mil velas pelo chão, o lugar parecia muito mais quente e
confortável. Com ajuda de Bella, me

esforcei para ser o mais romântico possível, colocando um colchão de casal


com cobertas fofas bem em frente ao desenho que tinha feito, uma mesa de
centro virou o único apoio para as taças, a garrafa de vinho e os petiscos.

E, ansiosamente, me sentei sozinho, encarando os olhos que havia pintado, e


esperei.

Esperei tanto que achei que ela não fosse vir.

Quando o relógio marcou dez e meia da noite, pensei em mandar uma


mensagem, em sair apagando tudo, entendendo que, mesmo com o que havia
acontecido na noite passada, mesmo com a minha carta, com o meu levantar
de bandeira branca, talvez não fosse o suficiente.

Jurei que, se ela não aparecesse até à meia-noite, eu iria embora e enfrentei
aquela uma hora e meia como uma das piores da minha vida.

Eu não era bom esperar. Não era bom em pedir desculpas. Eu não suportava
olhar para os possíveis erros que tinha cometido, mas esperava ansiosamente
por Scarlet, que era a manifestação de todas essas coisas em forma física.

Passei a base do polegar da mão esquerda pelo rosto, com o cigarro


queimando entre os dedos e o isqueiro sendo aberto e fechado na outra,
lembrando-me da noite passada, da falta de controle, de como ela cedeu, de
como havia se entregado, e agonia comeu meu peito. Aquela mulher tinha
algum defeito? De fato, se ela não aparecesse, eu sofreria duas vezes mais
para tentar apagá-la de novo. Se isso já tinha sido difícil antes, só por tê-la
beijado, eu não queria nem ver como seria a minha fase de procurá-la em
outros corpos pela cidade.

Meu relógio apitou cinco para meia-noite.


Traguei o final do cigarro profundamente, segurei a fumaça por alguns
segundos, e jogando longe a bituca que apaguei na sola do tênis, soltei o ar
com força, incrivelmente decepcionado, me achando um imbecil por
acreditar que o meu perdão viria tão fácil.

De fato, eu não merecia. Mas achei que estivesse a caminho de conquistá-lo.

Ergui-me preguiçosamente, encarei o lugar à minha volta, todo aquele


trabalho para nada. Assim que dei o primeiro passo para começar a apagar as
velas, a fim de evitar outro incêndio no meu histórico, tomei um susto
quando, brutalmente, a porta se abriu.

Meu corpo pareceu congelar no lugar pelo choque.

Eu realmente achei que ela não fosse vir, mas, pouco a pouco, a felicidade de
ver Scarlet parada ali, me encarando de volta, fez com que todo e qualquer
frio corresse para longe da expectativa que aquecia minhas veias.

Mas, ainda que minha vontade fosse ir até ela, pegá-la no colo, girá-la no ar,
beijar sua boca e todo o resto, usei todo meu autocontrole e fiquei onde
estava.

— Achei que você não fosse vir — falei alto o bastante para ela me ouvir.

Só então ela pareceu tomar coragem para entrar.

Fugindo do frio e fechando a porta às suas costas de maneira bem barulhenta


antes de me responder, Scarlet arrancou o capuz da cabeça e olhou em volta
impressionada.

— Eu não sabia se devia vir. — Quando seus olhos encontraram meu rosto
de novo, ela indagou, firme, direta: — Sua carta, Conrad. Se tudo aquilo é
verdade, como é que chegamos nisso?

Neguei com a cabeça, buscando fôlego.

— Não tenho uma resposta fácil, Red — confessei.

— Então me dê a parte difícil.


Era uma súplica que, se feita antes de eu ver sua nova dinâmica familiar, eu
teria respondido. Mas eu não podia quebrá-la mais, não podia fazer aquela
garota perder o único rumo que a sustentou durante todos aqueles anos.

Suspirei mais uma vez, finquei os dentes no lábio inferior enquanto


repensava o que faria, e com as mãos na cintura, encarei o teto por um
segundo antes de respondê-la:

— Que resposta você quer, Scarlet? — Meus olhos foram sobre os dela com
toda a crueldade que sabia que escondia dentro de mim. — Porque, sabendo
que eu te traí, que queimei sua casa, e assassinei sua irmã, você ainda está
aqui — pontuei em claro e bom tom. — Você ainda é a garota com quem eu
passei a noite passada, que me esperou para tirar sua virgindade, que tentou
dar chances mesmo quando eu não merecia.

Era nítido o desconforto dela ao ouvir toda a verdade sendo jogada daquela
forma.

Scarlet engoliu em seco algumas vezes, seus dedos nervosos brincaram com
o zíper da jaqueta, e mesmo de longe, vi seus olhos encherem d'água.

— Você sabe que tudo isso é verdade — continuei —, até mesmo, porque
essa foi a realidade que você viveu durante todos esses anos. Então, me
responda, o que muda a minha versão dos fatos? Muda que você vai ter uma
justificativa para dizer que eu me arrependi, que eu que mudei, ou que eu
não fiz por mal? — Sabia que abria uma ferida em seu peito naquele
momento, mas não tinha jeito. Antes algo que eu poderia curar do que algo
que arrancaria o chão sob seus pés. — Por que você quer tanto ouvir uma
versão de fatos que só vai te magoar mais?

Scarlet parecia perdida.

Seus olhos tentaram fugir dos meus por um minuto, ela abriu a boca, mas
não tinha nada para dizer, fechando-a logo em seguida.

Dando um passo para trás, vi quando a primeira lágrima rolou pelo seu rosto.

Senti dor física por magoá-la mais uma vez.


— Acho que — ela suspirou — eu preciso da sua versão dos fatos para não
me sentir tão culpada por te amar mais do que talvez você mereça. —
Finalmente, ela enxergava. — É — ela sacudiu a cabeça e fechou os olhos
de forma pesarosa antes de me mirar com

os olhos verdes quase em chamas —, acho que foi um erro vir até aqui.

Ela estava pronta para ir embora, eu não podia deixar.

— Scarlet! — gritei seu nome e ela parou no lugar, completamente imóvel,


parecendo ter medo. — Se você sair por essa porta agora, se desistir, acha
que vai conseguir superar? — Eu a coloquei contra a parede quando disse:
— Eu lutei contra isso por muito tempo, mas estou pronto para admitir que,
qualquer que seja a substância das almas, a minha e a sua são feitas da
mesma

coisa[10] . Estou desistindo de fugir, Red. Estou pronto para admitir que é
você quem eu quero.

Ela deu um meio-sorriso triste, limpando as lágrimas antes de me encarar.

— É completamente injusto com o resto do mundo que você seja como é e


ainda saiba esse tipo de coisa… — Scarlet repetiu para mim a mesma frase
que usou no passado, e eu sabia que tinha ganhado.

Devagar, começamos a andar na direção um do outro, até que aquela


velocidade não supria a necessidade. De repente, entre as

velas todas, a garota de cabelos ruivos correu para mim e pulou no meu colo,
e eu, sem poder esperar, sem poder me conter, a beijei.

Beijei Scarlet como deveria ter beijado anos atrás, antes de ir embora,
deixando muito claro que não importava a distância, o tempo, as
circunstâncias, os acidentes e as perdas no caminho. Não importava nada
nem ninguém, eu era dela, sempre seria.

— Eu te odeio — ela disse quando afastou a boca da minha numa


sofreguidão dolorosa. — Eu te odeio tanto!
— Eu sei, Red. Eu mereço que seja assim — respondi contra sua boca e
tentei beijá-la novamente, mas ela afastou o rosto do meu, segurou-me entre
suas mãos, e me fazendo me perder nos caleidoscópios verdes que eram seus
olhos, disse:

— Não há vida sem você, Conrad Prince. E não há romance na Terra que vá
conseguir traduzir isso.

Era tudo que eu precisava ouvir.

Se ela queria padecer no paraíso, era minha missão proporcionar.

conrad

querida, este amor, eu nunca vou deixar morrer. não pode ser tocado por
ninguém, eu gostaria de vê-los tentar. eu sou louco pelo seu toque. menina,
eu perdi o controle. eu vou fazer isso durar para sempre, não me diga que é
impossível. Oh querida, minha alma, você sabe que ela anseia pela sua, e
você tem preenchido este espaço desde que você nasceu. porque você é a
razão pela qual eu acredito no destino, você é o meu paraíso e farei qualquer
coisa para ser seu amor, ou ser seu sacrifício porque eu te amo até o infinito.

i n f i n i t y, j a m e s y o u n g

Carreguei Scarlet no colo, até chegarmos perto do colchão.

Ela entendeu que era hora de me soltar e, claramente com dificuldade de


fazê-lo, sua respiração ofegante bateu contra o meu rosto quando seus olhos
miraram minha boca.

— O que é tudo isso? — ela perguntou dócil, mantendo as mãos na minha


jaqueta.

— Isso é parte do seu presente de Natal… olhe. — Girei seu corpo e a


abracei por trás, me curvando para encaixar o rosto em seu pescoço.

Suas mãos sobre as minhas eram novidade. Gostei do som de seus anéis
tilintando contra os meus e segurei o sorriso junto da ansiedade enquanto ela
se dava conta do que eu havia feito.

Scarlet demorou um pouco para processar, mas ao ver o que eu tinha pintado
na parede contrária da sua obra esquecida, seus dedos apertaram os meus e
seu queixo tremeu.

— Sou…? — A pergunta óbvia precisava de uma resposta.

— É você. É você, como te enxergo — declarei, encarando o desenho na


parede.

O recorte do rosto de Scarlet estava lá. Deveria ser só o traço em preto de


sua testa, sobrancelhas, olhos, nariz e lábios, como

uma pincelada contra a parede branca. Pelo menos, era a minha ideia do
começo, mas quando acordei naquela manhã, sabia que precisava mostrar
mais.

O cheiro da tinta ainda era forte, mas seus olhos tinham os mais diferentes
pigmentos verdes, como um verdadeiro caleidoscópio a olho nu.

— Você mentiu. — Depois de engolir o choro, a voz de Scarlet era mais


grave e baixa.

— Menti? — Incerto do que ela queria dizer, endireitei a postura e girei seu
corpo, fazendo a garota ficar de frente para mim.

Tão de perto, sabia que nem em mil anos conseguiria detalhar a beleza
daquele rosto direito, muito menos os detalhes daqueles olhos.
— Mentiu. Disse que não sabia pintar, que não era bom. —

Meu coração se aliviou da carga repentina.

Movi uma das mãos que estavam em suas costas para seu rosto, e
desenhando o contorno da mandíbula, assumi:

— Você sabe, eu não era.

— Então estou pronta para saber o que mais mudou nesse tempo. — Os
olhos dela, espertos, vagaram pelo meu rosto e se

focaram na minha boca de novo.

Scarlet umedeceu os lábios e, de imediato, meu corpo reagiu.

— Seu desejo é uma ordem, mas primeiro — quando a soltei para dar espaço
entre nós, vi seu peito tremer —, eu tenho outros planos.

Ela não recuou quando desci o zíper do casaco dela.

— E quais seriam? — Divertida, ela me ajudou a livrar seu corpo da peça.

— Primeiro? — Meu meio-sorriso era cheio de segundas intenções. — Eu


vou deixar você nua.

E, calmamente, segurei na beirada da camiseta que ela vestia, ficando


completamente surpreso quando a ergui. Scarlet tinha se preparado.

— Então você sabe para que serve um sutiã? — Usando de toda minha
ironia, ela riu.

— Sei. Dar trabalho para ser mais uma peça para você tirar —

devolvendo no mesmo tom que o meu, me vi mordendo o lábio e negando


com a cabeça.

— Bonita a peça… — Desci os dedos pelas alças pretas em seu ombro,


adorando ver o bico saliente marcando junto do novo
piercing em formato de argola, conforme seu corpo reagia ao meu toque.

Meu pau pesou na calça e precisei me repreender.

Não podia estragar aquela noite, mesmo sabendo que rápido ou devagar,
estar com Scarlet valeria a pena de qualquer jeito.

Atravessei a renda transparente, acariciando com mais atenção com o


polegar seu seio direito e desci. Ela respirou fundo e tremeu, segurando um
sorriso de antecipação nos lábios. Não consegui prestar muita atenção já que,
contra a pele clara, notei as marcas da noite passada.

Sua pele sensível seria um problema a longo prazo e pensei em modos de me


controlar.

A visão da noite passada, dela sobre mim, me soprou que aquilo seria
impossível.

Desenhando as marcas com a ponta dos dedos, me abaixei.

Ficando na altura do piercing em seu umbigo, mordisquei sua pele bem


abaixo dele e fui com as mãos direto ao cós da calça.

Scarlet suspirou e eu a encarei enquanto abria o botão de seu jeans e descia o


zíper curto.

Seu rosto naquele minuto me fez entender o que queria fazer e como faria.

Desamarrei suas botas, ajudei-a a se livrar dos calçados e, finalmente, enfiei


os dedos nas repartições onde ela não tinha cinto nenhum e forcei o tecido
para descer por seus quadris.

A calcinha, pequena, de renda, conjunto do sutiã, encheu minha boca d’água.

Aquela porra não escondia absolutamente nada, mas só parecia me fazer


ficar ainda mais ansioso.

Como um recado à Scarlet de que aquele seria outro processo, terminei de


arrancar sua calça e acariciei suas pernas.
Ela ofegou. Suas mãos lado a lado do corpo estavam fechadas em punho.

Quando aproximei a boca de sua coxa, ergui um pouco a cabeça e a vi de


olhos fechados.

Meu primeiro beijo a fez tremer.

O cheiro de sua pele me obrigou a abraçá-la. Quando rocei o nariz de um


polo a outro perto de seus quadris, passando por cima da calcinha que devia
estar pesada de tão molhada, o cheiro da sua boceta me deu fome.

Eu a queria tão desesperadamente que me sentia pulsar.

As mãos dela abraçaram minha cabeça. Ela me acariciou com a ponta das
unhas da nuca para cima e eu a mordi em resposta.

— Porra, não me faz estragar o que quero fazer, Red…

— E o que você quer? — A inocência em sua voz me pegou de jeito.

Ergui-me em um instante, assustando-a. Scarlet deu um passo para trás, mas


eu a peguei pela cintura e grudei seu corpo no meu.

Uma mão na base da sua coluna, a outra nos cabelos de sua nuca, forçando-a
a me sentir, a me encarar.

A pressão do meu pau contra ela a fez arfar.

— Eu quero te foder e fazer amor com você. — Os olhos verdes se


arregalaram ao me ouvir falar aquilo com tanta intensidade. — Quero te
marcar em cada pedaço. — Aproximei seu rosto do meu até tocar minha
testa na sua. — Quero te fazer gritar tanto que é minha, que me ama e que
me quer, que não haverá dúvidas do que estamos fazendo aqui dentro.

— Conrad… — ela soprou contra minha boca.

— Shhhhhh — mandei antes de morder seu lábio inferior, calando-a. — Vou


mostrar que a espera valeu a pena, Red. Vou
mostrar que sempre fui seu.

Quando empurrei seu corpo no colchão e ela caiu, me diverti com a surpresa
em seu rosto.

Livrei-me das minhas roupas, mantendo a cueca só por precaução, e caí de


joelhos perto dela. Suas mãos vieram para mim, mas rapidamente agarrei
seus pulsos e os juntei, movendo-os para cima de sua cabeça e aproximei o
rosto do dela.

Scarlet parecia com medo.

— Por enquanto, vamos nos manter assim, certo? — Tentei acalmá-la.

— Mas quero tocar você também. — O modo como ela se lamentou fez meu
peito tremer.

Eu sorri e acariciei seu rosto com a mão livre.

— Eu sei, Red. E você vai, mas eu tenho uma dívida para pagar.

— Dívida? — Seus olhos confusos nos meus me fizeram querer rir.

— É. Ninguém deveria ter uma primeira vez como a sua. Você não merecia,
amor. — Vi sua garganta afundando conforme ela engolia em seco ao me
ouvi-la chamando daquele jeito pela primeira

vez. Me divertindo com aquilo, desci o rosto para o seu colo, beijando um
pequeno caminho até perto de seu pescoço e, aspirando, soprei próximo do
seu ouvido: — É por isso que hoje eu vou te dar o que você merece
primeiro, e depois vou tomar o que quiser.

O corpo dela arrepiou violentamente embaixo de mim e a vi tentar erguer o


rosto para me beijar. Me esquivei no último minuto.

— Não, Red. — Neguei com a cabeça. — Não é assim.

— Eu… — A interrompi:
— Vai ficar quietinha, porque se não fizer como eu mandar, vou recomeçar.

O peito dela tremeu, seu ventre também e notei que ela pressionava uma
coxa contra a outra. Quem era eu para julgá-la?

Minha cueca já estava com uma mancha enorme, molhada, e meu pau já
marcava completamente duro. Ainda assim, fui firme.

Soltei seus pulsos devagar, confirmando que ela me obedeceria, e como


supus, a veia submissa de Scarlet a fez ficar imóvel.

— Isso, amor, facilite meu trabalho — provoquei quando me curvei sobre


ela novamente, dessa vez mirando sua boca, tomando

todo o cuidado para que meu lado sombrio não fodesse tudo.

Scarlet entreabriu os lábios para que eu a beijasse e me deixou guiá-la.

Minha língua sobre a sua foi gentil, carinhosa. Seu gosto doce quase me
impulsionou a aprofundar as coisas, e quando ela arfou entre o beijo, precisei
me afastar um pouco.

Desci beijando seu queixo, cheirei seu pescoço como um viciado, engolindo
em seco minha vontade de marcá-la logo, e enquanto minha mente aprendia
que tinha muito pouco controle do corpo, já que meu pau estava pulando
para fora da cueca, cheguei sobre a peça de roupa que a cobria os seios.

— Me diga, Red — fazendo Scarlet afastar as coxas para que eu ficasse de


joelhos entre elas, e erguendo o tronco apoiando uma das mãos no colchão,
fitei o sutiã —, por que colocou isso, se eu sei que você não gosta?

As alças pretas sustentavam uma renda transparente. Não havia cor naquilo,
a não ser quando se aproximava dos mamilos. Ali havia um desenho
complicado, que segui com os dedos da mão livre, feito cuidadosamente
para esconder os mamilos, coisa que com Scarlet não parecia funcionar
muito bem, ambos os bicos

marcavam o tecido de forma absurda, conforme eu a provocava em um só


deles.
— Achei que você poderia gostar. — Sua voz saiu tão baixa que, se não
estivéssemos naquele silêncio completo, não teria conseguido ouvir.

— Acertou. — Não conseguia olhar para outra coisa que não fosse seu peito
subindo e descendo mais rápido, conforme eu provocava a região com a
ponta do dedo indicador, deslizando com a ajuda do tecido, testando seu
limite. Scarlet ofegou e eu a encarei por um breve segundo. Seus olhos
estavam presos em mim e ela se remexia. — Eu gostei.

Abaixei o rosto para perto do seu seio com qual brincava e, puxando o sutiã
para baixo, liberando a visão da perfeição do mamilo rosados ainda mais
colorido pelo estímulo, soprei contra sua pele em um riso de satisfação e o
envolvi com a boca por completo.

Meus olhos escaparam para o rosto de Scarlet, vendo-a erguer o tronco para
mim, enquanto fechava os olhos e soltava o primeiro gemido daquela noite.

Meu pau pesou tanto que pensei que não fosse aguentar.

Que poder era aquele?

Mantendo-a dentro da minha boca como uma criança faminta.

Brinquei com o piercing de argola novo com a língua e vi Scarlet se esforçar


para manter os braços no alto. Como recompensa, prendi o bico rijo entre os
dentes e o suguei com força.

— Porra, Conrad! — ela xingou tão gostoso que quem tremeu daquela vez
fui eu.

Ofegante, começando a suar, ela mordeu o lábio inferior com força para
resistir ao meu toque. Envolvi a mão em volta de onde tinha a boca e
enquanto continuava a provocar a ruiva sugando e liberando aquele ponto
cheio de tesão, massageei seu seio até que suas pernas tentaram envolver
meu quadril.

— Não. — Deixei seu seio, descendo por sua barriga e pude ver a frustração
no rosto dela.
— Por favor… — Scarlet choramingou como uma criança e eu ri.

— Isso não é um castigo, amor. — Beijei a pele bem acima do piercing do


umbigo.

— Não? — A dúvida era genuína.

— Não… olhe para mim — pedi e ela puxou o travesseiro para baixo da
cabeça para fazê-lo.

Scarlet assistiu enquanto cuidadosamente eu beijava seu corpo sobre as


marcas que havia causado. Naquele segundo, queria ser capaz de vê-la por
dentro, queria ser capaz de curar todo e qualquer ferimento que tivesse
causado, mas não podia, e só me restou tentar.

Contra sua pele da cintura, intercalando com pequenos beijos, comecei a


falar baixo:

— Não posso mais ouvir em silêncio. — Seus olhos queimaram nos meus.
Ela sabia o que eu fazia. — Preciso falar com você pelos meios de que
disponho neste momento, Red . — Minha adaptação ao trecho a fez suspirar.
— Você partiu minha alma. —

Eu a beijei mais para baixo, na última marca dos meus dedos em sua cintura.
— Sou metade agonia, metade esperança. — Rocei a boca até a primeira
marca de seu quadril e a beijei cuidadosamente.

— Não me diga que é tarde demais, que sentimentos tão preciosos foram-se
para sempre — soprei e parei, trazendo a seriedade com que aquilo
precisava ser dito. — Ofereço-me para você de novo com um coração muito
mais seu do que quando você quase o despedaçou há cinco anos . — Percebi
que o brilho nos olhos de Scarlet não era só tesão quando ela piscou e o
canto de seus olhos ficou molhado. — Não se atreva a dizer que o homem
esquece mais

rápido do que a mulher, que seu amor morre mais cedo. — Voltei a beijá-la,
ainda com os olhos nos seus, indo na direção do seu ventre. — Eu tenho
amado somente você, mais ninguém. — E
quando desci o rosto, finalmente, fechando os olhos ao cheirá-la sobre o
tecido que cobria sua boceta, sentindo meu corpo gritar pelo dela,
mordisquei-a e completei: — Injusto posso ter sido, fraco e ressentido
também, mas nunca inconstante. [11]

Eu não me preocupei em tirar aquela peça de roupa escolhida com tanto


apreço.

Na verdade, era divertido testar meu tato por cima dela.

Scarlet ergueu a perna para tentar se mover, mas eu a impedi, passando sua
coxa sobre meu ombro conforme me ajeitava entre suas pernas, pronto para
prová-la mais uma vez, descobrindo que eu só fumava tanto por não ter a
boceta de Scarlet disponível o tempo todo.

Será que existia remédio para aquele vício?

Afastei o tecido para o lado, liberando a visão da pequena boceta de Scarlet


recém-depilada, brilhante de tão melada, com os lábios internos vermelhos.
Engoli em seco.

Meu tesão rugiu, queimando minhas veias. Hipnotizado, eu não perdi tempo
em tocá-la com as mãos. Caí de boca em Scarlet, provando dela conforme a
lambia de baixo para cima, sentindo sua entrada contrair ao ter seu clitóris
alcançado.

De propósito, me concentrei no ponto excitado, girando a língua lentamente


sobre ele, sabendo que talvez fosse demais.

Seu quadril dançou, ela tentou fugir.

Minha boca se encheu dela e eu a imobilizei com força no lugar.

Scarlet gemia, lutando para manter as mãos no alto, mas eu sabia que seu
controle estava no limite. Ele se quebrou quando, propositalmente, com os
olhos nos seus, suguei seu clitóris e o mantive sob pressão enquanto
deslizava para dentro dela dois dedos de uma vez.

— PORRA, CONRAD! — Dessa vez o xingo era quase uma bronca.


Seu corpo se dobrou, ela gritou e quando suas mãos vieram para meu cabelo,
me puxando contra si, aumentei a velocidade do entra e sai em sua boceta
encharcada.

Scarlet pingava, literalmente. Parecia que seu corpo sabia que precisaria de
lubrificação extra, que estava se acostumando ao meu tamanho.

Bocetinha treinada — pensei, querendo rir enquanto a beijava intensamente.

Seu gosto inundou minha língua. Meu pau doía de tanto ser roçado contra o
colchão, mas ela teria que pedir. Eu a faria pedir.

Suas coxas tremiam em espasmos desritmados, suas mãos largaram meus


cabelos e passearam por seu corpo, até descerem para as cobertas e as
segurarem entre os dedos com tanta força, que vi seus nervos ficando
brancos. Queria mais daquilo, porque, secretamente, começava a ficar
dependente de vê-la daquele jeito, perdendo o controle. Porém, quando senti
suas paredes apertando meus dedos e a vi desistir de manter os olhos abertos,
soube que queria aquele gozo dela no meu pau.

— Red, o que quer? — Meu chamado a fez abrir os olhos.

— Você. — Firme, ela se afastou dos meus dedos, do meu rosto, e se sentou.

Sua voz, sua postura, não eram mais de uma garota dócil e obediente.

Ela era uma predadora e me desarmou quando me puxou para si pelos


ombros.

Ergui-me, segurando Scarlet pela cintura conforme ela vinha direto para
minha boca, sugando minha língua, se provando do melhor jeito.
Inesperadamente, fui derrubado quando ela forçou o peso para o lado.

Tentei me erguer, mas suas mãos sobre o meu peito impediram.

— Scarlet — era um alerta.

Ela não sabia o que tirava de mim agindo daquele jeito.


Ainda assim, montou sobre meu corpo e, me impressionando, com os dedos
dos pés, abaixou minha cueca.

— Que porra é essa? — Segurei em sua cintura, pronto para derrubá-la,


quando ela se abaixou para perto da minha boca, esfregando os lábios contra
os meus.

— Shhhhh, amor. — Fui atingido brutalmente ao ouvi-la me chamar daquele


jeito.

O que era aquela mulher?

— Não aguento mais esperar. — Sensual, quente, quase venenosa, ela pegou
meus lábios com os seus e depois me mordeu.

— Quero que me ame. — Sua mão deslizou pelo meu peito, direto para o
meu pau. Ela só terminou de retirá-lo da cueca e, erguendo o quadril,
encaixou-me na sua entrada. — Quero que grite meu nome, Conrad. Que
mostre como sentiu saudade, em como desejou estar aqui assim, pele contra
pele, sem nada mais…

E me fodendo a cabeça, inconsequente e endiabrada, Scarlet sentou em mim.

Ergui o tronco e, me sentando, ela se apoiou nos meus ombros.

Sua boceta me apertou tanto naquela troca de posição que o único jeito de
me controlar foi com a boca em seu seio. Castiguei o mamilo rosado
enquanto minhas mãos iam para sua bunda, ajeitando-a sobre o meu colo.

Ela era quente, gostosa, estreita pra caralho e eu precisei respirar fundo.

Seu quadril dançou, eu a apertei.

— Espere — mandei.

Mas os planos dela eram outros.

Scarlet tentou descer e subir de novo e precisei suspirar.


Era isso que ela queria?

Então eu estava pronto para dar.

Espalmei as mãos em sua bunda e a forcei para baixo, até me sentir no


fundo, até que ela me engolisse por completo.

Ela me encarou, completamente surpresa, e arfou.

Travei meu gemido na garganta, forçando a mandíbula, e a encarei achando


graça.

— É isso que quer, amor? — provoquei.

Sob controle da situação de novo, nos girei sem sair de dentro dela,
colocando Scarlet com as costas no colchão, e erguendo um pouco o tronco
para não perder nada, afastei o quadril do seu só para entrar devagar, até não
haver nada de espaço entre nós, enquanto eu olhava em seus olhos.

Scarlet parecia perder as forças quando eu metia daquele jeito.

— Quero morar em você. — Beijei seu pescoço quando ela ergueu a cabeça
e soltou um gemido alto, gostoso de ouvir, que me arrepiou por inteiro. —
Quero foder você. — Saí dela quase que por completo e voltei com tudo,
batendo nossos corpos. — Dia e noite, Scarlet. — Repeti o movimento e ela
gemeu mais alto, arranhando meus braços. — Quero viver com o cheiro da
sua boceta em mim.

— Erguendo o rosto para roçar meus lábios nos dela, perguntei num rosnado
raivoso: — É isso que quer ouvir?

Ela perdeu a fala, mas fez que sim com a cabeça e me abraçou ao me beijar.

Aceitei sua língua sobre a minha, mas não poupei sua boceta, e com as mãos
em sua cintura, apoiando os polegares sobre o desenho de suas costelas, eu a
apertei contra o colchão, prendendo seu corpo no lugar, enquanto arremetia
meu quadril contra o seu, indo tão fundo nela, sentindo tão intensamente o
atrito entre nós dois, que quando Scarlet gozou daquele jeito, gritando meu
nome, precisei sair dela com pressa, ou gozaria também.
Suada, claramente sem controle do próprio corpo graças a intensidade do
orgasmo, Scarlet não fugiu quando a peguei pela garganta e beijei seu rosto
por todo canto.

— Eu te amo, eu te amo, eu te amo… — falei baixinho enquanto sentia que


ela se acalmava.

Seu pulso contra meus dedos era intenso, a respiração também, e só por isso
não a apertei tanto, mas conforme ela voltava a si, começava a corresponder
meus beijos entre as arfadas, roçando suas unhas contra meus quadris.

Afastei um pouco o rosto do dela, vendo Scarlet vermelha, suada, com os


olhos brilhando em expectativa. Ela queria mais?

O plano daquela noite era terminar enterrado no seu rabo, e eu faria por
merecer.

— Essa é a maneira como você quer fazer amor, Red? —

provoquei, ofegante como ela.

— Não. — Scarlet se ergueu nos cotovelos, lutando contra minha mão em


seu pescoço e mordiscou meu queixo. — Quero chupar você…

— Porra… — resmunguei, forçando seu corpo de novo contra o colchão,


fazendo-a desabar e me ergui. — Seu pedido é uma ordem.

Diferente do que ela esperava que eu fosse fazer, subi em cima do seu peito,
encaixando cada joelho debaixo de seus braços, e me mantive na altura dos
seus peitos, com o pau erguido bem à sua frente. Scarlet voltou a se apoiar
nos cotovelos, me olhando desconfiada, como se esperasse que eu fosse seu
guia.

Tudo o que fiz foi acariciar sua bochecha antes de avisar.

— Olhos nos meus, gostosa.

Coloquei as mãos para trás, numa forma de controle que duvidava que fosse
manter, e com minha vista privilegiada, assisti a garota sob mim se ajeitar,
me envolver com uma das mãos e depois lamber os lábios inchados,
encarando meu piercing.

Segurei um sorriso, mordiscando o lábio inferior por vê-la colocar a língua


para fora e provar seu gosto ali. Seus olhos abertos, focados nos meus, a
deixavam com um ar inocente que poderia ser considerado inapropriado.
Porém, o que Scarlet fez em seguida, não era coisa de nenhuma santa.

Sua boca envolveu a cabeça do meu pau e ela sugou gostoso, lambendo todo
e qualquer resquício meu e dela. Quando achei que ia tirá-lo da boca, a ruiva
fez o inverso.

Bati contra sua garganta, fui pressionado por sua língua e a vi roçar os
dentes no meu comprimento enquanto tentava ir além.

— Puta que pariu. — Todo meu corpo ficou tenso.

Segurei-me em cada fibra de consciência que tinha quando, lentamente,


Scarlet me tirou da boca e voltou a me forçar.

Respirei fundo, ergui a cabeça, olhei para o teto e busquei por ar.

Suas mãos acariciaram minhas bolas, e quando voltei a encará-la, como uma
diaba, ela sorria. Uma de suas mãos foi para minha bunda e a filha da mãe
moveu meus quadris para frente, me forçando contra seu rosto.

Não tive o que fazer, meu controle foi pro caralho.

Peguei os cabelos dela, prendendo tudo em uma das mãos e fodi sua boca,
gemendo de tanto prazer, vendo os olhos dela lacrimejando quando meu
piercing batia no fundo da sua garganta.

Ela engasgou na minha última investida e eu puxei sua cabeça para trás, me
movendo um pouco para baixo com os joelhos, para poder beijar sua boca.

— Eu podia fazer você engolir minha porra hoje, mas os planos são outros
— rosnei contra ela. Ganhei uma mordida em resposta. — Eu vou gozar no
seu cuzinho, amor.
Larguei seu cabelo e, com o colchão contra a parede, me sentei apoiando as
costas.

Meu pau estava tão duro, que enquanto me masturbava com uma mão,
tentando me dessensibilizar um pouco, procurei a camisinha, colocando
aquela merda, e o lubrificante anestésico que havia deixado ali no canto,
pronto para o uso.

Scarlet, quando voltei a prestar atenção nela, estava sentada de joelhos,


colocando o cabelo para cima, prendendo-o nele mesmo. Seu olhar em mim
era devasso.

Ela sabia o que eu queria.

— O que eu faço?

Chamei-a com dois dedos, fazendo um vem cá que ela obedeceu de primeira,
engatinhando na minha direção.

— De pé.

Ela se ergueu.

Movi seu corpo como bem queria. Fiquei entre suas pernas, os pés dela bem
próximos da parede, sua boceta praticamente na minha cara. Arranquei
aquela porra de calcinha finalmente, dei uma boa lambida em Scarlet
naquela posição e um belo tapa na sua bunda antes de mandar.

— Sente em mim, gostosa.

Ela desceu, se apoiando nos meus ombros para não cair e, enquanto com
uma mão segurava meu pau, a outra apoiava suas costas para que ela
pudesse se encaixar em mim.

Esperta e parecendo sedenta, ela escorregou devagar, me apertando pouco a


pouco, mal aguentando manter os olhos abertos

no processo.
Seus gemidos eram música para os meus ouvidos.

Os seios excitados, a respiração ofegante, o corpo marcado.

Ela era perfeita. Como eu pude lutar contra?

Como ousei tentar?

— Você vai me matar mesmo… — ela reforçou, cravando as unhas nos


meus ombros, ficando parada com a testa contra a minha.

Quente, suada, gostosa.

Sua respiração batendo contra o meu rosto.

Seu cheiro, seu gosto.

Scarlet não fazia ideia do seu efeito sobre mim.

Do poder, do controle que tinha.

Com as duas mãos na sua bunda, eu a abri e incentivei um movimento lento


de sobe e desce. Ela não reclamou. Na verdade, pouco a pouco, foi se
soltando, se excitando mais e aumentando o ritmo, a força da sentada.

Eu aguentei firme. Mesmo tomando uma surra de boceta de Scarlet, a garota


que até duas transas atrás era virgem, que tinha a

porra da boceta paraíso, que me engolia e massacrava dentro de si sem nem


parecer perceber o que fazia.

Minha resposta foi só uma, e não houve protesto quando, com carinho,
comecei a forçar os dedos em seu rabo.

Ela estava molhada, relaxada, sentindo prazer.

Com o meu tamanho, ou era assim, ou ela não aguentaria.

E incentivando Scarlet como na noite anterior, pouco a pouco fui ganhando


sua confiança.
Foi fácil tirar as mãos dela e pegar um pouco do lubrificante que precisava.
Foi prazeroso quando ela me puxou contra si, com a boca contra a minha e
gemeu ao sentir meu primeiro dedo invadindo seu cu.

Sua boceta pulsou alucinadamente e eu precisei repetir o pedido do século.

— Amor, relaxa.

— Não consigo — ela choramingou, se forçando contra mim, para baixo, me


botando tão fundo e tão apertado que precisei engolir a seco o fogo que subia
por minhas veias.

— Então fique aqui, paradinha. — Concordando com a cabeça, Scarlet,


como um gato, esfregou o rosto no meu antes de me beijar.

Aproveitei sua distração e enquanto brincava com sua língua e lábios, abri
caminho para um segundo dedo. Quando o enfiei, Scarlet puxou o ar entre os
dentes, com meu lábio inferior preso entre eles e deitou a cabeça para trás,
forçando o corpo contra minha mão, parecendo querer mais.

— Conrad, por favor… — ela pediu com dificuldade, de olhos fechados, e


com a mão livre, puxei seu rosto de volta para o meu, sedento para ouvir.

— Peça.

Então Scarlet me matou.

Acertou-me no meio da testa, de uma vez, quando abriu os olhos verdes,


intensos, de pupilas dilatadas e bochechas coradas.

— Me fode. — Era um sussurro, baixo, fraco, no limite dela.

Eu não podia negar.

Tirei os dedos de dentro dela, a ajudei a levantar e encarei meu pau. As veias
evidentes mesmo sob a camisinha, sob os fluidos dela. A porra da química
fazendo efeito tantos anos depois. Scarlet me deixou guiá-la, e eu voltei a
deitá-la.
— Sem isso. — O pedido era sobre a camisinha.

Deitando atrás dela, coloquei seu corpo de lado e me encaixei, mordendo seu
pescoço.

— Não posso. Tenho a porra de um piercing no pau, amor.

— Mas… — Então eu entendi o que ela queria.

Meu Deus do céu, aquela mulher era real?

Passei um braço por seu ombro, envolvi seu seio com a mão e massageando-
o com força, rocei os dentes por seu ombro e pescoço, seguindo até
mordiscar o lóbulo da sua orelha.

— O que é, Red? Quer que eu goze no seu rabo?

Não estava pronto para ela confirmar com a cabeça.

— Posso dar um jeito. — Beijei Scarlet enquanto, com minha perna,


forçava-a erguer a dela. De ladinho, me esfreguei algumas vezes contra sua
boceta, me lambuzando nela. — Agora, Red —

acertei a cabeça do meu pau na entrada do seu cu e suspirei —, eu vou foder


você até gozar, então preciso que relaxe, porque quero fazer essa porra durar.

Estimulando seu corpo como podia, com uma das mãos e com a boca, me
forcei aos poucos contra ela. A resistência contra o meu tamanho não era
uma novidade, mas Scarlet parecia tão excitada

com a ideia de me deixar foder seu rabo que, quando ela puxou o ar entre os
dentes e eu parei, continuou a se forçar contra mim.

Quando a cabeça entrou, ela e eu gememos.

— Meu. Deus — ela arfou.

— Calma, Red. — Tentei me manter concentrado e, uma vez dentro,


consegui descer a mão para sua boceta.
Meus dedos escorregaram entre os pequenos lábios. Ela gemeu, e eu não
perdi tempo.

Seu clitóris virou meu instrumento favorito naquele segundo, e enquanto


Scarlet relaxava e se remexia, trazendo mais a bunda contra mim, fui
forçando mais o quadril contra ela.

Até que me senti inteiramente dentro, grudado nela como se fôssemos um


só.

Se antes, sua boceta me apertava, o rabo de Scarlet me massacrava.

Seu corpo pulsava em volta do meu.

O calor. A intensidade. O prazer da confiança.

Tudo era pesado e me senti latejar.

— Porra! — xinguei, mordendo seu ombro para tentar me controlar.

Scarlet deu um grito quando dei a primeira estocada, mas não foi por dor.

— Continua — ela implorou. — Continua, por favor.

Segurando sua perna no alto, era minha vez de obedecer.

A garota nos meus braços perdeu o juízo.

Scarlet gritou, gemeu, xingou.

Remexeu os quadris, moveu minha mão em sua boceta para que eu metesse
os dedos nela e assumiu seu clitóris sozinha.

A filha da puta ia gozar daquele jeito se eu continuasse naquilo, e eu não me


importei em ofertar o melhor. Saí completamente do seu cu, e adorei ver a
frustração em seu rosto.

— O que foi? — Movendo seu corpo sem muita gentileza para que ela
ficasse de barriga para cima, ergui suas pernas para os meus ombros e abri
sua bunda.

Quando me encaixei de novo sobre seu rabo, que já parecia resistente a uma
nova invasão, Scarlet abaixou as pernas, flexionando os joelhos e gritou
quando meu peso forçou a penetração.

— Me fode, me fode, pelo amor de Deus, me fode! — era uma ordem


gritada, e eu não podia deixá-la esperando.

Aproveitando da posição, enfiei o anelar, o dedo médio e o indicador em sua


boceta.

Ela perdeu o controle final quando, com o polegar, esfregava seu clitóris.

Levei Scarlet ao limite.

Seu corpo todo anunciou o que chegava em espasmos descoordenados,


então, foi tudo um caos. Ela, primeiro, deu um grito mudo. Meus dedos
sentiram a pressão e, quando os tirei de dentro dela, o jato vindo da boceta
de Scarlet me molhou todo. Ela ergueu o peito, deitou a cabeça para trás e
pegou fôlego, gemendo alto, sem parar, acabando comigo.

Seu corpo pareceu me sugar para dentro de si.

Seu cu apertou tanto que quase fui expulso no segundo seguinte, mas travei
o quadril contra ela, sentindo minhas bolas na sua bunda. Contra aquela
pressão, fodi Scarlet até perder a razão.

No último segundo, incrivelmente feliz por não perder nenhum detalhe da


obra de arte que era aquela mulher gozando, saí dela e arranquei a
camisinha. Gemendo pesado, voltei a me forçar, não me
segurando ao sentir a cabeça do meu pau pressionada enquanto me
masturbava.

Nunca, em toda a minha vida, eu tinha gozado tão forte.

A pressão de tudo aquilo não me deixou escolha e precisei me afastar.

Mas nada, nem a remota possibilidade da minha fértil imaginação, me


preparou para vê-la lá, tremendo, chorando de tão intenso que havia sido,
com minha porra escorrendo do cu.

Não tinha jeito.

Era ela.

Sempre seria.

— Por que você não tirou meu sutiã? — Foi a pergunta mais inesperada de
um pós-sexo que já tinha recebido na vida.

Scarlet tinha voltado do banheiro e, agora com os cabelos trançados, deitava


de barriga para baixo, abraçando um dos travesseiros, enquanto me olhava.

Eu acariciava seu rosto, sem nenhum problema de admitir que não queria
mais tirar os olhos dela, deitado de barriga para cima, só de cueca.

— Você nunca usa. Gostei do cuidado que teve para mim.

O sorriso que ela deu antes de esconder o rosto na minha mão e beijar a
palma me fez ficar quieto, pensando em quantos daquele não havia
perdido… E então, sem querer, acabei pensando em tudo.

— O que foi? — Notei a ruga de preocupação entre seus olhos junto do tom
de voz ameno, como se minha mudança fosse sua culpa.

— É algo com minha… — A palavra mãe tinha perdido o sentido. Limpei a


garganta, encarei o teto e suspirei. — Com Caroline.
— Ah, eu já sei… — Deitando de lado, com a cabeça contra o travesseiro,
ela rompeu minha bolha. Scarlet pegou minha mão no ar e desenhou com
linhas invisíveis sobre os desenhos que já existiam.

— O que você sabe? — Virei o rosto para olhá-la e ela deu de ombros.

— Acho que tudo. Que John nunca foi o pai terrível que a gente achou, que
sua mãe…

— Ainda tem um relacionamento com o cara que nos espancava. — A


descrença na minha fala era gigante.

Eu ainda não tinha engolido tudo aquilo.

— Como você se sente?

— Um idiota. Um otário… Minha mãe foi o motivo de todas as minhas


decisões difíceis, Scarlet. Garantir o futuro dela me custou você… — Eu não
precisava explicar mais.

Os olhos verdes desviaram para nossos dedos juntos e ela suspirou.

— Você já conversou com ela? — indagou, depois de minutos em silêncio.

— Não. Não quero — admiti.

— Mas precisa.

— Por quê? — Tentei buscar seus olhos, mas Scarlet me evitou.

— Porque senão, vai passar a vida toda se cobrando por ter dado mais do
que ela podia retribuir. Sem ajustar tudo.

— Não. — Neguei com a cabeça, intransigente.

— Eu não tenho mãe, Conrad. — Ela ia tentar me convencer com algum


argumento bondoso demais para minha natureza aceitar.

— E eu tenho pai e mãe, e preferia que eles estivessem mortos.


Aquilo quase encerrou nossa conversa.

Sentei-me, nervoso, e ela se encolheu em sua bolha.

Cocei a cabeça, esfreguei o rosto e voltei para ela.

— Desculpe, eu…

— Está magoado. — A resposta foi simples, mas seus olhos me bateram. —


E isso não vai passar, até que você resolva.

Suspirei, me dando por vencido.

— Você a perdoaria?

— Eu não sou um bom parâmetro… — O modo como ela ergueu as


sobrancelhas nos fez rir. — Não, sério, não sou. Mas acho que você deveria
tentar. Não por ela, mas por você…

— Vamos ver. — Me ajeitei sob a coberta e ofereci o braço para ela, que
prontamente aceitou. Scarlet se enroscou no meu pescoço e eu a abracei.

— Conrad, é Natal. — Sua respiração contra o meu peito fez cócegas.

— E daí? Seu cu foi meu presente?

— Ah, pelo amor de Deus. — Senti o riso em sua voz, mas ela estava
cansada. — Desisto. Amanhã a gente fala sobre isso.

— Não, Red. — A abracei com mais força e aspirei o cheiro dos seus
cabelos. — Não quero.

— E por que não? — Ela afastou o rosto para me encarar.

E ela queria a verdade.

— Porque estou cansado de me sentir sozinho — falei baixo, sério.

Era real.
Scarlet suspirou, selou a boca na minha e, gentilmente, acariciou meu rosto.

— Não se preocupe. Eu vou com você. Vou estar lá.

E se aninhando no meu peito de novo, soprou:

— Boa noite, amor.

— Boa noite, Red. — Muito mais leve do que em qualquer outra noite da
minha vida, consegui dormir.

scarlet

eu ainda queimo por você, como o sol queima no céu. eu ainda queimo por
você, por toda a minha vida estive em chamas. eu ainda queimo por você.

f l a m e s , a v r i l l a v i g n e , m o d s u n Meu celular despertou sete e


vinte.

Eu queria desligá-lo e voltar a dormir nos braços de Conrad.

Mas o sono só durou até eu entender que realmente estava nos braços dele.

Meu coração tropeçou, disparando do nada e eu apertei suas mãos em volta


de mim.

Ele encheu os pulmões de ar. Seu corpo se pressionou contra mim e, para o
meu castigo, senti cada detalhe.
— Precisamos acordar — avisei quando ele se aninhou contra meu pescoço.

— Mais cinco minutos.

Sua voz grossa, sonolenta contra minha orelha, me arrepiou.

E, sinceramente, eu estava uma merda, não o aguentaria de novo como na


noite passada.

— Conrad, não dá… — Afastei as cobertas e pulei para fora, tomando o


choque térmico do frio matinal, logo procurando minhas roupas.

— Por que temos que ir agora? Eu ainda quero você…

— Tá doido? — Vi o sorriso que ele deu ainda de olhos fechados. — Não


posso. — Saí à caça da minha calcinha. — Ainda me sinto inchada e
dolorida onde nem pensei ser capaz de sentir dor.

— É bom se acostumar. — Parecendo satisfeito até demais por ouvir minha


reclamação, Conrad virou de barriga para cima e se espreguiçou.

Perdi alguns minutos admirando-o.

Era assim que deuses acordavam?

— Acho que — falei, finalmente me movendo quando vi a peça de roupa


jogada no chão —, no modo normal da coisa, eu até posso me acostumar.
Mas o que aconteceu ontem? Vamos deixar para datas comemorativas.

— E fodas pós-brigas — ele completou, se erguendo, e eu o encarei


franzindo o cenho.

— E você quer brigar comigo?

— Se for rolar cu? Todo dia.

— Deixe de ser ridículo. — Peguei as calças dele que estavam próximas e


joguei na sua direção.
Conrad riu, mas não se moveu.

— Red, volta pra cama. Só precisamos aparecer no almoço.

Ou nem isso, se você quiser passar o dia aqui.

— Por acaso, você bateu a cabeça ontem e eu não vi? Tem seu pai e meu
avô. Eles nem sonham que eu saí, Conrad.

— Eles não são idiotas, vão fazer as contas…

Suspirei, desistindo da discussão, terminando de colocar as botas e o casaco.

— Preciso ir para casa, me arrumar, conferir tudo e, por isso, vou na frente.

— Vai mesmo me forçar a sair daqui?

— Vou. Ou fique, mas não espere que eu volte aqui. — Fiz alguma
chantagem e funcionou.

Conrad inflou os pulmões e soltou a respiração pesada conforme se virava


entre as cobertas.

— Espere por mim.

— Não se atrase — falei, já saindo.

— Ei, não vou ganhar um beijo antes de você ir?

Parei na porta, rindo e negando com a cabeça.

— Não. Se quiser, vai precisar ir buscá-lo.

— É uma punição, Scarlet?

— É uma troca. Até depois.

E eu corri para o Tesla porque, se voltasse para aquela cama com Conrad,
sabia que não levantaria tão cedo, além de que, não queria que nos vissem
chegando juntos.
Uma coisa era estar entendendo, entre nós, como aquilo funcionaria.

Outra coisa era entrar pela porta da casa de John, deixando claro o que tinha
aprontado com Conrad naquela véspera de Natal.

Tirando meu avô, que parecia estar me esperando de propósito em uma das
poltronas da sala de estar assim que entrei, ninguém notou minha ausência
noturna.

Sem muitas explicações, passei por ele e fui direto para a cozinha,
conferindo se tudo estava em ordem para o almoço antes de subir para o meu
quarto o mais rápido possível.

Tomei um banho demorado de banheira, esperando que a água quente


ajudasse o corpo a relaxar de todo o esforço da noite anterior. Só pelas
memórias da noite anterior, de tudo o que falei e fiz junto de Conrad, a
vergonha me consumiu.

Eu não sabia o que acontecia quando ele me tocava.

Era como se desligasse a parte racional e eu respondesse cem por cento aos
meus sentidos, ao que sentia. Era primitivo, e tão

bom… Pena que ele era bem proporcional em tudo, e por isso, conferi
minhas partes para ver se tudo estava no lugar.

Aparentemente, além de uma leve ardência na parte de trás e dos lábios


inchados, tudo estava bem.

Ok, talvez eu consiga uma folga hoje. É Natal e… — A ideia morreu quando
pensei em Conrad nu. Não era ele o perigo. Era eu.
— Porra.

Desisti no primeiro segundo, pensando que era bom eu conseguir estudar em


casa, caso contrário, viveria no quarto de Conrad. Com ele e um copo
d’água, eu passaria o mês.

Como tomei banho de banheira, carreguei toda minha roupa para dentro do
banheiro, minhas maquiagens, o secador e o babyliss. De um modo
adolescente meio ridículo, em uma ideia romântica meio ultrapassada, queria
ficar bonita para ele.

Por isso, coloquei as meias pretas que iam até metade da coxa, a saia xadrez
preta e vermelha que era bem curta e precisei ajustar um pouco para baixo,
junto de uma blusa vermelha de mangas compridas.

A plataforma, também vermelha, que botei nos pés era um presente antigo
de John, e depois de várias camadas de rímel,

ainda que fosse um risco fazer parte da decoração, passei meu batom
vermelho favorito nos lábios.

Enrolei o cabelo para cair em ondas sobre as costas, passei perfume, escovei
os dentes, e conferindo minha aparência no espelho, não vi nada de errado.

Só então, eu vi no relógio do celular que já era quase meio-dia.

— Porra, não acredito que me atrasei! — Pulando para fora do meu


banheiro, sem guardar nada da bagunça que tinha feito, tomei um susto logo
que cruzei a porta e encontrei Conrad. De banho tomado, cabelos ainda
molhados, perfeito como sempre, ele estava sentado sobre minha
escrivaninha, brincando com o potinho laranja de comprimidos.

Parada com a mão contra o coração, sentindo-o bater mais rápido não mais
pelo susto, estranhei a expressão fechada de Conrad.

— O que é isso, Red? — Seus olhos não estavam em mim, mas sim no chão,
enquanto ele sacudia o potinho.
— Meu remédio de ansiedade. — Me recuperei, respirando fundo. —
Inclusive, preciso de um se você vai me dar sustos assim.

Estiquei a mão e dei um passo em sua direção, mas ele afastou ainda mais o
potinho, abruptamente.

Conrad considerou algo que não consegui captar, então ergueu os olhos para
o meu rosto, sério, parecendo meio nervoso.

— Está tomando remédio sem receita? — A crítica me bateu.

— Claro que não! — me defendi. — John conversou com um amigo dele


psiquiatra, parece que isso é uma droga que ainda não está no mercado. Ele
me ofereceu para testar e, depois dos últimos meses, achei que fosse algo
bom. E, de fato, ele me ajuda muito. —

Era estranho precisar me justificar daquele jeito junto da confissão da


vulnerabilidade da minha mente.

Abracei-me, recolhendo a mão, sentindo ser muito menor do que era.

Conrad parou por muito tempo me analisando, então suspirou, negou com a
cabeça e colocou os pés no chão.

— Vamos fazer o seguinte. — Ele pressionou os lábios uns nos outros,


ergueu um pouco a cabeça e, parecendo me ver pela primeira vez, se
concentrou em me medir de cima a baixo. Meu corpo queimou, como
sempre, sob seu olhar. Meu coração martelou tão pesado que eu quase o
abracei, mas ele abriu a boca, medindo

meus olhos, minha reação. — Posso te dar o remédio, mas em troca, quero
sua calcinha.

Eu devia estar muito louca mesmo. Quase engasguei ouvindo a proposta.

— O quê? — A indignação deixou meu protesto agudo. —

Conrad, isso é medicação!


— Sem receita. — Seu argumento, para ele, tinha muita serventia. — Ou
seja, se quiser sua droga — ele sacudiu mais uma vez o potinho no ar —,
terá que me dar alguma coisa em troca.

Comecei a rir de nervoso.

— Você está falando sério? — precisei confirmar.

— Está me vendo rir? — Cruzando os braços, seus olhos nos meus diziam
que sim.

Era sério. Bem sério.

— Meu Deus, você é impossível. — Bufei, nervosa por passar por aquela
barganha inusitada. — E um tarado — reclamei, como fazia parte do jogo,
mas de repente a ideia me deixou excitada.

De propósito, virei de costas para ele e me empinei.

Olhei sobre o ombro e vi o olhar de Conrad descer para minha bunda.

Ergui a saia e, querendo que ele tomasse alguma atitude, me exibi um pouco
antes de abaixar a peça.

Ele suspirou tão pesado que fui capaz de ouvir quando me abaixei.

— Filha da puta. — O xingo foi feito com um sorriso nos lábios e eu não me
importei.

Girei sobre os saltos e ergui a calcinha no ar.

— E agora?

Conrad a pegou da minha mão, enrolou nos seus dedos, e me fitando como
se fosse capaz de me foder e me matar, a cheirou.

— Caralho, Red. — Sua voz era tão forte que só de ouvi-lo daquele jeito,
meu corpo sofreu o impacto. Meus seios pareciam desesperados para que eu
os livrasse do mínimo aperto do tecido da blusa nos mamilos. Meu ventre
pulsou. — Você mal acabou de sair do banho e já está molhada?

O meio-sorriso que rasgou o rosto de Conrad foi minha perdição.

Senti-me quente, fervendo, mas suspirei e tentando não tremer, ergui a mão
em sua direção de novo.

— Meu remédio — não era um pedido.

Parecendo se divertir, Conrad abriu o frasco com minha calcinha enrolada


em seus dedos, tirou um único comprimido e colocou na minha mão.

— Quê? Não, quero o frasco — reclamei, quase batendo o pé.

— A regra é clara, só uma calcinha por um comprimido. Sinto muito.

Quis bater nele, de um segundo para o outro.

— Então toda vez que eu precisar tomar meus remédios, vou ter que te dar
uma calcinha? — Cruzei os braços, furiosa. Mas ele pareceu continuar
vendo graça.

— Podemos negociar… Que tal uma tabela? Um beijo são dois


comprimidos, gozar na minha boca são cinco. Me deixar gozar na sua são
dez, me dar o cu vale um pote desse, cheio…

Cada proposta me fazia mais molhada e irritada, como isso era possível?

— Pelo amor de Deus, você é impossível. — Tentei ser um pouco racional.


— Sai deste quarto, agora. — Tentei ordenar,

apontando para a porta, mas aquilo foi um erro.

Conrad se ergueu. Minha cabeça também se elevou para acompanhar seus


dois metros e quatro. Porra, cada centímetro daquela vista valia a pena.

— Está me expulsando, Red?


Ouvi quando ele colocou os comprimidos no bolso e gaguejei para
responder.

— É-é. Você não pode fazer isso.

Ele deu um passo para frente e eu dois para trás.

Conrad se transformou em questão de segundos. Suas pupilas dilatadas me


diziam que não era uma boa ideia provocá-lo tanto, ainda mais àquela hora
do dia.

— Eu só saio daqui, depois de você. E digo mais. — Ele não recuou e eu


bati contra a parede ao lado da porta do banheiro.

Conrad colocou uma das mãos enormes bem ao lado da minha cabeça e
soprou contra o meu rosto. Hortelã, cigarros e amaciante.

Seu cheiro único, que me deixava enlouquecida. — Quero a porra da chave


da porta.

— C-como? — balbuciei, as pernas moles.

— É isso mesmo que você entendeu, Red. — Seu quadril bateu contra o
meu.

Péssimo momento para estar de saia e sem calcinha —

pensei.

— Você perdeu o juízo? — Encarei seus olhos, seu rosto perfeito, o sadismo
em tudo aquilo. — Não posso descer assim —

choraminguei.

— Bom… — Seu rosto se aproximou, sua boca tocou o alto da minha


bochecha esquerda. — Ou você faz o que mando. —

Enquanto seu lábio roçou por minha pele, na direção da minha boca, um dos
seus pés afastou minhas pernas uma da outra. — Ou eu vou foder você aqui,
agora. Feito a porra de um animal. E eu juro, Scarlet. — Seus lábios roçaram
os meus, tentei tocá-lo com minha língua, mas fui ignorada enquanto sua
mão livre envolvia meu pescoço. — Se eu te pegar, vou fazer você gritar
tanto e tão alto que vão chamar a polícia.

Monstruosamente sedutor. Desgraçado de tão lindo.

Por um segundo, pensei: — Quem se importa com a polícia?

Engoli em seco minha vontade de desafiá-lo.

— Pense, que lindo vai ser o almoço de Natal da família Prince ao som dos
seus doces gritos, amor. — Seus dedos acariciaram minha garganta e eu
arfei.

— Ok. — Limpei a garganta, tendo certeza de que Conrad seria capaz de


fazer isso. — Eu vou. Eu vou — reforcei.

— Boa garota. E caso fique alguma dúvida, como fez de manhã, isso é uma
punição.

Conrad se afastou. Senti a pressão no meu ventre explodir, mas calei a boca,
sabendo que não podia enfrentar aquela guerra, ainda mais naquele segundo,
segui para o corredor. E molhada a ponto de saber que estava escorrendo
pelas minhas coxas, fui expulsa do meu quarto, ciente de que aquele almoço
não seria nada do que eu tinha planejado.

Para o meu completo azar, quando chegamos ao andar de baixo e seguimos


para sala de jantar, os pratos já estavam dispostos sobre a mesa farta e bem-
enfeitada. Meu avô estava

sentado bem ao lado de John Prince que, como sempre, se sentou na ponta.
Eu segui para frente do meu avô e Conrad ficou com a cadeira livre entre
mim e seu pai, mas assim que me ajeitei na cadeira e contei os pratos,
estranhei que havia mais três lugares à mesa.

John, esperto como era, explicou antes que eu pudesse perguntar:

— Convidei Maressa e suas irmãs. Como perderam a mãe no último verão,


pensei ser uma boa ideia. E, pelo horário, elas devem estar chegando.

Dito e feito, como se estivesse prevendo o futuro, as três mulheres elegantes,


altas, de pele preta retinta nos cumprimentaram entrando na sala de jantar.

O almoço seguiu muito mais alegre do que eu pensei que seria, ainda assim a
preocupação sobre não ter comprado presentes para as visitas inesperadas
me atormentou. Minimamente, eu tinha feito a minha parte e o exagero na
quantidade de comida foi muito bem-vindo. Logo a música ambiente junto
do papo animado fez aquela sala ganhar vida e tentei relevar, sabendo que
Maressa compreenderia minha surpresa.

John parecia satisfeito. Meu avô, pela primeira vez, não parecia tão mal-
humorado dentro da casa dos Prince. E Conrad, me surpreendendo e
assustando, tentou pegar minha mão sobre a mesa. Eu recuei não uma, mas
sim três vezes, e notei o incômodo dele ao meu lado, bufando, ficando de
mau humor pela minha recusa.

O ar ao nosso redor pesou. Eu sabia que ele não gostava daquela minha
decisão, mas era muito errado para mim, virar para família que me acolheu
durante anos, que me viu namorar Isaac, de repente, me ver com seu irmão,
o qual eu tinha mais do que motivos plausíveis para odiar.

Eu precisava preparar o terreno, mas ele não parecia nem um pouco a fim de


esperar por isso. E revoltado, não sei como ninguém notou que ele largava a
faca, mantendo só a mão no garfo em movimento, colocava a outra sobre
minha coxa.

Tentei ser discreta, soprei um não bem baixinho, mas Conrad me ignorou.

Limpei a boca com o guardanapo de pano que estava no meu colo e quando
voltei a colocar lá, tentei afastar a mão de Conrad.
Ele me apertou com tanta força que doeu.

Engoli a vontade de gritar e o encarei com os olhos meio arregalados, sendo


o mais discreta possível, tentando entender o que acontecia.

Mas fingindo plenitude absoluta, Conrad continuou a comer e participar


ativamente da conversa com uma das irmãs de Maressa que era professora,
enquanto a mesa se empenhava em discutir sobre as diferenças das
instituições de ensino francesas e escocesas.

Todos estavam entretidos com o assunto, e ninguém sonhava que, por baixo
da mesa, Conrad afastava minhas coxas, me beliscando quando tentava
fechá-las.

Esse filho da puta não vai fazer isso.— tentei jurar para mim mesma, mas
caí feio quando seus dedos ganharam terreno por baixo da saia.

Eu quis gritar.

Ergui as mangas da blusa, sentindo um calor desgraçado mesmo com o ar-


condicionado forte e o frio lá fora. Joguei os cabelos para frente dos ombros
e tentei esconder minha cara que, eu sabia, começava a ficar vermelha.

Conforme dedilhava minha virilha, Conrad resvalou os dedos por meus


lábios externos e eu fingi estar muito concentrada em cortar a carne em meu
prato.

Ele me abriu.

Eu enterrei o garfo em uma batata.

Conrad esfregou minha boceta toda, preguiçosamente.

Enfiei o vegetal na boca, gemendo baixinho.

A irmã de Maressa, do outro lado da mesa, me encarou e precisei me


esforçar, tapando a boca cheia, falei:

— Essas batatas estão muito boas. É um tempero novo, prove.


Conrad disfarçou o riso e continuou me tocando.

Minha cadeira devia de estar manchada de tão molhada que estava, e


tocando o foda-se, sabendo que seria pior se não deixasse, relaxei as pernas,
deitando o corpo um pouquinho para frente, dando livre acesso à sua mão.

Senti conforme ele me provocava mais, descendo até minha entrada e


circulando-a, voltava ameaçando se dedicar ao clitóris.

Comecei a suar.

— E você, Scarlet? — A chamada de Maressa me fez alerta e apoiei os


cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos na frente do rosto, tentando me
esconder ao máximo. — Sei que aplicou para várias faculdades na América,
o que acha da diferença do ensino?

— Eu… — Tomei fôlego para falar, mas de propósito, Conrad meteu um


dedo em mim. Arfei e fingi um ataque de tosse. Mais um dedo me invadiu.
Fingi precisar de água. Ele parou como estava, só esperando.

— Está tudo bem, querida? Parece estar suando… — ela me perguntou.

— É só o tempero, não estou acostumada com tanta pimenta

— menti e vi todo mundo encarar os pratos enquanto Conrad mordia os


lábios e perdia o controle para um riso rápido.

Desgraçado.

— Não achei nada apimentado… — vovô comentou. — E eu gosto de


pimenta.

— É que ando um pouco sensível — menti, limpando a testa com as costas


das mãos conforme Conrad começava seu vaivém dentro de mim.

Tão molhada, ele deslizava sem problema algum, me deixando louca.

— Mas, sobre o ensino, né? — Tentei continuar o raciocínio. —


Eu acho que, pelo tamanho do país, lá eu teria mais chances.

Inclusive, ainda estou pensando em ir no ano que vem.

Conrad não sabia.

É claro que não sabia.

E eu me fodi por ele descobrir aquilo.

O filho da puta atacou meu clitóris sem dó. A cara fechada em uma máscara.

Perverso, maldito, cruel.

Mimado.

E enquanto eu agradecia por John começar a falar das vantagens que eu


poderia ter em qualquer lugar na Europa se mudasse de ideia e focasse em
Medicina, os dedos de Conrad me esfregaram sem dó, até que eu não
conseguisse mais me controlar, até que pensei que fosse explodir.

Meu ventre começou a se contrair, meus quadris queriam ajudá-lo a trazer


aquela sensação mais rápido, mas eu não podia!

Havia outras cinco pessoas na mesa, entre elas, meu avô. Deus do céu, que
sufoco — choraminguei em pensamento.

Entreabri a boca, tentando disfarçar a respiração descontrolada. Cada mísera


parte do meu corpo se tensionou, queimou, ardeu. O formigamento ganhou
espaço nas minhas veias, e se todos calassem a boca, mesmo com a música
de fundo, iam ouvir o som dele me masturbando daquele jeito alucinante de
tão molhada que eu estava.

Não ia dar. Tentei empurrar a cadeira para trás, mas descobri que seu pé me
prendia ali.

Tentei me mexer na cadeira e tudo ficou pior.


Eu ia gozar em pleno almoço de Natal por culpa de Conrad e ele não tinha o
mínimo remorso. Pensei o mais rápido que podia, a única chance era encher
a boca com algo para evitar barulho, ou causar uma cena.

Rápido demais, estiquei a mão na direção da jarra. Conrad, contrariando


todas as probabilidades, mostrou que podia sim ser melhor e mais intenso e
com a ponta dos dedos, acelerou o movimento.

— Não é mesmo, Scarlet? — John falou e eu gritei a resposta.

— O QUÊ? — Ninguém entendeu nada já que, ao mesmo tempo, Conrad


não cedeu nem mesmo quando seu pai me chamou, e não deu mais para
segurar, fingir, aguentar. Eu gritei de prazer e derrubei a jarra.

— Ah, meu deus… — Ofegante, gemendo baixo, me sentindo melada


demais, me agarrei na mesa enquanto todo mundo se levantava, assustado.
— Me-me desculpe — balbuciei, tentando me controlar, e no meio da
confusão, encarei Conrad.

Seus olhos no meu rosto eram uma mistura estranha de fascínio e ódio.

Era quase uma mágoa.

Será que Conrad era burro o bastante para não perceber que eu não iria a
qualquer lugar sem ele?

Depois do momento constrangedor no almoço, Conrad se afastou, avisando


que ia fumar e eu tentei consertar a bagunça que havia feito. Fui o mais
agradável possível, tentei de verdade

compensar minha cabeça aérea e quando, finalmente, fomos todos para a


sala, John me chamou de canto.
— Está tudo bem entre você e Conrad?

Eu não esperava algo tão direto.

Lambi os lábios, incerta do que responder e, com toda a sinceridade que eu


podia oferecer naquele minuto, encarei os olhos de John e assumi.

— Prometo que você será o primeiro a saber, mas, no momento, eu também


estou tentando entender…

— Compreendo. — Ele deu um meio-sorriso. — Neste caso, boa sorte, e se


puder, tente trazer meu filho para dentro. É hora de trocar presentes.

— Pode deixar. — Dando uma piscadela para a figura paterna mais próxima
que tinha, atravessei a sala, deixando um beijo no topo da cabeça do meu
avô que estava sentado no sofá, e pegando meu casaco vermelho, pendurado,
passei pela porta de vidro e fui para a imensidão branca que era o quintal.

O frio me envolveu de primeira e precisei apertar os olhos para me proteger


do vento.

Olhando em volta, Conrad não estava lá e eu estranhei. Saí procurando por


ele, e mais alguns passos para frente, eu o vi lá longe, no meio do caminho
até o portão, embaixo das árvores.

— Ei! — Chamei com a mão, mas ele ignorou completamente.

Vendo-me, Conrad soprou a fumaça para cima e voltou para o outro lado,
continuando a fumar.

— Porra — xinguei quando vi que ele continuaria a fingir que eu não estava
ali.

Tomando cuidado com o salto contra a neve, tremendo de frio, fechei a cara
e fui até ele.

— Conrad Prince! — gritei mais perto, acelerando o passo, mas não fez a
mínima diferença. — Caralho. — A passos de distância, gritei mais alto,
com as mãos em concha em volta da boca: — CONRAD PRINCE! ESTOU
FALANDO COM VOCÊ!

— O que é? — ele explodiu e, como uma bomba, me jogou para trás.

Olhei meio sem entender como suas mãos podiam me massacrar a cintura,
mesmo com toda a roupa por cima quando minhas costas bateram contra a
árvore, mas lá estava ele, furioso, tremendamente cruel, pronto para acabar
comigo.

— Você ficou doido? — Não recuei. — Você não pode me tocar daquele
jeito, na mesa! — Tentei brigar, mas ele não se abalou. Conrad continuou a
ignorar o que eu dizia. — Você está surdo?

Seus olhos estavam tão profundamente escuros que tive medo de encará-lo
por tanto tempo. As sobrancelhas grossas estavam franzidas, os olhos, meio
apertadinhos.

Conrad parecia prestes a me matar, ou me foder.

— Você — ele rosnou a palavra, ofegante, com os olhos nos meus como se
fosse me dilacerar. Tive medo e engoli meu atrevimento conforme seu rosto
veio para o meu. — É. Minha —

entredentes, quase como um animal, Conrad disse aquilo em uma certeza tão
absoluta que me fez engolir seco. — E você não vai embora.

— Eu…

— Porra, Red! — ele xingou, mergulhando o rosto contra o meu, com uma
mão no meu queixo, me segurando com firmeza. —

Você não vai embora. — Seus lábios roçaram contra os meus violentamente.
Não era um beijo, era um reconhecimento de território. — Você não pode ir.

— Conrad… — soprei contra sua boca, mas não tive tempo de fazer mais
nada.

— Você é minha.
— É — admiti, não sabendo se ria ou chorava. — Eu sou.

— Então pare de fugir. Pare de negar. E pare com essa ideia absurda de ir
para longe.

— Mas eu não vou. — Ele parou por alguns segundos, analisando minha
expressão, procurando a mentira lá.

Não encontrou.

— Não? — A dúvida trouxe luz aos seus olhos.

— Não. — Neguei com a cabeça. O coração martelando nos ouvidos, o


corpo aquecendo diante de toda aquela ansiedade. — Eu juro. — Respirando
com dificuldade, eu o abracei. — Eu sou sua.

Demorou alguns segundos até a dimensão daquilo tudo diminuir, e quando


ele afastou a cabeça da minha, a sensação no meu corpo era a mesma de ter
sido fodida.

— Precisamos entrar? — Sua voz sofrida me fez entender o motivo da


agonia.

Ele queria mais. E eu também. De algum jeito, parecia que só colocaríamos


as coisas no lugar daquela forma. Era um novo jeito de consertar as coisas.

— Precisamos, mas… — Pensei. Havia coisas a resolver antes. Coisas das


quais Conrad tentaria correr, e eu não podia deixar.

— Mas o quê? — Sua expressão fechou de novo.

— Seremos rápidos, ok? — Tentei acalmá-lo. — Porém eu não me esqueci.


Você ainda vai ver sua mãe hoje e eu estarei lá, com você.
conrad

envie seus sonhos para onde ninguém se esconde. dê suas lágrimas para a
maré.

wait,M83

Não deixei Scarlet tirar a mão da minha quando atravessamos o portal, e


mesmo com medo, mesmo sentindo-a tremer, ela só me deixou quando foi
até a árvore de Natal.

Parei atrás do sofá, cruzando os braços, com uma guerra dentro da cabeça,
assistindo a ruiva tomar cuidado ao abaixar para pegar seus presentes.

Ao meu pai, primeiro, ela entregou uma sacola.

Enquanto ela se distraía, busquei as minhas.

Sem muita proximidade, segui Scarlet e entreguei o presente ao meu pai.

Ela já estava com seu avô, abrindo o que parecia ser um kit de pesca.

— Feliz Natal. — Minha voz tinha pouca emoção nela, mas John pareceu
precisar conter algo na garganta. Olhou para o saco de presentes,
impressionado, e não esperou para abri-lo.

Deixei meu pai com seu novo relógio na mão e, depois de ser forçado a um
abraço meio desajeitado, segui para perto de Scarlet e seu avô.
Escolher o presente do velho foi fácil. Comprei um porta-retratos e Thomaz
me ajudou a fazer uma montagem decente dele, Scarlet e Susan.

Eu o devia algum alívio, alguma boa memória. E quando ele desembalou o


presente, ficou alguns minutos admirando em silêncio, com a neta chorando,
abraçada ao seu pescoço.

— Obrigado, rapaz. — Esticando a mão para mim, Charlie me


cumprimentou.

Não tinha o que falar. Eu o cumprimentei com a cabeça, em um aceno mudo,


e segui para perto da janela, esperando que a conversa sussurrada de Scarlet
com seu avô terminasse.

Então, cinco minutos depois, ela se ergueu e, limpando o rosto, tomando


fôlego, veio na minha direção.

Percebi que ela tentava pensar no que falar e, tentando fazer daquilo o menos
constrangedor possível, ofereci meu presente primeiro.

— Feliz Natal, Red. — Scarlet parecia aérea.

— Tem mais? — Como uma criança, surpresa, seus olhos verdes se


arregalaram quando viu o que lhe oferecia.

Não aguentei e abri um meio-sorriso.

— E, pode não ser o último — sussurrei, cheio de segundas intenções.

— Natal virou minha data favorita do ano — Scarlet disse cheia de


inocência enquanto abria o pequeno embrulho.

— Conrad? — Vendo a caixinha de joias, ela parou, engolindo seco e me


encarou como se eu fosse louco antes de abri-la, revelando o anel prateado
cheio de ônix e esmeralda. — O que é isso?

— Somos nós. — Peguei a caixinha de suas mãos que tremiam, tirei o anel
de dentro e, pegando sua mão esquerda, encaixei em seu dedo anelar,
reforçando em um tom de voz baixo que só ela ouviu: — Você é minha.
Scarlet lambeu o lábio inferior e o mordeu com força, se segurando muito
para não se jogar nos meus braços. Mal sabia ela que meu esforço era ainda
maior para não a beijar ali mesmo, independente da plateia.

— Obrigada — ela soprou enquanto olhava admirada para a joia em sua


mão. — Eu amei.

Demorou algum tempo para ela conseguir se recuperar.

Eu adorei assistir.

Mas logo, Scarlet limpou o rosto, tentando não borrar a maquiagem, e disse,
enquanto ria:

— Meu presente nem se compara ao seu. — Estendendo a sacola, ela deu de


ombros e justificou antes de eu ver o que era. —

Era uma maneira sutil de bater em você. Tem todos os meus trechos
favoritos destacados.

Retirei uma edição nova de Orgulho e Preconceito do papel e sorri.

Achava que Darcy e Elizabeth eram um sinal de esperança mais firme e


duradouro do que Heathcliff e Catherine.

— Obrigado, amor. — A palavra saiu com tanta naturalidade que foi uma
surpresa.

Para mim e para ela.

Nós nos encaramos em silêncio por um tempo e, sabendo que o final daquele
dia ainda reservava muita coisa, Scarlet sacudiu de leve a cabeça, como se
voltasse para a realidade, e engoliu em seco.

— A gente pode ir?

Queria dizer não. Inventar um bilhão de desculpas.

Queria fugir.

Mas cruzei os braços, desconfortável, e fiz que sim com a cabeça.

— Ótimo. Só vou me despedir.

— Te espero no carro.

A primeira coisa que fiz quando Scarlet entrou no meu carro foi pegar seu
rosto entre minhas mãos e beijá-la. Intensamente.

Desesperadamente.

Aquilo não era confortável. Sentir tanta necessidade de alguém, sentir falta
mesmo com a pessoa em frente aos meus olhos. A única coisa que acalmou
meu coração foi ver que, toda aquela confusão, aquele caos, era
correspondido.

— Senti sua falta, Red — murmurei contra seus lábios.

— Sinto a sua o tempo todo. — A resposta não podia me deixar mais feliz.
— Mas precisamos ir. — Selando os lábios nos meus, Scarlet se afastou e
não me deixou escolha.

Quando saímos pelo portão da mansão, pensei em um bilhão de desculpas


para fugir daquela situação, mas quando parei em frente à casa da minha
mãe, nenhuma pareceu forte o bastante para convencer Scarlet.

Suspirei, olhando para fora pelo vidro fumê, e desliguei o carro.

— Podemos esperar até depois do Ano Novo? — Tentei.


— Não. Vocês dois precisam disso, e precisam logo. — Ela já soltava o cinto
de segurança e colocava a mão na porta. — Vamos

lá. É sua mãe, não um monstro, amor.

Naquele momento, eu não sabia muito bem diferenciar uma coisa da outra,
mas imitei Scarlet e saí do carro, encarando a porta por onde entraríamos,
me sentindo a porra de um covarde.

Foi Scarlet quem teve coragem de tocar a campainha. Quando a voz da


minha mãe respondeu no interfone, suspirei, pensando em desistir pela
milésima vez.

— Quem é?

— Caroline, Oi. Sou Scarlet, se lembra de mim? Estou com Conrad.


Podemos subir?

Rezei para ela dizer não, mas o barulho que ouvi foi o da trava elétrica
abrindo a porta.

— Obrigada — Scarlet respondeu para o interfone, mas não houve resposta.

A ruiva me ofereceu a mão e, quando a peguei, me guiou para dentro.

Fechei a porta e, tentando não pensar muito, subi os degraus, um a um, atrás
dela.

A visão das pernas de Scarlet ajudou. Minha cabeça tinha maneiras muito
sujas de fugir das coisas que me perturbavam e, por

causa disso, senti pena da garota à minha frente.

Ainda pensando em maneiras de fazer Scarlet se esquecer daquilo, de me


afundar tão profundamente dentro dela, foi arrancada de qualquer
pensamento leviano, quando, nos esperando com uma fresta da porta aberta,
minha mãe nos encarava, desconfiada, parecendo com medo, sem acreditar
que eu realmente estava ali.
Nós nos encaramos por um minuto inteiro em silêncio, então Scarlett o
quebrou.

— Podemos entrar? — Seu tom gentil não me contaminou.

Minha mãe não respondeu, mas abriu a porta, em um claro sinal de que nos
queria dentro.

Scarlet foi a primeira a entrar. Pensei em desistir mais uma vez, mas com ela
lá dentro, não podia ser tão covarde. Meti as mãos dentro dos bolsos,
sentindo meu isqueiro lá no fundo, e acariciando a caixinha de metal, passei
pela porta na maior distância física que podia da mulher que havia me
colocado no mundo.

— Oi… — Minha mãe tentou me cumprimentar, mas a ignorei olhando para


a janela da sala, suspirando, demonstrando o meu

desagrado por estar ali.

A porta se fechou às nossas costas, e Caroline, meio perdida nos vendo em


volta de sua mesa de jantar, perguntou, meio insegura:

— Vocês querem beber alguma coisa?

— Não. — A palavra saiu da minha boca de forma mais grosseira e fria do


que eu esperava.

Minha mãe esfregou os braços, visivelmente desconfortável, e perguntou:

— Como você passou o Natal, filho?

— Bem. — Eu ainda não conseguia olhar nos seus olhos.

— Que bom. Eu passei aqui. Sozinha. — A maneira como ela quis se


justificar me fez dar um sorriso amargo.

Eu não acreditava.
— Sozinha? — A ironia me ganhou em segundos quando, finalmente,
encarei minha mãe. Seu rosto era uma mistura de tristeza e vergonha. —
Tem certeza?

Scarlet, ao meu lado, mordeu os lábios, obrigando-se a calar a boca.

— Conrad, o que você viu aquele dia… — Ela bem que tentou me enrolar,
mas não permiti.

— Prova que você é completamente diferente do que eu acreditei. — Minhas


palavras foram quase como um tapa em seu rosto.

— Filho, eu… — Dando um passo na minha direção, ela parou do outro lado
da mesa.

— Me viu crescer sendo espancado. Quase morrendo.

Miserável. E mentiu.

— Não é isso… — ela choramingou, as mãos foram para o rosto, mas não a
poupei.

A raiva aquecia meu peito de uma maneira tão brutal que me senti dentro do
próprio inferno.

— Me conte, Caroline. Você ficou feliz quando fui embora?

Porque, ganhou uma casa nova muito melhor do que a antiga. —

Tirei a mão do bolso para indicar o ambiente. — Continuou com a pensão


que meu pai já te dava, com o dinheiro que eu mandava…

— Meu tom de voz foi ficando cada vez mais cruel. — Você tem ideia das
coisas que fiz por você? De como, depois de espancado,

praticamente torturado, eu sacrifiquei tudo o que tinha naquela época por sua
causa, pelo seu futuro e segurança?

— Eu nunca quis que você passasse por nada disso, Conrad!


— Seu tom desesperado era de quem não queria mais ouvir.

Perdendo a paciência, eu gritei:

— MAS FEZ! — Empurrei a cadeira na minha frente, num acesso de raiva,


e bati na mesa, me curvando para ela como um animal. — Você se fazia de
coitada, me fez acreditar que precisava ser a porra do seu super-herói, mãe!
VOCÊ ACABOU COMIGO, EM

TROCA DO QUÊ? De uma boa foda? — A palavra a ofendeu. — De


migalhas do que você pensa que é amor?

— Você não entende — chorando, ela tentou se defender, enquanto negava


com a cabeça.

— Então tente explicar. Tente me trazer algum bom argumento que justifique
tudo o que fez.

— Eu não tinha amor, Conrad. Seu pai me transformou em uma leprosa.


Sabe o que é ter um filho de John Prince?

— Então a culpa é minha? — Aquilo era o mais absurdo de tudo.

— Não. Mas Philip foi bom para mim, ele… — Ela se enrolou.

— Ele sóbrio era bom. — Sua voz quase sumiu.

— E isso durou quanto tempo? Porque, desde que nós mudamos para
debaixo do teto dele, eu não consigo me lembrar nem de ele sóbrio, nem de
um bom tempo entre vocês.

— Pare, Conrad! — Tapando as orelhas, Caroline balançou a cabeça


enquanto chorava. — Pare de me torturar. Eu sou sua mãe!

— Não, você é uma estranha — vociferei. — E tem mais, quero saber onde é
que o dinheiro que meu pai te deu, por todos esses anos, foi parar. — Os
olhos dela se arregalaram ainda mais.

Um tom de azul opaco e sem vida, triste demais de se ver.


Caroline não tinha uma resposta para me dar.

Nunca teria.

Tudo o que eu tinha dado, tudo o que tinha feito para a minha mãe, foi em
prol de uma pessoa que não existia. Foi para a ilusão que montei dela como
coitada na minha cabeça.

E ali, descobri que quando você vê alguém como coitada, você realmente
acredita que ela nunca vai sair daquela merda toda. Você acredita que ela é
incapaz.

E, mais do que nunca, eu sabia que todo mundo era responsável por si.

Pelas próprias escolhas. E que, cedo ou tarde, colheria as consequências.

Ver que minha mãe se recusava a ver o que eu via, me enfureceu.

Minha vontade foi de quebrar tudo.

A mão de Scarlet no meu ombro foi a única coisa que me impediu.

— Escute — soltei com raiva, encarando minhas mãos sobre a madeira. — É


a última vez que venho aqui. É a última vez que quero falar com você,
porque isso só prova que eu não te conheço, e se essa é você, acredite, é
alguém que eu não quero conhecer. — O ar nos meus pulmões machucava,
mas mesmo brigando com as lágrimas, deixei que elas descessem enquanto
continuava meu discurso: — Estou tentando entender que, o que você tinha
para me oferecer, era isso. Que, se você dizia me amar, e permitiu que eu
vivesse nesse mar de merda, o modo como se trata deve ser ainda pior. A
diferença aqui, mãe, é que eu sei o que quero, o quanto valho, e me recuso a
aceitar menos, mesmo que seja de você.

Espero que você e meu pai continuem nos bons termos, que o dinheiro que
te dei por todos esses anos a mantenha na velhice, porque de mim, não
espere mais nada. Não sou mais um garoto assustado e você deveria saber
que, um dia, eu descobriria.

— Conrad, você é o que mais amo no mundo.


— Não. Você ama o que eu pude te dar, mas estou cansado disso, mãe. Não
quero mais ser a porra do herói de ninguém. Se você acha que vai ser feliz
com Philip, se é esse o tipo de coisa que se vê disposta a acreditar que
merece, vá em frente. Eu não te perdoo. Eu não consigo. Não agora. Mas
acredito que deve ser muito pior ser você, deitando a cabeça tarde da noite
no travesseiro, sabendo que falhou em tudo.

— O que quer dizer?

— O óbvio. Que não sou como você e me orgulho disso. Tenha uma boa
vida, Caroline.

A adrenalina me consumiu.

Meu peito doeu quando saí pela porta.

Scarlet não me seguiu, mas eu não conseguia mais ficar.

Definitivamente, eu tinha muito mais para falar.

Queria dilacerar minha mãe viva. Que o remorso e a dor a fizessem acordar
para a vida.

Mas ela tinha quarenta anos. Não era mais uma criança.

E eu não tinha responsabilidade sobre ela.

scarlet

Ver como a relação entre aqueles dois se acabou, doeu.

Não consegui segurar o choro ao ouvir tudo o que Conrad sentia, e sabia que
aquela era a forma resumida. Era triste ver que Caroline não se dava conta
do que tinha feito, do que tinha perdido, do que ia perder.

Eu o vi saindo pela porta, mas não consegui ir atrás.

Senti algo preso na minha garganta, uma obrigação, uma necessidade, e


limpei as lágrimas do rosto, limpando a garganta,

antes de ver mulher desolada na porta, vendo que seu filho não voltaria

— Você o perdeu, Caroline — precisei avisar, e ela se virou para mim, sem
acreditar, sem entender a proporção das coisas.

— E como o recupero?

— Não faço ideia. — Neguei com a cabeça, encolhendo os ombros e soltei o


que tinha preso no coração: — Não tenho uma mãe, e não sou mãe. Não sei
dizer o impacto desse amor, só conheço a minha ideia do que que vai ser um
dia…

Chocando-me um pouco, Caroline assumiu em um sussurro:

— Eu nunca quis ser mãe. — O choque de ouvir o que dizia em voz alta fez
seus olhos azuis grudarem no meu rosto, sedentos por continuar: — Quando
engravidei de Conrad, pensei em tirar.

— Por que não fez?

— Porque, como você, eu achei que esse amor me salvaria. —

Seu sorriso foi triste. — Eu queria alguém para mim. Conrad foi essa pessoa.
Era a minha pessoinha. Mas, ainda assim, ele não supria o que precisava.
Quando Philip apareceu, eu realmente acreditei que pudesse ser feliz, que
pudesse ter uma família, que me sentiria como uma mulher completa, mas a
quem eu queria enganar? Pouco

tempo, depois o vício dele com a bebida acabou com tudo, eu despejei a
minha frustração no lugar errado e acabei com a vida do meu filho… — As
lágrimas voltaram a jorrar dos seus olhos conforme ela se colocava como a
pior pessoa do mundo.
— Não. — Neguei, tirando ela daquele lugar. — Eu prefiro acreditar que
você só estava perdida. Prefiro acreditar que você era uma jovem sem
estrutura, que ninguém deu a mão e que, infelizmente, se perdeu no
caminho. — Suspirei pesado e limpei a última lágrima escorrendo no meu
rosto. — E eu não concordo com o discurso de Conrad. Eu não acho que
você seja um completo monstro, Caroline, mas acredito sim que você precisa
se atentar às consequências das suas escolhas. Philip pode estar sóbrio e
pode ser uma pessoa completamente diferente, mas o que ele fez no passado,
e como fez, sinceramente, eu não seria capaz de perdoá-lo.

— Meu filho matou sua irmã e você o perdoou —

violentamente, ela jogou contra minha cara.

Foi o primeiro teste.

Respirei fundo, ponderando e, depois de um minuto, eu a respondi:

— E vou colher as consequências disso. Estou pronta para isso. Mas e você?
Estava pronta para hoje? — O olhar perdido dela me respondeu que não. —
Fique bem, Caroline.

Aquela foi a nossa despedida.

Quando eu desci as escadas, entendi que não dava para julgar ninguém. Não
dava para ditar o certo e errado na vida alheia, até porque, na hora do
purgatório, o julgamento seria individual.
conrad

e eu desistiria da eternidade para te tocar, pois eu sei que você me sente de


alguma forma. você é o mais próximo que estarei do paraíso e eu não quero
ir para casa agora. e tudo que posso sentir é este momento. e tudo que posso
respirar é a sua vida. e cedo ou tarde isso acabará, eu só não quero sentir sua
falta esta noite. e eu não quero que o mundo me veja porque eu não acho que
eles entenderiam, quando tudo é feito para ser quebrado, eu só quero que
você saiba quem sou.

iris,googoodolls.

Scarlet desceu pouco depois de mim.

Cada segundo sem ela me pareceu uma eternidade.

O carro já estava ligado quando ela entrou. Meu vidro aberto, minha mão
com o cigarro para fora.

A garota entrou, deu um suspiro e, antes que eu pudesse sair, se curvou para
pegar um cigarro meu também, o acendeu, tragou e soprou pela fresta em
sua janela.

Aquela porra tinha sido intensa. Para os dois.

E quando saí da vaga, ficamos em completo silêncio até eu fazer a digestão


do que precisava falar, do que precisava entender.

Isso aconteceu depois de ela me oferecer o terceiro cigarro. Depois de, sem
entender o porquê, eu parar o carro no acostamento perto da entrada do
velho moinho, como anos atrás.

— Maldita memória afetiva — xinguei, desligando o carro e colocando o


banco para trás, me encostei completamente no banco e encarei o teto.

— O que você está pensando? — Scarlet pegou seu quarto cigarro.

— Que você tinha parado de fumar. — Observei de canto como era sensual
pra caralho o modo como ela dava a primeira tragada.
— Sabe como é — ela segurou a fumaça nos pulmões e então soltou pelo
canto da boca —, uma vez viciada, sempre viciada.

— O que você está pensando? — indaguei.

— Em como sua mãe não se deu conta do que aconteceu, em como você
aguentou tanto. — O lábio inferior de Scarlet tremeu quando ela desviou os
olhos para o vidro da frente, claramente segurando o choro. — Eu nunca vou
me esquecer de como te vi aquele dia. Nunca vou conseguir apagar a
sensação de impotência, de achar que, pela primeira vez na vida, eu seria
capaz de matar alguém… — Sua voz era baixa, mas seu tom poderoso.

Aquilo só me deixou mais louco.

Não consegui me controlar. Meus olhos vagaram da sua boca para as coxas
descobertas, para o lembrete de que, por baixo daquela saia, Scarlet não
usava nada, e antes que ela se desse conta, eu a puxei pela nuca.

— Ei. — Houve uma tentativa de protesto, mas cobri sua boca com a minha.
Sua língua tinha o mesmo gosto da minha e eu a obriguei vir para o meu
colo. — Conrad, porra! — ela xingou, tentando afastar o rosto do meu,
tentando fugir depois de jogar o cigarro que mal tinha acendido pela minha
janela.

Foram dois minutos de completo caos, enquanto eu teimava em encaixar


Scarlet no meu colo e ela tentava me afastar, suas mãos contra meu peito me
empurravam, mas quanto mais ela fazia aquilo, mais eu precisava tentar
convencê-la.

— CONRAD, PORRA, PARA! — ela gritou, me segurando pelo colarinho


da camiseta depois de dar um tapa na minha cara, parecendo assustada.
Encarar seu rosto assim tão de perto, tão assustado, me fez sentir-me um
merda.

Eu não queria parar.

Eu não queria sentir.

Eu não queria pensar.


Eu só queria matar aquela merda dentro de mim, e eu só conhecia um jeito
de fazer.

Nossas respirações bateram uma contra a outra. Scarlet não me largou, não
me afastou. E enquanto começava a me acalmar, a vontade de chorar cresceu
tanto na minha garganta que me sufocou.

Quando dei por mim, estava gritando, com o rosto enfiado contra o peito
dela, sendo abraçado por Scarlet, enquanto molhava

sua blusa com as lágrimas mais intensas, raivosas e dolorosas que já havia
produzido na vida.

— Shhhhhh, isso. — Ela acariciou meu rosto, meu cabelo, minhas costas. —
Coloque pra fora, não guarda.

E me ninando, se balançando junto de mim de levinho, Scarlet me acolheu


até eu parar de tremer. Até aquela sensação sufocante passar. Até tudo em
mim parecer morrer.

— Me desculpe, Red — pedi, envergonhado, segurando-a contra mim sem a


mínima coragem de olhá-la nos olhos.

— Não precisa se desculpar, mas… O que foi isso?

Ri sem graça, me achando a porra de um desgraçado.

— Isso é a merda da cicatriz interna que eu tenho. Lembra?

Das feias? Então, essa é a minha. — Liberei uma mão para limpar meu rosto
e, aos poucos, me afastei dela e me encostei de volta ao banco. — Eu não sei
ser leve, Red. — Encarei Scarlet, envergonhado, surpreso pela bondade em
seu rosto. — Não sei ser de boa na hora de transar, porque sexo pra mim é
escape, é a merda da única fuga que resolve.

— Não dá pra resolver tudo com sexo, Conrad — ela declarou como se eu
fosse uma criança.

— Você ficaria impressionada como dá — insisti.


— Não — Scarlet negou. — Você pode tentar camuflar, mas não vai
resolver. É a mesma coisa sobre suas tatuagens. É

camuflagem.

Engoli em seco.

— Quer saber um segredo?

— Conte.

— Sabe por que não fechei as costas? Por que não cobri aquelas marcas?

Scarlet esperou ansiosamente pela revelação.

— Porque não quero esquecer que há feridas que nunca se curam, mesmo
que pareçam cicatrizadas. Porque, não quero esquecer que, não há beleza
perfeita, ninguém pode ter tudo, Red.

Nem eu, nem você. — Seus olhos nublaram, confusos. — É

simples. — Encaixei uma das mãos em seu pescoço e a acariciei o rosto. —


Você não estaria aqui se não fosse tão quebrada também.

Não conseguiria se encaixar em mim se não fosse. E, ainda assim, você é a


coisa mais perfeita, e linda do mundo. Quem desconfiaria que, alguém como
você, poderia amar alguém como eu?

Os olhos de Scarlet sorriram nos meus.

— Como eu não poderia? — Ela se curvou, tocando minha testa na sua. —


Como poderia dizer que toda ferida é eterna se, de um jeito torto e errado,
descobri que posso me curar?

— Como? — Fechei os olhos, aspirando o cheiro dela, a última lágrima


escorreu.

— Com você. — E então eu abri os olhos e a enxerguei.


Enxerguei a menina pela qual eu me apaixonei.

A garota pela qual decidi lutar.

A mulher pela qual escolhi viver.

— Eu te amo — sussurrei contra sua boca.

— Eu te amo — ela respondeu tão certa, tão pronta, que escorreguei a língua
por seus lábios e avisei.

— Quero foder você.

Surpreendendo-me, Scarlet se afastou e eu recuei também, não sabendo se


tinha feito alguma merda.

— Hoje não.

Quase fiquei triste, mas então, ela me confundiu quando apertou o botão para
fechar os vidros do carro, e começou a tirar a blusa, exibindo os seios bem
na minha frente.

Que porra era aquela?

Engoli em seco.

Aquilo nunca parecia ficar menos impressionante.

— Vamos fazer amor — Scarlet anunciou tão certa que eu quis rir.

— Não sei fazer assim, Red.

Então ela se curvou, o rosto de volta ao meu, mas dessa vez beijando minha
testa, minhas têmporas, minhas bochechas e a ponta do meu nariz antes de
tocar os lábios nos meus.

— Então relaxe, porque é minha vez de te ensinar.

Suspirei, engolindo a vontade de chorar, quando ela me beijou como se fosse


a primeira vez.
Suave, calma, apaixonada.

Ela.

E então não houve nada além.

Sua boca era um bálsamo. Não havia beijo melhor e eu deixei que ela me
guiasse, sem arrependimento algum quando Scarlet lentamente moveu a
cabeça, dançando com minha língua contra a sua e gemeu baixinho ao se
encaixar direito no meu colo.

Engoli seu suspiro, bebi da tortura de saber que, sob aquela saia não havia
nada, e que a única coisa que nos separava agora eram minhas roupas.

Contive-me.

Segurei com firmeza em sua cintura, acariciei suas costas, e conforme ela
começou a se roçar contra mim, me deixando duro pra caralho, arfando
contra minha boca, liberei seus lábios e desci por seu pescoço.

Scarlet segurou com firmeza nos meus ombros e depois seguiu para acariciar
minha nuca, meus cabelos, guiando meu rosto para onde ela queria ser
beijada, e pouco a pouco, como ela comandava, seu seio estava na minha
boca, um dos bicos duro contra minha língua, e eu não resisti.

Suguei intensamente, mordisquei e provoquei, ganhando dela mais atrito,


mais gemidos.

Ela balbuciou meu nome uma porção de vezes, incentivando, pedindo mais.

Sem tirar a boca de seu corpo, com uma das mãos desci um pouco meu
banco e fiquei mais inclinado, voltando as mãos para as

coxas de Scarlet, erguendo a saia ridiculamente pequena, enchendo as mãos


em sua bunda, forçando-a contra mim.

Apreciei a vista de Scarlet gemendo de olhos fechados, se contorcendo no


meu colo.
Se a boceta dela estivesse como mais cedo, puta que pariu, eu estaria
perdido, e como se lesse meus pensamentos, ela abriu os olhos.

Scarlet ergueu melhor a saia e me obrigou a afastar a boca de seu seio.

Eu o fiz em uma última sugada que arrancou dela um gritinho e um meio-


sorriso.

— Calma — pediu com a voz baixa e ergueu os quadris. —

Consegue abaixar suas calças?

Se ela quisesse, eu poderia tacar fogo nelas.

Abri o botão com agilidade junto do zíper e me livrei da cueca junto,


descendo a roupa na altura dos joelhos. Transar no carro era um caralho,
limitava os movimentos, mas com Scarlet parecia funcionar.

Seu sorriso devasso ao me ver duro quase acabou comigo.

— Está assim por mim, amor? — ela provocou quando, com ambas as mãos,
me segurou com firmeza e me encarou ao começar a me masturbar.

— Porra — xinguei, confirmando com a cabeça, resistindo a vontade de


fechar os olhos.

Scarlet tombou o corpo para frente, encaixando o rosto no meu pescoço e,


me mordendo devagar e beijando o caminho até minha orelha, soprou:

— Acho que você deveria conferir como me deixa molhada também. Acho
que deveria meter seus dedos em mim como fez mais cedo, que deveria me
fazer gemer, assim, bem aqui…

Não esperei um segundo convite, e enquanto ela me tocava, eu fiz o mesmo


com ela.

Scarlet melou minha mão toda quando a tateei. Os lábios externos estavam
lambuzados por todo aquele esfrega-esfrega, e os internos, inchados,
fizeram-na tremer quando os acariciei.
O primeiro gemido baixinho veio soprado contra minha pele.

Suas mãos também ganharam ritmo.

Minha respiração acelerou.

Eu resolvi torturá-la também.

Desci o dedo médio até a entrada de Scarlet e a circulei algumas vezes,


esfregando-a ali, fazendo com que ela rebolasse contra meu dedo, achando
que eu fosse penetrá-la. Mas, molhado dela, subi, abrindo sua boceta com a
ponta dos dedos e acertei seu clitóris.

Ela gemeu mais alto.

Apertou-me meio sem jeito e descansou a testa contra o meu ombro.

— O que foi, amor? — Continuei o movimento, os quadris dela dançando


contra minha mão, seu controle indo embora.

— Isso é tão bom… — ela ronronou, esfregando o rosto contra meu


pescoço, me cheirando, lambendo, mordendo. — Não pare, por favor, não
pare — o pedido feito entre gemidos me ganhou.

Nem me importei dela parar de me tocar.

Naquele segundo, era ela quem me importava, e quando a vi se acostumar


com o que fazia, quebrei o ritmo, escorregando de volta para sua entrada,
dessa vez, enfiando dois dedos dentro de Scarlet, fazendo-a jogar o corpo
para trás enquanto dava o gemido mais alto, até então.

Seu rosto voltou para o meu. Minha mão livre se encaixou em seu rosto.

Os olhos verdes, entreabertos, pesados de tesão ficaram presos nos meus.


Sua boca na minha chupou meu lábio inferior, antes de suplicar entre a
respiração entrecortada, ofegante:

— Conrad — ela engoliu com dificuldade —, dentro de mim.


Agora — era uma ordem.

Scarlet ajeitou os quadris, eu segurei em sua bunda e parei por um minuto.

— Amor, a camisinha…

— Foda-se essa merda. — Quis rir dela falando daquele jeito.

— Não gosto. Quero você assim. — E, fodendo com tudo, me fazendo ver
estrela, Scarlet tomou conta do que faríamos, me impedindo de fazê-la
mudar de ideia quando esfregou a cabeça do meu pau contra sua boceta toda
e, quando atingiu sua entrada, sentou de vez.

Meu corpo amoleceu por um segundo.

— Puta que pariu — xinguei, abraçando seu corpo, segurando-a no lugar,


esperando aquele efeito maldito de ser apertado enquanto ela pulsava ao se
acostumar comigo passar.

Scarlet não queria esperar.

— Preciso gozar fora — avisei, mas ela não ligou.

Começou por conta e risco a cavalgar, escorrendo tanto sobre meu pau, tão
molhada, que sentia escorrendo por minhas bolas.

Aquilo era difícil de conter. A visão dos seus seios pulando, excitados. A
maneira como ela me olhava, sua boca entreaberta, gemendo.

Era uma overdose dela, da sua boceta, do seu cheiro.

E tudo piorou quando ela apoiou a mão no banco do carro e se afastou um


pouco mais, me dando a visão completa de sua boceta engolindo meu pau.

Pulsei dentro dela com tanta intensidade que ela sentiu. E

gostou.
A filha da mãe desceu uma das mãos para se tocar enquanto continuava a
mexer os quadris naquele ritmo e, então, piorou tudo quando, me vendo
completamente rendido, ela pediu:

— Quero gozar com você dentro.

— Não. — Neguei com a cabeça, sentindo o suor se acumular na minha testa


por tanto esforço.

— Sim. — Scarlet não estava me pedindo permissão.

Ela se deitou contra o volante que, por sorte, com as modificações que eu
havia feito, não tinha a buzina no lugar tradicional. Seus peitos dançaram na
minha frente e não resisti.

Cheirei sua pele, lambi e mordisquei.

Se era amor que ela queria, era amor que teria.

E ali, em seu seio, dentro dela, no momento mais íntimo e fodido que
poderíamos ter, recitei, marcando aquelas palavras em seu corpo:

— Em vão tenho lutado comigo mesmo — a mordisquei sob o seio direito —


nada consegui. — Lambi com a língua mais rígida o círculo rosado e o
suguei uma vez. — Meus sentimentos não podem ser reprimidos. —
Mantive as mãos na bunda de Scarlet e a puxei melhor para o meu colo,
apoiando os pés no chão, puxei-a para mim, fazendo com que deitasse contra
meu corpo, tendo total controle da profundidade das estocadas. — E preciso
que me permita dizer-lhe — me forcei de uma vez só, escorregando para
dentro dela até o fundo, ganhando um grito da garota que parecia ferver, e
me queimava junto — que eu a admiro e a amo ardentemente. [12]

— Conrad, eu … — Ela até tentou avisar, mas era tarde demais.

E no complexo da beleza exuberante da ruiva e do tesão, enquanto o sol se


punha atrás de nós, eu a tive me comprimindo, me massacrando, pulsando
em volta de mim, e depois de mais duas investidas contra sua boceta,
apertada e tão molhada que escorria, eu gozei fundo, dentro dela, sem
arrependimentos. Gemendo seu nome e uma porção de declarações que não
tinha mais vergonha de fazer.

Passado o cataclisma, Scarlet deitou sobre mim. Suada, cansada, mas feliz.

Abraçando-me e beijando meu peito, ainda tremendo, ainda quente.

Eu sabia que quando saísse dela, meu gozo e o seu escorreriam por suas
pernas e, como a porra de um doente, fiquei excitado.

— Qual a chance de repetirmos? — Acariciei suas costas, sabendo que,


talvez, estava amaldiçoado a sempre ser assim. Ela me bastava, mas eu
nunca me satisfaria o suficiente para não a querer de novo.

— Quando você comprar um carro maior. — Ela tremeu contra o meu peito,
rindo, e achando que estava brincando, se esticou para beijar minha boca.

— Eu te amo, Conrad Prince. — A confissão feita com um sorriso nos lábios


me ganhou. — E você não pode usar dos meus livros favoritos para fazer
isso ficar pior do que já é.

— Eu sempre posso fazer ficar pior. É um dom. — Acariciei seu rosto. — E


agora tenho um livro cheio das suas citações favoritas…

Ela suspirou e se aconchegou no meu peito.

— Ainda bem que eu gosto de vários livros, assim isso pode durar para
sempre.

Para sempre.

Aquelas palavras pesaram no meu peito.


Eu gostei.

— Escute — chamei por ela da janela, depois de ganhar alguns tapas para
deixá-la descer. Scarlet, voltou e, segurando a saia para cobrir a bunda, se
abaixou.

— O que é? — O sorriso venceu seu esforço de segurá-lo.

— Quero que fique com isso. — Respirando fundo, cacei meu isqueiro no
bolso e ofereci.

Seus olhos foram para o objeto e, quando entendeu o que era, se


arregalaram.

— Por que está fazendo isso? Eu sei que é algo importante para você…

— E uma prova de que venho ver você em breve.

Scarlet sorriu tão abertamente que não pude não sorrir de volta.

— Te espero. — Ela roubou o isqueiro dos meus dedos. —


Não demore.

— Não vou.

Quando deixei os portões da mansão Prince, ela ainda estava lá, na neve,
acenando.

Por um minuto, me deu uma vontade do caralho de dividir o teto com meu
pai.

conrad

em algum lugar no final, seremos todos loucos por acreditarmos que uma luz
poderia nos salvar do túmulo que está no fim de toda essa dor.

h o u s e o n a h i l l , t h e p r e t t y r e c k l e s s Era estranho eu querer


tanto ser comum?

A vida toda procurei o que me tornasse extraordinário, que fosse digno de


ser temido ou admirado. Mas, depois de tudo aquilo com Scarlet, uma
possível boa convivência com meu pai, apesar de tudo, e toda a merda com
minha mãe, eu só queria ser absolutamente comum. Isso não parecia tão
ruim agora.

Pelo menos, eu pensei que não, até atravessar os corredores vazios da


faculdade, até encontrar a porta do meu quarto arrombada.
— Que porra aconteceu aqui? — A maçaneta estourada foi só o começo.

Minha cama estava revirada, minhas gavetas todas pelo chão.

Papéis, documentos, livros, tudo uma verdadeira bagunça.

Mas meu pior pesadelo foi virar e ver as portas do closet abertas.

Minhas roupas jogadas.

O fundo falso aberto.

— Caralho, não, não, não! — Meus passos rápidos não acompanharam a


revolta que cresceu no meu peito ao encontrar o laboratório vazio, meus
instrumentos quebrados e uma quantidade escrota de de Star e Supernova,
desaparecidas.

Não tive o que fazer.

Meus dedos foram rápidos no telefone.

— Filho? — meu pai atendeu, meio sonolento.

— Levanta. Fodeu. — Desesperado, girei no lugar, vendo toda a bagunça em


volta enquanto passava a mão livre nos cabelos.

— O que foi?

— Entraram aqui. Levaram tudo.

O barulho do outro lado da ligação denunciou que ele se levantava.

— O que quer dizer com tudo?

— Tudo, porra. Entraram no meu quarto, não tem mais nada aqui. Meu
laboratório está destruído, minhas coisas… — Quis gritar de raiva e soquei a
madeira do fundo falso que ainda se mantinha no lugar.

Meus anéis machucaram meus dedos, mas engoli a dor.


Era bom.

— Você suspeita…

— Ah, pai, acorda! Você sabe quem foi. E eu vou atrás de Thomaz agora.

— Não! — A urgência dele me fez parar no lugar. — Não seja idiota. — Em


um suspiro cansado, meu pai ponderou. — Acha que

pode pegar suas coisas e voltar para cá? Não quero você sozinho aí.

— Sei me cuidar — rosnei entredentes, pensando que aquilo era mesmo o


que queria.

— Não me interessa. Preciso de você seguro, Conrad. Há muito em jogo.

Sem alternativa, busquei meu isqueiro no bolso para aliviar a agonia e me


lembrei onde ele estava. Suspirei, me dando por vencido naquele segundo,
pensando que não era uma má ideia ver Scarlet de novo.

— Estou indo.

Pegando somente o necessário, voltei para o carro, querendo muito saber se


meu melhor amigo sabia do ataque de seu pai.

Provavelmente não, ou teria me avisado, ou então…

Não queria pensar na possibilidade de ter Thomaz como inimigo. Não ainda.

Eram quase dez da noite quando encostei na casa do meu pai.

Larguei o Mustang perto da porta e passei pelo portal, tendo os olhos


agredidos pela luz automática. E foi a voz dela que me fez colocar as mãos
no alto para tentar enxergar na sala escura.

— Conrad? — Scarlet parecia alerta. — Está tudo bem?

Ela estava deitada no sofá, vendo alguma coisa na TV e se sentou


abruptamente, me encarando um pouco assustada, vestindo nada além do
que uma camiseta gigante.

A conversa de mais cedo evaporou da minha cabeça quando a vi daquele


jeito.

Eu queria sim descontar a frustração do dia em sexo, mas tinha que ser com
ela.

— Red, viu meu pai? — Me contive.

— Faz quinze minutos que ele desceu para pegar uma água, e subiu. — Me
encarando um pouco perdida, ela tentou de novo: —

Ei, tá tudo bem?

Como eu falaria para ela que não? Que eu era um produtor de droga,
inclusive, da que ela consumia, e que tinham roubado meu estoque e eu não
pude ir até a polícia?

— Primeiro — segurei o ar nos pulmões, a falta do meu isqueiro entre os


dedos nunca foi tão brutal —, eu preciso ver meu pai — soprei. — A gente
conversa depois, certo?

Passando por ela, evitando tocá-la, ou sentir seu cheiro, porque sabia que se
fizesse alguma dessas coisas, acabaria com a boca na sua boceta ou meu pau
enterrado nela, passei por trás do sofá, sabendo que Scarlet me seguia com
os olhos enquanto eu subia as escadas correndo.

Não pensei duas vezes quando segui até o final do corredor, pronto para
entrar no escritório. Eu não bati na porta. Meu pai não esperava isso de mim
e, definitivamente, não foi um problema. O
que me surpreendeu foi que John Prince parecia genuinamente preocupado
comigo quando nossos olhos se encontraram.

— Você está bem? — Ele nem esperou eu fechar a porta por completo. —
Viu alguém ou alguma coisa?

— Nada. — Neguei com a cabeça e parei, inflando as bochechas antes de


soltar o ar em um bufo. — E estou bem, só querendo socar a cara do seu
amiguinho.

— Sabemos que foi ele, não vamos negar, mas se fez não, fez sozinho. O
que sabe de Thomaz, o filho?

— É uma boa pergunta. Como eu te disse, Thomaz acabou vazando para seu
pai que era eu quem produzia a nova droga. Ele não parecia muito
interessado na Star, na verdade, ele nem a citou.

O interesse dele é na Supernova, por quê?

Meu pai suspirou pesado, balançou a cabeça negando e se largou sobre a


poltrona, encarando a janela e a nevasca que caía lá fora. Ele parecia
realmente cansado.

— Thomaz andou fazendo coisa errada. Nos últimos tempos, veio com um
papo de que a droga era muito cara comparada às outras do mercado e me
repassou o valor diferente, dizendo que era o que tinha conseguido, mas,
misteriosamente, da última vez em que vi sua esposa, ela tinha um diamante
do tamanho do meu punho entre os seios.

Cruzei os braços e ri sem graça.

— Está sendo roubado pelo seu traficante, papai? Achei que esse ramo tinha
mais lealdade envolvida — provoquei e ganhei uma olhadela cruel de John.

— Nós dois sabemos que não devemos confiar nem mesmo no nosso sangue,
quanto mais nos estranhos. Eu te disse que tinha gente perigosa envolvida. O
meu jeito de te proteger delas era me
envolvendo. E eu não dependo da venda de drogas para porra nenhuma,
Conrad, é só você olhar bem à sua volta. — Ele parecia bravo, com alguma
razão, e fui obrigado a engolir a vontade de xingá-lo.

Passei as mãos pelos cabelos e dei um passo para frente, pedindo:

— Então me explique, porque não fui eu que organizei essa minha volta para
cá. Foi você quem foi me buscar. Foi você quem me trouxe. Esse discurso de
que queria me proteger não faz muito sentido quando penso nisso.

Meu pai segurou uma risada debochada, girou a poltrona para ficar de frente
para mim e indicou a poltrona na sua frente.

— Sente-se — era uma ordem.

Com a guarda baixa, me sentei e esperei sua história.

— Já faz um bom tempo que os Craig estão mal das pernas.

Cheguei até a fazer empréstimos para eles, tudo para manterem um padrão
de vida que não conseguiam mais. Há alguns anos, Thomaz pai, me
perguntou se eu não queria entrar no seu novo esquema de distribuição de
erva pelo país, já que eu poderia facilitar a abertura na faculdade. Segurei
isso por muito tempo, até porque, meu filho,

mesmo com você longe, eu sabia do que você fazia. Sua mãe, toda vez que
ia visitar você, vinha aqui pedir dinheiro na ida e na volta, e contava
orgulhosa dos seus progressos financeiros. Principalmente, do medicamento
que você arranjou para ela. E apesar de você não acreditar, Conrad, eu cuidei
das lacunas para que se alguma hora precisasse, tivesse como te defender. —
Não consegui ver mentira naquilo. — Enfim, não vou ser falso agora e dizer
que não me interessei no que sua droga, a Star, podia fazer quando me
explicou sobre ela. A rigidez dos estudos na Prince University sempre foi
algo que levei a sério e a chance de ajudar meus alunos fez meus olhos
brilharem, sim, sem dúvida alguma. Mas, quando na alta sociedade começou
o burburinho sobre algo novo na França, eu desconfiei que era de você que
falavam e me enfiei no esquema. Quando tirei os holofotes de você, todo
mundo pensou que eu estava mantendo o produtor preso em algum lugar,
mas agora que Thomaz sabe, sinceramente, estou preocupado com sua
segurança física.

Eu só tive uma pergunta para fazer.

— Não está com medo disso respingar em você? Na sua vida social?

— Não. — Com uma paz que nunca pensei ver em seu rosto e ouvir em sua
voz, ele continuou: — Mas, não estou disposto a ver

meu filho perder boa parte da vida na cadeia.

Quão fodido eu devia estar para admitir que realmente acreditava naquele
discurso?

Cocei a palma da mão contra o jeans e o encarei

— O que quer fazer?

— Primeiro, preciso que me diga o que você acha que ele queria. Se eles
destruíram seu quarto, sabendo onde ficava o laboratório, se reviraram tudo,
estavam buscando algo, alguma fórmula.

Eu ri, meu pai não entendeu.

— Acha que eles querem a receita? — Sorri despretensiosamente. — Se for


isso, o plano deles falhou.

— Por quê?

— Porque, papai, não existe isso em forma física. Queimei anos atrás. A
receita está aqui. — Bati com dois dedos contra a têmpora. — Se eles
quiserem, vão precisar abrir meu cérebro para arrancar.

— E acha que algum outro químico não pode reproduzi-la?

— Como eu faço? Não. Absolutamente fora de questão.

Aliviado, meu pai passou as mãos pelo rosto e relaxou contra sua cadeira.
— Ótimo, sendo assim, fique aqui nos próximos dias, até que eu entenda em
qual terreno estamos pisando.

— Certo — eu já ia me levantando para sair, quando meu pai me chamou de


volta.

— E, Conrad, duas coisas. — Olhei para ele com atenção. —

A primeira delas é que Scarlet se tornou uma filha para mim, então faça o
favor de cuidar dela, inclusive, sobre uma gravidez não desejada. — Eu
estava pronto para mandá-lo cuidar da própria vida e que ele não era um
exemplo sobre aqui, mas com a mão erguida, ele me calou e continuou: — A
segunda coisa é que seu irmão em breve estará de volta. E você sabe do que
Isaac é capaz.

— Você não podia tê-lo mandado para longe para sempre? —

Minha pergunta não foi bem recebida.

— Apesar do seu gênio, você nunca me deu trabalho, mas seu irmão, por
outro lado? É uma bomba relógio. Preciso mantê-lo perto para saber a hora
de desarmar. Estou te avisando porque quando ele souber que você e Scarlet
estão juntos, ele vai tentar pegá-la de volta.

— Gostaria de vê-lo tentar. — A mínima possibilidade daquilo me enfurecia


alucinadamente. — Scarlet é minha — declarei.

— Só estou avisando. Agora, pode ir. Boa noite.


scarlet

nosso amor está a sete palmos abaixo da terra. eu não posso deixar de me
perguntar: se o nosso túmulo fosse regado pela chuva rosas floresceriam?

s i x f e e t u n d e r, b i l l i e e i l i s h Eu tentei aguentar ao máximo, com


os olhos abertos, mas estava tão cansada que acabei adormecendo sem ajuda
de nenhum medicamento naquela noite.

Talvez a solução para a minha insônia fosse Conrad.

Era bizarro como meu sono havia mudado com ele por perto, em equilíbrio.

Se bem que, eu não podia deixar de me dar os créditos por ter deixado certos
fantasmas trancados em seus túmulos. Um deles, o mais assustador, a culpa,
era a que menos me assombrava agora.

Como acordei com a cama vazia, realmente acreditei que Conrad tinha ido
embora, mas foi só acordar e sair do quarto para ir tomar café, que qualquer
sono que ainda restava no meu corpo sumiu.

Lá estava ele, braços cruzados, ombro encostado na parede, o tronco nu e a


maldita calça de moletom. Seu cabelo estava bagunçado, lindo. As
tatuagens, os anéis, os olhos intensos, escuros, viscerais, grudados no meu
corpo.

Qual era a chance de conseguir arrastá-lo para o quarto?

— Você ficou. — Minha voz saiu mais grave, ainda meio sonolenta. Aquelas
eram as primeiras palavras do dia.

— Desculpe, Red. Até fui ao seu quarto, mas você dormia tão
profundamente que desisti de te acordar.

— Podia ter ficado. — Tentei não parecer desesperada.

— Até podia, mas ontem… — Ele suspirou, desviando o olhar do meu corpo
para a janela que dava para o quintal, parecendo não ter superado algo.
— O que aconteceu? Já pode me contar? — Curiosa, imitei sua posição e
esperei.

— Na verdade, não posso. — Odiei aquela distância em seus olhos quando


eles voltaram aos meus. — É sobre meu trabalho secreto — completou com
tom cheio de graça quando a chateação ficou estampada na minha cara.

— Trabalho? Desde quando você trabalha, Conrad?

— Sou prostituto, nunca te contei? Tive um problema de agenda. Uma


cliente acabou me segurando nos últimos dias, me cansou demais, precisei
resolver minha agenda.

— Ah, garoto… — Revirei os olhos, pronta para descer, mas ele me pegou
pela cintura, me puxando contra si, me abraçando com tanta força que não
pude manter qualquer distância.

— Desculpe, Red. — Era baixinho, como um segredo.

— Odeio esse sentimento de que você está escondendo algo

— confessei com o rosto contra seu peito.

— Eu sei, mas acredite, é para o seu próprio bem. — Seus dedos acariciaram
minha cabeça e ele me beijou no topo da testa.

— Não gosto quando decidem por mim, assim como você também não. —
Tentei não ser muito dura enquanto ouvia seu

coração bater acelerado.

Em um suspiro, Conrad falou ainda mais baixo:

— E se for algo que estou escondendo com medo de você ir embora?

— Achei que você tivesse entendido que não vou embora. Não posso. Estou
eternamente presa a você.

Ele sorriu abertamente e me olhou.


— Vamos fazer o seguinte, quais os planos de hoje?

— Eu preciso levar meu avô de volta.

— Então faça isso. Eu vou ajeitar algumas coisas e, mais tarde, nós
conversamos longe daqui. O que acha? Podemos sair?

— Hm, onde? — perguntei, analisando a proposta.

— Qualquer lugar, desde que você use uma saia. — Conrad me fez rir
enquanto me afastava.

— Nem pense.

— Ah, eu penso nisso e em muito mais, mas fique tranquila, desta vez tenho
outra coisa em mente.

Suspirei, pegando sua mão que me era oferecida.

— Ok. Mas, primeiro, vamos começar o dia direito.

E descemos para tomar café com meu avô.

— Filha, antes de descer, posso perguntar? — meu avô me chamou quando


encostei o carro na vaga.

— Claro, vovô — respondi, tirando o cinto de segurança, encarando-o. —


Está tudo bem?

— Comigo? Perfeitamente, mas quero saber de você. O

menino Prince e você, o que está acontecendo?


Minhas bochechas esquentaram tanto que pensei ter febre.

— Eu, eu, é… Ai, caramba. — Segurei o palavrão, colocando as mechas de


cabelo mais claras atrás das orelhas. — Vovô, é o seguinte. — Respirei
fundo e soltei: — Eu amo Conrad. Eu sempre amei. O senhor sabe…

Surpreendendo-me, em vez de me dar uma lição de moral, meu avô deu um


sorrisinho sacana.

— Sempre soube. E gosto muito dele. É mais decente do que aquele outro.
Não gosto daquele menino. — Sua carranca se fechou

ao falar de Isaac.

— Vovô, Isaac…

— Não era pra você. — E orgulhoso, encerrando o assunto, ele abriu a porta.

— Ei, eu não terminei de falar. — Minha bronca era uma piada, da qual ele
riu quando me olhou de canto.

— Está feliz, minha neta?

O sorriso no meu rosto cresceu.

— Estou. — Era verdade. A mais pura e absoluta verdade.

— Então não tem o que conversar. Vá ser feliz.

Quando a enfermeira fez festa para ele e ajudaram a descarregar o carro,


pensei que, de tudo, talvez aquele fosse o sinal mais significativo do
universo para dizer que tudo bem eu ficar com Conrad. Que tudo bem
perdoá-lo por tudo.

Eu mal me contive ao voltar para casa.

Digitei uma mensagem para Conrad, avisando que estava voltando, e segui
pela estrada o mais devagar possível, já que a neve continuava caindo. Foi
por culpa da velocidade baixa que não
pude ignorar o rosto de Thomaz, na neve, pedindo ajuda com seu carro.

Liguei o pisca-alerta, encostei à sua frente e abaixei o vidro.

O garoto veio até mim correndo, tremendo de frio.

Sua respiração ofegante condensava.

— Achei que não fosse parar.

Ele realmente não merecia, mas como era o melhor amigo de Conrad…

— O que aconteceu?

— Meu carro não quer ligar. Acha que podemos tentar algo com a bateria?

— Eu não entendo nada deste carro… — Tentei não ser tão cuzona. — Quer
uma carona? Assim você e Conrad podem voltar e ver o que aconteceu.

— Conrad? — Seu olhar era surpreso.

— É, ele está em casa, você não sabia?

— Fiquei atarefado demais para ele e Bella nesse Natal —

justificando, ele se aproximou mais. — Se importa se tentarmos isso da


bateria logo? Se for isso, posso ir logo para casa e você também.

Parecia ok.

— Certo, espere aí, então.

O garoto se afastou e, manobrando o carro na pista, parei na contramão do


acostamento e desci.

— Ok, e agora? — O vento não ajudava muito e estava muito frio.

— Consegue iluminar aqui para mim? E segurar o capô.


— Claro. — Peguei o celular da mão dele, e ergui a tampa de metal. — E
agora?

Fechei os olhos por causa do vento forte, e me arrependi no segundo


seguinte.

Por trás de mim, Thomaz colocou algo contra meu nariz e boca.

Eu me desesperei.

Debati-me, larguei tudo, tentei gritar.

— Não lute, Scarlet. Não lute, por favor. Eu não quero te machucar.

Mas ele nem precisava pedir. Eu não conseguia fazer nada.

O pânico me paralisou. Minha vista começou a escurecer.

Eu não queria morrer, eu não queria… Mas tudo ficou escuro demais.

conrad

diga adeus enquanto nós dançamos com o demônio esta noite. não ouse
olhá-lo nos olhos, enquanto nós dançamos com o demônio esta noite.

dancewiththedevil,breakingbenjamin

Algo estava errado.


Minha intuição apontou quando, depois de uma hora da mensagem me
avisando que estava vindo para casa, Scarlet não deu sinal de vida.

A mensagem que eu havia mandado estava sem resposta.

Ela não era de fazer isso.

Tentei ligar, e a chamada foi direto para a caixa de mensagens.

Pode ser a nevasca — pensei, olhando pela janela para ver o tempo fechado
lá fora —, mas ainda assim…

Não pensei muito quando, depois de duas horas e uma agonia crescente, ela
ainda não tinha chegado. Peguei o celular de cima da mesa e disquei o
número do meu pai.

John também havia saído cedo e até agora não tinha dado notícias. Dados os
últimos acontecimentos, nada parecia tão aleatório assim.

Estava pronto para sair com meu carro e ir atrás dela pela estrada, quando
meu telefone tocou. Tirei do bolso sem nem olhar quem era, já levando ao
rosto, na expectativa de ouvir a voz de Scarlet, mas não foi o que eu
esperava.

— Caralho, Conrad, você viu o Thomaz? — A pergunta de Bella,


desesperada do outro lado da linha, me fez encarar um peso no peito do qual
estava tentando fugir.

— Não. O que aconteceu? — falei, já com a mão na maçaneta, entrando no


carro.

— Porra — ela xingou, seu peito tremeu e sua voz também. —

Carregou um monte de coisa de uma vez no meu celular. Eu estava


dormindo, você sabe que coloco no modo avião…

— Bella, desenrola.
— Thomaz estava esquisito, muito esquisito. Falando sobre tomar decisões
que podiam me decepcionar, que podia fazer você querer matar ele… Que
porra tá acontecendo?

— Você o viu?

— Quando, hoje? Claro que não!

— Não, por esses dias…

— Ele veio me ver no dia vinte e três, de manhã. Me trouxe presente, mas
foi embora logo, estava esquisito e… Conrad, que merda tá acontecendo?

Suspirei, lutando muito com a pressão em volta do meu pescoço.

— Bella, se arrume. Estou te pegando em cinco minutos e, de verdade, se


você ainda tem alguma fé, reze. Se Thomaz fez o que eu acho que fez, eu
não respondo por mim.

Ela ficou muda do outro lado da linha.

— Ok. Estou te esperando. — Ela desligou.

Quando passei pelo portão da mansão, meu estômago tremeu.

A ansiedade, o receio, tudo trabalhando para que minha cabeça trouxesse a


pior das possibilidades.

Tentei mais uma vez o celular de Scarlet e nada.

Meu bom humor acabou de vez.

Bella me esperava na rua.


Parei o carro bem em cima dela e quando vi seu rosto ao entrar no carro,
notei as lágrimas de preocupação.

— Me conte exatamente o que aconteceu — mandei, seguindo para a estrada


que Scarlet tinha pegado, o mais rápido que podia, controlando o pé por
causa da neve.

— Ele chegou aqui um pouco transtornado. Parecia meio que em fissura de


droga, sabe? Thomaz tem dessas quando usa, é por isso que sei. Enfim,
como eu já o conheço, não estranhei, então, começou a falar que era injusto
ter que escolher um lado, que

esperava que eu ficasse com ele, mesmo assim… Eu não entendi direito, até
ele perguntar se, entre ele e você, com quem eu ficaria.

Eu disse que não precisava escolher, que os dois eram meus melhores
amigos e eu não tinha que decidir nada. Ele ficou todo estranho, falando que
eu precisaria pensar logo, que o futuro estava chegando, que ele não tinha
opção… Conrad, ele estava muito louco! Parecia que ia pirar. Hoje eu
acordei com essas mensagens de voz dele, escute.

Ela apoiou o celular entre nós e eu pude ouvir.

— Gata — a voz mole de Thomaz estava pior, com certeza ele estava
chapado. —, eu vou fazer uma merda hoje… Eu não tenho escolha. Ou é
isso, ou… — A mensagem acabava ali.

— É só isso?

— Não, espera. — Bella colocou a próxima.

— Eu espero que você não me odeie se eu precisar ser o monstro que minha
família precisa que eu seja. Eles precisam de mim, Bella. Eles precisam que
eu seja homem. — Ela mexeu no celular mais uma vez, seguindo para a
última mensagem. — Conrad vai me matar se tudo der errado, porra.

— Acabou? — confirmei.
— Agora acabou. E ele não atende minhas ligações, nem visualiza minhas
mensagens. Porra, eu tô com muito medo! — ela gritou dentro do carro.

— Bella… Thomaz contou ao pai dele que sou eu quem produz a


Supernova. O pai dele é o parceiro de crime do meu pai —

localizei minha melhor amiga. — E não é só isso. O desgraçado fez Thomaz


me chamar para ir até a casa deles, me recebeu como se fosse a porra de um
mafioso e tentou fazer um acordo…

— Ok, a gente tá fodido. A gente tá fodido.

— Ele ameaçou Scarlet. E ela saiu cedo para levar o avô de volta ao asilo e
não voltou até agora.

— Ok, a gente tá muito fodido. — Ela parou, com as mãos na cabeça,


hiperventilando. — Você acha que ele pode ter feito algo com Scarlet a
mando do pai?

— Agora, depois desses áudios, eu não duvido.

— Caralho, Thomaz! — xingando, ela bateu sobre o painel do carro. —


Como que ele pôde pensar em trair a gente assim?

Eu não soube responder.

Bella e Thomaz eram as últimas pessoas naquela vida com as quais eu


esperava me decepcionar. Mas quando vi o Tesla parado

no acostamento, na contramão, abandonado, senti o último fiapo de


esperança no meu peito morrer.

— Bella — falei baixo, parando com o carro atrás do Tesla. —

Eu vou descer, e você vai ligar para Thomaz. Insista até ele atender.

Descubra onde esse filho da puta está.

— Ok… — Os dedos dela tremiam quando digitou o nome do contato dele.


Desci do carro, a nevasca castigando a pele do rosto exposta, mas no meu
estado de nervos, mal senti. O carro que Scarlet dirigia estava fechado, olhei
pelo vidro e vi o celular dela sobre o banco.

Porra — minha mente ferveu.

Meu único passo agora era ir atrás dele. Caçá-lo como nunca pensei na vida.

Ele não gostaria de conhecer meu lado ruim.

Voltei para o carro. O olhar de Bella era aflito.

— Nada?

Ela fez que não com a cabeça.

— Então se prepare, e deixe o número da polícia fácil.

— Conrad…

— Se ele fez o que eu acho que fez, sou eu quem vai acabar preso… — E
não por mexer com drogas, mas sim por assassinato.

O tempo na estrada multiplicou com aquela merda de neve caindo.

Eu nunca odiei tanto o inverno.

E a única coisa pela qual eu pude agradecer aos Craig era pela porra do
portão aberto, já que eu teria atropelado aquela merda com meu carro, caso
ninguém abrisse.

Parei de qualquer jeito logo na entrada, desci do carro e Bella veio atrás de
mim.
Quando cheguei em frente à porta, eu não bati.

Eu esmurrei.

E então, com cara de poucos amigos, Virgínia Craig abriu a porta, pronta
para me dar uma bronca.

— Isso são modos de um Prince, Conrad?

Não pensei duas vezes. Minha mão seguiu para o pescoço da mulher e seus
olhos se arregalaram enquanto eu a empurrava conforme entrava.

— Isso é só uma amostra grátis do que vou fazer com vocês, se Scarlet
estiver machucada. Onde está seu filho e aquele merda do seu marido? —
vociferei contra ela, dando uma sacudida em seu corpo que a fez entender
em que página estávamos.

— Largue ela, Conrad. — Era a voz do Thomaz pai, que vinha descendo as
escadas.

— Ou o quê? — Demorei um pouco para tirar os olhos de Virgínia e, ainda


mantendo meus dedos firmes em sua carne, sentindo o pulso elevado, olhei
para seu marido.

— Filho. — A voz do meu pai me fez olhar para a sala, e sentado em uma
poltrona, um pouco descabelado e visivelmente cansado, com um roxo no
olho, ele pediu: — Solte-a. Scarlet está bem.

Só então eu recuei. Joguei a mãe do meu melhor amigo para trás, e mirei
meu pai.

— Onde ela está?

— Júnior — aquele nome nunca foi aceito pelo cara que chamei de melhor
amigo ao longo da vida — está cuidando dela lá fora, no carro, você não os
viu?

Estava pronto para sair pela porta, quando Thomaz me chamou.


— Você a terá de volta, Conrad. Sã e salva. Mas antes, nós vamos fazer um
passeio.

Parei no lugar, meu corpo tremendo de raiva. A realidade de que eu era, sim,
capaz de matar alguém por ela exalando de cada poro meu.

— Conrad. Me escute. — Meu pai se ergueu, tentando manter a dignidade.


Seus olhos tinham algum recado secreto que eu não podia desvendar, não
naquela hora. — Thomaz quer a fórmula. Nós vamos até o laboratório que
ele mandou, você faz o que precisa fazer e depois voltamos para casa. Eu
vou no meu carro com o Thomaz pai. Você vai com Bella. Thomaz filho e
Scarlet vão atrás.

— Só para garantir a obediência de vocês.

Encarei o homem que havia passado de todos os limites possíveis, pensando


em uma forma rápida e eficiente de atingi-lo,

mas então, ele tirou a mão de trás das costas, exibindo uma arma preta, bem
lustrada.

— Filho da puta — cuspi as palavras.

— Modos, Conrad. Modos. — Ele indicou a saída. — Não precisamos mais


perder tempo aqui.

Eu quase não me movi, mas as mãos de Bella me puxaram pela jaqueta.

— Vem, Conrad. — Aflita, segurando o choro, ela me fez sair.

Procurei o carro de Thomaz pelo terreno com os olhos e o vi mais afastado.

O vidro escuro não me deixou enxergá-lo, mas só pela olhada que dei, ele
sabia, ele sentia, que quando colocasse minhas mãos nele, não sobraria nada.

— Traidor — disse com clareza, querendo que ele fosse capaz de ler meus
lábios enquanto entrava no carro.
— Meu Deus, meu Deus, meu Deus! — Bella surtou dentro do carro. —
Todo mundo enlouqueceu nessa porra?

— Eu não devia ter trazido você. — Ela seria meu pior empecilho na hora de
acertar as coisas com Thomaz.

— Conrad, pelo amor de Deus, faz logo o que ele quer —

implorando, minha melhor amiga colocou o cinto de segurança, chorando,


enquanto meu pai e eu trocamos um olhar estranho de cumplicidade antes
dele entrar na Dodge.

Liguei o carro, esperei meu pai sair pelo portão e, mantendo uma distância
segura, conferindo se Thomaz me seguia, caí na estrada.

Demorou pelo menos dez minutos para que eu e Bella conseguíssemos


pensar em algo.

— Vou ligar para a polícia — ela disse, decidida.

— Vamos acabar todos presos.

— Não. Podemos denunciar o sequestro de Scarlet.

E se tivessem ameaçado a garota?

— Nem pense. Eles podem forçá-la nos ameaçando. Se ela mentir e nós
errarmos, estamos fodidos.

— Eu não sei o que fazer, não sei o que fazer…. — Bella olhou para frente e
eu mirei seu rosto por um segundo. E foi minha vez de assustar. O olhar
aflito e desesperado dela, seu grito com meu nome, me fez olhar para frente
no último segundo.

Um caminhão vinha do outro lado da estrada.

Houve um clarão no carro da frente.

Era um tiro.
E no segundo seguinte, meu pai jogou a Dodge na contramão.

scarlet

quando os anjos caem com as asas quebradas eu não posso desistir, eu não
posso ceder. quando tudo está perdido e termina o dia, eu te carregarei.

a n g e l s f a l l , b r e a k i n g b e n j a m i n Minha cabeça girava. O


enjoo não me deixava ficar muito tempo de olhos abertos.

Minhas mãos amarradas também não ajudavam em nada.

— Eu vou vomitar — avisei Thomaz, mas ele não pareceu ouvir.

Na verdade, ele parecia tão drogado, tão absorto, que tive medo de continuar
dentro daquele carro. Eu não queria morrer. Não queria mesmo morrer.

— Conrad vai me matar. Ele vai me matar… — Thomaz cantou baixinho


enquanto nós seguíamos a Dodge de John e o Mustang de Conrad.

Seu carro era um Jeep alto, escuro, que cheirava à maconha tão forte que
piorava tudo o que eu sentia.

Seu cheiro tinha medo também, mas eu não queria tentar compreendê-lo.

O que Thomaz fazia era loucura.

Para que ele precisava me sequestrar?


Para que todo aquele circo?

O tempo todo, quando eu perguntava o que estava acontecendo, ele só me


mandava calar a boca, dizendo que precisava pensar.

Mas naquele estado? O cérebro dele parecia derretido.

Esfreguei os olhos, travei os polegares dentro das palmas para tentar conter
aquela sensação maldita, e os abri, me forçando a ficar acordada e ciente de
tudo à minha volta.

Se eu tivesse uma mínima chance, não ia vacilar.

Se precisasse machucar Thomaz no processo, eu faria.

Só queria sobreviver.

Sem muita ideia do que acontecia, com mil teorias na cabeça, tentei mais
uma vez arrancar alguma informação do garoto que passei a vida odiando e
que deveria ter deixado no meio da estrada.

— O que está acontecendo? Para onde vamos?

— Você precisa fazer silêncio. — A resposta fria não ajudou.

— Eu quero mesmo vomitar, você precisa parar.

— Vomita aí no chão.

— Quê? Não, não posso. — Tentei argumentar, olhando para ele,


implorando um segundo de atenção. Mas, vidrados, os olhos dele estavam
fixos na estrada. Foi rápida demais a mudança que vi no rosto de Thomaz
naquele segundo, antes dele enterrar o pé no freio.

— PORRA! — ele gritou, e eu só tive tempo de ver o caminhão que vinha


da pista do lado atingir o carro de John, de frente, tão

rápido e tão forte, que arrastou a Dodge para trás de nós.


Tudo parou.

Meu coração bateu rápido, mas o tempo à minha volta correu devagar.

Assustado, os olhos de Thomaz vieram para o meu rosto enquanto ele se


atrapalhava para tirar o cinto. Eu também queria descer. Eu precisava descer.

Era John!

O garoto destravou as portas do carro, eu consegui me soltar também, mas


nem precisei abrir minha porta. De repente, alguém abriu e eu fui puxada
para fora com força.

Achei que fosse cair.

Achei que alguém fosse mesmo me matar.

Mas meus pés pousaram no chão tão suavemente que mal pude acreditar.

O cheiro dele me acalmou, e quando dei por mim, estava contra o peito de
Conrad, suas mãos vasculhando meu rosto, meu corpo, desesperado.

— Você está bem? Você se machucou?

A primeira lágrima rolou quando neguei com a cabeça.

— Conrad… John. — O nome saiu engasgado.

Ele não disse nada. Selou os lábios nos meus e se afastou.

— Bella, ajude aqui.

Eu tremia e quando Conrad me soltou, precisei encontrar equilíbrio assim


que o frio me atingiu.

— Ei, garota, tá tudo bem. — A morena chorava, vindo até mim, pronta para
soltar minhas mãos.

— O que tá acontecendo?
— Uma porra muito fodida. Vem. — Ela me pegou pelo pulso, me
obrigando a correr junto dela na mesma direção para onde Conrad tinha ido.

Quase caí uma porção de vezes. Minha visão estava embaçada pelas
lágrimas que começavam a ganhar força, mas fui capaz de ver Conrad no
que um dia foi o vidro do carro do pai. O

garoto que eu amava estava imóvel. O peito subindo e descendo rápido


demais, sua respiração era uma fumaça densa em frente aos destroços.

O ódio dele era capaz de derreter tudo em volta.

Ele, naquele estado, só me dizia uma coisa.

John não estava vivo.

E, pelo que eu sabia, era tudo culpa minha.

conrad

nesta despedida não existe sangue, não existe álibi, porque eu estava fadado
ao remorso da verdade de milhares de mentiras.

w h a t i ’ v e d o n e , l i n k i n p a r k Metade do carro não existia mais.

Metade de mim havia se quebrado de uma forma que pensei ser incapaz de
sentir.
John Prince e Thomaz Craig pai eram nada além de partes de metal e carne
embebidas em sangue, e eu vi tudo, cada detalhe. A cor, a bagunça, o cheiro.

A raiva em minhas veias tomou conta.

E eu só tive tempo de uma coisa antes de voar para cima de Thomaz.

Virei para Bella, ergui a mão quando vi o estado de Scarlet e mandei:

— Fique aí.

Quando me virei, encontrando o cara que tinha sido mais minha família do
que meu sangue, tudo virou um borrão vermelho.

Thomaz facilitou o trabalho. Já estava de joelhos no chão.

No meu primeiro soco, tão forte que tive certeza de que lhe quebrei alguns
dentes, ele caiu.

E eu fui para cima dele como um animal.

O fogo dentro de mim cresceu tanto que me senti invencível.

Eu queria matá-lo.

Eu ia matá-lo.

E estava pronto para assumir consequência disso.

Sabia que à minha volta as meninas gritavam.

Sabia que as mãos delas estavam sobre mim, tentando me puxar pela roupa.

Mas não era nada quando tudo o que eu via era o rosto de Thomaz virando
uma massa vermelha sob meus punhos.

Ele nem reagia mais, mas eu não podia parar.

Não podia deixá-lo passar impune.


Aquele filho da puta tinha matado meu pai quando decidiu ser fiel ao seu.

— Conrad, pelo amor de Deus! — O tom desesperado de Scarlet foi a única


coisa que me segurou. Ela se jogou contra o meu peito. Meu soco quase
pegou nela.

A ruiva, muito menor e mais fraca do que eu, fez um esforço sobre-humano
para me derrubar para o lado. Ela chorava com as mãos no meu rosto,
tentando me trazer para a realidade. Bella chorava, conferindo se Thomaz
estava vivo. E enquanto eu caía em mim, enquanto o som do carro de polícia
vinha, enquanto minhas mãos esfriavam sobre a neve na estrada, eu gritei.

Desesperadamente.

Dolorosamente.

Eu berrei até os pulmões falharem.

Até a garganta arder.

E caí de cara no colo de Scarlet, sabendo que aquilo seria mais uma daquelas
malditas feridas invisíveis. Nada curaria. Nada faria melhorar.

Nada me faria esquecer.

Eu não tinha a mínima condição de responder nada quando a polícia chegou.


Minha única preocupação era com o motorista do caminhão que tinha ficado
preso às ferragens pelas pernas e Scarlet que, nos meus braços, tremia como
se estivesse prestes a congelar.

O resto do mundo que se explodisse, e eu achei ótimo que, logo que


registraram o que tinha acontecido, não deu meia hora, o advogado do meu
pai apareceu para resolver tudo.

— Conrad? — O homem de cabelos grisalhos e cara de poucos amigos


tocou meu ombro e ergui o rosto para vê-lo. —

Sou…

— Alvo Henderson. Eu me lembro de você. — Minha voz era meio baixa,


meio morta.

— Ótimo. Por que você não pega Scarlet e vai para casa?

— Eu…

— Acha que consegue dirigir?

Confirmei com a cabeça.

— Ótimo. Então vão. Eu vou cuidar das coisas aqui e, mais tarde, ligo para
vocês.

No automático, me ergui e puxei Scarlet junto de mim. Ela parecia uma


boneca de pano.

Meu olhar foi para Bella, que acompanhava o resgate de Thomaz.

— Você vem?

— Eu… Alguém precisa ficar com ele, Conrad.

Não respondi.

Por mim, ele podia ir para a casa do caralho. Para o mais profundo inferno.

Meu olhar disse tudo o que Bella precisava saber.

— Vem, Red. Vamos sair daqui… — Cambaleando, guiei a garota para o


carro e, depois de colocá-la no banco do carona, entrei pelo lado do
motorista e me obriguei a dirigir devagar para
casa, tentando não pensar no depois. Tentando não acreditar que perdi meu
pai quando, secreta e esperançosamente, eu achava que teríamos alguma
chance no futuro.

scarlet

estou tão cansada de estar aqui reprimida por todos os meus medos imaturos.
s se você tiver que ir embora, eu queria que você simplesmente fosse, porque
a sua presença ainda permanece aqui e ela não me deixa em paz. essas
feridas parecem não se curar, essa dor é muito real e existe muita coisa que o
tempo não pode apagar.

m y i m m o r t a l , e v a n e s c e n c e Eu não sabia o tamanho do abismo


em que tinha sido jogada.

Só sentia que a queda ainda não estava na metade. Só sabia que, quando
chegasse ao fundo, não aguentaria o baque.

Em profundo e denso silêncio, atravessamos o portão da mansão Prince.

A visão daquelas árvores sem folhas no meio do inverno cortante nunca me


pareceu tão apropriada. Era triste. Era morto. Era frio.

E era assim que parecia que meu coração estava.

Conrad estacionou perto da porta. Puxou o freio de mão, e quando desligou


o carro, antes que ele pudesse se mover, coloquei a mão em sua coxa.
Olhando pela janela, ainda passando mal, precisei perguntar:
— O que aconteceu?

— Red… — Ele ia tentar me enrolar.

Eu não permitiria.

— Conte. — Minha voz embargou. — Eu mereço saber. Conte

— insisti.

E em um suspiro pesado, Conrad colocou a mão sobre a minha e avisou:

— Você não vai gostar.

— Não me importo. Só me conte. Não suporto mais segredos.

— A qualquer segundo, eu ia quebrar.

— Minha mãe tem TDAH. Severo. Eu já te contei sobre isso.

— O que Caroline tinha a ver? — Quando saí daqui, minha maior distração
era estudar. Eu não queria ser um fodido, não queria depender do meu pai...
— ele pausou, tomou fôlego e continuou

—... para mais nada na vida. Então, eu comecei a brincar de químico, a


descobrir coisas e, em um processo que não vem ao caso, comecei uma
pequena produção daquilo que você anda tomando sem receitas.

Porra, Conrad era traficante? Fechei os olhos, as lágrimas acumuladas


escorreram.

— De todo meu estudo, nasceram a Star, o medicamento que minha mãe usa
e que melhora a concentração como você pôde experimentar. E a
Supernova…

— Porra… — Apoiei um dos pés sobre o banco e continuei olhando para a


janela, sem coragem de olhar para Conrad.

— Você já usou? — Concordei. — Quando?


— No dia em que transamos pela primeira vez.

Ele deu mais um suspiro.

— Isso explica muita coisa… — A consideração dele só me fez ter menos


coragem de encará-lo. — Meu pai me trouxe para cá e se meteu no esquema
de distribuição por minha causa. O pai de Thomaz era seu parceiro, e
descobriu que era eu quem produzia.

Ele tentou me comprar, para fazer uma produção por fora, para ele, mas eu
disse não…

Bati com a testa contra o vidro e voltei a encarar a neve lá fora, concluindo a
história de Conrad.

— Eu fui um alvo para te coagir e agora John está morto —

completei, recolhendo a mão que estava no colo de Conrad.

Eu o amava. Muito. Mas precisava ficar sozinha.

Desprendi meu cinto, abri a porta, e mesmo com ele me chamando, segui
correndo para dentro de casa, para o meu quarto, para a minha cama,
enquanto sentia que meu mundo estava se partindo, mais uma vez, e a
imagem do carro de John sendo arrastado cobriu meus olhos.

Ele tentou nos salvar.

Ele se sacrificou para que nós tivéssemos chance de fugir.

E eu perdi um pai pela segunda vez.


conrad

pois, estou quebrado quando estou aberto e não sinto que sou forte o bastante
pois, estou quebrado quando estou sozinho e não me sinto bem quando você
vai embora.

b r o k e n , a m y l e e , s e e t h e r Eu não me lembrava de ouvir o som do


impacto da Dodge contra o caminhão.

Por um segundo, pensei que, se Deus existisse mesmo, será que Ele tinha
colocado o mundo no mudo? Se ele tivesse feito isso mesmo, será que tinha
me poupado de um último grito do meu pai?

Ou me castigado para não ouvir um pedido de ajuda? Algum recado além do


óbvio?

John Prince, o monstro que viveu no meu armário por muito tempo, tinha
morrido.

Mas, se tinha sido tudo tão ruim assim, se eu o odiava tanto, por que é que
doía daquela forma massacrante?

Não consegui ignorar a sensação de estar fora do corpo quando desci do


carro, quando corri para Scarlet, quando, depois de conferir se ela estava
bem, acreditei que ainda houvesse chance de salvá-lo.

Não tinha.
Ele estava morto.

John Prince estava morto, Scarlet em perigo, e a culpa era minha.

O modo como ela havia saído do carro ao ouvir toda a verdade, a maneira
como correu de mim… Caralho, aquilo me destruiu.

Eu só não queria ficar sozinho.

Eu não podia ficar sozinho.

Porque sozinho, eu virava de novo o garoto de onze anos na biblioteca.

Eu virava o garotinho de cinco anos levando a primeira cintada de um velho


bêbado.

E, naquele segundo, eu era a pessoa magoada por não ter tido um pingo do
amor que sonhou e o adulto que só sabia que abrir a porta para qualquer um
machucava.

Pensei em Bella, perdida, com medo de eu encarar sua última atitude como
traição.

Pensei no rosto de Thomaz, filho da puta do caralho, completamente


desfigurado.

E pensei em Isaac.

Morria a única pessoa que podia atestar que eu não era um completo
desgraçado.

Que poderia, remotamente, colocar algum limite naquele inconsequente.

Lembrei-me de cenas do passado, as boas, as ruins, as péssimas.

Meu peito doeu com o soluço e eu soquei o boxe do banheiro enquanto as


lágrimas caíam, se misturando com a água quente. No

chão, o sangue de Thomaz nas minhas mãos ainda escorria pelo ralo.
De mim, eu não sabia o que sobraria.

E me abaixei, sentando sob a queda d’água, esperando que aquilo parasse de


doer.

Que aquele vazio, o qual ignorei por tanto tempo, parasse de crescer e tentar
me engolir.

Que eu não precisasse olhar para o fato de que, por toda a vida, tentei
mostrar para meu pai que não precisava dele e que seria melhor e maior do
que ele e sem sua ajuda, só porque o odiava por não ter me amado.

Porém, se não me amava, por que ele tinha feito tudo o que havia me
explicado na noite anterior? Se não me amava, por que é que John Prince
tinha dado a vida por mim e por Scarlet?

Minha cabeça parecia prestes a pegar fogo.

Eu queria que aquilo parasse.

Queria que aquela maldita sensação de perda sumisse.

Mas ela só ficou pior e pior.

E eu me senti menor, indefeso, um bosta.

Foi por isso que não entendi quando ouvi a porta do banheiro abrir.

Achei que Scarlet não falaria comigo. Achei que ela me deixaria
completamente sozinho.

E eu merecia.

Mas não.

Pelas brechas das gotas no vidro do boxe, eu a vi se livrar das roupas e,


quando ela abriu a porta de vidro, não tive coragem de encará-la além dos
tornozelos.
— O que faz aqui? — Envergonhado pelo choro, tentei esconder o rosto.

Scarlet fechou o boxe.

Sentado, com os braços apoiados no joelho e as mãos uma na outra, eu


encarei o chão.

Continuava sendo um covarde. Não queria ver rejeição ou mágoa nos olhos
dela.

Não podia…

Mas Scarlet, de novo, me surpreendeu.

Suas mãos forçaram meus dedos a se soltarem e ela se ajoelhou.

Enxerguei seus joelhos, seus quadris, parte dos seus seios, mas não seu rosto.

Ainda assim, ela tentou. Se enfiando em mim, a ruiva se encaixou no meu


pescoço, abraçou minhas costas e quando percebi que não poderia escapar
dela. Quando percebi que ela não me deixaria, eu a abracei de volta.

Sem falar nada, nós choramos juntos.

Cada um com seus motivos.

Cada um com suas feridas.

Cada um com as lembranças que podia contar.

E isso nos destruiu ainda mais.

Destruiu de forma tão visceral, tão pesada, tão intensa, que eu a agarrei com
força e tremi de tanto chorar. Ela não reclamou, fazendo igual. E esperamos
juntos, até que os escombros do que havia sobrado de nós dois ficasse visível
para começarmos a nos encaixar.
scarlet

diga-me o que você precisa, eu posso te fazer mais do que você é.

eu só quero congelar, posso te dar mais do que você quer. agora eu vejo você
parada sozinha, eu nunca pensei que o mundo se transformaria em pedra.
então me chame de idiota, me chame de triste, você é o melhor que já tive,
você é o pior que já tive e isso continua fodendo com a minha cabeça.

11 m i n u t e s , h a l s e y, y u n g b l o o d Eu não sabia o que fazer com


aquela dor.

E de tudo, eu não queria mais ficar sozinha.

Eu não queria mais me sentir sozinha, e ali, contra ele, era mais fácil ver que
não estaria.

— Não me deixe sozinha — pedi quando nosso choro diminuiu.

Sua mão veio até o meu rosto e seus dedos se embrenharam no cabelo
molhado.

— Nunca.

Mas ele ainda não me olhava nos olhos.

Ele ainda não me deixava ver sua dor.


E eu precisava daquilo. Desesperadamente.

Eu queria seu lado feio. Queria seu pior, e me coloquei de joelhos entre suas
pernas, pronta para pegar seu rosto entre as mãos, para beijá-lo, para fazê-lo
meu.

Conrad se assustou e segurou meus punhos.

Sua respiração ficou ofegante de repente, mas não me parou.

A briga silenciosa começou.

Ajeitei-me para sentar em seu colo, ele tentou me afastar, deixando os


joelhos mais erguidos e aquilo só me ajudou a ter algum apoio nas costas e
ficar ainda mais perto.

— Scarlet, porra! — Ele me sacudiu, mas não parei. Forcei as mãos até que
ele parou de lutar contra, até que, finalmente, seus olhos escuros e profundos
acertaram os meus.

No segundo seguinte, ele me pegou.

E, Deus, como era bom sentir qualquer coisa!

A boca de Conrad devorou a minha. Seus lábios não foram gentis e eu


devolvi na mesma intensidade. Precisava dele daquela forma, precisava da
fúria, da raiva, daquilo que nos afastou e nos uniu, mesmo depois de tanto
tempo.

Queria tudo e cada parte dele. Soltei sua boca para beijar sua garganta,
empurrando seus ombros contra a parede, forçando-o a olhar para cima.

Suas mãos foram em um caminho certeiro pelas laterais do meu corpo,


direto para minha bunda. Ele me apertou com força contra si a ponto de
doer, mas eu só soube gemer contra o desenho em seu pescoço.

— Scarlet, não, porra! — Ele tentou brigar, mas seu pau já duro entre nós
era o recado claro de que ele não queria parar.
— Por favor, não — pedi, roçando os dentes por suas clavículas, me
apoiando nos joelhos e erguendo o corpo,

praticamente enfiando os peitos no rosto de Conrad. — Preciso disso.


Preciso de você.

— Eu… Caralho. — A língua de Conrad seguiu a curva do meu seio, de


baixo para cima, até o bico duro. Seus dentes provocaram-me e eu arfei. —
Não quero te transformar numa viciada como eu, amor. — Suas mãos
apertaram minha bunda com força e ele ergueu o rosto para me ver.

Ele ainda chorava. Os olhos estavam vermelhos, sua expressão era triste.

Acariciei seu rosto com a ponta dos dedos, desenhei suas maçãs do rosto,
seu nariz, seus lábios. Ele chupou meu dedo e eu sussurrei:

— Mas eu já sou viciada em você. — Um sorriso triste surgiu em sua boca e


ele largou meu dedo para enfiar o rosto entre meus seios, esfregando o rosto
contra minha pele. — Por favor — implorei

—, não me rejeite, amor. Não me deixe sozinha nisso. Eu preciso de você.

E ele obedeceu.

Conrad me devorou, envolveu o máximo que podia do meu seio direito em


sua boca e me chupou forte. Sua língua provocou a

argola de metal, depois meu bico rijo. Seus dentes, seus lábios, o calor do
toque, a textura, tudo.

Eu podia gozar só daquele jeito, mas Conrad não era dado a serviço pela
metade.

Seus dedos, brutos, não se preocuparam com meu clitóris que pulsava, com
meus lábios inchados. Eles entraram em mim com força, brutos, rápidos,
forçando meu corpo a se adaptar ao ritmo do movimento que pressionava
minhas paredes internas.

Deitei a cabeça para trás, abri a boca e a água do chuveiro a invadiu.


Só assim meu primeiro grito foi contido, mas assim que virei a cabeça para
olhá-lo, perdi tudo. Conrad estava preso a mim, admirando, sedento,
concentrado em como meu corpo reagia a tudo o que me dava. E eu não
estava preparada para ser tomada daquele jeito tão rápido.

A água da minha boca escorreu pelo meu queixo, peitos, nele.

O jato que saiu da minha boceta o molhou da cintura para baixo.

Caí sentada em seu colo, as coxas moles, tremendo, ofegante e desnorteada.

Mas ele sabia exatamente o que queria.

O que precisava. E como na minha primeira vez, ele fez de mim o que
queria.

Sua boca acertou a minha, a água do chuveiro nos molhou o rosto e eu bebi
dele.

Fugi de seu colo mesmo com Conrad tentando me fazer ficar, mas suas mãos
escorregaram na minha pele molhada. Eu o obriguei abrir as pernas, e
apoiando os cotovelos no chão de pedra, ficando meio que de quatro, segurei
seu pau com firmeza, cuspi sobre a cabeça, melando o piercing e depois de
envolvê-lo com a língua, espalhando saliva por sua extensão, olhei em seus
olhos e o abocanhei ao máximo.

Minha garganta doeu quando ele bateu no fundo e, surpreendendo, em vez


de começar o vaivém, eu o coloquei mais para dentro.

Minha garganta reclamou. O gosto de metal do piercing ficou lá no fundo,


mas o gemido que Conrad deu e a forma como se tremeu todo meu deixou
no céu.

— Filha da puta — ele xingou e eu adorei ouvi-lo.

Então, de propósito, tirei-o da boca devagar, sugando-o com pressão e


depois de brincar com a língua entre o freio do seu pau e o piercing, fiz de
novo.
— Caralho, Scarlet! Eu vou gozar na sua boca, porra. — Sua mão veio sobre
minha nuca com firmeza e ele me puxou para cima de uma vez.

Saliva escorria pelo meu queixo, mas ele esfregou os lábios nos meus,
mesmo assim.

— Gosto quando me xinga — falei entre o beijo e ele arfou contra minha
boca enquanto se masturbava. — Gosto quando me machuca.

— Então engula meu pau, minha putinha. — Ele me desceu, dessa vez
segurando seu membro na base e o enfiando ao máximo na minha boca.

Daquela vez, eu engasguei, mas Conrad não me liberou tão fácil. Parecia que
a contração que minha garganta fazia era gostosa e eu tentei mantê-lo ali até
não aguentar mais.

Sua mão aliviou um pouco o peso contra minha cabeça e, para me recuperar
um pouco, investi em tocá-lo, masturbando-o enquanto fazia movimentos de
vaivém até senti-lo no limite.

— Vai, me chupa até o final, gostosa. — Ele se inclinou mais e eu o forcei


até meu nariz tocar seu ventre. — Porra, Scarlet! É isso que você gosta? De
ser minha vadia?

Eu queria responder que sim, mas ele me deu um tapinha leve no rosto.

Ergui os olhos para vê-lo. Seu rosto era uma máscara de fúria e prazer
descarado.

— O que eu disse? Toda vez que você tiver meu pau na boca, eu quero que
me olhe. Quero que veja o que faz comigo, Red, como me deixa duro, como
me deixa louco…

Forcei mais a cabeça contra ele e sua fala se perdeu.

Conrad fechou os olhos, bateu a cabeça contra a parede e gemeu alto.

— Hoje eu quero gozar nessa boca, mas antes vou comer essa boceta.
Ajudando-me a ficar de pé, ele ergueu os joelhos para me apoiar as costas e
quando fui descer sobre seu corpo, Conrad me segurou, me abraçando com
força ao mesmo tempo em que mordiscava meu mamilo esquerdo com força.

Eu gritei em protesto, mas não importou.

A dor era boa.

Com uma das mãos ele brincou, roçando o piercing contra minha extensão,
provocando meu clitóris e se melando na minha entrada. Quando o
desgraçado fez aquilo pela quinta vez, me forcei para baixo e ele riu contra
minha pele.

Arrepiei-me por inteiro e resmunguei.

— O que é? Quer que eu te coma logo?

Respondi murmurando um sim, acariciando seu pescoço e nuca.

Conrad me deixou escorregar um pouquinho para baixo e entrou até metade


de uma vez.

Sensível como estava, gemi fechando os olhos, sentindo a porra da pressão


que aquele piercing fazia contra minhas paredes.

— Deus… — Suspirei contra sua boca.

— Não conte com Ele agora, amor. — Conrad mordiscou meus lábios. — Só
tem eu aqui — e descendo devagar, me fazendo ofegar a cada centímetro
que deslizava para baixo —, eu e essa bocetinha apertada, gostosa, molhada
— ele me soltou de propósito, seu pau bateu no fundo, eu perdi as forças
gemendo

contra sua boca — e minha. — Ele concluiu: — Senta gostoso pra mim,
Red.

E eu o atendi, abraçando Conrad, movendo os quadris sobre ele, ralando os


joelhos no chão de pedra, sentindo suas mãos deslizando por meus braços,
costas, dedilhando minhas costelas, desenhando minha cintura, apertando
minha bunda, me incentivando a ir mais rápido.

Meus gemidos ganharam ritmo e volume, minha boca escapou da dele, mas
seus dentes deram uma última puxada no meu lábio inferior antes de descer
ao meu pescoço.

O jeito como Conrad cravou os dentes na minha pele antes de me dar uma
bela chupada me diziam que eu acordaria com marcas na manhã seguinte.

Não me importei. Tudo ali, as metidas na minha boceta, suas mãos me


apertando, sua boca me machucando, tudo doía. E era assim que eu queria
que fosse, até não aguentar mais. Até que cada pedaço do meu corpo
inundasse com a pressão, com o peso de senti-lo, de sentir qualquer coisa.
De fugir do vazio e mergulhar no único lugar do mundo onde eu sabia que
teria um lar.

Era dele, por ele, com ele.

Sempre seria, e quando minhas paredes latejaram à sua volta, quando eu o


engoli por completo, sentindo Conrad inteiro dentro de mim, e movi os
quadris em meio a um rebolado incerto e rápido demais, o único alerta que
dei foi a mudança da respiração e dos gemidos.

Conrad se manteve dentro de mim, me segurou no lugar. Seus lábios


engoliram meus gemidos e sua boca envolveu a minha enquanto eu gozava
sobre seu pau, perdendo as forças. Suas mãos nos meus quadris me
apertaram só até o clímax passar, e num gemido sôfrego, ele me tirou do seu
colo e eu entendi que precisava de mim.

Com a água caindo sobre minhas costas, me ajeitei como antes na sua frente
e, enquanto ele se masturbava, mantive a boca aberta, a língua de fora,
provocando a ponta inchada de seu pau, obediente como ele queria que
fosse, com os olhos presos aos dele.

Quando o primeiro jato de porra veio sobre minha língua, cobri toda a
cabeça vermelha com os lábios e suguei cada gota dele, até seu corpo parar
de tremer, até senti-lo relaxar.
E quando acabou, quando finalmente toda aquela agitação diminuiu, Conrad
me puxou para seu colo, roçou os lábios nos meus

e soprou:

— Você é tudo.

— E você é minha casa.

O beijo com o gosto dele na boca foi o melhor de todos, o mais carinhoso, o
mais cúmplice.

E eu tive certeza de que, independentemente do que houvesse nos esperando


do outro lado da porta, enfrentaríamos juntos.

scarlet

estou tão cansada de todo esse azar, ouvindo mais um: mantenha sua cabeça
erguida. isso nunca vai mudar?

y o u d o n ' t k n o w, k a t e l y n t a r v e r.

Acordei na cama de Conrad, mas ele já não estava lá.

Demorei para me localizar, mas quando entendi tudo, foi inevitável não
sentir aquela porcaria de tremor no peito. Fazia três dias desde o acidente.
Desde que tudo tinha mudado. Desde que a polícia e o advogado apareceram
em casa.
A polícia pedindo detalhes do acidente, o advogado para avisar que Isaac
seria avisado e chegaria em breve para o velório

do pai e a abertura imediata do testamento.

Faltavam dois dias para a virada do ano. Seis dias para o meu aniversário.

Puxei as cobertas mais para cima, escondendo a cabeça e encarando o nada,


pensando em como conseguiria levantar. De onde tiraria forças para
enfrentar o que viria, como poderia suportar as mudanças, as malditas
consequências e Isaac, tudo na mesma sala. Tudo ao mesmo tempo.

Minha cabeça doeu pensando naquilo.

Queria conseguir ser gentil, compreensiva, pensar que ele também passaria
pelo processo de perda, um ainda pior que o meu, porque John realmente era
seu pai, mas não consegui.

Tudo o que eu precisava e queria era que as coisas andassem logo, que
soubesse para onde deveria ir, como precisava fazer…

Levantei-me com muito custo e me arrastei para meu quarto.

Escovei os dentes, prendi o cabelo no alto da cabeça e vesti as peças pretas


de frio mais elegantes que tinha no armário. John merecia isso.

Quando desci e encontrei Conrad no andar de baixo, ele fumava em silêncio,


encarando o quintal. E sem dizer nada, porque

não precisávamos, porque não queríamos, porque sabíamos que se


abríssemos a boca tudo ficaria mais real, foi natural pegar sua mão e
atravessar o portal da mansão, descendo as escadas para o quintal.

Tiramos a neve acumulada de cima do carro, entramos nele e, quando


saímos da propriedade, meu coração se apertou.

Quando voltasse para aquela casa, poderia ser a última vez que colocaria os
pés nela.
Aquilo doeu tão absurdamente que não tive coragem de compartilhar.

Sabia que Conrad odiava aquele lugar, mas eu? Eu amei a casa que me
acolheu quando perdi o teto, quando tive o coração quebrado, quando pensei
que nunca mais teria uma chance.

Mais do que isso, eu tinha um monte de boas memórias dentro daqueles


portões.

E sim, contudo, eu fui muito feliz ali dentro enquanto tentava me curar pelos
últimos anos.

Ainda que tudo aquilo fosse complicado e doloroso, a mão de Conrad no


meu colo, felizmente, era a certeza de um futuro.

Quando ele estacionou na vaga privilegiada do cemitério, deu um suspiro


profundo e olhou para frente.

— Vai ser rápido. Não vamos receber ninguém depois, mas você sabe, se
quiser ir embora… — A voz dele era morna, baixa, compreensiva.

— Não. Sei que você precisa fazer isso, que precisa estar lá, mas eu também.
E não precisamos fazer sozinhos, no final das contas.

— É — ele suspirou —, além do que, meu irmão virá direto para cá, se é que
já não chegou.

— Eu sei lidar com Isaac — confirmei, ajeitando os óculos escuros no rosto.


— Não se preocupe com isso, só vamos… Só vamos nos despedir de John
direito. Ele merece.

Vi Conrad engolir em seco, contendo algo só dele e confirmando com a


cabeça.

Descemos do carro, ele me ofereceu a mão e, diferente do que fomos no dia


de visitar o túmulo de Susan, caminhamos juntos para a pequena multidão de
gente com belos chapéus e caras fechadas.

Todos abriram espaço para que eu e Conrad passássemos.


Eu só não esperava que, ao ver o caixão lacrado, tudo em mim,
principalmente, meu coração, pesasse tanto.

O bom daquilo foi ter a mão de Conrad o tempo todo na minha.

Seu choro silencioso junto do meu.

E mesmo sob o olhar acusador de Isaac, para nossa sorte, ninguém quis
brigar.

Mil e uma pessoas diferentes nos deram os pêsames.

Reconheci alguns rostos no meio daquele mar de gente.

Bella. Caroline, que fez a mão de Conrad apertar a minha com tanta força
que precisei abraçá-lo. Alguns alunos, Maressa e sua família, e outros tantos
estavam lá. Por ele, mesmo que com falsas condolências.

Falsas ou não, John Prince merecia todas elas.

E eu, secretamente, continuei achando que aquele destino solitário era o


mais assustador possível quando o caixão começou a abaixar.

Com o coração dilacerado, a garganta arrebentada e tantas lágrimas pelo


rosto que perdi as contas, me despedi em uma oração silenciosa.

Obrigada, John. Obrigada pelos últimos anos, pela segurança, por, mesmo
que as razões que me levaram até você não tenham sido ideais, me acolher.
Você foi o mais próximo que tive de um pai.

Você me fez sentir parte da família, mesmo do jeito torto e eu nunca vou
saber agradecer o bastante pelo seu ato de coragem. Por mim.

Por Conrad. Eu amo você, descanse em paz.

Então Conrad jogou a primeira mão de terra sobre o caixão.

Isaac a segunda. Eu a terceira.


E, oficialmente, tudo tinha acabado.

John seria uma memória cinza.

Bom para uns, terrível para outros. Às vezes, os dois para uma única pessoa.

Mas não importava mais, porque, no fundo, aquilo era consequência da sua
partida.

E quem ficava era quem pagava.

Voltei para o carro em passos apressados com Conrad ao meu lado.

Fugimos da multidão.

E assim que entramos pela porta do Mustang, nos abraçamos e caímos no


choro. Juntos.

Compartilhando a dor, o medo, a incerteza. Sabendo que o caminho depois


dali seria assustador e absurdamente novo.

— Conrad, Scarlet. — Alvo, o advogado, bateu gentilmente no vidro do


carro e Conrad o abriu. — Sinto muito. — Nós acenamos ambos com a
cabeça. — Mas, agora, como pedido de John e, em caso de urgência, vocês
poderiam me acompanhar até minha casa?

Isaac e Maressa, a outra citada no testamento, já estão avisados e estão indo


para lá.

Respirei fundo e troquei olhares com Conrad.

Não entendia por que tinha que ir naquilo, parecia meio desesperado o
homem mal morrer e todo mundo descobrir o que ele tinha para deixar.

— Certo. Sigo seu carro — Conrad avisou. — Quanto mais cedo


terminarmos com isso, melhor.

— Até lá então.
conrad

deite-se ao meu lado, me diga o que eles fizeram. diga as palavras que eu
quero ouvir para fazer meus demônios fugirem. a porta está trancada agora,
mas ela estará aberta se você for sincera. se você puder me entender, então,
eu posso entender você.

theunforgivenII,metallica.

Meia hora depois, nós estávamos no escritório de Alvo.

Scarlet, Maressa, Isaac e eu em volta de uma mesa redonda.

Meu irmão me encarava com os olhos fundos, vermelhos, parecendo não


conseguir decidir se o problema era eu ou o fato de Scarlet não soltar minha
mão.

— É realmente um momento delicado — Alvo chamou nossa atenção,


mesmo assim, eu não tirei os olhos de Isaac —, mas as ordens foram
expressas em fazer isso logo após o enterro. John foi rápido e simples em
seu testamento, apesar de que me avisou que o que falaria aqui poderia
deixar vocês todos abalados. Então começamos com a divisão de bens. —
Ele suspirou, limpou a garganta e começou: — Para Maressa, ele deixa a
casa onde ela mora, duzentas mil libras e pede gentilmente para que ela
assuma a reitoria da universidade enquanto seus filhos, inclusive Scarlet, não
estão prontos para isso. — A mulher que acompanhou meu pai, por anos a
fio, se emocionou, cobrindo o rosto com as mãos. Scarlet estendeu a mão
para lhe acariciar o braço, e depois de um momento de respiro, o advogado
continuou: — Para Isaac, deixo o Tesla, duas propriedades no campo, um
apartamento em Londres e o apartamento no centro da cidade, além da
quantia de dez milhões de libras.

O rosto do meu irmão se transformou.

— Isso está errado... — A tentativa de recorrer em meio à leitura ganhou um


olhar de reprimenda do advogado e ele se jogou, como uma criança mimada
contra a cadeira, me encarando com ainda mais ódio.

— Para Scarlet ficam oito milhões de libras, a mansão Prince com tudo o
que há dentro dela, um prédio comercial em Londres, e a Dodge. — A mão
de Scarlet tremeu junto da minha e ela parecia não acreditar no que ouvia.

Meu pai foi justo. Ela merecia tanto quanto qualquer um.

Apertei seus dedos com um pouco mais de força, mostrando que estava ali e
ela correspondeu, mas sem me olhar, limpando as lágrimas que caíam.

— Para Conrad, meu primogênito, deixo todo o resto da fortuna e bens


materiais. — Encarei o advogado, as sobrancelhas franzidas, não
entendendo. Eu tinha ouvido direito?

Parecendo ciente daquele choque todo, Alvo suspirou e continuou:

— Feitas as divisões, seu pai tinha algumas coisas para dizer.

Então ele começou:

— Queria família quebrada, tenho muito para dizer, uma vontade imensa de
consertar coisas que nunca poderei, e tempo em falta. Há alguns meses, fui
diagnosticado com uma doença que, por mais tratamentos que o dinheiro
possa comprar, tomou conta do meu corpo. Em breve, eu não estarei mais
entre vocês, e talvez,

seja só desta forma que eu tenha coragem de dizer tudo o que preciso.

Maressa, eu nunca fui o chefe mais dócil do mundo, mas espero que não
tenha falhado como amigo. Se posso pedir um ou dois últimos favores é que
perdoe minhas falhas e abrace meus filhos. Não os desampare.

— Para Isaac, meu filho, eu falhei com você. — Meu irmão parecia
concordar. — Falhei com você mais do que com Conrad, mais do que com
Scarlet, mais do que com qualquer outro. Deixei que você crescesse sem
limites, que não sofresse as consequências dos seus atos e te transformei na
caricatura de um homem forte. Me perdoe por isso. Espero que, com a
minha partida, você coloque os pés no chão, já que acaba de perder a
última bolha que te protegia do resto do mundo. Que enxergue a vida e
todas as oportunidades que têm como bênçãos, e que as faça valer a pena.

Siga seu caminho reconhecendo que suas verdades não são absolutas, e que
nem tudo é uma corrida. Nem sempre o importante é ser o primeiro. Amo
você o bastante para dizer que espero que você se molde para o que a vida
tem de bom para trazer. Que você não perca o tempo da largada e aproveite
o caminho. — Isaac tinha

o rosto manchado pelas lágrimas, mais vermelho do que qualquer outra vez,
e parecia magoado. É, meu pai realmente tinha falhado.

— Para Scarlet, minha doce e amável filha do coração, eu peço perdão por
acreditar algum dia que você só seria uma hóspede dentro da minha casa.
Você, sua beleza, inteligência e sagacidade trouxeram vida para todos nós.
Sinto muito que minha família tenha te causado tanta dor. Que eu mesmo
tenha te contado mentiras e feito você acreditar em coisas que não deveria.
Acredite, se eu pudesse voltar no tempo, te pouparia de tudo isso. Aprendi a
amar você em sua singularidade e bondade, espero que não perca esses
pequenos detalhes agora, depois do que tenho a dizer para pagar uma
dívida que me atormenta toda santa vez que coloco os olhos em você e
enxergo a tristeza que carrega. Espero que você possa perdoar cada um de
nós. Ser um Prince na mesma sala que você neste momento será terrível. —
Aquilo me assustou e, a pequena troca de olhares que aconteceu entre mim,
Scarlet e Isaac naquele segundo, foi a pior coisa que eu já presenciei.

Ela recolheu a mão e se sentou meio curvada, juntando as mãos entre as


coxas, balançando os pés e olhando para baixo.
Minha mão ficou no ar, esperando, e meu estômago queimou quando Alvo
continuou, virando para mim:

— Dito isto, Conrad, meu filho. Meu primogênito. Meu espelho.

O seu perdão, eu sei que provavelmente não receberei. Eu fui relapso. Eu te


odiei também. E eu falhei. Sabia que estava falhando toda vez que você me
encarava como se pudesse me matar. Talvez, agora que eu não estou mais
presente, isso tenha te aliviado, não?

Porém preciso que outros saibam da verdade. Que saibam que Giana
abusou de você, física, emocional e sexualmente. E eu não fiz nada para
impedir. O meu pior crime? Não ter te defendido. Meu maior
arrependimento? Usar tudo o que tinha na época para não precisar mais ver
você. Para não precisar lidar com o peso que era te ver após a morte dela,
carregando tanto sofrimento, o meu junto do seu. Então, naquela noite,
quando Isaac chegou com o pé quebrado em casa e me contou que ele tinha
acabado com você e com a irmã de Scarlet, não vi outra solução. Então,
sim, Scarlet. Se algum dia o seu instinto a alertou de que havia algo além, o
além fui eu escondendo o fato de que protegi Isaac das consequências de ter
matado Susan.

Nunca foi Conrad. Eu sempre soube, e me arrependo de nunca ter dito nada.

Diante disso, peço perdão pelas feridas que causei. Espero que, quando
vocês forem pais, acertem mais do que eu. Sejam

felizes.

Com amor, John Prince.

Filho da puta — pensei, mas foi tudo o que tive tempo para processar,
porque no segundo seguinte, Scarlet estava de pé, saindo pela porta, e meu
único reflexo, assim como o de Isaac, foi ir atrás dela.
conrad

rastejando dentro da minha pele, essas feridas, elas não irão se curar. o medo
é o que me derruba, confundindo o que é real.

crawling,linkinpark

— Scarlet, espere! — gritei, mas ela não parou.

Os cabelos laranjas ao vento, o desespero dela palpável para se afastar de


nós. De mim.

E a corrida intensa foi até a porta de saída.

Ela tentou abri-la, mas meti a mão por cima de sua cabeça contra a madeira,
obrigando-a a se fechar. Ela insistiu, tentando abri-la de novo.

— Amor, pare, por favor.

— Sai! — ela gritou. O calor de sua raiva foi o que me espantou, mas Isaac
estava bem atrás de nós, e mais atrevido do que eu, ele a puxou pela cintura.

Minha primeira reação foi pegá-lo pelo pescoço, apertando com força até ele
soltá-la.

— Porra, não, Scar, você sabe que não fui eu! Nós já falamos disso um
bilhão de vezes antes. Você viu Conrad lá. Você viu como ele correu, como
ele agiu depois!
Scarlet aproveitou daquele momento insano para abrir a porta, mas parou
sob o batente, encarando a mim com os olhos desesperados, sedentos pela
verdade.

— É verdade o que John disse?

— Claro que não! — Isaac tentou, mas eu o sacudi, um recado claro para
que ele calasse a boca. E percebendo que eu deveria ter dito antes. Que
deveria ter confiado nela lá atrás, na adolescência, suspirei, engoli em seco e
fechei os olhos, sabendo que o pior me esperava.

— É. É verdade. Foi Isaac.

— Me conte.

— Fui até a sua casa naquele dia. — A memória queimou na minha cabeça.
— Vi o carro dele lá e escalei até o quarto da sua irmã, ele e ela estavam no
seu. Os dois estavam com um planinho sacana de nos separar, ele já te queria
naquela época, Red…

Ela encarou Isaac por um minuto, o ódio ganhando sua expressão.

— Quando ouvi o que eles tinham feito, parti para cima de Isaac, mas antes
eu coloquei fogo em uma peruca que sua irmã usou e joguei no lixo cheio de
papel. O fogo deve ter pegado nas cortinas e no carpete. Isaac tentou me
enforcar, sua irmã foi tentar me defender e ele a socou. Susan ficou
desacordada na hora, porra, amor… — Meu peito tremeu, eu ri de desespero.
— Nós caímos escada abaixo e, não consegui subir para salvá-la. Eu tentei,
mas não consegui.

E então, me surpreendendo, Scarlet veio até nós, encarou Isaac e deu um


tapa em sua cara tão bem dado que o garoto ficou sem reação. Como se não
bastasse, ela cuspiu nele.

Eu não pensei em rir. Não mesmo, porque sabia que seria o próximo.

Quando ela me bateu, nem mesmo fechei os olhos.

Eu merecia.
— Você me abandonou por uma mentira. — Magoada, abalada, prestes a
desabar, a voz de Scarlet tremia como ela. —

Você me deixou viver com ele — ela disse entredentes, a respiração ofegante
—, como vivi, sabendo que tudo era culpa dele! Você me deixou dormir ao
lado da morte, você sabia do que ele era capaz, Conrad!

— Me desculpe, Red — doeu admitir. — Eu achava que você não acreditaria


em mim… achava que você estava seguindo os passos do meu pai por
interesse.

— Mas podia ter me contado agora! — O grito desesperado e inconformado


dela me doeu.

— Não queria te ver assim, não queria acabar com você. Eu juro que foi com
boa intenção.

— Boa intenção, boa intenção — ela debochou. — Conrad, vivi ouvindo


você dizendo que a boa intenção alheia não vale de nada, então por que
porra eu tenho que achar que a sua vale? Você não confiou em mim! —
Scarlet chorava tanto, parecia tanto me odiar, que eu só me encolhi.

Ela tinha razão. Eu era péssimo em perdoar, e fácil de enxergar o pior nos
outros.

Suspirei, ajeitando a postura, e fugindo de seus olhos, dei de ombros.

— Eu fiz tudo o que fiz porque ninguém que deveria me amar foi fiel até o
final. Era só o que eu tinha para dar, Red. Dizer que sinto muito muda
alguma coisa?

— Não desta vez. Não mais. — Se afastando, ela mirou a mim e Isaac com
os dedos e disse: — Cansei dessa merda. Não quero ver a cara de vocês
nunca mais. Nunca mais.

E a vi saindo pela porta.

Tive vergonha de ir atrás.


Tive vergonha de olhar o que tinha feito.

Larguei Isaac de qualquer jeito e voltei para me largar sobre o sofá.

Eu era, agora, um pobre garoto milionário de coração partido.

scarlet

você se lembra de quando éramos felizes juntos? eu me lembro, você não?


de repente, você está de saco cheio. isso ainda é verdade? você disse que era
para sempre e no final eu lutei por isso. por favor, seja honesto, estamos
melhores pra isso? pensei que você me odiasse, mas você ligou e disse: sinto
sua falta. eu entendi. Você disse para sempre e eu quase comprei a ideia.
sinto falta de brigar no seu antigo apartamento, quebrando louças quando
você está decepcionado. eu ainda te amo, prometo. nada aconteceu da
maneira que eu queria, cada canto desta casa é assombrado e eu sei que você
disse que não estamos nos falando, mas sinto sua falta, me desculpe. eu não
quero ir, acho que vou piorar. tudo o que

conheço me traz de volta para nós. eu não quero ir, já estivemos aqui antes.
onde quer que eu vá me leva de volta para você.

i ’ m m i s s y o u , i ’ m s o r r y. g r a c i e a d a m s .

Desisti de não fumar.

Deitada na cama de atravessado, com a cabeça para fora do colchão, traguei


profundamente e encarei o céu noturno.
O inverno era uma merda.

Aquela casa vazia, um pesadelo.

Meu avô ligou, preocupado, mas eu tinha aprendido a mentir bem.

Porém, se alguém me visse, se conseguisse colocar os olhos em mim naquele


minuto, todos saberiam. Eu estava morrendo. E

dessa vez, parecia não ter medo disso.

Soltei a fumaça pelo nariz. A lágrima pequena e fina escorreu pelo canto dos
meus olhos.

Era uma das últimas remanescentes. Tecnicamente, do tanto que havia


chorado nos últimos dias, seria impossível eu chorar mais alguma vez pelo
resto da minha vida.

Não se engane — meu subconsciente avisou —, você já pensou sobre isso


uma vez. Em cinco anos, ele pode voltar, em cinco anos…

— Cale a boca — pedi, fechando os olhos e massageando as têmporas com


os polegares. — Me deixe esquecer. Eu só quero esquecer.— implorei ao
universo, a Deus. Ao mundo.

Mas os fantasmas do que eu carregava no peito estavam loucos para me


perturbar.

Eu estava tão magoada, tão machucada…

Como Conrad podia ter ido embora como foi, sabendo de tudo, e me deixar
para trás com o assassino da minha irmã? Como conseguiu me deixar viver
um romance com ele, sabendo da crueldade, da verdade?

Como eu poderia confiar nele de novo?

Como eu poderia abrir a porta?


John também tinha sua parcela de culpa, mas fez o que precisava fazer,
mesmo morto.

Eu não sabia se o odiava ou se o agradecia.

Na verdade, tudo no meu peito era dúbio.

Eu queria gritar com Conrad. Queria quebrar a casa toda.

Queria socá-lo e machucá-lo.

E queria que ele correspondesse, e me amasse, e me fodesse, e que colasse


tudo dentro de mim que parecia partido demais para tocar sem cortar os
dedos.

Naqueles dias todos, meus pensamentos me fizeram escrava.

Eu não consegui dormir.

Abandonei toda medicação, assaltei a adega de John, já que ele disse que
tudo ali dentro era meu, e depois de beber mais do que um gambá, não tomar
banho por dias e me sentir um lixo, não aguentei mais.

Faltavam duas horas para o meu aniversário de vinte anos.

Um aniversário vazio. Sozinho.

Era a previsão do que me aguardava?

O medo fez meus ossos doerem e, quando terminei o cigarro, acabei com a
garrafa de Bourbon no gargalo e me levantei.

Precisava de um banho.

Precisava sair.

E foi o que eu fiz.


Meio bêbada, faminta, peguei o isqueiro de Conrad em cima da mesa e
enfiando-o no bolso, desci. Arranquei a picape ainda fodida da garagem, saí
de casa agradecendo por a nevasca ter dado uma folga e dirigi para o lugar
onde não pisava há tanto tempo, que fiquei até com medo de não existir
mais.

Dirigi para casa.

Ou para o que sobrou dela.

Sozinha, como parecia que devia ser.

Parei do outro lado da rua e desliguei a picape.

O sentimento que veio foi esquisito. Lembrei-me de quando Conrad


estacionava ali e, olhando para o lugar que permaneceu intocado há anos,
nas ruínas do que um dia foi um lar, me vi descendo as escadas, sorrindo
tanto que não me continha, para encontrá-lo.

Nós nunca tivemos um título. Será que amor da minha existência era
demais?

Porque era o que era.

Minha antiga rua não tinha mudado tanto.

As casas pareciam paradas no tempo, e se não fossem os novos postes e a


neve acumulada, eu poderia fechar os olhos e imaginar que estava naquele
verão conturbado de novo.

Ainda assim, teimei em me fincar no presente.


No que tinha nas mãos.

Nas consequências de tudo.

E desci.

Atravessei a neve acumulada na calçada, tendo as botas engolidas por ela,


subi os degraus de pedra que ainda resistiam e encarei o resto de madeira
que, por cinco anos, ninguém se atreveu a tirar. Acho que alguém pensou
que, se mexesse, estaria desrespeitando Susan.

Ou a memória do que aconteceu.

Andei por onde dava, tentando me lembrar com exatidão do que ficava onde,
mas minha memória não era mais tão fiel. Foi por isso que, tentando não
cair, com o equilíbrio já afetado, atravessei a fundação da casa e saí pelos
fundos.

O som do riacho bravo me fez ficar alerta. Achei que ele estaria congelado.
Que estaria calmo. Mas mostrando que era mais forte do que eu pensava, a
água corria pela depressão e eu, sem querer admitir que estava velha demais
para aquilo, sentei no velho balanço de onde vi Conrad naquele verão.

Encarei a quadra fechada e não consegui me conter.

Queria gritar, queria chorar, queria sentir qualquer outra coisa que não fosse
aquela dor.

Aquela falta toda, aquele amor avassalador junto da mágoa gigante.

Meu relógio apitou meia-noite.

Eu arranquei o isqueiro do bolso e fiz sua chama dançar contra o vento.

Assisti por um tempo como ela lutava para se manter em pé e ri sem graça.

Eu entendia o fascínio de Conrad com o elemento, comigo. Eu era o fogo.


Eu não me curvaria, mas dependendo do vento, poderia ser apagada se não
tivesse mais nada para queimar. E era isso. O

amor, ele, o modo como me sentia junto dele, aquilo era meu combustível.

Meu peito tremeu.

Ligue para ele — meu coração pediu, mas o ignorei.

De olhos fechados, eu desejei.

— Queria morrer. Queria que parasse de doer. — Soprei a chama do isqueiro


e ouvi.

— Então, feliz aniversário. — A voz atrás de mim era conhecida, mas não
tive tempo de virar.

Algo atingiu minha cabeça.

Doeu como se meu crânio estivesse rachando e, então, tudo ficou em


silêncio.

Tudo tinha parado de doer.

conrad

nós estamos brincando com fogo, mas eu gosto desse jogo. e eu conheço
seus demônios, conheço eles por nome.
inflames,digitaldaggers.

Uma da manhã.

Eu ainda não tinha dormido. Não conseguia.

Era aniversário dela.

E eu era a porra de um covarde.

Rodei pela cidade a noite toda, querendo uma desculpa para invadir seu
espaço, quebrar sua muralha, mas não me sentia digno.

Não daquela vez.

Ver através de Scarlet, das merdas que nos enfiaram, tê-la tão intensamente
sob a pele… O que eu poderia dizer? Eu a entendia por não conseguir me
perdoar. Minha única alternativa era esperar passar.

Foi o que tentei fazer naquela última semana, mas como um cachorro
rodando atrás do próprio rabo, eu sempre acabava nela.

Em alguma memória, com algo seu, preso na minha maior cobiça, sofrendo
dos efeitos da minha pior maldição.

Meu carro estava no acostamento.

Há cinco minutos da casa que agora era dela.

Ela só precisava chamar, ela só precisava querer, e eu estaria lá.

Como um sinal divino, meu celular vibrou no bolso.

O nome dela na tela fez meu coração martelar.

— Ei… — cumprimentei, mas a risada do outro lado fez toda a boa-fé do


meu corpo evaporar.

— Conrad, ela não te perdoou ainda, não é? — O riso de Isaac não era
natural. — Babaca.
— Onde está Scarlet? — Entredentes, já ligando o carro, coloquei o celular
no viva-voz.

— Ela está aqui, comigo… Estava passeando por aí, nesta noite fria e a
encontrei desamparada, desprotegida. Achei que Scarlet seria a minha
melhor companhia no inferno. — O tom de voz dele mudou completamente.
— Essa puta, desgraçada. Me conte, Conrad, é gostoso foder com ela? Como
a acertei com muita força na cabeça, ela não gemeu nenhuma vez quando me
enterrei…

— ISAAC, SAI DE PERTO DELA! — Minha fúria rugiu.

Meu peito ardeu.

Eu o mataria.

Com certeza, eu o mataria.

Ainda mais por seu riso, sua provocação.

— Há dois anos, eu lhe dei uma camisola francesa, desses modelos cheios de
babados e amarras. Vesti-la para nossa primeira vez foi mais complicado do
que eu esperava. Você quer saber como foi, Conrad?

— Cale a boca. — Eu não queria ouvir, mas não podia desligar.

Pisei mais fundo no acelerador.

— Foi como vi você fodendo com a minha mãe. Em cima da mesa da


biblioteca. Entre suas pernas. Depois de tocar Scarlet toda,

depois de ver as marcas que você deixou nela, eu a tornei minha.


Podia jurar que ela seria mais molhada. Me conte, com você ela fica
molhada?

— Eu vou pegar você. — Foi meu último aviso.

Mas do outro lado da linha, eu sabia que Isaac sorria.

— Isso, venha participar, venha queimar conosco.

— Desgraçado.

— Ei, Conrad. Eu achei vinte comprimidos daquela sua Supernova nas


coisas do papai. O que acontece se eu enfiar todos de uma vez pela garganta
de Scarlet? Acha que ela vai sentir quando o fogo nos consumir?

E, para o meu desespero, ele desligou quando joguei o carro contra os


portões da mansão Prince. Eu não corri por ver as árvores queimando. Não
corri por ver a fumaça preta ganhar o céu enquanto a obra de arte de Isaac
virava um monstro sem controle.

Eu corri porque eu a salvaria.

Nem que tivesse que dar minha vida no lugar.

Larguei o carro aberto, desligado, no meio do quintal, longe do fogo.

Ajeitando a jaqueta de couro sobre o corpo, desci para invejar Isaac pela
primeira vez na vida. Ele tinha feito a loucura que era meu sonho. Ele tinha
colocado fogo na casa toda.

A prova daquilo eram os galões de gasolina que ele tinha jogado no quintal.

Aquela merda não apagaria antes de eu conseguir arrancar Scarlet de lá.

Correndo contra o tempo e passando pela porta de vidro que ele,


provavelmente, tinha arrebentado, eu encontrei o inferno.

A árvore de Natal tinha derretido. O fogo consumia as cortinas, os tapetes,


os sofás e as poltronas. Não havia nada intocado. Não havia nada seguro. E
eu me protegi da melhor forma que podia enquanto corria para chegar até a
escada.

Parecia que aquele era o único caminho livre, para entrada, e para a possível
saída.

Tentando não inalar tanta fumaça, suando pelo calor absurdo dentro daquelas
paredes, atravessei o corredor para a única parte

livre e entrei no escritório, arrebentando a porta.

Isaac se divertia, alucinado, como se aquilo fosse brincadeira.

Deu tempo de ver seu novo passatempo. Ele molhava os livros favoritos de
Scarlet com álcool, colocava a ponta na lareira, e quando o fogo pegava,
jogava em algum canto da biblioteca, fazendo o fogo se alastrar.

— Vem, irmão — ele me chamou, de costas para mim. — Não é você quem
gosta de brincar com fogo?

Meus olhos desviaram dele para Scarlet.

Desacordada, mole sobre a mesa.

Meu primeiro reflexo foi avançar na direção dela.

Ela tinha o pulso acelerado demais para alguém desacordada.

Sua respiração era intensa.

— Eu dei suas drogas para ela. — Eu não conseguia entender a porra da


naturalidade com que Isaac dizia aquilo. — Você não gosta dela maluquinha
por você? Agora vai ver ela queimar e parar direto no inferno… — ele
continuava com seu discurso maluco enquanto queimava os livros e, cego
pela raiva, sem pensar direito, me joguei contra ele.

Contrariando tudo o que eu pensei que Isaac faria, ele riu.

O filho da puta riu.


— Está triste porque eu comi sua mulher? Está magoado porque ela vai
morrer e você não vai poder fazer nada? — Isaac gargalhou. — ÓTIMO,
DESGRAÇADO! — gritando, ele reagiu, tentando me acertar um soco. —
VOCÊ FODEU MINHA MÃE!

— Porque ela quis, seu idiota! — Rolamos no chão, Isaac pegou impulso
melhor do que eu e, com as mãos no meu pescoço, tentou usar seu peso e sua
força em vantagem para me sufocar com ambas as mãos.

— Você acabou com a minha família! VOCÊ VAI MORRER, VOCÊ VAI
MORRER… — Isaac não estava normal. Ele não podia estar normal.

Os olhos de pupila dilatadas, os lábios rachados, a cara de louco.

Aquele idiota devia ter usado tanta droga de uma vez que havia perdido o
rumo.

Era a única explicação.

Tentei arrancá-lo de cima de mim. Tentei acertá-lo com os joelhos, com os


punhos, com tudo o que tinha, mas ele parecia

pronto para me matar. Era sua missão de vida.

— Desta vez, eu não vou falhar! — ele gritou por cima do som da
destruição.

E quase no limite, meio sem ar, com medo de realmente morrer ali, naquela
sala, olhei para cima. Acima da minha cabeça estava a lareira, o fogo.

A fascinação, o desejo de ser livre, indomável, poderoso…

estava tudo lá.

Pensei em como ele brilhava consumindo a lenha e quis ris de nervoso, já


que o meu combustível estava morrendo sobre a mesa.

Scarlet e seu vestido de girassol, seu coração mil vezes melhor e mais
merecedor do que o meu, seus olhos verdes, brilhando, magoados por uma
última experiência assustadora em que eu era o traidor.

Merda, eu não podia morrer assim. E não podia deixá-la morrer pensando
aquilo de mim também. Se não fosse aquela vontade de me provar, eu não
teria prestado atenção no velho atiçador pintado de verde, que Giana me
queimou e bateu tantas vezes antes, encostado lá, resistindo como
testemunha do tempo.

Era o que eu precisava.

Com dificuldade, estiquei o braço na direção do fogo.

Precisava passar por ele para pegar o pedaço de ferro.

As chamas envolveram minha pele. Queimaram o tecido.

O fogo me feriu.

A dor me acordou.

E em um grito de desespero, de força, de revolta, meus dedos se firmaram


em volta do atiçador e, sem tempo para pensar, disposto a tudo para
sobreviver, enfiei a ponta dele no pescoço de Isaac e o vi atravessar.

Suas mãos em volta do meu pescoço aliviaram.

Eu consegui respirar.

Meu irmão abriu a boca para balbuciar algo, mas o único som que saiu foi
um engasgar surpreso. As mãos dele foram para o pescoço, tentando
entender o que tinha acontecido. Seus olhos se encontraram com os meus.
Seu sangue caiu no meu rosto, na minha boca.

Eu não queria prová-lo. Não queria carregá-lo. Mas não tive opção.

Aquele era o preço para Caim.

Eu sempre seria Caim.


E Isaac seria o Abel mais filho da puta da história.

Meu irmão cambaleou para o lado.

A beleza de sua morte não sobreviveu ao tamanho do meu ódio.

Sangue escorria do seu sorriso vazio. Seus olhos perderam o brilho,


encarando o nada.

E livre dele para sempre, sabendo que daquele crime eu não seria perdoado,
eu me ergui.

A mansão não resistiria.

Eu não podia dizer que sentia tristeza.

Ainda assim, quando corri para fora do escritório e entrei no quarto em


frente, só tive tempo de molhar as toalhas estendidas na pia enquanto resistia
à dor massacrante na minha mão.

Voltei para Scarlet o mais rápido possível, arranquei dela aquele tecido
esvoaçante, mantendo-a só de camisola curta, a cobri da melhor maneira
possível com as toalhas úmidas e, com ela no colo, enfrentei o resto do
inferno, sentindo como se fosse derreter, como se a casa quisesse acabar com
todos de uma vez, antes de cair com ela no quintal, sobre a neve, não
sabendo o que fazer.

Scarlet estava em chamas por dentro.

Seu corpo estava superaquecendo.

Cobri a neve com uma das toalhas úmidas e a deitei em cima.

Coloquei suas mãos sobre o gelo.

— Acorda, amor — pedi, minha voz mais baixa. Uma prece.

Virei seu corpo para o lado e enfiei os dedos em sua garganta.


Precisava que ela vomitasse, que ela colocasse o que ainda tinha de
Supernova para o corpo absorver para fora, mas não consegui.

Ao longe, eu podia ouvir os bombeiros. Eu podia ver as luzes chegando, mas


com a garota, que era a única coisa pela qual viver, imóvel em meus braços,
eu não consegui fazer outra coisa que não fosse chorar.

— Vamos, amor. Vamos, Red. Reaja. — Tentei sacudi-la, bati em seu rosto
sujo de fuligem. — Por favor, Red. Por favor —

implorei, colocando um pouco de neve sobre seu colo, sobre seu rosto.

Ela não se moveu.

— PORRA, SCARLET! VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO

COMIGO! — gritei em completo desespero. — Me perdoe, Red. —

Abraçando seu corpo, me sacudi junto dela. — Eu não te contei sobre Isaac,
porque eu sabia que algo aí dentro de você o amou também. — Queria que
ela levantasse para me entender, para me escutar. — Eu não podia quebrar
você mais do que já tinha feito. —

Nunca um choro meu foi tão doloroso. — E de algum jeito, eu sei que ele
pensou que também tinha te amado. Mas não, nunca, Red.

Ele nunca te amou. — Beijei o rosto de Scarlet uma porção de vezes, meus
lábios queimando contra sua pele que não parecia pegar fogo. — Se ele te
amou com todo o poder de sua alma por uma vida inteira, ele não poderia
amar você tanto quanto eu em um único dia. — Me enterrei em seu pescoço.
Agora os sons vinham de dentro da propriedade, mas não importava mais. —
Eu te amo, Scarlet. Eu te amo. Não me deixe sozinho, por favor, você
prometeu.

Mas era tarde demais, e então a tiraram dos meus braços.


scarlet

É engraçado, você é quem está destruído, mas eu sou a única que precisava
ser salva.

s t a y, r i h a n n a .

Eu quase morri, de novo.

A sensação de quase morte física era inenarrável. Ainda mais quando


pequenos flashes que eu não sabia se eram ou não reais apareciam. Eu surtei
pela primeira vez depois de acordar e me contarem sobre o possível abuso. A
segunda veio quando soube da morte de Isaac, do que ele aprontou. A
terceira foi pela perda da casa, do meu teto seguro.

Minha cabeça estava confusa com tudo, mesmo depois da visita do


psiquiatra, mesmo depois de tentarem me trazer para a realidade. Era difícil
processar tudo com as lacunas, mas ao mesmo tempo em que eu tinha
vontade de esquecer, algo dentro de mim gritava, muito além. Eu tinha
necessidade de abrir os olhos e vê-lo.

Naquela tarde, longos doze dias depois de tudo, depois de mais remédios
para dor e para dormir, senti alguém no quarto. Foi por isso que, quando vi
que conseguia abrir a boca. Que podia falar.

Eu o chamei:
— Conrad? — Foi muito mais baixo do que eu esperava conseguir, mas só
aquela palavra levou todo meu esforço.

Sabia que me colocar para dormir era melhor do que me ouvir alucinar.

Mas daquela vez, me surpreendendo, eu não tinha por que gritar.

Sabia que era ele por causa daquela queimação boa que tinha quando seus
olhos estavam em mim. E quando senti sua mão cobrindo a minha, mesmo
com medo de olhar para baixo, eu quis chorar de felicidade.

— Soube que queria me ver. — Sua voz penetrou na minha pele tão
intensamente, que mesmo baixa e profunda daquele jeito, fez cada fibra
minha relaxar.

Quando soltei o ar dos pulmões, as lágrimas presas também escorreram


pelos cantinhos dos olhos.

— É você. — Sorri. — Não estou sonhando?

— É comigo que você tem sonhado, Red? — falando baixinho, sereno,


Conrad realmente parecia estar ali.

— Boa parte do tempo. Mas você sempre está bravo comigo.

Seu riso frouxo me tentou.

Eu queria tanto olhar para baixo. Queria tanto vê-lo!

Mas ainda me faltava coragem.

— Por que eu estaria bravo com você, quando sou eu quem tenho fugido de
olhar para os seus olhos, depois de tudo?

E, invadindo meu campo de visão, Conrad parou com o rosto sobre o meu.

— Não estou mesmo sonhando? — Tentei mais uma vez.

— Estamos brigando?
Sorri, erguendo a mão dolorida pelo acesso para tocar seu rosto.

A lágrima que correu pelo seu rosto molhou a ponta dos meus dedos.

— Acho que não.

— Então, acho que não é um sonho. — Ele suspirou contra meu rosto e me
esforcei para aspirar seu cheiro. — Senti sua falta, Red.

— O que faremos agora? — Era a pergunta mais sincera que eu já havia


feito em toda minha vida.

— Você já sabe de tudo? — Confirmei com a cabeça em um movimento


curto. — Então, depois daqui, você está livre.

Livre?

— O que isso quer dizer? — perguntei, não gostando de seu tom tristonho.

— Que vou embora, Red. Você não precisa de mais desgraças na sua vida.
Os Prince quase acabaram com você. — A risada amarga de Conrad fez meu
peito doer.

— Não — choraminguei. — Não! — Minha voz ganhou mais força e eu


gritei.

— Ei, ei, ei. Calma. — Ele tentou me conter. — Eu só estou pensando…

— Está pensando em ir embora — murmurei entre o choro.

— É melhor, Red…

— Nunca. Você não pode me deixar. Não pode desistir, não pode… — E
aquela sensação de quase morte, de novo, me pegou.

Dessa vez era diferente. Dessa vez era a morte real. Do espírito, da alma.

Eu ia afundar.
— Conrad, por favor, não, não, não — implorei, mas não podia me mover
por causa de seus braços me mantendo no lugar.

— Se acalme, Red. Por favor, se acalme.

— Você não pode ir embora de novo — briguei.

— Você quer que eu fique? — Ele parecia surpreso.

— Quero. — Minha resposta foi direta.

— Amor — ouvi-lo me chamar daquele jeito me deu esperança

—, eu acabei com a sua vida. Eu… Isaac quase te estuprou. Quase te matou.
O filho da puta estava tão drogado que só conseguiu trocar suas roupas. —
Notando o pânico nos meus olhos, ele

preferiu justificar: — Mas ele não te tocou. Foi a primeira coisa que pedi
para verem quando você chegou aqui…

— Eu... — Engoli aquela possibilidade com dor no peito. —

Não quero falar disso.

— Agora?

— Nunca mais. Acabou.

— Certo… Mas é isso, eu acabei com você, Scarlet. Como você quer que eu
fique?

— Porque eu te amo. — Não era óbvio? — Por favor, não me deixe de novo.
Por favor, não vá embora. Só me leve para casa. —

Era o pedido mais urgente.

— Red, você não tem mais uma casa.

— Casa é onde você está.


O sorriso de Conrad iluminou o quarto.

— Você ainda me ama? — perguntei.

— Sempre. — A resposta dada com um beijo na testa me fez tremer.

— Ótimo. Vamos fazer funcionar.

scarlet

toda vez que fecho os meus olhos é como um paraíso sombrio, ninguém se
compara a você, tenho medo de você não estar me esperando do outro lado.

d a r k p a r a d i s e , l a n a d e l r e y dois meses depois.

Minhas costas batiam com força contra o armário do vestiário.

Com as pernas em volta da cintura de Conrad e suas mãos agarradas à minha


bunda, segurando todo meu peso enquanto se

enterrava em mim, ele me provocava com estocadas lentas, saindo


completamente de mim e entrando até o fundo.

Ofegante, tão molhada que o sentia escorregar sem dificuldade alguma, me


agarrei aos seus ombros e no auge do tesão, liberei sua boca para tentar
conter os gritos por ser fodida daquele jeito no vestiário dos Vipers antes do
jogo contra os Badgers.
Conrad desceu com a boca ao meu pescoço, sua respiração quente batendo
contra minha pele, me fazendo deitar a cabeça para trás.

— Safada, geme mais alto, geme? Deixa todo mundo saber que eu estou te
fodendo, deixa todo mundo saber que essa boceta é minha.

Ele se afastou um pouco, forçando a queda do meu quadril, se enterrando até


o último.

— Conrad! Porra, não para, não para! — implorei.

Aquele maldito piercing causando atrito dentro de mim, provocando cada


pedacinho sensível que eu nem sonhava que podia sentir prazer junto de um
dos dedos de Conrad brincando no meu cu, me deixou alerta demais.

— Se eu ganhar, esse rabo vai ser meu prêmio

— E-e se não? — Tentei provocá-lo, me esforçando para manter os olhos


abertos nos seus.

— Então ele será meu prêmio de consolação.

Quis rir, mas Conrad arrancou qualquer chance de eu produzir outro barulho
que não fossem gemidos.

Meu, agora, namorado, acelerou o ritmo absurdamente. Me colocando para


cima de novo, avisando, enquanto me abraçava com força:

— Eu vou gozar em você, Red. E lá fora, torcendo por mim, vai me sentir
escorrendo nas suas coxas só para mostrar que é minha.

Eu queria muito responder algo, mas não conseguia. O

formigamento nos meus seios, no meu ventre, seu dedo no meu cu, seu pau
na minha boceta. Era informação demais para processar e, quando ele fez o
que prometia, me travando em si para gozar pesado, eu o acompanhei.

Levaram alguns segundos para que eu ou ele conseguíssemos dizer algo,


mas quando eu abri os olhos e encarei o espelho atrás de nós, não tinha nada
para ser dito. Não precisava de recado nenhum quando lá, refletido, nas
costas de Conrad, sobre todas

aquelas cicatrizes, estava meu nome em uma letra rabiscada, gigante, como
uma etiqueta de pertencimento.

Eu era dele e ele era meu.

Conrad me soltou, beijou minha boca e riu.

— Acho que esse é o melhor pré-treino que já tomei.

— Ridículo. — Tentei segurar o sorriso. — É bom que faça efeito, ou nunca


mais vão me deixar descer aqui antes de um jogo.

— Ninguém seria louco de te impedir de descer, Red. — Sua voz era quase
mortal, como se pagasse para ver alguém tentar.

E com a mão quase completamente boa, Conrad acariciou meu rosto.

— Ninguém no mundo pode me manter longe de você —

quando ele completou, precisei lembrar como se respirava. Seria sempre


daquele jeito?

Foi só sairmos do vestiário para o campo, que Bella veio nos encontrar.

Thomaz devia estar em algum lugar lá fora, mas Conrad ignorava sua
existência e eu também. Era a maneira que tínhamos de preservar a amizade
tão importante da garota.

— Vocês estão atrasados... Espera. Vocês estavam fodendo!


— ela gritou.

Conrad deu de ombros, rindo, trocando um olhar cúmplice comigo.

— O que posso fazer? Sou viciado nela. — E se curvando para mim, em


público, beijando minha boca, ele disse contra meus lábios:

— Até mais tarde, Red. Venho buscar meu prêmio depois.

Então, ele soltou minha mão e se foi.

Admirei-o, boba como sempre, cruzando os braços, orgulhosa.

Ele era o meu deus grego, o meu namorado, o meu Conrad Prince.

Suspirei apaixonada e Bella riu.

— Eu não queria admitir, mas sempre soube que seria assim entre vocês. —
O tom vitorioso dela me vez revirar os olhos.

— Ah, fala sério, Bella. — Tentei cortá-la.

— É sério — ela insistiu. — É o tipo de coisa que ninguém pode fugir, é


como eu e...

— Thomaz — completei, um pouco desconfortável. Ela confirmou com a


cabeça.

Bella ficou ao meu lado, encarando o campo.

— Como vocês estão? — perguntei, curiosa.

— Bem… — Não parecia ser verdade. — Ele e Conrad acabam comigo,


odeio essa divisão, mas não tem o que fazer. Ele errou muito, mas… — A
garota suspirou, cansada.

— Mas você não o deixaria nem que sua vida dependesse disso. — Olhei
para Conrad correndo no campo e lambi os lábios. —

É, eu sei como é.
— É... — Ela riu, sem graça. — Acho que vamos ter que descobrir como
fazer funcionar, não é? — Querendo fugir do peso daquele assunto, ela virou
a chave, usando um tom de voz mais animado. — Veja você, até de
fraternidade mudou!

Virando-me pelo ombro, ela deu uma bela olhada na minha jaqueta nova,
dando risada.

— Ele estilizou, é?

Em cima da logo da fraternidade, na mesma letra do

"Dangerous Vipers" estava "propriedade de Conrad Prince".

— O que posso dizer? Ele não está mentindo. — Eu a encarei divertida e


Bella devolveu o olhar.

— É, sabemos que não.

scarlet

peço perdão pois prefiro esse caos a um amor mortal.

caos,camaleoa

Levaram cinco anos para a mansão ficar pronta.

Era incrível a capacidade de algo se reconstruir e crescer tanto após passar


pelo fogo. Aquela casa era a prova. Conrad e eu também.

Ever, minha pequena Ever, dormia nos meus braços, enquanto eu a ninava
olhando pela janela de seu quarto, esperando Conrad voltar para nossa casa
depois de doze dias fora.
Naquele futuro, que eu acreditei ser impossível muitas vezes, eu era médica.
Ele, o químico mais incrível e inteligente que alguém já tinha visto. E
faríamos história juntos.

A nova versão da Star estava em meios de ser aprovada como medicamento.


Conrad nunca mais produziu nada recreativo que pudesse arranjar
problemas, e nossa vida era ainda mais perfeita do que eu sonhei que poderia
ser.

Dali de cima, vi quando o carro cruzou o portão e, sentindo saudade do


caminho de árvores que tinha sido queimado e extinto, deixei minha pequena
de cabelos laranja como os meus com a babá e desci para encontrar meu,
agora, marido, e o peguei atravessando a porta da sala.

De social, ainda tão tatuado quanto antes, Conrad parecia leve. Parecia não,
ele era. As sombras do passado, os sacrifícios que precisou fazer, ficaram
para trás.

Sua única pedra no sapato ainda era sua mãe, mas ele a mantinha a uma
distância segura e raramente trazia esse assunto à frente.

De vestido azul e pés no chão, me joguei contra ele e fui pega no ar.

— O que é isso? — Ele riu contra minha boca.

— Doze dias sem você. — Finalmente beijando-o, sedenta por sua língua na
minha boca e em todo o resto do corpo, fui colocada

no chão com cuidado enquanto ele me mantinha junto de si com as mãos na


minha cintura.

— Eu tenho uma surpresa. — Ri, não conseguindo mais esconder,


denunciando meu próprio segredo.

Encarando os olhos mais negros que a noite, que ainda eram tão lindos
quanto antes, não deu para segurar.

— E o que é? Um presente?
— Mais ou menos.

— É de comer? Estou morto de fome — ele confessou.

Pegando sua mão, sorri de canto e o guiei para a cozinha, conferindo que não
havia nenhum funcionário no caminho.

— Hm... — Fiz mistério, largando Conrad para fechar as portas para que
ninguém entrasse. — Até que é.

E antes que ele tivesse chance de correr, ou de entender o que acontecia,


cheguei perto dele com os braços para o alto. Meu olhar no seu o desafiava.

Conrad parecia entrar na brincadeira, afrouxando a gravata e abrindo os


primeiros botões da camisa, exibindo o pescoço tatuado, fazendo meu
coração bater mais rápido.

Ele ainda era uma obra de arte, e eu uma colecionadora muito, muito
sortuda.

— Tire — exigi.

E prontamente, segurando o meio-sorriso devasso no rosto, ele obedeceu.

Suas mãos seguraram a barra do vestido e, conforme ele o subia, desenhando


meu corpo, deixando um rastro quente contra minha pele já arrepiada,
sussurrou:

— O que está aprontando, Red?

Eu quis rir, mas o esperei enxergar.

E os olhos de Conrad estavam bem concentrados lá embaixo.

Meu vestido foi parar no chão.

Ele ajoelhou na minha frente e, quando desceu a minha calcinha, eu mordi o


lábio, esperando sua reação.
Conrad ficou quieto, encarando seu nome escrito bem abaixo da linha fina da
minha cesárea. Seus dedos passaram pela cicatriz primeiro, depois pela
tatuagem. Me segurando no lugar, ele apoiou a testa contra meu ventre e
senti seu corpo tremendo ao rir.

— Red? — Seu tom divertido me fez rir.

Puxei seu rosto para cima, para encará-lo, e soprei:

— Feliz aniversário, amor. Você ainda quer comer?

Ele gargalhou, deitando a cabeça para trás.

— Ah, eu quero. — As mãos nos meus quadris me jogaram para cima do


balcão. — E eu vou.

Deitei-me ao senti-lo entre minhas pernas.

Conrad beijou por cima da tatuagem enquanto seus dedos acariciavam


minhas virilhas, meus grandes lábios e os pequenos.

Eu já pingava, antes mesmo dele sequer ter me tocado.

Ele beijou o caminho da tatuagem até meu clitóris e quando o acertou, não
suportei mais segurar. Segurei meus seios, atiçando os bicos duros e gemi
gostoso, movendo o quadril para rebolar em sua boca.

Conrad não aliviou.

Sua lambida era suave, propositalmente em contraste com seus dedos.

Dois dedos me invadiram e eu arfei, gemendo seu nome.

— Calma, amor. Eu não disse que estava faminto?

Não tive tempo de rir, de processar, de entender.

Os dedos de Conrad pressionaram aquele lugar preferido, sua língua


resolveu me enlouquecer, e conforme a pressão no meu ventre pesava, eu
sabia o que estava por vir.

— Quero que olhe — ele pediu antes do limite ser rompido.

Apoiei-me nos cotovelos e assisti, resistindo bravamente enquanto meu


corpo tremia em uma intensidade louca, depois de doze dias longe do meu
maior e melhor vício.

Esguichando em sua boca, vendo Conrad me beber em cada gota.

Sentei-me em um segundo, queria-o todo, e quando o puxei para beijá-lo, ele


inundou minha boca com meu gosto.

— Me fode — implorei.

E sem dizer nada, Conrad me puxou para baixo e só tirou o pau de dentro da
calça.

Bruto, forte, excitante pra caralho, ele me girou e desceu meu corpo para o
balcão.

Com o rosto contra o mármore branco, senti seu pau procurar minha entrada
e entrar de uma vez.

— Porra! — nós dois gritamos juntos.

Sua mão na minha nuca me apertava contra o balcão.

Sua outra mão estapeou minha bunda com força, e seu pau me fodeu como
se aquilo fosse tudo o que sabia fazer.

Eu o ajudei como podia, espalmando as mãos onde seu corpo encontrava


com o meu, me abrindo para recebê-lo até o último centímetro e Conrad o
fez.

Intenso, caótico, nosso.

Seu pau pulsava, eu também, e naquela tortura perturbadora, conforme seu


piercing fazia tudo mais intenso, perdi completamente o controle do meu
corpo.

Eu gritei e chorei, apertando Conrad dentro de mim tão abruptamente que o


peguei de surpresa.

Ele travou o quadril contra o meu, envolvendo meu pescoço com ambas as
mãos, me enforcando da maneira mais excitante que podia enquanto gozava
pesado dentro de mim.

— Caralho, Scarlet! — ele me xingou, meio puto, meio querendo rir, e caiu
sobre minhas costas, me largando para dar um tapa na minha bunda.

Com a cara contra a bancada, eu ri.

Meu corpo parecia leve demais para que eu tivesse controle das pernas.

Conrad mordiscou minhas costas e eu me arrepiei toda ao senti-lo sair de


mim.

— Feliz aniversário, amor. — Foi tudo o que consegui dizer quando ele me
puxou e me abraçou.

Conrad acordou cedo. Mais cedo do que eu, e só soube disso quando tateei a
cama e não o encontrei. Me levantei em um único impulso e saí para
procurá-lo, mas nem precisei ir muito longe.

Do quarto de Ever, com a porta entreaberta, eu vi meu marido brincando


com a bebê de sete meses, arrancando sorrisos desdentados dela enquanto a
erguia no ar.

Não consegui me mover. Admirar aquela cena, o meu presente, era uma
necessidade.
E fiquei ali, com os braços cruzados, contra a porta, quieta, pensando em
como tudo tinha mudado. Em como aquela bebezinha

tinha vindo para ressignificar tudo.

— Podia ter ficado na cama. — Conrad disse, trazendo Ever para perto de
seu peito e me encarando, como se pego no flagra.

— A cama sem você fica fria — falei baixo e, depois de um suspiro, sorri.

— O que foi? — ele perguntou, os olhos nos da nossa filha.

— Nada. — Lambi os lábios, guardando aquele segredo só para mim. — É


só que, eu amo sua versão pai. — Conrad pareceu ficar um pouco tenso,
voltou a olhar para mim, investigando cada mínimo detalhe no meu rosto.
Procurando alguma provocação.

Quando percebeu que eu não mentia, balançou a cabeça e sorriu.

— É só que… É bom seguir em frente. É bom tentar acertar com ela.

— E você vai. — Saí da porta e me aproximei. Minha bebê me olhou


interessada, mas não quis sair do colo do pai. Mexendo com Ever, em suas
dobrinhas do braço, falei com orgulho: — Eu não o escolheria se você não
fosse o melhor.

Conrad ajeitou a bebê que tinha a marca do nosso elo no nome em seu colo
e, com a mão livre, tocou meu rosto. As pontas

de seus dedos se enterraram em meus cabelos, o polegar acariciou minha


maçã do rosto.

Não tive como fugir do seu olhar, e lá tinha tudo.

As marcas, os medos, os traumas.

A vida velha e a nova.

A vontade de seguir em frente e a força para tentar não errar.


De tudo, naquele segundo, só uma coisa não tinha mudado de quando
éramos dois adolescentes complicados. Dentro daquele abismo escuro, havia
a certeza do seu amor por mim.

— Feliz aniversário, amor — desejei, mais uma vez.

— Feliz vida com você, Red.

E por mim, tudo lá fora não importava.

O passado não importava.

Eu só tinha olhos para Conrad, confirmando o que pensei pela primeira vez
que o vi: ele era o amor da minha existência.

Para Bruna (@_lerporamor)

Bru, eu nem sei como começo te agradecendo. Você foi a responsável pela
pulguinha me picar e eu fazer essa história acontecer, e eu nunca vou
conseguir ser grata o suficiente. Você é boa. Genuinamente boa. E eu espero
que o mundo não arranque isso de você.

Obrigada pela troca, pela amizade, pela lealdade, pelo almoço de horas de
olho no olho e mão na mão. Obrigada por ter se desdobrado em quarenta
para ajudar o lançamento deste livro ser grandioso como ele merece em meio
ao todo caos de mudança de país. Eu te amo MUITO e morro de orgulho de
saber que você está indo atrás dos seus sonhos. Que seu intercâmbio te traga
tudo aquilo que você precisava e não sabia. Viva.

Para

minhas

betas
(@aana_r,

@biaindica,

@mil_e_uma_histórias, @bibliotecadacordelia e @bientrelinhas) Eu ainda


preciso agradecer cada uma de vocês individualmente, porém, eu não sei se
ainda tenho emocional para isso depois de dona Luandra me fazer chorar
duas e pouco da manhã, sozinha, no meio do mato. Meninas, obrigada.
Obrigada por terem funcionado como um time, obrigada por terem me
forçado a dar o meu melhor em cada cena, em cada pedaço disso aqui.

Obrigada por discutirem com Conrad. Por cada xingo (porque, nossa
senhora, teve xingo, NÉ, BEATRIZ?), por cada surto, por cada lágrima (né,
Luandra?), por cada bronca pela indignação do que acontecia página após
página (Bianca e os “EU NÃO

ACREDITO QUE ELE…”), por cada dissertação analítica sobre a minha


escrita — que me fez sentir inteligente uma vez na vida — e ajuda com
procedimentos médicos (as vantagens de ter uma beta assim é para poucos,
né, dona Ana?) e o olhar crítico, centrado, de quem nunca chora, acostumado
com mais do mesmo e que sabe pegar o ponto diferencial de um texto (né,
dona Fernanda?, eu ainda

não esqueci, seu dia vai chegar). Por tudo isso e mais, muito mais, eu sou
muito grata por vocês estarem comigo neste processo.

Foram três meses insanos, vocês acompanharam de perto e nunca soltaram


minha mão.

Amo vocês, mais do que poderia colocar em palavras.

Para minhas fifis: Manu (Manueeeeeeeeeeela), Bia e Duda.

(@queridacretina, @bientrelinhas, @dudagabooks) De todo o coração, eu


queria muito fazer as três chorarem, mas como eu sou a única nesse
grupinho que não tem o coração peludo, vou fazer minha parte e ver o que
dá HAHAHAHA.
Primeiro, eu preciso falar com a Bia em particular, e lá vai: Menina, você é a
primeira pessoa que eu abro a conversa no Whatsapp quando acordo. Dito
isto, eu preciso te agradecer imensamente, num nível que enche meu olho
d’água, por tanto. Bia, você é um furacão. Você é o furacão que chega na
vida das pessoas para cutucar, para fazer a gente sair do comum e evoluir, e
se algum dia você pensou que isso fosse ruim, se algum dia você se permitiu
ser colocada dentro de uma caixinha por amar alguém que

não merecia, eu agradeço muito o momento em que isso foi quebrado.

Amigos que falam a verdade, mesmo que aquilo possa nos machucar, são
raros. Ainda bem que eu tenho você e que nossa relação é sobre isso.

Obrigada por cada ligação, por cada áudio gigante, por cada crise de riso,
por cada troca. Pela sinceridade do nosso abraço, pela verdade da nossa
relação e por como ela nos coloca para crescer juntas. Sei que você queria
mais 250 cenas hots neste livro, mas Conrad já te mandou tomar no cu
algumas vezes HAHAHAHA.

Amiga, queria que você soubesse que eu nunca desistiria de você. E tenho
dó de quem um dia se atreveu a fazer.

Você é DO CARALHO.

Agora para o meu trio ternurinha:

A primeira coisa é: obrigada por não terem me internado nos últimos três
meses. Obrigada por terem pegado na minha mão quando eu pensei que
falharia. Quando tive medo. Quando chorei de desespero por causa disso.
Obrigada por viverem cada segundo da construção disso comigo. Por cada
sprint em que vocês assistiram ao meu show de graça (porque só quem viveu
sabe como

é eu usando as latas de monster ou os copos d’água de microfone) e fazendo


cara de poucos amigos quando o texto fica difícil.

Obrigada por estarem comigo em todas e, por quando eu avisar que vou ser
cancelada, vocês pensarem em algum jeito de eu não ser (kkkkkkkkkkkk a
cara da Duda nunca será superada). Obrigada por me fazerem dar risada alto
pra caralho, me lembrando de todos os momentos bons que tenho com vocês
enquanto todo mundo aqui dorme. (Manu, deixe Diego ser o espírito livre
que é e fazer Sherlock perder a paciência.)

Amizades que somam são feitas disso.

Vocês me fazem leve. Vocês três são leves.

E que bom que eu tenho acesso exclusivo a isso.

Espero que nunca mude. Amo vocês pra caralho.

Para o meu #dreamteam. (@jaquedonovan, @maridsgn,

@_ester_gomes)

Jaque, Mari e Ester. Vocês três são resposta de uma oração silenciosa, feita
com muito medo do que precisaria enfrentar até encontrá-las, mas que
precisava ser feita.

Eu mudei os rumos da minha carreira bruscamente nesse 2022. Eu precisei


sair da bolha em que estava, e precisava muito entender para onde iria. Mas
Deus é bom em sua totalidade quando eu vejo que vocês três estão aqui por
mim.

Em especial, obrigada, Jaque, por não dormir, por se desafiar, por aguentar
uma pessoa doida como eu. Obrigada por ter chegado e se oferecido, por ter
vindo sem interesse algum e transformar o último mês de um jeito que eu
nunca pensei ser capaz de ver acontecer. Obrigada por confiar em mim e
todo dia a gente dar um passo juntas nessa amizade. Obrigada por me ajudar
a dividir.

Por me ensinar de novo como é que a gente confia em alguém.

Você sabe, é um processo, mas estamos na direção de fazê-lo acontecer.

Eu nunca vou conseguir explicar o que sinto vendo você acreditar tanto no
que eu entrego.
Eu amo você.

Obrigada à minha caçula, Tay Ferreira (@autoratay), por ter me dado a mão
e feito eu acreditar que conseguiria entregar algo

decente em algo que ela é mestra. Que quase teve infarto na madrugada
comigo chamando no meio do silêncio para avisar que o pomodoro estava
em pausa hahahaha e que aceitou as coisinhas que eu tinha para tentar
ensinar. Amo você, menina. Você vai MUITO longe.

Por último, mas sempre importante, minha base nesse mundo aqui.

@tmkechichian e @nanasimonss

Amigas, eu tô cansada, vocês sabem, mas vocês sempre vão ser meu top1.
TM, que você fique doida lendo este livro, obcecada igual eu fiquei com
Destroyer, e não consiga largá-lo como eu não consegui largar Matt e Liz.
Problema seu que tem que levantar cedo, você que lute HAHAHAHAHA.
Obrigada todo o carinho, apoio e vibração enquanto eu escrevia esta história
aqui. É muito bom ter um lugar para respirar.

E, Nana Simons, minha pessoa.

Lembra-se da pessoa que chegou à sua casa no final de dezembro, te pediu


para entrar no carro e não conseguia nem falar

de tanto que chorava? Essa pessoa está aqui agradecendo por você não ter
soltado a mão dela.

Sem você, amiga, eu nem estaria aqui.

Obrigada por ser o meu motivo diário para continuar tentando.

Obrigada por nunca, sob nenhuma hipótese, em qualquer tropeço, ser menos
para mim do que é. Obrigada por meus afilhados, pelo colo, pelo
macarrãozinho gostoso da tia. Obrigada por me deixar depilar na sua cama e
foder como lençol, deixando tudo grudado de cera, e desculpa. Obrigada por
ficar na minha casa e lavar meu cachorro quando eu preciso de um respiro.
Eu te amo tanto que nem sei explicar. E sim, você sabe, todo mundo sabe,
você é a pessoa que mais amo no mundo. Eu te amo.

E eu mandei mensagem para Ariana Grande virar sua amiga. Mas você não
pode ser mais amiga dela do que minha quando acontecer.

Beijo.

[1] Droga similar a MDMA.

[2] Droga similar a ritalina.

[3] Razão e Sensibilidade – Jane Austen.

[4] Orgulho e Preconceito – Jane Austen.

[5] A Abadia de Northanger – Jane Austen

[6] Jane Eyre - Charlotte Brontë.

[7] O morro dos ventos uivantes - Emily Brontë.

[8] Piercing no pênis.

[9] O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë.

[10] O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë.

[11] Persuasão – Jane Austen.

[12] Orgulho e Preconceito – Jane Austen.


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sumário
aviso
antes de ler
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nota da autora
epígrafe
prólogo
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 9
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20
capítulo 21
capítulo 22
capítulo 23
capítulo 24
capítulo 25
capítulo 26
capítulo 27
capítulo 28
capítulo 29
capítulo 31
capítulo 32
capítulo 33
capítulo 34
capítulo 35
capítulo 36
capítulo 37
capítulo 38
capítulo 39
capítulo 40
capítulo 41
capítulo 42
capítulo 43
capítulo 44
capítulo 45
capítulo 46
capítulo 47
capítulo 48
capítulo 49
capítulo 50
capítulo 51
capítulo 52
capítulo 53
capítulo 54
capítulo 55
capítulo 56
capítulo 57
capítulo 58
capítulo 59
capítulo 60
capítulo 61
capítulo 62
capítulo 63
capítulo 64
capítulo 65
capítulo 66
capítulo 67
capítulo 68
capítulo 69
capítulo 70
capítulo 71
capítulo 72
capítulo 73
epílogo
agradecimentos
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nota da autora
epígrafe
prólogo
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 9
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20
capítulo 21
capítulo 22
capítulo 23
capítulo 24
capítulo 25
capítulo 26
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capítulo 28
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