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Copyright © 2023 K. M. Mendes
Todos os direitos reservados.
 
Proibido o armazenamento e a reprodução dessa obra através de quaisquer
meios sem o consentimento escrito da autora, exceto para citação.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei nº. 9.610/98 e
punida pelo artigo 184 do código penal.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos
ou situações da vida real terá sido mera coincidência.
Essa obra segue as novas regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
 
 
Design de capa:
Raquel Moreira
@maltadesigneditorial
 
Revisão e preparação de texto:
Beatriz de Castro
 
Ilustrações da diagramação:
@cordeiro_niina
 
Diagramação:
@aprilkroes
 
 
Sumário
Sinopse
Playlist
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Epílogo
Agradecimentos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
Billie Jean conheceu Josh Tucker quando estava em total pânico em
um avião em turbulência. Ela não sabia exatamente quais seriam suas
últimas palavras, mas dados os acontecimentos recentes, tinha certeza de
uma coisa: daria o seu último beijo, por isso decidiu agarrar o desconhecido
arrogante sentado ao seu lado.
Para a sorte de todos, o avião aterrissou e a vergonha a perseguiu pelo
aeroporto. Foi só um beijo, ela pensou, nunca mais o veria. Grande engano!
Billie fez um recente acordo com sua tia, moraria e cuidaria da sua casa
enquanto ela viajava pelo mundo. Acontece que o ex-marido dela acabou
alugando a casa para outra pessoa e Josh era o novo inquilino.
Para piorar, coincidências estranhas começaram a acontecer entre
eles. O chefe de Billie tirou uma licença porque machucou as costas e o
sócio que assumiu o controle da empresa era novamente o cara do avião.
Billie tentou de todas as formas afastar a estranheza do primeiro
encontro, mas Josh começou a acreditar que a designer gráfica estava a fim
dele. Para ela, tudo não passou de um beijo. Para ele, ela parecia estar
apaixonada, mas será que não era ele quem estava se apaixonando?
 
 
 
 
 
 
Acompanhe a playlist de
“FOI SÓ UM BEIJO”
no Spotify:

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
“você fala demais
ele sussurra no meu ouvido
conheço jeitos melhores de usar essa boca.”
-
 Outros jeitos de usar a boca
Rupi Kaur
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
BEIJO TURBULENTO
 
 
“Sou uma romântica sem futuro, sempre fui.”
(Jess, New Girl)
 

 
 
Ai meu Deus!
Ai meu Deus! Ele está olhando para mim? Será? Ok. Eu tenho certeza
que está olhando, o que eu faço? Minhas mãos estão suando e meu olho
esquerdo está tremendo. 
Calma, Billie Jean, você está imaginando coisas. Aja naturalmente.
Ok. Merda. Ele tem enormes olhos azuis. Filho da mãe! Eu pensei
que estivesse dormindo!
—Ei, ei, ei! Você ia tirar a minha mala para colocar a sua?
— Só tem lugar pra uma — falo com os dentes cerrados, dou um
sorrisinho sem graça em seguida.
— E você achou uma ótima ideia tirar a minha?
— Eu ia colocar a sua no meu pé. É só uma mochila. — Encolho um
dos ombros.
— Não ia, não! Você apenas mexeu sem perguntar.
— Cara, você estava dormindo!
Ok. Eu preciso explicar o que está acontecendo. Estamos em um
avião e eu cheguei atrasada. O voo está lotado e minha mala laranja neon
não cabe em lugar algum. E não, essa eu não despachei, tem coisas
preciosas aqui. Esse estranho estava sentado de olhos fechadíssimos quando
cheguei e eu pensei em tirar a mochila dele para abrir espaço. O menor sinal
de fazer isso o fez brigar comigo. Quanta grosseria!
— Eu vou chamar a comissária.
— Chame quem você quiser, eu não fiz nada. —Coloco a mão na
cintura. Ouço um pigarreio do senhor da frente, ele claramente presta
atenção na nossa conversa. — Tá guardando o que nessa mochila que
ninguém pode mexer?
— O que você tá insinuando?!
— Senhores, eu preciso que vocês se sentem, por favor — pede a
comissária. Do nada, ela aparece atrás de mim.
— Eu preciso guardar minha mala, não tem espaço.
Ela olha para cima.
— A mochila pode ser acomodada debaixo do assento.
Olho para o cara com quem eu tinha acabado de brigar e me sinto
triunfal.
— O senhor ouviu o que foi dito? — Meneio a cabeça para o lado.
— Você não disse que iria colocar minha mochila embaixo do seu pé?
— Oh, mas eu pensei que não queria que eu tocasse na sua preciosa
mochila. — Ajo cinicamente.
Ignorando o que eu disse, ele toca a tela do celular e eu ouço alto no
seu fone de ouvido: Era isso mesmo? You... Your sex is on fire… Você... seu
sexo está em chamas…
Pervertido!
É um pervertido que ouve Kings Of Leon e não fecha o último botão
da camisa social, o que por sinal detesto, as duas coisas.
Cruza os braços e fecha os olhos.
Respiro fundo, quase morro para colocar a mala que parece que pesa
mais do que eu. Será que eu devo voltar para o pilates? Dado o fato que eu
frequentei por apenas três meses, sim, devo.
Além da constatação de que eu deveria fazer várias outras coisas
como acertar o cinto de segurança agora e também deveria não ter vestido
uma calça tão justa e tão skinny que está apertando demais a minha barriga.
Se eu apenas soltar o botão, ninguém vai perceber, certo?
Alívio.
Ligar o “foda-se” é a única coisa que eu acertei na minha vida nesses
últimos dias, além da compra das argolas marrons com bolinhas que estou
usando nesse momento. Elas são maravilhosas. Fora isso, está tudo uma
grande merda.
A viagem me resultou em um vislumbre que eu não esperava, mas
que me mostrou algo, um grande choque e vamos lá, é isso:
Billie Jean é uma amante.
Sim, Michael Jackson.
Para minha defesa, eu tenho que dizer que não sabia. Posso parecer
ingênua, e fui. Os sinais estavam em toda a parte, mas eu não quis ver. O
meu namorado, agora ex, é casado, e eu o vi, peguei no flagra com sua
esposa, ou melhor, ela nos pegou no flagra, porque a amante era eu, sim, é
uma situação complexa.
Seja o que for… SEJA O QUE FOR…
Quente como uma febre, ossos se tocando
Eu poderia só sentir o gosto, sentir o gosto…
Não dá para ouvir os meus pensamentos porque a música está alta
demais. Olho para o estranho ao meu lado e consigo notar todo o conjunto
agora que seus olhos estão fechados, não estamos brigando e eu não estou
tentando sumir com a mochila dele, ainda não.
E, uau, ele tem bigode com barba, mas não do tipo que fica estranho,
mas do tipo sexy pra cacete. O comprimento do bigode respeita o da boca
rosada e não encosta, e a barba está como se fosse por fazer. Tem uma
ondinha no cabelo um pouco bagunçada, porque ele deve ter passado a mão
antes de eu chegar. 
 As sobrancelhas são grossas e os fios dos cílios são mais compridos
que os meus. A sua camisa branca está alinhada, e eu vejo bem que ele tem
um belo corpinho. E não é só pelo botão aberto, mas pelo terno cinza que
está um pouco apertado no braço.
A música insuportável acabou.
— Pare de me encarar.
O sociopata enxerga de olhos fechados?!
Limpo a garganta.
— Não estou te encarando.
— Está, sim.
Franzo o nariz e tento mostrar que não me afetei. Pego um livro na
minha bolsa, O Mito da Beleza da Naomi Wolf, minha amiga Parveen
Anand me emprestou depois que eu me recusei a aceitar que não uso o
mesmo tamanho de calça da época da faculdade. E, sim, eu ainda não
aceitei e estou lendo o livro para isso.
Pego meus óculos redondos de armação fina que uso apenas para
leitura e tento ler a segunda página, mas o barulho do avião decolando me
deixa em pânico. Eu não gosto de voos, nunca gostei, mas a vida às vezes
me obriga, principalmente quando tenho que visitar parte da minha família
em Great Falls, localizada em Montana. Billie Jean, a garota das
montanhas, sempre ouço isso do meu chefe.
Por alguns minutos, meu foco é apenas respirar até o avião se
estabilizar no céu. Meus olhos permanecem fechados, até que eu os abro:
— Desculpe — sussurro para o pervertido, sem querer, acabo de tocar
no seu braço enquanto me seguro com muita força na poltrona, na tentativa
de me acalmar.
Ele usa um relógio no pulso que eu acabo de apertar com força e olha
para ele, depois para a janela aberta e automaticamente eu olho junto. É tão
alto daqui de cima. Alto demais.
— Você pode fechar a janela, por favor? — falo de repente.
— Algum problema?
— Todos os problemas — digo pausadamente cada sílaba para que
entenda.
Ele fecha a janela e volta a dar play em seu péssimo gosto musical.
Volto para o livro, consigo ouvir Parveen me dizendo para deixar de
ser tão neurótica.Nós nos conhecemos há três anos na aula de ioga, que,
claro, eu abandonei, ela continua, porque é a professora.
Quando o serviço de bordo começa, eu fico agradecida, porque minha
garganta está seca demais, preciso de água, ou talvez de algo mais potente.
Vinho? Vinho é uma boa. Contudo, dados os acontecimentos recentes, eu
não devo beber, me afundar no álcool não é a saída mais coerente. Mas que
merda é essa que eu estou pensando? Desde quando eu sou coerente?
— Quero vinho. — Não deixo que a comissária dê outras opções,
essa é a única possível. A pessoa ao meu lado se ajeita na poltrona, abre os
olhos e faz uma careta em minha direção bem negativa, finalmente ele
acordou do seu coma musical.
Ele está dizendo para eu não beber, quem ele pensa que é?
— E o senhor, o que deseja?
— Água.
Eu tomo tudo de uma vez só e tenha a constatação de que o vinho era
horrível junto. Olho de canto e percebo uma contração idiota no lábio da
pessoa ao meu lado.
— Tá rindo de mim?
— Tá falando comigo?
— Claro que estou, tem mais alguém sentado neste banco? — Indico
seu assento.
— Não. Eu só tentei te avisar…
— Me avisar?
— É, para não pegar o vinho.
— Eu iria entender se você tivesse sido mais claro.
— Agora você já sabe. — Franze o cenho.
— Ótimo. — Ajeito a franja curta um pouco acima da minha
sobrancelha. Sim, eu cortei demais, mas acho que gosto assim.
Ele solta o ar forte pela narina, quem deveria estar irritada era eu,
porque fui caçoada.
Calma, Billie Jean, só são algumas horas tortuosas de voo, ao lado
de um desconhecido que aparentemente já te odeia, lendo um livro que você
já leu a primeira página cinco vezes, sentindo um gosto péssimo na boca,
tremendo dos pés à cabeça, com o estômago revirado ao lembrar do
escândalo que a esposa do cretino fez ao descobrir sobre você.
— Você tem bala aí? — pergunto de repente.
— Tá falando comigo? — de novo ele pergunta isso.
— Claro que estou falando com você, cara, só tem você do meu lado.
Aliás, qual é o seu nome?
Ele solta um longo suspiro.
— Josh.
— Então, Josh. Você tem bala, algo para tirar o gosto ruim da boca?
Por favor? Seria uma tortura para você me responder sim ou não?
— Tenho. Na minha mochila.
Eu fico olhando para o desconhecido que acaba de virar Josh e ele
olha de volta pra mim irritado.
— Que foi?
— Tá no seu pé, esqueceu?
— Ah, claro. — Entrego a mochila.
A bala é de uva.
Ótimo, vai substituir o outro gosto de uva ácido. Coloco a bala na
boca e ela é mil vezes melhor que o gosto do vinho.
— Mais alguma coisa…?
— Billie, meu nome é Billie. E, não, obrigada.
— Pode guardar, Billie?
Droga de olhos azuis e sobrancelhas arqueadas, por que o deixam tão
bonito, cara arrogante?
— Não, obrigada, Josh.
Nenhum de nós falou o sobrenome, claro.
Por um momento, a paz reina no avião, eu consigo sair da primeira
página do livro, o meu companheiro de viagem ouve mais algumas músicas
duvidosas e o nosso destino está mais próximo. Eu sinto que tudo vai
melhorar na minha vida, talvez, só que não.
TURBULÊNCIA.
Pânico.
Meu coração dá três batidas rápidas. 
Eu não consigo nem ouvir direito o aviso, só ouço Josh no fundo:
— Você não ouviu? Pediram para apertar o cinto.
— Eu… eu não consigo…
— Quê?
Eu estou passando mal!
Era o meu pior pesadelo. As luzes apagaram? Por que o avião está
tremendo tanto?
Cadê os tripulantes? Desapareceram?
—A gente vai morrer… — Começo a hiperventilar.
— Calma, é só uma turbulência.
— Não, não é, eu já vi em filmes, as pessoas pensam, é só uma
turbulência e aí acabou, simplesmente acabou!
— Só aperta esse cinto.
— Cacete. — Coloco a mão na boca e olho para todos os lados
mordendo o meu dedo indicador.
Ouço algumas pessoas em pânico como eu. Alguém sussurra “me
perdoe”, alguém está pedindo perdão pelos pecados? Devo pedir também?
Acabou, é o meu fim, é o fim de todos nós. Eu sabia, eu sabia! Por que eu
tinha que entrar em um avião logo na sexta-feira 13?
De repente, Josh aproxima-se de mim e ele mesmo aperta o cinto, seu
contato com o meu corpo me transmite um pouco mais de segurança, por
isso agarro-me a ele de uma só vez. 
— O que é isso?! — Ele relaxa seus braços e arregala os olhos, parece
que estou abraçando um boneco.
— Você já pensou no seu último desejo, Josh? No que você queria
fazer antes de morrer? — Mais uma vez o avião treme e os passageiros se
assustam.
FODEU.
Eu preciso pensar nas minhas últimas palavras.
Tá, não preciso, vou dizer pra quem? Para o Josh do seu sexo está em
chamas? Ele nem me conhece.
Aperto seus braços com força.
— Caralho, você me arranhou.
— Desculpe…
— Você tem que se acalmar.
As luzes de cima piscam.
— Me acalmar? Não vai sobrar nada, só as nossas almas.
— Meu Deus!
Senti o avião descendo.
— Josh, você já pensou nas suas últimas palavras?
— Para de pirar.
— E as lembranças… caramba, minhas últimas lembranças foram
péssimas! — Josh engole em seco quando eu o abraço forte. — Sabe no que
eu fico pensando? Na merda que eu vivi nesses últimos meses. No tempo
que eu perdi. E droga, eu vou morrer e a última boca que eu beijei foi
daquele traste! — Aperto o braço dele. Essa é uma lembrança amarga, a
esposa dele nos pegando em flagra no restaurante nos beijando. — Uau,
você é forte né? — E muito cheiroso, aliás, eu tinha percebido isso antes,
mas estando tão próxima, o cheiro dele vai acabar ficando nas minhas
roupas.
Ergo os olhos e encontro o olhar aflito do Josh.
Há novamente um movimento brusco do avião e eu fecho os olhos.
Tremo. De repente, sinto mãos em minhas costas e um afago. Não foi dito
nada, absolutamente nada, mas o seu gesto me fez soltar um suspiro que
parece um gemido.
Ficamos assim por alguns segundos, ou foram minutos? Até que um
pensamento anormal veio na minha cabeça.
Nenhum último desejo poderia ser realizado neste momento. O único
arrependimento que eu posso consertar é a última boca que eu beijei e, não,
não será daquele cretino.
Desperto pela coragem súbita e coloco a mão no pescoço do fã de
Kings Of Leon e projeto meu corpo para a frente. Ele franze a boca e
entende muito rápido o que estou fazendo, mas não vacila, só fica parado.
E aí, faço o que deve ser feito. Meus lábios encostam no dele. Beijo
Josh. É a primeira vez que eu beijo alguém que acabo de conhecer. E não
sei explicar, mas está tudo tremendo, óbvio, meu estômago, meus cílios,
minha respiração. Até meus pelos do braço se arrepiam. E espera aí, ele
abriu a boca? Isso é um beijo de verdade?
Será que ele está chocado? Não sei, estou em pânico, nervosa demais
para analisar o outro envolvido nesse beijo turbulento.
Esse gosto de uva é da minha boca ou da dele? Dos dois.
Será que ele vai pôr a língua, eu devo pôr? Meu Deus! Ele colocou a
mão no meu pescoço?! Que mão grande.
Eu senti algo, definitivamente algo se acendendo. É tesão? Billie
Jean, o avião tá caindo!!!
De repente, ouço palmas.
Afastei-me abruptamente.
As luzes se acenderam? Espera, quando foi isso?
Descubro rápido o que acaba de acontecer, a turbulência passou e a
minha vergonha tomou o lugar dela.
Não consigo virar o meu pescoço para o lado e olhar para o Josh.
— Desculpe, me desculpe mesmo, foi sem querer, eu não queria… foi
o pânico.
Ele fica quieto e coloca de volta seus fones de ouvido.
Pego a minha almofada de pescoço e decido fingir que estou
dormindo durante o resto do voo.
Eu dormi. Não sei como, mas eu dormi. Acho que entrei em um coma
chamado VERGONHA. Acordei apenas quando o avião aterrissou e as
pessoas começaram a pegar suas malas. Levanto-me na velocidade da luz,
querendo fugir o mais rápido possível e beijar o chão. Percebo que Josh está
de olhos fechados ouvindo sua banda favorita. Hora de sair de fininho e
nunca mais olhar na cara desse narcisista.
Pego minha mala e coloco a mochila dele no meu assento, porém,
para o meu azar, ele logo abre seus olhos incisivos e eles são certeiros e
julgadores para mim.
Imediatamente relembro do que aconteceu antes e me bate o
arrependimento de ter sido tão maluca.
Por que as pessoas demoram tanto para sair do avião?
Josh não fala nada, muito menos eu. Quando finalmente alcanço a
liberdade, o sabor dela não é tão doce. Quando estou esperando a minha
bagagem que despachei, acabo tompando com ninguém menos que o cara
que acabo de beijar, nós dois pegamos a mesma mala preta. Isso pode
parecer perseguição, mas eu não tinha culpa se nossas malas eram
parecidas.
— Desculpe. — Dou dois passos para trás. — Eu achei que a mala
fosse minha. E me desculpe também pelo que aconteceu no avião, você não
vai me processar por assédio, né? — Ele faz uma careta. — Por favor, não
faça isso.
— Não vou.
Respiro em alívio.
— Ufa. — Coloco a mão no peito. — Se você estiver se perguntando,
eu nunca fiz isso antes. 
— Não me perguntei. — Confere o relógio no pulso.
— Então, obrigada por… é… não me processar.
Ele parece indiferente, pois não mexe um só músculo do rosto e,
ótimo, nunca mais nos veremos novamente. É só mais uma vergonha que eu
adiciono no meu currículo.
— Bom, minha mala tá ali. — Aponto na esteira. — Adeus, Josh.
Não diz nada, apenas sai na minha frente, mas algo me chama a
atenção, ele olha para trás uma vez.
 
 
CORRA, BILLIE JEAN
 
“Eu deveria ser a minha própria melhor amiga

E não foder com a minha cabeça por causa de homens idiotas.”


(Amy Winehouse, Tears Dry on Their Own)
 

 
 
— Eu te avisei.
— Você não precisa me dar esse sermão — censuro Parveen.
Depois de um final de semana amargando um péssimo término e
resolvendo a minha mudança, na segunda-feira, peguei o maior copo de
café, e chá para minha melhor amiga, e me encaminhei para o seu estúdio
de ioga.
— Preciso. Eu te disse que tinha algo de errado com o Victor. E o que
mais eu disse mesmo?
— Você vai mesmo me forçar a dizer?
— Vou, pra você não cair mais na lábia de nenhum tipinho como esse.
— Ela cruza as duas pernas no tapete de PVC e me olha bem séria, como se
fosse a minha mãe me dando uma bronca, só que o piercing dourado de
argola no seu nariz acaba quebrando esse ar autoritário que ela quer passar.
Parveen é apenas três anos mais velha do que eu, mas é
emocionalmente mais estruturada.
Aos 29 anos, minha amiga está casada, não pretende ter filhos e tem
seu próprio estúdio de ioga.
— Você disse, ‘Billie Jean, será que ele não é casado?’
— E eu tinha razão.
— Tá. Eu estava cega. Nós namorávamos à distância, como eu iria
monitorar?
— Amiga, os sinais eram claros, ele sempre desconversava quando
você pedia pra ele vir morar aqui. Você nunca frequentou a casa dele. Ele
nunca te deixava ir pra lá, você que foi de surpresa.
O Victor dizia que morava com a mãe doente e que ela não estava
pronta para me conhecer.
— Era nosso aniversário de namoro, por isso a surpresa…
— Olha, eu sinto muito, mas você perdeu um ano da sua vida.
— Eu sei… — Engoli a saliva com dificuldade, segurando um choro
patético.
— Você não vai pra agência com essa cara de derrota, se recomponha.
— Não consigo. A minha vontade é de abandonar tudo e voltar a ser
Cat Sitter, os gatos me entendiam, pessoas não. — Antes de me formar e
entrar na agência, eu era uma babá de gatos. Às vezes, eu passeava com
cachorros, quando a demanda dos gatos era menor.
— Você não quer, não. Tira um dia de folga, ou melhor, a semana
inteira.
— Não posso, eu já peguei dois dias da semana passada pra fazer a
visita surpresa. Preciso voltar, organizar minha mesa. Meus trabalhos,
minha bagunça, além disso, a Drina falou que o chefe vai ficar afastado por
um tempo, porque se acidentou no final de semana. — Drina é uma das
minhas melhores amigas e é a assistente do dono da agência.
— Minha nossa, como assim?!
— Bom, tem duas possibilidades. Levantaram até uma aposta na
empresa. Uma, que ele se acidentou esquiando na viagem de aniversário de
casamento, a outra é que ele se machucou tentando uma posição diferente
no sexo.
— Por que ele se acidentaria fazendo sexo?
— A Drina pegou ele lendo o Kamasutra semana passada.
— Ah, então é isso!
— Não tenho dúvidas. — Apoio uma mão no chão para me levantar.
— Você ainda vai se mudar essa semana?
— Preciso, hoje. Foi combinado com minha tia. E se eu não for, vou
ficar sem teto. Meu aluguel encerra essa semana.
Minha tia Genevive se separou do marido no mês passado e decidiu
fazer uma viagem de três meses por vários países. Como sua casa vai ficar
vazia nesse período e o contrato do meu aluguel iria vencer, ela me ofereceu
que eu ficasse por lá, cuidando da casa, afinal eu era sua sobrinha favorita e
confiável enquanto ainda não se decide se vai vender ou não a propriedade.
—Precisa de ajuda? Quer que eu te leve?
— Não. Tá tudo bem.
— Billie, eu sei o que está fazendo. Você quer se isolar. Vai se trancar,
comer todo o armário de comida e chorar pra um caralho.
— É exatamente isso que vou fazer. Não me segure.
— Não vou. Faça o que tem necessário, mas lembre-se… — Coloca
as duas mãos no meu ombro e olha-me bem séria.
— O quê?
— Seja sua melhor amiga, você sabe que não sou eu quem deve te
aconselhar.
— Eu sei. —Abraço-a. A porta abre-se revelando a primeira aluna
que chegou para a aula. Parveen cumprimenta a aluna juntando as duas
mãos próximas ao peito em um gesto que significa “namastê”, um
cumprimento do sul da Ásia e sua tradução é “eu saúdo a você”.
Despeço-me dela e prometo que vou tentar a técnica de respiração
que me ensinou em momentos de crise. Que, aliás, eu deveria ter tentado no
avião antes de beijar aquele cara. Não tive nem coragem de contar a
Parveen o ocorrido, ou ela iria acreditar que eu enlouqueci de vez. Sorte a
minha que o envolvido nessa história e que poderia contar os fatos com
detalhes jamais vai cruzar o meu caminho novamente.
Estou salva da vergonha alheia.
 

 
— Billie Jean, sua safada! Está tão cansada de tanto transar que não
veio na minha mesa até agora, né? — Drina coloca metade da polpa da
bunda em cima da minha mesa.
Levanto meu olhar morto. Depois de ter saído do Brooklyn, ter me
espremido no metrô lotado, revivido aquela cena trágica milhares de vezes,
pensando em como meus pais me julgariam se soubessem o que eu estou
fazendo da minha vida, eu estou como um zumbi.
Meus pais não queriam que eu saísse de Great Falls para morar em
Nova York, para eles, em Montana tinha excelentes faculdades, mas, não,
eu queria estudar na NYU e copiar os passos da minha irmã mais velha,
Virginia.
— O Victor é casado — jogo a bomba.
— Ah… — Estala a língua e respira profundamente, a mecha rosa da
frente do cabelo atrás da orelha. Ela muda a cor da frente do cabelo o tempo
todo. Atrás, ela mantém no natural, loiro escuro. — Sempre desconfiei.
— Puta merda, eu era inocente assim? — Solto os braços e jogo o
pescoço para trás na cadeira.
— Ele deu sinais. — Coça o nariz arredondado. — Você estava
envolvida demais para perceber.
— Eu fui uma idiota. — Volto com meu corpo todo para mesa e me
debruço.
— Levanta, Bills. O mundo não gira em torno desse macho. Sabe do
que você precisa?
— Do quê?
— Gin, marguerita e tequila — enumera com os dedos mostrando as
unhas pintadas de azul. — Não precisa ser nessa ordem.
— Não posso, tenho uma mudança programada pra hoje.
— Quem se muda em plena segunda-feira?
— É melhor hoje, preciso manter minha mente ocupada. Além disso,
eu já deixei tudo arrumado ontem pra mudança, preciso ir.
— Tá… — Ela pega um pacote de Skittles na minha mesa. Eu odiava
a de sabor limão, que, por sorte, são as que Drina separa no momento, seu
favorito. —Se precisar de ajuda, eu vou com você.
— Não precisa, eu já tenho tudo sob controle.
— Bills, você nunca tem nada sob controle. — Seus olhos verdes e
escuros dizem nada menos que a verdade.
— Tá, você tem razão, mas mudando de assunto. Com o nosso chefe
fora, quem assume? Não é o babaca do Wayne, né? — Wayne Peterson é o
chefe dos Recursos Humanos e um grande imbecil, ele vive corrigindo
minha postura, meu horário de saída e entrada, e na semana passada sugeriu
que eu deveria usar as escadas em vez do elevador, para ser mais saudável.
Acho que ele é tão mal-humorado assim porque mora em Staten
Island, um dos bairros de Nova York, como é uma ilha, os moradores
precisam atravessar todos os dias o rio Hudson de balsa para vir trabalhar
em Manhattan.
— Não. É o sócio do Tucker, ou melhor, sobrinho dele.
— Sócio? De onde saiu esse sócio? Ele já apareceu aqui?
— Já. Uma vez só.
— Quando?
— Faz uns seis anos. E, Bills, ele é um gato. Pensa em um cara
gostoso. Pensou?
—Não consigo raciocinar agora.
—Nem tenta, você não vai conseguir. Sabe aquela sala ali…? —
Aponta para a sala do chefe.
— O que tem?
— Vai encher de funcionárias. Você consegue ouvir?
— Ouvir o quê?
— Os sons dos gemidos que esse cara vai causar.
— Cala a boca. — Gargalho.
De repente, ficamos em silêncio, Drina levanta da mesa e ajeita sua
postura, pois o bendito do Wayne acaba de sair da sua sala.
Ele aparenta ser mais velho do que é, mas só tem 30 anos, imagino
que seja por ser tão paranoico com a perfeição, nunca o vi de barba por
fazer, está sempre com a pele lisinha. Hoje mesmo ele veio de terno. Quem
vem de terno pra agência? Eu mesma estou de calça legging.
— Senhorita Murphy, melhorou da gripe? — dirige-se a mim
ajeitando seus óculos de grau redondo de aro preto, seus olhos castanhos
escuros soam ameaçadores, é como se ele soubesse que eu menti. Foi essa
desculpa que eu dei para pegar os dias de folga. E, sim, meu sobrenome é
Murphy, faz todo o sentido a lei de Murphy me perseguir: “Qualquer coisa
que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível”.
— Sim, estou bem melhor, obrigada.
— Senhorita Rivera, use a cadeira da próxima vez, não queremos
estragar os móveis.
— Eu já estava indo pra minha mesa. — Drina e eu nos entreolhamos
e tivemos aquela conversa que só os olhares dizem: odiamos a mesma
pessoa.
 

 
Eu não entendo porque as luzes estão acesas quando eu chego à
residência. Será que é um costume dos moradores do Queens? Eu não sou
muito acostumada a frequentar o bairro, afinal, sempre morei no Brooklyn
depois que concluí a universidade.
Tem um carro fora da garagem, mas deve ser da minha tia, ela troca
de modelo todo ano, ela disse que o automóvel iria ficar por aqui e eu
poderia usar se precisasse. Por que ela não colocou dentro? Provavelmente
a garagem deve estar cheia de entulho. Os ricos também devem fazer isso.
Fico um pouco intimidada pela casa de dois andares e penso como
darei conta de tudo isso. Genevive disse para eu não me preocupar com a
limpeza, pois ela tem duas funcionárias que vêm durante a semana para o
trabalho. Tudo que ela quer é que a casa continue habitada.
Olho para o casarão de paredes brancas por fora antes de abrir a porta,
noto a sacada de cima que dá para o terraço. Com oito quartos, fico
pensando que posso trocar de cômodo a cada semana. Já dormi no quarto de
hóspedes e foi uma experiência fantástica.
Abro a porta e puxo duas malas pela entrada. Tem mais cinco malas
para pegar, o táxi me deixou com elas e já me abandonou. Os poucos
móveis que eu tinha, deixei em um Storage, um local que as pessoas alugam
pra guardar qualquer coisa que precisam.
Eu já conhecia a casa, mas não deixo de ficar chocada por estar tão
impecável. Antes de fazer o tour, vou até a entrada para pegar o restante dos
meus pertences, mas paro abruptamente quando ouço um barulho vindo do
andar de cima.
Puta merda!
Meu coração para de bater por alguns segundos, mil coisas passam
pela minha cabeça. Eu sempre entro em pânico muito rápido.
É um ladrão? Será? Mil possibilidades se embaralham na minha
cabeça, as teorias estão à mil. Quem pode ser?! O ex-marido, Rufus,
também está viajando a trabalho, não pode ser ele de jeito algum. Fodeu!
Engulo em seco.
Preciso de uma arma, algo para me defender. Qualquer coisa!
Será que é um gato? Minha tia não tem um gato, embora ela quisesse
muito, mas o Rufus tem alergia, por isso ela nunca pôde ter um. Pode ser
um gato que invadiu a residência, é uma possibilidade bem plausível. Ou
pior, um rato. CACETE. Eu morro de medo de ratos. Eu sempre tomei
muito cuidado com as lixeiras, principalmente nessa cidade infestada deles.
Se for um rato, eu saio daqui e nunca mais volto.
Tremendo, eu tomo coragem, um passo de cada vez, tive que subir.
Com o celular na mão direita, o número da polícia já está discado. No
corredor, encontro a arma que eu precisava, os tacos de golfe do Rufus.
Fico me perguntando o que eles estão fazendo aqui, mas não paro com esse
pensamento, pois tenho que agir.
Aproximo-me cada vez mais do cômodo de onde veio o barulho, é um
dos quartos, um dos maiores, aliás, a porta está fechada e eu a abro de uma
só vez com o taco de golfe apontado para frente.
Logo me dou conta de que não há um gato, nem um rato logo de cara,
não tem nada, apenas roupas na cama e que são de um cara. Dá para ver
pela camisa branca e pela calça social.
Isso é um claro sinal para que eu corra e nunca mais volte a essa casa.
Novamente, o barulho volta e ele é extremamente característico. Meu
queixo vai parar no chão, minhas pernas ficam moles e minhas mãos suam,
pois eu estou morrendo de medo. Isso foi mesmo um gemido vindo do
banheiro?!
A porta do banheiro está com uma fresta e eu consigo ver uma luz
acesa.
Que porra está acontecendo? MeuDeusdoCéu.
Eu não consigo engolir o ar. A curiosidade e o medo andam lado a
lado.
Estou passando mal.
Aproximo-me, preciso ver o que está acontecendo.
Mais um gemido quando empurro a porta com o indicador. Tudo que
enxergo é uma nuca do cara que está deitado na banheira. Um dos braços
está estendido e relaxado, consigo ver claramente uma tatuagem de dragão
chinês. Já a outra mão está muito bem ocupada, porque, que puta merda…
ele está se masturbando!
— TARADO! — grito de uma vez.
O taco de golfe é a minha arma, mas a arma dele também está em
jogo. Eu teria fechado os olhos, se não tivesse percebido que a pessoa em
questão não era um total desconhecido.
O tarado era ninguém menos que o cara do avião.
O Josh do seu sexo está em chamas.
E ele acaba de gritar e se levantar se colocando na minha direção.
Meus olhos sobem e descem, ora encontram seus enormes olhos azuis, ora
baixam para algo também enorme. Caralho… LITERALMENTE.
 
A MALUCA DO AVIÃO
 
“Bem, é me beijar ou me matar, é assim que eu vejo.”
(Tom Waits)
 

 
 
Nunca imaginei que iria me encontrar em uma situação como essa.
Molhado, em pé, de pau duro, sem saber como minha casa foi invadida. Fui
pego me masturbando por ninguém menos que a maluca do avião. Foi
assim que eu apelidei a garota que surtou no voo de Boston para Nova York
e que do nada me agarrou e me beijou.
No final de semana, fiquei me perguntando o que se passa na cabeça
de uma pessoa para beijar um desconhecido em um voo em turbulência e
tudo que eu consegui formular e que meu melhor amigo também imaginou
é que ela ficou perdidamente atraída por mim. Afinal, tudo que ela pensou
que poderia fazer antes de morrer, porque ela achou que iria, era que queria
me beijar?! Isso é bem preocupante.
Só que as coisas estão mais sérias e problemáticas agora porque ela
está bem aqui, na minha casa. A tal Billie surtou, mais ainda. A maluca me
seguiu? Como? Eu não dei nenhuma informação, fora meu nome. É
impossível! Será que eu estou sendo seguido desde sexta-feira? Porra, é
mais sério do que eu pensava.
Tem muitas coisas que eu me questiono o momento, mas uma das
maiores perguntas que circulam na minha cabeça é:
POR QUE ELA ESTÁ SEGURANDO UM TACO DE GOLFE?!
— Tarado?! Você que é tarada!
Ela não para de olhar para o meu pau. Definitivamente é uma stalker.
— Desculpa, eu… — Se dá conta do quão descarada está sendo e
desvia o olhar. — Caramba, você está invadindo uma propriedade privada,
eu vou chamar a polícia!
— Tá maluca? Essa é a minha casa.
— Sua casa?! — Olha-me dos pés à cabeça e eu viro de costas.
Nenhuma garota me deixou constrangido dessa forma antes. — Essa é a
casa da minha tia Genevive.
— Sua tia?!
Genevive é a ex-esposa do meu amigo Rufus que eu conheço há anos
por conta do meu trabalho com publicidade. Nós também jogamos golfe
juntos algumas vezes.
— É, minha tia. O que faz na casa dela? — começo a entender tudo.
Provavelmente a garota ficou de pegar algo na antiga casa da tia. Ainda
assim, isso é uma coincidência muito, muito difícil de engolir.
— Dá pra você me dar licença? — Caminho para sair da banheira.
— Tá, mas não faça nada, eu estou com o taco em mãos e posso
chamar a polícia ainda. — Ela se encaminha até a porta e a fecha.
Franzo o rosto.
Garota bizarra.
Enrolo-me na toalha e tento respirar fundo. Se for verdade o que ela
disse, eu preciso contactar o Rufus. Pego meu celular na pia e ligo
imediatamente para ele. No terceiro toque, sou atendido:
— Rufus, a Genevive tem uma sobrinha?
— Cara, o que tá rolando?
— Só me responde…
— Tem, duas na verdade, a Virginia e a Billie Jean…
— Billie Jean?! — Belo nome para uma stalker.
— É, por quê?
— Ela tá aqui agora.
— Caralho, por quê? O que ela quer?
— Não sei.
— Ei! Oh, Josh… — Ouço duas batidas na porta. — Você não tá
finalizando, né? Saí logo daí.
— Mano, essa mina é pirada.
— Ela é… hum, excêntrica.
— Eu já te ligo de volta. — Desligo.
Abro a porta e dou de cara com os olhos castanhos semicerrados da
visitante pirada. Ela tá mascando um chiclete e se afasta para que eu passe.
— Não vai pôr uma roupa?
— Se você deixar. — Encaminho-me até o armário.
— O que é isso? Você mora aqui? — Repara nas minhas roupas
penduradas.
— Sim, eu moro. Essa é a minha casa.
— Não é não, é a casa da minha tia.
— Era a casa da sua tia. Agora é a minha casa.
— Nada disso, você está equivocado.
— Olha… — Coloco a mão na toalha, com medo de que ela caia. —
Eu vou vestir uma roupa e a gente já conversa.
— Tá. — Cruza os braços.
— Você não vai sair?
— Vou. Óbvio que vou. Mas eu vou levar isso aqui. — Pega o taco de
golfe.
Será que sou eu quem deve ligar a polícia? A situação pode não ser
tão favorável para mim, pois quem é parente da dona da casa é ela. Não tem
nenhum contrato assinado com o Rufus, foi tudo feito de maneira informal,
então é melhor eu agir cautelosamente.
Coloco uma roupa e saio do quarto. Ajeito a parte da frente do cabelo
quando estou descendo as escadas e reparo que no andar debaixo, a garota
está sentada no sofá juntamente com várias malas. Minha preocupação
acende mais um alerta. Não tem como isso ficar mais esquisito do que já
está.
— Billie Jean, né?
— Sim?
— O que você está fazendo aqui?
— O que você faz aqui, Josh? — joga a pergunta para mim.
— Olha, eu moro aqui. O Rufus, meu amigo, fez um acordo comigo.
Então a casa é minha pelos próximos três meses. Agora você pode me dizer
o que tudo isso e você tá fazendo aqui?
— A mesma coisa que você, Josh. A minha tia também fez um acordo
comigo, a casa é minha pelos próximos três meses.
Fodeu.
 
 
Filho da puta. Filho da puta. Filho da puta.
O Rufus me paga. Eu não deveria ter confiado neste desgraçado. Eu
não deveria ter feito um acordo com ele, mas, claro, foi uma situação
extrema. Meu tio, que é meu sócio, se acidentou tentando uma posição nova
do Kamasutra com a esposa, por isso eu acabei vindo às pressas para Nova
York.
Tanto eu quanto a Billie ligamos para os respectivos enganadores.
Rufus disse que não fazia ideia do que a Genevive combinou com a
sobrinha. A casa está no nome dos dois e, pelo que eu conheço da
personalidade de ambos, nenhum vai ceder.
No quarto, falando com o Rufus, eu decido que o melhor é ir para um
hotel e deixar a casa para a Billie, pois não tem cabimento algum eu
continuar neste recinto, mas o dono da casa é contra:
— Nem fodendo que você vai sair daí, você representa o meu lado
nesta guerra.
— Agora eu te represento? Você tem outras casas, por que não abre
mão desta?
— É questão de honra. Faz esse favor pra mim. Quando você voltar
pra Boston, eu te ajudo com a fechar aquele contrato que você queria.
Eu trabalho com o ramo de publicidade e ajudo as empresas a
divulgarem a marca delas, tem uma em específica que eu quero, mas só o
Rufus tem contatos dentro dela.
Ele pega exatamente no meu ponto fraco, negócios.
— Tá. E charutos?
— Eu tenho uma caixa especial pra você.
— Ótimo, eu fico. Mas e a pirada? — sussurro.
— A Billie Jean?
— É… ela tá aqui ainda.
— Ela vai sair.
— Não sei, não. E se ela quiser dividir a casa comigo?
— Tem oito quartos, Josh. Tá com medo de uma garota?
— Claro que não.
— Então, relaxa, ela não vai te aguentar muito tempo.
— Você é um fodido, Rufus.
Desligo a chamada e me preparo para enfrentar a stalker de novo. No
andar debaixo, Billie ainda está no telefone e eu consigo ouvir:
— Eu não posso fazer isso. Tia, não! Mas… hum… ok. Tá. Eu vou
pensar, uhum. Tá, tia, eu já entendi — Nota minha presença. —, eu tenho
que desligar, a gente se fala depois. Então, cadê suas malas, Josh?
— Minhas malas? — Coloco as mãos no bolso da calça de moletom.
— Pra quê?
— Pra ir embora.
— Ah, quem disse que eu vou embora? Eu vou ficar.
— Mas, mas… — Ela pega na orelha esquerda em gesto de
nervosismo quase arrancando o brinco de argolas.
— As suas já estão prontas, por que você não vai? Se precisar, eu te
dou uma carona.
— Eu não preciso de carona nenhuma, eu vou ficar.
— Ótimo, mas saiba que não no mesmo quarto que eu.
Ela fica tão vermelha, suas narinas se expandem e se comprimem
várias vezes. Dá medo, porém sigo firme, pois quanto mais eu irritá-la, mais
rápido me livro da sua presença.
— Até parece que eu ficaria no mesmo quarto que você, idiota, tem
mais sete quartos disponíveis.
— Só quero deixar bem claro que o meu espaço é o meu espaço.
Apenas isso.
— Babaca narcisista. Então eu quero deixar bem claro que eu também
quero o meu espaço. E que se eu precisar, vou usar esse taco de golfe.
— Na verdade, eu queria usá-lo amanhã cedo.
— Perdeu, vai ficar comigo. — Dá as costas e puxa uma das suas
malas com a mão desocupada. Não ofereço ajuda, porque sei que quanto
menos legal eu for, mais rápido ela irá sair, pelo menos é o que espero.
 
 

 
— Cacete. A Billie do avião? — pergunta Maximilian, meu melhor
amigo.
— Sim, essa mesma. — Levanto minha xícara de café, quase queimo
a língua ao sorver o líquido com pressa. Tudo que eu preciso é de muita
cafeína para despertar. Não consegui dormir muito à noite, dados os últimos
acontecimentos. E hoje eu acordei muito cedo, nem cheguei a ver a minha
nova colega de casa. Meu Deus, isso é muito estranho de se dizer.
Eu só saí correndo e vim até um café perto do hospital onde o Max
trabalha, ele é obstetra e ginecologista. Nós dois nos conhecemos desde a
infância, pois nossas mães eram amigas e morávamos muito próximos aqui
em Nova York. Na vida adulta, fizemos faculdade juntos em Harvard. Eu
continuei em Massachusetts e me estabeleci em Boston, mas o Max voltou
para ficar perto da família.
— E agora, o que você vai fazer? Morar com ela? — Balança a
cabeça para o lado e seus cachos castanhos e cheios acompanham o
movimento.
— Eu não sei ainda. Não posso deixar a casa do Rufus, vou ter que
dar um jeito, fazer com que ela saia.
— E por que você quer que ela saia? Divide a casa com ela.
— O quê?
— É, por que não? A casa é grande. Você já dividiu apartamento
comigo. Lembra? Por que não dividir de novo com alguém?
— Ela é uma desconhecida e parece muito estranha. Você não a
conhece. Um minuto com ela e você entenderia.
— Você tá paranoico.
— Estou?! Quando você a conhecer, vai entender o que estou
dizendo.
— Então o relacionamento de vocês já chegou nesse nível? Em 34
anos, você nunca me apresentou uma garota oficialmente. 
— Vai se foder.
— Não, prefiro que alguém me foda.
— Porra, Max.
— Eu tenho que ir. — Levanta-se e pega seu blazer azul claro. —
Pare de ser chato e tenta socializar com sua nova melhor amiga.
— Ela não é minha nova melhor amiga.
— Vai ser. Eu tenho uma paciente agora que, adivinha, se chama
Billie. Ótima coincidência, você não acha?
Solto o ar fortemente, não consigo puxar em seguida. Só o nome me
dá calafrios.
— Não, não acho.
A garçonete dá uma boa olhada para nós quando traz a conta e
sussurra algo para uma colega. Imagino bem o que é que estão
cochichando. As pessoas sempre que nos veem juntos, se perguntam se
somos um casal.
Coloco o dinheiro e algo a mais além da gorjeta.
Logo que saímos, noto a garota mordendo os lábios e um sorriso
característico se formando.
— Isso foi uma forma de afirmar sua masculinidade? — pergunta
Max.
— Qual é, ela é gostosa.
Ele balança a cabeça me julgando. Seu celular toca, é sua mãe na
mensagem.
— Ela quer te ver, disse que você tá fugindo.
— Não tô, eu vou lá hoje, depois do trabalho. — A mãe do Max é
como uma segunda mãe para mim, mas depois que minha mãe faleceu, isso
há cinco anos, é difícil vê-la, sempre me faz ter lembranças dolorosas.
— Vai assumir mesmo a agência?
— É o jeito. A Bee Creative precisa de alguém no comando agora que
meu tio tá de licença.
— Caralho, você nunca participou da empresa, acha que dá conta? —
Paramos em frente ao meu carro.
— Claro que vou dar.
— E, ah, se puder me fazer um favor. O meu irmão tá procurando
emprego. Se tiver algo que se encaixa no perfil dele.
— O Lucas terminou a faculdade? Ele fazia design, né?
— Ele trancou a faculdade.
— Sua mãe surtou?
— E você tem dúvida?
— Ok. Manda ele lá hoje à tarde. Umas duas horas, pode ser?
Max confirma e nós nos despedimos. Na hora que eu o vejo
atravessar para entrar no prédio, percebo algo perturbador, balanço a cabeça
várias vezes, porque provavelmente minha mente está me pregando peças.
Eu acabo de ver uma garota descendo de um táxi e entrando no
hospital, ela está de calça jeans clara, cinto preto, blusa vermelha com
listras, seu cabelo é castanho na altura do ombro e ela tem uma franjinha na
altura da sobrancelha. Deu pra ver um brinco de argola rosa balançando na
sua orelha, foi rápido o vislumbre do seu rosto, então eu não pude ter a
certeza se era ou não o meu carma atual.
Se essa é a Billie Jean, está na hora de sair correndo daqui.
 

 
Eu não esperava uma grande recepção dos funcionários, esperava que
muitos estivessem apreensivos pela chegada do novo chefe, pois o Garret
sempre foi muito antiquado e nunca esteve apto a mudar nada na empresa.
Que, aliás, eu só me tornei sócio por conta da parte que era da minha mãe.
Assim que chego e me identifico na recepção, a recepcionista quase
não consegue falar, ela balbucia algumas vezes até completar:
— Eu vou pedir pra Drina descer e te ajudar a se localizar, senhor
Tucker.
— Não precisa, eu já estive aqui antes, é… — Leio seu crachá. —
Betty, certo?
— Sim. Betty. — Sorri.
— Perfeito, obrigado.
Encaminho-me para o elevador e o seguro quando uma pessoa se
aproxima.
— Senhor Tucker, que bom que pôde vir hoje. Lembra de mim? —
Não, eu não me lembro desse cara. Ele ajeita os óculos com a ponta do
indicador e a outra mão estende para mim.
— Você é o…
— Wayne Peterson, chefe do Recursos Humanos. — Aperto sua mão.
— Ah, Peterson. — Não me lembro de jeito algum dele.
— Podemos fazer uma reunião agora pela manhã? Os funcionários
estão um pouquinho nervosos com a sua chegada. Pensei que podemos
fazer um comunicado para acalmá-los, dizer que nada irá mudar, o senhor
entende?
— Entendo, mas é justamente o contrário, eu quero mudanças.
O elevador se abre e ele vem correndo atrás de mim em total pânico.
— Mu-mudanças? Que mudanças?
— Eu preciso avaliar. Somos uma agência de publicidade. Temos que
estar em evolução. Essa empresa só está aberta porque o Garret tira dinheiro
do próprio bolso para mantê-la, caso contrário, já teria fechado as portas. E
você sabe disso muito bem, não é? — Paro em frente à sala que será minha.
Noto que uma garota se levanta e sai de sua baia. Lembro-me
vagamente dela, das mulheres, eu sempre me lembro. É a assistente do meu
tio, a Drina, só que as mechas do seu cabelo estão diferentes, pareciam que
eram roxas quando eu a vi da última vez.
— Bem vindo, senhor Tucker! Precisa de alguma coisa? Um café?
Quer fazer um tour pela empresa antes? Sei que já esteve aqui, mas algumas
coisas mudaram.
— Não mudou nada, Drina. Pode me passar a agenda do Garret?
— Sim, senhor.
Olho para o lado e percebo que o Wayne ainda não se moveu.
— Precisa de algo?
— Nossa reunião.
— Agora eu não posso.
— Quando?
— Eu vou ver o melhor horário e a Drina vai te contactar.
— Mas…
— Obrigado, senhor Peterson. — Abro a porta da minha sala. A
primeira coisa que faço após me sentar na cadeira é ligar o computador,
pedir café e me inteirar com os nossos clientes e as entregas que devem ser
feitas em breve.
Converso com a equipe de desenvolvimento de um aplicativo que
devemos entregar no final do mês e acabo notando que o layout da interface
está atrasado. Peço para que mandem os responsáveis para a minha sala
logo depois da minha reunião com a gerência do financeiro. É tanta coisa na
minha cabeça que eu não consigo administrar tudo que me é dito. Apenas
peço para que a Drina anote prazos e cobre pessoas.
Na minha sala, já estou no meu quarto café do dia, respondendo o
meu sétimo e-mail quando ouço duas batidas.
— Pode entrar.
— O senhor mandou me chamar?
A voz. A figura.
Não. Não foi isso que eu pedi.
É ela. A Billie Jean. Com todas as suas cores chamativas, balançando
seus cabelos despenteados. Eu não sei o que ela está fazendo aqui. Só
espero que não seja para me beijar e muito menos para me matar.
 
 
TRÊS NÃO É DEMAIS
 
“Acho que não consigo esconder minha maluquice.”
(Caroline, New Girl)
 

 
 
Pensei que minha manhã não fosse piorar. Primeiro, recapitulando, eu
tive que dormir na mesma casa que o Josh e passar raiva porque ele decidiu
que não iria sair. Logo cedo, eu fui ao ginecologista, quando eu soube que
não era a única parceira sexual do meu ex-namorado, entrei em paranoia.
Sempre tomei anticoncepcional, usávamos preservativo, mas teve uma vez
no último mês que a camisinha estourou, claro que minha menstruação
veio, porém eu quis checar se estava tudo bem com minha saúde sexual.
Não consegui dormir na noite passada pensando nisso, a minha
ginecologista está de férias, então eu aceitei a recomendação da Parveen e
dei de cara com um consultório de um ginecologista e obstetra homem.
Nada contra, só nunca frequentei.
Acontece que o doutor Maximilian Hernandez me deixou petrificada.
O homem era tão bonito, alto, musculoso, os cabelos cacheados caíam pela
testa e chegavam perto das sobrancelhas grossas, seu olhar era tão gentil,
sua voz era doce e atenciosa. Ai, caramba, olha a covinha no queixo. E suas
mãos eram ENORMES. E eu só pensava, são essas mãos que vão apertar
meus seios…é esse dedo que vai…
Vamos parar por aqui.
Continuando.
Quando ele me mandou para o banheiro tirar a roupa, eu enviei uma
mensagem para a Parveen. Surtando, óbvio, logo recebi a resposta que
acabou com tudo:
“O doutor Hernandez é maravilhoso, mas não se afobe, Billie Jean,
ele é gay.”
Então, isso foi o começo da minha manhã caótica, o que me faz
chegar de volta no agora, abrindo a porta da sala do novo chefe da Bee
Creative, acabo de descobrir que ele é ninguém menos que o Josh do avião,
ou melhor, o invasor que eu flagrei se masturbando ontem à noite, porque
essa é a visão mais recente e perturbadora que eu tenho dele.
Em pé, chocado como eu, Josh exclama:
— O que você está fazendo aqui?!
— Eu me pergunto a mesma coisa.
— Tá me perseguindo? Aqui é meu ambiente de trabalho.
— Não me diga. — Coça a nuca.
Ele olha desesperado para a porta aberta e pede para fechá-la.
— O que você quer?
— Não ouviu o que eu acabei de dizer? Eu trabalho aqui. O que você
tá fazendo aqui, Josh? — devolvo sua pergunta. —Assuntos de casa devem
ser tratados em casa. — Meu Deus, eu não acredito que estou tratando a
casa da titia como se fosse nossa. — Agora se me der licença, eu tenho que
trabalhar. O novo sócio da empresa me chamou, aliás, onde ele está? Foi ao
banheiro?
— Sente-se.
— Não tenho tempo pra você. Quer que eu repita?
— Senhorita… hum, seu sobrenome é?
— Murphy. Por quê?
— Senhorita Murphy, por que não se senta? Acho que devemos ser
formais agora, já que eu sou seu novo chefe.
Meus joelhos vacilam, tenho que colocar a mão na cadeira para me
equilibrar. Isso é uma brincadeira, um jeito de se vingar de mim, rir da
minha cara. Nunca que a vida iria fazer isso comigo. Lei de Murphy, pare
de fazer isso comigo o tempo todo! Não é possível que esse cara seja o meu
novo chefe. Como é possível que em menos de 24 horas tudo na minha vida
começou a girar em torno desse bigodudo?
— M-meu, meu o quê?
— Vou me apresentar novamente. — Dá a volta na mesa para se
aproximar. — Sou o Josh Tucker, sobrinho do Garret, e dono da metade da
Bee Creative.
Ele está com a mão esquerda estendida, a mão com a tatuagem de
dragão, e tudo que eu consigo me lembrar agora é dele se masturbando
ontem à noite. Esse pensamento profano está acabando com meu cérebro.
Balanço a cabeça.
O caos.
Pânico.
O suor escorre pelo canto da minha testa. O que eu preciso é estender
a mão para não ser demitida. Depois de tudo que eu fiz, o tanto que o
xinguei, a droga do beijo, Jesus! Será que pode ser considerado assédio?
Mas, espera, foi fora do ambiente de trabalho, e ele entrou hoje na empresa,
quer dizer, ele sempre foi sócio, só que eu não sabia disso.
Estou hiperventilando, preciso de uma água, um calmante embaixo da
língua, qualquer coisa que me faça despertar deste pesadelo.
— Eu sou… eu sou a Billie Jean Murphy, uma das designers gráficas.
A única no momento, porque a Judy tá de licença maternidade.— Aperto
sua mão. Porra, minha mão está úmida, dá pra ele sentir meu nervosismo.
— Está passando mal, senhorita Murphy? — Solto rápido minha mão.
Não posso mostrar que estou me sentindo ameaçada pela sua
presença. Tiro o meu melhor sorriso das profundezas do meu ser:
— Não, estou ótima. — Encaminho-me para a cadeira e ele faz o
mesmo indo para a sua. — O senhor precisa de mim para algo? Visto que
me chamou para sua sala?
— Sim, preciso. Como é a nossa única designer, percebi que estamos
muito atrasados com o layout de interface do aplicativo do Kaizen. — O
Kaizen é um restaurante de comida japonesa, um dos nossos clientes.
— Oh, sim, eu vou começar a trabalhar nele essa semana.
— Ok, e por que você está atrasada?
— Eu tive que tirar uns dias de folga.
— Por quê?
— Estive doente…
— Está mentindo.
— Eu não… — Coloco a mão na boca e mordo a unha do dedão.
— Senhorita Murphy, me responde uma coisa. Quem está doente
viaja? — Fico em silêncio. Aperto os olhos com força. Quase chuto a mesa
pela gafe que cometo. Esqueço completamente que ele me flagrou na
viagem, sou pega na mentira. — Sim ou não?
Merda. Merda. Merda.
—Acho que não?
 — Quando eu te encontrei naquele voo, você estava ótima de saúde,
então, da próxima vez que tentar mentir pra mim, vai ter que pensar muito
bem no que dizer ou escolher as palavras pra sua carta de demissão.
— Mas o quê…
— Encerramos por aqui. Comece logo o layout e, a partir de hoje,
estou de olho em você.
— De olho em mim? Eu sempre trabalhei perfeitamente. Pergunte
para o Garret.
— O Garret está aqui? Não. Sou eu que estou no comando. Por isso
digo: assunto encerrado. Tenho uma reunião agora. Feche a porta na saída.
Obrigado.
Nunca vou perdoar o safado do Garret por isso! E que porra de
posição é essa do kamasutra que ele testou? Isso eu preciso ver com meus
próprios olhos. É tão difícil assim? Agora o próprio demônio de olhos azuis
vai substituí-lo pelos próximos meses. 
— E aí, o que achou do nosso novo chefe? — pergunta Drina quando
saio da sala. Encaminho-me para minha mesa com tanta fúria que nem
consigo responder. — Billie Jean! Ei, você não me ouviu?
— Ouvi, sim. Sabe o que eu acho? Que está na hora de eu enviar
alguns currículos no horário do expediente.
— Se eu fosse você, eu não faria isso.
— Por quê?
— Ele parece o tipo que monitora os nossos históricos.
— Ah é? Então eu vou ver pornô, quero ver ele aparecer aqui na
minha frente.
Pego os papéis que estão na mesa e os amasso para acalmar a raiva.
— Tá tudo bem? Quer um café? O que vocês conversaram? Ele
descobriu que você viajou semana passada?
Eu não posso contar que encontrei o Josh no meu voo, nem que nós
estamos morando juntos, Drina é minha melhor amiga, mas também é
conhecida por ser a maior fofoqueira da Bee Creative. Um segredo como
esse, ela não conseguiria guardar. É a melhor fofoca dos últimos tempos, eu
sei disso.
— Não, ele só me cobrou um prazo.
— Ah, menos mal. E o que você achou dele? Ele é bem gostoso, não
é?
— O quê? Ele é nosso chefe.
— Ai, por favor, sem moralismo.
— Eu nunca, jamais, em hipótese alguma olharia pra ele dessa forma.
— Billie Jean, sua safada, tá mentindo.
— Não tô mentindo.
— Você pisca duas vezes seguidas quando mente, de uma vez só.
Droga!
— Tá, ele é gostoso, mas ordinário.
— Eu sabia!
Falando nele, sua porta se abre, automaticamente fingimos que
estamos trabalhando e Drina corre para segui-lo em uma reunião.
 

 
— Tem maionese no seu cabelo. — Quase engasgo com a alface.
Tusso duas vezes antes de conseguir respirar e levantar a cabeça.
Pelo amor de Deus, ele está em todos os lugares agora?
De novo o Josh. Todo imponente. Olhando para a pobre mortal que
sou eu, comendo seu sanduíche na sua mesa de trabalho, porque não teve
tempo para sair para almoçar. Vestido com uma calça social apertada
porque ele é bem musculoso nas pernas, sua camisa preta está dobrada até o
punho, claro que ele não fechou o colarinho, deixou três botões abertos para
mostrar seu peitoral, olha lá o bigode safado desse sem vergonha, o que é
que ele quer comigo?
Sem graça, ajeito o cabelo e reparo que tem mais uma pessoa ao lado
dele. Um rapaz magro, uns 10 centímetros mais baixo que o chefão, com
cachinhos castanhos, sobrancelhas grossas, ele parece até um pouco com o
médico que vi mais cedo, exceto pelos olhos verdes e que não está com a
academia em dia.
— O que o senhor deseja? — pergunto, ajeitando o cabelo.
— Apresento seu novo estagiário, Lucas Hernandez. Lucas, essa é a
senhorita Billie Jean Murphy, sua superior, reporte-se a ela de agora em
diante, ela vai te ensinar tudo.
Levanto-me e nós estendemos a mão um para o outro, eu tive que
sorrir, finjo o meu melhor sorriso, daqueles de surpresa e nervosismo.
Logo me dou conta de que não é a primeira vez que escuto o
sobrenome do estagiário no dia de hoje. Hernandez? Será possível que ele
seja parente do médico? Ah não, a minha vida não pode entrar nessa onda
bizarra de coincidências.
— Eu não achei que tivéssemos vagas na equipe.
— Você mesmo disse que a designer da sua equipe está de licença e
você não dá conta dos nossos projetos, então o Lucas está aqui pra ajudar.
— Senhor Tucker, eu posso falar com você rapidinho?
— Tenho uma reunião.
— Já percebi que você sempre tem uma reunião. — Vou atrás dele.
Lucas fica para trás parado na minha mesa enquanto eu alcanço o
Josh.
— É claro, preciso lidar com a agência, os funcionários, os clientes,
eles precisam me conhecer, saber que eu estou no comando agora. — Ele
entra no elevador e eu também.
— Ok, mas eu só preciso de um minuto.
— Certo. — Ele aperta algo no Apple Watch.
— O que está fazendo?
— Te dando um minuto.
— Tá cronometrando?
— Estou, e você já perdeu seis segundos.
— Meu Deus, você é maluco!
— O que disse?
— Quer dizer, eu disse que nós começamos errado — tento corrigir.
— E que precisamos acertar a nossa comunicação.
— Certo. O que propõe?
— Por exemplo, eu gostaria de ser comunicada com antecedência
sobre uma possível contratação de um estagiário.
A porta do elevador se abre no estacionamento e eu o sigo.
— Não tínhamos tempo hábil pra isso, senhorita Murphy.
— Mas, senhor Tucker, como eu vou ter tempo para ensiná-lo?
—Ele vai aprender rápido.
—E se não?
— Vamos demiti-lo, simples assim.
— Simples assim? — Meu olho esquerdo treme.
De repente, paramos bem em frente ao seu carro, um Audi preto,
escuro e sem sentimentos como ele. Ele olha para o relógio, depois para
mim cheio de soberania:
— Seu tempo acabou.
— É. As coisas são simples pra você, não é, senhor Tucker? Demitir
as pessoas é fácil? Aprender é rápido? Você pelo menos sabe como é o meu
dia a dia de trabalho? Não, não sabe. Porque o tempo das pessoas não vale
como o seu.
Não há qualquer contração no rosto do Josh, ele nem se mexe com
minha fala, não surte qualquer efeito nele.
— Quantos anos você tem, Murphy? — Abre a porta do carro.
— Vinte e seis.
— Você ainda tem muito o que aprender. Ainda mais no mundo
corporativo.
— Pode ser que eu tenha muito a aprender, mas me orgulho de ser
bem educada.
— Educada? Agarrar as pessoas é ser educada? — Ele se escora na
porta do carro.
— Oh… — Fico surpresa de ele tocar no assunto. — Você ainda se
lembra disso?Eu já pedi desculpas, senhor Tucker, pensei que algo como
aquilo não tivesse sido tão significativo pra você.
— Tá insinuando que foi significativo pra mim?
— Eu não estou insinuando nada, foi só um beijo.
— Não, não fale disso aqui. — Ele olha para todos os lados
atordoado. — Nunca mais cite sobre isso aqui, entendeu, Billie?
— Oh, está me chamando pelo meu nome agora?
— Não seja cínica.
— Prometido, Josh. Desde que você não se lembre disso também.
— Por que eu me lembraria?
— Porque é você quem está pensando nesse beijo até agora.
—Até parece que eu…
— Agora — interrompo —, com licença, tenho que trabalhar, como
você disse, seu tempo é precioso, né?
Sua boca treme de raiva, finalmente tiro uma reação do workaholic.
Eu estava brincando quando disse que ele estava pensando no nosso beijo,
mas ao mesmo tempo me questiono, será que ele não pensou mesmo?
Arrepio dos pés à cabeça. Que pensamento horrível.
Não, ele não pensou, consigo sentir sua raiva me olhando, estou de
costas indo em direção ao elevador.
Josh Tucker me odeia e vai fazer de tudo para me enxotar pra fora de
casa e, se eu não tomar cuidado, vou virar uma desempregada por sua culpa
também.
 

 
Eu estou com raiva, estressada e desconfiada quando abro a porta da
minha recente moradia. Por pouco eu não pego o caminho errado do metrô.
Penso seriamente em pegar o carro da tia Genevive emprestado, enquanto
estou morando aqui, sem condições de usar o transporte público ou táxi
diariamente. Só não queria abusar da sua boa vontade, porém, dadas as
circunstâncias de que fui enganada e que estou dividindo a casa com um
novo inquilino, tudo bem pegar o carro. Falando nele, esse cheiro… ele está
cozinhando?
Ouço risadas, ele tem companhia. E não é uma companhia feminina.
Esse safado está se apoderando da casa, trazendo amigos, cozinhando,
não posso deixar por menos, preciso mostrar que estou aqui.
Deixo os sapatos na entrada da casa e caminho em direção à cozinha.
A primeira coisa que percebo é que os dois estão bebendo, consigo
ver as canecas de cerveja. Josh está na bancada observando a pessoa que
cozinha, conversando sobre o dia de trabalho, um cliente. E o cara que
cozinha está de costas, de jeans, ele tem uma bunda bonita, pela nuca vejo
seu cabelo cacheado…
— Senhorita Murphy, você chegou… — Uau, o Josh parece feliz.
Olha esse sorriso. Fica mais bonito quando não está carrancudo. Essa
pessoa o deixa feliz. Uma pessoa no mundo o deixa feliz. Isso é bem
estranho. — Quero que você conheça o…
PUTA QUE PARIU.
Ele se virou.
A visita é ninguém menos que…
MEU DEUS DO CÉU.
Não consigo falar.
O nível do meu constrangimento é altíssimo, gigantesco, não consigo
expressar o quanto eu estou envergonhada.
É nessa hora que eu finjo um desmaio? Dou meia volta? Fico
catatônica? O que eu faço, Jesus Cristo?
Não dá pra fingir que esse cara não é o meu ginecologista. Que
humilhação! A minha vontade é de escavar esse chão e ir parar do outro
lado do mundo.
— Billie Jean! — diz ele animado colocando a concha que segurava
no aparador e aproxima-se de mim.
— Doutor Hernandez… — Dou um sorriso sem mostrar os dentes.
— Espera, vocês se conhecem? — pergunta o Josh.
— Sim, Billie é minha paciente, nos conhecemos essa manhã.
— Uau, isso é uma enorme coincidência… — Josh franze o cenho em
desconfiança.
O que ele está pensando? Que eu queria me consultar com seu amigo?
Ou sei lá, namorado? Que tipo de relação tem esses dois? Para o Josh trazer
ele aqui pra me conhecer, só pode ter algo a mais por trás.
— Coincidência até demais, né? — Dou uma risadinha. — Tantos
médicos nessa cidade.
— O Josh me falou muito de você. Acho que vocês vão ser ótimos
colegas de casa. Quando nós morávamos juntos, ele costumava ser um
pouco individualista, mas aos poucos nós nos adaptamos à rotina um do
outro.
— Ah, vocês moraram juntos, é? Por que não mais?
Gente, que fofoca é essa? A Drina vai amar saber disso.
— Época da faculdade. Fizemos Harvard juntos. Depois eu acabei
voltando pra Nova York e o Josh ficou.
Época da faculdade né, sei. Se separaram e agora o romance voltou à
tona.
— Oh, que legal, então vocês se conhecem muito bem, imagino.
— Desde a infância.
Uau, amor de infância. Imaginar que esse cara pode ser profundo a
esse ponto não entra na minha mente.
— Então vocês devem ter muito que conversar, agora que o Josh está
de volta. Eu vou subir, não quero atrapalhar o jantar de vocês.
— Atrapalhar? Nunca. Fique com a gente — pede o Hernandez
mexendo o molho.
— Mas não é um jantar, sabe…
— O quê?
Coço a cabeça. De novo, eu estou me colocando no meio de um casal.
Será que o Josh falou do nosso beijo? E se o doutor está ali para se acertar
comigo? Pedir reparação pelo que eu fiz? O que tanto foi dito sobre mim?
Por que ele queria me conhecer?
Caramba, Billie Jean, você está sendo amante de novo?
— Vocês acabaram de se rever. Devem ter muita coisa pra se acertar.
— Está tudo bem.— Ele é tão simpático, ao contrário de certa pessoa.
— Eu não… Eu não quero ficar no meio de vocês.
— Não temos problema nenhum com isso.
O quê?! Será que eles gostam desse lance de trisal? Será que é isso
mesmo que eu estou pensando? Estou sendo convidada para um sexo a três?
Balanço a cabeça.
Não, claro que não é isso.
Mas, se fosse, com esses dois não seria má ideia.
Embora, fique bem claro, a segunda entrada é bloqueada. Eles teriam
que se revezar.
Josh olha com uma cara estranha para o Maximilian, parece que ele
não gosta da ideia, será que ficou com ciúme?
— Se vocês insistem, eu fico, vou só ao banheiro antes.
Meus passos são duros, apressados e nervosos. Estou com dois caras
extremamente atraentes esperando por mim na cozinha. Um deles eu sei
que me odeia e o outro obviamente não tem interesse algum por mim
porque é gay. Um eu já beijei e o outro viu minha vagina logo de manhã.
Será que dá pra ficar ainda mais constrangedor?
 
 

LIVRE-SE DE MIM, SE FOR CAPAZ


 
“Eu mal posso esperar para me livrar de você

E surpreendentemente você me odeia também

Nós apenas nos falamos quando precisamos brigar

Mas nós somos melhores amigos… certo?


(Amy Winehouse, Best Friends, right?)
 

 
 
Lavo a mão três vezes porque não quero sair do banheiro. Mando uma
mensagem pra Drina, fofocando sobre o que eu sei. Ela é tão rápida na
resposta que não dá nem tempo de eu lavar a mão de novo:
“Não acredito! Meu radar nunca apitou! Sempre achei ele hétero
demais. Mas entendo. É por isso que ele não se casou até hoje. As meninas
vão ficar arrasadas, elas estavam loucas querendo descobrir se ele tinha
alguém. Ok, me conta, como você descobriu?”
Sou pega. Não calculei bem os meus passos.
“Um amigo meu estudou com eles.”
“Que amigo, Billy Jean? Você só tem eu e a Parveen”
“Um amigo da Virginia”
“Ahhh, faz sentido”
Claro que fazia sentido, minha irmã conhecia todo mundo.
Ajusto o meio rabo de cavalo no topo da cabeça e respiro fundo
quando saio do banheiro. No corredor ouço vozes, não que eu queira ouvir,
mas eles falam alto:
— O Lucas vai ser o estagiário da Billie.
— Que bom, meu irmão precisa começar em algo, ter
responsabilidades, não pegue leve com ele. — Como eu imaginei, o
estagiário é irmão do médico.
— Eu nunca pego leve.
Arregalo os olhos. Essa frase é para ter um duplo sentido?
— Que bom que está de volta, Billie, pode experimentar o chilli?
Você gosta de chilli, né? — pergunta Maximilian. Concordo
veementemente com a cabeça. Ele está se esforçando para que eu me sinta
acolhida, diferente do outro indivíduo que está focado em se embebedar.
— Uau, está incrível!
— Não está apimentado demais?
— Não, eu gosto assim.
— Então está pronto, vamos pra mesa.
— Quer ajuda pra servir? — indago.
— Não, não precisa. Pode se sentar, você é convidada. Josh, pega
uma bebida pra nossa convidada. O que você gosta, Billie?
— Acho que vinho. — Josh dá uma leve engasgada na cerveja nesse
momento. Isso trouxe memórias por acaso? — Eu bebo qualquer coisa que
tiver. — Encaminho-me para a mesa.
O doutor coloca as tigelas na mesa e logo depois traz o chilli com os
acompanhamentos. Josh traz as taças e as bebidas, ele está bem quieto, cada
movimento seu é calculado para não ser simpático, mas também não é mal-
educado a ponto de o Maximilian perceber o quão indisposto ele é comigo.
— Podem se servir, você primeiro, Billie. — Aponta o cozinheiro ao
sentar-se à mesa. Josh está abrindo a garrafa de vinho e eu quero que ele
faça logo porque preciso de um gole para aguentar essa noite.
Finalmente, depois que consigo encher a boca de chilli e em seguida
de bebida, consigo dar o primeiro suspiro de satisfação.
— Está muito bom, muito bom mesmo, doutor — elogio.
— Me chame de Max, por favor.
— Max — confirmo, minhas bochechas coram, o chilli está mesmo
apimentado.
— Então, Billie, você é designer gráfica na Bee Creative há quanto
tempo?
— Há cinco anos, desde que eu me formei.
— E você e o Josh nunca se encontraram antes, né? Que curioso.
— Eu não visito a empresa há anos — fala o mudo.
— Ah, entendo. Mas o destino é algo engraçado, vocês tinham que se
conhecer. — Meu Deus é agora! Ele vai mesmo falar do beijo? Eles são ou
não são namorados?!Se sim, eu devo me desculpar quando?
—Aliás, você entrou em um ótimo assunto, Max. O que você foi fazer
em Boston, Billie Jean? — Ah não. Não. Era melhor quando o Josh estava
mudo.
— O que eu fui fazer? — Pego uma das pimentas na mesa e enfio na
boca, está tão ardida que eu tenho que comer mais pão. Finjo que não posso
falar, porque estou mastigando.
— É, o que você foi fazer? Pegou dois dias de folga na empresa só
pra isso.
— Você tem familiares em Boston? — Eles não param, me sinto em
uma sala com dois policiais me interrogando.
Minha boca arde muito, isso é uma lágrima escorrendo pelo meu
olho?
— Familiares? — Tento bolar uma resposta, só que mentira é algo
complicado, ela sempre vai te perseguir, se embolar e te derrubar mais cedo
ou mais tarde.
Ainda assim, estou inclinada a decidir pela mentira.
— Pelo que sei você veio de Montana, o Garret te chamava de garota
das montanhas, ele me disse. — Josh cortou meu respiro que vinha antes da
minha fala, o que foi bom, porque quase que ele me pega na mentira.
Então ele leu toda a minha ficha? E até perguntou de mim para o tio!
— É. Eu não fui visitar nenhum parente. — Limpo a garganta, a
pimenta ainda arde no fundo. Tomo um gole de vinho, mas não melhora.
— Eu sabia!
— Josh, você não é o chefe aqui.
— A verdade é que eu fui ver o meu ex-namorado, nós namoramos à
distância e era nosso aniversário de namoro.
— Você não tá vendo que ela pegou folga do trabalho pra ver o
namorado?
— E daí? Você não aparecia na empresa há anos, tá querendo cobrar o
quê?
Touché. Quero que o Max seja o meu melhor amigo, vou roubá-lo.
— Eu vou pegar mais cerveja.
— E o que aconteceu? Vocês terminaram?
— Acontece que… — diminuo meu tom de voz. Não quero que certa
pessoa escute. — Eu descobri que eu era a outra. Bom, ele tem uma esposa.
— Pego a taça de vinho e tomo mais alguns goles.
— Tadinha… sinto muito. E é por isso que você beijou o Josh? Pra
esquecer?
Engasgo com o líquido e tusso algumas vezes.
— Ai, meu Deus. Desculpa! — Toco na sua mão. — Me desculpe de
novo.
— Por que você tá se desculpando?
— Por ter beijado o Josh! — exclamo de uma vez. — Eu não quero
ser esse tipo de pessoa que beija homens comprometidos. Eu não achei que
ele fosse, quer dizer, eu vi que ele usava vários anéis na mão, mas nenhum
parecia uma aliança. — Coço a cabeça envergonhada.
— Você tá achando que…? — Nós dois nos entreolhamos, me sinto
envergonhada. Ele gargalha profundamente. —Claro que não! Nós somos
melhores amigos, irmãos, mas não de sangue. — Josh chega com uma
cerveja na mão e olha para o Max como se ele tivesse enlouquecido porque
ele não para de rir. — O Josh não é comprometido com ninguém. Não se
preocupe, o caminho é livre.
Puta merda, péssima hora para esse homem aparecer, isso vai dar a
impressão de que eu perguntei para o amigo se ele é solteiro.
Tenho vontade de chorar porque minha boca está ardendo tanto e o
vinho só fez acentuar ainda mais a pimenta. Levanto-me e aproximo-me do
Tucker, o que eu quero é a cerveja que está em sua mão, mas os meus
passos em sua direção fazem com que ele vacile, como se minha
aproximação tivesse alguma segunda intenção.
— Você pode…
—Posso o quê? — Ele dá dois passos para trás.
— Me dar um gole da sua cerveja?
— Toma. — Ele a estende. — Fica pra você. Eu pego outra pra mim.
— Foge rápido.
Max ainda não consegue parar de rir.
— Você mexe com ele, Billie Jean.
— O quê? Como assim? Ele só saiu correndo.
— Não é todo mundo que consegue tirar algo do Josh.
Tomo um gole grande de cerveja pensando que tudo que eu queria
tirar do Josh é ele da casa.
Depois do jantar, eu lavo a louça e o Max me ajuda a secar. O amigo
dele não gosta nadinha da nossa aproximação, porque acabo descobrindo
muita coisa sobre ele nesse tempo. Como, por exemplo, o Josh nunca
namorou, ou melhor nunca apresentou uma garota oficialmente como sua
namorada, embora tenha 34 anos. Ele só teve alguns casos
amorosos.Alguns não, vários, sua lista é imensa. Um homem que nunca se
comprometeu seriamente só pode ser extremamente problemático.
No meio da conversa, o Tucker se intromete dizendo que ficou cerca
de três meses com uma garota de Boston, mas não apresentou ao melhor
amigo, foi o maior tempo que ficou com alguém. Caramba, ela acha mesmo
que isso é muito tempo?
Descubro também um dos medos do Josh. Um homem desse tamanho
tem medo de aranhas. Temos um Rony Weasley aqui? Bom, isso vai ser
usado a meu favor e contra ele.
O Max adora signos e ele ficou maluco ao descobrir que o meu é
peixes, o último signo do zodíaco, comparado ao do Josh, que é Áries, o
primeiro. Quando o Josh vai ao banheiro, ele me diz:
— Vou ser sincero, Billie Jean, a combinação do signo de vocês é
complicada e explosiva. É como a encarnação de Romeu e Julieta.
— Mas o que… — Eu não pedi por isso.
— Não se preocupe, se você estiver disposta a investir, pode dar
certo. Dá pra ver que você tem essa alma doce e gentil de uma pisciana. Só
que aquele Ariano é mandão, você não pode abaixar a cabeça pra ele.
— Eu jamais vou abaixar a cabeça pra esse cara.
— Ótimo, você vai conseguir conquistá-lo, tenha paciência.
— Mas eu não… — ia completar minha frase, porém ouço os passos
no corredor.
Como eu desfaço esse mal-entendido? O médico está mesmo achando
que estou interessada no meu chefe?
— Bom, está na minha hora, tenho pacientes logo cedo. Josh, não
esquece, minha mãe tá cobrando sua visita.
— Eu ia lá hoje, mas você inventou esse jantar.
Max dá um tapinha nas costas do amigo e depois se dirige a mim:
— E, Billie, foi um prazer te conhecer, e lembre-se do que eu te falei.
— Ele abaixa-se e sussurra no meu ouvido: — Dome a fera, pegue-o pelos
chifres.
É. Fodeu. Eu sou a rainha dos mal-entendidos.
Assim que o Max vai embora, Josh volta-se para mim, pronto para me
colocar na parede, literalmente porque ele vem para cima muito rápido.
— Você…
Dou dois passos para trás encurralada e lembro rápido do que o seu
amigo disse, não posso abaixar a cabeça pra ele, por isso dou um passo para
frente e acabo batendo a cabeça no seu queixo por conta da nossa diferença
de altura.
Ele geme, colocando a mão no maxilar e resmunga.
— Ai que droga. O que você quer?
— O que você falou pro Max?
— Não falei nada.
— Eu não sei qual é o seu jogo, Billie, mas você não vai ficar muito
tempo aqui.
— Tá me ameaçando? — Levanto o olhar.
— Interprete como quiser.
— A casa é da minha tia, eu não vou sair.
— Vai, sim.
— Por que você não sai?
— Eu cheguei primeiro.
— E vai ser o primeiro a sair. — Cruzo os braços.
— Tá me desafiando?
— Tá se sentindo desafiado?
— Por você? — Solta o ar pelas narinas e faz um barulho de desdém.
— Não me intimida nem um pouco.
— Não foi o que pareceu. Tá com medo de uma garota, Josh?
— Jamais. Só que você não é uma simples garota, é uma stalker. E eu
estou de olho em você. 
— Stalker? Ah, tá bom, como se eu quisesse ficar perto de você.
— Ah, não quer, não? — Ele olha para baixo, meu pé tá batendo no
dele. Dou um passo para trás logo que percebo que estamos perto demais.
— Você… — Aponto sem palavras.
— Está vendo? Ficar aqui é um pretexto pra se aproximar de mim,
Billie?
— Cala a boca!
Ele ri.
— A cinco passos.
— O quê? Você quer ver o filme?
— Não. Você deve ficar a cinco passos de distância de mim nessa
casa.
— Agora você tá criando regras? Eu também quero criar.
— Pois diga.
— Você também deve ficar a cinco passos de mim.
— Crie outra, não a mesma.
— Tá. Nunca, jamais, entre no meu quarto.
— Eu jamais faria isso. Outra, não entre no meu banheiro, nem no
meu quarto, não fale comigo informalmente no ambiente de trabalho. Cada
um vai preparar sua própria comida. Devemos fazer rodízio em ambientes
comuns como a sala, cozinha ou o terraço.
— Rodízio? Pelo amor de Deus, a gente não pode dividir um
ambiente?
— Não, não podemos. E mais uma coisa. Em hipótese alguma,
ninguém, absolutamente nenhum dos nossos colegas de trabalho, pode
saber que isso aqui está acontecendo. Fui claro?
— Ah é? Como se eu quisesse que alguém soubesse que eu estou
morando com você. Isso não é um prêmio, é o maior castigo que eu já
recebi em toda a minha vida. Tá achando que está lidando com uma criança,
Josh Tucker? Aplicando regra pra todo canto? Não, você não está. Vai ver
como é dividir uma casa comigo.
— Você não vai ficar aqui por muito tempo. — Cerra os dentes. Nós
dois nos encaramos em um embate de olhares territorial. Ninguém está
disposto a perder a guerra, mas, sabemos, um vai cair mais cedo ou mais
tarde.
Meu cílio esquerdo dá uma leve tremida, deve ser pelo cansaço do
dia, ou foi porque eu olhei pra boca dele? Nada disso, é o cansaço mesmo
que ele mesmo me infligiu ao me fazer trabalhar o dobro do que estou
acostumada.
— É o que veremos! — Bato o pé e dou as costas, encerrando nossa
discussão.
Vou para o meu quarto, decidida a bolar uma estratégia e expulsar o
Josh, eu só não faço ideia de como fazer isso. Seja como for, eu não vou
sair, agora é questão de honra. 
 

 
No dia seguinte, eu sou a primeira a sair de casa, quero tomar café da
manhã com a Drina e conversar sobre não ser uma boa ideia espalhar a
fofoca que eu contei pra ela. Se o Josh descobrir, porque ele vai descobrir,
eu estou fodida.
Pego o carro da tia Genevive, ligo o som, sinto que o dia vai ser
melhor, não vou me espremer no metrô, vou chegar cedo, tomar um balde
de café gelado, trabalhar a todo vapor sem lembrar que certa pessoa existe.
Dou uma olhada na vizinhança antes de sair, ainda está cheio de
carros na rua. Na casa ao lado, tem uma placa escrita “Por favor, controle
seu cachorro” na cerca e fico me perguntando o porquê da cerca e o porquê
da placa. Afinal, a cerca desse vizinho é a maior da vizinhança, eu vi mais
uma casa com uma cerca e é baixinha, apenas por estética do jardim, em
regra geral, uma cerca pode ter até dois metros. Meu espírito fofoqueiro se
acende logo cedo. Afinal, não é muito comum cercas, a casa da minha tia,
por exemplo, não tem.
Ligo o carro, mudo para a próxima música, toca “I wanna dance
somebody”, e eu penso que gostaria mesmo de dançar com alguém. Não no
sentido literal, mas de estar com alguém que queira estar comigo. E não
quero ser a segunda opção, porque eu fui, por um ano, a outra.
E toda vez que lembro disso, fico pensando, por quê? Como não
enxerguei? Como não percebi que estava sendo manipulada, enganada?
Será que atraio homens assim na minha vida? Eu sou tão boba assim?
Puxando pelo meu histórico, sempre fui trouxa.
Eu não posso mais aceitar isso. Não quero mais… espera, por que o
carro está parando?
Pelo amor de Deus, eu não saí nem da 30th St que é a rua onde eu
moro. O que está acontecendo?
Olho o painel do carro e respiro fundo.
Sem gasolina.
Um carro buzina ao meu lado, abro a janela e dou de cara com
ninguém menos que o Josh, de óculos escuros, ele está perigosamente sem
vergonha. Abaixo o volume da música para ouvi-lo:
— Aconteceu alguma coisa?
— Está sem gasolina.
Ele ri, o vagabundo ri da minha desgraça.
— É sério que você não conferiu isso antes de tirar o carro da
garagem?
— Não, não conferi. Se eu tivesse conferido, não estaria aqui.
— Bom, não se atrase.
— O quê? Você não vai me ajudar?
— É cada um por si, Billie, lembre-se disso.
— Vai se…— Eu ia xingá-lo, porém fico pensando se é uma boa
ideia. Ele é ou não meu chefe às oito da manhã? Eu entro às nove.
— O que ia dizer?
— Você é um sádico.
Ele dá um sorriso gigantesco, confirmando o que eu acabei de dizer.
— Talvez eu seja. Se você se atrasar, vai levar uma advertência. Não
diga depois que eu não avisei.
Simples assim, ele me deixa desamparada.
Quem estivesse na rua nesse momento iria escutar o meu grito:
— Vai se foder, Josh Tucker!
 
EU NUNCA VOU ME APAIXONAR
 
“Bem, eu espero não me apaixonar por você

Porque a paixão só me deixa triste”


(Tom Waits, I Hope That I Don't Fall in Love with You)
 

 
 
A Billie não chega atrasada na empresa por apenas dois minutos, eu
cronometro. Espio pela porta, vejo-a despenteada, a franja jogada para o
lado, o batom vermelho metade no copo de café. Ela não para de sacudir o
colarinho do vestido, parece estar morrendo de calor. Opa, acho que vi
demais. Limpo a garganta e volto a me concentrar.
Teria sido uma enorme satisfação pessoal aplicar uma advertência
logo no meu segundo dia de trabalho, mas isso não acontece. Sei que vai
haver outras oportunidades, vou observá-la de perto, principalmente porque
seu atraso com o layout do aplicativo do Kaizen tem a ver com um motivo
tão frívolo como um aniversário de namoro.
Espanta o Garret tê-la mantido tanto tempo na empresa tendo tantos
designers gráficos no mercado de trabalho. Ontem mesmo eu fiz uma
ligação para ele perguntando se eu não poderia demiti-la, ele ficou chocado
com o meu questionamento. O nosso acordo era que eu não demitisse o
quadro de funcionários enquanto estivesse no comando da empresa, mas
que se tivesse pessoas que não agregassem e não tivessem fazendo um bom
trabalho, nós poderíamos conversar.
Ele me pediu para que eu desse uma chance, porque ela era uma das
melhores funcionárias da empresa, isso eu quero ver com meus próprios
olhos. Acho que ela mais engana do que trabalha.
Ouço duas batidas na minha porta, em seguida, a pessoa entra. De
novo é aquele cara, o chefe do Recursos Humanos, Wayne Peterson, ele
sabe ser bem insistente.
— Bom dia, senhor Tucker.
— Bom dia, o que precisa, Peterson?
— Eu queria saber se aquela reunião vai ser possível.
— Sente-se.
— Como?
— Sente-se. Vamos alinhar agora.
Ele dá um sorriso de satisfação, como se tivesse me dobrado.
— Que bom que vamos conseguir conversar.
— Senhor Peterson, eu não gosto quando as pessoas me pressionam,
você gosta?
— Não.
— Você tem contato com a minha assistente, certo?
— Tenho.
— Sabe que ela tem a minha agenda, não sabe?
— Sei.
— Então, por que você teve que vir até a minha sala pra perguntar da
reunião de novo?
— Porque é urgente. Acredito que eu como chefe dos recursos
humanos e você como o cabeça da agência precisamos estar alinhados com
o gerenciamento desta empresa. Nós dois temos que andar em conjunto.
— É mesmo? — Coloco os cotovelos na mesa. — Você está
gerenciando o que, Peterson? Porque eu vi que a área de recursos humanos
está de ponta cabeça. Ninguém tem plano de carreira aqui.
— Nós estamos desenvolvendo…
— Não estão.
— Eu… — Ele ajeita os óculos em nervosismo.
— Na nossa primeira reunião, eu quero resultado. Quero estratégias
para melhorar a nossa cultura organizacional e plano de carreira para os
nossos funcionários. Estamos entendidos?
— Sim, senhor.
— Ótimo. Quando sair, chame a Drina, por favor.
Ele meneia a cabeça em afirmativo.
Consigo perceber pelas suas mãos em punho o quanto ficou
contrariado, mas não diz nada. Contudo, algo estranho acontece, ele volta
de repente.
— Ah, antes que eu me esqueça, queria parabenizar pelo seu namoro.
— Meu namoro?
— É. Bom, aqui as coisas correm tão rápido, fiquei sabendo ontem
pelo grupo do trabalho. Você namora um amigo de infância? Aqui na
empresa nós temos uma política de inclusão LGBT+, e termos você no
cargo de liderança é muito importante. 
Dito isso, ele apenas sai da sala.
Abro a boca estupefato. Minhas narinas inflam.
Eu não preciso pensar em nada, a fofoca só poderia ser obra de uma
pessoa, e eu a chamo imediatamente para a minha sala.
— O senhor precisa de algo? —  pergunta ao abrir a porta. —Eu
queria dizer que ainda estou trabalhando no layout. Tem o Lucas pra
ensinar, é muita coisa.
— Sente-se.
— Não precisa, estou confortável. — Coloca a mão atrás das costas. 
— Como quiser, serei breve. Fizemos um acordo ontem, que você
quebrou.
— Que acordo eu quebrei?
— Não seja cínica. Estão falando de mim e do Max por toda a
empresa.
— Estão falando o que da belíssima amizade que vocês têm?
— Você sabe.
— Eu não sei.
— Senhorita Murphy!
— Sim, senhor Tucker?
— Você não está facilitando a nossa comunicação.
— E você não está sendo claro.
Respiro fundo, ela está se fazendo de boba a todo custo.
— Estão dizendo que somos namorados.
— Oh, é mesmo? — Ela arregala os olhos. — Eu não fiquei sabendo.
Acabei chegando em cima da hora. Como sabe, o carro da minha tia estava
sem gasolina e ninguém, ninguém, nenhuma boa alma quis me ajudar.
— Você não está no grupo da empresa? — É agora que eu a pego.
— Estou, mas não vejo sempre.
Dava para ver os dedos mindinhos da sua mão tremendo, não era uma
boa mentirosa.
— Quem mais poderia ter passado essa informação falsa além de
você?
— Vocês não são amigos? Vivem juntos por aí? Bom, qualquer
pessoa pode ter dito.
— Isso tá me cheirando a você.
— Isso me cheira a perseguição.
— Perseguição?
— Sim. E eu vou anotar tudo para quando o Garret voltar.
Ela está me ameaçando?
— Sou eu que estou no comando.
— Por três meses, não é para sempre.
Que abusada!
— E nesses três meses eu tomo as decisões, lembre-se disso,
senhorita Murphy.
— Eu vou fazer o meu trabalho, nada menos que isso. Precisa de mim
para mais alguma coisa?
— Preciso que não espalhe mais fofocas.
Ela dá um sorriso largo.
— Claro, não que eu tenha feito isso antes, mas o seu pedido é
sempre uma ordem. — E sai batendo o salto no piso liso. Esse barulho
replica na minha cabeça e eu massageio a têmpora, espero que não seja um
sinal de enxaqueca.
 

 
Estou com dor de cabeça no fim do dia. Não queria ter topado sair da
minha rotina de Boston para cair nessa cidade caótica. Eu trabalho com
publicidade também, mas não em uma empresa fixa, tenho vários clientes,
sou um dos melhores publicitários do ramo, faço criação de campanhas e
gerenciamento de marcas.
Eu não teria saído da minha rotina segura e tranquila, deixado o meu
ótimo apartamento, e abandonado a minha segurança se não fosse o
chamado da família. Meu tio não estava dando conta antes de machucar as
costas, ele estava se afundando. Seu único filho nunca teve vontade e
disponibilidade para vir na agência, imagino que ele queira vender sua parte
pra mim um dia. Quando minha mãe estava aqui, a Bee Creative era a
melhor de Nova York. Tudo que eu queria era que a agência voltasse a ter o
mesmo prestígio.
Queria ter ido pra casa, mas lá a minha dor de cabeça iria aumentar
por conta de certa pessoa, por isso decido ir pra casa da tia Bessie, mãe do
Max. Logo que ela abre as portas, suas cachorras, Gucci e Prada, vem até
mim. Sim, é esse o nome da Lulu da Pomerânia de pelo castanho, que é a
Gucci, e a Pinscher, que é a Prada.
A Gucci tem uma reação amigável como lembrava, mas a Prada
morde o meu dedo quando tento fazer carinho nela.
— Josh, meu bebê, eu não acredito que você veio mesmo. — Bessie
vem ao meu alcance com seu conjunto de academia nos tons rosa e lilás e
me abraça forte. Ela se parece muito com os filhos, os cabelos cacheados, a
pele castanha, o corpo esguio. —O Stephen vai amar te ver — cita o
marido. — Ele ainda não chegou do hospital, mas acho que logo vem. —
Seu marido é médico, assim como o filho, mas sua especialidade é cirurgia
plástica.
— Eu disse que vinha.
— Quase não acreditei quando o Max me contou que você vai passar
um tempo na cidade. Ai meu Deus, e as costas do seu tio? Ele se acidentou
esquiando?
— Não, foi tentando uma posição no Kamasutra.
— Ai! — Ela dá uma risadinha. — Você e suas piadinhas. — Prada,
para de morder o seu primo, solta o pé dele. Vamos lá pro jardim, querido, e
me conta, como estão as coisas? Falou com Evan?
— Não, nem quero.
— Josh, por favor, vocês são irmãos.
— Apenas por parte de pai. — Meu pai se casou com a primeira
esposa muito jovem, a mãe do Evan, minha mãe foi a segunda esposa.
—Ele se casou.
—Com aquela youtuber?
—Sim. Ela é bem divertida.
—Os vídeos dela me dão um pouco de vergonha. —Ela faz vídeos de
ASMR e são bem sensuais.
—É a esposa dele, você deveria conhecê-la.
— Nós não nos falamos há um ano e não estou a fim.
—Bom, e a vida pessoal, como anda? —Ela me olha como se já
soubesse de algo e enrosca o braço no meu. 
—O Max não te contou nada, nada mesmo?
— Ah, ele me falou umas coisas…
— O que ele contou?
— Que você tá morando com alguém.
— Fofoqueiro.
— Me conta, vai… Quem é ela? — Seus olhos brilham de
curiosidade.
Puxo uma cadeira da mesa do jardim e suspiro profundamente antes
de contar:
— Você se lembra daquele meu amigo? O Rufus?
— Na verdade, não…
— Conheci ele pelo trabalho. — Faço um resumo do porquê a Billie é
relacionada ao Rufus e como a gente está dividindo o mesmo teto.
—Josh, isso é incrível.
—Incrível? Isso é horrível.
— Não está vendo? É a oportunidade de você se apaixonar. 
— Por favor, tia. Isso nunca vai acontecer. Ainda mais com essa
garota.
— Como nunca vai acontecer? Todo mundo se apaixona. E por que
não com ela?
— Ela não é o meu tipo de garota.
— Por que não? O Max me disse que ela é ótima e que parece gostar
de você.
— O que tanto ele te contou?
— Que vocês já se beijaram.
— Eu vou matar ele.
— Josh, querido, nós só queremos o seu bem. Você está há tanto
tempo sozinho… retraído… desde que a… — E aí ela toca no assunto. —
Desculpe.
Ela solta o ar quase sem fôlego, eu fico quieto.
— Desde que minha mãe morreu.
— É. E eu sei que você não aceita o que aconteceu com seus pais.
—Não. Eu não aceito.
— Você precisa perdoar pra seguir em frente… precisa perdoar pra se
apaixonar. — Aperta minha mão.
— As pessoas estão sempre se frustrando por paixão. Eu não sou
assim.
— Todas as pessoas amam, querido. Todo mundo quer amar. E você
não é diferente de ninguém, todos esses anos sozinho, sem ninguém do seu
lado. Por quê, Josh?
Aperto o punho, minha boca fica seca.
— Eu não quero. — Olho para o lado, minha visão fica turva em
memórias. — Sabe por quê? No último dia dela, nós não achávamos que
seria o último, mas ela só respirava porque ele estava por perto. E aí…
Ela balança a cabeça.
— Vamos esquecer isso.
— É…vamos esquecer.
 

 
A minha enxaqueca só piora no dia seguinte, não consigo fazer as
reuniões, apenas fico dentro da minha sala trabalhando de portas fechadas,
não deixo que ninguém entre, nem que a Drina dê permissão. No horário do
almoço, quando saio, noto que a Billie Jean deixou expostas as chaves de
casa na sua mesa, e isso acaba me dando uma ótima ideia, se ela não tem as
chaves, ela não tem como entrar na casa. É a maneira mais fácil e rápida de
me livrar dessa garota, e ainda me livraria dessa dor de cabeça que veio
junto com ela.
Sorrateiramente, pego as chaves e as coloco no meu bolso. E é isso,
resolvido. Não é um roubo, afinal, é a casa onde estou morando. Sinto até
um alívio próximo a sobrancelha, o nervo menos tensionado. É uma
melhora vindo, sem dúvidas.
Saio para o almoço junto com o gerente financeiro, Leary Harrington.
Ele é um pouco irritante, mas me mantém a par das nossas contas que estão
um verdadeiro caos. Ainda não consigo acreditar que meu tio se afundou
desta forma, ele teve que vender uma de suas casas para manter a empresa
em pé.
— O que acha, Leary? Conseguimos nos manter estáveis esse ano?
— Bom, com a venda da casa nos Hamptons, sim. Mas precisamos…
— de repente ele para de falar, o homem fica mudo, quase babando, seu
olhar se perde e eu procuro a direção para ver o que ou quem o fez ficar tão
deslumbrado.
E lá está. Bom, eram duas pessoas, a Murphy e a Rivera.
— Leary? Você tá olhando pra minha secretária?
— O quê? Pra Drina? Jamais, acho ela tão irritante.
Ele está olhando pra Billie Jean?!
— Ela está incrivelmente linda hoje.
— Você tá falando da…
— Você conhece a nossa designer gráfica? A Billie é a melhor. Ela
tem talento. Você já viu os desenhos dela? São excepcionais. Ela é
incrivelmente talentosa. Vibrante! — Suspira. — E eu soube que está
solteira. Você acha que está tudo bem eu tentar algo com ela? É ruim para o
trabalho?
— Temos a política de que não se pode namoro entre superior e
subordinado, mas vocês dois não têm essa ligação.
— Ah, no caso você não poderia namorar ninguém da empresa, certo?
— Não, como te expliquei, é contra as regras.
— Oh, bom, que bom que eu tenho o caminho livre. Ei, meninas! —
de repente ele as chama. — Venham se sentar com a gente.
— Leary! Leary! — chamo sua atenção, mas é tarde demais, elas já
estão muito perto.
As duas se entreolham, indecisas, a Billie está querendo fugir, mas
Drina a segura:
— Almoçar com vocês? Claro! — Puxa a cadeira para se sentar. —
Nós adoraríamos. Eu adoro o linguini alfredo com camarão daqui… — diz
minha secretária.
— Eu também adoro, podemos pedir esse. E você, Billie, gosta? —
pergunta o Leary.
Billie levanta o olhar, até então estava escondida com o rosto no
cardápio.
— Eu não posso, sou alérgica, mas vocês três podem pedir.
— O que acha, Josh? — Leary me cutuca.
— Eu vou ficar com uma carne, não posso comer camarão também.
— Divide um prato daqui com a Billie, eles são bem grandes.
— Acho que não temos um gosto em comum.
— Eu estou com muita fome, quero comer um prato sozinha — diz a
Murphy junto comigo.
— Ok, vamos pedir. — Eu já estou sem vontade de almoçar, a dor de
cabeça tensiona meus nervos. — Vocês pediram pratos iguais, parece que o
gosto de vocês é bem similar. — Leary não cala a boca.
— É, mas eu tô com tanta fome, não ia dar pra dividir com o Josh.
Adoro a batata frita daqui, com o molho de mostarda fica incrível.
— E você, Josh, está com fome?
Que cara chato!
— Não muito, eu só não gosto de dividir.
Silêncio. Leary pigarreia tentando aliviar o desconforto.
— Parece que vocês têm mais coisas em comum do que imaginam.
Por exemplo, a Billie ia bastante pra Boston por conta do Victor. O Josh era
de lá, você sabia disso, Billie?
—Não me diga, que coincidência — finge surpresa.
—Aliás, fiquei sabendo que vocês terminaram, eu sinto muito.
— Tudo bem, eu não sinto. Será que vão trazer pão? — Ela olha aflita
à procura de um garçom. — Olha o pão vindo aí, que maravilha. — Ela mal
espera o pão chegar à mesa e o puxa da cesta. — Nossa que delícia, o pão
daqui é, assim, sem palavras…— Ela não para de mastigar, está nervosa,
percebo também pelo seu pé batendo debaixo da mesa, impaciente, isso
acontece durante todo o almoço.
Leary não para de fazer perguntas irritantes sobre seu ex-namorado,
indiscretas até, querendo saber o motivo do término. Ela não conta a ele,
muda rápido de assunto que acaba chegando a um Happy Hour que sinto
que ninguém gostaria que eu soubesse, tanto que todo mundo se entreolha
no momento, porque falaram demais. Concluímos um grande trabalho
publicitário e a equipe quer comemorar na sexta-feira.
— Vai ser onde? — pergunto. Eu vou só porque a Billie deu a
entender que não quer que eu vá.
— Em um rooftop — responde Drina e dá um gemido de dor em
seguida, parece que alguém a chutou embaixo da mesa. Eu sou muito
observador. Há uma tensão entre as amigas.
— Eu gosto, vai ser muito interessante conhecer um pouco mais dos
meus colegas de trabalho.
Meu sorriso desafia as pessoas ao meu redor que sorriem tremendo os
lábios. Isso é o que me deixa ainda mais animado a não faltar a esse
compromisso.
 

 
Como eu esperava, a campainha toca. É quase dez da noite. Consigo
ver pela câmera que é a Billie Jean. Sem a chave, ela jamais vai conseguir
entrar. Ignoro da primeira, segunda e terceira vez, mas ela insiste, e como
meu carro está fora da garagem, ela sabe muito bem que estou em casa.
Atendo o interfone, e ouço sua voz estridente:
— Josh, abre a porta.
— Não.
— O quê? Como não? Por favor, eu perdi a minha chave, não sei o
que aconteceu.
— Perdeu? Sério? Que pena.
— Você não parece muito surpreso.
— Estou bem surpreso. Acho que é um sinal pra você se mudar.
— Josh, é sério, muito sério. Me deixa entrar, tá tarde, tô com frio e
sem carro.
Por um momento, um pequeno momento, eu penso em deixá-la
entrar, mas a minha cabeça tensiona, e a enxaqueca me faz pensar que é a
única maneira de me livrar dela.
— Vai pra casa de uma amiga.
— Josh, seu filho da puta!
— Não fale assim com seu chefe.
— Você não é meu chefe agora porra nenhuma e se você não abrir
essa porta, você não sabe o que eu sou capaz de fazer.
— Eu vou subir, tô morrendo de sono. — Finjo um bocejo. — Boa
noite, Murphy. —Coloco o interfone no gancho e olho mais um tempo na
câmera. Ela esperneia, olha de um lado para o outro e simplesmente some.
Não consigo vê-la na frente da porta, pra onde ela foi?
Seja o que for, aparentemente desistiu.
Subo para o quarto, pego o notebook que está na minha cama, meu
celular apita, mudo o foco, tem várias notificações. Skylar, minha vizinha
de Boston, perguntou por que fui embora sem avisar, respondo que quando
eu voltar, eu compenso minha falta de comunicação. Abigail, a garota com
quem eu fiquei por três meses e terminei no mês passado, me mandou uma
mensagem há duas horas, eu não a abro.
Colter, um dos meus amigos publicidade, avisa que vem pra cá no fim
de semana e que quer ficar na minha casa. Nem fodendo.
Estou mandando um áudio quando um barulho na minha sacada me
chama atenção. Saio correndo, passo pela cortina, quando me deparo com
uma imagem que me deixa pirado, eu quase não consigo falar, minha
garganta trava.
É a Billie Jean, a doida, pendurada na minha sacada. Como?!
PORRA. Como?
Observo a imagem perturbado, minha cabeça está explodindo. Ela
pegou uma escada?
Espera, é a escada que eu usei pra arrumar a lâmpada externa ontem.
Merda, que merda! Por que eu não guardei?
— Que porra é essa, Billie?!
— Me ajuda — pede, ela não consegue se colocar pra dentro.
— Não.
— Quê? Eu tô com medo de cair, seu desgraçado.
— Você que se meteu nessa. — Começo a gargalhar.
— Sádico filho da pu… — Ela se desequilibra por conta da raiva e se
segura no parapeito. Corro porque seus pés perdem a escada.
— Cacete, Billie, que merda você fez? — Pego no seu braço. — Vem.
— Eu fiz merda? Você fez merda! Cadê minha chave? — Agarra-se
em mim com tanta força que suas unhas ficam no meu braço.
— Está em algum lugar. —Seu corpo inteiro se inclina para o meu,
ela está tremendo. Trago-a para dentro de uma vez, nós cambaleamos, mas
eu mantenho o corpo firme. Billie continua me abraçando muito, muito
forte.
E eu deixo, não sei porque, mas eu deixo, talvez tenha sido pesado
demais deixá-la sozinha lá fora. Pode ser que ela tenha medo de altura.
Mas, se tem, por que se pendurou na escada? Essa garota é tão estranha.
Balanço a cabeça, não posso deixar que ela entre na minha mente.
— Você vai me abraçar por quanto tempo?
Ela me empurra de uma vez.
— Eu não deixei minha chave por aí. Você a pegou. — Bate no meu
peito tentando me derrubar. — Devolve.
—Billie, você vai me derrubar.
— Josh, tá no seu bolso? — Volta a se aproximar.
Ela tá mesmo tentando colocar a mão na minha bunda?
 — Isso é assédio! Eu vou chamar a polícia! — Tento fugir, mas ela
vem atrás.
— Chame. Chame quem você quiser, e eu vou dizer que você roubou
a minha chave.
— Não me provoque.
— Você nem imagina o quanto eu posso provocar. Nem cheguei
perto, Josh. — Ela coloca a mão no bolso da minha calça jeans e não
encontra nada, eu a pego, segurando-a firme. — O que tá fazendo?
— Foi você que começou.
— Me solta.
— Tira a mão da minha bunda primeiro.
Ela não solta, porque nós dois nos preocupamos com um ruído
sonoro, algo muito característico. O barulho da sirene da polícia e ela para
exatamente na nossa residência. Olhamos um para o outro e nos acusamos:
— Foi você?!
 
VOCÊ É UM SÁDICO!
 
“Quando nos encontramos

Eu era descuidada com todas as minhas emoções

Mas quanto mais nos aproximamos

Tornei-me mais atenta, mais protetora, mais agressiva.”


(Sabrina Claudio, Problem with You)
 

 
 
Claro que não fui eu quem chamei a polícia, quando eu iria fazer
isso? Esse tempo todo estive com as mãos ocupadas tentando não morrer. E
o Josh? Quando foi que ele fez isso? Antes de eu subir as escadas? Ele
olhou nas câmeras? Filho da mãe!
Nós dois descemos apressados, aflitos, pensando em como vamos nos
justificar para a polícia. Estamos em uma discussão acalorada, jogando a
culpa um no outro, quando abrimos a porta e nos deparamos com dois
policiais fardados, um homem e uma mulher:
— Boa noite, senhores.
— Boa noite — respondemos.
— Recebemos uma denúncia nesta residência de que houve uma
invasão, de alguém subindo as escadas para pular a sacada.
Logo atrás deles dá para ver uma senhora e ela aponta de uma forma
acusadora para mim:
— É ela, foi ela que eu vi.
— Senhorita, pode se explicar?
— Eu, é que… — Engulo em seco. Olho para o Josh, essa é a chance
dele me ferrar.
— A Billie Jean mora aqui.
Solto o ar, graças a Deus.
—Nós estávamos em um tipo de jogo. — Emendo em seguida.
— Um jogo?
— É, nós gostamos de fazer joguinhos, né, amor? — Coloco a mão na
cintura dele.O filho da mãe não fala nada. Dou um sorriso sem graça e tento
melhorar minha situação. — Eu ia entrar pela sacada e fazer um show pro
meu amorzinho, se é que vocês me entendem.
A senhora fica embasbacada e resmunga:
— Que pouca vergonha!
— O meu Josh gosta de surpresas e eu faço o que posso. — Puxo o
braço dele para que ele me abrace, a contragosto, finalmente aceita.
— Nós entendemos — diz o policial.
— Pedimos que não repitam isso novamente, é perigoso e os vizinhos
podem entender errado — alerta a parceira.
— Sim, nós não vamos repetir.
— Ok. Acho que não temos mais nada para fazer aqui. — Eles dão
uma inclinada na cabeça para olhar na casa e não percebem nada. — Bom,
boa noite.
— Boa noite — dissemos juntos e continuamos abraçados esperando
que a viatura vá embora e que a senhora bisbilhoteira suma.
— Por que você não me ajudou? — pergunto com raiva, soltando-me
da farsa.
— Eu te ajudei, falei que você mora aqui.
— Cacete, Josh, quase que eu sou levada pela viatura. Fala sério!
Custava entrar na brincadeira?
— Custava. Era mentira e eu não minto.
— O quê?! Você não mente?
— Não. Eu não minto.
Gargalho forte, tanto que minha barriga dói.
— Você não mente? Você é homem, porra, todo homem mente.
— Eu não minto, nunca — diz tão sério, nem um milímetro do seu
rosto se mexe.
— Como? Como assim você não mente? Você roubou minha chave.
— Você nunca perguntou diretamente se estava comigo.
— Safado! Eu não acredito em você.
— Bom, se não quiser acreditar. Eu já disse, eu não minto.
— Porra, é bizarro.
— Isso é pra ser estranho?
— É. Quer dizer, não deveria ser, mas, ok, é estranho.
— Bom, eu não minto. Tanto que eu sempre falo para as pessoas
tomarem cuidado com as perguntas que fazem pra mim.
Ele me desperta a curiosidade, quero fazer perguntas, mas ao mesmo
tempo tenho receio de fazê-las.
— Você tem medo do escuro? — Que pergunta idiota.
— Não.
— Você já traiu alguém?
— Não.
— Nunca?
— Nunca.
— Você…
— Vou dormir, boa noite.
Droga! Quando ele menos esperar, vou lançar uma ótima pergunta.
Percebo que tenho várias chamadas perdidas da Virginia, ela está
desesperada à minha procura, já faz um tempinho que não nos falamos e eu
sabia que se ela estava atrás de mim, é porque precisa de um favor.
— O que aconteceu? — pergunto ao retornar a chamada.
— A Phoebe foi suspensa.
— O que a minha sobrinha fez?
— Ela socou o nariz de um garoto.
— Meu Deus, a sua filha é terrível.
— Ela disse que foi você que ensinou.
Droga, a situação sempre se vira contra mim.
— Tenho certeza que foi autodefesa. As mulheres precisam saber se
defender.
— Pergunte a ela depois. A questão agora é que preciso da sua ajuda.
Amanhã tenho uma reunião importante no trabalho e preciso que alguém
fique com ela no período da manhã, vai ter que ser você.
— Eu?! Mas você não arrumou nenhuma babá?
— Não. Ninguém pode com a Phoebe.
— Eu não posso, Ginny, meu novo chefe é um tirano, se eu faltar
amanhã, ele vai me matar.
— Como assim? O Garret era tão gente boa.
—Ele tá de licença.
—Ah… então leva ela para o trabalho.
— Piorou, ele deve ser do tipo que detesta crianças. E você sabe,
nossa monstrinha é difícil de lidar.
— Billie, eu preciso da sua ajuda. Ele não deve ser tão ruim assim.
— Você não sabe com quem tá lidando.
— Amanhã você vem buscar a Pheebs, não tem acordo, você que a
estragou.
— Eu a estraguei? Você é a mãe dela!
— Você que a ensina a fazer merda, toda vez que ela leva advertência,
tem a ver com você.
— Tá, tá bom, se eu levar advertência no trabalho, a culpa vai ser sua.
— Ótimo, aí você e ela vão pra casa. Te espero cedo aqui, boa noite.
Simples assim, ela desliga o telefone. Com a Virginia, nunca tem
acordo. E tudo bem, ela tem um pouco de razão, eu ensinei a Phoebe a se
defender, e vamos lá, tenho certeza de que deve ter uma boa razão pra ela
ter feito o que fez.
Minha irmã é apenas dois anos mais velha do que eu e a Phoebe tem
quatro anos. Quando ela ficou grávida, tivemos um surto. Nenhuma das
duas estava preparada, ela no começo da carreira na área de tecnologia, e eu
recém-formada no meu primeiro ano na Bee Creative, nenhuma entendia de
bebês, não tínhamos nossos pais por perto e não tínhamos maturidade o
suficiente, mas tivemos que nos apoiar uma na outra.
O pai da Phoebe é uma grande incógnita. Sei que foi um cara que a
Ginny conheceu em uma balada e que nunca mais se viram. Fiquei um
tempo morando com ela, no primeiro ano para ser exata. Depois fui para o
meu apartamento quando se estabilizou. Nossa tia, Genevive, foi de grande
ajuda e cuidou da Phoebe sempre que foi preciso, só o Rufus que sempre
achei que nunca foi com a minha cara. Não é à toa que ele tem amizade
com certa pessoa.
 

 
— Sua franja tá torta — é a primeira coisa que a Virginia me diz
quando abre a porta pra mim. Minha irmã está com sua roupa de trabalho
impecável. Calça de alfaiataria preta, salto alto, camisa de meia gola azul
marinho, cabelo perfeitamente penteado, a franja reta quase não se mexe,
seu cabelo está perfeito.
— É bom te ver também, Ginny.
— Não temos tempo para cumprimentos. Toma, café. — Empurra um
copo para mim.
— Uau, obrigada, você está eficiente.
— Levantei cedo, fiz ioga, fui correr e depois passei na cafeteria.
Rotina, Billie.
— Meu Deus, você é tão acelerada, tá me deixando zonza. — Entro
na sua casa. Minha irmã sempre foi regrada e perfeita. Não sei como ela
engravidou.
Na verdade, sei. Eu sempre fui a irmã que me perdia na cartela do
anticoncepcional e a que tinha o ciclo desregulado. A Ginny não, o ciclo
dela era regular, ela tomava anticoncepcional desde os dezesseis anos no
mesmo horário, até que viajou para Boston a trabalho e ficou por lá duas
semanas. Ela não levou a cartela, não comprou, achou que não ia transar e
bom, o resultado veio em nove meses.
— Tia Bibis!!! — Phoebe corre até a mim. Ela se parece muito com a
Virginia, e comigo é claro. Ela tem franjinha como nós, mas seu cabelo é
ondulado.
— Monstrinha! — Pego-a no colo. —Que saudade!
Nós nos abraçamos forte e ela se distrai com o colar de flor que eu
coloquei propositalmente esta manhã para chamar sua atenção.
— Bibis, você quer ver meu cachorro?
— Sua mãe te deu um cachorro?
— Eu não dei um cachorro pra ela, é de pelúcia.
— Claro que quero ver.
Virginia pega a pelúcia.
— Qual o nome dele?
— Cachorro. — Ela é tão pragmática quanto a mãe.
— Temos que dar um nome.
— Huum…
— Que tal ‘pintadinho’? Ele é um dálmata.
Ela faz uma careta de nojo.
— Não.
— Péssimo, né? Eu concordo.
— Olha, eu preciso ir, enquanto vocês resolvem o nome do cachorro,
já estou atrasada. Você se lembra de como colocar a cadeirinha, né? O
encaixe é fácil. — Aponta para a cadeirinha no sofá.
— Sim, eu sei.
— Brinquedos, lanche, lenço, tá tudo na mochila.
— Eu sei como lidar com a Monstrinha.
— Ok, então… — Aproxima-se da filha e dá um beijo na sua testa.
— Se comporte, certo? As duas.
— Eu sou a adulta aqui.
— Espero que saiba disso. Até o almoço.
— Até e não se atrase. —Volto a atenção para sua filha quando fecha
a porta. — Vamos pensar em outro nome. — Dou uma olhada no relógio do
pulso e percebo que obviamente eu também vou me atrasar se não correr.
— Mas vamos fazer isso no caminho. Se não o meu chefe sádico vai me
matar.
— Sádico? —Ela dá uma risadinha quando eu a coloco no chão. — O
que é sádico?
— Não fala isso.
Ai, Deus. Que droga! Eu ensinei a minha sobrinha a palavra sádico.
Billie Jean, sua perturbada!
— Sádico! — fala mais alto. Que merda, ela gostou da palavra, claro
que ia gostar, tudo que é proibido, a danadinha gosta.
— Querida, você quer um Muffin? Podemos pegar no meio do
caminho. Que tal de amora?
— Chocolate?
— Sua mãe não me deixa te dar chocolate tão cedo.
— Sádico!
— Tá bom, tá bom. Eu prometo te dar o Muffin de chocolate se você
parar de falar essa palavra, que tal? Aceita?
Ela me confirma com a cabeça.
Meu Deus do céu, eu vou morrer até essa manhã passar. Se não for a
Virginia que vai me dar o golpe da morte, o Josh que irá fazer isso. Engulo
o café que está quente demais e queimo a garganta, isso já é um prelúdio de
que o dia vai me foder.
 

 
Assim que saímos do elevador, noto que tudo parece muito calmo,
estou meia hora atrasada, Drina está fora da sua mesa, provavelmente está
em alguma reunião com o chefe e isso é excelente, ele nem deve ter notado
minha ausência.
Organizo as coisas na minha mesa e logo vejo o Hernandez vindo na
minha direção com seu copo de café em mãos.
— Chefinha, quem é essa mini você? Sua filha? — pergunta o Lucas.
— Minha sobrinha.
— Uau, vocês são idênticas.
— Você acha? —Sorrio, me gabando. — Eu sempre disse isso pra
minha irmã, embora eu ache que os olhos dela são do pai. Quer dizer, eu
nem o conheço, mas não se parece com o da Ginny, nem com o meu, nem
com ninguém da família… — Dou de ombros.
— Eu acho. Ei, qual o seu nome?
Ela vem atrás de mim, sempre fica desconfiada com estranhos,
embora depois que os conheça, fique bem terrível.
— Phoebe, fala ‘oi’ pra ele, é colega de trabalho da tia.
— Phoebe? Que nome bonito. Gosta de desenhar, Phoebe?
Ela confirma que sim com a cabeça.
— Podemos deixá-la em uma mesa, será?
— Claro, da última vez ela… — paro de falar, porque o Lucas me
sinaliza, tem alguém vindo e esse alguém só pode ser aquele tirano sem
coração. Olho para trás e obtenho a confirmação.
— Senhorita Murphy, está atrasada para o trabalho — diz, ora
olhando para mim, ora para minha sobrinha.
— Desculpe, eu tive um imprevisto.
— Você sempre tem.
— Eu sei, mas, hoje, hoje foi muito necessário.
— Não importa. Os clientes da Kaizen acabaram de chegar, preciso
que fale com eles.
— Mas, mas eu…
— Venha até a minha sala, por favor.
— Mas e a…
— Eu fico com ela — intercede Lucas.
Phoebe puxa a barra do meu vestido e isso faz com que eu quase
mostre demais.
— Eu não quero — choraminga.
— E a tia Drina, amor? Você gosta dela, não gosta? — Phoebe insiste
em puxar meu vestido.
— Traga-a — diz Josh e coloca as mãos no bolso. —Drina, você fica,
é uma conversa particular com a senhorita Murphy.
Eu e minha amiga nos entreolhamos com aquele olhar sabendo que já
era.
Acabou, eu e minha sobrinha vamos para casa. As duas suspensas, da
noite para o dia.
Assim que entramos na sala, a porta é fechada.
— Oi, qual é o seu nome? — simplesmente pergunta para a Phoebe.
— Sádico! — exclama.
SOCORRO!
Josh olha para mim e depois para ela.
— Ela é sua filha?
— Não, é a minha sobrinha.
— E você ensina isso pra sua sobrinha? Porque eu tenho certeza que
foi você quem ensinou.
— Foi sem querer. A Phoebe adora falar o que não deve.
— Assim como você.
— Você…
— Cuidado com o que vai falar… — Ele olha pra criança e eu calo a
boca.
— Tá, eu vou ficar calada, tudo que eu disser vai ser usado contra
mim.
— Se você a trouxe, você deve ter seus motivos
— Fui suspensa — fala Phoebe de repente.
Ela tinha o dom de falar quando não devia, assim como eu.
— É mesmo? O que aconteceu?
— Bati em um menino.
— Por quê?
— A tia Bibis me ensinou.
— Eu ensinei autodefesa e ela deve ter um motivo muito bom e
plausível.
— E qual foi o motivo?
Phoebe fica em silêncio.
— Pode dizer, querida, ninguém aqui vai te julgar.
— Ele pegou o meu cachorro. E você disse, tia Bibis, que meninos
não devem fazer nada sem nossa permissão.
— Eu sei, meu amor, mas você não precisava ter batido nele por isso.
— Cachorro? Que cachorro? — Josh fica perdido.
— É o cachorro de pelúcia dela.
— Oh, entendo.
Abaixo para conversar com minha sobrinha, tento explicar que o que
ela fez não foi o que eu quis ensinar. Enquanto isso, Josh fica em silêncio e
digita algo no computador e de repente uma música infantil começa a tocar.
Eu tenho certeza que é de um desenho que a Pheebs gosta, só não me
recordo qual.
Ela fica apertando a barra do vestido, inquieta, com vergonha, sem
saber se deve ir ou não até o outro lado da mesa.
— Pode ir… — encorajo-a.
— Posso?
— Sim, você pode.
Ela vai, fica em pé, próxima ao Josh, com os dedinhos perto da boca,
a Virginia sempre pede para que ela não faça isso.
— Quer se sentar na minha cadeira? — pergunta e ela confirma que
sim animada. Os dois interagem, o Josh sabe qual é o desenho, é como se
ele assistisse. Quando ele percebe que ela está imersa o suficiente no
entretenimento, ele me pede para acompanhá-lo até a porta.
Phoebe não faz sequer um sinal de que vai se mexer para me
acompanhar.
— O que foi isso? — questiono passando pela porta. — Você assiste
esse desenho?
— Fiz publicidade para a empresa que o produz, só isso.
— Uau, você parece bom com crianças.
— Pareço?
— Quer ter filhos?
Esse era o momento das perguntas. Josh não podia mentir.
— Quero.
— Quantos? Uns quatro? — Rio.
— Sim. Se eu pudesse já teria tido.
Phoebe dá uma gargalhada. Quem não está mais rindo sou eu.
— Sério? Você não parece o tipo de cara que…
Ele limpa a garganta.
— Senhorita Murphy… vamos falar de trabalho. Os clientes da
Kaizen…
— Sim, os clientes da Kaizen, o que tem eles?
— Estão esperando pela nossa designer gráfica, que é você.
— Entendi, eu preciso ir?
— Sim, precisa.
— Mas e a Phoebe?
— Eu cuido dela.
— Tem certeza? Eu não posso deixá-la nas suas mãos, é muita
responsabilidade.
— A Drina me ajuda. Eu só preciso que fale com eles. O Burks do TI
já está lá com a equipe, leve o Lucas.
— Ok. As coisas da Phoebe estão na minha mesa, se precisar.
— Tá. Acalme o cliente.
— Tenho tudo sob o controle, estou na fase do rascunho do Layout. Já
estou na metade.
— Mesmo? E por que não me mostrou?
— Desenvolvi boa parte do que faltava de madrugada. Queria que eu
te acordasse?
— Fala baixo.
— Desculpe.
— Só vai, agora.
E eu vou, não porque ele mandou, mas porque é o meu trabalho.
 

 
Quando saio da reunião, corro direto para a sala do Josh com medo de
que a Phoebe tenha feito um escândalo à minha procura, mas acabo
quebrando a cara, pois minha sobrinha esqueceu completamente da minha
existência no tempo em que eu estive fora.
— Como foi a reunião? — averigua meu chefe.
— Tudo certo, o cliente gostou do Draft, agora o prazo, funcionando
pelo menos a navegação, os meninos vão conseguir entregar em dois meses
e meio.
— Tá, e eles aceitaram?
— Sim.
— Ótimo.
— Por que você nunca teve filhos? — jogo a pergunta de uma vez.
— Porque nunca estive com alguém pra ter esse vínculo. Agora pare
de me fazer perguntas.
— E por que nunca esteve com alguém?
— Por que eu não quero.
— Por que você não quer?
— Senhorita Murphy, você está ultrapassando o nosso limite.
— É só uma pergunta.
— Que eu não quero responder.
— Tudo bem, pensei que falasse a verdade sempre.
Ele ri.
— Não vou cair no seu jogo.
— Omissão é mentira.
— Você vai se arrepender de me fazer essa pergunta.
— Isso parece uma resposta de um mentiroso.
— Ótimo, é simples, porque eu sou… — Ele se aproxima de mim
para falar na minha orelha, e eu fico de olhos arregalados, olhando para a
pinta castanha que ele tem no pescoço enquanto continua a dizer: — tão
fodido emocionalmente por conta da relação dos meus pais que não consigo
me envolver com ninguém.
— Josh… — Fico em estado de choque.
Droga… Porque eu abri a boca? Por que eu perguntei?
— Senhorita Murphy. — Ele se aproxima da sua mesa, pega um papel
e rabisca algo com raiva. — Toma. — Entrega-me o papel.
— Que isso?
— Sua advertência.
— Por quê?! — Não consigo ler o papel, estou nervosa demais. —Eu
pensei que você tivesse perdoado o atraso.
— Eu perdoei. O motivo é por você não respeitar os limites entre nós.
 
 
O ÁLCOOL TEM UM GOSTO MELHOR DO QUE AS LÁGRIMAS
 
“Estou tentando focar em mim mesma,
Porque eu continuo cometendo erros
E nunca aprendo com eles.”
(Cassie Howard, Euphoria)
 

 
 
— Você ama batatas-fritas, por que não está comendo? — pergunta a
Virginia no almoço.
— Levei uma advertência.
— Oh, claro. Tal tia, tal sobrinha.
— Você não ficou surpresa?
— Não.
— E não vai perguntar o que eu fiz?
— Você quer mesmo dizer? — Mexe seu suco de pitaya e melancia
com o canudo de inox.
— Foi uma injustiça! — Bato na mesa.
— Calma, ou vai acabar derrubando tudo. Aliás, o que foi que deu na
Pheebs? Ela está em transe com esse desenho. — Sua filha está no meu
celular em repeat com o mesmo episódio.
— Foi o meu chefe que colocou pra ela.
— Seu chefe? Ele não me parece tão ruim.
— Ele é horrível, egocêntrico, cruel e um sádico!
— Sádico! — repete Phoebe.
Virginia me olha com a cara de quem vai me matar.
— Olha o que você acabou de ensinar pra minha filha, se ela repetir
isso na escola, adivinha só, vão me chamar pela décima vez nesse mês.
— Foi sem querer.
— Você sempre faz as coisas sem querer, Billie, precisa pensar antes
de falar, nem sempre as pessoas vão te perdoar.
— Eu sei, só que você não entende, Ginny.
— O que eu não entendo?
— Se você o conhecesse, entenderia.
— Todos os chefes são difíceis, vai passar. Por quanto tempo o Garret
vai ficar de licença?
— Três meses.
— Não é tanto tempo assim.
— Eu sei que não é, mas…
— Olha, é só durante o expediente, quando chegar em casa, esquece
tudo, você não tá na casa da tia Genevive? É tão espaçosa. Enche uma
banheira, curta a calmaria, aquele ambiente só seu. Você tá reclamando
demais.
Definitivamente o que não tem em casa é calmaria.
— Você deveria conhecer o meu chefe, só assim saberia o que é que
tô dizendo.
— Não, obrigada. Estou cansada de homens.
Parece que a fala da minha irmã atrai o efeito contrário porque quem
acaba de acenar para nós é ninguém menos que meu estagiário e ele está
vindo na nossa direção.
— Ei, chefinha!
— Ah não. — Ginny coloca a mão na cabeça. — Dá um jeito de
espantar esse daí.
— Lucas, oi! — cumprimento quando ele chega. — Essa é a minha
irmã Virginia, a mãe da Phoebe.
O garoto fica em transe, boquiaberto, ele não consegue raciocinar
pelo simples fato de estar parado em frente a Ginny. Acho que ela acaba de
ganhar um novo admirador, é um grande problema para ele, porque minha
irmã despreza homens desde que seu foco é a maternidade, um homem mais
jovem então, ela nunca cogitaria.
— Olá? — Ela tenta falar com ele.
— Oi… é… oi! — Ele bate nas cadeiras para cumprimentá-la. —
Prazer, Lucas Hernandez.
— Virginia Murphy.
Ele fica encarando-a e eu tento limpar a estranheza da situação.
— Quer almoçar com a gente?
Minha irmã me olha com a cara mais azeda do mundo.
— Claro, se não for atrapalhar vocês. Meu irmão ia aparecer pra
almoçar comigo, mas acabou ficando preso com os compromissos do
hospital.
— Imagina, você não atrapalha. Senta com a gente. — Tiro minha
bolsa da cadeira.
Quando ele se senta, nós aproveitamos para fazer os pedidos. Minha
irmã não se esforça muito para ser simpática, embora ele tente conversar
com ela durante todo o almoço.
Na hora de ir embora, eu a acompanho até o carro, enquanto o Lucas
me espera na porta do restaurante para irmos até a empresa juntos.
— E mais uma vez, você não pensa antes de agir — diz a Virginia
quando termina de colocar a Pheebs na cadeirinha.
— Mas o que foi que eu fiz?
— Billie, por favor, era pra ser um almoço entre a gente.
— E você tinha algum segredo pra contar?
— Eu só queria comer em paz, com a minha família, não com um
desconhecido que mal conseguia falar porque ficou me encarando de uma
forma bem estranha — fala de uma vez quase sem respirar.
— Desculpa, mas tem hora que não dá pra te entender.
— Me entender? Eu sou fácil de ler, você que é a perturbada aqui.
— Eu não sou… — fico quieta, acho que não dá para me defender
hoje. — Tá, ok. Eu sou.
— Esse final de semana você tá livre, né?
— Por quê?
— Eu vou te visitar.
— Por quê?!
— A casa da nossa tia tem oito quartos, acha mesmo que eu não
quero aproveitar? Te vejo lá. Faça algo pra gente. Chame as meninas, a
Drina, a Parveen.
— Mas eu… eu não…
— Não seja preguiçosa, sei que sua programação era passar o final de
semana todo de pijama.
Era, mas esse não é o problema.
— Mas, Ginny…
— Te vejo amanhã à noite. Dá tchau pra sua tia, Pheebs.
— Tchau, tia Bibis.
— Tchau, querida. — Tremo os lábios. Mal consigo acenar. Minha
mente não consegue pensar em nada a não ser que o Josh vai me matar.
 

 
Levantamos os copos para o brinde, em seguida, eu tomo afobada
querendo aliviar o desconforto que foi o dia. Tinha tanta gente na mesa que
eu mal consigo enxergar o meu chefe na outra ponta. Ótimo. Estou cansada
da cara azeda dele. Provavelmente ele também está cansado da minha,
porque está bem recluso, não sei porque ele veio no Happy Hour, nem
sequer foi convidado.
— O que você tem? — Drina me cutuca.
— Levei uma advertência.
— Por quê? Por ter trazido a Phoebe?
— Não, por outra coisa, mas não vamos entrar em detalhes, não quero
estragar a diversão. É como dizem, o álcool tem um gosto melhor do que as
lágrimas.
— Existe esse ditado ou você acabou de inventar?
Faço cara feia depois de engolir a tequila e chupar o limão e confirmo
que existe em seguida.
— O nosso chefe é mesmo gay? — pergunta a recepcionista, Betty, ao
se aproximar de nós.
— Ele não é — respondo.
— Como tem certeza? Foi você que contou a fofoca — Drina me
acusa.
— Pelo amor de Deus, fala mais baixo. Se ele ouvir, eu tô ferrada.
Porque eu exagerei na fofoca. Eles moravam juntos na época da faculdade e
eu meio que supus que eram amantes.
— Ah, você sempre faz isso, sempre coloca informação onde não
tem. Bem que o meu radar estava certo.
Betty para de prestar atenção na nossa conversa, porque está
encarando o Josh, fissurada em cada gole que ele dá na sua cerveja, ou
melhor no pescoço e músculos desse safado. A forma com que o pomo de
adão sobe e desce a faz engolir a saliva com dificuldade, eu olho ora para
ela, ora para ele. Há um misto de sardas e vermelhidão de vergonha em sua
face. Alguém foi pega pela paixão.
— Quais são as regras da empresa sobre namoro? — indaga ela de
repente.
— Tem regra pra isso? — Estou desinformada.
— Tem — reponde a Drina. — Não se pode namoro entre supervisor
e subordinado.
— Ai não. —Ela joga os cabelos ruivos para a frente e se debruça na
mesa. —Ai não, é o fim!— E começa o Romeu e Julieta. — Espera! —
Parece que ela vê uma luz, pois até levanta a cabeça. —Regras são feitas
pela gerência, não é? Elas podem ser mudadas, não podem?
— Eu acho que sim, eu não sei — penso. — Por quê?
— Se hipoteticamente o nosso chefe se apaixona por uma
subordinada, ele pode namorá-la ou ele teria que demiti-la? Como isso
funcionaria na empresa?
— Um, não é apenas na Bee Creative que essa regra existe —começa
a dizer Drina. — Dois, de acordo com o que conheci o nosso chefe nesta
semana, ele é um livro fechado, ele não fala nem informalmente com a
gente.
— Se, hipoteticamente, essa possibilidade existisse, eu só estou
perguntando isso.
— Você tá sonhando, acho que você não o conhece, ele jamais se
relacionaria com uma funcionária — digo de repente.
— Você o conhece, Billie? Tá falando de uma forma…
— Três, essa discussão não vai nos levar a nada, o Leary acaba de
deixar o Josh e tá vindo em nossa direção — Drina nos interrompe.
— Ah não! — lamento, passando a mão no rosto.
— Pois é, o seu tormento tá vindo aí.
O Leary, o gerente do financeiro, era a fim de mim.Descobri isso há
pouco tempo na confraternização de final de ano, ele bebeu todas, saiu um
pouco da linha e quase me beijou. Ele não se lembra de nada, porque eu o
meti em um táxi e o mandei para casa no dia, mas eu lembro. E agora eu sei
que esse Happy Hour era uma grande oportunidade para ele me perturbar.
— Ei, meninas! — Ele chega colocando a mão no meu ombro e na
cadeira da Drina. — Como estamos? De copos vazios, já? Isso não é
possível! Vamos chamar o garçom.
O que eu fiz para merecer o dia de hoje?
— Pode deixar, eu vou até o bar — nego sua ajuda. —Amiga, mojito?
— pergunto pra Rivera e ela confirma que sim.
Desta vez quem está a fim de beber todas sou eu. Preciso afogar as
minhas mágoas, essa inquietação dos últimos acontecimentos. A descoberta
da traição, a mudança de casa, o colega indesejado que eu não suporto, essa
advertência inesperada, o fato de que eu preciso focar em mim mesma,
porque estou me deixando, mais uma vez, me afetar por um cara sem ao
mesmo estar envolvida romanticamente com ele.
Não, eu não posso repetir esse padrão.
Por que a gente escolheu esse bar? Tem tanta gente. Tenho que me
espremer entre tantas pessoas para conseguir um espaço decente para me
enfiar no meio do bar. E, ainda assim, quando consigo espaço, não consigo
atenção de nenhum dos três barmans. Alguém me nota!
— O que você quer? — de repente alguém pergunta pra mim. Essa
voz não é conhecida. É um cara, eu viro meu rosto na mesma hora que sua
voz grossa me chama a atenção. Ele tem estatura média como a minha,
cabelo preto, tá de camisa florida, é um pouco tosco, eu acho, mas seu rosto
é bonito.
— Dois mojitos.
— Dois mojito e duas cervejas, por favor — pede.
— Obrigada.
— Sem problemas, seu nome é?
— Billie Jean.
— Billie Jean, nome interessante. Sou o Nash Sinder, prazer. —
Estende sua mão e eu a aperto. — Você trabalha aqui perto?
— Sim, é próximo, tô aqui com um pessoal da minha empresa.
— Imaginei, eu te vi em uma mesa cheia. O pessoal da minha
empresa também tá aqui pra um Happy Hour. — Aponta pra uma mesa
grande como a nossa.
— É por isso aqui tá sempre tão cheio. As pessoas têm sempre a
mesma ideia.
— Te incomoda? — Ele chega mais perto.
— O quê? — Aproximo para escutá-lo, pois a música está alta.
— Lugares tão cheios.
— Só quando não consigo me mexer e pedir uma bebida.
O barman entregou as cervejas dele e avisou que logo entregaria meu
drink.
— Se precisar de ajuda pra pedir outro drink, me chama. — Pisca pra
mim. — Eu venho te ajudar — diz o Nash antes de voltar pra sua mesa.
Tá, isso foi um flerte?
Quando eu volto para mesa, Drina sussurra:
— Eu vi você conversando com um cara, o que rolou?
— Ele me ajudou com os mojitos.
— Agradeça-o por mim. E, antes de ir embora, pegue o contato dele.
Do outro lado da mesa, alguém parece arrependido de ter vindo
bisbilhotar os seus funcionários, Josh parece entediado com as conversas do
Leary.
Betty volta a se aproximar de mim e da Drina, tomada por uma
coragem que só o álcool é capaz de proporcionar:
— Aqui neste bar, atrás do palco principal, tem um painel adornado
de folhas com um letreiro luminoso escrito “Kiss me Here”, diz a lenda que
se você está com uma pessoa lá, vocês dois têm que se beijar.
— Como assim tem que se beijar? É obrigatório? — pergunto.
— Ou você beija ou é sete anos de azar.
— Cala a boca — solta Drina.
— Desculpa. — Betty não sabe que o “cala a boca” é uma forma da
minha amiga demonstrar surpresa.
— Relaxa, eu quis dizer, que porra é essa?
— Ai pelo amor de Deus, é só uma forma de um cara fazer com que
uma garota o beije.
—É sério, não é fácil chegar do outro lado do palco quando tem show.
E hoje tá bem lotado. Mas a questão é que não se pode mexer com a sorte,
né?
Nisso ela tem razão.
As pessoas tentam socializar com o nosso novo chefe, mas é o que a
Drina disse antes, ele é um livro fechado. Tudo que ele fala é sobre o
trabalho, Boston, mas nada sobre sua vida pessoal. Eu tenho que segurar a
minha curiosidade, porque não é da minha conta o que aconteceu com ele e
os pais dele.
Mas ao mesmo tempo as perguntas pipocam na minha cabeça. Quem
é Josh Tucker? Por que ele é tão fechado? Por que ele nunca se relacionou
com alguém de verdade?
Leary pede shot de tequila para todos à mesa, ele está mais animado
que todos nós.
Josh não quer beber o dele, diz que está de carro, por isso o gerente
financeiro acaba bebendo o dele. Estou ficando ainda mais preocupada.
Será que devo sair de fininho antes de todo mundo? Ah sim, eu devo. É a
melhor estratégia.
Eu já tinha bebido um pouco, o suficiente para ficar alta, mas não o
suficiente para aceitar as investidas do Leary Harrington. Suas camisas
floridas, junto com seu perfume frutado, me dão náuseas. Ele tinha um
bigode sem barba que parece falso, um dia eu perguntei para ele se era
colado, parecia tanto de mentira que eu tinha vontade de chegar perto o
suficiente só para puxá-lo, mas era melhor não me arriscar.
— Eu vou embora — sussurro pra Drina.
— Como assim você vai embora?
— O Leary bebeu demais. Ele vai me perturbar. Vou aproveitar que
ele foi ao banheiro.
— Tudo bem, te vejo amanhã na sua casa.
Droga, droga, droga!
Eu tinha me esquecido disso por um pequeno momento.
Pego minha bolsa, ao olhar para a mesa, noto que alguém também
sumiu, Josh Tucker.
Assim que me levanto, percebo que a saída não está fácil de ser
encontrada, tem gente demais. Pior, consigo ver a cabeça do Leary no meio
das pessoas.
— Ei, Billy… — Ai, não! Quem tá me chamando? — Billy Jean? —
Olho para trás e noto que é o tal do Nash. — Já está indo embora?
— Estou, tenho ioga amanhã cedo. — É a primeira coisa que penso.
— Que pena, queria te pagar um drink.
— Não precisa, eu já bebi muita coisa.
— Isso é uma maneira sútil de me dar um fora?
Franzo o cenho estranhando sua atitude.
— Não, é só uma maneira de dizer que eu já bebi muito.
— E qual o problema? Vai te deixar ainda mais soltinha. — Ele
encosta na minha cintura.
— Soltinha? — Afasto-me e acabo esbarrando em outra pessoa.
Droga de lugar lotado! Quem teve a ideia de vir aqui? — Sinceramente,
não. Só não encosta em mim de novo.
Ele arregala os olhos.
— Não? Eu pensei que você tivesse dado sinais. Vai se fazer de difícil
agora?
— Sinais do quê?
— Ela disse ‘não’, ouviu? —é a voz do Josh, e ele tá bem atrás de
mim. — Vamos embora, Billie. — Ele simplesmente me puxa, não espera a
resposta do tal Nash.
— O que tá fazendo?
— Te livrando do babaca.
— Eu ia me livrar dele sozinha.
— Eu só quero dar o fora daqui. Você não quer o mesmo? —
Concordo ainda segurando sua mão para não me perder, é mais fácil sair
com ele, porque está abrindo caminho.
Deixo tanto ser guiada pelo Josh, com a cabeça baixa para ver os
meus passos e irritada pelo som alto, que acabo não percebendo que
estamos atrás do palco, mais especificamente no painel luminoso escrito
“Kiss me Here”. E, caramba, ele berra de tão brilhoso que é. Neon, rosa,
amarelo e azul. Parece que estamos em Vegas.
Temos que cair o fora daqui! Será que existe uma regra de tipo, 10
segundos? Fingir que não vimos?
— Temos um casal atrás do palco — fala de repente o cantor. Nós
dois paramos, estáticos, fomos pegos no flagra. Pelo menos não dá para a
plateia nos ver por conta da fumaça. Ufa. Josh, me puxa, querendo fugir,
mas eu finco os pés dura no chão. — O que é isso? Vocês estão querendo
fugir sem dar um beijo? — continua. — Vocês tão sabendo disso, pessoal?
Esse casal aqui não quer dar um beijo.
De repente, as pessoas começam a gritar:
— Beija! Beija! Beija!
— Que porra é essa? — indaga o Josh.
— A gente tem que se beijar… quer dizer, é isso ou sete anos de azar.
— Tá de brincadeira?! Vamos embora daqui.
— Josh, é sério, se a gente sair, vai chamar mais atenção…
— E se nos beijarmos, vai ser pior.
— Não vai, vamos só cumprir o ritual.
— Isso era seu plano desde o início, né?
— Meu plano?! Foi você que me trouxe aqui!
— Só vamos dar o fora.
— Deve tá todo mundo olhando pra cá, nossos colegas vão nos ver, e
isso aqui não vai parecer coincidência. — Olho para nossas mãos e ele a
solta de repente.
— Parece que esse casal tá fazendo jogo duro… vamos cantar uma
música pra eles.
— Se beijem logo! — grita alguém e um coro foi seguido.
A banda começa a tocar e eu reconheço a música quando o cantor
começa, é Kiss do Prince.
Olho para o Josh, os três botões que sempre estão abertos da sua
camisa me chamam a atenção. Engulo a saliva com dificuldade lembrando
daquele beijo que eu roubei. Ele olha para mim aflito, sabendo que estamos
encurralados.
Sabemos de uma coisa, uma hora vai parar a fumaça, e se isso
acontecer, as pessoas vão poder ver a gente. O cantor se vira para nós no
momento em que canta:
“I just want your extra time and your kiss”
“Eu só quero o seu tempo extra e o seu beijo”
 
—Tá, só vira a cabeça para o lado — diz o Josh.
— Pra quê?
— Eu vou dar um jeito.
Eu faço o que ele pede. Sinto sua mão na minha cintura. Algo bem
esquisito me ocorre, um arrepio, sim, pela sua pegada inesperada. Mas,
além disso, veio algo a mais que eu chamo de fogo. Aquele
sentimentozinho que vem bem embaixo e chega na sua… é. É disso que eu
estou falando.
Acho que a pegada do Josh é firme demais. Ele nem me dá tempo de
respirar. Só me pega nos seus braços e encosta sua bochecha na minha.
Fecho os olhos esperando por qualquer coisa, porque, aparentemente, ele
está querendo ditar as regras aqui. Opa, isso não é bem um beijo, é a mão
dele na minha boca.
É um beijo fake!
Ele está fingindo que está me beijando.
Claro, não esperava menos dele. Ainda mais depois do que aconteceu
esta manhã. Não que eu quisesse um beijo de verdade, nada disso.
E a sorte? Será que podemos brincar com ela?
— E eles se beijaram! — fala o cantor no meio da música.
Nós ouvimos um coro de pessoas.
Ele me trouxe mais para perto de si ao apertar minha cintura, e eu
consigo sentir o cheio do seu perfume. Sinto raiva, por lembrar da
advertência que me aplicou logo cedo. Sádico! Acha mesmo que pode ter o
controle de tudo?
De repente, se afasta.
— Acho que é o suficiente.
Sou tomada por um impulso, um conjunto de sentimentos, álcool,
irritação, vingança. Envolvo rápido minhas mãos no seu pescoço e fico na
ponta dos pés. Ele não consegue reagir, arregala os olhos assustado quando
eu dou um selinho nele e me afasto.
— O que é isso, Billie?
— Um beijo para garantir a sorte. Vamos pra casa?
 
 
TEM UM SÁDICO NO ARMÁRIO
 
“Tantos bares, em tantas cidades em todo o mundo, e ela tinha que entrar
logo no meu.”
(Rick Blaine, Casablanca)
 

 
 
— Foi só um beijo, Josh, por que está tão irritado?
Cara de pau, e ela ainda tem coragem de falar assim? Eu não devia
nem responder.
Depois que conseguimos sair do bar, sem sermos vistos pelos nossos
colegas, eu e a Billie estamos indo para casa no meu carro. Depois de toda a
situação que ela aprontou, minhas suspeitas só se intensificam:
Essa mulher está obcecada por mim.
— Você não escutou nada do que eu falei hoje mais cedo, né?
— Sobre o quê?
— Sua advertência.
— Não estávamos em um ambiente de trabalho.
— O Happy Hour é uma extensão do trabalho, senhorita Murphy.
— Ok, de certa forma você tem razão, embora o Happy Hour seja
uma descontração e as pessoas querem desvincular essa imagem quadrada
do ambiente de trabalho comemorando, bebendo, se divertindo pelo menos
um pouco. Claro que nem todos conseguem, como você, por exemplo.
— Onde você quer chegar?
— Eu só quero dizer que foi só um selinho. Nós já nos beijamos
antes. Eu nos livrei de sete anos de azar, você queria mesmo brincar com a
sorte?
— Se essa é a sua lógica, o que mais está planejando?
— Eu não estou planejando nada.
Até parece que ela não está planejando. Paro no sinal e olho de
repente para a Murphy, querendo ter a certeza que falaria a verdade, por
isso, olho para seu rosto:
— Você falou pra alguém sobre o que aconteceu aquele dia no avião?
Para a Drina?
— Não, claro que não. Ninguém sabe sobre nós.
— Ok. E quando você pretende se mudar? — Volto a focar na
direção.
Ela gargalha.
— Quando você pretende se mudar, Josh?
— É você quem vai, Billie.
— Nada disso, você.
— Eu não vou discutir isso.
— Muito menos eu. E, aliás, tenho um recado pra você, minha irmã e
minhas amigas vão em casa amanhã, esteja preparado para dormir fora.
— O quê?! — Quase aperto a buzina sem querer.
— Você é surdo? Precisa que eu repita?
— Você convidou gente pra ir em casa? — Como ela é sacana, um
dos meus amigos, o Colter, vai estar na cidade no final de semana, mas eu
desconversei e ele acabou conseguindo abrigo na casa do Max.
Eu podia muito bem ter colocado o meu amigo para dentro de casa e a
expulsado como ela queria fazer comigo, mas não, eu fui o bonzinho na
história e agora está me ferrando. Parabéns, Josh, você não soube lidar com
o inimigo.
— Em minha defesa, eu não convidei, minha irmã se convidou. Eu
não consegui recusar.
— Eu não vou sair.
— Ah, você vai sim. A Drina vai vir, quer que ela descubra que você
mora comigo? O grupo todo do trabalho vai saber em segundos.
Filha da mãe.
Solto o ar fortemente pelas narinas.
— Ok. —Entrego minha derrota, perdi a pequena batalha, mas se ela
pensa que eu vou ser passivo daqui em diante, ah, está muito enganada. —
Que horas vai ser isso?
— Só às seis.
— Tá. Eu durmo no Max.
— Perfeito. Uma ótima oportunidade de você ficar com o seu melhor
amigo. Que tal vocês morarem juntos de novo? — Ela coloca a mão no meu
ombro.
— Nem tente. — Mexo o músculo para me afastar. Direciono um
olhar enviesado para ela, que ajeita a franja depois de se endireitar no
banco.
Toda vez que eu olho para a Billie Jean, eu sempre me faço a mesma
pergunta, por que essa mulher teve que aparecer na minha vida?
 
 
No dia seguinte, estou arrumando minhas coisas para ir para o Max,
quando ouço a campainha. Em seguida, os gritos da Billie Jean quase me
deixam surdo. Não me mexo, apenas espero pelo seu surto ao irromper no
meu quarto sem bater na porta:
— Josh, Josh! Minha irmã chegou!
— Como assim sua irmã chegou? É quatro horas ainda.
— Eu sei, eu sei, mas ela veio mais cedo, sei lá por quê.
— Bom, o problema é seu.
— Problema meu? O problema é nosso.
— O que você quer que eu faça? Que eu pule da janela?
A campainha toca de novo e o pânico só aumenta em sua face.
— Vamos fazer assim, eu vou trancar esse quarto e você dá um jeito
de sair quando eu distrair a Virginia.
— Eu não terminei de arrumar minhas coisas.
Sem permissão alguma, ela pega minhas roupas e as joga na mala sem
dobrar.
— Pelo amor de Deus. É só uma noite, você precisa de tanta
cerimônia?
— Billie Jean, eu vou…
— Aliás, você tem um bom gosto para cuecas.
Fecho a mala rápido.
— Pare de olhar e dê o fora do meu quarto.
— Nós dois vamos sair. Ninguém vai poder entrar aqui e ver esse
ambiente masculino.
— Tá, tá bom, e onde eu me escondo?
— Vai para o meu quarto.
— Como assim?
— É o último lugar que vou mostrar pra minha irmã. Final do
corredor, né?
— Tá. E quando eu saio?
— Quando estivermos no quarto de hóspedes, o que fica do lado do
seu, você desce e vai embora.
— E como eu vou saber?
— Eu aviso, fica de olho no seu celular.
Tínhamos o contato um do outro, pelo trabalho, é claro.
— Ok, seja rápida.
Feito o acordo, ela desce as escadas e eu vou para o seu quarto.
Tenho um choque de visão, cores, bagunça, não estava esperando por
isso, ela não arrumou a cama? Ah não, não dá pra lidar com o meu TOC
logo agora.
Tá. É rápido. Eu tenho que dobrar esse cobertor pink.
Uau, os quadros que ela tem são bem bonitos, mas que bagunça é essa
de tintas espalhadas? Tem jornal pelo chão. Ela tava pintando um quadro?
Hum, é um jardim, bem que o Leary falou que a Billie faz desenhos ótimos.
Só que ninguém falou que ela é tão bagunceira.
Opa, opa, opa, eu acabo de chutar uma calcinha?
Tá. Eu chutei uma calcinha.
Meu Deus.
E esse tapete felpudo azul claro, pra quê? Espirro. Só para dar alergia.
Vou direto para a sacada, pelo menos consigo tomar um ar, sair desse
caos que é cheiro de tinta, cheio de ácaro, perfume adocicado da Billie e
feromônios.
Meu celular vibra, tomara que seja ela.
Não, é o Colter.
“Já tô no Max, cadê você?”
Ouço passos no corredor e uma voz infantil chama minha atenção, ela
está cantando uma música, reconheço a Phoebe imediatamente. Será que ela
vai entrar aqui? Não, ela não alcança a maçaneta.
Olho para a porta e percebo que eu só a deixei encostada.
Merda, merda, merda! Se eu fechar a porta agora, só vai fazer barulho
e chamar a atenção.
Droga! Cadê a Billie?
Penso rápido, tenho que me esconder, a única saída que me vem a
mente é o armário e é o lugar que eu entro. O que é péssimo para minha
rinite, pois eu espirro na mesma hora, o cheiro de perfume invade minhas
narinas.
A porta se abre, o risinho infantil de quem está prestes a aprontar algo
invade o ambiente. Consigo olhar pelas frestas do armário a Phoebe com o
seu ursinho de pelúcia em mãos, é uma vaquinha.
Ela olha para todos os cantos, pensando no que vai mexer, se é no
quadro, nas tintas, Jesus Cristo, ela quase enfiou o pé na tinta. Os seus olhos
vão direto para cá. Criança sabe onde não deve mexer. Muda o foco, por
favor, muda o foco.
E ela muda, ufa.
Decide mexer na cômoda da Billie, na gaveta que alcança. Está
entreaberta, porque a senhorita bagunceira não fechou direito.
E olha, é a gaveta de calcinhas dela.
Sua sobrinha puxa tudo.
Preta, vermelha, de bolinhas, branca, uau, de couro?
Hum, algumas calcinhas da vovó.
Nossa, essa que a Phoebe acaba de jogar no chão é só um fio mesmo.
Opa, opa, opa, criança, não pegue nisso aí, Billie Jean, como você é
descuidada!
Phoebe acaba de pegar no vibrador rosa da sua tia.
Será que ela vai ligar?
Ah não, ela não vai saber fazer isso.
Puta merda, ela ligou!
A criança começa a rir, como se tivesse achado um brinquedo novo.
Fico tão inquieto no armário que chamo sua atenção e isso faz com
que ela jogue o vibrador no chão. O que é bom, mas ao mesmo tempo ruim,
porque ela começa a vir em minha direção.
Fodeu.
Droga, Cadê a Billie quando se precisa dela?
A porta do meu armário se abre, e eu apenas sorrio para a Phoebe:
— Sádico!
— Oi, Phoebe! — Passo a mão na cabeça desconcertado. E agora, o
que eu faço?
— Vamos brincar?
— Não posso. Eu estou me escondendo.
Ela abre a boca surpresa.
— Esconde-esconde?
— Sim, você não pode contar pra ninguém. Vamos combinar assim?
— Ela faz um sinal positivo com a cabeça. — Pode fechar o armário?
 Ela fecha compactuando comigo.
— Pheebs! Ei, Pheebs! Mas o que é que você fez com o meu quarto?
Ah, agora a Billie aparece?!
— Meu Deus do céu! Você mexeu na minha gaveta de calcinhas!
Não! Você mexeu no meu vibra… — ela não termina a palavra.
— Que bagunça é essa, Billie?! — Outra pessoa entra no quarto. —
Pheebs, querida, vamos sair daqui. — Ela se aproxima do armário e eu me
retraio. Deve ser a irmã da Murphy. — Uau, como assim agora você arruma
sua cama?
— Eu não… — para de falar. — Vamos pro quarto de hóspedes?
— Sádico! — grita Phoebe.
— Por que ela não esquece essa palavra?! — indaga a irmã.
— Eu não faço ideia.
— Sádico! — Aponta para o armário.
Merda!
Fecho os olhos aflito. Não acredito que ela está me denunciando.
— Já chega, Phoebe. Se continuar falando assim, não vai ter
sobremesa hoje à noite, ouviu bem?
— Mamãe…
— Sem fazer bico. — Ela a pega no colo. — Vamos. Essa bagunça da
Billie já está me deixando zonza. Espera. Pra que essa mala, Billie? Tá
pensando em viajar? —Do nada, ela repara na mala que eu deixei no meio
do quarto.
— Ah… são lembranças do Victor. Você sabe, fotos, presentes.
— Jogue fora.— Dito isso as duas saem do quarto.
A Billie continua, dá uma olhada em volta e de repente abre o
armário.
— Finalmente, eu já estava ficando sufocado com seu perfume
enjoativo.
— Não tinha lugar melhor pra se esconder, sádico?
— Onde? Debaixo da sua cama onde sua sobrinha jogou suas
calcinhas?
— Ai, cai fora logo daqui.
— Eu vou, mas só porque eu quero.
— Ótimo.
Puxo minha mala, espero que ela vá na frente para verificar se eu
posso sair e antes de descer, provoco:
— Adorei a calcinha de couro, Murphy.
— Ei! Quem foi que falou sobre limites?
— Não fui eu quem abriu a gaveta de calcinhas. — Dou de ombros.
Ela quase pragueja meu nome, mas se lembra que não estamos
sozinhos, seguro um sorriso e vou embora.
 

 
— Cara, vai se foder. — Colter Welch bate nas minhas costas. — Eu
não acredito que você não se despediu de ninguém, só veio pra cá, porra.
— Eu não gosto de despedidas.
— Você é um fodido mesmo. Pensei que tivesse acontecido algo
grave com seu tio.
— Ele machucou as costas.
— Tá, mas ele tá vivo.
— Vamos acalmar os ânimos. — Max coloca duas cervejas na
bancada da cozinha para nós.
— Você veio só pelo seu tio?
— Pela empresa. A Bee Creative precisa de mim.
— Mas depois você volta pra Boston, né? Todos os seus clientes te
esperam. A Abigail não para de me perguntar sobre você…
Silêncio.
Eu não queria tocar no assunto Abigail, e o Colter tem muito contato
com ela, afinal, são colegas de trabalho. O término não foi bom. Ela se
sentiu muito frustrada, porque eu não consegui me abrir com ela, na nossa
relação, embora eu quisesse, acho que no fim das contas, mesmo eu
querendo, nunca vou conseguir ser cem por cento com alguém porque eu
sou fodido emocionalmente, então, por que tentar?
— Por que a gente não fala de outra coisa? — De novo Max tenta
fazer a ponte da calmaria.
— Eu vou voltar — entro de volta no assunto. — Para os clientes,
minha casa, mas o que aconteceu entre mim e a Abigail acabou. E ela sabe
muito bem disso. — Pego a cerveja e dou vários goles.
— Tá bom. E qual é o segredo da sua nova casa?
— Segredo?
— É, você não me deixou nem chegar perto.
— Não fode, Colter.
— Vamos beber — diz o Max.
— Aí você falou a coisa certa. Já faz quanto tempo que não bebemos
de verdade?
— Do que você tá falando? Festa? — pergunto.
— É, cara.
— Nós dois, há uns dois anos. Agora o Max… ele mal bebe, quer
dizer, só daquela vez que ficou de ressaca na minha casa, você lembra,
Max? Faz uns cinco anos quase. — O meu amigo ficou um tempo comigo
em Boston depois que minha mãe faleceu. Eu não quis ficar em Nova York
e ele não achou uma boa ideia que eu ficasse sozinho.
— Caralho, o que tanto você fez naquela noite que até hoje você não
conta pra gente, Max?
— Verdade, o que você fez?
— Transei com uma garota no banheiro da balada.
Colter cuspe sua cerveja.
— Quê?! — gritamos nós dois, e depois gargalhamos em seguida.
— Cacete, cara, por um momento eu quase acreditei. — O Welch não
consegue parar de rir. — Que piada boa.
— Conta outra, Max. Essa não vai colar.
— É por isso que eu nunca disse, vocês não iam acreditar.
— Você não tá mentindo?
— Não.
— Como não? — Fico sério.
— Só rolou.
— Mas você não gosta de bocetas — atropela o Colter.
— Cacete, Colter, deixa ele falar.
— Eu me senti atraído por ela, aconteceu. Simples assim. Não precisa
ter uma explicação maior do que isso. E eu não estava bêbado, eu fiquei
bêbado depois.
— Caralho…
— Vocês estão fazendo isso maior do que é.
— Você a viu de novo? — fico curioso.
— Não.
— E não quis?
— Sei lá, eu não pensei nisso, nem ela, já que não trocamos telefone.
Mas ela era legal, a gente conversou bastante. O nome dela… — Ele dá
uma pausa para nos deixar curiosos. —Era de uma cidade, Virginia.
Acho que já ouvi esse nome hoje, coincidências bizarras.
— Porra, você lembra o nome da garota.
— Claro que lembro, eu só transei com duas mulheres na minha vida.
— Que por acaso é a minha prima. — Mais velha aliás, nós sempre
falávamos sobre ela, eu no caso, porque a achava gostosa e incentivei para
cacete o Max a ficar com ela. Depois eu soube que ele só falava dela porque
eu insistia no assunto.
— Cadê a foto da prima? Quero ver. — Colter pega meu celular na
bancada.
— Eu nem sei se tenho ela nas redes sociais.
— Quem é Billie Jean? — pergunta de repente.
Corro para pegar o meu celular, mas ele é rápido demais.
— Colter, devolve, agora!
— Ela acaba de mandar ‘as meninas vão ficar aqui até o almoço,
depois você pode voltar pra casa’. —Ele dá uma pausa para raciocinar. —
Casa?! Sua casa?! Cara, você tá morando com uma garota? É a sua
namorada?
Cacete, fodeu. Se eu disser para o Colter a raiz do meu
relacionamento com a Billie, ele não vai entender, vai achar que estou
mentindo, meu amigo sempre assume a sua própria verdade.
— A Billie não é minha namorada.
— Mas você mora com ela.
 — Moro.
— É a sua namorada então. Você nunca assume seus compromissos.
É por isso que você veio pra cá? Por ela? Quando a Abigail souber disso,
ela vai pirar.
E é assim que eu resolvo de uma vez a questão com a Abigail. Colter
assume que eu namoro a Billie Jean sem eu mentir, a única coisa que me
preocupa é que eu sei que isso vai acabar gerando um problema mais pra
frente.
 
O MEU PROBLEMA É VOCÊ
 
“Vamos falar sobre a noite passada, você foi dormir
Nem sequer falou comigo
Você me deixou com perguntas, angustiantes
Você traz o pior de mim”
(Sabrina Claudio, Problem with You)
 

 
 
— Uau, essa casa é mesmo enorme! Um dos quartos poderia ser meu,
né? — comenta Drina quando chega.
— Eu só vou ficar três meses. Até lá, eu vou precisar de outro lugar
pra morar depois.
— E aonde pensa em ir? — pergunta Parveen entrando logo atrás.
— Não sei ainda. Talvez perto do trabalho.
— Você precisava desse tempo longe do Brooklyn. Aquele
apartamento tinha lembranças demais — comenta minha colega de
trabalho.
— E muita bagunça sua. — Minha irmã aparece. — Ei, meninas! Que
bom que vocês vieram. A Phoebe dormiu, mas daqui a pouco ela acorda.
Estou louca para rever Casablanca. — Casablanca é um dos filmes clássicos
favoritos da Virginia.
— Estamos tão empolgadas pra rever esse filme. — Drina olha pra
mim com os olhos arregalados, claramente pedindo socorro, não que não
gostemos do filme, a verdade é que já vimos o suficiente para decorar as
falas.
— Hora do tour pela casa — mudo de assunto.
Mostro tudo, menos o quarto do Josh, que eu dou a desculpa de que é
um quarto que está em reformas, por isso está trancado.
Na cozinha, minha irmã abre a geladeira e estranha completamente:
— Tem algo de errado com você.
— Como assim tem algo de errado comigo?
— Você não come cenoura.
— Eu como cenoura.
— Desde quando?
— Eu passei a gostar, faz pouco tempo.
— Não seja mentirosa. — Todo mundo sabe quando estou mentido,
por que eu sou uma péssima mentirosa? Tenho que melhorar minha atuação.
— Sério, eu descobri que sou apaixonada por cenouras. — Pego o
pacotinho de cenouras babys que está na sua mão e o abro. — Veja bem,
são nutritivas e gostosas. É um lanche maravilhoso. — Mordo um pedaço.
Mastigo várias vezes tentando não fazer cara de nojo. As meninas ficam me
encarando como se eu tivesse enlouquecido, porque, claro, eu detesto
cenouras!
É horrível, eu quero vomitar, mas me forço a engolir para não ser
pega na mentira.
— Nossa, você tá mesmo estranha. — Minha irmã não se convence.
— E o que é isso? Caldos? Você virou cozinheira agora?
— Eu estou tentando ser uma pessoa mais saudável.
Virginia gargalha junto com a Drina.
— Meninas, vamos dar força pra Billie, ela acabou de passar por um
término, é normal que ela esteja passando por uma transição e queira
mudar.
— Ok, uma transição do tipo cortar o cabelo, tentar uma academia,
agora comer cenouras? Olhem essa geladeira que minha irmã nunca na vida
manteve! E esse suco proteico?
Ai meu Deus, eu nunca devia ter deixado a Virginia ter entrado nessa
casa. Meu estômago está embrulhado, talvez eu vomite mesmo.
Devolvo a cenoura no pacote enquanto tento me defender:
— Estou correndo todos os dias pela manhã e me matriculei no
pilates, dizem que o suco protéico ajuda a despertar — minto. Sei lá para
que serve esse suco. Sei que o Josh toma todo dia antes de treinar.
— Você se matriculou no pilates?
— Sim, começo segunda-feira, junto com a Drina. — Isso é verdade.
— Estão vendo, a Billie é uma nova mulher. — Só a Parveen para me
defender.
— Mamãe! — Ouvimos a Phoebe, ela deve ter acordado.
— Eu já volto, peçam a pizza enquanto isso. Se a senhorita saudável
puder comer.
— Claro que eu posso, é sábado.
Assim que minha irmã sai e a Drina vai ao banheiro, a Parveen diz:
— Agora que sua irmã saiu, pode dizer a verdade, quem é o cara que
está morando com você?
Perco a fala, a voz, perco tudo. Como ela sabe?!
— Do que… do que você tá falando?
— Eu te conheço, Billie Jean. Você é uma péssima mentirosa. Tem
um quarto trancado na sua casa, uma geladeira completamente diferente,
você só consumia fast-food e comida congelada, e aliás, você está tão
nervosa que não para de piscar.
— E quem disse que é um cara?
— Se fosse uma garota, por que você a esconderia?
Engulo em seco.
— Ótimo argumento.
— E então? — Cruza os braços esperando pela resposta.
— Tá, você tá certa, mas, por favor, as meninas não podem saber.
— Por quê?
—Não é o que você está pensando. Tem um bom motivo por trás.
Ela me olha apertando seus olhos como se tivesse lendo cada
pedacinho da minha alma.
— Hummm, ok.
— Eu te conto segunda antes da sua aula.
— Ótimo.
— Tia Veen! — Phoebe corre com minha irmã vindo atrás dela.
— Pheebs, querida! Que saudade.
Que bom que minha sobrinha acordou, pelo menos minha irmã se
mantém ocupada com alguém que não sou eu.
 

 
Saio quase ilesa da visita das meninas, ainda estou pensando no que
vou contar para a Parveen. Revimos metade de Casablanca à noite, Virginia
dormiu no meio, depois da maternidade, ela já não é mais a mesma.
Minha irmã vai embora primeiro, logo após a Drina junto com a
Parveen e eu finalmente fico livre antes do almoço para dar um jeito na
casa. Arrumo a bagunça que fizemos na sala, os cobertores no meio da casa,
a cozinha cheia de garrafas de álcool. Acho que estou de ressaca. Eu e a
Drina quando nos juntamos para beber, não paramos mais.
Abro a geladeira à procura de comida, qualquer coisa que me ajude,
não tem nada decente nessa casa pra comer. Abro uma lata de refrigerante,
pelo menos o Josh bebe Coca-Cola, parece que é o vício que o senhor
saudável não consegue largar. Tá, eu sei que também devo comprar comida,
mas normalmente eu acabo comendo fora sempre ou trazendo comida
pronta, quase não paro em casa. E, convenhamos, dividir a cozinha com o
sádico, ninguém merece.
Falando nele, a porta acaba de se abrir. Bocejo, enquanto coço minhas
costas, eu devia ter trocado de roupa, mas foda-se. Ele já me viu de pijama
algumas vezes, não estou aqui para impressioná-lo.
— Billie? — me chama.
O que ele quer comigo?
— Tô na cozinha.
Meu Deus, quanto gás. Acabo soltando um arroto bem na hora que o
Josh chega. Bato a mão no peito e arregalo os olhos completamente sem
graça, não por ele, mas porque o filho da mãe me trouxe uma visita.
Ah não. Não! Isso é um pesadelo. Tem um cara atrás dele. Eu não sei
quem é, mas ele acaba de me ver arrotando, com meu pijama rosa de
coração descabelada no meio da cozinha. Será que é possível odiar Josh
Tucker ainda mais?
— Oi, é… — Ele coça a cabeça… — Billie, esse é meu amigo, Colter
Welch, de Boston. — Passo a mão na boca, acho que babei sem querer pelo
choque. Deixo a latinha na bancada e me aproximo para apertar a mão do
tal amigo. — Colter, essa é a Billie, minha colega de casa.
— Sua namorada.
Estou sentindo o refrigerante fermentar e voltar na minha garganta.
— Na-namo namo-o quê?
Será que eu estou surda? Tento limpar o ouvido.
— Fica tranquila, Billie, não precisa mentir pelo Josh. Eu já saquei
tudo, vocês são namorados.
Certo, eu ouvi direitinho. Ele disse mesmo namorados.
O que tá rolando aqui?!
— Eu não sou a namorada dele — digo rápido.
— É sério, não precisa mentir.
Eu olho para o Josh e pisco sem parar sem entender o que está
rolando e ele me devolve o mesmo olhar. Mas que porra é essa?
— Tá bom, você é bem teimoso, cara.
— Ele é.
— E vocês dois são o casal perfeito de mentirosos. Bom, Josh, temos
que ir nessa, não vai pegar os tacos de golfe?
— Sim, eu vou. Você pode ir pro carro? Preciso de um minuto.
O loiro intrometido concorda e nos deixa sozinhos. Assim que
percebemos que ele saiu da casa, começamos a discussão:
— Mas que porra foi essa, Josh?
— O Colter é assim, ele tira suas próprias conclusões.
— E você não deu a entender nada?
— Não. Ele viu sua mensagem ontem à noite e concluiu que você é
minha namorada.
— E você não negou?
— Neguei.
— Ah, claro. Tô achando que você está com segundas intenções.
— Segundas intenções? Com você? Nunca.
— Será? — Aproximo-me dele com a mão na cintura. Acontece que
eu já percebi um padrão no Josh, além de ter medo de aranhas, ele tem
medo de mim. É quase um pânico, toda vez que me aproximo dele, esse
homem começa a surtar, isso é uma ótima tática para tentar expulsá-lo
daqui: o desconforto com a minha presença.
— É claro que não.
— Está querendo ser meu namorado? — Coloco a mão na sua camisa
para provocá-lo.
Ele gargalha, simplesmente gargalha.
— Nunca, jamais.
— Nunca? Você seria o homem mais privilegiado do mundo se
pudesse namorar comigo.
— E você seria a garota mais sortuda do mundo se conseguisse
namorar comigo, mas isso não vai acontecer, pare de tentar. — Coloca a
mão na minha para me afastar.
— Até parece que eu estou tentando. É você que está inventando
coisas.
— Eu já te disse que não inventei nada.
— Tá bom, eu acredito. — Cruzo os braços.
— Eu vou sair. — Dá dois passos rápidos para trás. — Só volto à
noite.
— Que ótimo, estarei te esperando.
— O que você quer dizer com isso?
— Que estarei te esperando? Tem como reformular melhor isso?
— O que você tá pensando em aprontar, Billie?
— Pare de ser desconfiado, Josh. — Ele me olha cheio de receio antes
de virar as costas para mim. Eu ainda não planejei nada, mas vou aprontar
alguma coisa, ah se vou!
 

 
Eu tenho aranhas de borrachas de decoração de um Halloween que fiz
no meu apartamento no último ano. É uma ideia maquiavélica e tenho plena
consciência disso, mas não tenho certeza se o Josh vai acreditar. O meu
plano é assustá-lo, irritá-lo o máximo possível para que desista da casa, e a
ideia das aranhas parece uma boa.
Por isso eu vou ao quarto dele e coloco a aranha embaixo do seu
travesseiro. Depois apenas sigo com a minha vida, termino o quadro que
estava pintando na sexta, termino o pote de sorvete que as meninas
deixaram em casa e acabo a noite esparramada no sofá vendo série.
Quando Tucker volta para casa tarde da noite, reparo que ele nem
sequer dirige uma palavra a mim. Eu poderia ter me sentido mal pela
tentativa de assustá-lo, mas depois dessa grosseria, eu acho que é bem feito.
Espero alguns minutos para subir às escadas, provavelmente ele vai fazer
seu ritual noturno, banho, depois cama. Dito e feito, ao passar pela porta do
seu quarto, consigo ouvir o barulho do chuveiro.
É só esperar questão de minutos para ele se deitar na cama, passar a
mão embaixo do travesseiro antes de dormir e… Aaah, Josh terá uma
surpresinha. Estou esperando pelos gritos. Será que do meu quarto vai dar
pra ouvir?
Com certeza vai, ele vai me culpar por isso.
Deito na cama plena, ansiosa, sorridente.
Passa-se meia hora, nada. Mexo no celular, vejo besteira na internet
por uma hora e nada. Meu Deus, ele não vai mexer nesse travesseiro? Passo
pelo corredor, tento ouvir pela porta alguma coisa e… nada ainda. Nada
mesmo.
Será que ele dormiu?
Ele só botou a cabeça no travesseiro? Não mexeu? Não apalpou? Não
ajeitou?
Que psicopata faz isso?
Tá. O jeito é voltar para o meu quarto.
Ao voltar para a cama, fico me questionando se coloquei a aranha no
lugar certo, se por acaso ela não caiu quando ele mexeu no travesseiro, seja
o que for, vou ter que repetir o plano na próxima noite.
Meus olhos ardem, eu mal consigo abri-los, mas preciso porque tem
uma batida incessante na minha porta. Sinto-me zonza, fico tateando a
parede perto da cama até conseguir acender a luz, e finalmente consigo me
levantar.
O que está acontecendo e por que de tanta urgência?
Destranco a porta e dou de cara com o Josh, ele está branco, sem voz,
totalmente em pânico e cai no meu peito.
— Josh, caramba, o que foi? — Ele não responde e eu dou tapinhas
em suas costas acalmando-o. — Ei, o que foi? Tá tudo bem, calma, tá tudo
bem.
Ele toma o ar com força, antes de dizer as primeiras palavras.
— Travesseiro, aranha.
Puta que pariu. Agora que ele viu a aranha?
E agora a culpa me bate.
— Tá tudo bem, é de mentira.
— Quê? — sua voz mal sai.
— É de borracha, Josh.
— Não é, é de verdade.
— Eu vou te mostrar, vem comigo. — Pego em suas mãos e as sinto
tremendo. Ok, me sinto oficialmente mal agora. Não sabia que sua fobia era
tão séria assim.
Ele vem, mas fica fora do quarto. Apenas quando eu pego a aranha na
mão e a pego pelas patas balançando pra lá e pra cá é que ele entende que
tudo não passou de uma brincadeira.
— Sua filha da…
— Desculpa — corto sua fala. — Foi sem querer.
— Sem querer? Você quase me matou. — Ele vem pra cima de mim
para pegar a aranha. E eu a jogo em cima dele de uma só vez. — Quando eu
te pegar, Billie, você vai se ver comigo.
— E o que você vai fazer? Me bater? — Corro para o outro lado da
cama.
— Qual é o seu problema?
— Você, você é o meu problema. Cara, você é mal-educado, me dá
advertência sem eu ter feito nada, e ainda por cima nem sequer fala comigo
quando estamos em casa.
— Sabe o que você precisa entender?
— O quê?! Hein?
— Que nós não somos amigos!
— Ah é? Então por que você não vai embora?
— Os incomodados que se mudem.
— Eu não estou incomodada, acho que você está. Na verdade, estou
tão confortável, mas tão confortável, que não me importaria de dividir a
cama com você.— Pulo direto na sua cama que não dá nem tempo de ele
reagir.
— O que você tá… — Ele se engasga com a saliva, mal acreditando
no que eu acabo de fazer. — Billie, sai já daí.
— Nossa, que travesseiro confortável. — Aperto-o — Pode deitar,
querido. — Bato no travesseiro do lado.
— Eu vou te tirar à força.
— Pois tente.
— Murphy, é sério, eu vou te tirar daí. — Ele tá puto, não para de
respirar rápido fungando pelo nariz.
E ele vem pra cima mesmo, ou melhor, vem pra cama e me puxa pelo
pé.
— Eu vou lutar e você não vai gostar disso.
— Você quer isso mesmo? Quer dividir a cama comigo? — Ele me
solta, acho que ganhei essa batalha.
— Quero — respondo, pensando que ele vai ficar com medo de mim
e vai para o quarto de hóspedes. Sinto que aos poucos estou expulsando o
sádico desta residência.
Ele gargalha, é a risada de um maluco, acho que acabo de extrapolar
os nossos limites.
— Cuidado com os seus desejos.
Dito isso, ele pula na cama.
 
 
 
 
OS INCOMODADOS QUE SE MUDEM
 
“Eu me apaixono tão facilmente. É quase constrangedor, metade de cada
relacionamento está na minha cabeça.”
(Jules, Euphoria)
 

 
 
É questão de honra não me apaixonar pelo Josh. Veja bem, ele é um
cara muito bonito, atraente fisicamente, quando não age de uma forma
irritante, isso em 90% do tempo. Ele pode até ser interessante, e eu já me
apaixonei por tipos bem piores, para ser sincera, eu me apaixono bem fácil,
então o que eu quero dizer é que me apaixonar por ele seria algo que eu não
teria dificuldade alguma.
O que eu quero colocar é que eu não posso, nem devo, porque a
minha dignidade está sendo colocada em jogo. O meu ego e a minha
vergonha na cara, como eu poderia? Esse cara se acha o único homem na
face da terra. E ele tem a certeza que eu estou interessada nele, e ok, eu
posso ter dado a entender isso, mas foi sem querer!
Eu não estou a fim do sádico!
Não, não estou e… ele é tão cheiroso. Dá para sentir seu cheiro em
tudo, exala dos seus poros, no cobertor, no travesseiro. Enrolo-me na
coberta tentando manter o contato corporal longe. Esse safado está sem
camisa, me surpreendo de estar usando algo por baixo. É uma boxer, sim,
mas é alguma coisa que tampa aquilo lá.
Não estou olhando. Claro que não, nem vi suas coxas grossas e o
quanto esse safado malha na academia. Eu já vi tudo antes, e não precisava
relembrar, ficou na minha memória por dias.
— Para de puxar o cobertor — resmunga puxando para ele.
— Pare você.
— É o meu cobertor.
— Eu já disse, os incomodados que se mudem.
— O quarto é meu, Billie.
— Isso não importa mais, eu acabei de ocupá-lo.
— É mesmo? Então eu acho que vou ocupar mais espaço. — Ele me
empurra, o meu instinto é rápido e eu o empurro de volta.
— Você tá querendo guerra?
— Eu?! Você que se jogou na minha cama!
— Para de empurrar!
— Pare você!
— Josh… é sério, você tá brincando com fogo.
— Você vai fazer o quê?
Eu sou menor que ele, tanto de altura, quanto de estrutura corporal,
mas a vantagem é que ele tem medo de mim. Medo da nossa proximidade
corporal. Por isso, eu aplico o golpe que vai desestabilizá-lo, coloco-me por
cima do seu corpo. É isso, fico por cima do Josh Tucker, e Deus me ajude.
Por um instante o golpe funciona, ele fica paralisado. Olha-me como
se eu tivesse acabado de cometer um crime, aflito, com medo de que meu
próximo golpe possa ser fatal, mas eu apenas fico ali, parada, em cima do
seu quadril. Espera, eu acho que estou em cima do… Jesus Cristo!
Eu tenho que me mexer! Mas se eu me locomover pode ser pior.
Engulo em seco, ele engole a saliva com ainda mais dificuldade, e aí
quem aplica o golpe é ele, pois me olha, me olha nos olhos de uma maneira
que nunca olhou, me olha com… SAFADEZA!É sério, eu não sou louca,
foi desconcertante e me desestabilizou.
Esses olhos malévolos são realmente uma grande armadilha, e eu não
deveria ter me deixado ser capturada.
Será que estou respirando?
Acho que vou desmaiar a qualquer momento.
— Billie? — diz ele, depois de soltar o ar fortemente pelas narinas.
— Sim? — pergunto depois de baixar o olho para o seu peitoral
descoberto.
— Dá pra sair de cima de mim?!
Droga, droga, droga.
O Josh sempre dá um jeito de fazer com que eu sinta vergonha.
Movo-me rapidamente e desisto. Não posso ficar aqui, estou suando em
muitos lugares, MUITOS. Saio da sua cama de uma só vez.
— Eu vou pro meu… é, eu vou… — Percebo que ele nem olha pra
minha cara, simplesmente vira seu corpo para o outro lado. — E Josh?
— Que foi?!
— Vai se foder.
Sua resposta é jogar o travesseiro em mim antes que eu bata a porta.
Babaca!
Quase que eu caio no golpe do sádico de olhos azuis, mas já voltei à
consciência.
São apenas três meses, Billie Jean, tenho certeza que dentro de um
mês você se livra desse cara.
 
 

 
UM MÊS DEPOIS
 
 
Não me livrei ainda do Josh Tucker. E não foi por falta de tentativas.
No final de semana passado, nós tivemos um embate, coloquei música alta
no meu quarto à noite toda e ele tentou arrombar a porta. Na hora que ele ia
empurrar, eu abri de uma só vez e ele caiu no chão. Ri muito, foi ótimo ver
seu tombo. Acontece que esse golpe voltou para mim na segunda-feira, ele
me fez ficar até de madrugada no trabalho.
Isso é muito injusto, óbvio! Mas ele é o chefe e eu preciso do meu
emprego até o Garret estar de volta. Pior que ele está incomunicável,
decidiu que o período de repouso são umas férias do trabalho, ele não
atende minhas ligações, não consigo nem dizer o quanto o sobrinho dele é
péssimo e está me ameaçando.
Pelo menos morar aqui é a parte boa da história. A casa é
extremamente confortável, fico perto do trabalho, tenho um carro para
dirigir e só tem algo ruim fora o Josh, meu vizinho esquisito. Ele não gosta
de cachorros, tem aquela cerca grande e não gosta de mim. Já tocou a
campainha aqui de casa algumas vezes reclamando do barulho.
— Billie! Billie Jean! — Lá vem. Não é o vizinho chato, é a outra
perturbação. Ele nunca me deixa em paz. É sábado e eu estou me
aprontando para sair, tenho que ir para o hospital.
— Que foi? — grito do andar de cima.
— Onde estão as blueberrys que eu comprei?
— Comi com cereal.
Silêncio.
Dou de ombros e volto a me concentrar na minha maquiagem.
— Cacete, o que é isso no seu rosto? — Josh irrompe pela porta.
— Ei! Eu não te dei permissão pra entrar!
— E eu não te dei permissão pra comer o que eu compro.
— Como você é egoísta. É feio negar alimento sabia?
— Coma as suas coisas, não já conversamos sobre isso.
Meus olhos reviram, ele sempre implica com coisas pequenas.
— Tá, tá bom, desculpa, depois eu reponho.
— Depois? Você nunca repõe.
— Eu vou repor, juro. Amanhã vou no mercado.
— Eu vou cobrar.
— Tá bom, agora me deixa, tenho que me concentrar.
— Concentrar? Nisso aí? Tá péssimo, sua cara tá toda branca.
— É essa a ideia.
— Tá se vestindo de palhaça por acaso? — Ele ri.
— Engraçadinho, sim, estou.
— Quê? Tá precisando de dinheiro?
— Não, não estou. Eu sou voluntária em um hospital.
— Tá falando sério?
— Por que a surpresa?
— Você nunca foi antes, só isso,
— Não fui, estava lidando com a mudança, meu ex, enfim…
— Hum… desde quando você faz isso?
— Já faz anos. Seis anos na verdade. Você deve estar pensando
quando é que eu comecei… — digo enquanto passo sombra azul em um dos
olhos. — Um dia eu estava bêbada e subi as escadas do meu prédio e
quebrei o dedo do meu pé, bom, fui parar no hospital, nesse dia, eu vi os
doutores da alegria na área de pediatria e, caramba, você não tem noção,
Josh, o sorriso das crianças… — Suspiro só de lembrar. —Eu me aproximei
deles e percebi que um dos voluntários era o meu colega da faculdade e,
bom, ele notou o quanto eu fiquei interessada e… — Olho para cima e
percebo que o Josh tinha sumido.
Que idiota! Ele me deixou falando sozinha.
Volto para a minha maquiagem, abstraio, como sempre, não posso me
deixar afetar pelo Josh. Parveen me disse que eu tenho que meditar, contar
até dez toda vez que algum pensamento ruim sobre ele vem, como a
vontade de estrangulá-lo.
Ela é a única que sabe que eu divido o apartamento com meu chefe,
por enquanto o segredo permanece bem guardado. Assim que termino de
me arrumar, desço as escadas e percebo que o mal-educado não está mais
em casa.
Ouço uma buzina e saio depois de lembrar que esqueci do meu jaleco.
Encontro com Erick Morales, meu ex-colega de faculdade e um dos
doutores da alegria.
— Desculpa a demora, eu não estava encontrando o meu jaleco. —
Dou um abraço nele assim que entro no carro.
— Tudo bem, eu estou acostumado com seus atrasos. — Ele sorri pra
mim. Erick faz muito sucesso no hospital, com as visitas, e fora dele. Tanto
por ser muito simpático quanto por ser bonito. Os olhos verdes dele, o
sorriso fácil e bom, mesmo escondido pelo jaleco, dá pra ver que o corpinho
não é nada mal.
Mas, obviamente, homens assim são comprometidos. Ele namora há
anos. Especificamente desde que eu o conheço com uma médica, ou
melhor, ela era estudante na época, se formou no ano passado.
Provavelmente vão se casar em breve, foi a fofoca que eu ouvi no grupo.
— Estamos com tempo? Podemos pegar café?
— Estamos.
— Ótimo. Será que a Amery vai querer? — cito sua namorada. —
Vou mandar mensagem pra ela.
— Não. Não manda — fala rápido. — Nós terminamos.
— Como assim vocês terminaram? Quando? Como? Por quê?
— Mês passado.
— Mas… vocês eram perfeitos juntos.
— Não estávamos na mesma sintonia.
— Como?
— Às vezes as coisas acabam, Billie.
— Desculpa… — Percebo que estou forçando. — Eu não queria te
perturbar com isso, é que vocês ficaram tanto tempo juntos.
— É, ficamos, mas estamos bem, somos amigos.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Ok.
— E você e o Victor?
— O que tem?
— Vocês terminaram mesmo?
— Sim, eu te disse, ele foi um idiota comigo. Como diria Taylor
Swift, nós nunca, jamais, jamais, jamais voltaremos a ficar juntos — cito a
música We Are Never Ever Getting Back Together.
Ele ri.
— Senti falta disso.
— Do quê?
— De você.
MEEEEU DEUS.
Sinto minhas bochechas corarem.
Isso foi estranho.
Um estranho bom? Claro que eu acho o Erick bonito, atraente, mas
como ele sempre namorou, nunca pensei nele de uma forma romântica. Só
que agora, agora eu posso olhar? Ou não? Talvez eu esteja imaginando
demais.
Como eu disse, eu me apaixono bem fácil, às vezes até caso com a
pessoa na minha cabeça, temos até filhos, às vezes a combinação não fica
muito boa e eu desisto da ideia.
Erick olha para mim por um pequeno instante, para depois prestar
atenção na estrada.
Será que nosso casamento seria na igreja ou ao ar livre?
Balanço a cabeça.
— Eu… — O que eu digo? — eu também senti falta de irmos pro
hospital juntos. —Isso saiu bom? Eu não sei reagir a elogios.
Ele morde os lábios e vira a esquina.
— Legal a casa que você tá morando.
— É da minha tia, estou cuidando da casa até ela voltar.
— E vai pra onde depois?
— Não sei, mas preciso arrumar algum lugar.
— No meu prédio tem bons apartamentos.
— É mesmo?
— Sim, vem visitar um dia.
Concordo e dou graças a Deus que o café que frequentamos é na
próxima esquina. Pelo menos podemos mudar de assunto, discutir se é
melhor um mocaccino ou latte macchiato.
— Sabe quem está morrendo de saudades de você? — pergunta o
Erick quando decide pelo mocaccino.
— Quem?
— O Hugo.
— Sério?! Ele me odiava. — Hugo é um garoto de oito anos que faz
tratamento de quimioterapia no hospital para leucemia e ele nunca foi muito
feliz com minhas brincadeiras.
— Sério, ele pergunta de você sempre que vamos lá.
— Uau, então ele esconde bem que gosta de mim.
— É o jeito dele. Muitos garotos são assim, bravos, mas ele te adora.
Ele me adora? Erick está ficando maluco. É a mesma coisa que dizer
que o Josh me ama.
Quando chegamos ao hospital, Hugo não esboça uma reação ao me
ver, nem sequer quer me dar um abraço. Sua mãe fica muito mais feliz do
que ele e me chama para conversar:
— Quando o Erick me falou que você iria voltar hoje, nós ficamos tão
felizes. O Hugo nem dormiu à noite.
— Me desculpe, senhora Spencer, eu tive alguns problemas no último
mês.
—Não se preocupe. Nós entendemos. O meu filho não é muito de
falar, mas ele te adora, Billie. Você nos ajuda a nos manter forte aqui. —
Abraço-a forte. —Ele não consegue dizer, mas tem pessoas que são assim,
principalmente porque ele tem medo de perder quem ama, você sabe, né?
Por conta do pai dele. — O pai do Hugo foi embora quando ele tinha quatro
anos.
—Sim, sim, você me disse com foi difícil pra vocês.
No hospital, nesses anos, eu ouço o tempo todo histórias dos
pacientes e dos parentes. E eu sempre fico muito tocada por elas. Eu faço o
que posso para estar presente e colocar um sorriso no rosto das pessoas que
estão aqui. Às vezes me dizem que eu me envolvo demais. Como uma vez,
teve uma paciente, bom, nós sempre ficamos na ala infantil, mas eu acabei
conhecendo-a quando ela estava no jardim do hospital. Eu senti que ela
precisava de alguém pra conversar e acabamos criando uma amizade.
Foi terrível a notícia que ela faleceu.
Ninguém me avisou. Eu estava fora, pois fui visitar minha família,
quando voltei, só pude vê-la tarde demais. Fico me lembrando da Alanna,
câncer de pulmão é devastador. Lembro-me bem do seu amor incondicional
pelo marido e principalmente pelo filho. Ela queria muito que eu o
conhecesse, dizia que seria o nosso cupido. O nome dele, droga… minha
memória é péssima. Bom, não importa. Só sei que ela era uma mulher
incrível.
 

 
Quando volto do hospital, ainda não vejo o Josh. Tiro toda a minha
maquiagem e tomo um banho antes de pedir o jantar até que o vejo
estacionando o carro. Fico pensando onde é que ele passou o dia todo. Tá,
não é da minha conta.
Eu sei bem que ele anda tendo encontros por aí. De vez em quando,
Drina me conta que algumas garotas ligam lá no escritório. E ele chega
tarde da noite em casa. E, sim, continua não sendo da minha conta, mas eu
sou fofoqueira.
— Josh? — chamo-o quando ele passa pela porta.
— Sim?
— Você quer jantar?
— Você cozinhou? Se sim, não. Obrigado.
— Não, idiota, eu pedi pizza.
— Ok.
— Não entendi. Você quer?
— Quero. — Dito isso, ele sobe as escadas.
O que deu nesse homem hoje?!
Ele volta mais tarde quando a pizza chega e continua com suas
poucas palavras. Nem repara que eu peguei seu sabor preferido, poderia me
agradecer, porque eu não gosto muito de pepperoni.
— Você tá bem? — pergunto de repente. Ele nem tentou pegar o
controle da televisão.
— O quê? — Ele dá um gole em sua Coca-Cola, sem vontade alguma
e a deixa de lado.
Olha isso! Está tão aéreo que nem prestou atenção no que eu disse.
— Josh, você tá mal.
— Não tô.
— Isso não foi uma pergunta.
Aproximo-me dele e simplesmente o abraço. Faço isso, como faria
com qualquer paciente do hospital. Por um instante, apenas fica sem reação,
penso que vai me empurrar ou vai me xingar, perguntar se eu fiquei louca,
ou se eu estou maluca por ele, como sempre gosta de afirmar, só que sua
reação é diferente desta vez, pela primeira vez, aliás, Josh me abraça de
verdade, não como foi no avião para me acalmar, foi com apego.
Ele me abraça com os dois braços e coloca seu queixo no meu ombro.
Quem é pega de surpresa sou eu.
É um sentimento estranho, quase não consigo respirar. É para eu
confortá-lo, seja o que for que está acontecendo, contudo, não consigo,
estou de olhos arregalados, com o coração acelerado, perdida nessa
confusão de batimentos cardíacos.
Caramba…
Eu não estou a fim do Josh Tucker, estou?
 
SABONETE DE MORANGO
 
“Beije-me. Beije-me como se essa fosse a última vez.”
(Ilsa Laszlo, Casablanca)
 

 
 
Eu quero esse abraço. E é estranho, porque normalmente eu me
afastaria, não gosto que as pessoas me abracem. Mas sabia que a Billie me
abraçaria quando se aproximou, pois ela é esse tipo de pessoa que invade o
espaço de todo mundo sem perguntar. A única coisa que eu não espero é
minha própria reação. Eu o retribuo. Coloco minhas mãos gentilmente em
suas costas e afago seus cabelos.
Consigo respirar.
Fecho os olhos. A calma me atinge pela primeira vez no dia. Sinto
cheiro de algo que ela usa sempre, já vi no seu banheiro, sabonete de
morango, é gostoso. É um cheiro suave e me dá vontade de morder sua
pele.
Espera, o que eu tô pensando?
Nós já nos abraçamos antes, mas desta vez foi algo mútuo. Eu quis
abraçá-la e me permito estar vulnerável pela primeira vez. Aproximo-me
um pouco mais do seu corpo, sinto seu calor, a respiração dela está curta e
densa. Parece nervosa, por quê?
Acho que sei. Será que ela pensa que esse abraço vai ser algo a mais?
Não. Sim?
Sim.
Aperto sua cintura e em resposta ela aperta minha camisa pelas
costas.
Não é só a sua respiração que está instável. É seu corpo todo. Sinto-a
tremer em meus braços, está nervosa, então isso me faz pensar que talvez?
O pouco que nosso corpo se afastou gradativamente foi uma tentativa de
uma outra aproximação corporal. Ambos queremos algo a mais que já
fizemos antes, que ela fez. Só que desta vez eu quero dar este primeiro
passo. Olho para sua boca rosada, convidativa, seus olhos grandes e que às
vezes me dão medo.
A franja está um pouco bagunçada, quero acariciar o seu rosto e
ajeitá-la, mas antes eu preciso e quero beijá-la.
— Josh! — exclama de repente ela.
— O quê? O que foi? — Pisco algumas vezes aturdido.
— É… é… — Ela engole em seco. —Que eu quero te perguntar uma
coisa.
— Tá.
Meu Deus, essa mulher é mesmo estranha.
— Você… gosta de mim? — Inclina a cabeça para o lado esperando
uma resposta.
Penso que não ouvi direito, ou talvez foi um delírio da minha parte.
— O que você disse?
— Perguntei se você gosta de mim.
Não, eu não estou delirando.
— Caralho, Billie. — Afasto-me rápido.
— O que foi?
— Que tipo de pergunta é essa?
— Uma pergunta normal.
Levanto-me do sofá.
— Isso foi do nada.
— Você ia me beijar, você sempre diz que me odeia, mas ia me beijar,
então eu só queria saber antes se você gosta de mim, ou se ia fazer isso
porque é um cafajeste.
— Eu acho que é melhor a gente encerrar essa conversa.
— Encerrar a conversa? Só por que você quer?
— O que você quer que eu fale?
— A verdade.
Cacete.
Dizer a verdade para a Billie não é a melhor escolha. Isso faria com
que ela imaginasse que nós temos alguma coisa. A verdade, para ser
sincero, nem eu sei. Eu gosto dela?
É uma incógnita pra mim.
Desgosto? Para ser sincero, não.
Quis beijá-la? Muito.
Eu não gosto de mentir porque na relação dos meus pais a mentira foi
algo que acabou com eles.
Mas, no final das contas, foi o que eu ouvi do meu irmão hoje, acho
que não sou tão diferente do meu pai. Então, o que muda uma mentira
agora? Principalmente nessa situação.
— Eu não gosto de você, Billie, desculpe se alimentei suas
esperanças.
— Minhas esperanças? —Ela se levanta enfurecida. —Até parece que
eu gosto de você, Josh.
— Não gosta? — Levanto o cenho. — Não é o que parece.
— Não gosto. Nunca gostei, você é um idiota, egocêntrico, mal-
educado, eu jamais teria interesse em você. Além disso, eu… tô saindo com
alguém.
— Quê? — Cruzo os braços. — Você tá mentindo.
— Não tô, não.
— Você nem sai de casa.
— Eu saio, sim! — responde altiva.
— Pra onde? Trabalho? Tá saindo com o Leary? Ele gosta de você.
— Não, não é o Leary.
Solto o ar pelas narinas em um riso, ela não sabe mentir, está
desconfortável, enfurecida, e acaba de voar em mim, pula em meu braço
querendo me estapear.
— Billie, para, cacete, isso dói! — Esquivo e corro para o outro lado
do sofá. Ela é pequena, mas seus tapas doem muito.
— Está rindo de quê, seu idiota?
— Você, mentindo.
— Eu não estou mentindo, Josh. Estou mesmo saindo com alguém.
— Tá. Estou te dando um tempo pra bolar algo convincente. É o
nosso segurança do prédio lá do trabalho?—Coloco a mão no queixo. —Ele
é alguém que você vê todos os dias.
— Cara, se você não trancar a porta do seu quarto hoje…— Ela me
olha com seu olhar traiçoeiro e psicótico.
— Não precisa me ameaçar, foi você que começou a mentir.
— Não é uma mentira, eu tô saindo com o meu colega, o meu… o
meu amigo. ­— Ela pisca várias vezes. — Nós somos voluntários juntos lá
no hospital, ele é doutor da alegria, como eu.
— Ah… — Meu sorriso se desfaz, não porque eu fico chateado, mas
pela surpresa, é claro. — Você já superou o seu ex?
— Meu ex? Aquele idiota?
— É, você falava tanto dele.
— Que ele foi um idiota, sim, eu falava. Bom, eu vou dormir, e
você… — Aponta para mim antes de virar as costas. — Tranque muito bem
o seu quarto, se não as aranhas vão te fazer uma visita.
— Ou você, né, Billie?
— Pode ser, e eu sou muito mais perigosa.
Eu ia fazer uma brincadeira, porém desisto. Perco a graça. Deixo-a
subir e deito no sofá perdido em pensamentos que me consumiram durante
todo o dia. Vai ser uma longa noite, como foi um longo dia, o pior é que
mais um pensamento irá me perturbar, porque o cheiro de sabonete de
morango ainda parece estar no ambiente.
 

 
— A minha mãe sente muito por ontem — diz o Max quando nos
encontramos pela manhã.
Nós marcamos de nos encontrar em um café logo cedo, eu não dormi
muito bem e ele queria conversar. Acontece que a mãe dele me chamou
para sua casa ontem à tarde e eu soube que era uma emboscada para que eu
e meu irmão nos encontrássemos.
— Tudo bem, eu tenho certeza que isso foi ideia do Evan, ele não tem
coragem de fazer as coisas por si mesmo.
— Cara, por que vocês dois não se entendem?
— Por quê? Porque ele ficou do lado do nosso pai, porra. Porque ele
tá lá frequentando a casa dele como se nada tivesse acontecido. Claro,
porque nada do que aconteceu foi com a mãe dele.
— Você falou certo, Josh. Não foi com a mãe dele.
— É, mas ele esquece que algo similar aconteceu à mãe dele no
passado.
— Eu sei… e entendo que te faz mal, mas adianta levar isso adiante?
Pensar nisso?
Meu pai casou muito cedo, teve meu irmão com 21, a mãe do Evan, e
no trabalho conheceu outra mulher, ele terminou o casamento por conta
dela. Eles não deram certo e ele conheceu minha mãe, acontece que essa
mulher, que um dia o fez terminar um casamento, retornou de novo para a
vida dele, e é com ela que ele é casado hoje em dia.
— Adianta. Adianta, sim. No dia que minha mãe estava lá no
hospital, ele não apareceu porque estava com ela, porra.
Max fica em silêncio.
Minha mãe teve câncer de pulmão e, no seu estágio final, sabíamos de
uma coisa, ela só respirava porque meu pai estava lá com ela nos últimos
dias, só que no último ele não esteve. Ela o amava devotamente. Confiava
nele, acreditava que o amor era para a vida toda, era uma romântica
incurável.
Lembro-me de que, na época do tratamento, apesar de eu morar em
Boston, eu voltei pra Nova York. Minha mãe não queria que eu ficasse no
hospital, sempre dizia que estava bem, mentiu pra mim, fui saber no estágio
final. Encontrei-a debilitada.
— Um dia vocês precisam conversar.
— Ele é muito covarde pra isso.
— Você não deu uma chance.
— Max… Caralho, Max.
— Tá, tudo bem, quando chegar o seu momento, você vai querer
escutar.
— Isso não vai acontecer. — Nego com a cabeça.
— Me fala, a Billie, ela é voluntária no hospital? — muda de assunto
rápido. E lembra do que eu falei por mensagem. — Você acha que é ela a
garota que sua mãe falava?
— É. Ela sempre me falava de uma garota chamada Billie Jean. E
esse nome é impossível de esquecer. Como é possível existir duas doutoras
da alegria com esse nome em Nova York?
— Bom, se é ela, então você a encontrou. Você sempre quis encontrá-
la quando viesse pra cidade.
—Isso não pode ser real. A perturbada da Billie Jean é a Billie da
minha mãe. — Massageio minha têmpora.
—E qual o problema?
—Max, isso é azar.
— Por quê?! Vocês já têm uma grande proximidade, vai ser fácil
pedi-la em casamento.
— Vai se foder, eu não vou pedi-la em casamento.
— Não foi o que você prometeu pra sua mãe.
— Eu não prometi nada disso. A única coisa que eu prometi pra ela
foi que um dia eu iria conhecer essa garota.
— A Alanna nunca jogava pra perder. O que foi que ela disse mesmo
sobre a Billie?
— Não vou repetir.
— Ah… — Ele dá um sorriso, o safado sabe, só quer me irritar. —
Que tinha a certeza que vocês foram feitos um para o outro.
— Você está se divertindo muito com isso, né?
— Estou adorando. Eu sempre achei que você e a Billie eram, como
que é o nome mesmo? Almas gêmeas?
— Eu vou embora.
— Josh! Qual é? —Olho-o enfurecido. —Tá bom, eu vou parar. Por
que você fica tão bravo quando eu falo dela?
— Ela me irrita.
— Isso eu sei. Se ela te irrita tanto, por que você não muda de casa?
— Eu já te falei, fiz um acordo com o Rufus. Estou representando ele
na guerra pela casa. Em troca, ele vai me ajudar com um contrato, sabe
aquela empresa de televisão, Newsletter?
— Sério? É isso mesmo?
— Claro que é.
— Pense melhor sobre isso. Se a Billie é um problema tão grande na
sua vida, você já teria feito as malas e ido embora. Esse contrato você sabe
muito bem que consegue sozinho. Não precisa do Rufus.
— Ele é um bom canal, não é fácil chegar até eles. E por que eu iria
embora? Ela que tem que ir.
— Se é o que você acredita.
— Tá tentando fazer psicologia reversa comigo?
— Não, mas liga pro seu terapeuta, quem sabe ele te ajuda.
— Meu terapeuta? Dá um tempo. Por que a gente não fala da sua
vida?
— Está muito bem. Saí com um cara que conheci naqueles aplicativos
de namoro ontem à noite.
— Ótimo, fale sobre ele. Você não namora com ninguém há anos.
— Foi um pouco estranho, mas serviu para o que esses aplicativos
propõem. E estou bem assim. Não tenho tempo, se eu não estou no
consultório, estou na clínica. Minhas pacientes demandam todo o meu
tempo.
— Temos um problema aí. Está fugindo desde que terminou com o
Koen. — Max namorou dois anos com um analista de sistemas.Ele era mais
novo e a relação não foi pra frente, desde então, meu amigo não conseguiu
se relacionar com mais ninguém.
— Não estou fugindo.
— Por que não fala com seu terapeuta?
— Touché.
— Estamos quites. — Levanto minha xícara de café e brindamos aos
nossos problemas.
 

 
É segunda-feira e eu estou puto. Peço para que a Drina mande a
Murphy direto para a minha sala quando aparecer. Se ela se atrasar um
minuto, um minuto sequer, é hoje que sua demissão será assinada. Eu fui
muito condescendente com ela, fui até o meu limite.
Aceitei diversos atrasos, dei alertas, está cheia de advertências
assinadas na sua gaveta, sinto que está na hora de acabar de vez com isso. É
hora de agir.
Estou respirando fundo várias vezes quando há duas batidas na porta.
Se for o Wayne Peterson com suas reuniões, é outro que vai correr o risco
de perder o emprego hoje.
— O senhor mandou me chamar? — Billie Jean surge sem
maquiagem, ajeitando a franja em uma tentativa falha, porque está atrasada
e sem fôlego. Dá pra ver que curtiu muito a farra ontem à noite. Ela não
dormiu em casa e só voltou hoje de manhã para se arrumar e trabalhar, ou
melhor, nem se arrumou, que combinação é essa de roupa?
Uma calça jeans com uma blusa de alfaiataria amarela?
Olho para o relógio, cinco minutos de atraso.
Levanto-me triunfal.
Dou passos largos em sua direção e paro olhando-a com altivez:
— Sim, mandei. Você recebeu três advertências por atraso, certo,
senhorita Murphy?
— Sim, recebi.
— E mesmo assim se atrasou hoje pela quarta vez.
— Eu sei, mas foram pequenos atrasos. Senhor Tucker, você não
pode…
— Eu posso e devo.
— Por quê?
— Porque se eu perdoo pequenos atrasos, você vai achar que pode
fazer qualquer coisa.
— Eu não acho.
— Acha. É uma folgada. Aqui e fora do ambiente de trabalho.
— Você está levando isso para o lado pessoal.
— Eu estou? — Uma veia se dilata no meu pescoço.
— Está, deixa eu explicar.
— Fale com a Drina depois. Está demitida. — Dou dois passos para
trás colocando a mão no bolso. — Agora pode ir, preciso trabalhar.
— Pelo amor de Deus, me deixa falar!
— Falar o quê?! Eu sei muito bem porque se atrasou, passou a noite
fora.
— Ah… — Ela abre a boca surpresa e depois sorri. — Você está com
ciúme?
— Ciúme? — Gargalho. — De você? Nunca.
Ela se aproxima de mim e eu recuo de uma vez andando para trás e
tão rápido que eu acabo batendo na minha mesa. Sou encurralado pela
minha funcionária que está adorando o meu desespero.
Billie coloca as duas mãos ao meu redor em cima da mesa:
— Te peguei.
— O que é isso, senhorita Murphy?!
— Fale a verdade, Josh. Fale a verdade e eu te libero.
— Que verdade?
— Que você ficou com ciúmes de mim. Que ficou a noite toda sem
dormir pensando onde é que eu estava.
— Até parece. — Tento me mexer, mas isso faz com que nossos
rostos fiquem mais próximos e é aí que eu sinto o bendito cheiro de
sabonete de morango.
Droga.
O que anda acontecendo comigo?
Abaixo o meu olhar, encontro seus cílios longos, seu olhar perspicaz,
o nariz arrebitado cheio de razão, e me perco em algo que sempre me deixa
possesso, sua boca. Engulo em seco.
Minhas mãos que estão para trás, vão para a frente.
— Josh, qual é o seu problema comigo?
— O meu problema?
Ainda olho para sua boca.
Estou raciocinando muito bem. Se eu a beijasse agora no meu
escritório seria o meu maior erro.
— É, porque isso não é profissional.
Uma das minhas mãos vai parar de uma vez só em sua nuca. Ela
arregala os olhos, surpresa pela minha atitude, mas não recua, seu passo é
mais para a frente, aumentando ainda mais o calor entre nós. Então ela quer,
isso não é uma das nossas brincadeiras.
Ela me olha por um segundo, seus olhos castanhos parecem
decididos, porém recuam para baixo. E eu não tenho mais certeza se quer.
— Billie… — chamo-a.
— Hum?
Volta a me olhar com os lábios entreabertos.
Eu nunca demorei tanto para beijar alguém em toda a minha vida,
mas há tanta coisa em jogo. E não é porque estamos em um ambiente de
trabalho, já tive casos onde trabalhei. É outra coisa que eu ainda não sei.
Ela está se aproximando gradativamente, se permitindo, e conforme
seu corpo vem em direção ao meu, o meu também vai em direção ao dela, é
algo automático. Nossos narizes se tocam, estou quase sentindo o encontro
dos nossos lábios, mas… não, não.
Eu não posso.
É a Billie Jean. Se nós nos beijarmos, o que vai acontecer? Ela mora
comigo. Isso vira um compromisso?
—É melhor você voltar ao seu trabalho.
—O quê? —Ela balança a cabeça perdida, confusa. — Quer dizer. —
Recua rápido. —Claro. Eu vou voltar ao meu trabalho, senhor Tucker. —
Endurece a voz. Na hora de sair, ela bate a porta e eu percebo que eu ferrei
com tudo.
 

NO LIMITE DA FALTA DE RAZÃO


 
“Não quero confusão romântica essa semana.”
(Vivian Ward, Uma Linda Mulher)
 

 
 
Eu odeio Josh Tucker. É claro que eu já falei isso algumas vezes, mas
essa constatação é ainda mais real agora. Que humilhação! Billie, pelo amor
de Deus, TOMA VERGONHA NA SUA CARA!
Estapeio a minha face na frente do espelho do banheiro e tento voltar
à razão depois que saí da sala do meu chefe. Não tenho condições ainda de
voltar para a minha mesa. Estou me sentindo uma idiota. Desde o final de
semana, a minha noção anda sumida.
Como eu tive coragem de perguntar pra esse babaca se ele gostava de
mim? Não bastou ele negar, tirar sarro da minha cara, ainda fui trouxa o
suficiente para acreditar que ele ia me beijar agora.
Dignidade, por favor, volte. Por favor, eu preciso de você.
— Amiga, que foi? — é a Drina.
— Quê?
Suspiro desolada.
— Eu te chamei três vezes. O que aconteceu?
— O nosso chefe é o que aconteceu.
— Ele tá querendo te despedir de novo?
— Ele é um sádico, filho da… — Olho para todos os lados, qualquer
coisa pode ser usada contra mim. A Drina não faz ideia de que nós
moramos juntos, esse segredo a Parveen jurou que ia guardar e até agora ele
permanece intacto entre nós. — Enfim, — Cruzo os braços em um suspiro e
volto minha atenção para ela. — ele quase me demitiu, mas desistiu da
ideia.
— Ainda bem. Quando ele me disse pra te mandar direto pra sala
dele, eu gelei. Por que você se atrasou hoje de novo?
— Foi a minha irmã. Ela teve febre ontem à noite e eu tive que cuidar
da Phoebe e dela.
— E como ela tá?
— Eu levei a Phoebe pra escola e a Ginny ainda tá em casa, preciso
vê-la no almoço, mas tô cheia de coisa pra fazer aqui, ainda mais com o
risco de perder o emprego.
— Mande seu estagiário.
— Tá maluca?!
— E qual o problema? Eles já se conhecem e, convenhamos, ele é
doido por ela. É uma forma de se aproximarem.
— Hum… — Coloco a mão no queixo. — Que ideia boa. A Virginia
vai me matar, mas…
— Ela estará incapacitada de fazer isso, por enquanto.
— Drina!
— Não me diga que você não gostou.
— Adoro uma operação cupido. — Demos os braços.
Assim que peço ao Lucas para ver a Virginia no almoço, seus olhos
brilham. Ele tentou diversas vezes contato com a minha irmã no último
mês, mas ela foi impassível. Primeiro que ela disse pra mim que não estava
saindo com ninguém e segundo que, jamais, nunca, e em hipótese alguma,
ela daria confiança para um homem mais novo, ainda mais ele que tem seis
anos a menos que ela.
Se tem algo que eu adoro é contrariar a minha irmã. E seria ótimo vê-
la perder as estruturas pelo menos uma vez na vida.
 

 
— Boa noite, Billie. — Pisca o segurança do prédio da Bee Creative.
Ele é sempre simpático comigo. E foi uma das pessoas que o Josh usou para
me zoar. Acontece que eu não saio muito, não tenho contato com muitos
homens além dos com quem eu trabalho.
Eu nunca faço nada, chego em casa, como alguma comida congelada,
leio ou assisto alguma coisa deitada no meu quarto com um pijama que o
Tucker sempre tira sarro. Sinto-me como a Bridget Jones e, sim, dei-me
conta que estou ficando velha antes do tempo. Como num filme acelerado,
mostrando uma uva se transformando em passa.
Eu não quero ser uma uva passa, quero ser um vinho, pronta para ser
bebida. Saboreada pela boca de um homem muito gostoso.
Mas como se eu não saio de casa?
Está na hora de agir. Ter um encontro de verdade. Conversar com um
homem que não seja um sádico!
Se eu não conheço homens pessoalmente, a única maneira de fazer
isso acontecer é pela internet. Tá, eu nunca fiz isso antes, mas tudo na vida
tem uma primeira vez. E a Drina me disse que já teve bons encontros,
alguns nem muito legais, contudo, eu posso ter sorte. Alguma vez eu já tive
sorte? Não.
Só que talvez esse seja o meu momento, os astros finalmente podem
ter se alinhado para mim no amor. Qual é, eu tenho que ser positiva.
Assim que entro no carro, jogo essa ideia no meu grupo de amigas
onde está eu, a Drina e a Parveen. Ligo o som do carro, ‘I wanna dance
somebody’ é a música que coloco, acho que dessa vez eu vou mesmo
dançar com alguém.
Uma buzina atrás de mim tenta me tirar da comédia romântica que
acabo de criar na minha mente. Olho para o retrovisor e noto que é aquela
pessoa, a perturbação em carne e osso que sempre surge quando eu estou
tentando ficar em paz.
Sei que estou no meio do caminho, mas não estou nem aí. Ajeito meu
retrovisor bem devagar, coloco o cinto e arrumo a franja.
De novo, ele buzina. Abro o vidro, coloco a cabeça para fora e grito:
— Tá com pressa? Passa por cima!
O que é isso? Farol alto? Ele tá mesmo me provocando, vai ter que
esperar mais um pouquinho, depois que eu passar meu hidratante labial
quem sabe.
— Senhorita Murphy!Está querendo ser demitida? — Lá vem ele com
suas ameaças.
— Ai meu Deus! — Erro a boca e o gloss vai parar na bochecha. —
Você parece uma assombração. E, Senhor Tucker, o expediente já acabou,
guarde suas ameaças pra amanhã.
— O que você tá fazendo?
— Tá cego? Quer que eu faça em câmera lenta?
— Engraçadinha. Está atrapalhando a saída.
— Estou? Me desculpe.
— Não se faça de boba. Você estava me provocando até agora. Como
disse mesmo? Pra passar por cima?
— Me perdoe, chefinho. Eu sou um pouquinho agressiva no trânsito.
Estou trabalhando isso na terapia.
— Perdoar? Você? — Ele solta o ar fortemente. — Billie Jean, não
brinque comigo.
— Eu não brinco com ninguém, ao contrário de certas pessoas.
— Está insinuando o quê?
— Eu não insinuo nada.
— Acho que a gente precisa conversar.
Uma buzina me salva.
— Você está atrapalhando o trânsito, volta pro seu carro.
— Cínica.
— Não menos que você.
— Billie!
Fecho o vidro do carro.
É impressionante a capacidade que esse cara tem de atrapalhar o meu
humor. Mas eu não vou deixar, eu tenho uma missão e ela se chama
resolver a seca que está aqui embaixo.
“Ótima ideia, eu te falei mês passado pra fazer isso”. Checo minhas
mensagens quando chego em casa e a Drina foi a primeira a responder.
“Eu não tinha condições no mês passado.”
“Não faça isso, é cilada” Parveen responde.
Resolvo mandar um áudio.
— Cilada? Por quê? Cilada é ficar em casa mofando. Eu maratonei
todos os filmes da Bridget Jones e cheguei à conclusão de que virei uma
grande uva passa. Estou seca, está tudo seco em mim, principalmente a
minha vagina.
“Sabe como se resolve isso?” Parveen diz em seguida.
“Como?”
“Lubrificante e seu vibrador”.
— Engraçadinha, eu juro que tentei…, mas… — paro o áudio. Por
um momento quase esqueço que a Drina não sabe sobre o Josh. Ela não ia
aguentar, e eu entendo, é uma baita fofoca. — Eu só estou meio travada. Só
que não é essa a questão, eu quero paixão, vibrador traz paixão? Não, não
traz.
Vou no privado da Parveen e mando a verdadeira mensagem por
áudio:
— Toda vez que penso em me masturbar, lembro que o Josh está na
mesma casa que eu e travo.
E ela responde também por áudio:
— Sabia que era esse o problema. Ele te dá tesão, use isso ao seu
favor.
— Até parece que ele me dá tesão. — Olho para minha gaveta, penso,
é, com certeza melhor o vibrador do que alimentar a minha imaginação, eu
pensei no quase beijo o dia todo.
— Ai preguiça. Pare de mentir.
Ok. A Anand gosta de cutucar as feridas.
— Eu acho que talvez seja meu inferno astral, por isso estou tão
perturbada da cabeça. — Dizem que o inferno astral começa trinta dias
antes do aniversário de qualquer pessoa.
— Seu inferno astral tem nome e sobrenome. Quando quiser falar
sobre, eu escuto, mas diga a verdade, sabe que eu não tenho paciência.
Estou fazendo aquele frango que você gosta, tikka masala com arroz. Só
não te chamo hoje, porque você tem uma missão a cumprir e sabe qual é,
mas vem amanhã.
“Eu vou, e te conto tudo. Ainda tenho que passar na casa da Ginny
mais tarde” digito.
Deixo o celular de lado e penso, talvez a Parveen tenha razão. Em vez
de me meter em aplicativos de namoro, eu só preciso aliviar a tensão sexual
que estou sentindo. E é isso que vou fazer e tem que ser agora. Sei que não
tem como o Josh sequer ouvir porque ele está lá embaixo fazendo seu jantar
nesse momento.
Vou até minha gaveta de calcinhas e encontro meu vibrador rosa
maravilhoso que já me proporcionou momentos incríveis. Tiro toda a roupa,
preciso me despir de todo o estresse que o dia, ou melhor, todo o último
mês me causou.
Deito na cama, coloco na vibração 2, e no modo aquecido. Encosto
apenas no clitóris, quero começar pelo básico, sem penetração, acho que
estou mesmo enferrujada. Uma das minhas mãos vai parar nos meus seios e
acaricio lentamente. Fecho os olhos, estou no ponto certo. Deixo-me levar
pelo pequeno gemido que me arranca. Caralho… é bom demais.
Tento não pensar em nada, apenas no meu prazer, contudo o que vem
à minha mente é tudo o que me dá tesão no momento. Queria que fosse o
Henry Cavill, sim, ou o Chris Hemsworth, ou qualquer homem na face da
terra, mas não, tudo que me vem à mente é ele com aquela camisa
semiaberta, a boca rosada, e eu fico imaginando que é ele, puta merda, só
me vem à cabeça ele me chupando.
Socorro! Como eu queria…
E é com essa imagem que eu continuo a me masturbar com o
vibrador, não paro com os movimentos nos seios, e minha respiração fica
confusa assim como meus pensamentos. Mordo a boca ao sussurrar sem
querer o nome dele.
Tenho que acabar logo com isso. É um absurdo o que estou fazendo
comigo mesma.
Aumento a vibração. Os pensamentos continuam me consumindo
conforme o calor aumenta a dilata. Estou quase chegando, sei que estou
quase…
— Josh… seu filho da…caramba…— tremo. — Ai… meu… Ai…
Josh…Josh…
Estou quase, quase. Meus olhos estão fechados, não paro nenhum dos
movimentos, nem dos seios, nem embaixo. Tudo que eu quero é gozar o
mais rápido possível.
— Por que você tá me… — Um movimento brusco da porta junto
com a voz me faz abrir os olhos de uma só vez.
E é aí que eu faleço.
Sou pega me masturbando pelo meu chefe e colega de casa chamando
pelo nome dele. Acho que sim, posso ser enterrada agora mesmo.
E, para piorar, não consegui ter o meu orgasmo.
 
 
 
 
 

DESÇA DA TORRE, RAPUNZEL


 
“Minha reputação nunca esteve pior, então

Você deve gostar de mim pelo que eu sou.”


(Taylor Swift, Delicate)
 

 
 
Acho que nunca senti tanta vergonha de mim mesma como me senti
agora. Meu corpo todo entrou em chamas e não como eu queria ser
consumida antes, por aquela explosão do orgasmo que te deixa mole e te faz
respirar lentamente em satisfação. Nada disso, estou bufando, com o
vibrador na mão e pronta para fazer o que eu preciso, jogá-lo na cabeça do
Josh!
— Sai daqui agora!
— Mas foi você quem me chamou!
— Josh, seu… — E eu o jogo, simples assim, faço o que eu sempre
fiz na vida, uma atitude impensada que me impulsiona em jogar o vibrador
em direção ao babaca e resulta nele apanhando-o, droga de reflexos bons,
ele não para de rir, suas gargalhadas estrondosas me fazem enrolar ainda
mais no cobertor, apenas uma parte da minha cabeça fica para fora.
— Que foi? Precisa de ajuda? Cacete, Billie, isso tá bem molhado.
Eu pensei que não pudesse piorar, será que existe algum buraco para
eu entrar agora?
É um pesadelo? Eu fiz algo pra merecer tanta humilhação?
— Se você não sair daqui agora, eu não respondo por mim. —
Agarro-me ao colchão da cama. Eu já o ameacei muitas vezes, mas eu
nunca fui tão sincera nas minhas ameaças. A cumpriria nem que fosse a
última coisa que eu faria na vida.
— Tá bom, tá bom… Que fique bem claro, eu só entrei porque você
me chamou. — Ele joga o vibrador na minha cama e sai batendo a porta.
Filho da puta.
Ai que ódio.
Estapeio o travesseiro.
O vibrador pula porque ainda está ligado. Desligo-o com a imagem
do Josh segurando-o na minha mente. A imagem dele rindo da minha cara
vai assombrar os meus pensamentos até o dia da minha morte.
Eu ultrapassei todos os limites da vergonha alheia. Todas as fronteiras
que um dia eu já impus a mim mesma, e olha que não são muitas.
Fico catatônica. Catatônica de vergonha. Acho que vou virar uma
eremita. Ninguém nunca mais vai me ver.
Merda.
Preciso ver a Ginny.
Como? Não posso descer as escadas. E se eu topar com o Josh?
Primeiro eu preciso de um banho pra tentar recuperar o mínimo de
dignidade que eu tenho.
Não recupero nem um pouco dela, só demoro tempo demais no
banho, isso faz com que minha irmã me mande mensagem perguntando
onde me meti, porque ela está me esperando para o jantar, ou melhor, espera
que eu o leve.
Eu só preciso sair daqui. Só preciso arrumar um jeito de escapar sem
ser vista. O Josh ainda deve estar lá embaixo. Se ele estiver na cozinha,
posso passar despercebida pela sala, porém, se ele estiver na sala e fizer
algum comentário ridículo, eu não vou suportar. A minha cota de vergonha
já deu para essa vida.
É óbvio que não vou poder evitá-lo para sempre. Não tenho paz em
casa, no trabalho, na vida. Ele está em todos os lugares.
Mas hoje, só hoje, eu quero sair sem vê-lo.
Abro a porta do meu quarto, espio pelo corredor, está livre.
Como se eu fosse uma criminosa, esgueiro-me pelos cantos e paro na
escada. Espio de cima. Não ouço barulho da TV. Ele não está na sala. Ainda
está na cozinha. Posso descer em paz.
— Está se escondendo de quem?
Dou um passo em falso no primeiro degrau da escada.
Quase caio, mas o Josh me segura. E esse é um daqueles momentos
em que você se sente em uma comédia romântica. O jeito que ele puxa meu
braço e eu me volto totalmente para ele, faz meu coração titubear um
segundo.
De susto, eu espero.
E é aí que ele me olha, e eu sinto de novo aquele olhar que ele me deu
mais cedo em sua sala.
Eu nunca consigo entender Josh Tucker.
Ele não é o mesmo pervertido que ouve Kings Of Leon que eu
encontrei no avião, embora ele ainda ouça a banda com frequência. Sim,
está diferente. Menos armado contra mim. Ou será uma tática para me
enganar e me colocar para fora de casa? Seduzir é uma armadilha?
Para de ser boba, Billie Jean, se ele quisesse te beijar, já teria feito
isso antes. Ele te viu nua, NUA.
NU-A.
Esse homem não deve ter sentido uma cosquinha sequer.
— Dá pra me soltar? — Empurro-o.
— Eu não fiz de propósito. — Ele ajeita a postura ao se separar de
mim.
— Tá me perseguindo?
— Estou na minha casa.
— Agindo sorrateiro assim?
— É você quem estava agindo como uma bandida. Tá com vergonha
de mim?
— Vergonha? — Cruzo os braços na defensiva. — Por que eu estaria
com vergonha?
Ele se engasga com um riso.
— Não sei. Me diga você.
— Também não sei. — Faço a melhor expressão de paisagem. —
Tenho que ir. Não me espere acordado.
— Quem disse que eu vou esperar?
— Você esperou na noite anterior.
— Até parece que eu…
— Não sinta muito minha falta, eu volto amanhã. — Corto sua fala e
mando um beijo pelos ares para provocá-lo.
Meu gesto surte o efeito que eu queria, ele fica vermelho, pelo menos,
eu não fui a única a ficar com vergonha essa noite.
 
 
— Obrigada pela pizza, pode ir embora. — Ginny pega as caixas e eu
tenho que segurar a porta para que ela não a feche na minha cara.
— Ei! O que você tá fazendo?
— Por que você mandou o seu estagiário aqui?!
— Ah… tá brava comigo?
— É óbvio que estou! E estou com fome, você demorou demais.
— Desculpe, tive um imprevisto. — Empurro a porta para entrar. Ela
ainda briga comigo, mas cede, porque uma de suas mãos está ocupada com
as caixas de pizza.
— Imprevisto? Você não faz nada depois do trabalho. Ainda tá indo
no pilates? A Drina me disse que você anda faltando.
— Tia Bibis! — Pheebs vem me receber e eu a abraço.
— Claro que eu vou, duas vezes na semana.
— Só? É uma preguiçosa.
— Pare de brigar comigo, eu estou te alimentando, cuidando de você.
Não concorda, Phoebe?
Minha sobrinha faz que sim com a cabeça.
— Não coloque minha filha contra mim.
— Ela me ama.
— Veio aquele tio aqui — comenta ela.
— Ah é? E o que você achou dele?
— Ele é legal, brincou comigo. Mas a mamãe brigou com ele.
— A sua mãe brigou com ele? — Olho para a Virginia. — Por quê?
— Vamos comer? — Ela tenta mudar de assunto enquanto se dirige
até a cozinha e eu a sigo.
— Ginny?
— Que foi?
— O que rolou?
— Só nunca mais mande ele aqui. Pheebs, vem comer.
— Quero comer aqui.
— Não, sem desenho. — Minha irmã está nervosa. Ela é uma pessoa
que gosta de estar no controle de tudo, por isso eu consigo perceber que
algo não saiu como planejado, ela não é indiferente ao Lucas. Se não, não
estaria assim.
— Ginny, qual é o problema? Ele fez algo que você não gostou?
— Não.
— Então?
— Esse é o problema.
— Quê?!
— Ele é ótimo.
— Tá. Não estou entendendo.
— Estou acostumada com caras péssimos.
— Ai, não. Não faz isso. Você está se sabotando.
— É claro que estou. Eu sempre faço isso. Por isso não saio com
ninguém. É melhor eu não sair, assim não me decepciono.
— Essa lógica até que faz sentido.
— Fez sentido até hoje, pra que mudar? — Ela abre a caixa de pizza e
dá uma grande mordida na de cogumelo.
— Você não vai querer estar sozinha pra sempre.
— Quem disse que não? Minha vida está ótima assim. — Ela se
dirige até o armário e pega um prato colorido de princesa e coloca um
pedaço de pizza.
— Mesmo?
— Eu não quero alguém para me estressar.E eu sei bem qual é a
sensação de estar apaixonada. A gente não tem paz. É uma inquietação.
Você dorme e acorda pensando na pessoa. É péssimo, Billie.
— É péssimo se não for correspondido, se a pessoa te trair, se for um
relacionamento tóxico, e se for bom?
— Eu não estou a fim de fazer um test drive, obrigada. Eu e a Phoebe
estamos ótimas. Tenho que pensar na minha filha também, tá lembrada
disso?
— Óbvio que estou.
— Agora vamos comer?
— Vamos, mas na sala. — Puxo a caixa de pizza.
— Ei!
— Não seja chata. A Phoebe quer ver TV e eu também.
— Você é uma má influência pra minha filha.
— Eu nunca disse o contrário. — Sorrio pegando um pedaço de pizza
e penso no que minha irmã disse. Dá uma amargura na boca ao pensar que
ela não está errada. Meus pensamentos românticos foram todos soterrados
pela traição do Victor. Eu fui enganada nesta história junto com a esposa
dele.
Jurei que não seria inocente de novo, que não cairia na lábia de
qualquer cara. E agora estou aqui, criando coisas na minha cabeça com
ninguém menos que o meu próprio chefe. Quando é que vou aprender? Não
sou mais uma adolescente. E pelo amor de Deus. É o Josh Tucker.
Você jurou que ia odiar esse cara pra sempre, Billie Jean. E vai
expulsá-lo de casa!
Coloque a cabeça no lugar!
— Você está melhor da febre? — Coloco a mão na cabeça da
Virginia.
— Pare com isso. Sua mão tá cheia de queijo.
— Estou cuidando de você.
— Não precisa mais, amanhã já volto ao trabalho.
— Mas já? Estou gostando de vir aqui.
— Cínica. Hoje mesmo mandou outra pessoa no seu lugar.
— Você nunca vai me perdoar por isso, né?
— Que bom que você sabe.
Pego meu celular em uma mão e equilibro a pizza em outra, está na
hora de resolver meus problemas amorosos de uma vez. Instalo o aplicativo
de namoro e fico travada pensando no que escrever na bio.
— Sério mesmo, Billie? Isso é demais até pra você. — Ginny espia
meu celular.
— Espiar os outros é feio, sabia?
— Estou cuidando de você, sou sua irmã mais velha.
— Dois anos mais velha, isso não é nada.
— Pra que isso?
— Conhecer gente nova.
— Faça do jeito antigo.
— Não, obrigada. — Mudo de posição.
— E não coloque que você gosta de exercícios físicos, sabemos que é
mentira.
— Pare de espionar! — Tento focar novamente no que estou
escrevendo, mas é muito difícil escrever algo sobre si mesma e encontrar
um pack de fotos que mostre toda a minha essência.
O que eu formulo na bio:
Gosto de músicas e filmes clichês porque a vida é uma eterna
repetição.
 
Deixo o mistério no ar, porque fico com preguiça do resto. Coloco
algumas fotos, e depois perco o meu tempo arrastando ora para esquerda,
ora para direita. Meu Deus, como é possível existir tantos homens estranhos
no mundo?
— Tia Bibis? — Phoebe me chama.
— Sim, querida? — Ela me entrega um livro. É o da Rapunzel.
Ontem, eu li para ela o do Peter Pan e eu acabei dormindo no meio. — Ah,
eu adoro a história da Rapunzel. Vamos escovar os dentes e eu leio pra
você. — Subo com ela.
— Não fiquem de brincadeira, é pra ler a história e colocá-la pra
dormir.
— Tá bom, eu sei. E você também vai dormir, precisa descansar,
senão eu vou te levar no médico amanhã de novo.
— Eu já vou, só preciso checar alguns e-mails do trabalho.
— Faz isso amanhã, Ginny, tô falando sério. — Coloco a mão na
cintura, tentando manter uma postura rígida.
— Ok. Eu mantenho a minha palavra e você a sua.
— Ótimo. Estamos combinadas.
Subimos todas juntas. Deito-me com a Phoebe na cama e leio o livro
pra ela, enquanto recordo a história da Rapunzel e o sono quase não me
deixa terminar o conto. Algo acaba acendendo um alerta na minha cabeça:
Está na hora de eu descer da torre sozinha, não tem nenhum príncipe
lá embaixo à minha espera.
 

 
Ginny não deixou que eu levasse Phoebe pra escola, disse que daria
conta de tudo sozinha hoje, por isso tenho tempo de tomar um banho antes
do trabalho. Dou uma olhada no terreno e percebo que apesar de ser cedo, o
Josh já saiu de casa, menos mal, tenho a casa livre.
Posso tomar um banho em paz, respirar ar puro sem a presença
pesada de um certo tipo de pessoa, embora eu saiba que no escritório ele
deve estar contando os minutos para que eu me atrase e ter motivos para me
demitir de novo.
Ligo meu chuveiro, e noto que tem algo de errado, ele não está
funcionando. Merda! Acho que ele queimou. Tá, ok, temos outros
banheiros nesta casa. Tem o do quarto de hóspedes ao lado do meu. Porém,
por que eu vou nele se eu posso usar o banheiro do Josh? Ele ficaria pirado?
Sim. E eu estou aqui para isso. Tirá-lo do sério. Posso usar os produtos
caríssimos que ele tem e eu já vi.
Enrolo-me na toalha e dirijo-me ao quarto do sádico. Nenhum sinal
dele sequer. Realmente ele já foi para o trabalho, esse workaholic precisa
sair tão cedo assim? Dou uma olhada no ambiente, a cama está feita, tudo
perfeitamente arrumado. Abro a porta do banheiro e já ligo o chuveiro.
Coloco a toalha em um canto e vou em direção à água quente. Fecho a
cortina porque quero que o vapor quentinho me aqueça.
Leio o rótulo do shampoo do Josh e o cheiro antes de passar no
cabelo. Se eu soubesse que era tão gostoso, já teria roubado um pouco pra
mim antes. Passo duas vezes no cabelo antes do enxágue final.
Dou uma olhada no que mais posso usar quando ouço passos no
banheiro. Pelo amor de Deus, será que...?! Será que fomos invadidos?
Fodeu! E eu estou aqui pelada. Fico em silêncio, com medo. Minha
respiração está pesada, os passos estão mais perto, mais forte e…
A cortina se abre.
— Tarado! — grito tentando cobrir o corpo e tenho não só a surpresa
de ver o Josh, como ver o bendito sem roupa.
— Mas o quê…
— Tarado!
— Billie, sua maluca, o que tá…
— Josh, seu… tarado!
— O que tá fazendo no meu banheiro?
— Para de olhar! — Viro de costas, mas isso é um convite para que
ele olhe pra minha bunda. Não tem um ângulo que me ajude.
Ele finalmente tem o senso de virar de costas.
Desligo o chuveiro apressadamente, tudo que quero é sair correndo
daqui, só existe uma barreira, o Josh.
— Eu não olhei de propósito, que fique claro.
— Claro que não, é a segunda vez que você faz isso. Vou te processar
por assédio, que fique bem claro.
— Assédio? Assédio?! Foi você que se enfiou no meu banheiro,
Billie Jean. E ontem foi você que me chamou no meu quarto enquanto se
masturbava pensando em mim.
— O quê? Você tá maluco, é? Isso nunca, jamais aconteceu. Pare de
criar coisas na sua cabeça.
— Não sou eu que crio coisas na minha cabeça.
— Cala a boca e me dá uma toalha.
Ele a pega e a estende de costas.
Enrolo-me rápido e digo:
— Dá pra sair do caminho?
— Passe.
— Que bunda grande você tem, Josh.
Ele vira de uma só vez e me pega de surpresa, um pé meu está para
fora da banheira e o outro está dentro. Meus olhos se arregalam, olho para
tudo, seu rosto irritado, seu abdômen forte, a tatuagem de dragão chinês
exposta e acabo descendo até lá embaixo onde não devo, eita… é… engulo
a saliva. Não devo mesmo. Volto a subir o olhar e bato bem de frente com o
corpo dele, porque ele, em vez de ir para trás, vem de frente para mim.
O que está acontecendo?
— Está me provocando?
— Foi só uma brincadeira.
— Eu cansei das suas brincadeiras, Billie.
— E vai fazer o quê?
Talvez seja agora, talvez seja esse o momento que o Josh sádico
Tucker vá finalmente embora e deixe a casa para mim. É isso, consegui a
liberdade que eu tanto queria.
Ele me olha com tanta fúria e acaba com qualquer limitação de
contato que temos. Pega na minha cintura, puxa-me forte para ele, meu
queixo se ergue como um ímã próximo à sua boca, eu não quero ser
enganada de novo, deve ser uma brincadeira, só pode.
Mas aí, ele nem vacila. Só faz. Josh me beija.
 
 
NA DÚVIDA, NÃO FAÇA
 
“Você não pode perder alguém que nunca teve.”
(Andie Anderson, Como Perder um Homem em 10 Dias)
 

 
 
Eu não a beijo por um ato de impulsividade, eu fiz porque preciso.
Tenho que saber como é beijá-la, porque estou consumido pela vontade e o
anseio pela sua boca. Todo o meu corpo pede por isso. E, caralho, eu não
me arrependo nem um pouco quando recebo sua boca macia e seu suspiro
direto em meus lábios.
Ela se entrega pra mim irritada, consigo sentir pela fúria em seu
toque, sinto que quer me beijar, mas está contrariada pelos seus desejos, é
como se lutasse internamente para não estar ali, mas está, e gosta do que
estamos fazendo, porque suas mãos estão nos meus ombros me apertando e
seu corpo se entrega ainda mais para mim sem vergonha alguma. Sua língua
invade minha boca, quando eu aperto seu quadril, e eu descubro que não
quero apenas só um beijo, preciso de mais.
Estamos sozinhos, no meu banheiro, eu estou nu e só uma toalha a
impede de ficar nua de vez para mim, há pouco que nos impeça de fazer
algo.
Trabalho? Que trabalho?
Enfio as mãos em seu cabelo, enquanto ela passeia as suas pelo meu
braço com força, sua respiração cada vez mais densa. Chupo seu lábio
inferior amando sua boca que tanto me irrita. E quando desço para dar um
beijo em seu pescoço, seu gemido de prazer é o que fode com a minha
cabeça. Cacete, meus sentidos estão fora de mim. Não dá para pensar e nem
vou.
Coloco a mão ao redor da sua toalha e a olho pedindo permissão. Há
uma dúvida em seus olhos. Há uma dúvida nos meus.
Nesse momento eu sei, devo parar.
Mas aí, eu apenas ajo, e dessa vez é no impulso.
Tiro a toalha do seu corpo e jogo-a para longe. Seus seios me recebem
e sinto o toque dos seus mamilos eriçados direto no meu peito. Meu pau
reage duro e fica ainda mais impossível de me controlar. Esquecemos
completamente da razão. Seu corpo recua com o impulso do meu voltando a
entrar na banheira, e eu entro junto com ela. Uma das minhas mãos
continuam na sua nuca e eu sinto seu cabelo molhado, aperto-o e puxo seu
pescoço para beijar seu queixo.
Sua boca volta para a minha ainda mais faminta e suas mãos
começam a descer lentamente pelo meu peito, chegando ao meu abdômen,
arquejo, sei onde vai parar, e sei muito bem que quando chegar, não há
nada, absolutamente nada que vá nos parar.
— Você ouviu isso? — pergunta perto do meu ouvido.
— Não. — Engulo em seco. Sua mão está tão perto, não quero que
pare.
— Eu acho que é a campainha.
— Não ouvi. — Volto a beijar a sua boca. Não podemos parar, se
pararmos, um dos dois vai se arrepender a qualquer momento.
— De novo.
Desta vez eu ouço o maldito som.
É mesmo a campainha.
Mas quem?! E a essa hora da manhã?! Isso só pode ser um sinal
divino.
— Vamos ignorar — sussurro.
— E se for importante? Eu vou descer.
— Olhe nas câmeras antes de abrir. Temos que saber se é pra mim ou
pra você.
— Tá. — Ela se enrola rápido na toalha. — Se for pra você, eu te
chamo.
Enquanto ela sai eu tenho que olhar, é involuntário, Billie Jean tem
uma bela bunda. Arrependo-me de uma coisa, de não ter dado tempo de ter
dado um tapa forte nela. Vou para o meu quarto, tento colocar a cabeça no
lugar enquanto me arrumo pra o trabalho.
É, o trabalho, local onde eu sou o chefe da mulher com que eu quase
transei agora pouco no chuveiro. Isso complica ainda mais as coisas. Eu não
sei o que estou fazendo, como me deixei levar pelos meus instintos, mas sei
que se ela voltar a entrar no meu quarto sem roupa, eu vou fazer merda de
novo.
Entro no chuveiro e tomo o meu banho. É tudo que preciso, esfriar a
cabeça.
Estou arrumando o colarinho da camisa no espelho e deixando o
último botão da camisa aberto quando me deparo com a figura da Billie
Jean já vestida parada no batente da minha porta:
— Era a Virginia, minha irmã. Eu esqueci o meu celular na casa dela
ontem.
Então ela estava na casa da irmã?
Acho que eu imaginei coisas demais. Saí pra correr essa manhã mais
cedo do que o normal, porque estava com a cabeça cheia. Cheia de teorias
bem idiotas. Comecei a imaginar que ela estava dormindo na casa de algum
cara e isso de alguma forma fodeu com o meu raciocínio.
— Ah… você está na sua irmã?
— Estava, ela ficou doente esses dias e eu tive que ajudar com a
Phoebe. Eu ia explicar o motivo do meu atraso no trabalho, mas você não
me deixou.
— Entendo… — Viro-me e arrumo o punho da camisa.
Segundos constrangedores passam. Um dos dois deve falar alguma
coisa. Deve ser eu a pessoa. Eu devo dizer o que se passa na minha cabeça
depois que a agarrei, mas nem eu mesmo entendo.
E ela? Por que não consegue levantar o queixo e olhar pra mim?
— Eu vou… é… eu vou. —Faz um sinal com cabeça para o corredor.
— Não quero me atrasar para o trabalho. Meu chefe é bem difícil.
— Ele também vai chegar atrasado.
Ela levanta o olhar que se encontra com o meu, seus lábios se
entreabrem, querem dizer algo, assim como suas pupilas que acabam de se
dilatar, mas nada é dito, não em sua fala. Seus lábios se contraem em um
leve sorriso e me deixa no meu quarto com meus próprios pensamentos.
 

 
Billie saiu mais rápido do que eu de casa essa manhã, parecia que
estava fugindo de mim. Mais cedo ou mais tarde eu sei que temos que
conversar, mas eu não sei bem como vamos ter uma conversa, ou quem vai
iniciá-la. Talvez o Max tenha razão, por que eu não me mudei de casa
ainda? Por que eu sustentei uma briga com ela neste último mês se me
incomoda tanto? E por que eu a agarrei? E se ela diz que me odeia tanto,
por que retribuiu com tanta vontade?
Eu já fui duas vezes na sala do café essa manhã e ela que sempre fica
de bate papo com a Drina resolveu trabalhar e está muda sentada à sua
mesa. O que se passa na cabeça dela? Que garota estranha.
— Senhor Tucker? Ei, senhor Tucker? — Levanto a cabeça.
— Sim, o que precisa, Drina?
— Temos um evento pra planejar. A nossa agência vai fazer
aniversário no fim do mês.
— Ah, é mesmo. Já conversou com o Peterson?
— Com o Peterson?
— Sim, quero vocês dois envolvidos nisso.
— Mas eu…
— Mas? Tem algum problema com ele?
— Nenhum.
— Ok, então?
Ela está apreensiva, sei muito bem que tanto ela quanto a amiga
foram repreendidas diversas vezes pelo chefe dos Recursos Humanos.
— Eu vou marcar uma reunião com ele.
— Perfeito e não me inclua na reunião, só nas decisões.
— Tudo bem. Aliás, o seu irmão ligou, pediu para marcar um almoço
com o senhor hoje. Confirma?
—Meu irmão ligou pra cá?
— Isso mesmo.
Ele está passando dos limites.
—Ok, pode confirmar. — Solto o ar fortemente. Se ele quer tanto
falar comigo, ótimo. Está na hora de arrancar algumas feridas.
 

 
— Jogo baixo ligar no meu trabalho, Evan — falo assim que chego ao
restaurante e o encontro sentado à mesa.
— Só assim para você aparecer, irmão. Estava com saudades. —
Levanta para me cumprimentar, mas eu me sento antes.
— Pare de brincadeira, você já fez isso antes ao aparecer na casa da
tia Bessie.
— Minha presença é tão ruim assim?
— Fale logo o que você quer.
— Vamos almoçar. Eu ouvi falar que a carne daqui é ótima.
Ridículo. Ele está testando a minha paciência. Mas, ok, eu quero
saber até onde ele quer chegar.
— E como está sua esposa?
— Ela postou um vídeo ontem no Youtube, já viu? — pergunta
folheando o cardápio.
— Não.
— Vamos marcar um encontro. Você leva a sua namorada e todo
mundo se conhece.
— Não tenho namorada.
— Não foi o que a tia Bessie disse.
— Evan, dá um tempo.
— Calma, irmão. Que ferida é essa aí?
— Tá de sacanagem, né?
— Desculpa, não toco mais nesse assunto. Como está indo a Bee
Creative?
— Bem.
— Bem ou quase falindo?
— Por que está perguntando isso?
— Seu tio não é bem visto no ramo, mas sei que tem bons
funcionários, por isso a empresa ainda funciona. Como ainda tá de portas
abertas? Fatura o suficiente?
Cacete, como ele sabe disso?
— Tá espionando a minha empresa?
— Não. Eu só entendo de negócios.
— Entende porra nenhuma. Você faz o que da vida? Agencia sua
esposa?
— Sim. Cuido de negócios. E sei que posso te ajudar.
— É pra isso que me chamou?
— Também e tem mais um assunto.
— Fala.
— Por que a gente não come primeiro?
— Não tô com tempo para seus jogos. Diz logo.
— Nosso pai. Ele não está muito bem.
Fico em silêncio. Sabia que ele ia fazer isso. Sabia que nosso pai ia
tentar entrar em contato através do Evan. Nesse jogo sujo, eu não vou
entrar. Afasto-me da mesa e puxo a cadeira com meu corpo em sinal de
retirada.
— Eu disse que não vou cair no seu papinho, ainda mais manipulado
por ele.
— Não é manipulado, cara. Nosso pai não está bem, ele tá doente.
Meu corpo para. Esse é o primeiro sentimento que surge pelo meu pai
que não é indiferença. Preocupo-me. Se essa for mais uma tática do Evan e
dele para me fazer aparecer em uma das confraternizações de família, eu
juro que não respondo por mim.
— O que ele tem?
Eu nunca mais quero ouvir a palavra câncer na minha vida.
Fecho os olhos por um segundo apenas por lembrar da vez que recebi
o diagnóstico da minha mãe. Foi um dos piores dias da minha vida.
— É o vício dele em bebida. Ele foi preso ontem porque estava
dirigindo embriagado. Eu tive que tirá-lo da cadeia, tava todo fodido
chamando por você.
Respirei profundamente e bati o punho na mesa.
— Você tá falando sério? Sério mesmo? Eu pensei que ele tava… —
Quase não consigo puxar o fôlego. — Tava com alguma doença grave.
Caralho, Evan! Caralho!
— Mas ele tá doente, porra. Você não vê? Não dá pra gente ficar de
braços cruzados enquanto ele acaba com a vida dele. A Naomi quer colocá-
lo em uma clínica de reabilitação.
— Não me lembre da existência dessa mulher.
— Tá. Tá bom. Mas nós vamos deixar? Você não vê que ele tá assim
porque…
— Por quê? Tá querendo colocar a culpa em mim?
— Ele se culpa pelo que aconteceu, Josh.
— Ótimo, ele é culpado. — Levanto-me. — Pode almoçar. Sozinho.
— Vocês dois são iguais.
— O quê?!
— Nunca assumem as coisas de frente. Nunca conversam. É por isso
que nossa família tá assim.
— Família?! Que família? Ele teve três mulheres. E uma delas ele
matou.
— O câncer matou sua mãe, não ele.
— Cala a boca! Cala a boca!
Não aguento, parto pra cima dele, dirijo um soco ao meu irmão. A
fúria é incontrolável O Evan é igual meu pai. Seus trejeitos, o sorriso
cínico, os olhos que são azuis como os meus, mas eles são frios. E isso me
deixa ainda mais irritado, odeio me parecer com eles.
Ele não revida, o que me faz sentir pior. E eu sei que é proposital.
O garçom me segura, vejo Evan limpar o canto da boca de sangue
com um sorriso debochado.
— Eu disse, vocês são iguais. Um dia terão que conversar.
Engulo suas palavras, porque se depender de mim, esse dia nunca vai
chegar.
 

 
Estou com dor de cabeça à tarde, minha enxaqueca só agrava com
extensas reuniões, e-mails, clientes e, para piorar, a máquina de café quebra,
tenho que pedir pra Drina ir comprar um analgésico pra mim e pegar o
maior balde de café possível para eu conseguir lidar com a próxima reunião.
Estou quieto, ouvindo a equipe de planejamento quando abro o site
desenvolvido pela equipe técnica para o cliente que estamos trabalhando.
— Senhorita Murphy — chamo-a de repente. Ela está na reunião, pois
fez parte da parte no setor criativo.
— Sim, senhor Tucker? — Ela engole em seco, não esperava que eu
dirigisse a palavra a ela.
— Esse banner aqui em cima. — Viro o tablet e mostro a ela. — Foi
você que fez?
— Eu… é, foi, ou melhor, foi a minha equipe. Quer dizer, sei que
duas pessoas não formam uma equipe. Equipe de dois?
— Sua equipe? — Estalo a língua. — Isso aqui está horrível.
— Sinto muito.
— Você não sente muito. Você é a responsável pela imagem do site
que vamos entregar, e diz que sente muito?
— Desculpe, eu…
— É isso que iria entregar para o cliente?— Cruzo os braços na mesa
e a olho de frente. Uma veia na minha testa está latejando, mal consigo
abrir os olhos.
— Eu achei que estivesse ok. O Lucas se esforçou muito.
— Você achou? Agora vai colocar a culpa no seu estagiário?
— Não estou colocando a culpa em ninguém.
— Não justifique seu erro. Refaça.
— Eu vou refazer.
— Agora, Murphy. — Ela se levanta. — Espere. — Faço um sinal
com a mão. — Tenho um recado pra todos aqui. O meu tio teria entregado
exatamente assim o site para o cliente, sem ter feito um apontamento
sequer. Sabem no que resultaria? Em um cliente insatisfeito que não
voltaria a fechar negócio conosco. É por isso que a Bee Creative pode
fechar as portas no próximo ano — jogo a bomba. — Por pequenos erros.
Todos ficaram boquiabertos.
— O que está acontecendo, chefe? É um perigo real? — começam as
perguntas.
— É sério? Nós ouvimos boatos, mas pensei que era fofoca.
— Acalmem-se. Eu só estou alertando vocês. Somos uma equipe, o
erro de um interfere no trabalho do outro. Entendem? —Todos se
entreolham. — Agora, senhorita Murphy, pode ir, refaça o seu trabalho. E
ensine melhor seu estagiário. Não o deixe entregar qualquer coisa.
Ela pega rápido seu notebook e se levanta, não dá uma resposta pra
mim, mas bate a porta. Continuo a reunião com a dor de cabeça incessante e
o pensamento recorrente, talvez o Evan tenha razão, talvez eu não assuma
as coisas de frente e o que eu fiz agora foi afastar uma pessoa para não
assumir seja o que for que eu sinta por ela.
 

 
Não vou pra casa cedo. Janto no trabalho e volto apenas para dormir.
Estou subindo as escadas quando o inevitável acontece, Billie está descendo
com seu pijama que eu sempre tirei sarro. Ele é todo rosa com estampas de
abacate.
Ao vê-la, eu não quero brincar, rir do seu pijama, ou sequer tirá-la do
sério. Eu quero abraçá-la, beijá-la e tirar toda a sua roupa. Só que o jeito
que me olha, o nariz arrebitado, os olhos semicerrados e a boca dura me
dizem que ela está prestes a me dar um soco.
— Eu… — tento começar quando paramos a um degrau de distância.
— Vai se foder, Josh. — Suas mãos estão em punho e minha teoria
não está longe de se concretizar.
— O que aconteceu mais cedo foi profissional, você não pode levar
pro pessoal.
— Não fala mais comigo. Não aqui.
— Billie, por favor.
— Se queria me dar o fora, fizesse isso de uma forma decente. Agora,
na empresa? Daquele jeito? Me humilhando profissionalmente?
— Eu não te humilhei. O design do banner não estava bom.
Ela passa por mim e eu a sigo.
— Você só não podia ter falado daquela forma.
— Desculpe, o dia foi muito estressante. Talvez eu tenha sido um
pouco grosseiro.
— Não.
— Não o quê?
— Eu não te desculpo.
— Cacete, Billie. Eu sabia que ia dar merda. Eu não deveria ter te
beijado. Agora você tá complicando tudo.
— Eu tô complicando? —Ela gargalhou. —Foi só um beijo. Não
significou nada pra mim, ok? Agora, se me der licença, eu vou pegar um
energético porque tenho trabalho a fazer.
Ela passa por mim. Simplesmente passa por mim como se eu não
existisse. E eu fico com aquela sensação de que perdi alguma coisa. Mas
perdi o quê? Eu e a Billie nunca fomos nada, mas a indiferença dela é algo
que me deixa extremamente inquieto.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TUDO PELO CONTROLE (REMOTO)
 
“Quero o conto de fadas.”
(Vivian Ward, Uma Linda Mulher)
 

 
 
Acho que nunca coloquei tanto empenho em um trabalho quanto
coloco no designer deste banner. Passo a noite acordada fazendo e
refazendo até acreditar que está perfeito. E quando fica bom o suficiente,
adiciono mais um detalhe, porque não quero ouvir só uma palavra do
Tucker. Depois do que ele me fez passar, da humilhação na frente dos meus
colegas de trabalho, tudo que eu quero é o silêncio da sua parte e a
aprovação.
— Café? — pergunta Drina quando me vê chegar.
— Sempre — respondo com um longo suspiro e nos dirigimos até a
salinha. — Já consertaram a máquina?
— Na verdade, o nosso chefe me fez comprar outra ontem mesmo.
— Hum, ele não fez mais que a obrigação dele.
— Está puta da vida, né? Não se fala de outra coisa além do que ele
fez com você ontem.
— E eu deveria estar calma?
— Não é pessoal, você sabe. — Ela liga a máquina de café. Somos as
únicas na sala, porque pela primeira vez eu cheguei cedo.
É pessoal, mas ela não sabe disso.
O Josh me beijou, não soube me dar um fora em casa e quis fazer isso
no trabalho.
— Você acha que não é.
— O que quer dizer com isso?
— Que ele implica comigo desde que chegou aqui.
— É, isso é verdade. Talvez seja porque você se atrasa muito ou
talvez seja porque… — Ela para pra pensar, olha pra mim por um instante e
depois balança a cabeça.
— Por quê?
— Eu pensei em uma coisa, mas…
— Mas?
— Sabe aquele ditado, quem implica muito, briga muito… ódio e
amor.
— Ah não, não, não, não — nego rapidamente.
— Eu sei, parece impossível, né? Mas sei lá, você e ele, esse ódio
todo. Chefe e funcionária, um caso ilícito. Já pensou? — sussurra.
Engulo com dificuldade a saliva.
— Não. Eu não pensei.
Ela dá de ombros.
— Seria no mínimo uma aventura interessante.
— Até parece. Você diz isso porque não está na minha pele. Um cara
egoísta, irritante que não olha pra nada além do seu próprio umbigo, acha
mesmo que eu teria um caso com ele?
— Billie…
— O nosso chefe é um idiota.
— Amiga, eu acho que…
— Drina, não vamos mais falar disso.
— Exatamente, vamos mudar de assunto… — Ela me olha
apreensiva.
— Eu passei a noite toda refazendo o bendito banner, tudo porque ele
pensa que é o único ser perfeito na face da terra.
A máquina de café para e a Drina exclama:
— Você quer usar a máquina, senhor Tucker?!
Droga, droga, droga!
— Eu posso esperar a senhorita Murphy.
Eu não consigo nem me mexer. Me virar. Olhar para a cara dele. Não
me arrependo de nada do que eu disse, só me arrependo de ter sido ouvida.
— Então eu vou… — Minha amiga não sabe o que fazer, olha pra
mim apreensiva, eu olho pra ela em pânico para que não me deixe sozinha,
porém ela cede a pressão do olhar do próprio chefe, pois acaba dando um
sorriso sem graça para mim e saí correndo.
Filha da mãe. E agora, o que eu faço?
O tanto de maquiagem que eu coloquei essa manhã não vai esconder
a minha cara de insatisfação. E se ele não gostou do que eu disse, ok, pode
me mandar embora, estou cansada das ameaças.
Coloco minha xícara na máquina e fico em silêncio, finjo que o Josh
nem está aqui, enquanto ele também está quieto, talvez esteja pensando no
que dizer ou só vai se poupar do trabalho e me mandar direto para a sala do
Peterson. Seja o que for, eu vou tomar o meu café vagarosamente, sem
pressa alguma de trabalhar, até porque meus dias estão mesmo contados
nesta empresa.
— Vai continuar fingindo que não estou aqui? — questiona quando
pego minha xícara de café.
— Vou.
— Precisamos conversar.
— É sobre algo do trabalho, senhor Tucker?
— Não.
— Então não precisamos. Tenha um bom dia. — Passo por ele e sem
querer sinto seu perfume. Tento não inalar, mas já era, toma conta de mim e
isso me deixa perdida.
Tenho que ser forte, preciso ser forte, não posso me lembrar de tudo
que eu vi naquele dia no banheiro.
Ah é. Aquele dia no banheiro.
O corpo dele nu, seus músculos colados no meu corpo. Seu beijo…
caramba, o seu beijo.
Pare, Billie Jean! Volte à razão.
Não olho para trás, é melhor assim. Chego na minha baia, Drina me
manda uma mensagem pelo computador pedindo desculpas e logo depois
eu a vejo indo parta a sala de reunião com o Peterson. Parece que eu não
sou a única que está sofrendo no trabalho com a convivência com alguém
que odeia.
 

 
Durante toda a semana, eu decido arrumar desculpas para não ficar à
noite em casa. Quando não estou na casa da Ginny, vou ao pilates apenas
para me livrar da presença do Josh.
— Já marcou algum encontro? — pergunta Drina quando estamos no
vestiário. Eu abri o aplicativo de namoro para mostrar alguns perfis dos
caras que conversei essa semana.
— Ainda não, preciso ter certeza que não é nenhum perfil falso. Vai
que eu me apaixono por alguém que não existe, isso é bem capaz de
acontecer comigo.
— Não seja tão pessimista, uma prima de uma amiga casou com um
cara que conheceu aí.
— Essas histórias não acontecem comigo, eu sou azarada.
— Para com isso, talvez o seu príncipe esteja tão perto, mas tão perto,
que você nem consiga enxergar.
— Príncipe, Drina? Só dele ser alguém real, que não seja um
psicopata, me trate com respeito, não me traia e me ame, tudo bem, eu
aceito.
— Nada disso, você quer um conto de fadas.
— Não quero um conto de fadas.
— Todo mundo quer um conto de fadas, só está cansada demais de
beijar sapos. Por isso acaba desistindo.
— Tá, pode ser que você tenha razão, mas acha que eu vou encontrar
isso aqui? — Viro o celular pra ela.
— Bom, talvez, mas eu acredito que o amor vai te encontrar.
— Você é uma romântica incurável.
— Você também é.
Percebo que ela tem razão. E que sim, estou cansada de beijar sapos.
Inclusive, o último que beijei foi o que me deixou neste estado. Quando
volto pra casa, noto que o Josh teve a mesma ideia que eu, pois não está em
casa. Subo e tomo um banho depois desço para aproveitar a sala.
O caminho até a TV está livre, posso pegar o controle e assistir um
filme em paz, mas aí quando estou caminhando para a glória, surge saindo
da escuridão da cozinha ninguém menos que o meu inimigo.
— Pelo amor de Deus! O que você tá fazendo aqui?
Engulo as batidas incessantes do meu coração. Não foi só o susto, foi
o fato que ele está sem camisa.
— O que acha? Estou na minha casa.
— No escuro?
— A luz da cozinha não está funcionando muito bem.
— Sério? —Aperto os olhos em total desconfiança. —É isso ou você
estava esperando eu chegar? Está me espionando, Josh?
— Não. — Cruza os braços em defesa. — Por que eu faria isso?
—Não sei.
Ele se encaminha para o sofá, será que está pensando em fazer o
mesmo que eu? Ah, mas não vai mesmo! Eu corro pra pular no sofá e
vendo o que eu vou fazer, Josh faz o mesmo e nós dois pulamos ao mesmo
tempo.
— Cacete! — praguejamos ao darmos de frente um com o outro.
— O que você tá fazendo?
— O que você está fazendo? — joga a responsabilidade pra mim.
— Eu cheguei primeiro. — Estapeio seu braço para que me dê
espaço.
— Eu já estava vindo pra cá antes de você. — Ele começa a tatear no
sofá.
— O que é isso?! — Sinto sua mão na minha bunda e
automaticamente a minha mão vai parar na sua cara.
— Caralho, Billie! — Ele a segura. — Eu só ia pegar o controle.
— Ia pegar o controle? É mesmo? E pra isso você precisava passar a
mão na minha bunda?
— Você está em cima dele.
— E vou continuar. — Permaneço resoluta.
— Por quê?!
— Quero assistir TV sozinha. Não vou deixar que você se aposse do
controle.
— Pare de ser egoísta.
—Eu?! Eu sou egoísta?
—É, você mesma. Por que não vê TV no seu quarto?
— A tomada não está funcionando lá. Por que você não vê no seu?
— Porque eu prefiro ver aqui. Não gosto de dormir com a TV ligada,
quando eu tiver sono, eu levanto e vou dormir.
— Você tem sérios problemas. Por que não se trata?
— Não mais do que você. Agora é sério, me dá o controle. — Ele se
inclina para a frente, é um golpe baixo, uma aproximação tão abrupta, mas
eu não vou mais ceder ao charme de Josh Tucker. E daí se ele é um baita de
um gostosão? E daí o beijo dele é tão bom que eu fico querendo de novo? E
daí se os olhos dele são tão bonitos que me deixam até zonza?
Ah não… ele tá se debruçando no meu corpo. Isso que é golpe baixo.
— Josh, é sério, eu vou… — Não vou. Eu queria ameaçá-lo, bater
nele, brigar, mas não consigo. O calor da sua aproximação me deixa em
transe. Nostálgica. Lembrando do episódio no banheiro. Será que é a minha
carência que está fazendo isso comigo? Eu não posso chegar perto dele que
meu corpo todo reage. Minha boca formiga, meus seios se inclinam, e lá
embaixo as coisas começam a… Jesus, eu não posso nem pensar que minha
imaginação vai longe.
E aí, vendo que eu baixei minhas defesas, ele coloca a mão embaixo
de mim, está prestes a pegar o controle e eu sei que não posso deixar, por
isso revido e faço o que é preciso para manter o controle da televisão sob
minha posse, faço cócegas no Josh.
Ele se assusta com o golpe, não esperava que eu fizesse e nem eu.
Tenho a sorte de ele ser sensível próximo às axilas e suas gargalhadas
ecoam sem seu consentimento.
— Billie! Puta merda… ai! — exclama em meio ao riso.
Não paro, porque se eu parar, ele vai fazer alguma coisa.
— Desista, Josh.
— Não, desista você. — Ele tenta de novo partir pra cima de mim e
eu contra-ataco. Agimos fortemente um contra o outro, ele tentando pegar o
controle enquanto eu faço de tudo para continuar fazendo-o rir.
— É sério. O controle vai ser meu.
— Nós vamos cair, Bi… — Ele ri em meio ao aviso. — Nós…
— Não adianta, eu não… não…— Seu corpo se agarra ao meu, e eu
me agarro ao dele, porque nenhum de nós quer desistir do nosso objetivo,
seja o que for que estamos fazendo, não era mais a luta pelo controle
remoto.
Josh caí no chão e eu caio em cima dele, pelo menos minha queda foi
amortecida. Minha cabeça está bem no seu peito, meus lábios foram parar
direto no seu mamilo. Opa, isso não foi proposital.
Levanto minha cabeça e apoio nos seus braços.
— Caralho, isso doeu.
— Desculpa.
Nós dois olhamos rapidamente para o sofá, o controle remoto está lá e
eu estou em cima do Josh, a vantagem está pra mim.
— Nem pensar. — Ele me puxa de uma só vez me segurando pela
cintura.
— Josh! — Bato em seu peito. —Eu juro, você me solta!
— Se não o quê? — desafia não apenas com o seu olhar, mas com o
seu toque. Ele está com as mãos na minha cintura e eu o sinto tão quente
que me deixa febril. Se eu me abaixar um pouco mais, deixar que meus
estímulos visuais, sensoriais e minha emoção me guie, todo o meu controle
vai embora.
Não, não posso.
E a minha dignidade? E o que ele fez comigo no trabalho? Olho para
sua boca rosada, seu bigode convidativo, ah não. Por que ele tem que ser
tão charmoso? Aperto seu braço. É sem querer, eu só quero me aproveitar
um pouquinho.
— Eu vou chutar as suas bolas. — Minha canela está bem perto delas.
— Vai? — De repente toda a força que eu achei que tinha sobre ele
some. Josh inverte as posições e me coloca embaixo dele, pressionando-me
no tapete, fazendo pressão no meu corpo para que eu não me mexa.
— Josh! Josh! — Tento me movimentar, mas seus braços estão
segurando os meus.
Mordo os lábios em fúria, não acredito que perdi. Ah não! Não
acredito que perdi.
— Não tente, aceite a derrota, Murphy — alerta.
Aceitar a derrota? Jamais.
Se eu não tenho os braços para lutar, bom, acho que ele não está
esperando que eu use outra coisa. Inclino-me e uso os dentes no seu braço
que está perto da minha boca.
Ele nem sabe o que vai atingi-lo e é tarde demais para fazer algo a
respeito. Mordo-o sem dó.
Seu grito reverbera na sala e por um pequeno instante eu fico com
pena.
— Sua filha da…
— Me deixa sair, Josh — A força dele é descomunal, mesmo com
dor, o safado ainda me segura pelas pernas. Estapeio e consigo mudar de
posição inclinando meu corpo de uma forma que ele virasse de lado.
Eu nem sei mais se quero assistir algo, a questão aqui é que não quero
perder, só isso. Ele também parece ter o mesmo empenho, porque enrosca a
perna na minha quando estou prestes a me livrar do seu corpo. A luta
corporal não vai acabar tão cedo, alguém vai ter que usar um golpe baixo,
mas qual?
Penso em usar as cócegas de novo, só que o Josh prevê meu golpe e
pega minhas mãos. Já o mordi antes, posso mordê-lo de novo. Ele olha pra
minha boca, sabe o que estou pensando em fazer.
— Billie, não!
— Não me provoca, Josh.
— Provocar? — De repente ele olha para baixo e meus olhos descem
para onde sua visão está direcionada. E aí eu entendo tudo. Meus seios
estão grudados no seu peitoral. Estou sem sutiã e toda essa fricção dos
nossos corpos está sendo uma grande provocação.
Então é isso, esse é o golpe baixo.
— É… — Seu pomo de adão sobe e desce ao engolir a saliva.
— Eu estou te provocando? — Esfrego bem devagar meus seios no
seu abdômen subindo e descendo. — Sério?
Seus olhos se arregalam, ele não entende o que estou fazendo com
ele, não sabe que estou brincando. Homens sendo homens.
Desço meu corpo chegando bem no cós do seu short.
— O que está fazendo?
— Eu? — sussurro. — Nada. — Subo novamente ajeitando minha
camiseta no corpo. A alça está caída nos ombros e eu sei que ele consegue
ver meus mamilos eriçados.
— Nada? — Pega de uma vez na minha cintura e me faz descer de
novo para seu corpo.
Era difícil ter um autocontrole quando estávamos sérios como agora.
Era quase impossível me controlar quando os dedos dele estão
passeando pela minha coluna e quase chegam perto da minha bunda.
Era absurdo não fazer nada quando dava pra sentir algo bem embaixo
de mim ficando duro.
Inclino meu pescoço para perto da sua boca, encosto no seu queixo e
desvio. Eu não sou uma pessoa vingativa, nada disso. Mas se tem algo que
eu aprendi na vida é preservar minha dignidade, quer dizer, as vezes eu me
traio. O que ele fez comigo tinha que ter troco, e eu devo mostrar a que
quem fica com o controle sou eu:
— Com você eu não faço nada. Agora pode me soltar?
— É o que você quer?
— É. Ao contrário de você, eu sempre tenho certeza do que eu quero.
— Ótimo. — Ele solta minha cintura.
— Perfeito.
— Não vai sair?
Percebo que ainda estou em cima dele. Enrubesço na hora e me apoio
no chão para sair logo dali, no final das contas, desisto da televisão.
Subo as escadas e percebo que o Josh está fazendo o mesmo.
— Não vai ver TV? — pergunto.
— Estou cansado, e você?
— Também.
No corredor, nós dois direcionamos um olhar desconfiado um para o
outro:
— Você vai se masturbar? — de repente ele me pergunta.
— Claro que não, seu tarado.
— Não seja uma mentirosa, Murphy.
— Se está perguntando, é porque você vai fazer.
— Vou.
Abro a boca chocada, não espero por essa resposta.
— Pervertido.
Ele dá de ombros e vai em direção ao seu quarto. Meus pensamentos
ficam acelerados com um questionamento, e se eu espionar?
 
VOCÊ ESTÁ ME PROVOCANDO?
 
“Está tudo bem eu ter dito tudo isso?
É normal que você esteja na minha cabeça?”
(Taylor Swift, Delicate)
 

 
 
Ele já me viu pelada, várias vezes. Aliás, nós dois já nos vimos em
situações bem complicadas. A primeira vez que eu o vi nesta casa foi
quando o peguei se masturbando, e bem ele também já me flagrou nesta
situação, então, não custa nada dar uma espiadinha, pois eu duvido que vá
fazer isto. Tenho certeza que foi apenas uma provocação.
Caminho sorrateiramente pelo corredor, não quero que ele me escute,
quem deve escutá-lo sou eu.
Assim que paro na porta do seu quarto, noto que está entreaberta. O
safado deixou assim de propósito. Isto é sinal de que sabia que eu viria
atrás. Fico parada, esperando por algum movimento suspeito, ou qualquer
barulho.
Nada. Não há nada por um tempo.
Movo-me para voltar ao meu quarto, quando de repente ouço um
grunhido. Será que?
Mais um barulho. Tenho que espiar pra ter certeza. Será que ele vai
me ver?
— Caralho… — Opa, isso é bem característico. Essa respiração
acelerada, ah com certeza ele tá batendo uma.
Vagarosamente aproximo-me do batente e coloco a cabeça na fresta,
tento não fazer nenhum movimento brusco porque se ele me pegar
espionando…
— Te peguei! — A porta se abre de repente.
— Puta merda! — exclamo.
Droga, droga, droga!
O safado fez de propósito, foi uma armadilha e eu caí! Humilhada, de
novo eu fui humilhada pelo Tucker.
— Estava me espionando, Murphy?
— Eu?! — Suor escorre pelas minhas costas. — Nunca. Eu ia te
perguntar uma coisa.
— O quê?
— Se você não vai arrumar a luz da cozinha.
— A luz da cozinha?
— É, você disse que está com problemas.
— Vou. Amanhã à luz do dia.
— Certo. Eu vou indo… — Giro os calcanhares para correr dali.
— Não vai ficar para ver o que queria?
— Ver o quê? — Viro em sua direção.
Ele tira o short de repente e fica apenas de boxer.
— Seu tarado! — Tapo os olhos e dou um espaço entre eles.
Rindo se encaminha para a cama.
— Calma, é só uma brincadeira.
— Brincadeira? Acha que pode me provocar?
— Você não aguenta?
— Acho que é você que não aguenta. — Encaminho-me em direção à
sua cama.
— Billie? — Seus olhos se estreitam, confuso.
Passo por ele e faço o impensável para ambos, deito-me ao seu lado.
Josh olha para mim tentando adivinhar o que estou prestes a fazer sendo
que nem eu tenho a certeza dos meus próximos passos, tudo que eu sei é
que quero tirar esse homem do sério.
— Me mostra, Josh.
— Te mostrar o quê?
— Você se masturbando.
— Tá falando sério?
— Estou.
— Tá, mas só se você fizer também.
Nós nos encaramos em uma provocação mútua.
Quem iria começar primeiro? Eu? Jamais. Estava testando se ele teria
essa coragem, e ele também está nesse embate comigo. Provavelmente
nenhum de nós vai se mexer. É muito provável que isso não termine em
nada e… espera, ele está se mexendo?
Josh move sua mão esquerda e eu a acompanho com o olhar sem
piscar e aí ele a enfia por baixo da boxer. Jesus, ele fez mesmo isso. Ele
cedeu à minha provocação e ele está, meudeusdoceu, ele está tirando o pau
dele da toca.
E agora, o que eu faço?
Pânico. Pane no meu sistema.
Eu não me preparei para isso. Ok, tá, eu já vi seu pau antes, mas foi
em uma situação completamente inusitada, sem que eu quisesse ou pedisse.
Agora estou aqui na sua cama e ele está mostrando a cabeça do pau dele. É
isso, estou vendo.
Nem consigo engolir a saliva, eu que deveria torturá-lo, mas o jogo
virou.
Josh que faz isso.
Não é possível que seu pau esteja duro tão já.
Cacete.
Literalmente.
Ele está amando minha reação, vejo seu sorriso de canto. E aí ele
liberta.
Vejo tudo.
Seu pau está duro. E mais do que isso, eu tinha uma breve lembrança
de algo que era grande, mas uau, minha boca até se entreabriu com o
choque. Ele é grosso, rosado e é tão convidativo. Tem uma veia se dilatando
de tanto tesão que ele está sentindo. Sua mão esquerda começa a se mover
vagarosamente, apenas para começar.
— Você é… — Meus olhos me traem, quero desviar, mas não faço.
—Um tarado…
— Foi você que começou. O que foi? Não aguenta?
— É claro que eu aguento. Mas eu duvido que você aguente.
Ele me olha de canto enquanto seu gesto se intensifica.
— Então começa. Eu quero ver.
— Tá, mas não ouse me tocar.
— Eu não pensei nisso.
Claro que eu me arrependi, mas não ia demonstrar. Minha mão desce
pelo quadril até chegar à calcinha e eu enfio os dedos por baixo. Não penso
em tirar, vai ter que ser desta forma.
Josh me olha desconfiado e eu esfrego dois dedos no meu clitóris sob
sua a vigilância. Fui atingida pela excitação que seu gemido me causa e eu
acabado deixando escapar um dos meus lábios.
Eu não pensei que isso pudesse ser bom, mas a minha mente acaba
liberando a barreira que tanto me impedia de ter prazer.
Subo uma mão e acaricio um dos meus seios.
— Billie… — Sua voz sussurrando meu nome é o meu combustível,
não dá pra controlar, não é mais minha imaginação.
— Tira o short…
— Tá maluco?
— É mais fácil. Eu não vou te tocar mesmo que você queira.
Solto um barulho irritado pela garganta.
— Acha mesmo que eu quero?
— Eu quero.
Touché.
Desvio o olhar.
Não quero, nem devo abaixar a guarda. Quem deve acabar com ele
sou eu. Quem deve estar no comando sou, mas é o Josh que está revertendo
todo o jogo ao seu favor.Billie, cabeça no lugar. É um jogo de sedução e
você está sendo seduzida e não o contrário.
É, ele está certo, está na hora de tirar esse short.
Chega de pudor, ele já viu antes.
Abaixo de uma só vez, o short juntamente com a calcinha. Meu rosto
está focado em um objetivo, não olhar para o sádico. Por isso minha mão
segue o caminho pela virilha, sinto que estou ficando molhada aos poucos,
já faz um tempo que eu não me masturbo, e já faz um bom tempo que não
me entrego a essa sensação de desejo.
Esfrego dois dedos no meu clitóris. Só de saber que o Josh está ali me
observando, fico excitada. Dá pra ouvir ele fazendo o mesmo e não para,
seus movimentos são contínuos.
— Você já fez isso antes? — pergunto de repente.
— Me masturbar com outra pessoa do lado?
— Não. Se masturbou pensando em mim?
— Você fez?
— Josh.
— Eu ouvi.
— Então por que pergunta?
— Ok. Sim — responde.
— Sim? — Viro a cabeça levemente para seu lado.
— Sim. — Ele vira a sua para mim.
E ficamos assim.
Nossos olhos fixados um no outro. As mãos não param de se mexer, o
calor se propagando vagarosamente pelo meu corpo. Minha respiração
começa a acelerar, ele lambe os lábios, eu mordo os meus. São poucos
centímetros que nos separam de um toque, mas nenhum de nós quer ceder.
Ainda assim, o que acontece é tão intenso quanto. Seu cheiro, meu cheiro, o
barulho do seu sexo, o meu, nossos gemidos.
E aí eu falo seu nome quando surge um espasmo:
— Josh…
Seu pomo de adão sobe e desce em uma súplica:
— Ah, Billie, eu quero tanto te foder.
E eu quase morro.
— Você quer?
— Quero.
Meus movimentos se intensificam.
— Caralho…
— Quero foder essa boceta… tão gostosa. — Seu queixo se inclina
em direção ao meu. Minha boca quer encontrar a sua. É um exercício de
autocontrole que eu estou quase perdendo. Não posso, não dá.
Estou quase lá, preciso desse orgasmo antes que eu faça uma besteira.
Continuo a me masturbar e aperto um dos meus mamilos.
— Ai… — O calor continua a se propagar. Estou perto. Preciso estar
perto. Antes que esses olhos azuis me consumam e me levem para o seu
abismo.
— Safada… — Ele está me convidando para algo a mais, seus olhos
descem para o seu pau assim como os meus. — Goza pra mim. —Josh não
para seus movimentos que estão cada vez mais rápidos, não paramos, se
não terminarmos logo, sabemos bem onde vamos parar.
E vem, meu orgasmo vem, com tanta força que eu abro minha boca e
solto um gemido alto, escapa sem meu controle, minhas pernas tremem e eu
respiro trêmula com os olhos fechados. É tão gostoso e tão libertador que eu
sorrio.
Pendo a cabeça para o lado e ao abrir os olhos vejo o Josh, ele está
olhando pra mim, sério e não para de se masturbar. Desvio o olhar.
— Olha pra mim, Billie — pede.
E eu olho, sem questionar.
Ele continua com os olhos fixos em mim.
Todas as vezes que olhei nas profundezas por trás da sua íris eu nunca
encontrei seu eu verdadeiro. Mas, agora, ele se mostra extremamente
vulnerável.
Josh Tucker está se apaixonando por mim.
Pisco.
E é bem possível que o mesmo esteja acontecendo comigo.
E o pior de tudo é nenhum dos dois quer se entregar a esse
sentimento.
Sua boca se entreabre inclinando-se pra minha, aproximo-me aflita
por esse encontro. Nossa respiração se toca, estamos há poucos milímetros
do toque físico, basta eu ceder.
Mas aí eu penso.
Fui eu quem o provoquei.
Fui eu quem disse que ele não aguentava. Não posso ceder.
Sua respiração acelera, seus lábios ainda insistem, tentam se
aproximar, mas ele está ocupado com um movimento que toma tudo de si.
Um gemido forte sai rouco da sua garganta e ele levanta o pescoço ao
se contrair.
— Caralho…
Olho para baixo e noto que gozou.
Volto a olhar pra ele, esse é o momento em que bate o
constrangimento.
Oqueeutofazendoaqui?
Tá. Sem pânico.
Cadê minha calcinha?
Tateio-a pela cama e a encontro enroscada no short.
— Eu vou… é. Vou — falo rápido.
— Você não precisa…
— Preciso.
Como eu saio sem mostrar minha bunda?
Puxo o lençol.
— O que está fazendo?
— Não olha.
— Billie?!
— Eu juro, Josh. Não olha.
— Tá.
Levanto e olho de repente para trás.
— Você olhou! — Jogo o travesseiro nele. — Tarado!
Ele gargalha.
Saio correndo com a roupa na mão e com o coração na garganta. Não
consigo acreditar no que acabou de acontecer, foi totalmente falta de noção
da minha parte, ainda assim, não consigo parar de pensar no quanto foi
intenso e gostoso ao mesmo tempo.
Contudo, também não dá para ignorar algo, qual é o problema do
Josh? Por que ele disse aquela vez que é fodido emocionalmente por conta
dos pais? E por que eu insisto em me envolver com homens que são
perturbados?
 

 
Tudo que eu preciso no final de semana é esquecer da existência do
Josh. Estou ignorando-o desde a nossa brincadeirinha. Não é fácil, claro,
estamos o tempo todo nos esbarrando. Ele não toca no assunto, e
obviamente eu também não.
No sábado, passo o dia todo no hospital assim como no último final
de semana, o Erick veio me buscar e também quis me trazer em casa no fim
do dia.
— O que você acha de a gente sair qualquer dia desses? — pergunta
ao estacionar na frente de casa.
— Como assim? Nós não saímos hoje?
Ele ri.
— Eu quero dizer sair mesmo, ir pra algum lugar, beber, conversar,
fazer algo além do hospital.
— Ahh… — Meu Deus, as vezes eu demoro pra raciocinar. Ele está
me chamando pra sair, pra sair de verdade. Faz tanto tempo que alguém não
me chama pra sair que eu perdi o jeito, não sei mais como é ser paquerada.
Se é que isso está acontecendo. — É um encontro?
Erick passa a mão pelos seus cabelos e me dirige um sorriso ao
confirmar:
— Sim, um encontro. Você quer?
— Tá. — Aperto as mãos sem jeito. — Eu quero.
— Pode ser hoje ainda?
— Hoje?
— Mais tarde? Depois que a gente tirar toda essa maquiagem… — se
refere a nossa caracterização de palhaço. — Isso se você não tiver
compromisso.
— Não! — falo rápido. — Quer dizer, eu não tenho compromisso.
— Ótimo. Às oito?
Confirmo.
Nós nos olhamos daquela forma constrangedora em que as pessoas
não sabem como se despedir no carro. Nós sempre fomos amigos e agora
vamos a um encontro? Desde quando o Erick tem segundas intenções
comigo? Ele tem segundas intenções? Espero que tenha.
Abro a porta do carro e assim que faço, tomo um grande susto,
ninguém menos que o Josh está saindo de casa.
Ah não! Ah não! Isso vai ferrar com tudo.
Espero que o Erick não veja, mas quando estou prestes a fechar a
porta, ele diz:
— Quem é o cara?
Fodeu.
O Josh olha em nossa direção, não dá pra disfarçar nada do que está
acontecendo, simplesmente todo mundo está se encarando, como é que eu
saio disso?
— É… é o meu primo.
— Seu primo?
— Aham. — Coço a cabeça em nervosismo. — Filho da tia
Genevive.
— Sua tia tem um filho?
— Pois é, nunca te contei?
— Não, nunca.
Josh segue até o seu carro e entra enquanto o Erick continua a
perguntar:
— E ele tá morando com você?
— Está.
Seu cenho franze.
— Hum. Vocês são próximos?
— Ele é gay. Somos grandes amigos.
— Ah, entendo. —A tensão em sua testa some. —Bom, nos vemos
mais tarde.
Respiro um pouco aliviada quando ele vai embora, porém a tensão
não vai totalmente embora porque me dou conta de que acabo de inventar
uma grande mentira e mentiras tem um prazo pequeno de validade.
Assim que entro em casa, a porta se abre de novo e o Josh entra.
— Cacete! — Coloco a mão no peito assustada. — Você não estava
de saída?
— Só fui pegar algo no carro. — Mostra a carteira. — Por que está
tão assustada? Está escondendo algo, palhacinha?
— Não. E não me chame de palhacinha.
— Por que não? Não está caracterizada? — Levanta o queixo para me
testar.
— Você que é o palhaço desse circo, Josh, mas eu não vou participar
da sua brincadeira. — Passo por ele, mas sua mão acaba pegando no meu
braço.
— O que você quer?
— Eu queria…
Olha para o chão, procura palavras e não encontra.
— Aranha… — digo de repente e ele solta o meu braço ao perguntar:
— Onde? Onde?!
— Covarde.
Ele não diz nada e eu subo.
Tenho que virar a chave, afinal, não dá pra ter um encontro pensando
em outra pessoa. E convenhamos, o que eu sinto pelo Josh Tucker é uma
mera alucinação causada por uma mente treinada a gostar de homens
perturbados. Eu preciso urgentemente a parar de repetir padrões e talvez o
Erick esteja aqui para quebrar esse ciclo, ele é gentil, carinhoso, parece fiel,
é um bom amigo, há sinais de que possa ser um excelente namorado.
Tudo que eu preciso é escolher o melhor vestido que eu tenho, a
melhor lingerie, torcer para não falar muita besteira nesse encontro e quem
sabe a noite não termina em eu não voltando pra casa.
Tomo um banho, abro a minha gaveta de calcinhas, descarto as beges,
as vermelhas para não parecer que eu estou indo para o encontro pensando
em sexo, a de couro nem pensar. Preta? Sim. Básica, sexy e discreta. Assim
como o vestido que escolho da mesma cor.
Arrumo a franja deixando-a bem retinha e os cabelos levemente
ondulados. De brincos, escolho as argolas douradas assim como as pulseiras
e o colar. Como o Erick é da minha altura, opto por não usar salto.
Erick me manda uma mensagem dizendo que já chegou, por isso
desço. Encontro com o Josh embaixo, ele também está arrumado, parece
que vai sair.
— Vai sair? — perguntamos juntos.
— Vou — respondo primeiro.
— Também vou.
— Com quem?
— Uma amiga.
— Ah é?
— E você?
— Um amigo.
— Hum. — Encara-me dos pés da cabeça.
— Ele chegou. Boa sorte no seu encontro.
— Você também. — E topamos um com o outro na entrada de casa.
Ombro com ombro na tentativa de abrir a porta.
— Com licença?
— Você que está me atrapalhando.
— Então abre a porta você. Está com pressa por acaso?
— Ela está me esperando.
— Ele também está me esperando. Lá fora aliás.
Encaramo-nos em uma hostilidade mútua antes de Josh girar a
maçaneta e finalmente abrir a porta e liberar nossa saída. O ar fora pelo
menos está mais leve.
Vejo o carro do Erick, ele abre o vidro e acena.
— Ei! Primo da Billie, né?
— Primo? — Josh vira o rosto pra mim com um sorriso debochado.
— Você queria que eu dissesse o quê? Vai logo pro seu encontro,
idiota.
— Vai você, o cara tá te esperando.
E eu vou. Pisando duro, certa de que vou viver esse encontro da
melhor forma possível, hoje eu viro a chave da minha vida amorosa sem
olhar pra trás, literalmente.
 
 
 
PALHAÇOS, CIRCO E ALUCINAÇÃO
 
“Essa mulher está me enlouquecendo.”
(Benjamin Barry, Como Perder um Homem em 10 Dias)
 

 
 
Eu não queria estar nesse encontro, mas o meu ciúme falou mais alto
e acabei ligando para um dos meus contatos de última hora. Tudo aconteceu
depois que eu ouvi a Billie marcar um encontro com o tal palhaço que
trabalha no hospital com ela. E agora estou aqui em um restaurante
mexicano esperando uma garota que mês passado eu jurei que não veria de
novo.
Recapitulando, vim parar aqui porque ouvi a Billie mandando um
áudio para a Drina contando que viria a esse lugar com o seu colega e eu
quis ver com meus próprios olhos porque ela estava tão animada e dizendo
que ele é o seu futuro namorado.
Eu cheguei antes deles porque ele é um péssimo motorista.
— Ei, Josh! Josh!! — Uma voz fina me tira do transe. Sinto o
perfume floral invadir minhas narinas, o decote chamativo e os cabelos
loiros da Laura me fazem olhar direto pra ela.
Levanto e ela me dá um longo abraço.
— Que bom que você veio.
 — Eu fiquei surpresa, faz tempo que não nos falamos. Da última vez
você ignorou minhas mensagens.
— Desculpa, o trabalho está acabando comigo, não foi de propósito.
— Não foi? — Ela me solta e me avalia.
— Não, jamais. Sabe que eu gostei muito de você, não é? — Dou um
sorriso e ela retribui ao pegar no meu ombro e desce a mão vagarosamente.
— Opa, calma. Vamos jantar primeiro.
— Por que escolheu esse lugar? — Dá uma olhada avaliativa com o
nariz empinado.
— Eu gosto da marguerita daqui — minto.
— Hum… ótimo, vou querer.
Chamo o garçom e aproveito para ver se a Billie ainda não chegou.
Dou uma olhada na entrada e finalmente lá está ela com o palhaço. O que é
isso? Eles estão de mãos dadas?!
Ela me viu e acaba de arregalar os olhos, tenho que fazer algo. Puxo a
mão da Laura que fica surpresa com meu gesto.
— Então, você trabalha com o que mesmo? — preciso fingir que
estou conversando.
— Sou influencer de cabelo, lembra?
— Ah, é verdade. —Meu Deus, eu nunca que iria me lembrar dessa
informação. — Suas unhas são bem pontudas. — Noto olhando para baixo.
— Minhas seguidoras adoram.
Olho mais uma vez para a entrada, eles não estão mais lá. Procuro
pelo restaurante e os vejo em uma mesa próxima à janela, estão do lado
direito e nós do esquerdo, não dá pra ouvir o que falam, mas dá pra vê-los
muito bem.
Chamo o garçom e percebo que Billie olhou em nossa direção. Ela
está incomodada, franze o cenho e bate os pés no chão. Ótimo, estou aqui
para desestabilizá-la.
Peço duas margaritas e volto a olhar mais uma vez para o casal de
palhaços. Eles estão conversando e de mãos dadas. Sinceramente, que
ridículo.
Volto a pegar na mão da Laura e ela me acaricia no braço.
— Você tá tão carinhoso, Josh. Sentiu minha falta?
— O quê? — Na mesa ao lado eles também pediram margaritas.
— Perguntei se você sentiu minha falta.
— Sim, muito.
— Ah, eu também senti a sua, quis tanto te mandar mensagem,
perguntar porque você não me respondia…
Ela de repente olha na mesma direção que eu, preciso fazer algo para
despistá-la, coloco a mão no seu queixo e elogio:
— Você está linda.
— Obrigada. —Ela coloca a mão em cima da minha que está em seu
rosto e segura. — Eu fiz um vídeo mais cedo com o passo a passo da minha
maquiagem e contei pras minhas seguidoras do nosso date.
— Ah é? Você não falou meu nome, falou?
— Não, não se preocupe.
Não sinto firmeza em sua fala.
Ela continua a falar sobre seu trabalho e vez ou outra eu tento pescar
algo do outro lado do salão. As margueritas chegam e eu me arrependo de
ter dito que eu gostava delas. É óbvio que eu nunca estive aqui e bom, eu
odeio margarita, mas é a única coisa que eu pensei na hora. O gosto de sal
com tequila me arrepia inteiro, contudo, tenho que fingir que estou achando
maravilhoso.
Bebo fingindo costume e procuro algo no cardápio para comer. Tento
não me perder na conversa, embora ficar de olho na mesa da Billie,
cardápio e prestar atenção na fala da Laura esteja me enlouquecendo.
— Você quer tacos? — pergunto.
— Não.
— Nachos?
— Também não.
— Quer alguma coisa do cardápio?
— Eu prefiro só beber.
— Não gostou daqui?
— Não gosto de pimenta.
— Podemos pedir sem.
— Eu estou bem, amor. —Opa, alerta vermelho. —A marguerita é
muito boa, como você disse.
— É, é muito boa.
Continuamos conversando, peço outra bebida para que a noite flua
melhor, mas não paro de pensar no assunto da mesa ao lado, ele tá mesmo
cochichando na orelha dela?
Foi uma péssima ideia ter vindo aqui. Acabei dando esperanças para a
Laura, a Billie está tendo um ótimo encontro com o tal palhaço e a bebida
desse lugar é horrível. Parabéns, Josh, você acertou demais.
Levanto de uma só vez e aviso que preciso ir ao banheiro. Com
passos rápidos, nem olho para o ambiente, só quero lavar o rosto para
esfriar a cabeça, mas de repente sou barrado no corredor por ninguém
menos que a Murphy:
— Você me seguiu?
— Você que me seguiu. Eu cheguei primeiro.
Ela cruza os braços na defensiva.
— Está atrapalhando o meu encontro, não para de olhar pra nossa
mesa.
— Eu estou olhando? Eu olho porque você olha.
— Eu tô olhando porque você tá olhando, seu maluco! — Bate os pés
em irritação. — Eu estou avisando, Josh, se você estragar esse encontro eu
não respondo por mim.
— Ele é tão importante assim pra você?
— Sim, ele é. É muito importante pra mim. Eu quero que esse
encontro dê certo de verdade. Isso não é uma das nossas brincadeiras. Não
transforme isso em um circo, tá? Eu já disse, o único palhaço aqui é você.
Chega, por favor.
Uau.
É por isso que eu não devo abaixar a guarda para ninguém.
— Tá. Divirta-se, eu vou pra outro lugar.
— Você não ia ao banheiro?
Dou de ombros.
— Você não ia? — Percebo que ela também se encaminha de volta ao
salão.
— Eu estava te seguindo.
Billie olha para a sua mesa e eu automaticamente faço o mesmo, o tal
Erick não está lá.
Isso não é dá minha conta. Não é.
Ela pergunta ao garçom que avisa que ele saiu pela porta do
restaurante.
De novo, isso não é da minha conta.
Encaminho-me para minha mesa e pergunto a Laura se ela não quer ir
para outro lugar, a influencer aceita prontamente minha proposta. Chamo o
garçom para pagar a conta e deixo uma gorjeta pra ele.
Minha companhia agarra meu braço e assim que saímos pela porta do
restaurante damos de cara com ninguém menos que minha colega de casa
sentada na escada.
Isso não é da minha conta.
Não é da minha conta.
Não é.
Passamos reto e seguimos em direção aos carros.
— Para onde vamos? Naquele pub que nos conhecemos? — me
pergunta indo em direção ao seu carro. Claro que eu não vou saber qual é.
— Ou melhor, por que não vamos pra minha casa?
— Sim, sua casa.
— Ótimo, meu amor. Nos encontramos na minha casa. — Ela entra
no seu carro. Eu também não me lembrava onde era sua casa, mas iria
seguir seu carro.
Entro no meu e espero que ela saia primeiro.
Passamos em frente da entrada do restaurante e noto uma coisa, Billie
ainda está ali sentada na escada. O que foi que aconteceu?
De novo, preciso repetir mentalmente:
Isso não é da minha conta.
Ligo o som do carro e sigo em frente.
Se o cara foi embora, por que ela ficou?
Balanço a cabeça.
Por que o trânsito está tão lento? A Laura mora em Manhattan?
Espero que sim, assim chegaremos logo.
Ela não tem como ir embora? Pedir um táxi? Está sem celular? Será
que é isso? Se é, por que não me pediu ajuda?
Chega. Eu tenho que parar. Foi isso que ela pediu. Cadê o carro da
Laura? Ah, está ali.
Se eu ir pra esquerda, posso retornar para o restaurante…
Ah, Josh, por que você está sendo tão passional?
Não, não é isso, vai que ela não tem dinheiro pro táxi, celular está
sem bateria. Deve ser isso. Eu preciso ajudar, não sou nenhum canalha.
Pego a saída à esquerda.
Tenho que parar no estacionamento do restaurante e logo que saio
corro para ver se a Billie ainda está lá, talvez ela já tenha ido embora, é
muito provável que eu só esteja sendo um grande palhaço como ela mesmo
disse.
Mas não, lá está ela.
— Josh? — Ela levanta a cabeça assim que me vê e as argolas em sua
orelha balançam.
— Por que está parada aí?
— Por que você voltou?
— Me responde primeiro.
— O Erick me deixou pra ir ver a ex.
— O quê?!
— É, eu fui feita de palhaça. Ele quis sair comigo pra fazer ciúme pra
ela e pelo visto funcionou. Assim que eu fui ao banheiro, ele saiu correndo
e me mandou uma mensagem de desculpas.
— Isso é sério? — Aproximo-me.
— É.
— E por que você não foi embora?
— Me senti humilhada demais e machuquei o tornozelo descendo
essas malditas escadas. Não tenho coragem de descer o restante dos
degraus. Vou ficar aqui pra sempre.
— Billie, pelo amor de Deus, são só cinco degraus.
— E uma vida eterna de humilhação se eu cair. Já chega. Tô cansada.
Já é o suficiente o que eu passei com o meu ex. O que você me faz passar
em casa. E o que eu acabei de passar aqui.
Subo um degrau para ficar mais próximo.
— Deixa eu te ajudar.
— Não. Vai embora.
Mais um, faltam dois.
— Josh, estou avisando.
— Você vai fazer o quê?
— Por que você veio? Pra me ver humilhada?
— Billie…
— Claro, quer saber, você ganhou. É, você ganhou. Pode ficar com a
casa, eu vou embora.
— Do que você tá falando?
— Não é o que queria?
— Sabe o que eu acho, Billie?
Subo os dois degraus de uma vez.
— Me deixa em paz!
— Que está na hora de irmos pra casa. Vem. — Estendo as mãos.
— Nem pensar.
— Vem — insisto e ela recusa. — Se você não vem por bem, eu vou
ter que te pegar.
— O que pensa que tá… Josh, ei…
— Vou te levar nas costas. Você não tá machucada?
— Estou.
— Então, vem, Billie. — Coloco suas mãos nas minhas costas em
uma tentativa de pegá-la.
— Para, por que tá fazendo isso? — Ela se recusa mais uma vez e
quase caímos para trás.
— Porque você me perturba. Porque eu não consigo me concentrar no
trabalho. Porque eu não tenho paz na minha própria casa. Porque eu penso
em você mesmo quando não está por perto. Porque desde que eu vim pra
essa cidade, você está no meu caminho balançando essas argolas para todo
o canto, falando o que está na sua cabeça. Você não tem filtro! E sempre
está atrasada! Você não tem despertador?! E nunca, nunca me escuta!
Caramba, por que você não colabora?
— Quê? Eu não colaboro? Você não colabora. É você o perturbado.
Você que se recusa a fazer as coisas direito. Você que foge, Josh. Você é um
covarde.
— Covarde?
— É. É um covarde. Você tem medo de mim. Pode adicionar no seu
currículo de medos, fobia de Billie Jean.
— Você está alucinando, o que tinha na sua marguerita?
— Ficou espionando meu encontro? Sabe até o que eu bebi.
— Quer saber. — Bato a mão na calça. — Fica aí pra sempre. —
Solto o ar com raiva. Essa mulher acaba com a minha mente. Sinto que vou
precisar de meses de terapia intensiva para superar o trauma que é viver
com ela.
Viro as costas para descer o primeiro degrau, mas algo me trava, sou
puxado pelo colarinho da minha camisa.
— Não.
— Não o quê?
— Não quero ficar aqui pra sempre.
Fico em silêncio. Tem algo que eu quero dizer, mas eu não consigo
expressar de nenhuma forma, então, só posso dizer isso:
— Eu não tenho fobia de você.
— Isso é uma bela declaração, sabia? Agora não me sinto comparada
a uma aranha.
— Vem… — Pego seu braço. — Vamos pra casa.
— Vai me carregar?
— Vou, mas não se acostume.
— Grosso.
— Você sabe que é.
— Cala a boca. — Seguro suas pernas e ela apoia sua cabeça no meu
ombro, e eu gosto da sensação. O cheiro de sabonete de morango junto com
seu perfume invade minhas narinas e eu constato uma coisa, se o cheiro
dela está acabando comigo, como seria o seu gosto?
 
 
EU ODEIO ME APAIXONAR
 
“Minhas lágrimas caem no meu copo de café
Pois me apaixonei por outro fracassado.”
(Lana Del Rey, In my Feelings)
 

 
 
Nunca mais vou a um encontro na minha vida. E sim, posso estar
sendo dramática, mas eu fui deixada, abandonada, usada e iludida. Tá, eu
usei o Erick para esquecer o Josh e ele me usou para esquecer a ex, mas eu
não saí no meio do nosso encontro. Ele simplesmente desapareceu e me
mandou uma mensagem de texto, cara de pau. Eu ainda acreditei que
existiam homens decentes neste mundo. Grande engano.
Falando em homens, eu e o Josh acabamos de chegar em casa e eu
entrei no banheiro correndo porque sei que tem algum clima estranho
rolando entre a gente. E sei que pode rolar duas coisas. Dentro do carro nós
ficamos em silêncio e nós nunca ficamos calados. Sempre brigamos. E isso
é sinal de que, ou estamos planejando como vamos matar um ao outro e
esconder o corpo sem sermos pegos ou que vamos transar.
Bom, eu não sei esconder um corpo, precisaria de ajuda das minhas
amigas pra isso. Então fico com a segunda opção.
Estou apreensiva, muito nervosa e sim eu meio que me preparei antes
de sair de casa pra isso, não era bem com ele que eu esperava que
acontecesse, mas era com ele que eu queria esse tempo todo. De certa
forma, a noite se encaminhou para o destino correto. Se é que ele é o
destino correto, provavelmente não, eu devo estar me autossabotando como
sempre.
Ok, coragem, eu vou transar com esse homem. Só assim esse tesão
acumulado vai acabar e esse sentimento maluco vai embora.
Saio do banheiro do andar debaixo e o encontro sentado no sofá.
— Seu tornozelo tá doendo? — pergunta, tirando a meia.
— Não, foi só o susto.
— Não quer que eu dê uma olhada?
— Não, estou bem. E o seu encontro?
— O que tem?
— Disse o que pra ela?
— Cacete! — Coloca a mão na cabeça. — Me esqueci. — Ele pega o
celular e arregala os olhos.
Cruzo os braços.
— Quem é ela?
— Uma garota que saí mês passado.
— Hum.
— Tá com ciúmes?
— Até parece.
Ele guarda o celular e se levanta.
— Está sim.
— Você que estava. Até me seguiu, tão ridículo, Josh.
— Assume, Billie, está com ciúme. — Dou um passo para trás toda
vez que ele vem para frente.
— Para de franzir essa boca, seu bigode é ridículo.
— Você gosta, admite.
— Odeio.
— Pede.
— Pedir o quê, seu louco?
Ele me encurrala e me segura de uma só vez. Seu olhar se abaixa para
meus lábios.
— O que acha do meu bigode e da minha boca na sua boceta?
Abro a boca quase sem respirar.
Ele está determinado. Sei o que ele quer, e é o que eu quero. Só que
meu coração está batendo tão forte que sinto medo.
Minha perna treme, será meu tornozelo dando sinais de falha?
Mesmo sem sapatos, é capaz que eu tropece.
Josh nem espera pela minha resposta, sua mão levanta meu queixo e
nossas bocas se encontram. Sinto a outra mão na minha bunda e a espalma
de uma só vez. Abro a boca e sua língua me devora. Não paramos de nos
pressionar um contra o outro, nossos corpos querem cada centímetro de
pele e as roupas atrapalham o contato.
Sua boca se afasta apenas um segundo da minha e eu encontro seu
olhar lascivo, desejo inunda seus olhos e despeja sobre os meus. Levo seu
corpo com o meu, com passos rápidos. Chegamos ao sofá e quando o
empurro para me colocar sobre seu corpo, ele inverte as posições. O que é
isso? Parece que não gosta de ser dominado.
Ele se deita em cima de mim e sua boca volta a me preencher.
Coloco a mão em seu ombro, mas ele me segura colocando-as para
cima e sussurra na minha orelha:
— Fica parada.
E eu fico.
Ele sobe meu vestido e me deixa quase nua. Estou sem sutiã e à
mercê dos seus beijos.
Josh tira sua camisa e volta a me beijar, nossas línguas se encontram,
uma de suas mãos está na minha coxa e a outra se emaranha no meu cabelo.
Meu corpo vibra em sua direção, minha pele queima e ele morde minha
boca. Solto um gemido e sinto seu pau bem no meu quadril. Abro mais a
perna para senti-lo e ele se aperta ainda mais em mim.
Seu beijo continua pelo meu queixo e desce pelo pescoço até chegar
em minha clavícula intercalado por mordidas, estremeço com um gemido.
Quando ele chega perto dos meus seios, aperta cada um deles com as mãos
e volta a me beijar chupando-me com a língua.
E quando chupa meu mamilo, é com tanta vontade que eu solto um
gemido forte.
— Cacete.
Ele espalma uma mão na minha bunda.
— Deixa eu ver essa bocetinha como está.
Seus dedos descem até minha calcinha.
— Josh…
Sinto minhas bochechas queimarem quando ele coloca dois dedos na
minha entrada.
— Tá molhadinha… — Tira os dedos e coloca na sua boca. —Porra.
Como eu imaginei… —O que ele imaginou? — Está com vergonha do quê,
Billie? Ficou excitada porque eu bati em você?
Chupa mais uma vez um mamilo e bate provocativo na minha bunda.
— Josh!
— O que foi? Quer que eu pare?
— Não…
— Tão safada e tão gostosa.
Meu Deus. Eu estou entrando em colapso. Meu estômago roncou?
Por que meu estômago roncou? Tá, acho que ele não ouviu.
Minha calcinha foi embora.
É agora.
E ele vem com tudo.
Sua boca cola na minha como sua pele. Seu maldito beijo é tão
viciante, eu quero o tempo todo. Cacete, eu só quero esse homem em cima
de mim o tempo todo.
Chupo sua língua com vontade e ele aperta minha coxa em resposta.
Não consigo parar de gemer. Sou feita puramente dos meus impulsos.
Meus seios se apertam em seus músculos e ele solta um suspiro longo.
De repente, seu corpo se afasta e eu abro a boca perdendo o contato,
mas logo sou preenchida de novo, mas desta vez, ele está mais embaixo,
sua boca está bem próxima ao meu quadril.
— Abre bem a perna, assim. — Coloca no meu ombro. — Tá com
vergonha de mim?
— Não.
— Billie?
— Um pouco.
— Mostra pra mim essa boceta gostosa. Eu vou foder ela com a
minha boca e depois com o meu pau. Pode ser? — Ele lambe a boca de um
jeito tão safado que não tem como eu não ficar convencida.
— Pode….
— Pode ser, Billie?
— Pode, porra.
— É assim que eu gosto.
Ele colocou a boca de uma só vez na minha boceta, e eu fico tão
nervosa que minha perna espasma e meu estômago de novo reverbera alto.
Oquetáacontecendo? Aperto os lábios.
Ele não ouviu? Ouviu? Se ouviu, finge que não, porque está muito
focado no meu clitóris, e como está. Chupa com tanta vontade que eu não
consigo pensar em mais nada.
Josh se aperta entre minhas coxas, ávido em me dar prazer. Sua língua
é dura, e não para, a pressão é surreal, tremo várias vezes quando ele
amassa meu clitóris na sua boca saboreando cada centímetro meu.
Uma de suas mãos sobe e agarra meu seio com força.
— Puta que pariu…
— Goza na minha boca. — Enterra de uma vez sua língua na minha
boceta.
Calor lateja e me faz choramingar.
Ofego com a respiração entrecortada. Ele continua a lamber, ora
pressionando a língua, ora saboreando. Sinto que estou quase, falta tão
pouco, o calor está no meu centro, está quase, meus seios empinam, e o
meu gemido fica cada vez mais alto.
O seu cheiro me deixa tão louca e eu quero tudo dele.
Eu só penso no seu pau.
Na sua boca.
No corpo, sua pele.
Cacete.
Quase.
— Billie, fala, Billie.— Me mordisca e eu o xingo.
— Josh, caralho… — Desço minhas mãos para seus cabelos
castanhos claros. Como eu imaginei esse momento. Que delícia.
— Fala.
— Quero que você me foda, Josh.
Ele dá um sorriso, do seu jeito, como um sádico que ele é. E volta de
uma só vez e me fode com a sua língua.
Meu clitóris pulsa, minha boca fica tão seca, meu quadril pressiona
nos seus lábios e ele dá tudo de si, me lambendo com vontade, como se
estivesse morrendo de sede. Meu coração não para de bater no peito
apressado, e eu sei que meu interior está maluco, tenho que focar na parte
externa, estou chegando lá.
Meus olhos se fecham.
Agarro o estofado do sofá e Josh agarra meu pulso acelerando seu
movimento. Abro a boca e meu orgasmo vem com um longo gemido. —
Caramba… — rio. — Nossa… — E ele sobe com beijos sem parar até
chegar na minha boca, ainda estou sorrindo quando recebo o último beijo.
— Adoro o seu gosto. Estou viciado nele.
— Mas você acabou de…
— É… — ele me corta. — Eu vou querer sempre.
— Para com isso.
— Estou só começando.
Sua mão desce pelo meu quadril e espalma na minha bunda e de novo
o nervosismo começa. Sei onde vamos chegar e eu quero muito isso, mas
por que meu estômago está mais uma vez roncando? Qual é o meu
problema? Não é fome, eu comi no restaurante.
Coloco minha mão no seu pescoço e o puxo em minha direção.
Passo as mãos pelas suas costas e aí de novo ele as tira.
— O que foi?
— Não gosto que me arranhem.
— Eu não ia te arranhar.
Tá, acho que estamos começando a nos estranhar.
Ele me beija para tentar aliviar nossa tensão. E alivia rápido, porque o
pouco que se afasta é para tirar sua calça. Quando volta a se colocar sobre
meu corpo, estamos perto do nosso objetivo.
E de novo, só de saber que estamos quase lá, meu estômago fica ainda
mais nervoso e me denuncia com o maior ronco de todos. E desta vez o
Josh não ignora:
— Você está com fome?
— Quê?
Que vergonha, Jesus.
— Tá com fome?
— Não, eu só…
— É sério, eu não comi no restaurante, a gente pode comer.
— É. Eu acho que tô com fome.
— Eu posso fazer sanduíches. — Senta-se no sofá. — Pode ser?
— Pode. — Antes de se levantar, ele me dá um beijo e veste a calça.
Fico alguns minutos parada, olhando pro nada, raciocinando,
pensando em que rumo essa noite vai tomar. Talvez ainda dê tempo de um
de nós não estragar tudo. Coloco o vestido e o sigo até a cozinha.
— Eu não sei cozinhar, mas posso te ajudar a montar os sanduíches,
pode ser? — ofereço ajuda quando o vejo abrir a geladeira.
— Claro, quer picar o tomate? Isso você sabe fazer, né?
— Ei, é o básico. Não me subestime. — Vou até a pia e abaixo até o
armário para pegar a tábua de corte.
Ele prossegue pegando os molhos e nós ficamos por um momento em
silêncio. Somos mestres nisso, fingir que nada aconteceu depois de nos
pegarmos.
— Você… — falamos juntos. — Pode falar — de novo em sincronia.
— Não, diz você — insiste.
Eu não queria estragar as coisas, por isso me abstenho.
— Não é nada.
— Pode falar.
Minha língua está coçando, eu preciso mesmo saber, não vou
conseguir ir em frente se não souber.
— Você não gosta que te toquem durante, você sabe o quê.
— Está mesmo com vergonha de falar?
— Tá, durante o sexo, você não gosta que te toquem? — Gesticulo
com a faca.
— Eu não gosto que me arranhem ou me marquem. Por isso eu tiro a
mão.
— Você tirou minha mão várias vezes, parecia que não queria que eu
te tocasse. Foi estranho.
— Não gostou?
— Não é isso. É algo em relação ao seu problema?
— Está me analisando?
— Josh, eu só quero te entender.
— Não estamos em terapia.
Caramba, parece que toda vez que damos dois passos pra frente,
retornamos quatro para trás.
— Ok. Não pergunto mais nada.
— Ótimo.
E o silêncio retoma.
Tento picar o tomate, mas estou bufando de raiva, não consigo me
concentrar, em vez de picar em rodelas, estou esmagando-o.
— Quer saber? —Jogo a faca na pia. — Eu não estou com fome.
— Como não? Você estava com o estômago roncando.
— Era meu nervosismo, seu grande imbecil!
— Billie…
— Não vem atrás de mim.
— Tá. Pode ir e faz logo as malas.
— Como assim?!
— Você não disse que ia embora?
— Vou, mas só depois de você, babaca.
— É mesmo? — Ele limpa a mão no pano de prato e ao contrário do
que disse, me segue. —Tá com tanta raiva de mim assim? Porque até agora
você estava com a boceta na minha cara.
Passo pelo corredor da sala e paro de uma vez irritada. Ele queria me
desestabilizar, e por um momento meu joelho fraquejou, porque as
memórias vieram com tudo. Ele quase me matou ao me chupar, em minha
imaginação já era bom, mas foi mil vezes melhor.
— Estava? Sério? É que… hum... — Coço a sobrancelha. — Sinto
muito, Josh, quando não é muito bom, eu prefiro esquecer.
Ele abre a boca, suas narinas se expandem, pego direto no seu ego.
Tenho que me segurar pra não rir.
— Não foi muito bom? Você gozou rapidinho.
— Fingi. É isso. Tenho que dormir, amanhã vou pra casa da minha
irmã logo cedo. Sei que o ego dos homens é algo complicado, mas você
precisa aceitar que não é bom nisso.
— Billie Jean... — Cerra os dentes.
— Boa noite, querido. — Aceno e saio correndo antes que ele me
mate.
Entro no meu quarto e tranco a porta. Meu coração está disparado e
meu estômago dá aquele ronco alto.
Soluço.
Já entendi. Meu corpo deu todos os sinais possíveis, mesmo eu
negando até a morte.
Jogo-me na cama e coloco a minha cabeça entre o travesseiro, dou
gritos, quero silenciar meu nervosismo, a raiva que sinto, porque de novo
está acontecendo, de novo estou apaixonada e de novo é por um idiota.
 

 
— Está apaixonada? — pergunta Parveen colocando a perna atrás das
costas.
— Oi? Como sabe? Eu nem falei nada.— Acabo de colocar os pés no
tapete do estúdio trazendo dois copos de café.
— E está com aquele olhar de pateta.
— Uau, você me motiva. Já me sinto revigorada pra começar a
segunda-feira. — Sento-me no tapete e lhe entrego o café.
— Sério que se apaixonou pelo seu chefe?
— Você lê mentes agora?
— Você se masturbou pensando nele. Precisa de outro motivo?
— Dá pra você colocar sua perna no lugar? Não consigo me
concentrar com você toda desconfigurada.
— Não estou desconfigurada. — Ela ajeita sua perna e eu finalmente
tenho um pouco de paz mental, pelo menos até ir para o trabalho. — Ok,
fale. — Toma um gole do seu café e faz uma careta. — Não é com leite de
amêndoas.
— Opa, desculpa. Acho que troquei. — Dou o meu pra ela.
— Agora sim.
— É o Josh. — Solto os ombros. Parveen balança a cabeça
negativamente. — Que foi?!
— Você já está negativa.
— Você que está.
— Billie, você odiava esse cara até sei lá, semana passada e agora
está apaixonada por ele, acha que vai dar certo?
— Não vai.
— Você já se machucou demais com homens que não sabiam o que
queriam, que te enganaram, como o Victor, antes dele tinha outro né? Na
sua cidade natal.
— Sim. Ele me enrolou por muito tempo e não me assumiu. Eu
sempre me apaixono por babacas e fracassados.
— Pare com isso. Faça uma intervenção consigo mesma. Se você
acha que vai dar errado com o Josh, nem tenta. Mas se existe uma
possibilidade, se acha que vai ser diferente, vai em frente.
— E como eu tenho certeza?
— Ele vai vir atrás de você.
— Ele não vem.
— Então ele não é pra você. Ok? Tira da sua cabeça. Não perca seu
tempo. E pare de derramar suas lágrimas por homens fracassados, só assim
você vai encontrar o homem certo. Ou melhor, deixar que ele venha até
você.
— É, você tá certa.
— E faça ioga, vai te ajudar a relaxar. — Coloca de volta a perna
atrás das costas. — Você está travada assim porque fica o dia todo no
escritório.
— Você sabe que não tenho essa elasticidade. Mas eu queria ter sua
calma.
— Calma?! Calma?! Eu estou pilhada, os pais do Hassan vão chegar
essa semana da Índia e sabe como eles são, né? Vão ficar reparando em
tudo, vão dizer que não sou uma boa dona de casa, que eu trabalho demais,
que eu não cuido do filho deles, e que eu já estou passando da idade de
engravidar.
Esse é o único evento que eu vejo a Parveen nervosa e acontece uma
vez por ano.
— Vocês ainda não contaram pra eles que não querem ter filhos?
— O Hassan não acha uma boa ideia, os pais deles vão pirar se
contarmos.
— Uma hora eles vão saber, o tempo passa.
— E até lá ele pensa em um bom jeito de contar, não é problema meu.
— Respira fundo e fecha os olhos. — Que tal uma meditação?
— Tá, por que não? — Coloco o copo de café de lado e tento copiar
sua pose, mas não sai exatamente igual.
Claro que chego no trabalho atrasada, era para eu ficar calma, mas
corro tanto no trânsito que meu nível de estresse está altíssimo. No
elevador, tento arrumar meu cabelo no espelho quando reparo na pessoa ao
meu lado, a loira não me parece estranha, tenho a sensação de que a vi
antes, mas quem será que é? Ela sai no mesmo andar que eu e para na mesa
da Drina.
— O senhor Tucker está ocupado, ele disse que não pode recebê-la.
— Como não? Você sabe quem eu sou? —Drina faz a mesma cara de
interrogação que eu. —Sou a Laura Clark, tenho milhares de seguidores, e
exijo o mínimo de respeito. Chame-o agora.
É isso, essa é a mulher que o Josh levou no restaurante sábado. Que
cafajeste. O que ela está fazendo aqui?
Drina pega o telefone e se comunica novamente com o Josh.
— Sinto muito, senhorita, mas ele está ocupado.
— Onde é a sala dele? — A sala do chefe não tem indicação na porta,
logo ela não iria achar tão facilmente.
Minha amiga fica quieta, mas eu aponto para o lugar certo. E aí que a
confusão começa, Laura entra na sala sem bater, começa a brigar com o
Tucker de porta aberta porque ele a deixou esperando na casa dela no
sábado. O escritório inteiro fica em pé para ouvir, inclusive eu, óbvio.Ele
tenta se esquivar, sai correndo, mas ela começa a bater nele, minha amiga
chama a segurança rápido e livra o chefe.
E eu acabo ligando os pontos, ele a deixou sozinha para me socorrer.
O Josh tenta arrumar a gravata depois que a influencer vai embora, ou
melhor, é expulsa do prédio:
— Isso aqui não é um espetáculo — avisa para todos no escritório. —
Quero que todo mundo volte a trabalhar e sem comentários sobre isso
durante o expediente, mas, antes, quero saber de uma coisa. Quem foi que
deixou a garota entrar? Foi você Drina? Ela não devia nem ter passado pela
recepção.
— A liberaram na recepção porque você sempre deixa suas amigas
subirem — se defende sua assistente.
— Tá, mas ela abriu minha sala, isso é inadmissível. E você é
responsável por isso, acho que a gente vai ter que ter uma conversa muito
séria, Rivera.
— Fui eu — falo rápido. — Eu que apontei onde era sua sala, achei
que ela precisava saber, já que ela queria tanto falar com você, chefe. E a
Drina nem teve tempo de pará-la.
Todos me olham assustados pela minha ousadia, eu não podia deixar
minha amiga se ferrar por minha causa.
— Vem pra minha sala, Murphy.
 
 
 
 
 
 
 
CASO ILÍCITO
 
“Eu nunca fiz nada com moderação
Não, eu nunca entendi
Todo meu sentimento era tudo ou nada.”
(Moderation, Florence + The Machine)
 

 
 
Não sei o que me espera na sala do Tucker. Talvez a demissão que ele
tanto ameaça, sinto que eu fui um pouco além do que devia, porém, em
minha defesa, a garota ia acabar achando a sala dele em algum momento, eu
só adiantei o processo. Quem mandou esse homem ser um covarde? Por que
ele não encara as mulheres de frente e diz qual é o seu bendito problema?
— Tranque a porta.
Jesus. É. Fodeu mesmo.
— Eu queria poder me defender antes.
—Tranque a porta, Murphy.
—Não. Preciso de testemunhas caso decida me matar.
Ele vem até a mim e contraria minha decisão trancando a porta.
—Ok, então eu vou me defender.
— Não.
— Por favor.
— Você sempre fala demais, Murphy. Olha o que a Laura fez em
mim. — Mostra o braço ao subir sua camisa e noto que está todo arranhado.
É, realmente, não tenho salvação.
Se o Josh tem problemas com toques, esses arranhões são minha carta
de demissão.
— Não fui eu que te arranhei.
— Foi você que indicou minha porta, não foi?
— Ela iria achar de qualquer jeito. Por que não falou com ela antes?
— Eu falei.
— De qualquer forma, você é um cafajeste, mereceu.
— Eu mereci? — Aproxima-se de uma vez do meu rosto. Estou
ficando com medo do seu olhar, sádico, tão maníaco que parece que vai me
causar sofrimento.
— Mereceu?
— Sabe o que você merece, Murphy?
— Não sei.
— Aprender uma lição aqui e agora. Senta.
— Tá de brincadeira?
— Não.
— Senta.
Ele enlouqueceu. Dirijo-me até a cadeira, mas sou parada:
— Na cadeira, não. Na minha mesa.
— Na sua mesa?
— É.
— Pra quê?
— E tira a calça.
— Tá maluco?
— Tira a calça.
— Eu não vou te obedecer.
— Não vai?
Levanta uma sobrancelha, seu olhar lascivo me causa um frio no
estômago que me desafia a tirar a calça e eu aceito. Jogo o salto no chão e
faço o que manda. Não consigo acreditar que estou sentada na sua mesa só
de calcinha.
Estremeço quando vem até a mim e se ajoelha.
Suas mãos passeiam nas minhas coxas e eu entendo o que está prestes
a fazer. Mas porque aqui? Agora?
Meu Deus, ele está maluco?
Ainda assim, não quero parar, o frisson que isso me causa me
estremece por inteira.
— Abre as pernas, Billie.
E eu o obedeço fácil.
Suas mãos sobem até meu quadril e retiram minha calcinha de uma só
vez. Estou me tremendo toda, puxo meu fôlego para tentar me acalmar, mas
não consigo, porque de repente o meu chefe está com a boca na minha
boceta.
E tudo bem, ele fez isso na noite anterior, mas o contexto era outro,
nós estávamos na nossa casa, hoje estamos na sua sala, no nosso ambiente
de trabalho e qualquer barulho característico sexual que eu fizer muito alto
pode nos denunciar.
Eu só consigo lembrar do que a Drina falou na semana passada:
Eu sei, parece impossível, né? Mas sei lá, você e ele, esse ódio todo.
Chefe e funcionária, um caso ilícito. Já pensou?
Chefe e funcionária, um caso ilícito. Josh e eu transando na
empresa… é, acho que eu quero transformar isso em realidade.
Melhor, Josh transforma esse sonho em realidade e nosso caso é
oficial a partir do ponto que sua língua toca o meu clitóris. Tenho que me
controlar para não gemer, não podemos de forma alguma sermos pegos. Por
isso aperto minhas mãos nas bordas da mesa e me entrego ao momento.
A mão dele sobe e quase arranca um dos botões da minha camisa para
agarrar um dos meus seios. Arfo sem controle. Sua língua não para um
momento sequer, ora com movimentos circulares, ora de sucção. Em
seguida chupa de uma só vez.
Gemo sem querer.
— Você tá sendo uma funcionária muito irresponsável, Billie. — Ele
me morde. E eu tenho que colocar o braço na boca para não gritar.
— Josh… — choramingo.
— Você não tem ideia do que eu quero fazer com você.
— Então faz.
Meus olhos se insinuam pra ele e os seus me respondem quase
queimando minha pele.
Sua língua desce pela minha boceta e suas mãos seguram minhas
pernas para trás fazendo com que eu deite mais na mesa.
Meu clitóris pulsa e eu me insinuo mais para frente. Ele não para,
continua a me lamber mais forte, e aperta a mão no meu quadril. Jogo a
cabeça para trás, sentindo todo o êxtase, Deus, o calor está cada vez mais
intenso, sei que falta pouco, não quero que ele pare.
— Está quase, Billie? — provoca.
— Uhum…
— Tá fingindo agora?
— O quê? — Meus sentidos estão tão fora de si que nem entendo a
pergunta.
— Está fingindo que vai gozar?
— Josh?!
Ele investe a língua de uma só vez e eu quase grito, aplaco minha
fúria ao apertar seus cabelos. Contraio-me em sua boca, puta merda, ele
sabe, ele sabe muito bem que eu não fingi, e sabe que é muito bom nisso,
está me provocando para que eu fale a verdade. Acontece que nós dois não
chegamos até aqui à toa, nenhum de nós cede fácil.
Suas mãos puxam meu quadril de uma só vez em sua direção, e me
suga, fodendo-me com sua língua. Parece que ele sabe como me chupar,
como se conhecesse meu corpo, é só a segunda vez e apenas pela forma
com que eu me movimentava, ele descobriu como me dar prazer.
Aperto os lábios, fecho os olhos, quero murmurar seu nome, sei que
estou quase. Preciso disso. Preciso… abro a boca, minha respiração se
forma em ondas lentas. É só mais um pouco dele, e aí… e aí.
Nada?
Perco tudo.
Há somente um vazio.
Caio deitada na mesa ao perder sua força, minhas pernas vacilam,
estou em completo choque.
— Desculpe por não te fazer gozar de novo, senhorita Murphy.
— Seu… — Apoio o braço na mesa para me levantar.
— É só uma advertência, Billie. Você mereceu, não foi o que falou
pra mim? — Ele se aproxima para me ajudar a levantar, mas eu nego sua
ajuda.
Desço da mesa e coloco minha calcinha.
— Vai ter troco.
— Vai? — Ele se aproxima e pega na minha bunda. — Eu espero que
tenha.
Pego sua gravata e a aperto de uma vez.
— Tá me enforcando.
— É proposital. Não me teste mais, Tucker. — Solto a gravata e ele
tira a mão da minha bunda.
Encaminho-me para a porta e coloco a mão na maçaneta.
— Estou apenas começando, Murphy. E ah, não esqueça de uma
coisa…
— O quê?
— Você faz o jantar hoje.
— Eu não cozinho.
— Vai aprender. E mais uma coisa, coloque a calça Billie Jean. —
Olho para a baixa e noto que iria sair só de calcinha. — E os sapatos, claro.
— Eu já iria colocar.
Dica para ter um caso no escritório:
Não se esqueça de pôr a roupa.
Abaixa-se para pegar a calça.
— Eu não tenho dúvidas. — Aproxima-se de mim e quando me
entrega a calça acaba me roubando um beijo e encosta a mão na minha
calcinha.
— Josh…
— Fala.
Eu queria falar que o queria aqui e agora, mas guardo mais uma vez
pra mim.
— Vou para minha mesa, caso precise de mim, não me chame, estarei
muito ocupada hoje.
Ele solta um barulho irritante pela garganta ao se afastar.
— Não vou precisar.
— Assim eu espero.
 

 
— Virginia? O que deu em você? Por que saiu correndo? — Minha
irmã marcou que iria almoçar comigo, mas saiu correndo pela rua assim que
colocou os pés na recepção.
— Eu acabei de ver o pai da Phoebe.
— Onde?!
— Ele estava conversando com o Lucas.
— É sério?!
— Sim, muito sério.
Engasgo com a minha própria saliva.
— Aqui?! Em Nova York? Mas ele não era de? De… — Estou
passando mal, parece que quem viu o fantasma foi eu.
— Sim, de Boston.
— Vamos voltar, agora! — Seguro-a pelo braço.
— Nem pensar. Eu não quero vê-lo.
— Mas, Ginny, por favor, ele precisa saber dela.
— Não precisa, ficamos todos esses anos sem ele. Vamos almoçar.
— Almoçar? Depois do que você me disse? Nem pensar. Precisamos
saber quem é ele. O nome dele, nem o nome você diz! Quero saber tudo.
— Não. Billie, não. Me promete que não vai fazer isso. Eu não quero
saber nada dele.
— Ah não, Ginny, não me faz prometer isso.
— Faço sim. Depois de todos esses anos, acha que eu preciso dessa
confusão pra minha vida? Não. Não preciso.
E ela sai na minha frente, ignora a chamada do destino como se não
fosse nada. O universo está gritando por esse encontro e minha irmã, cética
como ela é, está ignorando. Ah, mas eu não vou deixar, eu vou ser o
empurrãozinho que o destino está pedindo.
Óbvio que vou fazer tudo às escondidas, porque se ela desconfiar,
meu túmulo estará pronto no dia seguinte. Sigo-a para almoçarmos e acabo
descobrindo uma novidade surpreendente:
— Tive um encontro.
— Quem?
— Eu. Tá surda?
— Eu ouvi, mas é sério? Você tá bem? Foi obrigada?
— Para de levar tudo na brincadeira. Eu tive um encontro.
— Com quem?
— Você vai me zoar. — Ela pausa para se sentar à mesa. — Mas foi
com o Lucas.
— Eu sabia! Eu sabia que vocês iam ter alguma coisa.
— Não foi planejado, eu fui ao cinema sozinha, sabe que eu tenho um
dia de folga, né, toda mãe precisa e…
— Você e suas idas ao cinema sozinha.
— Para de me interromper.
— Tá bom, desculpa, continua.
— Bom, ele estava na fila com a camiseta do homem aranha, sozinho
também pra ver aqueles filmes de super herói, típico da idade dele.
— E aí? — Eu não consigo segurar minha língua.
— E aí ele me viu, não consegui disfarçar que estava sozinha e nós
acabamos assistindo um filme juntos, jantamos e é isso.
— Só isso? Apenas isso? — Coloco a mão na sua. — Não teve uma
investida a mais no cinema como essa?
— Billie!
— Ginny! Você não é uma adolescente.
— Vamos no balcão pedir? — Ela se levanta.
— Fala logo. — Vou atrás dela.
— Tá bom, a gente se beijou.
Dou um grito de comemoração.
— Eu não acredito. Olha você que disse que não ia se envolver.
— E não vou. Foi só um beijo.
— E vai ser mais outro e mais outro e vai virar outra coisa.
— Não vai, ele é muito jovem pra mim.
— São só seis anos.
— Por que está achando tudo tão fácil? Tá feliz demais pra uma
segunda-feira. Transou? — pergunta olhando o cardápio na parede.
— Não. — Mas quero.
— Tá mentindo.
— É sério.
— Te conheço. Você está aprontando alguma coisa. Mas vou logo
avisando, não chore no tapete depois.
Minha irmã se referiu a alguns momentos da minha vida. Na
adolescência, meu coração foi partido algumas vezes, eu tinha um tapete
rosa no meu quarto e ele foi muito acolhedor, eu me deitava nele e chorava.
Ginny sempre deitava ao meu lado para me consolar. Quando eu fiquei mais
velha, o tapete claro, ficou velho também e foi embora, mas a metáfora
ficou.
— Por que você é tão cética?
— Porque as pessoas nos magoam. Lembre-se disso.
— Disso eu não esqueço.
 

 
— Lucas, quem era o cara que estava aqui com você antes do
almoço? — pergunto logo que ele chega depois do almoço.
— Comigo? — Ele coça o queixo. — Ahh, o meu irmão. Ele veio
almoçar comigo. Por quê? Vocês já não se conhecem?
— Seu irmão? — Pisco várias vezes. — O Max?
— É, o Max, meu irmão mais velho, ele me disse que te conhece já,
ou eu tô errado? — Balanço a cabeça negativamente, aflita. — Você tá bem,
chefe?
Deus. A Virginia viu direito?! Não é possível. Ela deve estar com a
memória fraca, bebeu demais. O Max é gay, impossível. Ou será que não é
totalmente impossível assim? Preciso averiguar melhor essa situação.
— Estou, tô bem, comi demais no almoço e isso me deu sono, acho
que estou confundindo as pessoas. Preciso de um café, que tal?
Ele aceita e se levanta comigo.
— Chefe, tem certeza que você não vai ser demitida? — é a terceira
vez que ele me pergunta isso no dia.
— Tenho. Eu já falei isso pra você e falei pra Drina no chat. Qual é o
problema?
— O que você fez com o chefão mais cedo foi loucura. É sério, estão
dizendo que seus dias aqui estão contados.
— Quem está falando isso?
— Todo mundo. Vocês ficaram um tempão na sala dele. O que tanto
conversaram?
— Sobre… — Engulo a saliva com dificuldade — meu
comportamento, é claro, ele disse que precisa melhorar.
— Só isso?
— O que mais você acha que conversamos, Lucas?
— Não sei. — Ele ajeita os óculos no rosto. — O Josh sempre foi
mais amigo do meu irmão, mas eu o conheço um pouco e sei que ele nunca
aceitaria de ninguém o que você fez, a menos que…
—A menos que? — Estou com medo do que vai falar. Se um boato
começar, o mínimo que seja, aí sim eu perco o emprego.
Ele balança a cabeça.
— Nada.
Encontramos com a Drina pegando café para levar ao seu chefe, pois
ele tem uma reunião com novos clientes. Temos a possibilidade de fechar
um contrato para produzir conteúdo publicitário para uma empresa de
construção.
— Tá tudo bem?Aconteceu algo? — pergunto a ela, seu humor
parece péssimo.
— O Peterson aconteceu. Eu vou me demitir se eu tiver mais uma
reunião com ele.
— O que foi que ele te fez?
— É um babaca arrogante, egocêntrico e infantil. Nós nunca
concordamos com nada. — Bufa e a mecha de cabelo roxa na frente sobe.
Ela pintou recentemente, disse que enjoou do rosa.
— Acho que vocês vão namorar — opina Lucas.
— Quê? — falamos juntas.
— Vocês estão sempre falando um do outro, o tempo todo. Toda vez
que ele tá aqui, fala de você e você fala dele. Vocês se gostam.
— Não. Não e não. Não seja louco.
— É minha opinião. — O Hernandez coloca a mão no bolso, calmo
depois de instalar o caos.
Olho para a Drina e penso bem, ela olha pra mim e nós duas rimos em
um consenso.
— Nunca.
— É, nunca. Seria a mesma coisa que a Billie e o nosso chefe.
— O Tucker? — O meu estagiário dá um sorriso. — Eu prefiro não
falar dos meus chefes.
Engulo a saliva com dificuldade, o que será que ele sabe? O que o
irmão disse pra ele? Por que ele está me olhando como se soubesse de algo?
— Puxa saco. Bom, eu tenho que ir. — Minha amiga pega a bandeja.
— Espero não enlouquecer essa semana.
— Todos nós — complemento.
 

 
Quando chego em casa, noto que o Josh ainda não chegou. Fico
pensando se devo esperá-lo para o jantar, mas mudo de ideia depois que as
horas passam. Sinto-me idiota por tê-lo esperado. Ele deu a entender que
iríamos jantar juntos e eu coloquei expectativas nisso, sendo que eu não
deveria, pois a nossa relação como um casal não existe.
O que eu estou fazendo?
Esse jogo de altos e baixos com o Josh precisa acabar.
Sei que ele chegou, quero bater no quarto dele, mas a indecisão toma
conta de mim, vou? Não vou? Devo? Será?
E se eu for e acabar com tudo?
Tudo o quê?
Os beijos que demos?
O que ele me dá e toma?
Ele nem sabe o que quer. Então está na hora de saber.
Levanto e caminho até seu quarto, a porta está aberta e noto que ele
não está lá. Procuro-o pela casa e não o encontro, até notar que a porta para
o terraço está aberta.
— Você fuma? — fico chocada ao encontrá-lo na espreguiçadeira
deitado sem camisa com um charuto na boca.
— Não. — A fumaça sai da sua boca. — Charuto não se traga. Você
apenas puxa, solta a fumaça e sente o sabor.
— Isso não é fumar?
— Óbvio que não. Isso aqui faz mal pra caralho se fumar.
— Hum.
Droga, eu perdi a postura. Ele está fodidamente sexy agora.
— Tá tudo bem?
— Aham.
— Fechamos o negócio com a construtora.
— Que bom.
— Billie?
— Sim?
— Vem aqui.
— Não, obrigada. Eu vou dormir.
— Billie Jean, o que você tem? — Ele coloca de novo o charuto na
boca.
— Não esqueceu de nada?
Solta a fumaça para responder:
— O que eu esqueci?
Dou dois passos pra frente e paro na sua espreguiçadeira.
— Da porra do jantar.
— Ah…
— Curta seu charuto. Eu tenho mais o que fazer.
Ele puxa meu quadril de uma só vez com a mão desocupada.
— Desculpe. — Tento me mexer, mas é em vão. Não é falta de força,
eu quero ficar. — Desculpe. — Seu rosto aproxima-se da minha bunda e a
beija. — O cliente me segurou.
Balanço a cabeça.
— Você é péssimo.
— Sou?
— E grosseiro.
— O que mais?
— Um tarado.
Ele ri.
— Continue.
— Você me faz ser agressiva.
— Você é naturalmente, eu não faço.
— Você é um medroso.
— Nunca fui.
— Foge de se comprometer com as pessoas.
— Não gosto de magoar ninguém.
—É um sádico, também.
— Você ainda não viu nada.
— E não sabe admitir seus próprios sentimentos.
—O que eu não admito, Billie Jean? —Puxa-me de uma vez e eu
sento no seu colo.
— Que é louco por mim.
— Ah é? — Ele coloca o charuto na mesa.
— É. Fala, Josh. Admite. Admite que…
Ele se inclina para me beijar e me cala.
— Eu admito que eu só quero a sua boca.
— E?
— E que eu preciso de você.
— Precisa?
— Preciso… — sussurra quase sem desgrudar seus lábios. — Agora.
— Desce sua mão e aperta minha coxa.
— Agora… — Fecho meus olhos.
 
SEM MODERAÇÃO
 
“Você abafa todos os nossos gritos

Você faz eu me sentir muito louca agora.”


(Lana Del Rey, In my Feelings)
 

 
 
Estamos desesperados pela boca um do outro. Há tanta intensidade no
nosso beijo que quase nos sufoca. Monto na sua cintura, coloco uma perna
em cada canto, e beijo seu pescoço descendo lentamente até sua orelha, sei
que ele está fora do seu controle, porque eu estou no comando.
Coloco a mão no seu ombro, aperto-o forte e ele sussurra:
—Billie… — Ele quer inverter as posições e controlar como sempre,
não quer ser vulnerável.
— Josh… — Beijo seu queixo até chegar à sua boca.
O silêncio nos consome, o beijo fala por nós. O calor desce pela
minha barriga e me faz contorcer em seu quadril.
Eu não sei qual é o problema dele, porque não se deixa ser tocado,
não quero forçá-lo, porque não sei qual é o problema, sua vulnerabilidade
nunca é exposta, mas nesse momento, parece que está se deixando levar por
nós. Estamos cem por cento aqui, envolvidos um no outro, consigo senti-lo,
não apenas seu corpo, sua mente também está entregue.
No final das contas, tudo que precisávamos para nos entender era
isso, um beijo.
Ele aperta minha bunda e eu rebolo em resposta.
Minhas mãos descem até pelos seus músculos e eu aperto cada
centímetro, ele morde minha boca, e provoco ao descer minha língua pelo
seu queixo, lambo seu pescoço e continuo descendo.
Ele segura meu pulso, quer me controlar, mas eu não deixo, continuo
a descer a língua até chegar perto do seu mamilo, subo o olhar por um
segundo e desço a boca para mordê-lo.
— Billie! — Bate na minha bunda. —Eu vou te arregaçar. — Sua
mão se agarra no meu cabelo, querendo me domar.
— Vai?
— Você tá duvidando?
— Estou.
Seu corpo todo sobe com o meu e ele me aperta com fúria. O top do
meu pijama é fino e ele quase rasga ao tirar. Ou será que rasgou? Acho que
ouvi um barulho de algo se desfazendo.
— Josh! Calma.
— Calma? Ah, Billie, você não pode me provocar e depois pedir pra
ter calma. — Ele joga o top longe e puxa um dos meus mamilos com o
dente e depois o outro enquanto aperta a minha bunda com força.
Meu gemido é tão alto que eu tenho que aplacá-lo e acabo passando a
unha nas suas costas.
Nem pensei no que fiz e que ele não gosta de marcas, mas ele mesmo
não está pensando, porque suspira e volta a chupar meu seio com vontade.
Inclino-me para frente e ele me puxa para que eu deite no seu colo, suas
costas batem na cadeira de uma vez.
Suas mãos descem por todo meu corpo, querendo tocar toda a minha
pele, consumir meu corpo, me conhecer e eu sinto que talvez ele já me
conheça. A firmeza como me toca e sabe me levar ao delírio em poucos
segundos, eu me sinto profundamente consumida. Cada parte do meu corpo
se ilumina e reverbera ao ser tocada por ele.
Sinto sua ereção através do seu jeans e mexo o quadril para frente e
para trás. Suas mãos me apertam e sua língua continua a pressionar meu
mamilo, choramingo apertando meu peito contra ele, adorando como chupa
com vontade.
— Ahh… Billie. Esse seu gemido… caralho. — Enfia de uma vez a
mão no meu short e alcança uma nádega. Arfo mais uma vez e vou de
encontro à sua boca. — Eu preciso… — Chupa minha língua em meio às
palavras. — Eu preciso tirar a calça — diz tão sôfrego que eu entendo, deve
estar apertado.
Mas antes que eu me levante, ele ainda me segura, pressiona suas
mãos na minha nuca, emaranha meus cabelos em sua mão e me dá um beijo
tão demorado que meu corpo todo fica febril.
Levanto-me, sentindo o frio da separação atingir o meu corpo, meus
mamilos ficam ainda mais eriçados. Josh tira rapidamente a calça e os
sapatos e me puxa para o seu peito. Voltamos a nos beijar e nosso corpo se
abraça. Passo a mão por cada parte dos seus músculos até chegar na boxer.
Sinto seu membro rijo e ele suspira na minha boca somente com o meu
toque leve.
Ainda estamos de pé quando eu desço beijos pelo seu pescoço,
ombros e continuo por todo abdômen tonificado.
Vou descendo a mão enquanto Josh apalpa meus seios, seus olhos não
deixam meu corpo um momento sequer, estão cheios de luxúria. Desço meu
corpo e o sorriso que se acende na face dele diz tudo, há uma grande
expectativa à espera do que eu estou prestes a fazer.
Abaixo a boxer de uma só vez até o chão e ele dá um passo para tirá-
la de vez.
Ajoelho-me à sua frente e dou um beijo naquela parte V que eu
sempre achei tão sexy nele. Queria que se marcasse uma tatuagem do meu
beijo bem ali.
Seu pau está tão duro, a cabeça rosada está com o líquido pré-gozo
mostrando o quão excitado ele está. Coloco a mão apenas para sentir seu
calor e movimento para frente e para trás. Olho para cima e vejo-o suspirar,
e aí que eu decido colocar a boca, lambendo vagarosamente a cabeça.
Josh segura meus cabelos de uma só vez com as mãos me
incentivando. Tiro a mão para continuar somente com a boca. Sinto-o
crescer ainda mais, meus movimentos não param, e ele passa a mão pelo
meu queixo e desce pelos meus seios apertando-os. Minha saliva escorre e
eu olho para cima, noto o quão maluco seu olhar se torna.
— Agora bate — pede. E eu uso a mão pressionando-a firme.— Isso.
— Seus olhos se fecham por um momento e eu continuo a masturbá-lo até
que volto a colocar a boca. Logo que volto, ele se movimenta junto comigo
colocando seu pau na minha boca para frente e para trás.
Seu grunhido de prazer reverbera pelo local enquanto segura firme
meu cabelo. Respiro fundo e invisto mais uma vez a boca, não cabe tudo,
mas sinto o cume do seu pau bater bem na minha garganta, quase engasgo e
isso faz ele gemer mais uma vez.
— Caralho, porra, Billie, vem aqui… — pede por mim. E antes que
eu suba, dou um beijo no topo da cabeça para provocá-lo. Limpo o canto da
boca olhando direto nos seus olhos. — Gostosa. — Ele me puxa com beijos
subindo pela minha orelha.
Arrepio-me e encontro sua boca para ganhar mais um beijo.
Sua mão enfia de novo dentro do meu short e massageia minha boceta
enquanto mordisca meu lábio.
Gemo seu nome e peço:
— Me fode.
Um sorriso sádico consome seu rosto ao aceitar sem nenhum pudor o
meu pedido.
— Temos que descer… — sussurra. E eu entendo o porquê, não
temos preservativo aqui.
Não descemos rápido, continuamos com beijos lentos por todo o
percurso. Perco o short e a calcinha no meio do caminho. Paramos no
corrimão da escada quando ele começa a chupar meus seios e mordisca meu
mamilo.
— Josh!
— Eu quero te foder, Billie.
— Então vem logo.
Ele me pega no colo com tanta rapidez que eu grito. Sou levada de
uma vez para o seu quarto. Eu nem quero protestar porque é exatamente o
que eu queria. Josh se deita no meu corpo ao me colocar na cama e abre a
gaveta ao lado para pegar o preservativo. Nós dois nos entreolhamos em
uma ansiedade mútua quando se afasta para colocar.
E ao se aproximar novamente, coloca a mão na minha nuca e me beija
enquanto começa a se encaixar no meu quadril. Minhas pernas o envolvem
e eu sinto seu pau bem na minha entrada. Abro a boca junto com ele, nós
dois quase não respiramos quando ele coloca tudo de uma vez.
Cacete.
Engulo a saliva.
Ele investe mais uma vez e mais uma, bem devagar para que eu me
acostume. Quando percebe que minha respiração se acalma, acelera, os
músculos do seu peito se contraem, meus gemidos ecoam. Minha boceta
esmaga cada centímetro do seu pau. Ele coloca a mão no meu pescoço, me
fazendo inclinar o pescoço para trás e aperta, a pressão me excita.
Meus peitos balançam para frente e para trás, ele não para de me
foder, coloco a mão em cima da que ele está segurando o meu pescoço e ele
solta. Seu corpo se debruça sobre o meu para estocar mais curto.
Seu beijo me consome sem moderação.
Nossas línguas se provocam lambendo uma a outra sem parar.
Minhas mãos estão em seu ombro e eu não paro de apertá-lo,
enquanto seu pau entra forte em mim. Acabo cravando minhas unhas em
suas costas quando ele investe de uma só vez em meu quadril e me faz
choramingar.
— Cacete, Billie — pragueja.
—Josh… — Puxo seus lábios inferiores.
Meus quadris queimam, ele não para de me foder e enterra sua boca
bem no meu pescoço. Dando o troco pelo que eu fiz, sinto uma pressão
forte no meu pescoço e ele me morde. Gemo seu nome e incito-me para
frente recebendo ainda mais dele.
Alucinados, continuamos arfando um pelo outro.
— Que boceta gostosa… — Ele agarra forte minha coxa e me fode
duro.
Nossos sexos se batem, meus olhos se fecham, estou em completo
descontrole. Ele não para, em movimentos frenéticos tudo que faz é vir em
direção a mim em uma corrida que nós dois vamos vencer. Chama pelo meu
nome e sua pulsação indica que está prestes a atingir o orgasmo.
Ele goza forte e alto, seu gemido reverbera dentro de mim e eu o
aperto forte com minhas coxas e também o abraço o segurando forte. Sinto
seu suor nas costas e passo a mão acariciando sua pele com carinho. Não
quero que ele saia logo e ele parece que não quer sair, porque fica. Está
respirando fundo na minha nuca e fica no meu abraço.
Nossos corpos ficam colados um no outro e eu tenho a sensação de
que é isso que eu quero. Quero ele. Não apenas transar com ele, mas viver
algo além do que acabamos de fazer. Quero conhecê-lo. Quero saber o que
se passa na sua cabeça, quero poder me apaixonar sem ter medo desse
sentimento. Quero me apaixonar sem ter medo de sair machucada, eu quero
estar com ele sem moderação.
Seus músculos se contraem, e ele se afasta. Olhamo-nos. O beijo que
ele me dá não é uma confirmação, nem uma negação, é uma incógnita, pois
logo se afasta de novo para descartar o preservativo no banheiro.
Estamos deitados de costas e nós dois olhamos um para o outro. Acho
que desde que nos mudamos para essa casa, nunca pensamos que nos
encontraríamos nesta situação. Tá, admito que já tive alguns pensamentos
sórdidos em relação ao Josh, mas para chegar até aqui e concretizar, foi uma
boa caminhada.
Ele está em silêncio e o silêncio dele diz muita coisa. Acho que está
na hora de eu ir para o meu quarto.
— Eu não me abro com as pessoas facilmente, Billie, acho que você
deve ter percebido isso.
— Sim, eu percebi. Me desculpe pelas marcas… — Reparo nas suas
costas. Ele suspira. — Por que você não gosta que te toquem? Posso
perguntar?
— Porque eu não quero me envolver emocionalmente com ninguém.
E eu odeio marcas. Tatuagens, qualquer coisa que tragam lembranças.
— Você tem uma tatuagem.
— Tenho.
— Não faz sentido.
Olho para a pinta castanha que ele tem no pescoço quando engole
seco:
— É igual a tatuagem que minha mãe tinha.
— Ah…
Entendo tudo. Se ele disse que tinha, no passado, então sua mãe
faleceu? Não sei se devo perguntar. Ele disse que era fodido
emocionalmente por conta da relação dos pais, esse quebra-cabeça está
começando a se encaixar.
Eu quero saber, quero perguntar, mas eu não sei o quanto devo me
intrometer em sua vida.
Ele fica quieto e eu também fico.
De repente, sinto sua movimentação e ele está próximo ao meu
pescoço.
— Josh?
Não fala nada.
Seu corpo se deita no meu que está de bruços na cama. Sua boca fala
em outra linguagem. Sinto uma mordida bem nas minhas costas que me
arrepia por inteira, é tão gostoso que eu só consigo me concentrar nisso.
Ele desce com mordidas lentas e leves, até que sobe de novo e morde
meu ombro:
— Pode morder com força? — pergunta.
E eu confirmo.
Ele me morde e eu solto um gemido.
— Seu gemido é tão gostoso que me dá muita vontade de te maltratar.
— É? — Ele confirma. — Então maltrata.
Ele aperta minha bunda com força e me morde no ombro, só que
dessa vez a marca da sua boca com certeza vai ficar em mim. Arde e eu
gosto disso. Fico excitada com os beijos e as mordidas que ele continua a
descer pelas minhas costas. E ele também está louco de desejo, pois se
afasta apenas para colocar o preservativo de novo.
Ao voltar, se coloca entre minhas pernas e me penetra por trás
segurando meu quadril:
— Que bunda maravilhosa…
Empino-me sentindo sua grossura me preencher.
Sinto-me trêmula de desejo. Ardendo por ele. Josh continua a me
penetrar vagarosamente.
Arrepio-me.
Chamo pelo seu nome e ele me fode vagarosamente. Sua mão
encontra a minha e a agarra. Nossos corpos se colam como simbiose. Arfo
várias vezes e um barulho gutural sai do fundo da sua garganta até que ele
fala:
— Fica de frente…
As estocadas voltam a ser rápidas. Seu beijo é voraz e eu o sinto
distante no olhar. Não sei o que ele pensou quando eu estava de costas, mas
está mais frio. Sua mão vem parar na minha garganta enquanto ele me
penetra.
Fundo, duro, está focado no prazer.
Deixo que continue firme, não penso em mais nada. Nem em seus
olhos frios.
Estou quase perdendo o ar, e ele repara, por isso tira seu braço do meu
pescoço e vem me dar um beijo.
Lentamente seu ritmo diminui um pouco, é como se tivesse voltado
ao seu estado normal. Fecho os olhos quando ele encosta sua cabeça em
meus ombros, respiro fundo quando ele desce sua boca e chupa meus seios.
Não consigo parar de gemer seu nome, e quando o meu orgasmo vem, eu
tenho a certeza de que Josh Tucker acaba de se tornar o meu vício.
 

 
Acordo sozinha no quarto do Josh no dia seguinte. Não que eu
estivesse esperando algo a mais da parte dele, nada disso, mas eu sinto um
grande vazio ao perceber que eu esperava encontrá-lo na manhã seguinte.
Não basta acordar na cama do chefe, tenho que estar atrasada para o
trabalho.
E já que ele vai levar as coisas da forma tão frias assim, eu devo levar
também.
— Pelo amor de Deus! — grito em frente ao espelho. Não bastava eu
estar descabelada, eu estou com todas as marcas do mundo. Todo mundo da
empresa vai saber que eu fiz sexo, eu estou marcada em todos os lugares
possíveis. Meu pescoço está com arroxeados, meus seios, ao virar as costas
a grande mordida do Josh está lá também. E ai que dor! Era pra doer tanto
assim hoje?
Ele me paga!
Demoro tempo demais me arrumando e óbvio que isso faz com que
eu demore para sair de casa. Assim que estou saindo, acabo dando de
encontro com um homem que está observando a casa, ele estranha a minha
presença e eu estranho a dele.
— Essa casa é a do Josh Tucker?
Deus, onde está meu spray de pimenta?
Estou à procura da chave do carro na minha bolsa e respondo
desconfiada:
— Quem gostaria de saber? — Olho mais uma vez pra ele, esse
homem não me parece estranho, eu já o vi antes.
— O pai dele. Joey Tucker.
— Pai dele? — Olho-o dos pés à cabeça, cada fio de cabelo castanho
e alguns grisalhos. Os olhos são azuis iguais aos do Josh, mas não é só isso
que me chama a atenção, tem algo nele que me remete a alguém que eu já
vi antes.
— Você, aaah, você! Você é o marido da Alanna.
— E você é?
— Billie Jean, do hospital de Nova York. Lembra de mim? Já faz uns
seis anos, mas eu e sua esposa fomos amigas.
Ele abre a boca espantado.
— Ah caramba! Sim! Você é aquela palhacinha, sem a maquiagem é
difícil de reconhecer.
Meu Deus. Se ele é o pai do Josh, então a Alanna é a mãe dele! Agora
eu consigo entender tudo. 
— Doutora da alegria — corrijo.
Ele limpa a garganta.
— Desculpe.
— Como você está? Conseguiu reencontrar a… — Minha memória
péssima sempre falha. — Como é o nome dela? A Alanna só falava disso.
— Naomi. Sim, eu consegui. Nós nos casamos.
— Isso. Ela queria muito que você a reencontrasse, ela mesma
marcou o encontro entre vocês, né? Que bom que deu certo.
O olhar dele se torna cinzento, parecido com o do Josh quando não
está bem. Acho que falei demais.
— Você e meu filho se conhecem, isso é uma grande coincidência.
— Nem me fale…
— Vocês, por acaso...? — meneia a cabeça para o lado.
— Não, não, não — nego rápido. — Não é nada disso que você está
pensando — explico rápido a situação da casa.
—É mesmo? Meu filho nunca foi de dividir o espaço com ninguém.
— Dá risada. — Bom, eu preciso ir, desculpe por tomar o seu tempo.
— Quer que eu avise que o senhor esteve aqui?
— Pode manter isso em segredo, por favor? Eu e o Josh não nos
falamos há muito tempo.
Sei que eu não posso perguntar o porquê, pois não é da minha conta.
Tem algo muito profundo e dolorido nesta relação familiar.
— Claro.
— E, Billie?
— Sim?
— Eu fico feliz que você tenha encontrado o Josh. A Alanna também
ficaria. — Pisca pra mim.
E eu entendo agora o que ele me diz. A mãe do Josh sempre quis que
eu me encontrasse com seu filho. O destino de alguma forma fez com que
nos encontrássemos.
Nosso encontro não foi amor à primeira vista, foi só um beijo.
 
 

 
FUJA DAS ARANHAS
 
“Você sabe que eu preciso de alguém
Alguém como você.”
(Kings Of Leon, Use Somebody)
 

 
 
Preocupo-me com o atraso da Billie. Quando saí de casa, não a
acordei, porque seria estranho sairmos ao mesmo tempo de casa e
chegarmos juntos no trabalho, isso nunca aconteceu antes e não deveria
acontecer agora. Fiz uma reunião cedo com o Peterson e logo que saí, ainda
não a vi. Perco um tempo na sala do café apenas esperando que ela apareça
para se sentar em sua baia e acabo dando de cara com o Lucas percebendo a
minha curiosidade:
— Tá tudo bem, chefe?
— Sim, claro.
— Precisa de alguma coisa?
— Onde está a sua chefe? Você sabe?
— Ela me avisou que pegou trânsito, mas está à caminho.
— Entendi. — Dou um gole em minha xícara de café e coloco as
mãos no bolso. — Seu irmão falou que você tá saindo com alguém. —
Mudo rápido de assunto.
— É a irmã da Billie.
— A irmã da Billie?!
— É. A Virginia, ela é incrível.
— Caramba.
— A gente tá indo com calma, ela às vezes se afasta, parece que tem
medo de se envolver comigo, mas eu tenho muita paciência. Tenho certeza
de que vou me casar com essa mulher.
Engasgo e tusso várias vezes.
— Casar?! Você não começou a sair com ela agora?
— Sim. Qual o problema?
— Cacete. Você nem se formou ainda. Nem conhece ela direito,
porra, você é jovem demais.
— E você é velho. Já se casou?
— Não.
— Qual é seu argumento?
— Não estou a fim de me casar.
— Por quê?
— Porque não quero. Estou muito bem solteiro. E você está na
melhor fase da sua vida, viva seus 22 anos.
— Obrigado, vou viver meus 22 anos com a Virginia.
Eu rio, ele está maluco, bem que o Max falou, pelo menos a tia Bessie
vai ter uma neta, sei que a irmã da Billie tem uma filha e ela é louca por
crianças.
E lá está a Billie, balançando suas argolas vermelhas. Acaba de jogar
sua bolsa na mesa e se senta na cadeira. Quero conversar com ela, falar
sobre a noite anterior, mas sei que ainda não é o melhor momento. O pior é
que o dia vai ser terrivelmente cheio.
Caminho em direção à minha sala e tento capturar seu olhar, mas sou
completamente ignorado. Será que eu perdi alguma coisa?
Drina me segue, pois temos uma reunião. Pergunto como anda o
planejamento da festa da empresa, peço para que não se esqueça dos
convites para potencias investidores. Precisamos que a Bee Creative ganhe
mais espaço no mercado publicitário e a festa, além de comemorar o
aniversário, é uma forma de trazer visibilidade para a empresa.
— Sim, já mandei convites, aliás, à tarde você tem uma reunião com
um cliente. — Confirma com a caneta no seu ipad — Depois do almoço.
— Ok. Vai dar tempo? Eu tenho uma visita ao cliente.
— Sim, o da construção. É agora às 11h. Eu marquei a reunião para
as 14 horas.
— Tá. Você pode solicitar a senhorita Murphy que me acompanhe?
— Paro na porta da sala de reunião.
— A Bi-Billie? — gagueja.
— Sim. Algum problema?
— Não, nenhum problema. Mas por quê?
— Ela é a nossa designer principal, quero que ela esteja a par de tudo.
— Certo, eu vou mandar o convite pra ela.
—Ok. — Abro a sala.
 

 
Estamos no elevador e ela não está falando comigo. Eu queria saber o
que foi que eu fiz desta vez. Qual é o problema desta mulher? Seja o que
for, ela vai ter que falar, eu não consigo ler pensamentos.
Vamos para o carro e nada dela conversar comigo. Isso me
enlouquece, coloco a mão no volante, olho para o retrovisor e pergunto:
— Aconteceu alguma coisa?
— Não. Está tudo bem.
— Desculpe por ter saído sem falar nada hoje cedo.
— Ah, eu nem percebi.
— Não percebeu?
— Não, nem vi. Você sabe que eu gosto de dormir, que bom que não
me acordou. — Solto o ar fortemente pelo nariz. — Por que me convidou
pra vir ao cliente? — Ela abaixa o espelho do retrovisor para se olhar.
— Preciso que avalie comigo o que o cliente precisa. Vamos até uma
de suas obras.
— Até uma obra?
— É.
— Por quê? E pra quê?
— Já disse, vamos ver um cliente.
Ela dá de ombros, irritada.
— Murphy, você não está sendo profissional.
— Eu não estou sendo profissional?
— Não, não está.
Ela cruza os braços e faz silêncio absoluto como se estivesse em
greve. Já que vai ser assim, ligo o som do carro e coloco Kings Of Leon no
mais alto volume. Eu sei que ela detesta, já brigamos no último mês por
conta do som em casa. Descobri que ela odeia a banda e eu uso essa carta
na manga sempre que quero perturbá-la.
— Eu juro…
— Jura o quê? — Ela coloca o dedo na tela e pausa o som. —
Senhorita Murphy, estamos em horário de trabalho, vai mesmo me
desacatar desta forma?
— Desacatar? Eu só preciso de paz para os meus ouvidos.
— Por que você detesta a melhor banda do mundo?
— Por que não ouvimos algo que eu gosto?
— Tá, o que você quer ouvir?
— Katy Perry.
— Katy Perry? — Fico abismado demais.
— É.
— Tá bom. — Mexo no display.
— Você vai mesmo mudar?
— Vou.
Quando começa a tocar Firework seu semblante muda e eu sorrio por
ter melhorado seu humor.
Ao chegarmos na obra, notamos que está tudo parado, não há
ninguém aqui, apenas um rapaz que acaba de tirar seu capacete. Logo que
saio do carro, me aproximo para perguntar o que houve:
— Eles estão em horário de almoço, devem voltar daqui uma hora.
— Eu sou Josh Tucker, da Bee Creative, tenho uma reunião com o
seu chefe, ele não ficou sabendo? Minha assistente deve ter marcado com
ele.
— Só se ela ou ele confundiram o horário, mas se vocês quiserem
subir e verem a obra pelo menos, já que vieram até aqui. Está perto de
finalizar.
— Tá, tudo bem.
— Vocês podem subir pelas escadas.
— Você não… — Ele me deixa falando sozinho. Olho em direção ao
carro e a Billie desce.
— Pelo visto viemos à toa — reclama.
— Vamos ver a obra pelo menos. — Vai ser um prédio comercial.
— Eu não, vai que uma viga cai, dizem que prédios assim estão
cheios de aranhas.
— Está dizendo isso só porque está querendo matar o tempo de
trabalho, Murphy. Você não queria vir desde o começo.
— Eu? Jamais. Vou subir. Agora você, não tenho tanta certeza, já que
é um medroso, Tucker — me desafia e é óbvio que vou aceitar.
Nós dois subimos as escadas do prédio de cinco andares. A Billie está
determinada e foi até o último, começo a me preocupar seriamente com as
aranhas depois que vejo os sacos plásticos tampando os entulhos, será que
há algumas delas embaixo? É muito possível.
— Que foi? Está com medinho?
— Jamais. — Continuo a subir os degraus.
— Estou vendo o pavor em seus olhos, pode admitir. — Ela para no
último degrau e intercepta o caminho.
— Não seja boba, Murphy. Anda.
— Olha! — Aponta rápido para o meu pé. Eu não vou cair no seu
jogo, por isso aplico o golpe reverso e enlaço meu braço em sua cintura.
— Opa. — Puxo seu corpo para o meu. — Cuidado pra não cair.
— Josh! — Ela segura firme no meu ombro.
— Billie Jean.
— O que está fazendo?
— Pegando você. — Dou um beijo em sua boca, meu gesto a
surpreende de uma forma tão grande que ela não consegue reagir
negativamente, apenas suspira e se abre para receber minha língua. — Não
sabia que estava tão sedenta por mim — digo com a nossa breve separação.
— O seu ego me assusta. — Empurra-me. Chegamos ao último andar.
— Que saco, o vidro está todo coberto — reclama.
— Você subiu até aqui só pra isso?
— Queria ver à vista de cima.
— Bom, já que estamos aqui. — Aproximo-me por trás e coloco as
mãos em seus seios.
— É sério? Vão nos pegar.
— Você não ouviu o que o cara falou? Ele disse que vão demorar.
Ela ri e se empina pra mim.
— Você tá de brincadeira.
— Pelo visto você também está querendo.
— Quero ver até onde você vai.
— Se você continuar me provocando — Minhas mãos entram
embaixo do seu sutiã — eu vou até o fim.
— Cacete… — Suspira quando eu mordo sua orelha. — Eu não
acredito em você.
Vira seu rosto em direção ao meu e eu digo antes de devorar seus
lábios:
— Vou fazer com que acredite. — Minha mão sobe pela sua saia e
encontra sua calcinha. Subo com a outra mão pela sua nuca enquanto nossas
línguas se agitam sem pressa saboreando cada pedacinho desse momento.
Meu sangue corre quente em minhas veias, o desejo de tê-la e a
adrenalina da situação faz com que meu pau pulse firme na calça. Sem
demora, ela desce a mão pela minha camisa e encontra a parte que os dois
botões estão entreabertos.
— Safado…
— Você que é.
Ela abre os outros botões e desliza os dedos pelo meu abdômen.
Aperto sua bunda, quero mais, quero ela nua, quero fodê-la ali,
porque não consigo parar de pensar na noite anterior.
Minhas mãos continuam a passear na sua coxa e voltam a entrar em
sua calcinha. Ela se contorce e beija meu pescoço quando eu encontro o seu
clitóris e giro os dedos, seu gemido me deixa em êxtase. Fico louco de
tesão, meu pau está tão duro que chega a doer. Sua mão está descendo e
quando chega no botão da minha calça, eu abro a boca extasiado, porque
finalmente ela abriu o zíper para libertá-lo.
— Nossa, Josh… Tá até melado…
— Foi você quem causou isso.
— Eu? Eu sou inocente.
— Inocente? — Viro seu corpo de repente e encosto meu pau na sua
bunda. Ela sobe sua saia e, caralho, essa mulher me provoca demais. — Ah,
Billie, é assim que você age de forma inocente?
— É. É assim que eu ajo, chefinho.
Passo o pau perto da sua entrada e minha outra mão alcança o seu
seio, ela se empina mais uma vez e meu instinto fala por nós, preciso senti-
la.
— Billie, porra, Billie, posso?
— Pode.
— Você toma anticoncepcional?
— Sim.
Puxo de uma só vez sua blusa com o sutiã para baixo e seus seios se
libertam. Ela está usando uma calcinha tão fina hoje que só me provoca
ainda mais, desço a calça junto com a boxer e seguro seu quadril, puxando-
o para mim.
— Posso? — pergunto mais uma vez.
— Me fode, Josh — pede com uma voz tão gostosa, uma das minhas
mãos continua em seus seios, e a outra apenas coloca a calcinha de lado e
direciona meu pau na sua entrada.
Caralho, sua boceta está tão molhada e apertada, empurro-me dentro
dela e ela se empina ainda mais pra mim com um gemido delicioso.
— Cacete, que boceta é essa?! — Aperto seu quadril. Sinto-me
viciado, por ela, seu corpo, seu cheiro. Essa mulher entrou na minha vida e
agora que provei do seu gosto, quero o tempo todo.
Ofego empurrando-me e sentindo sua boceta bater no meu pau
deliciosamente, ela não para de choramingar. Pego seus cabelos com umas
das minhas mãos e isso a faz se inclinar mais para trás e a penetração ficar
mais profunda. Nossas peles uma na outra se apertam.
— Porra… — Trinca os dentes.
Mergulho mais e mais uma vez dentro dela. Aperto seu mamilo duro.
Ela solta um grito e eu acabo grunhindo, estamos sendo barulhentos demais,
mesmo assim não estamos nos importando. Tudo que queremos é liberar o
calor que estamos sentindo um pelo outro.
Rosno quando sua boceta se aperta no meu pau e ela chama pelo meu
nome, aperto a mandíbula, minhas mãos espalmam pela sua bunda várias
vezes fazendo com que ela fique vermelha.
— Sádico — xinga-me e é o combustível para que eu continue. Ela
está tão úmida, tão quente pedindo por mais, para que eu a foda com mais
força e é o que eu faço. — Devagar, devagar… — pede depois que meus
movimentos se intensificam de uma só vez… — Isso. Isso… — Segura na
minha perna por um momento. — Aham… aham… — sua voz tão manhosa
me deixa fodidamente louco. Estou perdido com tanto tesão, tenho que me
segurar para não a assustar.
Seguro seus cabelos, puxo-a para mim e a fodo bem curto, nossos
sexos se batem, e a fricção da sua boceta melada com meu pau ainda mais
excitado me deixa ainda mais maluco. Sinto que não vou aguentar muito
mais tempo.
— Eu vou te deixar cheia de porra.
— Vai? — Sua pergunta é cheia de provocação.
— Quer?
— Quero.
— Cacete, Billie.
Puxo seu cabelo e continuo os movimentos que se aceleram, meu pau
incha, e eu me debruço em seu corpo segurando-me quando o os músculos
do meu corpo espasmam. Meu gozo se espalha nela e nós ficamos grudados
um no outro apenas respirando.
— Temos que mandar detetizar, o prédio está cheio de aranhas —
ouvimos de repente alguém dizendo. Arregalamos os olhos e começamos a
nos vestir de uma vez. Deu tempo de ela descer o vestido, eu colocar a calça
e fechar os botões da camisa. — Quem são vocês?
 

 
— Eu disse que tinha aranhas no prédio. — Billie riu da minha cara.
Eu estava branco, e não era o medo de quase termos sido pegos e sim o
medo de uma aranha ter entrado na minha calça.
— Já temos um slogan pra construtora.
— Eu te disse que era má ideia subir.
— Foi você que foi até o final.
— Mas foi você quem me provocou.
Nós nos entreolhamos. Ainda estamos dentro do carro no
estacionamento da empresa.
— Foi. — Coloquei a mão no seu joelho.
Seu olhar acompanhou minha mão e depois subiu para o meu rosto.
— E eu retribui. — Abre a perna.
— Uhum… — Minha mão se encaminha entre suas coxas até que eu
chego na sua virilha.
De repente ela fecha.
— Aqui não. Vão nos ver.
— Em casa?
— Em casa.
Nosso olhar foi tão significativo quanto a nossa frase. Nós moramos
na mesma casa já faz mais de um mês, mas só agora que eu percebo que eu
a Billie não apenas compartilhamos o mesmo lugar por obrigação, estamos
morando juntos porque queremos. Eu não fujo mais dela, eu quero estar
com ela.
 
NÃO SE COMPROMETA
 
“Você quer que eu te ame com moderação?
Por acaso eu pareço moderada pra você?”
(Moderation, Florence + The Machine)
 

 
 
 Josh e eu arrumamos uma nova forma de comunicação. Não pensei
que fosse possível transar quatro vezes em um dia, mas conseguimos fazer
isso no final de semana. E durante a semana nós transamos todos os dias.
Pelo menos uma ou duas vezes no dia. Resumindo nós transamos o tempo
todo.
Está sendo bom, bom até demais. Vivo menos estressada comigo
mesma e principalmente com ele. Já faz duas semanas que o nosso convívio
está sendo resumido a sexo sem compromisso. Sim, nós moramos na
mesma casa, mas isso é desde que nos conhecemos, ou seja, nada mudou
além da transa diária.
— Vocês já são um casal, só não assumiram — alerta Parveen no
nosso compromisso matinal de segunda-feira.
— Nós não somos um casal, quer dizer, somos?
— Billie, por favor, você quer isso, não quer?
— Quero?
— Já se perguntou?
— Ele não quer.
— O que você quer?
— Eu não quero me decepcionar de novo.
— Presta atenção. Você tá com medo do quê? Dele dizer que não quer
se comprometer? E aí, vai acontecer o quê? Vocês vão parar de transar?
Foda-se. Pessoas entram e saem da nossa vida. E se ele sair, não era pra ser
ele.
— É fácil falar…
— É fácil falar porque eu não tenho sentimento por ele. Certo?
O café desce quente demais.
— Ele não me conta nada, é um verdadeiro livro fechado.
— E você que é um livro aberto está apaixonada por esse livro que
pode nem ter você dentro. Faça alguma coisa.
— E se…
— E se… você já sabe.
Confirmo com a cabeça.
Se ele não quiser, eu tinha que ir embora. Temos que saber o
momento de desistir de alguém, mesmo quando nosso coração tem a certeza
de que é pra ser. Talvez a pessoa não esteja na mesma frequência que nós. E
pra que forçar? Sexo só nos preenche naquele momento e quando passa,
você espera o mais e quer, e o mais não vem.
— Temos a festa da empresa amanhã.
— E ele vai te levar de acompanhante.
— Impossível.
— É disso que estou falando. Como vocês vão lidar com o caso de
vocês? Até agora ninguém descobriu? Sério mesmo?
— Bom, o meu estagiário, ele anda com umas indiretas, sabe? Mas
nada muito conciso.
— Ele deve saber, mas vocês são chefes dele.
— Falando nele. Ele vai levar a Virginia de acompanhante.
— Quê? Sua irmã? Ela tá saindo com seu estagiário?
— Sim, e isso é um problema, porque o Max vai, sabe o nosso
ginecologista?
— Sei, e qual o problema?
— O problema é que eu acho que o Max é o pai da Phoebe.
É a segunda vez na vida que eu vejo a Parveen surtar, fora quando ela
tem que se encontrar com os sogros.
—O quê?! —Ela cospe o café.
— Isso mesmo que eu te disse. Eu acho que o nosso ginecologista é o
pai da nossa pequena. Deixa eu te contar as informações que eu colhi na
última semana. — Conto o que eu puxei com o Josh. Perguntei a ele se o
Max já se envolvei com mulheres e descobri que ele ficou com uma mulher
em Boston e foi na época que a Virginia estava lá. A história era idêntica.
— E pasme, ele lembra o nome da garota.
— Não me diga que é…
— Isso mesmo, é a nossa querida Ginny.
— Cacete. — A Parveen nunca fala palavrão. — Ou seja, quando essa
história explodir, todo mundo vai surtar.
— Estou te falando.
— E o irmão dele tá saindo com a Virginia.
— Aham.
— Puta que pariu.
— É.
— Essa história só fica melhor.
— Imagina todo mundo se encontrando no hotel?
— Hotel?
— Sim, foi reservado um hotel pra festa.
— Deixa o destino se encaminhar.
— Eu tenho que falar pra Ginny. Eu já sei de toda a história.
— Ela não fugiu? Era pra ela ter encontrado ele na sua empresa,
certo?
— Era.
— Ela que escolheu o caminho mais difícil. Vai ter que lidar com as
consequências.
—Paciência. Como eu sempre digo…
—Paciência é uma virtude.
 

 
— Você quer me acompanhar amanhã na festa da empresa? — recebo
o convite de repente do Leary Harrington. Eu sabia que ele ia me perturbar,
porque passou várias vezes no corredor da minha baia antes de fazer o
convite.
— Tá, por mim tudo bem. —Pego-o de surpresa.
— Sério?
—Sim.
— Eu te pego na sua casa?
— Não. Não — nego várias vezes. — Te encontro no hotel às oito.
— Ok. Estou ansioso por isso.
Assim que ele sai, o Lucas coloca o cotovelo na minha cadeira:
— Por que você fez isso?
— Somos colegas, que mal tem?
— Tá fazendo ciúme pra alguém?
— Para de ser atrevido.
Ele ri e volta pra sua mesa.
Não foi mentira o que disse, foi uma tentativa meio humilhante de
fazer ciúme em um certo alguém. Será que vai funcionar?
Já faz umas duas horas desde o convite e de repente sou chamada na
sala do chefe. Pego o meu notebook para disfarçar porque não faço a
mínima ideia do porquê ele me chamou. Abro a porta e coloco meu
notebook em sua mesa, pois ele não diz nada apenas me observa.
— Precisa de alguma coisa, senhor Tucker? — pergunto.
— Preciso.
— Do quê?
— Da sua saia no chão.
— O quê?
Ele se levanta e se encaminha até a mim.
Faço um estalo de desaprovação com a língua.
— Sério que me chamou aqui pra isso?
— Fiquei sabendo que você aceitou o convite do Leary pra festa da
empresa amanhã. — Espalma a mão na minha bunda.
— Quem te contou isso?
— O próprio.
— Ah…
— O que tem a dizer em sua defesa?
— Eu tenho que me defender?
Ele se afasta e aperta a mandíbula trincando-a.
— Sério isso?
— Qual o problema?
— Nenhum. — Coloca as mãos no bolso da calça. — Mas pensei que
como vocês são colegas, iria gerar fofoca na empresa.
— Somos amigos.
— Tá bom, você sabe muito bem o que ele quer com você.
— Sei sim, nada do que você não faz comigo.
— E você vai fazer com ele?
— Isso te preocupa?
Analiso sua face, espero por sua resposta, se ele vai finalmente dizer
que se importa, que quer algo além do que se prepõe, afinal, em menos de
um mês, estará de volta em Boston, e depois acabou.
Prendo a respiração, ele abre a boca, se fecha, parece que desiste da
primeira resposta e finalmente diz:
— Não. Você faz o que quiser, é sua vida.
— Ok. É minha vida mesmo.
— Sim, é isso.
— Certo. O que você precisa?
— Do que tá falando?
— Não me chamou na sua sala, chefe? Está precisando do quê?
Pego-o no seu jogo. Era óbvio que ele não precisa de nada no assunto
profissional.
— Ah sim, lembra do nosso projeto com a construtora?
— Sim, estou quase finalizando.
— Posso ver?
— O Lucas está cuidando da interface do site, posso chamá-lo pra te
mostrar, pode ser?
Ele pigarreia, tentando limpar o desconforto.
— Claro, pode chamá-lo. — Senta-se na sua cadeira.
— Sim, vou chamá-lo. — Tiro minha saia e jogo no chão.
— O que você está fazendo? — Seus olhos se arregalam.
— Fazendo uma das coisas que você pediu.
— Billie… — Ele faz menção de que vai se levantar, mas eu faço um
gesto com a mão.
— Eu vou aí. — No meio do caminho, minha calcinha fica no chão.
Josh me pega de um só vez. Com tanta força que eu caio direto em seus
braços. As mãos sobem e seguram meu queixo, e ele me beija com força,
como se me reivindicasse como sua. Meu coração quase explode. Seus
olhos sempre são predatórios e parecem que querem sempre me devorar.
Seus dedos percorrem cada traço da linha da minha pele.
Eu não consigo parar de me entregar, mesmo meu pensamento
dizendo o contrário. Meu corpo está sempre indo em direção ao seu. Coloca
a mão naquele vão da sua camisa que ele nunca fecha e beijo seu pescoço.
Sinto teu cheio delicioso, minha boca seca, meu desejo por ele me domina
ainda mais.
Sua boca se inclina em direção ao meu seio e o suga por cima da
camisa. Eu estou sem sutiã e meu mamilo fica duro demais ao sentir o calor
da sua boca. Contorço-me em cima do seu quadril, e abraço o seu pescoço,
apertando sua pele e seus músculos enquanto ele me dá prazer.
Minha mão desce até a fivela do seu cinto e ele sussurra:
— Temos que fazer em silêncio.
— Uhum — murmuro e ele me puxa em seguida para um beijo lento
que me entorpece de uma forma que eu até esqueço o que estou fazendo.
Sensações latejantes me dominam, seus lábios estão no meu pescoço,
a língua traceja um caminho prazeroso até minha orelha e eu não consigo
me conter.
— Ah, Josh… eu gosto tanto, tanto…
— O quê?
Volto a beijá-lo para calar minha boca e ele agarra meus quadris com
força. Rebolo devagar, sentindo seu pau através do tecido das nossas
roupas. Mordo os lábios para não gemer e ele sussurra:
— Posso te foder?
Confirmo encostando a testa na sua.
Subo o corpo para que ele consiga tirar a metade da calça com a
boxer. Quando volto a encostar o quadril no seu, minha mão direciona seu
pau na minha boceta. Nós dois colamos a face uma na outra, na tentativa de
não fazer barulho. É tão gostoso como nos encaixamos. Sua mão agarra
minha bunda, e eu apenas espero a sensação de prazer me dominar para
começar os movimentos.
Seguro seus ombros e ele continua a me trazer para si quando começo
a me movimentar. Não estejamos preocupados com nada mais ao nosso
redor, seja a cidade que aparece como vista pela janela, seja o outro lado da
porta onde todos os nossos colegas estão trabalhando, tudo que importa é
nós.
Contorço-me cada vez mais em cima dele, deslizando-me para cima e
para baixo, estou tão molhada, e umedeço seu membro com meus fluídos.
Ele me segura com força para cima, fazendo pressão para que eu suba e
desça do seu pau, nossos sexos se batem e, querendo ou não, nós estamos
fazendo barulho.
Mas não conseguimos parar. Impulsiono meu corpo para baixo e
aceito sua investida profunda quando ele estoca violentamente dominando-
me ao puxar meu cabelo. Ondas de prazer pipocam em meu âmago.
Continuamos nessa investida curta, com ele me fodendo sem parar,
prazer é constante, e nós dois suspiramos profundamente. Meu clitóris
lateja, pois, seu sexo bate exatamente no meu ponto de prazer. É tão gostoso
e eu só o quero ainda mais. E ele me dá mais ao segurar meu quadril e me
foder curto sem parar.
— Ah, Billie, você me deixa louco.
— Josh… — suspiro seu nome. — Eu sou louca… louca por… —
Deus, o que estou fazendo? Não se comprometa, Billie. Não se
comprometa! — Louca por seu pau.
— É? Então toma! — Investe mais uma vez dominando-me pelo
cabelo. Estou virando quase um papel em suas mãos. Derretida de tanto
prazer. Ofego ao tomar sua boca e rebolo em seu pau, esfregando meu
clitóris várias e várias vezes. Tento não gemer, mordo sua boca.
Deus…
Estou alucinada.
— Ahh… cacete.
— Vou gozar… vou gozar.
Seu fluido me preenche e ele fecha os olhos em um alívio profundo
de prazer. Deito meu corpo sobre ele, ambos exaustos. Respiramos sobre a
testa um do outro por tanto tempo, é como se não estivéssemos ali por
cansaço pós sexo, e sim por conforto. É gostoso estar na presença dele. Eu
quero estar perto dele, não apenas depois do sexo, não apenas só pelo sexo.
O problema é que antes eu não sabia lidar com o Josh e a raiva que eu
sentia por ele, agora eu não consigo lidar com o Josh e o tesão e a paixão
que sinto por ele. Ele está apaixonado por mim, eu sinto isso, mas algo o
trava e é algo familiar. Eu conheço algumas peças, mas não sei como
encaixá-las.
A questão é, se eu me intrometer demais, eu vou acabar afastando-o
ou trazendo-o para perto de mim?
Ele é o primeiro a se afastar e isso faz com que eu entenda que devo
sair do seu colo. Levanto e abaixo a saia. Arrumo os botões da camisa da
minha blusa e dou um jeito de pentear meus cabelos com as mãos.
— Eu vou chamar o Lucas pra te mostrar o… o projeto da construtora
— tento focar.
— Ah… claro, o projeto. — Ele fecha o cinto.
Pego meu notebook e me despeço.
Solto o ar com força ao fechar a sala, minha garganta está seca e eu
não consigo disfarçar o quanto estou abalada quando aviso meu estagiário
para ver o Tucker.
— Está tudo bem, chefe?
— Está, claro.
— Temos algum problema com o nosso trabalho?
— Não, ele só quer checar o andamento.
— Ok. Ele vai ficar orgulhoso de nós. Não vou desapontá-la como da
ultima vez.
— Com certeza, mostra pra ele, Hernandez.
Sento na minha cadeira, abro o notebook e o chat, pois a Drina tinha
me mandado uma mensagem.
“O Peterson dormiu na minha casa ontem.”
Fecho o notebook.
Acho que li errado. Vou até a mesa da minha amiga, porque isso é
impossível.
Drina está enrolando seu cabelo com o dedo indicador quando eu
apareço e ergue os olhos, ela está com aquela típica expressão de quem
aprontou alguma coisa.
— Você tá zoando — digo descrente.
— Não tô, não.
— Mas ele só dormiu, né?
— Não.
— Mas o que… o que, o que…
— Acho que os astros se alinharam e…
— Desalinharam. — Sento-me em cima da sua mesa.
— Foi só uma transa — sussurra. — A gente foi beber pra
comemorar porque deu tudo certo com o planejamento da festa da empresa.
Amiga, você não tem noção o perrengue que passamos com os
fornecedores.
— Hum, sei.
— É sério, nós quase nos matamos e matamos um ao outro no
processo. E acabou que eu reparei que ele tem uma boca muito gostosa e
você não tem noção no corpo que ele tem embaixo dessa roupinha social.
— Ela dá uma risadinha.
— Eu não quero nem imaginar.
Ouvimos um pigarreio de ninguém menos que o Peterson, eu quase
não o reconheço porque ele não está de terno como sempre. Desta vez ele
está de moletom? Meu Deus, o que a Drina fez com esse homem?
— Senhorita Murphy. — Jesus, será que ele vai falar para eu usar a
cadeira? Ele sempre fala isso quando me vê sentada na mesa. — Que belo
dia hoje, não? Bom dia, senhorita Rivera.
— Bom dia, Peterson — respondemos. E ele passa assobiando.
Drina e eu nos entreolhamos e entendemos que ele só precisava de
uma coisa pra melhorar o humor dele. Nós continuamos conversando e os
detalhes acabam sendo interrompidos pelo meu estagiário, ele sai da sala do
chefe com um olhar enigmático:
—O Tucker está te chamando.
—De novo?
— Sim, você esqueceu algo na sala dele.
Dirijo-me à sala do chefe e fecho a porta.
Encontro o Josh com uma expressão muito séria e pergunto:
— O que eu esqueci?
— Sua calcinha. E adivinhe? O estagiário encontrou.
 
O PASSADO BATE À PORTA
 
“Não consigo fazer minha boca dizer as palavras
Que quero dizer a você.”
(Imagination, Shawn Mendes)
 

 
 
  Não achei que fôssemos ser descobertos tão rápidos, mas a minha
imprudência fez com que fossemos descobertos cedo demais. A questão é,
será que o Lucas é fofoqueiro como todos da empresa são? E se for, acho
que acabo de perder o meu emprego e a amizade com a Drina, ela vai ficar
maluca por eu ter escondido esse segredo dela por tanto tempo.
— E agora?! Ele vai contar pra todo mundo?
— Não. Ele disse que já sabia.
— Como?
— Não tenho ideia.
— Será que o Max contou?
— Não, isso jamais. Confio nele. Mas agora eu não sei o que faremos.
— Encosto-me na sua mesa.
— Vocês não se conhecem desde a infância?
— Nunca fomos próximos.
— E por que ele não disse nada até agora?
— Por que nunca teve a confirmação?
— Vou sondá-lo, temos que descobrir se ele vai espalhar a
informação.
— É. Principalmente às vésperas de uma data tão importante.
— Eu não acho que ele vai fazer nada, ele tá namorando a minha
irmã, o que ele fizer contra mim, pode ser crucial para o namoro dele.
— Você acha?
— É o que eu espero. — Levanto-me.
— Billie?
— O quê? — Viro-me rápido, espero que ele fale algo sobre nós, não
sei o que estou esperando, mas estou com medo de que isso seja o primeiro
sinal da ruína do que acabamos de começar.
— Hoje eu não vou conseguir chegar para o jantar, tudo bem?
Engulo a saliva com dificuldade.
— Claro. Sem problemas.
Saio rápido, sem olhar para trás e bato a porta.
— Lucas, café. — Chamo-o ao passar pela nossa baia.
— Eu não vou contar nada se é isso que quer saber — diz logo que
paramos em frente à máquina.
— Tá falando sério?!
— Estou.
— Por quê?
— Por que, o quê?
— Por que não vai falar?
— Porque não é da minha conta.
— Muitos aqui se matariam por essa fofoca.
— Eu sei. A Betty esses dias cogitou que vocês estão tendo um caso.
— O quê?! —Tenho que parar para respirar alguns segundos. —
Como assim a recepcionista está falando da gente? E como ela sabe?
— Ela não sabe. Só cogitou porque ele apareceu sujo de batom um
dia de manhã. E era um batom igual o que você tá sempre usando.
— Esse batom é comum.
— Exato. Só que ele tá sempre te chamando pra sala dele e isso meio
que já se espalhou.
— Caralho… eu falei pra ele que não ia pegar bem.
— É… — Ele coloca as mãos no bolso. — Mas ninguém tem certeza,
até porque essas fofocas sempre circulam. Há duas semanas diziam que
você ia ser demitida, e agora estão dizendo que você não foi porque deu pra
ele… — Ele arregala os olhos. —Opa, desculpa, falei demais.
Abro a boca, chocada demais com que acabo de ouvir, não gosto
nada, fico puta, abismada.
— Chefe, ei…
— Você já disse o suficiente, obrigada.
— Eu não quis te ofender.
— Não ofendeu. — Saio da sala do café e me sento na minha baia.
Não quero entrar em paranoia, mas é o que eu faço. O que eu esperava?
Transei com o meu próprio chefe, era óbvio que meus colegas iriam pensar
mal de mim. Isso que eles só cogitaram, quando tiverem a certeza, não terá
possibilidade de eu continuar trabalhando na Bee Creative.
Meu Deus, não acredito que as pessoas estão pensando que eu não fui
demitida só porque transei com o Josh! De todas as humilhações que já
passei esse ano, essa sem dúvidas tá sendo a minha maior.
— Desculpe, eu soube do boato, mas não queria te magoar — diz
Drina no horário de almoço. É óbvio que ela sabia, ela sempre esteve a par
de todas as fofocas da empresa e eu nunca contei a ela sobre mim e o Josh
porque sabia que ela não ia conseguir guardar sempre. E não é por mal, ela
nunca conseguiu guardar segredo de nada na vida. Até mesmo algo pessoal.
Por exemplo, todo mundo da empresa já sabe que ela e o Peterson
transaram. Todo mundo mesmo, ela colocou no grupo.
— Poderia ter me contado.
— São boatos infundados que a Betty começou porque quer muito
pegar ele. Se fosse verdade, você me contaria, certo? Então por que eu te
irritaria com isso?
— É… são.
— E você vai sair com o Leary, tenho certeza que os boatos vão
diminuir, ou até desaparecer depois disso.
— Sim, claro que vão. — Eu não tenho tanta certeza disso.
 

 
— Ei, palhacinha. — Josh bate na porta do meu quarto que está
entreaberta. — Hoje sua maquiagem está bem bonita.
— Está de acordo com o evento.
Ele se aproxima quando eu me levando para me observar no espelho.
O vestido vermelho com mangas está bem ajustado no meu corpo e o
decote. Suas mãos vão parar direto nos meus seios ao me abraçar por trás.
— Nada disso, vai me amassar toda.
—É o que eu quero.
— Pode parar. Você não deve ir logo? É o anfitrião.
— Você tem um bom ponto, mas os seus seios são tão mais
importantes agora. — Ele alcança um mamilo com o polegar.
— Josh… — Seu quadril projeta pra frente. Toda vez que eu sinto o
cheiro dele, sinto-me tentada a ceder, porém, essa noite, algo mais
importante vai acontecer, como por exemplo, um teste de DNA ao vivo, ou
quase isso. — Chega. Eu vou terminar minha maquiagem e você vai pro seu
evento. A Drina deve tá maluca te esperando, ela não vai dar conta sozinha.
— Tá, tá bom, eu vou, mas no fim da noite…
— O que tem o fim da noite?
— Você me espera?
— Por quê?
— Reservei um quarto no hotel pra gente.
— Tá bom, eu espero.
Ele me dá um beijo no pescoço, que vira um beijo na nuca e vira uma
promessa de um encontro. Volto a me sentar e procuro o rímel, falta
terminar os olhos e a boca. Checo meu celular, pois há três notificações,
eram mensagens do Leary.
“Ei, estou em frente à sua casa.”
“Quando estiver pronta, me avisa, estou te esperando do lado de
fora.”
“Billie.”
Já fazia meia hora desde a última mensagem.
Meu Deus do céu, será que ele ainda está aqui, se sim, FODEU.
Saio correndo em disparada chamando pelo Josh, será que vai dar
tempo de impedi-lo?! Preciso que sim, caso contrário, se o Leary souber, aí
sim acabou tudo.
— Josh, Josh! — Saio gritando pelos corredores, mas não o vejo.
Quase caio descendo pela escada, mas é em vão, ao descer metade das
escadas vejo o Josh abrir a porta e quando eu grito: — Não! — É tarde
mais, ele abriu e tudo que vemos é o Leary Hearrington com a expressão
mais embasbacada do mundo.
— Tucker?! — questiona indignado.
Desço rapidamente o restante dos degraus.
— Não é nada disso que você está pensando.
— Claro que é. Eu pensei que estivesse maluco quando vi seu carro lá
fora, pensei que tivesse confundindo a placa, sei lá, batendo os pinos.
— Podemos explicar — tento falar.
— Vocês estão mesmo tendo um caso! — aponta acusador. — Sério,
Billie, esse tempo todo se esquivando de mim, e agora você tá com ele? É
verdade os boatos? Ele te obrigou? Se isso for verdade… — Ele parte pra
cima do Josh que o segura com força.
— Leary, Leary… Para com isso. Chega!
— Ele não me obrigou a nada.
Olho para o lado de fora e o nosso vizinho da cerca baixa está bem no
nosso jardim com cara de poucos amigos.
— Murphy, eu vou fazer uma petição para você e seu namorado
serem expulsos daqui. Vocês são barulhentos demais. — Ele ameaça.
— Mas o quê? O quê? — Leary gagueja e se sente ainda mais traído.
— Vocês moram juntos?
— Nós podemos explicar.
— Não. Não quero saber, pelo visto eu sou um grande idiota na mão
de vocês aqui.Eu me demito dessa empresa que já está quase falida, você
sabe, né, Tucker, que se se não conseguir nenhum investidor hoje, a
empresa fecha no próximo ano? E eu não desejo boa sorte. — Ele se afasta
ajeitando o paletó.
— Merda — praguejo alto. — Tá todo mundo descobrindo, Josh. O
que a gente faz?
— Por agora nada. Temos que ir à festa. Conversamos no fim dela.
 

 
É aniversário de 18 anos da Bee Creative e a festa está incrível. O
coquetel preparado pela Drina e o Peterson valeu todo o estresse que
passaram, não é à toa que todo o ódio virou tesão nesse processo, ou amor,
não sei onde essa história vai parar.
— Uau, esse vestido está incrível. — Lá vem ela. Nos abraçamos
animadas.
— Também amei a sua escolha, sabe que eu amo rosa.
— E o seu par? Cadê ele? — Procura com o olhar. — Já foi comer?
— Não. Ele teve dor de estômago, não vai vir.
— Sério? Justo hoje? Que estranho.
— Pois é. Fazer o quê.
— Você não me disse por que quis sair com ele do nada.
— Para afastar os boatos, óbvio.
— Não foi por que se apaixonou pelo bigodinho dele?
— Não seja boba. Olha minha irmã ali! — Aponto a Virginia de
braços dados com o Lucas entrando por umas das portas. Ele sussurra algo
no ouvido dela e aponta para o outro lado do salão e de repente o sorriso da
minha irmã morre.
Eu olho na mesma direção, porque tenho suspeitas do que está
acontecendo e elas se confirmam quando vejo o Max e creio que seu
possível namorado, pois eu ainda não o conheço, junto com o Josh. Minha
irmã solta o braço do Lucas e se esquiva, ela vai sair correndo, tenho
certeza disso, por isso eu vou correndo até ela.
— Ginny, Ginny!
— Billie, agora não.
— O que foi, meu amor?
— Lucas, Billie, vocês dois me deixem em paz.
— Lucas, você a deixe em paz, eu preciso conversar com a minha
irmã. Vamos, Ginny. — Puxo-a pela mão.
— O que está fazendo? Eu disse que preciso de paz!
— Nada disso, eu sei o que você sabe.
— Billie! Você não… você…
— Sim, eu investiguei…
Lucas nos olha perdido.
— Ok. Nós vamos lá fora. Lucas, você fica aqui. — Dito isso, minha
irmã vem comigo e é ela quem me puxa pela mão desta vez com uma fúria
incontrolável. — Por que você sempre se intromete onde não deve? Por que
você não me avisou? Por que você me deixou vir até aqui pra descobrir que
o irmão do meu namorado é o pai da minha filha? — Ela despeja com raiva
quando saímos no estacionamento.
— O que ia fazer? Te dizer quando você disse pra eu não me
intrometer?
— E você fez justamente o contrário, Billie! Por que você não
respeita o limite das pessoas?! Para de invadir o espaço delas!
— Mais cedo ou mais tarde, você iria ficar sabendo.
— Não, não iria. Se você não tivesse mandado esse garoto pra minha
casa quando eu estava doente eu jamais teria me envolvido com ele e eu e a
Phoebe ficaríamos seguras. —Uma lágrima cai do seu olho. — Eu não teria
me apaixonado por esse garoto. —Outras lágrimas jorram e seu rosto fica
vermelho. —O que eu vou fazer agora? Hein?!
Tento me aproximar para abraçá-la, mas ela se afasta.
— Que ódio de você! — Tenta secar as lágrimas
— A Phoebe merece a verdade. Merece ter um pai, o Max é um cara
incrível.
— Você o conhece?
— Sim, conheço.
Ela soluça.
— A Phoebe tem a mim.
— E pode ter a ele e a família dele. Não seja assim, Ginny. — Volto a
tentar me aproximar e ela deixa dessa vez.
— Que raiva de você por ser tão intrometida.
— Eu sei, é o meu jeitinho.
Virginia suspira várias vezes apreensiva antes de dizer:
— Como eu vou contar?
— Pra quem?
— Para os dois, claro. O Max vai me reconhecer? E o Lucas, eu
simplesmente vou chegar e dizer? Sabe o seu irmão? Ele é o pai da minha
filha.
— O quê?! — Quem acaba de exclamar isso é ninguém menos que o
Lucas e nós não esperamos nadinha que ele viesse ao estacionamento. —
Ginny?!
— Lucas?! O que você está fazendo aqui?
— Eu ia chamar vocês para o discurso…, mas, mas o que você disse?
É brincadeira, né? Você tá querendo me zoar? — Nós ficamos em silêncio,
nos entreolhando apreensivas. — Não é brincadeira? É sério? Ginny? —
Ele a olha procurando por resposta. — Billie?
— Sinto muito. Eu não... não sabia.
— Como não sabia?
— Eu já te contei que foi só uma noite com o pai da Phoebe.
— Pessoal, eu vou entrar, vou deixar vocês conversando em paz.
Eles nem me ouviram, estão olhando um no olho do outro no
momento. Saio de fininho e entro de volta no hotel.
Procuro pelo Josh com o olhar, inconscientemente torço para que ele
também esteja me procurando. Acho o Max e noto que eles não estão mais
juntos. Provavelmente ele está perto do palco improvisado, pois vai fazer o
discurso. Bingo! Lá está ele conversando com… com? Eu não a conheço,
não trabalha na empresa. É uma loira, ela é tão baixinha perto do Josh,
mesmo de salto, e conversa com ele animadamente, pegando em seu braço
como se já o conhecesse há muito tempo.
O Garret está perto deles de cadeira de rodas para não se mexer, pois
suas costas ainda não estão 100%. Quero me aproximar para cumprimentar
meu chefe, mas isso iria parecer outra coisa.
Que ridículo, Billie Jean, você está com ciúme?
— Billie Jean! Querida, vem aqui. — Ele me viu. Não dá pra fugir.
— Garret, que bom te ver, tão bem e quase recuperado. — Dou um
tapinha em seu ombro.
— Em menos de um mês, eu volto a ativa. Mas acho que vocês não
sentiram tanto a minha falta assim.
— Sentimentos muito. Todos os dias.
— Mesmo? Sabe que estou pensando em me aposentar, né? Deixar a
empresa pro Josh, ele cuida muito bem. E agora com a ajuda da Abigail...
— Aponta para a moça à nossa frente. — Aliás, Abigail, deixa eu te
apresentar a nossa incrível designer, Billie Jean.
Balanço minhas argolas prateadas ao cumprimentá-la.
— É um prazer conhecê-la. E vai ser um prazer conhecer todos vocês.
Fico confusa, quem é ela?
— A Abigail é a nossa nova investidora. Ela e o Josh já se conhecem
de Boston, aliás, vocês estão namorando ainda?
Josh se engasga, ele nem está bebendo, mas se engasga com o ódio
fulminante que transfiro pra ele.
Abigail não diz nada, apenas olha esperançosa pra ele.
— Nós, nós não…
— Minha irmã precisa, precisa falar comigo — desconverso rápido ao
vê-la entrar. Sou salva desse constrangimento. — Foi muito bom te ver,
Garret, não esquece de tomar um shot comigo no final da noite.
— Com certeza, garota das montanhas.
Corro em direção a Ginny e a agarro pelo braço, estou com vontade
de chorar, minha irmã não entende nada do que está acontecendo, mas se
mantém firme comigo. Tenho vontade de ir embora, sair correndo, pegar as
coisas na minha casa e nunca mais ver Josh Tucker, mas como se ele está
em todas as áreas da minha vida?
Tenho que ser firme por essa noite.
E depois eu decido o que fazer.
Drina vai até o palco e arruma o microfone.
Josh se afasta da Abigail para se centralizar no palco e agradecer e
todos nós nos aproximamos do palco para ouvi-lo.
— Há 18 anos, meu tio e minha mãe fundaram a Bee Creative. Minha
mãe, Alanna Tucker faleceu há seis anos e levou consigo um legado. — De
repente ele para, pois está olhando para a entrada do salão. Olho para trás e
vejo que Joey Tucker está ali.
 
 
 
MINHAS CICATRIZES
 
“Vou abrir meu coração
Bem na cicatriz e me soltar.”
(Wait For Me, Kings of Leon)
 

 
 
Não acreditei quando vi meu pai bem ali, parado no salão. Como ele
teve a coragem de aparecer em um evento como esse? É a empresa da
minha mãe. Como se fosse o seu memorial. Depois da traição dele, não é
possível que ele não tenha entendido quando eu disse que não o queria ver
nunca mais.
Tive que parar o discurso imediatamente porque ele está vindo até a
mim, ou eu penso que ele está fazendo isso, porque de repente ele para e
desvia seu caminho até ninguém menos que a Billie Jean?! Como assim?
Por quê?
Ele cochicha algo para ela e ela para ele como se os dois se
conhecessem.
Tento fingir que nada aconteceu e sigo meu discurso rapidamente.
Não é nada do que planejei, pulo tudo e peço para que meus funcionários
desfrutem da festa. Quero correr porque a Billie e meu pai estão se
encaminhando para fora do hotel.
— Ei! Ei! O que vocês estão fazendo? Billie? Pai? Podem me
explicar? — Paro os dois no estacionamento.
— Não briga com ela, filho, eu só pedi ajuda pra falar com você.
— Você e sua chantagem emocional. Você foi até minha casa, é isso?
— Josh, seu pai e eu nos conhecemos no hospital. Há seis anos. Você
sabe que eu trabalho lá, no meu trabalho voluntário e eu conheci sua mãe.
— Você já sabia disso?
— Como assim já sabia? Você sabia? — Nós dois nos acusamos.
— Eu desconfiei, minha mãe falou sobre você uma vez, mas como eu
saberia se era?
— Por que não me disse?
— Por que eu diria?
— Você nunca me diz nada!
— E você diz? Está cheia de segredos com o meu pai!
— Eu o conheci há duas semanas! E foi quando eu descobri que a
Alanna é sua mãe. Não coloque a culpa em mim.
—É por isso que não confio em ninguém.
—Josh, por favor, vamos conversar — pede o Joey.
—Escute seu pai — tento.
— Você vai ficar do lado desse cara, Billie, sério mesmo? No último
dia da minha mãe, ele foi a um encontro com a outra. E ele sabia que ela só
respirava porque estava perto dele.
Os dois me olham como se estivessem com pena, como se soubessem
de algo que não sei.
—Josh, a sua mãe sabia — diz a Billie.
—O quê?
— A Alanna que marcou o encontro dos dois. Ela me disse.
— Não mente pra mim. — Trinco os dentes.
—Por que eu mentiria?
— Porque ele pediu. Ele é manipulador.
— Eu jamais faria isso. — Billie tenta pegar na minha mão, mas eu a
solto com raiva. — Olha, não é da minha conta e que eu me meto demais na
vida das pessoas sem que elas queiram. Foi o que eu fiz com você. Eu só
quero dizer o que eu sei e vi. A Alanna queria que vocês fossem felizes
quando ela não estivesse mais aqui e que iria conversar com você sobre
isso, mas acho que não deu tempo…
Engulo a saliva, porque ela tem razão neste ponto, minha mãe pegou
na minha mão e disse que precisava falar sobre algo comigo, algo em
relação ao meu pai, eu pensei que era sobre a traição. Eu pensei que todos
esses anos, minha mãe que se dedicou a vida toda a amar alguém, em seu
leito de morte havia sido traída por um homem que amou outra mulher em
todos esses anos.
Se essa história que eles estão dizendo é verdade, então minha mãe
quis que meu pai fosse feliz mesmo sem ela aqui. Ela o amou
verdadeiramente até mesmo não estando mais aqui.
— Josh, vamos conversar, por favor — pede meu pai de novo.
Eu suspiro cabisbaixo e confirmo.
Billie avisa que vai nos deixar as sós e dá meia volta para entrar no
hotel. Sentamo-nos na sarjeta e meu pai começa a se explicar. É inevitável
que as lágrimas caíam no meio do processo, não fico bem, me sinto mal,
culpado por ter ficado todo esse tempo sem me comunicar, recluso, ainda
assim, tenho dificuldade de me expressar com ele.
Meu pai me abraça. Sempre foi difícil nossa comunicação, ele não foi
o melhor pai do mundo, minha mãe sempre foi a pessoa mais presente na
minha vida e perdê-la foi me perder, é por isso que eu tenho tanta
dificuldade de me conectar emocionalmente com alguém, eu sinto que falta
parte de mim no processo. Eu nunca me entreguei a alguém
verdadeiramente, porque eu tive medo de fazer isso e ser traído como minha
mãe foi.
E agora eu sinto que me livrei dessas amarras. Ou talvez eu já tenha
me livrado antes, pra ser sincero, uma pessoa começou a soltar elas aos
poucos com o nosso convívio sem que eu percebesse. Mas talvez eu tenha
ferrado com tudo.
— Essa garota, a Billie Jean, ela é especial pra você, não é? —
Confirmo. — Não a perca, Josh. Você sabe que a vida é muito curta.
— Eu sei.
— Vai. — Faz um gesto com a cabeça. — Vai atrás dela agora.
— Agora?!
— Agora. Não se preocupa comigo, teremos outros dias pra
conversar.
Sorrio e ele sorri pra mim. E essa é a confirmação de que vamos ficar
bem.
Entro no hotel e procuro pela Billie, ela já não está em nenhum lugar.
Pergunto a Drina se ela a viu, e avisa que a amiga foi embora. Sou parado
por um dos convidados e perco um tempo dando atenção. Mais uma vez
tento ir até a saída, mas sou parado por mais três pessoas.
Tenho certeza que ela foi embora para casa e que podemos conversar
e resolver as coisas quando eu chegar, por isso tento me acalmar enquanto
dou atenção para mais um possível investidor da Bee Creative.
Finalmente quando os caminhos estão livres, aviso a Drina que vou
embora, pois estou com dor de estômago, ela estranha dizendo:
—Que surto é esse que está acontecendo?
Assim que estaciono em casa, percebo que todas as luzes estão
apagadas e seu carro não está na garagem. Abro a porta acendendo tudo e
chamando pelo nome da Billie, não a encontro no primeiro andar, por isso
vou até o segundo direto para o seu quarto. Bato na porta, ela não abre, bato
várias vezes pedindo por favor para que ela abra, mas nada.
Decido abrir e encontro o quarto praticamente deserto. Não há sinal
das coisas dela. Não há seus quadros. Não há tapete. É como se ela tivesse
retirado tudo às pressas. Decido abrir os armários e noto que ela realmente
fez isso, Billie Jean se mudou.
Sinto minha garganta seca, fico mal, extremamente mal, incapacitado,
não sei como reagir. Sento na sua cama e o cheiro de morango invade
minhas narinas, respiro fundo e tenho a certeza de uma coisa, seja aonde for
que ela estiver, eu não posso deixá-la ir, preciso encontrá-la.
 

 
Eu tinha certeza absoluta que a Billie estava na casa da Drina, mas eu
não poderia ir à casa da minha assistente. Posso? Eu não paro de rolar nos
lençóis pensando nisso. O que eu faço? Devo ir e expor o meu caso com a
Billie para a empresa toda? Afinal, minha assistente é uma fofoqueira. Ou
eu devo esperar as coisas se acalmarem?
Se eu esperar um pouco mais, é capaz de ela não me querer nunca
mais.
Eu mandei várias mensagens e nenhuma delas foi respondida.
Eu tenho que ir. Meu pai está certo, a vida é curta demais.
Saio de casa e estaciono em frente ao prédio da Drina. Quando me
identifico na recepção, demora poucos minutos para que minha assistente
desça.
— Chefe? Aconteceu algo?
— A Billie está com você?
Ela pisca várias vezes aturdida.
— Como assim?
— Ela veio pra sua casa sim ou não?
— Não.
Que droga! Não é possível que eu tenha errado essa. Tá, eu não vim
aqui à toa, tenho que tirar proveito disso de alguma forma.
— Você faz ideia de onde ela pode estar?
— Na casa dela? Você precisa de algo?
— Não, ela não está lá. Sabe onde ela poderia ter ido?
— A essa hora da noite? Só pode ser na casa da irmã ou da Parveen.
— Pode me dar o endereço?
— Posso…, mas aconteceu algo?
— Sim. Aconteceu.
— O quê? Ela desapareceu? Vamos ter que chamar a polícia? Fala por
favor!
— Eu estou apaixonado por ela e preciso dizer pra Billie agora.
Minha assistente arregala os olhos assustada.
— Ai meu Deus! — Ela está pálida.
— Drina, os endereços.
— Ah, claro. — Pega o celular. — Vou te mandar todos agora por
mensagem de texto. — Digita rápido.
— Obrigado.
Recebo as mensagens, mas a Drina não para de digitar, acho que ela
já começou a espalhar a fofoca.
O primeiro endereço que tento é o da irmã, afinal de contas, seria o
óbvio, contudo fico chocado ao ver o carro de ninguém menos que o Max
estacionado do lado de fora. O que está acontecendo? Toco a campainha e é
ele mesmo que abre a porta.
— Josh?
— Max?
— O que está fazendo aqui? — perguntamos juntos.
— Estou procurando a Billie e você?
— Encontrei a minha Virginia.
— Quê?! A sua Virginia é a Virginia irmã da Billie?
— Sim, que é a Virginia do meu irmão, Lucas. — Ele dá espaço para
que eu entre e eu vejo o irmão dele sentado no sofá. — E adivinha, eu tenho
uma filha.
Minha têmpora dói, é informação demais pra mim, acho que estou
com vertigem.
— Você está zoando.
— Não estou. É a melhor notícia que eu já recebi em toda a minha
vida.
— Meu Deus, meu Deus.
Recebo a notícia mais chocado do que ele.
— Chefe, o que faz aqui? — pergunta o Lucas.
— Billie — só consigo responder de forma monossilábica.
— Hã?
— Cadê?
— Minha irmã? Não sei, ela não está na casa dela?
Droga, não é possível que errei de novo o lugar.
— Não. Não está.
— Você precisa de uma água? — pergunta o Max.
— Por favor. — Sento-me no sofá.
— Por que tá procurando a Billie? — pergunta a Virginia.
— Eu tô apaixonado por ela.
— Então é você o cara que ela está saindo?
— Sim.
— Bem que eu desconfiei. Você mora com ela?
— Moro.
— O quê?! Vocês moram juntos? — indaga o namorado dela. Acho
que falei demais. Não era pro estagiário saber disso.
Max chega com a minha água e eu pego o copo engolido o líquido de
uma só vez.
— Como é que vocês descobriram tudo? — mudo rápido de assunto.
Aponto para eles. — Que loucura.
Foi um ótimo jeito de desfocar a atenção porque eles começam a me
explicar. Max está muito animado para conhecer a Phoebe que está
dormindo, fico pensando na tia Bessie quando souber, ela vai desmaiar,
claro e vai morrer de amores pela neta. Despeço-me deles, porque tenho um
último lugar para visitar e espero que eu encontre a Billie.
Aperto a campainha da casa e dou de cara com um indiano irritado:
— Sim?
— A Billie está?
— Não.
— Tem certeza? — Será que eu errei o endereço?
— Tenho.
Droga.
Afasto-me e ele tranca a porta.
Coloco as mãos na cabeça em rendição, esse é o último lugar que eu
acredito que ela possa estar, onde será que a Billie se meteu? Está fazendo
isso porque eu fui grosseiro com ela mais cedo? Ou foi porque desistiu de
vez de mim?
Olha, não é da minha conta e que eu me meto demais na vida das
pessoas sem que elas queiram.
Passo a mão pelo rosto. Entendo tudo, ela acha que eu não a quero na
minha vida. É claro que é isso. Meu Deus, por quê? Eu sei que fui resistente
na nossa relação, nunca disse quais eram meus verdadeiros sentimentos,
mas qualquer pessoa veria claramente que eu louco por essa mulher. Desde
que eu a vi, desde que ela se tornou pra mim a maluca do avião.
 

 
Não dormi nada à noite, porque eu tinha um propósito, ir ao hospital.
Só não tinha certeza de como iria arquitetar meu plano, por isso peço ajuda
do Max para me auxiliar.
— Não, nem pensar.
— Sim, você vai fazer isso.
— Por favor, Max. Isso é muita humilhação.
— Você não quer conquistá-la? Então está na hora de se mexer, Josh.
— Me fazer de palhaço — literalmente — é certeza que vou
conquistá-la?
— O amor tem dessas coisas, você precisa fazer sacrifícios, algumas
coisas meio vergonhosas às vezes, se sentir meio bobo de vez em quando.
Mas com certeza vai valer a pena.
— Eu estou me sentindo sufocado com essa gola fechada.
— Você não vai poder abrir os botões, ela vai te reconhecer na mesma
hora.
— Meu peito tá doendo, é sério.
— É ansiedade. Calma, já estou acabando. — Passa o pincel no meu
queixo. — Agora faltam mais duas coisas. — Pega o nariz de palhaço.
— Eu juro, só a Billie pra me fazer passar por isso.
— Só ela mesmo, a mulher da sua vida. Sua mãe tinha razão, você vai
se casar com essa mulher.
Respiro fundo, tenho a sensação de que ele tem razão.
— Ah não, isso não! O meu cabelo, Max! — Recuso a peruca.
— Sem isso você não entra, acha que que esse seu cabelo não é sua
marca registrada?
— É, você tem razão.
— Vai, aceita logo a peruca e vamos.
Praguejo com dó dos fios dos meus cabelos sendo amassados pela
peruca sintética.
— Tá, vamos nessa. — Levanto-me e olho no espelho. Max me
emprestou suas roupas e o jaleco para que eu me fantasiasse de doutor da
alegria, eu ia me infiltrar na ala de pediatria para me aproximar da Billie e
falar com ela.
Ao chegarmos no hospital, Max me leva até a ala de pediatria. Estou
nervoso, com as mãos no bolso, olhando para todos os lugares à procura da
Billie Jean, até que eu a vejo, é fácil reconhecê-la, com seu cabelo em um
rabo de cavalo, a franjinha acima da sobrancelha, a maquiagem igual a
minha, e as típicas argolas, dessa vez amarelas.
Ela está de mãos dadas com um garotinho e está levando-o para um
dos quartos, os dois conversam animadamente. Consigo-o ouvi-la:
— Sério, Hugo?! E o que foi que você disse pra ela?
— Que quero que ela seja minha namorada.
Ela abre a boca surpresa.
— Que menino corajoso. Merece um coração. — Ela tira algo do seu
bolso, é um adesivo e cola no peito dele.
Ele fica tão feliz que a abraça.
— Billie! — chamo-a. É um impulso maior que eu. Ela está tão linda,
tão gentil.
— Cara, você tinha que ter esperado — Max me censura. Ela olha pra
mim, depois para o meu amigo totalmente confusa.
Vou até ela apressadamente.
— Josh?!
— Como você me reconheceu?
— Meu Deus, dá pra ver que é você.
— Como?
— Tudo. Eu te reconheço.
— Como?
— Sua boca, queixo, olhos.
— Bibis. — O garotinho puxa a barra do jaleco dela. — Quem é ele?
— Sou o namorado dela.
— O quê?!
— Você tem namorado?
— Não tenho, não.
— Tem sim.
— Desde quando?
— Agora.
— Parece que você se vestiu literalmente de palhaço. — Ela ri. —
Não atrapalha meu trabalho. Vamos, Hugo. — Ela o puxa para entrarem no
quarto e eu vou atrás.
— Não vou atrapalhar seu trabalho. Eu só quero conversar com você.
— Não posso agora, estou trabalhando.
— Tá bom, eu espero.
— Vai fazer o quê?
— Te acompanhar.
Ela balança a cabeça indignada.
Faço exatamente o que eu digo, quando dois colegas dela vão no
quarto para buscá-la para uma apresentação, eu vou atrás. Eles perguntando
quem eu sou, e eu digo que estou em treinamento e que vou apenas
observar, no entanto, quando eles estão fazendo um número com as bolhas
de sabão, eles pedem para que eu entre junto.
A plateia infantil está toda sentada, ansiosa e batendo palmas para os
doutores da alegria.
— Mas o que eu tenho que fazer? — Eles não falam, o número é
mudo.
Um dos palhaços está com um soprador enorme na mão e o coloca no
chão junto dentro de uma poça de sabão.
A Billie entra no meio dessa poça e o palhaço me empurra para lá. A
Billie desce fingindo que vai se afogar, e olha pra mim como se eu tivesse
que fazer o mesmo. Ah, ok, entendo, eu devo atuar também. Faço o mesmo
que ela repetindo seu gesto.
O palhaço se aproxima de nós e faz um gesto para que nos
abracemos, a música circense continua a tocar. Nós subimos o nosso corpo
e eu agarro a Billie, e ela me abraça, mesmo eu sabendo que é contra a sua
vontade.
Sinto o calor do seu corpo e respiro fundo seu cheio de sabonete de
morango. A paz me preenche. A alegria de estar ali é tudo que eu preciso. E
eu entendo, entendo o que minha mãe disse naquele dia no hospital:
“Tem uma garota, ela é doutora da alegria, e eu quero que você a
conheça, ela faz meus dias mais felizes aqui. A presença dela é
contagiante.”
O doutor da alegria pega o soprador que está no chão e o sobe de uma
vez. A bolha de sabão nos rodeia.
Encosto a mão na nuca dela e faço o meu ato mais pensado de todos,
a beijo.
Ouvimos o barulho das crianças, o pandeiro dos palhaços. Todo
mundo fica em polvoroso.
— Ei, o que é isso?! — Ela bate no meu peito.
— Fica comigo.
Sua boca está borrada, o nariz de palhaço está torto, mas ela é a
mulher mais linda do mundo.
Ela me puxa para sair da água e acabamos fugindo para o jardim do
hospital.
— O que está fazendo, Josh?
— Pedindo pra mulher da minha vida pra ficar comigo.
—O que você disse? Como… —Ela mal respira. — E aquela mulher?
A tal investidora?
— A Abigail? Ela não é importante pra mim. O que aconteceu entre
eu e ela é passado. Você foi embora por ela?
— Por tudo, Josh. Você nunca me quis em sua vida. Eu simplesmente
entrei. Como minha irmã disse, eu sempre me intrometo na vida das
pessoas sem que elas peçam.
— Eu quero você na minha vida. Eu quero, ouviu bem?
— Você queria me expulsar até poucas semanas, não mente.
— Não estou mentindo. Billie, Todas as vezes que eu pensei em odiar
você, eu já te amava. — Puxo-a pela cintura.
— Você o quê?
— Eu amo você. E se você disser que me ama, eu fico. Mas se me
disser que odeia… — engulo as palavras… — Eu não vou desistir de você.
Não posso. Eu sei, Billie. — Coloco a mão em seu queixo — Eu sei que é
você. Desde aquele beijo.
— Qual deles?
— Todos.
Ela coloca a mão em meu peito e suspira.
— O que me diz?
Nossas bocas se aproximam e nossos narizes de palhaços se batem:
— Eu amo você, palhacinha.
— Eu amo você, sádico.
 
UM MILHÃO DE BEIJOS
 
“Eu prometo que você nunca encontrará outra como eu.”
 
(ME!, Taylor Swift feat. Brendon Urie)
 

 
 
Josh e eu estamos convivendo há um ano como namorados. Nem eu
consigo acreditar que conseguimos esse feito sem nos matarmos, mas sim, é
dia dos namorados e eu estou planejando uma surpresinha para ele. Isso
envolve uma fantasia de couro, um vibrador e algemas.
Neste um ano, muita coisa aconteceu, principalmente na nossa vida
profissional. Tivemos um grande escândalo na Bee Creative logo que foi
descoberto o nosso caso. E por incrível que pareça, não foi a Drina que
espalhou e sim o Larry, ela provou sua lealdade ao guardar o segredo, mas
logo na segunda-feira ao entregar sua carta de demissão, o filho da mãe
espalhou a fofoca. Então, não tivemos como esconder o nosso namoro.
A Drina ficou alguns dias muito puta comigo, por dois motivos, um
por eu ter escondido o caso com o Josh por tanto tempo, dois, por eu ter me
escondido na casa da Parveen e não no apartamento dela quando fugi da
casa da tia Genevive. Tive um grande trabalho para reaver sua amizade, tive
que contar cada detalhe da nossa relação, todos os detalhes mesmo.
A Abigail não quis investir na empresa depois que o Josh abriu o jogo
com ela de que não haveria possibilidade de retorno para eles, no entanto,
conseguimos outro investidor e por isso a empresa ainda está de portas
abertas. O Garret voltou pra empresa não como nosso chefe, já que suas
decisões quase nos levaram a falência, mas como vice-presidente e ainda
testa posições do Kamasutra, porém não se acidentou mais, por enquanto.
Eu continuo no meu cargo como designer gráfica coordenando a área
com meus colegas, o Lucas e mais uma designer que voltou de licença
maternidade. Além de trabalhar com meus quadros. Estou vendendo-os por
fora agora. Um dia pretendo abrir minha própria galeria de arte.
Falando no Lucas, ele e minha irmã estão noivos. Quem diria que a
Virginia iria se render a um casamento? E ainda por cima se casaria? Eu
fiquei tão chocada quando ela me mostrou a aliança. O casamento vai ser
em três meses e a Phoebe está muito animada pra ser a dama de honra.
Agora ela ganhou dois pais e avós paternos. O bom é que está tudo em
família.
Minha tia Genevive e o Rufus voltaram de viagem depois dos três
meses e reataram o casamento. Nós tivemos que deixar a casa para a alegria
do vizinho da cerca baixa e estamos morando perto do trabalho em um
apartamento em Manhattan.
Com a família o Josh voltou o contato, ele e o pai se entenderam
finalmente. E ele e o Evan apesar de não serem os melhores amigos do
mundo também mantém contato um com o outro, no final do ano nós fomos
na casa do pai dele e passamos a véspera de natal com eles. Foi bom para o
Josh essa reconexão, sinto que aos poucos ele está curando suas feridas.
— Billie, amor? Palhacinha? Cadê você?Cacete… Que bunda é essa?
— exclama Josh ao me ver deitada de bunda pra cima no quarto.
— É pra você. — Levo um tapa na bunda. — E olha só. — Puxo
algemas embaixo do travesseiro.
— Que danadinha.
— É pra você me prender.
Ele coloca a mão no bigode e o acaricia daquele jeito safado.
— Tá usando a calcinha de couro que eu gosto, safada. — Aproxima-
se de mim e me rouba um beijo com uma mordiscada no lábio.
— Uhum…
— Parece que adivinhou.
— Adivinhei o quê?
— Que eu planejava algo pra hoje.
— Ah é? O quê?
— Eu te fodendo a noite toda.
Sorrio.
— Fala sério. Trouxe o jantar? Você demorou pra sair do escritório.
— Falo sério. — Ele pega a algema e começa a me amarrar na cama.
— Amor… — choramingo quando começa a beijar meu corpo.
— Eu te quero, meu amor, todos os dias da minha vida, quero teus
beijos, — Ele tira a camisa — seu cheiro, seu sorriso, — se deita sobre meu
corpo — suas brincadeiras, suas trapalhadas. Quando você chegou na
minha vida, eu soube que nada seria mais do mesmo. E isso foi a melhor
coisa que me aconteceu.
— O que tá fazendo? — Sinto cócegas quando beija minha barriga.
— Quero você.
— Você já me tem.
— Como minha esposa.
— Josh?
Ele puxa algo do bolso da sua calça. E eu vejo uma caixa, algo que eu
sempre pensei que aconteceria em algum momento da minha vida, mas
sempre tive medo, porque todos os homens que conheci eram babacas
demais.
E agora aqui está ele, o homem que à primeira vista eu acreditei que
era o mais babaca de todos me pedindo em casamento. A vida realmente
nos surpreende.
— Billie Jean Murphy, minha palhacinha, quer ser minha esposa? —
Levanta seu olhar, e na imensidão dos seus olhos azuis celestes, eu enxergo
o homem por quem eu me apaixonei perdidamente. Eu o quero pra minha
vida hoje, amanhã e todos os outros dias que virão.
— Sim, sim e sim! Eu quero, meu amor, eu quero. — Eu não olho
para a beleza do anel, tudo que vejo é ele.
Josh me agarra, pois, minhas mãos estão incapacitadas.
Seus beijos estão por toda parte de mim, em minha testa, bochecha,
queijo, pescoço, e continuam a descer:
— Eu vou te dar um milhão de beijos.
— Estou contando… E não esquece de caprichar na barriga.
— Por quê? — Ele para de repente.
— Porque…
— Billie?
—Você não quer ter quatro filhos? O primeiro já está aqui — Aponto
com o olhar pra minha barriga.
— Ai meu Deus, ai meu Deus! — Ele me abraça forte, eu quero
abraçá-lo e acabo puxando a corrente sem querer. — Eu estou tão feliz.
— Eu sei, meu amor, eu sei. Acho que é melhor você me soltar.
— Sim, sim. Cadê a chave?
Eu olho pra ele e ele me olha já sabendo a resposta. Sim, eu sou
esquecida e não sei onde deixei essa chave.
— Você vai ter que procurar. Mas antes, papai, estamos com fome.
Você vai ter que trazer a comida até aqui.
Ele suspira.
— Tá, eu vou trazer. — Ele beija minha testa. — Beijo 101.
— Não precisa contar, querido, vai ser infinito.
 
 
 
 
 
“E eu prometo que ninguém vai te amar como eu”
(ME!, Taylor Swift feat. Brendon Urie)
 

 
 
— Eu quero todo mundo aqui embaixo em três, dois… — Josh
começa a contar.
— Tá bom, tá bom, já estamos descendo.
— É sério, Billie, você é sempre a última.
— Amor, você nunca tem paciência comigo — falo descendo as
escadas. Há sete anos mudamos de casa. Tivemos que fazer esse processo
depois da vinda das gêmeas. Josh e eu sempre quisemos uma grande
família, e o apartamento ficou pequeno demais para nós.
— Mas você nunca está no horário.
— É final de semana e você está implicando comigo.
— Não estou implicando, palhacinha, é apenas um ponto que você
precisa melhorar há doze anos? Aliás, cadê a Alanna? — pergunta sobre
nossa filha mais velha.
— Ainda está se arrumando.
— É claro, ela é igualzinha a você.
— Pare de reclamar — caminho até a sala para ver as gêmeas que
estão no sofá. Josh foi incumbido de deixá-las prontas já que sempre ficava
pronto rápido. Brooke e Jessie se parecem muito com o Josh fisicamente, os
cabelos castanhos claros, os olhos azuis, as bochechas rosadas, até as
pintinhas no rosto. Dizem que o sorriso é o meu, assim como a boca. O jeito
arteiro de ser, embora eu discorde e muito. A única que se parece comigo
fisicamente é a Alanna, ela é a minha cara, o Josh vive dizendo que nós
somos a cópia uma da outra. Até a franjinha ela usa desde pequena.
— Mãe! — ela grita lá de cima. — Posso colocar suas argolas
verdes?
— Não — grita o Josh. — Você só tem doze anos.
— Pode sim, mas usa as menores.
— Ei! — Ele me olha em desafio.
— Qual é o problema? É o estilo dela.
— Ela é muito jovem ainda.
— Para de ser um pai ciumento e vamos colocar as meninas no carro.
A Lana já vai descer.
Ele aceitou a contragosto e pega a Jessie no colo fazendo cosquinha.
Íamos na casa da minha irmã na despedida da Phoebe que iria para a
faculdade, ela vai para a NYU, não vai ficar distante de nós, mas a Virginia
já está em prantos.
Assim que colocamos as meninas no carro, Josh foi apressar a Alanna
que desce as escadas bufando com seu pai na cola:
— Quem é Peter?
— Pai, por favor. — Ela balança as argolas ignorando.
— Alanna, não brinca comigo.
Ela sai pela porta da frente e entra no carro. Eu já estou colocando o
cinto e suspiro esperando pela discussão:
— Se não me contar, eu vou olhar seu celular.
— Tá, tá bom, Peter é meu amigo.
— O que está acontecendo? — pergunto.
— Ela estava falando no celular com um tal de Peter quando entrei no
quarto dela.
— Ah…
— Ah? Você só diz isso.
— É. Ele é o amigo dela. — Eu já conhecia o garoto.
— Quem é ele? Quem são os pais deles? Quero saber tudo agora.
Você não está namorando, né? Você não tem idade pra isso — Josh fecha a
porta do carro.
— Claro que não pai.
— Josh, ele é amigo dela. Eu conheci a mãe dele, conversei com ela
ontem, tomamos um café juntas. Ela trabalha na Bonavich Publishers. O
nome dela é…
— Poppy Jones — minha filha me ajuda.
— Isso, dá pra você se acalmar?
Brooke puxa a boneca da Jessie e as duas começam um embate.
— A gente ainda vai conversar sobre isso. — Ele coloca o cinto e eu
suspiro em alívio.
Olho para o banco de trás e passo a mão na bochecha da Lana que
está com um pouco de blush demais. Pego a boneca que está no chão e dou
na mão da Jessie e peço pra mais velha pegar o outro brinquedo para a
Brooke:
— Estamos perto, não se matem. E você… — coloco a mão na perna
do Josh. — Se acalme, sádico — brinco com o apelido que há anos eu dei a
ele.
Josh sorri e o seu sorriso me dá aquela sensação gostosa no peito.
Acho que nunca vou deixar de me sentir assim com ele.
Ao chegarmos na casa da minha irmã, Jessie e Brooke correm para
abraçar a tia. Alana vai atrás da Phoebe porque é grudada na prima desde
que nasceu. Fomos para a parte de trás da casa onde os convidados já
estavam reunidos, porque claro, fomos os últimos a chegar.
Vejo tia Bessie sentada com o neto no colo ao lado do marido, Max
que se casou recentemente com um escocês. Lucas que estava na
churrasqueira ao lado do Peterson, eu vi que alguns milhos queimaram,
acho que os dois não estão se dando muito bem no ofício.
Drina e Parveen estão se servindo com limonada e eu vou até elas
para abraçá-las.
— Como será a vida de solteira aos quarenta? — pergunta a Parveen.
— Não sei, acho que você vai descobrir agora, vivendo. Você achou
uma boa decisão o divórcio?
— Sim. Eu tenho uma vida pela frente. E ele não a preenchia. Não dá
pra viver pela metade pra sempre, né?
Concordo com ela.
— E você, Drina? Como está com o Peterson?
Ela joga a franja vermelha de lado e sorri:
— Eu jamais imaginaria que estaria há doze anos com alguém que eu
brigava todos os dias no trabalho.
— É… — eu rio. —  Concordo com você.
Busco por Josh com o olhar e o vejo conversando com o Max. Nosso
olhar acaba se encontrando e ele faz um gesto para nos encontrarmos.
Puxa-me pela mão até nos afastamos dos nossos amigos para
ficarmos sozinhos.
— As meninas estão com a Ginny? — pergunto.
— Sim. Elas estão brincando com a filha dos Petersons. 
— Tem algum problema?
— Tem…
— Qual?
— Preciso de um beijo. — Ele me puxa pela cintura e sua mão aquece
minha pele. — Estou com saudade.
— Eu também — mordisco sua boca durante o beijo. — Nós estamos
com muita saudade, sempre.
Ele coloca a mão na minha barriga e acaricia. Estamos à espera do
nosso quarto filho. Sim, nosso plano de termos uma família de seis pessoas
vai se concretizar.
Ele sorri e sussurra que me ama e eu sussurro de volta todo meu amor
pelo meu sádico. O cara do avião por quem eu me apaixonei e roubei um
beijo quando achei que iríamos morrer em pleno voo em turbulência. Ainda
bem que nada aconteceu e sobrevivemos ao voo e às minhas maluquices.
Ele abriu seu coração pra mim, ou melhor eu entrei sem bater. Acho que o
amor tem dessas coisas, você apenas se apaixona e cai nas profundezas
desse sentimento sem qualquer moderação. Josh e eu somos um casal nada
convencional e que adora irritar um ao outro, é a melhor parte do nosso dia.
Somos um casal imperfeito que está aprendendo constantemente um com o
outro. Nós renascemos quando nos beijamos e não, nunca foi só um beijo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

E mais uma vez chegamos ao fim de um livro. Essa caminhada foi de


altos e baixos, começou comigo em uma fase muito difícil da minha vida,
uma fase de mudanças.  Mudei de cidade, de casa, e terminei um longo
relacionamento.
O que quero dizer disso é que este livro começou com uma montanha
russa. Eu achei que não seria capaz de chegar até aqui, mas cheguei. E
como sempre, eu quero agradecer a vocês leitores por estarem aqui comigo,
vocês são o meu combustível, vocês são o que me motiva a continuar, o que
me fez chegar a essas notas finais.
E claro, não deixem de acreditar nas comédias românticas, por mais
que seu coração esteja ferido, machucado, você vai se curar, e na hora que
suas feridas cicatrizarem, se abra para o amor.
Espero que vocês tenham se divertido nesse livro com Josh e Billie
tanto quanto eu. E até o próximo livro.
 
 
 
Com amor,
K. M. Mendes
 
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