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CAMPINAS
2008
i
LÚCIO EMÍLIO DO ESPÍRITO SANTO JÚNIOR
CAMPINAS
2008
ii
Dedico esse trabalho à
professora Maria Eugênia
Boaventura, que bem soube me
ensinar os caminhos da
maturidade intelectual.
iii
Agradeço à minha esposa
Laurene e aos meus filhos Gabriel
e Isa, pela paciência nas horas
difíceis e pelo carinho e atenção
com que entenderam as minhas
ausências.
Aos meus pais,
especialmente, sou grato pela
leitura atenta dos meus textos e
pelas preciosas sugestões.
Ao meu avô Mário Morais
e à Lara, in memorian.
Ao Fernando Gonzaga e
demais colegas, funcionários e
professores (as) da UNICAMP,
junto de quem sempre é bom
estar.
iv
Grito para Roma
v
RESUMO
Nossa leitura de Marco Zero foi construída para responder a seguinte pergunta:
quem é o herói ou protagonista em Marco Zero? A questão foi deixada de lado pela
crítica contemporânea ao livro e pela acadêmica. As pesquisas centradas nos
conceitos de romance ―documental‖, ―coletivo‖ e ―mural‖ esclarecem aspectos do
romance – e por isso foram levadas em conta nesse trabalho. A partir de uma
abordagem voltada para o leitor, chegamos ao questionamento acima, fundamental
para que o leitor possa encontrar um ponto de identificação e ordenar a narrativa,
gerando sentido. Para qualquer leitura mais abrangente que se queira fazer, é
preciso esse fio narrativo; por vias das dúvidas, fizemos um mapeamento em que
cada fragmento foi nomeado e numerado da mesma forma que Memórias
Sentimentais de João Miramar, ficou possibilitada a chamada leitura coerente do
romance. Nossa leitura, com base no mapeamento e pensando no leitor, definiu o
personagem Jango como o protagonista de Marco Zero. Na leitura feita a partir
dessa tese, desconstruímos as posições do autor empírico a respeito do Marco
Zero, assinalando que estavam empenhadas numa conquista de público e de
sedução de um leitor conservador com promessas às quais o Marco Zero não
atendeu completamente. Descartamos também as analogias com Plínio Salgado: os
romances de Plínio Salgado nem sequer possuem continuidade de personagens,
não perfazendo sequer uma trilogia. O conceito de analogia também foi substituído
pelo de homologia. No entanto, preferimos buscar passagens e características
homólogas a Marco Zero em Memórias Sentimentais de João Miramar; acentuamos,
através do método das passagens paralelas, as características que Marco Zero
possui em comum com Miramar e Serafim: humor, paródia, trocadilho. Finalmente,
buscou minorar as diferenças entre os diversos romances de Oswald de Andrade e
fazer com que os volumes do Marco Zero sejam vistos enquanto obra madura,
capaz de estilo engraçado e dinâmico, com uma especificidade própria: sem diminuí-
los em prol de obras anteriores, obras que deveriam iluminar Marco Zero, nunca
ofuscá-lo.
vi
ABSTRACT
Our reading of the text Marco Zero was constructed to answer the following question:
who is the hero or protagonist in Marco Zero? The question was left of side by the
critic, academic or not. The last critical research was centered in the concepts of
documentary, collective and mural novel to clarify aspects of the novel - and
therefore they had been taken in account to this work. To ―reader-response theory‖,
we arrive at the questioning above: the reader needs to find an identification point
and command the narrative. For any reading more including, we need to find this
narrative focus. We made a mapping where each break up was nominated and
numbered as in the novel Memórias Sentimentais de João Miramar, a reading that
made possible a coherent reading of the novel. On the basis of the mapping and
thinking about the reader, we defined the personage Jango as Marco Zero´s
protagonist. In the reading made on this thesis, we deconstructed the positions of the
empirical author regarding Marco Zero, designating that they were pledged in a
conquest of public and seduction of a conservative reader with promises which
Marco Zero did not take care of completely. We also discard the analogies with Plínio
Salgado: the three novels of Plínio Salgado not even possess continuity of
personages, not making a trilogy at least. The analogy concept also was substituted
by the homology one. However, we prefer to search homologous characteristics of
Marco Zero in the novel Memórias Sentimentais de João Miramar; we accent,
through the method of the parallel fragments, that the characteristics Marco Zero
possesss in common with Miramar and Serafim: humor, parody, a lot puns an plays
on words. Finally, we searched to minimize the differences between the diverse
novels of Oswald de Andrade and make the volumes of Marco Zero seen more
mature, capable of funny and dynamic style, with a proper specificity: without
diminishing them in favor of previous Oswald´s novels, novels that would have to
illuminate Marco Zero, never to dim it.
vii
LISTA DE FIGURAS
viii
LISTA DE TABELAS
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FE – focalizador externo
FP – focalizador personagem
MZ – Marco Zero
NE – narrador externo
x
SUMÁRIO
I INTRODUÇÃO......................................................................................01
3. O HERÓI EM SEU
MUNDO....................................................................................................................14
3.1 O romance e linha lógica do texto narrativo...................................14
3.2 O herói entra em cena...............................................................................17
3.3 AVENTURAS E
RUPTURAS.........................................................................24
3.4 Ruptura com o mundo político..............................................................24
3.5 Ruptura com o mundo das convenções sociais....................................26
3.6 Ruptura com o mundo da intimidade familiar.........................................27
3.7.PROVAÇÃO
SUPREMA................................................................................29
3.8 A decisão de partir.....................................................................................30
3.9 Os revoltosos recebem adjuvantes.........................................................31
3.10 Imagens melancólicas da campanha
paulista........................................33
xi
3.11 MORTE E
RESSURREIÇÃO..........................................................................35
5. 1 JANGO E A FOCALIZAÇÃO
INTERNA..................................................................52
xii
7.2 Norma culta e norma padrão....................................................................81
III CONCLUSÃO....................................................................................................88
IV REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................90
V ANEXOS..............................................................................................................98
xiii
I INTRODUÇÃO
Acho que o Marco Zero vai acabar com o meu afastamento do público que lê... Porque
procuro dar conta, em ordem direta, dos episódios que todos nós vivemos, neste grande
decênio que começa em 1932 e vem até 1942. É a ordem direta...
Oswald de Andrade
1
Tais juízos negativos produziram, supomos, até desinteresse pela reedição do
livro: até hoje ocorreram somente três reedições (1974, 1991 e 2008). Como temia
Oswald, a posteridade reproduziu as avaliações negativas de Candido e disseminou-
as na crítica posterior (Maria de Lourdes Eleutério, Lúcia Helena). Essa tese
representou um desenvolvimento dos pontos de vista dos críticos que enfocaram MZ
através de um ponto de vista mais compreensivo e favorável: Maria Eugênia
Boaventura e Antônio Celso Ferreira.
Nos anos 40, Oswald enredou-se num dilema: precisava sempre remeter ao
seu papel vanguardista na Semana de 22 para dar aos demais a medida da
valorização que deveria ser dada à sua obra. Ao mesmo tempo, para prosseguir
atualizado, buscou afirmar que já tinha superado o legado da Semana, já pensava
em outros projetos, outras experiências. Assim, para exigir reconhecimento,
retornava ao seu papel do passado; no entanto, para continuar vanguardista, era
preciso proclamar a superação de antigas posições. Supomos que Oswald, ao
produzir MZ, conseguiu as duas coisas: o romance consegue superar as antigas
posições sem perder o caráter vanguardista.
O fato é que a estrutura dos dois últimos romances de Oswald, dentre as
instigantes questões estéticas que coloca, presta-se a uma análise dos personagens
na obra de ficção. O pressuposto de todas as teorias existentes é o de que os
personagens envolvidos num enredo desempenham determinadas funções:
protagonistas, antagonistas, secundários, confidentes, de contraste, narrador, dentre
outras. A compreensão de qualquer narrativa de ficção depende da identificação
destas e da eficácia com que cada personagem as exerce. Trata-se de uma
convenção: todo leitor espera identificar não apenas os nomes dos personagens,
sua descrição física, suas aventuras, mas como aquele personagem funciona, como
ele age, qual seu comportamento.
O conjunto de questões que nos ocorrem ao ler esses dois últimos romances
de Oswald, obra de ficção em que o narrador opta por multiplicar os focos narrativos,
sem privilegiar esse ou aquele personagem, é o seguinte: como analisar um
romance que foge totalmente às convenções, considerando que a definição de
funções é essencial à interpretação do texto de ficção? Se os personagens não
desempenham as funções convencionalmente estabelecidas, exerceriam outras,
mas sendo estas ainda desconhecidas pela tradição? Qual a reação do leitor diante
da narrativa que lhe apresenta personagens sem funções claramente definidas?
2
Existir ou não um personagem principal é relevante para a interpretação do
romance, já que o próprio autor não deu importância a isso? Qual dos personagens
do romance poderia ser considerado o herói do romance, apesar da indefinição
estabelecida pelo autor? Jango? Miguelona? Examinando a bibliografia disponível a
respeito da obra, verificamos que os códigos necessários para sua melhor
compreensão inexistiam ao tempo de sua publicação (anos 40). São eles: o método
estruturalista, que possibilita organizar a estrutura romanesca e definir a função de
tantos personagens; outro é a estética da recepção, (a abordagem voltada para o
leitor), que nos fez refletir sobre a necessidade de um protagonista.
Podemos fazer uma leitura onde, apesar de quase desaparecer em alguns
momentos (como quando surge o personagem Lírio), o personagem João Lucas
Klag Formoso (Jango) seria o protagonista. Daí o propósito de fazer uma leitura que
privilegie os elementos que conformam a narrativa do MZ enquanto narrativa de
estrutura organizada a partir desse protagonista hipotético. A seguir, depois de
esclarecida a visão de mundo presente na obra, investigou-se também uma releitura
da antropofagia: outra de nossas hipóteses é que o romance contém uma
―antropofagia comunista‖.
A revisão das avaliações negativas a respeito de MZ ocorreu somente nos
anos 80. Como veremos mais adiante, com freqüência alguns críticos realizaram a
aproximação desse texto com os romances de Plínio Salgado (Antonio Candido,
Antonio Celso Ferreira), hipótese que descartamos. Preferimos aproximar os textos
do restante da obra de Oswald de Andrade: os seus laços com o restante da obra
oswaldiana não são reconhecidos. Nossa leitura buscou, após escolher um
protagonista para MZ, enfatizar a análise da narrativa através de alguns conceitos
narratológicos (narrador externo, NE, focalizador personagem, FP) e lingüísticos
(português não-padrão, PNP), seguindo a trilha indicada pelo protagonista Jango,
ora intitulada ―jornada do herói‖. Como resultado, pensamos que foi possível fazer
uma leitura coerente do romance, seguindo um fio narrativo.
3
II TRILHAS E CAMINHOS METODOLÓGICOS
4
O estruturalismo genético introduz o conceito de romance como sendo a
história de uma pesquisa de valores autênticos num mundo degradado. Fala ainda
de ruptura insuperável entre o herói e o mundo, conceito articulável, conforme se
verá mais adiante, com as teorias estruturalistas bem posteriores a respeito dos
conteúdos investidos na figura do herói ou protagonista e sua função na
estruturação da mensagem narrativa.
Um passo importante para elucidar a questão foi dado por Vladimir Propp, que,
ultrapassando os métodos de análise de conteúdo tradicionais, incapazes de isolar
os elementos constitutivos da mensagem, acaba por descrever com bastante
precisão a significação e as articulações possíveis das categorias atuacionais. Os
trabalhos de Propp, apesar de publicados em 1928, só irão despertar o interesse
dos estudiosos algumas décadas depois. A hipótese de que a metodologia criada
por Propp pudesse ser estendida a outros gêneros literários e artísticos orientou os
trabalhos de seus seguidores, tais como Lévi-Strauss, Greimas, Claude Bremmond,
Todorov.
Sem evidentemente sofrer qualquer influência de Propp, mas utilizando uma
metodologia muito semelhante, o americano Joseph Campbelli estudou as
semelhanças entre as narrativas da mitologia universal. O ponto fulcral de suas
análises é a constatação de que a maioria dos heróis mitológicos faz sempre a
mesma jornada e ela se organiza mediante esquemas muito semelhantes aos
estabelecidos por Propp. A matriz dessas histórias que se repetem sempre é o
inconsciente coletivo, tal como definido por Jung, ou seja, a camada mais profunda
do inconsciente, o substrato psíquico, idêntico em todos os seres humanos.
Diferentemente do inconsciente pessoal, cujos conteúdos são principalmente os
complexos de tonalidade emocional, os conteúdos do inconsciente coletivo são os
chamados arquétipos, isto é, representações coletivas, formas pré-existentes, que
só secundariamente podem se tornar conscientes, conferindo uma forma definida
aos conteúdos da consciência.
Igualmente úteis na análise do romance foram os estudos sobre a narrativa
teatral elaborados por Etienne Souriau, em sua obra 200 000 Situações dramáticas.
O próprio Souriau explica a gênese de suas análises, dizendo estarem elas
fundamentadas em trabalhos anteriores como o de Gozzi, conhecido por sua
importância como renovador, no século XVIII, da Commedia dell’arte, para o qual
existiam em tudo e para tudo, 36 situações dramáticas. Este número, corroborado
5
por Goethe, não foi ampliado nem reduzido por Geoges Polti, outro pesquisador,
autor de um livro bastante conhecido e frequentemente editado, intitulado Les XXXVI
situations dramatiques. Assim como Greimas promoveu o acasalamento das 31
funções inventariadas por Propp, Souriau também reduz as 36 funções de Gozzi, a
apenas 6: a força temática ; valor ou bem cobiçado; obtenedor do bem desejado; o
oponente; o atribuidor do bem e o auxílio ou adjuvantes. Através desse esquema
simples, Souriau consegue:
Muitos são, portanto, os caminhos e trilhas que se abrem quando se tem como
tarefa analisar um texto tão complexo quanto rico como é o romance oswaldiano de
que estamos tratando. Escolhemos a perspectiva narratológica, ou seja, a teorização
estruturalista renovada, ou seja, investigaremos quais as funções dos personagens
e formas que a narrativa assume. A essa teorização somaremos uma abordagem
voltada para o leitor, pensando em como o leitor pode resolver uma narrativa sem
protagonista (utilizamos como sinônimo o termo ―herói‖) claramente definido.
6
a constituição de uma teoria da narração de modo que possa ser aplicada a cada
um desses domínios. Essa ciência (que segundo ele ainda não existia) seria a
narratologia. O que se tem visto, nos últimos anos, é a aceitação cada vez maior da
possibilidade de uma narratologia e esforços que se juntam ao de Todorov para a
constituição dessa ciência. Aliás, a melhor demonstração de que, mais que possível,
essa ciência é inevitável está nos resultados semelhantes a que vários estudiosos
chegaram, ainda que partindo de métodos diferentes, material empírico oriundo de
culturas díspares.
Dentre os autores que adotam a perspectiva narratológica, isto é, tentam
incorporar os avanços mais significativos, numa visão sincrônica e atualizada, está
Mieke Bal, cuja orientação teórica será seguida nesse estudo. O espírito da
narratologia – que se depreende da perspectiva de Todorov – é elaborar um corpus
teórico, aplicável a todo e qualquer texto narrativo. A própria Bal, na segunda edição
de seu livro, fez uma importante inclusão, que revela muito bem essa tendênciaii.
Aqui também pretendemos buscar outras fontes, sobretudo a linha interpretativa de
Campbell, para uma compreensão da estrutura e significado de MZ. O problema do
herói é colocado na maioria das análises, sem, no entanto, atingir o aprofundamento
necessário. Conscientes da importância dessa questão, nossa análise se voltará
para a confrontação do texto narrativo com o referencial teórico proposto por Bal.
Assim, também o valor da teoria – não só as suas proposições – estará sendo
testado, já que MZ se afasta do padrão convencional da maioria das narrativas
romanescas.
Seguindo a linha proposta por Baliii, serão examinados separadamente os
aspectos da história, os elementos da fábula e as palavras. Para esclarecer quais
são os conceitos usados, citamos Bal:
7
2 2001, p. 13). No primeiro capítulo, trataremos de determinados aspectos da fábula.
No segundo, trataremos de analisar alguns aspectos da fábula, assim como a forma
que foi escolhida para narrar a história. Finalmente, no terceiro capítulo, a terceira
parte da jornada do herói irá se chamar ―as palavras‖, pois aborda a linguagem
utilizada pela história e que compõe a ―maneira‖ com que ela foi contada.
8
2.3 Visão retrospectiva
9
Não concordamos com a posição acima de Candido, repetida, com nuances,
até mesmo no texto Um Eldorado Errante (São Paulo na Ficção Histórica de Oswald
de Andrade), de Antônio Celso Ferreira, publicado em 1996, e que traz o seguinte
comentário, numa nota de fim:
10
tipos de uma mesma geração, grupo ou sociedade: um exemplo seria Os Rougon-
Macquart, de Zola‖ (BUENO, 2006, p. 12). Na literatura brasileira não existem muitos
exemplos de romances cíclicos. O mais famoso talvez seja O Tempo e o Vento, de
Érico Veríssimo. MZ é, portanto, um dos raros exemplos de romance cíclico em
nossa literatura, ou seja, os personagens completaram um ciclo de acontecimentos
(antes, durante e depois da guerra de 32). No final de Chão, inclusive, para facilitar a
leitura, existe um ―posfácio‖ com os personagens presentes em Chão e em
Revolução Melancólica: lá estão os personagens mais importantes do livro,
organizados em famílias. Trata-se de claro indício de que o autor sabia que a
multiplicação de personagens complicou o romance e acenou ao leitor com um
auxílio para uma leitura organizada. Postulamos que o verdadeiro auxílio está em
definir um herói hipotético para essa narrativa, assim como definimos Jango.
Por sua vez, os três romances de Plínio Salgado não possuem continuidade:
não são os mesmos personagens nos três romances. Descartamos, portanto, a idéia
de que O Estrangeiro, O Esperado e Cavaleiro de Itararé constituam de fato uma
trilogia: não existem personagens em comum nos três livros. Os assuntos também
variam: o primeiro tratou da imigração e a identidade brasileira entre 1914-18, I
guerra mundial, revolução russa e suas repercussões no Brasil (tendo como
protagonista o russo Ivã); o segundo enfocou a situação política do Brasil às
vésperas da revolução de 30, centrado na figura do intelectual Edmundo Milhomens;
finalmente, O Cavaleiro de Itararé é ambientado em São Paulo no começo da
década de 30, (mas não focou na revolução de 32), tendo por eixo a história de
Teodorico, um filho de pobres trocado na maternidade e entregue a uma família rica.
Não existem personagens em comum nos três livros.
Outro ponto importante: Plínio Salgado é citado em MZ (junto com os demais
integralistas, apresentado como um oponente de Jango). Será frutífera a
aproximação entre o texto e os romances de um escritor que é um personagem
histórico combatido na própria obra de que se está tratando? Trata-se de uma
situação, no mínimo, inusitada. Preferimos ler o romance cíclico e retirar dele
passagens paralelas a Memórias Sentimentais de João Miramar, com as quais
possuiu pontos de contato. Para nós, a obra aqui avaliada não representou, dentro
da obra de Oswald, uma ruptura com o modernismo e uma concessão a um gosto
mais tradicional. A propósito da avaliação do romance, concordamos com o
posicionamento de Ana Silva Formoso a respeito:
11
O interesse pelo estudo do romance a partir de suas próprias propostas foi
acentuado pela observação de que, em geral, nos poucos estudos mais
detidos sobre Marco Zero, a sua avaliação sofre pela sombra que lhe fazem
os romances mais conhecidos de Oswald, Memórias Sentimentais de João
Miramar e Serafim Ponte Grande (FORMOSO, 2003, p. 2)
12
Cardoso (e que também publicaram seus primeiros contos e romances nesse
período).
Concluindo, MZv é frequentemente lido conforme códigos e cobranças alheios
à proposta que ele faz: um romance que exige a participação do leitor (que pode
reler o romance utilizando diferentes códigos e exigiu a releitura, trazendo muitas
armadilhas e dificuldades para o leitor em uma primeira leitura).
I PARTE
13
3 O HERÓI EM SEU MUNDO
14
sobretudo os que nos servem de base nesse estudo, aventaram a hipótese de que
existe uma relação teleológica entre os elementos da história ou, como diz Bal:
15
─ Relações: é o que mais relações mantém com outros personagens (BAL,
2001, p.101).
Toda situação dramática é gerada por uma força orientada, força esta da
qual um dos personagens é sede ou presa, como quiserem. Ela reside nele.
Ele a encarna, ela o impele, ele arde nela, e através dele ela galvaniza e
orienta dinamicamente todo o microcosmo teatral. Sua presença no
macrocosmo, no universo da obra, é focal: é ela que esboça e situa nele
esse microcosmo, seu centro estelar (SOURIAU, 1993, p. 60).
16
Formoso, os constitucionalistas liberais) e aqueles que se opuseram a ela
(comunistas) e também por ter sido mais presente do que os demais personagens,
conforme mapeamento em anexo nessa dissertação.
17
personagem que inicia o romance é Miguelona Senofim, uma velha imigrante
italiana, já perfeitamente integrada à vida brasileira, encabeçando um grupo em luta
contra a oligarquia rural, como podemos notar no primeiro diálogo do romance:
18
Eis que falou-se em Jango novamente, mas sem que ele agisse nem fosse
apresentado. Tanto Leonardo Mesa quanto Pancrácio, embora não simpatizassem
com a família Formoso, estiveram ligados a ela de algum modo. Um exemplo de sua
movimentação: pouco depois de surgir em meios aos debates sobre a revolução de
32 nos salões da aristocracia paulista, Jango foi citado pela comunista Maria Parede
como uma figura de sua admiração, um rapaz com o qual ela teve um romance.
Existe claramente uma aura de herói sendo preparada em torno de Jango.
Como pudemos observar, primeiro Jango foi apresentado. Logo a seguir, foi
apresentada sua namorada, a professora Eufrásia Beato, com quem fez um
triângulo incestuoso do qual participou o próprio pai de Jango (o Major), ressaltando
sua ligação à zona rural e ao faroeste; Jango foi um caubói, um ―mocinho‖, um herói
positivo: ―João Lucas Klag Formoso caminhou sólido e lento nas perneiras, o
chapelão de cowboy, sentou-se na primeira fila ao lado da professora que o
esperava‖ (ANDRADE, 1991, p. 52). Miguelona, grande inimiga de seu pai, não
estabeleceu contato com Jango, embora presente no mesmo ambiente acima
referido (um circo no interior).
A seguir, na página 54, lê-se todo um fragmento centrado em Jango. O
conflito do personagem, nesse momento, estruturou-se da seguinte forma: ele sabe
da disputa entre a posse e a propriedade, entre seu pai e Miguelona, pois nas terras
devolutas é que ele desejava possuir sua amada Eufrásia:
Meu caro Prof. Léo Vaz, enviando-lhe o volume aparecido de meu romance
Marco Zero, quero também tornar-me seu missivista (...). Confesso, meu
19
prezado companheiro de garçonnière de 19, que a revolução modernista eu
a fiz mais contra mim mesmo que contra você ou o prezado leitor Sr.
Zampeta. Pois eu temia escrever bonito demais (...). Se eu não destroçasse
todo o velho material lingüístico que utilizava, amassasse-o de novo nas
formas agressivas do modernismo, minha literatura aguava e eu ficava
parecido com D´ Annunzio ou com você. Não quero depreciar nenhuma
dessas altas expressões da mundial literatura. Mas sempre enfezei em ser
eu mesmo. Mau mas eu (ANDRADE, 1974, P. 11)
A comparação desse fragmento acima com outro que iremos citar logo
adiante (a aparição de Jango) foi um recurso, uma busca de seduzir não só Léo Vaz,
mas os leitores conservadores e inimigos da arte moderna em geral para lerem o
romance. Foi um episódio na busca de aproximação do público leitor realizado pelo
autor empírico. A passagem em questão foi um amanhecer na fazenda onde Jango,
melancólico, pensava em sua amada Eufrásia Beato, parágrafo onde falou o
narrador externo onisciente:
João Lucas Klag Formoso olhou a noite opaca que pendia das estrelas por
sobre as terras cultivadas da fazenda. Poderia levá-la para a Jangada.
Alguma coisa de infantil germinava nos seus vinte e oito anos adultos.
Despejaria toda a carga do revólver Colt se não fosse sua. Estava como um
burro preso a um moinho. Nas noites de cigarro desenvolvia-se aquele
parafuso. Um galo cantou na colônia noturna. Outro respondeu ao longe,
outro mais longe. Cinco horas. A rede ficou balançando nos ganchos. O
sino ressoou de novo o extremo do terraço. Um trecho da mata contornava
o pomar. O céu por cima das árvores estava copado de estrelas. Elas
ligavam-se à alta folhagem dos jequitibás. Silhuetas de palmeiras
suspendiam fachos tropicais na noite. Uma canjarana estorcegava-se para
o alto. Jango escutou gemidos surdos, um e outro grito teimoso e o assovio
do Sem-Fim. Acendeu outro cigarro (ANDRADE, 1991, p. 55).
20
No artigo referido, o autor empírico selecionou justamente as descrições
acima apresentadas para comparar MZ e Miramar, deixando a conclusão em aberto
para o leitor. Nossa hipótese a respeito dessa passagem foi a seguinte: o autor
empírico tentou conquistar um tipo de leitor conservador, mostrando ter feito
concessões a seu gosto, mas omitindo que nos dois romances que acabava de
lançar aboliu outras convenções narrativas; trata-se de uma tentativa de seduzir um
leitor conservador, acenando com aparentes concessões. Depois de ter discutido a
posição reacionária de um escritor seu contemporâneo, Léo Vaz, frente à arte
moderna, Oswald escreveu:
Não pense, no entanto, meu caro professor, que teimo em fazer hoje
Semana de Arte Moderna. Deixo isso a alguns companheiros ilustres de
jornada (o Sr. Mário de Andrade, o Sr. Portinari). Marco Zero é um livro que
vai surpreender os que esperam os modismos e os cacoetes que tão
gostosa e justamente empregamos na fase polêmica da renovação literária.
Nesse tempo eu escrevia assim: ―Losangos tênues de ouro
bandeiranacionalizavam o verde dos montes interiores. No outro lado azul
da baía a Serra dos Órgãos serrava (Memórias Sentimentais de João
Miramar_1923)‖.
Hoje eu escrevo assim: ―O céu por cima das árvores estava copado de
estrelas. Elas ligavam-se à alta folhagem os jequitibás. Silhuetas de
palmeiras suspendiam fachos tropicais na noite. Uma canjarana
estorcegava-se para o alto. Jango escutou gemidos surdos, um e outro grito
teimoso e o assovio do Sem-Fim. Acendeu outro cigarro (Marco Zero_ A
Revolução Melancólica_1943)‖ (ANDRADE, 1972, p. 11)
21
Se Miramar afastou-se dos imperativos realistas, no romance aqui focalizado
ocorre um outro direcionamento, ―como se a exatidão do referente, superior ou
indiferente a qualquer outra função, aparentemente comandasse e justificasse
apenas o fato de descrevê-lo ou – no caso das descrições reduzidas a uma palavra
– de derrotá-lo: as restrições estéticas se penetram aqui – pelo menos a título de
álibi – de restrições referenciais‖ (BARTHES, 1972, p. 200). Conforme o que
escreveu o autor empírico, bastaria que as descrições surgissem mais minuciosas e
mais ligadas ao referente em MZ para que existisse mais ―efeito do real‖. No
entanto, apesar desse efeito, existiu uma tônica experimental que torna MZ mais
complexo do que uma narrativa neonaturalista como São Bernardo, como veremos a
seguir.
O autor empírico aparentemente imaginou que a descrição neonaturalista
bastaria para trazer uma aura de narrativa tradicional ao romance por nós avaliado:
não concordamos nesse ponto. Em MZ, Miguelona Senofim é a paródia de uma
revolucionária; a revolução de 32 é a paródia de uma revolução: revolução
melancólica. A narração deu-se em discurso direto, na maioria das vezes. O tempo
da narração em MZ é o mesmo tempo do enunciado: o narrador externo não é
alguém que recorda acontecimentos passados, esclarecendo ao leitor o seu sentido.
O tempo do NE é 1932-34, como se a narrativa estivesse sendo escrita no calor das
batalhas da revolução de 32. Embora o romance tenha sido escrito, pelo autor
empírico, dez anos depois da revolução de 32, em momento algum esse narrador
nos deu uma visão global dos acontecimentos da revolução e analisou o todo, o que
ocorreu e suas conseqüências. O NE, embora aparentemente saiba tudo, não julga
e dá o resultado dos acontecimentos, pois simulou estar presenciando o desenrolar
da revolução junto aos personagens. Algumas vezes, esse narrador externo
transmite ao leitor os pensamentos de um personagem, como quando o integralista
Carlos Benjamin associado ao Major encontrou os camponeses pobres e tentou
convencê-los de suas posições políticas. Essa passagem, no entanto, foi uma
exceção. O narrador onisciente não comunica uma visão totalizante sobre os
acontecimentos pelo seguinte motivo: nessa narrativa, o tempo do enunciado é igual
ao tempo da narração (TE = TN). Esse narrador se coloca quase como um outro
espectador qualquer dos acontecimentos.
Conforme podemos notar, o autor comparou dois textos escritos com uma
separação de vinte anos (fragmento de MZ e de Miramar). Não são textos que
22
focalizaram o mesmo objeto, mas fizeram descrições da natureza de forma diversa
(vejamos, mais adiante, uma comparação entre uma descrição do circo em Miramar
e outra em MZ, seguindo o método das passagens paralelas). Verifiquemos a
supracitada descrição do circo, que teve uma nota lembrando da opressão social,
como se lembrasse que tal narrativa não permite entretenimento puro:
Tal passagem poderia ser comparada com melhor proveito a uma passagem
que se referiu ao circo em Memórias Sentimentais de João Miramar e intitulada
Gatunos de Crianças (fragmento número 4):
23
3.3 AVENTURAS E RUPTURAS
24
economia cafeeira nos anos subseqüentes à queda da Bolsa de Nova Iorque, em
1929. Até então, dentro de um clima de otimismo, louvavam-se ―os horizontes
penteados de cafezais‖ (ANDRADE, 1991, p. 55), o progresso técnico na figura dos
―tratores, Fordes, caminhões‖. Ouvia-se, por todo lado, ―o barulho das máquinas de
beneficiar café‖, movidas pela eletricidade. Não se sabia ―se o que se levantava do
chão era ouro ou poeira‖. ―Toda essa aventura perecera no desastre mundial de
1929‖ (ANDRADE, 1991, p. 55).
Assumindo o governo revolucionário, Getúlio Vargas impôs várias mudanças
na economia brasileira, entre elas drásticas alterações na política da cultura do café.
Os preços desse produto, que outrora fizera a opulência das elites rurais paulistas,
estavam em queda livre no mercado internacional. Para evitar uma queda ainda
maior nos preços, Getúlio Vargas ordenou a destruição dos estoques de café.
No mundo ficcional focalizado na presente tese, este acontecimento é
registrado quando o suposto protagonista João Lucas, acompanhado do Índio Cristo,
percorriam as terras da fazenda Formosa, já sabedores que o governo tinha
ordenado a destruição dos cafezais:
26
Eram situações extremamente tensas, em que se trocavam insultos e
provocações, como nesta passagem em que Jango se vê na contingência de
conseguir mais dinheiro com seu principal financiador, o Conde Alberto de Melo:
─ É você, Leô? Dormindo ainda? Mon oiseau des îles! Me sobrinho esteve
aqui agora. Aquele bandido...É...Eu explico a você, querida! Quase que saía
uma carnificina... Trouxe a letra... Fiquei com dó da família! Mas xinguei ele
de tudo. Ele não reagiu, acovardou-se! Eu disse tudo... Ladrão! Parasita!
Ouviu calado!‖ (ANDRADE, 1991, p. 80)
Uma terceira ruptura com o mundo se deu no ambiente familiar. Jango nutria
certa revolta contra o pai, Dinamérico Klag, o Major da Formosa, homem rude,
autoritário, ―que o tratara sempre como um cão‖ (ANDRADE, 1991, p. 34). Jango
não fumava perto do pai e ouvia-lhe ―a voz persuasiva e forte‖, mandando-o
desencostar-se da mesa, perfilar-se.
No entanto, tal como o descreve o personagem Pancrácio Fortes, Dinamérico
era um ―sujeito original‖, que ―estudou em Oxford, na Inglaterra, tirou o curso de
27
filosofia, matou a mulher e caiu na pinga‖. O Major estaria escrevendo um livro, ―quer
tirar o prêmio Nobel. O Graça Aranha, que era amigo dele, chamava-o de Iluminado‖
(ANDRADE, 1991, p. 34). O nome de Graça Aranha, nesse contexto, não está em
boa companhia, não é sinônimo de modernidade.
A imagem de um pai ―castrador‖ parece reforçar-se na passagem em que
Jango, ―depois dos longos anos de internato com as férias na casa de São Paulo‖,
vai encontrar o pai castrando os animais da fazenda:
Mais tarde, enquanto Jango convalesce incógnito dos graves ferimentos que
sofreu em combate, seu pai mantêm um relacionamento amoroso com Eufrásia, com
quem decide se casar, conforme mostramos anteriormente.
28
3.7 PROVAÇÃO SUPREMA
29
personagem, para uma família, às vezes uma nação inteira; o indivíduo em perigo
costuma representar não apenas ele próprio, mas uma comunidade, uma cidade,
todo um país. Outra característica dos grandes romances, apontada por aquele
autor, é encontrada nos ―personagens memoráveis‖, que fazem ―coisas
extraordinárias‖, com quem o leitor prontamente se identifica.
Jango não pertence a esse tipo de herói. O romance aqui estudado não é um
romance diretamente inspirado na linhagem da epopéia, que exigiria um
protagonista muito mais dinâmico, presente e atuante. Jango transita entre a alta
sociedade e os operários, articulando os vários ambientes do romance, além de
carregar em si o rompimento com o mundo e explícita decisão de ir à luta. Capaz de
grandes sacrifícios, Jango sente-se convocado para a missão irrecusável de livrar o
povo da sua maior desgraça – o minotauro da ditadura getulista. Deixa a amante
grávida (logo após ela teve um aborto), e, apesar dos apelos insistentes dessa, parte
para a aventura.
Nas falas dos revoltosos no romance que estamos estudando, como veremos
abaixo, a situação dos cafeicultores, que se agravava dia-a-dia, está vinculada ao
novo governo. A revolução de 32, como sugere o título do capítulo V, ―Latifundiários
em Armas‖, foi uma reação das elites paulistas contra o regime de Vargas, movida
pela esperança de reverter a derrocada da economia calcada na produção de café.
Sem uma consciência exata do que estava acontecendo em todo o mundo, após a
crise de 1929, essas elites escolheram como vilão o governo central, antipatizado
por ter combatido e deposto um presidente ligado a essas elites em 1930. É o que
se deduz da altercação entre o Conde Alberto de Melo e Jango, sobre as causas da
crise do café:
30
Os conflitos se multiplicavam. Agora eram os colonos que cobravam o que
lhes era devido. Jango enfrentava um grupo desses trabalhadores, ―espanhóis,
italianos, húngaros e pretos‖, explicando para eles a situação em que se encontrava
a fazenda Formosa:
─ Vocês sabem que a broca comeu metade dos cafezais. Tivemos que
fazer repasse e expurgo. Não dão mais financiamento para o café. Os
comissários de Santos não aceitam saques de ninguém. Os bancos, piorou.
Não podemos ter dias certos de pagamento como dantes. Tudo isso veio de
repente.
No silêncio geral, Jango continuou:
─ Dormimos ricos e acordamos pobres (ANDRADE, 1991, p.68).
Mais adiante, numa clara alusão (ou paródia) do episódio que marcou a
entrada triunfal de Vargas no Rio de Janeiro – o gesto simbólico dos gaúchos,
amarrando seus cavalos no obelisco existente na Avenida Rio Branco, Jango
promete vingança, não amarrando seu cavalo no obelisco, mas plantando um pé de
café na mesma Avenida, que havia se incorporado ao conjunto de símbolos da
Revolução de 30:
31
O ódio ao governo e aos seus comparsas chega a um ponto tal que não se
vislumbra outra solução senão a guerra. Agitam-se as massas. Discursos inflamados
pelo rádio levam multidões à rua. ―Viva São Paulo!‖, era o grito de guerra que
exacerbava o sentimento bandeirante, temperado com o desejo de vingança.
―Vamos plantar um pé de café no Obelisco... Um pé de café francano!‖ (ANDRADE,
1991, p. 8), repetiam os fazendeiros. Intensifica-se o recrutamento. Partem os
primeiros contingentes, ―a estação coloria-se de bandeiras paulistas‖. A ―guerra
santa do café‖ estava nas ruas (ANDRADE, 1991, p. 8).
Jango vagueia daqui e dali, em meio aos preparativos para a revolução. Tem o
seu último encontro com Eufrásia. Fica sabendo que ela está grávida. No entanto,
ele tem que partir, buscar soldados na fazenda e conduzi-los. Depois desse
episódio, temporariamente não se tem mais notícias de Jango, a narrativa muda de
foco e passa a focalizar as desventuras de Quindim, irmão de Jango.
32
são a locomotiva da história‖ (ANDRADE, 1991, p.36). A partir daí, os comunistas
passariam a agitar as massas, falando, pregando a revolução socialista em meio às
agitações de 32.
É pela boca de um comunista, Plaumburn, o eletricista bochechudo e calvo,
encarregado de analisar o contexto da guerra, que ficamos sabendo que outras
forças se somam aos revoltosos: ―─ Os paulistas contam com Força Pública e
alguns guarniçon de exército. Esperram auxílio de Minas Gerrais e Rio Grande do
Sul‖ (ANDRADE, 1991, p.36).
A adesão do governador de São Paulo deflagra definitivamente a revolução.
―A notícia corria, agitava a capital, o Estado, o Brasil. O Governador Pedro de Toledo
encabeçava a revolução‖ (ANDRADE, 1991, p.154). As rotinas se alteram. As aulas
são suspensas e as crianças, na plataforma da estação ferroviária, fazem algazarra
na despedida dos soldados. Agasalhos, cigarros, comida, ―copos de cerveja,
brilhantes de espuma‖, é o que vêm trazer as madrinhas, ―senhoras vistosas e
moças ágeis‖ (ANDRADE, 1991, p. 154), a seus afilhados de guerra. O clima tenso
dos iminentes combates contrastava com aquele ar eufórico e descontraído de
quermesse. Não faltavam cenas de ciúmes entre as madrinhas e as mães, esposas
e namoradas dos mancebos voluntários. ―Umbelina Formoso, trêmula, num vestido
claro, discutia com outra, baixa, borrada de pintura: ─ O Capitão é meu!‖
(ANDRADE, 1991, p. 154). Assim, podemos dizer que o herói do romance cíclico
atravessou a passagem do primeiro limiar.
33
Lírio, que sonhava retornar da guerra, num cavalo branco, entre palmas e flores,
ovacionado e louvado como um ´Napoleão negro´ ‖ (ANDRADE, 1991, p.161).
Os soldados paulistas eram ―homens murchos e amuados que se vestiam
com os mais desconexos resíduos de indumentária paisana. Desmoralizava-os uma
atitude de displicência, cinismo e miséria― (ANDRADE, 1991, p.162). O exército com
que as elites paulistas esperavam derrotar as forças do seu arquiinimigo Getúlio
Vargas não passava de um ―troço bisonho de recrutas‖ a marchar ―na poeira das
ruas de Santo Amaro. Entre mulatos empalamados, velhos emprestáveis, moços do
campo que se moviam duros e imprecisos com um cobertor enrolado a tiracolo‖
(ANDRADE, 1991, p. 161). Daí a grande desilusão e a ruptura de Jango também
com o pensamento dessas elites rurais paulistas, para aproximar-se posteriormente
do comunismo.
34
3.11 MORTE E RESSURREIÇÃO
Nos mitos estudados por Campbell, após as provações que o herói enfrenta
para alcançar o objeto-valor, ele deve retornar ao mundo de onde saiu. Mas não
retorna de mãos vazias. Volta glorificado por haver conseguido vencer o antagonista
e, assim, fazer triunfar os valores que considera vitais para si e para a sua
comunidade. A benção que ele traz consigo restaura o mundo. O aventureiro deve
retornar com o seu troféu transmutador da vida. O círculo completo requer que o
herói inicie agora o trabalho de trazer os símbolos da sabedoria, o velocino de ouro
ou a princesa adormecida, ao reino humano, onde a bênção alcançada pode servir à
renovação da comunidade, da nação, do planeta ou dos dez mil mundos.
Em seu fio narrativo, MZ omite muitas daquelas funções consideradas chave
para o desenvolvimento da narrativa. A ausência naturalmente pode se dar por
economia – em geral, sucessos num campo de batalha são muito semelhantes ou
podem ser facilmente deduzidos através de outros índices presentes no discurso
narrativo. A jornada de Jango na guerra não é descrita, podendo, contudo, ser
imaginada, em face do que aconteceu com o Batalhão Fantasma do Tenente Lírio.
A parte mais dolorosa de todo conflito armado são as baixas, os feridos e os
que simplesmente desaparecem. Quando esse outro lado surge, as pessoas
começam a ver a realidade com outros olhos. ―─ Todos falam que querem morrer,
mas quando chega a hora ninguém quer. A morte deve ser uma coisa pau...‖
(ANDRADE, 1991, p. 184). A enfermeira que assim se expressava tinha acabado de
ajudar na amputação da perna de um combatente, que acabara morrendo na
cirurgia. Mães que perderam filhos, desfile de parentes buscando notícias, a
angústia da espera pelo desfecho, a incerteza quanto ao futuro, é a rotina da guerra.
Não parece ter fim a dolorosa espera do ―trem fúnebre‖, transportando a leva
cada vez mais numerosa de mortos e feridos nos campos de batalha. Era uma
guerra ridícula, idealizada pelas elites arruinadas, que mal podiam liquidar seus
débitos. No entanto, era preciso mostrar força e poder. Imaginaram até um canhão
rolante, que dava um tiro frouxo aqui, indo dar outro lá longe, para simular baterias.
Matracas simulavam o ruído de metralhadoras.
35
A narrativa simulou que a vez de Jango havia chegado. ―Logo o Jango. Tão
forte, tão bonito, tão distinto, tão cavalheiro...‖ (ANDRADE, 1991, p. 184). As rádios
anunciaram sua morte, ―caído na frente Norte‖. Juntamente com outras vítimas, seu
caixão jazia num vagão qualquer do trem fúnebre que chegaria em breve. O Major
Dinamérico Klag e outras figuras da sociedade paulista, ―gente bem trajada‖, ―as
senhoras em preto, de véu‖ (ANDRADE, 1991, p. 184), acorreram à gare para
receber o corpo de Jango.
A família Moncorvino estranhou que os Formoso ali estivessem. Eufrásia foi a
primeira a perceber que eles estavam enganados. ―Quem morreu foi o Capitão
Jango, marido da Rosalina‖ (ANDRADE, 1991, p. 185). No entanto, o Major
Dinamérico, pensando que ―o queriam espoliar do herói da guerra paulista‖
(ANDRADE, 1991, p. 186), recusou-se a admitir que estava enganado. Esperou que
o trem chegasse e, quando abriram o caixão, percebeu que Eufrásia tinha razão.
―Não é o meu defunto!‖, exclamou ela, afastando-se.
O protagonista, no entanto, pouco depois dá entrada no hospital improvisado
no colégio das Irmãs. Fora alvejado na cabeça. Seu estado é grave, ―veio em estado
de coma‖:
36
Uma serenidade divina encerrava a fase trágica do seu amor. Eufrásia
morrera. Não importava continuar a existir, andando, falando. Mas as
reações, rápidas e certas que seu sentimento provocara nela, tinham se
extinguido. Animara-a um instante nos seus braços fortes. Dera-lhe vida.
Agora não vivia mais. Estava tudo encerrado, ela, o apartamento, as tardes,
o futuro (ANDRADE, 1991, p. 227).
São Paulo tinha sido vencido. Ele não! Aqueles dias perdidos, face a face
com a morte, haviam revigorado seus direitos primordiais. Que importava...
Dera a contribuição de sua integração anônima na batalha, desde a primeira
hora [...]. Tinha ressuscitado (ANDRADE, 1991, p.203).
37
4 O HERÓI RETORNA A SEU MUNDO
38
4.2 Consciência da realidade
39
4.3. VISÃO DE MUNDO EM MZ
40
Esse romance pode ser visto como um texto antropofágico alimentado pela
militância anarquista e marxista. Por antropofagia, entendemos a postura
nacionalista branda, aliás, mas que frisou a necessidade de uma apropriação
seletiva dos conteúdos estrangeiros em busca de novas sínteses. A narrativa de MZ,
portanto, buscou digerir e sintetizar as mais variadas idéias, opiniões, falares e
posições sócio-culturais num painel sincrético. Como vimos acima, as contradições
encontradas em MZ não comprometem os elementos que ficam e permaneceram ao
final de uma leitura. O texto estruturou-se em torno da trajetória de Jango e seus
ajudantes (Leonardo Mesa, Maria Parede, Mikael, Paco Alvaredo, Lírio de
Piratininga, tenente Jango da Formosa, Quindim) e o confronto com seus oponentes
(Major Formoso, Monsenhor Palude, Padre Beato, Nicolau Abramonte, Monsenhor
Arquelau, Plínio Salgado, Conde Alberto de Melo). Claro que se trata de uma
simplificação que nos possibilitou verificar a movimentação interna do romance.
Pode-se tratar de MZ buscando um dos inúmeros códigos ou possibilidades
interpretativas: a questão da terra, o muralismo mexicano, a revolução de 32, o
problema da educação, dos imigrantes e do imperialismo, da antropofagia e da
identidade nacional. Como veremos no tópico seguinte, existe uma estrutura
analisável que retiramos do romance cíclico.
41
Quais foram os principais conflitos? No primeiro capítulo, foi a posse da terra
como objeto de disputa (aparentemente esse seria o conflito principal do romance,
apresentado inicialmente). Miguelona (valoração positiva) teve como ajudantes o
seu bando e como oponentes a família Formoso (Major). No decorrer de MZ, o
conflito direcionou-se para um conflito principal: passou a ser entre o estado, o
governo federal que traiu São Paulo (valoração negativa) e os fazendeiros tais como
os Formoso (que ganham valoração positiva).
Jango lutou na revolução de 32 contra Vargas. O que motivou o conflito foram
vários fatores: a constituição que demorava (motivando os protestos na faculdade de
Direito), o poder de Vargas como ditador, a fazenda de café pendurada em dívidas
que o governo não ajudava a pagar. O Major foi uma figura negativa no confronto
com Miguelona, mas no conflito com Vargas, Jango tornou-se um herói positivo,
mesmo sendo filho do Major. Jango foi um elo de ligação entre a família de
cafeicultores, ditos ―feudais‖, decadente e os operários ligados ao comunismo. Como
Jango era filho do Major e simpatizante comunista, coube-lhe um papel de
protagonismo no tecido narrativo.
Em Revolução Melancólica, Jango teve Leonardo Mesa como ajudante
indireto: os comunistas não se opuseram à revolta de 32, simpatizaram com ela,
pois sabem que ela ajudará a mover a história. Voltemos à nossa questão inicial:
qual é a visão de mundo de MZ? A hipótese que esboçamos aqui é mais uma
provisória resposta às dúvidas do leitor e da crítica do que um esclarecimento do
sentido do texto. Acreditamos que ―na visão da arte moderna e da grande
diversidade das formas de recepção literária, o leitor não pode mais ser informado
pela interpretação do sentido do texto – o qual, de qualquer modo, não existe mais
fora do contexto‖ (ISER, 1976, p. 43).
Portanto, a narrativa não acenou para o tempo do enredo (1932-1934): a
visão de mundo que se pode depreender da narrativa seria uma resposta ao
contexto de 1943, época em que a frente das democracias liberais com a União
Soviética vencia o nazifascismo na II Guerra Mundial.
Assim, pode-se dizer que a visão defendida pela narrativa seria a defesa da
estratégia política dos comunistas em 1943, quando da aliança com as burguesias
liberais do Ocidente, possibilitando a derrota das forças autoritárias do fascismo.
42
4.5. Modelo atuacional
43
4.6. Axiologia e transformações
44
2ª PARTE
45
falas do personagem Leonardo Mesa e Pancrácio Fortes. No início de Revolução
Melancólica, a posição do NE mostrou-se bastante próxima da do personagem
Jango:
46
Em seguida, houve a focalização interna de Miguelona e logo a seguir a de Pedrão.
A primeira frase que resultou da fala de Miguelona foi uma elocução performativa:
[Por meio desta eu lhe ordeno que] ―garra (agarre) a terra, Pedrão‖ (ANDRADE,
1991, p. 19). Miguelona afirmou, perguntou, deu ordens. A descrição foi a tarefa do
NE novamente: ―o enterro de Pedrão fora marcado para as nove horas. Apareceu
primeiro o padre, de óculos, numa capa preta‖ (ANDRADE, 1991, p. 20).
O NE descreveu a cena do enterro, apresentou quem estava presente,
criando o clima para a aparição da viúva. Bal afirmou que nas partes discursivas é
mais fácil encontrar o tom das idéias de um romance, se as compararmos com as
narrativas. Quase todos os personagens, mesmo os mais humildes, tiveram acesso
a pelo menos uma focalização interna. No entanto, podemos notar que os discursos
dos revolucionários de 32 apareceram fragmentados quando foi citada a frase:
―sangue...sementeira...São Paulo‖. Igualmente, quando um estudante de Direito
enunciou um discurso constitucionalista, suas frases vieram entrecortadas pelo
tumulto reinante e o NE recusou-se a fornecer-lhe uma focalização interna. Os
discursos dos revolucionários de 32 possuíram em MZ uma função semelhante aos
atos de fala passadistas de Machado Penumbra em Miramar: estão lá para serem
parodiados, contrastados e desconstruídos.
O debate de idéias fez parte de uma abordagem neonaturalista do romance.
Ela se construiu, também, no interesse de trazer ao leitor informação e
esclarecimento. Ao contrário de um realismo fotográfico (interessado no aspecto
documental), o neonaturalismo de MZ ambicionou abrir uma discussão em um nível
em que geralmente ela não foi feita ou foi silenciada.
O narrador externo, a certa altura de MZ, colocou abaixo a hipótese de Mesa
sobre Miguelona (de que ela seria o protótipo da nova mulher paulista, nascida com
a industrialização), assim também traçou para Miguelona (personagem, em relação
aos demais personagens de origem popular, até intelectualizada) uma origem no
liberalismo clássico: suas idéias e atitudes teriam se originado de Bocaccio, Adam
Smith e Voltaire. E o NE, ao fim dessa apresentação, pontuou que Miguelona era
exceção e não poderia ser tomada como símbolo de que existiram mudanças na
situação da mulher do mundo rural paulista. Mesmo assim, ela possuiu uma função
no decorrer de Marco Zero: satirizar e caricaturar os ideais revolucionários do
camarada Rioja e de Maria Parede: eles seriam os revolucionários sérios, ligados
aos dirigentes, enquanto Miguelona seria ―a base‖: uma ítalo-caipira que os
47
militantes tentaram radicalizar. Tomemos o parágrafo inicial de A Revolução
Melancólica:
A aurora de um novo dia corava de roxo os rios e a orla dos morros escuros.
Miguelona Senofim parou na estrada junto a um homem que estaqueava a cerca
rebentada àquela noite (ANDRADE, 1991, p. 19).
48
escrita de um texto). Em MZ, o NE não nos ajudou desde a primeira cena: vemos
posseiros (Miguelona, Pedrão) lutando pela posse da terra, mas no decorrer do
primeiro capítulo e do capítulo seguinte, verificamos que Miguelona, embora tenha
sido apresentada primeiro, não é evidenciada como protagonista de MZ. Trata-se da
primeira dificuldade para o leitor: quem é o protagonista? Escolhemos Jango por ter
aparecido mais vezes no decorrer da narrativa (46 vezes), Leonardo Mesa/Fabrício
Rioja (24) e contra Miguelona (11 vezes). O leitor, a partir daí, poderia entender que
MZ foi o ―romance da revolução de 32‖, dos ―heróis paulistas‖. No entanto, mais
adiante, em Chão, depois de passado e derrotado o levante, um personagem
favorável a Vargas manifestou-se do seguinte modo:
49
japonês. O caboclo teria a posse das terras e o japonês interferiu enquanto
proprietário (―grileiro‖) imperialista de tradições feudais advindas do Oriente.
O NE observou várias contradições em Miguelona: ela era, ao mesmo tempo,
engajada na luta da terra e pequena proprietária exploradora de outros
trabalhadores (usurária). O próprio enfoque do NE foi bastante indicativo dessa
ausência de mudanças: para assumir um papel de mulher consciente e livre,
Miguelona foi referida como ―mulher homem‖, dando a entender que, se a mulher
assumir uma postura agressiva em defesa de seus direitos e quiser vivenciar sua
sexualidade, estará numa postura normalmente reservada somente aos homens.
Nossa pergunta, então, se transformou: se Miguelona não é símbolo das
mulheres paulistas em sua ascensão, por que ela foi tão diferente da militante Maria
Parede? Nossa hipótese é que a figura de Miguelona foi necessária para compor os
aspectos satíricos e paródicos da narrativa de MZ. Para melhor compreendermos o
caráter bufão de Miguelona, observemos seu vocabulário, pleno de expressões
vulgares e talvez obscenas:
_Eu tenho pressa. Estô ficando na merda. Banana! Meu dinheiro foi suado,
fio da puta! (...). _Ocê nunca comeu véia? _Véia feia que nem eu? (...). A
fia do careço é qui nem arçapão. Di manhã e di noite gosta de pigá
passarinho! (...) _Cagá no mato, bebê água no ribero, metê na bera do
caminho. Num tem vida melhor do mundo! _ Sua família parece porta de
tinturaria! Você é mulata, a Eufrásia é branca, inté índio tem! (...). _Sto uma
isqueleta! Peguei a doença de molher. É a venérica... (ANDRADE,
1991, p. 205-212-276)
50
movimento atuou também Lírio de Piratininga, um intelectual negro caricaturalmente
preocupado em defender a pátria dos japoneses, mas que sonhava em ser um
―Napoleão Negro‖ e foi inimigo do movimento de 30 (era ligado ao Partido
Republicano Paulista). Não foi narrada a batalha que tirou do front e levou a uma
coma aquele que, dentre os personagens aqui estudados, dentro de nosso modo de
entender mais se aproximou de ser o herói positivo de MZ: Jango. Ele também teve
defeitos: excessivamente sensual, envolveu-se com Eufrásia, mas ao mesmo tempo
com criada ligada a ela, Armida Spin. Alguns personagens serviram de contraste ou
de duplo de Jango em MZ: um deles foi seu problemático irmão, Joaquim (Quindim)
que o NE acompanhou em suas peripécias quando do levante de 32. O NE, ao
apresentar Jango, falou de passagem em Quindim, ―menino de cheio de mimos‖,
com ―ar viciado‖, que roubou as jóias da avó, envolvendo-se com o criado Dráusio. E
foi Quindim, e não Jango, quem foi focalizado pelo NE no campo de batalha
propriamente dito em 32. O NE, em MZ, teve pontos de contato com os atos de fala
de Jango, o que foi um ponto que reforçou nossa hipótese de que Jango foi o
protagonista de MZ.
51
5.1. JANGO E A FOCALIZAÇÃO INTERNA
52
basicamente três cenários: zona rural do sul de São Paulo, Jurema e Bartira
(pequenas cidades do interior) e São Paulo capital. O clímax dos conflitos ocupou
relativamente pouco espaço no decorrer dos romances: foi a narrativa propriamente
dita dos acontecimentos de 32 em A Revolução Melancólica. Depois de
apresentados os cenários, os conflitos foram crescendo de intensidade até esse
momento, episódio de guerra propriamente dita. Os personagens mudaram no
decorrer dos acontecimentos: Lírio de Piratininga, que depositou tantas esperanças
na revolução paulista, reapareceu no final de Chão como simpatizante dos
comunistas. Leonardo Mesa, o militante comunista, ao observar a força da
religiosidade popular em Bom Jesus do Iguape, descobriu a força do sincretismo e
do sentimento religioso, representadas, para um marxista como ele, por um contato
com ―Deus‖, ou o ―incognoscível‖. Isso representou uma mudança significativa: para
um marxista ortodoxo, Deus foi inventado pelo homem e aquela manifestação
religiosa seria simplesmente ilusão coletiva e falsa consciência sobre o mundo.
Embora exista um narrador a ordenar MZ num determinado tempo (o decorrer
dos anos entre 1932 e 34), ele raramente narrou continuamente. O narrador
transferiu com enorme freqüência sua função a um ou mais dos personagens. Pelas
cenas acima pudemos verificar claramente uma peculiaridade de MZ: o grande
número de personagens ora foi referido pelo narrador, ora interagiu entre si
dialogando em discurso direto. Porém, nos fragmentos acima, não existiu uma figura
que tivesse reaparecido com freqüência, nem interagido com os demais
personagens, configurando um protagonista ou um campo de protagonistas. Os
personagens que reapareceram (Nagib Abara, Major Formoso) não conseguiram
estabelecer um ponto de vista que o leitor possa perseguir, apenas misturam-se aos
demais personagens.
Em MZ existiu uma diferença notável entre o estilo do narrador e o dos
personagens: o narrador possuiu uma escrita mais próxima da norma culta e boa
parte dos personagens falava em dialeto caipira ou com uma fala que reproduziu,
em suas marcas de oralidade, seu sotaque de imigrantes.
Em Revolução Melancólica, Jango tem Leonardo Mesa como ajudante
indireto: os comunistas, como vimos ao tratar dos focalizadores imigrantes, não se
opõem à revolta de 32, simpatizaram com ela, pois sabem que ela ajudará a mover
a história. Aí, a narrativa acenou não para o contexto dos anos 30, em que os
comunistas serão presos e derrotados, mas para o contexto de 1943, em que a
53
frente da URSS com as democracias liberais do Ocidente é vitoriosa; é ela quem
trouxe o progresso e possibilitou derrotar as forças autoritárias do fascismo.
Jango funcionou como um elo entre a família de cafeicultores decadente e os
operários ligados ao comunismo. No final do romance, Jango fundiu, em toda a
confusão misturada de dor e morte, as figuras da Eufrásia Beato e Maria Pedrão.
Ambas seriam vítimas do arbítrio do latifúndio. Como Jango é filho do Major e
simpatizante do PCB, assim como o romance pode ser lido tendo Jango enquanto
protagonista e elo de ligação entre os vários grupos abordados no romance.
Estudamos a função de Jango enquanto possível protagonista, articulador de vários
grupos de personagens. Mais adiante, iremos estudar como é sua linguagem em MZ
e como ela se relaciona com a dos demais personagens.
54
5.2. ENTRE JOÃO E QUINDIM: PARÓDIA, HUMOR, TROCADILHO
55
A antropofagia funcionou no sentido de produzir caricaturas e fazer falar o
outro reprimido pela história: caricaturou-se tanto a mulher associada aos
integralistas (a prostituta Léontine Bourrichon), quanto o negro intelectualizado que
participou do levante de 32 (Lírio de Piratininga). Os caipiras, imigrantes e até
mesmo os simples operários tomaram a palavra em focalizações internas, fazendo o
papel de ―outros‖ reprimidos pela história. Em MZ, a antropofagia funcionou
discretamente, sob a superfície do texto, articulando energias subterrâneas para
produzir misturas e sínteses, mais do que rupturas do discurso linear.
Nesse ponto, MZ foi influenciado por Ulisses, de James Joyce, pois pode-se
dizer que ambicionou dar um passo adiante: depois de Joyce ter levado a um
extremo o romance do individualismo burguês, a narrativa de MZ dissolve o sujeito,
abandonando a convenção segundo a qual o protagonista deve ser claro e
apresentado logo de início. Quando Oswald de Andrade anunciou que Serafim era o
fim do mundo burguês entre nós, não se vê fundamento na observação, pois o
capitalismo continua existindo até hoje no Brasil. Aplicada à sua ficção, verificamos
que ela explica algo e tem utilidade: Serafim Ponte Grande foi o último romance de
Oswald em que ele centrou a narrativa em um indivíduo (no caso, Serafim). Depois
disso, ele dissolveu ao máximo o protagonista dentro de um afresco social. Resta-
nos, como críticos, fazer o caminho inverso, encontrando e interpretando os traços
de protagonismo que podem fornecer uma hipótese de leitura.
Para melhor entendimento da narrativa, escolhemos Jango como
protagonista, mas não pretendemos afirmar nossa leitura como a única possível: foi
uma hipótese de leitura. A partir de nossa leitura, vemos que MZ desafiou uma
convenção literária que Joyce não afronta: oculta e minimiza o protagonista. Devido
ao caráter dialógico do mural, o leitor foi convidado a ser co-produtor do
engendramento do sentido e a reler o romance: os laços internos entre os
personagens, conforme notamos, não são visíveis senão numa segunda ou terceira
leitura. Assim sendo, embora o autor empírico desejasse se aproximar do público
que lia em seu tempo, por outro lado a narrativa efetivamente produzida exigiu um
leitor muito avançado.
Em MZ, a forma não foi subvertida com uma sintaxe cubista e sim com o
abandono do foco centrado em um protagonista, dando origem a um contraponto
entre as inúmeras vozes presentes: somente no primeiro capítulo, a Posse contra a
Propriedade, foram apresentados dois personagens de grande importância:
56
Miquelina Sefonim (mais conhecida como Miguelona) e Leonardo Mesa, sem que
nenhum dos dois fosse indicado claramente como herói da narrativa.
Assim sendo, a narrativa não se ocupou mais em estabelecer um capítulo
inteiriço e elaborar ligações explícitas entre os dois personagens. Depois de dar voz
à camponesa Miguelona, foi dada voz a Leonardo Mesa, sem maiores explicações.
Dessa forma, como a continuidade da narrativa fragmenta-se, o título a encimar
cada capítulo ganha importância: tanto Miguelona quanto Mesa e a própria narrativa
praticaram um desejo de tomada de posse: Miguelona quer terra, Mesa quer tomar a
propriedade privada dos ricos (socializando os meios de produção). A narrativa de
MZ tomou posse de uma tradição literária que foi de Dante a Balzac e da qual ela se
serviu de forma irreverente, antropofágica: criticou-a extensamente (Sthendal e
Balzac teriam lamúrias psicológicas), mas não furtou-se a criar personagens a partir
dela (como Ana Tolstói). Jogando com o significante, criou um personagem que
assinou artigos como Lírio do Vale e que negou ser romance de Balzac (Balzac de
fato possui um romance com esse nome: Lírio do Vale). No entanto, MZ possuiu
pontos de contato com A Comédia Humana: não teve um único protagonista, gerou
muitos personagens e, curiosamente, existiu dentro dela um romance chamado Lírio
do Vale. Pensamos que essa atitude foi a atitude típica dessa narrativa diante da
tradição literária ocidental: exibiu rebeldia diante dela, sem deixar de muito
incorporar e citar, direta ou indiretamente.
Como afirma Maria Eugênia Boaventura, o romance apresenta os seguintes
elementos: 1) citação. Dentre os muitos autores que tiveram seus nomes citados
(Nietzsche, Wilde, Proust, Thomas Mann e muitos outros, até mesmo o Barão de
Saher Masoch), algumas vezes também o texto exibiu fragmentos de outros autores.
Um exemplo foi o poema de Lorca que encerrou A Revolução Melancólica. O
poema, que inclusive forneceu também epígrafe para essa tese, chama-se Grito
para Roma (e contém os versos: ―Porque queremos que se cumpra a vontade da
Terra/Que dá seus frutos para todos‖). 2) Paródia. Em A Escola do Cavalo Azul, o
discurso ufanista, citando um poeta parnasiano inclusive, está lá para ser
contrastado com a dura realidade da escola rural:
57
No entanto, em MZ não se cantam as bandeiras, nem existem feitos heróicos,
nem mesmo na revolução de 32, que é desmistificadax. Foi uma guerra onde os
guerreiros se desnortearam, batalhões fugiram. Não podemos nos esquecer que
Oswald criticou os estudantes da faculdade de Direito do Largo do São Francisco
em 1931, quando ela era a instituição que melhor representava o ―sentimento
paulista‖ que gerou o movimento constitucionalista. 3) Cômico e trocadilho. Diferente
da visão de Maria de Lourdes Eleutério, encontramos em MZ muitos episódios
cômicos; não faltou nem mesmo a piada de português e o trocadilho escatológico
com a palavra ―saco‖. Dois exemplos ilustrativos:
58
Utilizando nesse tópico e no decorrer desse trabalho tal abordagem,
apelamos para uma passagem do mesmo autor (Oswald) de preferência a uma
passagem de outro autor do mesmo período (Plínio Salgado).
O humor, por exemplo, pode ser encontrado em Miramar e também em MZ.
Ele manifestou-se, em MZ, sempre ligado a determinados personagens. Lírio foi um
personagem satírico, Jango não. Miguelona nos induziu ao riso, enquanto Maria
Parede foi referida sempre com seriedade. Outro traço é que o humor dessacralizou
a Igreja e os integralistas, num procedimento que podemos classificar como
antropofágico.
O humor acompanhou a Miguelona: pode-se dizer que ela é paródia de uma
revolucionária. Ela criticou os capitalistas e o espiritismo, enfrentou o subdelegado
Moscovão, mas afirmou para o militante Leonardo Mesa suas contradições: ela
também explorava trabalhadores pobres, dizendo não precisar do comunismo.
Praticou também atos de fala obscenos e burlescos por toda a narrativa, produzindo
um efeito desconcertante. Embora simpatizante do comunismo, nunca encontrou o
simpatizante Jango, filho de seu maior inimigo, o Major. Com isso, o leitor pode
entender que a narrativa quis poupar Jango da língua ferina de Miguelona.
Miguelona foi construída a partir de uma inversão dos códigos sexuais. Ela
jamais demonstrou preferência sexual por outras mulheres e sim explícita e
alegremente por homens, mas ela assumiu, diante dos homens, códigos sexuais
masculinos: agressividade, sexualidade explícita, ataques a uma mulher promíscua,
fala permeada por palavrões. O recurso de inverter os códigos sexuais foi utilizado
em MZ, não só no caso de Miguelona, mas no de Quindim, filho do Major a quem foi
atribuída feminilidade: ―Maria Parede excitava-o como um homem. Lembrava-lhe o
Dráusio‖ (ANDRADE, 1974, p. 185).
No primeiro capítulo, a Posse Contra a Propriedade, Miguelona esteve
envolvida numa luta de terras contra o Major, pois ela não tinha papéis formalizando
a posse da terra (a posse) e assim se opôs ao Major (propriedade). Ela criticou os
capitalistas e o espiritismo, enfrentando o subdelegado Moscovão, afirmando para
Leonardo Mesa suas contradições, pois explorava alguns trabalhadores: ―tenho
energia competente pra isfrutá os outro. Sô meio indiota mas inda dá prá indiotá os
otro‖ (ANDRADE, 1992, p. 41). Mesmo diante dessa atitude, Mesa previu que
Miguelona se tornaria comunista em breve: bastava que ela perdesse uma vila que
hipotecou em São Paulo e as terras que disputava com o Major.
59
O romance MZ inicia-se com um diálogo que exprime a revolta de Miguelona
diante do assassinato de Pedrão e sua coragem quando afrontou o policial
representante dos ricos proprietários. Logo após essa sua primeira aparição, ela foi
definida nos seguintes termos pelo narrador externo:
Tomando o café quente que ela lhe oferecera numa caneca de lata,
Leonardo Mesa queria ver transformações na vida paulista. A Miguelona era
uma mulher homem. Quebrara-se para sempre o gineceu, nas cidades e
nas fazendas, suas restrições e encantos? Fora-se o tempo das rótulas, dos
pais que matavam, do casamento sacrificado ou continuava a existir ainda a
fêmea esquiva da família do planalto? O povo trabalhador na sua ascensão
produzia novas formas. Ele encontrava no meio do mato uma bandeirante.
A luta era a velha luta do pioneiro americano contra as leis da metrópole. A
Miguelona era libertina, usurária, irreligiosa. Vinha de Bocaccio, de Adam
Smith e de Voltaire. Uma exceção (ANDRADE, 1991, p. 39-40).
60
misteriosos. Eles avançavam numa terra onde só havia, como disse Bilac,
um tropel de índios e feras (ANDRADE, 1991, p. 49).
62
posta a encimar o título do capítulo, mas foi destituída de seu conteúdo de imagem
infantil e não-referencial para tornar-se metáfora de alienação:
63
oficiava às pressas, na hora da passagem do trem de Bartira, indagando do
sacristão, durante a missa, de seus negócios e afazeres (ANDRADE,
1991, p. 94).
64
fazendo uma sincrética mistura, na qual MZ foi pródigo. Ela pode ser melhor
explicada, conforme veremos logo adiante.
65
6. A ANTROPOFAGIA COMUNISTA EM MARCO ZERO
66
identidade para o Brasil: contra a mentalidade colonizada, diante do marxismo ou
dos romances e modismos europeus, preconiza-se uma postura de apropriação
seletiva, igualando alta e baixa cultura, altas e baixas classes sociais, uma atitude
antropofágico-comunista diante da realidade brasileira. Imagens de certo primarismo
e até mau gosto foram utilizadas conscientemente para contrastar e compor
personagens como o grotesco imigrante novo-rico (Nicolau Abramonte) quanto da
camponesa politizada, porém chegada a uma galhofa (Miguelona) e do desprezível
Monsenhor Palude que oferece um penico de prata ao Coronel Bento, como forma
ridícula de ajuda financeira.
O contraponto esteve presente na polifonia étnica (falas de brancos ricos,
pretos, alemães, japoneses, caipiras, dentre outros), na passagem de uma voz a
outra através da FP ou pelo discurso do NE no decorrer dos capítulos; por sua vez,
a simultaneidade está ―no trocadilho e na palavra-montagem na palavra escrita e
falada, correspondente ao acorde musical‖ (PIGNATARI, 2004, p. 162).
A forma da antropofagia, em MZ, foi a luta da posse contra a propriedade,
que a narrativa apresentou tendo tomado, ela mesma, partido da posse xi: da terra
contra o latifúndio, do dialeto caipira contra o floreio retórico, a rebeldia irreverente,
os achados desabusados contra a tradição literária e a erudição convencional e
acadêmica. Portanto, o tema explicitado em MZ está entranhado nos próprios
procedimentos da narrativa. Pode-se mesmo dizer que a relação posse-propriedade
foi um dos eixos de MZ, observado por Boaventura de forma notável. Afinal, em MZ
existiu não só a relação posse-propriedade, mas ela aparece em forma e conteúdo.
Por exemplo: ela se faz presente, esteticamente, quando a tradição literária e
intelectual do Brasil e do Ocidente não é levada em conta como um peso morto. Ela
é tomada, pilhada, usada em um enfoque lúdico de jogos de linguagem. Mesmo o
campo de batalha é marcado pela constante lúdica. Nele, Quindim, irmão de Jango,
relacionou-se com um soldado nordestino e conseguiu fugir ao aprisionamento por
ter consentido em ceder favores sexuais ao nordestino. Trata-se da subversão do
heroísmo da guerra de 32.
67
recolhimento. Para criticar a música e afastar-se dela (diferente, portanto, de Mário
de Andrade), nos diálogos de Jack e Ciro foi citado o personagem Settembrini, que
afirmou sobre a música em A Montanha Mágica:
68
para tomar posição frente aos problemas do homem e resolvê-los. Como o
quadro! Há uma volta à parábola. O romance passa a moralizar...Como um
evangelho... (ANDRADE, 1974, pp. 234-235)
MZ, embora não tivesse lamúrias psicológicas, não é um romance que segue
a descrição acima. Ele não moraliza claramente (o NE é que deveria fazer esse
papel) e nem possui intertextualidade clara com o evangelho ou possui trechos que
possamos descrever ou analisar como parábolas. A narrativa como um todo abrange
as posições Carlos de Jaert e Ciro de São Cristóvão, tanto que elas aparecem
representadas por tais personagens. Por isso, podemos dizer que não se deve
procurar nesses personagens um ―porta-voz‖ autobiográfico nem uma voz do autor
empírico dentro da narrativa. São vozes que se somam a uma grande discussão que
não se submete a nenhum maestro autoritário. Carlos de Jaert, de um engajamento
social sensato, exibiu também um profetismo contra o capitalismo:
69
apareça como um choque casual, a fim de que, da sucessão dessas situações
típicas, se construa uma ação épica realmente significativa: inventar caracteres
típicos em circunstâncias típicas, essa seria a essência do realismo no romance.
Em MZ, os diálogos de Jack de São Cristóvão e Carlos de Jaert percorreram
os principais temas que atormentavam as vanguardas das três primeiras décadas do
século e que desaguariam na concepção de arte participativa e social dos anos 30.
Referindo-se à crise de representação do pensamento e da arte, tais preocupações
decorriam da dissolução de formas culturais e valores mais estáveis, advinda da
velocidade do avanço capitalista nas sociedades ocidentais.
Neste trecho, Jack de São Cristóvão personifica a vanguarda modernista
brasileira e assume a defesa de suas tendências expressionistas e cubistas sem
conteúdo político explícito. Carlos de Jaert, ao contrário, busca outra inspiração
pictórica: a representacional, pedagógica, sustentada na idéia de povo e informada
pelo movimento muralista mexicanoxiv. Siqueiros foi então acusado por Jack de
produzir uma arte demagógica. A intenção da narrativa, podemos supor, é justapor
essas posições para sincretizá-las, fundi-las, buscou encontrar a síntese entre as
duas posições: as experiências modernistas e arte social engajada. Assim sendo,
Carlos de Jaert é um personagem, como muitos nesse romance, que representa um
determinado ponto de vista e introduz uma teoria. Embora possamos aproximar
Jango e Leonardo Mesa, por exemplo, a narrativa teria se identificado mais com a
ideologia dos dois se tivesse escrito um romance narrado do ponto de vista de
algum deles. No entanto, tal não ocorreu, o romance foi escrito de um ponto de vista
distanciado mesmo em relação a esses personagens. Mesmo eles, em sua opção
pelo comunismo, são lançados na obra para serem expostos, criticados, analisados.
Dizemos isso referindo-nos, sobretudo, às descrições de pequenas cenas da
revolução em os latifundiários em armas, a descrição da peregrinação em Pro
Brasilia Fiant Eximia (para o Brasil faça-se o melhor), de A Revolução Melancólica, e
os grandes debates do Clube de Arte em Chão onde se misturam todos os tipos de
opinião sobre a situação econômica do Brasil, sobre a arte engajada e a arte
burguesa, etc.
Se, por um lado, a técnica utilizada em MZ respondeu à intenção de criar um
romance com muitos focos de atenção, por outro ela complicou totalmente o
desenvolvimento da ação e terminou por comprometer a finalidade que perseguia o
escritor: escrever uma obra popular. O poema de Lorca simboliza a luta da posse
70
contra a propriedade, motivo-guia retomado algumas vezes nesse texto, subjacente
ao assunto da revolta de 32, que aos poucos foi tomando o primeiro plano da
narrativa. Grito para Roma é um poema que faz parte de Poeta em Nueva York
(1929-30), inspirado quando por sua estada naquela cidade norte-americana, mas
só publicado em livro postumamente, em 1940, no México. Nessa obra, o poeta
paga seu tributo ao surrealismo e ao estilo de Walt Whitman, além de exprimir o seu
horror aos crimes e absurdos da civilização moderna, que ele conheceu bem de
perto ao visitar os Estados Unidos na época mais difícil de sua história: a recessão
econômico-financeira do fim da década de 20.
Pensamos também que Lorca foi também escolhido por ter sido vítima do
fascismo espanhol. A necessidade de combater o fascismo e o integralismo sempre
foi ressaltada por Oswald; não foi à toa que o episódio escolhido como sinalizador
da revolução socialista que estava por vir foi a dissolução de um comício integralista
pelos militantes de esquerda que ocorreu em Chão. Outro motivo foi a evidente
associação entre a nova sensibilidade de Oswald e a de Lorca:
Mijares de famílias
Se van a Buenos Aires
Porque non tienen em su pátria
Quien los ampare!
(...) (ANDRADE, 1991, p. 87)
71
Nesse caso, trata-se da transcrição de canções trazidas ou criadas pelos
imigrantes para narrarem seus infortúnios. É muito curiosa a incorporação da música
num romance em que existiu pelo menos um personagem, Carlos de Jaert, que
primou por criticar a música e citou outro crítico da música, o personagem
Settembrini em Montanha Mágica. Essa incorporação da oralidade primária também
nos fez lembrar o trabalho similar realizado por Mário de Andrade como musicólogo
e folclorista. Vejamos mais exemplos dessa oralidade primária colhidos em MZ:
Dinheiro e amizade
Pesando numa balancia
O dinheiro nunca chega
Onde amizade nunca alcança!
Num romance com clara influência do marxismo, essa canção acima serviu
para ilustrar uma discussão entre mendigos que surgiu na porta de uma igreja.
Apesar do absurdo do local e da total alienação a que os mendigos estavam
submetidos, a conclusão a respeito do poder do dinheiro e das distorções que ele
gera na vida social nos pareceram significativas: ―—Pode até não gostá da gente.
Mas, vendo dinhero na mão, dá comida, posada, tudo!‖ (ANDRADE, 1991, p. 241).
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Vamos todos beber
Enquanto temos ideal
Que embalar bebês
É muito banal
Ba-a-nal!...(É uma canção de estudantes do Koenigsberg que eu traduzi,
mamãe!) (ANDRADE, 1974, p. 121)
Salvai da morte
Curai o doente
Livrai da peste
Que vem de repente! (ANDRADE, 1974, p. 161)
A obra foi atacada por conter imagens de mau gosto; sua presença
faria sentido na ambição eclética com que MZ foi realizado: o texto não nos pareceu
querer impor uma só visão, por anticonvencional e criativa que fosse, da sociedade;
o texto agregou opiniões e imagens contraditórias ou conflitantes. De fato, no texto
aqui avaliado existem elementos e coisas que ―hurlaient d´ être ensembles‖ (gritam
de estar juntas) e essa nos pareceu ser a originalidade da sua visão: ao mesmo
tempo em que apareceram as falas elegantes e precisas de Leonardo Mesa,
analisando a sociedade e o real através do prisma marxista, surgiu Paco Alvaredo
73
para denunciar o descaso dos comunistas com relação ao que dizia respeito ao
comportamento individual, forma e boas maneiras, marcando um contraponto.
Diferente de Salim Abara, os japoneses não se abrasileiraram. Essa questão foi
ilustrada pelo NE, crítico dos japoneses, quando o menino Idalício adoeceu de
tétano e morreu sem que os japoneses fornecessem o soro: os japoneses
fechavam-se numa colônia, não exercendo nenhuma forma de solidariedade com os
brasileiros pobres.
A antropofagia, em MZ, poderia estar nesse tipo de comentário: para o
imigrante, para o estrangeiro adaptar-se ao meio brasileiro seria preciso que ele se
abrasileirasse, se misturasse aos brasileiros, se adaptasse: nesse momento, Salim
Abara fez contraponto a Nicolau Abramonte. Salim defendeu o caboclo brasileiro dos
japoneses (quando Elesbão aproximou-se e foi privado de sua terra por eles);
Nicolau Abramonte rejeitou Lírio de Piratininga com imprecações racistas. A
narrativa mostrou, no entanto, outra face de Abramonte em Chão, ao mostrá-lo
como um banqueiro que se negou a financiar o integralismo para que ele
combatesse os comunistas. A presença da antropofagia, antes anarquista, agora
com componentes marxistas, fez com que o direcionamento do texto fosse contra o
fascismo integralista, tido como associado aos imperialismos italiano e alemão e
japonês. A narrativa também fez paródia da revolução de 32, criticando também o
comunismo através de uma personagem que é a paródia de uma revolucionária
(Miguelona), assim como os militantes comunistas foram expostos as críticas de um
anarquista (Paco Alvaredo).
Bem diverso é o tratamento dado a Miguelona Senofim: ela é uma ítalo-
brasileira, uma mistura entre caipiras e imigrantes, porém sua brasilidade jamais é
posta em questão. Sua origem só ficou evidente através de seus atos de fala
irreverentes e bufões. Outro personagem bufo é Lírio de Piratininga, caricatura de
intelectual (nacionalista à la Olavo Bilac) bastante ridicularizado em sua participação
em 32. Lírio se opôs aos Abramonte, para os quais era um elemento civilizador;
ensinava os imigrantes a tomar banho, escrevia contra os japoneses e a favor dos
negros, agia desvinculado do catolicismo retrógrado da pequena cidade. Salim
Abara, de origem sírio-libanesa, uma vez abrasileirado, reagiu contra os japoneses,
essa raça que trazia o ―dumping‖, ou seja, a concorrência desleal.
Kana representou um personagem japonês cúmplice nos atos do Conde
contra a esposa Felicidade Branca: ela o viu em trajes íntimos, invadindo seu
74
espaço de forma análoga à que faziam os japoneses com os colonos. Embora Kana
fosse educado no Ocidente, não se podendo atribuir a grosseria a fatores culturais,
tudo indica um grau de proximidade também política entre o copeiro japonês e o
conde integralista e fascista, tal como entre Hitler, Mussolini e Hiroito. Kana subiu na
sociedade, embora com maus modos; ele foi, de certo modo, premiado pelo Conde
pela ofensa a Felicidade Branca.
Em MZ, a antropofagia estaria na defesa dos caboclos realizada pelo NE.
Enquanto Miguelona desvinculou-se e denunciou Mussolini, os imigrantes japoneses
nunca desvincularam-se totalmente da política de seu país; existe inclusive uma
inspeção de uma autoridade japonesa nas colônias.
75
A narrativa, marcada ela mesma, internamente, por procedimentos
antropofágicos, explicita a possível leitura conservadora da antropofagia: ao cantar
uma regressão ao primitivo e o ancestral sem deixar de lado a técnica, o grupo
liderado por Oswald de Andrade teria profetizado Hitler. Por outro lado, fazendo uma
outra leitura dessa profecia, a antropofagia teve também uma releitura pelo
movimento tropicalista nos anos 60. A postura irreverente e agressiva diante das
tradições da música popular brasileira foi equacionada com aceitação dos avanços
tecnológicos. A possível leitura conservadora da antropofagia, descartada pelo
próprio Major Formoso (cujas falas em MZ o aproximaram dessa posição: uma
interpretação conservadora da antropofagia) foi, logo a seguir, contestada pelo
arquiteto Jack de São Cristóvão:
76
O tratamento dado à oralidade chamou-nos a atenção especialmente numa
passagem de Revolução Melancólica, que pode também ser destacada para
comentar a presença da estética muralista em MZ. Nessa passagem, os
personagens, militantes do partido comunista, escutaram ao longe um comício
constitucionalista:
77
popular, um personagem formulou talvez a sua mais estranha versão, nada
comunista e sim decadentista: o pai de Jango, Major Dinamérico Klag Formoso, que
estudara Filosofia em Oxford. Leonardo Mesa o entrevistou e obtivemos o registro
dessa estranha filosofia em MZ. O NE assim iniciou essa passagem:
78
Allan Kardec. Para o Major, comer os animais seria como praticar uma forma de
antropofagia, um sucedâneo do canibalismo ritual:
79
ao fantástico), espiritualista (catolicismo estético, rosa-crucianismo, budismo, por
exemplo) e ocultista (magia, cabala, espiritismo, teosofia, quiromancia, astrologia) do
fim-de-século contra o positivismo e o cientificismo, o decadentismo integra uma
significativa e plural renovação estética, de teor antinaturalista e antiparnasiana,
distinguindo-se como arte de crise correspondente a uma paradoxal atitude, dúbia e
ambivalente, perante a sociedade urbano-industrial (miticamente percepcionada
como processo de declínio irreversível) e face aos efeitos da moderna racionalidade
científica e pragmática, em que o materialismo burguês despontava como algo de
abjeto. Daí a recusa do utilitário, de uma prática social unicamente orientada para os
valores mercantis e, como contraponto, a projeção para o ―culto do eu‖ que, tanto no
plano do estético como do vivencial, relevava a diferença entre a elite e as massas.
Daí, igualmente, o culto exarcebado do artifício, do anti-natural (na tradição
baudelairiana), do excesso, do decorativismo sensualista (a predominância dos
universos de simulacro, a sofisticação ritualística dos objectos, o fascínio pela flora
exótica ou artificial, o ludismo sinestésico, a sintaxe dos odores) e o culto do
individualismo (expressão dum egotismo absoluto, clara hipertrofia do eu), a
centripetação subjectiva (especularidade narcísica), a ficcionalização de um
narcisismo paroxístico. Sob o primado destas tendências temático-formais (a que
poderíamos acrescentar, entre outras, o amor ritualmente lascivo e inibitório, o
fascínio pela figura ambivalente de Salomé tal como surgia nos quadros do pintor
simbolista Gustave Moreau, o erotismo anômalo, a volúpia transgressiva do vício e
do sangue, o imaginário monstruoso e necrófilo) o decadentismo reclama o novo,
pretendendo os estetas libertar a literatura e as artes das convenções da moral
burguesa, conscientes que estavam da desilusão de um século que parecia ter
esgotado todas as potencialidades de um romantismo reduzido a cinzas. Estes
sentimentos encontraram fortíssima expressão literária na obra de J.-K Huysmans
(1848-1907), particularmente em A rebours (1884) que, sob a influência tardia do
pessimismo de Schopenhauer (1788-1860), empreende uma síntese intensificadora
da estética decadente na criação da personagem Des Esseintes, paradigma do
dândi finissecular (GUIMARAES, 1982, p. 45).
Filiado ao decadentismo conforme definido acima, o pensamento do Major
representou uma ―baixa antropofagia‖ presente dentro de MZ, um pensamento
reacionário provocado simultaneamente pela decadência econômica, uma mente
transtornada e uma leitura ou ―sobreinterpretação‖ de Nietzsche. Pensamentos
80
canibais e repletos de desprezo, opiniões desencontradas de um estranho
―Zaratustra‖, louco e solitário, ruminando uma filosofia do eterno retorno à
animalidade e do desprezo do humano. A própria narrativa descartou organicamente
essa leitura, demonstrando, por seu próprio movimento interno e pela fala acima
citada de Jack de São Cristóvão, um direcionamento do grupo que fez a Revista de
Antropofagia para uma síntese entre o experimentalismo de vanguarda e os
conteúdos marxistas e anarquistas.
Depois de analisar o pensamento do pai de Jango, verificamos suas
focalizações internas para melhor estudar seu discurso. Aparentemente, a filosofia
do pai influenciou muito pouco Jango, personagem mais ligado à prática do que às
especulações filosóficas, existenciais ou políticas.
81
3ª PARTE
82
8 JANGO E O PNP (PORTUGUÊS NÃO-PADRÃO)
83
abstrata e homogênea, a Lingüística concebeu a língua como uma realidade
intrinsecamente heterogênea, variável, mutante, em estreito vínculo com a realidade
social e com os usos que dela fazem os seus falantes. Uma sociedade
extremamente dinâmica e multifacetada só pode apresentar uma língua igualmente
dinâmica e multifacetada.
Ao contrário da gramática tradicional, que afirma que existe apenas uma
forma certa de dizer as coisas, a Lingüística demonstra que todas as formas de
expressão verbal têm organização gramatical, seguem regras e têm uma lógica
lingüística perfeitamente demonstrável. Ou seja: nada na língua é por acaso.
Por exemplo: para os falantes urbanos escolarizados, pronúncias como
―broco‖, ―ingrês‖, ―chicrete‖, ―pranta‖, etc. são feias, erradas e toscas. Essa avaliação
se prende essencialmente ao fato dessas pronúncias caracterizarem falantes
socialmente desprestigiados (analfabetos, pobres, moradores da zona rural etc.). No
entanto, a transformação do ―L‖ em ―R‖ nos encontros consonantais ocorreu
amplamente na história da língua portuguesa. Muitas palavras que hoje têm um ―R‖
apresentavam um ―L‖ na origem:
LATIM PORTUGUÊS
Blandu Brando
Clavu Cravo
Duplu Dobro
Flaccu Fraco
Fluxu Frouxo
Obligare Obrigar
Placere Prazer
Plicare Pregar
Plumbu Prumo
Tabela 2: Evolução do Português
84
O exemplo apresentado acima (mudança de L para R em encontros
consonantais) não deve levar ninguém a supor que esses fenômenos variáveis e
mutantes só ocorreram na língua dos falantes rurais, sem escolarização, pobres etc.
Eles também ocorrem na língua dos falantes "cultos", urbanos, letrados etc., muito
embora esses mesmos falantes acreditem ser os legítimos representantes da língua
"certa". Ora, o rotacismo apareceu inúmeras vezes em MZ:
85
Rússia no campo brasileiro. MZ adiantou questões tais como a relação entre a
escrita e a fala.
Como vimos acima, a narrativa incorporou a oralidade no momento da
focalização interna, quando buscou transcrever na forma escrita os sotaques dos
imigrantes e o dialeto caipira. O NE praticou um português mais próximo da forma
culta, mas o uso da forma literária e retórica nos atos de fala de alguns
personagens, como as falas de Anastácia Pupper, indicou que, em MZ, as falas de
Miguelona eram em português não-padrão para compor a personagem e a paródia a
ela associada. No entanto, a narrativa não explorou somente o possível efeito
humorístico causado pelos atos de fala em dialeto caipira, sotaque e PNP: pode-se
ler MZ como uma narrativa onde a fala que imitou um padrão escrito foi
desmistificada e ridicularizada por passadista e ligada a uma retórica ultrapassada.
Os exemplos foram vários: o discurso de Eufrásia diante dos alunos, o discurso do
político constitucionalista Pádua Lopes, dos estudantes de Direito em 32, a palestra
de Alberto de Saxe.
Assim sendo, as questões da oralidade, escrita e fala no MZ foram pioneiras
e podem hoje ser discutidas à luz de teorias recentes. Embora os imigrantes, na
maioria das vezes, trouxessem a marca da oralidade em suas falas, trazidas à luz
pelo narrador externo em discurso direto, existem exceções, como o aristocrata
russo Mikael, antigo capitão de guarda do Czar. No diálogo, surgiu em dada altura
uma referência ao fato de que Mikael estudou com um professor. Ele deveria
também ter um sotaque; mas não foi por isso, supomos, que essas marcas não
apareceram. Elas não apareceram porque Mikael dominou o português padrão em
que foi transcrito seu diálogo:
86
Outros dois personagens imigrantes e que possuíram a oralidade como
marca de suas falas foram: 1) Nicolau Abramonte, prefeito de Jurema e imigrante
italiano e 2) Léontine Bourrichon, a prostituta de origem francesa. Em ambos os
casos, os discursos dos dois compuseram personagens ridículos ou grotescos. No
caso de Abramonte, suas falas macarrônicas, lembrando as de Miguelona,
ilustraram de maneira cômica o imigrante em ascensão que passou a controlar seus
antigos patrões. Abramonte, ao receber Vitalino, novo gerente do banco do qual
Abramonte era dono, exibiu, além de seu português não-padrão, seus modos pouco
cultivados:
Acima, portanto, tivemos contato com um imigrante que não estudou e não
dominou o português padrão, embora rico banqueiro; suas falas ajudaram a compor
a imagem de ignorância, simpatia pelo fascismo de Mussolini e crueldade com os
antigos patrões, os Formoso.
Na maior parte das vezes, o NE utilizou os verbos no passado, mas ele não é
alguém que está se recordando de um passado recente. Embora. Por outro lado, os
focalizadores personagens, por vezes, utilizaram os verbos no presente. Outra
personagem imigrante cujas falas foram marcadas negativamente foi a Condessa
Léontine Bourrichon, dona de uma casa no Jardim América:
--Vocês non viu minha camisa verde? Io mande fazerr...Vô vistir no dia da
posse do Plínio Salgado...(...). –O negoce non stá pra dá risade! Felizmente
a France tem o Laval qui vá fazere o aliance com o Mussolini...(...). Você
pigó a moele! Nom faça isso. A metade é do conde. Com licence. É do
regime do conde! O curranchi também...É o pedaço que os homes gosta de
chupá....(...). Os bolcheviste querr tirá os coisa da gente! Onde já se viu
isse? Qui façan iguarr eu! Ganhê com sacrifice. Eu já tinhe trezentos contos
87
quando fui co conde! Ele non me deu nada só a casa agorra...Trezentos
conto suado! (ANDRADE, 1974, p. 234)
Fiz contrato com os colonos espanhol que saiu da Fazenda Canadá assim
mesmo perciso de algumas familhas a porca pintada deu cria sendo tudo
por 9 leitão e o Migué Turco pediu demissão arrecolhi na ceva mais três
capadete que já estão no ponto a turbina não está foncionando bem esta
semana amanhã o Salim vem concertal. O descascador ficou muito bom por
aqui vão todos bom da mesma forma com a graça de Deus que com D.
Célia fique restabelecido da convalescença o que é que eu lhe desejo
(ANDRADE, 1999, p. 71)
Ainda que existam outras cartas como essa acima, em Miramar esse uso do
português não-padrão para compor os personagens ainda não tinha tomado a
extensão com que se destacou em MZ, mas foi presença marcante e fez parte da
sátira, constituindo mais um elemento de continuidade entre MZ e Miramar. Em
determinados momentos, a narrativa utilizou-se da paródia, fazendo um arremedo
parodístico de um linguajar rebuscado e falso, dirigido em MZ principalmente contra
os integralistas e os rebeldes de 32. A fala dos caipiras, japoneses e imigrantes, por
sua vez, foram transcritas de forma a manter as marcas da oralidade e das variantes
do português falado que divergiam do padrão culto, tendo quase sempre tomado as
tintas da paródia. Assim, quando apareciam as falas de Mikael ou de Jango,
88
personagens que dominavam o padrão culto, as falas não traziam as marcas de
oralidade presentes nas falas dos grupos acima citados.
Assim, podemos dizer que, em MZ, a caracterização satírica da retórica de
uma determinada faixa social urbana de letrados bacharelescos (a quem essa fala
servia de emblema e de jargão de casta) serviu de contraponto aos atos de fala de
outras classes sociais. Notamos, finalmente, que a emissão de falas em português
não-padrão aconteceram nos lugares por onde o suposto protagonista Jango
deslocava-se: as pequenas cidades (Jurema e Bartira), bairros diversos da capital
paulista, a fazenda Formosa. Finalizemos, portanto, nossa hipótese de leitura que se
utilizou de Jango enquanto protagonista.
89
IX CONCLUSÃO
90
relida e praticada tanto explicitamente (nos atos de fala de Jack de São Cristóvão e
de Major Formoso) quanto no nível interno (o texto agregou citações de outros
autores, desde Thomas Mann até Lorca, passando por Sacher-Masoch, utilizou a
paródia dessacralizadora contra a Igreja Católica e os bacharéis que apoiaram 32,
incorporou a oralidade do português não-padrão, além de canções folclóricas e
populares).
Estudamos também as focalizações internas em torno do nosso suposto
protagonista, considerando que elas formaram a estrutura mesma do romance,
tendo aparecido constantemente: quase todos os personagens tiveram direito a uma
focalização interna, na forma de um ou mais atos de fala. Registramos também o
deslocamento de Jango entre os vários lugares do romance (Bartira, Jurema, São
Paulo capital, fazenda dos Formoso), deslizamento que propiciou, nesse meio, os
atos de fala em português não-padrão em dialeto caipira, com sotaque de
imigrantes, de operários comunistas em reunião na capital, dentre outros falares.
Concluindo, essa tese buscou minorar as diferenças entre os diversos
romances de Oswald de Andrade, tendo em vista fazer com que os volumes do MZ
sejam vistos enquanto obra madura, capaz de estilo engraçado e dinâmico, com
uma especifidade própria: sem diminuí-los em prol de obras anteriores, obras que
precisariam iluminar MZ, nunca ofuscá-lo.
91
XXI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
92
__________________________. Trajetória de Oswald de Andrade. O Estado de
São Paulo, 21 out. 1984. Cultura, pp. 1-2.
93
DANTAS, Vinícius. Oswald de Andrade e a Poesia. São Paulo: Novos Estudos
CEBRAP, número 30, 191-203, julho, 1991.
FORMOSO, Ana Silva. Marco Zero: Uma Proposta de Romance Mural. Dissertação
Inédita (mestrado). Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem, 2003.
PIGNATARI, Décio. Marco Zero de Andrade. In: Contracomunicação. 3ª. Ed. Rev.
Cotia: Ateliê Editorial, 2004.
94
MENDES, Lauro Belchior. O Discurso Antropofágico de Serafim Ponte Grande. Belo
Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1977, 124 p. (Manuscrito, dissertação de
mestrado em Estudos Literários).
95
BOOTH, Wayne. Rhetoric of Fiction. Chicago: Penguin Books. University of Chicago,
1983.
COSTA LIMA, Luiz. Representação Social e Mimesis. In: Dispersa Demanda. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1978.
96
SOURIAU, Etienne. As Duzentas Mil Situações Dramáticas. São Paulo: Editora
Ática, 1993.
12.4 Geral
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Livraria Duas
Cidades, 1977, pp. 383-417.
CALADO, Carlos. Tropicália: a História de uma Revolução Musical. São Paulo: Ed.
34.
97
CHASIN, José. O Integralismo de P. Salgado. São Paulo: Livraria Editora de
Ciências Humanas, 1979, pp. 191-272.
DORFMAN, Ariel. Uma Vida em Trânsito. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 1998, p. 209.
LORCA, Federico. ―Grito Para Roma‖. In: Obra Poética Completa. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
OLIVEIRA, Vera Lúcia. Poesia, Mito e História no Modernismo Brasileiro. São Paulo
/ Blumenau, UNESP / Furb, 2002.
SALLES, Fritz Teixeira de. Das Razões do Modernismo. Brasília/Rio de Janeiro, ed.
Brasília, 1974.
MANN, Thomas. A Montanha Mágica. Rio de Janeiro: Ed: Nova Fronteira, 2000.
98
MORAES, Eduardo Jardim de. A Brasilidade Modernista. Rio de Janeiro: Ed. Graal,
1978.
99
XXIII ANEXOS
Cenas Personagens
1 Morte de Pedrão Pedrão, Miguelona Senofim
2. Sepultamento de Pedrão Pedrão
3. Protestos da Miguelona Miguelona, Moscovão, Major, Anjolete
4. Lírio e os colonos japoneses Lírio
5. Elesbão: como o Brasil Elesbão, Lírio, Salim e Muraoka
6. Elesbão e Muraoka Muraoka, Elesbão, Salim Abara, Zilé, Ercole
Fiorelo, Casacão, Merelão, Ciana, Antônio
Cristo, Chiba.
7. Salim e Muraoka Salim, Muraoka, Ditinha
8. Bartira, o fim do mundo Muraoka
9. Moscovão e o empório Muraoka, Idílio Moscovão
10. Diálogos no empório Moscovão, Anjo Leite, Major, Lírio, Ercole
11. O Expresso de Xangai Capitão Jango, Major, Roselina, Jango
12. Chegada a Santos Fabrício, Rioja, Mesa, Prestes
13. Reunião do Partido Comunista Mesa, Agripa, Gonzaga, Rioja, Pancrácio
14. O PRP e o PC Fabrício, Rioja, Pacova, Melo Araújo
15 O comício de mastros Leonardo Mesa
16. José Beato e Antônio Cristo Muraoka, Antônio Cristo, Lírio, Padre Beato
17 Miguelona, bandeirante mulher Miguelona, Leonardo Mesa
18. Miguelona e Rioja Rioja, Pedrão, Dona Europa, Miguelona
19. Foco comunista na mata Leonardo Mesa, Rioja, Muraoka, Mingo,
Fusiko, preto Tomé, Miguelona
20. Rioja e o Major Miguelona, Rioja, Tomé, Jango, Conde
Alberto de Melo, Pancrácio Fortes, Major
Formoso
Tabela 3: A posse contra a propriedade
100
II A ESCOLA DO CAVALO AZUL
Cenas Personagens
21. Escola rural onde leciona Eufrásia D. Anastácia Pupper, Dona Eufrásia,
Seu Barnabé.
22. Lírio é apresentado Nhá Tita
23. Brasileiros e japoneses na escola Eufrásia Beato, Kioto Nassura,
Sakueto Sakuragi, Jesué dos Santos,
Massau Muraoka, Adelino, Idalício
Deadermino, D. Anastácia Pupper,
Josefa Antunes.
24. Aula de alfabetização Idalício
25. Circo no Interior A assistência, Deadermino, Xerife
Idílio, Eufrásia Beato Moncorvino
Jango, Miguelona, Idalício, Veva
Licórnea
26. Jango João Lucas Klag Formoso, Armida
Spin, Jeremias Moncorvino, Eufrásia
Beato, Maria Aeroplano, Idílio
Moscovão, Major, Monsenhor Luna,
Sempre Viva, Umbelina Formoso
27. Jango e Arminda Spin Armida Spin, Ferrúcio Spin, Jango,
Ciana
28. Jango e Cristo Jango, Índio Cristo
Cenas Personagens
47. Jurema, cidade interiorana Lírio do Vale e a família Abramonte
Nicolau
Ludovica
48. País do Cavalo Azul Monsenhor Palude
Caiçara
Salim Abara
Padre Beato
49. Perfil dos Abramonte Nicolauzinho
Nicolau Abramonte
50. Os imigrantes e o Brasil Nicolau Abramonte
Salim Abara
Dona Filomena
Idílio Moscovão
51. José Beato, Anchieta dos Muraoka
Japoneses José Beato
52. Procissão em Jurema Padre Beato
Lírio de Piratininga
Ludovica
53. Prefeito Abramonte e Lírio Prefeito
Lírio
Dona Filomena
102
54. Mulher do Lírio e a Neurastenia Ludovica
Esmeralda
Dona Fúlvia
55. Catolicismo de Abramonte e Lírio Ludovica Abramonte
Dona Filomena
IV—Vésperas Paulistas
Cenas Personagens
85. Tramando 32 Padre Beato, Dr. Sakura, Leonardo
Mesa, Lírio
86. Raça na Guerra Paulista Dra. Marialva Guimarães, Lírio
87. O Preto do Botequim, da Fúlvia Abramonte, Dona Filomena
Liberdade e da Cachaça Ludovica, Boiadeiro Rocha, Miquelina,
Dra. Marialva Guimarães
88. Cruz do Bom Jesus Rafael Stronzo, Ladislau, Leonardo
Mesa, Lírio, Monsenhor Palude
89. Babilônia do Capital Dona Ludovica
90. As Chaminés no Azul Zico Venâncio, Linda Moscovão
104
Felicidade Branca, Condessa Tolstoi
(Madame da Silva Calheiros), Lina
Machado
94. O Pessoal do Brás Administradora Junquilho, Dona Paula
Moço magro, demitido do Matarazzo
95. Os Boxeadores Severão Júnior, Mário Ferguson,
Ubaldo Junquilho, Zico Venâncio
96. O Bairro Proletário O Brás
97. Rua dos Pobres Linda Moscovão, Maria Parede, Jamil
(dentista), Dr. Torres, Ricardo
Bartelmes, Doardo, filho de Zico
98. O Coronel Viajou Bélica, Afonsina, Dona Vitória,
Pancrácio Fortes, Pavão, Afonsina,
Duviges
99. Enquanto a Revolução Não Vem Jango
105
115. Prisão de Parede & Mesa Idalina e Os Frelin
116. O partido convocou Gottlieb Plaumburn, Pacova,
Companheiro Ortiz, tenente Odilon da
Força.
117. O Homem do Boné Eduardinho, Vizinho do casal
Venâncio
118. Carmela Venâncio Carmela Venâncio
Tenente Magro
Zico Venâncio
119. Segredado de Tudo Mário Ferguson, Zico Vemâncio
Tabela 6: Vésperas paulistas
V- Latifundiários em Armas
Cenas Personagens
120. Os Latifundiários Pedro de Toledo, Afonsina, Idílio,
Anastácia
121. Lanche Eufrásia, Jesué, Anastácia Pupper,
Barnabé
122. Guerra de São Paulo Um negro sorrindo, Idílio, Índio Cristo,
velho de olhos vidrados, um sargente
gordo
123. Nós Estamos em Revolução Índio Cristo, Tenente Chiba
124. Filhos no Front Xavier, soldados revoltosos, D.
Rosalina, Capitão Jango, D. Guiomar
Junquilho, D. Sinhá, Umbelina
Formoso, Tenente Lírio de Piratininga
125. É a Guerra Lírio, Quindim, Cláudio Manoel,
Afonsina, Bélica, Umbelina, Tenente
Lírio de Piratininga e Sargento
Epaminondas
126. A Barata Azul Moço oficial
―grilo‖
127. O Troço Bisonho Tenente Lírio, Epaminondas
128. São Paulo Sozinho Jango, Afonsina
129. Mãe e Filho Fúlvia Junquilho e Ubaldo
130. Ruído de Corneta Um menino
131. Guerra é Guerra Quindim
132. Para Combater Getúlio Tenente Lírio de Piratininga
133. Primeira Vítima da Revolução Oficial, chofer, Barnabé
134. Batalhão de Jurema Índio Cristo, Chiba, Nhô Idílio
135. Batalhão Fantasma Idílio Moscovão, Lírio
136. O Canhão e a Mulata Soldados
137. Junquilho Administradora Junquilho, Xavier,
Paula
138. Tiros soldados
106
139. Carlos de Jaert e Jack Afonsina, Quindim, Pichorra, Carlos
de Jaert, Jack de São Cristóvão, Idílio
Moscovão
140. Revolução de 32 e a Piada de Quindim
Português
141. Fila de Soldados Jack de São Cristóvão
142. Os Atacantes Soldados varguistas, Mateus Beato,
Quindim
143. Prisioneiros Oficiais da ditadura, soldados
constitucionalistas, Quindim
144. Quindim e um Rapazinho Quindim, Soldado Nordestino
145. Você me Libertou Quindim, Soldado
146. Coração em Fogo Quindim, Reduzino
147. Tenente Piratininga Chiba, Lírio
148. Jango Caiu Jeremias Moncorvino, Eufrásia,
Geralda, Genuca, Rosalina, Capitão
Jango
149. O Corpo de Jango Major Dinamérico Klag, seu Jango,
Afonsina, Vitória e Belica, Jango
150. Dois Jangos Major, Jeremias Moncorvino, Eufrásia,
Noralda, Veva, D. Anastácia Pupper,
Dona Umbelina, Jango da Formosa,
Rosalina
151. Os Féretros Desembarcados D. Anastácia, cabo gordo
152. Soldado da Guerra Paulista Major, Jeremias Moncorvino,
Rosalina, família Moncorvino
153. O Outro Jango Tenente Jango da Formosa, Guiomar
Junquilho, Alexandrina
154. João Lucas Melhorou João Lucas, Argelin Junquilho,
Alexandrina, Tenente Jango
155. Na Hora Ninguém Quer: Morte Argelin, enfermeira-chefe, Alexandria
156. Um Grupo Histérico Cláudio Manoel
157. Mulher de Soldado Eufrásia Beato, tenente Jango,
Capitão Rego Diniz
158. Eufrásia e Minervina Eufrásia, Minervina
159. Os Sofrimentos de Jango Lírio, Major, Eufrásia, Tia Licórnea, a
criadinha
160. Caleidoscópio da Retaguarda Lírio de Piratininga
161. Junquilho no hospital A Junquilho
162. Major Formoso e Eufrásia Beato Major, Licórnea, um amigo, Eufrásia
Beato
163. O Batalhão Pirou Lírio Rebouças, Jango, Moscovão,
Juventino
164. Necrotério da Garagem Moça de preto, cadáver de rapaz
165. Diálogo nas Enfermarias Um fraturado, enfermarias
166. Uma Freira na Copa Freira
167. O Grupo vê os heróis paulistas Um médico barbado
Enfermeira Um curativo
168. Os Paulistas Avançam Jango, Lírio de Piratininga
107
169. Argelin e Jango Anjo Leite, Argelin, Jango e Lírio
170. Entre Tapas e Risos O médico e a enfermeira
171. Um Cabelo no Café Anjo Leite, Argelin
172. Faltam Remédios Enfermeira, Junquilho
173. O Português que Ficou Major, Eufrásia Beato
174. A Retirada Sensível Eufrásia Beato, Jango, Argelin
175. Apóstrofes com Cheiro de Pinga O Major, Eufrásia Beato
176. Entre o Chumbo e o Ouro Irmã, Argelin
177. A Guerra Continua: Jango e João Lucas Klag Formoso, Eufrásia
Eufrásia
178. A Volta da Miguelona Miguelona, Antônio Cristo, Tenente
Chiba
179. Miguelona e o sexo Miguelona e um homem
180. Enquanto não Acaba a Índio Cristo, Miguelona, Cadela
Revolução
181. O Índio e a Cachorra O índio, Cachorra
182. Capitão Kana Jango, Kana
183. Diálogos com Kana Um médico, Kana
184. Major e Eufrásia: Éxtase Major, Eufrásia
185. Sem Notícia de Eufrásia Jango, Kana, Anjo Leite, Lírio
186. Os Soldados e a Onça Jango
187. Ele e Você O homem
188. As Terras do Major Índio, tenente Jango, Miguelona
189. Grávida de Jango Major, Muraoka, Jango
190. São Paulo perdeu, ele não Tenente Jango, Kana, Ciana
191. A Vitória do Vilão Moscovão Arregaçado, Idílio
Moscovão
192. Moscovão Anti-Paulista Moscovão, os soldados, tenente
Mulato
193. Ainda Moscovão Idílio Moscovão
194. Vacas com Casas Lazo, Idílio
195. Vamos Fazer Fogo O soldado robusto
196. O Melhor da Guerra: Hotel Os soldados, Moscovão
197. Suinofagia Lazo, o preto, Furmino
198. Destroços de um Batalhão Moscovão, Lazo
Paulista
199. Ocupando uma Fazendola Um voluntário, um soldado
200. Os Diretores Estavam Próximos Sentinelas
201. Brincadeiras de Soldado O chofer e o Tico
202. Na Estação O conjunto da tropa
203. Tropa na Charneca O combate, o conjunto da tropa
204. A Tropa Reconstituída A tropa
205. Ainda o Canhão Os soldados
206. Moscovão e Lazo Moscovão, Lazo
207. Idílio e os Companheiros O inimigo, Idílio
208. Moscovão na Revolução Moscovão
209. Sumidouro Glacial Um cavalo, os soldados
210. Cuidado na Retaguarda O morfético, Moscovão
211. O Barro Imemorial O barro
108
212. O Último Moscovão Moscovão e seu batalhão
213. Restos da Bandeira Paulista A tropa
214. O Barbado era Leproso Um capitão, moço voluntário
215. Anastácia Pupper e o seu pai Anastácia Pupper, o babá, Linda,
Sarita
216. Lucinda, Moscovão, Anastácia Anastácia, Lucinda, Moscovão
217. Pirei e Fiz Bem Um moço elegante
218. É o Fim Tenente Magnólia, Capitão Rego
Diniz
219. Derrota de São Paulo Engenheiro Máximo Fortes
220. São Paulo Foi Traído Joanito, Chico Oliveira, Bernardino
221. A Força é que Traiu? Os soldados, Lírio, Jácopo Frelin
222. Belinda e Marocas Cozinheira, Belinha e Marocas
223. Lírio e as três meninas Nega da cozinha, Belinha, Lírio
224. Estão Pegando Paulista Maria da Graça, Ubaldo Junquilho
eTotó Agripa
225. Robério Spin em Kana Robério Spin, Kana
226. Carlúcio Spin Berito, Carlúcio
227. Pistola Contra os Paulistas Máximo Fontes, a guarda, Conde
Alberto de Melo, Ciro de São
Cristóvão, Pádua Lopes, Marialva
Guimarães
228. O Tenente e o Comunista Leonardo Mesa, Pancrácio Fortes,
Tenente Odilon, do Antimil, Maria
Parede
229. Ruína de um Cafeicultor Pichorrinha, Pancrácio Fortes
230. Major, Felicidade Branca e Jango, Major, Umbelina, Felicidade
Umbelina Branca
231. Afonsina e Eufrásia Afonsina, Jango, Cláudio Manoel,
Eufrásia
232. Belica e Afonsina Afonsina, Belica, Jeremias
Moncorvino, Zefa, Umbelina, Quindim,
Felicidade Branca, LIndáurea,
Bentinho, Duviges
233. Tom Mix pós-32 Xavier
234. São Paulo Não Pode Parar Melancolia pós-32
Tabela 7: Latifundiários em armas
Cenas Personagens
235. O Arraial Imagens do arraial
236. Romaria Belarmino, os romeiros, o chofer
237. Sirra Mendigos, romeiros, a cabocla, tarde
238. Jogos Caipiras Serraçumanos, o estropiado, caipiras,
beira-corgos, camelôs, ciganos,
fotógrafos
109
239. Maromba Multidão, mulato gordo, Dona
Filomena
240. A Cantiga do Cego Esmoleiro O bêbado, pau d´água, cego
241. Kana na Buick Vermelha Ubaldo, Kana, Conde Alberto de
Melo, Felicidade Branca, D. Candinha
Agripa, Totó Agripa
242. Umbelina Formoso e o Coronel Umbelina Formoso, coronel e
Pichorra
243. Aguinaldo & Palude Padre Aguinaldo, Monsenhor Palude,
Dom Luna
244. Serraçumanos Serraçumanos, sujeito alto, pessoal
na porta do hotel
245. A Missa em Jurema O cego, magricela, Totó, Ubaldo
Junquilho, Seu Ferrol, Dom Luna,
Antônio Agripa, Conde Alberto de
Melo, Zeca, Maria da Graça, Viúva
Junquilho, Ubaldo Junquilho, Seu
Albano, Dom Luna
246. Canaã e Cananéia Monsenhor Palude, Beira-Corgos
247. Anjo Leite, Monsenhor Anjo Leite, Rosalina
248. Salim Abara, Miguelona Salim, Roslaina, Anjo Leite
249. Igreja Perdeu o Operário Anjo Leite, Rosalina, Dom Luna,
Monsenhor Palude
250. Uma Festa Pagã Umbelina, Dona Guiomar Junquilho,
Monsenhor Palude, Conde Alberto de
Melo, Viúva Junquilho, Felicidade
Branca, velhos reverentes
251. Deixe o Samba Serenar Padre Aguinaldo, Dona Josefina
Abramonte, Senhora prefeita, Dona
Conceição, Coronel Merelão,
Venâncio, Nicolau Abramonte
252. Miguelona Senofim e a família de Miguelona Senofim, Miranda, John
porta de tinturaria Gilbert, Major, Idílio, Pedrão,
Miguelona
253. Congada Carlos Magno, mulato violeiro
254. Dom Luna Monsenhor Palude, Padre Beato,
Vigário, mulata dengosa, Conde
Alberto de Melo, Maria da Graça,
Xodó, Pichorra, médico sanitarista,
senhora do juiz, um japonês
255. Agora é um Bom Jesus Pichorra, Xodó, Umbelina
256. Bom Jesus Flagelado Os pobres, Tita Deadermino
257. Kana Parecia Buda Conde Alberto de Melo, Condessa,
Felicidade Branca, Dom Luna,
Umbelina, coronel Formoso
258. Ludovica e seu Canto D. Ludovica, Lírio de Piratininga, Dom
Luna, Dona Filomena Abramonte,
Padre José Beato, Moço de capa
(Mesa), homens do campo
Tabela 8: Pro Brasília Fiant Eximia
110
Chão, Marco Zero II
Cenas Personagens
259. Uma Cena de Moscovão Idílio Moscovão, Jorge Abara,
Brandão, Diogo, José Teodósio,
Xavier, Paco Alvaredo, tio pobre dos
Junquilho, Dona Guiomar, Dona
Paula, Hortênsia, Filho de Salim,
Ciana, Major Formoso, Pedrão,
Lucinda e Anastácia
260. Trincheiras Paulistas Nagib Abara, Jorge Abara, Lírio, Dona
Guiomar Junquilho, Robério Spin,
Rosalina, Maria Aeroplano, Conde
Alberto de Melo, Juca, Coronel Diogo
Leitão
261. Alberto de Saxe e Dinamérico Major da Formosa, Alberto de Saxe,
Klag Dinamérico Klag, Ciro de São
Cristóvão, Miss Helen de Fialho
Almeida, Eufrásia Beato, Maria
Moncorvino
262. O Beco do Escarro Major, Anjo Leite, Pedrão, Miguelona
Senofim, Velosa, Seu Ferrol, Os
Agripa, Minervina Veloso, Lírio, Dona
Filomena, Conde Alberto, Felícia
Benjamin, Afonsina
263. Felícia Benjamin, Jango e Carlos Benjamin, Dona Felicidade
Afonsina Branca, Minervina Veloso, Afonsina,
Dona Vitória, Belica, Dinamérico Klag,
Veloso (noiva de Lírio)
264. Major, Eufrásia, Jango Major, Afonsina, Felícia Benjamin
265. Tudo Hipotecado: Aguarda-se Jango, fazendeiro, velho Nunes, Ciro,
Reajustamento de Vargas Nicolau Abramonte
266. Dona Guiomar e o Tio Bento Maria da Graça, Tio Bento, Guiomar
Junquilho, Rosalina
267. Alberto de Saxe Pagou Umbelina, o Major, Bento Formoso
268. Reina Paz no Latifúndio D. Anastácia Pupper, Capitão
Cordeiro
269. Kana na Fazenda Felicidade Branca, Maria Luíza,
Conde Alberto de Melo, Capitão
Bruno Cordeiro, Abílio Mourão, Carlos
de Jaert, Kana, Xodó
270. Kana é Elogiado Barão do Cerrado, Nhonhô Gaita,
Jango, Carlos de Jaert
271. Cláudio Manoel, Quindim Cláudio Manoel, Quindim
111
272. Anastácia Pupper na Anica Anastácia Pupper, Conde Alberto de
Melo, Idílio Moscovão, Babá
273. Jaert e São Cristovão Jack de São Cristóvão, Carlos de
Jaert, Barão do Cerrado, Nhonhô
Gaita
274. As Nádegas de Anastácia Conde, Anastácia Pupper
275. Ela Dorme de Touca Miguelona, Jango, Leonardo Mesa,
Salim Abara, Índio Cristo, Maria
Pedrão
276. O Rancho de Miguelona e o Antônio Cristo
Eldorado Miguelona
Vesguinha
Armida Spin
277. O Drama de Formosa Jango, os Agripa, Os Saxe,
Abramonte, Salim Abara
278. O Sertão, o Mar, o Trem, a O médico de Bartira, sertanejo negro,
Cidade criança moribunda
Tabela 9: Reina paz no latifúndio
Cenas Personagens
279. O Capital e o Trabalho Maria Parede, Felícia Benjamin
280. Que governo é esse? Olivério Rusco, Maria Parede, Felícia
Benjamin
281. O Brasil Cheio de Comunismo e Leonardo Mesa
Espiritismo Jácopo Frelin
112
III- O Decapitador
Cenas Personagens
294. Jango é Comunista O Major, Umbelina, Dom Luna
295. Bordel em São Paulo Lírio, Marialva, Coronel Laraxa
296. Lírio na Capital Marialva, Lírio, Lindáurea
297. Boate do Partido Marialva, Pádua Lopes
Constitucionalista
298. Os Abramonte D. Filomena, Vitalino, Ludovica,
Fúlvia, Esmeralda
299. Vitalino Fúlvia, Felicidade Branca, D.
Filomena
300. Decapitando os Formoso Felicidade Branca
301. A Voz do Deus Dinheiro Vitalino, Felicidade Branca, Totó
Agripa
302. A Morte Econômica Coronel Bento Formoso, Umbelina,
Pancrácio Fortes, Felicidade Branca
303. Vitalino e Felicidade Branca Vitalino, Felicidade
304. Morto de Fome Nicolau Abramonte, Bento Formoso
305. Na Penitenciária ou no Araçá Jango, Vitalino, Nicolauzinho
306. Se Não Fosse 32 Dinamérico Klag, Abramonte, Major,
Vitalino
307. Com Cristo e Contra Jango Major, Vitalino, Nicolauzinho
308. Jango e a Prostituta Jango, Leonardo
309. Major & Monsenhor Coronel Bento Formoso, Umbelina,
Monsenhor Palude
310. Razões do Comunismo Bento Formoso, Vitalino, Jango
311. Umbelina e o Velho Umbelina, Bentinho
312. Jogando no Bicho Umbelina, Jango, Felicidade Branca,
senhor comissário, Maria Aeroplano,
Conde Alberto de Melo
313. Maria Aeroplano Maria Aeroplano, Negra Velha
314. Xodó e Pichorra Pichorra, Maria Luiza, Dulcina, Babá,
Xodó
315. Tiros & Estrelas Jango, Capitão Cordeiro
316. Kana e o Babá Kana, Conde Alberto
Tabela 11: O decapitador
Cenas Personagens
317. Brejal desde 30 Totó Agripa
Totó Agripa, Dona Cândida Calheiros
113
da Graça, Dr. Carlos Furquim,
Monsenhor Arquelau
318. Xodó e Cláudio Manoel Xodó, Cláudio Manoel
319. Entre a Lavoura e a Política Anastácia Pupper, Totó Agripa,
Nhonhô Gaita, Luiz Pereira Barreto,
Os Pádua
320. Queixas para Vargas Totó
321. Cozinhando na Formosa Maria Aeroplano
322. O Baile Joanico
323. Sexo para Sexo Cidinha Agripa, Dona Candinha,
Xodó, Latife Abara, Mary Ferguson,
Henrique de Barros Ferguson, Ubaldo
Junquilho
324. Música no Brejal Major Dinamérico Klag, Totó Agripa,
Robério Spin, Ana Tolstói, Dona
Candinha, Otávio, Carlito, Tolosa
325. Jango e Maria Aeroplano Jango, Quindim, Dulcina, Edwiges,
Afonsina, Felícia Frelin.
326. Jango e Eufrásia João Lucas, Eufrásia Beato, Vitalino,
Leonardo Mesa, Camarada Rioja,
Nazareno
327. Belica, Marocas e Tudinha Coronel Bento Formoso, Tudinha,
Umbelina, Marocas, Monsenhor
Arquelau, Doutor Celestino, Dulcina,
Lírio, Miss Pichorra, Dulcina Formoso,
Pancrácio, Xodó
328. Catacumbas Líricas Jango, Quindim, Anastácia Pupper,
Cláudio Manoel, Carlos de Jaert,
Pedro de Saxe, Sabóia do Carmo.
329. Xodó e Nazareno Xodó, Nazareno, Maria Luíza
330. Muraoka e o Perigo Amarelo Lírio, Maria Aeroplano, Dr. Marialva
331. Quindim Quindim, Dráusio, Cláudio Manoel,
Dulcina, Maria Parede
332. Brasil com Japonês Jango, Calheiros da Graça, Carmo,
Agripa
333. Jango, Pancrácio e Abara Jango, condessa Léontine Bourrichon,
Jack de São Cristóvão, Major da
Formosa, Monsenhor Arquelau,
Monsenhor Moreira
334. Sobre a Antropofagia Jaert e Jack
335. O Conde Conde Alberto de Melo, Léontine
Bourrichon, Leiras, Licórnea, Aurora
336. Os Caboclos Descerão Sobre a Jack, Plínio Salgado, Léontine,
Cidade Monsenhor Arquelau
337. Antropofagia rediscutida Major, Monsenhor Moreira, Jack,
Chiquito, Henrique Ferguson, Ciro,
Pádua Lopes, Monsenhor Arquelau,
Cláudio Manoel, Sabóia do Carmo,
Maria Parede, Rioja, Pedro de Saxe,
114
Professor Mosteiro, Quindim, Carlos
de Jaert
338. Diálogos Católicos Sílvio Lapa, Vitalino, Nicolau
Abramonte, Nicolauzinho, Monsenhor
Arquelau Moreira, José Beato, Vigário
de Jurema
339. José Beato José Beato, Maria da Graça, Ubaldo,
Dona Guiomar
340. Maria da Graça Dona Guiomar, Maria da Graça,
Custódia
341. Ubaldo, Xodó, Sílvio Lapa Ubaldo, Chiquinho Fedegoso, Sílvio
Lapa, Dona Guiomar Junquilho, Mário
Ferguson
342. Kana e os integralistas Kana, Carlos Benjamin, Miguel
Riskalá, Jack, Dr. Sabóia, Calheiros
da Graça, Ana Tolstoi, Carlos de
Jaert, Guano, o pintor, Aurora Boreal,
Maria Parede
343. A Luta Hoje Ubaldo, Lírio, Ventura, Ferroviário,
Babá, Zico Venâncio, Sílvio Lapa,
Jango e Mesa
Tabela 12: O tapete dos terreiros
Cenas Personagens
344. Somos um Eldorado Fracassado Tina Paixão, Marialva Guimarães,
Joaquim Leiras do Nascimento
345. Debates Mundiais Jango, Aurora Boreal, Eufrásia,
Ladislau, Jack, Guano, Ana Tolstói,
Dr. Sabóia, Carlos de Jaert
346. Picasso de Jack Jack, Ana
347. O Tiro de Ana Tolstói Jack, Ana Tolstoi, Calheiros
348. Vida Sexual de Jango Jango, Eufrásia, Aurora Boreal
349. Jango Eufrásia no Rio, Rosalina, Genuca,
Neco, Zefa
350. Cidade Mais Bela Rodrigues, Genuca, Os Frelin, Dr.
Patrocínio, Felícia Benjamin, Dona
Idalina, Primo Carnera
351. Felícia e Leonardo Paco Alvaredo, Felícia, Leonardo
Mesa, velho Frelin, Pedro de Saxe,
Jango
352. Zico, Boxeador Carmela, Zico, Leonardo Mesa, Dona
Idalina
353. Pedro de Saxe e a Palestra Pancrácio Fortes, Atílio Rusco, Maria
Parede, Leonardo Mesa, Carmo
115
Agripa, Ana Tolstói, Silva Calheiros,
Dona Paula, Xavier, Pedro de Saxe
354.Partido de 1930 a 34 Mikael, Lírio, Maria Parede, Leonardo
Mesa, Jeremias Moncorvino, Mateus
Beato, Lindáurea
355. Mikael e Outros Um negro doente, Mikael, Tio Luzio
356. Mikael de Novo Mikael, Lucinda, Zefa, John Gilbert,
Gigiba, Miss Pichorra, Pancrácio
Fortes, Dulcina, Xodó, Nazareno
357. Pancrácio e Maria Aeroplano Pancrácio, Maria, Jango, Índio Cristo,
Miguelona, Mulato Silvestre, Maria
Pedrão, Nhá Tuca
Tabela 13: Somos um eldorado fracassado
i
O propósito deste livro é desvelar algumas verdades que nos são apresentadas sob o disfarce de
figuras religiosas e mitológicas, mediante a reunião de uma multiplicidade de exemplos não muito
difíceis, permitindo que o sentido antigo se torne patente por si mesmo. Os velhos mestres sabiam do
que falavam. Uma vez que tenhamos reaprendido sua linguagem simbólica, basta apenas o talento
de um organizador de antologias para permitir que o seu ensinamento seja ouvido. Mas é preciso,
antes de tudo, aprender a gramática dos símbolos e, como chave para esse mistério, não conheço
um instrumento moderno que supere a psicanálise (CAMPBELL, 2007, p. 11).
ii
―I have moved on to other things since I wrote this book (…). Even more decisively, my recent work
has been less oriented towards literary narrative than to narrative in such diverse domains as
anthropology, visual art, and the critique of scholarship. And then, of course, there was the problem of
all the newer work on narratology I had not know when I first wrote it‖. ―Eu me envolvi com outras
coisas desde que escrevi esse livro (...). Ainda mais decisivamente, meu trabalho recente tem sido
menos orientado para as narrativas literárias do que para outros domínios diversos tais como a
antropologia, artes visuais e a crítica das leituras acadêmicas. E então, claro que existe o problema
de todos os novos trabalhos em narratologia que eu não conhecia quando escrevi meu livro.
(Tradução de Lúcio do E. E. S. Júnior). (BAL, 1997, p. 12).
iii
Na segunda edição do seu livro, Bal alterou a ordem dessas categorias. Na primeira edição, a
seqüência é: elementos da fábula, aspectos da história e palavras. Na segunda edição, a
pesquisadora optou pelo seguinte ordenamento: palavras, história e elementos da fábula (BAL,
1997, pp. 16, 75, 178).
iv
Concordamos nesse ponto com a análise de Marco Zero realizada por Antônio Celso Ferreira:
―Nesta interpretação de Marco Zero, o balanço de seu significado literário não segue as mesmas
trilhas apontadas pelos estudiosos que o julgam como trabalho de menor importância no conjunto da
obra de Oswald. (FERREIRA, 1996, p. 16).
v
Haroldo deu a tônica em que Marco Zero seria tratado pelos concretistas: ―o esforço para o mural
social...o corte simultaneísta e o ouvido pronto a captar as nuances do colóquio mais arrevesado (...).
Um retrocesso qualitativo, sem dúvida‖ (CAMPOS, 1984, p. 55-59).
vi
Cf. Vitor Manuel de Aguiar e Silva, A estrutura do romance, Coimbra, Almedina, 1974, p.30. V. M.
Aguiar e Silva observa a este respeito: ―Algumas vezes, o herói é facilmente identificável logo pelo
título da obra: Werther, Lucien Leuven, Ana Paula. Com freqüência, o narrador apresenta o herói nas
116
primeiras páginas do romance, designando-o explicitamente, por vezes, como o herói de sua obra.
Assim, nas Aventuras de Camilo Fernandes Enxertado, Camilo apresenta e retrata o protagonista
logo na abertura da narrativa, dando ao capítulo I o seguinte título: Nasce o herói. A cabeça e as
espertezas do mesmo.‖ (AGUIAR e SILVA, 1974, p. 30).
vii
A piada é a seguinte: um português estava passando o domingo em Niterói, quando um sujeito
nervoso o abordou e disse: ―Olhe, seu Manuel, eu estou chegando do Rio, sua casa na Rua da
Assembléia está pegando fogo e sua mulher morreu‖. O português foi correndo para a estação
marítima, saltou na primeira barca que ia saindo. Quando ia em meio da baía, deu uma risada... ―Ora,
iessa é boa! Pois eu não me chamo Manuel, não sou casado e nem tenho casa.‖ (ANDRADE,
1991, p. 173).
viii
Cf. Mieke Bal: ―Nem toda oração em um texto narrativo pode ser chamada 'narrativa' (...). Em
alguns casos vale a pena analisar a alternância entre narrativa e comentários não-narrativos.
Freqüentemente, são em tais comentários que são feitas declarações ideológicas. Isso não quer dizer
que o resto da narrativa é 'inocente' de ideologia, pelo contrário. A razão por examinar estas
alternações é precisamente medir a diferença entre a ideologia evidente no texto, como declarado
neste comentário, e sua mais escondia ou naturalizada ideologia, como encarnada nas
representações narrativas‖ (BAL, 2001, p. 31).
ix
―Aí está o segredo provável dos seus êxitos e a explicação dos seus desfalecimentos no terreno da
ficção: sempre que acertava o tom na craveira do sarcasmo, da ironia ou da sátira, é como se ligasse
a corrente salvadora que comunica à sua escrita um frêmito diferente; quando desafina naquele tom,
ou escreve a sério, a tensão baixa e, a despeito dele usar os mesmos processos de composição, o
texto parece sufocado pela herança retórica decadentista (trilogia) ou naturalista (Marco Zero)‖.
(CANDIDO, 1977, p. 53).
x
De 1937 para cá rumou o País para os moldes necessários às suas íntimas transformações. O
Estado Novo colocou o Brasil na marcha da história contemporânea (ANDRADE, 1984, p.4).
xi
A referência direta aos pobres na obra de Oswald de Andrade aflorou com maior evidência na
discussão da relação posse-propriedade. Assim acontecera na Revista de Antropofagia, quando se
falou dos elementos marginais da sociedade, e em Revolução Melancólica de forma ampliada,
sobretudo no primeiro capítulo (...). No primeiro capítulo _ ―A posse contra a propriedade‖ _ de A
Revolução Melancólica a narrativa foi montada a partir da idéia estrutural do pensamento de Oswald:
a eliminação da propriedade e a instituição da posse. A camada da sociedade economicamente
menos afortunada foi manuseada para articular os fios da matéria ficcional e ajudar a descrever as
peculiaridades do Capitalismo transplantado para o Brasil. Estava em jogo, na passagem em
questão, a disputa entre aqueles que falsificaram o título de propriedade (―essas terras que o Majó diz
que é dele mas non é‖) e os posseiros e colonos que queriam a terra para produzir (―os disputadores
da terra contra os senhores que tinham o papel selado com o selo do império‖) (BOAVENTURA,
1983, p. 133).
xii
Citamos novamente Boaventura a respeito: [Oswald continuou] na trilha das manifestações da
Vanguarda estética, de renovação da linguagem e os processos de transgressão da dinâmica
constitutiva da obra de arte. O trabalho com a linguagem (por exemplo, a prática da colagem, da
citação, o recurso à paródia, ao cômico e ao trocadilho) particularmente desmistificou o conceito de
propriedade da tradição cultural, ao tratá-la como uma brincadeira, melhor dizendo, como um jogo. A
anarquia brincalhona do lúdico serviu de meio de divulgação por excelência de suas novas idéias e
de instrumento de discussão da relação posse-propriedade. Na fase histórica do Modernismo essa
crítica emergiu no plano conceitual, muito de passagem em trechos da Revista de Antropofagia (―O
Brasil é um grilo de seis milhões de km quadrados talhados.../A posse contra a propriedade‖);
informalmente, no corpo da revista o assunto voltou à baila por meio de aforismas ou através de
citações do tipo: ―A nossa teoria da posse contra a propriedade. O contato com o título morto. O
grilo.‖ (BOAVENTURA, 1983, p. 130).
117
xiii
Ao lado do pobre do interior do ‗fim de linha e fim de mundo‘, Oswald utilizou-se de um elenco
diversificado na galeria menos beneficiada da sociedade _ o colono imigrante, o índio em decadência,
o velho abandonado, a mulher, o operário urbano _ a fim de engrossar o enredo. O posseiro,
propositadamente abandonado, sem condições de administrar sequer a sua colheita (Elesbão) foi
também pinçado por Oswald de Andrade com o objetivo de exemplificar as consequências da
exploração organizada da burguesia (―Tudo às ordens do imperialismo estrangeiro‖). Por sinal, foi
novidade na sua obra de ficção o interesse pelo mundo rural, Marco Zero, fundamentalmente o
primeiro volume, supriu essa lacuna alternando uma panorâmica dos costumes e ambientes daquele
universo com o mundo urbano; trouxe a curiosidade pelo interior, o que, aliás, foi a tônica dominante
nos ensaios da década de 40. Apesar do capítulo em questão servir de pretexto para introduzir o
tema do livro_a burguesia paulista e suas insurreições_nos meandros da narrativa maior armou-se
uma outra estória: a da relação de dominação mantida pelo sistema patriarcal e pelo seu sustentáculo
mor _ a propriedade (―O Majó tem chão demais e não aproveita. E inda qué tira tudo dos possero‖).
Enriqueceu portanto a trama da narrativa abordando assunto considerado detonador de todas as
animosidades e desajustes sociais (BOAVENTURA, 1983, p. 132-133).
xiv
Além da fusão palavra-imagem cinematográfica, em Marco Zero, Oswald tencionou realizar mais
uma experiência: a exploração da plástica na literatura para compor um mural, mosaico ou afresco.
As ligações do escritor com o mundo da pintura e da escultura já eram antigas, e acentuaram-se na
década de 30 e início da seguinte. Nos romances dessa fase, Oswald interessou-se pela pintura
mural, um pouco de Portinari, e muito dos mexicanos David A. Siqueiros e Diego Rivera. As
referências ao muralismo são explícitas nas temáticas, no colorido das cenas pintadas, na
justaposição e no enquadramento das figuras, no próprio debate estético sobre as escolas e o papel
político dos artistas, empreendido por dois personagens – Jack de São Cristóvão e Carlos de Jaert.
Pensava o escritor que a pintura monumental, coletivista e herdeira do mosaico estava em compasso
com a subida das massas ao palco da história. Ao sair dos museus e dos ateliês em direção à rua,
essa arte social recuperaria a dinâmica dos povos, das classes e das culturas. Simultânea, assim
como o cinema, ela poderia contrapor signos e imagens, construir e demolir, criar conceitos. A
experiência do muralismo mexicano relacionou-se intimamente com a vaga revolucionária que, ao
irromper naquele país no início do século, abriu espaço para os artistas defenderem a proposta de
uma arte a serviço da criação do homem novo, livre e responsável por seu destino. (...) No Brasil,
Marco Zero significou uma de suas eloqüentes expressões (FERREIRA, 1991, p. 6).
xv
Marco Zero pretendia desenhar um mural sobre a decadência da burguesia paulista. Esse primeiro
volume reconstituiu a queda do latifúndio agrário que produziu como última conseqüência a Guerra
Santa do Café – a revolução de 32 e o nascimento dos elementos novos da sociedade. O autor
explicou a escolha do título como decorrente da imensa melancolia surgida depois da derrota dos
latifundiários. E sustentou a tese de que, a partir de 32, despontou a possibilidade de um mundo
novo, embora à custa de muita luta (BOAVENTURA, 1995, p. 209).
xvi
Além disso (debates sobre o papel do Estado) colocou em quarentena o vigor das teorias estéticas
renovadoras da década de 20 e as reivindicações mais ousadas de caráter geral. Mesmo pensando
no seu teatro, já que o romance Serafim Ponte Grande, embora publicado em 1933, foi inteiramente
concebido quase dez anos antes. Inclusive a proposta, esboçada na Antropofagia, de reivindicação
da posse contra a propriedade foi suspensa até os anos 40, quando a retomou nos ensaios de
Filosofia, nas famosas teses universitárias e, de modo muito irreverente, no volume de A Revolução
Melancólica do Marco Zero (BOAVENTURA, 1984, p. 4).
118