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Roberto B.

Grana: Deleuze, Psicanálise e a Crítica Filosófica

O livro de Roberto B. Grana (Deleuze e os Devires da Psicanálise,


editora Literatura em Cena, 2023) é muito bom por nos esclarecer a respeito de
Deleuze. Afinal, Deleuze quer ser um filósofo popular, até pop, quer se nos
utilizemos de seus conceitos, ele quer ser “caixa de ferramentas”. Deleuze
critica a psicanálise freudiana de forma brilhante, mas vai até além, ele
extrapola. Roberto explica, organiza e analisa esses devires, associa-os a
filósofos como Winicott, os enriquece.

Deleuze ousa chamar Freud de um misto de Colombo, Newton e Al


Capone, indo realmente além do bom senso. Aliás, Deleuze detesta o bom
senso, pois o identifica ao senso comum e combate elementos que caíram nele
como o conceito de Complexo de Édipo. Seria o mesmo sujeito que descobre,
delimita as leis da área do pensamento e, finalmente, encontra forma de
ganhar dinheiro de forma duvidosa com ela. Freud teria inventado o tratamento
infindável, ou seja, é seu lado Al Capone. Pena essa questão da “grana” não
ter sido tratada no livro de Grana.

Deleuze é bom historiador da Filosofia, seu método é o seguinte: ele se


apropria de forma seletiva de algo das ideias importantes do filósofo, reconta
essa ideia com seu estilo, fazendo-o falar o que ele gostaria de falar. Daí que,
ao contrário do livro de Roberto Grana, que esclarece Deleuze, Deleuze não é
boa leitura introdutória a nenhum dos autores que analisa: Nietzsche, Proust,
Bergson. O que encontramos ali são esses autores sendo usados como
personagens conceituais de Deleuze.

Nessa linha de pensamento, podemos dizer, que assim como Deleuze


confundiu os demais filósofos consigo mesmo, borrando os limites, ele também
borra os limites: o mundo é feito de territórios, ele deseja a territorialização, o
corpo é feito de órgãos, ele deseja sem órgãos; se pensamos na
individualidade dos rostos, ele fala em “rostidade” e por aí vai. Peter Hallward,
intérprete de Badiou no mundo anglo-saxônico, teorizou isso: Deleuze, ao invés
de ser o filósofo da diferença, é um filósofo que mistura Deus e o mundo, mas
em prol de Deus e não do mundo; é um filósofo que dissolve o múltiplo no um e
não o contrário. A filosofia de Deleuze, nesse ponto, não se distingue de uma
filosofia da morte, é uma filosofia que nega esse mundo.

Deleuze explicou essa e outras ideias de forma escatológica, ou melhor,


falando mais grosseiramente, usando o materialismo sexual. Deleuze,
conforme citou Roberto, chega a comparar o ato da fellatio com o sugar do seio
materno, bem como com o ordenhar a teta da vaca. Será que foi isso que
Nietzsche quis dizer naquele poema: “Quero ordenhar-vos, vacas das alturas”?
Ou nesse caso um charuto é só um charuto? E a saída do Édipo para colocar
em seu lugar, o ânus da mãe (?). Mas vou deixar esses termos de lado. Assim
como Foucault me parece universalizar sua própria experiência psiquiátrica,
ele, um “comunista” rejeitado pela família e pelo partido por ser homossexual e
internado em uma clínica psiquiátrica para levar eletrochoques como castigo,
passa a falar que a psiquiatria é uma arma de uma classe contra a outra,
Deleuze me parece levar essa percepção até as últimas consequências,
borrando os limites entre razão e loucura. Sendo assim, tantro faz o
esquizofrênico que caga na mão e joga nos outros quanto o professor
universitário que, com seu jargão, produz belas frases floreadas. Foucault e
Deleuze jogavam confete uns nos outros.

Roberto Grana citou ao menos duas passagens onde Deleuze provoca


dessa forma abertamente escatológica, efetivamente ligando-se à contracultura
norte-americana de forma mais efetiva. Deleuze, embora fale de cinema, nunca
se “rebaixa” a falar de hippies, punks, beatniks, ele é um filósofo muito
“hexagonal”, muito ligado a sua tradição cultural europeia, falar de Jimi Hendrix,
por exemplo, poderia “rebaixá-lo”. A relação que Deleuze estabelece com
Proust, Bergson, Spinoza e Nietzsche é um pouco a relação que Bob Dylan
muito bem estabeleceu com Guns and Roses adaptando Knocking on a
Heaven´s Door: são “invasores de corpos”. A metáfora é bem mais elegante do
que a de Deleuze em Carta a um Crítico Severo.

O que canonizou no Deleuze é a ideia de que o filósofo produz


conceitos. Para alguém que apoiou os maoistas no maio de 68, Deleuze
aprendeu pouco tanto de uma linha quanto do acontecimento. Não se pode
encontrar uma leitura articulada, algum texto mais longo sobre o sobre evento
histórico que o lançou para o estrelato no mundo da Filosofia: maio de 68. Há
quem seja filósofo, como Raymond Aron, que critica em De Uma Sagrada
Família a Outra Sartre, Merleau Ponty e Althusser, dizendo inclusive que são
marxismos imaginários, no sentido em que recusam o marxismo-leninismo e,
recuando enojados diante da “grosseira de seus dogmas”, criaram marxismos
falsos, imaginários, que nada tem com o marxismo da realidade.

Roberto Grana consegue evitar a tentação de fazer de Deleuze o que


ele faz com os outros, ou seja, usá-los de bonecos de ventríloquos para emitir
seus próprios conceitos. Onde Deleuze foi melhor sucedido foi em sacudir a
psicanálise, em especial em sua moral patriarcal e burguesa.

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