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Cine Regina: Cai o Pano

Uma de minhas lembranças mais persistentes é o fato de que


acompanhei o fechamento do Cine Regina. Quando eu tinha dezesseis anos,
no ano de 1990, fui ao Cine Regina ver Lambada, a Dança Proibida, na sessão
de domingo à noite. Eu recordo que eu ia junto a amigos escoteiros, um deles
chamava-se Wilson e passávamos na farmácia ali perto, ele saía do trabalho
direto para o cinema. Eu era escoteiro Sênior na época. Lembrei-me do antigo
Cine Regina ao ler Resposta ao Tempo *(Editora Literatura em Cena, 2020), de
Alberto Coimbra: “No fundo, bem no meio do hall, a bilheteria (...). Ao entrar no
cinema, primeiro o hall com o baleiro no meio. Cartazes de filmes na parede,
uma porta e outro hall com os sofás e vários cartazes na parede dos dois lados
(...)”. A seguir, ele explica que os cartazes eram de filmes de Marcelo
Mastroianni: Esposamante e O Belo Antônio. Esse último contava com Cláudia
Cardinale.

A lambada só era proibida no cinema, pois na época, você abria uma


torneira dançando lambada. A atriz principal (Laura Harring) era muito bonita,
mas era o filme era cheio de americanos sem suíngue. A princesa Nisa, vestida
de vermelho tentava evitar a devastação da Amazônia dançando um misto de
música caribenha com carimbó de Belém, ao lado de um índio urbano que
acabava preso por fazer magia macabra com sua pena de pavão explosiva.
Hoje, Nisa com certeza, seria chamada de comunista ao vestir vermelho e
exibir agenda pró-nativos.

Em outra ocasião, lembro-me de ter ido ver um filme de Jackie Chan, Os


Dragões, ainda em sua fase ambientada em Hong Kong e que é conhecida
como “anos do Kung Fu”. Se em Lambada ríamos, em Os Dragões, meus
amigos escoteiros vibravam com socos e artes marciais.

Por fim, algum tempo depois, fiquei sabendo que o Cine Regina
anunciou seu fechamento, mas exibiu Cine Paradiso. Era o cinema falando de
si mesmo. Mamãe chamou-me para ir, mas não quis fazer essa experiência
mágica que seria vê-lo na telona. O filme fala da volta de um cineasta bem
sucedido a uma pequena cidade, quando morre seu amigo Alberto, que foi
quem lhe ensinou o amor pelo cinema e que viveu sempre como projecionista
numa “Bom Despacho” qualquer da Sicília. O violino de Ennio Morricone é de
cortar o coração. Como sinto arrependimento! Logo depois que o cinema
fechou as portas, eu, escrevi um poema sobre o fato:

Cine Regina

Este cinema, encaixado nas duas lojas.


Uma de tecidos, Cine Regina, uma barbearia.
Este cinema
Flutuando com seu branco letreiro,
Pisca na madrugada,
No abismo,
Sempre piscando.
Na grade, círculos verdes tecem quadrados intrincados.
Na verdade
A entrada é franca.
Entrada tá fechada, vidro fosco.
O vidro fosco abraça as grades.
O Cine se esconde em frágeis andares
De um prédio de ruivas nas janelas.
Quadrados minúsculos seguem feito facetas
Da asa multicor de uma borboleta.
Sentados no meio-fio
Garotos estão vendendo cigarros de menta.
Quisera eu entrelaçar tal cenário
Numa foto em pretos e branco retintos.
Para esfregar a imagem nos narizes metálicos
Da metrópole surda-muda& nua.

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