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O Show dos Beatles nas Filipinas

• Paul Rabbitt

• Miguel

• J. C. Rabonú

• Henry Ford Cristo

No terraço de um hotel quatro estrelas no centro de Belo Horizonte.

CENA 1

(Paul e Miguel acabaram de chegar dos EUA e estão no terraço do Othon Palace em BH,
bebendo muito).

Miguel (entra cantarolando): “E o som dos Beatles na vitrola...Será, que algum dia eles vêm
aqui? Cantar as canções que a gente quer ouvir?”

Paul Rabbitt (irritado): Miguel, há algo dos Beatles que nunca foi dito e que você não sabe. Vou
revelar agora.

Miguel: Ah, fala o meu grande guia espiritual.

Paul Rabbitt: Os Beatles só fizeram um concerto em país de Terceiro Mundo: as ilhas Filipinas.
E eles não fizeram reverência ao ditador local, Ferdinand Marcos. No dia seguinte, foram
vaiados ao ir fazerem o show. O show foi terrível!

Miguel: Oh! O show dos Beatles nas Filipinas!

Paul Rabbitt: e John Lennon gritou: nunca mais iremos a um país como esse! Esse país é um
hospício!

Miguel: então foi por isso que os Beatles não vieram ao Brasil nem Lennon cumpriu a
promessa de vir dançar fantasiado o carnaval de máscara, para que ninguém o reconhecesse!
Paul Rabbitt: não acabo de te dar a luz, Miguel?

Miguel: Siiiim! Este país é um hospício! Salve o lindo pendão das minhas pernas que a brisa do
Brasil beija e balança!

CENA 2 (Paul e Miguel conversam no quarto de hotel, agora sóbrios).

Paul Rabbitt: Miguel, Miguel, você ligou para a editora hoje?

Miguel: Liguei. Eles vão estar mandando o adiantamento em breve.

Paul Rabbitt: “Vão estar mandando”. Não suporto esse gerundismo de Telemarketing. Copiado
do inglês.

Miguel: Desculpe, desculpe, vou providenciar tudo, pode ficar descansado e ir escrevendo seu
livro.

Paul: estamos aqui no Brasil para conhecer o tal Rabonú. Nesse meio tempo, enquanto não
falo com ele, vou visitando uns parentes aqui. A viagem será proveitosa...

Miguel: Você está escrevendo sobre a segunda vinda de Cristo, não é?

Paul: Pois é. Mas, se não encontrar inspiração aqui vou para Los Angeles ou o sul da França. Há
anos meus livros de auto-ajuda e esoterismo são um sucesso nos Estados Unidos e Europa.

Miguel: Rabonú é, pelo que soube pelos e-mails, um mau profeta, um arrogante dono da
razão.

Paul: Você acha que ele pode ter alguma novidade utilizável em meu livro, não é?

Miguel: Claro! Eu já estou entrando em contato com ele via telefone e telepatia, não se
preocupe.
Paul: Será que ele se diz uma reencarnação de Cristo? Se não disser, não presta! Eu sou como
o Paulo Francis.

Miguel: Vejamos se esse contato vai ser proveitoso.

Paul: É bom, senão...Você tem outro emprego em vista? (Paul sorri, sarcástico, servindo-se de
uísque e gelo).

CENA 3

Paul Rabbitt: Veja, Miguel, estou compilando informações sobre a Segunda Vinda. Já reuni as
citações bíblicas sobre a volta...

Miguel: Ficou só na Bíblia, até agora?

Paul Rabbitt: Não, já soube da vinda de um suposto Cristo-mulher, da crença russa de que
Cristo reencarnou num corpo de soldado e depois foi morto. Li também a respeito de um
beberrão e blasfemo italiano que passou alguns dias em um mosteiro e saiu convencido de
que ele mesmo era Cristo, tendo reunido um bom número de fiéis e causado confusão Itália
afora.

CENA 4

(Paul e Miguel encontram-se com Rabonú em Ouro Preto).

Paul: Foi preciso vir a essa praça suja, essa feira bagunçada?

Miguel: Vai ser legal, aí, de boa...

Paul: Há tantos anos costumo ir só a Champs Elysées e ao Central Park em New York...
Miguel: Olhe, lá vem ele.

(Rabonú aproxima-se com roupas de hippie. Ele tocava junto com um conjunto de músicos
peruanos a canção If I Could, de Simon and Garfunkel).

Paul (falando baixo para Miguel): Mas é um coitado! É só um pobre diabo!

Rabonú (encara muito sério Paul Rabbitt e Miguel): O Hercóbulus está chegando!

Paul: O que é isto? É o nome do novo Cristo?

Rabonú: Naaaaaão! O planeta Hercóbulus está chegando! Eu sou o profeta da chegada de um


planeta vermelho e gigante que está afetando a Terra!

Miguel (aflito): Se você é profeta, é a reencarnação de Cristo?

Paul: Deixe-o falar, Miguel, vamos ver se presta.

Rabonú: Calem-se! Agora vocês escutarão minhas sábias palavras. As mudanças climáticas
pelas quais a Terra está passando são fruto da aproximação de um planeta cinco ou seis vezes
maiores do que Júpiter! E vocês têm pouco tempo para seguir meus ensinamentos e apagar
seus defeitos psicológicos para poderem ser salvos.

Paul: Mas não seria culpa do Bush?

Miguel (cantarola): and who is the fascist? Bush, Bush, Bush, Bush!

Rabonú: Sim, o planeta está chegando com extraterrestres que já vivem numa sociedade mais
adiantada, a sociedade socialista. Eles só salvarão alguns dentre nós.

Paul Rabbitt: Rabonú, os extraterrestres socialistas vãos nos ajudar?

Rabonú: Os terrícolas crêem que é tudo brincadeira, mas realmente é princípio do fim do
planeta Terra. Ninguém, no entanto, poderá deter o cataclismo.
Paul: Não há nada que possamos fazer, senão esperar o apocalipse? Mas não virá nenhum
Jesus, nenhum sinal?

Rabonú: Hercóbulus tem sua humanidade, tão perversa quanto a daqui. A nossa ciência não
poderá atacar os Hercobulusianos porque eles se defenderão e fim será mais rápido ainda.

Miguel: Então existe vida inteligente fora da Terra?

J. C. Rabonú: Os cientistas vão rir feito asnos zurrando, pois infestaram o planeta com armas
atômicas e não levaram em conta que existe Deus e sua Justiça Divina.

Paul: Mas nenhum cientista avisou-nos da chegada desse planeta? Por que eles estão nos
escondendo esse fato?

Rabonú: O que está acontecendo agora, com todos procurando ganhar dinheiro a todo custo,
aconteceu na Atlântida, numa época em que Deus era o dinheiro.

Paul: Existiu um culto ao Deus-dinheiro? Nunca ouvi falar.

Miguel (cantarolando): Money makes suffer downer, money makes the world go roooound!

J. C. Rabonú: O eixo da Terra está fora do seu lugar e com tremores, terremotos, maremotos,
acabará por deslocar-se e virá o afundamento.

Paul: E os ETs? Não se importam com nosso destino?

J. C. Rabonú: Os ETs são super-homens e sábios! Tenho ido, em meu corpo astral, a Vênus e
Marte. Consigo descrever essa maravilha de habitantes, com sabedoria, cultura e vida angélica
muito superiores às daqui.

Miguel: Vinde conosco para a Feira Literária de Parati, a FLIP, onde o Sr. Paul Rabbitt deve em
breve fazer a leitura de um capítulo do livro dele. E terá oportunidade de advertir a
humanidade, pois lá existem repórteres de todo mundo.
J. C. Rabonú: Vamos, vamos! Os fatos não se fazem esperar e é preciso prevenir a humanidade.
No mais, não há tempo a perder em coisas ilusórias.

CENA 5

(Miguel, Rabonú e Paul estavam no hotel, fazendo os preparativos para partida até Parati,
peregrinando na Estrada Real, quando encontram Henry Ford Cristo).

Paul: Miguel, Miguel, já estão prontas as malas?

Miguel: já está quase tudo pronto, Paul.

Paul (voltando-se para outro lado): Rabonú, você vai partir conosco?

J. C. Rabonú: Sim, partirei em peregrinação junto a vocês e alertarei a pobre humanidade.

Henry Ford Cristo (entra com coroa de espinhos, largas roupas brancas e barba de profeta): A
Humanidade será alertada por mim, não por você! Sou o Cristo que regressou!

Paul (extático): É você quem eu estava esperando!

Henry: Eu já renasci em vários lugares e ainda não fui aclamado Salvador. Eu renasci em
Bristol, fui preso, supliciado e novamente morto no pelourinho. Fui um bêbado na Itália, no
século dezenove, depois me revelei o Salvador, mas novamente fui supliciado. Apareci na
Rússia também, filho de uma camponesa e de um ancião de cem anos, mas o Czar me mandou
crucificar frente ao Kremlin. Depois, renasci como um louco gaguejante em Novrogod, para ser
novamente preso e supliciado junto com os anti-czaristas. Deus muitas vezes utiliza a máscara
da imbecilidade. Eu fui um cozinheiro negro de um vagão restaurante nos Estados Unidos,
profetizei que era o Jesus Negro, mas fui morto outra vez, no Sul dos EUA, pela Ku Klux Klan.
Agora vim para a Segunda Vinda definitiva, nasci em Belém do Pará no Brasil e lá fui preso pela
polícia, revivendo meu martírio. De lá, parti para fundar minha Igreja em torno de Brasília,
cidade fonte futura de um jorro universal de leite e mel...

Paul: Mas ora você vem como Cristo-homem, ora como Cristo-mulher?
Miguel (cantarolando Ney Matogrosso): Se Deus é menina e menino, sou masculino e
feminino...

Henry Ford Cristo: Sim, já fui a camponesa Ana Lee. Eu já fui um Cristo-mulher, eu fui presa e
interrogada, mas comecei a falar em todas as línguas conhecidas. E profetizei que na Américas
nasceria a coisa nova, um mundo sem maldade! Minha porção mulher foi derrotada, mas eu
renasci em Belém! Desta vez, para triunfar!

Paul: Escute Henry Ford Cristo, tenho uma proposta para lhe fazer...Gostaria muito de ir te
entrevistando...

Henry Ford Cristo: Como já disse, na minha primeira aparição em Belém do Pará, invadi uma
catedral para arrebentar com o bonequinho. E expulsei o falso sacerdote.

Paul: Que bonequinho?

Henry Ford Cristo: Para mim, a figura do Cristo crucificado não significa nada! Eu sou o Cristo
renascido! De nada vale um Cristo morto. O povo brasileiro precisa de um Cristo vivo,
audacioso, andando entre nós...

Paul: Glauber Rocha, em seu último filme, também enfocou o mito Cristo. Em Idade da Terra
tinha Cristo militar, que era o Tarcísio Vieira, existia o Cristo guerrilheiro e vários outros Cristos
que lutavam contra Brahms, o símbolo do imperialismo.

Henry Ford Cristo: Mas mito eu não sou! Quando fiz minha primeira ação cristã, expulsando o
falso sacerdote da Igreja, ele chamou a polícia, me chamando de louco, esquizofrênico. Sou
feito de carne e não de mito!

Paul: E esse nome americanizado? Cristo made in Usa! Lennon dizia que, se vivesse no mundo
antigo, gostaria de viver em Roma, mas como vivia no mundo moderno, vivia em New York
como eu…

Henry Ford Cristo: Então, Paul, ele perderia minha primeira vinda e nem ficaria sabendo...

Paul: Genial! Está vendo, Miguel, que achado esse homem!

Miguel: Pois é... Agora vamos para Parati, para a FLIP, como vamos fazer?
Paul: Senhor, venha comigo e lhe apresentarei para uma platéia cheia na Feira Literária de
Parati.

Henry Ford Cristo: Em verdade vos digo: minha resposta é sim e irei contigo.

Paul: Que bom! Iremos conversando sobre esses assuntos, sobre essa sua nova vinda...

Miguel (falando baixo para Paul): Mas esse cara é maluco, Paul.

Paul (dando uma cotovelada em Miguel): Miguel, informe ao meu motorista que estamos
partindo agora! Miguel, pegue as malas de Henry Cristo, o salvador que se apresentou a mim
na estrada real de Parati, a nova estrada de Damasco! (e falando baixo para Miguel): Miguel,
vou apresentar esse sujeito na Feira e vai ser um sucesso, além de colher material para o meu
livro! Agora vá pegar as malas dele, vá...

Miguel: já vou, já vou.

CENA 6 ( Horas depois, viajando no carro de Paul, os quatro chegam a um bar em Tiradentes).

Miguel (à parte no bar, dirigindo-se para Paul): Paul, acho que não foi boa idéia trazer esses
malucos junto da gente.

Paul: Mas são dois profetas!

Henry Ford Cristo: Ah, sei. Estive ali olhando a sinuca desse bar...Vamos jogar uma partida?

J. C. Rabonú: Devemos abandonar todas as ilusões enquanto o Hercólubus não chega...E penso
que não há problema em nos divertirmos um pouco. Eu, com um saltinho já fico flutuando...

Henry Ford Cristo: Então você tem superpoderes?


J. C. Rabonú: Não, isso é coisa de cientistas que ficam zurrando burrices. Desenvolvi
capacidade de sair de meu corpo carnal e fazer viagens astrais.

Miguel (conciliador): Pessoal, vamos jogar uma partida de sinuca para relaxar, que tal? (Paul,
Rabonú e Henry Ford Cristo concordam e passam a debater entre copos de cerveja e tacadas
de sinuca):

Henry Ford Cristo: Eu tive uma visão, vi uma porta aberta no céu, uma voz falara comigo.

Rabonú: Eu não tive uma visão, saí do corpo em viagem astral.

Paul: O que vocês acham do messias Lula?

Rabonú: Lula não é o messias esperado pelo povo brasileiro. Eficácia definitiva, só na Justiça
Divina, que nos enviou o Hercólubus, que agora está chegando.

Paul: Os messias não resolvem! Vejam os índios Morales e Chávez...

Henry Ford Cristo: Eles decidiram, pelo menos, enfrentar o império americano decadente. Com
eles, e com os aiatolás atômicos, com os mexicanos na fronteira do muro da morte, começarão
as invasões dos doces bárbaros.

Miguel (cantarola): Afoxé, lindas canções, nossos planos são muito bons!

J. C. Rabonú: Chávez e Evo Morales são índios que conspiram contra o branco. De nada
adiantará esse forte apego material. Pior ainda que se eles se ligarem ao selvagem
materialismo científico do comunismo...

Henry Ford Cristo: Chávez e Morales são manifestações de um Cristo popular, um Cristo
cósmico, glauberiano. Chávez é novo gênio da raça!

J. C. Rabonú: Estoy com Diogo Mainardi, sou pelo ufanismo da calamidade. De nada adiante
resistir, se o mundo acabará dentro em pouco. O presidente do Irã é da maldosa humanidade
de Hercólubus. Ele está no meio de nós.
Henry Ford Cristo: A Amazônia deverá ser preservada com a espada de Cristo. Estamos
vivendo os últimos tempos que se estendem da minha Ascensão até a minha volta enquanto
Juiz. O que, aliás, já ocorreu.

Rabonú: Henry, você não é o salvador, você quer fazer a revolução dos idiotas!

Paul: Em meu novo livro, falarei sobre o messianismo religioso, mas não sobre o messianismo
político. A América Latina já sofreu muito com seus líderes e caudilhos carismáticos...

Miguel (cantarolando): Enquanto os homens exercem seus podres poderes, padres, bichas,
adolescentes e mulheres fazem o carnaval. Ah, a incompetência da América Católica, que
sempre precisará de ridículos messias.

Rabonú: carismáticos como Hitler.

Paul: Eu não queria chegar até aí.

Henry Ford Cristo: Chávez é muito diferente de Hitler. O nacionalismo de direita de Bush, que
faz guerras de conquistas, é que se aproxima do de Hitler.

Paul (gritando): Cheeega! Moooorrram! Tomara que vocês morram no meio de uma frase,
como disse Nelson Rodrigues em Anti-Nelson Rodrigues.

CENA 7 (Paul aparece no telefone, fora do bar, onde se ouvem, ao longe, rumores de sinuca,
copos e a discussão acalorada de Rabonú e Henry Ford Cristo).

Paul: Olhe, como eu lhe disse, estou trazendo dois profetas impressionantes para compor a
mesa comigo em julho. Sim, sim, estamos fazendo a Estrada Real....Sim....Estou recolhendo
material para meu novo livro...Sim, sim, sim, vai ser muito interessante, vocês vão ver...Pois é,
pois é, já estou avançado. É sobre a Estrada Real. A estrada real agora é meu caminho de
Santiago...

CENA 8 (Em Parati, os três hospedados em um hotel luxuoso, conversando no Hall, sentados
em poltronas).
Henry Ford Cristo: Parati, enfim. Vim, vi e venci.

Paul: Gostaram da chegada na cidade?

J. C. Rabonú: O Brasil é um país tão jovem, tão criança, mas já está decrépito o suficiente para
a chegada do Hercólubus. É uma civilização nova, mas que tem todas as taras de uma Grécia
ou de uma Espanha em decadência. É como se o Brasil tivesse nascido de barbas brancas...

Henry Ford Cristo: Nós somos um país invadido culturalmente pelo imperialismo dos United
States, Rabonú, e você é um índio lúmpen, um alienado pela cocaína mística, diferente da coca
dos cocaleros de Morales, que é libertadora. Sua coca é um entorpecente que lhe faz esperar
incólume o Hercólubus...

J. C. Rabonú: Você não passa de um falso profeta, um falso Cristo dentre muitos que já
apareceram. Um Antônio Conselheiro tupiniquim, um Pai João sem Contestado. Seu
Contestado é a mitologia anti-imperialista. A livre competição dos terráqueos com os
hercolubusianos lhes mostraria o que é uma humanidade mais maldosa, mais competitiva e
mais ligada à livre iniciativa.

Henry Ford Cristo: Indiota! Você receberá os sacramentos católicos em seu leito de morte, sem
a chegada do seu Hercúlubus! Her-CÚ-lu-bus! Para você, todos os índios e todos os brasileiros
deveriam ter a cara maldosa do Diogo Mainardi. Os herculubusianos seriam colunistas da
revista Veja, economistas liberais que deram um drop out na escola, portanto, todos teriam a
cara maldosa do Diogo Mainardi. Todos caindo fora da escola!

J. C. Rabonú: Aguarde e logo você queimará no fogo do Hercólubus, seu blasfemo!

(Dito isto, Henry Ford Cristo começa a acender velas em seu quarto de hotel, um atrás da
outra).

Paul: o que é isto, Henry?

Henry Ford Cristo: Para espantar o cheiro de enxofre e o mau agouro.

Miguel: Como assim? Vamos acabar sendo expulsos do hotel. Isso não é permitido.
Henry Ford: Como o tal do Hercólubus está chegando, igualmente como o presidente norte-
americano está prestes a chegar, a nos visitar.

Paul: Para quê tantas velas?

Miguel: Deixe-me apagá-las, Paul.

Henry Ford Cristo (dando um berro): Nãaaaaaaao! É preciso nos livrar do cheiro de enxofre
que vem do presidente norte-americano, fora a energia negativa advinda da vaidade dos
escritores que estão aqui na Feira Literária de Parati! A fogueira das vaidades desses
escritores!

CENA 9 (Do lado de fora do hotel, barulho de sirenes, ambulância, algazarra de pessoas
conversando).

Paul: Oh, meu Deus! Cadê o Henry Ford Cristo?

Miguel: Aquele maluco fugiu! Eu te disse, eu te disse!

Paul: A culpa foi sua, Miguel, você não apagou as velas que Cristo ia deixando no quarto...

Miguel: Você é que teve essa idéia de trazer esses malucos aqui para Parati! Não tinha como
vigiar esse pirado do Henry Ford Cristo, eu tinha que fazer contatos com seus agentes
literários, preparar a mesa para sua conferência. Além do mais, não estava previsto que o
Rabonú e o Henry Ford Cristo iam falar, pô! Tudo eu!

Paul: Henry Ford Cristo, Henry Ford Cristo, por que me abandonaste? Por que puseste fogo em
nosso belo Hotel Parati? Lemi, Lemi, Lamá Sabactani!

(Neste momento, Rabonú entra gritando, fugindo do hotel em chamas)

Rabonú (berrando e olhando para as chamas): O Hercólubus chegou! Chegou! Ahhh, pobre
humanidade sofredora, sofra a última vez, ainda! (Dito isto, Rabonú tomba aos pés de Paul e
Miguel).
Paul: Pobre Rabonú! Miguel, busque socorro para ele! Ah, meu Deus, pelo amor de Henry
Cristo, o que farei agora?

Miguel (ao sair de cena, grita para Paul Rabbitt): Você vai superar, Paul, você vai superar.

Paul (com voz chorosa): Como irei superar a perda desses dois profetas! Perdemos Henry
Cristo e Rabonú! Perdi a Feira Literária Literária de Parati!

Miguel (enquanto volta com uma maca e enfermeiros vestidos de branco, cantando uma
canção dos Beatles): We can work it out, we can work it out. Life is very short, there is no time
for fusing and fighting my friend.

CENA 10 (Paul Rabbitt está numa mesa sozinho. Flashes espoucam e microfones o cercam por
todos os lados):

Paul (para os microfones): Agora muita atenção. Vou ler um trecho de meu novo romance, A
Segunda Vinda, para vocês: enquanto andava pela Estrada Real numa peregrinação mística,
encontrei-me em Diamantina, no início de minha peregrinação, o profético índio J. C. Rabonú,
fazendo suas profecias a respeito da chegada do planeta Hercólubus, um planeta vermelho e
gigante que chegará para justiçar os cientistas burros do nosso planeta pequeno. Para destruir
a Terra, esse planeta pequeno!

Eis que surge, eis que surge o Messias em pessoa. Ele atendia pelo nome singelo de Henry Ford
Cristo. Era um Cristo perfeito, já renascia crucificado, com coroa de espinhos e tudo. Ele trazia
uma verdade, duas verdades, muitas verdades de esquerda. Ele estava em Ouro Preto. Ele me
contou que já renasceu em vários lugares e ainda não foi aclamado Salvador. Ele renasceu em
Bristol, fui preso, supliciado e novamente morto no pelourinho. Foi um bêbado na Itália, no
século dezenove, depois me revelou-se o Salvador, mas novamente fui supliciado. Apareceu na
Rússia também, filho de uma camponesa e de um ancião de cem anos, mas o Czar mandou
crucificá-lo frente ao Kremlin. Depois, renasceu como um louco gaguejante em Novrogod, para
ser novamente preso e supliciado junto com os anti-czaristas. Deus muitas vezes utilizou a
máscara da imbecilidade. Ele foi um cozinheiro negro de um vagão restaurante nos Estados
Unidos, profetizaram que era o Jesus Negro, mas foi morto outra vez, no Sul dos EUA, pela Ku
Klux Klan. Agora virá para a Segunda Vinda definitiva, renascerá em Belém do Pará no Brasil e
lá será preso pela polícia, revivendo seu martírio. De lá, partirá para fundar sua Igreja em torno
de Brasília, cidade fonte futura de um jorro universal de leite e mel... Bom, esse é o trecho que
posso divulgar e adiantar para vocês. No mais, planejo para breve uma nova peregrinação
mística: irei viajar pela ferrovia transiberiana acompanhado de Mãe Santinha do Cantuá, uma
mãe de santo de minha devoção...
(A fala de Paul Rabbitt é interrompida pela canção Across the Universe, na versão da banda
eslovena Laibach, e, quando a canção acaba, TREVAS).

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