Você está na página 1de 2

Juliana: Lágrimas na Chuva

Ontem de manhã encontrei Juliana, minha colega de trabalho pela última


vez. Falamos sobre o diário eletrônico. Ela contou que havia jogado no sistema
as datas e não as notas dos alunos. Comentou como ele, às vezes, sumia com
as nossas coisas. Depois de tudo anotado, de repente, olhava lá e o trabalho
suado sumira. Só que agora quando escrevo essa coluna, as lágrimas descem
do meu rosto...Foi a Ju que sumiu.

A Ju, às vezes, parava o carro e me dava carona, em nosso trajeto para


o trabalho. Contei a ela –e ela riu muito—que um dia, debaixo de um enorme
temporal, um carro parou no lugar onde ela por vezes parava para mim (uma
esquina) e eu achei que era ela em gesto salvador. Para minha catástrofe, era
um motorista que esperava, debaixo da chuva torrencial, uma outra pessoa que
sairia de uma das casas próximas. E que não se solidarizou comigo. Eu
cheguei a abrir a porta e sentar, para absoluta perplexidade do dono do carro e
meu imenso constrangimento. Ele não chegou a sorrir. Bastou um olhar e meu
acolhimento fictício desvaneceu.

De repente, Ju virou só lembranças. Tudo o que vive tem que morrer e


um dia eu, que escrevo, e vocês leitores, todos seremos, só lembranças. O que
se vê, não é mais. O que ela é, agora? Mas, como disse numa belíssima frase
o filósofo Mestre Eckart: “se você não viu nada, então você viu Deus...”

Então, ontem à tarde, Juliana partiu para um país ainda desconhecido.


Como disse Shakespeare: “dormir...talvez sonhar”. Que sonhos de menina
sonha Juliana agora? Que sonhos vieram? Deste país ainda não descoberto,
ninguém jamais regressou.

Numa cena das mais lindas do cinema na minha opinião, no filme Blade
Runner, o replicante Roy Batty disse a Deckard ao salvá-lo da morte enquanto
chovia: “Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas
ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de
Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na
chuva. Hora de morrer.” E, quando ele morre, uma pomba branca sobe ao lado
dele.

Ju foi no mundo essa porta que se abre no temporal, essa mão que
ajuda o próximo, tal a dedicação e generosidade que demonstrou no trabalho,
junto aos filhos, aos alunos. Essa partida abrupta nos deixa incrédulos,
pensando na orfandade de seus filhos pequenos e na falta que ela fará.

Eu sempre dizia a ela que eu precisava ajudá-la financeiramente com as


caronas, mas ela nunca aceitou. Eu estava pensando em como, um dia,
retribuir. Agora eu escrevo esse agradecimento nessa coluna, mas não há mais
como agradecer-lhe pessoalmente. Os agradecimentos, como aqueles
momentos que o andróide comentou, ficaram perdidos para sempre, como
lágrimas na chuva...

Você também pode gostar