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ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS

Cap QCO SUZANA MARLY DA COSTA MAGALHÃES

PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO DE CONTEÚDOS ATITUDINAIS PARA O


EXÉRCITO BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DO ENSINO DE COMPETÊNCIAS

Rio de Janeiro
2015
Cap QCO SUZANA MARLY DA COSTA MAGALHÃES

PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO DE CONTEÚDOS ATITUDINAIS PARA O


EXÉRCITO BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DO ENSINO POR COMPETÊNCIAS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Especialização em
Ciências Militares

Orientador: Cap Lauro Lima dos Santos

Rio de Janeiro
2015
Cap QCO SUZANA MARLY DA COSTA MAGALHÃES

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais, como requisito parcial para a
obtenção do Grau de Especialização em
Ciências Militares

Aprovado em

COMISSÃO DE AVALIAÇÃO

___________________________________________

Maj André Luís do Nascimento CABRAL – Presidente

Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército

___________________________________________

Cap LAURO Lima dos Santos Neto – 1ª – Membro

Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército

___________________________________________

Maj Luís Fernando HILGENBERG Júnior – 2ª – Membro

Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército


M188p

2015

Magalhães, Suzana Marly da Costa

Proposta de desenvolvimento de conteúdos atitudinais


para o Exército Brasileiro na perspectiva do ensino por
competências /
Suzana Marly da Costa Magalhães. – 2015.
101 f.;

TCC (Especialização) – Escola de Aperfeiçoamento de


Oficiais, Rio de Janeiro, 2015.

1. Ensino militar. 2. Ensino por competências. 3. Educação moral 4.


Conteúdos atitudinais. 5. Exército Brasileiro. I. Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais II. Título.

CDD :355.7
Aos militares e civis que apoiaram o meu trabalho e
me ajudaram a compreender e a valorizar as
instituições educativas do Exército Brasileiro.
RESUMO

A partir de 2010, o DECEx iniciou o processo de implantação do ensino por


competências, sem incluir diretrizes ou estratégias de desenvolvimento dos conteúdos
atitudinais, o que não condiz com a abordagem/metodologia de ensino por
competências, construtivista, do restante do corpus normativo do ensino por
competências do DECEx, aprovado a partir de 2013. Deste modo, este estudo propõe
atividades de desenvolvimento de conteúdos atitudinais para o ensino no âmbito do
Exército Brasileiro, a partir de exemplos extraídos de um curso de formação da linha
bélica. Para tal, realizou uma pesquisa bibliográfica sobre a situação da educação moral
na sociedade contemporânea, enfatizando a crise de valores no campo da ética e na
moral. Depois, analisou a educação moral realizada nas instituições militares,
responsável pela formação de uma sensibilidade e visão de mundo militar. Em seguida,
numa perspectiva histórica, descreveu os principais modelos de ensino que embasam a
educação moral do DECEx, através de uma pesquisa documental de algumas normas e
manuais de ensino. Esta análise abrangente da educação moral nas instituições
militares, em geral, e do DECEx, fundamentou uma proposta de desenvolvimento dos
conteúdos atitudinais em contexto escolar. Finalmente, este trabalho elaborou exemplos
práticos de práticas morais destinados a um curso de formação da linha bélica.

Palavras-chave: ensino militar; educação moral; ensino por competências.


ABSTRACT

Since 2010, the DECEX began teaching deployment process competency, not including
guidelines or development strategies of attitudinal content, which is not consistent with
the approach/methodology of teaching competency, constructivist, of the rest of the
normative corpus DECEX, approved in 2013. Thus, this study proposes development
activities of attitudinal content for teaching within the Brazilian Army, from examples
taken from a training course of the defense line. To do this, we conducted a literature
review on the situation of moral education in contemporary society, emphasizing the
crisis of values in the field of ethics and morality. Then analyzed the moral education held
in military institutions, responsible for the formation of a sensitivity and vision of the
military world. Then a historical perspective, described the main educational models that
underpin the moral education of DECEX through desk research of some standards and
textbooks. This comprehensive analysis of moral education in military institutions in
general and in DECEX, ground a proposal for development of attitudinal content in
schools. Finally, this work has produced practical examples of moral practice to a training
course of the defense line.

Key-word: military training; moral education; by teaching skills.


LISTA DE ABREVIATURAS

AMAN Academia Militar das Agulhas Negras

CINTERFOR Centro Interamericano de Investigación y Documentación sobre


Formación Profesional

Centro de Estudos de Pessoal


CEP

COTER Comando de Operações Terrestres

DECEx Departamento de Educação e Cultura do Exército

DCT Departamento de Ciência e Tecnologia

DEP Departamento de Ensino e Pesquisa

EB Exército Brasileiro

ECEME Escola de Comando e Estado Maior do Exército

EME Estado Maior do Exército

EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais

EsPCEx Escola Preparatória de Cadetes do Exército

EsACosAAe Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea

F Ter Força Terrestre

IME Instituto Militar de Engenharia

MEM Material de Emprego Militar

NDACA Norma de Desenvolvimento e Avaliação de Conteúdos Atitudinais

NECE Norma de Conceito Escolar

NAE Norma de Avaliação Educacional

NERC Norma de Elaboração e Revisão de Currículos

ODG Órgão de Direção Geral


OIT Organização Internacional do Trabalho

OM Organização Militar

PD Padrão de Desempenho

PME Processo de Modernização de Ensino

PLADIS Plano de Disciplina

PLANID Plano Integrado de Disciplinas

PP Programa-Padrão

PME Processo de Modernização de Ensino

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial


LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Tabela de Comparação de várias definições de competência ........................47

Tabela 2: Tabela da Linha do Tempo (individual)..........................................................94

Tabela 3: Tabela explicativa das Práticas de Reflexividade..........................................94


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................13

1.1 PROBLEMA..........................................................................................................14

1.2 OBJETIVOS..........................................................................................................15

1.3 QUESTÕES DE ESTUDO....................................................................................17

1.4 METODOLOGIA............................................................................................... ....17


.

1.4.1 Objeto formal de estudo................................................................................17

1.4.2 Delineamento de Pesquisa.............................................................................18

1.4.2.1 Procedimentos para a revisão de literatura.................................................18

1.4.2.2 Procedimentos metodológicos....................................................................19


.

1.5 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................20

2. DESENVOLVIMENTO.............................................................................................21

2.1 DESENVOLVIMENTO MORAL E EDUCAÇÃO MORAL......................................21

2.2 A SITUAÇÃO ATUAL DA EDUCAÇÃO MORAL: A CRISE DOS VALORES.......23

2.3 A EDUCAÇÃO MORAL MILITAR.........................................................................28

2.4 DESAFIOS ÉTICOS DO ENSINO MILITAR NO SÉCULO XXI: AS DEMANDAS


DAS NOVAS HIPÓTESES DE EMPREGO......................................................... .......34 .

2.5 PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO DE CONTEÚDOS ATITUDINAIS PARA O


EXÉRCITO BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DO ENSINO POR
COMPETÊNCIAS........................................................................................................34

2.5.1 As mudanças no mundo do trabalho: a transformação do Treinamento &


Desenvolvimento (T&D) em Educação Corporativa...............................................34

2.5.2 O conceito de competência: diferentes abordagens teóricas.....................40

2.5.3 O ensino por competências no EB.................................................................50


2.5.4 A educação moral no DECEX: dos Atributos da Área Afetiva aos
conteúdos atitudinais...............................................................................................72

3.CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES................................................................101

REFERÊNCIAS.........................................................................................................103
13

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo elaborar uma proposta de desenvolvimento de


conteúdos atitudinais, na perspectiva do ensino por competências, que está sendo
introduzido no DECEx desde 2010, estabelecendo um conjunto de conceitos e de
estratégias pedagógicas, tendo como horizonte de aplicação um curso de formação de
oficiais da linha bélica.

Este estudo baseou-se nas concepções do ensino por competências, que, no


contexto do mundo da educação profissional, ‘’caracteriza as dimensões potenciais ou
efetivas dos trabalhadores de agir eficazmente em função das exigências das
empresas’’ (DOLZ; OLLAGNIER, 2004, p. 13).

Desta forma, o ensino por competências buscou o alinhamento entre as


demandas do mundo do trabalho e o currículo escolar, substituindo o modelo de
formação profissional centrado no treinamento estrito de técnicas, no sentido de
ultrapassar as ‘’noções de capacidade, qualificação, savoir-faire, integrando-as todas.’’
(DOLZ; OLLAGNIER, 2004, p. 13).

Na verdade, difundido em um período de crise e de concorrência acirrada a partir


da década de 1980, o ensino por competências visou a formar o trabalhador polivalente,
multitarefas, que fosse capaz de aprender continuamente novas tecnologias, circulando
por vários postos de trabalho passíveis de se aglutinar ou de desaparecer.

O ensino por competências se associou também a uma mudança epistemológica


segundo a qual a competência é estruturada por meio de uma construção interna,
remetendo-se ‘’ao poder e desejo que o indivíduo dispõe para desenvolver o que lhe
pertence como ‘’ator’’, ‘’diferente’’ e ‘’autônomo’’ (DOLZ; OLLAGNIER, 2004, p. 10).

Na perspectiva do ensino por competências, relacionada atualmente ao


construtivismo, a educação moral deve ser encaminhada por meio de oportunidades que
permitam que os sujeitos participem do processo de construção de suas crenças e
conduta moral, rompendo com a convicção comportamental de que a formação moral de
uma pessoa é um mero produto de uma manipulação de estímulos ambientais. Nesta
abordagem/metodologia de ensino, a educação moral deve ser promovida por meio dos
conteúdos atitudinais, que se subdividem em capacidades morais, atitudes e valores.
14

Para ser adequadamente fomentada no Exército Brasileiro (EB), a educação


moral na abordagem do ensino por competências teria que ponderar as características
distintivas das instituições educativas militares, centradas em dispositivos disciplinares e
rituais vinculados a paradigmas multisseculares de formação humana, responsáveis pelo
desenvolvimento de uma sensibilidade e visão de mundo militar.

A abordagem de Hannah Arendt dos elementos históricos e sociais próprios da


Modernidade tardia (ARENDT, 2008, p. 7), e que de algum modo persistem na
sociedade contemporânea foi também considerada, para caracterizar o contexto onde se
situa a educação moral realizada nas instituições militares.

Este estudo também analisou os principais modelos de ensino que permearam o


sistema de ensino do EB nos séculos XX e XXI, que embasaram um diagnóstico das
bases pedagógicas das normas de ensino de valores e atitudes no Departamento de
Educação e Cultura do Exército (DECEx) até a emissão da Norma de Avaliação e
Desenvolvimento dos Conteúdos Atitudinais (NDACA), em 2014.

Finalmente, este trabalho propôs conceitos e estratégias de desenvolvimento de


conteúdos atitudinais para o Exército Brasileiro na perspectiva do ensino por
competências que incorporaram, aperfeiçoaram e ampliaram as práticas morais no
âmbito das instituições educativas militares.

1.1 PROBLEMA

Em 2010, a partir da implementação da nova Sistemática de Formação de Oficiais na


Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), o DECEx iniciou a difusão do ensino por
competências no âmbito do sistema do DECEx, estabelecendo uma situação propícia a
uma atitude de investigação e análise das práticas de educação e avaliação moral da
Instituição, interrogando se os conceitos e práticas vigentes eram ou não adequados ao
paradigma do ensino por competências.

A reforma do ensino por competências ensejou a emissão de diversas normas de


ensino em 2013, revistas em 2014, relativas às metodologias de construção curricular e
à avaliação: Portaria n º 80-DECEx, de 07 de agosto de 2013; Portaria n º 98-DECEx, de
23 de setembro de 2013; Portaria n º 99-DECEx, de 23 de setembro de 2013; Portaria
nº 127-DECEx, de 24 de setembro de 2014, Portaria n º 127-DECEx, de 24 de setembro
de 2014; Portaria nº 144-DECEX, de 27 de novembro de 2014.
15

Finalmente, foi emitida a Portaria n º 143-DECEX, de 25 de novembro de 2014,


que aprovou as Normas para Desenvolvimento e Avaliação dos Conteúdos Atitudinais
(NDACA), em sua 1ª Edição, na perspectiva do ensino por competências.
Este trabalho parte do fato de que não há, nesta norma, diretrizes ou estratégias
previstas para o desenvolvimento dos conteúdos atitudinais, o que não condiz com a
abordagem/metodologia de ensino por competências, de extração construtivista, tal
como é compreendida pela literatura especializada e pelo próprio corpus normativo do
ensino por competências do DECEx, estruturado a partir de 2013.
Deste modo, estabelece-se aqui o problema, que consiste na ausência de um
referencial para nortear as práticas de ensino de conteúdos atitudinais, uma vez que
ainda não foi emitido o novo Manual do Instrutor, na perspectiva do ensino por
competências, que poderia incluir as diretrizes de ensino dos conteúdos atitudinais.
Neste contexto, quais seriam os principais conceitos e estratégias de
desenvolvimento dos conteúdos atitudinais, baseados nas diretrizes do ensino por
competências?

1.2 OBJETIVOS

O presente estudo pretendeu estabelecer os conceitos e atividades de


desenvolvimento dos conteúdos atitudinais, para o EB, na perspectiva do ensino por
competências. Para tal, quis atingir os seguintes objetivos específicos:

a. Definir educação moral;


b. Analisar a situação da educação moral na sociedade contemporânea;
c. Caracterizar as formas específicas de educação moral das instituições
militares;
d. Descrever os principais paradigmas de educação moral;
e. Caracterizar os modelos de ensino vigentes no ensino do EB, numa perspectiva
histórica;
f. Identificar os modelos de ensino que norteiam as normas diretamente
relacionadas aos aspectos morais da profissão militar no DECEx;
g. Caracterizar os aspectos fundamentais do ensino por competências;
h. Definir conteúdos atitudinais;
17

i. Explicar os principais princípios do ensino de conteúdos atitudinais;


j. Elaborar atividades do ensino de conteúdos atitudinais, com foco nas práticas
morais, com exemplos extraídos de um curso de formação da linha bélica.

1.3 QUESTÕES DE ESTUDO

Algumas questões de estudo podem ser levantadas para encaminhar melhor os


rumos desta investigação:
a. Em que consiste a educação moral?
b. Qual a situação da educação moral na sociedade contemporânea?
c. Quais as formas específicas da educação moral nas instituições militares?
d. Quais são os principais paradigmas de educação moral?
e. Quais são os principais modelos de ensino que influenciaram o ensino do EB?
f. Quais são os modelos de ensino que norteiam as normas de ensino
relacionadas diretamente aos aspectos morais da profissão militar?
g. Em que consiste o ensino por competências?
h. O que são os conteúdos atitudinais?
i. Quais são os principais princípios do ensino de conteúdos atitudinais?
j. Quais são as principais conceitos e estratégias do ensino de conteúdos
atitudinais, focados nas práticas morais?

1. 4 METODOLOGIA

1.4.1 Objeto formal de estudo

O presente trabalho busca, por meio de pesquisa bibliográfica e documental,


propor conceitos e estratégias de ensino de conteúdos atitudinais, alinhados com as
diretrizes do ensino por competências vigentes no DECEx, e com os usos e costumes
de educação moral do Exército Brasileiro (EB).

Foram consideradas as normas de ensino do DECEX, por ter sido o pioneiro na


implantação da reforma do ensino por competências, sendo o subsistema de ensino
mais amplo e diversificado do EB, que inclui ainda o Comando de Operações Terrestres
18

(COTER), responsável pela instrução militar realizada em corpo de tropa, e a Diretoria


de Ciência e Tecnologia (DCT), que se ocupa do Instituto Militar de Engenharia (IME).

Serão privilegiados os exemplos práticos relativos a um curso de formação de


linha bélica, por ser o paradigma da formação militar para todo o sistema de ensino do
EB, uma vez que os oficiais da linha bélica são geralmente os responsáveis pela
preparação militar de praças e oficiais no âmbito do COTER, DCT e DECEx,
transportando os conceitos e práticas educacionais oriundas de seu próprio curso de
formação.

1.4.2 Delineamento da Pesquisa

O delineamento de pesquisa inclui o levantamento e seleção da bibliografia e de


documentos, a leitura analítica e fichamento das fontes, sistematizando informações
relevantes sobre as normas de ensino do DECEX, à luz de referenciais teóricos, e a
elaboração de atividade pedagógicas de desenvolvimento dos conteúdos atitudinais.

1.4.2.1 Procedimentos para a revisão de literatura

Para a definição de termos, levantamento das informações de interesse e


estruturação de um modelo teórico de análise, foi realizada uma revisão de literatura
com os seguintes procedimentos:

a. Fontes de busca

- Artigos científicos das bases de dados do Scholar Google, PubMed, do LILACS,


do SCIELO e do ISI;
- Livros e monografias da Biblioteca da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e
da Biblioteca da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército;
- Monografias do Sistema de Monografias e Teses do Exército Brasileiro;
- Literatura em desenvolvimento e educação moral;
- Literatura em ensino por competências;
- Literatura em Estudos Militares.
19

b. Estratégia de busca para as bases de dados eletrônicos

A fim de realizar a busca a respeito do assunto foi utilizada a localização dados


eletrônicos, por meio de sites de busca na internet. A fim de otimizar a busca, foram
utilizados os seguintes termos descritores: "desenvolvimento moral,” ‘’educação moral",
“ensino por competências”, ‘’ensino militar’’, ‘’socialização militar’’; ‘’conteúdos
atitudinais’’.

c. Critérios de inclusão:

- Estudos publicados em língua portuguesa, espanhola, francesa, italiana e


inglesa.

d. Critérios de exclusão:

- Estudos anteriores à década de 1980 que não sejam consideradas obras


clássicas sobre o tema.

1.4.2.2 Procedimentos metodológicos

Quanto à natureza, o presente estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa do tipo
aplicada, por ter por objetivo gerar atividades para aplicação prática em contexto escolar
dos princípios do ensino por competências relacionados à área de ensino dos conteúdos
atitudinais. Os exemplos práticos das atividades pedagógicas foram limitados ao curso
de formação militar da linha bélica, com o qual a autora teve contato institucional regular,
quando participou do processo de implantação do ensino por competências ao longo do
ano de 2012, como membro do Comitê de Implantação do Ensino por Competências do
DECEx. Por tratar-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, e carecer de uma
experimentação de campo, a investigação foi limitada pela impossibilidade de se validar
os resultados pela execução dos procedimentos didáticos sugeridos no contexto de um
Estabelecimento de Ensino (Estb Ens) militar, por meio de uma pesquisa qualitativa de
avaliação curricular.
20

1.5 JUSTIFICATIVA

O Exército brasileiro estabeleceu diversas normas para o ensino por


competências que não contêm diretrizes e estratégias de ensino de conteúdos
atitudinais, tal como é preconizado por este paradigma pedagógico, que enfatiza mais o
processo de aprendizagem do que o produto, na forma de um rol de comportamentos
observáveis.
Deste modo, buscou-se resolver um problema de ordem prática para instrutores,
docentes e para a Seção Psicopedagógica do subsistema do DECEX, que implementou
a reforma do ensino por competências, mas que não dispõe de um referencial para
nortear as suas práticas de ensino de conteúdos atitudinais - um aspecto preconizado
neste paradigma de ensino, centrado nas categorias de conteúdos de aprendizagem, tal
como se encontra nas outras normas vigentes de ensino por competências, que incluem
os conteúdos atitudinais.
Sendo assim, é de suma importância que seja elaborado um manual prático de
ensino de conteúdos atitudinais, contextualizado na realidade militar, com exemplos de
algum curso do EB, que possam ser apropriados pelos Estabelecimentos de Ensino
(Estb Ens) militar do DECEX, que estão implantando ou que já implantaram o ensino por
competências.
Com este estudo, pretende-se contribuir também na constituição de uma doutrina
de ensino para o EB, na perspectiva do ensino por competências, passível de ser
aplicada no âmbito do subsistema de ensino do DECEx, na linha de ensino bélico, e
também na linha de ensino complementar, de saúde, e científico-tecnológica, com as
devidas adaptações, considerando as especificidades das competências a serem
desenvolvidas em seus respectivos cursos e estágios. Esta proposta de conceitos e
atividades de conteúdos atitudinais pode ser apropriada pelos docentes e instrutores,
pelas seções de ensino, Seção Psicopedagógica e seções especiais, como a Seção de
Equitação e Seção de Operações Especiais, que realizam um trabalho de ensino de
técnicas militares específicas, com interface significativa com os conteúdos atitudinais.
21

2 DESENVOLVIMENTO

A revisão de literatura foi realizada com o intuito de reunir e expor de forma


sucinta os conceitos mais relevantes para este trabalho, extraídos da literatura
especializada em Educação Moral, em ensino por competências, e em Estudos Militares.

Para discutir tais aspectos, abordando as bases teóricas mais relevantes para a
presente pesquisa, esta seção foi dividida nos seguintes tópicos: Desenvolvimento
moral e educação moral; A situação atual da educação moral: a crise dos valores; A
educação moral própria do ensino militar; Desafios éticos do ensino militar no século
XXI: as demandas das novas hipóteses de emprego; Proposta de desenvolvimento de
conteúdos atitudinais para o Exército Brasileiro na perspectiva do ensino por
competências.

2. 1 DESENVOLVIMENTO MORAL E EDUCAÇÃO MORAL

O desenvolvimento moral e a educação moral podem ser compreendidos a partir


dos conceitos e métodos de diversos campos disciplinares: a Filosofia, a Sociologia, a
Antropologia, a Pedagogia e a Psicologia.

A Filosofia da Moral ou Ética é uma teoria genérica da moral, que aborda os


fundamentos da moral, que consiste em um conjunto de regras e de conduta próprio de
uma cultura determinada (RUSS, 1999, p. 5). Por outro lado, a Sociologia e a
Antropologia da Moral analisam os aspectos morais das diferentes dimensões da vida
social: as ideias de justiça, os ideais do bem viver ou de “vida boa” dos diversos grupos
morais e das instituições e suas implicações na vida política e social; os conflitos e o
consenso construídos em torno de ideais éticos, de indivíduos e grupos sociais; os
processos de construção social dos valores e atitudes nos indivíduos e grupos sociais.

Por sua vez, a Psicologia moral aborda os aspectos psíquicos relacionados à


construção de valores e atitudes nos indivíduos, enquanto a Pedagogia caracteriza os
aspectos relacionados à educação moral, que consiste no processo formal de
desenvolvimento e avaliação da consciência, personalidade ou caráter moral, e das
atitudes e valores em contextos educacionais.
22

A Psicologia e a Pedagogia compreendem o desenvolvimento da educação moral


a partir dos referenciais vigentes na Psicologia da Educação e nas Ciências da
Educação, que se organizam em torno da problemática epistemológica, que explica o
processo de aprendizagem nos sujeitos, vinculada ao eixo dos polos da relação entre
sujeito e objeto.

Deste modo, existem as correntes de matiz comportamental, behaviorista, que


privilegiam o ambiente, considerando ‘’a aprendizagem como um sistema de respostas
comportamentais a estímulos físicos’’ (TWOMEY-FOSNOT, 1998, p.28). Neste sentido,
na concepção comportamental de desenvolvimento moral, não existe a participação do
sujeito na constituição do seu comportamento moral e de hábitos e condutas sociais,
pois ele é determinado por um modelo de educação moral centrado na aplicação de
reforços e punições:

‘’A aprendizagem, segundo os comportamentalistas, podia ser


explicada com base nos condicionadores operantes, que têm a
finalidade de reforçar o comportamento e controlá-lo externamente.
Nessa concepção, a aprendizagem ocorre quando a informação é
memorizada. Como a informação não foi processada, ela só pode
ser repetida, indicando a fidelidade da retenção, não podendo ser
usada para resolver situações problematizadoras.’’ (LOPES, 2005,
p. 76).
Destacam-se, na abordagem condutivista/behaviorista, as contribuições de
Watson, para quem a única dimensão relevante, observável, é o comportamento;
Thorndike, que percebia aprendizagem como uma cadeia de estímulos e respostas;
Pavlov, que estudou as cadeias de estímulo e resposta e suas relações com o
condicionamento; Skinner, que aprofundou os mecanismos de condicionamento do
comportamento.
O modelo de ensino 1 inspirado no comportamentalismo é o Tecnicismo, que
considera que o processo educativo consiste na organização de estímulos, por reforço

1
Modelo é uma configuração ou um conjunto de representações sobre um tema determinado, que permite
situar uma ação ou os princípios que regem uma ação. O modelo engloba também as concepções e
interpretações particulares sobre algo, que podem ser implícitas ou explícitas: ‘’um modelo ‘existe’ sob
diferentes facetas: implícito ou explícito, instituído (como a pedagogia diferenciada) ou consuetudinário
(pedagogia tradicional), sob forma de organização, de métodos, de procedimentos, de material, sob a
forma de representações individuais ou sociais invocadas para a descrição dos projetos ou das práticas.’’
(MORANDI, 2002, p. 141). Neste sentido, o modelo de ensino consiste num conjunto de concepções e
práticas educacionais no campo do currículo, didática e avaliação, estruturado ao longo do tempo,
23

ou punição, com o intuito de modificar comportamentos observáveis. 2 No campo


curricular, o Tecnicismo se apoia na taxionomia dos objetivos educacionais, de Benjamin
Bloom, dentre outros autores, que prepara os alunos através da execução de tarefas
observáveis, padronizadas e hierarquizadas em termos cognitivos.

Inversamente, nas vertentes de matiz cognitivista, foi enfocado o papel das


representações mentais dos indivíduos no processo de aprendizagem, que se interpõem
entre o sujeito e os estímulos ambientais, permeando uma estrutura complexa de
recepção, organização e recuperação dos dados empíricos. No campo do cognitivismo,
destaca-se o construtivismo, que inclui a Epistemologia Genética de Jean Piaget e o
Sócio construtivismo, de Lev Vygotsky, que se opõem completamente ao
comportamentalismo em termos educacionais: ‘’Em vez de comportamentos ou
habilidades como meta da instrução, são enfocados o desenvolvimento de conceitos e a
compreensão em profundidade.’’ (TWOMEY-FOSNOT, 1998, p. 28).

Estas vertentes de Psicologia da Educação e da Pedagogia influenciaram as


diversas tendências de desenvolvimento e educação moral que se difundiram no âmbito
do sistema de ensino do DECEx, o que foi analisado mais adiante.

2.2 A SITUAÇÃO ATUAL DA EDUCAÇÃO MORAL: A CRISE DOS VALORES

A crise dos valores na sociedade contemporânea pode ser compreendida por


meio de uma análise da Ética e da moral.

A Ética é um ramo da Filosofia que elabora uma teoria sobre o bem e o mal,
analisando os fundamentos últimos da moral. Assim sendo, a Ética desconstrói as
regras de conduta que integram a moral das pessoas, demonstrando o processo e a

estabilizado em tradições pedagógicas específicas. São modelos de ensino a Escolanova, o Tecnicismo e


a Pedagogia Tradicional.
2
‘’O modelo comportamental behaviorista foi muito utilizado pelas escolas americanas durante os anos
1950 e 1960, por meio da instrução programada e dos primeiros softwares educacionais que
disponibilizavam os módulos sequenciais de instrução para o aluno verificar a eficiência de suas respostas
em testes de múltipla escolha ou no preenchimento de lacunas em trechos de textos. Tais recursos
computacionais utilizados como apoio pedagógico até hoje são passíveis de críticas por educadores, pois,
apesar de permitirem ao aluno certa interação com o conteúdo a ser estudado, não estimulam a
autonomia nem preveem a interação aluno-aluno ou professor-aluno, uma vez que não existem nesses
sistemas mecanismos que promovam este tipo de relação. Os principais problemas desta teoria sobre o
comportamento humano são: reduzir o comportamento humano à conduta observável; limitar o
conhecimento ao próprio comportamento; considerar a atividade humana uma justaposição de
comportamentos cumulativos; e negar que os conteúdos da capacidade, desempenho e comportamento
são uma questão efetiva dos processos de aprendizagem (LOPES, 2005, p. 78).
24

lógica de sua estruturação, buscando esclarecer os fundamentos subjacentes da noção


de dever ou de obrigação moral.

Por sua vez, a moral se concretiza nas formas de ação social elaboradas pela
sociedade e pela cultura, sendo analisada a partir dos conceitos e métodos das ciências
sociais, como a Sociologia e a Antropologia, além da Ética.

No campo da Ética moderna e contemporânea, foram contestados os


fundamentos últimos dos valores a partir de Emmanuel Kant, inscrito ainda nos marcos
de uma filosofia do sujeito, porque apoiado sobre um modelo de consciência autônoma e
responsável, absolutamente livre e criadora de valores.

Kant demonstrou a impossibilidade de estabelecer um fundamento metafísico


para os valores, conferindo aos indivíduos o protagonismo no campo da atividade moral
por meio dos imperativos categóricos, que são princípios apriorísticos de comportamento
moral, que se impõem como leis universais para a conduta humana, e que são
descortinados pelo indivíduo singular. Deste modo, Kant manteve o postulado do sujeito
autônomo, responsável, que elabora por si mesmo suas próprias leis sem se referir a
uma autoridade externa: ‘’o sujeito é aí concebido como inteiramente responsável por si
mesmo e por seus atos, como que animado por uma infinita liberdade, que conhece um
prolongamento axiológico’’. (RUSS, 1999, p. 31).

A partir de Kant, na Ética contemporânea, foram descortinados dois caminhos: foi


postulada a ausência de um sujeito livre e moralmente responsável por si e pelo mundo,
devido ao fato dos indivíduos serem subordinados aos aspectos irracionais e arbitrários
da personalidade e da cultura, vinculados às pulsões, à vontade de poder, aos
determinantes sociais (RUSS, 199, p. 35); foi postulada uma concepção intersubjetiva de
sujeito, inserido no interior de uma comunidade de falantes, articulando linguagem,
comunidade universal de comunicação e o ‘’tu deves’’, como instâncias interligadas no
âmbito da atividade moral (RUSS, 1999, p. 35).

Em ambos os casos, abandonaram-se valores absolutos, ou a possibilidade de


um substrato comum, universal, de referencial ético. Neste sentido, quando age, o
homem segue os imperativos impostos por determinantes culturais ou naturais, como os
ditames da esfera econômica (na concepção marxista, por exemplo), ou obedece a
instâncias imanentes do seu ser, que o ultrapassam, como as pulsões do inconsciente,
segundo as várias vertentes em que se divide a Psicanálise.
25

No plano da moral, concernente às formas de gerir a existência social,


determinadas a partir de valores, manifestou-se um pluralismo ético, que dividiu e
apartou as diversas esferas de valor de um modo inelutável. Este processo, realizado
pela Modernidade 3, deveu-se ao chamado ‘’desencantamento de mundo’’, provocado
pela difusão da ciência e da técnica, que extrapolaram indevidamente as suas
pretensões de conhecimento no sentido de dotar o mundo também de algum sentido
existencial: ‘’as construções intelectuais da ciência constituem um campo irreal de
abstrações artificiais que, com sua mão ossuda, procuram agarrar a essência da
verdadeira vida, sem jamais consegui-lo.’’ (WEBER, 1982, p. 98).

A ciência despovoou o mundo da presença do sagrado, de forças sobrenaturais


que influenciavam o destino do homem e o curso da história porque ela descreve a
natureza somente a partir de uma cadeia de causas e efeitos de caráter quantificável.
Neste sentido, a ciência analisa como o mundo funciona e não como deve funcionar. Ou
seja, a ciência não analisa a realidade em termos de valores. Apenas caracteriza o
modo como o mundo funciona. Portanto, a ciência não pode descortinar o significado do
mundo: ‘’a ciência não tem sentido porque não responde à nossa pergunta, a única
pergunta importante para nós: o que devemos fazer e como devemos viver?’’
(DOSTOIEVSKI, apud WEBER, 1982, p. 99).

A crise dos valores, inaugurada pelo processo de dessacralização do mundo,


instaurada pela Modernidade, é expressa perfeitamente na célebre frase de Dostoievski,
no romance ‘’Os irmãos Karamazov’’: ‘’Se Deus está morto, então tudo é permitido.’’
(DOSTOIEVSKI, 2004).

Em suma, o desencantamento do mundo eliminou os aspectos transcendentes da


vida humana, afastando-os da vida cotidiana e do modus operandi das instituições
sociais. Quando o fez, fragilizou os valores absolutos, religiosos que embasavam uma
representação unificadora da experiência humana.

3
Depreende-se por Modernidade a organização social instaurada no Ocidente a partir do final da Idade
Média (século V-XIV) que funciona sob a égide da racionalização social, centrada no ethos de otimização
dos meios para a consecução eficaz dos fins. No campo político, a Modernidade se manifesta no Estado
nacional, laico, como instância provedora de serviços e controle, baseado no poder militar permanente, no
monopólio da legislação e no sistema tributário centralizado, e que progressivamente vai ser legitimado
pelas bases por consenso social, através da representação política. A este respeito, ver: FREUND, Julien.
Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense Universitária: 1987, p.105-111.
26

Por sua vez, a fragilização dos valores ensejou um processo de fragmentação no


campo axiológico a partir do qual se separam a esfera estética, econômica, política,
religiosa, que deixam de se remeter a um substrato ético comum, de caráter
transcendente, da ordem do sagrado, que proporcionara anteriormente aos homens um
amplo ordenamento cognitivo de mundo:

‘’O destino dos nossos tempos é caracterizado pela


racionalização e intelectualização e, acima de tudo, pelo
‘desencantamento do mundo’. Precisamente os valores últimos e
mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino
transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das
relações humanas diretas e pessoais.’’ (WEBER, 1982, p. 102).
A fragmentação das esferas de valor engendrou uma situação de conflito e de
sobreposição dos valores, em formas de vida social que se tornaram compartimentadas
e estanques. Foi, então, possível, para o indivíduo, conduzir-se moralmente de forma
diferenciada em campos distintos da experiência social. Neste contexto, um homem
pode nortear seu comportamento por valores religiosos de cunho ascético e penitencial
somente no âmbito da realização cotidiana das suas atividades religiosas, aderindo a
outro repertório de valores quando atua no campo político ou econômico. Esta é a
chamada ‘’guerra dos deuses’’, de que fala Weber (1982), que estabelece a cisão
profunda da existência social na sociedade contemporânea, que perdeu as
possibilidades de ordenamento metafísico de mundo, que organizava a experiência
social e do mundo a partir dos vetores do Bem e do Mal.

A fragmentação das esferas de valor associou-se a formas específicas de


individualismo.

O individualismo moderno consistiu em emancipar o indivíduo das pessoas das


regras e imperativos éticos coletivos, defendendo, ao contrário, o livre desenvolvimento
da personalidade íntima, a legitimação do prazer, o reconhecimento das exigências
singulares e a moldagem das instituições em conformidade com as aspirações dos
indivíduos. O narcisismo surgiu, então, como um superinvestimento das questões
subjetivas: ‘’Ele coincide com o processo tendencial que leva os indivíduos a reduzir a
carga emocional investida nos espaços públicos ou nas esferas transcendentes e,
coletivamente, a aumentar as prioridades da esfera privada.’’ (LIPOVESKY, 2005, p.
XXII).
27

O narcisismo individualista busca a perpetuidade da juventude e da saúde, em


que o corpo estetizado e eternizado se identifica com a identidade pessoal mais
profunda da pessoa. Instauraram-se, então, formas variadas de normalização e
habituação do corpo como o ‘’único meio de o indivíduo ser realmente ele mesmo,
jovem, esbelto, dinâmico.’’(LIPOVESKY, 2005, p. 21).

Em consequência, na educação, a palavra perdeu a força e poder de persuasão,


a indiferença cresceu, declinando o prestígio do mestre, ‘’cuja fala tornou-se banal,
situando-se em pé de igualdade com a mídia e os grupos de pares, e o ensino se
transformou em máquina neutralizada pela apatia escolar feita de atenção dispersa e de
ceticismo desenvolto em relação ao saber’’ (LIPOVESKY, 2005, p. 21).

Em suma, verificou-se na educação a chamada crise da autoridade, que


desvaloriza o legado cultural e o papel do educador, que era de transmitir a tradição
constituída:

Deste modo, a sociedade e a cultura contemporânea têm


favorecido o esquecimento das tradições e da memória,
recusando-se à família e à escola a função de transmitir de forma
sistemática os conhecimentos e os valores vigentes e de assumir a
responsabilidade pela continuidade da sociedade e da cultura.
Neste sentido, os agentes educativos se caracterizam pelo
descompromisso em relação às heranças simbólicas transmitidas
pelas diversas gerações, deslegitimando o professor enquanto
autoridade, uma vez que não é mais responsável pela sociedade e
pela cultura, que não tem mais uma missão a cumprir, restringindo-
se ao exercício técnico da profissão: “a qualificação do professor
consiste em conhecer o mundo e em ser capaz de instruir os outros
acerca deste, porém sua autoridade se assenta na
responsabilidade que ele assume por este mundo” (ARENDT,
1987, p. 27.)
O narcisismo individualista se conectou também a uma espécie de entusiasmo
relacional, como atesta a proliferação de associações, grupos de assistência e de auxílio
mútuo, em ramificações e conexões em agrupamentos coletivos com interesses
hiperespecializados, tais como os alcoólatras, bulímicos, os praticantes de ioga ou
esportes radicais (MAFFESOLI, 1988).

Estas comunidades emocionais influenciam os modos de pensar e de agir dos


indivíduos, plasmando uma memória e uma estética coletiva, manifestada materialmente
em uma forma específica de expressão pessoal, de se vestir, de falar. As comunidades
emocionais estabelecem ainda mecanismos de controle que restringem o exercício da
28

liberdade pelos indivíduos, conduzindo eventualmente à defesa intolerante de um tipo


peculiar de existência social, o que evidencia as aporias do individualismo
contemporâneo, que acaba desembocando em experiências sociais contrárias à
aceitação da diferença e ao exercício pleno da liberdade.

Na verdade, a obediência às comunidades emocionais encontradas nas redes


sociais ou nos grupos de vizinhança é o reverso da liberdade compreendida como o
exercício pleno do direito de escolha. Pode-se considerar que instaura modos de
existência social caracterizados pela passividade e aceitação acrítica de modelos de um
modo não muito diferente do que se observa nas sociedades tradicionais, que
prescrevem determinados papeis sociais a partir dos usos e costumes de uma tradição
constituída.

2.3 A EDUCAÇÃO MORAL MILITAR

Apesar de se desenrolar no contexto atual de uma crise de valores, a educação


moral militar apresenta ainda características específicas, estruturadas na longa duração.

De fato, o educação moral militar baseia-se em dispositivos seculares de


formação do homem, centrados na aprendizagem dos valores da hierarquia e da
disciplina, que se contrapõem à ética e moral contemporânea, caracterizados pelo
policentrismo ético, pela ‘’guerra dos deuses’’, pelo relativismo axiológico, como foi
descrito acima.

A educação moral militar visa formar indivíduos destinados a enfrentar a morte na


defesa de valores coletivos como a defesa da Soberania e do Estado. Trata-se de um
modelo educativo que expressa um imaginário específico, tendo como objetivo a
formação de um tipo de sensibilidade e de visão de mundo próprias do soldado, a partir
de uma característica fundamental da profissão militar: a possibilidade de confronto com
o inimigo e a necessidade de manter-se firme diante da ameaça de morte.

Esta forma de educação – a chamada pedagogia do guerreiro – caracteriza-se,


portanto, por um tipo específico de socialização profissional que não encontra paralelo
no mundo civil, porque é centrada em um complexo arcabouço de símbolos, metáforas e
arquétipos. O arquétipo do herói assume aí um lugar central, concretizando-se através
de ritos de passagem singulares, como o campo e a semana de adaptação. A pedagogia
do guerreiro é materializada também através da metáfora da escalada, por meio da qual
29

é instaurado um cotidiano de privações e provações, com o intuito de fomentar o


sentimento de auto superação necessário para a atuação eficaz do soldado. 4

Embora milenar, a educação moral militar assumiu algumas características


distintivas a partir do século XVI, quando se difundiram nos espaços educativos militares
alguns dispositivos de vigilância e controle que objetivavam a homogeneização dos
indivíduos através da modelagem de comportamentos, sentimentos, imagens de si, e
usos do corpo: a vigilância hierárquica e a sanção normalizadora.

A vigilância hierárquica estabeleceu uma rede escalonada de supervisores, com a


função de orientar e controlar comportamentos, uma vez que a ‘’disciplina faz funcionar
um poder relacional que se auto sustente por seus próprios mecanismos e substitui o
brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados’’ (FOUCAULT,
1987, p. 159).

Por sua vez, a sanção normalizadora faz uso regulado de punições e


recompensas. Neste sentido, o quadro de honra e as medalhas de méritos são
dispositivos pedagógicos típicos deste modelo de ensino que estabelece
constantemente exemplos de conduta.

Convém ressaltar que, a partir da Modernidade, na educação moral militar, o


corpo passou a ser concebido como um resultado da disciplina: ‘’o soldado tornou-se
algo que se fabrica’’ (FOUCAULT, 1987, p. 125). Instaurou-se o controle da hora e do
gesto, através de um processo esmiuçado em manuais e práticas de ensino de
adestramento que decompôs os movimentos.

Estes dispositivos disciplinares serviam também para conter a manifestação


desinibida das pulsões de morte e da libido e das individualidades uma vez que
passaram a ser desencorajadas as pilhagens, os conflitos, as deserções, os
desperdícios e as orgias. Para tal, efetivou-se a clausura e o detalhamento das formas
de ocupação do espaço: ‘’cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar, o indivíduo.’’
(FOUCAULT, 1987, p. 131).

Na verdade, a docilização dos corpos como resultado da disciplina em instituições


militares é uma manifestação de uma tendência secular de constituição do Estado

4
A este respeito, ver: MAGALHÃES, Suzana Marly da Costa. Pedagogia do Guerreiro: IN: Revista de
História da Biblioteca Nacional. Educação: tudo sob controle? Ano 10; n˚120, setembro, 2015, p.24-25.
30

moderno, que estruturou campos de força por meio de campos simbólicos no sentido de
controlar e reprimir a expressão dos instintos pela pessoa, que anteriormente eram
expressos de modo espontâneo (ELIAS, 1994, p. 191).

Utilizando estes dispositivos disciplinares, as instituições militares passaram a


funcionar cotidianamente como espaços educativos que ‘’encenavam’’ constantemente
os valores da hierarquia e da disciplina através de rituais próprios, que fabricavam os
sujeitos, no sentido da constituição e consolidação de uma identidade militar, distinta de
uma identidade pessoal ‘’civil’’.

Para tal, transmitiam tradições genuínas ou inventavam tradições, para legitimar


melhor as suas práticas e visão de mundo a partir da celebração de um passado remoto,
que conferia uma espécie de aura às práticas sociais das instituições militares. Foi o que
aconteceu com o exército francês após 1839, quando foram estabelecidos dois métodos
para determinar a filiação das unidades militares: para as unidades anteriores a 1789,
remontando às origens; para as posteriores a 1789, utilizando um número e uma história
ficcional, que vinculava as unidades militares atuais às unidades mais antigas, criadas
quando da fundação do Estado laico francês (THIEBLEMONT, 1999, p. 87).

A busca da legitimação das instituições militares a partir de tradições antigas,


consolidadas, associadas à constituição do Estado-Nação, manifestou-se também no
culto dos patronos das armas e das Forças, que encarnavam integralmente, em suas
trajetórias pessoais, os valores e deveres militares. Nesta perspectiva, a transmissão da
narrativa de seus feitos exemplares era e ainda é feita em formaturas cívicas, onde se
enlaça a narrativa da gênese da instituição militar ao relato histórico da formação da
Nação e de seus mitos fundadores. 5

5
A este respeito, ver: CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.
31

2.4 DESAFIOS ÉTICOS DO ENSINO MILITAR NO SÉCULO XXI: AS DEMANDAS DAS


NOVAS HIPÓTESES DE EMPREGO

Convém investigar se as formas consuetudinárias de educação moral militar


descritas acima atendem plenamente às atuais demandas das hipóteses de emprego.

É preciso ressaltar o fato de que as formas de educação moral vigentes nos


espaços educativos militares estão relacionadas de algum modo às formas de emprego
militar que predominam em uma determinada Força Armada, porque estas configuram
determinados modelos de comando e controle, que se manifestam, na vida cotidiana dos
aprendizes, em determinados dispositivos instauradores da disciplina, que consiste,
como já foi dito, numa forma peculiar de gestão de autoridade, que se concretiza nas
maneiras de regular o uso do corpo, no tempo e no espaço, para formatar um tipo
específico de subjetividade.

Deste modo, a educação moral centrada em modelos relativamente rígidos de


gestão de autoridade vincula-se mais à guerra convencional, que se situava entre a era
napoleônica (início do século XIX) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Na verdade, o combate convencional é uma forma relativamente recente de


atuação militar, que, na história dos exércitos ocidentais, conheceu formas ainda mais
restritas de comando e controle, vinculadas a padrões extremamente rígidos de
hierarquia e disciplina. É o caso da guerra moderna, que precede o combate
convencional como parâmetro de atuação militar, situada entre o término da Guerra dos
Trinta anos (1648) e a era napoleônica (início do século XIX), caracterizando-se pelo
combate linear, formação cerrada, ordem unida e batalhas campais que se
assemelhavam a um desfile militar.

Na guerra convencional, o valor combativo de uma tropa podia ser aferido a partir
do modo como se portava em forma (VISACRO, 2009, p. 38).
A guerra convencional, realizada pela 1º Guerra Mundial (1914-1918),
caracterizava-se pela ascendência do sistema de apoio de fogo sobre a manobra,
sensível defasagem entre a tecnologia e a tática e perda da mobilidade tática. Seguia
também padrões estritos de planejamento e execução, pois se mantinha ainda o
controle dos escalões superiores, concedendo-se limitada autonomia decisória a oficiais
intermediários, subalternos e praças. Sua educação moral apresentava as seguintes
características: estranhamento do meio civil, sensação de desconforto pela falta pessoal
32

de traquejo militar, isolamento relativo da sociedade civil, ênfase na agressividade,


esforços físicos continuados, privação de sono; tensão psicológica recorrente; utilização
de canções militares em uníssono; uso frequente de punições e recompensas; uso da
repetição para favorecer a retenção das aprendizagens (KELLET, 1987, p.87).
Este modelo de educação moral militar enfatizava a observação sistemática da
conduta e o uso de punições a partir de padrões rígidos de hierarquia e da disciplina
para impedir que o soldado seguisse o seu instinto nacional de autopreservação, em
face de perigos que o levariam à morte; que se mantivesse a ordem de modo a não
haver abuso de poder; que controlasse os níveis de agressividade, para que não desse
livre curso às pulsões de morte que permeiam forçosamente a atividade militar.

Este modelo de educação moral militar funcionava com interface com uma forma
de comando e controle de caráter que limitava o exercício da tomada de decisão pelas
praças, oficiais subalternos e oficiais intermediários, tornando desnecessária a
compreensão mais acurada dos cenários de conflito, e estrita a obediência às ordens
emanadas do escalão superior.

Convém ressaltar ainda que a guerra convencional era compatível com um


modelo de educação moral que, nos estabelecimentos de ensino militar, e mesmo na
tropa, centrava-se na utilização de dispositivos disciplinares já descritos, tais como a
vigilância hierárquica e a sanção normalizadora, com as práticas de reforço de conduta e
de estabelecimento de hábitos automatizados. Estes procedimentos de educação moral
eram adequados no contexto da guerra convencional, uma vez que o soldado não
precisava lidar com populações civis, nem com grupos armados desconectados de um
exército nacional, permeados de valores distintos dos seus, e defendendo interesses
diversos.

A 2º Guerra Mundial (1937-1945) apresentou um modelo operacional híbrido,


incluindo formas de atuação militar próprias da guerra convencional, mas também da
chamada guerra de terceira geração, que se materializava em ações militares mais
descentralizadas, como a Blitzkrieg, onde a ‘’liberdade de ação, iniciativa, flexibilidade de
raciocínio, discernimento tático, senso de oportunidade e capacidade de decisão se
tornam os atributos mais importantes’’(VISACRO, 2009, p. 38).
O advento da guerra de terceira geração não alterou significativamente os
modelos de disciplina e de educação moral das escolas militares ocidentais, pois não
33

instaurava a necessidade do soldado lidar com as diferenças culturais, nem demandava


as habilidades de negociação, uma vez que ainda obedecia à lógica da guerra
convencional, que distanciava o teatro de operações das populações civis, distinguindo
claramente militares e civis, além de enfatizar o exército nacional, sem uma articulação
significativa com as outras forças e com as forças armadas de outras nações.
Somente a partir da guerra de quarta geração que se impõe a demanda por um
modelo disciplinar alternativo, pois ampliava as possibilidades de tomada de decisão
pelos escalões inferiores, incrementando a complexidade dos cenários, que passaram a
englobar atores sociais e institucionais diversos, a mídia e as instâncias jurídicas
nacionais e internacionais.
A guerra da quarta geração caracterizou-se pela crise do Estado como ator
principal dos conflitos armados, uma vez que os oponentes não estatais usavam forças
não militares. Funcionava a partir de um modelo decisório diferente, pois a decisão do
conflito ocorria no nível operacional, estratégico, mental e moral, ao invés de somente no
nível tático e físico, como acontecia na guerra convencional.
Este aspecto sugere que a guerra da quarta geração demanda uma forma
diferente de treinamento e de educação moral, instaurando ‘’a necessidade urgente de
rever conceitos doutrinários, reformular a educação militar, fomentar um novo tipo de
liderança’’ (VISACRO, 2009, p. 36).
Atualmente, apesar das demandas da guerra da quarta geração, constata-se que
coexistem diferentes tipos de treinamento e, consequentemente, de modelos de
educação moral militar, em um mesmo exército, relacionados aos seus respectivos
padrões de hierarquia e disciplina:
‘’Em termos gerais, podemos afirmar que, atualmente, a
esmagadora maioria dos profissionais militares, graças à ortodoxia
de sua formação, são soldados de, no máximo, ‘segunda geração’.
Em muitos parcos exércitos, predomina uma cultura de ‘terceira
geração’, assim como são poucos os exércitos que dispõem, de
fato, de unidades vocacionadas a travarem uma guerra de quarta
geração, e mesmo assim, representam um segmento minoritário de
suas forças armadas’’ (VISACRO, 2009, p. 40).
No mundo contemporâneo, à guerra da quarta geração, somaram-se as hipóteses
de emprego próprias da não-guerra, difundidas a partir de 1989, com a Queda do Muro
de Berlim, que suprimiu o conflito ideológico característico da Guerra Fria (1945-1989),
34

estabelecendo um cenário caracterizado pelo triunfo da multipolaridade e por um modelo


6
econômico marcado pela interdependência e concorrência.
As ações militares mais enfatizadas passaram a ser as ações de apoio aos
órgãos não governamentais, as Missões de Paz, o combate ao narcotráfico, as
operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), dentre outras. Estas hipóteses de
emprego caracterizam-se pela utilização eventual de Forças de Pronto-Emprego, que
usam unidades menores, leves, que funcionam por meio de processos focais de tomada
de decisão que distam muito do modelo rígido, vertical, de gestão da hierarquia e da
disciplina, próprio da guerra convencional.

Estes aspectos implicaram na necessidade de preparação profissional de um


modelo plural de militar que ultrapasse a incorporação estrita de automatismos e hábitos
e a obediência literal a normas e regras de conduta, que seja capaz de manter valores
coletivos consistentes em situações de risco, confronto e negociação com uma
pluralidade de atores institucionais.

2.5 PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO DE CONTEUDOS ATITUDINAIS PARA O


EXÉRCITO BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DO ENSINO POR COMPETÊNCIAS

2.5.1. As mudanças no mundo do trabalho: a transformação do Treinamento &


Desenvolvimento (T&D) em Educação Corporativa

A abordagem do ensino por competências surgiu a partir dos anos de 1980,


rompendo com o modelo burocrático de organização, instaurado no início do século XX,
vinculado à noção de qualificação, própria de uma forma de organização do trabalho
fordista e taylorista, centrada na execução de tarefas padronizadas na linha de produção
e na separação rígida entre supervisão e execução.

Este sistema de preparação de recursos humanos se baseava na convicção de


que as organizações são conjuntos compartimentados de recursos humanos, financeiros

6
A este respeito, ver: BERTAZZO, Juliana Santos Maia. Papéis militares no Pós-Guerra fria: a perspectiva
do Exército brasileiro. Dissertação apresentada na Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH, 2005.
35

e materiais, que incluem determinados subsistemas: provisão (quem trabalha), aplicação


(o que se faz), monitoração (quem são), desenvolvimento (como preparar), manutenção
(como reter).

Este sistema de preparação de recursos humanos se baseava também na noção


de cargo e função:

‘’Todos os seus processos básicos estavam centrados no


cargo: recrutar e selecionar para preencher cargos vagos,
remunerar de acordo com a avaliação e classificação dos cargos,
treinar para preparar as pessoas para ocupar os cargos, avaliar em
função do desempenho dos cargos e assim por diante. Parece até
que o RH funcionava unicamente em função unicamente em
função dos cargos existentes na organização. Para tanto, ele
descrevia e analisava cargos para poder moldar e translatar os
processos de recrutamento, seleção, treinamento, administração
de salários, avaliação de desempenho.’’ (CHIAVENATO, 2009, p.
11).
O modelo burocrático utilizava o conceito de cargo, para elaborar o chamado
perfil profissiográfico, que descrevia os aspectos psicológicos e procedimentais da
pessoa favoráveis ao exercício do cargo e função. Esta abordagem se inspirava na
teoria dos traços, que tinha a convicção de que a posse de determinadas características
psicológicas resultariam forçosamente no bom desempenho no exercício do cargo, como
se estas fossem ser automaticamente transferidas para a execução em situações de
trabalho.

Além dos aspectos relacionados à personalidade do indivíduo, o perfil


profissiográfico elencava ainda um conjunto de tarefas, através da realização de uma
análise ocupacional feita por especialistas em recursos humanos, que consistiam,
sobretudo, no preenchimento de questionários e de fichas descritivas sobre o processo
de trabalho.

O subsistema de desenvolvimento de recursos humanos que correspondia a este


modelo de administração de recursos humanos, era o de Treinamento &
Desenvolvimento (T&D). Nesta perspectiva, o treinamento era feito com base em um
diagnóstico de levantamento de necessidades que coletava dados da organização a
partir de instrumentos variados tais como a observação direta, entrevistas, análise de
cargos, testes, exames e planejamento organizacional de longo prazo. Outros aspectos
a serem considerados eram os indicadores: a redução do número de funcionários, a
36

mudança de métodos e processos de trabalho, a introdução de novas tecnologias,


dentre outros.

O T&D visava à aquisição de determinados comportamentos observáveis, numa


abordagem pontual, microscópica, que não incidia sobre o desenvolvimento pessoal de
forma mais ampla e profunda, e que desconsiderava as complexas relações da
organização com o entorno, nem realizava análises prospectivas de grande amplitude.

Do ponto de vista educacional, o T&D baseava-se no tecnicismo pedagógico, que


influenciou os programas escolares da educação básica e profissional:

‘’os programas escolares dividiram seus conteúdos em


múltiplos micro objetivos, que permitiram à escola preparar os
estudantes para uma forma fragmentada de trabalho, cujo modelo
exacerbado era, sem dúvida, o trabalho na cadeia produtiva. O
trabalho era, então, dividido em uma multiplicidade de tarefas
parcelares que cada um executava de modo isolado, ignorando o
que os outros faziam, e a significação global do conjunto das
tarefas.’’ (JOONAERT; BARRETE; BOUFRAHI; MASCIOTRA,
2005, p. 3).
O currículo por objetivos desconhecia a contextualização e a interdisciplinaridade,
indispensáveis para reproduzir as condições reais da vida pessoal e profissional do
aluno na sala de aula. Além disso, a fragmentação do comportamento em pequenas
unidades hierarquizadas, que perdiam de vista a situação real, impedia que o aprendiz
elaborasse uma compreensão mais ampla e global do processo de trabalho, que é
fundamental para que ele mobilize os recursos necessários em uma ação profissional
eficaz.

O T&D funcionou durante a Era Industrial como uma sistemática viável para
preparar as pessoas para o desempenho em seus cargos em um mundo onde havia
transformações, mas onde ainda se impunham atitudes conservadoras e de manutenção
do status quo. Deste modo, o T&D era, por sua própria natureza e configuração, quase
sempre local, tópico, just-in-time, reativo, micro orientado e agregador.

Este extremo pragmatismo e imediatismo se revelam hoje insuficientes:

‘’fazer apenas T&D é necessário, mas não suficiente para


atender às atuais necessidades das organizações. Em um mundo
em gradativa velocidade da mudança, o T&D passou a significar
uma solução simplesmente tópica e local e, quase sempre,
fundamentada na manutenção do status quo, ou seja, zerar
necessidades de treinamento. Isto significa olhar para o momento
37

atual ou para trás, quando a realidade aponta para olhar para a


frente e para o futuro.’’ (CHIAVENATO, 2009, p. 117).
Ora, no contexto do mundo do trabalho que se estrutura a partir da década de
1980, marcado pela crise econômica e concorrência acirrada, exige-se agora o
enfrentamento eficiente de situações complexas e imprevistas, o que não era
demandado pela organização fordista-taylorista que predominava anteriormente. Este
trabalhador polivalente, capaz de aprender constantemente, que passa a compartilhar
parcial ou completamente as funções de execução e supervisão, teria emergido de uma
organização econômica caracterizada pela fragmentação crescente de um processo de
trabalho, que passou a ser realizado em vários países, ou em unidades produtivas
distintas, devido aos imperativos das lógicas da globalização do capital e do trabalho.

Outro aspecto que favoreceu a demanda por este novo tipo de trabalhador foi a
inovação tecnológica acelerada, que exigia a aprendizagem continuada de novos
conhecimentos e tecnologias.

Neste contexto de intensa concorrência, crise econômica e desenvolvimento


tecnológico intenso, impôs-se o conceito mais amplo de Educação Corporativa, que é
holística, porque busca desenvolver aspectos globais do indivíduo e não somente a
execução de tarefas estanques. Sistêmica e sinérgica, porque integra melhor os
subsistemas de recursos humanos e a organização ao contexto onde atua. Proativa
porque levanta tendências e estabelece cenários de longo prazo.

A Educação Corporativa considera os recursos humanos como um capital


intelectual ativo, intangível, o único capaz de produzir os melhores resultados e a
otimização máxima do retorno dos investimentos:

Este novo enfoque surge quando se tornou claro que a


competividade e sustentabilidade das organizações dependem do
conhecimento, e que o segredo das organizações bem-sucedidas é
saber consolidar e reciclar o conhecimento entre seus funcionários,
preparar e desenvolver os funcionários que tenham condições
permanentes de lidar com a mudança e inovação’’ (CHIAVENATO,
2009, p. 3).
Neste sentido, a Educação Corporativa estabeleceu dois vetores de estruturação
do sistema de preparação profissional: a racionalização do processo de trabalho, com a
consequente flexibilização da noção de cargo e função, a partir do mapeamento de
competências, que passa a nortear a gestão e capacitação por competências; a
38

ampliação do modelo de desenvolvimento da pessoa e da organização, que passa a se


fundamentar, respectivamente, no construtivismo e nas ferramentas da gestão de
conhecimento 7 e de aprendizagem organizacional8.

Nesta perspectiva, a Educação Corporativa e o ensino por competências se


inserem no âmbito de uma proposta de Desenvolvimento Organizacional que busca
transformar ‘’as organizações mecanísticas em organizações orgânicas, por meio da
mudança organizacional, de modificação da cultura organizacional e da compatibilização
dos objetivos organizacionais e dos objetivos individuais dos participantes’’
(CHIAVENATO, 2009, p. 193).

Assim sendo, a Educação Corporativa ultrapassa, então, o foco técnico, de


ênfase no ensino-aprendizagem das tarefas, que era o objetivo do modelo de T&D,
porque passa a considerar as subjetividades como ativo intangível. De fato, no cenário
de competição acirrada que se difunde nas últimas décadas, torna-se cada vez
importante ter uma mão de obra que se identifique com os objetivos e valores das
organizações, e que faça um grande investimento emocional na atividade do trabalho,
além de estar disposta a mobilizar integralmente suas atitudes, capacidades e
potencialidades intelectuais a serviço da organização.

O ensino por competências voltado para o desenvolvimento dos processos


cognitivos e das atitudes, na perspectiva do construtivismo, torna-se um paradigma

7
‘’A gestão do conhecimento refere-se à criação, identificação, integração, recuperação, compartilhamento
e utilização do conhecimento dentro da empresa. Está voltada para a criação e organização de fluxos de
informação dentro e entre os vários níveis organizacionais, para gerar, incrementar, desenvolver e
partilhar o conhecimento dentro da organização, sobretudo para incentivar trocas espontâneas de
conhecimento entre as pessoas’’ (CHIAVENATO, 2009, p. 123). A gestão de conhecimento inclui a
documentação de sistemas e de processos, treinamento, comunicação organizacional, informações de
suporte à decisão, tecnologia da informação, marketing, recursos humanos, data warehouse, intranet,
internet, ambientes de hardware e software, dentre outros. Em síntese, a Gestão de Conhecimento
consiste num amplo processo organizacional que envolve a criação de conhecimento, memória
organizacional, mapeamento, integração e disseminação do conhecimento existente e a sua aplicação
adequada.
8
A Aprendizagem Organizacional consiste numa abordagem própria da Educação Corporativa e das
novas Teorias das Organizações que consideram que o espaço de trabalho é um espaço permanente de
aprendizagem. Neste sentido, foi criado o termo das organizações de aprendizagem, que contesta as
tradicionais fronteiras horizontais, funcionais ou divisionais (departamentos e divisões estanques), e as
fronteiras verticais (hierarquia) que inibem a cooperação, o compartilhamento de recursos e o debate
interno que favorecem a aprendizagem de novas competências. Para criar uma organização que aprende,
as empresas dependem de estilos de liderança mais democráticos e participativos e de ferramentas
eficazes de gestão de conhecimento e de sistemas de mapeamento e capacitação em competências, que
explicitem as capacidades existentes na organização, para que possam ser utilizadas de modo adequado.
39

educacional adequado para gerir e desenvolver pessoas talentosas e compromissadas


com a organização.

É neste sentido que cabe aqui a crítica de um pensamento marxista e pós-


marxista, que denuncia o fenômeno, no capitalismo avançado, de captura das
subjetividades no âmbito do mundo do trabalho. 9 Uma captura que foi indissociável da
captura do próprio construtivismo pelas políticas de ensino implementadas no campo da
educação básica, educação profissional e ensino superior, atrelado ao embasamento da
pedagogia das competências. 10

Este fenômeno é paradoxal porque a abordagem das competências é também


indissociável da destruição gradual do Estado do Bem-Estar Social, que estabelecia um
sistema de proteção ao trabalhador em relação aos direitos sociais, determinando ações
regulatórias e de intervenção direta nos sistemas econômicos.

No novo cenário, ao contrário, impõem-se diversas sistemáticas de precarização


do trabalho, como a terceirização:

A lógica das competências se inscreve no movimento que se


acirra nos anos 80 - tanto na França quanto em outros países - de
declínio das intervenções reguladoras do Estado no domínio
econômico, modificando as formas de regulação entre oferta e
demanda de emprego. Com a competência, a referência aos
postos ideais (definidos no coração dos negócios coletivos e
paritários) se rarefizeram em proveito das formas de adaptação à
diversidade do concreto.’’ (RAMOS, 2002, p. 68).
O paradoxo apontado consiste no seguinte: em face de um sistema de exclusão e
fragilização sistemática do trabalhador, que dificulta ou inviabiliza as relações afetivas no

9
No Toyotismo, que se centra no trabalho em equipe, uma das configurações surgidas no âmbito do
capitalismo globalizado, que supera a divisão rígida entre supervisão e execução, é o engajamento da
subjetividade do trabalhador: ‘’o operário é encorajado a ‘pensar proativamente’, a encontrar soluções
antes que os problemas aconteçam (....) cria-se, consequentemente, um ambiente de desafio contínuo,
em que o capital não dispensa, como fez o fordismo, o ‘espírito’ operário (ALVES, 2000, p.55).
10
Embora o construtivismo não seja uma teoria de ensino, mas uma vertente da psicologia da
aprendizagem e do desenvolvimento, tem influenciado grande parte das tomadas de decisão curriculares
e instrucionais que ocorreram no campo da educação profissional e nos órgãos internacionais de
Educação e desenvolvimento econômico. Tem respaldado também as diretrizes implementadas no âmbito
dos sistemas nacionais de ensino. Neste sentido, pode-se relacionar o construtivismo ao advento das
chamadas pedagogias psicológicas, que se aplicam ‘’aos processos intraescolares de ensino e
aprendizagem (cada vez menos de ensino e mais de aprendizagem), quanto aos processos mais globais
de justificação e organização da ação educativa, nas mais diversas expressões, compondo o discurso
educacional contemporâneo ou, como alguns preferem tratar, a retórica reformista contemporânea’’
(DUARTE, 2000, p. 10).
40

ambiente de trabalho e a identificação emocional do trabalhador com a organização,


uma vez que ele se torna um elemento facilmente descartável do processo produtivo
cada vez mais desterritorializado e volátil, exige-se do trabalhador altas doses de
investimento pessoal, o que inclui a disposição de realizar voluntariamente um esforço
de auto aperfeiçoamento que se prolonga durante toda a carreira.

Convém ressaltar que estas restrições ideológicas à gestão e ensino por


competências não podem ser aplicar às propostas de implantação das competências em
instituições públicas, uma vez que inexistem aqui os fatores excludentes da dinâmica do
mercado, pois o trabalhador não está sujeito a ser demitido em caso de um gap (ou
deficiência) de suas competências em relação ao que espera a organização.

2.5.2 O conceito de competência: diferentes abordagens teóricas

No campo científico, a abordagem das competências foi formulada primeiramente


por McCllelland, ainda nos anos de 1960. Este autor considerava que as competências
consistem nas características de um indivíduo que guardam uma relação causal com o
desempenho efetivo ou superior no posto de trabalho em contextos específicos. Nesta
perspectiva, as competências são um estoque de recursos que o indivíduo detêm.

Esta primeira sistematização das competências teria como pontos fracos uma
definição excessivamente ampla e indeterminada da competência, a falta de clareza na
distinção entre competências centrais e mínimas. Além disso, faltava-lhe a dimensão
prospectiva, que é fundamental para flexibilizar os processos de formação de mão de
obra em face de uma análise de cenários que indica determinadas tendências de
desenvolvimento futuro.

Na verdade, esta primeira formulação científica da abordagem do ensino por


competências ainda era tributária das concepções comportamentais, com foco na teoria
dos traços, uma vez que McClelland ainda definia as competências como o conjunto de
as características da pessoa subjacentes à realização das tarefas. 11 Nesta perspectiva,
a competência consistia num estoque de recursos que o indivíduo detinha e a avaliação

11
A contribuição de McClelland consistiu, sobretudo, no questionamento do enfoque do ensino tradicional
segundo o qual os tradicionais exames acadêmicos, os conhecimentos, os graus e os diplomas não eram
fatores suficientes para garantir o êxito no trabalho e em outras situações da vida, sendo utilizados com
frequência para discriminar minorias étnicas, mulheres e outros grupos mais vulneráveis no mercado de
trabalho.
41

dessa competência individual continuava a ser feita com base no conjunto de tarefas do
cargo ou posição ocupada pela pessoa, como na era industrial, marcada pelo Fordismo
e Taylorismo.

Esta abordagem foi endossada por vários autores e metodologias voltadas para a
elaboração de currículos na educação profissional12, só sendo superada com a
emergência da matriz funcionalista de investigação dos processos de trabalho.

A matriz funcionalista se baseava na vertente sociológica funcionalista, tendo


como fundamento metodológico-técnico, a Teoria dos Sistemas Sociais. Nesta
perspectiva, os objetivos e funções de uma organização empresarial devem ser
formulados em termos de sua relação com o ambiente externo, isto é, com o mercado, a
tecnologia e as relações sociais e institucionais. Em consequência, a função de cada
trabalhador na organização deve ser entendida em sua relação com o entorno mais
amplo da empresa e com os subsistemas dentro da organização.

A análise funcional é realizada por intermédio da introspecção, observação


objetiva, estudos de caso e testes mentais para identificar o que, o como e o porquê das
operações cognitivas em seus contextos de trabalho. Os resultados subsidiam a criação
de normas de competência de trabalho, que são descrições de resultados laborais que
se devem alcançar em uma área determinada.
Para a análise funcional, o importante ainda são os resultados e não como os
processos são realizados, por isso as funções são descritas em termos de unidades de
competência e estas, em elementos de competência.

A matriz funcionalista embasou metodologias extremamente operacionais de


construção curricular, estabelecendo ferramentas de mapeamento de competências,

12
Neste sentido, nos Estados Unidos, foi estruturado um grupo de competências elaborados pela
Secretary’s Commission on Achieving Necessary Skills - SCANS, por meio das entrevistas e discussões
com amplo grupo de informantes-chaves do mundo empresarial, sindical, da educação, das universidades
e especialistas. Dentre as competências, foram destacadas aquelas relacionadas à gestão de recursos
(tempo, dinheiro, materiais e distribuição, pessoal), às relações interpessoais, como trabalhar em equipe,
ensinar aos outros, realizar serviços ao cliente, liderança, saber negociar e trabalhar com diversas
pessoas, dentre outras. Dentre os fundamentos, foram selecionadas as habilidades básicas, relacionadas
à leitura, redação, aritmética e matemática, expressão e capacidade de escutar, além das atitudes
analíticas, como pensar criativamente, tomar decisões, solucionar problemas, processar e organizar
elementos visuais, saber aprender e raciocinar e as qualidades pessoais, como a responsabilidade e
autoestima. (LOPES, 2005, p. 80).
42

como o mapa funcional, que organiza as competências em um diagrama que agrupam


competências principais, unidades de competências e elementos de competências.

O DACUM (Developing a curriculum) consiste numa metodologia de matiz


funcionalista que busca identificar, a partir de pequenos grupos de trabalhadores peritos
ou experientes, as tarefas que devem ser realizadas em um posto de trabalho ou em
uma área ocupacional. Criado no Departamento de Mão-de-Obra do Canadá e
desenvolvido na Universidade de Ohio, o DACUM é uma ferramenta amplamente
utilizada na elaboração da análise do trabalho e na preparação de currículos para os
programas de nível técnico, sendo considerado útil na coleta de informações sobre o
desempenho de um processo de trabalho específico e na descrição do conteúdo das
ocupações.

O DACUM se apoia em três premissas: os trabalhadores especialistas podem


descrever e definir seu trabalho com muito mais precisão do que qualquer outra pessoa;
uma forma efetiva de descrever as funções é a definição do desenho das tarefas do
trabalhador especialista; todas as tarefas/funções demandam um certo nível de
conhecimentos e habilidades.

Outros métodos de construção curricular por competências são o AMOD (A


Model), que tem origem e base no DACUM e se relaciona ao processo de desenho
curricular, estabelecendo a sequência em que se pode fazer a formação, ordenando as
funções e tarefas de acordo com critérios de aprendizagem, que são a base para os
procedimentos de avaliação.
Por sua vez, o SCID (Systematic Curriculum and Instructional Development),
assim como os métodos DACUM e AMOD, é desenvolvido e divulgado, principalmente,
pela Ohio State University, e pelo Cinterfor/OIT, na América Latina. Este método,
entretanto, realiza uma análise mais aprofundada e detalhada das tarefas identificadas a
partir do DACUM, sendo empregado para o desenvolvimento de um currículo relevante,
a curto prazo, o que inclui a elaboração de guias didáticos a serem utilizados na
autoaprendizagem. 13

13
‘’Conforme IRIGOIN E VARGAS (2002), os principais passos do processo do SCID são: a fase de
análise ocupacional, realizada por intermédio do DACUM, ocasião em que são selecionadas as tarefas
para a capacitação e estabelecidos os conhecimentos básicos necessários para efetuar as tarefas; o
período do desenho do programa de capacitação, onde são estabelecidos os objetivos de aprendizagem e
43

Nesta perspectiva, destaca-se o Manual elaborado pelo Banco Interamericano de


Desarollo 14, orientado pelo CINTERFOR, organização regional especializada em
formação profissional, 15 que incorpora as metodologias funcionalistas de formação
profissional, explicitando os aspectos fundamentais do paradigma do ensino por
competências, confrontando-se com o ensino por objetivos, ainda vinculado ao modo de
organização do trabalho do fordismo e taylorismo:
‘’A crise desencadeada no início dos anos 60 e meados dos
anos 70, implicou na profunda revisão dos princípios de
organização do trabalho vigentes até então. Isto se manifesta em
demandas aos trabalhadores definidos nos seguintes termos:
adaptação e antecipação das mudanças do entorno; determinação
de forte dinâmica de aprendizagem; adaptação a situações
imprevistas; execução de trabalhos mais complexos; intervenção
em funções de gestão; participação em processos de qualidade;
liderança de equipes. Para atender às novas tendências e
demandas relativas à definição de profissionalização dos
trabalhadores, resulta necessário reformular desenhos curriculares,
conteúdos científicos e tecnológicos, formas de avaliação e
formação dos cursos vinculados a este tipo de desenvolvimentos.
(CATALANO et al, 2004, p. 31, tradução nossa).

O CINTERFOR e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) se encarregaram


de difundi-los em órgãos de assessoria técnica, como o Serviço Nacional de Indústria

desenvolvidos os parâmetros de desempenho requeridos; o estádio de desenvolvimento instrucional,


quando é desenvolvido o perfil de competência e são elaborados os guias de aprendizagem, os meios
didáticos e a revisão do material elaborado; o tempo de execução, no qual se realiza a capacitação, se
efetua a avaliação formativa e documentam-se os resultados; e finalmente, a fase de avaliação, quando se
efetua a avaliação somativa, analisam-se as informações e tomam-se as medidas corretivas necessárias
ao aperfeiçoamento do programa.’’ (LOPES, 2005, p. 84).
14
CATALANO, Ana María; COLS, Susana Avolio de; SLADOGNA, Mónica. Diseño curricular basado en
normas de competência laboral: conceptos y orientaciones metodológicas / 1º. ed. - Buenos Aires: Banco
Interamericano de Desarrollo, 2004. Este manual ‘’apresenta as orientações metodológicas que se criaram
no Programa de Certificação de Competências Laborais, implementado na Argentina para desenvolver
currículos formativos baseados em normas de competência laboral. O Programa de Certificação de
Competências Laborais integra, em um mesmo grupo de trabalho, atores coletivos provenientes do sector
privado e do sector público.’’ (CATALANO et al, 2004, p. 14, tradução nossa).
15
O Centro Interamericano de Investigación y Documentación sobre Formación Profesional
(CINTERFOR/OIT) é um serviço técnico da OIT estabelecido em 1964 com o fim de impulsionar e
coordenar os esforços das instituições e organismos dedicados à formação profissional da região. Este
órgão não atuou sozinho, pois ‘’a cooperação entre a comunidade de instituições de formação, centrada
no CINTERFOR/OIT e no BID, tem sido especialmente proveitosa nos últimos anos, logrando ampliar o
horizonte de resultados e benefícios.’’ (CATALANO et al, 2004, p. 14, tradução nossa).
44

(SENAI), e em empresas, em diversos países da América Latina desde o início da


década de 1990.

A principal crítica feita a esses métodos funcionalistas é a de que as tarefas


detalhadas nos mapas funcionais se convertem nas próprias competências, que seriam
formuladas a partir da observação direta do desempenho.

Deste modo, parece que as matrizes condutivista/behaviorista e funcionalista


estão estritamente ligadas à ótica do mercado e limitam-se à descrição de funções e
tarefas dos processos produtivos. A seguir, o currículo seria constituído a partir das
funções e tarefas especificadas nas normas de competências em termos de condutas ou
desempenhos observáveis, orientados para os resultados, enquanto as competências
são transpostas de forma linear para o currículo, sem uma fundamentação científico-
tecnológica, limitando o saber ao desempenho específico das atividades e tarefas
restritas e prescritas, voltadas para a ação (LOPES, 2005).

Por esta razão, os métodos DACUM e AMOD foram às vezes recompostos e


integrados a abordagens educacionais alternativas ao enfoque comportamental, que é
centrado na execução das tarefas.
Foi o caso do ‘’pacote’’ pedagógico de ensino por competências elaborado pelo
Serviço Nacional da Indústria (SENAI), que serviu de base para diversas formulações de
ensino nas empresas brasileiras, como a Companhia Vale do Rio Doce, tendo inspirado
o processo de implantação do ensino por competências no âmbito do Exército Brasileiro
(EB).
O SENAI combinou aportes teóricos da matriz funcionalista e o sócio
construtivismo. Adotou o conceito de qualificação, compreendido como ‘’um conjunto
estruturado de competências com possibilidade de reconhecimento no mercado de
trabalho’’ (SENAI/DN, 2004, p. 17), e a sistemática de divisão das competências em
competências gerais, unidades e elementos de competências, apoiando-se nas
metodologias de matiz funcionalista.
Ao mesmo tempo, o SENAI baseou-se no sócio construtivismo quando inseriu a
categoria de contexto de trabalho e a prospectiva interna ‘’que permite detectar as
inovações e a evolução do campo profissional em pauta’’ (SENAI, 2004, p. 17).
O sócio construtivismo se manifesta aqui na concepção da competência
estruturada pelas pessoas e grupos sociais em um contexto social determinado, uma
45

vez que a aprendizagem não é um processo orgânico nem dependente da manipulação


de estímulos ambientais, mas ‘’é construída através de suas interações sociais, a partir
das trocas estabelecidas com seus semelhantes’’ (REGO, 2007, p.109). Este documento
acrescenta ainda que a relação da aprendizagem com o contexto sócio cultural inclui a
apropriação da linguagem, em suas várias formas, e dos artefatos vinculados ao legado
cultural e à invenção social constante de novas formas culturais – um princípio do sócio
construtivismo.
No campo curricular, didático e na avaliação educacional, o SENAI também
incorporou contribuições do sócio construtivismo quando utiliza o conceito de mediação
pedagógica, entendida ‘’como a arte de fazer perguntas’’. 16 Além disso, o SENAI
ultrapassou a noção da aprendizagem das tarefas em favor do desenvolvimento de
capacidades cognitivas e da aquisição dos fundamentos técnico-científicos de uma
atividade profissional que remetem a um contexto de uso da competência:
‘’Para que haja o desenvolvimento da aprendizagem dentro
desta opção metodológica construtivista, o docente necessita
planejar o ensino de modo que fique explicitado claramente que as
situações de aprendizagem a serem trabalhadas pelo aluno
contemplam os fundamentos técnicos e científicos e/ou as
capacidades que integram cada uma das Unidades Curriculares
que compõem o curso’’(SENAI, 2004, p. 40). 17

A reestruturação da matriz funcionalista, como fez o SENAI, foi mais frequente do


que a adesão à vertente que rompeu completamente com os conceitos e métodos da
educação profissional da Era Industrial: o construtivismo de Bertrand Schwarz.
A metodologia de pesquisa utilizada por Schwartz estabeleceu algumas
categorias necessárias para fazer um inventário de competências, em situações
diversas, de modo a identificar, nas atividades de trabalho, os conhecimentos
incorporados e/ou mobilizados.

16
‘’As perguntas devem ajudar a decodificar informações, a definir quais são os problemas a serem
resolvidos, a analisar, a realizar inferências, a comparar, a levantar hipóteses, a classificar, a definir regras
e princípios e a transferir aprendizagens com o estabelecimento da relação entre a situação atual e as já
vivenciadas.’’ (SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL. Departamento Nacional.
Norteador da Prática Pedagógica: Formação com Base em Competências. Brasília: SENAI/DN, 2004, p.
22.)
17
SERVIÇO NACIONAL de APRENDIZAGEM INDUSTRIAL. Departamento Nacional. Norteador da
Prática Pedagógica: Formação com Base em Competências. Brasília: SENAI/DN, 2004, p. 40.
46

O objetivo era analisar a relação entre a competência e o contexto de sua


execução, para descrever melhor os seus processos de elaboração e evolução. A
estratégia adotada constituiu-se numa combinação da pesquisa/ação com a metodologia
da reflexão/ação e adotou cinco categorias de análise, designadas como cultura de
base, envolvendo as técnicas e formas de expressão verbal (técnicas e ou formas de
expressão escrita, técnicas de comunicação, estruturas lógicas fundamentais);, os
conhecimentos científicos, os conhecimentos técnicos, os conhecimentos organizativos
e os saberes comportamentais e relacionais.
Cada uma destas categorias - elaboradas a partir de situações-problema práticas
- era seguida por uma lista de habilidades e competências observáveis que o grupo de
trabalhadores já possuía e/ou que haviam sido desenvolvidas durante o processo de
formação/ação. Além disso, as categorias foram utilizadas na perspectiva sincrônica e
diacrônica. Neste sentido, foi possível compreender a relação competência/contexto e
seu processo de estruturação e evolução, quando se toma o conjunto e a trajetória de
formação percorrida, o que possibilitava descrever os progressos de âmbito individual e
grupal.
A principal contribuição desta abordagem consiste no aprofundamento dos
instrumentos metodológicos de detecção da competência, que são variados e potentes
na clarificação da sua gênese e desenvolvimento no contexto de trabalho. Esta riqueza e
consistência empírica tornaram esta abordagem mais fecunda em fornecer subsídios
que embasassem um programa de estudos, porque vai aquém e além, a um só tempo,
da execução de uma tarefa standard. Isto, porque se constitui numa tentativa de
esclarecer os aspectos subjacentes à execução da própria competência, que considera,
inclusive, o contexto relacional em que surge:
A abordagem de Schwartz abre perspectivas para a
problematização da ideia de competência, revelando a dimensão
construtiva, processual, coletiva e contextual e mostrando que é
possível preparar instrumentos de aferição e avaliação que não se
ancorem, necessariamente, numa perspectiva uniformizada e
padronizada (LOPES, 2005, p. 86).
Este tipo de abordagem vai ao encontro de pesquisas que investigam as funções
psicológicas e cognitivas acionadas na aprendizagem e execução das atividades
47

laborais 18, mas integrando-as a uma sistemática de elaboração de um conjunto de


competências, passível de ser inserido numa metodologia de construção curricular.
Mesmo sem a difusão significativa da abordagem de Bertrand Schwarz no meio
da educação profissional, o paradigma do ensino por objetivos, comportamental,
relacionado ao fordismo e taylorismo, foi fragilizado e substituído total ou parcialmente
nos setores mais dinâmicos do mundo do trabalho.

E a despeito das diferenças conceituais e metodológicas entre as diversas


vertentes do ensino por competências, aqui descritas, que engendram implicações
pedagógicas distintas, impõem-se algumas características comuns: o foco no
desempenho concreto, e não na posse de conhecimentos ou no domínio isolado das
técnicas; a concepção de um desempenho situado em um contexto complexo, marcado
pela incerteza, permeado de variáveis; a busca do alinhamento do educação profissional
com as demandas do mercado de trabalho.

Cumpre ressaltar ainda que as diversas vertentes das competências distinguem-


se entre si, a depender do campo profissional de onde despontam.

Neste sentido, a abordagem de competências na área da gestão não coincide


precisamente com as abordagens de competências que se desenvolveram na esfera
educativa. Na gestão, ao lado do mapeamento de competências estabelecido pelas
matrizes funcionalistas, persistiu mais a abordagem do enfoque do currículo por
objetivos, comportamental, relacionado ao fordismo/taylorismo, uma vez que a obtenção
de resultados observáveis ainda é o foco dos processos de avaliação da gestão.

Por outro lado, o desenvolvimento das capacidades humanas, mais do que os


resultados observáveis, é mais valorizado no campo educacional nas últimas décadas,
sob a influência do construtivismo, em suas diversas vertentes.

Convém ressaltar ainda o fato de que as abordagens contemporâneas do ensino


por competências, baseadas no construtivismo, no campo da educação profissional,

18
As atividades laborais exigem frequentemente a manifestação de capacidades e a aquisição de
habilidades motoras, sensoriais, cognitivas, que incluem memória, atenção, avaliação sistemática do
ambiente e outras habilidades viso espaciais, verbais e de processamento de informações, tomadas de
decisão e resolução de problemas, que devem se processar de modo dinâmico. A este respeito, ver:
BALBINOT, Amanda B; ZARO, Milton A.; TIMM, Maria I. Funções psicológicas e cognitivas presentes no
ato de dirigir e sua importância para os motoristas no trânsito. Ciências & Cognição, 2011; Vol 16 (2): 013-
129.
48

enfatizam os processos de internalização e uso consciente dos fundamentos teóricos da


atividade profissional e o desenvolvimento da compreensão da totalidade do processo
do trabalho.

Estes aspectos geraram mudanças nos modelos de educação profissional,


introduzindo a abordagem de Educação Corporativa, gestão de pessoas e gestão de
conhecimento, como já foi descrito, que consideram a atuação profissional como ativos
intangíveis essenciais para o sucesso das organizações.

No âmbito da educação básica e superior, as concepções de competências são


extremamente diversificadas, o que se constata na tabela abaixo (JOONAERT;
BARRETE; BOUFRAHI; MASCIOTRA, 2005, p. 672, tradução nossa):

UMA D’HAINAUT RAYNAL ET GILLET JONNAERT PERRENOUD


COMPETÊNCIA RÉUNIER

Relaciona-se com Saberes, saber- Comportamentos Sistema de Capacidades Recursos


um conjunto de fazer, saber-ser conhecimentos,
elementos conceitos,
procedimentos

Que o sujeito pode - Os comportamentos Os conhecimentos As capacidades são Estes recursos


mobilizar são potenciais são organizados selecionadas e são mobilizados
em esquemas coordenadas
operatórios

Para tratar de uma Tratamento de Uma atividade A identificação de A representação da Um tipo definido
situação situações complexa uma situação- situação pelo sujeito de situação
problema e sua
resolução

Com sucesso Exercer um Exerce eficazmente Uma ação eficaz Responder de modo Agir de modo
papel, uma uma atividade pertinente às eficaz
função ou demandas da
atividade representação que
construiu da
situação

Tabela de Comparação de várias definições de competência

Antoni Zabala integrou vários aspectos das definições apontadas quando


considerou que competência consiste ‘’na intervenção eficaz nos diferentes âmbitos da
vida mediante ações nas quais se mobilizam, ao mesmo tempo, e de maneira inter-
relacionada, componentes atitudinais, procedimentais e conceituais.’’ (ZABALA; ARNAU;
LAIA, 2010, p. 37). Neste sentido, a competência é uma ação intencional, que busca
49

realizar determinados fins, selecionando recursos adequados a serem aplicados em um


determinado contexto, e de modo integrado.

Na verdade, o conceito de competência apresenta frequentemente fundamentos


teóricos e epistemológicos precários, do ponto de vista das ciências da cognição, o que
compromete suas possibilidades operacionais de implementação prática no âmbito das
reformas de ensino.

De fato, a inconsistência conceitual costuma desdobrar-se numa documentação


curricular confusa e desencontrada, ou na reprodução fática do currículo por objetivos,
que reaparece com outras terminologias.

A este respeito, Phillipe Jonnaert denuncia a confusão recorrente entre os


conceitos de capacidade e competência, o que não é adequada do ponto de vista
psicológico:

‘’Numerosas definições de competência começam por afirmar


que a competência é a capacidade de...Ora, estes conceitos,
capacidade e competências, situam-se em níveis semânticos
diferentes. A competência engloba a capacidade. O inverso não é
verdadeiro.‘’ (JOONAERT; BARRETE; BOUFRAHI; MASCIOTRA,
2005, p. 7).
Neste sentido, a competência pode ser depreendida como uma macroestrutura
cognitiva no sentido piagetiano do termo, pois engloba uma grande diversidade de
esquemas cognitivos 19: ‘’uma competência é sempre o resultado de uma coordenação
bem sucedida das capacidades da pessoa com diversos tipos de recursos.’’
(JOONAERT; BARRETE; BOUFRAHI; MASCIOTRA, 2005, p. 7). Ou seja, as
competências funcionam como gerenciadores cognitivos de um nível mais alto do que as
capacidades, que são esquemas cognitivos que executam operações mentais de
diversos tipos. Neste sentido, as capacidades são uma estrutura operatória que organiza
a informação sobre a realidade e a própria ação do sujeito, e que são mobilizadas pela
competência - o gerenciador que realiza o ‘’tratamento eficaz’’ de um conjunto de
situações.

19
Esquemas são um conjunto de traços que definem uma ação: ‘’as características que permitem repetir a
mesma ação ou aplica-la a novos objetos.’’ (SALVADOR, César Coll. Psicologia da Educação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1999, p. 88). A estrutura é composta por um conjunto mais ou menos integrado de
esquemas.
50

Deste modo, a competência se constrói no curso da ação, ‘’pilotando com


inteligência este mesmo curso de ação. Uma pessoa não pode, então, ser competente
no absoluto, ela só o é na situação e em ação.’’ (JOONAERT, 2007, p.15).

Ou seja, o gerenciamento eficaz consubstanciado na competência consiste numa


macro estrutura cognitiva que mobiliza uma pluralidade de recursos - saberes,
capacidades, objetos e atitudes - para realizar uma atividade social ou profissional
específica em um contexto determinado:

‘’a competência tem uma característica globalizante e envolve


a combinação de um conjunto de recursos que, coordenados entre
eles, permitem apreender uma situação e de elaborar uma
resposta a ela de uma forma adequada. Neste sentido, a
competência seria relacionada a um conjunto de situações, que
apresentam pontos de interseção mais ou menos amplos’’
(JOONAERT; BARRETE; BOUFRAHI; MASCIOTRA, 2005, p. 671).

Para Phillipe Joonaert (2005), outro aspecto definidor da competência é a sua


dimensão representacional, que a afasta definitivamente do universo dos
comportamentos determinados pelos estímulos sensoriais, próprio do currículo por
objetivos. Ela não realiza uma cópia mecânica da realidade. Constrói uma representação
específica da situação a partir de seus aspectos mais relevantes e das suas próprias
experiências pessoais e profissionais e do seu repertório de conhecimentos, habilidades
e valores:

A competência reconhecida de uma pessoa é, segundo


alguns pesquisadores, o resultado da seleção e da coordenação
dos recursos a partir das representações específicas que ela
construiu a respeito da situação na qual é instada a agir
(JOONAERT; BARRETE; BOUFRAHI; MASCIOTRA, 2005, p. 671).

2.5.3 O ensino por competências no EB

A implantação do ensino por competências se insere em um ensino bastante


antigo, que data do Período Colonial (1500- 1822), que incorporou e desenvolveu os
modelos de ensino civil à sua maneira.

De fato, o ensino do EB amalgamou os modelos de ensino civil de um modo


idiossincrásico, formando subculturas escolares específicas, devido ao isolamento do
51

meio civil, um aspecto que se acentuou bastante com o desenvolvimento de uma


formação mais profissional, ao longo do século XX.

Os modelos de ensino estruturados e recompostos no ensino do EB foram ainda


marcados pela sucessão de formas de emprego militar, pelo advento de novas
tecnologias de guerra, e por parcerias institucionais com outros exércitos e com
instituições civis.

Foram aqui analisadas as características dos principais modelos de ensino


introduzidos no sistema de ensino do EB, considerando o processo político através do
qual foram difundidos e incorporados, que afeta indiretamente a sua configuração no
plano do currículo escrito e das práticas de ensino.

Embora existisse desde o século XVI, em aulas de Artilharia e Fortificações em


corpo de tropa, o ensino do EB foi marcado pela criação, em 1810, da Academia Real
Militar, voltada para o ensino de Engenharia, que incluiu Cálculo Diferencial e Integral,
Física e Astronomia, dentre outras disciplinas, priorizando os métodos expositivos e a
demonstração matemática, em detrimento da atividade experimental ou prática.
Na Academia Real Militar, o ensino prático das técnicas militares era restrito,
sendo gradualmente ampliado ao longo do século XIX, à medida que o Exército se
tornava mais profissional, exercendo o monopólio da violência a serviço do Estado-
Nação, o que se acentuou com a eclosão da Guerra do Paraguai (1862-1865). 20
Durante todo o século XIX, o modelo de ensino predominante nas escolas
militares era o tradicional, magistocêntrico, centrado na aula expositiva, teórico e
livresco.
Somente com a Missão Francesa (1920-1940) e a Missão Americana (a partir de
1940), o ensino tradicional seria gradualmente modificado, em favor da Escolanova, que
enfatizava os métodos ativos, centrados no aluno. 21

20
A este respeito, ver: MOTTA, Jeovah. Formação do oficial do Exército. Rio de Janeiro: BIBLIEX Editora,
2001.
21
Por Escolanova, depreende-se um movimento pedagógico que enfatiza a adequação do currículo e da
didática às capacidades, necessidades e interesses dos alunos, valorizando as contribuições das
Ciências da Educação, e, em particular, da Psicologia, visando ao desenvolvimento pleno das
capacidades e habilidades e atitudes dos alunos em detrimento da aprendizagem estanque de conceitos.
A Escolanova se contrapõe ao ensino tradicional, propondo os métodos ativos, centrados no aluno, a
aprendizagem prática, a avaliação qualitativa e processual, a integração entre trabalho e educação, a
escola e a comunidade, realizada no campo curricular, trazendo os temas e problemas da vida cotidiana e
do mundo do trabalho para o currículo escolar. A Escolanova apresenta vertentes empiristas, que
52

A Missão Francesa foi estabelecida no âmbito de um projeto de modernização das


Forças Armadas focado no fomento da indústria de defesa, que se inseria no projeto
mais amplo de incremento da indústria nacional. Neste sentido, a parceria com a França,
que gradualmente, superou a Alemanha, 22 influenciou a forma de organização
administrativa do Exército e a sua doutrina militar, determinando o tipo de Material de
Emprego Militar (MEM), uma vez que ‘’o Exército francês vendeu ao Brasil armas e
equipamentos militares, e enviou instrutores para auxiliar no projeto de modernização do
exército nacional.’’ (ARAÚJO, s/d, p. 248).
No campo pedagógico, a Missão Francesa introduziu o trabalho de grupo por
meio do trabalho de Estado-Maior e preconizou os exercícios no terreno. Além disso,
difundiu a metodologia de estudo de situação que consistia num método de resolução de
problemas militares - uma estratégia consistente com o modelo de ensino da
Escolanova.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1937-1945), a influência francesa
enfraqueceu-se e se intensificou a parceria com os Estados Unidos, o que marcou
particularmente a doutrina militar, mas também o ensino, difundindo novos métodos de
adestramento militar na preparação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), o ensino
de novas técnicas militares, ensejando o surgimento e expansão de escolas de
especialização militar.
No campo pedagógico, a Missão Americana favoreceu, inicialmente, a
Escolanova e os métodos ativos, o que se constata nos diversos manuais de ensino, que
organizou, em parceria com oficiais brasileiros. No manual sobre ‘’Os métodos de
instrução’’, destinado ao curso de Artilharia de Costa e Antiaérea, são preconizadas
atividades práticas e contextualizadas de ensino, condenando-se o ensino tradicional,
centrado na transmissão oral de informações:

consideram que o conhecimento é construído de fora para dentro, a partir de sensações ou estímulos; e
vertentes construtivistas, que enfatizam os dois polos da relação sujeito-objeto, como instâncias que
interagem na estruturação do conhecimento, a saber, a experiência do meio e as estruturas mentais dos
alunos, que se transformam em conformidade com determinados mecanismos mentais, processando a
experiência.
22
A influência alemã provinha dos ‘’Jovens Turcos’’, que tinham sido enviados à Alemanha em 1919, na
chamada ‘’Missão Indígena’’, tendo atuado como parte do mesmo projeto de modernização do Exército, a
reboque do fortalecimento do Estado-Nação e de seu projeto desenvolvimentista. Eles organizaram a
revista A Defesa Nacional em 1913, criaram disciplinas de preparação profissional nas escolas de
formação militar e atuaram em campanhas que apoiavam o serviço militar obrigatório.
53

‘’Um dos erros mais comuns do instrutor inexperiente é imaginar


que simplesmente expor é ensinar. Expor é, de algum modo, uma parte
necessária da instrução; mas o estudante deve saber como e em que
utilizar a informação que recebeu antes mesmo que tenha realmente
aprendido alguma cousa. Ele deve saber aplica-la em alguma coisa.’’
(BRASIL. 1940, p. 14.)

A Missão Americana influenciou ainda o Manual do Instrutor, de 1955, que


buscava uma base psicológica para o ensino - um princípio basilar do escolanovismo:
‘’os processos de ensino e a sequência de instrução determinam-se pelo estudo da
maneira pela qual os homens aprendem, e não pela maneira segundo a qual a tarefa é
executada.’’ (Manual do Instrutor, 1955, p. 14)

Este Manual defendia outro princípio escolanovista, segundo o qual ‘’o principal
critério para ordenar os assuntos consiste em pô-los de acordo com mentalidade e o
grau de percepção dos instruendos’’ (BRASIL, 1955, p. 20).

No início da década de 1960, a Missão Americana realizou uma inflexão


doutrinária no campo pedagógico, substituindo o Escolanovismo pelo Tecnicismo. Este
fato se deve à difusão progressiva deste paradigma de ensino nos Estados Unidos,
através das contribuições de Skinner.

Deste modo, o ensino do EB passou a assimilar os conceitos e práticas do


Tecnicismo Pedagógico. Neste sentido, foi introduzido o Perfil Profissiográfico e o
currículo por objetivos. Este estruturou gradualmente o Programa-Padrão, responsável
pela instrução militar das praças no corpo de tropa. No âmbito do então Departamento
de Educação e Pesquisa do Exército (DEP), foi adotado o currículo por objetivos, que
embasou uma metodologia de elaboração de currículos e o sistema de avaliação.

A legislação de ensino mais antiga que consta nos arquivos do DEP é de 1961: as
Normas Técnicas para Organização, Aplicação e Correção de Provas, do Departamento
de Ensino e Pesquisa (DEP). Este documento estabeleceu as normas técnicas para
organização, aplicação e correção de provas, constituindo a evolução das Normas para
Medida da Aprendizagem, baixadas em 1957, que incorporava a experiência da extinta
Diretoria Geral do Ensino (DGE), e de seus estabelecimentos de ensino.
Esta norma se contrapôs moderadamente ao ensino tradicional:
‘’o ensino tradicional é particularmente válido sempre que se
trata da verificação de determinados aspectos da aprendizagem,
tais como a capacidade de selecionar, organizar e relatar
54

conhecimentos assimilados em materiais colhidos em fatores


bibliográficos; a capacidade de criar formas novas; a capacidade
de utilizar linguagem própria na exposição de ideias’’ (BRASIL. 1961,
p. 10).
Na sequência, esta norma preconizou que fosse diminuído o subjetivismo da
prova tradicional, recomendando que o aluno realizasse, em uma situação de avaliação,
a recordação seletiva, dentro de uma situação dada. 23 Esta indicação revelava a
influência do paradigma tecnicista, do currículo por objetivos, que fracionava objetivos
comportamentais, descontextualizados.

Do ponto de vista político, as reformas de ensino realizadas pela Missão Francesa


e pela Missão Americana se caracterizam pelo centralismo e pela verticalização das
ações de um grupo de militares estrangeiros responsável pelas ações de caráter
doutrinário e educacional, que atuava em parceria com alguns oficiais brasileiros. Por
exemplo, os manuais de ensino eram elaborados em parceria.

O ensino do Exército era, então, incipiente, e não se organizava como sistema. A


maior parte das escolas tinham sido criadas recentemente, pela própria Missão
Francesa. Era o caso, por exemplo, das escolas de especialização. As diretorias de
ensino também eram recentes. Este fato favoreceu o nível maior de influência destas
missões militares na reengenharia e criação de estruturas, doutrinas e práticas
educacionais, porque não se contrapunham a uma tradição constituída – um aspecto
relevante do processo educativo militar, como já foi analisado acima.

Do ponto de vista pedagógico, conviviam os modelos do ensino tradicional, da


Escolanova e do Tecnicismo, uma vez que as instituições escolares absorvem e retêm
os conceitos e práticas educacionais na longa duração: demoram para absorver e
conservam por muito tempo, gerando combinações híbridas que são transmitidas entre
gerações de instrutores e alunos.

Além disso, o isolamento relativo das instituições educativas militares favoreceu o


processo de preservação da memória e das subculturas escolares.

23
‘’Exemplo: Enumere os presidentes da República que foram militares.’’ BRASIL. Ministério do Exército.
Departamento de Educação e Pesquisa. Normas Técnicas para Organização, Aplicação e Correção de
Provas. 1961, p. 11.
55

A este respeito, convém ressaltar o fato de que os modelos de ensino do EB eram


mais ou menos congruentes com as diversas formas de emprego militar difundidas na
Força Terrestre.

Este estudo supõe que o tecnicismo é congruente com a guerra convencional,


porque é voltado para a aquisição de técnicas (ou tarefas), mais simples e
descontextualizadas, sendo insuficiente para atender às demandas da terceira, quarta e
quinta geração de guerras, que se difundem no final do século XX, embasando as novas
hipóteses de emprego, como as operações de apoio aos órgãos governamentais e as
missões de paz.

Com efeito, após 1989, com o fim da Guerra Fria (1945-1989), as demandas da
racionalização burocrática, em face da crise fiscal do Estado, o incremento do fator
tecnológico da guerra e as novas hipóteses de emprego da Força Terrestre
engendraram precisamente situações complexas e imprevistas, cujo enfrentamento
exigia a mobilização eficaz de conhecimentos, habilidades e capacidades cognitivas
polivalentes de abstração e de resolução de problemas.

Estas novas demandas foram percebidas ainda na década de 1990, pela no


principal reforma de ensino estabelecida nas últimas décadas, no âmbito do EB, o
Processo de Modernização do Ensino (PME), em seu documento fundador:

“O ritmo acelerado da mudança impõe aos homens, em


qualquer setor da atividade, o exercício de algumas aptidões
particulares relacionadas à sua capacidade de perceber a evolução
e de atuar produtivamente em cenários complexos e dominados
pela incerteza (....) a adaptabilidade se refere não só à capacidade
de perceber a transformação e de mobilizar-se para agir, de modo
equilibrado e eficientemente, no cenário que está se configurando,
mas também diz respeito à plasticidade que permite atuar, em
dado momento, em diferentes tipos de ambientes. (BRASIL, 1995,
p.3)
Segundo este documento, mesmo as especializações militares deveriam buscar
uma educação científica e tecnológica consistente para enfrentar o impacto da
obsolescência prematura de equipamentos, instrumentos e procedimentos técnicos. Por
outro lado, as especializações deveriam estar voltadas para a preparação de recursos
humanos polivalentes que atuassem em um “espectro” mais amplo de funções, em uma
“família de ocupações”.
56

A seguir, o PME organizou o Grupo de Trabalho para o Estudo da Modernização


(GTEME) que atuou em 1995 e 1996, elaborando um relatório que fazia o diagnóstico do
Sistema de Ensino Militar da Linha Bélica, propondo ações a realizar para aperfeiçoar e
modernizar o sistema e estabelecendo diretrizes para o prosseguimento dos trabalhos
de modernização do ensino. Além disto, o relatório serviu de base para a redação do
Plano Básico do Ensino Militar da Linha Bélica.

Neste relatório, o PME se opôs ao ensino tradicional, magistocêntrico, que


enfatizava a aula expositiva e a transmissão de modelos científicos e literários.
Condenou também os problemas de ordem sistêmica e de infraestrutura do ensino,
relacionados à precariedade da política de formação de recursos humanos: a supervisão
escolar insuficiente dos órgãos centrais, a carência de pessoal qualificado na área de
ensino, as bibliotecas desatualizadas e a ausência relativa das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC). (BRASIL, 1996).
Além disso, o PME apontou sintomaticamente como aspecto negativo o
isolamento institucional do ensino do EB, pois não havia um intercâmbio sistemático com
o sistemas de ensino civil e nem a equivalência legal dos cursos e estágios militares em
relação à Educação Nacional.

Para resolver os problemas apontados, o PME instaurou reformas profundas nas


normas concernentes a currículos, didática e avaliação.

O DEP baixou, então, a Portaria nº 25/1996 – As Diretrizes para a Modernização


do Ensino - onde que previa a reformulação da legislação básica, a revisão do sistema
de avaliação, dos perfis profissiográficos (modelo de profissional almejado) e o
desenvolvimento dos recursos humanos na área do ensino.

Em 1999, o PME geriu a promulgação, no âmbito do Congresso Nacional, da Lei


de Ensino do Exército (Lei n. 9.786/99) que estabelecia que o Sistema de Ensino do
Exército Brasileiro deveria realizar o ensino profissionalizante e o escolar a partir dos
seguintes princípios: integração à educação nacional; seleção pelo mérito,
profissionalização continuada e progressiva, avaliação integral, contínua e cumulativa,
pluralismo pedagógico, aperfeiçoamento constante dos padrões éticos, morais, culturais
e de eficiência, titulações e graus universitários próprios ou equivalentes às de outros
sistemas de ensino (Art. 3º).
57

No âmbito do DEP, foi elaborado o Manual do Instrutor, em 1997, ainda em vigor,


que indicou aos professores/instrutores os procedimentos didáticos mais adequados
para que pudessem planejar, orientar, controlar e avaliar as sessões de instrução ou de
aula, sendo validado pelo GTEME.

Depois, foram estabelecidas a Portaria n°103, de 28 de dezembro de 2000, que


aprovou as Normas para Elaboração e Revisão de Currículos (NERC) em 2000 e as
Normas para Avaliação Educacional (NAE), em 2003.

A NERC regulava as atividades relacionadas com a elaboração e revisão dos


currículos, definindo os conceitos básicos, a metodologia de elaboração, ainda se
baseando no currículo por objetivos.

A NAE, por sua vez, norteava as atividades relacionadas com a avaliação


educacional nos estabelecimentos de ensino.

A partir da análise dos documentos citados, é possível elencar, além das suas
intenções formalizadas, uma série de diretrizes para a prática educativa, tais como o
estabelecimento do “core”: o núcleo de conhecimentos indispensáveis em um currículo.
Com efeito, a definição do "core" se justificava na sociedade contemporânea
caracterizada pela volatilidade dos conhecimentos e valores:

"Na impossibilidade do Estabelecimento de Ensino ensinar


tudo a seus discentes, uma vez que a velocidade de produção do
conhecimento é de tal ordem que, o que é atual hoje, pode ser
obsoleto um ano depois, necessário se faz que as escolas
selecionem para cada curso ou ano um núcleo essencial de
conhecimentos, chamado “CORE” (coração), que permita ao aluno,
posteriormente, por meio do auto aperfeiçoamento, ampliar os
conhecimentos básicos obtidos. (FARIA, 2000, p. 29-30).
O PME visou, também, ao fomento do autoaperfeiçoamento, à adoção de
procedimentos didáticos centrados no aluno e à ênfase da avaliação formativa.

O PME implementou e potencializou práticas pedagógicas inovadoras


24
escolanovistas , por meio dos Projetos Facilitadores que visavam a desenvolver as

24
Compreende-se por Escolanova o paradigma pedagógico que enfatiza a adequação do currículo e da
didática às capacidades, necessidades e interesses dos alunos, valorizando as contribuições das
Ciências da Educação, e, em particular, da Psicologia, visando ao desenvolvimento pleno das
capacidades e habilidades e atitudes dos alunos em detrimento da aprendizagem estanque de conceitos.
A Escolanova se contrapõe ao ensino tradicional, propondo a realização de trabalho de grupo, a avaliação
qualitativa e processual, a integração entre trabalho e educação, a escola e a comunidade.
58

capacidades intelectuais avançadas25 e o manejo consciente de métodos de estudo pelo


aluno – Trabalhos em Grupo, Biblioteca, Informática, Programa de Leitura e Liderança
Militar.

Por sua vez, o Projeto Facilitador de História Militar pretendeu favorecer a


assimilação de valores cívicos e militares por meio do conhecimento específico da
História da Instituição e do País, enfatizando a importância, pela primeira vez, desta
disciplina na formação da identidade do militar.
Um aspecto destacado da proposta de ensino-aprendizagem do PME repousava
na categoria pedagógica do aprender a aprender, que se vinculava diretamente à
concepção do professor como facilitador, enfatizando o desenvolvimento ‘’da atitude de
pesquisa e da capacidade de auto aperfeiçoamento por parte do corpo discente, visando
sua instrumentalização para manejar conhecimentos em vertiginoso avanço na
contemporaneidade.’’ (WORTMEYER, 2010, p. 01)

Buscou-se aqui uma educação afinada com a sociedade sob a égide da


cibernética e da aceleração radical da produção de bens e serviços:

"É preciso, assim, que a Escola desenvolva técnicas que


permitam ao discente resolver novos e velhos problemas sem
receitas ou memorizações, aprendendo a buscar dados, montar
alternativas de solução e apresentar resultados por meio de
relatórios ou exposições orais. Utiliza para isso, meios de
informática e das técnicas do trabalho em grupo e da pesquisa,
ficando em condições de realizar o que se intitulou chamar de
“aprender a aprender”, uma vez que a característica essencial do
seu tempo de vida é o elevado grau de incerteza." (FARIA, 2000, p.
29-30).
A incompletude da implementação do aprender a aprender se revela nos
documentos oficiais, pois o termo aprender a aprender é mencionado sem que sejam
sugeridas estratégias didática-metodológicas ao professor - uma omissão grave no caso
dos instrutores militares do EB, que não possuem nenhum curso específico para realizar
as atividades de docência.

25
Capacidade de análise, síntese, planejamento da ação e abstração.
59

Ou seja, a preconização do princípio pedagógico não se concretiza em indicações


de natureza mais prática, procedimental, que auxiliariam os docentes a concretizá-lo em
suas práticas educativas:

"O Aprender a Aprender vale muito mais do que aprender um


assunto ou uma matéria específica, uma vez que significa aprender
princípios, modelos ou bases, a partir dos quais tornar-se-á mais
fácil adquirir novos conhecimentos relacionados com aqueles
aprendidos previamente. (BRASIL, 1997, p.7-1).
Na verdade, o aprender a aprender foi relacionado mais ao campo das atitudes
desejáveis do aluno, sem que fossem sugeridas atividades pedagógicas pertinentes
para o seu desenvolvimento:

"O Sistema de Ensino do Exército exige uma postura


qualitativa em sua teoria e prática pedagógicas de modo a
desenvolver em seus discentes, dentre outras capacidades, a de
auto - aperfeiçoamento, a partir de uma sólida estrutura cognitiva,
afetiva e psicomotora capaz de assegurar o desenvolvimento das
habilidades de aprender a aprender" (BRASIL, 2003, p.3).
Além das insuficiências de cunho operacional, o PME manteve o currículo por
objetivos, de Benjamin Bloom, ao mesmo tempo em que introduziu e difundiu conceitos
e práticas escolanovistas.

Apesar de suas contradições e limitações, o PME se colocou, desde o início, como


um movimento de renovação do ensino militar, o que se evidencia na escolha da própria
terminologia adotada para este movimento - Processo de Modernização de Ensino
(PME) - que legitimava o status quo atual do sistema educacional militar até data muito
recente. Esta dimensão de “revolução permanente” foi assumida no emprego da
terminologia que o define como um processo - um evento em movimento, jamais
concluído - mas também no plano das práticas institucionais, uma vez que o PME se
prolongou até os dias atuais através da implementação de várias normas que incluem
até a nova Lei de Ensino do Exército, aprovada pelo Congresso em 1999.
O PME foi a política de ensino mais influente no ensino militar após a Abertura
(1985) e revela a dinâmica interna das reformas institucionais e as estratégias de lide do
EB com o contexto político e ideológico da redemocratização.
Este aspecto é particularmente evidenciado no processo político de implantação
que se caracterizou pela extrema sinergia entre militares da linha bélica e especialistas
60

de ensino, civis e militares, além de ter estabelecido parcerias duradouras com a


sociedade civil.
Outro traço democrático que permeou a implantação do PME foi a utilização
intensiva, principalmente no momento inicial do diagnóstico, de mecanismos
institucionais de representação e de consulta, já utilizados rotineiramente no Exército, e
de participação direta, que estabeleciam oportunidades de escuta direta dos instrutores e
agentes indiretos de ensino nas escolas, centros de instrução e batalhões.
Neste sentido, pode-se dizer que o PME teria adaptado às instituições militares,
pautadas pela hierarquia e disciplina, os mecanismos democráticos 26 que se
disseminavam na sociedade brasileira em um período rico de experimentações
descentralizadoras e de práticas de democracia deliberativa no âmbito da gestão pública
- a década de 1990 27.
Este movimento macro e micro fibrilar de participação foi desencadeado e gerido
por uma autoridade central, investida de legitimidade institucional, e reconhecida
consensualmente em termos morais e intelectuais como uma autoridade no ensino, o
então Chefe do DEP, General de Exército Gleuber Vieira, que a transmitiu a seus
sucessores, que continuaram mais ou menos intensamente na mesma direção do
fundador desta reforma de ensino.
Em síntese, as contribuições do PME teriam se dado no campo técnico-
pedagógico, mas também no campo institucional, da gestão de ensino, tendo inventado
um modo de relação mais harmônica do EB com a sociedade brasileira e o mundo civil,
em que pesem os conflitos e contradições constatados.
O caráter democrático do PME evidenciou-se também na cisão da comunidade
epistêmica de especialistas de ensino em três grupos ideologicamente equidistantes, no
DEP e no Centro de Estudos de Pessoal (CEP). 28

26
A este respeito, ver: MAGALHÃES, S. M. C. O Processo de Modernização de Ensino no Exército
(PME): um estudo sobre as práticas de deliberação na implantação de uma reforma de ensino. In: VI
Encontro Nacional de Estudos de Defesa, 2012, São Paulo. Anais do VI Encontro Nacional dos Estudos
de Defesa, 2012.
27
A este respeito, ver: LOUREIRO, Maria Rita; ABRUCIO, Fernando Luiz; PACHECO (Org). A formação
da burocracia brasileira: a trajetória e o significado das reformas administrativas IN: Burocracia e política
no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
28
Compreende-se comunidade epistêmica como uma rede de profissionais de um determinado campo de
estudo que compartilham princípios, práticas, valores e conhecimentos tácitos. A este respeito, ver: HAAS,
Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy Coordination. International
61

Por um lado, esta divisão ideológica e política enfraqueceu a eficácia da


formação dos coordenadores pedagógicos, realizada nos cursos do CEP, uma vez que
não aprendiam sistematicamente os conteúdos da legislação de ensino em vigor. Por
outro, o fato demonstrava a atitude de aceitação das divergências e das diferenças no
campo ideológico por parte do PME, além do clima rico de debate de ideias
educacionais. 29
No âmbito das práticas de gestão de ensino, o PME triunfou também em
estabelecer rotinas de fluxo de documentação curricular entre o DEP, diretorias e
escolas, criando uma cultura escolar específica, dotada de valores e práticas, que
inspirou uma geração de especialistas de ensino e coordenadores pedagógicos da linha
bélica que ocupavam postos-chave no âmbito dos estabelecimentos de ensino militar de
1996 até 2008.
Em 2008, o PME encerrou formalmente o seu ciclo de reforma, realizando uma
sondagem diagnóstica dos resultados do PME no sistema de ensino como um todo. 30
Depois de 2008, tiveram início as iniciativas mais efetivas, do ponto de vista
institucional, de estabelecer o ensino por competências na Academia Militar das Agulhas
Negras (AMAN).
O PME deixou um legado de uma legislação de ensino que ainda é seguida nos
estabelecimentos de ensino que não ingressaram no ensino por competências,
reverberando, de algum modo, através de ação de oficiais da linha bélica, com o curso
de Comando e Estado Maior, na execução de algumas políticas e estratégias no
Ministério da Defesa e no Estado Maior do Exército (EME) após 1996.

Deste modo, a partir de 2008, agora no âmbito do Governo Federal, 31 sem a


influência do PME, foram elaborados diversos documentos na área de Defesa: o Decreto

Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), pp.
1-35.
29
Existia o grupo mais ‘’ortodoxo’’, que trabalhava no sentido de eternizar o legado do PME, mantendo
conceitos e práticas educativas que o precederam, como a Taxionomia de Bloom; o grupo ‘’moderado’’,
que assumia uma posição progressista, considerando o PME como um legado que deveria
constantemente atualizar-se, incorporando as contribuições científicas mais recentes, consideradas
válidas pela instituição militar; um grupo mais radical, no CEP, marcadamente anti tecnicista que
incorporava contribuições oriundas das ciências sociais e dos fundamentos da educação, com foco na
Sociologia e História da Educação, mais voltado para a explicação e compreensão do sistema de ensino
do DECEX, desvinculando-se dos aspectos operacionais do currículo e das práticas de ensino militar.
30
As políticas públicas são construídas por meio de um ciclo que compreende as seguintes etapas:
planejamento, execução, avaliação. O documento que realizou a avaliação do PME foi o seguinte:
MINISTÉRIO DA DEFESA. EXÉRCITO BRASILEIRO. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E PESQUISA.
O Processo de Modernização de Ensino: diagnóstico, rumos e perspectivas. 2008.
62

nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008, que estabeleceu a primeira Estratégia Nacional


de Defesa (END); o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), a Política Nacional de
Defesa (PND), dentre outros, em versões sucessivas.

A primeira Estratégia Nacional de Defesa (END), de 2008, foi o documento mais


explícito na expressão de uma concepção de formação militar.

Estabelecia ações de curto, médio e longo prazo, como parte integrante de um


plano que se organizava em torno a três vertentes: reorganização das Forças Armadas,
reestruturação da indústria nacional de Defesa, política de composição dos efetivos das
Forças Armadas.

A primeira END exprimiu uma concepção inovadora de soldado combatente:

“Cada combatente deve ser treinado para abordar o combate


de modo a atenuar as formas rígidas e tradicionais de comando e
controle, em prol da flexibilidade, da adaptabilidade, da audácia e
da surpresa no campo de batalha. Esse combatente será, ao
mesmo tempo, um comandado que sabe obedecer, exercer a
iniciativa na ausência de ordens específicas e orientar-se em meio
às incertezas e aos sobressaltos do combate – e uma fonte de
iniciativas – capaz de adaptar suas ordens à realidade da situação
mutável em que se encontra” (BRASIL, 2008, p. 10).
No âmbito do Exército Brasileiro (EB), a mudança pretendida na política de defesa
foi consubstanciada por meio da Estratégia Braço Forte (EBF), do Processo de
Transformação do Exército, e do Projeto de Força batizado PROFORÇA (BRASIL,
2012).

No Processo de Transformação do Exército, foi ratificado o PME:

‘’O mundo moderno exige das organizações a evolução


permanente dos equipamentos, das estruturas, das concepções,
dos processos e dos relacionamentos com os públicos interno e
externo. A inovação se tornou um fator essencial de êxito a ponto
de, nas estruturas organizacionais, haver um setor cuja missão é
promovê-la (...) Na área de ensino, nos últimos anos, um
importante passo foi dado por meio do Projeto de Modernização, o
qual pode, a partir de agora, ser revitalizado pela adoção de ações

31
O PME foi um movimento endógeno, elaborado e implantado pelo próprio Exército, sem ingerência da
sociedade civil ou do Governo Federal. A este respeito, ver: MAGALHÃES, S. M. C. O Processo de
Modernização de Ensino (PME) no Exército Brasileiro (EB): um estudo das concepções programáticas e
representações sobre a necessidade da reforma de ensino. In: V Encontro Nacional da Associação
Brasileira de Estudos de Defesa, 2011, Fortaleza. Anais do V Encontro Nacional da Associação dos
Estudos de Defesa, 2011.
63

voltadas para o desenvolvimento de uma mentalidade de


inovação.’’(BRASIL, 2010, p. 4).
Na verdade, a política educacional determinada pelo EB acompanhava uma
tendência significativa das Forças Armadas de outros países, onde foram também
implementadas reformas de ensino por competências, em graus variados de
radicalidade, devendo, em alguns casos, restringir-se ao levantamento das
competências, sem modificar de modo substancial os procedimentos didáticos e de
avaliação. Tiveram como consequência, provavelmente, em alguns casos, somente o
incremento de racionalização e de alinhamento com as demandas das unidades de
emprego 32, sem a ruptura completa com o currículo por objetivos.

Predominaram os modelos híbridos, como se esperava em instituições militares,


onde as tendências de conservação superam geralmente as de transformação.

Por exemplo, na reforma escolar do Exército do Chile, foi adaptado o modelo


funcionalista de mapeamento de competências: funções, unidades de competências e
tarefas. Evidenciam-se aqui as marcas das listas de tarefas do antigo perfil
profissiográfico. Ao mesmo tempo, foram inseridos os módulos - uma inovação curricular
33
considerável em face do modelo curricular anterior, centrado em disciplinas insoladas.

O próprio PME tentou atender a estas demandas, acompanhando as novas


tendência do ensino militar, realizando duas tentativas sucessivas no sentido de
implantar o ensino por competências.

A primeira ocorreu em 2005, através de um projeto-piloto no Centro de Estudos


de Pessoal; a segunda aconteceu em 2008, através do Plano de Desenvolvimento da
Cultura Militar e do Ensino Militar (PDCEM). (MAGALHAES, FREIRE; ALBUQUERQUE,
2010).

32
Parece ser o caso do exército chileno e português, onde se procedeu, sobretudo, à sistematização da
metodologia de mapeamento de competências. A este respeito, ver: PORTUGAL. MINISTÉRIO DA
DEFESA. EXÉRCITO PORTUGUÊS. Levantamento de competências. Manual metodológico. 2007. Neste
documento, manifesta-se uma dificuldade de passar do levantamento das competências para a construção
do currículo e elaboração de uma sistemática de avaliação. Apesar disso, os critérios de desempenho
substituem a taxionomia dos objetivos educacionais, o que representa um avanço em termos de uma
substituição eficaz do currículo por objetivos.
33
CHILE. EJÉRCITO DE CHILE. COMANDO DE EDUCACIÓN Y DOCTRINA. DIVISION DE
EDUCACIÓN. Perfil de egresso. Matriz de competências para oficiales del arma de infantería. Diagrama
Modular. 2010
64

Ambas não geraram resultados práticos em termos sistêmicos, pois não foram
disseminadas para os estabelecimentos de ensino nem geraram normas de ensino.34
Não chegaram a elaborar metodologias de construção curricular nem modelos de
avaliação. Por exemplo, o PDCEM se assemelhava a um parâmetro curricular,
estabelecendo princípios pedagógicos, dentre os quais estava o ensino por
competências.

Do ponto de vista do processo político que instauraram, estas iniciativas operaram


através de um colegiado restrito de especialistas de ensino e de militares da linha bélica
dos órgãos de direção setorial do DECEx, que não incluiu representantes de
estabelecimentos de ensino. Esta forma de funcionamento comprometeu bastante o seu
nível de capilaridade e legitimidade no restante do sistema de ensino, em comparação
com o processo político mais democrático instaurado pelo PME.

No entanto, estes movimentos favoreceram a difusão do conceito da competência


e do sentimento da inadequação do sistema de ensino em face das atuais demandas de
atuação militar. Chamaram também a atenção para o caráter obsoleto da atual
legislação de ensino, marcada pela herança tecnicista do anos 70 e 80, que já tinha sido
completamente superada nas áreas de pesquisa e ensino da sociedade brasileira, desde
os anos de 1980.

Mas o ensino por competências só foi implementado oficialmente a partir de 2010,


no bojo da Nova Sistemática de Formação de Oficiais da Linha Bélica, a cargo da
Diretoria de Ensino Superior Militar e, principalmente, do CEP.

Dentre outros objetivos, a Nova Sistemática integrou a Escola Preparatória de


Cadetes do Exército (EsPCEx) à Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), e iniciou
os trabalhos de sensibilização e formulação curricular no curso de formação de oficiais
da linha bélica.

O processo político da reforma das competências foi bastante diferente do PME.

34
A este respeito, ver as minutas de dois documentos que não chegaram a ser aprovados pelas
autoridades competentes no âmbito do DECEx: CHERNICHARO, Edna de Assumção Melo. Evolução do
Ensino Militar: há necessidade de atualização? Estudo sobre competências. DEP - Departamento de
Ensino e Pesquisa, 2005; Plano de Desenvolvimento da Cultura e do Ensino Militar (PDCEM). DECEX.
2009.
65

Inicialmente, a reforma foi planejada e executada no CEP, sem a participação


formal dos especialistas de ensino do DECEx e das diretorias subordinadas,
reproduzindo a mesma oposição entre Departamento e CEP, que tinha marcado o PME,
consubstanciando uma cisão na comunidade epistêmica.

Depois, e não sem muitos conflitos, a reforma deslocou-se gradualmente para as


diretorias subordinadas e para algumas escolas que estavam implantando a reforma,
dentre as quais se destaca a AMAN.

Estabeleceu-se, então, um processo extremamente sinérgico de empoderamento


de categorias sociais subalternas no campo militar: escolas, militares da linha bélica sem
o curso de comando e estado maior, oficiais técnico-temporários, oficiais do quadro
complementar.

Todos estas categorias profissionais possuíam um capital político restrito no


campo militar, que consiste na posse de bens simbólicos, passíveis de obter
reconhecimento social: ‘’o crédito, no amplo sentido do termo (....) que a crença do grupo
social pode conceder àqueles que a possuem mais garantias materiais e
simbólicas’’(BOURDIEU, 1980).

Este processo político que auxiliou a construir, pela primeira vez na história do
sistema de ensino do DECEx, metodologias de ensino a partir da base - os
estabelecimentos de ensino - foi a sua principal força, porque a gestão compartilhada da
reforma ensejou a ampla legitimação da reforma por gestores e instrutores do sistema
de ensino, além de gerado ganhos técnicos consideráveis na estruturação de
ferramentas flexíveis e adaptadas às concepções epistemológicas de instrutores e
docentes e às práticas de ensino consuetudinárias das escolas.

Mas este processo político descentralizado, ancorado na base, foi também a sua
maior fraqueza. Fragilizou o Comitê Técnico responsável diante da alternância de
comando nas escolas e, principalmente, nas diretorias subordinadas que os haviam
apoiado inicialmente. Então, à medida que foi elaborado e entregue o arcabouço
normativo de encomenda, o pêndulo do poder político deslocou-se para o DECEx e para
a chefia das seções de ensino das diretorias subordinadas, desfazendo a aliança
efêmera entre os especialistas de ensino e as equipes técnicas das escolas e o seu
protagonismo na implantação da reforma de ensino.
66

Do ponto de vista técnico, quando a reforma das competências começou, ainda


capitaneada pelo CEP, era grande a perplexidade dos especialistas de ensino e dos
militares da linha bélica que atuavam no escopo do projeto, pois não era conhecida
nenhuma metodologia de construção curricular neste paradigma de ensino, no horizonte
dos conceitos e práticas vigentes na instituição militar.

Em seu documento mais importante do ponto de vista doutrinário, o CEP elaborou


o seguinte conceito de competências: ‘’capacidade de mobilizar, ao mesmo tempo e de
maneira inter-relacionada, conhecimentos, habilidades, valores e atitudes, para decidir e
atuar em situações adversas.’’ (Programa O profissional militar do século XXI, 2011, p.
39)

Após um exame detido dos documentos e peças curriculares produzidas nesta


fase de implantação da reforma das competências, constata-se que o perfil
profissiográfico ainda conservava o modelo de perfil condutista, do Fordismo-Taylorismo,
que não é facilmente operacionalizável na elaboração do currículo, Pladis e plano de
aula na perspectiva do ensino por competências, 35 pois não estabelecia indicações para
a construção dos módulos - uma das figuras curriculares mais claramente associadas
ao ensino por competências nas reformas educacionais realizadas no mundo todo,
seguindo este tipo de abordagem/metodologia de ensino.

Depois, o trabalho teórico e prático de implantação do ensino por competências


foi dividido com especialistas de ensino do DECEx, da Diretoria da Educação Superior
Militar (DESMIl), da Diretoria da Educação Técnica Militar (DETMil) e do CEP, em

35
Foi utilizado um esboço de mapa funcional, que incluía competências principais, unidades e elementos
de competência. O único mapa funcional produzido, do curso de formação de oficiais da linha bélica,
apresentava erros técnicos graves, relacionados à decomposição lógica das competências, e à mistura
indevida com partes da documentação curricular propriamente dita, como o Plano Integrado de Disciplina
(PLANID), que foi inserido no mapa funcional. Não havia situação integradora como corolário do módulo, o
que comprometia as possibilidades de integração estrutural de conhecimentos disciplinares e a sua
mobilização em contextos de ação profissional. Além disso, ao invés de se centrar na unidade de
competência como fulcro do módulo e da situação integradora, o que condiz com a natureza o ensino
militar, que é um tipo de ensino profissional, que se relaciona, portanto, com a atividade de trabalho, a
proposta curricular enfocada se inspirava nos eixos de integração, mais afins aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), direcionados para a educação básica, que dispõem, na proposta atinente ao ensino
fundamental, os temas transversais como eixos norteadores das disciplinas. Finalmente, considerando
que os instrutores e os docentes não eram, na maioria dos casos, graduados em Pedagogia e em áreas
de magistério, a quantidade de documentos curriculares era excessiva e favorecia a burocratização
35
excessiva da atividade de ensino.
67

conformidade com o disposto no Projeto de Implantação do Ensino por Competências,


de 31 de maio de 2012. 36

A parte do Comitê Técnico responsável pelas áreas de currículo, avaliação e


capacitação de docentes - o GT 1 - integrou-se à Academia Militar das Agulhas Negras
(AMAN), que estava iniciando o seu processo de ingresso no ensino por competências,
trabalhando de modo sinérgico com a equipe local, formada por assessores técnicos da
linha bélica e por um oficial técnico-temporário da área de Pedagogia.

No perfil do Concludente do Curso/Estágio, foi realizado o mapeamento de


competências, através de um trabalho de pesquisa documental e de um brainstorm com
o Grupo de Construção Curricular (GCC) e instrutores da escola, que ficou como anexo
do perfil.

Este mapeamento incorporava o modelo funcionalista já descrito através da


metodologia do SENAI, que foi a referência principal da metodologia de construção
curricular. 37

O antigo perfil profissiográfico foi modificado com a introdução do eixo transversal,


com os seguintes componentes: capacidades cognitivas, capacidades morais,
capacidades físicas e motoras, atitudes e valores. O eixo transversal sistematizava e
mostrava com clareza os componentes presentes em todo processo de ensino-
aprendizagem, e que sustentam a ação das competências que os mobilizam em um
situação determinada, em consonância com uma concepção de ensino-aprendizagem

36
Neste documento, foram divididos dois grupos: o GT 1, constituído de três oficiais do Quadro
Complementar de Oficiais, da área de Pedagogia, do DECEx, DESMIL e DETMIL, e um oficial técnico-
temporário da área de Pedagogia, do CEP, responsáveis pelas áreas de currículo, avaliação e
capacitação docente, no que concerne à elaboração de normas de ensino e ao planejamento e execução
da formação de professores; o GT 2, constituído por dois oficiais superiores da linha bélica e um do
quadro complementar de oficiais, da área de Biologia e Psicologia, responsáveis pela elaboração do Plano
de Desenvolvimento dos Aspectos Atitudinais e Valores nos Estabelecimentos de Ensino, do Caderno de
Orientação Básica e do Caderno de Orientação Básica de Simulação dos estressores de combate. A
autora deste estudo integrou o GT 1, sendo responsável pela área de avaliação, Cumpre ressaltar o fato
de que o GT 1 não trabalhava de modo estanque, tendo realizado um trabalho orgânico nas três áreas
assinaladas, incorporando ainda as contribuições das equipes técnicas dos estabelecimentos de ensino,
especialmente da AMAN, que assumiu o papel de protagonista do processo técnico-político, nesta fase da
reforma.
37
A participação do SENAI-RJ no processo de implantação das competências foi principalmente informal,
estabelecido por meio de contatos com um membro do Comitê Técnico, tendo sido ofertado em 2010 um
curso de capacitação em ensino por competências do SENAI, organizado pela DETMIl, destinado a
membros das seções e divisões de ensino das diretorias e escolas do DECEx. Para a maioria dos
militares que participaram do curso, foi a primeira vez que puderam participar de um processo de
mapeamento de competências, que não existia antes neste sistema de ensino.
68

construtivista, que enfatiza os processos cognitivos e não apenas o comportamento


observável.

Ou seja, a inserção do eixo transversal no perfil profissiográfico consubstanciava


a ruptura com o modelo tecnicista, que é voltado para a conduta observável, próprio do
currículo por objetivos. O eixo transversal inseria o ensino por competências do DECEx
no universo do construtivismo, pois se centra no processo de ensino-aprendizagem, na
convicção da existência de operações mentais que mediam a recepção da informação e
a emissão do comportamento. Deste modo, até os documentos curriculares induziam o
docente a ‘’enxergar’’ a contrapartida psicológica das competências e dos conteúdos
escolares, aquém e além do comportamento manifesto. 38

Apesar de introduzir conceitos e práticas educacionais hauridas do


construtivismo, estas normas visaram intencionalmente ao processo de conservação e
aprimoramento do PME, aprofundando os seus mecanismos curriculares de
interdisciplinaridade e contextualização.

Convém relembrar que a interdisciplinaridade tinha sido fomentada pelo PME por
meio do Projeto Interdisciplinar (PI).

No âmbito do ensino por competências, o PI foi mantido como uma das


ferramentas ou instrumentos de avaliação, mas foi introduzido o Plano Integrado de
Disciplina (PLANID), um documento que compunha o currículo, destinado a reger os
módulos de ensino, que agrupavam disciplinas. Este tinha como objetivo facilitar a
simulação eficaz da realidade profissional, que é marcada pela integração e diversidade
de elementos, sendo coroado por uma Situação Integradora (SI) - uma situação
problema de grande complexidade que reproduzia a realidade profissional.

Outros aspectos do PME foram preservados na íntegra: as modalidades de


avaliação (formativa, diagnóstica, somativa) e os projetos facilitadores.

As referências construtivistas foram, principalmente, Antoni Zabala, César Coll,


Philipe Jonnaert, com destaque para este último, com quem o Comitê Técnico entrou em
contato. Atuando no âmbito da UNESCO, ele enviou literatura especializada sobre

38
No PLADIS, por exemplo, ao lado do conteúdo/assunto figurava o elemento do eixo transversal.
Exemplo: ao conteúdo ‘’conceito de guerra’’, podia corresponder, por inferência, o elemento do eixo
capacidade cognitiva.
69

reformas por competências geridas por sua equipe que tem assessorado a implantação
de reformas de ensino em países francófonos, como o Senegal.

Phillipe Jonnaert foi relevante na reconstrução da metodologia de elaboração


curricular porque soube equacionar de modo satisfatório o conceito de competência,
dotando-o de uma base epistemológica consistente, distinguindo claramente os
elementos mobilizados da competência propriamente dita. Graças à clarificação que ele
fez do conceito de competência, a documentação curricular pode distribuir as
competências mapeadas de modo mais racional, sem deixar nenhuma de fora, e sem
ser induzida a decompor elementos intrinsecamente impossíveis de serem
decompostos, como as atitudes. 39

Na maior parte dos casos, o que aconteceu foi a preservação dos dispositivos
curriculares, didáticos ou de avaliação das normas vigentes no horizonte de outro
referencial teórico, o que obviamente gerava um processo de ressignificação e
redimensionamento de conceitos e práticas pedagógicas. Por exemplo, os objetivos de
aprendizagem foram preservados, mas se desvincularam da lógica da servidão dos
verbos, própria da Taxionomia de Bloom, incorporando as divisões dos conteúdos de
aprendizagem, de extração construtivista, que estabelecem diferenças entre o processo
de assimilação e retenção de fatos, conceitos, procedimentos e atitudes (ZABALA,
2010).

Os objetivos de aprendizagem foram, então, recompostos, embora fossem também


sugeridos verbos típicos de ação, segundo a lógica dos conteúdos de aprendizagem,
preservando uma das técnicas criadas pelo sistema de ensino do DECEx para facilitar a
elaboração e manejo eficiente da documentação curricular pelos instrutores militares que
não são professores profissionais. 40

Seguindo a dialética de conservação e transformação da tradição pedagógica

39
Este tinha sido um dos problemas da metodologia esboçada pelo CEP, que não conseguiu completar as
etapas do processo de construção curricular porque decompôs atitudes, que eram consideradas
competências.
40
O Sistema de Ensino do DECEx elaborou documentos de ensino mais informais, sem aprovação,
ensinando a determinar os verbos de ação. Este conhecimento foi produzido e disseminado durante
décadas no sistema de ensino a partir de apostilas do Departamento e diretorias, revelando uma
apropriação idiossincrásica do currículo por objetivos que não realizou exatamente uma cópia da
taxionomia de Bloom. Vejamos este trecho de um material instrucional divulgado informalmente pelo DEP
em 2007: ‘’Verbos usados para a formulação de objetivos: Nível de conhecimento: definir, designar,
denominar, descrever...’’ (DEP. Apostila de níveis da área cognitiva e psicomotora, s/d, p. 01.).
70

constituída, foi inserido o Padrão de Desempenho (PD), à semelhança do Programa


Padrão (PP), que norteava a ação educativa dos instrutores do corpo de tropa, com
alterações que o distanciam da busca de respostas comportamentais precisas e exatas,
como no PP. Na documentação do ensino por competências, o PD serve como ponto de
partida para a elaboração de critérios de desempenho e baremas de avaliação.

Foi, também, realizado um trabalho de customização e recriação da metodologia


da abordagem/metodologia do ensino por competências para a realidade das formas
curriculares consuetudinárias, em vigor no sistema de ensino do DECEx, que incluíam,
mas ultrapassavam as prescrições das normas herdadas do PME, que ainda guardavam
alguns elementos tecnicistas, como a taxionomia de Bloom.

Neste caso, incluíam-se as sistemáticas não escritas de modularização: um


conjunto de disciplinas que se encerra com uma situação integradora de natureza
prática. Este era um desenho curricular presente nas escolas militares que não era
prescrito na norma curricular anterior ao ensino por competências - a NERC - que
defendia um ‘’currículo de disciplinas isoladas’’.

A customização manifestou-se aqui, em muitos casos, com a busca de uma


‘’transcrição’’ de formas consuetudinárias de organização curricular para as ferramentas
curriculares do ensino por competências.

Foi o que aconteceu com o PLANID e PLADIS, que incorporaram os usos e


costumes do planejamento didático realizado por instrutores e docentes da AMAN. Em
entrevistas não estruturadas realizadas pelo Comitê Técnico, os instrutores revelaram
desconhecimento prático da hierarquia das servidões, o que demonstrou que os verbos
da taxionomia podiam ser retirados do PLADIS sem prejuízo para os conhecimentos
tácitos sobre o ensinar e o aprender, a chamada ‘’epistemologia docente’’ 41 (BECKER,
1993).

41
A Epistemologia docente consiste nas representações sobre ensino e aprendizagem, espontâneas ou
semi inconscientes, que forma uma espécie de conhecimento tácito, que norteia as escolhas no campo da
didática e da avaliação.
71

A customização implicou também na flexibilização dos documentos curriculares


para atender às necessidades dos diversos tipos de disciplinas encontradas neste
estabelecimento de ensino. 42

No campo da avaliação, houve a ampliação do número dos instrumentos de


avaliação, inserindo-se o ensaio, parecer técnico, seminário, portfólio, além da Prova
Formal, que era o único instrumento de avaliação somativa utilizado no sistema de
ensino do DECEx.

Foram também estabelecidos princípios de elaboração de instrumento de avaliação


em conformidade com o tipo de conteúdo de aprendizagem. Foi feita a distinção entre os
tipos de barema (fechado e aberto), incluindo critérios de avaliação, que permitiam
avaliar desempenhos diferenciados segundo uma escala de performance, superando as
limitações comportamentais do sistema de avaliação precedente, que exigia respostas
únicas, ao mesmo tempo em que contribuiu para diminuir a subjetividade no processo de
correção das avaliações.

Como resultado deste trabalho, o Comitê Técnico remeteu, a partir da Diretoria de


Educação Superior Militar (DESMil), onde estava então sediado, ao DECEx, em março
de 2013, as minutas das principais normas reguladoras do ensino por competências nas
áreas de currículo e avaliação, que foram aprovadas depois pela Portaria n º 80-DECEx,
de 07 agosto de 2013; Portaria n º 98-DECEx, de 23 de setembro de 2013; Portaria n º
99-DECEx, de 23 de setembro de 2013.

Em 2014, as normas de currículo e de avaliação foram revistas, sem a presença


formal ou efetiva dos membros do antigo Comitê Técnico, nem das equipes técnicas das
escolas diretamente envolvidas com a implantação da reforma de ensino - a Escola
Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), a AMAN, a Escola de Comando e
Estado Maior (ECEME) e a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e o CEP -
sendo emitida a Portaria nº 127-DECEx, de 24 de setembro de 2014, a Portaria n º 127-
DECEx, de 24 de setembro de 2014 e a Portaria nº 144-DECEX, de 27 de novembro.

42
As disciplinas da área profissional, relacionadas às técnicas militares, baseavam-se nos elementos de
competência para selecionar os conteúdos escolares enquanto as disciplinas de formação científica e
humanística tiveram que se basear nas competências principais ou nas unidades de competência, de
maior generalidade, para selecionar seus conteúdos.
72

Finalmente, foi emitida a Portaria n º 143-DECEX, de 25 de novembro de 2014,


que aprovou as Normas para Desenvolvimento e Avaliação dos Conteúdos Atitudinais
(NDACA), em sua 1ª Edição, na perspectiva do ensino por competências, que foi
analisada mais adiante.
No campo da Didática, ainda não foi emitido pelo DECEx nenhum Manual ou Guia
Didático por competências, embora tenham sido remetidas duas versões de um Manual
para os Estabelecimentos de Ensino do DECEx em 2013: uma do CEP e outra do GT 1
do Comitê Técnico, ambas a partir da DETMIl.
Embora não integre o escopo deste trabalho que se restringe ao DECEx, convém
assinalar que o ensino por competências foi encaminhado ao mesmo tempo que a
gestão por competências, realizada pelo Departamento Geral de Pessoal (DGP),
embora não tenha havido nenhuma sinergia entre estas duas reformas, que operaram a
partir de categorias teóricas distintas.
Finalmente, a nova doutrina militar terrestre convergiu no sentido de uma lógica das
competências, tendo estabelecido uma espécie de ‘’macroprocesso’’ - um amplo e
integrado processo de mapeamento de competências - que racionalizou o modo de
organização e as tarefas envolvidas nas operações militares, no nível tático e
estratégico.
Neste sentido, estabeleceram-se as capacidades, e as funções de combate, que
servem para garantir a seleção das capacidades mais adequadas para realizar as
tarefas. Convém ressaltar que as funções de combate ultrapassaram a divisão estanque
de armas, quadros e serviços – os antigos sistemas operacionais - e se dividem em seis
categorias que não atuam isoladamente: movimento e manobra, comando e controle,
inteligência, fogos, proteção e sustentação (BASSOLI, 2013).

2.5.4 Educação Moral no DECEx: dos Atributos da Área Afetiva aos conteúdos
atitudinais

1) A Norma de Elaboração de Conceito Escolar (NECE)/Portaria n 12:

Os marcos normativos de educação moral anteriores à implantação do ensino por


competências são a Norma de Elaboração do Conceito Escolar (NECE) e a Portaria
n˚12/DEP, de 12 de maio de 1998.
73

O paradigma predominante nas escolas militares do DECEx, anterior à inserção


do ensino por competências, baseia-se no comportamentalismo, que, como já foi
analisado acima, enfatiza somente a obtenção e aferição de um comportamento
observável e quantificável.
Do ponto de vista de uma teoria de desenvolvimento e educação moral, o
comportamentalismo, ou behaviorismo, postula que os valores não têm valor
substantivos em si mesmos, sendo endossados pelos sujeitos a partir das
consequências positivas que criam:

‘’não há absolutos morais extensíveis a todos os indivíduos


ou culturas, na medida em que o valor moral de uma ação
depende, em última análise, das suas consequências, em termos
de sobrevivência – da cultura ou da espécie (é a orientação
consequencialista ou utilitária, e não da sua maior ou menor
conformidade a princípios éticos reversíveis ou universalizáveis’’
(LOURENÇO, 1995, p. 01).

Convém relembrar o fato de que este enfoque utilitário se contrapõe ao ponto de


vista deontológico do ensino militar atual, que se baseia em valores éticos absolutos, de
validade universal, que legitimam a defesa do Estado e da soberania nacional, sem os
quais o processo de socialização do soldado não se completa, como já foi analisado no
início deste trabalho.
O enfoque utilitário do comportamentalismo se contrasta ainda com o ponto de
vista deontológico, seja militar ou civil, principalmente no campo das implicações
pedagógicas, pois enfatiza exclusivamente o modo de controle como prática de
socialização moral, que enfatiza os prêmios e as recompensas: ‘’Uma ação é tanto mais
moral quanto mais resulta em benefícios para a sobrevivência de uma dada cultura ou
espécie’’ (LOURENÇO, 1995, p. 02).
Este ponto de vista parece ser contraditado pelas práticas seculares de regulação
de conduta militar, centradas no reforço negativo e na punição, que se consubstanciam
atualmente na administração cotidiana do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE)
nas organizações militares enquanto as instituições educativas militares regulam a
conduta disciplinar por meio de normas internas de conduta disciplinar que não geram
efeitos permanentes na ficha do militar.
De fato, Skinner teria repudiado o uso exacerbado de punições e reforços
negativos, preferindo o uso de reforços positivos, o que não é praticado nas instituições
74

militares. Este fato evidencia um desalinhamento entre a sistemática de educação moral


do ensino militar em relação aos marcos teóricos do comportamentalismo, ao contrário
do que sustentam alguns analistas mais apressados.
No entanto, é possível apontar algumas convergências. Em ambos os casos,
apenas o comportamento ou conduta aparente são ponderados, sendo desprezadas e
minimizadas as intenções ou razões cognitivas subjacentes à ação moral, o que não é
aceitável do ponto de vista pedagógico: ‘’por exemplo, não colar num exame por ‘razões
de consciência’ não é, do ponto de vista moral, completamente diferente de não fazê-lo
por ‘razões de prudência’’ (LOURENÇO, 1995, p. 02).
No entanto, as instituições militares enfatizam o dever moral, em face de
situações adversas e da responsabilidade com equipamentos onerosos e contingentes
humanos. Neste sentido, as instituições militares apoiam-se, na prática social, na noção
de responsabilidade e autonomia, segundo a qual o militar tem que assumir plenamente
as consequência de seus atos, que é explicitado também nas normas de ensino:
‘’Responsabilidade é a capacidade de cumprir suas atribuições assumindo e
enfrentando as consequências de suas atitudes e decisões.’’ (Portaria n˚12/DEP, de 12
de maio de 1998).
No entanto, com base na concepção empirista segundo a qual o sujeito é
construído de fora para dentro, a partir de estímulos sensoriais, Skinner desconsidera a
autonomia como um aspecto relevante para a educação moral:
‘’Não é a pessoa que atua no mundo, [mas] o mundo que atua
sobre a pessoa. Então, do ponto de vista psicológico, parece haver
pouco lugar para a responsabilidade. Sendo assim, parece não
fazer muito sentido falar em obrigações morais e também em
mérito e demérito, ou justiça e injustiça. Com efeito, qual a lógica
de se responsabilizar um indivíduo por ações que estão
relativamente fora do seu controle e autonomia?’’ (LOURENÇO,
1995, p. 02).

Além de Skinner, o comportamentalismo, no plano de educação moral,


consubstancia-se também nos estudos de Bandura e Walter sobre a aprendizagem
social, que descreveram os procedimentos imitativos e de identificação moral
necessários para desenvolver padrões típicos de moralidade, uma vez que ‘’a dimensão
motivacional da conduta imitativa se ampara na necessidade de aprovação e no medo
de sanções por parte dos pais’’ (MARTIN; BRANCO, 2001, p. 2).
75

Neste sentido, esta abordagem supõe que a ampliação da socialização e a


ativação dos mecanismos de controle pela própria pessoa ‘’poderia induzir ao
desenvolvimento de processos de auto regulação direcionados para padrões de conduta
socialmente desejáveis, integrados no nível comportamental’’ (MARTIN; BRANCO,
2001, p. 2).
Outro enfoque comportamental no campo da educação moral é a teoria de Emile
Durkheim, segundo a qual ‘’a educação moral como socialização se baseia em
mecanismos de adaptação heteronômica às normas sociais’’ (PUIG, 1998, p. 29).
Nesta perspectiva, as normas morais são o produto de uma obra coletiva que os
indivíduos recebem e adotam passivamente e para cuja elaboração não contribuem:
‘’Portanto, a responsabilidade do sujeito que está se formando
fica muito limitada, ele não tem outra tarefa a não ser a de fazer
suas as influências que o exterior lhe impõe, sem que sua
consciência e vontade tenham qualquer papel na aceitação, recusa
ou modificação das prescrições morais que recebe’’ (PUIG, 1998,
p. 29).
Esta abordagem se baseia na convicção da estabilidade, congruência e valor
intrínseco da cultura, que preexiste e se impõe de modo determinante ao indivíduo.
Neste paradigma de educação moral, não existem conflitos internos nem a interferência
das pulsões 43, ‘’já que está sendo claro o que é considerado como correto. O problema
reside, pois, na aceitação dos códigos e na capacidade do indivíduo de agir de acordo
com eles’’ (PUIG, 1998, p. 29).
Durkheim baseava-se na ideia de que os fatos morais são determinados pelos
fatos sociais, que preexistem o indivíduo. Os fatos sociais ou a cultura substituem,
então, a religião como fonte de autoridade para o indivíduo, que ele deve respeitar e
reconhecer como um poder superior. Neste sentido, a consciência não é livre para tomar
decisões, pois esta deve adaptar-se ao que é imposto pelas normas e valores sociais.
Do ponto de vista educacional, Durkheim preconizava o uso da disciplina – a
obediência a normas e regras. O objetivo era desenvolver os hábitos de contenção e
domínio. Para tal, pais e professores deveriam realizar o emprego discreto e ponderado
de penas e recompensas coletivas.

43
Esta teoria de educação moral desconhece as características da sociedade contemporânea, marcada
pelo policentrismo ético, na qual existem valores diferentes em diversos campos da atividade social, e
onde não é mais possível apoiar-se num ordenamento metafísico do mundo.
76

Apesar da moderação do receituário educacional, Durkheim não conseguiu


romper com os limites de uma concepção essencialmente heteronômica, uma vez que a
liberdade pessoal e a autonomia individual são subordinados sempre à necessidade e à
pressão social:
‘’A conquista da autonomia moral consiste em compreender
as leis que a sociedade nos impõe e que não somos livres para
recusar; a liberdade pessoal consiste em desejar e estimar o que a
sociedade estabelece como desejável ou ótimo’’ (PUIG, 1998, p.
29).

Constata-se que na educação moral do EB, misturam-se influências teóricas


diversas, que se apropriam a seu modo das matrizes comportamentais, o que foi
analisado a seguir.
Como já foi dito, o comportamentalismo foi introduzido no ensino do Exército
brasileiro a partir da década de 1960, influenciando na elaboração dos Programas-
Padrão (PP).
Deste modo, a Portaria n˚12 e a NECE se baseiam predominantemente no
paradigma comportamental, à semelhança do PP.
Na Portaria n˚12, os atributos da área afetiva são descritos a partir de definições
concisas e genéricas de comportamentos morais que não consideram as diferentes
formas de emprego militar nem as especificidades dos quadros, armas e serviços.
Na verdade, os atributos da área afetiva são constructos psicológicos
estabelecidos por meio de grupos focais informais de militares da linha bélica e
especialistas de ensino, onde predominam os psicólogos. Estes grupos focais
espontâneos, que não utilizam os procedimentos metodológicos previstos para esta
técnica de coleta de dados, elaboram uma espécie de casuística moral que de algum
modo se remete à vida cotidiana da caserna e à experiência militar.
Embora a cultura militar seja ponderada neste processo de elaboração destes
constructos psicológicos, como preconizam as abordagens socioculturais que
influenciam atualmente o ensino por competências, não foi realizada a flexibilização do
atributo em função das peculiaridades do contexto sociocultural de onde se origina. Ou
seja, o atributo de iniciativa consiste sempre em ‘’agir de forma adequada, em
conformidade com as demandas da missão em tela, sem depender de ordem ou decisão
superior’’ (Portaria n˚12, de 12 de maio de 1998).
77

Neste sentido, os atributos são qualidades homogêneas dos sujeitos que são
descontextualizadas das formas de emprego militar, como a guerra convencional ou não
convencional, e das formas de atuação militar das qualificações profissionais, como as
especializações militares.
Na verdade, os atributos não consideram que as formas de emprego militar
influenciam diretamente na construção do atributo.
Este ponto de vista contraria a própria experiência profissional dos militares que
reconhecem que, no contexto da guerra convencional, a iniciativa é mais restrita do que
na guerra não convencional, e que varia também segundo o escalão e a pertença ao
quadro, arma ou serviço. Ou seja, o intendente apresenta um nível de autonomia maior,
desde oficial subalterno, do que o infante, o que forçosamente teria que acarretar
descrições diferenciadas de seus atributos, nas situações escolares que visam a
prepara-los para uma atuação profissional adequada.
Este aspecto homogeneizante e genérico do atributo é tipicamente
comportamental, pois não considera o contexto social de onde surge o próprio atributo,
uma vez que, para o comportamentalismo, a cultura e a linguagem não desempenham
nenhum papel na estruturação das respostas comportamentais, que dependem apenas
de um conjunto organizado de estímulos ambientais.
Deste modo, na metodologia que é estruturada com base nos atributos, não
existem estratégias de operacionalização deste atributo, considerando as características
das atividades profissionais a serem desempenhadas, a forma específica de emprego
militar, nem o tipo de qualificação profissional.
Outro problema reside na extrema confusão conceitual da Portaria nº 12, que
mistura as capacidades e habilidades de natureza cognitiva, como a meticulosidade,
com aspectos morais e afetivos, como a responsabilidade. Os valores são também
identificados com os atributos e eventualmente aparecem como atributos e valores, ao
mesmo tempo, e identificados, ambos, em alguns casos, com comportamentos ou
condutas.
No início do documento, são enfatizados os valores de honestidade, integridade e
lealdade a ‘’serem desenvolvidos no indivíduo desde a infância e reforçados ao longo da
vida militar’’, cuja ausência deve desencadear ações do docente no sentido ‘’de tomar
providências regulamentares, disciplinares e judiciais cabíveis.’’ Depois, o documento
apresenta os seguintes requisitos essenciais (embora os valores supracitados se
78

assemelhem a ‘’pré-requisitos’’), as ‘’qualidades’’ ‘’que envolvem, cada uma,


comportamentos, atitudes e valores: auto aperfeiçoamento, civismo, espírito de corpo,
idealismo, patriotismo.
Depois dos valores e pré-requisitos, o documento apresenta uma lista de
atributos, dentre os quais a combatividade, a iniciativa, a responsabilidade.
Em suma, a Portaria n° 12 carece de fundamentação científica que embase as
definições de valores, atitudes, atributos e comportamentos, cujo significados se
superpõem e se embaralham. A metodologia de elaboração dos constructos, informal e
espontânea, o que confirma o seu caráter empírico, não-científico, consistia na
discussão entre psicólogos, pedagogos e militares da linha bélica em torno aos
significados do atributo na vida militar, através do uso de uma espécie de casuística, que
se aproxima mais dos métodos religiosos de exame de consciência do que da técnica de
um grupo focal previsto para a pesquisa científica.
Evidencia-se também nesta ‘’metodologia’’ uma base comportamental difusa,
uma vez que o atributo se restringe à dimensão do observável. Embora sejam incluídos
os valores, em nenhum trecho deste documento são apontadas as diferenças entre os
valores, que são interiores, e os atributos, que são comportamentos ou condutas
observáveis.
Enquanto a Portaria n°12 estabelece uma lista de atributos e valores, a NECE
descreve uma metodologia escolar de avaliação destes atributos.
Esta metodologia prescreve os procedimentos de avaliação formativa e somativa
que devem nortear as ações das seções psicopedagógicas das escolas do DECEx, em
detrimento das atividades de orientação educacional, de atendimento psicopedagógico e
mesmo as de desenvolvimento ou de educação moral, que acontecem de forma
independente do planejamento e execução da seção psicopedagógica, obedecendo
mais aos usos e costumes do ensino militar.
Este fato se deve, em parte, ao caráter extremamente oneroso da sistemática de
observação que é exigida. Com a falta de pessoal especializado de que se ressente o
sistema de ensino do DECEx, resta às seções picopedagógicas realizar somente as
atividades de observação, e não as de educação moral.
A NECE preconiza a modelagem do comportamento moral por meio de notas
escalonadas em resposta a um volume de registros de comportamentos observáveis dos
discentes, os Fatos Observáveis (FO). São os FO positivos e negativos, que,
79

acumulados, resultam num grau que integra a nota final do discente, pesando, nos
cursos de formação de praças e oficiais, na classificação dos discentes, determinando o
seu local de servir e as suas chances futuras de sucesso na carreira. As notas
funcionam, então, como o reforço ao comportamento ou conduta moral do discente.
Na verdade, a metodologia descrita caracteriza-se pela suposição implícita,
tipicamente comportamental, de que o sistema de reforços positivos, negativos e
punições, utilizados pela avaliação, gera efeitos educacionais, uma vez que a sua
avaliação de atributos integra, em percentagens variáveis em cada estabelecimento de
ensino, a nota final de conclusão de curso.
Apesar dos aspectos comportamentais evidentes, que consistem na busca da
detecção dos comportamentos por meio dos registros de FO, não há nestes documentos
prescrições sobre a modelagem comportamental dos atributos, por meio do reforço.
Durante anos, os especialistas responsáveis pela orientação das equipes técnicas
das escolas preencheram as lacunas destes documentos apenas com diretrizes orais
para a execução das técnicas de ensino descritas no Manual do Instrutor em vigor. Por
exemplo, se o atributo a ser desenvolvido fosse a cooperação, preconizava-se que fosse
selecionada a técnica de ensino de trabalho de grupo. 44
A outra diretriz pedagógica verbalizada por estes especialistas para o
desenvolvimento dos atributos consistia em atrelá-los aos objetivos específicos do Plano
de Disciplinas (PLADIS), o que obrigava a burocracia escolar a exigir planos de
sessão\aula que previssem técnicas de ensino compatíveis com o atributo indicado.
Na verdade, a ausência de uma teoria do desenvolvimento e aprendizagem dos
atributos comprometia as ações educacionais em contexto escolar. Se não se sabe
como são estruturados os atributos, não é possível, para o docente, elaborar estratégias
de ensino adequadas. Esta limitação permanece válida mesmo para o modelo tecnicista,
pois deveria haver, em algum lugar da Portaria n°12 ou da NECE, prescrições para a
execução de uma sistemática de condicionamento operante e respondente, visando a
‘’modelar’’ a conduta moral dos discentes.

44
A autora deste trabalho serviu de 2006 a 2015 em várias diretorias de ensino subordinadas ao DECEx,
tendo convivido e até trabalhado com a equipe técnica que geria a implantação dos atributos da área
afetiva nos estabelecimentos de ensino, através de visitas de supervisão escolar. Esta equipe, que
incluía especialistas de ensino do DECEx, CEP e representantes das diretorias subordinadas, trabalhou
de modo efetivo, em visitas anuais, até 2007, tendo influenciado bastante as formas de percepção e de
atuação profissional das seções psicopedagógicas nos estabelecimentos de ensino do DECEx.
80

Esta omissão se deve, em parte, às premissas comportamentais em que se apoia


esta metodologia, uma vez que o comportamentalismo considera que o indivíduo
desempenha um papel passivo na constituição de sua conduta moral, não participando
no processo de socialização moral nem através de suas experiências prévias, nem pela
personalidade, nem pelo exercício de sua vontade ou livre arbítrio - aspectos ignorados
pelo corpus teórico desta abordagem - que considera que os aspectos psicológicos são
forjados de ‘’fora para dentro’’, a partir da manipulação de estímulos ambientais.
Apesar disso, a razão da ausência completa de uma teoria pedagógica na NECE
se deveria mais ao seguinte fato: embora haja na metodologia dos atributos algumas
noções oriundas do comportamentalismo, como a de comportamento, identificado como
a dimensão observável da pessoa, a sistemática dos atributos da área afetiva não é
essencialmente comportamental.
Primeiro, porque não explicita as estratégias de condicionamento a serem
elaboradas pelos docentes; segundo, porque enfatiza mais a punição e o reforço
negativo do que o reforço positivo, o que contraria princípios básicos de
condicionamento operante, segundo Skinner e Thorndike.
Este trabalho supõe que a apropriação parcial, idiossincrásica, da abordagem
comportamental realizada pela NECE se deve à forte influência da educação militar
consuetudinária - a pedagogia do guerreiro - já descrita acima, que estabelece
hodiernamente dispositivos disciplinares como a vigilância hierárquica e a sanção
normalizadora, centrados no uso sistemático de punições e recompensas, valendo-se
atualmente de melhores recursos tecnológicos que aperfeiçoam os sistemas de
45
observação e registro, como os programas informatizados de lançamento de FO.
É interessante considerar que esta ‘’midiatização’’ do sistema de avaliação moral
pode intensificar ainda mais os mecanismos próprios de socialização das instituições
militares, referidos acima.
Deste modo, cria-se um espaço social ainda mais esquadrinhado e regulado do
que foram as antigas academias militares que surgiram após a Renascença, que

45
A menção aos atributos em documentos de ensino do DECEx ocorreu depois dos anos 60, pari passu
com a difusão do Tecnicismo, mas a estruturação da metodologia da NECE e de seu sistema de
observação através dos FO ocorreu no âmbito do PME.
81

buscaram racionalizar um sistema de formação humana, para otimizar resultados


práticos, por meio da instituição de um sistema de controle de subjetividades.
Este sistema onipresente de observação e avaliação moral tem detratores e
defensores, que ora destacam a necessidade de uma educação moral que prime pela
autenticidade e autodeterminação dos sujeitos, desvinculados de prêmios e
recompensas, ora a necessidade de estabelecer dispositivos educacionais de exclusão
de indivíduos incompatíveis com a carreira militar, que exige sólidas qualidades morais,
por envolver patrimônio público, vidas humanas e valores coletivos de grande
importância como a soberania e a segurança nacional.
Nas escolas de formação do DECEx, onde a classificação obtida no final do curso
determina o local de movimentação e a época de promoção dos militares, a partir de
oficiais superiores, as notas obtidas na avaliação do comportamento moral contribuem,
na observação pessoal desta autora, construída a partir da experiência em seu próprio
curso de formação, para a criação de uma espécie de ‘’dramaturgia da formação moral’’,
cuja autenticidade é discutível e problemática.
Estes aspectos negativos da metodologia são consensualmente admitidos pela
maior parte dos especialistas das seções psicopedagógicas do DECEx (RELATÓRIO
DO SIMPÓSIO DE ATITUDES E VALORES. DETMIL; 2012), mas se considera que a
superação das limitações desta metodologia só pode acontecer com a substituição do
paradigma comportamental por outro que pondere o papel desempenhado pelo sujeito
na constituição da sua personalidade, consciência ou caráter moral, aproveitando as
matrizes da cultura militar, estabelecidas pelos usos e costumes.
É o que foi esboçado na sistemática de desenvolvimento de conteúdos atitudinais,
estabelecida pelo ensino por competências, que será examinado a seguir.

2) O anexo C e a Portaria nº 143-DECEx, de 25 de novembro de 2014 (NDACA)

No anexo C das Normas de Construção Curricular (NCC) de 2013 e de 2014,


foram listados os componentes do eixo transversal - as capacidades morais, cognitivas e
físicas, atitudes e valores que dão sustentação às competências e subjazem aos
conteúdos escolares.

Os componentes que se relacionam diretamente com os conteúdos atitudinais


são as capacidades morais, atitudes e valores.
82

O anexo C clarifica as diferenças entre todos os componentes do eixo transversal,


à luz das contribuições das pesquisas sobre cognição das últimas décadas,
incorporando as contribuições da Epistemologia Genética, sócio construtivismo e Teoria
de Processamento de Informações, estabelecendo definições sucintas dos diversos
tipos de operações mentais.

No campo das atitudes, à semelhança do que havia ocorrido no restante das


outras normas por competências, foram aproveitadas algumas definições da Portaria
n˚12, que exprimia, mesmo que de modo empírico, sem seguir os procedimentos mais
rigorosos dos grupos focais, aspectos relevantes da cultura militar.

Na NCC de 2013, existia uma introdução que explicitava os fundamentos teóricos


da classificação das definições dos conteúdos atitudinais. Na verdade, tratava-se de
uma síntese da teoria de desenvolvimento moral subjacente às classificações de
componentes atitudinais. Esta introdução explicava a categoria de ‘’caráter moral’’’, que
substituía, com uma terminologia extraída da cultura militar, a categoria de
personalidade moral, central na abordagem sócio construtivista de Josep Maria Puig -
uma das principais referências para o trabalho.

A categoria de ‘’caráter moral’’ visava a restabelecer a noção de um sujeito moral


na educação moral militar, banida devido à introdução do comportamentalismo, onde o
indivíduo é ‘’agido’’ e não toma decisões de natureza moral.

A seguir, no texto explicativo, a realidade militar era ponderada, afirmando-se que


os conteúdos atitudinais são extraídos da cultura militar e dos tipos de emprego militar.

Se a noção de consciência ou personalidade moral origina-se do campo teórico


do construtivismo como um todo, a inserção da categoria de cultura militar revela a
influência do sócio construtivismo, que inverte a noção de internalização passiva das
normas sociais, tão cara aos comportamentais, segundo a qual ‘’os conteúdos externos
ao indivíduo apresentados por um “outro social” são trazidos para o domínio
intrapsicológico (do pensar e do sentir subjetivos), passando a incorporar-se à
subjetividade do indivíduo’’ (MARTINS; BRANCO, 2001, p. 172).

Ao contrário, na perspectiva sócio construtivista, o indivíduo internaliza a cultura,


reconstruindo-a internamente à luz de suas experiências anteriores e afetos, devolvendo
padrões culturais modificados, com as marcas de seu empréstimo. Além disso, a
83

internalização da cultura é permeada pela linguagem e pelos signos linguísticos, que


emprestam significado ao mundo, que não é estático, mas dinâmico, sendo alterado ao
longo do tempo, por obra das novas gerações e dos acontecimentos históricos.

Deste modo, o desenvolvimento moral depende do contexto sociocultural onde se


situa: o indivíduo em desenvolvimento, apoiado pelas sugestões morais presentes em
sua cultura, reconstrói suas noções de certo e errado a partir de suas experiências
cotidianas’’ (MARTINS; BRANCO, 2001, p. 172). Ou seja, os processos de construção
pessoal de significados morais ocorrem no decorrer das experiências interativas do dia-
a-dia do indivíduo em desenvolvimento, realizando-se a partir das ferramentas culturais
dinâmicas, e não estáticas, tais como os valores, o ritos e as práticas sociais.
Assim sendo, as atitudes militares são urdidas e modificadas no contexto do
emprego militar, no âmbito das subculturas e culturas militares e estas são a fonte mais
genuína dos conteúdos atitudinais, e não os constructos psicológicos abstratos, como os
atributos da área afetiva.
O anexo C baseou-se mais no sócio construtivismo do que na teoria de Juízo
moral de Piaget, que havia estabelecido uma correlação estreita entre os vários estágios
de desenvolvimento moral e intelectual, que se sucediam em conformidade com uma
teleologia que necessariamente culminava numa forma superior de autonomia moral,
quando o indivíduo teria um comportamento plenamente auto determinado, dissociado
de injunções externas, agindo em consonância com valores universais. 46
A inadequação desta abordagem, que se estende a enfoques similares que
nuançam os estágios de desenvolvimento ou introduzem neles a variáveis de gênero 47

46
Piaget analisou os processos cognitivos subjacentes ao julgamento moral - uma dimensão relevante do
comportamento moral. Ele caracterizou o desenvolvimento moral através de estágios, apoiando-se em
dados coletados em entrevistas não estruturadas e na observação de crianças em jogos de regras - o
método clínico. As pesquisas de Piaget lhe permitiram concluir que existem diferenças quanto ao respeito
às regras em crianças de idades diferentes, distinguindo-se as fases de anomia, heteronomia e autonomia
moral. Os indivíduos anômicos não reconhecem a existência de regras sociais, mas ‘’Na fase de
heteronomia moral, a criança percebe as regras como absolutas, imutáveis, intangíveis (....) na fase da
autonomia moral (entre 8 e 12 anos), o propósito e consequências das regras são consideradas pela
criança e a obrigação baseada na reciprocidade. A criança se caracteriza pela moral da igualdade ou de
reciprocidade; percebe as regras como estabelecidas e mantidas pelo consenso social. Piaget constatou
que por volta de 10 anos a criança passa a perceber a regra como o resultado de livre decisão, podendo
ser modificada, e como digna de respeito, desde que mutuamente consentido.’’ (FINI, Lucila Diehl Tolaine.
Desenvolvimento moral: de Piaget a Kholberg. Florianópolis: Perspectiva, 9(16):58-78, Jan/Dez. 1991).
47
Trata-se, respectivamente, da Teoria de Desenvolvimento moral, de Lawrence Kohlberg e de Carol
Gilligan. A este respeito, ver: LELEUX, Claudine. Théorie du développement moral chez Lawrence
Kohlberg et ses critiques (Gilligan et Habermas) IN: FERRY, Jean-Marc; LIBOIS, Boris. Pour une
84

para o ensino militar se deve ao modelo ético em que se baseia, relacionado ao universo
valorativo e procedimental da democracia, onde as regras legítimas são acordadas por
meio do consenso.
Ora, em instituições militares marcadas pela hierarquia e disciplina, engendradas
precisamente por causa da necessidade de gestão da guerra - a situação de maximal
urgência e crise - não é possível se apoiar exclusivamente nas práticas de deliberação.
Elas podem ser utilizadas, como veremos adiante, mas associadas ao aproveitamento
intensivo das práticas morais estruturadas pela própria cultura militar.

Por último, o anexo c da NCC de 2013 inseria a liderança como um compósito de


atitudes.

O anexo C da NCC de 2014 manteve quase todas as definições de atitudes, mas


retirou os conceitos de caráter moral e a teoria de desenvolvimento moral. A liderança
também foi retirada. À semelhança das normas revistas em 2014, apresentou uma
retração considerável de princípios e explicações necessárias para a assimilação de
abordagem desconhecida na legislação de ensino do EB, há meio ‘século impregnado
de noções e prática de caráter comportamental.

A NDACA foi elaborada depois da NCC de 2013 e da NCC de 2014, sem a


colaboração dos especialistas de ensino que haviam participado do Comitê Técnico, que
haviam elaborado a NCC e NAA, com as quais esta norma deveria ser congruente, por
se utilizar também da documentação curricular por competências.

Ou seja, aqueles que haviam construído o anexo C da NCC, fundamentado no


sócio construtivismo, não compunham a equipe técnica que elaborou a NDACA, que
também não incluiu pedagogos, o que obviamente gerou lacunas concernentes à área
de desenvolvimento de conteúdos atitudinais, que conflui para a didática - um objeto de
estudo próprio do curso de Pedagogia.

A este respeito, convém esclarecer que as políticas públicas não são executadas
com base em comandos executivos, mas dependem da comunidade epistêmica de
especialistas na área em que se desenvolve. Nesta perspectiva, a composição de
comissões técnicas de elaboração gera resultados distintos. Ou seja, se é retirado ou

education postnationale. Bruxelles: Editions de lÚniversité de Bruxelles, Coll ‘’Philosophie et societé’’,


2003, pp111-128..
85

inserido este ou aquele especialista com uma abordagem teórica específica, pode ser
gerado um fator de inovação ou de preservação de formas institucionais já constituídas.

Outro fato que influencia o curso do trabalho destas comissões no EB é o nível de


autonomia concedido aos técnicos. Quando a autonomia é restrita, existe uma
possibilidade mais restrita de divergir dos modelos institucionais em vigor.

No campo dos princípios, a NDACA se baseava nos referenciais do anexo C, mas


de modo diluído e inconsistente, devido ao caráter excessivamente sucinto dos artigos,
que dificultam a compreensão de uma teoria coerente e sistêmica de desenvolvimento
moral.

As premissas básicas são expressas em três artigos de 6 linhas ao todo. Os


conceitos básicos são expressos no artigo 5˚, em vários incisos de, no máximo três
linhas, cada um, no formato de um glossário, o que impede a compreensão adequada
de uma teoria sistemática de desenvolvimento moral, que se organiza como um sistema
integrado de conceitos.

Considerando o fato de que a maior parte da equipe técnica das seções


psicopedagógicas é composta de militares da linha bélica com os cursos do CEP, sem
formação intelectual sólida na área de Pedagogia e Psicologia, e que o sistema de
ensino está ingressando agora no universo epistemológico do construtivismo, que se
contrapõe a uma herança de meio século de Tecnicismo, pode-se concluir que a
excessiva concisão e fragmentação do texto dificultam a assimilação dos novos
princípios pedagógicos e psicológicos.

Mesmo assim, o marco teórico da NDACA exprime alguns princípios


construtivistas já utilizados encontrados nas outras normas de ensino por competências.
No Art. n˚ 5, a NDACA determina que as capacidades morais são ‘’habilidades de o
indivíduo estabelecer julgamentos morais ou éticos sobre situações conflituosas’’ e que
‘’as atitudes são tendências de atuação relativamente estáveis diante de situações ou
objetos que envolvem a presença de três componentes.’’
Finalmente, no capítulo IV, seção I, afirma-se que o desenvolvimento dos
conteúdos atitudinais ‘’exige interação direta entre discentes e docentes, que atenda de
forma assertiva às necessidades dos alunos, para que estes adotem postura reflexiva
frente ao que apreenderam.’’
86

Neste caso, revela-se o fundamento construtivista subjacente à norma: foco nas


interações sociais; os interesses e necessidades como ponto de partida das ações
educacionais (Escolanovismo); a defesa da atividade de reflexão associada ao
desenvolvimento moral.
Os fundamentos sócio construtivistas aparecem de modo excessivamente conciso
e incidental, sem se conectar a outros princípios, no glossário que define o que é cultura
militar e no Art n˚11, que determina que ‘’os conteúdos atitudinais variam em
conformidade com os diversos tipos de cursos, visando atender às demandas do cargo e
função, considerando as diferentes formas de emprego militar.’’
Na verdade, a ausência de um sistema coerente de explicação do
desenvolvimento moral, que praticamente desaparece por detrás de um conjunto de
princípios excessivamente resumidos e desarticulados tem uma razão de ser. Ele não
embasa efetivamente os procedimentos sugeridos a partir do capítulo V, referentes à
avaliação, o que revela que a NDACA é, na verdade, uma norma voltada para a
avaliação. Ou seja, os princípios são referentes ao desenvolvimento, mas a maior parte
da norma é voltada para a avaliação.
Na parte diminuta voltada para o desenvolvimento, são mencionados os
documentos curriculares de planejamento do ensino e avaliação dos conteúdos
atitudinais - PLADIS, PLANID; os órgãos, agentes diretos e indiretos de ensino que são
responsáveis e suas atribuições; a preparação mínima da Seção Psicopedagógica em
relação aos tipos de avaliação prescritas na NAA.
Evidencia-se um alinhamento mínimo com as outras normas de ensino na forma
de diretrizes excessivamente simples e até simplistas que desconsideram as aporias e
limitações constitutivas do ato de avaliar. É o caso, por exemplo, das recomendações
sugeridas sobre a prática da auto avaliação: na auto avaliação: ‘’cabe à Seção
Psicopedagógica orientar os discentes quanto à importância de a realizarem com
consciência, para que realmente sirva de instrumento de acompanhamento de seu
desenvolvimento.’’
Se a parte referente ao desenvolvimento é precária e insuficiente, embora
minimamente ajustada às outras normas de ensino, do ponto de vista ideológico, relativo
à teoria do desenvolvimento moral, e da terminologia adotada, a parte concernente à
avaliação apresenta um caráter mais sistemático e tecnicamente superior à NECE.
87

Neste sentido, talvez seja mais pertinente comparar a NDACA com a NECE para
reconhecer os seus aspectos positivos.
Na NDACA, a redação é mais clara e são mencionados alguns princípios para
nortear os procedimentos e técnicas de avaliação, como os referentes à avaliação
formativa. Além disso, a NDACA sugere situações específicas de avaliação aos
docentes e à Seção Psicopedagógica.
O maior contribuição da NDACA consiste nas indicações para a construção das
escalas de avaliação dos conteúdos atitudinais, que são pormenorizadas, práticas e
operacionais, além de conter pautas descritivas dotadas de clareza, que expressam de
modo satisfatório as experiências mais recorrentes do cotidiano dos estabelecimentos
de ensino militar.
Apesar da sua justeza e pertinência, as escalas não materializam adequadamente
a pretensão de referir os conteúdos atitudinais aos contextos de emprego militar, sendo
ainda muito padronizadas.
No entanto, as escalas apresentam graduação de níveis de desempenho que se
afinam perfeitamente com as indicações da NAA sobre os critérios de desempenho, que
serviam para parametrizar resultados variáveis dos alunos no caso dos conteúdos
conceituais e atitudinais e procedimentais do tipo mais complexo, quando não é possível
a emissão de uma resposta comportamental única.
Na NDACA, a estes níveis de desempenho, foram associadas faixas de notas,
como já era utilizado no sistema de ensino antes da reforma das competências.
Este é um procedimento execrado universalmente por especialistas de ensino e
coordenadores, mas que continua a ser perpetuado no DECEx, que exige que a nota da
avaliação dos conteúdos atitudinais integre a nota final dos concludentes do curso,
influenciando a sua classificação.
Este aspecto colide frontalmente com os princípios de ensino dos conteúdos
atitudinais presentes no Anexo C das NCC de 2013 e 2104 e da própria NDACA, que
indica a interação social, o exemplo e a reflexão como formas adequadas para o
desenvolvimento moral.
Isto acontece porque, quando é inserida a nota da avaliação dos conteúdos
atitudinais na nota final do concludente, utiliza-se o reforço, reproduzindo-se o
receituário comportamental de educação moral proposto pela NECE e do currículo por
objetivos, e se descarta a participação do aluno na construção de seu próprio projeto de
88

formação moral, como preconiza o construtivismo, que é a base do modelo de ensino


por competências desenvolvido pelo EB.
3) Conceitos e Atividades de desenvolvimento de conteúdos atitudinais para o
ensino do EB na perspectiva do ensino por competências

Conforme foi afirmado acima, no contexto das sociedades contemporâneas,


marcadas pelo conflito de valores, onde ocorrem as novas hipóteses de emprego, como
as operações de apoio aos órgãos governamentais, é necessário que os militares
estabeleçam relações profissionais com grupos e instituições militares ou civis com
valores e atitudes que não correspondem exatamente aos padrões éticos aceitos na
Força Terrestre.

Deste modo, considera-se que é necessário intensificar no ensino militar os


dispositivos pedagógicos já existentes, estruturados pela tradição, no sentido de
desenvolver também as capacidades morais de cunho reflexivo e argumentativo dos
militares, indispensáveis para a ponderação dos aspectos éticos e afetivos relacionados
à multiplicidade de atores institucionais que atuam nos cenários em que se inserem
atualmente as operações militares.

Para tal, é preciso que a educação moral enfatize a categoria de caráter,


consciência ou personalidade moral, própria de um sujeito moral que decide e realiza
voluntariamente escolhas morais, e que toma decisões de cunho moral em situações
reais, permeadas pelo conflito de valores.

O caráter ou consciência moral realiza julgamentos e age no mundo em termos


do bem e do mal.

O caráter ou consciência moral opera através das suas capacidades morais, que
permitem ao indivíduo enfrentar situações moralmente controvertidas, marcadas pelo
confronto entre os valores. Constituem a inteligência ou o modo de raciocínio moral que
permitem ao indivíduo interpretar a e conduzir a própria vida a partir de valores.

Convém ressaltar que, na sociedade contemporânea, caracterizada pelo


acentuado policentrismo ético, já analisado no início deste trabalho, a construção do
caráter moral exige o enfrentamento constante de conflitos morais. Este fato revela a
necessidade de realizar uma preparação sólida e intencional do caráter moral, que
permita o diálogo do indivíduo consigo mesmo e com os demais para esclarecer melhor
89

os aspectos envolvidos nos problemas morais, marcados invariavelmente pelo conflito


de valores.

Na verdade, as capacidades morais são operações mentais que viabilizam a


avaliação moral de pessoas e situações e a construção pessoal de condutas morais.
Elas são operativas, manifestando-se no campo da ação prática, mas envolvem também
o manejo das ferramentas de reflexão e ação:

‘’A construção da personalidade moral não podem ficar sem


um conjunto de aquisições procedimentais. Referimo-nos à
formação daquelas capacidades pessoais de julgamento,
compreensão e auto regulação que permitirão o enfrentamento
autônomo com os conflitos de valor e as controvérsias não
resolvidas que perpassam a vida das pessoas e dos grupos nas
sociedades abertas, plurais e democráticas’’ (PUIG, 1996, p. 75).
São exemplos de capacidades morais: o autoconhecimento, que permite que o
indivíduo obtenha informações sobre o seu próprio modo de ser, sentir, pensar e a
empatia, que permite que o indivíduo compreenda os sentimentos e ideias das pessoas
(PUIG, 1998, p. 35).

O caráter moral opera também através das atitudes, que são padrões estáveis de
conduta moral, e dos valores, que são ideias éticas a partir das quais a realidade é
considerada em termos do bem e do mal.

As capacidades morais, atitudes e valores se desenvolvem na interioridade de


uma consciência ou personalidade moral que pensa e reflete por e através da
linguagem, reconstruindo de modo pessoal as regras sociais com que se defronta em
sua experiência. Deste modo, as regras sociais e os padrões culturais não são
internalizados mecanicamente pelos indivíduos, sendo, ao contrário, reestruturados e
reconstruídos por cada pessoa, que neles imprime a sua marca, uma vez que a moral é
‘’um produto cultural cuja criação depende de cada sujeito e do conjunto de todos eles’’
(PUIG, 1998, p. 70).
Ou seja, a construção da personalidade ou caráter moral depende de guias de
valores estabelecidos pela tradição e costumes, relacionados à justiça, liberdade,
igualdade ou solidariedade, com os quais é preciso organizar a convivência social em
bases mais harmônicas, mas que não são internalizados de forma reflexa e literal. Ao
contrário, a formação de uma autêntica consciência moral exige a construção
90

idiossincrásica da própria biografia como ‘’cristalização dinâmica de valores, como


espaço de diferenciação e de criatividade moral’’ (PUIG, 1998, p. 75).

Esta concepção de desenvolvimento moral não rompe apenas com o enfoque


externalista, de Skinner e Durhkeim segundo o qual a pessoa é determinada de fora
para dentro, a partir de estímulos sensoriais e da internalização dos padrões culturais.

Estabelece uma ruptura também com a abordagem solipsista e racionalista de


formação moral da pessoa, de extração piagetiana, segundo a qual o indivíduo percorre
necessariamente etapas de desenvolvimento cognitivo que implicam em determinadas
formas e estratégias de funcionamento e conduta moral.

Ao contrário, na perspectiva sócio construtivista, o desenvolvimento e a educação


moral são considerados aqui como um processo de construção dialógica da
personalidade moral em que se integram e negociam as diferentes vozes de uma cultura
determinada, mediados pela ação e decisão dos indivíduos que participam ativamente
de sua própria constituição enquanto sujeitos morais.

Aqui se destaca a contribuição de Jurgen Habermas ao pensamento ético


contemporâneo, ao postular a passagem ‘’do modelo kantiano de pessoa, do indivíduo
autolegislador que monologicamente justifica a universalização de seus critérios, a um
modelo de pessoa definido em função de suas competências comunicativas’’(PUIG,
1998, p. 101).

Deste modo, a construção do caráter, consciência ou personalidade moral


depende de uma série de fatores inter-relacionados: a decisão pessoal por um modo de
vida e de existência moral; o desenvolvimento das capacidades morais; a apropriação
dos valores e práticas morais oriundos de uma cultura determinada; os padrões morais
específicos da cultura onde o indivíduo se insere; as oportunidades sociais de expressão
e comunicação de valores por meio da fala e da interação com as pessoas.

Este último aspecto se remete ao papel de reelaboração e construção que a


linguagem realiza ao nomear e classificar os objetos da experiência, dentre os quais se
incluem as situações e elementos envolvidos nas situações morais. Neste sentido, o ato
de nomeação é também um ato de criação de uma realidade mental individual e coletiva.
Ele participa da realidade, porque estabelece os vetores básicos da experiência vivida.
91

No contexto escolar, a construção do caráter moral acontece de duas formas: no


âmbito das disciplinas escolares, a partir do ensino dos conteúdos atitudinais contidos
nos seus conteúdos; no âmbito das práticas morais realizadas na comunidade escolar
ou de vizinhança - a comunidade mais ampla onde se insere a escola.

No âmbito das disciplinas escolares, convém relembrar o fato de que as


tradicionais matérias de ensino podem ser classificadas, segundo os processos
psicológicos envolvidos em sua aprendizagem, transferência e retenção, nos chamados
conteúdos de aprendizagem: factuais, procedimentais, conceituais e atitudinais (COLL,
2000, p. 14).

O ensino escolar dos conteúdos atitudinais pode ser realizado com foco numa
disciplina especificamente voltada para isto, como no caso da disciplina de Liderança, ou
no âmbito de disciplinas que sejam centradas na aprendizagem dos outros tipos de
conteúdo - factuais, conceituais e procedimentais - com interface para os conteúdos
atitudinais.

O ensino dos conteúdos atitudinais no âmbito das disciplinas escolares obedece


aos seguintes princípios: aprende-se conteúdos atitudinais por meio da vivência pessoal,
bons exemplos e da reflexão sobre os valores.

O ensino escolar dos conteúdos atitudinais envolve a descoberta e exploração


dos universos éticos subjacentes a uma multiplicidade de disciplinas escolares, por parte
de docentes e discentes, que necessitam de uma análise detalhada, que ainda não foi
realizada, mesmo no ensino civil.

Este trabalho enfocou o ensino dos conteúdos atitudinais realizado a partir das
práticas morais, que são dispositivos institucionais, preservados pela memória social,
transmitidas oralmente e por escrito, que promovem a educação moral.

A categoria de prática moral se relaciona com as premissas sócio interacionistas


segundo as quais a aprendizagem ocorre por meio da mediação sociocultural, que
supõe que os artefatos culturais se interpõem entre o sujeito que conhece e o objeto a
ser conhecido, permeando as suas formas de compreensão e ação no mundo.

Desta forma, a cultura funciona como uma espécie de ferramenta psicológica,


‘’que não somente facilita a ação, mas pode transformar profundamente a estrutura das
funções mentais’’ (PUIG, 2004, p. 49).
92

As práticas morais são, então, um espaço de mediação cultural e de transmissão


social do conhecimento, estabelecido no campo da sociedade e da cultura, que se
manifesta como ‘’um curso de acontecimentos humanos, mais ou menos estabelecido
de antemão, do qual participam várias pessoas, em regime de co-implicação.’’ (PUIG,
2004, p. 58).

A prática moral bem sucedida deve encenar valores e encorajar determinadas


atitudes, ‘’pois as práticas são um caminho ou uma trilha de valores convertidas em
comportamentos’’ (PUIG, 2004, p. 58). Deve englobar, portanto, ações sociais, coletivas
ou individuais, que se repitam com frequência, permeadas por conceitos de valor,
normas, máximas morais, expressões linguísticas, rituais, modos de trajar, de falar,
dentre outros aspectos.

As práticas morais podem desenvolver a consciência moral, atitudes, capacidades


morais e valores por favorecerem a resolução dos problemas morais do modo já previsto
e culturalmente fixado, que pode ser apropriado pelo sujeito como uma ferramenta útil
que ele pode manejar para resolver os seus problemas de natureza moral.

Nas práticas morais, cada participante vai aprendendo os atos que deve realizar e
como deve entrelaça-los com os atos realizados pelos demais participantes, a fim de
confeccionar o curso de ações estabelecido pela prática moral. Desta forma, o
desenvolvimento das capacidades morais, assim como das atitudes, pode ser
compreendido como uma mudança na qualidade da participação na prática moral:
adquire-se maior desenvoltura e responsabilidade, e necessita-se menos de ajuda e de
orientações.

Além disso, as práticas morais incorporam valores durante a realização das ações
que as constituem, mas a sua incorporação ocorre somente na medida em que estes se
materializam nas atitudes dos discentes envolvidos na prática moral.

Por esta razão, as práticas morais são consideradas uma espécie de teatro das
atitudes, onde estas são encenadas, ensejando a internalização gradual e recriadora de
papeis sociais, com seus conhecimentos e valores.

Este teatro de atitudes funciona também como uma espécie de oficina moral,
onde interagem, com papéis distintos, o grupo de aprendizes e o especialista (o
docente), centrando-se em conteúdos significativos para o discente, que se baseiem em
93

situações reais.

Numa oficina moral, a prática moral provoca múltiplas interações, onde se fala e
se aborda o conteúdo concreto das atividades morais, consubstanciando uma das
principais diretrizes de execução das práticas morais: fazer e falar sobre o que se fez.

As oficinas morais também funcionam por meio de relações afetivas entre


discentes e docentes, que favorecem os processos de identificação pessoal e a
internalização e reconstrução de atitudes e valores, através dos bons exemplos, como já
foi dito.

Em síntese, afeto, fala e trabalho são os três vetores sobre os quais as práticas
morais se baseiam para produzir transformações nos aprendizes. Ou seja, as práticas
morais funcionam por meio de aspectos afetivos, linguísticos e operativos que
desencadeiam diversos processos de aprendizagem que permitem aos discentes um
domínio progressivo dos saberes morais implicados nestas práticas.

Alguns princípios devem ser seguidos para a realização eficaz das práticas
morais, afim de que não se tornem atividades burocráticas, esvaziadas de autêntico
sentido moral.

A este respeito, é necessário considerar a dimensão de rotina própria da vida


social, que costuma reduzir as emoções e sentimentos mais intensos, que imantam os
valores mais sublimados da vida coletiva, que se encarnam nas formas exuberantes de
liderança carismática, a uma escala mais reduzida de expressão ou ao mero
automatismo (WEBER, 1982).

Os princípios reguladores das práticas morais preconizam que o aluno participe


da construção de sua própria personalidade, consciência ou caráter moral.

Para tal, o docente deve exercer o papel de tutor, orientando os discentes,


concedendo-lhes espaço de fala, e de expressão, num sentido amplo, podendo utilizar
outras formas de linguagem, como a fotografia e o desenho. Além disso, a sua forma de
agir deve favorecer o desenvolvimento nos alunos de uma espécie de casuística moral -
um conjunto de capacidades e habilidades de análise e argumentação moral, exercida
no escrutínio das situações morais da vida cotidiana, à semelhança da casuística cristã
que emergiu das práticas do confessionário e da penitência, que se centravam na
interrogação prática, cotidiana, sobre a natureza do pecado.
94

Este docente deve evitar fazer ‘’sermões’’ - uma doutrinação moral monológica e
unilateral, na qual o aluno se limita a ouvir - porque aqui o aluno não é levado a refletir
sobre as implicações práticas das condutas morais impróprias que assume. Nesta
perspectiva, o docente deve questionar os alunos, exigindo que o discente argumente e
se justifique do ponto de vista moral. Deve também levantar objeções, confrontar as
opiniões dos discentes e estabelecer momentos em que ele realiza a síntese das
discussões éticas e dos resultados práticos das atividades pedagógicas.

Existem diversos tipos de práticas morais, que são distinguidos com uma
finalidade didática, mas que, na verdade, se integram e se superpõem em situação
escolar.

São práticas morais as práticas de reflexividade, as práticas de virtudes, as


práticas normativas e as práticas de deliberação.

As práticas de reflexividade são práticas morais que visam à objetivação e


expressão sincera de uma autoimagem e identidade do indivíduo, considerando o seu
presente e o seu passado. Podem proporcionar o desenvolvimento do autodomínio e do
planejamento, pelo discente, sobre o seu modo de ser e de viver.

Estas práticas são relevantes para a educação militar, pois esta enfatiza a
construção de identidades militares distintas em conformidade com os quadros, armas,
serviços ou especialidades, que diferenciam o indivíduo, em vários aspectos, de uma
identidade pessoal civil.

Neste sentido, como já foi analisado no início deste trabalho, o processo


educativo militar consiste precisamente em isolar o indivíduo do meio civil, por meios de
dispositivos disciplinares diversos, para favorecer um processo de construção de
identidade pessoal e coletiva marcada pela possibilidade real de enfrentamento da morte
(MAGALHÃES, 2015).

As práticas de reflexividade permitem que os discentes reelaborem a sua


identidade pessoal a partir do ato de narrar e respondem às ponderações e
interrogações de outrem, revendo posicionamentos pessoais e valores. Isto ocorre
porque, ‘’quando os indivíduos fazem escolhas morais e tomam decisões em suas vidas,
eles representam estas escolhas e decisões, e as dotam de significados, inicialmente,
narrando estórias a respeito delas.’’ (TAPPAN; PACKER, 1991, p.8, tradução nossa).
95

Nesta perspectiva, o ato de contar uma narrativa nunca é eticamente neutro,


servindo de inspiração ou exprobração moral, uma vez que materializa os valores em
ações práticas de pessoas situadas no tempo e no espaço, gerando transformações no
seu sentir e agir: “o julgamento moral não é eliminado, ele é sujeito às variações
imaginativas próprias da ficção’’ (RICOEUR, 1990, p. 194, tradução nossa).

São práticas de reflexividade a construção de relatos autobiográficos, as


atividades de auto avaliação de performances e a leitura e escuta de relatos biográficos,
incluindo testemunhos de militares mais graduados, além da utilização de excertos da
literatura de guerras.

Nas escolas militares, a Análise Pós-Ação (APA) dos aspectos morais envolvidos
nas atividades operacionais realizadas em campo podem ser consideradas também
exemplos de prática de reflexividade, a serem intensificadas e potencializadas por meio
de uma série de procedimentos didáticos.

Nas técnicas realizadas por meio da análise da imagem corporal, o discente


realiza comparações entre quem era e quem se tornou, analisando as suas mudanças
físicas e atitudinais.

Por exemplo, uma atividade de análise de fotografias de cadetes do curso básico


e do 1ª ano dos cursos, com preenchimento e exposição de resultados em um quadro
comparativo.

Nas técnicas de confecção de textos autobiográficos, o discente pode narrar a


própria experiência biográfica, realizando uma tomada de consciência sobre quem é
(identidade pessoal) por meio da narração de sua própria vida.

Esta atividade se justifica porque, ao analisar-se a si mesmo, o indivíduo refaz a


sua própria identidade pessoal, uma vez que o ato de narrar contribui na reconstrução
de sua identidade pessoal, gerando uma releitura de fatos e eventos relevantes no seu
percurso biográfico. Este processo de aprendizagem moral baseia-se no princípio de
que a narração de fatos da vida imita a vida real, que é permeada de valores, auxiliando,
portanto, os indivíduos a pensarem e a reestruturarem a sua própria orientação moral.

A narração pode ser realizada de duas maneiras: o indivíduo narra a sua própria
estória pessoal ou escuta a narração dos outros (real ou ficcional).

Por exemplo, pode ser realizada uma atividade de redação de sinopse sobre os
96

fatos mais marcantes da sua vida e a elaboração de uma linha do tempo de síntese,
demandando que o aluno estabeleça os momentos mais importantes da sua vida,
justificando-se adequadamente em 20 linhas e preenchendo uma tabela com a linha de
tempo (a tabela se encontra abaixo).

Tabela I da Linha do Tempo (individual)

DATAS FATOS SIGNIFICADO

Aos 7 anos Entrada na escola. Aprender a ler.

Aos 10 anos Nascimento do irmão. Adquirir responsabilidade.

Outro exemplo pode ser o relato de experiência de militar que realizou no curso
de Guerra Cibernética, estabelecendo aspectos positivos e negativos da realização do
curso em tela, para a sua vida pessoal e profissional:

Tabela explicativa das Práticas de Reflexividade

ASPECTOS POSITIVOS ASPECTOS NEGATIVOS

Ser um militar do tipo técnico, que desenvolva a atividade- Nem todo o mundo tem tanta capacidade técnica; é preciso conviver e
fim da Instituição, com estudo sistemático, por auto trabalhar com os outros e zelar para que os aspectos operacionais não
aperfeiçoamento. se percam.

Servir em unidades de Guerra Cibernética, em unidades


Desconectar-se um pouco da tropa convencional.
que realizam um trabalho estratégico para o Exército.

Nas atividades de planejamento pessoal, o discente pode estabelecer metas a


longo prazo de aperfeiçoamento pessoal. Por exemplo, na atividade de programação de
uma agenda sobre as suas características pessoais atuais e das metas de melhoria para
o futuro.

Por sua vez, as práticas de virtudes são atividades em que o discente realiza
atividades sociais que encarnam determinados valores e modos de ser, buscando
materializar um ideal de excelência humana. As práticas de virtude são, geralmente,
atividades cooperativas realizadas por diversos indivíduos que têm como objetivo
satisfazer uma necessidade social relacionada com a convivência, preservação da
97

memória institucional, atividade profissional, dentre outras.

Nas escolas militares, são exemplos de práticas de virtude a alternância, entre os


discentes, de funções de comando em diversas atividades, como as de xerife, que
realiza a condução do grupamento.

As práticas de virtude desenrolam-se a partir de ações e intercâmbios linguísticos,


que determinam que se deve ‘’fazer e falar’’. Elas favorecem a adesão a determinadas
capacidades, atitudes e valores, podendo ser potencializadas pelas práticas de
reflexividade e de deliberação, a fim de ensejar um processo de tomada de consciência
da pessoa sobre os valores.

Por exemplo, as formaturas são práticas de virtudes pois funcionam por meio de
um conjunto relativamente estável de gestos, palavras e ações, que representam
determinados valores ou idéias da instituição militar. O exercício de funções, a
participação em associações ou grêmios cívicos e a atuação como ‘’sombra’’ na
execução de atividades profissionais são também exemplos de técnicas de práticas de
virtudes.

As práticas de virtudes são utilizadas em espaços especificamente destinados


para estas atividades, como a marcha para o combate, ou no decorrer de outras
atividades de ensino, quando os discentes realizam alguma atividade social para obter
um resultado prático. Por exemplo, na organização e limpeza do seu alojamento.

Por sua vez, as práticas normativas são atividades nas quais o discente realiza
aprendizagens sobre normas e regras e suas formas de aplicação em situações sociais
específicas. Devem conter prescrições de como agir, dizendo sobre o que deve ou não
ser feito. Podem concretizar socialmente determinados valores, quando são aprendidos
por meio da utilização prática, em contextos significativos, através de relações afetivas
entre docentes e discentes, se aqueles atuarem como modelos morais.

As práticas normativas são aprendidas também através do ensino sistemático, em


disciplinas escolares e encontros informativos.

Nelas, a internalização das normas costuma ser parcialmente inconsciente,


estabelecida por imitação, mas a excelência na execução da norma pode ser
potencializada quando são estabelecidas atividades que favoreçam a tomada de
consciência, pelo discente, das condições de utilização da norma, ou seja, quando são
98

inseridas, no âmbito das práticas normativas, as práticas de deliberação e de


reflexividade.

As práticas normativas podem desenvolvem capacidades morais, como o


julgamento moral, a sensibilidade moral e auto regulação (disciplina consciente).

As práticas normativas utilizam técnicas como os encontros informativos, onde


os discentes tomam conhecimento de aspectos normativos da vida cotidiana da escola,
por intermédio de discentes mais antigos ou de oficiais mais graduados. Por exemplo, no
‘’bom dia’’ realizado nas organizações militares entre comandante e subordinados, onde
aquele estabelece ordens e orientações e toma conhecimento das necessidades da
tropa.

A ministração de disciplinas escolares também constitui-se como um locus para


as práticas normativas. Por exemplo, a disciplina de Direito Militar.

Pode-se citar ainda os encontros disciplinares, que são atividades em que os


discentes lidam com situações de punição ou recompensa. Por exemplo, a hora do pato,
que é tradicionalmente utilizada nas escolas militares, quando o aluno pode ser
confrontado às razões da sua punição.

Por sua vez, as práticas de deliberação são atividades em que o discente realiza
argumentações sobre o que é correto ou incorreto, justo ou injusto, e que desenvolvem
capacidades morais, tais como o julgamento moral, empatia e sensibilidade moral
(capacidade de indignar-se moralmente).

Neste sentido, a técnica dos dilemas morais pode auxiliar os discentes a


desenvolverem um método de pensamento para abordar as questões morais,
considerando os pontos de vista e interesses de todos os envolvidos, contribuindo,
portanto, para a estruturação do seu raciocínio moral.

As práticas de deliberação seguem o disposto por Jurgen Habermas para a


instauração de uma discussão: os discentes devem respeitar os diferentes pontos de
vista, tendo vontade de esclarecer a verdade moral da situação proposta e contribuindo
pessoalmente para a discussão moral.

Na verdade, as práticas de deliberação se baseiam na premissa de que a


sociedade atual, policêntrica, caracterizada pelo conflito entre as diversas esferas de
valor, disponibiliza diversas formas de vida e de valores, tornando necessário que os
99

indivíduos reflitam e tomem decisões sobre a maneira adequada de agir.

Assim sendo, as práticas de deliberação devem enfrentar manifestações variadas


de pensamento e ação social, buscando esclarecer os aspectos morais envolvidos em
temas típicos que têm interface com conflito de valores.

Por exemplo, em face de um fato institucional novo, como a inserção da mulher


no Exército Brasileiro, pode-se propor uma situação-problema que contenha um conflito
de valores por meio da discussão dirigida em grande grupo, relatando casos de exclusão
parcial da mulher militar das obrigações militares, como a escala de serviço.

A técnica dos dilemas morais é aqui utilizada, levando os alunos a se


confrontarem com as situações reais da vida militar, que se caracterizam pelo conflito de
valores. Aqui, os aspectos morais contidos em uma situação-problema contextualizada
na sua vida pessoal e profissional servem para que o discente seja confrontado a vários
pontos de vista. Supera-se, então, o ponto de vista pessoal, unilateral, que era defendido
inicialmente, pelo indivíduo. Neste caso, os valores se tornam, por meio da execução do
procedimento didático de exame de dilemas morais, exteriorizados e objetivos, e, por
isso mesmo, passíveis de retificação e mudança.

Nesta perspectiva, as práticas de deliberação são necessárias para preparar os


discentes para enfrentar as condições reais da profissão militar, onde raramente a
tomada de decisão não implica sacrifícios pessoais e institucionais. Visam também a
desenvolver nos alunos, a partir também da experiência militar de instrutores e de outras
autoridades, uma espécie de sabedoria militar, que ensina a viver de modo adequado na
instituição militar, cumprindo as missões da melhor maneira possível, mesmo em
condições adversas.

Outra técnica própria das práticas de deliberação é o exercício de Role Playing,


que são atividades de dramatização em que os discentes se alternam em diversos
papéis sociais, debatendo sobre os pontos de vista envolvidos na situação descrita. Por
exemplo, a dramatização de uma situação de tiragem de serviço, em que os discentes
alternam os papéis de Comandante do Corpo da Guarda e de Sentinela.

As práticas de deliberação podem ser utilizadas no interior de outras práticas


morais, como as práticas normativas.

Convém ressaltar ainda o fato de que as práticas de deliberação e reflexividade


100

são as mais raras dentre as práticas morais que predominam nas instituições educativas
militares atualmente, e que sua inserção contribuiria para o incremento das capacidades
argumentativas e reflexivas que são necessárias atualmente no contexto de uma
sociedade marcada pelo policentrismo ético e das demandas das novas hipóteses de
emprego, que exigem precisamente o enfrentamento eficaz dos conflitos de valores em
cenários complexos, com uma multiplicidade de atores institucionais, com motivações
ideológicas diversas.

É preciso salientar ainda o fato de que a estruturação das práticas morais em


situação escolar ocorre no contexto de uma comunidade moral, que consiste no
ambiente institucional onde se desenrolam as práticas morais, estabelecendo uma
estrutura específica de valores e ações. Neste sentido, a comunidade moral é um
espaço social que dispõe a coletividade e a cultura como a principal referência para as
pessoas determinarem as suas ações de natureza moral.
101

3. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Este estudo situou a educação moral militar na paisagem axiológica da sociedade


contemporânea, marcada pelo pluralismo ético, utilitarismo, individualismo e pela crise
da autoridade. Caracterizou também os seus atuais desafios - as demandas das novas
hipóteses de emprego - que exigem dos militares mais do que a obediência literal a
normas e regras de conduta que tem sido enfatizada pelas formas modernas de
educação moral consuetudinária, consubstanciadas na pedagogia do guerreiro.

Este estudo também realizou também um diagnóstico do estado de arte das


normas de ensino do DECEx, dentre as quais se incluem a Portaria n˚12 e a NECE, no
horizonte das reformas de ensino mais relevantes que marcaram a história do ensino do
EB nos séculos XX e XXI.

Neste sentido, este trabalho caracterizou a NECE e mesmo a NDACA como


marcos normativos ainda marcados pelo modelo de educação moral consuetudinária,
sob a influência da abordagem comportamental e das formas tradicionais de
socialização militar, apesar da inserção de conceitos e procedimentos didáticos da
Escolanova ter acontecido, em diferentes momentos da história do ensino do EB.

Assim sendo, este estudo propôs a inserção de conceitos e práticas de educação


moral mais afins ao construtivismo, congruentes com as outras normas de ensino por
competências vigentes no DECEx: a mudança de foco da avaliação dos conteúdos
atitudinais moral para as ações de desenvolvimento do caráter moral, além da
atenuação e racionalização criteriosa dos dispositivos de punição e recompensa que
enfatizam exclusivamente a consolidação de hábitos ou condutas morais exteriores e
observáveis.

Este estudo propôs ainda a inclusão de mais espaços de fala para os discentes e
de expressão da experiência pessoal, por parte de instrutores e docentes em situações
de proximidade, com o intuito de favorecer o desenvolvimento dos vínculos de empatia e
de influência pessoal, que são essenciais no desenvolvimento dos conteúdos atitudinais.

Neste sentido, este estudo considerou que é necessário instaurar, no ensino


militar, dispositivos pedagógicos que visem ao desenvolvimento do exercício de
capacidades morais de cunho reflexivo e argumentativo dos militares, e que ponderem
os aspectos éticos e afetivos relacionados à multiplicidade de variáveis e atores
102

institucionais que incidem nos cenários onde se inserem atualmente as operações


militares.

Finalmente, baseando-se na abordagem sócio construtivista de desenvolvimento


moral, este estudo elaborou um conjunto diversificado de atividades pedagógicas de
desenvolvimento de conteúdos atitudinais, que incorporam, aperfeiçoam e ampliam
alguns procedimentos didáticos e dispositivos institucionais já vigentes em instituições
educativas militares, tais como as práticas de virtude, as práticas de reflexividade, as
práticas de deliberação e as práticas normativas.
103

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