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Rio de Janeiro
2015
Cap QCO SUZANA MARLY DA COSTA MAGALHÃES
Rio de Janeiro
2015
Cap QCO SUZANA MARLY DA COSTA MAGALHÃES
Aprovado em
COMISSÃO DE AVALIAÇÃO
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___________________________________________
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2015
CDD :355.7
Aos militares e civis que apoiaram o meu trabalho e
me ajudaram a compreender e a valorizar as
instituições educativas do Exército Brasileiro.
RESUMO
Since 2010, the DECEX began teaching deployment process competency, not including
guidelines or development strategies of attitudinal content, which is not consistent with
the approach/methodology of teaching competency, constructivist, of the rest of the
normative corpus DECEX, approved in 2013. Thus, this study proposes development
activities of attitudinal content for teaching within the Brazilian Army, from examples
taken from a training course of the defense line. To do this, we conducted a literature
review on the situation of moral education in contemporary society, emphasizing the
crisis of values in the field of ethics and morality. Then analyzed the moral education held
in military institutions, responsible for the formation of a sensitivity and vision of the
military world. Then a historical perspective, described the main educational models that
underpin the moral education of DECEX through desk research of some standards and
textbooks. This comprehensive analysis of moral education in military institutions in
general and in DECEX, ground a proposal for development of attitudinal content in
schools. Finally, this work has produced practical examples of moral practice to a training
course of the defense line.
EB Exército Brasileiro
OM Organização Militar
PD Padrão de Desempenho
PP Programa-Padrão
1. INTRODUÇÃO......................................................................................................13
1.1 PROBLEMA..........................................................................................................14
1.2 OBJETIVOS..........................................................................................................15
1.5 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................20
2. DESENVOLVIMENTO.............................................................................................21
3.CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES................................................................101
REFERÊNCIAS.........................................................................................................103
13
1. INTRODUÇÃO
1.1 PROBLEMA
1.2 OBJETIVOS
1. 4 METODOLOGIA
a. Fontes de busca
c. Critérios de inclusão:
d. Critérios de exclusão:
Quanto à natureza, o presente estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa do tipo
aplicada, por ter por objetivo gerar atividades para aplicação prática em contexto escolar
dos princípios do ensino por competências relacionados à área de ensino dos conteúdos
atitudinais. Os exemplos práticos das atividades pedagógicas foram limitados ao curso
de formação militar da linha bélica, com o qual a autora teve contato institucional regular,
quando participou do processo de implantação do ensino por competências ao longo do
ano de 2012, como membro do Comitê de Implantação do Ensino por Competências do
DECEx. Por tratar-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, e carecer de uma
experimentação de campo, a investigação foi limitada pela impossibilidade de se validar
os resultados pela execução dos procedimentos didáticos sugeridos no contexto de um
Estabelecimento de Ensino (Estb Ens) militar, por meio de uma pesquisa qualitativa de
avaliação curricular.
20
1.5 JUSTIFICATIVA
2 DESENVOLVIMENTO
Para discutir tais aspectos, abordando as bases teóricas mais relevantes para a
presente pesquisa, esta seção foi dividida nos seguintes tópicos: Desenvolvimento
moral e educação moral; A situação atual da educação moral: a crise dos valores; A
educação moral própria do ensino militar; Desafios éticos do ensino militar no século
XXI: as demandas das novas hipóteses de emprego; Proposta de desenvolvimento de
conteúdos atitudinais para o Exército Brasileiro na perspectiva do ensino por
competências.
1
Modelo é uma configuração ou um conjunto de representações sobre um tema determinado, que permite
situar uma ação ou os princípios que regem uma ação. O modelo engloba também as concepções e
interpretações particulares sobre algo, que podem ser implícitas ou explícitas: ‘’um modelo ‘existe’ sob
diferentes facetas: implícito ou explícito, instituído (como a pedagogia diferenciada) ou consuetudinário
(pedagogia tradicional), sob forma de organização, de métodos, de procedimentos, de material, sob a
forma de representações individuais ou sociais invocadas para a descrição dos projetos ou das práticas.’’
(MORANDI, 2002, p. 141). Neste sentido, o modelo de ensino consiste num conjunto de concepções e
práticas educacionais no campo do currículo, didática e avaliação, estruturado ao longo do tempo,
23
A Ética é um ramo da Filosofia que elabora uma teoria sobre o bem e o mal,
analisando os fundamentos últimos da moral. Assim sendo, a Ética desconstrói as
regras de conduta que integram a moral das pessoas, demonstrando o processo e a
Por sua vez, a moral se concretiza nas formas de ação social elaboradas pela
sociedade e pela cultura, sendo analisada a partir dos conceitos e métodos das ciências
sociais, como a Sociologia e a Antropologia, além da Ética.
3
Depreende-se por Modernidade a organização social instaurada no Ocidente a partir do final da Idade
Média (século V-XIV) que funciona sob a égide da racionalização social, centrada no ethos de otimização
dos meios para a consecução eficaz dos fins. No campo político, a Modernidade se manifesta no Estado
nacional, laico, como instância provedora de serviços e controle, baseado no poder militar permanente, no
monopólio da legislação e no sistema tributário centralizado, e que progressivamente vai ser legitimado
pelas bases por consenso social, através da representação política. A este respeito, ver: FREUND, Julien.
Sociologia de Max Weber. Rio de Janeiro: Forense Universitária: 1987, p.105-111.
26
4
A este respeito, ver: MAGALHÃES, Suzana Marly da Costa. Pedagogia do Guerreiro: IN: Revista de
História da Biblioteca Nacional. Educação: tudo sob controle? Ano 10; n˚120, setembro, 2015, p.24-25.
30
moderno, que estruturou campos de força por meio de campos simbólicos no sentido de
controlar e reprimir a expressão dos instintos pela pessoa, que anteriormente eram
expressos de modo espontâneo (ELIAS, 1994, p. 191).
5
A este respeito, ver: CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002.
31
Na guerra convencional, o valor combativo de uma tropa podia ser aferido a partir
do modo como se portava em forma (VISACRO, 2009, p. 38).
A guerra convencional, realizada pela 1º Guerra Mundial (1914-1918),
caracterizava-se pela ascendência do sistema de apoio de fogo sobre a manobra,
sensível defasagem entre a tecnologia e a tática e perda da mobilidade tática. Seguia
também padrões estritos de planejamento e execução, pois se mantinha ainda o
controle dos escalões superiores, concedendo-se limitada autonomia decisória a oficiais
intermediários, subalternos e praças. Sua educação moral apresentava as seguintes
características: estranhamento do meio civil, sensação de desconforto pela falta pessoal
32
Este modelo de educação moral militar funcionava com interface com uma forma
de comando e controle de caráter que limitava o exercício da tomada de decisão pelas
praças, oficiais subalternos e oficiais intermediários, tornando desnecessária a
compreensão mais acurada dos cenários de conflito, e estrita a obediência às ordens
emanadas do escalão superior.
6
A este respeito, ver: BERTAZZO, Juliana Santos Maia. Papéis militares no Pós-Guerra fria: a perspectiva
do Exército brasileiro. Dissertação apresentada na Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP –
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH, 2005.
35
O T&D funcionou durante a Era Industrial como uma sistemática viável para
preparar as pessoas para o desempenho em seus cargos em um mundo onde havia
transformações, mas onde ainda se impunham atitudes conservadoras e de manutenção
do status quo. Deste modo, o T&D era, por sua própria natureza e configuração, quase
sempre local, tópico, just-in-time, reativo, micro orientado e agregador.
Outro aspecto que favoreceu a demanda por este novo tipo de trabalhador foi a
inovação tecnológica acelerada, que exigia a aprendizagem continuada de novos
conhecimentos e tecnologias.
7
‘’A gestão do conhecimento refere-se à criação, identificação, integração, recuperação, compartilhamento
e utilização do conhecimento dentro da empresa. Está voltada para a criação e organização de fluxos de
informação dentro e entre os vários níveis organizacionais, para gerar, incrementar, desenvolver e
partilhar o conhecimento dentro da organização, sobretudo para incentivar trocas espontâneas de
conhecimento entre as pessoas’’ (CHIAVENATO, 2009, p. 123). A gestão de conhecimento inclui a
documentação de sistemas e de processos, treinamento, comunicação organizacional, informações de
suporte à decisão, tecnologia da informação, marketing, recursos humanos, data warehouse, intranet,
internet, ambientes de hardware e software, dentre outros. Em síntese, a Gestão de Conhecimento
consiste num amplo processo organizacional que envolve a criação de conhecimento, memória
organizacional, mapeamento, integração e disseminação do conhecimento existente e a sua aplicação
adequada.
8
A Aprendizagem Organizacional consiste numa abordagem própria da Educação Corporativa e das
novas Teorias das Organizações que consideram que o espaço de trabalho é um espaço permanente de
aprendizagem. Neste sentido, foi criado o termo das organizações de aprendizagem, que contesta as
tradicionais fronteiras horizontais, funcionais ou divisionais (departamentos e divisões estanques), e as
fronteiras verticais (hierarquia) que inibem a cooperação, o compartilhamento de recursos e o debate
interno que favorecem a aprendizagem de novas competências. Para criar uma organização que aprende,
as empresas dependem de estilos de liderança mais democráticos e participativos e de ferramentas
eficazes de gestão de conhecimento e de sistemas de mapeamento e capacitação em competências, que
explicitem as capacidades existentes na organização, para que possam ser utilizadas de modo adequado.
39
9
No Toyotismo, que se centra no trabalho em equipe, uma das configurações surgidas no âmbito do
capitalismo globalizado, que supera a divisão rígida entre supervisão e execução, é o engajamento da
subjetividade do trabalhador: ‘’o operário é encorajado a ‘pensar proativamente’, a encontrar soluções
antes que os problemas aconteçam (....) cria-se, consequentemente, um ambiente de desafio contínuo,
em que o capital não dispensa, como fez o fordismo, o ‘espírito’ operário (ALVES, 2000, p.55).
10
Embora o construtivismo não seja uma teoria de ensino, mas uma vertente da psicologia da
aprendizagem e do desenvolvimento, tem influenciado grande parte das tomadas de decisão curriculares
e instrucionais que ocorreram no campo da educação profissional e nos órgãos internacionais de
Educação e desenvolvimento econômico. Tem respaldado também as diretrizes implementadas no âmbito
dos sistemas nacionais de ensino. Neste sentido, pode-se relacionar o construtivismo ao advento das
chamadas pedagogias psicológicas, que se aplicam ‘’aos processos intraescolares de ensino e
aprendizagem (cada vez menos de ensino e mais de aprendizagem), quanto aos processos mais globais
de justificação e organização da ação educativa, nas mais diversas expressões, compondo o discurso
educacional contemporâneo ou, como alguns preferem tratar, a retórica reformista contemporânea’’
(DUARTE, 2000, p. 10).
40
Esta primeira sistematização das competências teria como pontos fracos uma
definição excessivamente ampla e indeterminada da competência, a falta de clareza na
distinção entre competências centrais e mínimas. Além disso, faltava-lhe a dimensão
prospectiva, que é fundamental para flexibilizar os processos de formação de mão de
obra em face de uma análise de cenários que indica determinadas tendências de
desenvolvimento futuro.
11
A contribuição de McClelland consistiu, sobretudo, no questionamento do enfoque do ensino tradicional
segundo o qual os tradicionais exames acadêmicos, os conhecimentos, os graus e os diplomas não eram
fatores suficientes para garantir o êxito no trabalho e em outras situações da vida, sendo utilizados com
frequência para discriminar minorias étnicas, mulheres e outros grupos mais vulneráveis no mercado de
trabalho.
41
dessa competência individual continuava a ser feita com base no conjunto de tarefas do
cargo ou posição ocupada pela pessoa, como na era industrial, marcada pelo Fordismo
e Taylorismo.
Esta abordagem foi endossada por vários autores e metodologias voltadas para a
elaboração de currículos na educação profissional12, só sendo superada com a
emergência da matriz funcionalista de investigação dos processos de trabalho.
12
Neste sentido, nos Estados Unidos, foi estruturado um grupo de competências elaborados pela
Secretary’s Commission on Achieving Necessary Skills - SCANS, por meio das entrevistas e discussões
com amplo grupo de informantes-chaves do mundo empresarial, sindical, da educação, das universidades
e especialistas. Dentre as competências, foram destacadas aquelas relacionadas à gestão de recursos
(tempo, dinheiro, materiais e distribuição, pessoal), às relações interpessoais, como trabalhar em equipe,
ensinar aos outros, realizar serviços ao cliente, liderança, saber negociar e trabalhar com diversas
pessoas, dentre outras. Dentre os fundamentos, foram selecionadas as habilidades básicas, relacionadas
à leitura, redação, aritmética e matemática, expressão e capacidade de escutar, além das atitudes
analíticas, como pensar criativamente, tomar decisões, solucionar problemas, processar e organizar
elementos visuais, saber aprender e raciocinar e as qualidades pessoais, como a responsabilidade e
autoestima. (LOPES, 2005, p. 80).
42
13
‘’Conforme IRIGOIN E VARGAS (2002), os principais passos do processo do SCID são: a fase de
análise ocupacional, realizada por intermédio do DACUM, ocasião em que são selecionadas as tarefas
para a capacitação e estabelecidos os conhecimentos básicos necessários para efetuar as tarefas; o
período do desenho do programa de capacitação, onde são estabelecidos os objetivos de aprendizagem e
43
16
‘’As perguntas devem ajudar a decodificar informações, a definir quais são os problemas a serem
resolvidos, a analisar, a realizar inferências, a comparar, a levantar hipóteses, a classificar, a definir regras
e princípios e a transferir aprendizagens com o estabelecimento da relação entre a situação atual e as já
vivenciadas.’’ (SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL. Departamento Nacional.
Norteador da Prática Pedagógica: Formação com Base em Competências. Brasília: SENAI/DN, 2004, p.
22.)
17
SERVIÇO NACIONAL de APRENDIZAGEM INDUSTRIAL. Departamento Nacional. Norteador da
Prática Pedagógica: Formação com Base em Competências. Brasília: SENAI/DN, 2004, p. 40.
46
18
As atividades laborais exigem frequentemente a manifestação de capacidades e a aquisição de
habilidades motoras, sensoriais, cognitivas, que incluem memória, atenção, avaliação sistemática do
ambiente e outras habilidades viso espaciais, verbais e de processamento de informações, tomadas de
decisão e resolução de problemas, que devem se processar de modo dinâmico. A este respeito, ver:
BALBINOT, Amanda B; ZARO, Milton A.; TIMM, Maria I. Funções psicológicas e cognitivas presentes no
ato de dirigir e sua importância para os motoristas no trânsito. Ciências & Cognição, 2011; Vol 16 (2): 013-
129.
48
Para tratar de uma Tratamento de Uma atividade A identificação de A representação da Um tipo definido
situação situações complexa uma situação- situação pelo sujeito de situação
problema e sua
resolução
Com sucesso Exercer um Exerce eficazmente Uma ação eficaz Responder de modo Agir de modo
papel, uma uma atividade pertinente às eficaz
função ou demandas da
atividade representação que
construiu da
situação
19
Esquemas são um conjunto de traços que definem uma ação: ‘’as características que permitem repetir a
mesma ação ou aplica-la a novos objetos.’’ (SALVADOR, César Coll. Psicologia da Educação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1999, p. 88). A estrutura é composta por um conjunto mais ou menos integrado de
esquemas.
50
20
A este respeito, ver: MOTTA, Jeovah. Formação do oficial do Exército. Rio de Janeiro: BIBLIEX Editora,
2001.
21
Por Escolanova, depreende-se um movimento pedagógico que enfatiza a adequação do currículo e da
didática às capacidades, necessidades e interesses dos alunos, valorizando as contribuições das
Ciências da Educação, e, em particular, da Psicologia, visando ao desenvolvimento pleno das
capacidades e habilidades e atitudes dos alunos em detrimento da aprendizagem estanque de conceitos.
A Escolanova se contrapõe ao ensino tradicional, propondo os métodos ativos, centrados no aluno, a
aprendizagem prática, a avaliação qualitativa e processual, a integração entre trabalho e educação, a
escola e a comunidade, realizada no campo curricular, trazendo os temas e problemas da vida cotidiana e
do mundo do trabalho para o currículo escolar. A Escolanova apresenta vertentes empiristas, que
52
consideram que o conhecimento é construído de fora para dentro, a partir de sensações ou estímulos; e
vertentes construtivistas, que enfatizam os dois polos da relação sujeito-objeto, como instâncias que
interagem na estruturação do conhecimento, a saber, a experiência do meio e as estruturas mentais dos
alunos, que se transformam em conformidade com determinados mecanismos mentais, processando a
experiência.
22
A influência alemã provinha dos ‘’Jovens Turcos’’, que tinham sido enviados à Alemanha em 1919, na
chamada ‘’Missão Indígena’’, tendo atuado como parte do mesmo projeto de modernização do Exército, a
reboque do fortalecimento do Estado-Nação e de seu projeto desenvolvimentista. Eles organizaram a
revista A Defesa Nacional em 1913, criaram disciplinas de preparação profissional nas escolas de
formação militar e atuaram em campanhas que apoiavam o serviço militar obrigatório.
53
Este Manual defendia outro princípio escolanovista, segundo o qual ‘’o principal
critério para ordenar os assuntos consiste em pô-los de acordo com mentalidade e o
grau de percepção dos instruendos’’ (BRASIL, 1955, p. 20).
A legislação de ensino mais antiga que consta nos arquivos do DEP é de 1961: as
Normas Técnicas para Organização, Aplicação e Correção de Provas, do Departamento
de Ensino e Pesquisa (DEP). Este documento estabeleceu as normas técnicas para
organização, aplicação e correção de provas, constituindo a evolução das Normas para
Medida da Aprendizagem, baixadas em 1957, que incorporava a experiência da extinta
Diretoria Geral do Ensino (DGE), e de seus estabelecimentos de ensino.
Esta norma se contrapôs moderadamente ao ensino tradicional:
‘’o ensino tradicional é particularmente válido sempre que se
trata da verificação de determinados aspectos da aprendizagem,
tais como a capacidade de selecionar, organizar e relatar
54
23
‘’Exemplo: Enumere os presidentes da República que foram militares.’’ BRASIL. Ministério do Exército.
Departamento de Educação e Pesquisa. Normas Técnicas para Organização, Aplicação e Correção de
Provas. 1961, p. 11.
55
Com efeito, após 1989, com o fim da Guerra Fria (1945-1989), as demandas da
racionalização burocrática, em face da crise fiscal do Estado, o incremento do fator
tecnológico da guerra e as novas hipóteses de emprego da Força Terrestre
engendraram precisamente situações complexas e imprevistas, cujo enfrentamento
exigia a mobilização eficaz de conhecimentos, habilidades e capacidades cognitivas
polivalentes de abstração e de resolução de problemas.
A partir da análise dos documentos citados, é possível elencar, além das suas
intenções formalizadas, uma série de diretrizes para a prática educativa, tais como o
estabelecimento do “core”: o núcleo de conhecimentos indispensáveis em um currículo.
Com efeito, a definição do "core" se justificava na sociedade contemporânea
caracterizada pela volatilidade dos conhecimentos e valores:
24
Compreende-se por Escolanova o paradigma pedagógico que enfatiza a adequação do currículo e da
didática às capacidades, necessidades e interesses dos alunos, valorizando as contribuições das
Ciências da Educação, e, em particular, da Psicologia, visando ao desenvolvimento pleno das
capacidades e habilidades e atitudes dos alunos em detrimento da aprendizagem estanque de conceitos.
A Escolanova se contrapõe ao ensino tradicional, propondo a realização de trabalho de grupo, a avaliação
qualitativa e processual, a integração entre trabalho e educação, a escola e a comunidade.
58
25
Capacidade de análise, síntese, planejamento da ação e abstração.
59
26
A este respeito, ver: MAGALHÃES, S. M. C. O Processo de Modernização de Ensino no Exército
(PME): um estudo sobre as práticas de deliberação na implantação de uma reforma de ensino. In: VI
Encontro Nacional de Estudos de Defesa, 2012, São Paulo. Anais do VI Encontro Nacional dos Estudos
de Defesa, 2012.
27
A este respeito, ver: LOUREIRO, Maria Rita; ABRUCIO, Fernando Luiz; PACHECO (Org). A formação
da burocracia brasileira: a trajetória e o significado das reformas administrativas IN: Burocracia e política
no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
28
Compreende-se comunidade epistêmica como uma rede de profissionais de um determinado campo de
estudo que compartilham princípios, práticas, valores e conhecimentos tácitos. A este respeito, ver: HAAS,
Peter. Introduction: Epistemic Communities and International Policy Coordination. International
61
Organization, Vol. 46, No. 1, Knowledge, Power, and International Policy Coordination. (Winter, 1992), pp.
1-35.
29
Existia o grupo mais ‘’ortodoxo’’, que trabalhava no sentido de eternizar o legado do PME, mantendo
conceitos e práticas educativas que o precederam, como a Taxionomia de Bloom; o grupo ‘’moderado’’,
que assumia uma posição progressista, considerando o PME como um legado que deveria
constantemente atualizar-se, incorporando as contribuições científicas mais recentes, consideradas
válidas pela instituição militar; um grupo mais radical, no CEP, marcadamente anti tecnicista que
incorporava contribuições oriundas das ciências sociais e dos fundamentos da educação, com foco na
Sociologia e História da Educação, mais voltado para a explicação e compreensão do sistema de ensino
do DECEX, desvinculando-se dos aspectos operacionais do currículo e das práticas de ensino militar.
30
As políticas públicas são construídas por meio de um ciclo que compreende as seguintes etapas:
planejamento, execução, avaliação. O documento que realizou a avaliação do PME foi o seguinte:
MINISTÉRIO DA DEFESA. EXÉRCITO BRASILEIRO. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E PESQUISA.
O Processo de Modernização de Ensino: diagnóstico, rumos e perspectivas. 2008.
62
31
O PME foi um movimento endógeno, elaborado e implantado pelo próprio Exército, sem ingerência da
sociedade civil ou do Governo Federal. A este respeito, ver: MAGALHÃES, S. M. C. O Processo de
Modernização de Ensino (PME) no Exército Brasileiro (EB): um estudo das concepções programáticas e
representações sobre a necessidade da reforma de ensino. In: V Encontro Nacional da Associação
Brasileira de Estudos de Defesa, 2011, Fortaleza. Anais do V Encontro Nacional da Associação dos
Estudos de Defesa, 2011.
63
32
Parece ser o caso do exército chileno e português, onde se procedeu, sobretudo, à sistematização da
metodologia de mapeamento de competências. A este respeito, ver: PORTUGAL. MINISTÉRIO DA
DEFESA. EXÉRCITO PORTUGUÊS. Levantamento de competências. Manual metodológico. 2007. Neste
documento, manifesta-se uma dificuldade de passar do levantamento das competências para a construção
do currículo e elaboração de uma sistemática de avaliação. Apesar disso, os critérios de desempenho
substituem a taxionomia dos objetivos educacionais, o que representa um avanço em termos de uma
substituição eficaz do currículo por objetivos.
33
CHILE. EJÉRCITO DE CHILE. COMANDO DE EDUCACIÓN Y DOCTRINA. DIVISION DE
EDUCACIÓN. Perfil de egresso. Matriz de competências para oficiales del arma de infantería. Diagrama
Modular. 2010
64
Ambas não geraram resultados práticos em termos sistêmicos, pois não foram
disseminadas para os estabelecimentos de ensino nem geraram normas de ensino.34
Não chegaram a elaborar metodologias de construção curricular nem modelos de
avaliação. Por exemplo, o PDCEM se assemelhava a um parâmetro curricular,
estabelecendo princípios pedagógicos, dentre os quais estava o ensino por
competências.
34
A este respeito, ver as minutas de dois documentos que não chegaram a ser aprovados pelas
autoridades competentes no âmbito do DECEx: CHERNICHARO, Edna de Assumção Melo. Evolução do
Ensino Militar: há necessidade de atualização? Estudo sobre competências. DEP - Departamento de
Ensino e Pesquisa, 2005; Plano de Desenvolvimento da Cultura e do Ensino Militar (PDCEM). DECEX.
2009.
65
Este processo político que auxiliou a construir, pela primeira vez na história do
sistema de ensino do DECEx, metodologias de ensino a partir da base - os
estabelecimentos de ensino - foi a sua principal força, porque a gestão compartilhada da
reforma ensejou a ampla legitimação da reforma por gestores e instrutores do sistema
de ensino, além de gerado ganhos técnicos consideráveis na estruturação de
ferramentas flexíveis e adaptadas às concepções epistemológicas de instrutores e
docentes e às práticas de ensino consuetudinárias das escolas.
Mas este processo político descentralizado, ancorado na base, foi também a sua
maior fraqueza. Fragilizou o Comitê Técnico responsável diante da alternância de
comando nas escolas e, principalmente, nas diretorias subordinadas que os haviam
apoiado inicialmente. Então, à medida que foi elaborado e entregue o arcabouço
normativo de encomenda, o pêndulo do poder político deslocou-se para o DECEx e para
a chefia das seções de ensino das diretorias subordinadas, desfazendo a aliança
efêmera entre os especialistas de ensino e as equipes técnicas das escolas e o seu
protagonismo na implantação da reforma de ensino.
66
35
Foi utilizado um esboço de mapa funcional, que incluía competências principais, unidades e elementos
de competência. O único mapa funcional produzido, do curso de formação de oficiais da linha bélica,
apresentava erros técnicos graves, relacionados à decomposição lógica das competências, e à mistura
indevida com partes da documentação curricular propriamente dita, como o Plano Integrado de Disciplina
(PLANID), que foi inserido no mapa funcional. Não havia situação integradora como corolário do módulo, o
que comprometia as possibilidades de integração estrutural de conhecimentos disciplinares e a sua
mobilização em contextos de ação profissional. Além disso, ao invés de se centrar na unidade de
competência como fulcro do módulo e da situação integradora, o que condiz com a natureza o ensino
militar, que é um tipo de ensino profissional, que se relaciona, portanto, com a atividade de trabalho, a
proposta curricular enfocada se inspirava nos eixos de integração, mais afins aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), direcionados para a educação básica, que dispõem, na proposta atinente ao ensino
fundamental, os temas transversais como eixos norteadores das disciplinas. Finalmente, considerando
que os instrutores e os docentes não eram, na maioria dos casos, graduados em Pedagogia e em áreas
de magistério, a quantidade de documentos curriculares era excessiva e favorecia a burocratização
35
excessiva da atividade de ensino.
67
36
Neste documento, foram divididos dois grupos: o GT 1, constituído de três oficiais do Quadro
Complementar de Oficiais, da área de Pedagogia, do DECEx, DESMIL e DETMIL, e um oficial técnico-
temporário da área de Pedagogia, do CEP, responsáveis pelas áreas de currículo, avaliação e
capacitação docente, no que concerne à elaboração de normas de ensino e ao planejamento e execução
da formação de professores; o GT 2, constituído por dois oficiais superiores da linha bélica e um do
quadro complementar de oficiais, da área de Biologia e Psicologia, responsáveis pela elaboração do Plano
de Desenvolvimento dos Aspectos Atitudinais e Valores nos Estabelecimentos de Ensino, do Caderno de
Orientação Básica e do Caderno de Orientação Básica de Simulação dos estressores de combate. A
autora deste estudo integrou o GT 1, sendo responsável pela área de avaliação, Cumpre ressaltar o fato
de que o GT 1 não trabalhava de modo estanque, tendo realizado um trabalho orgânico nas três áreas
assinaladas, incorporando ainda as contribuições das equipes técnicas dos estabelecimentos de ensino,
especialmente da AMAN, que assumiu o papel de protagonista do processo técnico-político, nesta fase da
reforma.
37
A participação do SENAI-RJ no processo de implantação das competências foi principalmente informal,
estabelecido por meio de contatos com um membro do Comitê Técnico, tendo sido ofertado em 2010 um
curso de capacitação em ensino por competências do SENAI, organizado pela DETMIl, destinado a
membros das seções e divisões de ensino das diretorias e escolas do DECEx. Para a maioria dos
militares que participaram do curso, foi a primeira vez que puderam participar de um processo de
mapeamento de competências, que não existia antes neste sistema de ensino.
68
Convém relembrar que a interdisciplinaridade tinha sido fomentada pelo PME por
meio do Projeto Interdisciplinar (PI).
38
No PLADIS, por exemplo, ao lado do conteúdo/assunto figurava o elemento do eixo transversal.
Exemplo: ao conteúdo ‘’conceito de guerra’’, podia corresponder, por inferência, o elemento do eixo
capacidade cognitiva.
69
reformas por competências geridas por sua equipe que tem assessorado a implantação
de reformas de ensino em países francófonos, como o Senegal.
Na maior parte dos casos, o que aconteceu foi a preservação dos dispositivos
curriculares, didáticos ou de avaliação das normas vigentes no horizonte de outro
referencial teórico, o que obviamente gerava um processo de ressignificação e
redimensionamento de conceitos e práticas pedagógicas. Por exemplo, os objetivos de
aprendizagem foram preservados, mas se desvincularam da lógica da servidão dos
verbos, própria da Taxionomia de Bloom, incorporando as divisões dos conteúdos de
aprendizagem, de extração construtivista, que estabelecem diferenças entre o processo
de assimilação e retenção de fatos, conceitos, procedimentos e atitudes (ZABALA,
2010).
39
Este tinha sido um dos problemas da metodologia esboçada pelo CEP, que não conseguiu completar as
etapas do processo de construção curricular porque decompôs atitudes, que eram consideradas
competências.
40
O Sistema de Ensino do DECEx elaborou documentos de ensino mais informais, sem aprovação,
ensinando a determinar os verbos de ação. Este conhecimento foi produzido e disseminado durante
décadas no sistema de ensino a partir de apostilas do Departamento e diretorias, revelando uma
apropriação idiossincrásica do currículo por objetivos que não realizou exatamente uma cópia da
taxionomia de Bloom. Vejamos este trecho de um material instrucional divulgado informalmente pelo DEP
em 2007: ‘’Verbos usados para a formulação de objetivos: Nível de conhecimento: definir, designar,
denominar, descrever...’’ (DEP. Apostila de níveis da área cognitiva e psicomotora, s/d, p. 01.).
70
41
A Epistemologia docente consiste nas representações sobre ensino e aprendizagem, espontâneas ou
semi inconscientes, que forma uma espécie de conhecimento tácito, que norteia as escolhas no campo da
didática e da avaliação.
71
42
As disciplinas da área profissional, relacionadas às técnicas militares, baseavam-se nos elementos de
competência para selecionar os conteúdos escolares enquanto as disciplinas de formação científica e
humanística tiveram que se basear nas competências principais ou nas unidades de competência, de
maior generalidade, para selecionar seus conteúdos.
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2.5.4 Educação Moral no DECEx: dos Atributos da Área Afetiva aos conteúdos
atitudinais
43
Esta teoria de educação moral desconhece as características da sociedade contemporânea, marcada
pelo policentrismo ético, na qual existem valores diferentes em diversos campos da atividade social, e
onde não é mais possível apoiar-se num ordenamento metafísico do mundo.
76
Neste sentido, os atributos são qualidades homogêneas dos sujeitos que são
descontextualizadas das formas de emprego militar, como a guerra convencional ou não
convencional, e das formas de atuação militar das qualificações profissionais, como as
especializações militares.
Na verdade, os atributos não consideram que as formas de emprego militar
influenciam diretamente na construção do atributo.
Este ponto de vista contraria a própria experiência profissional dos militares que
reconhecem que, no contexto da guerra convencional, a iniciativa é mais restrita do que
na guerra não convencional, e que varia também segundo o escalão e a pertença ao
quadro, arma ou serviço. Ou seja, o intendente apresenta um nível de autonomia maior,
desde oficial subalterno, do que o infante, o que forçosamente teria que acarretar
descrições diferenciadas de seus atributos, nas situações escolares que visam a
prepara-los para uma atuação profissional adequada.
Este aspecto homogeneizante e genérico do atributo é tipicamente
comportamental, pois não considera o contexto social de onde surge o próprio atributo,
uma vez que, para o comportamentalismo, a cultura e a linguagem não desempenham
nenhum papel na estruturação das respostas comportamentais, que dependem apenas
de um conjunto organizado de estímulos ambientais.
Deste modo, na metodologia que é estruturada com base nos atributos, não
existem estratégias de operacionalização deste atributo, considerando as características
das atividades profissionais a serem desempenhadas, a forma específica de emprego
militar, nem o tipo de qualificação profissional.
Outro problema reside na extrema confusão conceitual da Portaria nº 12, que
mistura as capacidades e habilidades de natureza cognitiva, como a meticulosidade,
com aspectos morais e afetivos, como a responsabilidade. Os valores são também
identificados com os atributos e eventualmente aparecem como atributos e valores, ao
mesmo tempo, e identificados, ambos, em alguns casos, com comportamentos ou
condutas.
No início do documento, são enfatizados os valores de honestidade, integridade e
lealdade a ‘’serem desenvolvidos no indivíduo desde a infância e reforçados ao longo da
vida militar’’, cuja ausência deve desencadear ações do docente no sentido ‘’de tomar
providências regulamentares, disciplinares e judiciais cabíveis.’’ Depois, o documento
apresenta os seguintes requisitos essenciais (embora os valores supracitados se
78
acumulados, resultam num grau que integra a nota final do discente, pesando, nos
cursos de formação de praças e oficiais, na classificação dos discentes, determinando o
seu local de servir e as suas chances futuras de sucesso na carreira. As notas
funcionam, então, como o reforço ao comportamento ou conduta moral do discente.
Na verdade, a metodologia descrita caracteriza-se pela suposição implícita,
tipicamente comportamental, de que o sistema de reforços positivos, negativos e
punições, utilizados pela avaliação, gera efeitos educacionais, uma vez que a sua
avaliação de atributos integra, em percentagens variáveis em cada estabelecimento de
ensino, a nota final de conclusão de curso.
Apesar dos aspectos comportamentais evidentes, que consistem na busca da
detecção dos comportamentos por meio dos registros de FO, não há nestes documentos
prescrições sobre a modelagem comportamental dos atributos, por meio do reforço.
Durante anos, os especialistas responsáveis pela orientação das equipes técnicas
das escolas preencheram as lacunas destes documentos apenas com diretrizes orais
para a execução das técnicas de ensino descritas no Manual do Instrutor em vigor. Por
exemplo, se o atributo a ser desenvolvido fosse a cooperação, preconizava-se que fosse
selecionada a técnica de ensino de trabalho de grupo. 44
A outra diretriz pedagógica verbalizada por estes especialistas para o
desenvolvimento dos atributos consistia em atrelá-los aos objetivos específicos do Plano
de Disciplinas (PLADIS), o que obrigava a burocracia escolar a exigir planos de
sessão\aula que previssem técnicas de ensino compatíveis com o atributo indicado.
Na verdade, a ausência de uma teoria do desenvolvimento e aprendizagem dos
atributos comprometia as ações educacionais em contexto escolar. Se não se sabe
como são estruturados os atributos, não é possível, para o docente, elaborar estratégias
de ensino adequadas. Esta limitação permanece válida mesmo para o modelo tecnicista,
pois deveria haver, em algum lugar da Portaria n°12 ou da NECE, prescrições para a
execução de uma sistemática de condicionamento operante e respondente, visando a
‘’modelar’’ a conduta moral dos discentes.
44
A autora deste trabalho serviu de 2006 a 2015 em várias diretorias de ensino subordinadas ao DECEx,
tendo convivido e até trabalhado com a equipe técnica que geria a implantação dos atributos da área
afetiva nos estabelecimentos de ensino, através de visitas de supervisão escolar. Esta equipe, que
incluía especialistas de ensino do DECEx, CEP e representantes das diretorias subordinadas, trabalhou
de modo efetivo, em visitas anuais, até 2007, tendo influenciado bastante as formas de percepção e de
atuação profissional das seções psicopedagógicas nos estabelecimentos de ensino do DECEx.
80
45
A menção aos atributos em documentos de ensino do DECEx ocorreu depois dos anos 60, pari passu
com a difusão do Tecnicismo, mas a estruturação da metodologia da NECE e de seu sistema de
observação através dos FO ocorreu no âmbito do PME.
81
46
Piaget analisou os processos cognitivos subjacentes ao julgamento moral - uma dimensão relevante do
comportamento moral. Ele caracterizou o desenvolvimento moral através de estágios, apoiando-se em
dados coletados em entrevistas não estruturadas e na observação de crianças em jogos de regras - o
método clínico. As pesquisas de Piaget lhe permitiram concluir que existem diferenças quanto ao respeito
às regras em crianças de idades diferentes, distinguindo-se as fases de anomia, heteronomia e autonomia
moral. Os indivíduos anômicos não reconhecem a existência de regras sociais, mas ‘’Na fase de
heteronomia moral, a criança percebe as regras como absolutas, imutáveis, intangíveis (....) na fase da
autonomia moral (entre 8 e 12 anos), o propósito e consequências das regras são consideradas pela
criança e a obrigação baseada na reciprocidade. A criança se caracteriza pela moral da igualdade ou de
reciprocidade; percebe as regras como estabelecidas e mantidas pelo consenso social. Piaget constatou
que por volta de 10 anos a criança passa a perceber a regra como o resultado de livre decisão, podendo
ser modificada, e como digna de respeito, desde que mutuamente consentido.’’ (FINI, Lucila Diehl Tolaine.
Desenvolvimento moral: de Piaget a Kholberg. Florianópolis: Perspectiva, 9(16):58-78, Jan/Dez. 1991).
47
Trata-se, respectivamente, da Teoria de Desenvolvimento moral, de Lawrence Kohlberg e de Carol
Gilligan. A este respeito, ver: LELEUX, Claudine. Théorie du développement moral chez Lawrence
Kohlberg et ses critiques (Gilligan et Habermas) IN: FERRY, Jean-Marc; LIBOIS, Boris. Pour une
84
para o ensino militar se deve ao modelo ético em que se baseia, relacionado ao universo
valorativo e procedimental da democracia, onde as regras legítimas são acordadas por
meio do consenso.
Ora, em instituições militares marcadas pela hierarquia e disciplina, engendradas
precisamente por causa da necessidade de gestão da guerra - a situação de maximal
urgência e crise - não é possível se apoiar exclusivamente nas práticas de deliberação.
Elas podem ser utilizadas, como veremos adiante, mas associadas ao aproveitamento
intensivo das práticas morais estruturadas pela própria cultura militar.
A este respeito, convém esclarecer que as políticas públicas não são executadas
com base em comandos executivos, mas dependem da comunidade epistêmica de
especialistas na área em que se desenvolve. Nesta perspectiva, a composição de
comissões técnicas de elaboração gera resultados distintos. Ou seja, se é retirado ou
inserido este ou aquele especialista com uma abordagem teórica específica, pode ser
gerado um fator de inovação ou de preservação de formas institucionais já constituídas.
Neste sentido, talvez seja mais pertinente comparar a NDACA com a NECE para
reconhecer os seus aspectos positivos.
Na NDACA, a redação é mais clara e são mencionados alguns princípios para
nortear os procedimentos e técnicas de avaliação, como os referentes à avaliação
formativa. Além disso, a NDACA sugere situações específicas de avaliação aos
docentes e à Seção Psicopedagógica.
O maior contribuição da NDACA consiste nas indicações para a construção das
escalas de avaliação dos conteúdos atitudinais, que são pormenorizadas, práticas e
operacionais, além de conter pautas descritivas dotadas de clareza, que expressam de
modo satisfatório as experiências mais recorrentes do cotidiano dos estabelecimentos
de ensino militar.
Apesar da sua justeza e pertinência, as escalas não materializam adequadamente
a pretensão de referir os conteúdos atitudinais aos contextos de emprego militar, sendo
ainda muito padronizadas.
No entanto, as escalas apresentam graduação de níveis de desempenho que se
afinam perfeitamente com as indicações da NAA sobre os critérios de desempenho, que
serviam para parametrizar resultados variáveis dos alunos no caso dos conteúdos
conceituais e atitudinais e procedimentais do tipo mais complexo, quando não é possível
a emissão de uma resposta comportamental única.
Na NDACA, a estes níveis de desempenho, foram associadas faixas de notas,
como já era utilizado no sistema de ensino antes da reforma das competências.
Este é um procedimento execrado universalmente por especialistas de ensino e
coordenadores, mas que continua a ser perpetuado no DECEx, que exige que a nota da
avaliação dos conteúdos atitudinais integre a nota final dos concludentes do curso,
influenciando a sua classificação.
Este aspecto colide frontalmente com os princípios de ensino dos conteúdos
atitudinais presentes no Anexo C das NCC de 2013 e 2104 e da própria NDACA, que
indica a interação social, o exemplo e a reflexão como formas adequadas para o
desenvolvimento moral.
Isto acontece porque, quando é inserida a nota da avaliação dos conteúdos
atitudinais na nota final do concludente, utiliza-se o reforço, reproduzindo-se o
receituário comportamental de educação moral proposto pela NECE e do currículo por
objetivos, e se descarta a participação do aluno na construção de seu próprio projeto de
88
O caráter ou consciência moral opera através das suas capacidades morais, que
permitem ao indivíduo enfrentar situações moralmente controvertidas, marcadas pelo
confronto entre os valores. Constituem a inteligência ou o modo de raciocínio moral que
permitem ao indivíduo interpretar a e conduzir a própria vida a partir de valores.
O caráter moral opera também através das atitudes, que são padrões estáveis de
conduta moral, e dos valores, que são ideias éticas a partir das quais a realidade é
considerada em termos do bem e do mal.
O ensino escolar dos conteúdos atitudinais pode ser realizado com foco numa
disciplina especificamente voltada para isto, como no caso da disciplina de Liderança, ou
no âmbito de disciplinas que sejam centradas na aprendizagem dos outros tipos de
conteúdo - factuais, conceituais e procedimentais - com interface para os conteúdos
atitudinais.
Este trabalho enfocou o ensino dos conteúdos atitudinais realizado a partir das
práticas morais, que são dispositivos institucionais, preservados pela memória social,
transmitidas oralmente e por escrito, que promovem a educação moral.
Nas práticas morais, cada participante vai aprendendo os atos que deve realizar e
como deve entrelaça-los com os atos realizados pelos demais participantes, a fim de
confeccionar o curso de ações estabelecido pela prática moral. Desta forma, o
desenvolvimento das capacidades morais, assim como das atitudes, pode ser
compreendido como uma mudança na qualidade da participação na prática moral:
adquire-se maior desenvoltura e responsabilidade, e necessita-se menos de ajuda e de
orientações.
Além disso, as práticas morais incorporam valores durante a realização das ações
que as constituem, mas a sua incorporação ocorre somente na medida em que estes se
materializam nas atitudes dos discentes envolvidos na prática moral.
Por esta razão, as práticas morais são consideradas uma espécie de teatro das
atitudes, onde estas são encenadas, ensejando a internalização gradual e recriadora de
papeis sociais, com seus conhecimentos e valores.
Este teatro de atitudes funciona também como uma espécie de oficina moral,
onde interagem, com papéis distintos, o grupo de aprendizes e o especialista (o
docente), centrando-se em conteúdos significativos para o discente, que se baseiem em
93
situações reais.
Numa oficina moral, a prática moral provoca múltiplas interações, onde se fala e
se aborda o conteúdo concreto das atividades morais, consubstanciando uma das
principais diretrizes de execução das práticas morais: fazer e falar sobre o que se fez.
Em síntese, afeto, fala e trabalho são os três vetores sobre os quais as práticas
morais se baseiam para produzir transformações nos aprendizes. Ou seja, as práticas
morais funcionam por meio de aspectos afetivos, linguísticos e operativos que
desencadeiam diversos processos de aprendizagem que permitem aos discentes um
domínio progressivo dos saberes morais implicados nestas práticas.
Alguns princípios devem ser seguidos para a realização eficaz das práticas
morais, afim de que não se tornem atividades burocráticas, esvaziadas de autêntico
sentido moral.
Este docente deve evitar fazer ‘’sermões’’ - uma doutrinação moral monológica e
unilateral, na qual o aluno se limita a ouvir - porque aqui o aluno não é levado a refletir
sobre as implicações práticas das condutas morais impróprias que assume. Nesta
perspectiva, o docente deve questionar os alunos, exigindo que o discente argumente e
se justifique do ponto de vista moral. Deve também levantar objeções, confrontar as
opiniões dos discentes e estabelecer momentos em que ele realiza a síntese das
discussões éticas e dos resultados práticos das atividades pedagógicas.
Existem diversos tipos de práticas morais, que são distinguidos com uma
finalidade didática, mas que, na verdade, se integram e se superpõem em situação
escolar.
Estas práticas são relevantes para a educação militar, pois esta enfatiza a
construção de identidades militares distintas em conformidade com os quadros, armas,
serviços ou especialidades, que diferenciam o indivíduo, em vários aspectos, de uma
identidade pessoal civil.
Nas escolas militares, a Análise Pós-Ação (APA) dos aspectos morais envolvidos
nas atividades operacionais realizadas em campo podem ser consideradas também
exemplos de prática de reflexividade, a serem intensificadas e potencializadas por meio
de uma série de procedimentos didáticos.
A narração pode ser realizada de duas maneiras: o indivíduo narra a sua própria
estória pessoal ou escuta a narração dos outros (real ou ficcional).
Por exemplo, pode ser realizada uma atividade de redação de sinopse sobre os
96
fatos mais marcantes da sua vida e a elaboração de uma linha do tempo de síntese,
demandando que o aluno estabeleça os momentos mais importantes da sua vida,
justificando-se adequadamente em 20 linhas e preenchendo uma tabela com a linha de
tempo (a tabela se encontra abaixo).
Outro exemplo pode ser o relato de experiência de militar que realizou no curso
de Guerra Cibernética, estabelecendo aspectos positivos e negativos da realização do
curso em tela, para a sua vida pessoal e profissional:
Ser um militar do tipo técnico, que desenvolva a atividade- Nem todo o mundo tem tanta capacidade técnica; é preciso conviver e
fim da Instituição, com estudo sistemático, por auto trabalhar com os outros e zelar para que os aspectos operacionais não
aperfeiçoamento. se percam.
Por sua vez, as práticas de virtudes são atividades em que o discente realiza
atividades sociais que encarnam determinados valores e modos de ser, buscando
materializar um ideal de excelência humana. As práticas de virtude são, geralmente,
atividades cooperativas realizadas por diversos indivíduos que têm como objetivo
satisfazer uma necessidade social relacionada com a convivência, preservação da
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Por exemplo, as formaturas são práticas de virtudes pois funcionam por meio de
um conjunto relativamente estável de gestos, palavras e ações, que representam
determinados valores ou idéias da instituição militar. O exercício de funções, a
participação em associações ou grêmios cívicos e a atuação como ‘’sombra’’ na
execução de atividades profissionais são também exemplos de técnicas de práticas de
virtudes.
Por sua vez, as práticas normativas são atividades nas quais o discente realiza
aprendizagens sobre normas e regras e suas formas de aplicação em situações sociais
específicas. Devem conter prescrições de como agir, dizendo sobre o que deve ou não
ser feito. Podem concretizar socialmente determinados valores, quando são aprendidos
por meio da utilização prática, em contextos significativos, através de relações afetivas
entre docentes e discentes, se aqueles atuarem como modelos morais.
Por sua vez, as práticas de deliberação são atividades em que o discente realiza
argumentações sobre o que é correto ou incorreto, justo ou injusto, e que desenvolvem
capacidades morais, tais como o julgamento moral, empatia e sensibilidade moral
(capacidade de indignar-se moralmente).
são as mais raras dentre as práticas morais que predominam nas instituições educativas
militares atualmente, e que sua inserção contribuiria para o incremento das capacidades
argumentativas e reflexivas que são necessárias atualmente no contexto de uma
sociedade marcada pelo policentrismo ético e das demandas das novas hipóteses de
emprego, que exigem precisamente o enfrentamento eficaz dos conflitos de valores em
cenários complexos, com uma multiplicidade de atores institucionais, com motivações
ideológicas diversas.
3. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Este estudo propôs ainda a inclusão de mais espaços de fala para os discentes e
de expressão da experiência pessoal, por parte de instrutores e docentes em situações
de proximidade, com o intuito de favorecer o desenvolvimento dos vínculos de empatia e
de influência pessoal, que são essenciais no desenvolvimento dos conteúdos atitudinais.
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sociétés de masse. Paris: Librairie des Méridiens, 1988.
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