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DANGEROUS MISTAKE

MALIBU SHARKS - 2

LIZ STEIN
Dangerous Mistake
“Malibu Sharks” - 2

Copyright 2023 por Liz Stein


Edição: Stefany Nunes
Leitura crítica: Mari Vieira
Revisão: Liz Stein
Diagramação: Stefany Nunes
Capa: Designer Tenório
Edição Digital.
Todos os direitos reservados. Este e-book ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido
ou usado de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor, exceto pelo
uso de citações breves em uma resenha do mesmo.
O time de futebol americano fictício citado neste livro foi criado pela autora, e NÃO É
autorizado o uso do nome do mesmo exceto mediante aprovação prévia.
Esta é uma obra de ficção. Quaisquer similaridades com pessoas reais são mera
coincidência e não foram intenção da autora.
Primeira Edição, 2023.
CONTENTS

Nota da Autora
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Epílogo 1
Epílogo 2
Agradecimentos
Notes
NOTA DA AUTORA

PRECISO CONFESSAR: as autoras têm, sim, os filhos


preferidos.
Cada livro é uma experiência única para quem escreve e para
quem lê, mas alguns nos tocam de uma maneira diferente. Esse foi
o caso de Dangerous Mistake. Quando comecei a imaginar a
história de Ryker e Sam, eu sinto que já conhecia esse mocinho de
outras vidas. Ele sempre se mostrou para mim como realmente é,
apesar de não fazer isso com quase ninguém. Porém, a Samantha
foi uma grande surpresa.
Ao fazer o primeiro outline desse livro, ela seria virgem, tímida,
começando a desabrochar para a vida. Antes que eu pudesse
sequer colocar isso no papel, minha pequena apocalíptica colocou
as mãos na cintura e me encarou com uma expressão de
incredulidade. Se eu não me engano, as palavras exatas dela para
mim foram: “Você só pode estar brincando se acha que vai contar
minha história assim”.
Nesse dia, nasceu para mim essa garota furacão, a mocinha
mais intensa que eu já escrevi. Entendo que, no início, talvez
algumas pessoas não a compreendam. Só peço a vocês, leitores,
um pouco de calma. Permitam que ela se mostre por inteiro, e isso
leva um tempo. Sam tem tantas camadas que um olhar menos
cuidadoso deixará passar a maior parte delas, o que seria uma
pena.
O romance desses dois foi tão apocalíptico quanto eles mesmos.
Ryker, apesar do exterior controlado, também é um verdadeiro
vulcão, segurando a própria erupção por anos demais. Juntos, eles
se libertarão de amarras e poderão viver o futuro ao qual sempre
estiveram predestinados.
O final provavelmente não será o que vocês esperavam, mas,
vou dar apenas um pequeno spoiler: ele é feliz. Mesmo que se
sintam um tanto angustiados ao longo da leitura, peço
encarecidamente que não pulem para ler o final. A experiência será
muito melhor se lerem tudo na sequência, isso eu posso garantir.
Tentem confiar em mim.
A ambientação é bem semelhante à do primeiro livro, mas, como
sempre, houve uma boa dose de pesquisa a respeito de diversos
temas. Apesar de ser um livro com mais emoções do que o primeiro,
não há grandes gatilhos. Minhas ressalvas são quanto à presença
de cenas com conteúdo erótico descritivo, uso de palavras de baixo
calão (Ryker tem a boca bem suja, já aviso logo) e algumas
concessões suaves à norma culta para tornar a leitura mais informal
e agradável.
Espero que vocês se apaixonem por esse casal e levem os dois
na memória ao término da leitura, porque eles adquiriram um
espaço vitalício no meu coração.
Um grande beijo,
Liz.
Dedico essa história a todos que, um dia, acreditaram que não
tinham mais o direito de sonhar.
Não importa quão desesperadora seja uma situação, sempre há
maneiras de ressignificar a esperança.
Devils roll the dice
Angels roll their eyes
What doesn’t kill me
Makes me want you more 1
Cruel Summer – Taylor Swift
PLAYLIST

Escute a playlist aqui.


1

RYKER
QUANDO EU FINALMENTE ACHEI QUE tinha encontrado
alguma paz na vida, o destino faz questão de me mostrar o quanto
eu estava errado.
Puxo a aba do boné para baixo e mantenho o olhar fixo no
portão por onde saem os passageiros no setor de desembarque. O
avião proveniente de Kansas City pousou há mais de meia hora,
segundo as informações do painel luminoso. Estou há quase uma
hora em pé, escondido num canto do saguão do aeroporto de Los
Angeles, torcendo para não ser reconhecido. Até agora, parece
estar funcionando, mas nunca sei ao certo quando vão surgir fotos
ou vídeos meus pela internet, tirados em momentos em que eu jurei
que não havia sido reconhecido.
Uma faceta inevitável na vida de um dos jogadores mais
famosos da NFL 1.
Checo as horas pelo que deve ser a quinta vez nos últimos dez
minutos e bufo por causa da demora. Nem me lembro quando foi a
última vez em que estive num terminal comum de aeroporto. Há 8
anos, desde que comecei a jogar no Malibu Sharks, minhas viagens
de avião são todas feitas em jatos, sejam eles do time ou fretados
para rotas privadas.
Meu celular vibra no bolso da calça e eu pego o aparelho. A tela
mostra uma mensagem da minha irmã.
Annie: Sam já chegou?

Eu digito uma resposta rápida:


Eu: O avião já pousou, mas ela ainda não saiu.

Nesse momento, um pequeno grupo à minha direita chama a


minha atenção e eu levanto o olhar. São três garotas, que devem ter
no máximo uns dezesseis anos. Seus rostos se iluminam ao ver
meu rosto de frente.
— Ai, meu Deus! — Uma delas olha para as demais e dá um
gritinho contido. — É ele mesmo!
Eu controlo a cara de irritação. Estava bom demais para ser
verdade.
— Você é Ryker Lockhart, não é? — outra menina me pergunta,
com uma expressão esperançosa.
Eu confirmo com um movimento de cabeça.
— Sim, sou eu.
Mais gritinhos animados, que me fazem ter vontade de fechar os
olhos. Dentre todos os tipos de fãs, o mais ruidoso são as
adolescentes. Elas trabalham numa frequência de decibéis
intolerável para o restante da raça humana.
— Você tira uma foto com a gente? — a primeira a me abordar
pede.
Há nove anos, desde o incidente, eu tenho limitado minhas
aparições públicas ao mínimo. Não sou um cara de muitos sorrisos,
não faço nenhuma questão de aparecer em eventos sociais não-
obrigatórios e nada tem sido mais importante do que a minha
privacidade. Ainda assim, sou uma figura pública, e não posso
ignorar completamente a legião de fãs que nos acompanham e
apoiam nosso time.
Por isso, forço um pequeno sorriso e faço um sinal, permitindo
que as meninas se aproximem mais. Uma delas tira uma sequência
de selfies e mostra para mim.
— Podemos postar nas nossas redes? — ela pergunta, com um
tom suplicante.
Eu dou de ombros.
— Claro.
Mais gritinhos animados. Por que não?
— Obrigada, Lockhart! Boa sorte nos próximos jogos.
— Valeu.
Elas se afastam, com os rostos enterrados no celular e falando
sem parar. Só de olhar a interação eu fico cansado. De onde tiram
energia para produzir tantas palavras em tão pouco tempo?
Sozinho outra vez, volto a olhar para o portão de desembarque,
por onde Samantha Carmichael vai passar. Eventualmente.
Me esforço para lembrar da enteada da minha irmã. Não
costumo visitar Annie com frequência, e a última vez foi há uns, o
quê? Quatro anos? Acho que foi isso. A garota tinha dezessete, e
eu me lembro vagamente dela. Cabelo loiro, magrinha, olhos azuis e
um ar permanente de quem está planejando alguma merda.
Segundo Annie, ela vem passando por uma fase bem rebelde
nos últimos anos, se envolvendo com os maus elementos da cidade
pequena onde eles moram, bebendo além da conta mesmo quando
nem tinha idade para isso e se metendo em diversas encrencas. Em
resumo: um anjinho, que ficará morando na minha casa por um
mês.
Eu não poderia estar mais radiante com esse prospecto.
Se Annie não tivesse jogado sujo e me lembrado de tudo que fez
por mim quando nossos pais morreram, eu jamais teria aceitado
essa ideia de merda.
O portão se abre mais uma vez e meu olhar é atraído para lá.
Vejo uma garota saindo, arrastando uma mala de rodinhas rosa
choque imensa. Ela usa uma calça jeans justa, uma blusa preta tão
curta que mal cobre seus peitos e uma bota que parece um coturno.
O cabelo loiro comprido cai ao redor do seu rosto em ondas suaves,
e a maquiagem é definitivamente inadequada para uma tarde de
sexta-feira.
Os olhos azuis percorrem o ambiente num misto de ansiedade e
empolgação. Cabeças se viram conforme ela anda — pelo menos
metade dos olhares masculinos do ambiente está grudada no corpo
jovem que a roupa não faz nenhuma questão de esconder. Eu
engulo em seco. Não preciso nem conferir a foto recente que Annie
enviou ontem à noite para ter certeza de que esse pequeno furacão
é Samantha Carmichael.
A expressão animada no rosto de traços delicados começa a dar
lugar a outra, ligeiramente preocupada, quando ela não vê ninguém
à sua espera. Por mais destemida que seja, ainda é uma garota de
21 anos, criada numa cidade pequena e agora sozinha por um mês
numa das maiores cidades dos EUA.
Eu solto um suspiro desanimado e me aproximo com passos
calmos. Quando chego perto o suficiente, chamo:
— Samantha?
Ela vira o rosto e os olhos ridiculamente azuis encontram os
meus. Assim que me reconhece, Samantha solta o ar e sorri,
parecendo aliviada.
— Ryker! — Em seguida, ela me surpreende ao largar a alça da
mala e me envolver num abraço, que eu não retribuo. — Obrigada
por vir me buscar.
Dou dois tapinhas sem jeito nas suas costas, torcendo para que
ela se afaste de uma vez. Quando isso acontece, eu sinto um alívio
imediato.
— Pegou tudo? — pergunto, apontando para a mala, a bolsa de
mão e a outra bolsa enorme que ela traz no ombro.
— Sim. — Samantha volta a sorrir. — Podemos ir.
Eu começo a empurrar a mala maior, enquanto ela cuida das
menores. Chegamos ao meu carro e a enteada de Annie solta um
pequeno assovio.
— Uau. Nunca andei num carro como esse.
Destranco meu Audi Q8 sem responder e guardo sua bagagem
no porta-malas. Samantha se acomoda no banco do carona, coloca
o cinto, e eu ocupo o assento do motorista segundos depois.
Assim que coloco o carro em movimento, ela recomeça a falar.
— Eu estava muito animada com essa viagem. Sempre quis
conhecer Los Angeles, especialmente Malibu. Você mora em
Malibu, não é? — Sem me dar tempo para responder, ela continua:
— Pena que não estamos mais no verão, mas isso aqui é a
Califórnia, baby. O sol brilha o ano inteiro, e eu vou amar morar
numa casa na beira da praia. Talvez eu tenha exagerado e trazido
mais biquínis do que roupas, mas olha pra isso! — Ela mostra a
paisagem ao redor, que não tem nada além do acostamento da
estrada e algumas construções sem graça. — É o melhor lugar do
mundo para se viver! Como não querer aproveitar cada minuto?
Caralho, essa mulher mexe tanto as mãos enquanto fala que
parece estar regendo a porra de uma orquestra. Isso sem contar
essa capacidade assustadora de dizer 27 frases por minuto sem
respirar. Uma ligeira dor de cabeça começa a se insinuar nas
minhas têmporas. Estou ficando bastante preocupado com a minha
sanidade ao longo dos próximos trinta dias.
— Você não é de falar muito, né? — Ela me observa, com um
sorriso de canto.
Eu a encaro de volta por alguns segundos, antes de desviar
outra vez a atenção para a estrada.
— Não. — A resposta seca é uma excelente dica sobre como eu
prefiro as interações com outras pessoas. Em resumo, o oposto do
que aconteceu nos últimos minutos.
O silêncio preenche o interior do SUV, e eu finalmente volto a
ouvir meus próprios pensamentos. Só que não dura nem trinta
segundos.
— Como é a sua casa? — Caralho, ela vai continuar falando. —
Uma dessas mansões maravilhosas com vista para o mar? Se o
meu quarto tiver vista para o mar, nem sei o que...
— Nada tem vista para o mar — eu corto. — A casa não fica na
beira da praia.
Sua expressão murcha por dois segundos, mas, logo em
seguida, ela faz mais um gesto com as mãos.
— Não tem problema. Eu darei um jeito de achar o caminho até
a praia.
— Tenho certeza que sim — resmungo, pisando no acelerador
na esperança de chegar em casa mais rápido.
Continuo dirigindo, e Samantha continua falando — por sessenta
e oito minutos ininterruptos, até eu conseguir, por fim, estacionar o
carro na minha garagem. Assim que desligo o motor, abro a porta
num movimento rápido e saio, puxando o ar. Eu não vou aguentar
essa porra por um mês.
— Ryker?
Fecho os olhos, de costas para ela.
— Sim?
— Obrigada por me receber aqui.
Eu ando em direção ao porta-malas, pensando em Annie e nos
motivos para ter aceitado essa situação. Minha irmã foi quase uma
mãe para mim, assumindo responsabilidades demais numa idade
em que deveria estar apenas curtindo a vida, e fazendo tudo que
podia para que eu não fosse separado da minha única família — ela
mesma.
— De nada — respondo, pegando sua bagagem, — Vamos, vou
te mostrar seu quarto.
Eu conduzo a garota para dentro de casa através da porta dos
fundos. Assim que damos os primeiros passos, meus cachorros se
aproximam, curiosos e animados com a visita incomum. Não é como
se eu recebesse muitas pessoas em casa.
— Que lindos! — Samantha larga todas as bolsas no chão da
cozinha e se abaixa para brincar com os cães, que a farejam e
abanam os rabos.
Chamar meus animais de lindos não é para qualquer um.
Charles Chaplin tem apenas três patas; Stevie Wonder é cego; e
Bruce Willis tem uma alergia grave, o que faz com que seja quase
inteiro careca. Isso porque ela ainda não conheceu Darth Vader, que
basicamente odeia todos os seres vivos, exceto eu.
Observo enquanto a garota deixa que os cães pulem em cima
dela, lambendo seu rosto inteiro.
— Calma, calma — ela pede, às gargalhadas. — É um prazer
conhecer vocês também.
Eu quase sorrio. Quase, porque continuo bastante puto de
precisar dividir minha casa com uma completa desconhecida, ainda
que seja de certa forma da família.
— Vem — eu chamo. — Vamos levar suas coisas até o quarto.
Samantha se levanta, ainda rindo, e me segue pelo corredor da
ala íntima, ainda fazendo festa nos cachorros que vão pulando em
volta dela.
Ao contrário dos outros jogadores com salários altos, minha casa
não é imensa. O terreno sim, porque dou mais valor ao meu tempo
ao ar livre do que ao número de cômodos ou móveis assinados.
Eu passo pela porta fechada do meu escritório, que funciona
também como uma sala de jogos, e abro a seguinte. Tenho duas
suítes de hóspedes, apesar de nunca recebê-los. Já vieram com a
casa. A maior, que eu separei para Samantha, tem uma cama
queen bastante confortável, um armário e uma TV, além do banheiro
espaçoso.
— Aqui será o seu quarto — aviso, deixando a mala enorme
junto à cama. — Atrás daquela outra porta fica o seu banheiro.
Espero que fique confortável.
Ela observa tudo, parecendo bem satisfeita.
— É lindo, Ryker.
Eu aceno com a cabeça.
— Vou te deixar à vontade para descansar. Tem comida na
geladeira, para quando você estiver com fome. É só esquentar no
micro-ondas.
Os olhos profundamente azuis me encaram.
— Nós não vamos jantar juntos?
Eu faço que não.
— Desculpe, tenho um compromisso hoje à noite. — Aponto
para uma extremidade do terreno, visível através da janela dela. —
Mas você não ficará sozinha. Ali moram dois funcionários que me
ajudam na manutenção da casa e do jardim, o sr. e a sra. Smith, e
você p...
Samantha cai na gargalhada, e eu franzo a testa. Notando minha
expressão, ela cobre a boca para esconder o riso.
— Desculpe. Não consegui não pensar nos dois com armas
escondidas sob a roupa — ela se justifica, e eu continuo encarando-
a, sem dizer nada. Samantha balança a cabeça para os lados e
ergue as palmas para cima, como se fosse explicar algo óbvio. —
Você não entendeu? Brad Pitt e Angelina Jolie? O filme, Sr. e Sra.
Smith! — Como eu sigo sem expressar qualquer reação, a garota
deixa os braços caírem ao lado do corpo e revira os olhos. —
Nossa, senso de humor não é mesmo o seu forte.
Ela me dá as costas e começa a mexer na mala. Eu coloco as
mãos nos bolsos.
— Se precisar de alguma coisa...
Samantha levanta uma mão, me interrompendo.
— Já sei. Posso falar com o sr. ou a sra. Smith.
Ainda é malcriada.
— Exatamente. Até depois, Samantha.
Ela gira o corpo outra vez na minha direção.
— Pode me chamar de Sam. Ninguém me chama de Samantha.
Eu ando até o corredor e cruzo a soleira. Antes de fechar a porta
atrás de mim, repito:
— Até depois, Samantha.
Quando me vejo sozinho e cercado pelo silêncio, massageio as
têmporas e caminho devagar até a cozinha. Pego duas aspirinas e
engulo com um grande gole de água. Apoio o copo sobre a bancada
e esfrego o rosto com as duas mãos.
Será um longo mês.
2

SAMANTHA
QUE HOMEM MAL-HUMORADO!
Termino de tirar as últimas peças da mala e pendurar nos
cabides, antes de fechar a porta do armário. Coloco as mãos na
cintura e solto o ar, olhando ao redor do quarto e então sorrindo.
Dane-se que meu anfitrião parece um urso distímico com
enxaqueca. Eu estou em Malibu, e pretendo aproveitar cada minuto
nesse paraíso em forma de cidade.
Checo as horas no celular. São quatro e dez, e o dia ainda está
claro. Mesmo já sendo outubro, a Califórnia tem essa incrível
capacidade de fazer parecer que todos os meses são verão. Troco a
roupa que usei na viagem por um biquini cortininha vermelho, coloco
um short jeans por cima e sandálias rasteirinhas. Como sei que à
noite a temperatura pode cair, segundo o Google, e não sei quanto
tempo ficarei fora, pego também um casaco corta-vento.
Antes de sair do quarto, ligo para Annie, que já me mandou três
mensagens perguntando se está tudo bem. Ela atende no segundo
toque.
— Sam! Que bom que ligou. Está tudo bem aí?
Eu sorrio um pouco. Annie Lockhart, ou melhor, Annie
Carmichael depois do casamento, conheceu meu pai há sete anos.
Eu tinha quatorze na época, e morávamos só eu e ele. Minha mãe
decidiu ir embora quando eu tinha um ano e, desde então, fomos
apenas nós dois.
No início, eu resisti muito à chegada de uma mulher estranha na
nossa vida. Contudo, Annie foi me ganhando aos poucos, com seu
jeito sincero, sua enorme dedicação ao meu pai e a mim, ainda que
eu não permitisse muita proximidade e, por último, se tornando uma
mãe incrível após o nascimento do meu irmão.
Hoje posso dizer que temos uma relação amigável, apesar de eu
continuar não permitindo que ela se aproxime demais. Não só ela,
na verdade. Eu não permito que ninguém se aproxime demais.
— Está tudo ótimo — respondo, observando o quarto confortável
que ocuparei ao longo do próximo mês. — A casa do seu irmão é
maravilhosa.
— Fico feliz, querida. Como Ryker está tratando você?
Eu faço uma careta lembrando do mau-humor crônico do
jogador.
— Muito bem — minto. A última coisa que eu preciso é que ele
fique ainda mais azedo caso leve uma chamada da irmã. — Está
tudo maravilhoso, Annie, pode ficar tranquila.
Quase consigo enxergar seu sorriso do outro lado da linha.
— Connor e seu pai estão mandando um beijo — ela diz.
Meu irmão deve estar mesmo, mas, meu pai? Obviamente é
mentira. Rob Carmichael não é um cara de demonstrar afeto, nunca
foi. Mas não vou entrar nesse mérito agora, tenho muitas coisas
interessantes a explorar.
— Mande um também. Preciso desligar, Annie. A gente se fala.
Ela se despede e, um segundo depois, meu celular morre, sem
bateria. Deixo-o carregando na mesa de cabeceira e ando até a
sala. Ryker está na cozinha, de costas para mim e com o quadril
apoiado na ilha. Como ele não notou minha aproximação, aproveito
para observá-lo melhor.
O homem é lindo de morrer. Os ombros largos e as costas
musculosas fazem relevos sob a camiseta branca. O quadril é
estreito, mas a bunda é deliciosamente desenhada sem qualquer
exagero. A calça jeans abraça as coxas grossas como se tivesse
sido feita sob medida.
Faço um biquinho, uno as sobrancelhas e inclino a cabeça para
o lado, apreciando a forma como o bíceps grande contrai quando
Ryker leva o copo de água aos lábios. Nunca tive um interesse
especial por homens mais velhos, mas esse, em particular, é o
pecado em forma de jogador de futebol americano.
Como se sentisse meu olhar sobre ele, Ryker se vira devagar na
minha direção. Os olhos azuis esverdeados encontram os meus, e
ele os desce muito brevemente pelo meu corpo. Sua expressão já
quase sempre carrancuda se fecha ainda mais.
— Se for usar a piscina, não chame os cachorros — ele
resmunga, desviando o olhar. — O pelo não terá tempo de secar.
— Sim, senhor. — Atravesso com passos lentos a cozinha e
pergunto: — Onde ficam os copos?
Ryker aponta para um armário ao lado da geladeira e eu pego
um. Em seguida, me sirvo de um pouco de água, guardo a garrafa e
me encosto na porta do refrigerador, observando seu rosto anguloso
enquanto bebo um gole.
— Eu não vou à piscina — aviso. — Vou à praia.
Ele olha para mim, sério.
— Você não conhece nada por aqui.
Eu sorrio.
— Exatamente. Já estou em Malibu há quase meia hora e ainda
não conheço nada. Preciso corrigir isso com urgência.
Ryker fecha os olhos e respira fundo, antes de abri-los outra vez
e me encarar como um professor primário sem muita paciência.
— Por que não faz isso amanhã, já que seu estágio só começa
na segunda?
Eu dou de ombros e viro o restante da água. Dou as costas para
ele começo a lavar o copo.
— Porque cada dia é precioso, Ryker. Se eu for apenas amanhã,
terei perdido o hoje.
Ouço uma bufada.
— Faça como quiser — ele resmunga. — Para chegar à praia,
basta virar à direita ao sair da casa, andar por uns 200 metros,
atravessar a rua e seguir na primeira rua à sua esquerda. Não volte
tarde.
Eu coloco o copo no escorredor e viro o corpo novamente,
cruzando os braços.
— Pode deixar. — Sorrio, levantando um pouco o queixo. — Não
sei o que Annie e meu pai te pediram, mas eu não preciso de babá.
Já sou bem grandinha e sei me virar sozinha.
O olhar dele se desvia por um milésimo de segundo para o meu
colo, onde os seios generosos cobertos apenas pelo biquini ficaram
em evidência quando eu cruzei os braços. Ryker volta a olhar para
mim com uma expressão indiferente.
— Faça como quiser. — Ele então dá três passos na minha
direção e deixa o copo na pia, chegando perto o suficiente para que
eu consiga sentir o suave perfume másculo. Os olhos claros
encontram os meus. — Mandei fazer uma cópia da chave para você
e ela está pendurada ao lado da porta. Não perca.
O poço de mau-humor se afasta de mim e sai andando até o
corredor, com passadas lentas e firmes. Eu reviro os olhos para
suas costas, como uma criança malcriada. O jeito condescendente
como Ryker Lockhart me trata, com esse ar de maturidade e
superioridade, é enervante.
Dou de ombros e ando até a porta. Pela forma como ele está
agindo, está claro que não me convidou para ficar aqui porque
estava animado para ter companhia. Deve ter sido para agradar a
irmã, mas eu não vou tocar no assunto. Estou hospedada de graça
numa mansão em Malibu por um mês, então vou é tratar de tocar
minha vida. Não deixarei que o mau-humor do meu anfitrião
estrague minha temporada na Califórnia.
Pego as chaves e o casaco e saio. Assim que chego ao jardim
da frente, inspiro profundamente o ar fresco e sorrio de olhos
fechados. Vou para o lado direito, como ele orientou, observando
tudo ao redor.
As mansões são lindíssimas, cada uma maior e mais imponente
que a outra. É interessante que a de Ryker seja a mais discreta
entre as casas dessa região, considerando que eu li há pouco
tempo uma matéria que dizia o quanto ele já tinha ganhado com
seus contratos na NFL. E, olha, é muito dinheiro.
Continuo andando sem pressa pela rua quase deserta. Não há
muitos pedestres passando por aqui, apenas carros de luxo
cruzando a estrada de tempos em tempos. Encontro a ruazinha que
ele comentou e atravesso a principal antes de percorrer os últimos
metros que me separam da praia.
Quando chego à faixa de areia, retiro as sandálias e piso nela
com o pé descalço, soltando um gritinho animado. Nem acredito que
estou mesmo em Malibu! Olho ao redor e noto que está quase
deserto. Como pode? Se eu morasse aqui, passaria cada segundo
livre do meu dia na praia.
Ando pela faixa de areia, aproveitando a sensação gostosa dos
pés afundando no piso fofo, apesar de um tanto áspero. Escolho um
local mais perto da água, retiro o short e sento sobre ele, me dando
conta de que eu deveria ter trazido uma toalha. Essa é a primeira
vez que eu venho à praia na vida, então ainda preciso pegar as
manhas.
Suspiro e observo o mar, onde algumas ondas se chocam contra
a areia, quase sem acreditar que isso é real.
Eu cresci em Tonganoxie, uma pequena cidade rural que fica a
30 minutos de distância de Kansas City. Quando terminei o colégio,
fui aprovada em algumas faculdades mais distantes, mas meu pai
não concordou em pagar por nenhuma delas porque não queria que
eu ficasse longe de casa. Acabei me inscrevendo na Universidade
do Missouri, que fica em Kansas City, e me formei em junho, em
nutrição. Pretendo trabalhar com nutrição esportiva e, por isso,
vinha buscando estágios nessa área.
Quando surgiu essa oportunidade nos Sharks, eu agarrei com
unhas e dentes. O mais longe que eu já tinha viajado foi para
Chicago por um fim de semana, no meu aniversário de 15 anos. Eu
sempre fui louca para conhecer a Califórnia.
No dia em que recebi a notícia de que eu havia sido aceita no
estágio, contei para o meu pai e ouvi um sonoro não. Eu sei, é
ridículo uma mulher de 21 anos depender da permissão do pai, mas,
infelizmente, sou uma recém-formada desempregada que ainda vive
sob o teto dele. Mesmo tendo trabalhado durante a faculdade como
garçonete, o que eu consegui juntar não me sustentaria nem por
seis meses morando sozinha.
Annie acabou interferindo, disse que comentou com seu irmão e
que ele havia oferecido sua casa para que eu morasse lá durante
esse mês. Assim, eu estaria com alguém da família e sob
supervisão. Depois de muita relutância, meu pai por fim concordou
e, agora, aqui estou.
Respiro fundo, e o cheiro da maresia me faz sorrir. Sei que não
fui a pessoa mais responsável nos últimos anos, mas tenho meus
motivos para isso. A vida foi feita para ser vivida na sua plenitude e
eu não sou do tipo que carregará uma bagagem pesada de
arrependimentos — em especial das coisas que eu não fiz.
As ondas arrebentam a poucos metros de mim, levantando uma
espuma branca quase hipnótica. Não sei nadar direito, mas esse
mar está muito convidativo. Fico em pé, esfrego a mão na bunda
para tirar a areia que grudou e ando até a beiradinha da água. Está
fria, mas não insuportável.
Decido caminhar um pouco pela costa, permitindo que as ondas
lavem meus pés de tempos em tempos. Fico perdida em
pensamentos, até que percebo que já me afastei demais do ponto
em que comecei. Faço o caminho de volta, distraída pela sensação
deliciosa de liberdade.
Quando, enfim, chego ao local onde deixei meu short, meu
casaco e minha sandália, o sol está quase se pondo. Olho uma
última vez para o mar e decido que eu mereço dar ao menos um
mergulho rápido. Esse é um dos itens da minha lista, e estou
ansiosa para riscar todos eles.
Ando outra vez até a água e vou deixando que as ondas batam
nas minhas pernas, e então na minha cintura, até que consigo
submergir. O choque de temperatura acaba sendo mais gostoso do
que eu imaginei. Levanto com um sorriso enorme, porque a
sensação de mergulhar no mar é diferente de qualquer coisa que eu
já experimentei.
O banco de areia é alto, o que me dá segurança de mergulhar a
cada onda sem que meus pés deixem o chão. Fico distraída por
tanto tempo que, quando percebo, o sol já se pôs. Olho para trás e
me assusto com o quanto eu me afastei da arrebentação. A água já
está na altura do meu pescoço e, a cada nova onda, meus pés
deixam temporariamente de tocar o chão e eu acabo afundando por
alguns segundos.
Respiro fundo e começo a tentar fazer o caminho de volta até a
areia. Quase de imediato, eu percebo que será mais difícil do que
eu imaginava, porque, toda vez que eu tento avançar, a corrente me
puxa para o fundo outra vez. Sinto os primeiros sinais de pânico.
Grito por ajuda, mas não há literalmente ninguém ao meu redor.
O esforço de lutar contra a maré está me deixando cada vez
mais cansada e não está ajudando a avançar, o que é um tanto
desesperador.
Meu Deus. Que merda eu fiz?
3

RYKER
CHECO AS HORAS mais uma vez. Já está escurecendo lá fora,
e nada da garota. Fui ao quarto dela há alguns minutos e vi o celular
carregando sobre a mesinha, ou seja: ela está incomunicável.
Puto, eu levanto do sofá, ando até a porta, pego as minhas
chaves e saio. Enquanto percorro o caminho até a praia, penso que
era exatamente por isso que eu não queria ninguém na minha casa,
em especial uma pirralha irresponsável como a enteada da minha
irmã.
Chego à areia e estreito os olhos, tentando encontrá-la. Avanço
alguns metros, irritado com os grãos que estão entrando nos meus
tênis, e vejo a sandália, o casaco e o short largados. Onde
Samantha se enfiou? Continuo vasculhando o ambiente com os
olhos até que um pontinho me chama a atenção, bem depois da
arrebentação.
Não pode ser ela!
— Samantha! — grito, e em seguida ainda mais alto: —
Samantha!
Vou andando até a água, tentando ver se é ela mesmo. Nesse
instante, um grito angustiado me faz gelar por dentro:
— Socorro!
Eu arranco os tênis, a calça jeans e a camisa e entro no mar
usando apenas a boxer. Nado com braçadas fortes, furando as
ondas e tentando chegar até onde ela está. Não está fundo, mas a
correnteza está bem forte, o que faz com que o esforço aumente de
forma considerável.
Quando enfim a alcanço, mal consigo ver seu rosto, porque o
céu já está quase escuro.
— Vem aqui. — Eu a envolvo com um braço, trazendo o corpo
gelado para junto do meu.
Samantha abraça meu pescoço e murmura, com o queixo
batendo:
— Eu estou com medo.
— Vou te levar de volta — aviso. — Segura em mim, mas
cuidado para não me enforcar.
Ela apenas assente, e eu começo a tentar nadar de volta usando
apenas um braço e as pernas. Depois de alguns minutos bem
tensos, chegamos à areia, ofegantes e exaustos.
A garota arria no chão e começa a chorar.
— Achei que eu fosse morrer — ela choraminga, esfregando o
rosto e me encarando com uma expressão assustada.
— Depois a gente fala sobre isso, Samantha. Vamos para casa.
Seu corpo treme tanto que fico com medo que tenha um troço.
Eu a ajudo a levantar e coloco nela minha camisa e seu casaco por
cima, na tentativa de aquecê-la um pouco. Em seguida, visto a calça
jeans sobre o corpo encharcado, não me dando ao trabalho de
abotoar, e pego o restante das nossas coisas.
— Vamos — eu ordeno, seco.
Ela tenta andar, mas suas pernas estão bambas pelo esforço e
pelo frio. Com um grunhido irritado, eu entrego a ela meus tênis, seu
short e sua sandália e, em seguida, a pego no colo.
Samantha abraça meu pescoço e encosta a cabeça no meu
peito, derrotada.
Fazemos o caminho de volta até em casa em silêncio. Como
essa garota pode ter sido tão estúpida a ponto de quase se afogar?
Imagina se ela morress...
Não, não quero nem pensar numa porra dessas.
Assim que entramos, eu a coloco no chão e ela se vira na minha
direção.
— Ryker, desculpe. Eu...
— Entre no banho — eu corto.
Já um pouco menos abalada, ela levanta o queixo.
— Não seja grosseiro. Eu só estou tentando me desculpar com
você.
Eu a fuzilo com o olhar.
— E eu estou tentando evitar que você pegue uma pneumonia
ou coisa pior, graças à sua insensatez. Você está hipotérmica. Entre
no banho agora.
— Você pode ao menos aceitar meu pedido de desculpas, ao
invés de me tratar como uma criança malcriada?
Samantha continua me encarando, incapaz de atender uma
porra de uma ordem simples e ainda achando que quem está errado
sou eu.
Inacreditável.
— Acho que você não está entendendo a gravidade do que
acabou de acontecer, garota — corto, ríspido, dando um passo na
sua direção. — Você ao menos sabe nadar?
Ela parece surpresa com a pergunta.
— Eu... — gagueja. — Eu... sei o básico.
O básico. Claro, o básico.
Dou mais um passo firme e paro bem perto dela, fazendo-a
fechar a boca antes de dizer mais alguma besteira.
— Eu vou, sim, te tratar como uma pirralha irresponsável
enquanto você se comportar como uma. Não está óbvio que você ia
se afogar, sua louca? Como pretende que eu te dê um mínimo de
crédito se, na primeira hora em que fica sozinha, quase se suicida
entrando no mar sem saber nadar?
Os olhos azuis se enchem de água, mas ela não permite que as
lágrimas escorram. Ao invés disso, levanta ainda mais o queixo,
aperta os lábios e empurra meus tênis contra o meu peito, me
fazendo segurá-los por reflexo.
— Isso não vai se repetir. De agora em diante, você mal vai notar
minha presença aqui, fique tranquilo.
Ela sai pisando duro e bate a porta do quarto com mais força do
que o necessário. Eu enterro as duas mãos no cabelo e olho para o
alto, me perguntando se isso é alguma espécie de punição atrasada
por todas as merdas que eu já fiz na vida.
Ando até minha suíte e me tranco lá. Tiro a roupa molhada e suja
de areia e tomo um longo banho, tentando relaxar um pouco. Não
ajuda muito, porque a raiva que estou sentindo dessa fedelha sem
juízo ainda está me consumindo.
Imagina se ela morre mesmo afogada no primeiro dia na minha
casa? Minha irmã nunca iria se recuperar de algo assim, e eu jamais
conseguiria lidar com essa culpa. Termino o banho decidido a ter
uma conversinha com Samantha Carmichael.
Coloco uma roupa limpa e saio do quarto, procurando por ela. A
enteada de Annie está sentada num dos bancos altos da ilha da
cozinha, comendo uma maçã. Seu cabelo ainda está molhado do
banho e ela veste uma camiseta tão grande que cobre seu quadril,
mas deixa as pernas torneadas completamente expostas. Não
consigo ver o que há por baixo, e fico imaginando se essa doida
está usando algo além da blusa larga. Eu realmente espero que sim.
Chego um pouco mais perto e consigo ler no tecido branco da
camiseta a frase “Acorde arrependido, mas não durma com
vontade”. Por que será que a legenda atrevida não me surpreende?
Respiro fundo e paro na sua frente de braços cruzados.
— Teremos novas regras nessa casa — informo.
Ela ergue as sobrancelhas para mim.
— Estou ansiosa para ouvir — provoca, antes de morder a
maçã.
Ah, a abusada!
Eu inclino meu tronco, parando com o rosto perto do dela.
— Acho que você ainda não entendeu quem manda aqui,
Samantha. Enquanto eu for responsável por você...
— Você não é responsável por mim.
Respiro fundo.
— Enquanto eu for responsável por você, não te resta outra
opção a não ser me obedecer. — Estreito os olhos para ela, antes
de esclarecer: — Entenda, eu não poderia me importar menos com
o que você faz da sua vida, se isso não fosse impactar diretamente
pessoas que não merecem sofrer por sua causa. Você já parou para
pensar em como seu pai, seu irmão e Annie ficariam se você tivesse
morrido hoje?
Ela engole em seco e desvia o olhar.
— Pois é — continuo. — Pelo visto, seu pai tinha razão ao dizer
que não confia em você o suficiente para deixá-la sozinha por um
mês. Como agora você está morando sob o meu teto, seguirá as
minhas ordens, porque eu pretendo te devolver inteira para a sua
família quando for embora daqui.
Os olhos azuis voltam a me fuzilar, e eu sei que o projeto de
delinquente está prestes a me desafiar de novo. Antes que ela
consiga dizer qualquer coisa, eu mesmo esclareço:
— E se você está insatisfeita com isso, não tem nenhum
problema. Eu te coloco pessoalmente no primeiro voo para o
Kansas amanhã de manhã.
Samantha sustenta o meu olhar, e fica óbvio que está num
debate interno entre ceder e continuar me enfrentando. Por fim, ela
acaba assentindo.
— Quais serão essas regras?
Eu relaxo os ombros de maneira quase imperceptível. Seria
péssimo ter que mandá-la de volta e frustrar minha irmã dessa
forma.
— A primeira é que você só sai de casa me dizendo onde vai
estar, com o celular carregado, e me atenderá sempre que eu ligar.
A boca bem desenhada se curva num sorrisinho sarcástico.
— Não prefere colocar um chip em mim? Tipo esses de
cachorro?
Ignoro o comentário petulante e continuo:
— Não vai mais pisar naquele mar. Nem na beiradinha.
Uma sombra de tristeza cruza o olhar azul.
— Certo — ela resmunga.
Abro a boca para continuar, mas... não consigo pensar em mais
nada.
— Bem, por enquanto é isso. Se eu lembrar de mais alguma
coisa, te manterei informada.
Samantha me encara, com um misto de mágoa e insolência.
— Sim, senhor. — Ela fica em pé e bate uma continência. —
Permissão para me retirar?
Eu balanço a cabeça, incrédulo com a audácia dessa garota.
— Estou saindo e não sei a que horas volto, então, não me
espere acordada. — Olho para a geladeira. — Tem comid...
— Ryker, por mais que você não acredite, eu não sou idiota. —
Samantha anda até o lixo e joga o resto da maçã fora antes de olhar
outra vez para mim. — Você já disse que a comida está na geladeira
e o sr. e a sra. Smith estão à minha disposição se eu precisar. Sei
que é chocante, mas eu entendi na primeira vez em que ouvi. Posso
ter cometido um erro e sido irresponsável, mas já te garanti que não
vai acontecer outra vez. Não preciso que você repita cada instrução
oito vezes, porque isso vai enlouquecer a nós dois. Boa noite.
Ela sai da cozinha sem olhar para trás, me deixando um pouco
desconcertado. Ao mesmo tempo em que me tira do sério, esse jeito
destemido e determinado me gera uma certa... admiração. Não que
eu possa deixar que Samantha perceba isso, ou estarei
completamente fodido.
Esfrego o rosto várias vezes com as duas mãos e olho ao redor
da cozinha, meio perdido. Estou precisando dar uma espairecida.
Tiro o celular do bolso e mando uma mensagem para Nico.
Eu: Está em casa?

A resposta vem quase imediatamente.


Nico: Sim.
Eu: Sozinho?

Em se tratando de Nico, é sempre bom checar.


Nico: Sim, puto. Pode vir.

Pego a chave do carro e saio de casa, precisando colocar um


pouco de distância entre mim e o furacão loiro que está virando
minha vida de cabeça para baixo.

— PERAÍ. — Nico me entrega um copo de água com gás e senta


numa poltrona perto da minha na sala espaçosa e moderna, toda
decorada com móveis brancos. — A garota realmente entrou no mar
sem saber nadar?!
Eu suspiro.
— Entrou. — Bebo um gole, desejando que fosse uma cerveja.
Como estamos no meio da temporada, não posso me dar ao luxo de
ficar consumindo álcool. — Quão estúpido alguém precisa ser para
fazer isso?
Ele cruza as pernas sobre a mesa de centro e recosta com sua
coca zero na mão.
— E você precisou entrar para resgatá-la? — O lábio do
quarterback se ergue num sorriso sacana. — Fez respiração boca-
a-boca?
Eu o fuzilo com o olhar.
— Ela tem 21 anos, seu imbecil. E é enteada da minha irmã.
Nico ergue as sobrancelhas, bebendo um gole do líquido escuro
e gasoso.
— E daí? — pergunta. — Maior de idade, e não é sua parente.
Você me disse que só tinha visto a garota uma vez, e mal lembrava
dela. Deixa eu avaliar, me mostra uma foto.
— Não.
Nico ri.
— Ela é gostosa, né?
— Vai se foder, Marchesi.
Agora o filho da puta está gargalhando.
— Eu sabia! Ela é gostosa e vai morar um mês na sua casa!
Qual é o problema se rolarem uns pegas, cara? — Antes que eu
responda, ele me cutuca com o pé, a risada dando lugar a um
sorrisinho escroto no canto da boca. — Se bem que é você, né? O
monge celibatário de Malibu.
Depois do pior dia da minha vida, há 13 anos, eu entrei numa
fase muito insana. Foi uma espiral autodestrutiva que poderia ter me
levado à completa ruína, se eu não tivesse o futebol para me manter
parcialmente no foco. Ainda assim, cometi muitos erros durante
aqueles anos, e um deles quase teve consequências drásticas. O
baque do que aconteceu foi tão forte que eu fiz o que foi necessário
para salvar minha reputação e reduzir meu sentimento de medo,
culpa e vergonha.
Há nove anos, eu decidi que não me envolveria mais com
nenhuma mulher. A opção pelo celibato me pareceu a única saída
possível, e tem dado certo desde então. Nunca falo sobre isso com
ninguém, tanto por vergonha como por não acreditar que os outros
seriam capazes de compreender. Sem conhecer o contexto que
existe por trás dessa escolha, meus amigos não perdem a
oportunidade de me provocar a respeito disso, especialmente Nico.
— Mesmo se eu estivesse disposto a me envolver com alguém
— digo —, Samantha seria a última pessoa com quem isso
aconteceria. Além de ser muito mais nova que eu, insolente,
malcriada e enteada da minha irmã, ela está fazendo um estágio
nos Sharks e você conhece a política interna sobre envolvimento
entre membros do time e equipe técnica. Ou seja, esquece essa
porra.
Nico mantém a expressão divertida.
— Então, isso quer dizer que eu também não posso mostrar a
ela algumas habilidades especiais de Nico Marchesi. As que eu não
uso dentro do campo.
Olho para ele como se mirasse duas metralhadoras na sua
direção.
— Não.
Os ombros largos do meu amigo sacodem com uma risadinha.
— Cara, essa menina está mesmo te tirando do sério. — Nico
bebe um pouco da coca e olha para o teto, pensativo. — Eu ia te
sugerir algo para ajudar a relaxar, mas olha o problema: você não
pode beber porque estamos na temporada, não pode foder porque
decidiu virar monge... não consigo pensar em mais nada.
Claro, porque, para um cara como Nico, as únicas formas de
relaxar envolvem álcool e sexo. Eu olho através da janela, mesmo
que não consiga ver o mar por causa da escuridão lá fora.
— Eu tenho minhas técnicas, meditação é uma delas. Só que,
hoje, eu realmente precisava sair um pouco de casa e falar com
alguém. — Olho para ele. — De preferência, alguém que não se
divertisse com a minha desgraça, mas Nash anda muito ocupado
mimando a mulher dele.
Marchesi ri alto e eu disfarço um sorriso. Apesar de sermos
completamente diferentes em tantos aspectos, minha amizade com
Nico Marchesi e Hugh Nash é a coisa mais recompensadora que eu
tenho, junto com o futebol. Entre nós, existe um nível de lealdade e
cumplicidade que muita gente passa a vida inteira sem encontrar.
Formamos uma aliança tão indestrutível no campo que fomos
apelidados pela imprensa de The Dangerous Trio, e fora do jogo
essa relação é tão ou mais forte.
— Eu vou parar, prometo — Nico diz.
— Mentiroso do caralho.
— Tá, eu não vou parar. — Ele se inclina para frente. — Mas só
porque eu estou adorando essa coisa de ter aparecido alguém que
finalmente coloque um pouco de emoção na sua vida. Você estava
precisando disso, irmão.
Balanço a cabeça em negativa.
— Se existe uma certeza, é a de que eu não estava precisando
disso. Eu só precisava de paz para focar na temporada, e não ter
que me preocupar se a garota que está morando na minha casa vai
encontrar uma forma mais criativa de se suicidar amanhã.
Meu amigo me encara, com um meio sorriso.
— Aposto que ela aprendeu a lição depois do susto.
— E eu aposto que não — resmungo. — Você não conhece a
peça.
Nico termina sua coca e coloca o copo sobre a mesa.
— Pelo visto, isso vai mudar em breve, Segunda-feira, terei o
prazer de descobrir quem é a garota que conseguiu tirar do eixo o
cara mais centrado que eu conheço. Precisarei me lembrar de dar
os parabéns a ela por isso.
Eu viro a cabeça na sua direção de uma vez só, com os olhos
assustados porque conheço esse filho da puta. Ele seria
perfeitamente capaz de fazer isso, e eu não quero nem imaginar
qual seria a reação da garota ao ouvir algo assim. Preciso que ela,
pelo menos, me respeite.
— Você não vai fazer isso — digo, num tom ameaçador. — Nem
de brincadeira, Marchesi. Samantha não precisa de incentivos
adicionais para atormentar o meu juízo.
Ele ri.
— Veremos.
4

SAMANTHA
ANALISO MINHA APARÊNCIA no espelho do quarto uma
última vez. Camiseta branca, calça esportiva folgada com elástico
na cintura, tênis e o cabelo loiro preso num rabo-de-cavalo. Fiz uma
maquiagem bem discreta, porque não quero passar uma impressão
pouco profissional no meu primeiro dia de estágio.
Respiro fundo, pego a pequena mochila e ando até a porta do
quarto, controlando a ansiedade por saber que vou encontrar Ryker
Lockhart mais uma vez. Por mais irritante que tenha sido a reação
dele na sexta-feira, eu preciso admitir que ele estava certo em me
recriminar. Minha atitude foi impulsiva, irresponsável e poderia
mesmo ter tido uma consequência drástica. Ainda que eu saiba que
o futuro de ninguém é garantido e procure aproveitar a vida ao
máximo sem me deixar travar pelo medo, não quero morrer antes do
necessário por algum ato impensado. Tomarei mais cuidado daqui
para frente, e realmente ansiei pela oportunidade de mostrar ao meu
anfitrião que não sou uma completa inconsequente, como ele
parece acreditar.
O problema é que, durante o fim de semana, eu mal o vi. Ryker
teve treinos no sábado e no domingo e, nos poucos momentos em
que esteve em casa, ficou trancado no próprio quarto. Mal trocamos
cinco palavras nas últimas 48 horas, o que foi uma tremenda
frustração. Além de querer melhorar um pouco minha imagem com
ele, preciso admitir que o homem é uma visão e tanto, e eu passei a
esperar pela chance de observá-lo um pouco mais.
Em compensação, pude conhecer melhor o casal Smith, que é
maravilhoso. Passei longas horas conversando com os dois, além
de um tempo considerável brincando com os cachorros de Ryker. Ri
à beça quando Elsie Smith me contou seus nomes, e fiquei surpresa
ao descobrir que há um quarto cachorro chamado Darth Vader que
fica o dia todo preso numa área só dele nos fundos do terreno. No
início, achei uma crueldade, mas, segundo Elsie, isso foi necessário
pelo temperamento nada amigável do animal.
Não fui de novo à praia por medo de acabar criando mais
problemas com meu anfitrião, mas aproveitei bastante a piscina
climatizada que fica no jardim dos fundos. Essa casa é sensacional
e meu mês em Malibu promete ser maravilhoso.
Claro que poderia ser ainda melhor se Ryker não estivesse
decido a me ignorar por completo. Mesmo sendo arrogante,
condescendente e autoritário como o inferno, sua ausência nos
últimos dias não era o que eu queria. Não tenho vergonha de admitir
que, quanto mais ele se mostra indiferente a mim, mais eu tenho
vontade de provocá-lo. Pode me chamar de imatura, eu sou mesmo
em determinados aspectos. Sempre fui movida a desafios, para o
bem ou para o mal.
Ontem à noite, ele me surpreendeu ao bater na porta do meu
quarto e me informar que me daria uma carona até o centro de
treinamento. Pelo que eu vi no Google Maps, são vinte e cinco
minutos de caminhada, que eu estava plenamente disposta a fazer.
Quase soltei uma piadinha por causa desse oferecimento, mas
controlei a língua e apenas agradeci.
Saio do quarto e ando até a cozinha. Ele pediu que eu estivesse
pronta para sair às sete, e ainda são seis e quarenta. Achei que eu
ia tomar o café da manhã sozinha, mas, ao ver o homem musculoso
sentado numa banqueta, me dou conta de que meu dia acaba de
melhorar. Mesmo com todo o mau-humor, Ryker Lockhart é uma
visão e tanto.
— Bom dia — cumprimento, com um sorriso. — Dormiu bem?
Ele levanta os olhos da xícara de café por meio segundo e
resmunga um “sim”.
Quem poderia imaginar que essa simpatia de pessoa não é
muito falante de manhã? Chocante.
Eu dou de ombros, coloco a mochila sobre um banco vazio e
ando até a geladeira. Separo alguns ingredientes e olho para trás.
— Vou preparar uma omelete para mim — aviso. — Você quer?
Mister Simpatia apenas resmunga um “não” e aponta para um
prato sujo com restos do que parece ser ovo mexido à sua frente,
sem nem sequer olhar para mim.
Estreito os olhos para ele.
— A boa educação recomenda que se agradeça após um
oferecimento gentil. Sua mãe não te ensinou bons modos?
Ryker levanta os olhos lentamente para mim.
— Minha mãe morreu antes de ter tempo de me ensinar
determinadas coisas.
Eu engulo em seco. Não esperava essa resposta.
— Sinto muito — respondo. Em seguida, viro para a pia outra
vez e pego um recipiente para bater os ovos. — Eu sei bem o que é
crescer sem mãe.
Nem sei por que eu acrescentei essa última parte, já que não
costumo falar sobre isso. É um assunto íntimo e doloroso, que eu
não compartilho com literalmente ninguém.
Ryker não deve sequer ter prestado atenção ao que eu disse, já
que nem se dá ao trabalho de responder. Melhor assim, odeio que
me vejam como vítima.
Enquanto preparo a omelete, começo a cantarolar uma música,
distraída. Quando estou virando a mistura pela última vez na
frigideira, ouço a voz grave outra vez.
— Samantha?
Olho para trás.
— Sim?
— Eu gosto de silêncio de manhã.
Respiro fundo.
— Jesus, eu estava cantando tão baixinho... — argumento. Em
seguida, passo os ovos batidos com presunto para um prato e sento
na frente dele.
Os olhos azuis esverdeados estão gelados.
— Prefiro que você cante mentalmente daqui em diante, ao
menos enquanto eu estiver por perto.
Cantar mentalmente.
Claro, porque isso é muito divertido.
Espeto um pedaço da omelete com mais força que o necessário
antes de dizer:
— Sabe, eu sempre sonhei em aprender a mergulhar, então
pratiquei até conseguir ficar longos períodos em apneia. — Noto um
breve lampejo de curiosidade e interesse nos olhos claros, que
ficam presos aos meus. Ryker obviamente está aguardando para
descobrir aonde eu quero chegar com o comentário aleatório, mas
não estou com pressa. Levo o garfo até a boca, encarando-o.
Mastigo devagar, sem desviar o olhar do dele. Depois de engolir,
finalmente completo: — Então, se minha respiração estiver
incomodando, é só falar.
Ele revira os olhos, bebe o último gole do café inclinando a
cabeça para trás e se levanta num movimento rápido.
— Se apresse — ordena. — Vamos sair em cinco minutos.
Ryker deixa a xícara vazia na pia e começa a andar para fora da
cozinha. Eu sorrio. É gostoso demais provocá-lo. Sei que estou
brincando com fogo, mas testar os limites desse homem está se
tornando um desafio cada vez mais intrigante.
Não deixo de notar a bunda firme desenhada pela calça
esportiva, além dos ombros e costas largas. Quando Ryker me tirou
da água na sexta, eu estava assustada demais para reparar em
muita coisa, mas meu cérebro tratou de registrar a imagem dele de
cueca como aqueles prints rápidos que fazemos no celular para
olhar com calma depois.
Uma pena que eu estivesse com pouco oxigênio e, por isso, a
imagem não tenha ficado tão nítida. Aquele corpo merecia ser
admirado nos mínimos detalhes em lembranças futuras.
Bem, uma certeza que eu tenho é do tanquinho. Nossa, quantos
gomos tem aquele abdome?
Sorrio mais largamente enquanto termino de comer. Ryker
Lockhart pode ser o cara mais insuportável que já cruzou meu
caminho, mas é também o mais másculo e gostoso. Uma foda com
ele seria memorável, e é frustrante saber que dificilmente vai rolar.
Ele já deixou claro de todas as maneiras que não me suporta.
Coloco o prato vazio na pia, rindo de mim mesma. Mal cheguei
nessa casa e já quero dar para o irmão da minha madrasta. Esse
detalhe não seria nenhum impedimento para mim, porque não
somos parentes. Também nunca fiquei com um cara tão mais velho,
mas Ryker não é qualquer cara. É um que mereceria meu esforço,
se a situação fosse outra e eu não dependesse da boa vontade dele
durante o próximo mês.
Eu, com certeza, deveria colocar o juízo acima dos hormônios,
só que estar sob o mesmo teto que o homem mais sexy que eu já
conheci está fazendo meus ovários entrarem em combustão. Até eu,
que adoro dominar na cama, não me importaria de ser dominada
por alguém como Ryker Lockhart.
Esse homem conseguiu mesmo mexer comigo. Adoro um
desafio — quanto mais difícil, mais eu gosto. Meus limites rígidos
são os comprometidos, os gays e os que praticam celibato religioso.
Sei lá, melhor não irritar o cara lá de cima.
Não busco compromisso, não quero amor. Eu quero o frio na
barriga das primeiras vezes, a satisfação de dar e receber prazer.
Sexo é uma das melhores coisas da vida e, desde a minha primeira
vez, aos dezesseis anos, eu soube aproveitar tudo que ele tem de
bom a me oferecer. Exatamente por isso, tenho certeza de que ir
para a cama com Lockhart seria uma experiência inesquecível.
Ele retorna para a sala com sua habitual cara amarrada, e a
vontade de fazer alguma brincadeira para tentar arrancar dele uma
reação mais passional é quase insuportável.
Não, é melhor eu me conter. Não vamos colocar tudo a perder
logo nos primeiros dias. Se o homem precisa de um pouco de
espaço, eu darei. De vez em quando, pelo menos.
Assim que entramos no carro, eu pego meus fones de ouvido na
mochila e coloco. Escolho uma playlist no celular e ponho para
tocar, fechando os olhos e sorrindo. Estou tão distraída que me
surpreendo quando percebo que ele está dizendo alguma coisa.
Retiro um fone e o encaro.
— Falou comigo?
Ryker está olhando para frente, sério.
— Eu estava falando sozinho — ele diz, sem me encarar.
Eu ergo as sobrancelhas.
— Não seja ridículo. Você falou alto o suficiente para que eu
conseguisse ouvir, mesmo com os fones. Foi de propósito para
chamar a minha atenção.
Ele continua encarando a estrada.
— Nem tudo é sobre você, Samantha.
Sorrio, com escárnio.
— Olha quem fala sobre maturidade! Você claramente fez isso
para que eu respondesse, mas não quer dar o braço a torcer de que
quis interagir comigo. Não se esqueça de que eu tenho 21 anos,
ainda posso usar a desculpa de que estou amadurecendo quando
ajo assim. Qual a sua desculpa, com quase quarenta?
Ele me encara, parecendo meio puto.
Ops, toquei num ponto sensível?
— Eu tenho 36, para a sua informação.
Aperto os lábios para disfarçar o riso.
— Não quis te ofender. — Eu o analiso de cima a baixo, sem
disfarçar a apreciação. — Fique tranquilo, Ryker. Você está muito
bem para um coroa.
Ele se remexe no banco, desconfortável, e eu sinto de imediato
um calor gostoso sob a pele. Provocá-lo é bom demais para resistir
e, pelo jeito, essa nossa dinâmica será minha criptonita.
Posso acabar me ferrando e ficando sem teto? Posso.
Vou conseguir parar? De jeito nenhum.
Estamos entrando no estacionamento do centro de treinamento,
o que significa que, infelizmente, essa conversa vai acabar muito em
breve. Não misturo trabalho e vida pessoal. Como não quero perder
a oportunidade de uma última provocação, porque a vontade de
testar os limites desse homem passou a ser mais forte que eu, sem
tirar os olhos dele, eu comento:
— Não precisa ficar tão sem graça só porque te fiz um elogio.
Tenho certeza de que não sou a primeira mulher a dizer que você é
bem gostoso.
Ryker freia bruscamente numa vaga, coloca o câmbio no parking
com violência, sai do carro e depois bate a porta com força, como se
alguém tivesse jogado uma colmeia cheia de abelhas aqui dentro.
Eu rio, pego minha mochila e vou atrás.
— Ei, não vai me esperar? — pergunto, ainda rindo e acelerando
o passo para alcançá-lo. — Sei que você não tem modos, mas
poderia fingir de vez em quando.
Ele se vira para mim, puto. Bem puto.
— Samantha, isso tudo pode ser uma grande diversão para
você, mas, para mim, não é. Aqui é meu ambiente de trabalho, e eu
quero que você respeite isso. Estamos entendidos?
Cruzo os braços, com um meio sorriso.
— Você não me conhece, Ryker. — Eu o encaro com firmeza. —
Posso ter senso de humor, gostar de viver a vida com alegria e
emoção, mas eu sei diferenciar perfeitamente comportamentos
adequados ou não a um ambiente de trabalho. Me formei com a
maior nota da minha turma, me dediquei a trabalhos voluntários
durante toda a faculdade, sou bastante respeitada por cada um dos
meus professores e sei que aqui será igual. — Dou um passo na
sua direção e empurro seu peito de leve com o indicador. — Estou
brincando com você porque vamos conviver por um mês, e acredito
que essa relação poderia ser mais leve. Mas, quando cruzarmos
aquela porta, você não verá nada além de uma profissional
responsável e ávida por aprender.
Os olhos claros vasculham os meus, como se analisassem a
sinceridade das minhas palavras.
— Isso é o que eu quero ver, Samantha. Espero que você esteja
falando sério, para o seu próprio bem.
Eu ergo o queixo.
— Ainda posso te surpreender muito, Lockhart. Não me
subestime.
Dou-lhe as costas e saio andando em direção à porta, deixando
que seja ele a ter que acelerar o passo para me acompanhar dessa
vez. Em poucas passadas, Ryker já está caminhando ao meu lado,
em silêncio.
Disfarço um sorriso. Definitivamente, esse mês vai ser mais
divertido do que eu imaginei.
5

RYKER
EMPURRO A PORTA de vidro do The Palace e dou passagem
à garota atrevida. Samantha Carmichael está me tirando do eixo, e
esse é apenas o terceiro dia.
Ela caminha na minha frente por alguns metros, enquanto
atravessamos o saguão principal quase vazio. Meus olhos
involuntariamente mapeiam seu corpo, demorando mais do que
deveriam na bunda redonda e empinada.
Eu os fecho com força, sem parar de andar. Era só o que faltava,
ficar reparando no corpo da enteada da minha irmã. A garota que é
quase 16 anos mais nova que eu, além de ser a criatura mais
atentada que já cruzou meu caminho.
Odiei a maneira como meu corpo respondeu ao olhar de
apreciação que ela me lançou agora há pouco, no carro. Preciso me
lembrar de que ela faz e diz essas coisas apenas para me provocar,
porque a menina é a petulância encarnada num corpo perfeito no
qual eu definitivamente não deveria estar reparando.
Estou há nove anos tendo sucesso em não prestar muita
atenção a mulher nenhuma, não é justamente com essa garota que
as coisas vão mudar.
Bufo e desvio o rosto, o que a faz olhar para trás.
— Está tudo bem aí? — Samantha pergunta, com um sorrisinho
cínico.
— Sim. — Chegamos ao hall dos elevadores e eu aperto o botão
de chamada. — Vou te levar até o departamento médico.
Ela sorri.
— Estou muito animada para conhecer a dra. Carolina
Fernandes — Samantha comenta, referindo-se à médica chefe do
departamento.
— Uhum. — Seguro a porta do elevador para que ela entre. —
Terceiro andar.
Ela aperta o botão e subimos em silêncio. Após o apito suave,
saímos e eu indico um corredor à direita. Caminhamos lado a lado
por alguns metros, até cruzarmos uma porta de vidro. Lá dentro, eu
avisto um dos auxiliares do departamento médico e aviso:
— Essa é Samantha Carmichael, estagiária de nutrição. Está
começando hoje.
O garoto, que deve ter uns 20 anos, engole em seco ao vê-la.
Samantha se adianta e estende a mão, com um largo sorriso.
— Olá. É um prazer conhecê-lo.
O auxiliar fica vermelho e sorri, tímido.
— O... o prazer é meu. Vou levá-la até a sala da dra. Fernandes.
A enteada da minha irmã olha para trás uma última vez, me dá
uma piscadinha e se afasta, puxando papo com o pobre rapaz que
não sabe o que fazer com as próprias mãos.
Eu suspiro e dou meia-volta, a caminho da academia. Hoje meu
programa inicia com um treino de força, seguido por massagem e
sauna. À tarde, temos vídeos e reunião com Liam Campbell, o
técnico geral, e David Bauer, o técnico do ataque.
Assim que chego à academia, vejo Nico e Hugh conversando.
Quando nota minha presença, Hugh, nosso running back, abre um
sorriso sacana.
— Onde está sua protegida? — O cretino vem na minha direção
e dá dois tapinhas no meu ombro, apontando com o polegar da
outra mão para trás. — Nosso amigo está doido pra conhecê-la.
Eu fuzilo Nico com o olhar.
— Já disse pra parar com essa porra, Marchesi.
O quarterback levanta as mãos, com uma falsa cara inocente.
— Eu não fiz nada. Só comentei que estou curioso para
conhecer a moça.
Nico não me engana. Ele não é tão estúpido a ponto de colocar
o contrato em risco por se envolver com alguém da equipe técnica,
mas não duvidaria que ficasse cozinhando Samantha até seu último
dia aqui nos Sharks e depois a levasse direto para sua cama.
Meus amigos passaram o fim de semana inteiro me azucrinando
nos treinos, perguntando da garota e traçando teorias sobre o que
pode acontecer no próximo mês. Se eles soubessem dos
comentários engraçadinhos que Samantha fez hoje no carro, eu
nunca mais teria um minuto de paz.
Nunca. Mais.
— Por que vocês não param de conversa e começam a treinar?
— sugiro, dando as costas e andando até o canto da academia.
Pego um colchonete e começo o aquecimento.
Para o meu alívio, os dois finalmente largam o osso e começam
a aquecer também. Soranz, o preparador físico, acompanha meu
treino com a testa franzida. Ele e Rodriguez, o fisioterapeuta, têm
sido um pé no saco. Ambos estão preocupados com meu ombro
sem necessidade e, por isso, me poupando muito mais do que
deveriam.
Quando pego o halter para fazer a série de ombro, Soranz se
aproxima.
— Diminui a carga, Lockhart. Seu peso agora é 10.
Eu travo a mandíbula e o encaro.
— Eu consigo fazer com 14.
Ele me encara de volta, irredutível.
— Você vai fazer com 10. Não vamos começar essa discussão
outra vez.
Mal sabe ele que, quando eu treino sozinho na academia da
minha casa, eu faço com 14. Meu ombro direito está meio fodido há
meses, mas isso não vai me impedir de jogar e dar o meu melhor
nessa temporada.
Como eu sei que é inútil discutir, troco o halter e faço a série
como ele quer. Deixa que eu fortaleço direito esse grupamento em
casa, onde não tem ninguém me enchendo a porra da paciência.
Após três horas de treino de força, somos liberados para a sauna
e massagem. Mais uma vez, Juan Esposito, nosso massagista
principal, gasta um tempo enorme no meu ombro, com certeza por
orientação de Rodriguez. Já cansei de brigar por causa dessa
merda, então só fico quieto e deixo o cara trabalhar.
Tomamos uma ducha rápida e andamos até o restaurante do
complexo para almoçar. Sento numa mesa com Nico e Hugh, como
sempre. Nossa comida chega e eu pego o garfo, faminto. Estou com
ele cheio a meio caminho da boca quando ouço a voz familiar atrás
de mim:
— Posso sentar com vocês?
Eu me viro devagar, com a boca entreaberta, e meu olhar
encontra o sorriso de Samantha. Com a visão periférica, não perco
a expressão de Nico, com as sobrancelhas tão altas que quase se
escondem atrás do cabelo loiro, e o sorriso mal disfarçado de Nash.
Samantha está segurando uma bandeja, esperando minha
permissão para sentar. Os pratos dos jogadores vêm da cozinha,
porque são preparados individualmente de acordo com o plano
alimentar de cada um. Os membros da equipe técnica se servem no
farto bufê de acordo com a sua vontade.
Antes que eu consiga responder, Marchesi se adianta:
— Claro que pode, meu bem.
Eu preciso controlar a vontade de lhe dar um chute por baixo da
mesa.
— Obrigada. — A garota senta ao meu lado, o único lugar vazio.
— À propósito, sou Samantha Carmichael, estagiária da nutrição,
mas podem me chamar de Sam. Vocês nem precisam se
apresentar. — Ela dá uma risadinha. — O Dangerous Trio está em
todos os sites de esportes, sei exatamente quem vocês são.
— É um prazer conhecê-la, Sam — Nash cumprimenta, ainda
disfarçando o riso. — Ryker fala muito de você.
A garota vira na minha direção, com um sorriso espantado.
Ótimo, agora são dois na minha lista de homicídios: Hugh e Nico.
É só arrumar mais um engraçadinho e eu posso concorrer ao título
de serial killer.
— É mesmo? — ela pergunta. — E posso saber o que ele disse?
— Apenas coisas boas — Nico responde, sério. — Nosso amigo
fez questão de dizer o quanto está sendo agradável ter você como
hóspede.
Samantha estreita os olhos e então comprime os lábios. Ela não
é idiota, e já percebeu que os dois estão tirando sarro com a minha
cara.
— Também só tenho elogios a fazer ao meu anfitrião. — A
abusada sorri, com uma expressão inocente. — Ryker é a pessoa
mais gentil que eu já conheci.
Nessa hora, Hugh não consegue controlar a risada barulhenta,
que acaba sendo acompanhada pelos outros dois.
Excelente. Sou a piada do dia, agora.
Espeto um pedaço de frango com força e olho para os três,
sério.
— Será que podemos almoçar em paz? Ou vocês vão continuar
se divertindo às minhas custas?
Samantha me encara, atrevida.
— Se eu fosse você, Ryker, nem ofereceria isso como opção.
Sempre achei a paz muito monótona.
Nico ri alto.
— Sam, em três minutos, eu já gostei de você. — O quarterback
estende a mão sobre a mesa. — Bem-vinda aos Sharks.
Ela aperta de volta, divertida.
— Já gostei de vocês também. Tenho certeza de que será um
mês bem interessante.
Eu balanço a cabeça, desanimado. Se tê-la na minha casa já era
inquietante, ter que encontrá-la todos os dias no The Palace será
ainda pior. A garota vai oferecer munição interminável para os meus
amigos transformarem minha vida num inferno.
Só me resta torcer para que esse mês passe rápido.
Bem rápido.
6

SAMANTHA
— ALÉM DO ACOMPANHAMENTO diário aqui no centro
de treinamento, todos os estagiários do departamento de medicina
esportiva viajam com o time uma vez ao longo do período do estágio
— Denise Richards, a nutricionista-chefe, me explica, ao
terminarmos o breve tour pelo departamento.
— Que máximo — respondo, animada. — Vou poder assistir a
um jogo, então?
Ela ri da minha empolgação.
— Vai. Você precisa entender como é insana a vida desses
atletas, então não seria uma experiência completa se não os
acompanhasse em um jogo fora de casa. — Ela baixa o tom de voz
para completar: — Admito que não invejo a rotina desses caras não.
Você vai entender o que estou dizendo muito em breve.
— Mal posso esperar para isso.
Dei muita sorte com a equipe que me recebeu. A dra. Carolina
Fernandes é mais séria, mas foi extremamente educada. Eu já tinha
dado uma olhada no seu currículo pela internet antes de começar o
estágio. Ela é brasileira, veio fazer faculdade de medicina aqui nos
EUA e acabou ficando. Tem 35 anos, bastante jovem para ter
assumido um cargo tão importante num dos times de maior
destaque no país. Sua formação e seus títulos são muito
impressionantes, e não há dúvidas da sua competência.
Denise é um amor de pessoa. Sorriso fácil, um olhar gentil que
chega a brilhar no rosto de pele negra, e uma voz sempre tranquila.
— Como funciona a elaboração do cardápio dos atletas? —
pergunto a ela, assim que sentamos atrás da mesa do consultório.
— Nós fazemos avaliação periódica dos jogadores com
calorimetria, bioimpedância e medidas antropométricas — ela
explica. — Os protocolos são ajustados de acordo com o período
em que eles estão, sempre guiados pelo calendário da temporada.
— Entendi. — Pego uma ficha, de um atleta chamado Marco
Suarez. Fico surpresa ao olhar os parâmetros. — Esse aqui, por
exemplo, tem uma meta de 210 gramas de proteína por dia. — Olho
para ela. — É bem difícil de alcançar, não?
Denise concorda com um movimento de cabeça.
— Sim, mas eles estão acostumados. Suarez pesa 105 kg, e
estabelecemos para ele o cálculo de 2g de proteína por quilo de
peso baseado nos indicadores da bioimpedância e calorimetria. O
metabolismo basal dele é alto, por isso precisamos compensar na
alimentação para que ele não perca massa muscular nos treinos.
Eu estudei um pouco sobre isso na faculdade, mas ver aplicado
na prática é muito mais interessante.
— E em casa? — pergunto. — Eles seguem a orientação
alimentar?
Denise pisca um olho para mim.
— Nós esperamos que sim. Na verdade, quando eles não
seguem, os exames mostram. Ninguém quer correr o risco de ser
cortado por baixo desempenho, então os jogadores costumam ser
bem responsáveis nesse quesito. Especialmente os titulares.
Nós continuamos conversando enquanto ela pega outras fichas
e vai me mostrando o plano alimentar de cada um. Fico curiosa para
ver o de Ryker, mas ele não está nessa sequência e é óbvio que eu
não vou perguntar.
Após algum tempo, fazemos uma pausa para tomar café. Denise
me leva até um espaço localizado no final do corredor do terceiro
andar, onde há um grande janelão de vidro com vista para o
gramado do lado de fora, algumas poltronas confortáveis, plantas e
até mesmo uma pequena fonte. O barulhinho suave de água é
relaxante, e a mera existência desse ambiente me surpreende.
Assim que nos sentamos com os copinhos reutilizáveis cheios
com o líquido cheiroso e fumegante, eu pergunto:
— Quem usa esse espaço? — Olho ao redor, reparando numa
plaquinha onde está escrito “Espaço de relaxamento Samuel
Sanders”.
— Todos que desejarem — Denise responde. Quando percebe
meu olhar, ela explica: — O fundador do time, Douglas Sanders, era
um homem muito especial. Seu filho, Samuel, teve uma crise grave
de burnout há uns 15 anos. Precisou abandonar seu emprego como
CFO de uma grande multinacional, e demorou bastante para se
recuperar. O caso foi amplamente noticiado na mídia. Desde esse
episódio, seu pai passou a se preocupar ainda mais com a saúde
mental dos seus funcionários. Criou esses espaços em cada um dos
andares do complexo, começou a oferecer suporte psicológico não
apenas aos jogadores, mas também a toda a equipe técnica, e
sempre promovia atividades de descompressão e relaxamento
periódicas.
— Uau. — Estou realmente impressionada. — Parece ser uma
pessoa incrível. Lembro de ter lido em algum lugar que ele morreu
há alguns meses.
A expressão de Denise fica melancólica.
— Sim. O time foi comprado por um bilionário muito jovem e
meio excêntrico, chamado Dominic Becker. Ao contrário de Douglas,
que vinha aqui todos os dias, Becker raramente aparece. Ao menos,
ele não cortou nenhuma das políticas de bem-estar voltadas aos
funcionários, ainda que isso implique em um custo adicional.
Lembro de ter lido algo a respeito da venda do time.
Curiosamente, o novo dono é a cara do ator e cantor Justin
Timberlake, o que não é exatamente a imagem que eu faria de um
bilionário do ramo da informática.
— Muito legais essas iniciativas — comento, distraída. — Se
todos os ambientes de trabalho fossem assim, o mundo seria um
lugar bem melhor.
Denise assente, bebendo seu café.
— Você disse que é do Kansas, certo? Está hospedada onde?
Não perguntei diretamente a Ryker se há algum problema em
dizer que estou morando na casa dele, mas imagino que não. Não
tenho certeza de quantas pessoas sabem sobre a minha relação
familiar com a irmã dele, e não quero que pensem que só consegui
a vaga por isso. Pretendo ser respeitada aqui dentro, e ter meu
desempenho e meu esforço reconhecidos. Ainda assim, não vou
mentir quando me perguntarem, como agora.
— Estou hospedada na casa de Ryker Lockhart.
Denise levanta as sobrancelhas grossas, surpresa.
— É mesmo?
Ainda que a nutricionista seja elegante e discreta, a curiosidade
no seu olhar é indiscutível. Decido esclarecer as coisas de uma vez,
antes de dar margem a alguma interpretação equivocada.
— Ele é irmão da minha madrasta. Quando soube que eu faria o
estágio, ofereceu a casa para que eu me hospedasse durante esse
mês.
Denise sorri.
— Lockhart é um atleta brilhante. Provavelmente, é o mais
focado entre os nossos jogadores, e tem o respeito e admiração de
todos.
A informação não me surpreende. Só de olhar para ele dentro e
fora do campo, é nítido o quanto o homem é uma máquina de
performance e determinação.
A nutricionista checa as horas, bebe o resto do café e se levanta.
— Temos a avaliação de Jared Westbrook em dez minutos.
Vamos?
Eu também viro o restante da bebida e nós andamos até a copa,
onde lavamos os copinhos e guardamos no armário. Em seguida,
ocupamos o consultório onde os atletas fazem as avaliações.
Poucos minutos depois, ouvimos uma batida à porta.
— Entre — Denise orienta.
Um homem enorme e lindo de morrer entra na sala, com um
largo sorriso.
— Oi, Denise — ele cumprimenta, e então olha para mim. Seus
olhos quase pretos brilham, e o sorriso muda discretamente. — Olá.
Denise aponta para mim.
— Essa é Samantha Carmichael, estagiária de nutrição. Se
importa que ela acompanhe sua avaliação de hoje?
O canto dos lábios de Jared se ergue alguns centímetros.
— Claro que não.
Minha chefe assente e aponta para o canto da sala.
— Você sabe o que fazer.
Westbrook faz um sinal rápido com a cabeça e começa a tirar a
roupa, ficando apenas de sunga. Seu físico grande é inteirinho
definido, a pele negra não tem uma imperfeição sequer. Um pedaço
de mau caminho, sem dúvida.
Estranhamente, meu corpo não reage a ele como tem reagido a
um outro jogador. Um mais velho, com cara de bravo e que parece
querer me matar com requintes de crueldade durante a maior parte
do tempo. Devo ter tendências masoquistas ocultas em algum canto
da minha personalidade.
— Pode subir na balança — Denise orienta.
São 97 quilos de músculos, muito bem distribuídos em 1,92m.
Em poucos minutos, a balança moderna envia para o computador
as informações da bioimpedância.
— Excelente, Jared — minha chefe elogia. — Você ganhou mais
um quilo de músculos desde a última avaliação, sem ganho de
gordura.
Ele sorri.
— Mérito nosso. A última dieta ficou bem fácil de seguir.
Denise sorri de volta.
— Vou tirar suas medidas, agora.
Pelos próximos minutos, ela faz toda a aferição antropométrica,
bem mais detalhada do que estou acostumada. Por fim, Jared se
veste e senta em frente a nós, do outro lado da mesa.
— Vou manter seu protocolo por mais três semanas — Denise
avisa. — Não se esqueça de beber muita água, especialmente
porque sua creatinina subiu um pouquinho no último exame.
Westbrook esfrega a nuca, fazendo uma careta.
— Sei que posso melhorar nessa parte.
— Por favor. — Denise pega a folha impressa e entrega a ele. —
Ou vai levar um puxão de orelha da dra. Fernandes na sua próxima
avaliação.
Ela se levanta, e eu faço o mesmo. Jared também fica de pé e
olha para mim.
— Foi um prazer conhecê-la, Samantha.
— O prazer foi meu.
Ele me oferece um sorriso charmoso.
— Você fica no estágio por quanto tempo?
— Um mês.
O rapaz assente, pensativo.
— A gente se vê por aí. — Ele volta a olhar para a nutricionista.
— Obrigado, Denise. Até a próxima.
Assim que Westbrook sai da sala, minha chefe começa a rir.
— O que foi? — pergunto, unindo as sobrancelhas.
— Ah, Sam... esse mês será divertido.
Nós voltamos a sentar, e ela começa a passar as informações da
avaliação de Jared para um prontuário eletrônico.
— Por quê? — pergunto.
Ela balança a cabeça, ainda sorrindo.
— Porque, graças à cláusula de contrato que proíbe
relacionamento entre os atletas e a comissão técnica, todos os
jogadores solteiros do time contarão os dias até seu estágio acabar
e te disputarão a tapa depois disso.
Eu caio na risada.
— Não seja boba — repreendo.
Ela ergue as sobrancelhas.
— Está duvidando? Espere mais alguns dias e me diga se eu
estou errada.
Nós duas rimos mais. Talvez seja um exagero, mas admito que a
ideia de me envolver com um jogador musculoso e lindo da NFL
para algumas noites quentes não é uma ideia nada desagradável.
O único empecilho é que meu cérebro teimoso parece ter
decidido que só quer justamente o cara que não tem qualquer
interesse em mim.
Que inferno. Por que eu sou assim?
7

RYKER
— AINDA VAI PRECISAR de mim hoje, sr. Lockhart? —
Jordan, meu motorista, pergunta, ao estacionar o carro na garagem.
Eu nego com um movimento de cabeça, saindo do carro.
— Não, obrigado. Vá para casa descansar.
Ele se junta a mim atrás do veículo, tirando minha mala do
bagageiro e me entregando.
— Obrigado. Bom descanso também e parabéns de novo pela
vitória.
Levo a valise compacta até o interior da casa, exausto. Ontem,
quinta-feira, jogamos em Nova York contra os Giants 1 e ganhamos.
O jogo foi tenso, mas essa vitória ajudou bastante na moral do time.
Hoje, encaramos o voo de 6 horas de volta, e tudo que eu quero
fazer é descansar pelas próximas 36 horas, já que amanhã não
teremos treino.
Deslizo a mala até o meu quarto e estranho o silêncio dentro de
casa. Olho discretamente para o quarto de Samantha, cuja porta
está aberta, mas o cômodo está vazio. São seis da tarde, seu
horário no The Palace encerrou às cinco, então me pergunto onde
ela está. Só espero que não esteja aprontando.
Durante a última semana, a garota pareceu mesmo se
comportar. Eu lhe dei carona quando nossos horários coincidiram e
nós nos cruzamos algumas vezes no The Palace, mas ela cumpriu o
que prometeu e se portou de maneira profissional. Exceto pelas
piadinhas intermináveis de Nico e Hugh, eu diria que foi quase uma
semana de trabalho normal.
Em casa, eu consegui me manter afastado, me trancando no
quarto assim que chegava e fazendo as refeições em horários
diferentes dos dela. Dei o azar de esbarrar com Samantha à noite
uma vez, e eu definitivamente não precisava ter visto a garota com
um baby doll tão curto e decotado que mais mostrava do que
escondia. Me obriguei a apagar essa imagem da mente.
Entro na minha suíte, deixo a mala num canto e tiro a roupa que
usei no voo, louco por um banho no meu próprio chuveiro. Depois
de uma ducha rápida, coloco uma bermuda e um par de chinelos.
Nesse momento, ouço uma música baixa e um barulho de risadas
vindo do jardim. Ando até a porta de correr da suíte, que dá na
varanda dos fundos, e afasto um pouco a cortina.
Samantha está dançando na grama, vestindo o mesmo biquíni
vermelho que estava usando naquele dia da praia em que quase se
afogou. Meus três cachorros estão pulando em volta dela. Os
animais latem e dão a volta em si mesmos, chamando-a para
brincar.
O fato de estar usando apenas a porcaria do biquíni faz com que
eu tenha uma visão privilegiada do corpo escultural. Ela é magra,
mas não magra demais. Os seios são fartos e empinados, a bunda
é redonda e lisinha e as pernas são tão longas que parecem não
terminar nunca.
A garota está cantando e dançando de uma forma tão sensual
que eu engulo em seco. Reconheço a música que está tocando, que
deve ter mais de 30 anos. É I touch myself, das Divinyls. Me
pergunto como ela a conhece.

I don’t want
Anybody else
When I think about you
I touch myself 2

Nessa parte do refrão, ela aponta para a casa, mais


especificamente na minha direção, e eu quase acho que ela está me
vendo. Sinto uma pontada de pânico por ser pego em flagrante
observando-a como um voyeur, mas logo depois me lembro de que
está escurecendo e eu estou com as luzes apagadas. Sem parecer
notar minha presença, Samantha me dá as costas outra vez,
rebolando e chamando os cachorros para dançarem com ela.
Juntando a letra erótica da porra da música e o fato de que ela
apontou na direção do meu quarto exatamente na parte do “quando
penso em você”, não consigo evitar de visualizar a garota se
masturbando, e o pior: pensando em mim ao fazer isso.
Puta que pariu.
Eu realmente não precisava dessa imagem mental.
Ela começa a correr atrás dos cachorros, gargalhando. O cabelo
loiro está preso num rabo de cavalo bastante bagunçado. Samantha
parece completamente alheia à própria beleza, que emana dela sem
esforço nenhum.
— Vou pegar vocês! — ela grita, correndo atrás de Bruce Willis.
Chaplin, mesmo com apenas três patas, é bastante ágil e já está
do outro lado do gramado. Stevie Wonder se guia pelos ruídos, e
não corre tão rápido como os outros. Samantha o alcança, se joga
no chão e abraça o pescoço do cão, que lambe seu rosto e abana o
rabo. Segundos depois, os outros dois já estão em cima dela de
novo, e o ciclo recomeça.
Apesar da situação completamente inapropriada de alguns
instantes atrás, eu sorrio. Recebo poucas visitas, apenas Nico e
Hugh de vez em quando. Exceto por mim, Elsie e Felix Smith, meus
cães não conheceram o significado da palavra amor. Resgatei todos
eles na rua, em situação de abandono e com risco de morte. Pelos
problemas de saúde e deficiências, a chance de eles serem
adotados era quase nula. Paguei pelo tratamento veterinário e
depois os trouxe para a minha casa. Ver alguém tratá-los com tanto
carinho provoca uma reação estranha no meu peito.
Nesse momento, Samantha levanta e começa a andar até os
fundos do terreno, onde fica o espaço de Darth Vader. Sinto meu
estômago gelar e abro a porta de correr num movimento brusco,
saindo para a varanda com passos largos.
A garota já foi alertada para se manter longe daquele local, mas
é teimosa como o inferno. Ela não tem ideia do que o cachorro seria
capaz de fazer caso se sinta ameaçado. Antes que eu consiga
alcançá-la, Samantha senta no chão, próxima à grade que isola o
canil particular. Eu construí um espaço amplo e confortável para ele,
e é onde o cão passa a maior parte do tempo.
Quando eu estou em casa, deixo-o solto para interagir com os
outros cachorros sob a minha supervisão. Eu sou a única pessoa
que Darth respeita, porque provavelmente entende que é graças a
mim que ainda está vivo.
Diminuo a velocidade dos passos conforme me aproximo de
Samantha. Ela continua sentada no chão, olhando para o canil
através da grade enquanto meus outros três cachorros se distraem
entre si perto da piscina. Darth está em pé na área aberta de
gramado exclusiva dele, a uns cinco metros de distância da grade,
rosnando baixo.
Ouço a voz doce de Samantha:
— Ei, está tudo bem — ela diz. — Não vou te machucar.
Ao invés de agir com estupidez e tentar enfiar a mão através da
grade, a garota apenas envolve os próprios joelhos dobrados com
os braços, trazendo-os para junto do peito, e continua a conversar
com o animal.
— Deve ser meio solitário aí dentro, não? Pelo que me
contaram, você tem dificuldade em manter bons modos e rosna
demais para as pessoas. — Ela ri. — Parece o seu dono.
Um pequeno sorriso curva o canto da minha boca. Como minha
aproximação não foi notada, eu decido parar próximo a uma árvore,
me encosto nela e cruzo os braços, esperando pelo que vai
acontecer em seguida.
— Eu imagino que você tenha passado por muita coisa para ser
assim, amigão. — Samantha desvia o olhar, que fica perdido. Só
consigo ver suas costas e uma parte do seu perfil. — Entendo bem
que algumas circunstâncias mudam a gente mesmo, e fazem com
que aprendamos a criar casca. Nem sempre a vida é gentil.
As palavras carregam um tom melancólico e pesado, como se
ela realmente soubesse do que está falando. Sei que sua mãe saiu
de casa e deixou ela e o pai sozinhos quando Samantha ainda era
bem pequena, e imagino que isso seja motivo suficiente para deixar
marcas profundas.
Ela volta a olhar para o cachorro.
— Ainda assim, viver é um privilégio. Se ficamos presos apenas
às coisas ruins e aos nossos medos, perdemos grandes
oportunidades.
Darth se aproxima da grade, ainda rosnando baixo. Antes que eu
consiga reagir, Samantha estica a mão e oferece a palma para ele,
sem ter a menor noção de que o animal seria capaz de arrancá-la
com uma única mordida.
— Samantha, não! — eu grito, desencostando da árvore e
começando a correr na direção do canil.
Ela olha para trás, mas não se mexe. Para a minha surpresa,
Darth aproxima o focinho, cheira sua mão, a encara por dois
segundos e então se afasta, sem fazer nada. Eu solto o ar, aliviado,
mas a raiva já voltou a crescer dentro de mim.
— Você está maluca?! — acuso, agachando na sua frente e
agarrando seus braços. — Não foi alertada para não chegar perto
desse canil?
Ela me encara, em desafio. Que novidade.
— Boa tarde para você também, Ryker. Como foi sua viagem?
Sim, eu estou bem, obrigada por perguntar.
— Responda à minha pergunta — insisto, respirando pesado. —
Você não foi alertada para não se aproximar daqui?
— Sim, fui. Mas eu não assustei seu cachorro, jogador. Estamos
apenas nos conhecendo melhor. Se algo de ruim acontecesse, teria
sido por culpa sua e do seu berro desnecessário.
Mas não é possível.
— Esse cachorro já matou uma pessoa, Samantha — digo, com
a mandíbula travada. — Qual parte do não chegue perto dele você
não entendeu, porra? Vou ter que te proibir de vir ao jardim, agora?
Os olhos dela se arregalam por dois segundos, mas, ao invés de
dar o braço a torcer, a insolente levanta o queixo.
— Eu tinha a grade como proteção, Ryker. Além disso, eu vi no
olhar de Darth que ele não ia me atacar.
Claro. Ela viu no olhar de um cão traumatizado e imprevisível,
que foi treinado para ser um assassino, que ele não ia atacá-la.
Inacreditável.
Minhas narinas inflam, quando puxo o ar com força. O cachorro
talvez não quisesse matá-la ainda, mas eu certamente quero. Não é
possível que alguém consiga ser tão irresponsável.
— Não existe forma de prever o comportamento de um animal
desses, mulher! — exclamo, sem acreditar em tamanha falta de
noção de perigo. — Você não tem amor à vida? Por que agir o
tempo inteiro desafiando limites, vivendo como quem não tem nada
a perder?
Ao ouvir essa frase, ela se encolhe como se tivesse levado uma
bofetada. A dor em seus olhos azuis é clara como o dia.
— Isso não é da sua conta, Ryker. — Ela olha para as minhas
mãos, que continuaram apertando seus braços com força sem que
eu me desse conta. — Pretende me punir fisicamente, agora?
Ao ouvir essas palavras, eu a solto na mesma hora e quase caio
quando dou um passo para trás, ainda agachado. Fico em pé outra
vez e corro a mão pelo cabelo, atordoado.
Olho para baixo e vejo a marca vermelha dos meus dedos na
pele branca, o que faz o sangue fugir do meu rosto.
Caralho, eu sou um merda.
— Desculpe, eu... não queria te machucar.
Samantha dá de ombros e se levanta, passando a mão na bunda
para limpar os restos de grama.
— Se ao menos você conversasse comigo, eu saberia mais
sobre a história do cachorro. — Ela me encara, com um sorriso sem
humor, e em seguida olha para a casa. — Elsie deixou o jantar
pronto. Como já sei que não pretende se juntar a mim, vou tomar
um banho e comer.
Samantha sai caminhando em direção à varanda, sem olhar para
trás ou esperar uma resposta. Eu olho para o céu quase escuro de
fim de tarde, me sentindo ainda pior.
Que situação escrota. Há anos eu não sou um cara sociável, não
gosto da obrigação de interagir com os outros e o que mais almejo é
reencontrar algum dia a minha paz. Exatamente por isso, não queria
ter alguém invadindo a minha privacidade, ocupando o meu espaço,
interferindo com a minha rotina. Em especial uma garota
irresponsável e impulsiva, que parece viver para quebrar as regras e
se meter em encrencas.
Por outro lado, admito que não tenho sido justo com ela. Ainda
que inicialmente contra a minha vontade, aceitei recebê-la na minha
casa, então, o mínimo que qualquer pessoa normal deveria fazer é
algum esforço para ser educado.
Debato internamente sobre o que fazer. O certo seria pedir
desculpas e tratá-la de maneira mais gentil. Sim, eu preciso fazer
isso.
Começo a andar em direção à casa, decidido a corrigir esse
comportamento babaca. Assim que cruzo as portas de vidro, olho ao
redor da sala espaçosa, mas Samantha não está em lugar nenhum.
Imagino que esteja tomando banho. Me sirvo de uma dose de
uísque, coisa que quase nunca faço, e bebo alguns goles em
silêncio. Fico assim por um longo tempo, me acalmando e pensando
na melhor forma de me desculpar e propor essa trégua.
Após esse tempo de reflexão, me dou conta de que ainda estou
sem camisa. Deixo o copo quase vazio sobre o aparador e começo
a caminhar até o meu quarto para colocar uma.
Stevie Wonder vem atrás de mim e, ao invés de me seguir até a
minha suíte, ele tromba na porta do quarto de Samantha, que faz
um clique na maçaneta e se abre de repente.
Ao erguer o olhar, eu gelo. Ela está de costas para mim, nua, ao
lado da cama, secando o cabelo. Ao ouvir o barulho, se vira,
surpresa, e nossos olhares se encontram por dois segundos antes
que eu consiga desviar os meus e fugir dali.
Entro na minha suíte com o coração disparado, fecho a porta e
me encosto nela, tentando acalmar a respiração. Cerro os olhos
com força, a imagem do corpo perfeito grudada no meu cérebro
como a marca de um ferro em brasa. Sinto meu pau endurecendo e
solto um grunhido frustrado.
Não, não é possível.
Ao longo dos últimos nove anos, eu aperfeiçoei minhas
estratégias de celibato a tal ponto que já faz mais de três que eu
sequer me masturbo. Consegui eliminar o desejo sexual da minha
vida, e é desesperador ver tudo isso indo pelo ralo por causa da
enteada da minha irmã. Alguém que foi colocada sob a minha
responsabilidade.
Uma garota de 21 anos, caralho.
Lanço mão de todas as técnicas que aprendi ao longo desse
período. Tento desviar o rumo dos pensamentos para o trabalho,
mas não funciona. Procuro pensar no corpo dela como algo
repulsivo, mas só a tentativa chega a ser ridícula. Não há
absolutamente nada de repulsivo em Samantha Carmichael, para o
meu desespero.
Meu pau lateja na boxer, como se os anos adormecido
estivessem cobrando seu preço com juros, de uma única vez. Ouço
o barulho dela no quarto ao lado, e lembro da minha decisão de
pedir desculpas e consertar as coisas. Preciso fazer isso,
especialmente agora que a coloquei sem querer nessa situação tão
constrangedora.
O problema é que não posso aparecer na sua frente com uma
ereção monstruosa, que não está dando nenhum indício de que vai
desaparecer sozinha. Irritado e frustrado, entro no banheiro, tiro a
bermuda e a boxer e ligo o chuveiro. Não importa que eu tenha
tomado banho há menos de meia hora, preciso fazer uma última
tentativa com a água fria.
Cinco minutos depois, eu percebo que é em vão. Meu pau
continua tão duro quanto a espada de Excalibur. A quantidade
absurda de ocitocina, serotonina e dopamina circulando no meu
sangue — sim, eu estudei pra caralho quando decidi me tornar
celibatário — não vão ceder tão cedo sem um orgasmo. Já passei
por isso no início do celibato, e sei bem como funciona.
Envolvo meu pau e começo a me masturbar, derrotado. Me sinto
como um dependente químico, que cedeu a uma dose de cocaína
depois de anos limpo.
Mas quer saber? Foda-se.
Já que estou nessa situação, não vou ficar apenas focado na
culpa. Vou aproveitar esses minutos de prazer, ainda que eu saiba o
quanto isso pode me prejudicar depois. É mais forte do que eu.
Tento fantasiar mulheres sem rosto, mas meu cérebro traiçoeiro
não deixa. As únicas imagens que me preenchem são as do corpo
fenomenal de Samantha, e dessa vez ela não está a vários metros
de distância. Está bem embaixo de mim, suada e deliciosa,
enquanto eu a fodo com força. A garota insolente geme meu nome e
se contorce de prazer, com as pernas enroscadas no meu quadril,
preenchida até o talo pelo meu pau e implorando por alívio.
Explodo num orgasmo intenso, que faz minha respiração ficar
errática. Os jatos brancos esguicham na parede de porcelanato,
deixando um rastro de luxúria e perversão.
Minha respiração demora a acalmar, as extremidades estão
dormentes e o cérebro nublado. Quando a consciência vai voltando,
vou me dando conta do que acabou de acontecer: eu fantasiei que
estava trepando com Samantha.
Puta que pariu.
Estou fodido.
Completamente fodido.
8

SAMANTHA
RYKER LOCKHART ACABA de me ver nua. A vida é uma
piranha machista, porque o máximo que eu já cheguei foi vê-lo de
cueca e, mesmo assim, num dia em que meu cérebro estava
privado de oxigênio.
Está decidido: agora eu preciso equilibrar as coisas e ver esse
homem pelado também. Não é mais uma questão de vontade, é
uma questão de justiça. Como não sou uma assediadora, vou
convencê-lo a me oferecer essa cortesia voluntariamente. Tenho 27
dias para isso, vai dar tempo.
Termino de me vestir e penteio o cabelo. Saio do quarto usando
um short jeans curto e um cropped, mesmo sabendo que é inútil
tentar colocar uma roupinha sexy para, mais uma vez, jantar
sozinha.
Chego à cozinha e abro a geladeira, tirando de lá o recipiente de
salada e os bifes que Elsie deixou temperados. Ligo o fogão, pego a
manteiga e uma frigideira para fritar a carne.
— Você deveria usar um fio de azeite ao invés da manteiga.
A voz grave atrás de mim me assusta tanto que derrubo a
frigideira na bancada com um estrondo. Viro para trás e coloco uma
mão sobre o peito.
— Cacete, Ryker! Que susto.
Ele ignora meu comentário. Vem andando com a calma de um
felino, para ao meu lado — perto o suficiente para que eu sinta seu
perfume de sabonete —, pega a frigideira e empurra a manteiga
para o lado. Eu permaneço imóvel, hipnotizada pelo movimento das
mãos grandes. Ryker então abre um armário, tira de lá o frasco de
azeite e coloca um fio sobre o teflon.
— Senta — ele pede, nesse tom autoritário que faz minha
calcinha entrar em combustão espontânea. — Deixa que eu preparo
o nosso jantar.
Abro a boca para perguntar que bicho zen o mordeu nos últimos
minutos, mas decido ficar quieta. Se o homem finalmente resolveu
ser gentil, é melhor não começar desde já a testar o limite dessa
boa vontade.
Eu ocupo a banqueta do outro lado da ilha, o que me permite
ficar de frente para ele. Apoio o queixo na mão e fico apenas
admirando essa perfeição de espécime masculino cozinhando para
mim.
Tá certo que fritar bifes talvez não conte bem como “cozinhar
para mim”, mas, na minha fanfic, está surtindo efeito. Há algo de
erótico em ser alimentada por um homem gostoso, e nenhum dos
caras de 20 e poucos anos com quem eu já fiquei tinha habilidade
suficiente — ou mesmo interesse — para fazer isso.
Solto um suspiro baixinho quando o vejo cortando algumas
cebolas para colocar junto com a carne, que já começa a exalar um
aroma delicioso. Os movimentos da mão são precisos e firmes, e a
forma como ele segura o cabo da faca me faz imaginá-lo segurando
outra coisa.
Distraído pela tarefa, Lockhart vira de lado e eu consigo ver o
momento em que corre a língua pelo lábio inferior, que tem o volume
perfeito para um homem. Nem fino, nem cheio demais. Só consigo
pensar em como deve ser delicioso tê-lo entre os meus dentes.
Ai, gente, agora fodeu.
Já não consigo mais olhar para Ryker sem pensar em 17
perversões diferentes por segundo, e sei que isso só vai aplacar
quando eu finalmente conseguir convencê-lo de que é uma boa
ideia me comer.
— Pronto — ele avisa, colocando a carne acebolada em dois
pratos e trazendo até a mesa, onde eu já apoiei o recipiente com a
salada.
Ryker me oferece um dos pratos, que eu aceito com um sorriso.
Nós dois nos servimos dos vegetais e começamos a jantar em
silêncio.
— Vou te contar mais sobre o cachorro — ele diz, sério —, mas,
antes, preciso alertá-la de uma coisa importante.
— Estou ouvindo.
Eu o encaro e espero que termine de falar.
— A palma aberta pode representar uma ameaça para eles. Não
quero que você se coloque em risco indo até lá sozinha outra vez,
mas, como é teimosa pra caralho, ao menos aprenda um jeito mais
seguro de ser irresponsável. Mostre sempre sua mão fechada.
Depois de engolir a carne deliciosa, eu aceno que sim.
— Entendido. Vou fazer besteira com mais segurança, da
próxima vez. — Sorrio, e percebo que sou quase retribuída. Quase.
— Me conta mais sobre ele.
Lockhart olha para o próprio prato, preparando uma garfada.
— Eu o adotei há quatro meses — ele diz, com uma expressão
triste. — Meu veterinário comentou sobre um cão que precisaria
sacrificar, e acabei me interessando em ouvir mais sobre a história.
Três semanas depois, Darth estava no meu quintal.
Fixo o olhar nele, curiosa.
— Por que ele ia ser sacrificado?
Ryker suspira e levanta os olhos azuis-esverdeados para mim.
— Darth era um cão de briga. Foi abusado durante toda a sua
vida, usado em ringues para atacar outros animais até matá-los.
Seu dono era um filho da puta criminoso e sádico, que, além dele,
tinha mais sete cães na mesma situação.
Sinto meu coração afundar, horrorizada.
— Meu Deus. Esses ringues são ilegais, não são? Esse ser
asqueroso está preso?
Ryker balança a cabeça em negativa.
— Está morto. Após uma luta, Darth o atacou de surpresa, o
derrubou no chão e arrebentou sua carótida. O cara morreu na hora.
Eu fecho os olhos, chocada com a imagem, mas, ao mesmo
tempo, com uma ponta de alívio por saber que o sujeito nunca mais
poderá maltratar outro animal. Respiro fundo e volto a encará-lo.
— E por isso ele ia ser sacrificado? — pergunto, profundamente
triste por imaginar que o cão seria morto por algo que nunca foi
culpa dele.
Ryker nega.
— Não. Com a confusão, tiveram que chamar o 911 e o ringue
ilegal acabou sendo descoberto. Os organizadores foram presos, e
os cães, resgatados. Alguns apresentavam chances de reabilitação
e possibilidade de adoção, mas Darth já estava internado há duas
semanas e ainda tentava atacar qualquer pessoa que se
aproximasse da sua gaiola. Sem poder mantê-lo lá por mais tempo
e sem outro local para onde enviá-lo, já que os abrigos não queriam
aceitá-lo para não colocar em risco os tratadores e os outros
animais, ele acabaria tendo que ser sacrificado.
Meu peito dói só de imaginar a situação.
— E como você acabou ficando com ele?
Ryker dá um pequeno sorriso, apenas uma discreta elevação no
canto da boca. Ainda assim, é impressionante como isso consegue
deixá-lo mais bonito.
— Perguntei ao Steve, o veterinário, se eu poderia construir um
local isolado para o cão no meu terreno e tentar, aos poucos, que
ele me aceitasse. Ele não teve certeza se era uma boa ideia, me
preveniu quanto a todos os riscos. Pedi para ver o animal antes de
tomar minha decisão.
Eu sorrio.
— Já consigo imaginar o que aconteceu.
O sorriso de Ryker se alarga mais alguns centímetros, mas ainda
carrega um ar triste.
— Quando vi a profunda desolação naqueles olhos pretos, como
se já soubesse qual seria seu destino, eu simplesmente não pude
deixá-lo ali — ele admite, como se não fosse nada demais. — Pedi
um tempo para construir o canil, contratei o melhor adestrador de
Los Angeles e o trouxe para casa.
Termino de mastigar um pedaço do bife, disfarçando a emoção
causada por esse relato, e pergunto:
— Como foi?
Ryker olha para o jardim dos fundos, atrás de mim, como se
conseguisse ver o animal daqui de dentro.
— Foi trabalhoso. Ele já melhorou muito, mas ainda não
consegue socializar de maneira adequada. Durante o primeiro mês,
eu consegui passar mais tempo com ele. Porém, em seguida,
começou o training camp 1, depois os jogos, e meu tempo em casa é
cada vez mais restrito. O adestrador me explicou que ele precisa de
consistência e atenção, para que, em algum momento, volte a
confiar nos seres humanos e outros animais. Fico triste e me sinto
um tanto culpado por não ter mais horas livres para passar com ele.
Eu largo o garfo com um ruído alto e procuro sua mão sobre a
mesa, segurando-a.
— Ei! — digo. — Não fale assim. Você já está fazendo muito,
salvou a vida daquele animal indefeso e machucado. Tenho certeza
de que um dia ele estará correndo pelo quintal e brincando com
seus outros cães.
Ryker sorri outra vez, mas é um sorriso triste.
— Tomara que sim, Samantha.
Ele então levanta o olhar outra vez, sem tirar a mão da minha.
Nós nos encaramos por alguns instantes, e é como se todo o resto
deixasse de existir. Meu cérebro desliga qualquer outro estímulo que
não seja o olhar intenso de Ryker Lockhart ou a textura quente da
sua mão sob a minha.
Ele engole em seco, retira a mão e baixa o rosto para o prato,
voltando a comer. Eu recolho a minha e faço o mesmo, sentindo um
reboliço estranho no estômago.
— Deixa eu adivinhar — peço, num tom descontraído, tentando
amenizar o clima que pesou. — O nome Darth Vader é porque ele é
apenas um ser inocente, que foi abusado e cooptado para o lado
negro da força, mas que, no fundo, é um vilão de coração bom?
Ryker levanta o rosto para mim de forma rápida, e sua
expressão agora é divertida e surpresa.
— Você é fã de Star Wars?
Eu dou de ombros, com um meio sorriso, voltando a cortar meu
tomate.
— Um pouco só.
Ele assente.
— Sim, você captou com precisão a minha ideia ao escolher o
nome dele. A verdade é que simpatizo com Darth Vader.
— Ele salvou o Luke, no fim das contas — completo.
— Exatamente.
Terminamos a refeição num clima ameno, com poucas palavras
ditas, mas sem que o silêncio fique desconfortável. Assim que os
pratos esvaziam, eu me levanto e retiro a louça da mesa,
colocando-a na lavadora.
Olho então para trás, disposta a convidar Ryker para reassistir
um dos filmes da saga comigo. Contudo, ele levanta num
movimento rápido, corre a mão pelo cabelo e desvia o olhar.
— Os últimos dias foram muito cansativos, por isso vou deitar
cedo — diz, e então me encara.
— Claro — respondo, tentando disfarçar a decepção.
— Só que, antes, eu queria pedir desculpas pelo meu
comportamento. Não sou uma pessoa fácil de conviver, mas você
não tem culpa disso.
Eu sorrio.
— Tudo bem, Ryker. Admito que não sou a pessoa mais
tranquila do mundo, também. Mas uma hora a gente vai acabar se
dando bem, tenho certeza disso.
Ele apenas assente, parecendo desconfortável outra vez.
— Boa noite, Samantha.
— Boa noite.
Enquanto o observo se afastar em direção à sua suíte, só
consigo pensar que Ryker Lockhart guarda muito mais camadas
dentro de si do que aquilo que deixa transparecer para o mundo.
Ainda que eu não seja do tipo que gosta de conhecer as pessoas
com muita profundidade como uma forma de proteção, admito que
estou curiosa para desvendar os mistérios que parecem rondar o
homem mais interessante que já cruzou meu caminho.
Termino de guardar tudo na cozinha e vou até o meu quarto.
Num impulso, tiro de dentro da bolsa a lista que eu fiz quando soube
que viria mesmo para cá. Apelidei de Lista de Desejos da Sam e
escrevi várias coisas que eu quero fazer enquanto estiver nessa
cidade incrível.
Me dou conta de que, de tudo que eu coloquei nela, só realizei
um desejo até agora e, mesmo assim, que quase acabou em
tragédia: dar um mergulho no mar. Eu risco esse item, mas não
sinto como se tivesse realizado todo o potencial dele. Ao pensar no
que realmente me faria sentir livre e realizada, abro um sorriso lento
e acrescento mais um item no final da lista. O único problema será
convencer Ryker a me deixar fazer isso — ou arrumar um jeito de
fazer escondido.
Olho outra vez para a folha de papel, animada. Um dos desejos
eu já deixei planejado para amanhã de manhã, e preciso organizar
quando realizarei os outros. Não posso permitir que a rotina de
trabalho me consuma a ponto de esquecer do quão importante é
para mim concluir essa lista. Ela precisa ficar visível, num local onde
eu passe diariamente. Penso em colá-la na parede do meu quarto,
mas tenho uma ideia melhor. Com sorte, talvez eu acabe até
conseguindo ajuda.
9

RYKER
ACORDO CEDO NO SÁBADO, mesmo sem nenhum
compromisso oficial com o time. A verdade é que, desde que decidi
mudar por completo minha rotina, há nove anos, acordar tarde
nunca mais foi uma opção. Impus uma série de regras para mim
mesmo, e o horário limite de levantar é uma delas.
Empurro o edredom para o lado, saio da cama e visto um short e
uma camiseta. Ainda são sete da manhã, e provavelmente
Samantha ainda deve estar dormindo. Fico pensando na conversa
que tivemos ontem durante o jantar. Mesmo com esse jeito meio
avoado e as atitudes irresponsáveis, preciso admitir que a garota
tem sensibilidade e parece ter mesmo um bom coração. A maneira
como ela lida com meus cachorros mostra isso.
A casa está silenciosa. Chego à cozinha e me dirijo direto à
geladeira, para pegar uma garrafa de água. Ao colocar a mão no
puxador, noto uma folha de papel presa por um imã, que eu não
reconheço. Ao invés de abrir a porta do eletrodoméstico, eu puxo a
folha e aproximo do rosto.

Lista de Desejos da Sam

Que porra é essa?


Começo a ler os itens numerados.

Andar pela Hollywood Boulevard


Mergulhar no mar
Comer Tacos no Grand Central Market
Assistir um filme ao ar livre
Dirigir um conversível pela Pacific Coast Highway

Até aqui, são apenas programas turísticos relativamente


comuns. Só que, no último item, eu paraliso.

Nadar nua no mar

Não é possível. Engulo em seco e fecho os olhos, com a imagem


mental de Samantha nua voltando como um tsunami que minha
consciência não consegue conter. Essa doida não sabe que nudez
pública é ilegal na Califórnia?
É só eu começar a achar que talvez possamos nos dar bem, e
que talvez a garota não seja tão impossível assim, que ela faz
questão de mostrar o quanto sou ingênuo.
Ouço um barulho atrás de mim e me viro, ainda com o papel na
mão. Os olhos azuis se arregalam em surpresa exagerada e ela
sorri.
— Bom dia, Ryker! Já está pensando em formas de me ajudar
com a minha lista? Que gentileza.
Ela passa por mim, abre o armário e pega um copo, como se
colar na porra da minha geladeira uma declaração de que pretende
ficar pelada em público fosse a coisa mais natural do mundo. A sem
noção vira um pouco a cabeça para conseguir me encarar por cima
do ombro.
— Quer que eu prepare nosso café da manhã? Uma pequena
retribuição pelo jantar de ontem.
Eu aperto um pouco mais a folha, amassando a borda.
— Samantha — digo, com uma calma calculada —, o que é
isso?
Sem parar de sorrir, ela morde o lábio inferior e levanta um
ombro, abrindo a geladeira para pegar suco de laranja.
— Só umas coisinhas simples que eu planejei fazer enquanto
estiver por aqui.
Seguro o papel no ar, sacudindo na frente do seu rosto.
— O que você quer dizer com “nadar nua no mar”?
Ainda com a garrafa de suco na mão, Samantha fecha a porta do
refrigerador e fica de frente para mim.
— É autoexplicativo, Ryker, mas posso detalhar melhor. Eu vou
até a praia, tiro o biquíni, deixo na areia, ando sem roupa até o mar
e...
Essa garota só pode estar de sacanagem com a minha cara.
— Para. — Levanto a mão, fazendo-a se calar. Respiro fundo,
para me controlar, e tento outra vez. — É óbvio que eu sei o que a
frase significa. Me refiro a dois detalhes que você parece não estar
considerando. Primeiro: isso é ilegal na Califórnia.
Ela faz um gesto de desmerecimento com a mão.
— Relaxa. Ninguém é preso por nadar nu em More Mesa Beach,
que fica a uma hora e meia daqui. Eu pesquisei ontem à noite.
— Ontem à noite?
Samantha começa a rir.
— Sim. Estava relendo a minha lista, e percebi que faltava um
pouco mais de emoção.
Olho para o alto, pedindo paciência divina. Quando volto a
encará-la, a abusada parece estar se divertindo horrores com essa
conversa, o que só me deixa mais puto.
— O segundo ponto que você está esquecendo é que quase se
afogou na única vez em que entrou no mar. E eu te proibi de fazer
isso de novo.
Samantha dá dois passos na minha direção, parando perto.
Perto demais. Ela leva uma mão ao meu peito, limpando uma
sujeira inexistente na camiseta.
— Isso é fácil de resolver. — Os olhos azuis divertidos se
erguem, encontrando os meus. Um sorriso provocante curva o canto
dos lábios cheios. — É só você entrar no mar comigo.
Minha mão livre agarra seu punho num movimento rápido.
— Isso não vai acontecer — respondo, lutando para manter
minha respiração controlada. Samantha mexe comigo de uma forma
que eu definitivamente não contava.
— O quê? Você entrar no mar comigo, ou...
— Não sei qual a sua intenção com essas provocações, mas
quero que isso pare. Agora.
Ela levanta o rosto ainda mais e corre a língua pelo lábio
devagar, umedecendo-o.
— Que provocações? Acha que eu estou tentando seduzir você,
jogador? — Antes que eu consiga responder, Samantha sorri
perversamente. — Agora, seja bonzinho e me diga se está
funcionando, ou se eu preciso melhorar a minha... estratégia.
Essas palavras enviam um choque diretamente ao meu pau, que
começa a endurecer.
Puta merda, mas que inferno!
Eu solto seu punho, dou um passo brusco para trás e largo a
folha de papel sobre a bancada.
— Essa brincadeira acaba aqui — aviso, em tom de ameaça e
com a mandíbula travada. Meus olhos se estreitam, encarando os
dela, que continuam exibindo o mesmo ar divertido e desafiador. —
Você me entendeu? Se pretende continuar na minha casa, vai parar
agora com esses joguinhos, Samantha.
Ela ri. A desgraçada ri.
— Ah, Ryker. Queria que você pudesse ver sua cara nesse
momento. — Em seguida, como se não tivesse acontecido nada
demais, ela vira de costas para mim, abre a porta da geladeira e se
inclina para pegar algo na prateleira mais baixa, empinando a bunda
coberta apenas por um shortinho de algodão curto. — Vou preparar
nosso café da manhã. O que você quer comer?
Mais três segundos na presença desse demônio loiro, e qualquer
pessoa do outro lado da rua será capaz de ver minha ereção.
Puta que pariu.
Desisto dessa porra.
— Nada. Perdi a fome.
Viro de costas e ouço a voz dela:
— Tenho planos para hoje. Não quer saber quais são?
— Não — respondo, sem olhar para trás e sem parar de andar.
— Leve seu celular carregado e atenda se eu ligar.
Saio da cozinha em direção ao meu quarto, meus passos duros
ecoando no chão de madeira. Minhas mãos estão tremendo, tanto
pela raiva que estou sentindo pela audácia dessa garota como pelo
tesão reprimido, que agora só aumenta.
Fecho a porta e corro as duas mãos pelo cabelo, agarrando os
fios com força até sentir dor. Eu jamais imaginei que justamente a
enteada da minha irmã fosse me fazer perder o juízo dessa
maneira. Todos esses anos de controle completo sobre o meu corpo
e a minha vida indo por água abaixo, como se eu fosse a porra de
um adolescente afogado em hormônios outra vez.
Isso vai parar. Isso precisa parar, ou o preço será minha
sanidade.
Só tenho que descobrir como.
10

SAMANTHA
UM FATO INTERESSANTE SOBRE MIM: qualquer tipo de
limite é como um muro, que me separa de algo novo e tentador.
Toda vez que eu enxergo um, sinto uma vontade incontrolável de
saltar sobre ele e descobrir o que existe do outro lado.
Já me fodi por causa disso? Várias vezes.
Conforme observo Ryker marchando para fora da cozinha, reflito
que esse homem irresistível provavelmente vai me gerar mais
situações do tipo para acrescentar à lista.
Dou de ombros e começo a preparar meu café-da-manhã. Como
o mal-humorado não está aqui, faço isso cantando Cruel Summer,
da Taylor Swift, que coloquei para tocar no meu celular. Quando
chego a uma determinada parte, rio sozinha, porque essa mulher
parece ler meus pensamentos com algumas letras.

Devils roll the dice


Angels roll their eyes
What doesn’t kill me
Makes me want you more 1

Continuo cantando e rebolando ao som da música, sem parar de


pensar na minha mais nova obsessão: um jogador de futebol
americano emburrado e delicioso. Não me entenda errado, eu não
aceitaria ser maltratada. Se Ryker me desrespeitasse ou me
humilhasse de alguma maneira, eu sairia dessa casa no minuto
seguinte sem olhar para trás.
Mas não é essa a nossa dinâmica. Eu gostaria de poder dizer
que sei que ele se sente atraído por mim também, mas a verdade é
que não tenho a menor ideia. Estou acostumada a ser desejada
pelos homens, não tenho qualquer dificuldade em identificar os
sinais. Mas esse cara é mais fechado que um cofre de banco suíço,
então eu realmente não sei dizer.
Pego o sanduíche que preparei e levo para mesa, junto com um
copo de suco de laranja. Assim que sento na banqueta e dou a
primeira mordida, penso nos meus próximos passos. Eu me
conheço, e sei que não vou sossegar enquanto não tiver essa
resposta. Vou provocá-lo até que uma de duas coisas aconteça: ou
Ryker deixará claro que não sente atração por mim e eu serei
obrigada a engolir a frustração, ou acabarei conseguindo convencê-
lo a me levar para a cama.
E, no segundo caso, tenho certeza de que será uma das
melhores transas da minha vida — provavelmente a melhor. Se
esse homem não tiver pegada, eu vou processar todas as autoras
de livros hot que descreveram tantos iguaizinhos a ele e me
geraram essa puta expectativa.
Termino de tomar meu café da manhã, coloco a louça suja na
lavadora e vou até o meu quarto. Para a minha sorte, o dia está
lindo lá fora, perfeito para o que eu planejei hoje. Coloco um
vestidinho de alcinhas rosa claro, tênis brancos, prendo o cabelo
num rabo de cavalo alto e pego uma bolsa pequena, onde coloco
apenas meu celular, a carteira e protetor solar. Pego também uma
toalha no armário e enfio embaixo do braço.
Quando volto para a sala, Ryker não está por aqui. Melhor
assim, porque, se ele começasse a fazer perguntas demais, eu
talvez tivesse um problema. Checo o endereço da locadora de
veículos e chamo um Uber. Dez minutos depois, estou a caminho do
meu destino, animada como uma criança indo escolher o presente
de aniversário.
Alugar um conversível foi uma baita extravagância, considerando
que minhas economias são bem escassas e eu estou
desempregada. Mas, como não sei se ou quando terei a chance de
vir para a costa oeste outra vez, decidi agarrar a oportunidade de
realizar esse sonho e dirigir um carro conversível pela Pacific Coast
Highway.
Já consigo sentir o vento bagunçando meu cabelo, enquanto
escuto Oasis em volume máximo. Minha pesquisa sobre as praias
de nudismo acabou me dando uma excelente ideia para o destino
desse passeio, já reservado desde quando soube que viria mesmo
para Malibu. Descobri uma praia a menos de duas horas daqui onde
o nudismo é praticado de forma não-oficial, já que realmente é ilegal
na Califórnia. Dirigirei meu conversível até lá, aproveitarei o dia lindo
de sol, mergulharei nua no mar — com mais cuidado, dessa vez —
e voltarei para casa sã e salva. Uma pena que Ryker não quis se
juntar a mim, porque esse passeio teria ficado bem mais divertido.
Chego à locadora quinze minutos depois. Agradeço ao motorista
do Uber e saio do carro, sorrindo. Paro em frente ao balcão e
cumprimento o senhor de meia-idade que está atendendo.
— Bom dia. Meu nome é Samantha Carmichael, e aluguei um
carro pelo dia de hoje.
O homem não parece estar de muito bom-humor e apenas
assente antes de digitar algo no computador. Alguns segundos
depois, ele diz:
— Sim, categoria conversível de luxo, uma diária. — O
atendente volta a olhar para mim. — Documento de habilitação, por
favor.
Tento ignorar o coração acelerado e as mãos começando a suar.
A verdade é que eu nunca tirei carteira de motorista. Como não
tenho dinheiro suficiente para comprar e manter um carro, decidi
investir na habilitação apenas quando eu realmente pudesse dirigir.
O pouco que eu ganhava como garçonete acabava sendo gasto
com alguns pequenos prazeres dos quais eu não queria abrir mão,
como sair para beber com amigos, ir a festas e boates, e dar
presentes para o meu irmão que meu pai não tem condição de
pagar. Assim que conseguir um emprego como nutricionista em
algum lugar, poderei economizar o suficiente para comprar um carro
usado. Logo antes, resolverei minha habilitação.
Sei que parece loucura a ideia de alugar um conversível sem ter
carteira, mas eu não sou tão irresponsável assim. Meu pai não me
deixa chegar perto do volante da sua picape antiga, mas eu já dirigi
carros de amigos algumas vezes. Posso dizer que sei o básico.
Não pretendo andar em alta velocidade, a graça é curtir o
passeio. Quando tomei essa decisão de não deixar que um detalhe
tão insignificante quanto a falta de um documento atrapalhasse a
realização desse desejo, procurei um amigo que me ajudou
arrumando uma carteira de habilitação falsa por uma quantia
razoável de dinheiro, e aqui estou.
Entrego a carteira 2 e aguardo enquanto o homem o analisa, e
depois digita algo no computador. Vou ficando ligeiramente mais
nervosa com o silêncio prolongado, e respiro fundo para controlar a
ansiedade. Ele então se vira para mim e aponta para um banco na
recepção:
— Sente ali, por favor.
Penso em perguntar se está tudo bem, mas não quero aparentar
insegurança. Apenas sorrio e faço o que ele pediu. Fico observando
a loja sem graça, tentando mentalizar meu passeio de hoje ao invés
de me preocupar com a cara estranha que o sujeito está fazendo.
Ele então some por uma pequena porta, e demora a voltar.
Minhas pernas balançam um pouco, e eu apoio as mãos sobre
os joelhos para tentar paralisá-las. Quase meia hora depois, vejo um
policial entrando na loja, e meu coração dá uma cambalhota.
O atendente não chamou a polícia para me prender... chamou?
O oficial me encara, com uma expressão estranha, e em seguida
vai até o balcão. Ele e o atendente trocam algumas palavras em voz
baixa que eu não consigo ouvir, e o policial olha na minha direção.
Fodeu.
Eles descobriram que a carteira é falsa, e eu vou ser presa. Meu
cérebro começa a pensar freneticamente em possíveis soluções.
Não tenho muito dinheiro guardado, mas talvez uns 500 dólares
ajudem a me livrar dessa.
— Srta. Carmichael? — O policial vem andando na minha
direção, e eu fico de pé, forçando um sorriso.
— Sim?
— A senhorita está ciente de que apresentar documento de
identificação falso é crime no Estado da Califórnia, podendo levar a
até um ano de prisão?
Meu coração está batendo tão forte que sinto o som nos meus
ouvidos. Minhas mãos tremem de forma incontrolável e minha
respiração está errática. No auge do desespero, seguro o braço do
policial e sussurro em voz baixa:
— Olha, peço mil desculpas por esse inconveniente. Será que
500 dólares ajudariam a esquecer que isso aconteceu? Eu só
preciso...
O homem dá um passo para trás, com uma expressão de
incredulidade.
— A senhorita acaba de acrescentar tentativa de suborno à
infração anterior, e está detida em flagrante. Tem o direito de
permanecer calada, e tudo que disser poderá ser usado contra
você. Agora, me acompanhe até a delegacia, por favor.
Tremendo dos pés à cabeça, engulo as lágrimas de medo e
humilhação, enquanto o homem me guia até a patrulha estacionada
na calçada. Sou colocada no banco de trás do veículo, e tento me
controlar para não desabar aqui mesmo. Nunca me senti tão
assustada e sozinha em toda a minha vida.
Mal vejo a paisagem passando pela janela, enquanto meu
cérebro anestesiado pelo pânico tenta encontrar alguma solução
para essa situação. Infelizmente, não consigo pensar em nenhuma.
Meu Deus, meu pai vai me matar.
Minha aventura vai acabar agora mesmo e eu voltarei em breve
para casa com o rabo entre as pernas. Isso se eu tiver a sorte de
não ficar muito tempo presa. A ideia de ocupar uma cela faz um
arrepio de terror me percorrer dos pés à cabeça, e preciso travar a
mandíbula para o meu queixo parar de tremer.
Assim que chegamos à delegacia, sou conduzida até uma
cadeira na recepção. Em volta de mim, há todo tipo de pessoas, e
eu só quero ir embora desse lugar. Após quase duas horas de
espera, sou levada até uma mesa, atrás da qual há um homem de
bigode, me encarando com uma expressão entediada.
— Srta. Carmichael, sou o investigador Stevens. Sente-se, por
favor — ele pede e eu obedeço, em silêncio. — A senhorita
conseguiu a proeza de cometer dois crimes hoje: apresentação de
documento de identificação falso e tentativa de suborno. A pena
varia de multa a até cinco anos de detenção. Gostaria de saber o
que tem a dizer a respeito.
Nesse momento, os episódios de Law and Order passam como
um filme na minha cabeça. Sei o quanto as pessoas se complicam
ao tentar se explicar, e posso acabar falando tanta besteira que
ficarei com a pior pena possível.
Com os olhos marejados e a voz trêmula, peço:
— Eu gostaria de falar com um advogado.
Ele mantém a mesma expressão cansada e desinteressada.
— A senhorita tem um? Caso contrário, apontaremos alguém da
defensoria pública, mas isso não é rápido. Se não concordar em
prestar depoimento agora, ficará detida até que se consiga um
advogado para defendê-la.
O prospecto de passar qualquer tempo que seja dentro de uma
cela é assustador demais. Eu obviamente não conheço um
advogado na Califórnia, então só me resta uma opção — a última da
qual eu gostaria de precisar nesse momento.
— Eu quero dar um telefonema, por favor. — Meu celular foi
confiscado assim que fui detida. O investigador assente e eu sou
encaminhada até um telefone fixo, mas não sei o número de Ryker
de cabeça. — Preciso do meu celular para checar o número.
O aparelho é trazido até mim. Eu vejo o número e disco, com a
respiração presa na garganta. Fecho os olhos e rezo para que
Ryker atenda, o que finalmente acontece.
— Alô? — A voz grave do outro lado da linha me provoca um
misto de alívio e vergonha.
— Ryker?
— Samantha?
— Sim. — Respiro fundo. — Preciso de ajuda.
Um suspiro impaciente do outro lado.
— O que aconteceu agora?
Uma lágrima escorre pela minha bochecha, e eu a limpo num
movimento rápido antes de responder.
— Eu fui presa.
11

RYKER
— VOCÊ FOI PRESA?!
De todas as merdas que eu previ que Samantha poderia fazer
enquanto estivesse morando na minha casa, essa com certeza não
foi uma delas. Só faz uma semana que ela chegou, e conseguiu ser
presa. Essa garota merece alguma porra de menção honrosa nos
anais mundiais das pessoas sem noção.
— Eu posso explicar — ela responde, com a voz falhando.
Respiro fundo e aperto a base do nariz entre o polegar e o
indicador, tentando raciocinar.
— Qual foi o motivo?
— Apresentei um documento falso.
Olho através da janela do meu quarto para o imenso gramado,
onde meus cachorros estão brincando. Por que diabos uma maior
de idade usaria um documento falso? Penso em fazer a pergunta,
mas não é como se realmente importasse. Se ela quiser fingir que é
a Julia Roberts, estou pouco me fodendo, desde que não sobre pra
mim — o que, infelizmente, não é o caso agora.
Bem, reclamar não vai fazer a situação desaparecer. Preciso
começar a agir.
— Escuta, Samantha...
— E tentei subornar um policial — ela acrescenta, num fio de
voz.
Minha raiva volta com força total.
— Subornar um policial?! Que caralho te fez achar que era uma
boa ideia tentar subornar um policial, Samantha? — grito, apertando
o aparelho com força. Como ela não responde, eu faço um gesto
brusco com a mão. — Quer saber? Mais tarde a gente conversa.
Onde você está?
— Na delegacia de West LA.
— Não fale com ninguém, não responda nenhuma pergunta. Vou
mandar uma pessoa aí.
Eu desligo o telefone e solto um grunhido. Era só o que me
faltava, no meu único dia de descanso na porra da semana inteira
— ter que tirar Samantha da prisão.
Checo as horas: quase uma da tarde. Ligo para a única pessoa
capaz de me ajudar, a bendita criatura que resolve todos os
problemas aparentemente insolúveis e que está comigo há oito
anos, desde que fui contratado pelo Sharks. Ele atende no terceiro
toque.
— Diga, meu garoto.
— Salvatore, preciso de ajuda.
Salvatore Ferraro é meu agente, assim como de Nico, Hugh e
vários outros jogadores proeminentes. Recebe uma quantia mensal
bem generosa de todos nós, porque, além de resolver questões
relativas aos nossos contratos, possui uma equipe fantástica que
funciona como um verdadeiro hub de assistência pessoal. Organiza
voos fretados, reservas em restaurantes, ingressos VIP em shows,
lida com a mídia e resolve literalmente qualquer pepino que caia no
nosso colo.
— Manda, Lockhart — ele responde, com seu sotaque italiano.
— Lembra que eu comentei que receberia uma pessoa em casa
esse mês?
— Sim, sua sobrinha.
Só de ouvir a palavra “sobrinha” e me lembrar de como me
masturbei pensando nela, chego a sentir um arrepio. Samantha
definitivamente não é minha sobrinha, eu jamais seria capaz de
sentir atração por alguém ligado a mim por esse tipo de laço.
— Ela é a enteada da minha irmã — corrijo. — Uma garota que
eu só encontrei uma vez, e com quem mal interagi até ela vir parar
na minha casa.
Se ele acha estranho o excesso de justificativas da minha parte,
não comenta nada.
— Si, si. Prossiga.
— Bem, ela foi presa hoje. Preciso que você arrume um
advogado para tirá-la da delegacia.
— Certo, certo. Entendi.
Se existe alguém no mundo que já viu tantas situações
inacreditáveis que é quase impossível de se abalar, esse alguém é
Salvatore Ferraro. Uma vez, ele precisou ir até a casa de Nico e
retirar de lá uma garota de programa contratada para uma festa. A
moça se recusava a ir embora, dizendo que sua astróloga tinha
previsto que o quarterback era o amor da sua vida, e ela não sairia
da sua mansão antes de expor todos os argumentos para convencê-
lo disso. Detalhe: a mulher estava completamente nua e se
recusava a colocar a própria roupa, achado que assim ninguém a
tiraria de lá. Salvatore a enrolou num cobertor e garantiu que os
seguranças a deixassem em casa em seguida.
Para quem lida com coisas assim, o que é uma pirralha atrevida
presa por tentar subornar um guarda? Apenas mais um sábado
comum.
— Vou ligar para Blackwell — ele avisa, com a mesma calma de
sempre, se referindo ao sócio majoritário do escritório de advocacia
que presta serviços para o Sharks. — Ele vai mandar alguém lá.
— Obrigado — respondo.
— De nada, meu amigo. Me passe o nome completo dela e o
endereço da delegacia. Era só isso?
Quase digo que sim, mas as palavras travam. Apesar de
tamanha estupidez, ela ainda é a enteada de Annie e deve estar
assustada pra caralho com tudo isso.
Pensei em ir até lá, mas essa é uma ideia ainda mais idiota. O
país inteiro conhece o meu rosto, e a notícia estaria em
absolutamente todos os sites e jornais amanhã de manhã.
— Salva, sei que é pedir muito, mas...
— Já sei. — Ele solta uma risadinha. — Quer que eu vá até lá
ver se a menina está bem, não é?
Eu quase sorrio, porque esse cara é mesmo sensacional.
— Ficarei te devendo uma.
— Aquela garrafa de Macallan que você me deu de aniversário
está acabando — ele brinca, e eu acabo rindo de verdade. O filho
da puta está falando de uma garrafa de uísque de quase 15 mil
dólares.
— Eu te dou outra pela sua boa vontade.
Salvatore ganha bem o suficiente para comprar seu próprio
uísque, mas faz esses comentários pelo simples prazer de zoar com
a nossa cara.
— Eu sempre soube da sua generosidade, Lockhart. — Ele
então fala algo com a voz abafada, e deduzo que esteja explicando
ao seu marido por que terá que sair de casa num sábado à tarde. —
Vou ligar para Blackwell e, em seguida, irei para a delegacia
resgatar sua hóspede em apuros.
Suspiro, aliviado. Por mais irritado que eu esteja com ela, não
quero que a garota se prejudique de verdade. Agora, quando
Samantha chegar em casa, ela vai ouvir. E como vai. Esse
apocalipse na minha vida precisa acabar.
SAMANTHA
— Olha, nem sei como te agradecer — digo, tentando conter a
emoção e o alívio por estar finalmente chegando em casa. Quero
dizer, é a casa de Ryker, mas, se eu estou morando aqui, é o mais
perto que vou conseguir da sensação de lar por hoje.
Salvatore estaciona junto ao meio-fio e sorri para mim.
— De nada, ragazza. Mais juízo da próxima vez.
Olho para o agente de Ryker, que foi literalmente meu salvador
hoje. O homem deve ter uns cinquenta anos, cabelo preto comprido
preso num rabo de cavalo rente à nuca, alto e magro, com um
bigode que já foi moda há muitas décadas atrás.
— Agradeça também à srta. Cadell por mim, por favor — peço.
Beatrice Cadell, a advogada que nos encontrou lá, foi a outra
peça crucial nesse dia infernal, e me deixou de boca aberta com sua
firmeza e competência. Parecia uma personagem de filme e, se eu
tivesse curtido mulheres quando experimentei, ela teria me dado
tesão. Que mulherão da porra.
O resumo foi que, após o pagamento de uma multa de seis mil
dólares — que ainda não tenho ideia de como farei para reembolsar
Ryker —, acabei sendo liberada quase cinco horas depois.
— Pode deixar. — Salvatore sorri para mim. — Se cuida.
Eu saio do carro, me preparando para enfrentar a fúria de Ryker
Lockhart. Respiro fundo algumas vezes antes de tocar a campainha.
Para completar, no meio da confusão, eu perdi a chave da casa
dele.
Menos de um minuto depois, a porta é aberta pelo homem
enorme e muito, muito puto.
— Cadê sua chave?
Engulo em seco.
— Eu perdi.
Os olhos azuis-esverdeados me fuzilam.
— Você consegue fazer alguma coisa não estúpida na vida,
Samantha? — Ele me dá as costas e sai andando pela casa,
largando a porta aberta.
Eu suspiro e vou atrás — até porque, não é como se eu tivesse
muitas opções.
— Sei que estou errada, mas você não precisa...
Ryker se vira outra vez, com a mandíbula travada.
— Preste muita atenção ao que eu vou dizer, garota. — Ele dá
um passo na minha direção, com uma postura ameaçadora. —
Estou tentando fazer essa merda de te hospedar na minha casa dar
certo, mas suas atitudes de adolescente rebelde estão tornando isso
quase impossível. Ao contrário de você, eu encaro a vida com
seriedade, sigo regras e tenho responsabilidades.
Ryker está certo, mas eu realmente queria que ele entendesse,
ao menos em parte, meus motivos para agir de forma meio
inconsequente. Tá, talvez minhas atitudes sejam bem
inconsequentes, mas só eu sei o quanto isso é importante. O quanto
é necessário. Não posso explicar tudo, mas talvez consiga dizer
algumas coisas que o ajudem a entender melhor.
— Você pode me ouvir? — pergunto, controlando a vontade de
chorar pelo dia aterrorizante que eu tive.
— Não, não posso! — Ryker explode, jogando os braços para o
alto e começando a andar em círculos na minha frente. — Não
quero ouvir sua voz, não quero te ver na minha frente, não quero
você interferindo na minha vida e atrapalhando o único dia de
descanso que eu teria nessa merda de semana com a sua
estupidez. Você é uma garota egoísta, irresponsável e imatura.
As palavras me ferem, e eu armo minhas defesas na mesma
hora. Se ao menos ele soubesse o quanto está sendo injusto ao me
julgar sem me conhecer de verdade...
— Posso ter cometido vários erros, mas isso não te dá o direito
de falar assim comigo! — rebato, controlando as lágrimas.
Ele me encara outra vez, com uma frieza assustadora.
— Eu tenho o direito de falar como eu quiser, porque essa é a
minha casa.
Cerro os punhos até cravar as unhas na pele.
— Sim, é a sua casa, mas foi você quem me convidou para ficar
nela.
Ele ri alto, de um jeito debochado.
— Eu te convidei? — Ryker dá mais um passo na minha direção,
e aponta um dedo em riste para o meu peito. — Eu não te convidei
porra nenhuma, Samantha. Você só está aqui porque minha irmã
me chantageou.
Eu abro a boca, em choque.
Annie fez isso? Por quê?
— Saiba que eu estou odiando cada minuto da sua presença
aqui — ele continua, num tom cruel. — Se for minimamente esperta,
trate de se comportar melhor, ou vai acabar voltando para o Kansas
mais rápido do que imagina.
Assim que ele me dá as costas e entra na própria suíte, batendo
a porta com força atrás de si, eu abafo um soluço com a mão e sinto
as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. É uma mistura de raiva,
humilhação, medo e decepção. Olho ao redor da sala espaçosa e
bonita, apesar de pouco decorada, para o gramado onde brinquei
tantas vezes com os cachorros na última semana quando voltava do
centro de treinamento, para a cozinha onde eu e Ryker trocamos
provocações.
Eu realmente acreditei que conseguiria mudar a forma como ele
me vê e que, mesmo que não acabássemos na cama, poderíamos
terminar esse período como bons amigos.
Quanta idiotice.
Ryker me odeia, só vê o pior em mim e é a pessoa mais cruel e
grosseira que eu conheço.
Enxugo o rosto com raiva, porque não vou ficar me submetendo
a esse tipo de tratamento. Eu errei e estava disposta a me
desculpar, mas nada dá a ele o direito de falar comigo desse jeito.
Ainda que eu não tenha muito dinheiro para pagar por uma
hospedagem, não vou continuar mais um minuto nessa casa.
Também não darei ao arrogante a satisfação de me ver voltando
para o Kansas nem um dia antes do previsto.
Me tranco no meu quarto, sento na cama e pego meu celular.
Pesquiso num site de reservas o hotel mais barato de Los Angeles,
e descubro um hostel com quartos coletivos por 25 dólares a diária
num bairro chamado West Adams. Provavelmente, terei que pensar
em outra alternativa a partir de segunda-feira, porque será inviável
me deslocar todos os dias de lá até o The Palace usando transporte
público, mas deixarei para resolver isso amanhã. Por ora, eu só
preciso sair dessa casa.
Arrumo minha mala com as mãos trêmulas de raiva. Se Ryker
Lockhart acha que vai me derrubar, está muito enganado. Já lidei
com coisas muito piores do que a grosseria de um jogador de
futebol americano.
Depois de guardar as últimas peças de roupa, sento na mala
para conseguir fechar o zíper. Quando tudo já está pronto e
organizado, olho uma última vez para o quarto e então empurro as
malas para o corredor, tentando não fazer barulho. Não quero dar a
ele o gostinho de me ver indo embora com os olhos inchados de
chorar.
Penso em me despedir dos cachorros, mas será doloroso
demais fazer isso. A verdade é que me apeguei aos bichinhos, e
não imaginei que teria tão pouco tempo com eles. Meu coração se
aperta, mas já chega de chorar. Chamo um Uber e saio dessa casa,
decidida a não colocar os pés aqui nunca mais.
12

RYKER
ABRO OS OLHOS SUBITAMENTE, levanto o tronco da
cama e arranco os fones do ouvido, assustado. Já escureceu, o que
significa que eu adormeci por pelo menos algumas horas. Tateio o
colchão e encontro meu celular. A tela acende e mostra o horário:
sete e quarenta da noite.
Após a discussão acalorada com Samantha mais cedo, eu
estava tão descompensado de raiva que precisei colocar alguns
mantras para tocar no telefone, na tentativa de me acalmar. Eles
têm me ajudado nos últimos anos, junto com as técnicas de
meditação.
Tendo a ser uma pessoa explosiva e às vezes um tanto irracional
em momentos de estresse, e foi exatamente o que aconteceu hoje.
Mais uma vez, eu passei dos limites na forma de falar com
Samantha, e devo a ela um pedido de desculpas.
A verdade é que essa garota é a primeira pessoa, em mais de
nove anos, a me tirar do sério. Não sei o que ela tem que provoca
um verdadeiro furacão dentro de mim, e já deu pra notar que eu não
estou sabendo lidar com isso da melhor maneira.
Vou me desculpar, e depois teremos uma conversa importante a
respeito de tudo que está acontecendo. A situação acabará ficando
insustentável desse jeito. Me esforçarei para retomar meu
autocontrole e tratá-la melhor, mas preciso que ela colabore um
pouco mais não se envolvendo em problemas o tempo inteiro.
Alongo os braços acima da cabeça, esticando o corpo ao
máximo. Em seguida, levanto da cama e vou atrás dela.
— Samantha? — chamo, ao sair do quarto. Apenas os cachorros
vêm me receber, e eu me agacho para falar com os três. — Vocês
sabem onde ela está?
Bruce Willis se joga no chão com a barriga para cima para
ganhar carinho, enquanto Chaplin e Stevie lambem meu rosto.
Depois de fazer um pouco de festa neles, levanto e vou até a
cozinha, que está escura e vazia.
Olho para o quintal, mas não há ninguém lá fora. Elsie e Felix
certamente já se recolheram, e não quero incomodá-los
perguntando se sabem onde Samantha está. Volto até o seu quarto,
que está com a porta fechada. Será que já está dormindo?
Bato duas vezes.
— Samantha? Preciso falar com você.
Como ninguém responde, eu testo a maçaneta, que se abre sem
resistência. O cômodo está escuro, a cama arrumada e as portas do
guarda-roupa abertas. Entro no quarto e me dou conta de que os
armários estão vazios. Olho sob a mesinha, onde as malas de
Samantha estavam guardadas, mas não há nada ali.
Meu coração acelera.
Ela foi embora?
Tiro o celular do bolso e disco para o seu número. Toca duas
vezes, e então cai na caixa postal. Samantha está recusando a
ligação. Tento outra vez, mas agora nem chega a chamar.
Merda!
Ando até a sala, correndo a mão pelo cabelo, sem saber o que
fazer. Para onde essa garota foi? Tento ligar uma última vez, com o
mesmo resultado. Arrisco uma mensagem.
Eu: Samantha, por favor, me atende. Preciso falar com você.

Aperto o botão de enviar e aguardo. Apenas um tique aparece, o


que mostra que ela nem sequer recebeu. Mas que inferno!
Sento no sofá, com o olhar perdido. Não posso simplesmente
ficar aqui, de braços cruzados, sem saber onde a teimosa está. A
ideia de que esteja sozinha nessa cidade perigosa, à mercê de
algum bandido, chega a me causar um aperto no peito.
Eu preciso encontrá-la, pedir desculpas pela forma como eu
venho agindo e convencê-la a voltar para cá. Pego o celular outra
vez e faço uma ligação, com vergonha antecipada.
— Já está com saudades de mim, meu amigo? — A voz alegre
de Salvatore soa do outro lado.
— Sabe aquela garrafa de Macallan? — pergunto. — Que tal se
fossem duas?

JÁ SÃO QUASE ONZE QUANDO, enfim, estaciono na porta


de um hostel decadente num dos bairros mais perigosos de Los
Angeles. Terei sorte se o meu Audi ainda estiver aqui quando eu
voltar.
Salvatore teve que usar seus contatos e ligar para trinta e oito
hotéis na cidade até descobrir que Samantha se hospedou nessa
espelunca. Assim que chego à recepção, um rapaz com expressão
entediada ergue os olhos do celular para me encarar.
— Fala aí. — Quando percebe quem eu sou, dá um pulo e quase
cai da cadeira. — Puta que pariu! Ryker Lockhart.
Eu sorrio, apesar do cansaço e da ansiedade para saber se
Samantha está bem. Se eu pretendo invadir esse muquifo e, caso
necessário, arrastar uma hóspede esperneando até o meu carro,
seria bom contar com a simpatia do responsável pelo lugar.
— Boa noite. — Inclino um pouco o corpo e apoio um antebraço
sobre o balcão. — Você tem uma chance de me ajudar bastante
hoje.
O rapaz estica a coluna, me encarando com uma expressão
ansiosa.
— Claro. Me diga o que precisa.
— Vim buscar uma moça que se hospedou aqui. O nome dela é
Samantha Carmichael. Pode me dizer em que quarto ela está, e
como eu faço para chegar lá?
O recepcionista hesita por alguns segundos, provavelmente
debatendo em pensamento sobre alguma regra que ouviu a respeito
de não desrespeitar a privacidade dos hóspedes. Como não estou a
fim de correr o risco de ser barrado nem de que ele chame a polícia,
lanço mão de artilharia pesada.
— Tenho uma jersey 1 do Sharks no porta-malas do carro. Se
você me levar até Samantha, a camisa será sua. Autografada.
Os olhos do moleque se arregalam. Ele pega uma plaquinha
dizendo “Já volto”, coloca sobre o balcão e faz um sinal para que eu
o siga.
— É por aqui.
Subimos as escadas estreitas, e eu reparo em como as paredes
são sujas. O chão range sob os nossos pés. Se Samantha acha que
vai ficar mais um minuto nesse lugar degradante, está muito
enganada.
Atravessamos um corredor meio escuro, vazio nesse horário. O
rapaz para em frente a uma porta e bate.
— Recepção. Posso entrar?
Segundos depois, uma garota de cabeça raspada abre a porta.
— O que você quer?
O garoto limpa a garganta, olha brevemente para mim e
responde:
— Esse senhor gostaria de falar com uma das hóspedes.
A moça que abriu a porta me encara, com os olhos estreitados.
— Quem é você?
O recepcionista parece chocado.
— Como assim? Esse é...
— Alguém que precisa muito falar com uma mulher que está
aqui — eu o interrompo.
A garota cheia de piercings e tatuagens levanta as sobrancelhas.
— Quem?
O rapaz olha para mim.
— Samantha — eu respondo, chegando mais perto para tentar
enxergar o interior do quarto. — Samantha Carmichael.
Ao notar que não vamos embora tão cedo, a garota de cabelo
raspado abre mais a porta. Lá dentro há três beliches, quase todos
ocupados. Meu olhar vasculha o espaço até encontrar Samantha na
parte de cima de um deles, aparentemente inteira.
Eu teria ficado feliz, se não fosse a expressão assassina dos
olhos azuis.
— O que você acha que está fazendo aqui? — o tom dela não
poderia ser menos amigável. Depois de tudo que eu disse, não
posso culpá-la.
Quatro pares de olhos femininos se cravam em mim, um mais
hostil que o outro.
— Eu vim te buscar, Samantha. — Engulo em seco, me sentindo
um tanto acuado pela situação. — Vamos para casa, por favor.
— Não. — É a resposta seca dela. — Cansei de ser tratada
daquela forma por você.
Uma das mulheres cruza os braços, inclina a cabeça e estreita
os olhos.
— Ele te bate, mana?
As outras imediatamente começam a murmurar algumas coisas
nada gentis, e parecem dispostas a me enfiar a porrada a qualquer
momento.
Porra, mas era só o que me faltava.
Samantha continua em silêncio, apenas me encarando. Outra
mulher, no beliche oposto ao dela, se levanta, e mais duas fazem o
mesmo. Se eu não fosse um atleta profissional, estaria começando
a ficar preocupado com a possibilidade de apanhar aqui.
Olho outra vez para a diabinha loira, que agora parece estar
começando a quase se divertir com a situação. Eu murmuro o nome
dela, pedindo em silêncio que, pelo menos, fale a verdade.
— Não — Samantha finalmente responde. — É um grosso, mas
nunca me bateu.
A garota que nos recebeu na porta olha para mim, e então para
ela.
— É seu namorado? Meio velho pra você.
Respiro fundo, controlando a vontade de mostrar quem é o velho
aqui.
— Não — Samantha repete e dá um meio sorriso sarcástico. —
Deus me livre. — Ela então olha para as outras mulheres. — É só
um cara que não consegue me esquecer.
Eu bufo, porque agora tenho certeza de que ela está se
divertindo às minhas custas. Nessa hora, o pesadelo piora:
— Peraí, você não é aquele jogador famoso? — uma das
garotas pergunta.
Eu estou de boné, casaco — ainda que nem esteja tão frio lá
fora — e óculos de grau (sem grau), que eu guardo no porta-luvas e
uso apenas como disfarce. A última coisa que eu preciso é que isso
apareça na mídia amanhã.
— Não — respondo, calmo, rezando para soar convincente. —
Sou apenas parecido com ele.
A mulher dá de ombros e o atendente comprime os lábios para
disfarçar um sorriso. Felizmente, nem todo mundo gosta tanto assim
de futebol americano, em especial entre o público feminino.
— Samantha, será que podemos conversar? — Olho ao meu
redor. — Num lugar mais... privativo?
Ela parece refletir por alguns segundos, antes de dizer:
— Você pode falar aqui mesmo. — Samantha cruza os braços.
— Estou ouvindo.
Sim, você e todas essas mulheres que parecem querer arrancar
o meu fígado.
— Por favor — peço, mas ela segue irredutível.
— Se tem algo a dizer, diga aqui.
Respiro fundo. Pelo pouco que conheço dela, sei que é uma luta
perdida. Melhor acabar com isso de uma vez.
— Quero te pedir desculpas.
— Pelo que, exatamente? — Samantha une as sobrancelhas
numa expressão de falsa curiosidade. — São tantas coisas...
Filha da puta.
— Por ter sido grosseiro sem necessidade, por ter dado a
entender que você não é bem-vinda na minha casa...
Ela ri, sem humor.
— Dado a entender? Está aberta a temporada de eufemismos.
Enfio as mãos nos bolsos da calça.
— Volta pra casa, Samantha. Por favor. A gente conversa
melhor, eu prometo.
Uma das garotas se mete na conversa.
— Se ele não te bateu e agora está pedindo desculpas, talvez
seja sincero. Quase todo mundo merece uma segunda chance.
— E ele é gato — outra diz.
Meu olhar continua preso ao de Samantha, que parece
balançada.
— Me fala o que eu preciso fazer para você voltar — peço, em
volume baixo.
Quase não acredito nas minhas próprias palavras, mas, vê-la
aqui nesse lugar horrível apenas porque eu não sei me controlar
perto dela, mexeu com algo dentro de mim. Ela errou, errou feio,
mas eu não precisava tê-la agredido verbalmente como eu fiz.
Tenho que tirá-la daqui.
— Você disse que eu sou mimada, imatura, egoísta e que está
odiando cada minuto na minha presença.
Sinto uma certa vergonha ao ser lembrado disso.
— Eu sei, mas nada disso é verdade. Eu estava bravo, só isso.
— Você me odeia.
— Eu não odeio você. Você me enlouquece em vários sentidos,
mas eu não te odeio — confesso.
Respiro fundo, enquanto ela me encara por alguns segundos.
Por fim, dá de ombros e diz:
— Me prove isso, então.
Lá vem.
— Provar o quê?
— Que você não me odeia. — Ela pula da cama e cai bem na
minha frente. — Não gosto que me chamem de Samantha, e já te
disse isso. Parece que você está brigando comigo o tempo todo.
Como não quis me chamar de Sam, invente um apelido carinhoso
para mim.
Era só o que faltava.
— Ah, eu gostei dessa ideia — uma garota de cabelo cacheado
responde. — Isso mostrará que ele é capaz de ser fofo com você.
Puta que pariu.
Respiro fundo, olho para ela e digo:
— Vamos para casa, Blue.
Samantha estreita os olhos.
— Blue?
— Seus olhos têm o tom de azul mais lindo que eu já vi.
Um coro de owns ecoa no quarto, e noto que as bochechas de
Samantha ficam um pouco mais rosadas. Será que eu consegui
fazer essa diabinha indomável enrubescer com um simples elogio?
Inacreditável.
Para o meu alívio e surpresa, Samantha senta na cama em
silêncio e calça os tênis. Em seguida, anda até um canto do quarto,
pega as malas e vem até mim.
— Tudo bem. Eu volto para casa com você.
Gritinhos animados e palmas preenchem o ambiente inusitado
dessa conversa ainda mais inusitada.
— Que bom — respondo, sorrindo de lado para ela.
O meio-sorriso é retribuído, e eu sinto que algo muda entre nós.
Só espero que isso não seja o início de algo muito mais perigoso.
13

SAMANTHA
A VIAGEM de carro do centro de Los Angeles até Malibu começa
em completo silêncio. Ainda estou processando os eventos das
últimas horas e, pelo visto, Ryker também.
Eu estava decidida a não perdoar, a não ceder a um eventual
pedido para retornar à sua casa, porque tinha certeza de que ele só
estaria fazendo isso para não arrumar problemas com Annie. Só
que eu não estava preparada para a expressão arrependida e
envergonhada no rosto bonito, nem para a sinceridade que os olhos
azuis-esverdeados demonstraram ao me pedir desculpas.
Estaria mentindo se dissesse que não cogitei pedir que ele se
ajoelhasse aos meus pés, mas a verdade é que eu prefiro que isso
aconteça em outro contexto — mais especificamente quando eu
descobrir se aquela boca será capaz de fazer em mim o estrago que
eu acho que será.
Mas o mais surpreendente dessa noite foi, sem dúvidas, o
apelido. Ainda me lembro do calor que preencheu meu peito quando
Ryker explicou por que estava me chamando de Blue. Pareço
sempre descolada e quase indiferente aos sentimentos, mas a
verdade é que me emociono com determinadas coisas. E é
justamente dessas que eu fujo.
Puxo o ar com força e solto devagar, contemplando a noite
escura de Los Angeles passando em alta velocidade através da
janela. Vejo um In-N-Out 1 e minha boca chega a salivar. Eu amo
hambúrguer, e sempre tive vontade de experimentar os dessa rede,
que só tem na costa oeste. Além disso, como as redondezas do
hostel não eram nada amigáveis, acabei ficando sem jantar.
— Você comeu? — Ryker pergunta, ao ver para onde estou
direcionando a minha atenção.
Para alguém que sabe ser tão grosseiro, esse homem presta
atenção em detalhes surpreendentes.
— Não — admito.
Sem dizer nada, ele embica o carro no acesso do Drive Thru.
— O que você quer? — Seus olhos lindos me encaram, com
uma expressão quase amigável.
— O maior sanduíche do cardápio, batata frita e Coca-Cola zero.
— Meu estômago escolhe esse momento para roncar. Alto.
Ryker ergue as sobrancelhas, com um ar divertido.
— Fique tranquila, Blue. — Ele acelera um pouco o carro, até
chegar à máquina que recebe os pedidos. — Vou te alimentar já, já.
Meu coração dá um saltinho inesperado, tanto pelo uso do
apelido quanto pela última frase. Se quando Ryker me tratava como
uma inconsequente eu já morria de tesão por ele, agora que decidiu
me tratar com gentileza existe um risco real de eu atacá-lo.
Entendam, isso não é uma força de expressão.
— Boa noite — ele começa a falar com o interfone. — São dois
4x4, duas batatas grandes e duas Coca-Colas zero.
Eu estreito os olhos.
— Você não está no meio da temporada?
Ryker me encara, sério.
— Se você contar para a Denise, eu nunca mais te trago para
comer fora.
Começo a rir e finjo passar um zíper nos lábios.
— Não é de mim que ela vai ouvir. Como eu poderia perder a
chance de outro jantar glamuroso como esse?
Minutos depois, estamos no estacionamento da lanchonete,
devorando nossos sanduíches com quatro camadas de carne e
queijo.
— Nossa, nem lembro quanto tempo faz que não como algo tão
trash assim — ele comenta, antes de abocanhar o pobre
hambúrguer outra vez.
Eu concordo, com a boca cheia num patamar nada elegante.
Depois que engulo, limpo os lábios com um guardanapo.
— Como nutricionista, devo dizer que não estamos sendo muito
espertos hoje. Isso aqui é uma bomba atômica para a saúde.
Ryker me encara, seu rosto parcialmente iluminado por um
poste.
— Ultimamente, temos feito várias coisas pouco espertas,
Samantha.
Fico tão desnorteada pela intensidade do seu olhar que nem
comento o fato de ter usado meu nome.
— Como o quê? — pergunto, com a voz um tanto fraca.
Ele continua me olhando, como se debatesse se deve ou não
abrir seu coração. Ao invés de responder minha pergunta, volta a
assumir aquele ar quase parental de “tenha mais responsabilidade,
menina”.
— Não devemos nos esquecer do motivo pelo qual você está
aqui. Um estágio, um compromisso profissional.
Fico imediatamente na defensiva outra vez.
— Eu agi de modo profissional 100% do tempo que passei
dentro dos muros daquele centro de treinamento, Ryker.
Ele balança a cabeça, confirmando.
— Eu sei. Me refiro ao seu comportamento fora dele. — Antes
que eu consiga protestar, Ryker levanta uma mão e me interrompe.
— Não estou brigando com você dessa vez. O que passou, passou.
Só quero deixar claro que regras são importantes. Mais do que isso,
são imprescindíveis para que as coisas funcionem.
Eu assinto, em silêncio. Quando ele fala comigo nesse tom
calmo, fico muito mais propensa a ouvi-lo e até lhe dar razão de vez
em quando. Enquanto comemos, fico pensativa.
Sei que as regras são importantes, e não é como se eu não as
seguisse nunca. A questão é que o excesso de regras prejudica a
espontaneidade, e acaba nos impedindo de viver algumas
experiências marcantes e extraordinárias. Por isso, eu escolho quais
regras seguir e quais ignorar.
Terminamos os sanduíches e batatas em silêncio. Tudo que se
ouve no carro é o barulho das embalagens sendo mexidas enquanto
comemos.
— Por que tantas regras, Ryker? — arrisco a pergunta. — Na
sua vida, quero dizer.
Ele amassa a embalagem vazia da batata frita e encara o para-
brisas, com um olhar perdido.
— Eu sou uma pessoa complicada — começa a explicar. —
Tenho uma tendência perigosa de reagir às situações de maneira
intensa e até mesmo irracional. — Os olhos claros se fixam em mim.
— Não quero me aprofundar nesse assunto, mas posso te dizer que
aconteceram coisas no meu passado que me tiraram do eixo de
uma forma avassaladora. Entrei numa espiral destrutiva que durou
quatro anos e que quase me fez perder absolutamente tudo. Há
nove anos, eu decidi que precisava mudar.
Eu enfio as embalagens vazias no saco de papel pardo e volt a
encará-lo com atenção, interessada demais em ouvir um pouco
mais sobre esse homem que ainda é um grande mistério para mim.
— E, pelo visto, conseguiu.
Ryker assente.
— Sabe esse sucesso que você vê hoje? Não foi sempre assim.
Eu não fui escolhido nas primeiras rodadas do draft 2. Fui reserva de
um time mais fraco durante anos no início da minha carreira. Eu era
bom, mas não me dedicava o suficiente para ser extraordinário. E,
acredite em mim, talento é só uma pequena parcela na receita para
o sucesso nesse esporte. A maior parte é dedicação.
Fico cada vez mais curiosa.
— Há quanto tempo você está no Sharks?
— Oito anos.
— E, hoje, é um dos maiores nomes da liga — digo.
Ryker apenas dá de ombros e volta a comer.
— Acho que sim. Mas, em breve, vou me aposentar. Querendo
ou não.
Fico observando seu perfil, enquanto ele bebe o resto do
refrigerante.
— Você não queria parar de jogar? Não cansou, depois de todos
esses anos?
— Não. — Ryker nem vacila. Em seguida, fica por alguns
segundos em silêncio e então me encara, com um meio sorriso
triste. — O futebol é tudo que eu tenho, Blue, e ele vai acabar em
breve. Não consigo olhar para o futuro com otimismo.
Meu coração se aperta, porque eu o entendo melhor do que ele
pensa. É inevitável me lembrar do dia em que um evento mudou
tudo e, desde então, eu nunca mais consegui olhar para o futuro
com otimismo. A razão pela qual eu vivo um dia de cada vez e
comemoro cada pequena vitória.
Pensar nisso dói, então eu evito. Quase sempre, tudo que eu
quero é esquecer e viver tão intensamente a ponto de anestesiar as
lembranças ruins. Como agora.
— Vamos manter o foco no presente, então — sugiro, com voz
rouca.
Num gesto impulsivo, toco seu rosto e sinto a barba de um dia
sob as pontas dos meus dedos. Ryker se retrai de forma
perceptível, mas não se afasta. Encorajada, inclino meu corpo para
frente, meu rosto se aproximando do dele.
Eu preciso beijá-lo.
Não, eu preciso que ele me beije.
Que assuma o controle, que me deixe completamente
desnorteada. Preciso sentir o corpo grande de Ryker Lockhart
pressionado contra o meu, me ajudando a trocar pensamentos
angustiantes por sensações deliciosas.
Meu polegar percorre seu lábio inferior, e ele fecha os olhos com
força. Chego ainda mais perto, a ponto de sentir seu hálito quente
acariciando o meu. Torço para que ele agarre minha nuca e me
puxe contra ele, que envolva minha cintura e elimine o resto da
distância que sobrou entre nós. Quero que Ryker...
— Samantha, não. — Ele usa a mão livre para me afastar com
delicadeza, e vira o rosto para o outro lado. — Isso não vai
acontecer.
Meu coração acelera, mas dessa vez de frustração. Chego o
corpo para trás e me ajeito no banco, com um misto de tristeza e
vergonha.
— Tudo bem — digo, fazendo um esforço monumental para não
demonstrar fraqueza diante dessa rejeição. Afinal, eu sou a garota
espontânea e atrevida, que não se abala por nada. Dou de ombros,
com uma falsa expressão divertida. — Não custava tentar.
Ryker me encara com tanta profundidade que começo a ficar
com medo de que ele me desvende por inteiro, que arranque
minhas máscaras. Tudo que eu mais odeio é me sentir vulnerável,
então dou uma risadinha debochada.
— O que foi, jogador? Eu sou grandinha o suficiente para aceitar
quando perco uma batalha. — Fixo meu olhar no dele, colocando de
volta no rosto minha eterna expressão de desafio. É impressionante
o poder que ela tem de desnortear as pessoas e encobrir todo o
restante. — Mas isso não significa que eu desisti da guerra.
Ele não sorri, não fica bravo, não reage de imediato. Apenas
recolhe os restos do nosso lanche sem dizer nada, sai do carro e
joga os sacos de papel pardo numa lixeira próxima. Assim que
retorna, liga o motor e sai dirigindo devagar do estacionamento.
A viagem continua em silêncio até Malibu. Ao parar num sinal
fechado, Ryker me observa outra vez. Seus olhos são como lagos
profundos, onde eu poderia facilmente me afogar.
O sinal abre, e o momento se perde. Ao chegarmos em casa, ele
estaciona, me ajuda com as malas e entramos pela porta dos
fundos. Quando paramos na porta do meu quarto, Ryker me encara
com uma expressão quase angustiada. Como se implorasse para
que eu entenda seus receios e pare de testar seus limites.
— Eu não deveria precisar te lembrar do porquê isso que você
tentou fazer no carro seria um erro, Samantha. Um erro bastante
perigoso.
Sorrio de leve.
— Eu nunca procuro os motivos pelos quais eu não devo realizar
uma vontade minha. Prefiro manter meu foco nas razões que
existem para eu querer fazer. E, nesse caso, posso te garantir que
são várias. — Fico na ponta dos pés e beijo sua bochecha, perto da
boca. — Mas pode ficar tranquilo. No dia em que acontecer algo
entre nós, a iniciativa será sua. Boa noite, jogador.
Arrasto minhas malas para dentro do quarto com um sorriso
satisfeito. Posso não ter conseguido tudo que eu queria essa noite,
mas saber que Ryker não é tão indiferente a mim quanto tenta fazer
parecer era tudo que eu precisava para ganhar um novo fôlego.
Nenhum jogo está perdido até que acabe. E o nosso ainda está
bem longe de terminar.
14

RYKER
— VOCÊ ESTÁ DIFERENTE, hoje. — Nico estreita os olhos na
minha direção.
— Diferente como, Marchesi? — pergunto, paciente.
O quarterback joga a blusa de treino suja no cesto. O vestiário
do The Palace está menos cheio do que o de costume, já que só o
time de ataque estava treinando no campo hoje.
— Um pouco menos estressado, eu acho. Não acha, Hugh?
Nosso amigo, que está com um sorrisinho bobo, levanta os olhos
do celular e nos encara.
— Acho o quê?
Marchesi revira os olhos.
— Cara, eu adoro a Laney e você sabe, mas, desde que vocês
começaram a namorar, você parece ter se mudado para outro
planeta. — Nico vira na minha direção e aponta um dedo acusatório.
— Você não vai começar com essa porra de namoro também e me
largar não, né, seu puto?
Eu ergo as sobrancelhas.
— Primeiro, você reclama que eu não como ninguém e, agora,
está me proibindo de fazer isso? Seja coerente.
Nico entreabre a boca e franze a testa, com uma expressão
ultrajada.
— Eu nunca vou te desencorajar a comer alguém, Lockhart.
Nunca. Me refiro a essa palhaçada de homem apaixonado, que nem
presta mais atenção na conversa dos amigos e só fica com essa
cara de idiota toda vez que fala com a namorada.
Hugh anda até nós e envolve o ombro de Nico com o braço.
— Então essa história de namoro é uma palhaçada? — ele
pergunta.
Marchesi confirma.
— Desculpa, mas é.
Nash olha para mim, com uma expressão divertida, e volta a
encarar Nico.
— Entendi. Deduzo que casamento seja pior ainda?
O quarterback simula um tremor de nervoso.
— Caralho, bem pior.
Nosso running back nem esconde o sorriso ao suspirar
dramaticamente.
— Que pena que você pensa assim. — Ele solta o ombro de
Nico e envolve o meu. — Laney e eu marcamos a data do
casamento. Eu ia convidar os dois para serem meus padrinhos,
mas, como você acha tudo isso uma palhaçada, será só o Lockhart
aqui.
O queixo de Nico cai.
— Puta que pariu — ele murmura. — Vocês vão mesmo casar?
— Vamos — Nash confirma, com um sorriso imenso.
— Com cerimônia, festa, a porra toda? — Marchesi o encara,
incrédulo.
— Exatamente.
Depois de mais alguns segundos de choque, Nico se recupera,
respira fundo e abraça Nash, dando vários tapas fortes nas suas
costas.
— Parabéns, seu puto. Laney é demais, e vocês serão felizes
pra caralho.
Eu rio da mudança súbita de reação. Não há no mundo alguém
igual a Nico Marchesi. Assim que o quarterback solta o nosso
amigo, é minha vez de abraçá-lo.
— Que notícia foda, Nash. — Eu o solto e seguro seu rosto com
as duas mãos, olhando-o nos olhos. — Vocês são o casal mais
fantástico que eu conheço, e essa foi a melhor decisão que você
tomou.
— Ah, Nash? — Nico nos interrompe. — Pode parar com essa
porra de que só o Lockhart vai ser padrinho. Inclusive, o
responsável pela sua despedida de solteiro serei eu, é óbvio. — Ele
olha para mim. — A não ser que você queira que o evento seja um
retiro espiritual nas montanhas, sem álcool nem mulheres gostosas.
Hugh ri alto.
— Eu não quero uma coisa nem a outra, Marchesi. Não preciso
de festa de despedida de solteiro.
— O caralho que não precisa — Nico responde, antes de
terminar de tirar toda a roupa e ficar parado na nossa frente de
braços cruzados, completamente pelado pra variar. Ele adora exibir
o pau pros outros, nunca vi coisa igual. — Querendo ou não, você
terá uma.
Rindo, Nash também tira o uniforme e vai direto para o chuveiro,
e eu faço a mesma coisa. Nico vem atrás.
— Sério, cara — o quarterback insiste, entrando na cabine ao
lado da minha e ligando a ducha. — Prometo não passar dos
limites, tá? Nem vou pedir pra alguma stripper se esfregar no seu
colo.
— Nada de stripper — Hugh diz, num tom divertido. — Mas
podemos tomar uma cerveja juntos no fim de semana anterior, e
valerá como a despedida de solteiro.
— Quando é o casamento? — pergunto, passando o sabonete
no corpo.
— Daqui a pouco menos de três semanas. Será na casa do
Cristaldi, que é um lugar especial para mim e Laney. — Hugh se
refere à mansão de veraneio de um ex-quarterback do Sharks que
se aposentou. A casa tem nada menos que uma praia privativa. —
Ele já cedeu o espaço para mim.
— Três semanas?! — Nico e eu perguntamos ao mesmo tempo.
Termino o banho e desligo o chuveiro. Enfio a cabeça para fora da
cabine para olhar para o nosso amigo. — E vai dar tempo de
preparar tudo?
Hugh dá de ombros, começando a se enxugar.
— Tivemos que adequar ao calendário da temporada. Se tudo
der certo, estaremos no Super Bowl 1, então não queríamos correr o
risco de ter que esperar até fevereiro para casar. Minha irmã é boa
nessas paradas, e vai ajudar Laney a preparar tudo.
— Campbell sabe disso? — pergunto, me referindo a Liam
Campbell, nosso técnico.
Nash confirma.
— Sim. — Ele ri. — Na verdade, Laney e eu sentamos junto com
ele para escolher a data do casamento.
Eu rio. Só quem joga profissionalmente entenderia uma bizarrice
como essa.
— Que romântico — Nico ironiza, com uma piscadinha.
— Ele vai nos dispensar de um treino. Jogaremos contra os
Bills 2 na quinta, voltaremos para Malibu na sexta. Eu caso no
sábado e ele vai cancelar o treino de domingo, para a gente se
recuperar. Vai dar certinho.
Sorrio e balanço a cabeça por causa da pressa do casal. Coloco
então uma sunga, porque tenho avaliação nutricional hoje e preciso
tirar a roupa para as medidas antropométricas.
— Quantos convidados? — pergunto, pegando a camiseta na
minha bolsa esportiva.
Hugh também começa a se vestir.
— Será pequeno, cem pessoas só. Uma parte vai ficar
hospedada na casa, e a outra parte, num hotel próximo.
— Me fala que você vai chamar umas mulheres bem gatas —
Nico pede. — Amo arrancar aqueles vestidos longos e desfazer
aqueles penteados.
O babaca fica parado de novo na nossa frente sem roupa e sem
nenhuma pressa de colocar. Eu suspiro e aponto para a virilha dele.
— Marchesi, todo mundo sabe que você tem o pau grande. Quer
fazer o favor de colocar uma porra de uma cueca?
Ele sorri de lado.
— Isso é inveja. As mulheres ficam doidas pelo Dico, e vocês
não se aguentam com isso.
— Dico? — Hugh ergue as sobrancelhas.
— Sim. — Nico abre um sorriso orgulhoso. — Mistura de dick 3 e
Nico.
Puta que pariu, esse cara não tem limites.
Reviro os olhos.
— Em primeiro lugar, eu não preciso saber o apelido do seu pau
— digo. — Em segundo, se existem duas pessoas que não estão
competindo com você por mulheres, somos eu e Nash.
— Fica com todas elas para você, irmão — Hugh corrobora,
terminando de se vestir. — Mostra quem tem a pica mágica, fica à
vontade.
— Eu mostro mesmo — Marchesi provoca. — Quem tem o
privilégio de cair na minha cama, muda o referencial para sempre.
Uma pena que elas experimentem esse corpinho no máximo duas
vezes.
Hugh ri.
— A porra da regra dos três encontros.
Eu também termino de me arrumar, enquanto Nico ainda está
começando. Pelo menos vestiu a boxer.
— Exatamente — o quarterback diz. — Se não quer
complicação, o limite é dois. Quando vai para o terceiro encontro,
elas criam expectativa, e aí fodeu.
Fecho a porta do armário, sorrindo com as teorias mirabolantes
de Nico Marchesi.
— Vou indo na frente — aviso. — Tenho consulta com a
nutricionista agora.
— Vai lá — meus amigos se despedem e Nash acrescenta: — A
gente se vê no almoço.
Saio do vestiário um pouco nervoso, porque sei que vou
encontrar outra vez com Samantha. Desde que eu fui resgatá-la
naquela espelunca, há três dias, nossa relação mudou
consideravelmente. Pode-se dizer que foi para melhor, já que agora
não brigamos nem discutimos mais.
Ela passou o domingo inteiro em casa comigo, e foi mais
agradável do que eu imaginei. Brincamos com os cachorros,
fizemos as refeições juntos e assistimos três filmes da saga Star
Wars. Para a minha surpresa, a garota não tentou mesmo mais
nada depois daquele quase beijo no carro. Quando ela disse que a
iniciativa teria que ser minha, aparentemente estava falando sério.
O problema é que a falta de atitudes óbvias da parte dela para
me seduzir fez muito pouco no sentido de diminuir a atração
incontrolável que eu sinto por essa mulher, e que não para de
aumentar a cada dia. Samantha é linda e sensual mesmo quando
não se esforça para isso. A maneira como ela gargalhava rolando
na grama com os cães, os seios perfeitos marcados pelas blusinhas
regatas que adora usar quando está em casa, a bunda empinada
rebolando enquanto ela cantava e cozinhava de costas para mim,
achando que eu ainda estava no quarto tomando banho. A tentação
é insana e constante.
Quando eu optei pela mudança do estilo de vida e adotei o
celibato, uma das coisas mais importantes que aprendi foi que, para
dar certo, eu preciso evitar as situações que provoquem gatilhos
para a excitação. Por isso, não vou a festinhas, bares, não assisto
filmes com cenas de sexo — explícitas ou não — e mantenho
distância das poucas mulheres que considerei atraentes nos últimos
anos.
A merda é que isso se tornou impossível nos últimos dias, já que
a garota que mais mexeu com a minha cabeça e com o meu corpo
nas últimas décadas se mudou para a minha casa. Por maior que
seja o meu empenho em manter o controle, o gatilho está lá o tempo
inteiro. O resultado desastroso dessa situação é que, agora, estar o
tempo inteiro com um tesão fodido é o meu novo normal.
Já entendi que precisamos perder algumas batalhas para vencer
a guerra. Se ainda precisarei conviver com Samantha por mais
quase três semanas, resolvi ceder ao menos à masturbação. Perdi a
conta de quantas punhetas toquei nos últimos dias pensando nessa
diabinha loira, e estou empurrando a culpa para o fundo da última
gaveta da minha consciência.
Racionalmente, meu argumento é: enquanto forem apenas
fantasias, é menos pior. Eu só não posso, de jeito nenhum, colocar
essas fantasias em prática. Até porque, a forma como eu fodo
Samantha Carmichael nos meus pensamentos é de uma
intensidade meio assustadora. Tenho um medo real do que poderia
acontecer se algum dia eu colocasse mesmo minhas mãos nela.
Chego à porta da sala do departamento de nutrição. Respiro
fundo antes de bater, me preparando para encarar Samantha outra
vez.
— Entre.
Assim que eu cruzo a soleira, me deparo com o par de olhos
azuis e meu coração dispara. Quando a garota sorri, não consigo
evitar que meus olhos se fixem por dois segundos nos lábios
perfeitos, e chego a sentir um pequeno choque diretamente no meu
pau.
Excelente resultado na intenção de me manter no controle perto
dela.
Inferno.
15

SAMANTHA
QUANDO EU SOUBE que Ryker estava na nossa agenda de
hoje, precisei disfarçar meu excesso de empolgação. Denise tem
me deixado fazer as aferições de medidas dos jogadores essa
semana, o que significa que terei a desculpa perfeita para tocar no
corpo dele. De forma estritamente profissional, é lógico, mas, ainda
assim, é um toque.
Ryker entra no consultório e eu quase perco o ar, como acontece
todas as vezes em que o vejo. Ninguém deveria ter o direito de ser
tão bonito. Eu sorrio, e tenho quase certeza de que o olhar azul-
esverdeado se fixa na minha boca por alguns segundos, antes de
desviar.
— Bom dia, Lockhart — Denise cumprimenta. — Sente-se, por
favor.
Ele obedece, evitando olhar para mim.
— Olá, meninas — ele diz, genericamente.
Denise pega sua ficha e avalia as informações.
— Como ficou a questão do refluxo?
— Bem melhor — ele diz. — A redução dos alimentos mais ricos
em gordura ajudou bastante, ainda que eu sinta falta de alguns,
como a pasta de amendoim.
A nutricionista sorri.
— Imagino que você continue sendo meu garoto modelo na
adesão à dieta.
Ryker me encara por dois segundos, escondendo um sorriso em
algum lugar do rosto bonito.
— Com toda a certeza. Impecável, como sempre.
Eu mordo a parte interna da bochecha para não rir, lembrando
da nossa extravagância na madrugada de sábado para domingo.
— Pretendo manter seu protocolo por mais três semanas, então.
Vamos apenas checar a bioimpedância e as medidas, antes. —
Minha chefe olha para mim. — Sam, você poderia, por favor, me
ajudar com essa parte?
Eu sinto a frequência cardíaca acelerar um pouco.
— Claro. — Olho para Ryker com uma expressão inocente e
peço, no tom mais neutro e profissional possível. — Pode tirar a
roupa, por favor?
Eu não poderia perder a chance de dar o comando para que
esse homem tire a roupa para mim. Noto que ele enrubesce
discretamente, e desvia o olhar. Em seguida, levanta e caminha até
o canto da sala, onde fica a balança de bioimpedância. Quando
puxa a camiseta num movimento único, chego a perder o ar. Não é
a primeira vez que o vejo sem camisa, mas ainda acho surreal como
esse infeliz é gostoso.
Puta que pariu.
Ele então abaixa o short, ficando apenas de sunga. Como
Denise está de costas para mim, digitando algo no computador,
aproveito para observá-lo sem tanto receio.
As coxas são grossas e musculosas, o abdome tem oito gomos
— oito! —, o peitoral é definido e os bíceps são enormes. Ryker me
dá as costas, dobra as roupas e apoia sobre a bancada.
Jesus, essa bunda é absolutamente perfeita.
Quando ele volta a olhar para mim, fica parado, como se
esperasse alguma coisa. Percebo que essa “alguma coisa” é que eu
saia do transe e comece a trabalhar, então limpo a garganta e
levanto, indo até ele.
— Pode subir na balança, por favor?
Com uma expressão de desconforto, Ryker atende meu pedido.
Menos de dois minutos depois, a impressora cospe os resultados e
eu vou até lá para buscar. Nesse momento, o telefone de Denise
toca e ela atende.
— Alô? Sim, sou eu. — Sua expressão vai se modificando,
ficando tensa. — Ela está bem? Entendi. Estou indo para a escola.
A nutricionista se levanta, num movimento rápido.
— Minha filha caiu durante o recreio, e talvez tenha quebrado o
braço. Estou indo para lá.
— Nossa, melhoras para ela — digo. — Tomara que não seja
nada mais sério.
— Se precisar de alguma coisa, avise — Ryker pede, com um ar
solidário. — Conheço algumas pessoas que talvez possam ajudar.
Minha chefe sorri, apesar da tensão.
— Obrigada, gente. — Ela olha para mim, indecisa. —
Samantha, você acha que consegue terminar sozinha, ou prefere...
— Está tudo sob controle aqui — aviso. — Pode ir tranquila.
Ela suspira, aliviada, pega a bolsa e sai.
A sala fica tomada por um silêncio tão denso que parece uma
nuvem de areia. Eu ando calmamente até o local onde Ryker está,
parado ao lado da balança.
— Vou tirar suas medidas — aviso.
— Eu sei — ele responde, entre dentes, me fazendo sorrir.
— Está tenso, jogador?
Em resposta, Ryker apenas suspira e fecha os olhos.
— Vamos acabar logo com isso, Samantha.
Mordo o lábio inferior, controlando o riso.
— Nossa, até virei Samantha de novo... — provoco, pegando a
fita métrica na gaveta.
— Não abuse da sorte, garota.
Paro na frente dele e peço:
— Levante o braço direito, por favor.
Ryker faz essas avaliações tantas vezes no ano que já decorou
as posições em que precisa ficar para as aferições. Eu passo a fita
métrica pelo bíceps relaxado, tomando o cuidado de não encostar
em nenhum lugar além do necessário — por maior que seja a minha
vontade.
Pelos próximos minutos, prossigo com as medições — braços,
antebraços, pescoço, peitoral, abdome. Quando chego ao quadril,
engulo em seco. Terei que posicionar a fita por cima da sua virilha, o
que significa que estarei perigosamente perto do paraíso sem poder
entrar.
Tomo o maior cuidado para que meus dedos não esbarrem de
forma inadvertida onde não devem, e noto que a respiração de
Ryker está mais pesada. Viro de costas, anoto os números na ficha
e então agacho na sua frente para tirar a medida da coxa. Quase
engulo minha própria língua ao perceber algo inesperado: uma
belíssima ereção marcada inequivocamente pela sunga.

RYKER
Eu estou de pau duro na porra do consultório de nutrição do The
Palace. Meu local de trabalho, o último lugar onde algo assim
poderia acontecer.
Alguém me mate agora, por favor, e acabe de uma vez com esse
tormento.
Aperto a base do nariz entre os dedos com força, rezando para
que Samantha termine de tirar as porcarias das medidas em silêncio
e eu possa ir embora daqui. Se ela fizer uma piadinha a respeito
disso, nem sei como sou capaz de reagir.
Odeio perder o controle dessa forma.
Odeio.
— Pode afastar um pouco as pernas, por favor? — ela pede, e
eu obedeço.
Quando a mão pequena toca a parte de cima da minha coxa
para posicionar a fita, eu quase solto um grunhido. Meu pau lateja
na sunga, como se estivesse inconformado com o fato de Samantha
estar agachada na minha frente e o motivo para isso não ser um
boquete.
E agora eu estou pensando na boca rosada envolvendo meu
cacete e chupando com vontade, porque, por alguma razão louca e
deturpada, eu tenho certeza absoluta de que o boquete dela é
fenomenal.
Aperto os punhos com força quando Samantha passa para a
outra perna, e repete toda a tortura meticulosamente. Só consigo
torcer para que o líquido pré-ejaculatório não tenha feito uma
mancha no tecido da sunga, completando de vez a minha
humilhação.
Quando ela enfim tira as últimas medidas e fica em pé, eu me
viro de costas e começo a me vestir, enfiando as peças de qualquer
jeito. Preciso sair de perto dela, antes que acabe fazendo a maior
merda da minha vida.
Entro nos tênis com pressa, agarro meu celular e começo a
andar em direção à porta, sem me dar ao trabalho de tentar dizer
qualquer coisa para justificar ou amenizar a situação patética que
acabou de acontecer. Samantha não tem nada de idiota, e agora
sabe exatamente que eu sinto por ela um tesão fora de controle.
Não quero nem ver como será ao ficarmos sozinhos em casa outra
vez.
Assim que coloco a mão para abrir a porta, ela me chama:
— Ryker?
— Fala — respondo, apertando a maçaneta até quase esmagá-
la, e sem olhar para trás.
— Só achei que você deveria saber que eu estou molhada na
mesma proporção em que você está duro. Talvez isso te faça sentir
um pouco melhor.
— Puta que pariu, Samantha — resmungo, escancarando a
porta com um solavanco e avançando pelo corredor como um touro
bravo, em busca de um banheiro.
Encontro um individual masculino vazio e me tranco lá dentro.
Abaixo o short e a sunga num movimento único e agarro meu pau,
bombeando freneticamente. Em menos de vinte segundos, explodo
num orgasmo tão forte que faz meu corpo inteiro tremer, e preciso
morder o lábio inferior com força para conter um gemido gutural.
Limpo a bagunça com papel higiênico, ofegante e suado.
Caralho, eu acabei de gozar no meu local de trabalho.
Quebrei todos os princípios morais e éticos, cruzei todas as
fronteiras, mandei à merda todas as benditas regras que me
mantiveram a salvo nos últimos anos.
Qual o próximo passo, foder Samantha no vestiário?
Essa garota será a minha ruína.
16

SAMANTHA
CHEGO SOZINHA EM CASA, ainda bem atordoada com o
fato que eu descobri hoje quase sem querer, ao passar as
informações da avaliação de Ryker para sua ficha. Ao ler o estado
civil, tomei um baita susto com a palavra que vinha a seguir: viúvo.
Eu não sabia sequer que Ryker havia se casado, quanto mais
que sua esposa havia morrido. Então, deve ter sido esse foi o
evento traumático que ele mencionou, algo que o fez entrar na
espiral de autodestruição. Confesso que eu não esperava.
Tomo um banho demorado, ainda pensando sobre essa história
e sem ter ninguém com quem falar. Fico morrendo de vontade de
ligar para a minha madrasta e perguntar, mas isso seria como uma
invasão à privacidade de Ryker, e não acho certo. Se algum dia eu
descobrir maiores detalhes, quero que venha dele.
Sento no sofá da sala, encolho as pernas sob o corpo e ligo a
TV, tentando me distrair. Ryker avisou por mensagem que iria para a
casa de Hugh com Nico para assistirem juntos alguns vídeos de
jogos do próximo time que enfrentarão, depois de amanhã, aqui em
Malibu mesmo. Prefiro acreditar que é verdade, e não que ele está
fugindo de mim depois do que aconteceu na sala de avaliação.
Aperto o botão no controle remoto e começa a passar um filme
de suspense que eu estou a fim de ver há um tempão, chamado
Knives Out. Como fã de Agatha Christie, a história tem exatamente
o estilo que eu curto.
Eu bem que tento me concentrar, mas meus pensamentos ficam
voltando para Ryker, ora para a tensão sexual explosiva no centro
de treinamento, ora para a revelação sobre o seu passado que não
sai da minha cabeça.
Depois de quase uma hora sentada em frente à TV sem
entender nada do filme ao qual não estou prestando nenhuma
atenção, eu desisto e desligo o aparelho. Já está escurecendo, e os
três cachorros estão deitados no tapete à minha frente, preguiçosos.
Olho através da porta de correr de vidro e observo o gramado,
com o canil de Darth no fundo do terreno. Num impulso, levanto do
sofá, abro a porta da varanda e atravesso o jardim descalça.
Lembro do que Ryker falou, que o cachorro precisa aprender a
confiar em seres humanos outra vez.
Como já fiz umas três vezes, sento no chão ao lado da grade. O
cachorro preto com manchas caramelo está deitado a alguns metros
de mim, e levanta a cabeça quando me vê. Dessa vez ele não
rosna, o que eu considero um grande avanço.
— Boa noite, Darth. Como você está hoje?
Os olhos escuros me encaram, sérios.
— Hum, entendi. O mesmo de sempre. — Olho para trás, onde
os outros três cães me observam à distância. — Sabe, ninguém
aqui vai te machucar. Eu juro.
Chego ainda mais perto da grade e coloco meus dois braços
esticados para dentro, mostrando a ele as mãos fechadas, como
Ryker me ensinou.
— Veja, estou me colocando vulnerável para você. Sei que, se
quiser, arranca minhas duas mãos e come de sobremesa do seu
jantar.
O cachorro se levanta devagar e começa a vir na minha direção.
Meu coração acelera, e eu preciso tomar a decisão rápida de
recolher os braços ou correr o risco de ficar sem eles.
Pode parecer bem estúpido — provavelmente, é —, mas algo no
olhar do animal me diz que eu não serei atacada. Darth Vader para
bem perto de mim e cheira minhas mãos, por vários segundos
dessa vez. Eu sorrio pelas cócegas, mas não me mexo.
Quando ele por fim se deita ao meu lado, perto da grade, eu
quase choro de emoção. No domingo passado, eu consegui ficar
algum tempo perto dele, mas sempre com Ryker ao lado, e não tive
permissão para tocá-lo. Ainda com alguma hesitação, eu levo minha
mão à cabeça quadrada e grande, atenta a qualquer reação
negativa do cachorro.
Ele apenas continua parado, até que eu toco seu pelo macio.
Nesse instante, Darth fecha os olhos, e eu sinto os meus
umedecendo ao começar a acariciá-lo. Seu pelo tem algumas
cicatrizes, certamente oriundas das brigas horrendas em que foi
colocado ao longo de anos.
— No fundo você só quer ser amado, né? — murmuro, sem
parar com o carinho. — Pois eu vou te confessar um segredo,
então. Algo que eu nunca falei para ninguém, então estou contando
com a sua discrição.
Darth abre os olhos outra vez, como se entendesse que está
prestes a ouvir algo importante.
— Quando minha mãe foi embora, eu era muito pequena. Muito
mesmo, um bebê. Não tenho nenhuma memória dela, e saber que
minha própria mãe não me amou o bastante para me criar deixou
um vazio na minha vida, um buraco que eu nunca consegui
preencher. Meu pai sempre foi um cara muito fechado, e fez o que
pôde para cuidar sozinho de uma garotinha. Só que, por mais que
ele nunca tenha me maltratado de nenhuma forma, também nunca
soube me amar. A verdade é que eu nunca conheci o real
significado de ser amada, Darth.
Sorrio, com tristeza, e olho para o céu arroxeado, antes de
continuar:
— Durante algum tempo, eu sonhei em ouvir alguém dizer que
me amava, sabe? Mas aí, várias coisas aconteceram e eu descobri
que é melhor não. O amor provoca um estrago muito grande na vida
das pessoas quando termina.
O cão me olha, seu olhar triste e profundo fixo no meu.
— Com os cães, funciona diferente de como é para as pessoas.
Vocês vêm programados com a capacidade do amor incondicional,
nunca esperam quase nada em troca. Dar e receber amor é da
natureza de vocês, não é? Nós, seres humanos, é que às vezes
estragamos isso.
Coço atrás da orelha do bichinho, que continua deitado próximo
à grade.
— Admiro profundamente sua coragem por ter sobrevivido, por
ter conseguido encerrar aquele ciclo de maldades ao acabar com a
vida do filho da puta que maltratava você. E agradeço demais a
confiança que está depositando em mim agora, me permitindo tocá-
lo. Espero que seja a primeira vez de muitas. — Suspiro,
encarando-o com um olhar doce. — Sei que Ryker te ama, Darth.
De agora em diante, aquele passado horrível ficou para trás. Seu
futuro está repleto de amor, pode acreditar.
Darth Vader apoia a cabeça entre as patas, me encarando com
seus olhos tristonhos e sem esperança. Tenho vontade de abrir essa
porta e abraçá-lo bem forte, mas não quero passar dos limites
rápido demais e correr o risco de colocar tudo a perder. Então,
apenas beijo meus dedos e coloco as pontas sobre sua cabeça,
numa despedida.
— Até amanhã, grandão.
Quando volto para casa, ouço o barulho do carro de Ryker
entrando na garagem. Meu coração acelera, porque será nosso
primeiro encontro após a manhã de hoje. Eu vou até a cozinha e
pego um copo de água, para ajudar a disfarçar o nervosismo.
Ele entra e fecha a porta atrás de si. Assim que me vê, nossos
olhares se prendem um ao outro como imãs. Fico em silêncio,
esperando pela sua reação.
Ryker coloca a chave do carro sobre a bancada que divide a sala
e a cozinha e vem até mim.
— Não vou conseguir agir como se nada tivesse acontecido —
ele diz.
— Que bom.
A mão grande corre pelo cabelo castanho claro, conforme ele
solta um suspiro cansado.
— Aquilo foi inaceitável da minha parte, Samantha. Não há
justificativas para o meu comportamento, mas existe uma
explicação. Se você quiser, eu posso te contar algumas coisas
sobre mim.
Eu arregalo um pouco os olhos, ávida por ouvir mais.
— Sim, eu quero.
Ele assente devagar e aponta para a banqueta.
— Senta. — Assim que eu obedeço, Ryker pergunta: — Você já
jantou?
— Não — eu nego, e ele então abre a geladeira.
— Rosbife, batatas e salada. Pode ser?
— Claro.
Ele gasta alguns minutos montando nossos pratos, e os coloca
na mesa alta da ilha da cozinha. Em seguida, vai até a sala, abre a
adega e volta com um vinho.
— Álcool em plena terça-feira? — pergunto, com um tom
divertido.
— Essa conversa precisa.
Ryker enche as duas taças e senta à minha frente. Eu bebo o
primeiro gole e confesso:
— Estou morrendo de curiosidade com algo que descobri sem
querer.
Os olhos claros se erguem para mim.
— O quê?
— Que você é viúvo.
Ele nem parece tão surpreso com a minha revelação. Puxa o ar
e solta bem devagar, bebendo um gole de vinho em seguida.
— Não é exatamente um segredo — Ryker explica —, apesar de
não ser um assunto sobre o qual eu costume falar. Dei sorte que, na
época em que aconteceu, eu era quase um desconhecido, então a
mídia nem ficou sabendo de nada.
Corro o dedo pela borda da minha taça.
— Olha, se você não quiser falar sobr...
— Lindsay morreu há treze anos, num acidente.
Eu engulo e assinto.
— Sinto muito, Ryker. — Espeto uma batata, mas não levo o
garfo à boca. Essa conversa parece muito mais importante do que a
refeição. — Vocês... foram casados por quanto tempo?
Ele corta um pedaço do bife, sem me encarar.
— Quase quatro anos. Fomos namorados na época do colégio,
no último ano. Lindsay ficou grávida, e decidimos casar.
Fico em choque. Ryker tem um filho?
Ele ergue os olhos para mim e, notando a minha expressão,
acrescenta com um sorriso triste:
— Eu não sou pai, Blue. Ela perdeu o bebê um mês depois que
nos casamos.
Meu Deus, é muita informação. Bebo um grande gole do vinho,
para organizar o raciocínio.
— Deve ter sido difícil — comento o óbvio, porque essas
revelações todas não estão contribuindo para a minha eloquência.
— Sim, foi. Nós tínhamos só dezoito anos na época. Eu era uma
promessa no futebol americano, o melhor jogador do colégio.
Consegui uma vaga para jogar na Pensilvânia, numa Universidade
da Ivy League. Mesmo depois que ela perdeu o bebê, eu estava
disposto a honrar meu compromisso e fazer nosso casamento dar
certo.
Consigo vê-lo fazendo exatamente isso.
— E o que aconteceu depois?
— A vida que nós levamos foi muito diferente do glamour que
Lindsay esperava. Não tínhamos dinheiro quase nenhum, já que
minha bolsa de estudos só cobria os custos principais da faculdade
e oferecia uma pequena ajuda de custo para moradia. Alugamos um
apartamento minúsculo, e nossa condição financeira não permitia
que saíssemos muito de casa. Eu estudava, treinava e ainda
trabalhava na construção civil nas férias de verão para juntar algum
dinheiro. Lindsay rodava em vários empregos que pagavam mal, já
que não tinha diploma universitário nem a intenção de ter um.
Mastigo um pedaço de carne que coloquei na boca, refletindo
sobre tudo que estou ouvindo.
— Mas era um investimento para o futuro, não? — pergunto,
depois de engolir. — Você se tornou um jogador da NFL, e imagino
que esse sempre tivesse sido o plano.
Ryker olha para sua taça, sem prestar atenção a ela.
— Sim, era. Aguentamos esses quatro anos, e Lindsay sempre
repetia o quanto a vida dela era horrível, e que eu precisava me
formar logo para que fosse draftado por um time bom e nós
saíssemos daquele buraco.
Não consigo imaginar que uma vida ao lado de um homem como
Ryker pudesse ser horrível, mesmo com pouco dinheiro, mas
guardo o pensamento para mim.
— E, então, você foi.
Ele sorri outra vez, sem qualquer alegria no semblante.
— Fui. Pelo Arizona Cardinals, um dos times com pior
desempenho na NFL, e para jogar como reserva. Meu primeiro
contrato pagava muito mal, comparado às expectativas de um
jogador profissional.
Eu balanço a cabeça, entendendo aonde Ryker quer chegar.
— E sua esposa não ficou feliz com isso?
Ryker me encara.
— Ela me culpava, Samantha. Me culpava por não ter
conseguido estatísticas melhores nos jogos da liga universitária, me
culpava por estar presa em Glendale, uma cidade feia onde faz
quase cinquenta graus no verão. Me culpava até por ter estragado a
vida dela ao engravidá-la, mesmo que a ideia de fazer sexo sem
camisinha no dia em que não tínhamos uma no carro tenha partido
dela.
Ou seja, não se pode dizer que Ryker tinha um casamento feliz.
Longe disso.
— Eu sinto muito por tudo isso — digo, com sinceridade.
Ele assente.
— Obrigado. — Depois de beber um gole do vinho, Ryker
prossegue: — Entrei numa rotina cansativa, onde nada que eu fazia
parecia suficiente. Meu técnico nunca achava que eu estava pronto
para assumir novos desafios, nenhuma das minhas tentativas de
agradar minha mulher parecia fazê-la feliz, e eu fui perdendo o
tesão pelas coisas. Nesse meio tempo, Lindsay arrumou um
emprego como comissária de bordo, e passou a viajar com
frequência. Confesso que era quase um alívio quando ela não
estava em casa.
— Nenhum relacionamento deveria ser assim — comento, quase
para mim mesma.
— Exatamente — ele concorda. — E, para complicar ainda mais
as coisas, minha esposa engravidou. Fiquei sabendo por acaso,
num dia em que ela embarcou a trabalho. Não conseguia achar
minha carteira em casa, então comecei a procurar em algumas
bolsas dela para ver se tinha deixado lá na última vez em que
saímos juntos. Numa delas, acabei encontrando um teste de
gravidez feito algumas semanas antes.
— Ryker! Ela não te contou?
— Não. Na época, achei que era porque as coisas entre nós
andavam meio estremecidas. Naquele dia, eu tomei uma decisão:
eu tentaria reconquistar minha mulher. Aproveitei que estávamos na
fase offseason 1 para preparar uma surpresa. Reservei um hotel
numa cidade próxima, comprei uma joia cara, uma verdadeira
extravagância pelo salário que eu recebia, e organizei um tempo só
para nós dois. — Os olhos dele adquirem um brilho diferente, e eu
me pergunto se são lágrimas. — Cheguei até a comprar uma
roupinha de bebê e um ursinho de pelúcia. — Ele balança a cabeça,
como se as memórias fossem dolorosas demais. — E então, na
véspera do retorno dela, eu recebi a pior ligação da minha vida.
Meu coração acelera.
— O avião dela caiu?
Ele nega.
— Não. Ela morreu num acidente de carro.
Eu fecho os olhos, imaginando o impacto de tudo isso para ele.
— Nossa... eu não consigo nem imaginar o tamanho da sua dor,
ainda mais sabendo que ela estava grávida.
Quando Ryker levanta o rosto e me encara outra vez, fico
surpresa com o tamanho da devastação nos olhos azuis-
esverdeados.
— Mas não foi só isso, Blue. Ela não estava trabalhando naquele
fim de semana, como disse que estaria. Estava viajando com o
amante, um jogador de futebol americano de outro time, com um
contrato melhor que o meu e uma carreira mais promissora, apesar
de ainda não ser famoso. Um cara que eu conhecia, e que morreu
no acidente junto com ela.
Cubro a boca com as duas mãos, horrorizada.
— Meu Deus... — murmuro, em completo choque.
— Pois é. — Ele termina de virar o vinho num gole só. — Eu
acabei decidindo pedir que fizessem um teste de DNA no bebê. Eu
precisava saber se tinha ou não perdido um filho, e descobri que
não era meu. Lindsay não apenas estava me traindo, ela estava
grávida de outro homem.
Meu peito dói com essas palavras, porque não consigo nem
imaginar o tamanho da dor que Ryker sentiu.
— Naquele dia — ele prossegue —, eu não perdi só a minha
esposa. Perdi a confiança nas pessoas, especialmente nas
mulheres. Perdi o rumo, perdi o propósito, perdi... tudo.
Sinto os olhos queimando. Desço da banqueta, dou a volta na
mesa e o abraço forte, a dor dele reverberando dentro de mim.
— Eu sinto tanto. Tanto...
Ele me abraça de volta, e ficamos assim por um longo tempo.
Quando eu o solto, Ryker me encara e coloca uma mecha de cabelo
atrás da minha orelha.
— Depois desse evento traumático, eu me perdi de vez. Passei a
me comportar de forma irresponsável, quase morri dirigindo bêbado
em mais de uma ocasião, experimentei drogas, tratava as mulheres
como objetos descartáveis, e não me orgulho nem um pouco disso.
Só não fui demitido do time porque, apesar do menor esforço que
passei a colocar ali, eles viam algum potencial. Meu técnico era um
homem bom, e tentou me ajudar de todas as formas a voltar a me
dedicar como eu deveria. Depois de quase quatro anos nessa corda
bamba, fazendo merdas cada vez mais sérias e perigosas, eu quase
me arruinei completamente numa delas. Aquilo foi um chamado
para a realidade, Samantha. Ou eu parava com o comportamento
autodestrutivo, ou seria mesmo meu fim.
Fico curiosa pra saber qual foi a merda que quase o arruinou de
vez, mas não quero pressionar além do limite. Se Ryker quiser, em
algum momento, ele vai me contar.
— E foi nessa hora que você decidiu mudar — concluo, e ele
confirma com um movimento de cabeça.
— O futebol passou a ser meu único foco. Eu treinava todos os
dias, cheguei a treinar nove horas num único dia. Em um ano,
melhorei absurdamente minhas estatísticas, consegui jogar como
titular em algumas partidas da temporada seguinte e, assim que
meu contrato com o Cardinals encerrou, recebi uma oferta do
Sharks.
— Como você conseguiu mudar tanto a sua rotina? — pergunto,
porque algo assim é mesmo admirável.
— Desde o dia em que tomei aquela decisão, cortei de vez tudo
que me fazia mal, tudo que me tirava do eixo. Fiquei mais de cinco
anos sem colocar uma gota de álcool na boca e, quando voltei, foi
com muita moderação. Já o resto... nunca mais voltei a fazer.
Franzo a testa, sem entender.
— O resto? Você quer dizer as drogas e...?
Ele me encara, sério.
— Sexo. Faz mais de nove anos que não encosto em uma
mulher, Samantha.
17

RYKER
EU JÁ ESPERAVA que a revelação causaria surpresa a quem
quer que eu contasse. Samantha é a primeira pessoa com quem
falo sobre esse assunto de maneira tão aberta, por incrível que
pareça. Nem Annie sabe exatamente a extensão da mudança que
eu promovi na minha vida nos últimos anos, na cabeça dela eu
apenas tomei juízo e comecei a agir de forma mais responsável.
Meus amigos mais próximos, Hugh e Nico, já me conheceram
nessa nova fase. Eles nunca me veem com mulheres, sabem que
raramente frequento festas e coisas do tipo, mas tenho certeza de
que acham que eu me relaciono com alguém de vez em quando. A
história de monge celibatário é apenas uma piada, mas que está
mais perto da realidade do que eles imaginam e, com certeza, por
muito mais tempo do que imaginam.
Os olhos azuis arregalados de Samantha escrutinam meu rosto,
como se procurassem sinais de que isso é uma brincadeira. Quando
não encontram nenhum, ela pergunta:
— Quando você diz tocar, está se referindo a que, exatamente?
— A garota balança a cabeça, como se tentasse sair de um transe.
— Porque não é possível que não tenha ao menos beijado alguém,
ou abraçado, sei lá.
— Vou te explicar melhor. Vem comigo.
Seguro sua mão e a trago até o sofá. Nos sentamos lado a lado,
e Samantha vira o corpo para ficar de frente para mim, colocando as
pernas dobradas sob si. Eu respiro fundo, pensando por onde
começar.
Depois do que aconteceu hoje mais cedo, eu soube que
precisava tomar alguma atitude a respeito dessa tensão sexual
crescente entre nós dois. Samantha é provocadora, é atrevida,
inconsequente, até, mas sei que não é uma pessoa ruim. Se
entender a gravidade da situação, talvez se afaste um pouco, pare
com as provocações diretas, e eu terei alguma chance de recuperar
o controle sobre a situação. Foi apenas por isso que decidi lhe
contar tudo.
Ou melhor, quase tudo. A última parte, o que aconteceu naquela
maldita noite quando eu quase destruí de vez a minha vida, eu
jamais contarei a ninguém.
— Existem várias formas de celibato, que nada mais é do que
abstinência sexual voluntária. Na maior parte das vezes, está ligado
a questões religiosas, mas nem sempre. No meu caso, não teve
nada a ver com isso, já que eu nem sequer tenho religião.
Ela apenas me escuta, com completa atenção. Os três
cachorros, como se pressentissem minha tensão com essa
conversa, se reúnem no tapete, aos nossos pés, e se deitam ali.
— A abstinência — continuo — traz vários benefícios para quem
pratica. No meu caso, o principal deles é aumentar o foco em outras
coisas.
— Você quer dizer o futebol — ela conclui.
— Isso. Sem essa distração, meu rendimento aumentou
exponencialmente. Continuando a explicação, a abstinência sexual
pode ser parcial ou completa. Algumas pessoas mantêm
relacionamentos com parceiros, onde há beijos, abraços, em alguns
casos até toques íntimos e sexo oral, mas não há penetração.
Essas são formas mais brandas de celibato, digamos assim, e são
inclusive questionadas pelos defensores mais radicais da prática.
Em outros casos, como no meu, não há contato algum. Não há
toques com cunho romântico ou sexual, ou seja, sem beijos nem
contato íntimo de nenhum tipo. Eu excluí até mesmo a masturbação.
É óbvio que omito a parte de que isso mudou recentemente por
causa dela. A ideia não é colocar mais lenha nessa fogueira que já
está queimando com força entre nós.
Samantha morde o lábio inferior e me observa de forma intensa.
Algo na sua expressão se modifica um pouco, e uma sombra de
tristeza cruza seu olhar.
— Mas você não se sente... solitário?
Eu já esperava essa pergunta.
— Na verdade, eu me sentia muito mais solitário quando fodia
mulheres que eu nem sabia o nome e depois as expulsava da minha
cama. — Noto que ela engole em seco com essas palavras. —
Quando eu digo que fiz muitas merdas, Blue, estou falando sério. Eu
me tornei uma pessoa desprezível naquele período. Não pensava
em ninguém. Nem em mim mesmo, para falar a verdade.
Ela assente, claramente tentando assimilar tudo.
— E essa decisão é definitiva? — pergunta. — Digo, acha que
algum dia vai se permitir estar com uma mulher outra vez?
O olhar azul cintila com uma pontinha de esperança, e eu sinto
um aperto estranho no peito. Na mesma hora, as imagens daquele
dia horrível que me fez repensar toda a minha vida retornam, não
me deixando esquecer o que aconteceu.
— Não — respondo, firme, colocando um ponto final na sua
expectativa. — Eu não vou fazer isso, não correrei o risco de me
perder daquele jeito outra vez.
Samantha me oferece um sorriso triste.
— Eu sei por que está me contando tudo isso — ela diz. — Eu
seria uma filha da puta se insistisse em te seduzir depois de tudo
que eu ouvi.
Sorrio de volta, fracamente, e procuro sua mão. Samantha me
permite segurá-la.
— Eu não vou fingir que não sinto atração por você porque seria
ridículo, especialmente depois do que aconteceu hoje de manhã.
Porém, o fato de você ser estagiária do Sharks significa que, caso
eu agisse em cima dessa atração, poderia perder meu contrato.
— Sim, estou bem ciente da cláusula que proíbe
relacionamentos entre jogadores e membros da equipe técnica —
ela diz. — Não que eu entenda os motivos para isso.
— Tem a ver com a algum escândalo entre um running back
casado e uma colaboradora do time, que fez um estrago na mídia
há alguns anos. Mas não importa, o que interessa é que ela existe e
é levada bem a sério. E, para completar, você é enteada da minha
irmã e 16 anos mais nova que eu. Tudo isso já seriam motivos mais
que suficientes para que nada acontecesse entre nós, mas eu estou
me abrindo com você e mostrando que ainda há outro, mais
importante do que todos esses. Espero que agora você entenda.
O brilho decidido e intenso retorna ao seu olhar.
— Vou expor a minha visão sobre tudo isso, então. Mesmo eu
sendo estagiária do Sharks, isso não teria como te prejudicar se
ninguém ficasse sabendo. De mim, ninguém jamais ouviria. Sobre
seu outro ponto, eu sou enteada da sua irmã, não filha dela. Mal te
conhecia até alguns dias atrás, e isso certamente não é um
problema. Quanto à diferença de idade, posso te garantir que só
torna tudo mais interessante para mim, Ryker. — Ela ergue a mão
livre e faz um carinho suave no meu rosto. — A única coisa que fez
alguma diferença no meu propósito de te seduzir foi saber o quanto
esse assunto é delicado para você.
Ficamos nos encarando por alguns segundos, em silêncio, antes
que ela conclua:
— Posso parecer não ligar para nada nem para ninguém e só
fazer o que eu quero, mas não é bem assim. Não quero te
prejudicar. — Samantha sorri, e dessa vez não é com um ar
provocante. É um sorriso meio resignado. — Mas, se algum dia as
coisas mudarem e você decidir levar uma mulher para a cama,
promete que eu serei a primeira na lista de espera?
Eu acabo rindo.
— Você não tem jeito.
Ela dá de ombros.
— Eu simplesmente sei que você me daria a melhor foda da
minha vida, jogador. Não é fácil desistir de algo assim sem guardar
ao menos um pouquinho de esperança.
Essa garota é mesmo única. Meu olhar percorre seu rosto,
desde os olhos profundamente azuis, passando pelo nariz
arrebitado, os lábios cheios e o queixinho que parece estar sempre
erguido em desafio. Ela é tão linda que chega a doer.
Sinto um impulso diferente dessa vez, uma vontade de beijá-la
sem pressa, que começa no meio do meu peito e vai se espalhando
como fogo no mato seco.
Porra, isso não pode acontecer.
Se eu encostar nessa mulher uma única vez, não sei se serei
capaz de parar.
Recolho a mão que ainda segurava a dela de forma quase
brusca e fico em pé num movimento rápido.
— É melhor irmos dormir.
Samantha se levanta também.
— Você não respondeu a minha pergunta — ela me cobra, e eu
sinto minha respiração pesar.
— As coisas não vão mudar, ok? — Vou andando em direção ao
meu quarto, literalmente fugindo da menina furacão que está
acabando com o meu juízo. Paro na porta e, antes de fechá-la, olho
uma última vez para trás. Ela continua em pé no mesmo lugar, me
observando. Suspiro. — Mas, talvez você goste de saber que foi a
única mulher a me fazer ao menos pensar nessa possibilidade nos
últimos nove anos.
Um lento sorriso se abre no seu rosto.
— Sim.
— Sim o quê? — pergunto.
— Eu gostei de saber.
Sorrio de volta.
— Boa noite, Blue.
— Boa noite, jogador.
18

SAMANTHA
— NEM ACREDITO que vou viajar num jatinho — comento com
Ryker em voz baixa, enquanto aguardamos o ônibus que vai nos
levar até o aeroporto.
Amanhã, domingo, os Sharks vão jogar contra os Patriots 1 no
Gillette Stadium, em Foxborough. Esse foi o jogo em que fui
escalada para acompanhar o time, como parte da vivência do meu
estágio. Para quem só viajou de avião duas vezes na vida, uma
para Chicago e uma para a Califórnia, e espremida na classe
econômica em ambas as vezes, a ideia de entrar num jato particular
era tão distante quanto uma viagem à lua.
— Não é nada demais — Ryker responde, indiferente. — É um
avião comercial com a logomarca do time, não um jatinho de luxo.
Reviro os olhos.
— Para você, talvez, com todos os seus milhões na conta
bancária. Para mim, seria excitante mesmo que fosse um ônibus
com asas.
Ele sorri com o canto da boca, mantendo os braços cruzados e o
olhar na pequena aglomeração próxima à porta do ônibus, no
estacionamento do The Palace.
Desde a conversa na última terça-feira, a dinâmica da nossa
relação mudou. Eu parei por completo de provocá-lo, por maior que
seja a minha vontade em alguns momentos, e ele passou a se soltar
um pouco mais na minha presença.
Não houve outros momentos de tensão sexual tão explícita, mas
noto alguns olhares de Ryker para o meu corpo quando ele acha
que eu não estou vendo.
Admito que tem sido bem difícil abandonar a ideia de ir para a
cama com esse homem. Além de delicioso, charmoso e sexy como
o inferno, estou descobrindo um lado diferente da sua personalidade
que me atrai cada vez mais. Algo nele exala poder, comando,
controle, e eu nunca vivi a experiência de ser completamente
dominada na cama. Meu temperamento forte dificulta bastante essa
dinâmica, então, para que algo assim aconteça, preciso de um rival
à altura. Ryker é essa pessoa, tenho certeza absoluta.
Uma pena que ele esteja tão convencido de que o sexo só atrai
coisas ruins para a sua vida. Eu adoraria poder provar que essa
teoria está errada.
— Vamos, pessoal — Campbell chama, da porta de um dos
ônibus que nos levará ao aeroporto.
Meu olhar se desvia por alguns segundos para o técnico, que é o
head coach 2 mais jovem de toda a NFL, com apenas 39 anos. Liam
Campbell tem um porte enorme — alto, forte e está sempre sério.
Seu cabelo loiro avermelhado tem um pequeno topete na frente e
ele mantém uma barba curta. É um espetáculo de homem, contudo,
além de meu interesse ultimamente estar apenas num certo wide
receiver, o técnico é casado e tem uma filha, pelas fofocas que ouvi.
Ou seja, bom apenas para admirar, mesmo.
Entramos no ônibus, e eu fico em dúvida de onde sentar. Ryker e
eu viemos juntos para o The Palace hoje cedo, mas sei que
estamos em patamares bem diferentes no que diz respeito ao grupo
que está embarcando para a costa leste: enquanto ele é uma das
maiores estrelas do time, eu sou a estagiária que irá embora em
poucas semanas.
Para a minha surpresa, Ryker ocupa um assento junto à janela
na primeira fileira e me chama com seu tom autoritário.
— Vem, Samantha.
Eu escondo um sorriso e sento ao seu lado, em silêncio. Os
outros jogadores e membros da equipe vão entrando, e logo todos
os assentos estão ocupados. Assim que o ônibus sai, eu inclino a
cabeça e sussurro no ouvido de Ryker.
— Sempre que você me chama de Samantha, acho que está
brigando comigo.
Ele me encara, sério, mas com um brilho divertido no olhar.
Chega então bem perto do meu ouvido, a ponto de eu sentir a pele
arrepiar pelo hálito quente quando ele responde em voz baixa:
— Em público, é assim que eu vou te chamar sempre.
Sorrio e prendo meu cabelo atrás da orelha, olhando para o meu
colo.
— Eu sei.
Sem se afastar, ele acrescenta:
— Apesar disso, para mim, você continua sendo a Blue.
Meu coração acelera um pouco, e eu viro o rosto na sua direção
devagar. Nossas bocas ficam perigosamente próximas, e eu sei que
isso é estúpido. Há dezenas de pessoas ao nosso redor, ainda que
estejamos na primeira fileira e ninguém consiga nos ver ou sequer
esteja prestando atenção a nós.
Ryker encara os meus lábios por dois segundos intermináveis e
depois se ajeita no banco, afastando-se de mim. Fecho os olhos,
engolindo a frustração de tê-lo tão perto e não poder tocá-lo, e
recosto outra vez no banco acolchoado.
A viagem até o aeroporto é rápida. Chegando lá, fazemos os
procedimentos de embarque por um portão exclusivo, de onde saem
os aviões particulares. Os jogadores são separados do staff, e perco
Ryker de vista. Eles embarcam primeiro, e nós ficamos aguardando
na sala espaçosa.
Alguns minutos depois, somos chamados a embarcar também.
Andamos pela pista até a aeronave, que é vermelha e tem a
logomarca do tubarão na lateral.
— Uau — murmuro, baixo, para ninguém em particular.
Fora Ryker e alguns jogadores, a única pessoa que eu conheço
nessa viagem é Carolina Fernandes, a médica chefe do
departamento. A equipe de nutrição não acompanha o time nos
jogos fora de casa.
Assim que entramos na aeronave, entendo o que Ryker quis
dizer. Parece mesmo um avião comercial comum, mas um pouco
mais luxuoso. Passamos pela primeira classe, onde estão os
atletas. Vejo Ryker num assento junto à janela no corredor oposto
ao que eu estou percorrendo, de olhos fechados e com um fone de
ouvido.
Continuo andando até chegar ao equivalente à classe
econômica, onde viaja o staff de apoio e equipe técnica. Ao meu
lado, senta um homem que eu não reconheço. Nós colocamos os
cintos de segurança e ele pergunta, simpático:
— Nova na equipe?
Eu sorrio.
— Na verdade, sou do programa de estágio. Nutricionista.
Ele assente.
— Prazer. Sou Jake Soranz, preparador físico.
— O prazer é meu.
Fico olhando pela janela enquanto o restante do grupo termina
de embarcar. É muita gente.
— Quantas pessoas costumam ir nessas viagens? — pergunto.
Soranz ri.
— Em torno de 150 pessoas.
Olho ao meu redor, ainda chocada com a quantidade de gente.
— Precisa de tudo isso? — faço a pergunta idiota.
Se todos estão aqui, é óbvio que precisa. Provavelmente, a
única pessoa não necessária sou eu.
— Sim. Só de jogadores, são 65. Acrescente a isso 30 técnicos,
os auxiliares de equipamentos, médicos, seguranças, treinadores,
agentes de operações...
Eu o encaro, impressionada.
— Estou mesmo no que há de melhor por aqui, não é? A NFL é
um mundo à parte.
O treinador sorri.
— Você está com os melhores do mundo, garota.
Eu assinto, com um sorriso orgulhoso. Posso não ser um
membro oficial do time, mas, pela primeira vez na vida, me sinto
parte de algo extraordinário. Mesmo que seja por pouco tempo,
nunca vou esquecer essa sensação.

O VOO DUROU MAIS ou menos seis horas. Vim conversando


mais um pouco com Soranz, que mostrou-se extremamente
simpático. Ele me contou que é casado, tem duas filhas
adolescentes e alguns gatos. Vi fotos de sua família e mostrei
algumas fotos da minha.
Desembarcamos em Boston, e de lá pegamos ônibus fretados
que nos levam até o hotel. Fico frustrada porque Ryker saiu na
frente com os demais jogadores e não fizemos a viagem de pouco
mais de uma hora no mesmo ônibus. Acabei sentando ao lado de
Sabrina, que faz parte do staff de relações públicas do time. Ela é só
um pouco mais velha que eu, e muito sociável.
Durante o papo, descobri que Sabrina é irmã de Jared
Westbrook, um dos rookies 3 do time que eu conheci durante a
avaliação nutricional.
Chegamos ao hotel na hora do almoço. Os jogadores almoçam
antes, pois têm que se reunir com os técnicos. O restante de nós
come um pouco depois e tem a tarde livre. Eu aproveito para visitar
a academia do hotel e corro um pouco na esteira.
Volto para o meu quarto pingando de suor, tomo um banho e ligo
a TV, entediada. O jogo será apenas amanhã à noite, então por ora
não temos muito o que fazer. Às oito e meia, ouço uma batida na
porta do quarto. Levanto com o coração batendo forte, na esperança
de que seja Ryker. Ajeito o cabelo e abro com um sorriso. Ele morre
um pouco ao ver Sabrina do lado de fora.
— Hey, garota. Quais os planos para a noite? — ela pergunta,
animada.
Seu corpo curvilíneo está envolvido por um vestido justo, que
valoriza suas formas exuberantes. Uma maquiagem sensual e os
cabelos crespos presos em um rabo de cavalo alto completam o
visual atraente.
— Pensei em dormir cedo — respondo, encostando no batente
da porta.
Ela inclina a cabeça para o lado.
— Porque está cansada ou porque não tinha uma opção melhor?
Eu rio.
— Porque não tinha uma opção melhor.
Sabrina sorri.
— Pois acabou de achar uma! Vou a um barzinho perto daqui, dá
pra ir a pé. Voltarei cedo, porque o dia será animado amanhã. Topa?
Penso por alguns instantes. Se eu pudesse escolher, preferia
encontrar Ryker e jantar com ele, mas sei que estará ocupado com
o time. A maior probabilidade é que eu mal o veja até voltarmos
para a Califórnia, para a minha decepção. Então, por que não curtir
um pouco da viagem?
— Topo. Me dá quinze minutos? — Aponto para minha camiseta
larga.
— Lógico. Te encontro daqui a pouco no lobby do hotel.

— VOU PEGAR UMA ÁGUA — aviso a Sabrina, elevando


minha voz acima do barulho da música alta.
— Te espero aqui — ela responde.
O bar está bem cheio, e eu estou ficando com calor aqui dentro.
Começo a me abanar enquanto espero a água, e percebo quando
um cara para ao meu lado.
— Sozinha, gata?
Olho para ele: cabelo raspado, rosto anguloso e olhos escuros
que percorrem meu corpo de cima a baixo sem nenhuma cerimônia.
Não deve ter mais do que 25 anos, e é alto e musculoso. Em outras
ocasiões, eu não teria qualquer problema em convidá-lo para
terminar a noite no meu quarto de hotel, mas não hoje.
Primeiro, porque estou aqui a trabalho. E segundo, porque o
único homem em quem tenho conseguido pensar nos últimos
tempos é Ryker Lockhart.
— Sim, e permanecerei dessa forma. — Pego minha água e dou
uma piscadinha rápida.
Começo a me afastar em direção a um canto mais vazio do bar
para respirar um pouco antes de voltar para a pista de dança e
reencontrar Sabrina. Assim que dou o primeiro gole, sinto um braço
envolvendo minha cintura por trás. Tento me desvencilhar, mas não
consigo.
— Me larga! — grito, acima do ruído da música.
— Não tão rápido, gata.
Antes que eu consiga reagir, sou encurralada contra uma parede
e o corpo grande pressiona minhas costas. Sinto sua ereção
esfregando na minha bunda, e começo a me debater.
— Eu falei para me largar! — grito outra vez, lutando contra o
aperto firme.
Nessa hora sinto uma boca no meu pescoço, e um chupão.
— Gosto quando são ariscas — o filho da puta diz no meu
ouvido.
Eu solto um grunhido quando ele me vira de frente e tenta me
beijar, machucando meu lábio. Consigo ganhar algum espaço e
acerto uma joelhada meio desengonçada na virilha do assediador.
Ele me encara com fúria, agarra a alça da minha blusa e puxa,
arrebentando o tecido fino.
— Vem com essa roupa de piranha e agora quer se fazer de
santa?
Com lágrimas nos olhos, eu seguro a alça rasgada e me afasto
em direção ao banheiro. Aparentemente, ninguém estava prestando
atenção ao que aconteceu, e o desgraçado vai sair impune.
Sabrina me vê passando e vem atrás de mim. Assim que eu
entro no lavatório, ela abre a porta com uma expressão assustada.
— Sam, o que houve?
Eu enxugo as lágrimas e passo a mão no pescoço. Olho no
espelho e vejo a marca que o cretino deixou.
Merda.
— Apenas mais um homem bêbado e babaca no mundo.
Ela balança a cabeça, incrédula.
— Vamos à delegacia!
Lavo o rosto, refletindo sobre as possibilidades. Sim, eu poderia
ir até a delegacia e dar queixa, mas não há qualquer garantia de
que o sujeito seria punido. Eu precisaria voltar para o bar com um
policial, torcer para que ele ainda estivesse aqui e depois teria que
prestar depoimento.
Estou longe de casa, sozinha, e acabarei perdendo toda a
preparação para o jogo, que é o objetivo de eu estar aqui. Melhor
deixar isso pra lá e voltar pro hotel.
— Não quero, Sabrina. Não vale a pena, vai estragar minha
viagem e nem sei se no final ele realmente seria punido como
merece. Vou apenas voltar para o hotel, ok? Você continua curtindo
sua noite.
Ela segura meus braços com firmeza.
— Não há nenhuma possibilidade de eu te deixar voltar sozinha.
Na verdade, acho perigoso até mesmo nós duas sairmos sozinhas
nessas ruas escuras. Sei lá se esse criminoso resolve perseguir a
gente. — Ela desvia o olhar por alguns segundos, pensando. De
repente, seu rosto se enche de determinação. — Já sei o que vou
fazer.
Minha mais nova amiga tira o celular da bolsa e faz uma ligação.
Eu aguardo, analisando o estrago na minha aparência: roupa
rasgada, o lábio inferior um pouco inchado e uma marca roxa no
pescoço.
— Jared? — ela diz. — Preciso de ajuda. Você pode vir buscar a
gente num bar que fica a dois quarteirões do hotel? Sam foi atacada
por um filho da puta bêbado, e estamos com medo de voltar
sozinhas. — Ela suspira, aliviada. — Sabia que podia contar com
você, maninho. Vou te mandar a localização.
19

RYKER
— QUER DIZER que Westbrook será nosso futuro titular? —
Nico pergunta, assim que terminamos de jantar.
O rookie, sentado ao meu lado, começa a rir.
— Lockhart só disse que talvez eu não seja um caso perdido —
ele comenta. — Isso está bem longe de me colocar na posição de
titular.
Eu levanto o canto da boca, num quase sorriso.
Por mais que eu não queira que esse momento chegue, sei que
não vai demorar muito para que eu precise me aposentar. Prestes a
completar 37 anos, com uma lesão crônica no ombro, não é como
se eu tivesse muitos anos pela frente.
Entre todos os wide receivers que já passaram pelo Sharks nos
últimos anos, Westbrook é o único que eu vejo potencial para se
juntar a Nico e Hugh em algum momento. O garoto ainda precisa de
muito treino e experiência, mas pretendo ajudá-lo nisso como eu
puder.
— Continue trabalhando duro, moleque — respondo. — Essa é a
parte mais importante.
Hugh concorda, limpando a boca com um guardanapo.
— Nesse quesito, a competição será dura pra você — ele diz. —
Lockhart só não treina mais por falta de horas no dia. A vida do cara
é isso, então você tem uma barra bem alta pra alcançar.
Jared olha para mim com admiração.
— Eu sei. Sou fã de Ryker desde os 14 anos, quando ele fechou
o contrato com os Sharks.
Eu bufo de leve e balanço a cabeça.
— Obrigado por me lembrar do quanto eu estou velho.
Todos reagem com uma risadinha e, nesse momento, o celular
de Jared toca. Ele franze a testa para a tela e atende.
— Fala, maninha. — A irmã do rookie faz parte da equipe de
relações públicas do time e está em Foxborough com a gente. —
Caralho, sério? Estou indo buscar vocês. Onde fica esse bar? Ok.
Com a expressão tensa, Westbrook desliga o telefone e levanta
da mesa.
— O que houve, cara? — Nico pergunta, preocupado.
— Minha irmã e Sam, a estagiária da nutrição, saíram juntas
hoje — ele começa a explicar e meu corpo enrijece ao ouvir o nome
de Samantha. — Elas foram a um bar aqui perto, e parece que Sam
foi atacada por um bêbado.
Eu levanto tão rápido que minha cadeira cai para trás e se choca
contra o chão com um estrondo, que atrai a atenção de boa parte
das pessoas no restaurante do hotel.
— Que história é essa, Westbrook? — pergunto, com o coração
acelerado, enquanto um garçom corre para levantar a cadeira. —
Ela está machucada?
Jared balança a cabeça em negativa.
— Não sei detalhes, Lockhart. Estou indo buscá-las.
— Vou com você — respondo, pegando meu celular que estava
sobre a mesa e enfiando no bolso da calça jeans.
Nico e Hugh ficam em pé.
— Nós vamos também.
Jared parece indeciso, provavelmente ao perceber minha
expressão transtornada, mas é esperto o suficiente para não
argumentar. Ele checa a localização do bar e nós quatro saímos do
hotel com passos rápidos.
Caminhamos em silêncio por dois quarteirões, e meu único
pensamento é se Samantha está bem. Assim que chegamos ao tal
bar, eu tomo a frente e empurro a porta. Meus olhos vasculham
rapidamente o local e eu vejo Samantha num canto, ao lado da irmã
de Jared.
Marcho até lá e travo a mandíbula ao analisá-la, sentindo o ódio
ferver dentro de mim. A garota está segurando a alça arrebentada
da blusa, seu lábio está inchado e há uma marca roxa no pescoço.
Ao me ver, Samantha arregala os olhos azuis. Ela parece prestes a
chorar.
Porra, eu vou matar o filho da puta que a agrediu.
— Quem fez isso com você? — pergunto, segurando seus dois
braços e inclinando o rosto para baixo para ficar da altura dela.
Samantha suspira.
— Já acabou, Ryker. Só quero ir embora.
— Ainda não. Quem fez isso com você, Samantha?
Seu olhar desvia para a direita de forma hesitante, procurando
alguém. Eu acompanho a direção e vejo um cara claramente
bêbado, conversando com dois amigos. Ao notar que está sendo
observado, ele olha para Samantha com desdém e levanta o dedo
do meio.
Eu vejo tudo vermelho e marcho em direção ao desgraçado. No
segundo seguinte, meu punho encontra sua mandíbula com toda a
minha força. Ele cai por cima de uma mesa e eu continuo socando,
até que sou arrancado dali por trás.
— Para com isso, porra! — Ouço a voz de Nico, que me segura
junto com Hugh enquanto eu tento me soltar e partir pra cima do
sujeito outra vez. — Vamos embora daqui, antes que seja tarde
demais.
Nico e Hugh me arrastam para fora do bar. Já na calçada, vejo
Samantha saindo, protegida por Sabrina e Jared. Nossos olhares se
encontram por alguns segundos.
— Você tá maluco, Lockhart?! — Hugh segura meu rosto com as
duas mãos. — Calma, cara! Imagina se alguém te filma lá dentro?
Você estaria na porra da internet amanhã.
— Foda-se — respondo, ofegante, sem tirar os olhos de
Samantha. — Eu queria ter matado aquele filho da puta.
Ela sorri de leve, e eu começo a me acalmar outra vez.
— Vamos sair daqui antes que isso dê merda. — Nico começa a
direcionar todo mundo de volta para o hotel.
Iniciamos a caminhada em silêncio. Eu paro brevemente e deixo
que o grupo vá alguns metros na frente. Samantha entende meu
objetivo de falar a sós com ela e para também. Sabrina dá um
sorrisinho e acelera o passo para alcançar o irmão.
Assim que voltamos a andar, eu digo:
— Você deveria ter me ligado.
Ela sorri de cabeça baixa, caminhando ao meu lado.
— Para me salvar de outra encrenca? — Samantha pergunta,
seu tom outra vez leve e brincalhão, para o meu alívio. — Achei que
me resgatar de um afogamento e me tirar da cadeia já tinham sido
suficientes para uma única hospedagem.
Eu acabo sorrindo também.
— Ao contrário das outras, dessa vez não foi culpa sua.
Ela me encara, com um brilho intenso no olhar.
— Você não sabe nem o que eu fiz lá. Não sabe se eu o
provoquei.
Eu paro e seguro seu braço com firmeza, fazendo-a parar
também.
— Não importa o que você fez. Poderia ter aparecido nua
naquele bar, dançado em cima de uma mesa, feito qualquer maldita
provocação. Nenhum homem tem o direito de machucar uma mulher
ou forçar uma situação que ela não queira. Você me entendeu?
Um sorriso lento curva seus lábios.
— Eu sei muito bem disso, jogador. Foi apenas um teste, e você
foi aprovado com honras. — A mão pequena, a que não está
ocupada segurando a alça da blusa, vem até o meu rosto e faz um
carinho na barba de um dia. — Ou você para de ser perfeito assim,
ou não adianta reclamar por eu estar cada vez mais atraída.
Fico completamente desconcertado e desvio o olhar. O grupo
está se afastando, e eu estou consciente demais do toque quente e
carinhoso na minha pele. Faz tanto tempo que não sou tocado
desse jeito por uma mulher que meu corpo começa a reagir da
forma mais inapropriada possível.
— Vamos pro hotel — digo, me afastando um pouco. — Nós dois
precisamos dormir.
Voltamos a caminhar em silêncio pelos últimos metros. Ao
chegarmos à recepção, não há mais ninguém conhecido à vista.
Pegamos o elevador sozinhos, e sinto o olhar intenso de Samantha
sobre mim.
Recosto a cabeça na parede fria de metal e fecho os olhos,
respirando fundo. Está cada vez mais difícil resistir a essa garota,
mas eu não posso ceder.
Não posso.
O apito suave indica a chegada ao meu andar — que eu
descubro ser também o dela. Samantha tira o cartão do quarto da
pequena bolsa e para em frente ao 806. Ela destranca a porta e
sorri.
— Quer entrar?
Eu travo a mandíbula.
— Você sabe que não.
Sam recosta no batente, estreitando os olhos.
— Sei que você não deve. A pergunta foi se você quer.
Se eu quero? A única coisa que eu quero fazer agora é levar
essa mulher para a cama e me perder nela. Esquecer meu próprio
nome para memorizar cada curva do seu corpo com as minhas
mãos e a minha boca. Quero descobrir que gosto ela tem, quero
fazê-la gozar a noite inteira gritando meu nome.
É isso que eu quero fazer — coisas absolutamente estúpidas,
que podem arruinar minha vida.
— Boa noite, Samantha.
Começo a me virar, mas ela não deixa. Sou pego desprevenido
quando a garota atrevida me puxa para dentro do seu quarto e
fecha a porta atrás de mim, me imprensando contra ela.
Samantha segura minha nuca e cola nossas testas, com a
respiração ofegante.
— Eu disse que deixaria que a iniciativa fosse sua, mas você é
teimoso demais. — Ela pega meu braço e coloca ao redor da sua
cintura. Totalmente hipnotizado pelo seu cheiro e pelo calor que
emana do corpo tão pequeno comparado ao meu, eu não tenho
forças para resistir e a agarro com força, eliminando por completo a
distância entre nós. Samantha levanta os olhos azuis audaciosos
até que encontrem os meus, e sorri com malícia. — Só que o beijo
quem precisa dar é você.
Eu aperto sua cintura, com a mão tremendo pelo esforço de
manter algum controle. Levo a outra até seu pescoço, afasto o
cabelo loiro e beijo a marca que o cretino deixou nela. Em seguida,
volto a encará-la, deslizo um dedo suavemente pelo seu lábio
inferior e murmuro, num tom torturado:
— O que você quer de mim, Blue?
Ela sorri, sacana.
— Tudo, jogador. Quero você todinho, de preferência dentro de
mim.
Ah, que se foda.
Minha boca alcança a dela e as portas do inferno se
escancaram. O beijo é quente, faminto, desesperado. Minha língua
explora a boca macia, minha mão levanta seu cabelo pela nuca e,
quando ela solta um gemido baixinho, eu sei que estou perdido.
Samantha tem sabor de pecado, de perfeição, de paraíso.
Minhas mãos agarram o corpo firme e macio ao mesmo tempo,
enquanto eu mordisco e sugo seu lábio inferior. Como ela soltou a
alça rasgada da blusa para me abraçar, o movimento e o atrito entre
os nossos corpos fazem com que a peça de roupa escorregue para
baixo, expondo um seio redondo e perfeito. Meu olhar é atraído para
o mamilo rosado, durinho de excitação, e eu sinto meu pau
latejando na calça jeans.
Sem raciocinar, inclino a cabeça e capturo o bico entre os lábios,
sugando com força. Samantha solta um gemido, jogando a cabeça
para trás. Completamente obcecado de desejo, eu rasgo a outra
alça, expondo o seio esquerdo. Esfrego a barba curta na pele
delicada e sensível. Samantha enfia as mãos no meu cabelo,
puxando com força e arfando.
Sem parar de chupar seus peitos, eu inverto nossas posições.
Apoio suas costas contra a parede do pequeno hall do quarto, enfio
o joelho entre suas pernas, obrigando-a a abri-las, e encaixo minha
coxa entre elas. A saia curta de Samantha sobe, e sinto na mesma
hora o calor úmido da sua boceta contra o tecido da minha calça
jeans.
Sugo um mamilo com força, e ela começa a rebolar na minha
perna, buscando alívio.
— Isso, gostosa — murmuro, sem tirar a boca do seio perfeito.
— Se esfrega em mim.
Samantha puxa meu cabelo com tanta força que chega a doer,
mas eu não poderia me importar menos com isso. Sua respiração
vai ficando cada vez mais entrecortada e rápida. Ela aumenta a
velocidade do movimento do quadril e eu a velocidade da sucção no
biquinho sensível, mamando seu peito de um jeito devasso e
delicioso.
— Ryker... eu vou gozar — ela geme. — Ai, meu Deus, eu vou
gozar.
Ao sentir seu corpo convulsionando contra o meu, a coisa mais
inesperada acontece: eu gozo também, sem sequer encostar no
meu pau. São jatos e mais jatos de porra encharcando a minha
boxer, e eu começo a tremer, apertando o corpo de Samantha
contra o meu.
Ela me abraça, enterrando a cabeça no meu pescoço, e eu a
seguro ainda mais forte, aspirando seu perfume inebriante. Meu
Deus, que sensação insana...
Duas batidas na porta me arrastam de volta para o mundo real e
me fazem travar.
— Sam? — É a voz de Sabrina. — Passei pra saber se você
está bem.
Ela levanta o rosto corado e suado para mim, seus olhos azuis
arregalados.
Eu me afasto bruscamente, só então me dando conta do que
acabou de acontecer. Faço um sinal para que ela arrume a roupa e
me tranco no banheiro, sentindo o coração na garganta.
Puta que pariu. Eu simplesmente joguei fora nove anos de total
controle sobre o meu corpo e a minha vida, cedendo a essa atração
alucinada pela enteada da minha irmã. Para piorar, se alguém
descobrir, eu posso ter colocado um ponto final na minha carreira no
futebol.
Que caralho eu acabei de fazer?
20

SAMANTHA
AINDA ATORDOADA PELO ORGASMO
AVASSALADOR, pelo beijo indescritível, por tudo que aconteceu
nos cinco minutos mais intensos da minha vida, eu tiro a blusa
arruinada e corro até a minha mala, gritando:
— Só um instante! — Puxo a primeira camiseta que eu vejo,
enfio pela cabeça de qualquer jeito e arrumo um pouco o cabelo no
caminho de volta até a porta do quarto. Abro num movimento rápido
e sorrio ao ver Sabrina. — Oi!
Ela estranha minha animação e estreita os olhos.
— Você está vermelha e... meio suada. Está tudo bem?
Eu rio, um tanto histericamente, talvez. Não estou muito normal.
— Tudo ótimo. Eu estava fazendo abdominais.
Sabrina ergue as sobrancelhas.
— Abdominais? Agora?
Balanço a cabeça que sim e faço um gesto de descaso com a
mão.
— Sou meio estranha, não repara. Adoro fazer abdominais para
relaxar depois de uma situação de estresse. Faço 100, 200, às
vezes.
Seu olhar confuso transparece o quanto essa conversa está
sendo insólita, mas eu não estou preocupada com isso agora. Só
preciso que ela vá embora, para eu poder tirar Ryker daquele
banheiro e terminar o que começamos.
— Se você diz. — Sabrina ergue os ombros. — Bem, vou deixar
você... relaxando, então. Se precisar de alguma coisa, sabe onde
me encontrar.
Eu sorrio.
— Obrigada. Até amanhã!
Mal dou tempo à menina de se despedir e fecho a porta, com a
respiração ofegante. Assim que o som dos passos se afastando
pelo corredor do hotel desaparece, giro a maçaneta do banheiro e
abro a porta.
Ryker está em pé, com as duas mãos apoiadas na pia e a
cabeça baixa.
— Ela já foi — aviso, ansiosa para o que está por vir. — E não
vai voltar.
Ele levanta o rosto devagar, e seus olhos azuis-esverdeados
encontram os meus através do espelho. Meu sorriso vai morrendo
com o que vejo neles. Ryker parece abrigar um verdadeiro tornado
dentro de si.
— Samantha, isso foi um erro — a voz dele é fria. — Um erro
perigoso demais.
Sinto toda a minha expectativa sendo esfarelada.
Ah, não! Não depois de chegar tão perto.
— Discordo totalmente — insisto, dando um passo para dentro
do banheiro e parando ao lado dele. Faço-o virar de frente para mim
e o encaro com firmeza. — Eu sei que você queria tanto quanto eu,
Ryker. Eu senti isso.
Ele fecha os olhos e segura a própria nuca.
— Não estou dizendo que eu não quis. Estou dizendo que foi um
erro.
— Por quê? — Seguro seu queixo, obrigando-o a olhar para
mim. — Porque eu te faço sentir desejo outra vez? Porque você
redescobriu que sexo pode ser prazeroso?
Ryker volta a me olhar.
— Eu nunca esqueci que era. Eu escolhi abrir mão dele por
outras razões, e te expliquei quais são.
Começo a sentir uma angústia crescente. Uma mistura de receio
de estar sendo egoísta com um certo desespero frente à ideia de
que não teremos mais nada além do que acaba de acontecer.
— Não estou disposta a desistir tão facilmente de você. Não sou
de recuar diante dos desafios — aviso, antes de suavizar o tom. —
Por outro lado, não quero agir como uma pessoa egoísta e te fazer
mal. Se eu estiver ultrapassando os limites, você pode...
— Você não cruzou limites. — Ryker solta um suspiro cansado e
fecha os olhos. — Eu tive tanta participação quanto você no que
acabou de acontecer, mas não posso permitir que isso se repita.
— Do que você tem tanto medo? — pergunto, frustrada e
confusa. — Por que não me conta toda a história?
Tento tocar seu rosto, mas ele se afasta.
— Algumas coisas devem permanecer no passado, Samantha.
— Você pode confiar em mim. Não vou complicar sua vida,
jogador. Só quero transar com você algumas vezes e, daqui a
poucas semanas, ir embora. Cada um continuará vivendo sua vida
como antes e ninguém saberá de nada. Seu emprego não estará
em risco, nem sua relação com a sua irmã.
Ele dá uma risadinha, mas não há qualquer humor nela.
— Não é assim que as coisas funcionam, garota.
Tento chegar perto outra vez, mas ele me dribla e sai do
banheiro. Vou atrás. Quando Ryker coloca a mão na maçaneta para
sair do quarto, eu o desafio:
— Então é assim? Vamos voltar à estaca zero, com você fugindo
de mim e querendo que eu nunca tivesse aparecido na sua vida? —
Tento recobrir minha fala com um tom sarcástico, mas sei que deixei
transparecer uma certa mágoa.
Merda. Odeio ficar vulnerável assim.
Ryker para com a mão na maçaneta, encosta a cabeça na
madeira e fecha os olhos. Respira fundo algumas vezes, antes de
soltar a porta e se virar novamente na minha direção. Seus olhos
me encaram com um misto de tristeza e resignação.
— Eu não sou um cara legal, Samantha. Posso parecer um
desafio intrigante agora, mas, no fundo, você não tem ideia de onde
está se metendo. — Para a minha surpresa, ele dá um passo na
minha direção e faz um carinho no meu rosto. — Porém, apesar de
tudo, eu jamais vou desejar que você nunca tivesse aparecido na
minha vida.
Eu engulo em seco.
— Meio difícil de acreditar, quando você age desse jeito frio e diz
que eu sou um erro logo depois de me beijar.
Ele suspira, parecendo exausto, e retira a mão. Sinto a falta do
seu toque no mesmo instante. Ryker fica pensativo por alguns
segundos.
— Vamos fazer o seguinte: vou te provar que gosto de você e da
sua companhia te ajudando com a sua lista. Nos dias em que eu
não tiver jogo, vamos sair juntos e realizar algumas daquelas coisas,
tudo bem?
Isso não era o que eu queria, mas é melhor do que voltarmos
àquela dinâmica do início. Eu estreito os olhos, de brincadeira.
— Você vai me ajudar com a lista, mas não vai mais me beijar?
— Balanço a cabeça em negativa. — Não gostei muito dessa
substituição.
Ele sorri, cansado.
— É minha melhor oferta, Blue.
Meu coração se aquece com o uso do apelido.
— Vou aceitar. — Dou um suspiro dramático. — Por enquanto.
Ryker revira os olhos, mas noto que seu semblante está mais
leve.
— Você algum dia vai aprender a aceitar um não?
— Não.
Ele ri, um pouco mais relaxado, e eu acabo rindo junto.
— Preciso ir — Ryker diz, um leve sorriso ainda brincando nos
seus lábios.
Meu olhar se direciona para eles, e eu umedeço os meus.
— Posso ganhar um beijo de boa-noite? — peço.
— Pode.
Sinto o coração acelerando em surpresa quando ele se
aproxima, mas tudo que o cretino faz é beijar minha testa.
— Boa noite, Blue.
Ele se vira e anda até a saída outra vez. Abre a porta e passa
por ela, sem olhar para trás. Antes que consiga fechá-la, eu o
chamo.
— Ei, jogador.
Ryker me encara com um meio sorriso.
— O que é?
— Você vai me ajudar com todos os itens da minha lista? Até os
novos que eu acrescentar?
— Ah, Samantha... você é terrível.
— Me conte algo que eu ainda não saiba.
Ele ri.
— Eu vou te ajudar, desde que eu não faça parte de nenhum
deles. Tudo bem assim?
Uma ideia começa a se formar. Ainda bem que eu sou uma
pessoa criativa, especialmente quando se trata de inventar maneiras
ardilosas de fazer as besteiras que eu quero.
Sorrio devagar.
— Tudo ótimo assim.
Ryker estreita os olhos.
— Por que eu tenho a sensação de que essa resposta não
deveria me tranquilizar?
Dou de ombros, inocente.
— Não imagino o motivo. — Pisco uma última vez e jogo um
beijo para ele. — Boa noite.
ASSISTIR a um jogo de futebol americano no estádio é algo
surreal. Mesmo para quem não é um super fã do esporte, como é
meu caso, é impossível não se contagiar com essa energia.
Ryker fez dois touchdowns na primeira metade do jogo, e eu
senti orgulho. Sei que é idiota, porque ele não é nada meu, mas foi
algo instintivo. Vê-lo jogando, com esse uniforme que deixa todos
eles ainda mais gostosos, esbanjando segurança e precisão em
cada movimento, só serviu para contribuir para a minha completa
fascinação por esse homem.
No intervalo da metade da partida, ele foi substituído por Jared
Westbrook, que também conseguiu fazer um touchdown. Fiquei me
perguntando o motivo da saída dele, e espero que não tenha sido
nada sério. O placar final foi apertado, 21 a 23, mas nós ganhamos.
Todos comemoraram intensamente, mas Ryker permaneceu
contido, como sempre.
Agora, estamos saindo do estádio, todos envolvidos pela energia
contagiante da vitória.
— Seu irmão jogou bem — comento com Sabrina, enquanto ela
prende os cabelos crespos e longos num rabo de cavalo.
— Sim! — Ela olha para mim, sorrindo. — Jared está nervoso
com essa primeira temporada, e nem achava que jogaria hoje.
O rookie só entrou em campo até agora nos jogos da preseason,
pelo que eu fiquei sabendo. Participar de uma partida oficial deve
mesmo ter outro peso.
— Fico me perguntando por que Ryker foi substituído. — Jogo o
comentário no ar, sem demonstrar interesse excessivo.
Desde o que aconteceu ontem no bar, estou com a impressão de
que Sabrina está meio desconfiada de que há algo entre nós.
— Provavelmente, por causa da lesão do ombro — ela
responde, de forma casual.
Que lesão? Ryker nunca comentou nada a respeito disso
comigo.
Continuamos caminhando para fora do estádio, acompanhando
toda a equipe técnica e de apoio.
— Qual a programação agora? — pergunto.
Sabrina sorri.
— Os jogadores se reúnem no hotel para comemorar.
— Somente eles? — Tento disfarçar a decepção ao pensar que
não poderei dar um abraço em Ryker e parabenizá-lo pela vitória.
Minha nova amiga me encara, com um sorrisinho de canto.
— Não, a gente também é convidado para esse encontro.
Eu sorrio de volta.
— Que bom. Ainda tenho alguns looks na mala que não usei, e
seria um desperdício não poder fazer isso.
O sorriso sacana de Sabrina se alarga.
— Claro, nem é porque você quer encontrar de novo seu
jogador.
Engulo em seco.
— Não sei do que você está falando.
Eu me lembro claramente das cláusulas do contrato, que
proíbem relacionamentos entre atletas do time e equipe técnica. Se
o que rolou entre a gente for descoberto, as consequências para
mim seriam desagradáveis, porque eu perderia o estágio. Mas, para
Ryker, seria infinitamente pior. Ele poderia perder seu contrato, o
que seria uma catástrofe.
Não posso deixar que isso aconteça.
— Relaxa, Sam. — Sabrina chega mais perto, e fala no meu
ouvido: — Não vou comentar com ninguém, mas a forma como ele
reagiu naquele bar e o jeito como te olha não deixam nenhuma
dúvida de que Lockhart está maluco por você.
Meu coração dispara, e eu preciso fazer um esforço para engolir.
A lembrança do beijo de ontem volta com força total, ocupando
meus pensamentos e me deixando meio zonza.
— Besteira sua — respondo, sem qualquer convicção. — Nós
somos amigos.
Sabrina dá uma piscadinha.
— Aham. Eu bem que queria ser amiga do Chris Evans desse
jeitinho aí.
Chegamos ao ônibus que nos levará de volta ao hotel, e eu
deixo o assunto morrer. A essa altura, quanto menos eu falar,
melhor.
Até porque, se as reações de Ryker já estão deixando
transparecer alguma coisa, não quero nem pensar na ideia de estar
óbvio para todo mundo que cada parte do meu corpo está
completamente rendida pelo dele.
21

RYKER
— AINDA NÃO ENTENDI direito o que você pretende fazer,
mas acho que prefiro não descobrir. — Nico joga a chave da Ferrari
e eu a seguro no ar por reflexo.
— Prometo devolvê-la inteira. — Aperto a chave entre os dedos
e mostro a mão a ele, com um pequeno sorriso.
O quarterback me dá dois tapinhas no ombro.
— Tenho uma forte suspeita de que sua motivação para pegar
esse carro tem cabelo loiro e peitos gostosos, mas vou ficar quieto.
A simples menção de Marchesi aos seios de Samantha faz meu
sangue ferver.
— Eu te proíbo de falar assim dela, seu cuzão.
Já foi uma tortura aguentar os olhares de todos os jogadores
para a garota no último sábado, no jantar de comemoração após a
vitória do time em Foxborough.
Samantha estava um espetáculo numa calça preta justa e uma
blusa curta da mesma cor, que deixava um pedacinho da barriga lisa
de fora. Tive que praticamente fugir para o meu quarto antes do final
da festa, ou acabaria fazendo uma grande besteira.
Depois que voltamos de viagem, a cretina continuou me
provocando com aquele jeitinho sensual e atrevido, e tem sido cada
vez mais difícil me controlar. Para piorar, agora ela escuta a porra da
música das Divinyls enquanto dança rebolando.
Todo dia.
Todo. Santo. Dia.
Nico me observa por alguns segundos e solta uma gargalhada.
— Ryker, Ryker... você tá muito fodido.
Ainda puto com o comentário sobre o corpo de Sam, eu entro no
conversível e dou a partida. O ronco do motor é alto e potente, e eu
espero não ter tido uma ideia de merda ao pegar esse carro.
— Te devolvo no fim do dia — aviso, engatando a ré.
Nico dá um tapinha no capô.
— Relaxa, irmão. Fica o tempo que precisar.
Eu aceno com a cabeça e manobro para fora da garagem de
Marchesi. Dirijo por menos de um quilômetro até a minha casa, e
estaciono junto ao meio-fio. Pego o celular e mando uma mensagem
para Samantha.
Eu: Estou aqui fora te esperando.

Aperto o botão de enviar e relaxo a cabeça no banco, com um


suspiro.
Hoje é sexta, e estamos livres dos treinos porque jogamos
ontem. Samantha tinha direito a uma folga, já que viajou com o time
no fim de semana passado. Eu tive a infeliz ideia de prometer a ela
que a ajudaria com a lista, então hoje vamos usar o dia para
explorar Los Angeles e arredores.
Tamborilo os dedos no volante enquanto aguardo. Mal dá para
acreditar que já faz três semanas que Samantha chegou. O tempo
passou muito rápido e, daqui a apenas uma semana, ela estará indo
embora.
A ideia da partida da garota me causa um tremendo mal-estar.
Bem irônico, considerando que eu nunca quis que ela viesse em
primeiro lugar e nunca fiquei tão fora do eixo como nesses dias em
que está aqui.
Pensando friamente, eu deveria estar ansioso pelo fim desse
tormento, já que a presença de Samantha está acabando com
qualquer vestígio de paz na minha vida. Sua risada e seu bom-
humor contagiantes substituíram a calma e o silêncio da minha
casa. Seu jeito meigo e divertido conquistou meus cachorros e meus
funcionários, que com certeza sentirão muito a falta dela. Até Darth
Vader permite que ela lhe faça carinho, ainda que permaneça
distante e reservado na maior parte do tempo.
Sorrio ao lembrar que, todos os dias, quando chega do The
Palace, Samantha vai até o canil, abre a porta e senta lá dentro com
ele. Fico apenas observando de longe, enquanto ela literalmente
“conversa” com o cachorro por mais de uma hora. Não tenho ideia
do que ela tanto diz, mas o animal parece gostar. Por vezes, até se
deita ao seu lado, enquanto ela tagarela sem parar e faz carinho no
pelo escuro.
Algumas vezes, já a vi enxugando lágrimas durante essas
conversas. Sinto uma pontada no peito todas as vezes em que
acontece, mas nunca toquei no assunto. Seria como uma invasão
de privacidade, e não me sinto no direito de fazer isso.
Os outros três cães morrem de ciúmes da atenção que ela
dispensa a Darth e, quando Samantha finalmente sai de lá, pulam
em volta da garota até convencê-la a dar atenção a eles também.
Sem que ela saiba, algumas vezes eu sento na poltrona junto à
porta de vidro do meu quarto, no escuro, e fico por uma hora ou
mais ali, apenas observando-a.
Samantha Carmichael exerce um fascínio inexplicável sobre
mim. Em alguns momentos, sinto vontade de passar horas
conversando com ela, aprender sobre as coisas que gosta, quais os
seus planos para o futuro, descobrir todos os mistérios que parece
esconder sob essa fachada alegre e inconsequente. Em outros, meu
único desejo é fodê-la como um animal, ouvi-la berrando meu nome
enquanto me enterro naquele corpo perfeito de novo e de novo,
liberando esse impulso sexual descomunal que Samantha provoca
em mim.
Mas os que mais me assustam são aqueles momentos em que
eu tenho vontade de beijá-la sem pressa, envolvê-la no meu abraço
e sentir seu calor e seu cheiro junto a mim. Faz uma vida inteira que
não me sinto dessa forma em relação a ninguém, se é que com
Lindsay algum dia já foi assim. O pensamento me assusta pra
caralho, e eu tenho lutado contra ele todos os dias.
Ouço o barulho da porta da minha casa batendo e levanto o
rosto, saindo bruscamente desse looping de pensamentos
desconcertantes. Samantha para na varanda da frente e cobre a
boca com as duas mãos ao ver o carro.
Deduzi que esse desejo de dirigir um conversível deveria mesmo
ser algo importante para ela, já que teve a cara de pau de falsificar
uma carteira de motorista para fazer isso. Ao conversarmos sobre o
assunto, Samantha admitiu que sempre sonhou em dirigir, mas não
tinha dinheiro para um carro sem comprometer suas finanças
apertadas. Por causa disso, acabou optando por esperar mais um
pouco antes de tirar a carteira.
Com uma pesquisa rápida, descobri que ela poderia tirar uma
espécie de permissão temporária para dirigir, desde que haja
sempre uma pessoa habilitada junto, e fazer a prova em até seis
meses para a carteira definitiva. Bastava preencher um formulário,
apresentar seus documentos e pagar uma taxa, o que eu já fiz —
sem que ela soubesse.
Talvez eu tenha ultrapassado um limite ao usar as informações
do cadastro dela no Sharks para isso, mas achei que valeria a pena
pela surpresa. Felizmente, a emissão desse documento é feita
bastante rápido, e já estou com ele em mãos.
Eu não contei a Samantha o que faríamos hoje, disse apenas
que a ajudaria com a lista. Saio do conversível e dou a volta para
encontrá-la no lado do carona.
— Ryker! — ela exclama, animada, descendo os três degraus
até a calçada. — O que significa isso?
Eu sorrio de leve e tiro a permissão do bolso. Entrego a ela, que
analisa o documento com as sobrancelhas unidas.
— Isso é... — Samantha parece então compreender e me encara
com a boca aberta. — Eu vou dirigir esse carro?
Dou de ombros.
— Estava na sua lista, não estava? Só que, dessa vez, faremos
dentro da lei.
Os olhos azuis ficam úmidos e ela se joga nos meus braços, me
apertando com força.
— Meu Deus. Eu não acredito que você fez isso — ela murmura
contra o meu ombro. — Ninguém nunca fez algo parecido por mim.
Envolvo o corpo pequeno e fecho os olhos, me esforçando para
ignorar a pontada no peito. Samantha pode ser inconsequente,
impulsiva e destemida, mas, por trás dessa fachada, há uma
vulnerabilidade que ela quase nunca deixa transparecer.
E o perigo é que, quando eu vejo esse seu outro lado, só
consigo pensar em protegê-la de tudo, cuidar dela e fazê-la se sentir
segura. Como se ela fosse minha.
O pensamento me causa uma onda de pânico e eu me
desvencilho do seu abraço com um sorriso forçado, correndo a mão
nervosamente pelo cabelo.
— Está pronta?
Ela assente, enxugando os olhos e voltando a sorrir.
— Claro que estou!
Samantha dá a volta e ocupa o assento do motorista, animada
como uma criança que acaba de ganhar o brinquedo pelo qual
esperou por meses.
— Sabe o que fazer? — pergunto, um pouco apreensivo com a
integridade física da Ferrari de Nico.
— Acho que sim.
Acho. Que os céus nos ajudem.
— Dê a partida — oriento, e ela obedece. — Com o pé no freio,
coloque o câmbio no drive. Isso. Agora, acelere com cuidado.
O carro dá um tranco para a frente e quase canta pneu.
— Devagar, Samantha, pelo amor de Deus! — peço, rezando
para que essa não tenha sido a pior ideia do século.
Ela sorri, sem tirar os olhos da pista, e vai ajustando a
velocidade.
— Caramba, esse carro é muito potente! — A doida solta um
gritinho animado e eu agarro a porta.
— Sim, é. A Ferrari Berlinetta é um dos carros mais potentes do
mundo, então, por favor, vá devagar.
Samantha dá uma gargalhada, sacudindo o cabelo loiro ao
vento.
— Eu não acredito que isso está acontecendo. — Ela para num
sinal vermelho, na interseção com a estrada principal, e me encara
com um sorriso doce. — Obrigada mais uma vez.
Eu sorrio de volta, apesar da tensão.
— Para onde você quer ir primeiro? — pergunto.
— Estava pensando em dirigir pela Pacific Coast Highway, e
depois fazer algumas das coisas da minha lista no centro de Los
Angeles.
— Hoje você é quem manda. — Indico com a cabeça, mostrando
que o sinal abriu. — Vá em frente, vamos fazer tudo que você
quiser.
Samantha me encara com um brilho diferente no olhar.
— Essa foi a melhor decisão que você tomou hoje, jogador. —
Ela acelera o carro e, sem olhar para mim, acrescenta: — Te
garanto que será inesquecível.
22

SAMANTHA
A SENSAÇÃO de liberdade é inexplicável.
Meu cabelo esvoaça com o vento, e sinto o cheiro delicioso da
maresia. À nossa esquerda, está o Oceano Pacífico em toda a sua
plenitude. Estou realizando um sonho que surgiu há muitos anos,
quando eu era apenas uma garotinha.
Minha infância e minha adolescência não foram felizes. Além da
falta de demonstrações de afeto por parte do meu pai, eu carrego
comigo uma dor silenciosa, uma saudade dilacerante do que eu não
vivi com a minha mãe. Sempre houve dentro do meu coração um
vazio, escavado pela ausência do amor de uma mulher pela própria
filha. Todas as vezes em que eu via outras crianças rindo e
brincando com seus pais, essas cenas me provocavam um aperto
no peito e vontade de chorar. Eu só queria ser feliz e amada, como
o resto das pessoas pareciam ser.
Um dia, quando eu tinha uns sete anos, vi uma foto de uma
moça dirigindo um carro conversível numa estrada que margeava o
mar. Ela estava rindo, segurando um chapéu e de óculos escuros. A
mulher parecia tão feliz, tão livre, mesmo estando sozinha, que a
imagem se tornou um referencial para mim. Eu queria aquela
sensação, queria me sentir realizada como ela parecia estar, e o
melhor: sem depender de ninguém além de mim mesma para isso.
Eu fui construindo meu próprio caminho em busca dos meus
objetivos com resiliência e otimismo, até que algo muito importante
foi arrancado de mim. Naquele dia, que mudou completamente a
minha vida, eu precisei tomar uma decisão: deixar que o destino me
derrubasse ou ser mais forte do que ele. Escolhi a segunda opção.
Desde então, provar a mim mesma que eu sou capaz de realizar
meus sonhos se tornou uma prioridade. Dirigir um conversível pela
Pacific Coast Highway era um deles, e estar aqui significa muito
mais do que qualquer pessoa poderia imaginar.
Lembro, então, que viver esse momento só foi possível graças a
Ryker.
Olho para ele e sorrio. O jogador está com o braço apoiado na
janela aberta, de óculos escuros e um leve sorriso brincando em
seus lábios. Uma pena que eu precise dirigir, porque a vontade é de
ficar olhando para esse homem perfeito para sempre.
Volto a prestar atenção na estrada sinuosa enquanto me deixo
envolver pela minha playlist, que é perfeita para essa aventura.
Quando Live Forever começa a tocar no som do carro, eu sinto o nó
na garganta que sempre vem quando penso na letra dessa música.
É impressionante como parece ter sido escrita para mim, ainda que
isso não necessariamente seja uma coisa boa. Mesmo assim, todas
as vezes em que eu preciso de forças para seguir em frente, essa é
a música que eu escolho ouvir.
Aumento o volume e deixo as palavras que eu já sei de cor me
transportarem para esse lugar especial e necessário, onde eu me
lembro da importância de viver o agora ao invés de ficar sofrendo
pelas coisas que não podemos controlar, tanto no passado como no
futuro.
Quando chega o refrão, eu aumento o volume ainda mais e
canto junto:

Maybe I just wanna fly


Wanna live, I don’t wanna die
Maybe I just wanna breathe
Maybe I just don’t believe
Maybe you’re the same as me
We see things they’ll never see
You and I are gonna live forever 1

Ryker me observa enquanto eu me deixo levar pela música,


colocando pra fora todas as emoções que raramente eu permito que
superficializem. Percebo seu olhar intenso com o canto dos meus
olhos, mas não tenho coragem de encará-lo. Não num desses meus
momentos de vulnerabilidade.
A letra chega na parte mais tocante para mim, e eu preciso
respirar fundo e parar de cantar. Fico apenas ouvindo a voz única e
familiar de Liam Gallagher.

Maybe I will never be


All the things that I wanna be
Now is not the time to cry
Now’s the time to find out why
I think you’re the same as me
We see things they’ll never see
You and I are gonna live forever 2
Enxugo discretamente uma lágrima que escorreu, torcendo para
que Ryker não faça perguntas às quais eu não poderia responder.
Para meu alívio, ele apenas suspira e olha para frente outra vez,
imerso em seus próprios pensamentos.
A música me ajudou a recordar os motivos pelos quais eu nunca
posso deixar as oportunidades passarem. Por isso, quando vejo
uma placa para More Mesa Beach, eu viro o volante sem pensar
duas vezes.
Ryker abaixa os óculos e me encara.
— Para onde estamos indo?
Eu sorrio, voltando a entrar na pele da garota destemida e
indomável que eu preciso ser.
— Você já vai descobrir.
Sigo as placas e estaciono na Vieja Drive. Quando desligo o
carro e tiro o cinto, Ryker continua parado no mesmo lugar.
— Você não vem? — pergunto, segurando o riso ao notar a
expressão fechada dele.
— Isso não pode ser o que eu estou pensando — Ryker
responde, me encarando com firmeza. — Me fala que não é,
Samantha.
Eu dou de ombros.
— Você já me viu pelada antes — comento, num tom casual. —
Não vou perder a chance de nadar nua no mar. — Saio do carro e
fecho a porta. Como Ryker permanece sem se mexer, eu comento:
— Se eu não voltar em uma hora, talvez seja porque me afoguei.
Até mais.
Viro as costas e saio andando em direção à trilha que me levará
até a praia de nudismo. Sem diminuir a velocidade, aperto os lábios
para controlar o riso ao ouvir o barulho da porta da Ferrari batendo e
alguns palavrões.
Em menos de um minuto, Ryker está atrás de mim.
— Isso é uma ideia de merda — ele resmunga, acelerando para
me alcançar.
— Não me importo.
Sua mão grande segura meu braço, me fazendo parar.
— Você não sabe nadar, Samantha! — Ryker levanta meus
óculos escuros, para conseguir me olhar nos olhos. Ele então
suspira. — Por que isso é tão importante para você?
A pergunta me pega de surpresa. Não esperava que ele fosse
levar isso em consideração ao avaliar a ideia.
— Porque eu estou aqui para realizar sonhos, Ryker —
respondo, séria. — E não aceito desperdiçar as chances que a vida
me oferece.
Eu aguardo sua reação, pronta para me desvencilhar e forçar
minha ida, caso seja necessário. Aprendi há algum tempo que a
minha felicidade depende apenas de mim, e que eu não tenho todo
o tempo do mundo para conquistá-la. A qualquer momento, tudo
pode mudar e as oportunidades ficam para trás.
Após segundos que parecem horas, Ryker solta meu braço e
anda em direção à trilha, sem dizer nada. Eu dou uma corridinha.
— Isso quer dizer que você vai comigo? — pergunto.
— Não, estou andando no mato debaixo desse sol porque acho
isso divertido.
Começo a rir.
— Agora estou te reconhecendo outra vez. — Depois de alguns
metros em silêncio, provoco: — Vai ficar pelado também?
Ele me fuzila com o canto dos olhos, sem parar de andar.
— Não força a barra, Samantha. Ainda dá tempo de te jogar no
meu ombro e te arrastar de volta para aquele carro.
Eu solto um gemido ao imaginar essa cena ridiculamente
sensual.
— Nossa, que imagem sensacional você acaba de colocar na
minha cabeça. Podemos fazer isso na volta?
Ele nem se dá ao trabalho de responder, só suspira em
desaprovação.
Vinte minutos depois, finalmente avistamos a praia. O acesso é
meio complicado, porque precisamos descer por uma trilha bem
íngreme a partir do ponto em que estamos, no alto de um penhasco.
Ao alcançarmos a longuíssima faixa de areia, eu me encaminho
para a direita, lado em que fica a região onde o nudismo é praticado,
segundo o que eu pesquisei. Para a sorte de Ryker, há
pouquíssimas pessoas na praia: apenas um casal de idosos e,
agora, nós.
Eu não sabia para onde iríamos, então não vim de biquini.
Coloquei um vestido soltinho e curto com estampa floral e sandálias,
que eu começo na mesma hora a tirar. Ryker solta um grunhido,
senta e vira o rosto para o outro lado.
— Você já me viu sem roupa — comento, provocando-o.
— Entra logo nessa água e vamos acabar com essa loucura,
Samantha — ele responde, sem olhar para mim.
Eu tiro a calcinha e coloco bem ao lado dele, por cima do
vestido.
— Ainda acho que você deveria entrar no mar comigo — digo. —
Quando terá a chance de viver algo assim de novo, com a rotina
rígida que você tem?
Ryker encara o horizonte.
— Eu vou embora em dez minutos — ele avisa, ignorando
completamente a minha sugestão. — E vou levar o carro.
Eu rio.
— Bem, não custava tentar.
Com essas palavras, eu corro, nua, em direção ao mar, me
sentindo exatamente do jeito que eu sempre sonhei: livre, feliz e
despreocupada.

RYKER
Eu não vou olhar.
Não.
Vou.
Olhar.
Fecho os olhos e os pressiono com as mãos cerradas.
Puta que pariu, que situação patética. Meu autocontrole parece
virar poeira quando se trata de Samantha Carmichael, e eu não
gosto nem um pouco dessa sensação.
Ouço seus gritinhos animados no mar, e dou uma olhada
involuntária.
Involuntária é o caralho. Estou maluco de vontade de vê-la
pelada mais uma vez, porque aquele dia no quarto foi rápido
demais. Me sinto um merda por isso, culpado pra cacete, quase um
pervertido, mas me consolo com o fato de que ela me deu
permissão para olhar.
Samantha está de costas, numa parte rasa. Quando a onda
passa, a bunda dela fica exposta, e eu solto um gemido baixo. De
roupa, já dá para ver que ela tem o rabo perfeito. Agora, pelada...
caralho.
Só consigo imaginá-la de quatro na minha frente, enquanto eu
fodo seu cu.
Meu pau fica instantaneamente duro e eu encolho as pernas,
abraçando-as. O casal de idosos está bem longe da gente, mas
ninguém precisa ver minha ereção enquanto seco a bunda da
garota e imagino uma cena de sexo anal.
Depois desse showzinho particular, terei ainda mais munição
para a minha masturbação diária no banho. Ou seja, estou ainda
mais fodido do que antes.
Nessa hora, Samantha se vira de repente e me pega no flagra.
Ao invés de demonstrar um mínimo de constrangimento, a safada
levanta o cabelo e joga a cabeça para trás, empinando os peitos
grandes na minha direção.
Puta que pariu.
Essa mulher quer me enlouquecer de vez. O pior: está
conseguindo.
Levo discretamente uma mão até a virilha e aperto a cabeça no
meu pau, na esperança de algum controle. Óbvio que não adianta
nada.
Ela me encara outra vez e faz um sinal com o dedo, me
chamando. Balanço a cabeça que não. Eu já não tinha intenção de
ficar nu nessa praia. Agora, com o pau duro como uma tora, não há
qualquer possibilidade.
Para o meu desespero, ela sai da água e vem na minha direção.
Penso em desviar o rosto e fingir que não estava babando no corpo
dela, mas sou obrigado a reconhecer que até para agir de forma
patética há limites. De que adianta tentar disfarçar alguma coisa
agora?
— Gostou, jogador? — ela pergunta, agachando na minha
frente.
— Samantha... — eu peço, quase implorando, e fecho os olhos.
— Por favor, pare.
— Não dá. — Ela corre um dedo suavemente pelo meu braço. —
É mais forte do que eu.
Eu volto a encarar os olhos azuis, que estão queimando de
desejo.
Porra, que vontade de arrastá-la para aquele mato e socar tão
forte que ela não conseguiria nem respirar.
Enterro a cabeça nas mãos, impotente e desesperado.
— Pare de resistir, Ryker — ela sussurra. — Sei que você quer
tanto quanto eu.
Eu fico em pé num movimento brusco, ignorando o fato de que
minha bermuda parece uma porra de tenda de acampamento.
— Você não entende — digo, com a mandíbula travada pelo
esforço de manter minhas mãos longe dela. — Você não tem ideia
do que aconteceu, do que eu sou capaz quando as coisas fogem do
controle.
Ela se levanta também.
— Me conta, então — pede. — Deixa que eu decido se quero
isso ou não.
Eu procuro os olhos azuis, que me observam com uma mistura
de medo e expectativa. Penso em falar tudo, colocar pra fora algo
que só eu e mais uma pessoa sabemos. Mas não tenho coragem.
O medo de ver o desprezo e o nojo no olhar de Samantha me
trava.
— Vamos embora, por favor — eu peço, cansado.
Ela parece decepcionada pela minha resposta, mas não
contesta. Apenas coloca a calcinha, o vestido sujo de areia e a
sandália. Sem dizer nada, Samantha começa a fazer o caminho de
volta para a trilha, e eu apenas a sigo.
No trajeto até o carro, fico pensando em tudo que está
acontecendo. Sei que não é certo ceder a esse desejo louco que só
cresce dentro de mim, e que eu preciso resistir por mais uma
semana até que ela finalmente vá embora.
O problema é que eu comecei a gostar demais da companhia
dela, e a ideia de deixá-la sair de vez da minha vida parece a cada
dia mais dolorosa.
E a merda maior é que eu não tenho a menor ideia do que fazer
com isso.
23

SAMANTHA
DEIXO a água do chuveiro cair sobre a minha cabeça, de olhos
fechados.
Que inferno de homem teimoso!
Eu já entendi que Ryker teve seus motivos para escolher o
celibato, e que algo muito grave deve ter acontecido para uma
decisão tão drástica. Mas também sei que ele está ficando tão louco
quanto eu com tudo que está acontecendo entre nós.
Cheguei a um ponto tão ridículo de tesão que a minha pele
arrepia só de ouvir sua voz grave, e minhas palmas ficam suadas e
trêmulas quando ele está perto demais. A ereção inconfundível na
praia foi apenas mais uma prova de que eu não estou sozinha
nesse tormento que se tornou a nossa relação.
Fecho a torneira com um suspiro. Se ele ao menos me contasse
o que aconteceu, eu poderia ajudá-lo a se livrar dessas amarras nas
quais ele mesmo se aprisionou há quase uma década. Não me
importa o que houve, minha única certeza é a de que a atração
insana que sentimos um pelo outro é mais forte do que aquilo que o
mantém distante. Só preciso que ele entenda isso também.
Esfrego a toalha no corpo, antes de enrolá-la no cabelo.
A ideia era aproveitar a sexta livre para realizar vários desejos da
minha lista, mas, logo depois da praia, Ryker assumiu a direção do
carro e nos trouxe de volta para casa.
Já estou até vendo. O dia, que começou perfeito, vai acabar num
clima horrível. Ele vai se trancar no quarto, não vai jantar comigo e,
mais uma vez, minha única companhia serão os cachorros.
Quer saber? Foda-se, então.
Cansei de jogar esse jogo onde apenas um de nós conhece
todas as regras, e essa pessoa não sou eu.
Penteio o cabelo ainda úmido, coloco uma camiseta larga, uma
calça legging e saio do quarto. Chego na sala vazia e iluminada
suavemente pelas luzes do fim de tarde e sento no chão. Bruce
Willis vem na mesma hora e se joga no tapete com a barriga para
cima, para ganhar carinho. Stevie Wonder me cheira e deita ao meu
lado, apoiando a cabecinha no meu colo. Charles Chaplin está
deitado no sofá e apenas abana o rabo, como se pedisse desculpas
pela preguiça de vir me cumprimentar.
— Ainda bem que eu tenho vocês — digo para os cães,
acariciando ao mesmo tempo os dois que estão mais perto. — Ao
menos, alguém aprecia minha companhia.
— Eu aprecio a sua companhia, Blue.
A voz macia me pega de surpresa, e eu viro para trás. Ryker
está de braços cruzados, com um ombro encostado na parede da
sala. Ele está tão lindo de calça jeans, camiseta preta e tênis, com
os cabelos ainda úmidos do banho, que meu coração chega a
acelerar.
— Tem certeza? — pergunto, sustentando seu olhar. — Você
ficou em silêncio por uma hora e meia, enquanto voltávamos para
casa. Isso não parece uma demonstração de apreciação da
companhia de alguém.
Ele sorri de leve, desencosta da parede, anda até onde eu estou
e senta no chão também, na minha frente. Começa então a acariciar
distraidamente o dorso quase sem pelos de Bruce Willis.
— Você não tem ideia do quanto é raro poder ficar num silêncio
confortável ao lado de alguém.
Eu rio, sem humor.
— A última coisa que você parecia naquele carro era confortável.
Para minha surpresa, ele dá uma risadinha relaxada. É bem raro
vê-lo descontraído assim.
— Ok, você tem um ponto. Conforto não é a melhor palavra para
descrever aquela situação.
Fico quieta, porque eu realmente cansei de ficar insistindo nessa
história. Por enquanto, consegui levar as rejeições de maneira leve
por saber que existe um motivo maior por trás. Mas não sei até
quando eu serei capaz de aguentar isso antes que comece a
machucar.
Tenho apenas mais uma semana aqui, e a sensação de
frustração por não poder ter a coisa que eu mais desejei em toda a
minha vida está cada vez maior. Eu nunca senti essa urgência, esse
desejo louco e desenfreado por ninguém. Cheguei a um ponto em
que seria capaz de abrir mão de qualquer coisa para que Ryker me
fizesse dele. Nem que fosse apenas uma vez.
— Blue, eu quero te fazer uma proposta.
Levanto o olhar, tentando esconder a esperança tola que essas
palavras provocam.
— Diga.
— Quero te levar a Los Angeles hoje. Vamos passear na
Hollywood Boulevard, comer tacos no Grand Central Market e
assistir um filme ao ar livre, que eu já conferi que está passando
hoje. Assim, você completa sua lista.
Eu sorrio, apesar da sensação de frustração de minutos atrás.
Ryker pode não estar disposto a me dar tudo que eu quero, mas
é incrível ter alguém que se importa comigo o suficiente para me
presentear com uma permissão para dirigir, que aceita me
acompanhar a uma praia de nudismo e topa fazer esses programas
de turista que certamente não têm a menor graça para ele, apenas
porque tudo isso é importante para mim.
— Você quer ser meu amigo — eu brinco, num tom leve.
Ele dá uma risadinha.
— Quero. Você é uma garota legal, Samantha, e merece que
façam coisas legais por você.
Fico encarando seus olhos azuis-esverdeados, que exibem um
misto de admiração e carinho. Sinto um aperto estranho no peito e
controlo o impulso de esfregar a região. Fico em pé num movimento
repentino, o que assusta um pouco os cachorros, e aviso:
— Vou trocar de roupa, então.
Saio da sala com passos rápidos, fugindo desses sentimentos
estranhos e contraditórios que Ryker Lockhart provoca em mim.

A HOLLYWOOD BOULEVARD está bem cheia nessa sexta-


feira à noite. Já agachei ao lado das estrelas de vários dos meus
atores e cantores preferidos na calçada da fama, e Ryker tirou as
fotos com o meu celular sem reclamar nenhuma vez do número
interminável de vezes que eu lhe pedi isso. Por mais que ele esteja
com um boné velho e os óculos — do grau que ele não tem —,
várias pessoas já nos pararam para pedir autógrafos. Segundo ele,
talvez estejamos em algum vídeo de rede social ou site de fofocas
amanhã, mas, surpreendentemente, Ryker não parece tão
preocupado com isso.
— E se o pessoal do Sharks encrencar? — pergunto, enquanto
caminhamos pela calçada da fama. — Quero dizer, se alguma
dessas postagens insinuar algo maldoso.
Ele dá de ombros.
— Todos sabem que você é minha hóspede e enteada da minha
irmã. Seria natural que eu te acompanhasse num programa turístico
na cidade.
Sim, é óbvio. Sou a garota que ele está hospedando, acima de
qualquer coisa.
Ryker aponta para uma estrela.
— Quero uma foto sua aqui. Pode ser?
Eu ergo as sobrancelhas e olho para baixo. Bette Davis. Encaro-
o outra vez.
— Posso saber por quê?
Ele sorri.
— Seus olhos me lembram os dela.
Eu dou de ombros e agacho para a foto, com um sorriso. Reparo
que, dessa vez, ele tira com o próprio celular, e não com o meu.
Assim que eu levanto e recomeçamos a caminhar, eu lhe dou uma
cotovelada de leve.
— Vai ficar olhando para a minha foto antes de dormir, jogador?
— Sem dar tempo a ele de responder, baixo a voz e falo perto do
seu ouvido: — Se for isso, eu posso providenciar uma melhor.
Ryker me encara com uma falsa expressão séria, mas que
claramente está escondendo um sorriso.
— Você não tem jeito mesmo, diabinha.
Eu rio e engancho meu braço no dele. Ryker não apenas deixa,
como se aproxima um pouco mais conforme andamos. Eu sorrio,
igual a uma boba, com essa pequena vitória.
Quando terminamos essa etapa do passeio, partimos de carro
na direção do Grand Central Market. Ryker pega seu celular,
escolhe uma música e coloca para tocar. Parece antiga, e eu não
reconheço. Vou prestando atenção na letra, embalada pela melodia
gostosa.

Her hair is Harlow gold


Her lips, sweet surprise
Her hands are never cold
She’s got Bette Davis eyes 1
Quando ouço a menção a Bette Davis, olho para Ryker, com a
boca entreaberta num sorriso curioso. Será que tem algo a ver com
a foto que ele me pediu para tirar? Seus olhos se mantêm na
estrada, mas um sorriso brinca nos lábios bonitos. Eu sorrio também
e continuo ouvindo. Quando chega o refrão, meu coração acelera. A
letra é bem sugestiva.

And she’ll tease you


She’ll uneasy you
All the better just to please you
She’s precocious and she knows just
What it takes to make a pro blush
She’s got Greta Garbo stand off sights
She’s got Bette Davis eyes 2

— É assim que você me vê, jogador? — pergunto, com um


tremorzinho no peito.
Ryker me encara por dois segundos, mantendo o sorriso
discreto. Sem dizer nada, ele dá a seta e entra num
estacionamento.
Eu suspiro, ainda mexida com essa história da letra. Talvez eu
tenha acabado de descobrir minha música favorita, e já sei que vou
ficar ouvindo-a em looping por um bom tempo.
Ele estaciona o Audi e nós saímos do carro em silêncio.
caminhamos por alguns metros até o famoso mercado. O Grand
Central Market fica no térreo de um prédio enorme no centro de Los
Angeles. Por dentro, parece um grande galpão com pé direito bem
alto, todo cortado por corredores formados predominantemente por
estandes e barracas de frutas, verduras, legumes e comidas
rápidas, como os famosos tacos.
— Isso aqui é incrível — comento, acima do barulho de vozes
que ecoam no local agitado.
Ryker aponta para uma das lojas do mercado.
— O melhor taco é o daqui.
Nós paramos e fazemos o pedido. Esse lugar é bastante
peculiar, e nada parecido com os restaurantes chiques aos quais ele
deve estar acostumado. Ainda assim, o famoso jogador da NFL
parece completamente à vontade. Mais um ponto para esse homem
que não se cansa de me surpreender.
O atendente entrega nossos pedidos e, assim que dou a primeira
mordida, solto um gemido e reviro os olhos de prazer.
— Nossa, que delícia. — Mastigo de olhos fechados por alguns
segundos. Quando os abro, Ryker está me encarando com uma
expressão indecifrável. Eu sorrio e limpo o canto da boca. — Sério,
é o melhor taco que já comi na vida.
Ele sorri de lado e morde seu próprio lanche. Saboreamos a
refeição num clima leve, andando pelo mercado e comentando
sobre o lugar e a cidade. Assim que terminamos, Ryker me conduz
para fora do estabelecimento e indica a direção.
— O cinema é por aqui.
Percorremos mais ou menos um quilômetro a pé pelas calçadas
do centro da cidade, numa noite fresca e agradável. Ryker me conta
curiosidades sobre L.A., e eu ouço tudo, fascinada.
Ao chegarmos ao local do cinema, me surpreendo ao saber que
é na cobertura.
— Que máximo — digo. — Quando li sobre os filmes ao ar livre,
imaginei algo como um estacionamento.
Ryker e eu entramos no elevador cheio e ele sorri.
— Eu não te levaria para um estacionamento, Blue. Aqui é bem
mais interessante.
Na cobertura do prédio, há um grande espaço ocupado por
cadeiras de armar, enfileiradas em frente a um telão. Nós ocupamos
duas delas, e eu pergunto:
— Que filme vamos ver?
— Não me lembro. Peraí. — Ele tira o celular do bolso e eu rio
da situação.
— Você comprou ingresso para um filme sem ver qual era?
Ryker ergue um ombro, de um jeito displicente e charmoso pra
cacete.
— Eu queria te proporcionar a experiência, o filme era o de
menos. — Ele me mostra a tela e diz: — 500 dias com ela.
Eu sorrio.
— Adoro esse filme.
Ryker parece um pouco decepcionado.
— Foi mal, não sabia que você já tinha visto. Esses eventos de
cinema ao ar livre costumam ser com reprises.
Seguro seu antebraço e aperto de leve.
— Eu vi há uns dez anos. Vou adorar ver outra vez.
Os olhos profundos continuam me encarando, e é como se tudo
ao nosso redor deixasse de existir. Ainda fico chocada com a
capacidade que esse homem tem de me envolver tão
completamente que esqueço de todo o resto.
Pouco tempo depois, o filme começa. Relembro a história de
Summer e Tom, e do quanto eu me identifiquei com a protagonista.
Lembro de ter ouvido comentários maldosos sobre ela entre as
pessoas que assistiram ao filme comigo, chamando-a de egoísta e
insensível. Até as mulheres estavam defendendo o Tom, só por
causa do jeito bonzinho e apaixonado. Fui team Summer naquela
primeira vez, e agora só reforcei minha opinião.
Durante a exibição, vejo alguns casais se abraçando e se
beijando, e meu estômago arde de inveja. Evito até olhar para
Ryker, para não estragar o clima leve de cumplicidade que estamos
conseguindo manter essa noite.
Assim que o filme termina, nós levantamos e andamos de volta
até o estacionamento. Falamos sobre o filme, fazendo nossas
considerações a respeito do relacionamento dos dois por todo o
caminho de volta.
— Em resumo: o cara é um babaca — ele diz ao final, ao
destrancar o carro. — Criou uma fantasia na cabeça dele, e ainda
culpou a garota por não corresponder a ela.
Eu sorrio.
— Concordo 100% com você — digo, me acomodando no banco
do carona.
Seguimos até Malibu ainda dissertando sobre relacionamentos e
suas peculiaridades. O fato de eu não ter muita experiência pessoal
não me impede de ter um ponto de vista. A melhor parte é que
Ryker me escuta com total atenção, mesmo sabendo da minha
ausência de histórico de relacionamentos afetivos. Seus
comentários nunca são condescendentes ou de desmerecimento.
— Em resumo — ele diz, estacionando na sua garagem —, acho
que não podemos projetar nos outros nossas próprias expectativas.
— Eu concordo plenamente.
Assim que entramos em casa, Ryker avisa:
— Vou fazer um pouco de companhia ao Darth. Você deveria
descansar.
A insinuação de que gostaria de ficar um pouco sozinho foi
bastante clara, e eu não sou idiota. Por mais que eu adore
aproveitar cada minuto ao seu lado, entendo bem o que é precisar
ficar só de vez em quando.
Forço um sorriso.
— Claro, estou mesmo com sono. — Fico na ponta do pé e lhe
dou um beijo na bochecha. — Boa noite, jogador.
Ele sorri de leve, apenas um discreto movimento no canto do
lábio.
— Boa noite, Blue.
Começo a andar até o meu quarto, mas paro no meio do
caminho, virando em seguida para trás.
— Ah, e obrigada por hoje. Foi um dia bastante especial.
Ryker continua me olhado, com uma expressão quase
carinhosa.
— Foi um prazer.
Eu sorrio uma última vez e entro no quarto.
Sei que estou me apegando a ele mais do que eu deveria, mas
não é algo possível de ser evitado. Além da atração física que só
aumenta, eu passei a confiar em Ryker, a admirá-lo como homem e
gostar da companhia dele. Quando penso que falta tão pouco tempo
para eu ir embora, fico inconformada com o que eu sei que estamos
perdendo.
A atração já existe. Ele já quebrou parcialmente o celibato por
minha causa. Quando eu partir, as coisas acabarão voltando ao
normal, para nós dois. Porém, enquanto isso, estamos
desperdiçando a chance de viver algo único.
Deito na cama, usando uma camiseta larga, e fico olhando para
o teto.
O problema é: como convencê-lo disso?
Fico pensando por um longo momento, e então tenho uma ideia.
Levanto, ando de fininho até a cozinha e pego a minha lista. Risco
todos os itens que fizemos juntos hoje e, depois, acrescento mais
um.
Volto para o quarto rindo.
Só espero que funcione.
24

RYKER
ENQUANTO BEBO um copo de água, esperando que
Samantha fique pronta para irmos à festa de despedida de solteiro
de Nash, olho de relance para sua lista outra vez, ainda sem
acreditar que ela teve a audácia de acrescentar esse último item.

Ir para a cama com um jogador da NFL.


jg
Ao sair para o treino, hoje mais cedo, eu vi isso. Ao perguntar a
ela que diabos era aquilo, a safada apenas deu de ombros e disse
que era um novo desejo. Ainda teve a cara de pau de dizer que
preferia que fosse comigo, mas não queria me forçar a nada.
Ou seja, insinuou sem nenhum pudor que, se eu não mudar de
ideia, ela acabará fazendo isso com outro jogador.
Mas nem fodendo que isso vai acontecer.
Coloco o copo vazio na pia, puto. O pior é que eu não duvido
que ela fosse até as últimas consequências pelo simples prazer de
me provocar.
Nesse momento, ouço o barulho dos saltos no piso de madeira.
Meu queixo quase cai ao vê-la. Samantha está usando um vestido
preto que para acima dos seus joelhos, com uma fenda lateral que
deixa a coxa bronzeada à mostra. O decote não é tão profundo, mas
seus peitos são tão espetaculares que ficam ainda mais deliciosos
marcados pelo tecido fino.
Ao notar minha expressão, ela sorri.
— Gostou?
Eu fecho a cara e resmungo:
— Vamos. Já estamos atrasados.
Ela ri e me segue até a garagem. Fazemos o curto trajeto até a
casa de Nico em silêncio. Eu mando uma mensagem avisando que
cheguei, e logo depois o portão de carros se abre.
— Me explica outra vez — Samantha pede, quando estaciono o
carro na garagem enorme da mansão do quarterback. — Essa é a
festa de despedida de solteiro do Hugh, certo?
— Certo — respondo, desligando o motor do carro.
Nós dois saímos e eu aperto o botão para trancar as portas.
— Mas você disse que a Laney estará lá. E algumas esposas de
jogadores também.
— Exatamente. — Começamos a atravessar o jardim em direção
à entrada da casa.
Samantha ri.
— Como isso pode ser uma despedida de solteiro, se na festa
ele não estará solteiro?
Eu dou de ombros.
— Hugh não confiou em Nico para cumprir a promessa de não
perder a linha na organização dessa festa, e eu não tiro a sua razão.
Então, a forma que ele arrumou para que as coisas não fugissem do
controle foi dizendo que só viria se Laney viesse também.
— E o Nico aceitou?
— Sim, ele aceitou porque qualquer desculpa para Marchesi dar
uma festa é válida.
Subimos os degraus da varanda.
— Gosto muito do seu amigo — ela responde, e eu sinto na
mesma hora um mal-estar ao lembrar da porra da lista. Só falta ela
resolver testar Nico como candidato.
— Marchesi é um tremendo filho da puta, e você deveria manter
distância.
Samantha ergue as sobrancelhas para mim.
— Está com ciúmes, jogador?
Meu estômago queima. Por mais ridículo que seja, percebo que
é exatamente isso: estou com ciúmes de Samantha Carmichael,
ainda que não tenha qualquer direito de sentir isso.
— Vamos entrar — resmungo, abrindo a porta da casa.
Ela dá uma risadinha e passa na minha frente. Assim que
entramos, vejo Hugh e Laney abraçados e conversando com um
grupo de pessoas. Andamos até eles.
— E aí, casal? — pergunto, me esforçando para deixar os
sentimentos inquietantes em relação a Sam de lado. — Curtindo a
vida de solteiros?
Laney ri e me dá um abraço.
— Oi, Ryker. — Ela me solta para abraçar Samantha. — E você,
quem é?
— Enteada da irmã dele — Hugh responde, e eu fico tenso na
mesma hora.
Toda vez que alguém me lembra da relação da garota com a
minha irmã, eu sinto como se estivesse traindo a confiança de Annie
por tudo que tem acontecido entre nós.
Minha irmã e eu nos falamos diversas vezes ao telefone nessas
últimas semanas, e ela não cansava de me agradecer por estar
sendo tão solícito e gentil com sua enteada. Se Annie soubesse do
beijo e do que eu já fiz com Samantha nas minhas fantasias, com
certeza mudaria o discurso. Talvez cortasse relações comigo.
— Prazer. Samantha Carmichael — Sam se apresenta, alheia ao
meu desconforto.
Todos trocam cumprimentos, e Hugh me chama.
— Vamos pegar uma cerveja.
Enquanto Sam e Laney começam a conversar, Nash e eu
pedimos licença e andamos em direção à cozinha da mansão de
Nico, toda decorada em branco. Ele abre a geladeira e pega duas
cervejas, oferecendo uma a mim. Tocamos nossas garrafas num
brinde rápido e meu amigo me pergunta:
— Como estão as coisas com ela?
Depois do beijo no hotel de Foxborough, eu precisava falar com
alguém, ou ficaria maluco. Acabei contando tudo para o Hugh,
porque ele é mais maduro que Nico para lidar com essas paradas.
— Quase fugiram do controle de novo — admito e bebo um
longo gole de cerveja.
Nash cruza os braços e apoia o quadril na pia, com uma
expressão atenta.
— O que houve?
Eu então resumo os acontecimentos de ontem, quando peguei o
carro de Nico emprestado e acabamos naquela praia de nudismo.
Confesso minha atração desesperada por Samantha, a maneira
como ela tem me enlouquecido a cada dia.
Hugh apenas me ouve por um longo tempo, e depois fica alguns
segundos em silêncio. Quando volta a falar, sua expressão é
cautelosa.
— Lockhart, espero que não ache que eu estou passando dos
limites aqui, mas... por que você não vai logo até o fim dessa
história? Parece algo meio inevitável — Antes que eu consiga
rebater, ele levanta uma mão e continua: — Sei da questão da
cláusula do contrato, sei da sua irmã, mas isso só seria um
problema se as pessoas descobrissem. Pelo que você está me
falando, a garota não quer casar contigo, ela só quer ser bem
comida. Ou eu entendi errado?
Aperto a garrafinha com mais força, antes de beber mais um
gole.
— Não, você não entendeu errado. Até agora, tudo que ela me
pediu foi sexo, e não acho que seja alguma espécie de jogo.
Samantha é um espírito livre.
— Então. — Hugh coloca a mão no meu ombro. — Por que não
resolvem esse tesão de uma vez? Foi exatamente o que vocês me
sugeriram em relação à Laney, e foi a melhor coisa que fizemos.
Meu amigo não entende. Ele não conhece a outra parte da
minha história, aquela que eu enterrei há nove anos. Não tem ideia
do risco que seria me envolver com Samantha, ainda que fossem
apenas algumas fodas casuais.
— Não posso fazer isso — respondo. Ele parece disposto a
argumentar, mas eu corto. — Só falta uma semana para ela ir
embora. Se já aguentei até agora, consigo suportar mais alguns
dias.
Percebendo que não adianta insistir, Hugh apenas sorri. Nesse
momento, Laney chega e abraça o noivo, que a envolve e beija o
topo da sua cabeça. Esses dois são muito legais juntos.
— Curtindo sua festa, amor? — Laney pergunta, com um sorriso
doce. — Tem certeza de que não quer uma sozinho com os
meninos?
Hugh ri.
— Não há nenhuma chance de deixar Marchesi organizar uma
festa só com os homens. — Ele segura o rosto dela e corre o dedo
suavemente pelo seu lábio inferior. — Eu não preciso de mais nada,
porque tudo o que eu quero está bem aqui na minha frente.
Os dois se beijam e eu dou uma risadinha, percebendo que
sobrei nessa conversa. Olho ao redor da sala ampla e fico tenso ao
ver Samantha conversando com Nico. Sozinha.
Ela percebe meu olhar e se inclina na direção do quarterback,
dizendo algo no seu ouvido. Ele solta uma gargalhada e posiciona
uma mão nas costas de Samantha, logo acima da bunda.
Travo a mandíbula involuntariamente e aperto a garrafa de vidro
com tanta força que talvez eu possa quebrá-la. Jared Westbrook
escolhe esse momento para parar ao meu lado e envolver meus
ombros.
— Fala, chefe. — O garoto me chama assim quando está mais
soltinho. — Animado pro jogo de amanhã?
Fecho os olhos por dois segundos, tentando me desligar da
imagem de Samantha e Nico conversando de um jeito íntimo
demais para o meu gosto, e tento prestar atenção ao que o rookie
está dizendo.
— Vai ser pesado — aviso. — Os Giants 1 estão com um time
bom esse ano.
Amanhã, vamos jogar em casa. Fazer uma festa na véspera de
um jogo pode ter sido uma ideia de merda, mas a verdade é que
não temos muitas brechas no calendário durante a temporada. Da
minha parte, vou me limitar a uma cerveja e sair cedo.
— Eu treinei bastante com Duvall aquele passe que você sugeriu
— Jared diz, se referindo a um dos técnicos de ataque. — Na
próxima vez que eu precisar entrar, Nico deve testá-lo comigo.
Fico com o olhar perdido, lembrando do último jogo, quando
precisei ser substituído no intervalo por causa da minha lesão. Fiz o
máximo para disfarçar a dor e não poupar o ombro nos movimentos,
mas Carolina Fernandes é uma águia e percebeu quase na mesma
hora o que estava acontecendo. Minutos depois, saímos para o
intervalo e eu fui informado de que seria substituído.
Passei a porra da semana inteira fazendo intensivo de
fisioterapia, colocando gelo e tomando anti-inflamatório. Agora, só
me resta torcer para que dê tudo certo no jogo de amanhã.
Olho outra vez ao redor da sala, e noto que Nico e Samantha
sumiram.
Puta que pariu, eu vou matar o Marchesi se ele sequer pensar
em colocar as mãos nessa garota. Jared percebe minha tensão e
pergunta:
— Tudo certo, Lockhart? Você está com uma cara estranha.
Eu preciso parar de pensar nessa mulher, ou vou acabar ficando
maluco.
— Você assistiu os vídeos que eu te sugeri? — pergunto a
Westbrook, fazendo um esforço monumental para me distrair com
alguma coisa.
— Vi. — Os olhos dele se iluminam. — Inclusive, eu queria te
perguntar várias coisas, mas achei que não fosse querer falar de
trabalho hoje.
Esse talvez seja o único assunto capaz de prender um pouco
minha atenção.
— Pode falar. — Puxo uma banqueta e sento. — Não é como se
eu tivesse mais nada para fazer agora.
Ele sorri e se senta também.
Passamos a próxima hora falando de futebol. De tempos em
tempos, meu olhar vasculha a sala, e eu fico um pouco mais aliviado
quando percebo Samantha conversando num canto com Sabrina e
Julia, a irmã de Hugh.
Às dez e meia, decido que já chega de festa por hoje. Preciso
dormir cedo e estar bem disposto para o jogo de amanhã. Me
despeço de algumas pessoas conhecidas e ando até onde
Samantha está, ainda conversando com as duas garotas.
— Vamos pra casa — aviso, de um jeito um pouco mais seco do
que eu planejei.
Ela ergue as sobrancelhas para mim.
— Isso é uma ordem?
Ah, essa mulher...
— Não, é uma informação — respondo.
— Pois você pode colocar a frase no singular — ela responde,
atrevida como sempre. — Você vai pra casa, eu vou ficar.
Meu coração começa a bater de um jeito desconfortável.
— E vai voltar como pra casa depois, posso saber?
Samantha dá um sorrisinho.
— Nico disse que me leva.
O caralho que ele leva.
— Vamos para casa, Samantha — insisto, entre dentes. —
Agora.
Julia solta uma risada e balança a cabeça.
— Ryker Lockhart bancando o macho possessivo com uma
garota. Eu vivi para ver isso.
Eu fuzilo a irmã do meu amigo com os olhos. Não estou no clima
de piadinhas. Sabrina, aparentemente mais sábia que a outra,
segura seu braço e chama:
— Vamos dar uma volta e deixar esses dois se resolverem, Julia.
Assim que as duas se afastam um pouco, Samantha me
enfrenta, levantando o queixo.
— Eu não vou embora agora, Ryker. Você pode ir.
— Você não vai ficar aqui sozinha — respondo, cerrando os
punhos.
Estou agindo de um jeito completamente irracional? Estou.
Mas foda-se. A remota possibilidade de Samantha acabar a noite
na cama de Nico é o suficiente para eu virar um bicho.
— Tente me impedir, jogador.
Ah, chega dessa porra.
Eu seguro o braço de Samantha e começo a conduzi-la até a
porta.
— Ei! — ela reclama, resistindo um pouco, mas se deixando
levar. Talvez para evitar um escândalo, o que seria bastante sensato
da parte dela. — O que você está fazendo?
— Impedindo que você faça a maior besteira da sua vida —
respondo, já cruzando a porta e marchando pelo jardim da frente em
direção à garagem.
Paramos no lado do carona do meu carro e ela dá um tranco no
braço, me obrigando a soltá-la
— E eu posso saber que besteira seria essa?
— Ir para a cama com Marchesi.
Samantha cruza os braços.
— E por acaso você pretende me levar para a sua cama, agora?
Sinto minha frequência cardíaca subir.
— Claro que não. Já conversamos sobre isso o suficiente.
Samantha solta uma risada sarcástica.
— Eu imaginei. — Ela avança na minha direção e empurra meu
peito com o dedo indicador. — Então, eu posso saber por que
diabos você está agindo como um homem das cavernas e me
tratando como se fosse meu namorado tóxico?
Eu me sinto culpado na mesma hora.
Caralho, o que eu estou fazendo?
Fecho os olhos e pressiono as têmporas, tentando recuperar a
sanidade.
— Desculpe. Eu não tinha o direito de fazer isso, de te tirar da
festa daquela forma.
Quando eu a encaro outra vez, noto que os olhos azuis estão
faiscando de ódio.
— Qual a porra do seu problema, Ryker? Uma hora faz questão
de dizer que nunca vai rolar nada entre nós e quer ser meu amigo,
mesmo tendo me mostrado uma letra de música que fala
exatamente o contrário. No dia seguinte, me arrasta para fora de
uma festa como se eu fosse sua propriedade, mas não pretende ter
nada comigo. Eu não vou tolerar mais isso, você me entendeu?
Engulo em seco, me sentindo um merda.
— Você tem razão. — Por mais que me gere gatilhos de
ansiedade e desespero, me obrigo a acrescentar: — Pode voltar
para a festa, se quiser.
Samantha me encara por alguns segundos.
— Eu sei que eu posso. Mas agora é tarde demais, você já
arruinou a minha noite. — Ela abre a porta do carro. — Vamos para
casa.
Eu solto o ar, olho para o céu sem nuvens para me obrigar a me
acalmar e entro no carro. Dirijo em silêncio até em casa,
transtornado pelo quanto essa mulher me faz perder o controle de
absolutamente tudo.
Assim que colocamos os pés em casa, Samantha para e segura
meu braço.
— Qual o real motivo para você ter agido daquela forma, Ryker?
— Quando eu permaneço em silêncio, ela estreita os olhos para
mim. — Não se atreva a fugir dessa pergunta. É o mínimo que você
me deve depois desse papelão ridículo.
Eu engulo em seco.
— A ideia de você ser seduzida pelo Marchesi estava me tirando
do sério.
Samantha ri alto, mas sem qualquer humor.
— Seduzida? Agora eu sou o quê, uma mocinha de romance de
época? Me poupe dos seus absurdos.
— Você entendeu o que eu quis dizer — respondo, cansado.
— Entendi porra nenhuma! — ela explode. — Você acha que faz
algum sentido não querer ir pra cama comigo, mas, ao mesmo
tempo, não deixar que mais ninguém faça isso?
— Você não entende — meu tom soa quase desesperado.
Samantha cruza os braços.
— O que eu não entendo? Que você quer desesperadamente
me foder, mas está com medo de alguma droga de situação que
nunca me explica qual é? É, desse jeito eu não vou entender nunca!
Ela começa a se afastar, mas não posso deixar essa conversa
terminar assim.
Chega. Eu não aguento mais isso.
Dou um passo na direção dela, faço com que volte a me encarar
e seguro seu queixo.
— Eu estava há nove anos sem tocar numa mulher, e
definitivamente não foi por não gostar de sexo. Para piorar, você me
provoca sentimentos assustadores, desperta meu lado mais
selvagem e descontrolado. — Engulo em seco. — Se eu te levasse
para cama, eu não iria apenas comer você. Eu iria te arregaçar,
Samantha. Será que agora você finalmente entendeu?
Minha respiração fica presa, e meu coração está batendo tão
forte que consigo sentir a pulsação no ouvido. Seus olhos se
arregalam um pouco, mas a garota não se esquiva do meu toque
nem do meu olhar.
— E se eu quiser exatamente isso? — ela desafia.
Solto um grunhido e cambaleio para trás, atordoado.
— Caralho, Samantha! — Esfrego meu rosto. — Você tem vinte
e um anos!
Ela ri, incrédula.
— Sério? Ah, me poupe desse discurso machista e hipócrita! Eu
sei muito bem o que estou fazendo, sou uma mulher adulta e muito
mais experiente do que muita gente mais velha que eu. Se você tem
seus traumas em relação a sexo e não quer dividi-los comigo, é um
direito seu. Mas não venha dizer que o motivo para não me levar
agora para a sua suíte é a minha idade, porque isso ultrapassa os
limites do ridículo.
Samantha vira as costas e vai em direção ao seu quarto. Meu
cérebro está coberto por uma neblina de medo, raiva e tesão, e eu
simplesmente não consigo raciocinar. Minha sensação é de que,
desde que Samantha Carmichael colocou os pés na minha vida, não
há nada que eu possa fazer para mudar o desfecho dessa história.
Eu estou rendido por essa garota desde o segundo em que
coloquei os olhos nela.
Que se foda, então.
Marcho até o seu quarto, agarro seu braço outra vez e a viro de
frente para mim.
— Eu não vou ser gentil.
Ao entender o que estou insinuando, os olhos dela assumem um
brilho diferente. Sustentando o meu olhar, Samantha responde:
— Eu não quero que você seja.
— Preciso saber os seus limites — digo, com a respiração
pesada, sem afrouxar o aperto no seu braço.
Ela pensa por alguns segundos, para o meu alívio. Se a resposta
fosse apenas algo como “nenhum”, eu não poderia seguir em frente.
— Eu não quero tapas na cara.
— Entendido.
— E nunca fiz sexo anal.
Porra.
Ela não disse que não quer fazer, apenas que nunca fez. Respiro
fundo várias vezes.
— O que mais? — Não acredito que vamos mesmo fazer isso. —
Do que não quer que eu te chame?
Sua boca se curva num sorrisinho sensual pra caralho.
— Me chame do que você quiser, jogador. — Ela morde o lábio
inferior. — Minha fantasia é ser dominada na cama pela primeira
vez. E eu sei que você é o único capaz de me proporcionar isso.
Puta. Que. Pariu.
— Samantha?
— O que foi?
Agora vem a parte mais importante.
— Você precisa me dizer se quiser que eu pare, porque eu
provavelmente não conseguirei perceber isso sozinho.
Ela engole em seco.
— Vou dizer.
Fecho os olhos, ainda questionando a minha sanidade por estar
aqui.
— Ryker? — ela chama, com a voz suave, e eu a encaro outra
vez. — Eu nunca quis tanto alguma coisa como eu quero isso. Por
favor, não me faça esperar mais.
25

SAMANTHA
NO SEGUNDO SEGUINTE, a boca exigente se choca contra a
minha. Ryker tem a capacidade de me dominar completamente com
seus beijos, me transportando para um lugar onde só existimos nós
dois e esse desejo avassalador.
Ele me levanta, me fazendo envolver sua cintura com as pernas.
Sem parar de me beijar, me leva até seu quarto e me joga na cama
sem muita gentileza, o que só aumenta meu tesão.
Ryker continua em pé, olhando para mim como se ainda tivesse
dificuldade de acreditar que isso está mesmo acontecendo.
— Você tem ideia do que faz comigo? — ele pergunta,
provocando uma avalanche de arrepios com o tamanho da urgência
que transparece nos olhos azuis-esverdeados.
— Talvez o mesmo que você faz comigo — respondo,
começando a puxar o vestido. Não consigo esperar nem mais um
segundo para senti-lo dentro de mim.
— Para.
Seu comando faz minhas mãos paralisarem.
— Não quer me ver sem roupa mais uma vez, jogador?
— Você só faz o que eu mandar. Estamos entendidos?
Puta merda, finalmente vou realizar essa fantasia.
Que tesão.
O rosto de Ryker está sério, e suas pupilas dilatadas deixam seu
olhar escuro e quase ameaçador. Só que eu não estou com medo.
Por alguma razão, confio nele mais do que já confiei em qualquer
pessoa em toda a minha vida.
— Estamos — respondo, a cada segundo mais ansiosa pelo que
está por vir.
Ele então abre o armário e tira de lá uma gravata. Em seguida,
se aproxima de mim outra vez.
— Levanta os braços.
Eu obedeço, com o coração disparado. Nunca fui amarrada
antes, e a ideia é excitante demais. Ryker primeiro puxa meu
vestido, tirando-o pela cabeça. Em seguida, junta meus punhos e
amarra com a gravata, numa rapidez e precisão impressionantes.
Tenho certeza de que ele já fez isso muitas vezes antes.
— Agora deita, sua putinha.
Meu rosto esquenta e meu clitóris lateja ao ouvi-lo me chamando
assim.
Cacete, o que está acontecendo comigo? Nunca fiquei tão louca
de tesão sem ter sequer sido tocada.
Ele me amarra na guarda da cama, e eu testo alguns
movimentos. Minhas mãos se movem pouco, mas percebo que não
está apertado o suficiente para cortar a circulação de sangue. Esse
homem realmente sabe o que está fazendo.
Com uma calma enlouquecedora, Ryker retira minhas sandálias,
deixando-as caírem no chão uma a uma. Depois, arranca a própria
camiseta e começa a desabotoar o jeans. Meu olhar fica vidrado na
sua virilha, e eu prendo a respiração na expectativa pela visão do
seu pau.
Ele desce a calça, ficando apenas com a boxer preta estufada
pela ereção enorme. Minha boceta está em chamas, e eu começo a
esfregar as pernas.
— O que você acha que está fazendo? — Ryker pergunta,
estreitando os olhos. — Só eu tenho permissão de te aliviar. Me diz
que entendeu.
Eu puxo o ar, num suspiro trêmulo.
— Entendi.
— Boa garota.
Ele vai até o armário e tira de lá uma sacola plástica de farmácia.
Dentro, há um pacote de camisinhas fechado e um tubo de
lubrificante. Eu sorrio, porque está óbvio que isso foi comprado
recentemente. Pelo visto, Ryker não estava tão seguro assim de
que ia resistir a mim.
Ele apoia os itens sobre a mesa de cabeceira e volta a me
encarar.
— Eu sonho com o gosto da sua boceta há semanas, Samantha
— ele diz. — E só vou parar de te chupar quando eu estiver
satisfeito.
Caralho. Caralho.
Meu coração está batendo tão forte que estou tremendo.
— Meu Deus, Ryker — murmuro, ofegante.
As mãos grandes vão até a minha calcinha e deslizam o tecido
rendado coxas abaixo. Ele atira a peça no chão.
— Abre as pernas — comanda, e eu afasto os joelhos. — Mais.
Chego ao limite, ficando completamente exposta.
Em pé, Ryker fixa o olhar na minha boceta e morde o lábio
inferior. Estou com tanto tesão que sinto a lubrificação quente
escorrendo na direção do meu ânus.
— Perfeita — ele murmura. — Absolutamente perfeita.
Ryker sobe na cama de joelhos, com movimentos lentos como
os de um predador se preparando para abocanhar sua presa. Ele
então inclina o tronco, envolve meu quadril com os antebraços e
aproxima o rosto da minha boceta.
Ao invés de me provar, Ryker primeiro me cheira. Ele fecha os
olhos e aspira o ar devagar, como se apreciasse um perfume
exótico e inebriante. Eu paro de respirar, envolvida por completo por
essa cena.
Quando a língua úmida e quente me lambe de baixo para cima,
eu jogo a cabeça para trás e solto um gemido longo e alto. Essa é,
simplesmente, a melhor sensação de toda a minha vida.
Ele me explora sem pressa, percorrendo minhas dobras,
sugando os pequenos lábios e só então chegando aonde eu mais
preciso dele. Sinto meu nervo pulsando, inchado, desesperado por
alívio. Eu já tenho o clitóris grande, mas, com o grau de excitação a
que esse homem me levou, ele deve estar imenso.
Ryker aproxima os lábios, o envolve e chupa, numa cadência
ritmada. Eu começo a tremer na mesma hora, prestes a gozar. Ele
percebe e para.
O filho da puta para.
Levanto a cabeça, com uma expressão que mistura desespero e
indignação.
— Por que você parou?
Ele sorri, sádico.
— Você só goza quando eu permitir, Samantha.
Deixo a cabeça cair para trás no travesseiro, soltando um
grunhido angustiado.
— Eu não vou aguentar — digo, ofegante. — Eu preciso gozar.
— Vai aguentar sim.
Sua língua volta a me estimular, dessa vez com movimentos
suaves e circulares ao redor do nervo pulsante. Puta que pariu, isso
é gostoso demais.
— Não para... — imploro.
Ryker introduz um dedo na minha vagina e começa a bombear,
estimulando de forma precisa e alucinante meu ponto G.
— Meu Deus... — me contorço, desesperada. — O que você
está fazendo comigo?
Sem tirar a boca da minha boceta, ele usa o dedo que estava
dentro de mim para lambuzar meu cu. Eu fico tensa, porque já tentei
fazer sexo anal, mas senti muita dor e não consegui. Não quero que
nada estrague esse momento.
— Ryker — murmuro, tensa.
— Shhh — ele sussurra, sem parar com a massagem apenas do
lado de fora. — Não vou te machucar. Confia em mim.
Eu respiro fundo. Com certeza, as lambidinhas suaves e
ritmadas no meu clitóris ajudam, e começo a sentir o esfíncter
relaxando. Ryker introduz apenas a ponta do dedo, e a sensação é
surpreendentemente boa.
Ele vai me alargando aos poucos, e eu mal me dou conta.
Quando percebo, já está enfiando e tirando o dedo inteiro, que
desliza com facilidade graças ao excesso de lubrificação que está
escorrendo de mim e melando tudo.
Meu corpo começa a tremer de novo, sem qualquer controle.
Fecho os olhos com força, torcendo para que ele não pare. Eu
quase choro de alívio quando ele afasta a boca por menos de dois
segundos, apenas para dizer:
— Goza agora, sua safada.
Meu corpo explode num orgasmo avassalador, como se
estivesse programado para obedecê-lo. Os espasmos são tão fortes
que preciso agarrar a guarda da cama. Ryker não para de me
chupar, sorvendo tudo, e eu poderia morrer nesse momento,
tamanha é a intensidade de todas essas sensações.
Após um tempo interminável, meu corpo quase desfalece,
exausto e formigando. Abro as pálpebras com esforço, e vejo Ryker
sorrindo, em pé. Ele abaixa a cueca e seu pau salta, livre.
Puta merda. Ele é ainda maior do que eu imaginava. Grande,
grosso, com uma glande rosada e proporcional. A vontade de
chupá-lo é maior do que a exaustão, mas sei que não posso pedir.
Lockhart está no comando, e eu estou fascinada por essa
experiência.
Completamente nu, ele anda até a guarda da cama e liberta
minhas mãos. Ainda exausta e ofegante, eu esfrego os punhos
marcados.
— Senta — Ryker ordena.
Reunindo o que me restou de forças, obedeço.
Ele aproxima o cacete glorioso do meu rosto, e eu começo a
salivar.
— Agora você vai me chupar, como a boa putinha que você é —
diz, em voz baixa. Eu balanço a cabeça, concordando. — Abre a
boca, Samantha.
Quando eu faço o que Ryker mandou, ele segura meu cabelo
num rabo de cavalo improvisado e firme e desliza o pau através dos
meus lábios úmidos. Quando eu o abocanho com gosto, ele solta
um gemido rouco que reverbera diretamente na minha boceta, ainda
latejante do orgasmo.
Nunca senti tanto prazer com um boquete antes. Eu percorro
cada centímetro do pau perfeito com a língua, alternando lambidas e
sucção. Antes do que eu esperava, ele puxa meu cabelo e me
afasta.
— Chega. — Diante da minha surpresa, Ryker explica: — Você
chupa bem demais, e eu ainda preciso te foder.
Olho para cima e sorrio, limpando o canto da boca.
— Você é quem manda, jogador.
Ryker respira fundo e aponta para a cama com a cabeça.
— Fica de quatro.
Eu atendo na mesma hora, empinando bem a bunda. Ele se
posiciona atrás de mim, com a camisinha na mão. e eu ouço o
barulho da embalagem rasgando. Minha frequência cardíaca
continua tão alta quanto estava quando começamos, e eu agradeço
pelo fato de que sempre pratiquei esportes. Um coração sedentário
não aguentaria o furacão que é Ryker Lockhart na cama.
Um tapa forte me pega de surpresa, e eu solto um gemido de dor
e prazer. Ele segura meu quadril com uma mão, posiciona a glande
na minha entrada com a outra e avisa:
— Eu avisei que ia te arregaçar. — Ao contrário do que eu
esperava, Ryker desliza para dentro de mim bem devagar, me
fazendo sentir cada centímetro da invasão deliciosa. Quando está
enterrado até o talo, ele se inclina sobre o meu tronco e sussurra no
meu ouvido: — Lembre-se de me mandar parar se for demais para
você.
Eu ofego.
— Me fode com força, jogador. Eu aguento.
Ele solta um grunhido e começa a se mover. No início, parece
estar se contendo, com medo de me machucar apesar de ter dito
que não seria gentil. Quando eu começo a rebolar e gemer, o
homem finalmente perde o controle, do jeito que eu estava louca
para ver.
Segurando meu quadril com as duas mãos, ele soca tão forte
que meu corpo sacode. Nem que eu quisesse eu poderia ajudar
nessa coreografia insana, porque o prazer que vai se avolumando
no meu ventre deixa minhas pernas fracas.
Parece inacreditável, mas estou quase lá outra vez.
— Ryker... — arfo. — Assim eu vou gozar.
A invés de parar, ele muda o ângulo da penetração e eu vejo
estrelas, em mais um clímax intenso. Ryker não diminui o ritmo,
mesmo quando meu peso começa a ceder. Ao contrário, as mãos
grandes firmam meu quadril e ele continua metendo forte, fazendo
um movimento diferente quando chega no fundo que parece
disparar outro gatilho lá dentro.
A espiral recomeça, e eu arregalo os olhos, sem acreditar.
Mal saí de um orgasmo e vou entrar em outro?
Mordo minha mão, para tentar recuperar algum controle. É
totalmente em vão. Os espasmos voltam, quase sem aviso, e eu
grito alto:
— Ryker!
— Isso, gostosa. Grita meu nome enquanto goza no meu pau.
Meu corpo convulsiona, e minha cabeça gira. O prazer é tão
extraordinário que sinto lágrimas queimando meus olhos. Quando
ele finalmente diminui um pouco o ritmo, minhas pernas cedem por
completo e eu arrio no colchão, de bruços.
Sem sair de dentro de mim, Ryker me abraça e, para a minha
surpresa e excitação, envolve meu pescoço por baixo. Eu nunca fui
enforcada, e sempre tive muita curiosidade.
Estou tão melada, tão absurdamente melada, que seu cacete
desliza sem qualquer atrito, me preenchendo e saindo, agora numa
cadência lenta. A mão no meu pescoço aumenta um pouco a
pressão, e eu engasgo de leve. A sensação de ter a passagem de
ar parcialmente bloqueada aumenta meu tesão e, mesmo exausta,
eu empino a bunda.
Ryker me fode de um jeito que eu jamais imaginei, me
transformando numa massa caótica de sensações. Cada terminação
nervosa do meu corpo está em alerta, minha pele inteira arrepiada e
meu cérebro em curto-circuito. Nunca experimentei nada parecido e,
por alguma razão, eu tenho certeza de que apenas ele será capaz
de fazer isso comigo.
O sacana crava os dentes no meu ombro e eu puxo o ar com
força, prendendo em seguida. A pontada de dor é logo ofuscada
pelo prazer que começa a se espalhar outra vez.
Quando ele enfia uma mão por baixo do meu corpo e leva ao
meu clitóris, eu começo a choramingar.
— Não... eu não consigo mais.
Ryker lambe meu pescoço e sussurra.
— Você vai gozar junto comigo, Samantha. Isso é uma ordem.
Seu dedo habilidoso esfrega meu clitóris com destreza, ao
mesmo tempo em que Ryker volta a socar com força, seu quadril
batendo na minha bunda a cada estocada.
É o meu fim.
Eu convulsiono em mais um orgasmo avassalador. Ryker solta
meu pescoço e seu braço musculoso me aperta forte, ao mesmo
tempo em que o sinto pulsando dentro de mim. Isso só aumenta
meu prazer, e eu quase desmaio com esse turbilhão de sensações
indescritíveis.
Aos poucos, ele vai afrouxando o abraço. Tira o peso de cima de
mim, caindo para o lado, e beija com carinho o local onde me
mordeu.
— Eu te marquei — ele murmura, rouco.
— Não me importo. — Viro o rosto para encará-lo. — Gosto da
ideia de ter suas marcas na minha pele.
Os olhos dele estão escuros, nebulosos. Ryker sustenta o meu
olhar e pergunta:
— Eu te machuquei?
Nego com a cabeça. Ele retira uma mecha suada da minha
testa.
— Avisei que eu não seria gentil, mas eu preciso saber se você
sentiu prazer.
Eu sorrio.
— O maior prazer da minha vida, jogador.
Ryker suspira, vira de barriga para cima e me puxa para deitar
sobre o seu peito. Eu jogo uma coxa sobre a dele, e o abraço de
volta.
— Quero que me diga se você se arrependeu — digo, num
impulso.
Se ele falar que sim, sei que ficarei arrasada. Ainda assim, eu
tenho que saber.
Ryker ergue meu rosto e olha no fundo dos meus olhos ao dizer:
— Não importa o que aconteça daqui para frente, eu nunca vou
me arrepender de você, Blue. Nunca.
Sinto uma pontada intensa no peito, que me tira o ar. Para não
deixar que ele perceba o quanto essas palavras mexeram comigo,
eu deito de novo o rosto no peito largo e fecho os olhos com força.
Era para ser só sexo.
Precisa ser só sexo, sem sentimentos envolvidos.
Se eu me apegar a Ryker Lockhart, não terei forças para seguir
em frente. Aconteça o que acontecer, eu não posso me esquecer
disso.
26

RYKER
DESPERTO COM OS primeiros raios de sol penetrando no
quarto. Pisco algumas vezes e giro a cabeça para o lado, dando de
cara com uma nuvem de cabelo loiro espalhada no travesseiro.
Um sorriso preguiçoso ergue o canto do meu lábio e eu coloco
um braço dobrado sob o rosto, me acomodando melhor para
observar a beleza dessa mulher enquanto dorme. Os traços
delicados estão completamente relaxados, e os cílios longos fazem
uma sombra nas maçãs do rosto salientes. A boca carnuda está
entreaberta, e eu só consigo me lembrar de como foi delicioso beijá-
la.
Samantha parece exausta. Não que isso seja surpreendente,
considerando que eu a mantive acordada por longas horas. A
combinação do tesão que eu sinto por essa garota e os anos de
celibato explodiram como um vulcão ontem à noite. Ela deve estar
assada, ainda que não tenha reclamado nem sequer uma vez. Pelo
contrário, Samantha parecia tão desesperada por mais quanto eu,
absolutamente insaciável.
Puxo o ar e solto devagar. Eu deveria estar aproveitando essas
horas para descansar, me preparar para o jogo que teremos mais
tarde, mas minha cabeça está a mil. Samantha está mexendo
comigo de uma forma inexplicável, e seria uma mentira do caralho
se eu dissesse que não estou com medo do que isso significa.
Como se sentisse meu olhar, ela se mexe e abre os olhos
devagar. Ao me ver encarando-a, sorri.
— Bom dia, jogador — me cumprimenta, com a voz rouca. —
Que horas são?
Eu dou de ombros.
— Não sei. Seis, talvez?
Ela solta um gemido frustrado.
— Posso saber por que estamos acordados às seis da manhã?
Tiro uma mecha de cabelo do seu rosto.
— Você, eu não sei. Eu acabei despertando e não consegui
voltar a dormir.
Samantha escorrega na cama, colando o corpo ao meu de
frente.
— Bem, já que estamos aqui...
Sua boca busca a minha, e eu solto um suspiro curto antes de
me render completamente ao beijo. A mão dela corre suavemente
pela minha nuca, se embrenhando no cabelo de um jeito carinhoso.
Nosso sexo ontem foi predominantemente selvagem, porque nós
dois tínhamos muito tesão acumulado para gastar. Só que, agora,
com o corpo quente e macio pressionado preguiçosamente contra o
meu sob as cobertas, eu não quero aquela intensidade toda. Quero
apenas saboreá-la sem pressa.
Minha mão corre pelas costas lisas até chegar na bunda
empinada. Aperto de leve, mais um carinho que outra coisa.
Samantha reage gemendo e esfregando o quadril no meu pau, já
completamente duro. Ela leva uma mão até ele e começa a me
masturbar.
— Assim você não está facilitando a minha vida — reclamo,
mordendo seu lábio inferior. — Eu estou tentando fazer as coisas
devagar e ser carinhoso com você.
Seus olhos azuis se erguem para mim, com uma expressão
atrevida.
— Já disse que não quero sexo carinhoso. Eu gosto quando
você me fode com força.
Samantha empurra as cobertas e monta em mim, sem me dar
tempo de raciocinar. Sua mão segura meu pau e ela desce sobre
ele, jogando a cabeça para trás.
Caralho, essa mulher vai me deixar maluco.
— Puta merda, Blue.
A safada começa a subir e descer, me apertando lá dentro de um
jeito que me tira do ar. Eu demoro vários minutos para perceber que
não coloquei um preservativo. Assustado, seguro seu quadril e a
faço parar.
— A camisinha — aviso, ofegante.
Ela sorri, voltando a rebolar.
— Relaxa. Eu uso pílula e nunca transei sem.
Sei que poderia ser mentira, mas, por alguma razão, eu acredito
nela. Considerando que passei os últimos nove anos sem sexo e
faço exames periódicos aos quais ela tem acesso no meu prontuário
médico do time, deduzo que se sinta segura em fazer isso comigo.
Respiro fundo, aproveitando a sensação indescritível de deslizar
dentro dela sem barreiras. Meu olhar se fixa nos peitos deliciosos
balançando na minha frente, e não resisto ao impulso de levantar o
tronco e abocanhar um mamilo.
Levo uma mão à sua nuca, levantando o cabelo, enquanto o
outro braço agarra sua cintura. Ela rebola no meu cacete enquanto
chupo seu peito com vontade, completamente enlouquecido de
desejo.
— Isso — Samantha geme, esfregando o clitóris no meu púbis.
— Quero gozar outra vez.
Eu sorrio, maldoso.
— Então deixa eu te ajudar, gostosa.
Lambuzo um dedo na sua lubrificação abundante e começo a
massagear seu ânus. Fiz isso várias vezes ontem, testando os
limites dela. Samantha aguentou dois dedos, se contorcendo de
prazer enquanto eu a chupava, e sei que em breve estará pronta
para o que eu estou alucinado para fazer: comer essa bundinha
perfeita.
Quando percebo que ela relaxou, começo a penetrá-la nos dois
buracos ao mesmo tempo, e Samantha geme cada vez mais alto,
arfando. Ela crava as unhas nos meus braços e apoia a testa no
meu ombro, gozando forte e ordenhando meu pau de um jeito
alucinante.
Eu solto um grunhido e libero meu próprio orgasmo, enchendo
sua bocetinha de porra. Agarro seu corpo suado, apertando-a contra
mim enquanto tento voltar a respirar normalmente. Samantha solta
um suspiro trêmulo.
Quando ambos nos recuperamos um pouco, eu a ajudo a sair de
cima de mim. Nesse movimento, vejo meu sêmen escorrendo pelas
coxas bronzeadas e começo a sentir tesão de novo. Passo a mão ali
por reflexo, e Samantha me observa com um olhar sacana.
Ela substitui minha mão pela dela e começa a espalhar minha
porra pela bocetinha depilada. Depois, sem parar de me encarar,
leva dois dedos à boca e chupa.
— Caralho, Samantha... — murmuro, hipnotizado. Meu pau
ainda nem amoleceu direito, e já começa a ficar duro outra vez. —
Se você não parar com isso, vou querer te comer de novo.
A cretina olha para a minha ereção, ri e chega mais perto do
meu rosto.
— Quem diria que um coroa, irmão da minha madrasta, me
foderia tão bem... — ela murmura e morde o lábio inferior.
A menção à Annie me deixa um pouco tenso. Não quero nem
pensar no que aconteceria se ela descobrisse o que eu fiz com sua
enteada.
Olho para o alto e solto o ar pesadamente.
— Vou pro inferno por sua causa, garota.
Samantha sorri de um jeito sacana antes de montar outra vez em
cima de mim.
— Pelo menos, eu estou te mostrando o paraíso antes.
Sim.
Ela está.

CHEGO AO THE Palace depois do almoço. O jogo é apenas no


fim da tarde, mas nós sempre iniciamos a concentração horas
antes. Vou direto até o locker room 1, onde alguns jogadores já
estão. Caminho até meu armário e vejo meu jersey novinho
pendurado no cabide, assim como o restante do uniforme dobrado
cuidadosamente logo abaixo. Logo que guardo a mochila, sinto uma
mão no meu ombro.
— Fala, cara — Hugh me cumprimenta.
— Fala — respondo, fechando a portinha.
— Que porra foi aquela na festa de ontem? — meu amigo
pergunta, com um ar divertido. Eu me viro para encará-lo e, assim
que vê minha expressão um tanto culpada, Nash cobre a boca para
abafar uma gargalhada. — Caralho, você finalmente comeu a
Samantha.
Eu olho ao redor, preocupado, mas ninguém está prestando
atenção na nossa conversa.
— Você quer fazer o favor de falar mais baixo? — reclamo.
O cretino continua rindo.
— Eu falei baixo, mané. — Hugh envolve meu ombro e fala perto
do meu ouvido. — Não precisa dar detalhes, mas, como foi?
Eu me desvencilho e pego o programa do jogo, que foi deixado
sobre o uniforme dobrado.
— Não vou falar sobre esse assunto — aviso.
— Que assunto? — Nico chega justamente nesse momento.
Hugh se inclina e sussurra algo no ouvido dele. O quarterback abre
um sorriso imenso. — Porra, meu plano deu certo, então!
Eu viro o rosto para ele num movimento rápido.
— Que plano? — Nash e eu perguntamos ao mesmo tempo.
Marchesi sorri com o canto da boca e olha para trás, verificando
que não há ninguém ouvindo. Em seguida, baixa a voz.
— Eu sabia que você só precisava de um empurrãozinho para se
render à garota. Então, eu disse a ela para dar a entender que nós
ficaríamos juntos ontem.
Olho para Nico, incrédulo.
— Você não fez isso — digo.
— Como não? — Nash começa a rir. — É a cara dele fazer isso.
Marchesi levanta um ombro.
— De nada, Lockhart.
— Seu cretino — reclamo, mas, no fundo, não estou tão puto
assim.
A verdade é que o ciúme me ajudou a vencer a última
resistência, e o resultado não poderia ter sido melhor.
Me sinto culpado por estar trepando de forma insana com a
enteada de 21 anos da minha irmã? Um pouco.
Me arrependi? Não — ainda que eu saiba que estou
completamente fodido com essa história.
— Ah, fala sério. — Nico dá um tapinha no meu ombro. —
Qualquer imbecil conseguia ver que vocês dois se comiam com os
olhos o tempo inteiro. Pareciam o Hugh e a Laney antes de ele
resolver parar com a palhaçada.
— Ei — Nash reclama, rindo. — Eu estava respeitando a garota.
Nico faz um pffff.
— Ela não queria ser respeitada, Hugh. Laney queria outra
coisa, e ainda bem que você deu. — Ele ri. — Deu tão bem que
agora vocês vão casar.
Nash sorri.
— Quando é para ser... — Ele se vira de novo para mim. — E aí,
vai contar como foi ou não?
Eu o fuzilo com o olhar antes de tirar a camisa.
— Não.
Nico balança a cabeça.
— É óbvio que ele não vai contar. — O cuzão me analisa com os
olhos estreitados. — Mas, pela cara de cansado, a novinha deu um
coro no rapaz.
Eu realmente não quero falar sobre esse assunto, mas acabo
sorrindo involuntariamente enquanto guardo as peças de roupa.
Ah, se eles soubessem metade do que aconteceu...
— Tá vendo? — Marchesi aponta para mim. — Esse sorrisinho
não engana. Lockhart finalmente tirou o atraso com honras.
Jared se aproxima de nós, e o assunto morre.
— E aí, Dangerous Trio? — ele pergunta, com um sorriso
animado. — Prontos para destruir os Giants hoje?
— Vamos fazê-los saírem com o rabo entre as pernas — Hugh
confirma.
Depois de tirarmos as roupas com as quais viemos, partimos
todos para a área ao lado, onde recebemos o taping 2. Noto a
preocupação no rosto de Rodriguez, o fisioterapeuta-chefe, que tem
se encarregado pessoalmente dos meus procedimentos pré-jogo há
algum tempo.
— Está com dor? — ele pergunta, colando a bandagem.
— Não — minto.
A verdade é que tenho sentido dor no ombro direito diariamente
há pelo menos três semanas, mas não posso admitir isso. Sei que
estou agindo no limite da irresponsabilidade, mas, se for cortado dos
jogos por lesão, não sei qual será meu futuro no time —
especialmente agora que foi comprado por Timberjobs, o magnata
com cara de cantor.
Intensifiquei os exercícios da fisioterapia em casa, tomei por
conta própria uma dose de corticoide antes do jogo e, agora, só me
resta rezar para dar tudo certo.
— Se você sentir, precisa avisar — ele diz, sério. — Caso
contrário, vai acabar com uma lesão grave e isso não vai acabar
bem.
— Sei disso.
Evito olhá-lo nos olhos, até porque, Rodriguez tem esse jeito
enervante de prestar atenção em todos os detalhes. Assim que ele
termina, retorno aos nossos armários individuais e pego meu jersey.
Sigo meu ritual de beijar a camisa antes de vesti-la, junto com o
restante do uniforme e equipamento de proteção.
A energia no locker room é vibrante. Enquanto alguns jogadores
estão mais quietos, uma parte deitada no chão com os olhos
cobertos por toalhas, outros estão rindo e conversando. Ao fundo,
está tocando In the air tonight, do Phil Collins. Pode parecer
estranho, mas essa é uma das músicas mais tocadas nos vestiários
antes do início das partidas da NFL. Imagino que seja pela melodia
que vai num crescendo até explodir num clímax arrepiante com a
entrada da bateria. Fico arrepiado todas as vezes em que a escuto.
Liam Campbell faz um sinal, chamando a todos. Nós nos
reunimos de joelhos num grande círculo, de mãos dadas, para uma
última oração. Ao fim de Lord’s Prayer 3, nós nos levantamos, em
silêncio. Alguns começam a pular no lugar e alongar o pescoço para
liberar energia, porque o momento crucial está muito próximo.
Eu apenas respiro fundo dez vezes, contando devagar cada uma
delas. Em seguida, começamos a caminhada em direção ao meu
lugar preferido no mundo inteiro — o gramado do estádio dos Malibu
Sharks.
27

SAMANTHA
ESMAGO O COPO de plástico com tanta força que ele amassa
na minha mão e me suja de Cola-Cola zero.
— Droga — murmuro, sacudindo o braço.
Sabrina, sentada ao meu lado nos assentos que ficam logo atrás
do banco de reservas dos Sharks, me empurra com o ombro.
— Calma, mulher. Eles estão na frente.
— Por dois pontos só! — Suspiro, nervosa. — E ainda falta mais
do que um quarto do jogo.
Ela ri, sem tirar os olhos do campo.
— Você deveria estar feliz, porque Lockhart está arrasando
nesse jogo.
Apesar do nervosismo com a partida, eu sorrio, orgulhosa dele.
Ryker realmente está jogando como nunca. Marcou vários pontos e
está sendo ovacionado pela torcida, que não para de gritar
unstoppable 1 cada vez que ele pega a bola.
Meu olhar vasculha o campo outra vez, e eu consigo vê-lo do
outro lado. Nico está se preparando para iniciar a jogada, e meu
coração acelera outra vez. Assistir a um jogo ao vivo já é incrível,
mas, fazer isso em casa, com a torcida ensandecida nas
arquibancadas, é uma experiência inesquecível. Minha pele já se
arrepiou tantas vezes que eu perdi a conta.
O árbitro apita e Marchesi olha na direção em que Ryker está. O
quarterback se inclina um pouco para trás e seu braço musculoso
faz um lançamento assustadoramente forte. Eu fico em pé junto com
Sabrina e nós acompanhamos o longo trajeto da bola sem piscar.
Solto um gritinho de alegria quando ela cai perfeitamente nas mãos
de Ryker, que começa a correr na direção da End Zone.
— Vai, vai, vai! — eu grito.
Ele se desvencilha de dois, mas, quando está quase lá, é
interceptado por um brutamontes do time de defesa dos Giants. Eu
aperto a mão de Sabrina, porque sempre fico tensa quando Ryker é
derrubado.
— Relaxa, foi só uma jogada normal — ela tenta me acalmar.
Eu respiro fundo, sem tirar os olhos do gramado. Ryker continua
deitado, ainda agarrado à bola, até que o árbitro chega. Fico
esperando que ele se levante, mas isso não acontece. Meu coração
começa a martelar o peito.
— Aconteceu alguma coisa, Sabrina — murmuro. — Tenho
certeza.
Ao invés de repetir que está tudo bem, minha amiga apenas
aperta minha mão de volta, em silêncio. Fico rezando mentalmente
para que Ryker levante logo, e que tenha sido apenas um susto.
Nesse momento, vejo Liam Campbell pedindo que Carolina
Fernandes entre no campo e vá até lá, o que ela faz num trote
rápido, acompanhada pelo time de apoio.
— Meu Deus... — Sinto um nó na garganta. — Eles estão
levando uma maca.
— Vamos esperar, Sam. — Sabrina tenta sorrir, mas consigo ver
que está nervosa. — Pode ser só precaução.
Antes que a equipe médica chegue, Ryker se senta. Meu olhar
está preso nele, e sinto o peito apertando ao notar sua expressão
contraída de dor. Ele está segurando o ombro direito, e sei que isso
é um péssimo sinal.
Minhas mãos tremem tanto que Sabrina me olha, assustada.
— Ele vai ficar bem — ela diz. — Deve ter sido só o impacto da
queda.
Ryker recusa a maca e acompanha o time médico até o banco
de reservas andando. Sua mandíbula está travada e, mesmo à
distância, dá pra ver que ele está transtornado. Assim que eles se
aproximam, consigo ouvir seu diálogo com a médica:
— Você não vai voltar hoje, Lockhart. Isso está fora de
cogitação. Nós vamos para o hospital fazer uma ressonância, assim
que o jogo acabar.
— Não precisa — o teimoso insiste. Quando tenta girar o ombro,
não consegue disfarçar a careta de dor e interrompe o movimento
no meio. — Inferno!
Ryker senta no banco de reservas, apoia os cotovelos nos
joelhos e enterra o rosto nas mãos. Minha vontade é pular essa
divisória e abraçá-lo, mas sei que não posso fazer isso.
— Vou pedir para alguém te acompanhar ao vestiário —
Campbell avisa, com um tom firme e preocupado. — Tome uma
ducha, esfrie a cabeça e coloque uma roupa para irmos até o
hospital.
Ryker se levanta num movimento brusco e empurra a mão de
um colega de time, que tentava consolá-lo.
— Quero ficar sozinho. — Ele encara a todos com um olhar que
é um misto de dor e determinação. — Não quero ninguém indo atrás
de mim antes do fim do jogo, e espero que respeitem esse pedido.
Estarei pronto para ir ao hospital quando acabar a partida.
Ele marcha para fora do campo em direção aos vestiários, e
tenho quase certeza de que enxuga uma lágrima ao fazer isso. Sem
pensar em nada, eu aviso à Sabrina:
— Vou falar com ele.
Seus olhos pretos se arregalam.
— Sam, não acho que isso seja uma boa id...
Antes que ela conclua a frase, eu já estou saindo das
arquibancadas, pedindo licença e me desculpando ao esbarrar
numa infinidade de pessoas até finalmente alcançar o corredor que
dá acesso aos vestiários.
Atravesso correndo o piso acarpetado e dou de cara com uma
porta fechada, atrás da qual eu sei que fica o vestiário dos
jogadores. Conheci esse parta do The Palace quando fiz meu tour
de boas-vindas. Ao lado da porta, há um leitor digital. Com a mão
trêmula, passo o meu crachá, torcendo para que funcione.
Solto o ar, aliviada, quando a luz fica verde e eu ouço um clique.
No instante seguinte, estou invadindo o vestiário dos jogadores do
Malibu Sharks no meio de um jogo.

RYKER
Não pode ser.
Não pode ser o fim de tudo.
Com os olhos queimando, empurro a porta que dá acesso ao
ambiente onde ficam os nossos armários. Arranco o uniforme com
raiva, tentando ignorar a dor que faz meu ombro direito latejar. Se
eu tivesse sido um pouco mais rápido, aquele filho da puta não teria
me derrubado, e nada disso teria acontecido.
Depois que tiro a cueca e jogo na mesma pilha onde está o
restante das coisas, eu paro, fecho os olhos e respiro fundo
algumas vezes. Não vou me desesperar ainda. Primeiro, preciso
saber o resultado do exame.
O vestiário está deserto. Terei, ao menos, alguns minutos de paz
para me martirizar sozinho antes do fim do jogo, já que,
aparentemente, meu pedido foi respeitado. Caminho com passos
firmes até uma das cabines do chuveiro e ligo a água morna. Entro
sob o jato forte, deixando que caia sobre a minha nuca e os meus
ombros.
Ainda há uma esperança. A dor nunca foi tão forte, mas não
significa necessariamente que seja algo tão grave assim,
considerando que consigo mexer parcialmente o braço. Testo um
movimento um pouco mais amplo, mas a pontada excruciante de
dor me impede.
Solto um grunhido alto, uma tentativa de extravasar a frustração
e o medo que estão ameaçando me dominar. Nesse momento, noto
um barulho do lado de fora.
Caralho, mas não é possível. Aperto as pálpebras, puto com a
incapacidade das pessoas de respeitarem um momento em que eu
não quero ver ninguém. Meus olhos se arregalam em choque
quando a porta da cabine é aberta.
— Mas que porra... — A frase fica pelo meio quando eu vejo
quem está aqui. — Samantha?!
Ela parece assustada.
— Eu não podia deixar você sozinho — a garota murmura,
hesitante.
Desvio o rosto. Não quero que Samantha me veja nesse estado.
— Vai embora, por favor.
— Não.
Meu olhar volta para ela.
— Não quero você aqui agora. — Noto uma sombra de mágoa
cruzando o olhar azul, e me sinto ainda pior. Puxo o ar e solto
devagar, exausto e derrotado. — Eu só não quero que você me veja
assim.
— Assim como? — ela pergunta. — Frágil? Vulnerável?
Eu engulo em seco, incapaz de responder.
— Você não precisa enfrentar tudo sozinho, Ryker — ela insiste.
Não estou acostumado a dividir o peso dos meus problemas com
os outros. Sempre achei que eu dava conta sozinho, que o melhor a
fazer era não permitir que ninguém me visse com as defesas baixas.
Contudo, Samantha tem a incrível capacidade de fazer com que
eu me abra e, ainda assim, não me sinta mais fraco por isso. Olho
nos seus olhos e confesso:
— Eu estou com medo, Blue.
Ela sorri, de um jeito tão carinhoso que faz meu coração
disparar. A mão delicada faz um carinho no meu rosto.
— Me diz o que eu preciso fazer para você se sentir melhor. Não
aguento ver essa tristeza no seu olhar.
Por um momento, fico imaginando como seria poder chorar
abraçado a ela, me permitir extravasar essa angústia sem fim por
saber que meu futuro está por um fio e ter seu apoio no momento
mais difícil da minha vida.
Mas nosso relacionamento não comporta esse tipo de reação.
Samantha deixou bem claro que seu interesse em mim é físico,
sexual. E, para ser honesto, ela tem razão. É assim que deve ser.
Com um turbilhão de sensações se misturando no meu peito, eu
desço o olhar pelo seu corpo e peço:
— Me ajuda a esquecer.
Sem dizer nada, ela puxa a camiseta pela cabeça, e pendura na
divisória entre as cabines. Mantendo os olhos nos meus, descalça
os tênis, que joga no chão do lado de fora, e em seguida tira o short,
a calcinha e o sutiã, que vão para o mesmo lugar da camiseta.
Assim que fica completamente nua, ela dá um passo na minha
direção, entrando sob a ducha e envolvendo minha nuca.
Sem raciocinar, eu a agarro e prenso seu corpo contra a parede,
colando minha testa à dela.
— Você me leva além de todos os limites, garota — murmuro,
sentindo meu pau já completamente duro.
Samantha me puxa para um beijo, e eu correspondo com ardor.
Nossas línguas se buscam com desespero e eu a aperto com força,
como se nós dois soubéssemos que apenas algo muito intenso será
capaz de amenizar o vazio que tomou conta de mim.
Seguro sua bunda com o braço esquerdo e a levanto, fazendo
com que envolva meu quadril com as pernas.
— Eu vou te ajudar a esquecer — Samantha sussurra, abraçada
a mim —, mesmo que seja por alguns instantes.
Mantendo-a firmemente pressionada contra a parede que divide
as cabines, eu seguro meu pau com a mão livre e encaixo na
entrada melada.
— Você não existe, sabia? — digo no seu ouvido, começando a
penetrá-la.
Ela geme baixinho e enterra o rosto no meu pescoço.
Toda essa situação é tão inacreditável que eu sequer consigo me
lembrar dos motivos pelos quais isso jamais poderia estar
acontecendo. Eu estou trepando com a estagiária de nutrição no
vestiário do clube, no meio de um jogo.
O mais bizarro? Estou pouco me fodendo para os riscos.
Eu não tinha ideia do quanto eu precisava dela aqui, até que
Samantha aparecesse.
— Me fode, Ryker — ela sussurra. — Me fode até você não
conseguir pensar em mais nada.
Com um gemido rouco, eu faço exatamente isso. Meu quadril
começa a bombeá-la com força, com urgência, com desespero.
Samantha se agarra a mim, cravando as unhas nas minhas costas e
encostando a testa na minha.
Até a dor no ombro eu esqueci. Estou concentrando a força no
braço esquerdo, mas uso o direito para abraçá-la de um jeito
possessivo.
— Diz que você é minha — peço, ofegante.
Não sei de onde veio essa necessidade primitiva de marcar uma
propriedade que não existe, mas preciso ouvi-la dizendo essas
palavras.
— Meu corpo é todo seu, jogador — ela responde, arfando.
Mesmo dominado pelo tesão e por essa mistura insana de
sentimentos alucinantes e devastadores, não deixo de notar que é
apenas isso que Samantha está me oferecendo: seu corpo. Por
alguma razão, não parece ser o suficiente, mas não estou em
condições de refletir a respeito dos motivos agora.
Se esse corpo delicioso é tudo que ela está disposta a me dar,
não me resta outra opção a não ser aceitar. Ao menos por
enquanto.
— Quero que você goze — digo baixo, entre as estocadas. —
Goza pra mim, minha putinha safada.
Ela geme e começa a rebolar, esfregando o clitóris no meu
púbis. O movimento é tão sensual que eu mesmo preciso me
controlar para não explodir nesse segundo. Continuo macetando-a
contra a parede úmida e fria, prestes a perder o controle.
Quando Samantha revira os olhos e deixa a cabeça cair para
trás, com um sorriso de êxtase ao se desmanchar num orgasmo
intenso, eu juro que é a cena mais foda que eu já vi em toda a
minha vida.
Sem tirar os olhos dela, eu explodo, sem controle, tremendo e
enchendo-a com jatos intermináveis de porra. Minhas pernas
começam a ficar mais fracas, e eu preciso deixá-la descer antes que
nós dois acabemos no chão.
Samantha sorri, satisfeita, e eu sorrio também. Faço um carinho
na pele molhada e corada da sua bochecha. Essa garota conseguiu
transformar o que poderia ser um dos piores momentos da minha
vida numa lembrança deliciosa, que eu certamente levarei comigo
para sempre.
— Obrigado, Blue — digo.
Ela inclina o rosto na direção da minha mão.
— Estamos juntos nessa.
Meu peito aperta de um jeito diferente, o que me deixa
preocupado.
Talvez eu esteja bem mais ferrado do que eu imaginei.
28

RYKER
MESMO DE OLHOS FECHADOS, estou completamente
consciente de cada pequeno movimento ao redor da maldita cama
de hospital onde me colocaram para aguardar o resultado do
exame.
Ouço a voz de Carolina Fernandes, falando sem parar ao
telefone com pelo menos seis ortopedistas diferentes em sequência.
Campbell está sentado no sofá, com certeza mantendo a mesma
expressão tensa de quando saímos do The Palace. Salvatore está
andando de um lado para o outro, como um animal enjaulado.
Samantha não está aqui. Depois da nossa loucura no vestiário,
ela colocou a roupa e saiu escondida, antes que o jogo acabasse e
fôssemos flagrados juntos. Desde então, tudo virou esse caos na
vinda para o hospital e eu não tenho ideia de onde ela está.
Respiro fundo, na tentativa de me acalmar. A maldita
ressonância que eu fiz há alguns minutos será um determinante na
minha carreira. Se a lesão tiver sido grave e eu precisar de cirurgia,
é o fim. E eu não tenho a menor ideia de como lidar com essa mera
possibilidade.
Ouvimos duas batidas na porta do quarto. Eu abro os olhos a
tempo de ver a entrada de um médico na faixa de quarenta anos,
acompanhado por mais duas pessoas.
— Ryker Lockhart, meu nome é Denzel O’Neil — o homem alto,
de pele negra e olhar intenso se apresenta. — Sou o chefe da
ortopedia do UCLA Medical Center.
Eu assinto, em silêncio. O homem se aproxima da minha cama e
fixa o olhar em mim.
— Eu chequei o resultado da sua ressonância. Você teve uma
ruptura completa do tendão supraespinhoso, e vamos operá-lo em
algumas horas.
Um zumbido começa nos meus ouvidos, e vai aumentando até
se tornar insuportável. Não consigo processar as vozes ao meu
redor, as perguntas de Carolina e de Salvatore, nem as respostas
do ortopedista. Vejo toda a cena em câmera lenta. É como se eu
estivesse dopado.
Sei exatamente o que significa a notícia que eu acabei de ouvir.
Minha carreira no futebol acabou. Uma lesão desse tipo tem um
tempo de recuperação de seis meses a um ano, e eu não tenho
esse tempo. Farei 37 anos em dois dias.
Os primeiros sinais de pânico se instalam. Eu vivo para o futebol,
não tenho nada além dele. Não sou idiota, sabia que não tinha muito
mais tempo no esporte, mas não achei que minha carreira fosse
terminar de forma tão abrupta.
Fecho os olhos e pressiono as têmporas quando os sons ao meu
redor começam a penetrar outra vez a neblina que tomou meu
cérebro. Todos parecem um tanto exaltados, falando cada vez mais
alto, discutindo a minha vida como se eu não estivesse aqui.
Num rompante, abro os olhos e digo:
— Chega. Saiam todos.
Um silêncio surpreso se instala, enquanto seis pares de olhos se
voltam para mim.
— Ryker — Carolina tenta —, se você quiser eu posso falar
com...
— Não precisa falar com mais ninguém, doutora. — Sei que
estou sendo grosseiro com quem não merece, mas gentileza nesse
momento consumiria uma energia que eu não tenho. Mais tarde eu
me desculpo com Fernandes. — Se o diagnóstico é esse, a cirurgia
será feita. Isso já está decidido. Só que, antes, eu preciso ficar
sozinho.
A médica se recompõe rapidamente, com seu jeito eficiente de
sempre.
— Tudo bem. — Ela indica a porta para O’Neil. — Vamos
terminar de falar lá fora.
Toda a equipe médica se retira. Liam Campbell e Salvatore
continuam me encarando, indecisos e com uma expressão
preocupada.
— Você não deveria ficar sozinho, caro — Salvatore diz.
Eu devolvo seu olhar penalizado com outro firme, contendo com
esforço as emoções intensas que ameaçam explodir.
— Não vou me enforcar com o lençol, se essa é a sua
preocupação. Podem sair, por favor.
Após mais alguma hesitação, os dois atendem meu pedido.
Assim que a porta se fecha e eu finalmente fico sozinho, permito
que o choro venha. Os soluços sacodem meu peito, ao mesmo
tempo em que lágrimas quentes molham meu rosto.
Minha vida acabou. A única coisa que me mantinha em pé foi
brutalmente arrancada de mim, e eu não tenho ideia do que fazer.
Todas as imagens do que vivi nas últimas décadas, cada jogo, cada
vitória, cada derrota, cada treino, cada vez que eu superei meus
próprios limites por amor ao esporte que salvou minha vida ficam
voltando, numa espiral infinita de recordações dolorosas.
Tudo que eu mais amava.
Tudo que acabei de perder.
Me permito afundar nessa autocomiseração por algum tempo,
até que acabo adormecendo, completamente esgotado. Meus
sonhos são preenchidos por imagens de um abismo, onde eu caio
numa escuridão sem fim e não há nada do outro lado.

AS HORAS seguintes passam como um borrão. Fui despertado


para ser levado ao centro cirúrgico, em seguida anestesiado e
submetido à artroscopia 1 de ombro. Segundo O’Neil, a lesão era
grave, mas a cirurgia foi um sucesso dentro do possível.
Fui levado de volta ao quarto, e me lembro de haver várias
pessoas me esperando. Além dos três que vieram comigo mais
cedo, estavam também Nico e Hugh. Meus amigos pareciam
preocupados, mas, ao mesmo tempo, aliviados com o resultado
bem-sucedido da cirurgia. Consegui conversar muito pouco com
todos, porque ainda estava meio grogue da anestesia, e acabei
adormecendo outra vez. Não tenho ideia de quanto tempo eu dormi,
mas desperto com um carinho suave no rosto. Ao abrir os olhos
pesados, vejo minha irmã.
— Annie? — pergunto, com a voz áspera.
Ela sorri.
— Descansa, Ry.
Franzo a testa, confuso.
— Como você veio parar aqui?
— Samantha me avisou o que tinha acontecido, me perguntando
se eu poderia vir, e logo depois falou com o seu agente. Pediu que
ele providenciasse tudo. — Annie revira os olhos de um jeito
divertido. — O homem mandou um jatinho me buscar, Ryker. Que
exagero.
Samantha fez isso?
— E o Connor? — Meu sobrinho ainda é pequeno para ficar
longe da mãe.
Minha irmã sorri.
— Rob consegue cuidar de um menino de cinco anos por alguns
dias. Não se esqueça de que ele criou Samantha sozinho até ela ter
quatorze.
Meu cérebro ainda está meio zonzo, mas não consigo deixar de
fazer a pergunta.
— Onde ela está?
— Ela quem?
— Samantha.
— Ah, sim. Está na recepção do hospital. Ela foi me buscar no
aeroporto e viemos juntas.
Começo a me perguntar por que ela não está aqui no quarto,
mas a resposta é óbvia. Samantha é esperta, e não quer dar
margem a dúvidas quanto à natureza do nosso relacionamento.
O mais irônico é que ela é a única pessoa que eu gostaria de ver
agora, além da minha irmã.
— Você está com dor? — Annie pergunta.
— Não. Eles me anestesiaram e me medicaram.
— Que bom. — Ela sorri. — Vou ficar com você por dois dias, a
princípio. Connor tem uma feira de ciências na quarta-feira, e ficará
arrasado se eu não for. Mas, ao menos, estarei com você uma parte
do dia no seu aniversário, que é na terça.
Confesso que tinha até me esquecido disso. Há muitos anos, eu
não comemoro aniversários, nem faço nenhuma questão.
— Não se preocupe — respondo, um pouco mais seco do que
eu pretendia. — Eu ficarei bem, você pode voltar para casa hoje
mesmo.
Annie suspira dramaticamente.
— Deixa de ser durão, Ry. Eu cuido de você desde que tinha
onze anos. Isso não vai mudar agora.
Olho para a fortaleza que é minha irmã. Perdemos nossos pais
quando ela tinha dezessete, e por isso não pôde assumir minha
guarda. Fomos ambos alocados em lares temporários, já que não
tínhamos parentes vivos, e Annie iniciou o processo pela minha
guarda no dia do seu aniversário de dezoito anos. Alguns meses
depois, eu finalmente saí daquela casa onde as crianças eram
tratadas com desinteresse e rispidez, e fui morar no pequeno
apartamento que minha irmã alugou para nós.
Ela nunca fez faculdade, pois sempre trabalhou em dois
empregos para nos sustentar. Abriu mão de boa parte dos seus
sonhos por minha causa e, nem quando eu comecei a ganhar mais
dinheiro do que conseguia gastar, aceitou muitas coisas de mim.
Annie sempre diz que gosta de uma vida simples, e é difícil até
mesmo presenteá-la em datas comemorativas.
Quando passei pela crise mais grave da minha vida, após a
morte da minha mulher, ela tentou se aproximar. Naquela época, eu
estava tão transtornado que não conseguia aceitar a presença de
ninguém. Minha irmã se magoou com a minha atitude ríspida e se
afastou, e até hoje eu me sinto um cuzão por isso. Nossa relação
nunca mais foi a mesma, e tenho total noção de que a culpa é
exclusivamente minha.
O problema é que remendar nossos próprios erros nem sempre
depende apenas da capacidade de reconhecê-los. Algumas vezes,
ficamos tão soterrados sob anos de mágoa e afastamento, que é
difícil pra caralho dar o primeiro passo.
Ainda assim, minha irmã está aqui. Cruzou metade do país,
abandonou sua casa, sua família, porque achou que eu precisava
dela. Já passou da hora de eu parar de agir como um babaca.
— Annie — engulo em seco —, obrigado por você ter vindo.
Isso não é nem um décimo do que essa mulher fantástica
merece ouvir, mas, ao menos, é um primeiro passo. Ela me encara
com um sorriso doce.
— Sempre, meu irmão. Sempre que você precisar.
Eu seguro sua mão com carinho, tentando demonstrar nesse
gesto o que eu tenho tanta dificuldade de fazer em palavras. Após
alguns segundos, eu peço, tentando soar casual:
— Não quer chamar a Samantha para vir até aqui? A garota teve
todo esse trabalho de te trazer, e deve estar preocupada.
Felizmente, Annie não parece desconfiar de nada.
— Ah, ela está. Me ligou muito nervosa quando soube que você
seria operado, e estava com o rostinho tenso quando foi me buscar.
— Ela faz uma pausa, sorrindo. — Sam é meio impulsiva, mas tem
um coração enorme. Eu amo demais aquela menina. Posso dizer
que se tornou uma filha para mim.
Me remexo na cama, desconfortável pra caralho com essa última
frase.
— Pede a ela para vir, então.
— Farei isso. — Annie dá dois tapinhas na minha mão e vai
andando em direção à porta. — Já volto.
Assim que ela sai, olho ao redor do quarto escuro. Nem sei que
horas são. Estico o braço bom e alcanço meu celular na mesa
lateral. Tem uma infinidade de mensagens e ligações, mas eu ignoro
todas. Vejo apenas a hora — duas e meia da manhã.
Largo o telefone e esfrego o rosto.
Cacete, que caos.
Como minha vida pode ter virado de cabeça para baixo em
menos de doze horas?
Fecho os olhos e suspiro. Mesmo exausto, me obrigo a ficar
acordado, porque quero agradecer a Samantha por tudo que ela fez.
Já perdi chances demais de fazer o que é certo, e essa não será
mais uma delas.
29

SAMANTHA
EMPURRO A PORTA DO QUARTO DEVAGAR. O
ambiente está parcialmente iluminado por uma luz indireta, e meu
coração se aperta ao ver Ryker deitado na cama hospitalar. O
homem enorme, que parece sempre tão seguro de tudo, viu sua
vida fugir completamente do controle nas últimas horas.
Conversei um pouco com a dra. Carolina logo depois da cirurgia,
e ela me explicou as implicações. Com o tipo de lesão que ele
sofreu, Ryker provavelmente não voltará a jogar profissionalmente.
O tempo de recuperação é longo demais, podendo chegar a mais de
um ano, e, muitas vezes, o risco de nova lesão torna isso proibitivo.
Não consigo nem imaginar o que Ryker deve estar sentindo.
Quer dizer, na verdade, eu consigo. Conheço bem o sentimento de
ver algo muito precioso ser arrancado de você.
Ao ouvir o barulho da porta se fechando, ele se vira na minha
direção.
— Blue?
Sorrio ao ouvir o apelido e me aproximo da cama.
— E aí, jogador. Como você está?
Ele busca minha mão.
— Obrigado por ter trazido a Annie.
Não me passa despercebido que Ryker não respondeu minha
pergunta sobre como ele está. Eu entrelaço nossos dedos e aperto
um pouquinho.
— Imaginei que você fosse querer ter o apoio de alguém da
família.
Ele assente e suspira.
— Obrigado.
Eu olho para trás, confirmando que estamos sozinhos, e inclino o
rosto na direção do dele. Roço nossos lábios de leve e murmuro:
— De qualquer forma, você pode contar comigo também. Ainda
terei mais uma semana por aqui.
Ryker me encara, seus olhos azuis-esverdeados indecifráveis.
— Vai ser bom ter você por perto por mais algum tempo.
Sorrio, com um ar divertido e malicioso.
— Só precisaremos ter cuidado com esse ombro quando formos
nos divertir.
Seu sorriso aquece o meu peito. A expressão dele ainda carrega
uma sombra de tristeza, mas, ao menos, eu arranquei um sorriso.
— Ah, Samantha... você não existe.
Estico o corpo, me afastando contra a vontade porque sei que
alguém pode entrar a qualquer momento.
— Sua irmã foi procurar uma máquina de café. A da recepção
não estava funcionando.
A resposta é um balançar de cabeça, acompanhado de um
suspiro cansado.
— Não vejo a hora de ir para casa.
— Quando será isso? — pergunto.
— Amanhã. Quero dizer, hoje. Já são quase três da manhã.
— Que bom. — Penso em como tocar no assunto mais delicado
de forma cuidadosa. — Você já sabe como será a recuperação?
Ryker me encara, com uma expressão derrotada.
— Saberei os detalhes de curto prazo quando me derem alta.
Quanto ao longo prazo... — ele desvia o olhar —, eu não voltarei à
NFL, Blue.
Mesmo que tenha evitado minha pergunta sobre como estava se
sentindo, está óbvio que tudo está sendo aterrorizante para ele. Não
sei exatamente o que fazer ou dizer para ajudar, então apenas
aperto sua mão entrelaçada na minha.
— Sinto muito. Muito mesmo.
Ele assente, em silêncio e sem me encarar. Nesse momento,
ouvimos a porta do quarto se abrindo e soltamos nossas mãos
abruptamente.
— Nossa, como é difícil achar um café nesse hospital! — A voz
animada de Annie não demonstra percepção de que estávamos
num momento um tanto íntimo há poucos segundos. Ela se vira
para mim. — Está mais tranquila depois de vê-lo, Sam?
Eu sorrio.
— Sim, bastante. Soube inclusive que Ryker deve ter alta hoje
mesmo.
— Mas isso é maravilhoso — Annie diz, com um sorriso
surpreso.
Ryker não parece tão feliz quanto a irmã. Depois de
conversarmos brevemente sobre a cirurgia, ele olha para nós duas.
— Agradeço imensamente a presença de ambas, mas agora eu
gostaria que fossem para a minha casa dormir um pouco. —
Lockhart olha para o sofá. — Isso não oferece um mínimo de
conforto.
— Eu vou ficar — Annie avisa.
— Não vai, não — Ryker insiste. — Não está aberto a discussão,
Annie. Você pode ser mais velha, mas eu sou maior.
Minha madrasta ri.
— Ah, eu tinha esquecido do quanto você pode ser teimoso
quando quer. — Ela olha para mim. — O que acha de irmos para
casa por algumas horas e voltarmos antes da alta?
— Acho uma ótima ideia, se é isso mesmo que Ryker quer.
— É o que eu quero — ele confirma. — Vamos todos dormir um
pouco.
Annie se inclina e beija a testa do irmão.
— Estaremos de volta em breve.
Ele sorri, mas eu vejo que não alcança seus olhos.
— Relaxa, irmãzinha. Tudo sob controle por aqui.
Eu me aproximo da cama e fico em dúvida do que fazer. Mesmo
um beijo no rosto provavelmente pareceria íntimo demais, então
apenas faço um carinho breve no antebraço bronzeado e coberto
por uma fina camada de pelos castanhos.
— Até daqui a pouco. Vou tomar conta da sua irmã — brinco, e
Annie ri.
Nós duas saímos do quarto em seguida, e eu sinto um peso
estranho no peito por deixá-lo sozinho lá. Vou conversando com a
minha madrasta no caminho até em casa, falando sobre o quanto
esse mês em Malibu foi incrível. Comento sobre a infinidade de
coisas a respeito de nutrição esportiva que aprendi durante o
estágio, os lugares que visitei — excluindo, obviamente, o fato de
que quase me afoguei, que fui presa e a praia de nudismo —, e
minha paixão recém-adquirida pelos cachorros de Ryker.
Annie ouve minhas histórias no Uber que pegamos para casa e,
assim que eu destranco a porta, vem a pergunta:
— E meu irmão? Está te tratando bem?
Aproveito o momento da entrada na casa para baixar o rosto e
disfarçar o sorriso, escondendo-o com o cabelo que tombou para
frente. Minha madrasta passa e eu permaneço de costas, trancando
a porta.
Lembro de Ryker me amarrando na nossa primeira vez, no
sábado à noite, e em todas as outras que se seguiram nas horas
seguintes, até ele ter que sair para o jogo. E, por último, a rapidinha
no chuveiro, que despertou sentimentos um tanto assustadores
quando o jogador me pediu que eu dissesse que era dele.
— Ah, sim — respondo, tentando manter um tom casual. — Ele
tem sido gentil.
Me enforcando, me chamando de putinha e me fazendo gozar
mais vezes do que eu consigo contar.
Tão gentil...
— Que bom. — Annie empurra a pequena mala de rodinhas até
o corredor e para. — Acredita que eu nunca vim aqui? — Ela olha
ao redor. — Não tenho ideia de onde vou dormir.
Eu ando até a parte íntima da casa e aponto para um quarto
vazio.
— Acredito que você possa usar esse aqui.
— Ótimo. — Minha madrasta entra. — Preciso tomar um banho
rápido antes de dormir.
Ela pega um pijama na mala, vai até o banheiro e fecha a porta.
Eu a deixo à vontade e vou até o meu próprio quarto. É estranho ter
Annie sob o mesmo teto onde eu e Ryker fizemos tantas coisas
altamente indecentes. Ele não estava completamente errado ao
dizer que um relacionamento entre nós tem complicadores. Não
quero nem pensar no que aconteceria se Annie e meu pai
descobrissem que estou transando com Lockhart.
Para ser sincera, é mais do que apenas sexo. Eu adoro o tempo
que passamos juntos, não importa o que estejamos fazendo.
Nessas semanas de convivência, eu descobri um lado de Ryker que
me faz admirá-lo profundamente, e desejar que ele seja feliz.
O fato de que nunca poderei testemunhar essa felicidade dói
mais do que estou disposta a admitir, mas a vida é assim. A gente
não pode ter tudo que deseja.
Separo uma camiseta e me fecho no banheiro espaçoso. Tomo
um banho rápido, ainda com as lembranças do corpo musculoso de
Ryker colado ao meu em outro chuveiro, algumas horas atrás.
Vê-lo vulnerável daquela forma mexeu comigo mais do que eu
gostaria de admitir. Venho fazendo um esforço enorme para me
convencer de que o que eu sinto por esse homem é apenas físico,
porque é assim que precisa ser. Eu não quero me envolver
emocionalmente com ninguém, minha vida não comporta esse tipo
de relacionamento.
Termino o banho, penteio o cabelo e me visto. Quando saio do
banheiro, minha madrasta bate na porta aberta da minha suíte, com
seu sorriso de sempre.
— Nossa, me sinto bem melhor.
Eu sorrio de volta.
— Eu também.
Ela se aproxima e me envolve num abraço inesperado.
— Obrigada por ter me avisado e me ajudado a chegar até aqui,
Sam. Você é uma garota maravilhosa, com um coração muito maior
do que permite que os outros vejam.
Eu me desvencilho com delicadeza, um pouco sem graça com o
agradecimento e o elogio.
— Besteira, Annie. Eu fiz o que qualquer um faria.
Ela ri baixinho.
— Boa noite, querida.
— Boa noite.
Assim que ela sai, eu me acomodo sob as cobertas. Minhas
pálpebras pesam, finalmente cedendo à pressão de tantos
acontecimentos durante as últimas horas. Antes de finalmente
adormecer, meu último pensamento é o desejo de que Ryker fique
bem.
Eu só preciso que ele esteja bem.
30

RYKER
TRINTA E SETE ANOS.
Eu não me sentia tão velho assim, até esse instante. O relógio
acaba de virar meia noite, o que significa que sou um homem de 37
anos — e, ainda por cima, aposentado. Isso ainda não foi
oficializado no time, afinal, minha lesão aconteceu há apenas dois
dias. Porém, eu sei que é uma questão de tempo até a conversa
inevitável.
Depois disso, vai vir a imprensa e...
Chega!
Não posso ficar obsessivamente pensando nessa tragédia, como
tenho feito nas últimas quarenta e oito horas. Claro que a presença
de Annie e Samantha tem ajudado a me distrair, mas, quando
menos espero, minha cabeça já está indo para esse lugar escuro
onde eu não consigo ver nenhuma perspectiva no meu futuro.
Ambas tiveram 24 sugestões diferentes para comemorar o meu
aniversário, mas eu vetei todas. As únicas pessoas que eu tolero
nesse momento são elas duas. Nem meus melhores amigos eu
estou com vontade de ver.
Para piorar, não estou conseguindo aproveitar a companhia de
Sam direito. O nosso medo de que minha irmã perceba algo é tão
grande que estamos mantendo uma distância literalmente de metros
um do outro.
Frustrante, considerando que o único momento em que eu
realmente consegui me desligar dessa desgraça toda foram aqueles
minutos no chuveiro. Meu pau endurece só de lembrar da cena.
Mesmo excitado, preciso admitir que o que está rolando entre
nós não é apenas tesão. A forma como Samantha esteve presente
no momento em que eu mais precisei mexeu comigo mais do que
estou disposto a admitir. O sexo foi apenas um meio para
concretizar essa conexão inexplicável que nos une, sem a
necessidade de complicar as coisas.
Sentimentos não podem fazer parte desse jogo. Qualquer
envolvimento além da esfera física é um risco grande demais, então
prefiro extravasar todas essas emoções contraditórias quando estou
dentro dela.
Minha irmã vai embora hoje à tarde e, por mais que eu tenha
realmente apreciado a companhia dela nesses quase dois dias,
estou louco para que isso aconteça. A falta que estou sentindo de
poder tocar Samantha, de tê-la outra vez nos meus braços, está
provocando uma angústia inexplicável.
Nesse momento, meu celular brilha com uma mensagem:
Blue: Feliz aniversário, jogador.

Eu pego o aparelho sorrindo e digito:


Eu: Ainda acordada?
Blue: Queria ser a primeira a te desejar os parabéns. Fui?
Eu: Foi.

Penso por alguns segundos antes de acrescentar:


Eu: Annie já dormiu?
Blue: Acho que já. Por quê?

Ajeito meu braço na tipoia desconfortável, que eu precisarei


manter até quinta-feira, quando tenho consulta com o dr. O’Neil.
Eu: Não quer vir me desejar feliz aniversário pessoalmente?

Fico olhando para a tela do celular, ansioso para extravasar tudo


que eu passei os últimos dois dias reprimindo. Samantha visualiza a
mensagem, mas não responde. Espero por mais algum tempo, até
que acabo desistindo. Provavelmente, eu forcei demais a barra e ela
não se sente confortável de vir ao meu quarto com a madrasta na
mesma casa.
Ainda de pau duro, eu solto um suspiro frustrado. Nem me
masturbar eu estou conseguindo, porque o movimento repetido com
o braço direito é impossível e eu não tenho a coordenação motora
necessária com o esquerdo. Até pouco tempo atrás, ficar sem trepar
e sem masturbação não era um problema. Isso antes de Samantha
Carmichael me viciar em sexo outra vez. Ou melhor, antes de me
viciar nela. Porque a minha vontade de transar com qualquer outra
mulher continua sendo nula.
Segundos depois, ouço um clique suave na maçaneta.
Samantha entra no quarto iluminado apenas por uma luz suave que
penetra através da cortina fina da varanda, usando a fatídica
camiseta do “Acorde arrependida, mas não durma com vontade”.
Bastante apropriada para o momento, inclusive.
Eu tento levantar o corpo, mas ela chega antes e não deixa.
Samantha se enfia sob as cobertas, montando em cima de mim e
me beijando. Eu uso o braço livre para agarrar sua cintura e
pressionar seu quadril contra a minha ereção, completamente livre
já que eu estou nu.
Solto um gemido baixo ao sentir a umidade diretamente sobre o
meu pau.
— Você está sem calcinha? — sussurro, mordiscando seu lábio
inferior.
— Não temos tempo a perder — ela responde, voltando a me
beijar.
Meio desajeitado, eu puxo sua camisa pela cabeça com a mão
esquerda, deixando-a completamente nua. Levanto um pouco o
tronco e abocanho seu mamilo, chupando com vontade.
Samantha rebola e leva uma mão até o meu cacete,
posicionando-o na entrada melada.
— Como você já está prontinha assim? — pergunto, antes de
mordiscar o biquinho excitado outra vez.
— Eu já estava com tesão desde que te mandei a mensagem,
jogador.
Samantha começa a descer sobre o meu pau, centímetro a
centímetro, e eu preciso enfiar o peito dela na boca para não gemer
alto. Ao invés de esticar as costas e se afastar de mim, ela se
aproxima ainda mais e começa a me cavalgar esfregando nossos
corpos e tomando cuidado com meu braço imobilizado. Sua boca
deliciosa busca a minha, e eu a beijo com desespero.
Estar dentro dessa garota é a porra do paraíso, e eu não consigo
pensar em mais nada. Nós encontramos uma cadência que é, ao
mesmo tempo, intensa e ritmada. Eu levanto seu cabelo pela nuca e
lambo seu pescoço, alucinado pelo cheiro e pelo gosto da sua pele.
Tudo em Samantha é perfeito.
Nós abafamos nossos gemidos, e eu preciso me controlar para
não gozar em segundos. Mudo o ângulo do quadril, penetrando-a
mais profundamente, e seu corpo arrepia inteiro.
— Ai, Ryker, que delícia.., — ela geme baixinho no meu ouvido,
e eu fecho os olhos, completamente dominado por esse prazer
indescritível.
Meu quadril não para de bombeá-la, até que Samantha começa
a tremer. Fico maluco quando percebo que ela vai gozar. A
bocetinha apertada ordenha meu pau em espasmos sucessivos, e
eu a aperto com força. Mordo seu ombro para conter um grunhido,
enquanto a preencho com a minha porra quente.
Samantha ofega, abraçada a mim. Seu corpo finalmente relaxa,
e ela rola para o lado. Não permito que vá muito longe, usando
minha mão livre para tirar o cabelo suado da sua testa.
— Linda — sussurro, olhando no fundo dos olhos azuis. — Você
é a mulher mais linda que existe.
Um sorriso divertido curva o canto do seu lábio.
— Só está dizendo isso porque eu acabei de dar pra você — ela
brinca, e eu nego com a cabeça.
— Eu acho isso desde a primeira vez em que eu te vi, naquele
aeroporto.
Samantha arregala os olhos, surpresa.
— Sério? — Ela parece então lembrar-se de algo. — Mas aquela
não foi a primeira vez. Nós nos conhecemos na casa do meu pai, na
festa de 1 ano do Connor.
Eu nego.
— Não conta. Eu mal notei a sua existência naquele dia.
— Que golpe no meu ego. — Depois de ensaiar um ar
dramático, ela volta a me olhar, dando uma piscadinha. — Se bem
que naquele dia eu não estava interessada em impressionar o irmão
velho da minha madrasta.
Eu belisco sua cintura, fazendo-a cobrir a boca para abafar um
grito.
— Quer dizer que eu sou um velho, espertinha?
Samantha segura minha nuca e roça o lábio no meu.
— Até que, para um coroa, você dá pro gasto, jogador.
Eu aperto suas bochechas entre o polegar e o indicador.
— Sua sorte é que eu estou imobilizado, Blue. Senão, você já
estaria amarrada nessa cama aprendendo quem é o coroa aqui.
Os olhos azuis brilham.
— Promete que ainda vai me amarrar de novo? Antes de eu ir
embora?
Mais uma vez, a ideia de deixá-la ir mexe comigo de uma forma
desconfortável.
— Prometo.
Ela então me dá um último beijo rápido, agarra a camiseta e
enfia pela cabeça, antes de se levantar.
— Vou pro meu quarto. Não queremos escandalizar sua irmã. —
Sam para ao lado da porta e sorri. — Feliz aniversário de novo.
Coloco o braço esquerdo dobrado sob a nuca.
— Você terá que repetir o presente mais tarde, depois que Annie
for embora. Já esqueci como foi — minto.
— Vamos negociar isso — ela ri.
— Só que, à noite, quero você gemendo meu nome. Alto.
Samantha morde o lábio inferior antes de abrir a porta.
— Boa noite, Ryker. Durma bem.
Ela sai do quarto e meu sorriso vai desmanchando ao me
acomodar melhor na cama enorme e vazia. A verdade é que dormir
sozinho perdeu completamente a graça.
E isso é um puta problema.

— EU REALMENTE NÃO PRECISAVA VOLTAR DE


jatinho, Ry — Annie protesta, ao se despedir de nós no aeroporto.
— Você pode ficar quietinha e aceitar uma porcaria de gentileza?
— protesto, fingindo que estou bravo.
Minha irmã ri, e eu já sinto saudades desse som. Fiquei longe da
minha família por tempo demais, mas não pretendo deixar que
continue sendo assim. Meu sobrinho nem sequer me conhece, já
que a única vez que me viu foi com um ano de idade.
Nesses últimos dois dias, eu consegui vencer várias barreiras
importantes. Pedi desculpas à minha irmã pelo meu comportamento
na última década, e finalmente consegui contar a ela tudo que
aconteceu. Ou melhor, quase tudo. Deixei de fora a parte que não
contei nem para Samantha, sobre o evento que quase me destruiu
de vez.
Annie chorou, disse que gostaria de ter me ajudado nesse
período difícil, mas me perdoou pelas decisões erradas e pelo
comportamento egoísta. Ela é muito mais do que eu mereço, essa é
a verdade.
Por fim, eu prometi visitá-los em breve. Essa não será uma
promessa difícil de cumprir, considerando que terei muito tempo livre
de agora em diante.
— Se cuida, tá? — ela pede, me dando um abraço antes de
embarcar.
— Pode deixar.
Ela então abraça Samantha.
— Você também, mocinha. Volta logo, estamos todos com
saudades.
Sam sorri.
— Falta menos de uma semana.
Annie acena uma última vez e embarca no jatinho que a levará
para o Kansas. Eu e Samantha saímos da pista e voltamos para o
pequeno salão de embarque. Assim que a aeronave decola, nós
dois andamos até o carro, onde Jordan já está nos esperando.
O trajeto até em casa é feito em silêncio. Samantha senta ao
meu lado no banco de trás, e eu procuro sua mão de forma discreta.
Entrelaço nossos dedos e ela sorri de lado, sem olhar para mim. Ao
mesmo tempo em que eu gostaria de beijá-la em qualquer lugar ou
a qualquer hora, há algo de excitante em fazer as coisas escondido.
Assim que abro a porta de casa, sou surpreendido por um grito
de SURPRESA de Elsie e Felix. Eu olho para minha funcionária,
que segura um bolo de chocolate pequeno, com uma única vela em
cima.
— Parabéns, sr. Lockhart — Elsie diz.
Seu marido avança um passo, apertando a minha mão.
— Gostaríamos que soubesse que gostamos muito do senhor. —
Felix sorri. — Feliz aniversário.
O casal trabalha para mim há sete anos, e nunca fizeram nada
parecido no meu aniversário — até porque, eu sempre deixei claro
que não queria comemorações. Não sei ao certo o que os fez mudar
de ideia esse ano, mas tenho uma forte suspeita.
Olho para o lado e vejo Samantha tentando esconder um sorriso.
— Foi você, não foi? — pergunto.
Elsie arregala os olhos.
— Oh, por favor. Não brigue com a menina — ela pede. — Nós
comentamos que sempre tivemos vontade de fazer pelo menos um
bolinho para o senhor, já que passou todos os seus aniversários
sozinho. A única coisa que ela fez foi nos encorajar a desejar os
parabéns esse ano, porque ela também faria isso.
O casal Smith agora parece apreensivo, o que nunca foi meu
objetivo. Eu os encaro e sorrio.
— Fiquem tranquilos. Eu adoro bolo de chocolate.
Elsie solta o ar, aliviada, e seu marido une as mãos.
— Ainda bem que não ficou chateado — Felix diz.
— Nem um pouco — respondo, apontando a mesa. — Por que
não comemos o bolo?
— Vou chamar o Jordan! — Samantha avisa, antes de
desaparecer pela porta. Um minuto depois, ela reaparece
rebocando o motorista, que parece um tanto constrangido.
— Srta. Carmichael, não sei se... — Jordan começa a falar, mas
eu o interrompo:
— Venha comer um pedaço de bolo. Sou eu quem está
convidando.
O rapaz dá de ombros e senta.
Elsie serve as fatias generosas para todos, enquanto Sam pega
uma garrafa de suco na geladeira.
— Como está seu ombro, sr. Lockhart? — Felix pergunta, antes
de levar o primeiro pedaço do doce à boca.
Eu movimento o braço devagar, sem retirá-lo da tipoia.
— Doendo bem menos. Depois de amanhã, terei uma consulta
com o ortopedista. Se tudo correr bem, devo começar a fisioterapia
na próxima semana.
Já iniciei alguns exercícios em casa mesmo, orientados pela
equipe do hospital. Mas só voltarei a frequentar o The Palace e
iniciar oficialmente o programa de reabilitação com Rodriguez e
Soranz na próxima segunda-feira.
— Em breve, o senhor estará novo em folha e em campo
novamente — Elsie comenta, e eu me esforço para sorrir.
Samantha percebe meu desconforto e muda de assunto.
— Elsie, eu preciso dessa receita antes de voltar para o Kansas.
Depois de provar seu bolo, nenhum outro será tão bom quanto.
Minha funcionária cora.
— Imagina. É só um bolinho.
— Aposto que o pequeno John concorda comigo que sua avó faz
o melhor bolo de chocolate do mundo — Sam diz, e Felix solta uma
risada.
— Aí a gente não pode discordar. — O empregado envolve com
carinho o ombro da esposa. — O moleque é doido pelos bolos da
Elsie.
É impressionante como Samantha conseguiu conquistar o
carinho e a admiração dos meus funcionários em tão pouco tempo.
Elsie e Felix sempre foram muito discretos, já que eu expliquei
desde a contratação que o maior pré-requisito desse emprego era
respeitar minha privacidade.
Os dois conseguem ser quase invisíveis, fazendo o que precisa
ser feito quando eu não estou por perto e aparecendo apenas
quando eu preciso de alguma coisa. Porém, com Samantha, é
diferente. Já presenciei mais de uma vez, ao chegar em casa depois
de um jogo ou treino, ela sentada na cozinha ou no jardim batendo
altos papos com Elsie e Felix.
Samantha claramente gosta de companhia e atenção, e sabe
exatamente o momento de falar e o de ouvir. Ela já sabe mais sobre
a vida dos meus funcionários em três semanas do que eu aprendi
em sete anos. E olha que não sou nada esnobe, apenas não gosto
de contato muito próximo com as pessoas.
O lanche acaba sendo surpreendentemente agradável. Quando
terminamos o bolo, Elsie arruma a cozinha com a ajuda do marido e
Jordan pede licença para ir para sua casa. Sam olha para mim.
— Vamos falar com Darth?
Não se passa um dia sequer sem que ela fique algum tempo no
canil. O rottweiler já até vai na direção dela quando Samantha entra,
mas sempre com o rabo baixo e a expressão triste. Ela senta, e o
animal deita ao seu lado, por vezes até colocando a cabeça no seu
colo. Darth Vader nunca demonstrou essa tranquilidade na presença
de ninguém, nem na minha.
Nós entramos no canil. Ela primeiro oferece um petisco e depois
pega uma bolinha, como faz em todas as vezes.
— Vamos brincar, Darth? — Sam pergunta, animada e
esperançosa.
O cão está claramente mais calmo, mas mantém a expressão
triste e não aceita brincar. O adestrador já havia avisado que isso
seria mesmo bem difícil, porque é como se ele nunca tivesse
entendido que merecia ser feliz. A brincadeira precisa de um nível
de alegria e relaxamento que ele não alcança.
Samantha joga a bolinha. Darth acompanha com o olhar, mas,
ao invés de correr atrás do objeto, ele vai para junto de Samantha e
senta ao seu lado.
— Bem, continuarei tentando — ela diz, resignada. — Que tal
levarmos ele lá para fora, com os outros?
Eu concordo, porque o risco de que o animal ataque alguém vai
ficando cada vez menor. Ele agora não parece mais bravo. Parece
apenas... triste.
Samantha começa a correr pelo gramado, perseguida por Bruce,
Charles e Stevie. Eu sento perto da piscina e Darth deita ao meu
lado. O sol já está se pondo, e todo o jardim parece ter sido pintado
em tons dourados. Fico observando cada movimento dessa garota,
fascinado com a beleza e a vivacidade que ela exala. Sam gargalha
alto, rola na grama, bagunça todo o cabelo, deixa os cães lamberem
seu rosto e não se importa com nada disso.
Ela vive intensamente cada minuto, de uma forma espontânea e
única. Acaricio a cabeça peluda de Darth Vader, distraído, e
comento baixinho:
— Nós vamos sentir a falta dela, não vamos?
O animal suspira, como se concordasse comigo.
Sim, nós vamos.
Pra caralho.
31

SAMANTHA
— NEM ACREDITO que seu estágio está chegando ao final —
Denise diz, fazendo um biquinho enquanto pego minha bolsa para ir
embora. — Esse mês passou tão rápido!
— É verdade — concordo, com uma pontada de tristeza. —
Sentirei falta daqui, e especialmente de vocês.
Hoje é quinta, o que significa que virei apenas mais três dias ao
The Palace — amanhã, segunda e terça da próxima semana. Meu
voo está marcado para quarta no início da tarde, e tenho evitado
pensar na minha partida a todo custo.
Me despeço de Denise e tiro o celular da bolsa. Estou
aguardando uma mensagem de Ryker, que tinha uma consulta
médica em Los Angeles pela manhã e uma reunião com Campbell e
Sullivan, administrador do time, aqui no The Palace, à tarde. Eu
inclusive havia me oferecido para faltar ao estágio e acompanhá-lo
na consulta, mas, durão como sempre, Lockhart não quis.
Checo o telefone e vejo uma chamada perdida dele. Retorno na
mesma hora.
— Já terminou? — Ryker pergunta, sem nem dar oi.
— Sim. E você?
— Estou indo agora para o estacionamento. Jordan está me
esperando.
— Te encontro lá.
Guardo o aparelho na bolsa outra vez e acelero o passo. Chego
na recepção principal junto com Ryker, e noto imediatamente sua
expressão tensa. Dou uma corridinha para alcançá-lo e toco seu
braço.
— Oi.
Ele diminui o passo e me encara brevemente.
— Oi.
Continuamos caminhando lado a lado na direção da saída.
— Como foi sua consulta?
Noto que ele não está mais usando a tipoia.
— Tudo dentro do esperado.
A frase neutra não me engana.
— Qual é o problema, então?
Assim que saímos do prédio, ele para e olha para o céu. Não há
ninguém em volta, e o estacionamento está quase vazio.
— O problema é que Jared não está pronto, Samantha. — Ryker
se vira para mim, com uma expressão devastada. — Eu vi o garoto
treinando hoje. Nós vamos perder essa temporada, e a culpa é
minha.
Ignorando o risco de alguém ver, eu dou um passo à frente e
seguro seu rosto com as duas mãos.
— Ouça bem o que eu vou dizer, Ryker: nada disso é culpa sua.
Você deu o seu sangue por esse time nos últimos oito anos. Todos
aqui te idolatram, e com razão. Você já jogou até machucado, para
não deixar seus colegas na mão. Pare de se culpar por coisas que
não são sua culpa.
Noto que seus olhos claros umedecem, mas ele não se permite
chorar.
— Westbrook está desesperado, Blue. Ele está sentindo a
pressão, e não é justo. O garoto tem 22 anos.
Ryker vem sendo perseguido pela imprensa desde o jogo de
domingo, e acabou participando de uma coletiva ontem junto com
Campbell, Sullivan e a dra. Carolina. Eles explicaram sobre a lesão,
disseram que Ryker não retorna nessa temporada, e se esquivaram
de todas as perguntas a respeito do futuro da carreira dele.
Westbrook foi apontado pelos jornalistas como o substituto do
veterano no Dangerous Trio, e isso não foi negado pelo grupo que
estava sendo entrevistado.
Hoje, todos os sites anunciavam o provável fim da carreira de
Lockhart e exibiam fotos de Jared Westbrook por todos os lugares.
— Você pode ajudá-lo — digo, decidida. — Sei que não poderá
jogar, mas pode treinar com ele. Ensine o que você sabe. Ajude-o a
chegar lá mais rápido.
Ele me encara, em dúvida.
— Não sei se vai adiantar muito.
— Por que não pergunta ao Jared? Deixa que ele decida.
Amanhã eles têm treino, não têm?
— Sim.
— Então, venha para cá. Converse com ele.
Ryker exala o ar, cansado.
— Vou pensar nisso. — Ele faz então um carinho no meu rosto e
sorri de leve. — Você é incrível, sabia?
Sinto o coração acelerar de um jeito desconfortável e dou um
passo atrás, quebrando nosso contato.
— Eu só estou vendo de fora. É muito mais fácil. — Olho em
direção ao carro. — Vamos? Estou com fome.
Ryker assente e andamos em silêncio até o Audi preto. Jordan
nos cumprimenta e dirige com tranquilidade pelos poucos minutos
que nos separam de casa. Assim que entramos, eu aviso:
— Senta, que hoje eu vou servir o nosso jantar.
Ele obedece, parecendo se divertir com o fato de eu estar dando
ordens.
— Sim, senhora.
Estreito os olhos antes de abrir a porta da geladeira.
— Você não é o único que sabe ser mandão aqui, jogador.
— Acredite, eu já percebi isso há bastante tempo.
Rindo, eu tiro do refrigerador a salada de batatas e em seguida
grelho os bifes que Elsie deixou temperados. Enquanto isso, Ryker
serve duas taças de vinho.
— A única vantagem dessa merda toda é que agora eu posso
beber — ele resmunga.
Eu desligo o fogo. Ao pegar o primeiro prato para nos servir, ele
escorrega da minha mão e se espatifa. Meu coração acelera, e
minhas mãos tremem.
Ryker levanta na mesma hora e vem até mim.
— Você se machucou? — pergunta, preocupado, segurando
meus braços.
Eu nego com a cabeça e forço um sorriso.
— Não, está tudo bem. — Começo a recolher os cacos. — Pega
outro prato, por favor.
Esses pequenos acidentes sempre me deixam muito nervosa,
mas eu respiro fundo várias vezes para me acalmar e não permitir
que isso estrague a nossa noite.
Menos de dez minutos depois, estamos começando a comer.
— Está animado com o casamento do seu amigo depois de
amanhã? — pergunto.
— Quero que eles sejam felizes, só isso. Cerimônias de
casamento não significam muita coisa para mim.
Eu bebo um gole do vinho e sorrio.
— Eu acho lindo. O vestido branco, a decoração com flores... na
praia, então. Deve ser um sonho.
Ryker estreita os olhos.
— Quem te ouve falando assim, imagina que você está animada
para subir no altar.
Meu sorriso desmancha.
— Pois imaginariam errado. Acho legal pros outros, só isso.
Ryker continua comendo, em silêncio.
— Você tem vontade de se casar de novo algum dia? —
pergunto, num rompante.
Ele me encara, sério.
— O que eu passei foi muito difícil, Blue. Não sei se consigo
confiar novamente em alguém.
Eu assinto, e continuamos a refeição em silêncio. Ainda há uma
parte da história dele que eu não sei, e meu tempo aqui está se
esgotando. Quando terminamos de comer, eu tomo coragem e faço
a pergunta:
— O que aconteceu de tão grave para você decidir se tornar
celibatário?
Ele apoia o garfo e fica encarando o prato vazio. Consigo ouvir
as batidas do meu próprio coração, enquanto espero que Ryker diga
alguma coisa. Por um lado, a curiosidade de saber o que houve é
enorme. Por outro, eu tenho uma ponta de medo do que eu posso
ouvir.
Os olhos azuis-esverdeados se erguem devagar até encontrar os
meus.
— Você vai me odiar se souber — Ryker diz, com a voz fraca.
— Não vou — rebato, com firmeza. — Posso ficar surpresa, mas
jamais seria capaz de te odiar.
Ele respira fundo, fica em pé e me oferece sua mão. Eu levanto
da cadeira e o acompanho até o sofá. Ryker me coloca sentada
sobre o seu colo e fica um longo tempo apenas me olhando e
fazendo um carinho suave na minha mandíbula.
— Eu te contei que entrei numa fase bem louca após o acidente
de Lindsay — ele começa.
— Sim, eu lembro.
Ryker assente.
— Eu transava com tantas mulheres que não tenho nem ideia de
quantas foram. Para mim, elas eram apenas objetos, em quem eu
descontava minha frustração de uma forma nada gentil.
Engulo em seco, esperando o restante do relato.
— Algumas me pediam para ser mais bruto, e eu comecei a
gostar cada vez mais desse tipo de foda. Amarrava, dava tapas,
enforcava. Cheguei a usar chicotes e outras coisas de BDSM, mas
descobri que meu lance não era esse. Eu gostava de dominar, de
fazê-las implorarem pelo próprio prazer, quem controlava era eu.
Talvez uma maneira torpe de me vingar de Lindsay pela traição,
fazendo outras garotas sofrerem.
Percebo o quanto está sendo difícil para ele admitir tudo isso.
— Continua, por favor — peço.
— Tudo era consensual, até que... — Ele desvia o olhar. — Eu
estava numa festa, e conheci uma mulher lá. Dessa eu lembro o
nome. — Ryker sorri, mas sem qualquer humor. — Daisy Bucks.
Uma garota bonita, porém igual a todas as outras. Eu bebi muito
naquele dia, e ela me garantiu que estava sóbria. Fomos para o
meu apartamento, e minha única intenção era comer mais uma e
dispensar, como eu fazia sempre. Daisy foi se empolgando durante
a transa, pedindo cada vez mais intensidade. Eu estava muito louco,
e confesso que boa parte dessa noite é um borrão. Sei que rolaram
tapas na cara, enforcamento, sexo anal e até chicotadas, já que eu
tinha alguns brinquedos guardados no armário.
Já imagino aonde isso vai dar.
— E depois?
Ryker olha para mim, desolado.
— Eu apaguei. Não tenho ideia de quando ela foi embora, ou
como. Quando acordei no dia seguinte, numa ressaca monstruosa,
meu celular estava inundado de mensagens dela. Eu sequer tenho
ideia de como ela conseguiu meu número. A garota me enviou uma
infinidade de fotos das marcas que eu deixei no seu corpo: manchas
roxas, arranhões, marcas de chicote, os punhos esfolados... Até o
ânus um pouco machucado ela fotografou, Daisy me acusou de tê-la
estuprado, e eu entrei em pânico.
— Meu Deus, Ryker... — murmuro, notando seu desespero ao
reviver o que aconteceu.
— Eu tentei ligar várias vezes, mas ela não me atendeu. Disse
que só conversaria pessoalmente. Nós marcamos um encontro, e a
mulher me disse coisas horríveis. Falou que implorou diversas
vezes para que eu parasse, e eu a ignorei. — Ele fecha os olhos e
engole com dificuldade. — Ameaçou ir à polícia me denunciar e, em
seguida, fazer um escândalo na imprensa. — Ryker volta a me
olhar. — Aquilo seria meu fim, Blue. Minha ruína.
Minhas mãos começam a tremer.
— E depois?
— Eu perguntei o que ela queria. Como eu podia reparar aquilo.
Daisy me pediu duzentos mil dólares.
— Jesus. — Cubro a boca. — Ela te chantageou! O que você
fez?
Ryker dá de ombros, parecendo envergonhado e triste como eu
nunca vi.
— Eu paguei. Esse valor era basicamente tudo que eu tinha
guardado, porque naquela época eu não ganhava muito como
reserva de um time pequeno. Pedi a ajuda de um advogado, ela
assinou um documento de confidencialidade e sumiu no mapa.
Algum tempo depois, soube por alto que estava tentando a vida de
atriz.
A raiva começa a ferver dentro de mim.
— Isso tudo foi armado, Ryker. Eu tenho certeza. — Seguro seu
rosto entre as mãos. — Eu não consigo acreditar que você teria sido
capaz de forçar uma mulher a fazer qualquer coisa.
Uma lágrima escorre pelo seu rosto, e eu vejo o tamanho da dor
refletida nos olhos claros.
— Eu estava tão bêbado que nem sequer me lembro do que
aconteceu naquela noite. Talvez eu a tenha estuprado mesmo.
Eu o envolvo num abraço apertado, trazendo-o para mais perto
de mim.
— Não acredito nisso — murmuro, pressionando meu corpo
contra o dele. — Você é um homem maravilhoso. Perdeu o rumo ao
passar por um sofrimento imenso, mas sua essência é boa. A maior
prova de que seria incapaz de ter feito mal a ela foi ter aberto mão
de sexo em caráter definitivo por medo de machucar outra mulher.
Ele me abraça de volta, chorando. Permanecemos assim por um
longo tempo. Tento tirar ao menos um pouquinho dessa dor
dilacerante que Ryker carrega dentro de si há tanto tempo, por algo
que ele muito provavelmente não fez. Posso até estar enganada,
mas meu coração me diz que não.
Quando ele se acalma, eu o solto e limpo seu rosto.
— Nada do que você me disse muda o que eu sinto em relação
a você. Continuo te admirando, te respeitando e te desejando
loucamente. Eu realmente acredito que você não machucou aquela
mulher, mas, se quiser ter certeza, por que não a procura para tirar
a história a limpo?
Ele balança a cabeça.
— Não acho que valha a pena remexer nisso. Só quero
esquecer.
Tenho vontade de perguntar sobre o futuro, sobre o que ele fará
quando eu for embora. Se continuará se punindo com o celibato ou
se pretende se permitir ser feliz com outra pessoa. Porém, por mais
egoísta que seja esse pensamento, a ideia de outra mulher ao lado
dele, dividindo o presente e o futuro, dói fisicamente.
Fico em silêncio. Determinadas coisas, é melhor não saber.
Ryker deixa a cabeça cair para trás no sofá, parecendo exausto.
O dia de hoje claramente o esgotou, em muitos sentidos.
— Eu tenho uma sugestão — digo.
— Qual é? — ele pergunta, sem abrir os olhos.
— Por que a gente não toma um banho e dorme cedo?
Ele levanta a cabeça e me encara, com um olhar tão carinhoso
que meu peito dá um nó.
— Podemos fazer exatamente isso — Ryker me oferece um
sorriso fraco e passa as costas da mão no meu rosto, de levinho. —
Obrigado. Já te disse o quanto você é incrível?
Eu inclino a cabeça e o beijo. Não é um beijo intenso, ardente
como os outros. É um beijo suave, para mostrar que vai ficar tudo
bem.
Ryker me pega no colo e levanta num movimento único. Eu solto
um gritinho assustado e protesto:
— Seu ombro!
Ele sorri.
— Relaxa, a dor está bem leve. Isso já pode ser considerado
como parte da fisioterapia.
Nós chegamos ao banheiro rindo como dois adolescentes, e
tomamos uma ducha brincando um com o outro. Em seguida,
secamos o corpo e deitamos na sua cama, abraçados.
— Que desperdício ter você nua nos meus braços e não te
comer — ele murmura, quase dormindo.
Eu sorrio, com o rosto apoiado no peito largo, e me aconchego
melhor.
— Teremos tempo para isso depois.
O problema é que esse tempo está se esgotando. E a ideia de
partir dói a cada dia mais.
32

RYKER
A SENSAÇÃO de chegar ao The Palace sabendo que eu não vou
treinar com o time é estranha pra caralho. O’Neil me liberou ontem
para dirigir, então optei por vir guiando meu carro para voltar a ter
algum senso de normalidade.
Em teoria, estou liberado para todos os movimentos do dia-a-dia,
e meu único parâmetro deve ser a dor. Quando for moderada a
intensa, eu preciso parar. Já os treinos, são outra história. Antes de
começar a levantar peso na musculação ou fazer os movimentos
mais agressivos do futebol, precisarei passar por um longo período
de fisioterapia.
Samantha está sentada ao meu lado, e segurou minha mão
durante a maior parte do trajeto curto da minha casa até aqui. Eu
precisava desse apoio silencioso mais do que estou disposto a
admitir. A presença dessa garota se tornou tão necessária para o
meu equilíbrio nos últimos tempos que eu tenho até medo de
interpretar o que isso significa.
Estaciono na vaga de sempre e nós saímos do carro. Eu queria
voltar a entrelaçar nossos dedos enquanto andamos até a entrada
principal, mas sei que não posso fazer isso. Me contento, então, em
andar ao lado dela.
Assim que cruzamos a porta de vidro, a recepcionista me recebe
com um sorriso.
— É muito bom te ver de volta, Lockhart.
Eu agradeço com um aceno de cabeça, mesmo sabendo que
não estou exatamente “de volta”. Samantha e eu andamos na
direção dos elevadores e eu me despeço:
— Até mais tarde, Blue — falo baixo, para que ninguém ouça o
apelido. — Te mando mensagem quando estiver indo embora.
Ela sorri.
— Boa sorte.
Não é necessário que diga com o que está me desejando sorte.
Esse papel de treinar um novato para que assuma o meu lugar é
desconcertante, e Sam percebeu minha tensão quando eu avisei a
ela que seguiria seu conselho e viria aqui hoje para isso.
— Obrigado.
Eu aceno uma última vez e me dirijo ao corredor que dá acesso
ao campo. Passo pelo vestiário e, ao invés de vestir o uniforme,
continuo até o gramado usando a mesma calça esportiva e camiseta
com as quais eu vim. Mais um lembrete de que nada será como
antes.
Assim que eu chego à beira do campo, Liam Campbell estreita
os olhos, surpreso. O técnico dá uma instrução rápida aos jogadores
e vem andando na minha direção.
— Não esperava te ver aqui hoje — ele diz, quando me alcança.
Eu cruzo os braços, para disfarçar o nervosismo. Não tenho ideia
de como ele vai encarar minha proposta.
— Gostaria de conversar com você — digo.
Campbell assente e indica o banco. Nós dois sentamos, ele
apoia os cotovelos nos joelhos com o tronco inclinado para frente e
me encara, esperando que eu explique.
Respiro fundo.
— Jared não está pronto — disparo, sem preâmbulos.
— Eu sei.
É desnecessário mencionar que os outros wide receivers do time
não podem ser nem considerados para o meu lugar. Esse sempre
foi um ponto fraco dos Sharks, e o motivo pelo qual Westbrook foi
draftado na primeira rodada como uma grande promessa para o
futuro. Só não esperamos que esse futuro chegaria tão rápido.
— Estou aqui porque acho que posso ajudar — digo.
Campbell une as sobrancelhas ruivas, com uma expressão
concentrada. Seus olhos verdes se estreitam um pouco, mas não
em reprovação. A expressão é de pura curiosidade.
— Como? — ele pergunta.
Olho para o gramado, onde Jared Westbrook mantém uma face
concentrada ao fazer o treino de corrida com cones.
— Eu, Nico e Hugh jogamos juntos há cinco anos — começo. —
Eu prevejo as sutilezas de cada jogada apenas pela maneira como
Marchesi segura a bola antes de arremessar, e todos sabem disso.
Westbrook foi atirado no meio de tudo isso de forma totalmente
inesperada, e agora querem que ele esteja à altura de algo que foi
construído ao longo da metade de uma década. O garoto está
perdido, sob pressão e se sentindo um merda. — Engulo em seco.
— Eu entendo bem o sentimento, e acho que posso ajudá-lo.
Liam mantém seu olhar intenso em mim.
— Você vai fazer um coaching personalizado do rookie? É isso
que está propondo?
Eu concordo com um movimento de cabeça.
— Sim. Sob a sua orientação, obviamente.
Campbell olha para o campo, pensativo. Alguns minutos se
passam, e eu começo a achar que ele não vai permitir. Por fim,
quando volta a olhar para mim, um raro sorriso curva o canto da sua
boca.
— Essa é, sem dúvidas, a melhor notícia que eu ouvi desde
aquele domingo fatídico em que você se lesionou, Lockhart. Se
conseguir despertar o potencial daquele garoto, talvez tenhamos
uma chance nessa temporada.
Eu sorrio de volta. Pela primeira vez nos últimos dias, o
sentimento que me invade não é devastação, e sim, esperança.
— Vamos trabalhar juntos, chefe — brinco. — Conte comigo.
Liam dá um tapinha no meu ombro e se levanta.
— Bem-vindo de volta, Lockhart.

NUNCA VI os olhos de Jared Westbrook tão grandes.


Acabei de explicar a ele a minha ideia, que foi ouvida com um
misto de atenção e choque.
— Você... vai me treinar? — o rookie pergunta.
— Não. Quem vai te treinar é a equipe técnica. Eu vou apenas te
orientar.
Ele faz que sim com a cabeça e esfrega a nuca, olhando na
direção do gramado.
— Nunca serei como você, Lockhart — o garoto murmura, como
se fosse um desabafo. — Seu nome é uma lenda.
— Westbrook — chamo, com firmeza —, olhe para mim. —
Assim que ele me obedece, eu olho no fundo dos seus olhos. — Eu
era reserva dos Cardinals durante os primeiros anos da minha
carreira. Fui um dos últimos a ser escolhido no draft, e me achava
um merda perto dos outros jogadores.
Jared parece um pouco surpreso, mas não diz nada.
— Eu precisei ir ao fundo do poço para entender que quem
escreve a nossa história somos nós. Enquanto você acreditar que
não é bom o suficiente, nunca será. Mas, quando colocar na sua
cabeça — bato com o polegar e o indicador na sua têmpora — que
você pode ser um dos jogadores mais fodas da liga, o primeiro
passo para isso terá sido dado.
Noto que seus olhos umedecem, mas ele se controla.
— Você acha mesmo que eu posso ser bom assim? — A
pergunta vem carregada de uma mistura de medo e expectativa.
— Eu não acho. Eu tenho certeza.
Ele sorri, relaxando um pouco pela primeira vez desde que eu o
chamei.
— Vou deixar você orgulhoso, Lockhart.
Eu sorrio de volta
— Eu sei que vai. Agora, vamos trabalhar. Estarei aqui te
observando.
Westbrook bate uma continência de brincadeira e corre de volta
para junto dos outros jogadores, parecendo consideravelmente mais
leve.
Do outro lado do campo, Nico está me observando. Quando
nossos olhares se cruzam, meu amigo balança afirmativamente a
cabeça, em aprovação, e sorri. Eu sorrio de volta. Talvez essa ideia
possa mesmo funcionar, no fim das contas.
Pelas próximas horas, eu observo o treino de Jared e faço
anotações. Percebo que precisa de mais consciência de
posicionamento em campo, e que perde algumas janelas de
oportunidade nos momentos de desatenção do time de defesa.
De tempos em tempos, eu o chamo e dou orientações. O rookie
ouve tudo com completa atenção, sem tirar os olhos dos meus. Ele
faz perguntas e comentários pertinentes, o que deixa claro o quanto
é inteligente e pega as coisas rápido.
No final da manhã, Campbell sopra o apito e, em seguida, grita:
— Dispensados.
Todos se encaminham para os vestiários. Nico e Hugh me
alcançam e, um de cada lado, envolvem meus ombros.
— Bom te ver aqui, cara — Nash comenta, com um largo sorriso.
— Jared é um moleque de sorte — Marchesi acrescenta. — Será
treinado pelo melhor.
Quando chegamos à área dos chuveiros, eu sento num banco
para esperar que eles tomem banho. Nico termina de tirar a roupa,
entra numa cabine e liga a torneira.
— Como exatamente isso vai funcionar? — ele pergunta.
Eu explico a respeito do meu acordo com Campbell.
— E você? — Nash questiona, antes de enfiar a cabeça sob o
jato de água. — Como ficarão os seus treinos?
Eu encaro meus tênis, porque esse assunto ainda é doloroso.
— Não vou treinar, Hugh. Vou fazer apenas a reabilitação para
recuperar os movimentos.
— Na próxima temporada, você volta — o running back diz, mas
todos nós sabemos que isso não vai acontecer.
A única coisa que falta é a coragem para admitir em voz alta.
— Vamos ver — eu respondo, evasivo. — Agora, vamos falar do
mais importante: nervoso com o casamento amanhã?
Hugh ri.
— Nem um pouco. Eu vou transformar a mulher da minha vida
na minha esposa. Por que eu deveria estar nervoso com isso?
Nico enfia a cabeça para fora do box e olha para o nosso amigo,
que acabou de terminar o banho.
— Cara, você nunca mais vai comer uma mulher pela primeira
vez. Isso não te dá um certo desespero?
Hugh nega.
— Zero desespero. A única garota que eu quero foder pelo resto
da vida é a Laney.
Por alguma razão, eu penso em Samantha. É desconcertante
me dar conta de que eu também não me importaria nem um pouco
se ela fosse a única mulher com quem eu vou transar pelo resto da
vida.
Balanço a cabeça, espantando esse pensamento. Samantha
está indo embora em cinco dias, e eu preciso parar de ficar viajando
com coisas que não existem.
— Só falta você dar a patinha para a Laney, Nash — Nico brinca,
saindo do box e pegando uma toalha. — Patético.
Hugh o encara com um sorriso divertido.
— Cuidado, Marchesi. Todo mundo sabe que os mais putões
acabam virando os maiores cadelinhas. Sua vez pode chegar.
O quarterback sacode a cabeça com veemência.
— Nunca. — Ele aponta para o próprio pau. — Seria um crime
contra a humanidade limitar o Dico a uma garota só.
Eu e Nash rimos.
— E você e a Samantha? — Hugh pergunta, em voz baixa,
enquanto se veste ao meu lado. — Como estão as coisas?
Eu me ajeito no banco, um pouco desconfortável.
— Ótimas. Estamos aproveitando esses últimos dias.
Nico também se aproxima.
— E você está de boa com ela indo embora?
— Estou — minto. — Nós sempre soubemos que seria algo
temporário. Daqui a alguns dias, ela volta para casa e cada um
segue sua vida.
Marchesi estreita os olhos para mim, me observando. Por fim,
balança a cabeça em descrença.
— Isso está me cheirando a adestramento de gato.
— O quê?! — Hugh e eu perguntamos ao mesmo tempo.
Nico veste a boxer e nos encara com aquele ar de professor
paciente.
— Adestramento de gato. Aquela coisa que a gente acha que vai
dar certo, mas depois descobre que é impossível.
— Marchesi — Nash chama.
— O quê?
— Você já tentou adestrar um gato?
— Não.
— Não? — Hugh olha para mim, e eu dou de ombros,
permanecendo em silêncio. Já faz muito tempo que eu deixei de
tentar entender as analogias de Nico. — Então de onde caralho saiu
essa teoria?
O quarterback coloca a bermuda.
— Conhecimento público, ué.
— De qual público? — Nash parece inconformado. —
Absolutamente ninguém fala isso.
— Claro que fala — Nico insiste. — Todo mundo sabe que gatos
não podem ser adestrados, porque aqueles bichinhos do demo só
fazem o que querem.
— Desisto. — Já pronto, Hugh pega a mochila e joga no ombro.
— Vamos almoçar.
Eu saio rindo atrás deles, mas o incômodo com o comentário de
Nico me acompanha. Por mais que, racionalmente, eu esteja
tentando fazer parecer que a partida de Samantha não será nada de
mais, a realidade será bem diferente disso.
33

SAMANTHA
ESSE É um dos lugares mais lindos que eu já vi.
Não apenas a mansão construída no imenso terreno adornado
por um paisagismo deslumbrante, mas também a praia particular
com quase um quilômetro de extensão. Na faixa de areia, foi
montado um altar singelo, que irá abrigar apenas os noivos e o
celebrante. Algumas faixas de tecido branco presas à estrutura de
madeira esvoaçam com a brisa de fim de tarde, e o pôr-do-sol
confere um tom dourado a toda a paisagem.
Logo atrás, num grande deck de madeira que se estende até o
gramado da propriedade, há fileiras de cadeiras para os convidados
e um longo tapete vermelho. Flores brancas em arranjos elegantes
completam a decoração do cenário mais lindo que eu poderia
imaginar para um casamento.
Hugh e Laney optaram por uma cerimônia simples. Os padrinhos
do noivo, Nico e Ryker, e a madrinha, Julia Nash, estão sentados na
primeira fileira junto com o pai do noivo e o pai da noiva. Eu, como
acompanhante de Ryker no evento, acabei dando a sorte de ocupar
um lugar privilegiado na primeira fileira também.
— Você está linda — Ryker sussurra no meu ouvido e faz um
carinho no dorso da minha mão, enquanto esperamos a entrada dos
noivos.
Eu olho para o meu vestido verde água de alcinhas finas, com
um decote profundo nas costas, e sorrio.
— Você também está um gato nesse terno — respondo no seu
ouvido, e ele pressiona minha mão discretamente antes de soltá-la.
Ryker e Nico estão usando ternos de linho bege idênticos, com
uma camisa social branca por baixo. Os primeiros botões estão
desabotoados, já que se trata de um evento relativamente informal.
Uma música suave começa a tocar, e todos os convidados ficam
em pé e olham para trás. Hugh aparece na ponta do tapete
vermelho de braços dados com a mãe, exibindo um sorriso tão
grande que parece ocupar todo o seu rosto.
Eles caminham pelo corredor, cumprimentando brevemente
alguns dos convidados. Quando chegam ao final, Nash beija o rosto
da mãe e vai sozinho até o altar, onde o celebrante o recebe com
um sorriso.
Menos de um minuto depois, outra música instrumental começa
a soar através das caixas de som estrategicamente posicionadas.
Quando Laney surge na ponta do tapete vermelho, meus olhos
marejam.
Ela parece um anjo, com um vestido branco que vai até o meio
das suas pernas, com um caimento assimétrico. O cabelo ruivo está
solto, mas puxado para um dos lados e adornado por um delicado
arranjo de flores brancas.
A noiva sorri ao ver seu futuro marido, um sorriso trêmulo e
emocionado que arranca suspiros de boa parte dos convidados.
Mesmo conhecendo-os bem pouco, é nítido que foram feitos um
para o outro.
Ela caminha de braços dados com uma mulher de meia-idade.
Ryker me contou que a relação dela com o pai sempre foi distante,
então Laney decidiu entrar na cerimônia acompanhada da mãe.
Ao chegar ao altar, a mulher beija a testa da filha e a ajuda a
subir o degrau. Hugh recebe a futura esposa com a expressão mais
apaixonada que eu já vi em alguém, entrelaçando suas mãos e se
posicionando ao lado dela em frente à mesa do celebrante.
— Queridos amigos — o homem começa —, estamos aqui para
celebrar o amor de Hugh Nash e Laney Abernathy.
A cerimônia prossegue, com um discurso a respeito da
importância de alimentar o sentimento que os uniu todos os dias, ao
invés de esperar que ele perdure a despeito de qualquer
adversidade.
Após alguns minutos da fala do celebrante, chega o momento
dos votos. A primeira a falar é Laney.
— Hugh, você entrou pra valer na minha vida em um dos meus
piores momentos. Com seu jeito divertido, leve e carinhoso, me fez
rever todas as minhas convicções e me mostrou uma felicidade que
eu jamais julguei ser possível. Ao seu lado, eu me sinto protegida,
respeitada, amada e forte. Seu amor é muito mais do que eu sonhei,
e meu único desejo é te fazer tão feliz quanto você me faz. Eu te
amo mais do que qualquer palavra seria capaz de expressar.
Eu enxugo discretamente uma lágrima enquanto a plateia
explode em aplausos e gritinhos ao final dos votos da noiva. Hugh
rouba um selinho de sua mulher, sorrindo como um bobo, antes de
pegar o microfone.
— Laney, você é a mulher da minha vida. Nesse tempo em que
estamos juntos, eu descobri que vivi quase três décadas apenas me
preparando para o momento em que você finalmente seria minha. A
cada dia que eu acordo ao seu lado, ainda tenho dificuldade de
acreditar que tudo isso é real. Você me faz tão feliz que é impossível
lembrar como era a minha vida antes da sua chegada. Quero dividir
com você cada vitória, cada derrota, cada momento bom e cada dia
ruim. Quero ser seu porto seguro, sua fortaleza, seu maior
incentivador. Meu único desejo é envelhecer ao seu lado, cercado
pelos nossos filhos e netos, até a eternidade. Eu te amo
desesperadamente.
Os dois trocam um beijo apaixonado, ao som dos aplausos
eufóricos dos convidados, e um soluço escapa da minha garganta.
Ryker me encara, preocupado, seu sorriso morrendo quando vê
meu estado.
— Blue, está tudo bem?
Cerimônias de casamento são sempre difíceis para mim. Achei
que conseguiria me manter firme nessa, já que mal conheço o casal,
mas não está funcionando. Com um nó na garganta, eu apenas
aceno positivamente e peço licença, com a voz estrangulada.
Saio pela lateral do deck, tentando chamar o mínimo possível de
atenção, e dou uma corridinha segurando a saia do vestido com
uma mão e cobrindo a boca com a outra. As lembranças
perturbadoras retornam, e eu fujo até um canto do jardim para tentar
me recompor.

RYKER
O que diabos acabou de acontecer?
Olho para trás, procurando por Samantha, mas não a encontro.
Nico, sentado ao meu lado, me encara com uma expressão
interrogativa. Eu ergo um ombro, demonstrando que também não
tenho uma resposta. Sei que algumas pessoas se emocionam em
casamentos, mas a reação dela pareceu um tanto desproporcional.
Olho novamente para o altar, onde o celebrante está finalizando
a cerimônia. Depois de trocarem um último beijo já como marido e
mulher, Hugh e Laney começam a retornar pelo tapete vermelho de
mãos dadas, se encaminhando para a lateral do jardim onde
acontecerá a festa.
Os convidados começam a se levantar também, e todos nós
seguimos o fluxo até a enorme tenda. Chegando lá, olho ao redor,
em busca de Samantha, mas ela não está em lugar nenhum.
Decido aguardar algum tempo antes de sair atrás dela, caso
esteja precisando de um pouco de privacidade. Um garçom passa e
eu estico o braço para pegar uma dose de uísque. Nico faz o
mesmo.
Olho para a esquerda e me surpreendo ao ver um rosto
conhecido.
— Você viu quem está aqui? — pergunto, perto do ouvido de
Nico e acima do volume da música.
— Quem?
— Timberjobs.
Eu aponto discretamente com a cabeça na direção do dono do
time, que está usando — para a surpresa de zero pessoas — uma
calça jeans, uma camiseta preta e um blazer preto.
O bilionário com cara de cantor pop está acompanhado de uma
mulher de cabelos pretos lisos, alta e magérrima. Seu rosto não me
é estranho, mas não sei dizer exatamente de onde a conheço.
Nico olha na mesma direção e seu corpo enrijece ao ver o casal.
— O que foi, cara? — pergunto, surpreso com essa reação não
habitual.
Meu amigo trava a mandíbula e as juntas de seus dedos ficam
brancas ao redor do copo de cristal.
— O que ela está fazendo aqui? — ele murmura, entre dentes.
Olho novamente para a mulher, confuso.
— Quem é ela?
Nesse instante, a morena olha na nossa direção. Ao reconhecer
Nico, ela tem basicamente a mesma reação que a dele.
Tem algo de muito estranho nessa história.
— Vocês se conhecem? — pergunto, vasculhando a mente em
busca de algo que me ajude a lembrar de onde eu a conheço.
— Infelizmente, sim — Marchesi responde, antes de virar toda a
dose de uísque de uma vez só. Ele desvia o olhar, parecendo bem
irritado. — E é óbvio que ela acabaria pendurada no braço de um
bilionário.
Cada vez eu entendo menos que porra está acontecendo. Olho
novamente para o casal. Pelo visto, estamos encarando-os tão
fixamente que Timberjobs nos reconhece e fala algo no ouvido na
mulher, antes de os dois virem andando na nossa direção.
— Puta que pariu, era só o que faltava — Nico rosna.
— Olá, rapazes — o dono do time cumprimenta e olha para mim.
— Como está seu ombro?
A pergunta pode ter sido inofensiva, mas eu só consigo
interpretar como se ele já estivesse pronto para terminar meu
contrato agora mesmo, usando a cláusula de lesão grave.
— Melhor — respondo, seco. — Iniciarei a reabilitação na
próxima semana.
Timberjobs, ou melhor, Dominic Becker assente, com seu
habitual ar desinteressado.
— Bom. Soube que você está ajudando a treinar um substituto.
A informação me surpreende, porque, na minha cabeça, esse
cara não dá a mínima para nada que aconteça com seu time. Ao
menos, foi a impressão que ele passou ao comprá-lo.
— Sim, estou fazendo o possível — respondo.
Nico está olhando para o outro lado, se esforçando ativamente
para não participar da conversa. A mulher, completamente ignorada
pelo seu acompanhante, está tão tensa quanto uma corda de violino
esticada. Notando seu desconforto, eu estico uma mão.
— Prazer, sou Ryker Lockhart.
Ela devolve o cumprimento.
— Bianca Rossi.
Ah, agora eu descobri de onde a conheço! A mulher é atriz, e
ficou famosa recentemente após um papel numa série rom-com 1.
Timberjobs parece se lembrar apenas nesse momento da
presença da garota.
— Ah, sim. Bianca é minha namorada — ele explica, como se
estivesse comentando sobre o mercado de ações.
Nico bufa e olha para mim.
— Vou buscar uma bebida — ele avisa, antes de fuzilar Bianca
com o olhar e se afastar, marchando, em direção ao bar.
Ela estreita os olhos para as costas do quarterback e noto que
sua respiração está um pouco irregular. Depois de fechar os olhos
por alguns segundos, ela toca o braço do namorado com elegância.
— Eu preciso ir ao toalete.
Becker a encara de lado por menos de um segundo.
— Aham. Pode ir. — O bilionário volta a falar comigo. — Acha
que o novato dará conta do recado?
Bianca observa o namorado por um breve instante, com um ar
quase tão desinteressado quanto o dele, antes de sair em silêncio
em direção ao interior da mansão.
Eu continuo conversando com Timberjobs, mas meu olhar
vasculha o ambiente em busca de Samantha. Fico aliviado quando
a vejo andando na minha direção, parecendo completamente
recuperada da crise de choro de alguns minutos atrás.
Ela se aproxima com um sorriso e um copo de espumante na
mão.
— Essa é uma das festas mais incríveis que eu já vi — Sam diz,
ao parar ao meu lado.
O dono do time olha para ela, com seu ar blasé.
— Jura? — Ele analisa brevemente o ambiente, como se só
então estivesse se dando a esse trabalho. — É tão comum...
Samantha olha para mim, com uma cara de ponto de
interrogação. Eu suspiro e os apresento.
— Sam, esse é Dominic Becker, dono do Malibu Sharks. Becker,
essa é Samantha Carmichael, estagiária de nutrição no time e
enteada da minha irmã.
— Temos um programa de estágio? — ele pergunta. —
Interessante.
Timberjobs olha ao redor mais uma vez, parecendo
profundamente entediado, e bebe um gole de seu uísque. Ele então
faz uma careta para o copo, como se reprovasse seu conteúdo, e o
apoia numa mesa alta.
— Eu nem gosto de uísque — explica, ao ver nossas expressões
surpresas. — Não sei por que eu peguei isso. — O bilionário limpa
as mãos na calça e dá um sorriso forçado. — Bem, foi um prazer
interagir com vocês. Até mais.
Ele acena e se afasta, sem esperar uma resposta.
Samantha olha para mim, com a boca entreaberta, e em seguida
explode numa risada.
— O que diabos foi isso? — ela pergunta, ainda rindo.
Eu sorrio também.
— É o jeito dele — respondo, bem-humorado. Em seguida, fico
um pouco mais sério. — Está tudo bem?
Sam dá uma piscadinha.
— Tudo ótimo. Eu fico emotiva em casamentos, só isso. Já
passou. — Ela então segura minha mão e começa a me puxar para
a pista. — Vamos curtir a festa, jogador. Ao contrário do seu chefe,
eu não estou achando isso aqui nada comum.
Eu viro o último gole da bebida âmbar, antes de apoiar o copo
vazio na mesma mesa onde Becker colocou o dele.
— Você manda, Blue. Vamos curtir a festa.
34

SAMANTHA
— QUANTOS QUARTOS TEM ESSA CASA? — pergunto,
assim que Ryker fecha a porta atrás de nós na enorme suíte que
ocuparemos essa noite.
— Oito? — Ele tira o blazer. — Dez? Não faço ideia.
Eu olho ao redor do quarto decorado em tons de azul e branco.
— Você disse que o dono quase nunca vem aqui. Que
desperdício.
Ryker me explicou anteriormente que o casamento seria
realizado na propriedade de um amigo deles, ex-jogador dos
Sharks. A história é que Hugh pediu a casa emprestada e trouxe
Laney para passar um fim de semana aqui há alguns meses, e o
lugar se tornou especial para o casal. Por isso, acabaram optando
por fazer o casamento aqui.
Lockhart ri, antes de andar até mim e envolver minha cintura.
— Cristaldi foi um dos maiores quarterbacks da NFL. Quando se
aposentou, estava tão rico, mas tão rico, que pôde se dar ao luxo de
manter uma mansão dessas apenas por questões afetivas.
— Entendi. — Eu o abraço pela nuca e roço meu nariz no seu.
— Tem certeza de que não tem problema estarmos no mesmo
quarto?
Ryker confirma, mordiscando meu lábio inferior.
— Tenho certeza. As únicas pessoas hospedadas aqui são os
noivos, suas famílias, Nico e a gente. — Ele beija meu pescoço. —
A noite é toda nossa, Blue.
Um arrepio de excitação percorre a minha coluna. Eu vim para
cá com as piores intenções possíveis, inclusive me preparei para
colocar algumas ideias novas em prática.
— Como está seu ombro? — pergunto, jogando a cabeça para
trás enquanto Ryker desce com uma trilha de beijos na direção do
meu decote.
Ele gira a escápula, sem tirar a boca de mim.
— Bom o suficiente.
Eu sorrio, maliciosa.
— Ainda bem.
Ryker me dá uma mordidinha de leve antes de esticar
novamente o corpo e me encarar. Seus olhos azuis-esverdeados
exibem um brilho divertido.
— Está com tanto tesão assim, srta. Carmichael?
Eu o agarro pela bunda e pressiono meu corpo contra a sua
ereção.
— Você nem imagina, jogador.
Solto um gritinho quando Ryker me pega no colo e me leva até a
imensa cama king size.
— Cuidado com o que você deseja, meu bem. — Ele solta meu
corpo no colchão macio e começa a desabotoar a camisa social. —
Eles podem se tornar realidade.
Eu rio e aponto para a minha mala.
— Me faz um favor — peço. — Pega uma sacola preta ali dentro.
Ryker ergue as sobrancelhas, com um pequeno sorriso curioso,
mas me obedece. Abre o zíper e pega a sacola plástica, atirando-a
na cama em seguida. Ele tira então os sapatos, as meias, e volta a
desabotoar a camisa branca.
Primeiro, eu tiro minhas sandálias de salto. Logo depois, abro a
sacolinha e pego um tubo de lubrificante, um par de algemas
acolchoadas, um vibrador bullet e um plugue anal. Arrumo tudo
sobre a mesinha de cabeceira e olho para Ryker, que me encara
como um predador analisando sua presa.
— O que você andou aprontando, mocinha?
Ergo um ombro, escondendo um sorriso.
— Só umas comprinhas.
Ryker anda até a lateral da cama, segura o plugue com uma
pedra rosa na ponta e olha para mim.
— Isso aqui é uma covardia, Samantha. — Ele gira o objeto
entre os dedos, devagar. — Saber que esse pedaço de metal estará
dentro do seu cuzinho, ao invés do meu pau. Você não tem ideia do
quanto eu sou maluco para comer sua bunda.
Meu coração acelera, e eu preciso respirar fundo para controlar
a excitação.
— E se for apenas uma preparação? — Olho para a ereção
enorme estufando a calça de linho bege. — Porque, vamos
combinar: você é grande pra cacete.
Ryker ri e joga a camisa no chão. Em seguida, monta em cima
de mim, erguendo meus braços e prendendo os dois punhos com
uma das mãos. Ele abaixa o corpo e murmura no meu ouvido:
— Você vai me dar esse rabo hoje, Blue?
A voz rouca desse homem falando putaria e, ainda por cima,
usando o apelido é demais para a minha sanidade.
— Vou. — Minha resposta não passa de um sussurro ofegante.
Esfrego as coxas, na tentativa inútil de acalmar meu clitóris
latejante. Ryker olha para as algemas.
— Como você quer que eu te foda? — Seus dedos circundam
meu pescoço, mas ele mal aperta antes de descer a mão e beliscar
um mamilo. — Com força ou com carinho?
Eu me remexo sob o seu peso, inquieta. Não esperava essa
pergunta, nem achei que ele fosse capaz da segunda opção.
— Com força — respondo, rápido. — Sempre com força. Eu não
faço amor, jogador.
Ficamos nos encarando por alguns segundos, e tenho a
impressão de que ele vai argumentar. Um pânico inexplicável vai
tomando conta de mim. Já está difícil o suficiente não me envolver
com ele além da esfera física. Não posso deixar que Ryker seja
carinhoso e acabe tornando essa tarefa impossível.
Ao invés de dizer alguma coisa, ele apenas toma minha boca,
num beijo lascivo. Eu solto um gemido que é uma mistura de tesão
e alívio. Ele me devora, como se estivesse com fome da minha
boca, do meu corpo.
Isso.
Vamos manter essa relação do jeito que está.
Ryker solta os meus braços e puxa a barra do meu vestido. É um
modelo sem zíper, que ele consegue tirar com facilidade pela minha
cabeça. Fico apenas com a calcinha de renda branca.
Ele me observa por alguns segundos, unindo as sobrancelhas e
mordendo o lábio inferior. Em seguida, pega as algemas e me
prende na guarda da cama.
Eu respiro fundo várias vezes, absurdamente excitada.
Ryker tira a calça e boxer, libertando seu pau magnífico. Ele está
tão duro que a cabeça aponta para o teto. Volta a se posicionar de
joelhos entre as minhas pernas, segura as laterais finas da lingerie
delicada e, ao invés de deslizá-la para baixo, dá um puxão,
arrebentando-a.
— Eu gostava dessa calcinha — protesto, com a voz fraca.
— Te dou dez iguais amanhã. — Seu rosto desce devagar. Ryker
fecha os olhos e inala, gemendo baixo. — Eu sou fissurado no seu
cheiro, sabia?
Fico hipnotizada pela imagem desse homem com a cabeça entre
as minhas pernas.
— E o que acha do meu gosto? — provoco.
Ele me encara, com um sorriso safado.
— Você pode ser ácida nos comentários insolentes — sua língua
úmida e quente me percorre de baixo para cima, devagar —, só que
a sua boceta é a coisa mais doce que eu já provei.
Ryker me abocanha com vontade, me chupando de um jeito que
me faz ver estrelas. Seus lábios envolvem meu clitóris e ele alterna
movimentos de sucção com lambidas ritmadas, me fazendo tremer.
— Puta merda, jogador — ofego. — Que boca mágica você tem.
Ele roça o queixo com a barba de um dia no meu ponto mais
sensível, que está inchado e latejando. A sensação é tão alucinante
que meu corpo contrai inteiro em resposta.
— Calma, minha putinha gostosa — ele pede, com a voz mansa.
— Estamos só começando.
Meu Deus, eu quase gozo só de ouvi-lo me chamando assim.
Ryker estende o braço, pega o plugue e o lubrificante e besunta
a peça de metal. Em seguida, posiciona a ponta do objeto no meu
ânus e volta a me chupar.
— Eu... — balbucio, atordoada pelas sensações — eu nunca
usei um.
O fato de eu ter trazido os brinquedinhos pode ter dado a falsa
impressão de que estou acostumada a usar essas coisas. A
verdade é que, até hoje, eu experimentei apenas o vibrador e,
mesmo assim, sozinha.
— Relaxa, Blue. — Ele vai introduzindo o plugue devagar, em
movimentos suaves de vai e vem. — Vou te ensinar tudo que você
precisa saber.
Eu deixo a cabeça pender para trás no travesseiro e fecho os
olhos, apenas aproveitando as sensações. A língua experiente de
Ryker me estimula em todos os lugares certos, ao mesmo tempo em
que começo a sentir um certo prazer com a penetração anal.
Relaxo ainda mais as pernas, que se escancaram para ele. Em
resposta, Ryker introduz o plugue até o final, e eu o sinto se
acomodando lá dentro. Ele começa então a sugar meu clitóris com
mais pressão, e eu explodo num orgasmo intenso sem aviso.
Me contorço na cama, com os braços ainda presos pelas
algemas, e Ryker não para. Mesmo com a sensibilidade aumentada
e meus protestos, ele continua me chupando, apenas numa
intensidade um pouco menor, até que enfia um dedo em mim e
começa a bombear meu ponto G, sem tirar a boca da minha boceta.
— Puta que pariu... — murmuro, suada, trêmula e ofegante com
esse tsunami de sensações. — Eu não consigo gozar de novo tão
rápido — protesto.
Ao invés de diminuir o ritmo, ele aumenta ainda mais a
intensidade da pressão dos dedos e a velocidade da língua. Eu nem
consigo acreditar quando sinto o segundo clímax vindo, crescendo
rápido como uma espiral de fogo que me consome por inteiro em
poucos segundos.
Os espasmos são tão intensos que minhas costas descolam da
cama, e preciso abafar meus gemidos mordendo meu próprio braço.
Quando as ondas de prazer finalmente vão ficando mais brandas,
Ryker ergue o tronco, limpa a boca com as costas da mão e segura
meus joelhos bem abertos, me deixando completamente
arreganhada para ele.
Seu pau penetra minha boceta melada sem qualquer resistência,
e eu juro que tê-lo dentro de mim é a melhor sensação do mundo.
Ele começa a socar, com pressão, mas devagar.
— Olha pra mim, Samantha — Ryker ordena, e eu obrigo minhas
pálpebras pesadas a obedecerem. — Quero você olhando nos
meus olhos enquanto eu te faço minha.
Sua testa está suada, com alguns fios de cabelo castanho-claro
grudados. O corpo musculoso contrai a cada estocada, e eu quero
guardar todos os detalhes desse homem na memória. Ryker
Lockhart é perfeito em tantos sentidos que chega a ser assustador.
— Que boceta deliciosa, Blue — ele diz, sem parar de meter. —
A mais perfeita que existe.
Eu relaxo e me entrego ao momento. Transar com Ryker é
disparado a melhor experiência da minha vida. Enquanto sinto seu
pau saindo quase inteiro apenas para voltar com força outra e outra
vez, só consigo pensar no quão perfeito é o encaixe dos nossos
corpos. Nunca senti nada parecido com ninguém, nem acho que
algum dia voltarei a sentir.
Ryker acelera as estocadas, e eu começo a sentir meu ventre
esquentando. A presença do plugue torna tudo mais intenso,
aumentando meu tesão até um nível incontrolável.
— Não é possível — sussurro, para mim mesma.
É inacreditável que eu esteja tão perto de gozar pela terceira
vez.
Nesse momento, ele coloca o polegar sobre o meu clitóris e
começa a fazer um movimento circular que me empurra do abismo.
O terceiro orgasmo vem com força, deixando minhas extremidades
dormentes.
Ryker espera que termine para então libertar meus punhos e me
virar de bruços com um movimento ágil do braço forte. Engulo em
seco, um pouco apreensiva, porque sei que está chegando a hora.
Por maior que seja minha excitação, ele realmente é muito grande.
O plugue é retirado com cuidado e, logo em seguida, Ryker
introduz dois dedos. Percebo que o esfíncter não está tenso.
— Boa garota — ele murmura, alargando meu ânus. — Está
gostoso?
— Muito.
É a pura verdade. O único motivo para eu ter topado essa
experiência é o fato de que, com Ryker, todas as sensações no sexo
resultam em prazer.
Ele coloca então o terceiro dedo, e eu me acostumo rápido.
Claramente não há pressa, tudo está sendo feito no ritmo ideal para
que eu fique relaxada e excitada ao mesmo tempo.
Após alguns minutos desse estímulo, Ryker retira os dedos e
coloca um travesseiro sob o meu quadril. Ele então me entrega o
vibrador e orienta:
— Coloca na sua bocetinha, Blue. Agora é hora de você relaxar.
Eu ligo o brinquedo, enfio a mão sob o corpo e o posiciono sobre
o meu clitóris. Na mesma hora, já começo a sentir o estímulo
gostoso da vibração.
Ele pega o lubrificante e consigo ver com o canto dos olhos que
está lambuzando o próprio pau. Com uma mão, ergue um pouco
mais o meu quadril e, com a outra, guia sua ereção para a minha
entrada apertada. Assim que a glande entra, Ryker deita sobre o
meu corpo, sustentando o próprio peso no antebraço esquerdo.
— Você não tem ideia do tesão que eu estou agora — ele
sussurra no meu ouvido, e minha pele arrepia. — Só de sentir a
cabeça do meu pau dentro do seu cuzinho virgem, já estou ficando
completamente maluco.
Eu solto um gemido baixinho.
— Então me fode, jogador. Quero você inteiro lá dentro.
Ryker solta um grunhido.
— Puta que pariu, mulher. — Ele então começa a entrar, bem
devagar. — Você precisa me avisar se doer. Não quero te machucar.
A sensação é uma mistura de ardência com prazer.
— Está gostoso — digo, fechando os olhos e posicionando
melhor o vibrador.
Ele continua me penetrando aos poucos, me dando tempo para
acostumar com sua grossura antes de prosseguir um pouco mais.
Quando seu quadril finalmente encosta na minha bunda, Ryker solta
um gemido rouco.
— Caralho, que delícia... — ele murmura, e eu estremeço de
tesão. Ryker beija meu pescoço com carinho. — Tudo bem?
— Tudo. — A sensação é diferente de tudo que eu já senti, mas
de um jeito bom.
Quando ele permanece parado, com a respiração pesada junto
ao meu ouvido, eu giro um pouco a cabeça para tentar enxergar seu
rosto. Ryker respira fundo.
— Preciso de um segundo, Blue. Você é apertada pra caralho e
eu estou prestes a passar vergonha aqui.
Eu sorrio.
— Quer dizer que a novinha está te fazendo perder o controle,
coroa? — provoco.
Em resposta, ganho uma mordida no ombro.
— Se eu fosse você, tomaria cuidado com as brincadeiras. —
Ryker desliza para fora apenas o suficiente para me penetrar outra
vez, me fazendo gemer de tesão. — Posso decidir te punir a
qualquer momento.
— Isso é uma ameaça ou uma promessa? — desafio.
Ryker puxa meu cabelo para trás, expondo minha nuca. Ele
então lambe a pele arrepiada, antes de começar a se mover um
pouco mais rápido dentro de mim.
— Tão espertinha — ele murmura, sem parar de meter. Quando
nota que estou revirando os olhos de prazer, Ryker acelera um
pouco mais. — Você me deixa maluco, garota. Estou
completamente obcecado por você.
Meu coração acelera, porque a recíproca é verdadeira.
Seu quadril se choca com o meu traseiro em movimentos
ritmados, e eu sinto cada centímetro da invasão deliciosa. Ryker
está me alargando, me preenchendo, dominando todos os meus
sentidos. O pensamento de que esse pau enorme está todinho
dentro do meu ânus, aliado à sensação gostosa do vibrador no meu
clitóris, vai disparando uma torrente de sensações inéditas.
É como uma onda, que começa a se formar no meu centro e
ganha intensidade muito rápido, se espalhando pelo meu corpo
inteiro. Com a pele arrepiada, a boca entreaberta e as sobrancelhas
unidas, sou completamente destruída pelo orgasmo mais
extraordinário que já senti em toda a minha vida.
— Porra, você tá gozando... — Ryker murmura, antes de gemer
alto, bombear forte umas três vezes e, por fim, se enterrar inteiro em
mim.
Ele apoia a testa no meu ombro, e eu sinto cada espasmo do
seu pau lá dentro, o que só prolonga meu próprio clímax. Saber que
estou sendo preenchida pelos jatos de líquido quente é delicioso.
Ryker começa a relaxar após alguns minutos, e rola para o lado.
Como sempre acontece depois que nós transamos, ele me puxa
para perto, beija minha testa e me aconchega junto ao seu corpo
forte.
— Foi perfeito... — sussurro. — Escolhi a pessoa certa para ter
essa experiência.
Ele levanta meu rosto e me encara de um jeito tão intenso que
chega a alterar minha frequência cardíaca.
— Você pode ter comigo todas as experiências que quiser. —
Sua mão corre devagar pela lateral da minha bochecha. — E eu vou
garantir que cada uma delas seja perfeita.
Minha garganta se fecha com um nó. Por um momento, eu
chego a cogitar como seria se eu ficasse na Califórnia. Se eu
ficasse com ele. Menos de um segundo depois, empurro esse
pensamento para longe, porque é o tipo de coisa que só vai nos
machucar.
Sem condições de responder nada, eu apenas deito a cabeça
sobre o peito largo e fecho os olhos, aproveitando ao máximo esse
momento e tentando guardar na memória todas as sensações
extraordinárias que esse homem desperta em mim.
Quando estou com Ryker, eu quase consigo alcançar aquilo que
eu passei cada maldito dia dos últimos três anos tentando:
esquecer.
35

RYKER
JÁ PASSA das dez quando chegamos à varanda com vista para o
mar, onde o café da manhã está sendo servido. O que eu posso
dizer? Samantha é tão insaciável quanto eu, e estamos decididos a
aproveitar cada minuto antes que ela vá embora.
Na mesa, há apenas Nico, Julia, Hugh e Laney, todos
conversando. Assim que nos veem, o assunto morre.
— Isso são horas, Lockhart? — Nico mostra o relógio de punho.
— É melhor eu nem comentar a respeito do que fui obrigado a ouvir
durante essa madrugada, considerando que dei o azar de ficar num
quarto ao lado do de vocês.
Noto com o canto dos olhos que Samantha baixa o rosto e
esconde um sorriso.
— Discreto como sempre, Marchesi — eu resmungo, ocupando
um dos lugares vazios. — Ao menos, os pais de Hugh e Laney não
foram obrigados a ouvir esse comentário.
A recém-casada aperta os lábios, controlando a risada, e então
comenta:
— Nossos pais preferiram pegar a estrada cedo.
Eu me sirvo com um pouco de ovos mexidos.
— Uma pena que vocês nem conseguirão ter uma lua-de-mel —
comento.
Nash envolve os ombros da esposa, trazendo-a para mais perto
de si.
— Combinamos que faremos uma nova viagem para a Itália em
março, quando não estiver mais tão frio.
— Itália de novo? — Nico protesta. — Que falta de criatividade.
Se quer cumprir esse papel de romântico apaixonado direito, leva
sua garota pra Paris. Mulheres amam essas merdas de passeio no
rio Sena, beijo na Torre Eiffel, jantarzinho fresco com garçom
falando francês...
Toda a mesa cai na risada.
— Tô achando que o Nico já levou alguma garota a Paris para
um passeio romântico... — Samantha provoca.
O quarterback ri.
— Eu? — Ele faz um pfff, antes de servir suco de laranja no
próprio copo. — Claro que não. Mas eu sei que é isso que acontece
nesses filmes mela-cueca que as mulheres tanto gostam.
— Filmes... — Hugh disfarça uma risada. — Sei.
Nico revira os olhos.
— Eu jamais levaria uma mulher para fazer essas coisas, porque
ela certamente acharia que eu estou apaixonado. Deus me livre
dessa porra. — Ele bebe o suco de um gole só e se levanta. — Vou
partir. Tenho coisas para resolver em Malibu.
Julia levanta também.
— Posso pegar uma carona com você? — ela pergunta.
— Claro.
Hugh olha para os dois, e depois fixa o olhar em Nico.
— Marchesi, se você tentar alguma coisa com a minha irmã...
Eu preciso controlar a risada, porque a preocupação é legítima.
— Relaxa, cara. — Nico dá dois tapinhas nas costas de Nash. —
Irmã de amigo é território proibido.
Julia suspira dramaticamente.
— Nossa, que pena — ela diz. Em seguida, abraça Laney,
ignorando a boca aberta e a ameaça de protesto do seu irmão. —
Seu casamento foi perfeito, amiga. Vocês são o casal mais lindo que
eu conheço. — Julia então olha para Hugh, e começa a rir. — Por
que essa cara? Até parece que você pensa que eu sou uma
florzinha virgem.
Nash balança a cabeça.
— Me poupe dos comentários sobre a sua vida íntima, Julia. —
Ele se levanta e puxa a irmã para um abraço de despedida. —
Prefiro achar que você não faz esse tipo de coisa.
A garota ri.
— Como ontem foi o dia do seu casamento, vou resistir à
vontade de te embaraçar na frente dos seus amigos e deixarei o
assunto quieto. — Ela segura o rosto do irmão com carinho. —
Sejam muito felizes, tá?
— Nós seremos.
Nico e Julia se despedem de mim e Samantha e entram na casa
para arrumar suas coisas. Sam olha para os recém-casados com
um sorriso.
— O que pretendem fazer hoje? — ela pergunta ao casal, já
novamente sentados na nossa frente, e então olha para mim. —
Talvez a gente devesse ir embora logo e dar privacidade aos dois.
Laney ri.
— Nem se preocupe com isso. Nós vamos terminar o café da
manhã e partiremos para outro destino — ela responde, enigmática,
e pisca para o marido.
Eu ergo as sobrancelhas.
— Você não tem treino amanhã?
Hugh termina de mastigar uma torrada e confirma com a cabeça.
— Estarei lá.
Eu e Samantha nos entreolhamos.
— Acho que é melhor parar de perguntar, antes que você acabe
sendo indiscreto — ela sugere, divertida.
Laney encosta a cabeça no ombro do marido.
— Não é nada demais. Reservamos uma suíte no Chateau
Marmont 1. Já que não podemos ir para a Europa ainda, passaremos
a noite num castelo em Los Angeles mesmo.
Olho para o meu amigo, impressionado.
— Ideia sua? — pergunto.
— Óbvio. — Hugh sorri. — Laney me transformou num
romântico.
Ela ri.
— Eu não fiz nada. Você sempre foi romântico comigo.
O running back coloca um dedo sobre os lábios da esposa.
— Não fala isso em público, amor. Vai arruinar minha imagem.
Os dois então se beijam — de um jeito bastante intenso,
inclusive. Eu olho para Samantha, que sorri de lado para mim. Se
eles vão embora daqui a pouco, isso significa que seremos nós a ter
esse paraíso particular só pra gente.
Assim que terminamos o café, Laney e Samantha vão andando
na frente, em direção à sala de estar, no maior papo. As duas
aparentemente se deram muito bem.
Hugh e eu vamos atrás, e ele fala no meu ouvido:
— Vocês podem ficar até a hora que quiserem. Sugiro um
passeio de jet ski.
Eu olho para o meu amigo, sem entender. Quando o canto de
sua boca se curva num sorriso sacana, entendo tudo e dou um soco
no seu braço.
— Você comeu a Laney num jet ski, seu maluco?
Ele ri.
— O sexo mais memorável da minha vida.
Eu balanço a cabeça.
— Não dá. Samantha é destemida demais para essas coisas.
Ela vai acabar fazendo alguma merda, e amanhã a notícia no jornal
será a morte de dois turistas irresponsáveis durante uma foda no jet
ski.
Nash ri alto, e as mulheres olham para trás.
— O que foi? — Laney pergunta.
— Nada — eu respondo, rápido. — Seu marido ri até do que não
tem graça.
Nenhuma das duas entende, mas ambas decidem ignorar o
assunto.
Ainda ficamos por mais algum tempo com eles na sala,
conversando. Samantha senta ao meu lado, e eu não resisto ao
impulso de colocar um braço sobre seus ombros e trazê-la mais
para perto de mim. Num primeiro momento, noto que seu corpo
enrijece um pouco. Não importa quanta intimidade a gente
compartilhe na cama — fora dela, Samantha frequentemente trava
com coisas pequenas.
Por fim, ela acaba relaxando e apoia a cabeça no meu peito,
enquanto eu faço um carinho distraído no seu cabelo. Laney e Hugh
trocam um olhar cúmplice depois de nos observarem por alguns
segundos. Sei o que eles estão pensando, e eu pensaria o mesmo.
Estar assim com Sam parece tão natural que qualquer pessoa
que nos visse acreditaria que somos um casal. Respiro fundo,
porque isso me incomoda muito menos do que deveria. Na verdade,
estar com ela parece tão certo que eu preciso me esforçar para me
lembrar dos motivos pelos quais, muito em breve, isso deixará de
existir.
36

RYKER
— QUANDO A SUA VIDA de astro da NFL te deu espaço para
aprender a surfar? — Samantha pergunta, andando ao meu lado na
praia privativa.
— Sempre tive esse desejo — explico, segurando a prancha
long board sob o braço. — Quando me mudei pra California, decidi
que era hora de aprender.
Cristaldi também surfa, e tem uma verdadeira coleção de
pranchas num depósito aqui na casa. Escolhi uma das maiores
porque, desde que descobriu que eu sei surfar, Sam está me
pedindo incessantemente para levá-la para o mar comigo.
Entramos na água, que está meio fria, mas, ainda assim,
tolerável, e eu explico como vai funcionar:
— Vamos lá — digo, segurando a prancha entre nós dois. —
Você vai sentar na parte anterior. Eu vou deitar e remar, até
chegarmos ao line up, que é o lugar onde esperamos a formação
das ondas.
— Certo. — Os olhos azuis brilham de empolgação.
— Se dermos sorte — continuo —, conseguiremos pegar uma
onda juntos. Porém, para dar certo, você ficará sentada e eu
deitado. Tudo bem?
— Claro.
— Ótimo.
Samantha me encara por alguns segundos.
— Considerando que você está celibatário há nove anos e só
aprendeu a surfar há oito, eu sou a primeira mulher que vai fazer
isso com você?
Meu corpo balança suavemente com o movimento das ondas
pequenas que passam por nós.
— Sim, Blue. — Olho para ela com intensidade. — Você é a
primeira.
Seu sorriso satisfeito me faz sorrir também.
— Que bom — ela diz.
Em seguida, dá um impulso para subir na prancha. Não
consegue na primeira tentativa, mas, na segunda, se equilibra
melhor e senta na parte anterior, como eu orientei. Eu mantenho o
contrapeso na parte de trás e então subo também, deitando atrás
dela.
— Está pronta? — pergunto.
— Sim!
Começo a remar, atravessando as primeiras ondas. Só
concordei em fazer isso porque o mar está calmo, e sei que o
máximo que pegaremos serão algumas marolinhas. Como eu sabia
que seria apenas uma brincadeira rápida, nem coloquei o short
john 1. Vim apenas com a sunga, e Samantha está usando um
biquini preto de cortininha que deixa seu corpo ainda mais
espetacular.
Quando chegamos ao line up, viro a prancha de lado em relação
à arrebentação e aviso:
— Vamos esperar uma série boa agora.
— Está bem.
Sam olha para trás, franzindo o nariz arrebitado ao sorrir pra
mim. O vento bagunça seu cabelo loiro, jogando-o no seu rosto.
Meu coração se aperta de um jeito estranho ao observá-la, e eu
tenho certeza de que estou diante da mulher mais linda da porra do
planeta inteiro.
Pouco tempo depois, vejo uma formação que parece suficiente
para o que eu planejei fazer.
— Vamos tentar nessa — aviso.
Viro a prancha e começo a remar com força. Para a nossa sorte,
conseguimos entrar na onda. Não é grandes coisas, a velocidade
não é alta por tratar-se de uma onda pequena. Mas, ainda assim, os
gritinhos animados de Samantha me fazem sorrir.
— Meu Deus, isso foi incrível! — ela diz, virando para trás
quando chegamos à arrebentação. — Podemos fazer outra vez?
Mexo um pouco o ombro direito, que não está doendo. A
orientação do ortopedista foi tentar manter o máximo possível de
atividades que não me provocassem dor.
— Podemos. Vamos lá.
Umas quatro ondas depois, levo a prancha para uma área
depois do line up e mais para o canto esquerdo da praia, onde o
mar está bem calmo. O sol está brilhando com intensidade, já que
viemos no horário mais quente do dia para não passar tanto frio.
Ainda que isso aqui seja a Califórnia, já estamos no final de outubro.
Nós sentamos, frente a frente, e eu noto que a pele dela está
arrepiada com a brisa.
— Está com frio? — pergunto, puxando-a para mais perto de
mim.
Nós dois mantemos as pernas para fora da prancha, dentro da
água.
Samantha coloca as coxas sobre as minhas, encaixando-se no
meu corpo. Ela envolve meu pescoço com os braços e sorri,
maliciosa.
— Não muito. Mas não vou me importar se você me esquentar.
Eu mordisco seu lábio inferior, num beijo sem pressa. Sam geme
baixinho, e meu pau endurece na mesma hora. Notando a ereção, a
safada começa a rebolar de levinho no meu colo.
— Samantha... — repreendo, em tom de alerta.
— O que foi? — ela pergunta, em tom inocente.
Em seguida, olha para os lados e solta a corda que prende a
parte de cima do biquíni.
Os seios grandes e perfeitos ficam completamente expostos, e
meu olhar vai até eles como um imã.
— Você está maluca? — pergunto, sentindo meu pau latejar.
— Estou — Samantha responde, inclinando o tronco para trás e
empinando os peitos na minha direção. — Maluca de vontade de
sentir sua boca em mim.
Solto um grunhido e abaixo a cabeça, abocanhando um mamilo.
Sugo até senti-lo completamente durinho contra a minha língua,
enquanto estimulo o outro com os dedos. Aperto seu peito e começo
a chupar com movimentos repetidos, já completamente
enlouquecido de tesão.
Samantha crava as unhas nas minhas costas e joga a cabeça
para trás. O cabelo longo encosta na prancha, enquanto ela rebola
cada vez mais rápido no meu pau.
— Me faz gozar... — ela sussurra. — Por favor.
Eu a levanto um pouco, afastando-a de mim e colocando-a mais
na ponta da prancha. Em seguida, deito e peço:
— Tira esse biquini e senta na minha cara.
Samantha me olha, com uma mistura de surpresa e desejo, e faz
o que eu pedi. O processo demora um pouco, porque ela se
desequilibra com o balanço da prancha, mas acaba conseguindo.
Por sorte, essa long board é realmente grande e estável dentro do
possível.
Sam posiciona as coxas ao lado da minha cabeça, e aproxima a
boceta melada da minha boca. Só de sentir seu cheiro, meu pau dá
um espasmo. Eu sou completamente alucinado por essa mulher.
Seguro seu quadril, para ajudar a firmá-la, e lambo toda a sua
extensão. Sam geme alto, e meus dedos pressionam a pele macia
com mais força. Enfio a língua na sua entrada, antes de colocar o
clitóris inchado entre os lábios e começar a sugar.
— Cacete, Ryker — ela ofega.
Continuo chupando a bocetinha lisa e melada, me deliciando
com o sabor único que Samantha tem. Eu poderia ficar aqui por dias
inteiros, e jamais me cansaria do seu gosto ou da textura macia das
suas dobras.
Quando percebo que a respiração da minha garota fica mais
irregular, sei que ela está muito perto. Massageio seu ânus pelo lado
de fora com o polegar, sem parar de sugar seu ponto mais sensível,
e ela explode em mais um orgasmo delicioso.
Fazer essa mulher gozar é, sem qualquer dúvida, minha
atividade preferida de todos os tempos.
Samantha começa a escorregar pelo meu corpo, descendo, até
estar deitada por cima de mim. Ela me beija com paixão e eu aperto
sua bunda redonda, esfregando-a no meu cacete.
Com um olhar sacana, Sam ergue o corpo, senta sobre as
minhas coxas e abaixa a minha sunga, libertando minha ereção.
— Vou sentar em você em alto-mar, jogador — ela murmura, me
ajudando a descer a roupa de banho pelas pernas até retirá-la.
Sua mão levanta meu pau e Samantha agacha sobre ele,
posicionando a glande na entrada lambuzada. Ela desce devagar,
fechando os olhos numa expressão de prazer tão intenso que é
quase o suficiente para me fazer gozar.
Respiro fundo, controlando esse impulso, e deixo que Sam
assuma o controle. Ela vai encontrando o jeito aos poucos, se
mexendo devagar para equilibrar o balanço da prancha.
Fico observando, fascinado, o ponto onde nossos corpos se
unem. Meu cacete desaparece lentamente dentro da bocetinha
depilada quando ela desce até o fundo, gemendo e cravando as
unhas na lateral do meu tronco.
Ouvimos um barulho ao longe e, ao olhar para a direita, noto que
uma lancha está passando. Ao invés de travar com a situação,
Samantha me encara com uma expressão ainda mais safada e
morde o lábio inferior.
— Sempre sonhei em transar num lugar público — ela confessa.
— Me dá muito tesão saber que alguém pode estar vendo a gente.
Eu nunca tive essa fantasia em particular, mas a ideia não me
incomoda. Desde que seja eu a estar com ela, e somente eu, o
resto do mundo pode assistir e eu estou pouco me fodendo.
— Então vamos fazer o show valer a pena — digo.
Eu a ajudo a mudar um pouco a posição, ficando de joelhos ao
invés de agachada, e incentivo que Sam deite um pouco o tronco
sobre o meu peito. Assim que ela faz isso, eu agarro sua bunda e
começo a bombear o meu quadril, estocando com vontade.
Samantha revira os olhos de prazer, gemendo alto.
A lancha diminui a velocidade até parar. Há um casal no deck
frontal, e os dois olham na nossa direção sem nem tentar disfarçar.
Pela distância, não consigo ver seus rostos, e eles certamente não
conseguem ver os nossos. Somos apenas um casal anônimo,
trepando loucamente numa prancha de surf em uma praia deserta.
— Eles estão olhando pra cá, minha safada — murmuro no seu
ouvido, ofegante pelos movimentos intensos. Olho outra vez para a
lancha. — A mulher acaba de segurar o pau do cara e eles estão
masturbando um ao outro enquanto nos assistem.
— Puta merda, Ryker... — Sam morde o lábio inferior e olha na
direção dos nossos voyeurs. — Essa é a experiência mais erótica
da minha vida.
Alternamos entre nos perder no nosso próprio momento e
observar o outro casal, que agora está fodendo no deck da lancha.
Samantha tem razão ao dizer que isso é excitante pra caralho.
Em determinado momento, eu me desligo completamente do
mundo externo e me concentro apenas na minha garota. Coloco
uma mão entre os nossos corpos suados e começo a esfregar seu
clitóris com o polegar, porque sei que isso a deixa maluca.
Seu corpo começa a tremer, logo antes de Samantha soltar um
gemido alto e convulsionar num orgasmo avassalador em cima de
mim.
Sua boceta me aperta com tanta força que o meu próprio clímax
vem sem aviso. Eu ejaculo como um cavalo dentro dela, apertando-
a contra o meu corpo e gemendo seu nome num tom rouco.
A boca trêmula procura a minha, e esse beijo tem uma
intensidade completamente diferente de todas as outras. Eu seguro
seu rosto entre as mãos com desespero, e Samantha se entrega a
mim com total abandono.
— Eu preciso de você — murmuro, contra os lábios inchados. —
Preciso tanto de você...
Sam me encara, com um misto de medo e paixão. Eu volto a
beijá-la, agora com mais carinho. Deixo que meus dedos percorram
a lateral da sua bochecha, enquanto a outra mão acaricia as costas
nuas.
Ela deita a cabeça no meu peito e relaxa o corpo sobre o meu.
Fecho os olhos e ouço, à distância, o ruído do motor da lancha se
afastando. O mundo voltou a ser apenas de nós dois.
Suspiro, pensando no turbilhão de sensações que vem
crescendo dentro de mim.
Eu mantive tantas coisas sob controle nos últimos anos que é
assustador ver isso escapando entre os meus dedos justamente
com a mais importante delas.
Meu coração se transformou num trem desgovernado, em rota
inexorável de colisão, tudo porque eu não consegui evitar a única
coisa que jamais poderia ter acontecido.
Eu me apaixonei completamente por Samantha Carmichael, e
nada será capaz de mudar isso.
37

SAMANTHA
GUARDO NA GELADEIRA a salada de frutas que comemos
há pouco, quando chegamos do The Palace, e olho para Ryker. Ele
está sentado na banqueta da ilha da cozinha, distraído, lendo
alguma coisa no celular. Cruzo os braços, apoio o quadril na
bancada e aproveito para observá-lo.
Desde o nosso momento na prancha, ontem, notei que ele está
diferente. Depois do sexo mais surreal da minha vida, retornamos
para a mansão, tomamos um banho juntos, arrumamos as coisas e
voltamos para Malibu.
Durante todo esse tempo, Ryker esteve mais calado, mas não de
um jeito ruim. Ele parecia mais introspectivo, processando alguma
coisa, mas, diferente do início, não me manteve distante. Pelo
contrário. Sua mão frequentemente buscava a minha, ele tirava
mechas de cabelo do meu rosto com um olhar carinhoso e sorria
com mais frequência.
Confesso que essa mudança sutil de comportamento tem sido
um tanto perturbadora. Com aquele Lockhart ranzinza, dominador,
intenso, eu aprendi a lidar. Mas, quando ele mostra esse outro lado,
desorganiza tantas coisas dentro de mim que não sei se, em algum
momento, serei capaz de colocar tudo de volta no lugar.
Respiro fundo.
Só faltam dois dias para eu ir embora. Não tenho a menor ideia
de como será essa despedida, e minha maneira de lidar com a
situação tem sido evitar pensar nela. Eu voltarei para minha vida no
Kansas, e Ryker continuará em Malibu. Ponto final.
Certamente, ainda nos encontraremos no futuro, já que ele é
irmão de Annie. Nessas ocasiões, provavelmente nos olharemos de
longe, com sorrisos discretos, lembrando de tudo que aconteceu
entre nós.
O pensamento me causa uma onda de angústia, e eu o empurro
para longe.
— Vou brincar com os cachorros — aviso, desencostando o
quadril da bancada e começando a andar em direção ao jardim dos
fundos.
— Vou com você.
Ryker deixa o celular sobre a bancada e me segue pelo
gramado. Vou direto ao canil de Darth. Diferente do início, agora eu
já abro o portão direto e, assim que me vê, o cão levanta e vem me
cumprimentar.
— Oi, meu amor — digo, agachando e acariciando suas orelhas.
— Como foi seu dia?
Colo minha testa ao seu focinho, sem nenhum medo. Já faz
algum tempo que entendi que Darth nunca vai fazer nada para me
machucar. Ele fecha os olhos, recebendo o carinho em silêncio.
Eu levanto e chamo:
— Vamos brincar lá fora.
Vou andando para o gramado, seguida por Ryker e pelo
cachorro. Stevie Wonder, Bruce Willis e Charles Chaplin vêm
correndo, alegres, quando me veem pegar as bolinhas. Eu jogo uma
para cada um, e sorrio ao vê-los atravessando o terreno para buscá-
las.
Darth está em pé ao meu lado, apenas observando. Eu agacho
novamente e olho para ele.
— Você tem o direito de ser feliz, querido — digo, olhando no
fundo dos olhos escuros. — Sei que te tiraram isso, mas não precisa
ser para sempre.
Ele apenas me observa atentamente, como se me entendesse.
Ryker está ao meu lado, acompanhando a cena com uma
expressão indecifrável. Engulo um nó na garganta.
— Eu vou embora depois de amanhã — digo, ainda falando com
o cão e forçando as palavras a saírem. — Queria tanto partir
sabendo que você vai ficar bem...
Darth continua me encarando, com seus olhos profundos e
tristes. Respiro fundo e fico em pé, segurando uma bolinha
vermelha. Eu a sacudo na frente dele.
— Vamos lá, amigão. Eu sei que você consegue. Brinca comigo.
— Balanço a bolinha no ar outra vez, e noto um movimento discreto
das suas orelhas, como se estivesse em alerta. Já tentei jogar
brinquedos para ele inúmeras vezes, e nunca obtive uma reação.
Será que hoje vai ser diferente? Meu coração começa a bater mais
rápido. — Eu vou jogar. Traz a bolinha pra mim, Darth. — Atiro o
mais longe que eu consigo e grito: — Pega!
Após mais um instante de hesitação, ele olha na direção onde eu
atirei o brinquedo e começa a correr. Eu cubro a boca com as mãos
e sinto as lágrimas transbordando. Um braço forte envolve meus
ombros e me puxa para perto, me aconchegando ao peito largo.
— Você conseguiu, Blue. — A voz de Ryker vacila um pouco. —
Você fez o impossível.
Eu levanto o rosto para encará-lo, chorando e rindo ao mesmo
tempo.
— Na verdade, Darth conseguiu. O mérito é todo dele.
Ryker enxuga minhas lágrimas, com um sorriso orgulhoso e
emocionado.
Nesse momento, o cão volta, num trote rápido, trazendo a
bolinha na boca. Agora é Ryker quem a segura e atira com força.
— Pega!
O rottweiler sai correndo ainda mais rápido, dessa vez sem
hesitação. Os outros cães trazem suas bolinhas e cordas também,
para participar da brincadeira.
Passamos quase uma hora fazendo isso. Jogando os
brinquedos, correndo com eles na grama, rindo alto. Darth consegue
interagir melhor com os outros cachorros, que o incluem em suas
brincadeiras de morder de leve e rolar no chão.
Depois de atirar uma cordinha pela centésima vez, Ryker senta
na grama, parecendo cansado.
— Nossa — ele diz, com um sorriso ofegante —, esse treino foi
mais intenso que o dos jogadores hoje de manhã.
Eu sento entre as suas pernas e me aconchego a ele.
— Como está indo o Jared?
Ryker acaricia meu cabelo, distraído. Os cachorros também
parecem cansados e vão se acomodando ao nosso redor. Darth
deita ao meu lado e relaxa a cabeça entre as patas, parecendo mais
leve pela primeira vez desde que eu cheguei.
— O garoto é muito bom — Ryker diz. — E tem sede de
aprender, o que é ainda melhor. Tem sido uma experiência bem
interessante treiná-lo.
Eu sorrio.
— Tenho certeza de que você sempre fará coisas brilhantes, não
importa onde esteja. — Levanto o rosto para encará-lo. — Já
considerou isso como possibilidade para o seu futuro?
— O quê? — ele pergunta.
— Treinar outros jogadores.
Ryker fica encarando o horizonte, colorido pelos tons alaranjados
do pôr-do-sol.
— Eu nunca tinha pensado muito no futuro. Sempre preferi viver
o presente. — Ele olha então para mim. — Tem uma coisa que eu
nunca contei para ninguém.
Eu mantenho minha atenção nele.
— O quê?
— Quando eu era mais novo, cheguei a sonhar com a ideia de
criar um local de treinamento para jovens carentes. — Ryker engole
em seco. — Eu venho de uma família pobre, cresci sem meus pais,
e sei como é difícil para alguém que vem de situações assim evoluir
no esporte.
Eu me ajeito, para conseguir vê-lo melhor.
— E por que não faz isso?
Ele ergue um ombro.
— Não sei. Já faz muito tempo que decidi parar de fazer planos
e traçar apenas metas de curto prazo.
Faço um carinho suave na sua barba por fazer,
— Pois eu acho essa ideia incrível. Você certamente mudaria a
vida de centenas de jovens, que só precisam de uma oportunidade
como essa para transformar seu futuro.
Ryker me encara por alguns segundos antes de colar a testa na
minha, de olhos fechados.
— Eu não quero que você vá embora — ele murmura, me
pegando completamente de surpresa.
Meu coração para por dois segundos, antes de voltar a bater
num ritmo frenético.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto, com a voz
oscilante.
Os olhos azuis-esverdeados encontram os meus, que estão
arregalados de pânico. Ryker sorri, de leve.
— Calma. — Seu polegar desliza suavemente pela minha
mandíbula. — Só estou sugerindo que você fique um pouco mais.
Tem algum compromisso te esperando no Kansas?
Engulo em seco.
Não, não tem. O plano é tentar conseguir um emprego, mas
ainda não tenho nada em vista. Adoraria trabalhar com atletas, mas
essas vagas são raras e muito disputadas. O mais provável é que
eu passe mais algum tempo atendendo mesas como garçonete para
me sustentar, até arranjar algo melhor, e continue morando com
meu pai, minha madrasta e meu irmão.
O prospecto não é muito animador, mas... ficar aqui? Com ele?
As ondas familiares de angústia vão começando a surgir.
As últimas semanas foram, sem nenhuma dúvida, as melhores
da minha vida. Não apenas pela vivência profissional maravilhosa,
pelos passeios incríveis ou pelo lugar espetacular. Sei que o que
tornou tudo inesquecível foi a presença de Ryker Lockhart.
O jogador que me despertou os impulsos mais selvagens, que
me tirou do eixo desde o primeiro momento, que sacudiu meu
mundo com as experiências mais extraordinárias.
O homem que redefiniu o significado da palavra prazer, mas que
foi muito além disso. Ryker me fez sentir não somente desejada,
mas também respeitada, admirada, valorizada e segura, de uma
forma completamente inédita. É como se, ao lado dele, não
houvesse limites.
Mas eu sei que há.
Tudo isso não passa de uma ilusão. Eu não posso permitir que
Ryker entre de vez no meu coração, porque algo assim seria como
pular de um penhasco sem paraquedas.
Desvio o olhar antes de mentir:
— Na verdade, sim. Tenho algumas entrevistas de emprego
agendadas. — Ofereço um sorriso falso. — Um estágio no Sharks
faz maravilhas pelo currículo de qualquer pessoa.
Ele parece querer dizer algo, mas desiste. Apenas assente,
olhando para o horizonte.
— Que bom, então.
O clima entre nós fica pesado, e eu vou ficando cada vez mais
angustiada. Numa tentativa ansiosa de reverter essa situação e
aproveitar o finalzinho do nosso tempo juntos, levanto e chamo:
— Vamos tomar um banho?
Ryker me olha, como se tentasse decifrar cada um dos meus
segredos. Esfrego as palmas suadas no short, torcendo para que
ele não perceba o quanto estou vulnerável. Por um momento, fico
com medo de que ele negue e se afaste de mim. Não sei se eu seria
capaz de suportar isso, sabendo que estarei perdendo momentos
preciosos que eu nunca mais poderei recuperar.
Ao invés disso, ele fica em pé e estende a mão. Eu a seguro,
aliviada.
— Pensei em deixar o Darth dormir dentro de casa essa noite —
Ryker diz. — O que você acha?
O fato de ele estar valorizando a minha opinião num assunto tão
importante me faz ter vontade de chorar. Me controlo e sorrio.
— Acho uma ideia excelente.
Nós chamamos os cães, que começam a nos acompanhar. Darth
fica parado no lugar, como se entendesse que não faz parte desse
momento em família. Ryker vai até ele, agacha na sua frente e
sussurra algumas palavras para o animal, que eu não consigo ouvir.
Em seguida, fica em pé outra vez e começa a chamá-lo. Darth
hesita por alguns segundos, olha para mim, e então começa a vir
junto conosco para o interior da casa pela primeira vez. Ryker fecha
a porta de vidro da varanda assim que todos nós entramos, e os
cães se acomodam no tapete felpudo da sala. Darth cheira tudo e,
por fim, deita também, parecendo exausto e feliz.
Meus olhos umedecem outra vez e eu pisco para disfarçar.
— Você me deve um banho, jogador — digo, em tom brincalhão,
para amenizar o clima.
Nós entramos no chuveiro juntos e eu começo a provocá-lo,
precisando desesperadamente da única forma de conexão que eu
posso ter com ele. Lockhart me possui com a mesma intensidade de
sempre, contra a parede do box, levantando meu cabelo e beijando
meu pescoço enquanto me penetra.
Só que, dessa vez, ao invés de sussurrar putarias no meu
ouvido, ele diz apenas:
— Eu sou seu, Blue. — Ryker me abraça ainda mais, colando
cada centímetro dos nossos corpos. — Agora, a decisão está nas
suas mãos.
Eu fecho os olhos com força, incapaz de responder.
Tento me transportar para algum lugar onde aquele dia, há três
anos, nunca tivesse acontecido. Onde minha vida nunca tivesse
mudado, e meu presente e meu futuro pudessem ser do jeito que eu
planejasse.
Depois que saímos do banho, sentamos para jantar. Falamos
pouco durante a refeição, mas o olhar de Ryker permanece mais
intenso do que nunca. Guardamos os pratos e talheres na lava-
louças juntos, e então vamos para o quarto.
Tiramos as roupas leves que colocamos, já que ambos gostamos
de dormir nus. Eu me acomodo sob as cobertas, e ele na mesma
hora me abraça por trás, me puxando para mais perto. Meu corpo
se encaixa ao seu com perfeição.
Fecho os olhos e me permito viver apenas esse instante. Uma
fração de tempo em que eu quase consigo acreditar que posso ter
tudo que eu sempre desejei.
38

SAMANTHA
ODEIO DESPEDIDAS. Especialmente aquelas em que eu sei
que a probabilidade de reencontrar as pessoas algum dia é quase
nula.
Denise me envolve num abraço apertado, e eu retribuo.
— Não acredito como passou rápido — a nutricionista diz, antes
de me soltar, mantendo as mãos nos meus ombros. — Me prometa
que você usará todo o conhecimento que adquiriu nas últimas
semanas para ser uma profissional ainda melhor.
— Prometo.
— E, o mais importante de tudo: nunca desista dos seus sonhos.
A frase foi dita com a melhor das intenções, mas provoca um nó
desconfortável na minha garganta. Faço um esforço para sorrir.
— Muito obrigada por tudo. Jamais esquecerei você.
Ela me dá mais um abraço rápido e eu saio da sala da nutrição.
Vou caminhando pela última vez pelos corredores do departamento
médico do Sharks, tentando memorizar cada detalhe: a cor azulada
do piso acarpetado, as paredes brancas decoradas com fotos de
jogos históricos do time, o cheiro suave de produto de limpeza.
Mais cedo, eu já me despedi de várias outras pessoas —
Sabrina, a dra. Carolina, outros membros da equipe técnica... Todos
me fizeram prometer que eu manteria contato, e me desejaram
muito sucesso. Nunca me senti tão parte de alguma coisa como
nesse mês que passei no Malibu Sharks.
Aperto o botão do elevador, e olho ao redor do prédio moderno e
luxuoso. O The Palace é mais que uma sede de time. É um lugar
acolhedor, onde todos dão o seu máximo para alcançar resultados
cada vez melhores. Entendo perfeitamente por que Ryker considera
esse centro de treinamento como uma segunda casa, e o apego que
ele tem ao Sharks. Não tenho base de comparação com outros
times, mas acho difícil que sejam tão fantásticos quanto esse.
Atravesso o andar térreo até os fundos, onde fica o campo. Paro
na lateral do gramado e inspiro profundamente. O cheiro de grama
recém-cortada invade minhas narinas, e eu sorrio. Me sinto tão bem
nesse ambiente que não me importaria de passar o resto da vida
trabalhando com esse esporte admirável.
Meu olhar vasculha o campo até encontrar Ryker. Ele está dando
algumas instruções a Jared, no último treino antes do jogo que eles
têm na Filadélfia amanhã à noite.
Ryker vai acompanhar o time, para dar um apoio. Será o
primeiro jogo em que ele estará assistindo de fora, desde o
acidente, e imagino que isso não seja fácil. Meu coração se aperta
ao pensar que, quando Ryker chegar, eu não estarei lá para recebê-
lo, perguntar como foi e apoiá-lo de alguma forma. Cada um de nós
estará novamente por conta própria assim que eu colocar os pés no
avião de volta para casa.
Estou tão perdida em pensamentos que me assusto ao sentir
uma mão no meu ombro. Viro para trás e me deparo com Hugh.
— Soube que é seu último dia — o running back diz.
— Sim. — Forço um sorriso. — Meu voo é amanhã na hora do
almoço.
Nash balança a cabeça em concordância, pensativo. Após
alguns segundos, diz:
— Às vezes, as coisas que parecem mais improváveis são
exatamente aquelas das quais nós mais precisamos. Só que
enxergar isso é difícil pra caramba.
Eu fico em silêncio, sem saber como responder. Hugh me puxa
para um abraço e, ao me soltar, sorri.
— Espero que você seja muito feliz, Samantha.
— Obrigada — murmuro, ainda meio confusa com essa
conversa.
Ele acena e retorna para o campo. À distância, Nico olha na
minha direção, coloca a mão fechada sobre o coração e aponta com
ela para mim depois, com uma piscadinha. Eu sorrio, mandando um
beijo de longe.
Sentirei muita falta de todo esse grupo incrível. Com uma
profunda sensação de vazio, eu dou as costas para o campo e vou
andando em direção ao hall principal do The Palace.
Tenho algo muito importante a fazer agora, mas que ninguém
pode saber. Inventei para Ryker que eu queria ver o píer de Santa
Monica durante a semana, quando ele fica menos cheio, e voltaria
para casa mais tarde. Ele naturalmente se ofereceu para ir comigo,
mas eu neguei, alegando que precisava fazer isso sozinha.
Peço um Uber e dou o endereço de uma cafeteria discreta em
Santa Monica. Assim que chego ao local, ocupo uma mesa de
canto, que oferece uma relativa privacidade.
Peço um chá de camomila na esperança de que a bebida ajude
a me acalmar. Esfrego as palmas suadas na calça jeans e respiro
fundo. Assim que a garçonete me serve, eu bebo um gole do líquido
aromático e fumegante, olhando ao redor do pequeno
estabelecimento como se, a qualquer momento, um policial fosse
entrar aqui e me prender outra vez por falsidade ideológica. Confiro
as horas na tela do celular. Ela está seis minutos atrasada, e fico
com receio de que não apareça.
Aproveito esse tempo para abrir o aplicativo de gravação, apertar
o botão para gravar e colocar o celular sobre a mesa com a tela
virada para baixo, meio escondido atrás do porta-guardanapos.
Um barulho na porta chama a minha atenção e meu coração
dispara quando vejo quem está entrando. Ela está igualzinha às
fotos do Instagram, tão bonita quanto. Daisy Bucks atravessa o
estabelecimento com um andar confiante, observando as mesas e
jogando os longos cabelos ruivos sobre os ombros. Eu aceno, e ela
sorri ao me ver.
Levanto e estendo a mão assim que a aspirante a atriz chega até
onde estou, num canto reservado da cafeteria.
— Samantha Jones? — ela pergunta, me cumprimentando com
elegância.
Dei um nome falso, com medo de que meu sobrenome, de
alguma forma, a fizesse descobrir minha conexão com Ryker.
— Sim. Como vai, Daisy?
— Muito bem. — A ruiva puxa uma cadeira à minha frente e se
senta. — Tenho apenas trinta minutos. Acha que é o suficiente para
a entrevista?
— Com certeza — respondo, depois de me sentar também. —
Procurarei ser bem objetiva.
Fiquei durante vários dias amadurecendo essa ideia louca de
encontrar a mulher que arruinou a vida de Ryker. Num primeiro
momento, eu a procurei no Google por curiosidade. Acabei achando
sua página no Instagram, e descobri que Daisy mora em Los
Angeles. Faz sentido, considerando que é uma aspirante a atriz.
Vi que ela está fazendo parte de uma peça com outros atores
desconhecidos, com a intenção de arrecadar fundos para uma
instituição de caridade. Isso me deu a ideia de entrar em contato
através do e-mail disponível no seu perfil, usando uma conta falsa, e
fingir que sou uma estagiária de jornalismo de um site que publica
basicamente fofocas sobre a vida de celebridades. Disse que achei
muito interessante a ideia da peça com intuito beneficente e o site
me autorizou a entrevistá-la, prometendo publicar a matéria se
ficasse boa.
Daisy me respondeu dizendo que tinha interesse, mas estava
fora da cidade por alguns dias. Combinamos então para hoje, terça-
feira — o último dia antes de eu viajar.
Ela pede uma água ao garçom e, em seguida, olha para mim.
— Bem, podemos começar, então. — A mulher entrelaça os
dedos sobre a mesa.
— Ótimo. — A verdade é que não pensei em todos os detalhes
dessa loucura, mas preciso encontrar uma maneira de descobrir o
que realmente aconteceu naquele dia. — Quando você decidiu que
queria ser atriz?
Ela me encara com seus olhos verdes maquiados.
— Não quer anotar?
— Não precisa.
Bucks dá de ombros e começa a contar sobre como adorava
atuar desde criança, participando de peças no colégio e fazendo
apresentações para sua família.
— De onde você é? — pergunto.
— De Glendale, Arizona — Daisy informa, com um certo
desdém. — Se não conhece, não está perdendo nada.
A mulher faz uma pequena careta.
— E como veio parar em Los Angeles?
Ela sorri.
— As melhores oportunidades estão aqui, e eu precisava estar
perto delas.
— Quando você se mudou para cá?
Depois de pensar por alguns segundos, a ruiva responde:
— Há nove anos.
Exatamente o mesmo tempo desde que você extorquiu o
dinheiro de Ryker.
Sorrio, para disfarçar minha raiva.
— E por que não veio antes, se não gostava da sua cidade?
O garçom chega com a água e Daisy bebe um gole, antes de
dizer, casualmente:
— Eu precisava juntar um dinheiro, porque o custo de vida aqui é
muito alto. Assim que consegui, deixei tudo para trás em busca do
meu sonho.
Eu apoio os antebraços sobre a mesa e inclino o tronco para
frente.
— Entendi, Daisy. Agora, me explica uma coisa: quão
conveniente foi para você receber duzentos mil dólares de uma vez
só, exatamente nessa época?
O rosto da atriz empalidece. Ela olha ao redor, como se tivesse
medo de que outras pessoas tivessem ouvido minha última frase.
— Não sei do que você está falando — Bucks murmura,
totalmente desconcertada.
— É óbvio que sabe. — Fixo meu olhar no dela, com firmeza. —
Você tem alguma ideia da devastação que causou na vida de Ryker
Lockhart depois do que alegou? A respeito do suposto abuso que
sofreu?
Suas mãos começam a tremer incontrolavelmente.
— Quem é você? — ela pergunta, com a voz vacilante.
— Sou alguém que conhece Ryker e se importa demais com ele
para permitir que carregue pelo resto da vida o peso da culpa por
um crime que não cometeu. Aquilo destruiu a vida dele. — Seguro
sua mão gelada sobre a mesa, obrigando-a a olhar para mim. — Me
responda a verdade, Daisy: você foi estuprada por Ryker? Ou
inventou a história toda para conseguir dinheiro?
Seu queixo treme e ela começa a chorar. Retira a mão que eu
estava segurando para enxugar as lágrimas com um guardanapo de
papel. Eu fico em silêncio, esperando que ela se acalme. Quando
isso por fim acontece, Daisy me encara com os olhos vermelhos e a
maquiagem borrada.
— Você não tem ideia do que eu passei — ela murmura. — Fui
espancada pelo meu padrasto por anos e, por muito pouco, não fui
violentada por ele. Eu precisava sair daquela casa, precisava ir
embora, mas eu não tinha dinheiro.
— Isso não te dá o direito de fazer o que você fez — respondo,
seca.
— Eu sei. — Ela desvia o olhar por alguns segundos, antes de
conseguir olhar para mim de novo. — Mas eu estava desesperada.
Respiro fundo.
— Estou aqui para te oferecer uma chance de consertar parte do
estrago monstruoso que você causou.
Ela me encara, insegura.
— Como?
— Deixando que Ryker saiba toda a verdade e possa, assim,
tirar esse peso horrível dos ombros.
Daisy pensa por vários segundos. Por fim, balança a cabeça em
negativa.
— Eu não sou uma pessoa ruim, minha intenção nunca foi fazer
mal a Lockhart. Pensei que, para ele, seria apenas dinheiro. Nada
muito relevante, para alguém tão rico quanto um jogador da NFL.
— Ele não era rico na época, mas isso não vem ao caso. Você
arruinou a vida de Ryker, Daisy. Ele jamais superou o que acredita
que fez com você, e sofre as consequências disso até hoje. A
pergunta é: está disposta a tentar reparar, ainda que num pequeno
grau, o erro gigantesco que você cometeu?
Ela me olha, desconfiada.
— O que eu precisaria fazer?
— Gravar um depoimento, explicando o que realmente ocorreu
naquela noite. Não pretendo mostrar isso a ninguém além de Ryker
e, honestamente, acho que ele também não. Minha única intenção é
que ele se livre da culpa por essa injustiça.
Daisy fica em silêncio por vários segundos.
— Não vou fazer isso. Vocês podem usar essa gravação contra
mim, e eu não quero ir para a cadeia.
Eu começo a suar de nervoso. Estou prestes a blefar, e só posso
torcer para que funcione. Pego meu celular, desbloqueio e mostro
para ela a tela da gravação em andamento.
— É um pouco tarde para isso, Daisy. Eu estou gravando toda a
nossa conversa desde que você chegou. Vou te dar uma escolha:
eu posso levar essa gravação e convencer Ryker a te processar, ou
posso apagá-la e nós gravamos outra, onde você confessa o que
fez apenas para que eu possa mostrar a ele e ajudá-lo a virar de vez
essa página.
A ruiva fica ainda mais pálida e eu tento disfarçar o tremor na
mão recolhendo o telefone outra vez. A verdade é que gravações
não autorizadas dificilmente terão algum valor num processo
judicial, mas eu torço muito para que ela não saiba disso.
Os segundos se arrastam, enquanto eu aguardo que Daisy
responda.
— Tudo bem — ela concorda, por fim.
Meu alívio é indescritível. Puxo o ar devagar, tentando fazer meu
coração parar de socar meu peito. Pauso a gravação e começo
outra, depois de prometer a ela que o arquivo anterior será apagado
assim que terminarmos de gravar este.
— Daisy Bucks, vamos conversar sobre uma noite, há nove
anos, quando você conheceu Ryker Lockhart. Como chegou a ele?
Ela bebe um gole longo de água, antes de responder:
— Uma amiga minha já tinha ido pra cama com Lockhart. Nós
tínhamos 19 anos na época. Ela contou que ele adorava um sexo
mais bruto e, frequentemente, ficava bastante bêbado nas festas.
Consegui me infiltrar em uma delas, conquistei sua atenção e nós
fomos para o seu apartamento depois. — Daisy engole em seco. —
Assim que começamos a transar, eu o provoquei, pedindo mais
intensidade.
— Que tipo de intensidade? Seja bem específica.
Os olhos verdes me encaram com um pouco de raiva, mas a
garota responde minha pergunta.
— Pedi que me batesse, inclusive no rosto, que me amarrasse,
amordaçasse e usasse um chicote.
— E por que você fez isso?
Ela baixa o olhar, constrangida.
— Quanto mais marcas, melhor.
Ainda sinto a raiva fervendo, mas procuro manter o controle.
— Por que as marcas eram importantes, Daisy?
A mulher não consegue voltar a olhar para mim.
— Porque eu pretendia chantageá-lo por dinheiro, ameaçando
denunciá-lo por estupro. Eu menti, dizendo para Ryker que ele me
violentou.
Meu ódio é tão grande que a mão que está segurando o celular
entre nós duas treme de nervoso. Firmo melhor o braço sobre a
mesa antes de continuar:
— Você quer dizer, então, que Ryker não te forçou a nada?
— Não.
— Tudo que aconteceu naquele dia foi consentido e, inclusive,
incentivado por você?
— Sim — ela responde, entre dentes.
— O que você gostaria de dizer a Ryker nesse momento?
Daisy finalmente ergue o rosto outra vez e me encara, com os
olhos arregalados. Acho que não esperava por essa pergunta. Com
um gesto de cabeça, eu aponto para o celular e a incentivo a
responder.
Após um suspiro, a mulher finalmente diz:
— Que eu sinto muito pelo mal que causei. Eu tinha só 19 anos,
era imatura e estava desesperada para fugir do meu padrasto
abusivo. Jamais imaginei que teria consequências tão graves. — Ela
engole em seco. — Eu posso tentar dar um jeito de pagar o valor de
volta. Só não consigo fazer isso de uma vez só, porque não tenho
esse dinheiro.
Pela primeira vez desde o início dessa conversa, eu consigo
sentir pena de Daisy Bucks. Ela cometeu um crime, devastou a vida
de uma pessoa inocente, mas conheço o sentimento de impotência
frente a uma situação desesperadora. No fundo, ela foi movida por
um instinto de sobrevivência.
Eu desligo o gravador e olho para ela.
— Você feriu uma pessoa importante demais para mim, Daisy.
Por isso, é difícil ter qualquer empatia pelo seu lado nessa história.
— Respiro fundo. — Ainda assim, não te desejo mal.
Os olhos verdes da mulher marejam outra vez.
— Juro que não sou uma pessoa horrível. — Ela enxuga mais
uma lágrima que escorreu. — Se eu pudesse voltar atrás, sabendo
agora o tamanho do mal que eu causei, não faria isso de novo.
Tentaria buscar outra saída.
Alcanço sua mão e aperto de leve.
— Obrigada por ter feito a gravação. Não acho que Ryker queira
aquele dinheiro de volta. Ele precisa apenas se sentir em paz.
Ela assente e se levanta.
— Desculpe mais uma vez. — Daisy coloca os óculos escuros e
sai da cafeteria de cabeça baixa.
Eu fico com o olhar perdido, pensando em tudo que acaba de
acontecer. Peço a conta, pago e saio da cafeteria meio desnorteada.
Decido então fazer o que eu inventei que faria, e vou caminhando
até o píer de Santa Monica.
Ando pelo calçadão não tão cheio, e encontro um banco
desocupado. Depois de sentar, pego meu celular, abro na gravação
e aperto o play, colocando o aparelho no ouvido.
Ouço novamente o depoimento da mulher que destruiu a vida de
Ryker, como se não bastasse a devastação causada pela sua
esposa. Ele realmente não merecia nada disso. Por fim, guardo o
telefone na bolsa e fico olhando para o horizonte por um longo
tempo, enquanto o dia vira noite.
É surreal o quanto esse homem se tornou importante para mim.
Nunca senti por ninguém o que eu sinto por ele, e sei que jamais
sentirei. A lembrança de que, em menos de 24 horas, eu estarei do
outro lado do país e precisarei dar um fim à minha relação com
Ryker dói fisicamente.
Ao menos, depois do meu gesto impulsivo, eu terei a esperança
de que ele consiga deixar o passado no passado e ser feliz.
Mesmo que não seja ao meu lado.
39

RYKER
JÁ É noite quando eu ouço o barulho da porta da minha casa se
abrindo. Viro em direção à entrada e sinto um alívio imediato ao ver
Samantha cruzando a soleira. Mandei uma mensagem mais cedo
perguntando se tinha conseguido chegar a Santa Monica, e ela
respondeu que sim. Só que isso já faz quase duas horas, e eu fui
ficando tenso sem saber se estava tudo bem.
Ela tranca a porta e apoia suas coisas sobre o aparador. Vem
então andando até mim no sofá, senta no meu colo e me envolve
num abraço apertado. Eu retribuo, aspirando o perfume gostoso do
seu cabelo.
— Como foi o passeio? — pergunto.
Sam se afasta um pouco e faz um carinho no meu rosto.
— Eu menti pra você — ela diz, me pegando de surpresa.
— Mentiu? — Franzo as sobrancelhas. — Por quê?
Samantha mantém o olhar fixo no meu.
— Antes de ir ao píer, eu estive em outro lugar. Precisava fazer
uma coisa importante, Ryker.
— Fazer o quê?
Ela sorri um pouquinho.
— Sei que fui um tanto intrometida, e espero que você não fique
chateado. Minha intenção foi a melhor possível.
Começo a ficar um pouco tenso.
— Do que você está falando, Blue?
— Eu encontrei Daisy Bucks.
Meu peito fica gelado e o ar trava nos meus pulmões apenas por
ouvir esse nome. Samantha nota minha reação e segura meu rosto
entre as duas mãos.
— Sei que esse assunto é sensível, mas preciso que você me
escute — ela pede.
Eu assinto, ainda desnorteado com a informação.
— Pode falar.
— Eu localizei o contato dela pela internet, fingi que era uma
jornalista e a convenci a me encontrar em Santa Monica, já que ela
está morando em Los Angeles. Fiz isso porque eu sempre tive
certeza de que a culpa daquela história era apenas dela, mas
precisava confirmar essa informação.
Corro a mão pelo cabelo, nervoso.
— Sam, você não precisava se expor dessa forma. Eu
entenderia se preferisse manter distância de mim, sabendo que eu
posso ter cometido um ato tão abominável quanto forçar uma
mulher. Eu jamais te culparia por isso, por mais que me doesse.
Ela sacode a cabeça.
— Todos os indícios daquela história apontavam pra sua
inocência, Ryker. Conhecer você, ver a enormidade da punição que
impôs a si mesmo pela suspeita de ter machucado a garota e as
circunstâncias estranhas do que aconteceu já foram o suficiente
para mim. Quem precisava dessa confirmação não era eu, e não foi
por mim que eu a procurei.
Eu a encaro, sem entender.
— O que quer dizer com isso?
Ela pega o celular, abre um aplicativo e aperta o play numa
gravação. Ouço primeiro a voz dela e, em seguida, a de Daisy —
uma voz que eu nunca esqueci e que me atormentou por anos em
pesadelos horríveis.
Pelos próximos minutos, eu escuto, atônito, a mulher confessar
que tudo não passou de uma armação para conseguir dinheiro.
Daisy diz, com todas as letras, que cada situação que ocorreu
naquela noite foi consentida, e inclusive incentivada por ela, com o
intuito de simular uma violência sexual.
O alívio que toma conta de mim é tão grande que eu começo a
tremer. Lágrimas escorrem pelo meu rosto, e eu o cubro com as
mãos, quase sem acreditar que finalmente estou livre desse peso
monstruoso.
Samantha me abraça, e eu a envolvo com tanta força que fico
com medo de machucá-la. Essa garota não tem a menor noção do
que acabou de fazer por mim.
— Você é a pessoa mais incrível que eu conheço, Blue —
sussurro no seu ouvido, com a voz embargada. — Eu nunca serei
capaz de te agradecer por isso.
Ela chora também, me apertando contra si.
— Eu não podia deixar essa injustiça continuar, Ryker. A última
pessoa que merecia sofrer por algo que jamais seria capaz de fazer
é você.
Eu seguro seu rosto e a beijo com uma ânsia inexplicável.
Samantha corresponde, com completo abandono, e eu a levanto do
sofá junto comigo. Preciso fazer mais do que falar, preciso mostrar a
ela o que eu sinto.
Um amor avassalador, que só aumenta a cada dia e cada vez
que ela me surpreende, como hoje.
Assim que chegamos ao meu quarto, arrancamos nossas roupas
sem nenhum cuidado e caímos juntos na cama. Ela deita de frente
para mim e eu imediatamente a cubro com o meu corpo.
Levo uma mão à sua boceta, confirmando que está pronta para
me receber, e me enterro nela numa estocada única. Fecho os olhos
por alguns instantes, dominado pela sensação inebriante de estar
dentro da mulher que eu amo, e então começo a me mover devagar,
segurando seu rosto entre as minhas mãos. Beijo sua boca, suas
bochechas, seus olhos, sua testa.
— Eu me apaixonei por você, Blue — murmuro, junto aos seus
lábios, movendo o quadril numa cadência lenta. Samantha me
encara, com uma expressão de pavor, e fecha os olhos em seguida.
— Não quero te assustar, meu amor. Mas preciso que você saiba
que eu te amo desesperadamente, e não quero que você vá
embora.
Ela se agarra a mim, apertando com força.
— Ryker, não... — ela sussurra. — Por favor, não diz isso.
Eu não tenho ideia dos motivos para ela ter tanto medo, mas
pretendo ajudá-la a superar cada um deles. Não consigo mais
imaginar minha vida sem Samantha, e não pretendo desistir. Sei
que ela sente algo forte por mim também, só não consegue se
permitir.
— Shhh. — Beijo-a outra vez, com todo o carinho que sinto por
essa mulher fantástica que mudou a minha vida. — Não precisa
dizer nada agora. Só me deixa fazer amor com você.
Eu a beijo de novo, com paixão. Sam envolve meu quadril com
as pernas, colando cada centímetro dos nossos corpos, e eu a
aperto ainda mais. Preciso senti-la desse jeito tão íntimo, no nosso
encaixe único e perfeito.
Afasto o rosto apenas alguns centímetros para conseguir vê-la, e
as íris azuis revelam um turbilhão de emoções. Ficamos assim,
perdidos um no outro por breves segundos, como se nada mais
existisse.
Samantha então solta um gemido angustiado, como se tudo isso
fosse demais para suportar. Ela puxa meu rosto, fecha os olhos e
me beija outra vez, ao mesmo tempo em que eu acelero a
velocidade das estocadas. Nós gozamos juntos, extravasando toda
a emoção que vem nos consumindo há tanto tempo da única
maneira em que eu consigo tê-la por inteiro.
Vou reduzindo a velocidade dos movimentos, sem parar de beijá-
la com suavidade, apenas roçando meus lábios nos seus. Saio de
dentro dela e deito de lado, trazendo-a para junto de mim. Beijo o
topo da cabeça loira e suspiro.
Não vou voltar a tocar no assunto agora, porque quero aproveitar
essa noite juntos sem o risco de que ela se feche. Porém, amanhã
de manhã, vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para
convencê-la a ficar.

ACORDO CONFUSO, sem saber que horas são. Tateio a cama


ao meu lado e, quando percebo que está vazia, sou tomado por
uma sensação irracional de pânico. Empurro as cobertas e fico em
pé num movimento só, olhando para o jardim através da porta de
correr da varanda. Lá fora, já está bem claro.
Eu nunca acordo depois das sete, não tenho ideia do que
aconteceu essa noite. Pego meu celular e descubro que são sete e
quarenta.
Enfio um short e vou até a cozinha. Elsie está guardando a louça
limpa, e sorri ao me ver.
— Bom dia, sr. Lockhart.
— Oi, Elsie. Sabe onde está a Samantha?
Ela ergue as sobrancelhas, surpresa.
— Ué... encontrei a menina aqui há quase uma hora. Ela estava
saindo com as malas, se despediu de mim e dos cachorros, e disse
que estava indo para o aeroporto. Parece que conseguiu antecipar o
voo.
Meu coração começa a socar o peito.
— Puta que pariu, não acredito nisso.
Volto correndo para o meu quarto, lutando contra a angústia que
vai se espalhando como lava incandescente pelas minhas artérias.
Enfio uma calça jeans, camiseta, tênis e pego o celular.
No caminho até a saída, agarro as chaves do carro e ouço a voz
preocupada de Elsie:
— Está tudo bem, sr. Lockhart?
— Vai ficar — respondo, já abrindo a porta. — Vai ficar.
Dirijo como um maluco pelo trânsito pesado. Do carro, ligo várias
vezes para o telefone de Sam, mas só cai na caixa postal.
— Merda! — Dou um soco no volante e buzino para o carro da
frente, que está arrancando como uma lesma após o sinal abrir.
Após quase uma hora, finalmente chego ao aeroporto. Estaciono
de qualquer jeito e vou correndo até a área de embarque. Não há
nenhum voo direto até Kansas City nas próximas horas, então pego
o celular para tentar obter alguma informação sobre possíveis rotas
alternativas.
Rapidamente, descubro que será impossível descobrir qual será
o local de conexão do novo voo de Samantha. Ando a esmo pelo
aeroporto, na esperança de vê-la. Nada. O mais provável é que ela
já tenha passado pela alfândega e esteja em algum portão de
embarque.
Numa decisão desesperada, paro no balcão de uma companhia
aérea qualquer.
— Preciso de uma passagem — digo.
A atendente sorri.
— Pois não, senhor. Qual o destino?
— Qualquer um. Só preciso que a passagem me permita
acessar os portões de embarque agora.
A moça parece confusa, mas não contra-argumenta. Ela digita
algo no computador e informa:
— Bem... há um voo para Nova York que decola em 2 horas e
meia, e ainda tenho assentos disponíveis.
Entrego meu cartão de crédito.
— Quero esse.
— Tenho em tela o valor cheio da passagem. Posso ver se
consigo um descont...
— Não é necessário — interrompo, impaciente. — Só preciso
que seja rápido.
A atendente me encara como se eu fosse louco e solicita:
— Sua identidade, por favor.
Entrego a carteira de habilitação e ela começa a digitar as
informações agilmente. Tamborilo os dedos e checo as horas no
celular umas três vezes durante esse processo, que dura poucos
minutos. Por fim, ela me devolve o cartão, o documento e uma
passagem impressa.
— Tenha um bom voo. — Parece então lembrar que eu não vou
nem sequer viajar. — Hum, quero dizer...
— Esquece, obrigado.
Saio de lá literalmente correndo em direção ao portão. Atravesso
a segurança, amaldiçoando a demora, e volto a correr. O aeroporto
é imenso, e sei que há uma chance grande de eu sequer conseguir
encontrar Samantha. Ainda assim, não me resta outra opção a não
ser tentar.
Vou andando com passos rápidos, prestando atenção a cada
portão de embarque conforme vou passando por eles. Quando
chego a um, já no final do longo corredor, meu coração quase para
ao reconhecer uma mulher loira. Samantha está na fila, segurando
os documentos e uma passagem. Seu cabelo está preso num coque
bagunçado e, mesmo de perfil, noto que seu rosto está inchado.
Sem pensar em mais nada, corro até ela, segurando seu braço
por trás assim que a alcanço.
— Samantha.
Sam vira para trás, com os olhos vermelhos e arregalados.
— Ryker... o que você está fazendo aqui?
— Não posso deixar você ir embora assim.
Algumas pessoas ao nosso redor começam a prestar atenção na
conversa. Com gentileza, puxo Samantha para fora da fila,
conduzindo-a até um local um pouco mais reservado junto à parede
de vidro que dá vista para o pátio onde estão as aeronaves.
Os olhos azuis umedecem outra vez quando ela levanta o rosto
para mim.
— Não torne isso mais difícil do que já está sendo — ela pede,
em tom de súplica. — Por favor.
Eu seguro seu rosto com as duas mãos.
— Eu amo você, Blue. Preciso saber o motivo de você querer ir
embora, ou não conseguirei lidar com essa situação. — Engulo em
seco e confesso meu medo: — Se eu estiver completamente
enganado e você não sentir o mesmo...
Samantha balança a cabeça em negativa, seu queixo tremendo.
— Não é isso.
— Então, o que é? — pergunto, soando tão angustiado quanto
me sinto. — Se você me ama também, nós podemos fazer isso dar
certo.
Ela cobre a boca, abafando um soluço. Com os polegares, eu
enxugo as lágrimas que não param de descer.
— Não sei se fui claro o suficiente sobre o que estou te propondo
— digo. — Aos 37 anos, nunca tive uma certeza tão forte quanto
essa: eu quero você, Sam. Quero passar cada um dos meus dias ao
seu lado. Você me faz desejar ser uma pessoa melhor, me faz voltar
a acreditar na chance de um futuro feliz. Quero te apoiar em cada
um dos seus sonhos, e quero você ao meu lado quando eu realizar
os meus. Quero ver sua barriga crescendo com um filho nosso, e
quem sabe ter nos braços uma garotinha destemida igual a você em
alguns anos. Quero envelhecer ao seu lado e...
— Chega! — Samantha explode, completamente descontrolada.
— Isso é uma tortura! — Ela me encara, seu rosto transformado
numa máscara de devastação. — Eu não posso te dar nada disso,
Ryker.
— Por quê?
Seu olhar é o mais triste do mundo.
— Porque eu estou morrendo.
É como se um pedaço de mim estivesse sendo arrancado do
meu peito. Meus braços caem ao lado do corpo e eu fico encarando-
a em choque, sentindo cada batida quebrada do meu próprio
coração.
— O que você disse? — pergunto, num sussurro fraco.
— Eu estou morrendo, Ryker. Tenho uma doença muito grave e
incurável, chamada Doença de Huntington. A minha forma é a pior
delas, que começa a se manifestar na adolescência. Após o início
dos sintomas, a sobrevida esperada é de poucos anos. — Sam olha
para o nada. — E eu já tenho os primeiros sintomas.
Corro as mãos pelo cabelo, completamente atordoado.
— Não acredito nisso... — murmuro.
Samantha abraça o próprio corpo, chorando.
Pensar com clareza se tornou uma tarefa impossível, porque
meu cérebro está em curto-circuito. Tudo que ele consegue
processar é a frase de Sam, que continua ecoando sem parar nos
meus ouvidos: estou morrendo.
Não é possível. Não posso permitir que isso aconteça.
Assim que consigo reagir, dou um passo na direção de
Samantha e a puxo para o meu peito, envolvendo seu corpo como
se eu pudesse protegê-la de todo esse sofrimento. Durante esse
esforço todo de pensar com alguma coerência, eu só tenho uma
certeza: meu amor por ela continua exatamente igual. E minha
vontade de estar ao seu lado só aumentou.
Seguro seu rosto entre as mãos outra vez e a faço me encarar.
— Blue, escuta o que eu vou te dizer: nós vamos passar por isso
juntos. Vamos procurar os melhores médicos, e você receberá o
tratamento mais eficaz que existir. Se houver uma chance de mudar
esse desfecho, nós...
— Ryker, não faça isso — ela implora. — Há cinco anos, quando
eu descobri que minha mãe morreu dessa doença, eu soube que
tinha 50% de chance de tê-la também. Dois anos depois, eu recebi
o diagnóstico e precisei tomar uma decisão para me proteger. Eu
escolhi parar de desejar as coisas que eu não poderia ter, porque
isso me destruiria pouco a pouco. Desde então, eu realizo apenas
os sonhos possíveis.
Ouvi-la falando assim é mais do que eu consigo suportar.
— Samantha, eu...
— Me deixa terminar — ela pede, seu rosto banhado em
lágrimas, seu olhar refletindo a desolação mais profunda que já vi
em alguém. — Não existe cura, não adianta. Ao longo dos próximos
anos, eu vou perder progressivamente meus movimentos, vou
começar a ter crises e deixar de ser essa garota cheia de vida por
quem você se apaixonou. Eu não terei tempo de gerar uma criança
e vê-la crescer, e não seria justo colocar um bebê no mundo para
ficar sem mãe, como eu. Meu destino é morrer um pouco a cada
dia, e isso é algo cruel demais para qualquer pessoa testemunhar.
— Ela olha para baixo, com uma expressão desolada. — Eu vivo o
presente dessa maneira tão intensa porque não terei um futuro. Deu
certo por anos, até... até você.
As palavras são como punhais sendo enterrados no meu peito.
— Continuar ao seu lado seria minha ruína, Ryker. Você foi o
primeiro a me fazer desejar coisas impossíveis, como todas essas
que mencionou. Saber que não poderei viver tudo isso ao seu lado
vai machucar mais do que eu serei capaz de suportar. Saber que
você testemunhará cada perda minha, cada momento doloroso,
cada notícia ruim, tornará o sofrimento ainda maior. Já basta que eu
tenha que passar por tudo isso, não quero que alguém que eu amo
precise sofrer também.
Sinto uma lágrima correndo pela minha face. A dor no meu peito
é tão forte que não consigo respirar.
— Ficar longe de você vai doer muito mais, Blue.
Samantha sacode a cabeça, seu rosto contraído de angústia.
Nesse momento, o autofalante anuncia a última chamada para o
seu voo. Ela me puxa para um abraço apertado e diz no meu
ouvido:
— A maior prova de amor que você pode me dar é me deixar ir.
Eu nunca vou esquecer você.
Depois de me soltar, ela me dá as costas cobrindo a boca com
uma das mãos e anda até a atendente do portão de embarque, que
a encara com uma expressão penalizada.
— Por favor, não faz isso — eu peço uma última vez, mas ela
ignora.
Com o coração despedaçado, eu vejo a única mulher que
realmente amei embarcar num avião e sair da minha vida.
40

SAMANTHA
OUÇO DUAS BATIDAS na porta do meu quarto.
— Pode entrar — respondo, sem tirar os olhos da TV.
Após um rangido, Annie cruza a soleira e fecha a porta atrás de
si. Minha madrasta senta na beirada da minha cama.
— O jantar está pronto — ela avisa, num tom gentil.
— Não estou com fome — respondo, distraída.
Estou assistindo uma reprise de Friends pela centésima vez,
apenas para tentar manter minha cabeça vazia.
— Você não almoçou, Sam.
Olho brevemente para ela e forço um sorriso.
— Comi um sanduíche, quando você saiu para ir ao mercado.
É mentira, mas não quero preocupá-la. Desde que eu cheguei,
ontem à tarde, Annie tem tentado descobrir o que há de errado sem
invadir demais a minha privacidade.
— Eu posso ajudar de alguma forma?
Olho para as minhas mãos, unidas sobre a barriga, e cutuco o
canto da unha.
— Está tudo bem. Acho que estou sentindo falta da energia
vibrante da Califórnia, só isso.
Ela suspira, resignada.
— Se precisar de qualquer coisa, sabe que pode contar comigo.
— Eu sei. — Sorrio. A verdade é que tenho muita sorte de tê-la
como madrasta, mas nem sempre demonstro isso. — Obrigada.
Assim que ela sai, eu levanto para ir ao banheiro e tropeço no
meu próprio pé. Respiro fundo para controlar a angústia, porque
esse é apenas mais um dos lembretes da minha doença.
Sento novamente na cama, apertando a borda do colchão com
força.
Quando eu tinha dezesseis anos, decidi que era hora de saber
mais sobre a minha mãe. Como meu pai não gostava que eu
tocasse nesse assunto, tinha me contado muito pouco — apenas
seu nome completo, o lugar onde ela tinha nascido e a forma como
eles se conheceram. Sobre sua partida, tudo que eu sei é que, um
dia, minha mãe simplesmente decidiu ir embora, pedindo ao meu
pai que não a procurasse mais.
Mexendo nas coisas dele, encontrei uma caixa com algumas
fotos e papéis antigos. Num deles, havia o número do seguro social
de Cinthia Carmichael. Munida dessas informações, contratei um
detetive particular, tio de uma amiga minha do colégio. Gastei todas
as minhas parcas economias do trabalho como garçonete, mas eu
precisava de algumas respostas.
O resumo é que o profissional descobriu o paradeiro da minha
mãe, mas as notícias foram devastadoras: ela estava morta há sete
anos, naquela época. Ele descobriu onde ela morou por último, uma
espécie de abrigo para pacientes terminais, e a causa da morte
registrada no atestado de óbito: Doença de Huntington.
Quando fui pesquisar a respeito, meu mundo caiu: descobri que
eu tinha 50% de chances de ter a mesma doença, que não tem cura
e mata em alguns anos após o diagnóstico. Fui dominada por uma
sensação de pânico, um vazio inexplicável. O medo era tão grande
que não contei a ninguém sobre isso, nem tive coragem de procurar
um médico naquela época. Meu maior pavor era receber a notícia
de que eu tinha o mesmo gene causador da doença.
Aos dezoito anos, comecei a observar algumas mudanças sutis:
humor mais deprimido, desesperança em relação ao futuro, além de
pequenos “acidentes”, como se eu estivesse mais desastrada.
Quando liguei os pontos de que esses eram os sinais iniciais do
Huntington, não consigo nem colocar em palavras o tamanho do
desespero que eu senti.
Sem falar com ninguém, marquei uma consulta com um clínico
indicado pelo nosso seguro saúde. Na consulta, eu expliquei sobre o
diagnóstico da minha mãe e falei sobre os meus sintomas, que
estavam se tornando mais frequentes nas últimas semanas. Ele me
examinou com uma expressão séria, e não conseguiu mais olhar
nos meus olhos.
Quando eu perguntei sua opinião, o médico me disse que tudo
era compatível com o diagnóstico, e me sugeriu que eu procurasse
um neurologista para um acompanhamento mais específico.
Tentando controlar o pânico, eu ainda tive forças para perguntar se
haveria algum tratamento, e ele disse que não. Que o
acompanhamento era apenas para me ajudar, e à minha família, a
lidar melhor com a doença.
Despois de deixar aquele consultório, completamente devastada,
eu precisei tomar uma decisão: contar para meu pai e Annie, que
ficariam devastados, procurar o especialista e sobreviver em função
da doença até a minha morte, ou fingir que nada daquilo era real e
simplesmente viver — com intensidade máxima, correndo contra o
tempo para realizar os sonhos que ainda fossem possíveis. Escolhi
a segunda opção.
Optei também por manter uma distância emocional segura de
qualquer pessoa, para diminuir o meu sofrimento e o dos outros
quando o momento inevitável da minha partida chegar. Até mesmo
com minha família mais próxima eu adotei essa estratégia, ainda
que me doesse ver as tentativas de Annie de se aproximar mais ao
longo dos últimos anos. O único com quem eu nunca tive coragem
de demonstrar indiferença foi meu irmão, mas, com sorte, ele ainda
será pequeno demais para se lembrar de todos os detalhes.
O que eu não contava era que conheceria um homem tão
extraordinário como Ryker, que derrubaria minhas defesas e me
faria desejar o impossível.
Me despedir dele ontem foi, sem dúvidas, a coisa mais difícil que
eu já fiz. Contudo, tê-lo ao meu lado com uma testemunha
impotente de todo o sofrimento que está por vir e sofrendo junto
comigo era uma alternativa ainda pior.
Nesse momento, um pensamento inédito cruza a minha cabeça.
Será que isso foi o que aconteceu com a minha mãe? Se afastou
das pessoas que amava quando descobriu que estava doente,
numa tentativa de diminuir o tormento de todos?
Uma inquietação vai crescendo dentro de mim. Eu sempre
acreditei que ela tinha ido embora para viver uma vida livre, realizar
seus sonhos. Que sua partida havia sido motivada por puro
egoísmo, por não nos amar o suficiente. Mas, e se foi exatamente o
contrário?
Levanto num salto e vou até o armário, onde escondi o relatório
do detetive. Folheio as páginas até encontrar a informação que
estou buscando: o nome do local onde Cinthia morreu.
O hospice 1 Clear Path fica na cidade de Wichita. Pesquiso no
meu celular e descubro que fica a mais ou menos 3 horas de
distância. Guardo o relatório do detetive na bolsa e tomo a decisão
de ir até lá amanhã. Quem sabe não consigo descobrir alguma
coisa? Pode ser que não dê em nada, mas, agora que comecei a
ver as coisas de um jeito diferente, preciso ao menos tentar.
Meu estômago ronca baixo. Checo as horas no meu telefone:
quase oito da noite. Talvez seja uma boa ideia me juntar à minha
família para jantar. Desço com cuidado as escadas da casa antiga
onde moramos há quase 20 anos. Desde que reparei nesses
pequenos acidentes pela primeira vez, parece que basta eu ficar
desatenta para que algo nesse sentido aconteça.
Atravesso a sala com piso de madeira, que range sob os meus
pés, e sorrio ao pensar que conheço cada pequeno barulho dessa
casa. Pouco tempo depois que minha mãe nos deixou, meu pai
decidiu que era hora de mudar. Vendeu nossa residência em
Kansas City, onde ele morou com Cinthia desde que se haviam se
casado, e comprou uma antiga propriedade rural em Tonganoxie,
nos arredores da capital. Abandonou seu emprego como gerente de
uma loja de material de construção para se dedicar à criação de
cabras.
Uma mudança bastante radical, mas que deve ter sido
necessária. Por mais que eu não tenha uma relação muito amorosa
com o Robert Carmichael, consigo reconhecer que deve ter sido um
desafio e tanto criar sozinho um bebê de um ano após ser
abandonado pela esposa.
Chego à cozinha e Connor abre um largo sorriso.
— Sammy! Você veio comer com a gente.
Eu vou até meu irmão e beijo sua testa.
— Isso aí, campeão. Estou com fome.
Assim que eu me sento, meu pai comenta:
— Você emagreceu durante essa viagem. Ainda bem que está
de volta para se alimentar com comida de verdade.
Eu reviro os olhos e Annie ri.
— Por que você acha que lá a comida não é de verdade? — ela
pergunta ao marido.
Meu pai olha para o próprio prato, meio emburrado.
— Esse povo de Hollywood acha que pode se alimentar só de
comida congelada e suplementos em pó.
Eu o encaro, sem ter a menor ideia de onde tirou isso.
— Em primeiro lugar, eu estava em Malibu, não em Hollywood.
Em segundo, Ryker é um atleta profissional. A alimentação na casa
dele é a mais balanceada que eu já vi em toda a minha vida.
Ao invés de dar o braço a torcer, papai apenas resmunga alguma
coisa. Típico.
— Como foi a aula, Con? — pergunto ao meu irmão, mudando
de assunto.
— Legal. Hoje eu fui escolhido por Tim Davenport para o time
dele no Tee-ball 2.
— Uau — digo. — Imagino que isso seja importante.
Connor limpa a boca com um guardanapo e me encara com uma
expressão solene.
— Tim é o melhor jogador de Tee-ball da minha turma. Eu nunca
tinha sido escolhido por ele.
Sorrio, enquanto sirvo a salada.
— Parabéns, Con. Estou feliz por você.
Annie termina de comer e apoia o queixo na mão.
— Você falou pouco com seu pai e Connor sobre esse período
em Malibu. A única que ficou sabendo fui eu, naquele período que
passei lá com vocês. Por que não conta a eles como foi lá no
estágio?
Eu passo os minutos seguintes contando a respeito da
experiência no centro de treinamento. Connor faz várias perguntas,
enquanto meu pai somente ouve, em silêncio. Apenas quando
termino de contar é que ele se manifesta:
— Fiquei surpreso por você não ter mesmo aprontado nada lá,
Samantha. Talvez tenha, finalmente, amadurecido.
Me lembro do quase afogamento, da prisão, do meu
envolvimento com o jogador 16 anos mais velho... Só de pensar em
Ryker, meu coração se aperta. Tenho sentido sua falta em cada
bendito minuto das últimas 30 horas, desde que embarquei naquele
avião.
Forço um sorriso.
— Eu falei que conseguiria me comportar, pai.
— Ainda bem que o irmão de Annie se dispôs a cuidar de você.
Ter um adulto responsável por perto certamente ajudou.
A forma como Ryker cuidou de mim com certeza foi muito
diferente do que meu pai tem em mente. Lembrar os momentos que
passamos juntos forma um nó na minha garganta.
— Amanhã vou visitar uma amiga — invento, para mudar o rumo
da conversa e parar de me torturar com essas lembranças. —
Ficarei o dia todo fora.
Meu pai assente, sem dar muita importância. Annie me encara,
com uma expressão curiosa, mas não faz perguntas.
Termino de jantar, ajudo a guardar a louça suja e peço licença.
Assim que deito na minha cama e apago a luz, sou mais uma vez
invadida pela avalanche de memórias dos meus momentos com
Ryker. Pego o celular e releio, pela milésima vez, a mensagem que
ele mandou ontem, depois que o deixei naquele portão de
embarque.
Ryker: Não sei se conseguirei respeitar seu pedido por muito
tempo, mas, por ora, prometo dar um tempo para que nós dois
possamos refletir e processar tudo isso. Minha única certeza é
que nada será capaz de mudar o que eu sinto, Blue. Meu amor
por você é maior que qualquer limite que o destino possa
tentar impor. Sei que um dia estaremos juntos de novo, porque
o seu lugar é ao meu lado. E tenha a certeza de que, quando
isso acontecer, será para sempre. Te amo demais.

Coloco o telefone sob o travesseiro e deixo que as lágrimas


molhem a fronha.
Tenho total noção de que a decisão de me afastar foi uma
tentativa desesperada de proteger a nós dois. Só que, agora,
começo a me questionar se isso, algum dia, foi sequer uma opção.
41

RYKER
PELAS PORTAS DE VIDRO, vejo Nico e Hugh conversando
na minha varanda, enquanto pego nossas bebidas. Depois das
comemorações pela vitória na partida contra os Eagles 1 ontem,
ambos me pressionaram para saber o que havia acontecido. Pela
minha cara ao chegar no The Palace pouco tempo depois de sair do
aeroporto, ficou óbvio que eu não estava bem. Prometi que contaria
quando voltássemos a Malibu, então os dois nem me deram a
opção de não os convidar para vir à minha casa direto do centro de
treinamento. No final, foi até bom. Admito que estou mesmo
precisando conversar com alguém.
A revelação e a partida de Samantha me fizeram rever todas as
coisas importantes da minha vida. Após o término do jogo de ontem,
quando finalmente fiquei sozinho no quarto de hotel, passei boa
parte da madrugada pensando. Decidi que não quero mais adiar
meus projetos, ou ficar preso a uma realidade que não me pertence
mais. Minha carreira no futebol foi incrível e eu guardarei cada
momento dela como uma memória muito especial, mas esse ciclo
se encerrou.
Chegou a hora de olhar para o futuro. Não com temor, com
aquela familiar sensação de vazio, mas, sim, com esperança. Como
eu posso exigir que Sam enfrente seus medos e dê uma chance às
coisas boas quando eu mesmo ainda era incapaz de fazer isso?
Eu tenho certeza de que a minha história com ela não chegou ao
fim. Só preciso de um pouco de tempo para convencê-la disso, e
nada melhor do que usar esse tempo para mudar minha própria
vida. Iniciei uma pesquisa rápida a respeito das possibilidades para
o centro de treinamento de jovens de baixa renda, e descobri que
talvez seja mais simples do que eu havia imaginado. Só preciso
dedicar tempo e energia a esse projeto.
Hoje, antes de sairmos da Filadélfia, eu procurei Campbell,
nosso técnico, e Sullivan, administrador do time. Essa indefinição
em relação ao meu futuro estava sendo uma causadora de angústia,
então decidi que era hora de dar um basta. Comecei a breve
reunião colocando em palavras o que nós três já sabíamos desde o
meu acidente: eu nunca mais voltarei a jogar profissionalmente.
Os dois aceitaram minha decisão de me aposentar, garantiram
que os termos do contrato serão cumpridos e eu receberei tudo que
eu tenho direito, ainda que eu tenha dito que dinheiro não é minha
preocupação nesse momento. Além disso, me perguntaram se eu
teria interesse numa vaga de técnico, para trabalhar
especificamente com os jogadores novatos. Fiquei honrado com o
convite e prometi pensar com carinho nessa proposta.
Tudo acabou transcorrendo até melhor do que eu imaginei, e
agora preciso contar as novidades aos meus melhores amigos —
até porque, isso os impacta diretamente. Chego à varanda, entrego
aos dois os copos de suco e me sento, com uma cerveja na mão.
Não poder mais jogar tem que ter alguma vantagem.
— Vai continuar com o mistério até quando? — Nico pergunta,
com o corpo inclinado para frente e os cotovelos apoiados nos
joelhos.
— Vimos você falando com Campbell e Sullivan mais cedo —
Hugh acrescenta. — Alguma novidade?
Eu suspiro.
— Sim. Estou oficialmente aposentado da NFL.
Os dois me encaram, com expressões cautelosas. Eu rio.
— Relaxem — digo, num tom leve. — Estou de boa com isso.
— Mesmo? — Nash questiona. — É uma puta notícia.
— Sim, mesmo — confirmo. — Eles me ofereceram uma vaga
como técnico, para ajudar no treinamento dos rookies.
Nico abre um sorriso.
— Você aceitou, né?
Bebo um gole da cerveja.
— Ainda não, mas estou considerando. Preciso ver como isso
vai se encaixar com um outro projeto.
— Que projeto? — Nash franze a testa.
Conto brevemente a eles a respeito da minha ideia do centro de
treinamento de jovens. Os dois ouvem com total atenção até o fim
da explicação.
— Cara, isso é gigante. — Marchesi suspira. — Eu sempre
soube que você era o melhor de nós. Como podemos ajudar?
— Isso, fala o que a gente pode fazer. — Nash sorri. — Um
projeto como esse merece todo o apoio possível.
Eu sorrio de volta, comovido. Tenho mesmo os amigos mais
fodas do mundo.
— Ainda não estruturei muita coisa, mas, assim que eu souber
como vai funcionar, aviso a vocês.
— Ótimo. Estaremos prontos para ajudar no que você precisar.
— Nico faz uma pequena pausa. — E de resto? Como estão as
coisas?
— Tudo certo. — Bebo um gole da cerveja.
Marchesi olha para Hugh, e depois para mim. Como o silêncio se
estende, ele espalma as mãos nas coxas com um estalo.
— Tá, ninguém quer colocar o elefante na varanda, mas eu
tenho bolas e farei isso: como foi a despedida da Samantha?
Meu olhar desvia para o jardim, onde os quatro cães estão
brincando juntos — o que só foi possível graças à mulher fantástica
que não desistiu enquanto não viu Darth Vader feliz.
O nome de Sam nem precisa ser mencionado para que eu
lembre dela o tempo inteiro. Cada pequena coisa me faz pensar
nessa garota e sentir tanto sua falta a ponto de doer.
— Não foi fácil — admito. Solto o ar pesadamente, pensando se
devo contar tudo a eles. A verdade é que esses caras são as
melhores pessoas que eu conheço, e eu confiaria aos dois a minha
vida. Opto por abrir o jogo. — Ela me contou algo inesperado.
Pelos próximos minutos, eu descrevo toda a nossa conversa.
Eles fazem as mesmas perguntas que eu mesmo já me fiz, e para
as quais encontrei algumas respostas no Google durante minha
madrugada solitária e preenchida por intermináveis reflexões.
A doença realmente é incurável, em qualquer lugar do mundo.
Se ela já tem o diagnóstico, deve ser a forma juvenil, ainda mais
agressiva. O mais provável é que Sam tenha mesmo poucos anos
de vida, e essa ideia dilacera meu coração de uma maneira que eu
nem consigo explicar. Ainda assim, não muda em nada meu desejo
de estar ao lado dela em cada dia que nós pudermos ter juntos.
— Caralho... — Nico engole em seco e fica com o olhar perdido.
— Eu nunca poderia imaginar.
— Nem sei o que dizer. — Os olhos de Nash estão úmidos. —
Samantha é uma garota muito especial e não merecia ter que
passar por isso.
Eu concordo, um pouco mais leve em poder dividir esse peso.
Ao falar sobre o quanto Samantha se tornou importante pra mim,
aproveito para contar a eles a minha própria história. Falo sobre o
que passei no meu casamento e também sobre o evento traumático
com Daisy Bucks. Nico e Hugh escutam com surpresa e atenção, e
sorriem quando eu conto o que Samantha fez antes de ir embora.
— Cara, essa mulher é muito foda mesmo. — Marchesi balança
a cabeça, concordando consigo mesmo.
Eu sorrio, apesar dos assuntos pesados.
— Ela é. Só preciso encontrar uma forma para que essa cabeça-
dura aceite ficar ao meu lado.
— Vai dar certo. — Nash inclina o corpo para frente e aperta
meu antebraço. — Ela te ama também, cara. Não existe nenhuma
dúvida. Sam só está com medo do sofrimento que vocês terão que
enfrentar.
Olho para os dois, com carinho e gratidão.
— Vocês são os melhores amigos que qualquer pessoa poderia
querer.
— Eu sei. — Nico dá um sorriso sacana, numa tentativa
engraçada de disfarçar o quanto essa conversa mexeu com todos
nós. — Não tem nada em que eu não seja o melhor, Lockhart.
Depois de tanto tempo, você já deveria saber disso.
Nash dá um tapa na sua nuca.
— Caralho, Marchesi. Não consegue ficar meia hora sem fazer
uma piadinha?
Todos nós rimos alto, e eu já me sinto muito melhor.
Minha vida pode ter ido por um rumo completamente inesperado
nas últimas semanas, mas isso não significa que seja algo ruim.
Estou perdidamente apaixonado por uma garota extraordinária,
tenho os melhores amigos do mundo e poderei transformar em
realidade um sonho antigo que beneficiará muita gente.
Definitivamente, as melhores coisas da vida são aquelas que
acontecem enquanto estamos fazendo outros planos.
42

SAMANTHA
CHEGO A WICHITA um pouco antes do meio dia. Saí bem
cedo de Tonganoxie, já que a viagem até aqui seria longa. O
hospice Clear Path fica num cruzamento, e o prédio não é
especialmente bonito. É uma construção de três andares, com
tijolos aparentes e janelas de vidro retangulares horizontais. Só
consigo pensar que não é um lugar muito acolhedor para se passar
os últimos momentos de vida.
Respiro fundo e ando até a entrada principal. Empurro a porta de
vidro fumê e me surpreendo com o interior. O ambiente com pé
direito alto é todo revestido em tons pasteis, com algumas plantas
como parte da decoração. Sem dúvidas, é mais agradável do que
parecia pelo lado de fora. Me aproximo da recepção.
— Bom dia. Meu nome é Samantha Carmichael.
— Bom dia. — A moça de sorriso simpático me cumprimenta. —
Como posso ajudar?
Olho discretamente ao redor, um pouco insegura a respeito da
melhor maneira de explicar a situação.
— Sou filha de uma paciente de vocês.
— Ah, sua mãe está internada?
Eu nego com um movimento de cabeça.
— Na verdade, ela morreu há vários anos.
O rosto da funcionária exibe uma expressão confusa.
— Entendo... — ela diz, num tom hesitante.
Troco o peso de perna.
— Sei que parece estranho eu estar aqui e, para ser sincera,
nem tenho muita certeza de que há algo que vocês possam fazer. —
Sinto uma inquietação crescendo dentro de mim. — Só pensei que,
se eu lesse o prontuário dela, talvez pudesse encontrar algumas
respostas.
A recepcionista olha ao redor, talvez procurando alguém que
possa ajudá-la a lidar com um pedido tão inusitado.
— Eu... há quanto tempo sua mãe morreu?
— Doze anos.
Ela tenta disfarçar a surpresa, sem muito sucesso.
— Entendo — a moça repete. — Me dê um minuto, por favor.
Eu assinto, e aproveito para analisar o local mais uma vez,
enquanto ela faz uma ligação. Fico tentando imaginar como deve ter
sido para a minha mãe viver aqui, provavelmente numa fase
avançada da doença. Nesse momento, uma mulher muito magra e
sem cabelo passa, numa cadeira de rodas empurrada por uma
funcionária.
Eu engulo em seco, subitamente consciente do meu próprio
destino. Percebo alguns sinais de ansiedade quando a minha
própria imagem, frágil e solitária numa cadeira de rodas, ocupa o
meu pensamento.
Mexo na alça da bolsa, cada vez mais inquieta, enquanto a
recepcionista sussurra alguma coisa ao telefone. Talvez, vir até aqui
tenha sido uma péssima ideia. Por que eles dariam informações a
respeito de uma paciente a uma completa desconhecida, apenas
porque alega ser sua filha?
A moça desliga e eu me aproximo outra vez do balcão.
— Olha, talvez seja melhor...
— A enfermeira Reynolds está a caminho para conversar com
você.
Engulo o restante da frase e apenas aceno em concordância. Já
que vim até aqui, vou pelo menos falar com a mulher.
Atrás de mim, há duas poltronas vazias, e eu ocupo uma delas.
Menos de cinco minutos depois, uma senhora de meia-idade, com a
pele muito branca e o cabelo grisalho preso num coque, se
aproxima, sorrindo.
— Samantha?
Eu levanto.
— Isso.
Ela faz um sinal com a mão, me chamando.
— Sou Margot Reynolds. Vamos até a minha sala, sim?
Sigo a enfermeira por um corredor à direita da recepção, até
uma porta onde há uma placa escrito: M. Reynolds, NP 1. Gerente.
Ela gira a maçaneta e me convida a entrar na sala, que parece um
escritório. O ambiente é elegante e aconchegante ao mesmo tempo.
— Sente-se, por favor. — Reynolds aponta uma cadeira, e eu
obedeço. Assim que nós duas nos acomodamos, ela oferece: —
Quer uma água, ou um café?
— Não, obrigada. Estou bem.
A mulher sorri com gentileza.
— Bem, vamos ver como posso ajudá-la, então. Jennifer me
informou que sua mãe foi nossa paciente há alguns anos.
— Isso. — Começo a cutucar a costura da minha bolsa, apoiada
sobre o colo. — O nome dela era Cinthia Carmichael. Pelo que eu
fiquei sabendo, ela faleceu aqui há mais ou menos 12 anos.
Os olhos castanhos da enfermeira assumem um brilho diferente
ao ouvir o nome da minha mãe.
— Sabe, Samantha, eu trabalho aqui desde a inauguração, há
13 anos. Cuidei de muitas centenas de pacientes ao longo deste
período, e estaria mentindo se dissesse que me lembro de todos
eles. Contudo, alguns são tão especiais que se tornam
inesquecíveis.
Meu coração acelera.
— Você... conheceu a minha mãe?
Ela assente.
— Sim. Foi uma das primeiras pacientes que recebemos.
A informação me pega totalmente de surpresa. Eu imaginava
que, com sorte, encontraria algumas informações técnicas num
prontuário velho. Jamais considerei a possibilidade de estar frente a
frente com uma pessoa que, não apenas conheceu minha mãe, mas
que se lembra dela e acompanhou seus últimos momentos.
— Uau... — murmuro, correndo a mão pelo cabelo. — Isso é...
inesperado.
Margot continua sorrindo.
— Cinthia era uma mulher encantadora, e deixou sua marca em
todos que cuidaram dela em seus últimos meses.
Eu engulo com dificuldade, com medo de fazer as próximas
perguntas. Os olhos castanhos me estudam por alguns segundos.
Notando minha insegurança, Margot toma a iniciativa:
— O que você sabe sobre a sua mãe, Samantha?
Olho para a janela, com vista para a rua. Alguns pedestres
passam, mas eu não presto atenção.
— Ela deixou a mim e ao meu pai quando eu tinha um ano de
idade, e esse nunca foi o assunto favorito dele. O pouco que eu sei,
descobri há cinco anos, quando contratei um detetive particular.
Recebi a informação de que ela faleceu aqui, e a causa da morte foi
doença de Huntington.
Margot assente.
— É isso mesmo.
Toda essa situação parece um filme no qual me colocaram para
atuar, só que eu não recebi previamente um roteiro. Olho
novamente para a enfermeira, tomando coragem de dar um passo
na direção do que eu vim fazer aqui: saber mais sobre a minha mãe.
— Como... como ela era?
Reynolds suspira e olha para cima, como se estivesse revivendo
aquelas memórias.
— Quando ela chegou aqui, já estava com a doença bem
avançada — ela começa. — Cinthia disse que não tinha família, e já
não dava mais conta de cuidar de si mesma sozinha. Diante disso,
foi incluída no programa hospice e passou a morar aqui conosco.
Engulo em seco.
— Ela estava em sofrimento?
Margot sorri.
— Toda doença grave traz algum grau de sofrimento, em muitas
esferas. Do ponto de vista físico, sua mãe estava bem, dentro do
possível. Não sentia dor, não tinha dificuldade de respirar, e
conseguiu se alimentar pela boca até semanas antes da sua morte.
Ela tinha diretivas antecipadas, e já havia definido que não desejava
ter sua vida prolongada de maneira artificial.
Balanço a cabeça, concordando.
— Sim, eu penso da mesma forma.
— Mas o sofrimento de um paciente terminal não é apenas
físico, Samantha. Sua mãe carregava uma dor muito profunda, que
nós, infelizmente, conseguimos fazer muito pouco para amenizar.
Inspiro com dificuldade.
— Que dor?
Os olhos bondosos me analisam com cuidado.
— A de ter se afastado de você.
Meu coração está tão apertado que deve ter ficado do tamanho
de uma uva.
— Ela... falou de mim pra você?
Margot confirma.
— Cinthia tinha muita dificuldade de se comunicar verbalmente
na fase mais avançada de sua doença, mas, ainda assim, “falava”
de você todos os dias.
Sinto os olhos queimando e desvio o rosto. A enfermeira pega
uma caixa de lenços numa gaveta e a estende para mim.
— Desculpe — murmuro, aceitando o oferecimento gentil.
— Não precisa se desculpar.
Enxugo os olhos, tentando manter algum controle. Respiro fundo
várias vezes, antes de fazer a pergunta que sempre me corroeu:
— Se ela pensava em mim, por que nunca me procurou?
A mulher sorri, transbordando compaixão.
— Eu tive muitas conversas com a sua mãe, Samantha, durante
os meses em que ela morou aqui. Ela pôde se abrir, porque
encontrou um ambiente seguro onde sabia que não seria julgada. O
que Cinthia me contou foi que, quando descobriu a doença, não quis
que você e seu pai passassem pelo mesmo que ela viveu com a
própria mãe, que morreu da mesma enfermidade. Na tentativa de
poupar vocês, ela simplesmente partiu, mentindo que não estava
feliz sendo esposa e mãe, e pediu ao seu pai que não a procurasse
mais.
Um nó apertado bloqueia a minha garganta. Foi exatamente
aquilo que eu imaginei.
— Esse foi o maior arrependimento no fim da vida dela —
Margot continua. — Saber que você passaria toda a sua vida
acreditando que ela não te amou.
Com o rosto banhado em lágrimas, eu pergunto:
— Mas por que ela não tentou falar comigo nessa época? Eu
tinha nove anos, teria ao menos a chance de saber a verdade e
guardar alguma lembrança dela.
A enfermeira balança a cabeça em negativa.
— Sua mãe achou que, para você, vê-la naquele estado seria
ainda pior.
— E sua última escolha foi morrer me deixando acreditar que ela
foi embora porque não me amava, então? — pergunto, com a voz
embargada, sem disfarçar a revolta.
— Na verdade, não. — Reynolds fica em pé e vai até um
armário. Abre a porta, tira lá de dentro uma caixa e começa a revirar
o conteúdo. Por fim, pega um envelope amarelado e coloca a caixa
de volta no lugar. — Sua mãe me pediu ajuda para escrever uma
carta para você, alguns meses antes de morrer. Nessa época, ela já
se comunicava de maneira precária, e levamos vários dias para
conseguir terminá-la. Cinthia me passou o endereço do seu pai, em
Kansas City, e pediu que eu enviasse a carta apenas depois que ela
falecesse. Ela não desejava que você testemunhasse seu
sofrimento nessa fase final e guardasse essa imagem tão triste, mas
quis que soubesse toda a verdade. Fiz exatamente como ela pediu,
mas, infelizmente, alguns dias depois da sua morte, a carta voltou.
Tudo que eu sabia do seu pai era um nome e um sobrenome, e não
consegui localizar seu novo endereço.
Estou chocada demais para falar, então fico apenas olhando
fixamente para o envelope em suas mãos por vários segundos. Por
fim, levanto o rosto.
— Por que você guardou essa carta? — pergunto, num fio de
voz.
Ela dá de ombros.
— Alguma coisa me dizia que eu não tinha o direito de jogá-la
fora. Seu conteúdo é tão importante que, lá no fundo, eu sempre tive
a esperança de que você pudesse lê-la algum dia.
Cubro a boca com a mão, sem acreditar, enquanto as lágrimas
voltam a cair. Com os olhos úmidos, Margot estende o envelope
para mim.
— Toma. É sua.
Com a respiração travada, eu pego a mensagem que minha mãe
deixou para mim antes de morrer. A enfermeira para ao meu lado,
aperta meu ombro de leve e avisa:
— Te darei privacidade. Estarei na sala ao lado, se precisar de
alguma coisa.
Minhas mãos trêmulas abrem o envelope e retiram de lá um
papel dobrado. A caligrafia é firme e bonita. Por alguns segundos,
meus olhos correm pela tinta azul, sem conseguir ler nada. Eu os
fecho, apertando a folha entre os dedos, e volto a abri-los.
Finalmente, as palavras escritas com tanto cuidado começam a
fazer sentido.

Querida Sam,
Se você está recebendo esta carta, significa que eu não
estou mais aqui.

É j
É difícil decidir por onde começar, já que tudo que eu
tenho para te dizer jamais caberia numa folha de papel.
Você não deve saber muito a meu respeito, então te
contarei um pedacinho da minha história. Eu cresci num lar
bastante desestruturado, já que minha mãe adoeceu quando
eu ainda era criança. Acompanhei sua luta por anos, e as
lembranças são tão cruéis que tenho pesadelos até hoje. Meu
pai era um homem difícil e, ao longo do tempo, foi se
mantendo cada vez mais distante. Sendo filha única, a
responsabilidade pelo cuidado dela acabou ficando toda em
cima de mim.
Nós éramos pobres, sem acesso adequado ao sistema de
saúde, e eu nunca entendi direito o que ela tinha. Após a
sua morte, meu pai se fechou ainda mais. Passou a abusar
da bebida, até que um dia foi atropelado e morreu em
consequência disso após dois longos meses no hospital.
Aos 22 anos, eu estava sozinha no mundo. Essa
infância e adolescência difíceis e solitárias acabaram me
tornando uma jovem um tanto rebelde. Passei a viver de
maneira bastante inconsequente, sem conseguir criar qualquer
tipo de vínculo emocional. Quando conheci seu pai, achei que
ele seria apenas mais um homem que passaria pela minha
vida, mas não foi bem assim. Minha irresponsabilidade fez
com que eu engravidasse de você, aos 26 anos.
Robert, quando descobriu, disse que precisávamos nos
casar. Foi a proposta de casamento menos romântica da
história da humanidade, mas, ainda assim, eu aceitei. Nós
não éramos almas gêmeas, e ambos sabíamos disso. Contudo,
Rob sempre foi um homem honrado, e eu precisava de ajuda
para ter o meu bebê. Sabia que não teria nenhuma condição
de criar um filho sozinha.
Oito meses depois, você chegou. Quando te segurei nos
braços, tive a certeza de que, pela primeira vez, minha vida
havia ganhado um propósito. Eu te amei com todo o meu
coração desde o instante em que coloquei meus olhos sobre o
seu rostinho rechonchudo.
Seu primeiro ano foi muito melhor do que eu esperava.
Sim, cuidar de um bebê é cansativo, mas eu estava tão
realizada que nem me abalava tanto com as noites mal
dormidas ou os choros de cólica. Eu só queria que você
estivesse bem cuidada, segura e feliz.
Seu pai me surpreendeu. Ele nunca foi um homem
amoroso, mas era um pai dedicado e responsável. Trocava
suas fraldas, te alimentava, te colocava para dormir e até
cantava para você de vez em quando. Como casal, nós não
éramos apaixonados, mas isso não parecia incomodar a
nenhum dos dois. Entendíamos que, naquele momento, você
precisava de nós. Nossa vida era boa, e eu estava feliz.
Pouco depois do seu primeiro aniversário, eu comecei com
alguns sintomas. Tinha oscilações inesperadas de humor,
lapsos de memória, caía muito. Numa dessas quedas,
comecei a me preocupar e decidi procurar um médico. Não
contei nada ao Robert para não preocupá-lo, já que eu sabia
que seu pai não lidava bem com questões relativas a
problemas de saúde.
Para resumir, foram várias semanas de investigação e
exames, até que, finalmente, recebi o diagnóstico de uma
doença muito grave: doença de Huntington, a mesma que
minha mãe teve (agora eu sei).
Meu mundo caiu, porque eu sabia exatamente pelo que eu
passaria nos próximos anos. A única coisa que eu conseguia
pensar era que você seria obrigada a testemunhar o mesmo
que eu, sendo ainda mais nova. A ideia de fazer você
q
sofrer era insuportável, e fui dominada por um sentimento
de impotência. Eu não via saída para aquela situação.
Com o coração despedaçado, tomei a decisão mais difícil
da minha vida: deixar você. Acreditei que sua vida seria
mais leve e feliz sem o peso de ver sua mãe morrendo dia
a dia. Ao longo dos anos seguintes, eu trabalhei como
voluntária com pacientes terminais, enquanto meu corpo
permitiu. Quando já não foi mais possível, eu procurei ajuda
e passei a viver num lar assistido, mas ainda conseguindo
dar conta de algumas coisas. Recentemente, nem isso foi
mais possível. Fui admitida num hospice, e agora estou
sendo cuidada por pessoas maravilhosas.
Não sei quanto tempo tenho até a minha morte, mas,
olhando para trás, eu sei que levarei até o meu último dia
um arrependimento gigantesco: o de ter deixado você. Ao
longo desses anos solitários, eu fui me dando conta de que
poderia ter tentado usar esse tempo para criar memórias
boas, coisa que minha mãe nunca fez. Ela apenas chorava,
se lamentava e dizia que preferia estar morta. Foi assim
durante todo o período em que esteve doente, e foi isso que
acabou comigo.
Já eu, ao longo desses anos desde o diagnóstico, procurei
aproveitar cada minuto. Assisti cada pôr-do-sol como se
fosse o último, comi as coisas que eu mais gostava, dei
gargalhadas até a barriga doer, e até mesmo realizei alguns
sonhos, como o de ver o mar. Eu fui feliz, Samantha, mas
só me dei conta tarde demais de que perdi a chance de
dividir essa felicidade e criar todas essas memórias com a
pessoa mais importante da minha vida: você.
Eu perdi a chance de ser sua mãe, de te fazer se sentir
a menina mais amada desse mundo, ainda que por pouco
tempo. Sei que nunca conseguirei me perdoar por essa
q g
escolha tão errada que eu fiz há quase oito anos e nem
fazer esse tempo voltar, mas me conforta saber que você, ao
menos, saberá de tudo isso agora. Saberá que não se
passou um dia em que eu não tenha acordado e ido dormir
pensando em você, desejando que estivesse saudável e feliz.
Há algo mais que eu preciso te dizer, e me dói ter que
fazer isso. Infelizmente, existe uma chance de que você
também tenha essa doença. Caso Deus me permita um último
pedido, é que você seja poupada desse sofrimento. Porém, se
for esse o seu destino, não abra mão de viver, Sam. Viva
intensamente, apaixonadamente, até seu último dia. Cerque-se
das pessoas que você ama, e as deixe saber o quanto são
importantes para você. Realize seus sonhos, especialmente
aqueles que, num primeiro momento, parecerem impossíveis.
Onde quer que eu esteja, saiba que estarei sempre
olhando por você e te protegendo, com todo o meu amor.
Seja muito feliz, minha pequena.
Da sua mamãe.

AS LÁGRIMAS ESCORREM pelo meu rosto como um rio,


extravasando a mistura mais inexplicável de dor e alívio. Alívio por
saber que minha mãe me amou em cada um dos dias em que
esteve longe de mim, mas, ao mesmo tempo, uma dor profunda por
tudo que nós perdemos. Seu medo de me fazer sofrer privou a nós
duas dos únicos anos em que poderíamos ter convivido, e das
memórias felizes que poderíamos ter criado.
Retiro do envelope uma foto dela. Seu cabelo loiro está solto e
jogado para o lado pelo vento. Seus olhos, tão azuis quanto os
meus, brilham de maneira intensa, iluminados por um largo sorriso
no rosto muito parecido com o meu. Ao fundo, está o mar.
No verso da foto, há uma única frase escrita com uma caligrafia
bastante irregular, diferente da letra caprichada da carta: Nunca
desista de ser feliz.
Aperto a foto contra o peito e fecho os olhos com força, com o
rosto contraído pelo choro. Essa última frase me faz pensar em
apenas uma pessoa: Ryker.
O homem que me fez sentir coisas extraordinárias, que me
ensinou mais sobre a vida e sobre mim mesma do que eu seria
capaz de expressar. A pessoa que eu amo desesperadamente, e
que foi a única a me fazer desejar ter a chance de um futuro feliz.
Respiro fundo, porque eu sei exatamente o que preciso fazer.
Não vou permitir que o medo do sofrimento nos prive das coisas
boas que ainda podemos ter.
Coloco a folha de papel e a foto no envelope com cuidado e, em
seguida, o guardo na minha bolsa. Enxugo o rosto, olho para cima e
sorrio.
— Obrigada, mãe. Você acaba de me devolver a coisa mais
importante que existe: esperança.
43

RYKER
ESTOU ASSISTINDO ao jogo dos Rams 1 contra os Seahawks 2
que está passando na TV, acompanhado pelos quatro cachorros
deitados no tapete aos meus pés. Fico surpreso quando Darth
levanta a cabeça num movimento rápido e ergue as orelhas, em
alerta.
— O que foi, garoto? — pergunto, distraído com o jogo. — Ouviu
algum barulho lá fora?
O cão levanta e anda até a porta, farejando o vão sob ela. Os
outros também ficam em alerta, o que eu acho bem peculiar. Fico
ainda mais surpreso ao ouvir a campainha, segundos depois. Olho
através da porta de correr da varanda lá para fora, onde já está
escuro e chovendo torrencialmente. Temporais são raros na
Califórnia, mas hoje foi atípico. Choveu o dia todo.
Com a testa franzida, eu me levanto e começo a andar até a
porta de entrada da minha casa. Não estou esperando ninguém,
óbvio. Exceto pelas visitas esporádicas de Nico e Hugh, ninguém
vem aqui.
— Quem é? — pergunto.
— Sou eu.
Meu coração dá um salto no peito ao ouvir a voz de Samantha.
Destranco a porta com pressa e a abro com um solavanco. Sam
está encolhida de frio, completamente encharcada e com uma
mochila sobre o ombro.
— Blue... — Eu a puxo para um abraço, apertando seu corpo
contra o meu. Ela está tremendo.
Fecho a porta e a puxo para dentro de casa. Os cães começam
a pular e latir em volta dela, que consegue sorrir apesar do tremor.
Toco seu rosto e vejo que está tão gelada que começo a me
preocupar.
— Vem comigo — peço, guiando-a para o meu quarto. Os
cachorros tentam vir atrás, mas eu impeço. — Calma, eu já venho
falar com vocês.
Fecho a porta, ajudo-a a tirar a mochila, e peço:
— Tira essa roupa molhada, pelo amor de Deus.
Sam me obedece, puxando pela cabeça o suéter e, em seguida,
tirando os tênis e a calça jeans. Até sua lingerie está molhada. Corro
até o banheiro, pego uma toalha limpa e a enrolo nela, trazendo-a
outra vez para mais perto do calor do meu corpo.
Vou enxugando seu cabelo com cuidado, enquanto tento me
acostumar com a ideia de que ela está realmente aqui.
— Por que você está tão molhada? — pergunto.
Ela se aconchega junto ao meu peito.
— Fiquei um tempão no aeroporto tentando pegar um táxi ou
Uber, mas as filas estavam gigantescas por causa da chuva. Acabei
decidindo vir de ônibus, e tive que andar uma parte do caminho até
sua casa.
Esfrego suas costas e toco seu rosto.
— Você está gelada. — Olho para o meu banheiro. — Espera
um instante.
Ando até lá com passos largos e abro a torneira de água quente
da minha banheira no máximo. Depois que ela enche um pouco,
abro parcialmente a água fria para chegar numa temperatura
suportável e volto para quarto.
— Vem cá. — Eu a levo até o banheiro, e a ajudo a tirar a
calcinha e o sutiã molhados. Em seguida, a abraço outra vez com a
toalha, esperando que a banheira encha um pouco mais. — Eu
tenho um milhão de perguntas, mas, primeiro, preciso te aquecer.
Apoio o queixo no topo da cabeça dela e fecho os olhos. As
respostas podem esperar. O que importa é que Sam está aqui, nos
meus braços outra vez.
Assim que a água chega à metade da altura da hidromassagem,
eu ajudo Samantha a entrar. Ela senta no fundo e me encara com
seus enormes olhos azuis.
— Entra comigo? — sua voz não passa de um sussurro
hesitante.
Como negar um pedido desses?
Tiro a roupa toda e me encaixo atrás dela, fazendo com que
relaxe as costas no meu peito. Desligo então a água para não
transbordar e a abraço. Seu corpo ainda está frio, mas menos que
antes.
Ficamos assim por vários minutos, enquanto ela se aquece.
Finalmente, percebo que sua temperatura voltou ao normal e
consigo relaxar. Corro os dedos pela lateral do seu braço, num
carinho lento.
— Por que você não me ligou? — pergunto. — Eu te buscaria no
aeroporto.
Ela relaxa um pouco mais, entrelaçando nossos dedos.
— A ideia era fazer uma surpresa. Eu não achei que a chuva
ficaria tão forte e eu me molharia tanto.
Eu suspiro, apoiando a cabeça no encosto acolchoado.
— Estou dividido entre o desejo de te perguntar o motivo da sua
vinda e o medo de te ouvir dizer que daqui a pouco vai embora outra
vez.
Samantha vira o rosto para me encarar.
— De agora em diante, eu só vou embora se você quiser que eu
vá.
Meu coração começa a bater mais forte.
— Repete — peço, endireitando a postura e segurando seu
queixo. — Repete isso que você acabou de dizer.
Ela sorri, e eu juro que esse sorriso derrete alguma coisa dentro
de mim.
— Vou te explicar tudo em detalhes depois, mas, o resumo é: eu
não quero passar nem mais um dia longe de você. Eu te amo,
Ryker. Te amo tanto que chega a doer.
Eu colo minha testa à dela e suspiro.
— Você não tem ideia do quanto eu sonhei em ouvir você
dizendo isso.
Sam faz um carinho no meu rosto.
— Eu não sei quanto tempo mais eu tenho...
Coloco um dedo sobre os seus lábios.
— Shhhh. Não importa. Nenhum de nós sabe, meu amor. Essa
ideia de que vamos viver até a velhice e realizar todos os nossos
planos não passa de uma ilusão. Ninguém sabe quanto tempo tem
de vida, essa é a verdade. A única coisa que eu quero é que você
passe cada minuto desse tempo comigo. — Uma lágrima escorre
pela sua bochecha, e eu limpo com o polegar. — Enfrentaremos
tudo juntos, Blue. Tudo. Eu jamais vou deixar você.
Ela puxa o ar num suspiro trêmulo e me beija, e é como
finalmente estar em casa. Samantha vira o corpo, ficando de frente
para mim. Eu me perco no seu gosto, no seu calor, na sua textura.
Deslizo as mãos pela pele arrepiada, e ela geme contra os meus
lábios.
Meu corpo já está pronto para ela, e sei que o dela está pronto
para mim. Interrompo o beijo, levanto e a trago comigo. Envolvo-a
com a toalha felpuda, enxugando cada pedaço da pele macia.
Em seguida, me seco rapidamente e trago-a comigo para a
cama. Samantha deita e me puxa, me fazendo cobri-la com o meu
corpo.
— Você não tem ideia do quanto senti sua falta — murmuro,
mordiscando seu lábio e correndo a mão pela sua coxa.
— Eu tenho — Sam diz, abrindo as pernas e envolvendo meu
quadril. — Porque eu fiquei destruída longe de você.
— Eu te amo tanto... — Me encaixo na entrada melada e a
penetro devagar, aproveitando cada sensação. — Tanto.
— Eu também amo você, Ryker. Com todo o meu coração.
Samantha me beija outra vez, e nos perdemos um no outro,
nessa sintonia perfeita que só a gente tem. Mais uma vez,
alcançamos o ápice quase juntos, e permanecemos abraçados
depois, com Sam deitada sobre o meu peito.
Minha vontade é a de esquecer que o restante do mundo existe,
mas não podemos fazer isso.
— Seu pai e Annie sabem que você veio para cá? — pergunto,
acariciando seu cabelo ainda úmido.
— Não.
— O que você disse a eles?
Ela levanta a cabeça e me encara com um sorrisinho culpado.
— Eu só mandei uma mensagem avisando que ia ficar fora por
uns dias e desliguei meu celular.
Levanto a cabeça para vê-la melhor.
— Eles devem estar desesperados de preocupação, Samantha.
Sam volta a deitar a cabeça no meu peito e suspira.
— Eu vou avisá-los em breve, mas, primeiro, eu precisava fazer
isso por mim. Por nós.
Volto a relaxar sobre o travesseiro e solto o ar devagar.
Não vai ser nada fácil contar a eles, e precisamos fazer isso
juntos. Agora que a decisão está tomada, chegou o momento de
encararmos as consequências.
— Eu quero que você venha morar aqui comigo — digo, sem
hesitação.
Mesmo sem ver seu rosto, eu sei que ela está sorrindo.
— Já começou a me dar ordens outra vez, jogador?
Belisco sua cintura, fazendo-a soltar um gritinho e rir.
— Não me provoque, Blue. — Levanto seu queixo. — Eu estava
falando sério quando disse que não queria perder nem mais um
minuto longe de você.
Ela assente.
— Eu também não quero perder tempo.
Fico em silêncio, pensando em como abordar o próximo ponto.
— Tenho mais um pedido para te fazer.
— Qual?
Engulo devagar.
— Não sei quem foi o médico que você procurou no Kansas,
mas eu gostaria de te levar a uma consulta com um dos maiores
especialistas em doença de Huntington do país. O consultório dele é
aqui em Los Angeles.
Sam desvia o olhar.
— Eu tenho medo do que eu vou ouvir. Nunca consegui
esquecer as coisas horríveis que o primeiro médico me disse,
quando me explicou que a doença não tinha mesmo cura e que eu
precisaria de acompanhamento para lidar com as inúmeras
dificuldades, que só aumentariam com o passar do tempo.
Tiro uma mecha de cabelo do seu rosto.
— Você não está mais sozinha para enfrentar esses desafios,
meu amor. E eu preciso ter certeza de que você está recebendo o
melhor cuidado profissional possível.
Ela volta a me olhar.
— Tudo bem. Se eu vou encarar essa realidade de frente,
precisarei de acompanhamento médico.
Eu suspiro, aliviado.
— Vamos marcar assim que houver uma vaga disponível.
Tentarei um encaixe para amanhã, tudo bem?
— Sim.
Faço um carinho no seu rosto.
— Vou mandar uma mensagem para Annie dizendo que você
está comigo, e que está tudo bem. Não entrarei em detalhes sobre
nós, vou apenas dizer que você me procurou aqui e eu te levarei
para casa em segurança em poucos dias.
Samantha concorda.
— É uma boa ideia.
— Nós vamos à consulta juntos e, em seguida, viajaremos para
o Kansas para contar tudo a eles.
Ela solta um suspiro trêmulo.
— Não tenho ideia de como eles reagirão.
Eu beijo sua testa.
— Também não sei, mas não importa. Nada será capaz de
separar a gente. Nunca mais.
44

SAMANTHA
AINDA FICO CHOCADA com o que o dinheiro e a fama são
capazes de fazer. Após a ligação de Ryker ontem à noite, Salvatore
conseguiu um encaixe com o neurologista para as duas da tarde de
hoje. Isso porque o médico só tinha agenda para daqui a dois
meses.
Eu olho para Ryker, sentado ao meu lado na recepção luxuosa
do consultório. Ele está tentando disfarçar, mas claramente está tão
tenso quanto eu.
— Srta. Carmichael? — A secretária chama. — O dr. Kumar vai
recebê-los.
Ryker entrelaça os dedos nos meus e levantamos juntos.
Andamos até a sala do médico, que tem uma vista deslumbrante da
cidade mais abaixo.
O homem de meia idade, pele escura e fartos cabelos lisos e
pretos, nos recebe com um sorriso.
— Sejam bem-vindos. — Ele olha para Ryker com uma discreta
admiração, mas não faz qualquer comentário. Assim que ocupamos
as cadeiras em frente à moderna mesa de madeira clara, o médico
recosta na cadeira acolchoada e pergunta: — Como posso ajudar?
Pelos próximos minutos, eu resumo toda a minha história. O dr.
Kumar vai fazendo perguntas, sempre mantendo a expressão atenta
e me observando com seus olhos perspicazes.
A anamnese dura quase trinta minutos. Ao final, depois de fazer
algumas anotações, ele conclui:
— Então, Samantha, seu diagnóstico foi feito por um clínico, há 3
anos, mas você nunca realizou o teste genético. É isso?
— Sim.
— Ok. — Ele levanta e aponta para o outro lado da sala. —
Vamos até ali, por favor. Quero que você tire sua roupa e coloque o
avental que a enfermeira vai lhe entregar.
Eu obedeço, tentando controlar a respiração e o leve tremor nas
mãos. Depois de me trocar, sento na maca e aguardo,
acompanhada pela enfermeira.
O dr. Kumar entra, acompanhado de Ryker, e para na minha
frente.
— Vou começar seu exame neurológico — ele avisa.
Não tenho ideia de quanto tempo se passa enquanto o médico
testa absolutamente tudo: sensibilidade, reflexos, força, equilíbrio,
raciocínio lógico, memória... Desta vez, o exame é infinitamente
mais minucioso e específico do que o outro, quando eu recebi o
diagnóstico.
Ao final, o dr. Kumar pede que eu coloque novamente a roupa e
retorne para a outra sala. Assim que eu me sento ao lado de Ryker,
o jogador busca minha mão e a segura com firmeza.
O neurologista alterna o olhar entre nós dois e sorri.
— Samantha, as notícias são boas — ele diz, e eu solto o ar que
nem reparei que estava prendendo. — Seu exame neurológico é
completamente normal, o que descarta o diagnóstico da doença
neste momento.
Meus olhos enchem de lágrimas e Ryker vira o rosto na minha
direção, com um sorriso emocionado.
— O senhor... tem certeza? — pergunto, sem conseguir
acreditar.
— Tenho. Os sintomas que você descreveu não se confirmam no
seu exame, e provavelmente são fruto do seu estado de alerta com
esse tema e o medo da doença. Pequenos acidentes que qualquer
um consideraria normal, assim como a labilidade emocional 1
proveniente da notícia que você recebeu a respeito da sua mãe, te
fizeram acreditar que havia algo de errado, mas não há.
A sensação é de que eu estou fora do meu corpo, observando
uma cena que está sendo vivida por outra pessoa. Ainda não
consigo acreditar.
— Mas... como o outro médico me disse que era tudo compatível
com a doença?
O neurologista levanta um ombro.
— Provavelmente, ele foi influenciado pelo seu relato e não tinha
muita experiência com esse diagnóstico. Eu sinto muito que você
tenha passado todo esse tempo acreditando que estava doente.
Na verdade, isso nem importa mais. Não vou ficar presa ao que
passou, só quero olhar para frente agora.
Ryker me puxa para um abraço, e eu me permito ser acolhida
pelos braços fortes, num choro de alívio e gratidão. Pela primeira
vez em muito tempo, consigo ter esperança num futuro bem
diferente daquele que eu achei que teria.
Ele acaricia minhas costas, sem precisar dizer nada. Nós dois
sabemos a enormidade do que esse momento representa. Mesmo
assim, uma dúvida ainda paira. Eu enxugo os olhos e volto a
encarar o médico.
— Mas... e quanto à minha mãe? — pergunto. — O risco de
transmissão genética?
Ele faz que sim com a cabeça.
— Sim, o risco existe. Apenas um teste genético será capaz de
confirmar se você possui a alteração capaz de resultar no
desenvolvimento da doença algum dia. Contudo, Samantha, pela
sua idade, não será a forma juvenil. Ainda que você possua a
mutação, isso só deve se manifestar mais tarde, e não temos como
saber exatamente quando será. Cabe a você decidir se quer ou não
fazer o teste.
Eu respiro fundo e olho através da janela envidraçada, sentindo
o aperto firme da mão de Ryker entrelaçada à minha.
— Eu... — hesito brevemente — eu não sei.
O dr. Kumar sorri.
— Você não precisa decidir isso agora. Apenas aproveite sua
vida, porque você é uma mulher de 21 anos completamente
saudável.
Eu sorrio, tomando a decisão de deixar mesmo essa decisão
para depois. Olho para Ryker e digo:
— Bem, nesse caso, acho melhor a gente deixar o doutor
atender seus outros pacientes. Agora que eu tenho um futuro inteiro
pela frente, preciso planejá-lo.
Ryker ri e pisca algumas vezes, disfarçando a própria emoção.
— Eu acho que você está coberta de razão, meu amor. — Ele se
vira para o médico. — Não sei como agradecer.
O neurologista sorri.
— Nem precisa. Não é sempre que eu tenho a chance de dar
uma boa notícia como essa a um paciente.
Nós nos despedimos do médico e saímos do consultório com
sorrisos bobos idênticos. Ainda é difícil de acreditar que eu
realmente não esteja condenada por essa doença cruel e incurável,
ao menos por enquanto.
Passei tanto tempo vivendo em função de uma sentença de
morte que a sensação de tirar esse peso dos ombros é inexplicável.
É como se, antes, houvesse uma neblina densa e escura
encobrindo meu futuro, e agora ela tivesse se dissipado. Não
consigo colocar em palavras o alívio que eu estou sentindo.
Saímos do prédio de mãos dadas e em silêncio, cada um ainda
processando os últimos acontecimentos. Assim que chegamos à
calçada, eu paro e seguro o braço de Ryker, fazendo-o parar
também. Ele olha para mim e eu disparo:
— Não vou fazer o teste. Ao menos, não agora.
Seus olhos azuis-esverdeados me acolhem, repletos de
compreensão.
— Vou apoiar qualquer decisão que você tomar.
Eu faço que sim com a cabeça, com um pequeno sorriso.
— Quero viver sem esse fantasma, sabe? Eu nunca me senti tão
feliz quanto agora, e não quero deixar que nada estrague essa
sensação. Se, algum dia, eu tiver os sintomas, vou fazer o
tratamento médico e lidar com a situação. Porém, enquanto isso não
acontecer, eu quero aproveitar a vida ao seu lado sem prazo de
validade.
Ryker segura meu rosto com as duas mãos.
— Nós construiremos nossa própria eternidade, Blue. Eu te
prometo isso.
Quando ele me beija, eu consigo acreditar que algo assim é
realmente possível. E vou além: ao lado desse homem, eu aprendi
que, quando se tem um amor que ultrapassa tantas barreiras, nada
é impossível.
45

SAMANTHA
RYKER AGENDOU um jatinho para nos trazer ao Kansas logo
na manhã seguinte. A ideia é conversar com meu pai e Annie, pegar
as minhas coisas e voltar para Malibu ainda hoje, então a aeronave
ficará o dia todo à nossa disposição.
Um motorista nos aguardava no aeroporto, e viemos diretamente
para a casa do meu pai. Quarenta minutos depois, o homem
estaciona em frente à construção simples, com fachada cinza e
janelas e portas em madeira pintada de branco. Ao redor, vê-se
apenas uma longa extensão de grama e pasto, com algumas
árvores espalhadas. Ryker agradece ao rapaz e nós percorremos de
mãos dadas a curta distância até a varanda que contorna toda a
casa.
No avião, viemos combinando o que diríamos. Ele pediu para dar
a notícia, e eu não me opus. Confesso que estou com medo da
reação dos dois, mas, tendo Ryker ao meu lado, me sinto sempre
segura. Gostando ou não, meu pai e Annie não terão outra
alternativa a não ser aceitar. Somos ambos adultos e com
autonomia para decidir nosso próprio destino.
Eu uso minha chave para abrir a porta. Annie está na cozinha, e
um cheiro gostoso de tempero preenche o ar. Assim que ouve o
barulho, minha madrasta desliga o fogo, limpa as mãos num pano
de prato e vem correndo nos receber.
— Que bom que chegaram! — Ela me abraça primeiro. — Fiquei
preocupada com você, Sam.
Eu retribuo o gesto carinhoso, ainda tensa com o que está por
vir.
— Desculpe, Annie. Não foi minha intenção.
Ela então se vira para o irmão e o abraça também.
— Obrigada por trazê-la, Ry. Desculpe esse trabalho.
Ele envolve o corpo pequeno da irmã.
— Não foi trabalho nenhum. — Assim que a solta, Ryker olha ao
redor e pergunta:
— Onde estão Connor e Robert?
— Connor está na escola, vai chegar em breve — minha
madrasta responde. — Robert está no banho, já deve estar
acabando.
— Estou aqui.
Nós três olhamos na direção da voz grave do meu pai, que está
entrando na sala nesse momento. Ele vem na nossa direção, aperta
a mão de Ryker primeiro e em seguida se vira para mim.
— Você não pode simplesmente pegar um avião e ir para a
Califórnia sem me avisar, Samantha. Como pagou por essa
passagem?
Eu tento controlar o nervosismo. A conversa já será difícil, se ele
estiver bravo comigo antes mesmo de começar, será ainda pior.
— Paguei com o meu cartão de crédito. Desculpe por ter te
preocupado, pai, mas era algo realmente importante.
Seus olhos cor de mel me encaram, ainda duros.
— O que era tão importante assim, sendo que você tinha
acabado de voltar de lá?
Eu olho para Ryker, que coloca uma mão sobre os meus ombros
num gesto protetor.
— Por que não nos sentamos para essa conversa? — ele
sugere.
— Ótima ideia. — Annie começa a conduzir o marido até a sala
de estar, onde há um confortável sofá branco em formato de L.
Meu pai e minha madrasta sentam de um lado, eu e Ryker, do
outro. Nós decidimos que falar sobre o nosso relacionamento e
também sobre as coisas que descobri a respeito da minha mãe e do
meu risco de desenvolver a doença de Huntington no mesmo dia
seria demais. Optamos por deixar a segunda parte para depois,
quando as coisas se acalmarem.
Meu coração está batendo forte e minhas mãos estão suadas.
Notando meu nervosismo, Ryker coloca novamente um braço sobre
os meus ombros, o que faz meu pai franzir a testa.
— Robert e Annie — ele começa —, não acredito que exista um
jeito fácil de fazer isso. Mesmo sabendo que não há nada de errado
nessa situação, entendo que pode ser um pouco surpreendente
para vocês.
Meu pai estreita os olhos.
— De que diabos você está falando, Lockhart? — Ele alterna o
olhar entre nós dois. — Não estou gostando do que eu acho que
está insinuando.
Ryker me puxa para mais perto de seu corpo forte e beija minha
cabeça.
— Eu e Samantha estamos juntos.
— O QUÊ?! — Meu pai dá um salto do sofá e fica em pé.
Annie levanta também, com uma expressão de choque, e segura
o braço do marido.
— Calma, Rob.
— Calma nada! — Ele dá um tranco no braço que minha
madrasta tentou segurar. — Esse cretino acaba de dizer que
seduziu a minha filha.
— Ei! — Agora sou eu que fico em pé, e Ryker levanta também.
Por que todos têm essa ideia machista e ultrapassada de que a
iniciativa sempre é do homem? — Ninguém me seduziu aqui, pai.
Sou uma mulher adulta, e quem quis ficar com Ryker fui eu.
Os olhos do meu pai faíscam de raiva.
— Ele tem idade para ser seu pai!
— Não seja ridículo — eu respondo. — Ryker tem 37 anos.
Annie nos encara, pálida e com os olhos arregalados.
— Pessoal, vamos nos acalmar — ela pede. — Isso precisa ser
uma conversa civilizada e, para isso, deveríamos ouvir o que eles
têm a dizer.
Meu pai olha para a esposa.
— Eu já ouvi o que eles têm a dizer, e não aceito. Essa
palhaçada acaba aqui.
— Isso não é uma decisão sua, Robert — Ryker diz, num tom
firme e controlado, fazendo meu pai encará-lo outra vez com um ar
nada amigável. — Nós viemos pessoalmente contar a vocês porque
temos uma consideração enorme pelos dois. Vocês são nossa
família e não queremos brigar, mas, se for necessário, é o que
faremos. Eu amo a Samantha, pretendo passar o resto da minha
vida ao seu lado, e isso não está aberto a discussão.
Meu pai coloca as mãos na cabeça e começa a andar em
círculos pela sala. Annie continua pálida e com as mãos trêmulas.
Ela encara o irmão com um olhar ressentido e pergunta:
— Como deixou isso acontecer, Ryker? Eu confiei em você para
cuidar dela.
Ele se vira na sua direção e suspira.
— Acredite, nada disso foi planejado. Eu não tinha a intenção de
me envolver com Sam, mas foi mais forte do que nós dois.
Minha madrasta balança a cabeça, e seus olhos umedecem.
— Meu Deus, que loucura... — ela murmura, como se fosse para
si mesma.
Eu me aproximo dela, aproveitando que meu pai se afastou.
— A culpa não foi dele — digo. — A atração foi mútua, mas
quem tomou a iniciativa fui eu. Ryker sempre teve uma grande
resistência em deixar as coisas acontecerem, mas eu consegui
mostrar a ele que não estávamos fazendo nada de errado. Nós dois
somos adultos, solteiros, não somos realmente parentes e nos
apaixonamos de verdade. Isso não é apenas um fogo de palha,
Annie. Eu amo seu irmão como nunca acreditei que fosse amar
alguém, e sei que sou correspondida. Nós seremos felizes, e espero
que você também possa ficar feliz por nós.
Nessa hora, meu pai se vira na minha direção, com uma
expressão dura.
— O que você pretende fazer agora?
Eu respiro fundo.
— Vou me mudar para Malibu. Eu e Ryker vamos morar juntos.
Meu pai bufa, com a mandíbula travada.
— Não acredito que isso está acontecendo. — Ele olha para o
alto, e em seguida novamente para mim. — Não espere a minha
aprovação para esse absurdo. Preciso de um tempo para digerir
tudo isso antes de conseguir olhar para você de novo.
Annie arregala os olhos.
— Robert...
Eu toco o braço dela.
— Deixa.
Meu pai olha para Ryker e aponta um dedo na sua direção:
— Você agora é responsável por ela. Saiba que, se lhe fizer
algum mal, eu vou matá-lo.
Abro a boca para falar, mas Ryker é mais rápido.
— Entendo a sua reação de pai, mesmo ainda não sendo um.
Contudo, já adianto que você pode ficar tranquilo, Robert. Assim
que a surpresa passar, você perceberá que eu amo Samantha mais
do que qualquer outra coisa, e dedicarei cada um dos meus dias a
fazê-la feliz.
Meu pai fica em silêncio por alguns segundos, olhando para nós
dois com uma expressão de decepção. Em seguida, pega seu
chapéu e sai pela porta dos fundos, sem dizer mais nada.
Minha madrasta suspira e olha para mim.
— Foi tudo muito inesperado, Sam — ela diz, com um tom
cansado.
— Eu sei. — Dou um passo na sua direção e a envolvo num
abraço. — Não fica preocupada. Eu prometo que vai dar tudo certo.
Annie retribui meu gesto, e ficamos assim por alguns segundos.
Depois que me solta, ela vai até Ryker e o abraça também.
— Você é um homem bom, meu irmão, e sei que não fará mal à
nossa menina. Ainda está difícil aceitar essa situação, mas eu
prometo que vou me esforçar para conseguir. Depois que a poeira
baixar, conversarei com Robert também.
Ryker fecha os olhos, com o queixo apoiado no ombro da irmã.
— Eu cuidarei bem dela. Samantha é a pessoa mais importante
do mundo para mim.
— Faça isso.
Eu puxo o ar devagar, começando a sentir um pequeno alívio. As
coisas ainda estão longe de estarem calmas, mas, ao menos, já
demos o primeiro passo.
— Vou arrumar minhas coisas — aviso.
Subo até o meu quarto, abro duas malas grandes e coloco nelas
apenas o mais importante. O restante, eu posso vir buscar em outro
momento. Com tudo pronto, eu olho uma última vez para o meu
quarto, com um sentimento de nostalgia. Apesar de tudo, eu tive
momentos felizes nessa casa e sentirei saudades da minha família.
Nesse instante, Connor entra no quarto com os olhos
arregalados, ainda usando o uniforme da escola.
— Você vai embora, Sammy?
Meu coração se aperta ao pensar que não estarei tão perto para
ver Connor crescer, mas, às vezes, é necessário perder algumas
coisas para ganhar outras. Eu ando até ele e agacho, envolvendo-o
num abraço.
— Vou me mudar para a Califórnia, campeão.
Seus bracinhos finos me apertam com força.
— Eu não quero que você vá...
Meus olhos umedecem, e eu faço um carinho no seu cabelo
castanho.
— Eu prometo que virei te visitar sempre, e você também pode ir
até lá me ver. — Me afasto um pouco e seguro seus ombros. — Que
tal se formos à praia juntos?
Meu irmãozinho tenta sorrir, mas é um sorriso triste.
— Legal, mas... eu preferia você aqui.
— Eu sei, meu amor. — Eu o abraço outra vez. — Você ainda é
muito novo para entender isso, mas saiba que eu estou indo atrás
da minha felicidade.
Ele deita a cabecinha no meu ombro e fica assim por vários
segundos.
— Podemos nos falar por ligação de vídeo? — Connor me
encara, com uma expressão mais resignada.
Beijo sua bochecha.
— Sempre que você quiser.
Ele dá de ombros e suspira.
— O tio Ryker disse que pode me ensinar uns passes de futebol
americano quando eu for visitar vocês.
Meu coração derrete só de imaginar essa cena. Fico em pé e
começo a empurrar as malas para fora do quarto.
— Ele te contou que temos quatro cachorros?
Ao pensar que agora os cães também serão meus, fico sorrindo
igual a uma boba.
— Sim! — Connor parece mais animado. — Quero brincar com
eles na piscina.
Na inocência de seus cinco anos, meu irmão nem estranhou o
fato de Ryker e eu sermos agora um casal. Uma pena que essas
situações não são tão simples para os adultos também.
Ao me ver no alto da escada, Ryker se adianta e pega as malas.
Quando chegamos ao térreo, ele avisa:
— O motorista já está chegando para nos buscar.
— Tudo bem.
Ryker me abraça de um jeito carinhoso e beija o topo da minha
cabeça. Com o canto dos olhos, vejo um pequeno sorriso no rosto
de Annie e sorrio também.
As coisas podem estar confusas ainda, mas realmente acredito
que tudo acabará bem.
46
DOIS MESES DEPOIS

RYKER
AINDA É difícil de acreditar que chegamos às finais das
conferências. Estamos enfrentando hoje os 49ers 1, e o vencedor
desta partida jogará o Super Bowl contra os Chiefs 2. O jogo está
bem tenso, com o placar super apertado — no momento, estamos à
frente por apenas dois pontos e falta pouco para acabar.
Os 49ers estão atacando, e Campbell está em pé ao lado do
campo, de braços cruzados e uma expressão séria. Nico, sentado
perto de mim no banco enquanto espera a hora do time de ataque
voltar, está com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos na
frente na boca, claramente tenso.
— Aquele cornerback está me tirando do sério — Marchesi
comenta, se referindo ao jogador de defesa do time adversário.
— O 35? — pergunto.
— Sim. — Nico balança a cabeça, confirmando. — O cara já
sacou que estamos investindo nas jogadas com Westbrook e está
marcando o garoto como se fosse a porra do namorado dele.
Jared Westbrook se desenvolveu de maneira impressionante nos
últimos meses. Seu pensamento em campo está mais ágil, ele está
se posicionando muito bem e tem um preparo físico invejável. O
moleque é bizarramente rápido e vem conseguindo obter um
controle corporal cada vez melhor. Não tenho mais qualquer dúvida
de que ele será um dos GOAT 3s da liga.
— Sim, mas confio em Jared. — Olho para o rookie, que está
recebendo algumas instruções de Duvall, um dos técnicos de
ataque. — Ele está focado e confiante, você e Hugh estão brilhando
como sempre e nós vamos vencer esse jogo.
Nico endireita a postura e nossos olhos se grudam na bola, que
acabou de ser arremessada pelo novo QB 4 deles. O garoto era o
terceiro no roster 5, e acabou tendo que assumir como titular nos
playoffs 6 após lesões dos quarterbacks principais. Para a surpresa
de todos, o jogador de apenas 23 anos está se destacando como
um dos melhores do time.
A bola cai com precisão nas mãos do wide receiver deles, que se
desvencilha da nossa defesa e faz um touchdown. Enquanto o
banco dos 49ers comemora muito, o nosso fica em silêncio, repleto
de expressões preocupadas. Agora, estamos 5 pontos atrás no
placar, e falta pouco tempo para acabar o jogo.
Nico, Hugh, Jared e os demais jogadores do ataque se preparam
para entrar. Eu fico em pé ao lado de Campbell, que mantém a
mesma postura rígida e controlada. Conforme os minutos avançam,
nossa tensão aumenta. Esse é nosso último ataque e, com essa
diferença de pontos, nossa única chance de vencer a partida é um
touchdown.
Após o avanço difícil de algumas jardas, ainda estamos distantes
da End Zone e com o tempo quase se esgotando. Mesmo de longe,
eu noto pela maneira como Nico segura a bola e observa o campo
que ele tentará a única jogada que pode nos salvar: um arremesso
longo para Jared, no canto esquerdo.
Assim que Marchesi lança a bola, Westbrook se desvencilha
brilhantemente do camisa 35 e corre como um raio na direção certa.
Todo o nosso banco fica em pé, porque estamos muito perto da
vitória que nos levará à grande final. Faltando dois segundos para o
término da partida e com a marcação no seu encalço, Jared estica
os braços para agarrar a bola, que escapa das suas mãos e cai no
gramado no mesmo instante em que o árbitro apita o fim da partida.
Vários gritos de desespero ecoam ao meu redor, enquanto todos
nós vemos a chance de jogar no Super Bowl literalmente escapulir
entre os nossos dedos. Os 49ers correm para o gramado para
comemorar com seus jogadores, enquanto vários dos nossos
deitam no chão e choram.
Eu começo a andar na direção do grupo que estava em campo.
À minha direita, Nico e Hugh se abraçam, e eu decido que vou até
eles daqui a pouco. Antes, eu tenho uma coisa mais importante para
fazer.
Jared está sentado na grama, com a cabeça enterrada nas mãos
enquanto seu corpo convulsiona num choro desesperado. Eu
agacho na sua frente e seguro seu rosto com as duas mãos.
O garoto me olha, com uma expressão de derrota e vergonha.
— Eu estraguei tudo — ele murmura, com a voz quebrada.
— Não. — Eu o encaro com firmeza. — Ouça bem o que eu vou
te dizer, Jared: você jogou uma temporada brilhante. Foi obrigado a
ocupar um lugar que poucos conseguiriam, e fez isso de uma
maneira extraordinária. Você teve um papel fundamental no quanto
nós avançamos, e eu não vou deixar que uma falha de recepção te
impeça de enxergar isso.
Westbrook continua chorando, seu rosto uma máscara de
desolação.
— Foi por tão pouco... — ele murmura.
— Eu sei. E essa não foi a última vez que isso vai acontecer,
mas você não vai se deixar abater. Na próxima temporada, eu
estarei do seu lado, e nós vamos continuar construindo esse
caminho juntos. Nós podemos ter pedido esse jogo, mas sua
carreira está só começando. E te garanto que ela será espetacular.
Ele acena em concordância e murmura, emocionado:
— Obrigado por tudo, Lockhart.
Eu o abraço, transbordando de carinho e orgulho por esse garoto
incrível. Logo em seguida, Nico e Hugh chegam também. Jared e eu
ficamos de pé e ele é abraçado por Marchesi.
— Você brilhou, moleque — o quarterback diz. — Não era para
ser dessa vez, mas, na próxima temporada, ninguém vai nos parar.
Hugh o abraça também.
— Estou muito orgulhoso de você, Westbrook.
A cena me deixa com os olhos úmidos. O resultado da partida de
hoje pode não ter sido o que nós gostaríamos, mas algo muito mais
importante aconteceu. Eu observo os três interagindo, se apoiando
e tenho uma certeza: o Dangerous Trio não acabou. Ele apenas
ganhou um novo integrante, que está à altura dos dois caras
brilhantes com quem eu tive a honra de dividir o campo por tanto
tempo.
Os três me puxam para um abraço coletivo, e eu sei que nunca
deixarei de fazer parte disso. O futebol está no meu sangue, na
minha alma, mas, felizmente, não é mais a única coisa importante
da minha vida.
Olho para a esquerda, para a arquibancada logo atrás do banco
de reservas, onde Samantha está, ao lado de Laney. Ao notar que
estou olhando para ela, minha garota enxuga as lágrimas, sorri e me
manda um beijo.
Eu peço licença aos meus amigos e dou uma corridinha até lá.
Pulo a divisória e a abraço forte.
— Eu sinto muito, meu amor — Sam diz, no meu ouvido. —
Tenho certeza de que, no ano que vem, o Super Bowl é de vocês.
Depois de soltá-la, eu acaricio seu rosto úmido com o polegar.
— É claro que eu estou triste, mas não como achei que eu fosse
ficar. Sabe por quê?
Ela me observa com atenção.
— Não. Por quê?
Sorrio, roçando meus lábios nos dela.
— Porque eu tenho a mulher mais incrível do mundo acordando
e dormindo ao meu lado todos os dias. É impossível ficar triste por
muito tempo.
Hugh chega e abraça sua esposa, que também murmura
palavras de consolo para ele. Ganhando ou perdendo, tudo fica
infinitamente melhor quando temos com quem dividir.
Como eu acho que ninguém está no clima de confraternizar após
a partida, o que eu mais quero é ir para casa com a minha garota.
Peço licença a ela e ando até onde Campbell está, cumprimentando
um a um os jogadores.
Eu faço o mesmo, abraçando-os e parabenizando pela excelente
temporada. Ao final, paro ao lado do técnico.
— Liam, eu vou para casa. — O jogo foi em Malibu, o que facilita
a logística. — A gente se fala depois, ok?
Ele segura a minha nuca e oferece um de seus raros sorrisos.
— Você fez a diferença mesmo fora do campo, Lockhart. É muito
bom poder contar com você.
— Às ordens, chefe.
Eu sorrio e o abraço rapidamente, antes de correr de volta para
Sam. Não vejo a hora de chegar com ela na nossa casa e
concretizar algo que já está planejado há algum tempo.

— EU JÁ DISSE que amo quando você cozinha para mim? —


Samantha pergunta, com um sorrisinho provocante, assim que
terminamos de jantar.
Eu sorrio de volta.
— Só fritei os bifes.
Os olhos azuis lindos me encaram, com um brilho sem igual. Sou
apaixonado por cada pedacinho dessa mulher.
— Para mim, conta como cozinhar. Logo no início, eu morri de
tesão quando você disse que prepararia o jantar para mim, e
também foram apenas bifes.
Eu rio, lembrando daquela fase quando eu quase enlouqueci.
— Você me deixava maluco, Blue.
Ela franze as sobrancelhas, mas mantém o ar divertido.
— Deixava? Quer dizer que não deixo mais?
Levanto da banqueta da ilha da cozinha, dou a volta e envolvo
sua cintura.
— Ainda deixa, só que, agora, é de um jeito bom. — Mordisco
seu lábio inferior. — Eu te amo, sabia?
Sam suspira.
— Também te amo, jogador. Cada dia um pouco mais, ainda que
eu não entenda como isso é possível.
Eu tateio o bolso, confirmando que a caixinha está lá. Em
seguida, seguro a mão de Samantha e a chamo.
— Vem comigo.
Ela obedece, e eu a levo ao jardim. Nós sentamos na grama e os
cachorros imediatamente nos cercam, com Darth deitando ao lado
de Sam como sempre faz. Eu a acomodo entre as minhas pernas e
seguro seu queixo.
— Não é novidade que eu quero passar o resto da minha vida
com você, mas nós ainda não conversamos sobre o como.
Samantha me encara, curiosa.
— Não sei se eu entendi.
Enfio a mão no bolso e tiro de lá a pequena caixinha de veludo
azul marinho. Quando eu abro e Sam vê o anel de ouro branco com
a pedra azul em cima, ela cobre a boca com as duas mãos e seus
olhos arregalados me encaram.
— Ryker!
Sorrio e tiro o anel do ninho acolchoado.
— Não sei qual a sua opinião sobre isso, e faremos do jeito que
você preferir. Mas eu imaginei um casamento na praia, com você
usando um vestido lindo, que combine com a sua beleza natural e
espontânea. Quero que nossos amigos e nossa família estejam
presentes, testemunhando o momento em que eu vou tornar você
oficialmente minha mulher.
Seus olhos se enchem de lágrimas, e as primeiras escorrem. Eu
limpo uma com a ponta do dedo.
— Blue, você quer se casar comigo e me fazer o homem mais
feliz do mundo?
Ela se joga no meu pescoço, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Sim! Mil vezes sim.
Eu a abraço, rindo também, e os cachorros começam a latir,
como se pressentissem que algo importante acaba de acontecer.
Sam então me solta, e eu deslizo o anel pelo seu dedo. Ela o
observa por alguns segundos, com um pequeno sorriso. Em
seguida, cola nossas testas e murmura:
— Obrigada pelo maior presente que qualquer pessoa poderia
desejar: um futuro.
Beijo seus lábios com carinho.
— Enquanto estivermos juntos, será o melhor futuro de todos.
EPÍLOGO 1
TRÊS ANOS DEPOIS

SAMANTHA
EM PÉ na lateral do gramado, eu observo as luzes do fim de tarde
colorindo o céu. Ainda é difícil de acreditar que, amanhã, nós vamos
inaugurar o centro de treinamento para jovens.
Foram anos de planejamento e execução cuidadosa de cada
etapa deste projeto lindo. Olho para trás, para o prédio de três
andares que funcionará não apenas como sede administrativa e
ginásio, como também alojamento para os adolescentes que
morarem longe e precisarem de um lugar para ficar durante a fase
intensiva de treinos, que serão conduzidos pelo meu marido.
Ryker agora trabalha oficialmente como técnico de ataque dos
Sharks, com foco nos jogadores novatos. Eu acabei sendo
contratada como nutricionista auxiliar logo depois que me mudei
para Malibu para morar com Ryker. Me dediquei por inteiro a esse
trabalho pelo qual eu me apaixonei e, ano passado, com a ida de
Denise para França para acompanhar o marido numa proposta de
emprego, fui efetivada no cargo de nutricionista-chefe. Como a
cláusula de contrato fala apenas da impossibilidade de
relacionamento entre jogadores e membros da equipe técnica, não
tivemos qualquer problema a esse respeito, já que nós dois estamos
contratados como equipe técnica.
Nesses três anos, dividimos nosso tempo entre o trabalho no
time que amamos e o projeto fantástico que ganhará vida amanhã.
Conseguimos diversos patrocínios incríveis, organizamos leilões
beneficentes, divulgamos na mídia com a ajuda da irmã de Hugh,
que é jornalista... Foi tanta gente que se uniu em torno dessa causa
nobre que é até difícil colocar em palavras o que a inauguração
desse espaço representa.
Já selecionamos a primeira leva de jovens que participarão do
treinamento neste verão, e mal podemos esperar para recebê-los.
Todos participarão do coquetel de amanhã, junto com suas famílias.
Além dos adolescentes, estarão presentes nossa família e
amigos. Hugh, Nico e Jared virão, junto com mais algumas pessoas
do time e suas famílias. Annie, Connor e meu pai também estarão
presentes.
Felizmente, com o passar do tempo, meu pai foi aceitando
melhor meu relacionamento com Ryker. Percebeu que fazemos um
ao outro feliz, e foi ele que me levou ao altar na cerimônia de
casamento. Annie aceitou ainda mais facilmente, e adorou o fato de
que agora os visitamos com frequência. Connor então, está
exultante. Os três chegam amanhã e ficarão hospedados na nossa
casa por alguns dias.
Tive uma longa conversa com o meu pai alguns meses após eu
e Ryker assumirmos o relacionamento. Eu contei sobre o que
descobri a respeito da minha mãe e mostrei a ele a carta que ela me
deixou. Foi a primeira vez que eu vi meu pai chorar. Ele me
agradeceu por ter contado e disse que estava aliviado por poder
deixar para trás a mágoa profunda que sentia por ela até aquele
momento. Recebi, então, um abraço afetuoso que me fez chorar
também.
Sei que Robert Carmichael nunca será uma pessoa calorosa,
nem adepta de demonstrações físicas de afeto. Porém, tenho
aprendido a prestar mais atenção nas qualidades das pessoas, ao
invés de focar minha energia naquilo que eu gostaria que fosse
diferente. Meu pai me ama do jeito dele, me criou sozinho com
todas as dificuldades que isso impôs à sua vida e sempre se
certificou de que minhas necessidades fossem atendidas. Hoje, eu
me permito amá-lo exatamente como ele é.
— O que está fazendo aqui fora, amor? — Ryker se aproxima
por trás e me abraça.
Eu sorrio, recostando a cabeça no peito largo.
— Ainda é difícil de acreditar que nós conseguimos — comento,
olhando para o gramado verde recém-aparado.
— Eu nunca tive dúvidas. — Ryker beija o alto da minha cabeça
e suspira. — Agora, nossa felicidade está completa.
Na verdade, quase.
Há alguns meses, começamos a pensar na possibilidade de ter
um filho. Conversamos com vários médicos, entre eles um
geneticista de renome, por causa da possível mutação genética
relacionada à Doença de Huntington. Eu mesma ainda precisava
decidir se faria o teste pré-sintomático ou não, que tem objetivos
diferentes do teste diagnóstico — esse último é feito quando a
pessoa já apresenta os sintomas.
Passamos por diversas entrevistas, nas quais fomos informados
mais a fundo e convidados a refletir a respeito dos prós e contras da
testagem. Os principais prós dizem respeito à forma como a pessoa
vai organizar a própria vida dali para frente caso o teste venha
positivo — ter uma rede de apoio, viver as experiências ao máximo,
sem postergar as coisas importantes, esse tipo de coisa.
Considerando que eu já vivo dessa forma, mesmo sem a certeza
se algum eu terei a doença ou não, acabei decidindo que realmente
não quero testar enquanto não tiver sintomas, e Ryker me apoiou
integralmente. O próximo passo foi discutir como seria em relação a
um futuro bebê.
Existem formas de testar os embriões sem necessariamente
informar a presença da mutação no DNA dos pais. Ou seja, eu não
precisaria saber do meu próprio risco de ter a doença caso optasse
por testar os embriões num processo de fertilização in vitro. Além de
conversar com os profissionais, nós também lemos vários textos
sobre o assunto. A testagem genética de embriões para doenças
que não sejam incompatíveis com a vida ainda é um assunto
polêmico e controverso.
Existe uma gama de alterações genéticas que representam
riscos de desenvolver doenças graves, como câncer, doenças
neurodegenerativas, doenças metabólicas, além de algumas
síndromes genéticas. A testagem genética de embriões para estas
doenças significa tirar de uma infinidade de seres humanos a
chance de viver, e isso me incomoda terrivelmente.
Quando fico pensando que eu mesma posso ser portadora
desse gene e que, se minha mãe tivesse feito o teste genético do
meu embrião, eu poderia não estar aqui, passei a analisar a
situação sob outro prisma.
Respeito quem opta pela testagem. Entendo o medo de ter um
filho com uma doença grave, que pode tirar precocemente sua vida
ou afetar muito sua qualidade. Porém, eu decidi que não queria tirar
a chance de nenhum bebê que fosse fruto do meu amor com Ryker
de viver, com ou sem o gene que causa a doença.
Depois de conversarmos muito sobre esse assunto, nossa
escolha foi por tentar uma gestação natural. Essa decisão foi
tomada há três meses e, desde então, eu parei de usar qualquer
método anticoncepcional.
Minha menstruação atrasou esse mês. Eu não quis criar
esperanças demais, mas, hoje de manhã, colhi o exame de sangue.
Recebi o resultado no celular agora há pouco e descobri que estou
grávida.
Pensei em esperar até amanhã, depois do coquetel, para contar
para Ryker. Mas a verdade é que não consigo esperar nem mais um
minuto para dividir essa felicidade com ele.
Me viro nos seus braços, para conseguir olhá-lo de frente.
— Você disse que nossa felicidade está completa. — Sorrio. —
Mas consegue pensar em alguma coisa que te deixaria ainda mais
feliz?
Ele faz um carinho no meu rosto.
— Uma mini Samantha, para me enlouquecer ainda mais.
Seguro sua nuca, rindo.
— E se fosse um mini Ryker?
Ele dá de ombros.
— Eu ficaria feliz da mesma forma. — Sua boca se aproxima do
meu ouvido: — E ainda teria uma desculpa para te engravidar de
novo bem rápido, para tentar uma menina.
Eu o abraço mais forte e sussurro:
— E se eu te disser que nosso primeiro bebê já está a caminho?
Ryker me afasta bruscamente, mas sem me soltar. Seu olhar
surpreso vasculha meu rosto.
— Blue... isso é sério?
Sinto meus olhos umedecendo e confirmo com um movimento
de cabeça.
— Eu estou grávida.
Meu marido começa a rir, me abraça de novo e gira o meu corpo
no ar.
— Eu não acredito. — Ryker me coloca no chão e me beija, com
paixão.
Eu retribuo, invadida por uma felicidade tão grande que
transborda através das lágrimas de emoção.
— Todos os meus sonhos estão se tornando realidade —
murmuro, fazendo um carinho no rosto dele. — Você me faz mais
feliz do que eu imaginei ser possível.
Ryker roça a ponta do nariz no meu.
— E continuarei dedicando cada um dos meus dias a isso,
enquanto eu viver.
EPÍLOGO 2
41 ANOS DEPOIS

RYKER
— É no segundo ou no terceiro andar? — pergunto à Sam, parando
no hall do hospital.
— Terceiro — ela responde, me olhando de lado. — Quem
deveria ter problemas de memória sou eu, amor.
Eu sorrio, enquanto aguardamos o elevador.
Há pouco mais de sete anos, Samantha iniciou os sintomas da
doença de Huntington. Nós fizemos o teste diagnóstico, que
confirmou a mutação genética. Ela tinha acabado de fazer 58 anos
e, por mais que sempre tivéssemos contado com essa possibilidade,
ficamos devastados ao descobrir.
Passado o choque inicial, minha mulher decidiu que era hora de
pararmos de chorar por isso. Desde então, nós decidimos viver da
forma mais plena possível. Pelo que pesquisamos e também pelas
conversas que tivemos com os médicos especialistas, a sobrevida
esperada pode variar entre 10 e 30 anos. Quanto mais tarde a
doença aparece, e no caso de Sam considera-se que foi tarde, mais
lenta costuma ser a progressão, o que tem se confirmado na
evolução dela.
Por ora, seu maior sintoma é uma certa rigidez muscular, que faz
com que se canse mais rápido, caminhe mais devagar e tenha
algumas restrições de movimento. Além disso, esporadicamente
tem episódios de coreia, que são movimentos involuntários dos
membros, e lapsos de memória pouco frequentes.
Nossa vida mudou um pouco. Temos feito adaptações na rotina
para não cansá-la tanto mas, mesmo com essas limitações,
Samantha parece genuinamente feliz.
Saímos do elevador no terceiro andar e paramos no posto de
enfermagem.
— Bom dia — cumprimento uma das enfermeiras. — Poderia
nos informar o número do quarto de Blainn 1 Whitt, por favor?
A moça sorri e checa a informação no computador.
— Sim. Ela está no 308.
— Obrigado.
Eu e Sam seguimos pelo corredor em direção ao quarto da
nossa filha, que adotou o sobrenome do marido após o casamento.
Bato duas vezes e, em seguida, giro a maçaneta. Blainn está na
cama hospitalar, com uma expressão abatida. Ao seu lado, estão
seu marido, Phillip, e sua filha, Jill. Assim que nos vê, a garotinha de
cinco anos vem correndo na nossa direção.
— Vovó, vovô!
Sam não conseguiria pegá-la do chão, então eu faço isso e a
coloco no meu colo. Depois que a avó a enche de beijos, eu
pergunto:
— Acho que você tem alguém para nos apresentar, não é?
A menininha de cabelo loiro e olhar travesso confirma.
— Sim! Theo nasceu e tem a cara inchada.
Todos no quarto começam a rir. No colo de Blainn, um bebê
dorme, enrolado numa manta. Nós nos aproximamos devagar, e
Samantha se emociona ao ver o neto.
— Meu Deus, que coisa mais linda... — Ela encara a filha com
lágrimas nos olhos. — Parabéns, meu amor.
Blainn enxuga o próprio rosto.
— Estou muito feliz por vocês estarem aqui.
Nossa filha está morando em Nova York, do outro lado do país.
Eu e Sam temos conversado bastante a respeito de passar o
comando do centro de treinamento para jovens a outra pessoa, para
que possamos nos mudar e ficar mais perto de Blainn e dos nossos
netos.
Na última semana, recebemos a proposta de Jared Westbrook
para assumir o nosso lugar com a ajuda do seu filho, também
jogador da NFL. O ex-wide receiver do Malibu Sharks realiza
trabalho voluntário lá há muitos anos e, notando nosso interesse de
poder dedicar mais tempo à família, fez a proposta. Nós
naturalmente aceitamos, e agora só falta organizar as coisas para a
mudança.
A parte mais complicada será arrumar um terreno grande o
suficiente para abrigar nossos cães. Ao longo dos anos, eu e
Samantha fomos adotando outros cachorros com necessidades
especiais, e tivemos que nos mudar quando a casa em que
morávamos já não tinha espaço suficiente para todos.
Darth Vader viveu até os 16 anos e morreu no colo de
Samantha, cercado de amor. Nosso desejo de ajudar outros animais
em situação de abandono era tão grande que, hoje, temos 37 cães
com algum tipo de deficiência ou que foram vítimas de maus-tratos.
Contamos com a ajuda de três tratadores e uma equipe de
veterinários. Antes da mudança, precisaremos montar outra equipe
para que nossos companheiros tenham o melhor cuidado possível.
Envolvo os ombros de Sam e observo, comovido, o rosto do meu
neto caçula.
— Quer contar a novidade? — pergunto à minha esposa,
— Nós vamos nos mudar para Nova York para ficar perto de
vocês — Samantha conta.
Blainn encara o marido com a boca aberta, e depois olha para
nós.
— É sério isso? — Depois que confirmamos, ela começa a rir e
chorar ao mesmo tempo. — Eu acabei de parir um bebê e estou
emotiva. Vocês não podem me dar uma notícia dessas assim.
Nós rimos também, e Jill começa a pular ao nosso lado.
— Que legal! Vocês vão poder me buscar na escola.
— Pode apostar que sim, princesinha — eu digo.
Blainn olha para a mãe e pergunta:
— Quer segurá-lo?
Samantha fica indecisa, e me encara. Sei que ela tem o receio
de que seus braços não sustentem o bebê, ou que acabe tendo um
movimento involuntário e machucando-o sem querer. Para
tranquilizá-la, eu ofereço:
— Senta no sofá. Eu coloco o Theo no seu colo e fico ao seu
lado por segurança.
Minha mulher sorri e aceita. Pego o bebezinho no colo de Blainn,
e encaro o rostinho sereno com um sorriso. Em seguida, coloco-o
no colo da minha esposa, que o segura com cuidado.
As lágrimas correm pela face marcada por algumas rugas,
enquanto ela olha para o neto. Eu entendo perfeitamente o quanto
esse momento significa para Samantha. Convivendo por décadas
com a possibilidade de uma doença grave e há sete anos com a sua
certeza, ela nunca tomou nada como garantido.
O fato de poder segurar seu segundo neto no colo é uma grande
dádiva, a realização de mais um sonho. Ela olha para mim,
comovida.
— Nós conseguimos — Sam sussurra. — Continuamos firmes, e
nossa família está a cada dia mais linda.
Eu beijo seu rosto com carinho.
— Eu te prometi que construiríamos a nossa eternidade, Blue. —
Olho para nossa filha e nossos netos, e sorrio. — Aqui está ela.
AGRADECIMENTOS

COMO SEMPRE, pouco a pedir, muito a agradecer.


Esse já é meu décimo-quarto livro publicado, e nada disso teria
sido possível sem o apoio de tantas pessoas especiais.
À minha família, em especial meu marido e minha filha (que não
pode ler meus livros pela idade, mas se empolga com cada detalhe
e me faz um milhão de perguntas), minha eterna gratidão e amor.
À minha amiga, parceira, editora Stefany Nunes, meu gigantesco
agradecimento sempre. Ryker e Sam te deixaram quase doida, mas
eu prometo que no próximo tudo será mais tranquilo (ou não).
À Mari Vieira, que me deu algumas ótimas ideias para tornar
esse livro ainda mais cativante. Obrigada pelo apoio e pela parceria.
À Vanessa Pavan que, mais uma vez, fez toda a diferença nessa
assessoria. Não sei como teria sido esse processo sem a sua ajuda
(na verdade, eu sei — teria sido desesperador). Mais uma vez,
muito obrigada!
Às amigas do Clube da Escrita, sempre trocando ideias valiosas,
experiências, desabafos e muito aprendizado técnico. Vocês são
especiais.
Às minhas betas mais antigas, Bianca Oliveira, Camila Saboya,
Jade Roque, Lorena Sílria, Mary Demoner, Naiara Moraes: eu
simplesmente amo nossas trocas e as sugestões brilhantes que
vocês me dão para a história. Nesse livro, preciso também
agradecer à Laís Maravalha (com seu conhecimento profundo sobre
a Califórnia), à Débora Lúcio (com sua fantástica capacidade de
síntese) e Keyla Lima (que me ajudou imensamente com a parte
dos doguinhos). É impressionante como trabalhar em equipe é
infinitamente melhor.
E, por último, o mais importante: obrigada a vocês, leitoras ou
leitores (tenho poucos homens nesse grupo, mas valorizo demais a
presença de vocês aqui!), que são a grande razão para tudo isso
existir. Se já me acompanha há bastante tempo, obrigada por
continuar lendo minhas histórias e me abastecendo diariamente com
tanto carinho. Se está chegando agora, seja muito bem-vindo(a) ao
Lizverso. Espero que se apaixone por esses personagens e que
este livro seja o primeiro de muitos em que estaremos juntos.
Caso queiram mandar sua opinião sobre a história, trocar ideias,
acompanhar as novidades dos próximos lançamentos, é só me
procurar nas redes sociais com o @autoralizstein. Tenho também
um grupo animadíssimo no Whatsapp, e o link está na minha bio do
Instagram.
Não tem rede social? Não tem problema. Meu e-mail
lizsteinautora@gmail.com está sempre de portas abertas para os
meus leitores.
Será um prazer enorme encontrá-los fora das páginas também.
Um grande beijo,
Liz.
NOTES

EPÍGRAFE
1 Os demônios lançam os dados
Os anjos reviram os olhos
O que não me mata
Só me faz te desejar mais

1
1 National Football League, a liga de futebol americano dos EUA.

7
1 New York Giants, time da NFL.
2 Tradução:
Eu não quero
Nenhuma outra pessoa
Quando eu penso em você
Eu toco a mim mesma

8
1 Fase de treinamento intensiva dos jogadores antes do início da temporada.
10
1 Os demônios lançam os dados
Os anjos reviram os olhos
O que não me mata
Me faz te desejar mais
2 Nos EUA, a carteira de motorista é um cartão, com foto e dados pessoais na frente, e um
código de barras atrás.

12
1 Forma de se referir à camisa do uniforme do time.

13
1 Rede de hamburguerias muito conhecida na Califórnia
2 Seleção de jogadores para o início de uma nova temporada.

14
1 Grande final da temporada da NFL.
2 Buffalo Bills, time da NFL.
3 Pau (no sentido do órgão genital masculino) em inglês.

16
1 Fora da temporada, quando não há jogos e os treinos são menos intensos.
18
1 New England Patriots, time da NFL.
2 Técnico principal
3 Jogadores novatos, em sua primeira temporada.

22
1 Tradução:
Talvez eu só queira voar
Queira viver, não queira morrer
Talvez eu só queira respirar
Talvez eu apenas não acredite
Talvez você seja como eu
Nós vemos coisas que eles nunca verão
Eu e você vamos viver para sempre
2 Tradução:
Talvez eu nunca seja
Todas as coisas que eu gostaria de ser
Agora não é a hora de chorar
Agora é a hora de descobrir o porquê
Eu acho que você é como eu
Nós vemos coisas que eles nunca verão
Você e eu vamos viver para sempre

23
1 Tradução
O cabelo dela é dourado como o da Harlow
Os lábios dela, doce surpresa
Suas mãos nunca estão frias
Ela tem os olhos de Bette Davis
2 Tradução:
E ela vai te provocar
Te deixar inquieto
Todo o melhor só para te satisfazer
Ela é precoce e sabe exatamente
O que é necessário para fazer um profissional corar
Ela tem pose de Greta Garbo
Ela tem os olhos de Bette Davis

24
1 New York Giants, time da NFL.

26
1 Vestiário do estádio
2 Colocação de bandagens adesivas
3 Pai nosso em inglês

27
1 Tradução do inglês: impossível de ser parado.

28
1 Cirurgia ortopédica realizada por vídeo

33
1 Comédia romântica.

35
1 Hotel em Los Angeles construído como um castelo.

36
1 Roupa de Neoprene usada pelos surfistas.

40
1 Instituição que cuida de pacientes com doenças graves e terminais.
2 Versão mirim do baseball

41
1 Philadelphia Eagles, time da NFL.

42
1 Nurse Practitioner, grau conferido nos EUA a enfermeiras com treinamento clínico
avançado.

43
1 St Louis Rams, time da NFL.
2 Seattle Seahawks, time da NFL.

44
1 Mudanças frequentes e exacerbadas de humor.

46
1 San Francisco 49ers, time da NFL.
2 Kansas City Chiefs, time da NFL.
3 Greatest Of All Time, traduzido como “melhor de todos os tempos”. Título dado pela
imprensa aos melhores jogadores da NFL.
4 Abreviação de quarterback.
5 Plantel, que significa o conjunto de jogadores disponíveis para a escolha do técnico de
um time.
6 Fase eliminatória da temporada de jogos.

EPÍLOGO 2
1 Nome que significa azul em Norse, uma língua antiga da região da Escandinávia.

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