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COPYRIGHT © 2022 VITÓRIA MENDES

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra de qualquer
forma ou quaisquer meios de comunicação sem a autorização da
autora. A violação aos direitos autorais é crime disposto na Lei
9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Esta obra é fictícia. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência.
DIAGRAMAÇÃO | CAPA: Vitória Mendes
REVISÃO: Stephany Cardozo Gomes e Hanna Câmara
LEITURA SENSÍVEL: Mariana Tomázio e Amanda Gomes
LEITURA CRÍTICA: Ana Ferreira
ILUSTRAÇÕES: Narita Nascimento, Gabriela Góis, , Manuh Artes,
Nya Oliveira
Notas & Avisos
Playlist
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Epílogo
Agradecimentos
Até mais!
Não pule essa parte, por favor!
Olá, caro leitor! Seja bem-vindo ao primeiro livro da série
Beyond, tudo bem com você?
Primeiramente gostaria de expressar o agradecimento por você
estar aqui e dar essa chance de conhecer os personagens que
vivem na minha cabeça. Espero que vocês se apaixonem, surtem,
chorem e riam assim como aconteceu comigo durante todo o
processo de escrita.
Além Do Que Vemos (ADQV) é o meu primeiro livro publicado e
também é o primeiro da série BEYOND, a qual estou
desenvolvendo. Portanto, provavelmente você ainda não me
conhece, então vai perdoando a emoção da autora diante dessa
nota. Heaven e Axel surgiram na minha cabeça pela primeira vez
diante de uma crise existencial e logo eu escrevi TODA a história
deles de uma vez só e comecei a publicar na plataforma do
Wattpad, onde finalizei com um total de 226 mil leituras, o que para
mim é grande, mais que grande, é enorme, gigante... Nessa jornada
que você está prestes a embarcar, você irá encontrar personagens
reais e resilientes que precisam do seu próprio desenvolvimento.
Nenhum assunto aqui será romantizado, muito pelo contrário, por
isso peço encarecidamente que quando você ler alguma cena de
revirar os olhos ou ficar com raiva de algo, por favor, não me julgue
ou queira me matar, eu só pus no papel aquilo que meus
nenénzinhos viveram e sentiram. Ainda assim, quero ressaltar que
não concordo, em sua grande maioria, com diálogos, pensamentos
e eventos presentes nessa história.
Você irá encontrar na obra a Heaven, uma garota que vive um
relacionamento abusivo e o Axel, um garoto cheio de traumas e
gatilhos ligados ao seu passado. Desse modo, você não irá
encontrar o casal que já se pega logo de início. Tudo bem que a
trope é friends to lovers, mas para o final feliz deles acontecer, eles
vão passar por muito caos. Esse livro também é bastante dramático,
pela idade dos personagens eu o encaixaria em um gênero New
Adult, porém devido aos assuntos citados vamos classificá-lo como
Drama Contemporâneo mesmo.
Gostaria de avisar também, que o prólogo do livro é bastante
longo, longo mesmo, então se quiser pular ele não há problemas,
mas para uma boa leitura e um bom entendimento da obra, eu não
aconselho fazer isso, porque tudo que está ali é ligado ao futuro dos
personagens. Vale ressaltar também que todos os personagens da
obra são essenciais, nenhum deles entrou na história por acaso e
alguns até irão contar suas próprias vidas em um futuro bem
próximo, por isso, se não houve um desenvolvimento “adequado”
durante esse livro, foi tudo proposital.
Dito isso, agora gostaria de alertar vocês sobre os gatilhos:
violência gráfica, incluindo doméstica (antes do início do capítulo em
questão eu deixarei uma nota acima, caso você dê continuidade a
leitura e esse assunto te desperte um gatilho maior); abuso
psicológico; bullying; transtornos alimentares; crises de pânico e
ansiedade; menção ao Transtorno de Personalidade Antissocial
(TPAS); incêndio; afogamento; enforcamento; consumo de bebidas
alcóolicas; menção ao uso de drogas; menção ao uso de arma
branca; cenas gráficas do uso de arma de fogo; palavras de baixo
calão e cenas de sexo explícito.
Esse livro é indicado para maiores de dezoito anos. Caso você
não se sinta confortável com algum dos assuntos citados acima, por
favor não faça a leitura, preserve a sua saúde mental. Se você
passa ou conhece alguma mulher que sofre violência doméstica não
hesite, ligue 180 ou 190 e denuncie!
Deseja conversar comigo durante ou depois da leitura,
visualizar conteúdos exclusivos sobre o livro ou até mesmo
acompanhar meus surtos? Aqui estão minhas redes sociais:
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Agora que já deixei tudo claro, te convido a dar início à história
que tomou o meu coração e que espero que tome o seu também.
Com amor, Vitória <3
Acesse a playlist do livro através do QR acima ou clique aqui!
Dedico esse livro à todas as Heavens, que vocês sejam fortes
para superarem aquele que um dia lhe fez sofrer e se tornem tão
resilientes quanto o Axel.
Uma vez, quando eu tinha sete anos, minha mãe me disse
Vá fazer alguns amigos, ou você vai ser solitário
Uma vez, quando eu tinha sete anos
Era um mundo muito, muito grande, mas pensávamos que éramos maiores
Empurrando uns aos outros até o limite, estávamos aprendendo mais rápido
7 YEARS | LUKAS GRAHAM
Porque o tempo não estava a nosso favor
Isso não é um adeus
É simplesmente um te vejo mais tarde
SEE YOU LATER | JENNA RAINE

Oito anos atrás

— Passa para lá, rolha de poço. — Drew empurra outro garoto,


que acaba caindo no chão.
Todos os dias é a mesma coisa, eles nunca deixam o garoto
em paz. Só porque ele é gordo, eles acham que têm direito de o
humilharem. Eu nunca me meti, até agora...
— Para com isso, idiota. — Empurro Drew. Não esperava ter
tanta força, mas tive. Ao ponto de fazê-lo cambalear e cair de bunda
no chão.
Os alunos que estão no corredor uivam e riem da situação.
Eu não sei onde eu estava com a cabeça, acabei de empurrar o
maior valentão da escola. Ele se levanta e vem até mim. Seus olhos
estão nublados, o castanho quase inteiro dominado pelo preto de
suas pupilas. Dou três passos para trás, enquanto fecho meus
olhos, por instinto. Sinto um toque leve no pulso, abro as pálpebras
lentamente. Drew está na minha frente.
Ai meu Deus, eu estou ferrada!
— A sua sorte é que você não passa de uma menina, paraíso.
— Drew sorri de canto.
Dito isso, ele se afasta junto dos seus outros amigos idiotas. Eu
continuo parada os observando ir em direção ao refeitório. Mas uma
mão apoia o meu ombro e me tira do transe.
— Você não precisava fazer isso. — Dou um giro me virando
para a pessoa que fala comigo, e me deparo com olhos cinzentos
quase grafites. Suas bochechas fofinhas estão com um leve rubor
vermelho.
— O Drew é um babaca — respondo. — Alguém tem que
colocar ele no seu lugar.
— Ele é sim. — O garoto sorri, seu sorriso é lindo, dentes
brancos cercados por lábios rosados. — Mas não importa, enquanto
eu for gordo, eles sempre vão ter motivos para me zoarem. — Ele
dá de ombros.
— Você não é gordo! — o repreendo.
— Verdade, sou uma rolha de poço. — Suas bochechas que já
estavam vermelhas, escurecem ainda mais.
— Para com isso. Você ter uns quilos a menos ou a mais não
define quem você é. — Paro por um segundo. Eu ia falar seu nome,
mas não sei, por isso decidi perguntar. — Como é seu nome
mesmo?
— Axel — Ele responde com o cenho um pouco franzido.
— Certo. Axel, você é lindo. — Sorrio sincera, e ele ficou ainda
mais enrubescido, parece que todo o seu sangue decidiu se
concentrar nas suas maçãs do rosto. — Seu corpo é o seu templo,
nunca se subestime.
— Nossa, você é bem madura para uma criança de dez anos.
— É, meu pai me ensinou a nunca julgar os outros pela
aparência, e minha mãe me disse que temos que nos aceitar da
forma que somos, independente do que a sociedade julga. A
propósito, me chamo Heaven. — Estendo a mão a fim de fazer um
cumprimento. Ele hesita por um momento, mas logo junta a sua
mão à minha.
— Eu sei quem você é. — Rapidamente Axel puxa sua mão de
volta e a fecha em punho enquanto segura a alça de sua mochila.
— Quer almoçar comigo, Axel?
— Tudo bem.

Já faz um mês que me tornei amiga de Axel, aliás, ele é meu


único amigo. Assim como eu sou a única amiga dele. Meus pais
engravidaram de mim quando ainda estavam no último ano da
faculdade, portanto as coisas para eles foram um pouco difíceis.
Tinham que se dobrar para trabalharem, estudarem e cuidarem de
mim. Nos últimos dois anos, as coisas tornaram-se melhores para
eles, pois meu pai finalmente conseguiu um bom emprego como
advogado, e minha mãe conseguiu alugar uma sala em uma clínica,
onde ela trabalha como fisioterapeuta.
Todos os dias, Axel e eu almoçamos juntos no refeitório, nós
dois fazemos o mesmo ano, mas não estudamos na mesma turma.
Por isso, na última semana, decidimos passar uma hora na
biblioteca após a aula.
No início da amizade, foi tudo muito estranho. Axel é tímido,
então quase não abria a boca para falar. Não que tenha mudado
muita coisa, mas agora ele consegue responder meus
questionamentos com uma frase inteira, ao invés de com respostas
monossilábicas.
Acredito que nossa amizade tem se solidificado cada vez mais
Mesmo depois de eu ter repreendido Drew no corredor da
escola há quatro semanas, ele não parou de fazer piadas com Axel.
E falando no desgraçado, lá vem ele, de novo.
— Fui ao zoológico no fim de semana — Drew fala enquanto se
senta do outro lado da mesa da biblioteca, onde eu e Axel estamos
estudando. — Senti sua falta na hora da apresentação das baleias,
Axel.
Axel abaixa a cabeça, fingindo que está lendo e não ouviu a
ofensa, Drew, por outro lado, se levanta rindo.
Coloco minha mão sobre a de Axel.
— Não liga para ele.
— Tanto faz. — Dá de ombros.
Como sempre, Axel finge não se importar com os comentários
maldosos sobre seu corpo. Mas eu sei que no fundo ele se sente
mal, uma vez o vi correr para o banheiro depois de uma piada sem
graça na hora do almoço. Quando ele voltou, seu uniforme estava
com uma mancha de vômito. Eu não perguntei nada, mas eu
desconfio que ele possa ter colocado tudo o que havia comido para
fora.
Estendo minha mão, levando até a sua e a aperto, Axel me
lança um olhar de lado, e eu apenas sorrio para ele, como forma de
dizer que sempre estarei aqui.

Nos últimos três meses, descobri que Axel, assim como eu, é fã
dos filmes da Disney.
Hoje é sábado, e estamos fazendo nossa sessão de cinema na
sua casa. Mais cedo, quando cheguei, fui recepcionada por Daniel e
Íris Davenport, a mãe de Axel é ruiva dos olhos cinzas iguais aos
dele, e seu pai é alto, corpulento, com cabelos e olhos castanhos
intensos. O filme escolhido foi Monstros S.A., que conta a história de
Sulley, Mike e da pequena Boo.
Ao final do filme quando a porta da Boo é destruída, para que
assim nenhum monstro possa voltar e o Mike, amigo do Sulley,
consegue reconstruir a porta, sabendo o quanto Boo é especial para
ele, a cena em que os dois se reencontram e a Boo o chama
“gatinho”, é impossível não chorar.
— Você é muito menininha. — Axel ri enquanto os créditos
finais rolam.
— Deve ser porque eu sou uma menininha — ironizo enquanto
enxugo as lágrimas com o dorso das mãos.
Estamos no quarto de Axel, e pulo quando ouço um estrondo, o
barulho deve vir do andar de baixo, a voz do seu pai se exalta.
— Você estava dando em cima dele, não adianta querer me
manipular. Você acha que eu sou um idiota, Íris? — ele grita.
Quando mais um estrondo soa pela casa, me levanto indo em
direção a porta do quarto. Mas Axel é mais rápido e fecha antes que
eu possa passar por ela.
— Eles estão apenas conversando — Axel diz.
Mais um baque, e dessa vez quem fala é a mãe do Axel.
— As crianças estão lá em cima, Daniel. — Sua voz parece
chorosa.
Eu continuo com os pés fixos no lugar. Axel também está
parado, porém encostado à porta do quarto que se mantém
fechada. Escutamos um baque que parece ser uma porta se
fechando. Segundos depois escuto um motor de carro sendo ligado;
Axel finalmente abre a porta do quarto, o que nos dá a visão da Sra.
Davenport passando pelo corredor, sua testa está sangrando.
— Se-se... seu... seu pai machucou e-e-ela? — minha voz sai
em um sussurro enquanto gaguejo.
Axel se aproxima de mim colocando as mãos em meus ombros
e olhando diretamente em meus olhos, sua íris cinzenta está
tomada pelo tom grafite escuro. Sinto que, assim como eu, ele está
em choque, mas ao mesmo tempo está triste.
— Você não pode contar a ninguém o que escutou hoje,
Heaven.
— Ma-mas sua mãe está san-sangrando, Axel — gaguejo
novamente.
— Ela vai ficar bem — garante ele, mas não consegue me
convencer. Me soltando, caminha até a lateral de sua cama. — Acho
melhor você ligar para sua mãe vir lhe buscar.
— Tudo bem — murmuro.
Faço o que Axel pediu. Ligo para minha mãe e peço para vir me
buscar uma hora antes do combinado, já que depois do filme
costumamos ficar jogando videogame. Ela acha estranho, mas diz
que em quinze minutos chega, enquanto isso observo Axel de
longe. Durante a ligação que fiz para mamãe, percebi que ele havia
comido uma barra de chocolate, que estava guardada na sua mesa
de cabeceira, inteira.
Agora ele já está com outra na mão. Seu rosto continua baixo, e
um silêncio toma conta do quarto.
Por seu olhar perdido, sei que ele deve estar triste agora, ou
talvez com raiva. Ele parece ser o mesmo garoto da escola,
inseguro e tímido sempre que Drew ou os outros meninos se
aproximam dele. Na semana passada, trancaram Axel no banheiro
da escola durante a última aula, e mergulharam a cabeça dele na
privada, mas ele não me disse quem foi. Nesse momento ele
demonstra o mesmo medo que tivera naquele dia.
Quinze minutos se passam e escuto a buzina do carro da minha
mãe. Pego minha mochila e saio do quarto de Axel, ele me
acompanha até a porta.
— Te vejo na segunda, Ax — Me despeço, mas ele não diz
nada, apenas fecha a porta na minha cara.
Ando em direção ao Jeep da minha mãe, e subo no carro pela
porta do passageiro. Mamãe ainda não deu partida no carro, apenas
me olha pelo espelho retrovisor.
— Aconteceu alguma coisa, querida? — Mamãe pergunta.
— N-não, porquê?
— Seus olhos estão vermelhos e você está triste. Brigou com o
Axel?
Eu chorei? Não me lembro de ter chorado em algum momento,
apenas fiquei assustada com os gritos, a forma como vi a mãe de
Axel, e seu jeito calado.
— Foi só o filme — afirmo à minha mãe.
— Tudo bem — mamãe murmura enquanto sorri.
Minha mãe tem uma pele bem alva, cabelos castanhos claros,
longos e lisos, seus olhos são castanhos também. O azul dos meus,
ela costuma dizer que eu puxei à minha avó, que faleceu antes de
eu nascer. Ela dá partida no carro e dirige pelas ruas de Stone Bay,
enquanto fico vagando em meus pensamentos, olhando pela janela
do carro. A voz do Sr. Davenport era pura irritação. Eu não comentei
nada, mas quando desci as escadas para ir embora, vi que a mesa
de centro da sala estava quebrada, e alguns cacos de vidro
salpicados pelo chão do cômodo.
Parecia uma cena de briga, e a Íris estava machucada, eu vi o
sangue em sua testa, ela segurava um de seus braços, além da
cabeça estar baixa.
Mas se o Axel pediu para eu não falar nada, por mais difícil que
seja, não falarei. Os gritos do seu pai ainda me assombram, e a
imagem triste da sua mãe, sem o seu sorriso branco e olhos cinzas
brilhantes, também me deixa apreensiva com o que possa ter
acontecido. O Sr. Davenport gritava que ela deu em cima de
alguém.
Sempre que vejo os pais de Axel juntos, a sua mãe nunca sai
de perto de Daniel, por isso é difícil julgar se houve ou não traição.
De qualquer forma, o que eu escutei e vi, é muito torturante para
mim, ele a machucou. Se ela traiu ele? Eu não sei, mas não vejo
motivos para a briga acabar com alguém sangrando.
Mesmo sendo uma criança, eu sei que essas coisas acontecem.
A mãe da minha prima Lila, traiu meu tio Marlon, irmão do meu pai.
Eles brigaram feio, e até mesmo descobriram que Lila na verdade
não era filha do meu tio, mas meu tio nunca a machucou, apenas foi
morar sozinho.

Sete anos atrás

— Você deveria tentar fazer o teste para o Romeu. Sério, Axel.


Haverá uma apresentação de primavera. A peça será Romeu e
Julieta, e eu fui escalada para interpretar a Julieta. Os testes para o
Romeu acontecem hoje, e estou tentando avidamente convencer o
Axel a fazê-lo.
— Você já viu algum personagem principal gordo, Heaven?
— Na peça só vai importar o quanto você sabe atuar, não o seu
peso, Axel. — Reviro os olhos.
— Não estou a fim de ser chacota para os pais dos alunos, já
bastam nossos colegas de classe — Axel diz esbravecido.
— Acho que tá na hora de você começar a revidar esses idiotas
— bufo.
Axel ri, mas não parece animado.
— Como se eu tivesse alguma chance, Heaven.
Axel se levanta e eu o acompanho. Jogamos o restante do
nosso almoço no lixo, enquanto caminhamos em direção à saída do
refeitório. Axel tira uma barra de chocolate da bolsa e abre, quando
ele começa a comer, estamos indo em direção ao corredor, onde
Drew e seus amigos estão encostados nos armários.
— Boom, boom, boom. — Drew ri e seus amigos o
acompanham.
Axel rapidamente joga no lixo o resto do seu chocolate que
ainda estava na metade, e suas bochechas ficam ruborizadas.
Reviro os olhos.
— Babaca — falo baixo o suficiente para que só Axel escute,
mas me engano, e logo sou atraída pela voz irritante de Drew.
— Falou alguma coisa, paraíso?
Me viro para encarar Drew e sua turma.
— Te chamei de babaca, e não menti. — Cruzo os braços à
frente do peito. — Você se acha o dono dessa escola, só porque
sua mãe é a diretora, mas você não é Drew. O cargo da sua mãe
não lhe dá o direito de destratar os outros alunos. Somos todos
iguais.
— Não somos não. — Drew ri. — Seu amigo é uma ameaça de
explosão na escola, mais perigoso do que um homem bomba. —
Drew levanta a mão e um de seus amigos faz um highfive com ele.
— Babaca — dessa vez falo alto o suficiente para ele escutar.
— Vamos lá, Axel. — Puxo Ax pelo braço e caminho com passos
apressados, indo em direção à nossa próxima aula.
Esse ano, convenci minha mãe a conversar com a coordenação
da escola para estudarmos na mesma turma, e deu certo. Agora
todos os dias além de almoçarmos juntos, estamos fazendo todas
as aulas juntos. Ainda estudamos na biblioteca por uma hora, e aos
sábados, nos reunimos na minha casa para a nossa tarde de
cinema.
Depois do dia em que escutei seus pais brigando, eu nunca
mais fui à casa de Axel. Até insisti algumas vezes para fazermos
nossa tarde de cinema na sua casa, mas ele não aceitou. Então eu
concordei em continuar com o nosso programa, porém agora
fazemos apenas na minha casa.
Eu também nunca comentei com ele, ou mais ninguém, o que
havia acontecido naquele dia. E nas vezes em que vi sua mãe, foi
de longe, quando ela vai deixar ou buscar ele na minha casa aos
sábados.
Um dia eu precisei de carona para voltar para casa. Minha mãe
ficou presa em uma consulta de última hora, então a mãe de Axel
me levou para casa. Notei que um dos seus olhos estava com
marcas roxas ao redor e o globo ocular vermelho. Mas não comentei
nada, apenas agradeci pela carona quando cheguei em frente à
minha casa e desci do carro.
Axel também ganhou mais alguns quilos durante as férias, o
que faz com que Drew e seus amigos valentões façam mais piadas
sobre seu corpo. Axel nunca responde, e, às vezes, eu me irrito com
isso. Ele se deixa levar pelas provocações dos garotos malvados, e
acaba dizendo a si mesmo que ele não passa de um gordo. Eu não
concordo com isso, porque eu conheço meu amigo. Eu amo estar
na companhia dele, nós dois sempre rimos juntos e nunca nos falta
assunto. A única coisa que me incomoda na nossa amizade, é
quando ele despreza a si mesmo, fazendo comentários negativos
sobre seu corpo.
Ao contrário dele, e dos outros, eu não o vejo como o menino
gordo da escola. O vejo como Axel, meu melhor amigo e confidente.

Seis anos atrás

— Pai, nós estamos atrasados, muito atrasados — digo,


querendo apressar meu pai. — Acelera esse carro.
— O sinal ainda está vermelho, Heaven. Eu não posso
simplesmente passar por ele assim — o homem de pele bronzeada
e olhos verdes comenta ao meu lado.
— Por que não?
— Porque as leis de trânsito não permitem.
— Não estou vendo nenhum guarda aqui no momento, nem um
juiz.
— Mas está ao lado de um advogado — ele retruca.
— Você é um advogado de contratos, pai — digo revirando os
olhos. — Você nunca foi ao tribunal por conta de uma multa de
trânsito.
Finalmente o sinal abre, e ele engata a marcha do carro
novamente.
— Não, nunca fui. Mas algo me diz que, em alguns anos, eu
estarei lá com recorrência devido à minha filha, que será péssima no
trânsito.
Bufo uma risada.
— Eu vou ser uma ótima motorista — digo.
— Desde que não passe em nenhum sinal vermelho, respeite a
faixa de pedestres, e não xingue no trânsito enquanto dirige, pode
até ser que você seja uma motorista mediana.
— Para de ser chato e acelera esse carro, pai — peço outra
vez.
Ontem à noite eu fiquei acordada até tarde, esperando dar
meia-noite para poder mandar uma mensagem para o Axel o
parabenizando, pois hoje é o seu aniversário e eu fiz questão de ser
a primeira a lhe parabenizar por esse dia, por isso, acabei
acordando um pouco mais tarde hoje. Ainda fiz meu pai passar na
padaria da senhora Jenner, para pegar um cupcake e uma velinha.
A mulher ainda passou minutos a fio conversando comigo, dizendo
que no próximo ano seu filho iria estudar na Saint Crawford, e que
poderíamos acabar na mesma turma, enquanto eu apenas queria
me livrar do falatório e ir logo para a escola.
Abro a porta do carro antes mesmo do meu pai pará-lo em
frente à escola. Pego a caixinha com o cupcake, juntamente com a
vela e minha bolsa, posicionando-a sobre o ombro.
— Obrigada pela carona. Te amo, pai — digo, já saindo do
carro.
Mas sou interrompida quando ele fala:
— Você sabe o quanto eu te amo?
Reviro os olhos, e depois o fuzilo com o olhar.
— Não podemos pular isso hoje? Estou realmente com pressa.
— Nada disso. Nunca pulamos a nossa declaração, anda logo.
— Pai...
— Você está perdendo tempo com essa discussão, Heaven. —
Ele tenta fazer uma voz séria, o que não adianta muito. — Anda
logo, você sabe o quanto eu te amo?
— Do tamanho de Júpiter? — arrisco.
— Do tamanho de Júpiter mais Saturno, multiplicado pela Terra
e o Sol, mais todas as estrelas do Universo elevado por todas as
gotas do mar.
— Eu também te amo, pai. Agora, tchau — digo batendo a porta
do carro.
Começo a correr em direção ao portão de entrada, mas sei que
ele abriu a janela do carro, porque escuto o seu grito enquanto corro
com minhas mãos atoladas de coisas.
— Esses adolescentes de hoje em dia, todos no auge da
puberdade, morrem de vergonha dos pais.
Eu me viro incrédula para ele e grito:
— Vai embora, pai.
Sua risada estronda no estacionamento, mas eu volto a correr.
Se ele quiser passar vergonha na frente dos outros pais, que passe
sozinho.
Passo pelas portas de vidro da escola, dessa vez andando um
pouco mais apressada. Quando estou próxima aos armários, um
corpo se posta na minha frente.
Reviro os olhos no momento em que percebo que se trata do
babaca do Drew.
— Para onde vai com tanta pressa, paraíso?
— Primeiro, não me chama de paraíso que não te dei intimidade
para isso; segundo, sai da frente, babaca.
Ele sorri cínico para mim, me olhando diretamente nos olhos.
Em seguida, seus olhos escuros vão de encontro ao que tenho em
minhas mãos, e seu sorriso fica ainda mais largo.
— Que linda que você é, lembrou que hoje é o meu aniversário
— ele diz, parecendo estar genuinamente feliz.
Eu apenas franzo o cenho em confusão.
— Não sei do que você está falando, agora sai da frente, idiota.
— Tento passar para o lado, para que possa continuar minha
caminhada, mas sou impedida, porque ele também dá um passo
para o lado, ficando à minha frente. — Drew, sai da minha frente —
peço novamente, mas ele não o faz.
— Hoje também é o aniversário dele, não é?! — pergunta
retórico, com seus olhos nublados. — Entendo que você lembrou do
seu amiguinho, e não de mim, mas bem que podia me desejar
parabéns, paraíso.
Eu trinco os dentes com raiva.
— Sai da frente — falo entredentes.
Ele novamente não sai, apenas fica sorrindo para mim. Ele para
no momento em que Grey, seu amigo, pega em seu braço e diz:
— Deixa a garota passar, Drew.
Drew levanta as mãos em sinal de rendição.
— Tudo bem...
Eu sorrio agradecida para Grey quando Drew sai da minha
frente, e começo a minha caminhada novamente. Por cima do
ombro escuto Drew murmurar:
— Eu já fiz o meu pedido, paraíso.
Eu odeio esse garoto com todas as minhas forças,
principalmente quando ele me chama assim. Idiota, idiota, idiota.
Me livro da minha cara de raiva assim que encontro Axel a
cerca de três metros de distância. Ele está parado em frente ao seu
armário, de costas para mim. Então aproveito, pego o isqueiro que
trouxe escondido de casa para a escola, e acendo a velinha,
posicionando-a no centro do cupcake.
No instante em que a porta do armário de Axel é fechada por
ele, eu me aproximo dele o suficiente para que perceba minha
presença.
— Parabéns — digo eufórica, o assustando.
Ele se vira para mim, com a mão por cima do peito.
— Você me assustou, Heaven.
— Essa era a intenção, agora apaga a vela e faz um pedido. —
Estendo o cupcake entre nossos rostos.
Axel sorri de canto, balançando a cabeça. Em seguida, me olha
nos olhos por três segundos, fecha os seus e sopra a vela. Quando
seus olhos se abrem novamente, eu pergunto:
— Então, o que você pediu?
— Segredo.
— Chato. — Reviro os olhos.
— Seu pai tem razão. A puberdade chegou para você, e você
está ficando muito atrevida.
— Ele continua mandando mensagens para você?
— Todos os dias — ele assente enquanto responde.
Meus pais adoram o Axel, meu pai, então, nem se fala. Tudo o
que acontece, meu pai manda mensagem para o Axel. Inclusive no
dia em que menstruei pela primeira vez, meu pai fez questão de tirar
uma foto minha enquanto eu chorava e mandou para o Axel. E
ainda escreveu “olha só quem virou mocinha”.
O Axel ao invés de rir da situação, apenas me ligou preocupado
porque eu estava chorando, e perguntou se eu estava bem.
Ele realmente é o melhor amigo que eu poderia ter.

Cinco anos atrás


Emma Watson aparece na tela da tevê vestindo um vestido
amarelo, então Beauty and The Beast, interpretada por Ariana
Grande e John Legend começa a tocar. O live action mal saiu dos
cinemas, e meu pai me presenteou com o DVD, e hoje é sábado,
então obviamente Axel está ao meu lado, assistindo ao filme
comigo.
Quando a voz de John canta “só uma pequena mudança,
pequena para dizer o mínimo, os dois um pouco assustados,
nenhum dos dois preparados”, eu me levanto do sofá e em seguida
estendo a mão em direção a Axel.
— Me concede a honra dessa dança, senhor Davenport? —
digo em um sorriso.
O tom vermelho adorna as bochechas de Axel, o que eu acho a
coisa mais linda do mundo. Ele apenas balança a cabeça
assentindo. Sem falar nada, Axel se levanta e pega a minha mão,
mas antes dos nossos corpos se encaixarem um no outro, ele me
gira.
Em seguida, me conduz para perto dele. Minha mão pousa em
cima do seu ombro, no mesmo instante em que seu braço passa ao
redor da minha cintura. Dançamos e rodopiamos pela sala, Axel
conduz toda a dança com classe, enquanto eu piso nos seus pés
pela quarta vez.
— Desculpe — murmuro baixinho, e ele apenas ri de mim.
Ele tira a mão da minha cintura, se afasta de mim outra vez e
segura apenas meu dedo indicador, então eu entendo que essa é a
hora de eu rodar, então eu rodo, uma, duas, três vezes.
Na quarta eu me sinto tonta, então acabo me desequilibrando.
Sinto minhas pernas cederem, e no momento em que estou prestes
a cair de bunda no chão, uma risada estridente sai da minha
garganta. Mas antes mesmo que eu possa chegar ao chão, duas
mãos são postas entre meus dois braços, me segurando e
impedindo que eu vá de encontro à superfície plana logo abaixo.
Eu continuo rindo, mas o som da minha risada cessa no
momento em que encontro os olhos cinzas de Axel me encarando, e
uma expressão de preocupação tomando conta do seu rosto.
— Você está bem? — ele pergunta, olhando diretamente em
meus olhos.
Eu não quebro o contato visual, apenas continuo encarando seu
olhar. Não sei qual é a minha expressão, mas imagino que no
momento eu deva estar fazendo uma careta, porque eu sinto
vergonha do quão tola eu estou parecendo nesse momento. O
sangue concentra-se em meu rosto, deixando-o cada vez mais
quente, minha boca seca, e borboletas tomam conta do meu
estômago. Eu não consigo responder nada, apenas encaro os olhos
brilhantes de Axel, com certa expectativa.
— Eu te amo — simplesmente escapa da minha boca.
Demoro cerca de três segundos para conseguir entender o que
eu acabara de falar, e quando percebo, fico em pé de supetão, me
afastando do agarre de Axel, que por sua vez me lança um olhar
ainda mais atordoado.
— O quê? — pergunta atônito.
Eu levo minhas mãos até a boca de imediato, tampando-a.
Eu só posso ser uma besta. Como eu simplesmente passo
alguns segundos olhando para meu amigo e digo que o amo? Eu
tenho apenas doze anos, como eu simplesmente posso dizer que
amo uma pessoa? Como?!
— Nada — desconverso. — Eu não disse nada.
Axel continua me encarando, e eu não consigo decifrar ao certo
a sua expressão.
Parabéns, Heaven Caroline Morris! Você acaba de assustar o
único amigo que a vida te deu, parabéns.
Quando entramos na puberdade e passamos pela nossa
primeira menstruação, os adultos deveriam nos ensinar a forma
certa de usar um absorvente, mas seria útil também nos ensinarem
a mantermos nossas bocas fechadas, e aprender a pensar antes de
falar, e não falar antes de pensar.
— Você-cê está com fome? — pergunto a fim de quebrar o
clima estranho que ficou entre nós dois. — Acho que minha mãe já
deve estar prestes a terminar a janta.
Axel assente colocando as mãos nos bolsos de sua bermuda.
— Sim, sim. Pode ser.
— Tudo bem.
— Tudo bem — ele repete.
Eu pego o controle remoto da tevê que ficou em cima do sofá e
pauso o restante do filme que ainda estava rodando. Quando me
viro de costas indo em direção à cozinha, escuto a voz de Axel me
chamar, quase que em um sussurro.
— Heaven.
— Sim. — Me viro, olhando para ele.
— Eu também te amo — ele diz, e suas bochechas voltam a
ficar ruborizadas.
Eu sorrio sem graça para ele aproximando nossos corpos, e o
abraçando. Ele retribui o abraço, e quando nos separamos eu passo
os dedos entre seus cabelos loiros escuros, que estão penteados
para cima. Em seguida estendo meu dedo mindinho para ele.
— Promete me amar para sempre?
Ele pega o dedo estendido à sua frente com o seu mindinho.
— Prometo te amar para sempre.
Eu aperto ainda mais nossos dedos.
— Eu também prometo te amar para sempre.

É o primeiro dia de aula, último ano antes do ensino médio. Não


vi Axel durante todo o verão, ele viajou com seus pais apenas um
dia depois de termos prometido um ao outro que nos amaríamos
para sempre. Se ele não tivesse apenas treze anos, eu poderia
dizer que ele fugiu de mim depois da minha declaração estúpida.
Mas não foi isso que aconteceu, sei por que fui até sua casa, e a
vizinha me avisou que eles todos haviam viajado, depois que a
polícia bateu na porta deles. Durante semanas eu não recebi uma
notícia sequer de Axel.
A não ser no dia 13 de julho, meu aniversário, onde ele me
escreveu apenas:
Axel: Feliz aniversário (:
Tentei ligar para ele algumas noites, mas sempre caía na caixa
postal.
Dois dias após meu aniversário, viajei com os meus pais para a
festa de casamento de um amigo do trabalho do meu pai, Harvey
Foster, ele casara com a mãe do Grey, o amigo do Drew. Lá eu
conheci a Allison, que é filha de Harvey, e descobri que a mesma é
fã de Friends. Então, imediatamente, entramos em uma discussão
sobre qual série era melhor: Friends ou How I Met Your Mother.
Obviamente eu digo que HIMYM é superior à Friends, mas ela
não concorda nem um pouco com isso.
Também acabei me aproximando do Weston, que prefere ser
chamado de Wes. Ele é o filho da senhora Jenner, dona da padaria
que disse que seu filho iria estudar na Saint Crawford esse ano, o
que acabou tornando-se verdade. Apenas em uma tarde de
conversa nos tornamos amigos, pois compartilhamos a paixão pelo
teatro.
Quando entro na escola, dou de cara com Grey, que está ao
lado de Drew. Dou um aceno de mão para Grey, que retribui.
Passamos algumas tardes juntos quando eu ia até a sua casa, já
que me tornei realmente amiga de Allison durante o verão, e os dois
moram juntos, uma vez que agora seus pais estão casados.
Combinamos de almoçarmos juntos hoje, eu concordei, desde que
ele não fizesse nenhuma brincadeira de mau gosto com meu amigo.
Ele me prometeu que não faria, até porque o responsável pelas
piadas sempre fora o Drew, e ele nunca concordou com os atos do
seu amigo.
Mais à frente, vejo Allison e Wes. Allie é cerca de cinco
centímetros mais baixa do que eu, já Wes é mais alto. O mesmo
combinou comigo de fazer parte do clube de teatro, o convenci
muito rápido, ao contrário do Ax, que mesmo eu implorando no ano
passado por diversas vezes, foi irredutível.
Assim que me deparo com eles, abraço ambos ao mesmo
tempo. Nós três acabamos nos tornando inseparáveis durante o
verão, isso sem contar com a Sadie, que já era amiga do Wes, e
também esteve presente em quase todos os nossos encontros. Ela
irá estudar conosco esse ano, porém ela ainda está viajando com
seus pais, por isso não virá para o primeiro dia de aula. Segundo
ela, deve chegar à Stone Bay amanhã ou quarta.
— Eu preciso dar o meu primeiro beijo esse ano, e eu já tenho
em mente com quem será — Allie diz assim que nos desfazemos do
abraço.
— Você só tem treze anos, Allie — repreendo-a.
— Idade o suficiente para começar a beijar na boca. — Allie faz
biquinho, e nós três rimos da sua provocação.
— Então, cadê o seu amigo que você não parava de falar
durante todas as férias? — Wes indaga.
— Não sei, ainda não o vi.
Fico na ponta dos pés e procuro por Axel através da multidão
de alunos que se aglomeram pelo corredor. Mas minha tentativa foi
sem sucesso.
— Acho que ele ainda não chegou. — Dou de ombros.
Ajeito a alça da mochila no ombro e seguimos, indo em direção
aos armários. Wes, Allison e eu conferimos nossos horários,
ficaremos na mesma turma esse ano, espero que Axel também
fique com a gente. Coloco todos os meus livros no armário,
mantendo na minha bolsa apenas o de álgebra, que será a primeira
aula.
O sino para a primeira aula toca e caminhamos em direção à
nossa sala de aula. Grey está sentado no fundo da sala, e para
minha surpresa Drew está do seu lado. Apesar de sempre estudar
na mesma escola que ele, nunca ficamos na mesma turma, isso
para mim é uma completa novidade. Sento duas carteiras à frente
da fileira onde Grey está, Allie senta-se de um lado e Wes do outro.
O último sino toca e o professor William entra na sala.
Observo toda a sala, e percebo que Axel não está aqui. Quando
me viro, vejo que a cadeira em frente a Drew está vazia. Significa
que algum aluno faltou, ou está atrasado. Agora torço para que não
seja Axel, se não ele se tornará motivo de piada para Drew durante
todo o período. Drew pisca para mim, e eu reviro os olhos.
O professor William se apresenta para os novos alunos, mas
como já o conheço do ano passado, dispenso sua apresentação.
Abro meu caderno e começo a rabiscar palavras aleatórias. Sinto
um cutucão do meu lado direito e vejo Wes rindo, ele olha para
frente e eu sigo seu olhar. Tanto ele quanto o restante da turma,
escondem um sorriso com a mão.
Procuro o motivo da piada, e finalmente entendo o porquê.
Axel está aqui, e ele acabou ganhando mais quilos nos últimos
três meses, ou apenas seu uniforme do ano passado não serve
mais, pois sua camisa está apertada e comprime a sua barriga. Eu
nunca o julguei pelo seu peso ou sua aparência, mas a única coisa
que consigo reconhecer em Axel no momento em que ele caminha
entre o espaço apertado das cadeiras, são os seus olhos cinzas. Ele
se espreme entre elas. Quando passa por mim dou um sorriso de
canto, e percebo que suas bochechas estão tão vermelhas como no
dia em que nos falamos pela primeira vez.
Assim como eu, Axel deve ter notado que a única vaga
disponível na sala, é a cadeira em frente a Drew. Sigo seus passos
indo em direção ao único lugar disponível, Axel coloca sua mochila
no chão e quando se prepara para sentar, ele cai no chão. Drew
afastou a cadeira de propósito para ele cair. E toda a turma ri com a
queda de Axel, inclusive Wes e Allie. Na mesma hora dirijo um olhar
enfurecido para os dois, que automaticamente percebem que o
garoto gordo, é o meu amigo. Meu melhor amigo.
De repente eles ficam sérios. Axel não diz nada sobre a
provocação de Drew, apenas ajeita a cadeira em frente a sua mesa,
e quando se assegura que não será motivo de piada novamente,
finalmente se senta.
Os sorrisos do restante da turma desaparecem. O Sr. Williams
dá continuidade em sua apresentação. Olho novamente para trás,
encontrando os olhos acinzentados de Axel, como se perguntasse
‘‘tá tudo bem?’’, e ele parece responder ‘‘tanto faz’’, dando de
ombros. Volto minha atenção para frente, esperando que Drew não
faça mais nenhum mal a Axel.
As aulas seguintes foram de inglês e história, vez ou outra Drew
lança algumas piadas de mau gosto para Axel, como: “quando você
doa sangue, só encontram bacon?”, ou “não estou enxergando a
lousa, rola pro lado”. E em todas as vezes, toda a sala ri, enquanto
eu lanço um olhar de ódio para Drew, que pisca para mim, como se
não se importasse.
Na hora do almoço, espero Axel na porta do refeitório, Allie e
Wes entraram na frente. Combinei com eles para encontrarem uma
mesa para nós quatro. Mesmo tendo combinado com Grey de
almoçarmos juntos, sei que ele irá ficar com Drew durante o
intervalo, então lhe disse que não precisava se juntar a nós.
Axel finalmente se aproxima de mim, ele também está mais alto
do que antes, seus cabelos loiros escuros estão oleosos, e algumas
acnes cobrem sua testa. Sorrio para ele assim que nos juntamos,
mas o sorriso desaparece assim que Drew passa por nós, gritando:
— Escondam seus pudins, o gordo está aqui. — Seus amigos
riem. Grey, por outro lado, lança um olhar compadecido para mim e
revira os olhos enquanto Drew está de costas para ele.
Fecho minha mão em punho irritada, estou pronta para encarar
Drew e sua idiotice de sempre, mas Axel me segura pelo pulso
antes que eu possa dar um passo.
— Deixa, ele nunca vai parar de ser assim — Axel diz
calmamente.
— Eu não sei como você consegue não fazer nada —
esbravejo. — Sério Axel, três anos que esse babaca faz e fala o que
quer com você e todos riem, e você simplesmente sempre diz para
deixar pra lá. — Passo a mão pelos cabelos e respiro fundo
mudando de assunto. — Por que você não me ligou durante todo o
verão, e pior, não respondeu às minhas inúmeras mensagens? —
Cruzo os braços em frente ao peito e bato o pé. A minha revolta
agora é direta com o meu amigo, mas por outro motivo. Ser
ignorada não é legal. — Eu realmente senti sua falta.
— Meu pai me colocou de castigo — Axel diz rispidamente e eu
abaixo meu olhar.
— Desculpa, não sabia. Por que ele faria isso?
— Pelo mesmo motivo que toda a escola ri de mim — Axel diz
irônico. — Porque sou a merda de um gordo.
— Quantas vezes eu tenho que te pedir para parar de sentir
pena de si mesmo?
— Eu não tenho pena de mim mesmo, Heaven — agora quem
esbraveja é ele. — Eu tenho espelho em casa e uma balança
também, que diz claramente que eu aumentei trinta quilos durante
todas as férias. Eu apenas encaro minha realidade de frente. Eu não
vou ser um idiota como você, e dizer que tá tudo bem ser o gordo
fodido da escola e da minha família, porque é isso que eu sou. —
Axel usou palavrão, ele nunca fala palavrão, e a irritação dele agora
me deixa com raiva, ele nunca falou assim comigo. Ninguém nunca
gritou comigo, nem mesmo meu pai usa esse tom de voz, ou me
chama de idiota.
— Então porque você simplesmente não para de comer
porcaria e age como um adolescente normal? — solto de repente, e
me arrependo na mesma hora. Cubro minha boca com as mãos, e
rapidamente me aproximo mais de Axel. — Desculpa , eu não quis
dizer isso.
— Você quis, e você disse.
— Não, eu não quis, eu juro. Só fiquei com raiva pela forma
como você falou comigo. Me desculpa.
— Acho melhor você entrar e ir almoçar com seus novos
amigos.
Axel me dá as costas e entra no corredor à direita. Eu continuo
em pé, paralisada em frente à porta do refeitório. Eu não consigo
acreditar que eu disse isso para Axel, logo eu, que sempre o apoiei
em tudo, inclusive em como leva sua vida. Eu sempre o defendi dos
valentões, e agora eu praticamente agi como Drew agiria, por um
simples momento de raiva.

Enviei algumas mensagens para Axel durante todo o dia de


ontem, depois da nossa pequena discussão em frente à porta do
refeitório. Ele não me respondeu.
Hoje, a fim de deixar um clima mais leve durante a aula, decidi
sentar no lugar em frente à Drew. Quem sabe assim Axel veja que
eu continuo ao seu lado e nada mudou, e me desculpe, e veja que
sempre vou defender ele.
Ontem durante o almoço com Allison e Wes, os dois se
desculparam pelas risadas que soltaram com as piadas de mau
gosto de Drew, eles não sabiam que Axel era meu amigo. E eu
disse a eles, que ele sendo ou não meu amigo, nem eles, nem
ninguém tem o direito de tirar sarro com alguém só por conta da sua
aparência. Ambos concordaram e disseram que não irá mais
acontecer.
Assim que me sento na frente de Drew, ele assobia com
desdém. Eu não o respondo, mas faço uma careta ao franzir o
cenho e comprimir o nariz. Grey, que está ao seu lado, me chama.
— No sábado é meu aniversário, você vai, certo?
— Onde vai ser?
— Na minha casa mesmo.
— E quanto ao Axel? — pergunto. Mas Drew se mete.
— Só se for para ele comer tudo que tiver na mesa.
Encaro Drew, claramente com raiva.
— Por que você gosta tanto de implicar com ele? E daí, que ele
é gordo? Isso não define quem o Axel é, você pode ser o garoto
mais em forma de toda a escola, mas é o mais idiota, enquanto o Ax
é o cara mais legal de toda a cidade.
Drew se aproxima de mim, e fala em alto e bom tom:
— Eu não tenho problema nenhum, até porque ser gordo é
apenas uma condição — fala calmamente. — Mas quem parece não
aceitar isso muito bem às vezes, é você. — Drew ri, e lança um
olhar por cima do meu ombro.
Assim que me viro, vejo Axel em pé na minha frente. Ele acaba
de escutar o que Drew disse. Quando eu abro a boca para falar,
Axel levanta a mão para me parar.
— Deixe pra lá, Heaven. — E se senta na carteira à minha
frente.

O restante dos dias seguiram-se assim. Eu sentando em frente


à Drew, e Axel à minha; por um lado, as piadas pararam, todas as
vezes que Drew ameaçava falar qualquer coisa, eu o repreendia
com o olhar e ele logo se calava.
Apesar do meu esforço, Axel continua sem falar comigo. Hoje é
sábado, aniversário do Grey e enviei uma mensagem para Axel o
convidando para ir comigo, mas ele não respondeu, nem ao convite,
nem aos meus milhares de pedidos de desculpa.
A comemoração dos catorze anos de Grey é no porão. Ele foi
decorado com balões coloridos, confetes, e dois sofás estão no
canto do cômodo, enquanto uma pista de dança improvisada foi
posta no meio do porão. Em frente tem uma mesa enorme com
ponche, sucos, refrigerantes, salgadinhos e bolo. Uma faixa que vai
de uma ponta a outra diz “Feliz Catorze Anos, Grey”.
Músicas pops tocam nas caixas de som que foram posicionadas
nas extremidades do porão. Allie está usando um vestido rosa de
verão que termina antes dos seus joelhos, seus cabelos loiros estão
soltos. Eu deixei meus cabelos soltos também, mas presos por um
arco branco, que combina com o tom castanho dos meus fios,
contornei a linha d’água dos meus olhos azuis com lápis branco e
passei rímel para curvar os cílios. Optei por usar um tênis All Star
vermelho, shorts jeans e um suéter creme, que pende no meu
ombro, deixando-o nu.
— Deveríamos fazer alguns jogos — diz Allie.
— Verdade ou consequência? — Wes sorri enquanto pergunta.
— Tenho uma ideia melhor — anuncia Grey, sorrindo. — Sete
minutos no céu.
Todos uivam alegremente com a ideia e concordam com ele.
Logo estamos em uma roda no centro da sala, onde deveria ser a
pista de dança. Elliot, um garoto da nossa turma que é filho do
pastor, gira a garrafa primeiro, e cai em Wes e Sadie.
— Argh — Wes grunhe. Parece que ele não gostou muito do
seu par.
Wes e Sadie se levantam, e vão para o armário que fica logo
abaixo das escadas. Enquanto isso, continuamos conversando
enquanto eles permanecem no armário, sete minutos se passam e a
ruiva sai bufando lá de dentro com os braços cruzados. Pelo mau
humor notório dela, não rolou nada. Wes é um garoto bonito, alto,
moreno, os olhos castanhos combinam perfeitamente com seu tom
de pele chocolate. Apesar de ter apenas treze anos, ele já disse que
não se sente atraído por garotas, ele confessou isso não apenas a
mim, mas também aos seus pais, que parecem tê-lo apoiado.
Agora é a vez de Grey girar a garrafa. Quando ela para, o
gargalo está voltado para mim, meus amigos riem, e quando olho
para onde está apontado o fundo da garrafa, dou de cara com os
olhos castanhos de Drew. A minha cara de insatisfação deve ser
óbvia para todos, eu não deixo de revirar os olhos.
Drew se levanta e estende a mão para mim.
— Vamos lá, paraíso! — Dou um tapa na sua mão, e me
levanto.
— Não preciso de ajuda, idiota.
Entro no armário primeiro, e Drew logo em seguida. Assim que
ele fecha a porta, faço questão de mostrar o quão insatisfeita com o
‘‘destino’’ eu estou. Cruzo os braços acima dos peitos, e continuo
olhando furiosa para Drew, que ri. Os olhos castanhos brilham com
diversão.
— Eu não vou beijar você — aviso.
— Está com medo, paraíso? — Drew provoca.
— Medo de você? — Rio com desdém. — Eu diria que está
mais puxado para nojo.
Drew rapidamente invade o meu espaço pessoal e me segura
pela cintura, desfaço o laço dos meus braços, e tento empurrá-lo,
mas é sem sucesso. A respiração de Drew é pesada e quente, seu
rosto está cada vez mais próximo do meu, seu olhar penetra o meu
como uma faca.
— Eu acho que sei por que o seu nome é Heaven. — Ele
suspira, e eu continuo calada. — Seus olhos são da cor do céu, bem
próximo do que eu conheço como paraíso.
Assim que fecho meus olhos, eu cedo. Que nunca me
perguntem como isso aconteceu, talvez possa ter sido pelo seu tom
de voz calmo, ou a forma com que seus olhos penetraram os meus.
A única coisa que sei, é que a seguir Drew encosta seus lábios nos
meus em um selinho, sua língua pede espaço, e eu deixo. Ela é
molhada e aveludada, tem gosto de cereja com menta. Nossas
bocas estão envolvidas, Drew beija meus lábios, e cola novamente
sua língua à minha. Solto um grunhido, e ele sorri durante o beijo.
Meu primeiro beijo, com o maldito Drew.
Abro meus olhos e o encaro, enquanto ele sorri abertamente,
sinto o calor subir pelo meu pescoço, e meu rosto corar. Eu dei meu
primeiro beijo, e foi com o cara que eu mais odeio nessa vida.
Batidas soam do lado de fora do armário, e eu empurro Drew.
Ele sai do armário limpando a boca, deixando óbvio que houve
alguma coisa entre nós dois.
Quando eu penso que não tem como ele ser mais babaca, ele
se supera.
Já se passaram cinco dias desde o meu beijo com Drew no
armário do porão do Grey, e algumas pessoas ainda estão
comentando sobre o que aconteceu. Hoje é quinta-feira, eu
continuei tentando entrar em contato com Axel durante os últimos
dias, e ele continua me ignorando. Ele nem mesmo veio para
escola. Mas hoje, ele finalmente decidiu aparecer.
Depois da aula de álgebra, espero todo mundo sair da sala,
ficando somente eu e Axel; me aproximo dele.
— Onde você esteve? Porque não veio para a escola durante
três dias? — Axel não me responde. — Eu sei que você não é
surdo, Ax. Me responde, por favor.
Axel me olha e abaixa a cabeça rapidamente. Eu suspiro.
— Axel, até quando você vai me ignorar? Nós somos amigos.
Axel ri.
— Não, você não é minha amiga, você beijou o Drew.
Eu paraliso por um momento, mas logo saio do transe. Eu
planejava contar a ele, assim que ele voltasse a falar comigo, não
queria que ele escutasse através das fofocas pelo corredor.
— Eu ia te contar, mas você não me atende, nem mesmo
visualiza minhas mensagens. — Suspiro. — Era uma brincadeira,
estava todo mundo participando, e nem foi essa coisa toda. —
Minto, porque eu sei que o beijo ainda perpetua em minha mente,
quase todas as horas do meu dia, mas reviro os olhos esperando
que ele acredite em mim.
— Você beijou porque você quis. — Sua voz tem um tom
amargo. — O lado bom de eu estar indo embora agora, é que não
vou precisar presenciar enquanto você se torna uma vadia.
Axel passa por mim, esbarrando no meu ombro. O impacto é
tanto que meus joelhos falham, ele sai apressado em direção à
porta.
— Axel — chamo. — Axel, volta aqui! Como assim você vai
embora? O que você quer dizer com isso? — Pego minha mochila
que caiu no chão, na hora em que ele me empurrou e saio correndo
para o corredor. — Axel! — grito novamente.
Olho para todos os outros lados, mas não o encontro. O
corredor está lotado de alunos, mas nenhum deles é Axel.
Continuo a procurá-lo. Ligo e envio inúmeras mensagens, mas
ele não me atende nem me responde, lágrimas enchem meus olhos,
isso não pode ser verdade.
Ele não pode ir embora assim, ele não pode simplesmente
desaparecer da minha vida. Ele prometeu me amar para sempre.
Ele não pode ir embora. Ele não pode ir embora. Ele não pode dizer
adeus, porque isso não é um adeus, não é.
Eu me nego a acreditar que seja um adeus, eu me nego!
Minha respiração falha, e meus olhos embaçam enquanto eu
tento digitar seu número outra vez. Deixo minhas pernas cederem, e
acabo ficando de joelhos no meio do corredor da escola. Uma mão
é posta em cima do meu ombro, e eu apenas escuto a voz rouca de
Drew me perguntar o que aconteceu.
Mas eu me recuso a responder, ou sequer acreditar que o Axel
me abandonou.
Ele não falou a verdade. Simplesmente não falou. Ele nunca me
machucaria assim, não de propósito.
Mas foi dessa forma que eu aprendi que não é preciso sangrar
para estar machucado.
E é nova, a forma do seu corpo
É triste, a sensação que eu tenho
E isso é ooh, uau, oh
CRUEL SUMMER | TAYLOR SWIFT

Atualmente
Eu estou muito atrasada. A primeira aula começa em quarenta e
cinco minutos, e a viagem de Stone Bay até o campus da Stout em
Beaufort dura cerca de uma hora.
Estamos no nosso primeiro ano de faculdade, que fica a cerca
de quarenta milhas de distância de onde nossas famílias moram.
Nesse fim de semana, foi o aniversário de vinte anos de casamento
dos pais do meu namorado, por isso tivemos que vir passar o fim de
semana em Stone Bay, e agora Drew está buzinando feito um louco,
a fim de me apressar.
Pela sua pressa e impaciência, é óbvio que eu estou atrasada.
Junto rapidamente minhas coisas na bolsa, dou uma última olhada
no espelho e aprovo minha aparência. Os cabelos castanhos estão
ondulados e uso um arco azul no topo da cabeça, essas peças
acabaram tornando-se parte da minha identidade visual. Passei
pouca maquiagem, apenas corretivo, blush e rímel para ressaltar os
olhos azuis. Segundo Drew, são as coisas mais bonitas que já viu
em toda sua vida.
Drew buzina mais uma vez, e saio correndo do quarto em
direção às escadas. Assim que estou no andar de baixo, passo
rapidamente na cozinha, onde meu pai e minha mãe estão sentados
à mesa.
— O garoto está com pressa hoje — meu pai brinca.
— E eu atrasadíssima. — Pego uma maçã na fruteira que está
no meio da mesa. — Ligo para vocês à noite. — Deposito um beijo
na bochecha do meu pai.
Quando estou saindo da cozinha mamãe chama:
— E o meu beijo? — Dou um sorriso inocente e retorno, dando
um beijo em sua bochecha também. — Cuidado na estrada,
querida.
Drew buzina mais uma vez do lado de fora, e eu levanto um
dedo acompanhado de um bufo.
— Sério, agora tenho que ir.
Corro em direção à porta da frente, batendo a mesma ao sair.
Faço mais uma corrida rumo ao Audi de Drew, e assim que entro
pela porta do carona, dou um beijo na sua bochecha.
— Porra, Heaven! Faz quase meia hora que estou esperando
você aqui. — Dá partida no carro e acelera. — Estamos atrasados.
— Argh, desculpa, acordei tarde. Então, como estou? — Faço
uma voz melodramática e beicinho.
Drew olha para mim por dois segundos e sorri.
— Linda, como sempre.
Sorrio de volta.
— Obrigada. — Drew pega minha mão, e beija o dorso dela
enquanto dirige.
Nosso namoro começou há dois anos, antes disso ainda o
odiava por ser um tremendo idiota com um garoto que era meu
melhor amigo.
Axel.
Ele foi embora há cinco anos. A última vez que tive qualquer
contato com Axel, ele me chamou de vadia, e aquilo me destruiu.
Demorei semanas consumindo a mágoa por suas palavras, e meses
para superar a sua ida sem qualquer despedida adequada.
Drew implicava com ele sempre que podia, e eu o defendia.
Durante meses tentei contato com ele, até mesmo procurei
encontrá-lo através das redes sociais inúmeras vezes, mas há três
anos acabei desistindo quando vi que minhas buscas eram todas
sem sucesso, Axel simplesmente foi embora e nunca mais voltou.
Com o tempo, eu comecei a passar mais tempo com os amigos do
Grey, e um deles era o Drew. Ele foi o primeiro cara que eu beijei. O
nosso início foi complicado, não só por conta do beijo — que ele
sempre fazia questão de me lembrar — mas também, porque eu
continuava o odiando pelas coisas que ele fizera com Axel ao longo
dos anos.
Depois que Axel foi embora, Drew não tinha mais ninguém para
mexer, então ele se mostrou um cara mais tranquilo. Fomos nos
conhecendo melhor ao longo dos últimos anos, nos tornamos
amigos, e cá estamos. Dois anos de namoro.
Apesar do nosso começo não ter sido nenhum conto de fadas,
passamos de inimigos para amigos, e de amigos para amantes.
Perdemos nossa virgindade juntos quando comemoramos seis
meses de namoro.
Drew demonstra ser um namorado carinhoso e atencioso,
mesmo que tenha algumas crises de ciúmes.
Às vezes, o ciúme é necessário em um relacionamento, para
sabermos que temos valor com o nosso parceiro. Eu me sinto
segura ao seu lado, mesmo sabendo que ele tem um
comportamento explosivo. Porém, ele é tão atencioso. No meu
último aniversário, de dezoito anos, me presenteou com um colar de
ouro branco, junto a uma pedra de safira azul, da cor dos meus
olhos, cravejada em formato de gota.
A nossa primeira noite juntos aconteceu na casa dele. Ele havia
decorado todo o seu quarto com pétalas de rosas vermelhas, além
de velas. Ainda tinha preparado, ou melhor — pedido, um jantar
italiano. Mesmo estando nervoso, já que também seria a sua
primeira vez, ele conseguiu fazer com que aquele momento fosse
especial, com que nós dois fossemos especiais. Naquela noite, ele
disse que me amava pela primeira vez, e eu retribuí.
Entre o nosso grupo de amigos, somos os únicos que namoram.
Quando ainda estávamos na escola, costumavam dizer que éramos
o casal perfeito. O quarterback do time de futebol da escola, e a
garota do teatro. Eles me chamavam assim porque desde o primeiro
ano eu fazia os papéis principais na escola, mas agora que
entramos na faculdade, não faço a mínima ideia de como será.
Afinal, na faculdade sempre estão os melhores das outras escolas.
Mas não posso me precipitar tanto assim, porque ainda estamos no
início das aulas.
Termino de comer minha maçã enquanto Drew continua
dirigindo feito um louco pela estrada, desviando dos carros quando
há espaço livre do outro lado. Faltando apenas cinco milhas para
chegarmos à Beaufort, Drew acelera ainda mais o carro. Não perco
tempo em repreendê-lo, porque entendo o motivo de ele estar tão
eufórico, realmente estamos atrasados para a aula.
Quando chegamos ao campus, Drew dirige até o
estacionamento. Quando está prestes a colocar seu carro na vaga
que ele tem ocupado nas últimas duas semanas, uma Mercedes
Classe G toma a frente.
— Que porra?! — Drew esbraveja. — Quem esse cara acha
que é para pegar minha vaga? — Drew bate as palmas das mãos
contra o volante.
— Calma, amor. É só uma vaga. — Tento tranquilizá-lo usando
um tom de voz calmo, mas não adianta muita coisa, já que me lança
um olhar enfurecido.
— Se você não demorasse tanto para ficar pronta, isso não teria
acontecido — vocifera enquanto coloca o carro em marcha ré. — Ou
melhor, se eu não fosse o seu motorista pessoal, talvez eu não
passasse por isso — ele fala enquanto estaciona duas vagas após o
Classe G.
— Nossa! — rio em escárnio. — Não seja por isso, essa foi a
última vez que você precisou me dar qualquer carona, Drew.
Pego minha bolsa, que havia posto no assoalho do carro
quando entrei, e pulo para fora fazendo questão de bater a porta
com força na hora de fechar. Quando saio do carro, dou de cara
com o motorista do Classe G, que também abandona seu carro. Ele
me penetra com seu olhar, e eu fico o encarando. Ele é alto, com
ombros largos, veste uma camisa que gruda em seu corpo, que
parece ser definido, os cabelos em um tom de loiro escuro estão
penteados para cima de forma bagunçada, eles não são curtos
demais, nem longos. A única coisa que não consigo enxergar direito
é a cor de seus olhos, mesmo assim, enquanto encaramos um ao
outro, meu estômago se revira e o gosto da bile sobe até minha
boca, mas eu não entendo o motivo.
Sou tirada do transe dos nossos olhares quando escuto a porta
do carro ser fechada, também com brusquidão. Noto um semblante
de raiva no rosto do motorista, ele balança a cabeça em negativa e
me dá as costas.
Quando me viro, Drew já está fora do carro, com a cabeça baixa
e as mãos fechadas em punho em cima do teto.
— Desculpa, tá legal? — Ele levanta seu olhar de encontro ao
meu. — Eu não quis dizer aquilo.
Rio soltando um bufo.
— O problema não é o que você disse, foi a forma como disse,
Drew. Eu sou sua namorada, eu não sou qualquer uma para você
falar da forma que quiser, não! Você me deve respeito!
Drew trava o carro com o controle, e vem até onde estou,
colocando as mãos em meu rosto deposita um beijo em meus
cabelos.
— Você tem razão... não vai mais acontecer. — Ele levanta meu
rosto para que possa encarar seus olhos castanhos. — Você me
desculpa?
— Tanto faz. — Dou de ombros e ele sorri, mostrando seus
belos dentes brancos.
— Vou entender isso como um sim. — Aproxima nossos lábios
dando um selinho. — Te amo.
— Também te amo, babaca.
Entrelaçamos nossas mãos e caminhamos rumo às nossas
aulas, finalmente.
A Stout College fica localizada ao leste da Califórnia, estando a
cerca de uma hora e meia de distância de Los Angeles. O campus é
dividido em vários prédios, todos com o mesmo tipo de arquitetura
neoclássica, cada um deles com suas especializações, como
Ciências Humanas, Exatas, Informática, Medicina, Direito, dentre
tantos outros, e, obviamente, Artes.
Que é para onde eu vou agora, uma vez que optei por cursar
Teatro e Cinema. Me despeço de Drew com um beijo.
— Te vejo no almoço — digo me despedindo com um selinho.
Quando entro no prédio de Literatura, dou de cara com Wes
que está parado na porta do mesmo se abanando. Ele está
acompanhado de Allison, que olha fixamente para o corredor dentro
do prédio.
— O que aconteceu que vocês dois estão tão admirados? —
pergunto assim que fico próxima o suficiente deles.
— Apenas um gato, que eu nunca vi antes, acabou de passar
por nós — responde Wes, que continua se abanando.
— Ele é tão bonito assim para a Allison esquecer tão rápido do
Grey? — Consigo chamar a atenção da minha amiga que desvia o
olhar do corredor à frente e me encara.
— Ele tem uma bunda espetacular, com certeza — responde
Allie. — Mas nada se compara ao Grey. E falando nele, vocês
acreditam que eu retoquei as mechas do meu cabelo, e ele sequer
notou? — Solta uma lufada de ar, irritada.
— O Grey é homem, Allie. Acredite em mim, eles quase nunca
reparam nas mudanças.
— Acho que ele é gay — Allison fala em um tom sério, com uma
pitada de sarcasmo. — Cinco anos que dou em cima do cara, e ele
finge que não me vê.
Allie começa a andar, indo em direção à nossa próxima aula.
Ela pretende cursar Direito, mas nesse prédio há a aula de Redação
Crítica, que segundo ela, precisa melhorar sua escrita.
— Sério, eu estou desistindo dele.
— Essa é tipo a... — Faço uma pausa fingindo que estou
contando com os dedos, enquanto a acompanho. — A
quinquagésima vez que você diz isso?!
Allie ri junto comigo.
— Dessa vez é sério. Preciso me concentrar em novas
pessoas, agora estamos na faculdade, perdi muito tempo do meu
ensino médio correndo atrás do Grey e ele nem mesmo me notou.
— Seria estranho vocês dois terem alguma coisa — comentou
Wes ao nosso lado. — Afinal, vocês são praticamente irmãos.
Entramos no auditório e sentamos um ao lado do outro.
— Nossos pais se casaram quando já tínhamos praticamente
treze anos, eu não o enxergo nem um pouco como um irmão.
— Mas já parou para pensar que talvez ele te veja dessa
forma? — pergunto retórica.
Allison passa as mãos pelo rosto, quase indignada.
— Ou talvez, ele apenas não sinta atração por mim.
— Você é linda Allie, e o problema entre vocês dois eu tenho
certeza que não é atração — retruco.
— Concordo plenamente com a Heaven — diz Wes ao meu
lado.
— Claro que concorda. — Allie ri. — Você transa com vários
caras diferentes, e a Heaven tem um namoro fixo com o Drew há
dois anos. Enquanto eu, só beijei um cara em toda minha vida, que
foi o meu primo. Se meu primo pode ficar comigo, porque o filho da
minha madrasta não?!
Agora é minha vez de rir.
— Essa sua paixão pelo Grey já está ficando fora de controle.
— Você fala isso porque você tem seu namorado, e vocês
sempre gostaram um do outro.
— Isso não é verdade — Wes me defende. — Eles se odiavam,
principalmente por conta daquele amigo da Heaven… Como era o
nome dele mesmo?
Coço a garganta antes de responder.
— Axel — digo.
— Isso! — Wes exclama. — O Drew realmente era um babaca
com o Axel, e vocês dois se odiavam. Quer dizer, você odiava o
Drew. O que não consigo entender até hoje foi como vocês
acabaram se tornando amigos.
Quando o Axel me deixou na sala, e eu saí correndo em busca
dele, enquanto lágrimas tomavam conta de mim, e minha cabeça
girava em confusão, Drew foi quem me estendeu a mão e me
ajudou, fazendo com que eu me acalmasse. Aos poucos ele foi
tomando um lugar na minha vida, o que obviamente demorou
algumas semanas, talvez até meses, mas depois daquele episódio
nos tornamos amigos, e em algum momento ao longo dos anos,
percebi que o Drew sempre esteve comigo quando eu precisei,
talvez por isso tenhamos engatado em um relacionamento.
Mas mesmo diante disso, eu nunca consegui esquecer o Axel.
Às vezes eu ainda sinto falta do meu amigo de infância,
principalmente aos sábados. Todas as tardes, eu continuo assistindo
aos filmes da Disney, por mais infantis que sejam eles me trazem
paz. No começo do nosso namoro, tentei convencer Drew a assistir
comigo, mas ele não gostou muito da ideia de passar a tarde vendo
desenhos, por mais emocionantes que as histórias sejam.
Drew prefere passar seu tempo jogando GTA. À noite sempre
saímos com nossos amigos, e passamos o domingo sempre
grudados um no outro. Na semana, nos vemos com frequência
também, até porque estudávamos juntos até o ano passado, e ainda
agora, sendo calouros na faculdade, nos vemos com frequência.
Temos um relacionamento estável.
O professor entra na sala estilo auditório, e começa a dar sua
aula. Com isso, cessamos a nossa conversa, o que me traz um
pouco de conforto, já que não estou muito a fim de reviver as
inúmeras memórias boas que tenho com o Axel, eu prefiro mantê-lo
na minha mente, apenas para mim.
As aulas seguintes seguem no mesmo ritmo, depois de uma
hora de Redação Crítica, encarei mais duas horas seguidas de
Antropologia. Agora, finalmente é a hora do almoço; e depois, terei a
melhor do dia para mim, até agora, que é Sociologia.
Apostei em estudar na Stout, não apenas por ser próxima de
casa, onde eu posso ir ver meus pais sempre que tiver vontade, já
que a viagem é de apenas uma hora, mas o principal motivo mesmo
foi o curso de Teatro, pois aqui oferece a melhor grade curricular de
toda Costa Oeste.
Sento-me em uma mesa no refeitório, que fica mesmo no centro
da universidade, juntamente de Wes, Allie e Sadie — a última
tornou-se nossa amiga ainda antes de irmos para o ensino médio,
ela é a típica garota tímida, porém safada. Seu rosto angelical cheio
de sardas, junto com seus olhos castanhos claros, quase cor de
mel, e seus cabelos ruivos, são capazes de enganar qualquer um à
primeira vista. Mas a garota pegou quase toda a população
masculina da Saint Crawford no ano passado, incluindo Grey.
Quando isso aconteceu, Allison ficou puta. Ele fora o primeiro
garoto que Sadie ficou em sua vida, isso ocorreu na mesma festa de
aniversário do Grey, há cinco anos. Ela até chegou a dar em cima
do Drew uma vez quando éramos apenas amigos, mas nunca
chegou a rolar nada entre os dois.
Estou abrindo meu suco de laranja quando sinto um cutucão no
meu cotovelo. Wes, que está ao meu lado, chama minha atenção.
Percebo que todos os três estão com os olhos vidrados no outro
lado do refeitório.
Lá está ele, o cara do estacionamento. Ele continua vestido em
sua camisa preta, que agora vejo que adorna super bem toda a sua
musculatura, a calça azul escura, é colada em sua bunda malhada.
Ele está de costas para nós, em frente à máquina de barras de
cereais, que parece estar travada, já que ele desfere socos, que
tensionam seus bíceps fortes e malhados, contra ela.
— É o carinha que passou por nós mais cedo, acho que ele é
atleta — Wes reflete.
— Eu diria que ele pratica artes marciais — contrapõe Sadie.
Finalmente ele se abaixa, e pega sua barra de cereal. O que
leva todas as garotas presentes no refeitório a suspirarem pela
visão privilegiada de sua bunda. Até mesmo eu, estou admirada
com a visão paradisíaca. Assim que se afasta da máquina, ele sai
do refeitório sem dirigir a palavra, ou sequer o olhar para qualquer
pessoa ali.
— Escuta aqui, Sadie — Allie fala em um tom ameaçador,
apontando o garfo para a ruiva. — Nem pense em chegar perto
dele, ele é meu.
Sadie ri.
— Ele já sabe que você tem a posse dele?
— Engraçada você, né? — Allie retruca. — Estou falando sério,
Sadie. Todos os caras que eu fico afim, você pega antes. Então por
favor, deixe ele pra mim.
— Tudo bem — Sadie sorri enquanto levanta as mãos em sinal
de rendição. — Ele é todo seu, até porque eu tenho em vista outra
conquista. — Solta uma piscadela, e percebo que ela está olhando
para mim.
— E essa “conquista” — faço aspas com os dedos. — Tem
nome? — pergunto.
— Segredo. — Sadie leva seu dedo indicador até os lábios na
mesma hora em que Drew, Grey, e Elliot juntam-se ao nosso
quarteto.
Drew senta ao meu lado e me beija antes de roubar uma
batatinha da minha bandeja; Grey por outro lado, senta ao lado de
Allie que mexe nos cabelos e logo solta um bufo, provavelmente por
que nem assim ele nota a sua mínima mudança, rio com a situação
embaraçosa.
— Então, o que as mocinhas estavam conversando? — Drew
pergunta.
— O carinha que parece que chegou agora — Wes responde.
— Um gato, não acham?
— Prefiro meu namorado — respondo de imediato e Drew sorri
convencido ao meu lado, enquanto Wes revira os olhos.
— Ele não é estranho para mim, tenho a leve impressão de que
o conheço — Grey reflete antes de morder seu sanduíche. Todos
olhamos atentamente para ele, esperando que dê continuidade aos
seus pensamentos, ele percebe. — O quê? — pergunta confuso.
— Você o conhece? — Allie é a primeira a perguntar.
— Ele está na minha aula de história — Grey explica, e dá
continuidade. — Mas tenho certeza que já o vi por aí antes de hoje,
só não sei onde. — Cobre sua boca com o punho e solta um arroto.
— Nojento — Allie reclama fazendo cara de nojo.
— Ele será o nosso wide receiver, o ouvi conversando com o
treinador mais cedo — comenta Elliot.
Ele é nosso amigo desde a época da escola, ele joga futebol
americano juntamente com Drew e Grey, e também ganhou uma
bolsa pelo esporte na Stout. Elliot é filho de pastores, sua mãe
Margaret diz que sexo é pecado, e quando soube que o filho fizera
um ménage na escola durante o segundo ano, na sala de máquinas
em cima do auditório, a mulher foi parar no hospital. Desde então,
Elliot virou celibatário, nunca mais o vimos ficando com uma garota
sequer.
O restante do almoço segue com conversas fúteis, sobre os
calouros, e sobre a festa de boas-vindas na fraternidade onde a
maioria dos jogadores do time de futebol americano residem,
incluindo meu namorado e nossos amigos.
Quando o almoço acaba, caminho com Wes rumo à aula de
Filosofia, que é lecionada pela Srta. Clark, ou como ela prefere, Eve;
seu primeiro nome. Por fazermos o mesmo curso, acaba que
estamos sempre juntos nas aulas.
Entramos no auditório, que já está lotado de alunos, apenas
com dois lugares disponíveis. Percebo que Wes tem a mesma visão
que eu. O cara do refeitório está sentado no fundo e as carteiras
disponíveis são justamente as do seu lado. Subimos até a última
fileira, agora que tenho uma visão melhor dele, tenho a leve
sensação de que já o conheço, assim como o Grey.
Sua mandíbula quadrada está trincada, e nossos olhares se
cruzam novamente. Enquanto o meu leva apenas curiosidade, o
dele é sombrio, como se ele carregasse algum tipo de raiva contra
mim.
Eu sou a primeira a desviar o olhar, deixando que Wes tome a
frente, ele senta-se na carteira mais longe do homem com feições
de raiva, deixando para mim o espaço entre eles dois. Eu me
aproximo, peço licença com um sorriso tímido no rosto, e me sento
ao seu lado.
Depois de tirar meu notebook da bolsa, a coloco no chão. Wes
conversa com um de nossos colegas que está ao seu lado,
enquanto a pessoa que está ao meu lado, encara a tela do seu
computador.
— Oi — quebro o silêncio. — Me chamo Hea...
— Eu sei quem é você. — A voz grave e fria me corta, o que me
causa arrepios. Não sei por quê.
Como assim ele sabe quem eu sou? Eu nunca o vi na minha
vida, tenho a sensação de que o conheço, mas eu lembraria dos
seus traços assim que o visse.
Ele está mentindo, digo a mim mesma. Pelo seu jeito ele é um
cara de poucas palavras, e quando viu que eu ia indagar começar
uma conversa, apenas me cortou. Não tem como ele me conhecer,
afinal, é o primeiro dia de aula, e ele é novato.
— Qual seu nome? — pergunto.
— A aula vai começar. — É tudo que recebo como resposta.
Me viro para frente e vejo que Eve já está em sala, ela ajeita o
projetor, e logo o liga.
— Sejam bem-vindos — Eve diz animadamente, e dou um
sorriso em resposta. — Como dito na semana passada, teremos
dois trabalhos esse semestre que valem metade da nota. O
primeiro, discutiremos hoje, de antemão já digo que esse em
questão será feito em dupla, de preferência com a pessoa que está
ao seu lado.
Olho para os lados e percebo que conforme as fileiras estão
divididas não há possibilidade de Wes ser minha dupla, desta
maneira, formarei dupla com o carrancudo ao meu lado, que
claramente não está feliz com a informação. Ele fecha os olhos e se
recosta no assento soltando um bufo.
— Qualquer coisa, podemos conversar com ela para trocar as
duplas — digo em um sussurro para o meu colega.
— Tanto faz. — Ele revira os olhos soltando outro bufo.
Me concentro nele e, por um instante, meu mundo para
enquanto fito seu rosto, seus olhos são cinzas, um cinza quase
grafite, escuros, e ao mesmo tempo brilhantes. Eu só conheci uma
pessoa que carregava esse tom em sua íris, e essa pessoa foi o...
— Axel Davenport — Eve exclama, ela está na nossa frente. —
Finalmente você chegou.
Axel Davenport.
Arregalo os olhos e o fito, não acreditando no que vejo ao meu
lado. Ele está tão diferente. É outra pessoa, não existe possibilidade
nenhuma desse ser o meu Axel.
Estou petrificada, não escuto nada ao meu redor, Eve continua
a conversar com ele, quer dizer, somente ela fala. Ele não mexeu
sua boca em momento algum, mas enquanto meus olhos estão
vidrados nele, ele apenas a observa. Eve entrega alguns papéis a
ele e se afasta.
— Axel? — Minha voz sai em um sussurro, quase inaudível.
Finalmente ele me encara, e agora sim consigo reconhecer os
pequenos detalhes. Os olhos cinzentos com cílios pesados, a boca
rosada... é ele.
Ele me olha, mas ele não parece tão surpreso quanto eu. Afinal,
a única pessoa que mudou aqui, foi ele.
Agora eu gostaria que nunca tivéssemos nos conhecido
Porque você é muito difícil de esquecer
Enquanto estou limpando sua bagunça
LIE TO ME | 5 SECONDS OF SUMMER

Heaven continua a me encarar com seus olhos caribenhos


arregalados, como se visse um fantasma em sua frente.
Talvez eu possa ser isso, há cinco anos meu pai decidiu sair de
Stone Bay, levando consigo eu e minha mãe. Eu ia me despedir
dela, ia conversar com ela, eu queria manter contato, porque de
forma alguma eu queria me manter longe dela, mas naquele dia em
questão, levei uma facada no meio do peito. A menina que era
minha única amiga, aquela que prometeu comigo amarmos um ao
outro para sempre, havia beijado a segunda pessoa que mais pisou
em mim durante minha infância. Eu não consegui digerir aquilo de
forma saudável, mas se há uma coisa que me arrependo até hoje, é
a forma como a tratei naquela época, eu realmente não deveria ter a
xingado.
Hoje estamos de volta à Stone Bay. Quer dizer, minha mãe e a
pequena Anya — minha irmãzinha — estão de volta, eu por outro
lado irei morar a uma hora de distância delas devido à faculdade. Eu
recebi uma bolsa de estudos na Stout graças ao futebol americano,
o qual comecei a jogar quando me mudei com meus pais para o
estado de Washington.
Dois anos após a nossa mudança de cidade, Anya veio ao
mundo. Graças a menininha de três anos, minha vida e a da minha
mãe mudaram, e posso dizer que para melhor.
Quando minha mãe decidiu que queria voltar à Stone Bay por
inúmeros motivos, eu fui contra, mas ela acabou me convencendo
que seria injusto criar Anya longe de mim, já que mesmo sendo seu
irmão, eu sou a única figura masculina que a pequena tem em sua
vida. Eu sabia que em algum momento eu teria que encarar meus
fantasmas do passado, e um deles é Heaven, mas eu esperava que
isso acontecesse na cidade em que minha mãe mora, não na
faculdade, onde cheguei duas semanas atrasado devido à mudança
de um estado para outro. Porém, todas as minhas expectativas de
evitar o nosso reencontro foram por água abaixo quando a primeira
pessoa que encontrei, assim que pus os pés no campus, foi ela.
Naquele momento minha boca secou, e minhas mãos suaram,
eu diria que fiquei nervoso por vê-la ali, tão perto de mim, mas a
raiva entranhou em minhas veias no momento que vi que a outra
pessoa que saía do carro onde ela estava era nada mais, nada
menos que Drew. Rapidamente meus sentimentos mudaram de
nervosismo para raiva.
Eu não mudei apenas emocionalmente, fisicamente também.
Talvez esse seja o motivo da intriga que assola o rosto de Heaven.
Eu semicerro os olhos e levanto as sobrancelhas, em seguida
desvio o olhar de volta para a Srta. Clark, que passa instruções
sobre nosso projeto.
— Você está... — ela fala novamente em um sussurro,
hesitando. — Diferente — conclui.
Eu não respondo, continuo com minha atenção voltada para
frente, esperando que minha expressão não demonstre emoção
alguma pela forma como essa garota, que costumava ser aquela
que me defendia dos valentões, ainda me afeta.
Mas ela me traiu, traiu a conexão que tínhamos.
O pior de tudo, não foi o seu beijo com o Drew em uma
brincadeira estúpida de crianças. Foi a forma como ela me olhava
durante a semana de aula em que eu ainda estava ali, foi o jeito
como ela me repreendeu e não entendeu que eu tinha uma
condição.
Um vício.
Um escape.
Era a única forma que eu encontrava de fugir da realidade em
que vivia, era a válvula que me fazia relaxar, enquanto escutava o
choro agonizante da minha mãe no quarto ao lado. Eles nunca
entenderam a raiva que enraizava em minhas veias. Heaven,
apesar de estar ao meu lado, não compreendeu o que eu realmente
precisava.
E por mais bobo que pareça, o garoto gordo de 13 anos só
precisava dela.
Estar longe durante três meses de pura tortura, me mudou.
Mudou toda a inocência que uma criança poderia ter. Eu vi meu pai
machucar minha mãe durante noites seguidas, eu a vi sangrar e
implorar para não morrer, ou pior, para que ele não me matasse. Eu
não podia ajudá-la, eu era apenas um menino, então eu descontava
tudo na comida.
Quando ele percebeu que se a machucasse mais poderia
acabar com sua vida, ele se virou contra mim. Agora eu era o seu
alvo preferido. Ele não me torturava apenas fisicamente,
psicologicamente também, me contando segredos do seu passado,
e me humilhando por diversas vezes.
Fecho os olhos com força, e me forço a dissipar os
pensamentos tempestuosos que me assombram.
Assim que Eve anuncia o fim da aula, fecho a tampa do
notebook com força e coloco na minha mochila. Me levanto e dou as
costas, descendo rumo à porta, mas sinto um aperto no meu pulso
que me faz parar.
Quando me viro e a vejo, seus olhos não carregam mais
nenhum tipo de espanto, está mais para frustração. Me deixo
encará-los por apenas dois segundos, e sigo o olhar para meu
pulso, onde sua mão ainda o agarra com força. Ela percebe, e logo
se desculpa.
— Me desculpa — diz soltando o pulso. — Você está aqui... —
constata hesitante.
Não respondo, porque não há necessidade disso. Mas logo
Heaven continua.
— O que aconteceu? — pergunta confusa. — Porque você foi
embora? Passei semanas te ligando, meses mandando mensagens
e você nunca se deu ao trabalho de responder — fala
apressadamente, mas noto um leve tom de receio em sua voz. — E
agora, simplesmente você está aqui, perto de mim outra vez... —
hesita novamente. — Você não me procurou, nem mesmo falou
comigo. Nós somos amigos, Ax.
Assim que sua última frase termina, eu rio. Uma risada ríspida e
insolente.
— Nós fomos amigos, Heaven — a corrijo. — Isso ficou no
passado.
— Você está falando sério? — Ela ri irônica. — Depois de tudo
que vivemos, você volta e tem a coragem de me dizer isso?
— Nunca falei tão sério em toda minha vida — digo secamente.
— Isso é um absurdo, você está louco — esbraveja.
— Tudo bem aqui? — Uma terceira voz interfere. Olho para o
lado, um cara negro troca olhares entre nós dois, com preocupação.
— Tudo, Wes — Heaven responde. — Estou apenas
conversando com Axel.
— Axel? — Wes me encara confuso. Dá até para escutar as
engrenagens trabalhando enquanto ele assimila a situação. Ele leva
as mãos até a boca, que agora está em formato de ‘O’. — Óh, céus!
— exclama. — Não acredito!
Reviro os olhos, respirando fundo. Coço a têmpora, mostrando
a total impaciência que eu tenho no momento.
— Agora, se vocês me dão licença — peço enquanto tento me
afastar, mas Heaven me segura novamente pelo pulso.
— Nós não terminamos nossa conversa — decreta.
— Terminamos, porque não temos nada para conversar —
respondo sério puxando meu braço devagar, para que não a
machuque.
Os dois amigos ficam me encarando, mas logo dou as costas e
me afasto, dessa vez não sou interceptado. Saio do auditório rumo
ao estacionamento, a próxima aula seria de Psicologia Criminal,
mas não me importo.
Passo por vários alunos que ficam ao redor do campus, indo até
onde minha Mercedes Classe G está estacionada. Assim que entro
pela porta do motorista, tiro o celular do bolso e envio uma
mensagem para Kane.
Eu: Treino agora. Vamos?
Me refiro à luta. Passa cerca de um minuto, e meu celular vibra
com a resposta.
Kane: Agora?
Você está louco? Em duas horas temos o primeiro treino com o
time.
Que saco, cara!!!
Estou pronto para dar a partida no carro, quando o celular vibra
novamente.
Kane: Ok, saindo da aula.
Eu: Blz.
Tô esperando no estacionamento.
Menos de cinco minutos depois, Kane entra no carro pelo lado
do passageiro, ele é tão alto que quase não consegue entrar no
carro sem se curvar muito. Com seus um e noventa e quatro de
altura, Kane é negro e de olhos castanhos, seus cabelos aderem ao
corte estilo undercut. Dou partida no carro saindo do campus e
vamos direto à academia de artes marciais, próxima ao campus,
onde Kane nos matriculou, já que ele chegou à cidade antes de
mim.
Conheço Kane desde a época em que me mudei para Hastings,
subúrbio próximo à Seattle. Diferentemente do que acontecia
comigo na Saint Crawford, na nova escola eu fui muito bem
acolhido, principalmente por Kane, que fizera o tour pela escola
comigo, assim que fui transferido. Desde então somos amigos, ele é
o mais próximo daquilo que um dia tive com Heaven.
Ele me apresentou o futebol americano, e também as artes
marciais, essas eu comecei como uma forma de controlar a fúria
que carregava dentro de mim, e com o esforço físico que fazia por,
pelo menos quatro horas ao dia, de segunda a segunda, acabei
beneficiando meu corpo. A luta tem me ajudado a diminuir a raiva e
o estresse, mas não posso dizer que ela é a minha nova válvula de
escape, porque às vezes ainda me pego comendo uma pizza
tamanho família sozinho, ou bebendo inúmeras latas de Coca-Cola.
O futebol americano também me ajudou de certa forma, com ele
consegui me entrosar mais com outras pessoas da minha idade, e
acabei me tornando um bom jogador na posição de wide receiver.
Mas agora, o que eu preciso mesmo é de um saco de pancada
e quem sabe, um cara grande o suficiente que dure mais do que
cinco minutos em uma luta comigo.
Kane me dissera que aqui perto há um armazém onde rola de
tudo, inclusive lutas clandestinas. Ele lutou nos últimos dois fins de
semanas, e eu pretendo lutar nesse também, mas ainda preciso
conversar com o agenciador, Mark, que segundo Kane é apenas um
nerd que ama dinheiro.
Universitários, motoqueiros, e até mesmo alguns empresários
de nomes importantes no estado da Califórnia ficam na “área VIP”
do armazém. Estão sempre por lá, fazendo suas apostas. A polícia,
ao que tudo indica, também tem conhecimento do que acontece no
local, mas nunca se faz presente, pelo menos não como oficiais.
Claro que alguns deles vão até lá fazerem suas apostas, e ganhar
alguma grana, ou transar com alguma universitária que seja mais
nova do que eles.
No armazém não existe idade. A partir do momento em que
você entra, é liberado bebida, drogas, e até mesmo o sexo. Ainda
não conheci o local, mas todas essas informações quem me passou
foi o Kane.
Eu me interessei pelas supostas lutas que acontecem no local,
porque já fazia isso em Hastings durante quase todo o ensino
médio, lá lutávamos em um hangar desativado. Kane e eu éramos
os melhores que tinham por lá, até mesmo chegamos a lutar um
contra o outro, e depois de minutos e todos os rounds possíveis, eu
acabei ganhando a luta.
O lado bom de ver Heaven novamente dessa forma como a vi, é
que eu vou ter raiva o suficiente para derrubar qualquer filho da puta
que vá contra mim, e talvez até mesmo possa acabar dormindo com
algumas universitárias.
Arrogante? Talvez. Cretino? Com certeza!
Quando eu era mais novo acreditava no amor, afinal, eu me
declarei para ela, sempre que olhava nos olhos de Heaven, de certa
forma eu sabia que era ela. Eu a amava, ou pelo menos pensava
assim. Mesmo vendo meu pai espancar minha mãe todos os dias,
eu tinha a certeza que eu nunca faria aquilo com Heaven, eu tinha a
certeza que ela era a mulher da minha vida.
Porra, eu tinha apenas treze anos na última vez que a vi, e
talvez onze quando me apaixonei?! A merda de uma criança, que
jurava que todos os problemas de família e autoestima poderiam ser
resolvidos por uma garota. Não posso mentir e dizer que não fiquei
com vontade de vê-la em algum momento, após todo esse tempo
longe. Mas isso seria impossível de acontecer entre nós dois.
Heaven agora namora a porra do Andrew Jones, não sei quanto
tempo faz, mas tenho certeza que foi fácil para ela, trocar o amigo
patético pelo descolado e valentão da turma.
Já estou batendo no saco de areia há mais de uma hora quando
Kane chega por trás, colocando a mão no meu ombro, o que me
obriga a parar o movimento de um soco cruzado.
— Cara, você precisa se hidratar um pouco, já já temos outro
treino para enfrentar — Kane fala e me entrega uma garrafa de
água.
— Valeu — agradeço, e jogo um pouco no rosto antes de tomar
alguns goles.
— Ansioso para o sábado?
— Você já recebeu alguma novidade do Mark quanto à luta? —
pergunto enquanto sento-me no tatame.
Kane me acompanha.
— Ele disse que tem um cara disponível para você. Eu mandei
um vídeo da sua última luta, e o nerdola gostou. Ele mencionou que
o nome do cara é JC, e pelo que ouvi falar, é um louco, ama sangue
e adora Jesus.
Eu rio.
— Pelo menos me matar ele não vai, não é mesmo?
— Cara, você tem que parar com essas merdas de estar indo
até o seu limite nas lutas, quase se matando, para dar o nocaute
depois. Qualquer dia desses, você vai acabar se fodendo e esse JC,
parece ser mesmo um psicopata.
— Estou acostumado com psicopatas... — Meu pai que o diga.
— Não sei o que você quer dizer com isso Axel, mas se tem
algo que eu posso lhe dizer é: tome cuidado. Ele muito
provavelmente irá jogar sujo. Sadie, uma garota que faz aula de
Literatura comigo, me disse que ele costuma jogar para o lado
emocional.
— Que bom que eu não tenho emoção nenhuma — digo
friamente.
— Então vai ser uma luta de dois psicopatas. — Kane levanta e
estende a mão, me agarro a ela e me levanto também, voltando
para o saco de areia.
— Eu nunca disse que não era — junto às minhas coisas. —
Agora temos que voltar para o campus.
Kane me acompanha pegando suas coisas também, e voltamos
para a Stout, dessa vez indo direto para o centro esportivo. O
mesmo tem uma divisão com vários campos, o do time de lacrosse,
futebol e futebol americano. Além das quadras de basquete e vôlei,
o rinque de hóquei e o ginásio de ginástica, e ainda tem uma
academia enorme muito bem equipada.
Apesar de toda estrutura, a Stout não tem ganhado um
campeonato nacional nos últimos cinco anos, justamente porque
não têm mais jogadores de ataque bons no time. Olheiros
acompanharam inúmeros jogos do nosso time no ano passado, e
conseguiram convencer a mim e ao Kane, a virmos para a Califórnia
jogar pelos Jaguars.
O time em questão ainda tem uma casa, onde a maioria dos
jogadores do time mora, mas Kane e eu optamos por alugar um
apartamento próximo ao polo universitário. O conselho esportivo
não foi contra nossa decisão, desde que nos mantivéssemos
próximos o suficiente do campus.
Kane gosta da sua privacidade, principalmente quando se trata
de levar garotas para dormir, e eu não quero que ninguém me
pergunte o motivo de eu ter um mar pintado no teto do meu quarto.
Inclusive, pretendo começar a trabalhar nele hoje à noite, já que no
meu quarto na casa da minha mãe já fiz todo, durante o fim de
semana. Para isso, trouxe o restante das tintas que sobraram.
Como já estamos devidamente vestidos para o treino, e em
nossas bolsas carregamos nossos equipamentos, não passamos no
vestiário. Sendo assim, seguimos direto para o campo.
Quando chegamos alguns dos atletas já estão lá, um deles
acena para nós dois. Ele tem cerca de um metro e oitenta, cabelos
castanhos escuros, longos e lisos que estão repartidos ao meio. Ele
corre até nós e os fios voam, como se estivesse em um comercial
de shampoo.
Porra! Esse cara deve passar horas hidratando os cabelos.
— E aí — ele cumprimenta. — Me chamo Elliot. Vocês devem
ser Axel e Kane, certo?
Kane faz um aperto de mão primeiro com Elliot, e depois eu
faço o mesmo.
— Sim — respondemos juntos.
— No ano passado eu assisti bastante os jogos de vocês,
inclusive o time de Hastings não teria ganhado o campeonato se
não fosse pela velocidade de vocês — elogia Elliot.
— Não querendo me gabar — responde Kane. — Mas você tem
razão quanto a isso, somos os melhores. Aliás, eu sou o melhor.
Dou um soco no ombro do meu amigo, mas não discordo dele,
nem tiro seu mérito. Mesmo jogando na mesma posição de Kane,
eu sei que ele é o melhor, eu apenas tento o acompanhar. No início
eu nem sabia para onde ia no esporte, ele quem me ensinou tudo o
que sei hoje. Não vou dizer que sou apaixonado pelo futebol
americano, é um esporte bom, afinal de contas, mas também não
me declaro o maior fanático por ele, ao contrário do meu amigo de
longa data que enaltece o esporte e respira ele. Ao contrário dele,
eu ainda não sei qual a minha paixão na vida, por isso tenho feito
inúmeras cadeiras avulsas esse ano, para que talvez eu consiga
descobrir o que quero para o meu futuro.
A única coisa que tenho certeza é que não quero seguir os
passos do meu pai.
— Eu jogo na posição de running back — Elliot continua. —
Então muito provavelmente estaremos sempre juntos no campo.
— Você é veterano? — Kane pergunta.
— Não, sou calouro, mas sei que o técnico colocará nós três e
talvez também o Grey, como titulares.
— Como você tem tanta certeza disso? — indago.
— Os veteranos que jogavam nessas posições se formaram no
ano passado, e os que ficaram são péssimos, tenho certeza que
não iremos ficar no banco. — Elliot dá de ombros em resposta.
Nos aproximamos do restante do time e me apresento a todos
eles, quando me aproximo de outro calouro, chamado Grey, que tem
os cabelos em tom cinzento e olhos azuis, ele indaga:
— Ei cara, a gente não se conhece de algum lugar?
Eu o reconheci no mesmo instante em que o vi, então apenas
respondo:
— Estudamos juntos na Saint Crawford — informo.
Ele para e fica me olhando, não como Heaven me olhou ou
como Wes se espantou, ele apenas parece querer adivinhar quem
eu sou.
— Como é o seu nome mesmo? — pergunta novamente.
— Axel.
Grey leve a mão até a testa, dando um grande tapa ali, que
imediatamente deixa sua pele clara avermelhada.
— Axel… Eu lembro de você cara. Você mudou bastante,
inclusive cortou o cabelo, lembro que ele era um pouco mais longo e
vivia na sua testa.
Rio com sua constatação, ele foi o primeiro que me notou além
do corpo.
— Sim, mudei o corte há alguns anos.
— Ficou mais bonito, cara — ele responde. — Não que não
fosse antes, mas realçou mais o seu rosto, já que tirou ele do meio
da cara.
Estou pronto para respondê-lo, mas deixo para lá quando
escuto o som do apito do treinador adentrar em meus tímpanos.
— Dez voltas no campo em corrida no ritmo de maratona, em
seguida cinquenta flexões e depois, cem abdominais. — Ele apita
novamente. — Agora! — grita.
Então todos os homens ali presentes vão até a extremidade do
campo, e começam a correr em volta dele. O apito do treinador soa
outra vez, mas agora ele não chama a nossa atenção, e sim da
pessoa que corre em nossa direção. Esse em questão tem a mesma
altura que eu, cabelos loiros tão escuros quanto os meus, sua pele é
um pouco mais bronzeada que a minha e sua mandíbula mais fina,
já seus olhos são de uma cor castanha quase preta. Eu nunca
poderia esquecer as feições daquele que eu tanto odeio.
— Andrew Jones! Você está atrasado, garoto — o treinador
reclama. — Para você será tudo em dobro, vinte voltas, cem flexões
e duzentos abdominais.
— Desculpa treinador, tive que ajudar minha namorada com um
problema urgente.
— Vocês jovens sempre culpam as garotas pelas merdas que
fazem — o treinador desdenha, e em seguida solta outro apito. —
Agora corre, Jones! Corre!
A vida parece ter me dado uma segunda chance de viver meu
próprio inferno pessoal. Para completar o combo do ódio, falta
apenas meu pai aparecer na minha frente hoje.
Você não vai sorrir para mim?
Como você costumava ser
Somos estranhos agora?
STRANGERS NOW | TOM SPEIGHT FT. LYDIA CLOWES

Já faz três dias desde que tive meu reencontro com Axel, após
cinco anos.
Ele não mudou apenas fisicamente, ele se transformou em
outra pessoa. Tenho visto ele apenas pelos corredores, nós não
somos mais amigos, e ele fizera questão de dizer isso, mas,
pensando bem, ele parece não ser amigo de ninguém, a não ser do
Kane. Os dois sempre almoçam juntos em uma mesa separada,
vêm da mesma escola, jogam na mesma posição. O Axel que eu
conhecia não era nem um pouco ligado ao esporte, e hoje é
considerado um dos melhores do futebol americano. Isso quem me
contou foi o Grey, que sempre fala com ele quando se cruzam pelo
campus.
O Axel que vivia de cabeça baixa na nossa infância, agora a
ergue. Ele não é mais o menino que eu costumava olhar nos olhos,
e que, com poucos segundos, conseguia descobrir o que sentia. A
timidez, com certeza, foi deixada para trás. Todas as meninas param
quando ele passa, mas ele não olha para nenhuma. Até cheguei a
me perguntar: “será que ele deixou uma namorada onde vivia
antes?”.
Sobre seu único amigo, eu não o conheço, e nunca conversei
com ele. Apesar de ter um rosto adorável, digno de um ator
hollywoodiano, Kane, em duas semanas, já ficou famoso por suas
lutas no armazém, nos finais de semana. Eu ainda não fui lá, mas
segundo o que todo mundo diz, no armazém tudo é liberado. Você
pode beber, fumar, cheirar e transar com quem quiser.
Eu não entendo como as autoridades nunca pararam o que
acontece lá. Apesar de todos que frequentam o lugar irem pela
liberdade que é proposta no local, seu principal evento são as lutas,
todos os sábados. Kane, apenas no início das aulas, já foi
considerado o melhor, por isso ele é tão conhecido, mas também
pode ser perigoso. Me pergunto se Axel sabe do que Kane é capaz,
ou melhor, se ele também faz as coisas que Kane faz.
Eu sei que Axel e Kane não vivem na mesma casa onde os
outros jogadores do time vivem, já que ao invés de dormir no
dormitório que divido com Allie, passei a última noite lá. Quando
chegamos ao campus a Mercedes Classe G toma outra vez a vaga
em que Drew estava se preparando para estacionar. O que faz com
que Drew já comece o dia dele com raiva, resmungando algum
palavrão e indo em busca de outra vaga no estacionamento.
Drew ainda não sabe que o dono da Classe G, e seu parceiro
de time trata-se do meu antigo melhor amigo, pelo menos eu penso
que não sabe. Tenho medo da reação do meu namorado ao
descobrir isso.
Não que Drew seja agressivo, ou qualquer coisa parecida com
isso, mas ele é... esquentado. No começo do nosso relacionamento,
quando entrou no meu quarto pela primeira vez, ele não gostou
nada da foto que estava em um dos porta-retratos da minha mesa
de cabeceira.
Era meu aniversário de onze anos, eu e Axel sorríamos
enquanto tomávamos sorvete. Foi algo espontâneo, nem mesmo
olhávamos para a câmera.
Dentre tantas fotos, sozinha, com minha família ou com meus
outros amigos, aquela sempre foi a minha preferida. Para evitar
qualquer conflito futuro com Drew preferi guardá-la, já que ele
parecia ressentido com a imagem, eu poderia dizer que até mesmo
com ciúmes, mas não teria motivo para aquilo.
Primeiro: Axel era meu amigo; segundo: ele havia ido embora já
fazia três anos, na época.
— Quando eu descobrir quem é o dono dessa lata velha que
está ocupando minha vaga, ele vai ter uma conversa bem séria com
meu punho — esbraveja Drew ao descer do carro. Como eu disse,
ele ainda não faz ideia que o dono do carro é o Axel.
— Você não pode sair arranjando briga por aí só por conta de
uma vaga, Andrew — repreendo-o. Ele sabe que quando uso o
nome dele, estou falando sério.
Drew entrelaça nossos dedos, e beija minha têmpora.
— Tudo no sentido figurado, amor.
— Hum... Espero que seja mesmo.
Caminhamos juntos pelo campus, e me despeço de Drew com
um beijo.
E para minha surpresa, ao chegar na entrada do prédio de
Literatura, Allie está parada ali conversando com Axel, e Wes logo
atrás, com um olhar espantado em seu rosto. Por mais que meu
amigo ame o teatro, na vida real ele não consegue esconder muito
bem seus sentimentos.
— Então eu te ligo no sábado, para a gente combinar — diz
minha amiga com um sorriso de orelha a orelha.
Olho para os dois, tentando entender o que se passa ali. Wes
que está mais ao fundo morde o lábio inferior e aponta para Axel,
dizendo entre os lábios “ele chamou ela para sair”. Abro a boca
chocada, e vejo que Axel começa a se afastar, mas decido chamá-
lo.
— Posso falar com você?
— É sobre o trabalho? — pergunta ele em um tom frio.
— Para falar a verdade, não. — Eu tinha planos de pedir a ele
para estacionar em outro local.
— Então não — responde simplesmente.
Axel se vira novamente e começa a andar.
— Deixa de ser idiota, caralho — esbravejo.
Isso faz com que ele retome sua posição, ficando de frente para
mim. Sua sobrancelha está levantada, e seus olhos cinzas estão tão
frios que ameaça chover na Califórnia, a qualquer momento.
— O nosso único assunto em comum é o trabalho da professora
Clark. Fora isso, mais nada — diz ele secamente.
— Você prefere mesmo fingir que não nos conhecemos? Você
acha mais fácil me ignorar, como se eu fosse ninguém?
— Mas você é ninguém — ri debochado.
— Eu era sua melhor amiga. — Aponto o dedo no peito dele. —
E você era meu melhor amigo, nós fizemos promessas um ao outro.
Você não pode me dar as costas e fingir que não sabe quem eu sou,
porque eu sei quem você é.
— E quem eu sou? — Seus olhos brilham com o desafio
imposto na pergunta.
— Agora? Um idiota. Mas antes você costumava ser atencioso,
engraçado e leal. Você ganhou músculos. — Passo a mão pelos
seus braços. — Mas em compensação, parece ter perdido qualquer
dignidade.
Ele ri, mas é uma risada blasé.
— Não fale de dignidade quando você não a carrega consigo,
Heaven. Eu vou repetir, talvez a massa que você carrega dentro da
cabeça, ao invés de um cérebro, entenda. Nós fomos amigos,
passado. Eu não tenho mais nada a ver com você, a não ser aquele
trabalho de merda. Você não dirige a palavra a mim, a não ser que
seja sobre esse assunto. Se não, fica na sua, o que é melhor para
você.
— Isso é uma ameaça, Axel? — Cruzo os braços por cima dos
peitos, e levanto o queixo.
— Não, é apenas um aviso.
O corredor se enche de alunos, alguns param para prestar
atenção na nossa discussão, enquanto outros apenas tentam
passar por nós, indo em direção às suas próximas aulas.
Axel se vira e vai embora, me deixando plantada no meio da
entrada do prédio com suas palavras grosseiras. Queria que tudo
que ele disse não me atingisse, mas o efeito foi total oposto a isso.
Sinto as lágrimas arderem em meus olhos, tento piscar para que
elas sumam, mas a tentativa é falha, elas já estão descendo. Sinto o
gosto salgado quando chegam aos meus lábios.
Axel não costumava ser assim, nós passávamos horas
conversando sobre nossos sonhos, nossos programas preferidos,
escutando músicas juntos. Nós riamos, brincávamos e tínhamos
uma amizade inabalável. Não passávamos um dia sequer sem falar
um com outro.
Seu físico me surpreendeu, claro. Não esperava ver ele tão
diferente. O tempo passou e o ajudou externamente, mas seu
conteúdo interno tornou-se nojento. Uma podridão só.
Levanto a cabeça e enxugo as lágrimas que sobraram em meu
rosto. Não vou deixar que ele me magoe, não mais. Ele pode ter
mudado, ter se tornado um sociopata idiota, mas eu também mudei;
não sou mais a garotinha que via tudo de bom em tudo, como se
tudo fosse um conto de fadas. Eu vivo em um mundo real, ou pelo
menos é isso que eu quero demonstrar ser.
E se ele acha que será o único a fazer a arte do desprezo, ele
não sabe do que eu sou capaz. Quando eu entro no palco eu sou a
melhor, porque eu vivo o personagem, e se for preciso viver um na
vida real, é isso que eu vou fazer.
O primeiro passo será na aula da Eve. Eu vou mostrar a ele que
sua arrogância não me atingiu, e que ele não é nada para mim, da
mesma forma que ele insiste em dizer que eu sou insignificante para
ele.
— Isso foi... tenso — diz Allie ao meu lado.
Por um momento esqueci da presença da minha amiga, e que
ela escutou todas as atrocidades ditas por Axel.
— Não foi nada demais — digo.
— Ele te fez chorar, Heaven. Ele me chamou para sair, inclusive
me deu seu número, mas o melhor que faço é deixar para lá.
Cruzo meu braço com o de Wes, que está estarrecido com a
situação a qual acabara de presenciar.
— O problema dele é comigo, Allie, não com você.
— Então, simplesmente não há problema algum para você eu
sair com ele?
— Desde que ele te trate bem, não vejo motivos para você não
ir. Além do mais, você mesma disse que só beijou um cara na sua
vida, você precisa de um pouco mais de experiência — encorajo
minha amiga.
— Você tem razão, mas ele foi um babaca, e de idiota na minha
vida já basta o Grey.
— Concordo plenamente com você, loira — Wes finalmente
fala. — Mas eu daria minha vida para pegar naquele bumbum
sarado do Axel.
Nós três rimos do comentário do Wes, porque querendo ou não,
meu amigo tem razão. O Axel foi um idiota? Foi! Mas que bunda
sensacional ele tem.
Entramos na aula de Redação Crítica e tomamos os nossos
lugares. Após essa aula me despeço de Allie, e com Wes vou para a
próxima, que é no prédio ao lado.
Nunca fiz questão de ser a melhor em tudo, de chamar atenção,
ou ser a pessoa mais sociável do mundo. Mesmo estando no grupo
de teatro há sete anos, e tendo feito todos os papéis principais de
todas as peças, nunca fiz isso para aparecer, apenas fiz por que
gosto. Não, não gosto, eu amo estar no palco. Amo dar vida aos
personagens, amo viver outra realidade que não seja a minha, gosto
de decorar as falas, de encenar as posições corporais, e até mesmo
de cantar quando é necessário.
Mas fora do palco, eu não gosto da atenção.
E é exatamente isso que está acontecendo hoje, estou
chamando atenção. Ao que parece, Allie e Wes não foram os únicos
a realmente prestar atenção na minha pequena discussão com Axel
no corredor, quase todo mundo está comentando sobre isso agora.
Todos me olham, e não são olhares rápidos, são longos. Vejo a
curiosidade no rosto de cada um que me encara. Maggie, uma
garota que também está no grupo de teatro, até parou no corredor;
abriu e fechou a boca pelo menos umas cinco vezes, antes de
permanecer calada e desviar do meu caminho.
Mesmo eles não me perguntando nada diretamente, eu ouço os
sussurros, e obviamente estão todos curiosos para saber por que
estávamos discutindo no meio da universidade.
Teve um idiota que até chegou a dizer que ele seria meu
amante. Meu sangue ferveu na hora. Tive até mesmo vontade de
me virar e socar o nariz do infeliz, mas Wes segurou firme meus
ombros, me impedindo de cometer qualquer ato homicida.
E claro, os boatos chegaram aos ouvidos de Drew. Como eu sei
disso?
Bom, deve ser porque ele está na porta do auditório, com uma
expressão nada pacífica em seu rosto e de braços cruzados, me
esperando. Assim que passo pela porta, ele me segue.
— É verdade a merda que todo mundo está comentando?
— O que exatamente? — Me faço de desentendida. Eu sei
exatamente ao que ele se refere, já que todo mundo decidiu dar
atenção e fofocar sobre a discussão de calouros na porta do edifício
de Literatura.
Drew segura meu pulso com força, me fazendo parar.
— Você tá me machucando, Drew — aviso a ele, e logo ele
afrouxa o aperto. — Obrigada.
— Não se faz de doida, Heaven. — Ele suspira. — O que você
queria conversando com aquele cara?
— Ele não é ninguém, Drew. — Reviro os olhos.
— Ele é alguém sim, Heaven, e faz o favor de não desviar a
merda do assunto. O. Que. Merda. Você. Queria. Com. Ele? —
Drew fala pausadamente, seu tom de voz é calmo, controlado.
E quer saber de uma coisa? Foda-se. Hora ou outra ele vai
saber de quem se trata. Então eu solto logo os cachorros, pior do
que isso, é impossível ficar...
— É o Axel, tá legal? — digo. — A pessoa com quem discuti era
o Axel. — Drew arregala os olhos em surpresa. — Sim, isso mesmo,
ele voltou, e o melhor de tudo, ele está jogando no seu time.
— Você não vai chegar perto dele. Você está ouvindo, Heaven?
— Que seja, Drew. — Tento me livrar do aperto dele no meu
pulso. — Agora podemos ir comer? Por favor?!
Drew solta meu pulso, mas me encurrala contra a parede.
— Eu estou falando sério, Heaven. Eu não ligo para o passado
bonitinho de vocês dois. Você não vai chegar perto daquele nojento
outra vez, ouviu? — fala calmamente enquanto me encara, seus
olhos castanhos estão dominados pelo preto da pupila.
— Você não precisa me dizer o que fazer, Andrew — digo
secamente. — Eu não vou chegar perto dele.
— Acho bom.
— Mas não é porque você está pedindo — continuo. — Eu não
vou chegar perto dele, porque eu não quero! — Isso arranca um
sorriso dos lábios de Drew.
— Minha garota. — Drew beija meus cabelos, e pega meu
braço fazendo uma avaliação no meu pulso. — Machucou?
— Se você tivesse continuado segurando com força, teria. — O
aperto no início foi tão forte, que meu pulso ainda está vermelho
com as marcas de seus dedos.
— Desculpa. Eu me excedi um pouco, não vai mais acontecer
— promete.
Mas, mal sabe ele que promessas são feitas para serem
quebradas...
— Ainda precisamos conversar sobre a conversa de vocês dois,
não gostei nada do que andaram falando por aí.
Quando entramos no refeitório, vou direto para o buffet,
enquanto Drew senta na mesa que Sadie já ocupa. Eles sempre
foram muito amigos, quando estamos todos juntos, os dois contam
piadas que só eles entendem. Isso poderia deixar uma namorada
normal com ciúmes, mas não vejo necessidade. Sadie tem um
histórico de ficar com qualquer um que tenha um pênis entre as
pernas, mas desde que seja solteiro. E Drew nunca me trairia, ainda
mais com uma amiga.
Encho meu prato de macarrão com almôndegas. Estou
necessitando ingerir muito, mas muito carboidrato. Pego uma latinha
de Coca e um cupcake de chocolate, quanto mais carboidrato,
melhor... E assim minha bandeja do almoço está cheia.
Quando chego à mesa, Sadie e Drew estão sorrindo
abertamente, porém ambos fecham a cara com minha proximidade.
Alterno meu olhar entre os dois franzindo o cenho, mas deixo para
lá. Abro minha lata de Coca-Cola e dou um gole.
Sadie olha para minha bandeja e comenta:
— Não sei como você consegue consumir tanta besteira e não
aumentar sequer cem gramas.
— Pode chamar isso de genética — falo enquanto enrolo o
macarrão no garfo. — Ou sorte... — Coloco o punhado de macarrão
na boca.
Drew está digitando alguma mensagem no celular,
provavelmente para algum de seus amigos que vivem lhe enviando
memes, e Sadie continua comendo seu frango com alface. Ou seria
alface com frango? Vejo mais folhas verdes do que proteína.
— Então, cadê o resto do pessoal? — pergunto me dirigindo à
Sadie, que agora está com sua atenção no celular.
— Wes foi ao banheiro. — Sadie olha para mim. — E Allison
está ali. — Aponta com o queixo em minha direção.
Olho para onde Sadie apontou, por cima do ombro, e vejo Allie
sentada em uma mesa do lado de fora do refeitório, junto com Axel
e Kane. Dou outro gole na minha Coca-Cola, mas não digo nada.
Drew, por sua vez, solta:
— Sério que a Allison está conversando com esse perdedor?
— Ele a chamou para sair, parece — Sadie responde sem
desdém.
— Ele também deu seu número a ela — falo enquanto coloco
mais um punhado de macarrão na boca.
— Às vezes eu acho que namoro com uma porca, e não com
uma garota — comenta Drew, sério. — E como você sabe que ele
deu o número à Allison? — A pergunta é diretamente para mim.
— Porque ela me disse. — A afirmação parece uma pergunta, e
Drew me fuzila com os olhos.
— Tem certeza de que não foi ele? — me desafia, e eu deixo o
garfo suspenso no ar.
— Por que seria ele a me contar uma coisa dessas, Drew? —
pergunto incrédula.
— Sei lá, deve ser porque ainda temos que discutir sobre o que
você estava conversando com ele na entrada do prédio hoje mais
cedo?
— Não foi nada demais. — Reviro os olhos, finalmente
colocando mais comida na minha boca.
— Se não foi nada demais, acredito que você poderia me
dizer... A não ser que você prefira que eu acredite nos boatos do
campus. — Seus olhos demonstram novamente a mesma fúria de
minutos atrás. — É isso que você quer, Heaven? Porque se for, eu
sou um corno.
— Você acha que você é corno, Andrew? — esbravejo.
— Eu sou corno, Heaven? — me desafia.
— É sério que você está fazendo uma pergunta dessas? Você
às vezes é ridículo, Drew.
— Eu sou ridículo? Rá! — Ele finge uma risada sarcástica. — O
que eu estou ouvindo em todos os cantos é que você está me
traindo, e o pior, com um perdedor, filho da puta ridículo.
— Quer saber de uma coisa?! De repente estou saciada.
Me levanto da mesa, mas Drew me puxa na mesma hora, dessa
vez segurando meu braço. A força que usa é tanta que sinto suas
unhas entrarem em minha pele.
— Você está me machucando, Drew. De novo — murmuro.
— E você não sai daqui até eu dizer que você sai — Drew fala
em um tom de voz mais alto. — Agora pela porra da minha sanidade
mental, Heaven, fala de uma vez por todas que merda foi que
aconteceu hoje no corredor — ele grita, perfurando não só meu
braço com suas unhas, mas meu rosto com seu olhar.
Desvio meu olhar do seu, e vejo ao redor que todo o refeitório
está em silêncio, todos prestam atenção na nossa conversa.
— A gente está chamando atenção, Drew — eu sussurro.
— Estou pouco me fodendo. — Aperta meu braço com mais
força. — Fala logo, Heaven.
Respiro fundo, abominando qualquer vontade de chorar que
ameaça chegar, pela segunda vez, só hoje. Não só pelo aperto no
meu braço, que está me machucando, mas pela vergonha que
estamos passando na frente de todos esses alunos, e pela forma
como ele está me tratando agora.
Quando abro a boca para responder, Grey e Elliot chegam ao
nosso lado. Grey segura o braço de Drew, tentando me livrar do seu
aperto.
— Você está machucando a Heaven, cara. — Grey é
extremamente calmo.
Drew finalmente larga meu braço, levanta-se enfurecido e logo
sai do meu campo de visão. Olho ao redor e todo mundo volta a
prestar atenção no seu próprio almoço, ou pelo menos fingem.
Sadie que presenciou tudo, está calada, com os olhos arregalados,
e celular suspenso na mão. Já Elliot solta uma longa lufada de ar,
enquanto passa as mãos em seus cabelos finos.
Eu tento falar algo, mas minha garganta de repente ficou seca,
não consigo nem mesmo engolir.
Parece que meu dia não tem como piorar.
Primeiro brigo na frente de todo mundo com meu antigo amigo,
que agora claramente decidiu se tornar meu inimigo. Não bastando
isso, tenho uma DR com meu namorado, novamente na frente de
todo o corpo estudantil.
Preciso de ar fresco. Empurro minha bandeja, na mesma hora
que Wes senta-se na mesa, sem entender nada, eu me levanto e
caminho rumo à parte de fora. Passo pela mesa de cimento, onde
Allison está sentada com Axel, mas não direciono meu olhar para
eles, apenas apresso meu passo indo em direção ao campo de
futebol. Escuto Allie me chamar, mas ignoro.
Assim que estou sozinha, longe o suficiente de qualquer pessoa
possível. Eu grito.
Grito como se dependesse daquilo para respirar. Agora,
sozinha, deixo as lágrimas rolarem. O horário para a próxima aula
chega, mas eu não me importo com ela.
Continuo ali, chorando sozinha.
Em menos de cinco horas, estar na faculdade virou meu maior
pesadelo, ou pior, talvez ele sempre foi isso, eu que fui estúpida o
suficiente para pensar que algum dia aquele momento poderia ser o
melhor momento da minha vida. Eu nunca tive nada para reclamar
na minha vida, afinal, eu tenho um teto para morar, sou bem
alimentada, meu guarda-roupas está cheio, meus pais são ótimos e
meus amigos então, nem se fala... Eu deveria ser feliz, não?
Mas por que, meu namorado, aquele que deveria me dar
conforto, afeto e principalmente, segurança, acabou de me
machucar?
Não foi a primeira vez que brigamos, ou discutimos por qualquer
coisa, mas normalmente isso acontece quando estamos a sós,
nunca em público, nunca na frente de mais de trezentas pessoas. E
ele nunca, nunca me machucou, até hoje... Talvez agora, meu grito
de desespero seja por isso. Eu estou com duas marcas diferentes
no braço, uma no pulso e outra no bíceps.
O pulso está apenas vermelho, mas no bíceps tem sangue...
Pouco, mas tem!
Será que é assim que os relacionamentos abusivos começam?
Mas nosso namoro não é assim, pelo menos eu me recuso a
acreditar que seja. Drew sempre me apoiou desde o momento em
que nos aproximamos, sempre esteve comigo, nunca me rejeitou.
Foi apenas um lapso, não foi?! Não é por conta disso que eu devo
terminar com ele, ou devo? O que será que meu pai irá dizer
quando vir essas marcas no meu braço? Meu Deus, não gosto nem
de pensar na sua reação.
O melhor que eu posso fazer agora é acalmar meus ânimos,
colocar algum casaco para esconder essas malditas marcas por
enquanto, e limpar meu rosto.
Só mais uma batalha, e esse dia horrível poderá acabar.
Assim que estou pronta para sair do campo de futebol, noto que
alguém se aproxima dele. Ele veste uma camiseta de malha, uma
calça legging preta, e um calção da mesma cor por cima da legging.
Em suas mãos tem um capacete e uma bola de futebol americano.
Ele para na minha frente e anuncia:
— Você perdeu a aula de Sociologia. — Eu apenas assinto com
a cabeça. — A professora sorteou os temas, ficamos com o tema
“relacionamento abusivo”.
— Legal — respondo apenas.
— Não acho — ele diz —, porque tudo começa com um grito,
depois um aperto no braço seguido de inúmeras humilhações, um
tapa na cara, e, por último, a morte. Isso realmente não é nada
legal, Heaven.
— Por que você está falando comigo, Axel?
— Por que você está usando um casaco, Heaven? — pergunta
de volta e eu reviro os olhos.
— Estou com frio, apenas — desconverso. — Quando podemos
começar a discussão sobre o trabalho? — pergunto, mas Axel me
ignora.
— Frio? Está fazendo mais de trinta graus na Califórnia. — Axel
me olha nos olhos e percebo que sua íris está nublada. — Ele te
machucou?
Olho para ele, incrédula.
— Nã-não — gaguejo —, ninguém me machucou.
— Aquela cena no refeitório parecia outra coisa — Axel
comenta.
— Nós não somos amigos, Axel — o lembro.
— Não, não somos — ele concorda, assentindo com a cabeça.
— Mas não é por isso que eu vou apoiar qualquer violência contra
mulher.
— Eu não fui violentada.
Axel olha para cima, soltando uma risada baixa em meio a uma
lufada de ar.
— Se você diz... Só não espere ser tarde demais para quando
quiser pedir socorro. — Ele pega o capacete que está em sua mão e
o posiciona no topo da cabeça. — Enfim, se me dá licença, tenho
um treino para ir.
Então ele começa a correr em direção ao campo de futebol.
— Espera — gritei, o fazendo ficar de frente para mim. —
Quando podemos começar a discutir sobre o trabalho?
— Eu vou ver na minha agenda e te aviso.
— Mas eu não tenho seu número.
— Qualquer coisa eu falo com a Allison.
— E por que você tem que ver na agenda?
— Sou uma pessoa bastante ocupada, Heaven.
Dito isso, Axel se vira, posiciona o capacete de forma adequada
em sua cabeça, e volta a correr rumo ao centro do campo de futebol
americano.
Não posso mentir e dizer que não foi estranho. Primeiro ele diz
que não somos nada um para o outro, e agora praticamente
pergunta como eu estou.
Eu vou enlouquecer com essas oscilações de humor do Axel,
ele está sendo idiota, não posso mentir, porém eu não deveria estar
me preocupando com isso agora, e sim com o fato de que meu
relacionamento tem caminhado para trás cada vez mais. Eu já me
senti segura com o Drew antes, hoje não mais.
Nos últimos dois minutos, mesmo o Axel sendo um completo
estranho para mim agora, ele me passou um sentimento de
proteção mais forte do que o meu namorado tem me passado nos
últimos meses. E o que ele me disse fez meu coração, de certa
forma, se comprimir, o que ele quis dizer com “não espere ser tarde
demais para quando quiser pedir socorro?”. Eu sei que o Drew me
fez mal, eu tenho consciência disso, tanto que não quero deixar
esse episódio passar em branco.
Não vá me entender errado
Perdoar não é esquecer
Não, não é esquecer
Não, nunca vou esquecer, não
FORGIVENESS | PARAMORE

Hoje é sábado, mais conhecido como o dia em que a gente


pode dormir até um pouco mais tarde, mas meu sono é despertado
pelo som da tevê que soa pelo dormitório. Allison começou cedo a
maratona de Friends, hoje.
Nosso quarto no dormitório é praticamente um pequeno
apartamento. Ele tem dois quartos, para que possamos cada uma
ter a sua privacidade; um banheiro, e, nesse caso, não temos tanta
privacidade assim; e uma sala com cozinha conjugada, que é
chamada de ambiente compartilhado. Como estamos aqui com
intuito de estudarmos, decidimos não colocar tevê em nossos
quartos, e sim na nossa pequena sala, onde Allison está agora,
gargalhando enquanto assiste a sua série favorita.
Desisto de tentar voltar a dormir, e saio do meu quarto me
juntando a Allie no sofá. Ela está vestindo um conjunto de moletom,
e toma chocolate quente em sua caneca roxa que diz “Fã Número 1
de Friends”. Ela me deu uma da mesma cor que diz “Hater Número
1 de Friends”, não minto que eu gostei bastante da minha, porque
eu realmente não gosto muito do programa.
Anos se passaram, mas How I Met Your Mother continua sendo
a minha série de comédia preferida, e nada muda isso.
— Eu sou sua amiga, e já aceitei o fato de você ser viciada
nessa série horrível — digo —, mas bem que você poderia assisti-la
com o volume um pouco mais baixo. Hoje é sábado, e você sabe
que eu amo dormir até mais tarde no sábado.
Allison me olha de esguelha, mas mesmo assim não tira sua
atenção da tela plana à nossa frente.
— Primeiro que Friends é um patrimônio cultural para todo o
mundo; segundo que entrou água no meu ouvido enquanto eu
tomava banho ontem à noite, por isso o som está um pouco mais
alto; terceiro que já passa das dez da manhã, então a senhorita
dormiu demais. E quarto...
A interrompo.
— Sério que ainda tem um quarto? — pergunto incrédula.
Allison apenas revira os olhos em resposta e ignora minha
indignação.
— E quarto que quando der duas horas da tarde você vai querer
assistir alguma coisa da Disney, então me deixa assistir minha série
em paz, que eu te deixo ver seus contos de fadas em paz.
— Tudo bem — Levanto as mãos em forma de rendição. — Não
está mais aqui quem falou. A propósito, hoje não vou assistir
nenhum conto de fadas, estava pensando em fazer uma maratona
de HSM.
Agora consegui chamar a atenção de Allie, ela me olha com um
sorriso e diz:
— Sendo assim, eu faço questão de assistir com você.
Dentre todas as coisas que Allison e eu discordamos quando se
trata de filmes e séries, a única que concordamos é que HSM é uma
trilogia atemporal, e nunca sairá de moda.
Me levanto do sofá, deixando-a assistir seu programa em paz, e
vou até o nosso frigobar. Pego a caixa de achocolatado e a caneca
que diz que odeio Friends, e me sirvo. Quando tomo o primeiro gole
do líquido, escuto meu celular tocar lá no quarto, então caminho até
ele, pego o celular, que anuncia uma ligação da minha mãe, de cima
da cama e passo o dedo sobre a tela, atendendo-a.
— Oi mãe.
— Oi querida, como você está?
— Bem, e vocês?
— Bem também. Seu pai decidiu fazer churrasco para o
almoço, e eu estou fazendo aquele purê de batatas com bacon que
você ama.
— Daí você decidiu me ligar apenas para me fazer inveja?! Que
pessoa má você é, Reese Morris! — exclamo incrédula, porque ela
sabe que eu realmente amo essa comida.
— Que garota mais bocuda você é, Heaven. Eu liguei para dizer
que mandei um uber ir deixar um pouco de comida para você e
Allison. — No momento em que o nome da minha amiga sai da sua
boca, a abertura de Friends começa a tocar novamente. — Ela está
maratonando de novo?
Reviro os olhos em resposta, mas lembro que minha mãe não
está aqui para ver, então a respondo:
— Sim, está! Inclusive acordei ao som da risada da plateia hoje.
— Allie sendo Allie. Vocês duas estão se dando bem morando
juntas? — pergunta minha mãe, curiosa.
— Estamos sim — respondo. — Você mesma viu nossos
quartos, cada uma tem seu próprio espaço aqui no dormitório, além
de que somos amigas, mãe. Se por acaso acontecer de haver
alguma desavença entre nós duas, nada que um pote de sorvete
não resolva.
— Tem razão. — Minha mãe ri do outro lado da linha — E você
e o Drew, como estão?
Para falar a verdade nem eu sei como estamos no momento, a
última vez que nos vimos foi na quinta, e durante a nossa briga na
frente de inúmeras pessoas. Eu ainda estou bem chateada com
tudo o que aconteceu. Ele ser ciumento é até aceitável, ele dizer
que não gosta de uma roupa minha também, mas não isso.
Ninguém é obrigado a gostar de tudo o que o outro gosta, mas
sim a respeitar. E nesse caso, ele não me respeitou, ele agiu comigo
como se eu fosse qualquer outra pessoa e me humilhou, me
agarrou, me machucou.
Passei as últimas quarenta e oito horas pensando em tudo o
que aconteceu, e o porquê de ele agir daquela forma. O Drew
sempre foi um pouco estourado quando brigamos, na maioria das
vezes ele quem levanta a voz primeiro, mas briga entre casal é
normal, pelo menos eu acho que seja. Eu já vi meus pais brigando,
mas nada que eles não resolvessem depois, e meu pai nunca gritou,
não que eu tenha presenciado.
Mas quando acontece dos nossos ânimos se exaltarem durante
uma discussão, e ele levantar a voz, eu o acompanho. Porém
nunca, nunca mesmo discutimos qualquer coisa na frente de outras
pessoas que não fossem apenas os nossos amigos, e o Drew
também nunca foi agressivo ao ponto de deixar marcas no meu
corpo.
— Bem... eu acho — finalmente respondo à pergunta da minha
mãe, após alguns minutos pensando.
— Hum — ela murmura em resposta. — Pela sua resposta
evasiva eu arrisco dizer que vocês brigaram. E eu não preciso dizer
o que eu acho sobre isso, e acredito que muito menos o seu pai.
Meus pais nunca curtiram muito o meu relacionamento com o
Drew, isso se deu por causa do temperamento dele. Mas também
nunca me proibiram de ficar com ele, e o respeitam o suficiente,
tratando-o com educação, mesmo que meu pai aperte sua mão e
logo depois lhe mostre o dedo do meio, quando o Drew lhe dá as
costas.
— Eu sei, mãe. Nós discutimos, como todo casal discute, vai
ficar tudo bem.
— Espero que seja assim mesmo, Heaven. Só nunca se
esqueça que nenhum lugar que te diminui, te menospreza ou te
humilha merece você. E nunca é tarde para ir embora.
Sei exatamente o que minha mãe quer dizer com isso, mas
decido não levar a conversa por esse caminho.
— Pode confiar em mim, mãe, eu sei o que estou fazendo. E se
algo assim acontecer, você será a primeira a saber que eu pulei
fora.
— Fico feliz em saber disso. Agora você não sabe quem voltou
para a cidade.
— Quem? — pergunto, genuinamente curiosa.
— Íris Davenport, a mãe do Axel.
— Ela voltou? — pergunto chocada.
— Aham — minha mãe confirma —, ela divorciou-se do Daniel.
— Aquele homem era horrível — comento.
Logo após a partida do Axel, minha mãe me viu chorando no
meu quarto, e eu acabei me abrindo com ela sobre toda a nossa
amizade, inclusive sobre a cena que eu praticamente presenciei.
Hoje entendo que na realidade ele havia acabado de agredir a mãe
do Axel.
— Às vezes ainda fico horrorizada com aquilo que você
presenciou — comenta. — Enfim, ela voltou porque o Axel recebeu
uma bolsa na Stout, ele joga futebol americano agora. Você já
chegou a ver ele?
— Sim, inclusive iremos fazer um trabalho juntos.
— Que ótimo! — Minha mãe soa animada.
— Calma mãe, é só um trabalho.
— Vocês eram ótimos juntos quando crianças, e faz tempo que
não se veem, quem sabe assim retomam a amizade.
— Muita coisa mudou, mãe, tanto para o Axel, quanto para mim.
Se eu posso te dizer uma coisa é que é impossível voltar a sermos
amigos algum dia.
— O médico também me dizia que era impossível eu
engravidar, bastou uma noite sem camisinha e você veio ao mundo.
— Mãe... — a repreendo.
— De qualquer forma, tenho que ir agora, o uber que vai levar
sua comida acabou de chegar, quando ele estiver próximo te envio
uma mensagem.
— Tudo bem então, obrigada por isso, te amo.
— Também te amo, linda.
Após me despedir da minha mãe, me jogo de costas na cama e
passo a atualizar o feed do meu Instagram. Curto algumas das fotos
postadas pelo pessoal que conheço, e vejo alguns memes no reels,
verifico minhas mensagens, e uma delas é uma mensagem
encaminhada sobre a luta que ocorrerá hoje no armazém, essa, no
caso, eu ignoro.
Quando me canso de ver tudo ali, recebo uma mensagem no
celular, e penso ser minha mãe, informando que o uber chegará,
mas não se trata dela, e sim do Drew. Solto uma longa lufada de ar,
antes de abrir o aplicativo de mensagens e ver o que ele escreveu.
Drew: A Allie está aí?
Podemos conversar?
Estou aqui fora.
Eu: Sim, ela está. Fica aí que já desço.
Vou só trocar de roupa.
Quer queira, quer não, uma hora eu terei que encará-lo, e se
não for agora, será depois, então decido que o melhor a se fazer é
conversarmos de uma vez por todas.
Tiro o pijama que estava vestindo, e ponho um short jeans,
acompanhado de um suéter vermelho de mangas compridas. As
marcas do aperto de Drew ainda estão presentes em minha pele,
então eu tenho que andar por aí, escondendo-as, para evitar
perguntas ou olhares constrangedores.
Aviso a Allison que já volto, ela apenas faz um movimento com
a mão e volta a rir, encarando a televisão à sua frente. Saindo do
prédio do dormitório, caminho hesitante até o carro de Drew, que
está estacionado ao meio fio da calçada.
Ensaiei meu discurso, de como vou perdoá-lo ou não, várias
vezes. Afinal, o resultado dessa discussão só cabe à forma como
vamos reagir.
Obviamente, não estou preparada para terminar meu
relacionamento, e acredito que ele também não. Sei que não é fácil
passar por discussões assim, mas as coisas que mais machucam
em um relacionamento são: primeiro, a desconfiança e, segundo, a
traição.
A primeira, porque a confiança está na base de um
relacionamento, se ela não existe, o amor não é o bastante. E a
segunda, é ligada ao respeito, que também faz parte da base da
união, e se o nosso chão não é sólido e plano, toda a parede irá
despencar.
E é por isso que eu fiz vários discursos mentalmente, mas
assim que abro a porta do carro e sento no banco do carona, tudo
que estava entalado na minha garganta, simplesmente vai embora.
— Oi — digo.
Os olhos de Drew estão baixos, ele não me olha nem se vira em
minha direção, apenas encara suas pernas.
Ficamos em um silêncio constrangedor por alguns minutos, eu
olhando para seu cabelo loiro escuro comprido e liso, e ele fitando o
volante do carro. Até que finalmente ele vira seu rosto, me olha nos
olhos, e diz:
— Acho que te devo um pedido de desculpas. — Sua voz sai
grave e quase em um sussurro.
Eu apenas assinto, já que ele foi o primeiro a falar, tenho que
deixá-lo continuar, e ver até onde quer chegar. E é isso que ele faz,
a voz continua grave, mas audível.
— É que eu fico louco, sabe? — Ele sorri triste, de canto. —
Tipo, eu só fiquei sabendo que ele voltou depois de todo mundo, e o
pior, todos estavam comentando coisas absurdas sobre vocês dois,
Heaven. Meu sangue ferveu, quer dizer... Ele ainda está quente. Eu
ainda estou com raiva, eu estou puto. Porra, você é minha garota.
— Sim, eu sou — o interrompi. — Mas você tem que confiar em
mim, como sempre confiou, e não acreditar em fofocas de
completos estranhos. Ou você acha mesmo, que se houvesse algo
entre nós dois, iríamos ter qualquer tipo de contato em público?! Ou
melhor, você duvida de qualquer sentimento que eu tenha por você,
depois de tanto tempo? Eu estava disposta a te contar o que
conversamos, mas você simplesmente me tratou com tanta
brutalidade que deixei pra lá. — Levanto a manga do suéter,
mostrando meu braço. — Eu tenho que esconder isso aqui, de todo
mundo.
Ele olha fixamente para as manchas no meu braço, e percebo o
lampejo de arrependimento surgir nos seus olhos.
— Eu sou um idiota, meu Deus. Desculpa, eu não sabia que
tinha feito isso, quer dizer, eu nem me lembro. Tudo não passa de
um lapso na minha memória, eu nem mesmo lembro o que lhe
disse, ou como lhe toquei. — Ele parece sincero, e decido ser
também.
— Eu só espero que tenha sido a primeira e a última vez que
você fez isso, Drew. Eu ser sua namorada, não lhe dá qualquer
liberdade de me agredir, seja com palavras ou fisicamente. E na
quinta, você conseguiu me ferir das duas formas, você gritou comigo
na frente de várias pessoas, me humilhando, e me machucou. Todo
mundo viu, e todos estão comentando.
— Eu sei. — Ele baixa seu olhar novamente, mas logo sobe e
me encara com seus olhos castanhos intensos. — Isso não vai mais
acontecer, nunca mais. Eu juro, Heaven.
— Se acontecer, você nunca mais irá me ver, Drew. Tenha
certeza disso — aviso a ele, e meu tom saiu tão duro que até eu me
surpreendo. Mas é a verdade, ele não tem o direito de fazer isso
comigo, aliás, ninguém tem; e caso aconteça novamente, eu sei que
devo seguir em frente, por mais que eu o ame. — Eu não vou mentir
para você, eu não esperei por essa conversa de braços abertos a te
perdoar. — Ele abre a boca, mas eu levanto a mão para continuar.
— E eu não estou perdoando, ainda não... Mas não, eu não vou
terminar com você, eu vou dar um voto de confiança, em respeito a
tudo que nós vivemos juntos, e porque eu amo você, mas saiba que
o amor que eu sinto por você, não é maior do que o que eu sinto por
mim. E se acontecer de você me tratar daquela forma estúpida de
novo, eu não vou pensar duas vezes em acabar tudo.
— Eu também amo você — declara. — Amo muito, e nunca
mais irá acontecer. Você é tudo para mim, Heaven.
Ele pega a minha mão, e beija o dorso dela. Apenas sorrio em
resposta.
— E como estou te dando esse voto de confiança, quero que
saiba que, sim, eu fui conversar com Axel, porque éramos amigos,
melhores amigos. Mas deixamos claro, um para o outro, que não
existe mais espaço em nossas vidas para nós dois.
Quer dizer, o Axel deixou claro que não há espaço para mim na
sua vida, mas deixo que o Drew entenda dessa forma. Afinal, depois
daquela conversa, eu também não quero tê-lo mais na minha, não a
pessoa tóxica em que Axel se transformou.
— E mais — continuo — Faremos um trabalho juntos, de
Sociologia, foi uma escolha da nossa professora, mas é apenas isso
— asseguro a ele.
Dito isso, Drew me encara, sei que ele está pronto para explodir
novamente, suas pupilas estão dilatadas, e isso fica claro para mim,
então eu espero. Mas ele fecha os olhos, respira fundo, e sorri. Não
é um sorriso sincero, mas é o suficiente.
— Tudo bem — murmura. — É só um trabalho, além do mais,
eu confio em você.
— Gosto assim — sorrio.
— Agora vem cá.
Drew me puxa para seu colo e nos beijamos. Passamos alguns
minutos assim, até que nos tocamos que estamos em local público,
então não seguimos em frente com os amassos.
Antes de ir embora, combinamos de nos encontrarmos na
fraternidade onde Drew mora, já que hoje haverá a festa de boas-
vindas. Quando estou pronta para sair do carro, vejo seu celular
tocar em cima do painel do carro. Drew recusa de imediato a
ligação, mas eu vi o nome na tela.
— Por que a Sadie estava te ligando?
— Somos amigos, Heaven.
— E porque você não atendeu?
— Ela deve estar ligando para falar sobre o Grey, não estou a
fim de saber do relacionamento dos outros.
— Você tem certeza disso?! — pergunto ainda desconfiada.
Drew solta uma risada cínica e em seguida aproxima seus
lábios da ponta do meu nariz, me beijando ali.
— Você deve estar ficando louca.
Murmuro um “hum” em resposta, mas não deixo de fazer uma
anotação mental para perguntar à Sadie sobre ela e o Grey, até
porque nem sabia que eles estavam juntos. Quer dizer, eles
transaram duas ou três vezes no ano passado, e foi apenas isso.
Depois que a Allison deixou claro e explícito que ela era
apaixonada por ele, a Sadie deu para trás, mas mesmo assim o
Grey não deu chance para minha outra amiga.
— Tudo bem — respondo por fim. — Até de noite.
— Até...
Drew vai embora, e segundos depois recebo a mensagem da
minha mãe dizendo que o motorista está há dois minutos de
distância, e também as informações sobre o carro.
Quando ele chega, eu pego a comida e o agradeço pela
viagem, em seguida subo de volta para o alojamento. Quando
mostro a comida para Allison a mesma se levanta, e como minha
mãe mandou comida para um batalhão, envio uma mensagem para
que Sadie junte-se a nós, mas ela responde dizendo que está
estudando na biblioteca.
O que é estranho, já que minutos atrás ela ligou para o Drew.
Faço outra anotação mental para confrontá-la sobre isso. Eu
não estou ficando louca, como o Drew dissera, ou talvez até esteja,
mas que tem algo errado em tudo isso, realmente tem.
E eu sou uma aberração
Que está em busca de redenção
Eu sou um monstro filho da puta
Que está em busca de redenção
I WANNA BE YOUR SLAVE | MÅNESKIN

Anya está sentada no sofá com os braços cruzados e fazendo


bico, aborrecida.
— Você é um chato — acusa. — Você prometeu que iria assistir
Tinker Bell comigo, e agora tá saindo.
Sento-me ao seu lado e ajusto a coroa de plástico, que estava
caindo, em sua cabeça.
— Sim, eu prometi. Mas infelizmente já está um pouco tarde, e
eu tenho que voltar para casa — lembro a ela.
— Por que você não pode mais morar comigo e a mamãe?
— Porque eu tenho que ficar um pouco inteligente e estudar,
quando você crescer um pouco mais você também vai ter que morar
em outro lugar. Portanto, que tal assistirmos Tinker Bell na semana
que vem?
— Mas eu quero hoje — esbraveja com sua voz fininha, e
reforça os lábios em um bico.
— Eu prometo que no próximo sábado a gente assiste, tá bem?
— Tanto faz, não sou mais sua amiga — Anya se levanta
batendo pé, indo em direção à cozinha. Provavelmente em busca de
algum lanche, ou chorar nos braços da nossa mãe.
Realmente, eu havia combinado com Anya de assistir ao filme
da Tinker Bell hoje, mas acabei me atrasando para vir visitar ela e
minha mãe. Passei a manhã inteira ocupado pintando o teto do meu
quarto, aquele deu mais trabalho do que os outros dois, mas o
resultado valeu a pena.
Antes de ir embora, decido que preciso fazer algo ainda essa
semana para que possa conquistar o perdão dela.
Anya é a única garota, por mais que tenha apenas três anos,
que eu me importo. Desde que estava na barriga da minha mãe, eu
prometi que a protegeria do mundo, e de todas as maldades nele.
Isso incluiu o nosso pai, ou melhor, nosso doador de sêmen.
Ela nasceu antes do tempo por culpa dele, única e
exclusivamente. Sempre que lembro o que ele fez com a minha mãe
na noite do nascimento de Anya, a raiva corre por minhas veias. O
filho da puta adiantou o nascimento dela, e ainda quase matou
nossa mãe. Ele tinha passado toda a gestação sem encostar um
dedo nela.
“Ajudo minha mãe a colocar o restante dos pratos no lava-
louças, e escutamos o barulho de algo quebrando na sala, parece
vidro. Eu arregalo os olhos, já sei do que se trata. Ele está bêbado
novamente, e virá atrás dela.
Cerro o maxilar e sinto meus dentes doerem, devido à tensão. A
raiva do homem no cômodo ao lado começa a ferver todo o meu
sangue, fecho minhas mãos em punho. Quando me viro para ir em
direção à sala, minha mãe me segura pelo ombro.
— Deixa que eu resolvo isso, querido — ela pede.
— Ele vai te bater, mãe — sibilo com raiva. — Ele não pode
mais me machucar.
— Ele não vai, Axel. — Ela solta um suspiro pesado. — Ele não
vai... — repete. Ela precisa acreditar nas suas palavras, mais do que
me confortar.
Outro barulho, mais vidros estraçalhados. Minha mãe sai em
direção à sala de estar, eu faço menção de segui-la, mas ela fecha
as portas francesas que dividem os cômodos, dando a mensagem
para que eu não interfira.
Um baque ecoa na casa, e tenho quase certeza que agora foi
uma cadeira, ou o aparador onde ficam as bebidas.
— De quem é esse filho que você carrega? — meu pai grita.
Eu não estou vendo, mas tenho certeza que ele foi para cima da
minha mãe agora. Por quinze anos eu tenho presenciado essas
cenas, repetidas vezes, e sei que agora ele está puxando o cabelo
dela. Eu me seguro para não ir até lá, apenas porque ela me pediu.
— Em? Responde, sua vagabunda! — esbraveja ele. — É do
Joseph, não é? — ele cita um dos sócios que frequenta o mesmo
clube que ele. — Você acha que eu sou burro? — Mais vidro
quebrado. — Você acha que eu não vejo como você olha para ele?
Você é uma puta, sempre foi, desde que te conheci eu sabia. Sua
boceta foi a mais fácil que eu peguei em toda minha vida.
Ele sempre a acusa de traição, humilha-a com suas palavras,
mas minha mãe nunca seria capaz disso. Eu sei por que ela sempre
está comigo em casa, e só pode sair se for com ele.
Mais um estrondo, e dessa vez eu não me seguro. Saio em
disparada rumo à sala. Assim que abro as portas francesas, a cena
me choca tanto que arrepia todos os pelos do meu corpo.
Ele está em cima dela, socando sua barriga.
— Eu sei que essa aberração que vai nascer, não é minha —
acusa ele, desferindo mais um soco. — E se não é meu, não
merece vir ao mundo.
Antes que ele possa avançar com seu punho novamente, eu
pulo em cima dele. Socando-o com um jab em seu maxilar, seguido
de um soco direto no nariz, e não paro. Continuo desferindo murros
contra ele, e só vejo sangue em seu rosto. Sinto os nós dos meus
dedos arderem.
Escuto um gemido, mas não vem dele. Ele está apagado.
Olho para o lado, e vejo minha mãe. Seu rosto também está
com sangue, mas é pouco. Me levanto, e corro em sua direção, meu
peito aperta quando vejo sangue escorrer por suas pernas.
— Mãe? — a chamo, mas ela não responde, apenas solta outro
grunhido de dor. — Vai ficar tudo bem — garanto a ela. — Eu estou
aqui com você, eu e você. Eu, você e Anya.
Não sei se ela escuta, meu coração martela no peito, e escuto
sua pulsação bater em meus ouvidos.”
Engulo em seco, e me forço a expulsar as memórias daquela
noite da minha cabeça. Às vezes, é difícil não lembrar do passado, e
quando acontece a raiva toma conta de mim. As piores lembranças
são sempre as da noite em que minha irmã nasceu, ou a do verão
de cinco anos atrás. Essas sempre entorpecem meus pensamentos.
Me pergunto o porquê de eu não ter intervindo antes, porque deixei
isso se arrastar por tempo demais.
Tudo bem, eu era uma criança. Mas eu poderia ter ligado para a
polícia, ter pedido conselho a algum adulto, aos professores, ou
então, apenas ter pegado uma faca na cozinha e enfiado no peito
dele, enquanto dormia.
Foda-se.
O que me alivia hoje é que finalmente conseguimos nos livrar
dele.
Saio de casa, e antes de entrar no carro, tiro o celular do bolso
e envio uma mensagem para Allison.
Eu: Podemos nos ver hj?
Fazemos uma aula juntos durante a semana, e alguma coisa na
garota me interessou. Nada que tenha me feito pensar “ela é a
mulher da minha vida”, às vezes acho que nem mesmo foi atração
física, apenas surgiu uma vontade de conversar com ela, e por isso,
a chamei para sair quando a vi há dois dias na entrada do prédio de
Literatura.
Quando dou partida no carro, recebo sua resposta:
Allison: Estarei na festa da fraternidade do time de futebol hoje
��
Nos vemos lá.
Por um momento esqueci dessa festa, apenas me concentrei no
fato de que hoje terei minha primeira luta aqui. Já tem um tempo
que não sinto a adrenalina que preciso sentir, e quando me sinto
com raiva ou ansioso, eu sinto a necessidade de liberar essa
euforia. Normalmente ela só é posta para fora quando como muito,
mas nesse caso, logo me bate o arrependimento, já com a luta não,
eu realmente consigo relaxar.
Hoje mais do que nunca, eu preciso disso.
As lembranças do meu passado ficaram mais presentes nos
últimos dias, eu colocaria a culpa no nosso retorno para a Califórnia,
ou até mesmo no meu reencontro com Heaven, ou por ver a forma
como seu relacionamento funciona.
Respondo à mensagem de Allison, dizendo que nos
encontramos na festa mais tarde.
Sei que ela é amiga da Heaven, será que ela estará lá? Muito
provavelmente sim, já que seu namorado mora na casa. Aperto o
volante com força só de pensar na sua presença lá, ou pior, nela
acompanhada do merda do Drew.
Na quinta eu vi o que ele fez com ela, não só eu, todo mundo.
Ele a agrediu diante de várias pessoas, o braço dela estava
marcado e sangrando. Se o filho da puta é capaz de fazer aquela
cena na frente de várias pessoas, imagina o que ele seria capaz de
fazer quando estão a sós?
O pior de tudo, foi ela querer defendê-lo mais tarde, quando eu
acusei o abuso dele. Não que seja da minha conta, ou que eu me
preocupe com ela, mas eu nunca, jamais encostaria o dedo nela ou
em qualquer outra mulher. Eu cresci em uma casa rodeada de
abusos físicos e mentais.
Porra!
Ela praticamente presenciou uma cena dessas, quando éramos
crianças, e não enxerga isso? A mesma fúria que tinha nos olhos de
Drew, há dois dias, fora a mesma que vi em meu pai ao longo de
quinze anos. E mesmo assim, ela ainda o defendeu.
Quando o vi machucando-a, minha vontade era levantar,
atravessar as portas de vidro do refeitório, e enterrar meu punho na
boca dele, mas Kane me segurou. Na mesma hora vi Grey separar
os dois, e alguns segundos depois ela passou chorando por mim.
Naquela hora eu deveria ter ido atrás dela, e ter dito para ela
mandá-lo se foder, mas nesse caso, quem me segurou fui eu
mesmo. Eu não sei se o que fiz foi certo, naquele momento, mas me
lembrei do que havia lhe dito mais cedo, para manter-se longe de
mim. Afinal, é o melhor para nós dois.
Isso não me impediu de vê-la naquele mesmo dia. Teríamos
uma aula juntos, a qual ela não compareceu. A professora Eve fez
um sorteio, e ficamos com o tema “Como o Relacionamento Abusivo
Afeta a Sociedade Contemporânea”, não sei se isso foi obra do
destino, mas eu senti aquilo como indireta para nós dois. Depois da
aula, a encontrei próxima ao campo de futebol antes do treino, então
acabei soltando algumas farpas, a fim de que ela entendesse o que
eu queria dizer com aquilo.
Mas ao invés de me escutar, ou abaixar a cabeça, ou sequer se
abrir comigo como fizera anos atrás, ela subiu uma máscara de
indiferença em seu rosto, e me alfinetou, repetindo as mesmas
palavras dolorosas que lhe disse mais cedo naquele dia.
Nós realmente não somos mais amigos, mas isso não quer
dizer que eu nunca cheguei a sentir sua falta, porque eu senti, sinto
até hoje. Só que as coisas mudaram muito para que eu
simplesmente consiga voltar a ser o que éramos quando tínhamos
onze anos de idade.
Heaven me traz memórias de um passado que eu luto para
esquecer. Ela me traz as dores das humilhações que passei na
infância, e a dor da perda. Ela era a pessoa que eu mais amava
naquela época, e eu a perdi, porque eu era ridículo. E eu não quero
sentir isso tudo novamente, só quero terminar a droga desse
semestre.
Nem mesmo deveríamos ter voltado para cá, mas a bolsa que a
Stout me ofertou, realmente era boa demais para ser verdade, e
desde que minha mãe separou do meu pai, ela que sustenta a casa
enquanto eu a ajudo com a grana que recebo pelas lutas. Quando
recebi a bolsa, ela ligou para uma amiga que lhe deu uma boa oferta
de emprego em um escritório de contabilidade, além de querer que
Anya e eu ficássemos próximos. Pelo menos eu quero acreditar que
esse seja seu real motivo para ter insistido na volta, e não para ficar
perto de quem tanto temo.
Quase não recebemos ajuda do meu pai, mesmo tendo
condições. Ele foi preso depois da noite do nascimento de Anya,
mas conseguiu sair pagando fiança, e sabe lá Deus como um juiz o
inocentou. Acredito que possa ter rolado alguma propina debaixo
dos panos, na realidade. Já com outro juiz foi diferente, ele foi
obrigado a pagar pensão para mim e Anya enquanto estudássemos,
além de termos uma ordem de restrição contra ele. Não temos mais
contato algum com ele, a não ser pelos cheques que são
depositados mensalmente por seu advogado.
Crescer em um lar abusivo, de certa forma, me moldou, porém
me traz memórias ruins.
Independentemente de memórias, ou de Heaven, juro que se eu
ver Drew daquele jeito com ela, ou qualquer outra mulher, ele vai
conhecer o sabor metálico do sangue, da mesma forma como fiz
com meu pai.
Chegando em Beaufort, vou direto para o armazém. Entro em
uma sala separada, onde seria o “vestiário”, e estou enfaixando
minha mão, enquanto Kane engole uma cerveja.
A primeira luta da noite foi a dele, contra um tal de Rex, da
cidade ao lado. Kane ganhou, mas nem por isso deixou de sangrar,
está com um corte no supercílio. A próxima luta é a minha, então ele
veste uma camiseta para me acompanhar.
— As apostas foram grandes — diz Kane. — O pessoal está
animado pela volta de JC, apostaram alto nele.
— Pena que vão perder — digo, terminando de passar a
bandagem preta pela mão esquerda.
— Sua confiança está tão alta que eu tenho medo de você
acabar a sete palmos do chão.
— Você é pessimista assim também quando é sua vez, ou é só
quando se trata de mim? — pergunto, franzindo o cenho.
— Só estou preocupado, cara. O JC é louco, ele joga sujo, já te
disse.
— Confia em mim — peço, e ele apenas assente.
Antes de sairmos do vestiário, um cara alto, um pouco forte,
usando uma camisa quadriculada por cima de uma camiseta de
algodão branca entra. Sua pele é bronzeada, seus cabelos pretos
são um pouco longos, e uma barba por fazer adorna as
extremidades do seu rosto.
— Você é o Axel, não é? — ele indaga. — Prazer, Mark. Não
vou estender minha mão para você, porque não sei onde você
passou sua mão nos últimos minutos, e não estou a fim de ficar
cheirando a pinto — fala apressadamente. — De qualquer forma, a
próxima luta é a sua. Como você é novo aqui, vou te explicar como
funcionam as comissões. Provavelmente o Kane já deve ter te dito,
mas não custa nada ressaltar.
— Pode falar.
— Se você ganhar, você recebe toda a quantia de dinheiro que
foi apostada em você, se não, bye bye, perde tudo. Adios
muchacho. — Essa é a hora que eu devo te informar que seu
espanhol é péssimo? Acho que não. — Obviamente, você não teve
muitas apostas em seu nome hoje, mas se ganhar e continuar
comparecendo aqui, pode ser que as coisas melhorem futuramente.
— Eu só quero lutar, cara — o informo.
— E eu só quero que uma líder de torcida dê para mim, mas
isso não acontece. — Mark dá de ombros fazendo uma careta,
então ele me olha se dando conta do que falei. — Ah, você não foi
irônico.
— Não, não fui. — Nego com a cabeça, dando um sorriso de
lado.
Mark aponta o dedo no meu rosto e em seguida diz:
— Você é bonito cara, muito bonito. Se eu não fosse hétero,
com certeza te pegava.
— Obrigado... — digo hesitante. — Eu acho.
— Enfim, vamos lutar — Kane diz dando tapas em meu ombro e
no de Mark, que por sua vez abre um grande sorriso, e esse tipo de
sorriso dele eu conheço muito bem. Ele só vê a cor do dinheiro
agora.
— Vamos lutar — respondo correndo no lugar, para poder
aquecer meu corpo.
— Vamos lutar — Mark diz. — Algo me diz que você será o meu
garoto, Axelzinho.
Paro a corrida e o olho, com o cenho franzido.
— Não me chama assim — repreendo-o.
Ele faz a menção de um zíper imaginário na boca, e em seguida
saímos do vestiário caminhando rumo ao ringue. É realmente um
ringue, tem formato hexagonal, a plataforma possui cerca de um
metro de altura e quatro fileiras de cordas. Passo por debaixo de
duas, Kane fica logo atrás de mim.
A luta é anunciada por Mark, e a multidão ao redor aplaude,
aqui realmente tem muitas pessoas. O juiz, vulgo Mark, nos
apresenta e nos cumprimentamos com um soco leve de mãos. O tal
do JC tem a pele alva, cabeça raspada, um pequeno sinal do lado
direito do seu rosto, e seus olhos possuem uma cor ambarina.
Depois do primeiro apito, fico no meu lugar esperando meu
adversário avançar, e ele o faz. Ele tenta um chute na minha
cabeça, e eu desvio por baixo, dando um soco no seu estômago.
Ele se desequilibra, mas dá um jab na minha boca. Para
compensar, dou um cruzado em sua têmpora, a força foi grande o
suficiente para abrir um corte na lateral do seu rosto. Dou outro soco
no abdômen, em seguida um chute em sua costela direita, e repito o
movimento. Ele vacila, mas logo se recupera, pula em cima de mim
e desfere um murro no meu olho.
— Às vezes fico na dúvida se te chamo pelo seu nome ou de
free Willy — diz ele em um sorriso presunçoso, cheio de sangue.
Kane estava certo, ele tenta atingir pelo emocional. Não sei
como ele me conhece, ou sabe de algo sobre o meu passado, mas
não funciona muito bem. Chuto sua canela, dando uma rasteira.
Monto em cima de JC, desferindo socos contra seu belo rosto.
Devolvo o murro no olho, escuto a plateia gritar, mais um soco, outro
em suas costelas, e dessa vez escuto o estalo. É, acho que acabei
de quebrar duas ou três costelas do meu adversário. Com isso, dou
outro soco no maxilar, que treme. JC cospe sangue e fecha os
olhos. Sem se mover por trinta segundos, o juiz apita e ergue minha
mão.
Ganhei!
Kane me joga uma garrafa de água, coloco um pouco na boca e
cuspo. JC agora está se levantando, e vem para cima de mim. Ele
está cambaleando, acho que ele ainda não se tocou que a luta
acabou, mas quando ele se aproxima, desvio colocando o pé no
meio do seu caminho, e ele cai de cara no chão. A multidão ri e
uiva. Eu olho para Kane que está rindo também, e apenas sorrio de
canto.
JC levanta novamente, mas dessa vez dispara para o juiz.
— Ele roubou! — acusa gritando.
— Não, ele ganhou — afirma Mark. — Eu sabia que ia me dar
bem com você, Axelzinho. — Essa fala ele sussurra para que
apenas eu escute.
Eu me junto aos dois, e JC me encara com fúria nos olhos. Seu
rosto está coberto de sangue e pequenas manchas roxas já se
formam em seu abdômen.
— Você roubou. — Aponta para mim.
— Você desmaiou, cara — respondo. — Pelo que eu sei, isso é
o mesmo que perder. Então, relaxa.
— Isso não vai ficar assim — JC ameaça. — Eu quero uma
revanche — grita.
E todo mundo ao redor aplaude. Mark, obviamente, sorri. Ele
sabe o que uma revanche significa, mais dinheiro pro bolso.
Mark me olha com uma sobrancelha levantada e um brilho
estranho em seus olhos. Eu apenas dou de ombros concordando,
se ganhei essa, nada me impede de ganhar a próxima.
— Em um mês — Mark anuncia. — Revanche, Axel versus
Joshua Colton.
— É JC, porra — Joshua rosna em resposta.
— JC, Joshua, Jesus... No final dá no mesmo — Mark
desdenha.
O armazém treme, todo mundo grita e aplaude. Esse pessoal
gosta de sangue.
Desço do ringue e Kane me acompanha.
— Você é louco? — pergunta.
— Por quê? — respondo com desdém. — O cara não aguentou,
desmaiou e agora tá pedindo revanche. Apenas outra surra que
posso dar nele.
— Não sei qual dos dois é mais sádico. Seu olho tá ferrado.
É eu sei, não vi ainda. Mas sinto as pontadas em volta dele,
sinto o sangue ficar mais quente ao redor.
Indo de volta ao vestiário, Kane chama minha atenção,
apontando para a esquerda.
— Aquele não é o Drew Jones, quarterback reserva do time?
Olho na direção que ele mostra, Drew está com as mãos em
volta da cintura de uma ruiva, que está de costas.
— Parece que sim — respondo.
— Aquela é a Sadie, não a garota com quem ele namora.
Realmente não é, mas quem liga?
Dou de ombros em resposta. Adentrando no vestiário, passo
direto para o banheiro.
— Vamos para a festa agora? — Kane pergunta.
— Sim, só preciso de um banho antes.
Finalmente vejo minha situação no espelho. O lábio inferior
cortado está escorrendo sangue, isso explica o gosto de ferro na
minha língua, mas o que me assusta mesmo é o meu olho, ele
realmente está feio. O sangue preso em sua volta está
escurecendo, adotando uma cor entre marsala e roxo. Minha
sobrancelha está cortada, assim como a de Kane e o sangue
escorre pelo rosto.
Se Mark me achava bonito, agora, com certeza, não acha mais.
Termino de tomar meu banho limpando o sangue que salpicou
por todo o meu corpo, e após me enxugar visto minha roupa: calça,
camiseta branca e uma jaqueta por cima.
Me encontro com Kane do lado de fora do vestiário. Antes de ir
embora, passamos no escritório improvisado do Mark, ele faz o
pagamento das apostas a nós dois, e depois seguimos para a festa
na fraternidade onde a maioria dos nossos colegas de time mora.
A rua da casa está lotada de carros, por isso demoro para achar
uma vaga. Quando finalmente entramos na casa em estilo vitoriano,
já passava das onze da noite. Somos recepcionados por um Elliot
sorridente que carrega uma garrafa de Jack Daniels na mão.
— Meus amigos chegaram — diz eufórico, abrindo os braços.
Em seguida entorna o gargalo da bebida sobre sua boca, e depois
estende para mim, que imediatamente dispenso.
— Não bebo whisky — o informo.
Elliot solta um grande arroto, mas cobre a boca com a mão.
— Lá nos fundos tem outras bebidas, vamos lá — ele chama
abrindo espaço. — A casa é de vocês, bebês.
Em seguida, uma morena passa por nós três. Elliot entorta a
cabeça olhando para a bunda da garota, em seguida a puxa pela
mão, e quando ela se vira para ele, em questão de segundos os
dois começam a se beijar loucamente.
— Eu jurava que esse cara era o celibatário — Kane sussurra
para mim.
— E eu sou. — Obviamente Elliot escutou, porque respondeu.
— Eu não transo há mais de dois anos, mas isso não me impede de
beijar uma garota bonita, certo?! — diz ele sorrindo para garota, em
seguida ele beija o dorso da mão dela. — Me liga!
Então Elliot se afasta da morena, e nós três vamos em direção
aos fundos da casa, em busca das bebidas.
A casa está lotada de universitários, um rock extremamente alto
reverbera por todo o ambiente. Passamos por um grupo de amigos
que jogam beer pong, e ao lado outro grupo parece fazer o jogo de
verdade ou consequência, ou eu diria apenas consequência?!
Quase todos eles estão nus e agora, um cara tira a sua calça
ficando apenas com uma samba canção.
Quando finalmente chegamos ao local que Elliot disse, a
primeira pessoa que vejo é Heaven, e ela está... linda,
simplesmente linda!
Seus cabelos castanhos estão soltos, porém no topo há um
arco que joga os fios para trás. Ela veste um top vermelho, em
formato de coração que dá realce aos seus seios médios, e um
shorts preto de cintura alta, deixando assim uma parte de sua
cintura curvada exposta. Tenho pouco tempo para prestar atenção
na sua aparência antes que ela direcione uma pergunta, que faz os
meus nervos ferverem, ao Elliot.
— Vou te perguntar pela última vez, onde está o Drew porra? —
ela esbraveja contra Elliot.
Ele apenas levanta as mãos para o alto e solta uma risada, que
se torna breve quando vê a feição de raiva que adorna o rosto de
Heaven.
— Eu não sei, já te disse. Ele apenas saiu e não disse para
onde.
Eu deveria me meter e dizer que o vi no armazém há pouco
tempo com outra garota?
Se fôssemos amigos, isso seria o certo a se fazer, mas como
não somos, prefiro manter-me calado. Heaven solta uma lufada de
ar, e em seguida dá as costas saindo de perto de nós pisando duro.
Me aproximo da mesa de bebidas e me sirvo de uma cerveja, já
Kane opta por beber duas doses de tequila, e Elliot faz careta para
ele.
— Isso é bebida de mulher — Elliot diz.
— E você é um machista — Kane responde simplesmente, eu
apenas rio da situação.
Segundos depois, Grey se aproxima de nós, ao lado de uma
garota alta e loira.
— Finalmente vocês chegaram — ele fala. — Por que
demoraram tanto?
Então ele olha para meu rosto e o de Kane abrindo a boca.
— Porra, vocês se meteram em uma briga?
— Está mais para uma luta — respondo.
— Estávamos no armazém — Kane explica.
— Eu sou doido para lutar lá — Grey informa. — Mas nenhum
dos meus amigos me apoiam.
— Claro — Elliot responde —, você bate igualzinho uma garota.
— Cara, para de ser machista — Kane repreende, e Elliot solta
outro arroto. — E de ser nojento também.
— Desculpa, não falei por mal. Meus pais erraram um pouco na
minha educação, às vezes essas coisas acabam saindo da minha
boca — explica.
— O quê? Um monte de merda? — Kane retruca.
Pelo visto essa discussão dos dois vai demorar bastante. Olho
para os lados e avisto Allison, ela sorri acenando para mim, faço o
mesmo e em seguida vou até onde ela está.
A loira baixinha veste uma calça rosa e uma camisa de algodão
branca, ela está realmente adorável com essa roupa.
— Você chegou um pouco tarde, não acha? — ela diz.
— É... estive um pouco ocupado — digo apontando para o meu
rosto.
Mas ela não nota, apenas olha para algo além de mim. Levo
meus olhos para onde ela encara tão enfurecidamente, e noto que
na realidade, ela olha para onde eu estava há pouco tempo. Quando
volto meus olhos para Allison, simplesmente sou pego de surpresa,
ela põe as mãos em meu rosto, e em seguida me beija. Eu nem
mesmo tenho tempo de fechar meus olhos ou de entender o que
está acontecendo.
Um estudante passa ao nosso lado e diz:
— Arrumem um quarto.
Allison para de me beijar e responde:
— Boa ideia.
Então ela simplesmente pega minha mão, e lidera o caminho
até as escadas da casa. Quando estamos no andar de cima, eu
tento perguntar a ela o que está acontecendo, mas acredito que ela
não me ouve devido ao alto volume da música. Ela abre a porta do
terceiro quarto à direita, e entra nele.
Após fechar a porta ela me beija novamente, seu beijo é tão
desesperado que parece até mesmo ser inexperiente no assunto.
Allison passa as mãos por meus braços, me livrando da minha
camiseta. Consigo separar os nossos rostos, suficientemente, para
perguntar:
— O que está acontecendo, Allison?
— A gente vai transar — ela simplesmente responde.
Então ela me puxa até a cama, e em seguida leva suas mãos
até minha calça, a abrindo. Uma vez que se livra dos botões e do
fecho, ela desce minha calça juntamente com a cueca.
Eu fito as írises esverdeadas de seus olhos, enquanto ela olha
para o meu membro admirada, ou devo dizer, espantada? Pela
forma como a loira à minha frente age, parece que ela nunca
passou por isso antes.
— Allison — a chamo, e imediatamente seus olhos vêm de
encontro aos meus. — Você é virgem? — Não romantizo, vou direto
ao ponto.
Noto o momento em que sua pele clara fica pálida, menos suas
bochechas, que juntam uma quantidade extrema de sangue,
deixando-as ruborizadas. Seus olhos fecham-se lentamente, ao
mesmo tempo em que ela assente com a cabeça, confirmando toda
a minha suspeita. Saio de cima dela, e subo minhas calças.
— O que está fazendo?
Sento-me ao seu lado na cama, e passo uma mecha do cabelo
platinado para trás de sua orelha.
— Você parece ser uma garota muito legal, por isso você não
merece perder sua virgindade de qualquer forma, ainda mais com
um desconhecido.
Ela solta uma lufada de ar me olhando consternada, antes de
pôr suas mãos sobre o rosto.
— Eu sou ridícula, não sou?! Quem com dezoito anos e na
faculdade ainda é virgem?
— Muitas pessoas — respondo. — E não Allison, você não é
ridícula, você apenas merece um momento único, que seja com
alguém especial, e não com uma pessoa que conhece há apenas
cinco dias.
— Então você não está me dispensando por eu ser feia ou
desagradável? — Sua voz carrega tanta insegurança quanto todas
as expressões que seu corpo emana.
Eu sorrio para ela, balançando a cabeça em negativa.
— Acredite quando eu digo que você é uma das garotas mais
lindas que já vi na minha vida. — E é verdade, ela é linda. Só
parece não confiar tanto assim em si mesma.
— Você também parece ser um cara muito legal, Axel. Agora eu
entendo por que durante todos esses anos a Heaven sentiu tanto a
sua falta — Allison divaga enquanto coloca a cabeça sobre meu
ombro.
No instante que ouço o nome de Heaven sair de sua boca,
juntamente com o restante da sua frase, uma pontada invade meu
coração. Durante todos esses anos eu também senti falta da
Heaven, eu esperava que ela também tivesse sentido a minha, mas
tudo se tornou pura descrença quando a vi aos beijos com Drew. E
por mais que eu queira acreditar que existem inúmeros motivos para
ela ter se aproximado tanto assim dele, ao ponto de tornarem-se
namorados, nada consegue aliviar a dor da traição que ela me
causou ao ter ficado com ele há cinco anos, ou ter continuado com
ele ainda hoje, como se eu nunca tivesse tido importância para ela.
Como se a promessa que fizemos, três meses antes de eu ter
ido embora, não valesse de nada.
Eu apostei tanto em nós dois, mas no final das contas, as
únicas apostas ganhas por mim, foram feitas em cima de um ringue
de luta clandestino.
Chegamos aqui da maneira mais difícil
Todas aquelas palavras que trocamos
É de se admirar que as coisas quebrem?
ATLANTIS | SEAFRET

Já é quase meia-noite. Eu cheguei nessa maldita festa às nove


horas, o Drew ficou comigo por dois minutos, então recebeu uma
ligação e depois disso eu não o vi mais.
Eu não faço a mínima ideia de onde ele esteja, muito menos os
seus amigos. Vou até o bar improvisado que foi posto nos fundos da
sala principal da fraternidade, que na verdade é uma mansão. Cerca
de quinze jogadores moram nela, e centenas de universitários estão
aqui no momento. O jardim está lotado de gente bêbada, os fundos
da casa nem se fala, e por incrível que pareça o lugar mais tranquilo
da casa, é justamente onde as bebidas estão.
Me sirvo com um pouco de vodka e refrigerante de limão, e em
seguida me sento em um sofá próximo. Wes disse que ia ver a luta
no armazém e depois viria para cá, Sadie nem mesmo pisou aqui
ainda e Allison sumiu.
Quer dizer... não sumiu, porque ela acaba de sentar ao meu
lado.
— Onde você estava? — pergunto.
— Tendo uma crise existencial. — Olho para ela com o cenho
franzido, sem entender o que ela quis dizer. — Você viu a garota
que o Grey está ficando?
— Não, não vi. — Tomo um gole da minha bebida — É feia?
Allison solta uma risada blasé, e em seguida passa as mãos
nos cabelos a fim de alinhar os fios que estão fora de ordem.
— Ela é simplesmente minha cara — diz incrédula. — Quer
dizer, ela é só um pouco mais alta do que eu, e seus cabelos mais
curtos, mas somos muito parecidas. E ele simplesmente a notou, e
eu não?! Isso é tão... Argh! — Solta uma lufada de ar, com raiva.
— Allie — a chamo —, nós já conversamos sobre isso. Talvez o
Grey te veja como uma irmã simplesmente.
— Mas nós não somos irmãos — esbraveja.
— Eu sei que não são, mas seus pais são casados. A mãe dele
é sua madrasta, vocês vivem na mesma casa, ele praticamente
estava lá quando você “virou moça”. — Faço aspas com as mãos.
— Isso tudo é tão injusto, eu gosto dele desde os meus doze
anos, e ele nunca nem me olhou. Nossos pais nunca deveriam ter
se casado — diz pegando minha bebida e tomando um gole. —
Retiro o que eu disse, os dois são felizes juntos.
— Você precisa partir para outra — digo.
Me arrependo da minha fala no momento em que ela me
responde:
— Eu acabei de ficar com o Axel.
Meus olhos ameaçam pular para fora do meu rosto a qualquer
momento, minha boca fica seca em surpresa, e um suor fino desce
por minha coluna.
— Você-cê... ficou com o Ax...Axel?
— Foi estúpido, eu sei. Quando vi o Grey com outra, eu
simplesmente beijei o Axel porque ele estava na minha frente. —
Ela toma outro gole da minha bebida. — Então, por um milésimo de
segundo pensei, “por que não perder minha virgindade agora?!”.
Agora estou ainda mais em choque com essa informação.
— Você não é mais virgem? — pergunto atônita.
Não sei ao certo o porquê, mas sua confissão fez com que meu
estômago se revirasse, então forço um sorriso acompanhado da
minha pergunta. Allison não se relaciona com ninguém. Eu amo
muito minha melhor amiga, ela é uma menina bonita, carismática e
inteligente, mas durante anos ela deixou de se relacionar com os
meninos, devido a sua paixão não correspondida por Grey. No
entanto, saber que ela se relacionou com Axel, me deixou enjoada.
— Meu hímen está mais colado do que nunca — solta uma
risada triste. — O Axel simplesmente notou a minha inexperiência, e
não fomos em frente com o que ia acontecer.
Solto um suspiro quase que de alívio por isso, mas porque
diabos eu estou reagindo dessa forma?
— Mas se você não fosse virgem, vocês iriam transar?
Ao imaginar os dois juntos, um gosto amargo toma conta da
minha boca, a veia da minha têmpora salta, sinto um enjoo e tenho
vontade de vomitar. Eu não entendo o porquê de eu estar reagindo
dessa forma, mas meu corpo esquenta, como se eu estivesse sendo
possuída por uma raiva repentina.
Allison dá de ombros em resposta, tomando outro gole da
minha bebida. Ela quase nunca bebe, e já está no seu terceiro gole.
— Vai com calma, Allison — repreendo-a.
Ela aponta o dedo para mim.
— O Axel é um cara legal, Heaven. Muito legal mesmo.
— O que você quer dizer com isso?
— Eu fiz uma burrada em tê-lo beijado e partido para cima dele,
e mesmo eu estando com muita vergonha ele foi legal comigo. Não
entendo o motivo de vocês se estranharem hoje em dia.
— Eu também não — murmuro.
— O que você disse?
— Preciso ir ao banheiro — digo enquanto me levanto.
Saio do sofá avisando à Allie que estou apertada. Preciso
urgentemente me acalmar, tirar esses pensamentos da minha
cabeça.
Por que diabos eu tenho que sentir qualquer coisa ao pensar
em Axel vivendo sua vida? O certo seria eu ter completa indiferença
por ele, ou por qualquer coisa sobre ele. Afinal, não temos nada,
não o conheço mais, e eu tenho namorado, a única pessoa que eu
devo me preocupar se está com outra ou não, e eu sei que não
está.
A irritação que sinto some no momento em que cruzo as portas
que dão acesso ao quintal da casa, e dou de cara com Axel. A fúria
foi embora, sendo substituída por algo muito pior quando se trata
dele: preocupação.
— O que aconteceu com seu rosto? — pergunto imediatamente.
Seu lábio está com um corte no canto, o olho esquerdo está
horrível... inchado, com uma mancha de sangue no canto do seu
globo ocular, a pele ao redor adquiriu um tom tão roxo, que é quase
preto.
Seguro seu rosto ao me aproximar e quando ameaço passar o
polegar por seu lábio, ele segura minha mão.
— O que é isso? — pergunta ele, sério.
— Seu rosto está todo machucado — eu respondo, engolindo
em seco.
— Eu sei — ele diz. — Mas porque você tá tocando em mim?
Me afasto dele, dando dois passos para trás.
— Você não cansa de ser idiota?
— E você não cansa de ser metida?
Reviro os olhos.
— Touché — sibilo.
Não espero Axel responder. Estou pronta para desviar do seu
caminho, e ir tomar o ar que eu tanto preciso, mas paro assim que
ouço as três palmas soarem atrás de mim seguidas da voz do meu
namorado.
— Axel Drake Davenport — Drew murmura, o que me faz virar
em sua direção, instantaneamente. — Então quer dizer que você
está de volta?
— O que você quer, Drew? — Axel sibila.
Drew abre um sorriso de canto na sua boca, porém seus olhos
estão nublados.
— Eu?! — diz ironicamente. — Nada, só achei engraçado que
mesmo nós dois fazendo parte do mesmo time, você não fez
questão de falar comigo. Eu meio que me senti ofendido com isso,
mas o que mais me chateou nos últimos dias foi ver que você
continua tomando a minha vaga no estacionamento.
Axel solta um riso debochado.
— Sua vaga?
— Sim, minha vaga.
— E onde está o documento?
— Documento de quê? — Drew pergunta confuso.
— Que alega que você é dono dela, onde está?
Drew aproxima-se de Axel, e os dois travam uma guerra de
olhares.
— Você pode até ter emagrecido, mas nunca deixará de ser um
nojento, Davenport.
E chega a hora que devo interferir, me aproximo de Drew
pegando em seu braço com leveza.
— Para com isso, Drew. — Ele me olha de relance e consigo
ver claramente a sua íris castanha ficando cada vez mais fina, então
simplesmente o solto.
— Onde está a Sadie? — Axel pergunta.
Por que ele está perguntando sobre a Sadie?! Drew morde a
parte interna de sua bochecha, e em seguida solta um grande
suspiro.
— Como eu disse, nunca deixará de ser um nojento.
Dito isso, ele se aproxima de mim e pega minha mão, me
levando junto consigo para dentro da casa. Por cima do ombro
escuto Axel dizer:
— Você não respondeu minha pergunta, Jones.
Que merda foi essa que acabou de acontecer?
Essa noite está ficando cada vez mais estranha. Primeiro o
Drew some, passa horas sem dar notícias; depois minha amiga fica
com meu ex melhor amigo, que está com a cara toda destruída,
parecendo que se meteu em uma briga, e pela forma como ele e
Drew travaram seus olhares há segundos eu poderia arriscar que
algo aconteceu entre os dois, mas visto que foi a primeira vez que
se encontraram, simplesmente descarto essa hipótese.
Mas o mais estranho de tudo, foi o Axel provocar o Drew,
questionando sobre a Sadie.
Drew me leva até o andar de cima, seguindo direto para o seu
quarto. Quando entramos nele, ele tranca a porta e me olha
diretamente nos olhos.
— Não vai me dizer o que vocês dois estavam fazendo
sozinhos do lado de fora?
Coloco minhas mãos no seu peito, e o empurro.
— E você não vai me dizer o que está acontecendo com a
Sadie?
Lembro da forma como os dois se olharam na quinta durante o
almoço, depois a ligação que Drew rejeitara, seguida da mentira
dela em dizer que estava na biblioteca, quando mais tarde eu
descobri que passou o dia inteiro fechada.
Desconfiança assola minha mente, mas sou completamente
ignorada.
— Heaven... — Drew rosna. — Por favor, só, por favor, não
mente para mim.
— Eu não estou mentindo, porra — esbravejo, revoltada com
sua desconfiança. — Que merda, Drew. A gente já se resolveu
sobre isso, e você continua não confiando em mim, quando na
verdade quem parece ter motivos para não confiar em alguém aqui,
sou eu. Onde você estava esse tempo todo? Estava com a Sadie?
— Eu não sei onde a Sadie está. — Ele parece convicto. — E
eu apenas fui resolver uma coisa que o capitão do time pediu.
— Você tem certeza que não sabe, Drew? — desafio.
— Você está sendo paranoica, Heaven — Drew grita apontando
o dedo para mim.
— Ótimo! — Bufo uma risada. — Eu sou paranoica?! Eu? Eu
não tenho te escondido nada, enquanto você tem agido estranho
ultimamente.
— Sabe o que é estranho, Heaven? — ele diz se aproximando
de mim novamente. — Quando chego aqui não te encontro e,
olhando em volta, a única pessoa que não encontro também é ele.
— Sua mão vem para o meu pescoço, e seu dedo acaricia a minha
garganta. Sinto meu pulso acelerar, temendo seu próximo
movimento. — E simplesmente, como um passe de mágica,
encontro os dois juntos.
O discurso de Drew é calmo, ele não vacila nem grita, apenas
continua falando enquanto toca minha pele de forma suave, mas
dominadora.
— Assim que passei pela porta, cruzei com ele — explico, o que
não deixa de ser verdade. — Apenas isso.
Drew encosta sua testa na minha e respira fundo, soltando um
suspiro pesado.
— Você tem certeza?
— Sim, Andrew. Eu tenho certeza.
Seus lábios encostam nos meus, e ele me prende contra a
parede me beijando ferozmente, com força. Sua língua é áspera,
seu corpo contra o meu é duro como uma rocha, o que faz com que
minha respiração vacile, não de tesão ou submissão, apenas de
receio.
A mão que antes acariciava minha garganta, agora a envolve,
apertando-a. Não machucando, mas com força o suficiente para me
incomodar.
— Você é minha, Heaven — Drew murmura entre o beijo. — Só
minha!
Aproveito a chance e tento afastá-lo, pois o seu aperto está
ficando cada vez mais forte, e incomodando mais a cada segundo
que passa.
— Drew — sussurro com sua boca ainda sobre a minha, e ele
geme. — Drew — repito mais alto. — Sua mão. — Quase grito
agora. — Está me machucando.
Ele imediatamente me solta, mas ainda me deixa presa entre
seu corpo e a parede. Ele me fita, seus olhos estão pesados, então
apenas respira fundo e não diz nada enquanto se afasta. Ele vai
andando de costas, até chegar do outro lado do quarto onde ele
soca a porta e eu dou um pulo em surpresa.
— Merda — murmura. E em seguida, deixa o quarto batendo a
porta.
Certo, isso foi estranho!
Em menos de uma semana, essa é a segunda vez que Drew
tem um ataque de ciúmes. Diferente da primeira vez, ele não gritou
nem demonstrou raiva, em vez disso ele me beijou.
Me beijou como se necessitasse daquilo para respirar, foi
desesperador. Mesmo não demonstrando ira, eu senti medo da sua
reação e do seu toque. Durante todo o tempo ele me manteve presa
a ele, como se eu pudesse fugir de seu abraço. Murmurou dizendo
que eu era dele, sua voz foi grossa e fria, quase como se não
tivesse sentimento algum.
Apenas com essa lembrança de minutos atrás um arrepio corre
por minha coluna, e a sensação que eu sinto não é nada boa.
Vou até o banheiro que fica no quarto do Drew, abro a torneira
da pia, pego um pouco de água fazendo uma concha com a mão, e
assim que aproximo as mãos do meu rosto, me olho no espelho.
Me assusto com a imagem que vejo, dando um pulo para trás.
Prendo meus cabelos em um coque no alto da cabeça, e reparo
o meu reflexo no espelho mais uma vez, passando os dedos pelo
meu pescoço. Está vermelho. Tipo, muito vermelho, como meu
braço ficou há alguns dias. Eu não percebi a força com que ele
segurava a minha garganta, eu estava incomodada, minha
respiração falhou por alguns segundos, entretanto a única coisa em
que eu pensava era no que estava passando na cabeça dele
enquanto ele me beijava, nem cheguei a notar que ele estava me
enforcando enquanto isso.
Agora parando para avaliar o momento de minutos atrás, era
isso mesmo que ele estava fazendo, era esse o meu incômodo, a
falta de ar... Drew estava com a mão no meu pescoço, ele
acariciava minha garganta e eu estava desconfortável com seu
toque, mas estava tão preocupada com seus próximos movimentos,
que nem mesmo notei que ele já estava me machucando.
De novo.
Minha visão fica turva, e uma lágrima escorre pela minha
bochecha.
Meus sentimentos estão uma confusão só, eu tento assimilar
todos os meus pensamentos, mas não consigo, a dor ardente da
minha pele não se compara à dor que eu sinto queimar por dentro.
Eu sempre fui uma pessoa tão forte, tão ciente de tudo o que faço,
digo e penso, e agora me sinto como um nada.
Quando isso aconteceu?
Quando isso começou?
Por que começou?
Por que a pessoa que diz me amar, está me machucando?
Eu não consigo responder as tantas perguntas que surgem de
uma vez só na minha cabeça, eu não consigo enxergar quando
esses ciúmes começaram, ou quando eu comecei a aceitar a forma
como ele fala comigo ou encosta em mim.
“— Você está linda, amor. — Drew me beija assim que eu desço
as escadas. — Mas você não acha que sua blusa tá muito aberta?
— ele pergunta fitando o meu busto.
Hoje é o aniversário do Wes, e vai haver uma festa na casa
dele. Eu decidi vestir uma calça jeans wide leg e um cropped com
amarração na frente, que ressalta meus seios, Drew deve estar
falando disso. Olho para baixo, analisando minha roupa outra vez, e
dou de ombros.
— Não acho nada demais — respondo a ele.
— Hummm — Drew murmura, e eu dou um beijo em sua
bochecha.
Nos despedimos do meu pai, que está na sala de TV assistindo
ao jornal, e vamos direto para a casa de Wes, que fica há dez
minutos da minha.
Em todo o caminho Drew permanece calado, apenas batendo
com os dedos no volante. Quando estamos a duas quadras da casa
do Wes ele pisa no freio abruptamente, fazendo com que meu corpo
impulsione para frente.
— Que merda foi essa? — pergunto a ele, assustada.
Drew me fuzila com olhos.
— Não dá, Heaven — diz ele calmamente.
— Contexto, por favor — peço, atônita a situação.
— Essa sua roupa simplesmente não dá, está muito exposta.
Eu rio, incrédula com sua fala.
— Fala sério, amor. É só uma calça e uma blusa.
— A calça tá tudo bem, beleza — diz ele. — Mas essa blusa
está ridícula. — Ele cospe as palavras e eu fico boquiaberta, mas
ele continua. — Acho melhor a gente voltar e você trocar de roupa.
— Eu não vou me trocar, Drew — digo a ele em um tom de
aviso.
Ele respira fundo, inclinando a cabeça para trás.
— Então tudo bem, nós não vamos a lugar nenhum —
responde.
— Como é? — Rio de escárnio.
Ele gira a chave na ignição, dando partida no carro. Não me
responde, apenas entra na próxima rua, fazendo a volta e indo em
direção à minha casa novamente.
— Você está falando sério, Drew? — pergunto, mas ele
permanece calado, apenas dirigindo. — Para o carro — peço, mas
ele se faz de surdo. — Para a merda do carro, Andrew — grito.
Mas ele não para, o que me faz abrir a porta do passageiro,
mesmo com o carro em movimento. Dessa vez, ele finalmente fala.
— Você está louca? — grita.
— O único louco aqui é você. — Aponto. — Para o carro, ou eu
desço com ele em movimento.
E assim ele faz. Quando para o carro no meio fio, eu desço e
Drew não diz nada. Quando estou do lado de fora, ele acelera e vai
embora.
Pego meu celular e chamo um uber.
Olho mais uma vez para minha roupa, e talvez o Drew tenha
razão, minha roupa está muito exposta, ela mostra uma quantidade
absurda de pele. Quando o motorista para o carro à minha frente,
automaticamente levo meus braços até o meu abdômen, para me
cobrir.”
Saio correndo do banheiro, indo em direção às escadas. As
lágrimas transbordam nos meus olhos, afetando minha visão, tudo à
minha frente está embaçado. Contudo, a única coisa que eu quero
agora é correr, ou melhor, fugir.
Escapar dos pensamentos que me assombram, das memórias
que trazem clareza. A primeira vez que ele não gostou de uma
roupa que eu vestia, aconteceu há mais de um ano.
Depois da nossa discussão, eu fui ao aniversário do Wes.
Algumas horas depois ele apareceu lá, me pediu desculpas e nos
beijamos, ele disse que estava errado enquanto eu apenas disse
que na realidade ele poderia ter tido razão. Hoje eu enxergo que
não, ele não tinha razão alguma naquilo, mas mesmo assim,
naquela noite, ele insistiu que tinha exagerado e me disse que
nunca mais ia acontecer, mas então dois meses se passaram e
fomos à praia. Ele me convenceu que eu ficaria melhor de maiô do
que de biquíni, eu não concordei, nem Allie ou mesmo a Sadie. Vesti
o maiô mesmo assim, depois dele me incentivar dizendo que eu
ganharia mais curvas, mesmo me sentindo ridícula nele.
No verão passado, iluminei alguns fios do meu cabelo. Ele disse
que estava lindo, e que nunca tinha feito amor com uma loira, após
uma semana, me disse que preferia meu cabelo castanho, que eu
estava estranha com as mechas loiras. Minha mãe disse que
realçavam meus olhos, mas eu tingi os fios para a cor natural
novamente.
Deus!
Como eu nunca enxerguei isso antes?!
Passo pela sala que está lotada de gente, vejo Elliot aos
amassos com duas garotas, e com uma garrafa de Jack Daniels na
mão. A tomo dele e entorno o gargalo na minha boca.
Quando saio de casa, sinto meu rosto encharcado de lágrimas,
o céu que uma hora atrás estava brilhante, agora está nublado. Um
trovão soa, e de repente sinto algumas gotas me molharem.
Ótimo, está chovendo. Tomo mais dois goles da bebida
alcoólica com gosto de canela saliente.
Em seguida, a jogo na calçada e corro. Eu não sei para onde
vou, eu não quero ter que encontrar ninguém, eu não quero me ver
no espelho, eu não quero estar dentro do meu corpo, porque tudo
isso é torturante para mim.
Paro de correr assim que a água que cai do céu torna-se mais
forte a cada passo que dou. Agora não é só meu rosto que está
molhado, eu estou ensopada.
Escuto uma buzina logo atrás de mim, e assim que me viro, vejo
a Mercedes preta. Ele encosta no meio-fio ao meu lado e abre a
porta.
— Entra! — a voz de Axel ecoa.
Eu olho para dentro do carro, ele está molhado também, mas
não como eu. A confusão toma conta do meu rosto.
Por que diabos Axel está aqui, e o pior, me oferecendo ajuda?
E se você tivesse tudo
Mas ninguém para ligar?
Talvez então, você me conheceria
LONELY | JUSTIN BIEBER

— O que deu em você para sair correndo à noite, e sozinha? —


Axel pergunta em tom zombeteiro.
— O que deu em você para se preocupar comigo? — ironizo
enquanto passo o cinto de segurança sobre meu peito.
— Tem razão — responde Axel. — E eu realmente não deveria
me preocupar com você.
— Então por que fez questão de que eu entrasse no carro? —
Fito ele.
Ele para o carro.
— Não seja por isso — Aperta o botão do painel para destravar
as portas. — Pode sair.
Eu abro a boca, chocada com sua cara de pau. Tiro o cinto de
segurança, que acabei de pôr, coloco a mão na maçaneta, pronta
para abrir a porta do carro, mas desisto. Me sento de lado e encaro
Axel que está olhando fixamente para frente, mas sei que pelo canto
do olho ele tem sua atenção nos meus movimentos.
Bom, seu rosto mostra que ele andou brigando, e se ele gosta
de briga, então vamos lá. Estou precisando mesmo extravasar meus
sentimentos.
Fecho minha mão em punho e dou um soco em sua bochecha,
mas seu rosto quase não sai do lugar.
Ele se vira para mim com os olhos arregalados em surpresa,
imagino que pela minha reação. Não deixo que ele faça qualquer
movimento ou fale qualquer coisa, somente começo a socá-lo,
incansavelmente. Não sei nem se estou fazendo certo, apenas
fecho minhas mãos em punho e dou murros, repetidamente, em seu
peito e abdômen. Não ouso olhar em seus olhos, apenas concentro
meus socos em sua barriga.
Passam-se alguns segundos, e eu finalmente paro. Não porque
eu quis, mas porque ele segura meus pulsos, não com força,
apenas de maneira firme.
— Me solta — grito, e ele faz.
Abro as palmas das mãos e empurro seu peito. Solto um
suspiro pesado e alto me virando novamente para frente, cruzando
os braços em frente ao peito.
Depois do meu pequeno surto, o carro fica em silêncio. Eu não
falo nada, apenas escuto os pingos de chuva caírem sobre a lataria,
e o ranger dos limpadores de vidro arrastando a água do para-brisa.
— Que merda foi essa? — Axel pergunta, parecendo em
choque.
— Você é um idiota. E, talvez, quem sabe, alguns machucados
façam você parar de ser tão estúpido — respondo secamente, e ele
ri.
Sim, ele ri. Não uma risada qualquer, uma gargalhada. Ele está
achando essa situação uma comédia.
O som da sua risada ainda é a mesma, o que me faz sorrir
momentaneamente ao lembrar do nosso passado juntos. Mas ele
logo para, e eu fico séria, não quero que ele saiba que eu me senti
bem ao ouvi-lo rir.
Axel respira, tentando recobrar o fôlego, e indaga:
— Me machucar, hein?!
— Sim — respondo.
Ele ri novamente, mas é uma risada breve.
— Uma galinha tem um soco mais forte que você — Axel fala
em meio a uma risada.
— Vai à merda! — respondo revirando os olhos.
— Tudo bem, coloca o cinto.
Ele aperta o botão no painel novamente, trancando as portas,
eu passo o cinto de novo, e ele volta o carro para a pista.
— Para onde você está me levando? — pergunto quando vejo
que ele está pegando a rua em direção a outro bairro.
— Um local seco o suficiente — ele responde apenas, olhando
para as minhas roupas encharcadas.
Axel me conhece bem o suficiente para saber que eu gripo com
facilidade, talvez ele tenha lembrado. Eu só aceito a sua carona,
mesmo não nos conhecendo mais como antes, sinto um fiozinho de
esperança que eu ainda posso confiar nele.
Observo o display do som do carro, não está tocando nenhuma
música, mas a pasta selecionada tem o nome de Anya.
Anya...
Uma mulher.
Porque eu estou me preocupando com isso agora? Meus
sentimentos hoje decidiram brincar comigo, me fazendo de trouxa.
Sim, trouxa! Eu senti raiva da minha amiga por ter ficado com ele, e
agora fúria emana por meu corpo, apenas por ter visualizado o
nome de uma garota no display do som dele.
Eu deveria estar me incomodando apenas com o fato do meu
namorado ter me machucado pela segunda vez em um prazo de
cinco dias, mas não. Todos os meus pensamentos são dominados
por Axel ficando com outra garota, por Axel beijando Allison, mesmo
ela me confessando que quem começou foi ela e ele a afastou.
Tudo isso me deixa em conflito.
Talvez esse conflito seja porque todos os meus sentimentos
estão alterados no momento, ou apenas pelo fato de que a primeira
pessoa que eu confiei na minha vida, além dos meus pais, foi Axel.
Por tanto tempo fomos leais um ao outro, eu o amei, eu o amei
muito mais do que um amigo possa amar o outro, eu o amei como
se ele fosse parte de mim, e talvez apenas pelo fato de estar ao
lado dele uma outra vez, eu me sinta confortável o suficiente para
esquecer todo o drama em que a minha vida se transformou.
Tanto é que eu consigo me imaginar no lugar de Allie quando
penso neles dois juntos. Os cabelos loiros de Allison tornam-se
castanhos, ela fita o espelho e os olhos verdes agora são azuis. O
rosto refletido não é mais o de Allie, é o meu.
Um arrepio corre por minha coluna, sinto meu rosto esquentar, e
pingos de suor descerem em minhas costas. Perfeito! Acabei de ter
pensamentos sórdidos com o cara que está ao meu lado. Está bem,
não tão sórdidos assim, afinal, eu não seria capaz de ficar com ele,
e ele com certeza, pelos olhares de desprezo que me lança,
obviamente preferiria dormir em uma cama de pregos.
Axel estaciona o carro em frente a um prédio de cerca de seis
andares próximo ao polo universitário. Ele sai do carro e eu o
acompanho até a entrada do prédio, que por sua vez não possui
elevador, então subimos cinco lances de escadas chegando ao
quinto andar, onde Axel se dirige até o apartamento 58 e abre a
porta.
Entro no apartamento logo após Axel. Ele deixa as chaves em
cima de um aparador, e segue para a sala de estar, mas eu
permaneço parada no vestíbulo, ao contrário dele, eu continuo
ensopada. Minhas roupas estão molhadas e meu cabelo está
pingando. Quando ele finalmente percebe que eu continuo no
mesmo lugar, volta.
— Minhas roupas estão molhadas — falo antes de ele dizer
qualquer coisa. — Não quero molhar o carpete.
— Ah, certo. Tudo bem. O banheiro fica ali. — Aponta para uma
porta à esquerda. — Pode ir lá, vou ver se consigo alguma coisa
para você vestir.
Ele vira, entrando em um corredor, e eu sigo para o banheiro
que ele indicou. Assim que entro e olho minha aparência no
espelho, eu me sinto ridícula! Não, sério. Minha situação é triste, de
verdade. O rímel que passei essa noite está escorrendo por todo o
meu rosto, eu sabia que deveria ter maneirado nas camadas que
passei mais cedo, agora o desastre está explícito na minha cara,
estou parecendo um panda.
Quando amarro o cabelo em um coque no topo da cabeça, vejo
o estrago que Drew deixou no meu pescoço. As manchas rosadas
agora já estão ficando em um tom vermelho escuro, o choque que
sinto com meu reflexo é substituído pela tristeza.
Lágrimas brotam nos meus olhos, e deixo que elas desçam, o
estrago da minha maquiagem já está feito mesmo. Se tudo que
estivesse arruinado para mim, fosse apenas minha aparência, eu
poderia me sentir satisfeita, ou até mesmo feliz. Porém a dor que
toma conta de mim, o aperto no peito, e a vontade de gritar e sair
correndo, voltaram no instante em que vi meu reflexo transmitir a
catástrofe que tem sido minha vida há meses. Eu não notei o quão
dominada eu fui por ele, foi preciso ele deixar marcas na minha pele
para que eu pudesse perceber, e entendesse que tudo começou a
dar errado no momento em que eu me permiti aceitar suas
exigências, gritos e o mau-humor disfarçados de boas intenções.
Nesse momento, eu tomo uma decisão de extrema importância
para mim, o caminho que minha vida deve trilhar. E o melhor será
me afastar, terminar tudo. Não importa se foi com Drew meu
primeiro beijo, mesmo que naquela época eu não gostasse dele,
não importa também se foi com ele que perdi minha virgindade, ou
que ele foi o único cara que eu disse amar. Porque no final das
contas, mesmo ele me machucando, física e mentalmente, eu não
posso negar que eu fui, e ainda posso ser apaixonada por ele. Mas
afinal, onde está o amor próprio, e a liberdade que eu sempre
preguei?
Uma batida soa na porta do banheiro, respiro fundo sabendo
quem vou encarar a seguir, e também para tentar normalizar minha
respiração. Passo o dorso da mão abaixo dos olhos, secando as
lágrimas que ainda descem. Assim que abro a porta dou de cara
com Axel, ele mudou de roupa, está vestido com uma calça de
moletom preta e regata de malha branca. Pego as roupas e
agradeço.
Tranco novamente a porta, me dispo das roupas que usei para
ir àquela festa idiota, todas as minhas peças estão molhadas pela
chuva. Visto as roupas que ele trouxe, uma bermuda de tecido de
moletom, tão grande que bate abaixo do meu joelho, a camiseta de
algodão também não é nada pequena, poderia vestir apenas ela, já
que parece um vestido. Quando saio do banheiro vejo que Axel está
encostado em pé com as pernas cruzadas, nas costas de um sofá.
Ele rapidamente rouba as peças molhadas das minhas mãos e
some no corredor.
Vejo que ele pôs um filme e o mesmo já está pronto para dar o
play, dou a volta no sofá e sento no canto, pondo meus pés debaixo
da bunda. Dou mais uma olhada ao redor da casa além dos móveis
da sala, é tudo muito simples, porém muito bem arrumado.
Imagino com quem ele mora aqui.
Bom, meus pensamentos divagam sobre sua vida por pouco
tempo por causa do seu retorno ao cômodo. Ele carrega uma bacia
de pipoca, uma lata de refrigerante de morango, que eu amo, e uma
latinha de chá gelado.
— Você mora sozinho aqui? — pergunto.
— Com o Kane, colega de time.
Ele senta no meio do sofá colocando a pipoca entre nós dois, e
me entrega o refrigerante. Em seguida, estica as pernas pondo os
pés em cima da mesinha de centro e logo dá play no filme que
descubro se tratar do Rei Leão.
E é aí, que a magia da Disney acontece.
Eu não presto muita atenção no filme, e sei que Axel também
não. No começo, a minha falta de atenção foi devido ao ensaio
mental do monólogo que eu preciso fazer assim que me encontrar
com Drew, mas foi substituída pela ansiedade que adentra em mim
agora. Cada minuto que passa sinto os olhares furtivos de Axel
vindo em minha direção, ele não passa mais de dois segundos me
olhando, e rapidamente tenta voltar sua atenção para a tela, mas é
sem sucesso.
Assumo que poderia ter pedido para ele me deixar de volta no
dormitório, ou então ter dito que não queria assistir ao filme, afinal,
na infância o assistimos pelo menos cinco vezes, e sozinha eu
assisti mais de vinte, então sei todas as falas decor.
Quando começa a cena em que Simba enxerga o pai nos
reflexos da água, meus olhos começam a pesar. O horário, que já
passa da uma da manhã, misturado com o cansaço do dia longo
que tive, ainda mais o tanto que chorei, e até mesmo a bebida que
ingeri começam a fazer efeito, deixando meu corpo cada vez mais
cansado.

Eu não sei exatamente que horas eu dormi, como dormi, ou


como acabei dentro de um quarto, deitada em um colchão super
confortável que não é o meu da cama de solteiro do meu quarto no
dormitório, nem mesmo do meu quarto na casa dos meus pais, ou
sequer da cama do Drew.
Drew...
Sinto a presença de um corpo ao meu lado, então lentamente
eu abro meus olhos deixando que eles acostumem-se com a luz do
dia. Quando olho mais à frente vejo Axel sentado na ponta da cama,
ele me observa com seus olhos cinzas tão tristes. Seu rosto
transmite uma dor imensurável, e não por conta dos machucados, é
uma dor que vem de dentro, sua expressão é tensa. Eu não sei
como reagir à sua presença, não dessa forma, não com esse
sofrimento que ele aparenta carregar.
Me sento na cama, encostando minhas costas na cabeceira, e
pergunto:
— Você dormiu aqui... — Hesito por um momento. — comigo?
— Minha voz sai um pouco mais baixa e rouca.
Sua resposta é apenas um balançar negativo de cabeça.
É normal sentir seu estômago se revirar em momentos em que
você não sabe como reagir, o que fazer, ou o que falar? Porque o
meu está prestes a me causar uma cólica enorme.
Por isso acabo me concentrando em seu rosto, e nos
machucados presentes nele.
— Não vai me dizer onde conseguiu esses machucados? —
pergunto.
Ele sorri de canto e balança a cabeça outra vez. Ele apenas
continua me olhando, com uma tempestade se formando em seus
olhos, e não desvia o olhar um só segundo.
— Por que você aceita isso? — pergunta ele.
Engulo em seco, tentando demonstrar que não entendi sua
pergunta, mas sei exatamente do que ele está falando. Eu não soltei
o cabelo quando saí do banheiro, sei que meus cabelos ainda estão
presos no topo da cabeça, e ele não está olhando diretamente nos
meus olhos, e sim para o meu pescoço.
— Eu não sei do que você está falando.
Axel se levanta e senta à minha frente, bem à minha frente,
encostando a sua perna na minha. Olho rapidamente para o local
onde nossos corpos se colam, e depois levo meu olhar de encontro
ao seu. Encaro seu rosto novamente, parando alguns décimos de
segundos em seus lábios, que mesmo com um corte no canto
continuam lindos, rosados e carnudos.
Ele estende a mão, e com o polegar começa a alisar minha
garganta, imitando os mesmos movimentos que Drew fazia há
algumas horas, mas seu toque é diferente, ele é suave e delicado,
seus olhos não têm a indiferença que Drew carregava, eles trazem
dor, um sofrimento que somente ele poderia ser capaz de explicar.
— Se eu te perguntar uma coisa, você responde com
sinceridade? Só basta dizer sim ou não — diz ele, sua voz é suave
e ao mesmo tempo rouca.
Eu assinto. Não sei o que vai sair da sua boca nos próximos
segundos, mas eu concordaria com qualquer coisa, só para ter a
oportunidade de tê-lo em minha vida novamente, mesmo que por
cinco minutos. Eu daria tudo para ter o meu melhor amigo por meros
segundos, nem que seja em um momento tão tenso como esse,
desde que sejamos novamente aqueles que um dia prometeram se
amar para sempre.
— Você acha que vale a pena passar por esse tipo de coisa, por
qualquer sentimento que você tenha por ele?
Penso ligeiramente em uma resposta, mas eu estaria mentindo
para mim mesma se dissesse imediatamente que não. E é por isso
que eu sei que a resposta que darei a seguir, não vai lhe deixar nem
um pouco feliz, porque eu também não estou nada contente com
ela.
— É complicado — respondo simplesmente.
Axel solta um bufo e ri de soslaio. Retirando a mão da minha
garganta, ele abaixa a cabeça e penteia rapidamente os cabelos
com os dedos. Depois, ergue seu olhar de encontro ao meu
novamente.
— Complicado? Você sabe o que é complicado?! Complicado é
assistir você sendo humilhada na frente de dezenas de pessoas, e
não poder erguer o punho e acertar a boca daquele babaca.
Complicado é ver as marcas que ele deixa no seu corpo depois que
grita com você. Complicado é saber que se você deixar se levar por
esse caminho, poderá acabar morta — ele enfatiza a última palavra.
Seus olhos continuam ligados diretamente aos meus, em
nenhum momento eu enxerguei o movimento de suas mãos vindo
de encontro ao meu rosto, só percebi isso quando senti o toque
áspero dos seus dedos nas minhas bochechas.
— O que aconteceu com você, que se deixou envolver com ele?
Logo você. Onde está aquela menina tão forte e convicta? Como ela
foi se deixar envolver com um merda feito o Drew? — Sua pergunta
é retórica.
Eu rio de escárnio com sua indagação. Afasto suas mãos do
meu rosto, finalmente encontrando as palavras que quero soltar a
tanto tempo.
— Olha só quem fala. Você parou de falar comigo durante um
verão inteiro, e quando voltou estava completamente diferente.
— Mais gordo — interrompe ele.
Eu fico incrédula com o que ele diz.
— Meu Deus, Axel. Quando você vai se tocar que nunca,
nunquinha, nunca mesmo liguei para a sua aparência? Você que
gostava de sentir pena de si mesmo, e ao que parece isso ainda
acontece.
— Engraçado você dizer isso, Heaven. Logo você que só se
tornou minha amiga naquela época por pena.
— O quê? — pergunto perplexa. — Você é louco?! Claro que é.
Eu me tornei sua amiga porque eu gostava de você, eu apreciava
sua companhia, o seu senso de humor, o seu gosto para filmes, e
até mesmo a forma ridícula como você roncava enquanto ria, eu
gostava da forma como você me escutava atentamente quando eu
queria conversar sobre qualquer assunto aleatório. Mas então você
viaja, e quando volta está estranho, distante, me olhando com ódio e
julgamento. Então de repente, em um dia qualquer, você
simplesmente vai embora e ainda me chama de vadia, sem nunca
ter pedido desculpas ou sequer ter se despedido.
“Entenda uma coisa, Axel. Ele pode me machucar fisicamente,
ele pode ter gritado comigo na frente de várias pessoas, ele pode
sentir ciúmes de outros homens perto de mim, ou não gostar de
uma roupa que eu visto, mas ele esteve ao meu lado. Sim, isso me
magoa, me machuca, e eu sei, eu enxergo que eu mereço coisa
melhor, e que eu devo cair fora disso o mais rápido possível. Mas
sabe, há cinco anos, quando você foi embora, você foi a primeira
pessoa que quebrou o meu coração. Você era aquele em quem eu
mais confiava, aquele que eu contava as horas para ver todos os
dias, e que me fazia sentir borboletas no estômago só porque
estava chegando perto. E quando, depois de meses, você não me
atendia ou respondia minhas mensagens, foi ele quem apareceu,
quem me fez sorrir novamente. Mesmo tendo sido o maior babaca
durante anos, ele me fez rir quando eu senti a sua falta e queria
chorar por conta da sua ausência.
E mesmo depois de tudo, ele continuou do meu lado, não foi
embora, nunca deixou de responder uma mensagem ou atender
uma ligação, por mais que passasse das duas da manhã. E talvez,
só talvez, seja exatamente por isso que eu aceite essas malditas
marcas, porque no final do dia eu sou uma completa solitária que
fez o primeiro amigo aos nove anos de idade, e aos treze ele me
abandonou. Então eu me senti tão sozinha, que encontrei apoio em
um idiota, mas um idiota que no final do dia, está lá por mim. Então
se é isso que você quer ouvir, tudo bem. Eu aceito todas essas
merdas pelo simples medo de viver sozinha.”
Quanto uma pessoa é capaz de chorar em uma semana? Hoje
é domingo, e muito provavelmente essa é a vigésima vez que choro
em sete dias, e acordar assim é ainda pior.
Eu não sei o exato momento em que as lágrimas começaram a
descer novamente. Não sei se foi quando eu o chamei de louco, ou
quando assumi, pela primeira vez em voz alta, que eu só continuo o
meu relacionamento pelo medo de viver sozinha.
O silêncio se estende entre nós por vários minutos. Se eu
tivesse coragem de desviar meu olhar do dele para o relógio, diria
que já se passaram oito minutos que estamos calados, o quarto está
em completo silêncio, o único ruído dentro da casa é da secadora, e
das nossas respirações entrecortadas.
Quando escuto o apito da secadora avisando que as roupas
estão prontas, finalmente desvio meu olhar, e enxugo o rosto com
as costas das mãos.
— Tem alguma coisa para comer? — pergunto me levantando.
— Estou morrendo de fome.
Caminho na direção onde imagino ser a cozinha, deixando Axel
ainda sentado na cama. Sinto seu olhar queimando as minhas
costas, mas continuo a minha marcha.
Ele não vai te tocar como eu toco
Ele não vai te amar como eu amaria
LIKE I WOULD | ZAYN

Heaven se sente sozinha. Todo esse tempo, todos esses


malditos anos, desde sempre, mesmo antes de nos conhecermos,
ela era sozinha. E eu, logo eu, a única pessoa que ela tinha e que
confiava, a abandonei, eu virei as costas para ela, eu a deixei à
mercê dele. E hoje ela suporta qualquer maldita migalha, apenas
para ter companhia.
Ela aceita os ciúmes, as palavras duras, os gritos, e até mesmo
os machucados, apenas para não se sentir só.
Todas as palavras que ela me disse são difíceis de digerir.
Quando estou começando a entender que ela é apenas uma alma
solitária no meio de tantas outras, eu lembro de ela dizer que
contava as horas para me encontrar. Mesmo eu sendo o garoto
estranho, feio, gordo e chacota da turma, ela ainda me queria ao
seu lado.
Ficamos em silêncio por um longo momento, eu não consegui
responder a sua declaração. As lágrimas transbordavam de seus
olhos, e a única coisa que eu queria fazer era abraçá-la e dizer que
nunca mais iria sair do seu lado, mas eu sou um covarde. Ao invés
disso apenas fiquei a olhando como se fosse um maldito
extraterreste, então ela simplesmente se levantou e saiu
caminhando em direção à cozinha.
Quando finalmente caio na real, também saio do quarto, e vou a
sua busca.
Assim que chego à cozinha, não deixo de sorrir, mesmo que de
leve. Por mais que ela tenha acabado de declarar todas as suas
dores em voz alta, agora ela age como se morasse neste
apartamento há anos. Está com a geladeira aberta caçando alguma
coisa para comer, em cima da bancada da cozinha já tem um pacote
de pão, cream cheese, queijo e presunto. Quando a chamei de
metida ontem, eu não menti, ela simplesmente é assim, sempre foi,
e talvez nunca vá mudar.
E sinceramente? Eu não quero que ela mude. O fato de ela se
sentir confortável o suficiente para abrir minha geladeira e tirar dois
tomates de dentro, ou simplesmente tocar minhas feridas querendo
saber no que eu me meti, é uma das coisas que eu mais gosto nela
desde sempre.
Depois de tirar os tomates, ela volta lá e tira o pote de picles
que está na porta, e no mesmo instante fecha. Quando se vira,
percebe minha presença.
— Como você não respondeu nada, decidi procurar. Espero que
não se importe — admite ela.
— Não me importo.
Vou até os armários e tiro dois pratos de lá, abro uma das
gavetas e pego duas facas. Acompanho seus movimentos e preparo
um sanduíche para mim enquanto ela está preparando dois. Talvez
ela realmente esteja com fome.
Enquanto eu coloco no meu apenas queijo e tomate, nos dela
ela põe queijo, presunto, cream cheese, picles, tomate e até mesmo
mostarda, que eu não fazia a mínima ideia de que tinha na
geladeira. Talvez mais pelo fato de que eu odeie mostarda, ao
contrário do Kane, ou da própria Heaven, que sempre amou.
Vou até o armário novamente e pego dois copos. Depois, na
geladeira, pego o suco de laranja, deixando-o na bancada da
cozinha, dou a volta nela e sento em uma das banquetas. Heaven
faz o mesmo, sentando ao meu lado.
Antes que comece a comer, decido falar.
— Heaven, eu não sa...
— Tudo bem, Axel — interrompe e me olha. Os olhos que antes
estavam atormentados e tristes, agora estão mais leves. — De
verdade, está tudo bem, você não precisa se preocupar em dizer
qualquer coisa. Então não precisa tentar se desculpar, se era isso
que você pretendia fazer, não sei, mas simplesmente não precisa
disso ou qualquer outra coisa do tipo.
Ela carrega sinceridade em sua voz, e eu acredito.
Durante muito tempo eu me senti ressentido com Heaven, não
que isso tenha mudado no último segundo, ainda existe esse
sentimento dentro de mim, mas agora muitas dúvidas pairam na
minha cabeça. Ela nunca pareceu ser uma garota triste durante
nossos anos de amizade, ela sempre foi esperta, divertida, atrevida
e sorridente, eu nunca a vi chorar, a não ser quando se emocionava
com algum filme.
Mas a dor em seus olhos enquanto ela dizia quão solitária se
sentia, e o pior, que começou toda essa merda de relacionamento
por que eu fui embora, não dei notícias, a abandonei... Isso acabou
comigo, e eu não paro de pensar em suas palavras à medida que
termino de comer meu sanduíche.
Durante a refeição conversamos apenas sobre o artigo que
devemos escrever. Ficou decidido que iremos falar sobre todos os
tipos de relacionamentos abusivos, seja entre casal ou entre
amigos, às vezes até mesmo familiar.
Por mais que esse assunto pareça ser delicado para ela, a
mesma aparenta estar extremamente aliviada por eu não ter tocado
em qualquer assunto que lhe afete diretamente. Reconheço que
tenho sido um babaca desde o nosso reencontro, não posso pedir
desculpas pelo que fiz, ou pelo que disse durante esses dias, se não
estaria mentindo tanto para ela quanto para mim mesmo, afinal,
tudo que fiz foi com consciência.
Se me arrependo? Em partes sim. Ela não merece minha fúria,
ela nunca fez nada diretamente para merecer isso. E é exatamente
por isso, por não merecer a pessoa que eu me tornei ao longo dos
últimos cinco anos, que ela também não me merece em sua vida.
Mas tudo isso se torna complicado, primeiro porque não estou
nada feliz com o caminho que ela tomou, com a infelicidade que ela
sente no que vive hoje; segundo porque eu jurei a mim mesmo que
não iria me meter em nada disso, todavia me meti no momento em
que a encurralei quando ela mal tinha acordado ainda.
E terceiro, como eu queria que não houvesse um terceiro
motivo, principalmente porque esse terceiro motivo é o que está me
virando de ponta cabeça nesse exato momento, mas me recuso a
trazer ele à tona agora.
No momento em que agachei para colocar meu prato e copo no
lava-louças, ela também fez isso. E agora nossos rostos estão a
apenas cinco centímetros de distância, eu estou perto demais dela.
O seu cheiro invade minhas narinas, é um cheiro doce, e ao mesmo
tempo floral.
Eu diria que ela cheira a sândalo com baunilha, e acho que
jasmim?!
Fecho a porta do lava-louças e a ligo, quando fico de pé, ela
continua parada no mesmo lugar. Sei que sua respiração está
falhando, já a minha está presa nos pulmões. Não posso inspirar,
porque se eu fizer isso, eu sei que vou me perder nas fragrâncias do
seu perfume novamente, e se eu soltar o ar com ela tão próxima a
mim, talvez não me controle.
Eu nunca me senti assim perto de uma garota antes. Quer dizer,
já, e foi pela mesma que está na minha frente agora, mas eu tinha o
quê? Onze? Talvez doze anos?
Minha vida sexual ativa começou dois anos atrás. Não vou
mentir que eu ter emagrecido ao longo do tempo me ajudou muito
com as garotas, com algumas eu nem preciso me dar ao trabalho de
conversar, elas apenas chegam e acontece, nunca precisei me
envolver com ninguém, até porque nunca senti nada por ninguém
antes. Mas sei que a partir do momento em que eu soltar minha
respiração, eu vou estar fodido, pois por ela sinto, eu sinto tanta
coisa que nem mesmo consigo decifrar.
Contudo, o sentimento que tem me dominado agora é o desejo.
Desejo do seu cheiro, desejo do seu sorriso, desejo do seu corpo
que veste minhas roupas, que mesmo largas se encaixaram
perfeitamente nela, e desejo dos seus lábios rosados, que acredito
serem tão macios quanto aparentam.
Merda.
Estou olhando para sua boca. Engulo seco e finalmente consigo
expirar.
Estava prendendo o ar há tanto tempo que ele saiu pesado
demais. Heaven notou minha tensão, e como eu sei disso? Bom,
deve ser porque ela está tão tensa quanto eu, porém confortável o
suficiente para tocar meus lábios com os dedos. Sinto um leve
incômodo onde está cortado, mas o toque dela é bom, é
reconfortante.
Estremeço.
Percebo que voltei a prender o ar quando minha respiração saiu
entrecortada antes de eu falar.
— Heaven... — murmuro. — Não faz isso.
— Isso o quê?!
— Isso! — Pego sua mão que encosta em meu rosto e a afasto,
delicadamente.
— Por que você não quer que eu te toque?
Respiro fundo passando a mão pelos cabelos, e exalando meu
ar novamente. Como eu posso dizer o que quero dizer, sem
segundas intenções, ou melhor, dizer o que quero dizer, sem dizer o
que eu quero realmente dizer. E dizer de forma errada, talvez
pareça que eu realmente não gosto do seu toque. Merda. Nem eu
estou me entendendo agora.
Mas a verdade é que...
— Eu gosto quando você me toca — revelo. — O problema não
é você me tocar, o problema é o que eu quero fazer quando você
faz isso.
Tudo bem, a parte de não querer parecer que tenho segundas
intenções acabou de ir por água abaixo. Tento passar por ela, mas
ela não deixa, Heaven está próxima demais. Novamente sua mão
paira em meu rosto, e seu polegar volta a acariciar meu lábio
inferior.
Prendo a respiração.
Sério, eu não sei por quanto tempo vou conseguir me controlar
com ela tão próxima assim. Heaven precisa sair de perto de mim, ou
melhor, eu preciso sair de perto dela, porém sua mão delicada
continua em meu rosto.
— Estou te tocando, Axel — desafia ela. — O que você quer
fazer quanto a isso?
Respiro fundo.
— Para com isso, Heaven, por favor — peço a ela num
sussurro, balançando a cabeça em negativa.
Heaven se aproxima ainda mais, praticamente colando seu
corpo no meu, sou obrigado a olhar para baixo para continuar
encarando seus olhos azuis caribenhos.
Pois é, eu já disse que os olhos dela são tão azuis quanto às
águas do Caribe? Se não, está aí minha declaração, e é a cor mais
linda que eu já vi em toda minha vida, só não é tão bonita assim
quando eles estão tristes.
— Eu apenas preciso que você diga, com suas palavras, o que
quer fazer quando eu te toco.
Então ela faz o que, definitivamente, não deveria fazer. Ela toca
a minha nuca com a sua outra mão, e acaricia a parte de trás do
meu cabelo.
— Me diz, Axel. O que você quer fazer quando eu te toco... —
Sua voz sai sussurrada e firme, ela passa as pontas dos seus dedos
delicadamente atrás da minha orelha, e eu juro, eriça todos os pelos
do meu corpo. Ela sorri com a sensação que acabou de me causar.
— Assim... — Sua voz é quase inaudível.
Eu deveria ser preso pelo que farei em seguida, condenado por
atentado ao pudor. Eu não deveria encostar um dedo nela, eu não a
mereço, e eu sei que, fazendo o que eu estou prestes a fazer, nunca
mais terei como voltar atrás.
Mas por um mísero e maldito segundo deixo de agir pela razão,
permitindo que todo o desejo que corre em minhas veias me
domine.
Então, eu a beijo.
Passo as mãos por sua nuca, deixando que meus dedos
adentrem em seus cabelos. Heaven morde meu lábio inferior
delicadamente, e quando nossas línguas juntam-se outra vez, eu a
chupo. Ela é macia, assim como eu imaginara, seu beijo é doce,
mas também é feroz.
Eu já beijei antes, mas estar com minha boca colada na de
Heaven é como se nenhum outro beijo antes dela importasse, como
se tudo que eu vivi antes não tenha me preparado o suficiente para
viver esse momento.
Agarrando-a pela bunda, a sento na ilha da cozinha e suas
pernas se entrelaçam em minhas costas. Quando nossos lábios se
separam, levo meu nariz até a extremidade de seu rosto deixando
ali um pequeno beijo. Em seguida, meu rosto entra na curva do seu
pescoço sentindo seu cheiro doce, que acaba tanto comigo, todo o
meu corpo estremece e ela arfa em resposta, pegando em meus
cabelos.
Eu permaneço de olhos fechados, pois para mim isso tudo que
está acontecendo agora não passa de um sonho, e no momento em
que eu acordar, tudo irá acabar. Passo a língua por seu pescoço,
para que possa me saciar com seu gosto, e ele é bem melhor do
que a sua fragrância esbanja.
Heaven aperta ainda mais meus cabelos afastando-me do seu
pescoço, e me levando de volta ao centro de seu rosto onde nossas
bocas se colidem outra vez, e no mesmo segundo minha língua
entra. Sua boca é quente, a língua é delicada como uma pluma.
Porra, eu devia me afastar.
Não me afasto, o beijo que antes era delicado agora é feroz. A
trago mais para perto, agarrando a sua cintura, Heaven arfa um
gemido e eu faço o mesmo.
Beijar é bom, mas beijar ela é incrível.
Sua mão desliza pelo meu peito, minha respiração está pesada,
a seguro com mais determinação, prendendo ainda mais o seu
corpo ao meu. Mordo seu lábio inferior, ela solta outro gemido, e
outra vez, eu a acompanho.
— Isso é errado — digo antes de voltar meus lábios para os
seus.
— Muito errado — ela concorda, lambendo o exato local onde
meu lábio está rachado. — E muito, muito bom — diz no meio de
um sorriso.
Quando nossas línguas voltam a se encontrar sinto o gosto
suave de ferro, sei que é de sangue, mas não ligo, apenas continuo
a beijando. Suas mãos passeiam entre meu peito e abdômen, desço
a mão em suas costas e subo a bainha da camiseta que ela veste.
Meus dedos tocam sua pele sedosa e macia, e esse pequeno
contato é o suficiente para encher meu pau de sangue. Não que
antes eu não estivesse excitado, mas agora, estou completamente
duro e louco por essa mulher. E que mulher.
“Você não deve fazer isso, Axel”, diz uma voz irritante no fundo
da minha cabeça, mas eu faço mesmo assim.
Com a mão ainda por debaixo da camiseta, passo minha mão
para frente, deixando-a entre nós dois. Deslizo as pontas dos dedos
por sua barriga, vou subindo aos poucos até o momento em que
toco seus seios médios, mas grandes o suficiente para que minha
mão os cubra. Seu mamilo está duro, então belisco de leve antes de
acariciá-lo, o que me rende outro gemido, dessa vez chamando por
meu nome.
— Axel — sua voz saiu sussurrada e melódica.
Com a mão em seu seio brinco com o bico intumescido, com a
outra, passo os dedos pelos fios da sua nuca, arqueando sua
cabeça para cima e separando nossos lábios.
Minha língua desliza novamente por seu pescoço, até a parte
de trás da sua orelha e beijo delicadamente o lóbulo. Sinto sua mão
afastar o elástico da minha calça, e lentamente ela começa a entrar.
É exatamente nessa hora que, finalmente, a voz da minha
cabeça ganha essa batalha.
— Não — digo segurando sua mão, e me afastando dela
devagar.
Seus olhos estão surpresos com a minha reação. Eu também
estou surpreso, mas isso não é certo.
Eu quero, sei que quero muito continuar qualquer coisa que
estava rolando entre nós, mas eu não posso, ela não pode. Isso é
errado, e nós dois sabemos disso.
Esfrego meu rosto com as mãos, e quando finalmente tenho
coragem de olhar em seus olhos, não encontro a frustração que
esperava neles, e sim compreensão.
— Você tem razão — diz ela. — Isso é errado.
— Muito errado — repito suas palavras de minutos atrás, mas
não com a luxúria que ela havia declarado, e sim com pesar.
— Pelo menos por enquanto — Heaven continua.
Franzo a testa, entrando em uma confusão interna no momento
em que ela diz sua confissão.
— Como assim, pelo menos por enquanto? — pergunto
confuso.
Heaven desce da ilha, mas fica parada em pé de frente para
mim.
— Querendo ou não, eu ainda estou namorando o Drew. —
Sinto raiva das suas palavras no momento em que elas saem de
sua boca. Eu não sentia que isso era errado por conta dele, e sim
por ela, somente por ela. — Mas isso vai acabar em breve —
continua. — Então quando acabar, talvez podemos...
— Não, não podemos — interrompo ela.
Heaven me olha confusa, ela claramente tinha esperanças de
algo acontecer entre nós, e eu acabo de quebrar todas elas, mas eu
não paro por aí.
— Nós não podemos, Heaven, porque você merece alguém que
seja bom para você — declaro. — E acredite em mim, esse cara
não sou eu.
Ela ri com escárnio, e me encara com raiva.
— Não dá uma de Roberto Carlos invertido, Axel.
— Quem é Roberto Carlos? — Franzo o cenho sem entender
nada do que ela acabara de falar.
— Não interessa agora — desdenha. — Você diz que não é
bom o suficiente para mim, ou será que sou eu que não sou o
suficiente para você? — ela desafia.
— Não foi isso que eu disse, não distorça as minhas palavras —
me defendo.
— Então por quê? Me fala o motivo real, então.
Eu não posso, eu simplesmente não posso revelar a ela, porque
no final das contas eu sou ainda pior do que Drew, eu não posso
revelar a ela o que eu sinto, o que eu sei. Não posso lhe dizer que o
sangue que corre em minhas veias é tão venenoso quanto o dele,
não posso abrir uma ferida do passado, não posso voltar àquele
verão de cinco anos atrás. Eu não quero voltar lá, eu não quero
sentir aquela dor, a decepção, a vontade de morrer.
Então eu minto.
— Não sei, Heaven. Talvez eu apenas quis liberar um pouco de
tesão acumulado — digo secamente enquanto meu pau está
prestes a explodir dentro das calças.
— Você é um canalha, Axel — diz indignada.
Heaven se vira pisando duro, mas antes de sair da cozinha, ela
volta. Seus olhos azuis quase turquesa me fuzilam com pura raiva,
ela balança a cabeça em negativa, e um grande tapa é dado na
minha cara. Eu me impressiono com sua força, porque essa droga
doeu muito.
Então ela sai da cozinha, e escuto algumas portas fecharem e
abrirem. Eu continuo parado na cozinha com as mãos pairando
sobre a ilha, no mesmo local onde ela estava sentada. Me lembro
da sensação de tê-la em meus braços e um calafrio percorre minha
coluna.
Mais dois minutos se passam e escuto um grito:
— Sai da frente, idiota.
Pouco depois, escuto um grande baque soar pelo apartamento.
Fecho meus olhos com força e apenas ouço o eco da porta se
fechando.
Ela foi embora.
— Primeira caminhada da vergonha do ano? — A voz de Kane
me faz abrir os olhos.
— Se tem uma pessoa com vergonha no momento, com certeza
esse sou eu.
— Você deve ter feito algo muito grave — Kane diz, levando a
garrafa de suco de laranja até sua boca. — A garota estava com
ódio, sobrou até para mim.
— Nem me diga... Só me faça o favor de não colocar esse suco
de volta na geladeira.
Dito isso, saio da cozinha e volto para o meu quarto, deito-me
de costas na cama e encaro o teto do meu quarto, a fim de que ele
me traga algum conforto, como por inúmeras vezes me trouxe.
Mas essa calma é cessada no instante em que sinto o cheiro
dela me consumir novamente.
Droga.
Por um momento esqueci que ela dormiu na minha cama, e
agora o meu travesseiro tem o seu cheiro, se isso não é tortura, eu
realmente desconheço o que seja.
Digo a mim mesma que não me importo muito
Mas eu sinto que estou morrendo até sentir seu toque
Só o amor, só o amor pode machucar assim
ONLY LOVE CAN HURT LIKE THIS | PALOMA FAITH

Se me perguntassem em uma escala de um a dez, quão


estúpida eu sou, eu responderia que vinte.
Não, melhor que isso. Diria cem.
Eu abri a merda do meu coração para o Axel, disse tudo o que
senti quando ele foi embora e o que sinto hoje. Nós conversamos,
pela primeira vez, desde a sua volta, nós conversamos.
Certo, que foi sobre nosso trabalho, mas não deixam de serem
palavras trocadas entre duas pessoas normais.
Não só isso, nós nos pegamos. E não, não foi uma pegação
qualquer, era como se nós dois nos encaixássemos um ao outro de
forma perfeita era como se, como se... Eu não sei o que dizer, mas
era como se fosse a primeira vez que eu estivesse beijando alguém
em toda minha vida. Aquele momento em que nossos lábios se
tocaram e nossos corpos se aproximaram, foi como se nada além
de nós dois existisse no mundo, nós ditávamos o beijo em uma
sincronia perfeita, de longe ele foi o melhor que tive em minha vida.
Tudo bem que antes dele eu só beijei três caras, incluindo o Drew.
Só que o beijo do Axel, como eu posso dizer que ele é diferente,
sem exaltá-lo demais?
Seu beijo é incrível, seus lábios são carnudos e macios, sua
língua é perspicaz, suas mãos calejadas, duras e ao mesmo tempo
tão benevolentes, ele sabe como deixar uma garota com tesão. E
ele sabe muito bem.
Axel simplesmente deu um pé na minha bunda, disse que ficou
comigo porque estava com tesão acumulado. Que merda isso
significa?! Antes ele me dissesse que não tem tesão em mim. Mas
poxa, depois de todo esse tempo, ele me usar dessa forma, jogando
comigo, com os meus sentimentos, é demais para mim.
Eu não deveria sentir o arrepio que acabei de sentir. Mas que se
dane!
Quando ele me disse isso, eu dei um tapa no seu rosto, tenho
certeza que um hematoma a mais não vai fazer diferença para ele.
Saí pelo apartamento procurando a lavanderia, e quando finalmente
achei, tirei minhas roupas da secadora e as vesti, ainda me
encontrei com seu colega de quarto que parecia rir, com certeza ele
pensou que eu estava fazendo uma caminhada da vergonha.
Depois que cruzei com o cara alto e negro, peguei meu celular que
havia deixado no sofá e fui embora de lá batendo a porta.
Bati com muita força, se tiver feito algum dano, ele que se dane
para consertá-la depois.
Desisto de voltar para meu dormitório andando e peço um uber.
No instante em que chego ao alojamento, encontro Wes na
porta do prédio das garotas. Ele discute com o segurança, pedindo
para entrar, mas sua tentativa é falha, até porque hoje é domingo, e
a regra do alojamento é que só podem entrar as moradoras.
Wes, assim como Axel, não mora no campus, ele vive sozinho
em um loft próximo ao polo universitário. Ele dissera que tem muitas
roupas e elas não caberiam em um quarto minúsculo de um
dormitório, e ele realmente tem razão, mesmo deixando metade das
suas coisas na casa de seus pais em Stone Bay, Wes ainda
conseguiu trazer três vezes mais roupas do que as minhas e as da
Allie juntas.
— Wes — o chamo. — O que você está fazendo aqui?
Ele sibila alguma coisa contra o segurança, e depois vem de
encontro a mim.
— Vim conversar com você — ele responde. — Mas esse
brutamontes não me deixava entrar. — Revira os olhos.
— Vocês estudantes conhecem as regras, e eu não posso abrir
exceção para ninguém — retruca o homem.
Ele ganha outro revirar de olhos de Wes, seguido de um dedo
do meio, que claro, ele não mostra, mas eu vejo.
— O que aconteceu que você não pôde esperar até amanhã, ou
sequer me ligar para nos encontrarmos?
— Gata, eu te procurei ontem naquela maldita festa cheia de
héteros tops, mas não te encontrei. — Então ele leva seus olhos
até meu pescoço, percebendo as marcas ali. — O que aconteceu
com você, Heaven?
Wes ameaça tocar o meu machucado, mas eu me afasto um
pouco, cruzo os braços por cima dos peitos e troco o peso dos pés,
agindo totalmente na defensiva.
— Foi o Drew que fez isso com você, não foi? — acusa de
imediato.
— Não... quer dizer... — Hesito por um instante, e coço a
garganta antes de formular melhor minha resposta. — Foi, mas foi
enquanto estávamos nos beijando.
O que não deixa de ser verdade. Eu omito o que realmente
aconteceu porque não quero ninguém sentindo pena de mim, já
basta eu mesma estar vivendo em um limbo no momento, não quero
arrastar ninguém para a minha confusão, ou sequer chamar atenção
por isso.
— Você tem certeza que foi apenas isso, e ele não se
descontrolou novamente e foi agressivo com você? — O tom de voz
do Wes é acusatório e sério, algo que ele raramente é.
— Sim, Wes. Eu tenho! — explodo. — Por que é tão difícil
assim acreditar em mim?
— O problema não é acreditar em você, Hea. O problema é
conhecer o Drew o suficiente para saber que ele é explosivo, e há
apenas três dias ele te machucou em público. Rasga meu coração
imaginar que ele possa fazer qualquer coisa com você enquanto
vocês estiverem a sós.
É, eu sei, rasga o meu também.
Mudo minha expressão de defensiva para compadecida e
abraço meu amigo, murmurando para ele:
— Não foi nada demais, juro a você. Não precisa se preocupar
comigo, eu sei me cuidar.
— Eu sei que você sabe — Wes responde. — Mas também sei
que o Drew sabe agredir.
— Ele não vai mais fazer nada contra mim — garanto.
— Assim espero. — Em seguida nos desfazemos do abraço. —
Enfim, eu não te vi ontem, e senti sua falta, quis ver como você
estava.
— Eu estou bem, e você como está?
— Por que não vamos comer alguma coisa na cafeteria e eu te
conto tudo o que tenho para contar?!
— Hum... Eu preciso apenas trocar de roupa — digo apontando
para o que visto.
— E esse brutamontes não vai me deixar entrar, já sei. — Wes
revira os olhos novamente. — Então vai rápido e eu te espero aqui.
Assim que ele cala a boca eu entro no alojamento
cumprimentando o segurança, subo dois lances de escadas, e vou
direto para o meu dormitório. Quando entro a primeira coisa que
percebo é um bilhete deixado por Allie, que diz:
“Grey e eu fomos passar o domingo com nossos pais em Stone
Bay, à noite estou de volta, e faz o favor da próxima vez que sair de
alguma festa sem mim, me avisar, eu fiquei louca te procurando”.
Após ler o seu bilhete, pego meu celular e entro no aplicativo da
Amazon, indo direto para a lista de desejos da minha amiga e lhe
compro um de seus itens, a fim de suborná-la com um pedido de
desculpas mais tarde.
Em seguida, vou direto para o meu quarto. Tiro a roupa que
havia sido lavada e secada pelas máquinas do apartamento de Axel,
e solto uma lufada de ar ao lembrar dele. Troco de roupa, optando
por um conjunto de moletom, afinal, hoje é domingo, dia da
preguiça, ninguém do campus irá me julgar por vestir algo
confortável.

Quando estava pronta para ir com Wes até a cafeteria, optamos


por irmos ao restaurante italiano próximo ao campus, pois já
passava das onze da manhã.
Wes me contou tudo o que aconteceu no seu dia de ontem,
inclusive que terminou a noite dormindo com um jogador, que
conforme as palavras dele “era gostoso para um cacete”, mas antes
disso ele foi para o tal armazém, onde assistiu a algumas lutas. Ele
me disse que o Axel havia lutado lá, e acabou marcando uma
revanche daqui a um mês.
Seu amigo Kane, o mesmo com quem ele divide o apartamento,
também lutou ontem. Eu já sabia que ele lutava, então foi fácil juntar
um mais um agora. Os dois são próximos, jogam no mesmo time,
moram juntos, então obviamente, os dois também lutam
clandestinamente.
Me pergunto o que aconteceu com o Axel ao longo desses
anos, e como ele mudou tanto. O homem descrito por Wes, que
apanha e bate em desconhecidos em um armazém abandonado,
não parece ser nem um pouco o homem que assistiu O Rei Leão
comigo ontem à noite.
Depois do nosso almoço, me despeço de Wes e volto ao
dormitório. O segurança que estava na entrada quando saí, já não
está mais lá, e houve uma troca de turnos.
Subo as escadas, e quando chego ao meu andar, vou direto
para o cômodo que divido com Allison lembrando da sua confissão
sobre ter beijado o Axel, e lembrando também do nosso beijo essa
manhã.
Solto um xingamento baixinho, mesmo sabendo que ele não
está aqui para escutar.
Eu queria aquilo, eu queria tanto beijá-lo, e eu sei que ele
também queria, ele estremeceu quando o toquei, ele gemeu quando
o beijei. Ele me acariciou, ele respondeu com todos os sentidos
humanos possíveis que queria aquilo, tanto quanto eu.
Sei que o que aconteceu entre nós foi uma traição, mesmo eu
estando prestes a terminar meu relacionamento, ainda é traição.
Mas naquele momento, naquele simples momento em que vi que
sua respiração vacilava, seus olhos brilhavam em luxúria, e sua pele
arrepiava com um simples toque meu, eu não me importei com mais
nada.
O mundo podia simplesmente acabar naquele exato momento,
porque eu estava fazendo o que queria fazer, eu estava beijando
quem eu queria beijar. Eu não tinha ideia do quanto o queria, até tê-
lo. Foi ali que finalmente eu entendi o motivo pelo qual eu senti tanta
raiva quando soube que ele ficou com a Allie, porque eu queria ser a
Allie, mas ele não me deixou ser ela.
Allison não existia na minha cabeça naquele momento, nem
Drew.
Que falando no diabo, dou de cara com ele, assim que entro no
meu quarto. Ele está sentado na ponta da cama, com a cabeça
abaixada entre as pernas, porém assim que percebe minha
presença ele dá um pulo da cama, e se aproxima de mim
imediatamente.
Ainda são duas da tarde, e esse dia não está nem um pouco
perto de acabar. Eu não estava esperando ver ele aqui, eu não
queria ter que conversar com ele agora, mas chega dessa merda,
estou cansada disso. Ele não tem direito de gritar comigo, me
agarrar... sufocar.
Quando Drew abre os braços para me abraçar, eu desvio. Não
vou deixar que ele toque mais um dedo em mim.
Eu preciso aprender a me dar valor novamente, preciso ser
mais eu. Às vezes uma alma solitária só precisa dela mesma para
encontrar o amor próprio.
— Sai daqui, Andrew — grito apontando para a porta.
Ele me ignora totalmente.
— Onde você estava? Eu te procurei em toda parte ontem,
ninguém te viu, quando eu cheguei aqui você também não estava.
— Finalmente olho para ele, seu cabelo está bagunçando, seus
olhos estão vermelhos e cansados. — Heaven, eu...
— Como você conseguiu entrar aqui? — pergunto.
— O segurança não estava lá embaixo, então eu subi.
— E como entrou no meu quarto?
— Dei meu jeito.
— Você não tem direito de invadir o espaço pessoal de outras
pessoas, então sai daqui, Drew — esbravejo.
— Só me escuta, por favor.
— Eu não quero ter que pedir uma terceira vez, vai embora
Andrew, por favor — peço calmamente.
— Só me escuta — ele implora outra vez. — Por um minuto, só
me escuta.
— Andrew...
— Heaven, eu juro, eu juro meu amor, eu não quis fazer isso. —
Ele se aproxima novamente e toca meu rosto com suas duas mãos,
o toque dele me arrepia, mas não é o mesmo arrepio que senti
quando Axel me tocou, é um arrepio de medo, pavor. Então começo
a afastá-lo de mim, deixando suas mãos suspensas no ar. — Tudo
bem, tudo bem — diz ele fazendo sinal de rendição.
Eu conheço o Drew, sei que ele não vai sair daqui enquanto eu
não o escutar, e eu estou sozinha aqui. Allison viajou, muito
provavelmente se eu gritar as outras garotas do prédio não vão
escutar, isso se elas estiverem em seus quartos. Eu não tenho a
quem pedir socorro agora, então se eu tenho que escutá-lo, eu vou
escutar.
Ando de costas até minha escrivaninha, onde na gaveta de
cima tem um taser que meu pai me deu alguns anos atrás quando
eu fui para o meu primeiro encontro, ele avisou que se o cara
tentasse fazer qualquer coisa comigo, era só apertar o botão na
lateral, e automaticamente ele receberia um choque de 50 mil volts,
espero que ainda funcione, caso eu precise usá-lo agora.
— Fala, Andrew — digo. — Pode falar, mas, por favor, não
chega perto de mim — peço, meu tom de voz é firme, como eu
queria que fosse.
— Tudo bem, eu fico longe, mesmo sabendo que não vou fazer
nada com você. — Ele suspira sentando-se novamente na ponta da
cama, então me olha nos olhos.
Seus olhos castanhos estão repletos de dor, eu sei disso porque
os meus carregavam a mesma dor quando me olhei no espelho do
banheiro de Axel, na noite anterior. Eles estão muito vermelhos...
parece que passou as últimas horas chorando, sua aparência é de
dar dó. Se eu não estivesse com tanta raiva dele agora, e tão
frustrada por tudo que tenho sofrido ao longo dos anos — todos os
ataques disfarçados de bem querer, e a encrenca em que meti e só
pude enxergar quando as palavras faltaram e o ataque corporal
começou —, eu me agarraria a ele, e lhe diria que tudo vai ficar
bem, mas não tenho tanta certeza disso.
Eu não quero vacilar, eu não posso vacilar.
— Eu não sei o que dizer — revela ele, choroso. — Não sei
como isso aconteceu. Estávamos nos beijando no quarto, eu me
excedi, você ficou sem ar, e quando olhei para o seu pescoço eu só
conseguia lembrar das suas palavras ontem pela manhã. Você
deixou claro que se qualquer coisa acontecesse novamente, iria
acabar tudo. Eu juro, Heaven, eu não soube como reagir, eu quis
fugir, quando saí daquele quarto eu me desesperei. Eu te amo tanto.
— Ele hesita por um segundo, mas continua. — Eu sei que eu errei
com você, eu não queria ter errado, eu vou entender totalmente se
você não quiser mais que eu encoste um dedo em você, ou que não
queira mais me ver, eu juro que vou. Mas eu também juro, pela
minha vida, que eu realmente não tive a intenção de te machucar,
amor, você é tudo que eu tenho. Nada além de você importa para
mim.
— Drew... — o chamo num suspiro — Você me machucou, você
me machucou duas vezes, pelo simples fato de não confiar em mim,
como eu posso dizer que quero continuar com você, se suas
palavras me ferem, e seu toque me faz sangrar?!
Drew está chorando.
Ele está chorando muito, eu nunca o vi chorar, em anos que nos
conhecemos, meses que namoramos, nunca, jamais, eu o vi
derramar uma lágrima.
Ele levanta o olhar para mim, se tem um momento que eu não
deveria me permitir desabar, era esse, mas meu coração murcha,
meus joelhos cedem e eu caio sentada no chão com tudo, lágrimas
escorrem pelo meu rosto.
— Eu não quero te perder, Heaven. Eu tenho medo de te
perder, eu apenas não posso viver sem você — ele responde em
meio ao choro.
E eu pensando que não iria chorar mais nada hoje.
Estar nesse estado é deplorável, mas ver a dor nos olhos de
Drew ao escutar as minhas palavras, chega a ser ainda pior, porque
de alguma forma, eu sinto que ele realmente não quis fazer aquilo.
Eu sinto pena de mim, dele, de nós.
Eu não posso em nenhum momento negar que eu o amei, ou
que ainda o amo. Drew foi essencial na minha vida por um longo
tempo, ele me deu conforto, me amou quando eu precisei, cuidou de
mim quando estive doente, me fez chorar de rir. Então, eu dizer que
não o amo mais, seria a maior mentira.
O que acontece é que eu estou dividida, não sei se devo confiar
no meu coração, que diz para perdoá-lo, ou na voz da razão que
sussurra lá no interior da minha mente, mandando eu abrir mão do
meu altruísmo, e ao menos uma vez ser um pouco mais egoísta e
ter um pouco de amor próprio.
Soluço enquanto choro, estou abraçada às minhas pernas,
meus olhos estão fechados, e minha boca treme. Se eu tinha
qualquer intenção de parecer forte o suficiente para terminar
qualquer coisa, ver o homem que eu amo, aos prantos, declarando
o medo que tem de me perder, me destruiu. Porque ele não é o
único que tem medo de me perder...
Eu também tinha, e olha só, eu me esqueci de mim apenas para
ter um pouco de amor de outra pessoa, e quando tive isso, eu
pensei que tinha tudo. Eu não posso dizer que sei quem eu sou
hoje, porque eu não sei!
Não faço a mínima ideia da forma que eu gosto do meu cabelo,
mas sei que ele continua longo por que o Drew gosta, e eu gosto
dele.
Não sei se prefiro usar uma jaqueta de couro ou um casaco de
cashmere, mas uso o casaco porque Drew acha fofo, e eu gosto
quando ele me elogia.
Porra, aos dezoito anos e estando na faculdade, eu não sei nem
mesmo dirigir, porque Drew disse que eu não precisava, já que me
levaria a qualquer lugar, e eu aprecio qualquer minuto que passo ao
seu lado.
Desde que o tempo que eu passe com ele, ele gaste me
amando, como me amou ontem, e não me machucando, como me
machucou hoje.
Estou em prantos. Sinto seus braços darem a volta em meus
ombros, eu quero empurrá-lo para longe, quero que ele se distancie
de mim, e nunca mais ponha um dedo em qualquer fio de cabelo
meu, mas ao mesmo tempo, eu preciso do seu abraço, do seu colo,
preciso sentir seu cheiro de lar, preciso do seu sorriso com uma
pequena covinha no canto esquerdo da boca dizendo que me ama.
— E-e-eu na-não sei o q-q-que fa-fazer — gaguejo enquanto
choro em seus braços.
— Eu também não — ele confessa. — Eu só sei que eu vou
fazer de tudo para ter o seu perdão outra vez, porque você sempre
esteve ao meu lado, e eu ao seu. Nós somos Drew e Heaven,
Heaven e Drew. Não abandonamos um ao outro, suas dores são as
minhas, e as minhas são as suas. Eu te amo, Heaven, eu te amo
tanto. Você é o meu paraíso.
Eu sou o paraíso dele, ele nunca me abandonou, ele sempre
esteve lá por mim. E eu sempre estive lá por ele.
— Eu não quero mais sofrer — respondo em meio ao choro.
Ele solta meus braços das minhas pernas, e me coloca em seu
colo, abraça meu corpo e beija meus cabelos.
— Se você quiser terminar, eu vou entender — diz ele. — Sei
que sou um surtado, que tenho problemas com raiva, e que muitas
vezes exagero. Mas a coisa que mais tenho certeza na minha vida é
que sem você eu não sou capaz de nada, Heaven. Eu parti seu
coração hoje, e na semana passada, e se continuarmos juntos,
provavelmente eu posso parti-lo novamente no mês que vem, ou no
próximo ano, mas por favor, só por favor, não me deixe viver sem
você.
E é aí que eu vacilo.
Absorvo suas palavras assim como o ar entra em meus
pulmões, eu sei que é errado, eu sei que eu deveria estar caindo
fora, eu sei o que pode acontecer novamente. Mas meu medo de
viver só e não ter ninguém ao meu lado fala mais alto.
Drew está certo quando diz que talvez parta meu coração outra
vez, e é exatamente esse pensamento que deixo entrar na minha
mente e coração agora, porque ninguém é capaz de viver o ponto
alto do amor, se não conhecer o ponto mais baixo dele.
Deixo para me arrepender da minha decisão amanhã, porque
hoje eu só quero ser amada, e por mais que um fio pequeno de
medo ainda exista em mim, sei que agora Drew quer isso tanto
quanto eu.
Levanto minha cabeça, abro as pálpebras lentamente para
encontrar seus olhos escuros tão doloridos quanto os meus, e então
eu o beijo.
Beijo com tristeza, saudade, medo, confiança, e por último,
paixão.
Nossas línguas viram uma confusão quando se juntam, eu não
largo sua boca em nenhum momento, porque não quero me
arrepender da minha decisão espontânea. Drew ergue o quadril
baixando sua calça, em seguida desce minha calça também,
acompanhada da calcinha.
Então ele entra em mim.
A cada estocada, uma lágrima nova brota em meu rosto, então
penso em Axel...
Será que se ele não tivesse me parado mais cedo, seria ele
dentro de mim agora?! Ou se pelo menos, em algum momento, ele
tivesse demonstrado que poderia voltar a ser presente na minha
vida como fora anos atrás, a decisão de me manter longe de Drew,
seria mais fácil?!
Mais uma estocada, e então tenho certeza.
O amor é um filho da puta mal amado do caralho!
Sua mãe diz que eu sou um tolo
E sim, talvez isso seja verdade
Porque eu não consigo para de pensar em você
LOVE IS A BITCH | TWO FEET

Estaciono o carro e olho ansiosa para a instrutora, ela sorri para


mim em resposta.
— Parabéns, Senhorita Morris! Você passou por todas as
etapas com sucesso, pode se dirigir à unidade de atendimento para
a captura da foto, pagamento e receber sua licença.
Saímos do carro, e caminho ao atendimento. Faço o meu
melhor sorriso na hora da foto, passam-se somente dez minutos e
tenho minha licença em mãos[1].
Entro no meu carro e antes de passar o cinto, seguro o cartão
plástico na mão, tiro uma selfie e envio uma mensagem para Drew,
encaminhando-a também para Wes, Allison e Sadie.
Heaven: A mais nova habilitada da cidade =D
Em menos de cinco segundos já recebo a resposta de Wes,
seguida da de Allie.
Wes: Wuoooo
Precisamos comemorar
Até sei onde devemos ir hj
Allie: Finalmenteeeeeeeee
Mto feliz por vc amg!!!! <3
Em breve faremos uma viagem de carro até NY, HAHAHA <3
Respondo a mensagem de Wes dizendo que estou ansiosa, e a
de Allie que com certeza precisamos ir à Nova Iorque, mas não de
carro. Olho novamente a caixa de mensagem de Drew antes de dar
partida no carro, ele visualizou, mas não respondeu.
Já faz um mês desde a nossa última discussão. Depois daquele
fim de tarde no meu quarto, enquanto transávamos no chão e
chorávamos, as coisas finalmente melhoraram entre nós dois.
Conversei com meus pais dizendo que finalmente queria começar a
dirigir, e eles concordaram de prontidão, tanto que meu pai me
presenteou com um carro. Tive de fazer algumas aulas de direção
em uma autoescola de Stone Bay durante os finais de semana,
mesmo não sendo obrigatório, mas eu era péssima e hoje, estou
com minha habilitação em mãos.
Um dia após “reatarmos”, já que nunca chegamos a terminar, eu
decidi renovar meu visual, então cortei meu cabelo na altura dos
ombros. De início, Drew foi um pouco relutante quanto a minha
decisão, mas quando viu que poderíamos nos exaltar e acabar
brigando por isso, ele concordou e até me levou ao salão, quando
acabou ele sorriu e elogiou.
Também decidi mudar um pouco meu guarda-roupa, dei adeus
a algumas saias plissadas, e dei olá a alguns jeans rasgados e
também à minha mais nova jaqueta vermelha. Os arcos, que antes
eu vivia usando, alguns também foram jogados fora. Eu os usava
para agradar Drew que me disse uma vez que gostava, já que lhe
fazia lembrar do nosso primeiro beijo. Ele obviamente percebeu que
eu parei de usá-los, mas não faz a mínima ideia do fim que levaram.
Eu lhe disse que precisava redescobrir minha personalidade, de
acordo com aquilo que me agrada, não ao que agrada aos outros.
Ele sorriu em resposta e me beijou, talvez ele possa ter ficado feliz
por mim, talvez não, mas desde que ele não se oponha e apoie
minhas decisões, não preciso me chatear.
Para alguns pode parecer pouca coisa, mas para mim são
pequenos passos que mostram a minha força, e a resiliência de
todas as decisões que tenho tomado. A única coisa que não
funcionou nos últimos dias foi a minha relação com Axel, que, de
uma vez por todas, desmoronou.
“Quando Drew estaciona o carro, respiro aliviada ao ver que a
Mercedes Classe G preta não está aqui. Hoje é o terceiro dia
consecutivo que não vejo Axel, e também faz três dias desde a
última vez que o vi, na cozinha de seu apartamento. Sempre que as
cenas daquele dia passam em minha mente, um arrepio instantâneo
sobe por minha coluna, levantando todos os pelos do meu corpo.
É totalmente involuntário, mas acontece que eu lembro do
nosso beijo com frequência, minha mente voa, e sinto seus lábios
nos meus todas as vezes que revivo aqueles minutos sórdidos, meu
rosto esquenta e meu corpo treme. Quando Drew está ao meu lado,
apenas digo que não passa de um calafrio. Se eu lhe contar o que
realmente tenho sentido, a única certeza que tenho é que a calmaria
pode se transformar em um furacão rapidamente.
Saímos do carro e quando encontro com Drew entrelaço meus
dedos nos dele, e nos beijamos. Assim que nos separamos, o alívio
que havia sentido se dissipa, Axel está na minha frente, saindo da
picape vermelha junto de Kane.
Engulo em seco quando vejo sua expressão de raiva, seus
olhos estão furiosos e me fuzilam.
— Algo errado, amor? — pergunta Drew, passando uma mecha
do meu cabelo recém-cortado para trás da orelha.
Sorrio para ele, balanço a cabeça em negação e lhe dou um
selinho.
— Tudo certo.
Drew planta um beijo no topo da minha cabeça, e entramos na
faculdade de mãos dadas. Desde terça ele me acompanha até
minha primeira aula, acho que estamos mudando nossos hábitos,
pelo bem do nosso relacionamento. E isso é bom, não?!
Quer dizer, pequenos gestos, são na verdade várias formas de
dizer que amamos alguém, então acredito que essa pequena
mudança nele é apenas para reafirmar que me ama.
Quando chegamos à porta do prédio de Literatura, Allison e
Wes estão me esperando na entrada, Drew me beija mais uma vez,
os cumprimenta e vai embora.
— Eu não suporto esse seu namorado.
— Nem eu — Allison concorda.
— Acreditem em mim, às vezes nem eu o suporto.
— E porque continua com ele? — Allie questiona.
— Porque eu o amo?! — pergunto retórica.
— O amor nem sempre é a base de tudo — Wes se opõe. —
Tem que haver também apoio, respeito, confiança e calmaria.
— Ok, vocês dois, isso é uma intervenção, ou o quê?! — digo
quase que um pouco revoltada. — Vocês convivem com o Drew há
anos, e agora decidiram interferir, sabe lá Deus por que.
— Porque a gente quer o seu bem — Allie responde.
— Eu estou bem — respondo.
— Seus olhos inchados quando cheguei ao alojamento no
domingo, não diziam isso.
— Eu já te expliquei que apenas tivemos uma DR, nos
resolvemos, e ninguém se alterou, apenas choramos... e foi isso.
Wes solta uma lufada de ar a contragosto, em seguida levanta
suas mãos.
— A questão é que você se acostumou tanto com um mar
turbulento em meio à tempestade, que acha que qualquer dia de sol,
é um dia calmo — Allison comenta.
— Se você diz que está bem, o melhor que eu posso fazer é
acreditar, mas eu juro que se ele voltar a te ferir ou gritar contigo, eu
vou acabar com ele — Wes responde.
— E como você vai acabar com ele, vazando um nude? —
provoco.
— Talvez... de preferência de um pau bem pequeno.
Reviro os olhos e ele ri.
— E você, pequena? — pergunto à Allison.
— Continuo não aturando o Drew, apenas suporto por sua
causa.
— Só por mim? — Levanto uma sobrancelha ao questionar. —
Tem certeza?!
— E talvez porque ele seja amigo do Grey, mas eu já desisti
dele, já te disse.
— E eu sou virgem — Wes retruca.
Nós três rimos, e seguimos para a primeira aula do dia.
Sei que eles falam o que falam porque me amam e querem me
ver bem, mas eles não estão dentro do meu relacionamento,
portanto não fazem a mínima ideia do quanto que eu preciso do
Drew, e ele de mim.

Mais tarde, quando entro na aula da Srta. Clark, vejo Axel


entregando uma pasta com papéis à Eve, vou direto para o meu
assento e aguardo por ele. Antes de sentar-se ao meu lado, ele
coloca uma pasta à minha frente também. Olho para a capa que diz
“Persistência de Mulheres em Relacionamentos Abusivos na
Perspectiva da Teoria da Ação Planejada do Século 21”.
Dou uma lida rápida no conteúdo. É o nosso artigo. Ele fez todo
o trabalho, sem nem ao menos me consultar, e o entregou mesmo
assim. Mas o pior de tudo é que ele não colocou nada do que
havíamos discutido, e sim fez um artigo inteiro baseado em relatos
de mulheres ou documentários que pesquisou sobre
relacionamentos tóxicos.
— Você fez todo o trabalho sozinho? — vocifero.
Ele não responde.
— Voltamos ao jogo dos mudos agora, Axel? — Ele bate com o
lápis na madeira da mesa. — Argh! Você não tinha o direito de fazer
todo o artigo sem ao menos me consultar, eu não tive participação
alguma nisso, você acha isso certo?
— O seu nome está lá, Heaven, então você participou e não
vou ser eu quem vai dizer qualquer coisa contrária à Eve —
responde ele, entredentes.
— Mas eu tenho o direito de participação, além de que você não
pôs nada do que conversamos.
— Você ainda nem leu todo o artigo para me acusar dessa
forma.
Solto um bufo enfurecida, ele não tinha esse direito, mas não
adianta nós dois discutirmos sobre isso agora.
— Onde você estava esses dias? — pergunto mudando de
assunto, a fim de que minha raiva por sua atitude estúpida passe
logo.
— Ocupado — responde.
— Ótimo, voltamos à estaca zero — murmuro.
— Estou na mesma posição de sempre, quem com certeza
voltou à estaca zero foi você — provoca.
— Talvez se você não fosse tão baba...
Ele me interrompe.
— Para de pôr a culpa da sua fraqueza nos outros.
Arregalo os olhos para ele, abro e fecho a boca algumas vezes,
mas Eve logo começa a aula, então não respondo nada.”
E até hoje, eu não respondi mais nada. Continuamos sentando
um ao lado do outro, em todas as aulas, mas não nos falamos, nem
mesmo um simples “oi”.
Axel me ignora totalmente, e eu respondo à mesma altura.
As únicas informações que tenho sobre sua vida são através de
Allie, já que os dois se tornaram bons amigos, até mesmo saem
todas as quintas para a pizzaria. Se eu não tivesse tanta certeza de
que minha amiga continua virgem, e sem beijar ninguém, eu diria
que os dois estão em um relacionamento, mas eu confio nela, já
nele... Não posso dizer o mesmo.
Allison me contou que ele tem uma irmãzinha de três anos,
chamada Anya, e automaticamente lembrei da pasta de músicas
que havia em seu carro, na única vez em que estive dentro dele. Os
jogos de play-offs que antecedem a temporada oficial começaram,
portanto, ele sempre deixa um lugar vago para ela, o único local que
ela nunca foi, ainda, é o armazém.
Já Wes, por outro lado, vai até o local quase todos os finais de
semana, encontrando-se com seus amantes misteriosos de outras
cidades.
Quando entro em casa meu pai está na sala, sentado em sua
poltrona com as pernas esticadas e o notebook em cima delas.
— Então, querida. Como foi? — pergunta ele, assim que
percebe minha presença.
Tiro a licença do bolso e mostro com um sorriso aberto, papai
levanta da poltrona e me abraça.
— Estava na hora de criar um pouco mais de responsabilidade,
e isso é um grande passo, estou feliz — diz ele beijando o topo da
minha cabeça.
— Também estou muito feliz por isso, pai. — Me desfaço do seu
abraço, e sento no sofá ao lado da sua poltrona quando ele volta a
sentar-se nela.
— Falando em grandes passos, como estão as aulas na
faculdade?
Faço uma careta, enrugando o nariz.
— Estão bem, só acho que nesse semestre ainda não serei
escalada para nenhuma peça. — Sou sincera.
— Você já fez algum teste?
Sei que os veteranos são sempre escalados, até porque a
maioria das peças são escritas por outros alunos, e nenhum calouro
se arrisca a escrever algo em seu primeiro ano. Portanto, sou
sincera.
— Não.
— E pretende?
— Não sei, vou esperar, ver o que surge... Enquanto isso vou
vivendo minha vida.
— Seu relacionamento com o Drew, como anda?
— Bem — respondo rapidamente, o que gera um olhar
desconfiado do meu pai em resposta.
— Olha, Heaven. Eu não quero me meter no seu
relacionamento — diz meu pai. — O Andrew vem de uma família
maravilhosa, isso não posso negar, sei que vocês se conhecem
desde muito cedo e engataram um relacionamento sério ao longo
dos últimos anos, mas eu seria um péssimo pai se não te dissesse o
que vou dizer agora. Então quero que você escute com atenção,
depois disso você faz o que quiser, e saiba que sempre terá o meu
apoio e o da sua mãe. Ok?!
Assinto.
— Você é o homem que eu mais confio nessa vida, pai.
— Fico feliz em saber que essa posição ainda é minha. — Ele
sorri. — Então, filha... uma coisa que eu tenho certeza nessa minha
vida é que eu não errei com você e na sua educação, ao menos eu
acho que não — diz em um tom defensivo, e eu apenas sorrio e
concordo. Ele sabe que sempre foi presente na minha vida. — Mas
eu me preocupo com você longe de casa, vocês quando estavam
aqui em Stone Bay viviam discutindo, e na maioria das vezes era
porque o Andrew se opunha a algo e você logo discordava, mas
então um tempo passava e você aparecia calada, triste pelos cantos
da casa. Eu não posso dizer com certeza que sei o motivo, porque
na vida a gente não tem certeza de nada, a vida é toda cheia de
achismos, e esse não passa de um achismo meu. Então eu acho,
que quando você fica assim, deve ter alguma ligação com seu
namoro, já vi que às vezes você quer fazer algo também, mas o
Andrew não apoia, então você apenas concorda com ele e segue
em frente. Eu posso estar ligeiramente errado, mas se por acaso,
você tem vivido em um relacionamento tóxico, por favor me diga.
Olho para meu pai, e não sei o que lhe responder diante da sua
análise. Magnus Morris é um homem que sabe ler bem as pessoas,
ele sempre soube, e por isso eu sempre fiz de tudo para esconder
meus problemas com Drew dos meus pais.
— Não é nada disso, pai — digo, o que é meia verdade, já que
nos últimos tempos houve uma mudança enorme entre nós dois.
— Ainda bem. — Meu pai suspira. — Sua mãe e eu, te criamos
para ter asas e voar, e se nós que te demos a vida, não queremos te
prender, não é um homem que vai, ouviu?!
Assinto, e meu pai sorri.
— Como eu disse, sei que ele vem de uma família boa, e até
pode ser um garoto bom... — Ele hesita por um momento, eu sei
que vem um grande mas em seguida.
— Mas?! — indago.
— Mas ainda não concordo que você deve levar esse
relacionamento como uma base sólida para o resto de sua vida.
Quer dizer, ele é seu primeiro namorado, e antes dele você chegou
a sair com o quê?! Dois garotos?! O que eu quero dizer com isso, é
que quanto mais coisas você viver, mais pessoas você irá conhecer,
mais experiências e histórias para contar você terá. E a faculdade,
deve ser uma das melhores épocas da sua vida. Então, querida, eu
quero te dizer que: viva, não deixe ninguém pôr uma âncora em seu
pé, e te fazer afundar, ou estagnar para sempre no mesmo canto.
Porque a sua vida deve ser vivida por você de acordo com o que
você quer para ela, e se errar, foda-se, todo erro é aprendizado, e
acredite em mim, você vai errar muito, mas nunca deixe que esses
erros passem a serem por conta da influência de qualquer um na
sua vida, seus erros deverão ser seus de acordo com o que você
escolher.
Uma lágrima desce pelo meu rosto, mas ela não é de tristeza, é
pura gratidão e felicidade. Então me levanto, sento no braço da
poltrona, abraço meu pai pelos ombros e beijo sua têmpora.
— Você sabe o quanto que eu te amo? — pergunto a ele.
— Do tamanho de Júpiter? — arrisca ele.
— Do tamanho de Júpiter mais Saturno, multiplicado pela Terra
e o Sol, mais todas as estrelas do Universo elevado por todas as
gotas do mar.
A gente diz isso um para o outro desde sempre, praticamente.
— Eu já lhe disse alguma vez porque sua mãe e eu te
batizamos de Heaven?
— Tenho quase certeza de que não.
— Então, nós dois estávamos discutindo nomes de bebê
enquanto tínhamos acabado de fumar um beck...
— Meu Deus, pai! — exclamo.
— Se você nunca deu uns pega, querida, tenha certeza que sua
hora um dia vai chegar.
Franzo o cenho para ele.
— Você percebe que está influenciando sua única filha a usar
drogas?
— Tsch, não é nada demais.
— Certo, vocês estavam super chapados e decidiram que meu
nome seria Heaven é isso?
— Mais ou menos isso. — Ele sorri. — Estávamos sim,
bastantes chapados, mas queríamos algo que remetesse à
felicidade, e o lugar onde reina a felicidade é o céu, e o céu é...
— O paraíso — continuo.
— Exatamente, o paraíso. Então você, Heaven, é o nosso
paraíso, nossa maior felicidade. Você é exatamente o lugar onde
reina tudo aquilo que nós dois somos.
Aperto ainda mais os ombros do meu pai.
Continuamos a nossa conversa sobre o tempo de faculdade do
meu pai. Sei que ele e mamãe se conheceram no último ano através
de um amigo, só que apenas agora descobri que esse tal amigo era
o cara que vendia maconha para eles, e isso me fez rir. Os dois se
conheceram comprando maconha, ficaram no mesmo dia, e já
decidiram os nomes dos futuros filhos em uma única noite.
E olha, aqui estou eu!
Depois de alguns minutos, meu pai precisa atender uma ligação
do trabalho e eu mando uma mensagem para Wes, perguntando o
que vamos fazer hoje, afinal.
Quando ele finalmente me responde, uma gota fria de suor
desce por minha coluna.
Wes: Prepara teu coração, porque hoje vai rolar proibidão
ARMAZÉMMMM
Quero morrer, quero morrer, quero morrer esta noite
Ela é um anjo
Apenas um anjo
ONLY ANGEL | HARRY STYLES

— Estou pensando em usar aquela saia jeans de quando fomos


ao cinema, o que você acha? — pergunta Allison.
Ela está sentada em cima de um tapete de tatame, tenho
tentando ensiná-la alguns golpes, mas ela sempre se cansa durante
o aquecimento.
— Não lembro de te ver usando qualquer saia — revelei.
— Nossa, Axel. Você é um ótimo amigo — diz em um revirar de
olhos.
Amigo, foi isso que me tornei dela logo após aquela noite
desastrosa que passamos juntos. Desde Heaven, Allison é a minha
primeira amiga mulher. Não que eu tenha sido o cara mais
enturmado, ou sequer popular na cidade em que vivi antes, a única
pessoa que permiti, ao longo dos anos, se aproximar de mim e
conhecer a minha história, além de quase todos os segredos que
carrego, foi o Kane.
Já com Allison é diferente, diferente de como foi minha relação
com Heaven, e diferente de como é com Kane.
Nós dois conversamos sobre inúmeras coisas, descobri que a
loirinha é apaixonada pela série Friends, assiste quando está triste,
feliz, com raiva... Enfim, independente dos seus sentimentos ela
está sempre assistindo a série. Ela também é uma pessoa muito
insegura consigo mesma, assim como eu fui um dia. E hoje sei que
o que me chamou atenção nela não foi uma questão de atração
sexual, e sim, duas almas que se entendem.
Sempre tento mostrar a ela o seu potencial em nossos
momentos juntos. Ao menos um dia na semana, saímos para jantar,
algumas vezes vamos acompanhados do Kane ou do Wes, até
mesmo Sadie, a garota com quem vi Drew no armazém, apareceu.
A única que nunca apareceu foi Heaven.
E agradeço por isso, porque eu não quero me descontrolar na
frente dela, seja por seu cheiro, que faz dias que eu não sinto, uma
vez que não sento mais ao seu lado nas aulas de Sociologia, ou por
qualquer outro motivo. Quase nunca a vejo pelo campus, a não ser
quando ela vai assistir a algum treino ou jogo, mesmo sabendo que
o Drew não entra em campo, ela sempre está lá por ele.
Outra que também está sempre lá é a Sadie, e me pergunto se
ela ainda tem um caso com ele, ou até mesmo se a Heaven sabe.
Às vezes eu tenho vontade de me aproximar dela, e arrancar os
olhos do seu rosto colocando os meus no lugar para que assim ela
consiga enxergar tudo o que vejo. Seus próprios amigos reclamam
do seu relacionamento, sei disso porque Wes é bem expressivo e
em uma das noites acabou soltando que odeia o Drew, e a Allie
literalmente concordou com ele.
Durante essas últimas semanas, além da programação com
Allison, os treinos, os jogos de play-offs e lutas no armazém, onde
ganhei todas as que lutei, eu também saí com algumas garotas.
Mas não consegui ir a fundo com nenhuma, pois apenas uma toma
conta do meu pensamento sempre.
Desde o dia em que selei meus lábios aos dela, nenhuma outra
conseguiu ter ao menos um por cento do gosto que ela tem, do
toque, da forma em como acelera meu coração, como prende minha
respiração e até mesmo me deixa tão excitado.
E eu simplesmente não consigo entender porque ela tem que
mexer tanto comigo. Eu olho para Allison e vejo o quão leal ela é,
animada, carinhosa e prestativa, eu poderia ter algo a mais com ela
além de amizade, mas não importa quantas bocas eu beije, a única
que eu desejo tem sido a de Heaven.
— Desculpa se eu não me interesso tanto assim por roupas —
finalmente a respondo.
— Realmente, você prefere o que sempre vem por debaixo
delas — constata.
— Nem vem, Allison — repreendo ela.
Ela levanta do tatame, então dá um soco no meu estômago.
— Por que você ainda acha que eu quero fazer sexo com você?
— Porque todas querem.
Ela revira os olhos novamente.
— Você realmente é um sem vergonha, Axel.
— Estou aprendendo com você, loira.
— Haha, idiota! Pelo menos você faz sexo, eu ainda sou
virgem.
Passo o braço sobre seu ombro, e caminhamos até a saída da
academia.
— Você sabe muito bem o que eu penso sobre isso.
Saímos da academia e destranco o carro com o controle.
— Você não entende — diz ela entrando no carro pelo lado do
passageiro. Faço o mesmo.
— Por mais que não pareça, eu até entendo. Você quer que
tenha sentimento, paixão, loucura, e todas essas merdas. — Dou
partida no carro, indo em direção ao dormitório onde Allie vive. —
Mas você nunca vai achar o cara perfeito para você se continuar se
trancando e pensando apenas em um específico.
Sei que Allie é apaixonada por alguém, porque seus amigos de
longa data sempre falam sobre isso, mas ainda não sei quem é o
cara, e se soubesse iria perguntar qual o problema dele que não
consegue enxergar a garota maravilhosa que ela é.
— Eu não me tranquei tanto assim. Eu saí com você,
esqueceu?! Mas não deu certo da forma que eu queria.
—Você me beijou de supetão, arrancou minhas calças e o resto
prefiro nem comentar — digo quase rindo.
— Sim, é verdade. A maior vergonha de toda a minha vida! —
exclama eufórica.
— O que foi?! Vai me dizer agora que não gostou do que viu?
— Claro que eu gostei. — Suas bochechas ficam
avermelhadas, e eu caio na gargalhada. — Para com isso, Axel —
diz enfurecida. — Eu nunca tinha visto um pessoalmente, e aquilo
me assustou.
— Eu não sabia que eu era tão grande assim — continuo a
provocando.
Ela me dá um murro no braço em resposta, o que essas
mulheres têm que gostam tanto de baterem em mim?!
— Você nem mesmo estava excitado, seu idiota — Allie retruca.
— E como você sabe? Você nunca havia visto um
pessoalmente — repito suas palavras.
— Eu não sou idiota, Axel. — Não estou olhando para ela
agora, mas aposto que seus olhos verdes acabaram de se revirar.
— Eu odeio você.
Rio do seu embaraço.
— Relaxa, Allison.
— É que você me deixa constrangida, e parece que às vezes
faz para provocar.
— Você sabe que esse constrangimento é fácil de acabar, basta
começar a entrar no vestiário masculino, lá terá inúmeros pintos.
— Vai se foder, Axel.
Sempre que estamos juntos, a provoco insinuando alguma
coisa relacionada ao nosso “primeiro encontro”, apesar de sermos
amigos, aquele constrangimento acabou tornando-se um pequeno
fator, e acredito que não seria capaz de estragar as coisas entre nós
dois.
Estaciono o carro em frente ao dormitório feminino no campus.
— Afinal, quando você vai finalmente me dizer o nome do tal
cara? — pergunto, porque em um mês ainda não consegui decifrar
quem é sua paixão.
— Quando você confessar para mim que é louco pela Heaven.
— Não sei de onde você tirou isso.
— A forma como você olha para ela deixa bem claro. Você não
olha para ninguém como olha para a Heaven, é notório para
qualquer um que esteja ao seu lado.
— Tão observadora você, Allison — ironizo.
— Tão mentiroso você, Axel — provoca, me imitando.
— Vaza idiota.
Destravo as portas para ela descer.
— Te vejo mais tarde, bundão.
Me despeço de Allison, e dirijo rumo ao meu apartamento.
Quando chego em casa noto que está tudo muito silencioso,
provavelmente Kane ainda deve estar dormindo. Ele costuma tirar
longos cochilos nos finais de semana, devido ao nosso cansaço
pelos treinos duplos que fazemos, ontem tivemos o último jogo
antes da temporada oficial e hoje, teremos luta no armazém, que
por sinal é uma que estou aguardando para caramba.
Busco meu celular no bolso, e vejo que há uma mensagem da
minha mãe:
Mãe: Fui à LA com Anya, havia esquecido de te dizer que
íamos ao Teatro, portanto, não estaremos em casa neste fim de
semana, acredito que o cheque da pensão já esteja depositado na
sua conta.
Ao contrário dos jovens, minha mãe escreve tudo de uma vez,
ela não gosta de ficar enviando mensagens cortadas. Planejava ir
até Stone Bay amanhã, almoçar com ela e Anya, mas dependendo
do resultado da luta de hoje, é bem melhor eu permanecer em casa.
Eu nunca escondi da minha mãe o fato de que eu lutava no
Hangar quando morávamos em Washington, mas aquilo vivia a
preocupando, ainda mais com o histórico que minha família possui.
Muitas vezes ela me proibiu de ir às lutas, mas como um bom
adolescente rebelde, eu sempre a desobedeci. Ela nem mesmo faz
ideia de que eu voltei aos costumes antigos, e, por enquanto, eu
não quero que ela saiba, ela também merece um pouco de paz no
coração.
Mesmo tendo ciência que eu não sou capaz de brigar na rua, ou
qualquer coisa do tipo, quero que ela confie que estou aqui apenas
estudando, e não fazendo nada fora da lei.
Já bastam todas as coisas que ela viveu em seu passado, em
nosso passado.
Hoje, a forma como minha mãe vive ainda é privada, mas ela
nunca pôde viajar uma hora até a capital para ir ao cinema quando
eu era criança, sequer teve a chance de sair com amigas, ou
participar de um clube do livro cheio de coroas ricas que reclamam
da disfunção erétil de seus companheiros, encharcadas de vinho.
Então eu fico feliz por ela, por mais que não tenha tido essa
liberdade comigo durante a minha infância, hoje ela pode
compensar os anos perdidos de sua vida e da maternidade fora de
casa com a Anya. Custou muito para nos livrarmos do abuso do
meu pai, mas conseguimos.
Quando eu penso na situação que minha mãe viveu, é
impossível não pensar em Heaven, nas marcas do seu pescoço
naquela manhã de domingo, em como ela me disse que estava
muito decidida a terminar tudo com ele, e mesmo assim voltou
correndo para seus braços no segundo em que deixou minha casa.
Eu soube que ela havia voltado com o Drew um dia depois, então
apenas me dediquei ao nosso artigo de Sociologia. Assisti a
documentários, entrevistas, li inúmeros livros, a fim de levar a
mensagem a ela, mas não adiantou muito, a única reação que tivera
dela foi incredulidade por não ter participado ativamente do trabalho.
A Allison está certa, eu olho para ela como não olho para
nenhuma outra garota. Eu vejo o seu sorriso quando o Wes conta
alguma aventura que viveu no fim de semana, eu observo a forma
como seus olhos brilham quando a Srta. Clark fala sobre a
sociedade contemporânea, mas o pior de tudo para mim, além de
sentir seu cheiro floral todos os dias quando ela passa por mim
subindo as escadas do auditório, é ter que ver seus dedos
entrelaçados aos dele todas as manhãs quando ele a deixa no
prédio de Literatura.
Minha maior vontade ainda é quebrar a cara dele, mas
ultimamente eu não vi nem percebi nenhuma marca em seu corpo,
ou qualquer alteração em seu estado psíquico.
Devo admitir ainda, que fiquei sem ar quando vi seu corte de
cabelo, ou quando a vi no shopping outro dia fazendo compras de
lingerie. Às vezes eu só queria pegar ela nos meus braços, e nunca
mais soltá-la, sinto a necessidade de protegê-la do Drew, e de
qualquer outro que a ameace, mas lá no fundo, sei que sou incapaz
de fazer isso, sinto que se eu me aproximar dela, eu posso destruí-
la. Ou a qualquer outra que deseje querer estar ao meu lado, a fim
de algo a mais.
E é por isso que eu não iludi ninguém que se aproximou de
mim, pois eu sou ciente de que a partir do momento em que me
abrir mais com outra pessoa, além do necessário, serei capaz de
acabar com sua vida. Não que eu queira fazer isso, ou tenha a
intenção, é porque está no meu sangue trazer a infelicidade para
quem me ama.
Depois de comer qualquer coisa, passei um tempo na darkweb[2]
olhando o site do armazém, onde mostra as atrações que
acontecem todos os sábados, além das apostas virtuais. Tudo isso é
gerenciado pelo Mark, o filho da mãe tem tirado uma grana cada vez
mais alta com os eventos clandestinos, ele é o responsável por ter
elevado o padrão das lutas no armazém, além de controlar todo e
qualquer possível vazamento sobre o que acontece no local. Certo
que boa parte da região é ciente dos eventos, mas ninguém nunca
foi capaz de interferir, ou criar qualquer problema, já que o local é
protegido pelos ricaços da região da Califórnia, e até mesmo pelas
autoridades locais, além da propina dada à polícia. A boa grana que
ele recebe é motivo o suficiente para não estudar mais, apenas
pagar a alguém para fazer seus trabalhos e provas.
Fico impressionado que para o lutador um, no caso eu, há
apenas uma aposta, mas ela é a maior de todas. A pessoa em
questão está apostando um valor de quinze mil dólares, isso é muito
dinheiro, a maior aposta já feita fora de oitocentos dólares, em nome
do Kane, na semana passada.
Desconfiança aloja o meu peito, e sinto o pingo frio de suor
descer sob minha têmpora, eu deveria me sentir feliz por ter alguém
apostando tão alto assim em mim, mas algo relacionado com o valor
e o nome do usuário me assombra.
A pessoa se auto intitula como Knife&Liver[3]. Lembro da história
que meu pai me contou anos atrás, sobre como consegui a cicatriz
logo abaixo do meu peito, no lado direito.
Isso deve ser apenas paranoia minha, tem que ser apenas isso.
Quando me dou conta, já passa das oito, falta pouco menos de
uma hora para minha luta. Junto minhas coisas numa mochila,
tranco o apartamento e vou direto para o armazém.

Chegando ao local vejo que está lotado, tem o dobro de


pessoas desde o último final de semana.
Assim que entro no vestiário, Kane já está lá à minha espera.
Tiro as roupas de uma vez só, sei que faltam apenas dez minutos
para ser chamado, não dá tempo de fazer qualquer aquecimento,
passei tempo demais pensando em conspirações sobre o meu
apostador principal. Kane me passa as bandagens, e enrolo-as nas
mãos.
— Você viu se Allison já chegou? — pergunto.
— Sim, está na primeira fila com os amigos.
— Amigos?! — Levanto a sobrancelha em confusão. — Pensei
que ela viria sozinha.
— Sim, ela veio com o Wes e a... — Kane é interrompido
quando alguém entra às pressas no vestiário.
— Anda logo, Axel. Eu estou ansioso por essa luta e a grana. —
A cabeça de Mark aparece na porta do vestiário.
Coloco o protetor bucal e corro para o centro do armazém, na
mesma hora escuto a voz de Mark pelo alto-falante anunciando o
meu nome. A multidão grita, pula e bate palma, o caminho é aberto
enquanto passo por eles e subo no ringue, ouvindo mais gritos.
Olho para as primeiras fileiras de pessoas, e tento localizar a
cabeça dourada de Allison, mas não a encontro. Estou preocupado,
quero saber onde ela está e com quem está. A aposta feita e o
usuário em questão ainda estão me assombrando, então me
preocupo com ela, mas não dá tempo de saber da sua localização.
Mark faz sinal para JC e eu nos cumprimentarmos, damos um soco
de leve com as mãos, então passo minha visão rapidamente pelo
público outra vez, e não a encontro.
— Vocês sabem as regras — diz Mark. — Para desistir, dê três
toques no chão; ficou inconsciente por mais de trinta segundos,
perdeu. Fora isso, não há limites para a luta. Senhores... — Ele
hesita por um segundo, mas há um sorriso sádico em seu rosto. —
Lutem!
Fico em posição de combate. Perna esquerda na frente, joelhos
flexionados e punhos fechados à frente do rosto.
JC avança e eu desvio, dando um soco em seu estômago. No
mesmo instante sinto uma dor dilacerante tomar conta de mim, JC
acaba de acertar meu abdômen acima do fígado, ele dá outro soco
no mesmo local, não tenho tempo de tomar minha respiração, meu
coração palpita devagar, sinto minhas pernas cederem, e então,
caio de cara no chão.
Minha respiração está vacilando, sinto as pontadas se
intensificarem em meu fígado, é como se uma faca estivesse
rasgando-o, como fora feito há treze anos. Minha visão de repente
fica entorpecida, meus sentidos auditivos não funcionam muito bem,
mas ao fundo escuto JC zombando.
— Você está louca? Sai daí, garota. — É a voz de Kane que
vem de algum lugar próximo. Com quem ele está falando?
Minha respiração continua fraca, pois a dor em meu tronco
ainda é tão presente que parece me rasgar inteiro por dentro.
Então eu a vejo, por mais que minha visão esteja escura e
desfocada, é impossível não reconhecer seus olhos azuis
caribenhos, ou seus lábios rosados e carnudos.
Seu rosto parece com o paraíso. Sinto a bile subir, o enjoo toma
de conta do meu estômago, meu fígado dói para um caralho, mas
eu poderia morrer aqui e agora, porque a única coisa que eu vejo é
ela... Heaven.
Que merda a Heaven está fazendo aqui?!
— Levanta daí, Axel, por favor — ela pede em uma voz
chorosa.
Eu tento raciocinar novamente. Como ela apareceu na minha
frente tão de repente? O que Heaven está fazendo no armazém?
Será que isso não passa de uma alucinação minha?! Seus olhos
azuis continuam vidrados em mim, ela não pisca, então eu percebo
que eu não estou sonhando.
A multidão está aos berros, uns gritam para que eu me levante,
e outros já comemoram a vitória para JC. Mark começa a contagem
regressiva.
Apoio as mãos no chão.
Cinco...
Flexiono uma perna.
Quatro...
Flexiono a outra.
Três...
Fico de pé.
Dois...
Então vejo que JC está de costas para mim, com as mãos
levantadas para o alto.
Mark não termina a contagem.
Levo minha perna ao alto, dando um meio giro de noventa
graus acerto as costelas de JC, e ele cambaleia para o lado ficando
de frente para mim com total surpresa, soco sua garganta, e depois
sua cabeça.
Então ele cai, desfiro mais um chute em sua costela, e outro, e
mais um, um chute na sua barriga.
Quando piso em suas bolas, ele bate três vezes no chão.
Respiro fundo, e olho para o lado. Não espero Mark anunciar
minha vitória, Heaven ainda está ali, a expressão em seu rosto
mostra quão perplexa ela está.
Me aproximo dela em passos duros, então enlaço sua cintura e
a jogo por cima do ombro. Minha dor abaixo do peito ainda é forte,
mas o caralho que eu vou deixá-la ficar nesse armazém de merda,
ainda mais em cima desse ringue com vários gaviões de olho em
suas pernas.
Desço do ringue com ela ainda em meu ombro.
— Me coloca no chão, Axel — ela grita.
Entro no vestiário e, antes de soltá-la, tranco a porta. A ponho
no chão encarando seus olhos azuis, que se antes estavam
surpresos, agora estão me fulminando com raiva. Mas ela não está
com mais raiva do que eu por essa situação de merda.
— Você pode me explicar que porra você está fazendo aqui,
Heaven?!
Eu serei o vilão agora
Mas não, não tenho orgulho disso
Eu não pude estar lá
CIRCLES | POST MALONE

As narinas de Heaven dilatam-se como as de um touro, ela está


com raiva. Pelo quê, eu realmente não sei, ou apenas não quero
entender.
O armazém não é um local para ela estar, ainda mais em cima
de um ringue, onde está acontecendo a merda de uma luta. Ela
talvez até possa se achar a salvadora, uma Natasha Romanoff da
vida, mas o fato é que ela não é.
Ela levanta o queixo e me fuzila com os olhos, logo depois sinto
a ardência em minha bochecha. Ela acaba de dar um tapão no meu
rosto.
— Que merda? — murmuro.
— Isso é por você ser um completo idiota — esbraveja ela.
Apenas observo seus movimentos. Andando de uma ponta a
outra do vestiário, Heaven passa as mãos pelo cabelo, logo depois
coloca-as em sua cintura e bufa uma risada.
— Eu juro por Deus que eu não consigo entender o que passa
na sua cabeça, Axel.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto a ela, confuso.
— Ah, não. Não se faz de doido não, que eu não aceito mais
isso, não vindo de você. — Aproxima-se de mim, ficando a exatos
cinco centímetros de distância. Quase me perco na essência do seu
perfume, mas ela espalma as duas mãos em meu peito, me
empurrando. — Primeiro você me odeia, dirigindo-me apenas
palavras de ódio, reprimindo uma raiva por mim que eu nem mesmo
faço a mínima ideia do motivo; depois coloca um dos meus filmes
favoritos para eu me sentir confortável, porque você me conhece o
bastante, mas em seguida me julga e depois me beija na merda da
sua cozinha; e após semanas, sem olhar na minha cara,
simplesmente me carrega em seus ombros, como se fosse um
homem das cavernas — constata por fim.
— Não me chame de doido quando é você quem sobe em um
ringue no meio de uma luta — sibilo entredentes.
— E ainda por cima, quer vir tirar satisfação sobre o que eu
estou fazendo aqui.
— Claro! Este não é um local adequado para você.
Começo a remover as bandagens das minhas mãos, enquanto
ela volta a andar de um lado para o outro com as mãos de volta à
cintura, escuto o som da sua respiração, ela está tentando mantê-la
estável.
Quando finalmente para de andar em círculos, ela se coloca na
minha frente novamente, não tão próxima quanto antes, e indaga:
— Sabe qual o real problema que acontece aqui, Axel?! — Ela
faz menção com as mãos apontando de si para mim. — É que não
somos nada além de estranhos com memórias. Eu não quis aceitar
de imediato que não somos mais nada um para o outro, que não
nos conhecemos mais, e que não fazemos mais parte da vida um do
outro, mesmo essa não tendo sido uma escolha minha. Eu subi
naquele ringue maldito, pois enxerguei ali o garoto de dez anos que
andava cabisbaixo devido ao bullying que sofria, eu vi o amigo que
amei. Mas te vendo agora, enxergo que não há mais nada que te
ligue àquele que você foi um dia.
Tento interrompê-la, mas ela levanta a mão.
— Eu vou terminar de falar — avisa. — E não venha querer
dizer qualquer coisa sobre o seu corpo, porque eu nunca me
importei com ele — diz enfurecida. — Você é outra pessoa, eu
também sou, e a cada dia que passa tenho a certeza de que nunca
voltaremos ao que éramos há cinco ou seis anos atrás.
Engulo em seco ao ouvir suas palavras, eu não esperava que
Heaven tivesse uma atitude como essa que acabara de ter, mas não
fico paralisado devido a isso e sim, porque tudo o que ela disse me
tocou.
Tento formular qualquer resposta com meus pensamentos
entorpecidos, mas ela se aproxima ainda mais de mim enquanto
murmura:
— Você, de todas as pessoas, não tem direito algum de dizer
onde devo estar, que local é ou não apropriado para mim, porque
você — Aponta o dedo no meu peito —, definitivamente, não é nada
meu.
Solto uma lufada de ar pesada.
— Você tem alguma ideia do que acontece aqui, Heaven? Ou
não? Você deve estar aérea quanto a isso, então me deixa explicar.
— Jogo as bandagens no chão. — Lutas, corpo a corpo, sangue...
Você quer ficar com a porra de um hematoma no seu corpo subindo
naquela merda de ringue?! Então vai lá! — Dou outro passo, ficando
mais próximo dela. — Vale lembrar que boa parte dos homens que
frequentam o local costumam tratar as mulheres que sobem naquele
ringue como se elas estivessem vendendo seus corpos ali.
Heaven bate três palmas altas, me olhando com diversão no
seu rosto.
— Não basta ser machista, ele ainda me chama de puta. — Ela
também dá mais um passo, tornando o espaço entre nossos corpos
ainda menor. — Quais os outros adjetivos pejorativos que você tem
para me insultar? Vamos lá, descarregue tudo de uma vez.
Seus olhos azuis são tomados por uma neblina intensa, como
se ameaçasse cair uma tempestade a qualquer momento no Caribe.
— Não coloca palavras na minha boca, Heaven. Se eu fiz o que
fiz foi para te proteger.
Dou mais um passo em sua direção.
— Eu não preciso da sua proteção, Axel — ela se aproxima
também.
— Então volta lá e vá ver os urubus caindo em cima de você, te
assediando, passando a mão nas suas pernas. — Aponto para a
porta, ficando apenas cinco centímetros de distância dela
novamente.
— Você acha que tem algum poder sobre mim, Axel? —
Heaven levanta o rosto para me olhar nos olhos.
— Você não é ninguém para mim, Heaven. — Fixo meu olhar
no seu.
— O meu sentimento por você nunca foi tão recíproco —
retruca.
Entramos em uma batalha de olhares, mesmo sabendo que
estou tão próximo dela como estivera naquela tarde, eu não ouso
por momento algum desviar meu olhar ou fazer qualquer movimento
com o corpo.
A dor abaixo do meu peito é forte e persistente, quase que
visceral, mas não é ela que vai me deixar vacilar diante dessa
disputa. Deixo meu rosto baixar um pouco mais, ficando ainda mais
próximo dela.
— Você é um enigma — diz ela, quase em um sussurro.
— Que você nunca será capaz de decifrar. — Uso o mesmo tom
de voz.
Nenhum de nós se deixa vacilar, ela me encara com ódio, raiva
e até mesmo desprezo, enquanto eu a olho com saudade e uma
vontade enorme de tomar a sua boca novamente com a minha.
Talvez ela saiba o que eu sinto, porque é quase que explícito o
quanto quero rasgar sua saia minúscula, aqui e agora.
Mas se eu me atrever a fazer isso, há infinitas possibilidades de
acontecimentos logo em seguida.
Primeiro, ela pode me bater de novo; segundo, ela pode até
aceitar entrar nessa aventura comigo; terceiro, amanhã ela poderá
se arrepender de qualquer desejo que nos domine, porque quando
se trata de Heaven, ela merece tudo. Mas eu não sou capaz de me
entregar assim a ela.
— Você é impossível — murmuro.
— Igualzinha a você — retruca.
A nossa batalha é perdida quando deixamos nossos narizes se
tocarem, nossas bocas agora estão a poucos milímetros de
distância, nossas respirações são pesadas e audíveis.
Ao sentir o ar quente que sai pela fresta dos lábios rosados e
carnudos de Heaven meus pelos se eriçam, e meu pau enche-se de
sangue com as memórias vívidas do seu beijo, pelo qual eu tenho
ansiado tanto.
Eu sou o fruto de um pecado, filho de um pecador, criado por
um homem nada santo. Heaven é luz, felicidade, espontaneidade e
paz, enquanto eu não passo de um puro tormento. Quero beijá-la,
preciso tanto disso como de ar para respirar.
Já disse inúmeras vezes o quanto isso é errado, porque é a
verdade.
Mas que se foda esse dilema de merda, se eu tiver que me
arrepender de qualquer coisa, que seja por ter sido um covarde por
tanto tempo.
As írises azuis de seus olhos são cobertas por suas pálpebras,
então eu faço o mesmo, deixando que meu corpo me domine e não
minha mente. O espaço entre nossos rostos é cada vez menor, a
pele macia e cheirosa de Heaven toca a minha, tão asquerosa. O ar
quente e mentolado de sua boca invade a minha, minhas papilas
gustativas se abrem, ansiando pelo momento em que finalmente
sentirei seu gosto outra vez.
Nossos lábios se tocam e, por milésimos de segundos, sinto-me
no verdadeiro paraíso, mas logo em seguida despenco do céu no
momento em que somos interrompidos por pancadas altas contra a
porta do vestiário.
Heaven se afasta de mim no mesmo instante enquanto eu,
tento raciocinar o que acabou de acontecer. Passo as mãos pelos
cabelos, caminhando lentamente até a porta e a abro, quando Kane
adentra no cômodo feito um furacão.
— Axel, seu idiota! O que você tem na cabeça de sair de lá
daquela forma? — Ele me encara furioso. — Aquela merda lá em
cima tá começando a feder...
Então ele para e olha para o lado percebendo que não estou
sozinho. Logo em seguida, mais quatro vultos entram de supetão no
vestiário, então percebo se tratarem dos nossos companheiros de
time, Elliot e Grey, acompanhados por Allie e Wes.
Allison abraça Heaven fazendo uma análise rápida em seu
corpo com os olhos, logo depois se vira para mim, vem em minha
direção e me abraça.
— Que luta irada, cara — Elliot diz eufórico.
Wes, que está com o braço em volta dos ombros de Heaven,
diz:
— O que estava rolando aqui? Vocês dois parecem meio
exasperados.
— E você parece muito curioso — retruco com raiva.
Mas não é raiva dele, é raiva de mim mesmo por não ter tido
autocontrole suficiente há segundos atrás, se não fosse por eles,
nesse momento eu estaria prestes a tirar as roupas de Heaven aqui
mesmo.
— Ih, tá azedo em! — diz Wes.
Allison finalmente me solta de seu abraço, ela parece
extremamente aliviada.
— Quando vocês saíram daquela forma e toda a confusão
começou, eu pensei que vocês haviam sido devorados — diz a loira,
exasperada.
Mas espera aí, confusão?
— Do que você está falando? — pergunto, sem noção alguma
do que aconteceu após minha saída do ringue. — O que tá
acontecendo lá?
— O pau tá torando — diz Grey.
E é aí que eu percebo os gritos, e escuto o barulho de vidro
quebrando.
— Essa multidão toda lá fora, tem a ver com JC — continua
Kane. — Ele tinha certeza de que a luta estava ganha, e ele
prometeu isso a vários apostadores, então quando ele bateu no
chão. Cara... O negócio ficou feio, quer dizer, está feio. A única
coisa que veio à minha cabeça foi procurar por você, porque ele
também vai vir atrás de...
Não dá tempo de Kane terminar, na mesma hora vejo a cabeça
careca de JC adentrando o vestiário, e ele apontando o dedo em
direção à Heaven.
— Por culpa dessa sua putinha eu perdi — JC esbraveja.
Sangue quente corre em minhas veias, e se eu não o matei
naquele ringue, o momento será agora.
Antes de ele dar qualquer passo e se aproximar de Heaven, eu
avanço em sua direção empurrando-o contra a parede e mantendo-
o no local com a ajuda do meu antebraço, que pressiona o seu
pescoço.
— Do que você a chamou? — sibilo entredentes.
Ele não responde, apenas tenta se soltar. Então levo o meu
joelho até o centro de suas pernas, atingindo-o exatamente em suas
partes íntimas.
— Eu perguntei do que você a chamou, porra — grito contra
seu rosto, praticamente cuspindo.
— Pu... pu... puta-ta-ta — responde sem ar, pois a força que
uso é tanta que o faz quase ficar roxo.
— E você ainda tem a coragem de responder?! — Levanto meu
punho, acertando o mesmo no centro do seu rosto.
Dou outro murro, e mais um.
Em seguida, solto a prensa do meu braço contra seu pescoço,
mas, em compensação, agarro sua nuca, levando-o até Heaven que
está paralisada, assim como todo o restante ali presente,
observando a cena que se desenrola.
— Pede desculpas — sibilo. — Pede desculpas, JC! Agora!
— Você não é puta, des-des-culpa.
Fico de frente para ele, ainda o agarrando pela nuca, colo
minha testa na sua encarando seus olhos castanhos, que ao invés
de furiosos estão atormentados com puro medo.
— Eu estou ficando cansado de quebrar sua cara, então faz um
favor para nós dois e some da porra da minha vida — digo
entredentes.
— Era pa-para vo-c-cê ter p-p-perdido — diz ele gaguejando,
ainda tentando recuperar o ar.
— Mas não perdi, e você vai ter que aceitar isso. — Olho no
fundo dos seus olhos. — Agora, eu vou te soltar, e você nunca mais
vai cruzar o meu caminho ou o de qualquer um aqui, senão, da
próxima vez, eu juro que, no mínimo, te deixo hospitalizado.
JC arregala os olhos, fúria estampada neles agora.
— Entendeu? — ele não respondeu. Então aperto mais o seu
pescoço, enquanto com minha mão livre dou outro golpe em seu
abdômen. — Entendeu, porra?
Ele assente devagar, e começo a afrouxar meu aperto aos
poucos, mas antes de soltá-lo caminho com ele até a saída do
vestiário. Quando chegamos lá, empurro seu corpo mole e quase
sem ar contra o chão, onde ele cai de joelhos.
JC me olha novamente por cima do ombro e devagar fica de pé,
estala o pescoço e segue em direção ao vestiário que foi designado
para ele.
Voltando para dentro, encaro todos que estão no cômodo. Os
cinco estampam espanto em seus rostos.
— Brutal — debocha Heaven.
— E quente — Wes finge se abanar.
Vinco a sobrancelha e começo a tirar o calção, indo em direção
ao chuveiro. Quando estou apenas de cueca, e completamente de
costas para eles, escuto a voz de Kane.
— Vou levá-los para o estacionamento, vê se não demora aí.
Quando finalmente escuto a porta bater, tiro a cueca e vou para
debaixo do chuveiro.
Heaven tinha razão, eu agi como um homem das cavernas
quando a trouxe até aqui, e fui pior ainda há poucos minutos,
quando ataquei JC. Mas ele a chamou de puta, em um momento
nada oportuno para ele. Todo o estresse que estou acumulando nos
últimos dias por conta dela é demais para mim, e ao escutá-lo
chamá-la daquela forma só fez o meu sangue ferver.
Depois de um banho rápido, apenas para tirar o suor do corpo,
dou uma olhada no espelho. Dessa vez não ganhei nenhum corte
ou olho inchado como resultado da briga, mas meu abdômen está
roxo, com muito sangue acumulado.
Passo os dedos sobre a cicatriz que se encontra no mesmo
local onde está machucado. Por muitos anos eu não soube como
havia ganhado aquela marca, apenas sabia que ela estava ali
presente no meu corpo. Quando mais novo, perguntava à minha
mãe como ela surgiu, mas ela desconversava dizendo que passei
por uma cirurgia e foram momentos difíceis, por isso não gostava de
lembrar.
Talvez se eu tivesse mantido minha boca fechada, eu nunca
teria descoberto o real motivo de ela estar ali em mim, se, por um
mísero segundo, eu tivesse me calado, nada disso me atormentaria
hoje.
Quem sabe eu até poderia ter me tornado um cara melhor, e
menos covarde.
Porque na realidade eu não passo disso, um covarde que tem
medo de tudo e todos, e que nunca deixou de ser o ridículo da
turma. Os músculos que ganhei vieram da raiva, esse sentimento
que por muitas vezes me domina e é todo ligado ao meu passado, a
única forma que eu encontrei de expulsá-la foi através da adrenalina
liberada na hora de uma luta.
Antes eu pensava que o saco de areia poderia ser meu melhor
adversário, mas hoje eu entendi que eu preciso de coisas que me
desafiem, que me levem até a beira do precipício, e que quando eu
estiver pronto para pular, eu possa voltar e dominar qualquer morro.
Foi exatamente isso que aconteceu durante a luta com JC,
estava tão compenetrado com a técnica correta para derrubá-lo o
quanto antes, que não previ o seu golpe que quase me fez perder.
Então ouvir os gritos desesperados de Kane pedindo para que eu
me levantasse, e ver a aflição no rosto de Heaven, foi o suficiente
para me reerguer, dominar a luta novamente, e aliviar toda a
pressão que eu estava sentindo durante todas essas semanas.
Depois de me secar, vestir as roupas e juntar todas as minhas
coisas na mochila, caminho para fora do vestiário. Adentrando no
salão principal do armazém vejo que realmente houve uma grande
confusão aqui fora, garrafas quebradas no chão, bebidas para todos
os lados, mesas e cadeiras também quebradas, como Kane havia
me dito. Ele também disse que iria levar todos que estavam lá
dentro conosco para o estacionamento, mas ao invés de encontrá-
los do lado de fora, vejo que estão todos no bar.
A multidão que existia aqui durante a luta, fora dispersada,
agora tem poucas pessoas. Reconheço alguns rostos que sempre
frequentam o local, a maioria deles são pessoas de cidades vizinhas
que fazem uma viagem de no máximo uma hora todos os sábados,
outros são universitários.
No meio do caminho uma garota me para, sussurrando no meu
ouvido que deseja repetir a dose da semana passada, porém
apenas a dispenso dizendo que já estou em um encontro com
alguém.
Cínico da minha parte, eu sei. Mas eu nem mesmo lembro de
ter ficado com ela alguma vez, talvez porque como eu já disse
antes, não importa com quem eu fique, só uma pessoa domina a
minha cabeça. E nesse momento ela me encara, dando um passo
para trás.
Eu poderia ir lá e confrontá-la de novo, mas ao invés disso
apenas fico ao lado de Kane e arranco a garrafa de cerveja de sua
mão, virando-a em seguida.
— Você não disse que estaria no estacionamento? — o
confronto.
— Essa era a ideia, mas a garotinha ali — Aponta com o queixo
para Heaven. — Juntamente com o celibatário, quiseram tomar
alguma coisa.
Quando olho para Heaven, ela está virando um shot que parece
ser de vodka, ou tequila. Wes acompanha seu movimento e Elliot
despeja em sua boca o líquido incolor da Absolut enquanto Allison
apenas cruza os braços, ignorando totalmente os amigos.
— Onde está o Grey? — dirijo a pergunta a Kane.
— Foi conversar com o Mark, ele está decidido que quer lutar.
— Se ele fizer isso, precisamos avisar ao treinador para
conseguir alguém para jogar na posição dele antes da temporada
começar — Elliot interfere.
— Você quer dizer a temporada que já começa em duas
semanas?! — pergunto ao franzir o cenho. — O Grey pretende lutar
quando?
— Semana que vem — Kane revela.
— Aquela porra é louco? — pergunto.
— Ao que tudo indica, sim — Elliot responde dando de ombros.
De canto, vejo Heaven levar mais uma dose de bebida até sua
boca e em seguida virá-la.
— Agora podemos ir — diz Heaven.
Então ela caminha rumo à saída, passa por mim cambaleando e
eu a seguro, impedindo-a de cair no chão, mas também sendo
entorpecido outra vez por seu cheiro.
— Eu sei me cuidar sozinha, babaca. — Ela me empurra e sai
andando.
Começamos a acompanhá-la, mas ela para no meio do
caminho, virando-se para confrontar Wes.
— Você é péssimo, sabia?! Você me prometeu uma noite
incrível, e olha só... Eu indo para casa antes da meia-noite.
— Mais tarde do que seria se você tivesse saído com seu
namorado — responde Wes em tom de deboche.
— Você sabe que o Drew não gosta de locais com muito
movimento — defende Heaven.
Nesse momento eu queria apenas tapar meus ouvidos para não
ter que ouvir esse tipo de coisa, porém continuamos caminhando.
— Realmente. Ele não gosta de sair, nem de beber, nem de
fazer nada. — Percebo o deboche novamente no tom de voz de
Wes.
Ele está errado e sabe disso, porque assim como eu, ele viu o
Drew outras noites aqui no armazém, e ele não sai daqui menos do
que cambaleando. Sempre chega durante a última luta e bebe
horrores ao lado da ruiva que senta com eles na hora do almoço.
Até certo ponto, na minha cabeça, Heaven sabia, mas só agora,
depois de escutar essa pequena discussão dos dois, é que vejo que
ela não faz a mínima ideia do que seu namorado anda aprontando.
— E depois o celibatário sou eu... — diz Elliot ao tomar outro
grande gole direto da garrafa que carrega em sua mão.
Heaven passa para o lado de Elliot e rouba a garrafa dele,
apontando o dedo em sua cara.
— Sua mãe sabe que você está ficando com várias garotas aqui
e morrendo de ressaca aos domingos, e por isso não pode ir à
igreja? — Heaven confronta Elliot, que por sua vez parece perder
todo o sangue do seu corpo, ficando pálido.
Percebo seu pomo de adão subir e descer quando ele engole
em seco, em seguida ele tenta tomar a garrafa da mão de Heaven
mas ela não devolve, rindo do seu desespero.
Ela parece realmente feliz enquanto bebe, ela parece feliz com
seus amigos, ela é feliz quando está longe do Drew, penso em falar
isso, mas meu consciente imediatamente troca as minhas palavras.
— Você precisa de carona? — pergunto a Allison.
— Viemos de carro com a Heaven, mas ela bebeu. Então,
provavelmente terei que arrancar as chaves da mão dela. Não vai
ser nada legal perder a licença de motorista no mesmo dia em que
recebe — responde em um tom não muito agradável, conhecendo
um pouco Allison como conheço, diria que ela está com raiva.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto.
— Não, por quê?! — retruca apreensiva.
— Você está estranha.
Passamos pelo portão da saída, indo em direção aos carros.
— Nada demais, eu só... — Ela hesita por um momento
arregalando os olhos. — Ah, merda!
Olho na mesma direção que ela, e então vejo.
Drew está aos amassos com a tal ruiva em frente ao Audi dele,
eles estão praticamente se despindo em público. Uma porta do
carro é aberta, eles vão entrar lá a qualquer momento, mas eu sei
quem está logo atrás de mim.
Eu e Allison viramos no mesmo segundo, e então vemos
Heaven. Ela está praticamente ao nosso lado, parada como uma
estátua, com a boca aberta e o dedo indicador suspenso no ar,
apontando para a cena à nossa frente.
— Aquele é o... e a... — Não consegue falar o nome deles.
Heaven avança em direção ao carro, onde os dois já entraram
fechando a porta traseira. Antes que ela pudesse correr, a agarro
pela cintura, por trás.
— Você não vai fazer isso — sussurro em seu ouvido.
Agora você sabe
Agora eu estou livre
Eu sentarei e assistirei seu carro pegar fogo
Com o fogo que você começou em mim
WATCH | BILLIE EILISH

Eu tento me soltar do aperto de Axel, mas o esforço é


totalmente à toa. Queria apenas entender porque logo ele está
fazendo isso.
Quero dizer, ele sempre foi o primeiro a julgar meu
relacionamento com o Drew, e agora que eu vi estampado na minha
cara o grande canalha que ele realmente é, bem que o Axel podia
cooperar comigo. Mas não, ele mantém seu agarre forte em mim.
Finalmente paro e respiro fundo, com a voz mais calma e
manipulada existente em mim, peço:
— Por favor, me solta.
— Só se você prometer não fazer nenhuma besteira — retruca.
— Você quer que eu faça o quê, então?! — sibilo. — Eu acabo
de ver meu namorado, e minha suposta amiga na maior pegação, e
agora, provavelmente, eles estão trepando dentro do carro. Então
me diz, Axel, o que é que eu faço com isso?!
— Apenas mantenha a calma — ele murmura por trás,
começando a afrouxar seu aperto em minha cintura. — Eu vou te
soltar, mas você vai tomar bastante cuidado com o que vai fazer em
seguida, porque você sabe quão perigoso ele é.
— Não foi ele que quase matou um cara enforcado há minutos
atrás.
Merda! Eu não devia ter aberto minha boca assim. Axel, ao
invés de me soltar, como prometido, me aperta ainda mais.
— Verdade, ele só enforcou você — sussurra em meu ouvido,
então lembranças começam a invadir a minha mente com força.
Às vezes em que Drew perdeu a cabeça e gritou comigo, ou
quando me humilhou em público, os machucados que deixou em
meu corpo, a forma como eu passei a prender a minha respiração
esperando qualquer golpe dele, nas vezes em que discutimos nas
últimas semanas.
Não adianta eu querer ferir o Axel defendendo o Drew, porque
no final das contas ele tem razão.
No momento em que eu agir por impulso, meu corpo pode sair
dessa mais machucado do que meu emocional, mas pela forma
como o Axel está me segurando, eu sei que ele seria capaz de me
defender caso aconteça algo. Eu presenciei na primeira fila o que
ele fez com o JC ao me chamar de puta, foi brutal admito, mas pela
primeira vez em minha vida senti que alguém realmente estava me
defendendo.
Não que eu não saiba me defender sozinha, mas dadas as
circunstâncias do meu envolvimento com o Drew, até eu mesma
duvido de mim. Então se algo acontecer, sinto que Axel estará lá
para me proteger.
Ao menos é isso que eu espero dele.
Meu sangue continua quente, e a única cor que vejo à minha
frente é vermelho, mas preciso que ele me solte primeiro.
— Você tem razão, tá legal?! Só, por favor, me solta.
— Se eu te soltar, o que você vai fazer?
Dou um leve suspiro, e digo a verdade.
— Não sei, minha cabeça está a mil.
— Tudo bem, então.
Dito isso, Axel finalmente me solta. Quando me viro, vejo que
seu rosto está coberto de preocupação, enquanto os dos meus
amigos de pesar. Direciono meu olhar para Wes, finalmente me
dando conta do por que ele insistira tanto para virmos essa noite.
Desde o domingo, quando Wes viu o meu pescoço, ele
enumera prós e contras sobre o Drew. Mais precisamente a lista do
meu amigo tem mais contras do que prós, já que nesta, em
específico, diz “bonito, mas tem melhores”.
Quando ele me mandou a mensagem dizendo o local aonde
iríamos, eu me recusei de prontidão, inventei mil desculpas para não
estar aqui essa noite, porque eu sentia que algo estava para
acontecer, e realmente aconteceu. Assim que chegamos, fomos
engolidos por uma multidão de gente, e quando finalmente
conseguimos um pouco de ar vi Axel no chão, quase sem respirar. A
preocupação tomou conta de mim de imediato, então fiz o ato
estúpido de subir naquele ringue.
Depois de uma bela discussão entre nós dois e mais socos dele
no outro cara da luta, eu tinha me esgotado física e mentalmente
dos acontecimentos dessa noite.
Disse ao Wes que de forma alguma voltaria nesse local, nisso
ele me ofereceu um shot de tequila e disse apenas “existem muitas
coisas que você ainda precisa descobrir aqui”, apenas ri da sua
insinuação, mas agora me dei conta do que ele quis dizer.
— Há quanto tempo você sabia?
— Pelo menos duas semanas.
Olho para Allie, seu semblante está tão pesaroso quanto o do
Wes.
— E você, sabia de alguma coisa?
— Não, não sabia.
Uma lágrima solitária desce pelo meu rosto.
— Você tem certeza disso, Allison?!
Ela assente com a cabeça, e decido acreditar nela. Em seguida
levanto meu olhar para Elliot, que apenas estende as mãos para o
alto e diz:
— Eu não sabia de nada, estou tão surpreso quanto você.
Não tenho tempo de responder ou dizer se acredito ou não nele,
já que no mesmo momento somos interrompidos pela presença
inesperada de Grey. Ótimo! Talvez ele sempre soube também, quão
otária eu fui esse tempo todo.
— Ei, já estão indo embora? — Ele está dentro do carro com o
vidro abaixado e um belo sorriso de orelha a orelha. — O Mark disse
que eu poderia lutar no próximo fim de sema...
Ele para de falar no momento em que me vê, estou com raiva,
estou triste, confusa... estou louca!
Limpo a única lágrima que desceu nesse meio tempo. Antes
que qualquer um tenha a chance de falar qualquer coisa, abro um
sorriso e me aproximo do carro.
— Heaven, o que você está fazendo? — pergunta Allie de
longe.
— Só preciso falar rapidinho com o Grey — respondo por cima
do ombro. Me viro novamente para Grey abrindo um sorriso, dessa
vez completamente inocente. — Você tem alguma notícia do Drew?
— Ele viajou com os pais, não?! — diz confuso.
— Sim, sim — concordo. — É que não estou conseguindo falar
com ele.
— Caso queira, posso te emprestar meu celular para ligar para
ele.
Respiro aliviada, pelo menos o Grey não sabe de nada, se
soubesse aposto que ele seria o primeiro a me contar, ele não
consegue esconder segredo algum. Não sei o que deu em mim,
apenas sinto a necessidade de saber que não estou sendo tão
traída assim por todos que convivo, pois minha mente está à milhão,
ao mesmo tempo em que quero confrontar o Drew e a Sadie, quero
também sentar no canto e chorar. Quero descontar a minha
frustração em alguém, talvez por isso esteja descontando nos meus
amigos.
— Não precisa, mas obrigada de qualquer forma.
— Tudo bem, mas o que aconteceu que você estava chorando?
— pergunta ele, genuinamente preocupado.
— Nada demais, acho que TPM. — Homens sempre acreditam
quando colocamos a culpa em nossos hormônios, então por que
não agora?
— Ah, isso é no mínimo f. — Ele quer dizer foda, mas nunca
expressa os palavrões, apenas suas primeiras letras.
Assinto com a cabeça, e então me afasto da janela de seu carro
para deixá-lo ir embora. Olho para o lado, em direção ao Audi azul
escuro que está sendo engolido pela luz noturna, ele balança
suavemente. Sei que disse que não ia fazer nenhuma besteira, mas
eu menti.
Meu plano real, por um segundo, era esperar os dois acabarem
qualquer coisa que estivessem fazendo, e então encará-los de
frente, mas não vou ficar aqui, escondida na penumbra da noite,
assistindo a dupla traição. Escuto Grey dar a partida no carro, mas
antes que ele possa acelerar o chamo.
— Você teria uma camisa para me emprestar?
Eu conheço o Grey há bastante tempo, por isso sei que o porta-
malas do seu carro é basicamente um guarda-roupas, além de um
segundo armário para seu equipamento de futebol.
Grey franze as sobrancelhas em total confusão, analisando
minha roupa.
— Derrubei um pouco de tequila em mim sem querer, e o cheiro
está me incomodando — minto.
— Tudo bem, está na mala. Só pegar.
Graças a Deus, Grey não precisa descer do carro para abrir a
mala. Olho para o lado, na direção onde estão meus amigos e Axel,
eles estão conversando aos sussurros, mas prestam atenção nos
meus movimentos. Caminho em direção ao porta-malas, e assim
que encontro o que preciso, corro em direção ao carro onde o meu
namorado traíra está comendo a minha amiga.
Há quarenta metros de distância, escuto o Grey perguntar o que
estou fazendo; aos gritos, Allison me chama e Wes grita um
palavrão ao fundo.
Quando estou finalmente ao lado do Audi de Drew, escuto um
gemido agudo. Essa porra vai acabar agora, quer eles queiram ou
não!
A garrafa de bebida de Elliot ainda está em minha mão, então
derramo boa parte do líquido na camiseta, embebedando-a de
vodka. Em seguida, coloco um pedaço do tecido branco dentro da
garrafa, e com o isqueiro, que também consegui no porta-malas do
Grey, acendo-o.
A chama amarela brilhante toma conta do tecido, trazendo cor a
essa noite escura. Levanto a garrafa no alto, e quando o fogo
adquire a cor alaranjada, a arremesso contra o carro, fazendo com
que o vidro do painel exploda juntamente com a garrafa.
— Puta merda! — A voz de Elliot grita logo atrás do meu ombro,
eu não estou o vendo, mas acredito que ele esteja com as mãos na
cabeça nesse momento.
Eu já havia visto na teoria como se fazia um coquetel molotov,
nunca o tinha feito na vida antes.
Para uma primeira vez, até que funcionou bem.
Sinto meus pelos eriçarem-se e, aos poucos, vou me afastando
do carro que começa, literalmente, a pegar fogo no banco do
motorista. As lágrimas tomam o meu rosto, o medo e a apreensão o
meu coração. Minha respiração falha ao sentir o cheiro da fumaça.
Meu corpo tromba com algo às minhas costas, sinto que na
verdade é outro corpo, forte e alto.
Em seguida a porta traseira do Audi azul é aberta.
Cacos de vidro voam, quando, dessa vez, uma das janelas do
carro explode.
Vejo Drew saindo do carro com seus olhos arregalados e a
calça entreaberta, seguido por Sadie que também parece estar em
choque tanto quanto ele.
— Que porr... — começa ele, mas então ele me vê.
Ele avança para perto de mim e eu vou ao seu encontro.
Quando estamos frente a frente um com o outro, espalmo minhas
mãos em seu peito nu, o empurrando.
— Seu desgraçado, filho da puta — grito.
Estou pronta para empurrá-lo outra vez, estapear sua cara,
esmurrá-lo, qualquer coisa que seja, enquanto seu carro continua
pegando fogo aos poucos ao nosso lado, mas sou interceptada por
um abraço em minha cintura, que me afasta de Drew. Eu tento me
soltar, porém meu esforço é inválido.
Meu olhar encontra o de Drew, e, no mesmo momento, vejo a
surpresa tomar conta de seu semblante. Tento novamente me
desvencilhar dos braços que me agarram por trás.
Essa merda tá ficando cansativa.
— O que você está fazendo com ele, Heaven? — pergunta
Drew, entredentes.
Então me dou conta que a pessoa que me segura é Axel, só
podia ser!
— O que eu estou fazendo com ele?! — grito ao mesmo tempo
em que consigo me soltar do agarre de Axel. — Quem deve me
responder qualquer coisa é você, Andrew.
Chego próximo a ele, e o empurro outra vez.
— O que você está fazendo aqui?! Não era para você estar em
uma viagem com seus pais? De repente eles se tornaram uma só
pessoa, e ruiva? — acuso, ainda gritando. — E a viagem
entediante? É uma trepada no estacionamento de um armazém
abandonado?
— Isso não é o que você imagina, amor.
— Não me chame assim! — grito. — Me explica, Drew! Que
viagem foi essa? Porque, pelo que sei, eu acabei de pegar você
com seu pau dentro da Sadie.
Nesse instante meu olhar encontra o de Sadie, ela veste
apenas uma saia e um sutiã rendado de coração.
— Heaven...
— Cala sua boca, vadia! — grito em sua direção. Volto minha
atenção para Drew. — Estou esperando, Andrew, me diga o que é
tudo isso.
— Podemos conversar em casa.
— Nós não temos o que conversar, Andrew. Você já fez demais
por hoje. Quer dizer... por todo esse tempo.
Seus olhos castanhos estão em tremenda confusão, fúria toma
conta deles. Agora é a hora em que ele se exalta e vem para cima
de mim, o castanho da íris é substituído pelo preto da pupila, suor
fino desce por sua têmpora, suas narinas incham e de repente ele
avança.
Dou um passo para trás, cambaleando, mas sou amparada por
um corpo forte às minhas costas.
Axel.
Não preciso me virar para encará-lo, pois sei que seu rosto está
coberto de um “eu te avisei”.
Drew não chega muito perto, mas, ainda assim, consigo escutar
sua respiração pesada. Ele passa as mãos pelo cabelo, fecha os
olhos. Passam-se dois segundos e, ao abri-los novamente, ele me
encara.
A fúria que transmitia, fora tomada por completa dor e angústia,
os olhos que antes estavam secos, agora brilham com lágrimas
prontas para descerem em uma enxurrada de água.
— Deixa eu me explicar, amor. Por favor — pede ele choroso.
— Não há explicação para isso — digo.
— Eu te amo, Heaven.
— Hahaha — rio com escárnio. — Ama?! Seu significado de
amor é maluco, Drew. Quem ama não machuca, não fere, não
levanta a mão, não proíbe, não acusa e não trai — esbravejo. —
Quem ama traz conforto, alegria, lealdade, mas as únicas coisas
que você me trouxe foram dor, medo e sofrimento.
— Não fala isso, amor — diz ele, calmo.
— Não me chama de amor, eu já te disse porra — grito.
Outra explosão. Outro vidro do carro foi quebrado pelo fogo
próximo a nós.
— Só me escuta, Heaven. Te peço por tudo que vivemos — ele
libera as lágrimas que estavam presas em seus olhos.
E agora eu me pergunto, será que qualquer uma delas é
verdadeira? Será que naquela tarde foram verdadeiras? Ou todas
elas, tanto antes como agora, são pura mentira, assim como sempre
fomos.
— O que vivemos?! Por Deus, Drew. Agora eu tenho certeza
que você é um completo sem noção. — Suspiro para conseguir me
acalmar, em seguida abaixo meu tom de voz. — Você, por anos, me
manipulou, me feriu com palavras, me machucou... E sabe de uma
coisa? Eu sempre desconfiei que você poderia ter alguma coisa com
ela. — Aponto para Sadie. — Mas nunca quis acreditar que você
fosse capaz disso, quer dizer... não com uma pessoa que eu jurava
que era minha amiga.
Solto uma risada pesada.
— Há um mês eu queria acabar tudo, eu estava pronta para pôr
um fim nesse relacionamento de merda que temos, e você sabia
disso. Sabia tanto, que conseguiu me manipular mais uma vez,
jogou com as palavras, me fazendo acreditar que só existia você
nesse mundo com a capacidade de me amar, me fez sentir pena de
você. Agora eu quero apenas chorar, e sentir pena da pessoa
ingênua que eu sou, mas na verdade eu me sinto aliviada por
finalmente poder dizer que você está fora da minha vida.
— Você não vai fazer isso comigo, Heaven. Você não vai
terminar comigo! — Sinto a ameaça explícita em seu tom de voz.
— Nós já acabamos desde a noite em que você me deixou na
rua, por conta da roupa que eu usava — digo, lembrando da nossa
primeira discussão no ano passado.
Eu não esperava em momento algum ter tamanha coragem
para dizer todas essas palavras, tudo que eu havia bloqueado veio à
tona. Bem lá no fundo, eu sempre soube que eu não amava o Drew,
ou talvez até amasse, ou ame... Tudo nesse instante é muito
confuso. A única certeza que tenho é que não suporto mais olhar na
cara dele um segundo sequer, nem mesmo me olhar no espelho,
porque verei quão patética sou ao ponto de sempre ter acreditado
nele.
Drew dá dois passos largos em minha direção, e quando está
cara a cara comigo, ele segura meu pulso com a mesma força que
usara há um mês.
— Solta ela. — A voz de Axel surge ao fundo.
Drew ignora-o, e me olha com uma tempestade se formando em
seus olhos.
— Você vai à Stone Bay comigo, e, juntos, conversaremos, a
sós.
Ele começa a me puxar, mas retesa quando outra voz
masculina invade o ambiente.
— Deixa ela em paz, Drew. — É o Grey.
Então Drew se vira, e encara o amigo.
— Não se mete nisso, Dawson.
— Solta ela, agora — Elliot se mete, estando próximo o
suficiente de nós dois posso ver a fúria nele. Nunca havia o visto
assim antes. Dando mais um passo na direção de Drew, vejo o
desafio imposto no olhar dos dois.
— Agora! — É a voz de Kane que vem logo em seguida.
Quando Drew não obedece, em questão de um segundo o
punho de Axel acerta o maxilar dele, o que o faz me soltar
automaticamente. Eu não esperava por isso, então caio de bunda
no chão, e apenas assisto toda a cena se desenrolar.
No segundo seguinte Axel, Elliot, Kane e Grey estão em cima
de Drew, desferindo socos contra seu rosto, que agora está coberto
de sangue.
Ao mesmo tempo, Allie tenta me levantar do chão, Sadie dá
passos para trás chorando e gritando por socorro com o celular no
ouvido. Axel e Kane são os primeiros a pararem de bater em Drew e
tentam tirar Grey e Elliot de cima do corpo mole dele, enquanto Wes
me segura pelo braço, me levantando.
No momento em que fico de pé, vejo luzes vermelhas e azuis
piscando ao longe, e o som fraco da sirene se aproximando.
— Polícia. — Minha voz sai num sussurro.
— O quê? — Wes pergunta ao meu lado.
— Polícia! — eu grito.
No mesmo instante escuto alguém soltar um ‘merda’. Grey é o
último a parar de bater em Drew, ficando em pé. Sadie corre para o
lado do homem que está no chão, mais cacos de vidro se espalham
ao seu lado. Escuto o murmurar baixinho, de ela dizendo que
chamou a polícia, e sinto a necessidade de partir para cima dela e
arrancar todos os fios de seus cabelos, mas sou empurrada por
Wes.
— Corre! — grita ele ao meu lado.
Eu corro em direção ao meu carro mas não deixo de olhar para
trás mais uma vez, e ver a imagem do homem que eu disse amar
por dois anos, que eu entreguei minha vida, minha alma e até
mesmo a minha inocência. Ele me teve, me usurpou, e foi preciso
lhe ver com outra para o gatilho dentro de mim ser finalmente
pressionado, e eu pudesse enxergar quem eu tinha ao meu lado.
A alguns metros de distância vejo que Grey está batendo a
porta do seu carro acompanhado de Elliot, logo depois de adentrá-
lo. Kane e Axel correm em direção à Mercedes preta. Quando chego
ao meu carro, procuro as chaves mas não as encontro.
— As chaves! — grito.
Vejo Allie procurar em seus bolsos, mas ela também não
encontra, o mesmo acontece com Wes.
A Classe G de Axel para ao nosso lado, e ele grita nos
mandando entrar.
Assim que entramos e nos acomodamos no banco traseiro, Axel
acelera pela pista de cascalhos. O carro da polícia passa por nós,
olho para trás e vejo que eles estão fazendo a curva.
— Eles estão vindo — aviso.
Observo Axel apertar ainda mais o volante, e de repente sou
impulsionada para trás. Ele acelerou ainda mais, fazendo algumas
curvas.
— O que você está fazendo, cara? — grita Kane no banco do
carona.
— Seguindo o Grey — Axel diz, então olho para frente e vejo as
luzes traseiras do carro de Grey logo adiante.
— Puta que pariu! Nós estamos tão ferrados — murmura Allie.
Aos poucos, as luzes do carro da polícia vão desaparecendo, e
a sirene que antes estava estridente, silencia. Olho novamente para
trás para ter certeza que não tem ninguém nos seguindo.
As imagens da última hora começam a passar pela minha
cabeça feito um borrão. Axel no chão, nossa discussão seguida do
nosso quase beijo no vestiário, JC vindo o confrontar e logo em
seguida tendo seu pescoço prensado contra a parede, Axel se
despindo, shots de tequila, Drew e Sadie entrando no carro aos
beijos, Grey aparecendo e, em seguida, eu pondo fogo no carro do
meu namorado.
Quer dizer... ex-namorado.
Eu pus fogo em seu carro.
Merda!
Eu pus fogo do carro do Drew, eu sou a porra de uma
incendiária.
A pista de cascalho fora substituída por areia fofa, respiro fundo
e sinto o cheiro de brisa do mar.
Estamos na praia. Logo à frente vejo o carro de Grey já
estacionado à beira-mar, Axel segue seu exemplo e para a Classe G
ao lado.
Quando descemos do carro, Allison corre e abraça Grey, e vejo-
o sorrir sem jeito. Ele pode se enganar, ou não assumir, mas de
alguma forma gosta dela.
Axel se encontra com Kane à frente do SUV preto, e conversam
entre si, já Elliot abandona o carro de Grey com uma garrafa de
bebida na mão. Eu abraço meu corpo, passando as mãos pelos
meus braços, a fim de me esquentar contra o vento frio da praia.
Sinto a presença de Wes ao meu lado.
— Por que não me contou assim que soube?
— Você não acreditaria em mim — defende ele.
— Está enganado, Wes.
— Não, Heaven, não estou. Eu tentei de todas as formas te
mostrar o quão escroto o Drew é, e por mais que fizesse isso, no
momento em que você fosse confrontar o Drew e a Sadie, os dois
iriam dizer que eu estava mentindo, e no final das contas o vilão
seria apenas um.
Junto meu corpo ao dele, abraçando-o de lado.
— Eu confio minha vida a você, Wes.
— Eu sei, meu anjo. Mas quando se trata do Drew, você mesma
disse que ele consegue te manipular, e isso não acontece de hoje,
vem desde a época em que vocês eram apenas amigos. Eu fui
vendo aos poucos, há tempos sentindo a necessidade de conversar
com você sobre isso, mas ao mesmo tempo tinha um medo absurdo
de perder sua amizade.
— Isso nunca iria acontecer — garanto a ele. — Eu já queria
pôr um fim nessa história, você tinha razão naquele domingo, ele
havia me machucado, mas apenas senti a necessidade de defendê-
lo. Eu iria terminar com ele naquela tarde, mas eu fui fraca e não
consegui. — Uma lágrima desce em meu rosto e rapidamente eu a
limpo. — E, mesmo assim, ainda sentia a necessidade de acabar,
então todos os dias eu dizia a mim mesma “talvez amanhã eu tenha
coragem o suficiente para isso”, mas isso nunca aconteceu. Talvez
eu só precisasse de algo concreto para que esse dia chegasse.
— Foi por isso que eu quis tanto te levar hoje ao armazém —
confessa. — Quando vi os dois juntos pela primeira vez, a minha
maior vontade era de eu mesmo tirar satisfação, porém soube que a
única forma de desmascará-los seria somente através de você, eu
só não esperava que você fosse pôr fogo no carro dele — Wes ri e
eu o acompanho.
— Deus! — exclamo com nojo. — Eles não tiveram nem tempo
de se vestirem. Eu sou uma incendiária, amanhã a polícia vai bater
na porta do alojamento para me prender.
— Eles terão que levar todos nós juntos, então — Wes
responde.
Rimos juntos ao nos imaginarmos vestindo macacões laranja,
pois se aquilo não fosse tão trágico, com certeza seria hilário.
— Obrigada por isso, Wes — abraço-o novamente, dessa vez
mais apertado.
— Sempre que precisar — diz ao beijar o topo da minha
cabeça.
— Já que é assim, na segunda você irá me acompanhar à
clínica, preciso ter certeza que não peguei nenhuma doença
daqueles dois. — Bile sobe pela minha garganta, faço um barulho
de nojo, como se estivesse pronta para vomitar e Wes ri, apenas
assentindo.
Allie e Grey se aproximam.
— Você está bem? — pergunta Grey ao me abraçar.
— Acho que nunca estive tão bem. É como se um peso tivesse
sido tirado das minhas costas — respondo.
— Sim, sei bem como é — diz calmamente, observo-o abrir e
fechar a mão. Olho para o dorso dela e noto o sangue por sua
extensão.
— E você, está bem? — digo, apontando com o queixo para
sua mão ensanguentada.
— Ah, isso?! Não foi nada, isso é porque você não viu o outro
cara.
— Pode ter certeza de que eu vi — respondo, lembrando do
estado em que Drew ficou.
— Se minha mãe souber que eu briguei, ela me mata, e depois
me mata de novo por eu ter deixado ela me matar — diz Elliot,
também se aproximando.
— Sua mãe vai te matar no instante em que souber que você
está bebendo — pontua Wes.
— Tem razão. — Dito isso, Elliot toma outro gole da bebida e
entrega o restante à Kane, que se aproxima de nós seguido por
Axel.
— Ei, cara — diz Kane, dando um soco leve no ombro de Grey.
— Belo soco aquele seu, vai ser sucesso na luta semana que vem.
— Eu disse que sabia lutar, luto muay thai com meu pai desde
que comecei a andar — responde Grey.
— Legal, caso queira treinar com a gente qualquer dia desses,
aparece lá na academia. Vamos sempre depois das aulas, e ficamos
até o Axel fazer um furo em algum saco de areia — Kane brinca.
— Se eu não for preso por agressão, por que não?!
— Tão brutais esses quatro cavaleiros — murmura Wes, com
um sorriso no canto da boca.
— Se você for preso por agressão, eu serei por um incêndio —
respondo.
— O Mark já resolveu isso — diz Axel logo em seguida. —
Liguei para ele, e ele ficou de conversar com os policiais que foram
chamados, e qualquer outro que receba a queixa, ele também está
trazendo seu carro — informa Axel.
— Mas como...
— A chave caiu no vestiário — explica Axel antes que eu possa
formular minha pergunta.
— Valeu — Grey agradece, Axel apenas assente.
Olho para ele no mesmo segundo em que ele me encara, ele
direciona seu olhar para meu pulso esquerdo, provavelmente
avaliando a situação que ficou após o aperto de Drew. Noto que de
repente não só ele, mas todos me olham com um ar de
preocupação. Os encaro de volta, e digo:
— Está tudo bem gente, eu estou bem.
— Tem certeza? — pergunta Allison.
— Sim, eu tenho — garanto a ela.
— Sendo assim, acho melhor irmos embora — ela responde no
momento em que um carro é estacionado ao nosso lado, noto que
na realidade é o meu.
De lá sai o mesmo garoto que anunciou a luta, ele tem a pele
bronzeada, é alto, porém magro. Ele entrega as chaves do carro ao
Axel, dizendo:
— Merda grande vocês fizeram ali, merda muito grande — diz
eufórico.
— Você conseguiu resolver, Mark? — Axel pergunta a
contragosto.
Em seguida o tal do Mark tira um envelope do seu bolso,
entregando também nas mãos de Axel.
— Aí tem oito mil dólares, dei cinco mil aos policiais — diz Mark.
— As contas estão erradas, foi apostado quinze mil em mim —
Axel responde.
Quinze mil? Caraca! Quinze mil? Quem aposta quinze mil na
porra de uma luta clandestina?
— Estresse, Axel, você sabe o que é estresse? É o que estou
passando com você, a minha terapeuta é cara, você sabia? — diz
Mark exasperado.
— Todo mundo sabe que sua terapia são strippers — Kane diz.
— Caras do mesmo jeito, agora quem vai me dar uma carona?
Axel entrega as chaves à Kane, mandando-o levar seu carro
juntamente do Mark. Em seguida, Elliot e Grey entram no carro
cinza ao lado, Allison diz que irá com eles e me encontrará no
dormitório. Wes por sua vez pede carona à Kane, já que Mark mora
perto do seu loft.
Por último ficamos apenas Axel e eu, eu estendo minha mão
para ele.
— Me dá as chaves do meu carro.
— Não — diz ele já abrindo a porta do motorista.
— Nem pensar — respondo. — As chaves!
— Você bebeu, Heaven — acusa.
— Você também — retruco.
— Metade de uma cerveja, você tomou pelo menos três doses
de tequila.
— Que nem mesmo fizeram efeito.
— Acredite em mim, você não vai querer que essa noite acabe
com uma multa.
— Vocês podem comprar os policias novamente.
— Tudo bem então, você vai com a gente no meu carro, e
deixamos o seu aqui — diz ele fechando a porta do lado do
motorista.
— Eu vou no meu carro.
— Então eu dirijo.
— Não.
— Sim.
— Não.
— Sim.
— Não!
— Sim!
— Por Deus! Vocês podem parar com essa merda, e entrarem
na porra do carro? — grita Kane. Eu olho para ele assustada, a
primeira vez que o cara falou comigo foi essa noite, antes disso
nunca havíamos trocado um simples “oi”. Ele suspira e me olha. —
Você bebeu mais do que o Axel, os policiais o conhecem, se algo
acontecer ele pode se livrar. Além de que o seu namoradinho pode
estar na porta do alojamento quando você chegar. Então deixa de
ser teimosa, mulher e deixa ele dirigir.
Reviro os olhos, mas realmente o Kane tem razão. Primeiro, se
eu for pega pela polícia, posso perder a licença que tirei hoje;
segundo, a polícia realmente não me conhece; terceiro, se o Drew
estiver me esperando, melhor eu não o confrontar sozinha, nunca
mais.
— Tudo bem — falo cantando.
Axel entra no carro, enquanto eu dou a volta para entrar no lado
do passageiro, assim que ambos já estão acomodados, Axel dá a
partida e segue em direção ao campus, novamente passando pela
pista de cascalho, seguindo para a estrada escura e depois para a
cidade de Beaufort que parece tranquila demais essa noite.
Todo o caminho é feito em silêncio, preenchido apenas pelas
lufadas do ar noite adentro. Essa foi definitivamente a noite mais
longa de toda a minha vida.
Quando Axel estaciona em frente ao prédio das meninas, olho
ao redor e respiro, aliviada por não ter nenhum sinal do Drew.
Desvio minha atenção para o Axel e em seguida o agradeço.
— Obrigada.
— Foi só uma carona.
— Não por isso — respondo.
Ele franze o cenho enquanto me observa.
— Você de certa forma me defendeu lá quando ele quis partir
para cima de mim, eu não queria que aquilo tivesse acontecido e
não acreditei quando aconteceu. Você estava lá, assim como todo o
restante e me defendeu.
— Ele é um covarde por querer levantar a mão contra você,
apenas isso.
— Sim, eu sei!
— Você sabe também que deveria ter terminado isso há muito
tempo, certo?! — Assinto. — E por que não acabou logo?
— Eu não quero falar sobre isso agora.
Ele abaixa e balança a cabeça como se estivesse concordando,
então tira a chave da ignição, me entregando. Saímos do carro no
mesmo segundo em que Kane para a Classe G no meio fio.
Permanecemos em silêncio por alguns segundos, apenas olhando
um para o outro.
— Vou esperar você entrar antes de ir — diz ele.
— Ah sim, tudo bem — respondo sem jeito.
Começo a caminhar de costas, indo em direção à porta de
entrada do prédio. Axel continua encostado no meu carro,
observando enquanto me afasto, o segurança abre a porta e eu
aceno para Axel com um sorriso, mas ele retribui apenas o aceno
com a cara fechada.
Após adentrar, pouco tempo depois escuto o som do SUV
arrancando pela rua, e aos poucos o barulho do motor vai indo
embora junto com ele.
Subo dois lances de escadas, e quando chego ao meu andar
sinto meu celular vibrar, uma mensagem que acaba de chegar.
Drew: Podemos conversar?
Por favor!
Eu: Vai se foder!!!
Bloqueio a tela do celular. Entro no quarto que divido com
Allison, que está no banheiro, vou até o frigobar e encho um copo
de água. Antes de engolir a água eu começo a rir, esguicho o líquido
que tem na minha boca. Uma gargalhada profunda toma conta de
mim, eu não consigo me segurar.
O filho da puta deve tá com a cara toda quebrada, mas não
cansa de ser um canalha.
Deus, onde eu fui me meter?!
Você prometeu o mundo e eu acreditei
Eu te coloquei em primeiro lugar e você adorou (...)
Eu me entreguei por inteiro e todo mundo sabe
Você me destruiu e agora dá pra ver
LOSE YOU TO LOVE ME | SELENA GOMEZ

Quase não tenho dormido nos últimos dias, a minha única noite
tranquila aconteceu logo após o meu término com o Drew, as
restantes foram de pura insônia e inúmeras mensagens não
respondidas.
Por mais que eu tenha bloqueado o número de Drew no mínimo
duzentas vezes em uma questão de quatro dias, eu sempre volto
atrás e desbloqueio, principalmente após a ligação que recebi de
sua mãe.
Na segunda antes da aula, Claire me ligou preocupada,
informando que o Drew havia sido assaltado, espancado e seu carro
ainda fora queimado. Ela também me disse que seu estado era
grave, ao ponto de ficar internado, me disse que entendia sobre o
nosso término mas que eu precisava estar ao lado dele nesse
momento.
A mulher nem mesmo faz ideia que fui eu a responsável por
destruir o carro dele, além de ter sido por minha causa que os
garotos o espancaram, mesmo todos eles me dizendo
constantemente que o único culpado por isso foi o próprio Drew. Eu
até acredito nisso por meros segundos, mas então eu lembro do
quanto o amo, e de todos os momentos bons que tivemos ao lado
um do outro, e outro choro toma conta de mim.
Resumidamente, eu não tenho ido às aulas, dormido ou sequer
comido direito, também tenho ignorado todas as ligações dos meus
pais, que ainda não fazem ideia do que está acontecendo em minha
vida no momento. Tenho usado roupas para dormir todas as vinte e
quatro horas do meu dia, rolado meu feed no Instagram, escrito
inúmeras mensagens e nunca as enviado e fazendo inúmeras
maratonas de filmes da Disney e How I Met Your Mother.
Na tela da tevê do ambiente compartilhado que divido com
Allison passa o live action de A Bela e A Fera, sendo justamente a
cena da valsa com a música tema.
Lembro de tê-la assistido com Axel há cinco anos, da nossa
dança, eu caindo... Ele foi a primeira pessoa que eu disse que
amava em minha vida além dos meus pais. Me declarar para ele
naquela época não estava programado, nem mesmo esperava ele
me responder dizendo que também me amava, talvez se ele não
tivesse ido embora tudo teria sido diferente.
E mesmo com ele indo embora, se ao menos tivesse mantido
contato comigo durante esses anos, provavelmente o resultado do
que estou passando agora ainda seria diferente, porque eu ainda o
teria em minha vida, não teria sentido sua falta tanto quanto senti,
não teria ido em busca de qualquer terreno movediço para
conseguir me manter de pé novamente.
Meus olhos se enchem de lágrimas e elas começam a rolar pelo
meu rosto. Eu quero culpar Drew por ter abusado da minha
carência, quero culpar Axel por ter ido embora e nunca ter me
ligado, quero culpar o pai de Axel por tê-lo levado para longe de
mim, quero culpar até mesmo meus pais, que devido às nossas
constantes mudanças no início de suas carreiras eu nunca fizera um
amigo antes e me senti sozinha durante toda a minha infância.
Mas a verdade é que a única culpada por isso tudo no final das
contas sou eu, pelo simples fato de ter tantos sentimentos entalados
e nunca sequer ter procurado ajuda.
A cena da dança está acabando quando decido limpar as
lágrimas que descem em meu rosto, e a porta do dormitório é
aberta.
— Nós trouxemos pizza! — Allison grita assim que se põe
dentro do cômodo.
— Nós quem?
Mal tenho tempo de finalizar minha pergunta quando Axel entra,
acompanhando Allie.
— Ah... — respondo terminando de limpar minhas lágrimas, o
que não passa despercebido por minha melhor amiga e meu ex
melhor amigo.
Allison imediatamente corre até o sofá onde estou, ainda com a
pizza na mão, sentando-se ao meu lado.
— O que aconteceu? Por que você está chorando? Você não
respondeu nenhuma mensagem do Drew. Respondeu, Heaven?! —
Faz todas as perguntas rapidamente, exasperada.
— Não, calma — digo soltando uma lufada de ar e limpando
meu rosto outra vez. — Apenas me emocionei com a cena do filme,
ele me traz... — Hesito por um momento, desviando meu olhar para
Axel, que ainda está parado próximo à porta com as mãos em seus
bolsos e cenho franzido enquanto encara a tela plana que ainda
passa o filme. — Lembranças — completo por fim, voltando a
encarar Allie.
Ela comprime os lábios, alterna seu olhar entre Axel e eu e diz
um “entendi” entre lábios.
— Então, vamos comer? — pergunta Allie.
— Me deixa só limpar o rosto — peço já me levantando.
No instante em que me viro, e dou de cara com Axel, ele me
encara com os olhos arregalados, porém com um brilho intenso
neles e boca entreaberta. Levanto uma sobrancelha sem entender o
porquê de ele me olhar assim, como se tivesse visto um fantasma.
Ele apenas engole em seco, fazendo seu pomo de adão descer e
subir, então ele abre o espaço me dando passagem, mas não
trocamos uma palavra sequer.
Antes de fechar a porta do banheiro, escuto Allie murmurar
baixinho:
— Fecha a boca que a baba está escorrendo, idiota.
De início não entendo o porquê de Allison ter dito isso, mas
quando me olho no espelho do banheiro o olhar de Axel juntamente
de sua fala fazem sentido.
Já usei quase todas as roupas confortáveis que tenho em
Beaufort nos quatro dias que se seguiram até hoje. Como todas
estão sujas, comecei a usar as desconfortáveis, porém sexys, isso
inclui o baby doll que estou vestindo agora.
O conjunto é azul turquesa, que combina com a cor dos meus
olhos. As bainhas são cobertas por uma renda cor de pele, o top
realça meus seios juntando-os e também ele é tipo cropped, por
isso mostra parte da pele da minha barriga da cintura até o umbigo.
Quanto aos shorts eles são curtos e colados, deixando parte da
polpa da minha bunda amostra, sem contar que toda a extensão das
minhas pernas está de fora.
Mesmo com meu rosto inchado devido ao choro recente, não
deixo de estampar um sorriso, pois mesmo estando no meu pior
momento, foi notório que Axel me olhou com outros olhos. Não
como a menina de anos atrás, ou a garota traída e sofrida, ele me
olhou como um homem olha para uma mulher. Se ele sente tesão o
suficiente em mim ainda não sei, mas posso descobrir isso em
breve.
Após passar água no meu rosto e enxugá-lo, não ajeito minha
roupa nem nada do tipo, ele está onde eu moro e se ele estiver
incomodado, é só se retirar.
Estampo um sorriso ingênuo no rosto, fingindo que nada
aconteceu e continuo sem entender qualquer coisa, afinal de contas
eu sou uma atriz e saber fingir é a minha praia. Saio do banheiro
fechando a porta, e vejo que Allie já pôs pratos, copos e
refrigerantes na mesa de centro juntamente da pizza tamanho
família. Axel está sentado em uma ponta do sofá e Allie na outra,
sobrando apenas o espaço entre os dois para mim. Sendo assim,
me dirijo até o sofá e me sento justamente no canto que sobrou, não
olho para Axel, apenas pego o prato e o copo com refrigerante que
Allison acabara de servir, colocando-os em cima das pernas que
acabo de cruzar em x.
— O que vamos assistir? — pergunto me direcionando à
Allison.
Ela faz questão de revirar os olhos enquanto responde:
— How I Met Your Mother — responde entredentes, com um
sorriso falso em seu rosto.
Um grande sorriso se abre em meu rosto antes de eu dar a
primeira mordida na pizza, após engolir digo:
— Você me ama tanto ao ponto de assistir minha série favorita
ao invés de Friends?
— Para você ter uma ideia do quanto que te amo.
Esbarro meu ombro no de Allie, provocando-a e ela me mostra
o dedo no meio. Pelo canto do olho vejo que Axel apenas observa a
interação entre nós, mas ele não fala nada, somente come sua
pizza enquanto Allison dá play na série.
Após o acontecimento da madrugada do domingo, todos que
estavam presentes vieram me visitar, como se eu houvesse perdido
um ente querido ou algo parecido. De todos, o único que não tinha
vindo, até agora, era o Axel.
Allison mora comigo, então está do meu lado sempre, até
mesmo tem faltado a algumas aulas, a não ser por suas aulas mais
importantes, para ficar comigo, mas quando isso acontece o Wes
vem até o dormitório, e assistimos a algum reality show, pintamos
nossas unhas, inclusive as minhas estão com três cores diferentes
agora, e também comemos algo.
Elliot e Grey sempre vêm juntos, enquanto Grey carrega
inúmeros doces e frituras, Elliot traz bebida, porém ele me prometeu
que na próxima vez irá trazer a bíblia, pois eu sempre o ameaço de
contar à sua mãe sobre o que ele anda fazendo na faculdade.
Juntos, nós três jogamos partidas de Fortnite ou algum RPG.
Até mesmo o Kane apareceu ontem à tarde, ele me chamou
para treinar na mesma academia que ele faz artes marciais, mas eu
disse que era sedentária e não queria ir, então ele apenas sentou no
sofá ao meu lado pediu hambúrgueres e comemos enquanto
assistimos à Toy Story 3. Percebi que no final do filme ele até
mesmo derramou algumas lágrimas, mas ele disse que o molho do
nosso lanche estava um pouco picante o fazendo lacrimejar,
obviamente eu não acreditei naquilo, visto que o molho era agridoce
e todo mundo chora com os filmes da Pixar.
Hoje seria o dia em que Allie sai com o Axel para jantarem,
como eles têm feito nas últimas semanas, mas ao invés disso eles
trouxeram a janta. Sei que agora é a hora do Axel averiguar minha
situação com seus próprios olhos porque o celular de Allison toca, a
fazendo levantar e dizer:
— Meu pai está ligando, se comportem os dois...
Ela caminha até seu quarto com o celular no ouvido enquanto
atende a ligação, fechando a porta logo em seguida. Faço o máximo
de esforço que consigo para não prestar atenção que neste
momento estou em um ambiente sozinha com Axel, pois sempre
que estamos a sós nada de bom acontece... quer dizer, até
acontece, ou aconteceu.
De qualquer forma, minha atenção está nele e em seu
movimento para levar bebida até sua boca, que faz seus bíceps
tensionarem. Noto que ele olha de lado e automaticamente finjo
estar concentrada na cena que desenrola à frente, repetindo as
mesmas falas de Barney:
— Isso vai ser legen, espera um pouco... dário. — Em seguida
rio da cena, não porque Axel está provavelmente prestando atenção
em meus movimentos, e sim porque ela é realmente engraçada.
— Não sabia que você gostava de How I Met Your Mother —
comenta ele, agora tenho toda a sua atenção.
— Conheci no verão em que você esteve longe, desde então eu
assisto — explico.
O silêncio entre nós se estende logo após minha resposta. Ele
coça a garganta e continua me encarando, então decido olhá-lo
também, sua expressão é fria, mas seus olhos são calorosos e seu
corpo está claramente desconfortável, ele engole em seco e morde
a bochecha.
— Vai me perguntar como eu estou?! — decido quebrar o
silêncio. — Se é por isso que você está sentindo tanta confusão no
momento, a resposta que tenho é: não é fácil sair de um
relacionamento de anos, por mais torto que ele fosse, ainda faz
falta. Mas estou bem.
— Tem certeza de que está bem? — Ele parece receoso ao
vincar as sobrancelhas.
Decido não responder sua pergunta.
— Você poderia ter vindo até aqui antes ao invés de ter usado a
Allie para isso.
— Essa não é a resposta certa para a minha pergunta, Heaven
— Axel responde, mesmo demonstrando impaciência, sua voz é
calma.
— E qual é a resposta certa então, Axel? — Já eu não estou
com um pingo de paciência sequer.
Axel leva as mãos até seu rosto, esfregando-o. Desde que nos
reencontramos notei que quando ele precisa procurar se acalmar,
ele sempre passa a mão no rosto, seguindo para o cabelo e
passando os dedos entre os fios.
— Eu não sei — diz por fim. — Você estava tão convicta em
terminar com ele um mês atrás, mas a coragem só apareceu em
você no momento em que o viu traindo. Ele abusar da sua mente e
do seu corpo não foram motivos suficientes para pôr um fim em
tudo, mas ele te trair, foi.
Mordo o lábio inferior a fim de retesar as batidas do meu
coração que bate violentamente contra meu peito, e também para
evitar que as lágrimas que ardem em meus olhos desçam. Um
grande nó se faz na minha garganta, por que eu estou prestes a
gritar, e para que isso não aconteça eu coloco meu prato junto com
o restante da comida e o copo de volta na mesa de centro, me
levanto e vou até meu quarto, antes de fechar a porta escuto a voz
de Axel me chamar:
— Heaven...
Mas é tarde demais. Eu fecho e tranco a porta, pulo na minha
cama, levo o travesseiro até minha boca pressionando-a, para que o
grito que soltarei logo em seguida não seja ouvido por ninguém.
Então eu grito.
Grito muito, até minha garganta doer e eu ficar sem ar.
Junto dos gritos, as lágrimas escorrem pelas laterais do meu
rosto, e minha respiração torna-se oscilante. É um grito
desesperado porque eu estou desesperada, como nunca estive
antes.
Machuca saber que as pessoas ao meu redor sabiam que eu
sofria, e sempre quiseram me aconselhar, mas eu não escutei.
Machuca ter a ciência de que mesmo todos eles me falando o que é
certo ou errado, nenhum passou pelo que passei.
Pelos gritos que ouvi seguidos de lindas declarações.
O que as pessoas que nunca passaram por um relacionamento
abusivo sabem, é que ele não se alimenta apenas de baixos, ele se
alimenta também dos altos, porque é através deles que você
consegue perdoar. É através da emoção que você diz a si mesma,
que na verdade você concordou para uma briga não acontecer. É
por trás da paixão louca que você sente pelo outro, que você
acredita que tudo será diferente, que você consegue dar uma
chance à outra.
A gente não termina um relacionamento abusivo da noite para o
dia, a gente termina um relacionamento abusivo através do perdão
constante, porque quando você perdoa o seu abusador não é
porque ele estava certo, é porque ele te fez sentir a errada da
história.
A primeira vez que eu perdoei Drew foi por conta de uma roupa
que eu havia usado, e ele me pediu desculpas enquanto me beijava.
Mas a segunda vez... a segunda vez foi bem diferente.
“— O que você estava conversando com ele, Heaven? — Drew
pergunta no momento em que Justin, o garoto que Wes trouxe como
acompanhante, entra novamente na quadra de basquete, onde está
acontecendo o baile.
— Nada demais. — Dou de ombros. — Ele comentou que a
comida da festa está um horror e eu apenas concordei.
Começo a andar em direção às portas que dão acesso à
quadra, mas sou interceptada quando Drew pega no meu pulso,
fazendo-me ficar de frente para ele.
Seus olhos estão cobertos por uma neblina intensa, as pupilas
completamente dilatadas, o espaço entre suas sobrancelhas está
vincado e seu maxilar totalmente retesado. Ele empurra meu corpo,
fazendo minhas costas baterem nas portas dos armários em um
baque surdo.
— Você está louco? — grito.
Drew se aproxima em passos duros apontando o dedo para
mim, suas narinas dilatam-se e em seguida se comprimem, como se
ele estivesse com nojo de algo. Ele encosta a ponta do nariz no
meu, mas não é um gesto carinhoso, nada disso, ele está com raiva.
Muita raiva.
— Eu estou louco, Heaven. Eu estou louco porque você me
deixa louco, porque você não me diz a verdade — fala entredentes
pressionando seu rosto contra o meu.
— Que verdade, Drew? — sinto a lágrima descer pela minha
bochecha.
— A verdade que ele estava dando em cima de você... Você
quer protegê-lo? É isso?!
— Não... — tento me explicar, mas ele não deixa, apenas me
interrompe.
— Então o que?!
— Ele é gay — grito. — Ele é gay, Drew. O Justin é gay, ele fica
com o Wes. — As lágrimas transbordam em meu rosto. — Ele
nunca daria em cima de mim porque ele é gay.
Espalmo minhas mãos em seu peito, o empurrando.
Cubro minha boca com a mão, para impedir que um grito se
alastre pelos corredores, e corro em direção à saída da escola. Isso
não é possível, não é possível que esteja acontecendo comigo, ele
gritou, me acusou, me machucou... pelo simples fato de ter me visto
trocar duas palavras com outra pessoa.
Isso não é normal. Não, não, não é!
Quando estou do lado de fora do prédio da escola, sinto o ar
gelado da noite vir de encontro à minha pele, mas eu não consigo
respirar direito, é como se o ar fosse tóxico e simplesmente não
entrasse por minhas vias aéreas.
Levo minhas mãos até os joelhos, tentando respirar fundo, mas
é impossível.
— Heaven... — É a voz de Drew me chamando, mas eu não
consigo olhar em sua direção, apenas procuro por ar, mas eu não
encontro.
Tento mais uma vez puxar o ar, dessa vez com minha boca,
mas meu corpo não o aceita.
— Heaven. — Mãos são colocadas nos meus ombros, me
fazendo ficar de pé, minha visão está embaçada, mas consigo ver o
vulto do corpo e rosto de Drew à minha frente.
Eu não quero que ele encoste um dedo sequer em mim. Eu
tento dizer isso a ele, mas assim como o ar não entra em meus
pulmões, a voz não abandona a minha boca, tornando-se um bolo
enorme dentro da minha garganta.
— Heaven, olha para mim — ele pede, colocando as mãos em
meu rosto.
Seu toque faz a minha pele formigar, como se ela estivesse
dormente e querendo voltar à vida.
— Heaven... respira, calma. — Sua voz não é mais alta, é
tranquila, assim como no início de uma ópera. — Olha para mim.
Respira, amor. Só respira, por favor.
Eu tento fazer o que ele pede, mas é impossível, eu não
consigo. Meus pulmões simplesmente não aceitam o ar, levo as
mãos até minha garganta, e tento dizer que não consigo ao abrir a
boca, mas nada sai também, meu coração lateja rápido e
brutalmente em meu peito.
Drew pega minha cabeça, levando-a até seu peito e começa a
acariciar meus cabelos.
— Só escuta as batidas do meu coração, amor — fala
calmamente, mas é difícil prestar atenção na sua voz quando tudo o
que o meu corpo pede é um pouco de ar. — Respira amor, somente
respira. — Ele continua acariciando meu cabelo.
Eu tento me concentrar na sua voz que pede para eu respirar
repetidamente e nas batidas erráticas do seu coração, e, finalmente,
aos poucos meus pulmões conseguem um pouco de ar, fazendo
com que meu próprio coração acerte suas batidas.
Quando enfim eu consigo respirar suficientemente, falo:
— Eu não devia estar perto de você.
E para minha surpresa, Drew concorda.
— Não, não devia. Eu te machuquei. — Afasto meu rosto do
seu peito, e o encaro, conseguindo dessa vez ver todos os traços
finos de seu rosto. Ele leva as mãos até minhas bochechas. — E eu
sinto tanto, Heaven. Eu sinto muito, muito mesmo, se você está mal
por conta do que eu fiz com você, você não imagina como eu estou
por causar dor à mulher que eu amo.
Nesse momento eu paraliso.
— Você o quê?! — pergunto atônita.
— Eu te amo... Eu te amo tanto que não consigo imaginar você
um segundo sequer longe de mim, por isso eu enlouqueci. Vamos
lá, ele é um cara bonito e você estava sozinha com ele no corredor,
se você me visse com uma garota bonita você iria desconfiar de
mim, não?!
“Para falar a verdade não”, penso. Sempre espelhei os
relacionamentos no relacionamento dos meus pais, e a base deles é
construída através da confiança, onde não importa com quem o
outro esteja, ou o que esteja fazendo, eles confiam um no outro de
olhos fechados e mãos amarradas. Por isso não respondo a Drew, o
que lhe dá liberdade de continuar o seu discurso.
— Se ao menos quando te perguntei da primeira vez você
tivesse me dito, isso não teria acontecido.
— Mas quando você me perguntou eu disse que ele apenas
falou sobre a comida e eu concordei — repito minhas palavras de
antes com a voz trêmula.
Drew assente calmo e lento, tirando as mãos do meu rosto e
levando seus lábios até minha bochecha e me beijando.
— Tudo bem, eu acredito em você. — Ele me beija novamente.
— Eu acredito em você, mas apenas preciso que você entenda o
meu lado, e me prometa que nunca mais algo parecido irá
acontecer.
— O que você quer dizer com isso, Drew?!
— Eu preciso que você me prometa nunca mais ficar sozinha
com outro homem em um mesmo cômodo.
— Como eu posso prometer isso, Drew?
— Apenas prometa, Heaven.
Ele beija minha bochecha outra vez, mas um pouco mais
próximo ao meu maxilar, fazendo alguns pelos do meu corpo se
eriçarem.
— Prometa, que eu prometo te dar o mundo em troca, prometo
estar sempre com você, porque eu te amo.
Drew não faz ideia, mas a última pessoa para quem eu fiz uma
promessa junto, nunca chegou a cumprir tal... Por isso eu espero
que com ele dê certo.
— Eu também te amo — digo por fim. — E eu prometo, desde
que você nunca mais faça algo parecido comigo de novo.
— Eu prometo. — Leva seu rosto até o centro do meu, deixando
nossos narizes colados outra vez, porém seus olhos não contém
mais nenhuma neblina, eles apenas brilham em paixão. — Eu
prometo ser tudo para você, assim como você é tudo para mim.
Eu perdoo Drew, acreditando que seremos tudo um para o
outro, porque ele já é o meu tudo faz um tempo, porque ele me ama
e eu o amo. Eu perdoo Drew porque talvez em algum aspecto ele
esteja certo, e eu tenho culpa de não ter explicado com palavras
desde o começo que Justin era apenas o par do Wes e tê-los
apresentado.
Talvez se eu tivesse feito tudo certo desde o início nada disso
teria acontecido.”
Os sinais estavam claros para mim como as águas cristalinas
do Caribe, mas eu não quis enxergar pois naquele dia ele havia dito
que me amava, ele havia me prometido o mundo. Ele apenas não
me disse que o mundo que ele estava me prometendo não tinha um
chão sólido, e na verdade era feito de areia movediça, e a cada
passo que demos fomos nos afundando mais e mais.
Uma desconfiança aqui, um pedido de desculpas ali, uma
objeção aqui, um “você tem que entender o meu lado” ali, e no final
tudo acabava com a mesma frase:
“— Se eu fiz o que fiz Heaven, é porque eu te amo.”
E eu simplesmente me deixava levar pelo amor que ele sentia
por mim, porque eu sentia o mesmo por ele.
A real situação de toda essa loucura a qual eu vivi, é que só é
capaz de entender quem um dia passou por algo igual. Eu havia
encontrado conforto no caos, eu havia encontrado amor diante de
um precipício, e eu não me afastei, apenas me joguei nele.
Tiro o travesseiro do meu rosto, limpo as lágrimas ainda
presentes, e caminho com passos duros até a porta. Quando a abro,
encontro Allison ainda junto de Axel. Ele está com a cabeça baixa
encarando suas mãos que estão entrelaçadas e em cima de suas
pernas enquanto Allison alisa suas costas, ambos levantam o olhar
para mim quando eu paro na frente deles, então eu digo:
— A coragem em mim para terminar meu relacionamento com o
Drew não surgiu após uma traição, surgiu quando ele fez o meu
estômago se revirar e minha respiração falhar em meio a uma crise
de ansiedade, mas ele me prometeu o mundo e eu acreditei que ele
realmente poderia me dar aquilo que eu tanto ansiava. Por que eu
ainda sou estúpida o suficiente para acreditar nas promessas que os
outros fazem a mim.
Os olhos de Axel estão compadecidos, mas ao mesmo tempo
raivosos.
— Ele desconfiou de mim, ele gritou comigo, ele me fez chorar
incontáveis vezes, porém ele me amou, me amou com
profundidade, me amou tanto ao ponto de eu pedir a Deus para que
ele ficasse na minha vida para sempre. Eu percebi que nós
havíamos enfraquecido no momento em que eu passei a desejar
outra pessoa. Ver a traição carnal dele, para mim foi a mesma coisa
que ver ele traindo tudo aquilo que um dia me prometeu. Quando o
perdoei das outras vezes, perdoei pensando em todas as
promessas feitas. – Tomo um pouco de ar, para enfim gritar o que
está alojado na minha garganta há tempos. – Porque não
descumpro aquilo que eu prometo – esbravejo.
Em seguida levo minhas mãos até a cabeça, e dessa vez não
direciono minhas palavras apenas ao Axel, mas também à Allison
que está me olhando perplexa.
— Eu não estou bem, eu estou mal, eu estou mal para um
caralho, porque sair de um relacionamento abusivo é como deixar
para trás toda uma vida, toda uma história. Então se é isso que
vocês querem escutar, aí vai: eu estou um caco, eu estou um lixo,
às vezes tenho nojo de mim mesma por ter ficado tanto tempo com
ele, mas eu vou dar a volta por cima, e vocês vão assistir de
camarote o quão foda eu sou. Porque ele me destruiu, mas ele não
pôs um ponto final na minha história.
Neste momento, eu estou em um estado de espírito
Em que eu quero estar, tipo, o tempo todo
Não temos mais lágrimas para chorar
Então estou me levantando
NO TEARS LEFT TO CRY | ARIANA GRANDE

— Eu consigo — digo encarando a porta à minha frente.


— Você consegue — Wes me encoraja.
— Quem é foda? — Allie pergunta.
— Eu sou foda — respondo.
— E você é foda por quê? — insiste Allison.
— Por que... por que... por que... — Tento pensar em uma
resposta, mas nada me vem à mente. — Eu não sou foda, eu sou uma
fracassada — digo por fim.
Após o meu desabafo de ontem à noite eu voltei para o meu
quarto, então voltei até a área compartilhada, peguei uma garrafa de
água no frigobar e depois me tranquei no meu quarto, mandei uma
mensagem para o Drew dizendo:
Eu: Não me manda mensagem, não me liga. Esquece que um dia
fomos algo um para o outro, acabou.
A
C
A
B
O
U
Seu idiota, medíocre, só não te chamo de filho da puta porque sua
mãe é uma mulher legal.
Tchau, Ciao, Adios
Me esquece, porra!
Em seguida o bloqueei e seu contato se mantém assim nas últimas
dez horas, o que para mim é um recorde. Mesmo nunca respondendo
suas mensagens pedindo para conversarmos, seus grandes textos de
desculpas, ou sequer escutado os vários áudios que ele me mandou,
eu não conseguia bloqueá-lo. A única coisa que no fundo eu realmente
queria era saber se ele estava bem.
Então se o infeliz consegue me mandar inúmeras mensagens por
dia, significa que ele não está passando por nenhum perigo de morte.
Depois de tê-lo bloqueado, eu ativei o alarme do meu celular às
seis horas da manhã. Quando acordei fui até a academia onde Kane
treina, ele não estava lá, mas um cara chamado Ross me orientou, e
comecei minhas primeiras aulas de defesa pessoal, quem sabe em
breve posso até lutar no armazém, se eles permitirem garotas lá. Ao
retornar para o dormitório, tomei um banho, fiz a skin care mais
trabalhosa de toda minha vida, depilei todos os pelos do meu corpo,
esfoliei a pele, hidratei, lavei meus cabelos e vesti uma saia rodada que
vai até um pouco acima do meio das minhas coxas, juntamente com
uma t-shirt rosa com a estampa da música Thank U, Next da Ariana
Grande com as letras em estilo “o livro do arraso”.
Se não fossem pelos tênis que calço, com certeza eu poderia fazer
parte do elenco de Meninas Malvadas, mas tenho certeza que a Regina
George nunca apoiaria o all star em meus pés, e iria me fazer usar um
Jimmy Choo.
Eu disse a mim mesma e também aos meus amigos que eles não
me veriam mais triste, e eu estava certa de que isso iria realmente
acontecer, até ter que encarar a porta que dá abertura para o mundo ao
meu redor, e isso inclui o campus. Eu basicamente coloquei o cropped,
mas rapidamente ele voltou para o guarda-roupa.
Sou tirada dos meus devaneios quando vejo Wes estender a mão e
dar um grande tapa no rosto de Allison.
— Wes — dou um grito assustada.
— Você está louco, porra? — Allison diz boquiaberta.
— Desculpa, Allie — Wes diz. — Mas foi necessário fazer isso. Eu
não poderia bater na Heaven porque pode ativar gatilhos nela e não
queremos isso agora.
— Agora a única pessoa com gatilhos nessa sala sou eu — diz Allie
passando a mão em seu rosto.
— De qualquer forma — Wes desdenha olhando para mim —, sinta
como se eu tivesse acabado de estapear o seu rosto apenas na
intenção de te fazer acordar para vida, e se tocar que você tem que
viver o hoje e deixar o passado para lá. Você está usando uma blusa
com o título da música de uma das mulheres mais empoderadas do
mundo pop. Então, meu amor, vamos levantar essa cabeça, viver, amar,
chorar, surtar, transar, chupar, e todos os ars disponíveis no mundo,
mas nunca, jamais se esconder de quem você realmente é por conta de
um macho infeliz do pau pequeno.
— O pau dele não é pequeno — digo.
— Não sei, nunca vi. — Wes dá de ombros. — E se não for, aposto
que transa muito mal.
Rio da sua convicção, porque o vendo agora, ele realmente está
acreditando que o membro do Drew realmente possa ser pequeno, mas
admito que não é. E quanto ao sexo, ele era bom, mas não do tipo que
me fez virar os olhos e pedir por mais. Acredito que nunca tive um
orgasmo real com o Drew, mas isso não vem ao caso agora.
— Você tem razão, eu preciso viver e não me esconder.
— É isso aí! — Wes levanta a mão e eu faço um highfive com ele.
— E quanto ao meu rosto? — Allie pergunta ainda alisando sua
bochecha que fora estapeada.
— Para de drama, rainha. Nem foi tão forte assim. — Wes revira os
olhos.
— Você diz isso porque não foi você que levou um tapão no rosto
— Allie retruca.
— Deixa eu ver — peço me aproximando de Allie, quando ela tira a
mão do rosto vejo que quase não há marca alguma ali. — Apenas
parece que você passou um pouco mais de blush do que o normal —
tranquilizo-a.
— Tem certeza disso?! — pergunta ainda insegura.
— Como dois mais dois são quatro.
— Você é péssima em matemática, Heaven — Allie diz pegando a
bolsa dela.
— Não é porque sou péssima em matemática que eu sou
mentirosa, Allison — digo reajustando a minha bolsa em meu ombro.
— É... Você tem um ponto. — Saímos juntamente com Wes, e
tranco a porta do nosso dormitório.
Seguimos para escadas, descendo os dois lances delas juntamente
com outras alunas que também estão indo em direção às suas
primeiras aulas do dia. Quando atravessamos as portas de vidro do
alojamento, imediatamente reconheço quatro rostos parados em frente
ao prédio. O primeiro a falar é Elliot.
— Já estava pensando que iria ter que subir lá e carregar as
donzelas por cima do ombro para fora.
— Se eu fosse homem também iria carregá-las — divaga Grey.
Ele continua aéreo enquanto todos nós olhamos para ele com o
cenho franzido. Ele passa os próximos cinco segundos em silêncio, até
perceber o que acaba de sair da sua boca.
— Espera — diz desesperado —, eu não quis dizer isso.
Kane dá dois tapas no ombro de Grey enquanto balança a cabeça
em negativa.
— Talvez não, mas você pensou. — Em seguida Kane me observa,
olhando-me dos pés à cabeça. — Você já foi mais bonita, Morris.
— Me elogia da forma correta ou eu digo a todos sobre a sua cena
essa semana — ameaço, me referindo ao momento em que Kane
chorou ao assistir o filme comigo.
Ele força um sorriso em sua boca, seguido de um elogio tão
forçado quanto.
— Eu nunca te vi tão bonita em todos os nossos quatro encontros,
Morris.
— Assim ficou melhor. — Sorrio genuinamente para ele.
Meu olhar encontra o de Axel no momento em que seus olhos vêm
de encontro aos meus, até então ele estava apenas observando toda a
troca de diálogo.
— Como você está? — pergunta.
— Bem pra caralho.
Ele não responde, mas eu vejo um semi sorriso brotar no canto da
sua boca. Em seguida, todos nós caminhamos rumo às nossas
próximas aulas. Os garotos entram em uma discussão sobre a fala do
Grey, que por sua vez tenta se defender, Allie e Wes continuam
discutindo sobre o tapa, enquanto Axel e eu caminhamos em silêncio
atrás de todos.
Como hoje é sexta, minha primeira aula com Wes é de História do
Cinema, nós dois nos despedimos de todo o restante e caminhamos até
o prédio de Ciências Humanas. Quando estamos entrando no prédio
escuto o meu nome ser chamado atrás de mim, no instante em que me
viro dou de cara com a Sadie, ela corre desesperada em minha direção.
“Só pode ser brincadeira”, penso.
— Heaven — diz exasperada quando se aproxima o suficiente de
mim —, eu preciso conversar com você. — Sua expressão é receosa, e
porque não seria? Ela me traiu.
— Ela não tem nada para conversar com você, vadia — Wes
cospe.
Eu pego no braço de Wes, lançando-o um olhar repreensivo.
— Eu posso me cuidar sozinha, Wes — digo, logo após volto minha
atenção para Sadie. — Fala.
Ela parece coçar a garganta por um momento, em seguida troca o
peso do seu corpo de um pé para o outro, levo meus olhos até suas
mãos e noto que ela cutuca suas cutículas, que estão praticamente na
carne viva. Conheço Sadie há cinco anos e essa realmente é a primeira
vez que a vejo tão ansiosa.
— Eu quero... eu quero... — Hesita.
Seus olhos se enchem de lágrimas, mas não derruba nenhuma, em
seguida inspira um pouco de ar e solta uma leve lufada pelos seus
lábios.
— Eu quero te pedir desculpas.
— Pelo quê?! — pergunto retórica.
Ela solta uma risada constrangida em meio a um sorriso amarelo,
e, finalmente, uma lágrima solitária desce por seu rosto.
— Você sabe... — Essa é sua única resposta.
— Você se arrepende? — pergunto, mais firme do que imaginava
que eu poderia ser em um momento como esse.
Sadie morde seu lábio inferior ao assentir com a cabeça, e mais
duas lágrimas descem por seu rosto alvo, que hoje está sem
maquiagem fazendo ressaltar algumas sardas avermelhadas.
— Nós éramos amigas, eu realmente confiava em você. Por que
você fez isso, Sadie?
— Por que ela é vadia — responde Wes em desdém, eu dou um
tapa no seu braço fazendo com que cale a boca.
Mais lágrimas descem por seu rosto antes que possa ter minha
resposta. Eu nunca pensei que poderia ser tão madura em uma
situação dessas como estou sendo agora, mas aproximo minha mão do
seu rosto e limpo suas lágrimas.
— Eu só quero a verdade de você, Sadie. Não é pedir muito depois
de tudo o que aconteceu.
Ela fecha os olhos com força, talvez para impedir que mais
lágrimas desçam, talvez com medo de me encarar... existem inúmeras
possibilidades para isso. Quando ela os abre novamente consigo ver a
cor âmbar quase mel de seus olhos brilharem, assim como um
cachorrinho que acaba de cair de um caminhão de mudanças. É
realmente de dar dó e compaixão.
— Eu não sei, Heaven. Se eu te disser que sei eu apenas estarei
mentindo, mas eu me apaixonei por ele enquanto ainda éramos amigos
— solta de uma vez, quase me fazendo abrir a boca em surpresa. —
Durante o verão ele sempre ia até minha casa à noite e ficávamos
conversando.
— Então as coisas entre vocês já rolam há meses? — interrompo-
a.
Sadie rapidamente balança a cabeça em negativa.
— Não — responde —, começaram no dia da festa de boas-vindas.
— A qual você não foi?
— Sim, eu tinha tido uma briga com meus pais naquele final de
semana, e como Drew e eu havíamos nos aproximado, eu liguei para
conversarmos. Ele foi até onde eu estava e durante a conversa nós nos
beijamos, quer dizer... ele me beijou — ela fala tudo muito
apressadamente, por isso para por um momento enquanto respira
fundo. — Ele me beijou após eu ter dito que ele era a única coisa boa
na minha vida naquele momento, mas à noite eu surtei. Eu surtei
porque eu não podia aceitar o nosso beijo, foi então que liguei
novamente, ele pediu para nós nos encontrarmos no armazém e eu fui.
Ele disse que tudo ia se resolver, a voz dele era calma e paciente, e eu
cedi mais uma vez quando o beijei.
— E como você explica todas as outras vezes que você esteve com
ele? — confronta Wes. — Porque eu te vi, garota. Se agarrando com
ele todos os outros finais de semana. Não vem dar uma de louca não.
— Eu não estou dando uma de louca — se defende eufórica. — Ele
conversava comigo me dizendo que o relacionamento de vocês estava
acabando, enquanto eu dizia que era errado o que estávamos tendo. O
Drew queria algo a mais e eu não, eu não iria fazer aquilo com uma
amiga, por isso me afastei de todos vocês durante essas semanas,
porque eu não sabia como olhar na sua cara outra vez, Heaven.
— Mas teve coragem para transar com o namorado dela — Wes
retruca outra vez.
— Wes... — repreendo-o de novo. — Cala a boca, que nem dele
você gostava.
Wes revira os olhos outra vez e começa a lixar as unhas com uma
lixa que havia em seu bolso.
— Eu não quero saber se vocês transaram ou não — digo por fim.
— Eu apenas quis saber o porquê você me traiu, e você já deixou bem
claro, você se apaixonou por ele. O certo teria sido você ter conversado
comigo, falar sobre o que estava acontecendo, e não simplesmente agir
pelas minhas costas. Tudo bem que nunca fomos as melhores amigas
do mundo, mas ainda sim fomos amigas, eu confiava em você, mas
antes de eu dizer o que eu tenho a dizer apenas peço que você me
responda com sinceridade. Você está arrependida?
Ela não hesita por um segundo ao responder:
— Sim, imensamente, você não tem ideia do quanto. — E mais
lágrimas descem por seu rosto, mas dessa vez eu não ajudo a limpar.
— Eu te perdoo, Sadie — digo.
— O quê?! — Sadie e Wes falam em uníssono, ambos surpresos.
— Eu te perdoo, mas isso não significa que eu vá voltar a ser sua
amiga, pois não vou. A confiança é uma via de mão dupla e se você a
traiu, infelizmente ela torna-se apenas uma. Eu não quero o seu mal, se
um dia você precisar de mim tenha certeza que estarei lá por você, mas
no máximo será isso.
Sadie abre os braços e tenta se aproximar de mim, mas eu apenas
levanto a mão, impedindo-a de chegar mais perto.
— Não precisamos nos abraçar, a única coisa que desejo na sua
vida a partir de agora é sorte, e que seu erro de hoje seja o seu
aprendizado de amanhã — finalizo a conversa já me afastando. —
Agora me deixa ir que eu tenho aula.
Me viro já entrando no prédio onde acontecerá a próxima aula e
Wes bate palmas ao meu lado, murmurando:
— Na próxima vida quero ser fina nesse estilo, pisando com classe.
Rio da sua declaração ao entrelaçar nossos braços, em seguida
entramos no auditório onde acontecerá nossa aula.
Eu perdoei Sadie porque eu fui ensinada a perdoar.
Há alguns anos, exatamente no dia em que vi Axel pela última vez
e a forma como ele havia me tratado perpetuava em minha mente
enquanto eu chorava, minha mãe disse que eu devia perdoá-lo
independentemente do seu erro, porque estava tudo bem perdoar.
“Você dar o seu perdão ao próximo não significa esquecer, significa
superar", disse. E o que mais preciso no momento é sair dessa de
cabeça erguida, seja com ou sem ajuda, talvez o meu erro antes foi ter
levado o ensinamento da minha mãe por outra concepção, eu perdoei e
esqueci demais enquanto superei de menos.
Agora a história é diferente, eu não quero mais chorar, mas se for
preciso eu vou, e vou chorar muito, pois reprimir sentimentos nunca foi
sinal de força. Forte é aquele que por mais machucado que esteja vai
chorar, sorrir, rir e surtar, porque são os nossos sentimentos que nos
tornam seres humanos melhores.
Eu sei que o caminho que pretendo trilhar ainda terá inúmeras
probabilidades de erros, mas a vida não é uma linha tênue entre o erro
e o acerto, a vida é uma estrada muito longa a qual não sabemos
quando haverá uma curva, um retorno ou até mesmo um
engarrafamento. O que importa no final, é sabermos que seguimos por
aquela estrada sem puxar o freio de mão, mesmo que às vezes
possamos reduzir a velocidade, nunca paramos.
Porque parar é a mesma coisa que desistir e eu jamais desistirei de
mim ou da minha felicidade. Eu estou aqui para lutar, e é isso que eu
vou fazer até o fim.
Queria saber o que você está pensando
Palavras não vêm assim tão fácil
Pode ser que sejamos quebrados intencionalmente
Eu não consigo evitar como estou me sentindo
SAY | RUEL

Os últimos dias têm sido difíceis, quem vê de longe não imagina


a batalha que ocorre em minha mente. Eu não sei como me
aproximar dela, eu não sei como lhe pedir perdão, não sei nem
mesmo como falar sobre meus próprios sentimentos com Heaven,
sempre que tento eu acabo falando besteira ou perdendo a minha
paciência.
Ver a forma como ela reagiu à traição de Drew e Sadie me
deixou perplexo por um momento, mas saber que ela tinha se
entregado a um limbo do qual ela não fazia questão alguma de sair,
acabou comigo. Todos estiveram ao lado dela, o único que não
compareceu fui eu, não porque não quis, porque acredite em mim,
eu passei quatro dias inteiros entrando e saindo daquela droga de
prédio, ia até sua porta e quando estava pronto para chamá-la eu
simplesmente desistia. Houve até mesmo um momento em que eu
pensei que os seguranças iriam chamar a polícia para mim, de tanto
tempo que passei naquele corredor.
Se não fosse por Allison, eu com certeza não teria a visto ontem
à noite. A loira sabia que naquela noite seu pai iria entrar em contato
com ela às oito, por isso arquitetou um belo plano onde nós saímos
para comprar pizza e depois íamos até o seu dormitório, local em
que Heaven se encontrava. A primeira visão que tive dela, em dias,
foi ela chorando enquanto assistia ao filme com o qual um dia
dissemos que nos amávamos, mesmo que como amigos, nos
declaramos um ao outro. Não me passou despercebido quando ela
disse que a causa do seu choro eram as lembranças que aquele
filme lhe trazia.
Quando notei o filme que rodava na tevê eu tive a mesma
lembrança, o momento estava tão vívido na minha mente que eu vi
diante dos meus olhos duas crianças dançando ao centro de uma
sala de estar e logo em seguida um “eu te amo” escapando de suas
bocas.
A próxima visão que tive foi do seu corpo. Mesmo sabendo que
o momento não era propício eu fiquei embasbacado em como ela
estava linda naquele conjunto de lingerie para dormir. Mesmo com
seu rosto inchado devido ao choro, Heaven nunca deixou de chamar
a minha atenção.
Quando finalmente ficamos a sós, a única coisa que eu queria
ter certeza era sobre seu estado emocional. Por um momento eu
quis que ela me dissesse que estava mal, que precisava de mim,
pois com essas palavras saindo de sua boca, eu poderia dizer que
eu não iria embora dessa vez, que eu não iria abandoná-la e que ela
não estaria sozinha.
Mas eu fiz merda.
Eu perdi a minha paciência, eu falei o que não devia, e a
consequência disso foi ter que escutar, do lado de fora do seu
quarto, o grito abafado que saía por sua garganta. Era
desesperador, assim como um pedido de socorro.
Eu estava prestes a colocar a porta abaixo, mas Allison me
impediu. Me pôs sentado no sofá outra vez e me disse que tudo ia
se resolver, mesmo eu dizendo a nós dois que não iria, porque o
desgraçado culpado por tudo o que aconteceu fui eu. Se eu nunca a
tivesse abandonado, se eu nunca tivesse me ressentido por um erro
que uma criança cometeu, se eu nunca a tivesse deixado à mercê
dele, nada disso jamais teria acontecido.
No fundo, eu acredito que o aperto que sinto pressionar minha
garganta, não passa de um castigo, um castigo tão amargo ao ponto
da bile subir e me fazer enojar a mim mesmo.
Eu nunca quis lhe causar sofrimento deixando-a sozinha, eu
precisei de um tempo para digerir tudo o que eu tinha passado, tudo
o que eu havia descoberto. São segredos que até hoje eu não
consigo revirar, pois no momento em que isso acontecer eu terei
que acreditar que todos eles são de verdade, e eu não quero que
sejam. Eu entendo de onde eu vim, mesmo não tendo a mínima
ideia de para onde vou.
A única coisa que quero no momento é olhar nos olhos de
Heaven e pedir perdão por um dia tê-la deixado sozinha, tentar
explicá-la pelo menos metade da minha história, para que ela possa
me entender assim como eu a entendi naquela noite. Mas a
diferença entre nós é que Heaven sabe gritar seus sentimentos,
enquanto eu não.
Ela gritou dizendo que iria se levantar, e ela o fez. Ergueu-se do
limbo no qual estava vivendo, pôs um sorriso no rosto e foi sincera
ao dizer que não estava bem, mas que iria ficar. Naquele momento
eu deveria tê-la abraçado, mas o máximo que consegui foi colocar
um meio sorriso no rosto em resposta.
Eu sei que ela vai superar tudo o que passou, eu apenas
preciso descobrir uma forma de me fazer presente para ela.
Nesse momento, estou sentado em um tatame vendo Kane
ensinar alguns golpes de chute ao Grey, os quais ele não acerta de
jeito nenhum.
Kane elogiou os socos de Grey, e não foi da boca para fora, ele
realmente sabe dar um bom golpe, mas noto que ele não consegue
se movimentar muito bem com os chutes mais altos. Caso precise
fazer um chute frontal para uma defesa rápida ele se atrasaria,
levando um nocaute certo. Então eu levanto, indo até eles.
— Você está se atrasando muito nos chutes mais altos — digo,
me posicionando a frente de Kane. — Quando você acaba de dar
um golpe no seu oponente e ele está perto demais, mas suas mãos
ainda não estão em guarda, o certo é você dar um chute, de
preferência no rosto dele. Na hora do pulo, se você se atrasar, leva
um soco e é nocauteado. — Explico, enquanto reproduzo os
movimentos. — Então você tem que fazer assim... — Dou um jab no
maxilar de Kane, troco de perna em um salto e, logo em seguida,
chuto seu rosto com o solado do pé, Kane vai ao chão.
— Filho da mãe, você não avisou — Kane resmunga enquanto
se levanta.
— Eu nunca ouvi dizer que um lutador tem que avisar ao
adversário o próximo golpe.
— Vai se foder, Axel — Kane tenta socar meu peito, mas eu
desvio. Ele puxa Grey pelo pescoço, ficando cara a cara com ele, e
sussurra não muito baixo. — Espero que tenha prestado atenção a
tudo que ele disse e fez, porque você vai ter só uma chance de
derrubar esse psicopata.
Kane se afasta de Grey e o empurra em minha direção.
Ficamos os dois em posição de alerta, eu espero ele me golpear já
que eu só vou revidar se ele não me chutar a tempo. Ele me dá um
gancho no queixo, minha cabeça tomba para trás, baixando minha
guarda por um segundo, e, antes que possa me aproximar, seu pé
vai direto no rosto. Minhas pernas cedem enquanto cambaleio
dando passos para trás, mas não chego a cair no chão.
— É só isso? — Grey diz em um sorriso.
— Basicamente sim, mas na próxima eu tenho que cair.
— Vamos de novo? — pede ele animado.
— Vai com calma, campeão — Kane diz por trás de Grey. —
Acho que por hoje é só, você é muito bom para uma pessoa que só
treinou com o pai.
— Acham que eu posso ganhar a luta amanhã?
— Eu não entendo essa sua obsessão para lutar — menciona
Kane. — Sem ofensas, cara, mas seus pais são ricaços, e você é
fofo, ao contrário do psicopata do Axel.
Mostro o dedo do meio para Kane.
— Para falar a verdade meu padrasto que é rico — diz Grey. —
Ele me sustenta para manter as aparências perante a sociedade, eu
sou apenas o filho da mulher por quem ele se apaixonou. —
Percebo o receio na voz do Grey, ele parece ter ressentimento do
padrasto, assim como eu tenho do meu pai.
— Foda cara — murmura Kane.
— E seu pai? — pergunto. — Você disse que costuma treinar
com ele nos fins de semanas.
— Sim, ele foi lutador de boxe quando era mais novo, mas
sofreu uma contusão, então a carreira não deslanchou. Ele trabalha
em uma oficina em Montgomery, costumo ir lá aos domingos visitá-
lo.
— Entendi — murmuro. — De qualquer forma, o dinheiro que
rende das apostas é bom, se é isso o que você quer, mas preciso
conhecer seu adversário para dizer se as apostas serão ganhas ou
não. E quanto ao futebol, eu não arriscaria a fúria do treinador
durante os jogos da temporada.
— Mas vocês lutam o tempo todo — Grey tenta se defender e
rapidamente recebe duas cabeças balançando um grande não em
resposta. — Não?!
— Nunca lutamos durante os jogos de temporada — digo.
— A luta juntamente com o futebol pode acabar prejudicando
mais do que beneficiando, por isso preferimos nos manter fora das
lutas durante esse período de quatro meses — Kane completa.
O que de certa forma é verdade, enquanto estávamos na
escola, não lutávamos quando havia jogos, não que eu não
quisesse, mas tinha que me contentar com os embates e
provocações durante as partidas. Porém, se algo estivesse me
estressando muito, Kane se fazia o meu próprio saco de pancadas.
Por muitas vezes, lutávamos um contra o outro apenas para que eu
pudesse extravasar a fúria dentro de mim.
Além dos meus pais, Kane é o único que sabe tudo o que
aconteceu na minha vida desde quando eu era criança até hoje, por
isso ele nunca deixou de estender a mão para mim quando eu
precisei dele.
— Você acha que há alguma oportunidade de Drew Fodido
Jones voltar a jogar? — pergunta Kane, já adivinhando o que eu
estava pensando.
— A última notícia que tive dele foi através do Elliot, que soube
através da mãe dele — Grey responde. — Ele saiu do hospital na
terça, mas precisa ficar em repouso absoluto por, no mínimo, mais
dez dias. Já estaremos jogando nessa época.
Nosso primeiro jogo da temporada oficial acontece na sexta que
vem, e será um jogo fora de casa, contra o time da UCLA. O
treinador fez todas as apostas em nós mesmo sendo calouros, no
final das contas Elliot tinha razão. Ele e Grey tornaram-se os running
backs titulares, enquanto Kane e eu ficamos com as vagas de wide
receiver.
Temos trabalhado incansavelmente para esse primeiro jogo.
Assistimos a inúmeras partidas dos adversários, montamos mais de
trinta jogadas diferentes de acordo com a defesa e ataque deles,
esperando realmente que possamos vencê-los.
— O nosso time é bom — digo por mim. — Temos feito
inúmeros treinos sem o Drew e todos nos damos bem em campo
sem ele, e, de qualquer forma, ele estaria no banco, então, não fará
falta alguma.
Corto imediatamente o assunto. Eu não gosto de falar de Drew
porque sempre traz à tona todos os pensamentos ruins que carrego
em minha mente, uma vez que mesmo sem querer ele se torna
responsável por muitos deles.
O assunto rapidamente muda o foco, Falamos sobre como Elliot
está à beira de sair do seu celibato. Segundo relatos de todos ao
seu redor, ele nunca saiu do celibato antes sem um ménage, de
preferência com líderes de torcida.
Depois de deixar a academia não passo em casa, indo direto
para Stone Bay até a casa da minha mãe. Prometi que iria jantar
com Anya e ela hoje e passar o dia inteiro de amanhã com a
garotinha.
Quando abro a porta, sou pego de surpresa por Anya correndo
em volta das minhas pernas. Ela para em minha frente, vestida com
uma fantasia de Tinker Bell e uma coroa na cabeça.
— Parado aí! — Ela segura uma varinha de plástico. —
Abracadabra, agora o Axel é uma barata — ela diz seu feitiço
enquanto balança a varinha na mão.
Entro na sua brincadeira, que é justamente o que ela quer que
eu faça. Fecho a porta e fico de quatro no chão.
— A barata gigante vai pegar a Anya — cantarolo.
Anya começa a correr pela sala e vou em busca dela, me
rastejando no chão com meus joelhos e mãos. Quando a alcanço,
finjo morder seu ombro, e Anya cai na gargalhada.
— Hmmm — murmuro. — Quão doce é essa garotinha.
— Você é uma barata muito boba, Axel — diz rindo. — Baratas
não comem açúcar, essa é a função da formigla. — Anya adiciona
um L após o G, na maioria das palavras.
Pego ela nos braços dando vários beijos em seu pequeno rosto.
— Eu sou a barata e eu faço as regras.
— Você está nojento — diz ela com a voz empertigada. —
Cheio de suor, eca.
Minha mãe chega à sala, pegando Anya dos meus braços.
— A Anya tem razão, você está um nojo. Sobe e toma um
banho, vamos sair em meia hora.
— Como assim sair? Vamos jantar fora? — questiono.
— Sim, Reese Morris nos convidou para jantar em sua casa
hoje, marcamos as sete. Já passam das seis, então anda logo.
— Espera um pouco, Reese Morris, mãe de Heaven Morris? —
Franzo o cenho.
— A própria.
— Não vou — digo convicto.
— Vai sim, anda logo. Sobe, toma um banho, veste uma roupa
adequada e limpa esse sangue do nariz — ela diz apontando para
meu rosto. Passo o dedo por debaixo do nariz percebendo que há
sangue seco nele, deve ter acontecido quando Grey me chutou,
mas eu não havia percebido na hora. — Qualquer dia desses, a
polícia bate na minha porta informando que meu filho foi parar no
hospital depois de um treino de luta pesado.
Eu escondo dela as lutas, mas ela sabe que mesmo estando à
frente do time de futebol na Stout, eu ainda não abandonei as artes
marciais e continuo treinando todos os dias.
— Eu não vou, mãe — repito.
— Você vai sim, Axel! Ela é a primeira pessoa na cidade que
nos chama para um jantar desde que voltamos, então eu preciso
que você vá comigo — diz ela por fim. Solto apenas um bufo em
resposta, melhor eu aceitar que eu tenho que ir e pronto. Quando
estou subindo as escadas, minha mãe me chama novamente. —
Inclusive, queria te perguntar sobre o donut que apareceu na
lancheira da escola da Anya justamente no dia em que você dormiu
em casa, por acaso foi você quem colocou lá?
— Não que eu me lembre — minto.
— Hmmm...
Anya é intolerante à lactose e glúten, então sua dieta é bastante
regrada, quase nunca ela come algo que leve lacticínios ou farinha,
e quando isso acontece tem que estar devidamente medicada, por
esse motivo a nossa mãe libera comida com esses ingredientes
uma ou duas vezes na semana. Como o donut contém ambos em
sua massa, ela é “proibida” de comer, mas na terça pela manhã
fiquei com dó enquanto ela me assistia comer um no café da
manhã, então pedi a ela segredo no momento em que colocava um
em sua lancheira depois que a mãe já havia terminado de prepará-
la.
Quando chego ao topo da escada ouço a vozinha de Anya dizer
“eu juro que não sei como foi parar lá, mamãe”. Eu rio, ela
realmente sabe guardar segredos.
Tomo um banho rápido, e volto para meu quarto. A vontade que
tenho, na realidade, é de passar o resto da noite olhando a pintura
do meu teto, mas me obrigo a vestir uma roupa. Uso calça jeans,
camiseta preta e uma jaqueta por cima. Antes de colocar o celular
no bolso leio a mensagem pendente de Allison, depois que calço os
tênis e desço.
Minha mãe já está pronta na sala, vestida em uma saia lápis
verde e uma blusa rosa com caimento no ombro, Anya está ao seu
lado usando um de seus vestidos de princesa. A menina é
impossível quando se trata de sua vestimenta, na maioria das vezes
ela tem que estar fantasiada. Hoje ela está de Anna, de Frozen, e
ainda tem duas tranças francesas em seu cabelo.
— Não foi tão difícil assim, foi? — minha mãe zomba de mim, e
reviro os olhos. — Você e a Heaven são velhos amigos, não
entendo essa má vontade.
— Éramos — retifico.
— Você é muito complicado, meu filho.
— A vida que é, mãe. — Pego Anya nos braços e caminho
rumo à porta. — Vamos lá, Princesa de Arendelle. Vamos ao
banquete.
— Quem é ‘Revi’? — pergunta Anya.
— Re-veen — corrijo Anya. — É uma garota.
— Você gosta dela? — Anya pergunta enquanto abro a porta
traseira do SUV branco da minha mãe, colocando-a em sua
cadeirinha.
Coço a garganta antes de respondê-la, mas minha mãe
responde primeiro.
— Ele gostava quando era criança.
— E não gosta mais por quê? — pergunta Anya, curiosa.
— Porque eu não sou mais criança — digo passando o cinto de
segurança por seu peito.
— Você está mentindo, Axel — acusa Anya.
— Não estou. — Fecho a porta traseira, em seguida abro a do
carona adentrando e me acomodo no banco.
— Quando o Axel mente, o nariz dele treme, mamãe — Anya
diz no banco de trás, e eu lanço um olhar furioso para ela. — Ele
gosta da Revi.
— Gosta é? — provoca mamãe.
— Sim, gosta sim — Anya cantarola.
— Chega vocês duas, vamos logo.
Minha mãe ri enquanto da partida. A viagem de carro até a casa
de Heaven dura menos de cinco minutos, as ruas estão tranquilas,
além de que sua casa fica a três quadras da minha, mais perto do
que era quando morávamos aqui. Minha mãe é contadora, e quando
recebeu a proposta de emprego na cidade, aceitou sem nem
mesmo pensar duas vezes. Eu entendo os seus motivos para querer
tanto viver nessa cidade, mas não concordo com eles.
Paramos em frente à casa de Heaven, desço do carro e logo
depois tiro Anya de sua cadeirinha, coloco-a no chão e seguro a sua
mão. Andamos até o pórtico, e antes que minha mãe possa apertar
a campainha, a porta se abre. Reese está em pé do outro lado, ela
tem os cabelos no mesmo tom castanho que a filha, mas os olhos
são castanhos. Os azuis de Heaven são herança de sua avó
materna, lembro de ela me dizer isso quando éramos crianças.
— Podem entrar, fiquem à vontade — Reese diz enquanto nos
da passagem, minha mãe entra na frente com uma garrafa de vinho
branco, em seguida Anya entra na casa saltitando. — Você está
uma linda princesa, Anya. — Reese se agacha dando um beijo na
bochecha de Anya.
— Você também está linda — Anya retribui o beijo, além do
elogio.
Quando é minha vez de entrar, sou pego de surpresa por um
abraço apertado.
— Axel, querido. Você se tornou um homem tão lindo — ela
canta ao falar a palavra ‘tão’. Retribuo o abraço, mas me solto dele
rapidamente.
— Bom te ver — respondo.
— Igualmente.
Reese sorri para mim e fica me olhando, quase como se
estivesse hipnotizada. Eu coloco a mão nos bolsos, apenas sorrindo
de canto e rezando para que essa cena constrangedora acabe logo.
Somos interrompidos quando ouvimos um baque alto vindo da rua.
Reese arregala os olhos assustada, e quando estamos prontos para
sair, Heaven entra eufórica gritando:
— Estou te devendo uma lata de lixo nova, mãe. Meu carro
acabou de passar por cima dela sem que... — ela para de falar no
momento em que nossos olhos se encontram.
— Temos convidados para o jantar hoje, querida. — Heaven
olha para a sua mãe, ainda mais espantada do que segundos atrás.
— Ninguém me disse nada — responde.
— Você saberia se atendesse seu celular ou verificasse suas
mensagens, Heaven.
— Eu estava dirigindo, querida — Heaven se defende do ataque
da mãe.
— Esquece. — Reese abana com a mão. — Vamos lá, Axel,
pode entrar, a casa é sua.
Sorrio para a mãe de Heaven, mas não antes de olhar para ela,
ela arqueia a sobrancelha em resposta, usando o mesmo
atrevimento de hoje mais cedo. Me viro e caminho para a sala de
estar, onde minha mãe está conversando com Magnus, o pai de
Heaven. Estendo a mão para cumprimentá-lo mas ele me puxa para
um abraço.
— Meu garoto — murmura enquanto bate em minhas costas. —
Você não sabe o quanto senti sua falta.
— Também senti a sua, senhor Morris.
— O senhor está no céu, rapaz — repreende Magnus. — Mas
se quiser me chamar de pai não vou achar ruim.
Ele pisca com o olho para mim e em seguida vai até o bar
pegando dois copos e uma garrafa de bebida.
— Whisky?! — oferece Magnus, já servindo um copo.
— Não tenho idade suficiente — respondo, mas mesmo assim
ele me entrega o copo com uma dose do líquido âmbar, e uma
pedra de gelo.
— Idade é só um número, garoto. Não define quem você é ou
irá se tornar. — Ele bate seu copo no meu, e engole o líquido. Imito
seu movimento, degustando do sabor canelado do whisky, que
passa queimando por minha garganta. — Nem fez careta, na sua
idade eu costumava beber dois litros no fim de semana.
Sorrio para ele, que me serve outra dose. Minha mãe olha para
mim preocupada, mas apenas dou de ombros. Ela é acostumada a
comprar cerveja para mim, e eu sempre bebo em casa, só nunca fui
de tomar bebidas quentes na sua frente. Não só na sua frente, mas
também em qualquer ocasião, sempre que tomo, lembro-me de uma
das piores noites da minha vida.
Sendo assim, depois de tomar a segunda dose, recuso a
terceira que Magnus me oferece. Noto que Heaven não está na
sala, mas quando sua mãe anuncia que o jantar está pronto, ela
aparece vestindo um short jeans claro e um suéter rosa que pende
sobre seu ombro, em seguida, senta-se à minha frente. Minha mãe
senta ao seu lado, e Anya ao meu, ela me puxa pela camiseta, e
quando chego mais perto dela, ela faz uma concha com a mão e
sussurra no meu ouvido:
— Ela é bonita, por isso você gosta dela.
Faço também uma concha com a mão, e falo baixinho só para
Anya:
— Tudo bem, eu gosto dela, mas é segredo e você não pode
contar para ninguém.
Quando me afasto, Anya está com a mão cobrindo a boca,
depois olha para mim e faz o movimento como se estivesse
fechando um zíper imaginário em seus lábios, então faz um sinal de
legal com o dedão para cima, eu retribuo e ela sorri para mim. Olho
para frente e vejo que Heaven estava observando toda a cena,
então ela sorri para nós dois.
Nos sirvo com a comida colocando batatas assadas para mim e
para Anya, sirvo salmão para nós dois, desfiando o dela em seu
prato e também coloco aspargos, mas os de Anya eu corto para que
ela os coloque de uma vez na boca, depois entrego seus talheres e
ela começa a comer, novamente Heaven observa toda a cena.
Nossos pais conversam sobre o trabalho, seu pai é advogado e
sua mãe fisioterapeuta, mas estão sempre viajando, ambos são
clientes do escritório onde minha mãe tem trabalhado em Stone
Bay. Paro de mastigar quando ouço a minha mãe falar com Heaven.
— E seu namorado, Heaven, como está? — Eu a lanço um
olhar furioso, pois sei exatamente o motivo de ela estar fazendo
essa pergunta, e isso me deixa com raiva.
— Terminei com ele — Heaven responde antes de tomar um
gole de sua água.
— O quê?! — Reese pergunta, largando o garfo no prato em um
tilintar ensurdecedor. — Quando?
— Oficialmente a cerca de uma semana — diz Heaven
friamente. — Basicamente, nosso relacionamento era tóxico e eu só
fui enxergar isso quando o peguei me traindo com uma amiga.
A mãe de Heaven está com a boca aberta devido à notícia que
acaba de receber.
— O Drew nunca foi a pessoa mais tranquila do mundo, sempre
teve suas crises — Reese ainda demonstra completo choque. —
Porém, nunca passou pela minha cabeça que ele seria capaz de
trair.
— Aquele que muito desconfia é sempre o que apronta, porque
tem medo de acontecer com ele o que ele faz com o outro —
responde Magnus. — Não posso mentir e dizer que eu não estou
aliviado por esse relacionamento ter chegado ao fim.
— Ele era tão ruim assim? — minha mãe pergunta com um quê
de preocupação em sua voz.
— Ruim é pouco para aquele garoto — responde o pai de
Heaven ao dar um gole em sua bebida.
— A aura dele é muito perturbadora — Reese completa. — Nós
sempre avisamos a Heaven, mas a deixamos livre para fazer suas
escolhas.
— Não imaginava isso dele — minha mãe comenta
consternada, eu apenas presto atenção em suas falas,
completamente calado. — Sinto muito por isso, Heaven. — Ela
parece solidária, por mais que demore a processar as informações
que acaba de receber.
Drew não ser uma pessoa boa, não é novidade para minha
mãe, afinal, ele sempre recebeu notificações da escola sobre o
bullying que ele praticava contra mim. Mesmo sua mãe sendo a
diretora da escola, nada impedia que a coordenação ou os
professores relatassem o que acontecia nos corredores. Na época
eu não entendia muito bem as reações da minha mãe diante
daquilo, mas hoje torna-se mais compreensível, ao meu ver.
Ela apenas tinha esperança de que ele pudesse mudar quando
crescesse.
— Todos me avisaram sobre o que acontecia conosco. Vocês —
diz olhando para os pais. — Meus amigos, e até mesmo aqueles
que um dia fizeram parte da minha vida. — Nesse momento nossos
olhares se encontram. — Para quem está do lado de fora de um
relacionamento abusivo é fácil enxergar o que acontece ali, mas
para quem está dentro, na maioria das vezes, se trata mais sobre a
euforia da paixão, seguida da queda no caos, só entende quem
vive.
Ela para um momento para tomar um pouco de água, depois
coça sua garganta e continua:
— Eu não estava preparada para conversar com vocês sobre
isso agora, ainda mais com convidados, então peço desculpas por
isso — ela fala olhando para minha mãe, que apenas pega o dorso
de sua mão e aperta.
— De uma coisa eu tenho certeza — afirma Magnus —,
ninguém merece tomar um chifre, mas você se livrou de uma e
tanto. E você sabe que sempre terá sua mãe e eu para lhe
apoiarmos no que precisar. Eu também sempre te disse que você
nasceu para ser livre e o Drew cortava suas asas, então eu não
poderia estar mais feliz no momento — descarrega. — Você está na
faculdade, tem dezoito anos e nunca sequer experimentou
maconha, para mim só estava perdendo tempo com ele de qualquer
forma.
— Magnus — Reese repreende o marido com um tapa na sua
mão, e olha de canto para Anya.
— O que é maconha? — a minha irmã pergunta.
Todos na mesa arregalam os olhos, percebo que minha mãe
fica pálida e com um sorriso amarelo no rosto, devido à pergunta de
Anya. Os adultos começam a gaguejar tentando encontrar uma
resposta para a sua curiosidade, Heaven por sua vez responde
tranquilamente:
— Maconha é um remédio que só adultos podem usar.
A minha mãe suspira ao seu lado e diz um “obrigada” com os
lábios. Logo todos começam a mudar de assunto.
— E você Axel, como está na faculdade? — pergunta Reese.
Conto a eles um pouco mais sobre o futebol e a ansiedade do
time pela temporada que se aproxima, uma vez que a Stout não
vem sendo uma das melhores universidades da liga, e quando digo
que me tornei titular Magnus oferece um brinde em comemoração,
eu rio sem jeito e apenas aceito.
Sempre que estava na presença dos pais de Heaven na
infância era reconfortante para mim, eles são as pessoas mais
gentis que tive o prazer de conhecer na vida, por isso não é difícil
conversar e me entrosar com eles, é como sentir que estou no meu
lar outra vez.
Ao fim do jantar, Magnus diz que tem vários solteiros para
apresentar à minha mãe e Reese o repreende mais uma vez
quando ele fala que ela não tem que morrer sozinha porque um
relacionamento deu errado. Em partes eu concordo com ele, desde
a separação nunca vi minha mãe saindo com outro homem, e ela
precisa viver sua vida além de focar apenas em Anya e eu, contanto
que ela se envolva com alguém que seja bom para ela.
Heaven se manteve calada na maior parte do restante da
conversa, porém ao finalizar o seu prato ela perguntou se Anya
queria conhecer sua coleção de bonecos da Disney e ela
obviamente concordou, pegou na mão de Heaven e subiram as
escadas.
Quando o jantar termina ajudo Reese a tirar a mesa e colocar
todas as louças no lava-louças enquanto Magnus e minha mãe vão
até o escritório dele para conversarem sobre negócios, mesmo eu
tendo quase certeza que o homem irá lhe mostrar algumas fotos dos
seus amigos solteiros.
Após ligar a máquina, ouço Reese me chamar.
— Sim — respondo me virando.
— Eu realmente não sei como te falar o que eu vou te falar, mas
aí vai... Conversei com sua mãe e ela me contou algumas coisas
que aconteceram após a saída de vocês de Stone Bay.
Nesse momento meu coração quase escapa pela boca, pois
não imagino minha mãe sendo capaz de compartilhar coisas que
remetem ao nosso passado com outras pessoas.
— O quanto ela te contou? — pergunto apreensivo.
— Mais sobre a separação e o motivo dela. — Reese parece
compadecida. — Eu entendo que vocês sofreram por anos nas
mãos de Daniel e não te julgo pela forma como você agiu no
passado com a Heaven, vocês dois eram duas crianças e ainda não
tinham maturidade o suficiente para encararem algumas situações.
Engulo em seco um tanto quanto desconfortável, enquanto
Reese estende a mão, apoiando-a em meu ombro.
— Magnus e eu criamos Heaven à base da liberdade, e essa é
uma história que todos já estão cansados de saberem, mas no meio
do caminho ela se perdeu dentro de um relacionamento que não era
para ela. Nós dois não concordávamos, porém a apoiamos o
suficiente para ela saber que sempre estaríamos ao seu lado.
— Eu entendo — digo ao engolir em seco.
— Sei que entende. De qualquer maneira, o que tenho a te
dizer é que as pessoas entram e saem das nossas vidas com um
propósito, e isso também funciona para reencontros. Heaven te
ajudou a achar a luz em meio à tempestade quando vocês dois
ainda eram crianças, por isso eu acredito que a sua volta aconteceu
justamente para que você pudesse ajudá-la a achar aquela mesma
luz que ela te ofereceu há anos atrás.
Eu abaixo a cabeça olhando para meus pés, enquanto
confesso:
— A verdade é que eu quero ajudá-la, mas eu não sei como.
— Apenas seja amigo dela outra vez.
Eu rio sem graça ao olhar para os olhos castanhos de Reese.
— A questão é que eu errei com ela inúmeras vezes e hoje, eu
não faço a mínima ideia de como corrigir o que foi dito.
— Abra seu coração, deixe seus sentimentos falarem por você.
A minha filha herdou do seu pai aquilo que eu mais admiro nele, a
empatia.
Nesse momento somos interrompidos pelo furacão Anya, que
chega à cozinha correndo.
— Tia Reese, a Revi me disse que você faz biscoitos
maravilhosos, pode fazer para mim, por favor? — Os olhos de Anya
brilham com o pedido.
Reese a pega em seu colo, colocando-a em cima da ilha da
cozinha na qual estamos encostados. Em seguida, ela me olha e
pisca.
— Acho que essa é a sua deixa perfeita — diz para mim, e logo
após se vira para Anya. — Claro que eu faço, desde que você me
ajude.
Anya assente animadamente para Reese. Com isso, eu
também assinto de leve com a cabeça e saio da cozinha. Passo
pelas portas francesas que dividem os cômodos e encaro a escada
à minha frente, tomando coragem para subi-la.
Encho meus pulmões de ar ao colocar o pé no primeiro degrau,
expirando no segundo. Porque é tão fácil socar um saco de areia,
porém tão difícil falar sobre seus próprios sentimentos? Meu
estômago se contrai, prestes a colocar todo o jantar para fora no
momento em que faço o caminho da escada um pouquinho mais
rápido, finalmente chegando ao andar superior.
Viro à esquerda, indo em direção à primeira porta. As memórias
de toda a casa ainda são vívidas na minha mente, pois, para fugir
da realidade na qual eu vivia, eu costumava passar horas nesta
casa, no quarto que está com a porta entreaberta. Percebo que ela
manteve a mesma decoração de antes, cama estilo princesa com
dossel branco que vai do teto ao chão, paredes num tom cinza claro
com pôsteres de peças da Broadway, a televisão onde assistíamos
a filmes e jogávamos videogame, e a escrivaninha de madeira
branca onde todas as atividades da escola eram feitas juntos. Não
houve um dia sequer durante os três anos em que fui amigo de
Heaven, em que eu passei mais de vinte e quatro horas sem vê-la.
Em cima da mesma escrivaninha há um painel de fotos, onde
antes era entupido de fotos dela nos parques da Disney, com seus
pais e a maioria eram fotos nossas. Heaven está de costas para
mim retirando algumas fotos do mesmo painel onde percebo que
agora, não há indício algum que um dia eu estivera ali. Hoje o painel
é coberto de fotos com Allie e Wes, uma outra com o Grey e Elliot, e
fotos das peças de teatro que fez ao longo dos anos.
Estendo minha mão por cima de sua cabeça pegando a foto de
sua primeira peça, pois lembro como ela estava linda naquele dia.
Ela interpretou Julieta no Festival de Primavera, seus cabelos
castanhos estavam longos e lisos, e ela usava um vestido vermelho,
parecendo realmente o fogo que ensinara as tochas a brilhar, como
dissera Romeu no primeiro ato da peça.
— Sua primeira peça... — comento.
Heaven que estava com a cabeça baixa em todo o momento dá
um pulo, levando a mão até o peito.
— Porra, Axel — esbraveja. — Bem que você poderia respirar
um pouco mais alto para não assustar as pessoas assim. — Sem
demora ela leva seus olhos até a fotografia que eu seguro. — Você
lembra? — pergunta quase incrédula.
— Claro que eu lembro — levo meus olhos até os seus. — Você
passou dias querendo que eu fizesse o teste para Romeu. Eu não
fiz, o que lhe deixou chateada, mas mesmo assim você brigou com
a professora para que eu tivesse um assento na primeira fila junto
dos seus pais. — Rio lembrando da situação.
— A senhora Campbell era terrível — Heaven comenta rindo.
— Sim, ela era — eu concordo —, mas você também tirava a
paciência da mulher ao dizer que ela estava fazendo tudo errado.
— E ela estava — diz brava. — Onde já se viu a Julieta usar um
vestido preto e não vermelho? Ela estava louca.
Rimos por alguns instantes da situação. Eu sempre assistia aos
ensaios, por isso lembro da professora quase arrancando os
cabelos quando Heaven disse que a mulher não sabia nada sobre
teatro. Quando nossos risos cessam, um silêncio constrangedor
toma conta do quarto, então eu devolvo a foto para o seu lugar de
origem. Levo meus olhos para a escrivaninha onde estão inúmeras
fotos dela e Drew em diversos cenários — praia, baile, jantares e
cinema —, ela percebe para onde meus olhos vão e rapidamente as
junta, dizendo:
— Estava tirando do painel para jogar fora — explica.
Eu apenas assinto com a cabeça.
— Queria saber se podemos conversar.
Heaven franze o cenho em confusão enquanto me olha
mordendo o lábio inferior, a seguir entorta a cabeça e espreme as
pálpebras. Eu me sinto desconfortável, então levo minhas mãos até
os bolsos da calça coçando a garganta. Ela volta sua cabeça à
posição normal, e se abaixa.
Após jogar as fotos que estavam em suas mãos na lixeira
abaixo da escrivaninha, Heaven se vira e anda até sua cama,
sentando-se de costas para a cabeceira.
— Senta — ela diz apontando para a cama, eu caminho até ela
e sento-me na ponta. — Pode falar.
— Eu não sei como dizer. — Levo a mão até a nuca, coçando-a.
— Só basta abrir a boca, Axel. — Ela sorri ingênua.
Dou um sorriso de canto em resposta, levo minhas mãos até
minhas pernas, fecho os olhos e digo a mim mesmo a frase que
Reese me falou há pouco: “é só deixar seus sentimentos falarem”.
— Quero te pedir desculpas por anos atrás ter te insultado —
digo abrindo os olhos. — E também por nunca ter entrado em
contato uma vez sequer em todos esses últimos anos. De todas as
pessoas na minha vida, você era a única que não merecia meu
silêncio naquela época. Eu nunca contei isso em voz alta para
ninguém além do Kane, mas eu vivia em um lar abusivo, eu assistia
meu pai bater na minha mãe no mínimo uma vez por semana.
Levanto a cabeça e respiro fundo para impedir que as lágrimas
infelizes desçam por meu rosto.
— Quando ele não estava mais satisfeito em fazer mal a ela, ele
simplesmente me insultava. O único refúgio que achei por anos foi
na comida, o que me levou a sofrer agressões psicológicas e às
vezes até físicas de outro garoto da minha idade, porque nunca foi
um conjunto de pessoas, sempre foi apenas um, o restante apenas
ria da situação. Você me disse que era sozinha, mas eu também era
— confesso. — Você foi a primeira pessoa em toda minha vida com
quem pude esquecer os tormentos que vivia em casa, talvez a única
até hoje.
— Axel... — Heaven me interrompe.
— Me deixa terminar primeiro, porque se eu parar eu não
conseguirei falar mais nada.
Ela apenas assente em resposta e eu continuo:
— Antes das aulas começarem, naquele último ano em que
passamos juntos, meu pai tinha alguns negócios para resolver em
outra cidade. Durante aqueles três meses eu descobri coisas que eu
ainda não sou capaz de dizer em voz alta... Ali eu me afoguei ainda
mais na comida, pois era difícil aceitar tudo o que eu sofria e
sobreviver. Quando voltei eu só queria te ver, mas ver o seu olhar de
espanto ao me enxergar, foi a segunda coisa que me deixou mais
triste. A primeira foi saber, uma semana depois, que você tinha
ficado com Drew. Eu sei e entendo que éramos todos crianças na
época, mas de todas as pessoas, você foi quem me estendeu a mão
e se tornou minha amiga, e quando aquilo aconteceu eu apenas me
senti traído. Talvez você possa dizer que eu tenha sido egoísta por
pensar dessa forma, porém não há outro sentimento a se
experimentar assim que a pessoa que você mais confia se entrega a
um daqueles que mais te maltrataram, a não ser traição.
As palavras que saem da minha boca são amargas, mesmo
assim eu continuo.
— No dia em que descobri, eu ia me despedir de você porque
meu pai havia decidido que teríamos que nos mudar, entretanto a
raiva pela minha descoberta foi tão grande que eu apenas quis
machucar você da mesma forma que você me machucou, eu não
me arrependo de nada do que senti, apesar disso eu me arrependo
profundamente de ter te insultado e nunca ter te procurado. Quero
pedir desculpas por isso, e também por não ter digerido bem a
nossa relação quando nos reencontramos, acho que saber do seu
namoro com Drew só fez o sangue do garoto de treze anos que
sofria bullying ferver, você não era a única solitária da nossa
relação.
Quando levo meus olhos até as írises azuis de Heaven noto que
ela enxuga uma lágrima que ameaça cair em seu rosto. Ela abre a
gaveta da mesa de cabeceira ao lado da cama e tira de lá um
cartão, em seguida se arrasta na cama, vindo até onde estou.
Eu não estava preparado para o que aconteceria logo após,
Heaven apenas abriu seus braços, me puxou e me abraçou, me
abraçou como se nunca tivesse feito isso em toda sua vida. A única
coisa que posso fazer é retribuir, levo minhas mãos até suas costas
e abraço-a. Nesse momento eu deixo que as lágrimas que eu havia
impedido de saírem antes desçam por meu rosto, pois elas não me
trazem mágoa, raiva ou qualquer coisa parecida, elas me trazem
paz, conforto e alívio.
Todas as palavras que eu disse me deixaram leve ao ponto de
me parecer com um caminhão que acabou de se livrar de uma
carga de duzentos quilos de cimento.
Respiro fundo outra vez, sentindo o cheiro doce e único de
Heaven. Antes de nos afastarmos, antes de poder olhar em seu
rosto novamente, eu encontro o que ela segura em suas mãos. Não
é um cartão, é uma foto nossa de quando éramos crianças, os dois
tomando sorvete completamente descontraídos. Ela se levanta com
a foto e a leva até o seu painel, a pendurando ali, por fim ela olha
para o painel e diz:
— Me livrei das memórias que me fazem mal e trouxe de volta
tudo aquilo que me faz bem. — Ela se volta para mim e diz: — Eu
sabia que você voltaria a ser meu amigo Axel Drake Davenport —
cita meu nome completo.
Eu me levanto ficando de frente para ela franzindo o cenho e
digo:
— Me abrir com você não significa que voltamos a sermos
amigos.
— Eu te coloquei de volta no mural, isso significa que somos
amigos outra vez e você não vai escapar de mim agora — diz
convicta.
— Se você diz...
A puxo para um abraço novamente e ela apenas aceita,
passando as mãos por minha cintura. Acaricio seus cabelos macios
e, antes de nos separarmos, dou um beijo na sua testa.
Heaven apenas me olha com um sorriso doce em seus lábios,
eu não posso evitar o sorriso que toma minha boca em resposta.
— Agora precisamos assistir a algum filme da Disney — diz ela
já me puxando pela mão.
Gosto de ser imaturo com você
Gosto de me entregar e me perder
Quero poder implicar com todas as suas maneiras
IMATURO | JÃO

Após minha conversa com Axel, coloquei para rodar Soul, um


novo filme da Pixar. A pequena Anya se juntou a nós enquanto
comia quase que sozinha uma fornada inteira de biscoitos. A garota
ficou tão cansada de tanto comer que dormiu na metade do filme,
mas antes de ela pegar no sono ela disse no meu ouvido palavras
que não param de perpetuar em minha mente.
“Axel se levanta para ir ao banheiro e Anya para de comer seus
biscoitos, falando em seguida:
— O Axel gosta de você. — Olho para a pequena à minha
frente, espantada.
— Quem te disse isso, Anya? — questiono.
— Ele, mas ele disse que era segredo, xiu! — Ela leva o
indicador até seus lábios enquanto faz biquinho.”
Depois que ele voltou, eu não soube muito bem como reagir à
sua presença ao meu lado, por isso agradeci quando Anya
adormeceu, pois assim eles tiveram de ir embora.
Não somente o que a criança me contou roda em minha mente
a todo o momento, como também todas as palavras ditas por Axel
naquela noite. Ele pediu desculpas por tudo, mas não só isso, ele
explicou exatamente o motivo de ele ter dito e feito o que fez. Eu
sempre desconfiei dos seus traumas, entretanto nunca havia tido a
certeza, só bastaram todas as palavras saírem da sua boca para
tudo se tornar transparente igual água cristalina.
Eu não soube o que lhe responder, por isso apenas o abracei
naquele momento. O seu abraço encaixou de forma perfeita no
meu, como se os nossos corpos tivessem sofrido tanto quanto as
nossas mentes durante todo esse tempo. Abraçá-lo daquela forma
me trouxe à tona o sentimento de bem-estar, como se tudo
estivesse se encaixando no seu devido lugar; por essa razão, logo
em seguida, lhe disse que ele nunca mais escaparia de mim. Agora
não há mais nada nesse mundo que nos separe, e acredito que
somos maduros o suficiente para conversarmos sobre nossos
anseios quando eles acontecerem.
Decidi passar o restante do meu fim de semana em casa com
meus pais, lhes contei tudo o que havia acontecido no meu
relacionamento com Drew, desde o dia em que ele me ajudou no
corredor da escola até o nosso término, incluindo o meu ato
incendiário. Mesmo uma semana após, o acontecido ainda me
causa calafrios, tenho medo constante da polícia bater à minha
porta dizendo que serei presa. Num primeiro momento, antes de
escutar todo o resto da história, meu pai se levantou do sofá
dizendo que iria matá-lo, mas após escutar com atenção sobre
como eu consegui preparar um coquetel molotov e incendiar seu
Audi, ele além de soltar uma grande risada e o chamar de filho da
mãe, acionou todos os seus contatos possíveis e disse que não
havia nenhuma queixa contra mim, e que realmente Drew disse que
tudo o que aconteceu fora devido a um assalto, assim como sua
mãe havia me informado.
Meu pai também me pediu para tomar cuidado, pois se ele não
me denunciou, muito provavelmente pretende aprontar algo. Ele
perguntou se eu queria prestar alguma queixa contra Drew, para
que assim pedisse uma ordem de restrição, mas eu disse que não
seria necessário. De qualquer forma, ele ligou para todos os meus
amigos, incluindo até mesmo o Axel, que ele fizera questão de
pegar o novo número para entrar em contato com ele sempre que
necessário, como fizera há anos atrás, e pediu para que todos
estivessem comigo todo o tempo em que eu permanecesse no
campus, pois, enquanto eu ficasse em casa, ele não tiraria o olho de
mim.
Por mais que eu tenha dito que nada disso seria necessário,
Magnus e Reese insistiram que era o certo a se fazer, pois se ele
me agrediu física e psicologicamente no passado, nada o impedirá
de querer fazer qualquer outra coisa contra mim, principalmente se
eu estiver sozinha.
Eu também não fui à luta de Grey. Segundo Wes, ele estava
muito gostoso vestindo apenas um calção e com seu peitoral todo
de fora; já Elliot disse que se o seu adversário tivesse lhe dado mais
um gancho, com certeza ele estaria hospitalizado a essa hora; Allie
disse que só abriu os olhos quando a luta acabou e de acordo com
Kane, houve uma hora em que a alma do Grey saiu do seu corpo e
voltou apenas trinta segundos depois.
Eu não consigo tirar meus olhos de Grey enquanto almoço, seu
lábio inferior está rachado, o nariz está com sangue coagulado,
ambos os olhos estão roxos, e mesmo após mais de trinta horas
desde sua luta ele continua feliz, mesmo que em todas as vezes
que ele tenta sorrir se torne cada vez mais assustador.
— O que aconteceu com seu rosto? — pergunto.
— Bom, primeiramente ele nasceu — Elliot decide responder. —
E dezenove anos depois levou a maior surra da história.
Grey tenta mostrar o dedo do meio a Elliot, mas geme ao erguer
o braço.
— Eu deveria matar você por ter participado dessa luta idiota —
Kane diz com raiva. — Nosso primeiro jogo da temporada acontece
em cinco dias e você não consegue nem mesmo levantar a porra do
braço.
É de se entender a raiva de Kane, mesmo que ele não seja o
capitão do time, ele leva o esporte à sério demais. O conheço há
pouco tempo, mas essa característica dele é impossível de não
notar.
— Eu vou ficar bem — Grey responde, mas sua voz custa tanto
a sair que é quase impossível acreditar nele.
— Não se sua mãe tomar conhecimento disso — Allie pontua.
— No momento em que ela ver seu rosto, pode ter certeza que ela
mesma te mata.
— Se ela quiser, eu ainda a ajudo — Kane fala por cima.
— Eu não sei por que você está com tanta raiva, afinal foi você
quem treinou ele para a luta — Axel diz por fim, a fim de cessar a
discussão.
Kane não se conforma com o fim dela e xinga Grey de todas as
maneiras, enquanto o mesmo tenta se defender dos seus ataques
verbais, ainda que sempre que abra a boca acabe gemendo de dor,
o que faz todos nós rirmos pois sua cara de sofrimento juntamente
dos hematomas é um horror.
Enquanto todos conversam pego meu celular e verifico minhas
últimas mensagens. Desde que bloqueei o número de Drew eu não
fui mais perturbada por ele. Noto que um silêncio se forma em
nossa mesa, o que me faz levantar a cabeça e perceber todos
olhando por cima do meu ombro, e é aí que eu tomo uma decisão
que me arrependo: virar minha cabeça e dar de cara com o
desgraçado.
— Heaven — Drew chama meu nome.
Eu mordo minha bochecha para não soltar um palavrão. Finjo
que não o escutei e volto minha atenção para Grey que está de
frente para mim.
— Heaven — ele repete. — Nós precisamos conversar.
Pego a mão de Wes que está ao meu lado, e em seguida
murmuro:
— Sabe aquela frase da Taylor Swift do álbum Reputation?!
Como é mesmo?! — pergunto retórica. — Ah, lembrei! — Levanto o
dedo indicador para cima. — Desculpa, a antiga Heaven não pode
atender agora. Por quê?! Porque ela está morta! — Olho por cima
do ombro. — Sai de perto de mim, Drew.
— Eu não vou sair até você conversar co...
— Cara, você não entendeu que ela não quer?! — Axel se
mete, com raiva.
— Fica na sua — esbraveja Drew —, a conversa ainda não
chegou ao Oceano Atlântico, baleia.
— Chega! — grito ao me levantar da mesa.
Me viro para Drew olhando-o no fundo dos seus olhos
castanhos que por tanto tempo amei e odiei, pois quando eles não
eram benevolentes, eles eram furiosos, carregando uma névoa
pesada neles, ao ponto de fazerem todos os meus pelos se
eriçarem por uma única razão: medo.
Nesse momento eles estão em um meio termo entre raiva e
paixão, mas eu não me importo com eles agora. Aponto para a porta
de saída do refeitório ao dizer:
— Para de ser um idiota que se acha superior a todos com os
seus insultos de merda. Você continua sendo o valentão de anos
atrás e talvez você nunca mude, Drew, mas eu mudei, eu mudei por
você e agora estou mudando por mim. Então se eu digo que não
quero conversar com você, sua única obrigação é aceitar e sair de
perto de mim, e se você continuar com essa merda de insistir em vir
atrás de mim, a única coisa que poderei fazer é te denunciar.
Seus olhos arregalam em fúria, mas eu continuo.
— É isso aí, eu te denuncio, e material, provas e testemunhas
não faltam para isso. Então sai de perto de mim, porra! — grito por
fim.
A ponta do nariz de Drew se comprime, em seguida suas
pupilas dilatam — como sempre aconteceu em todas as vezes em
que ele esteve prestes a ter um ataque de fúria —, deixando apenas
uma linha fina do marrom escuro adornar suas írises. Ele fecha suas
pálpebras em tamanha confusão, em seguida leva o dedo indicador
à frente do seu corpo e sibila entredentes:
— Isso não vai ficar assim, você sabe que você precisa de mim,
você sabe...
Dito isso ele se afasta em passos duros. Após ele sair noto que
eu consigo soltar minha respiração, a qual nem mesmo havia
percebido que tinha prendido.
Alguém me oferece um copo com água e eu apenas aceito,
engolindo todo o líquido de uma vez só. Eu sabia que em algum
momento teria de ver o Drew frente a frente outra vez, mas na
minha cabeça eu cederia à ele, como sempre cedi durante todo o
tempo em que estivemos juntos, porém isso não aconteceu, eu
realmente consegui confrontá-lo.
— Como você está? — Axel pergunta quando me sento outra
vez ao seu lado.
— Estou em dúvida entre surpresa ou assustada, talvez um
pouco dos dois.
— O que você vai fazer quanto à ameaça dele? — É a vez de
Allie perguntar.
— O Drew é impulsivo, não prudente, se ele tivesse que fazer
algo contra mim ele teria feito naquele momento.
— Mas ele pode vir atrás de você novamente — Wes insiste.
— Não virá — digo convicta.
— Como você pode ter tanta certeza? — Axel se mete.
— Ele vai esperar que eu vá atrás dele, o que obviamente não
vai acontecer.
Axel levanta uma sobrancelha como se desconfiasse da minha
afirmativa, entretanto eu não quero ter que ficar nessa discussão por
muito tempo.
— Quem quer ir comprar sorvete comigo? — Todos ficam em
silêncio. — Sério?! Ninguém?
— Temos aula de Sociologia em dez minutos — responde Wes.
Axel por sua vez se levanta de sua cadeira e me estende a
mão.
— Vamos?
Eu apenas decido pegar sua mão e acompanhá-lo, mesmo com
Wes gritando que eu não posso perder a aula, uma vez que perdi as
duas da semana passada. Eu apenas levanto o dedão para ele
fazendo um sinal de legal.
Axel e eu saímos do refeitório de mãos dadas e vamos até o
quiosque de sorvete que fica do outro lado do campus. Eu o provoco
todas as vezes que uma garota passa por nós, pois todas,
exatamente todas, sorriem para ele enquanto ajeitam seus cabelos.
Implico não porque estou de boa com a situação, e sim para
disfarçar a pontada de ciúmes que sobe em meu peito.
Certo que voltamos à nossa amizade a cerca de dois dias, mas
meus sentimentos por Axel estão confusos desde o momento em
que o revi pela primeira vez. Depois do nosso reencontro, eu sinto
faíscas estranhas entrarem por minha pele, prova disso foi o nosso
beijo, no qual eu penso todos os dias há mais de um mês. Aquele
beijo foi algo que eu nunca tirei da minha mente.
A forma como nossas bocas encaixavam de forma perfeita uma
na outra, a maneira como os nossos sons eram tão parecidos, o
toque da sua mão pela minha pele... Apenas a lembrança do que a
gente viveu é o suficiente para atiçar toda a malícia dentro de mim
quando se trata de Axel.
A moça do quiosque nos entrega os nossos sorvetes
acompanhados de guardanapos. Percebo que no de Axel tem algo
escrito, então imediatamente o tiro da sua mão e noto que se trata
de um número de celular.
— Ela quer que você ligue para ela — digo em um tom de voz
amargo.
Minha reação não passa despercebida por Axel, pois noto que
ele me olha em confusão, por isso faço questão de colocar uma
colher cheia de sorvete na minha boca. Axel, por sua vez, pega o
papel e o joga na lata de lixo próxima a nós, e dá de ombros.
— Pena que eu não quero ligar — ele responde apenas.
— Por que não? — pergunto, claramente curiosa.
A pergunta saiu tão rápido da minha boca que fez com que o
sorvete escapasse um pouco.
Com extrema delicadeza Axel leva seu dedo até meus lábios e
os limpa, em seguida o leva até a sua, lambendo o creme. Eu
paraliso. Eu simplesmente paraliso, porque essa merda acaba de
fazer minha calcinha molhar.
Engulo o restante do sorvete em minha boca, quase
engasgando, e mordo meu lábio inferior, apreensiva. Axel nota meu
desconforto e por isso diz:
— Acho melhor andarmos um pouco mais rápido, já estamos
atrasados.
Eu apenas concordo ao assentir com a cabeça.
Juntos caminhamos até o prédio de Humanas terminando
nossos sorvetes, chegando lá entramos no auditório já lotado. Eve
Clark parece acabar de falar alguma coisa, então ela nos olha com
tamanha desconfiança e em seguida declara:
— Estava em busca de voluntários para fazerem cópias de um
artigo que desenvolvi para a aula — a ruiva comenta ao olhar para
nós dois. — Como vocês foram os últimos a chegar, acredito que
não se incomodariam de irem até a sala da copiadora e pegarem
essas cópias para mim, certo?!
— Para falar a verdade eu me incomodaria sim — Axel
responde e eu dou um tapa no seu braço.
— Uma pena que eu não estou pedindo — Eve sorri
genuinamente. — Agora andem!
Axel e eu subimos até os nossos lugares ao lado de Wes para
deixarmos nossas coisas, em seguida descemos novamente e Eve
me entrega um maço de papéis para realizar as cópias. Saímos do
auditório e fomos em direção à sala de cópias.
Caminhamos calados um ao lado do outro, o som do corredor
sendo preenchido apenas por nossos passos. Eu não curto muito o
silêncio, por isso decido abrir minha boca.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Sim — Axel responde.
— Com quantas garotas você já ficou desde que entrou na
Stout?
Axel para e vira para mim, rindo.
— Por que você quer saber isso, Heaven?
“Porque talvez eu esteja com ciúmes ao ponto de querer
aniquilar todas”, penso.
— Sei lá, apenas quero saber.
Axel dá um passo em minha direção e eu dou um passo para
trás.
— Por que você se importaria com algo como isso? — desafia
ao dar mais um passo.
— Não me importo — respondo com desdém.
— Então por que a curiosidade?
— Porque sou curiosa.
Ele murmura um “hum” com a voz grossa e começa a andar em
minha direção. À medida que ele dá um passo para frente eu dou
outro para trás, até que encosto na parede. Minha respiração fica
pesada com a sua aproximação, então lembro do nosso beijo, e
logo depois do nosso quase beijo há alguns dias. Recordo-me
também de minutos atrás e da forma como ele limpou minha boca e
levou o dedo até a sua. Eu sinto que Axel está tão mexido por mim
quanto eu estou por ele, mas eu não posso simplesmente tirar a
conclusão e viver uma verdade absoluta através dela.
Eu preciso de provas, e para isso eu preciso provocá-lo, talvez
eu me arrependa disso futuramente, talvez não. Fito os olhos cinzas
de Axel, sua respiração está tão pesada quanto a minha.
Axel ergue o queixo e diz:
— Sala de cópias.
Me viro ficando de costas para ele, vendo que chegamos ao
nosso destino. Não me encosto totalmente em seu peito, mas o
suficiente para conseguir sentir a protuberância logo abaixo de seu
quadril.
“Eu sei que você quer isso”, penso comigo mesma. Então abro
a porta da sala e entramos, quando a fecho não me esqueço de
trancá-la, porque esse é o momento certo para ter a prova que eu
preciso e me vingar do que aconteceu na cozinha da sua casa.
Que Deus e a mãe de Elliot me abençoem nesse momento, e
eu não caia em tentação, pois acabei de ter uma má ideia.
E se eu pudesse simplesmente tirar o seu fôlego
Não me importo se não há muito a dizer
Às vezes o silêncio guia sua mente
SWEATER WEATHER — THE NEIGHBOURHOOD

É bom estar próximo a ela novamente sem ter aquele clima


tenso que sempre nos acompanhava. A sua mãe estava certa
quando disse que eu apenas tinha que deixar meus sentimentos
falarem por mim, pôr para fora tudo o que senti durante todo esse
tempo, ainda que eu tenha omitido uma parte do meu passado, que
eu escondo até de mim mesmo, foi extremamente reconfortante.
Por outro lado, ver o retorno de Drew e a forma como ele age
quando está perto dela, ainda querendo lhe controlar, não tirou a
minha vontade de socar a sua cara outra vez, ou quantas vezes
forem necessárias para ele parar com essa merda. Mas o melhor de
tudo foi ver como ela reagiu à situação.
Se por acaso tivéssemos algo além da amizade, a qual
pretendo reconstruir, eu teria a agarrado ali na frente de todos e lhe
beijado.
Mesmo depois de tantos dias, ainda não fui capaz de esquecer
o sabor da sua língua e a delicadeza dos seus lábios, tanto é que
estou excitado desde o momento em que passei o dedo em seus
lábios, os limpando.
Ela literalmente acaba comigo, e imagino que não faça a
mínima ideia do que um simples sorriso seu é capaz de fazer.
Agora, tento controlar minha respiração, fazendo de tudo para
não sentir seu cheiro, porque se há algo que me afeta mais do que
seus olhos caribenhos ou sua boca, com certeza é a fragrância que
Heaven carrega. Quando Eve Clark nos mandou até a sala de
cópias, não esperava que fosse uma sala minúscula. Há poucos
segundos, Heaven me confrontou perguntando com quantas eu já
havia ficado desde que cheguei à Stout, se for contar por bocas que
beijei eu diria que umas cinco, mas que eu transei, essa é zero, eu
não consigo ir adiante com nenhuma mulher desde que Heaven
cruzou o meu caminho mais uma vez.
Eu podia ter lhe dito a verdade, mas preferi jogar com as
palavras para ver até onde ela ia. Ainda não entendo o motivo de
querer fazer esse tipo de jogo com Heaven, mas acho curiosa a
forma como ela se interessa tanto por minha vida em particular,
mesmo eu não dando tanta abertura.
— São quantas cópias afinal? — pergunto me virando para
Heaven, que dá de cara com o meu peito. A sala é realmente muito
pequena, pouco menos de dois metros quadrados. A ereção que
tive há minutos continua viva, e ao me encontrar tão próximo dela
novamente, a mesma atiça ainda mais o meu pau. Faço minha
melhor cara de indiferença, para que ela não perceba o quanto está
me excitando no momento.
Heaven analisa o papel e diz que são trinta cópias no total, de
todo o arquivo.
Separamos as folhas e começamos a fazer as cópias. Enquanto
Heaven já faz a junção de alguns papéis, murmura:
— Preciso de um grampeador.
Eu ainda estou finalizando as últimas cópias quando me viro e
meu rosto encontra a sua bunda.
Isso mesmo, a bunda dela está diretamente no meu campo de
visão, porque Heaven escalou a prateleira ao seu lado. Tento me
afastar e não encarar demais o que tem à minha frente, mas é
praticamente impossível quando o que ela está usando debaixo da
saia curta não passa de uma calcinha preta, quase que inteiramente
enfiada entre suas nádegas.
Prendo a respiração sentindo que posso hiperventilar a
qualquer momento, então decido me virar de costas, no entanto
antes que isso possa acontecer, Heaven começa a descer e
escorrega. Deixo as folhas que estavam em minhas mãos caírem no
chão e a seguro rapidamente.
No primeiro momento em que Heaven está nos meus braços,
ela me olha espantada, logo depois um sorriso se forma nos seus
lábios e então ela começa a rir.
— Você bateu com a cabeça? — pergunto ao arquear a
sobrancelha.
— Não! — Ela ri novamente, depois retoma um pouco da sua
respiração e me olha consternada, de repente. — Nossa, você não
tira essa carranca de jeito nenhum.
Respiro fundo, para evitar um revirar de olhos.
— Acho melhor voltarmos para a aula — concluo.
— Claro! Depois de você me pôr no chão, obviamente. — Sua
feição antes triste, adere à malícia rapidamente. — A não ser que
você queira me carregar no colo por aí, como um cavaleiro digno de
romances medievais.
Dito isso a coloco no chão, ajudando-a a se manter de pé. Em
seguida, apanho tudo que acabou indo ao chão os juntando
novamente, fico de pé e coloco-os em uma caixa. Em momento
algum respondo a sua provocação, pois sei que se passar mais um
segundo ao seu lado tão próximo dessa forma, com tudo que
acabara de acontecer, não serei capaz de responder pelos meus
atos.
— Está trancada — escuto Heaven murmurar ao lado da porta.
— Como assim trancada?
— A porta não abre! — Heaven esbraveja.
Coloco a caixa com as cópias no chão e dou um passo me
aproximando dela.
— Licença — peço e ela se afasta para o lado, então giro a
maçaneta e puxo, mas nada acontece. Faço o movimento mais uma
vez, dessa vez com força caso esteja emperrada, mas não é a
situação. Dou uma olhada rápida e vejo que o trinco e a lingueta
realmente estão atravessando a porta. — Está trancada — constato.
— Parabéns pela descoberta, Sherlock. — Heaven bufa, e
cruza os braços sobre o peito. Acompanho todos os seus
movimentos lembrando de quando os toquei, e da visão que tive dos
seus glúteos poucos minutos atrás.
Porra, estou parecendo uma criança virgem de catorze anos
que nunca viu um par de seios na vida, babando em qualquer um
que tenha um pouco de estrogênio. Fecho os olhos com força
contando de um a cinco e acalmo minha respiração.
— Está com o celular? — pergunto.
— Deixei na mochila.
— Ótimo — sibilo ironicamente, jogando a cabeça para trás. —
Perfeito e maravilhoso.
— Uma hora alguém sentirá nossa falta na aula e virão nos
procurar — diz ela, enquanto analisa as cutículas da unha, ou
qualquer merda parecida.
— Hmhum.
Começo a querer dar voltas pelo cômodo minúsculo, mas o
máximo que consigo é dar um passo para frente e outro para trás.
Olho para Heaven e enxergo diversão em seu olhar. Coço a
garganta levemente.
— Tá achando divertido? — pergunto.
— Não sabia que era claustrofóbico.
— Não sou — digo entredentes.
O divertimento no olhar de Heaven fica mais evidente.
— E por que o nervosismo? — pergunta curiosa. Cocei a
garganta de novo antes de responder, fazendo de tudo para não
olhar em seus olhos, ou imaginar qualquer ato sexual ligado a ela.
— Não estou nervoso.
— Não é o que parece — diz ela ao dar um passo, aquele único
passo que temos permissão de dar no cubículo.
Levanto a cabeça e vejo o teto, branco, assim como gelo. Tento
tomar um pouco de ar, mas sinto o cheiro do seu perfume doce, tão
doce que tenho vontade de passar a língua por toda sua pele, a fim
de sentir seu gosto. Ela está próxima, tão próxima que sinto todos
os pelos do meu corpo se eriçarem, é esse o efeito que ela causa
em mim, mas não deveria.
— Você precisa relaxar um pouco, Axel — ela sussurra, sinto o
calor da sua voz me invadir.
— Eu estou bem. — Minha voz sai rouca, nem eu mesmo ouço
o que acabo de falar.
— O que você disse? Não consegui ouvir — ela está me
provocando.
— Eu disse que... — Coço a garganta. — Eu disse que estou
bem — repito.
Quando abaixo minha cabeça, encontro o rosto de Heaven,
seus olhos estão cobertos de luxúria, e sua boca rosada sorri com
malícia. Tento ao máximo manter minha expressão neutra, mas
então ela põe as mãos em meus ombros e em seguida seus dedos
passam delicadamente pelo meu peito, seguindo para a minha
barriga. O sangue flui em meu pau, estou tão duro que sinto a força
do meu membro contra o tecido da calça.
— O que você está fazendo, Heaven?
— Você acha que eu estou fazendo o quê?! — responde com
uma pergunta retórica, mas antes que eu possa abrir minha boca,
ela chega mais perto e sussurra no meu ouvido. — Eu pensei que
você estivesse relaxado. — Sua mão desce, e encontra minha
ereção. Minha respiração começa a vacilar novamente, e encher
meu pulmão de ar de repente virou um trabalho árduo. — Duro e
grosso — caçoa.
— Heaven, eu acho melhor você se afastar. — A cada milésimo
de segundo que passa, eu consigo ficar mais duro. Sua
aproximação é demais para mim, seu toque me deixa louco, porque
senti-lo não é a mesma sensação de uma lembrança ou a mera
imaginação que tenho dele, é algo real.
— Ué, só estou querendo te ajudar a diminuir seu estresse —
seu sussurro faz com que todos os pelos do meu corpo se eriçem.
Heaven chega ainda mais perto, seu rosto se encaixa no meu
pescoço, o cheiro do seu cabelo macio invade o meu nariz, tão doce
e, ao mesmo tempo, tão cítrico.
— Você está tenso, Axel — diz no meu ouvido enquanto morde
o lóbulo da minha orelha.
“Eu não posso perder meu controle”, digo a mim mesmo.
— Estou bem só, por favor, se afasta — suplico.
Mas não tem muito efeito. Sua mão encosta no meu peito,
então ela começa a trilhar um caminho de beijos em meu pescoço.
Ela está fazendo tudo pelo que tenho ansiado por tanto tempo,
o que eu quero tomar para mim, mesmo sabendo o quão perigoso
isso pode se tornar, além de que somos amigos agora. Eu apenas
queria que meu corpo e mente não a desejassem tanto como
sempre foi desde a primeira vez que a revi.
— Me beija, Axel — pede.
Endureço meu maxilar, e não consigo falar nada, então apenas
balanço com a cabeça em negativa.
— Você quer isso tanto quanto eu, há muito tempo.
Heaven tem razão, eu quero, eu preciso. Mas eu não posso, eu
tenho trabalhado arduamente para conseguir esquecer seu toque,
seu cheiro, seu perfume, mas fica difícil quando tudo se mistura em
menos de um minuto. Um lado da minha mente diz que não, mas as
minhas mãos parecem ter vencido essa batalha.
Com uma mão seguro Heaven pela cintura e com a outra agarro
seu cabelo por trás.
— Você não vai querer isso — digo entredentes. Heaven sorri
ainda mais.
— Pode apostar que eu quero sim. — Então ela me beija.
No primeiro momento a surpresa me invade, contudo logo em
seguida eu abro a boca deixando que sua língua adentre-a. Nosso
beijo não é nada lento, muito menos carinhoso, ele é fervoroso,
assim como meu desejo por ela. Nossas línguas brigam dentro de
nossas bocas, quando eu puxo, ela chupa, quando mordo seu lábio
inferior, ela lambe o meu superior. Começamos a nos mover pelo
cubículo, pressiono seu corpo contra a porta, porém ela me empurra
e minhas costas batem na prateleira do fundo.
Tento tomar um pouco de ar, mas é inútil. Heaven se aproxima e
começa a me beijar outra vez, seus dedos trabalham para
desabotoar a camisa que eu uso, eu a ajudo sem largar seus lábios,
mas ela não consegue, por isso ela põe as mãos na bainha da
camisa e a puxa, praticamente arrancando os botões dela. No meu
pensamento só passa uma única palavra:
Foda-se.
Foda-se se eu digo que não posso, vou tomá-la do mesmo jeito.
Foda-se se é errado, que atire a primeira pedra quem nunca errou.
Foda-se se amanhã eu vou me arrepender, eu só quero viver esse
momento agora, nem que seja uma única vez. Foda-se se voltamos
a sermos amigos, desde que seus lábios estejam colados aos meus,
eu pouco me importo. E por último, foda-se se estamos na porra de
uma sala de cópias, o que importa é que estamos sedentos de
desejo.
Minha mão desce por seu quadril, passando por sua saia e
subindo-a. Encontro a sua calcinha, no mesmo momento em que ela
termina de abrir minha camisa. Afasto delicadamente o tecido para o
lado, minha mão encontra sua pele macia e depilada, e meus dedos
vão diretamente para a sua abertura.
Encharcada.
Seu líquido pinga em meus dedos, aproveito e roço o polegar
em seu clitóris fazendo Heaven gemer baixinho em minha boca.
Passo a língua pelo seu maxilar indo em direção à orelha enquanto
ela continua beijando meu pescoço. Enfio dois dedos em sua
abertura e sinto que o seu gozo está quase lá, suas coxas se
apertam quando faço o movimento de ir e vir. Mordo o lóbulo de sua
orelha, puxo seus cabelos a olhando nos olhos, percebendo que o
azul da suas írises não passa de uma linha fina.
— Estou te dando uma chance de voltar atrás — digo em um
sorriso de lado. Ela também sorri e lambe os lábios me afrontando.
— Nunca!
Puxo sua cabeça de volta e a beijo novamente, e assim
continuamos. Meus dedos entram e saem dela ao mesmo tempo em
que uso o polegar para massagear seu clitóris. Quando pressiono
seu ponto G, ela arfa em um gemido.
Seus sons estão passando a serem os meus preferidos, eles
são calmos e calorosos, uma simples arfada que ela solta por entre
seus lábios é capaz de conduzir um calafrio por toda a extensão da
minha coluna.
Heaven começa a abrir minha calça, e eu continuo penetrando
meus dedos nela. Ela abre o zíper, em seguida leva suas mãos até
minha bunda e desde a calça juntamente da cueca. Seus dedos
voltam por minha bunda, acariciando minha pele por todo caminho
até a base do meu pau, que ao receber o toque dos seus dedos,
trêmula. Heaven solta mais uma lufada de ar, e em um sussurro
quase inaudível diz:
— Só mais um pouco e eu gozo.
Levo isso como um encorajamento, então enfio meus dedos
com vontade. Uma vez. Duas. Três... Heaven continua com sua mão
na base do meu pau, pressionando o local de leve e conduzindo a
pressão até minha glande.
Continuo estocando com os dedos enquanto sinto todo o seu
corpo tremer contra o meu, pedindo em claros sinais, a sua
libertação. Ela afasta seus lábios dos meus, então um gemido
gutural se espalha pelo cômodo. Meu pau treme quando ela desliza
a mão sobre ele, apertando-o da cabeça à base.
Sua boceta está inchada e pulsando. Tiro meus dedos de
dentro e os levo até a sua boca, abrindo-a com as pontas dos
dedos, então ela os chupa,mas seus olhos não abandonam os
meus. Enquanto ela ainda tenta reaver sua respiração, eu a puxo
mais uma vez e beijo sua boca, sentindo pela primeira vez o gosto
do seu sexo.
Meu coração martela contra minha caixa torácica e Heaven
continua segurando a minha ereção, ela não me solta de forma
alguma, continua fazendo movimentos de vai e vem, me
masturbando lentamente. Quando nossos lábios se separam, o azul
dos seus olhos está intenso. Ela sorri de lado e em seguida, fazendo
com que um suor fino de ânsia desça por minha têmpora, diz calma
e pausadamente:
— Agora é minha vez. — Meu pau treme em sua mão, cada vez
mais cheio de sangue.
Heaven se agacha, ficando de joelhos em minha frente. Sua
mão pressiona a minha base, e eu fecho os olhos quando sinto sua
língua quente encostar na cabeça do meu pau.
Porra! Isso era tudo o que eu queria.
Quando estou pronto para enfiar o pau em sua boca, Heaven se
levanta e sorri para mim. Isso seria sarcasmo em seu rosto? Vejo o
momento em que ela mexe em seu sutiã, tirando alguma coisa lá de
dentro.
Não, ela não fez isso.
Heaven me mostra uma chave, o sorriso presunçoso nunca
abandonando seu rosto. Então ela se vira, abre a porta, e antes de
fechar diz:
— Isso foi para você aprender que tudo que vai, um dia volta.
E assim a porta se fecha.
Demoro alguns segundos para assimilar tudo o que aconteceu.
Filha da mãe!
Ela acabara de se vingar de mim, é isso mesmo? Só porque
não fomos em frente na cozinha naquele dia?! Por que, se eu
entendi direito, foi exatamente isso.
Raiva toma conta de mim. Coloco meu pau ainda extremamente
duro dentro da cueca, ele acabou de entender que tudo o que ela
fez me deixou com ainda mais tesão.
Eu fiz a garota gozar e quando eu pensei que realmente
estávamos no clima, ela simplesmente se levantou e foi embora,
esse seu gesto ardiloso me fez querê-la ainda mais. Subo a calça,
fechando-a logo em seguida, faço o mesmo com a camisa de
botões, que por sorte ainda tem alguns.
Vou em direção à porta, mas esbarro na caixa que deixei no
chão quando ela me disse que a porta estava trancada, a porra da
porta que ela mesma trancou. Pego a maldita caixa, e começo a
andar de volta para o auditório.
Raiva e desejo dominam meus nervos. Antes de abrir a porta do
auditório respiro fundo, quando entro jogo a caixa na mesa da Srta.
Clark e começo a andar em direção ao meu assento que fica ao
lado de Heaven. Ela esbanja um sorriso em seus lábios sem mostrar
os dentes, seu cabelo está alinhado assim como sua roupa. Sinto
todos os olhares em mim, meu cabelo está uma zona, sei disso,
minha roupa amassada e de qualquer jeito. Ao sentar na cadeira do
seu lado, retomo o ar e sinto seu cheiro.
— Você me paga — sussurro em seu ouvido.
O máximo que ela me responde é levar o dedo indicador até os
lábios, em um ato de silêncio.
Eu me nego a acreditar em tudo que aconteceu nos últimos
minutos, porque ao seu lado, eu tenho certeza de que essa garota é
a minha destruição.
Durante todo o restante da aula me esforço para não direcionar
meu olhar a Heaven, em vez disso presto bastante atenção no
discurso de Eve Clark sobre como funcionava a sociedade dos anos
sessenta. Ela distribui as malditas cópias que fiz com Heaven na
bendita sala de cópias, e só de lembrar do que aconteceu lá, meu
pau se atiça novamente.
O que acontece outra vez quando a aula acaba e Heaven se
levanta antes de mim deixando algo cair no chão bem à minha
frente, ela se agacha, propositalmente, deixando que eu tenha outra
visão privilegiada da sua bunda. Em seguida, ela vira-se para mim e
pergunta:
— Não vai se levantar?
Eu não respondo, apenas fecho meus olhos com força pedindo
para que a porra do meu pau amoleça de uma vez por todas.
— Axel? — Sua voz me chama de novo.
Eu nego com a cabeça ainda de olhos fechados, porque apenas
a sua voz me chamando instiga ainda mais a minha ereção.
Merda, merda, merda.
— Axel? — Heaven insiste.
Apenas o som da sua voz chamando meu nome faz meu pau
entender outra coisa, e como ele está completamente duro, ele
apenas pulsa violentamente contra minhas roupas querendo se
libertar, assim como eu.
— Heaven — digo entredentes. — Só, por favor, me deixe
quieto.
Heaven começa a rir pondo a mão em meu ombro. Porra! Se
ela continuar me tocando eu vou acabar gozando na calça mesmo,
por isso eu não abro meus olhos em momento algum, apenas torço
para que minha ereção acabe, mas isso não acontece.
A garota que antes ria e tocava meu ombro se calou, seus
dedos agora passam pelo meu tronco vagarosamente, fazendo
meus pelos se arrepiarem e minhas bolas comprimirem dentro da
cueca. Suas mãos continuam a passearem pelo meu corpo, eu
estou em fúria, mas estou com tanto tesão...
— É só respirar fundo. — A voz de Heaven é baixa e doce.
Dito isso, ela põe a mão em cima da minha ereção, eu tento
respirar fundo, mas o ar falha quando ela passa as pontas dos
dedos por todo o meu comprimento, fazendo com que eu seja
libertado desse tormento.
Eu acabo de gozar na porra da calça.
Heaven continua a acariciar meu pau, e quando eu finalmente
consigo inspirar um pouco de ar, eu abro os olhos aos poucos
encontrando o auditório completamente vazio a não ser por nós
dois. Ela tem um sorriso doce e genuíno adornado em sua boca.
— Então, conseguiu relaxar? — pergunta cínica.
Pego minhas coisas no chão e me levanto.
— Vai à merda, Heaven — murmuro ao passar por ela e descer
as escadas.
— O que deu em você? — ela pergunta séria.
Então eu me viro para ela e vejo o quão divertidos seus olhos
estão, tenho certeza que se ela quisesse agora ela estaria
gargalhando muito.
— Você não presta, Morris. Você simplesmente não presta! —
digo ao apontar o dedo em sua face.
— Eu?! — pergunta quase perplexa, com os olhos brilhantes.
Me viro dando as costas para ela e continuo a descer as
escadas, logo ouço os passos dela vindo atrás de mim. Quando
passo pela porta digo:
— Eu disse que isso não vai ficar assim... E não vai!
— Isso é uma ameaça, Axel? — desafia Heaven.
Eu me volto para ela, olhando no fundo dos seus olhos
caribenhos, passo a mão por uma mecha de cabelo sua e em
seguida, aproximo meus lábios da sua testa, beijando-a ali.
— Eu nunca ameaçaria você, Heaven — digo calmo e paciente.
— Mas você começou um jogo que você não sabe jogar.
Um sorriso enorme é aberto em seu rosto.
— Você tem certeza que eu não sei? — desafia outra vez.
— Pode ter certeza que você não sabe.
Ela põe uma mão no peito, seus olhos estão brilhantes e
quentes.
— Então, que comecem os jogos — diz.
— Que comecem os jogos — digo com um sorriso de canto.
Torno a me virar de costas para ela, já seguindo para minha
próxima aula. Por cima do ombro, escuto Heaven perguntar:
— Isso não vai estragar nossa amizade, vai? — pergunta
receosa.
Me volto para encará-la e apenas dou de ombros em resposta,
com as palmas das mãos viradas para cima, e lhe dou as costas
outra vez. Escuto ela murmurar meu nome de novo, me chamando,
mas apenas a ignoro.
Eu disse que ela não sabia jogar esse jogo, mas foi ela que
começou e eu só vou terminar quando ela pedir.
Você pode fingir que não quer agora
Mas eu li os sinais da cabeça aos pés
Sim, você não precisa dizer uma palavra
Seu corpo fala
BODY TALKS | THE STRUTS

Axel disse que iria ter volta, não só uma, mas duas vezes. Eu
joguei com ele também, não só uma, mas duas vezes.
Admito que a cena no auditório, a forma como seu corpo reagiu
enquanto eu passava as mãos nele, me fez querer retroceder o que
eu estava fazendo e apenas deixar que ele tivesse o seu momento,
assim como eu tive o meu.
Eu realmente gozei com seus dedos, isso nunca aconteceu
durante toda a minha relação com Drew, já que ele foi o único com
quem transei, eu nunca cheguei a sentir cinquenta por cento do que
eu senti com Axel enquanto trabalhávamos nas preliminares. Claro
que senti prazer, mas nunca ao ponto de gozar apenas com o toque
dos dedos e beijos avassaladores, e eu já gozei também, mas
sempre com a penetração em si, entretanto, foram poucas vezes.
Obviamente não aconteceu de início, até porque eu nunca ouvi
falar que uma pessoa perdeu a virgindade e já se sente a mais foda
do sexo tendo orgasmos múltiplos.
E falando em virgindade, reparo que Allie está colocando
camisinhas em sua mala de viagem que eu estou ajudando a
arrumar. Amanhã é o primeiro jogo oficial da temporada, e os
meninos irão jogar contra a UCLA. É um jogo fora de casa, portanto
todos iremos viajar até Los Angeles, mas Allie e Grey vão para casa
hoje jantar com seus pais.
Eu tomo as camisinhas de sua mão, e as suspendo no ar.
— Para que é que você quer isso se você nem usa? —
questiono enquanto confiro a validade dos preservativos.
— Ninguém sabe quando vou precisar. — Ela tenta tomar da
minha mão, mas eu não deixo.
— Isso está vencido, Allie — comento. — Venceu há três
meses.
— Me dá isso, Heaven — pede furiosa, finalmente conseguindo
tomar das minhas mãos.
— Calma, pequena — digo rindo. — Mas só uma dica, se
realmente pretende usá-las nesse fim de semana, faz o favor de
comprar novas.
Pisco o olho para Allie e ela pega uma das suas almofadas e
joga em mim, me fazendo cair de costas na cama, então eu pego a
almofada e jogo nela de volta, e assim ficamos até que ela desiste e
se joga de bruços ao meu lado na cama.
Ficando de lado, pego uma mecha do seu cabelo platinado e
passo por trás de sua orelha.
— Meu pai me deu há alguns anos, me disse que eu devia estar
sempre preparada.
— Ele tem razão — falo ao alisar sua bochecha.
Seus olhos verdes brilham enquanto Allie me encara, mas seu
olhar vai muito além de mim, ela parece estar refletindo sobre algo.
— Você acha que um dia eu vou deixar essa minha paixão
louca pelo Grey e conseguir sair com outro?
— Só em você estar se questionando sobre isso, já é o
suficiente para saber que vai sim.
— Às vezes eu acho que você tem razão — comenta. — Talvez
ele me veja apenas como uma irmã.
— Sim — concordo. — Por mais que eu quisesse que as coisas
entre vocês dois dessem realmente certo, no fundo ele pode te
amar, mas não o tipo de amor que você deseja e merece.
— Eu só não acho que seja muito pedir que a pessoa por quem
você é apaixonada tenha sentimentos recíprocos por você — diz ela
ficando de costas na cama.
Acompanho seu movimento e juntas passamos a encarar o teto
do quarto.
— Você vai encontrar a pessoa certa para você — digo
convicta.
— Eu acho que já encontrei, apenas o tempo que foi errado
com a gente.
— Não acredito que existe isso de pessoa certa e tempo errado,
Lily — a chamo por seu apelido, me virando de lado novamente
para ver seu rosto. — Se for a pessoa certa, sempre será o tempo
certo, porque a pessoa certa não pode aparecer no tempo errado. A
maioria das pessoas quando ama alguém e não dá certo, coloca a
culpa no tempo, não estou dizendo que não existiu amor ou não deu
certo, visto que existiu e até mesmo deu certo, mas não significa
que aquela pessoa é, necessariamente, a pessoa certa, uma vez
que se for a pessoa certa vai dar certo de todas as formas, não
importa quando ou como, apenas dará certo, pois nunca um será
capaz de abandonar o outro, até mesmo diante das situações
trágicas. Eu ainda não acredito que exista a pessoa certa e o tempo
errado, às vezes foi a pessoa certa, só não houve tempo o
suficiente.
— Uau! — Allie exclama ao se virar para mim, também me
encarando. — Você pensava que o Drew era a pessoa certa para
você?
Penso por um momento antes de respondê-la porque ainda é
um assunto sensível para mim, então assinto com a cabeça, antes
de falar:
— Durante o tempo em que estivemos juntos eu acreditei, até
porque eu via nele a necessidade de estar sempre comigo. Ele
apareceu na minha vida quando eu precisei de alguém, ele esteve lá
por mim e mesmo sendo difícil assumir, hoje eu sei que a maioria
das suas palavras e gestos não passaram de manipulações.
Drew parece finalmente ter aceitado a minha decisão de
cortarmos contato desde o episódio do refeitório, mas isso não
significa que eu não o veja, porque eu vejo. Todas as manhãs ele
ainda estaciona na mesma vaga, todos os dias eu também o vejo no
refeitório durante o almoço. Ele senta com alguns caras do time de
futebol, às vezes seus olhos vêm de encontro aos meus e quando
isso acontece eu desvio rapidamente. Meus amigos ainda estão
levando a sério o pedido do meu pai de se manterem sempre
próximos a mim, o que dificulta ainda mais qualquer contato que ele
pense em ter comigo.
Sou retirada das minhas divagações quando Allie responde:
— Eu nunca acreditei que Drew fosse a pessoa certa para você,
nunca enxerguei o real motivo do por que, mas te vendo toda essa
última semana ao lado do Axel eu enxergo, vocês nasceram um
para o outro.
Olho para Allie em completo espanto, Axel e eu voltamos a
nossa amizade há apenas uma semana. Obviamente estamos muito
próximos assim como fomos no passado, e não posso negar a
tensão sexual que existe entre nós todas as vezes que ficamos a
sós, eu até mesmo já pensei em nós dois como um casal, como
seria a dinâmica, mas ainda assim seria algo muito precipitado para
o momento.
— Eu acabei de sair de um relacionamento, Allie — respondo.
— Isso não significa que você vá ficar solteira pelo resto da vida
— ela diz se levantando. — Você mesma disse que existe a pessoa
certa e o tempo certo, o tempo de vocês pode bater à porta a
qualquer momento e você nem vai perceber.
Dito isso, ouvimos três batidas na porta do dormitório. Allie e eu
olhamos uma para outra assustadas, em seguida me levanto da
cama e juntas vamos até a porta, quando Allie abre Axel se põe
dentro do cômodo carregando um balde de pipoca de cinema e
inúmeros refrigerantes.
Allie lança um olhar divertido para mim, ao dizer:
— Viu só!
— Cala a boca. — Reviro os olhos.
— Viu só o quê? — Axel pergunta atônito.
— Coisa de mulher — Allie responde. — Tenho que terminar de
arrumar minhas coisas — diz já saindo do cômodo e indo para seu
quarto.
Roubo uma pipoca do balde que Axel carrega em suas mãos e
lhe pergunto:
— O que significa isso?
— Você ainda assiste aos filmes da Disney nos sábados, certo?
— Apenas assinto, já animada. — Como vamos viajar amanhã
pensei em transferir a sessão para hoje à noite.
Abro um grande sorriso pegando a pipoca de suas mãos.
— Essa é definitivamente uma ótima ideia.
Axel me acompanha e juntos sentamos no sofá. Passamos
minutos discutindo sobre o que vamos assistir, eu quero ver o live
action do Aladdin enquanto ele prefere assistir à Cruella, por fim, ele
acaba vencendo a discussão ao dizer que a atuação da Emma
Stone está impecável no filme, o que eu não discordo. Mesmo
preferindo assistir ao Will Smith como gênio, acabo cedendo à sua
escolha.
Quando damos play no filme Allie sai exasperada do seu quarto
já correndo em direção à porta.
— Estou indo, juízo vocês dois, até amanhã — dito isso ela
fecha a porta e vai embora, deixando Axel e eu a sós.
Axel ajeita sua posição no sofá, elevando uma de suas pernas e
colocando-a em cima da outra. Sinto o calor subir por meus peitos,
os inchando ao ponto de eu sentir meus mamilos endurecerem, mas
o homem ao meu lado parece não notar como meu corpo reage à
sua presença quando estamos sozinhos.
Desde a segunda não tínhamos ficado a sós, até agora. Por
isso eu acreditava na possibilidade de ele ter esquecido qualquer
coisa relacionada ao nosso pequeno impasse após ele gozar na
própria calça, e agora ele está completamente alheio a toda a
situação, apenas prestando atenção no filme que roda na tevê à
nossa frente.
Portanto, decido seguir o seu exemplo e prestar atenção no
filme. Vez ou outra o ar frio do ar-condicionado chega até nós, o que
faz o cheiro amadeirado misturado com o cítrico de sua loção pós-
barba subir até minhas narinas, mantendo o calor sempre presente
entre as minhas pernas.
Quando a nossa pipoca acaba, Axel se levanta indo em direção
à pia que fica próxima ao frigobar do espaço compartilhado. Ele lava
suas mãos, acredito que a fim de limpar a gordura da manteiga que
havia na pipoca, decidindo seguir os seus passos vou até onde ele
está e quando ele termina de lavar as suas, é a minha vez. Axel
pega um pano no armário e enxuga suas mãos, no momento em
que termino de lavar as minhas, ele me entrega o mesmo pano e
logo em seguida passa por mim esbarrando em meu braço.
Então vai ser assim, senhor Davenport? Tudo bem!
Decido tirar o suéter que estou usando, o que me deixa vestindo
apenas um top que mostra quase toda a minha pele da barriga, em
seguida volto para o sofá e sento bem ao seu lado, deixando que
nossos braços se toquem. Não passa despercebido por mim o olhar
que recebo dele em direção à minha barriga, mas eu finjo que não
vejo enquanto ele desvia seus olhos rapidamente. Axel, por sua vez,
engole em seco e passa o braço pelo encosto do sofá acima da
minha cabeça.
Meu centro palpita lentamente em ânsia, o filme já está quase
no fim, mas se tem uma coisa que eu não estou prestando atenção
no momento é nas cenas que passam à minha frente, apenas
consigo notar o quão desconfortável Axel está.
Ele disse que eu não iria saber jogar esse jogo, mas acredito
que no final das contas quem não sabe é ele, e se souber ele não
consegue se controlar muito bem.
Levo minhas pernas para debaixo da bunda, espero mais
algumas cenas do filme passarem e pouso uma mão em seu colo,
bem acima do bolso da sua calça e próxima o suficiente do seu
membro. Faço um esforço máximo para não olhar na direção em
que minha mão está, pois sei que nesse momento seus olhos estão
em mim, posso ouvir claramente sua respiração entrecortada.
Mesmo não sabendo nada do que passa em sua cabeça, agora
sei que o seu corpo sucumbi ao desejo tanto quanto o meu.
Axel se ajeita mais uma vez, fazendo com que minha mão que
estava acima do bolso passe um pouco mais para o lado e eu passe
a sentir a protuberância do seu membro, apertado contra o tecido do
jeans. Imediatamente levo meus olhos até seu rosto, mas seu
semblante é de pura indiferença enquanto ele finge prestar atenção
no filme que acabou de terminar.
Quando os créditos começam a rodar na tela, Axel se estica e
pega seu celular que havia posto na mesa de centro. Antes que ele
tenha a chance de desbloqueá-lo eu o tomo de sua mão.
— O que você está fazendo, Heaven? — pergunta surpreso no
momento em que subo em seu colo.
É, parece que ele realmente tinha razão, eu dei início a um jogo
que eu literalmente não sei jogar, ou apenas não tenho forças para
isso.
— Eu sei que você quer isso tanto quanto eu — digo já
aproximando os nossos lábios.
Porém, para meu total choque e descrença, Axel desvia o rosto
e minha boca acaba chocando-se contra sua bochecha.
— Que merda é essa? — indago já afastando meu rosto do seu.
— Nós somos amigos, Heaven, amigos não se beijam —
responde secamente.
— Amigos também não comem suas amigas com os dedos —
retruco em resposta.
A menção à nossa cena na sala de cópias faz com que seu
membro, logo abaixo do meu centro, dê um espasmo que não passa
despercebido por mim.
— Você está duro, Axel — concluo.
Ele coça a garganta e em seguida responde:
— Mas isso não significa que devemos transar.
— O que você quer dizer com isso?
Axel passa duas mechas do meu cabelo para trás de ambas as
orelhas, em seguida suas mãos vão até a minha bunda, ele a agarra
e se levanta, ficando de pé. Seus olhos cinzas ameaçam cair uma
tempestade na Califórnia a qualquer momento, mas a sua voz é
controlada, muito ao contrário de todas as reações de seu corpo.
— Quis dizer que não vamos seguir em frente com qualquer
tesão entre nós até que você peça.
Automaticamente minha boca se abre em surpresa e eu pulo do
seu colo.
— Se é assim, não vamos seguir em frente com isso até que
você assuma que sente tesão por mim — retruco, travando uma
batalha entre nossos olhares.
Axel me encara por longos segundos e de forma alguma vou
abandonar esse desafio. Um minuto se passa e nenhum de nós
desvia os olhares ou sequer pisca, as pupilas de Axel oscilam
enquanto queimam as minhas. Minha atenção está completamente
ligada à seus olhos, até o momento em que perco a batalha
piscando os meus.
Nunca imaginei que uma fração de segundos poderia se tornar
tão lenta dessa forma, como foi ao momento em que eu fechei meus
olhos. Quando eu os abro novamente, Axel tem um sorriso de canto
adornado em sua boca, em seguida ele dá de ombros e leva suas
mãos até os bolsos.
— Que assim seja então — diz convencido.
— Você vai perder — digo convicta.
Axel apenas dá de ombros em desdém, logo ele se afasta de
mim, vai até a porta e a abre, mas, antes de sair, murmura:
— Não esqueça de trancar tudo muito bem.
Levo uma das minhas mãos para as costas e deixo o dedo do
meio levantado, apenas dou um sorriso ingênuo para ele antes de
ele fechar a porta.
Se esse foi o jogo que ele passou quatro dias planejando, o seu
tiro acaba de sair pela culatra, pois eu posso morrer com minha
boceta palpitando em desejo, mas eu não vou pedir de forma
alguma para transarmos.
Não faço a mínima ideia de como irei fazer para ele ceder antes
de mim, mas a única certeza que tenho é que ele fará isso.
Eu sinto como se estivesse me afogando
Você está me puxando para baixo
Você está me matando lentamente
Tão lentamente
I FEEL LIKE I’M DROWNING | TWO FEETS

Passei quatro malditos dias pensando em Heaven a todo


momento em que não estive com ela, e quando estive... Às vezes
certas coisas não precisam nem mesmo de comentários, mas eu
digo que minha sanidade mental está a ponto de se partir ao meio
se as coisas continuarem dessa forma.
Desde segunda que não ficamos a sós, até ontem. Quando eu
tive a bela ideia de dizer que algo entre nós só iria acontecer se ela
pedisse, e a mesma respondeu que para isso acontecer eu preciso
dizer que tenho tesão nela. Porra!
Só em sentir seu cheiro meu pau já fica duro, isso não é
suficiente?! Acho que para Heaven não, uma vez que a forma como
ela me olhou, com seus olhos quase furando um buraco em meu
crânio, deixou claro que é mais fácil eu perder essa batalha, mas eu
não vou ceder.
Não outra vez.
Já bastaram as outras duas vezes em que eu cedi, dessa vez
isso não irá acontecer, ou ela pede, ou nada acontece, assim espero
eu. Ontem, depois que Allison foi embora, eu não consegui prestar
atenção em nem um segundo do filme, todo o tempo meus olhos
desviavam para suas pernas torneadas, e depois que ela tirou o
maldito suéter... Caralho! Aquilo foi o bastante para me deixar
rendido. Então a filha da mãe, ardilosa como é, subiu em meu colo,
e eu queria, eu queria muito tê-la beijado naquele momento,
sentindo seu gosto outra vez, tê-la em minhas mãos, fazê-la gemer
meu nome... Mas não fiz.
Apenas o pensamento desse momento já me excita
suficientemente para que sangue bombeie em meu membro que
tem sido um grande idiota por sempre que possível demonstrar o
meu tesão por ela. Se não fosse a porra da minha covardia ao virar
o rosto para ela, tenho certeza que a essa hora ainda estaríamos na
cama, e sinceramente? Eu não reclamaria nem um pouco se
acontecesse.
Mas, no momento, estou no carro em frente ao alojamento
esperando que ela desça para irmos buscar Elliot e Wes, e, em
seguida, seguirmos para Los Angeles, onde acontecerá o primeiro
jogo oficial.
Após uma longa discussão de quase todos os jogadores com o
treinador, ele deixou, quem quisesse, ir com seus próprios carros
para LA, uma vez que grande parte do time pretende passar o fim
de semana na cidade. Segundo Colin, nosso quarterback, o time
não tem qualquer rixa com a UCLA, por isso, ganhando ou
perdendo, fomos convidados para uma festa na fraternidade dos
jogadores da casa.
Quando Heaven finalmente sai do prédio, ela se arrasta até o
carro carregando uma mala que cabe quase o meu guarda-roupa
inteiro. Dou dois tapas com o dorso da mão no braço de Kane.
— Ajuda ela e em seguida vaza para o banco de trás — digo.
— O quê? — Kane pergunta surpreso. — Por quê? Eu sempre
vou na frente.
Reviro os olhos.
— Só faz o que estou pedindo, por favor — reforço.
— Eu sabia que quando você voltasse sua amizade com ela,
rapidamente iria me trocar.
— Kane... — digo em tom de aviso.
Ele levanta as mãos em forma de rendição, e em seguida diz:
— Tudo bem, cara. Já não está mais aqui quem falou.
Kane sai do carro no instante em que Heaven se aproxima, ele
toma a mala de suas mãos a colocando no bagageiro e, quando
Heaven está pronta para entrar na parte traseira do carro, Kane se
adianta, abrindo a porta primeiro e entrando.
— O que você está fazendo? — Heaven questiona.
— Entrando no carro?! — rebate Kane.
— Não me diga, Sherlock. — Vejo pelo retrovisor ela revirar os
olhos, e em seguida tentar entrar no carro ao lado de Kane, mas ele
impede fechando a porta. — Você está louco?
— Tá pensando que meu amigo é chofer?! Você vai na frente,
bonitona.
— Você só pode estar brincando comigo, Kane. Você estava lá
agora, por que decidiu mudar de assento?
— Porque eu sou uma pessoa livre e independente, sendo
assim eu faço o que eu quero.
— Sua bunda — replica revoltada.
— Dá para os dois pararem e você entrar logo no carro,
Heaven?! — me meto.
Heaven solta um bufo e faz o que eu peço, entra no carro se
acomodando no assento do carona ao meu lado. Após isso, passa o
cinto por seu peito e me olha com ironia.
— Felizes?!
— Não imagina o quanto. — Sorrio de lado ao engatar a
marcha. — Vamos passar no Elliot e no Wes, depois seguimos
viagem.
— Queria ter ido com Allie e Grey — Heaven comenta.
— Não está feliz em estar conosco? — questiona Kane no
banco de trás. Heaven olha para ele por cima do ombro enquanto
eu assisto os dois pelo retrovisor.
— Quer uma verdade que magoe, ou uma mentira que iluda?
— Você falando assim me deixa extremamente triste, Morris. —
Kane faz beicinho e nós rimos.
— Deixa de ser ridículo — diz enquanto se vira de volta para
frente.
Minutos depois, estaciono no meio fio em frente à casa da
fraternidade onde Elliot mora com alguns jogadores. Alguns deles já
saem com seus carros, indo rumo a LA, um deles é o Drew, que
passa por meu carro e manda o dedo do meio.
— Adulto como sempre — murmuro baixinho.
— O que você disse? — Heaven pergunta.
— Que o Elliot demora muito — desconverso, pois Heaven nem
mesmo notou que Drew passou por nós.
Desde o episódio do refeitório, ele pareceu realmente tê-la
esquecido, mas sempre que penso nisso um maldito pressentimento
toma conta de mim, como se eu estivesse prevendo um desastre a
acontecer. Por mais que Heaven tenha dito que Drew é uma pessoa
que age pelo impulso e não pelo pensamento, ainda fico com o pé
atrás quanto a isso. Todos os dias o pai dela me envia mensagens
me perguntando como as coisas estão, Magnus é outro que tem
andado bastante preocupado com a situação em que a filha se
encontra, após ele saber de toda a verdade sobre sua relação
doentia.
Meus devaneios finalizam quando Elliot finalmente entra no
carro com uma garrafa de bebida na mão, mas Kane toma dele
antes que ele a vire na boca.
— Nada de bebidas até depois do jogo, porra — esbraveja
Kane.
Elliot olha para ele assustado e eu dou partida no carro outra
vez.
— Cara, você deveria ser nosso QB, você está mais chato que
o Colin — retruca Elliot.
— Não é questão de ser chato, é levar a sério o que eu faço,
porra.
Kane pega a garrafa de bebida e põe em seus pés, para não
arriscar que Elliot a pegue de novo.
Meu amigo de longa data leva o esporte realmente muito a
sério, já que foi graças a ele que conseguiu a bolsa para estudar na
nossa antiga escola, bem como para vir para a faculdade, além de
ser apaixonado pelo esporte. Kane foi adotado quando tinha apenas
oito anos, foi justamente na nova família que ele descobriu que
poderia ir longe com o esporte, mesmo tendo algumas falhas no
passado, não é nada que ele não tenha resolvido hoje. Sua família
não tem muitas condições de mantê-lo aqui, ou em qualquer outro
lugar, por isso ele luta, por querer sobreviver e ter um futuro melhor.
Kane carrega feridas do seu passado, assim como eu, por esse
motivo eu confio minha própria vida a ele.
Quando chegamos em frente ao prédio do Wes, ele já está de
pé no pórtico, nos esperando. Ele caminha lentamente em direção
ao carro, como se estivesse em um desfile, e quando chega próximo
manda um beijinho no ar para mim, abre a porta do passageiro,
passa por cima de Elliot e senta no meio, entre ele e Kane.
— A vadia da Allison nos deixou ir com três gostosos e foi
sozinha com o Grey, melhor para mim — Wes exclama assim que
fecha a porta, então ele olha para o lado e percebe que quem está
lá é o Kane. Desse modo, lança um olhar cheio de malícia para
Heaven, lambe o lábio inferior enquanto reposiciona os óculos
escuros em seu rosto, e apenas diz: — Gostei!
Durante todo o caminho Kane e Heaven trocam farpas. Sei que
meu amigo tem ciúmes dela, e ela parece gostar das implicâncias
dele, já que sempre entra no ritmo de suas brincadeiras. Elliot, por
sua vez, passa o caminho inteiro dormindo, enquanto Wes decide
maquiá-lo, fazendo todos nós rirmos no meio do caminho quando
Elliot acorda no exato momento em que Wes tira uma selfie com ele
com a câmera de seu celular, acionando o flash.
— Que merd... — Elliot resmunga ao acordar, logo em seguida
passa as mãos por seus lábios e percebe o batom que há neles. —
Eu vou comer o cu de quem fez isso porra — esbraveja.
Wes por sua vez solta um riso perverso ao responder:
— Se você acha que eu vou me abster disso, meu bem, não
vou. — Dá um estalo com a língua.
— Cara, se minha mãe ver isso, a mulher me mata — diz Elliot
tentando tirar a maquiagem do seu rosto com os próprios dedos,
mas acaba fazendo uma bagunça enorme.
— Espera um pouco — digo. — Heaven, abre o porta-luvas,
deve ter algum lenço umedecido aí.
Ela faz o que eu peço, mas no momento em que ela abre o
compartimento suas mãos vão diretamente na embalagem de
camisinha e no tubo de lubrificante que tem ali. Ela me olha
franzindo a testa e eu apenas dou de ombros. Noto que ela deixa
seus lábios em linha reta, escondendo um sorriso. Em seguida, ela
procura pelos lenços e entrega a Elliot.
— Obrigado — Elliot responde.
— Eu deveria não ter te entregado, na realidade. Já imaginou
se quando chegarmos à LA sua mãe simplesmente estar na
recepção do hotel e te ver todo maquiado? — provoca Heaven em
um sorriso.
— Ela iria surtar — responde Elliot enquanto passa o lenço em
seu rosto.
Em seguida Wes ergue o punho para cima e grita:
— Homofóbicos não passarão.
A seguir, todos nós repetimos sua fala ao erguermos nossos
punhos para cima:
— Homofóbicos não passarão.
Logo após, Wes pede para que eu conecte seu celular ao som
do carro, e coloca a música I Will Survive não deixando nenhum de
nós estáticos no carro. Os cinco cantam, eu batuco meus dedos
contra o volante do carro, Heaven e Wes fazem uma verdadeira
performance da música, ela até mesmo tira o cinto, o que,
imediatamente, repreendo, mas ela coloca o dedo indicador em
minha boca ao cantar:
“And you see me, somebody new, I’m not that chained-up little
person still in love with you…”
Naquele momento tiro toda a minha atenção da estrada,
deixando-me ser tomado pela presença de Heaven, pelo seu
carisma, doçura, felicidade e sexualidade, mesmo jogando os
cabelos enquanto canta, a mulher não deixa de ser sexy nunca. Ao
tirar o dedo dos meus lábios, fazendo com que o inferior estale
contra o superior, ela o leva até os seus e o beija. Vejo a malícia
explícita no Caribe de seus olhos, o fogo corre por meu sangue,
fazendo com que ele vá direto para a cabeça do meu pau, que dá
sinal de vida mais uma vez. Obviamente ela nota o quão
embasbacado eu fico, pois solta uma risada e retoma sua
performance com Wes. Além de nós dois, mais ninguém no carro
notou a tensão que corre entre nós e esse jogo ridículo que estamos
fazendo.
Mesmo algo me dizendo que ele não passa dessa noite.
Quando a música acaba com um belo falsete dos dois mais
animados de dentro do veículo, Heaven se acomoda da forma
correta em seu assento outra vez e volta a passar o cinto sobre seu
peito. Durante a próxima meia hora de viagem o celular de Wes
continua conectado ao som do carro, fazendo com que escutemos
inúmeras músicas de Ariana Grande e Taylor Swift, a qual Kane é fã
declarado e sabe todas as músicas de cor. Ele nunca tivera
problema em negar seu fanatismo pela loira, tanto que isso foi
motivo de brigas em seu antigo relacionamento.
A última música da Taylor acaba no momento em que
chegamos em frente ao hotel, mas ninguém deixa de escutar Kane
cantando em alto e bom som:
— It was rare, I was there, I remember it all too well.
Todos olhamos para ele, que canta com os olhos fechados. Eles
não sabem, mas eu sei que ele está lembrando da morena de lábios
vermelhos que começa com a letra L, a qual sou proibido de tocar
no nome.
Wes e Elliot riem do quão sentimental Kane ficou com a música,
enquanto Heaven passa o dedo por cima do meu rosto apontando
para o hotel à nossa frente:
— Esse hotel deve ser incrível — diz fascinada.
Logo em seguida percebo que sua real intenção não era essa, e
sim uma desculpa para passar sua mão sobre meu membro ao
abaixá-la, fazendo com que ele se atice ainda mais.
Eu sabia que essa droga enxergou que eu estava duro, porra!
Ela não deixa de sorrir ao ver minha cara de surpresa e espanto
com o seu toque. Se eu pensava que ia ganhar a batalha durante
essa viagem, que meus pensamentos esqueçam isso, pois a única
vencedora foi a garota que abandonou o carro com um grande
sorriso nos olhos.
Ao entrarmos na recepção do hotel, a primeira pessoa com que
damos de cara é Drew, que pisca para Heaven, sua única resposta
é o dedo do meio. Sem demora ele murmura em provocação:
— Bom te ver também, amor.
Eu me ponho à frente de Heaven e Kane logo me acompanha,
seguido de Elliot e até mesmo de Wes, que bate três palmas e diz:
— Saí da frente, tóxico! Ou chamamos a segurança por
assédio.
Drew ri com escárnio e balança a cabeça, então ele dá dois
passos para trás com as mãos levantadas em sinal de rendição,
vira-se e segue para o elevador.
— Acho melhor você ir para outro hotel — digo ao me virar para
Heaven.
— O quê?! Por quê? — pergunta quase que insultada.
— O Drew está aqui — respondo o óbvio. — Ele pode tentar
qualquer coisa contra você.
Heaven ri com desdém ao colocar suas mãos na cintura.
— E você acha que eu tenho que deixar de viver minha vida por
medo do Drew?
— Não é isso que eu estou dizendo, pelo contrário, você tem
que viver, mas ele não é confiável.
Heaven solta uma lufada de ar relutante, trocando o peso dos
pés.
— Eu vou para outro hotel, sozinha? — ela pergunta já
convencida da ideia.
— Por que você iria para outro hotel? — É a voz de Allie, que
acaba de se postar ao nosso lado.
— O Drew está aqui — Wes explica. — Ele provavelmente pode
tentar se aproximar dela, e o resto da história você já sabe.
Allie revira os olhos e leva sua mão até os dentes, mordendo a
cutícula ao redor da unha de seu indicador, Wes diz que pode ir com
Heaven e pega o celular para procurar por outros hotéis enquanto
os demais vão fazer seus check-ins. Allie levanta o mesmo dedo
que estava em sua boca há pouco e menciona animada:
— O Drew não vai tentar nada se você dividir o quarto com o
Axel — sugere Allie.
— O quê? — falamos os dois em uníssono.
— Tem razão — diz Wes. — E mesmo se ele tentar se
aproximar você estará lá. — O cara de cabelos encaracolados me
encara.
— Heaven... — Olho para ela receoso, com medo de sua
resposta.
Ela apenas dá de ombros e diz:
— Por mim tudo bem.
— Certo... Acho que é isso então — respondo por fim.
Me aproximo da recepção para fazer o check-in, Allie se coloca
ao meu lado, dando entrada em um quarto para dividir com Wes.
Quando a recepcionista me entrega os dois cartões chaves do
quarto que irei ficar com Heaven, Allie sussurra em meu ouvido:
— Me agradeça depois. — Então pisca para mim.
Agora entendo o que ela acabara de fazer. Na noite passada
enviei uma mensagem para ela contando sobre a proposta que fiz à
Heaven, e ela a mim. Allie disse acreditar que esse jogo não vai
durar muito tempo, eu não concordei, mas agora?! Agora eu estou
cada vez mais ansioso por esse momento que ameaça chegar a
qualquer hora.

— É com você, cara! — Kane bate em meu ombro.


No nosso último ataque, a defesa da UCLA se jogou contra
Kane quando ele estava em vinte jardas, fazendo com que
perdêssemos a jogada. O placar à nossa frente mostra que estamos
empatados e se não fizermos um agora, o time da casa acabará
ganhando esse jogo.
Me posiciono ao lado esquerdo do campo, prestando atenção
em todos os movimentos dos nossos adversários. O cornerback à
minha frente me encara com um sorriso malicioso, mas eu não me
deixo abalar por isso, então o juíz dá o sinal e o nosso center passa
a bola para Colin, nosso QB titular, Kane corre do outro lado do
campo indo para o lado do nosso time adversário, enquanto eu
continuo estático no campo. Colin ameaça jogar a bola para Kane,
que já correu mais de trinta jardas, toda a defesa da UCLA vai em
sua direção, então agora é minha vez de correr para o território
inimigo. Quando estou em dez jardas, Colin joga a bola para mim e
eu a pego, nesse momento o cornerback que me olhava antes tenta
me derrubar, mas eu ameaço me lançar para a direita e quando ele
acompanha meu movimento, vou direto para a esquerda, passando
por ele e acelerando o passo, dou mais uma corrida de cinquenta
jardas e chego à endzone.
Touchdown.
A adrenalina corre solta em minhas veias, fazendo com que eu
tire o capacete e jogue no chão. Meus companheiros de time correm
até mim e todos repetem o movimento, somos ovacionados pela
torcida, quando olho para o lado vejo apenas ela, que pula e grita
animadamente ao lado de seus amigos.
Pela primeira vez na vida, sinto a felicidade me invadir ao
marcar um ponto pelo meu time, antes quando eu fazia isso era por
obrigação, mas ver o sorriso no rosto de Heaven me trouxe um novo
significado para esse momento.
Tiro meus olhos de Heaven quando Grey corre em minha
direção e pula em cima de mim, transpassando suas pernas em
minha cintura.
— Que porra é essa, Grey? — pergunto assustado com sua
reação.
Ele está extasiado, mesmo com seu rosto ainda coberto por
alguns hematomas devido a sua luta há alguns dias, ele não deixa
de abrir um grande sorriso.
— Estou com tesão, Axel. Muito tesão — diz saindo do meu
colo, e em seguida pulando no de Colin.
Rio da sua felicidade, pois todos estamos bastante eufóricos.
Lanço meu olhar novamente para as arquibancadas vendo que
Heaven, Wes e Allie estão indo embora, em seguida meus olhos
vão até o banco de reservas, o único que continua sentado ali é o
Drew, e sinto seus olhos me fuzilarem quando os nossos se
encontram. Não gosto nem de imaginar qual seria sua reação se
soubesse tudo o que eu sei, pois, de uma coisa eu tenho certeza: da
mesma forma como não se mistura fogo com pólvora, com certeza
não se mistura Drew e eu.
Sou o primeiro a desviar o olhar, porque vejo que Kane percebe
o nosso impasse. Meu amigo se aproxima de mim e me abraça ao
falar:
— Esquece esse cara, Axel. A gente ganhou o jogo, é isso que
importa.
Olho para ele querendo concordar com o que ele acaba de me
falar, mas é quase impossível. Kane continua me encarando, por
isso eu balanço a cabeça rapidamente e em seguida assinto para
ele, concordando.
— Você tem razão, é isso que importa.
Olho novamente para o banco, mas Drew não está mais lá.
— Sua jogada foi ótima, inclusive — completa Kane.
Nos juntamos a todo o resto da equipe, fora Drew, e
comemoramos o nosso feito ainda em campo. Grey puxa o celular
dele, só Deus sabe de onde, e tiramos uma selfie que ele
encaminha para o grupo de mensagens do time e logo depois
caminhamos rumo ao vestiário.
A primeira coisa que faço é tirar o uniforme e entrar para
debaixo do chuveiro, a fim de tirar toda a sujeira do campo e suor do
meu corpo, ao finalizar o banho vou até o armário que ficou
destinado para mim. A primeira coisa que verifico é meu celular,
nele tem algumas mensagens, minha mãe e o pai de Heaven me
parabenizam pelo jogo, inclusive ele informa que na segunda-feira
irá assistir ao treino, já que é um treino exclusivo para futuros
patrocinadores, minha mãe me manda uma foto de Anya vestindo
uma camiseta que mais parece um grande vestido com o meu
número: 83. E as outras mensagens são de Heaven, Wes e Allie, os
três informam que já estão a caminho da festa na fraternidade do
time de futebol da UCLA.
Encaminho uma resposta dizendo para que eles tomem cuidado
e visto minhas roupas.
Assim que eu, Kane, Elliot e Grey estamos prontos seguimos
para a fraternidade, Elliot e Grey vão no carro de Grey, enquanto
Kane vai comigo no meu. Meia hora depois já estamos na casa
lotada pelos universitários, que mesmo com a derrota de seu time
comemoram, às vezes penso que é justamente por isso que
chamam LA de cidade do pecado, uma vez que, para os que moram
aqui, a festa não tem hora para acabar.
No momento em que desço do carro e atravesso o jardim,
consigo reconhecer o corpo curvilíneo de Heaven usando um
vestido preto com um grande decote nas costas que as deixa nuas e
que abraça perfeitamente o seu corpo. Como ela está de costas
para mim, vejo o momento em que ela entorta a cabeça, parecendo
tomar um shot de alguma bebida quente.
Dou mais dois passos e vejo sua cabeça inclinar novamente,
em seguida ela solta uma risada para Wes. Grey que estava ao
nosso lado já está de mãos dadas com uma loira, Allie que está ao
lado de Heaven, vê a cena e sai em busca de Grey. Tento passar
pela multidão à minha frente, mas é um trabalho quase em vão, pois
Heaven entra na casa juntamente de Wes.
Quando finalmente consigo entrar procuro por Heaven, mas sou
interceptado por uma garota de biquíni que me oferece um shot de
uma bebida colorida, nesse momento acredito que era exatamente
essa bebida que Heaven acabou de tomar, por isso decido pegar
um, seguido de Elliot que abre um grande sorriso ao virar o copinho
em sua boca. Quando é minha vez de virar, sinto primeiramente o
gosto de álcool, seguido de geleia de morango, eu acho.
A bebida desce gelada por minha garganta e Elliot grita próximo
ao ouvido da garota:
— O que você pôs nessa bebida?
— Segredo — ela grita de volta em um sorriso.
Em seguida, Elliot pega a garota pela nuca e a beija, e a mesma
me entrega a bandeja com os drinks. Assim que finalmente vejo o
topo da cabeça castanha de Heaven a cinco metros de mim, passo
a bandeja para Kane que me chama por cima do ombro, mas nem
mesmo lhe dou atenção. Continuo tentando passar pela multidão ao
meu redor, a fim de me encontrar com a única garota que chama
minha atenção ali.
Alguns dos caras que jogaram contra nós hoje me param no
meio do caminho, me parabenizando pela última jogada da noite e
prometendo uma revanche, mas tento ser o mais breve possível
com eles quando vejo um cara loiro e alto se aproximar de Heaven e
propositalmente derramar bebida em suas costas, ele não foi
estabanado ou coisa do tipo, ele simplesmente derramou a bebida
em suas costas.
A coluna dela se contrai com o contato gélido da bebida, e eu
tento me aproximar outra vez, me despedindo dos caras ao meu
redor. Heaven começa a conversar ao pé do ouvido com o mesmo
cara que derramou algo nela, então ela fala algo no ouvido do Wes
e os três abandonam o local que estavam.
“Que merda é essa que todo mundo consegue andar por essa
casa, menos eu?!”, penso.
Tento procurá-la mais uma vez entre as duas salas da casa e na
cozinha, mas não a encontro. Outro tipo de música explode no
andar de baixo, onde eu imagino que seja o porão, por isso decido
descer as escadas à minha frente.
No momento em que piso meus pés no porão sou diretamente
impactado pela imagem do loiro em questão pegando Heaven pela
cintura, ela sorri genuinamente para ele com suas mãos em seus
ombros, eles parecem entretidos em alguma conversa.
Um sentimento estranho toma conta do meu peito, fazendo com
que o músculo dentro da minha caixa torácica bata mais forte, o
sangue por todo meu corpo esquenta ao ponto de me fazer ter uma
grande enxaqueca repentina. Eu nunca senti isso antes na minha
vida, que merda é essa que está acontecendo?!
Wes que estava ao lado dos dois se afasta, indo para a pista de
dança e juntando-se a algum garoto lá. Penso em dar meia volta e
não continuar vendo a cena que me causa esse sentimento
estranho, ver Heaven com Drew me fez passar raiva, mas vê-la com
outro me traz um desconforto que não faço ideia do que seja, mas
não é nada bom.
Antes que eu possa abandonar o porão ouço uma voz me
chamar:
— Axel Davenport, senti sua falta, garoto! — exclama a ruiva à
minha frente.
— Valerie! — exclamo em um sorriso no momento em que a
reconheço, me aproximo dela dando-lhe um abraço. — O que você
está fazendo aqui? Pensei que iria estudar em Boston.
— Desisti — diz ela abanando a mão em desdém logo que nos
separamos. — Preferi vir estudar na UCLA.
— Ah, foi? Com que notas?
— Várias de cem dólares. — Ela ri, enquanto brinda sua bebida
com o ar.
Valerie estudou comigo em Hastings, se há uma pessoa que
pegou todas as garotas da cidade, essa com certeza é ela. Val é
lésbica desde que se conhece por gente, e nunca negou isso a
ninguém, sua presença é sempre notável, seja por seu cabelo
vermelho flamejante ou suas roupas sempre muito coloridas, e até
mesmo pelas tatuagens e piercings que há em seu corpo. Seus pais
são donos de um shopping em Seattle, não algumas lojas de
departamento, um shopping inteiro, por isso ela nunca nega que tem
dinheiro.
— Então gato, com quem você está aqui essa noite? Se quiser
posso te apresentar algumas ami...
— Eu preciso ir, te vejo depois — interrompo-a no momento em
que vejo o cara que estava há pouco tempo agarrando a Heaven
pela cintura, lhe entregar um copo de bebida e ela aceitar.
— Tudo bem — escuto Val falar cantando por cima do ombro.
Me aproximo de Heaven e do cara que não faço questão de
saber o nome, pois alguma coisa muito errada tem nele. Assim que
a garota, que chama minha atenção por onde passa, percebe a
minha presença afasta o copo que estava prestes a encostar em
sua boca.
Os olhos caribenhos de Heaven me fuzilam com fogo, se eu a
conheço suficientemente, diria que nesse momento ela está com
raiva.
— E aí — digo assim que me aproximo.
— Oi — ela responde seca ao revirar os olhos.
Estendo minha mão para o cara ao seu lado, me apresentando.
— Me chamo Axel, tudo bem?
— Scott — diz ele desconfiado. — Bem e você?
— Melhor do que nunca — digo num sorriso cínico. — Somente
com um pouco de sede. Posso?! — pergunto olhando para Heaven
e o copo vermelho que ela segura.
— Vai em frente — diz ao franzir o cenho em confusão, mas
mesmo assim me entrega o copo.
No momento em que tenho o copo vermelho em minhas mãos o
levo até a boca, o primeiro sabor que sinto é amargo, seguido de
doce, então o gosto e ardência da vodka me invadem, porém o
amargo continua presente na minha língua. Encaro Scott com raiva.
— Vodka com ecstasy — concluo o sabor da bebida. — É desse
jeito que você pega mulher? Sério, cara?!
Jogo a bebida no chão e pego na mão de Heaven me afastando
dessa porra de homem que é o Scott, mesmo querendo socar sua
cara estúpida. Heaven me acompanha calada seguindo até o
primeiro andar da casa, depois saímos da casa indo direto para o
jardim. Quando chegamos em frente à casa, havia poucas pessoas
ali, solto a mão de Heaven e passo a mão no rosto, a fim de
controlar a minha raiva momentânea, então me viro para ela outra
vez.
— Seus pais nunca te ensinaram a não aceitar bebida de
estranhos, Heaven?! — pergunto quase irritado.
— Ele não é estranho —tenta se defender, mas eu rio.
— Ah, não?! De onde você conhece o Scott?
— Isso não vem ao caso agora — diz ela em defensiva.
— O que vem ao caso agora é que ele quase te drogou — digo
entredentes.
— Eu sei... — diz receosa. — Parecia realmente sincero quando
me ofereceu algo para beber, e pensei “por que não?!”.
— Deveria ter pensado que você está em uma cidade que você
não conhece ninguém, em uma festa cheia de universitários usando
drogas, e que qualquer um poderia te dopar e depois lhe estuprar.
Ela me olha com horror após eu proferir minhas palavras, e foi
exatamente por esse seu olhar que eu demorei tanto tempo para me
abrir, pois muitas vezes falo besteira, e quando não é besteira eu
simplesmente sou grosso demais, por mais que eu tente me
controlar.
— Nossa, não exagera.
— Se você não se tocou era exatamente isso que iria acontecer,
o copo estava cheio de droga alucinógena e vodka.
Ela não diz nada, apenas me olha e cruza os braços por cima
do peito, querendo impor algum desafio entre nós. Rosno um
palavrão qualquer, porque Heaven é impossível, mesmo tendo
ciência que está errada ela ainda não é capaz de admitir isso devido
seu grande orgulho.
Saio andando em direção ao meu carro, e sei que ela está logo
atrás de mim, me acompanhando. Após atravessar o grande mar de
carros na rua, finalmente chego à minha Classe G e destravo as
portas, eu entro no lugar do motorista e envio uma mensagem para
Kane, o avisando que estou indo embora com Heaven, e que ele
não perca todos os outros de vista, assim como eu perdi. Heaven
me acompanha acomodando-se no assento do carona. Em seguida,
dou partida no carro e escuto a voz de Heaven quebrar o silêncio
entre nós:
— Ele me disse que era suco de cranberry.
— Ele me disse que era suco de cranberry. — Faço uma voz
fina para repetir suas palavras. — Lição do dia, nunca aceite bebida
de um cara que você só viu uma vez na vida, ou melhor, de nenhum
cara, não, não, melhor ainda, de ninguém. Se não é você que serve
sua própria bebida, você não deve aceitar. Entendeu, Heaven?! — A
olho de canto, seus olhos estão assustados, sua cabeça nesse
momento deve estar girando, conhecendo-a bem deve estar
recordando dos shots que tomou quando entrou na casa. —
Entendeu? — insisto.
— Sim, senhor.
Ela pega seu celular na sua bolsa e parece digitar alguma
mensagem. Ela não vira seus olhos para mim enquanto presta
atenção em tudo que escreve na tela.
A única coisa que eu queria depois do jogo era relaxar um
pouco, sentar com meus amigos, beber algo, provocar Heaven, mas
porra... Estou com raiva, estou com muita raiva, ainda não acredito
que ela foi capaz de aceitar bebida de estranhos. Nas outras vezes
em que a vi bebendo sempre foi bebida do Elliot, mas ele é
confiável, quer dizer... O cara toma a bebida direto da garrafa, nunca
mistura com nada, ele apenas abre o lacre e a toma, ou seja, se
faltar gasolina em qualquer carro, a urina de Elliot será o suficiente
para abastecê-lo.
Quando chegamos ao hotel, deixo o carro no estacionamento e
seguimos direto para o elevador, ambos calados durante todo o
tempo. Mais cedo, após a reserva dos quartos, ela ficou com Allie e
Wes no quarto em frente ao nosso para se arrumar para o jogo e
festa, enquanto eu fiquei jogando conversa fora com os caras antes
do jogo. Somente a vi outra vez quando entrei no jogo.
Antes de abrir a porta do quarto escuto ela gemer um palavrão.
— Merda!
— O que foi? — pergunto preocupado.
— Minhas coisas ficaram todas no quarto de Wes e Allison.
— Você pode vestir algo meu enquanto eles não chegam.
— Tudo bem — diz quase em um sussurro.
Abro a porta do quarto e a deixo passar primeiro, ao sentir o
cheiro do seu perfume cítrico e ao mesmo tempo doce, meu pau já
dá claros sinais de vida. Ele está tão desesperado por essa garota
que pouco se importa com meus sentimentos, já que no momento
eu ainda estou com raiva, mas ele não deixa de estremecer com
sua presença.
O quarto está completamente organizado, a cama ainda está
feita e não há roupas ou sapatos espalhados pelo chão, muito
menos toalha molhada em cima da cama.
Vou até o frigobar, pego uma água e volto até a porta. Pretendo
tomar um ar, a fim de acalmar meus ânimos que estão bastantes à
flor da pele nesse momento.
— Você vai voltar para lá? — Heaven pergunta enquanto me
aproximo da porta.
— Sim — respondo apenas para provocá-la, mesmo sabendo
que nem mesmo irei sair do corredor.
— Esqueci que deixou algo interessante te esperando lá —
murmura baixinho, mas ainda assim a escuto.
A porta que estava entreaberta escorrega da minha mão e
fecha em um grande baque, deixo a água que iria tomar para lá e
caminho até Heaven, que está deitada de costas na cama com as
mãos cruzadas em cima da barriga enquanto encara o teto.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto, ela pula ao
ouvir minha voz, ficando em pé.
— Você quase me mata de susto — diz colocando a mão no
coração.
— E você não me respondeu. O que eu deixei de tão
interessante me esperando lá? — insisto sem tirar os olhos dela,
estou faminto, muito faminto. Heaven apenas dá de ombros. — Por
que você gosta tanto de jogar com incógnitas e nunca fala o que
realmente quer, Heaven?
— Falou a pessoa que é super sincera, e vive explanando seus
sentimentos por aí — debocha.
— Ao menos não fico jogando indiretas ao vento em qualquer
oportunidade.
— Ai Axel, volta para a sua ruiva gostosona que você ganha
mais.
Ela solta uma grande lufada de ar e revira os olhos, então eu
olho para ela com um sorriso malicioso, e ela levanta uma
sobrancelha em completa confusão.
— Você está com ciúmes de mim, Heaven? — pergunto,
fazendo com que seus olhos arregalem em resposta.
— Claro que não, por que eu iria ter ciúmes de você? — tenta
se defender, receosa.
— Não sei, realmente não faço ideia, me diz você.
— Seria mais fácil você ter ciúmes de mim, já que atrapalhou
meu lance com o Scott.
— Eu salvei você de ser drogada por ele, e nem um
agradecimento recebi por isso.
— Aham, tudo bem então. Muito obrigada por evitar que eu
ficasse doidona, Axel. Agora pode voltar para a festinha e foder com
aquela baranga ruiva.
Ela está falando da Valerie, sério? Nem sequer faz ideia que
está com ciúmes de uma mulher que provavelmente a faria ter
inúmeros orgasmos múltiplos. Solto uma risada pesada ao me
aproximar dela, levo uma mão até seu rosto, e em seguida revelo:
— Acredita em mim, Heaven, a única pessoa que eu quero
foder está bem na minha frente.
Sei que acabo de perder qualquer jogo que havia entre nós, e
mesmo dizendo mais cedo que não iria ser o primeiro a ceder, não
me importo mais. É isso que é preciso para aliviar qualquer coisa
dentro de mim, dentro de nós, então que se foda.
Minha declaração não me surpreende mais do que a sua
resposta logo depois.
Não preciso imaginar
Porque eu sei que é verdade
Eles dizem: Todos os garotos bons vão para o céu
Mas os garotos maus trazem o céu até você
HEAVEN | JULIA MICHAELS

— Então fode — murmuro baixinho olhando no fundo dos olhos


grafites de Axel.
— Você não faz ideia do quanto eu quero isso, Heaven —
responde com sua voz grave, fazendo os pelos do meu corpo se
eriçarem.
— Então só me fode de uma vez por todas, Axel — digo ao
passar meus braços por seu ombro.
Antes que Axel pudesse encostar seus lábios nos meus, eu
tomo sua língua com a minha, em uma luta eufórica a fim de saber
quem iria ganhar o primeiro round dessa luta com os dois
extasiados e alucinados em puro desejo.
Ele chupa minha língua com a sua, que possui um sabor
mentolado refrescante, porém é quente, eu deixo que um gemido
escape por minha garganta quando esse seu movimento me
provoca. Axel sorri entre o beijo, então leva suas mãos até minha
bunda, erguendo-me contra seu corpo e eu passo as pernas ao
redor da sua cintura. Ele afasta nossas bocas passando a beijar
toda a extensão do meu pescoço, deixo que minha cabeça penda
para trás, e passo as mãos por seus cabelos ralos na nuca,
arranhando sua pele levemente com minhas unhas.
— Como você gosta de ser fodida? — Axel pergunta ao chupar
meu pescoço, logo abaixo da minha orelha, fazendo com que minha
boceta lateje em puro desejo.
Eu não sei o que responder para sua pergunta, pois em todas
as relações que eu tive antes eu nunca comandei, por isso logo
após arfar outro gemido respondo:
— Eu não sei.
Axel para de beijar meu pescoço e em seguida eu desço minha
cabeça, encontrando seus olhos quentes e luxuriosos, ele dá um
breve sorriso de canto de boca e responde:
— Então você quem vai me foder, e vai fazer isso agora.
Dito isso, Axel continua me segurando apenas com um braço
enquanto eu forço ainda mais meu aperto contra sua cintura, sinto
sua mão se mover entre nossos corpos, seguida do tilintar de sua
calça sendo aberta. Axel faz toda a performance entre me segurar,
descer a calça e caminhar comigo em seu colo até a lateral da
cama, em menos de quinze segundos.
Ele senta-se na lateral da cama e me senta por cima de seu
corpo, me permitindo sentir seu membro duro e quente contra meu
sexo ainda vestido com a calcinha. Axel abre a gaveta do móvel ao
lado da cama e tira de lá o mesmo pacote de camisinhas que estava
no compartimento de seu carro. Olho para ele divertida e pergunto:
— Então quer dizer que você já estava preparado?
— Algo me dizia que dessa noite não passava — ele responde
ao abrir a embalagem. Afasto minimamente nossos corpos, apenas
o suficiente para que ele possa vestir seu membro duro e grosso.
Em seguida, ele leva sua mão até minha nuca outra vez,
acariciando os cabelos curtos ali. — Eu prometo que te recompenso
depois, linda, mas agora eu só preciso que você sente com a sua
boceta no meu pau.
Certo, se eu já o achava sexy apenas enquanto me olhava,
ouvi-lo falar safadezas dessa forma tão escancarada me faz ter uma
nova visão do que realmente é sexy, e acredite, isso é sexy pra
caralho.
Eu solto um riso fraco e beijo sua boca novamente, enquanto
isso Axel leva sua outra mão até minha boceta, e afasta o tecido fino
que a cobre, seu próximo movimento é levar seus dedos até minha
abertura massageando-a, então ele ergue o meu corpo novamente,
fazendo nossos sexos se juntaram dessa vez.
No primeiro momento em que sinto sua glande me abrir solto
um suspiro sufocado, mas então todo o seu comprimento se apossa
de mim, fazendo com que eu separe nossos lábios e solte um
gemido alto, sentindo meu corpo se curvar para trás e me deliciando
com o prazer dos nossos corpos unidos.
Passo a cavalgar e rebolar lentamente em cima do seu pau,
sendo dominada por todo o calor do seu corpo. Axel me aperta
contra si enquanto faço os movimentos de sobe e desce, nessa hora
puxo sua cabeça contra meu colo, e imediatamente ele passa a me
beijar ali, descendo sua língua até o decote do vestido no arco dos
meus seios.
Com seus dentes raspando a minha pele, ele afasta o tecido
que cobre meus seios, pega um deles com sua boca e mama.
Sim! Axel literalmente mama o meu seio, e admito que isso é
incrível.
Levo meus olhos até ele, enquanto galopo em seu pau
extremamente duro dentro de mim, seus olhos estão tensos, a
pupila quase inteira dilatada, deixando apenas um fino círculo grafite
ao redor do preto. Axel é um homem lindo, mas Axel com tesão e
lábios rosados mamando o meio seio, é o paraíso.
A visão que tenho do seu desejo faz com que eu acelere meu
movimento, por isso levo minhas mãos até seus ombros,
pressionando-os. Todas as vezes em que nossos corpos se
chocam, um enorme eco soa pelo quarto, o que me dá mais
coragem de continuar o que estou fazendo. Axel larga meu seio com
um grande chupão, apenas para gemer alto e audivelmente. Suas
mãos vão de encontro ao tecido do meu vestido logo abaixo dos
seios e noto que ele faz força, então pergunto em meio à cavalgada.
— O que está fazendo?
— Você confia em mim? — revida.
É claro que confio, desse modo assinto com a cabeça.
— Eu preciso que você me diga com suas palavras que você
confia em mim, linda.
Um arrepio corre por toda minha coluna no momento em que
uma simples palavra sai da minha boca:
— Sim.
Antes que eu possa processar qualquer imagem à minha frente,
Axel rasga o vestido que uso ao meio, desde o decote dos seios até
a saia. Seu instinto selvagem faz com que minha boceta aperte seu
pau o suficiente para ele arfar o meu nome em meio ao sexo.
— Porra, Heaven. — Sua voz sai grave e arrastada.
Suas mãos agora envolvem a minha cintura, me ajudando a
cavalgar violentamente contra seu pau. Juntos arfamos, gritamos e
gememos o nome um do outro. Um choque repentino toma conta de
todo o meu corpo, fazendo com que ele formigue inteiro, minha
visão fica turva, e tudo que enxergo à minha frente é preto, quando
meus olhos encontram minhas pálpebras.
Espera, eu não lembro de ter fechado os olhos.
Meu líquido desce por minhas pernas, me fazendo gemer mais
uma vez, ou eu penso que acabo de gemer, não sei ao certo, mas
tenho quase certeza que algum som acaba de abandonar a minha
boca, meus movimentos tornam-se cada vez mais lentos à medida
que o clímax do orgasmo vai diminuindo.
Sim, um orgasmo.
Eu nunca tive um antes, e devo dizer que a sensação é ótima.
Quando meus olhos tornam a se abrirem, vejo luzes piscarem à
minha frente, como se eu estivesse em uma boate, mas são apenas
meus olhos querendo se acostumarem à luz outra vez, porém eu
não deixo que isso aconteça, somente os fecho e deixo minha
cabeça descansar no ombro do homem que me segura.
Sua respiração está um fracasso, igualzinha a minha. Axel
deixa o tecido grosso do vestido que ainda estava preso em meus
ombros cair ao chão, sem demora ele se levanta comigo no colo,
mas logo me deita de costas na cama. Abro os olhos e tenho a
visão de ele se despindo de sua camisa branca de algodão, seu
peito malhado está suado, alguns pelos estão amostra, como se
tivessem sido depilados há pouco.
Após tirar sua camisa, sua mão segue até seu pau retirando o
preservativo cheio de gozo, e mesmo após chegar ao ápice, Axel
continua duro como uma pedra. Quando sua mão abandona o
membro, que acredito ter cerca de vinte centímetros, ele balança
duro de um lado para o outro, apontando diretamente para mim.
Levo meus dentes até meu lábio inferior mordendo-o, meu
clitóris lateja de prazer, tanto pelo orgasmo que acabo de ter como
por antecipação em ter seu corpo junto ao meu novamente.
Axel se agacha pegando algo no chão, quando ele volta vejo
que segura o tecido preto do meu vestido em suas mãos, então ele
sobe por cima de mim e com seus olhos vidrados nos meus,
pergunta com a voz grossa:
— Vou te perguntar mais uma vez, você confia em mim?
— Confio — respondo de prontidão.
— Você disse que não sabe do que gosta — diz ao pegar um
braço meu e levar até o topo da minha cabeça. — Por isso nós
vamos testar algumas coisas. — Troca o peso do seu corpo,
pegando meu outro braço e colocando junto do outro. — Se você se
sentir desconfortável em qualquer momento, basta piscar três vezes
seguidas que eu paro.
Ele se senta sobre minha barriga, completamente nu, seu pau
ereto entre meus seios. Axel leva o tecido preto até minhas mãos,
junta-as e passa o pano entre meus pulsos, amarrando-os. Ergo o
máximo que posso meu olhar, prestando atenção em todos os seus
movimentos, eu não me incomodo em estar “presa”, pelo contrário,
isso me causa mais uma sensação de prazer, dando pequenos
choques em meu corpo.
Os olhos de Axel voltam para os meus, ele passa seu dedo
delicadamente por minha bochecha, que pega fogo com o seu
simples toque. Em seguida, beija o topo da minha testa e desce
seus lábios até os meus, beijando-os com ternura.
Mesmo em um momento quente como esse, eu diria que Axel
está se preocupando sobre como eu me sentirei pela forma como
ele deseja conduzir o sexo daqui em diante. Quando nossos lábios
se separam, ele me olha no fundo dos olhos e diz:
— Não se esqueça, se algo te incomodar basta piscar três
vezes e eu paro qualquer coisa que esteja fazendo, meus olhos
estarão direto ligados aos seus.
— Sim — é tudo que eu respondo.
Axel beija minha testa outra vez, e desce um pouco mais por
meu corpo, suas mãos seguram o cós da calcinha que eu ainda
visto e ele a rasga, da mesma forma que fizera com o vestido.
— O que você vai fazer? — pergunto receosa quando ele faz
uma bola com o tecido preto e fino da calcinha.
— Você não deve me tocar, nem falar comigo durante os
próximos minutos — diz simplesmente, já aproximando a bola de
tecido da minha boca.
Meu centro palpita em ânsia, mesmo não entendendo nada do
que ele esteja fazendo.
— O que você quer dizer com isso? — Ele põe o tecido entre
meus lábios, pedindo abertura. — Axel... — insisto, mesmo com
minha voz calando-se no momento em que a calcinha entra por
inteira dentro da minha boca.
— Você fala muito — responde ele. — Eu te quero em silêncio,
quero apenas saber como seus olhos reagem enquanto você goza.
Axel passa as pontas dos dedos por todo o meu corpo, desde o
colo, passando pelos meus seios, barriga e coxas, até os pés. Cada
toque seu me gera mais arrepios. Ele descalça meus pés, que ainda
estavam com as botas, e em seguida sinto sua língua áspera e
molhada passar pelo meu tornozelo, fazendo com que meus
músculos sintam pequenos espasmos, como se fosse um choque
elétrico.
Sua língua passa lentamente pela dobra do meu joelho,
seguindo o caminho entre minhas coxas, meu corpo convulsiona no
momento em que sinto sua boca molhada beijar as dobras entre
minhas pernas. Seus dedos invadem minha boceta, abrindo-a, e
arqueio minhas costas para cima quando ele chupa meu clitóris,
então arfo seu nome contra a calcinha em minha boca, tendo a
certeza de que ele me escutou. Axel passa novamente a língua
entre minhas dobras, a enfiando na minha entrada, e eu gemo alto
com seu movimento.
Por mais que ele tenha pedido para que eu pisque se me sentir
desconfortável, eu não pisco, pois o prazer em mim domina todos os
meus sentidos.
Axel volta a ponta da sua língua até meu clitóris, girando-a
freneticamente ali enquanto seus dedos entram na minha abertura,
estocando-me até o fundo em bruscos movimentos. Sempre que ele
encontra meu ponto G faz uma leve pressão, e meu corpo reage se
movimentando contra o colchão. Eu quero dizer que estou pronta
para gozar a qualquer momento, mas sou impedida pela calcinha
que tampa a minha boca, eu até posso piscar para ele tirá-la, mas
se eu fizer isso ele pode parar com tudo, e eu não quero que ele
pare.
Eu quero que ele continue a fazer tudo o que está fazendo, pois
o incômodo que eu sinto no momento apenas me diz que eu estou
prestes a me livrar de toda a tensão do meu corpo outra vez. Levo
meus olhos até a abertura entre minhas pernas, e descubro que ele
não mentiu sobre não tirar os olhos de mim, porque eles estão fixos
em meu rosto enquanto ele me chupa, lambe e estoca a minha
boceta violentamente.
Eu estou próxima.
Muito próxima.
Merda.
Axel chupa meu clitóris e seus olhos contra os meus fazem
todos os pelos do meu corpo arrepiarem, minhas costas arqueiam,
minha respiração falha, e outra vez sinto minha boceta inchar
enquanto libero meu gozo contra seus dedos que entram e saem de
mim em um ritmo frenético e eufórico.
Fecho os olhos sentindo minha boca secar, pois toda a saliva
que projeto nela é absorvida pelo tecido que ainda está em minha
boca. Eu tento gritar para me libertar, mas o grito sai abafado.
Axel sabe que eu acabei de gozar, mas ele não para de me
chupar em momento algum. Mesmo eu tentando reaver minha
respiração e controlar as batidas erráticas do meu coração, ele
continua com sua boca em minha boceta. Em questão de segundos
minhas costas arqueiam outra vez, e a minha visão fica nublada.
Gozei de novo.
Sinto os dedos de Axel saírem de dentro de mim e sua boca se
afastar do meu centro, quero abrir os olhos para saber o que ele
está fazendo, mas eles não respondem aos comandos do meu
cérebro no tempo correto.
Um peso é colocado contra meu corpo e dessa vez eu consigo
abrir meus olhos. Sua mão está espalmada contra meu abdômen,
seu pau extremamente duro, grande e grosso aponta em minha
direção. Tento ficar sentada, pois quero sentir seu gosto assim como
ele sentiu o meu, mas Axel me impede de fazer o movimento me
empurrando contra o colchão outra vez.
Meus seios enrijecem fazendo com que meus mamilos fiquem
ainda mais duros no momento em que escuto sua voz rouca
murmurar para mim:
— Você vai ficar bem quietinha aí, enquanto eu bato uma e
gozo em você.
Axel se aproxima novamente, fico ansiosa esperando que ele
retire a calcinha da minha boca, mas em vez disso ele chupa meu
pescoço e levanta, ficando de joelhos entre minhas pernas.
Acompanho todos os seus movimentos, vejo o exato momento em
que ele pega a base do seu pau levando sua mão firmemente até a
cabeça, o líquido do seu pré-gozo escorre pela glande e eu gemo.
Minha boca se enche de saliva enquanto ele leva sua mão de volta
à base do seu pau.
Desvio meu olhar do seu pau, e olho diretamente para seu
rosto. Axel me encara com luxúria e admiração, minha boceta pulsa
querendo que ele entre em mim mais uma vez e minha língua saliva
querendo experimentar o seu gosto. Tento desamarrar meus braços,
ansiosa, no entanto Axel me olha e balança a cabeça negando, ele
sabe que eu não estou desconfortável, eu apenas quero substituir
sua mão pela minha. Solto o ar pelo nariz, sentindo minha boceta
encharcada palpitar em excitação, Axel grunhe um gemido e volto
meu olhar para seu pau. Ele continua se masturbando, porém bem
mais rápido do que antes, com movimentos contínuos de vai e vem,
então ele geme uma vez mais e eu o acompanho, respirando fundo.
Minha boceta se contrai, meu clitóris incha e meu corpo inteiro
treme no momento em que gozo vendo Axel se masturbar.
Grito contra o tecido na minha boca, logo sinto o líquido quente
do gozo de Axel na minha barriga. Respiro fundo enquanto fecho os
olhos, vendo estrelas. Axel geme meu nome bem alto, e antes que
eu me dê conta do seu próximo movimento, ele lambe todo o meu
abdômen. Quando abro os olhos, Axel está em cima de mim tirando
a calcinha da minha boca e depois ele me beija. Eu sinto o gosto
doce e ao mesmo tempo ácido do seu gozo, nossas línguas dançam
uma com a outra. Axel belisca meus dois mamilos, eu arfo contra
sua boca respirando fundo por causa do seu toque, nossas línguas
continuam entrelaçadas em uma dança nada sincronizada. Eu o
chupo, ele me morde, e assim continuamos. Então Axel finalmente
desamarra minhas mãos.
— Porque porra eu te quero tanto? — pergunta Axel contra
minha boca, essa maldita pergunta me deixa com ainda mais tesão.
Eu não o respondo, apenas continuo o beijando enquanto seu pau
duro se remexe contra minha barriga.
Nosso beijo não é doce, aliás, ele nunca foi. Ele sempre fora
fervoroso, parecendo que estamos em uma guerra sem fim, e para
isso usamos nossas bocas como armas. Cada vez que estamos
próximos um do outro eu me deixo envolver ainda mais, deslizo
minhas mãos por seus braços enquanto ele me segura no lugar, me
mantendo imóvel naquela cama. Axel para de me beijar, então seus
olhos percorrem todo o meu corpo, centímetro por centímetro. Seu
pau se eriça contra meu umbigo.
— Você é simplesmente perfeita — ele murmura, antes de me
beijar novamente.
Meu corpo pega fogo em todos os locais em que nossas peles
se tocam, é fascinante a forma como ele é capaz de me possuir.
Fecho meus olhos quando sinto seus dedos deslizarem entre
minhas pernas.
— Tão molhada — sussurra contra minha boca, então enfia dois
dedos na minha abertura. — Tão apertada, você não tem noção do
quanto que eu quero te comer, Heaven.
— Então me come logo, de uma vez por todas, Axel — imploro.
— Me faz gozar com seu pau todo dentro de mim.
— Não me fala uma coisa dessas, linda, por favor.
— Por favor — peço —, só me fode.
— E quando eu terminar de te foder — diz ele enquanto morde
meu mamilo. — O que vamos fazer?
Eu arfo.
— Foder de novo?! — respondo retoricamente.
— Boa ideia.
Axel se afasta, pega outra camisinha e eu presto atenção em
todos os seus movimentos, ele rasga a embalagem luminosa e em
seguida ajusta a camisinha em seu pau.
Alinhando seu pau em minha entrada, Axel lambe os lábios
antes de me tomar para ele mais uma vez. Sem aviso, ele apenas
me penetra possessivo, sinto minha entrada se expandir para se
acostumar com sua grandeza e grossura novamente, em nenhum
momento eu reclamo, apenas gemo enquanto ele se move
lentamente dentro de mim.
— Ai meu Deus — gemo.
Axel continua entrando e saindo de mim, calmamente. Ele se
inclina e me beija.
— Quem está te fodendo sou eu, Deus está no céu — diz
contra meus lábios, então murmuro seu nome baixinho. Axel entra
em mim novamente, dessa vez com mais força.
— Melhor assim.
Ele prende minha perna em seu quadril, e continua com
movimentos bruscos enquanto me penetra. Ele geme meu nome, e
meu corpo inteiro treme com o quinto orgasmo.
Chega a ser hipnotizante a forma como ele continua se
movendo em cima de mim, seus movimentos são calmos, mas
bruscos, ele me penetra com carinho, mas com vontade. Chamo
seu nome mais três vezes, gemendo alto para que todos os nossos
vizinhos de quarto escutem.
Quando o chamo pela terceira vez, sinto meu corpo tremer e
logo depois Axel descansa seu corpo suado em cima de mim. Seu
pau tem espasmos dentro de mim, e outro orgasmo toma conta do
meu corpo, então tenho a certeza de que acabo de chegar ao
paraíso. Nunca havia sentido nada igual em minha vida, nunca fui
tomada por um prazer tão grande quanto esse.
Seguro seus ombros com minhas mãos e respiro fundo,
tentando ao máximo me recompor. Nossos corpos continuam
grudados, e enquanto tento controlar todos os meus pensamentos
minhas pernas tremem. Sinto Axel beijar minha testa, e eu tomo sua
boca novamente.
Oh, eu não vou me calar e não vou abrir mão
Eu vou aguentar firme até o amanhecer
E nós vamos brilhar intensamente até que a escuridão clareie suavemente
AFTERGLOW | ED SHEERAN

Acordo suando frio e hiperventilando, por isso ponho a mão no


coração tentando acalmar meus batimentos. Eu acabo de ter um
sonho maluco, onde Drew descobria que eu havia dormido com
Axel, então ele entrava no quarto e atirava na cabeça de Axel.
Olho para o lado e respiro aliviada quando vejo que ele dorme
profundamente de bruços, com um braço por cima da minha barriga.
Eu ainda estou completamente nua. Noto a luz do sol pelas
frestas da janela, não cheguei a escutar os outros chegando da
festa no meio da noite, nem mesmo olhei as mensagens do meu
celular. Como sou a única acordada tento dormir novamente, mas
minha cabeça está a milhão. Noite passada Axel havia indagado
sobre o que aconteceria depois, no fundo eu sabia o que ele estava
querendo questionar.
Como iríamos seguir em frente logo após nossos corpos se
unirem?
Naquele instante eu queria satisfazer a nós dois, tirar o peso
que venho carregando desde o nosso primeiro beijo dos meus
ombros, e devo admitir que a nossa noite, de longe, foi a melhor que
eu já tive em toda minha vida, mas uma coisa não sai da minha
cabeça.
E agora, o que vamos fazer?
Obviamente não poderemos fingir que nada aconteceu, afinal,
transamos mais de cinco vezes na noite passada e assumir um
relacionamento também é quase impossível, pelo menos nesse
momento. Nós passamos cinco anos longe um do outro, muitas
coisas aconteceram nesse tempo, e ainda estamos retomando a
nossa amizade, estamos próximos, isso é óbvio, porém não como
éramos no passado.
Axel virou um homem, e é notório para qualquer um, entretanto
eu não me sinto uma mulher, ainda sinto como se fosse uma garota
de treze anos que acabou de ser beijada pela primeira vez, e que
perdeu o melhor amigo.
Eu estou perdida sobre o que devo fazer quando ele acordar,
como devo agir, se seria certo eu dar bom dia, ou se devo apenas
pegar minhas coisas e sair do quarto de fininho, apesar de que isso
me tornaria só mais uma em sua lista. Será que no final é isso que
sou?! Apenas mais uma garota que ele levou para a cama?
Não, acho que não.
O Axel não faria isso comigo, eu vi em seus olhos que ele me
queria tanto quanto eu o queria, em todos os momentos estávamos
sincronizados. Não foi uma transa qualquer, havia sentimentos
envolvidos, mesmo não tendo ideia de como iremos seguir a partir
daqui, eu sinto que tudo o que fizemos ontem foi certo.
Axel se mexe em cima de mim, e rapidamente fecho os olhos
tentando acalmar minha respiração, o que parece ser em vão
quando o escuto murmurar:
— Sério que você vai fingir que está dormindo?
Dou um sorriso inocente e lentamente abro os olhos.
— Não queria te acordar — confesso.
— Que horas são? — ele pergunta enquanto deita-se de costas.
— Não sei, não cheguei a pegar meu celular ainda.
Axel senta-se na cama, pega sua cueca no chão e em seguida
a veste. Quase deixo a baba escorrer da minha boca ao ver sua
bunda se contrair contra o pano branco que marca perfeitamente
todos os músculos do seu glúteo, eu nem mesmo sabia que uma
bunda poderia ter tantos. Ele vasculha o chão, e depois pega o
celular.
— São seis e quarenta — informa. Ele pega outra coisa no
chão, se vira para mim com um sorriso, e estende o resto que
sobrou do meu vestido, jogando-o em mim. — Espero que não
tenha sido um presente especial de alguém, porque seu vestido já
era.
— Não me diga. — Reviro os olhos. — Soube disso no
momento em que você agiu como um animal, rasgando-o. Não
contente, também me deixou sem calcinha. — Axel sobe na cama,
ficando por cima de mim, passa as mãos por debaixo da minha
cabeça e pega meu cabelo em punho, fazendo um coque no alto.
— Se você preferir eu posso agir como um príncipe, tirando
peça por peça delicadamente e te comendo bem devagar sem
nenhuma emoção. — Faço uma careta, e ele ri.
— Conservar minhas peças de roupas já é o bastante para mim.
Axel põe as mãos em meu rosto, e olha diretamente em meus
olhos aproximando devagar seu rosto do meu e quando nossos
narizes estão colados um ao outro, ele abre meus lábios com a
língua e fecha os olhos, então eu apenas o acompanho.
Dessa vez nosso beijo é doce, calmo e lento, um milhão de
sentimentos se misturando enquanto nossas línguas dançam uma
com a outra. Há sintonia, há desejo, saudade e reconhecimento,
como se estivéssemos nos conhecendo pela primeira vez agora,
neste exato momento. Axel para de me beijar no mesmo instante
em que sinto seu pênis ereto, mesmo eu estando com um lençol
cobrindo meu corpo e que ele tenha vestido a cueca, sua ereção é
evidente. Eu solto uma lufada de ar calmamente, Axel me dá um
selinho e se levanta vestindo as calças.
— Aonde você vai? — pergunto, ficando sentada na cama e me
cobrindo com os lençóis.
— Bater na porta do quarto da Allie e pegar suas coisas. Não dá
para sairmos daqui com você vestida num lençol, e minhas roupas
ficariam largas em você.
Dito isso, Axel sai do quarto e escuto o momento em que ele
bate com força na porta do outro lado. Ontem me arrumei no quarto
em que ela divide com Wes, por isso minhas coisas ficaram lá.
Depois ouço a voz da Allie perguntando onde eu estou, e gritando
com ele por estar pegando minhas coisas. Um minuto depois Axel
entra novamente no quarto, e joga várias peças de roupas em cima
da cama.
— Tinha uma bagunça de roupas no chão, então peguei tudo
que vi pela frente — explica ele.
— Obrigada... eu acho. — Hesito por um momento, e analiso as
peças que ele jogou ao meu lado. — Esse sutiã, a propósito, não é
meu — digo estendendo o tecido de renda e jogando para o lado. —
Nem essa blusa é minha, e para onde caralhos eu iria com uma
cueca do Wes? — digo horrorizada, jogando a cueca vermelha fio
dental de Wes para Axel.
— Isso é uma cueca? — Ele pega o tecido e analisa as
costuras. — Porra! — exclama ao jogá-la novamente em cima da
cama.
Escutamos três batidas na porta, Axel vai até lá e a voz de
Allison ecoa pelo quarto:
— Finalmente vocês dois transaram, eba! Mas na próxima,
façam o favor de responderem minhas mensagens, eu já estava
prestes a ligar para a polícia.
Axel fecha a porta, e entra no quarto dessa vez com minha
mala. Me levanto de vez, e quando ele a põe na cama eu a abro.
— Você prefere usar o banheiro primeiro? — Axel pergunta.
— Pode ir, vou escolher algo para vestir ainda.
— Tudo bem.
Axel entra no banheiro fechando a porta e segundos depois
escuto o som da água caindo. Separo uma saia branca soltinha que
vai até o meio da minha coxa, um suéter vermelho, roupas íntimas e
meu nécessaire de banho, opto por usar um par de tênis. Enquanto
espero Axel terminar seu banho, pego minha bolsa no chão e
localizo meu celular, nele há mais de cem mensagens não lidas de
Allison e Wes, e mais de trinta ligações perdidas, envio uma
mensagem dizendo que estou bem para ambos, e Allie responde:
Allison: Melhor do que nós, com certeza.
Pelo menos terminou a noite com um pênis enterrado na sua
vagina.
Sorrio para a tela do celular, e antes que eu possa responder
suas mensagens, Axel sai do banheiro apenas com uma toalha
branca amarrada em seu quadril. Noto as ondulações do seu
abdômen definido, uma pequena cicatriz logo abaixo do seu peito
direito e a tão sonhada marcação em V do seu quadril, essa eu
prefiro nomear como caminho da perdição. Como se saísse
diretamente de um personagem literário, percebo que estou
encarando demais o seu físico e provavelmente passando
vergonha. Agarro o lençol no meu corpo e, carregando as roupas
nos meus braços, caminho até a porta do banheiro. Axel tira a
toalha e me agarra pela cintura de modo que sinto sua ereção no
meu umbigo, ele passa os dedos pelos cabelos da minha nuca, se
aproxima e sussurra no meu ouvido:
— Se continuar me olhando desse jeito, juro que não me
importo de gozar na sua boceta a manhã inteira.
Um arrepio percorre a minha coluna e minhas pernas quase
cedem com sua fala, mas Axel me segura firmemente. Ele volta a
olhar para mim, e eu sei que ele vê a malícia explícita em meu rosto
quando diz:
— Anda logo, e vai tomar banho. Você está fedendo a sexo e
seu cabelo a esperma.
Coço a garganta e depois sorrio para ele.
— Então não goza mais no meu cabelo.
Bato com a mão em seu peito, e desvio do seu corpo enorme
entrando no banheiro e fechando a porta. Ao ver meu reflexo no
espelho, enxergo uma pessoa com os cabelos desgrenhados,
maquiagem borrada, chupões no pescoço, colo, barriga e seios, e
me pergunto como ele pôde olhar com toda aquela admiração
genuína para mim há minutos atrás. Pela primeira vez me sinto feliz
ao ver alguns hematomas pelo meu corpo, porque eles não são de
dor, e sim de puro prazer e felicidade. Quando desamarro o coque
que Axel fizera em meu cabelo, ele está parecendo um ninho de
pássaro, todo embaraçado e duro.
Na nossa quarta transa, eu estava de quatro e a camisinha
estourou no momento da ejaculação, então Axel gozou fora, em vez
de jorrar seu gozo nos lençóis ou nas minhas costas, o esperma
acabou nas pontas do meu cabelo.
Ligo o chuveiro e aguardo a água ficar quente, quando entro no
box uso o shampoo que está ali, ele tem fragrância de couro e
canela, reconheço ser um dos cheiros de Axel. Durante o tempo em
que não nos falamos, meu passatempo preferido durante as aulas
da Srta. Clark era adivinhar ao que Axel cheirava, é uma mistura
única, disso eu tenho certeza, toques de couro, erva-doce, sândalo
e, agora, canela.
Depois de lavar os cabelos, esfrego todo o meu corpo com
sabonete, tirando qualquer resíduo de suor. Fecho o chuveiro, pego
uma toalha no suporte ao lado do box e enxugo todo meu corpo,
depois enrolo meu cabelo no pano felpudo e em seguida visto as
roupas que trouxe e que havia deixado em cima da tampa do vaso,
após estar vestida escovo os dentes.
Quando volto para o quarto, Axel está sentado na ponta da
cama com o celular na mão, parece estar digitando alguma
mensagem, e por um milésimo de segundo imagino que seja um
pedido de desculpas para a garota de ontem. Após Scott, aquele
filho da puta, derrubar bebida em minhas costas, descemos para o
porão, pois ele disse que as bebidas estavam ali e queria me pedir
desculpas. Em algum momento eu quase tropecei, então ele me
segurou pela cintura, e quando ele se ofereceu para pegar bebida
para mim imaginei que ele seria um cara decente, ingênuo da minha
parte, agora sei disso.
No momento em que ele percebe minha presença bloqueia a
tela, e levanta o olhar para mim, sorrindo.
— Quer ir comer alguma coisa ou voltar para casa, sei lá? —
me pergunta quando tiro a toalha da cabeça, jogando-a na cama.
Abro a mala e coloco meu nécessaire de volta lá, e também o
vestido e a calcinha, ambos rasgados. Axel pega a toalha que eu
joguei na cama, se levanta e a estende em uma cadeira.
Ontem quando entrei no quarto que dividiria com ele, percebi
que tudo estava muito limpo, no dia em que visitei seu apartamento
também percebi a mesma coisa, tudo muito bem arrumado e limpo.
Quando éramos mais novos Axel muitas vezes era metódico quando
se falava em arrumação, já em outras ele era simplesmente largado,
hoje acredito que esse segundo acontecia quando ele estava
passando por alguma turbulência.
— Não íamos todos passarmos o fim de semana aqui? —
pergunto.
— Kane, Grey e Elliot dormiram em algum dormitório, Allison
está com dor de cabeça e Wes está com ressaca, a resposta para
sua pergunta é não. Além disso, acabei de enviar uma mensagem
no grupo mandando todos voltarem juntos no carro do Grey.
— Poderíamos ir apenas nós dois então. — Axel franze o cenho
e faz uma careta. — Você não veio para isso, não é?
— Não — admite ele.
— Por que então você viria até aqui? — Axel se aproxima de
mim, passa as mãos pelos meus cabelos, colocando-os atrás das
orelhas.
— Além do jogo?! Acho que só queria ficar perto de uma garota
que é bem metida e curiosa.
— Posso saber o nome dessa individua? — provoco com um
sorriso.
— Só se você prometer não ficar com ciúmes dela. — Ao invés
de responder levanto minha mão e ofereço meu dedo mindinho,
lembrando de como agíamos quando crianças e prometíamos algo
um ao outro, Axel sorri com meu ato e entrelaça nossos dedos. —
Se eu não me engano o nome dela é Vanessa ou Valentina, algo
assim... Ela é ruiva, tem uns peitões e uma tatuagem no pescoço.
— Filho da mãe! — Bato em seu peito e me afasto. — Acho que
prefiro comer algo depois dessa.
Axel ri enquanto pega nossas coisas, calço meus sapatos e
saímos do quarto. Meu cabelo já está parcialmente seco, por isso
decido amarrá-lo em um coque no topo da cabeça. Quando
chegamos ao carro, Axel joga as bolsas no porta-malas, mas, antes
de entrar no carro, ele me puxa pela cintura e me beija. Assim que
termina passo as mãos em seus braços e digo:
— Não estou nem um pouco acostumada com esse Axel. — Ele
ri antes de me responder.
— Nem eu.
Dando um beijo na minha testa, Axel se afasta e dá a volta no
carro, entramos e então ele dirige até o drive-thru do Starbucks, eu
peço um macchiato com um muffin de blueberry, e Axel café puro e
um croissant de manteiga. Ofereço dinheiro para pagar minha parte,
mas ele recusa.
Axel dirige a sessenta por hora, viajando sentido oeste da
Califórnia. No som do carro toca Afterglow do Ed Sheeran, mesmo
não sendo inverno como diz na música, sinto meu coração apertar
durante o refrão quando ele canta: “estávamos bêbados de amor
esperando por um milagre, tentando nos encontrar na neve do
inverno, tão isolados no amor como se o mundo tivesse
desaparecido.”. É exatamente dessa forma que tenho me sentido
nos braços de Axel.
É como se o mundo inteiro houvesse desaparecido e ali só
existíssemos nós dois, contra tudo e todos.
É como se Drew nunca tivesse existido na minha vida, como se
Axel nunca tivesse ido embora um dia e voltado depois, como se
tivesse ficado aqui todo o tempo. Ao mesmo tempo em que meu
coração está aliviado por estar tão perto dele, e finalmente o ter
reencontrado, ele está pesado, como se quisesse me dizer que tudo
o que aconteceu nas últimas horas é bom demais para ser verdade.
Não gosto de ser pessimista, mas é quase impossível pensar de
outra forma. A música acaba e logo em seguida começa Give Me
Love do mesmo artista, então meu pequeno coração parece
carregar o peso do mundo inteiro nele. Sinto vontade de chorar, mas
não quero que ele veja minhas lágrimas, pisco os olhos várias vezes
para impedi-las de descer, então encosto minha cabeça na janela do
carro, e deixo toda a letra da música invadir meus pensamentos,
imaginando várias possibilidades para o futuro.
Quando a música acaba, Axel para o carro no acostamento. Eu
levanto a cabeça olhando para ele atordoada, e ele me fala as
palavras mais lindas que alguém poderia me dizer nesse momento.
— Eu fui um idiota desde o momento em que cheguei, talvez eu
tenha sido um idiota antes mesmo de ir embora, mas não houve um
dia sequer em que eu não pensei em você enquanto estava fora. Eu
senti repulsa quando a vi com ele, e eu pensava que realmente o
problema poderia ter sido porque era justamente ele, mas ontem
quando vi aquele idiota lhe entregar bebida, meu sangue ferveu. E,
porra, você sorriu para ele, talvez o problema nunca tenha sido ter
visto você com o Drew, e sim te ver ao lado de qualquer outro que
não seja eu. Sei que concordamos em sermos amigos, sei que você
acaba de sair de um relacionamento pesado e eu não quero te
pressionar a tomar qualquer decisão, mas saiba que eu vou ser seu
amigo antes de tudo, vou deixar você se descobrir outra vez, eu
quero que você seja feliz, Heaven. Porque se tem uma pessoa no
mundo que merece a felicidade, não tenho dúvida alguma que essa
seja você, e eu vou estar lá para lhe aplaudir na felicidade e ser seu
ombro amigo quando você precisar chorar.
Ele leva a mão até minha bochecha e acaricia ela, enquanto
continua:
— A noite que tivemos foi maravilhosa, e eu não estou te
dispensando, pelo contrário, estou dizendo que vou esperar o tempo
que for necessário para que você se cure de todas as feridas que há
no seu coração. Você não precisa se preocupar, nem mesmo agir
estranho ao meu redor, nós seremos amigos antes de qualquer
coisa. Por muito tempo, eu deixei guardado apenas para mim que
queria você, que eu precisava de você, posso até estar julgando
mal, mas, no fundo, eu sinto que você sente o mesmo. Eu sei que
não é o momento certo para nós, não agora, por isso reafirmo que
vou te esperar, porque eu juro, Heaven, nenhuma outra me beijou
como você, nenhuma outra me tocou como você, não há ninguém
nesse mundo que me conheça como você, porque você é única,
Heaven. E se for preciso eu ficar na friendzone por cinco anos, eu
fico, desde que eu esteja perto de você, eu vou estar bem. Eu sou
rendido por você, Heaven Caroline.
Ao final da sua fala ele sorri e uma lágrima solitária desce pelo
seu rosto, assim como pelo meu, sei que nossas lágrimas não são
de dor, pelo contrário, elas expressam a nossa felicidade, a nossa
paz. Eu o acompanho com um sorriso no rosto, querendo ao
máximo declarar que eu nunca deixei de amá-lo desde o momento
em que prometi que iria amá-lo para sempre, mas Axel tem razão.
Apesar da noite que tivemos, o certo no momento é sermos
apenas amigos, pois eu preciso realmente me reerguer, eu ainda
estou em processo de cura, e não faço a mínima ideia de quanto
tempo isso vai durar, mas eu preciso ter a certeza que ele estará ao
meu lado. Muitas questões ainda me deixam insegura, e uma delas
é:
— E se mesmo após eu me curar, as coisas não derem certo
entre nós?
Axel franze o cenho com um sorriso no canto da boca.
— Heaven... Você me obrigou a ser seu amigo duas vezes e eu
não me abstive em nenhuma delas, então se caso acontecer da vida
nos separar outra vez, eu não tenho dúvida alguma de que você me
obrigará novamente e eu apenas vou aceitar calado.
Nós dois rimos com sua resposta, mas logo em seguida Axel
continua.
— E mesmo se as coisas entre a gente não derem certo quando
você se curar, eu ainda estarei do seu lado, Heaven. Não tenha
dúvidas do que eu vou lhe dizer agora: nada mais nesse mundo é
capaz de me tirar de perto de você.
Eu faço um biquinho, tendo a certeza que meus olhos estão
brilhando nesse momento.
— Eu queria beijar você agora — sou sincera.
Axel acaricia novamente minha bochecha e delicadamente puxa
meu rosto para perto do seu, e nós nos beijamos calma e
lentamente. A tempestade que abrigava em meu coração fora
tomada por pura calmaria, como se a chuva tivesse ido embora e
um arco-íris se pôs logo em seguida. Eu não posso culpar Axel pela
confusão da minha vida, também não posso culpar a mim mesma,
mas posso me reerguer outra vez ao seu lado, e aguardar o que o
futuro reserva para nós dois, tendo a certeza de que esse será
maravilhoso.
Lembro da minha conversa com Allie há dois dias, sobre pessoa
certa e tempo errado, talvez ela tinha razão, talvez Axel seja a
minha pessoa certa, e quanto ao tempo acredito que agora estamos
caminhando para encontrá-lo da maneira certa.
Não quero fazer você esperar
É só que a pressão tem aumentado
Sei que se eu ferrar conosco
Nós terminaremos, acabaremos, você irá se esquecer de mim
INTO YOUR ARMS | WITT LOWRY FT. AVA MAX

Pela manhã, após nossa breve conversa dentro do carro no


meio da estrada e também do nosso singelo beijo que, diga-se de
passagem, não foi nada quente demais, mas sim um beijo cheio de
ternura. Heaven e eu voltamos para Beaufort e ficamos no
apartamento que divido com Kane, que por sua vez ainda está em
LA.
A madrugada de hoje, passamos quase inteira transando,
acordamos cedo demais e voltamos para o campus, por isso mal
dormimos. Quando chegamos ao apartamento, Heaven disse que
estava cansada e queria dormir, então eu apenas a acompanhei.
Não consegui dormir, por isso assisti ela dormir durante quase
quatro horas seguidas. Ela é simplesmente adorável enquanto
dorme, sua boca rosada fica quase todo o tempo entreaberta e seus
cabelos vez ou outra caem por seu rosto, provocando um bico em
seus lábios, em razão disso ela se vira na cama e começa tudo do
zero outra vez, desde a boca entreaberta até o virar na cama.
Fomos à pizzaria mais próxima, que fica entre o apartamento e
o campus, porque Heaven acordou com fome de pizza.
“Saímos do carro e sinto um arrepio estranho correr pela minha
espinha. Com a leve sensação de que alguém está nos seguindo,
olho para os lados e percebo que esse não é o caso, talvez deva ser
apenas um devaneio da minha cabeça.
Disse que Heaven poderia ficar dentro do carro enquanto eu
pegava a pizza, uma vez que já tinha ligado para encomendar, mas
ela decidiu descer junto comigo.
Quando entramos na pizzaria, a recepcionista nos informa que
nosso pedido ainda não está pronto, então nos sentamos em uma
mesa nos fundos do estabelecimento, próxima à cozinha. Está bem
quente onde estamos, e vejo Heaven hesitar ao tirar a jaqueta
vermelha que veste, ela olha para os lados apreensiva, leva a peça
até o meio dos seus braços e depois volta a jaqueta até seus
ombros. Ela tentou ser sutil com os movimentos, mas eu percebi, e
ela notou que eu percebi, então apressadamente ela começa a se
explicar.
— Esqueci que estou com uma blusa de costas nuas — informa
em um sussurro quase inaudível.
— E qual o problema com isso?! — pergunto retoricamente.
— É que... — Hesita, coçando a garganta. — Você sabe...
decote... Não é um local apropriado para a roupa que eu estou
usando.
Eu me levanto da minha cadeira, dou a volta à mesa e me
posiciono atrás dela, em seguida ponho a mão em seus ombros e
desço a jaqueta pelos seus braços, quando a mesma está fora de
seu corpo, analiso o decote em suas costas.
— Hum... não achei nada demais — digo enquanto coloco a
jaqueta no suporte da cadeira, e depois volto para o meu assento.
Observo as feições em seu rosto, Heaven está com a boca
semiaberta, como se demonstrasse choque, ou apenas não
sabendo como reagir ao que eu acabo de fazer. Ela tenta falar algo,
vejo o momento em que ela engole em seco, então aproximo meus
dedos de sua boca e delicadamente a fecho. Em seguida comento:
— Posso estar completamente errado no que vou dizer agora,
mas sinto que você ainda está presa às “regras” — faço aspas com
as mãos —, que o Drew impôs no relacionamento que vocês
tinham, portanto a única coisa que eu tenho a dizer é: seja você,
sem se sentir oprimida por qualquer coisa. Você era a garota que
me dava lição de moral sobre autoestima e todas as merdas quando
tínhamos apenas dez anos, acho que você deve voltar um pouco no
passado e escutar todos os conselhos que aquela menininha chata
vivia proclamando por aí.
Ao ouvir minhas palavras, noto seus olhos encherem-se de
lágrimas, mas elas não descem, Heaven está claramente
emocionada com o que eu acabo de dizer. Ela mal sabe, mas
naquela época eu sempre dei valor às suas palavras, mesmo sendo
criança, Heaven se mostrava bastante madura. Aconselho-a para o
seu bem, se Heaven precisa se achar novamente, então ela precisa
encontrar a criança que ela era, só que de uma forma mais madura,
como uma mulher que ela deve se tornar.
— Cara, onde está o Axel malvado, frio e calculista, e o que
essa alma cheia de palavras sensíveis fez com ele? — ironiza.
— Frio tudo bem, calculista também, mas malvado? Pegou
pesado. — Estendo a mão na mesa e seguro a sua alisando seu
dorso com delicadeza.
— Obrigada por isso, de verdade. — Ela morde o canto do lábio
inferior, em um sinal de hesitação e desconforto. — É que são
tantas as coisas com que eu me acostumei, que acabam tornando-
se algo banal para mim. Mas você tem razão, eu preciso começar a
escutar aquela garota que eu era há alguns anos atrás.
— É isso aí! Quem sabe ela até diz que liberar o cu não faz mal.
Lembro que noite passada enquanto fazíamos sexo de todas as
maneiras, quase acertei o buraco errado, por isso tentei convencê-la
a fazer anal, mas ela não aceitou de prontidão, dizendo que aquele
não era um canal permitido. Heaven gargalha com minha proposta
indecente.
— Como algo tão sentimental do nada se transforma em sexo
anal? — pergunta ela ironicamente.
Ela faz um bico fofo com a boca e eu jogo um canudo nela.
Minutos depois nossas pizzas são entregues, e saímos do
restaurante de mãos dadas, isso mesmo, de mãos dadas, como a
merda de um casal. E eu estou feliz para caramba, mesmo sabendo
que por um longo tempo seremos nada mais do que amigos.”
Eu queria tê-la beijado no momento em que ela não quis tirar a
jaqueta com medo de qualquer reação explosiva, mas eu não pude,
pois mesmo tendo a ciência que amo estar ao seu lado e que a
quero em minha vida da mesma forma que meus pulmões precisam
de ar, eu sei que ela tem um longo caminho para percorrer até se
recompor, e a noite que tivemos não nos torna automaticamente um
casal, mas quem sabe amigos com benefícios, só que essa não é
uma conversa que devemos ter agora.
Eu acho.
Não me arrependo de ter passado a noite com ela, não me
arrependo de ter a assistido dormir, e não me arrependo de ter dito
o que disse no carro, apenas pus para fora tudo aquilo que venho
sentindo há um bom tempo. Eu não disse com as palavras exatas
que a amava, e por isso iria esperar por ela, mas eu nunca deixei de
amar Heaven, mesmo diante da distância entre nós o sentimento
permaneceu. Não era porque ela estava longe dos meus olhos que
automaticamente estaria longe dos meus sentimentos, a nossa
ligação vai muito além do que vemos.
Após voltarmos da pizzaria assistimos a alguns filmes,
conversamos sobre assuntos diversos — incluindo até mesmo o
motivo da abelha morrer após soltar o seu ferrão. Ao anoitecer,
Heaven disse que queria comer lasanha, por esse motivo decidi
preparar uma para ela.
Coloco a travessa de massa recheada com carne, presunto e
queijo no forno para gratinar, enquanto Heaven me observa com os
olhos curiosos e o queixo apoiado nas mãos. Eu sento na banqueta
ao seu lado, na mesma ilha onde ficamos a primeira vez.
— Então, quando você aprendeu a cozinhar, e ainda com um
cheiro tão bom? — ela pergunta.
— A Anya tinha acabado de nascer, e éramos somente eu e
minha mãe, ela tinha passado por uma cirurgia e precisava se
alimentar para amamentar Anya, então alguém tinha que cozinhar
para isso acontecer.
— E seu pai? — Heaven pergunta ingênua. Mesmo reatando
nossa amizade ainda não me sinto à vontade para falar sobre esse
homem, estamos vivendo um momento muito bom para ser
estragado por ele. Provavelmente eu estou fazendo alguma careta,
porque ela logo percebe e uma feição de culpa toma conta do seu
rosto. — Certo... Acho que esse é um terreno proibido por aqui.
— Não é que seja proibido — Minha voz sai um pouco rouca,
então coço a garganta antes de voltar a falar. — Apenas não me
sinto confortável em falar sobre ele no geral. Espero que você
entenda.
— Eu entendo. E sua virgindade, quando você perdeu? — ela
muda de assunto bruscamente. Mesmo que hoje pela tarde ela
tenha me perguntado isso inúmeras vezes e eu não tendo
respondido, a garota ainda insiste no assunto.
Eu dou a mesma resposta de sempre.
— Se eu te contar da minha, você terá que contar da sua, e
acredite em mim, eu não quero ouvir.
— Eu só quero saber como ela era. — Heaven faz beicinho, e
eu a beijo.
— Você quer saber isso para depois ficar se comparando com
ela.
— Eu não vou fazer isso — garante.
— E eu não vou comer seu cu, nunca.
— Ainda bem que você já se conformou com isso.
— Vocês dois formam um casal tão fofo. — Quando escuto
essas palavras fecho os olhos automaticamente, porque essa voz
não é minha voz, muito menos a da Heaven, é a voz de Kane.
Ao abrir os olhos novamente, vejo que Heaven está vermelha
como um pimentão maduro, e meu colega de apartamento está
sorrindo como um bobo olhando para nós dois. É claro que essa é
uma situação completamente constrangedora, a qual Kane
provavelmente vai usar contra nós pelo resto de nossas vidas.
— Não sabia que você já tinha chegado — comento.
— Cenas fortes aconteceram em LA, cenas muito fortes —
comenta Kane tomando um gole de água direto da garrafa que
acaba de pegar na geladeira. Eu aponto o dedo para ele, e ele joga
as mãos para o ar. — Não vou voltar com ela para a geladeira.
Relaxa, paizão.
— O que tanto aconteceu depois que saímos? — Heaven
pergunta.
— Bom, Allie e Grey brigaram na festa, não sei por que, mas foi
uma briga feia — Kane conta encostando-se na ilha. — Lembra da
Valerie? — Kane direciona a pergunta para mim e eu apenas
assinto. — Ela estava lá também, ficou com Wes...
— Wes ficou com uma mulher? — Heaven pergunta perplexa.
— Era verdade ou consequência — Kane responde com
desdém. — Elliot quase deixou o celibato ir pelos ares, e sua mãe
apareceu no hotel. Após ele apanhar muito com a bolsa da Hermès
dela, viemos embora.
Antes que possamos responder qualquer coisa, o timer apita
anunciando que está na hora de tirar a lasanha do forno.
Rapidamente eu me levanto, envolvo minha mão com a luva e retiro
a travessa quente lá de dentro colocando-a na ilha, depois pego os
pratos e talheres no armário. Kane serve nossos pratos, enquanto
eu e Heaven não falamos nada durante todo esse processo, então
quando estamos todos servidos, Kane comenta:
— Fim de semana louco! Vou comer no quarto. — Ele começa a
andar, mas quando chega na soleira da porta, vira e nos olha. — E
vocês dois, cuidado — avisa antes de sair.
Quando estamos a sós novamente, Heaven solta um grande
suspiro, que parece ser de puro alívio.
— Por que a Allie e o Grey brigariam? — pergunto curioso.
Afinal, Heaven os conhece há mais tempo.
— Problemas de família, talvez — Heaven diz com a boca
cheia. Pego um guardanapo e limpo o pouco de molho que sujou o
canto de sua boca.
Engraçado como costumo achar nojento quando alguém fala de
boca cheia, ou se suja enquanto come, mas com Heaven é
simplesmente adorável. Não porque ela seja mal-educada, e sim
pelo simples fato de que ela não se importa se alguém irá julgá-la
por agir dessa forma.
— Como você consegue ser tão selvagem na cama, e ao
mesmo tempo ser uma criança enquanto come? — pergunto
simplesmente, o que a faz parar o movimento de levar o garfo cheio
de comida até a boca, e estacioná-lo novamente no prato.
— Desculpa — ela diz limpando a boca com o guardanapo. —
Às vezes eu nem me toco que estou fazendo sujeira, quando vejo já
estou suja. Juro que tenho tentado parar de ser tão nojenta assim.
— Ela toma um gole de água e depois abaixa a cabeça.
— Heaven — a chamo calmamente, e devagar ela levanta a
cabeça, me olhando apreensiva. Eu sei exatamente do que isso se
trata, ela acha que eu estou lhe repreendendo. — Eu não estou te
chamando de nojenta nem nada do tipo, e me desculpa se por
acaso eu insinuei isso em algum momento, apenas quis ressaltar
como você vai de zero a cem tão rápido e isso para mim é incrível.
— Coloco as mãos em seu rosto, e olho diretamente no fundo dos
seus olhos. — Eu não importo se você faz lambança ou não quando
come, porque é simplesmente a coisa mais adorável quando você
faz isso.
Heaven sorri, e vejo seus olhos se encherem de água, mas ela
não deixa as lágrimas descerem. Essa é a segunda vez no dia em
que ela age na defensiva, e cada vez tenho mais certeza sobre a
decisão que tomei em manter tudo na amizade.
— Desculpa... É que às vezes eu apenas me lembro das coisas
que o Drew dizia quando eu agia dessa forma, e é automático. Só...
me desculpa.
Respiro fundo antes de respondê-la enquanto acaricio suas
bochechas.
— Heaven, primeiro que você nunca deve pedir desculpas por
ser quem você é, e segundo que, por favor, eu sou gostoso pra
caralho, não me compare ao Drew.
Esse meu último comentário a faz rir, o que me deixa feliz,
mesmo que eu queira encontrar aquele otário e meter a porrada, por
causar nela tantas inseguranças. O mais importante para mim no
momento é desviá-la de todas elas, e fazê-la lembrar do quão
incrível ela é, assim como ela fazia comigo lá atrás, por mais que na
época eu não aceitasse, por muito tempo ela nunca me abandonou.
Mesmo diante de tantas inseguranças, a minha única missão é fazer
com que Heaven se sinta feliz por ser ela, e não triste e com medo
de qualquer julgamento que possa sofrer.
— Você sem sua carranca habitual, até que é legal — ela diz, e
automaticamente eu fecho a cara. — Idiota! — Heaven dá um tapa
no meu peito e depois volta a comer.
Quando terminamos de comer, colocamos toda a louça suja no
lava-louças. Mais cedo, Heaven perguntou sobre a pintura do teto
do meu quarto, mas eu simplesmente não a respondi.
Após a janta, levo Heaven de volta ao seu dormitório, mesmo se
tivéssemos qualquer plano de dormirmos juntos outra vez, Kane a
mandou vazar, pois amanhã logo cedo teremos um treino especial
com possíveis patrocinadores para o time, e por isso eu teria que
descansar. Heaven apenas revirou os olhos para Kane e lhe
mostrou o dedo do meio, que ele respondeu da mesma maneira.
Meu carro está estacionado em frente ao prédio do dormitório
em que ela vive com Allie. Heaven me pede um beijo e por mais que
ache certo negar, eu não nego, quero tê-la em meus braços mais
que tudo nesse mundo, mas quero que ela se ame outra vez antes
que possa dizer que me ama em troca. Mesmo não querendo ser
egoísta, acabo sendo quando tocamos nossos lábios. Quando
paramos o beijo, Heaven me olha esperançosa e eu sinto um misto
de sentimentos no meu peito, a dor da partida, e a felicidade de tê-la
aqui comigo.
É tudo muito confuso, olhar em seus olhos sabendo que tenho
que me despedir, e ao mesmo tempo desejar que o tempo pare,
para que assim possamos ficar juntos. São palavras que ficam
entaladas na minha garganta, é a vontade imensa de abraçá-la e
não deixar que saia do carro, mas também a consciência de que se
eu fizer isso, estarei andando antes mesmo de engatinhar. E eu
sinto que ela sente o mesmo que eu, por isso ainda não dissemos
uma palavra sequer. Dizem que o silêncio é o som mais alto que
existe, e eu sinto isso no momento, meus pensamentos estão
gritando na minha cabeça, e sei que na dela também. Eu agi como
um louco apaixonado durante todo o fim de semana, mas eu não sei
como irei agir quando a segunda-feira começar.
Heaven sabe exatamente o que se passa na minha cabeça
quando indaga:
— O que vai acontecer a partir de amanhã? — ela pergunta em
um sussurro. Eu paro um pouco para pensar antes de responder,
fecho os olhos com força e depois os abro.
— O que você quer que aconteça?! — pergunto apreensivo,
porque realmente tenho medo da sua resposta. Tudo que eu mais
quero é segurar sua mão e guiá-la mundo afora, dizer a todos que
ela é minha e eu sou dela, mas não é o tempo certo para isso... Não
agora.
Heaven viveu anos em um relacionamento sério, e apesar de
parecer que faz bastante tempo, ela se separou há apenas duas
semanas.
— Que tal começarmos o dia com você levando meu café da
manhã e talvez um beijo na testa? Se não for demais para você,
claro! — Eu rio com sua preocupação, já que ela não faz ideia do
que realmente me preocupa.
— Por que você acha que beijar sua testa poderia ser demais
para mim?
— Ah, sei lá. Talvez por você ser um dos solteiros mais
cobiçados da Stout?! Toda a população feminina do mundo deixa a
baba escorrer quando sua bunda passa pelo campus. — Heaven
revira os olhos e faz cara de nojo.
— Juro que eu pensava que o que chamava a atenção delas
era o tamanho do meu pau e não minha bunda.
Heaven fecha a mão em punho, ela está pronta para me dar um
soco, coisa que virou costume nos últimos dois dias, sempre que
faço algum comentário que ela não gosta muito. Antes que ela
possa me bater, eu seguro seu punho e a puxo para perto de mim,
selando nossas bocas com outro beijo, não um beijo fervoroso de
“opa, vamos transar”, e sim um beijo de “garota, eu estou gamado
em você”. Meu pau se enche de sangue, e se eriça dentro da calça,
é nessa hora que eu paro de beijá-la, porque se não acabaremos
transando dentro do carro.
— Hora de ir — digo, e ela solta uma lufada de ar.
— Poxa, pensei que poderíamos nos despedir de uma maneira
melhor... — Ela me dá um sorriso cheio de malícia, e meu pau se
contrai ainda mais.
— Garota, você acabou com todas as minhas camisinhas —
digo, mas Heaven me puxa pela gola da camisa, trazendo sua boca
à minha orelha, e mordiscando o lóbulo.
— Eu estou limpa, e aposto que você também — sussurra no
meu ouvido.
— Estamos em frente ao dormitório.
— Todas as garotas estão dormindo agora — ela diz beijando o
meu pescoço.
— Somos amigos... — digo hesitante, quase caindo em sua
tentação.
— Que podem muito bem terem inúmeros benefícios, como na
noite passada.
Eu me inclino para frente, encontrando a maçaneta da porta e
abrindo-a, antes que Heaven tenha a chance de descer minha
calça.
— Até amanhã, Heaven. — Ela me solta derrotada.
— Esquece esse negócio de beijo na minha testa. Tchau!
Heaven pega suas coisas e sai do carro, quando ela passa
pelas portas de vidro do prédio, dou luz alta duas vezes e aceno
com a mão, Heaven, em contrapartida, mostra o dedo do meio. Ela
é realmente impossível, eu sempre soube, mas agora, conhecendo
o seu apetite sexual, provavelmente terei que comprar uma fábrica
de preservativos, ainda mais se ela quiser levar a proposta de
benefícios a sério.
Quando ela entra, dou ré no carro, e depois sigo rumo ao meu
apartamento. Chegando lá, antes de descer do carro vejo a tela do
meu celular brilhar, quando o pego, noto que trata-se de uma
ligação da minha mãe, assim que eu atendo ela já vai falando.
— Axel, eu não vou fazer rodeios, portanto vou direto ao
assunto. Vi as fotos que você e Heaven postaram. — Atualizamos
nossas redes sociais de todas as formas, desde fotos de comida a
vídeos um do outro. — Como mãe eu sempre senti que você nutria
sentimentos pela Heaven, mas dado o histórico de que ela acabou
um namoro recente com o Andrew, você, sabendo de tudo, acha
certo estar começando algo entre vocês dois?
Eu sabia que no momento em que minha mãe soubesse sobre
nós dois, o foco principal não seria como eu me sinto estando com
ela, e sim sobre o Drew. Por mais que eu tente entender os seus
motivos, só queria que, por um momento, ela entendesse os meus
também, sem ter que lembrar dele.
— Eu só queria entender você, uma hora você quer que eu me
reaproxime dela, e quando eu finalmente faço isso, você vem me
confrontar perguntando se é certo ou não o que estamos fazendo —
respondo com raiva.
— Sim, eu queria que vocês dois se reaproximassem, e
voltassem a serem os amigos que eram, mas começar um
relacionamento não acho que seja justo.
— Graças a Deus que sobre isso você não deve achar nada, e
não estamos começando um relacionamento, mãe — digo ríspido.
— Suas postagens recentes não falam exatamente isso, a
forma como você olha para ela e tudo o mais...
— Mãe — repreendo-a.
— Não fala assim, Axel. Eu só quero o seu bem, assim como
quero o dela, mas não é certo você estar saindo com a namorada
do... — Eu não deixo que ela termine sua frase.
— Os dois não namoram mais, e ele não tem nada a ver
conosco — esbravejo enquanto adorno o carro.
— Axel...
— Não, mãe! Chega dessa conversa. Você já tentou inúmeras
vezes, e não vai conseguir me convencer do contrário. Só me faz o
favor de não se meter na minha história com a Heaven, eu imploro.
Minha mãe solta um suspiro audível, e em seguida apenas
concorda, depois ela me deseja boa sorte no treino de amanhã e diz
que me liga para eu poder falar com a Anya. Assim que nos
despedimos, subo os cinco lances de escada e entro no
apartamento, indo direto para meu quarto. Nem mesmo tiro a roupa,
apenas deito de costas na cama e encaro o teto, tentando recuperar
meus sentidos.
A minha mãe sabe, mais do que ninguém, que eu não gosto de
tocar no assunto do Drew, assim como não suporto a ideia de falar
sobre meu pai. Ela, em primeiro lugar, deveria me poupar disso,
como já me livrou dele há anos atrás.
Consigo reaver as batidas normais do meu coração, ao mesmo
tempo em que minha respiração para de oscilar e meus
pensamentos se acalmam enquanto penso em como Deus foi
generoso comigo durante os últimos dias. Mesmo que o assunto de
agora há pouco quase tenha posto tudo a perder, não foi possível,
porque agora a única coisa que vejo são seus olhos brilhantes e seu
sorriso contagiante enquanto ouço sua voz melódica, e sinto sua
pele suave.
Em algum momento eu adormeci e pude sonhar com Heaven,
um sonho tão realista, que foi como se ela realmente tivesse
passado toda a noite comigo.

Quando chego ao campo logo cedo, a primeira visão que tenho


é de Allison, ela disse que viria assistir ao treino, assim como
Heaven e Wes.
— Bom dia, loira — a cumprimentei.
— Bom só se for para você, porque o meu está péssimo, meu
fim de semana foi péssimo. — Eu olho para ela sorrindo, e ela me
dá uma cara fechada em retorno. — Tira esse sorriso de quem
passou o fim de semana inteiro trepando do rosto.
Nesse momento Heaven e Wes chegam, e faço aquilo que
Heaven havia me pedido.
— Bom dia, Heaven. — Me aproximo e lhe dou um beijo na
testa.
Allison nos fuzila com os olhos.
— Bom dia — Allison faz uma voz melancólica. — Por que as
coisas dão certo para todo mundo, menos para mim, por quê?!
— Eu já te disse garota, parte para outra — Wes responde.
— Eu tento, eu juro que tento, mas é impossível. Vocês já
olharam para ele?!
— Sim — Heaven e Wes respondem em uníssono.
— Inclusive quando ele está comendo alguma coisa e em
seguida limpa o nariz, um nojo — Wes diz.
— De quem vocês estão falando? — pergunto curioso.
Há semanas eu sei que Allison é apaixonada por alguém, mas
ela nunca me disse o nome dele, e agora eu sei que Heaven e Wes
sabem de quem se trata.
— Ninguém que mereça tanta importância assim — Allison diz,
sendo abraçada de lado pelo amigo.
— Você diz isso agora, quando vir ele novamente vai correr
atrás igual uma cadela no cio — Heaven zomba.
— Sério, ele quem? — insisto na pergunta, mas eles não me
respondem.
Heaven sorri para mim e beija minha bochecha. Quando tento
insistir novamente no assunto, somos surpreendidos pela presença
de Drew que está com alguns pontos no supercílio. Ninguém fala
nada, apenas olhamos para ele, enquanto ele não tira os olhos de
Heaven e eu.
— Olha só, que mundo pequeno, não?! — Drew diz hostil. — Eu
até pensei em te perdoar por destruir meu carro ou até mesmo
aceitar você de volta quando cansasse dessa brincadeira de me
ignorar, mas depois de te ver se sujando com tanta gordura, acho
que no final das contas eu quem me livrei. — Ele desvia seu olhar
de Heaven, e olha diretamente para mim. — O que me alivia é saber
que toda vez que você beijar a boca dela, é o gosto do meu pau que
você vai sentir.
Eu avanço, mas quem soca o rosto de Drew é Heaven, e não
eu. Quando ele vira seu rosto de volta, vejo a raiva tomar conta de
sua feição, então ele pega Heaven pelo pulso, e no mesmo instante
o meu punho voa na sua cara, deixando que o capacete que estava
antes em minha mão, caia no chão. Quando Drew também está no
chão, chuto suas costelas e subo em cima dele desferindo mais um
soco no seu maxilar.
É tudo muito rápido, nem mesmo eu consigo pensar enquanto
bato no seu rosto fodido. Eu só quero que ele morra e pague por
toda a maldade que fez comigo, com Heaven, com minha mãe e até
mesmo o filho da puta do meu pai. Enquanto bato nele eu só penso
que o mundo seria bem melhor se ele não existisse.
Ele também me soca e consegue se defender, mas eu não paro
de bater, apenas sinto quando alguém me puxa pela cintura. Minha
visão está completamente nublada, sons de várias vozes se
misturam, então vejo Drew se levantar e tentar vir me bater, também
tento me soltar dos braços que me agarram e partir para cima dele
novamente, porém sou impedido.
Alguém coloca as mãos no meu rosto, mas ali, naquele
momento, eu nem paro para olhar quem é, entretanto eu sei que é
Heaven, porque seu cheiro suave se mistura com o ferroso de
sangue.
Não consigo olhar para ela agora, eu só sinto a necessidade de
terminar aquilo que comecei, de mandar Drew passar bem lá na
puta que pariu. Eu não tiro os olhos de Drew, nem ele de mim. Ele
não sabe o que eu sei, e se soubesse seria mais um motivo para
nos atacarmos.
Tiro minha atenção de Drew, quando o treinador Willians
aparece na nossa frente.
— Para a porra da minha sala, todos vocês, incluindo as
mocinhas, agora! — Eu não dou um passo, apenas continuo com
meus olhos focados em Drew. — Agora! — Willians grita.

Estamos em frente à sala do treinador a cerca de quarenta


minutos, pois ele tenta acalmar os nervos dos outros jogadores e
também dos patrocinadores no campo. Heaven e Allison estão ao
meu lado, enquanto em um sofá do outro lado da sala estão Drew,
Wes, Kane, Grey e Elliot, os três últimos que foram os responsáveis
por me tirarem de cima de Drew, enquanto Colin e outros caras da
defesa do time o seguravam, mas eles ficaram em campo.
Permaneço com minha cabeça abaixada, olhando para meus
pés. Primeiro, porque não quero imaginar como está o estado de
Heaven no momento, eu agi por impulso quando parti para cima de
Drew, minha mente tornou-se nebulosa. Ver que ele estava disposto
a machucá-la na minha frente, assim como meu pai fazia com a
minha mãe, liquidou todo autocontrole existente no meu corpo. Estar
em cima dele foi como estar em cima do meu pai, na noite em que o
espanquei por agredir minha mãe grávida.
Outro motivo para que eu não levante minha cabeça, é o fato de
que se eu ver novamente o rosto de Drew, eu não me importo em
ser expulso da universidade, ou até mesmo parar na cadeia. Ele não
tem direito algum de levantar a mão para ela, não teve quando
estavam juntos, e agora que ela está em minha vida outra vez, ele
vai chupar meu pau antes de sequer encostar um dedo em Heaven
de novo.
Allison não para de balançar a perna ao meu lado, até o
momento em que eu coloco a mão no seu joelho fazendo-a parar.
Quando olho para ela, noto que seus olhos estão borrados,
enquanto mantive minha cabeça baixa ela chorou. Decido
finalmente ver como Heaven está, ela não parece ter chorado,
assim como Allison, porém seus olhos estão baixos encarando seus
dedos entrelaçados em cima da coxa. Heaven morde o lábio inferior
com tanta força que consigo ver a marca rosada de sangue em seus
dentes.
Coloco minha outra mão na sua perna, e nesse momento ela
me olha de volta, um misto de confusão e ansiedade transparece
em sua íris. Movimento os lábios em silêncio dizendo “vai ficar tudo
bem”, levanto a mão e encosto meus dedos em seus lábios, fazendo
com que ela pare de mordê-lo, nesse instante escuto uma risada
sarcástica vinda do outro lado da sala, sei muito bem de quem se
trata. Respiro fundo e Heaven apoia sua mão no meu ombro, no
mesmo minuto em que seu pai entra na sala, pois ele disse que viria
para o treino hoje. Ele entra acompanhado de uma mulher baixinha
de cabelos castanhos segurando uma bolsa de grife na mão, no
momento em que ela se aproxima, joga a bolsa na cabeça de Elliot,
então presumo que essa seja sua mãe, que provavelmente também
veio ver ao treino.
— Você está bem, querida? — Magnus pergunta. Heaven
apenas assente com a cabeça, e vejo que lágrimas começam a
brotar em seus olhos, mas ela pisca com força para que não
desçam.
Magnus beija o topo de sua cabeça em um gesto amoroso de
pai para filha, logo em seguida fica ao seu lado. Percebo quando ele
olha de relance para mim, e depois encara Drew fazendo uma
careta, não sei se por não gostar dele, ou pelo tanto de sangue que
tem no seu rosto. O meu também está com manchas do líquido
escarlate, porém acredito que não tanto quanto o de Drew, já que
ele mal conseguiu se recuperar da última surra que levou há
semanas.
Alguns treinadores assistentes vão chegando, já se
acomodando próximo a nós, porém a imagem que chama atenção
não é a deles, e sim do homem que entra seguido do treinador na
sala.
Seu terno justo encaixa em cada parte do seu corpo, como se
fosse feito para ele, o nó da gravata é dado com perfeição, seu
cabelo agora grisalho está penteado para trás sem nenhum fio
sequer fora do lugar, os sapatos italianos de marca tão pretos e
brilhantes como sempre. Em três anos, Daniel Davenport não
mudou exatamente nada.
A sua caminhada apesar de rápida, aos meus olhos parece ser
em câmera lenta, eu não vejo o meu pai desde o dia em que a
ambulância o levou para o hospital com seu corpo todo ferido. Ele
me lança o seu típico olhar frio, como quem diz “você nasceu
apenas para ser um peso morto no mundo”, como ele sempre fizera
questão de dizer. Eu me levanto do sofá no mesmo instante em que
Willians chama a atenção de todos.
Eu tento manter a calma diante da presença das duas pessoas
que eu mais odeio, e também da que eu provavelmente mais amo,
mas eu não consigo raciocinar o motivo pelo qual o meu pai está
aqui. Quando todos estão acomodados na sala, antes que Willians
possa começar seu monólogo, eu levanto a mão, e o treinador
estende a mão me dando permissão para falar.
— O que ele está fazendo aqui? Eu tenho uma ordem de
restrição a qual diz que ele não pode chegar perto de mim ou da
minha família — eu indago apontando para o homem muito bem
vestido, sem preocupação alguma de que todos que estão ali
escutem o que acaba de sair da minha boca, mas a verdade é essa,
ele é uma ameaça para minha família e para o mundo.
Eu recebo a resposta, mas não é o treinador que me responde,
e sim o próprio Daniel.
— Conforme a lei da Califórnia eu estou apto a estar próximo do
meu filho uma vez que ele é maior de idade. — Ele me olha com
superioridade enquanto fala. — E não que seja da sua conta, mas
eu estava na cidade vizinha e ouvi falar sobre os treinos para
possíveis patrocinadores e pensei, “por que não?!”. Só não
imaginava que você estaria aqui, afinal de contas, não parece
querer manter contato com o próprio pai. — Suas palavras são
ríspidas e hostis, como ele sempre foi e eu fecho a cara diante de
todos.
Willians se acomoda novamente no meio de todos, enquanto
ajeita o nó da sua gravata.
— O motivo aqui é claro, somos uma universidade de respeito
que atua na Califórnia há quase cem anos, temos uma ótima grade
curricular em todos os cursos, e bons atletas quando se fala de
esportes, mas algo que não aceitamos dentro ou fora do campo é a
violência, e foi o que aconteceu hoje cedo. De acordo com alguns
alunos que viram a confusão acontecer próxima ao campo, e
também após analisar as imagens nas câmeras, todos os
estudantes aqui estavam presentes no ato.
— Meu filho nunca entrou em briga alguma. — Uma mulher
negra e gorda comenta ao apontar para Wes. Sério que até a mãe
dele veio para esse treino? — Eu acho que ele nem mesmo tenha
capacidade disso.
— Muito obrigado pelo voto de confiança, mãe — Wes
responde.
— Não foi isso que eu quis dizer, filho. É que você sempre foi
mais delicado, ao contrário dos rapazes da sua idade.
— Nesse caso, a senhora está insinuando que seu filho é um
santo enquanto os nossos são valentões?! — a mãe de Elliot se
exalta.
Eu passo a mão com força no rosto, indo em direção ao cabelo.
Enquanto as duas mães falam uma por cima da outra, o treinador
coça a garganta alto, mas as duas não param de comparar seus
filhos. Eu não entendo muito bem a dinâmica dessas duas, porém
parece que já estão acostumadas a agirem dessa forma.
— Dá para vocês duas pararem — algum assistente do
treinador grita. — Por favor, continue Willians.
— Obrigado. Continuando... Os únicos que saíram na briga
aqui, ao que parece, foram os senhores Davenport e Jones, e logo
depois os senhores Dawson, Tanner e Miles entraram no meio para
apartarem, entretanto ao que percebi tudo começou em um bate-
boca entre as senhoritas Morris, Foster e o senhor Jenner.
— O Senhor está no céu, amém — Wes ironiza.
— Viu só — a mãe de Elliot fala encarando a mãe de Wes. — O
meu filho apartou a briga, enquanto o seu começou.
— De novo não — Kane geme logo atrás de mim.
— As senhoras podem discutir mais tarde — Magnus interfere.
— Tenho certeza que minha filha, assim como Wes e Allison vão
nos contar exatamente o que aconteceu. — Ele olha para Heaven,
apoiando uma mão em seu ombro. — Certo?! — Heaven responde
o pai assentindo com a cabeça.
— Nesse caso estamos liberados? — a mãe de Grey pergunta.
— Sim, porém precisarão passar na mesa da minha assistente
para assinarem o boletim informando o motivo pelo qual foram
chamados até aqui no dia de hoje, para que eu possa notificar o
reitor.
— Este boletim por acaso me impede de jogar? — Kane
pergunta.
O treinador apenas afirma que não e o manda voltar para o
campo, assim como Grey e Elliot, a mãe de Elliot os acompanha,
então os quatro saem da sala. Kane para, antes de sair, atrás de
mim e sussurra dizendo que quer saber o que aconteceu para eu
agir dessa forma na faculdade, dá dois tapas no meu ombro, e
segue para fora.
Willians então pede para que expliquemos exatamente o que
aconteceu, esse é o momento que Drew usa para abrir a fossa da
boca dele.
— Quem deu o primeiro golpe foi o Axel, e todos viram. Certo,
pessoal? — Drew olha em volta, e em seguida encara Heaven. —
Certo, Heaven?! — Eu seguro o apoio da cadeira com força,
procurando me controlar. Vejo o exato momento em que Heaven
olha para ele, e seus olhos tremem tentando desviarem.
— Sim... mas — ela responde hesitante sem tirar os olhos de
Drew, que por outro lado olha para a frente, e encara o treinador.
— Tudo resolvido, o Axel começou, então não há motivos para
que o restante continue aqui. — Drew se levanta, e pega Heaven
pelo braço. Eu também me levanto, e o fuzilo com os olhos.
— Tira a mão dela — esbravejo. Drew me olha de soslaio, antes
de responder.
— Ou o quê, vai me atacar como um animal de novo? — Drew
responde. — Todos viram o que você é capaz de fazer, Axel. Você
anda por aí me julgando, mas quem mata com as mãos aqui é você.
Eu dou um passo à frente, pronto para partir o restante da sua
cara, mas o pai de Heaven se adianta e me para, ficando de frente
com Drew.
— Primeiramente, tira sua mão da minha filha — Magnus diz,
frente a frente com Drew. — Você não tem direito algum de encostar
um dedo sequer nela, já que os dois não têm mais nada um com o
outro e nem me faça começar a falar sobre todos os abusos que
você cometeu com ela. E segundo, eu tenho a certeza que se o Axel
fez o que fez com você, algo muito grave você fez para merecer
isso, então deixa de ser sonso, garoto, e admite as merdas que
você faz.
— Olha a forma como você fala com meu filho — uma senhora
vestida em um terninho fala, então me recordo que trata-se de
Claire Jones, mãe de Drew. — Você até pode criar sua filha como
uma libertina, e ensinar várias coisas que não se deve a ela, mas
com meu filho não funciona assim.
— Já que você é uma mãe tão dedicada Claire, você deveria ter
ensinado a ele como se deve tratar uma mulher. Nunca traí-la ou
abusar da sua mente e corpo. — Dessa vez a mãe de Drew se vira
para o próprio filho.
— Você fez o quê com a Heaven? — pergunta ao filho. —
Inacreditável, Andrew. Você nunca irá tomar jeito.
A mãe de Drew se prepara para falar horrores, mas Allison
intervém, ficando de pé e jogando as mãos para o alto.
— Jesus! — ela grita. — Eu não aguento mais isso, vocês
querem saber o que aconteceu, não é?! Então aí vai. Drew traiu a
Heaven com a Sadie, mas antes disso, ele era um tóxico, escroto do
caralho com ela, que manipulava a mente dela, a destratava na
frente de outras pessoas, e até mesmo a machucava. Heaven
incendiou a porra do carro dele quando o pegou no flagra, e foi bem
feito — diz a loira ao apontar o dedo para Drew. — Drew quis partir
para cima de Heaven nesse dia e acabou levando uma surra, sumiu
do mapa por dias, Heaven e Axel ficaram, Drew viu e disse que Axel
ia beijar a boca dela sentindo o gosto do pau dele. Heaven deu um
soco em Drew, e ele quis ir para cima dela de novo, Axel foi lá e
defendeu ela, porque é isso que deve ser feito quando um homem
quer agredir uma mulher, você impede essa merda de acontecer!
Todos ficam calados quando Allison para de falar, engulo em
seco analisando todo o seu resumo da história. Passa-se um
minuto, com todos em total silêncio, até que alguém coça a
garganta, e nesse momento todos olham para frente. Em seguida, o
treinador dispensa Heaven, Allison e Wes, seus pais e toda a
comissão técnica, ficando apenas eu ao lado dos dois homens que
eu mais odeio na minha vida, além da mãe de Drew e o próprio
treinador.
Ele começa a falar sobre todos os princípios do esporte, sobre
como o time deve ser unido, sobre nunca desrespeitar o próximo e
sempre defender a verdade e um monte de blábláblá, e a única
coisa com que eu me preocupo é com Heaven, em como está o seu
estado depois do discurso de Allison na frente de todos. No final das
contas, o treinador me diz que eu estou dispensado, mas que ficarei
no banco nos próximos dois jogos que acontecem essa semana, e
pede para conversar com Drew a sós.
Ao sair da sala, escuto passos duros caminharem em minha
direção, por mais que eu ande rápido, ele consegue me alcançar e
me chamar.
— Antes de ir quero falar com você, Axel. — Não me dou ao
trabalho de me virar para ele, apenas continuo andando em frente.
— Não temos nada para falar um com outro — quando eu
termino de falar, ele agarra meu braço, fazendo-me ficar de frente
para ele.
— Só quero te avisar que estou de mudança para Montgomery,
e espero que você não crie mais problemas para mim.
Montgomery é um subúrbio, entre Stone Bay e Beaufort.
Eu rio com escárnio enquanto me solto do seu aperto, dou dois
tapas em seu peito com a palma da mão, levemente.
— Você sabe que deve ficar longe da minha mãe e de Anya, e
caso não cumpra isso, vai dormir algumas noites na cadeia. —
Ajeito as lapelas do seu paletó, e depois olho diretamente em sua
íris âmbar. — Então acho que quem deve ficar longe de problemas é
você, certo, papai?!
Seu semblante hostil muda automaticamente, e então a fúria tão
conhecida de Daniel Davenport está de volta. O castanho de sua íris
torna-se apenas um círculo ao redor de suas pupilas enquanto ele
dilata suas narinas e as comprime em seguida, em um claro sinal de
fúria.
— Você se acha o grandão, não é mesmo, moleque?! Não
pense que porque você emagreceu que deixa de ser o porco
nojento que sempre foi, há anos atrás eu deveria ter me livrado de
você também.
Eu devolvo a raiva com meus olhos, imitando a sua mesma
feição.
— O seu grande problema, Daniel, é não ter se acostumado
com o fato de que você não pode mais controlar nenhum de nós, e o
porco nojento que você se arrepende tanto de não ter deixado para
trás, é um homem que você nunca será capaz de ser. — Eu
simplesmente cuspo na sua cara, literalmente.
Antes que ele possa dizer mais qualquer coisa eu caminho
rumo à saída do polo esportivo. Ele não tinha o direito de aparecer
aqui, de estar ao meu lado, e ainda querer me confrontar, dizendo o
que devo ou não fazer. Ele pode até ficar perto de mim, já que me
tornei maior de idade, e a justiça não o proíbe mais de ficar perto,
mas ele não pode de forma alguma se aproximar da minha mãe ou
de Anya, e é por isso que a minha mãe não deve saber da sua
presença aqui.
Pelo menos não por enquanto.
Quando encontro meu carro no estacionamento, entro nele mas
não dou partida, apenas encosto minha cabeça no volante, tentando
assimilar todos os meus pensamentos. Se devo ou não contar à
minha mãe sobre o que aconteceu; se ela deve saber da presença
do meu pai e que agora ele estará tão perto dela novamente; se por
acaso ela já sabe da sua mudança; ou se devo entrar em contato
diretamente com a polícia ou algum advogado, para reforçar o
pedido de afastamento.
Eu realmente não sei o que fazer, minha mente trabalha a
milhões. Desde que voltei à Califórnia, não houve um dia sequer
que eu tenha tido um pouco de paz.
Me arrependo desse meu último pensamento no momento em
que a porta do carona é aberta, e vejo Heaven sentando no banco,
e em seguida fechando a porta.
Merda.
Por alguns minutos esqueci até mesmo dos dias que passei ao
seu lado, e até mesmo de procurá-la no momento em que deixei a
sala do senhor Trent para saber como ela estava.
Eu não falo nada, apenas a vejo abrir sua bolsa e me entregar
uma bengala de açúcar. Ela morde a dela, me olha e fala:
— Você está bem? — pergunta.
— Sim, e você?!
— Acho que sim também.
Eu não pretendia falar sobre isso agora, mas a ideia
simplesmente surgiu na minha cabeça. A forma como começamos
tudo isso muito rápido, misturado com o discurso de ontem a noite
da minha mãe, a confusão de agora há pouco, e ver o seu ar de
inocência, mesmo diante de tanta merda acontecendo,
simplesmente começou a me atormentar.
— Heaven... — Hesito por um segundo antes de dar
continuidade quando ela me olha. — Vi que você estava prestes a
surtar, e quis chorar quando seu pai chegou. Passa por sua cabeça,
de alguma forma, que um dia possa acontecer comigo o mesmo que
aconteceu entre você e o Drew? — pergunto simplesmente.
— Por que você está perguntando isso do nada? — Ela me olha
apreensiva.
— Eu só quero saber de você, se você acha que sou capaz de
agir igual a ele, e de machucá-la assim como ele fazia.
Heaven olha para a soleira do carro antes de voltar o olhar para
mim, seus olhos brilham e seus lábios abrem um meio sorriso.
Então ela fala:
— Sabe qual a maior diferença entre você e o Drew?! É que ele
em todo momento usou da força, fosse física ou mental, para que eu
sucumbisse a ele, enquanto você apenas me observou, me notou. O
Drew nunca levantou a mão ou voz para me defender, apenas me
julgou ou me machucou, já você fez os dois em menos de uma hora.
O Drew me conquistou fazendo com que eu dependesse dele
emocionalmente, e você apenas disse aquilo o que sentia, na hora
certa. Ele me fez depender dele, e você tem me feito independente.
Quando ela termina de falar, juro que quero beijar essa garota
até a morte.
— Então você quer dizer que talvez eu não ferrei com tudo? —
pergunto.
— Terra chamando Axel. — Ela estala os dedos em frente ao
meu rosto. — A insegura aqui sou eu. — Ela ri, mas eu não acho
graça alguma nisso. — Não, Axel. Você não ferrou com nada, pode
relaxar.
— Nós estamos bem? — pergunto, com extrema insegurança
novamente, pois o medo de fazer qualquer merda, e vê-la longe
outra vez, é grande demais. Heaven já passou tanta coisa antes de
mim, a última coisa que eu quero é ter que ver seu sofrimento, só
que dessa vez causado por mim.
— Estamos muitíssimo bem. — Ela sorri de lábios abertos, e
isso faz com que minha alma se aquiete. Mesmo sabendo que há
vários outros problemas pendentes para resolver, fico feliz em pelo
menos saber que posso me despreocupar com um deles.
A ânsia ainda toma conta de mim quando eu digo:
— Acredito que você não vá querer assistir mais aulas hoje —
ela concorda. — Eu preciso resolver algumas coisas... — Hesito por
um momento. — Relacionadas à minha família, tudo bem se eu te
deixar no alojamento?
— Tudo sim — Heaven concorda de prontidão.
Então eu ligo o carro e partimos. Preciso realmente resolver
uma questão familiar, mas também necessito resolver algo pessoal,
e eu não quero que Heaven veja essa minha face uma outra vez
novamente.
Não me odeie, eu sei que sou aquele que você culpa
Não é nada que eu possa controlar
LOVE MADE ME DO IT | ELLISE

— Você está fora do time até a segunda ordem, senhor Jones


— o técnico Willians diz pela segunda vez.
— Você não pode fazer isso, você não pode simplesmente me
descartar — esbravejo, partindo para cima do homem de quase
cinquenta anos à minha frente.
— Se você der mais um passo, Andrew, não é apenas do time
que você estará fora — diz firmemente, e eu apenas estaco meus
passos.
— Você pode me explicar por que você está fazendo isso? —
minha mãe que ainda permanece junto a nós interfere. — Ele não
brigou sozinho, olha o estado dele. — Ela aponta para mim.
Há respingos de sangue por todo o meu rosto, depois do merda
do Axel ter me espancado. Respiro fundo, pois não quero pensar
nisso nesse momento.
— Ele insultou uma aluna, uma mulher e isso é inadmissível.
Quando você e seu esposo me imploraram para colocá-lo no time,
eu deixei claro que existiam regras a serem cumpridas fora e dentro
do campo — Willians responde, e eu olho enfurecido para a mulher
ao meu lado.
— Como assim você e o merda do homem que você quer que
eu chame de pai, imploraram para eu entrar no time? — esbravejo.
— Você não sabia, Jones? — o treinador pergunta, eu apenas
balanço a cabeça em negativa. — Da nossa parte não poderíamos
aceitá-lo, pois nosso quadro de atletas já estava completo, mas
conseguimos lhe encaixar.
— Chega, já disse o suficiente — interrompo-o. — Quem não
faz questão alguma de se manter nesse time de merda sou eu.
Me retiro da sala do técnico em passos duros, a única pessoa
que eu preciso encontrar é a Heaven, eu preciso ter a certeza sobre
tudo o que roda em minha cabeça. Quer dizer, eu a traí, mas ela
não pode me dispensar por isso, eu preciso dela e obviamente ela
precisa de mim, aquela garota não é ninguém sem mim.
Escuto o barulho de saltos finos correrem atrás de mim, e sei
que trata-se de Claire Jones, a mulher que se diz minha mãe.
— Drew — ela chama, mas eu não viro. — Andrew Jones —
grita meu suposto sobrenome, chamando minha atenção. Ela sabe
que eu odeio ele, pois ele não me pertence.
— O que, porra? — grito me virando para ela.
— Me escuta, por favor — ela pede, chegando mais próxima a
mim, com a respiração entrecortada.
— Fala de uma vez por todas, Claire. Só fala. — Tento respirar
fundo para controlar a raiva eminente em meu corpo.
— Você estava surtando porque a Heaven foi aceita na Stout e
você não, então eu e o seu pai...
— Ele não é meu pai — interrompo.
— Se ele não é seu pai, eu também não sou sua mãe —
retruca.
Solto uma risada, pois isso realmente é engraçado.
— Você realmente não é minha mãe — jogo a fodida verdade
na sua cara. — Você é apenas uma idiota que não quis me
abandonar, porque todos me abandonaram, todos sempre me
abandonam, e eu sei que em breve você também fará isso comigo.
Dito isso, me viro e me afasto da mulher que diz ser minha mãe,
mas ela não é, ela sabe que não é! E eu sei disso desde sempre,
por mais que ela tenha tentado me convencer quando eu era mais
novo, ela não conseguiu, porque eu lembro de tudo, eu sei de tudo,
eu nunca esqueci.
Como eu poderia esquecer? Eu os amava, eu os amava com
todo o meu coração, eles eram a minha vida, mas eles me
descartaram como se eu fosse a porra de uma lata de cerveja,
apenas me jogaram no lixo por um erro mínimo.
Eu sei que os feri, mas eu também estava magoado, eu queria
atenção porque eles não me davam, por isso os machuquei... Eu
era uma criança, só uma criança fodida que precisava que eles me
amassem tanto quanto eu os amava.
Mas de todos ali, o que eu mais amei foi o meu irmão, uma
pena que no futuro ele não lembrou de mim, ele não lembrou de nós
dois... Por isso eu segui em frente, deixando o amor que eu sentia
por ele se transformar em nojo e ódio. O tempo passou e eu conheci
o amor novamente, o amor mais puro que existe, daqueles que
toma todo o seu ar, eu amei Heaven, eu a amo, mas logo no início
ela não me amava, por isso eu precisei fazê-la me amar de volta.
Ela precisou de alguém para lhe amparar, e eu estava lá.
Eu ficaria lá por mais um bilhão de vezes, porque eu a amo e
ela me ama.
Ela ter voltado a ser amiga do Axel, ou até mesmo ter transado
com ele, não significa que ela não me ame. Eu até sou capaz de
perdoá-la pelo que ela fez e me disse, eu a perdoo quantas vezes
forem necessárias, porque eu a amo e ela me ama... ela apenas
precisa sentir minha falta outra vez, o problema é como. Como eu
vou fazer Heaven sentir minha falta?
Sei que por muitas vezes eu fui impulsivo e explosivo, sei que a
machuquei, mas nada no mundo me doeu tanto quanto ver a dor
naqueles olhos da cor do mar.
Minto...
A dor que vi em meu irmão, anos atrás, quando eu o machuquei
também me doeu, mas essa dor cessou no momento em que ele me
esqueceu.
Mas com Heaven é diferente, ela nunca irá me esquecer e
sempre irá me perdoar, porque eu a amo e ela me ama.
Algumas pessoas costumavam dizer que eu era apático, não
era capaz de sentir a dor do outro, mas era capaz de manipular o
outro para sentir a minha dor, eu sempre disse que isso era mentira,
até porque houve duas pessoas que quando eu fiz sofrer, eu sofri
junto. Uma coisa é apatia, outra totalmente diferente é odiar todo o
mundo ao seu redor.
Eu não odeio o mundo apenas por odiar, eu o odeio porque ele
sempre tira de mim tudo aquilo que eu amo, pessoas apáticas não
deveriam amar, não é mesmo?! E eu amo a Heaven, e ela me ama.
Ela vai voltar para mim, ela precisa voltar para mim.
Quando chego ao estacionamento do campus vejo a Classe G
de Axel dar partida, ele está acompanhado dela, eu deveria sentir
ciúmes, mas não, não sinto. Até me sinto bem em vê-los juntos,
apesar de eu ter dito uma fala infeliz mais cedo, não foi porque eu
quis, foi apenas uma impulsividade que surgiu do nada na minha
cabeça.
É que eu sou assim às vezes, sabe?! Impulsivo, não penso,
apenas ajo.
Vou até o carro que o meu suposto pai me presenteou após
Heaven ter tacado fogo no meu antigo, e não vou mentir, aquilo foi
quente, literalmente. Heaven é uma garota quente, mas eu nunca
gostei que outros a vissem dessa forma, por isso a controlei tanto
quanto pude, para mantê-la apenas para mim.
Porque eu a amo e ela me ama.
Antes de eu ligar o carro para descobrir onde os dois estão
indo, recebo uma mensagem de Claire no celular.
Claire: Filho, te notei estranho.
Por favor, me diz que você está tomando seus remédios de
forma sensata.
Desculpa a mamãe ser assim, é que depois que você veio
morar sozinho, muitas coisas aconteceram.
Me responde!
Estou voltando para Stone Bay, no fim de semana venho te ver.
Não esqueça seus remédios, por favor!
Bloqueio a tela do celular outra vez e sigo a Classe G que está
há poucos metros, eu não preciso de remédio, eu só preciso de
Heaven, por mais que ela não me queira por perto, eu sempre estou
lá, ela não me vê obviamente, mas eu faço questão de estar
próximo para caso ocorra de ela cair novamente, eu poderia estar lá
para ampará-la outra vez.
Porque eu a amo e ela me ama.

Já faz cerca de duas horas que estou estacionado em frente ao


alojamento feminino da Stout. Mais cedo Axel deixou Heaven aqui e
partiu, não sei ao certo para onde. Algumas noites eu tenho dormido
aqui do lado de fora, eu nunca fui descoberto antes.
Até agora... Quando uma ruiva bate na janela do carro, então eu
a desço e sorrio para ela.
— E aí, linda — cumprimento Sadie.
— O que você está fazendo aqui, Drew?
— Vim te ver, estou com saudades — minto.
— Verdade? — Suas írises cor de mel brilham.
— Claro! Inclusive já ia te mandar mensagem — minto outra
vez, fazendo com que a ruiva em questão sorria.
Sadie e eu fomos amigos durante anos, ela sempre me escutou,
ela sempre soube todos os meus segredos e nunca me julgou, mas
eu a fiz prometer nunca contar nada a ninguém, pois ou ela faria
isso por mim ou eu denunciaria seu querido irmão à polícia, e
acredito que ela não queira isso, eu sempre soube a verdade sobre
ela e sua família, por isso me abri de prontidão.
Sadie carrega um segredo meu e eu um dela.
Na primeira vez que a beijei foi apenas para acalmar seu
colapso nervoso, o nosso beijo foi bom, por isso quis repetir outras
vezes, por isso traí Heaven, hoje me arrependo amargamente de ter
feito isso, caso contrário Heaven estaria comigo até hoje. Ela
descobriu tudo o que aconteceu no dia em que eu iria transar com
Sadie pela primeira vez, mas então quando eu estava pronto para
convencê-la a me perdoar, os otários dos meus antigos amigos me
bateram.
Filhos da puta!
Um dia isso ainda vai ter volta, mas eles não são minhas
prioridades agora, eu preciso apenas de um bom plano para voltar à
vida de Heaven, e isso está demorando muito para acontecer.
Eu não sou do tipo que pensa, eu sou do tipo que faz, acredito
que seja exatamente por isso que tenho levado tanto tempo.
Mas que custem os dias que forem necessários, pois quando a
tiver em meus braços outra vez será até o fim da nossa vida e
ninguém nunca mais irá nos separar. Nem mesmo o Axel...
Eu já até tentei eliminá-lo recentemente, mas a porcaria do JC
não funciona para nada, sempre vem com história de acreditar em
Jesus e que não vai para o céu, idiota, um extremo idiota. Mas não
tão idiota quanto a garota que continua me olhando encantada.
— Por que não subimos até meu quarto? — ela propõe e eu
penso, por que não?!
E quando as estações mudarem
Você ficará ao meu lado?
Porque eu sou um jovem homem construído para cair
MIND OVER MATTER | YOUNG THAT GIANT

Na segunda, após deixar Heaven em seu alojamento, vim para


a casa da minha mãe em Stone Bay. Eu precisei contar a ela sobre
o retorno do meu pai e sobre ele estar morando entre nós dois
atualmente. Ela entrou em contato com Magnus, que mesmo sendo
advogado corporativo conseguiu ter acesso a todo o caso.
Nós já sabíamos que, após eu completar dezoito anos, meu pai
poderia entrar em contato comigo outra vez, mas devido às suas
constantes agressões contra minha mãe, incluindo na gravidez, ele
nunca mais poderá se aproximar dela ou de Anya. Magnus disse
que iria trabalhar o mais rápido possível para conseguir outra ordem
de restrição para mim, e que, enquanto eu aguardo por sua
resposta, devo voltar a viver minha vida tranquilamente. Ele me
aconselhou que se caso algo acontecesse ou eu desconfiasse de
alguma coisa, deveria entrar em contato urgente com a polícia.
Mas eu não consigo relaxar, apenas não consigo.
Hoje já é quarta-feira e eu não consegui nem mesmo voltar ao
campus, sinto como se eu tivesse dez anos de novo e ele estivesse
prestes a entrar em casa e reclamar sobre uma poeira na mesa de
centro, ou sobre sua camisa ter amassado no trabalho e logo após
simplesmente desferir uma tapa na cara da minha mãe. É
justamente por causa desse sentimento que continuo em Stone Bay,
passando quase que todo o tempo trancado no quarto, me
esbaldando na comida.
Eu sei que estou cheio demais, eu sinto meu estômago
reclamar, ameaçando colocar tudo o que eu engoli para fora. Eu não
consigo parar, pois a cada mordida que eu dou é como se um prazer
diferente adentrasse em meu corpo.
Acabo de liquidar cinco barras de Snickers enquanto olho para
a sexta em minha mão. Uma voz na minha mente me manda comê-
la, pois somente ela será capaz de apaziguar a guerra dentro de
mim, mas outra voz, acompanhada do meu estômago, me manda
parar. Eu não sei qual voz seguir, a primeira, a segunda, ou a
terceira que me manda vomitar tudo o que eu acabo de comer para
poder comer mais.
Isso é muito torturante, meus olhos estão cansados de
encararem o chocolate ainda coberto pela embalagem, meu corpo
cansado pelas calorias ingeridas implora para que eu pare, porém a
dor que há dentro de todos os meus pensamentos suplica para que
eu coma um, só mais um...
Quando estou prestes a abrir a embalagem, sou interrompido
por três toques na porta do meu quarto. Ela está trancada, por isso
apenas respondo:
— Estou ocupado agora, mãe. Já abro — aviso.
Preciso guardar toda a bagunça de embalagem de comida que
há dentro do quarto, somente nas últimas quarenta e oito horas eu
comi cinco pizzas, inúmeros chocolates de todos os sabores e
marcas, macarrão instantâneo, hambúrgueres e fritas, sem contar a
quantidade de latas de refrigerante pelo chão do quarto.
Me levanto rapidamente, a fim de limpar toda a bagunça. Eu
não costumo ser assim, pelo contrário, na maior parte do meu
tempo eu sou organizado e limpo, mas a minha cabeça está uma
zona, por isso a minha vida decidiu acompanhá-la em um passeio.
Antes que eu possa começar a me livrar de todo o lixo existente no
cômodo, a porta é aberta.
Acho que na realidade ela não estava trancada... Mas não é
isso que me surpreende, e sim quem entra no quarto, vestindo uma
calça legging e o moletom da Stout. Com as mãos nos olhos, ela
diz:
— Não é sua mãe, sou eu. — A voz de Heaven sai brincalhona,
anunciando sua entrada. — Espero que você não esteja vendo
nenhum filme adulto, vou abrir os olhos em três, dois, um...
Então ela tira a mão de seu rosto e me encara com confusão,
estou segurando uma caixa de pizza e duas latas de refrigerante
secas em minhas mãos. Em seguida, Heaven dá um sorriso
genuíno e pergunta:
— O que está fazendo?
Olho para ela tão confuso quanto a mesma quando entrou no
quarto.
— Você não deveria estar no campus? — retruco.
Heaven se aproxima de mim, mas desvia do meu corpo,
jogando-se de costas na minha cama. Em seguida, sua mão
encontra o Snickers pelo qual, há pouco, eu brigava com meu
próprio subconsciente, sobre comê-lo ou não, então ela encara o
teto do meu quarto enquanto abre a embalagem.
— Depois de você ter me enviado respostas monossilábicas em
todas as mensagens que eu mandei, decidi vir eu mesma atrás de
você e saber como você está. — Ela dá uma mordida no doce já
aberto em sua mão.
Ela tem razão, todas as mensagens que ela me enviou nos
últimos dois dias eu apenas respondi com sim, não e emojis, ao
menos ela eu respondi. As do Kane ainda não foram abertas, e as
da Allison estão sem respostas desde ontem, quando decidi
responder a um meme que ela havia me enviado com uma carinha
rindo.
— Desculpa, é que as coisas complicaram um pouco — digo,
resgatando mais lixo do chão.
Digo a verdade, ou ao menos a verdade parcial, pois eu fiquei
sumido todo esse tempo por medo, sendo apenas um covarde que
tem receio até da sua própria sombra. Sinto meu rosto arder em
fogo, devido à vergonha que eu estou sentindo. No passado,
Heaven já me viu encontrando refúgio na comida inúmeras vezes,
mas nunca viu a bagunça que eu deixava após a minha busca por
calmaria.
— Esse chocolate é horrível, prefiro M&M’s. Tem algum aqui?
— ela pergunta se levantando da cama, logo depois vem até mim,
tira todo o lixo da minha mão, e o leva até a lixeira do meu banheiro.
— Não — minto.
Heaven volta para o quarto, vai até a mesa de cabeceira ao
lado da cama e abre a primeira gaveta, encontrando ali um estoque
de todos os tipos de chocolate, incluindo os M&M’s que ela
suspende no ar.
— Não?! — Então ela abre a embalagem e joga quase metade
das esferas coloridas em sua boca.
— O que está fazendo, Heaven? — Ando até ela com medo de
que ela possa engasgar.
Seus olhos caribenhos se voltam para mim brilhantes, e ela
tenta mastigar o mais rápido possível tudo o que há em sua boca.
Quando finalmente consegue engolir, ela cobre a boca e
prontamente fala:
— Sei que provavelmente você está passando por uma crise,
que pode ter algo a ver com o reaparecimento do seu pai. O que
estou fazendo é enfrentar a crise com você, se você quer comer,
vamos comer. — Ela põe mais chocolate em sua boca, mas isso
não a impede de continuar falando. — Se você quiser cruzar a
América, vamos cruzar a maldita América. — Ela ergue seu dedo
indicador, apontando-o em minha direção. — O que estou querendo
dizer com isso, é que estou do seu lado, seja lá o que você precisar
fazer, eu vou fazer com você, Axel, desde que você não se esconda
e confie em mim, da mesma forma que eu confio em você.
Suas últimas palavras são capazes de tirar o meu fôlego, por
isso dou mais um passo à frente, a abraçando pela cintura.
— Você confia em mim? — Minha voz sai muito melancólica.
Heaven pousa suas mãos em meu peito e seus olhos não
abandonam os meus.
— Claro que confio, bobo. — Um sorriso doce adorna seus
lábios. — Mesmo diante de qualquer distanciamento que tenhamos
tido antes, eu nunca deixei de confiar em você. Eu não estou aqui
como uma desesperada, eu estou aqui como uma pessoa
preocupada que só vai sair do seu lado quando tiver a certeza de
que você está bem, e talvez nem mesmo assim.
Levo meus lábios até sua testa, beijando-a ali. Seus braços
passam por meus ombros e agarram minha nuca, imediatamente eu
intensifico meu abraço em sua cintura e encaixo minha cabeça no
vão do seu pescoço, sentindo seu cheiro único. Seus cabelos
macios fazem cócegas em meu rosto.
— Você é definitivamente a melhor pessoa que eu poderia ter
em minha vida, Morris — digo ao apertar ainda mais nossos corpos.
— Agora me diz tudo o que passa nessa sua cabecinha.
Heaven se desfaz do abraço e me leva até a cama, deitamos
um ao lado do outro, ambos encarando o teto enquanto eu conto a
ela tudo o que rodeia minha cabeça. Sobre como meu pai saiu das
nossas vidas, sobre o tempo em que não o vi, até sobre a questão
da ordem de restrição que o seu pai está cuidando. Em todo o
momento, Heaven mantém os olhos vidrados no teto, porém eu sei
que ela está me escutando quando sua mão aperta a minha.
Após lhe dizer tudo o que venho sentindo desde a segunda-
feira, ela apenas vira de lado apoiando sua cabeça em uma mão,
enquanto a outra vem até meu rosto quando faço o mesmo
movimento que ela, para encará-la.
Ela não me diz nada, apenas faz movimentos suaves na barba
que cresce em meu rosto, seus dedos passam sobre minha
bochecha, nariz, boca, testa e olhos. Ela me acalenta com seu
toque, pois de alguma forma ela entende que alguns dos demônios
que carrego comigo não precisam de palavras de conforto, só
precisam de alguém que entenda o que sai da minha boca quando
me expresso.
Pela primeira vez, eu me senti aliviado em abrir meu coração,
não foi como estar em uma luta, ou me afogando na comida, foi
muito mais pacificador do que os dois juntos. Não acredito que seja
pelo fato da minha voz ter sido ouvida, e sim pelo fato da pessoa,
que me escutou atentamente, ter permanecido ao meu lado mesmo
diante de uma carga de tanta dor.
Ela só não sabe ainda o principal, e espero que nunca saiba,
ela não merece essa verdade, às vezes nem mesmo eu a mereço.
O silêncio entre nós é quebrado quando escutamos alguém
coçar a garganta, mas não fui eu, muito menos Heaven, foi minha
mãe. Quando subo meu olhar, encontro a mulher que me deu a vida
na soleira da porta, usando um vestido preto, até o meio dos
tornozelos, colado ao corpo e aderindo a todas as suas curvas.
Apesar de ter tido duas gestações e uma vida bem conturbada
durante muito tempo, minha mãe tem apenas trinta e nove anos,
com seu corpo ela aparenta ter apenas trinta. O rosto que antes
vivia com hematomas e olheiras, hoje é sedoso e alvo, seu cabelo
ruivo curto está ondulado, e ao redor dos seus olhos há uma
maquiagem marrom esfumada.
— Então, como estou? — pergunta entrando no cômodo.
— Gata para caramba — responde Heaven, dizendo a óbvia
verdade. — Para onde vai assim toda linda?
— Um encontro às cegas que seu pai me arranjou.
— Um encontro? — pergunto atônito. — Você não me disse que
tinha um.
— Desde quando eu preciso te dizer todos os passos da minha
vida, garoto? — minha mãe atira.
Levanto minhas mãos em forma de rendição.
— Tudo bem, senhora. Já não está mais aqui quem falou.
— Você acha que tem algum problema eu estar saindo? Ia até
mesmo te pedir para ficar com a Anya, uma vez que está em casa
— diz receosa.
Eu me levanto da cama dando meia volta nela, quando estou de
frente para minha mãe, levo minhas mãos até seu rosto e beijo sua
bochecha.
— Claro que não — nego de prontidão. — Só tenha certeza de
que ele é um cara bom, e se ele te desrespeitar me diz, que eu
mesmo encomendo a cova dele — brinco.
Minha mãe leva sua mão até meu braço dando um tapa nele.
Quando eu falo que as mulheres amam me bater, ninguém acredita.
— Você não vai matar ninguém, Axel. — Ela ergue o queixo. —
Até porque se fizesse isso, a Heaven te mataria.
— Por que eu o mataria? — Heaven pergunta, tão atônita
quanto eu.
Dito isso, a campainha toca. Minha mãe levanta o dedo
indicador e diz:
— Vocês já vão saber.
Minha mãe sai do quarto e eu a acompanho, seguido por
Heaven. Nós três descemos as escadas juntos encontrando Anya
na sala, ela corre até mim e eu abro os braços para pegá-la no colo,
ela olha por cima do ombro e diz:
— Oi Révi, está bonita hoje.
— Você também está linda — Heaven responde.
Continuo seguindo minha mãe, dessa vez com Anya nos
braços. Ela pega sua bolsa no aparador que fica no vestíbulo, em
seguida um casaco da mesma cor do seu vestido e abre a porta.
Damos de cara com um homem de cerca de quarenta anos, alto,
corpulento, de pele bronzeada, barba feita e olhos de um verde
oliva. Ele parece muito com alguém que eu conheço.
— Tio Marlon? — Heaven quase grita animada por cima do meu
ombro, em seguida passa por mim e vai até o homem em questão o
abraçando.
— Você o conhece? — pergunto ao franzir o cenho.
— Claro que sim — Heaven responde, se desfazendo do
abraço com o homem. — Ele é meu tio, irmão do meu pai.
— Tão bonito quanto o tio Mag — Anya diz, fazendo todos nós
rirmos do seu comentário.
A coloco no chão outra vez, ela caminha até Marlon e ergue a
cabeça ao dizer, com a voz mais grossa que ela consegue:
— Você tem que respeitar a mamãe, se não fizer isso eu vou
ficar muito chateada. Você não quer me ver chateada, homem
grande. Quer? — desafia a pequena.
O tio de Heaven se agacha, ficando do mesmo tamanho de
Anya, e responde para ela:
— Você é a coisa mais fofa desse mundo, claro que eu não
quero te ver chateada — diz em um sorriso genuíno, que agora
acredito ser de família.
— Sendo assim, você promete me trazer chocolate de
sobremesa? — Anya tenta negociar.
— Anya... — minha mãe repreende, e a garota de três anos
apenas dá de ombros.
— Não custa nada tentar — responde em seguida, saindo do
cômodo saltitando e voltando para a sala de tevê.
Marlon põe-se de pé novamente e estica a mão para mim, eu
imito seu movimento e aperto sua mão.
— Me chamo Marlon. É um prazer finalmente te conhecer, Axel.
— Finalmente?! — pergunto confuso.
— Você é o garoto dos olhos do meu irmão, seu nome sempre
está na boca dele.
Deixo meus lábios em uma linha reta enquanto assinto com a
cabeça.
— Não sabia dessa informação.
— Ah! — Heaven bufa. — Faça-me o favor, você é o protegido
do meu pai desde todo o sempre, não se faz de bobo. Agora acho
que está na hora dos solteirões terem um encontro. — Heaven
levanta as sobrancelhas duas vezes para seu tio e minha mãe, e
ambos riem sem graça, acredito que pelo constrangimento do
primeiro encontro.
Minha mãe dita todas as regras sobre Anya, como se eu não
soubesse nenhuma. Faz apenas dois meses que não vivo mais com
elas, mas não deixo de cuidar da pequena mesmo assim. Ela diz
que devo colocar Anya na cama às oito e meia, sem exceção e sem
nenhum tipo de doce, pois senão ela vira a noite acordada.
Quando finalmente nos despedimos deles, fecho a porta
murmurando:
— Estejam em casa às onze, nada mais, nada menos.
— E usem camisinha — Heaven fala logo após.
— Vocês também — seu tio responde.
Nesse caso, acho que não é só o sorriso genuíno que vem de
família, é um combo total de falas e momentos constrangedores, e
olha que quando éramos crianças, Heaven vivia falando sobre as
vergonhas que seu pai a fazia passar.
— Não quero nem imaginar as vergonhas que você vai fazer
seus filhos passarem futuramente.
— Rá! — Heaven ri com sarcasmo. — Não tenha dúvida de que
serão muitas.
Passo meu braço por seu pescoço e beijo o topo da sua testa.
Vamos ao encontro de Anya, assistimos com ela um pouco de tevê
e depois jantamos, após a refeição ela pede para que nos juntemos
a ela na sua brincadeira.
Hoje ela está vestida de Rapunzel, inclusive uma grande trança
de cabelo artificial está presa no topo de sua cabeça. Coloco-a em
meus ombros, como se eu fosse a torre em que a bruxa a mantém
presa, e Heaven a bruxa que tenta alcançá-la mas não consegue,
pois eu corro pela sala com Anya em cima de mim enquanto a outra
garota tenta nos pegar. Anya não deixa de rir um só segundo
durante toda a brincadeira, quando nos esgotamos ela pede para
brincar de boneca com Heaven, e a mesma aceita. Eu fico apenas
observando a interação das duas.
Esse é apenas o segundo encontro das duas, entretanto elas
agem como se conhecessem uma à outra há anos. Se dois dias
atrás eu soubesse que estar próximo dessas duas garotas
acalmaria todo o tormento do meu coração, com certeza eu teria
feito isso antes. Só que eu fui pelo caminho mais fácil, ao menos eu
pensei que era o mais fácil, pois alguns traumas, vícios e gatilhos,
não somem das nossas vidas da noite para o dia, eles apenas
adormecem por algum tempo, até que um dia decidem acordarem e
tornarem tudo um caos.
Ninguém se vicia em algo porque quer. Seja comida, remédios,
drogas ou bebida. O vício é a janela que encontramos para fugirmos
quando a porta à nossa frente se abre com os nossos piores
pesadelos. Eu fugi através da comida por muito tempo, e durante os
últimos anos eu achei que isso havia cessado, mas bastaram alguns
passos duros e largos, um conjunto de terno de três peças, sapatos
italianos e palavras cuspidas, para que meu corpo e minha mente
despertassem o vício adormecido em mim por tanto tempo.
Por isso, olhar a cena da minha irmã mais nova juntamente com
a garota que, muito provavelmente, seja a mulher da minha vida, me
faz ver que eu não quero esse vício para mim, não por motivos de
aparência, e sim porque quando eu me deixo me abrir para o meu
vício, eu me perco dentro dele, eu me tranco, e elas, assim como
minha mãe, não merecem que eu me feche.
Eu não mereço me fechar.
Quando chega a hora de Anya ir dormir, ela pede para que
Heaven a dê banho e conte uma história, o que ela faz sem objeção
alguma. Normalmente o processo para pôr Anya na cama dura
cerca de trinta minutos, mas já passou uma hora desde que as duas
subiram, por esse motivo decido verificar o que aconteceu.
No momento em que chego na soleira da porta do quarto de
Anya, vejo que as duas estão dormindo em uma cama minúscula,
estilo Montessori, que fica no chão do quarto. Anya abraça Heaven
pela cintura, e a mesma mantém um livro infantil em cima da sua
barriga. Em passos silenciosos me aproximo das duas, retiro a mão
de Anya de cima de Heaven cobrindo seu corpinho para que ela não
sinta frio, então depois ergo Heaven em meus braços, levando-a até
meu quarto.
Chegando ao cômodo, a ponho na cama e a cubro. Envio uma
mensagem para seus pais informando que ela adormeceu, a
resposta que obtenho deles são três emojis de coração e três de
carinhas apaixonadas.
Ao me deitar ao lado de Heaven, tentando ao máximo não fazer
nenhum movimento brusco para que ela não acorde, ela põe a mão
na minha camisa e me puxa para o seu lado, passo o braço por
debaixo de sua cabeça e beijo o topo dela.
Com uma voz bastante sonolenta, Heaven murmura:
— Eu vim até aqui porque eu também preciso de você ao meu
lado — confessa, fazendo com que as batidas do meu coração se
tornem erráticas. — Por favor, não me deixe mais, Axel — sua voz é
suplicante.
Meu coração se aperta ao ouvir suas palavras, visto que agora
é uma sensação completamente estranha imaginar a minha vida
longe dela, e nas imagens que vejo não existe ar para respirar. Eu
não lhe privarei de estar na minha vida, muito menos quero me
privar de continuar na sua.
— Não vou te deixar, nunca mais! — prometo.
Dessa vez, sabendo que nada nesse mundo será capaz de
fazer com que eu descumpra essa promessa, dou um beijo na sua
testa e continuo acariciando seus cabelos curtos e macios até pegar
no sono ao seu lado.
Posso ir aonde você vai?
Podemos ser próximos assim para todo o sempre?
E ah, me leve para sair e me leve pra casa
Você é meu
LOVER | TAYLOR SWIFT

Eu corro em direção ao campo de futebol americano, onde


vários atletas estão treinando, mas eu não me importo com eles, eu
estou eufórica, muito feliz. Sabe quando você quer gritar para o
mundo que venceu? Então, é assim que eu estou me sentindo
agora, e uma das pessoas mais importantes do meu mundo, está a
apenas dez metros de mim no momento. Escuto alguém me chamar
de louca enquanto corro.
Sou mesmo uma louca, mas quem liga?
— Alguém tira essa garota daqui. — A voz grave do treinador
Willians ressoa por todo o campo.
Quando eu estou a apenas dois metros de Axel, que está de
costas para mim, ele se vira tirando o capacete que está na sua
cabeça e abrindo os braços. Não tenho tempo de ver o seu rosto
porque a próxima coisa que faço é pular em cima dele, agarrando
seu pescoço com tanta força que acredito estar o sufocando. O
impacto da junção dos nossos corpos faz cairmos no chão.
— Eu consegui, eu consegui, eu consegui — repito mais cinco
vezes, cantando.
Quando solto meus braços do seu corpo, sento por cima dele
lhe mostrando o papel que está em minhas mãos, ele rapidamente o
toma de mim e lê atentamente em voz alta.
— Peça Entre Verdades e Sangue, escrita por Lindsay e blá-
blá-blá. — Ele ignora tudo que não é importante repetindo a mesma
sílaba. — Personagem Vanessa Martín interpretada por Heaven
Morris. — Seus olhos arregalam. — Você conseguiu o papel
principal? — diz me olhando admirado.
— Eu consegui! — grito ao levantar minhas mãos para o alto.
— Isso é incrível, linda. — Axel olha para o papel outra vez,
tentando levar a informação ao cérebro, em seguida ele larga a
folha no chão e me puxa novamente para um abraço.
Após eu ter ido atrás de Axel em Stone Bay há um mês, nós
passamos o resto da semana e fim de semana na cidade,
retornando ao campus apenas na segunda pela manhã, que foi
quando eu descobri que Lindsay Althorne, produtora de várias
novelas dramáticas, estaria trazendo uma peça nova diretamente
para a Stout. Obviamente eu não quis me inscrever, já que sempre
quem pega os papéis são os veteranos do curso de Teatro.
Axel estava ao meu lado no momento em que eu estava
discutindo sobre isso com Wes, eu havia dito que o máximo que iria
conseguir de trabalho no espetáculo seria na iluminação ou som.
Então Axel simplesmente pegou a minha mão, me levou até o
auditório principal do campus, onde acontecem as peças, e também
as inscrições delas. Quando chegamos lá, ele simplesmente
escreveu o meu nome na lista de testes.
Eu passei exatamente três semanas dizendo o quanto ele tinha
errado em fazer aquilo comigo, porque eu iria ser massacrada pelos
veteranos. Axel apenas me respondeu, que o máximo que poderiam
fazer de maldade comigo era me colocarem para trabalhar na
iluminação ou som, repetindo minhas exatas palavras.
Então no dia do teste, ele estava lá, era o único da plateia que
não iria fazer o teste, ou julgar quem estava fazendo, ele estava lá
apenas para me apoiar.
E hoje, quando a lista saiu meu nome estava nela, e não estava
na iluminação, no som, ou sequer em algum personagem
coadjuvante ou substituto, estava escrito logo ao lado do nome da
personagem principal. A minha única reação foi arrancar o papel do
mural e correr até ele para lhe dar a notícia em primeira mão, pois
se não fosse por ele e pela força que havia me dado, talvez a única
coisa que eu iria fazer quanto a essa peça, seria assistí-la.
— Se não fosse por você... — começo a dizer, mas sou
interrompida.
Axel nos põe de pé, leva uma de suas mãos até o meu queixo e
o ergue, fazendo com que nossos olhos se liguem um ao outro.
— Se não fosse por você, você não teria conseguido. Você
quem subiu naquele palco e deu o seu melhor, fazendo com que
todos ficassem encantados pela grande atriz que você é.
Entendeu?!
Levo meus dentes até o lábio inferior mordendo-o apreensiva,
mas mesmo assim assinto com a cabeça, o que faz Axel dar um
estalo com a língua e fazer um movimento de negação com a
cabeça.
— Eu quero que você diga que entendeu.
Eu sorrio abertamente ao dizer:
— Eu sou incrível.
— Você é foda.
— Eu sou foda.
— Você é foda para caralho.
— Eu sou foda para caralho — grito.
— É isso aí, porra — Axel levanta a mão ao alto, e juntos
damos um higfive.
— Eu sou foda para caralho — grito outra vez.
Axel me surpreende no momento em que enlaça minha cintura
me erguendo e me gira no ar, fazendo com que minhas pernas
voem e eu dê uma risada alta e descontrolada. Quando ele para,
leva seus lábios até minha testa, deixando um beijo terno ali.
Eu o beijaria agora, na frente desse tanto de atletas e técnicos,
mas sou interrompida no instante em que o apito do treinador
Willians perfura os meus tímpanos. Levo as mãos até os ouvidos,
tampando-o e Axel faz o mesmo movimento que eu, pois o homem
está ao nosso lado. Quando o fôlego do homem de cinquenta anos
finalmente termina, ele me lança um olhar furioso.
— Se nós estivéssemos na escola a senhorita iria estar a
caminho da detenção nesse instante. Mas como não é o caso, fora
do campo, agora! — Estende o braço enquanto aponta e grita suas
últimas palavras.
Junto minhas pernas e levo minha mão até a testa, batendo
continência.
— Sim senhor, general. — Engrosso a voz.
Axel ri da situação, o que faz com que o treinador apenas se
emburre ainda mais. Começo a correr para sair do campo antes que
o homem resolva usar seu apito outra vez, por cima do ombro ouço
Axel gritar:
— Mais tarde vamos comemorar!
Passo por Elliot e Grey que treinam na extremidade do campo e
aceno para eles, que riem olhando na direção de onde eu vim.
Quando me viro de costas, vejo Kane e Axel discutindo, melhor
dizendo, Kane está com os braços cruzados por cima do peito e
com a cara emburrada enquanto Axel ri dele.
Vendo a situação de longe parece um pai e um filho birrento, ou
até mesmo um casal. Acompanho os meninos, rindo da cena, mas
então Willians se vira para mim de novo e eu corro o mais rápido
que posso para sair do campo.
Durante as últimas semanas, Axel e eu temos nos aproximado
muito mais, nós conversamos sobre tudo, desde as nossas dores
até piadas sem graça. Três vezes por semana vou com ele para a
academia de artes marciais, onde tenho aprendido cada vez mais
sobre defesa pessoal, o que tem me ajudado muito com minha
autoestima, pois eu tenho conseguido enxergar que eu posso sim
me defender e me proteger caso qualquer coisa ruim venha a
acontecer comigo.
Além disso, quase todas as noites estudamos juntos, a não ser
pelas noites em que ele tem treinos extras ou jogos do time. Como a
temporada ainda está em andamento, nem Axel, nem nenhum dos
outros garotos têm ido até o armazém lutar, uma vez que isso pode
atrapalhar o desempenho deles em campo. Axel também teve mais
uma crise relacionada ao seu pai, que fez com que ele comesse
muito outra vez, então a única coisa que fiz foi estar ao seu lado
quando ele precisou, assim como ele esteve ao meu quando eu
quase tive uma crise de ansiedade ao me lembrar de Drew.
E por falar nele, quase não o tenho visto pelo campus, apesar
de sentir sua presença constantemente. Sinto como se ele estivesse
me observando, mas quando olho para os lados não encontro
ninguém, ou seja, apenas paranoia da minha cabeça.
Às vezes, Axel e eu também acabamos transando. Algumas
vezes fazemos as coisas com bastante calma, nos olhando nos
olhos a todo o momento, e em outras é como se um furacão tivesse
dominado o ambiente em que estamos, entretanto não temos levado
isso à sério ao ponto de assumirmos um relacionamento, o que não
me impede de admirá-lo enquanto dorme, ou em qualquer outro
momento do dia.
As sensações de estar próxima a Axel, têm se tornado cada vez
mais intensas. Quando estamos longe um do outro, eu sinto sua
falta, como se faltasse um pedaço da minha pele; quando estamos
prestes a nos encontrarmos, sinto cólicas na barriga, como se
duzentas borboletas estivessem voando ali; e quando nos
encontramos, um enorme alívio toma conta de mim.
Mas nenhum desses sentimentos se compara ao peso do meu
coração nos momentos em que ele sorri ou ri de alguma coisa, ou
até mesmo quando ele está tão concentrado em algo que seus
olhos quase não se movem, como quando estamos assistindo a
algum filme. Esse peso também toma conta de mim nos momentos
em que nossos corpos se unem de forma calma, quando suas
pupilas dilatam-se e o cinza de suas írises é tão brilhante quanto
prata.
Muitas das vezes eu sinto as três palavras presas em minha
garganta, lutando para saírem dali, e só piora todas as vezes em
que ele está distraído e me olha sorrindo. Eu me controlo ao
máximo para engoli-las novamente, uma vez que eu posso apenas
estar confundindo meus sentimentos outra vez.
Allie e Wes têm me incentivado diariamente a iniciar uma
terapia, para que eu possa me livrar dos fantasmas do passado o
mais rápido possível e começar outro relacionamento. Eu também
quero isso, pois eu não posso dizer ao Axel que o amo da forma
como amo, sem antes eu ter a certeza de que o amor que eu sinto
por mim mesma é superior ao que existe entre nós, além de que eu
ainda não me curei do meu antigo relacionamento, e, por hora, seria
muito cedo eu me arriscar e entrar em outro de cabeça, mesmo
sabendo que quando isso acontecer, a pessoa com quem irei me
relacionar será o Axel, a não ser que a vida nos separe novamente.
Se isso acontecer, o destino terá que lutar muito contra mim,
muito mesmo, porque eu não estou nem um pouco disposta a abrir
mão do Axel e acredito fielmente que nem ele de mim.

— Sua nova identidade, gata. — Wes me entrega uma


identidade falsa com nome e idade alterados.
— Havana Morrison, vinte e quatro anos, sério? — Olho
perplexa para meu amigo.
A única resposta que recebo dele é um dar de ombros e um
sorriso maligno em seu rosto. Eu nunca, nunca mesmo usei
identidade falsa, mesmo sendo bastante comum entre as pessoas
da minha idade. Axel disse que precisávamos comemorar meu feito,
por isso ele marcou comigo e todos os nossos amigos de nos
encontrarmos no Jenkins, um bar próximo ao campus, e essa
também é a primeira vez que estamos indo ao local.
Tiro uma foto com o plástico que contém meu nome e idade e
envio uma mensagem para o meu pai, que me manda inúmeras
carinhas rindo, já a minha mãe me liga por vídeo chamada.
— Oi mami — digo ao atender.
— Se você for presa por posse de documentos ilegais, seu pai
não vai te tirar da cadeia — diz, fingindo um tom raivoso.
— Tem razão — debocho. — Ele vai parar atrás das grades
junto comigo.
Minha mãe e eu rimos, porque nada do que eu disse deixa de
ser verdade.
— Queria estar aí para comemorar com você. — Ela faz cara
triste. — Esse é o seu primeiro papel na faculdade. Você tem noção
do que é isso, Heaven?
— Grande. Muito grande! — exclamo.
— Sim, e eu não poderia estar mais orgulhosa dessa pessoa
confiante que você tem se tornado.
Sorrio juntamente com minha mãe, pois ela, assim como todo o
resto, sabia que eu não queria me arriscar dessa forma no primeiro
ano. Meu pai até tentou me convencer do contrário há algumas
semanas, mas a única pessoa que conseguiu fazer esse feito foi o
Axel.
— Isso significa que você tem feito um bom trabalho como mãe,
não é mesmo?
— Para, garota. — Ela abana com a mão — De qualquer forma,
tenha uma boa noite, e não pegue pesado na bebida.
— Onde está o Axel? — Esse é o meu pai tomando o celular da
minha mãe.
— Tudo bem comigo também, pai e com você?
— Tudo certo — responde em desdém. — Agora, onde está o
Axel?
— Vou me encontrar com ele apenas no Jenkins...
— Quando chegar tira uma foto dele, preciso atualizar meu feed
— meu pai me interrompe.
— Com uma foto do Axel? — pergunto atônita.
— Só faça o que eu estou te pedindo, garota. Agora tchau!
Meu pai entrega o celular de volta para a minha mãe, e logo nos
despedimos. Wes que estava atento a toda a conversa apenas
balançava a cabeça, rindo. Eu visto um top de apenas uma manga
longa que dá destaque ao arco dos meus seios, uma saia branca
que vai do umbigo até o meio das coxas, deixando boa parte da
minha pele exposta e nos pés um salto fino. Desde a minha primeira
briga com Drew devido à roupa que eu usava, essa é a primeira vez
que eu me sinto confortável usando uma decotada dessa forma. Vou
até o banheiro, dando uma última olhada no meu visual, e opto por
cachear meus cabelos enquanto Allie não fica pronta.
Passamos a tarde inteira tentando escolher uma roupa para ela
usar, mas ela não gostou de nenhuma, dizendo que ou era vulgar
demais ou recatada demais, então ela se trancou sozinha no seu
quarto e disse que ela mesma iria resolver a situação.
Quando termino de cachear meus cabelos, recebo uma
mensagem de Axel, informando que ele e os garotos já se
encontram no bar, e que só falta a gente. Antes que eu possa
responder, Allie sai do seu quarto e digamos que ela está...
— Gostosa pra caralho — Wes e eu exclamamos ao mesmo
tempo.
Ela usa um vestido preto colado em seu corpo e que marca a
cintura em formato de ampulheta. O vestido possui três decotes, um
grande V na área dos seus seios que desce até o meio da sua
barriga, as costas nuas, e uma fenda que deixa quase toda a sua
coxa direita exposta, além de usar um salto vermelho.
— Ficou bom mesmo? — pergunta insegura.
— Se você não fosse virgem, com certeza transaria essa noite
— Wes responde.
— Você está perfeita, Allie — concordo. — De qualquer forma,
vamos? Já estamos atrasados.
Allie diz outra vez que não se sente confortável, mas
conseguimos convencê-la de que ela está ótima. Como todos
pretendemos beber, pedimos um táxi — inclusive foi por esse motivo
que não rolou carona do Axel hoje —, e, cerca de quinze minutos
depois, chegamos ao Jenkins.
As paredes do local são todas de vidro, assim como a porta, a
iluminação do local é quente, em tons amarelos, dando destaque
aos grafites nas paredes cinzas. A primeira visão que se tem assim
que entra é a do bar, onde há várias banquetas atrás feitas de pedra
ônix, porém não dá para enxergar a cor da parede pois há uma
estante que vai do teto ao chão, cheia de bebidas.
— Esse é o paraíso pessoal do Elliot — aponta Wes para a
parede em questão e nós rimos.
Faço um esforço para achar nossos amigos, e os encontro em
um ponto mais escondido do bar, eles estão sentados em uma mesa
estilo cabine, próxima a jukebox. Grey, Elliot, Kane e Axel parecem
estar em uma discussão animada, e se eu pudesse adivinhar deve
ser algo relacionado a alguma fala do Grey, que inclusive é o
primeiro a calar a boca e perceber a nossa presença ali.
Ele abre sua boca em um grande O e arregala seus olhos, sei
que ele não está olhando para mim, muito menos para Wes, já que
ele se concentra apenas na loira ao nosso lado.
— Parece que dessa vez o maninho decidiu te notar — comento
no ouvido da Allie, que imediatamente fica com as bochechas
rosadas.
Meu coração se descompassa e perde todo seu ritmo no
momento em que Axel para de rir de alguma coisa que Elliot
acabara de falar e traz seus olhos ao meu encontro, então percebo
seu pomo de adão descer e subir, quando ele engole em seco. Eu
não tiro os olhos dele, nem ele de mim tão logo vamos nos
aproximando, todo o restante da caminhada dura menos de cinco
segundos, mas no meu mundo dura muito mais que cinco minutos.
Sabe quando seu estômago ameaça pôr para fora toda a
comida que você ingeriu durante o dia, de uma hora para outra, e
um suor fino desce por suas costas, não porque você está com
medo, e sim porque você está ansiosa, e a sua boca também fica
seca, quase como o deserto do Saara?
É como eu me sinto nesse exato momento, e como tenho me
sentido nos últimos dias, quase todas as vezes em que me encontro
com Axel. Por mais que eu já o tenha visto duas vezes no dia de
hoje, a ansiedade continua sendo a mesma das outras vezes. E o
pior de tudo, é que eu não sei como reagir, eu não sei o que falar
nos primeiros instantes, parece que eu estou o conhecendo pela
primeira vez repetidamente.
É no exato momento em que vejo seus olhos brilharem e um
sorriso surgir nos cantos da sua boca que o meu coração que antes
batia lentamente, realmente para.
Minha pele esquenta e todos meus pelos se eriçam quando
antecipo seu toque, pois ele acaba de se levantar do seu canto e
passar os braços ao redor do meu corpo, deixando um beijo suave
no topo da minha testa. Notei nos últimos dias que o maior gesto de
carinho de Axel nunca são as palavras, e sim o beijo na testa, que
eu espero ansiosamente, assim como meus pulmões esperam por
ar.
Eu diria que eu estou caindo em uma ladeira infinita chamada
paixão, e é totalmente diferente daquilo que eu senti com Drew,
porque eu o amei simplesmente por ele estar lá em todos os
momentos, mas eu não ansiava o nosso encontro como tenho
ansiado os meus com Axel, são sentimentos completamente
diferentes. Com Drew eu senti que me apaixonei pelo caos,
enquanto com Axel eu sinto que tenho me apaixonado pela calmaria
que ele me traz.
— Você está linda — diz ao nos separarmos do abraço.
— E você não está nada mal — respondo, tentando tranquilizar
o meu tom de voz, pois ele está perfeito, como sempre.
— Finalmente vocês chegaram — Kane nos cumprimenta. —
Parabéns pelo papel, Morris — ele diz ao me abraçar, o que é raro,
visto que ele morre de ciúmes todas as vezes em que eu estou com
Axel.
— Demoramos bastante uma vez que a Barbie aqui — diz Wes
ao apontar para Allie. — Virou na verdade uma princesa.
— Você está linda, Allie. — As palavras quase não saem da
boca de Grey, já que ele ainda está admirado, mas ele estraga tudo
no segundo seguinte ao dizer: — Acho que nunca te vi assim antes.
— Se eu não estivesse em celibato, com certeza te chamaria
para sair — Elliot também elogia Allie.
— Obrigada — é tudo o que Allie responde, o vermelho
adornando ainda mais suas bochechas, não por conta dos dois
elogios, e sim por Grey a ter elogiado, mesmo que de forma
bastante estúpida, ela se anima com isso.
Em seguida, todos nós nos sentamos à mesa, Axel e eu
ficamos em uma das pontas da cabine, de frente para Kane. Ele
revira os olhos para mim, e eu apenas chuto sua perna lhe
mostrando o dedo do meio depois, ele me responde na mesma
altura ao mostrar sua língua, pois antes quem estava ao lado do
Axel era ele.
Após a quarta rodada de shot de tequila para mim, Wes, Elliot e
Grey, Axel decide confiscar minha nova aquisição, ou melhor, minha
nova identidade.
— Havana? — pergunta com o cenho franzido.
— Coisa do Wes — respondo com desdém e ele ri.
— Você notou também que você é natural de Cuba?
Tomo a identidade de Axel para olhar todas as informações, em
seguida jogo o plástico em Wes.
— Eu não acredito que você me deu uma identidade inspirada
na música da Camila Cabello.
— Era isso ou Hannah Montana, querida — diz Wes ao virar
seu quinto shot.
Não respondo nada, apenas o acompanho, mas ao contrário
dele que bebe puro, eu coloco um pouco de sal no dorso da mão, o
lambo, viro o copinho na boca e em seguida chupo o limão, fazendo
uma careta. Ao fechar um olho e deixar o outro aberto, noto que ao
meu lado, Axel observa todos os meus movimentos.
— Você não vai beber nada? — pergunto, já que essa é a
primeira vez que saímos para beber e ele não encostou uma gota
sequer de álcool na boca.
Axel estala a língua e joga um canudo para Kane, que
rapidamente o pega.
— Não, temos jogo fora de casa em dois dias, não posso me
dar ao luxo de viajar de ressaca.
— Isso não parece ser problema para Grey e Elliot. — Aponto
para os dois que já estão nas suas sextas doses.
— O treinador não tem pressionado eles tanto quanto a mim ou
ao Kane — diz com sua voz quase infeliz.
— Você não parece gostar tanto assim de jogar futebol —
comento, algo que venho percebendo a dias.
Os olhos de Axel encaram sua mão em cima da mesa, mas seu
olhar se mantém longe como se seus pensamentos os levassem
para um mundo bem distante do que estamos agora, quando
finalmente consegue responder, ele traz suas írises cinzentas até
mim.
— É porque eu não gosto — confessa ele.
— E porque simplesmente não deixa?
— Se eu deixar eu perco a bolsa — explica. — E se eu perder a
bolsa tenho que ir para outra faculdade, eu tenho motivos
suficientes para permanecer na Stout pelos próximos quatro anos.
— Cite-os — peço.
Axel passa uma mecha do meu cabelo para trás da orelha,
murmurando aquilo que faz o meu coração acelerar e logo depois
parar subitamente.
— Tirando você, apenas você. — Ele sorri de canto.
“Ah Axel, como eu vou continuar guardando os meus
sentimentos por você, se você age dessa maneira?”, penso. Minha
única resposta é assentir com a cabeça e sorrir levemente para ele.
No segundo seguinte, começa a tocar God Is A Woman, da
Ariana Grande, remixado. Wes puxa Allie e eu até o centro do bar,
onde não há quase ninguém para dançarmos, minha amiga se
mantém tímida, já Wes quase abre escala no meio das pessoas ali,
enquanto eu, pela primeira vez em anos, me sinto liberta para
dançar uma música sem medo dos julgamentos das pessoas ao
meu redor. Não sei ao certo se é por conta da bebida, ou apenas
porque me sinto desinibida o suficiente para isso, mas eu levanto
minhas mãos para o alto e apenas fecho os olhos, deixando que
todas as batidas da música entrem em meu corpo.
A próxima que toca é Side To Side, da mesma artista, então eu
me jogo mais ainda diante da letra e melodia. A garçonete passa por
nós, levando mais doses de tequila para nossa mesa, mas eu e Wes
a interceptamos e pegamos todos os copinhos. Eu viro dois, Wes
vira um e incentivamos Allie a virar o último, ela nega de prontidão,
porém quando vê os nossos sorrisos incentivadores ela não resiste
e acaba virando a bebida em sua boca.
— Isso arde — ela grita depois que engole. — Mas é bom.
Wes e eu rimos da nossa amiga, e apenas uma música depois
e a pouca quantidade de álcool presente em seu corpo faz com que
ela consiga se soltar na pista.
Allie acaba tomando mais quatro doses, o que faz com que ela
suba em cima de uma mesa e comece a dançar sedutoramente ao
som de River, de Bishop Briggs. Ela passa as mãos por todo o seu
corpo, também se agacha e empina sua bunda em algumas partes
da música, Wes e eu acompanhamos toda a sua performance do
chão, gritando, aplaudindo e assobiando. Allison está simplesmente
encantadora enquanto dança, por isso ela tem toda a atenção do
bar, mal sabendo ela que uma dessas atenções é uma que ela
sempre almejou.
Grey quase deixa a baba escorrer, mas Elliot fecha sua boca
enquanto ri da cara de palhaço que ele faz. Sobre Allie ter toda a
atenção das pessoas no local apenas para ela, eu estava errada,
pois sinto alguém me abraçar por trás e enlaçar minha cintura,
seguido de lábios que beijam o topo da minha cabeça e depois,
assobiam para a loira que termina a sua performance e desce da
mesa se apoiando em Kane, mas ela acaba tropeçando e caindo
cara a cara com ele, ou melhor, boca com boca.
— Ai. Meu. Deus — ela grita pausadamente já se afastando. —
Me desculpa, eu não...
— Está tudo bem, Allie — Kane tenta acalmar a situação, porém
Allie já está chorando com a mão no rosto.
Antes que eu possa me desfazer do abraço de Axel para me
aproximar dela, Grey se aproxima afagando sua cabeça em um
gesto de carinho. Minha amiga está claramente bêbada, além de
que hoje ainda é segunda, ou terça? Talvez eu esteja bêbada
também, no entanto a música que alguém decidiu colocar na
jukebox, no segundo seguinte, é Toxic, da Britney, e em um puro
impulso quem sobe na mesa sou eu.
Segredos que guardei em meu coração
São mais difíceis de esconder do que eu pensava
Talvez eu só queira ser seu
I WANNA BE YOURS | ARCTIC MONKEYS

Eu vejo Heaven todos os dias e por isso posso provar o quão


linda ela é, mas vê-la livre e desinibida a torna estonteante. Seus
olhos permanecem fechados enquanto inclina sua cabeça para trás
e passa as mãos por todo seu corpo ao ritmo de Britney Spears, ela
literalmente performa em cima da mesa, pondo-se de quatro sobre
ela, empinando a bunda e fazendo movimentos com os cabelos.
Allie para de chorar do outro lado da mesa quando percebe
Heaven dançando, eu só sei disso pois não ouço mais o seu choro,
porque eu não consigo tirar meus olhos da garota que dança
sensualmente à minha frente.
Heaven põe-se de pé outra vez, então passa suas mãos na
bunda, descendo pelas coxas até os tornozelos, ela está quente
para caralho. Sem demora, ela se agacha com o dedo indicador na
boca e suas írises caribenhas encontram meus olhos, nesse
momento minha boca fica seca enquanto meu pau se enche de
sangue dentro da calça. Ela fica em pé mais uma vez e roda três
vezes com as mãos ao alto de sua cabeça, como se fosse uma
bailarina, mas uma bailarina muito sensual. Eu pisco, e,
rapidamente, Heaven está sentada na mesa fazendo movimentos
com suas pernas e jogando seus cabelos.
Ela sai da mesa, mudando sua performance para uma cadeira,
ficando em pé na mesma, e logo depois pula na minha frente, me
puxando para sentar e assim eu faço. Heaven passa a contornar a
cadeira enquanto dança, fazendo quase todos os movimentos que
fazia na mesa antes, mudando apenas na hora de sentar-se e ir ao
chão, agora ela faz tudo em meu colo.
Um suor fino desce por minha têmpora, meus olhos estão fixos
apenas nos movimentos que seu corpo emana, sei que existem
outras pessoas ao nosso redor, mas esse momento parece aquelas
cenas de filmes, onde todos ao redor desaparecem e permanecem
no ato apenas o casal principal, com uma luz forte direcionada
apenas à eles dois, que nesse caso trata-se de Heaven e eu.
Meus pulmões não sabem o que é ar já faz quase dois minutos,
pois desde o momento em que ela saiu do meu enlace e subiu
naquela mesa, eu perdi todo o meu fôlego, o que na verdade é
costumeiro, visto que sempre que estamos perto um do outro o ar
me falta, meu coração erra as batidas e meu estômago sente dores
finas de cólicas. Nesses momentos eu deveria ter uma careta em
meu rosto, mas ao invés disso eu vivo com um sorriso bobo
adornando meus lábios.
Quando a música finaliza, Heaven senta-se em meu colo
terminando sua performance. Ela abre um sorriso enorme em seus
lábios rosados enquanto respira fundo, a fim de reaver todo o fôlego
que perdeu, já eu apenas tento achar qualquer ar para trazer aos
meus pulmões, pois é impossível respirar quando tudo está tão
quente ao meu redor, muito quente mesmo.
— Isso foi muito bom — ela observa.
Eu engulo em seco, porque eu não sei o que responder diante
da sua conclusão. Porque sim, realmente foi muito bom, meu pau
que o diga, mas não foi apenas a parte sensual em si que foi boa,
foi a felicidade que ela transpareceu enquanto dançava.
A Heaven de um mês atrás nunca dançaria dessa forma na
frente de meia dúzia de pessoas, quem dirá na frente de três dúzias.
Apesar do seu típico atrevimento, Heaven antes tinha receio de
qualquer coisa que fazia, da maneira como se portava, da forma
como comia ou bebia, das roupas que usava e até mesmo das
palavras que saíam de sua boca.
Vê-la desinibida dessa forma é reconfortante, pois só mostra a
cada dia que passa o quão liberta ela está se tornando, sendo feliz
da forma como ela merece ser.
Hoje à noite saímos para comemorar o seu papel na peça, na
qual ela mesma não pensava em se inscrever, ela jura que só
conseguiu o papel porque eu escrevi seu nome na lista de testes,
mas na realidade ela conseguiu porque é talentosa e merece todo o
reconhecimento que recebe por conta disso. Mesmo com o Drew se
mantendo longe de nós, eu ainda tenho vontade de socar a sua cara
por ter feito com que ela parasse de confiar até mesmo naquilo que
ela mais ama desde muito cedo, que é o teatro.
Só que então eu vejo a felicidade adornar seu rosto, e esqueço
que ele existe. Estar ao lado dela não é apenas uma questão de não
estar sozinho, é sobre estar completo, e se eu estou completo, eu
não preciso me preocupar com o mundo afora, ainda mais quando
ele não tem feito mal algum a qualquer um de nós ultimamente.
Digo isso, pois desde o episódio da nossa briga no treino
especial para patrocinadores, Drew nunca mais voltou ao time, ele
também não vive mais na fraternidade, mas algumas vezes ainda
temos a visão nada privilegiada do seu rosto pelo campus, nada que
interfira em nossas vidas, mesmo que eu ainda não acredite que
Drew deixou tudo o que aconteceu para trás. Às vezes, é melhor dar
um voto de confiança do que arriscar a paz que temos vivido nesse
momento.
Devo dizer meia paz, porque nesse momento olhando no fundo
dos olhos de Heaven eu só penso em me declarar para ela, porém é
ainda muito cedo para que tudo isso aconteça. Por mais que
estejamos nos relacionando corriqueiramente, ainda estamos na
fase de amizade, além de que Heaven ainda está se redescobrindo
como mulher, e eu não quero de forma alguma dar início a algo com
ela até ambos termos a certeza que ela se conhece o suficiente
para nunca abrir mão dela mesma ante a qualquer coisa que venha
a acontecer no nosso caminho.
Por mais que muitas vezes eu sinta que ela também quer dizer
as três palavras, como agora, eu sei que ela tem se controlado,
assim como eu, pelas mesmas razões. Ambos não queremos ter
nenhuma dependência emocional um com o outro, apesar de eu já
estar me sentindo dessa forma. Amanhã devo viajar e ficarei sem
vê-la por no mínimo quarenta e oito horas, isso faz meu coração
praticamente dilacerar.
Meus devaneios cessam quando percebo que estou em silêncio
há muito tempo, somente olhando em seus olhos, pensando em
como e quando vou dizer tudo o que sinto para ela e depois tomar
sua boca com a minha.
— Realmente muito bom, e intenso...
— Seu pau que o diga — Heaven comenta em uma risada, se
levantando do meu colo.
— Engraçada você. — A acompanho, mas tento disfarçar a
minha ereção.
A garçonete passa por nós com inúmeras doses de tequila.
Descobri, afinal de contas, que as segundas no Jenkins são, na
realidade, as segundas da tequila, por isso a garçonete não para de
servir as doses. Heaven, por sua vez, pega o que eu acho ser seu
décimo shot, qualquer pessoa normal já estaria caindo com tanto
álcool ingerido, mas Heaven não.
Até mesmo Elliot, que vive com uma bebida ao seu lado, parou
na sexta dose porque já estava perdendo toda a sua dicção. Vi que
Wes parou na pista de dança, e Grey parou no momento em que viu
Allie virar sua segunda dose, já que segundo ele a loira não
costuma beber e quando bebe sempre chora. Eu não havia visto
antes, pois seu choro tinha cessado durante a dança de Heaven,
mas agora voltou.
— Acho que está na nossa hora de ir — diz Kane.
— Vai sozinho — Heaven retruca pegando outra dose.
— Quem vai cuidar da dor de cabeça dela amanhã? — Kane
me pergunta, e antes eu possa responder ele já tem a resposta dele
na ponta da língua. — Viajamos amanhã às nove da manhã, então
nem pensa em se oferecer.
Ele está com raiva, uma vez que não deveríamos ter saído em
uma segunda. Amanhã pela manhã temos treino e depois partimos
de ônibus para o estado do Arizona. A viagem deve durar cerca de
doze horas ou mais, no dia seguinte teremos outro treino e à noite o
jogo, por isso nosso corpo, segundo Kane, deve estar bastante
descansado. Kane leva o esporte realmente a sério, visto que é a
chance de sua vida, enquanto eu nem mesmo sei como vou seguir a
minha, apenas sei quem devo manter nela.
Levanto as mãos em rendição, concordando com meu amigo.
— Tudo bem cara, vamos para a casa.
Quando solto essas palavras, Heaven me devolve uma careta,
o que faz Kane que antes estava emburrado rir, eu apenas mostro o
dedo do meio para ele.
— Linda — a chamo, pondo as mãos em seu rosto. — Já passa
da uma da manhã. Cedinho teremos aula, e eu viajo amanhã, que
tal irmos para casa e no fim de semana fazemos alguma coisa? —
Uso o tom de voz mais calmo que existe dentro do meu corpo.
Heaven faz um bico fofo com seus lábios e seus olhos estão
brilhantes. É nesse momento que eu decido que não estou nem aí
se amanhã eu vou estar fodido no treino, ou no jogo depois de
amanhã, se ela quiser ficar nesse bar até às seis da manhã, eu fico
com ela, sem objeção alguma. Ela sabe como me ganhar, ela só
não sabe ainda que eu sei disso.
— Só se você me prometer fazer uma lasanha no domingo —
diz em uma voz chorosa.
Ergo minha cabeça para cima em uma gargalhada.
— Eu faço lasanha para você todos os domingos, basta você
pedir que eu faço — digo voltando meus olhos para os seus.
Heaven estende seu dedo mindinho para mim, mas ela solta um
arroto fofo e rapidamente cobre a boca, envergonhada.
— Desculpa — pede timidamente —, promete?! — Agora sim
ela consegue estender o dedo sem retraí-lo.
Eu o pego com o meu e cruzamos os dois em um nó, assim
como fizemos inúmeras vezes quando éramos crianças, inclusive
quando prometemos nos amarmos para sempre.
— Prometo.
Dito isso, Heaven me abraça, assim como fez há cinco anos.
Em seguida, todos nós nos preparamos para irmos embora. Elliot,
Kane e Wes pegam um táxi só, adicionando paradas onde cada um
mora, enquanto Grey e eu decidimos acompanhar Heaven e Allie
até o alojamento.
Quando chegamos ao dormitório das garotas, Grey acompanha
Allie até seu quarto, enquanto eu vou com Heaven até o dela, ajudo-
a a tirar suas botas, e lhe digo que vou até a cozinha pegar um
pouco de água, enquanto ela troca de roupa. Durante minha ida até
o ambiente compartilhado ouço Allie dizer que seu pai vai a matar,
enquanto Grey diz que se ele fizer isso terá que matá-lo primeiro.
Rio, porque da última vez que ele entrou em uma briga seu rosto
quase ficou irreconhecível, quem dirá com um homem que aparenta
ter o dobro do seu tamanho.
Após pegar a água para Heaven, volto para o seu quarto, mas a
visão que tenho dela me deixa paralisado, encantado, devastado e
um pouco perplexo, eu diria. Ela não está nua, nada disso, pois
melhor do que ter a visão de toda a sua pele amostra, é ter a visão
do seu corpo dentro de uma camiseta minha.
Bobo da minha parte? Muito provavelmente sim, entretanto eu
não me importo, porque é a imagem mais linda que vejo. Talvez até
possa parecer machista, ou que eu queira ditar que ela me pertence
por vestir uma roupa minha, no entanto não é isso, é apenas algo
que simplesmente faz com que seu mundo se torne ainda mais
colorido, ver uma pessoa que você tanto adora vestindo suas
roupas. Obviamente ela já vestiu roupas minhas antes, mas quase
que por obrigação, enquanto agora ela veste apenas porque quer,
eu acho.
Heaven vira-se para mim percebendo que meus olhos estão na
camiseta que ela usa, então suas bochechas tornam-se rosadas,
acredito que por vergonha.
— Você esqueceu da última vez em que dormiu aqui — trata de
explicar. — Pensei que não iria se importar se eu ficasse ou usasse
ela.
— E eu não me importo — respondo simplesmente. — A
verdade é que fica bem melhor em você do que em mim.
Sorrio me aproximando dela com sua água, ela pega a caneca
que diz “Hater Número 1 de Friends”, e bebe a água em seguida.
— Dorme comigo hoje? — ela pede.
— Só dormir?! — me certifico e ela apenas assente com a
cabeça.
Heaven sabe que eu não acho justo termos qualquer relação
quando um de nós bebe, no caso ela, pois quase nunca ingiro
álcool. Quando aconteceu a nossa primeira vez ambos tínhamos
bebido apenas uma dose de uma bebida estranha, porém depois eu
disse a ela que não era justo fazermos qualquer coisa quando
estamos bêbados, ao ponto de não lembrarmos o que fizemos no
dia anterior, porque pode gerar algum receio sobre o que aconteceu
e até mesmo gatilhos.
Por isso ela concordou comigo quanto a essa objeção.
Como o quarto dentro do pequeno apartamento é bastante
pequeno, a cama de Heaven é de solteiro, então ela se deita no
cantinho, deixando espaço para mim, como fizera nas noites em que
dormi aqui no último mês. Não foi sempre, mas aconteceu de
dormirmos juntos no seu quarto ou no meu apartamento quando
estudamos até tarde, ou simplesmente quando passamos algum
tempo a sós.
Tiro meus sapatos, a camisa e me deito ao seu lado, passando
o braço por debaixo de sua cabeça que acaba descansando ali. Em
seguida, ela põe seu braço por cima da minha barriga, e eu acaricio
seus cabelos. Ficamos em total silêncio, eu olho para o teto branco
de seu quarto, enquanto ela faz desenhos com as pontas do seu
dedo sobre a minha pele.
— Quantos dias você vai passar fora? — Heaven pergunta
quase que em um sussurro engasgado.
— Viajamos de manhã cedo, o jogo acontece na quarta, então
devemos estar de volta na quinta à noite — respondo.
— Será a primeira vez que ficaremos longe um do outro por
tanto tempo desde que retomamos nossa amizade.
Eu solto uma risada triste.
Amizade... Uma amizade rodeada por sentimentos e sensações
estranhas que tomam conta dos nossos peitos incansavelmente,
fazendo com que nossas batidas errem o ritmo, que a nossas
respirações retesem e que o equilíbrio dos nossos corpos acabe.
Uma amizade não deveria nos dar a sensação de que o mundo está
prestes a acabar por você passar três dias longe do outro, deveria?!
Porque é dessa forma que eu me sinto, como se o meu mundo
estivesse prestes a se despedaçar pelo simples fato de que irei ficar
longe dela por setenta e duas horas, nem mesmo quando se trata
da minha mãe ou de Anya eu me sinto dessa forma, mas meu
coração literalmente se aperta quando eu penso que estarei a mais
de 740 milhas de distância da minha amiga.
— Sim — respondo-a —, será. E, sendo sincero, acho que vou
sentir sua falta — digo ao beijar sua testa.
Heaven para de fazer movimentos com as pontas de seus
dedos e me abraça pela cintura, pressionando mais ainda a sua
cabeça contra o meu peito e braço.
— Será que vai ser sempre assim? — ela pergunta, e eu franzo
o cenho, mesmo que ela não possa ver no momento.
— O quê?! — pergunto confuso.
— Que sentiremos essa sensação de perda todas as vezes em
que estivermos longe um do outro?
— Claro que não — digo convicto. — Porque sempre iremos
voltar um para o outro.
— Você demorou muito para voltar da última vez. — Consigo
ouvir o ressentimento em sua voz, por isso engulo em seco antes de
respondê-la.
— A diferença entre o antes e o agora, é que antes eu era
criança e não sabia metade das coisas que estava fazendo ou
dizendo, e agora eu sou um homem que tem a certeza do lugar dele
no mundo.
“E o lugar dele é perto de você”, penso.
— Ao mesmo tempo em que você me ajuda a me reconstruir,
você também me destrói, Axel Drake Davenport — Heaven
comenta, mas eu não consigo entender o que ela acaba de falar.
Um aperto toma conta do meu coração, será que... será que eu
estou fazendo-a sofrer assim com o Drew fez?! Isso é impossível, o
único motivo da minha felicidade nos últimos dias é ver o brilho
voltar aos olhos dela, assistir a forma como ela tem se apaixonado
novamente, cada vez mais, pela vida, é presenciar o quão
autossuficiente ela vem se tornando, sem se preocupar com o
julgamento das pessoas, assim como ela fez essa noite, quando
bebeu, riu e dançou com seus amigos. Eu jamais repreenderia a
felicidade e simplicidade de Heaven, sequer cogitaria essa ideia.
— O que você quis dizer com isso, Heaven? — pergunto.
— Em breve você vai saber... — é tudo que ela responde com
sua voz sonolenta.
No segundo seguinte Heaven adormece, enquanto na minha
cabeça só rodam as suas últimas palavras. Como assim eu a
destruo? Será que a ideia de deixá-la se recuperar do seu antigo
relacionamento chega a ser tão estúpida assim?! “Claro que não”,
penso.
Heaven passou por inúmeros traumas enquanto esteve com
Drew, ela deixou de confiar em si própria, ela se tornou dependente
dele, ela não tinha o fogo de viver como tem agora, ela não tinha o
sorriso genuíno adornando seus lábios como nas últimas semanas,
os olhos azuis da cor do mar do Caribe sequer brilhavam, estavam
constantemente presos dentro de uma tempestade, foscos... Sem
vida, sem cor, sem mar.
Pensar no antes de Heaven, há seis semanas, e no agora, no
quanto ela mudou, no quanto ela se tornou resiliente e forte, fez com
que eu ficasse acordado a noite inteira. Faltam quinze minutos para
o treino começar quando recebo uma mensagem de Kane,
informando que está lá embaixo me esperando. Como ainda não
são nem seis da manhã, faço um esforço máximo para abandonar a
cama de Heaven sem acordá-la.
Quando já estou do lado de fora, cubro o resto do seu corpo
com o lençol, e passo os dedos em seus cabelos castanhos curtos e
macios. Meu coração bate lentamente sentindo a maior saudade de
todos os tempos, mesmo ainda estando ao seu lado, é como se já
estivéssemos longe um do outro por incontáveis cinco anos, mais
uma vez. Beijo sua testa em uma despedida triste, deixando uma
lágrima solitária descer por meu rosto, e nesse momento reforço a
promessa que fiz antes, só que dessa vez para mim mesmo, porque
é insuportável apenas pensar na dor de tê-la longe de mim outra
vez, e mais insuportável ainda deve ser viver dessa forma.
Eu prometo nunca ir embora, por mais que o mundo esteja
contra nós, eu nunca vou te abandonar, nunca!
Saio do seu alojamento com o coração partindo em fragmentos
pequeniníssimos, quando subo no carro Kane deve notar a minha
cara de enterro, por isso indaga:
— O que aconteceu com você, cara?
Dou um sorriso triste para meu amigo.
— Estou apaixonado e fodido para um caralho.
Kane ri da minha resposta e apenas da partida no carro,
enquanto eu me coloco cada vez mais longe de Heaven, finalmente
entendendo o que ela quis dizer antes de adormecer.
Eu não posso te deixar se livrar dessa
E esquecer quando eu sei a verdade
Isso nunca sai da minha mente e
Tudo dentro de mim quer
Encontrar novas maneiras de arruinar você
HURT ME | MADISON

Na primeira vez em que Axel viajou com o time para um jogo


longe fora de casa, eu o senti levantar da cama, logo após isso ele
ainda passou cerca de cinco minutos acariciando meus cabelos e
meu rosto, mas foi apenas no momento em que escutei a porta do
meu quarto fechando que eu deixei a primeira lágrima cair.
Naquela manhã eu me toquei do quanto eu o amava, ou melhor,
o amo.
E é bom saber que eu o amo, a parte ruim é apenas ter que
guardar para mim todo esse sentimento. Por mais que eu tenha me
sentido insegura em algum momento, por medo de estar sendo
precipitada demais com esse novo sentimento e tudo o que vem
acompanhado dele, eu me sinto bem por saber que eu amo uma
pessoa que pode muito bem me amar na mesma intensidade. Um
alguém que eu conheço desde sempre.
Apesar de um dia eu ter dito que ele havia mudado, hoje eu sei
que não, pois Axel continua o mesmo de anos atrás, só que em uma
versão muito melhor de si mesmo, mais madura e resiliente. Com
ele eu não sinto medo, totalmente o contrário, me sinto confortável
para ser eu mesma, para rir alto, usar a roupa que eu quero, estar
com meus amigos e até mesmo sozinha. Prova disso é que há dois
fins de semanas eu fui até Los Angeles para assistir a uma peça,
levando comigo a minha própria companhia. Devo admitir que fazer
algo sozinha foi libertador, enfim eu percebi que eu sou suficiente.
A cada dia que passa eu tenho me tornado uma nova Heaven, a
melhor versão da Heaven que eu posso ser, graças ao meu esforço
contínuo de me libertar de tudo o que passei. A única coisa que tem
me magoado internamente é a minha covardia em não gritar os
meus sentimentos em relação a pessoa que eu amo, porque eu
prometi a mim mesma só dizer as três palavrinhas mágicas quando
finalmente eu pudesse enxergar que eu me amo o suficiente para
poder amar outra pessoa. Por isso, o eu te amo tem ficado todos os
dias preso na minha garganta, como um gole de água que é difícil
de engolir.
Então vocês passam a viverem de pequenos gestos, ele faz a
sua comida preferida todos os domingos, enquanto você compra
pizza de pepperoni todas as quintas para vocês comerem enquanto
estudam juntos. Você também aprende a respeitar o quão metódico
ele é com arrumação, e por isso, mesmo que ele não peça você
para de deixar a toalha molhada em cima da cama, enquanto ele
também te apoia nos teus passos e em todas as suas decisões,
porque vocês valorizam tudo o que o que há no outro. Mesmo que
as palavras nunca saiam de suas bocas, você sente que aquele
sentimento é mútuo.
Mas o melhor de tudo é o carinho, tanto o que ele te dá, como o
que você proporciona a ele. Seja um simples cafuné na cabeça, ou
um beijo na testa, e é dessa forma que temos vivido nesses últimos
dois meses. Axel divide seu tempo entre as aulas, treinos, jogos fora
e dentro de casa e eu, enquanto eu tento administrar minha vida
entre os estudos, os ensaios da peça, nossos amigos e ele. Não
que Axel não seja meu amigo, porque ainda estamos na fase de
amigos que se gostam e transam, mas passar o tempo com ele é
bem diferente de passar apenas com Allie, Wes, ou o restante dos
meninos.
Mesmo que Axel diga que não sente o mesmo tesão pelo
futebol americano que Kane, Elliot e até mesmo o próprio Grey,
ninguém pode negar que ele é um dos melhores do time, se não o
melhor. Ontem ocorreram as quartas de finais do campeonato
nacional contra a Universidade de São Francisco, e a Stout derrotou
o time da casa graças aos dois touchdowns feitos pelo número
oitenta e três, ou melhor dizendo, pelo Axel. Poucos minutos após o
jogo terminar Axel me ligou, perguntando se eu havia assistido à
sua performance, então eu mudei a ligação para uma chamada de
vídeo, mostrando que estava na sua casa, assistindo com Íris, Anya,
meu tio que se tornou namorado oficial da sua mãe, e meus pais.
Nós não apenas assistimos como quase quebramos a tevê quando
o segundo touchdown foi feito, melhor dizendo, meu pai e o tio
Marlon quase quebraram.
A saudade e a angústia que senti na sua primeira viagem ainda
se fazem presentes quando ele precisa viajar, mas elas têm se
tornado cada vez mais fracas, pois nada se compara ao nosso
reencontro, a excitação que sinto sempre que estamos prestes a
nos reencontrarmos. O coração acelera tanto que falta sair pela
boca, a respiração torna-se entrecortada, e as malditas borboletas
se fazem presentes no meu estômago tão fortemente que várias
pontadas de cólicas tomam conta do meu abdômen, isso sem contar
os pequenos gases que solto... Enfim, a anatomia do ser humano.
Nesse momento estou em frente ao polo esportivo da Stout,
esperando o ônibus que traz os atletas de volta ao campus, não
bastando todas as sensações que acabo de citar, minhas mãos
estão molhadas, e um suor fino desce por minhas costas. Essa é a
única ansiedade que sinto que vale realmente a pena sentir,
principalmente quando o ônibus para e ele desce as escadas em
passos confiantes, cabeça erguida, carregando uma mochila nas
costas e com as mãos dentro dos bolsos do seu moletom. Então é
aí que eu saio correndo igual uma louca em sua direção.
Tenho um sorriso enorme pregado na minha boca, como de
costume. Axel tira os fones de ouvido e abre os braços quando
estou a apenas dois metros de distância, então meu corpo tromba
com o seu quando eu pulo em seu colo, passando minhas mãos por
seus ombros largos e as pernas pela sua cintura, Axel quase não
faz o uso de sua força para me manter presa ao seu corpo.
Planto um beijo em seu pescoço, logo abaixo da sua orelha e
inspiro, sentindo as fragrâncias do seu cheiro, que nunca muda,
mas é sempre o melhor de todos.
— Parabéns — grito eufórica quando fico de pé novamente.
Axel beija a minha testa e sorri para mim. Eu já disse o quanto o
sorriso dele é o mais lindo desse mundo? Se não, aí está! Ele é, e
eu o amo, principalmente quando ele é direcionado única e
exclusivamente para mim.
— Por que o Axel nunca me abraça assim quando eu me jogo
nele? — Grey pergunta quando para ao nosso lado.
Axel passa o braço por cima do meu ombro, e nós dois
entortamos a cabeça para o lado enquanto encaramos Grey,
completamente confusos com seu questionamento.
— Não foi isso que eu quis dizer — Grey aponta o dedo para
nós, quando finalmente percebe o que acabou de sair de sua boca.
— Uma pena que você já disse — Axel responde dando dois
tapas no ombro dele, e eu rio.
— O que ele disse dessa vez? — Kane pergunta quando
também se aproxima.
— Que ele se joga no Axel — respondo.
— Heaven... — Grey arregala os olhos, chamando meu nome
entredentes.
— Se ele se jogasse apenas no Axel. — É a vez de Elliot se
aproximar. — Havia uma barata no nosso quarto de hotel, quem
disse que o Grey conseguiu dormir sozinho na cama dele? Não
bastando dormir junto comigo, ele ainda me abraçou...
— Chega! — Grey grita, interrompendo a fala de Elliot e
levantando as mãos para o alto. — Eu não tenho amigos, sou
rodeado por pessoas que me odeiam, e isso fica mais claro a cada
dia que passa.
— Cara, relaxa — Kane tenta apaziguar a situação. — Nós não
nos incomodamos com você se jogando em cima da gente o tempo
todo, o problema é apenas quando você vem com mão boba.
Certo... Ele acaba de piorar tudo.
— Eu não faço mão boba. — Grey aponta para Kane.
— Não foi isso que eu senti quando sua mão estava na minha
bunda essa manhã — retruca Elliot.
— Acho melhor sairmos daqui — sussurro no ouvido de Axel
que apenas concorda com a cabeça.
Deixamos os garotos discutindo sobre Grey ter mão boba ou
não e nos afastamos deles. Axel mantém seu braço envolta dos
meus ombros, então eu aproveito e levo minha mão até a sua,
entrelaçando nossos dedos. Ele me conta um pouco sobre como foi
a viagem, que dessa vez durou menos de dois dias, e faz planos
para a semifinal, que deve ocorrer no começo do ano.
Já estamos em dezembro, mais precisamente, a menos de dez
dias do Natal e antes de entrarmos no recesso de fim de ano, terei
amanhã a primeira noite de apresentação, por isso quando
entramos no prédio do alojamento Axel me pergunta:
— Ansiosa para amanhã?
“É claro que estou”, penso. Porém não respondo de imediato,
nos últimos dois meses tenho trabalhado incansavelmente na peça
onde farei o papel principal, isso é um passo enorme para mim,
primeiro porque eu sou caloura e segundo que a peça foi escrita por
uma das maiores autoras de novelas do país, e a mesma está
fazendo parte da produção também. Isso sem contar as inúmeras
críticas que venho recebendo dos veteranos, alguns realmente não
gostaram nada de ter uma caloura fazendo o papel principal, mas de
forma alguma eu tenho baixado minha cabeça, não porque elas não
me atingem, mas porque se tem algo que aprendi nos últimos
meses é que sempre haverão aqueles que se acham superiores a
mim, levantar a cabeça não me faz uma pessoa soberba, apenas
me torna alguém melhor que eles.
— Um pouco — digo meia verdade enquanto subimos as
escadas. — Já entrei no palco incontáveis vezes antes, mas o frio
na barriga sempre existe e a cada segundo que passa, parece que é
a primeira vez que estou entrando.
— Você não me deixou assistir a nenhum ensaio dessa vez,
mas eu tenho certeza que você vai dominar aquele palco — diz ele
ao pressionar seus lábios contra o topo da minha cabeça.
Ah! Eu amo quando ele me beija assim, chega a ser melhor do
que quando nossas bocas estão juntas.
— Se a própria Lindsay — menciono o nome da roteirista e
produtora —, está com os nervos à flor da pele, imagina eu —
respondo quando chegamos ao meu andar.
— A Lindsay é amadora, você é profissional — ele fala em um
tom sério e eu rio, realmente rio.
Paramos em frente à minha porta e Axel me olha seriamente
com o cenho franzido, ele realmente falou sério. É incrível como ele
sabe que eu tenho vários defeitos, mas sempre fala ou age como se
eu fosse a pessoa mais perfeita do mundo.
— Você falou sério — constato e ele apenas assente com a
cabeça. — Vale lembrar que a Lindsay é profissional e atua na área
há mais de quinze anos. — Deixo subentendido.
— Amadora do mesmo jeito — Axel responde em um dar de
ombros.
— Tudo bem — falo cantando enquanto abro a porta.
Allison teve aula durante a tarde, por isso Axel e eu estamos
sozinhos, porém antes que eu possa fechar a porta, uma criatura
ruiva, com a qual eu não falo há mais de três meses, se coloca em
frente a mesma.
— Sadie?! — Me espanto com sua aparição repentina.
— Heaven... — ela diz receosa. — Nós precisamos conversar.
— Certo... — respondo cautelosa.
— O que aconteceu? — Axel interfere.
Nesse momento Sadie arregala os olhos, dando-se conta que
eu não estou sozinha e em seguida balança a cabeça.
— Isso foi um erro, deixa para lá — diz já se afastando.
— Sadie — eu a chamo —, entra!
— Deixa para lá, é be-besteira minha — ela gagueja.
Sadie continua a se afastar de mim dando passos para trás,
mas eu me aproximo dela vagarosamente, tentando manter a
calma. Nós não somos mais amigas, longe disso, mas a garota está
claramente apreensiva.
— Sadie — a chamo calmamente. — Por favor, entra. Vamos
conversar — tento convencê-la. — O que aconteceu?
A ruiva em questão apenas balança a cabeça em negativa, e
uma lágrima desce por seu rosto enquanto ela continua se
afastando. Sadie passa as mãos no rosto, percebo que ela engole
em seco duas vezes, então eu tento outra vez me aproximar e
dessa vez eu consigo, pego seus pulsos cuidadosamente, não
deixando de olhar no fundo dos seus olhos castanhos.
— Sadie, você está claramente apavorada. Me diz o que
aconteceu.
Seus olhos abandonam os meus por uma fração de segundos,
e ela olha além de mim, desse modo eu olho por cima do ombro,
notando que Axel está logo atrás.
— Você quer conversar comigo sozinha? — pergunto cautelosa.
A única coisa que Sadie faz é assentir. — Tudo bem... O Axel pode
esperar no corredor, não é? — Olho para ele novamente por cima
do ombro, ele parece tão preocupado com a situação quanto eu, por
isso ele concorda assentindo.
Sadie me olha cautelosamente outra vez, ela é um pouco mais
baixa e magra que eu, então ao aproximar nossos corpos, consigo
abraçá-la facilmente. Juntas caminhamos de volta até meu
apartamento, quando entramos Axel fecha a porta atrás de nós.
Levo-a até o sofá, deixando-a sentada ali e vou até o frigobar
pegando uma garrafa de água. Quando volto ao sofá, entrego a
mesma à Sadie, mas suas mãos estão tremendo, por isso ela não
consegue abrir a tampa na primeira tentativa.
Ela parece realmente estar perturbada com algo que eu não
consigo decifrar o que é. Desde a minha última conversa com Sadie,
onde eu disse que a perdoaria, todavia não continuaria sua amiga,
nunca mais nos falamos. Obviamente chegamos a nos ver pelo
campus, ou até mesmo no prédio, já que ela mora no andar de
cima, porém não nos falamos, nem mesmo um simples “oi”, só que
naquele dia eu disse que se ela precisasse de mim em algum
momento, eu estaria com ela, talvez seja por isso que ela me
procurou.
Ou talvez não, o último pensamento que passa em minha
cabeça para Sadie ter vindo assim tão de repente é Drew, claro que
só pode ser ele. Eu tenho o visto de longe, mas sem muita
frequência, nós realmente cortamos qualquer relação que tínhamos,
não só isso, ele nem sequer chega a entrar na minha mente mais,
quase não revivo as memórias do que tivemos juntos, sendo elas
boas ou não.
Mas se eu sou capaz de reconhecer algo é justamente essa
perturbação que Drew pode causar nas pessoas, ele causou isso ao
Axel quando éramos crianças, e me causou durante quase todo o
nosso relacionamento. Por isso eu vou direto ao ponto quando vejo
que Sadie já está um pouco mais calma.
— O que o Drew fez? — pergunto.
Sadie arregala os olhos, me olhando assustada.
— O quê?! Porque você acha que ele fez algo? — ela age na
defensiva.
— Você está atormentada, Sadie — digo calmamente. — Seus
olhares estão oscilando, suas mãos tremendo, mesmo depois de
beber água sua boca provavelmente continua seca, seus
pensamentos também devem estar divagando e a todo momento
você tenta ligar os pontos sobre o que está acontecendo, ou quando
começou a acontecer. Você não precisa me explicar nada, mas no
fundo eu sei que é algo relacionado a ele, sem contar que você teve
medo do Axel, ou seja, você não quer chegar perto de nenhum
homem agora porque você não confia nas ações de um.
Sadie me interrompe no momento em que ela desaba a chorar,
meu próximo passo é apenas abraçá-la e tentar lhe consolar. Trago
sua cabeça até meu peito e passo a afagar seus cabelos, ela
apenas me abraça e chora contra o meu corpo, seu corpo treme e
de sua boca saem vários soluços. Eu simplesmente a deixo tirar o
martírio da sua mente através das lágrimas, não ouso cessar
qualquer coisa que ela possa estar sentindo.
Ela precisa do seu próprio tempo, ela precisa gritar durante o
choro, ela precisa enxergar que ela não errou em nada, que ela não
é culpada de nada, que ela é somente uma vítima e que por mais
que ela o ame, ele não a merece. Eu passei por isso e inúmeras
mulheres passam pela mesma coisa todos os dias.
Pois um dia você está no topo de um prédio e no outro o
elevador apenas despenca, então você pensa, onde eu errei? Por
que eu deixei isso acontecer? Como eu não enxerguei o que estava
à minha frente antes? Afinal, várias pessoas me avisaram, mas eu
não quis escutar, porque eu acreditava que poderia existir um fio de
esperança de que ele mudasse e enfim fôssemos felizes, contudo
ele não mudou, ele prometeu, mas não mudou.
Ele realmente prometeu, ele olhou em meus olhos e disse que
nada daquilo iria acontecer outra vez, mas aconteceu. Não se
passaram nem três dias até um simples grito tirar do eixo toda a
felicidade que habitava no seu corpo nas últimas horas, porque você
foi tola o suficiente para acreditar que um dia ele poderia mudar por
você, por vocês... É difícil se tocar que você não é a salvação, que
um minuto de felicidade para ele não é suficiente, pois a felicidade
dele é moldada no quanto ele te faz sofrer. Nós, mulheres, criamos
uma fé estranha de que somos as salvadoras de homem sem
noção, quando na realidade não somos, nós somos seres humanos
que sentem, que amam, que sofrem, e como sofrem...
Principalmente por eles. Somos tão acostumadas a ler romances e
assistir a filmes onde os anti-heróis mudam apenas por conta de
uma mulher, quando na realidade nenhuma mulher tem obrigação
de ser a reabilitação de macho tóxico.
Quando Sadie finalmente para de chorar ela se afasta
lentamente do nosso abraço e eu finalmente consigo enxergar as
marcas no seu pescoço, além de um pequeno corte em seu lábio
inferior, ela a machucou assim como fizera comigo. Coloco uma
mão em seu joelho e pergunto novamente o que aconteceu, Sadie
apenas balança a cabeça negando.
— Sadie, olha para mim, por favor — peço num sussurro, então
devagar ela levanta a cabeça e me olha. — A gente precisa prestar
uma queixa contra isso. — Rapidamente Sadie nega com a cabeça.
— Não, não, não — repete várias vezes. — Eu... eu... eu não
posso fazer isso. Não.
— Sadie... — chamo. — Você precisa...
— Você nunca denunciou, Heaven — ela me interrompe. —
Então por que logo eu tenho que fazer isso? — reage na defensiva.
— Você tem razão, eu nunca denunciei — digo, respirando
fundo por sua acusação. Esse não é o momento para uma briga ou
desentendimento entre nós duas. — Eu me permiti acreditar no
Drew. Ele me prometeu que iria mudar, eu acreditei, mas então ele
fez de novo. Eu poderia ter prestado a queixa há meses, no entanto
apenas quis me ver livre de tudo aquilo o quanto antes fosse
possível — digo enquanto lágrimas se formam nos meus olhos.
Lembro dos momentos de pânico que passei esperando Drew
explodir e me agredir com palavras ou fisicamente. Foram episódios
tempestuosos, onde eu tentava ser forte para que ele não
percebesse o pavor que eu sentia quando discutíamos.
— Você não entende, nós dois brigamos feio, fui eu quem bati
nele primeiro — ela defende. — É que ele está tão louco... tão fora
de si, ele parece outra pessoa desde que vocês terminaram, ele fala
sobre você todas as horas do dia, ele fica vendo fotos, vídeos... —
Ela passa a mão no rosto, e depois nos cabelos. — Obcecado, é
assim que ele está. Eu pedi para ele voltar ao normal, e ele me
disse que isso só iria acontecer quando você voltasse para ele,
então meu sangue ferveu e quando vi, eu já estava com a mão no
rosto dele, e depois... depois... — Ela começa a chorar de novo,
dessa vez com a mão na boca, tentando abafar o soluço.
Eu a abraço novamente, e quando seu choro se torna
silencioso, eu não espero que ela continue a história. Eu olho para
Axel que acaba de entrar silenciosamente no dormitório, acredito
que já faz quase uma hora que estamos aqui, conhecendo-o como
conheço, ele se preocupou com a situação. Ele senta no braço do
sofá com os braços cruzados, vejo compaixão transparecer em seus
olhos, mas eles também transmitem raiva, e eu imagino bem o
motivo disso, porque eu sinto o mesmo no momento. Quando Axel
percebe que eu estou olhando demais para ele, ele fala:
— Você precisa denunciá-lo, Sadie.
Ela nega novamente com a cabeça, e Axel solta um suspiro
pesado.
— Você prefere mesmo perdoar o que ele fez com você? — ele
a desafia. — Se ele tivesse mexido com um homem, uma boa surra,
como as que ele levou meses atrás, resolveria, mas uma mulher?!
Quão mais longe ele estiver de você, melhor.
— É complicado, vocês não são capazes de entender Sadie
fala, com a voz fraca e trêmula
— Eu costumava dizer isso também — digo. — Eu dizia que era
complicado, eu acreditava que ele poderia mudar, e ele “mudou”...
— Faço aspas com as mãos. — por um mês. Entretanto, isso não
aniquilou o meu medo, não me fez parar de estremecer esperando
um grito, não fez com que eu não percebesse o quão escuros seus
olhos se tornavam quando ele estava prestes a explodir. Eu
pensava que ele seria o único a me amar, então por isso eu o
perdoei, porque você não larga um pássaro preso para arriscar ter
dois que estão voando. E se você não fizer isso, ele só vai te
machucar mais e mais, fazendo com que você tenha medo até da
sombra dele. E todo o poder que ele tinha sobre mim, com sua voz
potente, com seus punhos fortes ou seus olhos nublados, foi o que
fez tudo se tornar tão complicado.
Sadie me olha pálida. Ela parece pensar um pouco, então
desvia seus olhos para Axel, que a encara com pura empatia, agora
agachado à nossa frente. Porém ela se prontifica em negar com a
cabeça.
— Não, eu realmente não posso. Eu agradeço muito a vocês
pela ajuda, a você principalmente, Heaven. — Ela me olha. — Por
me entender, por não ter jogado pedras em mim, principalmente
depois da vaca que eu fui com você, mas eu não posso fazer isso.
— Você o ama, não ama?! — pergunto. Sadie confirma,
assentindo com a cabeça. Eu a puxo, e puxo sua cabeça para mim,
dando um beijo na sua testa. — Vem. — Me levanto e ofereço a
mão para ela. — Vamos limpar seus machucados.
Sadie sorri, fraco, mas sorri. Vou com ela até o banheiro, ajudo
Sadie a limpar o corte em seu lábio e também os machucados de
seu pescoço. Procuro o kit médico debaixo da pia, e quando o
encontro limpo suas feridas com álcool, o que a faz sibilar de dor.
Sadie está sentada em cima da tampa do vaso, e agora eu estou
limpando o sangue que há em sua boca. Quanto aos hematomas no
pescoço e no olho, não há muito o que fazer, a não ser esperar que
eles sumam com o tempo.
— O que você vai dizer aos seus pais quando eles a verem
nesse estado? — pergunto.
— Meu pai quase nunca está em casa, e minha mãe está do
outro lado do país, eles não vão nem me ver, pelo menos por um
tempo, e meu irmão pouco se importa com o que acontece comigo
desde que eu esteja presente quando ele precisa de mim. Eu
espero... Isso dói — ela diz apontando para minha mão que está
segurando o algodão encharcado de álcool na sua testa.
Eu nunca falei um “oi” sequer com o irmão de Sadie, mas
lembro dele de quando ia buscá-la em minha casa. Ele é apenas
quatro anos mais velho, mas, mesmo assim, muito assustador, ruivo
igual a ela e com um olhar sombrio que dá medo.
— Desculpa. — Sorrio sem jeito.
— Ele... O Drew... Chegou a te machucar dessa forma? —
pergunta hesitante.
— No pescoço já, eu surtei quando ele fez isso, saí correndo
pelas ruas quando vi meu pescoço cheio de marcas. Eu queria ter
tido forças para denunciá-lo, não só ali, mas também na primeira
vez, quando ele me empurrou contra um armário na escola, mas
não tive forças nem para ao menos ter terminado com ele. Não tive
coragem o suficiente, em nenhum dos casos, ela só chegou quando
eu vi vocês dois juntos, e, por um milésimo de segundo, durante
vários dias, eu até pensei em perdoá-lo — revelo.
— E por que não perdoou? — Sadie pergunta.
— Porque eu mereço algo melhor do que sofrimento e medo, e
tenho dito a mim mesma que tudo o que senti por Drew nunca foi
amor, e sim dependência.
— Sua terapeuta é muito boa.
— Eu não faço terapia — digo num sorriso compadecido.
— Mesmo que várias pessoas insistam para que ela faça —
Axel diz. Ele está parado na porta do banheiro com os braços
cruzados, eu nem mesmo tinha percebido sua presença ali.
— Quando você chegou aqui? — pergunto.
— Quando você disse que não faz terapia — diz ele. — Estão
com fome?
— Sim — digo.
— Acho melhor eu ir para meu dormitório — Sadie responde ao
mesmo tempo, ela se levanta e alisa sua saia.
— Você tem certeza disso? — pergunto ficando à sua frente, e
ela assente com a cabeça. — Também tem certeza de que não quer
denunciar? — insisto novamente.
— Sim, tenho sim — dessa vez ela responde.
— Você sabe que se precisar pode contar comigo, certo?! De
verdade, sério, pode me chamar quando precisar, mas deixa eu te
dar só um conselho — imploro com os olhos enquanto pego suas
mãos. — Você tem todo o direito de amá-lo, somos seres humanos
estúpidos que estão aptos ao fracasso, principalmente quando se
trata dos nossos próprios sentimentos, não o deixe mais te tocar
assim, te machucar dessa forma, não o deixe ter controle. Se você
não quer denunciar, tudo bem, mas mesmo assim você precisa se
manter longe dele, Sadie.
— Eu sei disso — ela confessa. — Não vou denunciá-lo, mas
também não quero me machucar ainda mais, não é só fisicamente
que eu falo, sabe?! Eu sei que ele não me ama, nem gosta de mim,
e isso dói. Eu vou fazer de tudo que estiver ao meu alcance para me
manter longe dele, porque cada vez que me aproximo, só me
machuco mais e mais, e não quero continuar assim. — Ouço o som
da promessa em sua voz, e lhe dou o benefício da dúvida ao confiar
nas suas palavras. Então eu abraço Sadie, uma última vez.
Não é porque ela foi uma vaca, e ficou com meu namorado
tóxico enquanto eu estava com ele, que eu a deixaria na mão em
um momento como esse, falei sério quando lhe disse que poderia
contar comigo. Eu, mais do que ninguém, sei exatamente o conflito
que ela está passando, a luta que está acontecendo dentro dela, é
tudo muito confuso agora, mas com o tempo, se ela realmente for
forte, vai conseguir superar essa crise. Eu ainda estou caminhando,
tentando, e superando cada dia mais e mais, então sei por
experiência própria que ela vai conseguir, basta confiar em si
mesma.
— Você deveria tentar cursar algumas cadeiras de Psicologia —
Sadie diz quando nos largamos.
— Nem pensar — digo num sorriso. — O palco é o único lugar
onde eu quero estar.
— Tudo bem.
Saímos do banheiro com Axel nos acompanhando. Estamos os
três parados no vestíbulo quando Axel abre a porta da frente, então
Sadie se vira e fala:
— Muito obrigada mesmo por ter me apoiado, Heaven. Quando
eu entrei em um colapso nervoso eu não soube quem procurar,
então desci as escadas e foi quando eu vi você entrando aqui, por
isso acabei vindo. Sei que não somos mais amigas, e você tem todo
o direito de se manter longe de mim, eu entendi naquela época e
entendo até hoje. Você é uma pessoa boa e não merece uma
pessoa tão egoísta como eu ao seu lado.
— Querer ser amada não é questão de egoísmo, Sadie —
interrompo-a. — Só que abrir mão de si mesma pelo outro é, com
certeza, a maior falta de amor próprio. Você tem que primeiro
aprender a se amar para poder doar o seu amor ao outro, para que
assim ele também possa lhe retribuir dessa forma.
— Você acha que eu posso conseguir encontrar meu amor
próprio um dia? — pergunta com receio.
— Não tenho dúvidas alguma disso. — Sorrio sincera. — Eu te
conheço há anos, você é uma pessoa boa, só falta descobrir isso
sozinha, assim como eu descobri, mas eu precisei de pessoas boas
comigo para desabrochar esse lado meu, por isso eu quero estar do
seu lado, desde que você prometa nunca mais se submeter a ele
outra vez.
Sadie solta uma risada triste acompanhada de outra lágrima e
eu a puxo para outro abraço, que dura mais dois minutos.
— Posso voltar a almoçar com vocês a partir de amanhã? — ela
pergunta quando nos desfazemos do abraço.
— Até amanhã — digo, o que a faz abrir um sorriso, assentindo.
— Até amanhã — repete.
Após isso ela vai embora, e Axel e eu continuamos parados na
porta, observando-a no corredor, quando ela sobe a escada Axel
fecha a porta. Andamos juntos até o sofá e nos sentamos, percebo
que ele hesita antes de falar, porém logo abre a boca.
— Você acha realmente que ela está certa em não denunciar?
— Com certeza não — eu respondo. — Mas ela o ama.
— O que isso tem a ver? — Axel pergunta, atônito.
— É complicado... — Ele me olha com severidade. —
Justamente por amá-lo que ela não quer o mal dele, e sabe que, se
denunciar, isso vai manchar a ficha dele, ele vai perder várias
coisas, como a bolsa na universidade, um emprego bom no futuro,
enfim.
— Ele tem mais é que se foder — Axel responde, e eu assinto.
— Você sabe que enquanto algo do tipo não acontecer com ele, ele
vai se achar no direito de agredir as pessoas, certo?!
— Sim, eu sei — assinto. — Se estivesse em minhas mãos e eu
sabendo o que sei, hoje eu não hesitaria. Às vezes eu ainda sinto a
necessidade de me vingar dele por tudo o que me fez passar, só
que aí eu lembro dos olhos dele ficando cada vez mais negros
quando a raiva ia chegando, da voz profunda quando falava
enfurecido... Eu estou superando isso tudo, e mesmo com o tempo
passando tão rápido ainda é muito recente, as imagens e os sons
ainda estão frescos na minha memória, entretanto se ele me
tocasse outra vez, hoje, eu não hesitaria em denunciá-lo.
Axel me escuta atentamente, e vejo seu pomo de adão descer e
subir quando ele engole em seco, então fica ao meu lado e me
abraça.
— Você não está sozinha, eu vou te ajudar a superar tudo isso.
— Você já está ajudando, lindo — digo. — Só espero que a
Sadie consiga se manter longe também.
— Ela vai, porque ela terá você ao lado e eu sei que não vai
desistir dela.
— Como você tem tanta certeza disso?!
— Porque você não desiste das pessoas, Heaven. Você vê
brilho até onde há escuridão, basta você querer, e você quer estar
ao lado dela, se não quisesse, nem mesmo teria dado ouvidos a ela.
— Parece que você me conhece bem, senhor Axel Davenport.
— Eu tento. — Ele sorri de canto e então o beijo.
Você é a cura, você é a dor
Você é a única coisa que quero tocar
Nunca imaginei que isso significaria tanto
LOVE ME LIKE YOU DO | ELLIE GOULDING

— Você só pode estar brincando com a minha cara, e você


sabe muito bem que não deve brincar com uma irmã Kardashian —
pontua Wes.
— Você não é uma Kardashian — retruca Allison.
— Sou um Jenner, quase a mesma coisa. — Ele dá de ombros.
— Você realmente voltou a falar com a vaca da Sadie?
— Primeiro — Aponto para Wes. — Você ter o mesmo
sobrenome da Kylie e da Kendall não te torna uma Jenner, quem
dirá uma Kardashian. — Ele faz uma careta para mim. — Segundo
que ela pode ter sido uma vaca comigo, mas ela está sofrendo, eu
não estender a mão para ela, fala mais sobre mim do que sobre ela.
— Realmente, fala só sobre quão otária você é — Wes
desdenha.
— Eu não vou entrar nessa questão com você, Wes.
Digo isso porque realmente não vou, por Wes eu passaria o
resto da minha vida ressentida com a Sadie, mas eu não sou assim,
magoou o que ela fez? Demais! Todavia eu não vou me tornar uma
pessoa melhor se simplesmente virar a cara para outra mulher que
precisa de mim, isso é sobre empatia e sororidade, algo que eu tive
pouco e mesmo assim estou disposta a doar ao próximo.
— Eu concordo com a Heaven — Allison diz. — Sadie precisa
de ajuda, e vamos ajudá-la assim como ajudamos a Heaven.
— Você não faz parte do grupo de teatro, portanto nem deveria
estar aqui, gnomo de jardim — Wes ataca Allison novamente.
— Nem você — ela responde afiada.
Estamos no camarim, Wes e eu estamos nos arrumando para a
primeira noite de apresentação que deve ocorrer em menos de uma
hora. Wes conseguiu ser substituto de um dos personagens
secundários da trama, porque quem iria ficar com o papel, que
agora é dele, teve uma intoxicação alimentar. Quando meu amigo
recebeu a notícia ontem à noite, que iria fazer parte do espetáculo,
quis me certificar de que ele não deu nenhum pãozinho “batizado”
da padaria da sua mãe para Josh, o garoto que deveria interpretar o
policial Reymond. Ele jurou pela santíssima trindade da música pop
que não fizera nada de mal, então a única opção que tive foi
acreditar em Wes.
Lindsay Sinclair, a responsável por toda a produção, entra no
nosso camarim carregando um grande buquê com cerca de cem
rosas brancas. Lindsay é loira e alta, digna das passarelas da
Victoria’s Secret, mas em vez disso ela é uma das melhores
roteiristas do país.
— Essa é uma entrega especial para a estrela da noite — ela
diz ao pôr o arranjo de rosas na penteadeira à minha frente.
— Não precisava disso, Lin... — digo, claramente com
vergonha.
Eu nunca recebi flores no camarim antes, a não ser dos meus
próprios pais. Eles costumam fazer isso sempre ao final do
espetáculo, e normalmente são orquídeas, entretanto receber flores
da responsável pelo espetáculo é um tanto quanto vergonhoso.
— Não são minhas — ela se retrata rapidamente. — Somente
pediram para entregar. Tem um cartão aí, também estou curiosa
para saber de quem são — ela diz apontando para o cartão.
Me levanto da minha cadeira, e pego o envelope azul turquesa
que está entre as rosas que são tão brancas quanto as nuvens em
um dia ensolarado. Verifico a frente e o verso do papel, porém não
há qualquer assinatura, por isso abro o envelope. A folha dobrada
tem o mesmo tom de azul, e eu logo começo a ler o que há escrito
nela.
“Eu já te disse em voz alta o quão foda você é?! Se não, aqui
vai:
VOCÊ É FODA PARA CARALHO, HEAVEN CAROLINE!
Se um dia me perguntarem quem é a pessoa mais foda que eu
conheço e que me inspira todos os dias, com certeza é o seu nome
que virá à minha mente. Há alguns meses, eu não sabia sequer
como falar com você, eu te fiz chorar apenas por não saber como te
perguntar se você estava bem e se precisava de alguma ajuda, e
sabe qual foi a sua resposta após o choro? Foi gritar na minha cara
que você é uma mulher foda. Eu nunca duvidei disso, e ver que
você, a cada dia que passa, não duvida mais de si mesma como
duvidou um dia, só te torna ainda mais foda. Desculpe o textão e a
letra feia, mas eu precisei vir até aqui te dizer isso, e espero que
você guarde essas palavras para o resto da sua vida, porque é isso
que eu vou fazer.
Você é foda, Heaven! E você é a minha inspiração! Suba
naquele palco sabendo que você é a melhor, a maior e mais foda de
todas. Eu não sei se essa analogia de quebre a perna está certa,
mas quebre a perna.
Axel.”
Inúmeras lágrimas descem por minhas bochechas, todas elas
de pura felicidade. Desde ontem eu não vejo ou falo com Axel
devido a correria para a apresentação, e o fato de ele se fazer
presente minutos antes das cortinas se abrirem me dá vontade de
sair dos bastidores desse auditório e correr até onde ele está,
gritando para todos que o amo. Não é o que eu faço, apenas dou a
folha com as palavras que ele escreveu nas mãos das três pessoas
curiosas ao meu lado para elas lerem o conteúdo e limpo minhas
lágrimas.
— Esse carinha é foda — Lindsay diz com um sorriso bobo
igual ao meu no rosto, quando termina de ler.
— Uau — Allie diz exasperada.
— O canalha do Drew nunca fez uma coisa dessas — Wes
comenta e Allie dá um tapa no ombro dele, o olhando feio. —
Precisava? — diz ele passando a mão no que vai se tornar um
hematoma leve mais tarde.
— Falar do Drew agora, sério Wes? — Allie diz com raiva.
— Você nem mesmo deveria estar aqui — comenta Wes outra
vez.
Allison arregala os olhos olhando para Lindsay, que apenas
desdenha com a mão. Os dois continuam discutindo sobre Allie
poder estar ali ou não, enquanto Lindsay passa as últimas
instruções antes de eu entrar no palco e me deseja sorte. Antes de
ir embora ela chega próximo ao meu ouvido e sussurra para que
apenas eu possa escutar:
— Não sei se você sabe, mas a rosa branca significa pureza e
amor eterno. Não conheço esse carinha, mas com certeza vocês
nutrem o amor mais puro que possa existir, ficou explícito nos seus
olhos brilhantes e no gesto dele. Portanto, quando acabar essa
peça, só faz o favor de se jogar nos braços dele, isso é, se ele for
um gostoso. — Ela me faz rir no final.
Lindsay sai do camarim, e Allison a acompanha, não sem antes
abraçar a mim e ao Wes nos desejando sorte. Ela diz que estará na
primeira fila juntamente dos nossos pais e amigos, e se despede.
Estando “sozinha” agora, aproveito para realizar minha rotina
antes de entrar no palco, que é basicamente um exercício para
limpar minha mente, a fim de deixar entrar na minha pele somente o
papel que viverei nos próximos minutos, durante três atos. Faço
também alguns exercícios de respiração e concentração. Do outro
lado do camarim, Wes também faz a sua rotina, que é basicamente
colocar seus fones de ouvido e escutar músicas pop.
Dou uma última olhada no roteiro, apenas para ter certeza que
todas as falas e gestos estão decorados. Quando faltam dez
minutos visto meu primeiro figurino, me olho no espelho para
confirmar que todos os fios do cabelo estão em seu devido lugar.
Wes aperta meu ombro com um sorriso no rosto e diz:
— Hora de quebrar a perna.
— Hora de quebrar a perna — repito suas palavras.
Ao sairmos do camarim, todo o restante do pessoal da peça já
se encontra nos bastidores. Lindsay proclama algumas palavras de
agradecimento e encorajamento, logo após todo o elenco
acompanhado dos assistentes de palco se junta em uma roda
pequena, unimos nossas mãos ao centro e cinco segundos depois
as levantamos no ar, todos rindo e aplaudindo.
Me posiciono ao centro do palco e as cortinas vermelhas se
abrem, um grande foco de luz me ilumina, então o espetáculo
começa.
Entre Verdades e Sangue é um drama contemporâneo que
conta a história de Vanessa Martín, minha personagem, uma
doméstica que se torna uma herdeira milionária após um trágico
acidente envolvendo o patriarca da família para a qual ela
trabalhava. A história se desenvolve enquanto a polícia tenta
descobrir como a morte aconteceu. Segundo Vanessa foi um
acidente, já para a polícia foi um plano dela para se tornar
milionária. Ao final todos descobrem que, na realidade, a doméstica
era uma filha bastarda do ricaço. Uma trama e tanto.
— Se eu fiz o que fiz, foi por amor, amor a mim mesma, vocês
podem me excluir, mas vocês sempre se lembrarão de mim...
Ao término da minha última fala, a luz se apaga e as cortinas se
fecham, anunciando o final do espetáculo. Meu coração se dilata,
tornando-se enorme dentro do meu peito, com apenas gratidão e
felicidade por esse momento. Quando eu escolhi a atuação foi como
uma forma de viver inúmeras vidas em uma só, dar vida a um
personagem é ganhar uma nova história, conhecer outra realidade,
um novo amor, um novo sofrimento. Pode parecer bobagem o que
vou dizer agora, mas apesar dos erros de Vanessa ao longo da
trama, ela me ensinou a nunca me subestimar, ela me trouxe de
volta a garota atrevida de anos atrás, aquela que ama o próximo,
mas não mais do que a si mesma, e que por isso sempre irá fazer o
que é melhor para ela em primeiro lugar.
E é exatamente por esse motivo, que quando as cortinas se
abrem novamente e nos curvamos para o público enquanto eles
aplaudem, que ao invés de permanecer no palco recebendo os
aplausos e acenando para as inúmeras pessoas desconhecidas, eu
desço dele e vou diretamente rumo ao homem que se encontra na
primeira fileira, assim como ele havia prometido. Ele está
estupidamente lindo com os seus cabelos penteados para trás,
vestindo um blazer e calça de linho cinza, e uma camisa branca. Há
outras pessoas que são próximas a mim, assim como minha família,
sua mãe e nossos amigos ao seu lado, mas a única que me
interessa ali é ele.
— O que está fazendo? — Axel pergunta quando paro em sua
frente.
— Te agradecendo pelas flores — enlaço minhas mãos em seus
ombros e simplesmente o beijo.
Isso nunca aconteceu na frente de outras pessoas, sempre que
estamos juntos é algo mais íntimo, algo que acontece apenas entre
nós dois. Apesar dos nossos amigos saberem sobre nós e nossos
pais desconfiarem, nós nunca assumimos qualquer tipo de relação
antes.
Eu pensava que eu não estava pronta antes, mas ver a
confiança se acender em mim outra vez, fez com que eu
percebesse que não há nada nesse mundo que eu esteja mais
pronta no momento do que para amá-lo, e o primeiro passo para
isso está acontecendo agora, enquanto suas mãos estão envolta da
minha cintura, me segurando contra seu corpo alto e forte, e minhas
pequenas mãos estão mantendo a pressão da sua cabeça contra a
minha, enquanto nossas línguas fazem uma dança calma e
silenciosa dentro de nossas bocas.
Beijá-lo assim, na frente de várias pessoas, é como beijá-lo pela
primeira vez. Traz um frio estranho na barriga, juntamente com a
excitação de molhar a calcinha. Sua língua é delicada e ao mesmo
tempo tão áspera, o gosto mentolado se mistura com a fragrância
do seu perfume amadeirado, tudo simplesmente perfeito, e que se
torna ainda mais quando as nossas bocas se separam lentamente e
continuamos olhando um para o outro. Eu tenho um sorriso bobo e
apaixonado pregado em meus lábios que espelha o mesmo sorriso
que há em sua boca, as pessoas ao nosso redor falam, gritam,
batem palmas.
Eu estou inerte a toda e qualquer situação, pois eu sei que
nesse momento Axel entende que ele não precisa mais esperar por
mim, que estou pronta para ele, pronta para amá-lo com todo o meu
ser, estou pronta para deixar que o seu amor entre em meu coração
e me domine.
Estou finalmente livre de todo o caos que habitava em mim,
estou finalmente liberta do mar turbulento onde eu costumava
navegar, eu estou pronta para viver dentro do arco-íris que se forma
logo após a tempestade. E se há uma pessoa nesse mundo que é
capaz de trazer todas essas cores para a minha vida, essa pessoa é
o Axel.
Sim, eu tenho sentido tudo
Do ódio ao amor, do amor à luxúria, da luxúria à verdade
E acho que é assim que eu te conheço
Então eu te abraço apertado para te ajudar a se entregar
KISS ME | ED SHEERAN

Eu sabia que eu não deveria ter deixado Heaven fazer isso. Ela
acelera meu carro como se fosse a porra do Dominic Toretto.
— A lata de lixo à esquerda — aviso a ela, mas é tarde demais,
Heaven bateu nela e mesmo assim continua acelerando.
— Viu só o que você fez?! — esbraveja. — Se você não tivesse
me atrapalhado, com certeza eu não teria batido naquela lata de
lixo. — Ela me olha incrédula.
— Ah não, com certeza — ironizo. — A lata estava na sua
frente, você deveria ter guiado o volante um pouco mais para a
direita, mas continuou reto.
Heaven finalmente estaciona o carro em frente à casa da minha
mãe, e eu respiro aliviado por saber que conseguimos superar os
vivos dessa corrida maluca dela.
— É que eu não estou acostumada a dirigir carro grande assim
— se defende enquanto sai do carro, e eu faço o mesmo. — Se
você me deixasse pegar o seu carro mais vezes, tenho certeza que
eu já teria todo o controle da situação.
Heaven se posiciona ao meu lado, enquanto eu verifico a
pintura da lataria, antes de atropelar o coitado do lixo, ela ainda
passou raspando pelo portão de ferro da Stout há cerca de uma
hora atrás. A tinta permanece intacta, eu diria que isso foi pura sorte
dela. Passando as mãos pelo carro, digo:
— Você quase foi dessa para melhor, mas eu prometo nunca
mais te deixar com a moça malvada, meu amor. — Dou um beijo na
maçaneta do carro, e quando olho de volta para Heaven, ela está
chocada e com os olhos arregalados.
— Deixa de ser dramático, Axel. Foi só uma lata de lixo.
— E o portão de ferro — lembro.
— Você está exagerando — repreende.
— Diz isso ao coitado do carro que passou por poucas e boas
em suas mãos. — Heaven revira os olhos para mim.
— É só um carro, Axel.
Olho para ela, incrédulo.
— Não fala isso, ele também tem sentimentos.
— Só falta você me dizer que ele tem um nome...
Eu levanto o dedo indicador no ar pronto para dizer que na
verdade ele é ela, e se chama Beatrice, mas acredito que não seja
uma boa ideia, já que após soltar uma lufada de ar e revirar os olhos
outra vez, Heaven joga as chaves do carro e eu as pego no ar.
— Então transa com ele, seu idiota. — Me dá as costas e sai
andando rumo à entrada da casa.
Corro, e assim que a alcanço abraço-a pelas costas e beijo sua
nuca. Ela tenta se desfazer do meu aperto, porém eu não deixo.
— Me solta, Axel — manda.
— Pede de novo — sussurro, passando a língua por trás da sua
orelha.
— Me sol... hãaan — ela arfa, gemendo.
É Heaven, você pode até tentar, mas eu conheço todos os seus
pontos fracos.
— Não ouvi o que você disse — provoco.
— Abre logo a porra dessa porta — diz brava.
Segurando as chaves, com uma das mãos, abro a porta, e com
a outra continuo abraçando-a por trás, beijando e lambendo seu
pescoço. Quando entramos em casa, fecho a porta com o pé, pego
os cabelos soltos de Heaven em punho, e puxo sua cabeça para
trás, a beijando.
Somos interrompidos por uma pequena pessoa que puxa a
barra da minha calça. Fecho meus olhos com ainda mais força e
levo meus lábios até o ombro de Heaven, plantando um beijo ali,
afasto minha cabeça, porém não nossos corpos. Eu estou excitado
e não quero receber perguntas constrangedoras que somente minha
irmãzinha é capaz de fazer.
— Oi Anya — falo com um gemido, quase em dor.
Saímos do campus rumo à Stone Bay cedo pela manhã. Ontem
foi a segunda e última noite de apresentações de Heaven, e ela já
havia preparado todas as suas coisas para a viagem de volta. Na
primeira noite, seu pai trouxe seu carro, por isso ela veio comigo
hoje. Decidimos que viriamos para a minha casa, pois minha mãe
sempre vai à igreja aos domingos pela manhã com Anya, ou seja,
estaríamos sozinhos por algumas horas, mas não foi isso que
aconteceu, uma vez que a garotinha está parada ao nosso lado. Se
ela não tivesse nos atrapalhado, com certeza estaríamos fazendo
um novo CPF nesse momento.
— A mamãe ganhou um anel gigante — Anya anuncia.
— Um anel?! — pergunto atônito e decido levar meus olhos até
a garotinha de três anos.
— Sim! O tio Marlon quem deu, vem ver. — Anya pega a minha
mão e sai me puxando em direção à cozinha.
Heaven nos segue rindo da situação, já que ao mesmo tempo
em que eu sou puxado, tento controlar a minha ereção dentro da
calça antes que eu possa cruzar com minha mãe e o homem que
muito provavelmente acaba de pedi-la em casamento. Quando
chegamos à cozinha vejo que Anya realmente falou a verdade,
minha mãe tem em seu dedo anelar um anel de diamante realmente
grande, ou gigante como ela disse.
Marlon e minha mãe estão sentados na ilha da cozinha, um
olhando para o outro como um casal apaixonado, o que eles
realmente têm sido nos últimos meses. Eu nunca, nunca mesmo, vi
minha mãe tão feliz como ela tem sido ultimamente. Não sei ao
certo se o anel que está em sua mão significa um pedido de
casamento, mas minha dúvida é sanada quando Heaven se
aproxima deles já pegando a mão da minha mãe e admirando o
diamante em seu dedo.
— Ai. Meu. Deus — ela fala pausadamente, animada. — Que
anel perfeito!
Minha mãe agradece à Heaven, e em seguida seus olhos, na
mesma tonalidade dos meus, me encontram, ela aparenta
realmente estar ansiosa com algo, mais precisamente, com o que
eu tenho a dizer sobre isso. Então a única coisa que faço é me
aproximar dela, assim como Heaven fez, e lhe dar um abraço forte
seguido de vários beijos em sua bochecha, quando nos separamos
coloco minhas mãos nas extremidades do seu rosto e lhe digo as
palavras mais sinceras que poderia dizer como filho:
— Eu não conheço uma pessoa que mereça mais ser feliz
nesse mundo do que você, mãe. Seu anel é perfeito, o noivo nem
tanto — provoco Marlon que me olha ofendido, e minha mãe ri. —
Todavia ele te faz feliz e te respeita, isso é o suficiente para mim.
— E ele também me compra vários chocolates — interrompe
Anya, fazendo todos nós rirmos.
Em seguida, me direciono ao tio de Heaven, e acho que agora
meu futuro padrasto, e lhe dou um abraço, também o
parabenizando.
— Sua mãe quase não aceitou, dizendo que era cedo demais.
Eu disse a ela que estamos velhos para pensarmos sobre o que é
cedo demais ou não.
— Você tem razão, tio — diz Heaven pegando uma maçã na
fruteira. — Vocês estão velhos, portanto, o cedo demais às vezes é
tarde para a idade de vocês.
— Garota... — minha mãe tenta repreender Heaven, mas acaba
rindo. — Vocês Morris gostam mesmo de acabar comigo, tenho
apenas trinta e nove.
— Só isso?! — Heaven diz com os olhos arregalados. —
Cancela o casamento, tio. Você precisa de uma mais velha para que
a gente fique rico — diz ela piscando para Marlon, que responde na
mesma altura.
— Fui tentar dar o golpe, ela quem deu. Seu pai tinha me dito
que ela tinha mais de oitenta, por isso fiz questão de me fingir de
apaixonado — diz ele em um tom consternado.
Minha mãe dá um leve tapa em seu ombro com o dorso da mão
que agora tem um diamante, o repreendendo.
— Para com isso, vocês dois.
Os dois Morris na cozinha riem, fazendo um highfive.
— Então, para quando planejam o casamento? — sou eu quem
pergunto.
Primeiro eles nos contam como ocorreu o pedido de casamento.
Segundo Marlon, ele já tinha o anel desde que fizeram um mês de
namoro, eles começaram a sair na noite em que eu o conheci, e
depois do terceiro encontro, iniciaram o namoro. Ele planejava pedi-
la em casamento no Natal, que é daqui a quatro dias, mas seus
planos foram por água abaixo quando ele acordou essa manhã e viu
minha mãe com os cabelos despenteados, para ele não houve
momento melhor para uma proposta senão aquele.
Já minha mãe disse que realmente não quis aceitar num
primeiro momento, e confirmando minhas suspeitas, ela tinha medo
da minha reação. Eu nunca ficaria com raiva dela por apenas buscar
a sua felicidade, coisa que a mulher aparentemente nunca teve na
vida, ela também disse que mesmo aceitando não significa que eles
irão se casar na próxima semana, mesmo que por Marlon eles
devam se casar amanhã em Las Vegas. Ela falou que não sabe o
que quer, afinal o pedido ocorreu há apenas duas horas, a única
certeza que tem é que será algo pequeno, apenas para os mais
próximos. Já Marlon se contrapõe dizendo que quer chamar até
mesmo o presidente Biden para o evento.
Nós três, juntamente de Heaven e Anya comemos enquanto
conversamos sobre o assunto. Quando a refeição acaba, Anya
chama Marlon para assistir Shrek e Heaven diz que vai subir,
enquanto eu fico responsável por ajudar minha mãe com a louça
que sujamos, colocando na máquina. Assim que fecho a lava-louças
e me levanto tomo um grande susto ao ver minha mãe parada atrás
de mim.
— Você quer me causar um ataque cardíaco?! — digo
colocando a mão no peito.
— Desculpa. — Minha mãe ri sem graça. — Eu só preciso
conversar com você, é rápido, eu prometo — ela se apressa em
dizer, antes que eu possa inventar qualquer desculpa.
— Fala — digo, me encostando na ilha e cruzando os braços.
— Você está feliz, Axel. E eu fico feliz por isso, minha maior
meta de vida é ver você e sua irmã felizes. — Ela toca meu rosto e
me olha com carinho.
— Aonde você quer chegar com isso, mãe? — pergunto,
atônito.
Apesar de estarmos todos felizes com a sua situação atual,
quando ela fala assim comigo eu não deixo de me preocupar, ainda
mais porque ela esperou o exato momento em que ficaríamos a sós
para puxar o assunto. Marlon e ela parecem dois jovens
apaixonados, e isso é ótimo, mas não muda o fato de que mesmo
ela tendo uma ordem de restrição contra meu pai, ele mora há
poucos quilômetros de distância daqui, o que me preocupa todos os
dias se ele irá aparecer nas nossas vidas repentinamente ou não. E
sempre que ela fala sobre minha felicidade, na maioria das vezes,
esse assunto se liga diretamente ao homem doador do esperma.
É besteira minha me preocupar com isso, tendo uma ordem
judicial de afastamento e com a vida da minha mãe entrando nos
eixos outra vez, porém estamos falando de um homem narcisista e
manipulador que abusou dela por anos, portanto eu tenho o direito
de estar sempre com o pé atrás quanto a isso.
— Você e a Heaven têm se tornado um lindo casal, mesmo eu
tendo sido contra no começo, hoje vejo o quão vocês dois se dão
bem, e que se preserve assim. — Respiro aliviado quando percebo
que o assunto não é o Daniel. — No entanto, eu preciso saber se
vocês dois estão se prevenindo corretamente, porque não é fácil se
tornar pai jovem, e depois do que eu vi hoje...
Provavelmente ela se refere à forma como cheguei à cozinha
mais cedo, mas não deixo que ela termine a sua frase. É bastante
vergonhoso saber que minha mãe me viu naquele estado, então não
quero ter que ouvi-la falando sobre isso também.
— Nós estamos nos cuidando, mãe. Não tem porque se
preocupar — me apresso em dizer, para que assim possamos
acabar com esse assunto.
— Não foi o que pareceu — ela desafia.
Coloco as mãos sobre seus ombros, em um gesto
tranquilizador.
— Heaven faz o uso das pílulas corretamente, e na maior parte
das vezes usamos camisinha, mãe. Relaxa!
— Vou relaxar assim que vocês usarem camisinha todas as
vezes. — Ela me lança seu olhar mandão, e eu assinto com a
cabeça antes de responder.
— Nós vamos usar frequentemente — afirmo.
— Promete, Axel?! — ela pede com os olhos brilhantes, e eu
dou um beijo na sua testa.
— Sim, mãe. Prometo! Agora preciso ir.
Dou outro abraço na minha mãe, como uma forma de
tranquilizá-la e em seguida subo as escadas, indo em direção ao
meu quarto. Ao entrar, fecho a porta atrás de mim e vejo que
Heaven está deitada na cama, com as mãos cruzadas em cima da
sua barriga, encarando o teto com atenção. Eu me deito de bruços
na cama, passo o braço por cima de sua barriga, e beijo sua
bochecha. Heaven me encara, com um olhar cheio de
questionamentos.
— Você nunca me disse o porquê de ter um mar como pintura
do seu teto — constata.
Eu troco minha posição na cama, deitando-me de costas assim
como Heaven, e encaro o teto por alguns segundos antes de
responder.
— Não é apenas um mar, são as águas caribenhas — revelo.
— E quando você criou esse fascínio pelo Caribe, afinal de
contas? — ela pergunta, um tanto quanto curiosa.
— Não sei. — Dou de ombros, tentando não revelar o motivo do
meu quarto aqui, no apartamento e até mesmo em Hastings ter essa
bendita pintura. — Apenas acho bonito.
— Já eu acho que tem alguma coisa a mais por trás disso.
— Tipo o quê?! — Olho para ela enquanto sinto uma onda de
pânico remexer-se no meu estômago.
— Tipo... Você ter perdido a virgindade no Caribe. — Ela morde
o lábio inferior ao me olhar.
Eu dou uma risada em resposta à sua constatação sem
nenhuma ligação com a realidade. Heaven me olha séria, e eu
cesso meu ataque de risos.
— Linda, já faz três meses que eu te digo que não vou te falar
como perdi minha virgindade, e você ainda insiste nisso. — Passo
uma mecha do seu cabelo para trás da sua orelha.
— Você é um chato, Axel Davenport — diz fazendo bico,
aproximo nossos rostos e dou um selinho em seus lábios.
Heaven dá um soco no meu braço, e eu gemo de dor.
— Porra! Isso doeu, Heaven.
— Era essa a minha intenção — diz levantando num salto. —
Que tal irmos à praia? — Estende a mão, me chamando e eu a
pego, levantando-me enquanto gemo de dor.
Já se passaram três meses desde que ficamos a primeira vez, e
dois meses desde que percebi o quão apaixonado estou por ela,
porém apenas trinta horas desde que notei que é o momento de
seguirmos adiante em nosso relacionamento. Diria que, graças a
Heaven, eu tenho me tornado uma pessoa melhor, antes eu vivia
com raiva, apreensivo, ansioso e receoso com tudo e todos, de
certa forma, ajudá-la a superar seus traumas e suas dores também
me beneficiou.
Eu não tenho sentido mais a necessidade de estar no ringue, e
a raiva súbita que sentia tem ido embora a cada dia que passa. Eu
tenho me sentido cada vez mais leve, como se tudo que estava
errado finalmente estivesse entrando em seu próprio eixo. As crises
relacionadas à comida que eu tinha também sumiram, e dessa vez
parece que é definitivo. Ela tem o poder de aflorar tudo aquilo que
há de melhor em mim, e eu só quero poder entregar tudo isso a ela.
Tenho planejado pedi-la em namoro amanhã, já que é o dia
exato em que faremos três meses, sem contar que faltam apenas
quatro dias para o Natal. Queria ter feito isso antes, obviamente,
contudo ainda achava cedo demais para Heaven entrar em um novo
relacionamento sério, mesmo que nós dois não tenhamos nos
desgrudado nas últimas semanas. Heaven ainda está superando
seus inúmeros traumas de quando estava com Drew, então não quis
deixar que ela confundisse as coisas.
Drew parece ter sumido das nossas vidas definitivamente, a não
ser pelas vezes em que trombamos no campus, ou quando o vemos
durante o almoço. Ele ainda lança olhares quando eu e Heaven
estamos juntos, e Heaven chegou a me dizer que sentiu como se
alguém a estivesse perseguindo enquanto caminhava até o loft do
Wes por esses dias, tirando isso, ele não tem nos incomodado,
acredito que pelo fato de Heaven e eu estarmos sempre juntos,
além de que na grande parte das vezes Kane, Elliot e Grey também
estão ao nosso lado, e Drew não é o tipo de pessoa que tem
amizades que compram suas batalhas, por isso está sempre
sozinho.
Todos nós nos mantemos longe dele, e agora até mesmo a
própria Sadie parece ter finalmente desistido de Drew, após ele a ter
violentado. Mesmo sendo cedo para assumir isso, uma vez que faz
apenas três dias que ela apareceu na porta do dormitório de Heaven
toda assustada e machucada, é bom dar um voto de confiança para
a garota e acreditar que realmente ela se manterá longe dele.
Heaven troca de roupa no banheiro, vestindo um biquíni verde
que realça seus seios médios juntamente de um shorts jeans. Ela
senta na minha cama e então eu escuto o som de uma mensagem
chegando no meu celular, mas ela é mais rápida ao pegá-lo e
verificar o que está escrito na tela.
— O que Kane quis dizer com “está tudo certo para amanhã”?
— me pergunta num tom ameaçador, como se fosse um
investigador de homicídios.
Eu começo a tirar minha roupa para que ela não veja minha
cara enquanto minto, pois Anya revelou a ela que meu nariz treme
sempre que minto, o que eu queria que não fosse verdade.
— Ele vai lutar amanhã — digo rapidamente, tirando a
camiseta.
— Estranho... Lutar em uma segunda sendo que na terça ele
viaja para ficar com a família. Além de que vocês não lutam durante
a temporada, mesmo que estejam em recesso nas próximas duas
semanas — ela insiste no assunto, realmente desconfiada.
Dou as costas para Heaven, indo até o meu armário pegar uma
muda de roupa.
— Ainda não estava decidido, então ele não quis fazer nenhum
alarde.
Visto uma regata branca, e em seguida tiro a calça para vestir
uma bermuda de tecido fino.
— A gente vai assistir?
— Talvez, não sei.
— Por que você está tão estranho? — Ela está do meu lado
quando termino de vestir a roupa.
— Eu não estou estranho — digo depressa, fechando a porta do
armário.
Só que para minha surpresa, e aparentemente a de Heaven
também, a caixa retangular preta de veludo cai no chão.
Por que eu sempre me ferro quando estou mentindo?!
— O que é isso? — Ela pega a caixinha do chão. Eu tento
tomar da mão dela antes que ela possa abrir e ver o conteúdo, mas
Heaven a esconde em suas costas.
— Não é nada demais, Heaven — eu digo. — Só me deixa
guardar — peço tentando pegar a caixa de suas mãos.
— Seu nariz está tremendo porque então, Axel?! — pergunta
retoricamente, com seus olhos brilhando.
— Não está nada — tento me defender, ainda querendo pegar a
caixa de suas mãos.
— Tremeu de novo — grita, apontando para mim.
Após isso, ela corre dando a volta por mim. Vejo o momento
exato em que ela abre a caixa e é quando eu desisto de pegá-la.
Heaven me olha perplexa, e depois olha novamente para o interior
da caixa que contém um colar com dois cordões, o de cima tem o
pingente de um coração pequeno com asas, e o de baixo também é
um coração, só que um pouco maior e sem as asas.
Eu o comprei na viagem que fiz para o Arizona, há dois meses.
Durante aqueles três dias, eu senti tanto a sua falta que meu
coração se apertava e descompassava todas as vezes em que eu
pensava nela, isso também aconteceu quando eu passei em frente
à vitrine de uma joalheria no shopping, na hora que o time foi
almoçar ao chegarmos à cidade. Eu me lembrei apenas dela e
decidi comprar a peça para dar a ela no momento certo, que não
seria agora.
— É lindo... — Heaven diz enquanto passa os dedos pela joia.
— De quem é? — ela me pergunta, com os olhos brilhando.
O momento ideal seria amanhã, na praia, em frente à fogueira,
com a porra de um jantar romântico, logo depois eu a pediria em
namoro como eu tenho planejado nas últimas horas, desde o
momento em que ela desceu daquele palco e me beijou na frente de
todos, anunciando que estava pronta para seguir em frente com o
que quer que fosse que nós dois tivéssemos. Entretanto, a minha
falta de jeito e a curiosidade de Heaven falaram mais alto.
— Eu ia te dar isso amanhã — revelo.
— Ia?! — pergunta, com os olhos cheios de lágrimas e um
sorriso doce no rosto.
— Sim — digo pegando o colar da caixinha e abrindo o fecho,
dou a volta por Heaven e passo os cordões por seu pescoço. — O
ouro branco significa eternidade, a safira pureza e preciosidade, o
coração com asas é a liberdade e o maior simboliza quão bondosa e
leal você é. — Termino de colocar o colar em seu pescoço e ajeito
seu cabelo, em seguida ela se vira para mim. — O amor te torna
uma pessoa livre, mas também leal, ou seja, independente de
qualquer distância seu coração será capaz de voltar às suas raízes.
Você provou isso, não só para as demais pessoas ao seu redor,
como para si mesma, nas últimas semanas.
Heaven segura um dos pingentes quando uma lágrima escorre
em sua bochecha, eu rapidamente a enxugo com meu polegar,
abraço-a pela cintura e depois beijo sua têmpora.
— Isso é tão lindo, Axel.
Sorrio para ela sabendo que é agora ou nunca, já que todos os
planos para amanhã falharam. Meu coração se aperta no peito, a
garganta fica seca, uma pontada atinge meus pulmões dificultando a
entrada do ar. Parece que essa casa está cheia de pedidos
relâmpagos, hoje. Ao olhar em seus olhos, pergunto:
— Você quer namorar comigo, Heaven?
Heaven abre um grande sorriso de orelha a orelha, assentindo
com a cabeça.
É nesse momento que eu sinto o ar voltar para o meu peito, e
meu coração voltar a bombear sangue. Heaven pula em meu colo,
como fizera em todas as vezes em que nos reencontramos nos
últimos meses e me beija, eu apenas retribuo com uma felicidade
genuína, que acredito nunca ter sentido igual antes.
Sei que prometi à minha mãe, há dez minutos, que iria me
cuidar, mas agora a vontade que tenho é de pegar essa mulher nos
braços e fugir para o meio do nada, onde não haja o mundo para
nos importunar e viver o nosso “felizes para sempre”.
— Você é a coisa mais linda da minha vida — ela diz quando
paramos o beijo.
— Eu sei que sou. — Faço voz manhosa.
— Então agora posso te chamar oficialmente de namorado?!
— Deixa de ser brega. — Fecho a cara para ela.
— E a carranca voltou. — Heaven separa nossos corpos, e
estende a mão aberta para mim. — Posso dirigir?!
— Nem fodendo — nego imediatamente.
— Mas agora somos namorado e namorada — ela diz fazendo
bico, ainda com a mão estendida.
— E meu carro continua traumatizado pela sua aventura a la
velozes e furiosos. — Bato na sua mão, fazendo um highfive. —
Anda, vamos logo — digo passando por ela.
— Nossa, você poderia ser um pouco mais romântico depois de
um pedido de namoro — murmura atrás de mim, reclamando e rio
da situação.
— Se você não tivesse estragado a surpresa, teria sido bem
mais romântico.
— Chato — cantarola por sobre meu ombro.
Talvez eu não precise fugir para o meio do nada, talvez esse
seja o nosso “felizes para sempre”.
ATENÇÃO DE GATILHO: CENA GRÁFICA DE VIOLÊNCIA
CONTRA MULHER

Você diz que não pode viver sem mim


Então, por que você ainda não está morto?
Por que você ainda respira?
DEAD | MADISON BEER

Ajudo minha mãe a terminar de arrumar suas coisas, pois ela


precisa ir atender uma de suas pacientes em Los Angeles, de última
hora. Quando meu celular toca, é o meu pai.
— Oi tudão — digo ao atender.
— Oi querida, sua mãe já viajou?
— Sairá em breve — respondo, enquanto observo minha mãe
vestir suas roupas íntimas.
— Eu vou ter outra reunião, então vou voltar para casa um
pouco mais tarde. Pede à sua mãe dinheiro para a janta, ok?!
— Não precisa se preocupar, vou jantar no Axel e depois acho
que vamos ao cinema, ou algo assim — o tranquilizo.
Após o pedido de Axel ontem, antes de irmos à praia, ele me
contou que havia planejado uma surpresa para hoje, mas como,
segundo ele, eu a estraguei, ele achou melhor cancelar tudo,
mesmo que eu tenha dito que adoraria jantar na praia à luz de velas.
Inclusive deixei claro que nunca tivemos um encontro, então ele
disse que iremos ao cinema, e que isso se caracteriza como um
encontro.
— Tudo bem então, vou ter que ir agora, nos vemos mais tarde.
Você sabe o quanto eu te amo?
— Do tamanho de Júpiter?!
— Do tamanho de Júpiter mais Saturno, multiplicado pela Terra
e o Sol, mais todas as estrelas do Universo elevado por todas as
gotas do mar.
— Te amo, pai, beijos.
— Beijo, linda.
Quando desligo a ligação, minha mãe me olha com os olhos
apertados, claramente com ciúmes da interação entre meu pai e eu.
— Descansa mulher, eu também te amo — afirmo, beijando sua
bochecha.
— Você não faz mais que sua obrigação me amando — diz num
sorriso convencido, e eu mostro a língua para ela em ironia. — Olha
os modos, Heaven — me repreende, e eu sorrio inocentemente,
sentando na cadeira em frente à sua penteadeira enquanto ela
escolhe uma roupa para vestir. — Então, o que você e o Axel irão
fazer hoje?
— Como eu disse ao meu pai — digo olhando minhas unhas. —
Vamos jantar e depois ao cinema, ele cancelou todos os planos que
tinha para hoje. — Levo meus lábios para baixo, fazendo uma cara
triste. O que arranca uma risada da minha mãe.
— Certo está ele — minha mãe dá um sorriso irônico.
— Às vezes, acho que você e meu pai prefeririam ter o Axel
como filho, e não eu.
— Acredite em mim, às vezes eu também acho que seu pai iria
querer o Axel como filho. — Minha mãe ri. — Só que agora ele irá
entrar na família quer queira, quer não, seu pai não poderia estar
mais feliz com o noivado da Íris com seu tio.
— Eles dois merecem tanto serem felizes, principalmente
depois de tudo o que ambos passaram — comento ao me lembrar
do passado do meu tio.
Há anos atrás ele se casou e teve uma filha desse casamento,
mais tarde foi descoberto que, na realidade, a filha não era sua e
que a esposa havia o traído durante todo o casamento.
— Nossa, nem me fala. — Minha mãe revira os olhos,
provavelmente também lembrando da história de anos atrás. —
Agora me diz uma coisa: Axel não está mais lutando no armazém,
está?! — Sinto a desconfiança em seu tom de voz.
— Armazém?! Que armazém? — Tento soar desentendida
sobre o assunto, mas não funciona muito bem com minha mãe, que
praticamente ri da minha cara.
— Heaven, eu já tive dezoito anos, eu cresci nessa cidade, eu
estudei na Stout assim como você, o armazém existe há anos, tanto
que seu pai era viciado nas apostas de lutas, os jovens adoram
estar ali — diz enquanto finalmente veste sua roupa. — Ou você
acha que eu não sei de onde vêm os machucados do Grey?! Vai me
dizer que por acaso ele se machuca daquele jeito em todos os
jogos?
Olho para minha mãe chocada, com a boca aberta em um
grande O. Nunca imaginei que meus pais sabiam sobre as lutas do
armazém, e ainda mais que Axel lutava lá, por sorte ele não luta
mais desde que começou a temporada de jogos, tudo influência do
Kane. Isso não significa que Grey não lute, ele está simplesmente
viciado nas lutas e seu rosto quase sempre machucado é prova
disso.
— Tudo bem, você não precisa jogar comigo, mas não, o Axel
não tem lutado no armazém desde que os jogos começaram. — Sou
sincera, afinal de contas, se ela já sabe não há motivos para mentir.
— Tem algum problema? — pergunto atônita, enquanto por fim
minha mãe veste o casaco e pega sua mala.
— Não, não tem problemas, mas é ótimo que ele tenha parado
— minha mãe diz. — O Axel foi uma criança que passou por
inúmeros traumas, e apesar de tantas dores, sei que vocês dois
conseguem trazer à luz um para o outro. Acredito que ele não tenha
parado apenas pelos jogos, e sim por vocês estarem juntos.
— Nós estamos namorando há apenas um dia, mãe — lembro.
— Se é o que você quer acreditar, que seja. De qualquer forma,
me acompanha até a porta? — ela pede, quando já está na porta do
quarto.
— Claro!
Enquanto descemos as escadas envio uma mensagem para
Axel:
Eu: Ela está saindo agora, e meu pai irá voltar mais tarde,
jantamos na sua casa hoje, chego às 19h <3
Axel e eu combinamos de planejar como serão nossos próximos
dias durante o recesso pelas festas de fim de ano, uma vez que,
quando as aulas retornarem, na primeira semana de janeiro, ele terá
que se dedicar apenas aos treinos, a fim de levar os Jaguars à final,
que deve acontecer na terceira semana do ano.
Entre ontem e hoje, eu ainda insisti para que jantássemos na
praia hoje, como ele havia planejado, colocando a culpa na sua
futura agenda lotada, porém ele foi irredutível ao dizer que aquilo
seria uma surpresa e mantê-la não iria me surpreender em nada,
por isso ele pretende planejar algo que eu não “estrague” da
próxima vez.
Não que o pedido de namoro que ocorreu ontem não tenha sido
bonito, porque para mim foi lindo. O colar que ele me presenteou,
junto com a declaração, é simplesmente perfeito, e poder ver em
seus olhos o quanto ele estava nervoso por aquele momento, só
aumentou minha felicidade, pois parece que estamos dirigindo pela
estrada certa, finalmente. Ele nem mesmo parece o Axel de quatro
meses atrás, ele está mais para o Axel que foi meu amigo na
infância, só que um pouco mais maduro, e muito, muito safado. E eu
amo isso.
Quando chegamos à porta da frente me despeço da minha mãe
com um abraço, não vou até o carro junto com ela por causa da
neblina que está caindo, então acompanho seus passos com o olhar
até que ela dê partida.
O céu do lado de fora já está escuro e ainda nem anoiteceu,
devido a uma tempestade que ameaça cair a qualquer momento,
além de que está bem frio hoje, enfim o clima está nos dizendo que
chegamos ao inverno. Não que em Stone Bay neve, mas ao menos
nessa época do ano fica um pouco mais frio, ao invés do calor que
faz todo o resto do ano. O que nos salva é ter uma praia às margens
da cidade, senão coitados dos moradores, seria como viver o
inferno na terra, de tão quente.
Hoje está tão frio que o ar gelado toca minha pele, quando
começo a fechar a porta, um arrepio sobe estritamente por minha
coluna, como se eu sentisse que algo muito errado está prestes a
acontecer. É estranho ter esse tipo de sensação, até porque ela
parece um tipo de deja vú, uma vez que esse tipo de arrepio que
acabo de sentir sempre estava ligado a uma única pessoa.
Tento fechar a porta, mas sou interceptada quando ela para
antes de bater na soleira, então levo meus olhos ao chão, um pé
está no vão da porta. Imediatamente eu reconheço aquele tênis,
porque fui eu que o comprei.
O pingo de suor frio que desceu por minhas costas, agora está
na minha testa, descendo por minha têmpora. Tento criar forças
para fechar a porta novamente, mas nesse instante eu estou fraca,
todo o meu corpo retesou, eu estou parada no lugar.
Olho para o tênis e depois para cima quando noto que os dedos
seguram a madeira da porta, abrindo-a. A porta é solta, mas ela é
aberta com um chute mesmo assim, me mostrando que ele está ali,
ou melhor, aqui, com seus olhos castanhos brilhantes, lábios
fechados com um sorriso de canto, dando ênfase à sua covinha. O
cabelo loiro escuro e macio está despenteado, caindo sobre sua
testa.
Eu não consigo me mexer, um segundo olhando para ele assim,
tão perto, é como se fossem dez minutos. Dou dois passos para
trás, mesmo meu subconsciente me dizendo para que o empurre
para fora da minha casa e me tranque dentro dela, chamando pela
polícia, porém eu ando para trás, a fim de me manter o mais longe
possível do seu corpo.
Minha respiração falha, mesmo eu tentando puxar o ar, uso
tanta força que meus pulmões chegam a doer com meu esforço,
que de nada adianta. Borboletas fazem a festa no meu estômago,
uma dor fina puxa o meu ventre.
As palavras ficam entaladas na minha garganta, parece mesmo
que é a primeira vez que vou dizer algo, como um bebê quando
chama mamãe e papai. Forço o meu cérebro a trabalhar junto
comigo, eu escuto minha voz, mas mal compreendo o que estou
dizendo.
— O que você está fazendo aqui, Drew?
— Heaven Caroline Morris. — Agora ele sorri. — Você não vai
me chamar para entrar?! — diz enquanto dá um passo para frente,
entrando na minha casa. Eu dou mais um passo para trás, ele fecha
a porta atrás dele, eu dou mais dois passos. — Ops, já entrei. —
Sinto o sarcasmo na sua voz.
Drew se aproxima aos poucos e quanto mais próximo ele
chega, mais para trás eu ando. Ele continua sorrindo para mim, o
seu sorriso é como se ele tivesse ganhado algum prêmio.
— Vai embora, Drew. Eu não quero você aqui — digo num
sussurro, quase não escutando a minha voz.
Dou outro passo para trás, e sinto a parede nas minhas costas.
Drew se aproxima ainda mais de mim, seus olhos brilham como
raios de sol no início de uma manhã de verão, mas a previsão do
tempo hoje é de chuvas fracas e céu nublado.
— Sabe quanto tempo eu tenho esperado por um segundo a
sós com você, paraíso?! — Sinto o dorso da sua mão passar
lentamente por minha bochecha, e eu espremo os olhos. — Três
meses, três malditos meses, noventa dias. Isso é uma vida, você
sabia, Heaven?
Sua voz está tão perto, assim como seu rosto, próximo o
suficiente para que eu consiga sentir o toque quente do seu hálito
contra a minha pele que sua frio. Uma mão agarra a lateral do meu
pescoço, então uma lágrima desce pelo meu rosto, e o seu nariz,
com o ar tão quente, toca-a. Em seguida, ele a beija, enxugando-a
da minha face.
— Você não precisa chorar, paraíso — fala docemente, com
uma voz tão suave que causa arrepios em todo o meu corpo, mas
não são arrepios de prazer, são de dor. Eu permaneço com os olhos
fechados, não quero ter que olhar na sua cara. — Eu estou aqui
com você, e nunca, nunca vou te deixar, Heaven. Eu prometi te dar
o mundo há dois anos e eu estou aqui para cumprir com a minha
palavra.
— Você precisa ir embora, Drew — peço, enquanto mais
lágrimas descem. — Por favor, sai daqui.
Escuto sua risada de escárnio, tão seca, tão má.
Sinto sua mão ainda em meu pescoço, seus dedos adentram o
meu cabelo perto da nuca, a ponta do seu nariz está junto do meu.
Sua respiração é calma, controlada e quente, é como se lá fora
estivesse fazendo trinta e cinco graus, e não quinze.
— Eu sei que você quer isso tanto quanto eu, Heaven. Eu te vi
me observando todos esses dias no campus.
Mentira.
— Eu sei que quando você está com o Axel, você lembra de
mim.
Mentira.
— Eu sei que todas as vezes que você o tocou, foi apenas uma
forma de se vingar de mim.
Mentira.
— Mas eu sei que você vai me perdoar.
Mentira.
— Porque eu te amo e você me ama.
Eu nunca amei você.
— Você sentiu a falta do meu cheiro, assim como eu do seu.
Não, eu nunca senti.
— Você sentiu falta do meu toque.
Eu tenho nojo de você.
— Da minha boca na sua.
Prefiro encher minha boca de pregos.
Meus olhos continuam fechados, eu só enxergo preto à minha
frente, ainda assim eu sinto, sinto seu corpo colado ao meu, sua
respiração quente, seu perfume com aroma de madeira que faz meu
estômago revirar em enjoo, seus dedos tocando minha pele.
Eu me sinto suja.
Foram longos meses sem Drew perto de mim, apenas o via de
longe, porém nunca prestei atenção nele. Por um único momento
pensei que ele tinha realmente seguido em frente, mas não, no
fundo eu sabia que em algum momento ele iria me procurar, por isso
foi necessário eu estar ao lado dos meus amigos, dos meus pais e
do Axel, estar com alguém por perto era como oxigênio. Eu não
comentei nada, entretanto quando Sadie me disse que ele parecia
obcecado por mim, foi como se um gatilho tivesse sido apertado
bem no fundo do meu subconsciente, me dizendo para não ficar
sozinha.
Um dia, no final da tarde, eu senti o mesmo arrepio que sinto
agora, algo frio, um misto de pânico e medo. Eu andava pela rua
sentindo alguém atrás de mim, era como se fosse uma sombra, que
não a minha, só consegui relaxar novamente quando vi o Wes
parado em frente ao seu prédio.
E agora, tenho todos esses sentimentos de pânico e medo a
sucumbirem o meu corpo mais uma vez, só que agora é diferente.
Não há ninguém por perto.
Ele está aqui.
Na minha frente.
Seu corpo colado ao meu.
Seu ar quente.
Seu hálito fresco.
Sua pele encostando na minha.
Eu quero empurrá-lo.
Eu preciso sair daqui.
Mas ele está tão próximo, tão próximo.
Luz.
Eu preciso de uma luz.
Força.
Como eu me defendo do perigo tão próximo?!
Eu me esqueci.
Os lábios de Drew tocam os meus, que continuam fechados em
uma linha rígida, com completo nojo do seu toque em mim. Sinto a
pressão da sua boca contra a minha, mas a mantenho fechada.
Sua língua lambe os meus lábios, forçando a entrada entre eles,
eu reforço a rigidez com meus dentes.
Se ele está à sua frente, você fecha as pernas, inclina a cabeça
para trás, e usa toda a sua força para cabeceá-lo, entrelaça suas
mãos em punho abaixo do quadril, entre seus corpos, e ao mesmo
tempo, preste bem atenção, ao mesmo tempo você esmurra-o entre
as pernas e golpeia o nariz com a cabeça. A voz de Axel soa na
minha cabeça, lembrando-me de todas as suas dicas durante
nossos treinos logo cedo pela manhã.
Inclino a cabeça para trás.
Quando faço isso, sinto a parede atrás de mim estremecer em
um baque ensurdecedor, por puro instinto abro os olhos, assustada.
O punho de Drew atravessou a parede.
Seus olhos não estão mais calmos, o brilho foi embora, estão
foscos como nunca. As iríses marrons tornaram-se um pequeno
círculo, o preto de suas pupilas domina tudo.
Não sinto o ar sair dos meus pulmões, ele está preso.
Tiro meus olhos dos olhos de Drew, vendo sua mandíbula
contrair, deixando seu queixo quadrado. Ele está com raiva, ele vai
gritar.
— Quando eu te beijo, você me beija. É assim que funciona,
Heaven — vocifera.
O celular treme na minha mão.
O celular.
Ele estava na minha mão o tempo todo, eu tento atender a
ligação para pedir socorro, nem mesmo sei quem está me ligando.
Tomara que seja o Axel.
Mas quando aperto no botão de bloquear, a chamada cessa.
Porra! Eu desliguei a ligação.
Chamada de emergência.
É isso.
Como ativa?! Se eu ativar, o primeiro contato para que ligará
será meu pai, depois para a polícia, eu configurei dessa forma no
momento em que comprei esse celular. Como ativar, como, como,
como...
Sinto a ardência na minha nuca, Drew está puxando meus
cabelos. A dor é tanta, que o celular escorrega da minha mão no
momento em que eu lembro que tenho que apertar o botão de
bloquear três vezes seguidas, eu ainda estava na segunda.
Grito de dor.
Drew põe seu rosto contra o meu, e sibila:
— Quando eu te beijo, você me beija, Heaven — repete.
Novamente, sua boca toca a minha. Só que dessa vez, eu estou
pronta para atacá-lo.
Eu abro a boca, mas não o beijo. Mordo seu lábio com força
fazendo-o pular para trás em surpresa, largando assim os meus
cabelos.
Nessa hora, em completo impulso, eu me abaixo, pegando o
celular do chão.
Preciso completar essa chamada de emergência.
Me levanto, correndo em direção às escadas.
Se eu me trancar no closet da minha mãe, ele não consegue
abrir por fora. A fechadura é eletrônica e biométrica, e a porta é de
madeira maciça revestida com metal por dentro, é a mais segura
que existe, segundo os arquitetos que a projetaram.
Meu pé alcança o terceiro degrau da escada, no mesmo
segundo em que pressiono o botão de bloqueio do celular pela
terceira vez. Mas ele está atrás de mim novamente.
Meu couro cabeludo arde ao sentir o puxão que ele dá em meus
cabelos, o celular cai mais uma vez da minha mão, e eu caio de
costas no chão. Drew está em cima de mim, e repete, pela terceira
vez, que devo lhe beijar, quando ele me beijar.
Três vezes, três degraus, três apertos no botão de bloqueio.
Será esse meu número da sorte?!
O sabor amargo toma conta da minha língua, e minha boca
saliva. Junto toda a saliva que consigo e cuspo na sua cara no
momento em que ele aproxima seu rosto do meu, pela terceira
maldita vez.
— Covarde — grito.
Minhas mãos são presas pelas suas contra o chão, cuspo em
seu rosto novamente.
— Nojento — sibilo. — Você me dá ânsia de vômito. — Cuspo
mais uma vez. — Eu te odeio — grito em meio ao choro de pânico.
Uma das minhas mãos é solta, mas não tenho tempo para
pensar. Seu punho invade a minha visão, colidindo contra meu olho
esquerdo.
— Você me ama — ele sussurra.
Lágrimas, meus olhos estão cheios delas, mas não ouso deixá-
las caírem.
Outro soco.
Minha boca.
Sangue.
Gosto ferroso.
Engulo.
— Você me ama! — Escuto sua voz soar mais uma vez, dessa
vez mais alta.
Sem ar.
Meu pescoço está sendo pressionado.
Minha voz não sai.
— Você me ama — grita.
Preto.
É o que eu vejo quando meu outro olho é atingido por uma dor
excruciante.
Líquido.
Está escorrendo pelo meu rosto, não são lágrimas, porque
desce por minha têmpora, e não por minhas bochechas, acho que é
sangue.
Mais sangue.
— Você me ama. — Escuto a voz ao longe, porém sinto meu
corpo inteiro tremer, acho que ele gritou novamente, torna-se cada
vez mais difícil de distinguir.
Você me ama.
É um sussurro que escuto. Sinto minhas pálpebras abrirem,
mas tudo que vejo está embaçado, como se tivesse tirado uma foto
e desfocado o fundo no facetune.
Meu peito arde, minha garganta seca.
Ar.
Eu não sei se consigo respirar.
Você me ama...
Frio.
O toque da sua testa na minha é frio.
Tão gelado quanto o Monte Everest.
Eu te odeio.
Minha voz sai aos frangalhos antes que eu feche meus olhos, e
finalmente veja tudo branco.
É como encontrar a paz...
Uma luz tão forte.
Eu não sinto mais nada.
Eu te puxo para sentir seus batimentos
Você pode me ouvir gritando: Por favor, não me deixe?
Espere, eu ainda te quero
Volte, eu ainda preciso de você
HOLD ON | CHORD OVERSTREET

Heaven: Ela está saindo agora, e meu pai irá voltar mais tarde,
jantamos na sua casa hoje, chego às 19h <3
Só vejo a mensagem de Heaven vinte minutos depois da sua
chegada, deixei meu celular no quarto enquanto ajudava Anya a
escolher uma roupa. Como todos os meus planos para hoje foram
por água abaixo, eu decidi fazer outra surpresa para ela, por isso
pedi ao Magnus para ligar e dizer que iria chegar um pouco mais
tarde que o normal, e ele fez.
Peguei as chaves da cabana do padrasto do Grey e pai da Allie,
que fica a vinte quilômetros da cidade e é perto de um lago. Passei
o dia inteiro preparando as coisas para levar, como comida, bebida,
lençóis... Vamos dormir lá, e poderemos ficar até terça, já que
quarta é véspera de Natal. Pensei também que seria bom entregar
meu presente em um momento íntimo entre nós dois, sem a
presença dos nossos pais.
Sinto que algo está estranho, por mais que tudo esteja muito
bem planejado da minha parte. Todas as coisas que iremos precisar
estão na mala do carro, inclusive as roupas de Heaven, que pedi a
Reese para organizar hoje pela manhã. Apesar de ser tudo tão em
cima da hora, até agora está tudo saindo perfeito, e ela não
desconfia de nada.
Porém, mesmo com tudo planejado eu sinto como se estivesse
faltando algo, é um aperto que sinto bem no fundo do peito ao
visualizar sua mensagem. Na minha cabeça só vem Heaven, então
eu disco seu número e a linha começa a chamar, mas no terceiro
toque a ligação cessa. Não foi atendida.
Tento mais uma vez, e dessa vez a ligação é atendida. Eu me
assusto quando, logo em seguida, escuto do outro lado da linha um
baque surdo, que me faz pular, soar.
O que está acontecendo? Primeiro, ela desliga a ligação; a
próxima é atendida, no entanto não escuto nada além de um
barulho enorme. Heaven praticamente vive com esse celular por
perto, por mais que demore a responder algumas mensagens,
quando se trata de ligações ela nunca deixa cair na secretária
eletrônica.
Vejo as chaves do carro brilharem em cima da escrivaninha, em
um impulso as pego deixando meu celular no lugar, e mesmo sem
camisa e descalço saio do quarto. Desço as escadas correndo,
passo por minha mãe, Marlon e Anya na sala, mas não falo com
eles, vou direto para a porta, saindo de casa e indo em direção ao
meu carro.
Estou aflito, pensando que algo realmente tenha acontecido
com ela, torcendo para que seja apenas coisa da minha cabeça
maluca. Dou ré no carro e depois acelero, descendo por minha rua e
entrando no terceiro quarteirão à esquerda, normalmente o caminho
para a casa de Heaven leva em torno de cinco minutos de carro,
mas faço tudo em cerca de dois.
Quando paro o carro no meio fio em frente à sua casa, um
veículo preto passa por mim acelerando. Os pingos de chuva são
frios na minha pele, não vejo nenhuma luz sair da casa de Heaven,
mesmo com o céu nublado, está tudo muito silencioso, o único som
que minha audição detecta é o da chuva caindo. No momento em
que um raio clareia o céu de Stone Bay percebo que a porta da
frente da casa está entreaberta.
Corro descalço, entrando na casa que está completamente
escura, eu não tenho tempo para procurar pelo interruptor e ligar as
luzes. Outro raio desce no céu juntamente de um trovão estrondoso,
então eu vejo que há marcas de lama no vestíbulo, meu coração
acelera, e eu a chamo aos berros.
— Heaven! — grito, mas não tenho resposta.
Os pelos do meu corpo se eriçam, me dizendo que algo
realmente não está certo. Mais um raio e reparo que há um buraco
na parede, suor fino desce por minha têmpora e meu estômago
embrulha, fazendo com que eu entre em alerta para o que vejo em
seguida.
No momento em que ponho meus pés na sala de estar, enxergo
seu corpo estirado no chão em frente à escada, como se ela tivesse
caído de costas nos degraus. Por um segundo fico parado, tentando
assimilar a imagem que observo à minha frente. No segundo
seguinte eu corro em direção ao corpo estático de Heaven, fico de
joelhos ao seu lado, e no instante em que tiro os cabelos do seu
rosto uma onda de pânico invade todo meu corpo, fazendo ele ceder
por cima do seu que continua imóvel.
— Heaven! — eu chamo, abraçado ao seu corpo mole. —
Heaven! — grito mais duas vezes, mas ela não responde.
Levanto a cabeça, analisando seu rosto. Há marcas por todo o
seu pescoço, suas pálpebras estão cheias de sangue, além de um
corte enorme no lado esquerdo da sua cabeça.
O que aconteceu com você?
Lágrimas invadem meu campo de visão enquanto tento
raciocinar. Abraço sua cabeça, sentindo sua respiração falha, tão
fraca que é quase inexistente. A chuva lá fora é estrondosa, não
tanto quanto meus batimentos cardíacos que são violentos contra
meu peito.
Emergência.
Ela precisa ir para o hospital.
Continuo agarrando sua cabeça bem ao lado do meu peito,
pedindo a Deus ou qualquer ser, que a proteja, enquanto tento
achar meu celular.
Merda!
Quando saí correndo não lembrei de pegar. Mais um raio junto
de outro trovão invadem meus olhos e ouvidos, então eu vejo, ao
lado da mão imóvel de Heaven, a tela do seu celular brilhando.
Estico meu corpo para pegá-lo, e quando finalmente está na minha
mão, ele quase cede, minha mão está molhada de suor, chuva e um
líquido mais pegajoso, tão logo a luz do celular acende outra vez,
concluo que se trata de sangue.
O sangue de Heaven.
Meus dedos tremem tentando desbloquear o celular. Ele tem
bloqueio facial, puta que pariu!
Ponho a cabeça de Heaven no chão devagar, e no momento em
que tiro minha mão da sua nuca enxergo uma poça de sangue, no
mesmo canto onde sua cabeça estava antes. O cheiro de ferro
invade minhas narinas. Minha mão, braço e barriga estão cobertos
por seu sangue.
O que aconteceu com você, Heaven? O quê?
Me levanto depressa, indo até à mesa no canto do sofá, o
telefone residencial está lá. No momento em que tiro do gancho
disco 911, ao primeiro toque, uma voz feminina soa do outro lado da
linha.
— Emergência, em que posso ajudar?
— A...a... Alô — minha voz sai com dificuldade. — Ajuda! Eu
preciso de ajuda! — Só percebo que estou gritando, quando a
mulher do outro lado pede para que eu me acalme. Tento respirar
fundo, mas meus pulmões falham, minha vista está toda embaçada,
meu rosto coberto de lágrimas, minha garganta seca, não consigo
falar de novo. Olho novamente para Heaven, ainda estática no chão.
Foco, Axel! Você precisa focar, pela Heaven, ela precisa de
você.
— Houve um acidente, não sei exatamente o que foi — digo
finalmente, com minha respiração quase controlada, me ajoelho ao
lado do corpo de Heaven.
A moça da emergência pergunta o que aconteceu, eu digo mais
uma vez que não sei, mas informo como a encontrei quando
cheguei e que ela está desacordada, falo sobre o sangue abaixo da
sua cabeça, sua respiração fraca, e seus olhos inchados. Informo o
endereço, a mulher diz que se chama Amanda, pede para que eu
não mexa no corpo de Heaven até que o socorro chegue, ela avisa
que a ambulância estará aqui em menos de dez minutos.
Eu digo a ela que abracei o corpo dela no momento em que
cheguei aqui, ela responde que não tem problema, desde que eu
não faça mais nada. Entretanto eu vou contra a sua recomendação,
e aproximo meu ouvido do peito de Heaven, tentando escutar as
batidas do seu coração.
Foco meu olhar outra vez em seu rosto e assimilo tudo. Heaven
não caiu da escada, ela foi espancada, todos esses machucados
em seu rosto indicam que ela foi brutalmente violentada, as marcas
no seu pescoço mostram que foi enforcada, mas quem fez isso? E
por quê?!
Drew.
É óbvio. No mesmo instante em que associo tudo, lembro do
carro que passou por mim, como se estivesse fugindo. Naquele
momento eu não pensei nisso, agora está claro.
Vou contra as recomendações de Amanda de novo, e pego a
mão de Heaven, trazendo-a para perto do meu coração, segurando-
a firme ali. Fecho os olhos e deixo todas as lágrimas descerem,
ódio, tristeza e apreensão tomam conta de mim.
Várias perguntas passam pela minha cabeça.
O que ele estava fazendo aqui? Como ele entrou? Por que você
deixou que ele entrasse? Por que não me ligou, ou ligou para a
polícia, seu pai, qualquer um que fosse... Por que Heaven? O
celular estava praticamente na sua mão.
Meu diafragma se contrai, e vários soluços saem por minha
boca. Aproximo minha cabeça novamente do seu peito, para ter a
certeza que seu coração continua batendo e que seus pulmões
continuam recebendo ar.
Não consigo ouvir nada, apenas sinto um ar frio que sai do seu
nariz, mas é muito fraco, muito fraco mesmo, quase inexistente.
Você não pode fazer isso comigo, você não pode fazer isso comigo,
Heaven! Simplesmente não pode!
— Deus — chamo com a cabeça deitada no seu peito, ainda
segurando sua mão colada ao meu. — Se você existe, por favor, por
favor, ajude-a, se algo acontecer com ela eu nunca vou me perdoar.
Quando calo minha boca, sinto um movimento na mão de
Heaven, Ele escutou minha prece? Tão simples assim? Então o
peito de Heaven se mexe também, subo a cabeça, todo o corpo
está tremendo. Era para isso acontecer?!
O que está acontecendo? Ela está acordando?
Minhas crenças são afundadas quando escuto uma voz soar às
minhas costas.
— Saia de perto, ela está convulsionando. — É a voz grave de
um homem.
Ao virar minha cabeça vejo que se tratam dos socorristas, eles
correm ficando ao lado do corpo de Heaven. Eu não largo sua mão,
o outro homem pede para que eu dê espaço, mas eu não vou deixá-
la sozinha. Eu não posso deixá-la sozinha, não mais.
Um deles segura o corpo dela, deixando-a imóvel, e o outro a
sua cabeça, impedindo-a de bater no chão, e eu continuo agarrado
à sua mão.
Ele pede de novo para que eu me afaste, mas eu nego com a
cabeça. Não faço, não a solto, eu não posso a soltar, não de novo,
porque se eu não tivesse a deixado antes, ou agora, nada disso
teria acontecido, nada...
— Você precisa deixar ajudá-la, por favor, se afaste — ele diz
novamente.
Eu olho para o rosto de Heaven, apenas querendo que ela abra
seus olhos, para que eu possa ver sua íris azul, tão cristalina como
as águas caribenhas. Eu lembro do teto do meu quarto, e que ontem
mesmo ela me perguntou o motivo de tê-lo pintado daquela forma,
ela nem mesmo imagina que fiz isso para tê-la próxima a mim
sempre que estivesse longe. Eu não a quero longe, quero aqui,
comigo, agora. Eu preciso dela, ela precisa viver.
Solto sua mão devagar, e me distancio um pouco do seu corpo,
observando tudo o que os socorristas estão fazendo com ela. Um
enfaixa a sua cabeça, acho que para conter o sangue que sai da
parte de trás, o outro verifica o pulso, em seguida abre suas
pálpebras inchadas, verificando seus olhos, então eu vejo o azul
que tanto queria ver, porém eles estão irreconhecíveis, eles não
brilham como de costume.
Eles colocam um colar cervical em seu pescoço, e depois
movem seu corpo para uma maca amarela.
— Você vai nos acompanhar? — o que enfaixou a sua cabeça
pergunta. Eu apenas assinto com a cabeça rapidamente, então eu
me levanto do chão, pois ainda estava de joelhos. Eles ficam de pé,
e carregam o corpo de Heaven para fora de casa, por puro instinto
pego seu celular no chão e os sigo, quando passo pela porta a
fecho, tudo o que faço é completamente no automático.
Meus pés tocam o chão molhado, então eu recordo que estou
descalço, vejo meu carro parado no meio fio em frente à
ambulância, e grito dizendo que irei segui-los com o carro.
A porta do motorista está aberta, assim como deixei no
momento em que cheguei aqui. Entro no carro e procuro uma
camisa e algum sapato no banco de trás, encontro somente uma
camiseta branca de algodão, coloco-a no meu colo e dou partida no
carro, quando a ambulância passa ao meu lado e eu os sigo.
O caminho é longo até o hospital mais próximo, minhas mãos
estão tremendo no volante e o gosto da bile toma conta da minha
boca, fazendo com que ela se encha de saliva, minha visão está
completamente turva pelas lágrimas que insistem em descerem.
Uma vez meu pai me disse que apenas homens fracos choravam,
em algum ponto ele tem razão, porque um dos maiores motivos da
minha força está sendo levada às pressas para um hospital. Ela
está desacordada e a única coisa que eu penso, além de pôr um fim
na vida do responsável por isso, é que a vida de Heaven não pode
acabar assim.
Demoram exatos onze minutos para chegarmos ao hospital,
estaciono o carro de qualquer jeito e corro até a ambulância,
enquanto visto a camiseta que havia pegado.
Continuo descalço.
Uma equipe de três médicos se aproxima da ambulância no
instante em que as portas de trás são abertas, e eles puxam o corpo
de Heaven lá de dentro. Uma médica baixinha, de cabelos pretos,
checa seus olhos, um homem alto, negro e robusto verifica seus
sinais vitais, tudo isso enquanto os socorristas falam sobre seu
estado.
— Mulher de aproximadamente vinte anos, com ferimento
aberto na parte dorsal do crânio, possível trauma, hematomas no
pescoço e rosto, provável violência doméstica. Quando chegamos
ao local estava convulsionando, temperatura corporal em trinta
graus.
“Por que tão fria?”, eu penso.
Os socorristas continuam falando, ao mesmo tempo em que os
médicos entram no hospital pela entrada de emergência, levando
uma Heaven desacordada com eles. Eu continuo os
acompanhando, os três entram com ela em uma sala de traumas
que já está com meia dúzia de enfermeiros, todos falando juntos. No
momento em que passo por eles, escuto a médica baixinha gritar:
— Não vai dar tempo, ela precisa entrar na sala de cirurgia
agora.
— Cirurgia? — pergunto me aproximando deles. — Por que
Heaven precisa de cirurgia?
— Você é parente da paciente? — a terceira médica pergunta.
— Namorado — respondo. — Por que vocês irão levá-la para a
cirurgia? — digo apontando para Heaven quando a primeira médica
começa a correr, levando minha namorada inconsciente por um
corredor do hospital.
Eu continuo os seguindo, acompanhando todos os seus passos
apressados.
— A paciente sofreu traumatismo craniano e está tendo uma
hemorragia externa — diz a primeira médica, a que puxa a maca. —
As pupilas dela estão oscilando, e a temperatura está muito baixa, o
que significa que seu corpo não está recebendo oxigênio suficiente.
— “Eu sabia que ela não estava respirando direito”, penso. Ela
passa por duas portas enormes levando Heaven consigo. — Você
precisa ficar aqui.
Então eu vejo, pela pequena janela de uma das portas, várias
pessoas correndo enquanto acompanham a médica. Aos poucos
eles vão sumindo do meu campo de visão, até que entram em um
corredor e não os vejo mais.
Uma mão toca meu ombro e eu pulo, assustado e atônito com
tudo, apenas querendo passar por essas portas e ficar ao lado de
Heaven, até ter certeza de que ela está bem.
— Desculpa — uma voz doce diz atrás de mim, ao me virar,
vejo que é a terceira médica que estava atendendo Heaven na sala
de traumas, antes de a levarem às pressas para uma cirurgia. Ela
tem mais ou menos a mesma altura da outra médica, porém é loira.
— Como você se chama? — ela pergunta.
— Axel.
— Axel, você é namorado da paciente, certo? — eu confirmo,
assentindo com a cabeça. — Como ela se chama?
— Heaven — digo. — Heaven Caroline Morris.
— Eu preciso primeiro que você se acalme, tá certo?! — ela diz,
com sua voz doce e suave. Assinto novamente. — Ainda não temos
informações sobre o estado de saúde da Heaven, mas ela precisou
ser levada com urgência para a sala de cirurgia da doutora Rogers.
Eu vou acompanhar a cirurgia e em breve venho te comunicar como
as coisas estão, vou pedir para você ficar aguardando na sala de
espera, logo a assistente social irá conversar com você, tudo bem?
— assinto outra vez. — Te vejo daqui a pouco, e tenha calma, vai
dar tudo certo.
Concordo mais uma vez com a cabeça, mas a médica não vê,
porque ela passa pelas mesmas portas que Heaven passou há
pouco. Ela corre pelo corredor, e dobra na mesma esquina que
levaram Heaven.
Por que ela está correndo, se estava tão calma há apenas um
segundo atrás?!
Meu corpo me leva até a sala de espera, assim como a doutora
que eu nem sei o nome pediu, sento em uma das cadeiras, vendo
uma família se abraçar no momento em que um homem corre
gritando “é menino”, ao meu lado há uma senhora com cerca de
sessenta anos, ela morde o lábio inferior, assim como Heaven faz
sempre que está nervosa. Um hospital é capaz de trazer à tona
inúmeros sentimentos, dos bons aos ruins, em um segundo uma
família recebe a notícia de um novo ser, enquanto em outra ala uma
mãe é acalentada por perder seu filho, mas nada muda o
nervosismo de todos que ficam na sala de espera, seja aguardando
uma notícia boa ou temendo pelo pior.
Agora, eu estou com ambos os sentimentos, temendo que o
pior possa acontecer e esperando que a médica venha me dizer que
foi tudo uma loucura minha. Minha cabeça vaga novamente para o
estado em que eu a encontrei, na pessoa que suspeito ter feito isso.
Eu quero matá-lo.
— Eu vou matá-lo — digo num sussurro.
Algo treme em minha perna fazendo com que eu saia dos meus
pensamentos obscuros, então me lembro, o celular da Heaven, eu o
trouxe comigo. Levo minhas mãos ainda cheias de sangue, do
sangue dela, até o bolso e pego o aparelho. Vejo o nome do Wes
brilhar no visor, arrasto meu dedo pela tela e atendo a ligação.
As lágrimas voltam a descerem pelo meu rosto no momento em
que digo alô.
— Axel?! — A voz de Wes soa hesitante do outro lado da linha.
— O que aconteceu, onde está a Heaven?
Então eu conto tudo a ele, desde o momento em que vi a
mensagem de Heaven no meu celular, até quando a médica me
mandou ficar na sala de espera.
— Calma, Axel. Eu chego aí em alguns minutos.
A chamada cessa, e encaro a tela do celular de Heaven
novamente, é uma foto sua em cima do palco, dois dias atrás, no dia
da apresentação da peça. Ela foi a personagem principal no drama
escrito pela Lindsay Althorne, uma das escritoras de novelas mais
bem sucedidas da atualidade, sei disso porque sempre que ela
estava estressada por conta dos ensaios fazia questão de enfatizar
o nome da roteirista e produtora do espetáculo.
“— Eu não matei ninguém — Heaven, ou melhor, Vanessa grita
em cima do palco, suplicando para que os policiais acreditem nela.
— Eu juro, eu não matei ninguém.
— Mas também não ajudou — Reymond, o investigador
interpretado por Wes diz. — Segundo o relatório dos legistas a
vítima só veio a óbito cinquenta minutos após o acidente, e a
senhora nem mesmo ligou para a emergência, invés disso ligou
para sua melhor amiga e suas palavras na mensagem foram:
“acabou tudo”.
— Quando ele caiu do segundo andar eu cheguei próximo ao
seu corpo imóvel, ele não respirava, ele não se mexia, como eu ia
saber que ele estava vivo?! — ela se defende, chorando. — Ele não
se mexia — grita. — Ele não se mexia — sussurra caindo no chão
de joelhos.”
Esse foi o início do segundo ato da peça.
“Você também não se mexia, Heaven”, penso.
Naquele dia, no final da apresentação, a tal da Lindsay disse
que ela tinha muito potencial, elogiou sua atuação, principalmente
no final, quando todos descobrimos que Vanessa realmente havia
matado o Joseph, o patriarca de uma família milionária.
Quando Heaven recebeu aquele elogio, mais nenhum importou
para ela, ela passou todas as horas seguintes à peça com um
sorriso no rosto, lembrando das cenas, dos momentos de ensaio, e
do quanto Althorne a adorou em sua personagem. Aquele dia
também foi o dia em que olhamos um nos olhos do outro, e somente
aquele brilho que possuímos foi capaz de dizer que nos amamos,
que eu a amo.
— Eu a amo tanto... — digo num sussurro.
Junto minhas mãos na cabeça, pedindo para toda e qualquer
força sagrada, trazer o sorriso dela de volta para mim.
— Axel?! — uma voz me chama, eu levanto a cabeça e vejo
uma mulher ruiva, ela sorri para mim docemente. Por que todas as
mulheres desse hospital sorriem tão genuinamente, assim como
Heaven?
— Me chamo Emma, sou do serviço social, podemos
conversar?
Porque não haverá luz do sol
Se eu te perder, amor
Não haverá céu limpo
Se eu te perder, amor
Assim como as nuvens, meus olhos farão o mesmo
Se você for embora, todo dia irá chover, chover, chover
IT WILL RAIN | BRUNO MARS

— Há quanto tempo você e Heaven estão juntos? — a


assistente social pergunta, ela está sentada à minha frente
juntamente de um policial, com apenas uma mesa nos separando. É
como se eu estivesse em uma sala de interrogatórios.
— Oi?! — pergunto atônito, cruzando as mãos em cima da
mesa.
— Vocês dois namoram há quanto tempo? — ela refaz a
pergunta.
— Cerca de trinta horas... eu acho — respondo hesitante. —
Começamos a namorar ontem, porém estamos juntos faz cerca de
dois meses, e nos conhecemos desde que éramos crianças,
estudamos juntos na infância. — O policial anota alguma coisa no
seu bloco de notas enquanto eu falo, como se fosse a porra de um
psicólogo. — Quando eu vou poder ter notícias dela? — pergunto.
— Vocês também precisam entrarem em contato com os pais dela,
eles não sabem que ela está aqui. — Eu lembro. Em nenhum
momento durante todo o pânico que senti, desde que encontrei
Heaven até levarem ela para a sala de cirurgia, eu consegui lembrar
de entrar em contato com Reese e Magnus.
— O hospital já entrou em contato com o senhor e senhora
Morris, não precisa se preocupar — diz Emma, e eu respiro aliviado.
— Segundo os socorristas, no momento em que eles chegaram ao
local, você estava ao lado do corpo de Heaven, isso procede?
— Sim.
— Você faz alguma ideia do que tenha acontecido com a moça?
— O policial abre a boca pela primeira vez.
— Eu... eu não tenho certeza, mas eu desconfio de algo.
— Do que?! — o policial insiste.
Então eu conto a ele sobre a mensagem que recebi dela, sobre
os planos que tinha para nós dois hoje à noite, e o frio estranho que
senti na barriga ao pensar nela. Falo que então fui até a casa dela e
quando cheguei lá a encontrei estirada no chão. Digo também, que
assim que cheguei, um carro preto passou por mim a mil por hora,
como se estivesse fugindo de algo, que liguei para emergência e
falei com a Amanda, conto tudo detalhe por detalhe, até minha
garganta ficar seca. O policial me encara como se estivesse com
dor de barriga.
— Então, você afirma que quando chegou ao local encontrou a
jovem desmaiada e machucada, é isso? — o policial pergunta.
— Sim. A que horas vão me dar notícias dela? — pergunto
novamente, já que na primeira vez eles não responderam.
— Primeiro precisamos saber o que aconteceu, Axel — Emma
fala calmamente. Juro que a frieza dessa mulher está começando a
me dar nos nervos.
Eu assinto com a cabeça, tentando controlar meus sentimentos.
— Você tem certeza que não foi você quem deixou a jovem
naquele estado? — o policial pergunta de repente, o que me deixa
puto.
— Eu nunca, jamais encostaria um dedo na Heaven — vocifero.
— Se vocês querem ir atrás do verdadeiro culpado, poderiam muito
bem irem em busca do Drew, que a essa hora deve ter sumido.
— Quem é Drew? — o policial pergunta curioso.
— O ex namorado da Heaven — digo.
— Você acha que foi ele quem fez isso com ela? — Emma
questiona.
— Claro, quem mais poderia ser?! — pergunto retórico, já sem
paciência.
— Você?! — o policial ironiza, e nessa hora eu me levanto da
cadeira, fazendo ela ranger no chão com meu impulso.
— Eu já disse que não fui eu — grito.
— Axel, por favor, se acalme — Emma diz se levantando do seu
lugar. Ela vem até mim e coloca a cadeira vagarosamente às
minhas costas. — Sente-se, vou pegar água para você.
O policial continua me olhando como se estivesse com dor de
barriga, prestes a cagar na calça, ele faz a mesma cara que Anya
fazia quando era bebê e precisava fazer o número dois, e isso é
nojento. Eu também olho para ele com o cenho franzido, eu já
entendi que ele quer a todo custo pôr a culpa em mim por algo que
eu não fiz.
Emma retorna, e me oferece um copo com água, eu tomo o
líquido em um gole só. Ao invés de sentar-se na cadeira do outro
lado da mesa, junto ao policial cara de bunda, Emma se acomoda
ao meu lado, pondo a mão no joelho.
— Por que você acha que o Drew faria isso, Axel?
Então eu conto tudo que eu sei sobre o Drew, exatamente tudo,
o que soube por outras pessoas, o que vivi com ele quando éramos
crianças, sobre o namoro dele com Heaven, não só as partes que
eu vi, mas também tudo o que ela me contou, por Heaven eu
consigo reativar todos os sentimentos e lembranças ruins que me
ligam a Drew. Falo de como ele não gostava das roupas que ela
vestia, ou do corte de cabelo, como tentava controlar seu jeito de
agir e até mesmo de pensar. Falo sobre os machucados no braço
dela quando ainda estava com ele, e da vez em quando ele a
enforcou.
Em nenhum momento o policial me interrompe outra vez,
mesmo com sua careta enorme ele apenas escreve tudo em seu
bloco de notas, nem mesmo Emma fala algo, apenas balança a
cabeça como se estivesse concordando com tudo. Por último, eu
peço novamente para saber sobre o estado de saúde de Heaven
quando o policial se retira da sala dizendo que irá entrar em contato
com o delegado, e que provavelmente eu terei que repetir todas as
minhas palavras para ele ao prestar o boletim de ocorrência.
— Você pode ir até a sala de espera, eu vou entrar em contato
com o bloco cirúrgico e em breve algum médico irá falar com você
— Emma diz por fim, então me levanto, e quando estou abrindo a
porta para sair da sala, Emma me chama. Me viro e ela aponta para
os meus pés. — Vê se arranja um sapato, Axel.
Dou um sorriso de canto para ela em resposta, e aceno com a
cabeça deixando a sala.
A última coisa com que preciso me preocupar no momento são
meus pés, apenas quero saber se Heaven está bem, porque ela tem
que estar, e, assim que eu finalmente vê-la, eu vou procurar por
Drew até no inferno, e vou matá-lo, deixando-o se engasgar com
seu próprio sangue.
Eu posso estar errado, e talvez possa não ter sido ele quem fez
isso, mas quem mais nesse mundo iria machucar a Heaven, senão
ele? Ninguém! Absolutamente ninguém. Num primeiro instante até
pensei na possibilidade de que ela poderia ter caído do primeiro
andar, entretanto uma queda não afetaria seus olhos, muito menos
o pescoço daquela maneira. Então não resta nenhuma opção a não
ser Drew, eu sabia que algo estava errado.
Ele estava muito calmo após nossa briga naquele treino meses
atrás, ele quase nunca cruzava o nosso caminho, e sempre
desviava os olhares quando eu percebia que ele nos encarava. Ele
vivia rindo nos corredores, e sendo doente como ele é, era notório
que ele estava esperando por algo. Um momento, um único
segundo, e eu me pergunto como eu nunca desconfiei de nada.
Eu sempre tive ciência do histórico de Drew, e simplesmente
relaxei, descansei, deixei para lá toda a desconfiança que podia
sentir dele, apenas por pensar que em algum momento aquele
psicopata estúpido poderia mudar, poderia ser um milésimo de
segundo uma pessoa melhor. Eu nunca fui próximo dele, mas
durante um período eu desejei que ele melhorasse, então por que
não dar uma segunda chance?
Ah! Essa eu te respondo, Axel! Porque pessoas psicopatas
simplesmente não merecem nem uma primeira chance, quem dirá
uma segunda. Erro meu, erro idiota, erro tão idiota que agora está
custando a vida da pessoa que eu amo, pois eu não fui capaz de
ficar em alerta mesmo recebendo todos os sinais possíveis. Semana
passada ele machucou a Sadie, e a própria disse que ele estava
obcecado pela Heaven, só que eu me mantive tão preso aos meus
próprios sentimentos que não fui capaz de protegê-la da forma
certa, de mantê-la longe dele.
Eu posso culpar Drew o quanto quiser, só não posso negar que
eu tenho uma grande parcela de culpa por tudo o que aconteceu.
Caminho vagarosamente com as mãos nos bolsos da calça,
olhando fixamente para meus pés descalços, eles estão
enlameados e também com resquícios de sangue, a camiseta que
uso gruda no meu peito devido ao suor, à chuva, e claro, mais
sangue. Quem me vê de longe deve estar com nojo, todavia eu não
me importo.
Minha mente vaga, pela milésima vez, para o momento em que
encontrei Heaven. Todo o sangue que havia ao seu redor, suas
pálpebras inchadas, o corte na lateral da cabeça... Aquilo me fez
lembrar dos dias de terror em que via meu pai bater na minha mãe
constantemente, e depois quando ela não aguentava mais ser seu
saco de pancadas, ele vinha até mim e me torturava.
Meus pensamentos cessam no instante em que ouço uma voz
familiar me chamar.
— Axel! — É Reese, ela corre até mim e me abraça. — O que
aconteceu com minha filha? — pergunta desesperada quando
desfaz o abraço. — Por que ela está em cirurgia? Eu saí de casa há
menos de duas horas e ela estava bem, estava animada, e de
repente... — ela para de falar quando as lágrimas tomam conta do
seu rosto.
Minha garganta fecha, eu engulo em seco e puxo a mãe de
Heaven, abraçando-a com força. Noto que há mais pessoas na sala
de espera, e todos eles me olham aflitos, Allison chora em silêncio
enquanto Wes a abraça, também com lágrimas nos olhos, acredito
que nenhum deles chegou a receber qualquer notícia de Heaven
ainda.
Reese continua chorando e eu continuo abraçando-a, até que
sinto uma mão no meu ombro, quando olho para o lado é Magnus,
seus olhos brilham, também questionando o que aconteceu. Eu
balanço a cabeça em negativa não conseguindo falar, pois as
palavras estão presas em minha garganta, elas não conseguem
sair. Eu sinto que no momento em que minha voz sair será através
de um grito que darei pedindo socorro, pedindo para que aliviem
essa dor que toma conta de todo o meu corpo, a cada minuto que
passa minha consciência deixa tudo ainda mais insuportável.
É como se o peso de um milhão de palavras estivesse
sobrecarregando minha garganta agora, minha respiração está tão
pesada que meus pulmões parecem terem parado, pedindo por
mais ar. Está sendo um trabalho árduo continuar acordado em meio
ao pesadelo.
Magnus abraça Reese e eu, e nessa hora, meu coração
despenca mais uma vez. Lágrimas transbordam dos meus olhos, e
molham todo o meu rosto.
Nós três ficamos abraçados por vários minutos, todos chorando,
até que chamam a família de Heaven. Os primeiros a correrem até a
mulher, mais especificamente a terceira médica, são os pais dela,
eu vou logo atrás. Magnus se prontifica em perguntar primeiro.
— O que aconteceu com Heaven? Como ela está?
— O quadro de Heaven no momento é estável — ela responde.
— Conseguimos controlar a hemorragia externa e estamos
buscando quaisquer alterações internas, ela está bem na medida do
possível. Volto em breve com mais informações.
Passando a mão no rosto, eu me agacho e sento no chão.
Dobro minhas pernas, e trago os joelhos até meu queixo,
abraçando-os.
— Foi o Drew — falo num sussurro.
— Você disse alguma coisa, Axel? — O pai de Heaven se
agacha à minha frente, para que fiquemos no mesmo nível, seus
olhos vêm de encontro aos meus, ele está tão consternado quanto
eu.
— Foi o Drew — repito.
— O que ele fez? — ele pergunta.
Eu conto tudo novamente, pela segunda vez apenas hoje, e os
informo que a polícia já tomou nota dos acontecimentos.
— Eu vou matar ele — Magnus grita se levantando, em seguida
dá um soco na parede.
Reese pede para ele ter calma, porém ele repete que vai matar
o Drew, e depois começa a andar de um lado para o outro,
murmurando inúmeras palavras.
— Eu sempre soube que havia algo de errado com aquele
garoto, sempre. Desde a primeira vez que ele entrou na nossa casa,
eu queria dizer à Heaven para se afastar, mas não... não disse,
porque por um segundo eu parei e pensei “é só uma criança, você
que tá com ciúmes da sua filha”, só que um pai nunca está errado.
Nunca! E isso é culpa minha, se eu tivesse proibido a relação deles
isso nunca teria acontecido, eu deveria ter sido um pouco mais duro.
Eu criei minha filha para ser livre, eu sempre quis que ela tomasse
suas próprias decisões e lhe disse que estaria ao seu lado, no seu
pior, ou melhor momento e veja só o que aconte... — ele para de
falar, pois um soluço irrompe de sua garganta fazendo com que ele
solte um grito abafado contra sua mão, então recomeça a chorar,
dessa vez Reese o ampara antes de ele cair no chão junto a mim.
— Axel — Allison me chama, eu olho para cima e ela estende a
mão. Quando me levanto ela me abraça, sussurrando no meu
ouvido que vai ficar tudo bem.
E eu quero acreditar que realmente tudo irá ficar bem, desse
modo eu passo a crer que eu estou dormindo, e que isso é apenas
um pesadelo, do qual já já eu vou acordar. Heaven vai estar sorrindo
ao meu lado, como tem sido nesses últimos dias, no fundo eu quero
que nada do que aconteceu hoje seja verdade.
Não é culpa do pai dela o que aconteceu, é minha. Talvez se no
momento em que eu soube a verdade sobre Drew, eu tivesse dito a
ela, talvez se durante cinco anos eu tivesse mantido contato, ou se
quando voltei à cidade ao invés de ser um covarde e ter virado a
cara, eu tivesse ido até sua casa, batido na porta e a chamado para
conversar, nenhuma porcaria dessas teria acontecido.
Talvez se eu não tivesse pedido ao pai dela para se atrasar no
trabalho, e ele tivesse chegado na hora certa, ela não teria ficado
sozinha, isso não teria acontecido. São tantos “talvez”... Criar
inúmeras teorias na cabeça, às vezes é bem mais fácil do que viver
a realidade.
— Você está descalço — Allie diz quando nos separamos do
abraço.
— Não deu tempo de procurar por um sapato — digo a ela.
Kane se aproxima de mim, dando um soco de leve no meu
braço. Grey, por sua vez, me abraça e beija minha bochecha, como
uma mãe faria, e por mais que esse não seja o momento oportuno,
ele consegue colocar um meio sorriso no meu rosto com o seu jeito
de agir. Já Elliot se levanta da sua cadeira, seu rosto transmitindo
pura fúria. Ele não consegue falar nada, apenas põe as mãos nos
bolsos do seu moletom e acena com a cabeça para mim.
Wes está ao meu lado e eu o abraço. Ele aparenta estar tão
destruído quanto eu, mesmo que Allie, Heaven e Wes sejam um trio
há anos, Wes é o mais próximo de Heaven, porque os dois têm
muitas coisas em comum, a mesma paixão pelo teatro, a mesma
alucinação em dizer que How I Met Your Mother é melhor do que
Friends, e as músicas da Ariana Grande nunca podem faltar na
playlist deles.
Quando me desfaço do abraço de Wes, ele limpa as lágrimas
no rosto e em seguida me avalia dos pés à cabeça.
— Você está um nojo, gato — diz ele com a voz fraca.
— Certamente não estou no meu melhor dia.
— Como você tá? — Kane pergunta.
— Sinceramente?! Queria que fosse eu naquela sala de
cirurgia, não ela — sou sincero.
— Ei, cara — Grey me chama. Ele tira uma mochila das costas,
abre-a e tira um par de chinelos de dentro. — Calça isso. — Ele
estende os chinelos brancos e eu os pego, calçando a seguir.
— Obrigado.
— Por que você tem um chinelo na bolsa? — Allison pergunta à
Grey.
— Nunca se sabe quando vai precisar. — Ele dá de ombros. —
Alguém quer um pouco de café? — muda totalmente de assunto.
Todos negam, mas mesmo assim ele sai da sala de espera, e
alguns minutos depois, quando estamos todos sentados e calados,
Grey volta com 8 copos de café em uma bandeja, e entrega um para
cada pessoa ali. Eu agradeço e tomo o café.
Mais tarde minha mãe chega ao hospital acompanhada de
Marlon e com Anya em seus braços, que logo é passada para os
braços do seu noivo quando ela corre até mim ao ver meu estado.
Eu nunca pensei que precisava chorar no colo da minha mãe até
fazer isso, eu choro muito, e não é algo bonito de se ver. Eu soluço
pedindo para que ela dê um jeito nisso, porque ela é minha mãe e
se tem uma pessoa que sempre sabe como curar todas as feridas é
uma mãe, mas eu lembro que ela também já foi machucada dessa
mesma forma, o que me traz ainda mais dor, e acredito que a ela
também, entretanto para ela não importa, ela só me acalenta em
seus braços enquanto passa as mãos em meus cabelos,
sussurrando que vai ficar tudo bem.
Já se passaram mais de duas horas desde que a médica veio
até nós, e minha mãe continua ao meu lado. Quando parei de
chorar, olhei no fundo dos olhos dela e ela reconheceu a minha dor
como a dor que ela sentiu por anos, por isso em momento algum ela
me abandonou, e eu não quero abandoná-la também.
O pai de Heaven anda de um lado para o outro na sala de
espera, enquanto Reese faz algum tipo de oração com um terço na
mão. O tio de Heaven continua com Anya em seus braços, a
garotinha dorme feito um anjo, alheia a tudo e todos os sentimentos
que rodeiam esse lugar.
Wes está cochilando por cima do ombro de Kane, que mexe no
celular, Allie está abraçada ao corpo de Grey, enquanto Elliot tem
seus olhos vidrados no chão, balançando sua perna violentamente.
Uma hora depois, um rapaz alto e magro vem até nós e nos
comunica que está tudo bem até o momento, e em breve virá com
mais notícias.
Exatamente às três horas da manhã, a doutora Rogers entra na
sala de espera, ela tira a touca da cabeça e chama os pais de
Heaven. Todos ficamos de pé, mas apenas Reese e Magnus se
aproximam da médica. Prendo minha respiração, porque eu não sei
decifrar se Rogers está com essa cara por lamentar algo, ou se é
apenas cansaço após passar horas em cirurgia.
O ar sai dos meus pulmões quando vejo Reese pôr a mão no
coração com um sorriso fraco e logo em seguida abraçar o marido.
Eles agradecem à médica e depois voltam até nós, então Reese nos
explica o que a médica disse.
Segundo ela havia um coágulo no cérebro, e que antes de
começarem a cirurgia Heaven convulsionou outra vez, eles tiveram
que abrir o crânio dela para drenarem o coágulo, mas agora está
estável.
Pergunto quando podemos vê-la e Magnus responde:
— Agora ela está na UTI, eles vão esperar seis horas para
fazerem uma ressonância e terem certeza que realmente o
sangramento estancou e não há outros coágulos. Porém, como foi
uma cirurgia na cabeça ela ficará sedada por cerca de quarenta e
oito horas.
— Dois dias inteiros? — Wes pergunta chocado.
— Sim — Reese responde. — No mínimo. Vai depender da
recuperação dela, durante esse tempo apenas nós dois poderemos
entrar. — Então ela cai no choro novamente.
Minha mãe corre para abraçá-la dessa vez.
Quarenta e oito horas na UTI, sedada... Pelo menos isso é bom,
não?! Ela está bem, ela vai continuar bem...
Heaven precisa continuar bem...

Na manhã seguinte, ainda estou no hospital, Wes permaneceu


ao meu lado durante toda à noite. Às cinco da manhã os pais de
Heaven foram vê-la na UTI, em meia hora voltaram, e Reese chorou
de novo. Magnus apenas a abraçou, murmurando que tudo ia ficar
bem. Minha mãe voltou para casa, pedindo para eu ir com ela, mas
eu neguei. Pouco tempo depois Grey, Allison, Elliot e Kane foram
embora também.
Allison insistiu para que eu fosse com eles e tomasse um
banho, só que eu declinei também. Mesmo sabendo que eu preciso
de um banho, Heaven precisa de mim muito mais, eu só vou sair
desse hospital quando souber que ela ficará realmente bem, porque
eu não aguento mais ouvir as pessoas dizerem: “vai ficar tudo bem”,
“vai dar certo”, “vamos ter calma”.
— Cara, eu só vou me acalmar quando Heaven estiver segura
— eu disse a Kane quando ele foi o último a insistir para que eu
descansasse.
Às dez da manhã, o mesmo policial que conversou comigo
ontem chega ao hospital, acompanhado do seu parceiro, que tem a
boca melada de açúcar do donuts — o que me faz lembrar que eu
não como nada há horas —, e de um delegado.
Eles me chamam para conversar em uma sala, e eu vou junto
de Marlon, que também é advogado. Dou meu depoimento,
contando tudo detalhe por detalhe, como havia dito ao policial e
Emma ontem, por fim assino o documento. Quando saio da sala, os
pais de Heaven entram para conversarem com os policiais e o
delegado. Eles informaram que foi feito um exame de DNA a partir
das células retiradas dos machucados de Heaven, e várias não
eram compatíveis com ela, porém combinavam entre si. O real
divisor de águas, além da suspeita e sumiço de Drew, foi a ligação
atendida que eu fiz para Heaven ontem. Eu não escutei nada além
do baque, pois imediatamente corri ao seu encontro, mas a ligação
continuou na linha e foi possível escutar uma voz alterada, bastante
compatível com a de Drew, por isso deram início às buscas por ele,
que encontra-se foragido até o momento.
Três horas da tarde, a doutora Rogers chega e conversa com
os pais de Heaven. Eles fizeram a ressonância, confirmando que
conseguiram conter o sangramento e não há presença de outros
coágulos, agora só precisamos aguardar o restante das horas
necessárias para que a tirem da UTI e a levem para a enfermaria. E
como sempre, ela diz no final: acalmem-se, vai dar tudo certo.
Eu quero matar a pessoa super positiva que inventou essa
frase.

Hoje é véspera de Natal, e também é o dia que tiraram Heaven


da sedação, ela já está no quarto e já podemos visitá-la.
Já fazem cerca de três horas que ela saiu da sedação, mas
ainda está com o respirador, eles só irão tirar depois que ela
acordar. Nesse caso, agora só depende de Heaven.
Eu entro no quarto, e fico chocado ao vê-la pela primeira vez
desde que ela entrou nesse hospital. Sua cabeça está enfaixada,
um tubo enorme entra na sua boca, seu rosto está roxo, e os olhos
mais inchados do que quando a encontrei. Seu peito sobe e desce
lentamente, recebendo e expulsando o ar.
Sento-me na cadeira ao lado da sua cama, e pego sua mão,
fazendo carinho em seu dorso enquanto observo seu rosto
atentamente. Passo cerca de meia hora assim, antes de falar
qualquer palavra. Eu abaixo a cabeça e olho para nossas mãos
juntas, e começo a murmurar em meio às lágrimas que insistem em
caírem do meu rosto.
— Eu não sei o que se passa na sua cabeça agora... na
verdade não sei nem o que passa na minha. Eu tenho rezado,
sabe?! Todos esses dias eu tenho rezado, pedindo a um ser
supremo que você fique bem, e eu nunca fiz isso na minha vida,
nem mesmo quando Anya estava na UTI neonatal, acho que por
que naquele tempo eu sabia que as coisas realmente iriam dar certo
para ela. Mas agora, por algum motivo, mesmo com tantas pessoas
dizendo que vai dar certo, eu não consigo acreditar, é como se a
infelicidade me acompanhasse a todo o momento, e quando você
me trouxe sorrisos, a vida veio e me deu uma rasteira. Só que ao
invés de me ferir, ela feriu você, logo você...
“Você é a pessoa mais doce que eu conheço, Heaven. Aquela
que sempre está ali quando alguém que você ama precisa, você
não desiste facilmente das pessoas, e foi preciso eu pensar que iria
perder você para não desistir. Eu estava lembrando da sua peça,
hoje já faz cinco dias desde a sua apresentação, e é engraçado
como a vida é capaz de imitar a arte, enquanto a Vanessa dizia que
não ajudou o Joseph porque ele não se mexia, eu também não senti
você se mexer no meu abraço, e eu poderia ter desistido como a
Vanessa, só que não estamos falando da Vanessa, estamos falando
da Heaven... por mais rude que eu já tenha sido um dia, você não
desistiu de mim, não abriu mão de nós, então eu não abri mão de
você. Você precisa abrir esses olhos, os olhos mais lindos que já vi
em toda minha vida, e depois sorrir, tão genuinamente, como você
sempre faz. Eu estou cansado de ver tantos sorrisos doces em
bocas de médicos e enfermeiros, e nenhum ser o seu. O seu é
verdadeiro, os deles parecem pura falsidade, você precisa se
levantar e viver, porque o mundo é todo seu.”
Eu paro de falar, e tomo um pouco de ar.
— Só, por favor, abra os olhos. Não por mim, ou pelos seus
pais, mas por você, porque você ainda tem inúmeras coisas
maravilhosas para viver. Então viva, escolha viver... Só te peço isso.
Aproximo meu rosto de nossas mãos e beijo seus dedos, e é
nesse exato momento que eu vejo seu dedo indicador levantar.
Estou sentado aqui frio como gelo
Engulo o conselho do meu amigo
Rezando para que traga você de volta para mim
Projetado através de rádio estático
Eu começo a ouvir sua resposta de voz
Quase como se você estivesse aqui comigo
GONE | BLAKE ROSE

O que é Natal? Para alguns é sinônimo de ganhar presentes,


para os comerciantes é a época do ano que eles ganham mais
dinheiro, para os religiosos é o nascimento do menino Jesus, para
quem trabalha todos os dias da semana é um dia de folga, e para
uma grande parte das pessoas é como o segundo dia de Ação de
Graças em menos de um mês, pois é tempo de agradecer a vida.
Para mim, nesse momento, o Natal não passa de uma tortura.
Eu nunca levei em consideração a forma como Elliot levava sua
vida, sempre com uma garrafa de bebida na mão, com medo da sua
mãe e sendo sarcástico em 80% do tempo. Digamos que agora eu
estou como Elliot, porém uma versão muito mais desastrosa, eu
tenho uma garrafa de bebida na mão, tenho medo do amanhã e
estou sendo sarcástico com a vida.
Nesse exato segundo estou no meu quarto, encarando a porra
da pintura que imita o mar das Ilhas do Caribe, porque me faz
lembrar dela.
Ela que também está deitada agora, mas em uma cama de
hospital, em coma, que não é mais induzido. Ela que ama comer
lasanha, está sendo alimentada por uma sonda, ela que odeia dizer
que está indo ao banheiro fazer xixi — pois tem vergonha que as
outras pessoas saibam que ela é um ser humano comum e precisa
fazer suas necessidades —, está urinando através de uma sonda
também.
Ela que costuma ter o sorriso mais lindo e doce do mundo, tem
a porcaria de um respirador passando por sua boca, porque se
retirar pode ser que seu corpo, que parece estar sem vida, não
consiga respirar sozinho e decida realmente desistir de viver,
fazendo com que sua respiração cesse e a bela vida que ela tem
pela frente vá embora junto com seu oxigênio.
Ela que estava ansiosa para o Natal como ninguém. Ontem era
o dia que ela teria ido ao shopping comprar os presentes para todos,
ela vinha me dizendo a duas semanas que já sabia exatamente qual
seria o meu, e quando eu lhe perguntava o que seria, ela dizia que
era segredo.
Ela que eu amo tanto, mas que também dói tanto todas as
vezes que estamos longe um do outro, e dói ainda mais imaginar
que sua vida corre perigo. Por mais que os médicos me digam
sempre que ela está evoluindo, eu não acredito nisso, eu não
acredito porque seus olhos estão fechados, sua boca não tem um
sorriso, sua pele alva e macia está repleta de hematomas, e seu
coração, que havia se curado há pouco tempo, está prestes a entrar
em colapso outra vez.
Entorno o gargalo do Johnnie Walker na minha boca, sentindo o
sabor infeliz de canela defumada com álcool, e lembro de um dos
momentos em que ela me mostrou o quão resiliente estava se
tornando.
“— Se você pudesse escolher ser um animal, qual você seria?
— Heaven tira seus olhos do livro de literatura e me encara.
Eu faço o mesmo, tirando os meus do de física. Dentro de todos
os cursos avulsos que faço, tenho certeza que eu não quero nada
relacionado à física.
— Um animal?! — pergunto retórico enquanto reflito, então me
sento na minha cama e penso em que animal eu posso ser.
— Eu acho que eu seria um lobo — Heaven interrompe os
meus pensamentos.
— Por que um lobo? — questiono, pegando seu pé e puxando-a
para mais perto de mim, até que ela esteja sentada em meu colo.
Heaven passa suas mãos por meus ombros, parecendo pensar
antes de me dar sua resposta.
— Os lobos são animais fortes, mas eles não são fortes apenas
por serem, a força deles em sua maior parte vem dos seus vínculos,
da sua matilha, eles são intuitivos, fortes e leais. Eu digo que grande
parte da minha força é ligada às pessoas que rodeiam a minha vida,
como meus pais, meus amigos e você.
— Eu?! — pergunto surpreso.
— Você pode ser a pessoa mais metódica que eu já conheci em
toda a minha vida, contudo acredito, mesmo em meio a tanta
maldade que há nesse mundo você, foi capaz de driblar todas as
adversidades e transformou isso em uma fonte de força, não física,
e sim emocional.
— Eu não sou metódico — brinco.
— Não?! — desafia Heaven. — Então quer dizer que se eu
simplesmente for mexer no seu guarda roupas agora, e tirar todas
as cores de ordem, misturar roupas brancas com pretas, pôr suas
meias juntamente com suas cue...
— Chega — interrompo-a, pois apenas de imaginar a cena, a
minha mente se revira em mil.
Heaven ergue a cabeça e uma risada gostosa escapa de sua
boca, aproveito a oportunidade e beijo seu pescoço.
— Opa! — diz, afastando seu pescoço da minha boca. — Eu
pensei que iríamos apenas estudar hoje.
Agarro seus cabelos na nuca, trazendo sua boca para mais
perto da minha.
— Que tal estudarmos a anatomia do corpo humano? Afinal,
estou pensando em entrar para o curso de Medicina no semestre
que vem.
Heaven ri, entretanto ela vê que eu estou falando sério e seu
olhar brincalhão, de repente, se torna pura malícia, então
começamos a nos beijarmos.”
Tomo mais outro gole da bebida quente, que desce ardendo na
minha garganta. Só desejo que ela volte o quanto antes, todavia
minhas esperanças, por boas notícias, têm se esvaído a cada
minuto em que seus olhos não abrem.

Hoje é trinta e um de dezembro, e faz exatamente dez dias que


Heaven está internada, e uma semana desde que senti o
movimento sutil de sua mão sobre a minha.
— Infelizmente tratavam-se apenas de reflexos motores, se
amanhã ela não acordar, precisaremos repetir a ressonância e fazer
alguns exames cognitivos — disse a doutora Rogers.
Entro no hospital caminhando rumo à enfermaria, caminho esse
que tenho feito todos esses últimos dias, e meus desejos nunca
mudam, apenas peço para que ela acorde o mais rápido possível,
mesmo que minhas esperanças, nesse momento, sejam mínimas.
Vou direto para o quarto onde Heaven está internada, chegando lá,
Reese está sentada na cadeira ao lado da cama, e Wes em pé, ao
lado da janela.
— Alguma melhora? — pergunto assim que entro no ambiente,
pois sei que hoje a doutora Rogers iria repetir, pela quarta vez, a
ressonância.
— Tudo do mesmo jeito — Reese responde cabisbaixa. — A
médica responsável disse que dessa vez irá encaminhar os
resultados dos exames para um hospital em Boston, mas ela
continua acreditando na hipótese de Heaven estar apenas
descansando seu corpo, e que a qualquer momento poderá acordar.
Já faz quatro dias que a equipe médica diz essa mesma
porcaria, e nada da Heaven acordar. Ela já saiu dos sedativos há
uma semana, porém ainda está fazendo o uso do respirador, seu
rosto já desinchou, e agora tem apenas algumas manchas roxas ao
redor dos olhos, a faixa da sua cabeça também sumiu há dois dias.
Parte do cabelo atrás da cabeça teve que ser raspado, Wes quando
soube ficou preocupado com a reação que ela teria, enquanto eu sei
que ela estará apenas aliviada por estar bem.
Mesmo sendo alimentada através de uma sonda, e estando
com acesso intravenoso com soro para manter seu corpo hidratado,
ela parece ter perdido alguns quilos durante esse período.
Me aproximo da sua cama, e passo as mãos por seus cabelos.
Wes tem feito questão de penteá-los, para que tão logo ela acorde
não se assuste muito com a sua aparência ao se ver no espelho
pela primeira vez. Ele realmente está convencido que ela irá acordar
a qualquer momento, já que se preocupa com futilidades como o
estado do cabelo, ou a aparência da pele, enquanto eu só tenho
perdido minhas esperanças durante o dia, e enchido minha cara
todas as noites, desde o dia em que pensei que ela havia acordado,
quando na realidade não passou de uma porcaria de reflexo motor.
Dou um beijo na sua bochecha, e me aproximo do seu ouvido
sussurrando que a amo. Eu tenho dito isso para ela todos os dias,
no momento em que chego, e ao ir embora também, porque se há
uma coisa da qual me arrependo é não ter dito essas três palavras
em voz alta para que ela escutasse nos momentos em que estava
consciente bem do meu lado.
A doutora Rogers disse que mesmo desacordada, ela escuta
tudo o que falamos e conversamos com ela, então eu faço questão
de reforçar o quanto a amo.
Me afasto dela no instante em que sinto o celular vibrar no meu
bolso, é uma mensagem do Kane. Sua viagem de volta para
Hastings, cidade onde morávamos e seus pais adotivos vivem,
estava marcada para a véspera de natal, porém diante de toda a
situação, acabou que ele disse que não estava com cabeça para
viajar, e seus pais entenderam, sem qualquer objeção. Kane nem
mesmo tem se preocupado com o jogo que deve acontecer na
semana que vem, uma vez que não fala mais nada relacionado ao
esporte.
Kane: A gente precisa conversar
Tô no estacionamento do hospital
Aviso a Reese que preciso descer para falar com o Kane, e em
seguida saio do quarto.
Quando o avisto do lado de fora, paro e respiro fundo, depois
retomo a caminhada um pouco mais rápido.
— O que esse filho da puta está fazendo aqui? — digo
apontando para JC, que está ao lado de Kane.
— Calma cara, eu vim na paz — JC se defende.
— Na paz é o meu pau. — Fuzilo ele com os olhos, já me
preparando para esmurrar a sua cara.
Kane me para, colocando as mãos no meu peito.
— Ele tem algo bem interessante para dizer, só escuta o cara —
Kane fala no meu ouvido. Eu olho para ele confuso e ele apenas
assente, me encorajando a escutar o JC.
— Fala logo — digo olhando para a cabeça careca estúpida
dele.
— Cara, você é esquentadinho demais. — Foda-se se o Kane
acha que eu tenho que escutá-lo, faz dias que eu preciso jogar toda
a merda que está acontecendo na cara de alguém, e se esse
alguém for o JC, eu estou pouco me fodendo para isso.
Pego-o pelo pescoço e prenso suas costas contra o carro que
está estacionado atrás dele. Ranjo os dentes, murmurando contra
seu rosto:
— Você vai preferir falar o que tem para falar de uma vez, ou vai
querer que eu te quebre em um local público? Porque, sinceramente
JC, eu estou pouco me fodendo para as consequências de quebrar
sua cara fodida — Kane me segura pelos ombros.
— Axel, calma! Porra! — ele grita comigo.
Aos poucos eu solto o pescoço de JC e me afasto dele, que
rapidamente passa a mão por sua garganta, respirando fundo. Eu
faço o mesmo passando as mãos no rosto.
— Fala de uma vez, JC — Kane pede.
JC me encara como se estivesse pronto para lutar comigo uma
terceira vez, eu o larguei agora, mas eu juro que se ele abrir a boca
para falar qualquer outra merda, ele vai precisar de uma boa cirurgia
plástica para se tornar uma pessoa apresentável outra vez.
— Tudo bem... — JC arfa. — Você por acaso lembra que na
nossa última luta houve uma aposta de quinze mil dólares em você?
Eu paro e penso um pouco, porque isso já faz tanto tempo que
quase não recordava mais.
— Knifer&Liver — digo, recordando o nome do usuário que
apostou em mim.
— Esse cara entrou em contato comigo três dias antes da luta,
ele disse que seu ponto fraco seria em cima do fígado, por isso
naquele dia meu primeiro golpe foi logo abaixo do seu peito. — Eu
concordo com ele, tentando digerir o que ele acabou de dizer.
Poucas pessoas sabem o que aconteceu com meu fígado quando
eu era criança, e uma delas é o meu pai. — Ele apostou alto em
você e me deu essa dica para que eu pudesse ganhar, e depois o
dinheiro que ele iria “perder” eu pagaria a ele de volta. Obviamente,
eu concordei... Mas você ganhou.
— Então você está me dizendo que meu pai foi quem apostou
em mim, na intenção de fazer com que eu perdesse?! — Olho para
ele com o cenho franzido. — É isso que você quer dizer? Aquele
filho da pu...
— Se aquele cara é teu pai, vou te dizer uma coisa, o filho da
puta é precoce para caralho — JC me interrompe.
— O quê?! — Olho para ele atordoado. — De quem você está
falando então?
— O Drew quis pagar o JC para matar você — Kane fala.
— O Drew?! — pergunto, olhando de um para o outro. —
Como... o que... — falo confuso, tentando organizar meus
pensamentos. Como o Drew saberia do meu problema no fígado? A
não ser que... Puta que pariu! — Onde ele está JC? — Parto para
cima de JC, mas dessa vez Kane entra na minha frente.
— Eu não sei — JC responde.
— Não sabe o caralho, onde ele está? — pergunto outra vez, e
tento empurrar Kane. — Me solta, Kane! Porra! Você não está
entendendo que ele quase matou a Heaven e agora está pagando
um psicopata para me matar — digo olhando enfurecido para Kane.
— Ele não sabe, Axel. Ele está falando a verdade — Kane diz.
— Como você tem tanta certeza disso?! Ele pode estar aqui
agora para me matar.
— Olha só, Axel. — Ele fala meu nome como se estivesse com
nojo, franzindo a ponta do nariz. — Eu posso ser um filho da puta
bem fodido da cabeça, mas eu ainda acredito que o céu existe.
Rio com escárnio.
— Não fode, JC.
— Para de falar besteira, JC — Kane diz se virando para ele. —
Mostra logo a conversa ao Axel.
Então JC tira o celular do bolso, desbloqueando a tela e em
seguida, ele me mostra uma conversa no chat do site do armazém.
O mesmo usuário que havia apostado em mim, oferecendo quarenta
mil para o JC dar “um jeito” em mim, a data mostra que isso
aconteceu logo após o seu carro ter sido incendiado.
— Como você sabe que é o Drew? — pergunto.
— Depois da luta ele apareceu todo arrebentado, pedindo ajuda
— JC revela. — Ele tinha saído do hospital, porém passou três dias
na minha casa.
— E onde ele está agora? — pergunto.
— Eu já te disse cara, eu não sei.
— Então você simplesmente veio de bom coração me avisar
que alguém está tentando me matar, e iria te pagar por isso? —
desafio ele.
— Isso mesmo — responde assentindo com a cabeça.
— O que você ganha com isso?!
— Talvez aumente minhas chances de ir para o céu. — Ele dá
de ombros. — Não sei cara, de qualquer forma senti que seria bom
você saber disso.
Concordo com ele e passo a mão no rosto, logo me viro e dou
um murro contra a parede.
— Obrigado por avisar, JC — Kane fala atrás de mim.
Antes de ir embora, escuto JC dizer que se souber de alguma
coisa ele entrará em contato com a gente. E mesmo não querendo
confiar na palavra de JC, eu preciso, porque agora eu desconfio que
Drew possa saber a verdade, e não só isso, ele está escondido em
algum canto próximo... Afinal, o site só funciona até cem quilômetros
de distância do armazém, uma vez que Mark o configurou apenas
para pessoas próximas terem acesso. Drew não pode simplesmente
sair impune pelo que fez com Heaven, e pensar que me matar pode
ser a solução. Eu preciso encontrá-lo e depois dar um jeito nele,
mandando-o para a cadeia, ou para uma clínica psiquiátrica, ou
qualquer merda que impeça ele de chegar perto de nós mais uma
vez.
— Sei o que você está pensando — Kane murmura.
Olho para ele com o cenho franzido.
— Você quer ir atrás do Drew, e fazer justiça com as próprias
mãos.
— Ele está sumido, mas está próximo — digo. Kane concorda.
— Sim, ele está próximo, mas cem quilômetros são muita coisa,
Axel. Isso sem contar que o JC pode muito bem estar mentindo
sobre não saber a localização do Drew, para que eles saibam seus
próximos passos.
É verdade. Tanto eu quanto o Kane sabemos que o JC não é de
confiança, então facilmente ele poderia se aproximar dizendo todas
essas coisas para favorecer o Drew.
— Você tem razão, porém tem uma coisa que ficou martelando
na minha cabeça.
— O quê? — Kane questiona.
— O Drew sabia que o fígado seria meu ponto fraco, não só
isso, ele disse para o JC. Isso significa que o Drew talvez saiba de
toda a verdade.
— Que verdade?! — Kane pergunta atônito.
Então eu conto tudo o que eu não havia lhe contado antes.
Quando eu termino de falar, Kane me olha espantado.
— O que você acha que eu devo fazer? — pergunto.
— Cara... Isso é foda para um caralho — declara, após soltar
uma lufada de ar. — Você ainda tem o dinheiro que ganhou com as
apostas, ou algo da sua pensão guardado?
— A maior parte, por quê?
— Claramente você não pode sair por aí caçando o Drew, muito
menos ir atrás do JC, porque dentro desse hospital tem alguém que
precisará de você quando acordar.
— E você acha que eu não sei disso, porra? Se não fosse a
Heaven no estado que está, eu já estaria procurando por ele.
— Você pode contratar um detetive ou alguma coisa do tipo
para procurar o Drew, já que a polícia não está fazendo esforço
nenhum.
Kane diz, tão puto quanto eu, porque é verdade, a polícia está
pouco se importando em ir atrás do Drew. Interrogaram os pais dele,
a Sadie e alguns companheiros do nosso time, principalmente
aqueles que moram na fraternidade, incluindo Grey e Elliot, fora
isso, não procuraram por ele.
— Você conhece algum? — eu pergunto.
— Não, mas posso falar com o Mark, ele com certeza tem
algum contato. Sem contar que ele tem acesso ao site, e por lá pode
conseguir alguma localização, qualquer coisa que possa estar ligada
ao Drew.
— Tudo bem, quando conseguir me avisa e eu pego o dinheiro.
Pelas minhas contas eu devo ter ainda uns vinte mil das
apostas, graças à última luta contra o JC, e a grande aposta que me
deu nos nervos na época. Eu consegui guardar boa parte da grana,
além de que a pensão que é paga pelo meu pai eu dificilmente uso,
apenas para os gastos básicos do apartamento, gasolina, comida ou
coisas do tipo. Só usei mesmo o dinheiro para comprar o colar de
Heaven, que foi entregue aos pais dela junto dos pertences que ela
estava no dia em que chegou ao hospital. Isso tudo fica mais fodido
a cada dia que passa.
Às vezes me pergunto, se eu nunca tivesse entrado na vida de
Heaven, será que ela estaria passando por isso?
— Você não vai beber hoje de novo, vai? — Kane pergunta. Ele
tem andado preocupado comigo na última semana, já que eu tenho
virado todas as noites bêbado, a fim de amenizar toda essa tortura
que se tornou minha vida.
— Não — digo a verdade para ele. — Vou passar a noite no
hospital hoje, é a virada do ano, não quero que os pais de Heaven
fiquem aqui essa noite, será bom se os dois ficarem em casa, pelo
menos hoje.
— Você tem razão.
Me despeço de Kane com ele dizendo que irá procurar por Mark
o quanto antes, e eu volto para dentro do hospital. Já na ala da
enfermaria, vejo várias pessoas correndo em direção ao quarto de
Heaven, nesse instante meu coração dispara e o gosto de bile sobe
pela minha garganta.
Minhas mãos suam, e minhas pernas tremem enquanto
caminho temendo que o pior possa ter acontecido. Nada passa na
minha cabeça agora, senão que uma terrível notícia chegará aos
meus ouvidos nos próximos segundos.
Todos os meus momentos com Heaven passam diante dos
meus olhos, desde o momento em que a vi pela primeira vez há
nove anos. Naquele dia ela não havia me notado, mas eu reparei no
momento em que ela se declarava para o pai, falando sobre
planetas, estrelas e mar, aquilo chamou minha atenção na época
porque eu invejei a relação que ela tinha com Magnus, e então
cerca de dois meses depois ela cruzou o meu caminho no corredor
da escola, me protegendo dos valentões. Passa-se também em
minha mente a tarde em que prometemos amar um ao outro para
sempre, eu nunca descumpri essa promessa, mesmo longe eu
jamais deixei de amá-la. Heaven é parte da minha alma, e uma alma
simplesmente não se apaga, não vai embora, o corpo pode
apodrecer ou virar cinzas após a morte, mas a alma sempre está
viva. Meus pensamentos também vagam para o nosso reencontro,
que aconteceu em agosto, os momentos em que eu a odiei, mesmo
sabendo no fundo que a amava, nossas trocas de olhares, a ligação
que temos um com o outro.
Tudo, exatamente tudo, passa diante dos meus olhos.
— O que aconteceu? — pergunto ao Wes, assim que eu o
avisto.
— Ela acordou — ele me diz sorrindo, enquanto várias lágrimas
descem por seu rosto. — A Heaven acordou — grita, depois coloca
a mão sobre sua boca.
No mesmo segundo em que escuto ele dizer que finalmente a
Heaven acordou, eu corro para entrar no quarto dela, mas Wes me
impede, segurando meu braço.
— Os médicos pediram para ficarem a sós com ela e os pais,
eles estão conversando agora.
— Como isso aconteceu? — pergunto me virando para o Wes.
— Quando aconteceu?
— Exatamente dois segundos depois que você saiu.
— O que?! Por que você não me chamou? — Olho para dentro
do quarto pela janela de vidro, a fim de pegar algum vislumbre de
Heaven, porém sou impedido pelas persianas, e pela grande
quantidade de pessoas dentro do quarto.
— Eu não sei — Wes diz apreensivo. — Em breve a gente vai
poder ver ela novamente, dessa vez com os olhos abertos.
Dessa vez com os olhos abertos...
Reflito a última frase do Wes. Ele não faz a mínima ideia que é
só nisso que eu penso, desde que a encontrei desacordada, em
cima do seu próprio sangue, em ver seus olhos abertos de novo, tão
azuis e brilhantes como sempre foram.
Heaven acordou, e vou poder dizer que a amo mais uma vez,
dessa vez com os olhos abertos.
Então me diga como viver neste mundo
Diga-me como respirar e não sentir dor
Diga-me, porque eu acredito em algo
US | JAMES BAY

Sinto uma dor muito forte na parte de trás da minha cabeça,


tento levantar meu braço a fim de descobrir o motivo de tanta dor,
mas parece que carrego um peso de quinhentos quilos nas mãos.
Ar quente, como se alguém estivesse respirando bem ao meu
lado, sopra na minha bochecha.
— Eu te amo — reconheço a voz rouca de Axel, porém não
tenho certeza se é ele.
Tento responder, só que tem algo na minha garganta que não
deixa a minha voz sair.
Minha visão ainda está escura, e escuto outras vozes perto de
mim, minha mãe, Wes... Tento chamá-los também, minha voz não
sai, eu não consigo. Tento engolir um pouco de saliva, não desce
nada. Por que eu não consigo ver nada?!
Faço um pouco mais de esforço, e então o preto aos poucos
torna-se branco, o mesmo branco que vi depois do preto, depois do
preto... porque minha visão tinha escurecido enquanto ele estava
em cima de mim.
O branco vai se diluindo e se misturando com as outras cores
ao meu redor, um tanto quanto embaçado, com o preto ainda ao
redor, como se fosse uma vinheta de filmes antigos. A memória de
poucas horas atrás se mistura com o teto branco, em seguida com
vários equipamentos, olho para frente e vejo a sombra de Axel se
afastando de mim, ele estava aqui ao meu lado, eu senti sua
respiração, eu ouvi sua voz, ele disse que me ama...
Outra visão, Drew está em cima de mim novamente. Pisco os
olhos, e ao lado vejo minha mãe sentada em uma cadeira de cor
creme, lado, ela está lendo um livro. Pisco de novo, Drew está em
cima de mim me socando, e eu tento não demonstrar fraqueza
diante dele. Mais uma vez meus olhos piscam, Wes está ao meu
lado...
Ele chama meu nome, eu tento responder, mas minha voz
continua presa.
Meus olhos fecham, e dessa vez Drew está pressionando meu
pescoço. Eu não consigo respirar, meus pulmões comprimem dentro
do meu peito, bato meus pés contra o piso buscando por ar, não
consigo, meu coração acelera.
Abro os olhos, minha mãe está ao meu lado com os olhos
cheios de lágrimas. Sinto duas mãos no meu rosto, e quando fecho
meus olhos outra vez escuto sua voz gritar:
— Você me ama! — Dessa vez está tudo tão preto uma vez
mais.
Eu não consigo respirar, eu não consigo respirar.
Meus olhos estão abertos, vejo minha mãe, ela está chorando
muito, eu tento falar, dizer que não consigo respirar. Ouço uma voz
pedindo para eu me acalmar, direciono meu olhar para a voz, uma
mulher loira vestindo um uniforme hospitalar azul claro sorri para
mim gentilmente. Então eu olho para minha mãe mais uma vez, ela
está com as mãos em formato de concha cobrindo a boca. Outra
vez para a mulher, ela chama meu nome.
Como ela sabe meu nome?
Fecho os olhos tentando raciocinar, é tudo tão preto, e mesmo
não conseguindo respirar, sinto o cheiro de sangue. Quando os
abro, várias pessoas estão ao meu lado agora, todos vestindo o
mesmo uniforme que a mulher loira.
Tento olhar para todos os cantos ao meu redor, aguçando minha
visão e audição.
Alguém chama meu nome mais uma vez, dessa vez é outra
mulher, ela veste um uniforme azul escuro por baixo de um jaleco
branco, seu cabelo é tão preto quanto carvão, seus olhos tão azuis
quanto o céu em uma tarde de verão. Escuto barulhos de máquinas,
olho mais para o lado e vejo vários equipamentos, eu estou em um
hospital, certo?!
Acho que sim.
A voz da mulher de cabelos pretos e olhos azuis me chama
novamente. Mesmo eu tentando encontrar minha mãe, pois ouço
sua voz embargada em algum canto, eu direciono meus olhos para
a mulher que me chama.
— Heaven, oi. — Ela sorri para mim. — Sou a doutora Olivia
Rogers. — Eu tento falar, minha voz continua não saindo, ela se
mantém presa. Finalmente eu percebo que há um tubo entrando na
minha garganta, quando olho na direção dele me assusto,
arregalando os olhos. — Não tente falar — ela diz, chamando minha
atenção de volta para ela. — Você está com um respirador, o
trabalho dele é respirar por você.
Isso explica o motivo de eu não conseguir respirar direito, não
era a mão de Drew prendendo minha traqueia, e sim o respirador
passando por ela. Tento suspirar, aliviada, mas não tenho muito
êxito.
— Não precisa se preocupar — ela continua. — Já iremos tirá-lo
— diz, se referindo ao respirador. — Essa aqui também é a doutora
Rogers — explica apontando para a mulher loira com o uniforme
azul claro. — Pode chamá-la de Promise, em breve, claro... assim
que tirarmos o traqueotubo. Se você entende o que eu digo, você
concorda com a cabeça, tudo bem?! — Eu assinto, e ela sorri. —
Ótimo! Você está me entendendo bem. Agora vou fazer algumas
perguntas, enquanto a Promise verifica seus sinais vitais, está bem?
— eu assinto mais uma vez.
Promise se aproxima sorrindo para mim, seus olhos brilham,
mostrando tamanha emoção e felicidade. Ela fala um “oi” com os
lábios e eu pisco para ela, o que a faz sorrir mais abertamente,
então ela tira um estetoscópio do pescoço e começa a me examinar,
ao mesmo tempo em que a outra doutora Rogers, ou seja, Olivia
começa a me fazer algumas perguntas.
— Seu nome é Heaven? — Confirmo com a cabeça. — Você
tem dezessete anos, certo?! — pergunta como se estivesse receosa
com algo, e quando eu nego com a cabeça ela sorri para mim. —
Dezoito, então? — Eu confirmo. — Seus pais se chamam Reese e
Magnus? — Confirmo mais uma vez.
Ela continua a fazer várias perguntas simples, como o nome do
meu ursinho de pelúcia na infância, o nome do meu melhor amigo,
quando pergunta com quantos anos eu quebrei o braço caindo de
bicicleta, ela pede para que eu pisque os olhos até chegar no
número da minha idade na época, paro quando pisco onze vezes.
Lembro que quando caí eu me recusava a ir para a escola com
o gesso no braço, então Axel levava todos os dias meu dever de
casa e passava toda a tarde comigo, isso durou duas semanas
inteiras.
— Agora nós vamos tirar você desse respirador, enquanto
estivermos removendo tente não fazer movimentos com a boca, e
nem forçar a garganta, ok?! — Promise fala e eu aceno com a
cabeça.
Promise começa a puxar o tubo levemente, porém eu sinto um
incômodo, minha garganta está ficando seca, eu tento engolir um
pouco de saliva, e quando minha garganta arde levemente, lembro
do que ela disse e paro no mesmo segundo. Ela continua retirando
a mangueira transparente de dentro de mim, e assim que ela
finalmente está fora, levo minha mão até a garganta tentando coçá-
la, mas ela está tão seca que parece que eu engoli uma colher de
sopa de pregos.
— Sede? — Promise pergunta, e eu balanço a cabeça, porque
eu tento falar, contudo minha garganta apenas arranha. Ela estende
um copo cheio de gelo para mim. — Por enquanto você só pode
chupar gelo, vai ajudar com a sede, em algumas horas poderá
beber água novamente. Você também pode falar sem fazer muito
esforço, de preferência em um tom de voz baixo e gradualmente
para não machucar a garganta devido ao tempo em que passou
com o auxílio do respirador, tudo bem?! – Eu assinto para ela.
Ao pegar o copo tento pescar um gelo com a língua, só que não
consigo, por isso apenas coloco a língua sobre o gelo e no minuto
em que sinto o frescor na minha boca finalmente consigo dar um
gole. Continuo assim, até sentir um pouco de alívio tanto na boca
quanto na garganta.
— Heaven, eu preciso que você saiba que você passou por
uma cirurgia na cabeça — Olivia informa, e eu olho para ela
preocupada, todavia ela continua sorrindo para mim. — Já está tudo
bem, você está bem.
Ela me explica tudo o que aconteceu quando cheguei ao
hospital, há cerca de duas semanas, ela diz que eu sofri um
traumatismo na parte dorsal da cabeça, que gerou um sangramento
externo e formou um coágulo no cérebro. Eu fecho os olhos,
lembrando exatamente o que me causou isso, sinto uma lágrima
descer por minha bochecha, mas não a limpo, apenas engulo em
seco, e abro os olhos tentando não me lembrar novamente de Drew
em cima de mim.
Olivia também me explica como foi feita a cirurgia, e sobre o
tempo em que passei desacordada, então por isso eu devo ir com
calma, não tentar me levantar da cama antes da hora, porque além
do tempo em que passei “dormindo”, eu também passei por uma
cirurgia na cabeça, e qualquer movimento brusco pode me causar
enjoos e fortes dores de cabeça. Eu aceno para ela,
compreendendo tudo o que ela diz, por último ela me informa que
irá me deixar a sós com os meus pais durante alguns minutos e que
em breve volta para realizarmos uma ressonância.
— Obrigada — murmuro tão baixo que é quase inaudível. Ela
sorri para mim mais uma vez, e depois eu olho para Promise, que
está do seu lado agora. Uma lágrima desce por seu rosto, e ela
rapidamente a limpa, sorrindo para mim. No mesmo instante em que
as duas saem do quarto minha mãe fica na minha frente.
— Estou tão feliz que você finalmente acordou, meu amor — ela
diz, claramente emocionada com lágrimas transbordando dos seus
olhos, então ela beija minha testa. — Como você está? Está
sentindo alguma dor? Está com sede? Sei que a médica orientou
chupar esse gelo, mas deve ser horrível, eu pego água para você,
quer? — ela fala tudo muito rápido e com a voz embargada. Eu
aperto sua mão, que está no meu rosto, e sorrio para ela.
Pelo menos eu acho que estou sorrindo, meus lábios estão tão
secos que doem.
— Estou bem, mãe — falo devagar, porque minha garganta
ainda está ardendo. Ela beija minha testa mais uma vez.
Uma mão toca a minha, e então vejo meu pai. Ele também está
com seus olhos brilhando, cheios de lágrimas.
— Sabe o quanto eu te amo? — ele pergunta, emocionado.
— Do tamanho de Júpiter? — respondo num sussurro leve.
— Do tamanho de Júpiter mais Saturno, multiplicado pela Terra
e o Sol, mais todas as estrelas do Universo elevado por todas as
gotas do mar.
Sorrio de lado consentindo com sua declaração, então ele
levanta minha mão, e beija o dorso dela.
Minha mãe alisa meus cabelos, me dizendo que na parte de
trás teve que ser raspado por conta da cirurgia, porém ela diz para
eu não me preocupar, pois como solidariedade à minha causa, ela
cortou o dela do mesmo jeito antes de ontem. Ela comenta que não
dá para notar quando o cabelo está solto, então vira de costas e me
mostra a pequena parte onde ela raspou o cabelo.
Meu pai tenta não rir da situação, só que eu começo a rir
descontroladamente, e os dois acabam rindo junto comigo. Paro de
rir assim que minha garganta começa a incomodar, e minha cabeça
também começa a doer um pouco mais. Faço uma careta e meus
pais param de rir, olhando para mim preocupados.
— O que foi? Está sentindo algo? — meu pai pergunta. Eu
rapidamente nego, pedindo o copo com gelo que imediatamente ele
me estende, e eu chupo mais um pedaço.
— Sede — digo com minha voz arranhando.
— Senti tanta falta do seu sorriso e do som da sua voz, querida
— minha mãe diz, e começa a chorar mais uma vez.
Eu largo o copo de gelo para pegar em sua mão.
— Eu estou bem, mãe — murmuro baixinho para ela.
Ela beija meu rosto diversas vezes, e em seguida se afasta,
dizendo que vai ao banheiro se acalmar.
Meu pai continua ao meu lado, passando seu dedo na minha
mão devagar. Olho para ele e ele sorri para mim, ele não chora
como a minha mãe, mas está tão emocionado quanto.
— Houve um momento em que pensamos que iríamos te perder
— ele diz. — Há dias que não conseguimos dormir, apenas
implorando a Deus, a todo o momento, para que você acordasse,
então um dedo seu se mexia, só que não era nada... Eu quase perdi
as esperanças. Dizia a mim mesmo que se você tivesse que ir que
fosse de uma vez, porque você não merecia sofrer, até mesmo
confrontei os médicos perguntando o porquê de eles insistirem tanto
em lhe trazerem ainda mais sofrimento. Eu estava praticamente me
conformando com o fato de que você já poderia ter ido, pois eu não
estava disposto a ver o corpo da minha filhinha sofrendo. — É nesse
momento que ele para e chora de soluçar. Passado alguns poucos
minutos ele retoma a respiração e continua a falar, em nenhum
momento eu soltei sua mão, ou falei alguma coisa, apenas me
deixei chorar junto do meu pai. — E agora, ver o seu sorriso, três
dias depois de ter pensado que eu tinha te perdido, ouvir sua risada
doce e aveludada nos meus ouvidos, é como se eu estivesse
vivendo um sonho, mas é real, Heaven. Você é real, e você nunca
nos abandonou.
Ele para novamente, e limpa o nariz com a manga da camisa.
— Eu não sei nem o motivo pelo qual eu estou te dizendo isso
— revela. — Acho que a nossa relação é tão boa justamente por
sempre sermos sinceros um com o outro, por isso a primeira coisa
que veio à minha cabeça foi te contar que eu pensei, por um
momento, em desistir de você, só que na verdade eu queria ter
desistido de mim naquele dia, por não ter aberto meus olhos para o
perigo que estava ao seu lado. Eu me culpo todos os dias por não
ter protegido você, como um pai deve proteger sua filha, e quando
você não acordou, apesar do seu corpo demonstrar sinais de que
ainda estava vivo, eu pensei que talvez essa vida fosse ruim demais
para ter uma pessoa tão boa como você nela. Eu só quero ser
sincero com você e te pedir desculpas, por não ter confiado. Aquilo
foi somente um surto, e isso não vai acontecer nunca mais.
— Nunca mais — repito, segurando sua mão com o máximo de
força que consigo.
Meus olhos encharcaram de lágrimas depois que escutei todas
as palavras do meu pai atentamente.
— O que vai acontecer agora, pai? — pergunto hesitante.
— Acredito que ainda não seja o momento para conversarmos
sobre o que aconteceu — continua ele. — Só quero que você fique
tranquila, todos que te amam estão ao seu lado, eu, sua mãe, seus
amigos, e claro, o Axel.
— Axel... — repito o nome dele baixinho.
— Se não fosse por ele... — Ele balança a cabeça em negação.
— Não quero nem mesmo imaginar o que teria acontecido.
— O que você quer dizer com isso?
— Ele te salvou, filha — meu pai diz, emocionado.
— E quanto ao...
Não consigo terminar de falar, pois no mesmo instante Promise
entra no quarto.
— Vim te levar para fazer a ressonância, em breve você volta —
informa.
Então ela entra, acompanhada de dois enfermeiros. Meu pai
beija a minha testa em despedida, sorri para mim, e eu retribuo o
sorriso.
Eles me levam para fora do quarto, e quando atravessamos a
porta três pessoas correm em minha direção, entretanto são
interceptadas por um dos enfermeiros, mesmo assim consigo ver o
reflexo de Wes, Kane e Axel, que por sua vez, consegue desviar do
enfermeiro e vem ao meu encontro. Eu me emociono no momento
em que o vejo tão de perto.
Axel parece estar tão abalado quanto meus pais, seus olhos
cinzas estão cobertos por pálpebras cheias de olheiras, que antes
não existiam, seu rosto está repleto de pelos da sua barba. Eu
nunca vi Axel com a barba grande, antes era rala, agora está muito
cheia. Eu quero chorar por vê-lo, é um misto de tristeza e felicidade,
muito maior do que foi quando vi meus pais, só que ele parece estar
tão abatido. Pisco meus olhos com força a fim de evitar que as
lágrimas cedam e caiam sobre meu rosto, e forço um sorriso nos
meus lábios, assentindo para ele quando ele me observa com
consternação em seus olhos.
Quero dizer-lhe que está tudo bem, que eu estou bem, mesmo
não sabendo se é verdade. Segundo as doutoras Rogers, eu ainda
preciso fazer alguns exames devido ao tempo em que passei
desacordada após a sedação, e também por conta da hemorragia
que sofri.
Axel segura minha mão enquanto me levam, em cima da maca
do hospital, em direção à ressonância. Nenhum de nós fala nada,
apenas olhamos um nos olhos do outro. Não sei por quantos
corredores passamos, ou quanto tempo levou até chegarmos na
sala de exame, nem mesmo prestei atenção quando entramos no
elevador, mas no momento em que chegamos ao destino final,
Promise chama a atenção de Axel.
— É aqui que te deixamos, Axel. Quando voltarmos ao quarto,
garanto que você será o primeiro a entrar.
Promise pisca para ele e assente, porém antes de entrarmos,
ele se aproxima de mim, e juro que ele está pronto para me beijar,
então automaticamente eu fecho minha boca, porque o primeiro
pensamento que vem à minha cabeça é que não escovo os dentes
há dias. No entanto não é isso que ele faz, ele se aproxima do meu
ouvido, e sussurra:
— Eu te amo — arregalo os olhos, surpresa. Axel solta minha
mão, e então Promise entra comigo na sala da ressonância.
Enquanto ela e os enfermeiros me preparam para o exame, eu
permaneço inerte em meus pensamentos. Eu ouvi um sussurro, do
mesmo modo que Axel falou há pouco, no momento em que
acordei. Axel já havia me dito palavras extremamente lindas, tanto
na manhã após a noite em que passamos juntos, como no dia em
que me pediu em namoro. Para mim, esse dia foi ontem, de acordo
com os médicos, já faz duas semanas.
Até hoje, Axel nunca havia dito que me amava. Obviamente,
que com o tempo que passamos juntos, a rotina a qual criamos, o
modo como vínhamos tratando um ao outro, realmente como um
casal, eu cheguei a desconfiar que ele pudesse me amar, assim
como eu já suspeitava dos meus sentimentos por ele. Ainda assim,
é uma surpresa para mim ouvir a sua voz falar em meu ouvido que
ama.
Com todas as três palavras, sem tirar nem pôr.
— Eu te devo um pedido de desculpas, Heaven — Promise fala
no momento em que me transfere da maca em que eu estava para a
mesa da máquina de ressonância.
Olho para ela atônita, sem entender o que ela quer dizer.
— Por quê? — pergunto.
— Fui muito antiprofissional com você quando chorei no seu
quarto mais cedo, por isso peço desculpas. Não consegui controlar
minhas emoções quando te vi acordada, fiquei muito feliz por você.
— Por quê? — pergunto quando ela liga o botão e eu vou para
dentro da máquina.
Passam-se alguns segundos antes de eu voltar a escutar a voz
de Promise, dessa vez através do alto-falante da máquina.
— Eu estava aqui na noite em que você chegou, eu vi o
desespero nos olhos do Axel quando teve que se despedir de você
para que você fosse para a sala de cirurgia. Vi também a dúvida
nele durante esses dias, mas hoje, antes de entrar no quarto,
quando passei por ele, vi o alívio em seus olhos, acabou que eu me
emocionei, tanto por ele, quanto por você.
Finalmente as lágrimas que eu havia prendido quando vi Axel,
descem por meu rosto enquanto escuto as palavras de Promise
através da máquina de ressonância.
— Ele aparenta ser uma pessoa bem reservada — ela continua
falando. — Todavia quando se tratam dos sentimentos por você, ele
deixa tudo muito explícito.
— No começo não era bem assim — rio, lembrando de como
nos tratávamos no início.
— Ele era o famoso badboy? — Promise pergunta divertida.
— Tipo isso... Nós nos conhecemos desde que éramos crianças
— revelo. — Só que ele foi embora, e só voltou recentemente.
— Dizem que quando uma criança implica com a outra é porque
na verdade gosta muito dela... A famosa primeira paixão.
— Não, não. Nessa época éramos amigos, no entanto ele foi
embora alguns anos depois, voltou tem apenas alguns meses.
Tentei por dias recuperar a amizade que tínhamos, contudo ele não
queria saber muito de mim.
— Ou seja, apaixonado. — Promise ri com sua constatação.
— Acho que sim, mas eu tinha tanta raiva dele — digo, quase
que enfurecida.
— Deu para perceber. — Ela ri novamente.
— Como assim? — pergunto.
— Basicamente, enquanto conversamos estou fazendo um
mapa do seu cérebro, no momento em que você disse que tinha
raiva dele, a amígdala cerebral, parte onde ficam localizados os
sentimentos como a raiva, acendeu aqui na minha tela.
— Sério?! — pergunto curiosa. — E o que mais acendeu?
— Bom, nesse momento o seu córtex central, o que significa
que você está curiosa sobre algo. Enquanto você me falava sobre o
Axel, sinalizou o seu sistema límbico, onde encontra-se a maior
parte das suas emoções, como felicidade, e até mesmo o amor.
— Isso é bem interessante — observo.
— Sim, o cérebro humano é a coisa mais fascinante que eu já vi
no mundo — Promise diz, encantada.
— Então, provavelmente, quando você vê um cérebro o seu
sistema límbico também acende — arrisco.
— Você aprende bem rápido, senhorita Heaven. Você tem
algum interesse em entrar para a Medicina?
— Não, gosto mais do teatro — digo sem hesitação.
— Hum...
— O que marcou aí para você? — pergunto preocupada, pois
Promise estava me respondendo normalmente todo esse tempo, há
não ser agora, quando comentei sobre o teatro.
— Sua amígdala — Promise responde apenas.
— Isso significa que eu tenho raiva do teatro?! — pergunto,
consternada.
— Não necessariamente, a amígdala é responsável por
sentimentos negativos, como medo e raiva, todavia não
necessariamente significa que você tenha alguns desses
sentimentos relacionados ao teatro — constata.
— Então o que seria?!
— Talvez você esteja apenas acostumada com o teatro, se
sente confortável, por isso possa ter medo de arriscar em alguma
outra coisa.
— Como a Medicina, por exemplo?
— Pode ser que sim, quando você pensa na Medicina seus
gânglios basais se manifestam. Sou suspeita para falar, mas
cientificamente, isso significa alegria.
Não respondo nada, apenas penso na possibilidade e no que
ela acabou de dizer. Será que eu pensei esse tempo todo no teatro
porque me sentia confortável, e com isso nunca pensei em me
arriscar em outra coisa, por medo?
Será que passei tanto tempo com o Drew por estar com medo?
Medo de quê?! Dele, ou apenas de permanecer sozinha?! Será que
em algum momento estimulei meus gânglios basais quando estive
com Axel?
— Está tudo bem aí? — Meus pensamentos são interrompidos
pela voz de Promise.
— Sim, está sim, estava apenas pensando.
— Percebi... — ela analisa. — Por que você sentiu medo,
Heaven?
— Hãn?
— Durante dois segundos você sentiu medo, por quê?
Eu explico a ela tudo o que estava pensando durante esses
segundos, entretanto percebo que ela muda de assunto logo em
seguida, e começa a me fazer perguntas mais simples, como minha
comida preferida, quando eu respondi que antes minha comida
preferida era pizza e hoje se tornou a lasanha do Axel, ela disse que
meu hipocampo sinalizou, indicando prazer. Quanto mais Promise
conversa comigo, e me diz quais partes do meu cérebro acendem
para ela, mais interessada eu fico por cada assunto, decorando
cada sentimento indicado por ela, e também as suas localizações.
Após cerca de quinze minutos terminamos o exame, então Promise,
com a ajuda de um dos enfermeiros, me transfere de volta para a
maca.
— Devo dizer que seu cérebro está tão novo como quando você
nasceu — brinca Promise.
— Isso é bom, certo? — pergunto a ela.
— Isso é ótimo, significa que durante esse tempo inteiro em que
você estava inconsciente, era exatamente o que pensávamos,
somente o seu corpo descansando, e sua cabeça também, claro.
Vou mostrar todos os resultados à doutora Rogers e acredito que
em um ou dois dias, já podemos começar a tentar te levantar da
cama.
— E quando eu vou poder escovar os dentes? — pergunto,
lembrando do momento em que fechei minha boca para que Axel
não me beijasse.
— As outras pessoas perguntam quando poderão comer
novamente, enquanto você quer saber quando poderá escovar os
dentes. Presumo que essa sua preocupação esteja ligada a um
certo jovem dos olhos cinzentos? — Promise brinca, e sinto minhas
bochechas esquentarem em vergonha. — Não se preocupa, assim
que chegarmos ao seu quarto eu te ajudo com isso. — Ela pisca
com um olho para mim.
Saímos da sala de exames, e ela me leva de volta até meu
quarto. O enfermeiro empurra minha maca de volta para o leito
enquanto eu escuto Promise dizer aos visitantes que precisa de um
momento a sós comigo e em breve, eles poderão me ver.
Depois que o enfermeiro sai do quarto, Promise entra em uma
porta que acredito ser o banheiro, saindo de lá com uma bacia
pequena, um copo com água, uma escova e pasta de dentes. Ela
me ajuda a fazer minha higiene bucal, e depois passa as mãos por
meus cabelos, dizendo que alguns fios estão desalinhados. Eu
brinco dizendo que seria bom um pouco de base e corretivo agora,
presumindo que talvez eu esteja com algumas olheiras, mesmo
ainda não tendo encarado meu reflexo no espelho.
Promise sai do quarto e segundos depois a porta é aberta, Axel
entra sozinho por ela. Ele fica parado, encostado na porta por algum
tempo, parecendo estar apreensivo e preocupado.
— Pela sua expressão, eu diria que sua amígdala cerebral está
bem acesa nesse momento — brinco.
Axel se aproxima de mim devagar com uma sobrancelha
levantada, claramente confuso com o que eu acabo de dizer.
— Não entendi.
— Referências científicas que acabei de aprender com a
Promise.
— Quem é Promise?! — ele pergunta, dando ênfase ao nome
da doutora Rogers.
— A médica que me levou para o exame e me trouxe de volta.
— Eu bato a mão no espaço do colchão ao meu lado, e Axel senta-
se ali.
— Eu costumo chamá-la de terceira médica.
Eu rio do que ele fala, e ele sorri de lado me olhando nos olhos.
— Por que terceira médica?
— Não sei. — Axel dá de ombros. — Como você está?
— Bem, segundo Promise meu cérebro está novinho em folha.
E você como está?
— Sinceramente? Parece que há poucas horas estava
chovendo horrores, e agora simplesmente apareceu um arco-íris.
— O que isso significa?
— Significa que quando você está longe parece que tudo fica
cinzento.
Sorrio com o que ele acaba de falar.
— Então quer dizer que eu trago cor para a sua vida? –
murmuro.
— Cor?! Você não ouviu o que eu acabei de falar, garota? Você
traz o arco-íris inteiro para a minha vida — ele brinca.
Eu sorrio levemente, pegando na mão de Axel, então ele se
aproxima de mim. Estou pronta para beijá-lo, me sentindo
completamente confortável perto dele, é como se a sua presença
fosse o suficiente para fazer com que eu me sinta segura. Mesmo
sabendo o motivo pelo qual eu estou nesse hospital no momento,
Axel me traz conforto inclusive diante da pior tempestade.
Quando nossos lábios estão próximos um do outro, sinto um
incômodo na garganta e começo a tossir, a cada tossida que eu
dou, parece que está arranhando. Levo minhas mãos até o pescoço,
e Axel me olha preocupado.
— Gelo — murmuro para ele em meio a tosse, e aponto para a
máquina de gelo no quarto.
Rapidamente Axel corre até a máquina pegando um copo
transparente, e me traz ele cheio de cubos de gelo. Ele coloca
próximo à minha boca e começo a chupar alguns cubos, sentindo
aos poucos o alívio voltar para minha garganta.
Minha garganta já estava seca enquanto fazia o exame e
conversava com Promise, mas até esse momento não havia me
incomodado muito.
— Você passou muito tempo com o tubo na garganta, acho que
não deve se esforçar tanto para falar — Axel constata.
— Devemos concordar que esse será um desafio e tanto para
mim — brinco, e Axel sorri, um sorriso aberto, assentindo.
Eu pego o copo de sua mão, afastando-o um pouco. O copo é
transparente, logo eu vejo parcialmente meu reflexo através dele.
Meu coração acelera e todo o ar que eu finalmente consegui
consumir retesa em meus pulmões, pois a imagem que vejo à minha
frente me apavora. Sinto meu coração voltar a bater acelerado, e no
mesmo momento os aparelhos ao meu lado apitam mais rápido.
— Axel — chamo-o, assustada. — O que... o que... meu rosto...
— Não consigo terminar de falar, porque minha voz embarga.
Meu estômago comprime, e as lágrimas começam a rolarem
dos meus olhos. Eu continuo me olhando pelo reflexo do copo,
completamente espantada com o meu estado.
Eu presumi que provavelmente eu estaria cansada, mas não tão
machucada. Há várias marcas por todo o meu rosto, meus olhos
estão com tons roxos ao redor deles, passo a mão pelo pescoço
quando vejo pequenas marcas por ele, então minha vista embaça,
não consigo ver mais nada, a não ser o vulto de Axel, que tira o
copo das minhas mãos.
Logo depois, sinto suas mãos em meu rosto, e seus lábios
colam na minha testa. Axel me beija várias vezes, enquanto eu
choro. Finalmente, depois que acordei, me dei permissão de pensar
em tudo que passei, e o motivo de eu ter vindo parar no hospital,
feito uma cirurgia na cabeça, fazendo com que minha mãe cortasse
o cabelo da mesma forma que o meu estaria quando eu acordasse,
se eu acordasse.
O Drew foi o culpado por isso, ele me trouxe até aqui, ele quem
quase me matou. A emoção de estar perto dos meus pais e de Axel
me privou de sofrer pelo que passei. Agora que minha ficha está
caindo, eu não consigo controlar meus sentimentos.
Sinto novamente meus pulmões comprimirem, um soluço agudo
deixa minha garganta, é como se o ar fosse meu inimigo nesse
momento. Axel continua me abraçando, mas ele se afasta,
colocando as mãos em ambas as extremidades do meu rosto.
Uma lágrima escorre por meu rosto, e Axel ampara com o
polegar.
— Olha para mim, Heaven. — Assim que abro meus olhos
encaro os de Axel, a dor que carrega neles é tão visível quanto às
marcas em meu corpo. — Eu estou com você, e eu juro que nunca
mais, nem ele, nem ninguém irá encostar um dedo em você e te
machucar.
Eu fiz promessas enquanto você passava dos limites
E eu te defendi para todos os meus amigos
E agora, toda vez que uma sirene toca
Eu me pergunto se você está por perto
FAVORITE CRIME | OLIVIA RODRIGO

— Feliz Ano Novo! — todos gritam ao meu redor quando o ponteiro


do relógio bate meia-noite.
Até poucos minutos, minha mãe, juntamente do meu tio, Íris, Anya
e meus amigos estavam no corredor, esperando o aval da Olivia para
entrarem no quarto e podermos virar o ano todos juntos. Comigo
estavam apenas meu pai e o Axel, que por sinal não me largou um
segundo sequer desde o momento em que Promise liberou sua
entrada.
O que para mim foi um alívio, pois ele conseguiu me acalmar
quando vi meu reflexo através do copo com gelo. Poucos minutos
depois que eu parei de chorar, uma enfermeira entrou no quarto e
injetou alguns medicamentos no soro intravenoso que está conectado
na minha mão, isso fez com que Wes conseguisse uma brecha e
entrasse logo após a saída dela.
Quando ele viu que eu havia chorado, eu não precisei falar nada,
ele apenas entendeu o motivo, então foi até o armário que tem no
quarto e pegou um nécessaire com maquiagens, mandou o Axel sair do
meu lado, e me maquiou, enchendo meu rosto de base, corretivo,
contorno e blush, que segundo ele era para dar um “ar de saúde”. O
que me fez rir, porque minha aparência estava mais do que acabada.
Assim que ele finalizou, me entregou um espelho, e não consegui
enxergar mais nenhuma marca no meu rosto, ou pescoço.
Não vou mentir que ver meu reflexo escondendo as marcas que
Drew me causou, me magoou mais ainda, meus olhos até se encheram
de lágrimas, quis chorar mais uma vez. No entanto, ao ver a esperança
no rosto do meu amigo, e a ansiedade no modo como o Axel mexia sua
perna, eu engoli minha frustração e tentei dar o meu melhor sorriso.
Afinal de contas, se conseguimos esconder uma pele roxa com
maquiagem, como não conseguiremos esconder nossa tristeza por trás
de um sorriso forçado?!
Então aqui estou eu, sorrindo e comemorando ao lado da minha
família e amigos, escondendo as marcas da agressão que quase levou
minha vida com maquiagem, e o desespero que habita em meu peito,
pensando que a qualquer momento ele pode aparecer outra vez se eu
não manter esse sorriso estúpido no meu rosto.
Passei tanto tempo sem esconder meus sentimentos, criando uma
nova eu, transformando meu medo em força, todas as minhas
inseguranças em amor, minhas frustrações em motivos para não
desistir, tudo isso a troco de quê? Eu sinto que acabei de voltar à
estaca zero, ou pior, estou para lá da escala negativa. Eu me sinto
miserável, não consigo pensar um segundo sequer como posso ser
uma pessoa feliz de novo, porque isso para mim, agora, é proporcional
à possibilidade do Superman existir.
Eu tenho que manter esse sorriso no meu rosto e dizer que estou
grata à vida, já que todos ao meu redor estão irradiando felicidade por
eu estar bem, conforme foi dito pela equipe médica até o momento,
então sim, eu também tenho que estar feliz por isso. Não é mesmo?!
Eu queria me sentir realmente aliviada.
Eu penso que talvez Drew tenha sugado toda a minha felicidade a
cada murro que ele desferia contra meu rosto, ou então, quando me
puxou das escadas, fazendo com que eu caísse de costas no chão, me
causando um sangramento intracraniano, e quase pondo um fim na
minha vida, talvez se ele tivesse feito isso, teria me poupado de todos
os destroços que me causou, no final das contas.
Como meu pai disse, se não fosse por Axel...
Eu perguntei a ele como ele me achou, porém ele disse que não
era hora para falarmos sobre isso, no entanto Grey e sua boca de
caçapa, como intitulou Elliot mais cedo ao dar um tapa na cabeça dele,
disse que Axel estava tão atordoado no dia que estava com os pés
descalços na sala de espera do hospital, e ainda cobrou do Axel o par
de chinelos para repor em sua mochila. Axel, por sua vez, colocou o
dinheiro em sua mão e o mandou calar a boca.
Essa cena também me fez rir, colocando alguns fragmentos de
felicidade, que eu não sentia desde o momento em que eu me toquei do
quão grave havia sido a situação, na minha vida.
Neste momento, Anya está sentada no meu colo com uma caixa de
presente na mão. Ela estende o embrulho para mim com um sorriso de
orelha a orelha, que inclusive agora falta um dente na frente, o qual
deve ter caído durante o tempo em que fiquei desacordada.
— Esse é o seu presente de Natal, Heaven — diz pronunciando
meu nome “révi”, o que é muito fofo, e eu amo. — Fiquei muito triste
que você estava dormindo no dia do Natal, mas a mamãe disse que
quando você acordasse eu podia te entregar.
Eu pego a caixa embrulhada de suas mãos, trazendo-a para perto
do meu ouvido e balançando-a.
— O que você está fazendo? — Anya pergunta, com dúvida.
— Tentando adivinhar o que é, ué — respondo.
— Você não é um gênio da lâmpada — ela retruca. — Somente
gênios da lâmpada podem adivinhar as coisas, porque eles são
mágicos.
Faço um bico formando uma carinha triste.
— Você tem razão, eu não sou um gênio da lâmpada, apesar disso
não custava nada — digo, dando de ombros.
Começo a rasgar o papel de presente rosa. Conhecendo a
personalidade ímpar de Anya, com certeza ela discutiu horrores com
Íris, já que nessa época do ano os presentes costumam ser embalados
em papéis temáticos natalinos. Continuo rasgando os papéis devagar,
tentando fazer suspense, contudo a garotinha em cima de mim não tem
um pingo de paciência, então ela rasga o papel inteiro, fazendo com
que todos ao nosso redor caiam na risada, e quando o papel já está
todo rasgado ela dá um grito:
— Surpresa! — diz levantando a caixa com uma boneca estilo
funko pop da Bela Adormecida. — Você gostou? — pergunta com seus
olhos arregalados e brilhantes.
— Eu amei — sou sincera. — Muito obrigada, Anya, esse presente
é perfeito. Vem cá, e me dá um abraço.
Ela se deita em cima de mim, me abraçando.
— Eu sabia que você ia gostar, a mamãe disse que não seria legal
esse presente, só que você estava dormindo igual à Bela Adormecida,
e você é uma princesa, igualzinha a ela.
Eu passo as mãos por seus cabelos, alinhando os fios.
— Você também é uma princesa. — Puxo-a e dou um beijo em sua
bochecha.
— Não sou não, agora eu sou uma ogra, igual à Fiona.
Eu rio da sua conotação.
— Fiona também é uma princesa, Anya.
— Ah, tem razão. — Ela dá de ombros, e só agora que ela
mencionou que é a Fiona, que eu percebi que o vestido verde que ela
usa, é na verdade uma fantasia da princesa do Shrek.
Íris se aproxima de nós duas, tirando Anya do meu colo e pondo-a
no chão, essa é a primeira vez que eu vejo a mãe de Axel hoje.
Ela passa a mão no meu rosto, e vejo uma lágrima solitária descer
no seu. Eu aperto a sua mão que está em minha face, pois eu sei que
de alguma forma ela sente a minha dor, de alguma forma ela sabe que
esse sorriso que eu estou estampando para eles não passa de uma
farsa, porque ela já passou por isso.
Íris sobreviveu a inúmeras agressões, assim como eu, assim como
várias outras mulheres ao redor do mundo, que são dominadas por
homens malucos, que fazem pressão psicológica, que nos ameaçam,
que nos tiram a paz, que nos roubam a liberdade, e o direito de sermos
mulheres livres e independentes. Homens que nos batem, e dizem que
isso é amor, quando na verdade não passa de obsessão.
Ela se aproxima devagar e me abraça, sussurrando no meu ouvido:
— Você é uma mulher forte, Heaven. Você vai superar tudo isso,
assim como eu superei, porque você tem ao seu lado um homem
incrível.
— Que uma mulher incrível criou — respondo.
Ela se desfaz do abraço sorrindo para mim. Quando se afasta, vejo
que Kane está com a mão levantada, eu já o tinha visto mais cedo, por
mais que ele quisesse esconder sua felicidade e emoção por me ver,
dizendo que nem reparou o meu sumiço, vi o exato momento em que
ele se virou de costas para mim e limpou o rosto, erguendo a cabeça
para assim respirar fundo.
— Eu também tenho um presente — anuncia ele.
— Tem é?! — provoco. — Só, por favor, não me diz é um protetor
genital — digo, lembrando do dia em que o protetor dele escorregou,
segundo ele, por sua cueca e caiu no chão da academia, exatamente
na hora em que a academia estava lotada.
Kane revira os olhos para mim.
— Ah Heaven, antes que eu me esqueça, vai tomar no meio do
seu...
Ele é interrompido por meu tio, que o repreende:
— Criança.
Kane sorri para todos timidamente, pedindo desculpas.
— Orifício anal — ele fala baixinho, então me entrega uma caixinha
de veludo preta.
Eu a abro, e ela revela um conjunto de três pulseiras de miçangas.
A primeira e a última com contas azuis e em formato de nuvens
intercaladas, e a do meio com letras, formando a palavra “idiota”.
Claro que o Kane não deixaria passar em branco a implicância.
— Hahaha — finjo uma risada sarcástica. — Muito engraçado você,
Kane. Eu amei. — Mostro a língua para ele e ele retribui.
Coloco as pulseiras no meu braço sem acesso venoso e em
seguida, a porta é aberta pela doutora Olivia.
— Vejo que estão todos muito animados — observa. —
Infelizmente, agora só poderá ficar o acompanhante da noite, o restante
terá que se despedir da Heaven e voltar amanhã.
Todos cantam um “ah” prolongado e triste.
O primeiro a me abraçar é o Kane, já que era o que estava mais
próximo, se despedindo de mim. Logo depois sou abraçada por Grey,
que ao se desfazer do abraço me fala:
— Amanhã eu vou te dar o melhor presente de Natal de todos, só
preciso pensar o que vai ser. — Isso me faz rir, e então ele acompanha
Kane para fora do quarto.
Wes também se aproxima e me abraça.
— Amanhã quando eu vier vamos fazer outra maquiagem babado,
prometo que dessa vez vou trazer um iluminador, nem me toquei que
tinha esquecido, enfim... Gorusuruz, bye bye — se despede em turco.
Ele está viciado em falar a língua depois que começou a assistir as
novelas do país.
Íris, Anya e meu tio também se despedem de mim, e escuto Anya
falar assim que sai pela porta:
— O que é orifício anal, mamãe?
Desejo boa sorte à Íris mentalmente, para ela lidar com essa
situação. Mesmo Kane tendo mudado as palavras, a menina ainda
escutou, e obviamente ficou curiosa. Axel faz uma careta, acredito que
ele também ouviu e eu rio dele por isso.
Elliot também se aproxima e me abraça, sussurrando no meu
ouvido bem baixinho para que apenas eu escute:
— Se eu encontrar aquele filho da puta, eu o mato. — Eu arregalo
os olhos, pois Elliot é o mais tranquilo de todos, e agora ele parece
estar realmente com raiva.
A última pessoa a se despedir de mim, é Allison. Desde que nos
encontramos mais cedo ela não parou de chorar um segundo sequer,
fosse por alegria ou alívio, assim que ela entrou no quarto hoje à tarde,
por um momento, pensei que ela iria desmaiar, de tão branca que ficou,
e agora ela está me abraçando há mais de dois minutos.
— Allie — a chamo, quase que sufocada —, você está me
apertando um pouco.
Nesse instante ela se afasta e começa a limpar as inúmeras
lágrimas que descem em seu rosto.
— Você sabe o que eu fiz por você esses últimos dias? — ela
pergunta e eu nego com a cabeça, desconfiada. — Eu maratonei as
cinco primeiras temporadas de How I Met Your Mother — ela diz quase
com pesar, e meu queixo abaixa em completo choque, Allison apenas
assente com a cabeça várias vezes. — É isso aí, eu maratonei aquela
sériezinha ao invés de Friends, até que é legal.
— Você está se tornando legen..., espera um pouco, dária — digo
imitando a fala de Barney.
Allie revira os olhos rindo, e me abraça outra vez.
— Eu senti sua falta de verdade.
— Eu nunca vou te abandonar, minha virgem preferida —
respondo.
Quando ela me solta do abraço faz uma careta enorme, logo após
ela se despede dos meus pais e também de Axel, e abandona o quarto.
— Você tem certeza que dá conta disso? — pergunta meu pai a
Axel, e ela apenas balança a cabeça assentindo.
— Por favor, qualquer coisa nos ligue. Antes das cinco da manhã
eu já estarei aqui — garante minha mãe ao me olhar. Eles haviam
discutido sobre quem iria dormir comigo essa noite, e em consenso
decidiram que seria o Axel.
— Mãe — eu a chamo, e ela se aproxima. — Se você estiver aqui
antes das cinco, você vai dormir quatro horas ou menos, então, por
favor, vai em paz, descansa, eu vou ficar bem — asseguro a ela. —
Além do mais, não irá acontecer nada, mas caso aconteça, tanto o Axel
quanto os médicos entrarão em contato. Eles já disseram que eu estou
bem, esqueceu?!
— Eu sei que você está, minha vida. Eu sei — diz com uma voz
melancólica. — Contudo você só irá saber o que é essa preocupação
que me domina no dia que for mãe.
— Que vai demorar bastante para chegar — meu pai diz no meio
da sua frase, intercalando o olhar entre Axel e eu, que abaixa a cabeça
envergonhado. — Isso mesmo, os dois irão usar camisinha até os trinta
anos de idade.
Desvio meu olhar para o Axel, que ainda está com a cabeça baixa.
— Pai! — Repreendo com o olhar e ele levanta as mãos em
rendição.
— Não está mais aqui quem falou — diz ele, fazendo sinal de zíper
na boca. — Porém vocês vão usar camisinha até depois da faculdade,
pelo menos.
— Sim pai, vamos sim — digo com ironia. — Por enquanto você
não precisa se preocupar com nada, já que a única posição que eu
poderia fazer seria papai e mamãe, se pudesse fazer algo — desdenho,
erguendo o queixo.
— Heaven! — Minha mãe e Axel me repreendem e eu sorrio
inocente.
— Vejo vocês amanhã — acelero nossa despedida.
Meus pais me abraçam e por fim minha mãe diz que se eu sentir
qualquer coisa não é para hesitar e sim ligar para ela imediatamente.
Mais cedo meus pais me presentearam com um novo celular, ainda não
faço ideia do que aconteceu com o outro, já que da última vez que o vi
ele havia escorregado da minha mão, antes de tudo acontecer.
De qualquer forma eu ainda tenho que configurar o novo aparelho,
antes de ligar para minha mãe.
Quando os dois vão embora, Axel se aproxima da minha cama
sentando-se no mesmo espaço em que esteve durante as últimas
horas, mas dessa vez eu faço um pequeno esforço, o qual eu ainda não
estou liberada para fazer, e me afasto um pouco mais para o canto,
dando espaço para ele deitar ao meu lado.
— Você não deveria estar fazendo isso — Axel recrimina.
— Deita logo e cala a boca.
E ele faz o que eu mando, deitando-se ao meu lado com todo o
cuidado para não me machucar.
— Você já viu o buraco na minha cabeça? — pergunto,
supostamente animada, e Axel ri.
— Não, não vi.
— Uma pena — digo fazendo carinha triste e ele beija o canto da
minha bochecha. — Queria saber o formato que ficou.
— Você é muito louca, sabia?! — Axel brinca.
— E você me ama — constato.
— Muito!
Novamente Axel beija minha bochecha, eu viro meu rosto para
beijá-lo na boca, e acabamos selando nossos lábios. Axel olha para
mim com os olhos brilhantes, passando a mão por meu rosto e depois
no meu cabelo. Ele observa meus olhos, depois minha boca, passando
o dedo por ela, e então suspira.
— Quando morávamos em Hastings eu vivia atormentado —
comenta ele. — Por inúmeras coisas, uma delas era a falta que eu
sentia de você. Então um dia eu peguei minha bicicleta e fui até uma
loja de tintas, comprei dois tons diferentes de azul, e uma branca, ao
chegar em casa peguei uma escada e pintei todo o teto do meu quarto.
Eu tentei fazer um mar ali, mais precisamente tentei imitar as águas das
praias do Caribe, só que eu melequei meu quarto inteiro, minha mãe
brigou comigo por cinco dias seguidos.
Ele para, rindo tristemente da situação, triste.
— Assim que voltamos para Stone Bay, antes de colocar todos os
móveis no cômodo, eu pintei o teto do meu novo quarto, e também o do
apartamento onde vivo em Beaufort, dessa vez realmente imitando as
águas caribenhas. — Presto atenção em todas as suas palavras. — E
toda vez que minha cabeça me atormentava, eu corria, ainda corro para
o meu quarto, e ficava encarando o teto, porque aquilo me trazia paz,
era uma maneira de estar próximo a você, mesmo que estivesse longe.
Heaven, esses últimos dias eu dividi meu tempo entre o hospital e meu
quarto, sempre que estava nele olhava para o teto, com uma garrafa de
bebida na mão, xingando a Deus e todas as forças especiais, pois eu
só queria estar olhando em seus olhos. Então, foda-se se é cedo ou
não, eu te amo.
Eu me esforcei muito para não chorar durante todo o dia, mas aqui
estou eu, chorando mais uma vez. Agora não é medo, é admiração,
paixão, o mais simples, singelo e verdadeiro amor.
— Eu amo você, Axel Drake Davenport.
— E eu amo você, Heaven Caroline Morris.
Então Axel aproxima nossas bocas outra vez, e nos beijamos.
Continuamos grudados durante toda a madrugada, até que em
algum momento eu adormeço em seus braços, aliviada.
Só percebi que era dia quando senti o corpo de Axel se afastar de
mim, abro meus olhos lentamente e o vejo fechando a porta do quarto
sem fazer barulho algum, então eu enxergo a sua silhueta
acompanhada da silhueta de Sadie.
Eu a reconheço com ou sem os cabelos ruivos, que agora estão
loiros.
Ah, que triste
Todo mundo quer ser meu inimigo
Poupe a simpatia
Todo mundo quer ser meu inimigo
ENEMY | IMAGINE DRAGONS FT. J.I.D

— Não me interessa, Mark. Eu só preciso lutar, porra! —


vocifero.
Mark insistiu dizendo que é o primeiro dia do ano e que quase
não tem gente na cidade para acontecer uma luta, pois nós
precisamos de apostadores. Eu não quero dinheiro, eu quero lutar,
eu preciso lutar, eu preciso tirar essa carga dos meus ombros, eu
preciso ir até o precipício para ter certeza que vale a pena contar à
Heaven toda a verdade de uma vez, porque eu sinto que no
momento em que as palavras saírem da minha boca eu nunca mais
vou poder vê-la ou tocá-la de novo.
— Tudo bem — Mark finalmente concorda comigo. — Eu vou
ver o que consigo fazer, mas isso tudo está sendo em cima da hora,
então fique sabendo que se der certo você vai ter que ganhar essa
merda e cinquenta por cento do seu lucro é meu — avisa ele.
— Eu ganho e você pode ficar com cem por cento, eu não
quero dinheiro, eu só quero lutar. Deu para entender?
Mark se aproxima de mim, colocando suas mãos em meu rosto,
vejo a admiração em seus olhos. Não por mim, e sim pela grana que
deverá entrar em seu bolso.
— Eu já te disse que você é o meu homem? — diz ele,
genuinamente feliz. — Se não, aí vai! Você é o meu homem, porra!
Tiro as mãos de Mark do meu rosto, lançando para ele meu
puro ódio.
— Só faz a porra dessa luta acontecer de uma vez por todas,
Mark.
Mark sai do vestiário no qual eu estou já com o celular na mão,
muito provavelmente em busca de algum rival e também de
apostadores. As lutas que ele organiza sempre são planejadas com
antecedência, justamente para que possa arrecadar grana o
suficiente. Mesmo que ele ganhe míseros cem dólares, sei que ele
já estará mais do que satisfeito.
Enquanto eu, só vou estar satisfeito quando essa porcaria de
angústia sair do meu peito, coisa que eu acho impossível de
acontecer. A cada segundo que passa uma parte do meu
subconsciente me diz para fugir, para ir para longe e deixar tudo
para trás, em contrapartida a outra me diz para lutar pelo que eu
amo, mas como você luta por algo que tem quase certeza que não
será mais seu no momento em que você abrir seu coração para ela?
Sei que Heaven é a pessoa mais bondosa e empática que eu
conheço, porém tudo que eu escondi dela por todo esse tempo não
tem perdão. Eu sempre soube que era para eu ter sido sincero com
ela no momento em que a vi novamente após aquele maldito verão,
ao invés disso eu estava com tanta raiva de mim, da minha vida,
dos meus pais que eu acabei descontando nela, a xinguei, a
destratei, a aniquilei da minha vida, e agora eu estou pagando o
preço por isso.
Digo a mim mesmo que eu preciso de uma luta, de algo carnal
para que eu possa conseguir fugir desse misto de sentimentos que
acumula em meu peito, pois como Wes disse uma vez, apenas um
bom tapa na cara é capaz de nos trazer de volta para a porra da
realidade. Só que a minha realidade... é um pesadelo.
Eu não sei como viver novamente em um mundo sem ela, eu
não sei como respirar sem sentir seu cheiro de jasmin, não sei como
abrir meus olhos e não encontrar seus olhos caribenhos, seu sorriso
terno que em instantes pode se tornar malicioso... Eu apenas não
sei como continuar a seguir na estrada se eu não tiver Heaven ao
meu lado.
Por bastante tempo tive medo de me relacionar mais sério com
ela, devido a sua dependência emocional, quando na realidade o
único dependente entre nós dois sou eu. Eu sei que entre viver uma
vida repleta de miséria ou ter sua liberdade, Heaven provavelmente
optará por ser livre, e mesmo que ela não escolha isso, eu
escolheria isso por ela, porque eu não a mereço, não depois de
amá-la e logo após simplesmente destruí-la, talvez de uma forma
ainda pior do que Drew fizera.
Meus devaneios são interrompidos por Elliot entrando no
vestiário como um furacão.
— Eu pensava que era brincadeira do Mark quando ele mandou
uma mensagem para geral dizendo que você ia lutar. — Elliot
parece exasperado.
— Bom, não era. — Essa é a minha única resposta.
— Cara, porque você está fazendo isso? — Elliot pergunta. — A
Heaven teve alguma piora? — questiona preocupado.
Ao ver a expressão no seu rosto, rapidamente meu rosto cai em
pura consternação.
— Não — minto, pois eu não sei, já que a última vez que eu a vi
foi há mais de quinze horas.
— Então por qual razão você vai lutar? — questiona outra vez.
— Porque eu quero, Elliot — vocifero. — Você sempre anda
com a merda de uma bebida na mão, cadê ela agora?
Elliot tira um cantil do bolso com seus olhos assustados e me
entrega, eu tomo da sua mão com raiva e entorno o gargalo na
minha boca, tomando três grandes goles de vodka que contém no
recipiente.
— Você só pode estar brincando com a minha cara que você vai
lutar, porra — Grey também entrano vestiário.
— Vou. — Entrego o cantil de volta à Elliot e pego minhas
bandagens, já passando-as nas mãos. — E sim, eu estou fazendo
essa porra porque eu quero — esbravejo.
— Tudo bem. — Grey levanta suas mãos. — Não está mais
aqui quem iria falar qualquer coisa.
Meus dois amigos ficam apenas me encarando enquanto passo
as faixas em minhas mãos e troco de roupa. Mark ainda não me
avisou nada sobre a luta, mas se eles chegaram significa que ele
me arrumou um rival, e tomara que seja um que queira realmente
tirar um pouco de sangue de mim, porque é isso que eu quero.
O burburinho de vozes começa a estrondar do lado de fora do
vestiário, anunciando que ao contrário do que Mark pensava, o
armazém lotou em menos de duas horas. Ouço ele falar que são os
últimos momentos para todos fazerem suas apostas, e dez minutos
depois Mark aparece na porta com um sorriso sádico em seu rosto.
— Chegou sua hora de brilhar, meu anjo! — anuncia ele.
Então eu tiro minha camiseta, ficando apenas com o short de
luta que não uso há meses, visto que há meses não sentia
necessidade disso, no entanto agora eu preciso disso tanto como de
ar para respirar. Eu só vou poder decidir os meus próximos passos
se eu sobreviver à merda dessa luta.
Uma vez fora do vestiário sou recebido pelo calor do público
presente no armazém abandonado, aplausos e gritos eufóricos
fazem com que meus tímpanos quase explodam. Eles abrem
caminho para que eu passe, e logo atrás de mim sinto a presença
de Elliot e Grey, porém o que me surpreende é a figura loira e
baixinha à minha frente, que tenta me interceptar antes que eu
possa subir no ringue.
— Não faz isso, Axel — Allie pede.
— Não se mete nisso, loira. Por favor. — Tento controlar ao
máximo minha voz, entretanto ela insiste, pegando minha mão.
— Você não precisa disso agora, Axel.
Fecho meus olhos com força, porque em algum ponto, Allison
tem razão. Talvez eu não precise, talvez eu apenas queira que isso
aconteça, só que ela não sabe de metade das porcarias que se
passam na minha cabeça agora.
— Você não sabe do que eu preciso, Allie — digo ao abrir meus
olhos.
— Eu sei — insiste ela. — Você precisa dar meia volta e ir para
o hospital onde a sua namorada precisa de você.
— Não a coloca no meio disso, Allie — peço.
— A Sadie me contou tudo, Axel. A Heaven vai te perdoar...
— Você não pode afirmar algo que você não sabe —
interrompo-a.
— Eu sei que ela vai — Allison persiste.
Logo começamos a sermos engolidos pela multidão presente no
local que começa a nos xingar, eu aproveito o momento para
desviar do corpo da minha amiga e subo no ringue. Uma vez em
cima do mesmo, Mark me apresenta e em seguida o meu
adversário, Adam. Ele é forte, bronzeado e cerca de dez
centímetros mais alto do que eu, mas isso não me intimida apenas
me traz mais conforto, pois eu sei que de alguma forma essa luta
será boa.
— Vocês sabem as regras — anuncia Mark. — Para desistir,
três toques no chão; ficou inconsciente por mais de trinta segundos,
perdeu. Fora isso, não há limites para a luta. Senhores... — Ele
hesita por um segundo, com o típico sorriso sádico em seu rosto. —
Lutem!
Me ponho na posição de guarda, porém quando Adam se
aproxima de mim deixo que ele me soque diretamente no abdômen,
fazendo com que eu perca o meu equilíbrio. Sem demora, ele
desfere um gancho contra meu maxilar, fazendo com que eu
cambaleie, eu não me defendo, não agora.
Eu quero que ele me bata, eu quero que ele me faça sentir dor,
eu quero que através dos seus socos eu sinta vontade de voltar, eu
quero encontrar uma razão para não desistir, e se essa for a forma
que eu tenho para conseguir isso, que seja.
Eu tento socar Adam, mas como eu imaginei, ele desvia. Nisso
ele consegue me dar uma rasteira, fazendo com que eu caia de
costas no chão, assim como Drew fizera com Heaven.
Heaven...
É o seu sorriso doce que vejo à minha frente quando o primeiro
soco invade meu campo de visão.
São seus olhos azuis cristalinos que iluminam o meu olhar,
dessa vez meu pescoço é pressionado, fazendo com que eu perca
todo o meu ar.
É a sua voz doce que entra em meus ouvidos, pedindo para que
eu me levante no momento em que a multidão grita, assim como
fizera meses atrás, ao subir nesse mesmo ringue.
Ela não desistiu de mim, ela lutou por mim assim como lutou por
si mesma.
Eu prometi nunca lhe abandonar, eu prometi isso a ela, eu
prometi isso a mim, e mesmo que ela não me queira mais, eu não
vou desistir, eu não posso desistir.
Quando Adam se prepara para me dar outro soco, consigo
elevar meu braço de uma forma que meu cotovelo vai diretamente
em seu nariz. Dessa forma, meu adversário perde seus sentidos e
acaba se afastando de mim, então é minha vez de levantar. Logo
que me levanto eu chuto sua cabeça com o solado do pé, e lhe dou
uma rasteira, fazendo com que ele vá ao chão.
Subo nele desferindo um soco direto em seu rosto, a seguir levo
minhas pernas até seu pescoço e agarro-o, para que assim Adam
fique sem ar, ele tenta se desvencilhar do meu aperto, mas é
impossível. Os gritos eufóricos da plateia reverberam por todo o
armazém pedindo para que Adam desista, e assim ele faz, batendo
três vezes no chão. Ele perde.
Eu ganho.
O que exatamente eu ganho?
Um arrependimento que irá me destruir, ou a chance de lutar
por ela?
Ignoro totalmente o discurso de vitória de Mark, e caminho às
pressas até o vestiário para tirar minhas roupas, eu preciso voltar
àquele hospital, eu preciso lhe dizer toda a verdade. Mal começo a
tirar minhas roupas e uma mão toca o meu ombro, ao me virar dou
de cara com Kane, que parece tão assustado quanto eu.
— Que porra foi essa, Axel? Por que você decidiu lutar assim
do nada? Você quer se matar, cara? Enfia a porra de uma faca na
sua garganta — diz com raiva.
Minha resposta para sua revolta é simples, contém apenas
cinco palavras, e é o suficiente para que ele cale sua boca
imediatamente.
— O Drew sabe de tudo.
Naquele dia mais cedo...
Passei a noite inteira acordado vigiando o sono de Heaven,
apreensivo com qualquer movimento seu. No início do seu sono ela
ficou sem respirar por cerca de três segundos, e posteriormente deu
um grito abafado, eu quis me levantar naquele instante e chamar a
doutora Rogers, mas então ela agarrou minha camiseta e eu
permaneci ali ao seu lado. Tirando essa situação, o restante do
sono foi tranquilo.
São quase sete da manhã quando noto um feixe de luz vindo da
porta do quarto, seguido de Sadie entrando por ela, silenciosamente
eu aponto em sua direção para que permaneça no lugar.
Cuidadosamente me levanto da cama do hospital na qual passei a
noite com Heaven, deixando-a sozinha enquanto me direciono até
Sadie.
Assim que estou ao seu lado, coloco a mão em seu braço nos
guiando para fora do quarto. Já no corredor do hospital, pergunto:
— O que você está fazendo aqui?
— Eu vim visitar a Heaven, o que mais eu poderia estar fazendo
aqui, Axel?!
— Eu posso listar trezentos motivos diferentes se você quiser.
Sadie revira os olhos para mim, e eu a encaro com raiva.
— Heaven é minha amiga, e eu estava preocupada com ela.
Rio de soslaio.
— Realmente, ela pode ser sua amiga, você que nunca foi
amiga dela — acuso.
— Você está sendo um idiota, Axel.
— Não, não estou! Você a traiu com o namorado dela, que
amiga faz isso? E não vamos esquecer que nas últimas duas
semanas você não apareceu aqui um dia sequer, no entanto
exatamente um dia após a Heaven acordar você aparece aqui,
muito conveniente da sua parte.
Sadie me olha assustada, dando dois passos para trás, e eu a
acompanho chegando bem próximo a ela, sussurrando no seu
ouvido:
— Não se preocupe que eu não vou fazer nada com você. Eu
sei que você veio aqui a mando do Drew, e se você for mais esperta
do que você acha que está sendo agora, você vai me dar a
localização exata dele, e depois disso você não vai se meter mais
em nada.
Quando me afasto, Sadie está com os olhos arregalados.
— E... eu... eu não sei do que você está... tá... falando. — Ela
tenta se esquivar
— Onde está o Drew, Sadie? — Levanto meu tom de voz.
— Eu já disse que não sei — ela grita, levantando as mãos. —
Eu não sei, ok?! — Solta uma lufada de ar, se virando e ficando de
costas para parede, cruzando os braços por cima do peito. — Eu só
fiquei sabendo o que aconteceu agora, eu juro a você, eu me
assustei quando soube, porque Drew me convenceu a viajar com
ele no Natal, e eu apenas fui e agora sabendo de tudo o que ele fez,
eu não deveria ter feito aquilo, eu não deveria... — revela aos
prantos.
— E por que você não denunciou, Sadie? — Ranjo os dentes.
— Porque eu só fiquei sabendo de tudo isso agora, Axel.
— Você é uma vaca — falo baixinho.
— O que você disse? — Me olha atordoada.
— Que você é uma vaca — digo em voz alta. — Você deveria
ter vergonha de aparecer aqui, você sabia que ele quase a matou?
— confronto-a, e ela nega. — Você diz que ficou sabendo agora,
duas semanas depois, porra?! — pergunto retoricamente. — Por
que você é uma vaca, Sadie — explodo agarrando seu braço, e
trinco a mandíbula. — Agora dá o fora daqui se você não quer que
eu chame a polícia e lhe denuncie por ser cúmplice de um fugitivo,
porra.
Logo que solto seu braço, vejo os olhos de Sadie tremerem e se
encherem de lágrimas, por fim ela coloca as mãos no meu peito e
me empurra.
— Você se acha melhor que o Drew, não é?! — Ri sarcástica.
— Então fique sabendo que você não é.
Sadie dá as costas para mim e vai embora.
— Essa era a Sadie? — a voz de Magnus pergunta às minhas
costas, eu me viro e assinto para ele.
— Sim, é ela. — Então lhe explico o pequeno diálogo que
acabei de ter com Sadie. — Eu preciso ir atrás dela, ela pode se
encontrar com o Drew a qualquer momento — aviso.
— É melhor avisarmos a polícia, Axel — Magnus responde, e
eu rapidamente nego.
— Não vai dar tempo de a polícia chegar aqui — eu digo já me
afastando.
— Você tem razão. Toma cuidado, por favor — ele diz no
momento em que viro e começo a correr pelo hospital. — Assim que
tiver qualquer certeza, comunica a polícia.
Quando chego à saída vejo que Sadie está mandando alguma
mensagem para alguém, antes de entrar em um táxi. Corro até meu
carro que está no estacionamento, entro nele e começo a seguir o
táxi. Como eu imaginava, ele não toma o caminho para o nosso
bairro, e sim para a praia de Stone Bay.
Ontem, enquanto eu discutia com o Kane sobre como iríamos
achar o Drew, não cogitei a ideia de ir atrás da Sadie, ela não
passou por minha cabeça em momento algum, porém no instante
em que a vi entrar no quarto, eu desconfiei dos seus motivos para
estar ali. Por mais que ela diga que está apenas preocupada, para
mim é difícil acreditar, não era horário de visitas, e ela nem mesmo
apareceu durante o período pós-operatório de Heaven, obviamente
ela estava ali a mando do Drew.
Para o grande psicopata que ele é, não basta tê-la espancado
até quase tirar sua vida, ele tem que garantir que ela está bem, sei
disso porque meu pai fazia o mesmo com minha mãe.
“Ele a espancou mais uma vez, e dessa vez não foi insinuando
traição, dessa vez ele não estava estressado por conta do trabalho,
ou por nossa mudança para Hastings, muito menos estava bêbado.
Apenas ficou com raiva pois na comida não tinha sal o
suficiente. Minha mãe disse que não havia salgado muito a carne
por causa da indicação do médico, ele disse que minhas taxas
estavam altas e poderiam afetar o meu fígado, por isso teria que
começar a controlar o sal. Uma vez que meu órgão foi afetado por
uma cirurgia a qual fui submetido quando era mais novo.
Meu pai não se importou com o motivo pelo qual minha mãe
não havia colocado sal demais na comida.
— O médico disse que ele não pode comer sal? — disse
batendo as mãos na mesa, fazendo com que todos os utensílios ali
em cima tremessem sobre a base, então ele arrastou a cadeira pelo
chão de madeira, saindo da sala de jantar.
Poucos segundos depois ele retornou com uma colher cheia de
sal, se aproximou de mim, colocando-a próximo ao meu rosto. Sua
outra mão amassou minhas bochechas, fazendo com que minha
boca se abrisse minimamente, e enfiou a colher cheia de sal na
minha boca. Eu tentei cuspir, mas ele forçou minha mandíbula
fazendo com que eu fechasse ainda mais minha boca e mordesse
minha língua, lágrimas transbordavam em meus olhos, meu coração
martelava contra o peito, e em seco eu engoli todo o sal que ele
colocou na minha boca.
Isso não foi o suficiente para ele.
Quando viu que eu havia engolido, ele foi até minha mãe, que
também estava chorando, chocada, do outro lado da mesa. Ele a
puxou pelo pescoço, fazendo-a ficar de pé, e gritou:
— Ele pode comer sal, ele comeu sal, e ele vai comer sal até
quando eu disser que ele não pode mais. — Ainda com a mão no
pescoço dela, ele fechou a outra mão em punho e socou seu nariz
três vezes seguidas.
Depois disso ele saiu, e eu vomitei, não só pelo sal que havia
engolido, mas também pelo sangue que saía das narinas da minha
mãe. Chorando, ela pediu para que eu subisse até meu quarto, eu
neguei, e ela pediu outra vez, e novamente eu neguei.
— Por que você ainda vive com ele, mãe? — eu perguntei.
— É complicado, querido. Só faça o que eu estou pedindo e vá
para seu quarto, eu já subo lá — disse limpando o sangue do seu
nariz.
Eu fiz o que ela pediu, mesmo cansado de tudo que acontecia,
eu fiz. Naquele momento eu apenas queria ter forças o suficiente,
ou ter um pouco do atrevimento do Drew para poder socar o meu
pai, assim como ele faz com minha mãe. Eu não sou forte o
suficiente para isso, muito menos corajoso, eu sou apenas uma
criança covarde.
Nessas horas eu me pergunto o que Heaven faria, com sua
coragem ela com certeza ligaria para a polícia e o denunciaria,
mesmo que fosse seu pai. Eu já fiz isso, porém quando a polícia
chegou minha mãe disse que havia se machucado praticando
jardinagem, meu pai sentiu vergonha de continuar morando em
Stone Bay, e por isso tivemos que nos mudarmos para Hastings.
Exatos mil quinhentos e cinquenta e sete quilômetros de
distância de Stone Bay, de distância de Heaven, a única pessoa
capaz de me trazer um pouco de paz em um momento como esse.
Ela tem me enviado mensagens há dias, desde que fui embora
e nem mesmo tive a oportunidade de me despedir dela, e talvez eu
nunca tenha. Todos os dias eu tenho tentado lhe escrever, dizendo
o motivo pelo qual eu fui embora, mas é complicado, como diria
minha mãe. Dizer à Heaven que eu a deixei porque o meu pai
espancou minha mãe, e eu o denunciei à polícia, o que o deixou
com tanta raiva que o fez ir embora da cidade, e por esse motivo eu
não posso mais vê-la, é realmente complicado.
Em algum momento entre o antes e o agora eu lhe enviei uma
mensagem, desejando feliz aniversário. Por mais merda que o meu
dia esteja sendo, hoje é o aniversário dela, e de algum modo eu
consegui lembrar disso, exatamente na ocasião em que eu estava
pior.
Sempre que eu preciso me acalmar, basta pensar na menina de
olhos azuis e sorriso genuíno.
Agora estamos na sala de tevê assistindo Marley e Eu. Duas
horas depois de ter saído meu pai retornou, escutei quando ele
pediu desculpas à minha mãe dizendo que estava extremamente
arrependido, jurando que nunca mais iria acontecer.
Ele sempre diz isso, ela sempre acredita, e ele sempre volta a
bater nela.
Depois de pedir desculpas para ela, ele bateu na porta do meu
quarto e posteriormente me abraçou, também pedindo desculpas as
quais não aceitei, entretanto fiquei calado. Ele também me entregou
uma sacola recheada de chocolate e salgadinhos os quais aceitei e
estou comendo agora, enquanto o observo fazer carinho no cabelo
da minha mãe e beijar sua testa como se fosse o homem mais
carinhoso da face da terra. Quando nós três sabemos que ele não
é.”
O táxi de Sadie para em uma parte afastada da praia, a loira
desce do carro e tira seus sapatos correndo até a beira do mar,
onde molha seus pés. Observo-a de longe, ainda dentro do carro,
não parece que ela está à espera de alguém, apenas que está
pensando enquanto olha para o mar.
Nesse meio tempo, envio uma mensagem para Kane,
informando a minha localização. No instante em que levanto meus
olhos novamente, vejo Sadie largar seus sapatos e bolsa na areia, e
correr de roupa e tudo em direção ao mar.
Que merda essa garota está fazendo?
Continuo a observando de dentro do carro, vendo seu corpo
imergir mar adentro, aos poucos ficando cada vez mais distante. Eu
começo a ficar preocupado, então desço do carro, quando não vejo
mais nenhum sinal de Sadie, aperto os olhos, tentando me adaptar
à luz do sol para que possa vê-la, mas nada.
Então vejo a sua mão sair do mar, e em seguida imergir
novamente.
Ela está se afogando!
Tiro meus sapatos e camiseta correndo em direção ao mar,
assim que ponho meus pés nele começo a nadar, indo em direção à
Sadie, ou o que penso que possa ser ela, procuro-a pela água,
todavia não encontro nada. Mergulho mais uma vez à sua procura, e
mais uma vez não a encontro.
Deixo minha cabeça imersa na água e bato os pés, a fim de
flutuar. Continuo olhando em volta, ainda em busca de Sadie.
Eu não a encontro.
Eu não a encontro.
Quando viro meu corpo mais uma vez, olhando atentamente em
todas as direções, vejo a mão dela flutuar a cerca de cinco metros
de distância ao norte, rapidamente nado até lá.
No momento em que encontro Sadie, tento tirar sua cabeça da
água, contudo seu corpo está pesado, e a correnteza nos leva para
o fundo. Abraço seu corpo com um braço, e o outro bato na água
com a ajuda dos pés, até chegarmos à costa.
De volta à areia, percebo que Sadie está desacordada, por isso
junto minhas duas mãos e começo a fazer uma massagem cardíaca
em seu peito, o que não funciona. Tampo seu nariz com dois dedos,
abro sua boca e começo a fazer respiração boca a boca nela,
alternando com a massagem cardíaca.
Aperto seu peito três vezes, e em seguida sopro sua boca.
Repito o processo e somente na quarta vez Sadie acorda,
cuspindo a água que engoliu enquanto afundava.
— Axel — ela fala fraca, e cospe a água mais uma vez.
Eu junto suas coisas com as minhas, a pego no colo e a levo
até o carro.
Sadie precisa ir para o hospital urgente, ela engoliu muita água,
prova disso é que desde o momento em que voltou a respirar já
expulsou a água cinco vezes.
Coloco-a na parte traseira do carro junto com nossas coisas, e
rapidamente corro para a porta do motorista. Dou partida e começo
a dirigir voltando na direção do hospital.
— Para onde você está me levando? — ela pergunta.
— Para o hospital, você passou mais de cinco minutos embaixo
d’água — respondo, virando à esquerda, e acelerando mais ainda.
— Não — ela nega. — Eu não quero ir ao hospital.
Eu bato a mão no volante no momento em que freio o carro.
— Você sabe nadar, Sadie? — pergunto com raiva, olhando
para ela no banco traseiro. Ela assente com a cabeça, ainda fraca.
— E porque você não nadou, porque você se afogou?
— É com... — Não a deixou terminar de falar.
— Não diga que é complicado. Por que você se afogou, Sadie?
Ela nega com a cabeça sem querer responder, então eu ligo o
carro novamente e começo a dirigir para o hospital. Se ela não quer
ir até lá, problema dela, eu vou apenas levá-la até a emergência, e
depois ligar para os pais dela. Se ela quiser ir embora, a
responsabilidade é toda deles.
— Deve ser muito fácil amar uma pessoa como você. — Escuto
sua voz sussurrar. — Você sempre está lá para salvar a pessoa,
você sempre se preocupa com os outros mesmo que não seja da
sua conta. Me desculpa se eu disse que você era que nem o Drew,
você é muito melhor do que ele, porque se em algum momento ele
tivesse que escolher entre mim e Heaven, ele com certeza a
escolheria mil vezes, eu entendo sabe... eu entendo. Eu também o
escolheria mil vezes, só que ele nunca optaria por mim, eu sempre
fui sua diversão, nada mais que isso, e eu só quero vê-lo bem,
então se para isso eu tivesse que ir atrás da garota que ele ama, só
para que ele ficasse um pouquinho feliz, eu iria. Eu não fui por isso,
juro que não fui, fui em busca da Heaven por realmente estar
preocupada com ela, mas se Drew me perguntasse por ela em
algum momento, eu responderia, por isso é tão complicado amar o
Drew, afinal, ele nunca faria isso por mim. Porque eu simplesmente
não amei você quando te vi pela primeira vez carregando três
baldes de tintas para casa?!
Alguns dias depois do meu retorno à Stone Bay, descobri que
Sadie morava em frente à casa da minha mãe, porém isso não me
deu abertura ou qualquer pensamento para me aproximar da garota.
— Por que você precisa de terapia, apenas isso — respondo
sério e ela ri.
— Eu acho que todos nós precisamos — diz em meio à
gargalhada.
— Onde ele está, Sadie? — pergunto ao entrarmos na rua do
hospital.
— Eu realmente não sei. — Ela parece sincera ao responder.
Eu paro o carro em frente ao hospital puxando o freio de mão,
desço do carro, abro a porta traseira do passageiro, visto minha
camiseta novamente, e dessa vez calço meus sapatos. Em seguida,
ajudo Sadie a descer do carro levando-a até a porta da emergência.
Quando uma enfermeira se aproxima, ela diz no meu ouvido:
— O Drew sabe sobre o segredo de vocês.
Então Sadie se vai com a enfermeira, e eu fico parado na
entrada da emergência pensando no que ela acabara de falar.
Prove-me, estas lágrimas salgadas na minha bochecha
É isso que uma dor de cabeça de um ano faz com você
Eu não estou bem, sinto-me tão dispersa
Não diga que eu sou tudo que importa
Deixe-me, já vi isso antes
LISTEN BEFORE I GO | BILLIE EILISH

Poucos minutos após a saída repentina de Axel do quarto, meu


pai chegou. Eu perguntei o que havia acontecido e ele disse que o
Axel precisou ir para casa, porém eu sabia que ele estava mentindo,
eu vi quando ele saiu daqui com a Sadie, e algo me diz que nada
bom vem daí.
Eu mal tive tempo de pensar nisso, já que a manhã no hospital
foi agitada. Primeiro checaram meus sinais, fizeram algumas
perguntas como as que Promise havia feito ontem, também
verificaram minhas pupilas, analisaram meus pontos na cabeça, eu
cheguei a levar alguns pontos na minha têmpora também, devido a
um corte no local, mas eles foram tirados durante o meu período em
coma. Uma enfermeira me ajudou a fazer minha higiene pessoal,
que basicamente foi um banho com esponja em cima da cama
mesmo, um nojo, eu disse que aquilo não iria me limpar
adequadamente, e eu estava certa.
Depois da minha higiene foi a hora de comer. Eles retiraram a
sonda que estava em meu nariz, pela qual me alimentavam, e
trouxeram uma bandeja cheia de frutas e iogurte, não preciso nem
comentar o quanto fiquei decepcionada com isso.
— Estou com fome de bacon — disse ao meu pai enquanto ele
colocava um pedaço de melão na minha boca.
— Você ouviu a médica, é como se você fosse um bebê
novamente. A introdução alimentar é gradual, ou seja... Você só
comeu bacon pela primeira vez na sua vida quando tinha três anos
— minha mãe responde ao mesmo tempo em que arruma algumas
coisas no quarto.
— Pai — sibilo pedindo.
Ele olha na direção da minha mãe, e depois para mim,
colocando o dedo indicador sobre os lábios em sinal de silêncio.
— Sua mãe tem razão, e os médicos também — diz pegando
outro pedaço de melão e colocando na minha boca, e eu como
fazendo careta. — Eu vou dar uma saidinha até o banco, e volto em
alguns minutos. — Ele pisca para mim, mas quando já está quase
na porta minha mãe o chama.
— Hoje é feriado, Magnus. Os bancos não estão abertos — diz
cruzando os braços.
Meu pai coloca a mão na nuca e coça a cabeça.
— Você não vai comprar bacon para a Heaven, Magnus —
minha mãe diz. — Nós somos casados há quase vinte anos, e se
você acha que vai me enganar dizendo que vai ao banco, você está
muito enganado. Pode sentar sua bunda de volta nessa cadeira, ela
vai comer bacon quando a médica disser que ela pode comer
bacon.
— Mãe — peço com a voz chorosa, fazendo bico.
— Isso funcionava quando você tinha cinco anos, Heaven. Não
vai comer, fim de papo.
Reviro os olhos para ela, e volto a comer minhas frutas.
— Hum, que bacon gostoso — digo, mastigando uma uva.
Minha mãe mostra o dedo do meio para mim, e eu calo a boca.
Depois que já estou cheia de tantas frutas, é hora de falar com
a psiquiatra, que entra no meu quarto e pede para que meus pais
saiam. Mais cedo haviam me informado que eu iria fazer uma
consulta com ela, o que me deixou de certa forma ansiosa, já que
eu nunca fiz nenhum tipo de terapia, fosse com psicólogo ou
psiquiatra, nunca entrei nem mesmo na sala do conselheiro
estudantil. Sempre me vi como uma pessoa autossuficiente que não
precisava disso.
E agora, encarando a mulher alta, preta e de cabelos
encaracolados, estou sentindo como se meu coração fosse sair pela
boca a qualquer momento, porque com certeza eu não estou pronta
para me abrir com ninguém sobre isso.
Às vezes é bem mais fácil fingir, do que expor.
— Bom dia, Heaven. Eu me chamo Rayna, e vamos conversar
um pouco, tudo bem por você? — ela se apresenta, e eu respondo
apenas assentindo com a cabeça. — Como você está?
— Eu... — Hesito por um momento, pensando exatamente no
que devo contar a ela. — Acho que estou bem — respondo por fim.
— Acha?! — questiona ao levantar uma sobrancelha, e eu
assinto novamente. — Você já se consultou antes com algum
psiquiatra ou psicólogo? — Eu nego com a cabeça. — Tudo bem...
Eu tenho essas folhas aqui. — Ela mostra um maço de papéis em
cima de uma prancheta. — São algumas anotações básicas que eu
faço durante a consulta, em hipótese alguma eu vou expor seus
sentimentos a qualquer outra pessoa. Quero que você entenda que
você pode confiar o que se passa em sua cabeça a mim, tudo
bem?!
Eu aquiesço mais uma vez com um sorriso fraco, e ela sorri de
volta para mim.
— Eu vou começar com perguntas simples, para irmos nos
conhecendo melhor, tudo bem?!
Assinto novamente para Rayna, então ela faz uma série de
perguntas como: o que eu estudo; músicas que eu gosto de ouvir;
programas favoritos e por fim, me questiona outra vez sobre como
eu me sinto.
— Com medo — respondo.
— Medo de que, exatamente? — insiste.
— É difícil de explicar — sussurro. — Eu sinto constantemente
um aperto no peito, como se o mundo estivesse pronto para me
engolir, e sinceramente, eu acho que não lutaria contra isso.
— Você acha que não teria motivos suficientes para sair de um
prédio caso ele ameaçasse desmoronar? — pergunta, e eu nego
com a cabeça. — Por que não? — questiona.
Eu paro para pensar por um momento. É difícil ter que expor
tudo o que você sente, quando as pessoas ao seu redor na
realidade nem desconfiam do que se passa dentro de você.
— Porque eu me sinto violada. — Uma lágrima escorre por meu
rosto. — É como se o Drew estivesse me moldando durante dois
anos seguidos, então depois ele me deixou exposta na estante da
sua casa, e de repente, em um ataque de raiva, ele me quebrou
como se eu fosse um vaso de porcelana.
Mais lágrimas descem pelo meu rosto.
— É muito difícil restaurar uma peça de porcelana — ela
completa por mim, e eu concordo, secando as lágrimas. — Mas não
é impossível — finaliza.
— O que você quer dizer?
— Você está no começo de um processo de recuperação, e
pode não ser agora, porém um dia você vai dizer que conseguiu sair
daquele prédio que estava prestes a cair.
— Me diz isso novamente quando você vir todas as pessoas
que me amam, a minha volta rindo e felizes por eu estar aqui,
enquanto eu só queria voltar a dormir como estava dormindo até
ontem pela manhã. Ninguém na roda, exatamente ninguém, sabe o
que é ser abandonada pela primeira pessoa que você amou, e
depois passar a confiar em outra, tão rapidamente, que você acha
que aquela pessoa é perfeita, perfeita ao ponto de não te fazer
sofrer, perfeita por estar lá sempre que você está sozinha, porque
seus pais por mais que te amem, respiram o trabalho, a fim de dar à
filha que tiveram cedo demais uma vida digna.
Falo tudo de uma vez.
— Não estou falando que odeio meus pais, ou qualquer coisa
do tipo, porque eu os amo, eu dou minha vida por eles, e sei que
eles trabalham tanto apenas com o objetivo de me dar tudo aquilo
que um dia eles não tiveram, em compensação eu cresci uma
criança sozinha. Eu tive um amigo, que passou a ser meu refúgio,
só que ele foi embora, e olha só a ironia do destino, hoje eu namoro
com ele. — Bato as palmas da mão nas coxas. — Contudo não
estamos falando sobre isso, estamos falando sobre a época em que
ele foi embora, e eu precisei ter alguém na minha vida, então eu
achei ele, eu confiei nele, assim como havia confiado no meu outro
amigo. A diferença é que esse meu antigo amigo era bondoso,
enquanto o novo era jogador, ele me convenceu que eu o amava, ou
eu me convenci disso, pois eu era apenas uma adolescente fraca
que não conhecia nada sobre a vida.
Limpo as lágrimas do meu rosto.
— Heaven... — Rayna me chama, mas eu levanto a mão.
— Só me deixa terminar... — peço. — Ele me fez amá-lo,
mesmo quando eu o odiava, ele fez com que eu o amasse, ou ao
menos pensasse que eu o amava, e na realidade, eu acho que se
tratava disso o tempo todo. Depois disso, essa pessoa começa a
controlar seus atos, suas falas, seu tom de voz, e até a hora exata
em que você deve rir, ou não. Essa pessoa fala qual roupa você
deve vestir, o que você deve comer, e como deve comer. Ela
também diz que seu novo corte de cabelo está lindo, de repente lhe
convence a mudá-lo porque do dia para a noite ficou feio. Ele te olha
como se você fosse a pessoa mais preciosa do mundo, os olhos
dele brilham todas as malditas vezes em que ele faz amor com
você, e mesmo você sabendo que essa pessoa está errando com
você, você costuma perdoá-la. Afinal, ninguém nunca vai te olhar da
forma como ele te olha, e ele te prometeu o mundo, apenas não lhe
avisou que ele também seria o meteoro que acabaria com esse
mundo.
Limpo meu nariz, e também os olhos mais uma vez.
— Então você começa a ficar com medo dele, porque vê os
olhos dele nublarem no exato momento em que ele fica com raiva,
você sabe que não deve deixá-lo com raiva, pois você não quer os
olhos dele tão escuros como sempre ficam quando ele está irado.
Você o vê ficando com uma de suas melhores amigas, e naquele
momento, naquele exato segundo você percebe que ele não é o
único, visto que você também não é a única. Espera, eu nunca o
amei de verdade, certo?! Daí em diante, aquela pessoa que era a
sua pessoa lá do passado, volta para sua vida, e você vê como
realmente deve ser tratada, sem cobranças, somente pura
admiração. É ver a pessoa rindo porque você está com tanta fome,
que está com a boca cheia, e não te chamando de porca, ou
dizendo que você se tornará um lutador de sumô.
“Então você sabe o que é estar feliz ao lado de uma pessoa, e
não com medo, você sabe que quando as pupilas dele dilatam é
porque ele está encantado com algo, e não porque você o fez ficar
com raiva. E é certo, sabe... mas ainda assim não substitui o medo
todas as vezes em que você cruza no campus da faculdade com
aquele que por tanto tempo você disse que amava. Quando aquela
aflição está finalmente se esvaindo, ele invade a sua casa, ele
pressiona o rosto no seu, te forçando a beijá-lo. Você até consegue
fugir dele, mas ele te puxa, e em seguida te espanca, repetindo
inúmeras vezes que você o ama, e um segundo antes de você enfim
conseguir se livrar da dor de cada soco que ele está desferindo em
você, você fecha os olhos, convencida de que você mereceu tudo
aquilo, afinal ele só está fazendo isso, pois um dia você se deixou
cair e disse que o amava.”
Paro de falar, e respiro fundo.
— Então, por favor, Rayna, me diz que eu quero sair do prédio
que está prestes a cair no exato momento em que todos estão rindo
à minha volta, mas que eu só penso que se um dia eu não tivesse
dito que o amava, talvez, só talvez, ele nunca teria destruído o
último grão de felicidade da minha vida.
Passamos alguns minutos em silêncio, enquanto Rayna me
deixa chorar à vontade. Ela me oferece alguns lenços, os quais eu
aceito, e depois água. Assim que me acalmo um pouco, e consigo
retomar minha respiração, Rayna me olha com pura consternação, e
em seguida fala:
— Você passou por muito, Heaven, e eu entendo sua dor.
Acredite em mim, eu entendo. Todavia você não está sozinha nessa,
não está, você tem pessoas ao seu lado, que você mesma disse
que estão felizes por você estar aqui com eles. Não deixe o medo te
consumir, só que principalmente, não deixe a culpa te consumir, só
tem uma pessoa nessa história culpada pelo que aconteceu, e essa
pessoa é ele. Você foi apenas uma vítima, e você vai superar isso.
— Sabe o que foi pior para mim?! — pergunto retórica, e ela
pede para que eu continue. — Foi ter fingido que eu realmente
estava feliz ontem à noite, quando tudo que eu sentia era aflição,
medo de ele entrar por essa porta a qualquer minuto, e me
submeter aos seus abusos novamente.
— Você não tem que fingir que está feliz, Heaven.
— Eu tenho, eu não suporto as pessoas a todo o momento
perguntando o que eu estou sentindo, se eu estou bem, se eu quero
conversar, porque eu não quero.
— Seja sincera com eles, não os iluda fazendo com que eles
pensem que você está bem. Eles serão essenciais no seu processo
de cura, e se eles te amam, eles vão te respeitar. Você não precisa
falar com todas as letras o que você está sentindo, você pode
apenas responder que não está bem, mas vai melhorar.
— Eu vou?!
— Você vai — ela confirma.
Continuamos conversando sobre os meus sentimentos, não tão
reveladores como os primeiros. Ela me ensina algumas técnicas de
respiração para quando eu estiver ansiosa, também diz que vai
prescrever alguns ansiolíticos para que eu não sinta tanto medo, ou
pânico por muito tempo, porém nenhum remédio para dormir. Ela
perguntou como foi a minha noite passada, e eu fui sincera, disse
que por incrível que pareça foi o único momento em que me senti
em paz, só que ao acordar e ver o Axel se afastando, senti medo
novamente.
Ao fim da consulta, eu fico um pouco sozinha no quarto
pensando em todo meu desabafo, e nesse meio tempo eu
finalmente consigo raciocinar todos os pensamentos confusos que
tive alguns meses antes.
Eu sabia de alguma forma que a solidão me fez escolher o
Drew, contudo não sabia que ele havia me escolhido para se
apropriar de mim. Só agora consegui compreender que a solidão
também me fez estar próxima às pessoas que me apoiaram,
incluindo o Axel. Será que quando eu olhei em seus olhos após
minha apresentação eu estava sendo precipitada outra vez, ou será
que realmente foi certo?
Axel deixou claro ao fim da nossa primeira noite que iria me
esperar, eu que não quis esperar por mais tempo, eu apenas quis
tê-lo em meus braços, eu quis me livrar de todas as minhas dores, e
poder abrir a porta da felicidade que estava prestes a aparecer em
minha vida, porque se tem uma coisa que Axel é capaz é de me
fazer feliz, de me amar, de me valorizar, de me pôr para cima
mesmo quando eu estou no nível mais baixo que existe.
Ele é único para mim, e eu sou única para ele.
Portanto não, a solidão não me fez cair de cabeça nesse
relacionamento novo, o amor que sinto por ele é certo sim. Ele não
me prometeu nada, no entanto eu sei que ele é capaz de me
entregar tudo, pois eu também sou capaz disso por ele.
Muitas vezes não entendemos como algumas coisas funcionam,
apesar disso eu sei que existem pessoas que entram na nossa vida
com o único propósito de fazerem com que o céu carregado de
neblina se torne uma límpida luz solar. Pessoas que são a luz em
meio à escuridão, sejam elas amigos, amantes, namorados, ou
pessoas totalmente desconhecidas, estão lá para trazerem de volta
a luz à sua vida. Elas te farão sorrir e rir, te farão chorar e amar, te
farão dar valor a qualquer célula que tenha um pouco de vida.
Sempre vai existir uma pessoa que será igual uma casa para você,
e é isso que Axel é para mim, ele é minha casa, ele é meu lar.
É o meu lar que entra no meu quarto de hospital após as onze
da noite, com seu rosto coberto de hematomas, e com uma cara
infeliz, acredito que não pelos machucados em sua face, e sim por
uma confusão que deve acontecer internamente.
— O que aconteceu com você? — pergunto no momento em
que ele se aproxima de mim.
— Eu tive que lutar — diz ele num tom de arrependimento.
— Lutar pelo quê, Axel? — pergunto confusa, enquanto meu
estômago se revira imaginando que ele está prestes a me dizer o
pior.
— Contra mim mesmo talvez, contra nós, contra a vida... —
Axel senta-se no cantinho da minha cama, entrelaça seus dedos por
cima de suas pernas e os encara. — Minha vida é bastante
complicada.
— O que você quer dizer com isso, Axel? — pergunto atônita e
totalmente preocupada com seu estado.
Axel não está nada bem, e isso está claro tanto pelos seus
machucados, quanto pelo seu tom de voz. “O que aconteceu com
você?”, me pergunto outra vez. Eu não consigo entender o que se
passa em sua cabeça agora.
Ele faz um sinal de negativa, enquanto engole em seco fazendo
com que seu pomo de adão suba e desça.
— Só tira o band-aid logo de uma vez e fala, Axel. Por favor,
você está me deixando louca.
Seus olhos finalmente encontram os meus, uma lágrima pesada
abandona seu olho direito, descendo lentamente por seu rosto antes
alvo, e agora machucado.
— O problema é que assim que eu tirar esse band-aid, talvez
ele nunca mais possa voltar ao lugar.
— Axel... — digo hesitante.
Ela fecha os olhos, apertando-os com força, porém o que se
comprime de verdade é meu estômago no segundo em que suas
pálpebras se abrem outra vez e escuto as palavras mais chocantes
saírem de sua boca.
— O Drew é meu irmão — Axel revela.
Eu tento assimilar o que ele acabara de falar, mas isso é muito
inacreditável. Uma confusão enorme passa na minha cabeça agora,
confusão essa muito maior do que os nossos sentimentos.
— O que você disse? — pergunto, para garantir que eu não
ouvi nada errado.
— Eu tenho escondido isso há cinco anos, entretanto acho que
está na hora de todos saberem a verdade, e isso inclui você. Por
mais que me doa despertar todas essas memórias, você precisa
saber que... — Axel segura minha mão hesitando, e abaixa a
cabeça. Eu sinto o desespero em sua voz, quando ele repete suas
palavras mais uma vez. — O Drew é meu irmão.
Então, Axel me conta com detalhes tudo o que aconteceu no
verão em que ele foi embora de Stone Bay, anos atrás.
Leve-me à igreja
Louvarei como um cão
No santuário de suas mentiras
Vou lhe contar meus pecados
Para você afiar sua faca
TAKE ME TO CHURCH | HOZIER

Cinco anos atrás


Faz mais de vinte minutos que escuto os gritos dele, os baques
surdos de móveis quebrando e o choro abafado da minha mãe.
Já está no final do verão, as aulas devem começar em menos
de duas semanas, e ele tentou me matricular em uma escola em
Hastings, mas precisava dos meus documentos que ficaram na
Saint Crawford. Por isso, desde cedo ele ligava para minha mãe,
mesmo do outro lado da linha era notório que seu temperamento
estava alterado, assim como sua voz.
Quando ele chegou em casa há cerca de meia hora, ele encheu
um copo com whisky no seu bar, e em seguida quebrou todos eles,
um por um, enquanto murmurava que eu e minha mãe não temos
gratidão nenhuma por tudo que ele faz por essa família.
Minha mãe me pediu para subir e ficar no meu quarto, pois meu
pai queria conversar com ela. Na verdade, ela me mandou subir a
fim de evitar que eu visse o exato momento em que ele se torna um
monstro, e começa a espancá-la.
Eu abro o terceiro pacote de M&M’s, e ao invés de pegá-los
com a mão, despejo direto na boca. Em momentos como esses, a
única coisa que eu consigo fazer é comer, principalmente doce, é
por esse motivo que sempre tem algo dentro das gavetas do meu
quarto, ou então na minha bolsa da escola. Mesmo eu sendo
humilhado diariamente por conta do meu peso, a única coisa que é
capaz de aliviar a sensação de perda do controle, é a comida. E, por
essa razão, eu continuo comendo.
Após o episódio do sal, há quase um mês, meu pai continuou
trazendo mais doces para mim, e em quase todas as noites feriu
minha mãe, com gritos, murros e apertando sua garganta. Durante
seus ataques de raiva, eu descontei toda a minha frustração nos
chocolates, assim como eu estou fazendo nesse momento. Esse
pacote de M&M’s é o último que me sobrou, antes dele eu havia
comido quatro barras de chocolate, e bebido duas latinhas de Coca-
Cola.
Quando engulo o último punhado de chocolate a porta do meu
quarto é aberta brutalmente, ele não usou a maçaneta para abri-la
porque sabia que estaria trancada. Ele a chutou, derrubando-a no
chão.
No instante em que ele adentra o meu quarto, eu dou alguns
passos para trás a fim de manter a distância entre nossos corpos.
Isso tudo passa-se em questão de segundos, mas tudo é tão tenso
que parece estar acontecendo em câmera lenta.
Trombo meu corpo contra a parede atrás de mim, e no segundo
seguinte sua mão aperta meu pescoço, impossibilitando a
passagem do ar. Levo as mãos até as suas, em uma tentativa falha
de fazê-lo parar de me enforcar, contudo é impossível ir contra a sua
força. Meu pai não fala nada, apenas me olha com ódio, seu olhar
está escuro, sua íris é um mero círculo fino marrom escuro, tudo é
tomado pelo preto de sua pupila.
Pisco os olhos fracamente, anotando mentalmente a última
visão que estou tendo enquanto morro. É exatamente isso que está
acontecendo comigo.
Eu estou morrendo.
Meu pai está me matando.
E eu não tenho forças para lutar contra ele.
O ar escasso que havia no meu pulmão foi embora, e agora não
sobra mais nada, apenas o vazio...
Tento pensar em momentos felizes, mas é difícil ter algum em
mente quando você é uma criança infeliz. Então eu penso na única
coisa boa que já aconteceu na minha vida, Heaven.
Automaticamente a visão turva do rosto furioso do meu pai é
tomada pela imagem de Heaven, ela está com os olhos arregalados
e a mão sobre a boca. Nós estávamos dançando valsa no meio da
sala de seus pais durante o filme que assistíamos, ela tinha
acabado de tropeçar, e eu a peguei a tempo, porém aquilo não me
preparou para as três palavras que saíram da sua boca. “Eu te
amo”, ela disse, fiquei sem entender por um instante enquanto eu
encaro o azul da sua íris, tão cristalina e azul quanto o mar do
Caribe. Ela tenta desconversar, dizendo que sua mãe fez a janta,
então eu respondo que também a amo, porque eu a amo, pode ser
pura estupidez de um garoto de apenas treze anos, só que de todas
as pessoas nesse mundo, a minha favorita é a Heaven.
Sinto o ar retornando ao meu peito pouco a pouco, no entanto a
mão do meu pai ainda pressiona o meu pescoço. Ao abrir os olhos
consigo enxergar, mesmo com a vista embaçada, a minha mãe. Ela
está ao lado do meu pai, falando ou gritando algo, sinto que ela está
tentando tirá-lo de perto de mim, vejo sua boca se mover, todavia
não entendo. Com esforço, aguço os ouvidos para ouvir a sua voz.
— Solta ele, Daniel — ela pede chorando. — Você vai matar o
Axel, por favor, solta ele.
Aos poucos a força das mãos dele contra meu pescoço
enfraquece e ele me larga, me soltando no chão. Ele não acaba seu
ataque de raiva aí, assim que eu caio no chão, vejo-o socar o rosto
da minha mãe várias vezes seguidas.
Eu continuo de joelhos no chão, vendo toda a cena. Minha mãe
chora, pedindo para que ele pare, o que não adianta muito, ele
continua batendo. Eu tento me levantar pensando que talvez eu
possa defendê-la, mas meus esforços são falhos, minhas pernas
cedem e eu volto para o chão.
Coloco as mãos nos ouvidos, para evitar escutar o choro da
minha mãe, e também todos os sons que a mão dele faz quando
fere a sua pele.
Trago meus joelhos até o peito balançando meu corpo para
frente e para trás, para frente e para trás.
Meus olhos continuam abertos, mas eu não ouço nada. Eu não
consigo ouvir o seu choro, porque o único que ecoa na minha
cabeça é o meu, e ele é o bastante para a raiva e a angústia dentro
de mim serem dominadas. E é nesse momento que eu prometo a
mim mesmo que nunca vou ser igual a ele.
Finalmente ele para de bater na minha mãe.
Quem o vê de longe, sem saber o mínimo do que acaba de
acontecer, enxerga um homem triste, arrependido, um homem que
sofreu, não um que causa sofrimento, um alguém destruído, não
uma pessoa que causa destruição por onde passa. Vejo ele se
levantar, colocar as mãos no quadril e ficar olhando para a minha
mãe que agora está sentada no chão, com seu rosto coberto de
marcas e respingos de sangue.
Ela me olha piedosamente, e eu continuo balançando meu
corpo para frente e para trás. Ela tenta se rastejar até mim,
entretanto ele a impede pisando na sua mão.
— Você fica aí — ele sibila, mesmo com as mãos tapando o
ouvido consigo escutar sua voz grave soando pelo ambiente. — Eu
vou trocar de roupa, porque você conseguiu sujar toda a porcaria da
minha camisa branca de sangue. Parabéns, Íris — diz com nojo, e
se vira para mim. — E você também troca logo de roupa, nós vamos
sair. Está na hora de você virar homem — murmura com nojo.
Minha mãe puxa a bainha da calça dele, parecendo totalmente
aflita com o que ele acaba de impor.
— O que você vai fazer com ele, Daniel? Não faz nada com o
Axel — implora. — Eu não vou aguentar perder outro filho, não
dessa vez. — Chora, abraçando as pernas do meu pai.
Ele se solta do seu agarre facilmente e se agacha, ficando
frente a frente com minha mãe, então murmura algo em seu ouvido
que eu não consigo ouvir. Quando ele se levanta eu
automaticamente também fico de pé, ele me olha e aponta para
mim.
— Volto em alguns minutos, e nós dois vamos conversar.
Logo que ele sai do meu quarto, eu corro até onde minha mãe
está e a abraço.
— Vamos embora daqui, mãe, por favor — imploro chorando,
ela retribui o abraço enquanto afaga minha cabeça.
— As coisas não funcionam assim, filho — ela sussurra no meu
ouvido.
— Funcionam sim — insisto. — Vamos pegar nossas coisas e
voltarmos para Stone Bay, por favor. Eu não quero morrer, mãe, e
também não quero que você morra.
— Axel... — Ela parece me repreender. — Não diz isso, por
favor, não fala isso nunca mais. Seu pai nunca nos mataria — ela
diz não muito convencida.
— Não?! — Me desfaço do abraço. — Então por qual motivo eu
quase morri sem ar agora há pouco e o seu rosto está coberto de
sangue? Ele pode não ter nos matado agora, porém o que garante
que ele não fará isso depois?
Ela me olha assustada, eu nunca falei tão rispidamente assim
antes, nem com minha mãe, nem com ninguém.
— Filho... Seu pai não vai mais nos fazer mal algum, você vai
ver. — Ela passa as mãos no rosto. — Nós só precisamos confiar
que ele não vai mais fazer nada conosco, ele nos ama.
Eu rio, uma risada triste que estava engasgada na minha
garganta.
— Ele já nos machucou, mãe. Quem ama não machuca, não
destrói. Meu pai não me ama, muito menos ama você. Ele tem
destruído cada pedacinho de nossa felicidade a cada grito, a cada
golpe, para falar a verdade talvez nunca tenhamos sido felizes.
Fico de pé e limpo as lágrimas nos meus olhos, disposto a
enfrentar o que eu tiver que enfrentar. Eu sei que minha mãe está
errada, ela também sabe, só não é forte o suficiente para encarar a
verdade.
— O meu pai não nos ama, ele nos controla — digo por fim.
Pego o meu casaco em cima da cama e o visto, segundos
depois meu pai aparece na porta do meu quarto e me chama.
Levanto a cabeça encarando-o, a raiva corrói em minhas veias, e eu
ando até ele, deixando minha mãe no chão do meu quarto, ainda
ferida, ainda machucada, ainda chorando.
De alguma forma, eu sinto que esse não é momento ideal para
convencê-la a irmos embora. Apesar de eu ter pedido, a resposta
dela dizendo que ele nos ama, foi o suficiente para que eu pudesse
ver que, na realidade, talvez ela acredite nesse amor, ou talvez não.
Talvez ela ainda só esteja presa a ele por puro medo mesmo, e o
medo dela a faz se convencer que tudo isso pelo que ela passa é
proteção, amor...
Posso ter pouca idade no momento, mas amor não é isso.
O amor não humilha, não constrange, não fere. O amor é
sublime, ele enaltece, ele venera, ele se doa.
E a única coisa que meu pai nos deu em todo esse tempo foi
dor, nunca doação. Não adianta ele comprar flores para ela no dia
dos namorados ou no aniversário de casamento, e dois dias depois
quebrar todas as louças durante o jantar, porque não ficou contente
com o ponto da carne. Não adianta ele falar que passou horas
escrevendo um poema dizendo o quanto a ama, se quando eles
saem em público, ele volta para casa acusando-a de se interessar
por outro homem.
A mente dele é doente e eu sei disso, eu sei disso há tempos. É
difícil admitir coisas como essas, quando tudo o que você quer é um
pai que seja bondoso, que quando você erre ele diga que está com
você, não um que cuspa na sua cara, e te chame de lixo humano. É
isso que ele faz comigo sempre que eu erro em algo, ele cospe em
mim e depois me humilha.
É nesse sentido que moldamos o nosso futuro, através dos
nossos pais, só que eu não tenho os melhores pais do mundo para
seguir qualquer exemplo. Meu pai é cruel, é nojento, e minha mãe é
ingênua, confia demais. Por isso eu tenho que tomar uma decisão,
me tornar alguém igual a eles ou alguém melhor do que eles.
Decido ficar com a segunda opção.
Eu ainda não sei exatamente como irei fazer isso, contudo
acredito que de alguma forma a vida irá me ensinar.
Continuo acompanhando meu pai que desce indo até a sala
onde está uma bagunça, móveis quebrados no chão e cacos de
vidro espalhados por todo o cômodo. Às vezes me pergunto se os
vizinhos não chegam a ouvirem os barulhos que vêm da minha casa
em dias como esse, e se eles escutam, por qual motivo nunca
denunciam ou ligam para a polícia. Talvez, se em algum momento,
qualquer um deles tivesse feito isso durante o ato, estaríamos livres
das garras do meu pai, mas ninguém nunca teve coragem.
Quer dizer... eu tive, no entanto tinha sido tarde demais. E a
polícia realmente confiou na versão da minha mãe dos fatos, não na
de um adolescente que supostamente está na fase de passar trotes
desnecessários para a polícia.
Esse adolescente em questão não tem coragem nem de abrir a
própria boca para pedir aos colegas de turma que parem com a
zoação, ou até mesmo para falar o próprio nome, porém esse garoto
é audacioso o bastante para passar trotes para a polícia no meio da
noite, na hora do jantar.
Como diria Heaven, enfim a hipocrisia.
Meu pai volta do bar com duas garrafas de whisky na mão. Ele
já está fedendo a álcool e mel, e sempre que eu sinto o cheiro dele
quando bebe me dá vontade de vomitar. Minha mãe é a única que
sabe disso, porque sempre que ele bebe whisky ele se torna
agressivo, e quando ele está agressivo demais, eu passo mal e
vomito.
Ao sairmos de casa, eu o acompanho até o carro. Em momento
algum abaixo minha cabeça, ou dirijo qualquer palavra a ele, apenas
o sigo.
Entramos no carro, e ele me entrega uma garrafa do seu
Johnnie Walker favorito, enquanto abre a outra garrafa de Blue
Label que está em sua mão. Ele entorna a garrafa de vidro na boca,
conto as três vezes que seu pomo de adão faz movimento, e em
seguida ele olha para mim, percebendo que eu não estou com medo
dele.
Não mais.
— Está querendo bancar o garoto corajoso a essa hora, Axel?
— Cospe o meu nome como se fosse veneno em sua boca. — Você
não me engana, você é apenas um covarde, porém essa noite tudo
vai mudar, pode confiar em mim.
Eu nunca vou confiar em você, seu filho da puta.
Ele estende a garrafa para mim, e eu a pego.
— Toma um gole — ele diz, enquanto liga o carro.
— Eu não posso — nego rapidamente.
— Pode sim — retruca, colocando o carro em marcha ré e
saindo da garagem da nossa casa.
— Eu sou menor de idade, não posso.
— Eu sou seu pai — grita, batendo as mãos contra o volante. —
E estou dizendo que você pode, então você vai tomar essa porcaria.
— Eu não quero — esbravejo.
Ele freia o carro abruptamente para me dar um tapa na cara e
tomar a garrafa da minha mão. Ele abre a minha boca, da mesma
forma como fizera no episódio do sal, e entorna o gargalo da garrafa
na minha boca, então todo o gosto de mel, castanha e nozes
defumadas misturado com álcool aquece minha língua e desce por
minha garganta. Eu tento empurrar sua mão, só que ele continua
despejando o líquido na minha boca, tanto que começa a
transbordar pelos meus lábios.
Quando enfim ele cansa de me fazer beber seu whisky de cem
dólares, ele ri cínico e diz:
— Eu disse que você podia beber, e eu estava certo, como
sempre estive.
Sinto minha cabeça girar, os pelos do meu corpo se eriçam e
minha garganta arde, olho para a garrafa vendo que fora embora
mais da metade do líquido que continha ali. Ele me fez beber quase
tudo, e eu nunca havia colocado uma gota de álcool sequer na
minha boca antes. Daniel volta a dirigir pelas ruas de Hastings, nos
levando cada vez mais longe. Passados mais de dez minutos dentro
do carro em total silêncio, pois nem mesmo o rádio ele fez questão
de ligar, ele pergunta:
— Você tem ideia de como eu e sua mãe nos conhecemos?
Eu balanço a cabeça negando. Sei apenas que eles se
conheceram quando meu pai já havia terminado a faculdade, e
minha mãe ainda estava no primeiro ano de formação.
— Ela trabalhava em um local parecido com o qual eu estou te
levando agora.
— Onde estamos indo? — pergunto.
— Assim que chegarmos lá, você irá saber. Toma mais um gole.
— Ele me entrega novamente a garrafa.
Não estando a fim de repetir a mesma cena de minutos atrás,
faço o que ele mandou. Tomo apenas um pequeno gole, acreditando
que o tanto de álcool que ingeri, seja suficiente para me dar
qualquer tipo de coragem.
— Continuando a história — anuncia ele. — Eu havia acabado
de me formar e iria assumir os negócios do seu avô, um homem
bom, igualzinho a mim.
Tão ruim quanto você. Você quis dizer, não?!
Assim como meu pai, meu avô não é flor que se cheire. Graças
a Deus, minha avó faleceu pouco tempo depois do nascimento do
meu pai, senão talvez ela teria sofrido tanto quanto minha mãe sofre
nas mãos do meu pai. Nunca esqueci o que meu avô falou em um
jantar de Ação de Graças: “Uma mulher de verdade conquista o
homem pela barriga, e um homem de verdade conquista a mulher
pelo punho”.
Sua convidada que estava ao seu lado durante o jantar, nunca
mais voltou a vê-lo. Minha mãe se engasgou com sua colocação e
meu pai brindou com ele, como se fossem os homens mais geniais
do mundo.
— Naquele dia eu pensei que eu merecia comemorar, então fui
até um bar da cidade à procura de algumas mulheres para me
satisfazerem. Lembre-se sempre disso, filho: Eva foi feita a partir da
costela de Adão para que ela pudesse satisfazer todos os desejos
dele. Deus nos deu a mulher apenas em prol do nosso prazer,
nunca do delas.
É normal sentir vontade de vomitar por ter acabado de escutar
isso? Ou isso seria apenas efeito da bebida?!
— Quando eu cheguei no bar, havia várias strippers dançando,
todas querendo o meu dinheiro, mas apenas uma me encantou. Ela
não era exatamente uma mulher ainda, e sim uma garota, ela era a
garçonete do lugar, seus cabelos eram ruivos e sedosos, seus olhos
eram cinzas, simplesmente um encanto. Eu a vi sorrindo
constrangida para todos os homens que a olhavam como um
pedaço de carne, por isso eu me levantei e disse que ela não
precisava daquilo. Eu fui um real cavalheiro, eu lhe ofereci dinheiro,
tudo o que eu tinha em minha carteira coloquei na sua bandeja de
bebidas, mas ela me olhou com nojo, rejeitando meu dinheiro como
se realmente não estivesse interessada nele, ou em mim.
Ele para no sinal, e em seguida vira à direita.
— Aquilo me deixou com raiva, claro. Afinal, porque ela estaria
me rejeitando? Eu peguei de volta o dinheiro que havia lhe entregue
e chamei uma stripper, fodi com ela com força enquanto pensava
nos cabelos ruivos da garota que havia me rejeitado.
— Isso é nojento — sussurro.
— O que você disse? — Ele me olha.
— Nada.
— Bom... Onde eu estava mesmo? — pergunta.
— Você... — Coço a garganta. — Disse que fodeu a stripper.
— Ah sim, claro. Fodi com força — ele diz com um sorriso
convencido no rosto, e sinto ainda mais vontade de vomitar. —
Quando terminei e saí do estabelecimento, vi a garota ruiva mais
uma vez, ela estava no estacionamento destrancando uma bicicleta
velha. Naquele momento, eu coloquei na minha cabeça que aquela
garota seria minha, e hoje ela é. O tanto que eu tive que lutar por
isso, você não faz a mínima ideia, garoto. Eu fui àquele bar nojento
todas as noites, depois de um mês ela finalmente conversou
comigo, seis meses depois ela enfim aceitou sair comigo em um
encontro, eu prometi pagar a faculdade dela, e assim eu fiz.
“Eu investi na sua mãe naquela época, assim como invisto até
hoje. O que me deixa puto é ver o sorriso nos lábios dela para
qualquer outro homem que não seja eu, ainda mais quando se trata
de um homem tão rico quanto eu. Por mais que ela não tenha
aceitado meu dinheiro na primeira noite, ela aceitou depois, e ela
aceita até hoje. No momento em que eu não tiver mais isso para
oferecer a ela, ela irá procurar outro provedor, e você sabe por que
ela vai fazer isso, Axel?”
— Não — respondo ríspido.
— Porque todas as mulheres são assim. No início elas são
como anjos, depois que você dá tudo a elas, elas se tornam o
próprio demônio, elas sugam sua alma, seu saco e sua conta
bancária. Em algum momento você terá que mostrar quem manda,
e você vai mostrar isso deixando-a em casa, dizendo que não há
necessidade de ela trabalhar, em seguida você vai entregar a ela
um anel com um diamante de no mínimo dez quilates, e depois vai
colocar um bebê na barriga dela, porque só assim você vai
assegurar que ela nunca saia da sua vida.
Ele estaciona o carro em frente a um estabelecimento com um
letreiro luminoso escrito “The Rabbit”, contudo não desce do carro.
Em vez disso, pega a garrafa e toma dois goles me entregando logo
após e eu faço o mesmo.
— Por sorte eu coloquei dois bebês na barriga dela ao mesmo
tempo — ele diz como se não fosse nada importante.
— Como assim dois bebês? — pergunto atônito, porque se ele
está falando da minha mãe, até onde eu sei eu sou filho único.
— Ah sim, esqueci de te contar. Parabéns, Axel. Você tem um
irmão — revela ele, com falsa animação.
Eu olho para ele consternado, sem entender nada do que ele
está falando.
— Como assim eu tenho um irmão?
— É isso mesmo, garoto, um irmão gêmeo. Superlegal, não é
mesmo?
Toma a garrafa da minha mão, e entorna o gargalo na sua boca,
bebendo todo o líquido restante.
— Acho que você bebeu demais, pai — digo. — Eu não tenho
nenhum irmão gêmeo.
— Tem sim — ele diz assentindo com a cabeça. — Ele se
chama Andrew, Andrew e Axel.
— E onde ele está? — eu pergunto quase gritando, ainda mais
confuso com tudo isso.
— Você está gritando comigo por quê? — pergunta com um
sorriso maléfico em seu rosto.
— Eu não gritei — digo.
— Gritou sim. — Ele estende a mão, batendo no meu rosto. A
pele da minha bochecha arde, mas eu faço de tudo para não vacilar
dessa vez. — Pede desculpas, Axel. — Eu não faço o que ele
mandou, então ele me bate mais uma vez. — Pede desculpas,
porra! — esbraveja.
Mesmo assim eu não peço.
— Decidiu realmente colocar as asinhas de fora, moleque? —
Ele se aproxima de mim, e ao invés de bater na minha cara, ele me
dá um soco bem no meio das pernas, e aperta meus testículos.
Uma dor aguda sobe do meu pé até meu estômago, o ar retesa em
meus pulmões. — Você não vai pedir desculpas? — pergunta num
sussurro.
— Des... des... des... desculpa.
Ele solta meus testículos e pega a outra garrafa de Blue Label
que estava em meu colo. Abre-a e ao invés de beber coloca na
minha boca, me fazendo tomar mais três goles do líquido âmbar.
— Engraçado como eu fiz de tudo para ter uma vida digna, em
compensação ela me deu uma mulher frígida, um filho psicopata e
outro covarde.
— Por que eu nunca soube da existência desse irmão? —
pergunto.
— Você soube, só não se lembra. Isso é só para constar o
covarde que é você, e ao que parece burro também — debocha,
tomando outro gole do whisky. — Vocês eram gêmeos. Segundo os
médicos eram gêmeos bivitelinos, foram fecundados em óvulos
diferentes e essa porra toda, quando vocês nasceram eu vi o quão
diferentes vocês eram um do outro. Você tinha os olhos cinzas,
iguais os da sua mãe, e os dele eram castanhos, iguais aos meus,
no entanto vocês não eram diferentes apenas na aparência, eram
completamente diferentes na personalidade.
“Andrew era eufórico, você era calmo. Ele passava a noite
inteira chorando, e você apenas dormia tranquilo, além de comer
bastante, não é atoa que está desse tamanho hoje.”
Ele ri como se estivesse debochando de mim. Eu não me sinto
constrangido por isso, pelo menos não agora, a única coisa que
toma conta de mim é a curiosidade de saber o que mais ele tem
para falar.
— Então vocês foram crescendo, você continuava calmo e ele
sempre muito agitado. Aquilo começou a me estressar, eu não
dormia direito, eu não trabalhava direito, nem mesmo transava
direito, até que em uma noite, quando vocês dois estavam prestes a
completarem cinco anos, uma coisa aconteceu. Você havia pedido
um lego de presente e Andrew uma bicicleta, sua mãe e eu
compramos e embalamos os presentes, Andrew não gostou da
bicicleta e queria seus legos, sua mãe disse que não, e o
repreendeu. Naquela noite, em algum momento da madrugada,
Andrew se levantou indo até a cozinha, lá ele achou uma faca e
voltou para o quarto que dividia com você, e então ele lhe
esfaqueou em cima do fígado.
As lágrimas começam a invadirem a minha visão, mas eu
continuo prestando atenção nas palavras do meu pai. Ele em
momento algum olhou para mim, apenas para a entrada do
estabelecimento à nossa frente.
— Depois ele caminhou até o nosso quarto e enfiou a mesma
faca contra a barriga da sua mãe. Eu acordei assustado com o grito
agudo de Íris, ela estava coberta de sangue, e o Andrew apenas
sorria em cima dela. De repente a criança de quase cinco anos de
idade, parecia ter se tornado um adulto psicopata de vinte.
Meu pai para e toma outro gole da bebida.
— O que aconteceu com ele? — pergunto, as palavras ardendo
na minha garganta enquanto falo.
— Após chegarmos ao hospital, o conselho tutelar perguntou o
que tinha acontecido, o motivo pelo qual você precisava de uma
cirurgia urgente. Seu fígado estava falhando devido ao
sangramento, e o estômago da sua mãe havia sido rompido devido
ao ferimento com faca, então eu contei tudo o que aconteceu. Eles
decidiram levar o Andrew para uma avaliação psicológica, e eu
concordei. Durante a internação da sua mãe, eu tomei uma decisão
por conta própria, eu iria contar à sua mãe que o garoto também
havia se esfaqueado naquela noite, e diferente de vocês dois, não
resistiu.
— Você... cê... matou ele? — pergunto apreensivo.
— Não — ele nega abruptamente, antes de tomar outro gole da
garrafa. — Eu mandei falsificar alguns documentos de óbito,
funerária e tudo. Eu disse à sua mãe que precisava de uma
assinatura dela, ela estava tão triste com tudo que havia acontecido
que assinou os documentos sem nem mesmo lê-los, na realidade
aqueles documentos eram para abrirmos mão da custódia, nós
entregamos o Andrew para a adoção. Após a avaliação psicológica
dele, a equipe identificou alguns traços de psicopatia nele, e eu não
podia ter um filho psicopata, apenas não podia, por isso eu o levei
até um abrigo e poucas semanas depois uma família decidiu ficar
com ele. Recentemente essa família decidiu me procurar, pois o
garoto foi diagnosticado com transtorno de personalidade
antissocial, e os pais estão preocupados com o fato dele poder ser
genético.
Ele termina rindo, gargalhando de todas as palavras que acaba
de me contar, elas apenas flutuam na minha cabeça. Eu tento
raciocinar todas as informações que ele acaba de me passar, mas é
difícil. Eu deveria lembrar dele, porque eu não lembro?
— Por que eu não tenho nenhuma lembrança dele? — pergunto
no automático.
— Eu te disse que ele era apenas uma fantasia da sua cabeça,
um amigo imaginário, você apenas acreditou. — Toma outro gole da
sua bebida. — Garoto idiota.
— A minha mãe não sabe de nada disso?
— Hoje ela sabe — revela.
— Como?
— Há alguns anos ela decidiu se separar — lembra. — Ela
estava organizando a casa quando viu os documentos da adoção.
Nós brigamos, ela sacou tudo o que eu tinha feito e para ela a única
solução era me denunciar, pedir o divórcio e ir em busca do seu
filho. Eu consegui driblá-la, disse que a família tinha uma ordem de
restrição contra nós. Menti. — Ri irônico. — Isso não importou para
ela, então a convenci a nos mudarmos para a cidade onde o garoto
morava com a nova família.
— Ele mora aqui em Hastings? — pergunto confuso.
— Stone Bay.
Minha cabeça gira ainda mais, porque eu deveria me lembrar
dele, mas não lembro. Eu tento forçar minhas memórias, porém tudo
o que sai da boca do meu pai parece pura mentira, não há
possibilidade alguma disso tudo ser verdade. Ele é louco, ele está
bêbado, e está inventando tudo isso.
— Qual o nome dele?
— Andrew Jones.
Sinto todos os pelos do meu corpo arrepiarem mais uma vez,
ficando em alerta. É muita informação ao mesmo tempo. Até uma
hora atrás eu era filho único, e agora descubro que tenho um irmão
gêmeo, e ele é o Andrew Jones, melhor dizendo Drew, o mesmo
garoto que implica comigo, que me bate e me humilha nos
corredores da escola.
— Drew?! — pergunto retoricamente. — O Drew é meu irmão?
— É, esqueci que de alguma forma vocês se conhecem —
responde, como se tudo que ele acaba de revelar fosse a coisa mais
normal do mundo.
— Quer dizer que o Drew é o meu irmão que quase me matou,
e também quase matou a minha mãe? — Dessa vez meu pai
concorda com a cabeça, confirmando. Minha raiva por Drew
aumenta.
Mesmo entendendo agora que ele é uma criança problemática,
eu sei também que essa psicopatia vem do nosso pai. Ambos são
farinhas do mesmo saco. Ambos machucam os outros, e não se
sentem mal por isso, pelo contrário, sentem conforto. E ainda que
ele tenha uma doença, se isso for realmente uma doença, ele nunca
vai mudar, ele sempre será assim, e tudo que ele faz para me atingir
não é culpa minha, é dele, apenas dele e do meu pai, quem sabe
até do meu avô.
— Por que depois disso tudo, minha mãe ainda assim continua
com você? — pergunto com nojo. — Você escondeu um filho dela
afirmando que ele havia morrido, e ainda bate nela constantemente,
por que ela aceita isso de você?
— Lembra que eu disse a pouco que temos que colocar um
bebê na barriga da mulher? — Eu não respondo, apesar disso ele
continua. — Às vezes isso não é o bastante, às vezes você tem que
dizer que ela vai perder a guarda do outro filho, porque graças a ela
uma faca estava ao alcance de uma criança, que em um acidente
feriu o irmão e a própria mãe. Ela vai ficar com medo de perder a
outra criança, e ela continuará com você até o dia em que ela
morrer.
— Você é um nojento. — Cuspo na cara dele.
Ele não retruca, ele não me bate, ele apenas ri e concorda.
— Agora sai desse carro, garoto. Está na hora de você virar
homem. — Seu tom de repente torna-se sério e duro, até mesmo
raivoso, como ele sempre é.
— Você vai se livrar de mim também? — eu rebato.
A risada volta outra vez, fazendo com que o gosto da bile suba
pela minha garganta.
— Nojo, eu tenho nojo de você — esbravejo.
Atualmente

Naquela noite eu também perdi a minha virgindade, fui obrigado


a perdê-la. O meu pai perdeu todo o seu controle e me obrigou a
fazer aquilo, no entanto essa história deve ficar para outro dia, ou
talvez nunca. Não é algo que quero que Heaven escute, não agora
depois dessa bomba que acabo de jogar em cima dela.
Heaven me olha com os olhos cheios de consternação e me
puxa para um abraço, eu retribuo o abraço e choro em seu colo,
expulsando toda a angústia que senti por tanto tempo.
Essa é você, esse sou eu, isso é tudo que precisamos
É verdade? Minha fé está abalada, mas eu ainda acredito
Essa é você, esse sou eu, isso é tudo que precisamos
HOLD ME WHILE YOU WAIT | LEWIS CAPALDI

Quatro semanas!
Isso mesmo, hoje faz trinta dias desde que eu acordei, e muitas
coisas aconteceram nessas últimas semanas, como por exemplo:
pesadelos noturnos.
Eu os tive na minha primeira noite após eu ter acordado do
coma, e eles continuaram voltando nos outros dias, ou então eu
acordava com fragmentos de lembranças da noite em que Drew me
atacara. Foi somente depois da quinta noite em que eu tive o
mesmo sonho, que eu reuni coragem para contar à Rayna sobre.
Segundo ela, os sonhos são indícios de TEPT, ou seja,
transtorno de estresse pós-traumático. Ela me indicou começar as
chamadas Terapia Ocupacional e Cognitiva-Comportamental, as
quais já realizei três sessões. Ambas têm realmente me ajudado, os
sonhos que costumava ter todas as noites, agora são ocasionais, o
medo e ansiedade que sentia todas as vezes que a porta do quarto
era aberta, também têm passado. Não sei se porque já conheço os
passos de todos os profissionais que têm cuidado de mim, ou
porque realmente não houve sinal algum do Drew nas últimas
semanas.
Mesmo minha família e amigos não querendo que eu saiba das
novidades sobre as buscas, eu ainda escuto os sussurros deles. Eu
sei que o Axel está pagando um detetive, eu sei que a polícia não
está levando o caso muito a sério, e sei também que a Sadie deu
um novo testemunho dizendo que esteve com Drew logo após o
acontecido, mas que não sabia nada sobre o real paradeiro dele.
Essa parte, na realidade, não foi um cochicho, foi a própria que me
contou quando entrou no meu quarto, dois dias após Axel tê-la
salvado de um afogamento, pedindo perdão pelo que havia feito.
Sadie parece estar realmente abalada com tudo isso, por mais que
ela tenha se fechado e quase se transformado em uma outra
pessoa, é notório que ela não está bem.
Ainda naquele dia o Grey finalmente me deu meu presente de
Natal, algo que me deixou realmente feliz. Ele conseguiu subornar a
segurança do hospital, os enfermeiros e médicos plantonistas e
trouxe três pizzas para o meu quarto. Ah, ele conseguiu driblar
minha mãe também, como eu realmente não sei... mesmo
desconfiando que ele possa ter tido ajuda do meu pai e do tio
Marlon.
Como prometido, Grey, Kane, Elliot, Wes e Allie continuaram
me fazendo visitas, até mesmo a Sadie passou a aparecer, porém
ela prefere fazer isso quando o Wes não está por aqui. Eles dois se
estranham desde o dia em que descobri a traição de Sadie e Drew,
ele insiste que eu não devo me aproximar dela.
Em partes, o Wes pode até ter razão, mas no fundo eu sempre
acreditei que todos nós somos como copos de vidros diferentes, por
isso quando se quebram nunca a quantidade de cacos é a mesma
ou do mesmo tamanho, todos se quebram de maneiras diferentes,
por razões diferentes. Eu estou quebrada porque alguém me
quebrou duas vezes, contudo eu tenho pessoas ao meu lado que
me apoiam. A Sadie também está quebrada, talvez ela sempre
esteve, apenas ninguém nunca a notou dessa forma antes, só que
eu tenho notado, e eu não vou simplesmente abandoná-la em um
momento que eu sei que ela precisa de mim, e muito provavelmente
eu dela.
Nesse meio tempo em que eu tenho estado no hospital, além de
refletir muito sobre minha vida, e as pessoas ao redor dela, eu
também acabei fazendo novas amizades, como a Promise que está
com vinte e sete anos e no seu segundo ano de Residência Médica.
Ela fez parte do programa especial de Medicina na Stout, onde a
formação acadêmica é validada em seis anos na área, ao invés de
oito como de costume, o mesmo é tão concorrido em todo o país
que para entrar é necessário ser recomendado.
No caso de Promise, a sua recomendação veio de Olivia, que é
sua irmã mais velha e também se formou dessa mesma forma, isso
explica a juventude de ambas. Todas as vezes em que Promise
entra no meu quarto conversamos horrores sobre Medicina, ela
sempre diz que eu posso ser uma ótima atriz, mas segundo o sexto
sentido dela eu nasci para ser médica. Eu acredito que na realidade
ela apenas diz isso pelo fato de conversarmos sobre inúmeros fatos
científicos quando estamos juntas.
Promise foi realmente um achado em minha vida, e todos os
seus conhecimentos também, por isso eu considero a amizade que
estamos criando como uma coisa boa depois de todo o horror que
passei.
Dentre todos os acontecimentos nesses últimos dias em que
estive neste hospital, nenhum me deixou mais abalada do que saber
a verdade sobre a ligação entre Axel e Drew, nem mesmo os
pesadelos que tive foram capazes de competirem com esse choque.
A possibilidade dos dois serem irmãos nunca passou pela minha
cabeça antes, mesmo os dois tendo um porte físico parecido, quase
a mesma cor de cabelo, as mandíbulas incrivelmente quadradas, e
até mesmo a data de aniversário, nada disso foi capaz de fazer com
que eu ligasse os pontos entre os dois.
E mesmo hoje, depois de tantos dias após a descoberta, ainda
é um tanto quanto inacreditável para mim.
“Já passou mais de uma hora que eu e Axel estamos
abraçados, ambos chorando. Ele por reviver as memórias
esquecidas no fundo da sua mente, e eu por sentir a dor de um
garoto de treze anos ao descobrir as barbaridades que o pai fez.
Lembro do momento em que disse à Rayna que de alguma
forma culpava meus pais por ter crescido sozinha, quando na
realidade mesmo longe a maior parte do tempo, eles me davam
amor. Axel teve que viver a tempestade que era o seu pai, os
abusos, os gritos, as vezes que machucou Íris, e ela por sua vez,
aceitava viver daquela forma por medo de perder mais um filho, já
que o outro, o marido havia literalmente descartado.
E então eu imagino os traumas que todos eles passaram. Íris
com as ameaças psicológicas e agressões físicas, Axel com o medo
constante do seu pai e seu refúgio na comida, e mesmo com uma
partezinha de mim, por mais que eu não queira, sente uma pequena
empatia por Drew. Ele era uma criança, ele não tinha noção dos
seus atos, e ele simplesmente foi jogado fora por isso, como uma
caixa de pizza. Além de que anos depois foi descoberto que ele é
doente, que ele tem um transtorno, uma condição.
Não que essa psicopatia dele seja motivo para perdoar todos os
seus atos, porque não é, para o que ele fez não há perdão,
entretanto há uma explicação por trás de toda a ira, a raiva, a
instabilidade emocional, e muitas vezes a indiferença, a apatia
diante de várias situações. Se em algum momento ele tivesse sido
acolhido por sua família, talvez mesmo com a sua condição ele
poderia ter se tornado alguém diferente, no final das contas.
Não digo que automaticamente ele seria um homem bom, só
diferente. Apesar de que uma vez eu tenha lido que os psicopatas
desde crianças já mostram traços do que eles são, eles gostam de
jogarem as pessoas umas contra as outras, eles são agressivos, e
sentem-se bem ao ver o sofrimento do próximo. Eles têm a
capacidade de manipulação tão bem articulada que na maior parte
das vezes nem mesmo quem vive ao redor deles consegue
perceber que está sendo manipulado, prova disso é o que ele fez
comigo, com a Sadie, e sabe Deus lá com quem mais.
Axel levanta a cabeça, e me olha diretamente nos olhos.
— O que você pretende fazer agora? — pergunta ele,
cauteloso.
Seu rosto está repleto de machucados, contudo nada se
compara à dor que há dentro de seus olhos.
— Como assim o que pretendo fazer?! — pergunto retórica e
ele abaixa a cabeça como se sentisse culpa de alguma coisa, e
imediatamente eu entendo o motivo de ele ter se aberto comigo, e
também o porquê de estar fazendo essa pergunta. — Axel... Olha
para mim — o chamo e ele me olha. — Você não acha que tem
culpa de algo, ou que por algum motivo eu vou pôr a culpa em você
por qualquer coisa que tenha acontecido, acha?
Ele desvia o olhar para o teto parecendo pensar no assunto, e
quando volta a me olhar, limpa a lágrima solitária que estava
repousando em seu rosto.
— Nós somos irmãos, Heaven. Temos o mesmo pai, o mesmo
sangue... Se é que você me entende.
Eu assinto com a cabeça.
— Sim, eu entendo, eu entendo claramente. Você está
querendo me dizer que o que ambos têm você também pode ter, já
que muitas vezes é algo hereditário.
— Sim — responde consternado. — Meu avô muito
provavelmente tinha, meu pai eu não preciso pensar duas vezes
para ter certeza de que ele é um psicopata nato, e o Drew... você
sabe.
— Você já fez algum exame, consulta ou algo assim?
Ele aquiesce.
— Depois que ele me contou, eu reuni forças e confrontei minha
mãe sobre todo esse assunto. Ele decidiu retornar à Stone Bay,
naquela época eu já estava com raiva, muita raiva, meu pai me
disse que Drew havia acabado de ser diagnosticado, então quando
retornamos à cidade minha mãe me levou a vários médicos,
psicólogos, psiquiatras, neurologistas. Eu tinha raiva, eu tinha muita
raiva... — ele se cala para que possa respirar fundo. — Eu também
explodi com você, fui instável, impulsivo... Mas eu me arrependia, e
me arrependo profundamente até hoje daqueles dias em que lhe
destratei.
— É passado, Axel. Nós já conversamos sobre isso, aquele foi
um dos nossos cinco piores momentos dentro de cem mil
maravilhosos que tivemos, eu nunca esquentei com isso —
tranquilizo-o.
— É passado... — Ele se levanta, ficando de costas para mim
enquanto respira fundo. — Só que é um passado que ainda mexe
comigo, tudo aquilo me atormenta. Por mais que eu tente esquecer,
a vida em si sempre vem e me mostra mais uma vez que eu nunca
serei capaz de apagar coisas ruins como aquelas, e é vergonhoso.
Ele fala todas essas palavras virado de costas para mim, como
se não aguentasse me olhar enquanto disserta.
— Axel Drake Davenport — o chamo pelo nome completo, e
isso o faz virar imediatamente. — Você não precisa sentir vergonha
de algo que não é sua culpa.
— Eu sei... — Senta-se novamente na cama. — Mesmo
sabendo que não tenho essa culpa, eu sinto vergonha. Talvez se eu
tivesse me aberto com você durante aqueles dias em que fiquei
aqui, quem sabe você nunca teria se aproximado do Drew e ele
nunca teria feito o que fez. Ou se o filho da puta do meu pai nunca
tivesse o entregado para a adoção, ou minha mãe não tivesse tanto
medo dele, quem sabe também ele nunca teria chegado...
Interrompo-o nesse exato instante.
— Axel, não se atreva a dizer o que você está prestes a dizer
agora. Eu sei que você vai falar que se nunca tivéssemos nos
conhecido, talvez eu estaria a salvo dele, ou sei lá o que. Lindo, a
vida é feita de inúmeros “talvez”, e foi exatamente esse talvez que
fez nós dois nos unirmos, mesmo que de uma forma torta, triste ou
trágica. Estamos juntos, eu sofro com você e você comigo, é assim
que deve ser. Eu sei que sou sua força, hoje eu entendo isso, da
mesma forma como você é a minha.
— E quando eu fizer você sofrer? O que vai ser de nós?
— Por que você me faria sofrer, Axel?
— É exatamente nesse ponto que eu estou querendo chegar,
Heaven. — Ele respira fundo. —Depois daquele dia em que eu te
xinguei, quando eu cheguei em casa meu pai estava entregando
papéis à minha mãe, onde dizia que o juiz concedia a minha tutela à
ele, por esse motivo minha mãe voltou para ele, e aquilo me fez ter
outro ataque de raiva. Assim que voltamos à Hastings, minha mãe
recebeu o laudo concreto de todas as consultas que fiz e
descobrimos que eu tenho os mesmos genes do meu pai, fracos,
mas tenho... Então me fala, e se em algum momento eu te fizer
sofrer assim como o Drew fez?!
Eu penso enquanto ele fala, então revelo:
— A diferença entre você e o Drew é gritante, Axel. Ele age
apenas por impulso, deixando a raiva o dominar, assim como
provavelmente seu pai fazia, já você... Você se questiona sobre
tudo, agora mesmo você está se questionando se em algum
momento você irá agir dessa forma, quando na realidade você
nunca o fez.
— Eu já fiz...
— Me chamar de vadia aos treze anos ao descobrir que eu
beijei o seu irmão que te maltratava, não quer dizer que algum dia
você vai agir igualzinho a ele.
— E durante o tempo em que eu cheguei aqui? Por que naquele
instante eu te odiava.
— Sim — concordo. — Você me odiava, ou pensava que
odiava, mesmo assim não me fez mal algum. Apenas tentou abrir
meus olhos, de uma maneira torta, mas tentou.
— E quando eu te tirei do ringue, na luta... Eu claramente
estava prestes a ter um ataque.
— Mas não teve.
— Certo, Heaven, não tive. Só que se em um futuro próximo eu
me descontrolar?
— Jesus — clamo, olhando para cima. — Não me faça chamar
seu nome completo outra vez, Axel. Você está vivendo à base de
hipóteses, em uma coisa que é incerta, e acredite em mim, se você
agir de alguma forma agressiva, nós dois vamos saber.
— Tudo é uma grande incerteza até o momento que vivemos,
Heaven. Eu não quero te machucar.
— Você não vai me machucar — garanto a ele.
— Eu não sei, você não sabe.
— Me dá meu celular, por favor — peço a ele, que não entende
o meu pedido, mesmo assim o faz.
Quando o celular está na minha mão, envio uma mensagem
para Kane, que por sorte está no corredor do hospital, e mesmo se
não estivesse eu iria esperar ele chegar para retrucar Axel. Depois
de trocar cerca de cinco mensagens com Kane, que não entende o
motivo de eu estar fazendo esse pedido, ele entra no quarto pedindo
licença, para na frente de Axel e diz:
— Desculpa, cara. Foi ela quem implorou para eu fazer isso,
então por favor, não desconta em mim — dito isso, Kane ergue o
punho e soca a barriga de Axel.
Axel olha para ele atônito enquanto cruza os braços junto à
barriga, gemendo de dor.
— Que merda foi essa, Kane? — sibila, ainda se contorcendo
com a dor do soco.
Kane, por sua vez, dá de ombros e se defende:
— Ela disse que tinha um ponto para fazer isso, e eu só fiz.
— Fico agradecida, Kane. Agora pode sair.
Assim que Kane sai do quarto, Axel me olha ainda mais
confuso, e eu explico a ele:
— Se por um acaso você gritar comigo em algum momento, é
isso que eu vou fazer com você. Se você for violento comigo, eu vou
ligar para o meu pai e ele vai pegar o 38 dele no cofre e estourar
sua cabeça. Acredite você ou não, a partir do momento em que
você for um por cento do que o Drew um dia foi, eu caio fora, Axel.
Se você não acredita que será assim, é melhor terminarmos o que
temos agora. Em algum período do dia de hoje enquanto você
sumiu, muito antes de você me confessar tudo o que confessou, eu
pensei se eu não tinha me jogado em um novo relacionamento cedo
demais, entretanto o meu primeiro pensamento assim que o vi
entrando nesse quarto com o seu rosto todo ferido, e sua alma
completamente massacrada, foi dizer a mim mesma que não, não
era cedo demais pois você é a pessoa que me traz forças, que me
ensina todos os dias a dar valor à mulher que eu tenho me tornado.
Você me traz a certeza, porém se em algum momento você duvida
de si próprio ou de nós dois, não vejo razão para estarmos juntos.”
Depois desse meu monólogo naquele dia, Axel me beijou,
declarando o quanto me amava. Eu poderia dizer que vivemos
felizes para sempre... contudo aquilo só durou meia hora, já que na
hora seguinte eu tive que começar a me levantar da cama, seguida
de Promise e minha mãe, que acabou se tornando a minha
fisioterapeuta particular. Aquele esforço me deu uma dor de cabeça
dos infernos.
O que não acontece mais há uma semana, e hoje finalmente é
o dia que recebi alta para ir para casa, conforme todos os médicos.
Após essas longas semanas e o esforço árduo que fiz em prol da
minha recuperação, estou finalmente liberada.
Estou ansiosa, com medo do que vou encontrar ao chegar em
casa, Rayna disse que eu posso ter alguma crise de pânico, por isso
ela conversou com meus pais sobre o que iremos fazer caso isso
aconteça. Meu pai quis de imediato comprar uma casa nova no
momento em que ela o alertou sobre essa possibilidade, em
contrapartida, eu lhe disse que não era necessário. Se teve algo que
eu aprendi sobre TEPT nesses últimos dias — não bastando as
sessões de terapias, também estou viciada em ler sobre —, é que
preciso enfrentar meus medos para conseguir superá-los, e que
meu processo de cura é gradual, assim como os passos de um
bebê, até mesmo reforcei à ele as falas da minha mãe no episódio
do bacon.
Sim, estou ansiosa, porém eu tenho pessoas que me amam ao
meu lado. As aulas voltaram há três semanas, antes de elas
voltarem aconteceu o jogo da semifinal do time dos meninos, Axel
foi o único que não compareceu ao jogo, alegando que estava
doente. Kane fez questão de fazer um touchdown e dedicá-lo a mim,
o que me surpreendeu de verdade, uma vez que ele morre de
ciúmes de mim, e o Axel deixou de jogar para estar comigo no
hospital. Já a final foi remarcada para acontecer essa semana.
— De todos os pacientes, eu acho que a pessoa que eu vou
sentir mais falta será você — declara Promise ao me ajudar a fechar
minha mala.
— Se você realmente gostou tanto assim de mim, você irá
responder todas as mensagens que irei te mandar quando eu
estiver com dúvidas sobre qualquer doença. — Sim, eu também me
tornei a pessoa que dá um Google sempre que sente uma dor de
cabeça para saber do que se trata, no final acabo tirando todas as
minhas dúvidas com Promise, lhe enviando alguma mensagem.
Ela sorri para mim, e solenemente declara:
— Querida, desde que você não venha bancar a hipocondríaca
para cima de mim, eu farei questão de responder todas as suas
mensagens. — Ela então para, coloca as mãos para trás e começa
a trocar o peso do corpo com os pés, indo para frente e para trás.
De alguma forma, eu já sei que quando ela faz isso é porque ela
está receosa em falar algo, então ela morde o lábio inferior, e depois
solta o que está preso em sua garganta, como faz agora. — Ainda
acho que você deveria começar a tirar essas dúvidas por si só,
estudando Medicina.
— Você não cansa, não é mesmo?! — brinco com ela, e ela
puxa minha orelha em resposta.
— Não, não canso — declara. — A minha proposta ainda está
de pé, basta uma ligação minha e da Olivia, e você entra para o
programa da Stout. Eu estou te dizendo, Heaven, você ama a
Medicina, só não descobriu isso ainda.
— Você já parou para pensar que talvez eu seja só uma pessoa
curiosa demais? — pontuo. — O Axel costuma dizer que eu sou
metida, e quem sabe por isso eu te pergunte tantas coisas.
— Ah meu amor, não se preocupe. Se tem uma coisa que você
realmente é, é metida — debocha.
— Eeeei! — Puxo a orelha dela, e depois faço uma careta como
se em algum momento ela tivesse me ofendido.
Promise faz uma carinha triste, e me puxa para um abraço ao
qual eu retribuo.
— Eu realmente, de verdade, vou sentir sua falta, Heaven.
Então, por favor, me escreva, mesmo se não sentir dor alguma,
manda foto sua comendo ou um meme engraçado, só não me
esquece, por favor.
— Eu não vou esquecer — garanto a ela.
— Promete?!
— Eu vou falar a coisa mais estranha da vida agora, mas eu
prometo, Promise.
— Você falar isso seria a mesma coisa que eu dizer “chegamos
ao paraíso, Heaven”. — Ela se solta do abraço e faz aspas com as
mãos.
Dito isso, a porta do quarto é aberta e minha mãe entra,
cautelosa.
— Pronta?!
Eu sorrio para ela em resposta e dou de ombros quando digo:
— É agora ou agora.
Promise me abraça mais uma vez, e saindo do quarto me
despeço de todos que cuidaram de mim, agradecendo-os pela
paciência que tiveram comigo nesses dias. Desde a equipe de
enfermeiros até a moça que trazia minhas refeições.
Sinto que não é a última vez que os verei, não por algo ruim, e
sim algo bom que irá acontecer futuramente.
Então eu não me despeço com um adeus, e sim com um “nos
vemos em breve”.
Porque eles dizem que lar é onde seu coração está gravado
É onde você vai quando está sozinho
É onde você vai descansar seus ossos
Não é apenas onde você deita sua cabeça
Não é apenas onde você arruma sua cama
Contato que estejamos juntos, importa pra onde iremos?
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Um arrepio intenso desce por minha coluna, fazendo com que


todos os pelos do meu corpo se ericem, minha boca enche-se de
água no momento em que sinto o gosto amargo da bile subir.
Basicamente o meu corpo está me dando sinais de que eu não
estou nem um pouco pronta para entrar na minha casa outra vez,
nada está acontecendo da forma tranquila como eu imaginava que
seria.
Subo o primeiro degrau da escada do pórtico, sentindo minhas
pernas vacilarem, como se as sessões de fisioterapia não tivessem
valido nada, meu pé direito se acomoda no segundo degrau
enquanto meu estômago se contorce em enjoo, terceiro e último
degrau, minha visão vai se tornando turva, eu tento respirar fundo
para conseguir trazer todo o ar que meu peito perdeu naquela noite.
“É a sua casa, Heaven. Ele tomou a sua liberdade por tanto
tempo, a sua vida, a sua alegria, ele não pode também te tirar da
sua casa”, penso.
Fecho meus olhos com força, balançando a cabeça. Aqui pode
ser o local onde eu sofri, onde eu chorei e passei os piores
segundos da minha vida, mas também é a casa onde eu cresci, o
local de onde vem oitenta por cento de todos os meus melhores
momentos, e eu não posso simplesmente definir toda a minha vida
por um momento de dor.
Quando meu pai abre a porta, minha mãe abraça a lateral do
meu corpo como se estivesse se preparando para minha queda a
qualquer momento, dou o primeiro passo entrando em casa.
Uma mão pousa no meu ombro, de canto de olho noto que é o
Wes, que fez questão, assim como Allie, de estar aqui hoje, atrás de
mim também está o Axel. Os flashes da noite do acidente passam
na minha cabeça assim que fito a parede à minha frente. É a
mesma que Drew me pressionou contra e depois socou,
estilhaçando parte da madeira que agora está consertada e pintada
de outra cor.
Dou um leve suspiro acompanhado de outro passo, adentrando
mais ainda ao vestíbulo da casa que antecede a sala de estar e as
escadas. Olho para o chão vendo que não foi apenas a cor da
parede que mudou ali, o piso também foi trocado. O chão que antes
era de madeira agora é um piso de...
— Carvalho preto?! — pergunto, mirando o meu pai, que está
um pouco mais à frente.
Sua única resposta é um sorriso de canto fraco, seguido de um
dar de ombros. Minha mãe, por sua vez, prefere quebrar o clima
pesado pré-crise de ansiedade ou pânico que pode acontecer a
qualquer momento.
— Sempre sonhei em ter um piso de carvalho preto, então, por
que não?! — Ela tenta suavizar a voz brincando com a situação,
mas sei que está tão nervosa quanto o restante.
— Por que o piso de carvalho preto não combina nada com a
ilha de mármore da cozinha?! — Tento entrar no clima.
— Ah meu amor, é porque você ainda não viu a ilha de ônix que
foi instalada — quem fala é Wes, que toma a frente.
Meu amigo pega minha mão e me puxa, andamos a caminho da
cozinha da minha casa, mal consigo pensar direito quando
passamos feito furacões pela sala. Chegando à cozinha, paramos
de frente para a nova ilha instalada ali juntamente com banquetas
na cor preta, que ornam perfeitamente com os novos armários
cinzas e os novos eletrodomésticos em inox, de imediato eu fico
encantada com tudo ali.
Coloco a mão na boca para impedir que qualquer mosca ou
algo do tipo entre nela, pois está tão aberta que quase chega ao
chão. Wes passa as mãos pela ilha, e em seguida se vira para mim
como se ele fosse o dono do local, ele levanta a sobrancelha e abre
um sorriso enorme.
— Então, querida, o que achou? — pergunta ele.
— Eu acho que meu pai gastou horrores nisso tudo — comento
ainda chocada. — Está tudo tão perfeito. — Me encosto na nova
ilha e passo as mãos por ela, assim como Wes fizera há segundos.
— Perfeita, não?! Eu ajudei a Reese a escolher tudo, desde as
cores aos formatos, e eu simplesmente amei — diz Wes todo
animado. — Quem sabe, se a carreira de ator não der certo, eu
possa me tornar um grande design de interiores de sucesso —
sugere, levantando as sobrancelhas duas vezes.
Coloco uma mão em seu ombro, e caminho até a nossa nova
geladeira.
— Eu não tenho dúvida alguma que você vai ter sucesso em
qualquer coisa que decida fazer — digo abrindo a geladeira e
pegando uma garrafa de água lá dentro.
Vou até os armários e pego um copo, no momento em que me
viro, estão parados na soleira da porta da cozinha, meus pais, Allie
e Axel, os quatro me olham apreensivos, e eu entendo exatamente
o motivo. Durante todo o caminho para casa eu vinha mordendo
meu lábio inferior, e eu só faço isso quando estou apreensiva com
algo, e foi a primeira vez que isso aconteceu desde o “acidente”.
Estou preferindo me referir ao acontecido como acidente, invés
de ataque, de alguma forma chamar dessa maneira me traz mais
conforto, principalmente quando passo a mão por trás da cabeça e
sinto os cabelos aparados ali. Bem que minha mãe disse que ao
soltarmos o cabelo não dá para perceber que aquela parte fora
raspada, contudo é bastante perceptível ao toque.
— Preciso me preocupar com a minha poupança da faculdade
depois dessa grande reforma em menos de um mês? — comento
antes de tomar um gole de água.
— Sua poupança está intacta, já a da nossa viagem de vinte
anos de casamento não podemos dizer o mesmo. — Minha mãe faz
um biquinho triste se aproximando de mim.
— O quê? Por quê?! — pergunto chocada. — Sério, vocês não
precisavam ter feito isso. Aliás, não deviam ter feito isso — informo-
os. — Eu estou bem, e mesmo se não estivesse, eu sei que teria as
melhores pessoas ao meu lado para me ajudar a superar — digo
olhando para os cinco presentes no local.
Minha mãe fica ao meu lado, e passa as mãos pelo meu rosto.
— Só Deus sabe quão grata eu sou por ter uma filha tão forte e
resiliente, eu estou surtando por dentro enquanto você está
preocupada com o dinheiro que gastamos na reforma. — Ela coloca
uma mão no meu coração. — Usamos apenas o dinheiro de uma
viagem que faríamos, e mesmo se fosse preciso eu roubar para
trazer qualquer conforto para você, ainda não seria suficiente,
Heaven.
Uma lágrima solitária escorre pelo meu rosto com as palavras
ditas pela minha mãe, e eu a limpo rapidamente.
— Vocês têm que parar de me fazerem chorar, eu não aguento
mais isso. — Olho para cima, tentando controlar o restante das
lágrimas que ameaçam descer a qualquer momento. Voltando meu
rosto para frente, abraço minha mãe e sussurro em seu ouvido. —
Bem material algum vale a nossa união, mãe.
Quando nos desfazemos do abraço, encontro meu pai ao nosso
lado, ele beija o canto da minha cabeça e abraça nós duas.
— É bom ter você em casa — ele diz.
— É bom estar em casa, e minha casa são vocês — declaro me
desfazendo do abraço a três e pego as mãos dos meus pais.
Dessa vez uma lágrima desce pelo rosto do meu pai, fazendo-o
suspirar.
— Quem não aguenta mais chorar sou eu — diz ele insatisfeito.
— E depois quem chora por tudo sou eu — declara Allison
cortando o clima entre meus pais e eu.
Nós rimos dela, que automaticamente enrubesce suas
bochechas. Allison se oferece para fazer brownie e Wes diz que irá
ajudá-la, o que significa que ele vai reclamar de todo o processo da
receita dela. Minha mãe informa que irá preparar o almoço e meu
pai vai até o escritório que ele mantém em casa para atender uma
ligação.
Meu celular desperta, indicando que está na hora dos meus
remédios. Continuo fazendo o uso de ansiolítico, acredito que além
da situação ter sido amenizada pelos meus pais e amigos, os
remédios também me ajudaram a não surtar com isso. Mesmo
assim, quero me livrar deles o quanto antes, principalmente pelo
fato de que eu ainda estou me adaptando a eles, então os mesmos
têm me deixado sonolenta e muitas vezes indisposta.
Quando comentei isso com Allie, ela automaticamente me
repreendeu dizendo que eu tenho que tomá-los enquanto for
necessário, me julgando por querer parar com eles devido à
redução do apetite sexual que eles causam. Não que eu queira
resolver meus problemas com sexo, porque nada se resolve com
isso, só que eu não vou ser uma mentirosa e dizer que não sinto
falta do corpo de Axel. Quando estamos juntos não é apenas uma
questão carnal, como sempre foi antes com o...
Argh! Por que eu tenho que lembrar dele?!
Solto uma lufada de ar com raiva assim que engulo duas
pílulas, sendo uma o ansiolítico e a outra um anticoagulante o qual
tenho que tomar por um tempo ainda devido à cirurgia do cérebro,
isso faz minha raiva aumentar ainda mais. Fecho os olhos e respiro
fundo outra vez, a fim de acalmar meus nervos.
Conto de um até cinco inspirando o ar, deixo que ele reter em
meu peito por mais cinco segundos, depois solto o mesmo
lentamente por sete segundos. Repito o processo por mais duas
vezes, até sentir um corpo alto e forte me abraçar por trás, e beijar o
topo da minha cabeça. Tão logo inspiro fundo pela última vez,
finalmente sentindo todo o meu corpo tranquilo, sinto seu cheiro
conhecido e reconfortante, trazendo de volta a paz para minha
mente.
— O que essa cabecinha linda está pensando para respirar
assim? — Axel pergunta.
Me viro para ele encarando seu cenho franzido, e passo as
mãos por seu pescoço entrelaçando-as próximas à sua nuca.
— Que eu vou me tornar uma frígida durante o tempo em que
estiver tomando todos esses remédios.
Axel ergue a cabeça soltando uma risada gostosa por entre
seus lábios, quando ele volta o seu olhar de encontro ao meu, a
preocupação que havia antes em seus olhos foi tomada por pura
diversão. Ele tira uma de suas mãos da minha cintura, levando-a até
meu cabelo onde passa uma mecha para trás da minha orelha e
beija minha testa, ao anunciar:
— Linda, tenha certeza que é impossível você ser uma frígida.
— Como você pode ter tanta certeza disso? — pergunto.
— Porque você é uma safada — Axel diz no momento em que
minha mãe abre a porta da geladeira, bem ao nosso lado.
Isso faz com que ela dê um belo soco no seu ombro, Axel fecha
os olhos em dor e sibila algum palavrão.
— Respeita a minha filha, idiota — minha mãe o repreende com
um olhar maldoso.
— Mãe — chamo-a, levantando uma sobrancelha. — Ele tem
razão, eu sou a puta de uma safada — digo.
Reese abre a boca em um grande O, enquanto Axel finalmente
abre os olhos encarando-a com uma expressão de “eu disse”.
— Sua filha é realmente uma puta — comenta Wes ao nosso
lado.
— Só fala obscenidade — completa Allie.
— Weston... — Axel repreende-o.
— Allison. — Fuzilo a loira com os olhos.
— Não me chama de Weston — Wes sibila com raiva,
apontando uma faca na direção de Axel.
— Weston... — todos nós o chamamos. Inclusive minha própria
mãe, que estava chocada há pouco, entra na brincadeira.
Wes solta um grito fino com raiva, porque ele realmente odeia
ser chamado de Weston.
— Esse nome é muito hétero — diz ele em um bufo. — Anda
logo, gnomo de jardim. Faz logo esse brownie.
Meus amigos voltam a fazerem o doce, e minha mãe finalmente
fecha a geladeira, pegando os legumes que estava procurando.
Como Axel e eu somos os únicos sobrando no local, decido
puxá-lo para irmos ao meu quarto. Passamos pelas portas
francesas que dividem a cozinha da sala, e no momento em que
chegamos ao primeiro degrau da escada, meus passos enrijessem.
Passa um filme na minha cabeça, exatamente o momento em que
eu corria para o andar de cima, mas fui puxada tão violentamente
que caí no chão.
Sinto uma dor forte na parte dorsal da minha cabeça, e decido
olhar para trás. Axel está no meu campo de visão, no entanto não é
ele que eu vejo, o que eu enxergo é o meu corpo estirado no chão,
pálido, quase sem vida, então uma poça de sangue começa a se
formar no chão, e todos os meus pelos arrepiam em alerta.
— Heaven — a voz de Axel me chama, porém a única coisa
que ainda vejo é o corpo no chão entre o sofá e a escada.
A imagem escura aos poucos vai clareando, o que é noite vira
dia, o corpo desacordado some, mais ao fundo a tevê liga. Está
passando as partes finais do live action de A Bela e A Fera, a voz de
Axel me chama novamente, contudo não é a voz grave, profunda e
imponente que ele tem hoje, e sim uma voz tímida, quase sem som,
mas que é suficiente para chamar minha atenção.
Quer dizer, não a minha atenção, e sim a do meu eu de quase
seis anos atrás.
“— Heaven — o garoto chama apreensivo, com as mãos nos
bolsos da sua bermuda cargo.
— Sim? — Meu eu de doze anos se vira para ele, com um
pouco de ânsia em seus olhos.
— Eu também te amo — ele declara, suas bochechas tomam
um tom vermelho.
A Heaven mais nova sorri para o Axel mais novo,
completamente tímida e sem graça, envergonhada pelo momento, e
também eufórica por ter escutado aquelas palavras. Ela o puxa para
um abraço, o qual ele retribui, quando seus corpos se separam, a
garota passa os dedos pelos cabelos do garoto, penteando-o para
trás, e em seguida estende o dedo mindinho para ele.
— Promete me amar para sempre? — ela pergunta.
Ele pega o dedo estendido à sua frente com o seu mindinho.
— Prometo te amar para sempre — responde sem hesitar por
nenhum segundo.
Ela aperta ainda mais os dedos.
— Eu também prometo te amar para sempre.”
— Heaven! — Axel me tira do transe.
Eu olho para ele atônita, todavia um sorriso se forma em meus
lábios. Dessa vez, o medo foi tomado pelo mais puro e sincero
alívio. Talvez o meu sorriso diga a Axel que eu estou ficando louca,
porque ele me olha com o cenho franzido claramente ainda
preocupado comigo. A única coisa que eu faço é levantar minha
mão, e passar os dedos por entre seu cabelo loiro escuro.
— Você está bem? — pergunta ele, com receio.
— Sim — respondo apenas.
Estendo meu dedo mindinho entre nossos corpos, e declaro:
— Na ocasião em que eu declarei te amar para sempre há anos
atrás, eu falei sério, eu nunca deixei de te amar, a diferença é que
hoje eu te amo bem mais do que amei aos doze anos de idade. Por
esse motivo eu renovo minha promessa, dizendo que eu prometo te
amar para além de todo o sempre.
Os olhos de Axel brilham, um sorriso lindo se abre em seus
lábios. Ele também estende seu dedo mindinho e pega o meu,
selando a nossa promessa um ao outro, como foi há anos atrás, e
como será para sempre.
— Eu nunca deixei de te amar, Heaven. E prometo te amar para
além de todo o sempre.
Eu sorrio para Axel que apenas retribui, uma gratidão extrema é
sentida nos meus batimentos cardíacos, porque passar na minha
mente o momento mais trágico da minha vida, seguido por um dos
mais lindos, só serviu para que eu pudesse ver com meus próprios
olhos que eu jamais vou deixar que os momentos ruins definam o
rumo que minha vida deve tomar. Ao invés disso, eu vou erguer
minha cabeça e passar por cima deles com um trator, superando-os,
e mostrando que eu estou aqui para vencer, que eu sou uma
sobrevivente, que eu não vim para esse mundo para ser uma vítima,
eu vim para esse mundo para ser um heroína.
A minha própria heroína.
Estamos afundando
E você também percebe isso
Estamos afundando
E você sabe que estamos condenados
Minha querida, estamos dançando lentamente
Num quarto em chamas
SLOW DANCING IN A BURNING ROOM | JOHN MAYER

— Você acha que eu seria uma boa médica? — pergunta


Heaven, de repente.
Já passam das dez da noite, estamos apenas Heaven e eu no
seu quarto, todos os nossos amigos vieram até sua casa hoje. Wes
e Allie nos acompanharam na saída do hospital, enquanto Kane,
Elliot e Grey vieram de Beaufort logo após o treino, até mesmo
Sadie compareceu, à convite da própria Heaven. De início estar no
mesmo ambiente que ela foi estranho, acredito que não só para
mim, como para a própria também. Além de Heaven, o primeiro que
lhe acolheu foi o Elliot, mas todos eles já foram embora.
— Eu pensava que você queria ser atriz — respondo atônito ao
seu questionamento.
— E eu quero — revela. —Só não consigo tirar da minha
cabeça a possibilidade de ser médica — diz ela, sentando em cima
das minhas pernas.
Estou sentado na sua cama com as costas indo de encontro à
cabeceira, puxo Heaven pela cintura, acomodando-a melhor em
meu colo. Pego uma mecha fina do seu cabelo e passo a mesma
para trás da orelha, passo as mãos por suas costas nuas devido ao
decote do vestido solto que usa, e declaro:
— Eu não tenho dúvida nenhuma que você seria uma médica
incrível, assim como é uma atriz excepcional.
— Como você pode ter tanta certeza disso?
Heaven morde seu lábio, claramente apreensiva. Levo meus
dedos até os mesmos, fazendo com que ela pare de machucá-los,
no momento em que faço isso ela sorri para mim, trazendo um brilho
único para seus olhos azuis cristalinos.
— Linda, você é a pessoa mais empática que eu conheço. Você
é boa, e se tem uma coisa que o mundo mais necessita agora é de
pessoas como você, você gosta de ajudar o outro, e no fundo acho
que Medicina é isso, estender a mão ao próximo.
— Doutora Heaven Morris — Ela olha para cima ao dizer as
palavras baixinho. — Isso soa tão incrível.
— Porque você é incrível — respondo.
Heaven traz seus olhos ao mesmo nível dos meus, me olhando
desconfiada.
— Você tem que parar de me elogiar dessa forma, estou ficando
mal acostumada.
Eu faço uma careta em retaliação ao seu comentário,
comprimindo o nariz e franzindo o cenho.
— Você iria se sentir melhor se eu dissesse que você é uma
perdedora, que não vale nada, e que é feia para um caralho, que até
mesmo os meus olhos chegam a doer sempre que vejo seu rosto,
isso sem contar o susto que você me causa ao ponto de eu quase
ter infarto todas as vezes?! — pergunto irônico.
Heaven começa a rir descontroladamente da minha resposta,
seus olhos lacrimejam enquanto sua barriga se move com a
gargalhada gostosa que ela solta, eu sorrio ao ouvir sua mais pura e
genuína felicidade.
— Nossa — ela diz limpando as lágrimas que descem em suas
bochechas. — Também não precisa me humilhar dessa forma.
— Eu nunca te humilharia, eu te elogio justamente pelo fato de
que você é resiliente, forte e nasceu para brilhar, além de que é uma
grande de uma gostosa, a mais linda do mundo. E realmente, meus
olhos chegam a doer todas as vezes que eu te vejo, porque você é
a coisa mais linda desse mundo, e o infarto que quase tenho
também está ligado à sua beleza.
Quando termino de falar, Heaven traz suas mãos até as
extremidades do meu rosto, suas pupilas dilatam enquanto o azul
circular e brilhante torna-se uma linha fina. Ela fecha as pálpebras
vagarosamente, e nossos lábios se tocam em um beijo calmo e
lento até Heaven separar nossas bocas milimetricamente. Ela abre
os olhos e um sorriso singelo toma conta dos seus lábios agora.
— Quero te mostrar uma coisa — diz Heaven se levantando do
meu colo e estendendo a mão para mim. O sorriso doce ainda
adorna o seu rosto, mas ele também é fugaz, e seus olhos contém
pura malícia, o que me causa extrema desconfiança.
— Por que eu estou sentindo que não é coisa boa?! — pergunto
retórico, ao franzir o cenho.
— Cala a boca e só vem logo — diz mandona.
Como eu não quero ter que entrar numa discussão, e também
porque no meu pescoço tem uma coleira, mesmo que invisível, que
diz: “Heaven Morris, dona e proprietária”, eu apenas pego sua mão
estendida à minha frente e me levanto. Heaven me puxa até a
janela do seu quarto, chegando lá ela solta minha mão e passa pela
mesma, sumindo da minha frente. Me apoio na janela e coloco
minha cabeça para fora, olhando para cima vejo que na realidade
Heaven está subindo uma escada.
— Você não vai vir? — pergunta quando já está no andar de
cima.
Então eu passo pela janela, assim como ela fez há segundos
atrás. Subo a escada, que parece de incêndio, que há ao lado da
janela. Antes de tudo confiro onde a mesma começa e respiro
aliviado ao ver que o início dela é no mesmo andar do quarto de
Heaven, ou seja, ela não vai até o térreo e não há perigo de alguém
invadir por ali.
Chegando ao final da escada, me deparo com um terraço
coberto por um teto simples de madeira, a iluminação é por conta de
luzes de Natal que Heaven tenta ligar sem muito sucesso.
— Acho que queimou — diz num tom desanimado, se referindo
às luzes, ao notar minha presença ali.
Dessa forma, somos iluminados apenas pela luz da lua. O
espaço pequeno do terraço também tem algumas plantas, e há
almofadas e pufes no local, trazendo um ar de conforto. Eu olho
para tudo e todos os detalhes, admirado.
— Eu nunca soube desse lugar — comento.
— É porque esse é meu lugar secreto — revela Heaven. —
Pedi para o meu pai fazer logo depois que você foi embora, eu
costumava vir muito aqui na época quando queria ficar sozinha.
— E não costuma mais? — questiono, enquanto passo os
dedos por uma planta que tem ali.
— Me adaptei tanto ao caos que minha vida havia se tornado
que eu não sabia mais o que era querer paz.
— E nesse momento você quer paz? — pergunto ao virar de
volta para Heaven.
— Por mais que tudo esteja virado de ponta cabeça, eu já me
sinto em paz — diz num sorriso doce. — Você lembra que quando
tínhamos dez anos costumávamos dançarmos juntos? — pergunta.
Eu automaticamente busco pelas lembranças mais felizes da
minha infância, as quais passei com ela, quando dançávamos
devido a algum filme ou apenas colocávamos alguma música lenta
para dançar.
— Você era péssima — digo rindo, porque ela realmente era. —
Meus pés sempre voltavam machucados para casa.
— Talvez eu tenha melhorado um pouco — revela com os olhos
brilhantes, então Heaven pega o celular que estava em um bolso do
seu vestido e em seguida as batidas de Eternal Flame, de The
Bangles começam a soarem pelo espaço. — Você me daria a honra,
senhor?!
Ficamos ao centro do terraço e, sem pensar duas vezes, pego
sua mão e a puxo pela cintura, a fim de conduzir a dança.
— Eu gosto do Axel audacioso — comenta encostando a
cabeça em meu peito.
— E eu gosto da Heaven de todas as formas — respondo.
Ponho o queixo em cima da sua cabeça e fecho os olhos no
momento em que a música diz “Feche os olhos, me dê sua mão,
querida. Você sente meu coração batendo?”.
Dançamos lentamente em total silêncio, apenas as batidas da
música acompanhadas das vozes soam em meus ouvidos, no meio
da música quando toca “Diga meu nome, o sol brilha em meio à
chuva, uma vida tão sozinha e então você chega e alivia a dor, eu
não quero perder esse sentimento”, separo nossos corpos
segurando a mão de Heaven, ela rodopia e depois nos colamos
novamente, dançando de um lado para o outro de forma lenta,
sendo conduzidos automaticamente apenas pela balada romântica.
A sensação de estar assim com Heaven é de pura felicidade,
tão boa, tão genuína que até mesmo escorre pelos olhos. É difícil
encontrar alguém no mundo que te compreenda tanto, que te ame
na mesma proporção que você a ama, e mesmo que não diga isso
com as exatas palavras a todo o momento, você sabe que o
sentimento é recíproco apenas pela forma como se sentem ou se
olham. Mesmo diante da maior multidão que sempre encontramos
um ao outro, nossos corpos se conhecem, mas nossos corações se
entendem.
Tanto que as batidas lentas são calmas e tranquilizantes,
contudo ele não deixa de bater forte. Tão forte que você sente que
ele está prestes a sair do corpo, é algo indescritível, simplesmente
não existem palavras para o sentimento, é necessário apenas vivê-
lo, ser grato por ele, e não ferí-lo, pois ver a pessoa que você ama
sofrer é a pior que existe.
Na última estrofe “Você sente meu coração batendo? Você
entende? Você se sente do mesmo jeito? Estou apenas sonhando?
Isso que queima é uma chama eterna?”, separamos nossos corpos
novamente, e Heaven rodopia outra vez, e quando volta nos
beijamos.
Lenta e calmamente, assim como o final da música.
Ela passa as mãos no cabelo ralo próximo à minha nuca,
arranhando a pele suavemente com as unhas curtas, seguro seu
corpo contra o meu pela cintura com uma das mãos, e a outra
acaricia seu rosto. A música acaba dando início à outra, porém
continuamos com nossos lábios grudados um no outro, no mesmo
ritmo de antes.
Separamos nossas bocas, e no momento em que abro os olhos,
Heaven diz:
— Você me pertence, Axel Drake Davenport — cita uma parte
do início da música anterior.
— Eu pertenço à você, Heaven Caroline Morris — sussurro
contra seu lábio e a beijo mais uma vez.
Dessa vez, aprofundamos tanto o beijo que Heaven chega a
descer as mãos até minha calça, então separo nossas bocas.
— Heaven... — digo hesitante. — Não acho que está na hora
ainda.
— Essa noite eu só quero esquecer os problemas que nos
cercam, e apreciar a felicidade que estou sentindo nesse momento.
— Você tem certeza que está pronta para isso? — pergunto e
ela assente, mordendo seu lábio inferior num sorriso.
Colo nossas bocas de novo, a pego no colo e nos levo até um
dos pufes que há no terraço, acomodo nossos corpos ali, sentando-
me com Heaven em meu colo. Ela tira minha camiseta e eu seu
vestido, separando nossos rostos apenas para passá-los por nossas
cabeças.
Voltamos a nos beijarmos, e passo as pontas dos dedos
delicadamente por toda a extensão de pele em suas costas, Heaven
arfa sobre minha boca arqueando suas costas. Distribuo beijos
molhados por todo o seu pescoço, seguindo o caminho da clavícula
e indo em direção aos seios que estão inchados.
Levo a boca aos mamilos duros e envergados, chupando-os e
lambendo com a ponta da língua delicadamente, Heaven solta um
leve suspiro próximo à minha orelha, fazendo meus pelos eriçarem.
Beijo todo o seu torso, e volto a boca até seus lábios.
Heaven acaricia meu pau por cima da calça, o mesmo se
expande dentro dela recebendo um alto volume de sangue. Está tão
duro que é quase insuportável, e ela sabe disso, pois passa a
desabotoar minha calça e em seguida desce o zíper. Separamos
nossas bocas outra vez quando a ajudo a libertar minha ereção.
Uma vez do lado de fora, ela passa a mão por todo o
comprimento indo até as bolas e massageando-as, logo depois
passa a ponta da língua em volta da glande. Com uma mão ela
continua a acariciar meus testículos e com a outra bombeia meu
pau em movimentos de vai e vem; abrindo a boca, ela coloca tudo o
que pode dentro, passando a língua pela extensão, ao mesmo
tempo, delicada e furiosa. Ela engole meu pau mais uma vez, sinto
a cabeça encostar no início da garganta, seguro seus cabelos e
deixo minha cabeça cair para trás em puro prazer e tesão.
Heaven continua bombeando meu pau e chupando-o, até o
momento em que a pego pelos braços, a fazendo mudar de posição.
Suas pernas passam por cima da minha cabeça, ficando cada uma
em um ombro meu, e eu afasto sua calcinha para o lado. Ela volta a
atenção de suas mãos e boca para meu pau assim que passo a
língua por todo o comprimento de sua fenda.
Permanecemos na posição meia nove, Heaven chupando meu
pau com vontade e eu chupando sua boceta em resposta. Levo os
dedos até sua entrada, e estímulo seu ponto G com eles, enquanto
chupo e mordisco delicadamente seu clitóris. Um gemido abafado
pelo boquete sai da boca de Heaven, e eu continuo chupando-a e
metendo os dedos em sua entrada, até o instante em que a sinto
chupar a cabeça do meu pau mais forte, ele estremece e todo o
meu sangue flui até o pênis. Paro de chupá-la ao sentir minhas
bolas contraírem, e o líquido espermático ser expulso do meu corpo.
Ainda com os dedos dentro de Heaven, dou pequenas e leves
estocadas tentando reaver minha respiração. Ela solta um gemido
alto quando sinto o líquido escorrer de dentro da sua vagina.
— Você está pingando — comento.
— Hmhum — apenas murmura, em pleno prazer.
Continuo repetindo o processo de penetrá-la com os dedos e
também chupar sua boceta, mas opto por inverter os papéis, pondo
os dedos em seu clitóris e a língua na sua abertura, fazendo todo o
contorno até entrar nela, localizando seu ponto G e lambendo-o.
Suas costas arqueiam-se mais uma vez, e um arrepio sobe por
toda extensão da minha coluna, fazendo com que meu pau volte à
vida ao escutar seus sons. Heaven solta um gemido exasperado
enquanto eu pressiono o clitóris pulsante com meus dedos,
massageio toda a extensão da sua boceta durante o tempo em que
a minha língua entra e sai de dentro dela.
A boceta de Heaven lateja cada vez mais rápido com minha
língua dentro dela, sinto seus pelos subirem um a um. Um grito sai
da sua garganta e eu fecho os olhos, me deliciando com seus sons
e sentindo o líquido escorrer por sua vagina, a qual eu chupo
todinha quando Heaven chega ao seu clímax.
Heaven joga o seu corpo por cima do meu, e espasmos tomam
conta de sua pele, eu a trago ao meu encontro, posicionando
nossos corpos da forma correta. Heaven mantém-se com seus
olhos fechados, quando os abre lentamente, meu pau dá um
pequeno espasmo contra seu abdômen, o que faz com que ela
arregale seus lindos olhos caribenhos, a pressão também a faz
retrair seu corpo outra vez.
Solto uma risada grossa, beijando seu pescoço em seguida,
depois me direciono até o lóbulo da sua orelha e o mordisco. Me
viro em busca da minha calça, assim que a encontro tiro uma
camisinha do bolso, com ela em mãos, separo nossos corpos
milimetricamente apenas para passar o látex pelo comprimento do
pênis. Heaven volta para o meu colo, encaixa a sua entrada em
minha ereção, e desce sobre ela. O arrepio corre tanto por minha
coluna como pela dela.
Levo minha boca até um de seus mamilos mamando-o, e levo
também meus dedos à sua fenda.
Enquanto Heaven desce e sobe seu corpo, cavalgando sobre
meu pau, eu acaricio sua boceta e chupo o seu seio. Ela acelera o
movimento, quicando violentamente em meu colo, batendo a polpa
da bunda contra minhas bolas.
Seu corpo brilha de suor, suas pupilas dilatam em luxúria e
prazer. Ergo o seu corpo, tirando meu pau de dentro da sua boceta
molhada e apertada que estremece ao sentir falta do contato.
Fico de joelhos no chão e Heaven deita-se sobre o pufe, trago
suas pernas até meus ombros e com delicadeza entro novamente
nela, que arfa um gemido audível.
— Seus pais estão lá embaixo — lembro a ela em um sussurro.
— Fazendo o mesmo que nós — provoca numa risada sórdida.
Tiro o meu pau devagar de dentro da sua boceta, e entro mais
uma vez delicadamente, no momento em que nossos corpos se
colam de novo empurro com força contra ela, que geme mais uma
vez.
— Xiu! — peço colocando o dedo indicador sobre os seus
lábios, e ela sorri em resposta.
Seguro suas pernas em meus ombros, entrando e saindo
violentamente em movimentos audíveis. Minhas bolas batem em
sua bunda como num ritmo frenético de uma música de rock.
Suor escorre pela minha têmpora, Heaven geme meu nome em
meio aos suspiros, toda a minha pele queima quando meu sangue
esquenta, e meu gozo é liberado. Heaven goza gritando o meu
nome em resposta, o que faz com que eu queira meter nela outra
vez, porém meus pulmões reclamam, implorando por um ar
decente.
Retiro a camisinha e a jogo no chão. Jogo meu corpo
fodidamente fodido após uma foda esplêndida ao lado de Heaven,
passo as mãos por dentro de seu cabelo sem me incomodar com a
pequena parte raspada no dorso da cabeça. Junto nossos lábios e
mais uma vez nos beijamos, calma e lentamente, deixando que as
nossas respirações tornem-se regulares outra vez.
Com nossos corpos já descansados e ainda abraçados, Heaven
me olha em expectativa, e sei exatamente o que ela vai dizer em
seguida:
— Estou com fome.
— Você está com fome — falamos ao mesmo tempo e ela ri.
Nos levantamos e vestimos nossas roupas novamente, desço a
escada primeiro dessa vez, e logo depois Heaven faz o mesmo
caminho, me acompanhando e entrando no quarto. Fecho a janela,
trancando-a para ter certeza de que ela não será aberta pelo lado
de fora, e fecho também as cortinas. Quando volto meus olhos para
Heaven ela está rindo e balançando a cabeça em negativa.
— Todo cuidado é pouco — me defendo.
— Eu não disse nada. — Ela leva suas mãos para cima em
rendição e ri.
Reviro os olhos em resposta e depois ela me puxa saindo do
quarto. Nós descemos as escadas e vamos até a cozinha, comemos
o resto da pizza que Grey havia pedido e o brownie que Allie e Wes
fizeram. Eu como pouco, me saciando apenas com o litro de água
que tomo a fim de hidratar o corpo.
Ao voltarmos para o quarto escuto um gemido, seguido de:
— Puta que pariu, Magnus.
Essa é a Reese gozando, muito provavelmente.
— Eu disse a você — brinca Heaven.
Eu faço uma careta, pois eu não precisava desse tipo de
detalhe e Heaven ri de mim. Deitamos na cama, abraço o corpo de
Heaven, que deita a cabeça em meu peito, e beijo sua testa.
— Eu te amo — ela diz tranquilamente. — Muito obrigada por
tudo que você significa para mim.
E assim dormimos juntos, colados e satisfeitos até às cinco da
manhã, quando acordo com meu celular vibrando embaixo da minha
cabeça.
Delicadamente me afasto de Heaven, e quando pego o celular o
número de Mark aparece na tela. O gosto da bile sobe até minha
boca, no momento em que eu deslizo o dedo pela tela, e atendo
cautelosamente. A voz grossa do outro lado responde:
— O detetive o encontrou.
Mal sabe você
Que estou tentando me reerguer
Pedaço por pedaço
Mal sabe você que eu
Preciso de um pouco mais de tempo
LITTLE DO YOU KNOW | ALEX & SIERRA

Tudo começa com uma respiração oscilante, depois a visão


escurece, uma dor atinge a parte posterior da minha cabeça, nas
outras vezes era possível ver a imagem clara do Drew em cima de
mim, hoje é apenas uma sombra, com as mesmas nuances, mas
ainda somente uma sombra. Antes do grito abafado, suor fino desce
por minhas costas, e, então, eu acordo...
Dessa vez não houve o grito, portanto, tento disfarçar o
pesadelo que acabo de ter fingindo que continuo dormindo, no
entanto é em vão, pois não sinto o calor do corpo que dormiu ao
meu lado. Vagarosamente abro uma fresta do olho, tentando acha-lo
em algum lugar do quarto, porém nada dele.
A única pessoa presente no local, além de mim, é minha mãe,
que está sentada na cadeira em frente à minha escrivaninha com
um tablet na mão, passando o dedo pela tela.
— Bom dia — murmuro baixinho, só que audível.
Ela levanta a cabeça e bloqueia a tela do tablet, colocando-o
em seu colo.
— Bom dia, filha — cumprimenta.
— Que horas são?
— Onze, por quê?! — pergunta preocupada, levantando-se e
vindo até mim. — Está sentindo alguma dor? Está com fome? Quer
que eu prepare algo para você comer? Seu pai foi até a padaria da
mãe do Wes em busca daqueles pães recheados que você gosta —
fala apressadamente. — Mas se você já estiver com fome,
podemos...
Interrompo-a erguendo uma mão em sinal para que ela pare de
falar, em seguida me sento na cama com as costas coladas à
cabeceira.
— Calma, mãe. Daqui uns dias você terá um AVC de tanto
estresse. Não acredito que acordei tão tarde, onde está o Axel?
Ela me olha apreensiva, como se soubesse de algo e não tem
coragem de me dizer o que é. Ela morde o lábio inferior com força,
do mesmo jeito que eu faço quando estou nervosa, um traço que
puxei da sua personalidade.
— Mãe, onde está o Axel? — insisto.
— Eu não sei — diz sentando-se no canto da cama. — Eram
quase seis da manhã quando ele nos chamou, dizendo que
precisava ir embora. Talvez ele apenas tenha ido treinar, já que a
final dos jogos é amanhã.
— Como assim apenas isso? — pergunto me levantando. No
chão encontro minha calça de moletom e visto-a. — Por que o Axel
iria se levantar às cinco da manhã simplesmente para dizer que
precisava ir embora?
— Eu não sei, Heaven. — Minha mãe se levanta com as mãos
para cima em rendição, depois se aproxima pondo as mãos nos
meus ombros. — Quem sabe ele tenha apenas acordado cedo para
ir ao treino e à aula. Esses últimos dias estão bastante conturbados
para ele também, a Íris chegou a comentar comigo que ele estava
com algumas atividades atrasadas.
— Eu estou com as atividades atrasadas e não estou me
levantando às cinco da manhã e indo embora sem nenhuma
explicação. — Pego meu celular no móvel ao lado da cama,
desbloqueio a tela e ligo para o Axel.
— A diferença é que você tem um atestado médico, e ele não.
Finjo que não escutei o que minha mãe acabou de falar e
continuo prestando atenção nos toques do celular. A chamada cai
na caixa postal, e eu volto a ligar.
— Heaven... — minha mãe chama outra vez.
Continuo com o celular próximo ao ouvido, contudo a ligação
acaba novamente na caixa postal. Quando estou pronta para discar
o número dele outra vez, percebo que há uma folha pequena
dobrada com meu nome no mesmo móvel onde eu havia pegado
meu celular.
Abro o papel, e no interior dele está escrito:
“Tive que ir devido ao treino de hoje. À noite estou de volta.
Te amo!
Axel.”
Um alívio súbito toma conta de mim no momento em que leio o
papel e vejo sua letra, entretanto depois eu desconfio que há uma
mentira aí, porque assim que me levantei e não o senti ao meu lado,
um desconforto tomou conta de mim.
Meu coração se apertou e deu uma batida forte, como se
estivesse pronto para pular para fora do meu peito. Eu posso estar
enlouquecendo ou posso estar completamente certa de que algo
incomum está acontecendo, como por exemplo, ele ter encontrado o
paradeiro do Drew e decidido não me comunicar e sim, aos meus
pais. Afinal, minha mãe ficou nervosa logo que perguntei sobre ele.
Sei que insistir na pergunta sobre o paradeiro de Axel ou o que
ele foi fazer, será em vão. Por isso, preciso bolar um plano para ir
atrás dele sem que meus pais percebam, porque muito
provavelmente eles não irão me deixar sozinha durante todo o dia,
já que eu tenho vivido em uma rede de proteção nos últimos dias.
Não os culpo, no fim, eu também tenho medo, mesmo que não
assuma diretamente para nenhum deles. Ainda que meus pesadelos
tenham melhorado em oitenta por cento, por estar fazendo dois
tipos de terapia e ainda estar tomando ansiolíticos que ajudam a
evitar qualquer crise que eu possa ter, ainda assim eu tenho receio
de me encontrar com o Drew, do mesmo modo como todos à minha
volta.
E eu sinto que Axel foi em busca dele, pois nada o tiraria do
meu lado em um momento como esse, senão a localização do seu
irmão.
Ainda é difícil associá-los assim, no entanto é algo que sou
obrigada a aceitar, assim como ele, que ambos são irmãos. Eles são
ligados pelo sangue, por mais que os sentimentos que um nutre
pelo outro sejam de puro desprezo, nunca mudará o fato de que
eles têm uma ligação que vai muito além de qualquer sentimento.
Ambos sabem de seus parentescos, a diferença é que um nunca fez
nada para o outro, enquanto o outro deseja matá-lo.
É exatamente isso que me assombra mais, a ameaça que o
Drew é. A doença dele não mede consequências quando se trata de
ferir outras pessoas, ele quis contratar uma pessoa para matar o
Axel, então nada o impediria de fazer com as próprias mãos, e eu
não quero que ele acabe arriscando sua própria vida para conseguir
me proteger de alguma coisa.
Por fim eu decido que irei em busca do Axel, custe o que custar.
Por mais que isso vá deixar meus pais loucos, eu preciso ter a
certeza de que ele ficará bem.
Todas as aulas de teatro que tive ao longo dos anos vêm à tona
dentro de mim. Ao me virar para minha mãe, com um certo brilho
nos olhos e a voz mais controlada possível, a informo:
— Ele realmente precisou voltar por conta do treino e das aulas,
nada demais. Acho que me preocupei à toa. — Sento-me na cama
com um ar derrotado. — Só fiquei chateada por ele não ter me
acordado para se despedir.
Minha mãe senta-se ao meu lado na cama, e passa as mãos
por meus cabelos.
— Vai chegar um momento, no futuro, em que você vai ficar
chateada por ele ter te acordado, acredite em mim.
Bufo uma risada, pois da parte da minha mãe é completamente
verdade, ela odeia ser acordada, e todas as brigas entre meus pais
sempre se resumiram ao mau humor matinal da minha mãe.
Escutamos a porta da entrada bater e meu pai chamar do andar
debaixo, minha mãe avisa que irá preparar o café, e eu digo que em
breve descerei.
Quando ela está do lado de fora, pego meu celular e disco o
número da Allison, no segundo toque ela atende.
— Está na Stout? — pergunto antes mesmo de ela dizer alô.
— Sim, claro que estou — responde hesitante. — Na realidade
estou me arrumando, por quê? O que foi?
— Preciso da sua ajuda — respondo imediatamente.
Ela pergunta sobre o que se trata, então peço para ela procurar
o Axel pelo campus, e caso não o encontre, dê um jeito de vir me
buscar.
— Como assim te buscar? O que você vai dizer aos seus pais?
— Deixa comigo, nessa parte eu me viro — tranquilizo-a.
— Heaven... — Allison chama meu nome, apreensiva.
— Você pode, por favor, fazer isso por mim, Allison? — peço
num tom nada amigável.
Estou sendo uma completa cretina com minha amiga, todavia
eu preciso disso, eu preciso da ajuda dela. Allie fica calada do outro
lado da linha, parece estar pensando no assunto, no segundo em
que estou pronta para chamá-la, enfim responde:
— Tá bem, vou procurar por ele. Te mando uma mensagem se
ele não estiver lá, e em uma hora eu te busco.
— Muito obrigada — agradeço e não espero sua resposta para
finalizar a ligação.
Agora eu preciso pensar como eu vou fugir dos meus pais caso
o que eu esteja pensando que está acontecendo, realmente esteja.
Minha mãe está de licença do trabalho, ou seja, em casa o dia
inteiro, e meu pai trouxe todos os seus casos para o escritório que
mantém no andar de baixo, também em casa o dia inteiro. Como
vou despistá-los, não faço a mínima ideia, mas preciso fazer isso.
Eu sinto que preciso.
Desço as escadas e me acomodo na cozinha junto aos meus
pais, que estão comendo. Eles conversam comigo sobre a
faculdade, e também as próximas aulas, o assunto se torna um
pouco fervoroso quando eles tentam entrar no assunto sobre eu
mudar de faculdade.
— Eu vou permanecer onde estou, vou permanecer na Stout —
digo convicta.
— Nós sabemos o quanto a Stout é importante para você,
contudo a sua segurança tem que vir em primeiro lugar, Heaven —
meu pai diz.
— Não faça isso, pai — falo ríspida, deixando meus talheres
caírem sobre o prato.
O celular vibra no meu colo, a ânsia toma conta de mim, porém
meus pais decidem continuar a discussão.
— Não faça isso o que, Heaven? — Meu pai usa o tom mais
calmo de voz que existe.
— Não me trate como uma boneca de porcelana, isso é
humilhante.
— Estamos apenas tentando te manter segura, Heaven —
interfere minha mãe. — Ele te fez mal, ele te machucou. O Drew
ainda está lá fora, ainda é uma ameaça.
Uma lágrima solitária desce em minha bochecha, e rapidamente
eu a limpo.
— Não existe qualquer outra pessoa no mundo que queira pôr
um fim nesse inferno, de uma vez por todas, mais do que eu, filha —
meu pai fala, continuando a discussão. Meu celular vibra outra vez,
tento pegá-lo, no entanto meu pai continua a falar. — Eu quero te
ver livre, eu não quero te prender, mas também não quero te perder.
A única coisa que podemos fazer para te protegermos dele é te
deixar longe dele.
— Na realidade vocês não queriam que nada disso tivesse
acontecido — respondo. — Acreditem, eu também não. Entretanto
aconteceu, aconteceu comigo, e acontece diariamente com
inúmeras outras mulheres, e isso é algo que não é esquecido,
nunca! Durante o tempo em que ele desferiu socos contra o meu
rosto, eu só conseguia pensar em como eu iria sobreviver àquilo,
em como eu iria escapar, em como eu poderia nunca ter passado
por isso. Eu só queria ficar bem, dizer que estava bem. Então, de
alguma forma, eu sobrevivi, eu escapei, eu estou bem. Eu também
não vejo um final feliz nessa história enquanto ele estiver à solta, eu
queria ver — digo me levantando da mesa, e apontando para meus
pais com as lágrimas transbordando por meu rosto. — Só que eu
não posso parar a minha vida por isso. Se eu tenho medo? É claro
que tenho — exaspero, soltando uma grande lufada de ar. — Tudo o
que eu passei foi traumatizante demais, mas eu não sinto que devo
me trancar para sempre, fugir, ou quem sabe atravessar o Atlântico,
porque o medo vai estar ao meu lado em qualquer lugar que eu vá!
Eu não preciso ter medo de viver, eu não posso ter medo de viver, e
se eu fugir, o medo ganha. Vocês dois, que sempre me disseram o
quanto a liberdade é importante, deveriam ter todo o tipo de ideia do
mundo, menos me trancar ou me mandar para longe. Eu preciso de
muita coisa no momento, menos viver o resto da minha vida com
medo do Drew.
Eles permanecem calados após minha fala, o que é suficiente
para que eu pegue meu celular e veja as mensagens que Allison
enviou.
Allison: Nada do Axel
Nem do Kane
Caminho em passos duros até a sala, pronta para lhe escrever
uma resposta, porém meu celular toca, piscando no visor o contato
da Sadie. Rapidamente deslizo o dedo pela tela e atendo a ligação.
— Por favor, me diz que você está em casa e segura — é a
primeira coisa que Sadie diz antes que eu possa falar qualquer
coisa.
— Sim, estou.
— Ótimo! — Ela parece genuinamente aliviada. — O Drew
apareceu, Heaven — revela. — Ele está louco, falando nada com
nada, eu já chamei a polícia...
Não espero Sadie continuar, apenas vejo as chaves do meu
carro brilharem em cima do aparador da sala. Dou uma olhada de
relance para a porta da cozinha e não enxergo nenhum dos meus
pais, então desligo a ligação com a Sadie, e rapidamente pego as
chaves saindo de casa correndo. Ao passar pela porta, deixo que a
mesma feche atrás de mim em um baque surdo.
Se eu tinha planos de fugir, não tenho mais. Não tive estômago
para comer, preocupada até meu último fio de cabelo com o que o
Axel está aprontando, não tive estômago também para continuar a
discussão com os meus pais, porque não, eu não vou viver uma
vida medíocre por medo de o Drew me encontrar a qualquer
momento.
Quando entro no meu carro, a primeira coisa que localizo é o
spray de pimenta que carrego no porta-luvas, posteriormente dou
partida no carro, e aciono a marcha ré.
Passando pelas latas de lixo bato em uma, apesar disso sigo
em frente. Não ter prática no volante, querendo ou não, é culpa de
Drew. Me privei de dirigir, me privei dos meus amigos, família, do
meu estilo, da minha vida por conta dele.
Eu apenas espero que ele não faça mal algum a Axel.
Assim que paro em um sinal vermelho digito uma mensagem
para a Allison, dizendo que não precisa mais me buscar. Meu celular
toca e vejo que se trata de uma ligação da minha mãe, a qual
decido não atender.
Dirijo até a entrada da cidade, e pego a estrada de cascalho, a
qual costumo passar durante a noite, nunca durante o dia, eu
poderia usar a pista normal, só que isso me custaria muito mais
tempo. Em quinze minutos chego ao armazém que se encontra
vazio, a não ser por uma moto na entrada. Desligo o carro e desço.
Em minha mão está o spray de pimenta que peguei, escondo a
mão no bolso da minha calça de moletom, e ando cuidadosamente
até o portão que dá acesso à entrada do armazém. Apenas uma
fresta está aberta, aguço minha audição a fim de escutar qualquer
ruído que possa vir lá de dentro, porém apenas a voz de uma
pessoa soa no local, ela parece estar em uma ligação.
Sem ter a certeza de que devo fazer isso, entro no local que
sempre costuma estar lotado às noites de sábado e agora está
vazio.
Lá dentro encontro Mark, o cara responsável pela organização
das lutas e por todo o submundo existente aqui, ele também foi
responsável por conseguir um detetive para o Axel. O idiota em
questão, nota minha presença no momento em que põe o celular no
bolso após finalizar a conversa que estava tendo.
— À que devo o prazer da visita da responsável pelo meu
melhor lutador não se fazer mais presente no ringue? — pergunta
debochado.
— Estou em busca do Axel, você sabe onde ele está? —
pergunto séria.
Mark me olha dos pés à cabeça. Não que eu esteja a mulher
mais estonteante do mundo hoje, já que estou usando um conjunto
de moletom e calçando chinelos nos pés. Meu cabelo deve estar
uma zona, visto que não fiz questão de penteá-lo desde ontem,
também não estou usando nenhuma maquiagem, e nem quero
lembrar de todos os quilos que perdi no período em que estive
internada.
Está claro, tanto para mim quanto para o homem à minha
frente, o trapo que estou agora. Isso parece não importar muito para
ele, uma vez que coloca as mãos nos bolsos e se aproxima de mim
com um sorriso maligno no rosto.
— Veja que coincidência — respondeu debochado. — Eu
estava nesse instante em uma ligação com um amigo que estava
com ele há poucos minutos.
— Que amigo? — questiono.
— Não lembro, contudo se você puder convencer o bonitão a
voltar a lutar, talvez minha amnésia acabe — diz passando as mãos
no meu cabelo.
Fecho minha mão em punho e dou um murro no maxilar dele,
que vira para o lado com o impulso do meu soco. Mark pode ser
responsável por várias coisas clandestinas, organizar várias lutas,
ser ótimo com dinheiro, putas e drogas, porém o cara não é capaz
nem mesmo de matar uma mosca.
— Você tá louca, porra? — exaspera.
— Diz logo onde ele está — esbravejo.
Mark levanta as mãos em rendição.
— Eu não sei onde ele está, só sei que ele acabou de se
encontrar com o detetive que dei o contato — diz alisando o rosto no
mesmo local onde eu o acertei.
— Onde eles se encontraram?
— No apartamento dele.
Dito isso, corro até a saída gritando um agradecimento em
resposta. Não é porque estou desesperada, ou porque Mark é um
completo babaca, que eu vou deixar minha educação de lado.
Já no carro novamente, dou partida e volto pela estrada de
cascalho, indo em direção ao polo universitário de Beaufort. Essa
estrada faz com que a viagem entre Stone Bay e a faculdade, que
seria de uma hora, torna-se apenas de trinta minutos, uma vez que
não é preciso passar pela cidade que fica entre as duas. Um aperto
assola meu coração ao lembrar disso e também de Axel, minha
respiração torna-se lenta e pesada como se eu estivesse
carregando um peso de cem quilos junto a mim.
Meu coração só volta a bater no momento em que entro na rua
do condomínio onde Axel divide um apartamento com Kane. A
primeira coisa que localizo é a Mercedes preta estacionada no meio
fio.
Quando paro em frente ao prédio, não há ninguém do lado de
fora. Desço do carro, deixando a porta aberta e corro até o pórtico,
usando a senha do apartamento de Axel para entrar. Em questão de
segundos subo os cinco lances de escadas, e assim que paro em
frente ao apartamento, a porta está fechada, então a esmurro
desesperadamente. Kane abre a porta e eu adentro o local,
murmurando em seguida:
— Onde está o Axel? — analiso entre sala e cozinha,
procurando-o.
— Não está aqui — Kane responde atrás de mim.
— E porque o carro dele está lá fora? — Me toco que apenas o
carro do Axel estava do lado de fora, o do Kane não. — Você
emprestou seu carro a ele, onde ele foi?
— Eu não sei — mente, passando a mão pela nuca e coçando-
a.
— Você sabe sim — insisto. — Onde ele está, Kane? —
pergunto outra vez.
— Eu já disse que não sei, Heaven — exaspera. — Você saiu
de casa sozinha?
— Kane, por favor, não muda de assunto e nem mente para
mim. Eu sinto que algo errado está acontecendo, por favor, me diz
onde o Axel está.
— Eu não posso dizer.
— Por que não?! — confronto-o. — Ele te fez prometer que se
eu perguntasse você não iria me dizer, não foi isso?
— Mesmo se ele não tivesse pedido eu não diria — diz Kane
dando de ombros.
— Ele foi atrás do Drew — concluo, sabendo que estava certa
sobre a minha desconfiança desde o início.
Kane apenas me olha desolado, e assente em resposta.
— Por que você não foi junto? — pergunto.
— Eu quis, no entanto ele disse que esse problema apenas ele
poderia resolver.
Eu rio de escárnio.
— O Axel está pensando que é quem afinal? O Capitão
América?! — ironizo, passando as mãos no rosto em derrota. —
Você tem certeza que não conhece o paradeiro do Axel, Kane? —
pergunto outra vez, e ele me lança um olhar vacilante. — Se você
souber, mesmo que não queira que eu vá junto, você deve ir atrás
dele, por favor. Eu estou sentindo que algo muito ruim está prestes a
acontecer. Olha só — aponto para ele. — A Sadie me ligou, disse
que ele apareceu e que está louco, ela até mesmo chamou a
polícia, porém eu não escutei o restante do que ela tinha a dizer.
Você sabe, assim como eu, que o Axel pode estar correndo perigo.
Kane parece vacilar com minha fala, ele joga a cabeça para trás
e solta um suspiro audível, colocando as mãos na cintura.
— Eu também sinto que alguma merda vai acontecer — revela.
— Mas não sei exatamente para onde ele foi.
Nesse instante meu celular começa a vibrar no bolso da calça
com outra ligação da minha mãe, eu penso em rejeitá-la mais uma
vez, contudo algo no interior do meu subconsciente me manda
atender.
— Sim, mãe — respondo no momento em que aperto no botão
verde.
— Onde você está, Heaven? — ela pergunta imediatamente. —
A Anya apareceu na entrada aqui de casa, sozinha, com uma
mochila nas costas e um sorvete na mão. Quando perguntei com
quem ela veio, ela respondeu apenas que o irmão dela a deixou
aqui, porque o Axel deixaria a garota em frente à nossa casa e iria
embora?! — ela solta tudo de uma vez.
— Como assim o irmão deixou ela aí?! — pergunto colocando o
celular no viva-voz.
— Ela apertou a campainha, eu corri pensando que era você
que tinha voltado para casa, já que seu pai saiu em busca de você,
e a única coisa que encontrei foi a Anya parada na entrada da casa,
dizendo que seu irmão a havia deixado ali.
Eu olho assustada para o Kane, e ele me devolve o mesmo
olhar, ambos com a mesma desconfiança.
— Mãe, eu te ligo já.
Antes de desligar a ligação escuto sua voz perguntar
novamente onde eu estou, mas não tenho tempo para responder.
— Onde ele está, Kane?
— Em Montgomery — Kane responde.
— Você sabe o endereço exato que o detetive deu para ele?
— Não, porém no caminho posso ligar para ele.
Entrego as chaves do meu carro à Kane, e nós dois saímos do
apartamento às pressas. Uma vez dentro do carro, Kane liga para o
tal detetive que nos passa a mesma localização que havia dado a
Axel mais cedo.
Minha respiração volta a oscilar e meu coração a bater mais
rápido, todavia tento manter a calma na esperança de que nada de
ruim aconteça com Axel.
Quando as cortinas se fecharem
Vai ser pela última vez
Quando as luzes se apagarem
Todos os pecadores rastejarão
DEMONS | IMAGINE DRAGONS

Após a ligação de Mark, consegui marcar com o detetive de


encontrá-lo às onze em meu apartamento em Beaufort. Antes de
sair da casa de Heaven, deixei um bilhete dizendo que a encontraria
à noite, o que eu espero que realmente aconteça, mas conhecendo
a garota, nesse momento, ela deve estar se torturando quanto à
minha localização.
O detetive acaba de me confirmar a localização de onde Drew
tem se escondido, é um endereço residencial na cidade vizinha, que
fica entre Stone Bay e Beaufort. Segundo o detetive, apenas duas
pessoas transitam na casa além de Drew, um homem com
aparência de cinquenta anos e uma jovem que parece ser uma
faxineira, ou algo do tipo, e aparece dia sim, dia não.
Após pagar o restante da grana que devia, pego o carro de
Kane a fim de despistar a minha presença no local, mesmo ainda
não tendo ideia de como irei reagir quando chegar lá. Pretendo
apenas observá-lo de longe, e, para que isso dê certo, ele não pode
saber que eu estou na sua cola, portanto a troca de carros é
necessária.
Kane me perguntou o que diria se Heaven perguntasse sobre
mim, assim como eu, ele sabe que ela irá desconfiar do meu
sumiço. Eu só pedi para que se caso ela aparecer, ligar ou mandar
mensagem, o que eu torço para que não aconteça, ele apenas
desconverse, e se ela insistir e ele vacilar, que omita sobre minha
localização.
Estou nervoso, muito nervoso.
Meu estômago se contorce fazendo barulhos estranhos, uma
cólica fina aponta em meu quadril, é quase como se eu estivesse
prestes a ter uma crise de ansiedade.
Antes de sair do polo universitário, paro em uma padaria
franqueada da mãe do Wes, peço alguns pães recheados e donuts,
há tempos eu não sentia vontade de comer dessa maneira, mas é
como se um gatilho fosse acionado na minha cabeça me dizendo
que eu preciso comer. No segundo em que mordo o primeiro pedaço
de pão recheado com bacon e carne, a dor da cólica cessa, e a
sensação de prazer e calmaria é instalada em mim novamente.
O toque do meu celular me tira do transe quando estou
devorando o terceiro pão a caminho de Montgomery. Ao olhar para
a tela vejo o nome de Heaven gravado ali, eu penso em atender,
porém não posso.
Se eu ouvir sua voz, eu posso vacilar, e esse não é o momento
certo para isso. Eu preciso encontrar o Drew, preciso pôr um ponto
final no medo crescente que assola as nossas vidas, por isso
quando pego o celular, não rejeito a chamada, só não atendo. Ativo
o modo silencioso no celular, e sigo a viagem de poucos minutos até
a cidade vizinha.
O celular vibra mais uma vez, e decido não ver quem está
ligando, pois sei muito bem de quem se trata. Assim que a ligação
cai na caixa postal espero outra chamada, passa mais de um
minuto, e ela não acontece.
“Sério que ela desistiu fácil assim?”, pergunto a mim mesmo,
então me lembro do bilhete que deixei para ela antes de ir embora.
Talvez ela tenha o visto apenas agora e acreditado nele, o que eu
sinceramente espero que realmente tenha acontecido, e não que ela
se atreva a me procurar, algo que é mais provável de acontecer do
que Heaven simplesmente “deixar” para lá.
Sinto-me saciado, só que isso não importa agora, porque a
necessidade de comer doce toma conta de mim. Pego a garrafa de
água no banco ao lado e tomo dois goles, devolvendo-a a seu lugar
de origem, ao lado está a caixa de donuts recheados, pego um e
fico olhando para ele, coberto com calda de açúcar e recheado com
creme de confeiteiro, engulo em seco fazendo meu pomo de adão
descer e subir.
“Eu não posso fazer isso”, digo a mim mesmo. Eu estou cheio,
eu estou saciado, tento me convencer disso, já que não há
necessidade de me entupir ainda mais de comida quando eu não
preciso mais por algumas horas.
Ver o doce brilhante que me causa ânsia de vômito à minha
frente, não substitui a vontade de experimentá-lo.
Eu preciso dele para me sentir bem.
Não, eu não preciso.
Talvez só uma mordida possa ser o suficiente para acabar com
o meu desejo.
— Foda-se! — exclamo para mim mesmo, colocando metade do
donut na boca.
O açúcar dança na minha boca fazendo-a salivar, e em questão
de segundos a dopamina e todas suas irmãs inas, entram em meu
corpo trazendo a sensação de bem-estar que me consola diante da
ansiedade que estou sentindo.
É prazer, é quase comparado a uma longa noite de sono, ou até
mesmo ao sexo, trata-se do alívio e do conforto que apenas ela
pode ser capaz de causar. Sabe quando dizem que o coração
deveria ser substituído pelo estômago? É pura verdade, ele manda
mais nos nossos sentimentos do que o órgão que bate em nosso
peito.
Quarenta minutos de viagem foram feitos em apenas quinze.
Mesmo com o tráfego do fim da manhã, ainda consegui fazer a
viagem mais rápido do que o usual. Finalmente ligo o GPS do carro
no endereço que o detetive me deu, é estranho estar em busca de
alguém que está sumido por quase um mês, mais estranho ainda é
saber que essa pessoa em questão se trata do seu irmão.
É nesse momento que várias perguntas, que eu fizera a mim
mesmo no passado, se passam na minha cabeça.
Será que ele teria os mesmos problemas que eu em se tratando
dos abusos do meu pai contra a minha mãe ou ele acharia certo as
inúmeras agressões sofridas?
Será que um dia poderíamos ter sido amigos ou leais um ao
outro? Se teve algo que eu aprendi nos últimos meses com o meu
ciclo social é que o sangue nunca define lealdade, afinal, eu sei que
sou irmão do Drew há anos, e mesmo assim eu permaneci não
sendo fã dele, e isso não foi pelo fato de que fomos separados
ainda crianças, e sim pela pessoa que ele se tornou.
Se realmente tivéssemos sido criados juntos, seríamos leais um
ao outro ou agiríamos como agora, nos odiando mesmo
compartilhando o mesmo sangue? Será que ainda assim nos
odiaríamos?
Eu arriscaria dizer que sim, eu sempre respondi minhas
perguntas com um grande “sim, com certeza”, porque o que moldou
o Drew foi a doença dele, desde criança ele sempre foi assim,
apesar de inúmeros tratamentos. Depois que meu pai me contou a
verdade eu pesquisei um pouco mais sobre Drew, sobre a família
que adotou ele, e sei que Claire Jones sempre fizera questão de
manter o filho em terapias e atividades extracurriculares para que
ele mantivesse a cabeça ocupada o suficiente.
Drew parece realmente ter tido uma boa criação, e apesar disso
acabou tornando-se o que é hoje.
Então, se há uma coisa que eu tenho certeza, é que se ele
tivesse permanecido no mesmo ambiente tóxico no qual eu vivi toda
a minha infância, ele teria se tornado muito pior do que ele é.
Entrando no bairro em questão noto que não é um bairro
qualquer de um subúrbio, e sim um local onde pessoas realmente
ricas moram, casas enormes de dois ou três andares, garagens que
cabem facilmente cinco carros, grandes jardins protegidos por
cercas brancas.
— Você está a vinte metros do seu destino — avisa a voz do
GPS.
Eu freio o carro bruscamente a duas casas de distância do
endereço que me foi entregue pelo detetive, que na realidade é um
ex-policial corrupto, o que não vem ao caso agora.
Pego meu celular no suporte do carro, notando que há duas
ligações perdidas da Heaven e uma mensagem da minha mãe,
nada disso me interessa agora. Dou mais uma olhada no endereço
que anotei no bloco de notas, e olho novamente para a casa a
alguns metros de distância, confiro se está tudo realmente certo
mais cinco vezes.
Solto uma risada cínica, ao mesmo tempo em que bato com as
mãos no volante do carro.
Avistando a casa mais à frente, percebo dois carros
estacionados em frente à garagem, uma BMW X6 branca, porque se
tem algo que o homem preza são os automóveis em cores claras,
sempre da mesma marca. Ao lado outro veículo da mesma marca, e
mesma cor, mudando apenas o modelo que é o Z4, um conversível.
Em frente à casa também há uma placa que diz ‘‘Imóveis
Davenport’’, empresa a qual ele herdou do pai, e que constrói
prédios em pelo menos metade da América.
Eu deveria me manter longe dele, ou ao menos ligar para a
polícia, mas esse filho da puta não pode simplesmente fazer tudo o
que fez com a gente, e depois dar abrigo ao filho que jogou fora
como um lixo após ele demonstrar que os dois são iguais.
Quer dizer, ele até pode, já que em tudo os dois são parecidos,
desde o físico até a mentalidade. A única diferença perceptível entre
Drew e o nosso pai, são as linhas de expressões que o velho Daniel
acumulou com o tempo.
Deixo o carro do Kane estacionado no mesmo ponto onde eu o
parei e desço, caminho até as duas BMW estacionadas na entrada
da garagem da bela casa branca de dois andares, onde na frente há
uma vasta grama verde. Penso em andar até o pórtico e tocar a
campainha, desisto no momento em que ouço a porta da frente se
abrir, então me encosto no conversível ao meu lado, e cruzo os
braços em frente ao peito.
O homem de cabelos castanhos com algumas mechas grisalhas
atravessa o gramado de sua casa vestindo um belo terno de três
peças, segura uma pasta de couro em uma mão enquanto na outra
carrega o celular e as chaves do carro. Assim que ele levanta a
cabeça e nota a minha presença, dá um pulo para trás parecendo
genuinamente surpreso.
— Belo carro, senhor Davenport, ou devo te chamar de pai? —
ironizo.
— O que você está fazendo aqui, Axel? — Seu tom de voz é
frio, porém apreensivo e não raivoso como sempre fora durante
anos.
— Você quer mesmo que eu te diga o que estou fazendo aqui?
— pergunto cínico. — Ou você prefere me explicar o porquê de você
estar o escondendo aqui?
— Eu não sei do que você está falando. — Tenta desconversar.
Descruzando os braços, me desencosto do carro e dou três
passos largos em sua direção.
— Onde está o Drew? — pergunto direto ao ponto.
— Quem é Drew?! — responde retoricamente, querendo
realmente desviar do assunto.
— Talvez isso aqui te ajude a lembrar. — Dou o último passo
que falta para ficarmos cara a cara.
Levanto a mão em punho e acerto seu maxilar, a força é tanta
que o faz cambalear para trás, deixando cair sua pasta, chaves e
celular no chão. Antes que ele tenha tempo de se colocar de pé
novamente, o pego pelo colarinho da camisa e cerrando a
mandíbula, lhe pergunto novamente:
— Onde está o Drew? E não desconversa outra vez, eu sei que
ele está com você. — Ele se prepara para responder, vejo seu pomo
de adão descer e subir quando ele engole em seco, porém ele
apenas balança a cabeça em negativa e não responde nada. Isso
que eu estou sentindo emanar dele, é mesmo verdade? O homem
que sempre ameaçou, gritou, abusou e espancou, está com medo?
Sério?! — Onde está a porra do Drew? — grito, soltando-o e dando
outro soco no seu rosto.
Dessa vez, meu pai, ou o lixo de homem que ele é, cai no chão
derrotado. Sinto meu celular vibrar no bolso da calça, não a vibração
normal, e sim a que eu configurei para quando minha mãe me
ligasse do celular de emergências, o qual combinamos de entrarmos
em contato um com o outro através dele apenas se algo muito
urgente estivesse acontecendo.
Olhando para o homem que tenta se levantar, eu rapidamente
pego o celular no bolso e atendo a chamada. Minha mãe começa a
gritar do outro lado da linha.
— Axel — ela chama. — Por favor, me diz que a Anya está com
você.
— Não — respondo preocupado. — O que aconteceu, mãe?
— Eu a deixei na escola há cerca de uma hora atrás, agora me
ligaram de lá dizendo que o irmão havia ido buscá-la lá. Ela sumiu,
Axel! Ela sumiu! — Minha mãe chora.
Suor fino desce nas minhas costas, ao mesmo tempo em que
minha boca seca e uma dor fina aponta em minha cabeça, sinto
como se estivesse pronto para desmaiar a qualquer segundo. As
únicas pessoas autorizadas a buscarem Anya somos eu e minha
mãe, e se eu não estou com ela, e ela também não, e seu irmão a
buscou, isso só significa uma coisa...
Afasto o celular do ouvido para que eu possa gritar com o
homem à minha frente.
— Onde está a porra do Drew?
— Eu não sei — responde ele no mesmo tom de voz, porém
angustiado. — Quando eu me levantei essa manhã ele havia
sumido, ele sempre some e depois volta.
Levanto o pé e dou um chute no meu pai, depois trago o celular
novamente ao ouvido quando escuto minha mãe falar:
— Esse... — Ela hesita. — Esse é o seu pai?
— Mãe — a chamo —, a gente não tem tempo para isso agora.
Eu não estou com a Anya, e somente uma pessoa poderia estar
com ela agora, então você vai ligar para a polícia e em breve eu
estarei em casa.
Ela concorda chorando, eu me aproximo do meu pai de novo e
me agacho à sua frente olhando no fundo dos seus olhos
castanhos, que sempre me causaram medo e dor, e que agora
estão completamente assustados.
— Quero que você saiba que logo a polícia estará aqui, e se
algo, qualquer coisa, acontecer com a Anya, eu juro que eu vou até
o inferno, mas eu te mato. — Trinco os dentes.
Ódio pulsa em minhas veias. Me preparo para soca-lo outra
vez, quando percebo que isso não vale a pena, porque quanto mais
eu o agrido, mais aparenta o quão parecido com ele eu sou, e eu
não quero ter nem um por cento de chance de ter qualquer coisa a
ver com o homem que me destruiu antes mesmo de eu descobrir
quem eu era.
Uma vez de pé, pronto para ir embora, ouço um soar de palmas
às minhas costas. Meus pelos se eriçam, e minha cabeça gira
lentamente acompanhada por meu corpo. À minha frente está Drew
com um sorriso cínico no rosto e insanidade impregnada em seus
olhos.
— Ora, ora, ora... — Bate palmas. — Se não são meu papai e
meu maninho juntos. Família quase completa, eu diria. — Eu
avanço em sua direção no mesmo instante em que ele saca uma
arma. — Ou não... — diz, apontando a arma para mim.
— O que você fez com a Anya? — pergunto entredentes.
— Não se preocupa — murmura, ainda apontando a arma para
mim. — Ela está bem, deixei a pequena na casa dos Morris.
Nessa hora eu não me importo se ele está ou não com uma
arma na mão, avanço em sua direção, só não tenho tempo de
chegar perto dele, pois ele aponta a arma para o chão atirando ao
lado do meu pé.
— Relaxa, Axel. Você está muito estressado — debocha. — E
não deveria estar assim, afinal de contas, ontem eu deixei você
gozar na minha garota, não foi mesmo?
— Ela não é nada sua — falo entredentes.
Drew leva a arma até sua têmpora, e coça a cabeça.
— Engraçado... Sempre que ela estava prestes a gozar, ela
dizia que era minha... Ela faz isso com você também, Axel?
— Drew... — sibilo com raiva.
— Eu realmente não entendo o motivo da sua raiva, Axel. — Ele
dá três passos para trás e se agacha no chão, arrancando uma erva
daninha do gramado. — No final, você sempre teve tudo que
deveria me pertencer. — Ele me lança um olhar atravessado. —
Você sempre foi o preferido da mamãe, era em você que ela dava
um beijo de boa noite antes de apagar as luzes, era com você que
ela se preocupava sempre que caia e feria o joelho, era você que
ela abraçava quando chorava de noite.
— Nós éramos crianças, como você lembra de tudo isso?
Drew dá de ombros em resposta.
— Eu não sei, eu apenas lembro. O que me deixou muito
magoado, ou eu diria com raiva, foi que você nem sequer sabia
quem era o seu irmão quando chegou em Stone Bay. — Ele solta
uma risada triste. — Sabe o que é mais engraçado de tudo? —
pergunta retoricamente. — Quando eu te vi entrar pelas portas da
escola, eu realmente pensei que você iria lembrar de mim, mas isso
nunca aconteceu...
— Então você sempre soube quem éramos um para o outro? —
pergunto atônito.
— Claro que sim — diz se levantando. — O que me
impressiona é você não lembrar. Éramos crianças, mas a psicologia
diz que somos capazes de retermos memórias a partir dos dois
anos, mas eu sempre fui mais inteligente... Esse com certeza é um
dos prós em sermos gêmeos bivitelinos, não somos iguais, nem
física, nem psicologicamente. — Ele dá um passo girando. — O que
explica eu ter uma doencinha aqui... — Aponta com a arma para a
própria cabeça, batendo nela duas vezes. Me dou conta que a arma
continua destravada. — E você não. — Ele aponta para mim com a
arma novamente.
Ver Drew com uma arma na mão, me lembra o que JC me disse
há um mês. Ele quer me matar, e é nisso que eu tento me
concentrar durante seus discursos. Ele me quer morto, e ele tem
uma arma, eu não, por isso eu tenho que controlar a minha
paciência.
— Acredita em mim — digo —, você não perdeu muita coisa
estando longe da nossa família.
— Como não? — Ele parece chocado. — Eu perdi o nascimento
da nossa irmãzinha, por falar nela, que garota doce... Ela parece
muito com a Heaven, você não acha? — Ele tenta me provocar.
— Esse assunto é entre nós dois, Drew, melhor mantermos
Heaven e Anya fora disso. — Tento ao máximo controlar meu tom
de voz, enquanto me aproximo dele calmamente.
— Heaven... Você não tem noção do quanto eu amo aquela
garota, eu sempre amei, desde que vi aqueles lindos olhos azuis a
primeira vez, mas aí, você... — Aponta a arma para mim outra vez e
eu paro de andar. — Chegou. Não bastava não lembrar de mim,
ainda roubou a atenção da minha garota. Axel, você não sabe o
quão difícil foi para mim ver as duas pessoas que eu mais amava
nessa vida juntas uma da outra.
Duas pessoas?
— Você não pode amar ninguém, Drew — digo para ele
firmemente, tentando me aproximar.
— Claro que posso, porque eu amo você, eu sempre te amei,
você é meu irmão, você é o meu sangue, muitas vezes eu me pego
pensando em quem devo escolher, você ou ela. Quer dizer... Você e
eu partilhamos o mesmo sangue, mas eu e ela partilhamos a
mesma cama. — Ele faz uma balança com a mão, como se
figurativamente estivesse medindo os pesos. Tento não entrar na
sua provocação respirando fundo, e tornando a dar pequenos
passos em sua direção. — Se é que você me entende. — Ele pisca
para mim.
Ótimo! Apenas mais alguns passos e estarei perto dele o
suficiente para tentar arrancar a arma de sua mão, ele só precisa
continuar falando.
— E quanto à Sadie? Você não pensa nela?
— A garota é boa de cama, devo admitir, mas também tem
inúmeros traumas, gatilhos, e um irmão babaca, por isso nós dois
não combinamos, é aquele lance de alma gêmeas, eu soube que a
Heaven seria a minha no momento em que coloquei os olhos nela,
mas você a roubou de mim, assim como você roubou aquele lego
quando éramos crianças, e a mamãe ficou do seu lado, uma
verdade eu vou te contar agora, mas que fique apenas entre nós.
Ele balança a arma entre mim e ele.
— Naquele dia eu realmente esfaqueei vocês dois, mas eu pedi
desculpas, não que eu quisesse, mas a mamãe sempre me disse
para pedir desculpas quando eu errasse, e acho que naquele
momento eu possa ter errado um pouco, pena que o nosso pai... —
Ele aperta o gatilho, fazendo o som de tiro soar outra vez, mas
dessa vez ele apontou a arma para cima. Paro de andar em sua
direção de novo. — Nosso pai não aceitou meu pedido de desculpas
muito bem, e por isso ele se livrou de mim, mas sabe aquele ditado
que as garotas costumam dizer sobre o carma... Como é mesmo?
— pergunta confuso.
— O carma é uma vadia?! — Franzo o cenho.
— Isso! — Ele sorri abertamente. — O carma é a porra de uma
vadia. Você deve se perguntar o porquê de ele me esconder depois
de tudo o que fez para mim, não é mesmo?! Simples, através do
carma, e também da tecnologia eu passei anos pesquisando sobre
nosso pai, e, coincidentemente, descobri alguns crimes que ele
cometeu... Agressão, homicídio, e até mesmo sexo com menores de
idade. De acordo com as leis de alguns estados, a prisão pode
variar entre trinta anos a perpétua. Acho que você deve ter
percebido o medo no rosto dele, ele está se cagando de medo de
ser preso.
Ele solta uma gargalhada como se toda a situação fosse
realmente cômica, aproveito seu momento de distração e dou mais
dois passos, ficando cada vez mais próximo dele. Drew para de rir, e
eu paro de andar. Ele me encara agora com raiva, toda a
tranquilidade que ele tinha em seu rosto há segundos fora
substituída por ódio.
— Agora, voltando para o assunto sobre o amor... Sempre
houve duas pessoas nesse mundo que eu amei de todo meu
coração, aquele que dividiu um útero comigo... — Ele sorri, como se
lembrasse de algo muito bom. — E aquela dos olhos mais
brilhantes, e sorriso mais doce do mundo. — Seu sorriso agora é
frio. — E eu me peguei em um dilema inúmeras vezes, sobre quem
eu deveria manter em minha vida, e eu nunca hesitei, obviamente
seria a Heaven, afinal, ela é a única que pode me dar tudo o que eu
sempre quis, mas vocês nunca me deixaram ter... — Drew sorri
tristemente. — A porra de uma família. Foi por isso que eu pedi ao
JC para te matar, mas ele não aceitou muito bem, veio com papo de
Jesus, perdão e todo esse blá blá blá. — Drew faz movimentos de
fala com uma mão. — Devo te dizer, aquele cara é pirado.
Dou mais um passo em sua direção, dessa vez ficando a cerca
de cinquenta centímetros de distância.
— Eu sei que Heaven não confia mais em mim, mas eu
precisava que ela voltasse para os meus braços, e a única forma
seria se eu não sujasse minhas mãos, afinal, eu estaria lá no
momento em que ela chorasse. — Escuto o barulho de um carro
parando ao lado, porém não desvio o olhar de Drew, e nem ele de
mim, também escuto ao longe o som da sirene da polícia. Drew
aponta a arma em direção ao meu peito. — Me desculpe por isso
maninho, mas é necessário.
Então é nesse momento que tudo o que acontece muito rápido,
passa à minha frente em câmera lenta.
— Não! — É o grito de Heaven.
Em seguida, eu sinto o vento bater às minhas costas, ao longe
vejo as luzes dos carros de polícia brilharem atrás de Drew, um vulto
aparece na minha frente, e eu só reconheço que se trata de Heaven
quando o barulho do gatilho sendo pressionado, e da bala
abandonando o cano da arma reverberam em meus ouvidos.
No entanto, o tiro não saiu da arma de Drew, o som soou às
minhas costas. Eu olho mais para frente, e as luzes vermelhas e
azuis cintilam cada vez mais próximas, meu olhar abaixa, e outro
tiro é disparado, dessa vez da arma de Drew. O corpo de Heaven
estremece à minha frente e nós dois caímos no chão ao mesmo
tempo em que observo atentamente Drew levar as mãos até o
abdômen, e lentamente suas pernas cederem, fazendo com a arma
que estava em sua mão caia no chão.
A polícia está agora mais próxima, em frente à mesma casa
onde eu estacionei o carro de Kane.
Mais um tiro soa, e eu não sei de onde ele vem.
Outro tiro.
Drew está deitado no chão.
E ainda mais perto, a voz de um policial soa:
— Mãos ao alto.
No segundo em que minhas costas se chocam contra o chão,
consigo ouvir o sussurro da voz de Drew entrar em meus ouvidos:
— Eu amo vocês.
Segure, segure, me agarre
Porque eu sou um pouco instável
Um pouco instável
UNSTEADY | X AMBASSADORS

Sabe a sensação de ver toda a sua vida passar diante dos seus
olhos? É exatamente isso que acontece comigo no momento em
que o baque alto de um tiro soa em meus ouvidos, mas não fui eu
quem atirou. Sinto um ardor em meu abdômen, no mesmo instante
em que meu dedo pressiona o gatilho da arma que eu seguro, outro
baque alto de tiro atravessa os meus tímpanos.
Vejo as duas pessoas que eu mais amei em toda minha vida,
ambos indo ao chão, juntamente comigo, só que ao contrário de
mim, não há sangue neles, eu nem mesmo sei se há sangue em
mim, porém o cheiro ferroso e o outro tiro que escuto são o
suficiente para saber, no momento em que eu chego ao chão, que
eu fui atingido.
Por isso todos os meus momentos se passam diante dos meus
olhos, todos os quais eu posso me recordar. A primeira lágrima
verdadeira que sinto escorrer pelo meu rosto é devido à lembrança
do momento em que eu atravessei a faca na barriga do meu irmão.
Eu era apenas uma criança, eu não devia ter feito aquilo, mas eu
me senti bem ao realizar o feito, pois eu queria que ele se sentisse
mal, assim como me senti quando ele ganhou um conjunto de legos
e eu não. O gosto salgado da lágrima entra na minha boca assim
que outra memória invade a minha cabeça.
“— Por favor, papai. Não me deixe aqui — imploro ao meu pai
que está à minha frente, ele acaba de me dar às costas e me
entregar a uma mera desconhecida. Eu não sei por que ele está
fazendo isso, eu já pedi desculpas pelo que fiz ao Axel e à mamãe,
por que ele está me botando de castigo dessa forma?!”
Outra lembrança embaralha a minha mente, essa em questão é
o momento em que reencontrei meu irmão.
“Eu não acredito que isso está acontecendo, finalmente eu
estou o reencontrando, poderia se passarem anos, assim como
passou para nós dois, mas eu nunca deixaria de reconhecer o meu
irmão. Meu irmão Axel.
Abro um grande sorriso quando ele se põe a menos de um
metro de mim, mas ao contrário de mim, ele simplesmente passa
direto, nem ao menos me reconhece, e é nesse exato momento que
meu sangue ferve, me viro para ele e o empurro, fazendo com que
ele dê de cara com o chão, e depois zombo dele.
— Passa pra lá, rolha de poço.”
Tudo se torna embaralhado, não tem uma sequência certa, a
próxima em questão é de quase meia hora atrás, quando me
despedi de Anya.
“Estaciono o carro em frente à casa dos Morris, e digo à Anya:
— Você vai ficar aqui com a tia Reese e o tio Magnus, a mamãe
disse que vem te buscar em breve, ok? — digo calmo e paciente,
Anya assente com a cabeça.
— Quando vamos nos ver novamente? — Anya pergunta.
— Acredito que hoje à noite — respondo.
Abro a porta do carro para a pequena sair, mas eu sou
surpreendido pela mesma quando ela enlaça meu pescoço em um
abraço, quase sem reação eu apenas retribuo o gesto, afagando a
sua cabeça.
— Eu gostei muito de ter um novo irmão, tchau Andrew — Anya
diz se afastando do abraço.”
A próxima é a primeira vez que Heaven sorriu para mim.
“Eu não sei ao certo o porquê, mas Heaven é a primeira pessoa
que realmente me faz querer ser bom, talvez seja porque ela é boa
para mim, ou talvez porque eu tenha começado a fazer terapia para
me tornar uma pessoa agradável para ela, assim como o Axel
sempre foi. E é exatamente isso que eu estou fazendo agora,
estamos na véspera de Natal e decidi presenteá-la com um box de
dvds dos filmes mais antigos da Disney, ela olha para eles
completamente encantada e um sorriso se expande em seus lábios,
trazendo para meu peito uma nova sensação, o que é estranho. Se
minha psicóloga estiver certa com todas as teorias que ela me diz,
talvez o que eu esteja sentindo agora seja a tal da felicidade, e é
exatamente nesse momento que eu decido que eu quero ser feliz
pelo resto da minha vida, e a pessoa capaz de me fazer feliz é ela.
É a Heaven...”
É por isso, que mesmo com a respiração escassa e com a dor
dilacerante que sinto em meu abdômen, eu consigo encontrar as
duas pessoas que eu realmente cheguei a amar na vida, e mesmo
nesse momento, lembrando da minha última consulta, eu não me
importo com o que a psicóloga me disse.
“— Pessoas com o seu tipo de transtorno Drew, muitas vezes
confundem obsessão com amor ou ódio, pois são tão práticas na
arte da manipulação que acabam manipulando a si próprias muitas
vezes. Entenda, eu não estou dizendo que você é incapaz de sentir
algo, estou apenas ressaltando que a indiferença para pessoas com
TPAS é dominante, e quem é apático não sente nada. Talvez você
tenha apenas manipulado sua própria mente, se auto sabotando ao
dizer que os ama, você não pode simplesmente amá-los e depois
machucá-los e sentir-se bem por isso. Mas você pode ser tão
obcecado por eles, que ao fazer o mal à ambos isso lhe traga tal
conforto, o que eu lhe aconselho é se afastar dos dois. Você é um
bom garoto, você quer ser bom, mas enquanto estiver perto deles
você só irá fazer mal à eles.”
Ela estava errada, ao menos em dizer que eu era obcecado por
Heaven e Axel, mas não ao dizer que quando eu ficava ao lado
deles eu os fazia mal, nesse ponto ela realmente acertou, mas
quanto ao amor, ela errou, ela errou feio, pois ela não sabe nada do
que se passa na minha cabeça. Por isso eu consigo declarar logo
em seguida, olhando diretamente para eles.
— Eu amo vocês.
Antes que eu possa finalmente descansar de toda a dor que
estou sentindo, uma última lembrança invade a minha visão.
“— Você me conhece? — a mulher ruiva me pergunta.
Eu apenas assinto com a cabeça, eu não estou assustado, eu
estou com raiva, e eu não quero descontar minha raiva nela. Mesmo
que eu saiba que de alguma forma ela não teve culpa de nada, que
tudo quem arquitetou foi apenas o meu pai, eu ainda sinto raiva
dela, tanto que eu queria que a faca tivesse entrado mais um pouco
nela naquela noite, porque ela nunca foi me buscar, ela nunca se
preocupou comigo, ela sempre se fez ausente.
É por isso que eu apenas pego o saco de salgadinhos na
prateleira do supermercado e dou às costas, mas sou interceptado
quando a mulher corre atrás de mim.
— Andrew... — Eu paro ao ouvir o som da sua voz me
chamando. — Filho... — Quando me viro, vejo que seu rosto está
cheio de lágrimas. — Eu posso te dar um abraço? — ela pede. Eu
não deveria fazer isso, porém a última vez que eu abracei a minha
mãe tem mais de seis anos, por esse motivo eu acabo cedendo ao
seu pedido e abrindo os braços para ela, que imediatamente me
toma com os seus.
Eu não gosto de abraços, eu nunca gostei, o único que eu gosto
é o da Heaven, mas não sei porque, o da minha mãe biológica me
faz bem, então eu retribuo o seu.
— A mamãe sente muito por tudo o que aconteceu — ela fala
com a voz chorosa, ainda me abraçando. — Seu pai me enganou, o
maldito do seu pai me enganou, eu quis te pegar de volta, eu quis
lutar por você assim que eu soube, mas ele é mais forte do que eu,
e eu não pude, eu apenas não pude. — Ela se afasta de mim, mas
põe as mãos em meu rosto. — Saiba que eu jamais deixei de te
amar, você é meu filho, Andrew, eu te amo, a mamãe sempre te
amou, e sempre que você precisar eu vou estar aqui por você, está
bem?”.
É exatamente com a lembrança da minha mãe dizendo que me
amava, que eu finalmente acredito nela. Por muito tempo eu duvidei
da sua declaração, tanto que nesse dia eu pedi para ela me
esquecer e nunca mais vir atrás de mim, mas agora, nesse exato
momento, eu sei que minha mãe me amou, ela apenas não teve
forças para que eu pudesse estar ao seu lado. Então, enfim eu me
sinto em paz e pronto para partir, porque eu tenho a certeza que eu
fui amado por alguém, e que também consegui amar outras
pessoas, mesmo que de uma forma torta.
Porque você tem a mim e você sabe
Que eu tenho você e eu sei
TILL FOREVER FALLS APART - ASHE FT. FINNEAS

— Eu quero ir com você e a mamãe — Anya cruza os braços


sobre o peito, fazendo bico e batendo o pé.
— Eu sei que você quer, mas aonde a gente vai só tem adulto.
— Você não é adulto, Axel — responde revirando os olhos,
depois que ela aprendeu a fazer isso, ninguém segura mais a
criança, e o pior de tudo é que se a repreendemos, ela revira ainda
mais.
— Mas eu sou bem maior do que você — retruco.
— Meu outro irmão também é bem grande, ele vai estar lá? —
pergunta ela com os olhos brilhantes de curiosidade.
Como eu explico à garota que sim, seu outro irmão estará lá,
porém não estará, porque é o velório dele?!
“Os policiais correm até o meu pai tirando a arma de sua mão,
ele também foi alvejado por um tiro que Drew direcionou a ele,
sendo atingido na perna, porém isso não impede que os policiais o
deitem no chão, algemando-o para, em seguida, solicitarem uma
equipe médica no local. Meu pai acaba de pôr definitivamente um
fim na vida no Drew.
As cenas que antes passavam em câmera lenta à minha frente,
agora estão na velocidade normal.
É difícil conciliar todas elas ao mesmo tempo, ver meu pai
sendo preso, algo que eu sempre sonhei realmente acontecer,
assistir Heaven ajoelhar-se em frente ao corpo imóvel, e agora sem
vida de Drew, e até mesmo vê-lo ali na minha frente, morto.
Não que de alguma forma eu esteja me ressentindo a algo, por
inúmeras vezes desejei esse final para ele, mas por um milésimo de
segundo, escutá-lo dizer que nos amava como suas últimas
palavras, fez com que alguma parte do meu coração cambaleasse.
Fez com que eu visse que à minha frente, quem estava perdendo a
vida e dando seu último suspiro, não se tratava apenas de uma
pessoa que odiei desde o momento em que conheci, mas também
do meu irmão.
O qual eu nunca tive a oportunidade de conhecer dessa forma.
Mesmo que muito provavelmente eu acabaria o odiando igualmente,
ainda assim, por esse pequeno momento, eu assisti o meu irmão
morrer, e não é uma imagem fácil de lidar.
Só me dou conta que estou há muito tempo parado no mesmo
lugar, quando sinto uma mão pousar em meu ombro. Olho
atordoado para o lado e vejo que se trata de Kane, então me toco
que ele sabia a minha localização, e por isso Heaven chegou até
aqui. No primeiro tiro disparado ela se jogou à minha frente, fazendo
com que nós dois perdêssemos nosso equilíbrio e fôssemos ao
chão. Kane aponta com o queixo, me mostrando a garota ajoelhada
ao lado do corpo de Drew, ela não parece estar chorando, apenas
observa ele.
Eu assinto para Kane, e me aproximo de Heaven ficando de
joelhos ao seu lado, coloco uma mão em sua perna, e pergunto:
— Você está bem?
Ela me olha de canto, e depois volta a fitar o rosto de Drew que
ainda está com os olhos abertos, as pupilas dilatadas, deixando um
pequeno círculo âmbar ao redor do preto agora imóvel. Heaven
parece pensar, antes de responder.
— Tive inúmeros pesadelos nas últimas semanas, inclusive
nessa noite — revela. — Todos com ele em cima de mim, me
agredindo como um verdadeiro monstro. Tudo o que eu sempre
temia em Drew eram seus olhos, eu sabia que ele se transformava
em outra pessoa quando suas pupilas dilatavam, mas agora, diante
dele, vendo-o assim tão impotente, e pela primeira vez o preto que
domina seus olhos não se trata de fúria, e sim de adoração, é tudo
tão estranho. — Ela aproxima a mão do rosto gelado de Drew, e
delicadamente fecha os seus olhos. — Na vida temos sempre dois
caminhos quando presenciamos ou vivemos uma situação,
podemos vê-la pelo lado bom ou ruim, e assim seguirmos nosso
caminho. Mesmo que não queiramos acreditar, o Drew era apenas
um garoto quando viu a maldade pela primeira vez, e coube a ele
pegar essa situação e transformá-la em algo para seguir, ao invés
de se tornar alguém melhor a partir dela.
Heaven coloca sua mão sobre a minha.
— Então, respondendo à sua pergunta, eu estou melhor do que
pensei que estaria em um momento como este — responde. — Só
nunca imaginei que meu reencontro com ele, depois de tudo o que
aconteceu, acabaria dessa forma. — Heaven tira atenção do rosto
de Drew, virando-se para mim. — E você, como está?
Paro por um segundo antes de responder, pois um grande nó se
forma em minha garganta como se eu estivesse pronto para chorar
a qualquer momento, ao mesmo tempo em que um alívio súbito
toma conta de mim.
— Eu sinceramente não sei.
Ela aperta ainda mais minha mão, e aproxima sua cabeça do
meu ombro, encostando-a ali.
— Mesmo que não esteja, está tudo bem, porque vamos
superar juntos.
Beijo sua testa e continuamos ali por cerca de mais cinco
minutos, até os legistas chegarem e pedirem para nos afastarmos,
para levarem o corpo.
Depois de ter dado uma declaração à polícia sobre tudo o que
havia acontecido, eles nos liberaram. Agora estamos na sala de
Heaven, onde minha mãe já se encontrava, e agora acaba de saber
a notícia sobre a morte de Drew. Ela pede licença e vai até o lavabo
acompanhada por Marlon, enquanto Anya sai da cozinha, e senta-
se ao meu lado.
— Hoje eu conheci meu outro irmão, ele é bem legal, me levou
até o parque, demos granola a alguns patos perto do lago, depois
ele comprou sorvete sem lactose para nós dois, porque ele também
é intolerante, aí ele me deixou aqui na Révi. Você sabia que o
Andrew também é intolerante, igualzinho a mim? — Anya tem seus
olhos cinzas brilhantes.
— Não, não sabia — respondo dando um beijo na cabeça de
Anya.”
— Que tal nós duas assistirmos Shrek, Anya? — Heaven
propõe.
— Eu não gosto mais do Shrek, prefiro assistir os Minions. —
Ela corre até o sofá da sala de TV da casa de Heaven, com suas
galochas amarelas que combinam com a blusa também amarela
que veste por debaixo de uma jardineira jeans, ela realmente
colocou na cabeça que agora é um minion.
— Muito obrigado por ficar com ela — digo puxando Heaven
para um abraço.
— Vamos apenas assistir filmes, comer pipoca e chocolate, sem
glúten ou lactose — ressalta. — Ou seja, eu estou no paraíso, lindo.
— Ela beija minha bochecha e se desfaz do abraço, pegando
apenas na minha mão. — Você está bem?
— Bem melhor do que há uma semana.
Já faz uma semana desde que Drew morreu, no entanto,
apenas hoje está acontecendo o velório. Na noite de sua morte, eu
acordei em meio a um pesadelo, depois quando dormi de novo,
sonhei com nós dois, dessa vez agindo como dois irmãos normais,
foi aí que eu decidi que precisava fazer terapia. Não sei até onde eu
vou com isso, entretanto está sendo bom colocar meus sentimentos
para fora, alguns que eu nem mesmo tinha conhecimento da
existência, como, por exemplo, a falta que eu sinto do meu irmão.
— Você tem certeza de que não quer ir para o velório? —
pergunto, e ela assente com a cabeça.
— Eu já tive a minha despedida — responde tranquilamente.
Me despeço dela com um beijo, e em seguida vou até Anya
passando a mão por sua cabeça. Ela está com o controle remoto na
mão, escolhendo o que irá assistir no catálogo de algum streaming.
Antes de sair da casa, Magnus me chama até seu escritório, e
eu o acompanho.
— Eu tenho dois assuntos para falar com você — revela. —
Você prefere começar com o mais leve ou com o mais pesado
primeiro?
Certo... É agora que ele vai me dizer que eu aparento ser um
cara muito bom, porém diante das circunstâncias da minha vida, e
dos meus parentes, prefere que eu continue longe da filha dele.
Então eu decido por...
— Pesado.
— As provas do processo contra seu pai são bastantes
convincentes, diante de tudo o que ele fez, qualquer juiz com um
mínimo de juízo sequer, o deixaria mofar na cadeia até a morte.
Perante essa situação, sua mãe me pediu para representar você e a
Anya, já que meu irmão poderia ter interesses próprios em uma
situação como essa. Os bens de Daniel estão bloqueados no
momento, contudo assim que o processo finalizar, tudo deverá ficar
com os herdeiros legítimos, você é maior de idade, por isso sua mãe
pediu para que eu conversasse com você sobre o assunto.
Respiro aliviado soltando uma grande e audível lufada de ar que
estava presa em meus pulmões, o que deixa Magnus confuso.
— O que foi? — pergunta ele.
Eu retomo minha postura antes de respondê-lo.
— Eu pensei que você ia me mandar dar o fora da sua casa, e
não chegar perto da sua filha nunca mais.
— Por que eu faria isso, Axel?
Dou de ombros ao franzir o cenho.
— Sei lá... Pelo meu histórico familiar, talvez?! — respondo
receoso.
— A sua família, ou melhor, o seu sangue, não é um formador
de caráter, e eu sei que isso é algo que você tem desde que tinha
apenas doze anos de idade, e dançava valsa com minha filha na
sala sempre que assistiam A Bela e A Fera. Você para mim é a
mesma coisa que um filho, Axel, você faz bem à Heaven desde que
vocês eram crianças, vocês são felizes juntos. Há alguns meses,
tudo o que eu queria era ver minha filha solteira e aproveitando a
vida, porém bastou eu ver quão feliz ela é ao seu lado, que pude
perceber que nunca se trata do estado civil, e sim da pessoa que a
acompanha. Vocês dois nasceram um para o outro, e mesmo que
encontrem dificuldades futuramente, o que vai acontecer, é normal e
todos os casais passam por isso, vocês vão superar, porque vocês
não são apenas um casal, vocês são os melhores amigos um do
outro.
Magnus se levanta da sua cadeira, e dá a volta em sua mesa,
parando de frente para mim.
— E independentemente do que o futuro reserva para você,
aqui dentro — Aponta para o seu peito. — Você sempre será um
filho para mim.
— Isso quer dizer que eu posso te chamar de papai? — sugiro
ao arquear uma sobrancelha.
— Também não fode, garoto.
Nós dois rimos da situação, e por último damos aquele bom e
velho abraço constrangedor que os homens sempre dão, com
batidinhas nas costas e sorrisos sem graça.
Eu posso não ter respondido para ele, mas, sempre que penso
em uma inspiração para o meu futuro, eu nunca me via como o meu
pai, e sim como o Magnus. Então, por esse motivo, ele também é
um pai para mim.

Como fiquei de deixar Anya na casa de Heaven, minha mãe e


Marlon foram em um carro separado.
Na capela onde aconteceu o velório, estavam alguns colegas
que Drew colecionou durante a época da escola, e também vários
companheiros do time de futebol da Stout. Mesmo ele não fazendo
mais parte do time há meses, ele ainda morou na fraternidade, o
que acabou abalando quase metade do time a ponto de, um dia
após a sua morte, perderem o campeonato nacional o qual eu não
participei, e, por isso, muito provavelmente, eu possa acabar sendo
expulso do time.
A família adotiva de Drew também se fez presente, e vários
outros vizinhos vieram ao cortejo a fim de desejarem os pêsames
aos seus pais adotivos. Nesse momento eu acompanho minha mãe
até Claire Jones, assim que as duas se olham, abraçam-se de
imediato e choram.
Após a notícia da morte de Drew, a polícia descobriu que no
bolso de sua calça havia um pen drive, e nele estavam vários
arquivos que provavam vários delitos cometidos pelo meu pai,
incluindo o falso atestado de óbito de uma criança de quatro anos,
também os papéis de adoção, além de vários outros crimes que ele
cometeu. Davenport levou um tiro de raspão, porém logo após o
atendimento médico foi preso imediatamente. Ainda que ele tenha
agido por defesa à terceiro, no momento em que atirou em Drew, e
não vá responder por isso, agora ele aguarda o julgamento por
todos os crimes que cometeu ao longo dos anos.
Graças a esse arquivo de Drew, Claire procurou minha mãe, e
agora as duas choram a perda de um filho, que mesmo diante dos
maiores erros, ambas nunca deixam de serem suas mães, seja de
sangue ou criação.
Minha mãe saiu para conversar com alguma amiga e Marlon
continua a acompanhando. Eu aperto a mão do pai adotivo de Drew,
e dou um abraço breve na mãe, a seguir eu vou até onde Elliot e
Grey, que acenam com a mão para mim, estão.
— E aí — cumprimento quando me aproximo.
Ambos vieram juntamente com o restante do time que residia na
fraternidade, Kane optou por não fazer a viagem, uma vez que ele
nunca teve nenhum relacionamento com o Drew a não ser por toda
a história que sempre foi do seu conhecimento ou os treinos de
cerca de dois meses.
— Como você está? — Grey pergunta. — Quer dizer... Dizem
que gêmeos sentem tudo o que o outro sente, só que ele está lá e
você aqui... — se apressa em explicar sua pergunta, antes fosse
questão de sentimentos.
Pouso a mão em seu ombro, dando dois tapas com força
enquanto respondo:
— Éramos bivitelinos, então contando o fato de que estou vivo,
estou bem.
— Poxa, isso doeu cara — reclama, passando a mão em seu
ombro.
— Era para doer mesmo — respondo com um sorriso cínico.
— Só não entendi o porquê da agressão.
— Deve ser para você aprender a manter a porra da boca
fechada antes de falar merda — Elliot, que está ao seu lado, se
exalta.
— Sua mãe está a dois metros daqui, Elliot — lembro a ele, que
olha para o lado espantado, esperando que Margaret realmente não
tenha ouvido nenhum palavrão que seu filho acaba de soltar.
— Eu não sei quem vai me matar primeiro, vocês por sempre
me lembrarem da minha mãe, ou ela por sempre me assombrar —
Elliot sussurra dessa vez.
— Tenho quase certeza que sua mãe — digo convicto.
— A mulher é uma bruxa — Grey completa e Elliot olha para ele
completamente ofendido.
— Você está falando da minha mãe, porra! — Elliot dá um soco
no peito de Grey.
Os dois entram em uma discussão sobre a senhora Tanner,
quando olho mais à frente e vejo uma cabeça loira saindo da capela.
Nem me despeço deles, apenas corro atrás de Sadie, que para a
minha surpresa não foi embora, e sim está sentada na escadaria da
entrada. Relaxo o passo e vou até onde ela se encontra, antes de
sentar-me ao seu lado, levo a mão até o bolso da minha calça e tiro
de lá um escapulário. Logo que estou no mesmo degrau que ela,
estendo a mão a fim de lhe entregar o objeto.
— O que é isso? — me olha atônita, enquanto seguro a
corrente em minhas mãos.
— Acho que de todos aqui, além dos pais de Drew e da minha
mãe, você foi a única que realmente o amou. Quando éramos
crianças usávamos o mesmo escapulário, antes do meu pai
entregá-lo, ele tirou o cordão do seu pescoço para entregar à minha
mãe — explico. — Esse aqui era o que pertencia a ele, a muito
tempo atrás.
Sadie pega o cordão da minha mão, e o observa.
— Sua mãe não vai achar ruim?
— Na ocasião em que eu perguntei a ela, ela disse que seria
bom que ficasse com alguém que um dia o amou, apesar de seus
defeitos.
Sadie sorri triste para mim.
— Eu realmente cheguei a amá-lo.
— Eu sei que sim. Por isso ele deve ficar com você. — Fecho
sua mão que está com o escapulário.
— Obrigada por isso, Axel. — Sadie olha para seus pés, e
depois traz seus olhos de volta até mim. — Às vezes eu me sinto
culpada pelo que aconteceu com ele — murmura.
— Por que você teria culpa de algo, Sadie? — Lanço a pergunta
de forma solidária.
Ela olha para frente e assiste algumas crianças brincarem na
praça em frente à capela.
— Eu que chamei a polícia — revela ela. — Naquele dia ele
apareceu no meu dormitório, no entanto eu o expulsei, quer dizer...
eu gritei mandando ele sair. Ele tentava contornar a situação, e não
ia embora, ele disse que havia ido se despedir de mim, porém eu
continuei gritando até o momento em que ele decidiu ir. Foi então
que eu liguei para a polícia e dei informações de como ele estava
vestido.
Eu não havia notado que Sadie estava chorando até perceber o
movimento que ela faz ao limpar a lágrima de sua bochecha, por
causa disso levo minha mão até o seu joelho, pressionando-o.
— Sadie — a chamo, ela rapidamente olha para mim e faço
questão de manter contato visual com ela. — Você não tem culpa de
nada, a pessoa que apertou o gatilho não foi você, muito menos a
polícia, foi o meu pai. Ninguém sabe o que o Drew havia planejado,
mas que ele tinha algo em mente, isso é fato. Por mais injusto que
tenha sido, o Drew pagou por seus erros com a vida, e nem você,
nem a Heaven, eu, minha mãe ou até mesmo a Claire, têm culpa
alguma por tudo o que aconteceu com ele. A pessoa responsável
por tê-lo abandonado e também posto um fim na vida dele foi preso.
Sadie leva novamente as mãos até seu rosto, e limpa mais
algumas lágrimas ali.
— Obrigada por isso, Axel — Ela parece realmente verdadeira
ao me agradecer. — Embora eu queira acreditar nas suas palavras,
ainda assim, é um pouco difícil para mim.
— De nada. — Olho para frente, agora também observando as
crianças brincarem. — Lembra que no nosso último encontro você
disse que todos precisamos de terapia?
— Sim.
— Eu já comecei a minha, seria bom se você também
começasse a sua. — Me levanto, e a única resposta que recebo de
Sadie é o som da sua risada triste.
Eu realmente pedi aquele colar à minha mãe, assim que a vi em
seu quarto pegando uma caixa que estava cheia de lembranças da
infância de Drew. Eu nunca havia visto aquela caixa, ela me revelou
que quando soube que o filho havia morrido anos atrás, mesmo
descobrindo a mentira anos depois, ela guardou várias lembranças
dele, como roupas, sapatos, fotografias, desenhos, e o escapulário.
Quando pedi para dar a alguém que eu imaginava que não teria
nenhuma lembrança dele, minha mãe pensou ser a Heaven, então
lhe revelei os sentimentos que a nossa vizinha nutria pelo Drew. Por
muito tempo, eu realmente me neguei a acreditar que a Sadie podia
amá-lo daquela forma, contudo ver a forma como ela reagiu à
notícia, tão diferente da frieza da Heaven, me fez acreditar que
realmente, do jeito mais torto, a garota o amava.
Um dia após a morte de Drew, estava chovendo muito, e ao
olhar pela janela da minha sala, vi Sadie sentada em frente à casa
de seus pais, ela abraçava as pernas, e seu semblante era de pura
tristeza, ela estava encharcada pela chuva. Heaven, que estava na
minha casa naquele dia, atravessou a rua, a pegou pela mão e a
levou para dentro, onde lhe ajudou a se secar e trocar de roupa.
Mais tarde, ela levou um pedaço da lasanha que eu havia preparado
para o jantar, e só saiu do lado de Sadie depois que ela comeu tudo
e adormeceu.
Muitos que veem de fora, julgam Heaven como trouxa, porém é
como eu sempre digo, o coração dela é enorme. Mesmo que o rio
esteja seco, ela só irá desistir de procurar água quando vir que
realmente não existe uma gota mais dela.
O mesmo acontece com as pessoas, por mais que elas lhe
magoem, ela consegue passar por cima disso, e enxergar o melhor
que há no outro.
Ela disse que Sadie não é uma pessoa má, ela apenas se
desviou dos seus princípios e foi manipulada para estar com alguém
que ela pensava amar, não que ela estivesse errada por isso, só
estava longe de estar certa. De qualquer maneira, não vejo Sadie
como uma pessoa má nessa história, a enxergo como uma vítima,
ela também nunca foi uma figurante, ela apenas precisa de espaço
para contar sua própria história, suas próprias dores e motivos.
Talvez para um público, ou quem sabe para si mesma, desde que
com ela, ela possa aceitar seus erros e fazer deles acertos.
Acho que aprendi com meus pais
Que um amor verdadeiro começa com uma amizade (...)
Eu preciso de um homem que seja paciente e gentil
Que sai do carro e segura a porta
Eu quero uma dança lenta na sala de estar
Como se tivéssemos dezoito anos no baile de formatura
E envelhecer com alguém que me faz sentir jovem
Eu preciso de um homem que me ame como
Meu pai ama minha mãe
LIKE MY FATHER | JAX

Ouço a voz da minha mãe gritar pelo meu pai no andar de baixo
no momento em que a porta do meu quarto é aberta e Axel entra
por ela. Ele para ao meu lado depositando um beijo na minha testa.
— Pronta?! — pergunta.
— Preciso apenas de ajuda para fechar a mala, não consigo de
jeito nenhum — reclamo lutando contra o zíper.
Axel tira minhas mãos da mala, e, com um pouco mais de força
do que eu, consegue fechar a bolsa, depois a coloca no chão.
— Heaven, você está indo a um casamento a três quadras
daqui, você não está se mudando.
Ele diz, obviamente não se referindo apenas à quantidade de
coisas que estou levando, mas também a todas as roupas, sapatos
e acessórios espalhados pela cama e chão do quarto. Eu realmente
fiz uma bela bagunça no meu quarto.
— Você nunca deve reclamar da quantidade de coisas que uma
mulher leva em sua bolsa — o informo.
Axel levanta as mãos no ar em rendição.
— Entendido.
Saímos do meu quarto, e descemos as escadas. No andar
inferior encontramos meus pais dançando na sala ao som de Celine
Dion, os dois sorriem abertamente e se olham encantados, como
um jovem casal apaixonado.
Se há uma coisa que mais admiro em meus pais, é que eles
nunca, nunca, nunca mesmo deixaram de ser apaixonados um pelo
outro. A chama da paixão nunca os abandonou, mesmo diante das
maiores dificuldades nunca deixaram de entender um ao outro, e
mesmo quando brigam mal conseguem passar mais de meia hora
sem se falarem.
— Pela animação de vocês dois, acho que hoje vocês me
encomendam um irmãozinho — brinco.
Eles param de dançar quando escutam minha voz, agora que
me encaram vejo que ambos não estão apenas felizes, estão
emocionados, os dois com lágrimas nos olhos. Estou pronta para
lhes perguntar o motivo de tanta emoção, porém antes que as
palavras saiam da minha boca, noto que minha mãe segura um
pequeno bastão em suas mãos e meu pai passa a mão em sua
barriga.
— Ai. Meu. Deus — grito pausadamente correndo até eles.
Chegando em frente ao casal que me pôs no mundo, minha
mãe me entrega o bastão, onde nele está escrito: “Grávida +3”.
— Eu vou ter um irmãozinho? — pergunto emocionada, olhando
para eles.
— Ou uma irmãzinha — minha mãe comenta enquanto assente.
— Ou um casal — é a vez do meu pai falar. — Vai que sejam
gêmeos.
Passo meus braços ao redor do pescoço dos dois, abraçando-
os.
— Obrigada, obrigada, obrigada. Eu amo muito vocês.
Eles retribuem o abraço, no entanto sinto meu pai levantar a
cabeça antes de falar:
— Não fica parado aí, garoto. Vem cá.
Segundos depois Axel completa o nosso abraço. Lágrimas
transbordam em meus olhos, e posso dizer que em um ano inteiro,
pela primeira vez, o líquido salgado que desce por meu rosto é de
pura felicidade.
Quando nós quatro nos desfazemos do abraço, Axel abraça
minha mãe e depois meu pai, os parabenizando, ao passo que eu
continuo encarando o teste de farmácia encantada com o resultado.
— Isso é tão incrível — comento. — Eu sempre sonhei em ser
irmã — digo com um sorriso no rosto, limpando a lágrima que desce
por ele. Durante toda a minha infância sempre quis ter um irmão ou
uma irmã, e mesmo que eu já esteja um pouco velha para isso, a
felicidade que habita em mim neste momento não deixa de ser
gigante. — Vocês não têm noção do quanto eu estou feliz, eu
prometo que essa criança terá a melhor irmã do mundo inteiro.
— A gente não duvida nem um pouco disso, Heaven — meu pai
diz.
— Agora vocês precisam ir, senão a Íris vai surtar — minha mãe
fala, também limpando as lágrimas dos seus olhos.
Abraço meus pais mais uma vez antes de me despedir, e assim
que estou prestes a fechar a porta, olho para meu pai.
— Nenhum aviso antes de eu sair? Como, por exemplo, “não
engravide minha filha” — faço aspas com as mãos tentando imitar a
voz do meu pai. — “Usem camisinha”, ou qualquer coisa do tipo,
pai?
Minha mãe me olha espantada, a cor vermelha adorna as
bochechas de Axel e meu pai ri de mim.
— Não preciso dizer nada, sei que vocês já sabem de tudo —
meu pai responde. — só que se forem usar drogas, usem das boas.
— Magnus — minha mãe repreende.
— Pai — exclamo junto a ela.
Meu pai apenas dá de ombros, e me abraça mais uma vez.
— Prometo que essa criança que vai nascer vai fumar pelo
menos um beck com quinze anos, porque essa daqui saiu careta
demais.
Dou um tapa em um braço do meu pai, e minha mãe dá no
outro. Ele se abraça, passando as mãos pelos braços agredidos.
— Esqueci o quão fortes minhas garotas são.
— Que seja, até mais tarde — me despeço. — Amo vocês.
Axel leva minha mala até o carro, colocando-a na parte traseira.
Quando estou prestes a fechar a porta do lado do passageiro, vejo
meu pai correndo até nós com um pacote de camisinhas na mão.
Ele para na minha frente, ofegante e diz:
— Você tem razão, usem camisinha. Como eu não vou precisar
disso nos próximos nove meses, aqui está. — Meu pai me entrega a
embalagem.
— Obrigada... Eu acho — digo rindo da situação na qual nos
encontramos.
Meu pai beija a minha bochecha e nos despedimos mais uma
vez. Entro no carro, passo o cinto pelo meu peito, e noto que Axel
está engasgado com uma risada.
— O que foi? — pergunto.
— Seu pai, você... — diz, dando partida no carro. — Vocês
Morris são todos loucos.
— Nós somos apenas felizes — digo convencida.
— E o quão feliz você está agora? — pergunta.
— O suficiente para usar todas essas camisinhas essa noite,
quem sabe até um anal — digo maliciosa, com as sobrancelhas
levantadas.
Axel respira fundo, e conhecendo ele como conheço, sei que
seu pau endureceu apenas com a menção ao anal.
— Não prometa algo que não vai cumprir, Morris.
— Quem disse que não vou cumprir? — digo mordendo o lábio
inferior com um semi sorriso inocente.
— Você está prometendo seu precioso cu a mim essa noite? —
diz tirando seus olhos da pista e me encarando por dois segundos.
— Não sei, talvez sim, talvez não. — Levo a mão até o seu
membro, e passo as pontas dos dedos delicadamente por cima do
tecido da sua bermuda cargo, uma pequena lembrança de como ele
gozou pela primeira vez na minha presença. — Se vocês dois forem
bons garotos, muito provavelmente sim.
Axel solta uma lufada de ar tentando reaver o ritmo de sua
respiração.
— Eu nunca disse isso em voz alta, mas você é a minha
perdição, Morris. Minha perdição.
Rio de suas palavras e expressão. Tiro a mão do seu membro,
deixando que ele descanse o suficiente para mais tarde, e beijo sua
bochecha.
A viagem até a casa de Axel dura menos do que dez minutos,
então logo chegamos ao local. Hoje é o casamento da sua mãe e do
meu tio, e a cerimônia e jantar acontecerão no quintal da casa, que
já está sendo organizado desde ontem. Prometi à Íris que estaria
aqui mais cedo e a ajudaria a se arrumar, assim como Wes, que
será responsável por seu cabelo, e Allison que também deve chegar
em breve apenas para conversar e fofocar.
Antes de entrar na casa de Axel, vejo Sadie chegando na sua
com suas malas, muito provavelmente voltando apenas hoje do
campus, uma vez que suas notas caíram no final do semestre. Já
estamos no mês de maio e tem cerca de uma semana que nossas
aulas acabaram, contudo quem precisou refazer as provas teve que
ficar uma semana a mais, o que foi o caso da Sadie. Aviso a Axel
que vou falar com ela e já volto, ele apenas assente.
Atravesso a rua correndo, e me coloco ao lado de Sadie,
ajudando-a a fechar o porta-malas, uma vez que ela acaba de tirar
sua última mala do carro.
— Oi Viúva Negra — digo me referindo ao seu cabelo, que está
com as pontas e comprimento loiros, e a raiz com cerca de cinco
dedos ruiva, quase idêntico à Scarlett Johansson no último filme dos
Vingadores.
Sadie, que havia se aproximado um pouco durante o tempo em
que passei no hospital, acabou se afastando. Poucas vezes
almoçou conosco ainda durante o semestre ou chegou a ir a algum
evento no armazém. A verdade é que ela tem vivido em um limbo
desde a morte de Drew, muitas vezes eu bati na porta do seu
dormitório, a fim de conversar com ela, no entanto sempre acaba
em um silêncio ensurdecedor, onde não temos nada para dizermos
uma à outra. Eu queria muito ajudá-la a sair dessa, porém o primeiro
passo tem que ser dado por ela.
— Então, como foram as últimas provas? — pergunto.
— Passei por um fio — ela diz rindo, e eu sorrio aliviada para
ela.
Admito que mesmo diante de tantos erros de Sadie, me
tranquiliza toda vez que ela sorri.
— Fico super feliz por você — respondo animada. — Você vem
ao casamento mais tarde, certo?!
— Apenas se você convencer o Wes a pintar meu cabelo — diz
ela ao retirar dois tubos de tinta da sua bolsa.
— Não precisa pedir duas vezes — digo empolgada ao abraçá-
la.
Dessa vez, Sadie realmente parece um pouco animada, talvez
seja devido ao fim do ano acadêmico, ou apenas à vitamina D que
ela tomou durante a viagem, de qualquer forma, ela parece
genuinamente feliz, o que me deixa ainda mais contente. Ajudo-a a
pôr para dentro todas as suas malas e ela diz que em breve irá até a
casa do Axel , para que possamos pintar seu cabelo, eu apenas
concordo.
Quando entro na casa de Axel, já no vestíbulo, dou de cara com
algumas fotos da família. A que sempre me chama atenção é a que
foi posta ali mais recentemente, é uma de Axel e Drew vestindo
roupas iguais com cerca de dois anos de idade, o que na realidade
é a única semelhança entre os dois, e talvez o tom do cabelo, que é
um loiro escuro, porém todo o restante da fisionomia dos dois é
completamente diferente... Enfim, o milagre da natureza.
Ainda é algo inacreditável para mim que os dois foram irmãos,
todavia hoje é mais aceitável, principalmente pelo fato de que eu
ainda tenho frequentado a terapia regularmente, assim como Axel.
Os meus pesadelos finalmente cessaram, já faz dois meses que não
tenho nenhum, enquanto Axel ainda tem alguns sonhos, quase
sempre a mesma coisa, onde ele e Drew tinham uma vida como
irmãos, e o Drew, por sua vez, não tinha nenhum transtorno, assim
como o pai.
Por falar em Daniel Davenport, seu julgamento aconteceu há
cerca de três meses, onde o mesmo pegou prisão perpétua, de
acordo com todas as provas que Drew tinha contra o homem. A
promotoria que chegou à conclusão que o assassinato de Andrew,
cometido por seu próprio pai biológico, foi um homicídio doloso,
onde há intenção de matar, ganhou o caso, levando o homem para
cadeia até o fim da sua vida.
Inclusive, todos os seus bens foram divididos entre seus
herdeiros legítimos, no caso Anya e Axel, como a pequena é menor
de idade e não pode assumir nada por enquanto, Axel e Íris optaram
por venderem metade dos bens, como imóveis e automóveis, e
doaram o dinheiro arrecadado para instituições que ajudam famílias
com crianças e adolescentes que possuem algum transtorno. Íris
também passou a administrar a empresa de construção, mesmo que
Axel tenha dito que não quer ter nada a ver com a mesma, uma vez
que não quer isso para o seu futuro.
Na realidade, eu ainda não sei o que Axel realmente vai fazer
no futuro, pois após a temporada de futebol finalizar ele decidiu sair
do time da Stout, e durante todo esse primeiro semestre ele fez
apenas cadeiras avulsas, só que no próximo, já teremos que
estudar conforme o que queremos nos especializar. Por isso, ao
subir as escadas da sua casa, vou diretamente para o seu quarto,
onde ele está sentado na cama mexendo no celular.
Paro na soleira da porta e fico o observando por alguns minutos
antes de criar coragem para perguntar aquilo que tem me
assombrado ultimamente.
— Axel... — o chamo, ele rapidamente bloqueia a tela do celular
quando nota minha presença e traz seus olhos até mim. — O que
você irá fazer no ano que vem?
— Como assim? — pergunta atônito.
— Você nunca me disse nada sobre em que vai se formar,
enfim — comento receosa ao me aproximar da cama e sentar-me
de frente para ele. — Durante esse primeiro ano você pegou
inúmeras cadeiras de todos os tipos de área, e por fim decidiu sair
do time de futebol, o que eu definitivamente apoio já que você não
gosta tanto assim, mas e quanto à sua formação? O que vai ser?
— Sobre isso... — Axel estica seu corpo e abre a gaveta da
mesa de cabeceira, tirando dali um maço de papéis que me entrega
em seguida. — Lê! — ele pede e eu o faço.
“Caro Sr. Davenport, visto suas notas acadêmicas do último
ano, devemos dizer que sua redação fora a que mais impressionou
o nosso corpo docente, e mesmo tardiamente, é com imenso prazer
que o comunicamos sobre a sua aceitação no nosso programa
especial de Medicina na Stout College, o único no país com
formação na área em um prazo de seis anos. Estamos ansiosos
para lhe ensinar e aprender com você no próximo semestre.”
Encaro a carta boquiaberta, e depois olho para Axel, me
concentro na carta novamente e assim sucessivamente. Axel
aproxima sua mão do meu queixo fechando minha boca, pois ele
não imagina a notícia que também tenho que dar a ele.
— Como... o quê... como? Hã? — consigo perguntar.
— Eu realmente demorei para saber o que queria para o meu
futuro — explica. — Você é alucinada pelo teatro, assim como o
Kane é louco por futebol, você lembra que no dia do julgamento do
meu pai eu saí dizendo que precisava resolver algumas coisas?
Assinto com a cabeça.
— Eu realmente saí para resolver algo, nesse caso foi
relacionado ao meu futuro, por isso viajei até Stone Bay, fui até o
hospital e procurei pela terceira médica...
O interrompo.
— Promise?
— A própria — confirma. — Durante o tempo em que você
passou no hospital, eu sempre escutava o quanto ela queria que
você entrasse nesse programa só que você sempre se negava, eu
apenas ouvia, mas fiquei interessado da mesma forma, então
procurei por ela, e comentei sobre meu interesse na medicina.
Perguntei como funcionava o programa, porém ela não me
respondeu, apenas pegou o celular, fez algumas ligações e me
mandou fazer uma redação sobre o que eu quero para o meu futuro,
e me mandou enviar para ela. A carta de admissão chegou apenas
hoje pela manhã, por esse motivo não comentei nada antes, não
queria deixar ninguém com esperanças à toa.
— Sobre isso... — eu começo.
Em seguida, abro a minha mala que está em cima da cama de
Axel, pegando também um maço de papel lá de dentro, igual ao que
Axel havia me entregado, e dou em suas mãos
— A Promise é incrível — divago, ela sempre comentava
comigo sobre o programa de formação em cinco anos na frente de
Axel, e eu realmente sempre me neguei. — Eu nunca imaginei que
você se interessasse pela medicina, nem eu mesmo tinha ideia que
eu poderia realmente me interessar, então liguei para ela e acabei
aceitando sua oferta há duas semanas.
Axel tira seus olhos do documento que havia lhe entregue e me
olha. Um tanto quanto entusiasmado levanta os papéis no ar antes
de indagar:
— Você está me dizendo que você também irá cursar medicina?
— pergunta ele com um brilho intenso nos olhos.
Eu mordo o lábio inferior concordando com a cabeça, ele larga
meus papéis no chão, e me puxa para seu colo plantando todos os
tipos de beijos possíveis em meu peito, pescoço e rosto. Eu apenas
rio da situação, arqueando a cabeça para cima e encontrando a
pintura, que imita o mar caribenho, do seu teto, que é simplesmente
perfeita. Quando Axel para de me beijar, estamos ambos sorrindo
olhando um para o outro, então eu comento:
— Eu pensava que não tinha como você ser mais perfeito, mas
você vem e me surpreende mais uma vez. Já imaginou no futuro,
seremos os Doutores Davenport... — digo levando a mão a cima,
como se estivesse lendo um letreiro invisível.
Axel pega minha mão, e a leva até seus lábios beijando-a no
dorso.
— Prefiro mil vezes que nos chamem de Doutores Morris.
Coloco minha outra mão no coração para ter certeza de que ele
ainda está batendo, porque eu juro que ele acabou de parar com
suas palavras.
— Doutor Morris?!
— Você não acha que depois que a gente se casar, eu irei
continuar com o Davenport, acha? — ele pergunta ao arquear uma
sobrancelha, como se seu questionamento fosse óbvio demais para
mim.
— A gente vai se casar?!
— A vida é cheia de incertezas, Heaven. — Ele passa as mãos
pelas extremidades do meu rosto ao me olhar nos olhos. — No
entanto, se há uma coisa que eu tenho certeza, além de que dois
mais dois são quatro, é que desde os meus dez anos de idade, eu já
sabia que eu nasci para você, e não há qualquer outra mulher no
mundo que eu queira manter em minha vida a não ser você.
Puta que pariu!
Houve dias em que eu chorei como uma vagabunda triste, hoje,
eu, com certeza, choro como a vagabunda mais feliz do mundo.
— Pega as camisinhas que meu pai me deu — peço.
— O quê? — Axel me olha confuso.
— Eu preciso usar pelo menos duas delas nesse momento —
digo já correndo até a porta do quarto e trancando-a logo em
seguida.
Axel não tem tempo de pensar direito assim que eu volto, pois
rapidamente eu tiro meus shorts e subo em seu colo, o ajudando a
se livrar de sua bermuda e cueca. Rasgo a embalagem da
camisinha e visto seu pênis, tudo isso em menos de trinta segundos,
ajusto seu pau na minha entrada, dando a primeira cavalgada antes
de murmurar contra seus lábios.
— Eu te amo para um caralho, Axel.
Ele sorri e me beija.
Eu faço amor com Axel pela milésima vez, talvez. Por estar com
ele dentro de mim, nesse momento em que nossos corpos estão
unidos como um só, que eu realmente não me importaria se o
mundo acabasse agora, pois a felicidade que sinto é imensa a esse
ponto.

— Você vai sim — insisto com Wes pela terceira vez desde que
Sadie me mandou uma mensagem informando que já estava vindo.
— Eu não vou pintar os cabelos daquela vaca — ele diz
convicto ao cruzar os braços sobre o peito.
— Tudo bem, então eu pinto sozinha e acabo manchando ele
todo — conclui Sadie dando de ombros ao entrar no quarto de Axel.
Exatos dois minutos depois de Axel e eu termos gozado, Wes e
Allison chegaram à sua casa, Axel desceu para ajudar o tio Marlon
com os últimos detalhes da cerimônia, enquanto eu e meus amigos
nos apossamos do seu quarto até o momento de arrumar Íris.
Wes solta uma lufada de ar ao se aproximar de Sadie, tomando
a tinta das mãos dela.
— Você pode até ser uma vaca, mas ninguém merece ser uma
vaca de cabelo manchado. Anda logo, senta ali, vagabunda — diz
Wes ao apontar para a cadeira no quarto de Axel, da qual Allison se
levanta rapidamente.
Enquanto Wes prepara a mistura de tinta e água oxigenada
para passar no cabelo de Sadie, Allison comenta:
— Eu ainda não acredito que você vai simplesmente abandonar
o Teatro para fazer Medicina. — Após a chegada dos meus amigos
eu os contei a novidade, além de informá-los que serei irmã mais
velha.
— Nem me diga — diz Wes em um bufo. — Eu poderia matar
você por isso, Heaven.
— Você vai cursar Medicina? — pergunta Sadie chocada. —
Como você conseguiu? O programa é quase exclusivo.
— Ela tem os contatos dela — diz Wes ao puxar o cabelo de
Sadie, que murmura um palavrão. — E cala a boca.
— Isso se chama agressão, Weston — Sadie reclama.
— Se me chamar de Weston outra vez eu deixo você careca —
ameaça ele, apontando o pincel de cabelo na direção de Sadie, que
apenas fecha os dedos em pinça e os passa sobre a boca, como se
estivesse fechando um zíper.
Allison e eu rimos da interação dos dois, e logo depois conto à
Sadie como consegui a vaga para estudar Medicina, também digo
que Axel estará cursando a mesma coisa no ano que vem, e assim
nós quatro embarcamos em uma conversa animada, rimos,
dançamos e cantamos. No final das contas, Wes não só pintou o
cabelo de Sadie perfeitamente como cortou as pontas, finalizou em
uma escova e ainda fez ondas. Ele pode até odiá-la, mas que ele
amou arrumá-la, ele amou, e ninguém pode negar isso.
Agora estamos ajudando Íris a terminar de se arrumar, seus fios
ruivos acobreados estão presos em um coque despojado, onde no
topo há algumas flores. A mãe de Axel usa um vestido Off White
todo trabalhado na renda e pedraria, como ela tem um corpo magro
e esguio, a peça cola perfeitamente em seu corpo. Wes finaliza sua
maquiagem com o iluminador, e ela está pronta. Simplesmente
estonteante.
— O tio Marlon vai se dar bem hoje à noite — Allison comenta.
Minha amiga em questão usa um vestido vermelho vibrante,
que combina com a cor do batom que adorna seus lábios carnudos,
seus fios dourados estão soltos em cachos desarrumados
propositalmente.
— O papai Marlon não é seu tio — Anya corta Allie no momento
em que termino de ajudá-la a calçar seus sapatos.
Anya é dama de honra por isso usa um vestido digno de uma
princesa, com uma saia cheia de pregas e com bastante pano, além
de uma coroa na sua cabeça,
— Ele é meu tio sim — responde Allie mostrando a língua para
a Anya.
— Mamãe! — Anya grita. — A Allison mostrou a língua e isso é
feio, briga com ela.
— Allison... — Íris tenta não rir ao repreender a loira.
— Que coisa feia de fazer na frente dos outros, Allison Foster —
Wes fala tão sério que sua voz sai bastante grossa.
Ele veste um blazer na cor laranja que vai até a metade de suas
coxas, por baixo uma camisa cor vinho de mangas compridas e gola
alta, a cor da sua calça é a mesma do blazer. Seus cabelos
cacheados estão trançados, e ele usa uma maquiagem leve na pele.
— Muito feio mesmo — complementa Sadie ao franzir os lábios.
A ruiva em questão veste um vestido de seda na cor azul claro,
as mangas tipo princesa levam o decote até o topo dos seus seios,
onde há um laço com o mesmo tecido. A saia, por sua vez, vai até a
metade da canela e é rodada.
Allison apenas revira os olhos em resposta, e logo depois vai
até o espelho comprido, que está posto no quarto em que estamos
nos arrumando, para ver os últimos detalhes de sua roupa. Eu vou
até Íris e ajeito uma flor que quase cai de seu cabelo.
— Você está simplesmente linda, Íris — digo num sorriso,
encarando minha sogra.
— Você acha mesmo? — pergunta apreensiva ao franzir o
cenho, usando a mesma expressão que Axel sempre usa.
— Eu tenho certeza — digo, abraçando-a de lado.
— Estou tão nervosa. Ao mesmo tempo em que acho que
demorei muito para seguir em frente com minha vida, penso que fui
rápida demais nesse relacionamento, daí fico me perguntando: será
que não estou me precipitando?!
Eu viro o rosto apenas um pouco para encarar a mãe de Axel, e
digo:
— O que eu vou dizer agora, não é porque o tio Marlon é meu
tio, o que eu vou dizer é com base no relacionamento de vocês, que
eu tenho assistido nos últimos meses de camarote. O tio te ama, te
respeita e te admira, ele não te julgou e nem nunca lhe culpou por
algo, apenas esteve ao seu lado quando você precisou, e,
conhecendo-o como conheço desde criança, sei que ele fará isso
pelo resto da vida. E vamos ser sinceras, eu sofri nessa vida cerca
de três por cento de tudo o que você sofreu, e se eu mereço a
felicidade, porque você não merece também?! Apenas se joga
nesse homem, Íris. Se você não o ama, pelo menos usa o corpinho
dele — brinco no final para fazê-la rir, e dá super certo.
— Vocês Morris são todos sem juízo — diz ela ao impedir que
as lágrimas caiam de seus olhos.
— Já já você se torna uma também. — Pisco para ela.
Em seguida, somos interrompidas por três batidas na porta.
— Deixa que eu abro — Wes se prontifica em dizer. — Vocês
vão amar as roupas que escolhi para eles.
Esqueci do detalhe que Wes foi o responsável por todos os
looks masculinos, e eles não fizeram birra alguma pela escolha das
roupas que irão usar no casamento. Wes reclama que eu mudei de
curso na faculdade, porém acredito fielmente que ele também
poderia mudar o seu para algo relacionado à moda, pois sei que da
mesma forma que ele arrasou ao nos ajudar com nossas roupas, sei
que suas escolhas para os meninos foram incríveis. Mesmo ainda
não tendo visto nada, arrisco dizer que não foram nem um pouco
comuns, dado o estilo que Wes tem, ele nunca os colocaria para
vestirem um simples terno e gravata borboleta.
Quando a porta se abre, o primeiro vislumbre que tenho é do
Kane, que veste um conjunto de calça e blazer no tecido crepe Off
White com detalhes pretos nos botões e acabamentos dos bolsos.
— Fala a verdade, eu tô um gato ou não tô? — diz entrando e
passando as mãos pelos cabelos em corte militar.
O próximo que entra é o Grey, que!, por sua vez, veste um
smoking preto e camisa branca com uma gravata borboleta, mas
quando eu disse que o Wes não iria vesti-los com nada clássico, eu
falei a verdade, o tecido do blazer e da gravata é tipo camurça.
— Você está um gato — Grey constata. — Mas nada supera a
minha beleza.
— Certo, o mais bonito de todos mesmo, sou eu. Sai da frente
— diz Elliot entrando no quarto. Ele usa um blazer tipo de cetim
estampado com rosas escuras, a calça tem a mesma estampa, e
por dentro uma camisa branca.
Caímos no riso com o charme. Eles três realmente estão lindos,
porém aquele que faz o meu coração acelerar de verdade, acaba de
passar pela porta vestindo uma calça de linho preta e uma camisa
branca com um blazer todo trabalhado em pedrarias, com desenhos
de coroas. Simplesmente, perfeito.
Nossos olhos se encontram ao mesmo tempo, eu sorrio para
ele animadamente enquanto ele me encara com puro encanto em
seus olhos cinzentos.
Me aproximo de Axel, e logo passo as mãos sobre as lapelas do
seu blazer.
— Então, como estou? — pergunto passando os dedos por
seus lábios, quase como se os limpando, porque tem baba visível
neles.
— Você... cê... está... está... — gagueja. — Porra! Você está
linda.
Sorrio para ele genuinamente porque essa era a minha
intenção, obter exatamente essa reação de Axel. O vestido que uso
é bege, com uma fenda que vai do início da minha coxa direita até
os pés, o tecido quase transparente é todo trabalhado na pedraria,
com apenas uma alça torcida que vai do lado esquerdo do meu
pescoço até minha clavícula do lado direito, onde sobra um pouco
de tecido. Assim como o de Allison, ele também é colado em meu
corpo, do alto dos seios até o final da barriga, onde o tecido é solto
levemente. O cabelo, prendi em um coque alto, e a maquiagem
optei por um esfumado marrom e preto nos olhos, e na boca um
batom nude com um pouco de gloss, dando assim mais destaque
para minha íris azul.
— Você também está lindo — respondo.
Axel beija o topo da minha testa, e eu beijo o seu queixo, onde
a barba fina que desenha seu rosto me causa leva pontadas.
— E eu, como estou? — pergunta Anya, que adentra o espaço
vago entre nós dois.
Axel a pega no colo, e beija sua bochecha.
— A princesa mais linda que já vi em toda minha vida.
— A mamãe está uma rainha — Anya sussurra nada baixo no
ouvido de Axel ao fazer uma conchinha.
Axel então olha mais à frente e encara sua mãe com plena e
total admiração. Em seguida, se aproxima dela com Anya ainda nos
braços, e solta um assobio para ela.
— Se você não fosse a minha mãe, com certeza eu me casaria
com você, coroa — exclama Axel brincalhão.
— Eu também me casaria com ela — comenta Grey distraído
ao ajeitar as abotoaduras da sua camisa.
Todos nós ficamos em silêncio e olhamos para Grey ao mesmo
tempo, ele permanece arrumando as abotoaduras da sua camisa,
sem ao menos se tocar do que acaba de falar. Quando termina e
levanta seu olhar, ele nos encara sem entender nada.
— O que foi?! — pergunta genuinamente confuso.
— Você acabou de dizer que casaria com minha mãe, cara —
Axel diz quase irritado ao colocar Anya no chão. — Minha mãe!
— Não foi isso que eu quis dizer — Grey rapidamente levanta
as mãos no ar.
— E o que foi então?! — questiona Kane.
— No mínimo ele quer casar com o Axel — responde Elliot.
— Ele sabe que vai ter que competir comigo para isso
acontecer, certo? — pergunto me aproximando de Grey com um
sorriso malicioso, o mesmo olha para mim assustado.
— É mais fácil eu casar com a Allison — Grey solta, novamente
sem pensar.
— O que você quis dizer com isso? — pergunta Allison irritada.
— Quer saber?! Deixa pra lá, cansei!
Allie sai do quarto pisando duro, e Grey lança um olhar aturdido
para nós. Wes dá dois tapas em seu ombro e apenas nega com a
cabeça, saindo do quarto também. Sadie é a próxima a se
aproximar de Grey, e solta um leve risinho ao dizer:
— Eu sou uma vaca, mas se tem alguém que ganha de mim
com as palavras, esse alguém é você, Grey.
Então Sadie também deixa o quarto.
— O que foi que eu fiz? — Grey pergunta para mim.
— Falou besteira, como sempre — respondo apenas.
— Não entendi...
— Nem queira... — interrompo-o imediamente.
Grey responde que tudo bem e logo depois sai do quarto,
acompanhado por Elliot e Kane, e os três começam a discutir no
momento em que estão fora dali, ficando no cômodo apenas eu,
Axel, Íris e Anya. Ambas pegam seus buquês de flores para
entrarem na cerimônia, enquanto eu vou até a mesinha que tem no
quarto e pego a caixinha que Wes trouxe mais cedo da padaria da
sua mãe, para levar até a cerimônia comigo tendo certeza que não
deixei a data que se aproxima passar em branco.
Quando estamos no andar de baixo me separo de Axel com um
selinho, pois ele irá entrar com sua mãe, e antes de ir até o meu
lugar, deixo a caixinha que havia pegado no bar com um dos
barmans contratados. Já havia combinado com ele de que ele a
manteria ali até o momento em que eu fosse buscá-la.
Meus pais, que são os padrinhos, são os primeiros a entrarem,
ambos com sorrisos enormes no rosto, em seguida entram mais
dois casais de amigos do meu tio e Íris, e depois é ele quem entra
acompanhado da minha avó, meu tio fala alguma coisa em seu
ouvido que a faz dar um belo tapão em seu braço, fazendo todos ali
rirem da situação. Tio Marlon está lindo, usando um terno de três
peças verde escuro que combina perfeitamente com seus olhos
verdes e pele bronzeada, como é o segundo casamento dos noivos,
eles optaram por usarem algo mais casual.
Após a entrada do noivo, a próxima pessoa que caminha pelo
tapete de gramas é Anya, que espalha pétalas de rosas por todo o
caminho. Chegando ao final, ela joga todas as pétalas restantes na
cestinha no chão, deixando um pequeno monte de rosas em frente
ao lugar onde os noivos ficarão, e quem está assistindo a cena ri.
No momento seguinte, a melodia de Dandelions da Ruth B
tocada apenas em piano, reverbera em todo o quintal, então Íris
entra acompanhada de Axel, o que me faz chorar de completa
emoção. Um pequeno frio se instala no meu estômago, quando eles
chegam ao final da trilha de pétalas que Anya havia deixado ali. Axel
abraça meu tio, e assim que Íris se coloca ao lado dele, ele leva a
mão até seu rosto limpando a lágrima que desce de seus olhos, os
dois se olham com sorrisos singelos e cheios de amor, o que me faz
olhar para Axel imediatamente, mas não me surpreende ele já estar
me olhando. Logo que o encontro ele pisca para mim e sorri,
enquanto eu retribuo com um beijinho no ar.
A cerimônia toda é conduzida pelo pastor Tanner, pai de Elliot,
no entanto quem encerra mesmo é a Anya ao pedir o microfone ao
pastor e dizer:
— Com o poder concedido a mim, eu vos declaro mamãe e
papai da Anya, agora podem beijar minha bochecha.
Todos caímos nos encantos de Anya, e Marlon e Íris fazem
exatamente o que Anya disse, ambos beijam o rosto da pequena.
Após o encerramento extremamente fofo, todos os convidados
tiram fotos com os noivos, e posteriormente a pista de dança é
liberada até o jantar, onde meu pai e Axel fazem um brinde. O último
brinde é o meu, porque foi um pedido de última hora de Íris, por
essa razão eu já começo:
— Sendo sincera, eu não preparei nada — revelo. — Mas vou
usar de todo o meu conhecimento sobre a vida e o amor. Um dia eu
vi um vídeo que dizia que na vida nos apaixonamos por três
pessoas, e pensei que aquilo era uma bobagem, porém pensando
bem, hoje vejo que não é. O primeiro amor acontece entre a infância
e a adolescência, o chamado “amor de contos de fada”. — Faço
aspas com as mãos. — Ele é aquele que pensamos que irá durar
para sempre, mas não irá... Porque logo aprendemos que contos de
fadas não existem.
Dou uma olhada de relance para Axel antes de continuar.
— O segundo tipo de amor é o intenso, o amor que vai revirar
o seu mundo de cabeça para baixo. Aquele que vem com o mais
alto dos altos e o mais baixo dos baixos. Aquele que vai te causar
muita dor, porque ele vai te ensinar o que você quer e o que não
quer.
Limpo uma lágrima solitária que cai em meu rosto ao ter
lembranças de Drew.
— Já o terceiro tipo de amor é o amor incondicional. Aquele
que vai ficar, aquele que vai te fazer sentir amado, adorado, a salvo
e seguro. Aquele que não vemos chegando, contudo vai te fazer
sentir em um lar, e mesmo que você esteja perdido, ele sempre
estará lá quando você precisar de um porto seguro. — Olho
novamente para Axel, e dessa vez quem pisca sou eu, então
levanto minha taça no ar e digo: — Que Marlon e Íris sejam o lar um
do outro pelo resto de suas vidas.
— Que Marlon e Íris sejam o lar um do outro pelo resto de
suas vidas — todos os presentes no local repetem minhas palavras
ao final do brinde.
— Agora vamos à dança dos noivos — o cerimonialista chama.
Os dois se põem ao centro da pista e dançam uma balada
calma e romântica, e logo a pista volta a ser liberada para os demais
convidados. Axel pede a minha mão para dançar, entretanto eu olho
para a tela do meu celular e vejo que o relógio já marca 23h59,
faltando apenas um minuto para 22 de maio.
— Espera, espera, espera — peço. — Preciso fazer uma coisa
antes.
Axel franze o cenho, me olhando em completa confusão.
— Fecha os olhos — digo.
— O que você vai fazer, Heaven?
— Fecha a droga dos olhos, Axel — esbravejo.
Ele levanta as mãos e fecha os olhos.
— Só, por favor, não me mate.
Viro-me de costas para ele, e vou até o bar pegando de volta a
caixinha que havia deixado ali. Tiro lá de dentro um cupcake de
chocolate, e em cima coloco uma velinha acendendo-a com um
fósforo que peço ao barman e volto até onde Axel está ainda com os
olhos fechados, chegando perto dele sussurro:
— Pode abrir os olhos. — Ele o faz. Seu rosto se compadece,
sendo iluminado apenas pelo fogo da vela entre nós. — Feliz
aniversário!
— Você lembrou? — pergunta com a voz embargada.
— É óbvio que eu lembrei, bobo. Agora faça um pedido e
apague a vela.
Olhando em meus olhos Axel sopra as velas, a seguir começa a
tocar Because You Loved Me da Celine Dion. Axel tira o bolinho das
minhas mãos, deixando-o em cima da mesa.
— Me concede a última dança da noite, senhorita? — Ele
estende a mão, e eu a pego.
Ele me conduz e me roda, depois me agarrando pela cintura
juntando nossos corpos pela primeira vez na dança. Quando
chegamos à pista de dança, minha avó pisca para mim, e eu
retribuo o gesto antes de ela dizer:
— Seu namorado é um gostoso. — O que me causa uma risada
involuntária e deixa as bochechas de Axel queimando em pura
vergonha.
Ao pôr a mão no ombro de Axel, pergunto:
— Então, o que você pediu?
— Nada.
— Como assim, nada? — pergunto espantada.
— Eu apenas agradeci, porque já tenho tudo o que eu sempre
desejei no meu último pedido de cinco anos atrás. Só quero que
continue tudo do jeito que está para sempre.
— Para sempre — repito em um sorriso.
Encosto minha cabeça em seu ombro e dançamos lentamente
enquanto presto atenção na letra da música, que diz exatamente
tudo o que Axel representa para mim.
“Você foi minha força quando eu estive fraca
Você foi minha voz quando eu não podia falar (...)
Você me deu asas e me fez voar
Você tocou na minha mão, eu pude tocar o céu
Eu perdi minha fé, você devolveu-a pra mim (...)
Eu fui abençoada porque fui amada por você.”
Eu sinto que realmente fui abençoada, porque Axel é tudo que
eu sempre quis para mim, uma pessoa que me amasse exatamente
da forma como meu pai ama minha mãe, uma pessoa que vê além
dos meus defeitos ou dos meus acertos.
O amor que existe entre Axel e eu vai muito além do que
vemos.
Porque você me faz sentir como
Se eu estivesse impedido de entrar no céu
Por um longo tempo
LOCKED OUT OF HEAVEN | BRUNO MARS

Paro o trabalho que estou fazendo para rir, lembrando da viagem


que fiz com Heaven há seis anos. Foi no nosso primeiro verão
juntos desde que nos reencontramos, e eu a levei para a viagem
vendada.
Isso mesmo, vendada!
“— É sério que ninguém vai me contar para onde a gente está
indo? — Heaven pergunta assim que chegamos ao aeroporto.
— Nem pensar — Kane responde.
— Nananinanão. — Sadie nega com a cabeça.
— Nem mesmo se Allah descer para a terra e me pedir, eu digo.
— Wes estala a língua.
— Só por cima do meu cadáver — Allison completa.
— Eu também não sei para onde vocês vão — Grey comenta.
— É claro, você tem uma boca de caçapa, não sabe guardar um
segredo. — Elliot dá um tapa na cabeça dele.
— Eu acho isso tão injusto — Heaven cruza os braços por cima
do peito. — Quase todos vocês sabem, e eu não. E se eu estiver
sendo sequestrada?!
— Você acha mesmo que seus pais iriam concordar que eu te
sequestrasse? — indago.
— É... Você tem um ponto.
Quem fez as malas de Heaven foram Wes e Reese, para não
ter perigo de ela desconfiar para onde estamos indo. Nossos amigos
fizeram questão de nos acompanharem até o LAX, Aeroporto
Internacional de Los Angeles. Nos despedimos deles prometendo
que traremos presentes.
Quando chegamos ao portão de embarque, estendo os fones
de ouvido para Heaven.
— Para o que é isso? — pergunta atônita.
— Para você não ouvir para onde estamos indo, assim que a
atendente ou os comissários de bordo chamarem.
— Sério que precisa disso tudo?! — Faz uma careta enquanto
pega os fones.
— Surpresa, é surpresa — respondo lhe estendendo os óculos
escuros, que realmente são escuros.
Os óculos tem tipo uma tampa, que não dá para ver nada
através da lente, a não ser o preto. Consegui isso com o Grey, mas
se me perguntarem onde ele achou, prefiro nem pensar no assunto.
— Eu acho bom que essa viagem seja espetacular, Axel,
porque se você estiver me fazendo passar vergonha atoa, eu capo
você.
Olho para Heaven assustado, não duvidando nem um pouco
que ela é capaz disso.
Dou um beijo em sua testa, e respondo:
— Não fala uma coisa dessas, linda. Eu prometo que você não
vai se arrepender disso.
— Assim espero... — diz por fim, antes de pegar os óculos.
Quando estamos dentro do avião, faço a troca dos óculos pela
venda preta, que está mais para uma máscara para dormir.
— Ele é meu namorado, e eu acho que ele não está me
sequestrando, é apenas uma surpresa — murmura assim que põe a
venda no rosto.
Rio da situação, porque ela realmente está passando vergonha
dessa forma, porém eu prometi que iria valer a pena, o que na
verdade, já está.

Logo que chegamos ao hotel, faço o check-in do nosso quarto,


e deixo que o concierge tome conta das malas. Com Heaven ainda
vendada, ajudo-a a atravessar o lobby, e depois a área de piscinas,
no momento em que estamos do lado de fora e de frente para o
mar, retiro a venda do seu rosto.
Noto que primeiramente Heaven tenta se acostumar com a luz
do sol, colocando uma mão sobre os olhos, e segundos depois, o
incômodo em seu rosto é substituído por admiração.
Lhe abraço por trás, dando um beijo em seu pescoço.
— Bem-vinda à Punta Cana — digo.
— Ai, meu Deus! — exclama, me olhando de lado. — A gente
está no Caribe?
Assinto com a cabeça.
Heaven se vira ficando de frente para mim, dá um pulo e enlaça
suas pernas em minha cintura, me dando vários selinhos.
— A gente vai transar na porra do Caribe, Axel — grita eufórica.
A mantenho na posição que está, segurando-a com uma mão
na cintura e passo a outra mão em sua nuca, acariciando seus
cabelos. Beijo sua boca, e entre o beijo murmuro:
— A gente vai transar na porra do Caribe.
Heaven se solta do abraço, pega minha mão e juntos corremos
em direção ao mar com águas azuis turquesa, assim como seus
olhos. Quando nossos pés tocam a água, é claro que ela não se
esquece da referência.
— No tempo em que você esteve longe, eu sempre me
perguntei se você sentia minha falta assim como eu sentia a sua, e
ver que você trouxe a minha imagem, de uma forma tão viva e tão
presente em sua vida, só me faz ter a certeza que nunca, nunca
mesmo, iremos ficar longe um do outro outra vez. A partir de agora,
aquela pintura do seu teto não é mais sua, é nossa, portanto me
lembre de nunca mais tirar essa imagem do teto do nosso quarto.”
Eu sabia que ali era o início do nosso tão sonhado “felizes para
sempre”, prova disso é que já faz seis anos que estamos juntos.
Nesse exato momento, eu estou pintando o teto do nosso quarto
com as mesmas nuances do mar do Caribe, ou melhor dizendo, dos
olhos da minha noiva, que acaba de entrar no cômodo admirando
seu dedo anelar.
— Esse anel é muito grande, de verdade. Você tem certeza que
não roubou nenhum banco para comprá-lo, Axel? – indaga ao me
entregar uma cerveja e depois tomar um gole de vinho.
— Não, linda. Eu não assaltei nenhum banco, apenas fiz
algumas economias, já disse.
Eu pedi a Heaven em casamento no dia da nossa formatura,
há dois meses, mas ela ainda vive impressionada com a pedra de
diamante com água marinha, quase do mesmo tom de seus olhos.
— Você sabe que eu pergunto isso só por via das dúvidas,
certo?! Eu sei que você não seria capaz de fazer qualquer assalto.
— É aí que você se engana — falo ao tomar um gole da
cerveja, e Heaven arregala os olhos em surpresa ao mesmo tempo.
— O que você roubou, Axel? — pergunta genuinamente
preocupada.
— Além do seu coração?! Nada — brinco e acabo levando um
tapa no braço. — Às vezes eu esqueço como você é forte.
— Isso foi só para você deixar de ser um idiota — retruca.
Tomo a taça das mãos de Heaven e coloco em cima da escada
em que eu estava há pouco, antes de parar a pintura e recordar a
nossa primeira vez numa ilha do Caribe, juntamente com minha
cerveja. Em seguida me aproximo dela e enlaço sua cintura,
colando os nossos corpos.
— Um idiota que está louco para fazer algumas idiotices para
terminar de inaugurar o apartamento — sugiro antes de beijar seu
pescoço.
Nós nos mudamos para Los Angeles faz apenas três dias,
porque iremos começar nosso Internato na próxima semana, mas
enquanto isso estamos arrumando o apartamento e aproveitando
todo o espaço que temos ao nosso dispor.
— Eu acho que gostei dessa ideia. Falta inaugurarmos apenas
o quarto, não?!
— Exatamente — concordo ao morder o lóbulo da sua orelha.
— Uma pena que só temos o chão no cômodo — comenta ela
em uma falsa tristeza.
— E desde quando isso é um problema para você? — indago
ao afastar minha boca de sua pele.
— Desde nunca. — Então Heaven me dá o seu mais belo e
malicioso sorriso ao pular em meu colo, contornando minha cintura
com as pernas.
Eu a agarro pela bunda e vamos até o chão, onde finalmente
terminamos a “inauguração” do lugar que será o nosso lar pelos
próximos anos. Onde ela bagunça e eu arrumo sem problema
algum, onde eu faço lasanha apenas para assistirmos algum filme
da Disney, porque, mesmo que passem todos os anos possíveis,
algumas coisas entre nós nunca irão mudar.
Assim como o nosso amor, o qual prometemos manter para
sempre aos treze anos de idade. Mantemos essa promessa após
doze anos e tenho certeza que ela se cumprirá até o último dia da
nossa vida.
Eu não sei por onde começar isso aqui...
Quando eu comecei a escrever ADQV era março/abril de 2021,
a história surgiu em meio a uma crise de ansiedade que eu passava
antes de dormir, então no outro dia eu decidi pôr tudo no papel.
Desde que comecei a me dedicar à escrita, as crises que eu tinha
antes cessaram quase cem por cento. Hoje eu estou com 24 anos,
já fui aprovada em vários cursos em inúmeras faculdades, já
tranquei curso e estou prestes a começar um novo, mas sabe
aquele sentimento de “eu gosto disso e quero isso?”, essa sou eu
com a escrita. Eu sempre quis escrever, sempre quis publicar, mas
sempre me faltou coragem, e foi justo através das pessoas que mais
sofreram e resistiram em minha mente que me veio essa coragem
súbita que tomou conta de mim.
Meu primeiro agradecimento com toda certeza é para você que
chegou até aqui, que escolheu a história da Heaven e do Axel como
sua leitura atual, e não desistiu de nós três. Nós somos só o começo
desse mundo caótico de pessoas destruídas que estão apenas em
busca dos seus finais felizes. Então muito obrigada por me dar a
oportunidade de lhe apresentar essas pessoinhas tão especiais que
vivem na minha cabeça. Muito obrigada a você que me apoiou, me
xingou, chorou, riu, surtou, odiou e amou comigo, sem você nada
disso teria acontecido.
Eu escrevo desde sempre, mas nunca me veio a coragem de
uma publicação REAL. Painho foi o primeiro a elogiar minhas
palavras, pois eu não posso escrever um “feliz aniversário” para ele
que ele já está chorando, e mainha, por sua vez, sempre foi aquela
que disse “Vitória, venha aqui, escreva isso para mim”, então eu sou
muito grata a eles e também a Deus por me dar pais tão bons, que
nunca desistiram de mim e sempre me apoiaram.
Em terceiro, gostaria de agradecer e também dedicar esse livro
à Aurora, o maior amor da minha vida, obrigada por ser uma criança
tão especial. Um dia, quando você ler o primeiro livro da sua mamãe
Titória (que você tenha mais de cinquenta anos, amém), saiba que
tudo o que fiz desde o seu nascimento até o último dia da minha
vida é única e exclusivamente para que você um dia tenha orgulho
de mim, assim como eu tenho orgulho de ser sua mãe. A Anya foi
totalmente inspirada em você, desde os gostos, peculiaridades,
falas, gestos e formas de se vestir. Você é a minha paz em meio ao
caos, assim como a Anya é a paz nessa história.
E agora eu também gostaria de agradecer à minha professora
Amanda, te amo titia. Você me deu várias ideias sobre como
escrever a personalidade do Drew, mesmo com consultas para fazer
durante o dia e aulas durante a noite, conversou comigo, me
aconselhou e teve toda a paciência do mundo. Assim como a Mari,
eu sei que te dei trabalho, te perturbei para caramba e mesmo
assim você, com sua agenda de mil sessões por dia, sempre
conseguiu um tempinho para mim. Obrigada também ao Jhon por
tirar todas as minhas dúvidas sobre questões médicas, porque a
gata aqui é formada em Grey’s Anatomy hahaha.
Meu muito obrigada também à Ixtéee, melhor revisora que eu
poderia ter. Você é a primeira que tá lendo isso, então lá vai: eu te
disse inúmeras vezes que quando li os livros em que você trabalhou
eu fui te procurar, no meio do caminho dei de cara até com uma
pastora, mas não desisti porque sabia que tinha que ser você. Muito
obrigada por além de fazer um ótimo trabalho, ainda conversar
horrores comigo, passando madrugadas a fio falando sobre
subcelebridades, vidas e sentimentos, mas principalmente por me
dar forças diante das minhas inseguranças, e puxar minha orelha
sempre que eu enlouquecia e queria mudar várias coisas, inclusive
deixar o Drew vivo. Se não fosse por você, ele estaria vivinho da
Silva.
Obrigada também à Ana, por todos os conselhos, paciência e
conversas. Houve um momento em que eu realmente precisei de
uma linha para seguir e não sabia como fazer, seus comentários
foram essenciais para toda a melhoria dessa obra.
E agora às minhas betinhas do coração que vieram lá do
Wattpad. Quando eu coloquei uma publicação dizendo que iria abrir
vagas para a betagem da reescrita, vocês correram para me
apoiarem. Ana, Manu, Fernanda, Amanda e Pri, meninas se não
fosse por vocês a história não teria chegado a esse nível. Era
reescrevendo e mandando para vocês e já conversando sobre
sugestões e críticas, porque eu sou daquelas que gosta da crítica
mesmo, seja ela boa ou ruim. Vocês fizeram parte dessa história e
não tenho palavras para dizer o quão grata eu sou por vocês.
E, Priscila, mulher, aquieta o coração que o Grey chega já já.
Meu muito obrigada também à todas as meninas que me deram
um norte diante desse lançamento. Minhas parceiras maravilhosas
que surtaram, criaram teorias, odiaram, riram e amaram. Meninas,
juro, vocês são tudo para mim!
Eeeei! Vai pra onde?! Não esqueça de deixar sua avaliação, isso me
ajuda muito, por favorzinho ☹
Deixou?! Obrigada!!!
Agora se prepara que nos vemos já já em Além Da Mentira,
beijossss
Com amor, Vi <3
[1]
Para se obter a licença de motorista nos Estados Unidos é muito simples, basta fazer a
prova teórica e, se passar, logo em seguida já pode fazer a prática, todo o processo pode
ser feito em apenas um dia e ter a habilitação em mãos.

[2]
Tipo a deep web, porém ficcional, apenas para a história.
[3]
Faca e fígado

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