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Nos últimos três meses, descobri que Axel, assim como eu, é fã
dos filmes da Disney.
Hoje é sábado, e estamos fazendo nossa sessão de cinema na
sua casa. Mais cedo, quando cheguei, fui recepcionada por Daniel e
Íris Davenport, a mãe de Axel é ruiva dos olhos cinzas iguais aos
dele, e seu pai é alto, corpulento, com cabelos e olhos castanhos
intensos. O filme escolhido foi Monstros S.A., que conta a história de
Sulley, Mike e da pequena Boo.
Ao final do filme quando a porta da Boo é destruída, para que
assim nenhum monstro possa voltar e o Mike, amigo do Sulley,
consegue reconstruir a porta, sabendo o quanto Boo é especial para
ele, a cena em que os dois se reencontram e a Boo o chama
“gatinho”, é impossível não chorar.
— Você é muito menininha. — Axel ri enquanto os créditos
finais rolam.
— Deve ser porque eu sou uma menininha — ironizo enquanto
enxugo as lágrimas com o dorso das mãos.
Estamos no quarto de Axel, e pulo quando ouço um estrondo, o
barulho deve vir do andar de baixo, a voz do seu pai se exalta.
— Você estava dando em cima dele, não adianta querer me
manipular. Você acha que eu sou um idiota, Íris? — ele grita.
Quando mais um estrondo soa pela casa, me levanto indo em
direção a porta do quarto. Mas Axel é mais rápido e fecha antes que
eu possa passar por ela.
— Eles estão apenas conversando — Axel diz.
Mais um baque, e dessa vez quem fala é a mãe do Axel.
— As crianças estão lá em cima, Daniel. — Sua voz parece
chorosa.
Eu continuo com os pés fixos no lugar. Axel também está
parado, porém encostado à porta do quarto que se mantém
fechada. Escutamos um baque que parece ser uma porta se
fechando. Segundos depois escuto um motor de carro sendo ligado;
Axel finalmente abre a porta do quarto, o que nos dá a visão da Sra.
Davenport passando pelo corredor, sua testa está sangrando.
— Se-se... seu... seu pai machucou e-e-ela? — minha voz sai
em um sussurro enquanto gaguejo.
Axel se aproxima de mim colocando as mãos em meus ombros
e olhando diretamente em meus olhos, sua íris cinzenta está
tomada pelo tom grafite escuro. Sinto que, assim como eu, ele está
em choque, mas ao mesmo tempo está triste.
— Você não pode contar a ninguém o que escutou hoje,
Heaven.
— Ma-mas sua mãe está san-sangrando, Axel — gaguejo
novamente.
— Ela vai ficar bem — garante ele, mas não consegue me
convencer. Me soltando, caminha até a lateral de sua cama. — Acho
melhor você ligar para sua mãe vir lhe buscar.
— Tudo bem — murmuro.
Faço o que Axel pediu. Ligo para minha mãe e peço para vir me
buscar uma hora antes do combinado, já que depois do filme
costumamos ficar jogando videogame. Ela acha estranho, mas diz
que em quinze minutos chega, enquanto isso observo Axel de
longe. Durante a ligação que fiz para mamãe, percebi que ele havia
comido uma barra de chocolate, que estava guardada na sua mesa
de cabeceira, inteira.
Agora ele já está com outra na mão. Seu rosto continua baixo, e
um silêncio toma conta do quarto.
Por seu olhar perdido, sei que ele deve estar triste agora, ou
talvez com raiva. Ele parece ser o mesmo garoto da escola,
inseguro e tímido sempre que Drew ou os outros meninos se
aproximam dele. Na semana passada, trancaram Axel no banheiro
da escola durante a última aula, e mergulharam a cabeça dele na
privada, mas ele não me disse quem foi. Nesse momento ele
demonstra o mesmo medo que tivera naquele dia.
Quinze minutos se passam e escuto a buzina do carro da minha
mãe. Pego minha mochila e saio do quarto de Axel, ele me
acompanha até a porta.
— Te vejo na segunda, Ax — Me despeço, mas ele não diz
nada, apenas fecha a porta na minha cara.
Ando em direção ao Jeep da minha mãe, e subo no carro pela
porta do passageiro. Mamãe ainda não deu partida no carro, apenas
me olha pelo espelho retrovisor.
— Aconteceu alguma coisa, querida? — Mamãe pergunta.
— N-não, porquê?
— Seus olhos estão vermelhos e você está triste. Brigou com o
Axel?
Eu chorei? Não me lembro de ter chorado em algum momento,
apenas fiquei assustada com os gritos, a forma como vi a mãe de
Axel, e seu jeito calado.
— Foi só o filme — afirmo à minha mãe.
— Tudo bem — mamãe murmura enquanto sorri.
Minha mãe tem uma pele bem alva, cabelos castanhos claros,
longos e lisos, seus olhos são castanhos também. O azul dos meus,
ela costuma dizer que eu puxei à minha avó, que faleceu antes de
eu nascer. Ela dá partida no carro e dirige pelas ruas de Stone Bay,
enquanto fico vagando em meus pensamentos, olhando pela janela
do carro. A voz do Sr. Davenport era pura irritação. Eu não comentei
nada, mas quando desci as escadas para ir embora, vi que a mesa
de centro da sala estava quebrada, e alguns cacos de vidro
salpicados pelo chão do cômodo.
Parecia uma cena de briga, e a Íris estava machucada, eu vi o
sangue em sua testa, ela segurava um de seus braços, além da
cabeça estar baixa.
Mas se o Axel pediu para eu não falar nada, por mais difícil que
seja, não falarei. Os gritos do seu pai ainda me assombram, e a
imagem triste da sua mãe, sem o seu sorriso branco e olhos cinzas
brilhantes, também me deixa apreensiva com o que possa ter
acontecido. O Sr. Davenport gritava que ela deu em cima de
alguém.
Sempre que vejo os pais de Axel juntos, a sua mãe nunca sai
de perto de Daniel, por isso é difícil julgar se houve ou não traição.
De qualquer forma, o que eu escutei e vi, é muito torturante para
mim, ele a machucou. Se ela traiu ele? Eu não sei, mas não vejo
motivos para a briga acabar com alguém sangrando.
Mesmo sendo uma criança, eu sei que essas coisas acontecem.
A mãe da minha prima Lila, traiu meu tio Marlon, irmão do meu pai.
Eles brigaram feio, e até mesmo descobriram que Lila na verdade
não era filha do meu tio, mas meu tio nunca a machucou, apenas foi
morar sozinho.
Atualmente
Eu estou muito atrasada. A primeira aula começa em quarenta e
cinco minutos, e a viagem de Stone Bay até o campus da Stout em
Beaufort dura cerca de uma hora.
Estamos no nosso primeiro ano de faculdade, que fica a cerca
de quarenta milhas de distância de onde nossas famílias moram.
Nesse fim de semana, foi o aniversário de vinte anos de casamento
dos pais do meu namorado, por isso tivemos que vir passar o fim de
semana em Stone Bay, e agora Drew está buzinando feito um louco,
a fim de me apressar.
Pela sua pressa e impaciência, é óbvio que eu estou atrasada.
Junto rapidamente minhas coisas na bolsa, dou uma última olhada
no espelho e aprovo minha aparência. Os cabelos castanhos estão
ondulados e uso um arco azul no topo da cabeça, essas peças
acabaram tornando-se parte da minha identidade visual. Passei
pouca maquiagem, apenas corretivo, blush e rímel para ressaltar os
olhos azuis. Segundo Drew, são as coisas mais bonitas que já viu
em toda sua vida.
Drew buzina mais uma vez, e saio correndo do quarto em
direção às escadas. Assim que estou no andar de baixo, passo
rapidamente na cozinha, onde meu pai e minha mãe estão sentados
à mesa.
— O garoto está com pressa hoje — meu pai brinca.
— E eu atrasadíssima. — Pego uma maçã na fruteira que está
no meio da mesa. — Ligo para vocês à noite. — Deposito um beijo
na bochecha do meu pai.
Quando estou saindo da cozinha mamãe chama:
— E o meu beijo? — Dou um sorriso inocente e retorno, dando
um beijo em sua bochecha também. — Cuidado na estrada,
querida.
Drew buzina mais uma vez do lado de fora, e eu levanto um
dedo acompanhado de um bufo.
— Sério, agora tenho que ir.
Corro em direção à porta da frente, batendo a mesma ao sair.
Faço mais uma corrida rumo ao Audi de Drew, e assim que entro
pela porta do carona, dou um beijo na sua bochecha.
— Porra, Heaven! Faz quase meia hora que estou esperando
você aqui. — Dá partida no carro e acelera. — Estamos atrasados.
— Argh, desculpa, acordei tarde. Então, como estou? — Faço
uma voz melodramática e beicinho.
Drew olha para mim por dois segundos e sorri.
— Linda, como sempre.
Sorrio de volta.
— Obrigada. — Drew pega minha mão, e beija o dorso dela
enquanto dirige.
Nosso namoro começou há dois anos, antes disso ainda o
odiava por ser um tremendo idiota com um garoto que era meu
melhor amigo.
Axel.
Ele foi embora há cinco anos. A última vez que tive qualquer
contato com Axel, ele me chamou de vadia, e aquilo me destruiu.
Demorei semanas consumindo a mágoa por suas palavras, e meses
para superar a sua ida sem qualquer despedida adequada.
Drew implicava com ele sempre que podia, e eu o defendia.
Durante meses tentei contato com ele, até mesmo procurei
encontrá-lo através das redes sociais inúmeras vezes, mas há três
anos acabei desistindo quando vi que minhas buscas eram todas
sem sucesso, Axel simplesmente foi embora e nunca mais voltou.
Com o tempo, eu comecei a passar mais tempo com os amigos do
Grey, e um deles era o Drew. Ele foi o primeiro cara que eu beijei. O
nosso início foi complicado, não só por conta do beijo — que ele
sempre fazia questão de me lembrar — mas também, porque eu
continuava o odiando pelas coisas que ele fizera com Axel ao longo
dos anos.
Depois que Axel foi embora, Drew não tinha mais ninguém para
mexer, então ele se mostrou um cara mais tranquilo. Fomos nos
conhecendo melhor ao longo dos últimos anos, nos tornamos
amigos, e cá estamos. Dois anos de namoro.
Apesar do nosso começo não ter sido nenhum conto de fadas,
passamos de inimigos para amigos, e de amigos para amantes.
Perdemos nossa virgindade juntos quando comemoramos seis
meses de namoro.
Drew demonstra ser um namorado carinhoso e atencioso,
mesmo que tenha algumas crises de ciúmes.
Às vezes, o ciúme é necessário em um relacionamento, para
sabermos que temos valor com o nosso parceiro. Eu me sinto
segura ao seu lado, mesmo sabendo que ele tem um
comportamento explosivo. Porém, ele é tão atencioso. No meu
último aniversário, de dezoito anos, me presenteou com um colar de
ouro branco, junto a uma pedra de safira azul, da cor dos meus
olhos, cravejada em formato de gota.
A nossa primeira noite juntos aconteceu na casa dele. Ele havia
decorado todo o seu quarto com pétalas de rosas vermelhas, além
de velas. Ainda tinha preparado, ou melhor — pedido, um jantar
italiano. Mesmo estando nervoso, já que também seria a sua
primeira vez, ele conseguiu fazer com que aquele momento fosse
especial, com que nós dois fossemos especiais. Naquela noite, ele
disse que me amava pela primeira vez, e eu retribuí.
Entre o nosso grupo de amigos, somos os únicos que namoram.
Quando ainda estávamos na escola, costumavam dizer que éramos
o casal perfeito. O quarterback do time de futebol da escola, e a
garota do teatro. Eles me chamavam assim porque desde o primeiro
ano eu fazia os papéis principais na escola, mas agora que
entramos na faculdade, não faço a mínima ideia de como será.
Afinal, na faculdade sempre estão os melhores das outras escolas.
Mas não posso me precipitar tanto assim, porque ainda estamos no
início das aulas.
Termino de comer minha maçã enquanto Drew continua
dirigindo feito um louco pela estrada, desviando dos carros quando
há espaço livre do outro lado. Faltando apenas cinco milhas para
chegarmos à Beaufort, Drew acelera ainda mais o carro. Não perco
tempo em repreendê-lo, porque entendo o motivo de ele estar tão
eufórico, realmente estamos atrasados para a aula.
Quando chegamos ao campus, Drew dirige até o
estacionamento. Quando está prestes a colocar seu carro na vaga
que ele tem ocupado nas últimas duas semanas, uma Mercedes
Classe G toma a frente.
— Que porra?! — Drew esbraveja. — Quem esse cara acha
que é para pegar minha vaga? — Drew bate as palmas das mãos
contra o volante.
— Calma, amor. É só uma vaga. — Tento tranquilizá-lo usando
um tom de voz calmo, mas não adianta muita coisa, já que me lança
um olhar enfurecido.
— Se você não demorasse tanto para ficar pronta, isso não teria
acontecido — vocifera enquanto coloca o carro em marcha ré. — Ou
melhor, se eu não fosse o seu motorista pessoal, talvez eu não
passasse por isso — ele fala enquanto estaciona duas vagas após o
Classe G.
— Nossa! — rio em escárnio. — Não seja por isso, essa foi a
última vez que você precisou me dar qualquer carona, Drew.
Pego minha bolsa, que havia posto no assoalho do carro
quando entrei, e pulo para fora fazendo questão de bater a porta
com força na hora de fechar. Quando saio do carro, dou de cara
com o motorista do Classe G, que também abandona seu carro. Ele
me penetra com seu olhar, e eu fico o encarando. Ele é alto, com
ombros largos, veste uma camisa que gruda em seu corpo, que
parece ser definido, os cabelos em um tom de loiro escuro estão
penteados para cima de forma bagunçada, eles não são curtos
demais, nem longos. A única coisa que não consigo enxergar direito
é a cor de seus olhos, mesmo assim, enquanto encaramos um ao
outro, meu estômago se revira e o gosto da bile sobe até minha
boca, mas eu não entendo o motivo.
Sou tirada do transe dos nossos olhares quando escuto a porta
do carro ser fechada, também com brusquidão. Noto um semblante
de raiva no rosto do motorista, ele balança a cabeça em negativa e
me dá as costas.
Quando me viro, Drew já está fora do carro, com a cabeça baixa
e as mãos fechadas em punho em cima do teto.
— Desculpa, tá legal? — Ele levanta seu olhar de encontro ao
meu. — Eu não quis dizer aquilo.
Rio soltando um bufo.
— O problema não é o que você disse, foi a forma como disse,
Drew. Eu sou sua namorada, eu não sou qualquer uma para você
falar da forma que quiser, não! Você me deve respeito!
Drew trava o carro com o controle, e vem até onde estou,
colocando as mãos em meu rosto deposita um beijo em meus
cabelos.
— Você tem razão... não vai mais acontecer. — Ele levanta meu
rosto para que possa encarar seus olhos castanhos. — Você me
desculpa?
— Tanto faz. — Dou de ombros e ele sorri, mostrando seus
belos dentes brancos.
— Vou entender isso como um sim. — Aproxima nossos lábios
dando um selinho. — Te amo.
— Também te amo, babaca.
Entrelaçamos nossas mãos e caminhamos rumo às nossas
aulas, finalmente.
A Stout College fica localizada ao leste da Califórnia, estando a
cerca de uma hora e meia de distância de Los Angeles. O campus é
dividido em vários prédios, todos com o mesmo tipo de arquitetura
neoclássica, cada um deles com suas especializações, como
Ciências Humanas, Exatas, Informática, Medicina, Direito, dentre
tantos outros, e, obviamente, Artes.
Que é para onde eu vou agora, uma vez que optei por cursar
Teatro e Cinema. Me despeço de Drew com um beijo.
— Te vejo no almoço — digo me despedindo com um selinho.
Quando entro no prédio de Literatura, dou de cara com Wes
que está parado na porta do mesmo se abanando. Ele está
acompanhado de Allison, que olha fixamente para o corredor dentro
do prédio.
— O que aconteceu que vocês dois estão tão admirados? —
pergunto assim que fico próxima o suficiente deles.
— Apenas um gato, que eu nunca vi antes, acabou de passar
por nós — responde Wes, que continua se abanando.
— Ele é tão bonito assim para a Allison esquecer tão rápido do
Grey? — Consigo chamar a atenção da minha amiga que desvia o
olhar do corredor à frente e me encara.
— Ele tem uma bunda espetacular, com certeza — responde
Allie. — Mas nada se compara ao Grey. E falando nele, vocês
acreditam que eu retoquei as mechas do meu cabelo, e ele sequer
notou? — Solta uma lufada de ar, irritada.
— O Grey é homem, Allie. Acredite em mim, eles quase nunca
reparam nas mudanças.
— Acho que ele é gay — Allison fala em um tom sério, com uma
pitada de sarcasmo. — Cinco anos que dou em cima do cara, e ele
finge que não me vê.
Allie começa a andar, indo em direção à nossa próxima aula.
Ela pretende cursar Direito, mas nesse prédio há a aula de Redação
Crítica, que segundo ela, precisa melhorar sua escrita.
— Sério, eu estou desistindo dele.
— Essa é tipo a... — Faço uma pausa fingindo que estou
contando com os dedos, enquanto a acompanho. — A
quinquagésima vez que você diz isso?!
Allie ri junto comigo.
— Dessa vez é sério. Preciso me concentrar em novas
pessoas, agora estamos na faculdade, perdi muito tempo do meu
ensino médio correndo atrás do Grey e ele nem mesmo me notou.
— Seria estranho vocês dois terem alguma coisa — comentou
Wes ao nosso lado. — Afinal, vocês são praticamente irmãos.
Entramos no auditório e sentamos um ao lado do outro.
— Nossos pais se casaram quando já tínhamos praticamente
treze anos, eu não o enxergo nem um pouco como um irmão.
— Mas já parou para pensar que talvez ele te veja dessa
forma? — pergunto retórica.
Allison passa as mãos pelo rosto, quase indignada.
— Ou talvez, ele apenas não sinta atração por mim.
— Você é linda Allie, e o problema entre vocês dois eu tenho
certeza que não é atração — retruco.
— Concordo plenamente com a Heaven — diz Wes ao meu
lado.
— Claro que concorda. — Allie ri. — Você transa com vários
caras diferentes, e a Heaven tem um namoro fixo com o Drew há
dois anos. Enquanto eu, só beijei um cara em toda minha vida, que
foi o meu primo. Se meu primo pode ficar comigo, porque o filho da
minha madrasta não?!
Agora é minha vez de rir.
— Essa sua paixão pelo Grey já está ficando fora de controle.
— Você fala isso porque você tem seu namorado, e vocês
sempre gostaram um do outro.
— Isso não é verdade — Wes me defende. — Eles se odiavam,
principalmente por conta daquele amigo da Heaven… Como era o
nome dele mesmo?
Coço a garganta antes de responder.
— Axel — digo.
— Isso! — Wes exclama. — O Drew realmente era um babaca
com o Axel, e vocês dois se odiavam. Quer dizer, você odiava o
Drew. O que não consigo entender até hoje foi como vocês
acabaram se tornando amigos.
Quando o Axel me deixou na sala, e eu saí correndo em busca
dele, enquanto lágrimas tomavam conta de mim, e minha cabeça
girava em confusão, Drew foi quem me estendeu a mão e me
ajudou, fazendo com que eu me acalmasse. Aos poucos ele foi
tomando um lugar na minha vida, o que obviamente demorou
algumas semanas, talvez até meses, mas depois daquele episódio
nos tornamos amigos, e em algum momento ao longo dos anos,
percebi que o Drew sempre esteve comigo quando eu precisei,
talvez por isso tenhamos engatado em um relacionamento.
Mas mesmo diante disso, eu nunca consegui esquecer o Axel.
Às vezes eu ainda sinto falta do meu amigo de infância,
principalmente aos sábados. Todas as tardes, eu continuo assistindo
aos filmes da Disney, por mais infantis que sejam eles me trazem
paz. No começo do nosso namoro, tentei convencer Drew a assistir
comigo, mas ele não gostou muito da ideia de passar a tarde vendo
desenhos, por mais emocionantes que as histórias sejam.
Drew prefere passar seu tempo jogando GTA. À noite sempre
saímos com nossos amigos, e passamos o domingo sempre
grudados um no outro. Na semana, nos vemos com frequência
também, até porque estudávamos juntos até o ano passado, e ainda
agora, sendo calouros na faculdade, nos vemos com frequência.
Temos um relacionamento estável.
O professor entra na sala estilo auditório, e começa a dar sua
aula. Com isso, cessamos a nossa conversa, o que me traz um
pouco de conforto, já que não estou muito a fim de reviver as
inúmeras memórias boas que tenho com o Axel, eu prefiro mantê-lo
na minha mente, apenas para mim.
As aulas seguintes seguem no mesmo ritmo, depois de uma
hora de Redação Crítica, encarei mais duas horas seguidas de
Antropologia. Agora, finalmente é a hora do almoço; e depois, terei a
melhor do dia para mim, até agora, que é Sociologia.
Apostei em estudar na Stout, não apenas por ser próxima de
casa, onde eu posso ir ver meus pais sempre que tiver vontade, já
que a viagem é de apenas uma hora, mas o principal motivo mesmo
foi o curso de Teatro, pois aqui oferece a melhor grade curricular de
toda Costa Oeste.
Sento-me em uma mesa no refeitório, que fica mesmo no centro
da universidade, juntamente de Wes, Allie e Sadie — a última
tornou-se nossa amiga ainda antes de irmos para o ensino médio,
ela é a típica garota tímida, porém safada. Seu rosto angelical cheio
de sardas, junto com seus olhos castanhos claros, quase cor de
mel, e seus cabelos ruivos, são capazes de enganar qualquer um à
primeira vista. Mas a garota pegou quase toda a população
masculina da Saint Crawford no ano passado, incluindo Grey.
Quando isso aconteceu, Allison ficou puta. Ele fora o primeiro
garoto que Sadie ficou em sua vida, isso ocorreu na mesma festa de
aniversário do Grey, há cinco anos. Ela até chegou a dar em cima
do Drew uma vez quando éramos apenas amigos, mas nunca
chegou a rolar nada entre os dois.
Estou abrindo meu suco de laranja quando sinto um cutucão no
meu cotovelo. Wes, que está ao meu lado, chama minha atenção.
Percebo que todos os três estão com os olhos vidrados no outro
lado do refeitório.
Lá está ele, o cara do estacionamento. Ele continua vestido em
sua camisa preta, que agora vejo que adorna super bem toda a sua
musculatura, a calça azul escura, é colada em sua bunda malhada.
Ele está de costas para nós, em frente à máquina de barras de
cereais, que parece estar travada, já que ele desfere socos, que
tensionam seus bíceps fortes e malhados, contra ela.
— É o carinha que passou por nós mais cedo, acho que ele é
atleta — Wes reflete.
— Eu diria que ele pratica artes marciais — contrapõe Sadie.
Finalmente ele se abaixa, e pega sua barra de cereal. O que
leva todas as garotas presentes no refeitório a suspirarem pela
visão privilegiada de sua bunda. Até mesmo eu, estou admirada
com a visão paradisíaca. Assim que se afasta da máquina, ele sai
do refeitório sem dirigir a palavra, ou sequer o olhar para qualquer
pessoa ali.
— Escuta aqui, Sadie — Allie fala em um tom ameaçador,
apontando o garfo para a ruiva. — Nem pense em chegar perto
dele, ele é meu.
Sadie ri.
— Ele já sabe que você tem a posse dele?
— Engraçada você, né? — Allie retruca. — Estou falando sério,
Sadie. Todos os caras que eu fico afim, você pega antes. Então por
favor, deixe ele pra mim.
— Tudo bem — Sadie sorri enquanto levanta as mãos em sinal
de rendição. — Ele é todo seu, até porque eu tenho em vista outra
conquista. — Solta uma piscadela, e percebo que ela está olhando
para mim.
— E essa “conquista” — faço aspas com os dedos. — Tem
nome? — pergunto.
— Segredo. — Sadie leva seu dedo indicador até os lábios na
mesma hora em que Drew, Grey, e Elliot juntam-se ao nosso
quarteto.
Drew senta ao meu lado e me beija antes de roubar uma
batatinha da minha bandeja; Grey por outro lado, senta ao lado de
Allie que mexe nos cabelos e logo solta um bufo, provavelmente por
que nem assim ele nota a sua mínima mudança, rio com a situação
embaraçosa.
— Então, o que as mocinhas estavam conversando? — Drew
pergunta.
— O carinha que parece que chegou agora — Wes responde.
— Um gato, não acham?
— Prefiro meu namorado — respondo de imediato e Drew sorri
convencido ao meu lado, enquanto Wes revira os olhos.
— Ele não é estranho para mim, tenho a leve impressão de que
o conheço — Grey reflete antes de morder seu sanduíche. Todos
olhamos atentamente para ele, esperando que dê continuidade aos
seus pensamentos, ele percebe. — O quê? — pergunta confuso.
— Você o conhece? — Allie é a primeira a perguntar.
— Ele está na minha aula de história — Grey explica, e dá
continuidade. — Mas tenho certeza que já o vi por aí antes de hoje,
só não sei onde. — Cobre sua boca com o punho e solta um arroto.
— Nojento — Allie reclama fazendo cara de nojo.
— Ele será o nosso wide receiver, o ouvi conversando com o
treinador mais cedo — comenta Elliot.
Ele é nosso amigo desde a época da escola, ele joga futebol
americano juntamente com Drew e Grey, e também ganhou uma
bolsa pelo esporte na Stout. Elliot é filho de pastores, sua mãe
Margaret diz que sexo é pecado, e quando soube que o filho fizera
um ménage na escola durante o segundo ano, na sala de máquinas
em cima do auditório, a mulher foi parar no hospital. Desde então,
Elliot virou celibatário, nunca mais o vimos ficando com uma garota
sequer.
O restante do almoço segue com conversas fúteis, sobre os
calouros, e sobre a festa de boas-vindas na fraternidade onde a
maioria dos jogadores do time de futebol americano residem,
incluindo meu namorado e nossos amigos.
Quando o almoço acaba, caminho com Wes rumo à aula de
Filosofia, que é lecionada pela Srta. Clark, ou como ela prefere, Eve;
seu primeiro nome. Por fazermos o mesmo curso, acaba que
estamos sempre juntos nas aulas.
Entramos no auditório, que já está lotado de alunos, apenas
com dois lugares disponíveis. Percebo que Wes tem a mesma visão
que eu. O cara do refeitório está sentado no fundo e as carteiras
disponíveis são justamente as do seu lado. Subimos até a última
fileira, agora que tenho uma visão melhor dele, tenho a leve
sensação de que já o conheço, assim como o Grey.
Sua mandíbula quadrada está trincada, e nossos olhares se
cruzam novamente. Enquanto o meu leva apenas curiosidade, o
dele é sombrio, como se ele carregasse algum tipo de raiva contra
mim.
Eu sou a primeira a desviar o olhar, deixando que Wes tome a
frente, ele senta-se na carteira mais longe do homem com feições
de raiva, deixando para mim o espaço entre eles dois. Eu me
aproximo, peço licença com um sorriso tímido no rosto, e me sento
ao seu lado.
Depois de tirar meu notebook da bolsa, a coloco no chão. Wes
conversa com um de nossos colegas que está ao seu lado,
enquanto a pessoa que está ao meu lado, encara a tela do seu
computador.
— Oi — quebro o silêncio. — Me chamo Hea...
— Eu sei quem é você. — A voz grave e fria me corta, o que me
causa arrepios. Não sei por quê.
Como assim ele sabe quem eu sou? Eu nunca o vi na minha
vida, tenho a sensação de que o conheço, mas eu lembraria dos
seus traços assim que o visse.
Ele está mentindo, digo a mim mesma. Pelo seu jeito ele é um
cara de poucas palavras, e quando viu que eu ia indagar começar
uma conversa, apenas me cortou. Não tem como ele me conhecer,
afinal, é o primeiro dia de aula, e ele é novato.
— Qual seu nome? — pergunto.
— A aula vai começar. — É tudo que recebo como resposta.
Me viro para frente e vejo que Eve já está em sala, ela ajeita o
projetor, e logo o liga.
— Sejam bem-vindos — Eve diz animadamente, e dou um
sorriso em resposta. — Como dito na semana passada, teremos
dois trabalhos esse semestre que valem metade da nota. O
primeiro, discutiremos hoje, de antemão já digo que esse em
questão será feito em dupla, de preferência com a pessoa que está
ao seu lado.
Olho para os lados e percebo que conforme as fileiras estão
divididas não há possibilidade de Wes ser minha dupla, desta
maneira, formarei dupla com o carrancudo ao meu lado, que
claramente não está feliz com a informação. Ele fecha os olhos e se
recosta no assento soltando um bufo.
— Qualquer coisa, podemos conversar com ela para trocar as
duplas — digo em um sussurro para o meu colega.
— Tanto faz. — Ele revira os olhos soltando outro bufo.
Me concentro nele e, por um instante, meu mundo para
enquanto fito seu rosto, seus olhos são cinzas, um cinza quase
grafite, escuros, e ao mesmo tempo brilhantes. Eu só conheci uma
pessoa que carregava esse tom em sua íris, e essa pessoa foi o...
— Axel Davenport — Eve exclama, ela está na nossa frente. —
Finalmente você chegou.
Axel Davenport.
Arregalo os olhos e o fito, não acreditando no que vejo ao meu
lado. Ele está tão diferente. É outra pessoa, não existe possibilidade
nenhuma desse ser o meu Axel.
Estou petrificada, não escuto nada ao meu redor, Eve continua
a conversar com ele, quer dizer, somente ela fala. Ele não mexeu
sua boca em momento algum, mas enquanto meus olhos estão
vidrados nele, ele apenas a observa. Eve entrega alguns papéis a
ele e se afasta.
— Axel? — Minha voz sai em um sussurro, quase inaudível.
Finalmente ele me encara, e agora sim consigo reconhecer os
pequenos detalhes. Os olhos cinzentos com cílios pesados, a boca
rosada... é ele.
Ele me olha, mas ele não parece tão surpreso quanto eu. Afinal,
a única pessoa que mudou aqui, foi ele.
Agora eu gostaria que nunca tivéssemos nos conhecido
Porque você é muito difícil de esquecer
Enquanto estou limpando sua bagunça
LIE TO ME | 5 SECONDS OF SUMMER
Já faz três dias desde que tive meu reencontro com Axel, após
cinco anos.
Ele não mudou apenas fisicamente, ele se transformou em
outra pessoa. Tenho visto ele apenas pelos corredores, nós não
somos mais amigos, e ele fizera questão de dizer isso, mas,
pensando bem, ele parece não ser amigo de ninguém, a não ser do
Kane. Os dois sempre almoçam juntos em uma mesa separada,
vêm da mesma escola, jogam na mesma posição. O Axel que eu
conhecia não era nem um pouco ligado ao esporte, e hoje é
considerado um dos melhores do futebol americano. Isso quem me
contou foi o Grey, que sempre fala com ele quando se cruzam pelo
campus.
O Axel que vivia de cabeça baixa na nossa infância, agora a
ergue. Ele não é mais o menino que eu costumava olhar nos olhos,
e que, com poucos segundos, conseguia descobrir o que sentia. A
timidez, com certeza, foi deixada para trás. Todas as meninas param
quando ele passa, mas ele não olha para nenhuma. Até cheguei a
me perguntar: “será que ele deixou uma namorada onde vivia
antes?”.
Sobre seu único amigo, eu não o conheço, e nunca conversei
com ele. Apesar de ter um rosto adorável, digno de um ator
hollywoodiano, Kane, em duas semanas, já ficou famoso por suas
lutas no armazém, nos finais de semana. Eu ainda não fui lá, mas
segundo o que todo mundo diz, no armazém tudo é liberado. Você
pode beber, fumar, cheirar e transar com quem quiser.
Eu não entendo como as autoridades nunca pararam o que
acontece lá. Apesar de todos que frequentam o lugar irem pela
liberdade que é proposta no local, seu principal evento são as lutas,
todos os sábados. Kane, apenas no início das aulas, já foi
considerado o melhor, por isso ele é tão conhecido, mas também
pode ser perigoso. Me pergunto se Axel sabe do que Kane é capaz,
ou melhor, se ele também faz as coisas que Kane faz.
Eu sei que Axel e Kane não vivem na mesma casa onde os
outros jogadores do time vivem, já que ao invés de dormir no
dormitório que divido com Allie, passei a última noite lá. Quando
chegamos ao campus a Mercedes Classe G toma outra vez a vaga
em que Drew estava se preparando para estacionar. O que faz com
que Drew já comece o dia dele com raiva, resmungando algum
palavrão e indo em busca de outra vaga no estacionamento.
Drew ainda não sabe que o dono da Classe G, e seu parceiro
de time trata-se do meu antigo melhor amigo, pelo menos eu penso
que não sabe. Tenho medo da reação do meu namorado ao
descobrir isso.
Não que Drew seja agressivo, ou qualquer coisa parecida com
isso, mas ele é... esquentado. No começo do nosso relacionamento,
quando entrou no meu quarto pela primeira vez, ele não gostou
nada da foto que estava em um dos porta-retratos da minha mesa
de cabeceira.
Era meu aniversário de onze anos, eu e Axel sorríamos
enquanto tomávamos sorvete. Foi algo espontâneo, nem mesmo
olhávamos para a câmera.
Dentre tantas fotos, sozinha, com minha família ou com meus
outros amigos, aquela sempre foi a minha preferida. Para evitar
qualquer conflito futuro com Drew preferi guardá-la, já que ele
parecia ressentido com a imagem, eu poderia dizer que até mesmo
com ciúmes, mas não teria motivo para aquilo.
Primeiro: Axel era meu amigo; segundo: ele havia ido embora já
fazia três anos, na época.
— Quando eu descobrir quem é o dono dessa lata velha que
está ocupando minha vaga, ele vai ter uma conversa bem séria com
meu punho — esbraveja Drew ao descer do carro. Como eu disse,
ele ainda não faz ideia que o dono do carro é o Axel.
— Você não pode sair arranjando briga por aí só por conta de
uma vaga, Andrew — repreendo-o. Ele sabe que quando uso o
nome dele, estou falando sério.
Drew entrelaça nossos dedos, e beija minha têmpora.
— Tudo no sentido figurado, amor.
— Hum... Espero que seja mesmo.
Caminhamos juntos pelo campus, e me despeço de Drew com
um beijo.
E para minha surpresa, ao chegar na entrada do prédio de
Literatura, Allie está parada ali conversando com Axel, e Wes logo
atrás, com um olhar espantado em seu rosto. Por mais que meu
amigo ame o teatro, na vida real ele não consegue esconder muito
bem seus sentimentos.
— Então eu te ligo no sábado, para a gente combinar — diz
minha amiga com um sorriso de orelha a orelha.
Olho para os dois, tentando entender o que se passa ali. Wes
que está mais ao fundo morde o lábio inferior e aponta para Axel,
dizendo entre os lábios “ele chamou ela para sair”. Abro a boca
chocada, e vejo que Axel começa a se afastar, mas decido chamá-
lo.
— Posso falar com você?
— É sobre o trabalho? — pergunta ele em um tom frio.
— Para falar a verdade, não. — Eu tinha planos de pedir a ele
para estacionar em outro local.
— Então não — responde simplesmente.
Axel se vira novamente e começa a andar.
— Deixa de ser idiota, caralho — esbravejo.
Isso faz com que ele retome sua posição, ficando de frente para
mim. Sua sobrancelha está levantada, e seus olhos cinzas estão tão
frios que ameaça chover na Califórnia, a qualquer momento.
— O nosso único assunto em comum é o trabalho da professora
Clark. Fora isso, mais nada — diz ele secamente.
— Você prefere mesmo fingir que não nos conhecemos? Você
acha mais fácil me ignorar, como se eu fosse ninguém?
— Mas você é ninguém — ri debochado.
— Eu era sua melhor amiga. — Aponto o dedo no peito dele. —
E você era meu melhor amigo, nós fizemos promessas um ao outro.
Você não pode me dar as costas e fingir que não sabe quem eu sou,
porque eu sei quem você é.
— E quem eu sou? — Seus olhos brilham com o desafio
imposto na pergunta.
— Agora? Um idiota. Mas antes você costumava ser atencioso,
engraçado e leal. Você ganhou músculos. — Passo a mão pelos
seus braços. — Mas em compensação, parece ter perdido qualquer
dignidade.
Ele ri, mas é uma risada blasé.
— Não fale de dignidade quando você não a carrega consigo,
Heaven. Eu vou repetir, talvez a massa que você carrega dentro da
cabeça, ao invés de um cérebro, entenda. Nós fomos amigos,
passado. Eu não tenho mais nada a ver com você, a não ser aquele
trabalho de merda. Você não dirige a palavra a mim, a não ser que
seja sobre esse assunto. Se não, fica na sua, o que é melhor para
você.
— Isso é uma ameaça, Axel? — Cruzo os braços por cima dos
peitos, e levanto o queixo.
— Não, é apenas um aviso.
O corredor se enche de alunos, alguns param para prestar
atenção na nossa discussão, enquanto outros apenas tentam
passar por nós, indo em direção às suas próximas aulas.
Axel se vira e vai embora, me deixando plantada no meio da
entrada do prédio com suas palavras grosseiras. Queria que tudo
que ele disse não me atingisse, mas o efeito foi total oposto a isso.
Sinto as lágrimas arderem em meus olhos, tento piscar para que
elas sumam, mas a tentativa é falha, elas já estão descendo. Sinto o
gosto salgado quando chegam aos meus lábios.
Axel não costumava ser assim, nós passávamos horas
conversando sobre nossos sonhos, nossos programas preferidos,
escutando músicas juntos. Nós riamos, brincávamos e tínhamos
uma amizade inabalável. Não passávamos um dia sequer sem falar
um com outro.
Seu físico me surpreendeu, claro. Não esperava ver ele tão
diferente. O tempo passou e o ajudou externamente, mas seu
conteúdo interno tornou-se nojento. Uma podridão só.
Levanto a cabeça e enxugo as lágrimas que sobraram em meu
rosto. Não vou deixar que ele me magoe, não mais. Ele pode ter
mudado, ter se tornado um sociopata idiota, mas eu também mudei;
não sou mais a garotinha que via tudo de bom em tudo, como se
tudo fosse um conto de fadas. Eu vivo em um mundo real, ou pelo
menos é isso que eu quero demonstrar ser.
E se ele acha que será o único a fazer a arte do desprezo, ele
não sabe do que eu sou capaz. Quando eu entro no palco eu sou a
melhor, porque eu vivo o personagem, e se for preciso viver um na
vida real, é isso que eu vou fazer.
O primeiro passo será na aula da Eve. Eu vou mostrar a ele que
sua arrogância não me atingiu, e que ele não é nada para mim, da
mesma forma que ele insiste em dizer que eu sou insignificante para
ele.
— Isso foi... tenso — diz Allie ao meu lado.
Por um momento esqueci da presença da minha amiga, e que
ela escutou todas as atrocidades ditas por Axel.
— Não foi nada demais — digo.
— Ele te fez chorar, Heaven. Ele me chamou para sair, inclusive
me deu seu número, mas o melhor que faço é deixar para lá.
Cruzo meu braço com o de Wes, que está estarrecido com a
situação a qual acabara de presenciar.
— O problema dele é comigo, Allie, não com você.
— Então, simplesmente não há problema algum para você eu
sair com ele?
— Desde que ele te trate bem, não vejo motivos para você não
ir. Além do mais, você mesma disse que só beijou um cara na sua
vida, você precisa de um pouco mais de experiência — encorajo
minha amiga.
— Você tem razão, mas ele foi um babaca, e de idiota na minha
vida já basta o Grey.
— Concordo plenamente com você, loira — Wes finalmente
fala. — Mas eu daria minha vida para pegar naquele bumbum
sarado do Axel.
Nós três rimos do comentário do Wes, porque querendo ou não,
meu amigo tem razão. O Axel foi um idiota? Foi! Mas que bunda
sensacional ele tem.
Entramos na aula de Redação Crítica e tomamos os nossos
lugares. Após essa aula me despeço de Allie, e com Wes vou para a
próxima, que é no prédio ao lado.
Nunca fiz questão de ser a melhor em tudo, de chamar atenção,
ou ser a pessoa mais sociável do mundo. Mesmo estando no grupo
de teatro há sete anos, e tendo feito todos os papéis principais de
todas as peças, nunca fiz isso para aparecer, apenas fiz por que
gosto. Não, não gosto, eu amo estar no palco. Amo dar vida aos
personagens, amo viver outra realidade que não seja a minha, gosto
de decorar as falas, de encenar as posições corporais, e até mesmo
de cantar quando é necessário.
Mas fora do palco, eu não gosto da atenção.
E é exatamente isso que está acontecendo hoje, estou
chamando atenção. Ao que parece, Allie e Wes não foram os únicos
a realmente prestar atenção na minha pequena discussão com Axel
no corredor, quase todo mundo está comentando sobre isso agora.
Todos me olham, e não são olhares rápidos, são longos. Vejo a
curiosidade no rosto de cada um que me encara. Maggie, uma
garota que também está no grupo de teatro, até parou no corredor;
abriu e fechou a boca pelo menos umas cinco vezes, antes de
permanecer calada e desviar do meu caminho.
Mesmo eles não me perguntando nada diretamente, eu ouço os
sussurros, e obviamente estão todos curiosos para saber por que
estávamos discutindo no meio da universidade.
Teve um idiota que até chegou a dizer que ele seria meu
amante. Meu sangue ferveu na hora. Tive até mesmo vontade de
me virar e socar o nariz do infeliz, mas Wes segurou firme meus
ombros, me impedindo de cometer qualquer ato homicida.
E claro, os boatos chegaram aos ouvidos de Drew. Como eu sei
disso?
Bom, deve ser porque ele está na porta do auditório, com uma
expressão nada pacífica em seu rosto e de braços cruzados, me
esperando. Assim que passo pela porta, ele me segue.
— É verdade a merda que todo mundo está comentando?
— O que exatamente? — Me faço de desentendida. Eu sei
exatamente ao que ele se refere, já que todo mundo decidiu dar
atenção e fofocar sobre a discussão de calouros na porta do edifício
de Literatura.
Drew segura meu pulso com força, me fazendo parar.
— Você tá me machucando, Drew — aviso a ele, e logo ele
afrouxa o aperto. — Obrigada.
— Não se faz de doida, Heaven. — Ele suspira. — O que você
queria conversando com aquele cara?
— Ele não é ninguém, Drew. — Reviro os olhos.
— Ele é alguém sim, Heaven, e faz o favor de não desviar a
merda do assunto. O. Que. Merda. Você. Queria. Com. Ele? —
Drew fala pausadamente, seu tom de voz é calmo, controlado.
E quer saber de uma coisa? Foda-se. Hora ou outra ele vai
saber de quem se trata. Então eu solto logo os cachorros, pior do
que isso, é impossível ficar...
— É o Axel, tá legal? — digo. — A pessoa com quem discuti era
o Axel. — Drew arregala os olhos em surpresa. — Sim, isso mesmo,
ele voltou, e o melhor de tudo, ele está jogando no seu time.
— Você não vai chegar perto dele. Você está ouvindo, Heaven?
— Que seja, Drew. — Tento me livrar do aperto dele no meu
pulso. — Agora podemos ir comer? Por favor?!
Drew solta meu pulso, mas me encurrala contra a parede.
— Eu estou falando sério, Heaven. Eu não ligo para o passado
bonitinho de vocês dois. Você não vai chegar perto daquele nojento
outra vez, ouviu? — fala calmamente enquanto me encara, seus
olhos castanhos estão dominados pelo preto da pupila.
— Você não precisa me dizer o que fazer, Andrew — digo
secamente. — Eu não vou chegar perto dele.
— Acho bom.
— Mas não é porque você está pedindo — continuo. — Eu não
vou chegar perto dele, porque eu não quero! — Isso arranca um
sorriso dos lábios de Drew.
— Minha garota. — Drew beija meus cabelos, e pega meu
braço fazendo uma avaliação no meu pulso. — Machucou?
— Se você tivesse continuado segurando com força, teria. — O
aperto no início foi tão forte, que meu pulso ainda está vermelho
com as marcas de seus dedos.
— Desculpa. Eu me excedi um pouco, não vai mais acontecer
— promete.
Mas, mal sabe ele que promessas são feitas para serem
quebradas...
— Ainda precisamos conversar sobre a conversa de vocês dois,
não gostei nada do que andaram falando por aí.
Quando entramos no refeitório, vou direto para o buffet,
enquanto Drew senta na mesa que Sadie já ocupa. Eles sempre
foram muito amigos, quando estamos todos juntos, os dois contam
piadas que só eles entendem. Isso poderia deixar uma namorada
normal com ciúmes, mas não vejo necessidade. Sadie tem um
histórico de ficar com qualquer um que tenha um pênis entre as
pernas, mas desde que seja solteiro. E Drew nunca me trairia, ainda
mais com uma amiga.
Encho meu prato de macarrão com almôndegas. Estou
necessitando ingerir muito, mas muito carboidrato. Pego uma latinha
de Coca e um cupcake de chocolate, quanto mais carboidrato,
melhor... E assim minha bandeja do almoço está cheia.
Quando chego à mesa, Sadie e Drew estão sorrindo
abertamente, porém ambos fecham a cara com minha proximidade.
Alterno meu olhar entre os dois franzindo o cenho, mas deixo para
lá. Abro minha lata de Coca-Cola e dou um gole.
Sadie olha para minha bandeja e comenta:
— Não sei como você consegue consumir tanta besteira e não
aumentar sequer cem gramas.
— Pode chamar isso de genética — falo enquanto enrolo o
macarrão no garfo. — Ou sorte... — Coloco o punhado de macarrão
na boca.
Drew está digitando alguma mensagem no celular,
provavelmente para algum de seus amigos que vivem lhe enviando
memes, e Sadie continua comendo seu frango com alface. Ou seria
alface com frango? Vejo mais folhas verdes do que proteína.
— Então, cadê o resto do pessoal? — pergunto me dirigindo à
Sadie, que agora está com sua atenção no celular.
— Wes foi ao banheiro. — Sadie olha para mim. — E Allison
está ali. — Aponta com o queixo em minha direção.
Olho para onde Sadie apontou, por cima do ombro, e vejo Allie
sentada em uma mesa do lado de fora do refeitório, junto com Axel
e Kane. Dou outro gole na minha Coca-Cola, mas não digo nada.
Drew, por sua vez, solta:
— Sério que a Allison está conversando com esse perdedor?
— Ele a chamou para sair, parece — Sadie responde sem
desdém.
— Ele também deu seu número a ela — falo enquanto coloco
mais um punhado de macarrão na boca.
— Às vezes eu acho que namoro com uma porca, e não com
uma garota — comenta Drew, sério. — E como você sabe que ele
deu o número à Allison? — A pergunta é diretamente para mim.
— Porque ela me disse. — A afirmação parece uma pergunta, e
Drew me fuzila com os olhos.
— Tem certeza de que não foi ele? — me desafia, e eu deixo o
garfo suspenso no ar.
— Por que seria ele a me contar uma coisa dessas, Drew? —
pergunto incrédula.
— Sei lá, deve ser porque ainda temos que discutir sobre o que
você estava conversando com ele na entrada do prédio hoje mais
cedo?
— Não foi nada demais. — Reviro os olhos, finalmente
colocando mais comida na minha boca.
— Se não foi nada demais, acredito que você poderia me
dizer... A não ser que você prefira que eu acredite nos boatos do
campus. — Seus olhos demonstram novamente a mesma fúria de
minutos atrás. — É isso que você quer, Heaven? Porque se for, eu
sou um corno.
— Você acha que você é corno, Andrew? — esbravejo.
— Eu sou corno, Heaven? — me desafia.
— É sério que você está fazendo uma pergunta dessas? Você
às vezes é ridículo, Drew.
— Eu sou ridículo? Rá! — Ele finge uma risada sarcástica. — O
que eu estou ouvindo em todos os cantos é que você está me
traindo, e o pior, com um perdedor, filho da puta ridículo.
— Quer saber de uma coisa?! De repente estou saciada.
Me levanto da mesa, mas Drew me puxa na mesma hora, dessa
vez segurando meu braço. A força que usa é tanta que sinto suas
unhas entrarem em minha pele.
— Você está me machucando, Drew. De novo — murmuro.
— E você não sai daqui até eu dizer que você sai — Drew fala
em um tom de voz mais alto. — Agora pela porra da minha sanidade
mental, Heaven, fala de uma vez por todas que merda foi que
aconteceu hoje no corredor — ele grita, perfurando não só meu
braço com suas unhas, mas meu rosto com seu olhar.
Desvio meu olhar do seu, e vejo ao redor que todo o refeitório
está em silêncio, todos prestam atenção na nossa conversa.
— A gente está chamando atenção, Drew — eu sussurro.
— Estou pouco me fodendo. — Aperta meu braço com mais
força. — Fala logo, Heaven.
Respiro fundo, abominando qualquer vontade de chorar que
ameaça chegar, pela segunda vez, só hoje. Não só pelo aperto no
meu braço, que está me machucando, mas pela vergonha que
estamos passando na frente de todos esses alunos, e pela forma
como ele está me tratando agora.
Quando abro a boca para responder, Grey e Elliot chegam ao
nosso lado. Grey segura o braço de Drew, tentando me livrar do seu
aperto.
— Você está machucando a Heaven, cara. — Grey é
extremamente calmo.
Drew finalmente larga meu braço, levanta-se enfurecido e logo
sai do meu campo de visão. Olho ao redor e todo mundo volta a
prestar atenção no seu próprio almoço, ou pelo menos fingem.
Sadie que presenciou tudo, está calada, com os olhos arregalados,
e celular suspenso na mão. Já Elliot solta uma longa lufada de ar,
enquanto passa as mãos em seus cabelos finos.
Eu tento falar algo, mas minha garganta de repente ficou seca,
não consigo nem mesmo engolir.
Parece que meu dia não tem como piorar.
Primeiro brigo na frente de todo mundo com meu antigo amigo,
que agora claramente decidiu se tornar meu inimigo. Não bastando
isso, tenho uma DR com meu namorado, novamente na frente de
todo o corpo estudantil.
Preciso de ar fresco. Empurro minha bandeja, na mesma hora
que Wes senta-se na mesa, sem entender nada, eu me levanto e
caminho rumo à parte de fora. Passo pela mesa de cimento, onde
Allison está sentada com Axel, mas não direciono meu olhar para
eles, apenas apresso meu passo indo em direção ao campo de
futebol. Escuto Allie me chamar, mas ignoro.
Assim que estou sozinha, longe o suficiente de qualquer pessoa
possível. Eu grito.
Grito como se dependesse daquilo para respirar. Agora,
sozinha, deixo as lágrimas rolarem. O horário para a próxima aula
chega, mas eu não me importo com ela.
Continuo ali, chorando sozinha.
Em menos de cinco horas, estar na faculdade virou meu maior
pesadelo, ou pior, talvez ele sempre foi isso, eu que fui estúpida o
suficiente para pensar que algum dia aquele momento poderia ser o
melhor momento da minha vida. Eu nunca tive nada para reclamar
na minha vida, afinal, eu tenho um teto para morar, sou bem
alimentada, meu guarda-roupas está cheio, meus pais são ótimos e
meus amigos então, nem se fala... Eu deveria ser feliz, não?
Mas por que, meu namorado, aquele que deveria me dar
conforto, afeto e principalmente, segurança, acabou de me
machucar?
Não foi a primeira vez que brigamos, ou discutimos por qualquer
coisa, mas normalmente isso acontece quando estamos a sós,
nunca em público, nunca na frente de mais de trezentas pessoas. E
ele nunca, nunca me machucou, até hoje... Talvez agora, meu grito
de desespero seja por isso. Eu estou com duas marcas diferentes
no braço, uma no pulso e outra no bíceps.
O pulso está apenas vermelho, mas no bíceps tem sangue...
Pouco, mas tem!
Será que é assim que os relacionamentos abusivos começam?
Mas nosso namoro não é assim, pelo menos eu me recuso a
acreditar que seja. Drew sempre me apoiou desde o momento em
que nos aproximamos, sempre esteve comigo, nunca me rejeitou.
Foi apenas um lapso, não foi?! Não é por conta disso que eu devo
terminar com ele, ou devo? O que será que meu pai irá dizer
quando vir essas marcas no meu braço? Meu Deus, não gosto nem
de pensar na sua reação.
O melhor que eu posso fazer agora é acalmar meus ânimos,
colocar algum casaco para esconder essas malditas marcas por
enquanto, e limpar meu rosto.
Só mais uma batalha, e esse dia horrível poderá acabar.
Assim que estou pronta para sair do campo de futebol, noto que
alguém se aproxima dele. Ele veste uma camiseta de malha, uma
calça legging preta, e um calção da mesma cor por cima da legging.
Em suas mãos tem um capacete e uma bola de futebol americano.
Ele para na minha frente e anuncia:
— Você perdeu a aula de Sociologia. — Eu apenas assinto com
a cabeça. — A professora sorteou os temas, ficamos com o tema
“relacionamento abusivo”.
— Legal — respondo apenas.
— Não acho — ele diz —, porque tudo começa com um grito,
depois um aperto no braço seguido de inúmeras humilhações, um
tapa na cara, e, por último, a morte. Isso realmente não é nada
legal, Heaven.
— Por que você está falando comigo, Axel?
— Por que você está usando um casaco, Heaven? — pergunta
de volta e eu reviro os olhos.
— Estou com frio, apenas — desconverso. — Quando podemos
começar a discussão sobre o trabalho? — pergunto, mas Axel me
ignora.
— Frio? Está fazendo mais de trinta graus na Califórnia. — Axel
me olha nos olhos e percebo que sua íris está nublada. — Ele te
machucou?
Olho para ele, incrédula.
— Nã-não — gaguejo —, ninguém me machucou.
— Aquela cena no refeitório parecia outra coisa — Axel
comenta.
— Nós não somos amigos, Axel — o lembro.
— Não, não somos — ele concorda, assentindo com a cabeça.
— Mas não é por isso que eu vou apoiar qualquer violência contra
mulher.
— Eu não fui violentada.
Axel olha para cima, soltando uma risada baixa em meio a uma
lufada de ar.
— Se você diz... Só não espere ser tarde demais para quando
quiser pedir socorro. — Ele pega o capacete que está em sua mão e
o posiciona no topo da cabeça. — Enfim, se me dá licença, tenho
um treino para ir.
Então ele começa a correr em direção ao campo de futebol.
— Espera — gritei, o fazendo ficar de frente para mim. —
Quando podemos começar a discutir sobre o trabalho?
— Eu vou ver na minha agenda e te aviso.
— Mas eu não tenho seu número.
— Qualquer coisa eu falo com a Allison.
— E por que você tem que ver na agenda?
— Sou uma pessoa bastante ocupada, Heaven.
Dito isso, Axel se vira, posiciona o capacete de forma adequada
em sua cabeça, e volta a correr rumo ao centro do campo de futebol
americano.
Não posso mentir e dizer que não foi estranho. Primeiro ele diz
que não somos nada um para o outro, e agora praticamente
pergunta como eu estou.
Eu vou enlouquecer com essas oscilações de humor do Axel,
ele está sendo idiota, não posso mentir, porém eu não deveria estar
me preocupando com isso agora, e sim com o fato de que meu
relacionamento tem caminhado para trás cada vez mais. Eu já me
senti segura com o Drew antes, hoje não mais.
Nos últimos dois minutos, mesmo o Axel sendo um completo
estranho para mim agora, ele me passou um sentimento de
proteção mais forte do que o meu namorado tem me passado nos
últimos meses. E o que ele me disse fez meu coração, de certa
forma, se comprimir, o que ele quis dizer com “não espere ser tarde
demais para quando quiser pedir socorro?”. Eu sei que o Drew me
fez mal, eu tenho consciência disso, tanto que não quero deixar
esse episódio passar em branco.
Não vá me entender errado
Perdoar não é esquecer
Não, não é esquecer
Não, nunca vou esquecer, não
FORGIVENESS | PARAMORE
Quase não tenho dormido nos últimos dias, a minha única noite
tranquila aconteceu logo após o meu término com o Drew, as
restantes foram de pura insônia e inúmeras mensagens não
respondidas.
Por mais que eu tenha bloqueado o número de Drew no mínimo
duzentas vezes em uma questão de quatro dias, eu sempre volto
atrás e desbloqueio, principalmente após a ligação que recebi de
sua mãe.
Na segunda antes da aula, Claire me ligou preocupada,
informando que o Drew havia sido assaltado, espancado e seu carro
ainda fora queimado. Ela também me disse que seu estado era
grave, ao ponto de ficar internado, me disse que entendia sobre o
nosso término mas que eu precisava estar ao lado dele nesse
momento.
A mulher nem mesmo faz ideia que fui eu a responsável por
destruir o carro dele, além de ter sido por minha causa que os
garotos o espancaram, mesmo todos eles me dizendo
constantemente que o único culpado por isso foi o próprio Drew. Eu
até acredito nisso por meros segundos, mas então eu lembro do
quanto o amo, e de todos os momentos bons que tivemos ao lado
um do outro, e outro choro toma conta de mim.
Resumidamente, eu não tenho ido às aulas, dormido ou sequer
comido direito, também tenho ignorado todas as ligações dos meus
pais, que ainda não fazem ideia do que está acontecendo em minha
vida no momento. Tenho usado roupas para dormir todas as vinte e
quatro horas do meu dia, rolado meu feed no Instagram, escrito
inúmeras mensagens e nunca as enviado e fazendo inúmeras
maratonas de filmes da Disney e How I Met Your Mother.
Na tela da tevê do ambiente compartilhado que divido com
Allison passa o live action de A Bela e A Fera, sendo justamente a
cena da valsa com a música tema.
Lembro de tê-la assistido com Axel há cinco anos, da nossa
dança, eu caindo... Ele foi a primeira pessoa que eu disse que
amava em minha vida além dos meus pais. Me declarar para ele
naquela época não estava programado, nem mesmo esperava ele
me responder dizendo que também me amava, talvez se ele não
tivesse ido embora tudo teria sido diferente.
E mesmo com ele indo embora, se ao menos tivesse mantido
contato comigo durante esses anos, provavelmente o resultado do
que estou passando agora ainda seria diferente, porque eu ainda o
teria em minha vida, não teria sentido sua falta tanto quanto senti,
não teria ido em busca de qualquer terreno movediço para
conseguir me manter de pé novamente.
Meus olhos se enchem de lágrimas e elas começam a rolar pelo
meu rosto. Eu quero culpar Drew por ter abusado da minha
carência, quero culpar Axel por ter ido embora e nunca ter me
ligado, quero culpar o pai de Axel por tê-lo levado para longe de
mim, quero culpar até mesmo meus pais, que devido às nossas
constantes mudanças no início de suas carreiras eu nunca fizera um
amigo antes e me senti sozinha durante toda a minha infância.
Mas a verdade é que a única culpada por isso tudo no final das
contas sou eu, pelo simples fato de ter tantos sentimentos entalados
e nunca sequer ter procurado ajuda.
A cena da dança está acabando quando decido limpar as
lágrimas que descem em meu rosto, e a porta do dormitório é
aberta.
— Nós trouxemos pizza! — Allison grita assim que se põe
dentro do cômodo.
— Nós quem?
Mal tenho tempo de finalizar minha pergunta quando Axel entra,
acompanhando Allie.
— Ah... — respondo terminando de limpar minhas lágrimas, o
que não passa despercebido por minha melhor amiga e meu ex
melhor amigo.
Allison imediatamente corre até o sofá onde estou, ainda com a
pizza na mão, sentando-se ao meu lado.
— O que aconteceu? Por que você está chorando? Você não
respondeu nenhuma mensagem do Drew. Respondeu, Heaven?! —
Faz todas as perguntas rapidamente, exasperada.
— Não, calma — digo soltando uma lufada de ar e limpando
meu rosto outra vez. — Apenas me emocionei com a cena do filme,
ele me traz... — Hesito por um momento, desviando meu olhar para
Axel, que ainda está parado próximo à porta com as mãos em seus
bolsos e cenho franzido enquanto encara a tela plana que ainda
passa o filme. — Lembranças — completo por fim, voltando a
encarar Allie.
Ela comprime os lábios, alterna seu olhar entre Axel e eu e diz
um “entendi” entre lábios.
— Então, vamos comer? — pergunta Allie.
— Me deixa só limpar o rosto — peço já me levantando.
No instante em que me viro, e dou de cara com Axel, ele me
encara com os olhos arregalados, porém com um brilho intenso
neles e boca entreaberta. Levanto uma sobrancelha sem entender o
porquê de ele me olhar assim, como se tivesse visto um fantasma.
Ele apenas engole em seco, fazendo seu pomo de adão descer e
subir, então ele abre o espaço me dando passagem, mas não
trocamos uma palavra sequer.
Antes de fechar a porta do banheiro, escuto Allie murmurar
baixinho:
— Fecha a boca que a baba está escorrendo, idiota.
De início não entendo o porquê de Allison ter dito isso, mas
quando me olho no espelho do banheiro o olhar de Axel juntamente
de sua fala fazem sentido.
Já usei quase todas as roupas confortáveis que tenho em
Beaufort nos quatro dias que se seguiram até hoje. Como todas
estão sujas, comecei a usar as desconfortáveis, porém sexys, isso
inclui o baby doll que estou vestindo agora.
O conjunto é azul turquesa, que combina com a cor dos meus
olhos. As bainhas são cobertas por uma renda cor de pele, o top
realça meus seios juntando-os e também ele é tipo cropped, por
isso mostra parte da pele da minha barriga da cintura até o umbigo.
Quanto aos shorts eles são curtos e colados, deixando parte da
polpa da minha bunda amostra, sem contar que toda a extensão das
minhas pernas está de fora.
Mesmo com meu rosto inchado devido ao choro recente, não
deixo de estampar um sorriso, pois mesmo estando no meu pior
momento, foi notório que Axel me olhou com outros olhos. Não
como a menina de anos atrás, ou a garota traída e sofrida, ele me
olhou como um homem olha para uma mulher. Se ele sente tesão o
suficiente em mim ainda não sei, mas posso descobrir isso em
breve.
Após passar água no meu rosto e enxugá-lo, não ajeito minha
roupa nem nada do tipo, ele está onde eu moro e se ele estiver
incomodado, é só se retirar.
Estampo um sorriso ingênuo no rosto, fingindo que nada
aconteceu e continuo sem entender qualquer coisa, afinal de contas
eu sou uma atriz e saber fingir é a minha praia. Saio do banheiro
fechando a porta, e vejo que Allie já pôs pratos, copos e
refrigerantes na mesa de centro juntamente da pizza tamanho
família. Axel está sentado em uma ponta do sofá e Allie na outra,
sobrando apenas o espaço entre os dois para mim. Sendo assim,
me dirijo até o sofá e me sento justamente no canto que sobrou, não
olho para Axel, apenas pego o prato e o copo com refrigerante que
Allison acabara de servir, colocando-os em cima das pernas que
acabo de cruzar em x.
— O que vamos assistir? — pergunto me direcionando à
Allison.
Ela faz questão de revirar os olhos enquanto responde:
— How I Met Your Mother — responde entredentes, com um
sorriso falso em seu rosto.
Um grande sorriso se abre em meu rosto antes de eu dar a
primeira mordida na pizza, após engolir digo:
— Você me ama tanto ao ponto de assistir minha série favorita
ao invés de Friends?
— Para você ter uma ideia do quanto que te amo.
Esbarro meu ombro no de Allie, provocando-a e ela me mostra
o dedo no meio. Pelo canto do olho vejo que Axel apenas observa a
interação entre nós, mas ele não fala nada, somente come sua
pizza enquanto Allison dá play na série.
Após o acontecimento da madrugada do domingo, todos que
estavam presentes vieram me visitar, como se eu houvesse perdido
um ente querido ou algo parecido. De todos, o único que não tinha
vindo, até agora, era o Axel.
Allison mora comigo, então está do meu lado sempre, até
mesmo tem faltado a algumas aulas, a não ser por suas aulas mais
importantes, para ficar comigo, mas quando isso acontece o Wes
vem até o dormitório, e assistimos a algum reality show, pintamos
nossas unhas, inclusive as minhas estão com três cores diferentes
agora, e também comemos algo.
Elliot e Grey sempre vêm juntos, enquanto Grey carrega
inúmeros doces e frituras, Elliot traz bebida, porém ele me prometeu
que na próxima vez irá trazer a bíblia, pois eu sempre o ameaço de
contar à sua mãe sobre o que ele anda fazendo na faculdade.
Juntos, nós três jogamos partidas de Fortnite ou algum RPG.
Até mesmo o Kane apareceu ontem à tarde, ele me chamou
para treinar na mesma academia que ele faz artes marciais, mas eu
disse que era sedentária e não queria ir, então ele apenas sentou no
sofá ao meu lado pediu hambúrgueres e comemos enquanto
assistimos à Toy Story 3. Percebi que no final do filme ele até
mesmo derramou algumas lágrimas, mas ele disse que o molho do
nosso lanche estava um pouco picante o fazendo lacrimejar,
obviamente eu não acreditei naquilo, visto que o molho era agridoce
e todo mundo chora com os filmes da Pixar.
Hoje seria o dia em que Allie sai com o Axel para jantarem,
como eles têm feito nas últimas semanas, mas ao invés disso eles
trouxeram a janta. Sei que agora é a hora do Axel averiguar minha
situação com seus próprios olhos porque o celular de Allison toca, a
fazendo levantar e dizer:
— Meu pai está ligando, se comportem os dois...
Ela caminha até seu quarto com o celular no ouvido enquanto
atende a ligação, fechando a porta logo em seguida. Faço o máximo
de esforço que consigo para não prestar atenção que neste
momento estou em um ambiente sozinha com Axel, pois sempre
que estamos a sós nada de bom acontece... quer dizer, até
acontece, ou aconteceu.
De qualquer forma, minha atenção está nele e em seu
movimento para levar bebida até sua boca, que faz seus bíceps
tensionarem. Noto que ele olha de lado e automaticamente finjo
estar concentrada na cena que desenrola à frente, repetindo as
mesmas falas de Barney:
— Isso vai ser legen, espera um pouco... dário. — Em seguida
rio da cena, não porque Axel está provavelmente prestando atenção
em meus movimentos, e sim porque ela é realmente engraçada.
— Não sabia que você gostava de How I Met Your Mother —
comenta ele, agora tenho toda a sua atenção.
— Conheci no verão em que você esteve longe, desde então eu
assisto — explico.
O silêncio entre nós se estende logo após minha resposta. Ele
coça a garganta e continua me encarando, então decido olhá-lo
também, sua expressão é fria, mas seus olhos são calorosos e seu
corpo está claramente desconfortável, ele engole em seco e morde
a bochecha.
— Vai me perguntar como eu estou?! — decido quebrar o
silêncio. — Se é por isso que você está sentindo tanta confusão no
momento, a resposta que tenho é: não é fácil sair de um
relacionamento de anos, por mais torto que ele fosse, ainda faz
falta. Mas estou bem.
— Tem certeza de que está bem? — Ele parece receoso ao
vincar as sobrancelhas.
Decido não responder sua pergunta.
— Você poderia ter vindo até aqui antes ao invés de ter usado a
Allie para isso.
— Essa não é a resposta certa para a minha pergunta, Heaven
— Axel responde, mesmo demonstrando impaciência, sua voz é
calma.
— E qual é a resposta certa então, Axel? — Já eu não estou
com um pingo de paciência sequer.
Axel leva as mãos até seu rosto, esfregando-o. Desde que nos
reencontramos notei que quando ele precisa procurar se acalmar,
ele sempre passa a mão no rosto, seguindo para o cabelo e
passando os dedos entre os fios.
— Eu não sei — diz por fim. — Você estava tão convicta em
terminar com ele um mês atrás, mas a coragem só apareceu em
você no momento em que o viu traindo. Ele abusar da sua mente e
do seu corpo não foram motivos suficientes para pôr um fim em
tudo, mas ele te trair, foi.
Mordo o lábio inferior a fim de retesar as batidas do meu
coração que bate violentamente contra meu peito, e também para
evitar que as lágrimas que ardem em meus olhos desçam. Um
grande nó se faz na minha garganta, por que eu estou prestes a
gritar, e para que isso não aconteça eu coloco meu prato junto com
o restante da comida e o copo de volta na mesa de centro, me
levanto e vou até meu quarto, antes de fechar a porta escuto a voz
de Axel me chamar:
— Heaven...
Mas é tarde demais. Eu fecho e tranco a porta, pulo na minha
cama, levo o travesseiro até minha boca pressionando-a, para que o
grito que soltarei logo em seguida não seja ouvido por ninguém.
Então eu grito.
Grito muito, até minha garganta doer e eu ficar sem ar.
Junto dos gritos, as lágrimas escorrem pelas laterais do meu
rosto, e minha respiração torna-se oscilante. É um grito
desesperado porque eu estou desesperada, como nunca estive
antes.
Machuca saber que as pessoas ao meu redor sabiam que eu
sofria, e sempre quiseram me aconselhar, mas eu não escutei.
Machuca ter a ciência de que mesmo todos eles me falando o que é
certo ou errado, nenhum passou pelo que passei.
Pelos gritos que ouvi seguidos de lindas declarações.
O que as pessoas que nunca passaram por um relacionamento
abusivo sabem, é que ele não se alimenta apenas de baixos, ele se
alimenta também dos altos, porque é através deles que você
consegue perdoar. É através da emoção que você diz a si mesma,
que na verdade você concordou para uma briga não acontecer. É
por trás da paixão louca que você sente pelo outro, que você
acredita que tudo será diferente, que você consegue dar uma
chance à outra.
A gente não termina um relacionamento abusivo da noite para o
dia, a gente termina um relacionamento abusivo através do perdão
constante, porque quando você perdoa o seu abusador não é
porque ele estava certo, é porque ele te fez sentir a errada da
história.
A primeira vez que eu perdoei Drew foi por conta de uma roupa
que eu havia usado, e ele me pediu desculpas enquanto me beijava.
Mas a segunda vez... a segunda vez foi bem diferente.
“— O que você estava conversando com ele, Heaven? — Drew
pergunta no momento em que Justin, o garoto que Wes trouxe como
acompanhante, entra novamente na quadra de basquete, onde está
acontecendo o baile.
— Nada demais. — Dou de ombros. — Ele comentou que a
comida da festa está um horror e eu apenas concordei.
Começo a andar em direção às portas que dão acesso à
quadra, mas sou interceptada quando Drew pega no meu pulso,
fazendo-me ficar de frente para ele.
Seus olhos estão cobertos por uma neblina intensa, as pupilas
completamente dilatadas, o espaço entre suas sobrancelhas está
vincado e seu maxilar totalmente retesado. Ele empurra meu corpo,
fazendo minhas costas baterem nas portas dos armários em um
baque surdo.
— Você está louco? — grito.
Drew se aproxima em passos duros apontando o dedo para
mim, suas narinas dilatam-se e em seguida se comprimem, como se
ele estivesse com nojo de algo. Ele encosta a ponta do nariz no
meu, mas não é um gesto carinhoso, nada disso, ele está com raiva.
Muita raiva.
— Eu estou louco, Heaven. Eu estou louco porque você me
deixa louco, porque você não me diz a verdade — fala entredentes
pressionando seu rosto contra o meu.
— Que verdade, Drew? — sinto a lágrima descer pela minha
bochecha.
— A verdade que ele estava dando em cima de você... Você
quer protegê-lo? É isso?!
— Não... — tento me explicar, mas ele não deixa, apenas me
interrompe.
— Então o que?!
— Ele é gay — grito. — Ele é gay, Drew. O Justin é gay, ele fica
com o Wes. — As lágrimas transbordam em meu rosto. — Ele
nunca daria em cima de mim porque ele é gay.
Espalmo minhas mãos em seu peito, o empurrando.
Cubro minha boca com a mão, para impedir que um grito se
alastre pelos corredores, e corro em direção à saída da escola. Isso
não é possível, não é possível que esteja acontecendo comigo, ele
gritou, me acusou, me machucou... pelo simples fato de ter me visto
trocar duas palavras com outra pessoa.
Isso não é normal. Não, não, não é!
Quando estou do lado de fora do prédio da escola, sinto o ar
gelado da noite vir de encontro à minha pele, mas eu não consigo
respirar direito, é como se o ar fosse tóxico e simplesmente não
entrasse por minhas vias aéreas.
Levo minhas mãos até os joelhos, tentando respirar fundo, mas
é impossível.
— Heaven... — É a voz de Drew me chamando, mas eu não
consigo olhar em sua direção, apenas procuro por ar, mas eu não
encontro.
Tento mais uma vez puxar o ar, dessa vez com minha boca,
mas meu corpo não o aceita.
— Heaven. — Mãos são colocadas nos meus ombros, me
fazendo ficar de pé, minha visão está embaçada, mas consigo ver o
vulto do corpo e rosto de Drew à minha frente.
Eu não quero que ele encoste um dedo sequer em mim. Eu
tento dizer isso a ele, mas assim como o ar não entra em meus
pulmões, a voz não abandona a minha boca, tornando-se um bolo
enorme dentro da minha garganta.
— Heaven, olha para mim — ele pede, colocando as mãos em
meu rosto.
Seu toque faz a minha pele formigar, como se ela estivesse
dormente e querendo voltar à vida.
— Heaven... respira, calma. — Sua voz não é mais alta, é
tranquila, assim como no início de uma ópera. — Olha para mim.
Respira, amor. Só respira, por favor.
Eu tento fazer o que ele pede, mas é impossível, eu não
consigo. Meus pulmões simplesmente não aceitam o ar, levo as
mãos até minha garganta, e tento dizer que não consigo ao abrir a
boca, mas nada sai também, meu coração lateja rápido e
brutalmente em meu peito.
Drew pega minha cabeça, levando-a até seu peito e começa a
acariciar meus cabelos.
— Só escuta as batidas do meu coração, amor — fala
calmamente, mas é difícil prestar atenção na sua voz quando tudo o
que o meu corpo pede é um pouco de ar. — Respira amor, somente
respira. — Ele continua acariciando meu cabelo.
Eu tento me concentrar na sua voz que pede para eu respirar
repetidamente e nas batidas erráticas do seu coração, e, finalmente,
aos poucos meus pulmões conseguem um pouco de ar, fazendo
com que meu próprio coração acerte suas batidas.
Quando enfim eu consigo respirar suficientemente, falo:
— Eu não devia estar perto de você.
E para minha surpresa, Drew concorda.
— Não, não devia. Eu te machuquei. — Afasto meu rosto do
seu peito, e o encaro, conseguindo dessa vez ver todos os traços
finos de seu rosto. Ele leva as mãos até minhas bochechas. — E eu
sinto tanto, Heaven. Eu sinto muito, muito mesmo, se você está mal
por conta do que eu fiz com você, você não imagina como eu estou
por causar dor à mulher que eu amo.
Nesse momento eu paraliso.
— Você o quê?! — pergunto atônita.
— Eu te amo... Eu te amo tanto que não consigo imaginar você
um segundo sequer longe de mim, por isso eu enlouqueci. Vamos
lá, ele é um cara bonito e você estava sozinha com ele no corredor,
se você me visse com uma garota bonita você iria desconfiar de
mim, não?!
“Para falar a verdade não”, penso. Sempre espelhei os
relacionamentos no relacionamento dos meus pais, e a base deles é
construída através da confiança, onde não importa com quem o
outro esteja, ou o que esteja fazendo, eles confiam um no outro de
olhos fechados e mãos amarradas. Por isso não respondo a Drew, o
que lhe dá liberdade de continuar o seu discurso.
— Se ao menos quando te perguntei da primeira vez você
tivesse me dito, isso não teria acontecido.
— Mas quando você me perguntou eu disse que ele apenas
falou sobre a comida e eu concordei — repito minhas palavras de
antes com a voz trêmula.
Drew assente calmo e lento, tirando as mãos do meu rosto e
levando seus lábios até minha bochecha e me beijando.
— Tudo bem, eu acredito em você. — Ele me beija novamente.
— Eu acredito em você, mas apenas preciso que você entenda o
meu lado, e me prometa que nunca mais algo parecido irá
acontecer.
— O que você quer dizer com isso, Drew?!
— Eu preciso que você me prometa nunca mais ficar sozinha
com outro homem em um mesmo cômodo.
— Como eu posso prometer isso, Drew?
— Apenas prometa, Heaven.
Ele beija minha bochecha outra vez, mas um pouco mais
próximo ao meu maxilar, fazendo alguns pelos do meu corpo se
eriçarem.
— Prometa, que eu prometo te dar o mundo em troca, prometo
estar sempre com você, porque eu te amo.
Drew não faz ideia, mas a última pessoa para quem eu fiz uma
promessa junto, nunca chegou a cumprir tal... Por isso eu espero
que com ele dê certo.
— Eu também te amo — digo por fim. — E eu prometo, desde
que você nunca mais faça algo parecido comigo de novo.
— Eu prometo. — Leva seu rosto até o centro do meu, deixando
nossos narizes colados outra vez, porém seus olhos não contém
mais nenhuma neblina, eles apenas brilham em paixão. — Eu
prometo ser tudo para você, assim como você é tudo para mim.
Eu perdoo Drew, acreditando que seremos tudo um para o
outro, porque ele já é o meu tudo faz um tempo, porque ele me ama
e eu o amo. Eu perdoo Drew porque talvez em algum aspecto ele
esteja certo, e eu tenho culpa de não ter explicado com palavras
desde o começo que Justin era apenas o par do Wes e tê-los
apresentado.
Talvez se eu tivesse feito tudo certo desde o início nada disso
teria acontecido.”
Os sinais estavam claros para mim como as águas cristalinas
do Caribe, mas eu não quis enxergar pois naquele dia ele havia dito
que me amava, ele havia me prometido o mundo. Ele apenas não
me disse que o mundo que ele estava me prometendo não tinha um
chão sólido, e na verdade era feito de areia movediça, e a cada
passo que demos fomos nos afundando mais e mais.
Uma desconfiança aqui, um pedido de desculpas ali, uma
objeção aqui, um “você tem que entender o meu lado” ali, e no final
tudo acabava com a mesma frase:
“— Se eu fiz o que fiz Heaven, é porque eu te amo.”
E eu simplesmente me deixava levar pelo amor que ele sentia
por mim, porque eu sentia o mesmo por ele.
A real situação de toda essa loucura a qual eu vivi, é que só é
capaz de entender quem um dia passou por algo igual. Eu havia
encontrado conforto no caos, eu havia encontrado amor diante de
um precipício, e eu não me afastei, apenas me joguei nele.
Tiro o travesseiro do meu rosto, limpo as lágrimas ainda
presentes, e caminho com passos duros até a porta. Quando a abro,
encontro Allison ainda junto de Axel. Ele está com a cabeça baixa
encarando suas mãos que estão entrelaçadas e em cima de suas
pernas enquanto Allison alisa suas costas, ambos levantam o olhar
para mim quando eu paro na frente deles, então eu digo:
— A coragem em mim para terminar meu relacionamento com o
Drew não surgiu após uma traição, surgiu quando ele fez o meu
estômago se revirar e minha respiração falhar em meio a uma crise
de ansiedade, mas ele me prometeu o mundo e eu acreditei que ele
realmente poderia me dar aquilo que eu tanto ansiava. Por que eu
ainda sou estúpida o suficiente para acreditar nas promessas que os
outros fazem a mim.
Os olhos de Axel estão compadecidos, mas ao mesmo tempo
raivosos.
— Ele desconfiou de mim, ele gritou comigo, ele me fez chorar
incontáveis vezes, porém ele me amou, me amou com
profundidade, me amou tanto ao ponto de eu pedir a Deus para que
ele ficasse na minha vida para sempre. Eu percebi que nós
havíamos enfraquecido no momento em que eu passei a desejar
outra pessoa. Ver a traição carnal dele, para mim foi a mesma coisa
que ver ele traindo tudo aquilo que um dia me prometeu. Quando o
perdoei das outras vezes, perdoei pensando em todas as
promessas feitas. – Tomo um pouco de ar, para enfim gritar o que
está alojado na minha garganta há tempos. – Porque não
descumpro aquilo que eu prometo – esbravejo.
Em seguida levo minhas mãos até a cabeça, e dessa vez não
direciono minhas palavras apenas ao Axel, mas também à Allison
que está me olhando perplexa.
— Eu não estou bem, eu estou mal, eu estou mal para um
caralho, porque sair de um relacionamento abusivo é como deixar
para trás toda uma vida, toda uma história. Então se é isso que
vocês querem escutar, aí vai: eu estou um caco, eu estou um lixo,
às vezes tenho nojo de mim mesma por ter ficado tanto tempo com
ele, mas eu vou dar a volta por cima, e vocês vão assistir de
camarote o quão foda eu sou. Porque ele me destruiu, mas ele não
pôs um ponto final na minha história.
Neste momento, eu estou em um estado de espírito
Em que eu quero estar, tipo, o tempo todo
Não temos mais lágrimas para chorar
Então estou me levantando
NO TEARS LEFT TO CRY | ARIANA GRANDE
Axel disse que iria ter volta, não só uma, mas duas vezes. Eu
joguei com ele também, não só uma, mas duas vezes.
Admito que a cena no auditório, a forma como seu corpo reagiu
enquanto eu passava as mãos nele, me fez querer retroceder o que
eu estava fazendo e apenas deixar que ele tivesse o seu momento,
assim como eu tive o meu.
Eu realmente gozei com seus dedos, isso nunca aconteceu
durante toda a minha relação com Drew, já que ele foi o único com
quem transei, eu nunca cheguei a sentir cinquenta por cento do que
eu senti com Axel enquanto trabalhávamos nas preliminares. Claro
que senti prazer, mas nunca ao ponto de gozar apenas com o toque
dos dedos e beijos avassaladores, e eu já gozei também, mas
sempre com a penetração em si, entretanto, foram poucas vezes.
Obviamente não aconteceu de início, até porque eu nunca ouvi
falar que uma pessoa perdeu a virgindade e já se sente a mais foda
do sexo tendo orgasmos múltiplos.
E falando em virgindade, reparo que Allie está colocando
camisinhas em sua mala de viagem que eu estou ajudando a
arrumar. Amanhã é o primeiro jogo oficial da temporada, e os
meninos irão jogar contra a UCLA. É um jogo fora de casa, portanto
todos iremos viajar até Los Angeles, mas Allie e Grey vão para casa
hoje jantar com seus pais.
Eu tomo as camisinhas de sua mão, e as suspendo no ar.
— Para que é que você quer isso se você nem usa? —
questiono enquanto confiro a validade dos preservativos.
— Ninguém sabe quando vou precisar. — Ela tenta tomar da
minha mão, mas eu não deixo.
— Isso está vencido, Allie — comento. — Venceu há três
meses.
— Me dá isso, Heaven — pede furiosa, finalmente conseguindo
tomar das minhas mãos.
— Calma, pequena — digo rindo. — Mas só uma dica, se
realmente pretende usá-las nesse fim de semana, faz o favor de
comprar novas.
Pisco o olho para Allie e ela pega uma das suas almofadas e
joga em mim, me fazendo cair de costas na cama, então eu pego a
almofada e jogo nela de volta, e assim ficamos até que ela desiste e
se joga de bruços ao meu lado na cama.
Ficando de lado, pego uma mecha do seu cabelo platinado e
passo por trás de sua orelha.
— Meu pai me deu há alguns anos, me disse que eu devia estar
sempre preparada.
— Ele tem razão — falo ao alisar sua bochecha.
Seus olhos verdes brilham enquanto Allie me encara, mas seu
olhar vai muito além de mim, ela parece estar refletindo sobre algo.
— Você acha que um dia eu vou deixar essa minha paixão
louca pelo Grey e conseguir sair com outro?
— Só em você estar se questionando sobre isso, já é o
suficiente para saber que vai sim.
— Às vezes eu acho que você tem razão — comenta. — Talvez
ele me veja apenas como uma irmã.
— Sim — concordo. — Por mais que eu quisesse que as coisas
entre vocês dois dessem realmente certo, no fundo ele pode te
amar, mas não o tipo de amor que você deseja e merece.
— Eu só não acho que seja muito pedir que a pessoa por quem
você é apaixonada tenha sentimentos recíprocos por você — diz ela
ficando de costas na cama.
Acompanho seu movimento e juntas passamos a encarar o teto
do quarto.
— Você vai encontrar a pessoa certa para você — digo
convicta.
— Eu acho que já encontrei, apenas o tempo que foi errado
com a gente.
— Não acredito que existe isso de pessoa certa e tempo errado,
Lily — a chamo por seu apelido, me virando de lado novamente
para ver seu rosto. — Se for a pessoa certa, sempre será o tempo
certo, porque a pessoa certa não pode aparecer no tempo errado. A
maioria das pessoas quando ama alguém e não dá certo, coloca a
culpa no tempo, não estou dizendo que não existiu amor ou não deu
certo, visto que existiu e até mesmo deu certo, mas não significa
que aquela pessoa é, necessariamente, a pessoa certa, uma vez
que se for a pessoa certa vai dar certo de todas as formas, não
importa quando ou como, apenas dará certo, pois nunca um será
capaz de abandonar o outro, até mesmo diante das situações
trágicas. Eu ainda não acredito que exista a pessoa certa e o tempo
errado, às vezes foi a pessoa certa, só não houve tempo o
suficiente.
— Uau! — Allie exclama ao se virar para mim, também me
encarando. — Você pensava que o Drew era a pessoa certa para
você?
Penso por um momento antes de respondê-la porque ainda é
um assunto sensível para mim, então assinto com a cabeça, antes
de falar:
— Durante o tempo em que estivemos juntos eu acreditei, até
porque eu via nele a necessidade de estar sempre comigo. Ele
apareceu na minha vida quando eu precisei de alguém, ele esteve lá
por mim e mesmo sendo difícil assumir, hoje eu sei que a maioria
das suas palavras e gestos não passaram de manipulações.
Drew parece finalmente ter aceitado a minha decisão de
cortarmos contato desde o episódio do refeitório, mas isso não
significa que eu não o veja, porque eu vejo. Todas as manhãs ele
ainda estaciona na mesma vaga, todos os dias eu também o vejo no
refeitório durante o almoço. Ele senta com alguns caras do time de
futebol, às vezes seus olhos vêm de encontro aos meus e quando
isso acontece eu desvio rapidamente. Meus amigos ainda estão
levando a sério o pedido do meu pai de se manterem sempre
próximos a mim, o que dificulta ainda mais qualquer contato que ele
pense em ter comigo.
Sou retirada das minhas divagações quando Allie responde:
— Eu nunca acreditei que Drew fosse a pessoa certa para você,
nunca enxerguei o real motivo do por que, mas te vendo toda essa
última semana ao lado do Axel eu enxergo, vocês nasceram um
para o outro.
Olho para Allie em completo espanto, Axel e eu voltamos a
nossa amizade há apenas uma semana. Obviamente estamos muito
próximos assim como fomos no passado, e não posso negar a
tensão sexual que existe entre nós todas as vezes que ficamos a
sós, eu até mesmo já pensei em nós dois como um casal, como
seria a dinâmica, mas ainda assim seria algo muito precipitado para
o momento.
— Eu acabei de sair de um relacionamento, Allie — respondo.
— Isso não significa que você vá ficar solteira pelo resto da vida
— ela diz se levantando. — Você mesma disse que existe a pessoa
certa e o tempo certo, o tempo de vocês pode bater à porta a
qualquer momento e você nem vai perceber.
Dito isso, ouvimos três batidas na porta do dormitório. Allie e eu
olhamos uma para outra assustadas, em seguida me levanto da
cama e juntas vamos até a porta, quando Allie abre Axel se põe
dentro do cômodo carregando um balde de pipoca de cinema e
inúmeros refrigerantes.
Allie lança um olhar divertido para mim, ao dizer:
— Viu só!
— Cala a boca. — Reviro os olhos.
— Viu só o quê? — Axel pergunta atônito.
— Coisa de mulher — Allie responde. — Tenho que terminar de
arrumar minhas coisas — diz já saindo do cômodo e indo para seu
quarto.
Roubo uma pipoca do balde que Axel carrega em suas mãos e
lhe pergunto:
— O que significa isso?
— Você ainda assiste aos filmes da Disney nos sábados, certo?
— Apenas assinto, já animada. — Como vamos viajar amanhã
pensei em transferir a sessão para hoje à noite.
Abro um grande sorriso pegando a pipoca de suas mãos.
— Essa é definitivamente uma ótima ideia.
Axel me acompanha e juntos sentamos no sofá. Passamos
minutos discutindo sobre o que vamos assistir, eu quero ver o live
action do Aladdin enquanto ele prefere assistir à Cruella, por fim, ele
acaba vencendo a discussão ao dizer que a atuação da Emma
Stone está impecável no filme, o que eu não discordo. Mesmo
preferindo assistir ao Will Smith como gênio, acabo cedendo à sua
escolha.
Quando damos play no filme Allie sai exasperada do seu quarto
já correndo em direção à porta.
— Estou indo, juízo vocês dois, até amanhã — dito isso ela
fecha a porta e vai embora, deixando Axel e eu a sós.
Axel ajeita sua posição no sofá, elevando uma de suas pernas e
colocando-a em cima da outra. Sinto o calor subir por meus peitos,
os inchando ao ponto de eu sentir meus mamilos endurecerem, mas
o homem ao meu lado parece não notar como meu corpo reage à
sua presença quando estamos sozinhos.
Desde a segunda não tínhamos ficado a sós, até agora. Por
isso eu acreditava na possibilidade de ele ter esquecido qualquer
coisa relacionada ao nosso pequeno impasse após ele gozar na
própria calça, e agora ele está completamente alheio a toda a
situação, apenas prestando atenção no filme que roda na tevê à
nossa frente.
Portanto, decido seguir o seu exemplo e prestar atenção no
filme. Vez ou outra o ar frio do ar-condicionado chega até nós, o que
faz o cheiro amadeirado misturado com o cítrico de sua loção pós-
barba subir até minhas narinas, mantendo o calor sempre presente
entre as minhas pernas.
Quando a nossa pipoca acaba, Axel se levanta indo em direção
à pia que fica próxima ao frigobar do espaço compartilhado. Ele lava
suas mãos, acredito que a fim de limpar a gordura da manteiga que
havia na pipoca, decidindo seguir os seus passos vou até onde ele
está e quando ele termina de lavar as suas, é a minha vez. Axel
pega um pano no armário e enxuga suas mãos, no momento em
que termino de lavar as minhas, ele me entrega o mesmo pano e
logo em seguida passa por mim esbarrando em meu braço.
Então vai ser assim, senhor Davenport? Tudo bem!
Decido tirar o suéter que estou usando, o que me deixa vestindo
apenas um top que mostra quase toda a minha pele da barriga, em
seguida volto para o sofá e sento bem ao seu lado, deixando que
nossos braços se toquem. Não passa despercebido por mim o olhar
que recebo dele em direção à minha barriga, mas eu finjo que não
vejo enquanto ele desvia seus olhos rapidamente. Axel, por sua vez,
engole em seco e passa o braço pelo encosto do sofá acima da
minha cabeça.
Meu centro palpita lentamente em ânsia, o filme já está quase
no fim, mas se tem uma coisa que eu não estou prestando atenção
no momento é nas cenas que passam à minha frente, apenas
consigo notar o quão desconfortável Axel está.
Ele disse que eu não iria saber jogar esse jogo, mas acredito
que no final das contas quem não sabe é ele, e se souber ele não
consegue se controlar muito bem.
Levo minhas pernas para debaixo da bunda, espero mais
algumas cenas do filme passarem e pouso uma mão em seu colo,
bem acima do bolso da sua calça e próxima o suficiente do seu
membro. Faço um esforço máximo para não olhar na direção em
que minha mão está, pois sei que nesse momento seus olhos estão
em mim, posso ouvir claramente sua respiração entrecortada.
Mesmo não sabendo nada do que passa em sua cabeça, agora
sei que o seu corpo sucumbi ao desejo tanto quanto o meu.
Axel se ajeita mais uma vez, fazendo com que minha mão que
estava acima do bolso passe um pouco mais para o lado e eu passe
a sentir a protuberância do seu membro, apertado contra o tecido do
jeans. Imediatamente levo meus olhos até seu rosto, mas seu
semblante é de pura indiferença enquanto ele finge prestar atenção
no filme que acabou de terminar.
Quando os créditos começam a rodar na tela, Axel se estica e
pega seu celular que havia posto na mesa de centro. Antes que ele
tenha a chance de desbloqueá-lo eu o tomo de sua mão.
— O que você está fazendo, Heaven? — pergunta surpreso no
momento em que subo em seu colo.
É, parece que ele realmente tinha razão, eu dei início a um jogo
que eu literalmente não sei jogar, ou apenas não tenho forças para
isso.
— Eu sei que você quer isso tanto quanto eu — digo já
aproximando os nossos lábios.
Porém, para meu total choque e descrença, Axel desvia o rosto
e minha boca acaba chocando-se contra sua bochecha.
— Que merda é essa? — indago já afastando meu rosto do seu.
— Nós somos amigos, Heaven, amigos não se beijam —
responde secamente.
— Amigos também não comem suas amigas com os dedos —
retruco em resposta.
A menção à nossa cena na sala de cópias faz com que seu
membro, logo abaixo do meu centro, dê um espasmo que não passa
despercebido por mim.
— Você está duro, Axel — concluo.
Ele coça a garganta e em seguida responde:
— Mas isso não significa que devemos transar.
— O que você quer dizer com isso?
Axel passa duas mechas do meu cabelo para trás de ambas as
orelhas, em seguida suas mãos vão até a minha bunda, ele a agarra
e se levanta, ficando de pé. Seus olhos cinzas ameaçam cair uma
tempestade na Califórnia a qualquer momento, mas a sua voz é
controlada, muito ao contrário de todas as reações de seu corpo.
— Quis dizer que não vamos seguir em frente com qualquer
tesão entre nós até que você peça.
Automaticamente minha boca se abre em surpresa e eu pulo do
seu colo.
— Se é assim, não vamos seguir em frente com isso até que
você assuma que sente tesão por mim — retruco, travando uma
batalha entre nossos olhares.
Axel me encara por longos segundos e de forma alguma vou
abandonar esse desafio. Um minuto se passa e nenhum de nós
desvia os olhares ou sequer pisca, as pupilas de Axel oscilam
enquanto queimam as minhas. Minha atenção está completamente
ligada à seus olhos, até o momento em que perco a batalha
piscando os meus.
Nunca imaginei que uma fração de segundos poderia se tornar
tão lenta dessa forma, como foi ao momento em que eu fechei meus
olhos. Quando eu os abro novamente, Axel tem um sorriso de canto
adornado em sua boca, em seguida ele dá de ombros e leva suas
mãos até os bolsos.
— Que assim seja então — diz convencido.
— Você vai perder — digo convicta.
Axel apenas dá de ombros em desdém, logo ele se afasta de
mim, vai até a porta e a abre, mas, antes de sair, murmura:
— Não esqueça de trancar tudo muito bem.
Levo uma das minhas mãos para as costas e deixo o dedo do
meio levantado, apenas dou um sorriso ingênuo para ele antes de
ele fechar a porta.
Se esse foi o jogo que ele passou quatro dias planejando, o seu
tiro acaba de sair pela culatra, pois eu posso morrer com minha
boceta palpitando em desejo, mas eu não vou pedir de forma
alguma para transarmos.
Não faço a mínima ideia de como irei fazer para ele ceder antes
de mim, mas a única certeza que tenho é que ele fará isso.
Eu sinto como se estivesse me afogando
Você está me puxando para baixo
Você está me matando lentamente
Tão lentamente
I FEEL LIKE I’M DROWNING | TWO FEETS
Eu sabia que eu não deveria ter deixado Heaven fazer isso. Ela
acelera meu carro como se fosse a porra do Dominic Toretto.
— A lata de lixo à esquerda — aviso a ela, mas é tarde demais,
Heaven bateu nela e mesmo assim continua acelerando.
— Viu só o que você fez?! — esbraveja. — Se você não tivesse
me atrapalhado, com certeza eu não teria batido naquela lata de
lixo. — Ela me olha incrédula.
— Ah não, com certeza — ironizo. — A lata estava na sua
frente, você deveria ter guiado o volante um pouco mais para a
direita, mas continuou reto.
Heaven finalmente estaciona o carro em frente à casa da minha
mãe, e eu respiro aliviado por saber que conseguimos superar os
vivos dessa corrida maluca dela.
— É que eu não estou acostumada a dirigir carro grande assim
— se defende enquanto sai do carro, e eu faço o mesmo. — Se
você me deixasse pegar o seu carro mais vezes, tenho certeza que
eu já teria todo o controle da situação.
Heaven se posiciona ao meu lado, enquanto eu verifico a
pintura da lataria, antes de atropelar o coitado do lixo, ela ainda
passou raspando pelo portão de ferro da Stout há cerca de uma
hora atrás. A tinta permanece intacta, eu diria que isso foi pura sorte
dela. Passando as mãos pelo carro, digo:
— Você quase foi dessa para melhor, mas eu prometo nunca
mais te deixar com a moça malvada, meu amor. — Dou um beijo na
maçaneta do carro, e quando olho de volta para Heaven, ela está
chocada e com os olhos arregalados.
— Deixa de ser dramático, Axel. Foi só uma lata de lixo.
— E o portão de ferro — lembro.
— Você está exagerando — repreende.
— Diz isso ao coitado do carro que passou por poucas e boas
em suas mãos. — Heaven revira os olhos para mim.
— É só um carro, Axel.
Olho para ela, incrédulo.
— Não fala isso, ele também tem sentimentos.
— Só falta você me dizer que ele tem um nome...
Eu levanto o dedo indicador no ar pronto para dizer que na
verdade ele é ela, e se chama Beatrice, mas acredito que não seja
uma boa ideia, já que após soltar uma lufada de ar e revirar os olhos
outra vez, Heaven joga as chaves do carro e eu as pego no ar.
— Então transa com ele, seu idiota. — Me dá as costas e sai
andando rumo à entrada da casa.
Corro, e assim que a alcanço abraço-a pelas costas e beijo sua
nuca. Ela tenta se desfazer do meu aperto, porém eu não deixo.
— Me solta, Axel — manda.
— Pede de novo — sussurro, passando a língua por trás da sua
orelha.
— Me sol... hãaan — ela arfa, gemendo.
É Heaven, você pode até tentar, mas eu conheço todos os seus
pontos fracos.
— Não ouvi o que você disse — provoco.
— Abre logo a porra dessa porta — diz brava.
Segurando as chaves, com uma das mãos, abro a porta, e com
a outra continuo abraçando-a por trás, beijando e lambendo seu
pescoço. Quando entramos em casa, fecho a porta com o pé, pego
os cabelos soltos de Heaven em punho, e puxo sua cabeça para
trás, a beijando.
Somos interrompidos por uma pequena pessoa que puxa a
barra da minha calça. Fecho meus olhos com ainda mais força e
levo meus lábios até o ombro de Heaven, plantando um beijo ali,
afasto minha cabeça, porém não nossos corpos. Eu estou excitado
e não quero receber perguntas constrangedoras que somente minha
irmãzinha é capaz de fazer.
— Oi Anya — falo com um gemido, quase em dor.
Saímos do campus rumo à Stone Bay cedo pela manhã. Ontem
foi a segunda e última noite de apresentações de Heaven, e ela já
havia preparado todas as suas coisas para a viagem de volta. Na
primeira noite, seu pai trouxe seu carro, por isso ela veio comigo
hoje. Decidimos que viriamos para a minha casa, pois minha mãe
sempre vai à igreja aos domingos pela manhã com Anya, ou seja,
estaríamos sozinhos por algumas horas, mas não foi isso que
aconteceu, uma vez que a garotinha está parada ao nosso lado. Se
ela não tivesse nos atrapalhado, com certeza estaríamos fazendo
um novo CPF nesse momento.
— A mamãe ganhou um anel gigante — Anya anuncia.
— Um anel?! — pergunto atônito e decido levar meus olhos até
a garotinha de três anos.
— Sim! O tio Marlon quem deu, vem ver. — Anya pega a minha
mão e sai me puxando em direção à cozinha.
Heaven nos segue rindo da situação, já que ao mesmo tempo
em que eu sou puxado, tento controlar a minha ereção dentro da
calça antes que eu possa cruzar com minha mãe e o homem que
muito provavelmente acaba de pedi-la em casamento. Quando
chegamos à cozinha vejo que Anya realmente falou a verdade,
minha mãe tem em seu dedo anelar um anel de diamante realmente
grande, ou gigante como ela disse.
Marlon e minha mãe estão sentados na ilha da cozinha, um
olhando para o outro como um casal apaixonado, o que eles
realmente têm sido nos últimos meses. Eu nunca, nunca mesmo, vi
minha mãe tão feliz como ela tem sido ultimamente. Não sei ao
certo se o anel que está em sua mão significa um pedido de
casamento, mas minha dúvida é sanada quando Heaven se
aproxima deles já pegando a mão da minha mãe e admirando o
diamante em seu dedo.
— Ai. Meu. Deus — ela fala pausadamente, animada. — Que
anel perfeito!
Minha mãe agradece à Heaven, e em seguida seus olhos, na
mesma tonalidade dos meus, me encontram, ela aparenta
realmente estar ansiosa com algo, mais precisamente, com o que
eu tenho a dizer sobre isso. Então a única coisa que faço é me
aproximar dela, assim como Heaven fez, e lhe dar um abraço forte
seguido de vários beijos em sua bochecha, quando nos separamos
coloco minhas mãos nas extremidades do seu rosto e lhe digo as
palavras mais sinceras que poderia dizer como filho:
— Eu não conheço uma pessoa que mereça mais ser feliz
nesse mundo do que você, mãe. Seu anel é perfeito, o noivo nem
tanto — provoco Marlon que me olha ofendido, e minha mãe ri. —
Todavia ele te faz feliz e te respeita, isso é o suficiente para mim.
— E ele também me compra vários chocolates — interrompe
Anya, fazendo todos nós rirmos.
Em seguida, me direciono ao tio de Heaven, e acho que agora
meu futuro padrasto, e lhe dou um abraço, também o
parabenizando.
— Sua mãe quase não aceitou, dizendo que era cedo demais.
Eu disse a ela que estamos velhos para pensarmos sobre o que é
cedo demais ou não.
— Você tem razão, tio — diz Heaven pegando uma maçã na
fruteira. — Vocês estão velhos, portanto, o cedo demais às vezes é
tarde para a idade de vocês.
— Garota... — minha mãe tenta repreender Heaven, mas acaba
rindo. — Vocês Morris gostam mesmo de acabar comigo, tenho
apenas trinta e nove.
— Só isso?! — Heaven diz com os olhos arregalados. —
Cancela o casamento, tio. Você precisa de uma mais velha para que
a gente fique rico — diz ela piscando para Marlon, que responde na
mesma altura.
— Fui tentar dar o golpe, ela quem deu. Seu pai tinha me dito
que ela tinha mais de oitenta, por isso fiz questão de me fingir de
apaixonado — diz ele em um tom consternado.
Minha mãe dá um leve tapa em seu ombro com o dorso da mão
que agora tem um diamante, o repreendendo.
— Para com isso, vocês dois.
Os dois Morris na cozinha riem, fazendo um highfive.
— Então, para quando planejam o casamento? — sou eu quem
pergunto.
Primeiro eles nos contam como ocorreu o pedido de casamento.
Segundo Marlon, ele já tinha o anel desde que fizeram um mês de
namoro, eles começaram a sair na noite em que eu o conheci, e
depois do terceiro encontro, iniciaram o namoro. Ele planejava pedi-
la em casamento no Natal, que é daqui a quatro dias, mas seus
planos foram por água abaixo quando ele acordou essa manhã e viu
minha mãe com os cabelos despenteados, para ele não houve
momento melhor para uma proposta senão aquele.
Já minha mãe disse que realmente não quis aceitar num
primeiro momento, e confirmando minhas suspeitas, ela tinha medo
da minha reação. Eu nunca ficaria com raiva dela por apenas buscar
a sua felicidade, coisa que a mulher aparentemente nunca teve na
vida, ela também disse que mesmo aceitando não significa que eles
irão se casar na próxima semana, mesmo que por Marlon eles
devam se casar amanhã em Las Vegas. Ela falou que não sabe o
que quer, afinal o pedido ocorreu há apenas duas horas, a única
certeza que tem é que será algo pequeno, apenas para os mais
próximos. Já Marlon se contrapõe dizendo que quer chamar até
mesmo o presidente Biden para o evento.
Nós três, juntamente de Heaven e Anya comemos enquanto
conversamos sobre o assunto. Quando a refeição acaba, Anya
chama Marlon para assistir Shrek e Heaven diz que vai subir,
enquanto eu fico responsável por ajudar minha mãe com a louça
que sujamos, colocando na máquina. Assim que fecho a lava-louças
e me levanto tomo um grande susto ao ver minha mãe parada atrás
de mim.
— Você quer me causar um ataque cardíaco?! — digo
colocando a mão no peito.
— Desculpa. — Minha mãe ri sem graça. — Eu só preciso
conversar com você, é rápido, eu prometo — ela se apressa em
dizer, antes que eu possa inventar qualquer desculpa.
— Fala — digo, me encostando na ilha e cruzando os braços.
— Você está feliz, Axel. E eu fico feliz por isso, minha maior
meta de vida é ver você e sua irmã felizes. — Ela toca meu rosto e
me olha com carinho.
— Aonde você quer chegar com isso, mãe? — pergunto,
atônito.
Apesar de estarmos todos felizes com a sua situação atual,
quando ela fala assim comigo eu não deixo de me preocupar, ainda
mais porque ela esperou o exato momento em que ficaríamos a sós
para puxar o assunto. Marlon e ela parecem dois jovens
apaixonados, e isso é ótimo, mas não muda o fato de que mesmo
ela tendo uma ordem de restrição contra meu pai, ele mora há
poucos quilômetros de distância daqui, o que me preocupa todos os
dias se ele irá aparecer nas nossas vidas repentinamente ou não. E
sempre que ela fala sobre minha felicidade, na maioria das vezes,
esse assunto se liga diretamente ao homem doador do esperma.
É besteira minha me preocupar com isso, tendo uma ordem
judicial de afastamento e com a vida da minha mãe entrando nos
eixos outra vez, porém estamos falando de um homem narcisista e
manipulador que abusou dela por anos, portanto eu tenho o direito
de estar sempre com o pé atrás quanto a isso.
— Você e a Heaven têm se tornado um lindo casal, mesmo eu
tendo sido contra no começo, hoje vejo o quão vocês dois se dão
bem, e que se preserve assim. — Respiro aliviado quando percebo
que o assunto não é o Daniel. — No entanto, eu preciso saber se
vocês dois estão se prevenindo corretamente, porque não é fácil se
tornar pai jovem, e depois do que eu vi hoje...
Provavelmente ela se refere à forma como cheguei à cozinha
mais cedo, mas não deixo que ela termine a sua frase. É bastante
vergonhoso saber que minha mãe me viu naquele estado, então não
quero ter que ouvi-la falando sobre isso também.
— Nós estamos nos cuidando, mãe. Não tem porque se
preocupar — me apresso em dizer, para que assim possamos
acabar com esse assunto.
— Não foi o que pareceu — ela desafia.
Coloco as mãos sobre seus ombros, em um gesto
tranquilizador.
— Heaven faz o uso das pílulas corretamente, e na maior parte
das vezes usamos camisinha, mãe. Relaxa!
— Vou relaxar assim que vocês usarem camisinha todas as
vezes. — Ela me lança seu olhar mandão, e eu assinto com a
cabeça antes de responder.
— Nós vamos usar frequentemente — afirmo.
— Promete, Axel?! — ela pede com os olhos brilhantes, e eu
dou um beijo na sua testa.
— Sim, mãe. Prometo! Agora preciso ir.
Dou outro abraço na minha mãe, como uma forma de
tranquilizá-la e em seguida subo as escadas, indo em direção ao
meu quarto. Ao entrar, fecho a porta atrás de mim e vejo que
Heaven está deitada na cama, com as mãos cruzadas em cima da
sua barriga, encarando o teto com atenção. Eu me deito de bruços
na cama, passo o braço por cima de sua barriga, e beijo sua
bochecha. Heaven me encara, com um olhar cheio de
questionamentos.
— Você nunca me disse o porquê de ter um mar como pintura
do seu teto — constata.
Eu troco minha posição na cama, deitando-me de costas assim
como Heaven, e encaro o teto por alguns segundos antes de
responder.
— Não é apenas um mar, são as águas caribenhas — revelo.
— E quando você criou esse fascínio pelo Caribe, afinal de
contas? — ela pergunta, um tanto quanto curiosa.
— Não sei. — Dou de ombros, tentando não revelar o motivo do
meu quarto aqui, no apartamento e até mesmo em Hastings ter essa
bendita pintura. — Apenas acho bonito.
— Já eu acho que tem alguma coisa a mais por trás disso.
— Tipo o quê?! — Olho para ela enquanto sinto uma onda de
pânico remexer-se no meu estômago.
— Tipo... Você ter perdido a virgindade no Caribe. — Ela morde
o lábio inferior ao me olhar.
Eu dou uma risada em resposta à sua constatação sem
nenhuma ligação com a realidade. Heaven me olha séria, e eu
cesso meu ataque de risos.
— Linda, já faz três meses que eu te digo que não vou te falar
como perdi minha virgindade, e você ainda insiste nisso. — Passo
uma mecha do seu cabelo para trás da sua orelha.
— Você é um chato, Axel Davenport — diz fazendo bico,
aproximo nossos rostos e dou um selinho em seus lábios.
Heaven dá um soco no meu braço, e eu gemo de dor.
— Porra! Isso doeu, Heaven.
— Era essa a minha intenção — diz levantando num salto. —
Que tal irmos à praia? — Estende a mão, me chamando e eu a
pego, levantando-me enquanto gemo de dor.
Já se passaram três meses desde que ficamos a primeira vez, e
dois meses desde que percebi o quão apaixonado estou por ela,
porém apenas trinta horas desde que notei que é o momento de
seguirmos adiante em nosso relacionamento. Diria que, graças a
Heaven, eu tenho me tornado uma pessoa melhor, antes eu vivia
com raiva, apreensivo, ansioso e receoso com tudo e todos, de
certa forma, ajudá-la a superar seus traumas e suas dores também
me beneficiou.
Eu não tenho sentido mais a necessidade de estar no ringue, e
a raiva súbita que sentia tem ido embora a cada dia que passa. Eu
tenho me sentido cada vez mais leve, como se tudo que estava
errado finalmente estivesse entrando em seu próprio eixo. As crises
relacionadas à comida que eu tinha também sumiram, e dessa vez
parece que é definitivo. Ela tem o poder de aflorar tudo aquilo que
há de melhor em mim, e eu só quero poder entregar tudo isso a ela.
Tenho planejado pedi-la em namoro amanhã, já que é o dia
exato em que faremos três meses, sem contar que faltam apenas
quatro dias para o Natal. Queria ter feito isso antes, obviamente,
contudo ainda achava cedo demais para Heaven entrar em um novo
relacionamento sério, mesmo que nós dois não tenhamos nos
desgrudado nas últimas semanas. Heaven ainda está superando
seus inúmeros traumas de quando estava com Drew, então não quis
deixar que ela confundisse as coisas.
Drew parece ter sumido das nossas vidas definitivamente, a não
ser pelas vezes em que trombamos no campus, ou quando o vemos
durante o almoço. Ele ainda lança olhares quando eu e Heaven
estamos juntos, e Heaven chegou a me dizer que sentiu como se
alguém a estivesse perseguindo enquanto caminhava até o loft do
Wes por esses dias, tirando isso, ele não tem nos incomodado,
acredito que pelo fato de Heaven e eu estarmos sempre juntos,
além de que na grande parte das vezes Kane, Elliot e Grey também
estão ao nosso lado, e Drew não é o tipo de pessoa que tem
amizades que compram suas batalhas, por isso está sempre
sozinho.
Todos nós nos mantemos longe dele, e agora até mesmo a
própria Sadie parece ter finalmente desistido de Drew, após ele a ter
violentado. Mesmo sendo cedo para assumir isso, uma vez que faz
apenas três dias que ela apareceu na porta do dormitório de Heaven
toda assustada e machucada, é bom dar um voto de confiança para
a garota e acreditar que realmente ela se manterá longe dele.
Heaven troca de roupa no banheiro, vestindo um biquíni verde
que realça seus seios médios juntamente de um shorts jeans. Ela
senta na minha cama e então eu escuto o som de uma mensagem
chegando no meu celular, mas ela é mais rápida ao pegá-lo e
verificar o que está escrito na tela.
— O que Kane quis dizer com “está tudo certo para amanhã”?
— me pergunta num tom ameaçador, como se fosse um
investigador de homicídios.
Eu começo a tirar minha roupa para que ela não veja minha
cara enquanto minto, pois Anya revelou a ela que meu nariz treme
sempre que minto, o que eu queria que não fosse verdade.
— Ele vai lutar amanhã — digo rapidamente, tirando a
camiseta.
— Estranho... Lutar em uma segunda sendo que na terça ele
viaja para ficar com a família. Além de que vocês não lutam durante
a temporada, mesmo que estejam em recesso nas próximas duas
semanas — ela insiste no assunto, realmente desconfiada.
Dou as costas para Heaven, indo até o meu armário pegar uma
muda de roupa.
— Ainda não estava decidido, então ele não quis fazer nenhum
alarde.
Visto uma regata branca, e em seguida tiro a calça para vestir
uma bermuda de tecido fino.
— A gente vai assistir?
— Talvez, não sei.
— Por que você está tão estranho? — Ela está do meu lado
quando termino de vestir a roupa.
— Eu não estou estranho — digo depressa, fechando a porta do
armário.
Só que para minha surpresa, e aparentemente a de Heaven
também, a caixa retangular preta de veludo cai no chão.
Por que eu sempre me ferro quando estou mentindo?!
— O que é isso? — Ela pega a caixinha do chão. Eu tento
tomar da mão dela antes que ela possa abrir e ver o conteúdo, mas
Heaven a esconde em suas costas.
— Não é nada demais, Heaven — eu digo. — Só me deixa
guardar — peço tentando pegar a caixa de suas mãos.
— Seu nariz está tremendo porque então, Axel?! — pergunta
retoricamente, com seus olhos brilhando.
— Não está nada — tento me defender, ainda querendo pegar a
caixa de suas mãos.
— Tremeu de novo — grita, apontando para mim.
Após isso, ela corre dando a volta por mim. Vejo o momento
exato em que ela abre a caixa e é quando eu desisto de pegá-la.
Heaven me olha perplexa, e depois olha novamente para o interior
da caixa que contém um colar com dois cordões, o de cima tem o
pingente de um coração pequeno com asas, e o de baixo também é
um coração, só que um pouco maior e sem as asas.
Eu o comprei na viagem que fiz para o Arizona, há dois meses.
Durante aqueles três dias, eu senti tanto a sua falta que meu
coração se apertava e descompassava todas as vezes em que eu
pensava nela, isso também aconteceu quando eu passei em frente
à vitrine de uma joalheria no shopping, na hora que o time foi
almoçar ao chegarmos à cidade. Eu me lembrei apenas dela e
decidi comprar a peça para dar a ela no momento certo, que não
seria agora.
— É lindo... — Heaven diz enquanto passa os dedos pela joia.
— De quem é? — ela me pergunta, com os olhos brilhando.
O momento ideal seria amanhã, na praia, em frente à fogueira,
com a porra de um jantar romântico, logo depois eu a pediria em
namoro como eu tenho planejado nas últimas horas, desde o
momento em que ela desceu daquele palco e me beijou na frente de
todos, anunciando que estava pronta para seguir em frente com o
que quer que fosse que nós dois tivéssemos. Entretanto, a minha
falta de jeito e a curiosidade de Heaven falaram mais alto.
— Eu ia te dar isso amanhã — revelo.
— Ia?! — pergunta, com os olhos cheios de lágrimas e um
sorriso doce no rosto.
— Sim — digo pegando o colar da caixinha e abrindo o fecho,
dou a volta por Heaven e passo os cordões por seu pescoço. — O
ouro branco significa eternidade, a safira pureza e preciosidade, o
coração com asas é a liberdade e o maior simboliza quão bondosa e
leal você é. — Termino de colocar o colar em seu pescoço e ajeito
seu cabelo, em seguida ela se vira para mim. — O amor te torna
uma pessoa livre, mas também leal, ou seja, independente de
qualquer distância seu coração será capaz de voltar às suas raízes.
Você provou isso, não só para as demais pessoas ao seu redor,
como para si mesma, nas últimas semanas.
Heaven segura um dos pingentes quando uma lágrima escorre
em sua bochecha, eu rapidamente a enxugo com meu polegar,
abraço-a pela cintura e depois beijo sua têmpora.
— Isso é tão lindo, Axel.
Sorrio para ela sabendo que é agora ou nunca, já que todos os
planos para amanhã falharam. Meu coração se aperta no peito, a
garganta fica seca, uma pontada atinge meus pulmões dificultando a
entrada do ar. Parece que essa casa está cheia de pedidos
relâmpagos, hoje. Ao olhar em seus olhos, pergunto:
— Você quer namorar comigo, Heaven?
Heaven abre um grande sorriso de orelha a orelha, assentindo
com a cabeça.
É nesse momento que eu sinto o ar voltar para o meu peito, e
meu coração voltar a bombear sangue. Heaven pula em meu colo,
como fizera em todas as vezes em que nos reencontramos nos
últimos meses e me beija, eu apenas retribuo com uma felicidade
genuína, que acredito nunca ter sentido igual antes.
Sei que prometi à minha mãe, há dez minutos, que iria me
cuidar, mas agora a vontade que tenho é de pegar essa mulher nos
braços e fugir para o meio do nada, onde não haja o mundo para
nos importunar e viver o nosso “felizes para sempre”.
— Você é a coisa mais linda da minha vida — ela diz quando
paramos o beijo.
— Eu sei que sou. — Faço voz manhosa.
— Então agora posso te chamar oficialmente de namorado?!
— Deixa de ser brega. — Fecho a cara para ela.
— E a carranca voltou. — Heaven separa nossos corpos, e
estende a mão aberta para mim. — Posso dirigir?!
— Nem fodendo — nego imediatamente.
— Mas agora somos namorado e namorada — ela diz fazendo
bico, ainda com a mão estendida.
— E meu carro continua traumatizado pela sua aventura a la
velozes e furiosos. — Bato na sua mão, fazendo um highfive. —
Anda, vamos logo — digo passando por ela.
— Nossa, você poderia ser um pouco mais romântico depois de
um pedido de namoro — murmura atrás de mim, reclamando e rio
da situação.
— Se você não tivesse estragado a surpresa, teria sido bem
mais romântico.
— Chato — cantarola por sobre meu ombro.
Talvez eu não precise fugir para o meio do nada, talvez esse
seja o nosso “felizes para sempre”.
ATENÇÃO DE GATILHO: CENA GRÁFICA DE VIOLÊNCIA
CONTRA MULHER
Heaven: Ela está saindo agora, e meu pai irá voltar mais tarde,
jantamos na sua casa hoje, chego às 19h <3
Só vejo a mensagem de Heaven vinte minutos depois da sua
chegada, deixei meu celular no quarto enquanto ajudava Anya a
escolher uma roupa. Como todos os meus planos para hoje foram
por água abaixo, eu decidi fazer outra surpresa para ela, por isso
pedi ao Magnus para ligar e dizer que iria chegar um pouco mais
tarde que o normal, e ele fez.
Peguei as chaves da cabana do padrasto do Grey e pai da Allie,
que fica a vinte quilômetros da cidade e é perto de um lago. Passei
o dia inteiro preparando as coisas para levar, como comida, bebida,
lençóis... Vamos dormir lá, e poderemos ficar até terça, já que
quarta é véspera de Natal. Pensei também que seria bom entregar
meu presente em um momento íntimo entre nós dois, sem a
presença dos nossos pais.
Sinto que algo está estranho, por mais que tudo esteja muito
bem planejado da minha parte. Todas as coisas que iremos precisar
estão na mala do carro, inclusive as roupas de Heaven, que pedi a
Reese para organizar hoje pela manhã. Apesar de ser tudo tão em
cima da hora, até agora está tudo saindo perfeito, e ela não
desconfia de nada.
Porém, mesmo com tudo planejado eu sinto como se estivesse
faltando algo, é um aperto que sinto bem no fundo do peito ao
visualizar sua mensagem. Na minha cabeça só vem Heaven, então
eu disco seu número e a linha começa a chamar, mas no terceiro
toque a ligação cessa. Não foi atendida.
Tento mais uma vez, e dessa vez a ligação é atendida. Eu me
assusto quando, logo em seguida, escuto do outro lado da linha um
baque surdo, que me faz pular, soar.
O que está acontecendo? Primeiro, ela desliga a ligação; a
próxima é atendida, no entanto não escuto nada além de um
barulho enorme. Heaven praticamente vive com esse celular por
perto, por mais que demore a responder algumas mensagens,
quando se trata de ligações ela nunca deixa cair na secretária
eletrônica.
Vejo as chaves do carro brilharem em cima da escrivaninha, em
um impulso as pego deixando meu celular no lugar, e mesmo sem
camisa e descalço saio do quarto. Desço as escadas correndo,
passo por minha mãe, Marlon e Anya na sala, mas não falo com
eles, vou direto para a porta, saindo de casa e indo em direção ao
meu carro.
Estou aflito, pensando que algo realmente tenha acontecido
com ela, torcendo para que seja apenas coisa da minha cabeça
maluca. Dou ré no carro e depois acelero, descendo por minha rua e
entrando no terceiro quarteirão à esquerda, normalmente o caminho
para a casa de Heaven leva em torno de cinco minutos de carro,
mas faço tudo em cerca de dois.
Quando paro o carro no meio fio em frente à sua casa, um
veículo preto passa por mim acelerando. Os pingos de chuva são
frios na minha pele, não vejo nenhuma luz sair da casa de Heaven,
mesmo com o céu nublado, está tudo muito silencioso, o único som
que minha audição detecta é o da chuva caindo. No momento em
que um raio clareia o céu de Stone Bay percebo que a porta da
frente da casa está entreaberta.
Corro descalço, entrando na casa que está completamente
escura, eu não tenho tempo para procurar pelo interruptor e ligar as
luzes. Outro raio desce no céu juntamente de um trovão estrondoso,
então eu vejo que há marcas de lama no vestíbulo, meu coração
acelera, e eu a chamo aos berros.
— Heaven! — grito, mas não tenho resposta.
Os pelos do meu corpo se eriçam, me dizendo que algo
realmente não está certo. Mais um raio e reparo que há um buraco
na parede, suor fino desce por minha têmpora e meu estômago
embrulha, fazendo com que eu entre em alerta para o que vejo em
seguida.
No momento em que ponho meus pés na sala de estar, enxergo
seu corpo estirado no chão em frente à escada, como se ela tivesse
caído de costas nos degraus. Por um segundo fico parado, tentando
assimilar a imagem que observo à minha frente. No segundo
seguinte eu corro em direção ao corpo estático de Heaven, fico de
joelhos ao seu lado, e no instante em que tiro os cabelos do seu
rosto uma onda de pânico invade todo meu corpo, fazendo ele ceder
por cima do seu que continua imóvel.
— Heaven! — eu chamo, abraçado ao seu corpo mole. —
Heaven! — grito mais duas vezes, mas ela não responde.
Levanto a cabeça, analisando seu rosto. Há marcas por todo o
seu pescoço, suas pálpebras estão cheias de sangue, além de um
corte enorme no lado esquerdo da sua cabeça.
O que aconteceu com você?
Lágrimas invadem meu campo de visão enquanto tento
raciocinar. Abraço sua cabeça, sentindo sua respiração falha, tão
fraca que é quase inexistente. A chuva lá fora é estrondosa, não
tanto quanto meus batimentos cardíacos que são violentos contra
meu peito.
Emergência.
Ela precisa ir para o hospital.
Continuo agarrando sua cabeça bem ao lado do meu peito,
pedindo a Deus ou qualquer ser, que a proteja, enquanto tento
achar meu celular.
Merda!
Quando saí correndo não lembrei de pegar. Mais um raio junto
de outro trovão invadem meus olhos e ouvidos, então eu vejo, ao
lado da mão imóvel de Heaven, a tela do seu celular brilhando.
Estico meu corpo para pegá-lo, e quando finalmente está na minha
mão, ele quase cede, minha mão está molhada de suor, chuva e um
líquido mais pegajoso, tão logo a luz do celular acende outra vez,
concluo que se trata de sangue.
O sangue de Heaven.
Meus dedos tremem tentando desbloquear o celular. Ele tem
bloqueio facial, puta que pariu!
Ponho a cabeça de Heaven no chão devagar, e no momento em
que tiro minha mão da sua nuca enxergo uma poça de sangue, no
mesmo canto onde sua cabeça estava antes. O cheiro de ferro
invade minhas narinas. Minha mão, braço e barriga estão cobertos
por seu sangue.
O que aconteceu com você, Heaven? O quê?
Me levanto depressa, indo até à mesa no canto do sofá, o
telefone residencial está lá. No momento em que tiro do gancho
disco 911, ao primeiro toque, uma voz feminina soa do outro lado da
linha.
— Emergência, em que posso ajudar?
— A...a... Alô — minha voz sai com dificuldade. — Ajuda! Eu
preciso de ajuda! — Só percebo que estou gritando, quando a
mulher do outro lado pede para que eu me acalme. Tento respirar
fundo, mas meus pulmões falham, minha vista está toda embaçada,
meu rosto coberto de lágrimas, minha garganta seca, não consigo
falar de novo. Olho novamente para Heaven, ainda estática no chão.
Foco, Axel! Você precisa focar, pela Heaven, ela precisa de
você.
— Houve um acidente, não sei exatamente o que foi — digo
finalmente, com minha respiração quase controlada, me ajoelho ao
lado do corpo de Heaven.
A moça da emergência pergunta o que aconteceu, eu digo mais
uma vez que não sei, mas informo como a encontrei quando
cheguei e que ela está desacordada, falo sobre o sangue abaixo da
sua cabeça, sua respiração fraca, e seus olhos inchados. Informo o
endereço, a mulher diz que se chama Amanda, pede para que eu
não mexa no corpo de Heaven até que o socorro chegue, ela avisa
que a ambulância estará aqui em menos de dez minutos.
Eu digo a ela que abracei o corpo dela no momento em que
cheguei aqui, ela responde que não tem problema, desde que eu
não faça mais nada. Entretanto eu vou contra a sua recomendação,
e aproximo meu ouvido do peito de Heaven, tentando escutar as
batidas do seu coração.
Foco meu olhar outra vez em seu rosto e assimilo tudo. Heaven
não caiu da escada, ela foi espancada, todos esses machucados
em seu rosto indicam que ela foi brutalmente violentada, as marcas
no seu pescoço mostram que foi enforcada, mas quem fez isso? E
por quê?!
Drew.
É óbvio. No mesmo instante em que associo tudo, lembro do
carro que passou por mim, como se estivesse fugindo. Naquele
momento eu não pensei nisso, agora está claro.
Vou contra as recomendações de Amanda de novo, e pego a
mão de Heaven, trazendo-a para perto do meu coração, segurando-
a firme ali. Fecho os olhos e deixo todas as lágrimas descerem,
ódio, tristeza e apreensão tomam conta de mim.
Várias perguntas passam pela minha cabeça.
O que ele estava fazendo aqui? Como ele entrou? Por que você
deixou que ele entrasse? Por que não me ligou, ou ligou para a
polícia, seu pai, qualquer um que fosse... Por que Heaven? O
celular estava praticamente na sua mão.
Meu diafragma se contrai, e vários soluços saem por minha
boca. Aproximo minha cabeça novamente do seu peito, para ter a
certeza que seu coração continua batendo e que seus pulmões
continuam recebendo ar.
Não consigo ouvir nada, apenas sinto um ar frio que sai do seu
nariz, mas é muito fraco, muito fraco mesmo, quase inexistente.
Você não pode fazer isso comigo, você não pode fazer isso comigo,
Heaven! Simplesmente não pode!
— Deus — chamo com a cabeça deitada no seu peito, ainda
segurando sua mão colada ao meu. — Se você existe, por favor, por
favor, ajude-a, se algo acontecer com ela eu nunca vou me perdoar.
Quando calo minha boca, sinto um movimento na mão de
Heaven, Ele escutou minha prece? Tão simples assim? Então o
peito de Heaven se mexe também, subo a cabeça, todo o corpo
está tremendo. Era para isso acontecer?!
O que está acontecendo? Ela está acordando?
Minhas crenças são afundadas quando escuto uma voz soar às
minhas costas.
— Saia de perto, ela está convulsionando. — É a voz grave de
um homem.
Ao virar minha cabeça vejo que se tratam dos socorristas, eles
correm ficando ao lado do corpo de Heaven. Eu não largo sua mão,
o outro homem pede para que eu dê espaço, mas eu não vou deixá-
la sozinha. Eu não posso deixá-la sozinha, não mais.
Um deles segura o corpo dela, deixando-a imóvel, e o outro a
sua cabeça, impedindo-a de bater no chão, e eu continuo agarrado
à sua mão.
Ele pede de novo para que eu me afaste, mas eu nego com a
cabeça. Não faço, não a solto, eu não posso a soltar, não de novo,
porque se eu não tivesse a deixado antes, ou agora, nada disso
teria acontecido, nada...
— Você precisa deixar ajudá-la, por favor, se afaste — ele diz
novamente.
Eu olho para o rosto de Heaven, apenas querendo que ela abra
seus olhos, para que eu possa ver sua íris azul, tão cristalina como
as águas caribenhas. Eu lembro do teto do meu quarto, e que ontem
mesmo ela me perguntou o motivo de tê-lo pintado daquela forma,
ela nem mesmo imagina que fiz isso para tê-la próxima a mim
sempre que estivesse longe. Eu não a quero longe, quero aqui,
comigo, agora. Eu preciso dela, ela precisa viver.
Solto sua mão devagar, e me distancio um pouco do seu corpo,
observando tudo o que os socorristas estão fazendo com ela. Um
enfaixa a sua cabeça, acho que para conter o sangue que sai da
parte de trás, o outro verifica o pulso, em seguida abre suas
pálpebras inchadas, verificando seus olhos, então eu vejo o azul
que tanto queria ver, porém eles estão irreconhecíveis, eles não
brilham como de costume.
Eles colocam um colar cervical em seu pescoço, e depois
movem seu corpo para uma maca amarela.
— Você vai nos acompanhar? — o que enfaixou a sua cabeça
pergunta. Eu apenas assinto com a cabeça rapidamente, então eu
me levanto do chão, pois ainda estava de joelhos. Eles ficam de pé,
e carregam o corpo de Heaven para fora de casa, por puro instinto
pego seu celular no chão e os sigo, quando passo pela porta a
fecho, tudo o que faço é completamente no automático.
Meus pés tocam o chão molhado, então eu recordo que estou
descalço, vejo meu carro parado no meio fio em frente à
ambulância, e grito dizendo que irei segui-los com o carro.
A porta do motorista está aberta, assim como deixei no
momento em que cheguei aqui. Entro no carro e procuro uma
camisa e algum sapato no banco de trás, encontro somente uma
camiseta branca de algodão, coloco-a no meu colo e dou partida no
carro, quando a ambulância passa ao meu lado e eu os sigo.
O caminho é longo até o hospital mais próximo, minhas mãos
estão tremendo no volante e o gosto da bile toma conta da minha
boca, fazendo com que ela se encha de saliva, minha visão está
completamente turva pelas lágrimas que insistem em descerem.
Uma vez meu pai me disse que apenas homens fracos choravam,
em algum ponto ele tem razão, porque um dos maiores motivos da
minha força está sendo levada às pressas para um hospital. Ela
está desacordada e a única coisa que eu penso, além de pôr um fim
na vida do responsável por isso, é que a vida de Heaven não pode
acabar assim.
Demoram exatos onze minutos para chegarmos ao hospital,
estaciono o carro de qualquer jeito e corro até a ambulância,
enquanto visto a camiseta que havia pegado.
Continuo descalço.
Uma equipe de três médicos se aproxima da ambulância no
instante em que as portas de trás são abertas, e eles puxam o corpo
de Heaven lá de dentro. Uma médica baixinha, de cabelos pretos,
checa seus olhos, um homem alto, negro e robusto verifica seus
sinais vitais, tudo isso enquanto os socorristas falam sobre seu
estado.
— Mulher de aproximadamente vinte anos, com ferimento
aberto na parte dorsal do crânio, possível trauma, hematomas no
pescoço e rosto, provável violência doméstica. Quando chegamos
ao local estava convulsionando, temperatura corporal em trinta
graus.
“Por que tão fria?”, eu penso.
Os socorristas continuam falando, ao mesmo tempo em que os
médicos entram no hospital pela entrada de emergência, levando
uma Heaven desacordada com eles. Eu continuo os
acompanhando, os três entram com ela em uma sala de traumas
que já está com meia dúzia de enfermeiros, todos falando juntos. No
momento em que passo por eles, escuto a médica baixinha gritar:
— Não vai dar tempo, ela precisa entrar na sala de cirurgia
agora.
— Cirurgia? — pergunto me aproximando deles. — Por que
Heaven precisa de cirurgia?
— Você é parente da paciente? — a terceira médica pergunta.
— Namorado — respondo. — Por que vocês irão levá-la para a
cirurgia? — digo apontando para Heaven quando a primeira médica
começa a correr, levando minha namorada inconsciente por um
corredor do hospital.
Eu continuo os seguindo, acompanhando todos os seus passos
apressados.
— A paciente sofreu traumatismo craniano e está tendo uma
hemorragia externa — diz a primeira médica, a que puxa a maca. —
As pupilas dela estão oscilando, e a temperatura está muito baixa, o
que significa que seu corpo não está recebendo oxigênio suficiente.
— “Eu sabia que ela não estava respirando direito”, penso. Ela
passa por duas portas enormes levando Heaven consigo. — Você
precisa ficar aqui.
Então eu vejo, pela pequena janela de uma das portas, várias
pessoas correndo enquanto acompanham a médica. Aos poucos
eles vão sumindo do meu campo de visão, até que entram em um
corredor e não os vejo mais.
Uma mão toca meu ombro e eu pulo, assustado e atônito com
tudo, apenas querendo passar por essas portas e ficar ao lado de
Heaven, até ter certeza de que ela está bem.
— Desculpa — uma voz doce diz atrás de mim, ao me virar,
vejo que é a terceira médica que estava atendendo Heaven na sala
de traumas, antes de a levarem às pressas para uma cirurgia. Ela
tem mais ou menos a mesma altura da outra médica, porém é loira.
— Como você se chama? — ela pergunta.
— Axel.
— Axel, você é namorado da paciente, certo? — eu confirmo,
assentindo com a cabeça. — Como ela se chama?
— Heaven — digo. — Heaven Caroline Morris.
— Eu preciso primeiro que você se acalme, tá certo?! — ela diz,
com sua voz doce e suave. Assinto novamente. — Ainda não temos
informações sobre o estado de saúde da Heaven, mas ela precisou
ser levada com urgência para a sala de cirurgia da doutora Rogers.
Eu vou acompanhar a cirurgia e em breve venho te comunicar como
as coisas estão, vou pedir para você ficar aguardando na sala de
espera, logo a assistente social irá conversar com você, tudo bem?
— assinto outra vez. — Te vejo daqui a pouco, e tenha calma, vai
dar tudo certo.
Concordo mais uma vez com a cabeça, mas a médica não vê,
porque ela passa pelas mesmas portas que Heaven passou há
pouco. Ela corre pelo corredor, e dobra na mesma esquina que
levaram Heaven.
Por que ela está correndo, se estava tão calma há apenas um
segundo atrás?!
Meu corpo me leva até a sala de espera, assim como a doutora
que eu nem sei o nome pediu, sento em uma das cadeiras, vendo
uma família se abraçar no momento em que um homem corre
gritando “é menino”, ao meu lado há uma senhora com cerca de
sessenta anos, ela morde o lábio inferior, assim como Heaven faz
sempre que está nervosa. Um hospital é capaz de trazer à tona
inúmeros sentimentos, dos bons aos ruins, em um segundo uma
família recebe a notícia de um novo ser, enquanto em outra ala uma
mãe é acalentada por perder seu filho, mas nada muda o
nervosismo de todos que ficam na sala de espera, seja aguardando
uma notícia boa ou temendo pelo pior.
Agora, eu estou com ambos os sentimentos, temendo que o
pior possa acontecer e esperando que a médica venha me dizer que
foi tudo uma loucura minha. Minha cabeça vaga novamente para o
estado em que eu a encontrei, na pessoa que suspeito ter feito isso.
Eu quero matá-lo.
— Eu vou matá-lo — digo num sussurro.
Algo treme em minha perna fazendo com que eu saia dos meus
pensamentos obscuros, então me lembro, o celular da Heaven, eu o
trouxe comigo. Levo minhas mãos ainda cheias de sangue, do
sangue dela, até o bolso e pego o aparelho. Vejo o nome do Wes
brilhar no visor, arrasto meu dedo pela tela e atendo a ligação.
As lágrimas voltam a descerem pelo meu rosto no momento em
que digo alô.
— Axel?! — A voz de Wes soa hesitante do outro lado da linha.
— O que aconteceu, onde está a Heaven?
Então eu conto tudo a ele, desde o momento em que vi a
mensagem de Heaven no meu celular, até quando a médica me
mandou ficar na sala de espera.
— Calma, Axel. Eu chego aí em alguns minutos.
A chamada cessa, e encaro a tela do celular de Heaven
novamente, é uma foto sua em cima do palco, dois dias atrás, no dia
da apresentação da peça. Ela foi a personagem principal no drama
escrito pela Lindsay Althorne, uma das escritoras de novelas mais
bem sucedidas da atualidade, sei disso porque sempre que ela
estava estressada por conta dos ensaios fazia questão de enfatizar
o nome da roteirista e produtora do espetáculo.
“— Eu não matei ninguém — Heaven, ou melhor, Vanessa grita
em cima do palco, suplicando para que os policiais acreditem nela.
— Eu juro, eu não matei ninguém.
— Mas também não ajudou — Reymond, o investigador
interpretado por Wes diz. — Segundo o relatório dos legistas a
vítima só veio a óbito cinquenta minutos após o acidente, e a
senhora nem mesmo ligou para a emergência, invés disso ligou
para sua melhor amiga e suas palavras na mensagem foram:
“acabou tudo”.
— Quando ele caiu do segundo andar eu cheguei próximo ao
seu corpo imóvel, ele não respirava, ele não se mexia, como eu ia
saber que ele estava vivo?! — ela se defende, chorando. — Ele não
se mexia — grita. — Ele não se mexia — sussurra caindo no chão
de joelhos.”
Esse foi o início do segundo ato da peça.
“Você também não se mexia, Heaven”, penso.
Naquele dia, no final da apresentação, a tal da Lindsay disse
que ela tinha muito potencial, elogiou sua atuação, principalmente
no final, quando todos descobrimos que Vanessa realmente havia
matado o Joseph, o patriarca de uma família milionária.
Quando Heaven recebeu aquele elogio, mais nenhum importou
para ela, ela passou todas as horas seguintes à peça com um
sorriso no rosto, lembrando das cenas, dos momentos de ensaio, e
do quanto Althorne a adorou em sua personagem. Aquele dia
também foi o dia em que olhamos um nos olhos do outro, e somente
aquele brilho que possuímos foi capaz de dizer que nos amamos,
que eu a amo.
— Eu a amo tanto... — digo num sussurro.
Junto minhas mãos na cabeça, pedindo para toda e qualquer
força sagrada, trazer o sorriso dela de volta para mim.
— Axel?! — uma voz me chama, eu levanto a cabeça e vejo
uma mulher ruiva, ela sorri para mim docemente. Por que todas as
mulheres desse hospital sorriem tão genuinamente, assim como
Heaven?
— Me chamo Emma, sou do serviço social, podemos
conversar?
Porque não haverá luz do sol
Se eu te perder, amor
Não haverá céu limpo
Se eu te perder, amor
Assim como as nuvens, meus olhos farão o mesmo
Se você for embora, todo dia irá chover, chover, chover
IT WILL RAIN | BRUNO MARS
Quatro semanas!
Isso mesmo, hoje faz trinta dias desde que eu acordei, e muitas
coisas aconteceram nessas últimas semanas, como por exemplo:
pesadelos noturnos.
Eu os tive na minha primeira noite após eu ter acordado do
coma, e eles continuaram voltando nos outros dias, ou então eu
acordava com fragmentos de lembranças da noite em que Drew me
atacara. Foi somente depois da quinta noite em que eu tive o
mesmo sonho, que eu reuni coragem para contar à Rayna sobre.
Segundo ela, os sonhos são indícios de TEPT, ou seja,
transtorno de estresse pós-traumático. Ela me indicou começar as
chamadas Terapia Ocupacional e Cognitiva-Comportamental, as
quais já realizei três sessões. Ambas têm realmente me ajudado, os
sonhos que costumava ter todas as noites, agora são ocasionais, o
medo e ansiedade que sentia todas as vezes que a porta do quarto
era aberta, também têm passado. Não sei se porque já conheço os
passos de todos os profissionais que têm cuidado de mim, ou
porque realmente não houve sinal algum do Drew nas últimas
semanas.
Mesmo minha família e amigos não querendo que eu saiba das
novidades sobre as buscas, eu ainda escuto os sussurros deles. Eu
sei que o Axel está pagando um detetive, eu sei que a polícia não
está levando o caso muito a sério, e sei também que a Sadie deu
um novo testemunho dizendo que esteve com Drew logo após o
acontecido, mas que não sabia nada sobre o real paradeiro dele.
Essa parte, na realidade, não foi um cochicho, foi a própria que me
contou quando entrou no meu quarto, dois dias após Axel tê-la
salvado de um afogamento, pedindo perdão pelo que havia feito.
Sadie parece estar realmente abalada com tudo isso, por mais que
ela tenha se fechado e quase se transformado em uma outra
pessoa, é notório que ela não está bem.
Ainda naquele dia o Grey finalmente me deu meu presente de
Natal, algo que me deixou realmente feliz. Ele conseguiu subornar a
segurança do hospital, os enfermeiros e médicos plantonistas e
trouxe três pizzas para o meu quarto. Ah, ele conseguiu driblar
minha mãe também, como eu realmente não sei... mesmo
desconfiando que ele possa ter tido ajuda do meu pai e do tio
Marlon.
Como prometido, Grey, Kane, Elliot, Wes e Allie continuaram
me fazendo visitas, até mesmo a Sadie passou a aparecer, porém
ela prefere fazer isso quando o Wes não está por aqui. Eles dois se
estranham desde o dia em que descobri a traição de Sadie e Drew,
ele insiste que eu não devo me aproximar dela.
Em partes, o Wes pode até ter razão, mas no fundo eu sempre
acreditei que todos nós somos como copos de vidros diferentes, por
isso quando se quebram nunca a quantidade de cacos é a mesma
ou do mesmo tamanho, todos se quebram de maneiras diferentes,
por razões diferentes. Eu estou quebrada porque alguém me
quebrou duas vezes, contudo eu tenho pessoas ao meu lado que
me apoiam. A Sadie também está quebrada, talvez ela sempre
esteve, apenas ninguém nunca a notou dessa forma antes, só que
eu tenho notado, e eu não vou simplesmente abandoná-la em um
momento que eu sei que ela precisa de mim, e muito provavelmente
eu dela.
Nesse meio tempo em que eu tenho estado no hospital, além de
refletir muito sobre minha vida, e as pessoas ao redor dela, eu
também acabei fazendo novas amizades, como a Promise que está
com vinte e sete anos e no seu segundo ano de Residência Médica.
Ela fez parte do programa especial de Medicina na Stout, onde a
formação acadêmica é validada em seis anos na área, ao invés de
oito como de costume, o mesmo é tão concorrido em todo o país
que para entrar é necessário ser recomendado.
No caso de Promise, a sua recomendação veio de Olivia, que é
sua irmã mais velha e também se formou dessa mesma forma, isso
explica a juventude de ambas. Todas as vezes em que Promise
entra no meu quarto conversamos horrores sobre Medicina, ela
sempre diz que eu posso ser uma ótima atriz, mas segundo o sexto
sentido dela eu nasci para ser médica. Eu acredito que na realidade
ela apenas diz isso pelo fato de conversarmos sobre inúmeros fatos
científicos quando estamos juntas.
Promise foi realmente um achado em minha vida, e todos os
seus conhecimentos também, por isso eu considero a amizade que
estamos criando como uma coisa boa depois de todo o horror que
passei.
Dentre todos os acontecimentos nesses últimos dias em que
estive neste hospital, nenhum me deixou mais abalada do que saber
a verdade sobre a ligação entre Axel e Drew, nem mesmo os
pesadelos que tive foram capazes de competirem com esse choque.
A possibilidade dos dois serem irmãos nunca passou pela minha
cabeça antes, mesmo os dois tendo um porte físico parecido, quase
a mesma cor de cabelo, as mandíbulas incrivelmente quadradas, e
até mesmo a data de aniversário, nada disso foi capaz de fazer com
que eu ligasse os pontos entre os dois.
E mesmo hoje, depois de tantos dias após a descoberta, ainda
é um tanto quanto inacreditável para mim.
“Já passou mais de uma hora que eu e Axel estamos
abraçados, ambos chorando. Ele por reviver as memórias
esquecidas no fundo da sua mente, e eu por sentir a dor de um
garoto de treze anos ao descobrir as barbaridades que o pai fez.
Lembro do momento em que disse à Rayna que de alguma
forma culpava meus pais por ter crescido sozinha, quando na
realidade mesmo longe a maior parte do tempo, eles me davam
amor. Axel teve que viver a tempestade que era o seu pai, os
abusos, os gritos, as vezes que machucou Íris, e ela por sua vez,
aceitava viver daquela forma por medo de perder mais um filho, já
que o outro, o marido havia literalmente descartado.
E então eu imagino os traumas que todos eles passaram. Íris
com as ameaças psicológicas e agressões físicas, Axel com o medo
constante do seu pai e seu refúgio na comida, e mesmo com uma
partezinha de mim, por mais que eu não queira, sente uma pequena
empatia por Drew. Ele era uma criança, ele não tinha noção dos
seus atos, e ele simplesmente foi jogado fora por isso, como uma
caixa de pizza. Além de que anos depois foi descoberto que ele é
doente, que ele tem um transtorno, uma condição.
Não que essa psicopatia dele seja motivo para perdoar todos os
seus atos, porque não é, para o que ele fez não há perdão,
entretanto há uma explicação por trás de toda a ira, a raiva, a
instabilidade emocional, e muitas vezes a indiferença, a apatia
diante de várias situações. Se em algum momento ele tivesse sido
acolhido por sua família, talvez mesmo com a sua condição ele
poderia ter se tornado alguém diferente, no final das contas.
Não digo que automaticamente ele seria um homem bom, só
diferente. Apesar de que uma vez eu tenha lido que os psicopatas
desde crianças já mostram traços do que eles são, eles gostam de
jogarem as pessoas umas contra as outras, eles são agressivos, e
sentem-se bem ao ver o sofrimento do próximo. Eles têm a
capacidade de manipulação tão bem articulada que na maior parte
das vezes nem mesmo quem vive ao redor deles consegue
perceber que está sendo manipulado, prova disso é o que ele fez
comigo, com a Sadie, e sabe Deus lá com quem mais.
Axel levanta a cabeça, e me olha diretamente nos olhos.
— O que você pretende fazer agora? — pergunta ele,
cauteloso.
Seu rosto está repleto de machucados, contudo nada se
compara à dor que há dentro de seus olhos.
— Como assim o que pretendo fazer?! — pergunto retórica e
ele abaixa a cabeça como se sentisse culpa de alguma coisa, e
imediatamente eu entendo o motivo de ele ter se aberto comigo, e
também o porquê de estar fazendo essa pergunta. — Axel... Olha
para mim — o chamo e ele me olha. — Você não acha que tem
culpa de algo, ou que por algum motivo eu vou pôr a culpa em você
por qualquer coisa que tenha acontecido, acha?
Ele desvia o olhar para o teto parecendo pensar no assunto, e
quando volta a me olhar, limpa a lágrima solitária que estava
repousando em seu rosto.
— Nós somos irmãos, Heaven. Temos o mesmo pai, o mesmo
sangue... Se é que você me entende.
Eu assinto com a cabeça.
— Sim, eu entendo, eu entendo claramente. Você está
querendo me dizer que o que ambos têm você também pode ter, já
que muitas vezes é algo hereditário.
— Sim — responde consternado. — Meu avô muito
provavelmente tinha, meu pai eu não preciso pensar duas vezes
para ter certeza de que ele é um psicopata nato, e o Drew... você
sabe.
— Você já fez algum exame, consulta ou algo assim?
Ele aquiesce.
— Depois que ele me contou, eu reuni forças e confrontei minha
mãe sobre todo esse assunto. Ele decidiu retornar à Stone Bay,
naquela época eu já estava com raiva, muita raiva, meu pai me
disse que Drew havia acabado de ser diagnosticado, então quando
retornamos à cidade minha mãe me levou a vários médicos,
psicólogos, psiquiatras, neurologistas. Eu tinha raiva, eu tinha muita
raiva... — ele se cala para que possa respirar fundo. — Eu também
explodi com você, fui instável, impulsivo... Mas eu me arrependia, e
me arrependo profundamente até hoje daqueles dias em que lhe
destratei.
— É passado, Axel. Nós já conversamos sobre isso, aquele foi
um dos nossos cinco piores momentos dentro de cem mil
maravilhosos que tivemos, eu nunca esquentei com isso —
tranquilizo-o.
— É passado... — Ele se levanta, ficando de costas para mim
enquanto respira fundo. — Só que é um passado que ainda mexe
comigo, tudo aquilo me atormenta. Por mais que eu tente esquecer,
a vida em si sempre vem e me mostra mais uma vez que eu nunca
serei capaz de apagar coisas ruins como aquelas, e é vergonhoso.
Ele fala todas essas palavras virado de costas para mim, como
se não aguentasse me olhar enquanto disserta.
— Axel Drake Davenport — o chamo pelo nome completo, e
isso o faz virar imediatamente. — Você não precisa sentir vergonha
de algo que não é sua culpa.
— Eu sei... — Senta-se novamente na cama. — Mesmo
sabendo que não tenho essa culpa, eu sinto vergonha. Talvez se eu
tivesse me aberto com você durante aqueles dias em que fiquei
aqui, quem sabe você nunca teria se aproximado do Drew e ele
nunca teria feito o que fez. Ou se o filho da puta do meu pai nunca
tivesse o entregado para a adoção, ou minha mãe não tivesse tanto
medo dele, quem sabe também ele nunca teria chegado...
Interrompo-o nesse exato instante.
— Axel, não se atreva a dizer o que você está prestes a dizer
agora. Eu sei que você vai falar que se nunca tivéssemos nos
conhecido, talvez eu estaria a salvo dele, ou sei lá o que. Lindo, a
vida é feita de inúmeros “talvez”, e foi exatamente esse talvez que
fez nós dois nos unirmos, mesmo que de uma forma torta, triste ou
trágica. Estamos juntos, eu sofro com você e você comigo, é assim
que deve ser. Eu sei que sou sua força, hoje eu entendo isso, da
mesma forma como você é a minha.
— E quando eu fizer você sofrer? O que vai ser de nós?
— Por que você me faria sofrer, Axel?
— É exatamente nesse ponto que eu estou querendo chegar,
Heaven. — Ele respira fundo. —Depois daquele dia em que eu te
xinguei, quando eu cheguei em casa meu pai estava entregando
papéis à minha mãe, onde dizia que o juiz concedia a minha tutela à
ele, por esse motivo minha mãe voltou para ele, e aquilo me fez ter
outro ataque de raiva. Assim que voltamos à Hastings, minha mãe
recebeu o laudo concreto de todas as consultas que fiz e
descobrimos que eu tenho os mesmos genes do meu pai, fracos,
mas tenho... Então me fala, e se em algum momento eu te fizer
sofrer assim como o Drew fez?!
Eu penso enquanto ele fala, então revelo:
— A diferença entre você e o Drew é gritante, Axel. Ele age
apenas por impulso, deixando a raiva o dominar, assim como
provavelmente seu pai fazia, já você... Você se questiona sobre
tudo, agora mesmo você está se questionando se em algum
momento você irá agir dessa forma, quando na realidade você
nunca o fez.
— Eu já fiz...
— Me chamar de vadia aos treze anos ao descobrir que eu
beijei o seu irmão que te maltratava, não quer dizer que algum dia
você vai agir igualzinho a ele.
— E durante o tempo em que eu cheguei aqui? Por que naquele
instante eu te odiava.
— Sim — concordo. — Você me odiava, ou pensava que
odiava, mesmo assim não me fez mal algum. Apenas tentou abrir
meus olhos, de uma maneira torta, mas tentou.
— E quando eu te tirei do ringue, na luta... Eu claramente
estava prestes a ter um ataque.
— Mas não teve.
— Certo, Heaven, não tive. Só que se em um futuro próximo eu
me descontrolar?
— Jesus — clamo, olhando para cima. — Não me faça chamar
seu nome completo outra vez, Axel. Você está vivendo à base de
hipóteses, em uma coisa que é incerta, e acredite em mim, se você
agir de alguma forma agressiva, nós dois vamos saber.
— Tudo é uma grande incerteza até o momento que vivemos,
Heaven. Eu não quero te machucar.
— Você não vai me machucar — garanto a ele.
— Eu não sei, você não sabe.
— Me dá meu celular, por favor — peço a ele, que não entende
o meu pedido, mesmo assim o faz.
Quando o celular está na minha mão, envio uma mensagem
para Kane, que por sorte está no corredor do hospital, e mesmo se
não estivesse eu iria esperar ele chegar para retrucar Axel. Depois
de trocar cerca de cinco mensagens com Kane, que não entende o
motivo de eu estar fazendo esse pedido, ele entra no quarto pedindo
licença, para na frente de Axel e diz:
— Desculpa, cara. Foi ela quem implorou para eu fazer isso,
então por favor, não desconta em mim — dito isso, Kane ergue o
punho e soca a barriga de Axel.
Axel olha para ele atônito enquanto cruza os braços junto à
barriga, gemendo de dor.
— Que merda foi essa, Kane? — sibila, ainda se contorcendo
com a dor do soco.
Kane, por sua vez, dá de ombros e se defende:
— Ela disse que tinha um ponto para fazer isso, e eu só fiz.
— Fico agradecida, Kane. Agora pode sair.
Assim que Kane sai do quarto, Axel me olha ainda mais
confuso, e eu explico a ele:
— Se por um acaso você gritar comigo em algum momento, é
isso que eu vou fazer com você. Se você for violento comigo, eu vou
ligar para o meu pai e ele vai pegar o 38 dele no cofre e estourar
sua cabeça. Acredite você ou não, a partir do momento em que
você for um por cento do que o Drew um dia foi, eu caio fora, Axel.
Se você não acredita que será assim, é melhor terminarmos o que
temos agora. Em algum período do dia de hoje enquanto você
sumiu, muito antes de você me confessar tudo o que confessou, eu
pensei se eu não tinha me jogado em um novo relacionamento cedo
demais, entretanto o meu primeiro pensamento assim que o vi
entrando nesse quarto com o seu rosto todo ferido, e sua alma
completamente massacrada, foi dizer a mim mesma que não, não
era cedo demais pois você é a pessoa que me traz forças, que me
ensina todos os dias a dar valor à mulher que eu tenho me tornado.
Você me traz a certeza, porém se em algum momento você duvida
de si próprio ou de nós dois, não vejo razão para estarmos juntos.”
Depois desse meu monólogo naquele dia, Axel me beijou,
declarando o quanto me amava. Eu poderia dizer que vivemos
felizes para sempre... contudo aquilo só durou meia hora, já que na
hora seguinte eu tive que começar a me levantar da cama, seguida
de Promise e minha mãe, que acabou se tornando a minha
fisioterapeuta particular. Aquele esforço me deu uma dor de cabeça
dos infernos.
O que não acontece mais há uma semana, e hoje finalmente é
o dia que recebi alta para ir para casa, conforme todos os médicos.
Após essas longas semanas e o esforço árduo que fiz em prol da
minha recuperação, estou finalmente liberada.
Estou ansiosa, com medo do que vou encontrar ao chegar em
casa, Rayna disse que eu posso ter alguma crise de pânico, por isso
ela conversou com meus pais sobre o que iremos fazer caso isso
aconteça. Meu pai quis de imediato comprar uma casa nova no
momento em que ela o alertou sobre essa possibilidade, em
contrapartida, eu lhe disse que não era necessário. Se teve algo que
eu aprendi sobre TEPT nesses últimos dias — não bastando as
sessões de terapias, também estou viciada em ler sobre —, é que
preciso enfrentar meus medos para conseguir superá-los, e que
meu processo de cura é gradual, assim como os passos de um
bebê, até mesmo reforcei à ele as falas da minha mãe no episódio
do bacon.
Sim, estou ansiosa, porém eu tenho pessoas que me amam ao
meu lado. As aulas voltaram há três semanas, antes de elas
voltarem aconteceu o jogo da semifinal do time dos meninos, Axel
foi o único que não compareceu ao jogo, alegando que estava
doente. Kane fez questão de fazer um touchdown e dedicá-lo a mim,
o que me surpreendeu de verdade, uma vez que ele morre de
ciúmes de mim, e o Axel deixou de jogar para estar comigo no
hospital. Já a final foi remarcada para acontecer essa semana.
— De todos os pacientes, eu acho que a pessoa que eu vou
sentir mais falta será você — declara Promise ao me ajudar a fechar
minha mala.
— Se você realmente gostou tanto assim de mim, você irá
responder todas as mensagens que irei te mandar quando eu
estiver com dúvidas sobre qualquer doença. — Sim, eu também me
tornei a pessoa que dá um Google sempre que sente uma dor de
cabeça para saber do que se trata, no final acabo tirando todas as
minhas dúvidas com Promise, lhe enviando alguma mensagem.
Ela sorri para mim, e solenemente declara:
— Querida, desde que você não venha bancar a hipocondríaca
para cima de mim, eu farei questão de responder todas as suas
mensagens. — Ela então para, coloca as mãos para trás e começa
a trocar o peso do corpo com os pés, indo para frente e para trás.
De alguma forma, eu já sei que quando ela faz isso é porque ela
está receosa em falar algo, então ela morde o lábio inferior, e depois
solta o que está preso em sua garganta, como faz agora. — Ainda
acho que você deveria começar a tirar essas dúvidas por si só,
estudando Medicina.
— Você não cansa, não é mesmo?! — brinco com ela, e ela
puxa minha orelha em resposta.
— Não, não canso — declara. — A minha proposta ainda está
de pé, basta uma ligação minha e da Olivia, e você entra para o
programa da Stout. Eu estou te dizendo, Heaven, você ama a
Medicina, só não descobriu isso ainda.
— Você já parou para pensar que talvez eu seja só uma pessoa
curiosa demais? — pontuo. — O Axel costuma dizer que eu sou
metida, e quem sabe por isso eu te pergunte tantas coisas.
— Ah meu amor, não se preocupe. Se tem uma coisa que você
realmente é, é metida — debocha.
— Eeeei! — Puxo a orelha dela, e depois faço uma careta como
se em algum momento ela tivesse me ofendido.
Promise faz uma carinha triste, e me puxa para um abraço ao
qual eu retribuo.
— Eu realmente, de verdade, vou sentir sua falta, Heaven.
Então, por favor, me escreva, mesmo se não sentir dor alguma,
manda foto sua comendo ou um meme engraçado, só não me
esquece, por favor.
— Eu não vou esquecer — garanto a ela.
— Promete?!
— Eu vou falar a coisa mais estranha da vida agora, mas eu
prometo, Promise.
— Você falar isso seria a mesma coisa que eu dizer “chegamos
ao paraíso, Heaven”. — Ela se solta do abraço e faz aspas com as
mãos.
Dito isso, a porta do quarto é aberta e minha mãe entra,
cautelosa.
— Pronta?!
Eu sorrio para ela em resposta e dou de ombros quando digo:
— É agora ou agora.
Promise me abraça mais uma vez, e saindo do quarto me
despeço de todos que cuidaram de mim, agradecendo-os pela
paciência que tiveram comigo nesses dias. Desde a equipe de
enfermeiros até a moça que trazia minhas refeições.
Sinto que não é a última vez que os verei, não por algo ruim, e
sim algo bom que irá acontecer futuramente.
Então eu não me despeço com um adeus, e sim com um “nos
vemos em breve”.
Porque eles dizem que lar é onde seu coração está gravado
É onde você vai quando está sozinho
É onde você vai descansar seus ossos
Não é apenas onde você deita sua cabeça
Não é apenas onde você arruma sua cama
Contato que estejamos juntos, importa pra onde iremos?
HOME | GABRIELLE APLIN
Sabe a sensação de ver toda a sua vida passar diante dos seus
olhos? É exatamente isso que acontece comigo no momento em
que o baque alto de um tiro soa em meus ouvidos, mas não fui eu
quem atirou. Sinto um ardor em meu abdômen, no mesmo instante
em que meu dedo pressiona o gatilho da arma que eu seguro, outro
baque alto de tiro atravessa os meus tímpanos.
Vejo as duas pessoas que eu mais amei em toda minha vida,
ambos indo ao chão, juntamente comigo, só que ao contrário de
mim, não há sangue neles, eu nem mesmo sei se há sangue em
mim, porém o cheiro ferroso e o outro tiro que escuto são o
suficiente para saber, no momento em que eu chego ao chão, que
eu fui atingido.
Por isso todos os meus momentos se passam diante dos meus
olhos, todos os quais eu posso me recordar. A primeira lágrima
verdadeira que sinto escorrer pelo meu rosto é devido à lembrança
do momento em que eu atravessei a faca na barriga do meu irmão.
Eu era apenas uma criança, eu não devia ter feito aquilo, mas eu
me senti bem ao realizar o feito, pois eu queria que ele se sentisse
mal, assim como me senti quando ele ganhou um conjunto de legos
e eu não. O gosto salgado da lágrima entra na minha boca assim
que outra memória invade a minha cabeça.
“— Por favor, papai. Não me deixe aqui — imploro ao meu pai
que está à minha frente, ele acaba de me dar às costas e me
entregar a uma mera desconhecida. Eu não sei por que ele está
fazendo isso, eu já pedi desculpas pelo que fiz ao Axel e à mamãe,
por que ele está me botando de castigo dessa forma?!”
Outra lembrança embaralha a minha mente, essa em questão é
o momento em que reencontrei meu irmão.
“Eu não acredito que isso está acontecendo, finalmente eu
estou o reencontrando, poderia se passarem anos, assim como
passou para nós dois, mas eu nunca deixaria de reconhecer o meu
irmão. Meu irmão Axel.
Abro um grande sorriso quando ele se põe a menos de um
metro de mim, mas ao contrário de mim, ele simplesmente passa
direto, nem ao menos me reconhece, e é nesse exato momento que
meu sangue ferve, me viro para ele e o empurro, fazendo com que
ele dê de cara com o chão, e depois zombo dele.
— Passa pra lá, rolha de poço.”
Tudo se torna embaralhado, não tem uma sequência certa, a
próxima em questão é de quase meia hora atrás, quando me
despedi de Anya.
“Estaciono o carro em frente à casa dos Morris, e digo à Anya:
— Você vai ficar aqui com a tia Reese e o tio Magnus, a mamãe
disse que vem te buscar em breve, ok? — digo calmo e paciente,
Anya assente com a cabeça.
— Quando vamos nos ver novamente? — Anya pergunta.
— Acredito que hoje à noite — respondo.
Abro a porta do carro para a pequena sair, mas eu sou
surpreendido pela mesma quando ela enlaça meu pescoço em um
abraço, quase sem reação eu apenas retribuo o gesto, afagando a
sua cabeça.
— Eu gostei muito de ter um novo irmão, tchau Andrew — Anya
diz se afastando do abraço.”
A próxima é a primeira vez que Heaven sorriu para mim.
“Eu não sei ao certo o porquê, mas Heaven é a primeira pessoa
que realmente me faz querer ser bom, talvez seja porque ela é boa
para mim, ou talvez porque eu tenha começado a fazer terapia para
me tornar uma pessoa agradável para ela, assim como o Axel
sempre foi. E é exatamente isso que eu estou fazendo agora,
estamos na véspera de Natal e decidi presenteá-la com um box de
dvds dos filmes mais antigos da Disney, ela olha para eles
completamente encantada e um sorriso se expande em seus lábios,
trazendo para meu peito uma nova sensação, o que é estranho. Se
minha psicóloga estiver certa com todas as teorias que ela me diz,
talvez o que eu esteja sentindo agora seja a tal da felicidade, e é
exatamente nesse momento que eu decido que eu quero ser feliz
pelo resto da minha vida, e a pessoa capaz de me fazer feliz é ela.
É a Heaven...”
É por isso, que mesmo com a respiração escassa e com a dor
dilacerante que sinto em meu abdômen, eu consigo encontrar as
duas pessoas que eu realmente cheguei a amar na vida, e mesmo
nesse momento, lembrando da minha última consulta, eu não me
importo com o que a psicóloga me disse.
“— Pessoas com o seu tipo de transtorno Drew, muitas vezes
confundem obsessão com amor ou ódio, pois são tão práticas na
arte da manipulação que acabam manipulando a si próprias muitas
vezes. Entenda, eu não estou dizendo que você é incapaz de sentir
algo, estou apenas ressaltando que a indiferença para pessoas com
TPAS é dominante, e quem é apático não sente nada. Talvez você
tenha apenas manipulado sua própria mente, se auto sabotando ao
dizer que os ama, você não pode simplesmente amá-los e depois
machucá-los e sentir-se bem por isso. Mas você pode ser tão
obcecado por eles, que ao fazer o mal à ambos isso lhe traga tal
conforto, o que eu lhe aconselho é se afastar dos dois. Você é um
bom garoto, você quer ser bom, mas enquanto estiver perto deles
você só irá fazer mal à eles.”
Ela estava errada, ao menos em dizer que eu era obcecado por
Heaven e Axel, mas não ao dizer que quando eu ficava ao lado
deles eu os fazia mal, nesse ponto ela realmente acertou, mas
quanto ao amor, ela errou, ela errou feio, pois ela não sabe nada do
que se passa na minha cabeça. Por isso eu consigo declarar logo
em seguida, olhando diretamente para eles.
— Eu amo vocês.
Antes que eu possa finalmente descansar de toda a dor que
estou sentindo, uma última lembrança invade a minha visão.
“— Você me conhece? — a mulher ruiva me pergunta.
Eu apenas assinto com a cabeça, eu não estou assustado, eu
estou com raiva, e eu não quero descontar minha raiva nela. Mesmo
que eu saiba que de alguma forma ela não teve culpa de nada, que
tudo quem arquitetou foi apenas o meu pai, eu ainda sinto raiva
dela, tanto que eu queria que a faca tivesse entrado mais um pouco
nela naquela noite, porque ela nunca foi me buscar, ela nunca se
preocupou comigo, ela sempre se fez ausente.
É por isso que eu apenas pego o saco de salgadinhos na
prateleira do supermercado e dou às costas, mas sou interceptado
quando a mulher corre atrás de mim.
— Andrew... — Eu paro ao ouvir o som da sua voz me
chamando. — Filho... — Quando me viro, vejo que seu rosto está
cheio de lágrimas. — Eu posso te dar um abraço? — ela pede. Eu
não deveria fazer isso, porém a última vez que eu abracei a minha
mãe tem mais de seis anos, por esse motivo eu acabo cedendo ao
seu pedido e abrindo os braços para ela, que imediatamente me
toma com os seus.
Eu não gosto de abraços, eu nunca gostei, o único que eu gosto
é o da Heaven, mas não sei porque, o da minha mãe biológica me
faz bem, então eu retribuo o seu.
— A mamãe sente muito por tudo o que aconteceu — ela fala
com a voz chorosa, ainda me abraçando. — Seu pai me enganou, o
maldito do seu pai me enganou, eu quis te pegar de volta, eu quis
lutar por você assim que eu soube, mas ele é mais forte do que eu,
e eu não pude, eu apenas não pude. — Ela se afasta de mim, mas
põe as mãos em meu rosto. — Saiba que eu jamais deixei de te
amar, você é meu filho, Andrew, eu te amo, a mamãe sempre te
amou, e sempre que você precisar eu vou estar aqui por você, está
bem?”.
É exatamente com a lembrança da minha mãe dizendo que me
amava, que eu finalmente acredito nela. Por muito tempo eu duvidei
da sua declaração, tanto que nesse dia eu pedi para ela me
esquecer e nunca mais vir atrás de mim, mas agora, nesse exato
momento, eu sei que minha mãe me amou, ela apenas não teve
forças para que eu pudesse estar ao seu lado. Então, enfim eu me
sinto em paz e pronto para partir, porque eu tenho a certeza que eu
fui amado por alguém, e que também consegui amar outras
pessoas, mesmo que de uma forma torta.
Porque você tem a mim e você sabe
Que eu tenho você e eu sei
TILL FOREVER FALLS APART - ASHE FT. FINNEAS
Ouço a voz da minha mãe gritar pelo meu pai no andar de baixo
no momento em que a porta do meu quarto é aberta e Axel entra
por ela. Ele para ao meu lado depositando um beijo na minha testa.
— Pronta?! — pergunta.
— Preciso apenas de ajuda para fechar a mala, não consigo de
jeito nenhum — reclamo lutando contra o zíper.
Axel tira minhas mãos da mala, e, com um pouco mais de força
do que eu, consegue fechar a bolsa, depois a coloca no chão.
— Heaven, você está indo a um casamento a três quadras
daqui, você não está se mudando.
Ele diz, obviamente não se referindo apenas à quantidade de
coisas que estou levando, mas também a todas as roupas, sapatos
e acessórios espalhados pela cama e chão do quarto. Eu realmente
fiz uma bela bagunça no meu quarto.
— Você nunca deve reclamar da quantidade de coisas que uma
mulher leva em sua bolsa — o informo.
Axel levanta as mãos no ar em rendição.
— Entendido.
Saímos do meu quarto, e descemos as escadas. No andar
inferior encontramos meus pais dançando na sala ao som de Celine
Dion, os dois sorriem abertamente e se olham encantados, como
um jovem casal apaixonado.
Se há uma coisa que mais admiro em meus pais, é que eles
nunca, nunca, nunca mesmo deixaram de ser apaixonados um pelo
outro. A chama da paixão nunca os abandonou, mesmo diante das
maiores dificuldades nunca deixaram de entender um ao outro, e
mesmo quando brigam mal conseguem passar mais de meia hora
sem se falarem.
— Pela animação de vocês dois, acho que hoje vocês me
encomendam um irmãozinho — brinco.
Eles param de dançar quando escutam minha voz, agora que
me encaram vejo que ambos não estão apenas felizes, estão
emocionados, os dois com lágrimas nos olhos. Estou pronta para
lhes perguntar o motivo de tanta emoção, porém antes que as
palavras saiam da minha boca, noto que minha mãe segura um
pequeno bastão em suas mãos e meu pai passa a mão em sua
barriga.
— Ai. Meu. Deus — grito pausadamente correndo até eles.
Chegando em frente ao casal que me pôs no mundo, minha
mãe me entrega o bastão, onde nele está escrito: “Grávida +3”.
— Eu vou ter um irmãozinho? — pergunto emocionada, olhando
para eles.
— Ou uma irmãzinha — minha mãe comenta enquanto assente.
— Ou um casal — é a vez do meu pai falar. — Vai que sejam
gêmeos.
Passo meus braços ao redor do pescoço dos dois, abraçando-
os.
— Obrigada, obrigada, obrigada. Eu amo muito vocês.
Eles retribuem o abraço, no entanto sinto meu pai levantar a
cabeça antes de falar:
— Não fica parado aí, garoto. Vem cá.
Segundos depois Axel completa o nosso abraço. Lágrimas
transbordam em meus olhos, e posso dizer que em um ano inteiro,
pela primeira vez, o líquido salgado que desce por meu rosto é de
pura felicidade.
Quando nós quatro nos desfazemos do abraço, Axel abraça
minha mãe e depois meu pai, os parabenizando, ao passo que eu
continuo encarando o teste de farmácia encantada com o resultado.
— Isso é tão incrível — comento. — Eu sempre sonhei em ser
irmã — digo com um sorriso no rosto, limpando a lágrima que desce
por ele. Durante toda a minha infância sempre quis ter um irmão ou
uma irmã, e mesmo que eu já esteja um pouco velha para isso, a
felicidade que habita em mim neste momento não deixa de ser
gigante. — Vocês não têm noção do quanto eu estou feliz, eu
prometo que essa criança terá a melhor irmã do mundo inteiro.
— A gente não duvida nem um pouco disso, Heaven — meu pai
diz.
— Agora vocês precisam ir, senão a Íris vai surtar — minha mãe
fala, também limpando as lágrimas dos seus olhos.
Abraço meus pais mais uma vez antes de me despedir, e assim
que estou prestes a fechar a porta, olho para meu pai.
— Nenhum aviso antes de eu sair? Como, por exemplo, “não
engravide minha filha” — faço aspas com as mãos tentando imitar a
voz do meu pai. — “Usem camisinha”, ou qualquer coisa do tipo,
pai?
Minha mãe me olha espantada, a cor vermelha adorna as
bochechas de Axel e meu pai ri de mim.
— Não preciso dizer nada, sei que vocês já sabem de tudo —
meu pai responde. — só que se forem usar drogas, usem das boas.
— Magnus — minha mãe repreende.
— Pai — exclamo junto a ela.
Meu pai apenas dá de ombros, e me abraça mais uma vez.
— Prometo que essa criança que vai nascer vai fumar pelo
menos um beck com quinze anos, porque essa daqui saiu careta
demais.
Dou um tapa em um braço do meu pai, e minha mãe dá no
outro. Ele se abraça, passando as mãos pelos braços agredidos.
— Esqueci o quão fortes minhas garotas são.
— Que seja, até mais tarde — me despeço. — Amo vocês.
Axel leva minha mala até o carro, colocando-a na parte traseira.
Quando estou prestes a fechar a porta do lado do passageiro, vejo
meu pai correndo até nós com um pacote de camisinhas na mão.
Ele para na minha frente, ofegante e diz:
— Você tem razão, usem camisinha. Como eu não vou precisar
disso nos próximos nove meses, aqui está. — Meu pai me entrega a
embalagem.
— Obrigada... Eu acho — digo rindo da situação na qual nos
encontramos.
Meu pai beija a minha bochecha e nos despedimos mais uma
vez. Entro no carro, passo o cinto pelo meu peito, e noto que Axel
está engasgado com uma risada.
— O que foi? — pergunto.
— Seu pai, você... — diz, dando partida no carro. — Vocês
Morris são todos loucos.
— Nós somos apenas felizes — digo convencida.
— E o quão feliz você está agora? — pergunta.
— O suficiente para usar todas essas camisinhas essa noite,
quem sabe até um anal — digo maliciosa, com as sobrancelhas
levantadas.
Axel respira fundo, e conhecendo ele como conheço, sei que
seu pau endureceu apenas com a menção ao anal.
— Não prometa algo que não vai cumprir, Morris.
— Quem disse que não vou cumprir? — digo mordendo o lábio
inferior com um semi sorriso inocente.
— Você está prometendo seu precioso cu a mim essa noite? —
diz tirando seus olhos da pista e me encarando por dois segundos.
— Não sei, talvez sim, talvez não. — Levo a mão até o seu
membro, e passo as pontas dos dedos delicadamente por cima do
tecido da sua bermuda cargo, uma pequena lembrança de como ele
gozou pela primeira vez na minha presença. — Se vocês dois forem
bons garotos, muito provavelmente sim.
Axel solta uma lufada de ar tentando reaver o ritmo de sua
respiração.
— Eu nunca disse isso em voz alta, mas você é a minha
perdição, Morris. Minha perdição.
Rio de suas palavras e expressão. Tiro a mão do seu membro,
deixando que ele descanse o suficiente para mais tarde, e beijo sua
bochecha.
A viagem até a casa de Axel dura menos do que dez minutos,
então logo chegamos ao local. Hoje é o casamento da sua mãe e do
meu tio, e a cerimônia e jantar acontecerão no quintal da casa, que
já está sendo organizado desde ontem. Prometi à Íris que estaria
aqui mais cedo e a ajudaria a se arrumar, assim como Wes, que
será responsável por seu cabelo, e Allison que também deve chegar
em breve apenas para conversar e fofocar.
Antes de entrar na casa de Axel, vejo Sadie chegando na sua
com suas malas, muito provavelmente voltando apenas hoje do
campus, uma vez que suas notas caíram no final do semestre. Já
estamos no mês de maio e tem cerca de uma semana que nossas
aulas acabaram, contudo quem precisou refazer as provas teve que
ficar uma semana a mais, o que foi o caso da Sadie. Aviso a Axel
que vou falar com ela e já volto, ele apenas assente.
Atravesso a rua correndo, e me coloco ao lado de Sadie,
ajudando-a a fechar o porta-malas, uma vez que ela acaba de tirar
sua última mala do carro.
— Oi Viúva Negra — digo me referindo ao seu cabelo, que está
com as pontas e comprimento loiros, e a raiz com cerca de cinco
dedos ruiva, quase idêntico à Scarlett Johansson no último filme dos
Vingadores.
Sadie, que havia se aproximado um pouco durante o tempo em
que passei no hospital, acabou se afastando. Poucas vezes
almoçou conosco ainda durante o semestre ou chegou a ir a algum
evento no armazém. A verdade é que ela tem vivido em um limbo
desde a morte de Drew, muitas vezes eu bati na porta do seu
dormitório, a fim de conversar com ela, no entanto sempre acaba
em um silêncio ensurdecedor, onde não temos nada para dizermos
uma à outra. Eu queria muito ajudá-la a sair dessa, porém o primeiro
passo tem que ser dado por ela.
— Então, como foram as últimas provas? — pergunto.
— Passei por um fio — ela diz rindo, e eu sorrio aliviada para
ela.
Admito que mesmo diante de tantos erros de Sadie, me
tranquiliza toda vez que ela sorri.
— Fico super feliz por você — respondo animada. — Você vem
ao casamento mais tarde, certo?!
— Apenas se você convencer o Wes a pintar meu cabelo — diz
ela ao retirar dois tubos de tinta da sua bolsa.
— Não precisa pedir duas vezes — digo empolgada ao abraçá-
la.
Dessa vez, Sadie realmente parece um pouco animada, talvez
seja devido ao fim do ano acadêmico, ou apenas à vitamina D que
ela tomou durante a viagem, de qualquer forma, ela parece
genuinamente feliz, o que me deixa ainda mais contente. Ajudo-a a
pôr para dentro todas as suas malas e ela diz que em breve irá até a
casa do Axel , para que possamos pintar seu cabelo, eu apenas
concordo.
Quando entro na casa de Axel, já no vestíbulo, dou de cara com
algumas fotos da família. A que sempre me chama atenção é a que
foi posta ali mais recentemente, é uma de Axel e Drew vestindo
roupas iguais com cerca de dois anos de idade, o que na realidade
é a única semelhança entre os dois, e talvez o tom do cabelo, que é
um loiro escuro, porém todo o restante da fisionomia dos dois é
completamente diferente... Enfim, o milagre da natureza.
Ainda é algo inacreditável para mim que os dois foram irmãos,
todavia hoje é mais aceitável, principalmente pelo fato de que eu
ainda tenho frequentado a terapia regularmente, assim como Axel.
Os meus pesadelos finalmente cessaram, já faz dois meses que não
tenho nenhum, enquanto Axel ainda tem alguns sonhos, quase
sempre a mesma coisa, onde ele e Drew tinham uma vida como
irmãos, e o Drew, por sua vez, não tinha nenhum transtorno, assim
como o pai.
Por falar em Daniel Davenport, seu julgamento aconteceu há
cerca de três meses, onde o mesmo pegou prisão perpétua, de
acordo com todas as provas que Drew tinha contra o homem. A
promotoria que chegou à conclusão que o assassinato de Andrew,
cometido por seu próprio pai biológico, foi um homicídio doloso,
onde há intenção de matar, ganhou o caso, levando o homem para
cadeia até o fim da sua vida.
Inclusive, todos os seus bens foram divididos entre seus
herdeiros legítimos, no caso Anya e Axel, como a pequena é menor
de idade e não pode assumir nada por enquanto, Axel e Íris optaram
por venderem metade dos bens, como imóveis e automóveis, e
doaram o dinheiro arrecadado para instituições que ajudam famílias
com crianças e adolescentes que possuem algum transtorno. Íris
também passou a administrar a empresa de construção, mesmo que
Axel tenha dito que não quer ter nada a ver com a mesma, uma vez
que não quer isso para o seu futuro.
Na realidade, eu ainda não sei o que Axel realmente vai fazer
no futuro, pois após a temporada de futebol finalizar ele decidiu sair
do time da Stout, e durante todo esse primeiro semestre ele fez
apenas cadeiras avulsas, só que no próximo, já teremos que
estudar conforme o que queremos nos especializar. Por isso, ao
subir as escadas da sua casa, vou diretamente para o seu quarto,
onde ele está sentado na cama mexendo no celular.
Paro na soleira da porta e fico o observando por alguns minutos
antes de criar coragem para perguntar aquilo que tem me
assombrado ultimamente.
— Axel... — o chamo, ele rapidamente bloqueia a tela do celular
quando nota minha presença e traz seus olhos até mim. — O que
você irá fazer no ano que vem?
— Como assim? — pergunta atônito.
— Você nunca me disse nada sobre em que vai se formar,
enfim — comento receosa ao me aproximar da cama e sentar-me
de frente para ele. — Durante esse primeiro ano você pegou
inúmeras cadeiras de todos os tipos de área, e por fim decidiu sair
do time de futebol, o que eu definitivamente apoio já que você não
gosta tanto assim, mas e quanto à sua formação? O que vai ser?
— Sobre isso... — Axel estica seu corpo e abre a gaveta da
mesa de cabeceira, tirando dali um maço de papéis que me entrega
em seguida. — Lê! — ele pede e eu o faço.
“Caro Sr. Davenport, visto suas notas acadêmicas do último
ano, devemos dizer que sua redação fora a que mais impressionou
o nosso corpo docente, e mesmo tardiamente, é com imenso prazer
que o comunicamos sobre a sua aceitação no nosso programa
especial de Medicina na Stout College, o único no país com
formação na área em um prazo de seis anos. Estamos ansiosos
para lhe ensinar e aprender com você no próximo semestre.”
Encaro a carta boquiaberta, e depois olho para Axel, me
concentro na carta novamente e assim sucessivamente. Axel
aproxima sua mão do meu queixo fechando minha boca, pois ele
não imagina a notícia que também tenho que dar a ele.
— Como... o quê... como? Hã? — consigo perguntar.
— Eu realmente demorei para saber o que queria para o meu
futuro — explica. — Você é alucinada pelo teatro, assim como o
Kane é louco por futebol, você lembra que no dia do julgamento do
meu pai eu saí dizendo que precisava resolver algumas coisas?
Assinto com a cabeça.
— Eu realmente saí para resolver algo, nesse caso foi
relacionado ao meu futuro, por isso viajei até Stone Bay, fui até o
hospital e procurei pela terceira médica...
O interrompo.
— Promise?
— A própria — confirma. — Durante o tempo em que você
passou no hospital, eu sempre escutava o quanto ela queria que
você entrasse nesse programa só que você sempre se negava, eu
apenas ouvia, mas fiquei interessado da mesma forma, então
procurei por ela, e comentei sobre meu interesse na medicina.
Perguntei como funcionava o programa, porém ela não me
respondeu, apenas pegou o celular, fez algumas ligações e me
mandou fazer uma redação sobre o que eu quero para o meu futuro,
e me mandou enviar para ela. A carta de admissão chegou apenas
hoje pela manhã, por esse motivo não comentei nada antes, não
queria deixar ninguém com esperanças à toa.
— Sobre isso... — eu começo.
Em seguida, abro a minha mala que está em cima da cama de
Axel, pegando também um maço de papel lá de dentro, igual ao que
Axel havia me entregado, e dou em suas mãos
— A Promise é incrível — divago, ela sempre comentava
comigo sobre o programa de formação em cinco anos na frente de
Axel, e eu realmente sempre me neguei. — Eu nunca imaginei que
você se interessasse pela medicina, nem eu mesmo tinha ideia que
eu poderia realmente me interessar, então liguei para ela e acabei
aceitando sua oferta há duas semanas.
Axel tira seus olhos do documento que havia lhe entregue e me
olha. Um tanto quanto entusiasmado levanta os papéis no ar antes
de indagar:
— Você está me dizendo que você também irá cursar medicina?
— pergunta ele com um brilho intenso nos olhos.
Eu mordo o lábio inferior concordando com a cabeça, ele larga
meus papéis no chão, e me puxa para seu colo plantando todos os
tipos de beijos possíveis em meu peito, pescoço e rosto. Eu apenas
rio da situação, arqueando a cabeça para cima e encontrando a
pintura, que imita o mar caribenho, do seu teto, que é simplesmente
perfeita. Quando Axel para de me beijar, estamos ambos sorrindo
olhando um para o outro, então eu comento:
— Eu pensava que não tinha como você ser mais perfeito, mas
você vem e me surpreende mais uma vez. Já imaginou no futuro,
seremos os Doutores Davenport... — digo levando a mão a cima,
como se estivesse lendo um letreiro invisível.
Axel pega minha mão, e a leva até seus lábios beijando-a no
dorso.
— Prefiro mil vezes que nos chamem de Doutores Morris.
Coloco minha outra mão no coração para ter certeza de que ele
ainda está batendo, porque eu juro que ele acabou de parar com
suas palavras.
— Doutor Morris?!
— Você não acha que depois que a gente se casar, eu irei
continuar com o Davenport, acha? — ele pergunta ao arquear uma
sobrancelha, como se seu questionamento fosse óbvio demais para
mim.
— A gente vai se casar?!
— A vida é cheia de incertezas, Heaven. — Ele passa as mãos
pelas extremidades do meu rosto ao me olhar nos olhos. — No
entanto, se há uma coisa que eu tenho certeza, além de que dois
mais dois são quatro, é que desde os meus dez anos de idade, eu já
sabia que eu nasci para você, e não há qualquer outra mulher no
mundo que eu queira manter em minha vida a não ser você.
Puta que pariu!
Houve dias em que eu chorei como uma vagabunda triste, hoje,
eu, com certeza, choro como a vagabunda mais feliz do mundo.
— Pega as camisinhas que meu pai me deu — peço.
— O quê? — Axel me olha confuso.
— Eu preciso usar pelo menos duas delas nesse momento —
digo já correndo até a porta do quarto e trancando-a logo em
seguida.
Axel não tem tempo de pensar direito assim que eu volto, pois
rapidamente eu tiro meus shorts e subo em seu colo, o ajudando a
se livrar de sua bermuda e cueca. Rasgo a embalagem da
camisinha e visto seu pênis, tudo isso em menos de trinta segundos,
ajusto seu pau na minha entrada, dando a primeira cavalgada antes
de murmurar contra seus lábios.
— Eu te amo para um caralho, Axel.
Ele sorri e me beija.
Eu faço amor com Axel pela milésima vez, talvez. Por estar com
ele dentro de mim, nesse momento em que nossos corpos estão
unidos como um só, que eu realmente não me importaria se o
mundo acabasse agora, pois a felicidade que sinto é imensa a esse
ponto.
— Você vai sim — insisto com Wes pela terceira vez desde que
Sadie me mandou uma mensagem informando que já estava vindo.
— Eu não vou pintar os cabelos daquela vaca — ele diz
convicto ao cruzar os braços sobre o peito.
— Tudo bem, então eu pinto sozinha e acabo manchando ele
todo — conclui Sadie dando de ombros ao entrar no quarto de Axel.
Exatos dois minutos depois de Axel e eu termos gozado, Wes e
Allison chegaram à sua casa, Axel desceu para ajudar o tio Marlon
com os últimos detalhes da cerimônia, enquanto eu e meus amigos
nos apossamos do seu quarto até o momento de arrumar Íris.
Wes solta uma lufada de ar ao se aproximar de Sadie, tomando
a tinta das mãos dela.
— Você pode até ser uma vaca, mas ninguém merece ser uma
vaca de cabelo manchado. Anda logo, senta ali, vagabunda — diz
Wes ao apontar para a cadeira no quarto de Axel, da qual Allison se
levanta rapidamente.
Enquanto Wes prepara a mistura de tinta e água oxigenada
para passar no cabelo de Sadie, Allison comenta:
— Eu ainda não acredito que você vai simplesmente abandonar
o Teatro para fazer Medicina. — Após a chegada dos meus amigos
eu os contei a novidade, além de informá-los que serei irmã mais
velha.
— Nem me diga — diz Wes em um bufo. — Eu poderia matar
você por isso, Heaven.
— Você vai cursar Medicina? — pergunta Sadie chocada. —
Como você conseguiu? O programa é quase exclusivo.
— Ela tem os contatos dela — diz Wes ao puxar o cabelo de
Sadie, que murmura um palavrão. — E cala a boca.
— Isso se chama agressão, Weston — Sadie reclama.
— Se me chamar de Weston outra vez eu deixo você careca —
ameaça ele, apontando o pincel de cabelo na direção de Sadie, que
apenas fecha os dedos em pinça e os passa sobre a boca, como se
estivesse fechando um zíper.
Allison e eu rimos da interação dos dois, e logo depois conto à
Sadie como consegui a vaga para estudar Medicina, também digo
que Axel estará cursando a mesma coisa no ano que vem, e assim
nós quatro embarcamos em uma conversa animada, rimos,
dançamos e cantamos. No final das contas, Wes não só pintou o
cabelo de Sadie perfeitamente como cortou as pontas, finalizou em
uma escova e ainda fez ondas. Ele pode até odiá-la, mas que ele
amou arrumá-la, ele amou, e ninguém pode negar isso.
Agora estamos ajudando Íris a terminar de se arrumar, seus fios
ruivos acobreados estão presos em um coque despojado, onde no
topo há algumas flores. A mãe de Axel usa um vestido Off White
todo trabalhado na renda e pedraria, como ela tem um corpo magro
e esguio, a peça cola perfeitamente em seu corpo. Wes finaliza sua
maquiagem com o iluminador, e ela está pronta. Simplesmente
estonteante.
— O tio Marlon vai se dar bem hoje à noite — Allison comenta.
Minha amiga em questão usa um vestido vermelho vibrante,
que combina com a cor do batom que adorna seus lábios carnudos,
seus fios dourados estão soltos em cachos desarrumados
propositalmente.
— O papai Marlon não é seu tio — Anya corta Allie no momento
em que termino de ajudá-la a calçar seus sapatos.
Anya é dama de honra por isso usa um vestido digno de uma
princesa, com uma saia cheia de pregas e com bastante pano, além
de uma coroa na sua cabeça,
— Ele é meu tio sim — responde Allie mostrando a língua para
a Anya.
— Mamãe! — Anya grita. — A Allison mostrou a língua e isso é
feio, briga com ela.
— Allison... — Íris tenta não rir ao repreender a loira.
— Que coisa feia de fazer na frente dos outros, Allison Foster —
Wes fala tão sério que sua voz sai bastante grossa.
Ele veste um blazer na cor laranja que vai até a metade de suas
coxas, por baixo uma camisa cor vinho de mangas compridas e gola
alta, a cor da sua calça é a mesma do blazer. Seus cabelos
cacheados estão trançados, e ele usa uma maquiagem leve na pele.
— Muito feio mesmo — complementa Sadie ao franzir os lábios.
A ruiva em questão veste um vestido de seda na cor azul claro,
as mangas tipo princesa levam o decote até o topo dos seus seios,
onde há um laço com o mesmo tecido. A saia, por sua vez, vai até a
metade da canela e é rodada.
Allison apenas revira os olhos em resposta, e logo depois vai
até o espelho comprido, que está posto no quarto em que estamos
nos arrumando, para ver os últimos detalhes de sua roupa. Eu vou
até Íris e ajeito uma flor que quase cai de seu cabelo.
— Você está simplesmente linda, Íris — digo num sorriso,
encarando minha sogra.
— Você acha mesmo? — pergunta apreensiva ao franzir o
cenho, usando a mesma expressão que Axel sempre usa.
— Eu tenho certeza — digo, abraçando-a de lado.
— Estou tão nervosa. Ao mesmo tempo em que acho que
demorei muito para seguir em frente com minha vida, penso que fui
rápida demais nesse relacionamento, daí fico me perguntando: será
que não estou me precipitando?!
Eu viro o rosto apenas um pouco para encarar a mãe de Axel, e
digo:
— O que eu vou dizer agora, não é porque o tio Marlon é meu
tio, o que eu vou dizer é com base no relacionamento de vocês, que
eu tenho assistido nos últimos meses de camarote. O tio te ama, te
respeita e te admira, ele não te julgou e nem nunca lhe culpou por
algo, apenas esteve ao seu lado quando você precisou, e,
conhecendo-o como conheço desde criança, sei que ele fará isso
pelo resto da vida. E vamos ser sinceras, eu sofri nessa vida cerca
de três por cento de tudo o que você sofreu, e se eu mereço a
felicidade, porque você não merece também?! Apenas se joga
nesse homem, Íris. Se você não o ama, pelo menos usa o corpinho
dele — brinco no final para fazê-la rir, e dá super certo.
— Vocês Morris são todos sem juízo — diz ela ao impedir que
as lágrimas caiam de seus olhos.
— Já já você se torna uma também. — Pisco para ela.
Em seguida, somos interrompidas por três batidas na porta.
— Deixa que eu abro — Wes se prontifica em dizer. — Vocês
vão amar as roupas que escolhi para eles.
Esqueci do detalhe que Wes foi o responsável por todos os
looks masculinos, e eles não fizeram birra alguma pela escolha das
roupas que irão usar no casamento. Wes reclama que eu mudei de
curso na faculdade, porém acredito fielmente que ele também
poderia mudar o seu para algo relacionado à moda, pois sei que da
mesma forma que ele arrasou ao nos ajudar com nossas roupas, sei
que suas escolhas para os meninos foram incríveis. Mesmo ainda
não tendo visto nada, arrisco dizer que não foram nem um pouco
comuns, dado o estilo que Wes tem, ele nunca os colocaria para
vestirem um simples terno e gravata borboleta.
Quando a porta se abre, o primeiro vislumbre que tenho é do
Kane, que veste um conjunto de calça e blazer no tecido crepe Off
White com detalhes pretos nos botões e acabamentos dos bolsos.
— Fala a verdade, eu tô um gato ou não tô? — diz entrando e
passando as mãos pelos cabelos em corte militar.
O próximo que entra é o Grey, que!, por sua vez, veste um
smoking preto e camisa branca com uma gravata borboleta, mas
quando eu disse que o Wes não iria vesti-los com nada clássico, eu
falei a verdade, o tecido do blazer e da gravata é tipo camurça.
— Você está um gato — Grey constata. — Mas nada supera a
minha beleza.
— Certo, o mais bonito de todos mesmo, sou eu. Sai da frente
— diz Elliot entrando no quarto. Ele usa um blazer tipo de cetim
estampado com rosas escuras, a calça tem a mesma estampa, e
por dentro uma camisa branca.
Caímos no riso com o charme. Eles três realmente estão lindos,
porém aquele que faz o meu coração acelerar de verdade, acaba de
passar pela porta vestindo uma calça de linho preta e uma camisa
branca com um blazer todo trabalhado em pedrarias, com desenhos
de coroas. Simplesmente, perfeito.
Nossos olhos se encontram ao mesmo tempo, eu sorrio para
ele animadamente enquanto ele me encara com puro encanto em
seus olhos cinzentos.
Me aproximo de Axel, e logo passo as mãos sobre as lapelas do
seu blazer.
— Então, como estou? — pergunto passando os dedos por
seus lábios, quase como se os limpando, porque tem baba visível
neles.
— Você... cê... está... está... — gagueja. — Porra! Você está
linda.
Sorrio para ele genuinamente porque essa era a minha
intenção, obter exatamente essa reação de Axel. O vestido que uso
é bege, com uma fenda que vai do início da minha coxa direita até
os pés, o tecido quase transparente é todo trabalhado na pedraria,
com apenas uma alça torcida que vai do lado esquerdo do meu
pescoço até minha clavícula do lado direito, onde sobra um pouco
de tecido. Assim como o de Allison, ele também é colado em meu
corpo, do alto dos seios até o final da barriga, onde o tecido é solto
levemente. O cabelo, prendi em um coque alto, e a maquiagem
optei por um esfumado marrom e preto nos olhos, e na boca um
batom nude com um pouco de gloss, dando assim mais destaque
para minha íris azul.
— Você também está lindo — respondo.
Axel beija o topo da minha testa, e eu beijo o seu queixo, onde
a barba fina que desenha seu rosto me causa leva pontadas.
— E eu, como estou? — pergunta Anya, que adentra o espaço
vago entre nós dois.
Axel a pega no colo, e beija sua bochecha.
— A princesa mais linda que já vi em toda minha vida.
— A mamãe está uma rainha — Anya sussurra nada baixo no
ouvido de Axel ao fazer uma conchinha.
Axel então olha mais à frente e encara sua mãe com plena e
total admiração. Em seguida, se aproxima dela com Anya ainda nos
braços, e solta um assobio para ela.
— Se você não fosse a minha mãe, com certeza eu me casaria
com você, coroa — exclama Axel brincalhão.
— Eu também me casaria com ela — comenta Grey distraído
ao ajeitar as abotoaduras da sua camisa.
Todos nós ficamos em silêncio e olhamos para Grey ao mesmo
tempo, ele permanece arrumando as abotoaduras da sua camisa,
sem ao menos se tocar do que acaba de falar. Quando termina e
levanta seu olhar, ele nos encara sem entender nada.
— O que foi?! — pergunta genuinamente confuso.
— Você acabou de dizer que casaria com minha mãe, cara —
Axel diz quase irritado ao colocar Anya no chão. — Minha mãe!
— Não foi isso que eu quis dizer — Grey rapidamente levanta
as mãos no ar.
— E o que foi então?! — questiona Kane.
— No mínimo ele quer casar com o Axel — responde Elliot.
— Ele sabe que vai ter que competir comigo para isso
acontecer, certo? — pergunto me aproximando de Grey com um
sorriso malicioso, o mesmo olha para mim assustado.
— É mais fácil eu casar com a Allison — Grey solta, novamente
sem pensar.
— O que você quis dizer com isso? — pergunta Allison irritada.
— Quer saber?! Deixa pra lá, cansei!
Allie sai do quarto pisando duro, e Grey lança um olhar aturdido
para nós. Wes dá dois tapas em seu ombro e apenas nega com a
cabeça, saindo do quarto também. Sadie é a próxima a se
aproximar de Grey, e solta um leve risinho ao dizer:
— Eu sou uma vaca, mas se tem alguém que ganha de mim
com as palavras, esse alguém é você, Grey.
Então Sadie também deixa o quarto.
— O que foi que eu fiz? — Grey pergunta para mim.
— Falou besteira, como sempre — respondo apenas.
— Não entendi...
— Nem queira... — interrompo-o imediamente.
Grey responde que tudo bem e logo depois sai do quarto,
acompanhado por Elliot e Kane, e os três começam a discutir no
momento em que estão fora dali, ficando no cômodo apenas eu,
Axel, Íris e Anya. Ambas pegam seus buquês de flores para
entrarem na cerimônia, enquanto eu vou até a mesinha que tem no
quarto e pego a caixinha que Wes trouxe mais cedo da padaria da
sua mãe, para levar até a cerimônia comigo tendo certeza que não
deixei a data que se aproxima passar em branco.
Quando estamos no andar de baixo me separo de Axel com um
selinho, pois ele irá entrar com sua mãe, e antes de ir até o meu
lugar, deixo a caixinha que havia pegado no bar com um dos
barmans contratados. Já havia combinado com ele de que ele a
manteria ali até o momento em que eu fosse buscá-la.
Meus pais, que são os padrinhos, são os primeiros a entrarem,
ambos com sorrisos enormes no rosto, em seguida entram mais
dois casais de amigos do meu tio e Íris, e depois é ele quem entra
acompanhado da minha avó, meu tio fala alguma coisa em seu
ouvido que a faz dar um belo tapão em seu braço, fazendo todos ali
rirem da situação. Tio Marlon está lindo, usando um terno de três
peças verde escuro que combina perfeitamente com seus olhos
verdes e pele bronzeada, como é o segundo casamento dos noivos,
eles optaram por usarem algo mais casual.
Após a entrada do noivo, a próxima pessoa que caminha pelo
tapete de gramas é Anya, que espalha pétalas de rosas por todo o
caminho. Chegando ao final, ela joga todas as pétalas restantes na
cestinha no chão, deixando um pequeno monte de rosas em frente
ao lugar onde os noivos ficarão, e quem está assistindo a cena ri.
No momento seguinte, a melodia de Dandelions da Ruth B
tocada apenas em piano, reverbera em todo o quintal, então Íris
entra acompanhada de Axel, o que me faz chorar de completa
emoção. Um pequeno frio se instala no meu estômago, quando eles
chegam ao final da trilha de pétalas que Anya havia deixado ali. Axel
abraça meu tio, e assim que Íris se coloca ao lado dele, ele leva a
mão até seu rosto limpando a lágrima que desce de seus olhos, os
dois se olham com sorrisos singelos e cheios de amor, o que me faz
olhar para Axel imediatamente, mas não me surpreende ele já estar
me olhando. Logo que o encontro ele pisca para mim e sorri,
enquanto eu retribuo com um beijinho no ar.
A cerimônia toda é conduzida pelo pastor Tanner, pai de Elliot,
no entanto quem encerra mesmo é a Anya ao pedir o microfone ao
pastor e dizer:
— Com o poder concedido a mim, eu vos declaro mamãe e
papai da Anya, agora podem beijar minha bochecha.
Todos caímos nos encantos de Anya, e Marlon e Íris fazem
exatamente o que Anya disse, ambos beijam o rosto da pequena.
Após o encerramento extremamente fofo, todos os convidados
tiram fotos com os noivos, e posteriormente a pista de dança é
liberada até o jantar, onde meu pai e Axel fazem um brinde. O último
brinde é o meu, porque foi um pedido de última hora de Íris, por
essa razão eu já começo:
— Sendo sincera, eu não preparei nada — revelo. — Mas vou
usar de todo o meu conhecimento sobre a vida e o amor. Um dia eu
vi um vídeo que dizia que na vida nos apaixonamos por três
pessoas, e pensei que aquilo era uma bobagem, porém pensando
bem, hoje vejo que não é. O primeiro amor acontece entre a infância
e a adolescência, o chamado “amor de contos de fada”. — Faço
aspas com as mãos. — Ele é aquele que pensamos que irá durar
para sempre, mas não irá... Porque logo aprendemos que contos de
fadas não existem.
Dou uma olhada de relance para Axel antes de continuar.
— O segundo tipo de amor é o intenso, o amor que vai revirar
o seu mundo de cabeça para baixo. Aquele que vem com o mais
alto dos altos e o mais baixo dos baixos. Aquele que vai te causar
muita dor, porque ele vai te ensinar o que você quer e o que não
quer.
Limpo uma lágrima solitária que cai em meu rosto ao ter
lembranças de Drew.
— Já o terceiro tipo de amor é o amor incondicional. Aquele
que vai ficar, aquele que vai te fazer sentir amado, adorado, a salvo
e seguro. Aquele que não vemos chegando, contudo vai te fazer
sentir em um lar, e mesmo que você esteja perdido, ele sempre
estará lá quando você precisar de um porto seguro. — Olho
novamente para Axel, e dessa vez quem pisca sou eu, então
levanto minha taça no ar e digo: — Que Marlon e Íris sejam o lar um
do outro pelo resto de suas vidas.
— Que Marlon e Íris sejam o lar um do outro pelo resto de
suas vidas — todos os presentes no local repetem minhas palavras
ao final do brinde.
— Agora vamos à dança dos noivos — o cerimonialista chama.
Os dois se põem ao centro da pista e dançam uma balada
calma e romântica, e logo a pista volta a ser liberada para os demais
convidados. Axel pede a minha mão para dançar, entretanto eu olho
para a tela do meu celular e vejo que o relógio já marca 23h59,
faltando apenas um minuto para 22 de maio.
— Espera, espera, espera — peço. — Preciso fazer uma coisa
antes.
Axel franze o cenho, me olhando em completa confusão.
— Fecha os olhos — digo.
— O que você vai fazer, Heaven?
— Fecha a droga dos olhos, Axel — esbravejo.
Ele levanta as mãos e fecha os olhos.
— Só, por favor, não me mate.
Viro-me de costas para ele, e vou até o bar pegando de volta a
caixinha que havia deixado ali. Tiro lá de dentro um cupcake de
chocolate, e em cima coloco uma velinha acendendo-a com um
fósforo que peço ao barman e volto até onde Axel está ainda com os
olhos fechados, chegando perto dele sussurro:
— Pode abrir os olhos. — Ele o faz. Seu rosto se compadece,
sendo iluminado apenas pelo fogo da vela entre nós. — Feliz
aniversário!
— Você lembrou? — pergunta com a voz embargada.
— É óbvio que eu lembrei, bobo. Agora faça um pedido e
apague a vela.
Olhando em meus olhos Axel sopra as velas, a seguir começa a
tocar Because You Loved Me da Celine Dion. Axel tira o bolinho das
minhas mãos, deixando-o em cima da mesa.
— Me concede a última dança da noite, senhorita? — Ele
estende a mão, e eu a pego.
Ele me conduz e me roda, depois me agarrando pela cintura
juntando nossos corpos pela primeira vez na dança. Quando
chegamos à pista de dança, minha avó pisca para mim, e eu
retribuo o gesto antes de ela dizer:
— Seu namorado é um gostoso. — O que me causa uma risada
involuntária e deixa as bochechas de Axel queimando em pura
vergonha.
Ao pôr a mão no ombro de Axel, pergunto:
— Então, o que você pediu?
— Nada.
— Como assim, nada? — pergunto espantada.
— Eu apenas agradeci, porque já tenho tudo o que eu sempre
desejei no meu último pedido de cinco anos atrás. Só quero que
continue tudo do jeito que está para sempre.
— Para sempre — repito em um sorriso.
Encosto minha cabeça em seu ombro e dançamos lentamente
enquanto presto atenção na letra da música, que diz exatamente
tudo o que Axel representa para mim.
“Você foi minha força quando eu estive fraca
Você foi minha voz quando eu não podia falar (...)
Você me deu asas e me fez voar
Você tocou na minha mão, eu pude tocar o céu
Eu perdi minha fé, você devolveu-a pra mim (...)
Eu fui abençoada porque fui amada por você.”
Eu sinto que realmente fui abençoada, porque Axel é tudo que
eu sempre quis para mim, uma pessoa que me amasse exatamente
da forma como meu pai ama minha mãe, uma pessoa que vê além
dos meus defeitos ou dos meus acertos.
O amor que existe entre Axel e eu vai muito além do que
vemos.
Porque você me faz sentir como
Se eu estivesse impedido de entrar no céu
Por um longo tempo
LOCKED OUT OF HEAVEN | BRUNO MARS
[2]
Tipo a deep web, porém ficcional, apenas para a história.
[3]
Faca e fígado