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CAPA:
Ellen Ferreira
DIAGRAMAÇÃO:
Vitória Mendes
LEITURA CRÍTICA:
Ana Paula Ferreira
REVISÃO:
Camille Gomes
Amanda Mont’Alverne
ILUSTRAÇÕES:
Rhoops
HDT Arts
— O quê?
— O quê?
Zach surpreende Charlotte e eu ao pedir o número dela. Se
eu disse o que disse, obviamente foi para deixa-la constrangida e me
vingar por ela ter transferido toda a merda de cachorro para mim.
— Você está falando sério? — pergunto a meu parceiro de
time.
Zach anui e as três garotas da fraternidade que ainda
observam a cena do gramado, soltam um gemidinho.
Olho para Charlotte e um sorriso brilhante toma conta da sua
boca enquanto as bochechas avantajadas estão vermelhas, os olhos
azuis se iluminam quando ela coça a garganta digita o número dela
no celular de Zach.
O trio de garotas riem enquanto me olham, fúria esvaindo por
toda a minha pele.
— Vocês três não cansam de ser fofoqueiras? — resmungo
olhando para elas.
Elas riem ainda mais, contudo cobrem os sorrisos com as
mãos.
— Aqui está. — Charlotte entrega o celular a Zach, que
confere o número.
— Tudo bem, então, eu te ligo — ele diz, guardando o
aparelho no bolso.
— Para falar a verdade, eu tomei a liberdade de dar um toque
para meu número — ela assume e dessa vez as bochechas de Zach
que ficam vermelhas.
— Atrevida — murmuro baixinho, para que ninguém escute.
— Falou algo, Harrison? — Zach me pergunta e eu nego com
a cabeça. — Tudo bem, então, eu vou indo, você não vem?
— Vou me limpar primeiro. — Aponto para meu abdômen e
ele concorda antes de soltar uma risadinha.
As três colegas de fraternidade de Charlotte disparam no riso
no momento em que Zach vira a esquina.
Solto uma bufada de ar.
Eu as odeio, eu odeio muito elas, só não as odeio tanto
quanto odeio Charlotte, que caminha saltitante para dentro da cerca
branca.
— A merda é de cachorro, mas parece que quem está com
constipação é você, Harrison — Shantal observa em meio ao riso.
Ela só podia ser a melhor amiga de Charlotte para ter as
mesmas piadinhas que ela.
— Posso me limpar, garotas? — peço em uma falsa simpatia,
apontando para a mangueira de água na grama logo atrás delas.
As três anuem e eu caminho em passos duros em direção ao
jardim da Kappa Alpha, contudo quando chego de frente a cerca
branca, a portinha é fechada por Charlotte.
— Um litro de água equivale a um dólar. — Pisca duas vezes,
como se fosse um anjo.
Dou um passo para o lado e me apoio na cerca, pulando-a.
— E cada palavra que eu sou obrigado a ouvir quando sai da
sua boca é um segundo a menos de vida que tenho. — Pego a
mangueira e aciono a alavanca para sair água. — Portanto considere
pago.
Assisto Charlotte revirar os olhos azuis antes de me
concentrar em meu abdômen e passar a mão por ele, limpando a
merda restante. As duas loiras, Anna e Dakota, suspiram, levanto os
olhos minimamente e as assisto sob os cílios, morderem o lábio
inferior ao mesmo tempo.
Uma risada rouca escapa da garganta e volto a me concentrar
na minha barriga.
Quando termino de me limpar, tendo tomado praticamente
um banho após ter molhado a minha calça e tênis de corrida
enquanto me limpava, agradeço as garotas que saem antes de mim
quando Charlotte abre a portinha da cerca para elas.
Ao chegar a minha vez, que estou logo atrás das três, Charlie
fecha a portinha e me fita:
— Antes de você ir embora gostaria apenas de te informar
que o inverno está chegando. — Ela abre o portão.
Estreito os olhos e franzo o cenho, a fitando sem entender o
que ela acabou de falar.
— Game Of Thrones já acabou — informo ao passar por ela.
— Quis dizer que o nosso trato acabou, Harrison.
Charlotte dá as costas para mim e começa a caminhar rumo à
entrada da fraternidade.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto preocupado,
pois sei bem que quando Charlotte quer aprontar alguma comigo,
ela apenas me lança um sorriso debochada ou dá as costas.
Ou pior de tudo, me olha com escárnio, pende os ombros e
depois os desce, antes de acenar com a mão.
Mas dessa vez, Charlie vai um pouco mais longe ao se virar
quando chega na escadinha de quatro degraus, afiar os olhos em
minha direção e dizer da forma mais angelical possível:
— Uma rajada de vento pode ser congelante para quem está
acostumado com o calor.
Um arrepio súbito percorre por toda a minha coluna, minha
boca seca e meus olhos se fecham com força quando sinto uma
fraqueza momentânea devido as palavras dela, porém endireito
minha postura e assisto ela dar as costas mais uma vez e adentrar a
mansão.
Mais algumas garotas saem e acenam para mim, contudo,
faço o mesmo que Charlotte e me viro, não dando a mínima atenção
para elas.
Pois se Charlotte acaba de quebrar o nosso único acordo,
significa que os jogos irão começar e nenhum de nós dois sairá ileso
deles.
Shantal:
Vc não sabe
Qm
Acabou
De
Perguntar
Por vc
Charlie:
Q
U
E
M
?
Charlie:
Ele tem meu número há quatro dias e não me mandou uma mensagem
durante todo esse tempo, e agora quer saber de mim durante uma festa?
Shantal:
Dá um tempo
Pra ele
Um dia depois
Ele teve jogo
E ainda levou
Todos os gols
De Princeton
Charlie:
Vc está do meu lado ou do dele?
Shantal:
Do seu
Sempre
Mas bem
Que vc
Poderia
Vir dar
Uns
Beijos
Nele
Ele tá gato
Shantal:
Quer dizer
Vc pode
Pular
O beijo
Também
Shantal:
*foto anexada*
Ou quem sabe
Um beer pong
?
Ela deve ter percebido minha demora para respondê-la
quando falou sobre beijar o Zach, e acaba de me provocar
mandando uma foto dele, melhor dizendo, da bunda dele, enquanto
ele arremessa uma bolinha de plástico em um copo do outro lado da
mesa.
Charlie:
A bunda dele é tão linda
*carinha chorando*
Shantal:
Sim
É mesmo
Shantal:
CHARLOTTE!
LEVANTA
DA CAMA
E
PARA DE PENSAR
SE VAI OU NÃO
BEIJAR ELE
SE NÃO QUISER
É SÓ NÃO BEIJAR
Shantal:
E PARA DE
ROER A UNHA!
Faço o que ela manda, mas não sem antes girar a cabeça por
todo o quarto apenas para ter a certeza de que ela não instalou
nenhuma câmera escondida no cômodo, e está vigiando exatamente
o que estou fazendo.
Charlie:
Parei!
De pensar e roer a unha.
Shantal:
Ótimo
Agora veste
Uma roupa
E vem
Embora
Charlie:
E se ele quiser me beijar?
Shantal:
Vc vira
A cabeça
Assim
Como virou
Pro Daniel
Quando ele
Tentou
A primeira vez
Charlie:
Escreve tudo de uma vez, está me deixando ansiosa!
Shantal:
*dedo do meio*
Só vem logo
Por
Favor
E não coloca um sutiã
Charlie:
Pq não?
Shantal:
Pq assim tem mais chances de ele olhar para seus peitos e não para a boca
Charlie:
Isso vc escreve completo, né?
Shantal:
Vem
Logo!
RÁPIDO
Essa matéria também
Não vai entrar
Na sua cabeça
Da noite
Para o dia
Charlie:
Se vc parar de mandar mensagens pausada, quem sabe eu consiga me
arrumar em paz!!!!
Shantal:
Isso significa
Que você
Vem
?
Charlie:
Sim, eu vou
Mas para de mandar mensagens assim
Demorou exatos cinquenta minutos para eu conseguir me
arrumar para a festa. Maldita foi a hora em que Shantal me disse
para não usar sutiã e eu acabei concordando.
Acontece que quase todas as minhas blusas são finas ou
grossas demais, então encontrei um meio termo em uma que é
branca, mas antes tive que fazer o teste de luz para ter a certeza de
que não ficaria transparente.
E o lado bom é que o decote realçou meus peitos, que não
são grande coisa, cabem direitinho na palma da minha mão, mas
estamos falando de uma mão pequena e dedos finos, não é a
mesma mão de um goleiro de hóquei, afinal.
— Não está transparente, certo? — pergunto a minha amiga e
ela balança a cabeça ao jogar as tranças para a frente.
Mas ela está um pouco bêbada demais para que eu possa
confiar na palavra dela, que faz um joinha com a mão.
Reviro os olhos.
— Você está gostosa. — Dakota me analisa com os olhos
verdes entorpecidos.
— Os peitos estão uma delícia. — Anna morde os lábios e eu
faço uma cara de nojo.
— O que aconteceu em duas horas que vocês ficaram todas
tão bêbadas? — pergunto ao cruzar os braços sobre os peitos,
sentindo que estou exposta demais.
Shantal cobre a boca para soltar um arroto.
— Foguinho — explica. — A bebida estava soltando fogo e
nós bebemos algumas doses. Por que você não bebe também? —
sugere, então seus olhos castanhos se estreitam antes que ela me
lance uma piscadela. — Depois podemos procurar pela bundinha
redondinha de um tal ruivo.
— Ele perguntou por você três vezes — Anna informa.
— Uma vez para cada uma de nós — Dakota completa. — Ele
parece realmente interessado — ela diz sugestiva ao colocar os
lábios em um canudo rosa e tomar um gole do drink.
Sinto meu rosto esquentar e um tipo de nervosismo tomar
conta de mim, embrulhando meu estômago.
Isso sempre acontece quando sei que estou prestes a
conhecer um cara novo, porque é sempre a mesma coisa sobre
explicar os abraços, apertos de mãos, toques nos cabelos, ou seja,
qualquer gesto de carinho.
Respiro fundo e por fim decido ir em busca de algum drink
para minha ansiedade acalmar um pouco. Essas questões sempre
melhoram quando o álcool entra no meu corpo.
— Shots de foguinho primeiro, Lewis depois — decido.
Shantal se anima quando um sorriso aparece no canto da sua
boca, ela me pega pela mão e me carrega entre as pessoas até onde
o bar está localizado. Ela é uma das poucas pessoas que tem livre
arbítrio de me tocar dessa forma, contudo, quando vai me abraçar, o
que é um gesto maior, ela sempre pede antes.
Há dias, quando estou ansiosa demais, que eu não deixo,
embora na maioria deles, eu que corro para seus braços antes que
ela peça.
Isso demorou um pouco para acontecer. Na verdade, alguns
anos, e tudo foi a passos de bebês. Foi de forma paciente que eu
voltei a me sentir confortável com o toque das pessoas, incluindo
minha melhor amiga, mãe e madrinha.
Enquanto me carrega por entre as pessoas, meus olhos
encontram a pessoa que mais me provoca quando o assunto é
toque. Ele, desde que soube da minha condição, sempre encontrou
uma forma de me provocar, mas eu não fico para trás quando
devolvo na mesma moeda.
Os dedos de Alexander adentram os cabelos longos e
castanhos de Morgan, que poderia ser considerada sua ficante
oficial, se não fosse pelos vários outros caras que ela pega dentro e
fora do campus.
Dirtymouth publicou assim que Morgan chegou no campus
sobre ela ter vindo parar aqui depois de dormir com um dos
professores de Cambridge, e o pai multimilionário dela teve que dar
uns pulinhos – dinheiro – para que a filha fosse aceita em uma Ivy
League.
Se é verdade realmente, ninguém sabe, mas a fofoca morreu
rápido, pois o assunto no outro dia era sobre o término entre a
capitã da torcida e o capitão do time de lacrosse após ele a trair com
outra garota da torcida.
É praticamente impossível não fazer uma cara de nojo quando
vejo a língua de Alexander se arrastar no pescoço esguio de Morgan.
A vontade que tenho é de tirar uma foto e enviar para Maggie, mas
me contento ao virar o rosto na outra direção para não ter que ver
essa coisa nojenta.
— Um foguinho para a minha amiga, por favor — Shantal
grita para o cara que está preparando os drinks.
Quando minha amiga, um tanto quanto bêbada, levanta o
braço e ameaça me abraçar pelo pescoço, eu me agacho em um
movimento rápido para desviar do seu possível enlace.
— Desculpa — ela diz.
— Sem proble... — As palavras morrem na minha boca
quando sinto braços em volta da minha cintura, me pegando por
trás.
Apesar de todo ambiente estar bem iluminado por jogos de
luzes coloridas, minha vista escurece e meu estômago se revira.
Sinto meus pulmões doerem quando param de receber o ar e engulo
em seco.
Em uma tentativa de reação, procuro os braços que me
agarram, meus dedos os circulam para que eu possa me livrar deles,
mas parece que eu me tornei fraca e pequena. A música alta me
deixa ouvir o grito da minha amiga, mandando o bem feitor me
soltar. Ele – imagino eu, pois ouço algo parecido como uma voz
masculina atrás de mim –, parece confuso e tudo a minha volta gira.
Minhas mãos sobem até o meu peito quando eu finalmente
sou libertada do agarre, fecho meus olhos com força enquanto faço
a técnica de respiração, para que possa voltar a respirar
normalmente.
— Charlie, bebe um pouco de água. — Shantal oferece e abro
os olhos apenas para pegar a garrafa de suas mãos.
Ela já fez o favor de abrir a garrafa e eu apenas a pego, sem
tocar diretamente em Shantal, agradeço ao piscar com os olhos e
tomo dois goles. Minha amiga fica próxima o suficiente, o susto
parece deixá-la um pouco menos embriagada do que antes,
enquanto ela fica atenta em mim.
— Estou bem — digo quando sinto que minha respiração
começa a normalizar.
— Tem certeza? — Shantal inquere preocupada.
Balanço a cabeça, sinto uma mão forte tocar meu ombro e
dou um pulo, no mesmo instante o dono do toque afasta a mão,
então eu olho para o lado, reconhecendo Zach.
— O que acabou de acontecer? — ele pergunta, totalmente
atônito a situação.
Tento não parecer uma maluca quando o respondo, por isso
tomo um gole de água antes.
— Apenas tive um susto quando você chegou assim tão de
surpresa — explico, mesmo sentindo um pequeno nervoso com ele
tão perto dessa forma.
— Ah — ele murmura ao levar os dedos até os cabelos ruivos,
coçando a cabeça. — É que eu pensei que você gostava. — Ele
pausa. — Quer dizer, eu fiquei sabendo que você gostava de abraços
e coisas do tipo e quando eu te vi pensei em fazer uma surpresa.
— O que me deixaria mesmo surpresa seria se você me
mandasse uma mensagem — respondo em uma tentativa de sorriso
meigo.
— Sobre isso eu também soube que você não gosta de
mensagens, prefere gestos pessoais e íntimos.
— Soube, é?! — pergunto interessada.
Meus olhos vagueiam pelo ambiente, até que eu encontro
Alexander outra vez. Mesmo que sua boca esteja grudada na boca
da britânica, seus olhos estão afiados na minha direção, me fitando
em puro divertimento.
Óbvio que isso tem dedo dele no meio, quem mais iria dizer
Zach que eu gosto de abraços, mesmo sabendo que eu repudio isso?
Decido ignorá-lo, por enquanto, e me viro de volta para Zach.
— Seu informante está um pouco desatualizado Zach — o
informo.
Ele me olha com uma certa melancolia, os olhos parecendo
de um cachorrinho que caiu do caminhão de mudanças. E isso é
realmente fofo quando junto do rosto repleto de sardas e lábios
levemente rosados.
— Posso pegar uma bebida para você como um pedido de
desculpas?
— Só não me pega mais assim de surpresa e me manda
alguma mensagem que está tudo bem — digo por fim.
Me sentindo solidária com ele, afinal, ele não tem culpa de
não me conhecer tão bem. O culpado mesmo foi o maldito atacante
de hóquei que parece tê-lo enganado direitinho.
— Não se preocupa, vou mandar uma agora por sinal.
Ele abaixa o braço e pega o celular no bolso da calça, assisto
enquanto ele desbloqueia a tela e digita algo, em seguida sinto meu
celular vibrar dentro da bolsinha que uso e minha boca se curva em
um sorriso ao ler a mensagem.
Zach:
Então, posso te pegar uma bebida?
Charlie:
Claro que sim
*carinha piscando*
Rachel:
Se você ainda estiver com o Alexander
Para agora
Sério Morgan, só para!
Ele tem gonorreia!
MORGAN!
Fazem quatro dias que eu não saio do quarto para mais nada
que não seja comer e ir para pista de gelo, onde tenho torrado todo
o meu salário do mês. Tenho feito isso como tentativa de não cruzar
com Alexander.
No final das contas, parece que ele não me fodeu tanto,
quando Chad ligou no dia seguinte para confirmar que iria me
acompanhar até o final do campeonato e mesmo que eu não
ganhasse nenhuma medalha, eu estaria nas competições
importantes, e isso seria apenas um teste antes de assinarmos o
contrato oficial.
Esse foi o ponto alto do meu final de ano, com certeza.
Sei que ele chegou a conversar com Alexander também, não
fiz questão de saber o conteúdo da conversa, mas aparentemente
foi boa, pois quando eu havia ido à cozinha estavam todos
comemorando, o que eu fingi que não estava vendo, pois tenho
evitado até olhar para ele, embora estejamos na mesma casa por
mais dois dias.
Tudo que eu quero é ir embora de uma vez, chegar em
Hanover, seguir meu cronograma de treino, me preparar para a
próxima fase e mesmo que seja impossível, evitá-lo quando fazemos
exatamente todas as aulas juntos, com certeza será mais fácil do
que estar na mesma casa tendo que ouvir a voz dele quase que
vinte e quatro hora por dia.
Apesar de termos vindo para Miami para visitarmos a cidade e
sair do frio de Connecticut e redondezas, eu me esquivei de todo e
qualquer passeio em família, ou melhor dizendo “família”, dizendo
que estava cansada demais, ou com dor de cabeça.
Pode parecer bobo, mas apenas não consigo encará-lo depois
do beijo.
Mesmo que não tenha significado nada para ele, também não
deveria ter significado nada para mim. Acontece que meio que se
tornou um pesadelo e virou uma chave em mim que até o momento
não havia virado com qualquer outro.
Pois se eu conseguir corresponder, embora que por poucos
segundos, o beijo da pessoa que eu menos suporto nessa vida,
porque eu não conseguiria corresponder de um cara que eu esteja a
fim? Como o Zach, por exemplo? Que parece estar se esforçando
para conseguir esse feito.
Zach:
*foto anexada*
Ainda acho que você deveria ter passado o ano novo com a gente.
Charlie:
Acredite em mim, se eu pudesse, teria pego o primeiro voo da manhã.
Olho outra vez para a foto que Zach mandou, ele está ao lado
de James, Bellamy, Anna e Dakota, todos estão em uma festa na
fraternidade onde eu vivo. Muitos não viajam durante as festas de
fim de ano, alguns passam apenas o natal com as famílias.
Eu deveria ter feito isso, passar o natal e partido. O que tentei
essa manhã, mas minha mãe foi contra no mesmo segundo em que
comentei. Eu poderia ter ido mesmo assim, contudo, acredito que o
clima entre todos já está pesado demais, e eu não queria piorar
ainda mais as coisas.
Uma resposta de Zach surge no mesmo momento em que
duas batidinhas soam do lado de fora da porta.
— Sou eu, Charlie — Maggie informa.
Largo o celular em cima da cama, mas antes confiro a hora,
faltam vinte minutos para meia noite.
— Uau! — Maggie exclama em um assobio quando abro a
porta. — Você está linda — ela constata.
E no instante em que vejo sua mão fina vir até meu rosto, eu
desvio. Definitivamente entrei em uma crise nos últimos dias e tenho
rejeitado o contato de todos, o toque de Alexander mexeu comigo a
esse ponto.
— Você não vai descer? — ela pergunta, ignorado a minha
reação ao seu quase toque.
— Estou bem aqui — afirmo ao largar a maçaneta da porta e
sentar-me na cama outra vez.
— Posso?
Ela aponta para dentro do quarto, na intenção de entrar e eu
assinalo. Maggie se demora um pouco para vir até mim, em passos
cuidados, ela se senta na outra ponta da cama e cruza as pernas,
sentando-se em cima delas. Ela sorri, toda amorosa, e eu retribuo o
gesto.
— Você lembra que quando era pequena, sempre eu era a
primeira a saber quando você estava passando por algum problema?
— ela pergunta de forma retórica, eu concordo, deixando que ela
continue a falar. — Quando você pensava que estava encrencada,
era então que você corria, porque você sempre disse que apenas eu
iria conseguir acalmar a sua mãe quando ela se estressasse.
Sinto um sorriso terno puxar em meus lábios, ao engolir em
seco.
— Deve ser porque entre vocês duas, ela é o furacão e você a
calmaria — reflito.
Maggie ri.
— Acho que foi isso que nos uniu durante toda essa vida, o
fato de sermos exatamente o oposto uma da outra, fez com que nós
duas enxergássemos que na realidade, somos igual uma moeda.
Apesar das faces opostas, somos feitas do mesmo material — ela
diz, e eu concordo mais uma vez. — Você sabia que nós duas já
chegamos a nos odiar?
Um vinco se forma no meio da minha testa.
— Uma grande mentira — digo.
Maggie ri outra vez e nega.
— Nós nunca contamos a você e ao Alex, mas nós brigamos
durante o tempo em estávamos grávidas. Não lembro exatamente o
motivo da briga, mas há quem diga que foi por conta dos hormônios
mesmo, pois simplesmente um dia acordamos e não conseguíamos
olhar uma na cara da outra sem brigar. E mesmo a odiando, eu não
conseguia largá-la, e ela da mesma forma.
— Talvez isso explique muita coisa — digo ao analisar e
imediatamente Maggie concorda, sabendo bem sobre o que estou
falando.
— Isso com certeza explica muita coisa — ela afirma. — Mas
não estou aqui para te dar um resumo sobre sua mãe e eu. Apenas
queria saber se aquela Charlie, que sempre corria para mim quando
estava encrencada, está precisando de algo. — Ela me fita, cheia de
ternura.
Se minha mãe não fosse minha mãe, eu, com certeza, amaria
ter Maggie como mãe. E no final de tudo, ela também é minha mãe,
e a amo na mesma proporção.
— Não — minto.
Ela deixa o cenho dela franzir, da mesma forma como o filho
faz quando está desconfiado de algo. Apesar dos dois não
parecerem em nada fisicamente, os gestos e expressões deixam
claro como eles dois são parentes de primeiro grau.
— Nem sobre uma tal briga, e depois de um tal beijo para
você calar a boca? — Ela simplesmente joga.
— Ele te disse, hum?! — Suspiro, frustrada.
Ela nega ao balançar a cabeça.
— Para falar a verdade ele disse a sua mãe, pois assim como
você sempre fez comigo, o Alexander sempre correu até a Alice. —
Sorri em uma linha fina. — E Alice, sabendo que você não diria nada
a ela, me pediu para colher alguma coisa. Nós sabemos o quanto
esses gestos são importantes para você, Charlie, e o que o Alex fez
foi errado, e embora eu não esteja passando a mão na cabeça do
meu filho, ele apenas queria se explicar e no calor da emoção aquilo
aconteceu.
Se não tivesse um espelho logo atrás de Maggie onde eu
consigo ver o meu reflexo direitinho, talvez eu não estivesse
controlando minha cara de tédio, que mesmo usando todos os mais
esforços para não a usar, ela ainda aparece um pouco.
— O que ele fez comigo seria a mesma coisa se eu empurrar
ele em um elevador em um prédio de vinte andares e deixar ele se
virar, enquanto desce todos aqueles andares — me defendo.
— Eu sei — ela concorda de imediato.
— E eu o ouvi falando de mim, então é óbvio que eu iria ficar
com raiva dele.
— Eu sei.
— Se eu falasse por uma hora inteira, ainda não seria
justificava ele me calar daquela forma, antes ele desse um murro no
olho.
Maggie pausa, estreitando os olhos ao me encarar. Se eu
pudesse ouvir seus pensamentos, tenho certeza que ela está
pensando que eu sou doida.
— Eu sei?! — ela responde com dúvida.
— Ele me odeia, e isso não justifica ele dizer o que disse, ou
fazer o que fez.
— Eu sei. Mas sabe outra coisa que eu também sei? — ela
pergunta e deixo que continue. — O Alex não te odeia, Charlie. Ele
pode dizer isso, mas a forma como te olha desde que vocês eram
crianças, só existe admiração e proteção. Portanto, eu sei que ele
jamais iria falar mal de você assim, em um momento tão importante
como aquele.
— Se ele me olha com proteção, eu não quero imaginar como
ele olha para quem ele realmente odeia — digo de prontidão,
ignorando o restante dos comentários.
Maggie dá de ombros.
— Talvez você não acredite em mim agora, mas um dia você
vai — ela afirma.
Volto a fazer uma careta.
— Tive uma vida inteira para isso, não acha que é tarde
demais para que eu, de repente, acredite que Alex se importa
minimamente comigo?
— Por que quando nós somos jovens, somos tão ingênuos e
burros? — ela inquere, mas sem resposta. — Quando eu tinha a
idade de vocês, era ignorante desse jeitinho.
— Eu não sou ignorante. — Faço uma careta, ao franzir o
nariz. — Nem muito menos burra, ou ingênua. Se tem algo que
realmente não sou é ingênua.
— Uhum — ela concorda, irônica.
— Não sou — digo com a voz aguda demais.
— Estou apenas concordando com você, meu amor — ela diz
em um sorriso.
Reviro os olhos quando ela passa mais tempo me encarando.
Maggie abre os braços, em um pedido silencioso para que a abrace e
eu me aproximo dela aos poucos, meus braços circulam sua cintura
enquanto ela começa a passar as mãos entre os fios dos meus
cabelos.
— Mesmo com vinte anos você ainda é muito jovem para
entender a vida por inteiro, Charlie. Eu, que estou quase chegando
nos cinquenta, ainda não sei nada sobre a minha, dirá você que é
tão nova assim e se deixou passar por tanta coisa quando você não
era a culpada pelo que te causaram. Você pode ser forte, Charlie,
mas você ainda vai conhecer muito sobre a vida e o amor.
As palavras de Marjorie me pegam desprevenidas, e eu me
aconchego nela. Eu não abraço muito, eu não dou muito carinho,
nem recebo tanto assim, justamente por isso, mas quando acontece,
eu me entrego. E o que ela me diz me pegam ao ponto de que eu
tenho a enorme vontade de permanecer agarrada assim.
Me pergunto se eu fosse uma pessoa normal, se eu não
tivesse ficado tão traumatizada com o abandono, com o medo de
receber amor e simplesmente um dia ele ir embora, se haveria algo
de diferente na minha vida.
Se eu ainda estaria com o único namorado que tive, ou se
ficaria com todo cara que visse pela frente. Talvez eu pudesse ter
mais amigos também, e quem sabe até mesmo ter um par na
patinação, mas a verdade é que eu nunca me imaginei assim, com
alguém, tanto na vida, quanto na patinação.
Duas batidinhas da porta que ficou aberta, me faz desgrudar
de Maggie. Tiro meu cabelo do rosto no mesmo momento em que
ela se vira para a porta, e nós duas temos a vista de Alexander
encostado na soleira da porta, com uma mão dentro do bolso da
calça.
Essa seria a primeira vez que olho diretamente em seus
olhos, que mesmo virados para mãe, sinto que de alguma forma eles
queimam a minha pele ao ponto de me faltar ar, enquanto paro para
ouvir sua voz rouca.
— Faltam dois minutos — ele avisa, a mãe balança a cabeça e
em seguida ele sai.
Ela se vira para mim, o bom e velho sorriso doce estampado
em seus lábios.
— Que tal esquecer que odeia o meu filho por cinco minutos?
— ela sugere e eu rio.
— Impossível — digo de prontidão.
— É ano novo, Charlie. Vida nova. — Estende a mão quando
se levanta.
— Ranço novo também — digo ao pegar sua mão e
acompanhá-la.
— Ou amores novos. — Ela se vira e me solta uma piscadela.
Não consigo conter meu descontentamento com sua fala
quando minha boca franze, juntamente a todo o resto do meu rosto.
Quando for a hora, quando for a hora, quando for a hora
Não importará, não importará
Foi como se ele nunca tivesse estado lá
I WAS NEVER THERE | THE WEEKND
Zach:
Seria estranho ou cedo demais se eu admitisse que estou com saudades
de você?
Que bom que em dois dias você estará de volta
*emoji de coração*
Daniel:
Então quer dizer que, literalmente, eu não sou mais o seu último beijo?
Devo ressaltar que estou chateado com isso, afinal, esperava que fosse com o
Lewis, não o Harrison.
E falando no indivíduo, é claro que a próxima mensagem seria
de Zach.
Zach:
Podemos conversar no final do seu treino à tarde?
Charlie:
Claro! Hoje o treino deve acabar por volta das 16h.
“Anjos e demônios.
Chegou o dia de tirarem suas fantasias e se vestirem do que
vocês realmente são.
É a noite do pecado e eu, assim como vocês, sei bem que não
irá sobrar um anjo no céu após essa noite.
Apesar das baixas temperaturas, o fogo pecaminoso do
inferno está pronto para aquecer vocês.
Divirtam-se, e não se esqueçam, estou de olho em todos os
seus pecados. Ou eu deveria dizer, de boca?”
Alex:
Quem está aí e em que posição?
Torço para que ele tenha feito o mesmo que eu e não ter
colocado a venda por completo. Passam alguns segundos para meu
celular vibrar com a resposta dele.
Bell:
Dakota, Charlotte e Evan
Alex:
Somente eles?
Bell:
Não
Alex:
E as posições?
Alex:
Nesse caso então você deve ser o décimo terceiro, quando
mais alguém entrar, vá para atrás da pessoa.
Bell:
Ok.
Torcer para dessa vez ela não rir.
Daniel:
Ela está bem?
Precisa de algo?
Alex:
Ela precisava que vc não tivesse a embebedado em primeiro lugar
E sim, ela está bem e não precisa de nada de vc, já que vc fez o suficiente
Maldito Alexander.
Sim, maldito. Não me importo que esse seja um adjetivo ruim,
ele é um maldito, pronto e acabou, simples assim.
Eu soube, desde o momento em que meus dedos tocaram
aqueles braços, que era ele. Eu senti isso, mas eu preferi mentir
para mim mesma e dizer que não. O pior de tudo para mim foi saber
que ele, em nenhum momento, me imaginou, porque o maldito
sabia o tempo todo que era eu, e mesmo assim ele continuou.
Ele continuou, e não foi legalzinho como eu disse a ele, foi
tudo de bom e mais um pouco, o que não me surpreende nem um
pouco, afinal, eu sempre imaginei que ele seria daquele jeito,
apenas nunca pensei que algo assim fosse acontecer, ainda mais
comigo.
Nem muito menos pensei que ele pudesse cogitar algo a mais
que aquele grande beijo, bom para um caramba, que só de lembrar
ainda molha a minha calcinha inteira. Mas puta merda, hein?! Nem
conseguir mais odiar ele em paz, eu consigo, porque desde que
fechei a porta na cara dele, dois dias atrás, logo após a festa onde
ele me ajudou e em seguida propôs que nós dois...
É difícil até pensar sobre, porque eu sou obrigada a juntar as
minhas pernas todas as vezes em que penso na proposta dele de
nós dois, juntos, na mesma cama, ou em qualquer outro lugar. Ele
dentro de mim. Empurrando. O. Pau. Dele. Que. Parece. Ter. Um.
Metro. E. Meio.
Aqui estou eu, piscando de novo!
Sou obrigada a fazer minha técnica de respiração, ela me
ajuda com a ansiedade, sempre ajudou. Acontece que inspirar e
expirar contando até dez não ajuda muito quando minha calcinha
está totalmente molhada só de imaginar Alexander e eu transando.
Um arrepio percorre minha espinha, pois agora eu acabo de
me lembrar da vez em que ele chamou meu nome enquanto se
masturbava.
E se eu disser sim e ouvir exatamente aquilo, mas
diretamente no meu ouvido?
Não, eu não terei forças para isso. Já não tenho apenas
imaginando como seria, dirá se realmente acontecer.
— Por que essa merda não está funcionando? — sussurro,
frustrada quando começo a respirar outra vez.
— O que não está funcionando? — Shantal pergunta se pondo
ao meu lado. Talvez eu não tenha sussurrado tanto assim.
Viro o rosto para encará-la, eu ainda não a perdoei pelo que
ela fez. Mesmo que não tenha sido a intenção dela que fosse o
Alexander, ela planejou para que fosse o Zach, mesmo depois das
coisas entre nós terem terminado, quando nem mesmo começaram,
entretanto.
— Vai me responder ou vai ficar com essa cara de bunda o
resto da vida para mim? — ela pergunta, uma sobrancelha minha se
ergue enquanto a olho com desdém. — Eu já te pedi desculpas por
te deixar sozinha com o Alexander, mas você tem que entender que
você estava indo vomitar, e eu não aguento ver vômito. Por favor,
me perdoa, Lottie.
— Não me chama de Lottie. — Me viro de volta para a
máquina de café, limpando-a.
— Você vai me perdoar? — ela pergunta com a voz fofinha.
— Não.
— Lottie, Lottie, Lottie — repete por várias vezes.
Respiro fundo ao terminar de limpar a máquina e meus olhos
se reviram.
— Você não tem nenhuma mesa para atender? — pergunto.
— Lottie...
Fecho os olhos com força.
— Tudo bem, se você calar a boca eu te perdoo. — Ela sorri
quando me viro para ela e aponto o dedo. — Mas você vai me pagar,
não sei como, nem onde, mas vai — aviso.
— Permissão para abraçar?
— Negada.
Ela não tem tanta culpa assim por me deixar sozinha com
Alexander, mas quem sabe, se ela não tivesse feito, ele não teria
dito que tinha sido ele e eu pararia de imaginar certas coisas com
ele.
A verdade é que eu apenas estou com raiva, frustrada para
falar a verdade, e precisava de alguém para descontar esse
sentimento e obviamente não seria o Alexander, uma vez que estou
evitando-o.
— Só para provar o quanto eu me arrependo, eu vou até
atender ele na mesa que é sua. — Ela aponta com o queixo.
No mesmo momento eu vejo Alexander sentar na mesa que
fica em uma cabine, no meu lado de atendimento do salão.
— Pode deixar, eu atendo — digo de prontidão no momento
em que vejo que ele não está sozinho.
— Quem é aquela? — Shantal me pergunta.
— Não sei, mas vou descobrir agora. — Lanço um sorriso,
sem nem olhar para minha amiga.
Ao sair de trás do balcão, pego apenas um cardápio e ando
na direção da mesa que ele ocupou, estando sentado de frente para
uma garota de cabelos castanhos longos, que eu tenho quase
certeza que nunca vi na minha vida, ou no campus, antes.
Meus olhos se estreitam à medida em que vou me
aproximando dos dois, ela está de costas para mim, enquanto ele
está todo relaxado. Sinto seus olhos em mim, mas tudo o que
consigo capturar com mais atenção são os cabelos lisos da
desconhecida e agora o sorriso simpático dela quando eu me ponho
ao lado da mesa.
Ela é bonita, isso é um fato. Mas quem é ela? Forço um
sorriso, olhando diretamente para ela, tentando forçar meu cérebro
para saber se já vi a antes, e não me vem nada à cabeça.
— Bem-vindos ao Rosie’s Café, me chamo Charlotte e vou
fazer o atendimento de vocês hoje — digo em uma falsa simpatia o
roteiro de costume, mas dessa vez ele soa realmente falso, ainda
mais quando eu entrego o cardápio diretamente nas mãos da
desconhecida.
— Olá, Charlotte. — A voz dela é tão doce. — Gostaria de um
Pink Limonade, apenas. — Ela me oferece o cardápio de volta.
— Não temos — respondo, mesmo sabendo que tem.
— Chá gelado, então.
— Também está em falta.
Ela sorri. Eu sorrio.
— Coca-Cola zero? — pergunta.
— Normal.
— Normal, então.
— Algo para comer?
— Não.
Me viro para Alexander e para ele eu não preciso fingir
sorrisos, ainda mais quando ele parece estar mais atraente do que o
usual, em uma roupa toda preta e ainda usando uma jaqueta de
couro.
Não quero ter que falar sobre a festa, ou o beijo, ou a
proposta, não quero nem mesmo ter que ficar encarando-o por
tanto tempo, então cito o pedido usual dele.
— Hambúrguer, fritas e Coca Zero?!
— Mas você disse que não tinha Coca Zero. — Ele cerra os
olhos.
Mordo o lábio inferior, porque não posso mandá-lo ir a merda
agora, uma vez que ele já sacou que eu estou tentando descobrir
quem é a garota com ele. Uma coisa que ele não sabe é que eu
quero realmente saber porque ela está aqui, com ele.
Ou talvez ele saiba, mas eu não preciso dessa informação
rodeando meus pensamentos agora.
— Acabei de lembrar que chegou mais cedo. — Me viro para a
desconhecida e lanço um sorrisinho de desculpas.
— Tudo bem, troca pela zero, então — ela pede e eu
concordo.
— Vocês desejam algo a mais? — pergunto após anotar o
pedido no bloco de notas.
— Por que a Shantal está levando um chá gelado para a mesa
do outro lado? — Ele aponta com o queixo e eu me viro.
— Era o último — respondo entredentes.
Ele sabe o que eu estou querendo fazer e quer me ver
constrangida, mas ele não vai fazer isso. Peço licença aos dois e
volto para detrás do balcão, coloco o pedido na janela e aviso.
— Só para constar, acabou o chá gelado e limonadas no geral.
Emerson, o cozinheiro, levanta a cabeça e me encara confuso.
— Mas o refil está cheio dos dois.
— Acabou, Emerson, apenas acabou — digo ríspida.
Ele levanta as mãos para cima, me olhando assustado e
apenas concorda.
— Então, quem é ela? — Shantal volta para o meu lado,
colocando a bandeja na frente do seu corpo.
Nós duas nos viramos e eu pego o momento exato em que
Alexander arruma a sua postura, se endireitando no assento, e a
garota, que está de costas para nós, coloca uma mecha do cabelo
para trás.
Que porra é essa que um dia ele faz uma proposta de transar
comigo, e apenas dois dias depois vem jantar com uma garota que
eu nunca vi antes, no restaurante que eu trabalho, durante o meu
turno?
— Uma feia qualquer — minto.
Shantal ri e eu continuo fitando os dois. O movimento no
Rosie’s está tranquilo, apenas três mesas estão ocupadas, incluindo
a que eles estão sentados rindo – por que eles estão rindo? –, me
volto para minha amiga.
— O que é? — Minha pergunta não sai nenhum pouco
simpática, pois está mais para um grito.
— Você está com a cara toda fechada e vermelha — ela diz.
— Não estou.
— Suas pupilas estão dilatadas e a veia da sobrancelha está
pulsando.
Levo a mão até a sobrancelha, sentindo que ela realmente
está palpitando.
— Culpa sua — digo.
— Minha?! — ela pergunta em um gritinho fino.
— Ainda não saiu da minha cabeça que você ao invés de me
ajudar enquanto eu vomitava, deixou que ele fizesse, e agora sou
obrigada a atendê-lo, depois da pessoa que eu mais odeio me ver
vomitando — explico.
Shantal ri de novo e eu a fuzilo.
— Isso ou você está com ciúmes da desconhecida.
Ignoro totalmente a palavra com C e volto a olhar para a
mesa onde eles estão.
— Ela não estuda na Dartmouth — aponto.
— Não mesmo.
— Nunca vi ela na Dirty também.
— Nem eu — Shantal concorda pensativa, e tão logo algo
parece se iluminar nela, quando ela se vira para mim, e eu sou
obrigada a deixar de encará-los, fitando-a também. — O Alex nunca
mais saiu com ninguém no campus desde o boato da gonorreia, e se
ele estiver saindo com alguém de fora do campus?
Estalo a língua no céu da boca.
— Ele não está.
— Se estivesse, você estaria com ciúmes?
— Eu já o vi saindo com várias garotas antes — o que não
deixa de ser verdade — e isso nunca me incomodou antes, e por
que eu teria ciúmes do cara que eu odeio desde que nasci?
— Porque ele foi seu último beijo, talvez?! — Shantal morde o
lábio inferior e estreito os olhos para ela. — Sarah me contou essa
manhã — explica. — Ela esperava que saísse na DM, mas não saiu.
Minha mão se fecha em punho antes de cruzar os braços
sobre o peito. A última atualização que recebemos da Dirty foi na
noite da festa, desde então ela sumiu. Todo o campus esperou por
atualizações das festas do final de semana, mas não recebemos
nada.
E depois que a safada conseguiu até mesmo as imagens de
segurança de uma arena em Miami, milhas e milhas de distância de
Hanover, eu não duvido que ela tivesse uma câmera instalada no
banheiro do encontro às cegas. Mas não. Ela não falou
absolutamente nada, nem mesmo do body shot que James fez em
Dakota às oito da manhã, e havia poucas pessoas na festa ainda.
Mas até eu, que estava tentando dormir depois da proposta
que me fez revirar na cama o sábado inteiro, me deixando com
olheiras horrendas pois eu não dormi, fiquei sabendo da fofoca
inteira. E era esperado que Dirty lançasse um episódio de pelo
menos uma hora, narrando todos os acontecimentos da festa que
durou mais de doze horas, mas ela não o fez.
O que tem ansiado alguns. No meu caso mesmo, aterrorizado,
já que não quero imaginar ela narrando o meu desmaio e a briga de
Alexander e Zach enquanto eu passava mal.
— Por que ela não me contou quando eu perguntei? —
questiono sentindo a raiva emanar na minha pele.
— Você ainda pergunta? — Shantal inquire como se fosse
óbvio. Franzo o cenho, dando a liberdade para que ela continue. —
Você é Charlotte Cameron, e se alguém relaciona você a Alexander
Harrison, você surta.
— Não surto nada.
— Está surtando agora. — Ela sorri convencida.
Me preparo para respondê-la, porém, Emerson toca a
campainha na janelinha e nós duas nos viramos.
Aviso a Shantal que depois a gente conversa enquanto
colocamos as coisas do pedido de Alexander e da desconhecida na
bandeja, ela me solta mais um sorrisinho e eu reviro os olhos.
Caminho até a mesa com o pedido em mãos e eles param de
rir no momento em que eu me aproximo.
— Licença — peço e começo a pôr o pedido na mesa,
começando pelo de Alexander.
Ele observa todos os meus movimentos, sinto meus olhos
faiscarem, também o observando e prestando atenção
principalmente na faceta séria dele, que até três segundos atrás
estava todo risonho.
Estou tirando o último copo da bandeja quando a voz doce,
cheia de falsa simpatia, diz:
— Então se é tão grande, como você acha alguma que caiba?
Minhas mãos tremem enquanto ouço a pergunta dela, mas
principalmente minha vista escurece e tudo se transforma em uma
confusão quando eu acabo derrubando o copo cheio de refrigerante
e gelo em cima dela.
Poderia ter sido porque eu quis, realmente poderia. Mas não
foi.
Que pergunta foi essa que ela acabou de fazer?
Bom, não interessa agora, porque por mais que ela me
intrigue, no momento eu começo a pegar vários guardanapos.
— Desculpas, mil desculpas mesmo — peço, entregando a ela
os papéis. — Não sei o que aconteceu comi...
— Onde fica o banheiro? — ela pergunta, se levantando.
Aponto para trás de mim e ela corre.
— Desculpa — grito, mesmo sabendo que talvez ela não
tenha ouvido.
— O que foi isso? — Alexander pergunta e eu volto a olhá-lo.
— Eu quem pergunto, o que foi isso? — digo secamente.
Ele balança a cabeça, franzindo o cenho sem entender.
— Não entendi — responde.
— Nem eu, grandão.
Um sorriso se ergue nos cantos da sua boca e como eu estou
no trabalho e de forma alguma quero ser demitida, mordo o interior
da bochecha, me controlando para não mandar o cliente ir à merda.
Respiro fundo e dou as costas para Alexander, andando o
mais rápido que posso. No momento que volto para atrás do balcão,
falo com Shantal, mas sem olhar para ela.
— Você pode limpar, por favor?
Não sei bem se ela responde, pois passo direto para a
cozinha. Emerson não está lá, minhas mãos estão trêmulas, jogo a
bandeja em cima da mesa, que faz um barulho ensurdecedor de
metal contra metal.
Começo a andar de um lado para o outro, tentando respirar
fundo enquanto fecho os olhos.
É a vigésima vez que faço a técnica de respiração apenas
hoje, mas ela simplesmente não funciona.
Que pergunta foi aquela? Por que ela perguntaria algo assim?
Por que eles estavam rindo tanto e pararam quando eu me
aproximei? Mas, principalmente, por que minha cabeça está fazendo
disso um grande caso, quando eu não deveria me importar tanto
assim?
A porta da cozinha range ao se abrir de uma vez, pego o
bloco de notas dos pedidos que está dentro do bolso do avental,
sentindo minhas mãos trêmulas, pensando que é Emerson, ou
Shantal, ou até mesmo Claire, a gerente.
Mas me surpreendo quando me viro e vejo que é Alexander.
— O que está fazendo aqui dentro? — pergunto em tom
acusatório no mesmo instante em que nossos olhos se encontram.
Ele começa a dar passos longos em minha direção.
— Procurando respostas para as minhas perguntas — declara
ao se aproximar.
Quando o sinto tão perto de mim, dou alguns passos para
trás, mas acabo encostando em algo frio e duro. Tateio apenas para
descobrir que é a geladeira, antes que ele esteja frente a frente
comigo, me encurralando contra ela.
Ergo o queixo para conseguir encará-lo quando uma mão dele
fica acima da minha cabeça, encostando na geladeira também.
Pisco os olhos duas vezes, desorientada.
— Não entendi — digo, com a voz fraca ao engolir em seco.
O pensamento que tive antes de Alexander entrar no Rosie’s
volta com tudo agora, principalmente com sua respiração quente tão
próxima de mim, e pelo visto não haverá técnica que dará jeito no
rebuliço que sinto no meu interior, me deixando nauseada.
— Primeiro você bate a porta na minha cara, depois age toda
estranha durante o atendimento e para completar derrama bebida
na minha companhia. Por quê?
Minha garganta seca de repente.
— Por que, o quê?
Juro que não entendi nada do que ele disse, pois tudo que
ouço é Charlotte, Charlotte, Charlotte, ainda mais com a voz rouca
dele, com ele entrando em mim.
Eu nunca me senti tão fraca e pequena perto de Alexander
assim em qualquer outro momento, em toda minha vida. Sou mais
baixa do que ele, isso é inegável, mas me deixando encurralada
dessa forma, mais parece que eu sou uma formiga e ele um
elefante, pronto para pisar em mim.
Minha respiração fica tensa, então eu fecho os olhos e puxo
uma grande quantidade de ar antes de respondê-lo.
— Primeiro, eu bati a porta na sua cara porque você mereceu.
Seus jogos sempre foram baixos, mas você passou de todos os
limites com aquela proposta.
— Que ainda está de pé, a propósito — ele me interrompe,
sugestivo.
Ele está querendo me provocar, isso é só mais um jogo dele, e
eu não vou cair. Eu posso escalar a parede igual Peter Parker, mas
eu não vou cair no jogo dele para depois ser humilhada e
desgraçada, mesmo que minha calcinha esteja encharcada só de
imaginar ele me tocando, ou se tocando, ou meu nome saindo da
sua boca.
Ah! Eu vou enlouquecer!
— Segundo — respiro fundo de novo, voltando ao assunto
anterior e ignorando ele totalmente —, não agi estranha no
atendimento, apenas não queria te atender, já te falei para não vir
aqui durante meu turno, e já te disse para não sentar nas minhas
mesas.
As sobrancelhas dele sobem.
— Eu gosto de ser mal atendido.
Estreito os olhos, bem que eu poderia chutar as bolas dele
mais uma vez.
— E por último, foi um acidente de trabalho, sem querer
derramei a bebida na sua acompanhante. — A palavra parece
amarga na minha boca.
— Sem querer? — ele pergunta.
— Uhum — anuo.
— Engraçado que quando entrei na cozinha, vi os refis de
limonada cheios, chá gelado também. — Me preparo para dar uma
desculpa, mas ele é mais rápido que eu ao continuar. — Você quer
saber o que é grande, que ela perguntou antes de você sujar ela
inteira?
Balança a cabeça, negando.
— Nã... — Minha voz sai aos frangalhos e coço a garganta
apenas para respondê-lo. — Não.
Ele sobe a mão que estava livre e no instante em que as
pontas dos seus dedos encostam no meu pescoço, toda a minha
pele arrepia – toda –, e posso jurar que meu coração parou de bater
também.
Poderia ser um ataque nervoso normal, mas não é isso,
porque se fosse eu estaria igual uma louca, com o suor frio
escorrendo, enquanto eu estaria querendo me livrar da agonia.
Porém, a única coisa que escorre em mim é a lubrificação da minha
boceta.
— Você quer — ele insiste.
— Não quero. — É óbvio que quero, mesmo sabendo qual é a
resposta.
— Quer sim.
— Não quero não.
— E se eu te dissesse que também quero?
— O quê?
— Você sabe o que.
Engulo em seco.
É possível um contato visual fazer a pessoa gozar? Porque eu
posso jurar que isso vai acontecer.
Os olhos de Alexander me queimam ao ponto de o fogo subir
por todo o meu corpo, inclusive meu rosto que sinto arder.
— Sobre o que você está falando? — Ele realmente acaba de
me confundir.
— Nem eu sei — ele assume.
Seu rosto se aproxima do meu, ele respira fundo também,
soltando o ar devagar, as pupilas estão dilatadas e isso é sexy pra
caralho.
Não deveria estar assumindo isso, pois eu não faço a mínima
ideia de quando eu passei de repugnar os olhares de Alexander, para
simplesmente desejá-los.
Dizem que homens tem duas cabeças, a de cima e de baixo,
mas para falar a verdade, as mulheres também, porque tudo que
ouço do meu cérebro é “Se controle, Charlotte”, enquanto minha
boceta pulsando diz “Me coma, me coma, coma”.
Nossos rostos estão perto demais, menos de um centímetro, é
tão perto que minha boca sente os lábios dele se mexerem
enquanto ele fala:
— A única coisa que sei é que a proposta ainda está de pé. —
Fecho os olhos, sentindo que o próximo passo dele é me beijar.
Contudo, acabo me espantando quando ele se afasta de vez,
tirando a mão do meu pescoço e a outra de cima da minha cabeça e
dá um passo para trás. Há um sorriso mordaz em sua boca quando
abro os olhos.
Bato os cílios incansáveis vezes, tentando entender o que
acaba de acontecer. Endireito minha postura e desencosto da
geladeira, ainda com Alexander me encarando.
— Não é permitida a entrada de clientes na cozinha — digo,
voltando aos meus sentidos e ignorando totalmente a última fala
dele, ao voltar para a proposta.
Ele joga os ombros para cima.
— Eu já estava de saída mesmo, tenho uma entrevista para
terminar.
Entrevista?
Ele deve perceber a confusão no meu rosto, quando se
explica.
— O nome dela é Natany, e ela faz parte da coluna de esporte
universitário da ESPN, e está entrevistando alguns caras do time —
ele explica.
— Eu não perguntei. — Guardo o bloco de notas no avental
de novo e tiro a caneta de trás da orelha.
— E o grande que estávamos falando era sobre a cabeça do
James e capacetes, brincadeiras internas. — Ele me solta uma
piscadela.
— Eu realmente não quero saber. — Sorrio, dessa vez sincero,
pois é como se um peso acabasse de ser tirado das minhas costas.
— E eu quero uma resposta — ele diz.
Meu coração erra a batida, pois mais uma vez ele voltar ao
assunto.
Por sorte, um anjo chamado Emerson entra na cozinha feito
um furacão, e eu nunca agradeci tanto por isso, pois mesmo
aliviada, se eu for pressionada mais uma vez como fui por Alexander,
talvez eu ouça a voz do meu ponto g, e não da minha razão.
— Ei, cara, para fora! — Emerson diz.
Alexander se vira para ele, pedindo desculpas, e começa a
caminhar para fora da cozinha. Eu observo os seus passos e como
ele é capaz de dominar todo e qualquer lugar onde ele esteja, até
mesmo uma cozinha gordurosa.
Antes de passar pela porta, Alexander se vira mais uma vez e
diz com a voz rouca:
— Não esquece do meu pedido, Charlotte.
Fico fraca outra vez e ele sai da cozinha. Junto minhas
pernas, sentindo meu clítoris pulsar, pois é instantâneo a forma
como todos os pensamentos me atingem de uma vez só, e para
completar ele falou meu nome.
Isso é demais para mim e eu acabo de constatar que sim,
dessa vez, apenas dessa vez, eu sou uma formiga que daria tudo
pela tromba do elefante, mesmo que eu odeie e saiba que ele é bem
maior do que eu, tenho a certeza de que a picada dele seria mais
satisfatória que a minha.
Não me deixe esperando
Eu estive esperando a noite toda para chegar mais perto
E você já sabe que eu faço isso por você
Você conhece as sensações, conhece as sensações
Que vou te causar
VIBEZ | ZAYN
Alex:
Estou apenas sugerindo que eu posso pular a janela do seu quarto e
ninguém vai ver.
Charlie:
Não.
Alex:
É meu aniversário, Charlotte, eu tenho minhas necessidades.
Charlie:
Problema seu.
Alex:
Nós temos um acordo, então é problema seu também.
Charlie:
Me deixa em paz!
Alex:
Então se qualquer outra se oferecer para mim hoje, eu entro
Não temos regra de exclusividade
Que atrevido.
Apago a mensagem onde estavam as regras e reescrevo,
acrescentando que se eu não posso falar com o Zach, ele também
não pode transar com outra, e se ele fizer isso, o acordo chegará ao
fim antes mesmo de começar.
Charlie:
Agora está!
Vc podia não ter gonorreia
Mas eu não vou arriscar
Cadê vcccc
?????
ALEXANDER
Alex:
Estou em ligação com sua mãe
Para de ser surtada
Charlie:
Eu não sou surtada
Alex:
Vc refez as regras em um minuto e mandou mais cem mensagens
Isso é coisa de gente surtada
Alex:
Surtada!
Vc ligou para a Alice?
Vai para o Dunk’s?
Precisam de carona?
Alex:
O Bellamy quem vai dirigir
Inclusive, sua lata velha não está ligando
Com quem vc está vindo?
Dá pra vc me responder?
De mãos dadas...
Sério?
Acrescenta na lista de regras
PROIBIDO FALAR COM O DANIEL TAMBÉM!
Ainda vestindo um pedaço de pano
Charlotte!!!???
Onde está a merda do seu celular?
Pqp
Estou no banheiro dos funcionários
Venha logo!
Alex:
Onde vc está?
Charlie:
Pq?
Alex:
Vc não quer que eu repita a pergunta
Charlie:
No meu quarto
Pq?
Alex:
Estou indo aí
Alex:
Espero que vc quebre a perna
Charlie:
Vc por acaso está tentando me desejar boa sorte?
Alex:
É meio óbvio, não acha?
Charlie:
Qual o seu problema que não pode dizer apenas boa sorte?
Falar que eu devo quebrar a perna é no mínimo insensível
Alex:
Mas é assim que fazem no teatro
Charlie:
*foto anexada*
Isso parece um teatro para vc?
Alex:
Pode não ser teatro, mas a bundinha deles dois é um espetáculo à parte
Charlie:
Onde vc está?
Charlie:
*foto anexada*
Espero que isso aqui dê sorte
Obrigada por vir
E para de olhar para bunda das pessoas nas apresentações!
*emoji de coração*
Meu pai.
É difícil conseguir raciocinar esse momento e a voz que acabo
de ouvir chamar meu apelido de infância.
Minha vista escurece ao mesmo tempo em que tudo ao meu
redor parece girar.
Lottie.
A palavra, juntamente a voz rouca e o sotaque espanhol
acentuado, reverberam repetidas vezes na minha cabeça e enquanto
eu tento assimilar que o que acabo de ouvir é real, sinto as rosas
caírem das minhas mãos.
Pisco os olhos e noto que a minha frente, Alexander parece
estar tão surpreso quanto eu.
Ao mesmo tempo em que sinto meus pelos se arrepiarem,
enquanto os milésimos de segundos se transformam em horas,
minha pele também formiga, minha boca seca e um nó se
transforma no fundo da minha garganta.
Giro a cabeça para o lado, pois sinto que meu corpo está
petrificado, e então eu o vejo.
Cabelos castanho escuros com alguns nuances grisalhos,
olhos tão escuros que posso jurar que são pretos, cobertos por
pequenas rugas nas pontinhas, barba aparada e mandíbula
quadrada e o cenho naturalmente franzido junto aos outros detalhes
me mostram que ele é o mesmo homem que fez suas malas e foi
embora de casa catorze anos atrás, só que agora um pouco mais
velho.
Tento engolir, mas parece que não há uma gota sequer de
saliva na minha boca, e a bola que parece agora habitar minha
garganta se nega a descer.
Assisto ele dando mais um passo em nossa direção, ou
melhor dizendo, em minha direção, e a confusão dentro de mim
aumenta gradativamente. Eu tento falar algo, tento me afastar, tento
perguntar o que ele está fazendo aqui. Quero perguntar se ele viu
minha apresentação, como ele sabia onde eu estaria, se ele
acompanhou não apenas essa competição, mas as tantas outras.
Se ele sabe que mesmo quando ele me deixou eu continuei
patinando, pois foi a única forma que eu encontrei de me libertar da
falta constante que ele fazia. Se ele sabe que cada medalha e troféu
que ganhei ao longo de uma vida recheada de apresentações,
competições, saltos e quedas, e cada foto postada nas minhas redes
sociais, eu esperei por uma curtida ou um comentário dele.
Eu quero perguntar se ele faz ideia de como foi difícil chegar
até aqui sem ele, e que por conta da sua ausência, eu passei a ter
medo de receber carinho, afeto e de me achar digna do amor.
Pois foi graças a ele, a pessoa que mais me demonstrou
carinho e afeto por sete anos, e um dia simplesmente sumiu, eu
fiquei com medo de me entregar a qualquer pessoa, pois para mim,
se isso acontecesse, significaria que com o passar do tempo eu seria
abandonada.
E que mesmo diante de todo o meu esforço de tentar manter
contato, as inúmeras ligações e mensagens de voz que deixei, as
cartinhas que escrevi pedindo para visitar, a falta de parabéns
durante catorze aniversário, como quando eu precisava dele para me
acompanhar nas aulas de direção, tirar dúvidas sobre mecânica do
meu carro velho e ele nunca veio. Nunca entrou em contato, nunca
me visitou, nem mesmo mandou um cartão de feliz aniversário.
Ele apenas me abandonou.
Meu pai me abandonou.
Meu pai, que se separou da minha mãe e que escolheu me
deixar mesmo antes de assinar os papéis do divórcio.
Ele dá mais um passo em minha direção, enquanto eu
continuo parada, sem conseguir me mover, ele abre os braços, com
um sorriso que parece terno sobe pelos cantos da sua boca e me
chama outra vez. Minha respiração estanca, um único pingo de suor
desce por toda extensão da minha coluna, se ele der mais um passo,
ele estará me abraçando.
— Ei, Rafael. — Alexander entra no pequeno espaço que há
entre mim e meu pai, o chamando.
— Alexander?! — ele pergunta, a voz parecendo
genuinamente confusa.
— O único. — Posso não estar vendo Alexander agora, mas
ele está sendo irônico, enquanto eu tento respirar. — Já faz quanto
tempo que não nos vemos? Quinze anos?
Catorze. E definitivamente ele está sendo irônico.
— Não faz tanto tempo assim — meu pai tenta desconversar.
Tudo o que posso assistir é as costas de Alexander, e ele se
endireita. Conhecendo-o tanto quanto conheço, ele está fuzilando o
homem que me deixou.
— Não quinze anos exatamente, você tem razão! Faz catorze
anos e oito meses, eu não gosto muito de fazer contagem de dias,
mas da última vez que você me viu seria catorze anos, oito meses e
cinco dias, mas se eu for contar a última vez que te vi, que foi pela
janela da sala da minha casa, colocando as malas dentro de um
carro, daí nós podemos diminuir um dia nessa questão.
Silêncio.
Alexander não se move, nem mesmo um centímetro durante
esse tempo, suas costas permanecem eretas e sua respiração
aparentemente tranquila, enquanto eu inspiro com força e expiro
com leveza, tentando fazer a contagem ouvindo todo o diálogo.
— Olha só...
Meu pai começa quebrando o silêncio, mas tão logo Alexander
o interrompe.
— Eu não sei o que você veio fazer aqui, Rafael, mas é
melhor você ir embora — ele o corta.
Um riso rouco escapa do outro homem.
— Eu vim parabenizar a minha filha — ele responde, e é com
as duas últimas palavras dele que eu sinto algo molhado em meu
rosto, descendo por minha bochecha. — Você pode me dar licença,
para que eu possa abraçar ela?
— Não.
— Como é?
— Eu disse que não, você não pode abraçar a Charlotte.
— Garoto, da última vez que eu te vi, você não tinha os dois
dentes da frente, e agora porque está mais alto do que eu, se acha
no direito de mandar e desmandar na minha filha?
— Eu não mando nela. — Mesmo que Alexander esteja
perdendo a paciência, sua voz é limpa. — Mas eu não vou deixar
você encostar um dedo em Charlotte depois de tudo o que você fez.
— E o que eu fiz?
Silêncio outra vez.
— Nada. — É a primeira vez que Alexander se move,
erguendo os ombros. — Aí que está o X da questão, você não fez
absolutamente nada, e é por isso que te peço gentilmente para ir
embora.
— Alexander... — A voz do meu pai reverbera e, então,
finalmente eu consigo me mover, ficando ao lado de Alexander.
Minha vista está embaçada e meus olhos ardendo, e isso é
por conta das lágrimas que encharcam meus olhos, eu pisco
tentando controlá-las, e mesmo assim elas continuam descendo.
Subo os braços, contornando meu corpo e me sentindo frágil, como
se estivesse a ponto de quebrar. Pois ao mesmo tempo em que sinto
que preciso correr para os braços do meu pai, eu o quero longe de
mim.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto e ele sorri para
mim, porém, antes que ele possa me responder qualquer coisa, eu
continuo. — Você não acha que está um pouco atrasado para
abraçar a sua filha? Filha que você abandonou? Filha que você
nunca nem mesmo fez questão de dar o sobrenome, porque não
combinava com o nome que minha mãe havia escolhido? A filha que
depois que você foi embora, deixou vários recados na caixa postal e
você nunca respondeu nenhum deles?
Ele estende as mãos e eu recuo um passo para trás.
— Se você quisesse mesmo me abraçar, você não viria atrás
de mim em um dia tão importante assim, então vai embora. —
Passo a mão no rosto, limpando a lágrima.
— Lottie...
— Vai embora! — vocifero, olhando-o nos olhos. — Você já fez
isso antes, então apenas dê a porra das suas costas para mim outra
vez, e vai embora!
Quando ele demora mais de dois segundos para fazer o que
eu peço, quem acaba se virando sou eu, e eu corro. Sem fazer ideia
de para onde eu vou, eu apenas corro, meu pulmão ardendo pela
falta de ar, meus olhos se desmanchando em água e a fúria
tomando conta de cada célula do meu corpo.
Porque um dos momentos mais importantes da minha vida,
acaba de se transformar em meu maior pesadelo.
— Charlotte! — Ouço meu nome e quando paro de correr,
encontro Alexander, e eu nunca pensei que poderia agradecer a
presença dele, como estou agradecendo mentalmente agora.
— Você pode pegar minhas coisas com a treinadora e me
encontrar lá fora? — pergunto e ele apenas anui.
— Você está bem?
— Eu só preciso sair daqui, Alexander.
Ele assente de novo e tão logo se afasta, voltando para o
mesmo corredor onde eu saí às pressas há tão pouco tempo.
Alex:
Saindo da academia em dez
Zach:
*vídeo anexado*
Se vc contar qualquer coisa ao Alexander sobre o que acaba
de acontecer, toda a internet terá acesso a esse vídeo
— Onde ela está? Como ela está? — pergunto assim que Alice
aparece na porta da fraternidade.
Eu vim correndo assim que meu pai chegou na república e
disse que havia deixado minha mãe e Maggie aqui com Charlotte,
após o encontro fracassado dela com o pai.
O que eu não queria que acontecesse, mas de toda forma
esperei até o momento em que Charlotte entrou no carro e liguei
para Alice no mesmo segundo contando tudo, assim como havia
prometido a ela. Por mais que eu não quisesse ser o responsável por
essa ligação, esperava que Charlotte finalmente se tocasse do
quanto ela precisaria da mãe em um momento como esse. Eu não
pude deixar de informar a ela sobre o encontro, segundo na
verdade, que a filha teria com o pai.
Contudo, Charlotte fez exatamente o que eu esperava que ela
fizesse caso desse errado ou não: ligou para a mãe e ela já estava
lá.
Queria ter feito parte desse momento, mas não era algo que
eu deveria participar e sim as pessoas que sempre estiveram com
ela e por ela, que mesmo nos piores dias das suas crises, com os
gritos apavorantes sempre que qualquer um a tocasse, nunca
desistiram e foram as primeiras a respeitarem o espaço que ela
pedia, até que se sentisse confortável outra vez.
— Ela está bem — Alice responde, fechando a porta atrás
dela. — Mas pediu para que hoje ficasse apenas comigo e Maggie.
Balanço a cabeça ao concordar.
— É o certo.
Alice estreita os olhos para mim, um sorriso se esgueirando
pelo canto da sua boca.
— Então... vocês dois, hein?
— O que é que tem?
Até agora eu não sei o quanto Alice ou minha mãe sabem
sobre Charlotte e eu. Nós dois nunca tivemos a chance de contar
durante os poucos dias em selamos a paz entre nós, pois logo em
seguida toda a bomba da Dirty explodiu.
A semana tem sido bastante caótica e estressante.
Charlotte não tem me evitado, mas também não tem me
paparicado, nem feito questão da minha presença e eu a entendo,
realmente a entendo. Pois se fosse o contrário, talvez eu estivesse
pior do que ela.
Eu decidi esconder o que sabia sobre os donos da Dirtymouth,
mas não foi por prezar por minha amizade com Evan, que acabou de
uma vez por todas quando ele, ao invés de me dizer exatamente o
que tinha acontecido, e o que Anna e Dakota estavam prestes a
fazer, só tentou me conter na festa.
Parker insiste em dizer que me considera, mas eu me
pergunto: até que ponto? Quantas fofocas valem mais que a
amizade? Não faz sentido para mim.
Outra coisa que não faz sentido é como eles conseguiram ter
acesso ao programa outra vez, apenas para jogarem aquele veneno
que foi o estopim para que tudo se encerrasse de uma vez por
todas. Mas ele levou uns bons socos, Bellamy e James que ficaram
totalmente ao meu favor – menos na questão do aluguel, visto que
os pais de Evan são podres de ricos –, também viraram a cara para
ele, que no final da tarde fez as malas e foi embora da casa,
deixando o restante do ano do aluguel pago como “forma de
desculpas”, o que os meus dois outros colegas de quarto
agradeceram.
Ele sabe onde errou e tem tentado se redimir, vamos
continuar jogando hóquei juntos durante os anos restantes da
faculdade, e é isso.
— Ela já me contou tudo — Alice diz, passando por mim e
sentando-se na escada que há no pórtico.
— Quanto ela te contou? — questiono, a acompanhando e
sentando ao seu lado.
— Ela não falou sobre o sexo.
— Graças a Deus — sussurro e Alice ri.
— Mas ela me disse sobre as brigas, a festa, o beijo, a
proposta e sobre sentimentos...
Pisco.
— Sentimentos?
— Uhum.
Engulo em seco.
— Tem alguma chance de você repassar para mim?
Alice nega.
— Não posso, dessa vez é segredo de mãe e filha. — Ela pega
minha mão, colocando-a em seu colo. — Você sabe que eu não te
gerei, mas eu também te considero meu filho, não sabe? — Anuo,
concordando com ela. — Eu brinquei várias vezes sobre vocês se
gostarem e por isso se odiavam, contudo, nunca esperei que fosse
verdade.
— Eu a amo.
Alice sorri, os olhos se iluminando.
— Sei que sim, ela é sua alma gêmea, assim como a Maggie é
a minha, a grande diferença é que nós duas somos almas gêmeas
na amizade. Mas não é isso que eu quero falar com você.
— E o que é então?
— Eventualmente Charlotte vai voltar para você, mas eu não
sei quando. Ela precisa do tempo dela para assimilar tudo e todos os
sentimentos, você estaria disposto a esperar por ela?
— Nem que eu viva cem anos — responde de imediato e o
aperto da mão de Alice na minha aumenta.
— É bom ouvir isso, e eu sei que posso confiar em você. Sei
que posso te entregar a minha filha a você um dia, e mesmo que
você também seja como um filho para mim, Charlotte sempre vai ser
a minha filha, você entende isso?! — A pergunta é retórica,
portanto, eu apenas concordo. — Mas se um dia seu coração mudar
de ideia e não puder mais amá-la e protegê-la, se você não
conseguir amar a minha filha mais… não a machuque. É tudo o que
eu tenho para te pedir. Ela sempre vai ser para mim a garotinha que
gritava e chorava quando eu dizia que eu a amava, e eu
simplesmente não sabia o que fazer, então eu parei de dizer essas
palavras por um tempo apenas para protegê-la dela mesma. Então,
se houver qualquer possibilidade de um dia, a partir de hoje, você
magoá-la, apenas a traga de volta para mim, porque eu vou
protegê-la, como sempre fiz. Está bem?
Aceno.
— Eu não vou magoá-la, muito menos deixar de amá-la —
afirmo quando uma lágrima desce por meu rosto.
— Você promete isso para mim?
— Eu prometo.
Alice começa a chorar, então eu solto a sua mão e abraço,
falando repetidas vezes e quantas forem necessárias que ela não
precisa se preocupar, que eu nunca, por hipótese alguma, serei
capaz de deixar Charlotte.
[1]
Tradução livre: boca suja, no sentido de falar coisas obscenas.
[2]
GQ (originalmente Gentlemen's Quarterly) é uma revista mensal sobre moda,
estilo e cultura para os homens, através de artigos sobre alimentação, cinema,
fitness, sexo, música, viagens, desporto, tecnologia e livros.