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COPYRIGHT ©️2024 VITÓRIA MENDES

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra de qualquer
forma ou em quaisquer meios de comunicação sem a autorização da
autora. A violação aos direitos autorais é crime disposto na Lei
9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal, e isso vale
para a distribuição ilegal, caso você esteja lendo este livro
por quaisquer outro meio senão sua plataforma de origem
(Amazon), fique ciente de que é um produto pirateado. Não
contribua com distribuição ilegal.
Esta obra é fictícia. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência.

CAPA:
Ellen Ferreira
DIAGRAMAÇÃO:
Vitória Mendes
LEITURA CRÍTICA:
Ana Paula Ferreira
REVISÃO:
Camille Gomes
Amanda Mont’Alverne
ILUSTRAÇÕES:
Rhoops
HDT Arts

JOGO COM BENEFÍCIO


[Recurso Digital] / Vitória Mendes - 1ª Edição; 2024
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. Jovens Adultos 4. Ficção I. Título
Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.
SUMÁRIO
NOTAS
AVISOS
PLAYLIST
DIRTYMOUTH
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
ATÉ MAIS!
Todos os dias eu parava e me perguntava se o que eu estava
fazendo era realmente certo.
O ano passado não foi o meu melhor ano, e quem me
acompanhou durante ele, sabe bem sobre o que eu quero dizer,
então, eu estar aqui hoje, escrevendo essa nota é dádiva. E se você
está lendo esse livro por pdf, epub, ou o caralho à quatro, você é só
mais um pau no cu, querendo colocar no cu de uma mãe solteira
que tem uma filha para sustentar.
Mas, se você está lendo através da forma legal, todo o
restante dessa nota foi feita para você, e será uma honra poder te
apresentar ao universo que me deixou obcecada durante os meses
em que trabalhei nele.
Escrever Charlotte e Alexander foi uma aventura incrível – e
poderia arriscar dizer que a melhor que tive em anos –, tudo
começou no dia 11 de novembro de 2023, exatamente às
16h56m36s, sim, eu acessei as propriedades do documento para
saber como eles surgiram.
Ao contrário dos meus outros livros, Jogo Com Benefícios não
teve roteiro no início, foi apenas para descontrair porque a autora
aqui havia ido correr e caiu de cara no chão após olhar para a bunda
de crossfiteiro qualquer – vocês entenderam em breve... –, e pensei:
“hum... seria uma boa cena para um livro”, mas não era qualquer
livro que eu tinha em mente.
A primeira frase surgiu, em seguida o próximo parágrafo e eu
não consegui mais parar até “eu te amo”, ser finalmente dito. Eu sou
apenas uma romântica incurável, e minhas expectativas são altas
demais, talvez isso explique o porquê se eu ser solteira... mas não é
sobre isso que eu quero continuar falando!
Em JCB vocês irão encontrar dois filhos, de duas melhores
amigas, eles viveram a vida inteira um ao lado do outro, e nunca
conseguiram suportar um ao outro, literalmente, desde o
nascimento.
Com Charlotte vocês irão aprender que por mais que às vezes
ela pense que não é digna do amor, carinho ou afeto, e
principalmente de sentir ele, ela é sim capaz, e nada do que
aconteceu na sua história a tornou menos merecedora disso. Já com
Alexander, ele vai mostrar aos poucos como ciúmes e obsessão, às
vezes, pode sim ser saudável, e principalmente que ele saberá
reconhecer na hora certa, seus erros e acertos.
Como vocês bem sabem, eu gosto de escrever sentimentos
reais, medos reais, felicidades genuínas e amores que podem
parecer impossíveis, mas são os mais belos de todos. Então por mais
que eles sejam infantis no início, isso é consequência de ser
humano, nenhum de nós somos perfeitos, então isso significa, que
eles também não.
Desejo que você tenha uma boa leitura, e assim como eu, a
partir do momento que começar esse livro, não consiga parar de ler,
e ainda acabe se perguntando o que vai ser da sua vida quando
virar a última página e perceber que realmente chegou ao fim. Pois
é exatamente assim que eu me sinto.
Você aceita jogar comigo?
Apesar de ser uma comédia romântica, esse livro aborda
temas sensíveis como: afefobia, claustrofobia, cenas e pânico e
ansiedade, abandono parental, agressão física, exposição de fotos
íntimas vazadas, importunação sexual, uso explícito e extremo de
bebidas alcoólicas, cenas de sexo descritivas, asfixia durante o ato
sexual e palavras de baixo calão.
Nesse livro você também encontra temas sensíveis como IST
(Infecção Sexualmente Transmissível), e apesar de nenhum
personagem ter realmente qualquer IST, o assunto ainda é
abordado, mas não com recorrência, porém, contudo, todavia, os
personagens desse livro fazem sexo desprotegido em algum
momento, é válido lembrar que ambos são atletas de níveis
profissionais, e com isso, eles são obrigados a fazerem testes
recorrentemente, mas isso não significa que seja certo, ou legal
fazer nhenheco sem camisinha.
Além de evitar doenças e infecções, também evita o famoso
nove meses, afinal, leite e fralda estão um absurdo! Portanto, se
cuidem, e se previnam.
Em caso de qualquer um dos assuntos citados no primeiro
parágrafo desse aviso te gera gatilho, a autora da obra não
recomenda a leitura da mesma, e se, mesmo assim você optar pela
leitura, e em algum momento sinta qualquer reação aos gatilhos,
pare imediatamente, preserve sempre a sua saúde mental.
Ainda é válido lembrar que essa é uma obra fictícia, apesar de
existirem lugares reais, os personagens e a história, é inteiramente
ficção, toda e qualquer semelhança com a realidade, é mera
coincidência.
Quero ainda deixar o alerta sobre a importância da educação
sexual e conhecer seus limites acima de tudo.
No mais, desejo uma boa leitura.
Para acessar a playlist oficial de Jogo com Benefícios,
escaneie o código acima, ou clique aqui.
Olá, seguidirty, é um prazer te ter aqui comigo.
O semestre já começou, portanto, o único conselho que posso te dar
a partir daqui é: pegue seu marcador e se prepare para grandes
aventuras, pois o inverno está finalmente entre nós, e sabe o que
costuma derreter o gelo? O bom e velho fogo no cool.
Como sei, que todos gostamos de uma fofoca, afinal, ela move o
mundo, e as calcinhas também, esteja pronto para conhecer o casal
que irá dominar sua mente, cruzar as pernas em público, sorrir sem
nem perceber e o pior de tudo, soltar suspiros em públicos ou chorar
dentro do trem, ônibus ou uber.
Que comecem os jogos... ou eu poderia dizer: as fofocas?
Para todas as vezes em que seu coração foi envenenado pelo ódio, e
ainda assim tudo o que ficou de lição foi o amor.
Ah, eu amo e odeio ao mesmo tempo
Você e eu bebemos o veneno da mesma videira
Ah, eu amo e odeio ao mesmo tempo
Escondendo todos os nossos pecados da luz do dia
Da luz do dia, fugindo da luz do dia
DAYLIGHT | DAVID KUSHNER
As cicatrizes do seu amor me deixam sem fôlego
Não consigo evitar pensar que
Nós poderíamos ter tido tudo
Você vai desejar nunca ter me conhecido
Rolando nas profundezas
Lágrimas cairão, rolando nas profundezas
ROLLING IN THE DEEP | ADELE

Seis meses depois...

Descobrir que o contrário do ódio não é o amor foi uma das


coisas que mais me surpreendeu.
Na verdade, chega a ser bem fácil a forma como conseguimos
passar a amar a pessoa que juramos odiar. Ao menos foi bem fácil
para mim, bastou um sorriso para que algo se acendesse em mim.
Sempre ouvi sobre a linha tênue que existe entre o amor e o
ódio, e que opostos podem sim se atrair, afinal, existe uma
semelhança ali.
Amor e ódio.
Sentimentos que andam lado a lado.
Duas faces de uma mesma moeda.
Porém, em algum momento, um desses dois sentimentos
precisa se sobressair, e após ter despencado do céu diretamente
para o inferno, a imensidão dos olhos de Charlotte quando ela me
olha passou a significar nada para mim.
Pois o oposto do ódio nunca foi o amor, o contrário do ódio é
um sinônimo dele.
O contrário do ódio é a abominação.
A fagulha de esperança se acende nos azuis esverdeados de
Charlotte, enquanto a abominação queima nos meus.
Eu a odiei por anos.
A amei por dias.
Agora eu a abomino até o último dia da minha vida.
Toda vez que você tentar esquecer quem eu sou
Estarei lá para te lembrar de novo
Você me conhece
REMINDER | THE WEEKND

Dica do dia: nunca olhar para a bunda de um jogador de


hóquei enquanto corre.
Essa dica vou fazer questão de anotá-la em um post it, ou
melhor, em vários, pois quem sabe assim eu nunca mais cometa
essa gafe. Minha mãe sempre me incentivou a correr atrás dos meus
objetivos, mas ela nunca me disse que para isso eu teria que
acordar às seis todas as manhãs para fazer corridas, enquanto corro
atrás deles.
Ou melhor dizendo... enquanto corro atrás de Zach Lewis.
Se minha mãe sonhasse que estou usando os conselhos dela
com homem, ela me pegaria pelo pescoço e me esganaria, afinal,
desde que meu pai foi embora, ela sempre me disse que homem
nenhum vale a pena se a mulher tem que lutar por ele.
Mas sei muito bem que ela me entenderia se ela visse o físico
do goleiro dos Big Green, time de Hóquei da Dartmouth. Além de
que, Zach aparentemente é um cara legal e todas as manhãs
quando passa por mim antes de virar a esquina e eu desistir da
corrida matinal, ele me solta uma piscadela.
O grande problema é que hoje, ao invés de parar minha
corrida logo após o momento em que ele me olhou e piscou para
mim, eu decidi ir em busca de uma das bundas mais desejadas de
toda Nova Inglaterra... e foi assim que cai de cara no chão.
— Decidiu se jogar no chão hoje, patinho feio? — A pergunta
vem de ninguém mais, ninguém menos que Alexander Harrison, ou
melhor dizendo, a pessoa que eu mais odeio em toda minha vida
desde que eu nasci.
Há boatos que minha primeira frase completa aos dois anos
de idade foi: vai à merda, Alexander.
— Já pensou em ir à merda hoje, Alexander? — inquiro ao
ouvir sua voz irritante.
Meus olhos reviram tanto que posso jurar enxergar meu
cérebro. Quando retorno minha visão, consigo enxergar apenas os
pés de Alex a minha frente, fazendo o que aparenta ser uma corrida
parada enquanto ele solta um riso nasalado.
— Para falar a verdade, eu pensei que meu dia seria uma
merda até vinte segundos atrás, antes de assistir você cair sobre a
merda.
Somente quando ele faz seu comentário é que finalmente
percebo que eu realmente cai sobre um tanto de cocô. Bem que eu
poderia ter notado esse grande fator fedorento antes, mas enquanto
eu raciocinava sobre minha queda, ainda pensava na bunda de Zach.
Um grunhido arranha minha garganta, em puro nojo e
descrença quando eu ponho as palmas das mãos no chão e faço
esforço para me levantar, ficando de joelhos.
— Eu não acredito nisso — digo ao ver minha blusa novinha
de corrida, que comprei apenas porque realça meus seios, toda suja
de cocô de cachorro.
— Eu te ajudo, vem. — O atacante oferece a mão.
Olho para cima, encarando-o desconfiada, a luz do sol ilumina
suas costas, portanto não consigo enxergar bem seu rosto, a não ser
pela silhueta dos cabelos ondulados contra a luz. É normal que eu
desconfie dele, afinal, Alexander nunca foi o tipo de cara que
oferece ajuda, ainda mais quando quem irá receber sou eu.
Como eu não estou em uma situação muito boa comigo
mesma no momento, acabo aceitando a sua mão, porém – como
sempre –, meus instintos racionais estavam certos e eles deixam
isso claro para mim quando ao pegar minha mão, o maldito Harrison
a solta e eu caio de bunda no chão outra vez.
Ele ri.
O som rouco da sua risada me enfurece, ao ponto de que eu
posso jurar que há fumaça saindo pelos meus ouvidos.
A raiva é a motivação que preciso para ficar de pé sozinha.
— Muito obrigada pela ajuda, querido — anuncio em uma
falsa simpatia ao abraçá-lo.
A raiva é tanta que mal consigo raciocinar quando nossos
corpos se encontram, e mesmo sentindo meu coração acelerar
enquanto o abraço e o suor gélido começam a alfinetar minha pele,
eu não posso largá-lo agora.
Me concentro principalmente no jogo, deixando meu medo
um pouco de lado.
— Você não fez isso, Charlotte. — O riso de Alexander vai
embora, sendo tomado pela indignação enquanto meus braços se
fecham em volta da sua cintura.
Com a cabeça apoiada em seu peito, lembro:
— Esse é o nosso primeiro abraço em anos, a última vez que
isso aconteceu nós tínhamos o que? Onze anos?! — pergunto
retoricamente ao fingir simpatia.
Alex põe as mãos em meus ombros em uma tentativa de me
empurrar para se desvencilhar do meu agarre, entretanto, sem
sucesso.
— Acho que sim — continuo, finalmente o soltando a fim de
encará-lo e meu coração parece voltar as batidas normais quando
isso acontece. — Era aniversário de casamento dos seus pais e você,
como o filho perfeito que sempre foi, quis tentar agradar sua mãe
naquele dia, já que ela e minha mãe estavam na tentativa mil e um
de tornar-nos inseparáveis, assim como elas. Você lembra? — Pisco
três vezes, como se eu fosse realmente um anjo.
— Como me esquecer do dia em que você arruinou a festa de
aniversário dos meus pais? — praticamente rosna, analisando o
estrago que acabo de deixar em seu abdômen.
Ninguém mandou se achar tanto ao ponto de correr sem
camisa pelas redondezas do campus. Sou obrigada a levantar os
ombros e descê-los logo em seguida, tanto pelos meus pensamentos
como pela lembrança de Alex.
— Não fui eu que caí em cima da mesa do bolo. — Sorrio.
— Mas foi você quem me empurrou. — Finalmente encontro
os olhos castanhos afiados.
— Aquilo foi para você aprender a nunca tocar em mim, e
isso — aponto para sua barriga, agora suja de merda de cachorro
—, é apenas um lembrete daquele dia.
Alexander estufa o peito, enchendo-o de ar e eu dou dois
passos para trás, ainda sorrindo, e ele dá um para frente, contudo o
dele equivale a dois meus quando ele fica frente a frente comigo.
Nossos olhares se encontram quando ergo o queixo, posso
sentir a respiração quente dele contra minha pele, ele com raiva de
mim e eu com ódio dele.
— Não sei se você lembra bem, querida Charlotte. — O hálito
quente que mistura menta e café é assoprado enquanto ele
sussurra. — Mas no dia seguinte, quando você abriu seu armário, foi
o bolo que caiu por cima de você.
De canto de olho consigo enxergar o movimento que
Alexander faz com a mão, e antes mesmo que ele consiga tocar os
fios soltos da minha franja, a fim de colocá-los para trás da minha
orelha, ou sei lá o que, eu consigo ser mais rápida e o segurar pelo
pulso.
— Não ouse — digo entredentes.
Ele sorri.
Um sorriso que tenho certeza que ele usa para levar garotas
para a cama, mas para mim esse é apenas um sorriso que poderia
ser comum, como nenhum outro, se tirasse os caninos afiados.
— Você realmente tem medo que eu a toque, hum? — ele
ameaça novamente, trazendo seu rosto mais próximo ao meu.
Pisco duas vezes, tentando me concentrar que essa é apenas
uma provocação de Alexander, como já aconteceu antes inúmeras
vezes, portanto foco apenas em seus olhos.
— Medo e nojo são coisas bastantes divergentes.
O castanho dos olhos dele começa a ser tomado pelo preto
das pupilas.
— E a quem você quer enganar com isso? — sussurra. —
Aposto que se eu deixar meu rosto encostadinho no seu você vai se
arrepiar inteira.
Olho para baixo ligeiramente apenas para conferir sua
aproximação, e tudo o que separa nossos rostos é a distância de
meio centímetro.
— Faça-me um favor, Harrison. — Sorrio com escárnio. — E
para de acreditar nas fanfics que sua cabecinha oca inventa. O único
arrepio que você é capaz de me causar é o de repugnância.
— Veja só que coincidência, você me causa o mesmo, patinho
feio — ele diz, finalmente se afastando de mim.
Eu odeio esse apelido que ele me deu, e tudo de certa forma
é culpa da minha mãe. No jardim de infância, teve um dia que as
crianças deviam ir fantasiadas com a roupa da sua história para
dormir favorita, e a minha era a do patinho feio. Quando eu cheguei
na escola, o primeiro a rir de mim foi o Alexander.
Maldito dia em que minha mãe me apresentou essa história,
então sim, a culpa é dela, por que que culpa posso ter se eu era
uma criança sentimental e me emocionei com o patinho feio?
— Se te causo repugnância, você deveria me dizer porque
sempre faz questão de estar tão próximo de mim.
Cruzo os braços sobre o peito e vejo os olhos de Alex
descerem, eu também olho para baixo e acabo encontrando meus
seios estufados.
O alvo nunca foi o cara que mais odeio, mas fico feliz de toda
forma ao ver que fiquei bem mais avantajada com a blusa, por mais
que ela esteja coberta de merda.
— Ei — o chamo. — Isso aqui não é para você. — Respiro
fundo, fazendo com que eles subam ainda mais.
— Estava apenas conferindo se não tinha entrado um pouco
de merda aí — ele tenta desconversar, mesmo que ambos saibamos
o motivo que o levou a fitar meus seios.
— Você sabe muito bem que não tem o direito de me tocar,
dirá me olhar.
— Quem foi que estabeleceu essa lei mesmo?
— Eu. — Ergo a sobrancelha.
— Ou seja... ninguém. — Mostro o dedo do meio e Alex
estala a língua duas vezes no céu da boca. — Sempre tão baixa,
muda nunca Charlie.
Sou pega de surpresa quando ele pega o meu dedo.
— Me solta — rosno.
— Só se você pedir desculpas.
— Por que eu te pediria desculpas? Por você ser um imbecil?
— Tento retirar seus dedos do entorno do meu com a outra mão.
— Agora você me deve dois pedidos de desculpas. Um por
me sujar de merda e outro por me chamar de imbecil.
— Vai sonhando, Alex.
— Own. — Ele tenta fazer uma voz fofa. — Você me chamou
de Alex, patinho feio. — Ele aproveita que estou ocupada tentando
me soltar dele e pega os fios da minha franja, fazendo um cachinho
com a mecha. — Mas lembre-se que não somos próximos para você
me chamar assim.
— Tira suas mãos de mim — vocifero.
— Pede desculpas primeiro.
— Você sabe que isso nunca vai acontecer.
— Então vamos ficar o dia inteiro aqui. — Ele dá mais uma
volta na minha franja e eu o fito, ódio emanando por todas as
células da minha pele.
— Ou você me solta, ou você vai pagar caro por isso — aviso
em tom de ameaça.
— E como eu vou pagar caro por isso?
— Assim... — anuncio no mesmo instante em que meu joelho
acaba encontrando o meio das suas pernas.
— Eu vou matar você, Cameron. — Alex se curva ao sentir a
dor em seus órgãos genitais.
— Ops, foi mal — digo em uma falsa inocência, cobrindo
minha boca. — Você está bem, querido?
— Sai de perto de mim, Charlotte — pede em meio aos
gemidos de dor.
Coloco a mão em seu ombro e me curvo minimamente
apenas para sussurrar em seu ouvido:
— Por falta de aviso não foi.
Alexander sobe a cabeça para me encarar, o cabelo ondulado
curto se movimentando junto. Sorrio satisfeita, pois ele finalmente
me olha do jeitinho que eu gosto: com ódio.
Nossas mães são amigas inseparáveis desde a infância, foram
para a faculdade juntas e até mesmo a virgindade perderam na
mesma noite. Tudo o que elas tiveram oportunidade de fazer juntas,
elas fizeram.
Durante um mochilão na Europa após a faculdade,
conheceram nossos pais e os fizeram se mudar para Greenwich, em
Connecticut. Poucos meses depois, noivaram na mesma noite e a
cerimônia de casamento aconteceu em uma pequena diferença de
duas semanas, já que uma seria a madrinha da outra.
E o mais inacreditável de tudo é que elas engravidaram na
mesma noite.
Segundo elas, tudo aconteceu porque os ciclos delas são
iguais e após um show em que os quatro haviam ido, “alcooltenceu”,
e as duas engravidaram na mesma noite devido a desproteção e
animação com seus maridos. Alexander e eu nascemos praticamente
no mesmo dia também.
Com a pequena diferença que ele nasceu às onze e cinquenta
da noite de vinte e cinco de janeiro, e eu vim vinte minutos depois,
à meia noite e dez do dia vinte e seis de janeiro.
Ainda durante os nossos primeiros meses de vida, nós dois já
nos odiávamos.
Se olhar diretamente as fotos que temos quando bebês, há
sempre um chorando e outro sorrindo. Elas tentaram nos tornar
inseparáveis, assim como elas, mas nunca deu certo e nunca dará
quando todos os sentimentos que nutrimos um pelo outro são os
piores possíveis.
Algumas garotas da Kappa Alpha aparecem na varanda da
casa, elas parecem estar prontas para o spinning matinal delas, que
ao invés de mim, não fazem isso porque precisam de uma piscadela
do goleiro do time hóquei.
— Aquele é o Harrison? — uma loira pergunta à outra loira
que tem a tintura mais platinada.
— O próprio — a terceira garota de tranças nos cabelos e
pele negra aparece na varanda, confirmando a identidade dele. — E
parece estar acompanhado da Cameron.
Dou um tchauzinho ao ouvir meu nome ser mencionado por
Shantal, que na realidade é a minha melhor amiga desde a infância
e também vizinha de quarto na fraternidade. Ela retribui o
cumprimento, ao contrário das duas loiras, Anna e Dakota, ambas
também minhas amigas, que transformam a linha fina de seus lábios
em sorrisos cheios de dentes brancos.
— Oi, Harrison — as duas dizem em uníssono quase
cantando.
Sou obrigada a revirar meus olhos. Elas têm uma espécie de
aposta entre elas para saber qual das duas pegam ele primeiro, visto
que ele é o único dos garotos do hóquei que nenhuma nunca deu
sequer um selinho.
Eu as adoro, mas pensa que nojeira competir para ficar com o
Alexander.
— Oi. — A voz dele sai rouca, acompanhada de um gemido
de dor.
— Está tudo bem aí? — Shantal questiona, já descendo as
escadas da varanda.
Levanto o polegar, fazendo um sinal que sim e movendo a
cabeça.
— Tudo dentro do normal.
— Só mais um dia típico entre vocês, hein? — Dakota, que
possui o cabelo platinado, pergunta em tom de deboche ao seguir
Shantal e descer as escadas.
Alexander e eu, apesar de estarmos no nosso segundo ano
em Dartmouth, já somos bastante conhecidos em todo o campus.
Ele por ser o atacante central do time de hóquei e eu por fazer parte
do time de patinação artística.
Nós dois juntos somos conhecidos por nossos embates, no
entanto.
— Dia típico para mim vai ser o dia em que eu não precisar
mais ter que ver o rosto do Alex — digo em meio a um sorriso.
— Você não é íntima — ele geme enquanto fala, mas
finalmente consegue ficar um pouco mais ereto.
— E você não deveria ter encostado em mim.
— Charlotte... — Harrison rosna.
— Alexander... — o imito, e isso faz com que seu rosto inteiro
fique vermelho de raiva.
— Eu simplesmente não entendo como vocês dois não can...
— Anna observa, contudo ela para de falar ao ver nossas barrigas.
— Isso é... cocô? — Ela coça a garganta antes de fazer uma cara de
nojo.
Sorrio sem jeito.
— A que nível vocês chegaram para estarem cobertos de
merda? — Shantal pergunta ao fazer cara de nojo também.
— Quem está coberto de merda? — Uma quinta voz se impõe
atrás de Alexander.
Eu o ouvi poucas vezes no período de quase dois anos, mas
essas poucas vezes foram o suficiente para que a voz grave
penetrasse na minha mente e eu nunca mais esquecesse.
Eu não acredito que o Zach está aqui. Não assim, não agora.
Praticamente grito em minha mente, enquanto um grito fino se
alastra na minha garganta quando o goleiro de um metro e noventa
de altura, pele alva e cabelos ruivos, com a bunda mais perfeita do
universo, se põe ao lado de Alexander.
— Essa não — grito.
— Puta que pariu! — Zach exclama ao cobrir o nariz com
camiseta regata e ver que Alex e eu estamos sujos de merda. — O
que aconteceu aqui? — inquire um tanto quanto enojado.
Alexander alterna seu olhar entre Zach e eu três vezes, na
última ele me fita e no momento em que suas mãos encontram seu
quadril e ele endireita totalmente a sua postura, esquecendo do
chute que dei entre suas pernas, Alexander sorri.
Esse sorriso me causa um arrepio, que vai desde o centro da
minha nuca e desce por toda extensão na minha coluna. Sei que ele
está prestes a se vingar de mim, não sei bem o que ele irá usar a
seu favor nesse momento, mas o sorriso malicioso de Alexander me
deixa em alerta.
Arregalo os olhos e franzo o cenho, movimentando a cabeça
em um grande não.
Ele maneia a cabeça para o lado, parecendo pensar no meu
pedido.
Faço um sinal de negativa novamente, prendendo o ar em
meus pulmões, que só retornam, fazendo com que eu respire de
alívio quando o sorriso de Alex vai embora e eu acabo liberando uma
grande lufada de ar.
— Charlotte decidiu que seria legal cair na merda do cachorro
enquanto olhava para sua bunda. — Meus olhos saltam no instante
em que as palavras abandonam a boca de Alexander.
Eu vou matar esse cretino, juro que vou.
Zach ri e parecendo sem jeito, ele abaixa a cabeça e coça a
nuca, ainda cobrindo o nariz com a camiseta devido o fedor que
emana entre mim e seu companheiro de time. Sinto todo meu rosto
esquentar, metade devido ao ódio que sinto por Alexander, e a outra
metade completamente constrangida pela vergonha que ele acaba
de me fazer passar na frente de Zach.
Se eu pensei que durante todo esse mês que venho correndo
por cinco minutos todas as manhãs para apenas receber uma
piscadela de Zach estava valendo a pena e ele poderia pedir meu
número, desisto da ideia no mesmo instante devido às palavras de
Alexander.
Uma fagulha de tristeza me atravessa momentaneamente,
pois toda a consternação acaba quando Zach levanta a cabeça,
descobre o nariz, sorri, me olha e diz:
— Tudo bem, por que você não me passa seu número então?
— Ele tira o celular do bolso dos shorts de corrida e me entrega.
E eu não sei o porquê
Eu estou viciado
Algo como viciado
Me deixou alterado
CONFIDENT | JUSTIN BIEBER

— O quê?
— O quê?
Zach surpreende Charlotte e eu ao pedir o número dela. Se
eu disse o que disse, obviamente foi para deixa-la constrangida e me
vingar por ela ter transferido toda a merda de cachorro para mim.
— Você está falando sério? — pergunto a meu parceiro de
time.
Zach anui e as três garotas da fraternidade que ainda
observam a cena do gramado, soltam um gemidinho.
Olho para Charlotte e um sorriso brilhante toma conta da sua
boca enquanto as bochechas avantajadas estão vermelhas, os olhos
azuis se iluminam quando ela coça a garganta digita o número dela
no celular de Zach.
O trio de garotas riem enquanto me olham, fúria esvaindo por
toda a minha pele.
— Vocês três não cansam de ser fofoqueiras? — resmungo
olhando para elas.
Elas riem ainda mais, contudo cobrem os sorrisos com as
mãos.
— Aqui está. — Charlotte entrega o celular a Zach, que
confere o número.
— Tudo bem, então, eu te ligo — ele diz, guardando o
aparelho no bolso.
— Para falar a verdade, eu tomei a liberdade de dar um toque
para meu número — ela assume e dessa vez as bochechas de Zach
que ficam vermelhas.
— Atrevida — murmuro baixinho, para que ninguém escute.
— Falou algo, Harrison? — Zach me pergunta e eu nego com
a cabeça. — Tudo bem, então, eu vou indo, você não vem?
— Vou me limpar primeiro. — Aponto para meu abdômen e
ele concorda antes de soltar uma risadinha.
As três colegas de fraternidade de Charlotte disparam no riso
no momento em que Zach vira a esquina.
Solto uma bufada de ar.
Eu as odeio, eu odeio muito elas, só não as odeio tanto
quanto odeio Charlotte, que caminha saltitante para dentro da cerca
branca.
— A merda é de cachorro, mas parece que quem está com
constipação é você, Harrison — Shantal observa em meio ao riso.
Ela só podia ser a melhor amiga de Charlotte para ter as
mesmas piadinhas que ela.
— Posso me limpar, garotas? — peço em uma falsa simpatia,
apontando para a mangueira de água na grama logo atrás delas.
As três anuem e eu caminho em passos duros em direção ao
jardim da Kappa Alpha, contudo quando chego de frente a cerca
branca, a portinha é fechada por Charlotte.
— Um litro de água equivale a um dólar. — Pisca duas vezes,
como se fosse um anjo.
Dou um passo para o lado e me apoio na cerca, pulando-a.
— E cada palavra que eu sou obrigado a ouvir quando sai da
sua boca é um segundo a menos de vida que tenho. — Pego a
mangueira e aciono a alavanca para sair água. — Portanto considere
pago.
Assisto Charlotte revirar os olhos azuis antes de me
concentrar em meu abdômen e passar a mão por ele, limpando a
merda restante. As duas loiras, Anna e Dakota, suspiram, levanto os
olhos minimamente e as assisto sob os cílios, morderem o lábio
inferior ao mesmo tempo.
Uma risada rouca escapa da garganta e volto a me concentrar
na minha barriga.
Quando termino de me limpar, tendo tomado praticamente
um banho após ter molhado a minha calça e tênis de corrida
enquanto me limpava, agradeço as garotas que saem antes de mim
quando Charlotte abre a portinha da cerca para elas.
Ao chegar a minha vez, que estou logo atrás das três, Charlie
fecha a portinha e me fita:
— Antes de você ir embora gostaria apenas de te informar
que o inverno está chegando. — Ela abre o portão.
Estreito os olhos e franzo o cenho, a fitando sem entender o
que ela acabou de falar.
— Game Of Thrones já acabou — informo ao passar por ela.
— Quis dizer que o nosso trato acabou, Harrison.
Charlotte dá as costas para mim e começa a caminhar rumo à
entrada da fraternidade.
— O que você quer dizer com isso? — pergunto preocupado,
pois sei bem que quando Charlotte quer aprontar alguma comigo,
ela apenas me lança um sorriso debochada ou dá as costas.
Ou pior de tudo, me olha com escárnio, pende os ombros e
depois os desce, antes de acenar com a mão.
Mas dessa vez, Charlie vai um pouco mais longe ao se virar
quando chega na escadinha de quatro degraus, afiar os olhos em
minha direção e dizer da forma mais angelical possível:
— Uma rajada de vento pode ser congelante para quem está
acostumado com o calor.
Um arrepio súbito percorre por toda a minha coluna, minha
boca seca e meus olhos se fecham com força quando sinto uma
fraqueza momentânea devido as palavras dela, porém endireito
minha postura e assisto ela dar as costas mais uma vez e adentrar a
mansão.
Mais algumas garotas saem e acenam para mim, contudo,
faço o mesmo que Charlotte e me viro, não dando a mínima atenção
para elas.
Pois se Charlotte acaba de quebrar o nosso único acordo,
significa que os jogos irão começar e nenhum de nós dois sairá ileso
deles.

— Você está fedendo, cara — é a primeira coisa que Evan diz


no instante em que eu entro na república. Ele funga duas vezes. —
Parece até mesmo merda de cachorro.
Não respondo nada, apenas caminho para dentro da casa,
indo em direção a cozinha e ao passar por ele, mostro o dedo do
meio.
Ao que parece, meu melhor amigo não entende que não
estou de bom humor para conversas ou piadinhas, ele apenas me
segue até a cozinha. Quando eu abro a porta da geladeira a fim de
tirar lá de dentro a caixa de suco de laranja, Evan se encosta na
porta do lado de fora, os olhos castanhos e alongados brilhando em
divertimento e pele amarela clara sendo iluminada pela luz da
geladeira.
— Falando sério, pisou em merda de cachorro hoje?
Pisco os olhos com força ao pegar o suco e solto um longo
suspiro, a porta da geladeira bate em um que baque quando eu a
pego com força e a fecho, fazendo com que Evan Parker, também
atacante do time de Hockey da Dartmouth, quase caia no chão.
Isso é o suficiente para que eu consiga o responder.
— Vai me dizer que Anna e Dakota já não espalharam por
toda internet o acontecimento de hoje de manhã? — questiono ao
pegar um copo no armário antes de me servir de suco.
— Digamos que as duas tenham a boca um pouco maior que
a host da Dirtymouth[1].
— Ou o host — aponto. — Nunca saberemos quem realmente
está por trás daquele site idiota.
Dirtymouth é um aplicativo que circula apenas nas
proximidades do campus, apontando todas as fofocas ao longo da
semana que acontece com os estudantes em um episódio semanal.
Às vezes eles, ou ele, ou ela – realmente ninguém sabe quem está
por trás, visto que até mesmo a voz é distorcida –, faz uma
publicação no aplicativo como manchete, e apenas um áudio quando
aparece alguma fofoca que exija urgência. E rapidamente, todos
recebem a notificação.
Embora eu odeie o aplicativo por quase sempre ser pauta
juntamente a Charlotte, tanto nas manchetes, como no podcast,
assumo que quem teve a ideia dele foi bastante inteligente no jogo
de palavras, uma vez que a faculdade se chama Dartmouth, e o
aplicativo de fofoca Dirtymouth, o que já existe há cerca de um ano.
— Não acho que seja o — Evan rebate. — Algo me diz que as
loiras estão por trás disso.
Discordo dele ao negar.
— Anna e Dakota são fofoqueiras natas, elas não se
esconderiam por trás de um aplicativo idiota — digo antes de tomar
um pouco do suco. — Zach já chegou?
Evan afirma com a cabeça.
— Por quê? — ele pergunta preocupado, possivelmente
notando que minha cara se fechou no mesmo instante em que
recebi a resposta.
— Por acaso eu tenho cara de idiota? — pergunto ao meu
amigo.
— Quer que eu seja sincero?! — devolve ao franzir o cenho.
— Por que caralhos qualquer um de vocês sairiam com a
Charlotte sabendo que eu não a suporto? — ignoro totalmente a
possível resposta do meu amigo e o questiono mais uma vez.
— A Charlie é gata — declara ao dar de ombros.
— Ela é normal — o corto.
— Queria ter alguém normal como ela na minha ca... — ele
pausa hesitante quando o fulmino com os olhos.
— Na sua o quê? — questiono, largando o copo com metade
do suco na bancada da cozinha.
Parker coça a garganta, dando um passo para trás. Ele
balança a cabeça em negativa.
— Você não vai matar seu melhor amigo, vai? — ele me
pergunta apreensivo.
— Por que eu faria isso? — Dou um passo na direção.
— Se olhar matasse, com certeza você estaria me matando
agora — ele diz quando eu chego próximo dele o suficiente.
Minha mão encontra seu ombro e o pego, massageando a
articulação do meu amigo, sentindo-o tenso.
— Eu não vou te matar porque você deixou apenas a
entender que a queria na sua cama, mas a porra do Zach pediu a
merda do número da Charlotte — explico.
— E no que isso afeta Alexander Harrison? — Pelo tom de voz
de Evan, ele está fazendo chacota com a situação, e isso me faz
estreitar os olhos para ele mais uma vez.
— Aí é que está a grande questão: não me afeta em nada. —
Sorrio, soltando o ombro dele.
— Mas... — Franze o cenho.
— Mas eu não estou a fim de ter que ver Charlotte entrando e
saindo da minha república, enquanto sai com o meu colega de time,
que deveria respeitar a porra do limite quando se fala de Charlotte
Maldita Cameron — rosno o nome dela no final.
— Ele só pegou o número dela, cara, não significa que eles
vão namorar, casar e ter filhos.
Rio de escárnio.
— Ah, isso eles não vão mesmo — afirmo.
Meu companheiro de time me olha desconfiado quando um
sorriso sobe pelos cantos da minha boca e com determinação, eu
saio da cozinha e volto para a sala apenas para subir as escadas.
Evan e eu moramos em uma república e com Zach, Bellamy, o
capitão do time, e James, que joga na linha de defesa do Big Green,
somos cinco no total. Apesar da faculdade oferecer bons dormitórios
juntamente a bolsa de estudos, achamos melhor ficarmos em uma
casa, visando melhor o nosso descanso e também privacidade.
Além de que, a maldita Dirtymouth não tem livre acesso
dentro da nossa casa, portanto, nada do que já aconteceu aqui
dentro já chegou a ser pauta nos episódios. O que aconteceu da
porta para fora já, entretanto.
Charlotte é outra que nunca teve acesso a república, e é
pensando justamente nisso que eu decido jogar sujo com ela.
É um pouco pesado o que tenho em mente? Sim.
Ela merece? Talvez.
O coitado do Zach merece?
Nessa última questão, apesar de ele não ter raciocinado nem
um pouco ao pedir o número dela, ele merece sim.
Vai ser infantil da minha parte? Com certeza.
Contudo, o meu único e exclusivo objetivo é manter Charlotte
Cameron longe de mim, basta os dezoito anos em que vivemos um
ao lado do outro. No instante em que recebi a carta de aprovação na
Dartmouth, eu sonhei que nunca mais a veria, mas esse sonho
acabou em menos de cinco segundos, quando Alice, minha
madrinha e mãe dela, ligou para a minha e contou sobre a
aprovação e bolsa da filha na mesma faculdade que eu.
Não bastando isso, a cretina ainda fez questão de escolher a
mesma grade curricular que eu ao se matricular em Psicologia.
As duas únicas coisas que devo assumir que nós dois temos
em comum é o amor pelo gelo, e o ódio mútuo que sentimentos um
pelo outro. Fora isso, tudo é uma questão sobre como ela parece me
perseguir, e sobre como eu odeio o fato dela sempre estar por perto
e respirar o meu ar que eu.
E isso às vezes chega a me sufocar, bem mais do que ficar
dentro de um elevador, e olha que isso me assusta para um caralho.
— Você não vai matar o Zach por dar o número dele a
Charlie, vai? — Evan pergunta ao me seguir enquanto subo as
escadas.
— Jamais mataria alguém por conta da Charlotte. — A não
ser ela mesma, penso. — Vou apenas dar umas dicas de como
conquistá-la.
Apesar de Evan não conseguir ver, eu finjo um sorriso, me
preparando para encontrar o goleiro, que nem mesmo preciso de
tanto esforço quando no instante em que chego no andar de cima
ele sai do banheiro, com uma toalha branca em seus quadris.
— Achei quem eu tanto procurava — anuncio.
Um vinco se forma entre as sobrancelhas ruivas de Zach
quando ele me olha desconfiado.
— Aconteceu algo? — pergunta e eu nego com a cabeça. — E
por que você está sorrindo estranho? — Apesar de parecer bobo,
Zach fica em alerta.
Portanto, endireito minha postura, tornando-a mais leve.
— Então você está a fim da Charlotte, hein? — pergunto ao
encostar meu ombro na soleira da porta do banheiro.
— Tem algum problema nisso?
Fora o fato que eu a odeio, nenhum. Engulo em seco a
resposta.
— Para falar a verdade, não — Coço a garganta. — Apenas
pensei em te dar algumas dicas sobre como conquistá-la de forma
rápida, afinal, ela é quase uma irmã para mim, nos conhecemos
desde a barriga de nossas mães.
Zach de repente sorri, parecendo estar genuinamente
animado.
— Sério cara? — ele pergunta surpreso. — Sempre notei ela,
mas nunca dei mole por conta do histórico de vocês dois — explica.
— Mas quando você me disse que ela estava olhando para minha
bunda, eu entendi que você não seria contra caso algo acontecesse.
Solto o ar pelo nariz, mordendo a parte interna da minha
boca antes de lhe oferecer um sorriso fingido. Tento ao máximo
controlar a minha vontade de pegar essa cabeça ruiva e não tacar
ela contra a parede de tanta raiva que sinto de Zach no momento.
Levanto a mão para coçar a têmpora do lado esquerdo e de
canto de olho noto que Evan parece se preparar para me segurar.
Ele me conhece bem ao ponto de saber que quando eu faço esse
gesto no gelo, é porque uma briga vai acontecer, mas acontece que
não estamos em um rinque agora, então eu não vou brigar com
ninguém.
Eu não vou esmagar a cabeça do Zach por ele ser tão
inteligente.
Simplesmente não vou.
Coço a garganta outra vez, pois o suco que tomei não
adiantou de tanta coisa quando ela insiste em ficar tão seca.
— Ainda bem que você percebeu isso, irmão — digo em uma
falsa simpatia e a porra do Zach sorri. — Então, por que você não
veste uma roupa e depois eu te dou umas dicas de como conquistá-
la? — sugiro.
O cara, que é apenas dois centímetros maior do que eu, anui
rapidamente ao concordar, o filho da mãe parece realmente feliz por
ter o número da Charlotte. Quem diabos ficaria feliz por isso? Ela é
desprezível.
Sinto meu rosto inteiro se contrair em uma careta quando ele
dá as costas.
— Eu não sei o que você está aprontando, Harrison — Evan
comenta. — E nem quero saber.
Em partes concordo com meu amigo, pois em breve nem
mesmo eu quero saber o que eu estou prestes a fazer, pois se
Charlotte descobrir, ela vai fazer desse campus inteiro um inferno, e
eu não estou nem um pouco a fim de apagar o fogo.
Contos de um coração eterno
Amaldiçoado é o tolo que se dispõe
Não podemos mudar nosso jeito
Estamos a um beijo de distância de nos matarmos
RIVER | BISHOP BRIGSS

Solto uma lufada de ar antes de afundar meu rosto no livro


de Psicologia Experimental, o que parece ser uma das melhores
cadeiras do curso, mas quando você não se dá bem com cálculos,
gráficos, tabelas e afins, é melhor descartar a matéria.
Contudo, eu pensei: por que não?
Aqui está sua resposta Charlotte: porque você é tão ruim na
matéria que teve que lidar com todas suas colegas de quarto indo
para uma festa na república do time de futebol americano após uma
vitória, enquanto você fica forçando a porcaria do assunto entrar na
sua cabeça.
Deixo minha crise existencial para lá e viro o rosto para o
lado, apenas para pegar meu celular que vibra ao receber uma
mensagem.

Shantal:
Vc não sabe
Qm
Acabou
De
Perguntar
Por vc

Ela é minha melhor amiga desde que eu tenho dois anos de


idade, e há dez anos – quando ganhamos nossos primeiros celulares
–, eu tenho que aguentar uma pessoa que não sabe escrever a
mensagem de uma vez só.
Shantal precisa fazer essas pausas apenas porque ela é uma
pessoa dramática, o que é de se esperar visto que ela cursa Cinema.

Charlie:
Q
U
E
M
?

Decido devolver na mesma moeda, mas meus lábios tremem


quando vejo que minha amiga se animou demais quando devolve a
mensagem no mesmo tom, falando letra por letra.
Shantal:
Z
A
C
H
BUNDA FODIDAMENTE LINDA
L
E
W
I
S
Charlie:
Nem fodendo!
Shantal:
Aham
Aham
Ele ficou triste
Quando eu disse
Que vc
Não vinha

Ela poderia escrever tudo em uma mensagem, cretina.

Charlie:
Ele tem meu número há quatro dias e não me mandou uma mensagem
durante todo esse tempo, e agora quer saber de mim durante uma festa?
Shantal:
Dá um tempo
Pra ele
Um dia depois
Ele teve jogo
E ainda levou
Todos os gols
De Princeton
Charlie:
Vc está do meu lado ou do dele?
Shantal:
Do seu
Sempre
Mas bem
Que vc
Poderia
Vir dar
Uns
Beijos
Nele
Ele tá gato

Beijo, tipo, beijo?


Sem nem mesmo o conhecer?
Quer dizer, eu conheço o Zach, todo o campus o conhece,
mas eu não o conheço, conheço para apenas beijar ele.

Shantal:
Quer dizer
Vc pode
Pular
O beijo
Também

Me levanto e caminho de volta até a cama, sentando-me nela


e analisando os riscos.
Não que eu não goste de beijar, já beijei três caras na minha
vida inteira e transei com quatro. Meio sem pé nem cabeça essa
minha conta, mas é que beijo para mim é algo bem mais íntimo,
algo carinhoso demais, e digamos que eu tenho “medo” – ? – de
carinho.
Cientificamente, isso se chama afefobia. Minha mãe começou
a desconfiar que eu tinha criado alguma espécie de trauma logo
após meu pai nos deixar, pois eu rejeitava os abraços dela, beijos e
até mesmo as vezes em que ela me dizia que me amava sempre que
me deixava na escola.
Mas não era uma simples rejeição, eu suava, meu coração
acelerava e eu tinha a sensação que qualquer toque que envolvesse
carinho estava me sufocando. Eu vivo em um tratamento constante
desde os nove anos quanto a minha condição, pois para mim ela
deixou de ser um medo e se tornou uma condição.
Aos dezesseis tive meu primeiro namorado, que levou cerca
de dois meses para andarmos de mãos dadas e mais três para o
primeiro beijo, pois eu tenho que ter uma espécie de confiança na
pessoa.
Quando ele disse que me amava pela primeira vez, eu não
acreditei nele, fora a crise de pânico que eu tive. Ele foi a primeira
pessoa que disse aquilo, com exceção da minha mãe e Maggie –
minha madrinha e melhor amiga dela –, depois que meu pai foi
embora.

Shantal:
*foto anexada*
Ou quem sabe
Um beer pong
?
Ela deve ter percebido minha demora para respondê-la
quando falou sobre beijar o Zach, e acaba de me provocar
mandando uma foto dele, melhor dizendo, da bunda dele, enquanto
ele arremessa uma bolinha de plástico em um copo do outro lado da
mesa.

Charlie:
A bunda dele é tão linda
*carinha chorando*
Shantal:
Sim
É mesmo

Depois do término catastrófico do meu namoro, Shantal foi


como um divisor de águas para mim, pois de alguma forma ela me
convenceu que sexo tem mais a ver com a carne do que o
sentimento em si. Ela me provou isso por a mais b, me fazendo
assistir vários vídeos pornôs.
Quando levei isso a minha psicóloga, ela concordou com
minha amiga, então isso explica que os outros caras com quem me
relacionei foi apenas algo sexual. Um deles me pegou desprevenida
ao me beijar no final da transa, enquanto outro, no ano passado, eu
fiquei por quase oito meses, então em algum momento eu confiei
nele e aconteceu.
Entretanto Daniel e eu terminamos a nossa amizade colorida
em uma boa, quando ele me contou que estava interessado em
outra e que provavelmente essa outra, poderia acreditar quando ele
dissesse que a amava. Eu só disse a ele “vai em frente”, e assim
continuamos amigos.
Desde então eu decidi, literalmente, correr atrás de Zach,
acordando todas as manhãs cedo e indo até a esquina e no
momento em que o avistasse começaria a correr até ele passar por
mim e virar na próxima esquina, até quatro dias atrás quando
finalmente ele pediu meu número.
Mas eu esperava trocar mensagens, marcar um encontro,
contar a ele sobre como me sinto quando me abraçam ou me tocam
de forma desprevenida, sobre beijos e sobre como sexo para mim se
tornou algo carnal.
Se ele topasse, bom, senão eu já teria em mente o running
back do futebol americano.
Uma bundinha e tanto também.

Shantal:
CHARLOTTE!
LEVANTA
DA CAMA
E
PARA DE PENSAR
SE VAI OU NÃO
BEIJAR ELE
SE NÃO QUISER
É SÓ NÃO BEIJAR

Shantal lê direitinho meus pensamentos enquanto eu tenho


meus dedos na boca.

Shantal:
E PARA DE
ROER A UNHA!

Faço o que ela manda, mas não sem antes girar a cabeça por
todo o quarto apenas para ter a certeza de que ela não instalou
nenhuma câmera escondida no cômodo, e está vigiando exatamente
o que estou fazendo.

Charlie:
Parei!
De pensar e roer a unha.
Shantal:
Ótimo
Agora veste
Uma roupa
E vem
Embora
Charlie:
E se ele quiser me beijar?
Shantal:
Vc vira
A cabeça
Assim
Como virou
Pro Daniel
Quando ele
Tentou
A primeira vez
Charlie:
Escreve tudo de uma vez, está me deixando ansiosa!
Shantal:
*dedo do meio*
Só vem logo
Por
Favor
E não coloca um sutiã
Charlie:
Pq não?
Shantal:
Pq assim tem mais chances de ele olhar para seus peitos e não para a boca
Charlie:
Isso vc escreve completo, né?
Shantal:
Vem
Logo!
RÁPIDO
Essa matéria também
Não vai entrar
Na sua cabeça
Da noite
Para o dia
Charlie:
Se vc parar de mandar mensagens pausada, quem sabe eu consiga me
arrumar em paz!!!!
Shantal:
Isso significa
Que você
Vem
?
Charlie:
Sim, eu vou
Mas para de mandar mensagens assim
Demorou exatos cinquenta minutos para eu conseguir me
arrumar para a festa. Maldita foi a hora em que Shantal me disse
para não usar sutiã e eu acabei concordando.
Acontece que quase todas as minhas blusas são finas ou
grossas demais, então encontrei um meio termo em uma que é
branca, mas antes tive que fazer o teste de luz para ter a certeza de
que não ficaria transparente.
E o lado bom é que o decote realçou meus peitos, que não
são grande coisa, cabem direitinho na palma da minha mão, mas
estamos falando de uma mão pequena e dedos finos, não é a
mesma mão de um goleiro de hóquei, afinal.
— Não está transparente, certo? — pergunto a minha amiga e
ela balança a cabeça ao jogar as tranças para a frente.
Mas ela está um pouco bêbada demais para que eu possa
confiar na palavra dela, que faz um joinha com a mão.
Reviro os olhos.
— Você está gostosa. — Dakota me analisa com os olhos
verdes entorpecidos.
— Os peitos estão uma delícia. — Anna morde os lábios e eu
faço uma cara de nojo.
— O que aconteceu em duas horas que vocês ficaram todas
tão bêbadas? — pergunto ao cruzar os braços sobre os peitos,
sentindo que estou exposta demais.
Shantal cobre a boca para soltar um arroto.
— Foguinho — explica. — A bebida estava soltando fogo e
nós bebemos algumas doses. Por que você não bebe também? —
sugere, então seus olhos castanhos se estreitam antes que ela me
lance uma piscadela. — Depois podemos procurar pela bundinha
redondinha de um tal ruivo.
— Ele perguntou por você três vezes — Anna informa.
— Uma vez para cada uma de nós — Dakota completa. — Ele
parece realmente interessado — ela diz sugestiva ao colocar os
lábios em um canudo rosa e tomar um gole do drink.
Sinto meu rosto esquentar e um tipo de nervosismo tomar
conta de mim, embrulhando meu estômago.
Isso sempre acontece quando sei que estou prestes a
conhecer um cara novo, porque é sempre a mesma coisa sobre
explicar os abraços, apertos de mãos, toques nos cabelos, ou seja,
qualquer gesto de carinho.
Respiro fundo e por fim decido ir em busca de algum drink
para minha ansiedade acalmar um pouco. Essas questões sempre
melhoram quando o álcool entra no meu corpo.
— Shots de foguinho primeiro, Lewis depois — decido.
Shantal se anima quando um sorriso aparece no canto da sua
boca, ela me pega pela mão e me carrega entre as pessoas até onde
o bar está localizado. Ela é uma das poucas pessoas que tem livre
arbítrio de me tocar dessa forma, contudo, quando vai me abraçar, o
que é um gesto maior, ela sempre pede antes.
Há dias, quando estou ansiosa demais, que eu não deixo,
embora na maioria deles, eu que corro para seus braços antes que
ela peça.
Isso demorou um pouco para acontecer. Na verdade, alguns
anos, e tudo foi a passos de bebês. Foi de forma paciente que eu
voltei a me sentir confortável com o toque das pessoas, incluindo
minha melhor amiga, mãe e madrinha.
Enquanto me carrega por entre as pessoas, meus olhos
encontram a pessoa que mais me provoca quando o assunto é
toque. Ele, desde que soube da minha condição, sempre encontrou
uma forma de me provocar, mas eu não fico para trás quando
devolvo na mesma moeda.
Os dedos de Alexander adentram os cabelos longos e
castanhos de Morgan, que poderia ser considerada sua ficante
oficial, se não fosse pelos vários outros caras que ela pega dentro e
fora do campus.
Dirtymouth publicou assim que Morgan chegou no campus
sobre ela ter vindo parar aqui depois de dormir com um dos
professores de Cambridge, e o pai multimilionário dela teve que dar
uns pulinhos – dinheiro – para que a filha fosse aceita em uma Ivy
League.
Se é verdade realmente, ninguém sabe, mas a fofoca morreu
rápido, pois o assunto no outro dia era sobre o término entre a
capitã da torcida e o capitão do time de lacrosse após ele a trair com
outra garota da torcida.
É praticamente impossível não fazer uma cara de nojo quando
vejo a língua de Alexander se arrastar no pescoço esguio de Morgan.
A vontade que tenho é de tirar uma foto e enviar para Maggie, mas
me contento ao virar o rosto na outra direção para não ter que ver
essa coisa nojenta.
— Um foguinho para a minha amiga, por favor — Shantal
grita para o cara que está preparando os drinks.
Quando minha amiga, um tanto quanto bêbada, levanta o
braço e ameaça me abraçar pelo pescoço, eu me agacho em um
movimento rápido para desviar do seu possível enlace.
— Desculpa — ela diz.
— Sem proble... — As palavras morrem na minha boca
quando sinto braços em volta da minha cintura, me pegando por
trás.
Apesar de todo ambiente estar bem iluminado por jogos de
luzes coloridas, minha vista escurece e meu estômago se revira.
Sinto meus pulmões doerem quando param de receber o ar e engulo
em seco.
Em uma tentativa de reação, procuro os braços que me
agarram, meus dedos os circulam para que eu possa me livrar deles,
mas parece que eu me tornei fraca e pequena. A música alta me
deixa ouvir o grito da minha amiga, mandando o bem feitor me
soltar. Ele – imagino eu, pois ouço algo parecido como uma voz
masculina atrás de mim –, parece confuso e tudo a minha volta gira.
Minhas mãos sobem até o meu peito quando eu finalmente
sou libertada do agarre, fecho meus olhos com força enquanto faço
a técnica de respiração, para que possa voltar a respirar
normalmente.
— Charlie, bebe um pouco de água. — Shantal oferece e abro
os olhos apenas para pegar a garrafa de suas mãos.
Ela já fez o favor de abrir a garrafa e eu apenas a pego, sem
tocar diretamente em Shantal, agradeço ao piscar com os olhos e
tomo dois goles. Minha amiga fica próxima o suficiente, o susto
parece deixá-la um pouco menos embriagada do que antes,
enquanto ela fica atenta em mim.
— Estou bem — digo quando sinto que minha respiração
começa a normalizar.
— Tem certeza? — Shantal inquere preocupada.
Balanço a cabeça, sinto uma mão forte tocar meu ombro e
dou um pulo, no mesmo instante o dono do toque afasta a mão,
então eu olho para o lado, reconhecendo Zach.
— O que acabou de acontecer? — ele pergunta, totalmente
atônito a situação.
Tento não parecer uma maluca quando o respondo, por isso
tomo um gole de água antes.
— Apenas tive um susto quando você chegou assim tão de
surpresa — explico, mesmo sentindo um pequeno nervoso com ele
tão perto dessa forma.
— Ah — ele murmura ao levar os dedos até os cabelos ruivos,
coçando a cabeça. — É que eu pensei que você gostava. — Ele
pausa. — Quer dizer, eu fiquei sabendo que você gostava de abraços
e coisas do tipo e quando eu te vi pensei em fazer uma surpresa.
— O que me deixaria mesmo surpresa seria se você me
mandasse uma mensagem — respondo em uma tentativa de sorriso
meigo.
— Sobre isso eu também soube que você não gosta de
mensagens, prefere gestos pessoais e íntimos.
— Soube, é?! — pergunto interessada.
Meus olhos vagueiam pelo ambiente, até que eu encontro
Alexander outra vez. Mesmo que sua boca esteja grudada na boca
da britânica, seus olhos estão afiados na minha direção, me fitando
em puro divertimento.
Óbvio que isso tem dedo dele no meio, quem mais iria dizer
Zach que eu gosto de abraços, mesmo sabendo que eu repudio isso?
Decido ignorá-lo, por enquanto, e me viro de volta para Zach.
— Seu informante está um pouco desatualizado Zach — o
informo.
Ele me olha com uma certa melancolia, os olhos parecendo
de um cachorrinho que caiu do caminhão de mudanças. E isso é
realmente fofo quando junto do rosto repleto de sardas e lábios
levemente rosados.
— Posso pegar uma bebida para você como um pedido de
desculpas?
— Só não me pega mais assim de surpresa e me manda
alguma mensagem que está tudo bem — digo por fim.
Me sentindo solidária com ele, afinal, ele não tem culpa de
não me conhecer tão bem. O culpado mesmo foi o maldito atacante
de hóquei que parece tê-lo enganado direitinho.
— Não se preocupa, vou mandar uma agora por sinal.
Ele abaixa o braço e pega o celular no bolso da calça, assisto
enquanto ele desbloqueia a tela e digita algo, em seguida sinto meu
celular vibrar dentro da bolsinha que uso e minha boca se curva em
um sorriso ao ler a mensagem.

Zach:
Então, posso te pegar uma bebida?
Charlie:
Claro que sim
*carinha piscando*

Tão logo Zach se anima e sorri. Como pode um homem ter


uma bunda tão perfeita, o corpo tão bem esculpido, mas ser tão
ingênuo assim?
Fofo.
Se eu fosse como qualquer outra garota, me apaixonaria fácil,
fácil, por ele.
— Preciso só ir ao banheiro antes, tudo bem?! — o informo e
ele anui em resposta. — Você vem? — pergunto ao me virar para
Shantal, que assistia a tudo ao nosso lado, calada.
— E ficar de vela quando voltar? — Ela toma o shot da bebida
com fogo que deveria ser minha. — Nem pensar, vou procurar
alguém para mim também.
Dito isso, eu me despeço da minha amiga ligeiramente e
informo a Zach que já volto enquanto procuro por um banheiro.
Infelizmente, festas universitárias são um completo caos.
Lotadas, principalmente quando algum time decide fazer festas após
as partidas. A festa da república do time de futebol já estava
confirmada desde o começo da semana, mas a animação mesmo só
veio após a partida ganha, uma vez que eles continuam no
campeonato nacional.
Os banheiros fazem filas enormes e quando chego ao final de
uma, pego o celular apenas para passar o tempo. Quando a fila
anda, subo a cabeça e noto que logo à minha frente está Rachel,
uma das amigas de Morgan, a garota que Alexander estava ficando
e também tão fofoqueira quanto Dakota e Anna juntas.
Passo a língua entre os lábios, antes de morder o inferior e
uma ideia vem à minha cabeça de imediato. Eu só preciso falar uma
coisa para que a notícia se espalhe rapidamente e o merdinha do
Harrison se arrependa de ter mexido comigo.
Isso é, se ele conseguir perceber que fui eu.
Aproveitando que Rachel não me olhou em nenhum
momento, eu bloqueio a tela do celular e o levo até o ouvido,
enquanto cubro o outro a mão fingindo estar em uma ligação.
— Não mãe, eu não estou com o Alex — falo um pouco alto.
— Mãe, eu estou em uma festa e não vou ficar de babá do Harrison,
tenha dó. — Pauso, fingindo ouvir a pessoa do outro lado da linha.
— Não sei, talvez ele esteja bebendo, mas o que isso tem a ver com
a gonorreia dele?
No momento em que pauso novamente, consigo chamar a
atenção de Rachel e observo pelo canto do olho o exato momento
em que ela se vira rapidamente para mim. Ela arregala os olhos e
me dá as costas novamente.
— Tudo bem, mãe, eu vou garantir que ele não beba para
não cortar o efeito dos antibióticos — digo como se estivesse
chateada. — Está bem, está bem. Vou cedo para casa sim. Não, não
estou beben... — Cesso ao ver o brilho do celular no rosto de
Rachel.
Fico nas pontas dos pés, então vejo que ela está escrevendo
uma mensagem para... Morgan. Isso! É impossível não sorrir nesse
momento.
Quando o brilho do celular dela se apaga, me endireito e finjo
novamente estar na ligação.
— Também te amo, tchau.
Missão concluída com sucesso.
Eu quero ser um campeão
Eu quero ser um perdedor
Eu vou até ser um palhaço
Pois eu só quero te entreter
I WANNA BE YOUR SLAVE | MANESKIN

Minha mão agarra a curva da cintura de Morgan e meu pau


se atiça quando ouço meu nome sair dos seus lábios carnudos que,
juntamente ao sotaque britânico, são uma delícia. Então eu a beijo
mais uma vez, porém, o celular dela não para de vibrar.
— Um segundo, docinho — ela pede ao separar nossos lábios
e encostar o indicador na minha boca.
O canto da minha boca se ergue em um pequeno sorriso,
aguardo ela verificar o celular enquanto pego a cerveja que havia
deixado em cima da mesa, entornando a garrafa de vidro na boca,
tomando dois goles.
Os olhos castanhos de Morgan me fitam, ela está
aparentemente assustada quando se levanta da mesa.
— Eu pre... preciso ir — a britânica gagueja enquanto tenta
se afastar de mim.
— Aconteceu algo? — pergunto ao limpar a boca com a
manga da camisa.
Ela nega rapidamente.
— Nada acon... — Ela pausa, tomando um pouco de ar. —
Nada aconteceu, eu apenas preciso ir, querido — ela finalmente
consegue falar sem gaguejar, porém, há algo de diferente na forma
como ela me olha.
Dou espaço para que Morgan passe por mim e ela agradece
em um sorriso tímido. Acontece que a garota pode ser tudo, menos
tímida. Pode até soar pejorativo falar assim, mas ela é uma
selvagem, e é isso que eu mais adoro nela, principalmente todas as
vezes em que nós nos encontramos. Ela não tem vergonha de beijar
e fazer o que for em público, muito pelo contrário.
E a sua mudança tão repentina me deixa em alerta.
Antes que ela se afaste totalmente, a pego pelo pulso e é
nesse momento em que noto o pulo que Morgan dá, parecendo
genuinamente assustada quando a toco.
— Eu fiz algo com você... — a pergunta morre nos meus
lábios no mesmo instante em que abaixo meu olhar diretamente
para a sua mão que mantém o celular desbloqueado. — Licença —
peço ao retirar o aparelho de sua mão ao ver meu nome escrito nas
mensagens.

Rachel:
Se você ainda estiver com o Alexander
Para agora
Sério Morgan, só para!
Ele tem gonorreia!
MORGAN!

— Que merda é essa? — pergunto enfurecido a Morgan. — A


Rachel agora inventa mentiras? — eu indago, dando um passo na
direção da garota de cabelos longos e castanhos.
Ela estreita os olhos para mim ao pender a cabeça para o
lado.
— Estou tão confusa quanto você — é tudo o que ela
responde.
— E você acredita no que ela disse? Nós já ficamos várias
vezes, Howard — a chamo pelo sobrenome. — Você acha mesmo
que eu seria capaz de te passar qualquer infecção ou doença?
Sério?!
Morgan se cala diante da minha pergunta e noto que um
pequeno grupo presta atenção na nossa conversa.
— Me dá meu celular, Alexander — pede em um sussurro ao
estender a mão. Pela primeira vez eu não sinto absolutamente nada
quando ela fala meu nome.
— Tudo bem. — Levanto as mãos em forma de rendição. —
Me desculpa pelo vexame, mas saiba que sua amiga está mentindo
sobre isso — informo.
Morgan apenas pisca os olhos como resposta e isso é o
suficiente para mim. Com a mão ainda estendida a minha frente, eu
me aproximo apenas para devolver o celular dela, contudo, mais
uma mensagem chega e eu não deixo de ler.
Rachel:
Acabo de ouvir a conversa de Charlotte Cameron com a mãe em uma
ligação
Ele está fazendo tratamento com antibióticos e tudo

— Só podia ser — rosno ao devolver o celular de Morgan.


Não minto que no instante em que vi Zach abraçar Charlotte
e o desespero implícito em seus olhos, eu me diverti com aquilo. Ela
até chegou a me olhar e por um lapso de segundo me passou pela
cabeça o que ela faria para se vingar.
Pensei que ela me trancaria em um armário, ou algo do tipo,
contudo, a maldita afilhada da minha mãe decidiu descer o nível.
Nós tínhamos um trato desde os dezesseis anos, quando ela
finalmente havia desencalhado e eu espalhei nos corredores da
escola que ela não tinha ninguém antes porque era uma frígida.
Com isso, Charlotte se vingou dizendo que eu só tinha um testículo.
O que ela não esperava era que o seu joguinho estúpido
fizesse com que as garotas da escola se solidarizassem comigo e
também ficassem curiosas. Porém, foi devido a isso que entramos
em uma espécie de acordo onde nós não poderíamos humilhar um
ao outro na frente de algum pretendente.
Eu sabia que o nosso trato havia sido quebrado quando ela
disse sobre o inverno estar chegando, então por isso aconselhei o
Zach a abraçá-la de surpresa, não mandar mensagens e sempre que
a visse ser super carinhoso, pois sei que ela odeia tudo isso.
Mas eu francamente não esperava que ela fosse se vingar de
mim tão rápido, ainda mais dessa forma. Não comigo prestes a
transar com uma garota extremamente gostosa e ela espalhando
por aí que eu tenho uma infecção sexual.
Saio praticamente empurrando todos a minha volta em busca
de Charlotte. Quando não a encontro na sala, decido ver no andar
de cima e subo as escadas em um rompante, mas ela também não
está lá.
Ao chegar no andar de baixo outra vez, meus olhos vagueiam
por todo o ambiente e sinto minha pele pegar fogo em puro ódio. Eu
a detesto, isso é fato, mas o que corre em minhas veias nesse
momento é algo pior do que todo o ódio que sinto por ela. Algo tão
forte que sequer consigo encontrar um sinônimo que explique isso.
No hall de entrada da república, subo um degrau e isso é o
suficiente para enxergar Anna e Dakota sentadas em um sofá, mas a
amiga delas não se encontra. Movo a cabeça minimamente e só
então avisto a cabeça ruiva de Zach um pouco mais distante das
meninas e algo se move na frente dele.
Então eu vejo os cabelos escuros e minimamente ondulados.
A patinadora de um metro e sessenta está de frente para o goleiro
do meu time e de costas para mim.
Meus pés se movem de forma automática quando eu caminho
na direção deles, passando pela mesa onde estão todas as bebidas e
minha mão busca um balde de gelo que há ali. Uma garota loira
tenta me parar para conversar, mas basta que meus olhos cruzem
com os dela para que volte a me dar espaço.
A única coisa que separa Charlotte de mim é o corpo do
quarterback e dono da festa. Eu não peço licença ao o empurrar
para o lado quando o mesmo entra em minha frente. Ele me xinga,
porém eu estou ocupado demais jogando todo o conteúdo que há
no balde de gelo sobre a cabeça de Charlotte.
Os pés dela giram como se fosse em câmera lenta, com o
gelo quase todo derretido, os cabelos de Charlotte estão ensopados
e cobrem todo o seu rosto. Ela levanta as mãos e tira os fios da
franja de frente dos olhos, isso é o suficiente para que eu possa
enxergar todo o ódio explícito em seu olhar. O azul esverdeado
sendo tomado pelo preto das pupilas dilatadas.
— Eu. Vou. Matar. Você — declara pausadamente.
— Se você estiver viva em poucos segundos, talvez possa
tentar a sorte. — Ranjo os dentes e dou um passo para ficar
próximo dela. — Gonorreia, Charlotte? Sério?
Ela levanta as sobrancelhas.
— Abraços e carinhos, Alexander? Sério? — ela imita meu
tom de voz erguendo o queixo.
A ponto do seu nariz praticamente colar no meu e eu consigo
sentir o hálito quente dela invadir todo o meu espaço pessoal.
— Apenas estava ajudando meu amigo — explico.
— Fazendo com que eu tenha medo dele? — pergunta
retoricamente. — Que amigo de merda você é, hein? É por isso que
prefiro te ter como inimigo.
Passo a língua por entre os lábios antes de sorrir.
— Pena que te resta poucos minutos de vida para me odiar,
querida.
Ela pende a cabeça minimamente para o lado, cerrando os
olhos.
— O que você vai fazer? Me matar? Vai em frente. — Dá um
passo para trás abrindo os braços. — Temos várias testemunhas
sobre qualquer coisa que você tente contra mim.
Ouço o assobio dos caras que estão ao nosso redor ressoar.
— Não. — Sorrio. — Apenas vou fazer com que você se
arrependa do dia em que... — As palavras morrem na minha boca
quando vários flashs de luz são apontados na nossa direção. — Que
porra é essa? — vocifero me virando.
Então eu vejo que na realidade o alvo não sou eu, muito
menos eu e Charlotte, é apenas ela.
Quando me viro de volta, ela se encontra tão confusa quanto
eu, então quando mais flashs são apontados em sua direção, eu
finalmente vejo o que todos os caras veem.
Os peitos dela aparecem por trás do tecido branco e fino,
que, agora molhado, estão marcando a curva dos seios e noticiando
os mamilos duros apontados na minha direção. Se fosse qualquer
outra garota, talvez eu me sentisse minimamente interessado por
isso, mas é a merda da Charlotte, que quando me vê encarar seus
peitos assim como o restante de toda a festa, arregala os olhos.
— Era só o que me faltava — rosno ao me aproximar dela. —
Como você vem para uma festa de branco e sem sutiã? — pergunto,
nem um pouco a fim de receber uma resposta dela.
— Eu não esperava que um idiota fosse jogar de um balde de
água na minha cabeça — ela diz exasperada, cobrindo os seios com
os braços e seus olhos se movem desesperadamente sobre todos os
celulares apontados em sua direção.
As pessoas riem e apontam na direção dela enquanto tiram
fotos e mais fotos de Charlotte.
Merda, merda, merda.
Eu queria me vingar dela, mas não a expor dessa forma.
— Quem tirar mais uma foto pode se considerar morto —
declaro em um grito, me virando para todos eles.
As pessoas me olham assustadas enquanto eu giro,
encarando-os. Aos poucos os celulares descem e eu tiro a camisa de
manga longa que uso e jogo em Charlotte ao ficar de frente a ela.
— Você veste isso — mando.
— Se essas fotos vazarem eu estou fodida! — Charlotte diz ao
vestir minha camisa.
Ela não precisa dizer mais nada.
— E você. — Aponto para Zach que assiste a toda cena,
incrédulo. — Chama o Evan e o restante do time. — E ele concorda
prontamente. — Ninguém sai dessa porra antes de ter todas as fotos
que foram tiradas, apagadas — declaro mais alto outra vez.
Rapidamente Zach se afasta em busca de Evan e o restante
da equipe, enquanto os outros caras do time começam a se
aproximar, pegando os celulares das pessoas e apagando as fotos.
— Cadê a Shantal? — pergunto a Charlotte e ela dá de
ombros. Procuro por sua melhor amiga entre as pessoas e não a
encontro. — Você veio de carro?
— Táxi.
Levo a mão até o bolso da calça e tiro minhas chaves de lá,
entregando-a.
— Meu carro está na esquina, me espera lá.
— Você acha mesmo que eu vou te esperar?
— Isso não é hora para birra, Charlotte. — Sinto minha
mandíbula ficar rígida quando a repreendo.
Ela apenas concorda e se afasta enquanto eu me junto a
minha equipe, recolhendo os celulares das pessoas e apagando as
fotos. Um dos caras do time de lacrosse me pede para manter a foto
no celular e promete que ficará apenas com ele para que ele possa
bater uma.
Respiro fundo ao coçar minha têmpora, a sorte dele é que
Evan chega na hora e arranca o celular da mão dele, apagando a
foto, caso contrário eu não iria me opor para quebrar o nariz dele na
frente de todas essas pessoas.
— Acho que apagamos todas, cara — Evan me informa e eu
agradeço.
— Só por via das dúvidas, coloca alguém nas duas portas e
pede para ver quando as pessoas forem saindo.
Meu amigo concorda de prontidão e Zach se aproxima de
mim quando eu me preparo para sair.
— Onde a Charlie está? — ele pergunta, parecendo realmente
preocupado.
Dou o meu máximo para não revirar os olhos de forma tão
descarada, então apenas respiro fundo.
— Foi embora — minto. — E eu também estou indo, te vejo
em casa. — Dou duas batidinhas em seu ombro.
— Posso ir com você?
— Não — respondo apenas, já dando as costas para ele.
Me despeço de Bellamy, o capitão dos Big Green que se
disponibiliza para ficar na saída principal. A palavra dele é lei em
todo o campus, então acredito que nem mesmo vai precisar pedir
para revistar os celulares quando as pessoas passarem por ele.
Havia esquecido totalmente que estava sem camisa até sair
da casa, pois no instante em que meus pés chegam ao pórtico da
mansão onde vivem os jogadores de futebol americano, o frio de
catorze graus do final de novembro abraça o meu corpo.
Desço os degraus da entrada rapidamente e corro até a
esquina e no momento em que avisto o Dodge Challenger preto,
meu coração dispara e eu disparo mais rápido até ele.
Charlotte está no banco da frente, com os faróis ligados e
acelerando o carro, mantendo-o parado, apenas deixando o motor
rugir. Se esse fosse um bairro residencial comum, com certeza todos
os vizinhos já teriam acordado ao ouvir o ronco do motor.
Já ao lado do carro dou três batidinhas na janela do
motorista.
— Sai — grito.
A resposta de Charlotte vem através da acelerada que ela dá,
não consigo vê-la devido às películas fumês. Dou mais duas batidas
na janela, com mais força.
— Estou te mandando sair, Charlotte — vocifero.
Ela não faz o que eu mando, muito pelo contrário, ela apenas
desce o vidro e afia os olhos em minha direção.
— Eu dirijo — informa.
— Hahaha. — Finjo o riso. — Sai. Agora.
Sua resposta é um balançar com a cabeça, negando.
— Se quiser vai de carona, se não, vai a pé, no frio. — No
mesmo instante o vento gelado se transforma em uma rajada,
fazendo meus cabelos balançarem e minha pele arrepiar.
— Estou falando sério, Charlotte — digo, sentindo meus ossos
começarem a tremer.
— Também estou. — O cinismo dela é grande ao ponto dela
me ver com frio e ainda sorrir.
Quando o vento se torna ainda mais forte eu desisto,
soltando uma grande lufada de ar e fazendo o contorno no carro.
— Abra a porta. — Dou um murro na janela ao perceber que
ela manteve o carro travado. — É isso que ganho por tentar ser
altruísta com você, é por isso que eu odeio bancar o bonzinho —
digo ao entrar no carro e bater a porta.
Charlotte não espera muito quando aciona a primeira marcha
e solta a embreagem, acelerando o carro.
— Jogar um balde de água na minha cabeça para todos o
campus me ver quase nua, é ser bonzinho comigo? — ela reclama
ao pular direto para a terceira marcha.
— Eu te dei a minha camisa e ainda fiz todos apagarem as
fotos.
— Você fez o mínimo depois de ter me humilhado — ela diz
ao reduzir a marcha e virar a esquina.
Repito as palavras dela em uma voz fina fazendo careta.
— Se essas merdas de fotos forem publicadas no Instagram,
Twitter, ou na merda da Dirtymouth, não vai ser apenas gonorreia
que você vai ter.
Bato palmas.
— Então você assume o que fez?
— Não neguei em momento algum — ela revida ao virar o
rosto na minha direção e acelerar o carro.
— Olha para a frente e vai devagar, porra — repreendo-a e
ela acelera ainda mais. — E segura o volante com menos força —
implico ao ver seus dedos perderem a cor pela força que ela usa.
Charlotte Cameron nada mais é que uma criança mimada, e
tudo isso é culpa do seu pai estúpido que a abandonou quando ela
tinha sete anos e desde então se a viu três vezes — por chamada de
vídeo —, depois que foi embora, foi muito.
Antes disso ele a mimava e ela tinha tudo o que queria em
suas mãos, mas bastou o canalha ir embora para que ela mudasse.
Pouco tempo depois, Charlotte passou a rejeitar todo e qualquer
gesto de carinho que lhe fosse ofertado, até que descobriram a fobia
dela, que na realidade eu acredito que seja mais sobre abandono
parental, do que fobia de afeto.
Por mais que eu não a suporte, sua condição me deixou
curioso o bastante para me fazer estudar psicologia e me aprofundar
um pouco mais no assunto. O que me deixa mais intrigado é que
aparentemente ela já consegue receber toques físicos das nossas
mães e também de Shantal, pessoas que convivem com ela desde
que ela se entende por gente, mas quando se trata de mim, por
exemplo, ela sempre se esquiva.
Mas há vezes, como quando ela me abraçou apenas para
transferir a merda de cachorro para mim, em que ela não se importa
com o toque.
Porém, no instante em que pego a sua mão que está colada
no volante para que ela solte um pouco – visto que seus dedos
estão ficando roxos devido a força que ela segura –, ela arremessa o
cotovelo meu rosto.
— Que porra?! — pergunto, sem entender nada.
— Não toca em mim — ela grita.
— Mais uma vez, é por isso que eu não sou bonzinho com
você, Charlotte.
— Fico agradecida, mas dispenso a sua bondade, Alexander.
— Ela freia o carro bruscamente quando chegamos em frente a
fraternidade onde vive.
Ela tira a chave da ignição e sai do carro, eu a sigo.
— Pode me dar as chaves, por favor? — peço, mas ela segue
caminhando até a entrada da casa e trava o carro.
— Não estou com vontade — responde ao abrir a porta.
A sigo em passos longos, subo os degraus da entrada em um
pulo e a acompanho até dentro da fraternidade que só entrei
durante as festas, onde normalmente os móveis estão afastados e
luzes apagadas.
É tudo branco demais e limpo demais quando não está
acontecendo nenhuma festa. Charlotte entra em um corredor repleto
de quadros com pinturas à óleo. Ela tira minha camisa e entra por
uma porta e tão rapidamente sai de lá.
— Minhas chaves. — Estendo a mão ao pedir.
— Opa, foi mal, deixei lá dentro. — Ela dá as costas para
mim.
Se eu fosse uma Regina George – porque sim, eu assisti
Garotas Malvadas e gostei da merda do filme –, eu puxaria esses
cabelos dela e a faria pegar a chave para mim, mas tudo o que
Charlotte quer é implicar comigo.
Como eu disse, mimada.
Mimada do caralho!
Entro no cômodo que ela acaba de sair e ao acender a luz
percebo que na realidade é a lavanderia. O problema é que é uma
lavanderia muito pequena, apertada e o pior de tudo, sem janela, o
que chega a ser literalmente sufocante.
— Eu não estou encontrando. — Coloco minha cabeça para
fora, mas não vejo Charlotte mais no corredor. — Onde você colocou
essa merda? — grito, perdendo a paciência.
A voz dela surge de algum lugar próximo, mas ainda assim eu
não a vejo.
— Esqueci de avisar que está na secadora.
— Você não fez isso — me nego prontamente.
— Não?! — A resposta vem em formato de pergunta.
Adentro um pouco mais o cômodo e há três secadoras. Abro
a primeira e vejo que não há nada lá dentro, sigo para a segunda e
rio, por que é claro que ela iria colocar na secadora que está ligada.
Desativo o tempo de secagem e encontro lá a camisa que eu usava
e minhas chaves, que as coloco no bolso e em seguida pego a
camisa, voltando a vesti-la.
— Se sua mãe não fosse minha madrinha, eu te chamaria de
uma grande filha da puta — digo ao passar a roupa pela cabeça.
— Chamaria, é? — Ela aparece na porta, segurando a
maçaneta.
— Não se atreva. — Aponto.
As palavras mal morrem em minha boca e tão logo a porta se
fecha em um baque ensurdecedor. Procuro pela maçaneta, mas não
há nenhuma do lado de dentro.
— Abre essa merda, Charlotte — grito, exasperado, olhado
para as paredes ao meu redor.
— Pede desculpas por enganar o Zach e fazê-lo me abraçar
de surpresa — ela diz do lado de fora.
Começo a sentir meu peito arder e tento respirar fundo, mas
é impossível quando sinto as paredes começarem a se fechar.
Um leve desespero toma conta de mim, quando dou outro
grito.
— Charlotte — a chamo.
— Pede desculpas.
Ouço exatamente suas palavras, mas tudo o que me vem em
mente é o dia em que eu fui para o dentista quando tinha nove anos
e decidi brincar no elevador enquanto minha mãe conversava com a
recepcionista. Em algum momento a energia do prédio acabou e eu
passei exatos vinte minutos preso sozinho em uma caixa de metal,
mas na minha cabeça parecia que cada minuto em que eu me
sufocava lá dentro se tornava horas.
Puxo o ar com força e chega a ser cansativo, como se eu
tivesse acabado de participar de um treino pesado de cinco horas no
rique de gelo. Sei que estou aqui dentro há alguns segundos, mas
tudo se intensifica, minha respiração fica fraca, a voz de Charlotte
ressoa lá fora, mas tudo o que consigo ouvir são as batidas erráticas
e pesadas do meu coração.
Um suor fino e gelado desce por minha têmpora, minha vista
ficando escura.
— Alex? — A voz de Charlie entra em meus ouvidos e eu
quase não a reconheço, mas me concentro nela, assim como me
concentrei na da minha mãe no tempo em que estive preso naquele
elevador.
As paredes se fecham mais e mais e sinto meu corpo ser
pressionado contra a porta. Eu não consigo lutar contra a sensação
de estar sendo esmagado, fecho os olhos, e respiro fundo.
Uma, duas, três vezes.
Charlie me chama outra vez, eu não consigo respondê-la.
Repito todo o processo mais duas vezes e na quarta sou pego
de surpresa quando meu corpo amolece e simplesmente cai. Meus
olhos se abrem apenas para que eu encontre lábios carnudos e
rosados diante de mim, engulo em seco subindo meu olhar e
encontrando os olhos claros e brilhantes de Charlotte na minha
frente.
— Você está bem? — ela pergunta com uma certa ternura em
seu tom de voz.
Há um rubor em suas bochechas, que por ora, quase não
aparecem as sardas, que só é possível enxergar quando está
próximo o suficiente de Charlotte. Algo que devo confessar é que
sempre que estamos em algum embate, eu fico próximo demais dela
apenas para poder enxergar as marcas em seu rosto.
Engulo em seco novamente e tusso, coçando a garganta.
— É claro que estou, ou você acreditou mesmo que eu estava
passando mal? — pergunto, franzindo o cenho.
Rapidamente o brilho dos seus olhos vai embora e seu corpo
inteiro estremece.
— Então sai de cima de mim idiota, você está me sufocando
— reclama.
Sinto vontade de rir pela forma como ela age, mas acabo me
contendo apenas me levantando e ofereço a mão para que Charlotte
também se levante, contudo ela acaba recusando minha oferta e se
ergue sozinha.
— Que fique claro que eu só abri essa porta porque fiquei
com pena da sua mãe — ela diz.
— O que minha mãe tem a ver com isso?
Ela pende os ombros.
— Ninguém merece perder um filho tão cedo.
— Você é tão engraçada, Cameron — digo sem emoção
alguma. — Mas que fique claro que nós estamos quites agora.
— Quem disse isso?
— Eu estou dizendo.
— Se as minhas fotos forem publicadas, nós nunca estaremos
quites, Harrison.
— Elas não serão — garanto.
Charlotte balança a cabeça ao mordiscar o lábio inferior. Pisco
os olhos com força para tirar o foco de sua boca e acabo fitando
seus peitos, que por ainda usar a blusa branca e molhada,
permanece mostrando tudo.
— Ficou com tesão, querida? — Aponto para seus peitos.
— Vai à merda, Alexander — ela resmunga ao me dar as
costas.
Dessa vez eu me permito rir, porque chega a ser estranho
passar mais do que vinte e quatro horas sem que Charlotte me
mande ir à merda. Parece que meu dia não foi completo, e agora eu
sinto que finalmente posso ir dormir tranquilo.
— E vê se fecha a porta quando sair, idiota — ela grita da
escada quando me vê caminhando até a saída.
Mostro o dedo do meio e ela revida.
Visto de fora pode parecer cansativa a nossa rotina de
insultos, brigas e confusões, mas na realidade parece que nós dois
somos viciados nisso tudo.
Eu quero que você venha com tudo
Se você fizer tudo errado, vai fazer tudo ficar bem, sim
Eu quero que você arruíne minha vida
RUIN MY LIFE | ZARA LARSSON

Por mais que ainda faltem dois meses para a próxima


competição para classificação das finais do Intercolegial, não há um
dia sequer que eu falte aos treinos. O horário para o treinamento no
rinque de gelo para os patinadores artísticos costuma ser à tarde,
após às três, visto que pela manhã quem domina a pista é time de
hóquei.
Mas como hoje eles iriam entrar uma hora mais tarde, eu
reservei a hora anterior para mim no cronograma.
Infelizmente temos que treinar no mesmo gelo, mas
felizmente os horários são divergentes.
Eu amo a sensação de deslizar sobre o gelo ao mesmo
tempo em que ouço a música. Passos e saltos aleatórios me libertam
muito mais que decorar toda uma coreografia, ao contrário de
quando tenho que passar dias e horas repetindo a mesma música, a
mesma coreografia.
Quando vi o planejamento dos horários antes de dormir na
noite passada, ele dizia que o time de hóquei só iria precisar do gelo
às sete e meia, então às cinco eu já estava de pé.
Não sei exatamente quantos minutos – ou horas, na realidade
– fazem desde que pisei no gelo esta manhã. Só sei que eu já estou
prestes a terminar minha segunda playlist quando chega em Toxic,
da Britney Spears, e ela me anima ao ponto de eu mover mais o
meu corpo em si do que meus pés.
Durante a entrada do refrão, movo meus pés para trás, então
apoio o pé esquerdo enquanto ele desliza e subo a perna direita.
Com um leve impulso, faço um salto que gira o meu corpo e troco as
posições dos pés, fazendo um flying camel. Meus braços se
movimentam à medida em que permaneço deslizando com o pé que
ficou sobre o gelo, até sentir que estou prestes a parar, então apoio
o outro pé no chão, separando as pernas e abrindo os pés. Abro os
braços impulsionando meu corpo a fazer um giro, mais conhecido
como spread eagle para dentro, apenas para que consiga deslizar
para frente dessa vez.
Sei que a próxima música a tocar é Hey Mama, de David
Guetta, então faço passos aleatórios apenas para me preparar para
a entrada da coreografia, uma vez que já venci uma competição há
quatro anos, ainda na escola, com ela.
Outra coisa que amo é fazer as mesmas coreografias
passadas quando ouço as músicas que já fizeram parte de alguma
competição que participei.
Mudo a posição dos meus pés, arranhando o gelo com
lâminas para frear quando a música é interrompida nos altos
falantes da pista.
— Que merda? — murmuro.
Então ouço vozes masculinas e risos, giro meu corpo apenas
para encontrar o time de hóquei pronto para entrar no gelo.
O primeiro que entra, é óbvio que é o atacante que carrega o
número vinte e seis em seu peito. Minhas narinas se dilatam quando
ele patina na minha direção.
— Fora, patinho feio — Alexander diz já próximo a mim.
Mostro o dedo do meio.
— Haverá um dia que em que eu vou quebrar esse seu
maldito dedo — ele ameaça.
— E nesse mesmo dia, será o dia em que você será incapaz
de dar netos aos seus pais — respondo.
Ele patina me circulando, o capacete aberto sobre sua cabeça
enquanto segura o taco em sua mão.
— Pelo menos eu tenho um pai presente.
Não sei ao certo o que abre primeiro, se minha boca ou meus
olhos. Fazia muito tempo que ele não falava sobre meu pai, e
mesmo que isso fizesse com que eu chorasse quando éramos
crianças, hoje a única coisa que sinto é raiva.
Os companheiros de time de Alexander passam a entrar no
gelo no mesmo momento em que ele para. Quando crianças, ele até
analisava se deveria pedir desculpas ou não, sempre quando isso
acontecia ele me olhava ressentido, como faz quando para na minha
frente.
Minha boca se fecha ao ver os olhos castanhos quase
dourados deles brilharem, formando uma linha fina, ele se perde em
meio a minha agilidade ao roubar o taco dele.
— Pensando bem, o dia de você virar estéril é hoje — digo
levantando o taco. O brilho dos olhos dele vai embora, sendo
substituído por algo como divertimento.
— Eu tenho protetor — se gaba.
— Não me interessa. — Dou de ombros erguendo o stick. —
Vou te dar um segundo para se afastar de mim — aviso. — Um —
falo no momento em que ele dá as costas e se afasta.
Com o taco levantado em minhas mãos, eu começo a caçar
Alexander, dando voltas e mais voltas no gelo. Eu subo e desço o
stick, tentando acertar a cabeça, o que consigo com sucesso
algumas vezes, a não ser quando ele começa a se fazer zigue-zague
entre seus companheiros.
O sigo com excelência e desço o stick apenas para que meu
próximo alvo seja o meio de suas pernas quando ele patina de
frente para mim, ele tenta dar a volta de costas.
— Você está vindo atrás de mim em vão — ele diz,
brincalhão.
Sorrio.
— Eu sei — é minha vez de avisá-lo. — Mas é sempre bom
ver o desespero em seus olhos e te ver suar. — Freio.
Levanto o taco e o jogo para que ele o pegue, e ele faz.
— Não esquece de tomar o antibiótico para a gonorreia. —
Solto uma piscadela.
— Está de sutiã, patinho feio? — ele me provoca.
— Vai à merda, Alexander. — Posso jurar ver um lampejo de
divertimento nos olhos dele quando o xingo. — Falando nisso. — Me
aproximo dele. — As fotos?
Alexander revira os olhos.
— De novo isso? Não bastaram as oitocentas mensagens nos
últimos dois dias? — pergunta, irritado.
Depois de passar quase todo o fim de semana enchendo a
caixa de mensagens dele sobre as fotos que foram tiradas, e onde
ele respondeu apenas a primeira mensagem dizendo que nada iria
vazar. Ainda assim, sempre que eu lembrava do assunto, o que
acontecia de minuto em minuto, eu mandava mais uma mensagem
para ele.
Não querendo manter meu ego nas alturas nem nada do tipo,
mas eu tenho enormes chances de chegar nas finais Intercolegiais, e
isso talvez me levaria direto para uma olimpíada. Mas um escândalo
como esse jamais seria perdoado diante da comissão da NCAA.
— De novo isso, e quantas mais vezes forem necessárias. Eu
não confio em você, Harrison.
Ele estreita os olhos, me observando.
— Tudo bem. — Ele dá de ombros. — Se não confia em mim,
pergunte ao Parker, então. — Ele aponta para o amigo que está há
dois metros de distância da gente.
Alexander e Evan Parker sempre competiram um contra o
outro na época da escola, mas após os dois ganharem bolsas para
estudarem na mesma faculdade e ainda jogarem no mesmo time,
eles se tornaram inseparáveis desde então.
Estalo a língua no céu da boca.
— Ele é igual a você — me nego. Contudo, logo ao lado de
Evan, está Zach, que me olha no mesmo momento em que fixo meu
olhar nele. — Ei, Zach. — Aceno. — Pode vir até aqui?
Por canto de olho assisto a cara emburrada que Alexander
faz.
— Como você não pode confiar no Evan, mas confia no Zach,
que você nem mesmo conhece?
— Também não conheço o Evan. — Franzo o cenho.
— Você passou três meses do verão inteiro jogando Xbox com
ele, Charlotte — ele tenta me convencer quando Zach se aproxima.
— Bom dia, Charlie — o goleiro me cumprimenta.
— Charlie?! — Alexander se mete.
— Sim, ela me pediu para chamá-la assim — Zach explica.
— Quando isso?
— Não é da sua conta — respondo, me virando minimamente
para o atacante, antes de pôr um sorriso no rosto.
A verdade é que quando eu não estava enchendo a caixa de
mensagens de Alexander, eu estava ou tentando colocar a matéria
na minha cabeça, ou conversando com Zach por mensagens.
Começou com ele se desculpando pelo que aconteceu e achei
fofo da parte dele e corajoso também ao dizer que Alex foi babaca
ao jogar a água em mim, e bom, eu concordei. Fora isso, também
marcamos de nos encontrar hoje e também o adiantei sobre as
questões de abraços.
Fato é que não vejo a hora de ver a bunda dele, mesmo que
para isso eu precise preparar o terreno antes.
— Aconteceu algo? — Há uma preocupação no tom de voz de
Zach.
— Sobre as fotos da festa. — Alexander toma a frente. — Ela
não confia em mim
Zach coça a nuca e me olha atônito, parecendo realmente
não entender.
— Ele disse que todas as fotos foram apagadas, mas você
sabe que Alexander não é uma pessoa de confiança, por que quem
joga água na cabeça de uma mulher no meio de uma festa?
Posso ouvir o revirar de olhos de Alexander, mesmo que
esteja com meus olhos em Zach.
— Era gelo — ele responde.
— Derretido — o lembro, ao olhá-lo enfurecida antes de voltar
para Zach. — Enfim, de toda forma eu me sinto constrangida por
tudo o que aconteceu. — O que não deixa de ser verdade, parte de
mim sente que está todo mundo olhando para mim depois de me
ver pelada. Pauso para engolir em seco. — Eu tenho realmente
medo de ter sobrado alguma.
Sou pega de surpresa quando uma mão de Zach é apoiada
em meu ombro e meus olhos descem no mesmo instante em que
sua mão me toca.
Conversei com ele sobre os abraços, mas não falei dos
demais toques. Por mais que esse por exemplo possa parecer algo
que não exista afeto, ou algo do tipo, ainda faz com que eu me sinta
mal.
Pois sempre que eu caía no chão enquanto aprendia a patinar
e dizia que não iria conseguir, uma mão se apoiava no meu ombro e
em seguida eu recebia um sorriso terno que me dizia que eu
conseguiria.
Fecho os olhos rapidamente e tento me concentrar na minha
respiração e esquecer o incômodo que sinto ao toque de Zach, e
também ao ouvir suas palavras.
— Sinto muito que você se sinta assim, Charlie. — Seus olhos
passam de mim para Alex e eu o acompanho, as narinas dele estão
dilatadas. — Mas se eu posso te trazer qualquer conforto, te garanto
que os caras e eu estávamos realmente empenhados em apagar
todas as fotos.
— E se algum deles tiver salvo?
A minha pergunta é direcionada a Zach, mas a resposta vem
ao meu lado.
— Eles não teriam essa audácia.
Movo a cabeça para o lado e posso ver que os olhos de Alex
estão também onde a mão de Zach se encontra.
— Eles realmente não teriam — Zach afirma quando eu não
respondo a Alexander e me volto para ele, que finalmente tira a mão
do meu ombro.
Quando isso acontece, é como se um peso de uma tonelada
fosse tirado da minha cabeça, que me mandava sinais vermelhos a
todo instante em que ele esteve me tocando.
Balanço a cabeça, anuindo, e tento confiar no que Zach diz.
Para falar mesmo a verdade, eu já havia confiado em
Alexander desde que ele me disse, ainda depois da festa, que tudo
havia sido apagado. Também confiei quando ele respondeu a
primeira mensagem no mesmo segundo em que eu havia enviado
para ele, e também agora, antes de chamar Zach.
Uma parte de mim fez isso apenas para provocá-lo, pois eu
não posso simplesmente confiar na pessoa que mais me irrita desde
que eu nasci.
— Tudo bem, então — digo por fim, erguendo um sorriso em
meus lábios. — Espero que a vadia da Dirtymouth também não
tenha tido tempo de ter acesso a foto — divago.
Ouço uma risada rouca ao meu lado e viro a cabeça na
direção dele, mas antes que posso questionar qualquer coisa, nós
três viramos a cabeça na direção do treinador Heating, que chama a
nossa atenção.
— Posso saber do que se trata a fofoca, para vocês dois não
terem começado o treino e a garota ainda estar no gelo?
Ergo o queixo.
O treinador do time de hóquei é obcecado por todos os
patinadores artísticos, mais ainda pela treinadora Dubrow. A
Dirtymouth chegou a falar que eles já tiveram um romance antes, e
por conta disso, hoje se odeiam.
Talvez seja por isso que ele desconte a sua raiva e frustração
nos patinadores, mas nós não costumamos baixar a cabeça para o
técnico Heating. Eu não costumo baixar a cabeça para ele.
— A pista deveria estar livre até os próximos quarenta
segundos — digo ao conferir no relógio. — O treino de vocês não
estava marcado para agora, então eu ainda estou no gelo pois ainda
é o meu horário. — Começo a patinar para fora do rinque. Pego
minha guarda onde havia deixado e coloco sob as lâminas. O técnico
resmunga algo, que eu nem mesmo faço questão de ouvir. —
Respeite o horário, assim como eu respeitei — digo por fim ao sair
do gelo.
Começo a andar até o banco, onde está meu celular e
também o restante das minhas coisas, quando ouço Zach me
chamar ao se posicionar no gol.
— Nos vemos no café hoje à tar... — Ele não tem chance de
completar a pergunta.
— Ai meu Deus — grito em resposta quando vejo um disco
atingir sua barriga.
O autor do golpe, claro, foi Alexander, que recebe um
xingamento de Zach e os dois uma reclamação do técnico, que diz
que eles devem ficar mais cinco minutos no gelo depois do treino.
Os dois concordam, mas assisto o atacante se preparar para
jogar outro puck. Dessa vez, entretanto, quando Alexander dispara o
disco na direção do gol, Zach é ágil e o pega antes de ser atingido.
Zach me olha e eu levanto o polegar, confirmando, então o vejo
sorrir por dentro do capacete.
Me sento no banco onde estão as minhas coisas e começo a
desamarrar os patins, para tirá-los. Depois de juntar todas as
minhas coisas e calçar os tênis, saio para o vestiário, contudo acabo
parando por míseros segundos apenas para assistir o próximo passo
de Alexander, quando desvia de dois outros que tentam roubar o
disco dele, porém, sem sucesso.
Ele é rápido e ágil no gelo, a forma como ele se movimenta,
embora rápida, parece ser leve, devido a incapacidade de desviar os
olhos dele enquanto ele faz a jogada, encerrando em um gol, onde
Zach não o defende muito bem.
Pisco os olhos e volto para realidade ao perceber que passei
tempo demais encarando-o, tempo o suficiente para ele fixar os
olhos em mim também.
— Vai à merda — digo entre os lábios quando ele pende os
ombros.
A cabeça dele balança minimamente em um movimento de
negativa e eu finalmente dou as costas e vou direto para o vestiário.
— Ei, estava procurando por você. — Daniel me encontra do
lado de fora da arena.
Ele parece desconfiado pela forma como sorri e não deixa
seus pés quietos, pendendo o peso para frente e para trás, estreito
os olhos e subo as sobrancelhas.
— Mas não tem cinco minutos que eu te mandei uma
mensagem dizendo que estava saindo do vestiário — esclareço,
desconfiada. — Aconteceu algo? — pergunto quando o capitão de
basquete joga o corpo de dois metros e três centímetros para trás
outra vez.
Até poucas semanas atrás, Daniel e eu tínhamos uma
amizade com benefícios. Eu não precisei de muita coisa – como
acordar cedo e fingir que estou correndo –, para ele pedir meu
número. Apenas assisti a um jogo de basquete dele no semestre
passado e ele me deu seu contato.
Logo no nosso primeiro encontro, quando ele tentou pegar na
minha mão durante o jantar, eu desviei e mandei a real para ele
sobre necessidades femininas, que era o que eu tinha, e de como eu
precisa de sexo para conseguir relaxar, mas que não estava a fim de
afetos e todo o restante.
Ele apenas sorriu e disse que estava tudo bem. Mas as
sessões de sexo acabaram nos transformando em amigos, e mesmo
depois de termos terminado, quando ele disse que estava realmente
interessado em alguém para algo além de sexo, nós permanecemos
amigos.
— Você vai ficar me olhando dessa forma bizarra até que
horas? Eu tenho aula de vinte minutos — informo-o.
O canto da boca de Daniel Sanders se levanta, mesmo que
ele ponha os lábios em uma linha fina, e ele bate os cílios longos e
pesados. Meus olhos se reviram quando começo a perder a
paciência e decido seguir em frente, nem um pouco a vontade de
perder a aula.
Sinto ele logo atrás.
— Você não recebeu nenhuma outra notificação além da
minha mensagem? — ele pergunta e eu nego. Daniel pausa por um
tempo, respirando fundo. — Você saiu na Dirtymouth — ele
informa.
Meus passos se estancam no mesmo instante, um grande nó
se forma na minha garganta e faço um esforço para engoli-lo. Me
preparo para girar os pés e voltar a encara-lo, mas logo ele se põe a
minha frente.
Está nublado em Hanover, então não há raios solares
iluminando a pele negra de Daniel, muito menos seus olhos verdes,
que costumam ser tão brilhantes, estão um tanto quanto
consternados e exaltados.
— Só por favor me fala que não foram as fotos — é tudo que
eu digo.
Daniel tira do bolso o celular, mas antes que me entregar,
pede:
— Tenta não dar uma de Charlotte Cameron, e não aja com
impulsividade.
Ergo a mão, sentindo meu coração na boca, mas arranco o
aparelho da sua mão em uma vasta agilidade. Meus dedos batucam
até eu encontrar o aplicativo que anuncia as fofocas de todo o
campus. Não pisco nenhuma vez enquanto escuto todo o episódio
de poucos mais de dois minutos.
Me viro e começo a andar a caminho da arena outra vez, indo
em direção ao vestiário masculino.
— Você vai dar uma de Charlotte Cameron, não vai?! —
Daniel diz em meu encalço, quando chegamos no corredor que dá
acesso aos chuveiros.
Eu estou destruída, mas eu não vou cair sozinha, pois sei
exatamente quem arrastar junto a mim.
— É óbvio que eu vou dar uma de Charlotte Cameron — falo
no mesmo instante que abro a porta como em uma rajada. — Onde
ele está? — pergunto a James, jogador de linha de defesa do time
de hóquei.
James sabe muito bem de quem eu estou falando, portanto,
apenas aponta a direção e eu vou direto atrás do meu alvo.
Ela tem sangue frio como gelo
E um coração feito de pedra
Mas ela me mantém vivo
Ela é a besta em meus ossos
Ela consegue tudo o que quer
HORNS | BRYCE FOX

Passo os dedos entre os cabelos, tirando o resquício de


shampoo quando ouço murmúrios dos outros caras.
— O que você está fazendo aqui? — um deles pergunta.
— Estou pelado, porra — outro reclama.
— Fodeu. — Ouço Evan assobiar na cabine ao lado.
Ao sentir que não há mais espuma na minha cabeça, abro os
olhos apenas para saber do que tanto meus companheiros de time
reclamam.
Meus olhos saltam no mesmo instante em que vejo Charlotte
parada na minha frente. Ela está com o rosto vermelho e a
expressão nele me indica que ela está com ódio, fora a postura ereta
de seu corpo e os braços cruzados sobre o peito.
— Que merda é essa, Cameron? — inquiro, me apressando
para desligar o chuveiro. — Você agora virou a porra de uma ninfeta
para entrar em um vestiário com vários caras tomando banho? —
completo quando desligo a água por fim.
Ela ri, sarcástica.
— Como se eu quisesse ver esse tanto de pau murcho —
responde atrevida.
Os caras que estão por perto reclamam do que ela fala e vejo
que ela não está sozinha quando a porra do capitão do time de
basquete, que parece ter o dobro da altura de Charlotte e está logo
atrás dela, manda meus companheiros calarem a boca.
— Calem a boca, porra.
Pego a toalha que estava pendurada e a enrolo em meu
quadril.
— Quem você pensa que é para mandá-los calarem a boca,
Sanders? — pergunto ao sair da cabine.
Daniel apenas sobe uma sobrancelha, como se ele fosse
alguma coisa. A nossa diferença chega a ser apenas quinze
centímetros, então dou um passo na direção dele, mas a querida ex
dele se põe entre nós dois.
— Vai querer dar uma de machão para cima do Daniel, depois
de não conseguir ser o maior de todos na última festa? — Charlotte
me provoca.
Volto a olhá-la, mesmo que queira quebrar a cara do jogador
atrás dela, depois do atrevimento dele com meu time. Estreito os
olhos e balanço a cabeça, sem entender.
— Do que você está falando?
— Isso aqui, idiota.
Ela joga o celular em meu peito e eu o pego rapidamente.
A vadia da Dirtymouth.
A primeira coisa que me chama atenção é o gif, onde eu
estou logo atrás de Charlotte com o balde sobre sua cabeça e o gelo
derretido sendo despejado nela. Demoro um pouco a descer os
olhos, sentindo um embrulho em meu estômago, que vai embora
apenas quando olho para a parte da foto animada que mais me
preocupa, há duas partes desfocadas, justamente em cima dos
peitos de Charlotte.
O que se torna o suficiente quando aperto o play, para ouvir o
episódio, a voz robotizada, que torna impossível decifrar quem está
por trás dela, começa a soar, e a cada palavra, um pelo do meu
braço sobe, à medida em que vou me arrepiando.

“Mais sujos do que nunca.


O que leva a princesinha do gelo espalhar um boato
um tanto quanto nojento do imperador do rinque?
Ódio?
Desavenças?
Inimizade?
Vingança?
Ou o pior de tudo...
Ciúmes?
Uma boquinha suja me contou que após a querida
Charlie chegar na festa de vitória do futebol
americano e ver a língua de Alex chupar o pescoço
da britânica mais desejada de todo o campus, saiu
dizendo por aí que o atacante mais quente do
Hóquei estaria em tratamento de gono... Bom, essa
palavra não entra no meu vocabulário de tão
nojenta que é, mas vocês já sabem qual é.
Os ciúmes de Charlie foi tanto, que ela não ficou
contente, e tão logo decidiu se divertir um pouco
com o goleiro e também companheiro de time do
seu alvo, Zach Lewis – as más línguas costumam
dizer que os burros são os loiros, estaria o goleiro do
Big Green com a cor de cabelo errada? –, o que
deixou o atacante de número vinte e seis furioso.
E o resultado de todo esse caos, vocês já sabem:
ponteiras ligadas, se é que me entendem...
O que não ficou muito claro para mim, foi se
Alexander queria sujar a imagem da nossa querida
Charlotte, ou a limpar quando deu a ordem que
ninguém teria acesso a essas fotos.
Ninguém, exceto eu.”
— Que porra é essa? — vocifero quando termino de ouvir.
— Eu é quem digo... que porra é essa, Alexander? —
Charlotte devolve. — Você afirmou que todas as merdas das fotos e
vídeos haviam sido apagadas.
É algo instantâneo quando a minha mão sobe até a têmpora
e eu a coço, respirando fundo. Jogo o celular de volta para ela, que
entrega a Daniel por cima do ombro, e óbvio que o babacão o pega.
— Quem foi o idiota de vocês que deixou alguém escapar
com essas merdas? — eu pergunto ao time, que está no vestiário.
Eles me olham assustados sem entender.
— Vazaram a foto da Charlie? — Bellamy, o capitão do time,
pergunta.
— O que você acha? — respondo retoricamente.
Ele respira fundo, parecendo estar com tanto ódio quanto eu.
— Mas tudo foi apagado — Zach diz com certeza e eu me viro
para ele.
— Será que você não deixou nada escapar? — sondo.
— Ou será que não foi você? — Charlotte se mete, eu volto
para ela e vejo que se refere a mim.
— Está falando sério?! — corto-a. — Ao menos todos os
celulares que eu vi, verifiquei até mesmo os apagados e enviados,
mas claro, esqueci que você não confia em mim, mas sim nele. —
Aponto para Zach.
Ela me olha com desdém.
Jamais fiz questão de ser alguém importante na vida de
Charlotte, nunca forcei nenhum tipo de proximidade entre nós dois.
Se sou próximo a ela, ou a conheço, não é porque eu quero, mas fui
forçado a vida inteira a isso.
E mesmo não simpatizando com ela nem um pouco, eu tenho
algo que se chama princípios, o que teria por ela, a pessoa que mais
desprezo, ou por minha mãe, a que eu mais amo. Meus princípios de
modo algum me permitiriam deixar qualquer pessoa escapar com a
porra das fotos íntimas dela, ou mentir para ela.
Depois de um fim de semana inteiro de mensagens dela, que
sequer me deixaram dormir, eu perturbei o time inteiro para ter a
certeza de que eles apagaram tudo. Contudo, houve uma exceção, e
essa foi Zach, pois mal tenho suportado olhar para ele sem querer
enganá-lo.
— Do que eu adiantaria eu confiar em você? — ela rebate. —
Em vinte anos você nunca me deu motivos para isso, e agora,
quando tentei minimamente fazer isso, veja só. O campus inteiro
agora tem um vídeo meu sendo exposta.
— E a culpa é minha, certo?!
— Claro que sim — ela se exalta. — Você quem jogou água
em mim, o único culpado por isso é você.
Fecho os olhos e respiro fundo, sentindo minhas narinas
dilatarem.
— Primeiramente, você fez uma fofoca sobre mim — aponto.
— E segundo, quem foi se mostrando demais foi você.
— O que você quer dizer com isso, Alexander? — Charlotte se
aproxima de mim.
— Que se você não estivesse tão interessada em pular na
porra do pau do Zach, nada disso teria acontecido.
Não tenho tempo de me preparar para o próximo movimento
de Charlotte quando a palma da sua mão estala em meu rosto, que
se vira instantaneamente para o lado devido a força usada por ela.
Minha pele arde e volto a fitá-la, descrente.
— Retire o que disse. — Sua expressão está fechada quando
ela ordena.
— Não estou mentindo. — Sua mão sobe, prevejo o seu
próximo golpe e a pego pelo pulso. — Dessa vez não — aviso.
A veia da têmpora de Charlotte pulsa e vejo todo o seu corpo
estremecer e sua respiração parar por um milésimo, com isso acabo
a libertando do meu toque.
— Você vai me pagar caro pelo que disse — ameaça. Ela sobe
o dedo voltando a apontar na minha cara. — Mas antes, você vai
resolver isso.
— É claro que eu vou — digo entredentes.
— Não seja irônico, Alexander.
— Não estou sendo a porra de um irônico, Charlotte. Se eu
disse que vou resolver, é porque eu vou resolver.
Ela para por alguns segundos, mantendo o queixo erguido
quando desce a mão. Meus olhos estão fixos nos dela, que estão tão
raivosos que o azul se transformou em uma linha fina quase
imperceptível.
Charlotte não é a única com raiva de toda essa situação.
Quando vi os celulares apontados na nossa direção e as
dezenas de fotos e vídeos que estavam sendo tiradas e gravados
naquele momento, a única coisa que me veio à cabeça foi a merda
da próxima publicação da Dirtymouth. Eu tentei agir rápido para que
nada vazasse.
Embora eu odeie admitir, até o merdinha do Zach foi rápido e
conseguiu intimidar as pessoas. Todo o time esteve concentrado em
um só objetivo, que a exclusão total dos conteúdos, portanto é
compreensível que eu esteja louco para quebrar a cara de alguém,
mesmo que esse alguém seja o nosso melhor goleiro.
— Acho bom mesmo — ela finaliza antes de me dar as
costas.
O vestiário inteiro fica calado, todos observando a saída
dramática de Charlotte, em seguida todos me olham com um certo
receio, mas também curiosos. Até mesmo o Daniel, que permaneceu
após a saída da sua ex namorada.
— O que você está fazendo aqui ainda? — questiono ao
encará-lo.
— Quero saber o que você vai fazer, não é óbvio?! —
devolve.
Respiro fundo apenas para que meu acesso de raiva não seja
descontado nele e relevo a sua presença, antes de me juntar ao
capitão do time e anunciar nossos próximos passos.

— Celular e bolsa. — Paro Anna, estendendo a mão na sua


frente.
— Com licença? — A loira tenta desviar do meu caminho.
— Celular e bolsa — repito.
— Não.
Quando suas sobrancelhas sobem em um tipo de desafio, eu
tomo o celular da mão dela, que me olha com desgosto quando
aponto a tela em seu rosto para desbloquear.
— Isso é violação de privacidade, é crime. — Ela tenta tomar
o aparelho da minha mão enquanto faço uma varredura em todos os
seus aplicativos, e principalmente no aplicativo da Dirty, excluindo a
última publicação.
Por mais tóxico que seja, o proprietário do aplicativo dá o
livre acesso para as pessoas que se conectam a ele, desde envio de
mensagens diretamente para a própria Dirty, até apagar as
publicações dentro do próprio aplicativo. Um pouco complexo, eu
sei, mas se eu quiser remover alguma publicação dela no meu
aplicativo, basta ir no lixo.
— Sabe outra coisa que é crime? Vazar fotos íntimas de
outras pessoas — respondo, devolvendo o aparelho depois de ver
que ele está limpo. — Bolsa — peço, e ela me dá. Me surpreendo
quando pego a bolsa dela e vejo o tanto de papel amassado que há
lá dentro. — Por que você carrega esse tanto de papel do print da
DM? — questiono.
Infelizmente, algum engraçadinho, não bastando o episódio,
tirou um print da página e imprimiu, queria poder encontrar quem
fez isso.
— Eu não carrego, eu estou tomando das pessoas. Assim
como vocês idiotas do hóquei — ela explica. — A Charlie é minha
irmã, esqueceu?
— Até onde eu sei ela é filha única. — Devolvo a bolsa a ela.
— Haha. — Ri irônica. — Você sabe que estou falando da
fraternidade. — Ela pega a bolsa e pende em seu ombro quando
passa a andar ao meu lado. — Alguém já encontrou algo?
— Não. — Bufo quando paro outro aluno, pedindo o celular
dele. Anna nem mesmo pede, apenas toma a mochila do garoto,
antes de a inspecionar. — Somente o Bellamy que prensou o
pescoço de um idiota contra a parede por tentar usar um aplicativo
para tirar o borrão do gif.
Desde que saímos do vestiário, todo o time está focado
apenas em tirar de circulação a publicação da DM, além de conferir
qualquer outro aluno se tem a foto no celular. Daniel, que se
manteve no vestiário, também juntou o time de basquete para a
fiscalização.
Pois há somente duas opções para a foto disso tudo ter
vazado.
Um: ela foi enviada direto para a maior fofoqueira do campus,
ou dois: a maior fofoqueira estava na festa e conseguiu se safar.
Tem também a terceira possibilidade que fica no meu
subconsciente a todo momento, e essa possibilidade se chama
Zach.
Evan tentou me fazer parar de acusar nosso parceiro de
equipe, e eu até estou tentando. Quer dizer, minha boca não fala
nada, mas nada me tira da cabeça que ele deixou algo escapar.
Minha mãe sempre me disse que eu sou muito bom ao reconhecer
as verdadeiras intenções das pessoas ao meu redor, e eu tenho visto
um alerta vermelho em Zach desde que o idiota pediu o número de
Charlotte.
— As outras garotas da fraternidade estão ajudando também?
— pergunto a Anna e ela anui.
— Sim, Dakota fez toda a torcida juntar os folhetos; Shantal e
o clube de cinema estão fazendo o mesmo que você, tomando o
celular das pessoas; além de todos os patinadores, claro.
— E Charlotte?
Anna encolhe os ombros.
— Em casa talvez, não a vi desde que cheguei no campus.
Se bem conheço Charlotte, por mais que me custe assumir
que sei os detalhes de como ela age quando está mal, ela com
certeza não está em casa, mas sim em alguma pista de gelo pela
cidade ou redondeza.
Ela não iria para o rinque onde treinamos e também acontece
os jogos, afinal fica dentro do campus, e provavelmente ela não
queira ver ninguém do corpo estudantil.
Quando as coisas saem do controle dela, patinar é a única
solução que ela encontra para se libertar, por isso ela iniciou a
manhã com treinos. Por isso também eu pedi ao treinador para que
nos liberasse a primeira a hora do dia, durante as centenas de
mensagens dela. Imaginei que a publicação e a possibilidade de
alguém ainda possuir vídeos e fotos estariam perturbando a sua
cabeça, então para que eu tivesse um pouco de paz, decidi tentar
ceder um pouco para ela também ao fazer o pedido a Heating.
A primeira vez que eu soube que Charlotte preferia o gelo a
qualquer outra coisa, foi no terceiro dia depois que ela viu seu pai
colocar as malas dentro de um táxi e ir embora. Ela não tinha ido
para escola nos dois primeiros dias, eu também não, pois tudo havia
se transformado em um grande caos.
Quando a vi sair de casa naquela manhã na bicicleta rosa
com uma cestinha, eu peguei o meu skate e a segui, era inverno na
época e a cidade estava cheia de pistas de gelo para as pessoas
patinarem. Como era cedo, a única que deslizava as lâminas dos
patins no local era Charlotte, e eu permaneci à espreita por horas,
apenas observando-a deixar para trás o pai que havia ido embora e
mãe que tentava colocar as coisas em ordem dentro de casa.
Mais tarde quando voltamos, não apenas a mãe de Charlotte
estava irada e preocupada, mas a minha também.
— Eu não gosto da Charlotte, mãe. Mas eu não podia deixar
ela ficar sozinha depois de tudo isso. Pede para a madrinha não
brigar com ela, ela também está mal.
Foi o que eu disse à minha mãe quando me apressei para
chegar em casa antes de Charlotte. Minha mãe apenas beijou minha
testa e conversou com a mãe dela. Nesse dia, Alice realmente não
brigou com Charlotte, mas nos outros, ela ouviu muito sobre como
era irresponsabilidade fugir de casa sem dizer nada a ninguém.
Depois de passar por mais uma dezena de alunos e verificar
os pertences deles, além de jogar os panfletos no lixo e atear fogo
nos papéis, eu peguei meu carro para vir até James Campion, o
único rinque de patinação fora do polo da Dartmouth.
Não precisei nem entrar para ter a certeza que ela estaria ali,
afinal, o Honda Civic verde de noventa e cinco, que pertence a ela, é
o único carro que está estacionado ali.
Os olhos de Charlotte me encontram no mesmo instante em
que me recosto na parede de proteção do rinque. Ela vira de costas,
contudo, patina em minha direção.
— O que você quer? — pergunta para passar ao meu lado.
— Apenas informar que excluímos a publicação de todos os
celulares, e as impressões que foram feitas, queimamos tudo. Não
há uma foto sua em qualquer celular em todo o campus.
Ela faz um rodopio e em seguida se apoia em apenas um pé.
— A Dirty pode não ter a foto no celular, mas em algum outro
lugar sim.
— Quanto a isso, nós vamos descobrir quem está por trás do
aplicativo de uma vez por todas.
Charlotte nega com a cabeça e franze o cenho.
— E por que eu acreditaria no que você diz?
Ergo os ombros e inclino meu corpo para frente, me apoiando
na parede de proteção.
— Não preciso que você acredite no que eu digo. — Sorrio de
canto para ela, que pega velocidade e faz um salto, dando dois giros
e meio no ar.
— Então por que você está aqui? — pergunta quando
aterrissa no chão.
— Já te disse, apenas para te informar.
— Não precisava, Shantal me enviou uma mensagem há dez
minutos quando colocaram fogo em tudo.
Balanço a cabeça e apenas concordo com ela. A assisto dar
mais algumas voltas no rinque enquanto ela ignora totalmente a
minha presença, apenas se importando com suas coreografias.
Passo alguns minutos acompanhado de saltos e giros no ar e apenas
quando me dou por satisfeito é que dou as costas e saio de lá, sem
me despedir dela. Nós nunca fazemos isso, afinal, sei que ainda vou
ter que enfrentá-la mais um milhão de vezes.
Vou te dar mais uma chance
Nós vamos ter mais uma briga
Disse mais uma mentira
Eu vou conhecer você?
ROBBERS | THE 1975

Meu rosto se transforma em uma careta quando pego a prova


do final do semestre, mas meus olhos só chegam a se revirar
quando ouço um assobio atrás de mim.
— Que horror, patinho feio, um seis — o irritante do
Alexander diz.
Me viro em sua direção, ele está a uma fileira atrás de mim
no auditório, por isso preciso erguer o queixo para encará-lo.
— Como se você tivesse ido melhor do que eu — ironizo.
— Mas eu fui. — Ele sorri de canto quando recebe a prova
dele, imediatamente virando-a para mim.
Estremeço.
— Um dez?! — Minha voz sai cantada quando meu cenho se
franze.
A resposta dele vem através de um dar de ombros.
— É porque eu tenho algo que você é desprovida, e isso se
chama inteligência.
— Vai à merda, Alexander. — Viro de volta para frente, mas
ainda assim ouço a risada rouca dele, aparentemente feliz por ter
me irritado.
Leio todas as questões que errei por mais três vezes
enquanto Cora, a professora responsável pela Psicologia
Experimental, discursa sobre o próximo semestre, que inclusive já
me inscrevi. Faltam apenas cinco dias para o final das aulas, antes
do recesso de inverno, algo que será útil para que eu possa de uma
vez por todas fazer com que essa maldita matéria entre na minha
cabeça, antes de ir para a parte mais avançada dela.
Eu poderia ter sido melhor na prova, confesso, mas a
preocupação sobre a Dirty ter acesso a uma foto que pode me
comprometer ainda é constante. Por mais que já tenha três semanas
e nas últimas publicações eu não estivesse em nenhuma pauta,
todas as vezes em que o aplicativo notificou, meu coração parou, e
só voltava depois que eu ouvisse todo o conteúdo e verificasse as
fotos.
Segundo Zach – que durante todo esse tempo seguimos
apenas trocando mensagens e as vezes ele aparece durante o meu
turno, no café onde eu trabalho –, os garotos do time estão
realmente interessados, mais do que nunca, em descobrir quem está
por trás disso.
Até se juntaram aos garotos do time de basquete para isso, o
que é surpreendente, visto que até antes disso, eles viviam
brigando. Alexander e Daniel que o diga.
E falando no bastardo, levanto o dedo do meio quando ouço-
o sussurrar a nota dele outra vez. Pois uma coisa que jamais irá
mudar é a forma como eu o odeio.
— O problema da grande maioria que cursa psicologia hoje
em dia, é justamente isso... — Minha atenção volta a Cora, quando
ela pausa e me encara. — Por que seu dedo está levantado?
No mesmo instante abaixo a mão e a senhora de sessenta e
tantos anos estreita os olhos na minha direção, enquanto eu tento
disfarçar olhando para os lados e para trás.
— Ela está falando com você, Cameron — Alex diz em alto e
bom som.
O fuzilo com os olhos, sentindo meu rosto inteiro esquentar.
Me viro.
— Eu?! — Aponto para meu peito.
— A senhorita mesmo, Charlotte — ela afirma e começa a
subir as escadas do auditório. — Desconfiei que você não gostava
dos assuntos discutidos em aula com a sua nota, mas seu gesto
seria uma falta de respeito, não acha?
Engulo em seco e meu rosto queima ainda mais quando ela
chega no patamar da fileira onde estou.
— Eu gostaria de usar a quinta emenda, senhora —
respondo.
A sua cabeça pende para o lado e ela solta um risinho.
— Não estamos em uma aula de direito, mas você é esperta,
Charlotte Cameron, isso devo admitir. E provavelmente deve assistir
Lei e Ordem, ou Suits. — Ela dá de ombros. — Mas eu sei muito
bem para quem você estava faltando com respeito no meio da
minha aula. — Os olhos dela se viram na direção de Alexander.
Apesar de não o ver, consigo sentir o momento em que ele se
endireita em seu assento.
— Os embates de vocês em minhas aulas já são bem
conhecidos, é por isso que no semestre que vem, os dois — ela
aponta de Alexander para mim —, estarão à frente do projeto de
experimentos e estatísticas.
Meus olhos se arregalam, contudo, Alexander é mais rápido
do que eu, ao questioná-la.
— Que projeto?
— O que eu vou encaminhar para o e-mail institucional de
vocês. — Cora se vira e começa a descer as escadas. — Quem sabe,
trabalhando juntos, vocês finalmente consigam derreter o gelo entre
vocês. Vocês estão dispensados. — Ela finaliza a aula.
Junto as minhas coisas apressadamente, jogando tudo na
bolsa de qualquer jeito e me apresso para sair do meu lugar, ao
ponto de empurrar a pessoa ao meu lado, me desculpando com ela
em seguida e desço as escadas de dois em dois.
— Nós podemos conversar, senhora Sherman? — a chamo
pelo sobrenome, ela levanta uma sobrancelha e acredito que isso é
o suficiente para que eu continue. — Primeiro gostaria de me
desculpar pela minha grosseria durante a sua aula, talvez eu tenha
algum distúrbio. — Dou de ombros. — Não sei, pensamentos
intrusivos, sabe?! Eu também já fui diagnosticada com afefobia.
— Sei disso — ela me interrompe. — Mas o seu medo não
tem nada a ver com os últimos três meses e meio de aula, e nem
todas as vezes em que você e Alexander Harrison brigam, seja na
minha aula, ou em outras.
— Não estou colocando minha fobia como desculpa, é que
realmente não vai rolar.
— Não vai mesmo — Alexander chega logo ao meu lado.
— É isso, ou nenhum de vocês irão pagar a próxima cadeira
— ela refuta simplesmente.
Meus olhos se viram para Alexander, me sinto desesperada
com isso, nós dois já passamos por isso antes, várias vezes para
falar a verdade, principalmente na escola. Foram de trabalhos
escolares até planejar bailes e apresentar escola a alunos do
intercâmbio, e eu me desespero por motivos óbvios.
Se em quase vinte e um anos, nunca deu certo antes, por
que agora iria dar?
— Professora Sherman, me desculpe, mas isso seria um tanto
quanto injusto — Alexander chama a atenção dela.
— Por quê?
— Mesmo que Charlotte seja uma mal educada, eu não sou
como ela...
— Está falando sério? — O encaro chocada, interrompendo-
o.
— Quem fica me mandando ir à merda a todo instante é você
— alega antes de voltar para a professora, que apenas nos reprova
com o olhar. — Como eu estava dizendo, senhora, eu sou um bom
aluno, fora que tirei nota máxima em todas as provas, fora testes e
trabalhos, enquanto Charlotte...
É a vez de Cora fazer com que Alexander pare de falar
quando levanta a mão, e nega com a cabeça.
— Não sei exatamente quem disse que você é diferente dela,
pois na minha frente eu vejo duas pessoas irritantemente iguais. —
Ela pega a sua pasta e coloca embaixo do braço. — Vou mandar os
detalhes do projeto por e-mail, aproveitem o recesso de inverno
para começar a pesquisa enquanto isso, caso desejem. Podem
desistir da cadeira, mas saibam que nenhum dos dois serão aceitos
nas minhas próximas aulas. — Ela nos dá as costas. — Essa é a
única chance de vocês.
Meus pés parecem que estão pisando em cimento quando eu
simplesmente estanco no mesmo lugar, assistindo-a ir embora,
enquanto imagino o inferno que será ter que passar dias
desenvolvendo um projeto de uma matéria que odeio, de uma
professora que eu odeio, com a pessoa que mais menosprezo em
minha vida.
— Está feliz? — pergunto a Alex, fuzilando-o.
— Quem começou foi você — ele responde.
— Por que você tem sempre que dar uma de bonzinho na
frente dos outros?
— Deve ser porque eu sou bonzinho.
Reviro os olhos.
— Já que você é tão bonzinho, fique sabendo que você fará o
projeto sozinho. — Começo a andar, para sair do auditório.
— Vai desistir do curso, patinho feio?
Bufo ao ouvir o apelido idiota pela terceira vez apenas hoje.
— Não, mas você irá fazer tudo sozinho de toda forma, uma
vez que tirou um fodido dez — respondo quando saímos e o vento
frio atinge minha pele.
Estamos no meio de dezembro e as temperaturas do
Nordeste do país estão cada vez mais baixas. Agora, por exemplo,
mesmo que o dia ainda esteja claro, está fazendo menos dois
graus.
— Apenas nos seus sonhos que eu vou fazer um projeto
inteiro e ainda dizer que você participou dele, patinho feio.
Estanco meus passos e Alexander, que permanece ao meu
lado, também.
— Quanto você quer para parar de me chamar assim?
— Você sair da minha vida de uma vez por todas seria uma
boa — responde.
Meus olhos se reviram internamente.
— Acredite, não vejo a hora disso acontecer também. — Volto
a andar e ele permanece ao meu lado até entrarmos no próximo
auditório, uma vez que pegamos todas as matérias juntos.
A verdade é que Alexander é pior do que uma pedra no meu
sapato, que insiste em me incomodar, ele é como uma sombra
mesmo, pois para onde quer que eu olhe, ele sempre está lá.

Já passam das oito da noite quando Zach, Evan, Bellamy,


James e claro, Alexander, entram no Rosie’s Café e o sininho da
porta toca quando o último entra no local.
Encaro Shantal, que está com a placa de fechado em mãos
próxima a porta por onde os cinco atletas acabam de entrar e se não
fosse a diferença de cinco segundos, talvez nós estaríamos
começando a limpar as coisas para encerrar nosso turno de seis
horas na cafeteria.
O Rosie’s é um típico café americano, com decoração dos
anos cinquenta. A decoração toda em rosa chiclete e detalhes em
azul turquesa, que chega a cansar os olhos se passar muito tempo
dentro. As mesas na realidade são cabines e o único café que
servimos é o expresso puro, pois como todo café clássico com
decoração dos anos cinquenta, o que servimos mesmo é batatas
fritas, hambúrgueres e milk shakes.
A roupa que usamos também é o clássico vestidinho azul
escuro de botões, avental branco amarrado na cintura, meia-calça e
tênis. As cores são extravagantes e a roupa um tanto quanto
misógina, mas o valor por hora é excelente, devo admitir. É por isso
que trabalho três dias na semana aqui, uma vez que preciso trocar
de carro o quanto antes.
— Pedra, papel e tesoura para quem vai atender? — sugiro à
minha amiga e também companheira de turno.
— Por que você não atende e enquanto eu limpo? — ela
devolve e eu faço uma careta. — Vamos lá, eu não quero ter que ver
a cara do Bell depois de ter dado um fora nele, e o Zach está
olhando para você — ela sussurra.
Meus olhos encontram Zach de relance e quando ele sorri, eu
sorrio também, mas logo morre quando encontro Alexander também
me encarando.
— O Alexander está lá — aviso.
— E ele vai estar lá hoje, amanhã e sempre. — Shantal
descansa os ombros. — Por favor — pede ao pegar os cardápios e
me entregar.
Ela bate os cílios várias vezes e um sorrisinho se forma em
seus lábios, mas cruel na mesma proporção.
Durante a festa da fogueira, que aconteceu há quase quatro
meses, no início do semestre, ela estava pronta para beijar Bellamy
– o capitão do time de hóquei –. Contudo, ela começou a rir quando
o viu fazendo um biquinho e não conseguiu parar depois disso. Ela
tem o evitado desde então.
O idiota do Alexander rouba minha atenção quando começa a
assobiar.
— Alguém vai anotar nossos pedidos, ou quê?!
— Por favor — Shantal pede mais uma vez.
— Está bem. — Roubo os cardápios da sua mão. — Mas você
vai limpar tudo novamente no próximo turno.
Ela sorri, sabichona.
— Que é só ano que vem, ainda bem. — Suas mãos se
erguem, como se ela estivesse em oração.
Devido ao recesso de ano novo, e como somos estudantes,
nós duas também ganhamos folgas durante os dias do recesso no
restaurante que trabalhamos desde que ainda éramos calouras.
— Estávamos prontos para fechar — digo no instante em que
começo a entregar os cardápios e pego o bloquinho de notas no
bolso do avental.
Alexander pende a cabeça para o lado, ele está em uma das
pontas da cabine.
— Você não deveria falar o roteiro sobre ser bem-vindo e
blábláblá? — Semicerra os olhos.
O imito.
— Você não deveria cuidar da sua vida e fazer o pedido de
uma vez? — devolvo e depois me viro para Zach. — O último jogo
antes do recesso é amanhã, certo?
Ele balança a cabeça animado, concordando.
— Você deveria ir, Charlie — Bellamy diz. — E levar a Shantal
com você. — Ele olha para algo além de mim e eu sigo os olhos
azuis dele, encontrando minha amiga limpando a bancada quando
viro a cabeça.
— Tsc. — Estalo a língua no céu da boca. — Ela não iria —
mando a real.
— Mas você... — Zach hesita, engolindo em seco, em seguida
ele coça a garganta. — Digo, você iria?
A verdade é que já faz mais de um mês que Zach e eu
conversamos, só tivemos um encontro real no total e desde que ele
soube como eu me sinto a toques, ele parece querer criar um tipo
de confiança entre nós dois. Por mais que eu tenha dito a ele, com
todas as letras, que estou interessada em sexo.
Ele é fofo, confesso, tentando se aproximar e tudo mais. Mas
a aproximação que preciso é outra.
— O que eu ganharia indo ao jogo? — Mordo o lábio inferior.
Evan, que está ao lado de Zach, fecha a mão em punho e
cobre a boca e assisto o momento em que o rosto do goleiro fica
sem cor, empalidecido.
Espero uma resposta dele, contudo, sou obrigada a me virar
para o outro lado da cabine quando James, que está ao lado de
Alexander, grita.
— O James quer fazer o pedido dele — Alexander avisa.
O encaro, sem entender.
— O dele já está anotado, ele sempre perde a mesma coisa,
sanduíche de frango com suco de amora.
Vejo o cotovelo de Alexander se mexer quando ele atinge a
cintura de James, que reclama outra vez.
— O que, cara? — o amigo dele pergunta, parecendo atônito
a situação.
— Você acabou de dizer que ia pedir outra coisa — Alex
responde.
— Não disse nada, eu sempre peço o mesmo.
A resposta de James me faz sorrir- e eu pisco o olho para ele,
enquanto Alexander respira fundo, balançando a cabeça
minimamente. Volto a minha atenção a Zach, depois de Evan e
Bellamy fazerem o pedido, enquanto o cara que eu tento a todo
custo manter longe da minha vida não pede nada.
— E você Zach, o que vai querer? — pergunto, me inclinando
na direção dele.
— Apenas um suco verde, e eu tenho uma coisa para você,
talvez?! — Ele hesita ao pegar a sua bolsa.
— E o que seria? — pergunto curiosa.
Zach pede um instante e então abre a bolsa, tirando lá de
dentro uma camisa do time de hóquei da faculdade. Minhas
sobrancelhas se unem quando ele estende a peça em minha
direção.
— Um uniforme do time — reparo e os amigos dele riem.
— Com meu número. — Ele aponta e só então eu viro noto o
número dele estampado, além do sobrenome atrás também.
Como eu disse, fofo, afetuoso até demais até, ao ponto do
meu estômago embrulhar, mesmo que ele não esteja me tocando,
ainda assim, isso me causou um nervosismo que tento disfarçar.
Engulo em seco e dou meu máximo para sorrir de forma
genuína.
— Não esperava por isso — sou sincera. — Mas com certeza
usarei ela amanhã. — Na esperança de que você a tire, penso, mas
me mantenho calada.
— Te vejo amanhã no jogo, então.
— Pode ter certeza que sim.
Com os pedidos em mãos, eu me despeço e digo que já volto
com eles, enquanto os deixo conversando, levo a comanda até a
janela que há entre o salão do café e a cozinha.
Quando me viro de volta, levo a mão no coração e engulo o
grito que estava prestes a soltar quando vejo que Alexander estava
logo atrás de mim, pois não havia notado a sua presença até então.
— Pode anotar meu pedido, Charlotte? — ele é seco quando
pergunta.
Respiro fundo a fim de não o xingar, pois esse é o único lugar
que não me dou esse direito, afinal, preciso do dinheiro.
— Fala — digo ao apoiar a ponta da caneta no bloco.
— Uma batata frita, dois hambúrgueres e três milkshakes de
morango.
— Não servimos nada com morango. — Paro de escrever. — E
você sabe bem disso, fora que sua nutricionista jamais liberaria
tantos carboidratos na véspera de um jogo.
— Cancela os milkshakes, então. — Ele ignora meu
comentário. — Adiciona mais uma batata, e duas cocas zero.
— Mais alguma coisa, senhor? — pergunto irônica.
— Que você nem ouse pisar naquela arena amanhã. Agora
pode ir. — Ele sorri falso ao me entregar o cardápio, que eu pego,
rebatendo de sua mão.
— Desculpa, mas não temos essa opção no cardápio
também.
— Você não ousaria ir ao jogo amanhã.
— Não?! — Minhas sobrancelhas se erguem.
— Meus jogos são os únicos momentos de paz que eu tenho
longe de você, então não, você não ousaria. Ainda mais usando esse
trapo. — Ele olha com nojo para a Jersey branca, com detalhes em
verde escuro.
Eu rio.
— Inacreditável como depois de anos você ainda me
subestima assim, Alexander. Porque eu jamais faria algo que você
manda ou pede, então sinto te avisar, amanhã não será um dia nada
pacífico para você.
As narinas dele se dilatam e posso ver ele morder o interior
da bochecha.
— Eu estou falando sério, Charlotte.
— Eu também. — Cruzo os braços. — Eu vou a esse jogo, e
vou usar esse trapo, sim.
Seus olhos se fecham e levanta a mão, apenas para coçar a
têmpora. Alexander está perdendo a paciência. Perfeito. Ele demora
alguns segundos antes de voltar a abrir os olhos e eu consigo
enxergar novamente o brilho dos olhos castanhos – quase dourados
–, quando ele me fita.
— Você não vai. — Ele aponta, em tom de ameaça.
— E quem vai me impedir?
— Eu — responde simplesmente, com a voz áspera
— Para isso você teria que perder o jogo.
— Se for para impedir a porra da sua ida até ele, pode ter
certeza que eu perco.
Descanso os braços e projeto meu corpo para frente,
inclinando meu queixo para cima, meu peito sobe e desce em uma
respiração tranquila e meus dedos agarram minha cintura. Um
pequeno sorriso se ergue no canto da minha boca.
— Vamos ver se você seria capaz, então.
Alexander me fita, em seguida ergue os ombros.
— Vamos ver.
Eu não gosto do jeito que ele está olhando para você
Estou começando a achar que você o quer também
Eu estou louco? Eu perdi você?
JEALOUS | NICK JONES

— Uni, du, ni, tê. Salamê, minguê, o pescoço escolhido foi...


— Arremesso o disco na rede do gol, ele é tão rápido que passa
entre as pernas de Zach. — Você — cantarolo no final.
Dou espaço para que Evan se ponha no meu lugar, visto que
ele é o próximo na linha para acertar o disco na rede do gol. Faltam
poucos minutos para o início do jogo contra o time da Columbia e
estamos aquecendo.
Melhor dizendo, o time está aquecendo, eu estou querendo
esganar o Zach.
Não entendo muito bem como isso vem acontecendo, mas
acontece que todas as vezes em que vejo o maldito rosto dele, ou o
sorriso faceiro em seu rosto, ou até mesmo a inocência nos seus
olhos, me dá uma vontade imensa de matá-lo. Chega a ser
engraçado o tanto que eu quero esganá-lo, que quando eu sorrio
olhando para ele, que sai da frente do gol e dá a vez ao próximo
goleiro do nosso time, solto uma risada sádica.
— O que era aquilo que você estava cantando? — Evan
pergunta quando se põe ao meu lado e dá a vez a Bellamy.
— O que? — Me viro para ele, tirando a atenção de Zach.
— Sobre pescoço escolhido e etecetera — conclui.
Dou de ombros. O juiz apita para que a gente vá para o
banco, para aguardar o início do jogo e assim nós fazemos, Evan e
eu patinando lado a lado.
— Em algum momento imaginei o disco encontrando o
pescoço do Zach. — Pendo a cabeça para o lado. — Mas bem que
poderia ser o da Charlie, também. — Penso por um segundo.
— Então você está todo estranho desde ontem sobre isso? —
Evan ri ao negar com a cabeça.
— Sobre isso o quê? — De repente ele parece ter começado a
falar em código comigo, porque eu não entendo o que ele realmente
quer dizer.
— Zach e Charlotte.
— O que tem eles? — Franzo o cenho.
— Você ficou todo putinho quando ele deu uma camisa com o
número dele e pediu para ela vir ao jogo vestindo-a.
Sinto meu rosto inteiro se contorcer, se transformando em
uma careta.
— Não fiquei nada — me defendo.
— E eu tenho o pau pequeno — ele ironiza, enquanto eu
pendo para a cabeça para o lado, estreitando os olhos. — E você
sabe que eu não tenho o pau pequeno. — Ele leva meu olhar como
uma ofensa quando me repreende.
Eu rio.
— Não sei, eu nunca vi. — Dou de ombros. — Mas eu não
fiquei puto com isso — me nego instantaneamente.
— Vamos fingir que não. — Ele ri de mim outra vez. — Se eu
não soubesse o tanto que você odeia a Charlotte, poderia dizer
facilmente que você está com ciúmes dela.
De repente, sinto o ar em meus pulmões retesarem e começo
a tossir, não sei ao certo se pela surpresa pelo que meu amigo acaba
de falar, ou se pela vontade que sinto de gargalhar nesse momento.
— Até parece que eu sentiria ciúmes de alguém como a
Charlotte.
— Alguém como a Charlotte?! — ele pergunta ao levantar as
sobrancelhas.
Pego uma garrafa de água quando chegamos ao banco e a
abro, tomando um gole.
— Preciso mesmo explicar para você tudo o que a Charlotte é,
nessa altura do campeonato?
Evan endireita o corpo, tomando a garrafa da minha mão.
— Eu gostaria, para falar a verdade, pois o pouco que
conheço de Charlotte, eu simpatizo com ela. — Ele toma um gole da
água e em seguida limpa a boca. — Fora que ela é uma gostosa —
aponta.
Engulo em seco, sentindo toda a minha pele pinicar, enquanto
meus ossos se contorcem, evitando ao máximo não levar minha mão
até a cabeça. Não estou com raiva nesse momento, então não
haveria motivos nenhum para ter tal reação.
— Um: Charlotte não é gostosa — digo, levantando um dedo
enquanto minha pele formiga, pegando fogo. — Dois: ou você é
meu amigo, ou você simpatiza com ela. — Levanto o segundo dedo.
— Três: no dia em que eu sentir ciúmes de Charlotte Cameron, pode
ter certeza que foi nesse dia em que o mundo acabou.
Evan apenas anui, concordando e estreitando os olhos para
mim, antes de começar a me imitar levantando os dedos.
— Um: não há um cara do campus inteiro que não tentou
algo com ela depois que ela e Daniel terminaram.
— Porque todos só pensamos em entrar em um buraco, e não
na essência — o corto, mesmo que uma parte de mim esteja louca
para saber quem tanto quis ir atrás dela dessa forma.
Daniel foi o único cara que Charlotte ficou desde que
entramos na Dartmouth. O lance deles começou logo após o último
recesso de inverno e durou até o início das aulas.
Nas férias de verão, ele até mesmo chegou a viajar de Nova
Jersey até Connecticut, e se hospedou na casa vizinha à minha por
duas semanas.
Foram as piores duas semanas da minha vida. Sempre que
estava em casa fazia questão de usar fones de ouvidos ou ouvir
música alta. Era tentadora a minha vontade de acabar com a
felicidade e uivos de risadas que vinham da casa onde Charlotte
viveu a vida inteira, até a faculdade. Mas eu me contive e apenas
ignorei ela – como sempre fiz durante toda a minha vida –, e
também a Daniel.
— Continuando. — Evan me ignora. — Você não é meu dono.
E três: se você não tem nem um pouco de ciúmes de Charlotte,
então olha para trás.
A boca de Evan nem se fechou quando sinto meu corpo e
minha cabeça virarem. A primeira sensação que sinto é um frio
estranho no estômago, como se eu estivesse ansioso. Mas pelo o
que, exatamente?
Os meus dedos encolhem quando se fecham em punho,
aperto a mão com força, e eu também não entendo exatamente o
porquê dessa minha reação. Não estou exatamente com raiva,
alterado, talvez. Mas não há raiva.
Não até o instante em que Charlotte sobe a mão e começa a
acenar, mantendo seus olhos à esquerda e não centralizado na
mesma linha dos meus, como de costume.
Minha cabeça se vira em automático, procurando pelo
receptor do seu gesto, e então eu vejo Zach tirar o capacete, apenas
para passar os dedos entre os fios acobreados do seu cabelo. Ele
sorri, e também acena. Mordisco a parte interna da minha bochecha
quando ele solta uma piscadela para Charlotte e me viro novamente
para observá-la, que em contrapartida morde o lábio inferior, dando
um sorrisinho.
Sinto minhas narinas dilatarem quando respiro fundo.
Quem vê de fora pode até pensar que ela é meiga assim, mas
ela é igualzinha o golfinho-roaz do filme Flipper: fofo por fora, mas
traiçoeiro e cruel ao ponto de conseguir matar tubarões.
Por vezes pensei em mudar o apelido dela de patinho feio
para Flipper, afinal, esse combina bem mais com ela. Posso até
arriscar ao pensar dessa forma, mas a verdade é que a única pessoa
que conhece a verdadeira Charlotte e suas péssimas intenções sou
eu.
E de boazinha ela não tem nada. Prova disso é que ela se vira
na minha direção, sabendo muito bem que eu estou com a atenção
nela, e só então percebo que ela realmente teve a ousadia de além
de vir ao jogo, ainda usando a camisa que foi dada por Zach, onde
estampa o número dele.
— Não acredito nisso — rosno, rangendo os dentes.
Ouço a risada de Evan sussurrada próximo a mim.
— Ciúmes? — ele pergunta, divertido.
Me viro para ele.
— Sua sorte é que não é aceito brigas no rinque universitário,
mas me aguarde quando estivermos na NHL — o ameaço e ele ri
ainda mais.
— Você vai se guardar por mais dois anos apenas para bater
em mim no gelo por estar com ciúmes da Charlie?
— Sim — respondo de uma vez e Evan levanta a sobrancelha.
— Quer dizer, não. — Acabo me atrapalhando. — Vou esperar dois
anos para brigar com você no gelo, mas não é porque eu tenho
ciúmes da Charlotte.
— Então você assume que tem ciúmes dela?
Eu vou matar esse cara.
— Eu não tenho ciúmes dela — vocifero.
Sinto todos os olhares na nossa direção, devido ao meu
pequeno grito. Inclusive o treinador Heating, que chama minha
atenção.
— Harrison, quero você na linha de ataque junto a Parker. —
Ele se refere a Evan. — E o capitão Carter — chama Bellamy. —
Agora, vamos!
Minha discussão com Evan se dá por encerrada quando o
treinador nos joga no rinque e eu me movo até a posição inicial.
Hoje o jogo é na nossa arena e seguro o taco em uma mão
com firmeza, enquanto levanto a outra, apenas para cumprimentar o
público que veio assistir ao jogo. Confiro se meu capacete está no
lugar e em segundos o juiz apita, jogando o disco entre nós, dando
início ao primeiro tempo.
O primeiro a alcançar o disco é o central da Columbia, que o
protege em rápidas batidas no gelo, antes de passar para o lateral
que corre no gelo em direção ao gol. Tão veloz, James, meu colega
de quarto e também jogador da linha de defesa, consegue impedir o
próximo passe do nosso adversário, quando rouba o disco.
James não se dá o trabalho de proteger o disco quando o
joga na direção de Bellamy, que dá um giro sobre os patins e todos
nós corremos em direção ao gol do nosso oponente.
Quando a marcação vai para cima de James, ele joga o disco
na minha direção, uma vez que não há ninguém próximo a mim. O
disco se estabiliza no gelo e por um milésimo eu o encaro, enquanto
tão rápido meus olhos encontram os jogadores que vêm em minha
direção, como também o gol que está há alguns metros de
distância.
Eu ajo velozmente, indo na direção dos meus oponentes.
Quando chego próximo a eles desvio, levando o disco comigo e
dando a volta por eles, até que encontro uma saída. Por minha visão
periférica, faço um rápido cálculo de tempo e distância, mesmo que
seja difícil ter tantas certezas durante o turbilhão de emoções de
uma partida, então me aproximo um pouco mais do gol, mesmo
sentindo a defesa em meu encalço.
O disco ainda é minha propriedade quando chego próximo ao
goleiro, não preciso de tanta força, apenas com jeitinho e leveza, a
base do taco encosta no disco e ele entra agilmente no gol.
A torcida vai à loucura. Eu nunca me preocupei antes em
olhar para um rosto em específico sempre que um jogo está
acontecendo, nem mesmo quando meus pais viajam para assistir a
algum deles.
Ainda não faço isso, no entanto, algo me fez virar e meus
olhos miram o exato local onde Charlotte está de pé, aplaudindo,
juntamente a melhor amiga dela e também as fofoqueiras de
plantão, Dakota e Anna. As quatro estão sentadas na terceira fileira
da arquibancada, logo atrás do banco da Dartmouth. Engulo em
seco e tiro meus olhos dela o mais rápido que posso.
Ela nunca foi a um jogo meu antes, falei sério quando disse
que o único momento em que me livro dela por completo é quando
estou em um jogo. Talvez seja por isso que acabei de olhar para ela,
e talvez seja por isso também que eu esteja com raiva, e não porque
há o maldito número de Zach estampado no peito dela.

Meu humor não está dos melhores após o jogo, o que só


piora no instante em que estaciono o carro na entrada da garagem
da casa onde vivo com alguns companheiros de time.
Apesar do primeiro gol da noite ter sido o meu, a Columbia
nos atacou com tudo e com isso tivemos uma derrota de cinco a
dois. Nosso outro gol, sendo marcado por Bell, que me olha
espantado quando eu bato a porta do carro com força.
— Você está bem, cara? — ele me pergunta.
Meus olhos estão centrados na porra do Honda Civic caindo
aos pedaços, que está estacionado no meio-fio.
— Maravilhosamente bem, você não está vendo? — Forço um
sorriso quando tento olhar de volta para o capitão.
Ele faz uma careta.
— Com esse sorriso matador aí?! Está bem mesmo — ele
ironiza. — Mas veja bem, nós perdermos apenas hoje, todos os
outros jogos nós saímos na frente.
Bell dá a volta no carro e aproveita para dar dois tapinhas no
meu ombro ao se aproximar de mim. Franzo o nariz em uma careta
e desço o olhar até onde sua mão está.
— Odeio o fato de você ser capitão e ainda por cima dar uma
coach — falo, me esquivando dele e do seu bom humor.
— Tudo bem, zangado, mas vê se põe um sorriso na porra do
rosto, porque amanhã finalmente podemos voltar para casa por
alguns dias.
Hoje, além de ter sido o último jogo do ano – não da
temporada –, também foi o último dia de aula e com isso, estamos
em recesso até a primeira semana de janeiro. Isso significa que eu
tenho que ir para casa ficar com meus pais, e eu não serei a único a
fazer essa viagem.
— Não estou vendo nenhuma vantagem nesse recesso. —
Sou sincero quando começamos a caminhar rumo a entrada da
casa.
— Como não? O natal é a melhor época do ano.
Rio.
— Coach.
Bellamy solta um xingamento antes de abrir a porta para nós
dois entramos em casa. Nós fomos os últimos a chegar porque o
técnico nos chamou para uma conversa no vestiário sobre os
próximos jogos.
Nós temos tudo para chegar a Frozen Four esse ano, noventa
e cinco por cento dos jogos até o momento foram ganhos.
Dartmouth está na frente na conferência do Nordeste e com isso o
treinador chamou a nós dois, Bellamy por ser o capitão e eu como
um dos mais centrados, como faz questão de dizer Heating, para
focarmos nos próximos jogos após o recesso.
O que realmente não era preciso, visto que é para isso que
temos melhorado a cada jogo que passa. Dartmouth já esteve em
quatro Frozen Four, mas nunca conseguiu trazer o troféu de
campeão para casa, e por isso, nos últimos três anos, a faculdade
tem apostado em bolsas integrais aos destaques do Ensino Médio.
Eu fui um dos, assim como Bellamy, Evan e até mesmo Zach, que
vem lá da porra do Kansas.
O único dos que mora comigo que não tem a bolsa pelo
hóquei é James, ele entrou no time depois, durante uma seletiva.
Que por sinal é o que está na porta no momento em que ela é
aberta por Bellamy.
— Eles chegaram! — o Ken humano, não ironicamente, visto
que ele é alto, forte, tem cabelos loiros e olhos azuis iguais ao do
boneco, grita e dá as costas.
Evan vem correndo da sala até nós dois, quase tropeçando
em James, que caminha na direção de onde o outro acaba de vir.
Por sorte, Ken desvia do furacão Parker, que tem olhos arregalados
me olhando com uma certa preocupação enquanto eu tiro minha
jaqueta do time de hóquei.
— Antes que você faça um escândalo, a Charlotte está aqui —
ele avisa, exasperado, inclinando o corpo para frente ao se apoiar
nos joelhos, parecendo cansado.
— Eu sei. — Subo a sobrancelha.
— Como? — ele pergunta ao se endireitar.
— Talvez pelo fato da lata-velha dela estar estacionada na
nossa calçada — explico.
— Shantal também veio? — Bellamy pergunta interessado, a
covinha dele aparecendo quando ele sorri de lado.
Estreito os olhos para ele, já que o lance entre ele e Shantal
nem foi tão sério e ele segue interessado nela, mesmo depois da
vergonha que ela o fez passar na frente de todo mundo durante a
fogueira.
— Não, apenas Dakota e Anna. — A animação dele morre no
instante em que Evan responde.
— Cuidado com o que falam na frente das duas, elas podem
ser mais traiçoeiras que a Dirty — ele aponta, antes de deixar Evan e
eu sozinhos e subir as escadas, provavelmente indo para seu
quarto.
— Quem chamou elas? — pergunto a Evan, ao tirar as botas
que uso.
— Quem você acha?! — responde retórico.
— Eu vou matar ele — digo entredentes, quando começo a
resmungar andando em direção a cozinha. — Não basta todos os
gols que o maldito deixou passar enquanto sorria para a
namoradinha dele, só porque ela usava uma camisa dele. Ele deveria
ter vergonha depois do vexame que foi o jogo de hoje, e por culpa
dele. — Pauso. — Quem deixou ela envenenar nossa comida? — é o
que pergunto no instante em que vejo Charlotte mexendo uma
colher de pau, no que parece ser um molho de tomate em uma
panela grande.
Depois de um jogo, tudo o que queremos é comer, beber e
transar. Nessa exata ordem, principalmente depois de perder uma
partida.
Charlotte se vira na minha direção, mostrando o dedo do
meio.
— Oi, Harrison. — Anna e Dakota balançam os dedos ao me
cumprimentarem em uníssono.
Elas têm uma aposta para saber qual das duas eu pego
primeiro, isso é um conhecimento público, desde que as duas já
pegaram quase todos os caras do hóquei e eu sou a única exceção.
Até gosto de ver o interesse delas, mesmo sabendo que jamais vou
ficar com nenhuma das duas.
Minha regra é clara: se eu odeio a Charlotte, eu não pego
nenhuma amiga dela.
Ergo o queixo, como uma forma de cumprimento a elas que
estão na bancada. Como preciso pegar uma cerveja para conseguir
aturar o fato de que essas três estão na minha casa, e o fogão está
logo ao lado de Charlotte, meu corpo acaba trombando com o dela
quando ela se vira em direção a ilha que há no meio da cozinha. Ela
carrega consigo a colher de pau que estava mexendo há pouco, e
nisso, quando nossos corpos se esbarram, ela acaba sujando nós
dois.
— Por que você não olha por onde anda? — ela resmunga ao
se afastar e ver o estrago na Jersey que ainda usa.
— Eu quem deveria estar te perguntando isso, porque
primeiro, essa é a minha casa, e segundo você não é bem-vinda
aqui. — Olho para baixo, também para verificar o estrago na minha
camisa branca, que agora está com uma mancha enorme vermelha.
— Olha a merda que você fez — reclamo ao tirar a camisa.
— Hum... — as loiras murmuram e é impossível não respirar
fundo.
Tenho mesmo que aturar essas duas, justo essa noite? A
porra do meu humor já não estava dos melhores antes do jogo, pior
ainda depois de perder e quando chego em casa sou obrigado a
saber que Charlotte está aqui a convite do banana do Zach, que por
coincidência ou não, aparece apenas agora na cozinha, balançando
os cabelos molhados.
— O que aconteceu aqui? — o goleiro pergunta.
— A porra da sua namorada não sabe andar direito —
resmungo ao sair do lado de Charlotte, que me fuzila com os olhos.
— A culpa não é minha se com uma cozinha desse tamanho,
você vem parar logo ao meu lado. — Ela tenta arranjar uma
desculpa para o grande desastre que ela é.
Nego com a cabeça, colocando a camisa que acabo de tirar
sobre o ombro.
— Eu vim pegar uma cerveja — digo ao abrir a geladeira,
tirando de dentro uma long neck.
— Não sabia ir pelo outro lado?
— Não, porque esse era o mais perto, e como eu disse, você
nem deveria estar aqui, pois não é bem-vinda.
Ouço o murmúrio de consternação de Evan, antes dele
respirar fundo e sentar em na banqueta entre Anna e Dakota,
enquanto James senta-se sobre a bancada, apenas observando com
um certo divertimento.
— De novo não — Evan sussurra frustrado, assim como eu.
Charlotte se vira na direção dele e faz uma cara feia para ele.
— O Zach me convidou, James e Evan insistiram, então sinto
muito, mas todos me querem aqui, menos você. Não é mesmo,
Zach? — Charlotte vira a cabeça na direção dele que imediatamente
concorda.
Me concentro em abrir a cerveja para não quebrar a garrafa
de vidro na cabeça deles dois, e também na de James e Evan, o
segundo por acaso me paga por insistir que ela viesse até aqui, pois
ele sabe o tanto que eu sou contra isso.
— Não é mesmo, Zach? — repito as palavras de Charlotte,
imitando a voz irritante dela em um sussurro antes de dar um gole
na minha cerveja.
Contudo, acabo engasgando quando assisto a cena que se
desenrola diante dos meus olhos.
— Por que você não tira a camisa e fica com a blusa de
baixo? — Zach sugere ao pôr a mão na curva da cintura de
Charlotte.
Tusso, me engasgando com a cerveja.
Ele acabou mesmo de colocar a mão na cintura dela e ela não
esquivou?
Que porra é essa?
De repente, sinto minha pele inteira pinicar, como se eu
estivesse pegando fogo. Charlotte nunca deixa ninguém tocar nela
assim, só se tiver muita confiança, e em o quê? Um mês de
mensagens com Zach ela já confia nele?
Balela.
Impossível isso acontecer, eu assisti diante dos meus olhos
ela deixar a melhor amiga dela abraçá-la só depois de três anos. Ah,
mas ela está em terapia constante. Outra balela, uma porra que
Charlotte já tenha criado tal vínculo com Zach, uma porra bem
grande mesmo.
Ela não reage, ela não pula, ela não se assusta, muito menos
chegar suar com o toque dele, ela simplesmente sorri e concorda
com ele.
A cretina estampa a porra de um sorriso no rosto dela.
Respiro fundo quando Charlotte passa a camisa por sua
cabeça e braços, e uma parte da pele de sua barriga fica amostra
quando ela usa apenas uma blusa de algodão azul por debaixo.
— Você prefere que eu lave aqui, ou você leva? — Zach
pergunta.
— A comida está pronta, pode deixar que eu levo para casa e
lavo lá, agora nós vamos comer. — Ela sorri quando Zach concorda e
diz que vai guardar, saindo logo em seguida. — Onde ficam os
pratos?
— Eu pego! — James se oferece, se levantando e indo em
busca dos utensílios.
Traidor do caralho.
— Parece estar uma delícia — Evan elogia.
Outro traidor.
— A Charlotte é a melhor cozinheira da fraternidade —
Dakota elogia.
Meu rosto inteiro se transforma em uma careta.
— O tempero principal dela é veneno — digo, tomando mais
um gole da minha cerveja.
— Vai à merda, Alexander. — Charlotte pega a panela e
coloca na ilha. — Você não vai comer mesmo.
Dou de ombros, mesmo sentindo meu estômago roncar
quando sinto o cheiro da comida. Evan não mentiu ao dizer que
estava parecendo uma delícia, mas eu jamais colocaria qualquer
coisa que Charlotte cozinhasse na minha boca.
Pelo menos não na frente dela.
Pego mais uma cerveja e decido me retirar da cozinha,
sentindo a fome tomar conta de todo o meu ser. Esbarro nela, que
está recostada na ilha da cozinha empinando a bunda, faço de
propósito dessa vez e me controlo para não rir quando a querida
quase cai, no mesmo instante em que Zach retorna à cozinha.
— Isso deve estar muito bom — ele diz animado.
Abaixo a cabeça ao passar por ele apenas para poder revirar
meus olhos em paz.
— Você não vai comer, Harrison? — Zach pergunta.
Não faço questão de me virar para ele na hora de responder.
— Vou pedir uma pizza — respondo e meu estômago ronca
de novo, dessa vez audivelmente.
— Certeza?! — ele insiste.
— Absoluta — respondo quase rosnando, saindo da cozinha
de uma vez por todas.
É claro que eu tenho certeza, por que caralhos eu iria comer
da comida que Charlotte fez para esse idiota, e ainda ter que assistir
os dois comendo juntos e sorrindo um para o outro como dois
patetas?
Que se fodam eles dois.
Ao entrar na sala, vejo que a camisa que Charlotte usava, a
mesma que Zach a presenteou ontem e que ela usou no jogo, agora
manchada de molho de tomate, está em cima do sofá.
É estúpido agir dessa forma, eu sei, mas olho para trás,
apenas para conferir se não há ninguém olhando para cá, e o que eu
vejo é todos que estão na cozinha se servindo da comida preparada
pela dona da camiseta.
Quero dizer, ex dona.
Não penso duas vezes no momento em que pego a peça de
roupa rapidamente e me viro em direção as escadas, subindo-a
correndo, como se estivesse fazendo algo errado, porque eu estou
definitivamente fazendo algo errado.
Mas que se foda essa camisa idiota, Zach tocando em
Charlotte, Charlotte aceitando o toque dele e todos os malditos gols
que ele não conseguiu defender essa noite.
Então eu menti quando disse que não me importo
E você mentiu quando me disse que você se importava
Nós mentimos um para o outro e não é justo
WE LIED TO EACH OTHER | OLIVIA O’BRIEN

— Qual barulho ele está fazendo? — Alessandro pergunta do


outro lado da linha.
— Nenhum, ele simplesmente não liga, olha só — respondo
ao girar a chave na ignição do carro outra vez e ele não dá nenhum
sinal de vida. — E agora? — pergunto quase chorando.
— Primeiro: você não vai chorar, Charlie — o pai de Alexander
diz na videochamada. — Segundo: deixa o carro aí e quando
terminar o recesso você leva em algum mecânico.
Faço uma careta.
— Você sabe quanto custa um mecânico?
— Você sabe quanto custa andar de Uber e táxi por aí? — ele
retruca e me esforço para não rir ao ouvir seu sotaque.
Alessandro é italiano, conheceu Maggie quando ela estava
viajando pela Europa na companhia da minha mãe, que conheceu o
meu pai na mesma época na Espanha. A diferença é que Alessandro
permaneceu apaixonado pela estrangeira que fez ele arrumar todas
as coisas e mudar-se para os Estados Unidos, enquanto meu pai
decidiu que seria de bom tom deixar a família dele para criar uma
nova ao voltar para o seu país de origem, com uma ex-namorada da
faculdade.
— Justo. Se eu for de trem para casa, vocês me esperam
antes de viajar? — pergunto fazendo um biquinho ao descer do
carro para pegar minhas malas no bagageiro do carro.
Os planos originais eram eu sair de Hanover e chegar até o
final da tarde em Greenwich. De carro, a viagem dura cerca de
quatro horas, mas com a neve e as pistas cobertas de gelo, deve
durar cerca de seis.
Como meu carro decidiu parar de funcionar, a ida de trem
deve demorar umas dez horas.
— Você não vem de trem — Alessandro responde de
prontidão.
— Eu não tenho dinheiro para uma passagem de avião. —
Franzo o cenho.
De repente, o rosto de Alessandro sai da tela e é substituído
pelo de Maggie, sua mulher e minha madrinha.
— O Alex está indo pegar você, vocês vêm juntos.
Rio, e nem é de forma sarcástica.
— Isso é piada, certo? — pergunto quando vejo que Maggie
se mantém séria. Ela nega com a cabeça. — Você realmente confia
que eu não vou matar seu filho em seis horas dentro de um carro
com ele?
— Eu confio em você, Charlie — ela responde em um sorriso
meigo.
Por que o filho dela não puxou a ela?
Não digo na questão de aparência, uma vez que o pai de
Alexander está longe de ser um homem feio. Mas o que custava
Alexander ser tão legal e meigo quanto a mãe dele? Se ele fosse dez
por cento do que Maggie é, talvez nós nos daríamos tão bem quanto
nossas mães.
Acontece que ele é irritante e prefere permanecer nessa
forma.
— É que eu não confio em mim e muito menos no seu filho.
Todos sabemos que Alexander jamais me daria uma carona. —
Sorrio, pegando uma das minhas malas.
Maggie pende a cabeça para o lado e sorri. Ela é sempre doce
e gentil, o perfeito oposto do ser odioso que ela pôs no mundo, cuja
missão é única e exclusivamente acabar com a minha paz.
— E se eu te dizer que ele já deve estar chegando aí?
— Impossí... — Calo a boca no instante em que ouço o ronco
do motor do Dodge Challenger.
A mãe dele ergue as sobrancelhas.
— Ele chegou, não foi? — Balanço a cabeça, afirmando.
Me viro quando Alexander buzina.
— Está esperando o quê, patinho feio? Anda logo — ele grita,
buzinando outra vez.
Largo a mala e desço o celular um pouco para gritar de volta.
— Quem atende por buzina é puta.
Alexander parece estacionar a mão na buzina, quando o
barulho reverbera por toda rua.
— Você está ouvindo o que seu filho está fazendo? —
pergunto subindo o celular de novo. Vejo Maggie encolher os lábios
para não rir. — Ele me chamou de puta.
— Ele não te chamou de puta — ela o defende.
— Ele continua buzinando — digo frustrada pegando a outra
mala. — Você pode usar um pouco da educação que seus pais lhe
deram e me ajudar aqui? — grito.
— Não posso — ele responde no mesmo tom, contudo, acaba
descendo do carro.
— Isso não vai dar certo, tia — digo frustrada.
Alexander, que se aproxima de mim, imita minha voz e pega
minha terceira mala, em seguida fecha o bagageiro do carro com
força.
— Ei — reclamo. — Vai quebrar?
— Essa lata velha não funciona para nada mesmo — ele diz
pegando as bagagens.
— Eu vou matá-lo — aviso a Maggie, furiosa.
A mulher mais doce do mundo – que deu a vida ao ser mais
desprezível do mundo –, ri, fazendo que eu fique com raiva dela
também.
— Você não quer ser presa antes de ganhar uma olimpíada,
Charlie — ela lembra.
Subo uma sobrancelha ao trancar o meu carro e seguir
Alexander até o dele, onde ele reclama da quantidade de coisas que
eu levo.
— Qual a necessidade de levar tanta bugiganga? —
resmunga, mas eu o ignoro, entrando no carona do carro.
— Você me fez assistir a Como defender um assassino e Você,
esqueceu? — brinco. — Nada que cortar o corpo dele em
pedacinhos, queimar em uma fogueira e depois enterrar em uma
construção em andamento não resolva.
— Quem você vai enterrar? — ele pergunta quando entra no
carro.
— Você — Maggie e eu respondemos ao mesmo tempo.
Alexander ri ao me fitar e então dá a partida no carro.
— Vejo vocês à noite, crianças, cuidado para não se matarem
na estrada. — Maggie começa a se despedir, antes do marido tomar
o celular dela.
— E atenção redobrada na estrada, a previsão é de nevasca
entre Massachussets e Connecticut — Alessandro diz.
— Pode deixar, pai — Alexander que responde.
— Cuide bem da Charlie.
— Posso prometer apenas deixar o corpo dela em uma viela,
caso a esgane até aí.
Abro a boca, chocada.
— Tudo bem, vamos desligar, tchau tchau. — Alessandro se
apressa em encerrar a ligação, enquanto eu permaneço chocada
com Alexander.
Sim, o nome do pai e do filho é praticamente o mesmo,
mudando que um é de origem italiana e outro não fiz questão
alguma de pesquisar, mas já ouvi falar que vem de origem inglesa
mesmo.
— O que é? — Alexander me olha de canto de olho.
— Sério que você jogaria uma mulher indefesa em uma viela?
Ele ri.
— Não é você quem me enterraria em uma construção em
andamento? — Ele olha de relance para minha direção antes de
focar na pista. Dou de ombros, pois uma coisa é uma coisa, e outra
coisa é outra coisa. — Você tem sorte que eu estava saindo de casa
e sua mãe me ligou chorando, caso contrário você ficaria aqui — ele
diz secamente.
Meus ombros pendem outra vez.
— Eu poderia muito bem ir de trem, ou então ficar com o
Zach aqui.
Quando eu falo o nome do goleiro, é quase imperceptível,
mas noto o instante em que Alexander respira fundo.
— Fizesse bom proveito dele — ele é irônico, e isso é tão
óbvio.
Decido jogar mais um pouquinho.
— Falando em Zach, a camisa que ele me deu sumiu —
comento e Alexander fica em silêncio.
Ontem à noite, após a derrota, Zach chamou a mim e as
meninas para passar um tempo na casa onde vive com os outros
garotos, incluindo Alexander. A única que não pôde ir foi Shantal,
uma vez que ela pegaria um voo ainda de madrugada para Nova
Iorque, onde deve passar o natal com os avós e os pais, antes de
voltar para Greenwich e depois para o campus.
Dakota e Anna pediram para que eu cozinhasse e eu o fiz,
quando Evan foi o primeiro deles a insistir. Ele não assume na frente
do melhor amigo, mas ele adora a minha comida. Não querendo me
gabar, mas eu realmente cozinho bem, então não foi esforço algum
preparar a comida.
Esforço mesmo foi ter minha roupa suja após Alexander
esbarrar em mim quando chegou em casa, e ainda dar um dos seus
típicos chiliques por eu estar por perto. Eu tirei a camisa que Zach
me deu e ele jurou que havia colocado no sofá, mas na hora de ir
embora, ninguém conseguiu encontrar a camisa.
— Pelo menos para que eu não viesse no frio, ele me deu um
dos moletons dele — continuo e as narinas de Alexander se dilatam.
Ele fica em silêncio pelos próximos minutos, apenas
batucando os dedos no volante do carro e respirando fundo ao
entrar na estrada.
O observo pelo canto de olho, não virando meu rosto
totalmente para ele. Confesso que se eu não conhecesse Alexander
desde o dia em que nasci – literalmente –, não conhecesse todos os
pontos negativos sobre ele – que são muitos – e apenas o visse no
campus, sendo o bom jogador de hóquei que ele é, talvez eu
poderia ter corrido atrás dele.
Não que eu esteja a fim dele, longe disso.
Mas é que ele é alto, tem corpo esguio e forte, ombros largos,
os olhos castanhos que, com um pouco de luz, como agora,
costumam ficar dourados e brilhantes. Fora que ele tem a bunda tão
redonda quanto Zach. Ou seja, pelo exterior, Alexander é sim um
cara decente — eu acho? —, podemos olhar duas vezes e pensar
que daria uma boa transa, mas é apenas isso quando o conhecemos
de verdade como eu conheço.
Que ele, e qualquer outra pessoa, jamais descubra que eu
tive pensamentos assim. Isso seria um dos meus piores pesadelos.
Começo a mexer no painel do carro a procura de alguma
playlist, ou música que eu possa gostar. Acabo me interessando por
uma pasta intitulada de “músicas para NUNCA ouvir”, e a abro.
Me surpreendo ao me deparar com músicas dos filmes
musicais da Disney, além das artistas Miley Cyrus, Selena Gomez,
Taylor Swift, Dua Lipa e quase todos os outros artistas e músicas
que escuto, além das várias que costumo pôr enquanto estou
treinando.
Sorrio e então coloco no modo aleatório e a primeira música
que toca é IDGAF de Dua Lipa.
A música sequer tem chance de chegar no refrão quando
Alexander gira o botão do volume, diminuindo o som até que não
exista mais nenhum sinal dela. Me preparo para reclamar, mas ele é
mais rápido que eu.
— Por que você acha que eu me preocupo com você e seu
namorado e com as camisas ou moletons idiotas que ele te dá?
— Primeiro que o Zach não é meu namorado — começo, ele
solta um riso rápido e irônico que eu ignoro. — Segundo: estava
curiosa para saber onde a camisa foi parar, porque nada some
assim, tão do nada. — Viro o rosto para encará-lo.
Alexander não me olha de volta, mantém seus olhos apenas
na estrada que está molhada pela neve derretida.
— Eu não daria minhas roupas para uma garota se ela não
fosse minha namorada. — Sua voz é áspera enquanto ele analisa.
— Você nunca nem namorou.
— Mesmo assim, de toda forma desejo felicidades a vocês
dois. — Essa é minha vez rir.
— Você? Me desejando felicidade? — O riso se torna ainda
maior, porque eu não acredito que fui obrigada a repetir as palavras
dele, e ainda assim parece mentira.
Deve ser porque é uma grande mentira.
— Quem sabe você ficando feliz, você some da minha vista.
— Ah, meu querido — digo ao limpar as lágrimas que caíram
devido a minha crise de riso. — Se for assim, te desejo o mesmo.
Mas não se preocupa, eu não quero namorar o Zach.
— Não?
Ele tira os olhos da pista por um milésimo, subindo uma
sobrancelha. Sinto que Alexander está realmente interessado nesse
assunto, e por algum motivo que eu desconheço totalmente, sinto
um enjoo e meu estômago chega a embrulhar.
— Não — afirmo. — Apenas quero transar com ele...
No instante em que as palavras morrem na boca, meu corpo
é impulsionado para frente e por pouco minha cabeça não encontra
o painel do carro no instante em que Alexander pisa no freio de vez,
fazendo o carro parar subitamente. Se não fosse o cinto, com
certeza meu corpo estaria na estrada agora.
— Que merda foi essa? — questiono assustada.
— Você correu a porra de um mês atrás do Zach, estão
conversando agora pelo mesmo tempo — ele enfatiza o conversando
quando dá a partida no carro outra vez e passa a primeira marcha,
pouco se importando em se explicar o porquê de ter freado tão
bruscamente. — Apenas para transar com ele? — ele enfatiza outra
vez e ri sarcástico. — Você é realmente inacreditável, Charlotte.
Cada dia que passa me surpreendo mais e mais com você. Só falta
você me dizer que passou meses com Daniel apenas com o
propósito de transar com ele.
— Mas foi isso mesmo — digo simplesmente.
Dessa vez Alexander não freia, mas reduz a velocidade para
me encarar, ele realmente parece surpreso com o que eu falo.
— Você está falando sério?
Enquanto ele parece genuinamente curioso quanto a minha
vida pessoal, eu volto a aumentar o som do carro, mas no instante
em que meus dedos abandonam o botão, ele vai lá e abaixa.
— Estou. — Aumento o som e ele abaixa. — Dá para me
deixar ouvir a música em paz?
— Não — responde. — Então você não gosta do Zach?
— Não, quer dizer, gosto. — Me atrapalho antes de começar a
falar tudo de uma vez. — Ele é legal, mas eu não estou apaixonada
por ele, eu só preciso de alguém para suprir minhas necessidades
carnais, que antes eram supridas por Daniel, mas ele disse que acha
que está na hora de namorar e sabe que a pessoa para isso não sou
eu, afinal, eu odeio quando as pessoas dizem que me amam. Eu sou
a porra de uma mulher com necessidades e eu preciso transar, e o
Zach sabe bem disso, mas ele quer ser um cavalheiro ou sei lá o
quê, querendo minha confiança para poder me abraçar e tudo que
eu quero é transar.
Falo tudo rápido demais, expondo o meu lado mais cruel e
verdadeiro quando finalmente Alexander consegue me estressar, e
eu me odeio por isso. Porque tudo o que eu acabo de falar para ele,
com certeza ele irá usar contra mim.
Ele sempre faz isso e eu o odeio por isso, mesmo que eu
acabe fazendo o mesmo que ele.
— Não seria mais fácil apenas pegar um cara em uma festa,
ou sei lá? Nada que uma camisinha não resolvesse, afinal você está
tendo um trabalho do caralho apenas por uma transa, que vai ser
ruim para a porra.
— Você já transou com o Zach, por acaso? — pergunto e ele
me olha ofendido. — Então você não pode saber.
— Ele é um soca fofo do caralho.
— E você deve ser o fodão que soca forte, não é?! — ironizo.
— Quer testar?! — sugere.
— Vai à merda, Alexander.
Ele solta uma risadinha e eu volto a aumentar o volume, e
dessa vez ele não abaixa, provavelmente contente por finalmente
conseguir o que ele tanto queria.
Me estressar.
— Será que ainda dá tempo de ir de trem? — murmuro,
encostando minha cabeça na janela do carro.
Ele não responde nada, apenas volta a batucar os dedos no
volante do carro, porém, agora ele parece mais leve com as batidas
e sua postura rígida também mudou. Sei disso porque o vejo relaxar
pelo canto do olho, antes de fechar os olhos para não ser obrigada a
ter que vê-lo e ainda ter que conversar com ele outra vez.
Basta tudo o que eu acabo de dizer.
Em algum momento, devido ao meu silêncio e olhos
fechados, ouço a voz de Alexander. Ele está cantarolando Nobody’s
Perfect, de Hannah Montana, e para quem fez uma playlist de
músicas para nunca ouvir, ele até que não erra uma palavrinha. Isso
me faz rir por dentro.

Não sei exatamente em que momento eu peguei no sono,


mas fiquei em paz enquanto ouvia o motor do carro zunindo junto
as músicas que gostava, e o som rouco da voz de Alexander
cantarolando-as.
Apenas sei que dormi porque a primeira coisa que sinto é
algo pontudo cutucando meu braço, em seguida vem a dor na
lombar e logo depois a grande má vontade que sinto de abrir os
olhos.
Resmungo algo que nem mesmo eu entendo. Eu não sou
uma pessoa feliz quando acordo, talvez uns cinco ou dez minutos
depois eu consiga dar um sorriso e reagir, não importa se é uma
noite inteira de sono ou cochilo de dez minutos. O meu corpo inteiro
dói quando abro os olhos e vejo Alexander com um galho de árvore
me cutucando e o céu totalmente nublado. Não há um raio de sol
sequer, me indicando que eu dormi no mínimo duas horas.
E isso não é nada bom para minha coluna.
— Finalmente acordou, faz meia hora que estou de
cutucando.
— Onde estamos? — pergunto ao me espreguiçar. Alexander
me cutuca outra vez e eu tomo o galho seco da sua mão. — Para
com isso. — Jogo o pau na soleira do carro.
— Tenho uma notícia boa e uma notícia ruim — ele informa.
— Você decidiu se mudar de país? Essa é a única notícia boa
que desejo ouvir agora.
— Haha. — Ri irônico. — A notícia boa é que estamos a duas
horas de casa. — Franzo o cenho e murmuro, pedindo para que ele
continue. — A ruim é que meu pai estava certo e está caindo uma
nevasca aqui próximo, então tiveram que interditar as estradas.
— Está falando sério? — pergunto, pegando meu celular.
— Não há sinal aqui — ele diz descendo do carro.
— Onde nós estamos? — Acompanho-o.
— Em um hotel, já que não tem como ir para casa hoje — ele
fala como se fosse a coisa mais simples do mundo.
Dou uma breve olhada ao nosso redor, sinto minha pele
inteira esfriar e abraço meu corpo, sentindo a neve cair sobre mim.
O tempo está totalmente fechado e apesar de o hotel onde Alex
parou ser em um local que aparentemente é deserto, há vários
carros estacionados.
Provavelmente devido a nevasca, então devo assumir que ele
não está mentindo. Corro na direção dele quando ele começa a
caminhar até a recepção do hotel.
Estou com tanto frio que fico passando as mãos em meus
braços, a fim de esquentá-los, mas sinto um pequeno alívio quando
a porta da recepção é aberta por um senhor que aparenta ter
sessenta anos. Ele abre a porta e Alex e eu entramos onde o calor
do aquecedor me abraça. O senhor só a fecha depois de pegar na
mão de uma senhorinha que parece ter a mesma idade dele, e os
dois saem de mãos dadas.
— Bem-vindos ao Best Hotel — a recepcionista que masca um
chiclete diz. — Em que posso ajudar?
— Dois quartos — Alexander responde, não dando a mínima
para ela, assim como ela faz conosco, quando nem olha para nós.
— Só tem um quarto disponível. — Os olhos da moça sobem,
encarando Alexander, que volta gira a cabeça, me olhando.
— Há algum outro hotel por perto? — eu pergunto.
— Apenas a umas vinte milhas daqui.
Respiro fundo.
— Pedra, papel ou tesoura para saber quem dorme no carro?
— sugiro.
A resposta de Alexander é um revirar de olhos quando ele me
ignora e diz a recepcionista que ficaremos com o quarto.
— São mais cinquenta dólares pela água quente — ela
informa.
— Você está doida? — eu me meto. — Cinquenta pratas para
ter água quente, coisa que é essencial? Onde está o gerente daqui?
Ela apenas aponta para a plaquinha que há na sua frente que
diz “gerente”.
Filha da mãe.
— Coloca a porra da água quente — Alexander responde ao
entregar um cartão a ela.
— Você está falando sério? — sussurro ao chegar próximo a
ele.
— Você quer tomar banho com água gelada em um frio
desse? — ele pergunta quando eu não respondo nada e apenas ergo
o olhar para ele e volto abraçar meu corpo, sentindo o frio. — E você
vai pagar metade — ele informa.
Reviro os olhos.
Após acertar o pagamento por uma noite, ela entrega a chave
do quarto que fica no primeiro andar. Alexander e eu saímos da
recepção e enquanto ele anda até o carro, eu saio correndo outra
vez pedindo para que ele destrave o alarme, o que faz em um
instante.
No momento em que chego no carro, abro o bagageiro
tirando de lá uma mala e a abro para pegar lá de dentro o moletom
que Zach havia me emprestado ontem. O visto e então, me sinto
quente outra vez, guardo a mala que havia pegado, e pego outra
quando Alexander se põe ao meu lado, tirando a única bolsa que ele
trouxe.
Ele estreita os olhos, me fitando ao travar o carro outra vez.
— Não acha essa roupa grande demais? — pergunta.
— É do Zach — explico, no mesmo momento o rosto de
Alexander se transforma, principalmente seus olhos, me queimando.
Você tem esse poder sobre mim, minha nossa
Tudo o que eu amo reside naqueles olhos
Você tem esse poder sobre mim, minha nossa
A única que eu conheço, a única em mente
POWER OVER ME | DERMOT KENNEDY

Sempre a merda do Zach.


A pessoa vive desde que nasceu em uma região que costuma
ter temperaturas baixas por pelo menos três meses, tem trezentas
roupas para frio diferentes, mas quando precisa de um moletom
para se esquentar, o único que tem é do Zach.
Não me entra na cabeça como ele simplesmente entrega as
roupas dele a ela se eles não namoram. Não há lógica nisso, ele
apenas vê uma peça dele e diz “toma, veste isso”. É como se ele
estivesse marcando território.
E ela sequer gosta dele.
Confesso que esperava por tudo, menos saber que as únicas
intenções de Charlotte eram transar com Zach, enquanto o pateta
tenta conquistá-la. Eu deveria avisá-lo?
Não, não deveria.
Charlotte não sabe, mas Zach é um romântico incurável. Ele
namorou com uma mesma garota por cinco anos, terminaram
apenas porque o relacionamento a distância não deu certo. E
quando digo que ele é um romântico incurável, é porque ele nunca
mais foi para a cama com nenhuma outra garota, uma vez que ele
precisa estar em um relacionamento.
Eu deveria avisá-la? Não, também acho que não deveria.
Posso ter ficado puto por ter que ver meu companheiro de
equipe e colega de quarto saindo com a garota que eu mais desejo
que suma da minha vista, mas confesso que agora, sabendo as
verdadeiras intenções de ambas as partes, vai ser divertido assistir a
isso tudo.
Zach nunca vai namorar, Charlotte nunca irá transar, e eu vou
pegar uma pipoca e assistir a cara de decepção dos dois no final.
Maravilhoso!
Paro de subir as escadas ao ouvir o barulho irritando da mala
de Charlotte batendo em cada degrau.
— Como você se considera uma atleta e não consegue
carregar uma mala? — Desço dois degraus e tomo a mala da mão
dela, suspendendo em minha mão e quando volto a subir a escada,
não bato a mala, igual ela.
— Em minha defesa, eu estou cansada da viagem — ela
responde sorrateira quando passa direto por mim.
— Cansada? — Paro de frente a ela, incrédulo. — Você roncou
e babou no meu carro por cinco horas.
— Dormir também cansa, sabia? — ela tenta brincar, mas eu
não rio. — Qual o número do quarto?
— Cento e dez. — Confirmo ao olhar para o chaveiro em
minha mão e em seguida encontrando a porta com o número do
quarto, que tão logo Charlotte rouba de mim.
— Você ao menos perguntou se tinha duas camas?
A sigo, respirando fundo.
— Você também estava lá, em algum momento me viu
perguntar isso?
— Não.
— Então aí está a sua resposta — digo quando chegamos em
frente ao quarto. — Abre logo.
Charlotte não vira o rosto para revirar os olhos, em momentos
como esse ela me mandaria ir à merda, mas acontece que já usou a
cota dela de hoje. Nossas mães dizem que merda e Alexander foram
as primeiras palavras dela, e eu não duvido disso.
Com a chave em mãos, Charlotte destranca a porta do quarto
e no instante em que ela é aberta, é automático o momento em que
minha respiração retesa e eu solto um, dois, três espirros em
sequência.
— Que legal, viemos parar em um lixão — ela ironiza ao ligar
a luz. — E só tem uma cama. — Poderia ser uma frase normal, mas
vindo da boca dela parece um palavrão quando ela me fuzila. —
Você sabe que eu não vou dormir com você na mesma cama, não é?
Parece até que esse quarto viu uma limpeza pela última vez no
século passado.
Ela continua murmurando e reclamando, eu apenas a ignoro
enquanto fico congestionado e os espirros tomam conta de mim.
Provocar Charlotte é de longe meu hobbie favorito, o
problema é que para ela isso às vezes parece um trabalho de tempo
integral, sem direito a descanso, férias remuneradas e ainda tem
que ter hora extra, porque ela simplesmente não para de falar.
Deixo as malas em cima da cama e tento respirar fundo,
perdendo a paciência, mas nem isso eu consigo quando ela não cala
a boca e também espirro mais e mais.
— Toma. — Ela estende algo na minha direção.
— O que é isso? — pergunto ao ver que é um potinho laranja
com pílulas.
— Antialérgico.
— Certeza? — pergunto ao tirar dois comprimidos do frasco e
soltar outro espirro.
— Não, idiota, é viagra.
Coloco os comprimidos na boca e engulo-os ao seco antes de
vir outro espirro.
— O lado bom é que vou ficar com o pau duro — digo em
meio às jorradas.
Quando abro os olhos, Charlotte está me encarando com o
nariz franzido e um semblante de nojo tomando conta de seu rosto.
— Acabei de imaginar a maior cena de terror de todos os
tempos e isso não é legal — confessa ao empertigar o corpo, como
se estivesse sentindo um arrepio, quando obviamente não está.
O moletom de Zach fica no meio das coxas e reparo isso
apenas quando desço a cabeça em mais uma sessão de espirros. O
quarto cheira a mofo e sou obrigado a concordar com ela ao assumir
que a última vez que talvez ele tenha sido limpo foi no século
passado.
— Você sabe que aqui dentro tem aquecedor, certo?! Não
precisa usar o moletom — comento ao tirar os sapatos.
— Sei, mas é que o tecido é confortável... — Ela pausa. — O
que está fazendo? — pergunta quando tiro minha jaqueta e camisa.
— Tirando a roupa?! — respondo retoricamente.
— Para?
— Tomar a porra do banho quente que paguei cinquenta
dólares para ter?
— Vinte e cinco — corrige.
Reviro os olhos e ando na direção do banheiro, esperando
que lá dentro tenha pelo menos uma toalha que tenha sido lavada
ainda nesse milênio.
— Parabéns, você sabe matemática — ironizo ao abrir a porta
do banheiro.
Ao acender a luz, noto que não há janela e que o espaço
deve ter no máximo dois metros quadrados. Engulo em seco ao ver
que é na realidade um cubículo com um chuveiro, pia e um vaso
sanitário. Se a porta por acaso emperrar, não há maneira de sair de
dentro, e eu não confio nem um pouco em Charlotte ou na
recepcionista mal humorada para arrombar a porta.
Que legal.
Bem que o sol poderia aparecer agora e dizer que que a
nevasca era apenas uma brincadeirinha de mau gosto do tempo,
assim eu poderia ir embora e tomar banho em um banheiro que tem
ao menos uma janela para fugir, e que tenho certeza que a porta
não iria emperrar em caso de emergência.
— É pequeno, não é? — A cabeça de Charlotte aparece
embaixo do meu braço, mais especificamente na altura do meu
quadril, que ainda segura a maçaneta da porta.
A olho e vejo que há um sorriso sádico em seu rosto.
— Para falar a verdade é bem grande — respondo.
Ela olha para o meu quadril em um relance e imediatamente
sai de perto de mim, dando alguns passos para trás e eu me viro.
— Você é um nojento, primeiro tira a roupa na minha frente
sem nem respeitar minha presença e meus olhos, e agora fica com
piadinha de macho escroto.
— Dizer que o banheiro é grande virou piadinha agora? —
Levanto a sobrancelha ao questionar. — Fora que se você ficasse
calada, eu realmente não notaria sua presença, mas as vezes você
não consegue fazer a porra de um silêncio sequer.
Noto que pela primeira vez desde que entrei no quarto não há
espirros, contudo, meu nariz permanece congestionado. Talvez a
água quente resolva isso.
— E também não é como se você não gostasse do que vê —
digo, dando dois passos em sua direção.
Ao chegar próximo de Charlotte, ela começa a andar para
trás.
— Não tem nada demais aí.
— Então por que você se importa tanto se eu tiro ou não a
roupa na sua frente? — Dou um passo para frente e ela um para
trás.
Charlotte estreita os olhos, franzindo o cenho.
— Eu não me importo.
— Não faz dois segundos que você reclamou disso. — Mais
dois passos de cada.
Ela respira fundo quando a dobra de seus joelhos parece
encontrar o colchão da cama. Meus olhos se conectam aos dela, que
agora estão em um azul esverdeado e noto o instante em que ela
engole em seco.
Não há mais como andar para frente, portanto meu corpo
apenas se aproxima do dela ao ponto de encostar em seus seios e o
tecido grosso do moletom de Zach arranha minha pele quando ela
respira fundo. Não entendo exatamente o motivo, mas minha pele
parece fazer uma conexão com meu pau, e não com meu cérebro,
quando decide bombeá-lo de sangue.
O queixo de Charlotte está erguido enquanto ela me olha,
estamos tão próximos que eu consigo sentir sua respiração quente,
e isso ajuda meu pau a receber mais uma boa quantidade sangue.
Que porra é essa?
É só uma respiração e uma aproximação normal, por que de
repente meu pau sente a livre e espontânea vontade de ficar duro
sem a minha autorização? Não é assim que a gente funciona, eu
quem mando nele, não ele em mim.
Meu corpo é impulsionado para frente e com isso, finalmente
Charlotte cai sentada na cama.
— O que foi isso? — Ela parece de fato confusa.
Ergo a sobrancelha.
— Estava vindo pegar minhas coisas na mala e você estava
parada no caminho — explico.
Charlotte coça a garganta e suas mãos tocam o colchão. Com
apenas um impulso ela afasta o corpo para trás, até manter uma
distância considerável entre nós, e depois ficar de pé, ao sair da
cama quase tropeçando.
— Vou ver wi-fi se aqui tem. — Ela se atrapalha nas palavras
enquanto corre até a porta, e eu não digo nada, apenas franzo o
cenho. — Preciso avisar as pessoas que estou bem.
— Ao seu namorado, por exemplo? — provoco.
— Ele não é meu namorado — responde enfurecida antes de
sair do quarto.
Quando ela passa pela porta, a bate com força e eu rio.
Também não sei porque rio, apenas sinto minha garganta arranhar o
riso rouco ao abrir a mala, tirando lá de dentro uma cueca e minhas
coisas de higiene pessoal.
Aproveitando que Charlotte não está no quarto, quando entro
no banheiro deixo uma brechinha aberta, apenas para ter a certeza
de que a porta não irá fechar, nem muito menos emperrar enquanto
eu estiver aqui dentro. Dessa forma, uma fuga é mais rápida. Por
mais que dessa forma me cause um tanto de sufoco, que tento
ignorar ao tirar o restante da minha roupa e perceber que meu pau
permanece duro.
— É sério isso? — murmuro olhando para baixo.
Não que eu trate minha genital como um ser humano, mas
vamos lá, é impossível não se frustrar depois dele ficar duro apenas
com uma aproximação miserável e uma respiração quente.
Chega a ser irracional e eu acabo sendo ainda mais quando
ligo a água do chuveiro e aguardo a água ficar quente. No momento
em que entro debaixo do chuveiro, respiro fundo, finalmente
sentindo minhas vias aéreas limpas, mas não é esse o motivo pelo
qual eu acabo tomando uma grande quantidade de ar.
Mas sim devido ao pensamento que me vem em minha mente
quando fecho os olhos. É como se fosse algo robotizado: o instante
em que minha mão abraça o entorno da minha ereção e começa a
fazer movimentos contínuos para cima e para baixo, enquanto a
imagem de uma mulher toma conta dos meus pensamentos.
Ela é mais baixa que eu, com cabelos escuros, eu não vejo o
seu rosto, mas há um sorriso maldoso em seus lábios rosados. Há
uma única peça de roupa cobrindo seu corpo, é uma camisa do time
de hóquei da faculdade. Nela, há o número vinte e seis – meu
número estampado na manga –, e ela aproveita para dar uma
voltinha para mim.
Merda. Penso, mas tenho quase a certeza que a palavra saiu
da minha boca.
Ao tirar a camisa, passando pela cabeça e braço, ela revela
seios médios e ao se virar de volta para mim, sua barriga é lisa
como uma seda, sua cintura é fina e os mamilos estão duros. Depois
as mãos sobem e o vão entre seus dedos agarram os bicos eriçados.
Giro meus pés e pendo minha cabeça para frente,
encontrando o box do chuveiro.
Puta que pariu. Ela é gostosa para porra, e ela é safada, sabe
bem o que quer, isso é óbvio apenas pela forma como suas mãos
acariciam o seu corpo. No espaço entre os seios há sardas claras, ela
morde os lábios, antes de levar os dedos até a boca e chupá-los,
voltando para o bico do peito.
Abro os olhos ao sentir que estou perto de gozar, tão logo
sinto falta das imagens que havia fantasiado em minha cabeça,
então fecho-os outra vez. Respirando fundo, volto a apoiar minha
testa no box do banheiro, sem saber ao certo o que me faz suar
mais: a água quente ou a vontade intensa de gozar.
Os movimentos que faço com a mão ficam mais rápidos e a
minha outra mão agarra minhas bolas, massageando-as.
Agora, a mesma mulher está de costas para mim, seu joelho
está apoiado no colchão da cama, que parece ser a mesma do
quarto do hotel que não tem nada de Best. A punheta fica mais
intensa, meu corpo inteiro se empertiga ao sentir um arrepio súbito
que sobe por toda a extensão da minha coluna, e então, quando a
mulher se vira, finalmente eu posso ver seu rosto.
Charlotte.
Gozo no mesmo instante em que assisto Charlotte sorrir para
mim, mordendo o lábio inferior e abrindo suas pernas.
Demoro um pouco para raciocinar as imagens que acabo de
ver ao abrir os olhos, sinto um vinco se formar entre minhas
sobrancelhas e respiro fundo aos poucos, a fim de voltar aos meus
sentidos.
Eu não teria fantasiado a Charlotte vestindo a minha camisa
enquanto bato punheta, certo?
Não, não foi isso.
É apenas influência.
Faz dois meses que eu não transo, eu tenho minhas
necessidades, todo mundo tem as suas, até mesmo Charlotte em
querer só transar com os caras. Por que eu estou tirando a porra do
foco da minha fantasia? De toda forma, ela esteve constante ao meu
lado nas últimas horas, e meu pau, devido ao tempo em que eu
fiquei sem transar e a vontade das minhas bolas de liberar o gozo,
mandou o pensamento direto para o meu cérebro.
Onde obviamente houve um engano ali e acabou alterando
toda a química dele para eu ter imaginado Charlotte. Quem sabe eu
nem tenha a projetado em minha mente realmente, ela só apareceu
porque eu também precisava de um cenário onde duas pessoas
normais transam.
Quer saber de uma coisa? Não era a Charlotte e pronto. Não
vou ficar endoidando e criando teorias por conta disso, apenas
aceitar que não foi ela é o bastante para mim.
Termino o meu banho o mais rápido que posso e me enxugo
para vestir a cueca, coloco a toalha em meu ombro e pego outra
pequena apenas para enxugar meu cabelo, em movimentos rápidos.
Ao abrir a porta do banheiro, sou surpreendido ao ver que
Charlotte já voltou e ela está de quatro no chão, enquanto coloca
alguns lençóis e um travesseiro lá.
— O que está fazendo? — eu pergunto.
— Sua cama, não é óbvio?!
Paro de enxugar o cabelo.
— Eu não vou dormir no chão com esse carpete mofado —
aviso.
— Na cama ao meu lado é que não vai. — Ela para ao me
olhar. — Sério? Você não tem roupa?
Dou de ombros e volto a enxugar o cabelo.
— Até tenho, mas não gosto.
Charlotte se vira e pega uma montanha de coisas que estão
amontoadas em cima da cama.
— Não se atreva a subir naquela cama enquanto eu tomo
banho — avisa ao apontar o dedo para mim.
Ela esbarra em meu ombro ao passar por mim,
propositalmente, mas acaba dando errado quando suas coisas caem
no chão e a toalha que estava em meu ombro também.
Nós dois nos agachamos ao mesmo tempo para pegar as
coisas, quando pego a toalha, também pego a calcinha que está ao
lado dela.
— Estampa da Minnie? — Entrego a ela, rindo. — É por isso
que o Zach não quer transar com você.
Ela me fuzila quando ficamos de pé, e é agora que ela diz sua
típica frase...
— Vai à merda, Alexander.
Uma risada rouca toma de mim, porque isso já virou tão
ordinária que chega a ser cômico, mas não mais que a calcinha da
Minnie... E eu ainda tive a coragem de pensar que realmente havia
fantasiado com ela há poucos minutos enquanto me masturbava.
Calcinha da Minnie.
— Eu espero que você não tenha batido uma punheta aqui
dentro — ela diz furiosa ao fechar a porta com força.
O riso morre.
O fogo em chamas normalmente nos mataria
Mas com todo esse desejo, juntos, nós somos vencedores
Eles dizem que estamos fora de controle e outros dizem que somos
pecadores
FIRE ON FIRE | SAM SMITH

Merda. Puta que pariu. Charlotte.


E em cada pausa, gemidos controlados roucos e arfadas de ar.
A porta do banheiro estava totalmente aberta quando eu
entrei no quarto. Ouvi a primeira palavra de Alexander quando
cheguei em frente ao banheiro. O primeiro instinto que me veio à
cabeça foi brigar com ele porque ele estava se masturbando com a
porta aberta, em seguida eu agarrei a maçaneta da porta e estava
pronta para fechá-la.
Mas então ele se virou, encostou a testa no box do banheiro,
os olhos estavam fechados, o cabelo preto e ondulado caindo sobre
sua testa. O corpo que parece ter sido esculpido por Michelangelo
brilhante devido a água, ele arfava à medida em que a mão grande
adornava a circunferência do seu pau.
Eu já havia chegado a imaginar se ele realmente poderia ter
um pau grande, porque tudo estava ao seu favor para isso; ele é
alto, tem mãos grandes e calça quarenta e cinco, e dizem que
homens dos pés grandes, tem paus grandes. Bom, quem inventou
esse boato, se visse o pé dele e o pau, comprovaria sua teoria.
Mas então ele afastou a cabeça minimamente do box, ainda
com os olhos fechados, então eu criei coragem e comecei a fechar a
porta, contudo a deixei entreaberta devido ao tamanho do espaço,
imaginando que se ele não a fechou, deveria ser por conta disso.
O centro entre minhas pernas começou a latejar quando eu
ainda o assistia se masturbar, então eu me afastei. Eu não poderia
mais ficar ali e ouvir as arfadas de ar que Alexander soltava à
medida em que entrava em êxtase total. Então separei minhas
coisas para o banho e comecei a arrumar um canto para ele dormir
no chão.
O que eu realmente não esperava era ouvir meu nome
ressoar pelo banheiro de uma forma tão forte que acabou
reverberando por todo o quarto. Todos os pelos do meu corpo se
eriçaram.
E ainda agora, mesmo depois de duas horas enquanto me
viro cama tamanho king, eu não consigo parar de pensar em como
ele chamou o meu nome, como o meu clítoris não para de forma
alguma de palpitar e o meu ponto g piscar.
Preciso que o Zach aja de uma vez por todas, caso contrário,
vou ter que investir no running back que seria a minha segunda
opção.
— Tem prego na porra dessa cama? — Alexander se irrita
quando eu me movo outra vez.
— Eu não consigo dormir quando você não para de espirrar —
digo ao ligar a luz e me sentar na cama. Não é verdade, eu não me
importo com os espirros dele, mas sim com ele gemendo meu nome.
Ele faz o mesmo ao se sentar, porém solta outro espirro. Pego
o potinho com antialérgicos e jogo para ele, que pega.
— Já tomei cinco dessa merda e não passa, porque estou
deitado na porra de uma carpete cheio de mofo.
— Ninguém mandou parar no pior hotel de todos.
Ele me olha ofendido e então fica de pé.
Alexander está usando apenas uma cueca preta e o cós dela
está tão baixo que eu consigo enxergar o famoso V em seu quadril,
que tento ignorar ao olhar para cima quando ele pega o travesseiro
e o lençol que eu havia posto no chão para ele.
— O que você pensa que está fazendo? — questiono no
instante em que ele apoia o joelho no colchão.
— Vou me deitar na porra da cama, pois só assim eu paro de
espirrar, você de se mexer e finalmente eu posso dormir — ele diz já
deitando.
— Vai sonhando que eu vou deixar você dormir comigo.
— Então vai pro chão — ele diz já se cobrindo.
— Você está falando sério?!
Alexander não responde, apenas franze o cenho e balança a
cabeça minimamente ao anuir. Pisco três vezes, tentando controlar
minha respiração.
Nunca dormi com ninguém antes na mesma cama.
Ninguém mesmo, nem minha mãe. Nem qualquer outro cara
com quem eu tenha transado. Mesmo quando Daniel ficava cansado,
eu o mandava ir embora. Isso é demais para mim, tipo, muito
mesmo.
Eu sequer nunca levei essa questão a qualquer sessão de
terapia.
E se ele encostar em mim? Ou sua mão se apoiar em minha
barriga? Ou pior de tudo, eu ficar de costas e simplesmente ele
acabar me abraçando e nós dois formarmos uma conchinha?
São inúmeras possibilidades e meu coração acelera ao pensar
em todas elas.
Olho para o chão e vejo as manchas nojentas pretas de mofo,
meu estômago embrulha.
— Por que você não me deixou naquela vala?
— Essa pergunta tem rodeado a minha cabeça desde o
momento em que você adormeceu no carro — ele diz e apaga a luz.
— Agora vê se deita a cabeça nesse travesseiro e dorme de uma
vez. — Eu acendo a luz. — O que é Charlotte?
— Afasta um pouco mais para a ponta — peço.
— Não se preocupa, eu não vou encostar em você.
— Por favor — praticamente imploro.
— É sério isso? — ele pergunta ao bater os cílios.
Anuo, concordando.
Alexander faz o que eu faço e se afasta indo para a ponta da
cama.
— Mais um pouco?!
— Se eu me afastar mais volto para o chão.
— Não seria uma má ideia. — Penso.
Ele respira audivelmente e me olha furioso, e então desliga a
luz, me ignorando por completo.
Faço a técnica de respiração depois de também me afastar
para o outro lado da cama, ficando mais no canto possível. Me
concentrar apenas na minha respiração e nas batidas do meu
coração me ajuda sempre que passo por momentos sufocantes
como abraços inesperados, ou qualquer outro gesto de carinho.
Enquanto tomo todo o ar que preciso à medida que me deito,
o meu pensamento é claro e objetivo: Alexander me odeia na
mesma proporção que eu o odeio, então não há nenhuma
possibilidade de nós acabarmos abraçados nessa cama desse
tamanho, que deve ter o quê? Dois metros ou quase?
Ele está em uma ponta e eu em outra, então há um grande
abismo entre nós, não tem como acabarmos em uma conchinha com
espaço tão grande assim.
— Vira de costas para mim — digo ao me mover e ficar de
frente para ele e perceber que ele está virado para mim também.
Mais uma vez Alexander não responde, apenas acata o meu
pedido. Assim posso garantir que não haverá conchinha, mão no
cabelo, ou qualquer outra coisa.
Inspiro e expiro. Fecho os olhos me concentrando apenas no
ar que entra e sai do meu corpo, somente isso.

Eu não gosto de acordar, eu odeio acordar, porque acordar


significa que o meu cabelo vai estar todo desgrenhado, minha boca
com um gosto ruim, meu humor ácido e o pior de tudo, além do
meu estômago roncando, é ter que abrir os olhos.
Contudo, é estranho acordar dessa vez quando não sinto
nenhum desses outros sintomas. Sei que estou acordada porque
com certeza eu não estou sonhando quando sinto um peito subir e
descer abaixo de mim, além da respiração forte que sopra meus
cabelos.
Isso poderia ser um sonho, certo?
Errado.
Meu braço inteiro também sente uma barriga abaixo dele e
meus dedos estão estacionados em algo que parece um músculo,
contudo, coberto por um tecido fino de algodão.
Abro meus olhos lentamente, minha respiração vacila
enquanto eu tento ao máximo pensar que isso é só um sonho, ou
meu subconsciente e nada disso é real. Porém, quando meus olhos
estão abertos e o gosto da bile sobe até minha garganta, eu noto o
que já sabia desde que acordei.
Eu estou em cima de Alexander.
Minha cabeça está sobre seu peito, meu braço em sua barriga
o abraçando, e meus dedos... bom... meus dedos... como eu posso
me expressar? Meus dedos… Meu Deus, eu não vou conseguir
pensar nisso.
Desço os olhos para constatar antes de tomar uma ideia
precipitada, mas é isso mesmo que eu estava pensando. Meus dedos
estão no pau de Alexander e ele está duro. Não um duro meia
bomba... duro, duro. Feito pedra mesmo.
Meu peito para de se movimentar quando eu paro de receber
ar, no instante em que tento sair de cima dele de uma forma sútil,
primeiro tirando a minha mão do instrumento sexual endurecido,
seguido do meu braço da sua barriga e minha cabeça do seu peito.
O problema é que a minha perna entrou no espaço entre as
pernas dele, e no momento em que saio de cima dele e estou pronta
para me afastar e voltar para o meu lado – que só agora percebi que
fui eu que fui até ele e não o contrário –, Alexander se vira, deitando
de lado, e automaticamente suas pernas prendem a minha.
Ok, se antes eu estava desesperada e pronta para fugir com o
nosso toque físico, agora eu estou eufórica, mas não é uma euforia
bom, eu estou a ponto de surtar e dar uma de Charlotte Cameron, e
porra, isso não vai ser bonito.
Começo a hiperventilar.
Como uma pessoa que morre de medo de abraços acaba não
apenas abraçando, mas também em cima do cara que mais odeia
desde o dia que nasceu?
É difícil obter uma resposta para essa pergunta, é por isso
que um grito se alastra na minha garganta quando me toco que não
consigo me livrar do nosso enlace e isso faz com que minha pele
comece a formigar a as batidas do meu coração fiquem ainda mais
fortes.
Parece que eu me tornei uma bomba, as retumbadas do meu
coração são os segundos sendo contados, meu grito o pavio que
está queimando e meu corpo vai literalmente explodir a qualquer
momento.
— Quem morreu? Quem morreu? — Alexander grita de volta
quando se levanta assustado.
Eu não consigo respondê-lo porque estou ocupada gritando.
Tudo que faço é apontar para minha perna, sentindo meus olhos
prestes a pularem para fora do meu rosto. Ele olha para todo o
quarto, menos para onde meu dedo aponta.
— Ah! — ele começa a gritar na mesma proporção que eu,
seus olhos estão arregalados e boca inteiramente aberta.
O grito de Alexander vai se tornando mais alto que o meu aos
poucos, chegando ao ponto de que eu paro de ouvir o meu para
ouvir só o dele, em algum momento eu paro de gritar e ele também.
Sinto meu peito arder ainda.
— Respira! — Alexander ordena.
Demora um pouco para que meu corpo e minha mente
reajam como um só e quando isso acontece, eu passo a inspirar e
expirar. Alexander, que agora me olha com uma certa preocupação,
me imita, ou sou eu que imito ele, não sei bem. Mas juntos, nós dois
inspiramos e expiramos, e isso aos poucos vai me acalmando.
É só quando sinto que estou finalmente em meus sentidos
que olho para ele e digo:
— Minha perna.
— O que tem? — Ele continua atônito e então leva seus olhos
para baixo e finalmente percebe o motivo do meu surto. — Ok — ele
diz apenas isso quando tira sua perna de cima da minha, me
libertando, que tão agilmente afasto o único contato físico que ainda
temos.
— A nevasca já passou? — pergunto ao me levantar.
— Não sei, eu acordei agora com uma louca gritando no meu
ouvido e não era o meu nome.
Mostro o dedo do meio a ele e pego meu celular, que havia
deixado embaixo do travesseiro na noite passada, antes de
Alexander invadir a cama e eu adormecer, acabando em cima dele.
Abro o aplicativo do tempo onde diz que o céu está limpo.
— Acabou, vamos embora — comando.
— O que aconteceu afinal de contas para sua perna estar
dentro das minhas? — ele pergunta ao ficar de pé também.
Pego minha necessaire e o olho, uma tontura acaba tomando
conta de mim quando vejo que ele permanece com a cueca preta, o
corpo esculpido, os cabelos ondulados bagunçados e caindo sobre
sua testa, o rosto ainda está inchado, e com isso a boca também.
Incrivelmente lindo.
Espera um pouco, eu disse lindo?
Engulo em seco.
— Você deve ter me agarrado durante a noite e eu acordei
assim. — Faço de tudo para voltar ao meu eu normal e parar de
encará-lo, percebendo o quanto ele é minimamente decente.
Mas não adianta de nada quando lembro que na noite
passada ele bateu uma punheta chamando meu nome. Merda.
— Não foi você que veio para cima de mim? — questiona
também, pegando uma bolsa pequena com as coisas dele.
— Não. — Minha resposta não é firme quando minha voz sai
fina demais, e isso faz com que um vinco de forme em sua testa. —
Claro que não — agora falo mais séria.
— Você se mexe para caramba, patinho feio, e eu durmo
como se fosse uma pedra, e até onde eu percebi, eu acordei do
mesmo lado em que adormeci na cama, enquanto você estava no
meio.
Meu nariz se franze em uma careta, por que ele tem que ser
tão espertinho assim? Fato é que jamais irei admitir que eu, uma
pessoa que tem pavor de gestos afetuosos, iria acabar abraçada a
ele e com a mão no pau dele enquanto dormia.
— Você quem pensa que não se mexe — digo e ele ainda me
fita com desconfiança.
— Bom, ninguém que já tenha dormido comigo antes chegou
a reclamar disso. — Ele dá de ombros.
Minha cabeça se move em uma pequena negativa quando
olho para ele com tédio, como se o comentário de quem dorme com
ele agregasse algo em minha vida. Eu o estar ignorando faz com que
ele pare de falar e caminhe na direção do banheiro.
— O banheiro é meu — declaro.
Quando percebo isso eu corro, porque eu peguei minhas
coisas primeiro para ir ao banheiro.
Porém, existe o fato de que Alexander é mais alto que eu,
suas pernas são bem maiores que a minha e no instante em que eu
apresso meu passo, ele também apressa o dele.
— Não se eu chegar primeiro — ele responde, já passando
pela porta.
Olho para ele irada, sentindo minha pele queimar em raiva,
ele percebe isso quando põe o creme dental na escova e ergue uma
sobrancelha. Eu apenas fico parada o encarando, enfurecida.
Alexander dá um pequeno passo para frente ao virar, ficando frente
a frente comigo.
Ele começa a escovar os dentes e apoia um braço na soleira
da porta, parecendo que saiu diretamente de um ensaio da GQ’s
Men[2]. Meus olhos me traem e eu acabo olhando diretamente para o
braço forte dele, que flexiona o músculo.
— Quer dividir o espaço? — inquere provocativo ao tirar a
escova da boca.
Reviro os olhos.
— Não, obrigada. — Dou as costas a ele, apenas para que eu
não me traia de novo e acabe olhando para o que não devo.
Vou até a mala e separo a roupa que vou usar, mais
especificamente uma calça legging para frio, uma regata e o
moletom de Zach, deixando esse em cima da cama.
Quando Alexander finalmente deixa o banheiro livre, eu o
adentro, juntamente com as minhas coisas. Não tomo outro banho,
visto que quero chegar em casa o mais rápido possível, então faço
apenas uma higiene básica. Alguém bate na porta do quarto
enquanto eu limpo meu rosto.
— Quer café, patinho feio? — Alexander grita do quarto.
Abro a porta do banheiro com o rosto cheio de sabão e coloco
apenas a cabeça para fora. Ele está com a porta do quarto aberta e
há um senhorzinho com um carrinho do lado de fora.
— Um latte descafeinado — peço.
— Só tem preto e com cafeína — ele responde ríspido.
— Pode ser — respondo ao voltar para dentro do banheiro e
fechar a porta outra vez.
Termino toda a minha higiene e troco a roupa depois de
arrumar meu cabelo em um rabo de cavalo bagunçado. Ao sair do
banheiro outra vez, encontro Alexander já dentro do quarto em
frente a cama com dois copos pequenos de café em mãos, seus
olhos estão arregalados quando ele me olha com cara de culpado.
— O que você fez? — pergunto de prontidão.
— Eu não — ele começa. — Você deixou a porra da mala
jogada no chão e eu tropecei.
— Tropeçou onde, exatamente?
— Na mala. — Ele pausa. — Que estava aberta. — Engole em
seco. — E caiu café nela e na cama também.
Dou pequenos passos, fuzilando-o. Essa é uma das poucas
vezes que realmente Alexander parece assustado comigo, ele engole
em seco mais duas vezes sem saber o que responder.
— Pelo menos sua calcinha da Minnie saiu intacta — ele
brinca.
Um sorriso cínico nasceu em meus lábios quando eu anuo,
concordando com ele, ergo a mão ao apontar o dedo.
— Você me paga — aviso, apenas, mas quando desço a mão,
acabo encontrando o moletom que havia separado para vestir
também sujo de café. — Até o moletom, Alexander?
Ele dá de ombros.
— Você não tem outro?
— Todas as minhas roupas de frio estavam nessa mala. —
Tento controlar minha raiva ao respondê-lo.
— E as outras duas que estão no carro?
— Com as roupas que vou levar para Miami.
— Não tem sequer uma de frio? — Nego. — Você trouxe três
malas de roupas e colocou todas as suas roupas para frio em uma
mala? — Anuo. — Você é idiota?
Ele suja minhas roupas, inclusive a que eu ainda ia vestir, e
ainda tem a cara de pau de me chamar de idiota?! Eu vou matá-lo,
não hoje, mas isso um dia ainda irá acontecer.
Por agora, eu apenas tento controlar minha raiva, respirando
fundo e pensando coisas positivas para não o esganar, como por
exemplo viajar para Miami em poucas horas e lá eu vou poder matá-
lo e desovar o corpo dele em algum lugar longe o bastante de mim.
Mórbido, sei bem, mas pouco me importa.
— Como eu vou sair nesse frio agora? — pergunto
retoricamente, vendo o estrago que ele fez em todas as minhas
coisas.
Alexander sai de perto de mim e caminha até sua mala que
está próximo a porta, eu não presto mais atenção nos movimentos
dele enquanto procuro algo que não esteja sujo e nem molhado de
café, mas não encontro nada.
— Pega — ele diz e eu subo os olhos para encará-lo.
Há um moletom com o símbolo da Dartmouth em sua mão,
eu até tenho um igual, mas foi destruído pelo café, e o dele parece
duas vezes maior do que o meu.
— O mínimo, não é? — digo, arrebatando-o da sua mão e
conferindo o tamanho, então me lembro da fala dele de ontem. —
Não era você que só daria uma camisa sua a alguém se fosse sua
namorada? — Estreito os olhos, passando a língua no interior da
bochecha.
— Então devolve. — Ele tenta arrebatar da minha mão de
volta, mas eu esquivo.
— Perguntei apenas por curiosidade — digo ao vestir o
moletom, que de certa forma, me abraça.
Alexander fecha a cara.
— Vamos embora dessa espelunca logo. — Ele me dá as
costas e nós vamos, finalmente, rumo a nossa casa.
Quando sentir que vai morrer
Não precisa se preocupar
Eu posso te trazer de volta à vida
Estou ao seu lado se precisar de alguém
ALWAYS | JAMES ARTHUR

Eu só adormeci depois que Charlotte me abraçou na noite


passada.
Eu sabia bem que ela estava nervosa e com medo de ter
alguém perto dela na mesma cama, portanto fiquei acordado até
que ela pegasse no sono, o que não demorou muito para acontecer
enquanto ela fazia a técnica de respiração.
Apenas não esperava que depois disso ela simplesmente
fosse fazer um meio giro completo na cama e acabar em cima de
mim, me abraçando e com a cabeça em meu peito. Pensei em
afastá-la de imediato, mas se ela acordasse e me visse tocando nela,
com certeza ela iria surtar.
Do que adiantou minha bela ideia? Absolutamente nada
quando eu adormeci e acordei com ela gritando feito uma louca.
Charlotte surtou, era óbvio que ela iria surtar. Mas o que
importa é que antes disso tanto eu, quanto ela, dormirmos em paz,
e muito, para falar a verdade.
Já passava das dez da manhã quando saímos da espelunca
onde passamos a noite, embora ela tenha brigado o caminho inteiro
por conta do café, que eu juro que derrubei acidentalmente na mala
dela e também no moletom de Zach – esse mereceu –, e sobre
como ela não iria devolver o meu moletom que eu havia a
emprestado – que eu também não faço questão de receber,
principalmente depois dela usar –, finalmente chegamos em casa.
— Cadê minha campeã? — meu pai pergunta no instante em
que paro o carro em frente a garagem de casa.
E sim, ele não está falando comigo, está falando com
Charlotte, que por sinal, no momento em sai do carro, agarra minha
mãe, abraçando-a, em seguida meu pai pergunta se pode se juntar
ao abraço e ela diz que sim.
As duas únicas pessoas que ela não recusa abraços são as
nossas mães, o meu pai ainda tem que pedir, mas ele não se
incomoda com isso. Depois que Rafael, o pai dela, foi embora, meu
pai, que já era uma constante na sua vida, se fez ainda mais
presente, sendo a figura paterna que ela precisou durante a
adolescência.
— O filho de verdade vocês estão pouco se fodendo — eu
reclamo ao sair do carro.
— Olha a boca, criança — meu pai repreende ao me vir em
minha direção.
Todas as minhas características físicas eu puxei a ele, menos
o cabelo escuro e ondulado, isso foi a única coisa que eu herdei da
minha mãe, que chega em mim toda chorosa, me pegando pelas
bochechas e as apertando.
— Meu raio de sol — ela diz sorridente antes de me abraçar.
Ela me chama assim desde que eu nasci, por conta daquela
música You’re my Sunshine, que ela costumava cantar para mim
todas as noites antes de dormir. Isso perdurou por toda a minha
infância até o início da adolescência, mas acabou na noite em que
Charlotte dormiu em casa e assistiu a cena, rindo de mim, me
chamando de raio de sol, dali em diante pedi para que minha mãe
parasse a cantoria.
— É impressão minha ou você está usando uma roupa do
Alex? — meu pai pergunta a Charlotte, pegando as malas dela no
carro.
— Ele derrubou café em todas as minhas roupas — ela diz de
uma vez.
— Alexander! — meu pai briga comigo de novo.
Levanto as mãos para cima, sem entender.
— Ela nem conta a história inteira e você já vem brigar
comigo, é sério?!
Nunca me importei com a proximidade entre meu pai e
Charlotte, mas chega a ser exaustivo como ela se faz de coitada na
frente dele, e não estou pronto para passar os próximos dias com
ela se vitimizando todo o tempo.
— Aposto que você não fez por mal — minha mãe me
defende.
— Você não conhece mesmo o filho que tem, Maggie? —
Charlotte provoca.
Minha mãe, que me abraça de lado, ergue a cabeça para cima
para me encarar e ela fecha os lábios em uma linha fina,
concordando com Charlotte.
— Faltam quantas horas para o voo mesmo? Apenas a Alice
para ficar do meu lado aqui — reclamo ao pegar minhas coisas e
entrar em casa com eles.
A mãe de Charlotte já está em Miami, devido a urgência que
teve com um cliente no mesmo estado e como ela é corretora de
imóveis, então vive viajando o país inteiro. E visto que todos iremos
passar o natal e ano novo lá, não faria sentido o retorno dela para
Greenwich.
— Somente à noite — meu pai responde, carregando as
malas de Charlotte pelas escadas, porque sim, ela tem um quarto na
nossa casa, mesmo sendo nossa vizinha. — Sendo por mal ou não,
pelo menos você pediu desculpas, Alex? — Ele para.
— Não — Charlotte quem responde.
Eu me viro, fuzilando-a.
— Não foi assim que a gente te criou, filho.
— Eu vou matar você — digo entredentes e ela mostra a
língua. — Legal, tudo o que ela faz vocês não veem — digo em voz
alta, me jogando no sofá.
— Vai jogar o que? — ela pergunta, sentando do outro lado
do sofá e pegando um console do Xbox.
— NHL, óbvio — digo pegando o meu console e ligando o
aparelho. — Montreal Canadiens.
— Montreal Canadiens — ela diz ao mesmo tempo que eu,
quando eu seleciono o jogo. — Pedra, papel e tesoura? — sugere.
Fecho a mão, balanço o punho três vezes antes de jogar
papel, e ela colocar uma tesoura.
— Rá — Ela ri, comemorando.
— Eu, realmente, do fundo do meu coração, juro que eu te
odeio — digo, enquanto deixo ela ficar com o meu time favorito e
seleciono o Chicago Blackhawks para mim.
Charlotte não gosta de hóquei, se ela gostasse estaria em
todos os jogos, mas ela entende bem do jogo, pelo menos no Xbox,
uma vez que é difícil ganhar dela em qualquer partida.
Durante o verão, Evan não ganhou uma partida sequer dela,
o único que é capaz desse feito sou eu, mas não é sempre. Como
por exemplo agora, quando ela mal começa o jogo e já colocou um
disco dentro do meu gol.
Charlotte ri outra vez comemorando e tão logo, o próximo gol
é meu, e é minha vez de comemorar, o que não tem muito efeito
quando ela ganha no final de cinco a dois.
— Bem que seu namorado poderia defender os gols igual
você faz no Xbox — provoco-a, dando início em outra partida.
— Está namorando com quem, Charlie? — minha mãe
pergunta ao sentar-se no sofá entre nós.
Viro o rosto para respondê-la e ela me lança um olhar sútil e
curioso.
— O Zach — respondo. — Um dos goleiros do Big Green.
— O ruivo? — minha mãe pergunta interessada.
— Sim — Charlotte quem responde ao acertar o primeiro gol,
ela está centrada na tela da TV. — Mas ele não é meu namorado.
— Ah sim, ela só quer dar para ele — eu digo.
Meu plano dá certo e Charlotte para de jogar, apenas para
que eu roube o disco do jogador dela e faça um gol.
— Alexander! — minha mãe exclama. — Eu não acredito que
você disse isso.
— Nem eu, Maggie — Charlotte diz.
O que eu disse sobre ela se vitimizar na frente dos meus
pais? Então é real e isso é um inferno, mas eu não me importo,
quando eu tenho cartas na manga.
— Eu não menti, ela quem me confessou isso — digo,
fazendo mais um gol.
— Ei, você está roubando — Charlotte reclama, voltando a
jogar.
— Sabe o que mais ela falou por aí, mãe?
— O quê? — Agora ela está genuinamente interessada.
— Que ele tem gonorreia. — Ok, eu não esperava que ela
confessasse isso tão abertamente. Minha mãe ri. — Você acha
mesmo que ela já não sabia dessa história? — Charlotte me
pergunta, fazendo outro gol.
Faço uma careta.
— Que fique claro que eu briguei com ela por isso — minha
mãe tenta se defender em meio ao riso. Eu sorrio, ouvindo o som
límpido da sua risada, que é linda. — Mas ninguém mandou brincar
com o medo dela, foi bem feito.
— Uhum — concordo enquanto Charlotte faz mais um gol. —
Porra, quem está roubando é você — acuso.
Minha mãe ri mais um pouco e em seguida a sua mão
encosta em minha perna e a cabeça no meu ombro, ela abre a boca
em um bocejo enquanto Charlotte e eu continuamos jogando.
Sempre tive um vínculo muito forte com minha mãe, ela é
minha maior fã e eu sou o maior fã dela, e por incrível que pareça,
fico na frente do meu pai, que é totalmente rendido por ela depois
de vinte e três anos de casados e ainda a olha da mesma forma
desde o dia em que a conheceu.
Eu nunca namorei antes na minha vida, me interessei por
algumas garotas, chegou até a ser quase sério com duas, mas eu
nunca senti que eu as olhava da mesma forma que meu pai olha a
minha mãe.
Ele a ama da forma mais simples que alguém pode amar
outra pessoa, e eu acho lindo, e eu não quero namorar por namorar,
com a intenção de um dia dar certo. Eu quero bater os olhos na
pessoa e dizer que é ela, talvez isso aconteça amanhã, mas talvez
aconteça também em dez anos.
A verdade é que não estou ansioso por esse dia, apenas sei
que um dia irá chegar e eu vou olhá-la, meu coração vai acelerar, eu
vou sorrir e vou saber que é a mulher que nasceu para viver comigo
pelo resto da vida.

— Impressão minha ou você está mais alto? — Alice pergunta


assim que seu corpo esbarra no meu, quando a recebo na sala.
Eu abraço a minha segunda mãe erguendo-a, ela chega a ser
ainda mais baixa do que a filha, que já não é alta. Beijo sua
bochecha e quando a solto, ela bagunça meu cabelo.
— Impressão minha ou blábláblá — Charlotte imita a voz da
mãe, fazendo uma careta. — Você deve se odiar muito, mãe, para
abraçar ele assim.
— Vou fingir que você não está com ciúmes, Lottie. — Ela a
abraça de lado, que aceita, e em seguida nós entramos na sala.
Depois de perder cinco partidas para a Charlotte e ganhar
uma, deu a hora de irmos ao aeroporto para viajar por mais três
horas até a Flórida. Não nego que a única coisa que quero fazer é a
mesma que a minha mãe, que no instante em que chegamos na
casa em que foi alugada, foi dormir.
Mas estava ansioso para encontrar a minha madrinha.
— Como estão os jogos, Alex? — Alice pergunta quando nos
sentamos na mesa que há na divisão da sala e cozinha.
— Estariam melhores se o namorado da sua filha defendesse
os gols.
— Sério? — Charlotte grita em um agudo. — Para mais
quantas pessoas você vai dizer que eu estou namorando, quando eu
não estou?
Alice pende a cabeça para o lado.
Ela não é nada parecida com a filha, a não ser pelos olhos
claros. Seus cabelos são loiros e o rosto tem um formato de coração,
fora o sorriso e olhos dóceis que ela tem todas as vezes em que olha
para mim.
— Afinal, você está namorando ou não, Lottie?
— Não estou!
— Então por que estava com a camisa dele no jogo? — A
mãe dela a coloca contra a parede.
— Como você sabe? — Charlotte pergunta espantada.
Alice dá de ombros, irônica igualzinha a filha, devemos
assumir que Charlotte puxou bem a mãe quando o assunto é ser
debochada. Ela deixa de fora o fato de que eu enviei uma
mensagem para ela falando sobre Charlotte ir ao jogo com a camisa
do goleiro.
— Na minha época, eu só usava a camisa de quem eu
namorava — a mulher reflete divertida ao levantar as pernas e
cruzá-las na cadeira.
Ela me solta uma piscadela, se divertindo ao provocar a
pessoa que colocou no mundo, que por sua vez revira os olhos.
— Se usar camisas de homem significa que é meu namorado,
devemos considerar que eu estou namorando o Alexander —
Charlotte devolve.
— Não seria uma má ideia — Alice brinca.
— Que horror, mãe. — O nariz dela se franze.
— Não sei de onde você tira essas ideias, Alice — eu reclamo,
me levantando da mesa.
Minha mãe e Alice tentaram com todas as cartas possíveis
tornar-nos amigos, o que nunca funcionou, obviamente. Em algum
momento durante a nossa adolescência, Alice pôs na cabeça que
implicávamos um com outro por estarmos apaixonados, mas ela
nunca esteve tão errada.
Prova disso foi que pouco tempo depois, Charlotte estava
toda apaixonadinha por Steve, um idiota que era do time de lacrosse
da escola. O namoro, porém, não durou tanto tempo, ainda mais
quando eu o convenci que já passava da hora dele dizer que amava
a Charlotte.
Eles já estavam juntos a tempo demais para o meu gosto,
andavam de mãos dadas e tudo, foi a época que Charlotte mais se
adaptou ao medo que ela tem, mas ainda assim eu sabia que a
palavra “amor” a assustava, e eu estava cansado de vê-la tão feliz.
Eu era apenas um adolescente e a odiando da forma que
odeio, era justo fazer aquilo, uma vez que a gente não podia mais
jogar, nem brigar um com o outro que o idiota do Steve tentava
interferir, como se ele fosse um super-herói e eu o vilão.
Então eu me tornei exatamente isso, o vilão, mas não para
ela, para ele. Quando em um papo de vestiário o encorajei a dizer
que a amava, ele ficou receoso com aquilo, mesmo tendo o
sentimento e conhecendo todas as condições da Charlotte
suficientemente bem, ele disse que a amava.
Acontece que como sempre – e como eu esperava –,
Charlotte deu uma de Charlotte e surtou, e logo em seguida
terminando o namoro.
Ela nunca soube que eu interferi em seu relacionamento, e
seria ótimo se continuasse assim.
— Vocês vão discordar de mim se eu disser que vocês
formam um lindo casal? — Alice provoca.
— Claro que sim — nós dizemos em uníssono.
Alice ri.
— Até falam iguais. — Ela faz um biquinho.
— Você me deixa te chamar de idiota, mãe? — Charlotte
pede.
— Claro que não.
— Então saiba que eu pensei. — Ela pisca para a mãe, que ri.
Alice e minha mãe são simplesmente assim, gostam de nos
provocar e ainda por cima riem de tudo o que acontece com a
gente.
— Sabe o que eu consegui para vocês? — Alice tamborila os
dedos na mesa de jantar, quando nós dois perguntamos ao mesmo
tempo. Ela ri outra vez. — Sabem o cliente que eu tive que vir
atender aqui na Flórida?
— Sim — nós dois respondemos, dessa vez olhando um para
o outro com raiva pela coincidência.
— Ele é um empresário gigante de atletas em geral,
patinadores inclusive. — Alice olha para Charlotte.
— Quem é? — eu pergunto.
— Chad Morgan — Alice responde.
— Chad Morgan, tipo o Chad Morgan? — Charlotte pergunta e
a mãe confirma ao anuir. — O mesmo Chad que agencia a carreira
da Zoe Duncan, campeã olímpica da patinação solo?
— Só existe um Chad Morgan, Charlotte — a corto e ela
mostra o dedo do meio.
— Ei! — Alice aponta para ela, repreendendo. — Enfim, ele é
meu cliente e por acaso eu comentei sobre vocês.
— Fale mais — peço.
— E por acaso também, ele está de olho em vocês.
— Vocês tipo, Alex e eu? — Charlotte pergunta, apontando
dela para mim.
— Alexander para você — corrijo-a. — Mas ele está
interessado, tipo, em nós dois? — Alice anui de novo. — Mentira —
constato.
Ela ri.
— Se é mentira, por que então ele me pediu para dizer que
vocês dois têm cortesia no camarote do próximo jogo da NBA depois
do natal?! — ela pergunta retoricamente. — Dois dos atletas com
quem ele trabalha estarão em um jogo no dia vinte e seis aqui. Ele
poderia ter encontrado vocês hoje, mas teve que voar às pressas
para Nova Iorque, onde fica o escritório dele.
Charlotte assobia.
— Já se imaginou morando em Manhattan, Alexander? — Ela
sobe as sobrancelhas com um sorriso faceiro no rosto. — Se sim,
esqueça, pois quem vai morar lá depois da formatura sou eu.
— Como se você tivesse chances — digo, apenas para
provocá-la.
— Vai à merda, Alexander — ela diz, furiosa.
Escondo o sorriso que começa a subir no canto da minha
boca quando Alice briga com ela por conta do palavrão, o que todos
sabemos que nunca terá o efeito esperado, visto que Charlotte
jamais irá deixar de falar assim.
A conversa se encerra quando o celular dela vibra na mesa e
pelo canto de olho posso ver que é Zach. Charlotte pede licença e
Alice passa a conversar comigo sobre os jogos e como nós estamos
na frente para encarar a Frozen Four em abril.
Falta um tempo bastante considerável para a final, isso é fato,
mas temos trabalhado para chegar até lá. Contudo, eu não consigo
me centrar nas respostas que dou a Alice enquanto vejo Charlotte
no deck, através da porta de vidro. Ela abraça o corpo e pende o
corpo para frente e para trás.
Ela está sorrindo enquanto o telefone está colado no ouvido.
Me pergunto sobre o que Zach e ela estão conversando...
será que ela contou a ele sobre o encontro que teremos com Chad?
Será que ela encontrando com Chad irá falar sobre o goleiro? E se
ela falar, será que ela irá morar em Manhattan com ele?
Que porra é essa?
O que eu tenho a ver com isso e porque estou pensando
nisso?
— Alexander? — Pulo da cadeira quando Alice me chama.
— Hum... Oi? Me chamou?
— Eu perguntei se você chegou a ver o Rafael pelo campus.
— Que Rafael? — Os pelos dos meus braços se eriçam
quando repito o nome.
— O único Rafael que conhecemos. Ele voltou da Espanha há
um tempo, e estou preocupada com ele procurando pela Charlie.
— Ele não faria isso — declaro semicerrando os olhos.
Alice dá de ombros, parecendo realmente preocupada. O cara
foi um idiota quando largou mãe e filha anos atrás, Alice teve que
trabalhar dobrado para conseguir sustentar a casa e criar Charlotte
sozinha.
Elas têm uma vida boa e privilegiada, sim, embora para que
isso acontecesse Alice tivesse que se dobrar em três para conseguir
manter uma casa em uma das regiões mais caras de Connecticut
apenas para que a filha estudasse em uma escola boa e tivesse boas
oportunidades.
— Sei que você e Charlie não são os melhores amigos do
mundo, mas se posso te pedir uma coisa como uma pessoa que
também te criou? Cuida dela por mim, por favor? Se ele por acaso
aparecer procurando por ela, não deixe que esse encontro aconteça,
já basta tudo o que ele a fez passar quando foi embora. — Os olhos
de Alice estão brilhando, ela está prestes a chorar, mas ela é uma
mulher forte demais para deixar se abalar assim.
Engulo em seco ao anuir.
Posso não ser o maior fã de Charlotte, e mesmo assim eu
jamais deixaria que o bosta do pai dela a magoasse outra vez. Basta
os inúmeros feriados que ele prometeu vir pegá-la e nunca cumpriu,
os aniversários que ele faltou e nem mesmo se ocupou em ligar para
ela.
Eu não preciso amar a Charlotte para protegê-la dele, pois só
quem esteve por perto assistiu de perto tudo o que ela sofreu – e
ainda sofre –, por não confiar nas pessoas ao seu redor, e isso tudo
porque ele a abandonou.
— É claro que sim — respondo e Alice agradece.
Ela não sabe, porque eu fiz minha mãe prometer nunca
contar a ninguém, mas no mesmo dia em que Charlotte fugiu para
patinar pela primeira vez, eu prometi que enquanto eu respirasse, eu
não deixaria que seu pai estilhaçasse seu coração outra vez.
Ainda hoje, anos depois, faço questão de manter a minha
palavra.
Ele está fora de si, eu estou enlouquecendo
Nós temos esse amor, do tipo maluco
Eu sou dele e ele é meu
No final, somos ele e eu
HIM & I | G-EAZY WT. HALSEY

A parte que eu mais ansiei quando criança no natal sempre


foi a abertura dos presentes na manhã do dia vinte e cinco. Antes de
conseguir aprender a escrever, eu desenhava o que queria para o
Papai Noel, e eu sempre recebia.
As cartas escritas começaram a ser enviadas quando eu tinha
cinco anos, e duraram até os sete, que foi o último ano em que
acreditei na existência do bom velhinho, pois foi no mesmo ano em
que meu pai foi embora. Minhas cartas passaram a serem escritas
para o homem que havia me deixado, porque ele seria o único capaz
de atender o meu pedido, uma vez que tudo que eu desejava era
que ele voltasse. Papai Noel costuma dar brinquedos, não um ser
humano que cruzou o Atlântico, deixando a filha para trás.
No entanto, mesmo não acreditando mais na existência do
querido idoso, nas manhãs de natal eu abria os presentes que minha
mãe deixava para mim debaixo da árvore de natal, e por mais dois
anos eu não contei ao Alexander sobre a grande farsa que o
velhinho barrigudo era.
Ele ficou irado com os pais quando descobriu isso, mas ainda
mais comigo porque eu soube antes dele.
Agora que somos adultos, os presentes se tornaram
responsabilidade, e como prometido, Cora nos enviou em plena
véspera de natal a orientação para o projeto de sua matéria. Que eu
decidi ignorar, pelo menos até hoje pela manhã, onde meus planos
são de ir para o rinque de gelo mais próximo, pois já fazem quatro
dias que não sei o que é patinar. Logo mais a pista deve abrir e eu já
reservei um horário por vinte dólares.
A porta do banheiro balança em pancadas violentas que são
jorradas do lado de fora, enquanto eu tomo banho e ouço música,
cantando, a fim de me preparar para ir para o gelo.
— Dá para você calar a porra da boca, Charlotte? —
Alexander grita.
— Eu estava andando em um carro de fuga — canto ainda
mais alto.
— Eu quero dormir!
— Eu estava chorando em um carro de fuga. — Eu realmente
finjo que não estou o ouvindo brigar do lado de fora.
Alexander continua a bater com força na porta e eu continuo
cantando, as batidas na porta param e eu paro de cantar
imediatamente quando um sorriso se abre em minha boca.
Porém, acabo sendo surpreendida quando um baque
ensurdecedor, parecendo que a casa está sendo destruída, acaba
soando e um grito se alastra em minha garganta.
Devido o box de vidro do banheiro ser transparente dos
ombros para cima, eu pulo no instante em que vejo Alexander entrar
no banheiro, depois de literalmente arrombar a porta.
— O que está acontecendo? — pergunto em meio ao grito e
pânico devido ao susto.
— São oito da manhã, da porra da manhã de natal, e você
está acordando a Flórida inteira com essa sua voz de taquara
rachada, gritando uma música que nem sabe cantar — ele grita de
volta.
Desligo o chuveiro.
— E desde quando isso te dá o direito de arrombar a porta
enquanto eu estou nua? — devolvo.
Alexander desliga a caixinha de som que eu havia deixado em
cima da pia.
— Melhor eu do que um policial, porque a sua voz é uma
poluição sonora. Crimes ambientais também podem te levar à
cadeia. — Ele pega a caixa de som e se prepara para sair do
banheiro.
— O que aconteceu aqui? — minha mãe pergunta ao chegar
no banheiro.
— Quem arrombou essa porta? — A mãe de Alexander
também aparece no banheiro.
— Que barulheira é essa? — Alessandro também adentra o
espaço, tão desesperado quanto as mulheres.
Eu bufo, pois por sorte, o vidro do box é todo embaçado dos
ombros para baixo, caso contrário, todos estariam me assistindo
pelada agora.
— Virou um festival isso aqui? — é minha vez de inquirir.
Os três últimos que entraram no banheiro me olham, e só
então percebem que eu estava tomando banho e que todo o meu
cabelo está coberto de espuma de shampoo. Alessandro vira-se de
costas imediatamente ao ver meu estado.
— Algum de vocês podem explicar como essa porta ficou
dessa forma? — minha mãe pergunta com raiva.
— O seu querido protegido a arrombou.
Maggie abre a boca em um espanto, mas antes que ela
brigue com o filho, ele começa a tentar se explicar.
— São oito da manhã, de um feriado, eu passei a noite
passada inteira adiantando coisas de um projeto que essa aí – ele
aponta para mim – me meteu porque não consegue deixar o dedo
do meio dela abaixado em plena aula, e eu fui dormir tarde por isso.
E eu estava pedindo educadamente para ela abaixar o som e parar
de cantar.
Confesso que não fazia ideia de que ele tinha dado início
sozinho ao projeto, chego a me surpreender, mas não demonstro.
— Se começou o projeto, espero que pelo menos tenha
escrito tudo direitinho, para não sermos reprovados — provoco-o,
em um sorriso.
— Não me faça quebrar esse vidro, Charlotte. — Alexander
trinca os dentes com raiva.
Maggie põe as mãos no peito dele, que está despido – ele
realmente precisa ficar sem camisa em toda e qualquer
oportunidade? –, e pede para que ele se acalme.
— Ele já chegou arrombando a porta — minto.
Alexander se vira, suas narinas dilatadas e os olhos
carregados de raiva, sutilmente dou de ombros e o cantinho da
minha boca sobe, apenas ele percebe os movimentos, e isso o faz
ficar ainda mais irado.
— Você tão cínica. — Ele estreita os olhos.
Minha mãe decide se meter.
— Vocês estão em pleno recesso, por que estariam se
preocupando com esse projeto?
— Porque aquela velha desgraçada, que parece estar fazendo
hora extra na terra, pediu para que a introdução da ideia fosse
enviada em dois dias — ele responde.
— Isso é forma de falar sobre os mais velhos, Alexander? —
Alessandro se mete, virando-se de volta.
Em total instinto, mesmo que não dê para ver, cubro meus
peitos com os braços.
— E por que você não o ajudou, Lottie? — Minha mãe me
encara.
— Ela estava mais preocupada em ficar mandando
mensagens para o Zach.
Meu queixo despenca, em puro choque.
— Depois a cínica sou eu, hum?! — questiono em retórica. —
Eu não consigo entender o assunto e em momento algum estava
conversando com o Zach.
— Seus dedos não paravam de batucar no celular — ele diz.
— Mas você está bravo? — pergunto, genuinamente
interessada.
— Charlotte, chega — minha mãe interfere no instante em
que Alexander está prestes a explodir.
— Estava falando com o Daniel — explico.
— Como ele está? — Alessandro pergunta.
Isso parece ser demais para Alexander, que abandona a
minha caixa de som de volta na pia, onde eu a havia deixado antes
dele invadir o banheiro, e passa entre as nossas mães, em seguida o
seu pai.
— Posso conversar sobre isso quando terminar de lavar o
cabelo? — Aponto para minha cabeça.
Os três acatam meu pedido e finalmente me deixam sozinha
para que eu possa terminar meu banho, o que não dura muito
tempo, pois no momento em que começo a aplicar o condicionador
no comprimento do cabelo, a porta é aberta novamente.
Contudo, não há chutes ou baques dessa vez, porque
aparentemente a fechadura foi quebrada devido a ignorância de
Alexander, que adentra o espaço novamente.
— É sério que você não vai me deixar terminar o banho? —
pergunto indignada.
Ele respira fundo e se aproxima do box e em nenhum
momento quando ele está praticamente colado no vidro, ele olha
para baixo, apenas diretamente para meus olhos. Eu poderia me
intimidar com um momento como esse, se fosse qualquer outro
homem, mas por incrível que pareça, eu não faço isso.
Por um momento bem rápido, sinto meu clítoris pulsar.
Alexander respira fundo e olhando nos meus olhos, ele aponta para
mim.
— Iremos terminar a introdução juntos mais tarde, e se você
ousar mandar qualquer mensagem para o Daniel, ou Zach, ou
qualquer outro, eu quebro a porra do seu celular — ele ameaça.
Sinto meu cenho franzir.
— Eu não gosto de ser mandada por ninguém, Alexander —
aviso.
— Não estou mandando, apenas advertindo. Ou você faz a
porra do trabalho de forma séria, ou eu o entrego sozinho e sem o
seu nome.
— Você não faria isso. — Estreito os olhos.
— Quer apostar?! — interpela. — Mande qualquer mensagem
para qualquer um deles e veja se eu não faço isso.
Dito isso, Alexander se vira, pega minha caixinha de som e sai
do banheiro batendo a porta, que por sinal não fecha devido ao seu
ato bruto.
Fico confusa com sua reação, pois na noite passada ele não
disse nada quando abriu a porta do meu quarto e me perguntou se
eu havia visto o e-mail. Eu apenas concordei, mas não me importei
muito pois estava centrada na fofoca que Daniel estava me contando
por mensagem.
Em seguida ele saiu do meu quarto, então eu nem mesmo
cheguei a imaginar que ele tinha dado início ao projeto, ainda mais
sozinho e durante toda a noite.
De toda forma, chega a me confundir e me deixar
completamente atônita a sua reação, e ainda por cima a forma
áspera como me ordenou, e isso, de alguma forma me atiçou.
Enquanto termino meu banho, eu só penso em como eu quero voltar
para o campus de uma vez, e ver se o Zach agirá de uma vez por
todas, ou serei obrigado a desistir dele.
As minhas intenções eu já deixei bem claras, até demais, na
realidade, então só falta ele agir de uma vez por todas.
Mesmo com toda a gritaria pela manhã, e minha mãe me
repreendendo por eu não ter ajudado o Alexander na introdução do
projeto – que eu nem mesmo sabia que ele estava fazendo –, não
me importei muito com os burburinhos quando desci as escadas e
peguei um uber vindo para o rinque de gelo mais próximo de South
Beach, onde uma hora é o que ganho em um turno no Rosie’s.
Caro, contudo, eu precisava de um pouco de paz, além de
começar a treinar a coreografia para a próxima fase da competição
que acontece em um fim de semana após o meu aniversário.
Eu já tenho acertado com Dubrow, a treinadora da patinação,
todos os passos que irei fazer durante as duas apresentações da
competição, isso se eu chegar a participar das duas. O que de fato
eu tenho confiado bastante que irei.
A pista está completamente vazia, primeiro porque Miami não
está na Nova Inglaterra, onde toda e qualquer pista de gelo lota a
qualquer horário do dia. Segundo, que mesmo em época natalina,
onde as pessoas patinam apenas por diversão, não é feito tanta
questão quando se está em uma cidade turística conhecida pelas
praias.
A música que ouço no fone é a mesma que irei fazer na
segunda apresentação, então começo a fazer a sequência de passos
que tenho esquematizado como funcionará. Início a coreografia
deslizando meus pés para trás e fazendo um formato de S na pista
de braços abertos, ao chegar no ponto final me preparo para o salto
Lutz.
Me lanço ao ar com a borda externa do pé traseiro, fazendo
dois giros completos. O movimento em si é difícil de dominar, mas
após treinar por inúmeras vezes fora de pista, acabou ficando fácil
saltar e girar no ar. A aterrissagem, entretanto, não é tão fácil assim,
pois quando o mesmo pé que deu impulso para o salto é o mesmo
que pisa no chão primeiro, com isso eu acabo me desequilibrando e
caindo no gelo.
Coloco minhas mãos no chão, me preparando para me
levantar, pois se teve algo que o amor pelo gelo e pela patinação me
ensinaram, é que não importa o número total de quedas que tive,
mas sim em todas as vezes eu me reerguer e continuar a
coreografia, mesmo o processo chegue a me machucar.
Porém, dessa vez quando estou pronta para me levantar, sou
surpreendida ao ver o par de pés calçando patins próprio para
hóquei frearem ao meu lado, jorrando fragmentos de gelo em mim.
— É caindo assim no chão que você pretende pegar uma
medalha de ouro, patinho feio?
Só podia ser.
— Vai à merda, Alexander — digo ao me colocar pé outra vez.
— Me perseguindo depois chilique de hoje? — Cruzo os braços.
Alexander me lança um olhar nada afetuoso.
— Chilique, hum? Vai mesmo me dizer que não me ouviu
pedindo para você parar com aquela música irritante durante
minutos?
Nego com a cabeça, me fazendo de desentendida.
— Não ouvi. — Sustento minha mentira.
— Você é tão sonsa, garota — ele diz ao semicerrar os olhos.
— E cínica na mesma medida em que não consegue se equilibrar em
um simples patins.
É minha vez de cerrar os olhos. Eu poderia muito bem matá-
lo agora, afinal, não estamos no campus e nem perto das nossas
mães, elas jamais saberiam que a culpada fui eu, uma vez que saí
sozinha de casa e voltaria sozinha também.
O único problema seria como me livrar de um corpo que deve
pesar cem quilos de um e oitenta e oito de altura.
Ao invés de todo esse trabalho, que já me deixou com
preguiça demais, pisco duas vezes antes de um sorrisinho subir
pelos cantos dos meus lábios, pronta para desafiá-lo.
— Então você quer me dizer que, logo você, consegue se
equilibrar? — Estalo a língua e mexo a cabeça. — Acho que não.
Alexander é muito bobinho, porque eu nem mesmo cheguei a
dizer nada e ele já está se armando ao inspirar tão forte que os
músculos do seu peito se elevam.
— O que você quer apostar? — Ele começa.
Mordo o lábio inferior, sentindo um brilho se acender em
meus olhos enquanto bato os cílios, fingindo que estou mesmo
analisando toda a situação.
— O que você sugere? — pergunto.
Ele dá de ombros, também sorrindo.
— Você me mostra três saltos e se eu conseguir fazê-los,
você não vai mais sair com o Zach.
Rio, mas é uma risada blasé, sem importância alguma.
— O que você tem contra o Zach, afinal?
— Nada — diz simplesmente. — Apenas não quero ter que
ver sua sombra rodeando meu quintal, tampouco ter que ouvir seus
gemidos no quarto ao lado. — Uma linha aparece entre suas
sobrancelhas quando ele pisca os olhos com força.
Analiso os riscos. Alexander é bom patinador quando o
assunto é correr sobre o gelo, isso é um fato, mas ele não seria bom
em triplo giro sentado, ou um Salchow, muito menos conseguiria se
equilibrar após o triplo Axel. Os saltos e giros que escolho para ele
fazer, antes mesmo de acatar a proposta dele.
— Então se prepare para me ouvir gritar o nome de Zach por
noites seguidas. — Solto uma piscadela, provocando-o. — E quando
você perder — aponto para seu peito —, o seu carro será meu por
dois meses.
Alexander tosse.
— Nem pensar — se nega rapidamente.
— Mas não era você o bonzão? Você não me quer transando
com o Zach, e eu preciso de um carro. — Meus ombros pendem. —
É uma troca justa.
Ele para, me fitando, os olhos castanhos estão mais claros do
que nunca, reluzindo o dourado. Se eu pudesse dar um alerta a
todos as garotas do planeta seria para nunca olhar nos olhos dele
por mais de cinco segundos, pois qualquer uma seria facilmente
hipnotizada por eles.
Não que ele precise saber disso.
Alexander finalmente esboça alguma reação depois de piscar
duas vezes, confesso que queria poder ler seus pensamentos nesse
momento e conseguir decifrar não apenas a sua resposta, mas todo
o porquê dela depois dele passar tanto parado, pensando se valia a
pena a minha condição ou não.
— Eu aceito. — Meu sorriso se expande, mas tão rápido
murcha quando ele volta a falar. — Mas você vai ter que me driblar e
fazer três gols.
— Isso é fácil. — O sorriso volta a surgir.
— No Xbox, talvez. — Ele pende a cabeça para o lado.
Já joguei hóquei antes apenas por diversão, não é a minha
prática favorita, mas talvez ele não faça a mínima ideia que as
poucas vezes em que joguei o esporte, eu fui boa em todas elas.
Isso explica as borboletas que sinto voar em meu estômago, pronta
para levar todos os prêmios.
— Vou transar com um gostoso e ainda por cima vou dirigir
um Dodge Challenger até conseguir trocar de carro. — Impulsiono
meus pés para trás, pegando velocidade. — A vida é mesmo uma
maravilha, não?! — provoco ao mesmo tempo em que começo a
girar, sento sobre meu pé de apoio, mantenho minha outra perna
esticada e permaneço no giro. — Esse é o seu primeiro desafio,
vamos lá, raio de sol — digo ao parar e me levantar, indo na direção
de Alexander a freando logo a sua frente.
Ele estreita os olhos, e por fim concorda.
— Esse é fácil — declara.
Alexander começa dar dois passos para trás e em seguida
pega velocidade e vai para frente, então, ele imita o mesmo passo
que eu acabei de fazer. O que devo admitir que ele faz com
excelência, a não ser pelo fato de que ele não senta por completo e
a perna dele não fica esticada.
— Você não errou, mas também não acertou — analiso
quando fica de pé.
— Minhas pernas são grandes — rebate e eu rio.
— O próximo é mais fácil. — Pisco com um olho e então pego
velocidade.
Para quem pratica patinação, esse é um dos primeiros giros
que qualquer patinador artístico aprende. Ou não...
Rotaciono meu corpo para trás e deixo que apenas o pé de
trás deslize no gelo, em seguida faço a troca de pés, isso me
prepara para o salto, que é basicamente é mesma coisa, mas com o
lado interno do pé que desliza no gelo, impulsiono meu corpo e dou
o salto a partir disso, fazendo um meio giro. Ao voltar para o gelo, o
pé que estava no ar antes é o que aterrissa pelo lado de fora.
— Esse também é fácil — ele diz com a voz aguda, então
coça a garganta.
— Impressão minha ou você está suando frio? — brinco ao
ver sua pele brilhar.
Ele franze o nariz fazendo uma careta e não me responde,
então, mais uma vez começa a repetir os passos que dei, contudo,
no momento da aterrissagem, Alexander encosta no chão com o
mesmo pé que saltou.
— Viu só?! — Ele vem em minha direção, todo sabichão. —
Acertei de novo. — Os cantos da boca se curvando em um sorriso.
Eu também sorrio, porque parece ser genuína a felicidade
dele, contudo antes que ele pare ao meu lado, fico séria.
— Para falar a verdade, você errou — revelo.
— Errei nada, fiz certinho — ele diz, tendo a certeza.
— Você aterrissou com o mesmo pé em que saltou, — Refaço
o passo. — Então você errou.
Ele estreita os olhos para mim e em seguida olha para baixo.
— Você sabe que eu estou usando patins de hóquei, não
sabe?
— Eu não caio nas suas desculpas. Agora o último, e o mais
difícil. — Sorrio.
— Desde que não seja um Axel. — Ele dá de ombros.
Então eu me afasto e impulso meus pés e corpo para frente,
dou uma volta e decolo para o ar a partir da ponta do pé da frente
da lâmina, juntando as pernas e abraçando meus ombros dou três
meios-giros no ar, ao voltar para o gelo retorno com o lado de trás e
de fora da lâmina.
Esse é o movimento mais famoso da patinação artística, até
um leigo no assunto já pode ter ouvido falar sobre, e em qualquer
competição é o ponto alto de uma apresentação, embora não seja
uma obrigação fazê-lo.
Mas é ele que separa amadores de profissionais.
— Você está jogando sujo, Charlotte — Alexander diz. — Um
Axel já é difícil, um triplo, então...
— Quer desistir e me entregar as chaves? — sugiro. Ele
murmura algo que eu não consigo entender. — Para você dizer que
eu nunca fui boazinha com você, vou pedir apenas dois giros e meio.
— Eu consigo de primeira — ele diz convencido, mesmo
sabendo que não é fácil assim.
— Vai em frente então, campeão — o encorajo.
Alexander sempre foi cabeça dura, ele é o tipo de pessoa que
ninguém pode ir contra que ele entende isso como um desafio, e
mesmo que ele perca, ele procura desculpas para sair por cima.
Eu poderia muito bem julgá-lo e dizer que é um defeito
enorme dele, mas a partir do momento em que faço isso, estarei me
auto julgando também, afinal, nesse aspecto eu assumo que sou
parecidíssima com ele. Isso é uma das coisas que explica a nossa
inimizade desde tão cedo.
Mas algo que devo admitir que não somos nada parecidos, é
que ele é teimoso feito como uma mula, pois mesmo reclamando do
passo, ele não consegue desistir até cair de bunda no chão. Que é o
que acontece quando ele não consegue dar nem um meio-giro.
— Droga de patins — murmura.
— Por que você não assume que não é tão bom tudo o que
você faz? — pergunto.
— Deve ser porque eu sou bom em exatamente tudo o que
eu faço. Acontece que eu não faço esses passos, eu jogo hóquei. E
hóquei não é patinação, que precisa usar um patins todo diferentão.
— Seus dedos se mexem antes que ele apoie a mão no gelo e se
levante.
Apenas para me mostrar, repito a técnica, e dessa vez
transformo o salto triplo em um quádruplo. Ao aterrissar, é
impossível esconder o sorriso que há em meu rosto.
— Para que tanta felicidade? — ele pergunta a contragosto.
— Vou transar com um gostoso e ainda vou andar de carrão
até poder trocar o meu. — Solto uma piscadela, já dando o próximo
desafio como vencido quando Alexander vem na minha direção com
dois bastões de hóquei e um disco. — Rosa, que fofo — digo ao
pegar o bastão que ele me entrega.
— Dependendo de mim, você não transa com Zach nem nos
seus sonhos — ele murmura, pondo o disco no chão.
Quando Alexander me olha, ergo o queixo para conseguir
encará-lo e meus olhos analisam todo o seu rosto, da mesma forma
como ele parece me observar. Ele está com um pequeno sorriso se
levantando no canto do seu lábio, os olhos castanhos brilham de
forma intensa.
Passo a língua entre meus lábios, molhando-os, e mordendo o
inferior em seguida. Seus olhos viajam diretamente para minha boca
e eu poderia jurar que há um pouco de luxúria ali.
Consequentemente isso me faz lembrar de duas noites atrás,
quando ouvi meu nome enquanto ele provavelmente gozava.
O que ainda é enigma para mim, ao qual eu não tenho
certeza se estou apta a descobrir o motivo. Já tentei colocar na
minha cabeça que foi uma alucinação minha, ele estava apenas se
masturbando, o que é normal para todo homem, assim como é
normal uma mulher se tocar. Mas apenas isso, era uma
masturbação, e talvez eu tenha me impressionado por estar há tanto
tempo sem um contato físico como esse, que meu corpo brincou
com minha mente, e eu pude ouvir direitinho meu nome soar com a
voz rouca dele.
Meu corpo inteiro se empertiga com a lembrança e pisco os
olhos duas vezes para sair do transe em que entrei, pois já estou
começando a sentir meu centro palpitar, e isso não é legal.
Não quando as minhas paredes internas parecem fraquejar ao
pensar em Alexander batendo uma e lembrando de mim.
Ele ainda está concentrado no meu rosto, sem tirar os olhos
de mim. Parece que ele está em um tipo de transe também,
contudo, eu voltei a realidade mais rápido do que ele, então, uso
isso ao meu favor.
— Três gols, não é? — questiono, tocando a base do taco no
chão.
Alexander me olha confuso e coça a garganta.
— O que? — Ele ainda parece atônito.
— São três gols, certo?
— Sim. — O pomo de adão se move quando ele engole em
seco. — Isso, três gols.
— Está valendo, então. — O pego de surpresa ao deslizar o
taco e trazer o disco para minha proteção.
A vantagem que tenho sobre Alexander é de apenas um
segundo, quando tão rápido ele se movimenta e vem a busca do
disco que carrego comigo até a extremidade da pista.
Ele é mais rápido e ágil do que eu, isso é verdade. Porém,
devido a sua desvantagem, eu acabo acertando o gol depois de
passar da linha azul.
— Nunca foi tão fácil ter um carro novo na garagem —
provoco.
— Você sabe que você roubou, certo?!
— Roubei nada — digo pegando o disco e voltando para o
meio do rinque, para fazer mais um face-off.
Coloco o disco entre nós dois, nos encaramos mais uma vez,
contudo, dessa vez é mais rápido, não me perco nos olhos ou na
boca dele, e ele não parece pensar muito, nós dois tocamos o gelo
no mesmo segundo e Alexander pega o disco.
Eu estou logo ao lado dele quando ele desvia e dá a volta em
meu corpo, giro meus pés e passo a correr atrás dele de novo,
porém, sem tanto sucesso devido a sua agilidade. Então, Alexander
é quem faz o gol.
— Um a um — ele declara, pegando o disco de novo.
Nós voltamos mais uma vez para o centro da pista, não
demoramos muito tempo nos encarando, assim como da segunda
vez. Tenho uma estratégia em mente que não sei se irá funcionar
tão bem, mas espero que sim.
Deixo Alexander pegar o disco antes e a minha estratégia
consiste em bater de frente com ele, e é o que faço com excelência
ao jogar meu corpo contra o dele, pois ele reage da mesma forma
como eu imaginei que faria.
Hóquei não é um jogo pacifico, é normal o embate de corpo a
corpo, e quando um jogador esbarra no outro é normal que ele
tente se defender do ofensor, com outro empurrão. Isso já é um
reflexo nato de todo e qualquer jogador, e é o que acontece quando
eu voo na direção do corpo dele, esbarrando contra ele quando ele
chega próximo ao gol, Alexander me empurra de volta e eu acabo
indo ao chão, devido a força que ele usa e claro, o tamanho dele
que é um pouco mais de trinta centímetros mais alto que eu.
Ao ouvir o barulho do meu corpo ao chão, Alexander freia
imediatamente e gira os pés, ele olha para baixo e se agacha.
— Você está bem? — ele pergunta de uma forma que poderia
até dócil, mas é de Alexander que estamos falando.
Gemo, falsamente, é claro. Fecho os olhos, espremendo-os.
Logo atrás de Alexander enxergo o disco, então abro meus braços.
Ele pergunta se eu estou sentindo dor, mas eu não respondo,
apenas me concentro em alcançar o disco com o bastão ainda em
minhas mãos e quando o faço, não preciso de tanto esforço para
colocar o disco dentro da rede.
— Gol! — eu grito.
— O quê? — Alexander se levanta assustado.
— O gol é meu, eu consegui, você não. — Aponto ao me
levantar. — Pode me passar as chaves do carro, haha. — Começo a
rir.
— Você armou tudo isso, não armou? — ele pergunta
desconfiado.
Sorrio e nego com a cabeça. Eu não tenho vergonha de
mentir para Alexander e ele sabe disso, mas eu jamais assumiria um
jogo sujo desse. Nós dois não impomos regras, apenas três gols, e é
isso.
— Me dá a chave do carro. — Estendo a mão.
Ele nega.
— Não estou com o carro aqui, ficou em Greenwich.
Anuo, concordando com ele ao fazer um cara de tédio. O
ditado mais certo que já foi inventado é aquele onde diz que para
conhecer seus inimigos muito bem, e bom, se tem uma coisa que eu
me tornei especialista nos meus quase vinte e um anos de idade, foi
Alexander Harrison.
— O carro pode estar em Miami, mas se depender de você,
até banho você toma com as chaves. Agora me dá de uma vez. —
Estendo a mão. Alexander sussurra um xingamento e em seguida
coloca a mão livre no bolso e tira de lá as chaves do seu carro que
está a milhares de milhas de distância. — Apenas para garantir que
ele é todinho meu por dois meses.
Alexander faz uma careta, suas narinas dilatam e ele leva a
mão até a têmpora. Sei bem que agora ele está puto e pensando em
uma forma de reaver o carro, ou sei lá, pensando em como fazer
para que eu não acabe na cama com Zach, o que de certa forma eu
já estou ficando desanimada com isso.
Mas Alexander não precisa saber e enquanto eu tiver essa
carta na manga para poder provocá-lo, eu vou usar. Mesmo que o
lance entre Zach e eu não termine em nada, eu já sei que a minha
presença na casa onde ele vive com os amigos o incomoda, e se
depender de mim, no término do recesso, estarei acampando
naquela sala.
Alexander sai do gelo antes de mim e me oferece a guarda
das lâminas dos meus patins, que ponho no momento em que deixo
o rinque para não escorregar.
— Quer ir comer alguma coisa? — ele oferece.
— Precisamos terminar a introdução do projeto — o lembro.
— Já enviei — ele confessa.
— Quando? — pergunto ao me sentar para tirar os patins.
— Ontem à noite.
A fúria começa a adentrar as células da minha pele e cogito
mais uma vez o que devo fazer agora se eu o matá-lo.
— Então por que você fez aquele escândalo todo essa
manhã? — questiono.
— Você canta mal para caralho. — Seu nariz se franze em
uma careta.
— Mas você também quis me proibir de falar com Zach e
Daniel, para fazer algo que você já tinha feito. — Me interesso. —
Por quê?
Ele dá de ombros e não responde nada, apenas me ignora ao
tirar seus patins e juntar suas coisas. Permaneço encarando
Alexander quando faço o mesmo e me ponho de pé outra vez,
sentindo meu quadril doer.
— É isso o que acontece com os espertinhos, patinho feio —
ele diz ao reparar a minha cara de dor.
— Você paga o hambúrguer — informo. — E também pega a
bolsa de gelo ao chegarmos em casa. — Passo por ele que ri e
balança a cabeça.
Às vezes, nós conseguimos conviver como quase duas
pessoas normais, mas só às vezes mesmo.
Me escute, eu te darei tudo o que eu tenho
Me dê tudo por isso, preciso de confiança em mim mesmo
Me escute, eu te darei tudo de mim
WICKED GAMES | THE WEEKND

— Por favor, se comportem — Alice adverte quando saímos do


carro. — Não se esqueçam que ele é um grande empresário dos
esportes, não vale ficar de birra.
— Além de que, não custa nada vocês fingirem que são
amigos apenas por uma noite, certo?! — minha mãe diz ao abrir a
janela do carro.
— Custa sim — Charlotte e eu respondemos ao mesmo
tempo.
— Trate a Charlie como a princesa que ela é. — A cabeça do
meu pai aparece na janela que minha mãe havia aberto.
— A Rainha Má da Branca de Neve já foi uma princesa, não
foi?! — pergunto.
— Alexander! — minha mãe repreende. — Agora vão logo,
entrem cedo para poderem se situar e falar com todos. Boa sorte
aos dois.
Tanto eu, como Charlotte, temos sorte de ter o apoio dos
nossos pais em nossos sonhos. Eu quero chegar na NHL, ela nas
olimpíadas, e desde muito cedo temos todo o incentivo deles para
isso. Apenas o fato de a mãe de Charlotte conseguir fazer essa
ponte entre Chad, que é um grande empresário dos esportes, e nós
dois enquanto ainda estamos no segundo ano da faculdade é muito
importante.
Um passo e tanto, visto que boa parte dos empresários e
olheiros costumam se encontrar com os atletas entre o meio e final
do terceiro ano, já visando o draft no último ano, quando se trata
esportes como hóquei, futebol americano e basquete.
Já na patinação, que é o caso de Charlotte, eles começam a
acompanhar ainda cedo, desde que o atleta esteja desde muito
jovem em competições para conseguir participar de uma ou mais
olímpiadas, através da seleção, a qual Charlotte ainda não se
inscreveu, pois quer complementar o currículo levando alguma
medalha do Intercolegial antes, o que ela tem grandes chances
neste ano.
— Não estou nervosa — ela sussurra ao movimentar os dedos
no instante em que passamos pela entrada que leva até os
camarotes. — Não estou nervosa — repete.
Para mim, o meu sonho pode se concretizar em dois anos,
mas para ela, ainda pode ser possível em poucos meses, então
conhecer Chad é a maior oportunidade da vida dela.
Eu poderia tentar segurar em sua mão e dizer que está tudo
bem, é só um cara normal que ela irá conhecer. Mas em primeiro
lugar o Chad não é um cara normal, e em segundo, a minha regra
de convivência com Charlotte não me deixa tentar tranquilizá-la, e
eu encostar nela significaria uma grande crise antes de um momento
como esse.
Com isso em mente eu prefiro me manter calado e apenas
andar ao lado dela, mesmo que uma parte de mim esteja
completamente louco com a forma em que ela abre e fecha a mão.
— Respira, Charlotte — sussurro.
— Estou tentando.
Não, ela não está. É tanto que a voz dela praticamente não
sai quando ela fala, e eu não sou o único a perceber isso. Quando
ela para de andar, eu também paro, seu rosto está inteiramente
vermelho, os olhos quase saltando da face e o suor frio escorre
pelas laterais da sua testa. Ela passa as mãos na blusa que usa por
debaixo da jaqueta, e aparentemente as mãos estão tão suadas
quanto a testa.
— E se ele apertar a minha mão? — ela pergunta, mas sei
que não é para mim diretamente, pois ela está quase alucinando ao
falar sozinha. — Pior, ele pode querer me abraçar. Eu preciso ir
embora. Será que eu vou embora?
Charlotte leva os dedos até a boca, a fim de roer as unhas
que foram pintadas de vermelho essa manhã. A cor foi escolhida por
minha mãe, que disse que passaria o ar de confiança nela, que era o
que ela precisava.
Mas adianta de alguma coisa quando ela está prestes a
surtar? Acredito que não.
Já vi Alice e minha mãe lidarem com situações parecidas com
Charlotte, como por exemplo, quando ela beijou pela primeira vez.
As duas foram as primeiras a saber, e eu também, pois ouvi toda a
conversa. Acontece que todo o medo que Charlotte pode chegar a
ser irracional, mas ainda é uma condição dela.
Por nunca termos criado um vínculo além do ódio, não posso
agir como minha mãe e Alice agora e simplesmente abraçá-la e
tentar a consolar. Por isso ajo como o Alexander insensível que
sempre sou quando estou perto dela.
— Para de ser idiota — digo secamente e isso faz com que ela
me olhe, batendo os cílios assustada. — É só um aperto de mão ou
um abraço qualquer, não é como se ele fosse se apaixonar por você,
até porque ele tem namorado, e também é super posturado. O Chad
quer saber o quanto de dinheiro você pode rentar a ele, não
comprar um anel na Cartier e te pedir em casamento.
O semblante de Charlotte muda da água para o vinho, quase
que literalmente. O que antes estava completamente assustado,
agora se afiam quando os cantinhos se franzem. Ela está com raiva
de mim. Isso significa que o medo dela foi embora, e eu fiz o meu
papel.
— Você não cansa de ser um babaca, não é? — ela diz,
voltando a andar, eu a acompanho.
— Eu não menti — declaro. — Você vive pensando que está
em uma situação de perigo, como se um aperto de mão ou um
abraço fosse te matar, quando não vai.
Charlotte movimenta a cabeça ao anuir, noto que ela respira
fundo e engole em seco.
— O elevador também não vai te matar, Alexander — ela diz
quando para em frente às portas de caixa de metal que se abre,
então ela entra. — E mesmo assim, eu aposto que você não entra
aqui. — Ela sobe a sobrancelha.
Meus olhos rodeiam toda a caixa metálica enquanto eu estou
do lado de fora, Charlotte segura a porta e me olha ardilosamente.
Eu posso provar que ela está errada, certo? Errado, pois essa merda
deve não ter nem mesmo um metro quadrado, se brincar, apenas
cinquenta centímetros.
— Te encontro lá em cima — digo ao dar um passo para trás.
Charlotte ri e balança a cabeça em negativa enquanto eu sigo
para as escadas.
Se formos comparar, na realidade nenhum medo é pior que o
outro, todos eles são irracionais na mesma medida. Nós que
impusemos perigos em situações que podem ser cotidianas ou não,
por um trauma ou não. O meu trauma foi passar vinte minutos
dentro de uma caixa, enquanto o de Charlotte foi ser abandonada
por uma das pessoas que ela mais amava.
Após subir as escadas e chegar no andar onde fica o
camarote, Charlotte está me esperando na entrada e ela balança a
mão para que eu me apresse. Estreito os olhos sem entender o que
ela tanto quer, mas faço mesmo assim e apresso meus passos.
O camarote é inteiramente transparente, e com isso
conseguimos ver as pessoas lá dentro. No instante em que me
ponho ao seu lado, ela aponta para uma moça de cabelos pretos e
curtos, os quadris avantajados e cintura fina, que está de costas
para nós.
— É ela — Charlotte sussurra.
Abaixo a cabeça, olhando para ela sem entender.
— O Chad não é mulher — constato.
— Não estou falando do Chad. — Ela sobe os olhos para mim,
como se eu tivesse acabado de ofendê-la. — Aquela é Zoe Duncan,
campeã olímpica do solo feminino dos jogos de inverno de Pequim,
ela é simplesmente uma estrela! — Charlotte suspira, de fato
encantada pela medalhista.
A olho e pendo a cabeça, raciocinando quem é ela, e lembro
furtivamente de como foi quando Zoe ganhou. Charlotte sempre a
admirou, ela foi para a olimpíada no mesmo ano em que se formou
em Boston, eu só sei tudo isso porque foram conversas e mais
conversas que fui obrigado a ouvir sobre Zoe, que eu não faço a
mínima ideia porque estaria em um jogo de basquete.
— Por que ela está aqui, afinal? — questiono.
— Deve ter vindo ver o recém marido dela jogar. — Charlotte
dá de ombros. — Primeira aparição como casal e tal.
— Ela é casada? — pergunto, com um certo choque.
— Há cerca de quarenta e oito horas, apenas. Em Las Vegas,
depois de anos de namoro escondido. — Nesse momento ela parece
até a Dirtymouth falando.
— Como você sabe isso? — questiono desconfiado.
— Casamento em Las Vegas, mais Zoe, mais Ezra, mais natal
— responde. — Coloca no google que você acha — ela diz.
— Ah, isso com certeza acha. — Uma terceira voz se impõe
ao nosso lado.
É uma mulher que tem a mesma altura de Charlotte, mas fica
mais baixa porque ao contrário da garota que eu não suporto, ela
não usa uma bota de salto que a deixa mais alta. Os cabelos
cacheados estão presos em um coque no topo da cabeça e ela tem
uma bebê nos braços.
— Vocês são Charlotte e Alexander, certo? — Ela sorri
amigavelmente e nós anuímos ao concordar. — Sou a Georgia, Chad
pediu para cuidar bem de vocês, ele chega em breve. Por que não
entramos?
— Claro — eu digo.
A mulher com a bebê nos braços toma a frente e entra no
camarote, onde a patinadora está acompanhada de um homem
negro, baixo e que tem os cabelos em um penteado black power.
— Essa é a dona daquela cafeteria famosa, a Happie —
Charlotte sussurra.
— A que Hunter Blakely faz anúncios? — pergunto e Charlotte
confirma ao balançar a cabeça. — Eu adoro aquele café — assobio.
— Ele deve ganhar uma fortuna por cada propaganda.
— Ela também é a esposa dele — Charlotte dá de ombros.
Como ela pode saber tanto da vida deles?
Zoe é a primeira a nos notar quando se vira após Georgia
falar algo com ela. As duas parecem ser amigas de longa data, que
tão logo descubro que são porque Charlotte sussurra outra vez sobre
elas. Quando Zoe acena e sorri, andando em nossa direção, noto
pelo canto do olho que Charlotte estampa um sorriso, realmente
feliz.
Ela não está mais tensa e nervosa como há minutos atrás.
— Olá, eu sou eu a Zoe — ela se apresenta. — É um prazer
conhecer vocês. — Estende a mão para mim e eu logo a aperto.
Ela é gata para caramba, sorte do cara que se casou com ela
em Las Vegas, atleta, bonita e carismática. Uau! Bem que Charlotte
poderia ser assim, quem sabe eu não a odiaria tanto.
— Eu sou muito sua fã — é a primeira coisa que Charlotte diz
quando Zoe olha diretamente apenas para ela.
— E eu a sua. — Zoe pisca. — Grande promessa da
patinação, Charlotte Cameron, mas confesso que tenho medo de
competir com você e você levar minhas medalhas.
— Não se preocupa, porque mesmo se eu ganhar, eu dou
todas a você — responde de prontidão e Zoe ri.
— Posso te abraçar, Charlie? — a patinadora pergunta.
Mordo o interior da minha bochecha ao ouvir a pergunta de
Zoe. Provavelmente ela foi instruída por Chad, uma vez que Alice o
informou sobre a condição de Charlotte. Quando eu fui grosso com
ela mais cedo, eu poderia ter dito isso a ela, mas isso seria um
pouco demais até para nós dois.
Fora que ela poderia se ressentir com a mãe por contar sobre
o medo dela a uma pessoa que poderá cuidar da carreira dela em
um futuro tão próximo.
Tenho medo da resposta de Charlotte e como Zoe irá reagir
quando ela disser não, contudo, acabo me surpreendendo com a
resposta dela, assim como Zoe.
— Claro — é a resposta de Charlotte ao abrir os braços.
Ok. Com essa eu me surpreendi bem mais do que a mão de
Zach na cintura dela, surpreso mesmo. É exatamente da primeira
vez em que ela vê Zoe, pode ter alguma coisa a ver com a inicial dos
nomes, será?
Não...
Maluquice minha, certeza. Ou não.
Mas pensando bem mesmo, se ela só aceita toques de
pessoas que ela tem um certo de vínculo e confiança, ela conhece e
admira Zoe há anos. A mulher dificilmente não é citada por ela
quando ela fala de referências na patinação, até mesmo chegou a
aprender uma das coreografias dela, portanto, pode ser isso
também.
Além da felicidade de conhecê-la pessoalmente, com certeza
é isso, e apenas isso. Não a inicial do nome deles, que é uma bela
de uma coincidência. Meu nome não tem Z em lugar algum, será
que...
Para de pensar besteira, Alexander. Estou a um passo de
começar a falar sozinho, mas então sou tirado do meu devaneio
quando Spencer – o assistente pessoal do marido da Georgia, que se
apresentou enquanto Zoe e Charlotte conversavam sobre
competições, currículos e tudo sobre as seletivas das olimpíadas –,
aceita uma taça de um dos garçons. Quando o mesmo passa por
mim e oferece uma bebida, eu acabo aceitando. Duas na realidade,
uma eu estendo para Charlotte, que apenas aceita enquanto
permanece conversando com Zoe.
O camarote foi alugado para que as esposas dos jogadores do
Brooklyn Nets, que são agenciados por Chad, ficassem durante o
jogo.
— Normalmente eu gosto de assistir ao jogo lá em baixo —
Georgia comenta. — Mas como Maya ainda é muito pequena, as
pessoas ficam tentando tirar foto, se aproximar e pegar ela no colo
— ela explica enquanto pega a mãozinha de neném que mais parece
uma bisnaga e dá tchauzinho.
Só então percebo que a câmera do estádio está focada no
camarote, enquanto Georgia cumprimenta o público com a filha, que
em contrapartida aplaudem a pequena que sorri. Em seguida, no
telão aparece a imagem de Zoe, que está logo ao lado de Charlotte,
e ela acena, também sorrindo. Em um jogo de câmera, aparece
Ezra, seu então esposo com os olhos brilhantes vidrados no telão.
Ele parece realmente apaixonado, e isso me faz lembrar
ligeiramente do que eu penso sobre namoro e etecetera. Conheço
bem a carreira de Ezra, mesmo não sendo o maior fã de todos do
basquete, ele sempre foi envolvido em notícias com mulheres, mas
nunca pareceu enxergar elas da forma que enxerga Zoe.
Demorou para que acontecesse com ele, e talvez demore
comigo também.
— Eles são lindos, não?! — Georgia diz em um sussurro,
como se não quisesse que sua amiga ouvisse.
Concordo com ela.
— A forma que ele olha para ela, parece estar realmente
apaixonado — respondo.
— Você e Charlotte são um casal há quanto tempo? — ela
pergunta, sem papas na língua.
A bebida que eu estava prestes a engolir volta para o copo no
mesmo instante, e rapidamente nego.
— Não — digo de prontidão. — Nós não somos isso... —
hesito, me engasgando. — Quero dizer, um casal... Apenas nos
conhecemos desde que nascemos.
Georgia ri e apenas balança a cabeça, mas noto o pequeno
vinco que se forma em sua testa, mas ela fica calada quanto o
primeiro tempo dos Nets contra o Miami Heat começa.
É por isso que eu não trato Charlotte bem, nem muito menos
ela me trata bem, porque facilmente as pessoas podem confundir
como as coisas entre nós funcionam. Se Georgia ouvisse todos os
episódios da DM, jamais cogitaria pensar algo assim, mas não sou
eu que vou chegar em uma empresária de sucesso e aparentemente
amiga pessoal do homem que poderá em breve fechar um contrato
conosco e dizer que nos odiamos e todos sabem disso.
Isso não seria uma publicidade de carreira boa, se pretendo
ter uma um dia.
O primeiro tempo acaba com o Brooklyn Nets na frente,
Spencer fala algo no ouvido de Georgia que se levanta com a bebê
nos braços e olha um tanto quanto desesperada para mim e
Charlotte, Zoe que estava aqui saiu para ir ao banheiro.
— Aconteceu algo? — Charlotte pergunta.
— Chad ficou preso na entrada e está precisando de ajuda
para conseguir passar. Vocês se importariam... — Ela aponta com o
queixo para Maya.
Charlotte me olha, e em seguida olha para Georgia e a bebê,
que ao contrário da mãe, parece se descontrair com o desespero
dela.
— Claro que não — Charlotte responde e se levanta para
pegar a criança em seus braços.
Georgia dá um beijinho na cabeça da filha e avisa que já volta
junto ao assistente. Enquanto isso, assisto Charlotte brincar com
Maya em seus braços, fazendo caretas, até que em dado momento
ela vira o rosto para mim.
— Ele é o homem mau, Maya — Charlotte sussurra.
— Sério que você está falando isso de mim para a criança? —
questiono perplexo.
— Olha só como ele é, Maya. — Ela me ignora totalmente. —
Sabe o que a gente faz para espantar pessoas más como ele? —
pergunta retoricamente. — Nós mostramos a língua para ele, assim
olha. — Dito isso Charlotte coloca a língua para fora e começa a
fazer careta.
Maya ri, uma risada fofa de bebê, daquelas que se a gente
rola o feed em qualquer rede social e encontra um vídeo de
compilados, é capaz de passar horas e horas apenas assistindo a
vídeos assim.
As caras e bocas que Charlotte faz chegam a ser realmente
engraçadas, mas a risada de Maya e o rostinho fofo dela todo alegre
é o que realmente me faz rir. Charlotte finge jogar ela para mim e
faz de novo uma careta mostrando a língua e a bebê se acaba na
risada, o que acaba sendo meu fim.
A diversão acaba quando ouvimos todo estádio fazer um
barulhinho fofo, então meus olhos acabam encontrando o telão, e
nele está a imagem de nós três, enquanto todos assistem
encantados a cena.
Engulo em seco quando reprisam a interação entre nós três, e
então eu vejo o motivo de Georgia ter perguntado sobre Charlotte e
eu. Eu estava a olhando, quer dizer, olhando para Maya, com o
mesmo brilho que Ezra encarava Zoe antes do início do jogo. Sinto
um leve sufoco ao ver a imagem outra vez, e isso me faz pegar a
gola da camisa e estica-la, como se estivesse sem ar.
O desconforto vai embora quando uma mão forte pousa em
meu ombro e ao virar a cabeça noto que é Chad, e logo atrás dele
estão Georgia e Zoe, que por sua vez voltou com uma cara não
muito agradável, e isso é perceptível.
— Ei, desculpa o atraso, mas eu cheguei — ele diz.

— Você e Charlotte se conhecem desde crianças, certo? —


Chad pergunta.
O jogo já acabou há um tempo e ele tem conversado comigo
desde a vitória do time visitante de Nova Iorque, e também do time
onde os jogadores de sucesso dele atuam. Nós já falamos sobre
quanto tempo me resta na faculdade e também sobre o draft.
— Desde que nascemos na realidade — respondo.
— Ela é muito boa no que faz, não é? Não sei porque ela não
foi para a última olimpíada.
— Ela quer ganhar todos os prêmios possíveis antes —
informo. — Ela é o tipo de atleta que visa a jornada e os degraus
que tem que subir, começando baixinho e indo até o topo. Confesso
que foi vendo-a patinar que eu fui em busca de patinar também, e
acabei me apaixonando por hóquei. Charlotte também é persistente,
você nunca vai vê-la caindo e ficar ali no chão, ela sempre se
levanta, até mesmo quando quebrou o pulso em uma queda quando
tinha catorze anos, isso só deu mais gás a ela para continuar.
Chad sorri à medida que eu falo.
— Em um certo ponto ela está certa, e não vejo a hora poder
inscrevê-la, daí terei duas patinadores medalhistas — ele diz. — E
talvez uma não me dê tanta dor de cabeça — diz em um sussurro ao
tomar um gole do seu whisky.
Notei que com a chegada de Chad, Zoe se fechou. É óbvio
que eu não iria perguntar o motivo do estremecimento em seu
humor, as únicas duas pessoas para quem ela se abriu depois disso
foi Maya e Charlotte.
— Ela é boa no que faz — Chad diz por fim.
— Muito boa — concordo com ele. — Acredite, se tem uma
pessoa que pode facilmente detonar a Charlotte, essa sou eu, e te
diria o quão ruim ela é... — Pauso por um momento, apenas para
tomar um gole da minha bebida. — Se fosse o caso, claro —
continuo, mas tão logo me calo quando assisto Charlotte sair do
camarote.
Poucos segundos depois, as estrelas da noite Ezra e Hunter
entram no camarote e o número onze vai primeiro em busca da
esposa e filha, que a rouba dos braços da mulher após beijá-la.
Ezra o entanto, vem ao meu encontro e de Chad, que o
encara secamente.
— Por que não foi falar com sua mulher? — Noto um pouco,
quer dizer, muito veneno na forma como Chad fala.
— Ela está chata hoje — Ezra responde simplesmente, antes
de me olhar. — Alexander Harrison, a grande futura estrela na NHL,
você já está se tornando uma fera cara. — Ele faz um toque de mão
comigo que eu logo aceito.
— Há quem diga por aí que ele é tão polêmico quanto você.
— Hunter, que é amigo de Ezra também se aproxima e me
cumprimenta da mesma forma como o outro atleta fez.
— Eu realmente não sei do que vocês estão falando — digo,
tomando um gole da bebida.
— Eu poderia dizer que também não sei — Hunter tenta se
defender. — Mas eu me casei com uma mulher que ama fofocar, e já
me passou até quantos quilos você pesa antes mesmo de eu te
conhecer essa noite.
— A fofoca une as pessoas — Georgia aponta.
— E às vezes separa também. — Spencer finalmente abre a
boca, e ela cospe a água que estava prestes a beber.
Não tenho tempo de perguntar o que tanto Georgia contou
sobre quando Charlotte retorna ao camarote e a cara dela não é das
melhores, pelo menos quando ela me olha ao dizer que nossa
carona já chegou. Chad por sua vez interfere e pede para todos
tiremos uma foto, e logo aceitamos.
Ele se junta a mim, Ezra, Zoe, Hunter, Georgia e Charlotte,
que fica ao meu lado. Pelo canto de olho vejo um sorriso se abrir em
seus lábios, mas ele não é o seu sorriso natural, ela está fingindo
apenas para não ser mal-educada na frente das pessoas.
A conheço bem o suficiente para saber que nesse momento
ela está morrendo de raiva, do que exatamente eu não sei, e
também não tenho coragem de perguntar quando nos despedimos
de todos e saímos do camarote.
Quando ela chama o elevador, eu o espero juntamente a ela.
— O que você quer? — ela pergunta quando nota minha
presença. — As escadas estão ali. — Aponta com o queixo.
— Eu vou de elevador.
Charlotte respira fundo, ela está definitivamente possessa de
ódio.
— Você nunca entra no elevador, e agora você quer ir? — Ela
não me espera responder. — Então vai sozinho — diz quando as
portas se abrem.
Ela corre na direção das escadas e por dois segundos eu não
consigo entender a sua reação. Certo que ela não me queira por
perto, eu entendo isso, afinal, eu quase nunca a quero por perto
também. Mas em um momento como esse, seria a oportunidade
perfeita para ela querer tirar sarro comigo, e ela não fez isso.
Deixo que as portas do elevador se fechem e corro atrás dela,
indo pelas escadas e descendo de dois em dois degraus até ficar
atrás dela.
— Você não ia de elevador? — ela pergunta.
— Desisti, apertado demais.
— Apertado demais ou até a porra do meu ar você quer
roubar? — Ela para e se vira para mim.
Semicerro os olhos, a encarando.
— Não entendi. — Sou sincero.
— Ah, não? — Ela ri sarcástica. — Você acabou de
literalmente tirar as chances da minha vida das minhas mãos. De
todos os nossos embates, de tudo o que fizemos um com o outro
em anos, todas as humilhações, eu jamais esperei que você fosse
falar mal de mim na frente de um grande empresário que estaria
interessado em nós. Mas depois da sua grande conversa,
aparentemente, ele agora vai querer só você. Não é mesmo? Isso
que você fez foi sujo, Alexander.
Abro a boca para tentar falar, contudo não consigo quando
ela não para e não me deixa falar em nenhum momento. No
instante em que Charlotte se cala, ela passa a voltar a descer as
escadas.
— Não estou entendendo o que você está dizendo que eu fiz
— comento atrás dela.
— Acredite, se tem uma pessoa que pode facilmente detonar
a Charlotte, essa sou eu, e te diria o quão ruim ela é — ela repete
exatamente as palavras que eu disse a Chad.
— Você ouviu minha conversa com ele? — pergunto surpreso,
ainda a seguindo, enquanto descemos as escadas.
— Claro que ouvi, e você foi um filho da mãe ridículo. Queria
que sua mãe não fosse minha madrinha, e queria não a amar, assim
me sentiria confortável para te chamar de filho da puta.
— Charlotte... — a chamo, mas ela não responde. — Você
ouviu toda a minha conversa com Chad?
— Ainda teve mais? — ela diz em ironia. — Que legal, então
você destruiu ainda mais minha imagem. Isso foi de longe pior do
que o balde de gelo derretido que você jogou em minha cabeça,
Alexander. Você me difamou para o Chad, você não presta, você é
um idiota, e se eu cair, ah...
— Charlotte — a chamo outra vez, mas ela não me ouve,
apenas segue descendo as escadas, completamente odiosa. Ela não
ouviu a conversa toda e está tirando conclusões extremamente
precipitadas.
— Você vai cair junto, Harrison, e como você vai. Eu vou
derreter toda a porcaria de gelo que você ousar tocar.
Ela não para por um segundo sequer de falar e eu a entendo,
realmente entendo. Mesmo com todo o ódio que nutrimos um pelo
outro, nós sabemos um cada um quer chegar e se eu ouvisse
apenas essas palavras sendo ditas por ela, eu estaria tão raivoso
como ela, provavelmente estaria quebrando tudo agora, então eu
não posso dizer que eu sou um inocente nessa história.
Mas ela poderia ao menos me escutar, ouvir o meu lado da
história. E, sinceramente, eu não vejo outra saída, depois da
vigésima tentativa chamando seu nome para que ela pare de falar,
do que pegar em seu braço e puxá-la.
— Não encosta em mim, porra — ela diz no mesmo instante
em que sua mão atinge meu rosto em um tapa.
Me viro em um rápido reflexo, mas tão logo já estou com os
olhos em Charlotte outra vez e ela está pronta para falar mais e
mais. Eu só quero que ela cale a maldita boca dela para eu poder
explicar a situação.
É então que eu ajo em puro impulso, mesmo sabendo que eu
posso não sair vivo dessa, eu arrisco calar a boca dela de uma vez
por todas. Com apenas um passo me aproximo dela, minhas mãos
pegam seu rosto e em total surpresa, tanto para ela, mas
principalmente para mim.
Eu a beijo.
Deixe o céu cair
Quando desmoronar
Estaremos de pé
E iremos encarar a todos juntos
SKYFALL | OUR LAST NIGHT

Meu coração para e minha respiração estanca.


Não sei o que fazer ou como reagir. Os lábios de Alexander
Harrison estão colados aos meus e de alguma forma, quando ele
pede a abertura da minha boca com a língua, eu apenas dou o que
ele solicita, deixando a sua língua envolver a minha.
Dou um tapa em seu peito, mas ainda assim ele não me
solta, porque simplesmente minha boca não obedece ao meu
cérebro quando permanece beijando-o.
Minhas mãos também parecem ser totalmente contra mim
quando decidem parar de se debaterem contra o corpo dele, e por
um instante meus olhos se fecham. Alexander mordisca meu lábio
inferior e então separa nossas bocas, por poucos milímetros, o ar
quente da sua boca atinge meus lábios ainda quando ele suspira.
Meus olhos estão arregalados enquanto encaro as pálpebras
fechadas de Alexander, suas mãos fortes segurando as extremidades
do meu rosto.
Ele estava me beijando, e isso não é um sonho. Alexander
estava me beijando e é incrivelmente difícil conseguir processar tudo
isso, mas quando finalmente – depois de dois ou três segundos, que
mais pareceram uma eternidade –, eu me dou conta da real
situação, minhas mãos começam a trabalhar.
Começo a tentar me livrar do toque dele batendo em seu
peito, quando ele abre os olhos e afasta seu rosto minimamente,
minha mão voa novamente, atingindo seu rosto em cheio.
— Que porra é essa que você está fazendo? — esbravejo.
Dessa vez meu tapa parece ter surtido mais efeito quando ele
não se aproxima de mim outra vez, e sim leva a mão até a bochecha
que está vermelha, alisando-a.
— Foi a única forma que encontrei de você calar a boca e me
ouvir — ele diz.
— Você é um maldito! — exclamo. Minhas mãos, que ainda
estão trêmulas, atingem seu corpo novamente, e eu bato nele com
ainda mais força enquanto o empurro e ele dá passos para trás, à
medida em que eu vou falando. — Um mesquinho, um cretino, não
basta a forma como você falou de mim para o Chad, agora você me
beija, completamente à força, você sabia que isso pode ser
considerado importunação sexual? Se não, fique sabendo...
Alexander me interrompe quando com todos os passos que
ele deu para trás, suas costas acabam encontrando a parede, e
como não tem mais para ele ir e eu continuo batendo nele, ele me
pega pelos pulsos.
— Cala a merda da boca e ouve de uma vez, Charlotte! — ele
grita.
— Me solta! — Devolvo no mesmo, só que mais agudo do que
ele.
— Apenas se você me ouvir — ele fala, um pouco mais baixo
dessa vez.
— Eu não tenho nada o que ouvir de você, Harrison —
declaro. — Suas palavras para Chad foram o suficiente.
Ele disse que eu sou ruim, ele disse que eu sou a pior.
Todos os jogos sujos que fizemos um com o outro desde
sempre, eu nunca esperei isso dele, pois uma coisa que eu jamais
poderia jogar com ele é o seu futuro. Eu sei que é o hóquei, e
mesmo não o acompanhando presencialmente, sei o quanto que
Alexander é bom no que faz.
Se não fosse o seu nome não seria tão aguardado por um
draft, os times da NHL aguardam ansiosamente desde que ele saiu
da escola pelo ano em que ele irá finalmente participar da seleção.
Alguns times já tentam até mesmo propostas, mas eu nunca,
jamais, em momento algum, colocaria todo o ódio que eu sinto por
ele no caminho do seu futuro.
E ele acabou de fazer isso comigo, poderia ser loucura da
minha cabeça, como quando ele chamou meu nome, mas não foi.
Era uma conversa, límpida demais entre os dois, e ele disse com
todas as palavras quão ruim eu sou.
Apesar de eu saber que eu não sou ruim, eu sei que vivo em
um mundo que é ainda dominado pelos homens e que a palavra de
um pode valer muito mais do que todo o meu esforço.
As palavras de Alexander são capazes de invalidar tudo o que
sonhei e lutei, a única coisa que decidi me apegar, abraçar, tocar,
sentir e principalmente amar. A patinação me transformou em quem
eu sou e as palavras desse cretino são capazes de me destruir,
simples assim.
— Você ouviu uma frase apenas. — Ele me solta. — Uma
frase, e fez todo um contexto em sua cabeça. Eu te elogiei,
Charlotte, acredite se quiser, se não, tanto faz por mim. — Ele dá de
ombros. — Pouco me importo se você acredita em mim ou não, mas
com certeza deverá acreditar em Chad quando ele te ligar e te
oferecer um contrato. E saiba que essa foi a primeira e a última vez
que minha língua queimou, apenas para poder elogiar você.
— Eu não acredito mesmo — digo, fitando-o. — Não tenho
motivo algum para acreditar em você, pois sei que qualquer
oportunidade que você tem para me fazer mal, você irá fazer.
Alexander solta uma risada rouca ao fechar os olhos com
força.
— Você está me confundindo com você. — Ele aponta ao me
olhar. — Porque se tem uma pessoa para agir tão ardilosamente
assim, essa é você.
Nego com a cabeça, sentindo que minha cabeça está prestes
a explodir. A raiva é tanta que eu ainda sequer tive tempo de ficar
ansiosa pela forma como ele me beijou, ou me segurou logo em
seguida.
— Quem falou de mim foi você, e quem me beijou, mesmo
sabendo que eu não faço isso, foi você — refuto.
— Agora você vai fazer um grande caso para esse beijo, não
vai? — diz sem paciência.
— Claro que vou, você não tinha esse direito.
— Faça favor, Charlotte. — Franze o cenho. — Isso não
significou absolutamente nada para mim, fiz apenas para que você
parasse de falar.
Mordo o interior dos meus lábios ao os fechar em uma linha
fina e engulo em seco. Não sei exatamente o motivo, mas sinto uma
ardência em minha garganta, como se um nó estivesse se formando
ali e eu estivesse prestes a gritar, mas nada saí.
Ergo os ombros e fito-o, diretamente em seus olhos, que
brilham em uma espécie de raiva, misturado com desejo.
— Não significou nada para mim também — digo, um pouco
baixo demais, porque minha voz parece ter ficado presa na
garganta.
— Que bom — responde.
— Que bom.
Nós nos encaramos por apenas um segundo, antes que meu
celular comece a vibrar, respiro fundo e tiro-o da bolsa.
— Já estamos indo, mãe — digo ao dar as costas para
Alexander e começar a andar até a saída.
Ao desligar a chamada, me preparo para guardá-lo, mas
devido toda a situação, minha mão está suando e com isso o
aparelho acaba escorrendo da minha mão. Entretanto, sou pega de
surpresa quando Alexander, que estava logo atrás de mim, pega o
celular antes que ele chegue ao chão.
O pego da sua mão apenas, sem agradecer ou sem olhar para
ele.
Estou uma completa confusão, foram muitas coisas
acontecendo ao mesmo tempo e eu não sei exatamente o que
pensar, nem muito menos como irei digerir toda essa noite. Meu
corpo me envia sinais que poderiam indicar facilmente que estou
prestes a colapsar, e ainda assim eu decido ignorar.
— E então, como foi a noi... — minha mãe começa a
perguntar em um sorriso, contudo, a ignoro ao entrar no carro,
batendo a porta. — O que aconteceu? — Ouço-a sussurrar do lado
de fora, provavelmente perguntando ao culpado pelo meu estado.
Merda.
Eu só queria me trancar em meu quarto agora, tirar essa
porcaria de roupa, colocar outra e ir para a pista de gelo mais perto
possível, pois sinto que estou a um passo de colapsar e se isso
acontecer outra vez, não saberei como voltar, pois não sou mais uma
criança que tem adultos para me instruir.

Fazem quatro dias que eu não saio do quarto para mais nada
que não seja comer e ir para pista de gelo, onde tenho torrado todo
o meu salário do mês. Tenho feito isso como tentativa de não cruzar
com Alexander.
No final das contas, parece que ele não me fodeu tanto,
quando Chad ligou no dia seguinte para confirmar que iria me
acompanhar até o final do campeonato e mesmo que eu não
ganhasse nenhuma medalha, eu estaria nas competições
importantes, e isso seria apenas um teste antes de assinarmos o
contrato oficial.
Esse foi o ponto alto do meu final de ano, com certeza.
Sei que ele chegou a conversar com Alexander também, não
fiz questão de saber o conteúdo da conversa, mas aparentemente
foi boa, pois quando eu havia ido à cozinha estavam todos
comemorando, o que eu fingi que não estava vendo, pois tenho
evitado até olhar para ele, embora estejamos na mesma casa por
mais dois dias.
Tudo que eu quero é ir embora de uma vez, chegar em
Hanover, seguir meu cronograma de treino, me preparar para a
próxima fase e mesmo que seja impossível, evitá-lo quando fazemos
exatamente todas as aulas juntos, com certeza será mais fácil do
que estar na mesma casa tendo que ouvir a voz dele quase que
vinte e quatro hora por dia.
Apesar de termos vindo para Miami para visitarmos a cidade e
sair do frio de Connecticut e redondezas, eu me esquivei de todo e
qualquer passeio em família, ou melhor dizendo “família”, dizendo
que estava cansada demais, ou com dor de cabeça.
Pode parecer bobo, mas apenas não consigo encará-lo depois
do beijo.
Mesmo que não tenha significado nada para ele, também não
deveria ter significado nada para mim. Acontece que meio que se
tornou um pesadelo e virou uma chave em mim que até o momento
não havia virado com qualquer outro.
Pois se eu conseguir corresponder, embora que por poucos
segundos, o beijo da pessoa que eu menos suporto nessa vida,
porque eu não conseguiria corresponder de um cara que eu esteja a
fim? Como o Zach, por exemplo? Que parece estar se esforçando
para conseguir esse feito.

Zach:
*foto anexada*
Ainda acho que você deveria ter passado o ano novo com a gente.
Charlie:
Acredite em mim, se eu pudesse, teria pego o primeiro voo da manhã.

Olho outra vez para a foto que Zach mandou, ele está ao lado
de James, Bellamy, Anna e Dakota, todos estão em uma festa na
fraternidade onde eu vivo. Muitos não viajam durante as festas de
fim de ano, alguns passam apenas o natal com as famílias.
Eu deveria ter feito isso, passar o natal e partido. O que tentei
essa manhã, mas minha mãe foi contra no mesmo segundo em que
comentei. Eu poderia ter ido mesmo assim, contudo, acredito que o
clima entre todos já está pesado demais, e eu não queria piorar
ainda mais as coisas.
Uma resposta de Zach surge no mesmo momento em que
duas batidinhas soam do lado de fora da porta.
— Sou eu, Charlie — Maggie informa.
Largo o celular em cima da cama, mas antes confiro a hora,
faltam vinte minutos para meia noite.
— Uau! — Maggie exclama em um assobio quando abro a
porta. — Você está linda — ela constata.
E no instante em que vejo sua mão fina vir até meu rosto, eu
desvio. Definitivamente entrei em uma crise nos últimos dias e tenho
rejeitado o contato de todos, o toque de Alexander mexeu comigo a
esse ponto.
— Você não vai descer? — ela pergunta, ignorado a minha
reação ao seu quase toque.
— Estou bem aqui — afirmo ao largar a maçaneta da porta e
sentar-me na cama outra vez.
— Posso?
Ela aponta para dentro do quarto, na intenção de entrar e eu
assinalo. Maggie se demora um pouco para vir até mim, em passos
cuidados, ela se senta na outra ponta da cama e cruza as pernas,
sentando-se em cima delas. Ela sorri, toda amorosa, e eu retribuo o
gesto.
— Você lembra que quando era pequena, sempre eu era a
primeira a saber quando você estava passando por algum problema?
— ela pergunta de forma retórica, eu concordo, deixando que ela
continue a falar. — Quando você pensava que estava encrencada,
era então que você corria, porque você sempre disse que apenas eu
iria conseguir acalmar a sua mãe quando ela se estressasse.
Sinto um sorriso terno puxar em meus lábios, ao engolir em
seco.
— Deve ser porque entre vocês duas, ela é o furacão e você a
calmaria — reflito.
Maggie ri.
— Acho que foi isso que nos uniu durante toda essa vida, o
fato de sermos exatamente o oposto uma da outra, fez com que nós
duas enxergássemos que na realidade, somos igual uma moeda.
Apesar das faces opostas, somos feitas do mesmo material — ela
diz, e eu concordo mais uma vez. — Você sabia que nós duas já
chegamos a nos odiar?
Um vinco se forma no meio da minha testa.
— Uma grande mentira — digo.
Maggie ri outra vez e nega.
— Nós nunca contamos a você e ao Alex, mas nós brigamos
durante o tempo em estávamos grávidas. Não lembro exatamente o
motivo da briga, mas há quem diga que foi por conta dos hormônios
mesmo, pois simplesmente um dia acordamos e não conseguíamos
olhar uma na cara da outra sem brigar. E mesmo a odiando, eu não
conseguia largá-la, e ela da mesma forma.
— Talvez isso explique muita coisa — digo ao analisar e
imediatamente Maggie concorda, sabendo bem sobre o que estou
falando.
— Isso com certeza explica muita coisa — ela afirma. — Mas
não estou aqui para te dar um resumo sobre sua mãe e eu. Apenas
queria saber se aquela Charlie, que sempre corria para mim quando
estava encrencada, está precisando de algo. — Ela me fita, cheia de
ternura.
Se minha mãe não fosse minha mãe, eu, com certeza, amaria
ter Maggie como mãe. E no final de tudo, ela também é minha mãe,
e a amo na mesma proporção.
— Não — minto.
Ela deixa o cenho dela franzir, da mesma forma como o filho
faz quando está desconfiado de algo. Apesar dos dois não
parecerem em nada fisicamente, os gestos e expressões deixam
claro como eles dois são parentes de primeiro grau.
— Nem sobre uma tal briga, e depois de um tal beijo para
você calar a boca? — Ela simplesmente joga.
— Ele te disse, hum?! — Suspiro, frustrada.
Ela nega ao balançar a cabeça.
— Para falar a verdade ele disse a sua mãe, pois assim como
você sempre fez comigo, o Alexander sempre correu até a Alice. —
Sorri em uma linha fina. — E Alice, sabendo que você não diria nada
a ela, me pediu para colher alguma coisa. Nós sabemos o quanto
esses gestos são importantes para você, Charlie, e o que o Alex fez
foi errado, e embora eu não esteja passando a mão na cabeça do
meu filho, ele apenas queria se explicar e no calor da emoção aquilo
aconteceu.
Se não tivesse um espelho logo atrás de Maggie onde eu
consigo ver o meu reflexo direitinho, talvez eu não estivesse
controlando minha cara de tédio, que mesmo usando todos os mais
esforços para não a usar, ela ainda aparece um pouco.
— O que ele fez comigo seria a mesma coisa se eu empurrar
ele em um elevador em um prédio de vinte andares e deixar ele se
virar, enquanto desce todos aqueles andares — me defendo.
— Eu sei — ela concorda de imediato.
— E eu o ouvi falando de mim, então é óbvio que eu iria ficar
com raiva dele.
— Eu sei.
— Se eu falasse por uma hora inteira, ainda não seria
justificava ele me calar daquela forma, antes ele desse um murro no
olho.
Maggie pausa, estreitando os olhos ao me encarar. Se eu
pudesse ouvir seus pensamentos, tenho certeza que ela está
pensando que eu sou doida.
— Eu sei?! — ela responde com dúvida.
— Ele me odeia, e isso não justifica ele dizer o que disse, ou
fazer o que fez.
— Eu sei. Mas sabe outra coisa que eu também sei? — ela
pergunta e deixo que continue. — O Alex não te odeia, Charlie. Ele
pode dizer isso, mas a forma como te olha desde que vocês eram
crianças, só existe admiração e proteção. Portanto, eu sei que ele
jamais iria falar mal de você assim, em um momento tão importante
como aquele.
— Se ele me olha com proteção, eu não quero imaginar como
ele olha para quem ele realmente odeia — digo de prontidão,
ignorando o restante dos comentários.
Maggie dá de ombros.
— Talvez você não acredite em mim agora, mas um dia você
vai — ela afirma.
Volto a fazer uma careta.
— Tive uma vida inteira para isso, não acha que é tarde
demais para que eu, de repente, acredite que Alex se importa
minimamente comigo?
— Por que quando nós somos jovens, somos tão ingênuos e
burros? — ela inquere, mas sem resposta. — Quando eu tinha a
idade de vocês, era ignorante desse jeitinho.
— Eu não sou ignorante. — Faço uma careta, ao franzir o
nariz. — Nem muito menos burra, ou ingênua. Se tem algo que
realmente não sou é ingênua.
— Uhum — ela concorda, irônica.
— Não sou — digo com a voz aguda demais.
— Estou apenas concordando com você, meu amor — ela diz
em um sorriso.
Reviro os olhos quando ela passa mais tempo me encarando.
Maggie abre os braços, em um pedido silencioso para que a abrace e
eu me aproximo dela aos poucos, meus braços circulam sua cintura
enquanto ela começa a passar as mãos entre os fios dos meus
cabelos.
— Mesmo com vinte anos você ainda é muito jovem para
entender a vida por inteiro, Charlie. Eu, que estou quase chegando
nos cinquenta, ainda não sei nada sobre a minha, dirá você que é
tão nova assim e se deixou passar por tanta coisa quando você não
era a culpada pelo que te causaram. Você pode ser forte, Charlie,
mas você ainda vai conhecer muito sobre a vida e o amor.
As palavras de Marjorie me pegam desprevenidas, e eu me
aconchego nela. Eu não abraço muito, eu não dou muito carinho,
nem recebo tanto assim, justamente por isso, mas quando acontece,
eu me entrego. E o que ela me diz me pegam ao ponto de que eu
tenho a enorme vontade de permanecer agarrada assim.
Me pergunto se eu fosse uma pessoa normal, se eu não
tivesse ficado tão traumatizada com o abandono, com o medo de
receber amor e simplesmente um dia ele ir embora, se haveria algo
de diferente na minha vida.
Se eu ainda estaria com o único namorado que tive, ou se
ficaria com todo cara que visse pela frente. Talvez eu pudesse ter
mais amigos também, e quem sabe até mesmo ter um par na
patinação, mas a verdade é que eu nunca me imaginei assim, com
alguém, tanto na vida, quanto na patinação.
Duas batidinhas da porta que ficou aberta, me faz desgrudar
de Maggie. Tiro meu cabelo do rosto no mesmo momento em que
ela se vira para a porta, e nós duas temos a vista de Alexander
encostado na soleira da porta, com uma mão dentro do bolso da
calça.
Essa seria a primeira vez que olho diretamente em seus
olhos, que mesmo virados para mãe, sinto que de alguma forma eles
queimam a minha pele ao ponto de me faltar ar, enquanto paro para
ouvir sua voz rouca.
— Faltam dois minutos — ele avisa, a mãe balança a cabeça e
em seguida ele sai.
Ela se vira para mim, o bom e velho sorriso doce estampado
em seus lábios.
— Que tal esquecer que odeia o meu filho por cinco minutos?
— ela sugere e eu rio.
— Impossível — digo de prontidão.
— É ano novo, Charlie. Vida nova. — Estende a mão quando
se levanta.
— Ranço novo também — digo ao pegar sua mão e
acompanhá-la.
— Ou amores novos. — Ela se vira e me solta uma piscadela.
Não consigo conter meu descontentamento com sua fala
quando minha boca franze, juntamente a todo o resto do meu rosto.
Quando for a hora, quando for a hora, quando for a hora
Não importará, não importará
Foi como se ele nunca tivesse estado lá
I WAS NEVER THERE | THE WEEKND

Zach:
Seria estranho ou cedo demais se eu admitisse que estou com saudades
de você?
Que bom que em dois dias você estará de volta
*emoji de coração*

Meu estômago queima quando eu leio as notificações no


celular de Charlotte. Sei que não era para eu ter lido, mas quando
vibrou pela terceira vez, meio que eu senti a obrigação de inclinar a
cabeça um pouco mais para frente e ler.
Zach é um idiota, e Charlotte é mais idiota ainda por continuar
conversando com ele. Mesmo que tenha me dito há duas semanas
que não quer namorar com ele e insista sobre o assunto, passaram
todos esses dias do recesso trocando inúmeras mensagens enquanto
se manteve trancada no quarto.
Se bem que sempre há a possibilidade de ela simplesmente
ter mudado de ideia quanto a ele nesses últimos dias, ainda mais
depois do nosso beijo.
Porra.
Eu queria poder tirar aqueles dez segundos da minha cabeça,
mas o problema é que sempre que fecho meus olhos, ele está ali e
eu posso jurar sentir os lábios dela grudados nos meus. Isso deveria
me fazer tão mal e me deixar tão enojado quanto às mensagens que
Zach mandou para ela, e mesmo que estejamos em alto mar, eu
ainda não sinto nenhum um pouco de nojo.
Já ela, aparentemente sim.
Charlotte tem me evitado há dias, a única vez que olhou
diretamente para mim foi três dias atrás, durante a virada de ano.
Ela se virou rapidamente e apenas me olhou, sequer desejou um
feliz ano novo.
Ou eu a assustei ao ponto de deixá-la em crise, ou
simplesmente a enojei ao um ponto em que ela não suporta mais
me ver, nem mesmo para brigar. Mesmo que nós dois estejamos
dentro de um iate com nossa família e alguns amigos dos nossos
pais, ela ainda assim não lançou nenhum olhar em minha direção.
— O que você quer com meu celular? — A pergunta é afiada,
e bom, essa é a primeira coisa que ela fala comigo em dias.
Meu coração chega a errar as batidas, não sei se foi porque
dentro de alguns dias ela direcionou no máximo sete palavras para
mim, ou porque eu fui pego no flagra lendo suas notificações.
Engulo em seco, a olhando assustado.
— Seu namorado está com saudade — digo ao arquear a
sobrancelha.
Charlotte pega o celular que está em cima da mesa que há no
meio do iate, e é onde eu estou sentado.
— Ele não é meu namorado — ela diz pela centésima vez,
acredito eu.
— Ele sabe disso?
— Por que você se interessa? — ela pergunta, sentando há
alguns centímetros de distância de mim, desbloqueando o celular.
Tento me esgueirar para ver pelo canto de olho sua resposta,
o que não consigo com muito eficácia, mas antes que ela bloqueie a
tela, consigo reconhecer o emoji sorrindo que ela manda.
Zach pode estar apaixonado mandando emojis de corações
para ela, mas ela não está, já que mandou uma carinha sorrindo.
Certo? Não sei, realmente não sei. Não ironicamente, eu nunca
mandei um emoji de coração para outras pessoas que não fossem
minha mãe e Alice, então isso não é bem minha praia.
Digo, eu mando para elas porque amo-as, ou seja, isso
significa que Zach ama Charlotte, mas ela não retribui. Na minha
cabeça faz sentido, pelo menos.
Quando Charlotte vira o rosto na minha direção, jogo a
cabeça para cima, apenas para encarar o céu azul e tentar fingir que
não estava espionando sua conversa com meu colega de time.
— Você não me respondeu — ela diz.
Volto a olhá-la por um instante e sinto um vinco se formar
entre minhas sobrancelhas.
— Está falando comigo? — Aponto para meu peito.
— Tem mais alguém aqui, nesse exato momento, além de nós
dois? — ela devolve, uma vez que todos os outros estão na parte de
cima do iate.
— Não sabia que havíamos voltado a nos falar — sondo.
— Não voltamos.
— Então por que você quer que eu te responda?
Charlotte respira fundo, o celular dela vibra e quando a vejo
prestes a retornar à atenção a ele e não a mim, eu a respondo.
— Você não conhece o Zach como você acha que conhece,
ele não quer apenas transar com você — digo, sem ao menos
pensar.
— Como você pode ter tanta certeza disso?
Ela larga o celular de volta na mesa, ignorando a notificação
que havia recebido e me olha, cruzando os braços. Eu tento ao
máximo manter meus olhos focados nos seus, e não na junção de
seus peitos.
Charlotte usa um conjunto de biquini azul, que combina bem
com a cor dos seus olhos, que parece refletir o mar e o céu limpo.
Não há qualquer resquício de verde em suas írises, e confesso que,
por mais que o verde seja o mais fascinante de todos, quando eles
ficam azuis devido a luz, é tão lindo quanto.
— Zach nunca ficou com nenhuma garota se não fosse para
namorar. — Dou de ombros. — Você vai rodar, rodar, rodar e não vai
transar com ele, não sem antes assumir um relacionamento com ele.
Seus olhos se estreitam enquanto me encara, em seguida ela
olha para cima, dá de ombros e um sorrisinho se abre em seus
lábios.
— Não seria uma má ideia namorar novamente — ela diz
simplesmente.
Meu coração dá um pequeno solavanco, em puro susto. Sei
bem que ela está dizendo isso apenas para me irritar, porque sabe
que não a quero com meu colega de time que, ainda por cima, mora
debaixo do mesmo teto que eu.
Essa é a forma de Charlotte querer dizer que voltamos aos
bons e velhos costumes, não que ela está realmente a fim de
namorar com ele. Certo?
— O que aconteceu que em duas semanas você mudou de
opinião? — decido questioná-la.
Ela dá de ombros ao olhar para frente, fitando o horizonte. Eu
poderia fazer o mesmo, mas meus olhos são traiçoeiros quando não
conseguem desviar a atenção dela.
— O Zach é um cara legal.
— Ted Bundy também era.
Charlotte ri.
— Ele não seria o Ted Bundy — diz pegando o celular de
novo. — Minha terapeuta sempre me disse para eu me abrir a novas
oportunidades, e quem sabe o Zach seja isso? Talvez até agora não
tenha rolado nada porque ele seja a oportunidade que tenho de
finalmente dar certo.
— O Zach? — Se tornou impossível disfarçar meu nojo e
descrença.
— O Zach — ela responde, me encarando.
— Você quer dar certo com o Zach?
Ela dá de ombros mais uma vez.
— Se um beijo com você não significou nada, com ele pode
ser que signifique, ou seja, estou evoluindo.
Por um momento eu fico totalmente sem reação, ao ponto de
nem mesmo conseguir respirar. Eu a beijei apenas para que ela me
ouvisse, e isso é fato. Apenas disse isso a Alice, porque ela estava
preocupada com a filha em uma possível crise, que até então, eu
imaginava que era o que realmente estaria acontecendo.
Mas não esperava que ela tivesse passado todos esses dias
mudando totalmente a sua ideia sobre Zach e comparando o que ela
pode acabar tendo com ele com o nosso beijo, que não chegou nem
a ser um beijo de verdade.
Quer dizer, nossos lábios se tocaram, ela abriu a boca, línguas
se cruzaram e acabou.
Pronto.
Isso não seria o suficiente para que Charlotte apenas
chegasse à conclusão de namorar com o Zach.
Eu rio de escárnio.
— O que foi? — ela pergunta. Balanço a cabeça em negativa,
meus lábios tremendo enquanto eu tento não rir outra vez. — O que
é? — insiste, já se irritando.
— Nada. — Dou de ombros.
— Alexander — ela rosna.
— Charlotte — a imito.
Começo a assobiar ao virar o rosto, minha perna balança
descontroladamente e eu tento respirar e não pensar besteira.
Merda.
Eu não tenho nada a ver com isso, então por que isso tem
que mexer tanto comigo? Tem alguma coisa errada, porque nada
disso faz sentido, pelo menos não para mim. Se ela quer namorar e
superar os traumas dela, ela que supere.
O que porra eu tenho a ver com isso? Nada, absolutamente
nada. Mas acontece que existe uma vozinha estúpida na minha
cabeça que fica se metendo direto, me dizendo que eu tenho que
interferir, mesmo que isso não seja da minha conta.
A vida é de Charlotte, não é minha.
O maior desejo de toda a minha vida é me livrar dela. Se ela
namorar com o Zach, ou com quem quer que seja, significa que ela
estará ocupando a cabeça e não vai mais me irritar, e eu posso
simplesmente voltar a morar no dormitório como no primeiro ano,
ou então fazer com que os outros caras expulsem Zach da casa e
assim eu não veria os dois.
Simples, tudo resolvido. Por que eu estou me estressando
ainda? Ah claro, porque a merda do celular de Charlotte não para de
vibrar em cima da mesa. Com certeza é mais mensagens dele.
Ajo rapidamente, em puro impulso, e antes mesmo que ela
possa pegar o celular, eu o pego antes.
— O que você está fazendo? — ela pergunta, tentando tirar o
aparelho da minha mão.
Aponto.
— Se eu te beijei e não significou nada, com o Zach talvez
signifique algo. Afinal, a gente se odeia, e você e ele não, é isso? —
pergunto, porque aquela maldita voz me fez perguntar.
— Sim?! Eu acho... — Pausa. — Quer dizer, me dá meu
celular. — Ela tenta outra vez e quando o celular vibra de novo, eu o
ponho em meu bolso.
— Só um segundo — peço.
Tento parecer calmo, embora toda a minha pele esteja
queimando nesse exato segundo.
— Ou seja, se um toque meu não significa nada para você, o
do Zach ao mesmo tempo não vai significar, mas vai...
— Onde você está querendo chegar? Estou ficando realmente
confusa e querendo meu celular — ela rosna no final.
Coço a garganta, porque eu também estou ficando confuso
com tudo isso. Fico de pé.
— Levanta — peço.
— Não. — A voz dela sai aguda demais enquanto ela me olha
confusa.
Talvez eu esteja parecendo um louco, deve ser porque talvez
eu seja um louco, pois não faço a mínima ideia do que eu estou
fazendo.
Eu insisto com os olhos e Charlotte permanece sem entender
nada. Faço um gesto com a mão, pedindo para ela se levantar mais
uma vez, ela me olha dos pés à cabeça e finalmente acata o meu
pedido.
— Agora se vira. — Faço o gesto com o dedo.
— Você quer olhar para minha bunda, é isso? — ela me
acusa.
— Claro que não — quase grito, me sentindo ofendido.
Mas não nego que no instante em que ela vira, meus olhos
encontram a bunda dela. Não é uma bunda indispensável, ainda
mais dentro de um biquíni fio-dental. Merda de novo, agora estou
pensando o que não deveria, e isso tem a ver com a porra do meu
pau.
— Você sabe que eu não confio em você, não é?!
— Sei, sei... — desdenho. — Já passamos por isso antes. — O
tédio é notório na minha voz e o celular dela vibra outra vez em meu
bolso.
Sério que esse cara é mais patético do que eu poderia
imaginar?
Dou um passo até Charlotte, que está de costas para mim,
pisco duas vezes tentando raciocinar se o que estou prestes a fazer
é realmente o certo. Contudo, racional é algo que eu deixei de ser já
tem um tempo, sendo bem sincero.
Outro passo e a maresia joga os cabelos soltos dela em meu
rosto. Eu nunca havia parado para prestar atenção no cheiro de
Charlotte, mas ao mesmo tempo que parece ser algo simples, ele
também é único, uma mistura do cítrico da laranja com o floral do
lírio. É refrescante e combina com o tempo que faz em Miami, mas
aposto que também combinaria com o frio se estivéssemos em
Greenwich ou Hanover.
Engulo em seco ao sentir meu peito a centímetros de
distância dela. Eu não encosto nela, pois não estou a fim de levar
outro tapa na cara como aconteceu quando peguei em seu braço ou
a beijei de surpresa.
— Eu tenho um desafio para você — começo.
— Desafio?! — repete.
— Você tem que imaginar que eu sou o Zach.
Ela ri.
— Isso é ridículo.
— Não é não — respondo de imediato. — Você acha que não
é uma má ideia ficar com o Zach? Ok. — Engulo seco outra vez. —
Sexo é sexo, não precisa de sentimentos. Mas o Zach é sentimental,
e isso não é tão ok quando se trata de você... — Hesito por um
segundo, pois acabo de encostar totalmente meu peito em suas
costas e a respiração de Charlotte retesa. — Mas você ainda se
assusta se alguém chega perto de você assim — sussurro.
— Eu não estou assustada — ela responde no mesmo tom.
— Então por que não está respirando direito?
É só então que Charlotte percebe que estava segurando o ar,
então ela expira e depois inspira com força, antes de deixar a sua
respiração normalizar outra vez.
— Você não deveria se assustar todas as vezes em que seu
namorado te tocar.
— Você não é o Zach.
— Finja — peço.
Charlotte volta a respirar com mais força e pouco abaixo do
meu queixo eu sinto o topo da sua cabeça balançar.
— Certo — ela concorda.
Tomo cuidado ao passar as pontas dos meus dedos em seu
ombro, descendo por toda a extensão do seu braço. A cada novo
local onde eu a toco, ela dá um pulinho se assustando e mesmo que
respire fundo, é possível notar como permanece assustada.
Ao chegar no final do braço, eu coloco minha mão em seu
quadril e Charlotte prende a respiração.
— Lembre-se, eu sou o Zach, e se eu sou um cara legal, eu
não ofereço perigo a você — sussurro.
Ela anui, mas só quando volta a respirar outra vez é que eu
me permito ir adiante. Não sei exatamente onde estou querendo
chegar com essa história de Zach, pois se ela realmente me imagina
como ele, isso deveria ser bom para mim. Então por que eu estou
sentindo raiva e pensando que na realidade ela deveria pensar que
sou eu, e não ele? Jamais ele.
Minha outra mão encontra a outra lateral do seu quadril, e eu
a pego. Dessa vez ela dá apenas um pulinho, não para de respirar
como da última, aos poucos minhas mãos vão tocando a pele nua de
sua barriga e eu posso sentir seus pelos se arrepiarem quando suas
costas se empertigam.
Quem precisa respirar fundo agora sou eu, mas engulo em
seco quando a abraço por trás de forma completa. Minha cabeça se
move e quando eu faço isso, é o mesmo momento em que Charlotte
abre os olhos.
Ela me encara, seu peito subindo e descendo, ela está
nervosa, mas não está suando como sempre acontece.
— Você não está pronta para isso — constato.
— Porque você não é o Zach, e eu não consigo te imaginar
como ele — ela contrapõe em um sorrisinho nervoso.
Solto uma piscadela e sinto como se meu coração estivesse
sendo libertado de um aperto.
— Não, eu não sou o Zach.
— Não é. — Ela engole em seco.
Eu a solto, porque sinto que estou muito tempo próximo a
ela, e também porque me dá vontade de sorrir apenas pelo fato de
que ela não conseguiu imaginar o Zach, e mesmo estando
minimamente assustada, ela ainda aceitou o meu toque.
— Mas você não está pronta para isso — repito. — Digo, para
ele.
Charlotte volta a sentar no banquinho que há detrás da mesa,
o vento sopra em seus cabelos e ela o junta, dando uma volta.
— Não é você quem define se estou pronta ou não para
namorar o Zach, sou eu. — Ela estende a mão. — Agora me dá o
celular.
Pego seu celular de volta em meu bolso e no mesmo instante
ele vibra. Quando isso acontece novamente, meu instinto curioso se
torna mais forte do que eu e eu acabo vendo as mensagens, mas
não vejo o nome de Zach em nenhuma delas, apenas das garotas.
— Para de bisbilhotar minhas coisas — ela diz com raiva, ao
arrebatar o aparelho da minha mão.
Dou de ombros e me sento ao seu lado, pelo canto de olho
consigo ver que quando ela abre o aplicativo de mensagens. Na
realidade, ela estava falando com as amigas, e a mensagem de Zach
nem mesmo chegou a ser visualizada.
— É sério isso? — Ela me olha com raiva. — Privacidade é
realmente uma coisa que você não sabe respeitar, não é mesmo? —
Eu me afasto.
— Fala para as meninas que eu estou morrendo de saudades.
— Pisco.
Ela mostra o dedo do meio.
— Vai à merda, Alexander.
Acho que sou alérgica a todas as outras pessoas
Você é o único agora eu tenho certeza
WE BELONG | DOVE CAMERON

Três batidas na porta me fazem errar meu delineado, e a


ponta do gatinho acaba se transformando em um rabo de rato: ereto
e torto.
— O que? — grito.
Saio do banheiro em passos duros indo até a porta do quarto,
que está trancada. É o primeiro dia de volta às aulas após o recesso
e eu não podia estar mais descontente por viver em uma casa com
mais outras trinta garotas.
— Alguém morreu tão cedo? — pergunto ao abrir a porta do
quarto e dar de cara com Shantal.
— Você beijou o Alexander? — ela rebate, já entrando no
quarto e batendo a porta.
Dou dois passos para trás, assustada e com os olhos
arregalados.
— Nã... não... não entendi — gaguejo.
Como ela poderia saber disso? As únicas pessoas que sabem
somos nós dois e nossas mães, porque ele foi ser boca grande
demais e correu para contar a minha, que contou para a dele.
— Cadê seu celular? — inquere sem me responder.
— Não sei, acho que na cama. — Sinto meu coração prestes a
parar de bater.
— Você não recebeu a última notificação da Dirtymouth? —
Pisco três vezes ao negar com a cabeça.
— Desliguei as notificações para me arrumar em paz —
explico. — O que essa vadia fez dessa vez?
Corro até a cama e começo a tirar tudo de cima, incluindo
minhas coisas para o treino de mais tarde, os livros das aulas de
hoje e todas as cobertas, encontrando tudo, menos meu celular.
Atravesso o quarto e vou até o banheiro, encontrando o aparelho em
cima da pia.
Ótimo, ele estava diante dos meus olhos e eu não tinha visto.
Meus dedos tremem ao desbloquear a tela e tirar do modo
não perturbe. Engulo em seco, sinto uma tontura e minha vista
escurece ao ver a notificação do aplicativo há apenas dois minutos.
— O que acontece em Miami, fica realmente em Miami?
Episódio de ano novo no ar, sujinhos — leio em voz alta.
Não tenho o que pensar ou reagir quando eu aperto na
notificação que me leva direto para o aplicativo. A primeira coisa que
carrega além do título é a foto onde, eu, Alexander, os dois astros do
basquete, suas esposas e Chad sorrimos.
Descendo mais um pouco está o player, e no momento em
que meu polegar o alcança, todo o meu corpo começa a tremer ao
ouvir a voz robotizada.

“O ditado que nós mais escutamos é que “o que acontece em


Vegas, fica em Vegas.” Bom, parece que não foi isso que ocorreu
com a estrela do basquete e a campeã olímpica de patinação. E
como aqui não somos o TMZ ou a ESPN, mas sim uma galerinha de
boca suja, não estou aqui para falar de pessoas com carreiras
consolidadas, mas sim de pessoas que estão construindo as suas.
Como diria minha grande amiga gossip girl... flagrados!
Alexander Harrison e Charlotte Cameron, não contentes por
passarem as festas de final de ano juntos com suas adoráveis
famílias, parecem que estão definitivamente prestes a entrar no hall
da fama.
E não digo isso à toa. Fontes próximas aos dois me
informaram que ambos foram convidados para assistir de camarote
a uma partida da NBA, mas o que eles não esperavam, era que
quem iria assistir tudo de camarote mesmo seria eu.
Que tal repassarmos todos os passos deles?
Nas primeiras imagens, vemos Alexander subindo as escadas
enquanto a querida Cameron vai de elevador. Mas isso não é fofoca,
não é mesmo?!
As coisas no camarote ficaram bastante fofas quando a filha
do famoso MVP da liga de basquete parou nos braços de Charlie.
Gostaria de fazer uma menção honrosa ao cinegrafista que pegou
com excelência o instante em que Alexander olha todo bobinho para
sua até então... inimiga?!
Não sei se posso mais dizer isso, porque acreditem, o que
vocês estão prestes a ver me deixou tão em choque quanto vocês.
Vocês sabem tão bem quanto eu que eu sou uma querida e
onde vocês estão, eu sempre estarei lá. Como já deu para perceber,
dei meus pulos e consegui algumas imagens da segurança da arena
onde aconteceu a partida de basquete.
E o que mais me surpreendeu, me deixou em choque e me
deu um grande xeque-mate, foi o que o final dessa noite
proporcionou aos donos do gelo da Dartmouth.
Ou deveria dizer, dirty mouths? Afinal, os dois, finalmente,
sujaram suas lindas boquinhas e limparam uma na outra.
Não acredita no que eu digo?
Pena, pois eu tenho imagens...”

Apesar de ter mais três minutos de episódio, eu o pauso.


Desde que comecei a ouvir, andava de um lado para o outro no
quarto, com Shantal logo atrás de mim. Minhas pernas cedem no
momento em que encontro a cama e me sento.
A maldita da Dirtymouth conseguiu imagem do sistema de
segurança e acompanhou todos os meus passos e de Alexander
durante aquele jogo. Tudo o que consigo me perguntar é: como ela
conseguiu isso?
Digo, não sobre nós estarmos lá, afinal, qualquer um que
estivesse assistindo ao jogo de casa naquele momento veria nós
dois no telão. Qualquer um que siga Chad, ou os outros atletas
também poderia ver a foto. Mas como ela conseguiu ser sorrateira
ao ponto de conseguir imagens de nós dois lá dentro?
Do nosso... beijo?
Nem mesmo sei se posso intitular aquele momento como um
beijo, assim como Dirty fez questão de falar. Engulo em seco,
encarando a imagem onde nós estamos definitivamente com nossas
bocas grudadas uma na outra.
Ela não mostra o momento do tapa, ou da briga, apenas o
segundo em que estivemos colados um no outro. É óbvio que ela
não iria mostrar o típico entre nós dois, porque tudo o que essa
vadia quer é falatório e engajamento. Quanto mais ela for o centro
das atenções, melhor.
Bom, ela conseguiu isso, uma vez que mais batidas soam na
porta do meu quarto, finalmente fazendo com que eu tire meus
olhos do celular.
— Charlie? — Anna chama.
— Somos nós — Dakota informa.
— É claro que são — Shantal sussurra ao meu lado. — Quer
que me livre delas? — oferece.
Mordo o lábio inferior, olho para meu celular novamente e
encolho os ombros. Elas batem mais uma vez e eu permaneço
calada, até olhar para minha melhor amiga.
— Desculpa não ter te contado, eu ainda nem cheguei a
processar isso direito.
Shantal oferece a mão e eu a aceito, ela agarra a minha com
a força necessária e me lança um sorriso solidário. Anna e Dakota
batem na porta outra vez, contudo, as ignoramos de novo.
— Você não precisa pedir desculpas, Charlie. Só não imaginei
que a Dirty iria saber disso antes de mim, ainda mais algo assim tão
importante.
— Ironicamente, ou não, estou me perguntando como ela
conseguiu ir tão longe dessa vez.
Minha amiga ergue os ombros.
— Ou essa filha da mãe é muito rica, ou muito inteligente.
— Ou os dois — pontuo.
— Ou os dois — repete e nós duas rimos. — Você quer dizer
exatamente como foi, ou acha que ainda não está pronta?
Solto uma risada nasalada, mas nem um pouco engraçada,
franzindo o cenho.
— Pronta ou não, eu fui exposta não é mesmo?! — respondo
em retórica. — Nós dois estávamos brigando.
— Como sempre — ela ironiza.
Semicerro os olhos, fitando-a e conto a ela como tudo
aconteceu, inclusive minha conversa com Maggie na noite de ano
novo. Definitivamente, Shantal é a primeira a saber todos os meus
sentimentos sobre tudo o que ocorreu.
— Eu disse que o beijo não significou nada para mim, mas é
tão óbvio que teve alguma importância — confesso.
— Teve?! — ela pergunta e eu anuo. — Tipo, você se
apaixonou pelo Alex após o beijo?
— Não! — grito de imediato. — Óbvio que não. — Hesito. —
Não esse tipo de importância, quero dizer.
Shantal levanta uma sobrancelha, me olhando sem entender
muito bem onde eu quero chegar, e tão logo começo a explicar
melhor.
— Não foi a mesma coisa de beijar alguém por quem eu sinto
algo, longe disso. Foi todo o conjunto da coisa: a raiva, a forma
como ele me puxou, em seguida me beijou em surpresa, e a forma
como surpreendentemente eu consegui respondê-lo. Algo que, de
fato, eu não esperava, porque eu simplesmente me entreguei. E isso
nunca aconteceu antes, não em um primeiro beijo, e desde então eu
tenho me perguntado do porquê eu ter respondido logo ele.
— É tudo tão evidente, Charlie.
— O quê? — pergunto, atônita a forma como minha amiga
sorri.
— Vocês vivem juntos desde que suas mães engravidaram,
vocês cresceram juntos, vocês estão na vida um do outro desde
sempre. Não houve um dia em que não se viram...
— Para falar a verdade, sim — interrompo-a. — Quando ele
viaja para algum jogo ou eu para alguma competição, ou nos finais
de semana que não há festas...
— Calada — agora é a vez dela me interromper. — O que
quero dizer é que você, e seu subconsciente, confiam em quem está
por perto e aparentemente nunca te deixou, e mesmo que você e o
Alexander sejam totalmente irritantes quando estão juntos, vocês
são algo constante na vida um do outro. Então é claro que, mesmo
você o odiando, você iria responder a esse beijo.
— Por que ele é uma constante na minha vida? — pergunto,
estreitado os olhos. — Isso não tem nada a ver.
— Ou você está apaixonada por ele — ela diz uma vez.
— Isso não tem nada a ver mais ainda — me prontifico.
Shantal dá de ombros e em seguida se levanta, me puxando
pela mão que ainda está entrelaçada a sua.
— Acho melhor arrumarmos esse delineado — ela aponta. —
Todo mundo já olha para você nesse campus, hoje então é que irão
olhar mesmo, e você precisa estar pelo menos com uma maquiagem
decente.
Faço uma careta, mas mal tenho tempo de responder quando
duas mensagens simultâneas notificam. A primeira é da Daniel.

Daniel:
Então quer dizer que, literalmente, eu não sou mais o seu último beijo?
Devo ressaltar que estou chateado com isso, afinal, esperava que fosse com o
Lewis, não o Harrison.
E falando no indivíduo, é claro que a próxima mensagem seria
de Zach.

Zach:
Podemos conversar no final do seu treino à tarde?

Decido ignorar a mensagem de Daniel, pois aposto que no


instante em que pisar no campus, ele será o primeiro a vir até mim.
Já Zach não tenho tanta certeza, visto que ele pediu para me ver à
tarde. Portanto, ele eu respondo.

Charlie:
Claro! Hoje o treino deve acabar por volta das 16h.

— Nada é tão ruim, que não posso piorar, hein? — Shantal


briga.
— Pior que isso, somente outro beijo do Alexander para
terminar de foder a minha vida.
— Vai que ele te fode também. — Ela me solta uma piscadela.
— Sua sorte é que a única pessoa que mando ir à merda é
ele, se não, estaria te mandando agora.
Minha amiga ri ao começar a limpar meu rosto, e eu já
imagino sobre o que Zach deseja conversar, ao ponto do meu
estômago se remexer.
Faltam exatamente um minuto para o treino acabar quando
eu pouso no gelo após fazer um triplo Axel e olhar diretamente para
os bancos do lado de fora do gelo. Zach está lá me encarando, em
toda sua perfeição de quase dois metros de altura, com os cabelos
ruivos bagunçados em sua testa.
Ele acena para mim, me dando um breve sorriso e eu retribuo
fazendo o mesmo. Após passar o dia inteiro tendo que ouvir
inúmeros sussurros durante as aulas e também pelos corredores, o
que mais me incomodou foi o assunto que Zach tanto quer falar
comigo.
Não posso me fazer de boba e fingir que não sei do que se
trata, afinal, há meses que conversamos e algumas semanas que
temos nos encontrado. O máximo de contato que deixei ele ter
comigo foi quando sua mão pousou em minha cintura quando eu fui
para a casa onde ele vive com os outros meninos do time.
É claro que eu não iria surtar naquele momento, mas todo o
meu corpo tremeu com aquele toque, embora inocente, apavorante
da mesma forma.
Sei que ele sabe também as minhas reais intenções desde
que começamos a conversar, e sei que ele quer mais do que isso,
então todo esse tempo o goleiro vem preparando o terreno, digamos
assim. Acontece que não é isso que eu quero. Mesmo que eu tenha
dito a Alexander que estava pronta, no nosso último dia de viagem,
enquanto ele afirmava que eu não estava, no fundo eu concordava
com ele.
Mas não poderia dizer isso.
A mensagem que Zach me enviou pela manhã foi a primeira
que eu respondi desde a foto que ele me mandou durante a virada
do ano, mesmo que depois ele dissesse que estava com saudades e
tudo mais.
Zach é fofo, e isso é inegável, gostoso também e não há
qualquer outro argumento que mude isso, mas eu não quero a parte
fofa dele, mesmo que ele tente me oferecer ela com tanto afinco. E
sendo bem sincera, nem sei mais se quero tanto assim transar com
ele.
Era para ser algo casual e já estar rolando há algum tempo,
contudo, Zach não é o Daniel, que concordou de prontidão, e eu não
sei quanto tempo mais teria que esperar para finalmente ter um
orgasmo.
Já cheguei até mesmo a me perguntar se ele seria capaz de
me oferecer algo assim.
— Ei, Zach — o cumprimento ao pegar a guarda dos patins e
colocar nos pés, saindo da pista de gelo.
— Ei — ele devolve, enquanto ando em sua direção. Quando
estou próxima o suficiente, ele se levanta e começa a aproximar o
rosto do meu, que eu desvio de imediato, evitando o beijo que ele
estava pronto para dar na minha bochecha. Ele coça a garganta. —
É... desculpa. Não sei de onde veio isso — confessa, parecendo sem
jeito.
Sorrio, um pouco falsa demais até, visto que sequer tenho
coragem de separar os lábios, e apenas anuo.
— Sem problemas — falo ao me sentar na cadeira ao lado da
que ele estava. — Então vamos direto ao ponto? — sugiro quando
ele também se senta.
Zach concorda e consigo ver o momento em que ele cruza as
mãos em seu colo, antes de passar a língua entre os lábios e me
fitar.
— O que nós somos um para o outro, Charlotte? — A
pergunta dele me faz engolir em seco.
Ok, devo admitir que não esperava que essa conversa
começasse assim, eu pensei realmente que o primeiro ponto que ele
iria trazer à tona seria sobre o último episódio da DM.
— Amigos?! — arrisco ao franzir o cenho. — Digo, amigos
com futuros benefícios, quem sabe...
No final hesito quando ele solta um riso rouco e nega com a
cabeça.
— Depois de quase três meses de conversas, admito que não
esperava por essa resposta — ele confessa.
— Bom, namorados é que não somos, não é? — pergunto
sem graça.
— Isso definitivamente não, pois acredito que você não
beijaria outro se fosse minha namorada.
E aqui vamos nós.
— Em primeiro lugar, eu não beijei o Alexander, ele que me
puxou depois de eu dar um tapa na cara dele e a gente discutir...
Zach me interrompe.
— Não era isso que parecia no vídeo. — Ele para quando
cerro os olhos, encarando-o. — Quero dizer que na realidade parecia
que você estava correspondendo o beijo.
— Claro que estava, o vídeo tem menos de dois segundos, a
cretina só pegou a parte que interessava a ela, mas nada do
momento em que eu bati nele novamente, ou quando a gente
brigou. E ele fez aquilo para que eu calasse a boca, não significou
nada para nenhum dos dois.
— É isso que eu não entendo. — Os olhos de Zach se
abaixam e ele encara as mãos. — Vocês brigam muito e parece que
há sempre algum tipo de magnetismo que puxa vocês para que
vocês estejam sempre juntos.
— Nossas mães serem melhores amigas explica isso muito
bem, e nós dois sermos vizinhos também — pontuo.
— Mas não é apenas a briga, não é onde eu quero chegar. —
Ele volta a me encarar. — Vocês sempre estão brigando, sempre,
Charlotte. Eu os conheço há quase dois anos, vocês sempre estão
envolvidos em alguma confusão. E por mais que aquele vídeo tivesse
menos de dois segundos, não era como se você estivesse prestes a
bater nele, ou que tivesse brigado com ele antes, ou fosse fazer isso
logo depois.
— Ok, acho que você está exagerando Zach — agora é minha
vez de interrompê-lo.
— Estou?!
Seus olhos escurecem tão rapidamente, é então que pelo
canto de olho que eu o vejo desfazer o nó que há entre seus dedos
e aproximar a mão da minha perna, que eu acabo esquivando rápido
demais.
Poderia dizer que isso foi um reflexo, mas é evidente que eu
evitei o seu toque.
— Você odeia o Alexander, mas não consegue desviar tão
rápido assim dele. Enquanto eu tenho tentado de tudo para te
conquistar e adquirir sua confiança, mas você parece que só me
evita.
Respiro fundo, tentando ao máximo não perder minha
paciência com Zach.
— Eu sempre fui bastante clara com você desde o incidente
da festa onde você me abraçou, e acredite em mim, eu rejeito os
toques do Alexander tão quanto rejeito os seus. — Decido ser
sincera, admito que até um pouco demais. — A questão é que
naquele momento ele me pegou desprevenida, assim como você fez
na festa, e pelos primeiros segundos eu não soube como reagir.
Realmente não faço a mínima ideia de onde você quer chegar com
isso, mas eu tenho uma condição e é assim que eu vivo há anos,
Zach. Tem dias que eu rejeito minha própria mãe.
Noto o movimento que ele faz com a boca, mordendo o
interior da bochecha e ele balança a cabeça, concordando comigo a
todo momento, mas ele não parece realmente entender tudo o que
estou querendo dizer. Contudo, eu continuo de toda forma.
— Se você quer me culpar pelo que aconteceu com ele, ou
pelo tempo em que estamos conversando, eu aceito isso, e até peço
desculpas caso você tenha pensado que eu te enganei em qualquer
momento. Mas saiba que não foi a intenção.
— Você tem razão — ele diz, quando eu me calo por um
segundo. — Mas o culpado sou eu — expressa ao apontar para o
próprio peito. — Eu pedi seu número porque eu não me interessei
apenas por você, Charlotte, eu pensei em te conhecer mais porque
sabia que iria gostar de você, e isso aconteceu no nosso primeiro
contato. Eu tentei contornar a situação e pensei que algo sério
poderia acontecer entre nós se você enfim confiasse em mim. — Ele
solta uma lufada de ar ao sorrir triste. — Eu criei expectativas
demais, em algo que esteve claro o tempo inteiro.
Talvez o que eu estou prestes a fazer em seguida possa
parecer um gesto de pena, ou algo que lhe dê qualquer tipo de
esperança, porém, eu não estou a fim de distinguir qual será o
resultado da minha ação ao fechar os olhos com força e aproximar
minha mão da sua, segurando-a.
— Eu também tenho culpa em ter deixado isso se desenrolar
por tanto tempo — confesso ao olhá-lo.
Mas porra, o Zach fofo está de volta quando me olha com os
olhos brilhantes e um sorriso sem jeito em sua boca.
— O que faremos a partir de agora? — questiona, receoso.
— Se você aceitar, estou disposta a ser sua amiga. É tudo que
posso te oferecer no momento, já que você não pode me oferecer
outra coisa — brinco, sugestiva.
Zach ri.
— Eu até poderia, mas arriscaria eu gostar ainda mais de
você. Mas de toda forma, eu aceito a sua amizade. — Ele aperta a
sua mão na minha.
Meu coração dá um leve salto e eu sorrio para ele, feliz como
as coisas acabaram entre nós, embora um tanto quanto triste, afinal,
mesmo que não faça mais tanto sentido na minha cabeça transar
com ele, ou ter qualquer coisa séria com ele, eu corri atrás dessa
bundinha por um mês inteiro.
Zach me espera enquanto troco os patins por uma bota e
junto todas as minhas coisas na mochila. Alguns patinadores que
estão deixando a pista nos encaram e sussurram algo,
provavelmente comentando sobre o que a DM expôs, mas eu não
dou tanta bola, pois a única coisa que pode me fazer mal mesmo
vindo dela, são as fotos e vídeos da festa, que definitivamente
parecem ter saído da boca suja dela de uma vez por todas.
Saindo da arena, visto um casaco para frio e pego as chaves
do carro, desativando o alarme.
— Deveria perguntar o porquê de você estar com o carro do
Alex? — Zach pergunta quando percebe que eu estou prestes a
entrar no Dodge.
Dou de ombros.
— Fizemos uma aposta e eu ganhei,
Ele ri e em seguida nos despedimos um do outro com um
aperto de mão constrangedor, mas isso é tudo que tenho para
oferecê-lo. Zach Lewis e a bunda perfeita e redondinha me dão as
costas e eu o admiro até ele entrar em uma picape, então faço o
mesmo, entrando no carro de Alexander, que agora é meu por dois
longos meses.
Ao ligar o aquecedor, o cheiro de couro dos assentos e claro,
o perfume amadeirado dele, que parece ter intoxicado todo o carro,
invadem todo o meu sistema respiratório. Não sei porque, mas um
sorriso cresce em meus lábios e meu coração dá uma leve disparada
junto ao motor do carro quando eu dou a partida, saindo da vaga
onde estava estacionado e dirigindo rumo a fraternidade.
Hoje eu tenho o último turno no Rosie’s, que assumo que
havia me esquecido totalmente devido tudo o que rolou nas
primeiras horas do dia, então pulei o banho no vestiário para me
arrumar em paz em casa para o trabalho.
Está fazendo menos dois graus e está nevando em Hanover,
portanto acho completamente estranho no momento em que
estaciono o carro em frente a garagem e vejo algumas das minhas
irmãs da Kappa com shorts curtos de academia e tops, uma delas
até usa a parte de cima do biquíni.
— Está acontecendo algum ensaio de fotos sexy na neve
aqui? — pergunto, totalmente confusa pelas roupas que elas usam,
ao sair do carro e fechar a porta.
Dakota que está mais próxima a mim, explica:
— Simplesmente o Alexander e o Bellamy estão na nossa
garagem.
Ergo uma sobrancelha, tentando entender onde ela quer
chegar.
— Fazendo o quê? — pergunto, agora curiosa o suficiente e
caminhando em direção a garagem.
— Ajeitando seu carro — ela sussurra.
— O quê?! — praticamente grito.
No momento em que chego na garagem que está com a porta
levantada, vejo que meu carro está com todas as portas abertas,
inclusive o capô, e lá detrás sai Bellamy, vestindo uma regata branca
toda suja de óleo.
— Ótimo, chegou a dona de toda essa confusão — ele diz
sorrindo. — Quando foi a última vez que você trocou o óleo desse
carro? — ele pergunta.
— Sei lá, nas férias?! — respondo em tom de pergunta,
porque sempre quem faz isso por mim é o Alessandro.
— E a água do motor? — Dou de ombros. — Ao menos
colocou água destilada?
Ignoro totalmente a pergunta dele quando paro de frente ao
carro e vejo que o motor está todo desmontado. Minha boca se
abre, em total choque.
— Por que vocês estão matando o meu filho? — questiono,
quase chorando.
Dou um pulo para trás, me assustando quando vejo Alexander
sair debaixo do carro.
— Quem estava matando ele era você — é a primeira coisa
que ele diz no instante em que se levanta no chão. — Fazia tempo
que esse carro não via uma revisão.
— E por que você se importa com isso? — pergunto, tentando
ao máximo não olhar para o abdômen dele que está nu, como
sempre, e todo sujo de óleo e graxa de carro.
Lá fora pode estar fazendo menos dois graus, mas algo em
mim começa a esquentar, e por um momento consigo entender as
meninas por não estarem morrendo de frio. Contudo, algo em mim
desperta também, ao ponto de eu querer queimar os olhos de todas
elas.
— Você não achava que eu ia passar dois meses andando a
pé, achava? — ele pergunta, irônico.
— Mas isso não estava no acordo. — Aponto para o meu
carro.
Ele ergue os ombros e um sorriso de canto aparece em seus
lábios.
— Se você fica com o meu carro, obviamente eu fico com seu.
Faço uma careta, franzindo o nariz.
— E precisa matar ele no processo?
— Nós estamos consertando — Bellamy se mete. — O motor
não via água há bastante tempo, óleo então… — Ele assobia e eu
olho feio para ele, que sobe as mãos. — Não está mais aqui quem
falou.
Quando Bellamy se afasta, eu aponto o dedo para Alexander.
— Você pode ficar com meu carro, mas se você o matar, eu
mato o seu — aviso e ele apenas anui. Dou as costas, mas antes
que eu saia andando, me viro outra vez. — E vê se veste uma
camisa, está fazendo frio — resmungo.
— Desde quando você se preocupa comigo? — ele inquere,
mas meus olhos estão encarando as meninas, que poderiam dar a
atenção delas a Bellamy, mas insistem em observar Alexander.
— Não me preocupo. — Dou de ombros. — Mas você doente
é um porre.
Pelo canto de olho, vejo o momento em que ele pega a sua
camisa de volta e passa pela cabeça, vestindo-a. Gemidos de
consternação reverberam pela entrada da garagem e minha careta
só aumenta, ao negar com a cabeça.
— Elas gostam do que veem — Alex comenta e eu me volto
para ele.
— Faça o favor de terminar isso logo e sair daqui de uma vez
por todas — digo, ignorando seu comentário por fora, mas por
dentro louca para xingá-lo e todas elas juntamente.
O que de fato é estranho, pois nunca pensei assim sobre isso
antes. Alexander ri, me ignorando, ou fazendo o que eu mando, não
sei bem sobre o que ele escolheu no momento, mas o que importa é
que ele para de olhar para as meninas e volta para debaixo do carro.
Mas o calor após ver seu corpo suado e sem camisa, sujo de
óleo de carro, confesso que me deixou um tanto quanto excitada e
isso só pode ter a ver com o fato de que eu preciso urgentemente
de um contato físico humano, ou vou começar a pensar demais no
Alexander. E isso não é nada bom.
Estou lutando bravamente para suportar
Simplesmente não consigo fazer tudo sozinho
Estou suportando, não posso recuar
BEGGIN’ | MANESKIN

Depois de horas trabalhando na lata velha que Charlotte


dirige por aí, a primeira coisa que fiz depois foi tomar um banho
quente, e bater a merda de uma punheta – pois sim, mais uma vez
eu a fantasiei usando a minha camisa, e assumo que sou fraco
demais com esse tipo de imaginação –, caí na cama e dormi como
um anjo.
Talvez seja por isso que eu tenha acordado com bom humor,
ótimo, na verdade. Tão bom que chego a sorrir quando abro a porta
do quarto e dou de cara com Zach, que me olha com uma cara feia.
Confesso que ontem, após o treino e a notícia que saiu na
Dirty, a primeira pessoa que meus olhos encontraram foi o goleiro,
que me lançou um olhar tanto quanto odioso, e aquilo me fez bem
ao ponto de eu sequer questionar ou me incomodar com o que
havia saído no aplicativo e com o fato de que todos do campus só
falavam sobre.
Quando Zach bate à porta do banheiro com tudo, Evan
aparece no corredor e eu aponto para onde o goleiro acaba de
entrar.
— Que bicho o mordeu? — pergunto ao meu amigo.
Evan balança a cabeça e ri, pendendo a cabeça para trás.
— Você é tão cínico, cara — ele diz ao olhar para mim. — Se
você beija a garota que eu estou caidinho, eu não bato só a porta
não, eu a arrebento no seu focinho inteiro.
— É só por conta do meu beijo com a Charlotte? — pergunto
em um falso espanto.
— Só?! — Evan repete desacreditado. — Por causa disso a
Charlie disse que agora eles seriam apenas amigos.
Ok, devo admitir que meu amigo me pegou completamente
de surpresa. Separo os lábios, pronto para responder algo, contudo,
eu não sei o que falar, uma vez que o que acaba de sair da boca de
Evan me deixa desnorteado.
— Por que você está sorrindo feito um louco? — ele pergunta,
estranhando o meu silêncio.
Engulo em seco, tentando fazer com que minha boca forme
as palavras que eu preciso dizer.
— A. Charlotte. Terminou. Com. O. Zach? — pergunto
pausadamente, sentindo minhas bochechas doerem ao ponto em
que o meu sorriso se expande por todo o rosto.
Evan balança a cabeça, confirmando, e então toda a
serotonina que parece que eu não sentia há anos me atinge e eu
começo a rir.
Descontroladamente.
Parece que alguém acaba de me contar a piada mais boba do
mundo, e imaginar Charlotte dizendo que quer ser amiga do Zach,
enquanto durante todo esse tempo ele estava tentando obter a
confiança dela, chega a ser hilário para mim. Maldoso talvez, mas
engraçado ao ponto do meu riso crescer em uma intensidade
incontrolável.
Tento conter a minha explosão de alegria, contudo, a cada
esforço que faço para silenciar o riso, mais ele se intensifica. Porque
se eu soubesse todo esse tempo que precisava apenas beijar
Charlotte para que Zach se afastasse dela, eu teria feito antes.
Quem sabe eu mesmo teria ido em busca das filmagens de
seguranças igual a DM e enviado diretamente para o número de
Zach.
Minhas mãos sobem enquanto eu tento tapar minha boca,
mas porra, receber essa notícia foi bom até demais.
— Você é maluco das ideias. — Escuto Evan dizer enquanto
tento me controlar mais uma vez.
— Quando... quando... você... ficou... — tento falar enquanto
me debato entre o riso que continua a escapar e a respiração que
sai entrecortada. Meu amigo me olha surpreso, aparentemente sem
entender nada do que eu estou tentando falar. — Quando você ficou
sabendo disso? — questiono, finalmente tomando um pouco de ar.
Meu peito dói devido a crise de riso, o sorriso ainda faz parte
da minha faceta e eu nem tento mais disfarçar.
— Ontem à tarde, ele chegou todo cabisbaixo e disse para
mim e para o James, enquanto vocês estavam na fraternidade das
meninas — ele revela.
— E por que você não me disse antes? — pergunto.
A curiosidade que sinto sobre isso é genuína, visto que
Charlotte chegou e saiu para o turno no restaurante onde trabalha
ainda no final da tarde e não comentou nada comigo.
Se eu soubesse disso antes, com certeza teria sondado ela
sobre o assunto.
— Desde quando Charlotte e Zach são relevantes para você?
— Não são — dessa vez eu minto na cara pau, sabendo que
eu estou mentindo. — Mas se você tivesse me dito antes, talvez eu
tivesse ficado feliz mais cedo e não só agora.
— Eu não te vi antes. — Evan dá de ombros, saindo do seu
quarto e eu o sigo em direção às escadas. — Mas não nego que
fiquei com dó dele, mesmo no fundo querendo rir. O pobre coitado
passou semanas tentando criar um vínculo.
Começo a rir outra vez.
— Mas acabou porque você beijou a garota que seria dele.
Paro no momento em que chegamos na sala, meus olhos
estreitando e meu sorriso morrendo juntamente com a fala do meu
amigo.
— Ela nunca seria dele — digo de prontidão.
— Seria, se você não fosse um babacão.
— O único babacão aqui é o Zach, e o culpado por isso é ele,
não eu.
— Então vai me dizer que se o Zach tivesse agido antes, você
não teria beijado a Charlie?
— Charlotte — corrijo-o, voltando andar em direção à comida.
— Eu a beijei para calar a boca dela que não parava de falar um
segundo. Então o Zach não faria diferença nesse cálculo. — Dou de
ombros ao entrar na cozinha e pegar dois ovos.
— Você sabe o que isso significa? — ele pergunta, pondo mais
dois ovos em minha mão.
Ligo o fogão.
— O quê?
— Que você é um grande filho da mãe que não sabe respeitar
a mulher dos outros.
— Ela não era a mulher dele.
— Mas poderia ser.
— Vai querer frito ou mexido?
— Mexido.
— Eu prefiro frito, mas depois que você fez provavelmente o
meu mês inteiro com essa notícia, e olha que faltam alguns dias
para o meu aniversário — aponto —, eu faço para você o ovo do
jeitinho que você pedir.
— Sério, você é um idiota, Harrison. — Evan ri.
Dou de ombros no mesmo instante em que Zach entra na
cozinha, murmurando um bom dia. Ele pega uma banana e antes
que saia, o chamo.
— Ei, goleiro, não vai comer com a gente? — ofereço com um
sorriso.
— Dispenso — murmura ao sair da cozinha.
Espero exatos três segundos, contando na minha cabeça
enquanto mexo os ovos, para poder rir outra vez.
— Idiota! — Evan reclama.
Mas nem isso é capaz de me calar, pois sim, estou contente
com o rumo que as coisas tomaram. A vida é uma maravilha, em
três dias temos um jogo contra Yale, onde temos grandes chances
de ganhar, e para completar, no sábado, a fraternidade das garotas
dará uma festa de volta às aulas.
Elas são boas com festas e são melhores ainda com as
polêmicas brincadeiras. Assumo que estou um tanto quanto ansioso
pelos jogos dessa vez, porque sei exatamente quem será meu alvo
dessa festa.

“Anjos e demônios.
Chegou o dia de tirarem suas fantasias e se vestirem do que
vocês realmente são.
É a noite do pecado e eu, assim como vocês, sei bem que não
irá sobrar um anjo no céu após essa noite.
Apesar das baixas temperaturas, o fogo pecaminoso do
inferno está pronto para aquecer vocês.
Divirtam-se, e não se esqueçam, estou de olho em todos os
seus pecados. Ou eu deveria dizer, de boca?”

A música volta a tocar após todos que estão na festa


receberem a notificação do aplicativo e apertarem o play ao mesmo
tempo. Dirtymouth está entre nós, mas parece que ninguém se
importou tanto com o aviso que ela deu.
Eu por exemplo, estou pouco me fodendo quando abro os
botões da camisa branca que uso e ajusto as asas brancas que estão
em minhas costas. O tema é anjos e demônios, contudo, o traje
masculino obrigatório é de anjo, enquanto o feminino é de demônio.
Todas elas se vestem de vermelho com chifres em suas cabeças e
rabinhos escorrendo de seus corpos.
Com exceção de Charlotte, que desce as escadas usando um
conjunto que mostra uma boa quantidade de pele, em uma mini saia
preta com uma fenda que vai até o quadril, mostrando a liga da
calcinha. Porra, isso me faz engolir em seco, mas tão rápido volto a
mirar no restante de sua roupa, a barriga definida está despida e os
seios cobertos por um top preto rendado.
Os cabelos castanhos estão ondulados e cheios, parecendo
rebelde. Em suas costas, ela usa um par de asas iguais às minhas,
contudo, pretas e pontudas. Quando ela pisa na sala, meu olhar
desce e vejo os saltos pretos e altos que usa.
Ela olha para uma das meninas com raiva e quando sua boca
se move, sei muito bem que ela acaba de xingar a garota. Charlotte
dá as costas a ela e interrompe o caminho de James, que estava
vindo em minha direção com uma bandeja de uma bebida verde em
vários copinhos, ela vira um na boca, e em seguida outro.
— Se você não fechar a boca, vai entrar mosca aí — Bellamy
diz ao meu lado.
— O quê?! — pergunto confuso, tirando os olhos de Charlotte
de uma vez por todas e virando para o capitão.
— Você está secando a Charlie ao ponto da sua boca abrir e
você babar.
Levo minha mão até a boca, limpando-a.
— Eu não estava olhando para ela — nego de imediato.
Estava tão na cara assim que eu assisti ela descer as escadas,
brigar com uma das irmãs da Kappa e ainda beber dois shots de
uma bebida estranha?
Quer dizer, eu não estava a fitando porque queria, apenas
meus olhos a encontraram, e achei intrigante o fato dela ser a única
vestida de anjo, porém preto. Afinal, todas as outras garotas estão
vestidas de diabas, e os caras de anjos. Ela é a única que se
diferencia entre as dezenas de pessoas que circulam a mansão da
Kappa.
— Você também estava olhando — acuso.
— Porque você não tirava os olhos dela, então eu quis ver o
que tanto te intrigou — ele diz e eu faço uma careta a contragosto.
Estou pronto para rebater Bell, contudo James chega ao
nosso lado, com Charlotte em seu encalço e aparentemente os dois
estão brigando.
— Acredite em mim, se você beber mais um desses, você não
vai acordar amanhã — o loiro diz.
— Talvez eu não queira acordar amanhã — ela rebate,
tentando arrancar outra dose da bandeja de James.
— Isso aqui é absinto com gin, Charlotte, e você já tomou
três doses. Nem eu aguento tanto.
— Eu sou forte para álcool — ela se contrapõe.
— Não é não — me meto.
— Ninguém te chamou na conversa, Harrison. — Charlotte se
vira para mim, áspera.
Dou de ombros, pondo as mãos no bolso da calça e ela cruza
os braços sobre o peito, seus olhos estreitam-se com intensidade,
parecendo lâminas afiadas, prontos para me cortar. O olhar áspero
emanando uma energia crua e desafiadora, as sobrancelhas
arqueadas como se ela estivesse em uma espécie de desafio.
— Quer que eu te lembre como ficou após cinco doses de
tequila no baile de formatura? — inquiro e tão rápido ela descruza os
braços.
— Vai à merda, Alexander.
Pego dois copinhos da bandeja de James e viro os dois juntos
em minha boca. A nota floral da bebida verde é a primeira coisa que
sinto quando o líquido encosta em minha língua, em seguida tudo
explode devido ao sabor amargo, junto do álcool.
Sinto a garganta queimar quando engulo a bebida, a
sensação de euforia emanando por todo o meu corpo. Fecho os
olhos com força e balanço a cabeça, soltando o ar quente pelo nariz.
— Parece que quem não aguenta tanto assim é você, querido
— ela diz divertida.
Ainda estou fazendo uma careta e sentindo o gosto da bebida
na minha boca, enquanto o álcool queima em meu estômago,
quando ela se afasta e enfim eu suspiro com força.
— Forte para caralho, essa porra — digo, devolvendo os
copinhos a James, que sorri.
— Não encosta mais nisso por hoje, se ainda quiser acordar
vivo na segunda para o treino — ele brinca, pegando os outros dois
copinhos que restaram e tomando a bebida. — Isso é bom para
merda — ele diz com um sorriso malicioso ao terminar de engolir.
Meu corpo inteiro se arrepia apenas com a lembrança do
absinto e decido, por ora, que não vou beber mais nada, pois já
sinto o meu corpo amolecer devido ao alto teor de álcool.
Virando o meu corpo e procurando para onde Charlotte foi, a
encontro perto dos meninos do basquete, mais especificamente ao
lado de Daniel, que diz algo no ouvido dela e ela ri. Meus olhos se
estreitam enquanto fito-os pelos próximos minutos, ele oferece
alguma bebida a ela, que recusa de prontidão. Faz meses que eles
pararam de ficar, mas as vezes quando estão juntos parecem um
casal, e isso chega a me enojar.
Normalmente, sempre que vejo eles dois juntos, eu costumo
não os encarar tão descaradamente como estou fazendo agora. Mas
por um momento eu penso que ela pode ter “acabado” tudo com
Zach em prol de retomar as coisas com Daniel. Porém, o
pensamento se dissipa no momento em que uma garota ruiva se
aproxima dos dois, usando um vestido vermelho e uma tiara de
chifres.
Daniel a pega pela cintura e a apresenta a Charlotte, a garota
oferece a mão, mas tudo que Charlotte faz em troca é sorrir e
acenar. O cara entre elas beija a garota em um selinho e os três
passam a conversar entre si.
Finalmente me dando conta de que eu não perdi nada entre
eles, me viro de volta para meus amigos, contudo, me dou conta
que os dois sumiram e me deixaram sozinho feito uma estátua no
meio da sala, enquanto todo mundo dança, conversa e bebe alguma
coisa.
— Procurando por sua diabinha, anjo? — Anna se aproxima
de mim.
Meu rosto inteiro se franze em uma careta.
— Quanto você e a Dakota querem para pararem de dar em
cima de mim tão descaradamente? — pergunto e a loira acaba
cuspindo a bebida que está tomando.
— Nós não fazemos isso. — Ela dá uma de sonsa, tão rápido.
— Não? — Levanto a sobrancelha, duvidando da sua palavra.
— Vocês duas querem zerar o estoque do time de hóquei e, pelo
que eu sei, falta apenas o Zach e eu.
Anna pende a cabeça para o lado, me lançando um sorrisinho
como se dissesse que é culpada.
— Você é tão chato, Alexander. E o Zach é um paspalho. —
Tento não rir após seu último comentário.
— E você e sua amiguinha são previsíveis até demais.
— Sabe o que é previsível de verdade? — Ela me encara,
maliciosa. Franzo o cenho, dando a liberdade para que ela continue.
— Você brigar tanto com a Charlie e finalmente se tocar que é
caidinho por ela.
Queria ter uma bebida agora na minha boca, quem sabe eu
cuspiria na cara dela.
— De onde você tirou isso? — questiono retoricamente em
uma falsa ofensa.
Ela ri ao tomar um gole do seu drink.
— Você é todo irritadinho perto dela, não pode ver um cara se
aproximando que tenta ao máximo estragar tudo, e agora mesmo
passou minutos igual um idiota no meio de uma festa cheio de
garotas bonitas, que fariam de tudo para tirar a sua roupa, e ainda
assim, você estava a encarando e a Daniel com fogo nos olhos. Isso
é a coisa mais previsível do mundo quando se trata de um bom
enemies to lovers.
— Enemies o que?! — digo confuso.
— Quando duas pessoas que se odeiam se apaixonam — ela
tenta explicar, mas provavelmente eu fiquei ainda mais confuso ao
cerrar os olhos. Anna suspira. — Deixa quieto. — Ela abana com a
mão. — Vamos, a Dakota vai anunciar a primeira brincadeira da
noite. — Ela pisca com o olho.
A amiga inseparável de Anna sobe em cima de uma mesinha
que está no meio da sala e pede para que desliguem a música.
Todos ao redor se viram para ela, que tem um sorrisinho sádico
estampado em sua boca e olha ao redor, contente com a atenção.
Dakota pega um megafone e coloca na frente da sua boca.
— Vamos dar início ao primeiro jogo da noite. — As pessoas
aplaudem.
— Bodyshot — alguém grita.
— Ainda não — ela aponta. — Mas se quiser, estou disponível.
— Solta uma piscadela para a pessoa que gritou. — A primeira
brincadeira é o... — Ela pausa dramaticamente. — Encontro às
cegas.
As meninas aplaudem, incluindo Anna, que parece saber o
que isso significa, contudo, eu nunca ouvi falar sobre isso.
— O que é isso? — me abaixo para perguntar no ouvido dela.
Anna não responde, apenas aponta para a amiga, que segura
agora duas vendas tapa-olhos em suas mãos.
— Lá em cima nós temos dois quartos que dividem um
mesmo banheiro. Serão quarenta pessoas, vinte casais no total.
Vinte estarão de um lado, e mais vinte do outro, os participantes
irão entrar no banheiro e passar dez minutos lá dentro. Mas temos
algumas regras. — Ela começa a subir os dedos de acordo com as
regras que dita. — Um: as luzes estarão apagadas e vocês irão usar
uma venda. Dois: é proibido falar, ou se apresentar, é permitido
apenas curtir o momento. Três: são dez minutos para vocês fazerem
o que quiserem, mas tem que se pegar, e essa é a quarta, principal
e última regra. Só entrem se vocês estiverem dispostos a beijar
qualquer pessoa, ou fazer algumas coisas a mais... — Ela sorri. —
Acho que é isso, os quartos estão com a identificação e em dez
minutos estarão abertos. Aproveitem, crianças.
Algumas pessoas aplaudem, parecendo realmente animadas,
enquanto outras perguntam quando a próxima brincadeira será
anunciada.
— Você vai participar? — Anna pergunta, interessada.
Nego imediatamente, balançando a cabeça.
— Dispenso.
Ela morde o lábio inferior, rindo.
— A Charlie vai — comenta, tomando outro gole da bebida. —
E o Zach também, estávamos planejando colocar os dois como o
nono casal.
— Você sabe que eles terminaram o que nem começou, não
é?!
Anna ergue os ombros.
— E daí? — Sorri. — Fizemos essa brincadeira justamente
pensando nela, afinal, ela estará lá para beijar e fazer o que quiser
sem envolver os sentimentos, já que não sabe quem é a pessoa.
Então, por que não colocarmos o Zach?
— Porque eles terminaram — respondo.
— Foda-se — Anna diz, dando as costas e andando rebolando
na direção onde Charlotte está, dessa vez com Shantal ao seu lado.
Que falando nela, Bellamy volta a ficar perto de mim e olha
para o mesmo ponto que eu.
— Será que Shantal vai participar? — ele pergunta
genuinamente interessado.
Quando a garota que ele está de olho oferece uma dose de
alguma bebida a Charlotte e ela vira, tomando, eu encolho os
ombros.
— Não faço a mínima ideia.
Observando de longe a interação de Charlotte e as amigas,
talvez possa ser mentira o que Anna falou, afinal, antes do jogo ser
anunciado, ela falou como se eu estivesse realmente interessado na
amiga dela, coisa que dê certo não estou.
Por mais que não consiga tirar o beijo que demos há semanas
atrás da cabeça, o fato é que eu não estou interessado. Curioso,
talvez, para saber como seria beijá-la novamente, ou sentir ela sobre
minhas mãos e meus cuidados, como por exemplo, quando a
fantasio nas vezes em que me toco. Mas interessado, com certeza, é
uma coisa que eu não estou.
E Anna pode muito bem estar brincando comigo ao dizer que
Charlotte irá participar, mas na realidade ser ela e Dakota, pois sim,
as duas são perversas a esse ponto. Contudo, pisco os olhos
rapidamente e vejo Dakota falar algo no ouvido de Zach que está
próximo ao bar. Ela oferece a mão a ele, que aceita e os dois
caminham até a escada.
— E se ela for? — Bellamy pergunta.
E no mesmo momento, Anna se afasta e Shantal pega
Charlotte pela mão, eu olho para meu amigo.
— Só um jeito da gente saber — eu digo, tomando uma
decisão que posso me arrepender mais tarde.
— Como? — ele inquire, interessado, e então as duas vão na
direção da escada.
— Nós a seguimos e vemos se ela vai. — As duas passam por
nós. — Mas isso tem que ser agora — me apresso em dizer, já indo
atrás dela, e sinto Bellamy logo em meu encalço.
Charlotte e Shantal sobem as escadas enquanto nós dois
estamos a três degraus de diferença das duas. No meio do caminho,
acabo esbarrando em algumas pessoas e empurrando-as, acontece
o mesmo com Bell devido a nossa pressa para não as perder de
vista.
Ao chegar no primeiro andar eu paro e coloco o braço para
que meu capitão pare também.
— Elas estão paradas em frente aos quartos — eu digo.
Aponto para as placas, são três no total, uma diz “Encontro às
cegas”, uma indica os obedientes e outra os pecadores, que no caso
é onde deve separar os quartos.
— Elas? — Bell pergunta, confusa.
— Ela — corrijo, então noto que Shantal deixa Charlotte
entrar no quarto dos pecadores enquanto ela vai para dos
obedientes. — Ela entrou no segundo quarto — informo, então todo
um plano se monta na minha cabeça de forma mágica. — Você quer
ficar com a Shantal, certo? — Ele anui concordando. — Ótimo, eu
vou entrar no segundo quarto, que é onde ela está, e te mando uma
mensagem dizendo a posição dela, e você entra na mesma posição
no outro quarto.
— Está falando sério? — ele pergunta animado e tão rápido
eu concordo, andando na direção dos quartos.
Por um segundo me sinto mal por usar o interesse do meu
amigo a meu favor, afinal, ele vai fazer isso por mim, ele não sabe
disso ainda, e talvez nunca irá saber.
— Sim, agora entra aí e aguarda minha mensagem — digo,
empurrando-o contra a porta onde ele deve entrar e me apresso
para ir até o outro quarto, sem esperar uma resposta de Bellamy.
No momento em que entro no quarto, uma das garotas da
Kappa me entrega um tapa-olho.
— Coloca e aguarda sua vez — ela instrui, apenas anuo e
coloco a venda, mas deixo um espaço apenas para verificar a fila.
Zach está exatamente onde Anna disse que ele iria estar, ele é
o nono da fila, porém, por via das dúvidas eu vou atrás de Shantal,
que está separada de Zach por duas pessoas, então pego o celular e
mando uma mensagem para Bellamy.

Alex:
Quem está aí e em que posição?

Torço para que ele tenha feito o mesmo que eu e não ter
colocado a venda por completo. Passam alguns segundos para meu
celular vibrar com a resposta dele.
Bell:
Dakota, Charlotte e Evan
Alex:
Somente eles?
Bell:
Não
Alex:
E as posições?

Então ele me fala a posição de cada um, indicando que


Dakota é a primeira, Evan o terceiro e Charlotte – assim como Anna
havia dito –, a nona, e mais outros. Faço uma rápida contagem dos
que estão na minha frente, incluindo Zach, contudo, planejando
tomar o lugar dele quando ele for o próximo, visto que estão todos
no escuro.

Alex:
Nesse caso então você deve ser o décimo terceiro, quando
mais alguém entrar, vá para atrás da pessoa.
Bell:
Ok.
Torcer para dessa vez ela não rir.

Ignoro totalmente a mensagem de Bellamy e quando


finalmente o quarto está cheio, a brincadeira começa. A primeira
pessoa a entrar no banheiro é uma garota da torcida, os próximos
dois são dois garotos, um eu sei que é da torcida e o outro é
assistente de um dos professores de Engenharia, o que de fato não
será um problema para Evan beijar o terceiro.
Quando faltam apenas uma pessoa para Zach, me pergunto
se devo fazer realmente isso, mas eu não posso mais voltar atrás.
Tanto por mim quanto por Bellamy, porque se eu não entrar na
frente dele, quem vai acabar beijando o capitão do hóquei sou eu.
Olho para trás, apenas para verificar se alguém está vendo
algo e a garota que estava entregando as vendas e organizando
entrada e saída acompanha a última pessoa que saiu do banheiro e
pega a venda dela, é nesse momento que eu aproveito para furar a
fila.
Sinto que o que estou fazendo é errado ao ponto de sentir o
suor frio descer por toda extensão da minha coluna, mas tão logo
tapo meus olhos certinhos, para que não desconfiem de nada.
— Estranho — a organizadora sussurra ao chegar à minha
frente e torço para que ela não me coloque para trás.
Ela sussurra mais alguma coisa, mas acaba se calando. Sinto
as batidas do meu coração começarem a ficar descompassadas na
medida em que o tempo vai passando, pois parece até mesmo que o
relógio decidiu parar.
Cada batida parece o ponteiro de um relógio ecoando em
meus ouvidos, o quarto está inteiramente em silêncio desde que
entrei nele, a não ser pela música alta que toca no andar de baixo.
Pulo quando uma mão agarra meu pulso, e diz:
— Chegou sua vez, anjinho. Não se esqueça das regras,
nada de falar, nem muito menos tirar a venda dos olhos.
Ouço o baque dos dois lados do banheiro, as portas
batendo, ignoro totalmente o aviso dela sobre continuar vendado e
coloco o tapa olhos sobre minha testa. Apesar das luzes do banheiro
estarem apagadas, há a luz da lua que entra pela claraboia que há
no teto do banheiro. O céu está nublado e por isso não é a luz mais
forte do mundo, mas mesmo assim eu consigo enxergar com
evidência a silhueta de Charlotte, e respiro aliviado por isso.
Meus olhos fixam-se nos lábios dela, que tremem em uma
mistura de antecipação e nervosismo. Seus passos em minha direção
são calmos e os meus apressados até demais, uma corrente elétrica
percorre minha espinha quando finalmente nos trombamos.
Charlotte para assustada, soltando uma boa quantidade de ar, que
parecia estar prendendo por todo esse tempo.
Isso é só uma curiosidade, nada demais.
Digo a mim mesmo quando o nervosismo me atinge. Na
primeira vez em que a beijei, eu não calculei nada daquilo, foi tão
inesperado para mim quanto para ela, mas dessa vez eu meio que
planejei tudo. Eu só preciso de mais alguns segundos do toque dela,
apenas para que eu possa me livrar disso de uma vez por todas.
Ela inspira e os peitos dela acabam tocando meu abdômen,
suas mãos passam a percorrer meus braços, e só então que eu noto
que ela está agindo antes de mim.
Hesitantemente, minha mão sobre e encontra seus cabelos,
que estão totalmente despenteados propositalmente, e à medida em
que vamos nos tocando, gradualmente o silêncio se torna
apaziguador, meus dedos tremem ao entrar por entre seus cabelos e
indo de encontro a nuca.
O corpo de Charlotte se empertiga e eu noto que ela acaba
de se arrepiar com meu toque, aos poucos vou aproximando meu
rosto do dela, sentindo sua respiração quente e oscilante atingir
minha pele. Nós já estivemos próximos assim por várias vezes,
durante tantos embates e discussões, mas dessa vez é diferente. E
me pergunto se só pela forma como estamos tão próximos ela
consegue ter noção de que sou eu que estou prestes a beijá-la.
Agora é sério
Agora que você me tem, você ainda me quer?
Meus beijos são história, eles têm uma longa trajetória
SHAMELESS | CAMILA CABELLO

Ele é definitivamente forte e alto. Concluí isso no momento


em que nossos corpos se esbarraram e minhas mãos hesitantes se
agarraram em seus braços.
Todo esse lance de encontro às cegas foi ideia de Shantal.
Depois que eu pus um fim nas coisas com Zach e também pelo beijo
com Alexander, ela quis me provar que quando eu não sei quem é a
pessoa, o beijo também pode não significar nada. Eu não devia ter
concordado com esse plano maluco da minha melhor amiga, mas
aqui estou eu.
Tudo que vejo é preto, não há sequer uma brecha de luz em
que eu possa me apegar, mas o eu sinto.
Nossos corpos estão colados e uma de suas mãos está em
meus cabelos, percorrendo o caminho até a nuca e no momento em
que a encontra, fecha as mãos em punho. O ar quente soprado pela
boca entreaberta causa um reboliço dentro de mim, ao ponto de que
eu posso sentir um frio no pé da barriga.
Ergo a cabeça e meus dedos passam de seus braços até o
peitoral que está descoberto devido a camisa, ou blazer, que está
aberto, também tive noção disso há alguns segundos. Nossos rostos
passam a ficar cada vez mais perto e chega ser estranho a
ansiedade que sinto agora, porque pela primeira vez, quando algo
assim está prestes a acontecer, é uma sensação boa.
Como se eu estivesse prestes a me libertar.
E bom, isso acontece no instante em que um movimento ágil
da mão que agarra meus cabelos e eu maneio minha cabeça,
deixando meu pescoço exposto para que o desconhecido deixe um
beijo rastejado e molhado ali. Engulo em seco ao sentir meu centro
pulsar.
Porra, o desgraçado sabe bem o que faz. E ele parece ser tão
mandão, quando seus lábios percorrem a pele do meu pescoço, me
causando arrepios. Ele encontra meu maxilar e me beija bem ali.
Não consigo me controlar ao arfar, minha respiração tornando-se
entrecortada quando sinto que finalmente irá acontecer.
Tudo começa com um selinho, rápido, sútil — e eu poderia
dizer que viciante, também? —, a mão que ele tem livre se projeta
no meu rosto e meus dedos sobem até seus ombros, o agarrando
ali, pois sinto minhas pernas fraquejarem quando ele morde meu
lábio inferior, o puxando.
Quando solta, sua boca me invade outra vez, contudo, agora
com tudo o que tem direito. Sinto que estou prestes a cair e então a
mão que estava em meu rosto desce até o meio da minha coluna,
me fixando contra o corpo grande e forte. Ele me empurra enquanto
me beija e eu acabo encostando na bancada da pia – eu acho –.
Tenho a certeza quando ele ergue meu corpo de uma forma tão fácil
e me senta ali.
É como se ele conhecesse todo o espaço que temos para nós
pelos próximos minutos.
Todos os pelos do meu corpo se eriçam, pois ele para de me
beijar e agarrando meus cabelos, puxa minha cabeça e volta a beijar
meu pescoço. A mão que me agarrava nas costas agora agarra a
minha coxa e merda, odeio ter que pensar isso, mas eu queria muito
que a mão dele me apertasse em outro canto.
Seus lábios descem até minha clavícula e ele me beija bem
mais ali, meus dedos descem de seus ombros, as unhas feitas
recentemente arranham seu peito, contudo, ele não reclama, pois o
gemido gutural que ele deixa escapar de sua boca parece me dar a
permissão para continuar. Assim como quando ele sobe a mão em
minha coxa, chegando à fenda que há na minha saia e eu respiro,
implorando para que sim.
E quanto mais ele se aproxima de onde eu quero que ele me
possua, eu finalmente consigo assumir que desde o instante em que
nossos corpos se esbarraram, estranhamente, ou não, eu senti como
se ele fosse Alexander, e ao sentir a ereção dura contra minha
perna, é como se isso emanasse uma certeza da pessoa que eu
tenho em minhas mãos.
Pode ser que eu esteja completamente errada quanto a isso,
e talvez seja um cara qualquer, até mesmo um dos garotos
introvertidos do T.I., mas pensar que os lábios de Alexander estão
percorrendo a minha pele, parece, por mais bizarro que seja admitir
isso, certo. Pode ser também que tudo seja culpa da bebida que eu
ingeri, mas que se foda. E daí se for o Alexander ou não?
A única certeza que tenho é que nunca mais eu vou pegar
esse cara na minha vida, e que esse é de longe, o melhor beijo que
já tive com todos os caras que beijei antes. Até mesmo o próprio
Alexander, o que é estranho eu dizer isso depois de imaginar que
seja ele que está aqui neste momento.
— O tempo aca... — uma das meninas que estão organizando
diz, mas pausa.
— Ai meu Deus! — outra exclama.
É só então que finalmente nos desgrudamos e sinto que ele
se afasta, contudo, ele pega a minha mão, me ajudando a descer e
me estabilizando no chão quando fico de pé outra vez.
Sorrio, abrindo a boca para agradecer e sentindo a pele do
meu rosto esquentar, entretanto, tão logo lembro que uma das
regras é não falar, portanto, me calo e começo a tatear o espaço à
procura da saída.
E espero de verdade estar saindo pela mesma porta em que
entrei, mas antes que a porta atrás de mim se feche, eu ouço uma
reclamação vindo de uma das organizadoras:
— Por que sua máscara estava no chão? — Ela parece estar
com raiva.
Então quer dizer que ele estava sabendo com quem estava
todo esse tempo? Subo minha mão, a fim de tirar o pano que cobre
meu rosto, contudo, sou repreendida ao levar um tapa.
Tudo o que queria mesmo é saber quem foi que estava
comigo, quem sabe ter ao menos uma certeza disso, afinal ele
provavelmente sabia, visto que sua venda não estava em sua
cabeça, mas infelizmente não consigo.
— Quem era? — eu pergunto, realmente curiosa enquanto
sou levada, ainda sem minha visão até a saída do quarto.
— Não vou te falar, Charlie, vai contra as regras.
— Por favor — peço, demonstrando o meu desespero.
— Você se divertiu, hum?
Sarah, uma das meninas que participa da comissão da
fraternidade, provoca. Se eu não estivesse vendada, ela veria o
grande revirar de olhos que acabei de dar. Ela tira minha venda e eu
começo a piscar, tentando me acostumar com a luz quando ela abre
a porta para mim.
Antes de fechar, ela se aproxima do meu ouvido e sussurra:
— Mesmo não podendo te dizer quem foi, devo assumir que
você é uma garota de muita sorte, Charlotte Cameron.
Eu me viro para ela para insistir mais uma vez, contudo, Sarah
acaba fechando a porta na minha cara e minha única opção agora é
soltar uma lufada de ar, frustrada.
— Parece que você acaba de sair de uma briga, patinho feio.
— Sou pega de surpresa pela voz de Alexander, logo atrás de mim.
Giro os pés, me virando para ele, que está encostado na
parede do outro lado do corredor, e mesmo que eu tenha acabado
de imaginar que fiquei com ele, a irritação começa a tomar conta de
mim. Enquanto isso dou uma boa olhada nele, seus cabelos estão
mais bagunçados que antes, a asa de anjo parece estar quebrada,
os lábios estão vermelhos e inchados. Será que era ele mesmo?
Um sorriso sobe pelos cantos dos meus lábios e eu dou um
passo para frente, fitando seus olhos dourados.
— Nem nos seus melhores sonhos você seria capaz de fazer o
que acabou de acontecer lá dentro — digo. — Então se considera
isso briga, que seja. — Dou de ombros.
— Então quer dizer que você realmente beijou alguém lá
dentro? — ele pergunta interessado.
Não, de maneira alguma não era ele. Constato por fim.
Anuo ao balançar a cabeça.
— Interessante — ele diz me encarando. — Foi bom?
— O que isso te interessa? — devolvo.
— Não interessa — ele afirma, inclinando a cabeça
ligeiramente para o lado.
Presto atenção mais uma vez no seu corpo e tento encontrar
qualquer resquício de arranhões por ele, contudo, a camisa dele está
fechada. Então não, por mais que eu tenha o imaginado, não era
ele.
— Te interessando ou não, sinto que devo lhe informar que de
longe foi melhor que o seu.
Ele me olha, sorrindo de canto ao passar a ponta da língua
entre os lábios inchados.
— Foi mesmo? — pergunta ao manter o contato visual, e mais
uma vez eu balanço a cabeça afirmando, sentindo um arrepio
percorrer meu corpo.
Puta merda, mesmo tendo a certeza que é ele, eu sinto como
se os seus olhos perfurassem minha pele, e fosse ele lá dentro
durante aqueles dez minutos mágicos. Mas eu não posso deixar isso
transparecer, o máximo que ele pode saber é que foi, sem dúvida
alguma, melhor do que qualquer coisa que ele pudesse me
proporcionar.
— Mesmo não sabendo quem foi, ele com certeza sabe fazer
as coisas bem melhor que você.
Alexander me olha por mais alguns segundos, mas quando
um sorriso começa a subir nos cantos da sua boca, ele os fecha em
uma linha fina e quebra o nosso contato visual olhando para cima.
Não consigo definir se ele está querendo controlar sua raiva
ou rir, quando ele fecha os olhos com força e passa a mão na testa.
Mas tão logo ele volta a olhar para mim e muda de assunto.
— Você sabe dizer que o Bellamy está perto?
— Por que eu saberia?
— Porque ele entrou nesse quarto também, e estou há mais
de uma hora esperando por ele.
— Você não acha que o Bell é grandinho demais para você
ficar vigiando o momento em que ele vai sair lá de dentro? —
pergunto.
— Acredite, ele não é.
— E por isso você está esperando ele há quase duas horas
aqui? — questiono, desconfiada, e ele concorda, mesmo que sua
aparência diga totalmente ao contrário. — Alguém te atacou
enquanto você o espera?
— Talvez sim. — Ele dá de ombros.
— Coragem de quem fez isso.
— Enorme.
Por que ele não está devolvendo a provocação?
Decido não me prolongar no assunto, uma vez que Alexander
está totalmente estranho, noto que seus olhos vagueiam por meu
corpo, começando dos meus pés e indo até a cabeça. Cruzo os
braços e levanto a sobrancelha, o encarando.
Ele aperta os lábios e se mantém calado. O nosso contato
visual se prolonga por mais algum tempo, até que eu vejo Zach no
corredor, saindo da porta do outro lado. Meus olhos disparam para
ele e posso jurar que estou com os olhos arregalados.
Com certeza o cara que peguei não era o Zach, mas se ele
acaba de sair lá de dentro, isso significa que poderia ter sido ele se
eu tivesse ficado um pouco atrás. Ele pisca os olhos e depois de um
tempo se vira na minha direção e de Alexander. Eu sorrio para ele,
acenando com a mão, ele devolve o gesto, mas não como fazia
antes que era todo cheio de sorrisos, pois quando vê que estou
próxima a Alexander, ele se apressa ao passar por nós dois e nos
ignorar totalmente.
— Isso foi estranho — comento.
— Não mais do que isso. — Alexander aponta para o que está
atrás de mim.
Eu viro a cabeça rapidamente e vejo Anna sair de dentro do
quarto.
— Nem fodendo — murmuro.
Ela ignora totalmente nossa presença e corre pelo corredor,
indo em direção às escadas do segundo andar, onde fica o seu
quarto. Não faço a mínima ideia do que acaba de acontecer entre
eles dois lá dentro, se foi tão bom quanto o meu, mas algo a deixou
desnorteada ao ponto dela sequer se importar com nossa presença e
não comentar sobre.
E só agora me toco que se acabamos de ver os dois saindo
dos quartos, e acabo de constatar que Zach e Anna foram um dos
casais, isso significa que Alexander com certeza viu quem foi meu
par, visto que ele está aqui fora desde que a brincadeira começou.
Me viro para ele, que também se vira para mim, e como se
lesse a minha mente, ele diz:
— Não vou te dizer.
— Então você viu?
— Não sei. — Ele dá de ombros.
— Você viu — constato.
— Não vi nada. — Ele se desencosta da parede e começa a
andar, eu o sigo.
— Quem foi?
— Não sei.
— Você sabe — insisto.
— Não sei de nada.
Nós começamos a descer as escadas.
— Se você me disser quem foi, eu te devolvo seu carro.
Ele ri.
— Você está dizendo isso só porque eu consertei o seu e
agora ele funciona como um carro de verdade, mesmo sendo uma
lata velha.
— Não fala assim dele — o repreendo. — O que você quer
para me dizer quem foi?
Ele se vira quando estamos no meio da escada e eu paro
bruscamente, quase caindo por cima de Alexander.
— Para você saber quem foi e fugir do cara por duas semanas
por conta de um beijo idiota?
— Beijo idiota foi o seu — respondo de imediato. — Aquilo lá
foi tudo menos um beijo idi...
— Sério que você está tão desesperada por sexo assim,
patinho feio? — ele me interrompe, parecendo estar com raiva.
Mas não é a raiva habitual de Alexander, o tom é parecido,
contudo, a forma como ele me olha é estranhamente diferente das
vezes em que entramos em discussões.
— Se eu estou ou não desesperada, não é da sua conta. Eu
só quero saber quem foi.
— Com que intenção?
Rolo os olhos para cima enquanto penso em uma resposta,
uma vez que eu não vou dizer a ele que é sim com segundas
intenções. Já basta tudo o que ele sabe sobre mim.
— Ou você vai fugir dele ou vai correr atrás dele — ele
constata quando eu não o respondo, se virando e voltando a descer
as escadas.
— Eu não vou — digo, o seguindo. — Você que parece estar
se divertindo e se aproveitando da minha vulnerabilidade, podendo
dizer de uma vez por todas.
Quando chegamos na sala, ele para outra vez e se vira para
mim.
— Se eu quisesse me aproveitar de você, te diria que fui eu e
você acreditaria.
— Mas não foi você — digo o que é óbvio.
— Como você pode ter certeza? — provoca.
— Não tenho, mas sei que não foi, e você está apenas
jogando comigo porque você gosta de me ver assim.
— Assim como?
— Precisando de você para algo.
Alexander solta um riso rouco, em desdém.
— Tudo bem, então. — Ele fica ao meu lado e aponta para um
calouro, que é alto, contudo, nada forte, o rosto dele coberto por
acne e os dentes cobertos pelo metal do aparelho quando ele sorri.
— Se eu te dissesse que foi ele, você acreditaria.
Meu nariz se franze em uma careta.
— Não.
— Mas foi ele — ele diz, com uma certeza.
— Não foi — discordo de prontidão.
— Se eu te digo que fui eu você não confia em mim, e se digo
que foi um cara qualquer você também não confia. Ou seja, em um
contexto geral, você não confia em mim.
Viro a cabeça para encará-lo, mordendo o interior da
bochecha e ponderando o que ele acaba de dizer.
— Tem razão, eu não confio em você — digo por fim.
— Eu sempre tenho razão. — Sorri.
Estava demorando para isso acontecer, mas eu acabo
mostrando o dedo do meio para ele e começo a andar, dando as
costas para ele, mas não sem antes dizer:
— Vai à merda, Alexander.
Avisto Daniel, que está no bar juntamente com Ariel – e podia
até ser irônico, visto que ela tem cabelos vermelhos iguais aos da
sereia –, eles estão se conhecendo há um tempo e essa é a primeira
festa que os dois vem juntos.
Antes mesmo que eu possa me aproximar deles, Daniel abre
um sorriso para mim, me oferecendo um shot de alguma bebida
vermelha. Eu tomo o copinho da mão dele e entorno-o na boca.
— Isso é estranhamente bom — comento, sentindo as notas
de cereja e morango enquanto o álcool me queima por dentro. —
Mais um, por favor — peço ao responsável pelo bar.
— E então? Aconteceu? — Daniel pergunta animado, pegando
Ariel pela cintura. Ela cobre os lábios com o copo vermelho que tem
em mãos, tentando esconder o sorriso.
— Aconteceu.
— E como foi?
Jogo os ombros para cima quando o barman me entrega a
outra dose que pedi e bebo tudo de uma vez de novo.
— Normal — minto, sentindo todo meu corpo se arrepiar.
É como se as mãos do desconhecido ainda estivessem em
mim, me causando uma sensação de preciso de mais, contudo, eu
não sei quem é e com certeza Alexander não irá me contar.
Tampouco as meninas que estavam organizando, e por mais que eu
tenha me livrado da venda, continuo totalmente no escuro quanto a
isso.
— Então, por que seu cabelo está todo bagunçado, boca
inchada e o rosto ficou vermelho?
— Culpa do álcool. — Aponto para o copinho, entregando
novamente ao barman que tão logo me serve outra dose.
— Não acha melhor ir com calma? — Ariel pergunta.
— Isso é realmente bom, você já experimentou? — devolvo e
ela ri antes que eu tome a bebida de novo.
Daniel continua me encarando como se eu estivesse
escondendo algo dele, e realmente estou, mas não vou contar para
o último cara que eu transei – por mais que tenhamos intimidade o
suficiente para isso –, que eu estou literalmente piscando e doida
para descobrir quem foi que me deixou assim.
Minha vista embaça quando eu viro a cabeça de repente, me
livrando da curiosidade de Daniel, meus olhos procurando por
qualquer cara alto e forte que esteja com a camisa aberta, pois eu
tenho certeza que eu deixei bons arranhões em seu corpo durante
aqueles dez minutos mágicos.
Porém, sempre que eu procuro qualquer pessoa que tenha no
mínimo a mesma aparência que eu imagino que ele tenha, meus
olhos acabam encontrando Alexander por repetidas vezes.
Na última, ele parece até mesmo sentir que eu estou de olho
nele e quando me fita, há alguma neblina na forma como ele me
olha, não consigo descobrir com certeza o que é, mas quando vejo
Shantal descer as escadas pego a última dose que pedi, e tomo. No
momento em que ela se aproxima, eu a pego pela mão.
— Eu preciso de água — ela diz.
— E eu preciso dançar para liberar o meu fogo — respondo.
Ela levanta o dedo e pega uma garrafinha de água com a mão
livre no bar, abre a tampinha com a boca e bebe todo o líquido, e só
então nós duas vamos até o centro da sala, onde um pequeno
espaço foi improvisado como pista de dança. Daniel e Ariel também
se aproximam de nós duas quando começamos a dançar.
É como se eu me sentisse livre do meu medo, da minha
condição, em tanto tempo. Não que eu não costume dançar, eu faço
isso, mas mais quando estou sozinha no meu quarto ou quando faço
as coreografias das apresentações fora do gelo, ou banheiro quando
a música toca na caixinha de som. Essa também não é a primeira
vez que eu danço em uma festa, mas é a primeira onde eu não me
sinto constrangida pelas pessoas em volta, com receio de que elas
irão esbarrar em mim ou me tocar.
Por isso acabo me soltando, eu poderia pôr a culpa no álcool,
ou no encontro às cegas, a verdade é que pouco me interessa o
culpado por essa liberdade momentânea que eu sinto.
Daniel sequer pede, ou eu chego a me afastar dele quando
ele pega a minha mão e me gira, enquanto ele tem Ariel em um
agarre enquanto os dois dançam. Minha cabeça gira e novamente eu
encontro os olhos de Alexander, que parecem ser tão escuros, ele
está olhando diretamente para mim e um arrepio percorre minha
espinha, e tão logo me volto para Shantal, que ri enquanto nós duas
nos movimentamos indo até o chão.
Nós trocamos um olhar e ela me solta uma piscadela antes de
falar algo, contudo, a música está alta demais e eu não consigo
entender o que ela acaba de dizer, por isso ela acaba se
aproximando do meu ouvido.
— Então as coisas com o Zach foram boas? — ela pergunta.
Me afasto, estreitando os olhos, confusa.
— Que coisas com o Zach? — devolvo.
— Você e ele no encontro às cegas — explica.
Minha cabeça se move rapidamente negando.
— Eu não fiquei com o Zach — digo, tendo a certeza disso.
Shantal bate com a mão na testa, revirando os olhos.
— Ok, desculpa. — Ela volta a falar no meu ouvido. — Não
quisemos te contar para não te assustar, mas as meninas e eu
organizamos para que acontecesse entre você e o Zach. — Ela se
afasta. — Surpresa! — exclama, balançando os dedos com um
sorriso tenso em seu rosto.
Nego novamente, por mais que não queira acreditar que elas
realmente tentaram fazer isso comigo, eu tenho a certeza que o meu
par não foi o Zach. Ajusto a asa quando sinto que está querendo
escorregar do meu ombro.
— Eu não fiquei com o Zach — repito.
— Ficou... — ela hesita. — Ou você desistiu da brincadeira? —
Ela me lança o olhar julgador, o mesmo que fez durante toda
semana enquanto tentava me convencer a participar do plano
maluco dela.
— Eu não desisti, eu fiquei com alguém, mas com certeza não
foi ele.
— Claro que foi — ela insiste.
— Não foi — digo por fim. — Eu estava no corredor há um
tempo quando ele saiu, e quem saiu do outro quarto quase no
mesmo segundo que ele foi a Anna — explico.
Shantal se afasta, os olhos arregalados e a boca aberta.
— Impossível! — ela se nega. — Tudo estava armado para ser
você e ele.
— Ou eu fiquei com um desconhecido, ou ele participou da
brincadeira duas vezes, ou ele saiu bem depois de mim — digo,
zerando o estoque de suposições, sentindo as palavras embolarem
na minha boca, que a cubro sentindo que estou prestes a soltar um
arroto. — A única certeza que tenho é que deixei bons arranhões no
peito de quem eu fiquei.
Acho que finalmente o álcool está fazendo efeito e me
deixando realmente bêbada, ao invés de apenas tonta.
Minha amiga me olha, há um brilho em seus olhos, é como se
algo houvesse despertado nela. Seus olhos saem de mim e rodeiam
o ambiente, um sorrisinho escapa de seus lábios quando ela me
pega pela mão e começa a me puxar por entre as pessoas.
No início eu não entendo qual o seu propósito, até o
momento em que paramos em frente ao time de hóquei que está
em um canto da sala.
— Ei, Zach — Shantal o chama e ele se aproxima. —
Precisamos apenas verificar uma coisa, e para isso você tem que
tirar sua camisa — ela diz de uma vez.
— Não entendi — ele olha de mim para Shantal, confuso.
— A camisa. — Ela aponta. — Tirar. — Faz gestos de tirar a
roupa.
— Por quê? — Ele permanece inerte a situação.
— Porque ela quer provar alguma coisa — digo e posso jurar
que as palavras saíram lentas demais da minha boca, que cubro
outra vez.
Por mais que Zach esteja passivo ao que Shantal queira
provar, ele entrega o copo que tem em mão a ele e começa a
desabotoar a camisa. Minha boca se abre aos poucos e sinto meus
olhos arregalarem à medida que ele vai mostrando parte da sua
pele, e meu coração parece congelar.
A surpresa percorrendo todo o meu corpo, e principalmente
meu estômago, que embrulha ao ver todo o abdômen de Zach
arranhado, e mesmo com o choque eu tenho a plena certeza de que
não foi ele.
Me viro para Shantal para dizer isso, mas parece que o
movimento foi rápido demais quando tudo ao meu redor gira, e
minha vista escurece.
— Está tudo bem? — Ouço a voz de Zach, e há uma mão em
minha cintura.
Abro os olhos devagar, piscando rapidamente para voltar a me
acostumar à pouca luz que há no local. Meus olhos vão de encontro
ao toque na minha cintura e imediatamente meu coração parece
despencar.
Ok, talvez aquela sensação de liberdade tenha passado. Eu
pulo, me afastando, tentando me livrar do toque de Zach.
Agora não sei se é ansiedade tomando conta de mim, ou o
alto teor de álcool percorrendo no meu sangue. Eu tento avisar que
eu vou apagar de novo enquanto me desespero tentando me livrar
do toque de Zach, há vozes e uma discussão rolando ao fundo e eu
tento chamar por alguém antes que tudo escureça outra vez.
Mas eu simplesmente, simplesmente não quero te deixar
Talvez eu simplesmente dispense as razões
Por que nós dois não podemos deitar aqui
E segredo, segredo, temos os dois que guardar
Honestamente, honestamente, isso é um jogo
FOR TONIGHT | GIVEON

O rosto da Charlotte está pálido e os olhos reviram-se quando


Zach pergunta alguma coisa e agarra sua cintura.
Meu sangue esquenta no mesmo instante, estou há apenas
alguns passos de distância deles dois e Shantal, que olha
preocupada para amiga, que agora abre os olhos, piscando várias
vezes. Ela desce o olhar encontrando o toque de Zach e é então que
eu vejo o desespero no seu olhar.
Não apenas isso, seus dedos tremem enquanto ela pula,
tentando se livrar do toque de Zach. Visto de fora pode parecer que
ela esteja pedindo a ajuda dele, mas está longe disso.
— Solta ela — mando ao me aproximar em apenas dois
passos.
Zach me olha, a semana inteira ele está furioso comigo, mas
dessa vez quando nossos olhares se encontram há uma ira nele, tão
grande quanto a minha.
— Por que eu faria isso? — ele pergunta e noto que o agarre
dele aumenta quando ele passa o braço pela curva da cintura dela,
que está com o corpo mole, ainda lutando para manter os olhos
abertos.
— Você não está vendo que a garota está passando mal
justamente por isso? — pergunto.
— Eu a peguei porque ela começou a passar mal, não se
mete aqui, Harrison.
Minha mão se levanta, encontrando a minha têmpora, que eu
coço, perdendo a paciência de vez. Respiro fundo ao olhar para
Charlotte, ela ainda está tremendo e a dor do seu rosto sumiu
completamente.
— Solta ela, cara — Evan se mete. — Ela não está bem.
— Eles têm razão, Zach. — É a vez de Shantal. — Solta — ela
pede de uma forma mais paciente, contudo, o idiota continua com o
braço ao redor dela.
Aponto para Zach, tentando ao máximo controlar minha raiva
no momento.
— Ou você a solta ou eu...
— Ou você o que? — ele me interrompe.
É só então que eu olho para Charlotte novamente, seus lábios
estão pálidos e entreabertos, seus olhos focam em mim, mas tão
rapidamente eles se fecham ao se revirar.
— Alex... — Posso jurar que ouvi meu nome sair da sua boca,
fraco, mas ainda assim meu nome.
Isso é o suficiente para que eu entre no meio deles dois e
empurre Zach, pegando-a em meu colo antes que seu corpo ceda no
chão, pois Charlotte acaba de desmaiar. Ouço Shantal gritar alguma
coisa, mas não presto muita atenção quando um braço meu se apoia
nas costas de Charlotte e o outro entra detrás de suas pernas,
erguendo seu corpo, a fim de que ela não caia no chão.
Tudo acontece muito rápido, em um segundo eu estou
afastando Zach dela e no próximo estou passando com ela por entre
as pessoas da festa em meus braços.
— O que aconteceu? — Daniel pergunta quando passo por
ele.
— Não é óbvio?! — respondo retoricamente. — Onde é o
quarto dela? — pergunto a amiga dela que me segue.
— Segundo andar, terceira porta à direita.
Com Charlotte ainda em meus braços, passo a subir as
escadas correndo, enquanto peço a Shantal para buscar água e
alguma coisa doce. Não sei se ela concorda, pois não me importo de
olhar para trás, mas sei que ela se afasta de mim.
Ao chegar no primeiro andar, sinto a mão de Charlotte
encontrar meu peito.
— Alex? — ela pergunta vacilante, acordando.
— Sou eu — respondo, subindo as escadas de novo até o
segundo andar.
A olho, porém, ela volta a fechar os olhos, apenas suspirando.
Foi apenas um desmaio rápido, mas ainda assim ela apagou por
alguns segundos e ainda parece fraca. Um alívio dispara em mim
quando chegamos a porta que Shantal havia indicado e com ela
ainda em meus braços, faço um esforço para abrir a porta e com um
chute, a fecho.
Por sorte há um abajur na escrivaninha ligado, caso contrário
eu tropeçaria em toda a bagunça que há no chão no quarto,
enquanto a levo até a cama.
Ao colocá-la na cama, me livro das asas que ainda estão
presas a sua roupa, e também dos saltos em seus pés. Charlotte
murmura algo que eu não faço a mínima ideia do que significa e
olho ao redor do quarto dela, procurando por qualquer coisa doce,
porém Shantal entra no quarto carregando várias garrafas de água
em um braço e barras de chocolate na outra mão.
— Como ela está? — pergunta, largando tudo em cima da
cama.
— Tonta, eu acho — digo, pegando um dos chocolates e
abrindo. — Nem reclamou que eu estava carregando-a.
Shantal sobe os olhos, me encarando surpresa.
— Estranho — comenta e eu concordo.
Me aproximo de Charlotte novamente e coloco a ponta do
doce em seus lábios, mas ela bate na minha mão.
— Não toca em mim — ela reclama.
— Parece que voltamos à programação normal — afirmo. —
Sua glicose está baixa, provavelmente, você precisa comer isso aqui
— digo, ainda com o chocolate em seus lábios.
Charlotte abre os lábios minimamente e eu aproveito para
empurrar o chocolate, já ela, que parece estar bem mais esperta,
acaba mordendo a ponta dos meus dedos. Solto um xingamento,
afastando minha mão, Shantal se senta ao lado do corpo mole de
Charlotte, tirando o cabelo dela da frente do rosto, enquanto oferece
outro pedaço de chocolate.
Que por sinal ela aceita sem reclamar e sem morder. Ela pode
estar um pouco tonta e fraca, porém, Charlotte voltou ao seu estado
normal.
— Eu acho que vou vomitar. — Ela tenta erguer o corpo
enquanto mastiga o último pedaço de chocolate.
— Não posso ver isso. — Shantal se levanta, já se afastando
da amiga.
— É sério? — pergunto, vendo que ela está prestes a me
deixar sozinho quando Charlotte faz um barulho de vômito.
Ela tenta se levantar, e quando não consegue, grunhindo
novamente, eu a ajudo, pegando-a nos braços novamente e
caminhando com ela ao meu lado até o banheiro. No mesmo
instante em que chegamos e eu abro a tampa do vaso, ela se
ajoelha ao se debruçar contra a louça.
No mesmo momento em que Charlotte vomita, Shantal faz um
barulho de nojo no quarto, ao virar o rosto vejo o vulto dela
correndo e em seguida batendo a porta.
Charlotte continua vomitando e eu tento segurar minha
respiração ao sentir o odor ácido e amargo do que ela coloca para
fora. Ao ver seu cabelo ainda solto e prestes a entrar no vaso
juntamente ao vômito dela, eu me aproximo, pegando os fios em
punho e levantando em coque alto.
— Isso é nojento — murmuro ao ver o líquido verde que ela
coloca para fora.
— Vai à mer... — Ela não consegue terminar sua típica frase
ao colocar mais coisa para fora.
Por mais alguns minutos eu continuo fazendo de tudo para
não respirar enquanto ela permanece debruçada no vaso. Avisto um
prendedor de cabelo na pia e o pego, começo a dar voltas no cabelo
dela, não fazendo a mínima ideia do que se estou fazendo é certo,
mas prendo os fios de toda forma.
Ela sobe o braço, dando descarga em tudo o que acabou de
expelir, e fecha a tampa do vaso. Me afasto, voltando para o quarto
e pegando a garrafa com água, e abrindo-a antes de voltar ao
banheiro e entregá-la.
— Toma isso. — Estendo para ela.
Sua cabeça está encostada na tampa do vaso, ela abre
minimamente os olhos apenas para pegar a água que estou lhe
oferecendo e quando a tem, sobe a cabeça e começa a tomar todo o
líquido.
Quando acaba, Charlotte ainda está aparentemente fraca,
mas seu olhar afiado me encontra, enquanto eu permaneço em pé,
ao lado da soleira da porta.
— Por que você está aqui? — ela pergunta.
— Porque quando você estava prestes a apagar, me chamou.
— Não me lembro disso. — Ela se recosta na parede do
banheiro.
— Bom, eu me lembro — ressalto ao franzir o cenho. —
Alex... — imito a voz dela.
Charlotte começa a engatinhar no chão do banheiro, vindo em
minha direção, ela está literalmente de quatro, me encarando. Isso
poderia ser minimamente sensual, se eu não soubesse quão fraca
ela está e o tanto que ela acabou de vomitar também.
Ela sobe a mão e mostra o dedo do meio, com um sorriso
forçado em seus lábios antes de fechar a porta na minha cara.
Dou um passo para trás, evitando que a porta bata em mim,
e só então me toco que ainda estou usando as asas, então me livro
delas enquanto ouço os barulhos vindos do banheiro de água
correndo, indicando que ela acaba de ligar uma torneira ou o
chuveiro.
Enquanto os minutos passam, eu me sento na ponta da cama
e mando mensagem para Evan e também Shantal, que abandonou
ela comigo devido ao vômito, notificando que está tudo bem, porém,
antes que eu volte a bloquear o celular, chega uma mensagem de
Daniel.

Daniel:
Ela está bem?
Precisa de algo?
Alex:
Ela precisava que vc não tivesse a embebedado em primeiro lugar
E sim, ela está bem e não precisa de nada de vc, já que vc fez o suficiente

Depois que descemos após o encontro às cegas, Charlotte foi


ao encontro do Daniel e eu vi o momento em que ele ofereceu uma
bebida dela, e a partir dali ela tomou mais umas quatro doses.
Portanto sim, se ela passou mal, ele tem culpa.
Não posso esquecer de James, que também fez o drink que
ela tomou no início da noite que estava forte para um caralho, e
Zach por se aproveitar da situação em que ela estava vulnerável,
piorando tudo de uma vez só.
Sobre o encontro às cegas, eu preciso assumir que beijá-la da
forma como aconteceu, foi surpreendentemente algo fora do normal.
Contudo, eu ainda não sei se foi bom ou ruim. A única certeza que
tenho é que preciso de mais, e que aqueles dez minutos foram
poucos.
No momento em que a vi sair do quarto, totalmente confusa e
curiosa, quis agarrá-la ali mesmo e dizer “fui eu, surpresa”, mas aí
eu levaria outro tapa na cara muito provavelmente e merecido,
talvez. Então me abstive quanto a isso, embora o pensamento de
revelar passasse pela minha cabeça mais vezes enquanto ela dizia
que o meu beijo, foi melhor do que o meu beijo, se é que dá para
entender.
A vontade me veio mais uma vez e eu acabei deixando
escapar quando ela perguntou, mas é óbvio que ela não acreditou, e
aquilo foi como uma facada diretamente no meu peito, quando ela
tão rapidamente negou dizendo que não era. E eu não faço a
mínima ideia porque me senti assim, não é como se eu quisesse
provar algo para mim, é mais a necessidade de provar algo para ela.
— Você ainda está aí? — A pergunta vem quando a água é
desligada.
Talvez por isso eu ainda esteja aqui, enquanto ela permanece
no banheiro. E mesmo que eu não consiga encaixar todas as peças
do que realmente está acontecendo, ainda assim, no momento em
que ela me chama de dentro do banheiro, ao invés de ir embora, eu
respondo.
— Sim, estou aqui.
— Debaixo dos travesseiros tem uma roupa, você pode pegar,
por favor?
— Sério que você sabe falar por favor? — provoco.
— Anda logo! — Ela realmente voltou a todos os seus
sentidos.
Faço o que ela pediu após me levantar, mas me surpreendo
ao pegar a tal roupa que ela pediu. Encaro a peça em minhas mãos,
um tanto quanto perplexo, sentindo um vinco se projetar entre
minhas sobrancelhas e caminho de volta até o banheiro.
Engulo em seco, ainda chocado, e bato na porta, que
rapidamente é aberta apenas um frecha e rouba o que havia pedido
da minha mão.
Poucos minutos depois Charlotte está do lado de fora, os
cabelos presos em uma toalha no topo da cabeça, e ela veste
apenas um moletom que cobre seu corpo até o meio das coxas. Mais
especificamente, o meu moletom. A confusão ainda deve estar
explícita em meu rosto quando eu permaneço encarando-a.
— Você pode ir embora já — ela diz afiada.
— Por que você está dormindo com meu moletom? — eu
pergunto.
— Eu não estou — ela nega rápido e eu aponto para a peça
que ela veste.
— Eu conheço minhas roupas, inclusive a que você nunca
devolveu.
— E nem vou. — Ela ergue o queixo, atrevida. — É mais
confortável do que os meus, talvez seja o tamanho. Agora pode ir
embora — repete.
Maneio a cabeça para o lado, ainda avaliando a situação, que
é estranhamente satisfatório saber que ela usa algo meu e que nem
mesmo tem a intenção de devolver.
— Por que você está sorrindo?
— Eu não estou — digo, mesmo tendo a noção de que os
cantos da minha boca estão erguidos.
Ela cerra os olhos, franzindo o cenho.
— Você é tão estranho, Harrison — ela diz, me empurrando
até a porta do quarto.
— E você é selvagem — Analiso, enquanto ela permanecesse
na tentativa de me expulsar.
Mesmo sabendo que esse está longe de ser o momento certo,
eu não consigo me controlar, pois ver ela vestindo minha roupa me
instiga ao ponto de eu perder total a noção do perigo.
— Eu te mandei ir embora e se você não vai por bem, que
seja por mal, então. — Ela me empurra outra vez e eu acabo
batendo com as costas na porta.
Rio, percebendo que ela não entendeu a minha deixa.
— Por que você acha que eu estava do lado de fora quando
você saiu do encontro? — questiono, o sorriso nunca abandonando
meu rosto.
— Sei lá, porque você é um pervertido? — devolve, ao dar de
ombros. Eu nego. — Você mesmo disse que estava à espera do
Bellamy — ela conclui, perdendo a paciência, e eu sorrio mais ainda.
— Sério, o que você quer aqui ainda? — Cruza os braços sobre o
peito.
— Pense — peço. — O plano era ninguém saber com quem
estava ficando, mas você viu que não funcionou muito bem quando
o Zach saiu e pouco tempo depois a Anna... — instigo um pouco
mais.
Sua feição se fecha, ela cerra os olhos olhando de um lado
para o outro, então ela nega, soltando um risinho nasalado.
— Não foi você — conclui, mesmo que a perplexidade esteja
explícita em seu rosto. — Quer dizer, não pode ter sido você... —
hesita e eu mordo o lábio inferior, apenas deixando que ela conclua
por si só. — Eu pensei que sim quando saí, mas não faria sentido.
Eu também te perguntei e você não disse...
— Eu disse que não ia contar — interrompo. — Porque o
propósito era ninguém saber com quem estava, mas eu acabei
sabendo. — Levanto os ombros. — E se bem me lembro, eu te disse
que fui quando você me acusou de me aproveitar de você —
relembro. — E mesmo assim você não acreditou.
— Porque você está mentindo — ela responde rápido de novo.
Para provar o meu ponto, passo a desabotoar minha camisa,
assim como estava no início da noite, então a tiro, ficando apenas de
calça. Levanto a sobrancelha e pergunto:
— Estou? — Ela se cala, olhando para os arranhões que
deixou em meu peito em pleno choque. — Se eu me recordo bem,
foi você quem fez isso.
Ela demora alguns segundos, ainda com os olhos fixos em
mim, enquanto nega com a cabeça. Até que sobe o olhar e me
encara.
— Você estava sem a venda?
— Talvez. — Dou de ombros.
— E mesmo sabendo que era eu, você continuou? — analisa,
fria e calculista.
— Talvez.
— Essa é a segunda vez que você se aproveita de mim,
Harrison.
— Não entendi. — Meu sorriso morre.
— Primeiro você me beija do nada, com a desculpa que seria
para me calar.
— Você retribuiu — falo, mas ela não se importa quando
continua.
— Então você tira a venda durante o encontro às cegas, e
vendo que era eu ao invés de se afastar, você continua.
— A venda caiu — minto. — Ou talvez eu só não goste de
seguir as regras mesmo.
Ela solta uma risada blasé.
— Sabe o que também vai cair? — pergunta, dando um passo
em minha direção, nossos olhares nunca se abandonando.
— O quê?
— Suas chances de ser pai um dia.
Não tenho tempo de me preparar quando ela levanta o joelho
e me atinge entre as pernas. Tento respirar fundo ao me curvar,
sentindo a dor fina que sobe no pé da barriga, mas não consigo
entender nem mesmo meus pensamentos nesse momento, dirá
conseguir tomar um pouco de ar decente.
— Vai embora! — grita.
Estou gemendo de dor, e nem consigo me mexer. Fazia tempo
que não recebia uma dessas de Charlotte, muito tempo mesmo, nem
lembrava mais como era a dor, mas quando ela me invade, a raiva
volta também, e porra, isso dói. Contudo, a satisfação de ver ela
toda irada vestindo minha roupa ainda é maior que a dor, tanto que
eu calculo o tempo que a dor vai embora e eu poderei fantasiá-la
exatamente assim.
— Sabe, Charlotte — começo, quando consigo um pouco de
ar. — Você realmente precisa transar. — A raiva em seus olhos
aumenta e por isso eu abro a porta atrás de mim e dou um passo
para trás, segurando a maçaneta como uma forma de proteção em
caso dela querer me atacar após minha próxima fala. — Então ao
invés de correr atrás de qualquer outro atleta, você poderia me ligar.
Ela começa a se aproximar de mim em passos pequenos.
— O. Que. Você. Quer. Dizer? — pergunta pausadamente.
Dou de ombros.
— Estou te propondo um novo jogo entre nós dois, um trato,
um acordo. Um jogo com benefícios — proponho, ainda sentindo a
dor fina circular em meu sangue.
Charlotte para de andar, ficando frente a frente comigo, ergue
o queixo.
— Você só pode estar de brincadeira. — Ela ri, ironicamente.
Nego com a cabeça, tentando transparecer o mais sério
possível.
— Não? — ela pergunta, deixando que o riso vá embora.
— Não.
— Eu e você? — Ela aponta o dedo entre nós dois.
Anuo.
— Transando? — Ela cerra os olhos.
Balanço a cabeça de um lado para o outro.
— Tipo isso.
— Eu quem bebi demais, mas você enlouqueceu — conclui.
— Você estava lá, assim como eu, e você sabe que aquilo foi
moderadamente… bom?! — pergunto retoricamente, mesmo
sabendo que não foi nada de bom, foi simplesmente o significado de
perfeição.
— Foi legalzinho — ela assume em um sussurro. — Mas só
porque eu não sabia que era você.
Por que ela gosta tanto de me atirar pelo penhasco?
— Você tem suas tais necessidades — relembro a conversa
enquanto estávamos viajando. — As coisas com o Zach acabaram. —
Graças a Deus. — Eu também tenho as minhas. — Dou de ombros,
largando a porta. — E como você disse, o que rolou foi legalzinho,
você não quer nada com afeto e isso é algo que está longe de
acontecer entre nós dois. Então o cálculo é simples, basta você
pensar — digo por fim, ao dar um passo para trás.
Agora é só esperar ela tomar a decisão certa para que
possamos finalmente continuar de onde paramos.
Eu não preciso das suas palavras para me levar
Deixe sua linguagem corporal acertar o tom
Salve todas as suas emoções para o movimento
Não me deixe fazer isso sozinha
ARE YOU | JULIA MICHAELS

Maldito Alexander.
Sim, maldito. Não me importo que esse seja um adjetivo ruim,
ele é um maldito, pronto e acabou, simples assim.
Eu soube, desde o momento em que meus dedos tocaram
aqueles braços, que era ele. Eu senti isso, mas eu preferi mentir
para mim mesma e dizer que não. O pior de tudo para mim foi saber
que ele, em nenhum momento, me imaginou, porque o maldito
sabia o tempo todo que era eu, e mesmo assim ele continuou.
Ele continuou, e não foi legalzinho como eu disse a ele, foi
tudo de bom e mais um pouco, o que não me surpreende nem um
pouco, afinal, eu sempre imaginei que ele seria daquele jeito,
apenas nunca pensei que algo assim fosse acontecer, ainda mais
comigo.
Nem muito menos pensei que ele pudesse cogitar algo a mais
que aquele grande beijo, bom para um caramba, que só de lembrar
ainda molha a minha calcinha inteira. Mas puta merda, hein?! Nem
conseguir mais odiar ele em paz, eu consigo, porque desde que
fechei a porta na cara dele, dois dias atrás, logo após a festa onde
ele me ajudou e em seguida propôs que nós dois...
É difícil até pensar sobre, porque eu sou obrigada a juntar as
minhas pernas todas as vezes em que penso na proposta dele de
nós dois, juntos, na mesma cama, ou em qualquer outro lugar. Ele
dentro de mim. Empurrando. O. Pau. Dele. Que. Parece. Ter. Um.
Metro. E. Meio.
Aqui estou eu, piscando de novo!
Sou obrigada a fazer minha técnica de respiração, ela me
ajuda com a ansiedade, sempre ajudou. Acontece que inspirar e
expirar contando até dez não ajuda muito quando minha calcinha
está totalmente molhada só de imaginar Alexander e eu transando.
Um arrepio percorre minha espinha, pois agora eu acabo de
me lembrar da vez em que ele chamou meu nome enquanto se
masturbava.
E se eu disser sim e ouvir exatamente aquilo, mas
diretamente no meu ouvido?
Não, eu não terei forças para isso. Já não tenho apenas
imaginando como seria, dirá se realmente acontecer.
— Por que essa merda não está funcionando? — sussurro,
frustrada quando começo a respirar outra vez.
— O que não está funcionando? — Shantal pergunta se pondo
ao meu lado. Talvez eu não tenha sussurrado tanto assim.
Viro o rosto para encará-la, eu ainda não a perdoei pelo que
ela fez. Mesmo que não tenha sido a intenção dela que fosse o
Alexander, ela planejou para que fosse o Zach, mesmo depois das
coisas entre nós terem terminado, quando nem mesmo começaram,
entretanto.
— Vai me responder ou vai ficar com essa cara de bunda o
resto da vida para mim? — ela pergunta, uma sobrancelha minha se
ergue enquanto a olho com desdém. — Eu já te pedi desculpas por
te deixar sozinha com o Alexander, mas você tem que entender que
você estava indo vomitar, e eu não aguento ver vômito. Por favor,
me perdoa, Lottie.
— Não me chama de Lottie. — Me viro de volta para a
máquina de café, limpando-a.
— Você vai me perdoar? — ela pergunta com a voz fofinha.
— Não.
— Lottie, Lottie, Lottie — repete por várias vezes.
Respiro fundo ao terminar de limpar a máquina e meus olhos
se reviram.
— Você não tem nenhuma mesa para atender? — pergunto.
— Lottie...
Fecho os olhos com força.
— Tudo bem, se você calar a boca eu te perdoo. — Ela sorri
quando me viro para ela e aponto o dedo. — Mas você vai me pagar,
não sei como, nem onde, mas vai — aviso.
— Permissão para abraçar?
— Negada.
Ela não tem tanta culpa assim por me deixar sozinha com
Alexander, mas quem sabe, se ela não tivesse feito, ele não teria
dito que tinha sido ele e eu pararia de imaginar certas coisas com
ele.
A verdade é que eu apenas estou com raiva, frustrada para
falar a verdade, e precisava de alguém para descontar esse
sentimento e obviamente não seria o Alexander, uma vez que estou
evitando-o.
— Só para provar o quanto eu me arrependo, eu vou até
atender ele na mesa que é sua. — Ela aponta com o queixo.
No mesmo momento eu vejo Alexander sentar na mesa que
fica em uma cabine, no meu lado de atendimento do salão.
— Pode deixar, eu atendo — digo de prontidão no momento
em que vejo que ele não está sozinho.
— Quem é aquela? — Shantal me pergunta.
— Não sei, mas vou descobrir agora. — Lanço um sorriso,
sem nem olhar para minha amiga.
Ao sair de trás do balcão, pego apenas um cardápio e ando
na direção da mesa que ele ocupou, estando sentado de frente para
uma garota de cabelos castanhos longos, que eu tenho quase
certeza que nunca vi na minha vida, ou no campus, antes.
Meus olhos se estreitam à medida em que vou me
aproximando dos dois, ela está de costas para mim, enquanto ele
está todo relaxado. Sinto seus olhos em mim, mas tudo o que
consigo capturar com mais atenção são os cabelos lisos da
desconhecida e agora o sorriso simpático dela quando eu me ponho
ao lado da mesa.
Ela é bonita, isso é um fato. Mas quem é ela? Forço um
sorriso, olhando diretamente para ela, tentando forçar meu cérebro
para saber se já vi a antes, e não me vem nada à cabeça.
— Bem-vindos ao Rosie’s Café, me chamo Charlotte e vou
fazer o atendimento de vocês hoje — digo em uma falsa simpatia o
roteiro de costume, mas dessa vez ele soa realmente falso, ainda
mais quando eu entrego o cardápio diretamente nas mãos da
desconhecida.
— Olá, Charlotte. — A voz dela é tão doce. — Gostaria de um
Pink Limonade, apenas. — Ela me oferece o cardápio de volta.
— Não temos — respondo, mesmo sabendo que tem.
— Chá gelado, então.
— Também está em falta.
Ela sorri. Eu sorrio.
— Coca-Cola zero? — pergunta.
— Normal.
— Normal, então.
— Algo para comer?
— Não.
Me viro para Alexander e para ele eu não preciso fingir
sorrisos, ainda mais quando ele parece estar mais atraente do que o
usual, em uma roupa toda preta e ainda usando uma jaqueta de
couro.
Não quero ter que falar sobre a festa, ou o beijo, ou a
proposta, não quero nem mesmo ter que ficar encarando-o por
tanto tempo, então cito o pedido usual dele.
— Hambúrguer, fritas e Coca Zero?!
— Mas você disse que não tinha Coca Zero. — Ele cerra os
olhos.
Mordo o lábio inferior, porque não posso mandá-lo ir a merda
agora, uma vez que ele já sacou que eu estou tentando descobrir
quem é a garota com ele. Uma coisa que ele não sabe é que eu
quero realmente saber porque ela está aqui, com ele.
Ou talvez ele saiba, mas eu não preciso dessa informação
rodeando meus pensamentos agora.
— Acabei de lembrar que chegou mais cedo. — Me viro para a
desconhecida e lanço um sorrisinho de desculpas.
— Tudo bem, troca pela zero, então — ela pede e eu
concordo.
— Vocês desejam algo a mais? — pergunto após anotar o
pedido no bloco de notas.
— Por que a Shantal está levando um chá gelado para a mesa
do outro lado? — Ele aponta com o queixo e eu me viro.
— Era o último — respondo entredentes.
Ele sabe o que eu estou querendo fazer e quer me ver
constrangida, mas ele não vai fazer isso. Peço licença aos dois e
volto para detrás do balcão, coloco o pedido na janela e aviso.
— Só para constar, acabou o chá gelado e limonadas no geral.
Emerson, o cozinheiro, levanta a cabeça e me encara confuso.
— Mas o refil está cheio dos dois.
— Acabou, Emerson, apenas acabou — digo ríspida.
Ele levanta as mãos para cima, me olhando assustado e
apenas concorda.
— Então, quem é ela? — Shantal volta para o meu lado,
colocando a bandeja na frente do seu corpo.
Nós duas nos viramos e eu pego o momento exato em que
Alexander arruma a sua postura, se endireitando no assento, e a
garota, que está de costas para nós, coloca uma mecha do cabelo
para trás.
Que porra é essa que um dia ele faz uma proposta de transar
comigo, e apenas dois dias depois vem jantar com uma garota que
eu nunca vi antes, no restaurante que eu trabalho, durante o meu
turno?
— Uma feia qualquer — minto.
Shantal ri e eu continuo fitando os dois. O movimento no
Rosie’s está tranquilo, apenas três mesas estão ocupadas, incluindo
a que eles estão sentados rindo – por que eles estão rindo? –, me
volto para minha amiga.
— O que é? — Minha pergunta não sai nenhum pouco
simpática, pois está mais para um grito.
— Você está com a cara toda fechada e vermelha — ela diz.
— Não estou.
— Suas pupilas estão dilatadas e a veia da sobrancelha está
pulsando.
Levo a mão até a sobrancelha, sentindo que ela realmente
está palpitando.
— Culpa sua — digo.
— Minha?! — ela pergunta em um gritinho fino.
— Ainda não saiu da minha cabeça que você ao invés de me
ajudar enquanto eu vomitava, deixou que ele fizesse, e agora sou
obrigada a atendê-lo, depois da pessoa que eu mais odeio me ver
vomitando — explico.
Shantal ri de novo e eu a fuzilo.
— Isso ou você está com ciúmes da desconhecida.
Ignoro totalmente a palavra com C e volto a olhar para a
mesa onde eles estão.
— Ela não estuda na Dartmouth — aponto.
— Não mesmo.
— Nunca vi ela na Dirty também.
— Nem eu — Shantal concorda pensativa, e tão logo algo
parece se iluminar nela, quando ela se vira para mim, e eu sou
obrigada a deixar de encará-los, fitando-a também. — O Alex nunca
mais saiu com ninguém no campus desde o boato da gonorreia, e se
ele estiver saindo com alguém de fora do campus?
Estalo a língua no céu da boca.
— Ele não está.
— Se estivesse, você estaria com ciúmes?
— Eu já o vi saindo com várias garotas antes — o que não
deixa de ser verdade — e isso nunca me incomodou antes, e por
que eu teria ciúmes do cara que eu odeio desde que nasci?
— Porque ele foi seu último beijo, talvez?! — Shantal morde o
lábio inferior e estreito os olhos para ela. — Sarah me contou essa
manhã — explica. — Ela esperava que saísse na DM, mas não saiu.
Minha mão se fecha em punho antes de cruzar os braços
sobre o peito. A última atualização que recebemos da Dirty foi na
noite da festa, desde então ela sumiu. Todo o campus esperou por
atualizações das festas do final de semana, mas não recebemos
nada.
E depois que a safada conseguiu até mesmo as imagens de
segurança de uma arena em Miami, milhas e milhas de distância de
Hanover, eu não duvido que ela tivesse uma câmera instalada no
banheiro do encontro às cegas. Mas não. Ela não falou
absolutamente nada, nem mesmo do body shot que James fez em
Dakota às oito da manhã, e havia poucas pessoas na festa ainda.
Mas até eu, que estava tentando dormir depois da proposta
que me fez revirar na cama o sábado inteiro, me deixando com
olheiras horrendas pois eu não dormi, fiquei sabendo da fofoca
inteira. E era esperado que Dirty lançasse um episódio de pelo
menos uma hora, narrando todos os acontecimentos da festa que
durou mais de doze horas, mas ela não o fez.
O que tem ansiado alguns. No meu caso mesmo, aterrorizado,
já que não quero imaginar ela narrando o meu desmaio e a briga de
Alexander e Zach enquanto eu passava mal.
— Por que ela não me contou quando eu perguntei? —
questiono sentindo a raiva emanar na minha pele.
— Você ainda pergunta? — Shantal inquire como se fosse
óbvio. Franzo o cenho, dando a liberdade para que ela continue. —
Você é Charlotte Cameron, e se alguém relaciona você a Alexander
Harrison, você surta.
— Não surto nada.
— Está surtando agora. — Ela sorri convencida.
Me preparo para respondê-la, porém, Emerson toca a
campainha na janelinha e nós duas nos viramos.
Aviso a Shantal que depois a gente conversa enquanto
colocamos as coisas do pedido de Alexander e da desconhecida na
bandeja, ela me solta mais um sorrisinho e eu reviro os olhos.
Caminho até a mesa com o pedido em mãos e eles param de
rir no momento em que eu me aproximo.
— Licença — peço e começo a pôr o pedido na mesa,
começando pelo de Alexander.
Ele observa todos os meus movimentos, sinto meus olhos
faiscarem, também o observando e prestando atenção
principalmente na faceta séria dele, que até três segundos atrás
estava todo risonho.
Estou tirando o último copo da bandeja quando a voz doce,
cheia de falsa simpatia, diz:
— Então se é tão grande, como você acha alguma que caiba?
Minhas mãos tremem enquanto ouço a pergunta dela, mas
principalmente minha vista escurece e tudo se transforma em uma
confusão quando eu acabo derrubando o copo cheio de refrigerante
e gelo em cima dela.
Poderia ter sido porque eu quis, realmente poderia. Mas não
foi.
Que pergunta foi essa que ela acabou de fazer?
Bom, não interessa agora, porque por mais que ela me
intrigue, no momento eu começo a pegar vários guardanapos.
— Desculpas, mil desculpas mesmo — peço, entregando a ela
os papéis. — Não sei o que aconteceu comi...
— Onde fica o banheiro? — ela pergunta, se levantando.
Aponto para trás de mim e ela corre.
— Desculpa — grito, mesmo sabendo que talvez ela não
tenha ouvido.
— O que foi isso? — Alexander pergunta e eu volto a olhá-lo.
— Eu quem pergunto, o que foi isso? — digo secamente.
Ele balança a cabeça, franzindo o cenho sem entender.
— Não entendi — responde.
— Nem eu, grandão.
Um sorriso se ergue nos cantos da sua boca e como eu estou
no trabalho e de forma alguma quero ser demitida, mordo o interior
da bochecha, me controlando para não mandar o cliente ir à merda.
Respiro fundo e dou as costas para Alexander, andando o
mais rápido que posso. No momento que volto para atrás do balcão,
falo com Shantal, mas sem olhar para ela.
— Você pode limpar, por favor?
Não sei bem se ela responde, pois passo direto para a
cozinha. Emerson não está lá, minhas mãos estão trêmulas, jogo a
bandeja em cima da mesa, que faz um barulho ensurdecedor de
metal contra metal.
Começo a andar de um lado para o outro, tentando respirar
fundo enquanto fecho os olhos.
É a vigésima vez que faço a técnica de respiração apenas
hoje, mas ela simplesmente não funciona.
Que pergunta foi aquela? Por que ela perguntaria algo assim?
Por que eles estavam rindo tanto e pararam quando eu me
aproximei? Mas, principalmente, por que minha cabeça está fazendo
disso um grande caso, quando eu não deveria me importar tanto
assim?
A porta da cozinha range ao se abrir de uma vez, pego o
bloco de notas dos pedidos que está dentro do bolso do avental,
sentindo minhas mãos trêmulas, pensando que é Emerson, ou
Shantal, ou até mesmo Claire, a gerente.
Mas me surpreendo quando me viro e vejo que é Alexander.
— O que está fazendo aqui dentro? — pergunto em tom
acusatório no mesmo instante em que nossos olhos se encontram.
Ele começa a dar passos longos em minha direção.
— Procurando respostas para as minhas perguntas — declara
ao se aproximar.
Quando o sinto tão perto de mim, dou alguns passos para
trás, mas acabo encostando em algo frio e duro. Tateio apenas para
descobrir que é a geladeira, antes que ele esteja frente a frente
comigo, me encurralando contra ela.
Ergo o queixo para conseguir encará-lo quando uma mão dele
fica acima da minha cabeça, encostando na geladeira também.
Pisco os olhos duas vezes, desorientada.
— Não entendi — digo, com a voz fraca ao engolir em seco.
O pensamento que tive antes de Alexander entrar no Rosie’s
volta com tudo agora, principalmente com sua respiração quente tão
próxima de mim, e pelo visto não haverá técnica que dará jeito no
rebuliço que sinto no meu interior, me deixando nauseada.
— Primeiro você bate a porta na minha cara, depois age toda
estranha durante o atendimento e para completar derrama bebida
na minha companhia. Por quê?
Minha garganta seca de repente.
— Por que, o quê?
Juro que não entendi nada do que ele disse, pois tudo que
ouço é Charlotte, Charlotte, Charlotte, ainda mais com a voz rouca
dele, com ele entrando em mim.
Eu nunca me senti tão fraca e pequena perto de Alexander
assim em qualquer outro momento, em toda minha vida. Sou mais
baixa do que ele, isso é inegável, mas me deixando encurralada
dessa forma, mais parece que eu sou uma formiga e ele um
elefante, pronto para pisar em mim.
Minha respiração fica tensa, então eu fecho os olhos e puxo
uma grande quantidade de ar antes de respondê-lo.
— Primeiro, eu bati a porta na sua cara porque você mereceu.
Seus jogos sempre foram baixos, mas você passou de todos os
limites com aquela proposta.
— Que ainda está de pé, a propósito — ele me interrompe,
sugestivo.
Ele está querendo me provocar, isso é só mais um jogo dele, e
eu não vou cair. Eu posso escalar a parede igual Peter Parker, mas
eu não vou cair no jogo dele para depois ser humilhada e
desgraçada, mesmo que minha calcinha esteja encharcada só de
imaginar ele me tocando, ou se tocando, ou meu nome saindo da
sua boca.
Ah! Eu vou enlouquecer!
— Segundo — respiro fundo de novo, voltando ao assunto
anterior e ignorando ele totalmente —, não agi estranha no
atendimento, apenas não queria te atender, já te falei para não vir
aqui durante meu turno, e já te disse para não sentar nas minhas
mesas.
As sobrancelhas dele sobem.
— Eu gosto de ser mal atendido.
Estreito os olhos, bem que eu poderia chutar as bolas dele
mais uma vez.
— E por último, foi um acidente de trabalho, sem querer
derramei a bebida na sua acompanhante. — A palavra parece
amarga na minha boca.
— Sem querer? — ele pergunta.
— Uhum — anuo.
— Engraçado que quando entrei na cozinha, vi os refis de
limonada cheios, chá gelado também. — Me preparo para dar uma
desculpa, mas ele é mais rápido que eu ao continuar. — Você quer
saber o que é grande, que ela perguntou antes de você sujar ela
inteira?
Balança a cabeça, negando.
— Nã... — Minha voz sai aos frangalhos e coço a garganta
apenas para respondê-lo. — Não.
Ele sobe a mão que estava livre e no instante em que as
pontas dos seus dedos encostam no meu pescoço, toda a minha
pele arrepia – toda –, e posso jurar que meu coração parou de bater
também.
Poderia ser um ataque nervoso normal, mas não é isso,
porque se fosse eu estaria igual uma louca, com o suor frio
escorrendo, enquanto eu estaria querendo me livrar da agonia.
Porém, a única coisa que escorre em mim é a lubrificação da minha
boceta.
— Você quer — ele insiste.
— Não quero. — É óbvio que quero, mesmo sabendo qual é a
resposta.
— Quer sim.
— Não quero não.
— E se eu te dissesse que também quero?
— O quê?
— Você sabe o que.
Engulo em seco.
É possível um contato visual fazer a pessoa gozar? Porque eu
posso jurar que isso vai acontecer.
Os olhos de Alexander me queimam ao ponto de o fogo subir
por todo o meu corpo, inclusive meu rosto que sinto arder.
— Sobre o que você está falando? — Ele realmente acaba de
me confundir.
— Nem eu sei — ele assume.
Seu rosto se aproxima do meu, ele respira fundo também,
soltando o ar devagar, as pupilas estão dilatadas e isso é sexy pra
caralho.
Não deveria estar assumindo isso, pois eu não faço a mínima
ideia de quando eu passei de repugnar os olhares de Alexander, para
simplesmente desejá-los.
Dizem que homens tem duas cabeças, a de cima e de baixo,
mas para falar a verdade, as mulheres também, porque tudo que
ouço do meu cérebro é “Se controle, Charlotte”, enquanto minha
boceta pulsando diz “Me coma, me coma, coma”.
Nossos rostos estão perto demais, menos de um centímetro, é
tão perto que minha boca sente os lábios dele se mexerem
enquanto ele fala:
— A única coisa que sei é que a proposta ainda está de pé. —
Fecho os olhos, sentindo que o próximo passo dele é me beijar.
Contudo, acabo me espantando quando ele se afasta de vez,
tirando a mão do meu pescoço e a outra de cima da minha cabeça e
dá um passo para trás. Há um sorriso mordaz em sua boca quando
abro os olhos.
Bato os cílios incansáveis vezes, tentando entender o que
acaba de acontecer. Endireito minha postura e desencosto da
geladeira, ainda com Alexander me encarando.
— Não é permitida a entrada de clientes na cozinha — digo,
voltando aos meus sentidos e ignorando totalmente a última fala
dele, ao voltar para a proposta.
Ele joga os ombros para cima.
— Eu já estava de saída mesmo, tenho uma entrevista para
terminar.
Entrevista?
Ele deve perceber a confusão no meu rosto, quando se
explica.
— O nome dela é Natany, e ela faz parte da coluna de esporte
universitário da ESPN, e está entrevistando alguns caras do time —
ele explica.
— Eu não perguntei. — Guardo o bloco de notas no avental
de novo e tiro a caneta de trás da orelha.
— E o grande que estávamos falando era sobre a cabeça do
James e capacetes, brincadeiras internas. — Ele me solta uma
piscadela.
— Eu realmente não quero saber. — Sorrio, dessa vez sincero,
pois é como se um peso acabasse de ser tirado das minhas costas.
— E eu quero uma resposta — ele diz.
Meu coração erra a batida, pois mais uma vez ele voltar ao
assunto.
Por sorte, um anjo chamado Emerson entra na cozinha feito
um furacão, e eu nunca agradeci tanto por isso, pois mesmo
aliviada, se eu for pressionada mais uma vez como fui por Alexander,
talvez eu ouça a voz do meu ponto g, e não da minha razão.
— Ei, cara, para fora! — Emerson diz.
Alexander se vira para ele, pedindo desculpas, e começa a
caminhar para fora da cozinha. Eu observo os seus passos e como
ele é capaz de dominar todo e qualquer lugar onde ele esteja, até
mesmo uma cozinha gordurosa.
Antes de passar pela porta, Alexander se vira mais uma vez e
diz com a voz rouca:
— Não esquece do meu pedido, Charlotte.
Fico fraca outra vez e ele sai da cozinha. Junto minhas
pernas, sentindo meu clítoris pulsar, pois é instantâneo a forma
como todos os pensamentos me atingem de uma vez só, e para
completar ele falou meu nome.
Isso é demais para mim e eu acabo de constatar que sim,
dessa vez, apenas dessa vez, eu sou uma formiga que daria tudo
pela tromba do elefante, mesmo que eu odeie e saiba que ele é bem
maior do que eu, tenho a certeza de que a picada dele seria mais
satisfatória que a minha.
Não me deixe esperando
Eu estive esperando a noite toda para chegar mais perto
E você já sabe que eu faço isso por você
Você conhece as sensações, conhece as sensações
Que vou te causar
VIBEZ | ZAYN

Ela está me evitando, e isso não é algo que eu criei na minha


cabeça. Fora o fato de que faz quatro dias que Charlotte desvia o
olhar toda vez que eu a observo, ou ela senta nas primeiras cadeiras
em todas as aulas, e até mesmo o fato de que nesse meio tempo,
ela não me mandou ir à merda.
Na segunda, enquanto estive no Rosie’s – que foi a última vez
em que tivemos qualquer contato decente –, sei que ela se segurou
para não me xingar, e conseguiu fazer com sucesso. Portanto, faz
praticamente uma semana que ela não me amaldiçoa.
Mas o que me leva a crer que ela realmente tem me evitado é
o momento em que ela percebe que só há um lugar disponível em
todo o auditório, que é logo ao meu lado, no andar mais alto e mais
longe de possível da professora Cora Sherman. Foi estratégico eu ter
escolhido esse lugar, pois eles são os únicos que sempre sobram, e
Charlotte estava em uma reunião com Cora.
Não sei o motivo do encontro das duas, mas algo me diz que
tem a ver com o projeto que tem comigo.
— Vai sentar ou prefere vir dar a aula no meu lugar,
Cameron? — Cora pergunta quando percebe que Charlotte está
parada no meio da escada há alguns minutos.
— Desculpa — ela diz apenas mexendo os lábios.
Relaxo minha postura na cadeira enquanto ela começa a
passar por entre as pessoas. Meu rosto está virado para o púlpito
onde Sherman começa a aula, mas minha visão periférica capta
todos os passos de Charlotte em minha direção e ela para ao meu
lado, ainda de pé.
Ela fez um bom trabalho em me ignorar, e agora eu faço o
meu. Por mais tentador que seja subir os olhos para ela, não faço.
Ela chuta minha perna.
— Pode me dar licença? — pergunta.
Pego o lápis que está em cima da mesa, levando-o até a boca
antes de subir o olhar para Charlotte. Claro que meus olhos
vagueiam pelas pernas dela, que a propósito, está usando saia hoje.
Meu pau parece reconhecer muito bem as coxas dela quando
começa a ganhar vida, lembrando do momento que tivemos no
banheiro.
Eu poderia ter deixado aquilo para trás, eu poderia ter ficado
calado e não ter dito que era eu, eu poderia até mesmo ter deixado
Zach ficar com ela. Quem sabe assim eu não estaria nesse momento
sentindo todas as células da minha pele queimarem enquanto ela
me encara.
— Qual a palavra mágica? — brinco, mordendo a ponta do
lápis.
— Vai à merda, Alexander — ela sussurra. É tão baixo que eu
nem consigo ouvir direito.
Sorrio de canto e abro o espaço para Charlotte passar por
mim, o que faz com que meu pau ganhe ainda mais vida. A saia que
ela usa é plissada e curta, e quando ela se movimenta passando em
minha frente, o tecido se move.
Eu poderia ser um pouco menos óbvio quanto a esse desejo
lascivo que tenho sentido, mas acontece que eu estou pouco me
importando com isso no momento e ela sabe disso quando meus
olhos a acompanham até o momento em que ela se senta, soltando
um suspiro e desviando o olhar.
Charlotte nunca agiu dessa forma antes comigo, nós
costumamos passar minutos e minutos nos encarando, sem dizer
uma só palavra, e ainda assim nenhum chega a desviar o olhar. Mas
agora, ela faz isso com excelência, o que me deixa ainda mais louco,
porque quando nos olhamos, eu consigo saber exatamente o que se
passa na cabeça dela, mas ela desviando e me evitando assim, eu
não faço a mínima ideia do que devo fazer.
As luzes do auditório são apagadas e toda luz que passamos a
receber é do projetor enquanto Cora leciona e passa um slide, que
eu não presto atenção alguma, porque mesmo que ela não me olhe,
eu não consigo desviar dela. Seja os cabelos soltos, os olhos azuis
esverdeados e cintilantes ou as sardas em seu rosto, acompanhado
a boca cheia e rosada.
Sherman fala algo sobre comportamento humano e Charlotte
faz a anotação no iPad, descendo os olhos. Ou ela é uma boa atriz,
ou realmente não está se importando com a minha fixação nela.
Ela sobe uma perna, cruzando-a, e é nesse momento que eu
capturo, por um milésimo de segundo, seus olhos em mim, pois
imediatamente ela desvia.
— Dá para você parar com isso? — ela diz, olhando para
frente.
— Isso, o quê? — respondo.
— De bater o lápis na mesa, está me desconcentrando. —
Seus olhos apontam para a minha mão e tão logo ela volta a
atenção para Sherman.
Eu nem mesmo havia percebido que tinha parado de morder
o lápis e estava o batucando, até ela chamar atenção. Quando eu
paro, Charlotte me lança outro olhar furtivo e é então que eu
entendo que ela está escondendo algo, e não é apenas isso que a
está incomodando.
Sua postura é ereta, os ombros tensos e músculos contraídos.
— Parei de te incomodar? — sussurro.
— Sim — responde com os dentes trincados.
Ela definitivamente não está prestando atenção na aula.
Me inclino levemente na sua direção, aproximando meu rosto
do seu ouvido, e é assim que eu vejo que ela está desconfortável
com minha proximidade. Ela tenta manter a compostura, mas é tão
óbvio o arrepio que percorre a sua pele, quando os pelos do braço
se eriçam.
— Por que você está me evitando, Charlotte? — pergunto.
Ela fica em silêncio, começando a inspirar e expirar, o rosto
ficando corado e ressaltando ainda mais as sardas. O lápis que eu
estava batendo agora passa por entre os fios de seu cabelo, tirando
a mecha de cima da orelha e passando-a para trás.
— Não vai me responder? — insisto.
Descruzando as pernas, Charlotte começa a bater o pé
rapidamente no chão. Ela está ansiosa, mas não com medo, ou
apavorada, caso contrário estaria suando. Isso não deveria ser sexy,
mas é.
Charlotte está tão ciente da intensidade dessa aula quanto eu.
— O que você foi conversar com Sherman antes da aula?
Ela para de bater o pé, então seu rosto se vira e ela me olha
com surpresa.
— Como você sabe?
— Sabendo — desdenho ao dar de ombros. — Você foi pedir
para sair do projeto? — arrisco.
— Talvez. — Ela se volta para a frente.
— Por quê?
— Não é da sua conta.
— Você está me evitando — concluo e ela me olha de relance
ao negar com a cabeça. — Por que você está me evitando?
Ela não responde, contudo, sua respiração fica ainda mais
irregular quando volta a cruzar as pernas e é possível perceber a
força que ela fez quando o músculo da coxa fica completamente
duro.
Volto a me sentar normal e pendo a cabeça para o lado,
apenas para voltar a falar com ela. Eu poderia desistir desse jogo e
fingir que nada nunca aconteceu, mas não adianta, quanto mais eu
penso nisso, mais eu quero, mais eu preciso. Charlotte não me disse
nem que sim, nem que não, e se por acaso ela recusar, eu paro com
a provocação e insistência, e voltamos a ser o que sempre fomos.
— Você está com medo de dizer sim para mim — sussurro.
Isso desperta algo nela, pois tão logo ela vira o rosto.
— Não estou. — Acontece que, ao contrário de antes,
Charlotte não sussurra, ela praticamente grita, e todos viram-se para
ela, uma vez que todo o auditório está em silêncio absoluto.
Sherman liga as luzes e eu me endireito, ela olha diretamente
para nós dois, no topo das cadeiras, os olhos da mulher queimam
em Charlotte e eu apenas abaixo a cabeça.
— Não está o quê, Cameron? — Cora inquire, cortante.
Charlotte tosse e coça a garganta. Se eu estivesse olhando
para ela agora, tenho a certeza que seu rosto está vermelho igual
um pimentão, é por isso que me controlo para não erguer a cabeça.
— Entendendo o assunto — ela fala em um tom de voz mais
baixo. — Não estou entendendo o assunto, Sra. Sherman, perdão.
Subo a cabeça no mesmo momento em que Sherman cerra os
olhos desconfiada para Charlotte e no momento que Cora vira de
costas, Charlotte toma o lápis da minha mão em um movimento
rápido.
Ela pressiona a ponta que eu havia deixado perfeitamente
apontada na minha perna e eu acabo assobiando de dor. Eu pego a
mão dela, tentando tirá-la de cima da minha perna, mas ela é forte
para caramba, meus olhos estão arregalados quando a olho, e eu
respiro fundo.
Ela pressiona com mais força o lápis na minha coxa e eu
trinco os dentes, ainda tentando ir contra ela, pegando sua mão com
a mesma força que ela usa para me machucar.
— Eu vou acabar sangrando — rosno entre dentes.
— A intenção é justamente essa — ela diz em sussurro
quando finalmente descansa a mão, parando de fazer força.
Minha mão ainda cobre a sua e por mais que a dor seja
ardente, eu a ignoro, quando, mesmo furiosa, os olhos dela
iluminam-se e o vermelho das suas bochechas passam para seu
nariz.
Sei que não estamos de mãos dadas, e que ela está com raiva
de mim, mas para todos os efeitos, nossas mãos estão juntas e ela
não está suando, nem palpitando, respirando fundo ou tentando se
livrar do meu toque.
Ela apenas me olha com raiva, eu relaxo o aperto da minha
mão também ao perceber que as pessoas ao nosso lado começam a
se levantar e juntar suas coisas. Charlotte expira e abre a mão, eu
abro a minha junto a dela, ouço o momento em que o lápis cai no
chão, mas ainda estamos ali, nos encarando enquanto nos tocamos.
Mesmo que seja algo tão pequeno, isso é capaz de enviar
sentimento diferente para meu peito e também cérebro e mal sinto
quando começo a sorrir de lado, mas é por conta do sorriso idiota
que ela percebe.
— Eu já disse a você para não me tocar — diz se livrando de
mim.
— Não gosto de seguir regras, patinho feio. Ainda mais
quando essas regras vêm de você — digo me levantando.
Ela me mostra o dedo do meio.
— Por que você não vai à merda, Alexander? — sugere,
também se levantando.
Eu poderia disfarçar, mas não faço tanta questão assim, já
que estou olhando diretamente para a bunda dela quando ela se
agacha para pegar as coisas no chão. Charlotte se levanta e se vira,
então percebendo para o que eu estava olhando.
— É sério, isso? — pergunta, passando por mim.
Pego minhas coisas rapidamente, dando uma leve corrida
apenas para alcançá-la na escadaria.
— Essa saia até que ficou boa em você, Cameron — digo ao
ficar do lado dela.
Charlotte para, respirando fundo. Ela não me responde,
apenas segue descendo as escadas. Estou pronto para soltar mais
uma provocação, contudo paro quando o celular começa a tocar no
meu bolso.
Ela também para, percebendo que eu não estou mais ao seu
lado.
— Estou indo para biblioteca, a gente tem que começar o
projeto idiota — ela informa.
Olho para o celular que vejo é o número de Alice chamando,
contudo, eu acabo ignorando e guardando o celular de volta no
bolso. A mãe de Charlotte pode esperar um pouco, as minhas
provocações com filha dela, não.
— Também vou. — Desço as escadas correndo, mas fico logo
atrás dela.
Nós dois saímos do auditório e vamos em direção a saída do
prédio. Devido a troca de aulas, o movimento pelo campus está
intenso, e no meio das passagens nossos corpos acabam ficando
espremidos.
As costas de Charlotte batem no meu peito e sua bunda bate
no meu quadril. Quer dizer, um pouco mais para baixo, mais
especificamente no meu pau, que já estava todo engraçadinho
durante toda a aula e agora despertou apenas por ela encostou
nele.
Quando o movimento das pessoas diminui e finalmente temos
um espaço para andar, Charlotte anda mais rápido.
— Onde você vai? — pergunto, uma vez que ela toma o
caminho errado da biblioteca.
— De repente me deu dor de cabeça. — Ela tenta se esquivar.
Avanço até ela, me preparo para pegá-la pelo braço, mas
acabo evitando, então apenas a paro ficando de frente para ela.
Charlotte estaciona e tenta desviar de mim.
— Estou te afetando tanto assim? — pergunto.
Ela sobe os olhos.
— Não entendi.
— Você nunca fugiu de mim ou de qualquer jogo nosso, e
desde que te propus um novo jogo, você me evita — explico, o que
é óbvio. — Estou te afetando sim.
Ela bate os cílios ao engolir em seco, seus lábios tremem e ela
nega com a cabeça.
— Não está. — Suas palavras são mínimas, assim como sua
voz, que não tem força alguma. — Apenas estou com dor de cabeça
— mente.
— Acho que você esqueceu que eu sei bem quando você está
mentindo, Charlotte — analiso. — Mas tudo bem. — Dou de ombros
ao vê-la cruzar os braços. Ela estreita os olhos, mordendo o lábio
inferior, e por Deus, como eu senti vontade de mordê-los assim
como ela. — Estou indo para a biblioteca de toda forma, já que
temos que dar início ao projeto, como você disse, e se você quer
mesmo que eu acredite que isso não está te afetando, é só vir
comigo — digo por fim.
Charlotte fica parada quando eu me desvio dela e começo a
tomar o caminho da Baker Berry, principal biblioteca do campus. Se
a conheço bem o suficiente em todos esses anos, eu a deixei
pensativa, e embora Charlotte ame demonstrar sua força tanto para
mim quanto para qualquer outra pessoa, ela também tem suas
fraquezas.
E a maior fraqueza dela é a teimosia, então por mais que eu a
afete ou não, ela vai aparecer na biblioteca porque eu duvidei dela,
e também porque ela odeia ser contrariada.
Sei que estou certo, pois no momento em que puxo a cadeira
da mesa que escolho para sentar, ela passa pelas portas igual um
furacão, passando seu cartão de estudante na catraca e me
procurando. No momento em que me acha, seus passos são
apressados, ela joga as coisas dela em cima da mesa e por sorte
não há quase ninguém no local, pois ela acaba fazendo barulho com
tamanha brutalidade.
— Você não me afeta — ela sussurra, com raiva. — Nem um
pouco, aliás. Mas só acho que você deveria parar com essa
brincadeira idiota.
— Que brincadeira idiota? — pergunto ao colocar minhas
coisas na mesa também. — Se você fala da proposta que fiz na
festa, eu não estou brincando — falo seriamente.
Ela coloca as mãos sobre a mesa e ergue o queixo, me
fuzilando.
— Da mesma forma como você sabia que eu estava
mentindo, eu sei que há algo por trás da sua proposta. Nada que
vem de você é de graça, Harrison.
Rio.
— Não há nada por trás disso além de sexo. — Balanço a
cabeça.
— Você não está falando sério.
— Óbvio que estou, ou você acha que meu pau fica duro à
toa, patinho feio? — provoco, ficando na mesma posição que ela.
Nem sei mais se nós dois estamos sussurrando, mas espero
que ninguém esteja prestando atenção na nossa interação. Os olhos
dela brilham e sua pele esquenta, tomando um tom rosado.
Charlotte abaixa os olhos minimamente, fixando em meu quadril, e a
resposta que ela parece procurar para qualquer pergunta que rodeia
sua cabeça ela encontra bem através da contração do meu pau, se
apertando contra o jeans.
— Eu não sei como funciona isso — ela fala, voltando a
levantar os olhos.
— Isso funciona da seguinte forma: eu sinto tesão e isso fica
duro, e uma coisa que eu não brinco é com meu tesão. — Tiro as
mãos da mesa, deixando minha coluna ereta novamente.
Ela pisca os olhos duas vezes, cada vez mais confusa, e por
incrível que pareça, eu tenho gostado disso e dessas reações dela,
parece que só me despertam ainda mais.
Sempre gostei de provocar Charlotte, de irritá-la, de tirar o
mínimo de paz dela, mas nunca imaginei que pudesse adorar da
forma como ela fica corada e toda confusa desde que eu comecei a
provocá-la e insistido nesse assunto. Em nós dois.
— O quanto essa proposta é séria? — ela pergunta, também
tirando as mãos da mesa, e mesmo se movimentando, nossos
olhares não se abandonam.
— Você quer mesmo saber?
— Fala.
Coço o queixo, dando uma bela olhada ao redor e verificando
se há alguém nos observando, e não tem, cada um está concentrado
em suas próprias coisas.
— Último corredor — é tudo que digo ao sair andando.
Enquanto ando pelos corredores de estantes de livros, meus
olhos vagueiam pelo local, vendo se realmente não há ninguém ali e
por sorte, não há. Ao chegar no último corredor, vou até o final.
Estou determinado, isso é um fato, mas não sei se Charlotte está
tanto assim.
— Será que você pode explicar alguma coisa ao invés de
apenas agir?
Viro ao ouvir o som da sua voz.
Charlotte está no início do corredor, coloco uma mão no bolso
enquanto a outra coça a mandíbula e avanço, atravessando o
corredor em sua direção, e ela na minha. Meus olhos captando bem
a imagem do seu quadril rebolando enquanto ela anda lentamente
em minha direção.
Uma sobrancelha dela se ergue e eu acabo sorrindo com isso.
— Você quer saber se a proposta é séria. — Dou de ombros,
dando um passo ao seu lado, Charlotte me olha sobre o ombro,
pedindo por mais explicação, e eu dou. — Eu não gosto de falar
quando prefiro agir, o primeiro ponto é esse.
Ela enche o peito de ar e gira os pés, ficando frente a frente
comigo. Dou um passo para frente e ela um para trás. Nossas
respirações colidem quando estamos próximos o suficiente, mais
dois passos e as costas de Charlotte colidem contra a estante.
O que eu queria mesmo era pegar ela pelos cabelos e beijá-
la, porém me controlo, apenas deixando meus lábios se curvarem e
ela me encara silenciosamente.
— Tudo o que você procurar é carnal, certo? — confiro.
Ela anui.
— Sim. — Sua voz sai rouca.
Mordo o interior da bochecha, meu olhar caindo para sua
boca rosada.
— Se eu te pedir para abrir as pernas para mim, você faria?
Meu joelho está no meio de duas pernas e Charlotte não
responde, mas eu sinto o momento em que ela as afasta, tiro a mão
do bolso e meus dedos tão rapidamente encostam na pele desnuda
da sua coxa, o que eu estava desejando desde que vi ela nessa saia
essa manhã.
Não quero ter que perder tempo, então minha mão sobe por
dentro da peça minúscula, encontrando o tecido da calcinha.
— Posso?
Ela engole em seco, concordando.
— Sim.
É totalmente instintivo quando minha mão entra por dentro
das pernas, meus dedos passeiam por suas dobras e Charlotte se
abre um pouco mais. Minha testa encosta na sua, meu pau doido
para se soltar no instante em que encontro a calcinha tão molhada.
— Estava escondendo o jogo o tempo todo, hum? — provoco
ao colocar o tecido para o lado.
Os cantos dos seus lábios se erguem em um sorrisinho
sabichão.
Isso é tudo que preciso para meu polegar pressionar o clítoris
e é com o isso que o sorriso de Charlotte vai embora e ela suspira.
Minha outra mão sobe, agarrando seus cabelos em punho, e por
mais que eu não vá beijá-la, eu a quero olhando para mim enquanto
meus dedos esfregam seus grandes lábios.
— Tão lisinha. — Observando e ela se empertiga. — E
encharcada.
Meus dedos vão e voltam por toda a sua extensão molhada e
Charlotte cerra os olhos.
— Você sabe que isso eu sei fazer sozi... — Ela começa a
provocar, mas para quando solta um gemido no momento que insiro
dois dedos em sua entrada.
— O que você estava falando? — pergunto.
Ela nega com a cabeça, piscando com força enquanto eu roço
o polegar no clítoris e a estoco levemente, e porra, estou duro para
um caralho. Pressiono ainda mais seu corpo contra a estante, meu
quadril pressionando sua barriga e o corpo de Charlotte dá um
solavanco quando ela se arrepia.
Um suspiro escapa de seus lábios e suas coxas se apertam
em minhas mãos, sua mão segura meu braço, contudo, eu não paro
de estocá-la e acariciar o ponto sensível de sua boceta.
Charlotte arfa audivelmente.
— Estamos em uma biblioteca — a lembro, o que não surte
muito efeito quando ela solta um gemido no instante em que um
quarto dedo começa a trabalhar em movimentos de ir e vir. — Se
fosse para você ficar gemendo, eu já estaria te comendo, ao invés
de dedando — digo.
Ela fecha os lábios em uma linha fina e o agarre dos seus
dedos em meu braço se intensifica. Ela ergue o rosto tentando me
encarar e quando isso acontece, não consegue manter a boca
fechada, soltando outro gemido.
— Silêncio, porra. — Minha mão que segurava seus cabelos
solta-os, e para evitar seus barulhos e que sejamos descobertos,
tapo sua boca. — Não me morde! — aviso em um sussurro. Quando
sinto ela abrir a boca, contudo, ela solta outro gemido.
Estar dentro dela é melhor do que eu imaginava, e eu já
imagino como deva ser de outras formas, é por isso que meus dedos
insistem em invadi-la sem nenhuma dó. O polegar insiste em apertar
e circular o clítoris, enquanto o indicador vai e vem pela extensão, e
os dois dedos, com exceção do mindinho, estocam sua entrada.
Busco pelo ponto g e sei que encontro quando ela arregala os
olhos e ela fica ainda mais molhada, tornando o meu trabalho mais
fácil. Charlotte fecha os olhos, apertando-os, sua respiração se
tornando irregular.
— Abre os olhos — peço, ela nega em um movimento sutil, e
eu paro de entrar nela. — Abre. Os. Olhos — digo pausadamente e
então ela me obedece.
Pressiono o ponto g e o clítoris ao mesmo tempo, ela se
contorce inteira me encarando em uma espécie de súplica. Não
minto que a satisfação que me invade é tão grande que eu chego a
sorrir ao ver que ela está se rendendo em minhas mãos, se
desfazendo inteira para mim.
Eu a estoco e quando sinto sua boceta começar a palpitar
pressionando meus dedos, eu sei que ela está próxima, então coloco
mais intensidade no meu toque.
Os gemidos dela tentam escapar de sua boca a todo
momento, mas eu continuo pressionando a mão contra ela, caso
contrário, todo o campus seria testemunha dos gemidos de Charlotte
Cameron. Eu queria ser também, afinal, mesmo que saiba que ela
está gemendo, eu não ouço nada devido ao som abafado, e isso só
me instiga mais.
— Você está próxima — concluo.
Ela anui em resposta.
— Então vamos lá, goze em mim — digo ao aproximar minha
boca do seu ouvido.
Volto a encará-la, suas pupilas fixas em mim, há apenas um
arco esverdeado ao redor delas. Estoco mais duas vezes
pressionando-a, é então que eu assisto ela chegar ao clímax.
Seus olhos escurecem por completo, ela pisca várias vezes até
fechar os olhos e enquanto seu líquido jorra em meus dedos, eu
continuo entrando e saindo dela, um pouco mais devagar e
aproveitando para molhar meus dedos.
A respiração de Charlotte parece ficar descompassada, então
eu tiro minha mão da sua boca e eu sorrio quando ela abre
novamente os olhos. Há uma luxúria diferente neles dessa vez, não
é como quando ela ganha alguma aposta nossa, é melhor do que
isso.
Charlotte está séria, mas seus olhos brilham com sagacidade.
Tiro meus dedos de dentro dela e sinto seu corpo tremer ao
passar os dedos por toda a sua extensão. Ao subir a mão entre nós
dois, ela vê o mesmo que eu, o brilho do seu gozo cobrindo meus
dedos.
— O tanto que eu estou falando sério, é sobre isso aqui —
digo e então abro a boca, chupando meus dedos e sentindo todo o
sabor dela na minha boca.
Charlotte engole em seco, piscando três vezes.
— Quer um pouco? — pergunto, ao levar meu polegar até
seus lábios, separando-os.
Ainda calada, ela dá a passagem e chupa meu dedo, sinto o
sorriso de satisfação cobrir meu rosto, e meu pau ainda está
vivíssimo.
O peito dela sobe e desce, ainda fixada em cima. Eu afasto
meu corpo, para deixar que ela respire, mas ambas minhas mãos
sobem e encostam na estante atrás dela, por cima de sua cabeça e
ao fazer esse movimento, acabo ficando da sua altura.
— O que? — pergunta sussurrado.
— Vai ser sim ou não? — É tudo o que quero saber dela, e
desde que seja um sim, está bom para mim.
Mas se for um não, é impossível saber quem está mais fodido,
eu ou ela, porque depois de saber quão deliciosa ela é por dentro,
eu só vou conseguir descansar no dia em que estiver
completamente dentro dela, com ela gritando o meu nome.
E se você gosta de ter pequenos encontros secretos
Se você gosta de fazer as coisas que você sabe que não deveríamos fazer
Então, amor, eu sou perfeito
Amor, eu sou perfeito para você
PERFECT | ONE DIRECTION

Parece até mesmo que eu estou cometendo algum pecado,


mas desde que Alexander me teve em suas mãos ontem, é assim
mesmo que eu me sinto. Como uma pecadora.
Durante a noite eu até tentei me tocar, para quem sabe,
assim superar o que ele havia feito comigo, mas quem disse que eu
consegui? Até tentei insistir nos toques, coloquei o meu melhor
vibrador para jogo e nem mesmo em sua maior potência ele
conseguiu a mesma sensação de sentir minha pele pegando fogo,
meu olho revirando e meu cérebro entrando em pane.
Quando ele perguntou qual seria minha resposta eu só pude
dizer que iria pensar, porque se eu respondesse depois dele me fazer
gozar apenas ao me tocar, eu teria dito sim.
A quem eu estou querendo enganar?
Minha resposta é sim de toda forma. É por isso que ao final
do treino na academia, quando passo por ele, aponto para a porta.
Alexander tira o fone de ouvido e balança a cabeça, gesticulando
sem entender e respiro fundo, porque quando ele quer ser o
espertinho, ele sempre entende tudo.
— Quero falar com você lá fora — digo e sigo em frente.
Pelas minhas contas, ele está na última série de levantamento
de peso, porque sim, eu nunca havia contado antes, mas hoje ele
simplesmente decidiu se tornar sexy ao levantar peso e rir dos
gemidos que James solta em todos os treinos de resistência de
força.
Ele deveria terminar a última série, mas chega ao meu lado
antes mesmo que eu passe pela catraca.
— O que você quer? — pergunta afiado.
O olho por cima do ombro ao passar pela catraca, ele me
segue de toda forma.
— Desistiu do jogo? — inquiro.
— Que jogo?
— O tal com benefícios.
Ele sorri quando saímos do prédio.
— Claro que não. — Sua resposta é rápida até demais.
É sábado, portanto não há tantos alunos rodeando pelo
campus e os que estão na academia são alguns atletas, com isso, o
carro de Alexander – meu por mais um mês e meio –, está
estacionado logo em frente a academia e eu o destravo.
— Vamos conversar no carro — sugiro. Com isso, Alexander
vai direto para a porta do motorista. — O que está fazendo? O carro
é meu — digo ao estreitar os olhos e empurrá-lo com o quadril.
Ele suspira audivelmente, me olhando todo irritadinho e sorrio
por dentro ao entrar no carro. Alexander age mais rápido do que o
costume e tão rápido dá a volta no carro e entra pelo lado do
carona.
Queria ser um pouco mais resistente e não deixar tão claro o
quanto eu quero montar em cima dele, o que me levou a dar a
resposta de uma vez por todas além de ele me deixar doida apenas
com uma dedada, e o fato de eu ter me masturbado e ainda
conseguir pensar naquele momento, foi entrar na academia e vê-lo
com a pele brilhosa e suor, os músculos flexionados enquanto ele
fazia o treino de superiores.
— Você vai falar algo ou apenas vai me secar até anoitecer?
Eu tenho coisas para fazer hoje, patinho feio. — As palavras dele
fazem com que meu transe acabe.
Pisco os olhos apenas para voltar para órbita normal da terra
e sair da órbita de Alexander Harrison.
— Ok, desculpa. — Começo a molhar os lábios com a ponta
da língua e capturo o momento em que ele olha de relance para
minha boca, mas tão rápido se volta para meus olhos.
— Não sabia que essa palavra fazia parte do seu dicionário.
— Vai à merda, Alexander — o corto.
— Ah! Essas com certeza fazem.
— Quer saber de uma coisa? Deixa pra lá. — Suspiro ao ligar
o carro. — Você é impossível e antes mesmo que a gente chegue a
tirar as roupas, nós dois já vamos estar discutindo, então deixa
quieto e saí do meu carro.
Sim, eu faço questão de destacar o meu, porque ele ainda é
meu e sei o quanto que Alexander fica com raiva quando eu faço
isso.
Mas ao virar a cabeça para o lado, ao invés de encontrá-lo
com uma suposta raiva, ele está sorrindo, todo estranho, o canino
afiado até aparece.
— Então, nós vamos tirar as roupas? — É tudo o que ele
conseguiu prestar atenção, óbvio.
— Poderíamos — corrijo. — Se você não fosse tão irritante,
isso talvez fosse acontecer, mas eu não vou aguentar olhar para sua
cara de idiota enquanto finjo um orgasmo.
Ele ri, jogando a cabeça para trás.
— Nós dois sabemos que você não fingiu — diz. — Você
também é irritante, Cameron, e nem por isso eu deixei de te propor,
afinal, nós dois — ele aponta de mim para ele — precisamos disso.
— Eu posso fazer isso com qualquer pessoa. — Pendo os
ombros, segurando o volante. — Você também... — Pauso. — Se
não fosse pela gonorreia, claro.
Agora sim ele me olha com raiva.
— Que você inventou. — Trinca os dentes. — Vamos logo, fale
suas condições.
— Condições? — Estreito os olhos.
Ele se ajusta no banco, sentando de lado para me encarar.
— Você acha que eu sou idiota, Charlotte? — A pergunta dele
é retórica, mas ainda assim eu pendo a cabeça para o lado pronta
para responder que sim, mas deixo que ele continue. — Se você me
chamou aqui, obviamente você tem suas condições para dizer sim.
Se fosse um não, você apenas mandaria uma mensagem dizendo
que não. Então fala logo.
Engulo em seco porque ele está certo, e eu tenho pavor
quando Alexander está certo sobre algo.
— Não são condições, são regras — digo, mordendo o lábio
inferior.
— Vai em frente. — Ele gesticula para que eu continue.
Coço a garganta, fechando os olhos. Tenho poucos segundos
para sair dessa, só que a voz dele chamando meu nome ecoa no
fundo da minha mente, nossos beijos também, e principalmente
seus dedos de mim.
— Se você estiver fazendo algum jogo, eu vou atrás de você
até no inferno para me vingar. — Aponto ao abrir os olhos.
— Apenas sexo — ele fala como se não fosse nada, e no
fundo não é nada, pelo menos é isso que eu tento me convencer.
— E para isso acontecer, você pode me tocar... — digo e ele
sorri. — Mas só nessas horas — aponto.
— Tudo bem. — Ele dá de ombros.
— Nada de abraços, ou pegar na mão, ou beijos.
— Que tipo de beijos? — Cerra os olhos.
— Todos os beijos possíveis, todos.
Ele olha para cima, passando a língua pelos lábios, analisando
apenas para que no final dê de ombros de novo.
— Certo, sem beijos.
— E em hipótese alguma, não pense, nem sonhe, sequer
imagine olhar nos meus olhos.
Um sorriso se ergue nos cantos dos seus lábios.
— Tem medo de se apaixonar por mim?
Reviro os olhos o máximo que posso até enxergar o meu
cérebro, praticamente.
— Haha, muito engraçado. — Finjo uma risada. — É sexo,
Alexander, é carnal, e a partir do momento em que você trepa com
alguém olhando para os olhos dela, você está no mínimo
apaixonado.
— Você já transou com alguém olhando nos olhos da pessoa?
— Já. — Não, mas ele não precisa saber.
Suas narinas dilatam.
— Foi o Daniel? — Sua voz fica rouca do nada.
Nego com a cabeça.
— Não te interessa — desdenho. — Última e mais importante
regra: ninguém, absolutamente ninguém, pode saber disso. Nem
Evan, Bellamy, James e principalmente nossas mães. — Levanto o
indicador ao avisar.
— Você está se achando muito se acha que eu vou contar
para alguém que estou transando com você.
— Você deveria agradecer de joelhos por eu aceitar esse jogo
idiota.
— Nem nos seus maiores sonhos, querida.
— Então cala a porra da boca.
Ele me olha com raiva, calado. O ar que é liberado por suas
narinas é audível.
— Posso falar minha condição? — ele pergunta e eu gesticulo
para que ele vá em frente. — Você não pode mais falar com o Zach
enquanto isso — aponta novamente de mim para ele — estiver
acontecendo.
— Nem pensar — me nego rapidamente.
— Eu aceitei todas as condições.
— Ele é meu amigo.
Alexander ri, sarcástico.
— O Zach pode ser qualquer coisa, menos seu amigo, tenha
certeza disso.
Estreito os olhos para Alexander, porque a reação dele me
deixa confusa e ao mesmo tempo curiosa.
— Como você pode não gostar tanto de uma pessoa e ainda
morar debaixo do mesmo teto que ela?
— Da mesma forma que estou prestes a comer a pessoa que
mais odeio há vinte e um anos — ele responde rápido e eu mostro o
dedo do meio. — Nada de Zach, é sim ou sim.
Fecho os olhos, respirando fundo.
— Tudo bem, não vou mais falar com o Zach, afinal isso não
vai durar tanto tempo.
— Como você pode ter tanta certeza disso? — Suas
sobrancelhas se erguem.
Eu rio com a confiança dele.
— Apenas tenho. — Recolho os ombros ao rolar os olhos.
Pego meu celular e crio um grupo de mensagens comigo e
Alexander, escrevo todas as regras em uma mensagem e a fixo.
— Se você infringir qualquer dessas regras, acabou — aviso.
— Se você falar com o Zach, também.
— Nossa! — Assobio. — Você é obcecado no cara.
— Vai à merda, Charlotte. — Abro a boca, chocada,
levantando a mão para dar um tapa no braço dele. — O quê?! —
Parece surpreso ao me olhar.
— Eu não acredito que você me mandou ir à merda — digo
ainda perplexa.
— Você faz isso comigo o tempo inteiro. — Ele cerra os olhos.
Ele tem razão, eu faço isso sempre, mas já é algo rotineiro,
mas acontece que ele nunca me falou isso ou revidou, por isso a
minha surpresa.
— Quando podemos começar? — ele muda de assunto.
Eu poderia dizer que hoje, agora, nesse exato minuto, afinal
minha boceta está latejando apenas doida para que isso comece de
uma vez por todas, mas não pode ser assim.
— A gente vai se falando, afinal, como ninguém pode saber,
tem que ser em momentos em que não tenha ninguém por perto —
digo ao lembrar da regra, e ouvir o movimento de pessoas saindo da
academia. — Agora sai do carro.
Ele pega na maçaneta e olha para frente, eu também olho e
encontro Zach do lado de fora da academia. Ele olha para nós dois e
quando nota que eu percebi sua presença, ele sorri.
— Nem pense nisso — Alexander avisa ao abrir a porta.
Faço uma careta e mostro o dedo do meio.
— Eu não pensei.
— Uhum — murmura ao sair do carro.
No instante em que Alexander sai do carro e fecha a porta, eu
dou ré com tudo e abro a janela.
— Esse carro ainda é meu, Charlotte — ele grita com raiva ao
ouvir o pneu cantando no chão quando eu freio com tudo.
Manobro o carro sorrindo.
— Feliz aniversário, Alexander — digo, passando por ele e
colocando a mão para fora do carro, mostrando o dedo do meio. —
E vai à merda! — grito por fim.
Mesmo tendo dito a Alexander que nós entraríamos em
contato, ele passou o restante da tarde inteira mandando
mensagens e perguntando quando, como e onde iriamos nos
encontrar. Até chegou a perguntar qual a janela do meu quarto.

Alex:
Estou apenas sugerindo que eu posso pular a janela do seu quarto e
ninguém vai ver.
Charlie:
Não.
Alex:
É meu aniversário, Charlotte, eu tenho minhas necessidades.
Charlie:
Problema seu.
Alex:
Nós temos um acordo, então é problema seu também.
Charlie:
Me deixa em paz!
Alex:
Então se qualquer outra se oferecer para mim hoje, eu entro
Não temos regra de exclusividade

Que atrevido.
Apago a mensagem onde estavam as regras e reescrevo,
acrescentando que se eu não posso falar com o Zach, ele também
não pode transar com outra, e se ele fizer isso, o acordo chegará ao
fim antes mesmo de começar.

Charlie:
Agora está!
Vc podia não ter gonorreia
Mas eu não vou arriscar
Cadê vcccc
?????
ALEXANDER

Quando vejo que as mensagens chegaram e mesmo assim ele


não me responde, me apresso em ligar para ele e me surpreendo
quando a chamada cai porque ele está em outra ligação.
Ele não estaria simplesmente indo atrás de outra assim tão
rápido, não é?
Se ele ousar em fazer isso, eu juro que eu o pego pelo
pescoço e antes de o matar, corto o pau dele fora fazendo picad...
Meu celular vibra, pego-o rapidamente para ver a resposta.

Alex:
Estou em ligação com sua mãe
Para de ser surtada
Charlie:
Eu não sou surtada
Alex:
Vc refez as regras em um minuto e mandou mais cem mensagens
Isso é coisa de gente surtada

Isso não seria coisa de gente surtada, seria?


Eu namorei apenas uma vez, mas não lembro de surtar por
coisas assim, como quando ele não me respondia na mesma hora,
nem mesmo com minha mãe quando preciso de uma resposta
urgente dela, eu chego a fazer isso.
Mas apenas para confirmar a versão dele, eu disco o número
da minha mãe mesmo assim e acabo soltando o ar – aliviada –
quando a chamada da como ocupada. O que não faz sentido algum
para mim quando percebo o que acabei de fazer, então largo o
celular para terminar de me arrumar.
Hoje é o aniversário de Alexander, o que significa que às meia
noite será o meu, então eu, as meninas e Daniel vamos para o
Dunk’s, o único bar na proximidade do campus que fica aberto
durante a madrugada e também com tema esportivo. Mais
precisamente o dono é obcecado pelos times de hóquei, basquete e
futebol da Dartmouth e por isso tenho a certeza que o destino do
time de hóquei é o mesmo que o meu.
Me olho no espelho mais uma vez, para ter a certeza de que a
roupa que eu estou vestindo é a certa. Um vestido preto de costas
nuas e também com um decote nos seios, o problema não é
exatamente o decote ou o tamanho da saia, mas sim o frio. Antes
que eu tenha qualquer dúvida sobre a roupa, Anna entra no meu
quarto feito um furacão.
— Uau! — Me viro ao ouvir sua voz. — Gostosa pra caralho —
diz ao soltar um assobio.
— Certeza? — pergunto, me virando para o espelho outra vez
e Anna aparece logo atrás de mim com um sorriso no rosto.
— Claro que sim, posso até dizer que o Zach vai implorar para
ter você na cama dele hoje.
O comentário dela faz com que uma careta apareça no meu
rosto imediatamente. Primeiro porque meu interesse pelo goleiro
zerou completamente, e segundo porque eu estou estritamente
proibida de falar com ele, mas Anna não precisa saber disso. Fora o
fato de ser estranho ela comentar isso, visto que não faz uma
semana que ela estava nervosa após ter beijado ele.
— Dispenso — respondo.
— Como assim dispensa o Zach? — questiona, como se fosse
uma ofensa, ao sentar na minha cama. — Ele é tipo, o Zach.
Dou de ombros.
— Página virada. — Meu celular vibra na cama e eu me
apresso para pegá-lo antes que Anna possa ver a mensagem, uma
vez que a tela está virada para cima.
Ela estreita os olhos para mim quando eu pego o aparelho.
— Quem é?
— Ninguém — respondo enquanto leio a mensagem através
da barra de notificação e a apago.

Alex:
Surtada!
Vc ligou para a Alice?
Vai para o Dunk’s?
Precisam de carona?

Alexander envia mais duas mensagens e eu continuo lendo


apenas pelas notificações e ocultando antes de deixar o celular no
modo avião e quando volto a olhar para Anna, ela continua me
encarando curiosa.
Um dos motivos de eu ter imposto a regra de ninguém saber
foi por ela e Dakota. Um, porque as duas têm uma aposta para ver
quem fica com ele primeiro e dois, porque a língua delas é afiada
demais e em menos de um minuto todo o campus saberia sobre nós
dois, antes mesmo da Dirty.
— Estão prontas? — Dakota aparece na porta, que ficou
aberta após a entrada de Anna. — Gostosa, Charlie, — Sorri de
canto, mordendo o lábio inferior.
— Sim — respondo sem verificar minha roupa outra vez.
— Daniel disse que está aqui em três minutos, — Shantal
também aparece. — Acho que alguém hoje está indo pronta para
matar — diz também, me observando.
Reviro os olhos, contudo, fico feliz com o comentário da
terceira. A intenção ao escolher a roupa não era essa, mas ao
mesmo tempo, sim. Principalmente após a última mensagem dele.
Eu poderia dar uma de boba e ingênua, fingindo que não
percebi os olhares de Alexander para mim. Isso acontece há tempos,
mesmo antes de a gente ter se pegado, mas ele sabia disfarçar
antes, coisa que ele não faz mais questão de esconder e bom, se
entramos em um jogo com benefícios, nada mais justo que eu faça
com que ele tenha os olhos no meu corpo a noite inteira, certo?
Após juntar minhas coisas e pegar um casaco para o frio, nós
saímos do meu quarto e descemos. Ao saímos da fraternidade,
Daniel já está do lado de fora do Jeep dele, de braços e pernas
cruzadas em frente a porta do carona. Como estou na frente, desfilo
até ele, no final pendendo o casaco em meus braços e mostrando o
decote, ele sorri de canto.
— Devo me considerar um azarado por perder um pedaço de
mal caminho como esse? — brinca.
Nego com a cabeça, sorrindo.
— Você quem me rejeitou — respondo ao entrar no carro,
quando ele abre a porta para mim.
— Touché.
O caminho até o bar dura menos de quinze minutos e quando
entramos está do jeito que eu havia imaginado: lotado. Todo o time
de hóquei está no local e claro, as famosas marias patins também, e
se eu perder meu tempo fazendo as contas, poderia chegar
facilmente à conclusão que há quatro garotas por jogador ali.
Daniel informa que reservou uma mesa, ele pega na minha
mão após eu tirar o casaco e começamos a passar por entre as
pessoas até a mesa em que ela havia reservado. As meninas param
em frente a mesa onde o time de hóquei inteiro está, desejando feliz
aniversário a Alexander, que me fita o tempo inteiro enquanto
recebe os abraços de Anna e Dakota.
Mais especificamente seus olhos grudam na minha mão, a
mão que está entrelaçada a de Daniel, o qual eu não tenho
problema algum em questão de toques. É possível ver seus olhos
escurecerem, mas eu sinto os meus também ao vê-lo abraçar as
meninas com tanta facilidade, é por isso quando Daniel se aproxima
do meu ouvido, eu faço questão de virar para ele
— Vai beber algo? — Sorrio, negando.
— Vou esperar mais uma hora — digo. — Finalmente vou
poder usar minha identidade de verdade.
— Primeiro porre dos vinte e um anos vai ser feito com
sucesso, essa noite. — Ele me puxa quando percebe que as meninas
finalmente pararam de dar atenção a Alexander.
Eu apenas o acompanho e ao chegar na mesa me viro, vendo
que Alexander ainda nos encara. Ele não falou nada, mas seus olhos
queimam minha pele por completo e mesmo distante, o contato dele
é capaz de eriçar todos os pelos do meu corpo.
— O Alex está lindo hoje — Anna diz toda animada e eu me
controlo para não revirar os olhos.
— E babaca como sempre — respondo ao sentar e obverso
que ele pega o celular ao virar de costas, me ignorando.
— Você nem deu parabéns a ele — Shantal observa,
provocante.
— Eles já tiveram uma cena hoje na saída da academia —
Dakota diz como se não fosse nada.
— Como você sabe? — Sim, eu ainda pergunto, mesmo
sabendo que ela sabe de tudo.
— Tenho meus contatos — é tudo o que ela responde.
A garçonete se aproxima para recolher os pedidos e todas
elas pedem suas bebidas, com exceção de Daniel, que por ser o
nosso motorista hoje, pede apenas um refrigerante.
Todos começam a conversar sobre como a Dirtymouth está
sumida há uma semana, o que chega a ser preocupante, já que é
sábado à noite e a última aparição dela foi antes da festa. Shantal
chega a cogitar a ideia de ela ter sido descoberta e expulsa, em caso
de ser estudante, mas acontece que se alguém tivesse sido expulso,
Anna e Dakota já teriam comentado sobre.
A única preocupação que me cerca realmente é ela saber
sobre Alexander e eu, e como ela viria afiada ao contar sobre no
podcast. Então, quanto mais tempo sumida ela passar, por mim,
melhor.
E falando em sumir, noto que Alexander não está mais na
mesa com os amigos ao subir os olhos no momento em que a
garçonete volta com os pedidos, ela entrega os drinks para as
meninas e o refrigerante de Daniel, mas antes de sair, ela se
aproxima de mim.
— Me pediram para te dizer com essas exatas palavras — ela
sussurra, antes de fazer uma voz grossa. — Olha a porra do celular!
Me afasto encarando-a confusa e ela apenas sorri sem graça
ao se endireitar e sair. Enquanto os demais bebem, eu faço
exatamente o que ela pediu e pego meu celular, percebendo que
ainda está no modo avião.
No momento em que desativo a configuração, várias
mensagens chegam ao mesmo tempo, todas do mesmo remetente.

Alex:
O Bellamy quem vai dirigir
Inclusive, sua lata velha não está ligando
Com quem vc está vindo?
Dá pra vc me responder?
De mãos dadas...
Sério?
Acrescenta na lista de regras
PROIBIDO FALAR COM O DANIEL TAMBÉM!
Ainda vestindo um pedaço de pano
Charlotte!!!???
Onde está a merda do seu celular?
Pqp
Estou no banheiro dos funcionários
Venha logo!

É estranho e perturbador também, mas eu sorrio ao ler todas


as mensagens. Daniel tenta se esgueirar ao meu lado e eu escondo
a tela.
— Com licença?! — peço retoricamente.
— Quem está te fazendo sorrir assim? — ele pergunta, pouco
se importando em ser invasivo.
— Minha mãe — minto ele franze o cenho, sabendo disso. —
Cadê a Ariel mesmo?
— Jogo de vôlei na Filadélfia. — Ele dá de ombros, fazendo
biquinho triste. — Saudades da minha ruiva.
— Então se preocupa com a viagem dela, não com as minhas
mensagens — digo ao me levantar.
— Onde você vai? — Shantal pergunta.
— No bar.
Minto de novo, pois se eu dizer que vou ao banheiro, sei que
uma delas irá se levantar e oferecer para se juntar a mim. Garotas
têm essa mania de que, se uma vai fazer algo, as outras se juntam,
então é melhor mentir que arriscar.
Quando ninguém protesta, eu me afasto, outra vez andando
por entre as pessoas, mais especificamente garotas atacando o time
de hóquei.
Ao chegar no corredor dos banheiros, vejo que só há os
banheiros de clientes e ambos têm pessoas entrando e saindo. Pego
o celular para ligar para mandar uma mensagem para ele, contudo,
sou pega de surpresa quando uma mão tampa a minha boca e pega
meu corpo por trás.
O grito que solto é abafado, mas não dura tanto tempo assim,
quando a porta fechada e o autor que quase me fazer ter um ataque
cardíaco me gira, ao me soltar e eu começo a bater nele.
— Você está louco? — vocifero.
Ele tapa minha boca de novo.
— Silêncio ou vão ouvir seus gritos daqui, e eu não estou
falando no sentido bom — avisa, mantendo o contato visual comigo.
Levanto a mão apenas para bater nele de novo e Alexander
solta minha boca.
— O que estamos fazendo aqui? — pergunto ao me afastar
dele.
— Você veio com o Daniel? — pergunta ao estreitar os olhos.
Dou de ombros ao me sentar na bancada na pia e cruzar os
braços depois de colocar o celular ao meu lado.
— Meio óbvio, você não acha? — respondo retórica ao
levantar as sobrancelhas. O vinco na testa de Alexander aumenta.
— Eu te ofereci carona.
— E?!
Não consigo entender onde ele quer chegar e mesmo assim
ele vira de costas para mim, respirando fundo e coçando a têmpora.
— Precisamos refazer as regras — declara ao se virar outra
vez. — De novo, já que você fez isso mais cedo.
— Se você está se referindo a mensagem que eu estaria
proibida de falar com ele, não vai acontecer.
— Por que não? — Ele dá um passo ao se aproximar.
— Porque não — respondo apenas.
— Se é para ser exclusivo, você não deveria andar com ele de
mãos dadas por aí. — Dá outro passo.
— O que você quer dizer com isso? — a pergunta sai ríspida
demais.
— O cara estava te comendo até poucos meses...
É automático quando minha mão voa na cara de Alexander,
estalando um tapa audível em seu rosto.
— Espero que você não termine essa sua frase — aponto.
Alexander volta a me olhar, passando a mão na mancha
vermelha que acabei de deixar em seu rosto, com um sorriso sádico
que me faria molhar a calcinha, caso eu estivesse usando uma,
aparecendo nos cantos dos seus lábios.
Ele não tem mais para onde andar, portanto, abro as pernas,
deixando que ele se aproxime ainda mais.
— Estranho, mas sempre que você me bate eu fico com
tesão, patinho feio — confessa sorrindo.
— Vai à merda, Alexander.
Ele sorri ainda mais.
— Vou levar isso como um feliz aniversário, Alexander. — Ele
finge uma voz fina ao colocar a mão em minha perna, dando mais
abertura. — E o que estou prestes a fazer com você, como meu
presente de aniversário.
Ele me pega pelos joelhos e me puxa, suas mãos sobem em
minhas coxas, subindo o vestido até minha cintura, onde ele aperta
com força, ao olhar para baixo e perceber que eu não visto nada em
baixo.
— O que? — decido perguntar quando os lábios dele tremem
e eu não consigo decifrar se ele está sorrindo ou com raiva.
Balança a cabeça em negativa e em seguida volta a ficar
meus olhos.
— Não sei se agradeço por você facilitar meu trabalho ao
estar sem calcinha, ou se te amaldiçoo por usar um vestido assim e
ainda estar sem nada, e sentando ao lado do seu ex na minha mesa.
Mordo o lábio inferior e ele quebra o contato por um
milésimo, desviando os olhos para minha boca, Alexander engole em
seco.
— Fiquei gostosa nele, não foi?! — Sorrio de canto.
— Razoável. — Ele engole em seco outra vez, não concorda,
mas há um brilho em seus olhos.
Uma risadinha escapa por meus lábios e eu subo a mão,
deixando as pontas dos meus dedos roçarem na alça do vestido.
— Bom... — Dessa vez eu desvio os olhos, fitando meu
ombro, e Alexander me acompanha. — O Daniel quando viu até
perguntou se deveria se considerar um azarado.
Os lábios dele tremem outra vez e as pupilas dilatam, ele suga
o interior das bochechas e confesso que isso chega a ser divertido.
Quando criança, Alexander nunca gostou de dividir suas coisas e ele
agia assim sempre que outra criança ameaçava pegar algo dele.
E mesmo sabendo que eu estou longe de ser um brinquedo,
nós estamos em um jogo, chega a ser óbvio que ele não quer que
ninguém, especialmente Daniel ou Zach, roube esse jogo dele.
— Ele é um azarado? — pergunto, me fazendo de inocente,
com a voz calma e controlada.
Alexander me olha, ele não move a cabeça, não diz que sim,
nem que não. Ele também não fala nada e é muito bom ver a raiva
emanando em sua face, ele não consegue se controlar e eu sorrio
com isso.
— Azarado ou não, você não vai mais falar com ele — ele
avisa e eu largo a alça do vestido.
— Vou sim — respondo, pegando a bainha do vestido me
preparando para descê-lo, e a mão dele agarra a minha, me
impedindo de ajeitar a roupa.
— Não vai — murmura, trincando os dentes.
— Se eu estou dizendo que vou, é porque vou — digo.
Ele encosta a testa na minha, sua respiração quente me
invadindo e seus olhos ofuscando toda a minha visão, o castanho
claro tornando-se uma linha fina que abraça o preto das pupilas.
— Não vou discutir isso com você, Charlotte — sussurra, o
hálito carregado de menta e cerveja me tomando. — Não antes de
fazer o que quero.
— Nós não vamos transar — digo de imediato e acabo
soltando um gritinho quando ele me puxa ainda mais, minha bunda
ficando na beirada da pia, e eu sinto a sua ereção encostar na minha
boceta. — Eu acho — suspiro quando a excitação atravessa meu
corpo.
— Eu não vou te comer aqui — confessa e sua mão sobe. As
pontas dos dedos passando pela lateral do meu pescoço, ao colocar
meu cabelo para trás. — Apenas te experimentar. — Ele afasta o
rosto do meu, mas tão logo se põe no vão do meu pescoço, ainda
sussurrando. — As regras dizem que eu não posso te beijar, mas
posso te chupar, onde — os lábios encostam na minha pele — eu
quiser — completa.
Minha boceta pulsa, mas não sei ao certo o que me atinge
mais, o pau dele duro, coberto pelo jeans, roçando no meu ponto
sensível, ou, a língua dele que se arrasta na extensão do meu
pescoço, e eu acabo deixando minha cabeça cair para trás.
Subo as mãos, agarrando os bíceps tensionados dele com
força e juro que posso sentir minhas unhas atravessarem o tecido
fino da camisa de algodão que ele usa.
Os dedos de Alexander entram em meus cabelos e ele puxa
ainda mais minha cabeça para trás, enquanto a outra mão trabalha
em descer a alça do vestido e revelando meu peito. Minhas pernas
se agarram ao redor da sua cintura quando a mão dele se espalma
em meu seio, o reivindicando em uma pegada bruta, apertando-o.
Ele não me beija em momento algum, isso é certo, mas à
medida em que sua boca desce em meu pescoço, clavícula e
escapula, envia uma palpitação diferente e tensa até o meu centro.
Ao chegar no arco do meu seio ainda coberto, devido ao
decote aberto e também a outra alça que já desceu em meu braço,
ele finca os dentes no tecido e revela meu outro peito.
Enquanto ele começa a dar atenção a um mamilo com os
dedos, a boca trava no outro bico, chupando-o e, porra, tudo o que
consigo fazer é respirar fundo e apertar ainda mais seus braços.
— Definitivamente você pode me chupar — concluo ofegante,
fechando os olhos.
Ele belisca meu mamilo e minha coluna se empertiga.
Ele troca as atenções e eu não sei bem se agradeço por isso,
se peço por mais, ou apenas imploro para colocar sua língua onde
eu realmente estou necessidade. Mas quando abro os olhos e o
olho, há um sorriso convencido em seu rosto quando ele afasta a
boca do meu peito.
— Um gemido seu chamando pelo meu nome seria um bom
presente de aniversário — diz.
Respiro fundo e ele pega minhas pernas.
— Vai sonhando — respondo, mesmo que eu sinta minha
boceta piscar como se estivesse soletrando o nome dele.
Ele pende os ombros, ajusta meu corpo mais uma vez e ainda
com as mãos em minhas pernas, desliza as pontas dos dedos em
minhas coxas e se agacha, sua cabeça se ajustando no meio das
minhas pernas.
Eu poderia agradecê-lo por ler meus pensamentos, mas isso
seria demais. Contudo, minha boca grande é mais forte que eu,
quando eu solto um gemido, no instante em que sua língua passa
por toda a extensão da minha boceta.
Seguro a beirada da bancada da pia com uma mão e os
cabelos dele com a outra, deixando que meus dedos adentrem aos
fios ondulados, a fim de mantê-lo ali quando ele faz movimentos
circulares em meu clítoris e alterna com a lambida em toda a
extensão.
As mãos de Alexander apertam até minha bunda, apertando-
a. Sinto minhas carnes tremerem, e isso está tão bom.
— Uh... — Deixo escapar quando ele deixa a pontinha da
língua mais dura e entra em mim.
Cerro os olhos, pois se fechar agora vou sentir as estrelas
piscando, e eu não preciso disso agora.
Quero falar alguma coisa, qualquer coisa, mas sou totalmente
incapaz, sentindo meu corpo ficar mole e desfalecer. O agarre nos
cabelos dele se torna mais intenso e o aperto em minha bunda
também. Alexander tira a língua de dentro de mim, me lambendo
inteira e voltando a atenção ao meu clítoris.
Agora, seus lábios se fecham no pontinho, a sucção tornando-
se forte e me levando cada vez mais próximo ao orgasmo.
O celular começa a vibrar do meu lado e eu tiro a mão de seu
cabelo para pegá-lo, mas ele me impede, ao agarrar minha mão.
Suspiro.
Mais gemidos escapam dos meus lábios, meus joelhos
apertando os ombros largos dele. Ele lambe, chupa e me suga, essa
sequência me deixa cada vez mais louca, vozes do lado de fora do
banheiro também me chamam atenção, além do celular que não
para de vibrar.
O alarme do meu celular toca.
Meia noite.
Oficialmente meu aniversário.
Alexander me lambe mais uma vez e eu não consigo, muito
menos faço qualquer esforço para lutar contra o orgasmo quando
ele me invade, através das luzes piscantes quando sinto meus olhos
se revirarem e o tremores em todos o meu corpo, acompanhando o
arrepio que sobe por toda a extensão da minha espinha.
Apesar do barulho incessante do alarme, minha pele inteira
pega fogo, o calor sobe por meu pescoço e rosto, onde sinto leves
pinicadas.
Estou respirando fundo ainda, quando Alexander fica de pé de
novo, enquanto ajusta meu corpo. Abro os olhos quando ele começa
a ajeitar meu vestido, subindo a alça e também descendo a saia, e
para isso, ele me põe de pé, me segurando pela cintura com um
braço.
— Feliz aniversário, Charlotte — diz ao pegar lenços de papéis
no suporte que há ao lado da pia, me entregando. — Não vai ser
legal abraçar suas amigas, e seu ex, toda gozada.
Pego os papéis e me afasto dele, espalmando minha mão em
seu peito e o empurrando. Desço a mão entre minhas pernas e
começo a me limpar.
— Obrigada — digo, sem ânimo algum, ainda sentindo
choques em meu corpo. — E tem uma calcinha na minha bolsa —
informo, ao pegar a bolsa e abri-la.
Subo os olhos e Alexander está sorrindo, negando com a
cabeça.
— Você é insanamente inacreditável — responde trincando os
dentes.
Dou de ombros ao rir e passar a calcinha de renda em minhas
pernas.
— Eu não sei você — pauso, ao terminar de vestir a peça —,
mas eu não vou passar os meus vinte e um anos, trancada em um
banheiro com você. Então, tchau! — digo pegando o restante das
minhas coisas e me afastando dele, mas ainda assim viro ao
destrancar a porta. — Foi um presente de aniversário, legalzinho —
minto, e ele estreita os olhos, ao colocar as mãos no bolso.
— Sai logo daqui, Charlotte. — Sei que ele quer rir também,
mas decido não forçar quando meu celular toca outra vez.
Eu sinto como se estivesse me afogando
Você está me puxando para baixo e
Você está me matando lentamente
Eu sinto como se estivesse me afogando
I FEEL LIKE I’M DROWING | TWO FEET

O cotovelo dela dispara direto no meu estômago e eu gemo


de dor.
— Eu consigo subir sozinha — Charlotte diz, quase batendo
com a cara no corrimão da escada.
— Estou vendo que sim — concordo, a agarrando pela
cintura, ainda com dor no abdômen após a pancada dela.
Já se passava das quatro da manhã quando fomos
literalmente expulsos do Dunk’s. É típico de qualquer pessoa que
complete a maioridade ir parar no bar mais próximo da cidade para
beber todas até cair, mas acontece que Charlotte levou isso a sério
demais. E o motorista dela, ou melhor dizendo, o idiota do Daniel,
acabou bebendo também depois que ela e Shantal o fizeram tomar
algumas doses de tequila.
Eu tinha bebido apenas uma cerveja até o momento em que
ela chegou de mãos dadas com o ex no bar, então não tive tempo
de me embebedar como eles. Por isso eu tive que trazer o Jeep de
Daniel, mais quatro garotas bêbadas para a fraternidade, onde eles
decidiram que seria de bom tom se jogar no sofá e dormir, enquanto
Charlotte decidiu subir as escadas sozinha, mas ela está tão bêbada
que mal consegue ficar de pé.
— Ei, Alexander — ela me chama quando chegamos no
primeiro andar e viramos para encarar mais um lance de escada.
— Fala. — A seguro com mais força para que ela fique de pé.
— Não é só porque você me chupou… — Ela para, cobrindo a
boca e engolindo um arroto. — Que você tem o direito de me
segurar.
— Você quer que eu te solte, então? — pergunto e ela vira o
rosto para mim, concordando.
Faço o que ela quer por apenas um segundo, pois tão logo ela
já está prestes a cair no chão de novo. A pego pela cintura de novo,
mas dessa vez a coloco em meus braços por completo, a
carregando, igual a noite da festa de anjos e demônios.
— Tem razão. — Sua voz sai embolada. — Mas você só pode
me segurar até eu deitar na cama, e você não pode dormir comigo.
— Levanta a mão, balançando o dedo indicador.
— E quem disse que eu quero dormir com você? — pergunto
ao chegar no primeiro andar.
Ela me olha, piscando com os olhos.
— Ein? — insisto ao chegar na porta do quarto dela e abri-la,
Charlotte fecha os olhos, franzindo o cenho.
— Ninguém — responde.
A ponho de pé e em seguida fecho a porta e ajudo Charlotte
ao chegar na cama. Quando ela se joga de bruços, ela começa a
balançar as pernas.
— Por que meus sapatos não saem? — Ela rola, deitando de
costas.
Respiro fundo, repetindo o mesmo de quando ela passou mal
e tiro os saltos prateados que ela usa.
— Minha roupa agora — manda, levantando os braços, a
encaro desconfiado. — Você já me viu nua hoje mesmo. — Quando
ela percebe o que acaba de dizer, o rosto fica vermelho.
— Não completamente — lembro, ao ficar de joelhos na
cama, a ajudando a tirar a roupa.
As pontas dos meus dedos roçam na pele macia dela e
quando os peitos se revelam é demais para o meu pau, uma vez
tenho lembranças deles há poucas horas em minha boca e mãos.
Charlotte é gostosa pra caralho, mesmo eu nunca tendo
admitido isso antes, mesmo que a observasse. Talvez parte de
assumir que ela seja gostosa tenha a ver com o fato de que eu
nunca a desejei tanto como venho desejando ultimamente, e mesmo
tendo a feito gozar duas vezes, eu não deixo de imaginar como será
quando eu finalmente entrar nela.
Tenho até medo de gozar rápido demais quando isso
acontecer. Eu respiro fundo, tentando esvaziar a atração que eu
tenho por hora, afinal, ela está bêbada e vulnerável agora, então
busco por algo para vesti-la.
— Seu moletom está sujo — ela explica, quando eu levanto o
travesseiro e não encontro nada. — Tem uma blusa dentro da
cômoda, primeira gaveta. — Ela cobre a boca novamente, mas não
adianta de muita coisa quando acaba arrotando.
— Nojento — digo, ao sair da cama e ir até a cômoda. — Qual
a sua fixação pela Minnie? — pergunto ao pegar a blusa que imagino
ser a que ela se referiu.
— É confortável — ela geme ao sentar.
Charlotte estende os braços para que eu a vista, o que eu
poderia estar reclamando, mas não faço, porque estou centrado em
apenas observá-la pedir minha ajuda, sem pedir um por favor
sequer, mas ainda sem reclamar da minha proximidade, e isso meio
que me traz uma sensação boa. Não consigo explicar ao certo o que
seria, mas é bom me sentir assim, isso é fato.
— Mais alguma coisa? — pergunto, fingindo não estar
gostando da situação.
— Maquiagem. — Suas mãos sobem até seu rosto, quando
ela bate nas bochechas.
— Você quer que eu te maquie? — questiono atônito.
Ela nega.
— Tirar. — Ela aponta para o banheiro. — Tem um óleo,
algodão e um negócio que se chama água micelar ao lado do
espelho. — Suspira ao cair de costas na cama de novo.
— Não deveria ser sabão? — Me afasto indo até o banheiro.
— Não — ela geme, batendo na cama.
Tomo um pequeno susto ao entrar no banheiro e encontrar
uma bagunça de produtos de maquiagem em cima da pia. Subo os
olhos e procuro pelo algodão e tal água, que acabo encontrando,
mas há trezentos tipos de óleos diferentes.
Ok, não são trezentos, apenas quatro, e em um específico diz
que é para limpeza de rosto. Ao voltar para o quarto, o peito de
Charlotte sobe e desce, ela pegou no sono, olho para os produtos
em minhas mãos e observo ela respirar profundamente, e mesmo
assim me sento na cama, me aproximando dela.
Pego o celular em meu bolso e procuro por um tutorial de
limpeza de pele e sigo passo a passo. No final, ainda volto para o
banheiro e pego uma toalha molhada e também os produtos que
imagino ser de rotina noturna, como a garota do vídeo diz, passando
no rosto dela.
Depois de terminar o processo de remover a maquiagem,
limpar o rosto dela e guardar as coisas no lugar, além de arrumar
toda a bagunça que ela deixou no banheiro e colocar a roupa que
ela usou no cesto de roupas sujas, mas no final, acabo organizando
o quarto dela.
Contando com o dia da festa, essa é a segunda vez que entro
no quarto de Charlotte na fraternidade. Quando crianças, ela nunca
me deixava entrar no quarto dela em casa, mas eu sempre tive um
telescópio e como nossos quartos era um de frente para o outro,
sempre quando ela não estava em casa, eu observava as coisas que
ela tinha em seu quarto e me arrepiava sempre que encontrava as
coisas bagunçadas.
Crescer brigando com Charlotte, na mesma medida em que
me afastou dela, também me aproximou.
Eu a conheço melhor pela forma em que a observo, em todas
as suas falas e comportamentos, do que se eu realmente
conversasse com ela. Provocar Charlotte por tantos anos me fez
aprender como ela reage a raiva, ansiedade, felicidade, tristeza,
euforia, medo e decepção.
Nas fotos em que ela tem coladas na parede do quarto,
grande parte são das competições que ela realizou e em todas ela
está orgulhosa por ter chegado ou onde chegou. Não houve uma
competição em que ela não tenha entrado em um pódio, e isso é o
que de certa forma mais me encanta nela – acredito que eu posso
dizer assim –, ela só entra em algo onde ela sabe que vai ganhar.
E mesmo que isso me faça admirá-la, também me faz ter
medo dela.
Charlotte é destemida, corajosa, ousada, audaciosa e
persistente, e ao mesmo tempo em que isso possa soar com
qualidade, também é algo a se temer, ainda mais quando ela nunca
chegou a abaixar a cabeça dela. Ela não sabe, mas todos os dias eu
aprendo com ela.
Ela também não sabe, tampouco precisa saber que eu acabei
de cobrir ela, então acabo deixando o lençol um pouco bagunçado
para dar a impressão de que ela fez isso sozinha enquanto dormia.

— A Charlie se classificou para a semifinal — Evan comenta


ao entrar na cozinha.
— Eu sei — respondo enquanto coloco uma colher cheia de
frutas na boca.
Ele para ao abrir a geladeira, me encarando como se estivesse
vendo uma segunda cabeça em meu pescoço.
— Você sabe? — pergunta perplexo. Anuo em resposta. —
Como você sabe?
— Minha mãe me disse — minto em partes.
A verdade é que passei o último fim de semana inteiro
acompanhando o intercolegial através das redes sociais, e também
nas lives que foram feitas das apresentações.
Charlotte fez a coreografia ao som do instrumental de Die For
You na última apresentação e ela estava perfeita, conseguiu realizar
dois triplos Axel, um Lutz, Toe Loop e mais um salto e perdi as
contas dos giros, mas posso afirmar que ela estava esplêndida, sem
errar um passo sequer, e todas as aterrissagens feitas com
perfeição. Foi isso que garantiu o primeiro lugar nas eliminatórias
regionais.
Depois do nosso aniversário, eu não vi mais Charlotte, pois na
segunda viajei para Michigan, onde nós acabamos perdendo por um
gol que Zach não conseguiu defender, e quando voltei para o
campus, ela já tinha ido para Boston. Até pensei em enviar
mensagens a semana inteira no grupo que ela fez, porém, não faria
sentido eu ir atrás dela assim quando estamos viajando para
competições e jogos.
— Sua mãe te ligou que horas para passar a informação? —
Evan estreita os olhos, desconfiado.
Pego meu celular e desbloqueio ele, indo até as chamadas e
verificando o horário da nossa última ligação.
— Meia hora atrás. — Deslizo o celular pela bancada para ele
ver, afinal, eu não menti por completo.
Minha mãe realmente me ligou e durante a conversa ela falou
sobre a classificação de Charlotte, o que eu também acabei
mentindo para ela ao dizer que Evan havia me dito sobre. Ninguém
precisa saber que eu abafei o meu grito com o travesseiro quando
ela finalizou a coreografia e recebeu as melhores notas do final de
semana inteiro.
— Bom dia, campeões. — James entra na cozinha, se jogando
na bancada ao se sentar. — Viram que a Charlie se classificou?
— Sim — Evan e eu respondemos.
— Pensava que você tinha dito que sua mãe te disse — diz
Evan.
Subo o olhar, o encarando, minhas narinas dilatam e eu
mostro o dedo do meio para ele.
— É a mesma coisa — respondo ao ficar de pé.
— Viram que... — Bellamy entra também na cozinha,
acompanhado de Zach e eu solto um gemido.
— Sim, todo mundo viu, Charlotte se classificou, eba! —
interrompo-o antes que ele complete a frase.
Poderia ser eu falando com todo mundo sobre ela ter se
classificado e estar demonstrando tanta animação para o caso, mas
eles com certeza estranhariam bem mais a minha reação, do que eu
dizer que sei sobre a classificação dela.
— Calma, zangado, primeiramente, bom dia — Bell brinca. —
Eu nem ia falar sobre a classificação dela.
— E sobre o que era então? — pergunto colocando a louça na
lavadora.
— Daniel estava em Boston, junto com Shantal, foram assistir
as apresentações juntos — Bellamy diz e não sei o que me
surpreende mais, a informação ou a dor de cabeça repentina que
sinto.
— Provavelmente Charlotte e ele voltaram. — Minha cabeça
vira na direção de Zach no instante em que ele fala.
— Não voltaram — digo convicto.
Zach ri.
— Chega a ser meio óbvio na realidade, eles ficavam, eles
estão sempre juntos, e ela decidiu se afastar de mim. — Ele ergue
os ombros.
— Então Charlotte só se afastaria de você se fosse para voltar
com o Daniel? — simplesmente sai, mas Zach parece não se
importar.
— É mais aceitável ela com ele do que com você, como eu
imaginei que poderia ser — novamente ele desdenha.
— Você é um idiota, Zach, é por isso que ela se afastou de
você, não por conta do Daniel. — Suspiro audivelmente.
Meus olhos saem de Zach e fitam James quando ele coça a
garganta, levantando a mão.
— Talvez o Zach tenha razão — ele diz.
— Não tem — nego.
— Ela voltou com ele no carro, ao invés de vir com o restante
da equipe de patinação de ônibus.
Minha cabeça gira por um instante e dou um passo em
direção à James.
— Ela já voltou? — ele anui. — Quando?
— Ontem à noite.
— Com o Daniel?
— Provavelmente sim, Anna, Dakota ou Dirty devem nos
informar em breve — ele solta, sem entender minha real pergunta.
E não, eu não vou esperar pela confirmação de uma volta de
Charlotte e Daniel. Me aproximo ainda mais da bancada e James,
que está sentado nela, pisca duas vezes, parecendo assustado, mas
tudo o que faço é pegar meu celular e me afastar deles, saindo da
cozinha, mas não sem antes virar e dizer:
— Às vezes eu acho que a Dirtymouth está dentro dessa casa,
vocês são mais fofoqueiros que ela.
Não espero uma resposta ou qualquer olhar estranho para
mim, ao desbloquear o celular e abrir o grupo que Charlotte criou, e
pouco me importo também se ele foi criado apenas com o intuito de
sexo.
Passei a merda do fim de semana inteiro atualizando todas as
redes sociais, vendo mais de duzentos patinadores dançarem no
gelo, para assistir ela se apresentando três vezes, enquanto Daniel
estava lá assistindo à competição de camarote e ainda a trouxe de
volta para o campus, quando ela deveria retornar apenas amanhã
pela manhã.
Tenho jogo em dois dias, mas nem por isso estou chamando
qualquer garota com quem já transei para me dar carona ou ir me
assistir jogar. Portanto, não me entra na cabeça essa proximidade
deles.

Alex:
Onde vc está?
Charlie:
Pq?
Alex:
Vc não quer que eu repita a pergunta
Charlie:
No meu quarto
Pq?
Alex:
Estou indo aí

Não se passam mais de dez segundos quando meu celular


começa a tocar e no mesmo tempo em que pego as chaves do carro
e calço os tênis, atendo a chamada.
— Você não pode vir aqui — ela sussurra.
— Por que não?
— Porque as meninas estão aqui.
— Foda-se elas, chego em cinco.
— Você...
Não sei como ela iria acabar a frase, pois desligo a chamada
assim que passo pela porta da república, seguindo até o carro de
Charlotte.
Eu não penso direito quando dou partida no carro, tirando-o
da garagem, muito menos quando piso fundo no acelerador. São
sete da noite, a última vez em que a vi tem dias, não nos falamos
mais desde o nosso aniversário, a última vez em que a vi eu a cobri
de qualquer forma, e ela nem para avisar que havia retornado de
viagem.
Totalmente insano da minha parte fazer esse tipo de
cobrança, por isso repenso o que devo falar quando encontrá-la. Nós
não somos algo sério, combinamos apenas de ser algo casual e
passageiro, então por que eu estou agindo assim e parando o carro
em frente a fraternidade em um freada ensurdecedora dois minutos
depois de desligar a ligação com ela?
Porra.
Minha mão sua frio quando eu agarro o volante com força,
antes de desligar o carro, engulo em seco, sentindo uma ansiedade
diferente. Passar dias sem ver Charlotte é normal quando estamos
em época de jogos ou competições, interagir com ela através de
joguinhos também é totalmente normal. Acontece que dessa vez eu
não consigo entender exatamente que jogo é esse que eu arrisquei
entrar e ela topou.
Se é para ser somente sexo, por que suor frio desce por
minha têmpora quando ela sai correndo da fraternidade, vindo em
direção ao carro? Por que eu sinto à vontade intensa de pular para
fora do carro e correr na direção dela, apenas para senti-la e tocá-
la?
Nunca senti meu estômago embrulhar assim antes, talvez seja
justamente por isso que eu esteja assim, porque eu nunca me senti
dessa forma, o que é algo completamente novo para mim. E não
faço a mínima ideia de como devo demonstrar isso, ou deixar de
fazer.
— Espero que você tenha vindo até aqui apenas para me dar
parabéns — ela diz assim que entra no carro.
— Pelo o quê? — Mordo a bochecha.
— Minha classificação, óbvio.
— Ah. — Tento parecer casual, mas meus dedos batucam no
volante enquanto a observo, ainda sentindo um frio percorrer na
minha barriga. — Foi legal a apresentação. Até que você se saiu
bem, melhor que no ano passado, até.
Ela ri, nós dois nos virando ao mesmo tempo para nos
encarar.
— Não sabia que você assistia às minhas competições —
observa.
Maneio a cabeça para o lado.
— É meu pornô — provoco.
Seus lábios se abrem e ela solta uma lufada de ar, cerrando os
olhos.
— Você é nojento. — Ela franze o nariz com nojo. — Por que
você veio aqui, Alexander? — questiona ao ficar séria.
— Por que você não me disse que havia voltado? — devolvo.
Charlotte balança a cabeça, atônita, cedendo seu corpo no
banco do carro e fazendo biquinho
— Não sabia que eu deveria ter te falado nada — responde.
— Com quem você veio se o restante do time de patinação só
chega amanhã? — Ela vira os olhos, olhando para o lado, parecendo
pensar em uma resposta, o corpo descendo cada vez no banco. — O
que você está fazendo? — Estreito os olhos. — Com quem você
veio? — insisto.
— Shantal?! — a resposta sai como uma pergunta.
— Apenas ela? — Ela nega.
Ela volta a me olhar, com os olhos cerrados e cobrindo o rosto
com as mangas do suéter que esticou.
— Você já deve saber com quem — sussurra.
— Não sei — nego, mentindo. — Com a treinadora?
Ela balança a cabeça.
— Daniel. — A voz sai ainda mais baixa.
Meus lábios se erguem em um sorrisinho e um som rouco sai
de dentro de mim.
— Sério? — falo em uma falsa simpatia e os olhos dela
oscilam.
— Sim, vim com o Daniel, ele estava lá. — Desce um pouco
mais no banco.
Solto o volante e me aproximo um pouco dela, pendendo a
cabeça para o lado. Charlotte arregala os olhos e descobre o
restante do rosto, com um sorriso vacilante em seus lábios.
— E o que ele estava fazendo lá?
— Assistindo a competição — explica o que é óbvio.
— Então o Daniel foi até Boston assistir você se apresentar e
ainda te trouxe de volta para o campus? — Assobio. — Entendi
certo? — ela concorda.
— Shantal o chamou, ele não tinha jogo e eles foram me
apoiar — ela explica, voltando a sentar direito no banco e eu me
afasto. — No final ele me perguntou se eu não queria voltar mais
cedo, e eu quis. Não vejo problema nenhum nisso.
— Ele foi só te ver e te trouxe, sem intenção alguma, certo?
— Ele é meu amigo. — Respira fundo.
— Amigo de boceta é pau, Charlotte.
— E é por isso que você não tem nenhuma amiga.
— Se eu quiser eu posso ter. — Ergo os ombros.
— Problema seu. — Ela revira os olhos. — Eu não vou deixar
de falar com ele porque você quer, só porque temos um acordo para
transar e ainda nem transamos. — Ela se remexe, ficando com raiva.
Me viro, apenas para parar de olhá-la, e bato a cabeça no
descanso do banco ao jogá-la para trás, respirando fundo. Em partes
Charlotte tem razão, nós realmente não transamos, mas eu não
gosto que ela fique andando com o ex dela assim, eu apenas não sei
como dizer isso.
— Por que você está fazendo grande caso disso mesmo? —
ela pergunta quando eu me mantenho em silêncio.
A olho de canto e estalo a língua no céu da boca.
— Não estou — minto, fechando a mão no volante. — Apenas
é incrível como ele sempre está por perto, te dando caronas, vendo
suas apresentações, te oferecendo bebidas em festas, te levando
para o vestiário masculino...
Paro de falar quando ela solta um gemido frustrada.
— Ou você é chato para um caramba, ou você está com
ciúmes de mim.
— Ciúmes?! — interrompo-a.
Ela sobe as palmas das mãos.
— Só pode! — exclama. — Você faz grande caso para o Daniel
e para o Zach.
— Dois idiotas — murmuro entredentes.
— E você o terceiro — ela bufa, saindo do carro.
— Onde você vai? — pergunto quando ela bate a porta com
força.
Tiro a chave da ignição e também saio do carro, dando a volta
e correndo até ela. Antes que a pegue pelo pulso, a fim de virá-la,
ela faz isso sozinha.
— O que você quer?
— Eu não terminei de falar.
— Se o assunto for Daniel ou Zach, eu prefiro ir dormir.
— Acho que está na hora de você esquecer eles, não acha?
Charlotte rola os olhos e cruza os braços, eu deveria
conseguir me controlar um pouco mais perto dela, ainda mais com
ela brava assim, mas acontece que eu não consigo, nem quero.
Passo o braço por sua cintura, a aproximando de mim, meu
pau ganhando uma boa quantidade de sangue quando encosta no
quadril dela. Charlotte suspira, erguendo o queixo para me encarar.
— Quem disse que você pode me tocar?
— Você — respondo e ela me empurra.
— Boa noite, Alexander — diz ao se afastar.
O que claramente eu não deixo quando dessa vez eu a pego
pelo braço, a aproximando de mim, nós dois respirando fundo.
— Alguém vai acabar vendo a gente aqui. — Sua voz sai
vacilante.
— Então me leve para o seu quarto — sugiro.
Ela pisca três vezes ao engolir em seco, a tensão é palpável
em seu rosto e a surpresa também em seus olhos. Dessa vez não há
qualquer hostilidade enquanto nos encaramos por alguns segundos.
Charlotte sabe bem que eu não estou brincando, caso contrário ela
estaria me dispensando agora e não me fitando tão tensa.
Sorrio de maneira desafiadora, tentando adivinhar o que se
passa na cabeça dela. Meu rosto se aproxima do seu e seu peito
sobe quando toma uma boa quantidade de ar.
— Você só pode estar brincando.
Nego, a olhando intensamente.
— É a única maneira de colocarmos um ponto final em Zach e
Daniel de uma vez — digo, sabendo que isso serve mais para mim
do que para ela no final das contas.
Me prenda e jogue a chave fora
Ele sabe tirar o melhor de mim
Não sou uma força para o mundo ver
Trocaria a minha vida toda só para ser
ONE OF THE GIRLS | THE WEEKND FT. LILY ROSE DEEP & JENNIE

O sol ainda está se pondo e por sorte o movimento aos


arredores é inexistente, caso contrário, alguém já teria visto o quão
Alex e eu estamos perto nesse momento.
Eu quero isso, eu preciso disso tão insanamente. Mas agora?
Ele aperta minha cintura mais um pouco, há uma luxúria
carregada em seus olhos que brilham intensamente à medida em
que escurecem, engulo em seco outra vez, e pisco. O ar frio atinge
minha pele, fazendo com que meus pelos se ericem de novo,
enquanto eu tento raciocinar e pensar em algo.
— Como te levo para dentro sem que você seja visto? —
Minha voz sai fraca, e isso se dá pelo fato de eu estar
completamente derretida.
— Quem está aí? — pergunta. Ele não quebra o contato visual
por nada, e eu também nem tento disfarçar ou desviar.
— Quase todas as garotas.
Pisco os olhos, pensando, enquanto ele tenta fazer o mesmo,
frustrado. Alexander solta minha cintura, que até então, eu nem
tinha percebido que não fiquei incomodada com o toque, e quando
ele me solta, faz com que eu sinta falta do contato.
— Tem a escada dos fundos — digo.
— Explique — ele pede de imediato.
— Mas aí você vai ter que entrar pela cozinha.
— Só me diga como eu entro e o resto eu me viro — fala sem
demonstrar um pingo de paciência.
Então eu explico a ele onde fica a escada depois dele entrar
pela cozinha, e que ela vai direto para o andar onde fica apenas o
sótão, então ele terá de descer para o segundo pela convencional, e
para isso não deve ter ninguém no corredor.
Mal termino de falar e Alexander já se afasta para dar a volta
na casa que é cheia de garotas que fariam de tudo para ter o quarto
delas invadido por ele, mas a sortuda sou eu, e ninguém pode saber
disso. É por isso que quando volto para dentro tento agir o mais
tranquila possível ao ir para a cozinha.
— Ei — chamo ao ver que Sarah e Dakota estão preparando
alguma vitamina, elas duas se voltam para mim. — A Anna está
chamando vocês lá na garagem.
— Por que a Anna está na garagem? — Sarah inquire ao
cortar uma banana direto no liquidificador.
— Ela nem carro tem — Dakota completa.
— Realmente não sei. — Meus dedos começam a tremer e eu
arregalo os olhos ao ver Alexander do lado de fora. — Acho que
deve ser algo sobre a próxima festa.
Dakota e Sarah se olham por alguns segundos, deve passar
alguma coisa pela cabeça delas, pois tão rápido elas param de cortar
as frutas e saem da cozinha me agradecendo, assim que isso
acontece, Alexander entra.
— Anda logo — falo entre lábios, apontando para onde a
escada fica.
Assim que ele desaparece eu respiro aliviada e corro para fora
da cozinha, afinal, preciso ter certeza que não há ninguém no
corredor do segundo andar, contudo, assim que começo a subir as
escadas, Dakota me chama.
— A Anna não estava na garagem, Charlie. — A loira me olha
desconfiada.
Meus lábios tremem quando eu solto um suspiro, parando no
terceiro degrau.
— Eu devo estar imaginando coisas então. — Dou uma
tapinha na minha cabeça. — Deve ser por conta do cansaço da
competição e viagem.
— Deve ser... — A desconfiança de Dakota ainda é nítida.
Ela pisca duas vezes, eu também, mas um barulho chama a
nossa atenção e juntas olhamos para a porta, onde Anna entra
batendo os pés no chão.
— A gente precisa organizar a próxima festa — ela fala
diretamente com Dakota e com isso eu volto a subir a escada com
pressa.
Meu estômago se remexe inteiro, é como se houvesse
trezentas borboletas voando em minha barriga. Sinto que o que está
prestes a acontecer é errado, talvez seja por isso que minhas pernas
fraquejam quando chego ao segundo andar.
Um grito ameaça sair da minha boca quando meu corpo
tromba com o de Alexander, mas por sorte ele tapa minha boca no
mesmo instante, ou então todas as garotas estariam aqui agora. O
nervosismo dentro de mim só faz com algo se incendeie, mais
precisamente minha boceta, que já está encharcada quando
Alexander me encara com os olhos arregalados.
— Tem alguém vindo — ele sussurra quando ouvimos passos
virem da escada. — Faça silêncio — ele manda.
Seu próximo passo é tirar a mão da minha boca e se agachar,
sinto seu braço contornar a parte de trás das minhas coxas e então
Alexander me joga sobre seu ombro, dessa vez, eu mesma cubro
minha boca, porque novamente eu iria gritar.
Ele corre e em questão de segundos estamos entrando no
meu quarto, que ele abre a porta com tudo, e também a fecha na
chave.
— Ninguém tem a chave do seu quarto, certo? — questiona,
comigo ainda sobre seus ombros ao se virar.
— Não — respondo. — Agora me coloca no chão — mando.
Um suspiro audível me escapa quando ele me joga no colchão
com tudo, como se eu fosse um saco de areia. Respiro fundo, mas
quase não tenho tempo de pensar outra vez, pois Alexander já está
subindo na cama, um joelho ao lado do meu quadril e o outro entre
as minhas pernas.
Minha respiração fica tensa quando ele fica sobre mim,
apoiando as mãos ao lado da minha cabeça.
— Nós vamos mesmo fazer isso? — eu pergunto, porque
estranhamente quero que ele tire a roupa de uma vez por todas,
mas por outro lado, eu não tenho certeza do que será de mim, ou
melhor dizendo, de nós dois, quando isso acabar.
— Você tem cinco segundos para desistir. — Ele suspira. —
Caso contrário, estarei tirando sua roupa e depois disso você não vai
conseguir me pedir para parar.
O cabelo escuro e ondulado recai sobre sua testa, o maxilar
perfeitamente tensionado quando um sorrisinho aparece no canto da
minha boca me faz ficar ainda mais em dúvida. Quando eu
permaneço calada apenas o observando, Alexander começa a contar,
regressivamente.
— Cinco...
E se a gente deixar de se odiar apenas porque transamos?
— Quatro...
Por que os músculos do braço dele têm que ser tão bem
definidos?
— Três...
Eu quero ter que ouvir ele chamar meu nome enquanto está
dentro de mim, igual como ele fez enquanto se masturbava.
— Dois...
Nós dois nunca fomos bons um com o outro, e se o sexo for
péssimo também?
— Um...
Ele está com a mão em meu quadril.
A contagem regressiva foi desnecessária e eu não sou a única
que sabe disso, pois quando eu olho diretamente para os olhos
cheios e dourados que parecem estar pegando fogo, assim como eu,
pisco apenas uma vez, mas mesmo assim, Alexander parece precisar
de uma resposta.
— A única razão para o meu pau ainda não estar dentro de
você é sua falta de resposta.
Seus dedos pressionam minha pele, eu respiro fundo ao sentir
o choque se estender por todo o meu corpo e meus ossos tremem.
A tensão entre nós é tanta que eu mal posso respirar para conseguir
dar a sua resposta, então eu anuo.
O canino que aparece sempre que ele consegue o que quer
aparece quando ele tem a sua tão esperada resposta. Alexander
sorri, sua mão que está em meu quadril sobe por dentro do suéter
que uso e ao mesmo tempo que parece que ele tem pressa, ele
parece tranquilo ao encontrar meu mamilo, duro e tenso, o dedo
calejado dele arranha o ponto sensível e eu suspiro.
— Imagino que lá embaixo você deva estar pingando. — Ele
belisca.
Estreito os olhos e tão rápido as palavras voltam para minha
boca, pois mesmo que eu o queira dentro de mim, eu não posso
deixar com que ele me provoque sem dizer nada.
— Ou posso estar tão seca quanto o deserto do Saara.
É claro que o meu comentário se torna um desafio para ele,
pois tão rápido ele se afasta, seus dedos alcançam o cós da minha
calça, se juntando com a calcinha, e agradeço mentalmente por isso,
caso contrário, ele teria que me ver usando uma calcinha de algodão
da Margarida, amiga da Minnie.
Alexander nem mesmo tira minha calça por completo quando
os dedos vão direto para o meio das minhas pernas. Não há
gentileza em seu toque, quando tudo o que ele quer é provar seu
ponto.
— Se o Saara fosse seco assim, talvez ninguém teria morrido
de sede lá em séculos — ele comenta e eu agarro os lençóis com
força, erguendo a cabeça quando os dois dedos se estendem em
minha boceta, espalhando toda a minha lubrificação e roubando
meu fôlego.
Com a outra mão livre após tirar minha calça, Alexander
trabalha na retirada do suéter, e eu o ajudo com isso, ficando
completamente nua e à mercê dele.
Um gemido escapa da minha boca quando ele pega meu
pescoço por trás e ergue meu corpo, sua boca se aproxima de mim
e ele chupa a lateral da minha nuca, indo em direção a orelha, onde
mordisca o lóbulo. Parece que ele acaba de acender o pavio de uma
bomba e ela está dentro de mim, prestes a explodir quando seus
dedos se aprofundam.
A língua provoca toda a minha pele e por Deus, bem que eu
poderia estar beijando-o agora, e assim teria meus sons abafados
por sua boca, mas ainda nem transamos para chegar nesse ponto –
por mais que já tenha acontecido duas vezes, uma de surpresa, e
outra quando eu sequer sabia que era ele –, o não beijo estão nas
regras, porque a partir do momento que eu sei que é ele que está
me beijando e eu estou aceitando isso, eu não sei como iremos
seguir a partir disso.
Então que ele continue a provocar toda a minha pele com sua
língua, eu gosto disso.
— Espero que as paredes do seu quarto sejam grossas o
bastante — observa quando eu arquejo seguido de um gemido.
Ele usa força e ao mesmo tempo sutileza ao me foder com os
dedos. Eu vou me derretendo aos poucos e perdendo a total noção
do que está acontecendo, e sem vergonha alguma eu acabo
rebolando em suas mãos. Alexander demonstra gostar do que eu
faço quando ao agarrar meu peito com a boca, ele sorri.
— Não quero gozar na sua mão dessa vez — digo, mesmo
que esteja me sentindo mole. — E nem quero ser a primeira a gozar
hoje.
Mesmo com minhas pernas e mãos vacilantes, eu consigo
fazer com que Alexander saia de dentro de mim ao empurrá-lo. Ele
fica pé e eu faço esforço para ficar de joelhos na cama, minhas
mãos agarram o tecido fino da camisa de algodão que ele usa e me
apresso para tirá-la por sobre sua cabeça.
— O que você vai fazer, Charlotte? — ele pergunta, tenso,
quando eu começo a desabotoar sua calça.
— Eu já estive à sua mercê antes, agora é minha vez — é
tudo que digo ao desabotoar sua calça por completo, assim como
ele fez comigo. Desço o jeans juntamente com a cueca, revelando
sua ereção. — Espero que você esteja limpo. — Sorrio ao olhar para
cima e pegar seu pau pela base.
— A única coisa suja em mim são meus dedos, que você
sujou, patinho feio — ele responde afrontoso ao pegar meus cabelos
soltos em punho.
Mordo o lábio inferior ao punhetar seu pau e ficar de quatro,
seu peito se move quando ele respira fundo e agarra com força
meus cabelos.
Sei que pode faltar um pouco de nexo para mim no momento,
mas sinto que o que estou fazendo é certo, eu já me desmontei e
gozei para Alexander duas vezes, e eu não vou deixar que isso
aconteça uma terceira vez sem poder fazer o mesmo com ele. Além
da minha vontade, é claro, de saber se ele está realmente tão louco
por isso quanto eu.
Minha mão livre se agarra aos gominhos em seu abdômen, o
arranhando ali, fazendo movimentos de vai-e-vem com minha mão
que quase não contorna o seu pau grosso. Eu o coloco em minha
boca, eu não me preparo para receber o ele inteiro, tampouco ele,
então quando eu quase engasgo com glande encostando o fundo da
minha garganta, e eu nem cheguei a cobrir metade da ereção com a
boca, ele arfa estridente.
— Cacete... — ele deixa escapar, os dedos entre os fios dos
meus cabelos.
Encosto seu pau no fundo da minha garganta mais algumas
vezes, deslizo a língua devagar por toda a extensão e me concentro
na cabeça brilhante por alguns segundos, contornando a glande
rosada. Os músculos de Alexander se contraem e ele começa a suar
enquanto eu o chupo e minhas unhas sobem pela extensão do seu
abdômen, arranhando-o.
Soltando meu cabelo, ele pega a minha nuca, suas pernas
começam a se mover, quando ele se livra da calça por completo. A
respiração é audível arranhando sua garganta e gemidos controlados
saem da minha boca enquanto ele começa a movimentar minha
cabeça para frente e para trás.
Minha boceta pisca, apenas com a ansiedade do fato de que
em breve, ao invés dele estar fodendo minha boca, estará fodendo-
a.
Faço o barulho de engasgo mais algumas vezes e quando eu
sinto que ele está prestes a gozar graças os ruídos dele e os
palavrões que saem da sua boca sussurrados, ele me puxa para trás
e me empurra. Caio de costas na cama, Alexander começa a se
masturbar enquanto vem para cima de mim.
— Por mais que eu queira ver como fica sua boca cheia da
minha porra, agora quero ver seus peitos melados — ele diz ao ficar
em cima de mim.
Alexander larga seu pau apenas quando ele fica entre meus
peitos, que ele os pega com força, enquanto circula os mamilos e
fica em vai-e-vem, e então, eu não sei quem está mais se
controlando mais: eu ou ele, pois seus movimentos, seguidos do
contato em meus mamilos, me deixam louca. Quando o jato quente
dispara entre meus peitos, outro desce por minha boceta.
Choques se espalham por todo meu corpo e minha pele
parece estar adormecida quando sinto ela queimar por inteira. Meu
peito subindo e descendo enquanto eu tento respirar e me forçar
para abrir os olhos. Em cima de mim, Alexander parece estar
enfrentando o mesmo, respirando fortemente.
Ainda piscando, vejo ele sair de cima de mim, mas não por
completo, pois tão logo seu corpo encharcado de suor está entre
minhas pernas.
— Você está limpo? — eu pergunto.
Anui em resposta.
— Quando foi seu último teste de IST? — pergunto.
— Acredito que há duas semanas, assim como você, por quê?
Meu rosto queima com que estou prestes a propor. Eu nunca
fiz isso antes, muito pelo contrário, sempre fui adepta e chata em
relação a camisinha, mas minha boceta latejante para implorar com
senti-lo sem nada.
— Estou molhada demais para usar camisinha — admito.
— Está falando sério? — O canto da boca de Alexander se
ergue em um sorriso e eu anuo. — Pílula?
— Chip.
Minha resposta para ele parece ser o suficiente quando ele
pega uma perna minha e a coloca em seu ombro. A outra mão
começa a bombear seu pau que tão logo eu o sinto duro, roçando e
deslizando na extensão da minha boceta. Alexander sabe bem o que
está fazendo quando começa a provocar meu clítoris com a glande e
gemidos sutis escapam dos meus lábios.
Sinto meu clítoris latejar de tanta vontade toda vez que ele se
afasta e apoio meus cotovelos no colchão, apenas para vê-lo melhor,
mas Alexander vira a cabeça e mordisca meu tornozelo. Começo a
perder o fôlego outra vez e parece acontecer o mesmo com ele,
quando ele para, com o pau firme e ereto apenas encostado em
mim, meu corpo se contorce.
— Vai entrar de uma vez, ou quê? — pergunto, fraca, mas
sem paciência alguma.
— Vamos precisar de uma palavra segura — ele diz.
— Por quê? — Pisco os olhos surpresa, sendo pega
desprevenida por ele.
— Porque nós estamos prestes a foder, Charlotte. Não estou
aqui para fazer carinho em você. — O ar retesa em meu peito com
suas palavras ríspidas.
Arregalo os olhos, sei que o lance entre nós era casual e
embora eu goste da ideia, não esperava por isso. Reviro os olhos
enquanto tento pensar em algo, e qual é a única coisa que temos
em comum, além de ódio?
— Gelo — digo.
— Certeza? — ele pergunta, afastando o pau de mim, e tão
logo sinto falta.
Concordo. Alexander assente, em seguida ele pega minha
outra perna e contorna seu quadril, erguendo meu corpo e me
fixando minha boceta no meio de suas pernas. Sinto seu pau se
contorcer quando ele o pressiona em minha entrada.
— Pronta?
Mais do que nunca.
— Anda logo. — Mal termino de falar e ele entra em mim com
força, até onde ainda tem espaço.
Mordo os lábios, impedindo que um grito se alastre em minha
garganta e eu solte um gemido alto. Quase não tenho tempo de me
acostumar com sua grossura e tamanho quando ele entra sai de
mim outra vez, me segurando pelos quadris.
Um grunhido arranha minha garganta, porque eu tento ao
máximo controlar os gemidos. Minha cabeça pende para trás,
quando eu revelo:
— Isso está bom demais! — Mais uma pontada de prazer me
invade quando ele entra outra vez com força.
— A camisinha realmente seria apenas um empecilho agora —
ele grunhe. — Meu pau desliza tão bem nessa sua boceta molhada.
Ela é deliciosa, Charlotte — ele diz ao me estocar outra vez, o mais
fundo que consegue e isso parece me deixar ainda mais molhada.
Ele solta uma mão do meu quadril e minha perna que está em
sua cintura se agarra a ele com mais força, enquanto ele entra e sai
de mim. Seu polegar começa a fazer movimentos circulares no meu
clítoris, me provocando, e eu também busco algo com o que mexer
minhas mãos, então eu acabo acariciando meus peitos.
Talvez assistir a cena em que eu massageio meus seios com
seu gozo quase seco, o espalhando em mim, instigue ainda mais
Alexander, que se inclina para frente, deixando minha perna que
estava em seu ombro cair ao lado do seu corpo. Ele aproxima o
rosto das minhas mãos, para observar com mais atenção a cena e
puta merda, como ele é gostoso e atencioso.
Chego a me perguntar porque nunca me surgiu a ideia de
jogar assim com ele antes.
— Respire fundo — ele diz, arfando.
Engulo em seco sem entender, mas faço o que ele diz.
— Mais uma vez. — E eu o faço.
Sou pega de surpresa quando em uma estocada violenta que
ameaça me tirar um grito, sua mão forte agarra meu pescoço com
tudo. Arregalo os olhos e ele continua entrando e saindo de mim,
sem descansar. Largo meus peitos e agarro seus ombros, agora sim,
entendendo o motivo dele pedir uma palavra de segurança, mas
quando ele torna seus movimentos mais rápidos, eu não sinto
vontade alguma de dizê-la.
Ele abre um pouco a mão e respiro fundo, mas tão logo, ele
me aperta outra vez e, puta que pariu, isso é bom demais!
Alexander permanece me estocando, às vezes mais lento e
com mais força, outras rápido e até o talo, mas seu pau não
abandona minha boceta em momento algum. Estou sem ar, e sei
disso, pois não consigo mais respirar, tampouco gemer, e nunca
pensei que estar assim poderia ser tão fodidamente excitante.
A adrenalina que corre em minhas veias e pele chega a ser
entorpecedora, procuro pelos olhos de Alexander e ele está
concentrado na minha boca, as pupilas dilatadas.
— Não é você que me odeia, Charlotte? — ele provoca. —
Então por que me deixa continuar te fodendo assim? — Seus olhos
encontram os meus.
Eu pisco, necessitada de ar, mas não sinto que seja a hora,
pois suas palavras só me fazem ficar ainda mais tensa e louca para
gozar com seu pau dentro de mim.
Ele libera um pouco seu agarre, o que não é o suficiente para
que eu possa respirar. Cada estocada, dessa vez, sua mão aperta
ainda mais e eu vou ficando tonta, sem reconhecer direito se pela
falta de ar, ou a vontade extrema de me libertar de uma vez por
todas.
Pisco antes de arregalar os olhos.
Tento engolir em seco e não consigo.
Meus pulmões queimam a procura de oxigênio.
Minha boceta pulsa, pronta para gozar.
Alexander alivia a pressão da minha garganta e me solta,
então sua mão passa para trás do meu pescoço. Ele me pega pelos
cabelos com força e ergue o meu corpo para cima, em um
movimento rápido com seu pau ainda dentro de mim, ele consegue
me pegar no colo e apoiar uma mão na minha bunda, minhas
pernas se agarram em sua cintura quando sinto que vou cair quando
ele me solta.
Splash.
Um estalo agudo e rápido soa entre as quatros paredes do
meu quarto, quando a palma da mão dele atinge minha bunda com
força.
Alexander gosta de agressividade e por incrível que pareça,
com ele, eu também gosto disso e é por isso que antes que ele se
prepare para dar outro tapa na minha bunda, minha mão estala em
seu rosto.
Tão rápido ele volta a me olhar, um sorriso selvagem surge
em seus lábios, que eu me aproximo deles, não o beijo, mas pego o
inferior com os dentes e o mordo com força. Ele anda comigo ainda
dentro de mim e me empurra contra a parede com força, minha mão
encosta na parede, com a palma para cima e ele entrelaça a sua
mão à minha.
— Eu gosto quando você é selvagem, patinho feio — ele
provoca, o sorriso voltando para sua boca.
— Você quem começou — respondo fraca, ainda sentindo os
efeitos da asfixia na minha voz, quando arranha em minha garganta.
Ele entra e sai de mim mais alguma vezes, minha pele
formiga e a pressão de suas estocadas crescem dentro de mim.
Sustento o olhar dele, mesmo estando prestes a desfalecer em seus
braços enquanto ele me fode – bem demais –, entrando em mim até
o fundo e soltando gemidos roucos, me deixando cada vez mais
pronta para me libertar.
Meus músculos contraem quando o pau dele desliza em mim
uma última vez, nossos olhos colados um no outro, nenhum dos dois
piscam. Ele não gozou, nem eu, mas minha boceta contrai com o
pau dele ainda dentro de mim, os esmagando, sufocando-o, igual
ele fez com meu pescoço.
—­Porra, Charlotte — ele grunhe.
E é igualzinho a quando ele se masturbava no banheiro
quando tivemos que dividir o mesmo quarto, isso é o suficiente para
mim.
Uma vez que a contração acaba por meio segundo, seu pau
se contorce dentro de mim e mais uma vez eu o seguro, dessa
provocativa, controlando o agarre, nossos olhos não vacilam, ao
contrário da nossa respiração. Ele não faz esforço algum para sair de
mim e eu também não ajudo ao manter minhas paredes internas
contraídas.
É então, quando eu o solto aos poucos, Alexander aperta
meus dedos, e eu os deles, a bomba que existia dentro de mim
finalmente explode, mas eu não sou a única, pois à medida que
cada músculo meu derrete, eles são aquecidos pelo gozo quente de
Alexander.
O clímax entre nós dois é intenso e profundo, de algum jeito,
ele me segura, com os dedos ainda entrelaçados e minhas pernas
fracas ao meu redor, Alexander volta para a cama. Dessa vez ele não
me joga, mas assim que minhas costas encontram o colchão, meu
corpo inteiro amolece, e ele se joga para o meu lado.
Arquejo, a procura de ar decente, enquanto ouço a respiração
ruidosa de Alexander, meus olhos descem e vejo que o pau dele,
todo melado, ainda pulsa. Ele não fala uma palavra e nem eu.
Talvez isso se dê pelo fato de que acabamos de ter uma foda
incrivelmente insana com as pessoas que mais odiamos, ou seja, nós
mesmos.
Ele vira a cabeça para mim quando eu olho para cima, a testa
dele está franzida.
— Eu ainda te odeio — digo.
— É por isso que você gozou quatro vezes para mim?
— Vai à merda, Alexander.
Ele ri, rouco, e mesmo parecendo esgotado, ainda é sexy para
caralho o arranhado que sai da sua garganta.
— Quem deve estar na merda é qualquer outro cara que já
chegou a encostar em você, porque eu acabo de estragar todos os
homens para você, patinho feio.
Respiro fundo, pois, infelizmente, o cretino tem razão.
Eu quero a sua psicopatia
Sua vertigem
Quero você na minha janela traseira
Cara, você é doentio
Eu quero o seu amor
BAD ROMANCE | HALESTORM

— O que você acha? — pergunto ao virar a câmera do celular.


Alice pende a cabeça para o lado, parecendo pensativa. Os
lábios dela se transformam em um biquinho, então eu viro a câmera
de volta para mim.
— É bonito, mas esse patins não é feminino? — pergunta,
confusa. — O cravejado dos cristais também?
Engulo em seco.
— É — concordo com ela.
— Você quer assumir algo para mim, Alex? — Mesmo que
estejamos pela chamada de vídeo, eu consigo notar a surpresa no
rosto dela, por mais que a voz esteja tranquila.
Meu coração para, será que ela está prestes a perguntar se
eu sinto algo pela filha dela? Não, não seria isso... Ao menos eu
acho que não, então tento soar o mais casual possível.
— Não entendi.
— Você nunca teve uma namorada antes — começa. — Mas
você nunca me pareceu ser bi, ou...
— O que você está querendo dizer, Alice? — Estreito os olhos,
estranhando a conversa.
Ela pisca duas vezes, parecendo tentar encontrar as palavras
certas.
— Que você é gay, bi, ou metrossexual, não sei. — Solta uma
lufada de ar ao sentar-se, e eu começo a rir. — Se for qualquer um
desses, não entendo porque você escondeu por tanto tempo... —
Ela pausa. — Por que você está rindo?
Mordo o interior da bochecha para controlar o riso.
— Por que eu estou claramente perguntando sobre um colar
para a sua filha e você está preocupada com minha sexualidade?! —
respondo retórico.
Ela começa a piscar, parecendo atônita, as bochechas ficando
vermelhas, então de repente seus olhos se arregalam e ela tosse, se
engasgando.
— Você está comprando um colar com um pingente de patins,
com cristais cravejados, para a Lottie? — cospe em um grito.
— Sim. — Agora é minha vez de ficar vermelho, mas de
vergonha.
— Por quê? — Ela cerra os olhos, sorrindo.
Jogo os ombros para cima e faço uma cara de desdém.
— Eu vi — minto, porque tenho procurando por essa peça na
internet há duas semanas. — E pensei que ela iria gostar — minto
novamente, porque quando encontrei uma loja à vinte milhas do
campus que vendia exatamente o que queria, peguei o carro de
dirigi até aqui, para comprar. — E está com um preço legal. — Vou
ter que atrasar minha parte do aluguel pelo menos duas semanas,
ou pedir emprestado ao Evan.
— É você quem vai presenteá-la? — A desconfiança dela é tão
notória.
Reviro os olhos.
— Vou dizer que achei no lixão. — Dessa vez é verdade. — E
lembrei dela.
Alice começa a rir.
— Você não namora por isso, sabia?!
— Por quê?
— Porque você não consegue presentear uma pessoa que
você conhece desde que nasceu sem insultá-la, imagina ser
romântico.
— Não estou querendo ser romântico. — Sinto meu nariz se
franzir quando faço uma careta e ela ri ainda mais.
— Claro que não — ela concorda, a voz saindo aguda
enquanto ri. — Mas se quisesse, você me diria, certo?
Se arrependimento matasse eu estaria sofrendo um ataque
cardíaco agora, porque chega ser óbvio como eu estou arrependido
de ter ligado para a mãe de Charlotte e perguntar o que ela achava.
Não sei o que deu em mim para, de repente, procurar a aprovação
de Alice sobre algo que eu vou dar para a filha dela.
Eu nunca dei nada a Charlotte, então desde o seu aniversário,
três semanas atrás, eu comecei a pensar e se eu desse um presente
a ela, o que ela iria gostar? Na noite seguinte após a nossa primeira
vez, quando eu cheguei em casa às quatro da manhã, pois só
consegui sair da fraternidade depois de todas as meninas estarem
em seus devidos quartos dormindo, apareceu a publicidade de um
colar com um pingente de patins, todo cravejado em cristais.
Pensei “por que não?”, então passei as últimas duas semanas
inteiras pesquisando, até que uma loja de joias publicou sobre a
única peça que havia chegado, então não perdi tempo.
O problema é que, por mais que eu sinta que é o presente
perfeito para ela, eu não posso apenas presenteá-la, ou então ela
vai pensar que eu estou me apaixonando por ela. O que não é o
caso, mesmo com Charlotte e eu transando feito coelhos todos os
dias, há duas semanas, escondidos de todo mundo.
Ontem à noite mesmo, eu a ajudei a pular a janela do meu
quarto, o que me gerou vários insultos da parte dela, quando ela
pulou em cima de mim e eu caí de bunda no concreto – que ainda
está doendo.
E é óbvio que a mãe de Charlotte não precisa saber que eu
estou transando com a filha dela todas as noites, e todos os dias
pensando sobre o presente perfeito para ela.
— Por que eu seria romântico, e ainda mais com sua filha? —
respondo como se fosse um insulto.
— Não sei. — Ela parece dar de ombros. — Talvez você tenha
percebido que todo esse ódio reprimido por ela é amor.
— Você não acha que está meio tarde para piadas, Alice?
— Aqui ainda são oito horas — ela provoca e eu cerro os
olhos.
— Compro ou não compro? — pergunto, mesmo entregando o
cartão à vendedora.
— Claro que compra.
— Ótimo — digo cortante. — Agora, você precisa me
prometer que não vai contar, de forma alguma, sobre essa conversa,
à minha mãe — falo pausadamente.
— Não vou, minha boca é um túmulo. — Ela faz gesto de
zíper na boca.
— Nós dois sabemos que quando se trata de vocês duas não
é, e para ela correr e contar a Charlotte, é rapidinho.
— Por que você não quer que a Charlotte saiba que você vai
presentear ela, se você vai dar o colar a ela de toda forma?
— Eu vou dizer que achei no lixo.
— É sério isso?
Levanto a sobrancelha e ao mesmo tempo que converso com
Alice, agradeço a vendedora quando ela me entrega o cartão e
coloca o colar dentro de uma caixinha preta de veludo e em uma
sacola, me entregando também.
— Claro que sim.
— Eu pensei que você estava brincando sobre esse negócio
do lixão.
— Não estou — digo ao sair da loja.
— Eu daria tudo para assistir a essa cena. — Ela ri.
— Se quiser posso filmar.
— Por favor! — Ela segue rindo e eu também, mas o de Alice
logo morre quando eu entro no carro, e ela me chama. — Ei, Alex.
— Sim?!
— O Rafael não apareceu, certo?
Desde o final do ano, quando Alice soube que o pai de
Charlotte voltou para o país, ela tem ficado preocupada se ele
poderá aparecer ou não, e eu também. Ninguém quer ver o estrago
que ele fará se aparecer na frente dela outra vez.
Até os doze anos de Charlotte, ele fez exatamente três
chamadas de vídeo e apareceu uma única vez, que foi para pegar as
coisas dele que havia deixado na casa que ele também deixou. Nas
chamadas, Rafael prometia que iria vir no aniversário dela, ou Natal,
até mesmo na Páscoa, mas isso nunca aconteceu.
— Não — digo com certeza. — Se tivesse, com certeza ela
teria procurado por você ou minha mãe — a lembro.
Alice nega.
— Quando o assunto é o pai dela, você sabe que a Charlie se
fecha. — Seus olhos ficam consternados. — Talvez nem mesmo com
a Maggie ela seja capaz de falar, então mesmo que você não o veja,
se ver que ela mudou, em qualquer mínima coisa, me liga, Alex...
— Imediatamente — interrompo-a. — Eu sei. Prometi a você
que vou cuidar dela quanto a isso, não prometi? — Ela anui. — Essa
promessa vai valer até o último dia da minha vida, Alice.
Ela sorri, triste e sem graça, mas ainda é um sorriso.
— Eu sei disso.
— Agora eu preciso ir — me despeço ao ligar o carro, o que
demora um pouco e ela percebe.
— Quando vocês vão trocar de carros novamente?
— Apenas mais três semanas — bufo.
— Você consegue, campeão.
— Bem que você poderia dar um carro novo a sua filha, não
acha?
— Ela prefere essa lata velha, então deixa ela. — Alice solta
um beijinho e deseja uma boa sorte ao desligar a chamada e
finalmente dou partida no carro.
Uma hora depois de comprar o colar para Charlotte e desligar
a chama com Alice, estaciono em frente ao Rosie’s. De longe,
através das janelas de vidro, a observo se movimentar pelo salão do
restaurante e servir uma mesa com três garotas.
Depois de atendê-las, Charlotte se vira e vai até a mesa onde
estão alguns garotos do time de lacrosse. Mesmo de longe é notória
a insatisfação de Charlotte ao atendê-los, digo isso porque ela faz a
mesma cara sempre que me atende.
Acontece que com eles é diferente, pois ela começa a bater a
perna sem paciência, enquanto eles riem e algo em seu rosto inteiro
se contorna à medida em que fica vermelho. Isso me deixa em
alerta ao ponto de eu sair do carro e bater a porta com força. A ideia
não era essa, pois eu apenas iria esperar o turno dela acabar e
oferecer uma carona, pois sei que hoje ela veio com Shantal e o
turno da amiga acaba uma hora mais tarde.
Mas como nem tudo o que eu planejo sai como eu realmente
quero, no momento em que passo pela porta do restaurante, o
sininho toca sobre minha cabeça, meus olhos queimam, quando ao
assistir a cena de um dos caras subir a saia do uniforme de
Charlotte, que se afasta e posso jurar que a mão dela tremeu em
nervosismo.
O ódio só aumenta quando reconheço que é Smith, o mesmo
cara do time de lacrosse que chegou a pedir diretamente a mim para
manter a foto de Charlotte no celular para bater punheta, depois de
eu ter jogado o balde de gelo na cabeça dela em uma festa.
Tento respirar fundo, mas é algo complicado quando meus
passos se tornam duros e barulhentos, ao caminhar até a mesa
onde ele está, os olhos castanhos dele sobem quando estou próximo
o suficiente. Ele sorri para mim e eu cerro os olhos para ele, doido
para matá-lo.
— Mais alguma coi... — Charlotte começa a perguntar, então
também percebe a minha presença, e me olha confusa. — O que
está fazendo aqui? — ela sussurra e eu a olho, mas tão logo me
volto para Smith.
— Evitando futuros problemas. — Passo por ela e me sento ao
lado de Smith. O espaço é pequeno, mas ele acaba se afastando e
espremendo seu corpo. — E acredito que eles já tenham terminado
o pedido deles — a dispenso, olhando diretamente para o jogador de
lacrosse.
Pela visão periférica, noto que Charlotte se afasta, um pouco
hesitante, mas mesmo assim sai dali. Os outros dois caras que
acompanham Smith falam alguma coisa comigo, porém eu não dou
muita atenção.
— Faz tempo que não conversamos, não é mesmo, Smith? —
O nome dele saí como vômito da minha boca.
Ele concorda.
— Acho que estamos todos ocupados, o hóquei querendo a
Frozen Four, e o lacrosse o campeonato nacional.
Assinto, um sorriso crescendo no canto dos meus lábios. Me
endireito no banco, meu braço passando por trás de Smith e minha
mão dando dois tapinhas em seu pescoço, antes de pegá-lo com
força.
Ele me olha assustado.
— Que porra foi essa que eu vi quando entrei aqui? —
pergunto entredentes.
— O que você viu? — ele responde.
— Não se faça de inocente — rosno, pois não quero que
ninguém ouça essa conversa, e nem transformar nada disso em um
grande alarde, mas os amigos dele se mexem. — Quietos. — Viro o
rosto e aponto para eles.
— O que está acontecendo, Harrison? — o que está sentado
na minha frente pergunta, mas eu não faço a mínima ideia de qual
seja o nome dele.
— O seu amiguinho — aperto ainda mais o pescoço do de
Smith por trás — estava assediado a atendente.
— Não estava — Smith responde.
— Subir a saia dela é o que então? — O encaro e posso jurar
que tem fogo saindo pelos meus olhos.
A boca dele começa a se mover, mas ele não encontra
nenhuma palavra enquanto gagueja. Eu queria poder enforcá-lo pela
frente, assim o idiota estaria perdendo totalmente seu ar, mas eu
não vou causar grandes confusões aqui, quero apenas entender a
situação.
— Ele estava apenas brincando. — O segundo amigo dele se
mete. — É porque a saia dela não estava inclusa no cardápio, então
ele a subiu brincando. Ele sempre faz isso, e ela nunca deixou de
atendê-lo.
Posso jurar que minha vista escurece.
— Sempre? — pergunto me virando para Smith, e ele
concorda. — E mesmo assim ela atende você? — Anui outra vez. —
Você sempre senta nessa mesa?
— Claro, se eu sentar em outra ela não me atende.
Solto o pescoço dele e ele sorri quando eu também sorrio. Ele
deve jurar que eu estou achando a situação engraçada, mas a minha
outra mão livre que está debaixo da mesa e fecha, eu não penso
duas vezes quando defiro um soco na sua costela.
— Que porra? — pergunta ao perder o ar.
Dou outro soco nele.
— Você vai sair daqui e não vai voltar enquanto Charlotte
Cameron trabalhar aqui — declaro.
— Nem fodendo — ele assobia em resposta.
— Isso vale para vocês dois também. — Aponto para os
companheiros dele, que me olham assustados. — E se qualquer um
cruzar o caminho dela de novo, ou falar qualquer merda, para
qualquer pessoa, dela, eu juro que fodo a vida de vocês para
sempre.
Smith me olha com raiva, mas antes que ele possa responder
qualquer coisa, eu o corto apenas com o olhar. Minhas narinas
dilatando quando eu respiro fundo, porque por sorte dele, eu não
estou fazendo o que realmente eu sinto vontade de fazer, que seria
o esganar e deixar a porra da cara dele inteira ensanguentada.
— Agora levantem-se e vão embora — digo ao sair do lado
dele e ficar em pé.
Os dois amigos dele, que o olham procurando por uma
aprovação, se levantam quando ele apenas concorda. Em seguida
Smith também se levanta, mas antes que ele possa sair, eu o pego
pelo ombro, apertando-o com força.
— Não esqueçam de pagar a conta.
— Mas a gente nem comeu — o amigo dele fala.
— E da gorjeta também — o corto.
Os três pegam suas carteiras e jogam algumas notas na mesa
e eu sorrio, satisfeito, porém ainda me corroendo de ódio por
dentro.
— E não esqueçam de nunca mais aparecer aqui — aviso ao
soltar o ombro do cara que agora serei obrigado a ficar de olho por
alguns anos.
Assim que os três se afastam, Charlotte se aproxima,
segurando uma bandeja cheia de comida e bebidas. Ela oscila o
olhar confuso entre mim e os caras que saem do estabelecimento e
eu me sento na mesa, recolhendo as notas que eles jogaram na
mesa.
— O que aconteceu aqui? — pergunta ao colocar a bandeja
na mesa.
Subo o olhar para ela, que ainda parece perdida sobre a
situação que acaba de acontecer.
— Desde quando o Smith sobe sua saia?
— Você viu? — Seu cenho se franze.
— Desde quando? — a corto.
— Sei lá. — ela encolhe os ombros para cruzar os braços
sobre o peito. — Desde que eu comecei a trabalhar aqui, talvez. —
Ela parece pensativa. — Mas eu sempre o corto.
— Eu vi que sim. — Respiro fundo sem paciência, a
entregando o dinheiro deles. — Eles deixaram a conta paga,
contudo, não irão mais aparecer aqui.
— O que você fez, Alexander? — A pergunta dela sai um
tanto quanto preocupada, quando ela solta os braços e recosta as
mãos na mesa, se inclinando para mim.
— Nada. — Meu tom é suave ao acenar com a cabeça. —
Apenas conversei com eles e disse que eles não entram mais aqui.
— Com esse tom de voz melódico? — inquire desconfiada.
— Sim. — Estendo o dinheiro de novo, que tão rápido ela
pega e coloca no bolso do avental.
— Eu não acredito em você — diz ríspida.
— O que não é uma novidade nem para mim, nem para você
— desdenho. — E eu vou querer uma Coca Zero.
Ela pega o copo cheio de refrigerante e gelo que há na
bandeja e põe na minha frente.
— É por conta do time de lacrosse — fala ao tirar a bandeja
da mesa.
— Deixa o hambúrguer também — peço e ela faz.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Sua calcinha — respondo antes de dar uma mordida no
lanche.
— Vai à merda, Alexander. — Rio com a resposta dela. — Saio
daqui vinte minutos, aceito a carona — aponta. — Mas não vou
transar com você hoje.
Desço o hambúrguer e engulo o pedaço que tenho na boca de
uma vez, sem nem mastigar direito.
— Por que não? — digo surpreso e esganiçado.
— Hoje eu quase não consegui ficar em pé em cima dos
patins, errei todos os saltos e estou com minhas pernas doendo.
Sorrio, pois quando me vem a lembrança da posição que
fizemos noite passada onde ela estava em cima de mim, mas com os
pés na minha cabeça, meu pau endurece em automático. Dou um
gole no refrigerante apenas para poder respondê-la, mas ela é mais
ágil que eu.
— Você está duro, não é?
Maneio a cabeça para o lado, fechando a boca em uma linha
fina.
— Posso fazer com carinho hoje — sugiro.
— Dispenso.
— Um oral?
— Não.
— Dedos?
— Não.
— Qual é? O que eu estou fazendo aqui, então?
— Me dando uma carona.
— Sem graça — bufo, fingindo estar triste.
— Podemos assistir a um filme então — ela sugere.
— Pornô?
— Eu já te mandei à merda hoje, Alexander, não tente a sorte
outra vez. — Ela dá as costas sem me responder, e mesmo assim eu
rio.
Quando Charlotte chega ao balcão, noto que ela também está
sorrindo, pois assisto todos os passos dela de novo, porém, o sorriso
morre quando Shantal se aproxima dela, e mesmo assim ainda é
possível notar que seu rosto está vermelho devido ao excesso de
sorriso dela.
E porra, ela é linda quando tenta disfarçar que está feliz.
Mas eu aposto que se eles soubessem
Eles ficariam apenas com ciúmes de nós
Eles não sabem sobre o todas as noites
Eles não sabem que eu esperei toda a minha vida
Apenas para encontrar um amor dessa forma
Amor, eles não sabem sobre, não sabem sobre nós
THEY DON’T KNOW ABOUT US | ONE DIRECTION

Faltam apenas sete dias para a semifinal do intercolegial e eu


tenho gasto todo o meu tempo em treinos, três coreografias
diferentes, saltos, quedas, rodopios, mais quedas, turnos à noite no
Rosie’s, mais algumas quedas e transar com Alexander.
E só para que não falte na lista, mais uma queda, porém
dessa vez é direto da cama dele. No momento em que meus olhos
se abrem e eu percebo que o braço lotado de músculos dele está
por cima da minha barriga, eu me afasto ao ponto de cair da cama e
minha bunda bater no chão com tudo, fazendo com que eu comece
a gemer de dor.
— É uma bomba! — Alexander grita da cama.
Eu fico sentada apenas para assistir a cena dele todo
descabelado e sem camisa, parecendo assustado, procurando de
onde veio o som que acabou de assustá-lo.
— Não é uma bomba, sou eu, idiota — falo, tentando ficar de
pé enquanto gemo de dor.
— O que aconteceu? — ele pergunta, ainda sonolento, o rosto
inchado e os olhos oscilantes, tentando decidir se abrem ou fecham.
— Eu caí da cama... — pauso, soltando um xingamento ao
sentir dor na lombar.
— Por que você caiu da cama? — Ele se move, vindo pro lado
da cama que eu acabo de cair, ainda coçando o rosto.
— Em primeiro lugar, por que você me deixou dormir aqui? —
Solto mais um gemido de dor.
É só então que Alexander fica de pé, tropeçando nos lençóis.
— Eu nem sabia que a gente tinha pegado no sono — ele diz,
mas a mentira é explícita em sua voz.
O encaro por cima do ombro quando ele me ajuda a levantar,
dando a entender que eu sei bem que ele está mentindo, e ele
desvia o olhar quando eu me sento na cama.
— A última lembrança que eu tenho da noite passada é você
indo ao banheiro, então provavelmente eu adormeci nesse meio
tempo, ou seja...
— Tudo bem, você estava dormindo — ele me corta,
levantando as mãos para cima.
— Eu sabia que sim, e você não me acordou — acuso.
— Em minha defesa, e em sua também, eu acho — ou ele
está muito confuso, ou ainda com sono —, estava tarde e você tem
se matado se treinar todos os dias, então você parecia cansada. Até
roncar, roncou.
— Eu não ronco — me defendo de imediato.
Alexander fica de joelhos na cama, mas antes de deitar, me
olha com o cenho franzido, demonstrando o quanto que ele duvida
de mim. Eu repito que não ronco e ele apenas anui, concordando.
— Tudo bem. — Acabo me rendendo. — Talvez eu ronque,
mas só quando estou cansada.
— O que obviamente você está de tanto treinar três
coreografias que você já sabe de cor e salteado. — Ele volta a se
deitar, puxando o lençol.
— Ou talvez eu esteja cansada de tanto dar para você —
refuto, também me deitando.
Uma risada rouca escapa da boca dele e eu viro a cabeça, o
olhando com desdém.
— Acredite, se você estivesse cansada você não pediria por
mais em meu ouvido sempre que está prestes a gozar.
O comentário de Alexander faz com que eu sinta um fogo
subir por meu pescoço até o rosto e posso apostar que meu rosto
está enrubescido agora devido a vergonha. Ele transa bem, nós dois
juntos transamos bem, e isso é algo que eu não posso negar de
forma alguma.
Mas eu ainda sinto um pouco de vergonha todas as vezes em
que fala tão abertamente de como eu me comporto na hora do sexo.
Sei que é algo que fica apenas entre nós dois, mas ainda é
vergonhoso. Apesar de a gente ter selado algum tipo de paz sempre
que estamos na cama – ou no banheiro, ou no carro, ou em
qualquer lugar que dê para transar –, ainda não consigo me
acostumar que eu estou fazendo isso justamente com a pessoa que
por tantos anos, eu tive intrigas.
Embora a gente ainda discuta, o que é algo que talvez nunca
mude, eu sinto, cada vez mais, que o meu maior rival finalmente
conhece todas as minhas fraquezas. E mesmo que eu também
conheça as deles, ele saber tudo o que pode me atingir nunca é
bom.
Quando falamos do ditado, seja amigo do seu amigo, e
melhor amigo do seu inimigo, é sobre conhecer as fraquezas dele e
como derrotá-lo, não dar de mãos beijadas – ou eu poderia dizer,
boceta molhada – todas as suas a ele. E quando se trata da minha
maior fraqueza nos últimos dias, eu poderia dizer que ela tem nome
e sobrenome, os olhos castanhos puxados para dourados, um
sorriso com um canino afiado de molhar calcinha e o cabelos
ondulado que eu sinto vontade de puxar todas as vezes em que
cobre sua testa suada quando ele está em cima de mim, tomando
todos os meus melhores orgasmos.
E bom, eu não sei o que fazer com isso.
Alexander e eu era para sermos algo casual, vez ou outra,
para liberar o estresse de cada um. O problema é que desde que
transamos pela primeira vez, foi algo que entrou completamente na
rotina, todos os dias em que nos vemos.
Ou seja, todos os dias em que ele está no campus e não tem
nenhum jogo fora da cidade, ele está dentro de mim. E toda essa
necessidade que tenho de estar com ele, está se tornando uma
fraqueza cada vez maior, o que só complica as coisas para mim,
porque eu não sei como lidar quando esse jogo tiver que acabar.
— No que você está pensando? — A pergunta vem dele calma
e paciente, o que me fez perceber que fiquei tempo demais
pensando sobre isso.
Pisco os olhos e engulo em seco, sentindo o amargor tomar
conta da minha boca, pois eu não posso simplesmente dizer a ele
tudo o que acabo de pensar e cogitar na minha cabeça. Então
decido ir na zona mais segura, que é falar sobre a competição que
se aproxima.
— Sobre a segunda coreografia e como eu vou parar de cair
quando sair do triplo Axel e for direto para o flying camel — digo ao
virar o rosto para ele, que já está virado para mim, o que parece ser
há um bom tempo.
— Se você parar de se preocupar tanto todas as vezes em
que for fazer o passo, talvez ajude.
Franzo os lábios ao mesmo tempo em que meu nariz se
enruga em uma careta.
— Esse é o melhor conselho que você pode me dar? Sério?
Os olhos de Alexander brilham e seu rosto inteiro parece se
iluminar quando ele vira o corpo de lado.
— É o que eu faço em todos os jogos — diz, erguendo os
ombros. — Se eu fico apenas pensando em como vou desviar de
todos os jogadores da defesa e vou mirar o disco na brecha, se
houver uma, do goleiro, eu simplesmente não consigo terminar
minha jogada. Então eu não penso, apenas faço, às vezes dá certo,
às vezes não.
Aceno, concordando com ele e pensando no que ele acaba de
falar.
— Então, eu só preciso relaxar?! — arrisco.
— Basicamente, é isso.
— Sabe o que me relaxaria agora?
— Um oral? — Um sorriso sobe nos cantos dos seus lábios.
— Você só pensa nisso?
— Oitenta por cento do tempo, sim.
Alexander deveria ganhar um ponto por ser sincero em quase
todas as situações, quase todas, porque muitas vezes ele mente.
Como quando expulsou os jogadores do time de lacrosse depois de
dar socos e mais socos nas costelas de um deles, e apesar de ele ter
mentido para mim dizendo que fez de forma calma e pacífica, não
nego que gostei da forma como ele agiu.
O babaca de Smith aparece em todos os meus turnos, e ele
chega a ser mais inconveniente que o próprio Alexander – pelo
menos o Alexander com quem eu não transo –, fazendo piadas sem
graça sobre tirar minha roupa, ou as fantasias eróticas idiotas dele.
O grande problema é que o idiota só fala isso no meu
trabalho, onde claramente eu não vou respondê-lo nem o insultar, se
fosse fora, eu, com certeza já tinha dado um belo chute nas bolas
dele.
— Uma massagem na bunda — respondo por fim quando ele
começa a se instigar, afastando a cabeça do travesseiro, e mesmo
assim o sorriso continua ali, quando eu falo a palavra bunda. — Mais
precisamente na minha lombar, acho que machucou com a queda.
Ele faz uma careta.
— Eu não sei fazer massagem.
Ignoro totalmente o comentário dele e me viro de bruços,
quando ele se senta.
— Você precisa somente mover as suas mãos, com precisão.
Não tem motivos para usar a ignorância e fazer com força — aviso
quando ele espalma a mão em mim com força.
— Quem te viu, quem te vê — comenta quando começa a
massagear. — Jogando tapas na minha cara e chutes nas minhas
bolas só porque eu tocava em um fio de cabelo seu, e agora, me
pedindo massagem. Isso terá um preço caro, patinho feio.
— O preço caro que eu tenho que pagar é ter que suportar
respirar o mesmo ar que você, Harrison, então cala a boca e faz isso
sem falar nenhuma merda — o corto.
Para quem disse que não sabia massagear, até que Alexander
tem mãos habilidosas para isso, o que, sinceramente, deixou de ser
uma surpresa para mim, saber que ele sabe bem se movimentar
com cada parte do seu corpo.
Ele consegue atingir os pontos certos de tensão, não apenas
na lombar, que é onde está mais dolorida, mas em toda minha
coluna e bunda também, que deve estar cheia de marcas roxas
devidos as inúmeras vezes que bati direto no gelo, ou nas paredes
de proteção do rinque.
Enquanto as mãos de Alexander trabalham em mim, eu me
pergunto que hora deve ser, afinal, não dá para saber se é dia ou
noite quando se entra no quarto dele.
O quarto de Alexander é completamente escuro devido às
cortinas blackout que ele usa em todas as janelas. A única
iluminação no cômodo é graças ao led do computador em cima da
escrivaninha, então enquanto ele sobe e desce as mãos por toda as
minhas costas, eu pego meu celular que havia deixado na mesinha
de cabeceira.
No instante em que a tela se ilumina, eu tomo um susto. Não
apenas por já passar das nove da manhã, mas sim pelas notificações
que encontro.
O mundo acabou e a gente estava dormindo?
— O que aconteceu? — ele pergunta quando levanto de uma
vez.
— Tem mais de vinte ligações perdidas da minha mãe, mais
trinta da sua e umas cinco do seu pai — digo enquanto desbloqueio
o celular em uma urgência, deixando de fora as inúmeras
mensagens dela e também de Shantal.
— O quê?! — Alexander apenas pergunta em um grito,
correndo para pegar o dele que está na mesma mesa onde o meu
estava.
Começo a discar o número da minha mãe, mas no primeiro
toque, eu ouço a voz dela. Não, não é com ela atendendo o celular,
mas sim a voz dela como se ela estivesse no corredor, do lado de
fora do quarto.
Sinto meus olhos saltarem para fora quando minha cabeça
gira, olhando para Alexander desesperada, e ele tem a mesma feição
que a minha.
Nós dois nos levantamos em um pulo quando batidas
começam a soar na porta do quarto dele.
— Alex? — A voz de Maggie chama. — Filho, você está
acordado?
— Por que sua mãe está aqui? — eu sussurro, levando as
mãos até a cabeça, desesperada.
— Eu não sei. — Ele usa o mesmo tom de voz.
— Alex? — agora é minha mãe que chama por ele.
— Por que a sua mãe está aqui também? — ele me pergunta,
ainda sussurrando.
— Como eu vou saber?
— Ela é sua mãe!
— E a sua mãe é sua mãe.
— Alexander? — agora é a vez de Alessandro chamar.
Nós dois paramos, olhando um para o outro desesperados.
Posso jurar que meu coração irá parar a qualquer momento, basta
um dos três chamarem por ele de novo, ou simplesmente decidirem
abrir a porta.
— Responde algo — digo entre lábios, sem fazer nenhum
som.
— O que? — Ole faz o mesmo que eu.
Meus ombros sobem e tão rápido descem, volto a andar de
um lado.
— Mãe? — Alexander pergunta em um grito.
— Você está acordado? — Maggie pergunta do outro lado da
porta.
— Sim, um momento — grita de novo, apontando para algo
atrás de mim e eu o olho sem entender nada, mas tão rápido suas
mãos estão em meus ombros e ele começa a me empurrar. Só então
vejo que ele acaba de abrir a porta do closet, pega uma roupa e me
empurra lá para dentro. — Fica aí e não faz barulho, vou tentar me
livrar deles — é o máximo que ele diz ao sussurrar antes de fechar a
porta.
Pelas brechas da porta do closet, eu o assisto vestir uma calça
moletom seguida de uma regata. Ele corre até a porta, a abrindo, e
então as três vozes dos adultos que nos criaram se misturam,
enquanto o cumprimentam.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Ele coça a cabeça,
incomodado ao largar o corpo da mãe após o abraço.
— Hoje tem jogo — Alessandro diz.
— E pensamos, por que não fazer uma surpresa para as
crianças e passar o fim de semana no campus? — Maggie completa,
se referindo a mim e a Alexander como crianças. Mal sabe ela que
as crianças passaram a noite brincando nos lençóis que ela começa
a dobrar ao desviar do filho.
— É... — Alexander concorda, ainda coçando a cabeça. — Por
que não, não é mesmo?
— Quanto tempo faz que esse quarto não vê a luz do sol? —
minha mãe pergunta ao abrir as cortinas, então uma boa quantidade
de luz entra no quarto.
Isso acaba sendo revelador demais, visto que a luz atinge
justamente o armário, e no momento em que sinto os raios solares
em mim, me afasto até o fundo do closet e me sento ali, encolhendo
meu corpo ao máximo, com medo de que eles se virem a qualquer
momento e me vejam.
Alexander parece perceber o mesmo que eu quando se vira
para o closet, mas noto que ele solta um suspiro, e eu meio que
sorrio, pois acredito que ele deva estar aliviado por não conseguir
me ver. Os quatro embarcam em uma conversa, nossas mães
fazendo várias perguntas enquanto arrumam o quarto.
Quando uma delas vem na direção do closet, Alexander entra
na frente da minha mãe, a interrompendo.
— Gente — ele chama nossas mães e seu pai. — Eu não sei
vocês, mas estou morrendo de fome, por que vocês não me
esperam trocar de roupa lá embaixo e nós quatro saímos para tomar
um café? — ele sugere.
— Acho uma excelente ideia — Alessandro responde e pelo
seu tom ele parece animado. — Só precisamos localizar a Charlie
primeiro.
— Como assim? — o filho pergunta.
— Nós ligamos várias vezes e ela não atendeu — Maggie
explica.
— Passamos na fraternidade e disseram que ela não estava —
minha mãe completa.
Engulo em seco, lembrando das inúmeras ligações.
— Talvez ela esteja na academia ou no rinque de gelo —
Alexander responde, como se soubesse exatamente todos os meus
passos, mas principalmente tentando desconversar eles.
— O que é estranho, pois a tal da Anna que atendeu a porta
disse que ela não dormiu em casa.
Pelo tom cortante da minha mãe, posso jurar que eu estou
prestes a receber vários sermões dela, mas por sorte, eu tenho
Maggie, que é uma apaziguadora nata.
— Ela pode ter dormido na casa de alguma amiga — ela
sugere sutilmente.
Tento enxergar pelas frestas das portas como minha mãe
reage a resposta de Maggie, mas estou longe demais e espremida
também no fundo do closet, o que se torna impossível. Por sorte, eu
consigo ouvir quando ela concorda sobre o café e aos poucos os três
saem do quarto. A porta se fecha em um baque e quando não ouço
nenhuma palavra de Alexander, imagino que ele deva ter descido
com eles.
Apenas agora que consigo notar que eu estava prendendo a
minha respiração, pois no instante em que me levanto de uma vez,
uma grande lufada de ar escapa por minha boca. Abro as portas o
mais rápido que posso, porém, dou um pulo ao sentir algo cair em
meus pés.
É então que a luz do sol bate diretamente em uma caixinha
de veludo que está aberta no chão e dentro dela há um colar, mas
não é exatamente isso que deixa surpresa, fazendo com que um
sorriso suba pelos cantos da minha boca.
Há um pingente em formato de patins com várias pedrinhas
cravejadas, não faço a mínima ideia do porque desse cordão está
nas coisas de Alexander, só sei que é uma das coisas mais lindas que
eu já vi em minha vida.
— Charlotte. — Ele entra no quarto de vez, porém
sussurrando, e eu subo os olhos para ele. — Eu preciso que você
não surte, mas eu tenho uma... — Ele para quando eu ergo a
caixinha.
— De quem é isso? — O sorriso ainda está em meus lábios,
porque eu sinto minha boca já adormecida de tanto tempo na
mesma posição.
É possível notar o desconforto de Alexander quando o pomo
de adão dele sobe e desce, enquanto ele engole em seco, uma ruga
aparecendo no meio da sua testa, então ele coça a garganta.
— De quem é? — insisto, uma parte de mim torcendo para
que ele diga que é meu.
Ele coça a cabeça, nervoso, igual como estava minutos atrás
com a invasão em seu quarto.
— Eu encontrei... — Ele hesita.
— Onde? — Dou um passo em sua direção.
— No lixo — murmura, engolindo em seco de novo.
Meus lábios se fecham, mas eu ainda estou sorrindo, pois
pelo desconforto dele e a forma como ele aparenta estar nervoso, e
como eu disse antes, sei quando ele mente. Eu não acredito nem
um pouco no que ele fala.
E mesmo assim decido entrar no jogo dele.
— Então não tem dono? — arrisco, mesmo sabendo a
resposta. Ele nega com a cabeça. — Posso ficar para mim, então?
Alexander cerra os olhos e chega a ser ridículo o sorriso que
ele tenta esconder e a cara fechada que ele coloca em seu rosto.
— Você gostou?
— É lindo! — digo a verdade. — Posso ficar?
Ele ergue os ombros.
— Se você quiser...
— Ah, eu quero sim. — O sorriso volta aos meus lábios,
enquanto tiro o cordão da caixinha. — Você pode colocar em mim?
— pergunto, batendo os cílios.
Ele não responde nada, apenas concorda, então entrego o
cordão nas mãos de Alexander e me viro. Pego meus cabelos que
estavam soltos e o subo, enquanto sinto as pontas dos seus dedos
queimarem minha pele, de uma forma diferente, ao ponto de fazer
meu coração palpitar em uma ansiedade inusitada, que agora eu
não consigo reconhecer bem, mas é uma ansiedade boa.
Quando ele termina de colocar o colar, eu solto os cabelos e
baixo a cabeça, pegando o pingente e olhando-o novamente, pois
estou definitivamente apaixonada pela delicadeza da peça.
— É lindo — comento.
— Eu tenho bom gosto — ele solta, e isso faz com que eu me
vire para ele.
— Mas você não tinha encontrado no lixo?
— E foi, mas se eu não tivesse bom gosto, não teria pego.
Enfim... — Ele começa mudando de assunto. — Nós vamos tomar
café no Rosie’s, assim que eu sair, se eu fosse você, ligaria para sua
mãe, ou para minha, tanto faz. — Ele faz um gesto de desdém com
as mãos. — Fala que dormiu na casa de alguém, e é isso.
— Como eu saio daqui sem ser vista?
— O restante da casa acabou de sair para o café também,
não terá ninguém aqui.
— Certeza? — pergunto, ainda desconfiada.
— Sim, até o idiota do Zach meteu o pé.
— Por que o assunto roda, roda, roda e sempre caí no Zach?
— Por que você está falando dele?
— Você quem começou — acuso.
— Alexander! — minha mãe grita lá de baixo e meu celular
começa a vibrar, aparecendo o nome dela na tela.
— Vai logo — o apresso, pondo um fim na discussão.
Depois de fazer exatamente o que Alexander sugeriu após a
saída dele, vesti minha roupa, peguei minhas coisas e liguei para
minha mãe, enquanto saia da república onde ele vive com os outros
meninos o mais rápido que pude.
Eu a enrolei dizendo que após os treinos até tarde, acabei
dormindo no dormitório de Olivia, uma das meninas que faz parte do
time de patinação, o que minha mãe a contragosto foi obrigada a
acreditar. Expliquei a ela que estava cansada dos treinos e da rotina
e isso acabou tranquilizando-a.
Mas o que não a deixa nada em paz são as marcas roxas
espalhadas por todo o meu corpo.
— Você não acha que está indo um pouco além do seu limite,
Lottie? — ela pergunta, passando a mão na marca roxa em meu
ombro.
Que na realidade, esse, e todos os outros em meu peito e
barriga, não foram causados pelas quedas e tropeços dos ensaios e
treinos, e sim pelas mãos e boca de Alexander.
Imagino o que ela ou Maggie diriam se vissem o estado das
costas e barriga de Alexander, totalmente arranhados.
— Eu estou bem, mãe. — Me esquivo do toque dela, não por
incômodo por ela estar me tocando, e sim para que ela não
prolongue o assunto e procure por mais marcas, o que acaba
funcionando, pois ela conhece meus limites. — A queda faz parte do
processo.
— Faz parte cair, não se arrebentar inteira. — Ela para
olhando diretamente nos meus olhos e posso jurar que se eu não
tivesse esquivado, ela estaria agora com as mãos em meu rosto. —
Aposto que nem dormindo direito está.
— Dormi bem noite passada — respondo, tomando um gole
do café.
Ao subir os olhos vejo que Alexander disfarça um sorriso ao
colocar um punhado de panqueca na boca.
— Ansiosa para semifinal, Lottie? — Alessandro pergunta e eu
aceno.
— Claro — respondo. — Vocês vão estar lá, certo?
— E qual competição sua a gente falta? — ele responde
retórico e eu sorrio, mas o sorriso logo morre quando Alexander
repete as palavras do pai em deboche.
— Assistir meus jogos que é bom, vocês não fazem — ele
responde.
— Olha que falso — Maggie acusa. — Acabamos de viajar por
quase cinco horas, saímos de casa de madrugada e você está
falando que não assistimos aos seus jogos — ela realmente parece
ofendida.
— Se eu fosse vocês voltariam para casa agora — sugiro.
— Cala a boca, patinho feio.
— Alexander! — Alessandro o repreende.
— Não dá para viajar para todo jogo — minha mãe começa a
se explicar para Alexander. — Mas assistimos todos nas transmissões
ao vivo, estamos sempre torcendo por você, garoto.
Alexander rosna alguma resposta, parecendo com ciúmes e
coloca mais panqueca na boca, enquanto eu termino de tomar meu
café em uma golada.
— Bom, hoje é sábado, isso significa que a pista está livre até
ser invadida pelos brutamontes do hóquei, e eu preciso treinar. —
Me aproximo da minha mãe e estalo um beijo na bochecha dela,
antes de me levantar. — Vejo vocês depois.
— Você não pode descansar nem hoje? — ela pergunta
consternada.
— Se eu quiser receber uma medalha, com certeza não.
Ela contorce o rosto em uma careta, mas acaba concordando.
Me despeço de Alessandro também dando um beijo na bochecha
dele, e faço o mesmo com Maggie
— E meu beijo? — Alexander pergunta, quando percebe que
ele é o único que não recebe nada.
— Vai à merda, Alexander — respondo.
— Charlotte! — minha mãe repreende e eu dou de ombros.
Antes que eu possa soltar mais alguma coisa e gerar mais
discussão, me despeço deles de uma vez e caminho para fora do
Rosie’s. Hoje estou feliz, então pode ser por isso que eu esteja toda
aberta com contatos físicos assim.
E talvez, só talvez, o motivo da minha felicidade e o sorriso
idiota que não sai do meu rosto tenha a ver com o cordão em meu
pescoço, mas ninguém precisa saber disso. Ao pegar as chaves do
carro e desativar o alarme, me viro quando ouço Maggie me chamar.
— Eu esqueci alguma coisa? — pergunto ao me virar para ela
que corre em minha direção.
— Apenas seu ingresso para o jogo — ela responde, abrindo a
bolsa.
Me nego imediatamente.
— Eu não costumo ir a jogos de hóquei.
— Eu sei que não, mas hoje você vai e vai sentar ao nosso
lado, vestindo isso. — Ela me estende uma camisa verde, que
parece ser um uniforme do Big Green, e em cima há um ingresso
para o jogo.
Estreito os olhos.
— Eu realmente não curto jogos de hóquei, Maggie, e...
Ela me corta, interrompendo as minhas desculpas e me
deixando em total surpresa com suas próximas palavras, que me
fazem perder completamente o ar.
— Ou você vai, ou eu conto a sua mãe que a tal da Olivia na
verdade é meu filho.
Pisco os olhos, engulo em seco, gosto da bile sobe até minha
língua, quero colocar para fora todo o café que acabo de tomar. O
mundo ao meu redor simplesmente começa a girar, girar e girar.
Estou passando mal e não sei como reagir a isso, ou o que
responder, é por isso que começo a gaguejar, minhas pálpebras
ainda se movendo enquanto tento fixar o olhar em Maggie.
— O que... o que... ele... te... di... disse? — As palavras têm
uma certa dificuldade para saírem da minha boca.
— Absolutamente nada. — Ela sorri, igualzinho ao filho, como
uma predadora, deixando aparecer o maldito canino afiado, me
estendendo mais uma vez a camisa e o ingresso, que eu pego, sem
pestanejar dessa vez. — Quando comecei a arrumar a cama dele, eu
vi que duas pessoas haviam dormido ali, e uma delas havia deixado
a bolsa no pé da cama, e não vamos começar a falar sobre os
sapatos perto da mesa, ou das roupas jogadas na cadeira.
Engulo em seco a cada palavra que ela fala, sentindo o
sangue fugir totalmente do meu rosto.
— Eu não sou idiota, Charlotte, mas também prometo não
dizer a ninguém, desde que você não fale nada a ele.
— Não vou — digo balançando a cabeça de prontidão. — Mas
você não pode, de forma alguma, falar nada para a minha mãe.
— Não vou. — Ela sorri. — Mas para isso você tem que ir ao
jogo usando o número do dia em que você nasceu.
— Não entendi. — Me surpreendo com a mudança de assunto
tão rápido.
Então eu abaixo os olhos e vejo que Maggie aponta para o
número que há na camisa, vinte e seis, logo abaixo do sobrenome
Harrison.
— Isso não é uma coincidência, Charlotte — ela diz, notando
que me deixou ainda mais atônita. Em nenhum momento eu olho
diretamente para Maggie, pois continuo fixa no sobrenome e no
número. — Eu apenas espero que vocês estejam se protegendo.
Subo os olhos.
— Nós estamos...
— Não estou falando de camisinha, Charlotte — me corta
novamente, e outra vez o embrulho, seguido do gosto da bile e toda
a confusão me invade.
Oh, espero não te perder
Hum, por favor, fique
Eu te quero, preciso de você, oh, Deus
Não tire
Essas coisas lindas que tenho
BEAUTIFUL THINGS | BENSON BOONE

Dificilmente eu fico ansioso com um jogo, mas esse em


questão é o penúltimo que classifica para os playoffs. Nós estamos
na frente na divisão e mesmo assim me sinto nervoso, o suor
escorrendo por minha testa desde o momento em que pisei no
vestiário, até vestir todo o equipamento.
Bell está falando algumas palavras de conforto ao time, como
um bom capitão é capaz de fazer, e ainda assim eu não consigo
prestar atenção em nada do que ele diz. Mas de toda forma, junto
minha mão a montanha de mãos em um círculo feito pela comissão
técnica e todos os jogadores do time.
— A gente vai ganhar mais esse — Evan declara, ao dar duas
batidinhas nas minhas costas.
— New Hempshire precisa de um ponto para passar a gente
— o lembro.
— E nada que uma vitória hoje para fazer com que eles
permaneçam no segundo lugar — rebate quando começamos a
caminhar no corredor indo em direção ao rinque.
Existe uma tradição que sempre que jogamos em casa, nós
batemos na placa que há no final do corredor com o nome “Nossa
Casa”, e é o que eu faço depois de Evan. Não acredito nessa coisa
de superstição, mas desde que entrei na Dartmouth e comecei a
fazer parte da tradição, sendo obrigado pelo técnico Heating, pois
noventa por cento dos nossos jogos é em casa, nós fomos
vencedores, então, não arrisco passar pela placa sem bater nela com
o taco.
No instante em que entramos na arena, o público grita, meus
pés deslizam no gelo e todos os caras se preparam para o
aquecimento, enquanto meus olhos vagueiam à procura dos meus
pais.
Segundo eles, eles estariam no melhor lugar para assistir ao
jogo, e o melhor lugar para eles é sempre na quarta fileira, no meio
da arena. Eu acabo os encontrando, juntamente a Alice, os três
usam a camisa do time com meu número e eu sorrio quando eles
acenam para mim.
Mas tão logo o sorriso morre, sendo substituído pela surpresa,
pois no meio, entre minha mãe e Alice, Charlotte fica de pé, e posso
jurar que nesse momento meu coração para, simplesmente não há
mais batida alguma.
Fecho os olhos com força e pisco inúmeras vezes, tentando
descobrir se essa é mais uma fantasia minha, mas eu com certeza
não estou no banheiro me masturbando, tampouco dormindo
enquanto a imagino usando uma camisa com meu número e nome
escritos por ela.
Eu só me toco que é real quando Evan que permanece ao
meu lado e solta um assobio, me tirando do meu transe.
— Aquela é Charlie usando uma Jersey com seu número? —
ele pergunta e eu viro a cabeça para encará-lo e ter a certeza de
que o que ele acaba de perguntar é real e não vozes da minha
cabeça.
Engulo em seco.
— Parece que sim — constato, voltando a olhar para ela mais
uma vez.
— Você quer me contar algo? — Evan desliza, vindo para
minha frente, me tirando a visão que tenho de Charlotte usando a
minha camisa.
— Como o que? — Tento desviar dele, mas ele não deixa.
— Como por exemplo, eu estar sentindo você distante
ultimamente, e ao mesmo tempo em que quase não te vejo em
casa, eu sei que você está fazendo sexo selvagem quase todas as
noites, pois ou os gemidos invadem os corredores, ou você chega de
madrugada.
Paro de tentar desviar dele quando ele fala tudo e tento
procurar a resposta mais óbvia.
— Estou transando, cara, que mal tem nisso?
Evan ergue as sobrancelhas e balança a cabeça, me lançando
um sorriso maldoso.
— Todo mundo transa, mas a grande questão é... — Ele
pausa dramaticamente, descendo o capacete na cabeça dele. —
Com quem a gente transa — completa. — Você, por exemplo, tem
transado com a Charlie.
Sua conclusão me faz arregalar os olhos e avançar para cima
dele, que patina para trás até encostar na parede de proteção, e
agora entendo porque ele fez a pausa dramática, porque ele sabia
bem como eu iria reagir.
— Como você sabe? — Ranjo os dentes ao perguntar.
— Eu não sabia até agora. — Ele continua sorrindo e eu
estreito os olhos, perdendo a paciência. — Desconfiei, apenas —
explica. — Anna e Dakota comentaram que os mesmos gemidos têm
escapado do quarto de Charlotte.
Viro a cabeça, procurando pelas duas loiras, enquanto
continuo interrogando meu amigo.
— A quem mais elas disseram isso?
— Até onde eu saiba, somente a mim, mas são Anna e
Dakota. — Ele dá de ombros.
— Eu vou matar essas duas — declaro e então me viro para
ele, apontando. — E você vai ficar de bico fechado, porque ninguém
pode saber disso.
— Cara, minha boca é um túmulo, você sabe disso.
— Sei?! — Também coloco meu capacete.
É possível notar o desconforto de Evan, porque ele fala tanto
das garotas da fraternidade que são fofoqueiras, mas ele poderia
muito bem se igualar a elas quando o assunto é falar da vida dos
outros e espalhar boatos.
— Com você sim — ele conclui, enquanto o fito.
Me preparo para ameaçá-lo, apenas para ter a certeza e a
carta na manga de que realmente ele não irá falar nada para
ninguém, principalmente para as amiguinhas dele, pois no momento
em que Anna e Dakota souberem de qualquer coisa, a Dirtymouth
pode simplesmente voltar, e eu não sei o que fazer se ela voltar
dessa vez, ainda mais com tantas coisas contra Charlotte e eu.
A regra é clara, ninguém pode saber sobre nós dois, e Evan já
sabe, e se ela souber disso, o que eu sinceramente não quero que
ela saiba, pois a conhecendo bem, ela pode acabar com tudo no
mesmo segundo, e se tem uma coisa que eu não estou pronto é
para acabar o que nós dois temos. Ainda mais agora depois de vê-la
usar a minha camisa e como ela ficou feliz com o colar, mesmo não
comprando nada a minha história de ter encontrado no lixo, eu não
posso simplesmente deixar que ela acabe tudo.
— Ela também não pode saber que você sabe — aviso. —
Estou confiando em você, cara.
Evan concorda de prontidão, mas ainda há uma malicia nos
olhos dele e se ele fizer qualquer coisa com essa informação, eu juro
que acabo com ele, foda-se se é meu melhor amigo.
Entre ele e Charlotte, minha escolha é Charlotte.
Porra.
Depois de hoje e de tudo o que vem acontecendo, eu poderia
dizer que eu a escolheria antes me escolher.
— Vocês dois vão aquecer de uma vez, ou vão ficar fofocando
sobre quem tem o pau maior? — Heating chama a nossa atenção,
gritando.
— Se estivéssemos falando de pau grande, com certeza o
senhor sairia ganhando, técnico — Evan solta, porque o idiota não
tem limites.
— Só vai entrar no gelo no segundo período, Parker —
Heating avisa e tão logo Evan patina todo murcho. — E você
Harrison, vai fazer alguma coisa? — Ele me encara.
— Para falar a verdade, sim. — Me aproximo dele, que está
no banco. — Poderia me emprestar um papel e uma caneta, técnico?
— peço.
Ele cerra os olhos, me encarando desconfiado, mas me
entrega a prancheta com um papel e uma caneta de toda forma,
enquanto eu começo a escrever em um pedaço de papel.
— Isso é hora de escrever diário, Harrison? Sério? — ele
reclama quando eu finalmente paro de escrever e rasgo o pedaço de
papel.
— Agora você pode pedir para alguém entregar isso aqui a
Charlotte Cameron?
A faceta dele de raiva se transforma em uma careta.
— A patinadora da Dubrow?
— A própria — respondo e quando vejo que o técnico está
prestes a rejeitar o meu pedido, tento convencê-lo. — Eu preciso de
algo dela para ganhar esse jogo.
— É sério? — questiona desconfiado e eu anuo.
Heating me lança um olhar de foda-se e eu me aproximo da
equipe que está treinando o passe do disco, sabendo que ele irá
fazer exatamente o que eu pedi, pois o conhecendo bem. O homem
jamais arriscaria perder o jogo por conta de uma mania, superstição
ou tradição.
Quando James lança o disco na minha direção eu o pego, e
desvio de Bell, que tenta roubar de mim e então eu faço um gol.
No momento em que o disco entra na rede eu me viro, devido
o grito que ouço vindo das arquibancadas. Charlotte está de pé,
mostrando o dedo do meio em uma mão e o papel que lhe foi
entregue em outra, após gritar:
— Vai à merda, Alexander!
Eu rio com a situação, pois Alice também se levanta e começa
a brigar com a filha, minha mãe parece pedir para que ela tenha
calma, enquanto meu pai filma tudo. E mal sabe Alice que eu escrevi
no papel pedindo para que ela me mandasse à merda todas as vezes
que eu colocasse o disco dentro da rede durante o jogo, e bom esse
foi apenas o aquecimento.
Após ser mandado três vezes a merda durante a partida, onde
o público de certo não entendeu nada do que estava acontecendo e
eu ria todas as vezes em que aquilo acontecia, eu posso considerar
que tenho um novo amuleto da sorte.
Marcamos seis gols contra a universidade de New Hampshire,
três deles sendo meus, o que significa que permanecemos na frente
em nossa confederação e cada jogo nos aproxima mais dos playoffs,
o que é algo que com já é uma certeza depois de hoje, e depois dos
dois jogos das eliminatórios, o próximo passo é a Frozen Four.
Todo o time se animou com a vitória e com isso os caras
decidiram receber o time inteiro para uma comemoração interna na
república. Essa é a primeira vez que isso acontece, mas quando eu
sou o último a retirar o equipamento, pois fui obrigado a ficar com
minha família por alguns segundos após o jogo, Bellamy para ao
meu lado, com os cabelos pretos pingando água.
— Certeza que você não vem com a gente?
— Não agora, meus pais estão na cidade e querem jantar —
explico. Ele solta um grunhido frustrado. — Você sabe que a festa é
na casa onde eu moro, certo? De toda forma estarei lá no final da
noite.
— Vou esperar por isso, hein?! Uma festa de comemoração
não é a mesma se não temos o cara que mais marcou gols no jogo
presente.
Coloco a mão na testa, fazendo sinal de continência.
— Pode deixar comigo, capitão — brinco e ele ri.
Em seguida, por ser o último no vestiário além de mim,
Bellamy sai e eu fico sozinho, tirando o restante do meu uniforme e
equipamento, pego uma toalha e sigo para o banheiro.
Ao ligar o chuveiro e molhar a cabeça com a água molhada
que escorre pelo corpo, tenho as lembranças do jogo que aconteceu
há pouco tempo e isso me faz sorrir satisfeito pela forma como ele
se desenvolveu. Eu poderia até mesmo dizer que essa foi a minha
melhor partida em anos, porque mesmo sabendo que alguém sabe
do meu segredo, eu nunca me senti tão satisfeito em uma noite.
Por tanto tempo eu fantasiei algo que para mim seria
impossível de acontecer e simplesmente, em um dos jogos em que
estou mais à flor da pele, simplesmente acontece, e foi mágico. E
lembrar, tão vividamente a forma que Charlotte reagiu a cada acerto
meu enquanto usava a minha camisa e vibrava naquela
arquibancada me deixa completamente louco, e ainda mais
obcecado por ela.
Porque no final das contas é isso que ela se tornou para mim:
uma obsessão. É como se ela fosse uma droga sendo aplicada
diretamente nas minhas veias, e eu simplesmente não sei mais viver
sem ela por perto.
Talvez eu nunca tenha notado antes.
Mas agora que eu sei disso, sei também que estar sem ela é
algo parecido como abstinência, e Deus me livre de ficar sem.
Estou com a mão em meu pau, enquanto a levo da base da
minha ereção e até a cabeça, sentindo todas as sensações de ter
uma fantasia completa e realizada, e isso chega a ser melhor do que
qualquer imaginação. É como se ela estivesse aqui quando eu pisco
os olhos, que se me enchem de confusão, então fecho-os com força
e abro-os vagarosamente, enquanto a nuvem de fumaça devido ao
vapor da água quente embaça a minha visão.
Por um momento posso jurar que estou a imaginando outra
vez, mas é real, e eu só sei disso porque a porta do box que estava
fechada agora está aberta, e ela dá um passo para frente, ainda
usando a minha camisa, ela pende a cabeça para o lado.
— Espero que você esteja batendo essa punheta enquanto
pensa em mim — a boca atrevida dela diz, adivinhando exatamente
o que eu estava fazendo.
— Você nunca esteve tão certa. — Movimento minha mão
para cima, com brutalidade, sentindo meu pau se contorcer.
— Quando você se masturba assim, qual nome você chama?
— Charlotte dá um passo e só então eu percebo que ela está
descalça, e tudo o que ela usa é a camisa.
Solto um suspiro, audível, me movimentando.
— O seu — confesso.
— E como é? — Ela dá mais um passo, próxima de mim o
suficiente para começar a se molhar.
Levanto meu pau e o solto com tudo quando ele encosta na
minha barriga em uma chicotada, e o pego de novo, indo e indo com
a mão com agilidade.
— Charlotte. — Seu nome sai dos meus lábios, o som rouco e
ruído.
Com os olhos bem abertos, vejo que sua coluna se empertiga
e Charlotte fica ao meu lado, se encostando na parede do box, e
então sou pego de surpresa mais uma vez quando ela leva uma mão
até o meio de suas pernas, começando a se masturbar também.
Ela solta um gemido entrecortado quando começa a se tocar,
respiro fundo, observando seus movimentos e como ela oscila a
própria respiração, e isso me dá ainda mais gás, enquanto envolvo
meu pau, a chamando repetidas vezes.
Meu pau duro feito pedra tenta escapar da minha mão
sempre que chega a cabeça e todas as vezes que o solto, ele estala
em alguma parte do meu corpo. A cabine do banheiro sendo
preenchida pelos gemidos entrecortados de Charlotte enquanto eu a
chamo, com o ar pesado saindo por minha boca, suspirando
audivelmente.
Os olhos claros se fixam nos meus movimentos, enquanto eu
fixo nos olhos dela.
Apesar de isso ser contra as nossas regras, ela não está
olhando diretamente para mim, então eu aproveito para me deliciar
em como os olhos dela reagem enquanto ela se masturba.
— Por que você está aqui? — questiono.
— Pensei em te dar parabéns pelo jogo — ela fala toda
melódica, subindo os olhos por um momento. — Nunca fiquei com
tanto tesão por um jogo de hóquei antes — ela assume.
E porra, ela vai me fazer gozar mais rápido que o normal, e
que se foda, pois sei que ainda essa noite estarei comemorando a
vitória do jogo dentro dela.
Me acaricio em um ritmo um pouco mais lento, o que se torna
dolorido para mim à medida em que ela geme cada vez mais alto e
forte, chegando ao seu limite, mas eu faço isso pois sei bem que
estou chegando ao meu limite com ela tão perto assim de mim,
tornando real e ainda melhor, todas as minhas melhores fantasias.
Charlotte começa a tremer.
— Goza para mim — peço. — Chama meu nome também.
Ela nega com a cabeça e meus movimentos voltam a ficar
mais rápidos. Queria tanto poder beijá-la agora, mas eu estaria
extrapolando todos os nossos limites, então me contento em assistir
os ruídos que escapam de seus lábios.
Minha pele inteira começa a queimar, ansiando pelo alívio que
deve percorrer pelas minhas veias em breve.
— Vamos lá, Charlotte — a instigo. — Me chama.
Ela nega mais uma vez.
— Eu sei que você quer — a provoco e ela sobe os olhos,
massageando a sua boceta que deve estar tão encharcada que
apenas imaginar a situação em que ela se encontra, eu sinto ainda
mais vontade de gozar nela inteira.
Charlotte assente, se esfregando com pressa, a outra mão
dela passa deslizar por seu corpo e então ela pega a bainha camisa,
subindo-a para passar as pontas dos dedos em sua barriga, subindo
seu o peito, deixando-o descoberto.
Por sorte, ela se apoia na parede, pois no momento em que
sua mão começa a massagear o bico do peito duro, enquanto a sua
outra mão se toca, os ruídos dela se tornam mais aguçados.
Minha mão tem vida própria, quando fica ainda mais rápido,
nossos gemidos em uma sincronia perfeita.
— Eu vou gozar, Alex... — As palavras morrem na sua boca
quando sua cabeça pende para trás.
— Vamos lá, olhe para mim — rosno.
Ela tenta ir contra, mas não consegue, seus olhos me
encontram e então ela oscila, eu também, sentindo minhas bolas
espremerem e minhas pernas fraquejarem, meu nome sai da sua
boca no mesmo tempo em que o seu saí da minha.
— Alexander...
— Charlotte...
Acabo perdendo o equilíbrio e meu corpo cede para frente,
contra o dela, que se debate, minhas mãos se apoiam ao lado do
seu corpo, enquanto eu respiro fundo, tentando voltar a órbita.
É como se luzes coloridas piscassem ao meu redor quando eu
pisco os olhos, o peito de Charlotte, coberto pela camisa, sobe e
desce, ela também respira fundo. Nós dois demoramos um pouco
para nos recompor dessa vez e quando finalmente consigo abrir os
olhos, ela está me encarando, curiosamente atenta.
Ainda arfando, ela fala:
— Foi um jogo bom, Alexander.
— Foi o melhor em tempos.
— Por quê?
— Você estava nele — devolvo, e seus olhos saltam, se
erguendo para mim.
Mas eu não quero ficar a fim de você
Se você não me tratar do jeito certo
Veja, eu só posso começar a te ver
Se você puder fazer meu coração se sentir seguro
SAY OK | VANESSA HUDGENS

— Estou encharcada — concluo, o que é óbvio.


— Não sei, eu não entrei em você para ver — Alexander
responde ao secar os cabelos com a toalha.
Estreito os olhos, o encarando, pronta para dar um soco na
cara dele.
— Estou falando da minha roupa, idiota.
Depois de ver que todos os garotos do time haviam saído do
vestiário, eu entrei. Alexander era o único que havia sobrado e
quando comecei a ouvir os murmúrios dele debaixo do chuveiro, eu
já sabia bem o que estava acontecendo.
Então, por que não o atiçar?
Tirei toda a roupa que estava vestindo – com exceção da
camisa que Maggie me obrigou a usar, o que assumo que no final
das contas eu adorei vesti-la –, e fui até ele. O que não foi uma boa
ideia, visto que agora estou com a roupa e cabelos molhados.
— Inclusive, não queria dizer nada, mas você ficou uma
delicinha com essa camisa. — Ele para de secar os cabelos, me
olhando de forma animalesca, estranha e ao mesmo tempo
sedutora.
Franzo os lábios ao fazer uma careta.
— Você já pensou em fazer uma terapia para essa sua
esquisitice? — pergunto ao tirar a camisa molhada e me enrolar em
uma toalha que ele havia me oferecido ao sair do chuveiro. — Quem
fala delicinha?
— Eu falo.
— E é por isso que você é esquisito — concluo ao pegar as
minhas roupas que havia deixado secas e vesti-las. — Você teria
alguma camisa igual a essa aí? — Mal calo a boca e ele já está me
estendendo uma Jersey, que eu pego, notando que ela é maior do
que a que eu estava usando. — Essa é grande para mim — constato.
— Mas é literalmente minha. — Ele fecha a porta do armário
com força. — E seria legal você usá-la nos jogos a partir de agora —
ele sugere, mas mais me parece um mandato.
Visto a camisa e ajusto as mangas que batem nos meus
cotovelos, mas não mexo na bainha, por mais que ela fique no meio
das minhas pernas.
— E quem disse que eu vou passar a ir aos seus jogos? Esse
foi uma exceção — minto, ao franzir a testa.
— Se você não vier por bem, você virá por mal — alerta e eu
o olho preocupada, mas tão logo ele explica. — Digamos que
quando eu mandei o bilhete para você, eu disse que técnico que eu
preciso de algo seu para ganhar o jogo, e depois dos três gols
insanos, Heating vai te caçar até se você estiver na Alemanha
apenas para que a gente ganhe qualquer jogo.
— Vai me dizer que o velho acredita em horóscopo, também?
— brinco e Alexander sobe os olhos quando termina de vestir a
roupa, assustado, o que me faz rir.
— Se você dizer a ele que não acredita, ele vai procurar todas
as provas possíveis e impossíveis que batam com o signo, apenas
para dizer que é por isso que você não acredita em astrologia. — Ele
pega a bolsa dele e depois de fechá-la, começa a liderar o caminho
para fora do vestiário. — Hoje mesmo ele leu minha sorte.
— E qual foi o resultado? — pergunto interessada, afinal, nós
somos do mesmo signo.
— Ele disse que pela manhã iria prometer muitos flertes e
paquera, mas durante a noite haveria algo como pensar no amor,
ciúmes e essas besteiras. — Alexander abre a porta para mim e eu
passo, ele vem logo em seguida.
— Não vai me dizer que você acreditou nessa baboseira? — o
corto, incrédula e perdendo total o interesse no restante do
horóscopo.
Ele sobe os ombros.
— Pela manhã eu com certeza flertei. — Ele vira o rosto,
soltando uma piscadela.
— Com quem? — Uma pontada me atinge.
— Eu não lembro o nome dela. — Ele olha para frente, e eu
começo a sentir minha pele inteira formigar.
Trinco os dentes quando minha mandíbula enrijece e eu
abraço meu corpo, andando em passos duros ao seu lado até a
saída da arena, ficando calada enquanto Alexander fica pensativo.
Depois do café da manhã eu não o vi mais, afinal, eu tinha
horário reservado para treino no rinque e aproveitei a tarde para
passar um tempo com minha mãe, Maggie e Alessandro, enquanto o
filho deles descansava para o jogo, mas eu não esperava que
descanso dele fosse paquerando com outra qualquer.
Porém, me preparo para ouvi-lo de toda forma, afinal, eu só
posso refutá-lo se souber a história completa.
— Continue — peço.
— Começou com ela caindo da cama. — De repente, eu
respiro fundo, pois ele só podia jogar baixo assim comigo. — Depois
eu perguntei se poderia fazer um oral nela, e tive que fazer uma
massagem na bundinha dela.
— Bundinha? — interrompo-o.
— Bundão — ele corrige e eu sorrio, aprovando. — Enfim,
depois eu dei um colar a ela.
— E onde você comprou o colar que deu a ela?
— Achei no lixo. — Ele dá de ombros e eu suspiro, pois
realmente ele vai preferir manter essa história pelo resto da vida,
mesmo que faça menos de vinte e quatro horas.
Eu queria ao menos que ele assumisse que realmente
comprou o colar, afinal, minha mãe acabou me confessando que ele
havia o comprado há alguns dias, melhor dizendo, na mesma noite
em que ele colocou Smith e o time os amigos dele para fora do
Rosie’s, mas ela me fez prometer segredo, pois não havia contado
nem mesmo a Maggie sobre o que Alexander fez.
O que de fato chega a ser uma surpresa para mim, ela me
contar algo antes mesmo de falar para melhor amiga, mas acredito
que ela ficou emocionada ou algo do tipo quando viu o cordão e o
pingente em meu pescoço, então me disse que iria contar um
segredo.
Eu queria poder confrontá-lo, mas se eu fizer isso, ele pode
não contar mais nada a minha mãe, e isso significa que ela não
conta mais nada a Maggie, ou a mim.
Além de que eu prefiro deixar ele continuar se divertindo,
pensando que eu realmente caio no papo dele que encontrou algo
assim no lixo e simplesmente guardou, provavelmente escondido, no
armário.
— Doze dias, e, o meu carro volta para mim — ele comenta
assim que saímos da arena.
Os únicos carros que permanecem no estacionamento de
atletas e professores é o Dodge Challenger dele, que está sob meus
cuidados, e o meu Honda Civic acabadinho que ele tem dirigido.
— Se eu fosse você, não contaria com isso — respondo.
— Por que não?
— Porque eu estou prestes a mudar as nossas regras —
ameaço e ele me olha preocupado. — O que você prefere, eu ou o
carro?
Alexander para os olhos pulando de mim para o Dodge, e
chega a ser engraçado como ele repara em cada parte do meu
corpo, e em seguida troca por alguma parte do carro. Como por
exemplo quando ele olha para os meus peitos, e em seguida para as
rodas pratas do carro.
— É sério? — questiona, um lampejo de preocupação
tomando conta dele e eu anuo. — Você está jogando sujo, Charlotte
— ele declara.
— Não lembro ter jogado limpo com você, Alexander — o
lembro, me colocando ao lado do carro. Minhas mãos passeiam pela
lataria do capô, subindo até o para-brisa, parando em cima do teto.
Eu solto um sorrisinho, ele acompanhando todos os meus passos, ou
melhor dizendo, toques. — E então, eu ou o carro?
Ele sobe a mão, coçando a nuca e respirando fundo.
— Posso responder isso em doze dias? — ele pergunta,
realmente consternado.
Pendo os ombros, destravando o carro e abrindo a porta do
motorista, maneando a cabeça para o lado.
— Não sei, pode?
— Não vale fazer pressão psicológica agora. — Ele está
realmente nervoso ao destravar o meu Honda e eu rio.
Porque por mais que as coisas entre nós estejam mais
tranquilas, eu ainda consigo estressá-lo, do jeitinho que eu sempre
gostei.

— Simplesmente eu não entendo como vocês vão para o


mesmo lugar e não podem ir no mesmo carro — minha mãe diz,
abraçada a cintura de Alexander.
— Nós não vamos para o mesmo lugar — tento explicar pela
décima vez. — Ele vai para a casa dele, eu vou para a minha.
— E uma casa fica há cinco minutos de distância uma da
outra — ela tenta rebater.
— Alice — Maggie a chama —, você é corretora imobiliária,
não advogada, então cala a boca — ela diz, me pegando pelo braço
e me puxando um pouco mais para trás, enquanto o restante anda
na frente. — Sei que mais cedo eu falei para tomar cuidado com
outras coisas, mas queria te lembrar de usar camisinha de toda
forma.
Eu paro, a encarando completamente ofendida.
— Não vou falar sobre isso com você, Maggie. — Sinto o
enjoo vir até a minha garganta. — Até a nossa intimidade tem
limites.
— Só estou dizendo que não quero ser avó agora. — Ela sorri,
toda meiga e eu odeio isso.
Sei que ela está querendo me sondar desde cedo, mas ela
não teve tempo durante a tarde, nem agora durante o jantar. Onde
eu menti descaradamente dizendo que iria direto para a
fraternidade, quando na realidade vou para a república onde
Alexander mora.
Shantal já me enviou várias mensagens diferentes e chegou
até mesmo a me informar sobre o quase beijo dela e Bellamy,
surtando e perguntando que horas eu iria chegar, afinal.
Então penso em usar a pressa da minha amiga como minha
desculpa para não ter que conversar com Maggie sobre o meu
acordo com o filho dela, ou as inúmeras formas que fazemos sexo, e
até mesmo o meu cabelo molhado ao entrar no restaurante.
— Você definitivamente não será avó, e eu definitivamente
não sei a mãe dos seus netos — me nego prontamente.
— Não? — pergunta ao franzir o cenho.
— Óbvio que não. — Engulo o enjoo. — Mas agora eu preciso
ir, caso contrário a Shantal vai me mandar mais oitocentas
mensagens — aviso quando meu celular volta a vibrar e a puxo para
aproximar da minha mãe e Alessandro — Nos vemos semana que
vem?
— Estaremos nos melhores lugares, como sempre — quem
responde é Alessandro.
— Ele até mandou fazer faixas de cabelo com seu nome —
Maggie comenta, me soltando.
— Claro que sim, e já entrei na fila dos ingressos para as
Olimpíadas — ele responde.
— Você sabe que ainda falta mais de um ano para isso, certo?
— eu pergunto, mesmo que já me sinta nervosa para ela.
— Um ano e quatro meses para as Olimpíadas, e seis meses
para o início da seleção — minha mãe faz o favor de me corrigir.
Fecho os olhos concordando.
— Vamos apenas nos concentrar no campeonato de agora,
depois a seleção, ok? — peço.
Só há uma coisa que me deixa mais nervosa do que afeto de
quem eu não estou acostumada, ou não sinto que tenho vínculo
suficiente, e isso é o futuro.
Eu amo patinar, eu me vejo no gelo por muitos anos a frente
ainda, mesmo que tenha escolhido uma segunda carreira como
plano B, eu simplesmente odeio ter que planejar o futuro com
antecedência, porque eu posso estar no próximo final de semana
sendo classificada para a final do Nacional e em um mês sofrer uma
torção, romper um ligamento e dar adeus a patinação profissional.
É por isso também que me apego a cada etapa, a cada
competição. Se for para conquistar o pódio de uma ou de cinco
Olimpíadas, que eu faça isso depois de conquistar os pódios mais
simples. Então eu odeio o simples fato de ter que fazer planos para
algo que só irá acontecer em um ano e quatro meses, como minha
mãe fez questão de ressaltar.
E mesmo assim, ela, Maggie e Alessandro parecem realmente
animados nos planos que eles têm para o próximo ano, e não param
de falar sobre que casa pretendem alugar durante os trinta dias na
Itália, patrocinadores e todo o complemento de um atleta olímpico,
enquanto eu apenas me mantenho calada.
— E a Frozen Four, quem comprou ingresso? — Alexander
solta.
Por um momento olho para ele ofendida, mas eu percebo a
simples piscadela que ele solta, apenas para conseguir mudar de
assunto.
— Eu simplesmente não sei onde errei na sua educação,
garoto. — Alessandro começa a negar com a cabeça. — Como pode
ser tão mal agradecido por puros ciúmes?
— Não é ciúmes — ele desdenha, respondendo o pai. —
Vocês só a tratam assim porque ela já assinou um contrato.
Estreito os olhos, começando a levar a sério a provocação
dele.
— E você já tem dois patrocinadores, babaca.
— E lá vamos nós. — Minha mãe bufa, soltando Alexander. —
Acho que chegou a hora irmos para o hotel e vocês dois para casa.
Minha cabeça não está a fim de participar de uma discussão de
vocês depois de uma noite tão boa.
— A culpa é dela.
— A culpa é dele — dizemos em uníssono.
O início de uma possível discussão entre nós dois se torna o
suficiente para que eles se despeçam de nós, me prometendo que
no próximo final de semana estarão em Nova Iorque, onde acontece
a semifinal. Ao me abraçar e se despedir, Maggie lembra sobre a
camisinha e tudo que eu sinto vontade de dizer é que prefiro pular
de um penhasco que ter essa discussão com ela.
Por fim, eles vão embora, e Alexander e eu seguimos para a
casa dele, onde está tendo uma comemoração. Ao parar em um
sinal vermelho, desço a janela e dou duas aceleradas, com o carro
ainda no ponto morto, ele me mostra o dedo do meio, rebato,
fazendo o mesmo e aumentando o volume da música, que faz parte
da playlist de “músicas para NUNCA ouvir”, dele, o que faz com que
ele contorça o rosto inteiro.
Como o carro de Alexander é mais forte e rápido que o meu,
no momento em que o sinal fica verde e eu tiro o pé da embreagem,
fico já fico bem mais a frente dele. Quando chego em frente a casa
dele, por sorte, deixaram uma vaga da garagem livre, então eu
estaciono o carro.
Considero espera-lo para entrar, porém, imagino o que as
pessoas podem pensar por nós dois entrarmos juntos. Por mais que
os mais próximos a nós saibam que saímos para jantar com nossa
família, ainda prefiro evitar qualquer comentário do tipo.
Dirtymouth está longe, mas Dakota e Anna estão de olho em
tudo, prova disso é que são elas que abrem a porta para mim antes
mesmo de eu tocar a campainha.
— Como foi o jantar? — Anna pergunta.
— Bom — respondo e Dakota me puxa, e eu tento me
esquivar dela.
— Por que você usou o número de Alexander hoje? — A
mesma garota que me puxou está próxima demais de mim.
Dou um passo para trás, a fim de me afastar delas.
— Se vocês querem saber algo específico, eu aconselho que
vocês perguntem de uma vez, ao invés de ficarem sondando pelas
bordas — digo sem paciência.
As duas loiras se olham e depois me encaram, se olham mais
uma vez e depois quando se viram de volta para frente, os olhos
captam algo acima da minha cabeça, então as duas se olham mais
uma vez.
— O que está acontecendo aqui? — A voz de Alexander
ressoa atrás de mim.
E então elas se viram de novo, dessa vez os olhos disparam
para cima e para baixo, várias vezes.
— Nada — as duas dizem em uníssono e se viram, indo para
sala.
— O que foi isso? — Alexander pergunta, colocando a mão na
curva da minha cintura, fazendo com que eu dê um passo à frente,
quando ele entra e fecha a porta.
— Eu também não entendi. — Estreito os olhos, procurando
por elas entre as pessoas na sala.
Não é uma festa como as festas de fraternidade, é mais uma
comemoração apenas com o time de hóquei e mais algumas
pessoas, então a sala e cozinha não estão tão lotadas assim.
Portanto, no momento em que Shantal me vê, ela começa a correr
em minha direção.
— Vem aí mais uma doida — Alexander murmura passando
por mim.
Antes que eu possa respondê-lo, minha amiga já está na
minha frente, respirando fundo.
— Nós precisamos conversar — ela diz, já me pegando pelo
pulso e me levando até as escadas.
— Por que vocês estão todas tão estranhas? — pergunto
enquanto sou arrastada até o andar acima de mim.
Ela não responde nada, apenas continua me carregando pelas
escadas e no momento em que chegamos no primeiro andar, ela
começa a tentar abrir todas as portas, porém encontra todas
fechadas, mas a última é a única aberta, então assim que ela abre,
me puxa novamente, batendo a porta logo em seguida.
— Eu beijei o Bellamy! — ela exclama.
Meus olhos saltam para fora, arregalados, surpresa e
chocada.
— O quê? — respondo em um grito também. — É sério?!
Shantal começa a andar de um lado para o outro, com a mão
na boca.
— Lembra da festa de anjos e demônios? — anuo.
— Foi naquela noite? — questiono confusa. — Por que você
não me disse antes?
— Porque eu não sabia! — grita novamente, parecendo
atordoada.
— Não estou entendendo.
Então ela começa a me explicar que naquela noite Alexander
entrou no mesmo quarto que ela estava, enquanto Bellamy entrou
no outro, os dois trocaram mensagens, combinando o exato lugar
que Bell deveria estar, e que foi o próprio capitão que acabou de
confessar a ela o plano dos dois. O que me faz rir da genialidade
estúpida dos dois.
— Por que você está rindo? — Shantal pergunta quase
ofendida.
— Porque só assim para você beijar Bellamy sem rir da cara
dele — minto, em partes, em meio à risada.
A verdade é que eu acabo de me tocar que Alexander não
apenas estava sem a venda naquela noite, mas como também ele
planejou para que tudo acontecesse da forma como ele queria.
Em outros tempos eu poderia descer até a sala e começar a
xingar ele, mas raiva é última coisa que me vem em mente quando
penso em como ele armou tudo direitinho, e por mais besta que
tenha sido o plano, de certa forma, ainda foi genial.
— Mas por que ele te falou isso, afinal de contas? —
questiono, cessando um pouco meus pensamentos ao parar de rir.
— Nós nos beijamos novamente hoje — ela confessa.
— O quê?!
— Aham. — Acena, mordendo o lábio inferior.
— E isso é bom ou ruim?
— Bom. — Um sorrisinho escapa em seus lábios.
— E por que você está aqui conversando comigo e não
beijando ele agora? — eu pergunto, dessa vez eu quem a puxo ao
abrir a porta e saímos do quarto.
— Porque eu precisava contar a minha melhor amiga, pois ao
contrário dela, que não me conta quem é o moreno misterioso dela,
eu compartilho a minha vida com ela.
Faço uma careta, empurrando-a até a escada.
— Essa sua melhor amiga é péssima — ironizo.
— Concordo plenamente com você. O que custa ela falar de
uma vez por todas o nome do cara que ela transa todos os dias?
— Não é todos os dias — corrijo-a, ela me olha sobre o
ombro, na intenção de que eu continue, mas eu acabo lhe dando um
sorriso e apontando com o queixo para o pé da escada. — Ela é toda
sua, capitão. — Dou um empurrãozinho em Shantal, visto que ela
está a dois degraus de Bellamy, e com isso, ela acaba nos braços
dele.
— Obrigado, eu acho — ele me agradece, mas seus olhos
estão na minha amiga.
Ela pede desculpas e tão rápido a boca dele já está colada na
dela, e se eu pudesse apostar, diria que em uma hora os dois
estarão no quarto dele, tirando a roupa. Portanto não me prolongo
ao ficar perto deles e adentro a sala, procurando por algum rosto
conhecido.
O problema é que o primeiro que eu vejo tem um sorriso
meigo, cabelos ruivos bagunçados e a mão levantada, vindo em
minha direção.
— Ei, estranha. — Zach sorri ao se aproximar. — Quer uma
cerveja?
Franzo o nariz, negando.
— Estou bem — respondo.
Tento manter uma distância considerável dele quando ele me
abraça, balançando o corpo para frente e para trás, visivelmente
desconfortável, mas Zach parece não perceber, ou apenas não se
importa com meu incômodo.
— Quase não tenho te visto nos últimos dias — comenta.
— Treinos, aulas, trabalho... — Tento ao máximo ser simpática
com ele e não dizer que na realidade ele meio que se transformou
em um território proibido para mim.
— Ansiosa para semifinal?
— Com certeza!
Sinto minha garganta se fechar com minha resposta breve,
um calor constrangedor subindo pelas bochechas, que parece se
estender também por cada centímetro do meu corpo, à medida em
que continuo jogando meu peso para frente e para trás.
Desde que Zach e eu paramos de nos ver, mal tivemos tempo
de ter uma amizade, pois poucos dias depois eu estava selando um
acordo com Alexander, que parece não gostar nem um pouco do seu
colega de quarto e companheiro de time, o que confesso que ainda
não consigo entender a relação deles dois. Já cheguei a cogitar que
Alexander possa ter ciúmes de Zach, mas tão rápido essa ideia foi
embora, afinal, qual motivo Alexander teria para sentir ciúmes de
Zach?
O ruivo levanta a mão, coçando a cabeça, enquanto
aparentemente tenta pensar em algum assunto para conversar
comigo, meus olhos desviam dele para o chão e ele solta um
suspiro. Quando volto a subir a cabeça, no fundo, vejo que
Alexander está há alguns metros de distância de nós dois, James
está ao seu lado e ele fala alguma coisa para o amigo, mas seus
olhos centram em Zach e eu.
Coço a garganta.
— Você fez uma boa defesa hoje — elogio e ele abre um
sorriso.
— Independente do próximo jogo, estaremos nos playoffs
para a Frozen.
— Eu sei — respondo, mas não estou com tanta atenção nele
e sim Alexander, que mesmo longe, consigo ver o instante em que
suas narinas dilatam.
Sou pega de surpresa quando a mão dele pousa no meu
ombro e assim como os olhos de Alexander que estão longe, os
meus fixam na mão dele encostando em mim, maneio a cabeça para
o lado, fechando os lábios em uma linha fina.
Se o momento já estava embaraçoso o suficiente, fica ainda
pior com o gesto dele. E ele sequer nota o desconforto, ou apenas,
mais uma vez, ignora.
O ambiente ao redor parece se fechar, sei que ele quer falar
algo, mas meus olhos focam apenas na parte em que eu preciso me
livrar do toque dele. Meu coração parece pesado quando pulsa,
então eu fecho os olhos, respiro fundo, e ao invés de surtar, apenas
me afasto.
— Foi bom conversar com você, Zach. Com licença.
Não espero por uma resposta dele, apenas desvio e caminho
até a outra extremidade da sala, onde Alexander está, os olhos dele
queimando cada passo que eu dou, enquanto ele continua bebendo
a cerveja dele.
— Não pergunta nada — digo assim que me ponho ao lado
dele, tomando a cerveja da mão dele e virando o gargalo na minha
boca, tomando o restante do líquido de uma vez só.
— Eu não ia. — Sua voz é cortante.
Subo a cabeça e percebo que seus músculos estão rígidos, ele
com os olhos em Zach, emanando hostilidade. De repente o ar
parece ficar ainda mais denso e carregado devido a tensão, que
chega a atingir o seu ápice.
As pessoas ao nosso redor conversam e cantam as músicas
que tocam na caixa de som que há no meio da sala. Me lembro
momentaneamente dele dizendo sobre o horóscopo e a questão dos
ciúmes que o técnico Heating disse que estava no ar para o nosso
signo, enquanto ele estende a mão para o lado, pegando mais uma
cerveja e abrindo-a no dente, ele toma um gole, e ainda assim, seus
olhos continuam queimando Zach, que agora conversa com outras
pessoas.
A mão grande e forte dele se aperta na garrafa de vidro e até
os goles que ele dá na cerveja são de tamanha brutalidade, que é
possível ouvir o líquido entrando em seu corpo.
Alexander não estaria com ciúmes de Zach, estaria?
Digo... Ciúmes de Zach comigo?
Isso chega a ser algo inacreditável, mas pela forma como
cada gesto dele, frio, as mandíbulas cerradas e o rubor que sobe de
sua garganta até seu rosto, só me deixam claro isso. Ou Alexander
quer matar Zach, ou Alexander está com ciúmes do ruivo comigo.
Ou os dois.
Pisco, tentando dissipar os pensamentos, porque isso é algo
muito doido, e eu só posso estar ficando doida por imaginar algo
assim. Por sorte, uma das minhas músicas preferidas começa a
tocar, então eu passo a cantarolar Baby, de Justin Bieber, e isso
acaba funcionando para cessar meus pensamentos.
— And I just can't believe we ain't together... — cantarolo.
— Sabe, Charlotte, como cantora você é uma ótima
patinadora.
Alexander é ríspido e eu o ignoro, aumentando o volume da
minha voz.
— I'm going down, down, down, down — continuo, saindo do
lado dele e cantando enquanto gesticulo. — And I just can't believe
my first love won't be around.
— Você já não canta bem, e ainda quer cantar alto uma
música que não é nada boa.
Minha boca se abre e eu paro de cantar por um momento.
— Eu não acredito que você disse isso!
— Que você canta mal?! — O cenho dele se franze quando ele
finalmente me olha.
— Que a música é ruim. Você a tem na sua playlist de música
para nunca ouvir.
— O nome da playlist já diz tudo, não acha?
— É a sua playlist mais tocada — rebato e os olhos dele
saltam, assustados. — Se você não sabe, tem uma configuração no
som do carro que dá para ver as músicas mais ouvidas, e essa é
uma delas. — Um sorriso cresce em meus lábios. — Baby, baby,
baby, ooh, eu sei que você quer cantar! — provoco.
Ele nega com a cabeça, tomando mais um gole da bebida.
— Não quero.
— Quer sim! Baby, baby, baby, ooh, like.
— Não — ele nega mais uma vez.
— Vai à merda, então.
São exatos um segundo e meio em que ficamos em silêncio,
pois a música faz uma pausa dramática, Alexander também, ao
colocar a long neck na mesa atrás dele com força.
E então, como se a alma dele saísse do corpo dele, e ele fosse
completamente substituído, seus olhos se iluminam, e eu pulo, em
um susto, quando ele exclama:
— Luda! — E então, ele passar a cantar, em voz alta e clara, a
parte do rap da música. — When I was thirteen, I had my first love.
There was nobody that compared to my baby.
Sorrio, pulando igual uma criança, e acompanhando-o no
restante da música inteira. E de repente, simples assim, é como se
todos ao nosso redor se calassem, e por aqueles poucos segundos
restantes, que mesmo em uma década diferente, continuam fazendo
sucesso, meu coração dispara, em uma euforia nova e totalmente
diferente.
Alexander também ri enquanto canta a música e mesmo
quando ela acaba, nós não paramos, pois mesmo diante de risos e
possíveis comentários, nem ele, nem eu, parecemos nos importar
com as pessoas quando pulamos, dançamos, e até mesmo ele chega
a pegar na minha mão, me girando, ao som das músicas que no
fundo são minhas preferidas da vida, enquanto para ele é apenas
músicas intituladas para nunca ouvir.
E assim, construímos um momento, apenas nosso. Sem a
pressão de sermos descobertos pela Dirtymouth, ou as fofocas que
Anna e Dakota irão comentar com quem parar para escutá-las por
dois minutos, as provocações de Evan, e até o nosso ódio mútuo.
Durante todo o momento, que parece ser tão singular, me
desconcertando por inteira, e me fazendo enxergar que talvez eu
nunca tenha o odiado de verdade. Talvez, no fundo, tudo o que eu
gostava mesmo eram as nossas brigas e provocações, pois em meio
ao medo constante do afeto, a certeza de que eu iria ter alguém
para brigar todos dias era o que mais me alimentava.
E merda, talvez – não estou dizendo que acredito nisso –,
apenas talvez mesmo, o horóscopo de Heating estivesse certo no
final da noite.
Oh, você sabe o quanto machuca
Toda vez que você diz que me odeia
Mas quando estamos fazendo amor, você faz valer a pena
Mal posso acreditar nos lugares que você me leva
PERFECTLY WRONG | SHAWN MENDES

— Ei! Onde vocês estão? — pergunto no momento que minha


mãe atende a chamada em vídeo, os olhos inchados, parecendo que
chorou recentemente, e percebo que ela está no quarto dela, em
casa.
— Em casa — ela responde o que eu já tinha percebido.
— Vocês não deveriam estar em Nova Iorque para assistir a
semifinal da Charlotte? — questiono inquieto.
Hoje é o dia da apresentação de Charlotte, ela passou toda a
última semana ansiando por isso, até folga do trabalho pediu, além
das aulas que ela faltou durante os quatro dias em que esteve no
campus antes de viajar para a competição.
Pensei em ligar para perguntar como ela está, mas decidi falar
com minha mãe antes, e estou surpreso de que ela não esteja lá.
— A gente sabe! — ela grita, parecendo realmente chateada.
— Mas seu pai teve a bela ideia de passar a noite se empanturrando
de churrasco e agora não consegue ficar um minuto sem ir ao
banheiro.
— E você?
— Você acha que quem acompanhou ele nessa jornada do
churrasco?! — responde sem paciência.
— Então nada da Alice também?
— Ela está no hospital, disse que iria fazer os médicos darem
todos os remédios possíveis para estômago e intestino.
Levo a mão até a testa, coçando-a.
— Então ninguém está lá para assistir uma das apresentações
mais importantes da vida da Charlotte? — pergunto, sem paciência.
Minha mãe estreita os olhos, mudando rapidamente sua
expressão de dor de barriga para desconfiança.
— Eu estou ficando louca ou você realmente está com raiva
por não estarmos lá por ela? — Seus olhos se fecham ainda mais
enquanto ela me analisa.
— É claro que estou! — confesso e posso jurar ver o lampejo
de um sorriso subir pelos cantos da boca da minha mãe. — Vocês
estavam mais ansiosos para isso do que a própria Charlotte, e por
mais que ela não demonstre, ela está a flor da pele por conta das
apresentações, o corpo cheio de marcas roxas devido às quedas no
gelo, fora as três horas de sono que ela tem, por dia. O mínimo que
vocês deveriam ter feito era ter se contentado com água, para poder
viajar por malditos quarenta minutos para conseguirem apoiar ela,
mas foram se empanturrar de besteira na noite antes de um dia tão
importante para ela, onde é óbvio que ela precisa das pessoas que
sempre estiveram com ela, e agora simplesmente vocês a deixaram
na mão, e não se deixa alguém dessa forma.
Minhas palavras saem todas de uma vez, pois eu nunca me
senti tão revoltado como estou agora.
E mesmo tendo mais uma vitória noite passada, dessa vez
contra a Brown, pegando a nossa vaga para os jogos de
eliminatórias e ir em busca da tão sonhada Frozen Four, sabendo
que todo o campus estará nos aguardando em festa assim que
saímos do ônibus hoje no final da tarde, é totalmente frustrante
saber que as pessoas que realmente importam para Charlotte não
estão lá por ela.
— Alex — minha mãe me chama, enquanto eu tento respirar,
igual Charlotte faz sempre que está nervosa.
— Fala.
— Sabe quem é a pessoa que sempre esteve com ela e pode
muito bem ir assistir e estar lá por ela, além de estar totalmente
saudável?
— Quem? — pergunto, rangendo os dentes e ainda
respirando fundo.
— Você.
— Eu?!
Ela anui.
— Querendo ou não, odiando ou amando ela, você sempre
esteve com Charlotte, e quando eu digo sempre, é sempre mesmo!
— Ela sorri. — Até mesmo quando vocês se mexiam nas nossas
barrigas, era em sincronia. Nós três estamos há quarenta minutos de
onde acontece a competição, mas estamos doentes. Você está bem.
— São quatro horas de onde estou até Nova Iorque.
Minha mãe sorri ainda mais.
— Tem um ônibus que sai em meia hora, você chegaria com
tempo.
— Mãe...
Eu começo a falar, mas tão rápido me calo, pois eu estava
pronto para dizer que de todas as pessoas, a única que Charlotte
não iria querer por perto em um dia tão importante como esse, seria
eu.
Mas será que eu estaria certo quanto a isso?
Sinceramente, eu não faço mais a mínima ideia. Embora ela
ainda me mande à merda, todos os dias, nós não brigamos mais
como antes. Até mesmo conseguimos conversar como duas pessoas
normais, e nos últimos dias, principalmente, eu sinto que eu fui a
única pessoa que ela realmente conversou sobre o cansaço e a
ansiedade das apresentações.
— O que foi? — minha mãe pergunta quando passo muito
tempo calado.
— E se ela não quiser me ver lá?
— Você quer ver ela? — Assinto. — Então com certeza ela te
quer lá.
— Como você pode ter tanta certeza?
Mesmo pela chamada de vídeo, eu percebo quando ela joga
os ombros.
— Sei o bastante para ter comprado a passagem para você
ontem à tarde, antes de comer besteiras e o estrago acontecer,
então abre seu e-mail e vai logo, garoto. E antes que surja qualquer
dúvida, se lembre que da mesma forma como você amou ver ela
torcendo por você naquele jogo, ela também amará ver você lá.
Um sorriso desperta em mim enquanto eu pisco, concordando
com todas as palavras da minha mãe.
— Eu sei que você sabe de alguma coisa — eu digo, porque a
forma como ela me olha toda orgulhosa me diz o suficiente. — E eu
não quero saber do que você sabe agora, porque tenho um ônibus
para pegar, nos falamos depois.
Não me estendo na despedida, apenas finalizo a ligação
ouvindo o gritinho feliz da minha mãe e enquanto junto minhas
coisas, a ansiedade vai tomando conta de mim cada vez mais.
Verifico a passagem que minha mãe me enviou por e-mail,
assim como ela havia dito, e saio do quarto, encontrando o técnico
Heating no corredor.
— Ei, técnico — o chamo. — Qual a minha sorte de hoje?
— Dia movimentado, também é hora de encarar a verdade
sobre sentimentos e relacionamentos passados, que também são
atuais, e a noite reserva uma grande revelação.
Sorrio, apertando o botão do elevador.
— Não vejo a hora de chegar à noite, então.
— Para onde você vai, Harrison?
— Em busca de encarar a verdade sobre meus sentimentos.
— Solto uma piscadela ao entrar no elevador após as portas se
abrirem.
A última vez em que estive dentro de um elevador tem mais
de doze anos, foi no mesmo dia em que eu jurei que eu nunca mais
entraria em um por toda minha vida, fora os demais lugares
apertados, com poucas opções de saída.
E mesmo suando frio, sentindo minhas pernas fraquejarem a
cada andar que ele chega, se aproximando cada vez mais do térreo,
eu inspiro e expiro, me concentrando apenas no ar que entra e sai
dos meus pulmões, e principalmente no pouco tempo que tenho
para entrar dentro do ônibus e chegar à tempo em Nova Iorque.
Se eu estivesse no meu carro seria mais rápido, mas visto que
viajei com o time para o jogo, minhas opções são limitadas, então
me contento com a que eu tenho.
O ar que solto ao chegar no último andar e as portas de
metais se abrirem para mim enquanto carrego minha mala é
libertador, pois ao mesmo tempo que acabo de sair de um dos meus
maiores pesadelos, eu ainda sai dele tranquilo, pois estou indo em
busca de algo que eu sempre quis, talvez desde o momento em que
nasci.

Ao chegar na arena onde acontece a competição, está no final


das apresentações de casais na pista de gelo, então no momento em
que encontro o meu lugar, eu me sento nele e pego o celular.

Alex:
Espero que vc quebre a perna
Charlie:
Vc por acaso está tentando me desejar boa sorte?
Alex:
É meio óbvio, não acha?
Charlie:
Qual o seu problema que não pode dizer apenas boa sorte?
Falar que eu devo quebrar a perna é no mínimo insensível
Alex:
Mas é assim que fazem no teatro
Charlie:
*foto anexada*
Isso parece um teatro para vc?

Não consigo distinguir se pelas mensagens Charlotte está


sendo apenas Charlotte, ou ela está estressada. A imagem que ela
manda é do casal que está se apresentando, então eu também tiro
uma foto e encaminho para ela, do meu ponto de vista.

Alex:
Pode não ser teatro, mas a bundinha deles dois é um espetáculo à parte
Charlie:
Onde vc está?

Não tenho nem chances de digitar uma resposta pois tão


logo, ela está me ligando.
— Onde você está? — Faz a mesma pergunta que fez por
mensagem no instante em que eu atendo.
— Cadeira inferior, sul, quinta coluna, número nove.
— O que você está fazendo aqui? — A pergunta é ríspida e a
forma como ela é dita faz com que eu me recoste na cadeira, coisa
que ainda não tinha feito desde que cheguei.
Engulo em seco, ficando em silêncio, procurando por uma
resposta, uma mentira, algo que me faça escapar dos
questionamentos de Charlotte, mas é apenas quando o casal
termina a apresentação e o público os aplaude que eu me toco que
estou cansado de inventar mentiras, procurar desculpas, apenas
para continuar sendo infantil.
Por isso repito as palavras ditas pela minha mãe, porém do
meu jeito.
— Achei que você precisaria de alguém que sempre esteve
com você, hoje.
Quando a ligação fica em silêncio, meu coração retumba no
meu peito de uma forma que me deixa apavorado, ao ponto de que
mesmo estando em uma arena lotada de pessoas, eu ainda ouço
apenas as batidas fortes e descompassadas dele, enquanto espero
por uma resposta de Charlotte.
— Parabéns, Harrison — ela finalmente responde, e dessa vez
sua voz é calma e meiga. — Pela primeira vez na vida você
conseguiu fazer algo certo.
Charlotte provoca, e mesmo assim eu ainda sorrio.
— Eu sempre acerto.
— Hum... — murmura hesitante. — Tenho certeza que essa é
a primeira vez, mas agora eu tenho que desligar, os solos femininos
irão começar.
— Espero que você quebre a perna, patinho feio.
— Vai à merda, Alexander! — é a última coisa que ela diz ao
desligar, e eu ainda estou sorrindo.
Não se passam trinta segundos e sinto que minha boca está
prestes a ficar nessa posição para sempre, quando ela envia uma
foto, centralizando seu sorriso enquanto ela segura o pingente que a
dei alguns dias atrás no dedo.

Charlie:
*foto anexada*
Espero que isso aqui dê sorte
Obrigada por vir
E para de olhar para bunda das pessoas nas apresentações!
*emoji de coração*

Meus olhos piscam, uma, duas, três... mais de vinte vezes.


Eu poderia me concentrar na acusação dela de olhar para as
bundas, na foto onde ela está linda por sinal, ou apenas no fato dela
estar aparentemente feliz.
Mas, pela primeira vez na vida, em anos, o inacreditável
aconteceu.
Charlotte acaba de me enviar uma figurinha de um coração, e
a minha reação é simplesmente ficar tão feliz, e ao mesmo tempo
incrédulo, que não consigo reagir de verdade.
Pouco mais de dois meses atrás eu estava literalmente
surtando por conta da troca de mensagens dela com Zach, por conta
do maldito emoji de coração que vi enquanto me esgueirava para
ver os conteúdos das mensagens, apenas para descobrir depois que
ele não era o receptor do emoji, e agora, quem recebe o maldito
coração sou eu.
O que pode não significar nada, mas se meus pensamentos
estão certos, significa tudo. Então ao invés de responder Charlotte
com apenas um coração, eu encaminho todos que existem no
teclado, um por um, mensagem por mensagem.
Foda-se se ela estranhar ou achar piegas, se eu posso receber
um coração dela, significa que eu posso mandar para ela mais de
vinte opções de corações diferentes, e isso ainda não seria suficiente
para mim quando se trata de Charlotte Cameron.
Porque sim, eu tenho um ciúme do caralho dela, por anos tive
raiva de todos que ela deixou se aproximar, pegar na mão dela, e
abraçá-la, enquanto eu era o único que recebia todos os chiliques.
Eu impliquei com ela por tantos anos apenas porque para
mim essa era a única forma de me manter perto dela, e por mais
que eu quisesse negar que a queria longe, meus melhores
momentos foram quando ela estava por perto. Ouvir ela falar sobre
os ídolos dela de forma tão apaixonante, como ela fez quando falou
sobre Zoe, é encantador. Perder para ela no Xbox é horrível, mas
assistir ela mordendo os lábios enquanto se concentra em roubar o
disco para fazer um gol, e o sorriso que ela dá sempre que ganha
uma partida, é estonteante.
Charlotte é uma péssima cantora, a voz dela parece realmente
de uma taquara rachada, ainda mais quando ela canta gritando,
porém, ela pouco se importa com isso e apenas o faz, o que é
adorável. Outra coisa que eu poderia dizer que adoro nela é que
apesar de ela tentar esconder seus sentimentos, quando ela ama,
ela simplesmente ama, e quando ela odeia, ela queima.
E foi justamente isso que me fez amá-la. A forma como ela
age como uma fênix sempre que entra em um novo embate, que
mesmo quando eu, o seu maior rival, a derruba, ela se ergue,
reacende, pegando fogo, igual uma fênix.
Foram vinte e um anos, um mês, duas semanas, três dias e
mais algumas horas que não consigo calcular agora para perceber
que sim, eu amo Charlotte Cameron, e talvez, se seu ódio por mim
for tão forte quanto o meu por ela, ela também me ame, e mesmo
que ela precise de mais dez anos de terapia até conseguir entender
o que sente por mim, que seja, eu espero os malditos dez anos.
Até mesmo se ela me dizer que precisa de cinquenta anos, eu
ainda sou capaz de esperar esses cinquenta anos.
Charlotte é a última a ser chamada para se apresentar. Ao
entrar na pista de gelo, ela para na divisão que há, conversando
algo com sua treinadora, em seguida a mulher sorri para ela e ela
desliza no gelo até o centro do rinque. Nesse meio tempo eu fico de
pé, então quando ela se vira para o lado onde estou, com os braços
abertos e um sorriso no rosto, eu subo na cadeira e grito:
— Vai à merda, Charlotte!
Sinto que todos os olhos no local miram em mim, mas os
meus olhos estão fixos apenas na garota – minha garota – que
começa a rir, antes que o instrumental de Dynasty comece a tocar.
O vestido que Charlotte usa é em um azul degradê, os roxos
das quedas que ela teve nas últimas semanas são cobertos por uma
meia calça cintilante e os cabelos estão presos em uma coroa de
tranças, e então ela faz a magia acontecer.
A cada giro que ela dá, indo até a extremidade do rinque,
meu coração dá uma leve acelerada, ela troca a rotação e começa a
patinar para trás e quando pega velocidade, sobe uma perna,
fazendo a posição em forte de um T, ou melhor dizendo, o famoso
camelo. Outra vez, ao trocar a rotação, agora patinando de lado, ela
passa a ganhar velocidade e então todos nas arquibancadas vibram,
pois ela acaba de fazer um triplo Axel, e quando já estão todos de
pé e ela aterrissa, impulsiona o corpo para cima outra vez, ao fazer
novamente o triplo Axel, o que acaba gerando gritos e mais gritos do
público presente.
Ela desliza outra vez, dessa vez mais calma, ao realizar um
spread eagle aberto, suas mãos e braços se movimentam e
gesticulam juntamente ao seu corpo, o que deixa tudo ainda mais
bonito, Então, ela realiza um Lutz, a partir da borda traseira externa
da lâmina, Charlotte ao invés de aterrissar com o pé diferente do
que ela saltou, ela volta ao gelo com o mesmo que iniciou o salto, o
que gera uma rotação contrária, e poucas pessoas conseguem
seguir deslizando tão majestosamente no gelo após o feito, e bom,
ela é uma dessas pessoas.
Meus gritos, assobios e aplausos se misturam com o restante
das pessoas presentes, enquanto eu tento filmar toda a
apresentação no celular.
Charlotte realiza mais alguns giros e saltos durante a
coreografia, então quando chega no último refrão da música, onde é
o momento em que ela realiza o último triplo Axel e ao aterrissar faz
o flyng camel, que é justamente onde ela vinha errando em todos os
ensaios. Até chegou a pensar que iria cair na apresentação, o que
não acontece, pois tão logo ela gira sobre os dois pés, e em meio
aos giros, ela vai se abaixando até sentar sobre um pé.
Mas não acaba aí, pois no momento em que ela para de girar,
Charlotte se lança no ar em Salchow, empurrando o pé pela borda
interna, realizando dois giros e meio no ar. No instante em que ela
pousa suavemente pela borda externa do outro pé, ao invés de
continuar patinando, Charlotte fica nas pontas das lâminas,
rodopiando outra vez.
E nesse momento eu com certeza não tenho mais voz para
gritar, acredito que ninguém nessa arena tenha. Ao final da
apresentação, ela é aplaudida de pé, por todos que estão no local.
— Licença — peço a senhora que está atrás de mim, com
várias rosas nas mãos, ela se prepara para jogar uma no rinque.
— O que você está fazendo? — ela pergunta confusa quando
eu as pego de suas mãos. — Isso é meu!
— Eu juro que já te pago, mas eu preciso jogar todas elas
para essa mulher incrível! — exclamo.
A mulher poderia se debater contra mim, porém, ela sorri e
até me entrega mais rosas e um ursinho, o que eu agradeço, então,
no instante em que Charlotte se vira para o meu lado, da mesma
forma que fez antes do início da apresentação, eu jogo tudo o que
há em minhas mãos. Ela se afasta assustada, enquanto com as
mãos livres eu continuo aplaudindo e assobiando.
Depois de recolher tudo o que há no gelo, rindo, Charlotte se
afasta e então, a ansiedade começa a tomar conta de mim,
enquanto anunciam que irão contabilizar as notas.
Ela precisa de noventa e três pontos para se classificar para a
final do campeonato nacional, mas é claro que não consegue apenas
os pontos para a classificação, pois a pontuação máxima dela após a
média de técnica e apresentação acaba sendo cento e vinte e três,
deixando-a no primeiro lugar do ranking da conferência.
Pego minhas coisas, me preparando para sair com pressa,
mas a mesma senhora que eu peguei as rosas e me deu a pelúcia
me chama.
— Ei garoto, meu dinheiro!
— Ah, sim. Claro!
Pego a carteira e tiro algumas notas, entregando na mão dela,
sequer chego a contar a quantia total que dou a ela, pois a minha
pressa para sair dessa arquibancada e ir em busca de Charlotte para
parabenizá-la é maior que a preocupação com o dinheiro.
Desço as escadas com pressa e pego o corredor interno que
dá acesso à pista de gelo. Ao ser questionado por um segurança,
mostro minha carteirinha de atleta da Darthmouth, e mesmo que
nela esteja escrito que faço parte do time de hóquei, a mulher não
presta tanta atenção e me deixa passar.
Corro pelo corredor em busca da saída por onde Charlotte
deve sair, esbarrando em alguns competidores que já deixaram a
pista de gelo.
— Eu vi o que você fez. — Ouço a voz dela antes mesmo de
encontrá-la e quando me viro para o lado, ela está andando em
minha direção, com várias rosas vermelhas em mãos, abraçando um
ursinho.
— O que eu fiz? — pergunto confuso.
— Roubou essas flores e um ursinho de uma senhorinha.
— Eu não roubei, isso deve ter me custado uns trezentos
dólares.
Os olhos de Charlotte saltam.
— Ela te cobrou tudo isso?
— Ela cobra por isso?
Charlotte anui, rindo.
— Ela está em todas as competições, com uma mala gigante
de rosas e pelúcias, para vender a pessoas desesperadas — explica.
— Eu estava desesperado — confesso e ela ri mais ainda.
— Sei que sim, meu bom amigo.
Estreito os olhos, então quando Charlotte está próxima o
suficiente, ela estende o ursinho para mim e eu vejo que ele segura
um coração onde diz “bom amigo”.
— Considere esse meu primeiro presente para você. —
Estendo de volta para devolvê-la.
Charlotte se prepara para pegar o urso, contudo, sua coluna
se empertiga, assim como a minha, juntos, nós deixamos cair o urso
e as rosas que ela tinha em mãos. Minha respiração para e todos os
meus pelos se eriçam, em pura descrença quando uma terceira voz
se impõe entre nós, mais precisamente ao nosso lado.
Voz essa que eu não ouço desde que eu era criança.
— Lottie — ele chama.
Só há três pessoas na face da terra que chamam Charlotte
assim. A mãe dela, meus pais e...
Me abrace
Aperte um pouco mais até não podermos respirar
O que posso dizer? Meu bem, o que posso fazer?
O monstro em mim ama o monstro em você
MONSTER IN ME | LITTLE MIX

Meu pai.
É difícil conseguir raciocinar esse momento e a voz que acabo
de ouvir chamar meu apelido de infância.
Minha vista escurece ao mesmo tempo em que tudo ao meu
redor parece girar.
Lottie.
A palavra, juntamente a voz rouca e o sotaque espanhol
acentuado, reverberam repetidas vezes na minha cabeça e enquanto
eu tento assimilar que o que acabo de ouvir é real, sinto as rosas
caírem das minhas mãos.
Pisco os olhos e noto que a minha frente, Alexander parece
estar tão surpreso quanto eu.
Ao mesmo tempo em que sinto meus pelos se arrepiarem,
enquanto os milésimos de segundos se transformam em horas,
minha pele também formiga, minha boca seca e um nó se
transforma no fundo da minha garganta.
Giro a cabeça para o lado, pois sinto que meu corpo está
petrificado, e então eu o vejo.
Cabelos castanho escuros com alguns nuances grisalhos,
olhos tão escuros que posso jurar que são pretos, cobertos por
pequenas rugas nas pontinhas, barba aparada e mandíbula
quadrada e o cenho naturalmente franzido junto aos outros detalhes
me mostram que ele é o mesmo homem que fez suas malas e foi
embora de casa catorze anos atrás, só que agora um pouco mais
velho.
Tento engolir, mas parece que não há uma gota sequer de
saliva na minha boca, e a bola que parece agora habitar minha
garganta se nega a descer.
Assisto ele dando mais um passo em nossa direção, ou
melhor dizendo, em minha direção, e a confusão dentro de mim
aumenta gradativamente. Eu tento falar algo, tento me afastar, tento
perguntar o que ele está fazendo aqui. Quero perguntar se ele viu
minha apresentação, como ele sabia onde eu estaria, se ele
acompanhou não apenas essa competição, mas as tantas outras.
Se ele sabe que mesmo quando ele me deixou eu continuei
patinando, pois foi a única forma que eu encontrei de me libertar da
falta constante que ele fazia. Se ele sabe que cada medalha e troféu
que ganhei ao longo de uma vida recheada de apresentações,
competições, saltos e quedas, e cada foto postada nas minhas redes
sociais, eu esperei por uma curtida ou um comentário dele.
Eu quero perguntar se ele faz ideia de como foi difícil chegar
até aqui sem ele, e que por conta da sua ausência, eu passei a ter
medo de receber carinho, afeto e de me achar digna do amor.
Pois foi graças a ele, a pessoa que mais me demonstrou
carinho e afeto por sete anos, e um dia simplesmente sumiu, eu
fiquei com medo de me entregar a qualquer pessoa, pois para mim,
se isso acontecesse, significaria que com o passar do tempo eu seria
abandonada.
E que mesmo diante de todo o meu esforço de tentar manter
contato, as inúmeras ligações e mensagens de voz que deixei, as
cartinhas que escrevi pedindo para visitar, a falta de parabéns
durante catorze aniversário, como quando eu precisava dele para me
acompanhar nas aulas de direção, tirar dúvidas sobre mecânica do
meu carro velho e ele nunca veio. Nunca entrou em contato, nunca
me visitou, nem mesmo mandou um cartão de feliz aniversário.
Ele apenas me abandonou.
Meu pai me abandonou.
Meu pai, que se separou da minha mãe e que escolheu me
deixar mesmo antes de assinar os papéis do divórcio.
Ele dá mais um passo em minha direção, enquanto eu
continuo parada, sem conseguir me mover, ele abre os braços, com
um sorriso que parece terno sobe pelos cantos da sua boca e me
chama outra vez. Minha respiração estanca, um único pingo de suor
desce por toda extensão da minha coluna, se ele der mais um passo,
ele estará me abraçando.
— Ei, Rafael. — Alexander entra no pequeno espaço que há
entre mim e meu pai, o chamando.
— Alexander?! — ele pergunta, a voz parecendo
genuinamente confusa.
— O único. — Posso não estar vendo Alexander agora, mas
ele está sendo irônico, enquanto eu tento respirar. — Já faz quanto
tempo que não nos vemos? Quinze anos?
Catorze. E definitivamente ele está sendo irônico.
— Não faz tanto tempo assim — meu pai tenta desconversar.
Tudo o que posso assistir é as costas de Alexander, e ele se
endireita. Conhecendo-o tanto quanto conheço, ele está fuzilando o
homem que me deixou.
— Não quinze anos exatamente, você tem razão! Faz catorze
anos e oito meses, eu não gosto muito de fazer contagem de dias,
mas da última vez que você me viu seria catorze anos, oito meses e
cinco dias, mas se eu for contar a última vez que te vi, que foi pela
janela da sala da minha casa, colocando as malas dentro de um
carro, daí nós podemos diminuir um dia nessa questão.
Silêncio.
Alexander não se move, nem mesmo um centímetro durante
esse tempo, suas costas permanecem eretas e sua respiração
aparentemente tranquila, enquanto eu inspiro com força e expiro
com leveza, tentando fazer a contagem ouvindo todo o diálogo.
— Olha só...
Meu pai começa quebrando o silêncio, mas tão logo Alexander
o interrompe.
— Eu não sei o que você veio fazer aqui, Rafael, mas é
melhor você ir embora — ele o corta.
Um riso rouco escapa do outro homem.
— Eu vim parabenizar a minha filha — ele responde, e é com
as duas últimas palavras dele que eu sinto algo molhado em meu
rosto, descendo por minha bochecha. — Você pode me dar licença,
para que eu possa abraçar ela?
— Não.
— Como é?
— Eu disse que não, você não pode abraçar a Charlotte.
— Garoto, da última vez que eu te vi, você não tinha os dois
dentes da frente, e agora porque está mais alto do que eu, se acha
no direito de mandar e desmandar na minha filha?
— Eu não mando nela. — Mesmo que Alexander esteja
perdendo a paciência, sua voz é limpa. — Mas eu não vou deixar
você encostar um dedo em Charlotte depois de tudo o que você fez.
— E o que eu fiz?
Silêncio outra vez.
— Nada. — É a primeira vez que Alexander se move,
erguendo os ombros. — Aí que está o X da questão, você não fez
absolutamente nada, e é por isso que te peço gentilmente para ir
embora.
— Alexander... — A voz do meu pai reverbera e, então,
finalmente eu consigo me mover, ficando ao lado de Alexander.
Minha vista está embaçada e meus olhos ardendo, e isso é
por conta das lágrimas que encharcam meus olhos, eu pisco
tentando controlá-las, e mesmo assim elas continuam descendo.
Subo os braços, contornando meu corpo e me sentindo frágil, como
se estivesse a ponto de quebrar. Pois ao mesmo tempo em que sinto
que preciso correr para os braços do meu pai, eu o quero longe de
mim.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto e ele sorri para
mim, porém, antes que ele possa me responder qualquer coisa, eu
continuo. — Você não acha que está um pouco atrasado para
abraçar a sua filha? Filha que você abandonou? Filha que você
nunca nem mesmo fez questão de dar o sobrenome, porque não
combinava com o nome que minha mãe havia escolhido? A filha que
depois que você foi embora, deixou vários recados na caixa postal e
você nunca respondeu nenhum deles?
Ele estende as mãos e eu recuo um passo para trás.
— Se você quisesse mesmo me abraçar, você não viria atrás
de mim em um dia tão importante assim, então vai embora. —
Passo a mão no rosto, limpando a lágrima.
— Lottie...
— Vai embora! — vocifero, olhando-o nos olhos. — Você já fez
isso antes, então apenas dê a porra das suas costas para mim outra
vez, e vai embora!
Quando ele demora mais de dois segundos para fazer o que
eu peço, quem acaba se virando sou eu, e eu corro. Sem fazer ideia
de para onde eu vou, eu apenas corro, meu pulmão ardendo pela
falta de ar, meus olhos se desmanchando em água e a fúria
tomando conta de cada célula do meu corpo.
Porque um dos momentos mais importantes da minha vida,
acaba de se transformar em meu maior pesadelo.
— Charlotte! — Ouço meu nome e quando paro de correr,
encontro Alexander, e eu nunca pensei que poderia agradecer a
presença dele, como estou agradecendo mentalmente agora.
— Você pode pegar minhas coisas com a treinadora e me
encontrar lá fora? — pergunto e ele apenas anui.
— Você está bem?
— Eu só preciso sair daqui, Alexander.
Ele assente de novo e tão logo se afasta, voltando para o
mesmo corredor onde eu saí às pressas há tão pouco tempo.

Estou deitada de lado quando Alexander se joga na cama ao


meu lado. Depois de saímos da arena onde acontecia a competição,
viemos para o hotel onde a equipe de patinação está hospedada até
de manhã.
Após muita insistência dele dizendo que não iria me deixar
sozinha, eu deixei que ele ficasse no mesmo quarto que eu, com a
promessa de que ele não poderia fazer barulho, porque se Dubrow
souber que Alexander está aqui, ainda mais no mesmo quarto que
eu, nós dois podemos sofrer consequências. Nem eu, muito menos
ele, queremos isso, então ele concordou.
Alexander fala alguma coisa e eu não consigo ouvir, apenas
repetindo a lembrança do meu pai me chamando, as rosas caindo no
chão, meu choro enquanto me afastava dele, se misturando com o
dia em que ele foi embora, e de joelhos, no hall de entrada de casa,
me prometendo que iria me ver todos os dias, quando na realidade
ele já tinha uma passagem comprada para voltar para a Espanha
naquele mesmo dia.
Eu acreditei, óbvio que sim, afinal, ele era meu pai, ele me
colocava dormir todas as noites. Ele cortava toda a minha comida
porque eu não sabia usar a faca e me abraçava, dando beijinho de
esquimó sempre que me deixava na porta da escola. Eu era uma
criança de sete anos, ele era um adulto de trinta e poucos, eu não
tenho culpa se acreditei nas mentiras dele.
— O que você disse? — pergunto, piscando os olhos e
erguendo a cabeça minimamente para encarar Alexander.
— Perguntei se você quer finalmente comer alguma coisa. —
Uma linha se forma em seu cenho e eu nego com a cabeça. —
Quando foi a última vez que você comeu?
Subo os ombros.
— De manhã, talvez. — Tento pensar, mas as lembranças
continuam me invadindo.
— E você acha que vai conseguir a medalha de ouro das finais
sem comer nada?
— Tanto faz se eu ganho ou se não.
— Não é tanto faz, porque primeiro você vai ganhar, e
segundo faz mais de quinze horas que você não come nada.
— Parabéns, você é muito bom em números. — Solto um
suspiro, me virando.
— Charlotte — ele me chama, sinto que a mão de Alexander
está próxima ao meu ombro, e mesmo assim ele a afasta e não me
toca.
— Eu só quero dormir, Alexander — minto.
O que eu quero mesmo é ficar em silêncio e pensar em tudo,
enquanto me pergunto o que fiz de errado por tantos anos para que
ele nunca aparecesse, e o que de repente eu fiz de tão certo para
ele vir atrás de mim em um dia como esse.
Se ele sabia que eu estava me apresentando, ele também
poderia muito bem saber onde eu estudava, ou onde eu trabalhava,
então apenas não faz sentido para mim a forma como ele
reapareceu tão sorrateiramente e como com um contato de menos
de cinco minutos foi capaz de me deixar tão mal, quando por anos
eu apenas quis que isso acontecesse.
Alexander, que ficou calado por um tempo, coça a garganta,
sinto ele se mover sobre o colchão e então me surpreendo quando
ele começa:
— Era uma vez uma pata que estava prestes a se tornar
mamãe. Ela botou cinco ovos e esperou ansiosamente pelo dia em
que os ovos chocariam para finalmente poder conhecer seus lindos e
adoráveis patinhos...
— O que você está fazendo? — pergunto.
Ele me ignora totalmente, voltando a falar.
— Quando o dia do nascimento dos patinhos finalmente
chegou, os ovinhos começaram a se chocar, um por um. A mamãe-
pata deu boas-vindas aos novos patinhos, mas o último ovo estava
demorando demais para chocar e isso a preocupou.
Eu me viro, voltando para o lado onde estava. Alexander está
deitado de lado também, e mesmo assim, ele continua contando a
história.
— Quando a casca do último ovo finalmente se abriu, para
surpresa da mamãe-pata, saiu de lá um patinho muito diferente de
todos os outros lindos filhos. Esse patinho feio não pode ser meu. —
Ele faz uma vozinha fofa e eu sorrio. — A mamãe pata disse. Os dias
foram se passando e à medida em que os patinhos cresciam, o
patinho feio continuava diferente dos irmãos e cansado dos
comentários maldosos feitos por eles, e dos outros animais, o
patinho feio decidiu ir embora.
Alexander para rindo, eu fecho a cara, e tão logo ele continua.
— Você é o pato mais feio que já vimos, os outros animais
diziam. O que vou fazer? Para onde vou? Perguntou o patinho feio.
— Ele ri de novo. — Com o inverno chegando, o patinho cansado e
com muita fome encontrou uma casa e pensou que talvez
encontrasse alguém ali que gostasse dele e assim foi. O patinho
passou o inverno dentro de uma casa quentinha e na companhia de
outros animais que gostavam dele, até que a primavera chegou, e o
gato malvado também, expulsando o patinho dali. Mais uma vez
estou sozinho e infeliz.
Faço um biquinho, sentindo a pontada de tristeza pelo patinho
feio, e nem isso faz com que Alexander pare de contar a história.
— O patinho seguiu seu caminho sozinho e ao chegar em um
grande lago, se refugiou em um matagal, ficando por vários dias ali.
Um dia, muito cedo, o patinho feio foi acordado por vozes de
crianças. Olha! Um recém-chegado! Gritou uma delas, e todas as
outras se juntaram em alegria. É tão bonito, dizia a outra. Bonito?
De quem estão falando? O patinho feio pensou. E de repente, ele viu
que todos olhavam para ele e ao ver seu reflexo na água, se
deparou com um grande e elegante cisne.
— Ele na verdade era um cisne? — pergunto.
— Ele era um cisne — Alexander anui, sorrindo. — As crianças
e outros cisnes admiravam a beleza dele e o cumprimentavam
alegremente, afinal, ele não era um patinho feio, mas um belo e
jovem cisne. E depois daquele dia, o patinho feio não se sentiu mais
triste e ele foi feliz para sempre sabendo que sempre seria um belo
cisne, admirado por todos.
Os olhos de Alexander brilham, me fitando. Quando ele acaba
a história, sinto que estou sorrindo e pela primeira vez em horas
meus pensamentos se dissiparam.
— Você disse que queria dormir, mas não te vi dormindo,
então decidi contar sua história preferida da infância.
— É uma boa história. — Lanço um sorriso e ele faz uma
careta.
— Se fosse boa, você teria adormecido, mas eu sei o que
fazer para você adormecer.
— Você não vai cantar You’re My Sunshine, vai?
A resposta de Alexander vem através da música que ele
começa a cantar:
— Outra noite, querida, enquanto eu estava dormindo, sonhei
que tinha você em meus braços. Quando acordei, querida, eu estava
enganado, então eu abaixei minha cabeça e chorei...
Observa as expressões no rosto de Alexander, cada meio
sorriso que ele solta, o olhar concentrado e focado no meu enquanto
a voz rouca dele cantarola.
— Você é meu raio de Sol, meu único raio de sol...
Sinto um calor estranho se espalhando por dentro de mim, eu
também sorrio, sabendo que essa é uma sensação que eu não devo
ignorar.
— Você me faz feliz quando o céu está nublado.
O sorriso que solto é completamente involuntário, meus olhos
centrados nos dele, ouvindo cada palavrinha cantada por ele,
deixando que todas elas me invadam.
— Você nunca saberá, querida, o quanto eu te amo.
Existe a possibilidade de eu estar me apaixonando por
Alexander? Pois se ela existe, eu tenho quase certeza que o
momento em que isso acontece é exatamente esse. Não é uma
atração casual, não é tesão, não é vontade de mandá-lo à merda, ou
apenas a necessidade de implicar com ele enquanto o provoco.
Alexander para de cantar quando eu me ergo, uma perna
minha passando por cima dele, e ele também se ergue, me olhando
sem entender nada. Não o julgo, porque eu também não estou,
apenas respiro fundo quando ainda olhando nos olhos dele, me
sento em colo e ele se endireita para que nossos rostos fiquem na
mesma altura e nossos olhares permaneçam conectados.
Respiro fundo, a conexão intensa entre nós dois criando uma
tensão entre nós.
— Alex... — sussurro suave e hesitando.
Seus olhos brilham e o canto da sua boca se ergue.
— Você me chamou de Alex? — Ele cerra os olhos
rapidamente, confuso, e eu aceno.
— Você disse que só quem pode te chamar de Alex são
íntimos — comento, molhando os lábios.
Pode parecer um pouco clichê, eu perceber os meus
sentimentos reais em um momento tão vulnerável como esse. A
pessoa que eu mais desprezei por tantos anos é a única que está
aqui comigo, que está por mim, e talvez sempre esteve, eu apenas
nunca consegui enxergar com exatidão todo esse tempo.
— Sim, eu disse. — Ele engole em seco.
Respiro fundo, minha mão se espalmando no peito nu dele.
Fico em silêncio por um momento, nossos olhos conectados, à
medida em que tomo ciência da revelação interna que acabo de ter.
Por tanto anos eu vivi com o medo constante de receber qualquer
tipo de afeto de pessoas que eu não conhecesse o suficiente, pois
elas poderiam me abandonar.
Eu me apeguei ao ponto extremo e total oposto do amor. Eu
me apeguei ao ódio que jurei sentir por Alexander, para descobrir
que foi graças a ele, que me mantive próxima a ele, mesmo diante
de tanta rivalidade, brigas e jogos. O único que, definitivamente, em
momento algum, jamais me abandonou, foi Alexander.
Ele também foi o que mais tive receio do toque por tanto
tempo, tentei jurar para mim que era porque eu não o suportava,
quando na realidade era porque eu não saberia o que fazer se um
dia acabasse, e por isso, odiá-lo foi tão mais fácil do que me apegar
a ele.
Posso continuar negando tudo o que há dentro de mim, ou
posso apenas confiar nele de uma vez por todas, o que é a escolha
mais sensata, porque de todos, ele é o único que eu tenho certeza
que sempre será uma pedra no meu sapato.
Meu peito sobe desce, o dele também, no mesmo ritmo, mas
o dele acaba parando quando ele pausa ao ouvir minhas palavras:
— Não precisamos mais de regras, Alex.
— Como assim? — Ele pisca, sem entender.
— Você pode fazer o que quiser comigo.
E amor, por você, eu cairia em desgraça
Apenas para tocar seu rosto
Se você fosse embora
Eu te imploraria de joelhos para ficar
DON’T BLAME ME | TAYLOR SWIFT

Tento me fixar em Charlotte, mas meus olhos insistem em


piscar e meu coração se aperta por completo enquanto ela tem a
mão no meu coração.
— O que... — Hesito por um momento, respirando fundo. —
O que isso significa?
Ela morde o lábio inferior.
— O que você quiser que signifique.
Meus lábios se curvam em um sorriso, pois isso só pode ter
um significado para mim, e é por ele que, mesmo de forma errada,
eu venho desejando por tanto tempo. Charlotte está finalmente me
dizendo que posso tocar nela, que ela confia em mim e que ela sabe
que, em hipótese alguma nesse mundo, eu serei capaz de deixá-la.
Pela posição em que nos encontramos, eu poderia pegá-la
pelos cabelos e aproximar minha boca da sua e beijá-la, pois
finalmente tenho o consentimento para isso, e mesmo que eu pense
em fazer isso, o que meu corpo grita e meu coração implora para
que eu faça é bastante diferente.
Então, pegando-a em total surpresa, eu a abraço.
Em um primeiro momento Charlotte retesa a respiração, ela
parece não entender nada, mas tão logo ela muda a posição dos
braços e também circula meu corpo, seu rosto encaixando no vão
entre meus pescoço e ombro, enquanto eu sinto e cheiro cítrico e
doce do seu cabelo, ao mesmo tempo em que a agarro com forma,
acaricio suas costas.
Um abraço tão singelo, tão singular, e que mesmo durando
tão pouco tempo, vai ficar gravado na minha mente, dentro do
ranking de melhores momentos da minha vida.
Inspiro e expiro suavemente, pois não há pressa, não há
agonia, dor, ódio, insultos, ou os inúmeros “vai à merda”, a guerra
de olhares enquanto as pupilas se dilatam, a respiração quentes e
entrecortadas, veia da testa sobressaltando. Somos apenas nós dois,
naquele abraço, corações batendo no mesmo ritmo, cheios na
mesma proporção, o silêncio mais reconfortante que senti em toda
minha vida.
Nós nos afastamos aos poucos, e com isso Charlotte sobe as
mãos, uma delas se pondo no meu rosto, enquanto a outra volta
para o meu peito, um arrepio sutil tomando conta do pedaço de pele
onde ela passa as pontas dos dedos delicadamente.
Quando estamos frente a frente outra vez, ela me olha nos
olhos por um milésimo, então fita minha boca e antes que posso
fazer algo, Charlotte está de olhos fechados, selando nossos lábios,
e mesmo que ela não me peça nada, eu me entrego a ela.
Mesmo sentindo uma coisa estranha se movendo na minha
barriga, é como se fossem as famosas borboletas que as garotas
mencionam. Seus lábios se entreabrem com leveza, doces e macios
e dou toda a liberdade para que ela faça o que quiser comigo
também. Minha mão se espalma na base da sua coluna, enquanto a
outra sobe até a nuca.
Ela inclina a cabeça levemente para trás e eu puxo o lábio
inferior, e tão logo nossas línguas se entrelaçam outra vez, Charlotte
solta um gemido, e apesar de não ser um momento tão feroz como
todos os outros que tivemos, o som que ela faz bombeia meu pau
de sangue. Ela chupa minha língua ao se esfregar em mim por cima
da bermuda de moletom, que é a única peça que visto, assim como
ela usa apenas meu moletom e calcinha.
Ela se afasta, arfando um pouco e meus olhos se abrem, a
minha mão desce um pouco, até encontrar a bainha do moletom,
adentra dentro dele, encontrando sua pele macia e quente.
Charlotte pisca, me observando, um sorriso surge no meu
rosto e no dela também. Logo em seguida, nossos peitos estão
subindo e descendo, e mesmo que eu esteja ligeiramente atordoado,
eu me sinto completo, pois este acaba de ser o nosso primeiro beijo
oficial, e ela reconhece isso, assim como eu.
Por mais que eu a tenha beijado de surpresa antes, ou me
escondido dela em um encontro às cegas, nenhum deles se compara
a esse, pois ele é o primeiro que nós dois parecemos finalmente
reconhecer o que somos um para o outro.
Ela levanta a mão, passando o dedo em meu lábio inferior,
secando a umidade dele, e ainda olhando nos olhos dela, meu
coração parecendo que vai sair da minha caixa toráxica a qualquer
momento, engulo em seco, e digo:
— Não quero mais ter que jogar nada com você, Charlotte.
O peito dela sobe.
— Como assim?
— Chega de jogos — declaro, sem quebrar o nosso contato.
— Eu não quero ter que precisar de um jogo com benefícios para
saber que eu quero você, por completo, e de verdade.
Ela morde o inferior da bochecha e seus olhos se iluminam
quando ela assente, piscando.
— Eu também quero você, Alex.
Ela se pressiona sutilmente contra meu quadril, dando mais
vida ao meu pau, a mão que tenho por dentro do moletom sobe e
tão logo Charlie está despida. Meus lábios passam a beijar, de
verdade, cada pedacinho da sua pele, ela respira fundo, o ar quente
da sua boca me atingindo a cada novo contato que temos.
Suas mãos entram em meus cabelos, ela também me beija e
minha pele queima, uma ardência verdadeiramente boa em cada
ponto que ela encosta. Desço a bermuda e Charlotte afasta a
calcinha, ainda em cima de mim. Ela pega minha ereção pela base,
seus olhos captando os meus quando ela me posiciona na sua
entrada, então desce, e todos os pelos do meu corpo se eriçam.
A intensidade dos seus olhos é reveladora antes dela voltar a
me beijar, minhas mãos passeiam por extensão da sua pele até
encontrar seus peitos, massageando-os.
Ela também me toca à medida que desce e sobe, cavalgando
com calma. Todas as vezes em que estou dentro dela por completo,
sinto o quanto isso é certo e quanto que eu quero mais disso, por
uma eternidade, se possível.
Seus lábios se abrem e ela solta um gemido suave ao separar
nossas bocas.
Mas eu continuo beijando seus lábios, mandíbula, pescoço,
orelha, clavícula e peitos. Minha boca a explora por completo, suas
mãos se agarrando em mim e ela ainda subindo e descendo. Vez ou
outra, nossos olhos se encontram, cheios de certeza, os segundos
em que estamos conectados se transformando em minutos, horas,
eternidade, e ainda assim eu ficaria ali para todo o sempre.
Pois cada parte do seu corpo parece ter sido feita
especialmente para mim e eu fui feito inteiramente para ser dela, e
apenas dela.

— Vou precisar ter uma conversa séria com Heating. —


Dubrow, a mulher de um metro de setenta, cabelos loiros quase
brancos, rugas nos olhos e lábios finos, me encara quando desço do
ônibus.
Ela é de dar medo em qualquer jogador de hóquei, em mim
especialmente, ainda mais depois dela descobrir que eu dormi com
uma de suas atletas na noite passada, mas não deixo transparecer
todo o medo e receio que sinto da mulher.
— Foi só uma carona de volta para o campus. — Solto uma
piscadela para ela, que em contrapartida treme os lábios, com raiva.
Charlotte, que tem os dedos entrelaçados aos meus, aperta
minha mão com força, me puxando para longe de Dubrow.
— Para de provocá-la, pois é exatamente isso que ela quer
para brigar com Heating — ela me repreende.
— Eu sei disso, ela até parece alguém que eu conheço —
comento, pegando a minha única bolsa do bagageiro e as duas
malas enormes de Charlotte. — Por que você precisa de tantas
coisas mesmo? — reclamo, pois ambas as malas são pesadas.
— Porque eu sou uma mulher de opções. — Ela começa a
carregar uma das malas, ao subir a alça. — E com quem Dubrow
parece?
— Você quer mesmo que eu diga?! — Sinto uma linha se
formar entre minhas sobrancelhas.
— Claro que sim.
— Você — solto e ela para, me olhando ofendida.
— Por que comigo? — Se eu pudesse apostar como Charlotte
está nesse momento, eu diria que chocada.
— Odeia o cara do hóquei. — Subo um dedo. — Faz de tudo
para encontrar motivos para brigar com ele. — Subo outro dedo. —
E de sobra ainda é patinadora artística. — Mostro o terceiro dedo.
Charlotte estreita os olhos e franze o nariz, movendo a
cabeça.
— Não tenho nada a ver com Dubrow, a não ser pela
patinação, obviamente.
— E o jogador de hóquei que odeia — devolvo, ao chegarmos
nos carros.
Ela cerra os olhos, os cantos da boca se transformando em
um sorrisinho.
— Não lembro de odiar nenhum jogador de hóquei.
— Não?!
— Pelo menos não agora, nesse momento — ela nega outra
vez.
Tento esconder o sorriso, mas é impossível, porque eu não
quero e muito menos preciso esconder qualquer uma dessas coisas
ou meus sentimentos. Depois da noite passada, eu não preciso mais
disso, tampouco Charlotte.
O que de certa forma chega a ser estranho para nós dois,
então as provocações continuam presentes.
Coloco as malas no bagageiro do carro e fecho-o. Me
aproximo de Charlotte, pegando-a pela cintura, encostando meu
nariz no dela.
— Tem certeza que não odeia? — pergunto e ela anui. —
Mesmo que ele diga que roubou algumas das suas inúmeras
calcinhas da Minnie?
Ela afasta o rosto, os olhos arregalados.
— Você não fez isso!
— Fiz.
— Por quê?
— Porque é broxante tirar a calcinha de uma bunda tão
perfeitamente bonita, e ver que ela tem uma estampa da de uma
ratinha que usa laços.
Charlotte abre a boca, chocada.
— Vai à merda, Alexander! — Ela suspira. — Elas são
confortáveis.
— Paus pequenos também, e nem por isso você senta em um.
Um riso escapa por seus lábios.
— Por que mesmo quando você tenta, você não deixa de ser
um idiota?
— É meu jeitinho. — Jogo a cabeça para o lado.
Ela sorri, e eu também, ainda abraçando sua cintura. Seus
olhos permanecem vidrados aos meus, o sol se pondo em Hanover
reluz na pele alva de Charlotte. Ela solta um suspiro.
— Nós estamos no campus — observa.
— Estou pouco me fodendo para isso.
Noto o momento em que ela engole em seco, antes de voltar
a sorrir.
— Eu também. — Ela pisca e então se aproxima de mim, me
dando abertura para beijá-la, o que faço sem me importar se há
pessoas por perto ou não.
E infelizmente, não há tantas pessoas assim por perto devido
o horário, porque eu sinceramente não me importaria se todos
estivessem com câmeras apontados para nós e enviando fotos e
vídeos desse momento para Dirtymouth, e a maldita reaparecendo
exatamente um dia depois após uma das maiores fofocas do campus
ser enviada para ela.
Mas no momento em que nós dois nos afastamos, nós
sentimos pessoas ao nosso redor, mais especificamente todas as
meninas da fraternidade de Charlotte. Quando nós viramos o rosto,
Anna e Dakota seguram cartazes parabenizando-a por chegar à final,
enquanto algumas têm confetes e Shantal segura um buquê enorme
de rosas vermelhas em mãos.
Por um instante eu sinto ciúmes da melhor amiga de
Charlotte, por presenteá-la dessa forma, mas lembro que ela não
estava lá eu sim, e isso me acalma. Mas não me acalma tanto
quanto ter que assistir os rostos chocados nos encarando, sem saber
como devem reagir.
— Será que eles estão sendo ameaçados? — começam os
sussurros.
— Ou é mais uma aposta deles?
— Acho que ele apostou com ela que ela não ganharia, e ela
disse que quando passasse para as finais, o beijaria. — Dakota olha
curiosamente para nós dois.
Estreito os olhos para a ruiva, mas antes que eu possa
responder, Charlotte toma a frente.
— Vocês vão me parabenizar ou vão ficar olhando para nós
dois com essas caras de espanto?
Todas se voltam para ela e sorriem. Shantal, que é a que mais
demora para tirar os olhos de mim e encarar apenas a melhor
amiga, responde:
— Permissão para abraçar?
— Permissão para abraçar! — Charlotte pula.
E então, mais de vinte garotas me empurram para escanteio e
circulam Charlotte, pulando e gritando com ela, à medida em que a
parabenizam. Finalmente soltam os confetes, que são disparados
feito bombas no estacionamento, juntos a mais gritos eufóricos.
— Nós preparamos uma festa para você — Anna diz.
— Precisamos comemorar isso da forma certa — Dakota
completa.
— E você precisa me contar tudo com detalhes! — É notória a
mágoa na voz de Shantal, mas ela é a única que permanece com os
braços em volta de Charlotte, sorrindo de ponta a ponta.
— O Alex pode vir? — Charlotte pergunta e novamente, todos
os olhares oscilam entre nós dois.
— Alex? — Shantal estreita os olhos, rindo.
Charlotte anui e ainda que elas olhem para Charlotte, todas
acabam concordando com minha presença.
— Você vem? — Os olhos dela brilham ao me fazer a
pergunta, parecendo um cachorrinho que pede por comida, e
mesmo que ela não me olhasse assim, a minha resposta ainda seria
a mesma.
Quero dizer, mesmo que ela nem cogitasse a minha presença
lá, eu ainda não desgrudaria dela nem por um segundo.
— É claro que sim.
Até os anjos têm seus planos perversos
E você leva isso para novos extremos
Mas você sempre será meu herói
Mesmo que tenha perdido a cabeça
LOVE THE WAY YOU LIE PT II | RIHANNA FT. EMINEM

— O que você acha de no próximo ensaio, a gente tentar


entrar em um toe loop depois de sair de um salchow? — Dubrow
“sugere”. Prefiro colocar em aspas, porque com certeza amanhã ela
vai me mandar fazer esse passo.
Pego a minha guarda, colocando-a sob uma lâmina e saio da
pista de gelo, fazendo o mesmo com o outro pé.
— Acho que é uma ótima ideia. — Lhe dou o meu sorriso mais
falso possível.
É uma péssima ideia!
Não faz cinco dias que voltamos de Nova Iorque e já faltam
vinte e dois dias para a final do campeonato. Dubrow tem mantido
eu, dois casais e um dos patinadores que também se classificaram
para a final por horas seguidas presos dentro do rinque de gelo.
Os treinos começam às cinco da manhã no gelo, vai até às
seis e meia, quando o time de hóquei entra. Amanhã é o primeiro
jogo dos playoffs e será em Dartmouth, então eles têm se mantido
no rinque o máximo de tempo possível, assim como os patinadores,
que por sua vez, tem mais treinos a tarde no gelo, e fora dele
também, na sala de dança.
Todas as coreografias são feitas primeiro fora do gelo, os
giros, pulos, treinos também. E de verdade, prefiro mil vezes me
esbagaçar no tatame que tem na sala de dança, do que cair contra o
gelo. Só hoje foram mais de oito quedas e contando com os gritos e
reclamações de Dubrow, poderia muito ser multiplicado por dois.
Ainda são cinco da tarde, eu preciso encontrar Alexander para
dar continuidade no projeto de Sherman. Pego o celular apenas para
ver a última mensagem dele.

Alex:
Saindo da academia em dez

A mensagem chegou há dois minutos, no horário certo em


que ele sabia que eu iria terminar o treino no gelo, mas antes de
juntar minhas coisas, uma notificação me chama atenção.
“Rafael Sanchez deseja te enviar uma mensagem.”
Só pode ser brincadeira com a minha cara.
Meus olhos se concentram por tanto tempo na notificação, me
perguntando se devo ou não apertar nela e ver do que se trata o
assunto, que quando o celular desliga a tela, eu o ligo novamente,
apenas pensando sobre o assunto.
Faz alguns dias desde o nosso primeiro encontro em tantos
anos. Eu entrei em colapso, confesso, eu não soube como reagir,
então minha única reação foi mandá-lo ir embora e correr. Os únicos
segundos em que eu chorei foram os que mantive perto dele.
Desde então eu tenho pensado em como ele me encontrou e
se ele sabia todo esse tempo onde eu estaria, porque não veio até
mim antes. Às vezes eu paro e fico pensando apenas nisso, nele, e
em todas as possibilidades possíveis do porquê eu nunca ter sido
suficiente para ele, mas então, sempre que esses momentos
acontecem, Alexander me traz de volta à órbita, e tão logo eu
esqueço do meu pai.
Mas neste momento, quem me faz tirar os olhos da maldita
notificação e subir os olhos está longe de ser Alexander, é o ruivo
que com certeza Alex não gostaria nem um pouco de ver ao meu
lado agora.
Zach faz um barulho, coçando a garganta e eu ergo a cabeça
para encará-lo.
— Oi — falo, quando ele se prolonga apenas me observando.
Outra vez ele coça a garganta e senta no banco ao meu lado.
Zach parece inquieto ao balançar a perna.
— Você e o Alexander… quem diria, hein?! — A pergunta é
totalmente retórica e irônica.
Fecho os lábios em uma linha fina, estreitando os olhos
tentando entender onde ele quer chegar.
Alexander e eu não somos mais um segredo para ninguém –
com exceção da minha mãe e o pai dele, e também a parte que ele
não sabe que a mãe dele sabe. Dentro do campus, todos que nos
veem sabem que estamos juntos desde que voltamos de Nova
Iorque após a semifinal.
Eu não quis esconder de mais ninguém o nosso vínculo, e
muito menos ele, ao entrelaçar sua mão na minha todas as manhãs
e sentar ao meu lado em todas as aulas que temos juntos. Fora os
beijos sempre que entra no rinque no momento em que estou
saindo.
Nós ainda irritamos um ao outro, porque é claro que isso
jamais irá mudar entre nós dois, mas nós somos, em definitivo, algo,
e não queremos mais esconder de ninguém.
Com exceção mais uma vez das nossas mães e Alessandro,
que não fazemos a mínima ideia de como iremos contar a eles.
Talvez em duas semanas, que é quando acontece o aniversário de
amizade da minha mãe e Maggie.
— Sim. — Sorrio sem jeito. — Nós estamos juntos. — As
palavras saem da minha boca em um sussurro.
Zach sorri também, mas o dele é um pouco mais áspero.
— Como isso aconteceu? — ele questiona, fixando os olhos
em mim.
— Não entendi. — Balanço a cabeça, confusa. — Você quer
dizer como aconteceu para que Alexander e eu estivéssemos juntos?
Ele anui.
— O que mais seria? — rebate. — Vocês sempre se odiaram,
sempre brigaram e do nada, em um dia qualquer, estão andando de
mãos dadas pelo campus, beijinhos e sussurros por todo canto.
Junto minhas coisas de uma vez só, colocando tudo dentro da
minha bolsa, e começo a tirar os patins.
— Desculpa Zach, mas isso não é da sua conta — tento
desconversar.
A forma como ele fala comigo me incomoda e acredito que já
tenho muita coisa rolando na cabeça ao mesmo tempo para ter que
dar qualquer explicação da minha relação com Alexander a Zach.
— Você já estava com ele enquanto tentava me enganar, não
estava? — ele pergunta e eu me calo, mas parece que isso dá
apenas mais gatilho para que ele continue falando e me acusando.
— É óbvio que estava, caso contrário, vocês não teriam se beijado
em Miami. Sinto falta da desgraçada da Dirtymouth, bem que ela
poderia ter me dito antes que você é suja igualzinha a ela.
Levanto a cabeça quando ouço as últimas palavras de Zach, o
choque é tanto que demoro meu olhar nele, o fulminando. Minha
mão treme e então eu a levanto, mas antes que eu consiga atingir
seu rosto, Zach me pega pelo pulso.
— Me solta! — Ranjo os dentes e ele balança a cabeça.
— Por que eu faria isso?
— Porque... — As palavras morrem na minha boca quando eu
engulo em seco, piscando os olhos com força e meu coração se
enchendo dentro do meu peito. Tudo o que eu quero fazer é me
livrar do toque Zach que queima a minha pele, e não é de uma
forma agradável.
— Se eu soubesse que o que você gosta na realidade é ter
seu espaço pessoal invadido e ser xingada a todo momento por um
babaca, eu teria feito isso desde o início. Então, por que não
começar agora?
Meus lábios tremem e eu tento levar a outra mão até o agarre
de Zach, mas ele entrelaça nossas mãos, um sorriso aguçado e
provocativo aparecendo em seus lábios.
Respiro fundo.
— E se eu te ameaçasse, talvez você diria que me ama, não
é?!
Inspiro e expiro.
— Já imaginou se a atleta, que é promessa para equipe
olímpica americana, que está prestes a assinar contratos de milhões
com patrocinadores, que precisa apenas ganhar uma medalha no
campeonato nacional, simplesmente tem suas fotos vazadas?
Paro de respirar.
— Que fotos?
— Eu poderia dizer vídeos também?! — ele provoca, os olhos
se tornando um imenso círculo preto quando as pupilas dilatam e
seu olhar escurece.
— Do que você está falando, Zach? — falo, sentindo uma
pontada em cada palavra dita.
Ele não responde, mas aproxima seu rosto do meu, a mão
que está entrelaçada a dele, ele a coloca em seu peito, eu fecho os
olhos, não gostando nada do que ele está fazendo e muito menos da
sua aproximação forçada. Sou pega totalmente de surpresa quando
sinto seus lábios nos meus, é apenas meio segundo que demora,
pois tão logo eu abro os olhos, assustada.
A surpresa é tanta que eu consigo me livrar totalmente do seu
toque, ao empurrá-lo com a mão que está em seu peito e puxar o
pulso que ele mantinha em sua mão.
— Saia de perto de mim! — grito.
Ele sorri, parecendo satisfeito.
— Saia!
— Você não quer nem mesmo saber as fotos e vídeos que eu
tenho? — Ele se levanta, passando os dedos nos lábios.
— Eu já mandei você sair de perto de mim — vocifero,
pegando minha bolsa em uma mão e os patins em outra.
Zach continua parado rindo e ainda descalça, eu dou as
costas a ele, andando o mais rápido que posso. A única coisa que se
passa na minha cabeça é encontrar Alexander, o mais rápido
possível. Eu preciso contar a ele o que acabou de acontecer e
mesmo não sabendo como fazer isso sem que ele cometa uma
besteira, eu ainda preciso dele.
Ao sair da arena, olho para trás apenas para ter a certeza de
que Zach não está por perto, tiro meus tênis de dentro da bolsa e
jogo-os no chão para calça-los e ao subir a cabeça, vejo o meu carro
de aproximar, com Alexander dentro.
Eu corro em direção ao carro quando ele estaciona. Meu
celular notifica uma nova mensagem e todos os pelos do meu corpo
se eriçam, pois é o toque que eu havia programado para o número
de Zach quando nós dois passávamos horas trocando mensagens.
Meus passos estacam.
Pego o celular na bolsa e ouço a buzina do carro e ao
desbloquear o celular ir direto na minha conversa com Zach, é
apenas um vídeo, mas o conteúdo dele não é nada um apenas.
Demoram dois segundos para o vídeo carregar e no instante
em que o abro, ali estou eu, recebendo um balde água da cabeça,
blusa branca molhada e meus peitos completamente expostos. Um
zoom é dado, focado em meu rosto com a boca aberta descendo
para meus peitos, focando ali até o final do vídeo.
Engulo em seco e me arrependo imediatamente do feito, pois
assim que termino de assistir um vídeo chega uma mensagem,
novamente de Zach.

Zach:
*vídeo anexado*
Se vc contar qualquer coisa ao Alexander sobre o que acaba
de acontecer, toda a internet terá acesso a esse vídeo

— Charlie! — Alexander me chama e eu subo os olhos,


confusa.
Eu sei que se eu contar a Alexander o que acaba de
acontecer, ele poderá fazer uma besteira enorme, e agora sei ainda
que, se ele souber de como Zach me beijou a força e ainda me
ameaçou com o vídeo que o próprio Alexander fez todo o campus
apagar o conteúdo, ele pode se transformar em um animal.
Meu peito desce e sobe devagar.
Ele está com a janela do carro aberta, o cenho franzido, seus
olhos fixos em mim e minhas mãos trêmulas segurando o celular,
enquanto eu tento pensar no que devo fazer, pois a partir do
momento que eu entrar nesse carro, eu condeno Alexander e a mim,
pois coisa boa disso não vai sair, eu minto para ele, mesmo quando
nós dois paramos com os jogos.
São apenas dois passos que me separam do carro e enquanto
eu os faço, a única coisa que me vem à cabeça é que preciso tomar
uma decisão, e essa será a responsável não apenas pelo meu futuro,
mas também o de Alexander, e o nosso juntos.
Hesito antes de abrir a porta, pois no momento em que eu
entrar no carro, ele irá me perguntar o que aconteceu, e eu preciso
escolher de uma vez por todas se conto a verdade ou se coloco mais
uma mentira no meio da nossa história.
Respiro fundo, abro a porta e entro, e como eu já estava
adivinhando, ele pergunta:
— Aconteceu alguma coisa?
Passo a língua entre os lábios, giro a cabeça devagar, e
engulo em seco.
É agora ou nunca.
— Meu pai... — Pauso, me arrependendo amargamente da
mentira e, mesmo assim, tendo a certeza que é o certo.
— Ele está aqui? — Os olhos dele disparam, preocupado,
quando ele me interrompe. Nego com a cabeça. — Então o que foi?
— Ele mandou uma solicitação de mensagem, e eu não sei o
que fazer.
— Ah... — Alex solta um suspiro, descansando. — Você já
falou com sua mãe sobre?
Alex tem insistido para que eu ligue para minha mãe e
converse com ela sobre meu encontro com meu pai, mas o que eu
poderia dizer?
“Ei, mãe, sabe seu marido que te deu um fora, pegou o
primeiro avião de volta para a Europa e construiu uma nova família
com a ex namorada da faculdade? Então, ele voltou e me procurou,
em um dos dias mais importantes da minha vida. O que você acha
que eu devo fazer?”
Se tem uma pessoa que sofreu tanto quanto eu pelo
abandono do meu pai, essa foi a minha mãe, mas quando ela
percebeu o quão sério foi a partida dele, ela ergueu a cabeça e
fingiu que nada estava acontecendo para focar em mim e o que era
melhor para mim.
Ela se tornou uma das maiores corretoras imobiliárias nesse
meio tempo, todo seu tempo resumido a sua filha e trabalho, em
anos, eu nunca a vi sequer namorando, enquanto o outro até
mesmo tempo de construir uma nova família teve. Então não, eu
não tenho como falar para minha mãe.
— Não vejo necessidade nisso — respondo e por mais que
meu pensamento tenha voltado por alguns segundos no meu pai, na
minha mãe e em toda essa confusão, é rápida a forma como eu
volto a pensar no vídeo que Zach possui.
O vídeo em questão não parece ter o mesmo ângulo do que
foi publicado pela Dirty, lembro casualmente de o Alex ter acusado
ele de vazar o vídeo, e não confiar nele todo esse tempo.
E eu estou mentindo para o Alexander quanto a isso em troca
de que, afinal?
— Você por acaso teria um print ou qualquer resquício do
vídeo ou foto do balde gelo na minha cabeça, que foi publicado pela
Dirty? — Troco totalmente de assunto ao me virar para Alexander.
Ele me olha rapidamente enquanto dirige, um vinco formado
entre suas sobrancelhas.
— Por que eu teria algo?
Volto a olhar para frente outra vez.
— Nada demais — respondo. — Você pode me deixar em
casa?
— Nós não íamos dar continuidade ao projeto?
— Estou com dor de cabeça. — O que de certa forma é
verdade. — Queria apenas descansar.
— Tudo bem — ele apenas concorda.
Quero assistir esse vídeo, quantas vezes mais forem
necessárias, quero procurar pela postagem da Dirty, pois se Zach for
Dirty, eu não preciso apenas que Alexander saiba, mas sim todo o
campus.
A pessoa por trás desse aplicativo não vem aterrorizando
somente mim durante pouco mais de um ano, todos os alunos têm
medo de fazer qualquer coisa e parar em um episódio especial da
Dirty, como quando ela expôs que a líder do grupo de celibato
estaria grávida. A coitada teve de sair em fuga do campus,
trancando todas as matérias, para no final, todo mundo descobrir
que na realidade quem estava grávida era a colega de quarto dela,
que nunca fez celibato algum.
Eu vou contar ao Alexander, eventualmente, mas primeiro, eu
preciso saber como Zach conseguiu esse vídeo, se ele faz parte da
Dirtymouth, ou pior de tudo, se ele é a Dirtymouth.
Claro que me importo de ter minhas fotos vazadas, não é algo
que uma pessoa que está começando uma carreira profissional no
meio esportivo e olímpico queira que aconteça consigo. Então, além
de descobrir se Zach é o grande pau no cu por trás da maior
fofoqueira do campus, eu preciso que todos os arquivos dessa
merda de vídeo sejam extintos de uma vez por todas.
Tenho em mente o que posso fazer para isso acontecer, mas
não posso estar com Alexander em minha cola a todo momento.
É por isso que quando ele estaciona o carro em frente a
fraternidade, colocando-o em ponto morto e subindo o freio de mão,
me viro para ele.
— Eu quero ficar sozinha — digo de uma vez.
Ele estava prestes a desafivelar o cinto quando me olha
confuso.
— Aconteceu algo? — pergunta outra vez.
Nego com a cabeça, mentindo descaradamente.
— Estou com dor de cabeça, quero fechar todas as cortinas e
apenas deitar.
— Eu fico quieto...
Solto um suspiro.
— Alex — o chamo.
— Hum. — Os olhos dourados estão atentos em mim.
— Eu realmente quero ficar sozinha.
Ele pisca, ainda atônito.
— É sobre o seu pai? — Anuo, o que de certa forma não deixa
de ser verdade. — Não quero que você fique sozinha, Charlie.
Estendo a mão, pegando a dele, um pequeno sorriso se curva
no canto do seu lábio quando ele percebe o meu movimento.
Alexander, assim como eu, ainda está se acostumando aos
nossos contatos físicos. Andar de mãos dadas, beijar, fazer carinho
no cabelo, sussurrar no pé ouvido, apoiar a mão no ombro como
forma de apoio e vários outros gestos são totalmente novos para
nós – para mim que o diga. Não é a mesma coisa de transar, pois
normalmente quando estávamos na cama, ou em qualquer outro
lugar, o que existia entre nós era completamente carnal.
Os toques e gestos, apesar de serem algo que exija o contato
pele a pele, está muito mais ligado ao afeto que qualquer outra
coisa.
— Eu também não quero ter que ficar sozinha, mas eu
preciso. — Realmente preciso, tanto pela ameaça do Zach, quanto
pela chegada do meu pai. — É só por hoje.
O pomo de adão dele sobe e desce, ele me analisa, tentando
encontrar algo, uma brecha qualquer, mas não encontra nada, pois
acredito eu que consigo mascarar bem o que estou sentindo, e o
meu desespero para me livrar daquele ruivo safado, juntamente a
fofoqueira fantasma que sumiu.
— Qualquer coisa você me liga?
— Sim — respondo, em um pequeno sorriso. — Se não, nos
vemos amanhã no jogo.
Falar sobre o jogo desperta um sorriso em Alexander.
— Não esquece de usar minha camisa.
— Você não me deixa esquecer — falo, também sorrindo.
Se tudo der certo, e se os meninos ganharem o jogo de
amanhã, eu conseguirei me livrar de Zach, descobrir quem está por
trás da Dirty e deixar que Alexander quebre o nariz dele enquanto
eu garanto que ele nunca tenha filhos com um bom chute nas bolas
dele.
Eu amei você perigosamente
Mais do que o ar que eu respiro
Sabia que bateríamos na velocidade que estávamos indo
Não importava se a explosão me arruinasse
DANGEROUSLY | CHARLIE PUTH

Vitória no primeiro dos três jogos dos playoffs: seis a cinco.


No final do último período pensamos que iríamos para a
prorrogação, pois estávamos empatados, e então uma magia
aconteceu. Melhor dizendo, Charlotte Cameron se levantou, em uma
cena digna de High School Musical, e com a mão no coração ela me
mandou ir à merda, mas não porque eu tinha colocado o disco na
rede.
Na verdade, eu estava quase deixando que roubassem o disco
de mim, mas o grito dela me fez despertar e eu consegui desviar do
bloqueio, lancei o disco para James, que lançou para Evan, que deu
a assistência a Bellamy e quando começou uma marcação cerrada
no capitão, e eu que estava longe do gol, mas era o único que não
tinha a atenção do time de Yale, recebi o disco, e... gol!
Mas a melhor parte da emoção final do jogo não foi essa, e
sim o momento em que toda a torcida levantou, repetindo as
mesmas palavras de Charlotte:
— Vai à merda, Alexander!
Todos os atletas usam uma dança, uma superstição, um sinal,
algo para comemorar seus acertos durante uma partida. Até então
eu não sabia que tinha encontrado o meu, mas após os inúmeros
xingamentos profanados por Charlotte, eu o encontrei.
Charlotte em especial tem sido um caso à parte desde ontem,
e mesmo que ela me diga que tem algo a ver com o pai dela, o que
pode sim ser verdade, afinal, desde o encontro nada casual dos dois
ela tem se retraído um pouco mais. Embora muitas vezes eu a
pegue mais quieta e longe do universo que tem ao redor dela,
ontem foi a primeira vez que ela pediu para ficar sozinha e seguiu
assim durante todo o dia de hoje, eu só a vi antes do início do jogo.
Pensei em ligar para Alice e finalmente contar o que
aconteceu, mas dessa vez quero que parta de Charlotte essa
iniciativa, mesmo que eu esteja começando a me preocupar com a
distância eminente dela.
— Ei cara, preciso falar com você — Evan me chama.
— Agora não — digo.
O ignoro ao perceber que Charlotte está em pé sozinha,
próxima a escada da república, e enquanto todos comemoram, ela
está ali quieta, parada, olhando para cima e encarando os degraus
da escada. Me esquivo das pessoas que se amontoam na sala
pequena da casa que moro com os caras e me aproximo dela.
Ela parece estar totalmente atônita ao mundo quando eu
chego perto dela e mesmo que eu tenha permissão para tocá-la,
ainda assim, por conta disso eu decido falar com ela, ao invés de
pegá-la de surpresa.
— O que está fazendo aqui sozinha? — pergunto, e mesmo
assim ela pula.
Charlotte leva a mão ao coração, respirando fundo ao se virar
para mim, seus olhos saltados se iluminam a me encontrar e ela me
dá um sorriso, que sei que é forçado.
— Você me assustou.
Sim, eu a assustei mesmo, mas por que ela está sorrindo
como se tivesse pega no flagra?
— Por que você não está lá com a gente? — questiono,
apontando com o queixo para onde Bellamy e Shantal estão, ao lado
de Evan e James.
Charlotte pisca.
— Eu... — Ela hesita, parecendo nervosa. — Eu não sei.
— Você está bem? — Coloco a mão um pouco acima da sua
cintura, me aproximando um pouco mais.
Mais uma vez ela hesita, se esquivando de mim ao abraçar o
corpo, anuindo enquanto permanece piscando.
— Estou. — Sobe a mão, pegando na cabeça. — Acho que só
estou com a cabeça cheia demais. — Olha para as escadas mais
uma vez. — Vamos lá — ela me chama, mas sem ânimo algum.
Tomando a frente, ainda abraçada ao próprio corpo, Charlotte
anda pelas pessoas, e ela não parece nem um pouco a Charlie que
costuma ir às festas, pois mesmo quando me odiava, ela sorria para
as pessoas, cumprimentava, mesmo não gostando de toques
alheios. Ela sempre foi simpática com todos, menos comigo, óbvio.
Porém, até mesmo quando passa por Daniel – que ela insiste
em dizer que é apenas amigo dela, e eu ainda não consigo aceitar
essa ideia de amizade tão bem –, ela apenas passa por ele, que me
para, colocando seu corpo entre mim e Charlotte.
— O que você fez? — ele sussurra entre dentes, fingindo um
sorriso.
— O que você está fazendo? — Estreito os olhos para ele.
— Disfarçando que estou sendo simpático com você antes de
quebrar a sua cara, quando você me dizer o que fez com a Charlie
— outro sussurro, acompanhado de um sorriso fingido.
Charlotte, que estava a minha frente, chega onde Shantal e
Bellamy estão, e ela sequer tem os olhos em mim, ou me procura,
sem perceber que eu não estou mais na cola dela como antes, seus
olhos divagam para o mesmo ponto de antes.
A escada, e eu viro a cabeça enquanto respondo a Daniel,
observando que Zach desce os degraus.
— Eu não fiz nada, mas quem vai quebrar a cara de alguém
aqui sou eu, e vai ser a sua. — Volto para ele.
— Olha só, cara, eu terminei tudo com a Charlotte quando
você me pediu...
— Cala a boca! — Ranjo os dentes.
— Estou mentindo? — Ele franze o cenho.
Não, esse idiota não está mentindo.
— Eu só disse a você que se as coisas entre vocês não eram
sérias, era melhor terminar de uma vez por todas, porque nunca ia
dar em nada — tento me defender, com a voz baixa, o que não
deixa de ser verdade.
— Sim, e eu fiz. Recebi o seu conselho e acatei o seu pedido,
então o mínimo que você pode fazer é me retribuir o mesmo.
— O quê? — disparo, sentido meu sangue começar a ferver.
— Terminar com Charlotte? Nem fodendo!
— Bem que ela sempre disse que você é um idiota, Harrison.
— Daniel suspira. — Quero apenas te fazer um pedido também, e
não envolve terminar com Charlotte.
Reviro os olhos, sem paciência.
— Fala — rosno.
— Meu pedido está mais para um aviso — começa e eu finjo
prestar atenção enquanto olho para o ponto onde Charlotte está. —
Se você estiver de joguinhos...
— Não estou — interrompo-o.
— Se você a magoar...
— Não vou. — Faço ele parar outra vez.
— Qualquer coisa que você fizer e magoar a Charlie, de hoje
até o último dia da minha vida, eu acabo com você, Harrison.
Estreito os olhos, erguendo o queixo, visto que Daniel é um
pouco mais alto que eu.
— Por que você se importa tanto comigo e com a Charlotte?
— A pergunta tem um gosto amargo na minha boca.
Pois não basta estar sentindo toda a pressão de finalmente
estar com ela e tentar fazer tudo certo, aí me vem o ex caso dela
querer me ameaçar, e eu espero, fielmente, que ele não venha com
nenhuma desculpa de dizer que ama ela, ou o caralho, pois eu juro,
que essa festa mesmo sendo uma comemoração, eu faria dela o
enterro de Daniel em dois segundos.
— Você pode acreditar em mim, ou não. — Ele pende os
ombros. — Problema seu, mas Charlotte e eu somos
verdadeiramente amigos, e quer você queira ou não, eu a conheço
tão bem quanto você. Se duvidar, mais ainda, pois eu sei que há um
ano, quando nós dois ainda tínhamos algo além de amizade, eu
sempre soube que existia algo entre vocês dois. Ela é minha amiga,
eu a amo dessa forma, mesmo não admitindo para ela porque não
imagino uma vida sem Charlotte Cameron, sendo Charlotte
Cameron. Mas se você — ele fica literalmente frente a frente
comigo, para apontar em meu peito — fizer qualquer mínima coisa
com Charlotte Cameron, eu não me importo com nada. Essa garota
já passou por coisas demais para que um babaca que sempre fez
joguinhos com ela, de repente quebrar o coração dela, que nós
sabemos que é resistente apenas por fora, porque por dentro ele
pode se fragmentar a qualquer momento.
Engulo em seco ao tentar processar as palavras de Daniel.
Mordo o interior da bochecha, controlando o pouco de raiva que
tenho dele, que pela primeira vez não é ciúmes, apenas raiva
mesmo, de saber que além de mim, Charlotte tem mais outras mil
pessoas que estariam dispostas a protegê-la do mundo.
Mesmo que eu tenha essa necessidade de que Charlotte
precise apenas de mim, e por isso a raiva que sinto por Daniel, de
certa forma eu ainda me sinto grato, por saber que diante da
condição que ela tem, ela ainda desenvolveu laços verdadeiros.
— Eu a amo. — Ergo os ombros. — Falando assim por não
parece nada, mas eu amo, cara — confesso pela primeira vez em
voz alta. — Eu a amei quando me empurrou da bicicleta apenas
porque eu aprendi a andar sem rodinhas antes, a amei quando
transformou todos os meus bonecos de super-heróis em namorados
das Barbies dela, a amei quando ela me fez torcer o pé ao me
derrubar na pista de gelo, a amei quando a segui até o rinque de
gelo quando ela fugiu depois do pai ir embora e a amei quando
passou a rejeitar todos os meus toques, me empurrando, mais uma
vez, no bolo de aniversário de casamento dos meus pais, fraudando
os votos de baile de formatura para que ela ganhasse como rei e
rainha apenas para não ter que dançar a valsa comigo. A idolatrei a
cada troféu e medalha que ela recebeu e fui o cara mais apaixonado
do mundo em todas as vezes que disse que a odiava. Não existe
outra mulher no mundo para mim que não seja Charlotte Cameron,
e prova disso é que ela veio ao mundo exatos vinte minutos após eu
nascer, porque literalmente nós fomos feitos um para o outro. —
Respiro fundo ao sorrir. — Portanto se a sua preocupação é que um
dia eu vá magoar Charlotte para que você consiga me dar um murro
no rosto, ou chutar minhas bolas, sinto muito. Isso não vai
acontecer — finalizo, dando dois tapinhas no peito dele.
Mal tinha percebido, mas Daniel tem um sorriso no rosto e os
olhos dele brilham, ele também dá dois tapinhas no meu peito.
— Caralho! — Assobia. — Se alguém me diz isso, eu peço em
casamento no mesmo segundo. — Ele ri, e eu também. — Você tem
meu consentimento para ficar com ela, dessa forma.
— Qual foi a parte que eu pedi isso a você? — Cerro os olhos.
— Não pediu, mas eu dou — ele desdenha, ficando ao meu
lado. — Agora vamos lá, na sua garota, porque o mínimo que você
pode fazer agora é dizer tudo isso a ela.
Nego.
— Não.
— Como assim não?
— Eu vou fazer melhor que isso, mas não hoje... — Paro,
olhando para frente e vendo que Charlotte não está mais onde eu a
havia visto da última vez.
Na mesma hora, Bellamy passa por mim.
— Onde está Charlotte? — pergunto.
— Preciso resolver uma coisinha — desvia de mim ao
responder —, mas ela estava ali. — Ele aponta para o mesmo local
onde ele estava até poucos segundos.
De repente, eu sinto que algo que está errado. Meus olhos
começam a procurar por Charlotte em todo ambiente. O andar de
cima é pequeno e mesmo com tantas pessoas, ainda seria possível
encontrar ela, se ela estivesse aqui.
— Você está vendo ela? — pergunto a Daniel, que também
procura.
— Não.
Me afasto dele e vou até a cozinha, encontrando James com
os olhos no celular, e no momento em que chego perto dele, ele
esconde o aparelho no bolso.
— Você viu Charlotte?
— Nã... não — ele gagueja.
Poderia perguntar o que aconteceu com ele ou o porquê de
ele estar escondendo o celular, mas dou as costas e volto para a
sala, indo até o banheiro. Ao abrir a porta, não há ninguém lá.
Encontro Daniel novamente, e ele diz:
— O carro dela ainda está lá fora.
— Ela pode estar lá em cima — digo, lembrando do tempo em
que ela passou olhando para as escadas.
É como se fosse uma chamada de urgência, quando sinto um
aperto no coração e minha respiração descompassar, corro até as
escadas e subo os degraus de dois em dois.
Não sei ao certo o motivo de me sentir assim, mas desde que
Charlotte tem ficado estranha há mais de vinte e quatro horas, e de
repente sumido dessa forma, um sinal de alerta realmente toca na
minha cabeça.
O que só aumenta no instante em que chego no andar de
cima.
Meus passos param de uma vez no momento em que vejo
Bellamy e Shantal prestes a entrarem no quarto dele. Mas não é isso
que mais me surpreende, e sim o fato de que Charlotte está saindo
de um dos quartos, mas não é o meu.
Pisco os olhos para ter a certeza que o que vejo é real.
Charlotte acaba de sair do quarto de Zach e ela tem algo escondido
em sua mão, que ela fecha em punho assim que seus olhos me
encontram.
— O que é isso? — pergunto, dando um passo na direção
dela. — O que você estava fazendo aí?
Mais pessoas aparecem, e dessa vez são as cabeças de Anna
e Dakota ao saírem do quarto de Evan.
— Charlotte? — chamo sua atenção, dando mais um passo
em sua direção.
Ela pressiona suas costas contra a porta do quarto de Zach.
— Eu posso explicar... — diz, os olhos assustados fixos em
mim.
Porém, antes que Charlotte tenha chances, um barulho
conhecido empertiga minha espinha, causando um arrepio por toda
a minha coluna.
Ela voltou.
Todos os celulares parecem receber a notificação de
Dirtymouth ao mesmo tempo. Com os olhos ainda em Charlotte, que
mantém os dela arregalados, tiro o celular do bolso. Ela parece fazer
o mesmo e nós dois paramos de nos olharmos no mesmo segundo
quando abaixamos os olhos, lendo a mesma notificação.
“Sentiram minha falta, sujinhos?”
Minha vista escurece e meus olhos sobem no mesmo
momento em que vejo Zach sair do meu quarto, contudo, ao invés
de confrontá-lo, abro o aplicativo, indo direto para o novo episódio,
que dura exatamente trinta segundos.
Ao que parece, todos que estão ali, incluindo Daniel, que
estava logo atrás de mim enquanto eu subia as escadas, apertam o
play no mesmo instante.
“Sentiram minha falta, queridos?
Se não, problema de vocês, mas se sim, saibam que é um
prazer estar de volta!
Meus sujinhos favoritos, eu trago uma fofoca das boas,
porque todo retorno merece ser feito de forma triunfante, não é
mesmo?!
Como vocês bem já sabem, eles estão juntos.
A princesinha do gelo, Charlotte Cameron, e o astro do
hóquei, Alexander Harrison, não se odeiam mais. Os pombinhos que
se assumiram recentemente, na realidade, vinham trocando carícias
há mais tempo do que imaginamos... Confiram áudios.
Uhf!
Quente, não é mesmo?!
Mas segura a emoção, que não foi apenas isso que eu trouxe
para vocês.
Mesmo depois de tantos olhares odiosos, insultos e jogos,
eles parecem realmente estarem bem, afinal, andam de mãos dadas
por todo o campus e ainda dão beijinhos sempre que se encontram
na pista de gelo.
Uma pena que não é apenas o atacante do hóquei que nossa
querida princesinha do gelo vem beijando... Ela também provou que
ainda gosta de pegar o goleiro.”
Mesmo com mais segundos à frente, depois de ouvir os meus
gemidos e os de Charlotte reverberarem, e ainda ver nossa foto de
mãos dadas entrando em um auditório, o que me faz parar é o
momento em que vejo a foto onde Charlotte, que veste a mesma
roupa de ontem à tarde, está com a mão em cima do peito de Zach,
olhos fechados e a boca grudada na dele.
Encaro aquela foto por exatos três segundos antes de me
voltar para ela, os olhos claros, assustados e encharcados, ela
também me olha, negando. Mas vários sentimentos tomam conta de
mim na mesma proporção, tudo ao mesmo tempo.
Descobrir que o contrário do ódio não é o amor foi uma das
coisas que mais me surpreendeu.
Na verdade, chega a ser bem fácil a forma como conseguimos
passar a amar a pessoa que juramos odiar. Ao menos foi bem fácil
para mim, bastou um sorriso para que algo se acendesse em mim.
Sempre ouvi sobre a linha tênue que existe entre o amor e o
ódio, e que os opostos podem sim se atrair, afinal, existe uma
semelhança ali.
Amor e ódio.
Sentimentos que andam lado a lado.
Duas faces de uma mesma moeda.
Porém, em algum momento, um desses dois sentimentos
precisa se sobressair, e após ter despencado do céu diretamente
para o inferno, a imensidão dos olhos de Charlotte quando ela me
olha passou a significar nada para mim.
Pois o oposto do ódio nunca foi o amor, o contrário do ódio é
um sinônimo dele.
O contrário do ódio é a abominação.
A fagulha de esperança se acende nos azuis esverdeados de
Charlotte enquanto a abominação queima nos meus.
Eu a odiei por anos.
A amei por dias.
Agora eu a abomino até o último dia da minha vida.
— Eu posso explicar...
Interrompo-a, um riso cortante reverberando no fundo da
minha garganta.
— Existe explicação para isso, Charlotte? — pergunto, seco. —
Existe? — Minha vista escurece.
Como ela pôde simplesmente beijá-lo? Eu olho para a tela do
celular mais uma vez, tentando ver se há algum indício de isso ser
uma montagem, mas a foto é tão real quanto as lágrimas que ela
finge jorrar de seus olhos.
O peito de Charlotte começa a descer e subir rapidamente
quando ela balança a cabeça.
— Ele... — Ela aponta para Zach, que ainda está em frente ao
meu quarto. — Ele me beijou, à força. — Posso jurar que o mundo
acabou de girar.
— Como é?! — pergunto, na intenção de que ela repita, pois
ou eu estou louco, ou estou prestes a matar Zach.
Charlotte anui, se aproximando de mim e erguendo o queixo,
ela passa a língua entre os lábios, minha pele inteira pega fogo com
o toque dela.
— Ontem... — Ela pausa, arfando, devido ao choro. — Ontem,
ele chegou durante o final do meu treino e começou a falar um
monte de besteira e me beijou, me pegando a força. — Meus olhos
voam para Zach, mas tão logo Charlotte sobe a mão, fazendo com
que eu volte a olhá-la. — Eu juro que foi isso que aconteceu. —
Seus lábios tremem.
Todos os meus ossos endurecem, assim como minha postura,
fecho a mão em pulso e ainda olhando-a, questiono:
— Era por isso que você estava estranha? — Assente em
resposta. — Por que você não me disse? — Trinco os dentes.
— Ele tem os vídeos da festa e disse que ia me expor se eu...
A partir daí eu não ouço mais absolutamente nada, fecho os
olhos com força, levando a mão até a têmpora, coçando-a. Inspiro e
expiro três vezes e ao abrir os olhos, o olhar de Zach está fixo em
mim. Charlotte, que ainda tem a mão em meu rosto, implora para
que eu não faça nada, mas eu sequer encosto nela para me afastar.
— Alex, não! — Evan entra na minha frente e eu nem sabia
que ele estava aqui, ele balança a cabeça. — Não faz isso!
A mão que tenho fechada atinge seu estômago.
— Com você eu me resolvo depois — rosno. — Eu vou matar
esse filho da puta!
Meus passos são duros e à medida em que vou me
aproximando de Zach, o ódio e a raiva súbita emanando por cada
célula do meu corpo. Passo primeiro por Bellamy e Shantal, sinto os
olhos dos dois me queimarem, as próximas são Anna e Dakota, que
me imploram para que eu não faça nada.
Quando estou a um passo de distância de Zach, ele endireita
os olhos e eu paro, no momento em que seus olhos atrevidos têm os
meus, e ele diz:
— Antes que você dê o primeiro soco, por que você não diz a
Charlotte e a todos aqui onde eu encontrei os vídeos da festa?
Paro.
— Como é?! — Dou o único passo que nos separa, ficando
menos de um centímetro de distância dele.
— Por que você não diz a eles que o vídeo de Charlotte estava
em seu computador? — ele solta, reteso, voltando para trás. — Por
que você não diz também que há uma pasta com todas as
publicações da Dirtymouth, e também o sistema que comanda o
aplicativo, Alexander? — ele pausa. — Ou deveria dizer, Dirtymouth?
A mão que estava fechando em punho se abre, Zach olha
para algo além de mim, um sorriso perspicaz sobe em seus lábios,
giro a cabeça, e por cima do ombro, enxergo apenas Charlotte com
os lábios entreabertos.
— Do que ele está falando, Alexander? — Sua pergunta é
cortante.
— Ele está mentindo! — digo ao me virar.
— Se eu estou mentindo, por que você não mostra o seu
computador a ela?
Me viro de volta para Zach e dessa vez atinjo seu rosto. A
força é tanta que a sensação do toque é como se meus ossos
estivessem quebrando.
— Você é o responsável pela Dirtymouth? — Charlotte parece
perplexa quando eu me volto para ela e começo a ir em sua direção.
— Não! — nego imediatamente.
Ela cerra os olhos.
— Eu vim até o quarto do Zach encontrar qualquer prova de
que ele fosse a Dirty — ela fala, respirando fundo e levantando as
mãos, coçando a cabeça. — Eu não encontrei nada — ela nega. —
Apenas os arquivos dos vídeos, que coloquei nesse pen drive. — Ela
mostra o que havia escondido em sua mão. — Ele o pegou
recentemente e o compartilhou pela mesma rede do seu quarto. —
Charlotte nega com a cabeça. — Eu não quero ter que acreditar no
Zach, mas como isso é possível?
Mesmo com a pergunta sendo retórica, eu respondo.
— Eu posso te explicar.
Charlotte estreita os olhos, o canto da sua boca se move
quando ela dá dois passos para trás.
— Se você não é a Dirtymouth, por que você teria qualquer
explicação para dar, Alexander?
Meu nome é profanado com ódio.
Nojo.
O rosto inteiro de Charlotte se franze, ela me olha dos pés à
cabeça, literalmente, com nojo, antes que ela me dê as costas.
Me prolongo um tempo antes de perceber tudo o que acaba
de acontecer é muita informação ao mesmo tempo para conseguir
processar tudo de uma vez só. Eu preciso me livrar do Zach, mas eu
também preciso que Charlotte me ouça.
E entre o mundo e Charlotte, minha escolha é óbvia.
— Que você tenha sumido daqui quando eu voltar. — Me viro
para ele, antes de correr até as escadas, que desço o mais rápido
que posso.
Ao abrir a porta, vejo Charlotte correndo até o carro, então eu
corro atrás dela o mais rápido que posso.
— Charlotte, pare! — peço. Mas ela me ignora, tornando seus
passos mais rápidos. — Eu não vou deixar você ir assim. — Agarro o
seu braço ao alcançá-la e ela se vira com tudo. — Nós precisamos
conversar.
— Eu não tenho nada para conversar com você. — Arrebata o
braço de mim e se afasta.
— Você precisa me ouvir — grito na mesma proporção que
ela.
— Ouvir o quê? Que você é a porra da Dirtymouth? A merda
do meu pior pesadelo? A causa da minha maior ansiedade? A pessoa
que humilhou não só a mim, mas todo o campus? Eu não tenho
nada para ouvir de você, Alexander. — Ela sobe as mãos. — Nada!
Por que mais você teria os arquivos da Dirty no seu computador? —
ela pergunta, mas o tom deixa óbvio que é uma acusação.
Eu poderia respirar fundo ou tentar prolongar essa conversa,
ou mentir para ela, mas eu não tenho mais para onde fugir.
— Sim! Eu tenho todos os arquivos da Dirty no meu
computador, mas eu não sou ela!
Charlotte fecha as mãos no ar, trincando os dentes.
— Como você não é ela? — Agora quem rosna é ela.
Fecho os olhos por um momento e respiro fundo.
— Porque o aplicativo foi feito no meu computador —
confesso.
Charlotte olha para cima, depois olha para mim, para cima de
novo e para mim. Ela para, desce as mãos, e balança a cabeça.
— Como é?!
— O aplicativo foi programado no meu computador — repito,
quando começo a explicar, dessa vez com minha voz mais baixa e
controlada, e Charlotte parece prestar atenção em tudo o que falo.
— Era um projeto do primeiro semestre de Evan. Ele cursa
jornalismo e estava sem computador na época e em emprestei o
meu. Depois do projeto, eu pensei que tinha parado ali. Mas poucos
meses depois surgiu a Dirty, o aplicativo havia mudado
completamente, fugiu totalmente da proposta, mas eu ainda tinha
acesso ao programa. Eu ainda tenho o acesso — admito. — Por isso
tenho todos os arquivos no meu computador.
— Então é o Evan? — Ela pisca, tentando assimilar as
informações.
— Também.
— Como assim também?
— As primeiras informantes do Evan foram Anna e Dakota e
juntos, os três passaram a ser a maior fofoqueira do campus. Eles
não sabem que eu sabia, mas eu acompanhava todas as conversas
deles pelo programa. Ao longo do tempo eu vim jogando indireta
para Evan e as meninas, mas aparentemente eles nunca sacaram
que eu sabia tudo, então eu continuei observando todos os
movimentos deles três.
— Você nunca publicou nada?
Nego.
— Não, mas interferi nas informações uma única vez.
Charlotte cerra os olhos.
— Como assim?
— Na noite em que nos beijamos pela primeira vez, eu disse
que havia perdido minha carteira e solicitei acesso às câmeras de
segurança da Arena do Miami Heats.
— Por que você fez isso?
— Porque eu estava desesperado, Charlotte — outra confissão
sai da minha boca quando eu subo os braços. — Eu não suportava
mais ver você perto de Zach e eu não podia interferir diretamente,
então eu peguei as gravações, cortei apenas para parte onde nos
beijamos e coloquei em uma aba que pudesse chamar a atenção
deles, e funcionou quando eles fizeram o resto.
Charlotte sobe as mãos e começa andar de um lado para o
outro.
— Eu não consigo entender — ela diz, consternada. — Como
você sabia esse tempo todo e não os impediu?
— Eu quis fazer logo depois que eles expuseram o seu vídeo,
mas primeiro eu tive que apagar tudo dos registros deles, o que
demorou para caramba. Eu consegui tirar o acesso total dos três
uma noite depois da festa de anjos e demônios. Depois que fiz a
proposta a você, eu fui até o quarto de Dakota e Anna e apaguei
todos os vínculos delas a Dirty, fiz o mesmo quando voltei para casa
ao pegar o computador e Evan...
— E foi assim que a Dirty sumiu — Charlie conclui.
Anuo.
Quando ela para de andar, me fitando, eu me aproximo dela,
pegando em seu rosto e acaricio suas bochechas, limpando o
resquício de lágrimas que ela deixou descer.
— Eu juro que tudo que estou te dizendo é a verdade.
— Por que você não me disse antes?
Suspiro.
— Você não confiava em mim antes.
As lágrimas voltam a brilhar em seus olhos e ela se afasta.
— Eu sempre confiei em você, Alexander. — Uma lágrima
desce quando ela me pega de surpresa, ela é mais rápida do que eu
ao limpá-la, se livrando do meu toque. — Por mais que eu te
odiasse, eu sempre confiei em você e mesmo sabendo que eu vivia
com medo deles, você nunca levou em consideração me contar
qualquer coisa.
Charlotte dá mais um passo para trás e eu a chamo.
— Charlie.
— Agora não, Alexander — diz ao dar a volta no carro.
Assisto-a entrar no veículo, dar a partida e ir embora.
Eu poderia ir atrás dela, mas eu contei tudo o que eu tinha
para contar e sei que nesse momento ela precisa ficar sozinha. É por
isso que eu permaneço parado, apenas vendo ela se afastar, na
expectativa que ela volte, o mais breve possível.
Por sua causa
Acho difícil confiar não apenas em mim, mas em todos ao meu redor
Por sua causa
Tenho medo
BECAUSE OF YOU | KELLY CLARKSON

— Deixa que eu sirvo a elas, Charlie — Shantal insiste.


É apenas o início do meu turno no Rosie’s e Anna e Dakota
decidiram fazer uma visita justo nas minhas mesas de atendimento.
Por sorte, elas fizeram o pedido antes que eu chegasse e como a
outra garçonete bateu o ponto no mesmo instante em que passei
para trás do balcão, eu tenho que entregar o pedido delas.
— Não. — Me nego, pegando a bandeja com o pedido das
loiras. — Elas vieram na intenção de serem atendidas por mim, elas
serão atendidas por mim.
— Charlie — Shantal tenta insistir, ficando na minha frente e
eu ergo as sobrancelhas, dando a clara demonstração de que eu não
vou desistir.
— Eu vou atender essas vacas, e vai ser da forma como elas
merecem. — Trinco os dentes.
Anna e Dakota têm tentado constantemente fazer as pazes
comigo desde que eu não apenas não soube que elas são a
Dirtymouth, mas também divulguei para todo o campus os
responsáveis pelas fofocas maldosas.
O resultado foi que na mesma tarde, uma semana atrás,
mesmo elas constantemente no meu pé a fim de pedir perdão, elas
foram expulsas da fraternidade.
Shantal assente, finalmente saindo da minha frente. Ao ver
que estou me aproximando, Anna abre um sorriso – falsa do caralho
–, uma vez que ela está de frente para mim. Vejo que Dakota, que
está de costas, está passando um batom.
— Charlie... — Anna começa quando fico ao lado delas, mas
antes de falar qualquer coisa, eu a interrompo.
— Quem pediu um chá gelado? — Anna levanta a mão. —
Aqui está seu chá gelado.
Pego o copo cheio com chá e gelo, mas ao invés de entregá-lo
na mão dela, derramo todo o conteúdo na sua cabeça. Anna começa
a gritar à medida em que o líquido é despejado nela, os olhos
fechados e as mãos abertas. É uma cena patética, uma atitude
patética também, mas ela que se foda.
— Charlotte! — ao fundo, ouço a voz de Claire, a gerente, me
chamar em um grito.
— O que você está fazendo? — Dakota pergunta, segurando o
batom e chocada pela cena que acaba de ver.
Tomo o batom da mão dela.
— Charlotte! — Claire grita outra vez.
Dakota arregala os olhos quando eu tenho a maquiagem dela
em minhas mãos e antes que ela possa falar algo, o aproximo do
seu rosto, mais especificamente da boca dela, e começo a sujá-la
inteira com batom.
— Agora sim, vocês duas estão com suas bocas sujas, vacas
do caralho!
Não me dou o trabalho de ficar muito tempo perto delas
quando jogo a bandeja com tudo na mesa. Claire me chama outra
vez.
— Charlotte, você está...
— Eu me demito — falo mais alto, antes que ela termine sua
sentença, e tiro o avental.
A mulher me olha, parecendo desnorteada e confusa, ela me
estuda e então engole em seco, pegando o avental que eu estendo
para ela, assentindo.
Ao virar de costas para ela, passo direto para a cozinha e
Emerson, o cozinheiro, também me observa com a espátula
levantada, noto que um pingo de suor mais pesado desce por sua
testa.
— Não queria dizer que eu apoio violência, mas bem que você
poderia ter dado um soco na cara delas — ele comenta quando pego
minhas coisas e saio da cozinha, sorrindo para ele e dando tchau
com a mão.
Ainda estou com raiva pela aparição das duas, elas me
perseguiram no campus, nos treinos e até mesmo estacionaram do
lado de fora da fraternidade, porque de alguma forma, as irmãs
metralhas precisam do perdão de todos os alunos de Dartmouth,
mas parece que todos decidiram se virar contra elas e ficarem ao
meu favor.
Portanto, se eu as perdoar, automaticamente, todo o restante
também irá fazer. Mas acontece que eu não estou tão afim assim.
Porque sim, eu sou rancorosa, eu fico com raiva com
facilidade, eu sou vingativa e estou pouco me fodendo com isso.
Elas me fizeram temer por dias e dias e ainda, para a volta triunfal
delas, elas divulgaram uma foto minha com Zach.
Esse, que foi expulso tanto do time de hóquei como da
faculdade na manhã de ontem. Ele me assediou e as câmeras da
arena filmaram o exato momento do acontecido, com isso, Zach foi
embora. Mas claro que antes disso ele ainda recebeu uns bons
socos, não foram meus, mas confesso que queria ter sido
responsável por isso também.
— O que aconteceu ali? — ouço o momento em Bellamy
pergunta a Shantal, sentando-se em uma das cadeiras ao lado do
balcão de atendimento.
— Algo que essas vadias estúpidas mereceram — minha
amiga grita.
— Shantal! — Claire chama a atenção dela.
— Desculpa, chefe — ela pede olhando por cima do ombro. —
Vai fazer aquilo agora? — pergunta, o cenho franzido.
Anuo, concordando com ela.
— Eu preciso fazer.
— O quê? — Bellamy pergunta interessado.
— Não é da sua conta — Shantal e eu nos viramos para ele,
falando em uníssono.
O capitão do hóquei levanta as mãos, assustado.
— Normalmente quando pessoas normais estão em
relacionamento, costumam dividir segredos. — Ele pisca para
Shantal, que joga um pano nele.
— Shantal! — Claire chama e ela revira os olhos.
— Estou indo — me despeço da minha amiga.
De toda forma, hoje seria meu último dia no Rosie’s. O plano
desde o início era chegar, pedir demissão e encontrar Daniel do lado
de fora, o problema é que no momento em que vi Dakota e Anna
sentada em uma das minhas mesas de atendimento não me contive,
necessitando, urgentemente, me vingar delas de alguma forma.
Por mais que o karma tenha agido sozinho, com elas sendo
rejeitadas por todos e ainda expulsas da fraternidade, eu precisei
agir com minhas próprias mãos.
E agora parece que vou ter que agir mais uma vez, pois no
momento em que chego à porta do restaurante, Evan passa por ela,
carregando uma caixa de chocolate. Segundo ele, as únicas culpadas
por vazarem minha foto com Zach são as garotas, ele tentou chamar
Alexander para impedi-las naquela noite, mas não teve sucesso.
Ainda assim, ele levou um soco no olho, que antes estava
roxo e agora está começando a ficar verde. Evan também tem
tentado fazer com que eu o perdoe, a estratégia dele é dar flores e
comida, que eu sempre jogo no lixo, e dessa vez não é diferente
quando ele me estende a caixa de chocolates.
— Nós podemos conversar? — ele pergunta, sem nem mesmo
chamar meu nome.
Eu pego a caixa de chocolates e dessa vez penso seriamente
sobre jogar a caixa no lixo, pois o maldito finalmente acertou nos
meus preferidos.
— Não.
— Por favor. — Ele aperta os olhos e faz um biquinho,
tentando parecer fofo, mas não funciona tão bem assim comigo.
— Não — respondo outra vez.
— O Alex disse que se você me perdoasse eu poderia
continuar morando na casa, e...
— Problema seu — interrompo-o, passando por ele.
Mesmo que as piores de todas tenham sido Anna e Dakota,
afinal, foram elas que vazaram os vídeos e as fofocas mais pesadas,
Evan ainda é o grande responsável pelo aplicativo. Ele foi o
idealizador de tudo e se não fosse por ele, elas não teriam tido tanto
poder sobre tantas pessoas.
Inclusive sobre mim.
E para completar toda a equipe de pessoas que têm me
procurado nos outros dias, a próxima que cruza o meu caminho no
instante que saio do Rosie’s é Alexander.
Esse em questão eu não quero que se foda igual os outros,
mas para mim, ainda está sendo difícil voltar a estar com ele,
principalmente depois de ele me dizer sobre tudo o que sabia e
ainda esconder de mim. Ele tem sido paciente e compreensivo
quanto ao espaço que eu preciso.
Não estou acostumada com tantas emoções ao mesmo
tempo, pois uma hora eu confio nele, na outra me sinto apunhalada.
E mesmo que ele não tenha culpa em nada disso, é difícil para mim
toda essa questão envolvendo-o.
Por mais que eu não tenha pedido um tempo a ele, eu pedi
espaço para poder ter meus treinos em paz, afinal, o único momento
em que toda essa confusão de Dirtymouth se esvai da minha mente
ainda é quando estou no gelo, e o único foco que devo ter é
exclusivo na final que se aproxima, faltando menos de duas semanas
para acontecer.
Assim como a Frozen Four, que eu soube que depois da
expulsão de Zach, eles não estão mais tão confiantes com a chegada
a grande final, nem mesmo com o jogo que deve acontecer amanhã.
— O que aconteceu com você? — Paro no instante em que
estamos próximos o suficiente e noto que há uma vermelhidão se
formando próxima ao seu olho que está inchado.
Subo as mãos, analisando seu rosto.
— Eu mereci — ele rosna.
— Como assim, mereceu? — Cruzo os braços.
Alexander coça o queixo, parecendo decidir se me conta ou
não.
— Você promete não ficar com raiva? — pergunta.
— Já estou.
— O Daniel me avisou que se eu te magoasse ou fizesse
qualquer coisa com você, eu me veria com ele, e bom, minha hora
finalmente chegou.
Minha boca se abre, em choque, e um riso começa a escapar
dela, mas tão logo eu subo a mão, cobrindo-a, pois Alexander me
olha confusa.
— Desculpa — peço, em meio ao riso. — Desculpa mesmo. —
Não me controlo e rio na cara dura.
— Não é engraçado — murmura, aparentemente
desconfortável.
— Como pode não ser engraçado? O grande Alexander
Harrison acaba de levar um soco, por magoar Charlotte Cameron, e
o pior de tudo, pelas mãos do ex dela! — Paro, respirando fundo
apenas para rir mais um pouco. — Isso é cinema! Muito bom,
verdade.
— Muito... — diz levando a mão até o olho e fazendo uma
careta em seguida.
— Está doendo? — inquiro ao parar de rir.
— O que você acha?
— Foi bem feito. — Dou de ombros. — Ninguém mandou me
magoar. — Faço biquinho, provocando-o.
Alexander franze os lábios e sobe uma sobrancelha, me
olhando com desdém.
— Falando nisso, quando você vai me perdoar?
Balanço a cabeça.
É uma pergunta que eu tenho me feito com frequência
também e por incrível que pareça, ela vem sempre quando estou no
gelo, no meu momento de paz, pois todas as vezes em que meus
pés deslizam sobre a superfície gelada, eu me lembro dele e de todo
o gelo que separava a gente que simplesmente derreteu, então,
sinto um novo iceberg se formando entre nós outra vez.
Não é um iceberg de ódio, mas sim de ressentimento, de “eu
devo confiar nele outra vez?”, a resposta que tenho é sempre um
bom e belo “sim”. O grande problema é que eu não sei como
expressar essa resposta, eu não sei simplesmente dizer a ele que
sim, eu confio nele, mas eu tenho medo do futuro.
E meu medo tem um pouco de razão e poder sobre mim, pois
no momento em que Alexander viu a foto do beijo com Zach, que
sim, Dakota e Anna estavam por trás disso mais uma vez, quando
juntamente ao ruivo maldito do cabelo desbotado – queria poder
dizer bunda murcha, mas não é –, elas estavam dentro da arena e
tiraram a foto no exato momento em que ele me beijou.
A reação de Alexander foi desconfiar de mim, perguntando se
haveria explicações para aquilo, mas não foi isso que mexeu comigo
de verdade, e sim sua forma de olhar.
Ao contrário das outras tantas inúmeras vezes em que nós
entramos em uma intriga, os olhos escuros de Alexander
costumavam me fuzilar em raiva, ódio...
Porém, dessa vez, havia algo a mais no brilho intenso do
castanho quase dourado que se transformava em uma linha fina. Era
como se ele me abominasse, como se ele simplesmente estivesse
pronto para fazer a minha passagem restante na terra um inferno
em definitivo.
O olhar se perpetuou por poucos segundos, mas foram o
suficiente para eu temer o futuro, temer me entregar a ele, agora de
uma vez por todas, e simplesmente receber aquele olhar mais uma
vez. Acredito que nem mesmo se ele me encarasse com tamanha
indiferença, poderia ser tão marcante quanto a abominação que ele
sentiu por mim por tão poucos segundos.
É por isso que tenho em mente que já o perdoei, mas sei que
não estou pronta para dizer isso a ele agora.
— Você eu não sei — minto, finalmente o respondendo. —
Mas o Evan eu nem sei porque ele ainda vive debaixo do mesmo que
você.
— Talvez porque os pais deles sejam gênios ricos e pagam a
maior parte das despesas, e Bellamy e James estão atrasando o
momento, e chegamos ao combinado que se você o perdoasse, ele
poderia ficar lá, mas se não...
— Hora dele fazer as malas, então — concluo.
Alexander me lança um sorriso de canto e eu poderia me
derreter agora, pular nos braços dele, beijá-lo e então tudo acabaria
assim, com um talvez “felizes para sempre” até que a merda nos
separe, mas eu tenho coisas para resolver ainda.
— Para onde você vai? — ele pergunta, notando minha pressa
quando pego as chaves do carro.
— Pedi demissão — explico, deixando a parte de toda a
situação. — E vou encontrar uma pessoa agora.
Seus olhos se iluminam e ele pisca, não é um brilho de
curiosidade que ele tem, está mais para algo relacionado aos seus
ciúmes.
Engulo em seco, sei que não preciso esconder isso dele, mas
mesmo assim, saber que estou prestes a fazer é algo singularmente
para mim, as palavras ainda queimam na boca da minha língua
quando eu conto meu destino.
— Eu posso ir com você — ele se oferece de imediato.
— Tenho que fazer isso sozinha, Alex.
— Mas...
— Sozinha — o corto, antes que ele insista mais um pouco, e
ele assente concordando.

Depois de trocar de roupa e pensar se deveria ou não usar


uma maquiagem para esse momento, optei por vir natural, afinal, eu
não sei como essa conversa irá se desenrolar.
Ela nem mesmo está se desenrolando, eu apenas mantenho
as mãos cruzadas em cima da mesa enquanto ele sorri, os olhos
observando o lugar inteiro e me arrependo imediatamente de ter
dito a Alexander que ele não precisa vir, seria bom ter ele aqui
agora, ou minha mãe, ou Maggie. Até mesmo Alessandro.
— Então... — meu pai sussurra. — Você e o Alexander estão
juntos?
Fecho os olhos, quase não acreditando que é esse assunto
mesmo que ele está prestes a puxar, depois de tantos anos.
— É complicado no momento.
Ele assente.
— Quando vocês eram crianças, não paravam de brigar e isso
era o motivo das dores de cabeça da sua mãe, todas as...
— Para! — corto-o, sentindo minha voz embargada. — Não
fala da minha mãe. — A necessidade de defendê-la é crucial para
mim.
Ele pisca duas vezes e apenas concorda.
— Desculpa — sussurra, quase inaudível.
— Por que você voltou? — decido perguntar de uma vez por
todas.
— Angela recebeu uma promoção e agora nós moramos em
Nova Iorque.
Ele havia deixado isso claro quando eu finalmente aceitei sua
solicitação de mensagem, onde ele perguntava se podíamos nos
encontrar e que ele conhecia alguns bons restaurantes em Nova
Iorque, onde ele estava morando. Ao respondê-lo, eu disse que se
ele quisesse me encontrar, que viesse até onde moro, e bom... ele
veio.
Pelo menos uma coisa ele cumpriu.
— As crianças estão estudando em uma ótima escola no
Upper East Side. — Ele sorri.
— Crianças? — pergunto, pegando o copo com água na
minha frente, tomando-a ao sentir minhas mãos tremerem. — Podia
jurar que Angela já tinha um filho quando você decidiu voltar com
ela, e ele seria quantos anos mais novo que eu? Um?! Não lembro,
faz muito tempo que você me contou isso por telefone. — Tomo
outro gole da água.
Ele me olha desnorteado e, pois, por mais nervosa que eu
esteja, eu faço de tudo para não demonstrar isso, usando uma voz
cortante.
Meu pai coça a garganta, desconfortável.
— Nós tivemos gêmeos há dez anos — ele me conta, como se
isso não fosse nada. — Um casal.
— Uau! — Deixo sair.
Ele pega o celular que está em cima da mesa e passa o dedo
sobre a tela, então me mostra a foto de um menino e uma menina,
ambos abraçados com ele, parecendo estarem prontos para o
primeiro dia de aula. Os cabelos escuros iguais aos meus e os olhos
castanhos iguais do meu pai... digo, nosso pai.
— Eles são lindos — comento, o que não deixa de ser
verdade.
— Você não vai comer? — Ele aponta para o meu prato, que
eu deixei que ele escolhesse. — É o seu preferido, não é?
Sorrio, negando.
— Quando eu tinha sete anos, sim. — Sorrio. — Faz mais de
cinco anos que eu não como nada com carne vermelha.
Ele pisca, novamente, confuso.
— Eu não sabia, nós podemos pedir outra coisa — diz, já
levantando a mão. — Garçom!
— Não precisa — digo.
— Aqui tem peixe também, além de pratos vegetarianos. —
Ele me lança um sorriso, provavelmente tentando me tranquilizar. —
Garçom!
— Realmente não precisa — insisto.
— Você não vai ficar sem comer, Lottie. — Ele sorri e eu pulo.
Não é o sorriso dele que me faz pular em um susto, é a forma
como ele chama meu apelido, sorri para mim e o pior de tudo, põe a
mão sobre a minha em uma forma de carinho e afeto, como se
estivesse ali para me proteger, assim como fazia quando eu era
criança e ele ainda era presente.
Todas as memórias da minha infância perto dele passam na
minha cabeça como um filme e é então que eu sinto a primeira
lágrima quente descer no meu rosto. Eu não queria demonstrar
fragilidade na frente do meu pai outra vez, mas isso é algo
impossível, afinal, ele continua sendo o meu pai, o mesmo homem
que me deu amor por sete anos e me abandonou por mais de uma
década.
O toque da sua mão na minha poderia ser algo simples e
sutil, mas não é, pois ele desperta o pior de mim. Ele traz à tona o
meu medo constante, juntamente a falta de ar, a palpitação forte do
meu coração, a vista turva, o embrulho no estômago e a sensação
de dormência em cada célula da minha pele.
Ele me deu carinho, proteção e afeto por tanto tempo, para
simplesmente tomar de mim, como se todos aqueles sentimentos
fossem presentes dados pelo papai noel, e quando um dia eu decidi
ser uma criança ruim, o bom velhinho notou que eu não era digna
daqueles brinquedos.
Mas eu não fui uma criança ruim, eu fui apenas uma criança,
e tudo que eu queria era o meu pai comigo. Eu não muito, queria?
— Por que você está chorando, Lottie? — ele pergunta,
finalmente tirando a mão da minha, porém o pior acontece quando
ele toca o meu rosto e eu me esquivo. — Charlotte? — ele me
chama preocupado.
Tento reorganizar meus pensamentos e afastar a sensação de
que estou em perigo, respirando fundo, pois no fundo eu sei que
não estou, é um só um toque.
Um toque que queima, que machuca, que me traz lembranças
boas e ao mesmo tempo ruins, que me deixa nervosa e que me faz
me afastar das pessoas, me proibindo de criar novos ciclos, onde
para mim é difícil poder deixar ir, pois eu preciso de constância.
Meu peito sobe e desce, devagar, enquanto eu pisco os olhos
com força, tentando afastar as lágrimas.
— Como é o nome deles? — pergunto, ainda respirando
fundo, focando no semblante preocupado do meu pai.
— Deles quem? — Ele não entende por um momento, então
aponto com a cabeça para o celular dele. — Mateo e Martina. —
Típicos espanhóis.
— Sobrenome?
— Sanchez.
Anuo.
— Por que meu nome não tem Sanchez? — questiono,
levando as mãos até o rosto, enxugando-o.
Ele se endireita na cadeira.
— Estados Unidos... — Hesita e eu compreendo o que ele
quer dizer no mesmo instante.
— Espero que você seja um bom pai para eles — digo,
pegando minhas coisas.
— O que está fazendo?
— Indo embora.
— Mas nós nem se quer...
— Não existe nós, Rafael — o chamo pelo seu nome. — Eu
vim aqui hoje pensando que realmente poderia existir uma chance
de uma relação, mas você não me deixou nem pedir o meu próprio
prato, jurando que eu ainda sou a garotinha que você deixou anos
atrás, que adorava comer um bom espaguete à bolonhesa. Você me
tocou sem minha permissão, sem que eu estivesse à vontade com
você. Você sabia que eu tenho uma condição que se chama
afefobia?
Ele para, me olhando.
— O que é isso?
Rio, porque é óbvio que ele não sabe nem o que significa.
— Medo do afeto — respondo. — Acontece quando a pessoa
tem medo de toques físicos, relações afetuosas, carinhos e etc. É
algo complexo que não dá para explicar em teoria. Eu faço terapia
constante desde criança, eu rejeitava a minha mãe por medo dela
me deixar igual você fez e em mais de dez anos de terapia, eu evolui
em algumas partes, outras não. — Maneio a cabeça para o lado,
com um sorriso fraco em meus lábios. — Eu preciso dar total
confiança às pessoas para que elas me toquem, mas eu também
quis abandonar o tratamento várias vezes, ao pensar que sou um
caso perdido. Mesmo que eu sonhe em um dia ter alguém que me
ame verdadeiramente e que retribua esse sentimento, que eu possa
confiar nele o suficiente para ter filhos e saber que mesmo que ele
me deixe eventualmente um dia, ele jamais irá deixar nossos filhos,
assim como você fez comigo.
Pauso, apenas para respirar fundo e em nenhum momento ele
chega a me responder.
— É por isso que eu espero que você seja um bom pai para
Mateo e Martina, porque nenhuma criança merece crescer com o
sentimento de abandono, que não foi bom o suficiente, ou passar a
adolescência e o início da vida adulta se perguntando se é digna de
sentir e dar amor, porque uma pessoa a deixou nos anos mais
importantes da vida dela. Você pode ter todas as desculpas do
mundo, as melhores explicações do porquê me deixou e ainda assim
não será o suficiente. E mesmo assim, eu só espero que você não os
decepcione e cause estrago na vida dessas crianças como você fez
comigo.
Me levanto e ele permanece calado.
— Não quero ter que ser obrigada a conviver com você, mas
saiba que se um dia eles precisarem uma irmã mais velha, que é
uma péssima cantora, mas uma ótima patinadora, que mesmo
dirigindo um carro velho faz o melhor molho de tomate do mundo e
joga Xbox como ninguém, estou a uma mensagem de distância
deles. Será uma honra não decepcionar eles.
Falar tudo o que eu falei é como tirar um peso das minhas
costas, um peso que tenho carregado comigo há tantos anos, que
privei as pessoas mais importantes nessa história toda de estar com
elas apenas para me entregar a dor que foi ser abandonada pelo
meu pai, que pego o celular e disco o primeiro número de
emergência ao caminhar para fora do restaurante.
— Mãe? — a chamo, quando ouço ela atender no primeiro
toque.
— Oi, Lottie.
— Eu preciso de você... — Hesito por um segundo, sentindo
uma bola se transformar na minha garganta. — E da Maggie
também.
— Nós estamos aqui, querida — ela responde no mesmo
instante em que saio do restaurante.
Minha mãe e Maggie estão do lado de fora.
— Como? — pergunto ao afastar o celular do rosto.
— O Alex ligou — ela explica.
— E nós dirigimos o mais rápido que deu — Maggie completa.
— Chegamos há um minuto atrás.
Quando elas se juntam, meu corpo tromba contra os delas e
eu me agarro chorando, enquanto elas me entregam todo o amor,
carinho, afeto e proteção possível, coisa que sei que as duas jamais,
em hipótese alguma, serão capazes de deixar de me dar um dia
sequer.
— Posso me juntar ao abraço? — Alessandro pergunta.
É claro que ele estaria aqui.
— Deve! — nós três falamos ao mesmo tempo e rapidamente
ele se junta.
— Obrigada por serem as melhores mães que eu poderia ter,
e por sempre estarem comigo — digo em meio ao abraço. — E
obrigada também, Alessandro, por assumir o papel de pai que não
era seu por obrigação — assumo pela primeira vez em voz alta.
Ouço o fungado dele.
— Você sempre será minha garotinha, campeã — ele
responde, chorando, e eu, minha mãe e Maggie rimos.
É bom reconhecer que há pessoas ao meu lado de verdade,
que me protegem acima de qualquer coisa, até de mim mesma e da
minha condição. E mesmo sendo uma luta diária, eu ainda escolho
tê-los comigo todos os dias, pois sei, e reconheço, que eles também
me escolheriam.
Não posso deixar de te amar
Mesmo que eu tente
Não posso deixar de te querer
Eu sei que eu morreria sem você
BITTER SWEET LOVE | JAMES ARTHUR

— Onde ela está? Como ela está? — pergunto assim que Alice
aparece na porta da fraternidade.
Eu vim correndo assim que meu pai chegou na república e
disse que havia deixado minha mãe e Maggie aqui com Charlotte,
após o encontro fracassado dela com o pai.
O que eu não queria que acontecesse, mas de toda forma
esperei até o momento em que Charlotte entrou no carro e liguei
para Alice no mesmo segundo contando tudo, assim como havia
prometido a ela. Por mais que eu não quisesse ser o responsável por
essa ligação, esperava que Charlotte finalmente se tocasse do
quanto ela precisaria da mãe em um momento como esse. Eu não
pude deixar de informar a ela sobre o encontro, segundo na
verdade, que a filha teria com o pai.
Contudo, Charlotte fez exatamente o que eu esperava que ela
fizesse caso desse errado ou não: ligou para a mãe e ela já estava
lá.
Queria ter feito parte desse momento, mas não era algo que
eu deveria participar e sim as pessoas que sempre estiveram com
ela e por ela, que mesmo nos piores dias das suas crises, com os
gritos apavorantes sempre que qualquer um a tocasse, nunca
desistiram e foram as primeiras a respeitarem o espaço que ela
pedia, até que se sentisse confortável outra vez.
— Ela está bem — Alice responde, fechando a porta atrás
dela. — Mas pediu para que hoje ficasse apenas comigo e Maggie.
Balanço a cabeça ao concordar.
— É o certo.
Alice estreita os olhos para mim, um sorriso se esgueirando
pelo canto da sua boca.
— Então... vocês dois, hein?
— O que é que tem?
Até agora eu não sei o quanto Alice ou minha mãe sabem
sobre Charlotte e eu. Nós dois nunca tivemos a chance de contar
durante os poucos dias em selamos a paz entre nós, pois logo em
seguida toda a bomba da Dirty explodiu.
A semana tem sido bastante caótica e estressante.
Charlotte não tem me evitado, mas também não tem me
paparicado, nem feito questão da minha presença e eu a entendo,
realmente a entendo. Pois se fosse o contrário, talvez eu estivesse
pior do que ela.
Eu decidi esconder o que sabia sobre os donos da Dirtymouth,
mas não foi por prezar por minha amizade com Evan, que acabou de
uma vez por todas quando ele, ao invés de me dizer exatamente o
que tinha acontecido, e o que Anna e Dakota estavam prestes a
fazer, só tentou me conter na festa.
Parker insiste em dizer que me considera, mas eu me
pergunto: até que ponto? Quantas fofocas valem mais que a
amizade? Não faz sentido para mim.
Outra coisa que não faz sentido é como eles conseguiram ter
acesso ao programa outra vez, apenas para jogarem aquele veneno
que foi o estopim para que tudo se encerrasse de uma vez por
todas. Mas ele levou uns bons socos, Bellamy e James que ficaram
totalmente ao meu favor – menos na questão do aluguel, visto que
os pais de Evan são podres de ricos –, também viraram a cara para
ele, que no final da tarde fez as malas e foi embora da casa,
deixando o restante do ano do aluguel pago como “forma de
desculpas”, o que os meus dois outros colegas de quarto
agradeceram.
Ele sabe onde errou e tem tentado se redimir, vamos
continuar jogando hóquei juntos durante os anos restantes da
faculdade, e é isso.
— Ela já me contou tudo — Alice diz, passando por mim e
sentando-se na escada que há no pórtico.
— Quanto ela te contou? — questiono, a acompanhando e
sentando ao seu lado.
— Ela não falou sobre o sexo.
— Graças a Deus — sussurro e Alice ri.
— Mas ela me disse sobre as brigas, a festa, o beijo, a
proposta e sobre sentimentos...
Pisco.
— Sentimentos?
— Uhum.
Engulo em seco.
— Tem alguma chance de você repassar para mim?
Alice nega.
— Não posso, dessa vez é segredo de mãe e filha. — Ela pega
minha mão, colocando-a em seu colo. — Você sabe que eu não te
gerei, mas eu também te considero meu filho, não sabe? — Anuo,
concordando com ela. — Eu brinquei várias vezes sobre vocês se
gostarem e por isso se odiavam, contudo, nunca esperei que fosse
verdade.
— Eu a amo.
Alice sorri, os olhos se iluminando.
— Sei que sim, ela é sua alma gêmea, assim como a Maggie é
a minha, a grande diferença é que nós duas somos almas gêmeas
na amizade. Mas não é isso que eu quero falar com você.
— E o que é então?
— Eventualmente Charlotte vai voltar para você, mas eu não
sei quando. Ela precisa do tempo dela para assimilar tudo e todos os
sentimentos, você estaria disposto a esperar por ela?
— Nem que eu viva cem anos — responde de imediato e o
aperto da mão de Alice na minha aumenta.
— É bom ouvir isso, e eu sei que posso confiar em você. Sei
que posso te entregar a minha filha a você um dia, e mesmo que
você também seja como um filho para mim, Charlotte sempre vai ser
a minha filha, você entende isso?! — A pergunta é retórica,
portanto, eu apenas concordo. — Mas se um dia seu coração mudar
de ideia e não puder mais amá-la e protegê-la, se você não
conseguir amar a minha filha mais… não a machuque. É tudo o que
eu tenho para te pedir. Ela sempre vai ser para mim a garotinha que
gritava e chorava quando eu dizia que eu a amava, e eu
simplesmente não sabia o que fazer, então eu parei de dizer essas
palavras por um tempo apenas para protegê-la dela mesma. Então,
se houver qualquer possibilidade de um dia, a partir de hoje, você
magoá-la, apenas a traga de volta para mim, porque eu vou
protegê-la, como sempre fiz. Está bem?
Aceno.
— Eu não vou magoá-la, muito menos deixar de amá-la —
afirmo quando uma lágrima desce por meu rosto.
— Você promete isso para mim?
— Eu prometo.
Alice começa a chorar, então eu solto a sua mão e abraço,
falando repetidas vezes e quantas forem necessárias que ela não
precisa se preocupar, que eu nunca, por hipótese alguma, serei
capaz de deixar Charlotte.

Charlotte está saindo do gelo quando eu começo a entrar,


então nossos corpos acabam se trombando.
Meus pais e Alice ficaram para o próximo jogo que acontece
hoje, mas não temos certeza se iremos ganhar esse e apesar de
ainda ser cedo, eu decidi vir treinar. Zach foi bem canalha, mas
querendo ou não ele era o nosso melhor goleiro.
Por isso o ataque, inclusive eu, tem treinado o máximo que
pode para conseguir um jogo decente, ainda na expectativa de
chegarmos à Frozen, mas não estou mais tão confiante assim, ainda
mais com meu desempenho no gelo, que tem sido o pior em
tempos.
E a causa para isso é clara e eu não preciso mais esconder de
ninguém, inclusive dela o porquê de eu estar tão péssimo assim. É
por isso que quando meu corpo bate contra o de Charlotte, eu não
me afasto, nem desvio, como deveria.
— Posso falar com você? — peço.
Ela sobe a cabeça, me fitando.
— Claro. — Me fita sob os cílios.
— Sei que eu já pedi desculpas demais nos últimos dias pelo
que eu ocultei de você, mas eu não pedi pelo que mais senti pesar
durante todo esse tempo.
Charlotte respira fundo, piscando, confusa.
— E o que foi? — Sua voz é vacilante.
— A forma como eu te olhei ao te ver saindo do quarto do
Zach e logo em seguida a foto de vocês. Eu não deveria ter agido
daquela forma. — Engulo em seco. — Eu não deveria ter
desconfiado de você em primeiro lugar, aquilo durou segundos e
ainda assim eu não consigo parar de pensar em como fui frágil e
idiota por não confiar em você. Você não merecia aquilo.
Charlotte se mantém calada, ela pisca e eu consigo ver seus
olhos se iluminarem, provavelmente com a lembrança do que eu fiz,
pois o brilho é exatamente igual àquela noite.
— Eu te odiei por tantos anos, mas principalmente eu odiei a
mim por não conseguir te ter, e me odeio nesse exato momento
desde que te abominei por tão pouco tempo. Aquilo só aconteceu
porque eu sou louco por você, Charlotte. Louco! Eu tenho ciúmes
dos seus amigos, eu tenho inveja quando você abraça ou toca em
qualquer pessoa que não seja eu. Meu coração para sempre que
você sorri e eu não estou por perto, porque eu sou louco por você e
não é de hoje. Isso acontece comigo desde sempre.
Ela continua apenas me observando, os olhos fixos nos meus,
que devem exalar arrependimento.
Encosto minha testa na dela e fecho os olhos, sentindo o ar
doce que escapa por entre seus lábios.
— Não quero ter que dizer que te amo, porque sei o que isso
por significar para você, e mesmo que você se mantenha distante de
mim, eu não quero que você fuja de mim, nunca. — Deixo o ar
escapar por minha boca. — Mas saiba que por você eu queimaria e
destruiria esse mundo inteiro se fosse necessário, Charlotte. Porque
entre você e o mundo, você sempre será a minha única escolha.
Eu já havia falado sobre meus sentimentos antes, e
reconhecido-os também, mas nenhum chegou a me libertar tanto
quanto agora.
Poder, finalmente, dizer que a amo, mesmo sem dizer as três
palavras, me traz o maior alivio que já pude sentir e é libertador
para caralho essa porra. Ainda mais quando eu abro os olhos e ao
enxergar Charlotte, vejo que ela tem os olhos cheios de lágrimas
contidas e um sorriso singelo e genuíno.
Ela pisca.
— Fala que ama — sussurra.
— O quê?
— Fala que me ama, você pode falar que ama — repete, e se
eu já achava que havia sido bom dizer o que disse a ela, nada me
preparou para ouvir isso sair de sua boca, nem muito menos para o
que veio a seguir. — Porque eu te amo, Alexander. Eu realmente te
amo, e aquela tal de linha tênue entre o amor e o ódio nunca foi tão
real, pois eu deslizei por ela apenas para saber que eu te amo.
Agora quem pisca sou eu, sentindo meu estômago se
remexer.
— Você está falando sério?
— Claro que estou. — Ela sorri. — Eu te amo.
— Uma pena, porque eu não te amo... — Charlotte afasta o
rosto do meu assustada quando eu pauso, e posso ver o semblante
de medo atravessar seus olhos. — Eu sou completamente alucinado
por você.
Ela estreita os olhos, me fuzilando.
— Vai à merda, Alexander!
Você sabia que eu sou uma mestra da manipulação
E agora você é meu
É, tudo o que você fez foi sorrir
Porque eu sou uma mestra da manipulação
MASTERMIND | TAYLOR SWIFT

Essa história começou há mais tempo do que em um simples


tropeço em merda de cachorro.
Tudo teve início cerca de quarenta anos atrás. Duas garotas,
Alice e Marjorie, a segunda sendo apelidada carinhosamente de
Maggie pela primeira que achava feio o nome de verdade dela. Elas
eram como o furacão e o arco-íris que surge após a tempestade.
Elas tinham um único objetivo na vida, e esse foi proposto por
Maggie quando ambas tinham apenas oito anos de idade.
— Qual o maior sonho da sua vida? — Alice perguntou.
— Ser sua melhor amiga para sempre — Maggie respondeu
em um sorriso que aparecia a janelinha, onde faltavam dois dentes.
Alice a abraçou e assim elas seguiram por tantos anos. Apesar
de não serem irmãs de sangue, elas agiam como se fossem. Tudo
em suas vidas foi muito bem calculado para que elas pudessem ser
inseparáveis. As aulas na escola, os primeiros beijos, namorados e
até mesmo os pedidos para ir ao baile de formatura.
Durante a faculdade, elas passaram as primeiras duas
semanas inteiras sem comparecer às aulas, pois o sistema da
universidade havia errado e elas não tinham sido escolhidas como
colegas de quarto. Um erro terrível para duas melhores amigas que
haviam ingressado na mesma faculdade.
Com o final da faculdade, tudo o que elas queriam era curtir
um pouco, sem se apegar ao trabalho e a responsabilidade da vida
adulta, e qual o melhor lugar para curtir quando tem vinte e poucos
anos e vários sonhos a serem realizados? Europa!
Primeira parada: Itália.
Maggie se apaixonou durante a visita a um vinhedo. O nome
do sortudo era Alessandro, ele não sabia na época, mas em breve
iria abandonar toda a sua vida para ir em busca de uma jovem
estadunidense.
O último país que elas visitaram foi a Espanha e após alguns
drinks e muita conversa fiada, Alice havia caído na lábia do jovem
espanhol Rafael. O grande problema é que ele tinha cara de
problema e mesmo assim, quando Alice viajou de volta para
Connecticut, ele havia comprado uma passagem para o mesmo voo
que ela.
Alguns meses depois aconteceu o noivado e em seguida o
casamento. Mal tinham completado um ano de casados quando uma
olhou para a outra durante uma manhã qualquer e ao sentirem o
cheiro do perfume que a outra usava, vomitaram.
— Quando você menstruou pela última vez? — Maggie
perguntou. Ela estava preocupada, pois fazia mais um mês que não
descia nada para ela.
Alice piscou, confusa, enquanto fazia as contas.
— Eu não sei. — Os olhos de Alice saltaram.
— Será que...? — Maggie sugeriu enquanto limpava a boca.
— Não! — Alice negou de imediato. — Eu tenho tomado
minha pílula em dia.
— E tequila também — Maggie disse ao estender um dos
testes de gravidez que havia em seu banheiro.
Foram os três minutos mais tensos da vida daquelas amigas,
mas quando a segunda listra vermelha naqueles testes de farmácia
apareceu, elas se olharam, então olharam os bastões, e se olharam
novamente pelo espelho do banheiro. A primeira lágrima desceu
pelo rosto de cada uma, ao mesmo tempo, em uma sincronia
perfeita.
— Nós estamos grávidas! — gritaram ao mesmo tempo e se
abraçaram.
A alegria, porém, durou apenas por mais três meses de
gravidez, pois tão logo as duas começaram a se estranhar. Alice
acordava já dizendo que não queria ver o rosto de Maggie nem
pintada de ouro, enquanto Maggie a mandava ir à merda em
qualquer oportunidade.
Os gêneros dos bebês seriam descobertos apenas no dia do
nascimento. O primeiro bebê estava previsto para nascer em vinte e
nove de janeiro, enquanto o segundo, apenas no dia dois de
fevereiro. Uma estaria lá pela outra de alguma forma, mesmo que
elas não se suportassem.
Mas a bolsa de Alice estourou mais cedo, e então, ela ligou
para Maggie.
— Vai nascer! — foi tudo o que Alice disse.
Tão rápido, Maggie correu para a casa vizinha, ligou para o
marido de Alice, que atendeu no mesmo segundo e enquanto ela
colocava as coisas no carro, o deu a notícia. Rafael ficou
desapontado por não ser o primeiro a receber a notícia, mas essa
nunca foi uma história sobre ele em primeiro lugar.
Chegando ao hospital, Alice foi colocada em uma cadeira de
rodas, mas uma enfermeira olhou para as pernas de Maggie e disse:
— São dois bebês.
Na sala de parto, uma segurava a mão da outra, pois quando
a contração de uma vinha, a da outra parava. O que deveria ser o
segundo bebê, veio ao mundo às onze e cinquenta do dia vinte e
cinco de janeiro.
— É um menino — Maggie disse ao olhar para a amiga, que
estava há poucos centímetros de distância, na maca mais próxima.
As duas choraram, mas então o choro teve que cessar, pois
havia chegado a hora do primeiro – que se tornou segundo bebê –
também nascer. Alice fez força três vezes e ao nascer, o bebê se
manteve calado por alguns segundos, o que na cabeça daquela mãe
foram os segundos mais aterrorizantes da vida dela.
Então, o bebê que estava logo ao lado, no colo de sua amiga
resmungou, e como se fosse uma competição de quem chorava mais
alto, o bebê que estava calado despertou soltando um grito.
— Parabéns, é uma menina! — o médico anunciou, levando a
garotinha dos olhos mais doces e garganta mais avantajada ao colo
da mãe.
— Dê oi para a sua melhor amiga, Alexander! — Maggie disse,
cheia de emoção.
O problema é que a coitada nunca poderia estar tão errada,
de melhores amigos, aqueles dois não tinham absolutamente nada.
Alexander foi o primeiro a andar e quando Charlotte viu a
cena, puxou a fralda dele e ele caiu de bunda no chão. Então a
pequena se levantou e andou, enquanto Alexander chorava.
Aos dois anos de idade, Alexander puxou os cabelos de
Charlotte e então a primeira frase completa dela foi dita:
— Meda, Axander! — exclamou antes de abrir o berreiro.
Aquele momento causou vários risos para quem estava
presente, mas Alice tratou de repreender Maggie, afinal, se ela não
falasse tanto aquela palavra, Charlotte nunca teria aprendido e
proclamado por mais uns bons anos.
— Tia Maggie — Charlotte gritou no instante em que viu a
melhor amiga da mãe entrar na salinha de aula, ela ajustou a
fantasia em seu corpo. — O Alex me chamou de patinho feio.
Maggie estreitou os olhos, observando a roupa que a afilhada
usava. Era dia de ir fantasiado com a roupa de um de seus
personagens preferidos e Charlotte havia ido de patinho feio.
— Deve ser porque você está vestida de patinho feio, querida
— Maggie tentou a consolar.
— Mas eu não sou feia! — Charlotte disse ao cruzar os braços,
um biquinho aparecendo em seus lábios.
Alexander riu daquela que deveria ser sua melhor amiga.
— Patinho feio — ele disse em meio ao riso, apontando para
ela.
— Vai à merda! — Charlotte saiu rebolando a bundinha cheia
de penugem cinza da fantasia de patinho e isso obviamente fez com
que Alexander risse mais um pouco.
Os anos foram se passando, mas a trégua entre as duas
crianças começou a se tornar algo impossível. Elas não sabiam mais
o que fazer para que eles passassem a conviver em paz. Então a
melhor decisão foi desistir. Se fosse para ser, um dia seria.
— Ele está indo embora... — Alice disse no momento em que
Maggie abriu a porta e Charlotte passou por ela correndo. — Ele
disse que tentou, mas nunca esqueceu a ex dele.
— O quê?
— Como eu vou criar uma criança sozinha? Como posso
dividir alguém que quer voltar para outro continente? Como eu vou
ser capaz de fazer isso? — Alice se questionava, enquanto recebia o
alento de sua amiga.
— Você não está sozinha... — Alice resmungou. — Ei, cala a
boca, sua idiota! Você não está sozinha, você tem a mim, e se esse
idiota quer ir embora, que vá, ele tem o pau pequeno de toda
forma.
Alice riu.
— Tem mesmo.
Maggie se desfez do abraço da amiga apenas para poder
limpar as lágrimas dela.
— Somos eu e você para sempre, esqueceu? E nós duas
juntas iremos criar a Lottie muito melhor do que ele. Que ele não se
atreva um dia cogitar pedir a guarda dela, que eu mesmo o mato e
corto todo o corpo dele em pedacinhos.
Alice riu mais uma vez.
— Eu nem sei o que faria sem você.
— Com certeza você seria apenas mais uma chata qualquer.
— Vai à merda, Maggie!
— Eu não acredito que você disse isso. — Maggie parecia
estar realmente ofendida, e Alice jogou os ombros para cima.
— Você faz isso comigo sempre — a amiga se defende.
Crescer havia se tornado algo assustador não apenas para
aquelas melhores amigas, também foi para Charlotte e Alexander.
Enquanto uma sentia o medo constante de toques e gritava todas as
vezes em que alguém a abraçava de surpresa, depois que o pai foi
embora, o outro ficou preso por vinte minutos dentro de um
elevador, gerando um trauma para o resto da vida.
Quanto mais os anos iam se passando, mais as implicâncias
dos dois aumentaram.
Alexander abraçava Charlotte de propósito, enquanto ela o
trancava em um armário escuro por minutos.
Coisas de criança, as mães diziam.
O problema é que eles não eram mais crianças quando
chegaram à faculdade e as infantilidades faziam parte da vida de
ambos, que tinham como alvo um ao outro. E mesmo que Alexander
já tivesse ciência dos seus sentimentos reais, já que desde que
Charlotte teve seu primeiro namorado, ele entrou em colapso. Ele
nunca quis se livrar de Charlotte, apenas de todos que se
aproximavam dela.
Enquanto ela fazia de tudo e lutava para se sentir
minimamente normal e ter um contato mínimo que fosse com as
pessoas sem tanta relutância, sem suor frio ou tremer.
O tempo continuou passando e então o inesperado
aconteceu: um beijo, que logo se transformou em um desejo e essa
parte da história nós já sabemos. Vamos pular para um ano e três
meses depois do momento em que finalmente eles dizem que se
amam...
Localização: Itália, primeiro país que as amigas visitaram há
vinte e quatro anos, onde uma delas conheceu aquele que seria o
amor de sua vida e pai do seu filho.
Horário local: seis e trinta da noite.
Vinte e um de julho de dois mil e vinte e seis. Charlotte
conseguiu, ela se tornou a princesinha do gelo. Adorada por todo o
mundo, os movimentos sutis dela ao deslizar no gelo tem deixado os
amantes da patinação artística apaixonados por ela. Após levar a
medalha de ouro da competição nacional do intercolegial e ainda de
quebra assistir o namorado levar o troféu da Frozen Four um ano e
alguns meses atrás, ela chegou às Olimpíadas.
“Uma estreia e tanto”, a mídia tem falado.
O nome dela é reconhecido em todos lugares, acumulando
milhares de seguidores nas redes sociais, onde compartilha seus
treinos diários, rotina do dia a dia, e claro, um pouco do seu
relacionamento que todas as garotas que a acompanham, invejam.
O nome dela aparece no painel, a apresentação dura exatos
três minutos e trinta e quatro segundos, apenas o instrumental da
música King Of My Heart, da artista Taylor Swift e ela tira suspiros
da audiência com seus giros, piruetas e lances no ar. É apaixonante,
é a grande promessa para o ranking geral.
Seu peito sobe e desce quando ela finaliza a coreografia em
um Axel quíntuplo. Todos ali ficam de pé, a aplaudindo e gritando
seu nome, inclusive Mateo e Martina, seus irmãos por parte do pai.
Eles a têm como uma heroína, uma grande estrela e mesmo que ela
odeie o que o pai fez com ela na infância, ela não é capaz de falar
dele para os gêmeos, eles são apenas crianças e eles merecem ser
crianças para ela.
Ao lado de Mateo e Martina estão Alice e Maggie, que se
abraçam aos prantos. Elas ainda não acreditam no que acabaram de
ver, ninguém acredita para falar a verdade, é um passo inédito,
nunca feito antes com tanta maestria em um pouso perfeito.
Mas longe daquelas melhores amigas, está a pessoa que mais
a ajudou durante todo esse último ano, fazendo compressa de gelo
em todos os machucados, escolhendo as melhores músicas para ela
ouvir durante os ensaios e prevendo cada passo que ela desse,
evitando que seu corpo fosse ao chão.
— Eu sabia, porra! — Alexander grita do banco da equipe
técnica de Charlotte, quando algo inédito acaba de acontecer
também.
No painel, ao lado do nome de Charlotte, sua nota surge no
painel: duzentos e cinquenta, redondo! Nunca aconteceu isso antes,
parece que a partir de agora, até mesmo Charlotte tem que temer a
ela, ela acaba de quebrar recordes e ser definida como a dona da
medalha de ouro em seu ano de estreia.
O público presente lança flores, rosas e todos os presentes
possíveis no gelo para Charlotte, enquanto Alexander se lança no
gelo. Ele desliza em uma pressa absoluta, também faz algo que não
é permitido, mas está pouco se fodendo para isso, quando as
lâminas dos seus patins riscam o gelo.
Seu corpo tromba contra o de Charlotte e suas mãos viajam
para as curvas de sua cintura. Ele a pega e gira no ar, ao pousá-la,
Charlotte sobe as mãos, pegando-o pelo pescoço, e Alexander sorri,
abraçando-a.
Os olhos castanhos claros e os azuis esverdeados se fitam.
— Eu consegui, eu fiz isso. — Charlotte arfa, mas é pura
felicidade que escapa, além da sensação de dever cumprido.
— Você tinha dúvidas que ia conseguir? — Alexander
pergunta e ela nega. — Você é a campeã, meu amor. Você é dona
da medalha de ouro, e também do maior pau do mundo!
Eles riram, e eu poderia dizer que viveram feliz para sempre
depois disso, mas como todos sabemos, um dia para Alexander é
bom apenas quando ele ouve as seguintes palavras:
— Vai à merda, Alexander!
Então sim, pelo menos naquele dia, Alexander foi feliz para
sempre, e Charlotte também, é claro, pois tudo o que ela sempre
quis finalmente havia se realizado.
E não é da medalha de ouro que estamos falando, se livrar
dos seus traumas com o seu pai e abrir seu coração para Alexander
finalmente a fizeram se libertar e enxergar que ela não precisa ter
medo do amor, pois dentro ou fora de um jogo, o maior benefício
que ela poderia ter tido como recompensa é ser amada por um
jogador de hóquei e futura estrela da NHL e perceber que vale a
pena amar.
E quem diria que ela amaria justamente a pessoa que sempre
disse odiar? Não fui eu, mas todos sabemos que esse é o melhor
clichê de todos.
FIM... e mais alguns vai à merda.
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Dessa vez eu quero começar agradecimento a mim mesmo,
mas juro que não é ironia, ou piadinha. Esse foi o primeiro livro que
eu consegui escrever sem pensar em desistir em momento algum,
então, obrigada eu.
Agora parando com as brincadeiras, muito obrigada a todos
os leitores que se aventuraram nesse jogo comigo, que leram cada
palavrinha, sorriu, chorou, surtou, fechou as pernas em público, ou
teve que pegar o cobertor com urgência para ninguém ver (mesmo
que não tivesse ninguém no mesmo cômodo), os seus surtos.
E claro, obrigada por cada teoria criada na tentativa de
descobrir quem era Dirtymouth, se te decepcionei, mil desculpas,
mas ficou óbvio desde o primeiro momento os responsáveis pela
maior fofoqueira de Dartmouth.
Quero estender esse agradecimento ainda as minhas
parcerias, que se inscreveram e se doaram em cada divulgação e
cada surto no grupo.
Minhas betas do coração, gratidão por cada uma que mandou
mensagem de madrugada, áudios que mais pareciam podcasts, ao
surtarem e principalmente, quando chegaram ao final do livro e me
fizeram chorar com seus choros, acreditem, vocês são minhas top 1,
assim como Alex e Charlie se tornaram o top 1 de vocês. Amo vocês
além da distância. Ray, Duda, Maria, Rafa, Gio... vocês têm um lugar
reservado no céu só por me suportarem.
À Camille, Rayssa, Beatriz, Ana Paula e Amanda. Meu eterno
agradecimento por me ajudarem e toparem entrar nesse projeto
comigo, cada uma com seu jeitinho. Com certeza, esse livro não
teria acontecido se não fosse por vocês e com vocês.
As amizades que se formaram, desformaram, e formou de
novo, eu não preciso citar nomes, porque vocês sabem que são
vocês. Amo cada uma, e apesar da distância, sempre contem
comigo, assim como eu conto com cada de uma vez nessa vida
louca que vivemos.
Aos meus pais e minha filha pelo apoio e amor incondicional,
vocês são o motivo de eu estar aqui e continuar aterrissando
perfeitamente, mesmo com tantas quedas durante os saltos e giros.
E mais uma vez, essa vai para você leitor: foi um prazer jogar
com você, mas que jogo devemos jogar agora?
Muito obrigada por chegar até aqui, não esquece de avaliar, isso me
ajuda muito a pagar as contas no final do mês

Não esquece também de me acompanhar nas redes sociais, estou


sempre por lá conversando com vocês
@autoravitoriamendes no Instagram
@autoravitoria no X

[1]
Tradução livre: boca suja, no sentido de falar coisas obscenas.
[2]
GQ (originalmente Gentlemen's Quarterly) é uma revista mensal sobre moda,
estilo e cultura para os homens, através de artigos sobre alimentação, cinema,
fitness, sexo, música, viagens, desporto, tecnologia e livros.

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