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cardiologia
Abordagem contemporânea do choque
cardiogênico
Fernando Oswaldo Dias Rangel
Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Fellow” do American
College of Cardiology. Coordenador da Rotina da Unidade Coronariana do Hospital Pró-cardíaco,
RJ. Médico do Instituto Nacional de Cardiologia.
Resumo Summary
As doenças cardiovasculares são responsá- Cardiovascular diseases are responsible for
veis por 34% de todas as causas de morte no 34% of all causes of deaths in Brazil. According
Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, to Department of Health, five hundred thou-
foram registrados 500 mil casos de infarto agu- sand of acute myocardial infarction cases in
do do miocárdio em 1998, com 56 mil óbitos 1998 were registered, resulting in fifty-six
(1). A incidência de choque cardiogênico não thousand deaths related to the disease. The
sofreu alterações significativas nas últimas três incidence of cardiogenic shock has not mea-
décadas. Ocorre em 5% a 15% dos pacientes ningful changing in the last three decades. It
com IAM e constitui a principal causa de morte happens in 5% to 15% with IAM and it’s the
na fase de tratamento hospitalar dos pacientes main cause of deaths with acute myocardial
com infarto agudo do miocárdio. infarction in hospitalar treatment stage.
No estudo GUSTO-1, a incidência de inicial com aquela de revascularização pre- Unitermos: Doenças
choque cardiogênico foi de 7,2%, porém a coce. A revascularização foi realizada através cardiovasculares; choque
complicação representou a principal causa de da angioplastia coronariana percutânea em cardiogênico; infarto agudo
morte 30 dias após o infarto (2, 3). O choque 64% dos pacientes e em 36% por intermédio do miocárdio.
é uma complicação precoce na fase hospitalar de cirurgia de revascularização do miocárdio
da evolução do infarto agudo com supradesní- (2-5). A mortalidade precoce dos pacientes com Keywords:
vel do segmento ST (IAMCSST), com intervalo choque cardiogênico ainda é expressivamente Cardiovascular diseases;
médio de cinco horas pós-infarto no principal elevada, havendo necessidade de se expandir cardiogenic strock; acute
ensaio clínico randômico, o Shock Trial, e de o conhecimento nesta área, com melhoria myocardial infarction.
seis horas no Shock Trial Registry (4, 5). das estratégias de tratamento e das terapias
A mortalidade associada ao choque cardio- adjuvantes. Contudo, dados mais recentes
gênico foi de aproximadamente 80%-90% nos demonstram que a abordagem terapêutica
últimos 40 anos. Porém, houve significativa agressiva pode resultar em plena recuperação.
redução da letalidade pela síndrome, para As taxas de sobrevida em três e seis anos fo-
aproximadamente 50%, devido aos recentes ram de 41,4% e 32,8%, respectivamente, entre
esforços terapêuticos, sobretudo os rela- os alocados na estratégia de revascularização
cionados às estratégias de revascularização precoce, o que se assemelha às taxas obtidas
aguda dos pacientes com choque. O Shock em vários tipos de câncer (6). No GUSTO I
Trial demonstrou redução na mortalidade, (Global Utilization of Streptokinase and t-PA
em seis meses, dos pacientes com choque for Occluded Coronary Arteries) a sobrevida
cardiogênico relacionado ao IAM (de 63,1% foi de 55% em 11 anos entre os pacientes
para 50,3%) quando se comparou, respecti- com choque cardiogênico que superaram o
vamente, a estratégia de estabilização clínica primeiro mês do evento (7).
2. Índice cardíaco < 1,8l/min/m2, sem suporte com melhora na distribuição de oxigênio aos
farmacológico e/ou mecânico, ou < 2,2l/ tecidos hipoperfundidos. Conclui-se que a A maioria dos pacientes
min/m2 com suporte hemodinâmico. indicação da ventilação mecânica invasiva é com choque cardiogênico
3. Pressões de enchimento do ventrículo feita com base nas informações clínicas ob- tem indicação de
esquerdo elevadas: pressão de oclusão tidas à beira do leito e na ausência de testes intubação orotraqueal e
da artéria pulmonar (ou pressão diastólica laboratoriais diagnósticos, antes do encami- de ventilação mecânica,
final do ventrículo esquerdo) > 18mmHg ou nhamento do paciente para procedimentos de que devem ser instituídas
pressão diastólica final do ventrículo direito reperfusão miocárdica (10, 23, 24, 25). prontamente, antes de
> 10 a 15mmHg. Se houver suspeita de hipovolemia, deve- ocorrer hipoxemia grave.
-se realizar infusão rápida de volume, cuja A adequação da fração
A Doppler-ecocardiografia também pode composição dependerá da natureza do cho- inspiratória de oxigênio
ser bastante útil na avaliação hemodinâmica, que. No choque hemorrágico será realizada e dos níveis de pressão
com as medidas das pressões de enchimento reposição rápida de hemoderivados (con-
positiva expiratória
final é de fundamental
do coração e do débito cardíaco, além da centrados de hemácias, plaquetas, plasma,
importância para se obter
determinação da fração de ejeção ventricular, albumina); no choque hipovolêmico, a infusão
um conteúdo arterial de
dos aspectos contráteis globais e segmentares de bolus de cristaloides (em incrementos de
oxigênio satisfatório.
e do diagnóstico das complicações mecânicas 1 litro); no choque distributivo são necessárias
do infarto do miocárdio. grandes alíquotas de fluidos (6 a 10 litros de
cristaloides, ou quantidades menores de coloi-
Abordagem do paciente com des, albumina ou amilopectina), para reduzir o
choque edema tecidual que acompanha o distúrbio de
Medidas gerais de suporte permeabilidade capilar, porém não está defi-
A maioria dos pacientes com choque nida na literatura vantagem desta estratégia.
cardiogênico tem indicação de intubação
orotraqueal e de ventilação mecânica, que Terapia inotrópica e vasoconstritora
devem ser instituídas prontamente, antes de A adequação do débito cardíaco e, con-
ocorrer hipoxemia grave. A adequação da sequentemente, do transporte de oxigênio é
fração inspiratória de oxigênio e dos níveis mais relevante que o valor da pressão arterial
de pressão positiva expiratória final é de sistêmica para restabelecer a perfusão tissular
fundamental importância para se obter um periférica. Porém, níveis de pressão abaixo
conteúdo arterial de oxigênio satisfatório. dos limites da autorregulação levam à redução
Salienta-se a relevância de tais medidas de do fluxo sistêmico. Os agentes inotrópicos
assistência ventilatória, uma vez que a lesão positivos mais utilizados na prática clínica atuam
pulmonar (pulmonary injury) e a síndrome de elevando as concentrações intracelulares
angústia respiratória do adulto podem ocorrer de cálcio livre através de dois mecanismos:
precocemente na síndrome do choque circula- aumento das concentrações de adenosina
tório, como decorrência da intensa liberação monofosfato cíclico (AMPc), induzido pela
dos mediadores inflamatórios sistêmicos. É estimulação beta-adrenérgica (dobutamina
preciso que o médico reconheça de imediato e dopamina); e redução do catabolismo do
os sinais clínicos de insuficiência respiratória, AMPc pela inibição da fosfodiesterase (anri-
antes da obtenção da gasometria arterial, tais nona e milrinona). Entretanto, estes fármacos
como aumento da frequência e do esforço podem provocar efeitos indesejáveis (em
respiratórios, dificuldade em falar, respiração decorrência da sobrecarga de cálcio citosóli-
abdominal paradoxal, uso da musculatura co), como aumento do consumo de oxigênio
acessória da respiração, diaforese e cianose. miocárdico, agravamento do processo isquê-
Deve-se também prever o desenvolvimento mico e até mesmo necrose miocárdica, cardio-
da disfunção respiratória na presença de toxicidade e indução de arritmias cardíacas. O
acidose metabólica grave e choque, já que suporte farmacológico inotrópico geralmente
a compensação respiratória não será obtida é iniciado com agonistas beta-adrenérgicos,
devido à fadiga muscular, à redução do sen- principalmente a dobutamina. Os inotrópicos
sório e aos fármacos sedativos. A ventilação têm papel destacado no tratamento, uma vez
mecânica tem o benefício de reduzir a deman- que a disfunção contrátil aguda é o evento
da de oxigênio pela musculatura respiratória, fisiopatológico inicial.
DC = débito cardíaco; PCP = pressão capilar pulmonar; PA = pressão arterial; FC = frequência cardíaca; 0 = sem ação direta, embora, indiretamente, possa influen-
ciar; Curta = perda de ação rápida após interrupção da infusão.