Você está na página 1de 6

Abordagem contemporânea do choque cardiogênico

cardiologia
Abordagem contemporânea do choque
cardiogênico
­­Fernando Oswaldo Dias Rangel
Doutor em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Fellow” do American
College of Cardiology. Coordenador da Rotina da Unidade Coronariana do Hospital Pró-cardíaco,
RJ. Médico do Instituto Nacional de Cardiologia.

Resumo Summary
As doenças cardiovasculares são responsá- Cardiovascular diseases are responsible for
veis por 34% de todas as causas de morte no 34% of all causes of deaths in Brazil. According
Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, to Department of Health, five hundred thou-
foram registrados 500 mil casos de infarto agu- sand of acute myocardial infarction cases in
do do miocárdio em 1998, com 56 mil óbitos 1998 were registered, resulting in fifty-six
(1). A incidência de choque cardiogênico não thousand deaths related to the disease. The
sofreu alterações significativas nas últimas três incidence of cardiogenic shock has not mea-
décadas. Ocorre em 5% a 15% dos pacientes ningful changing in the last three decades. It
com IAM e constitui a principal causa de morte happens in 5% to 15% with IAM and it’s the
na fase de tratamento hospitalar dos pacientes main cause of deaths with acute myocardial
com infarto agudo do miocárdio. infarction in hospitalar treatment stage.

No estudo GUSTO-1, a incidência de inicial com aquela de revascularização pre- Unitermos: Doenças
choque cardiogênico foi de 7,2%, porém a coce. A revascularização foi realizada através cardiovasculares; choque
complicação representou a principal causa de da angioplastia coronariana percutânea em cardiogênico; infarto agudo
morte 30 dias após o infarto (2, 3). O choque 64% dos pacientes e em 36% por intermédio do miocárdio.
é uma complicação precoce na fase hospitalar de cirurgia de revascularização do miocárdio
da evolução do infarto agudo com supradesní- (2-5). A mortalidade precoce dos pacientes com Keywords:
vel do segmento ST (IAMCSST), com intervalo choque cardiogênico ainda é expressivamente Cardiovascular diseases;
médio de cinco horas pós-infarto no principal elevada, havendo necessidade de se expandir cardiogenic strock; acute
ensaio clínico randômico, o Shock Trial, e de o conhecimento nesta área, com melhoria myocardial infarction.
seis horas no Shock Trial Registry (4, 5). das estratégias de tratamento e das terapias
A mortalidade associada ao choque cardio- adjuvantes. Contudo, dados mais recentes
gênico foi de aproximadamente 80%-90% nos demonstram que a abordagem terapêutica
últimos 40 anos. Porém, houve significativa agressiva pode resultar em plena recuperação.
redução da letalidade pela síndrome, para As taxas de sobrevida em três e seis anos fo-
aproximadamente 50%, devido aos recentes ram de 41,4% e 32,8%, respectivamente, entre
esforços terapêuticos, sobretudo os rela- os alocados na estratégia de revascularização
cionados às estratégias de revascularização precoce, o que se assemelha às taxas obtidas
aguda dos pacientes com choque. O Shock em vários tipos de câncer (6). No GUSTO I
Trial demonstrou redução na mortalidade, (Global Utilization of Streptokinase and t-PA
em seis meses, dos pacientes com choque for Occluded Coronary Arteries) a sobrevida
cardiogênico relacionado ao IAM (de 63,1% foi de 55% em 11 anos entre os pacientes
para 50,3%) quando se comparou, respecti- com choque cardiogênico que superaram o
vamente, a estratégia de estabilização clínica primeiro mês do evento (7).

JBM  MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2 19


Abordagem contemporânea do choque cardiogênico

Etiologia e diagnóstico médica assistente. Os achados laboratoriais


As causas do choque circulatório podem mais sugestivos de choque são acidose meta-
ser didaticamente classificadas em três bólica (bicarbonato < 20mEq/l, pH < 7,3, BE
grandes grupos: hipovolêmico, distributivo < 0) e aumento do lactato sérico. Observa-
(vasoplégico) e cardiogênico. Nas etiologias se também acidose metabólica associada à
hipovolêmica e distributiva ocorre inadequa- alcalose respiratória, hipoxemia, leucocitose
do retorno do sangue venoso ao coração, ou leucopenia, trombocitopenia, aumento
enquanto que a cardiogênica tem como pres- de escórias nitrogenadas, aumento das
suposto inicial a falência da função contrátil transaminases, das bilirrubinas, das enzimas
do coração. pancreáticas, redução dos níveis de albumina
O choque cardiogênico pode decorrer das e alterações nos parâmetros da coagulação
seguintes condições: (prolongamento do tempo de protrombina
ativada e do tempo de tromboplastina parcial,
1. Falência de bomba (infarto do miocárdio redução dos níveis de fibrinogênio e aumento
— miopático e complicações mecânicas) e dos produtos de degradação da fibrina). Estes
outras condições: cardiomiopatia dilatada, distúrbios laboratoriais atestam a natureza
miocardite, depressão miocárdica pós- sistêmica e o acometimento orgânico múltiplo
-circulação extracorpórea. da síndrome do choque circulatório (23-25).
2. Distúrbios do enchimento diastólico (car- O rastreamento microbiológico se impõe
diomiopatias hipertrófica e restritivas). na suspeita clínica de infecção, com a coleta
3. Taquicardias e bradicardias. de sangue, urina, secreções respiratórias pro-
4. Obstruções ao fluxo sanguíneo devido a tegidas e de outros materiais, de acordo com
valvopatias, à embolia pulmonar maciça e a avaliação da situação específica.
ao tamponamento cardíaco. O cateter de Swan-Ganz pode ser útil na
identificação dos estágios precoces do cho-
O diagnóstico de choque cardiogênico que, nas decisões terapêuticas, na titulação
requer a presença de hipotensão arterial (pres- dos fármacos vasoativos e inotrópicos, na
são arterial sistólica < 90mmHg ou queda de avaliação da resposta à infusão de volume e
30% em relação à pressão sistólica basal) ou na adequação da contrapulsação intra-aórtica
necessidade de drogas vasopressóricas ou de e de dispositivos de assistência ventricular. A
balão de contrapulsação aórtica, persistente monitoração com o cateter na artéria pulmo-
por pelo menos 30 minutos, necessariamente nar é indicada nos pacientes com choque car-
em associação com sinais de má perfusão diogênico associado a infarto do miocárdio,
tissular sistêmica (alteração do estado mental, quer seja miopático ou relacionado à lesão
oligúria com diurese < 30ml/hora, extremi- estrutural do coração; no entanto, não existem
dades frias e cianóticas, acidose metabólica). provas de que a monitoração invasiva melhore
A pressão de pulso se encontra reduzida e a o prognóstico destes pacientes (23-26). A
Pontos-chave: pressão venosa central, elevada. Edema pul- II Diretriz de Insuficiência Cardíaca Aguda da
monar e galope de terceira bulha são sinais Sociedade Brasileira de Cardiologia recomen-
> As causas do choque de acometimento do ventrículo esquerdo. da monitoração invasiva da pressão arterial e
circulatório podem ser O eletrocardiograma, o ecocardiograma, a da artéria pulmonar, com avaliações contínuas
didaticamente classificadas coronariografia e a angiotomografia (suspei- das pressões arteriais sistêmica e pulmonares,
em três grandes grupos: do índice cardíaco e da saturação venosa
ção de embolia pulmonar) são realizados em
hipovolêmico, distributivo mista, o que facilita o manejo dos pacientes,
caráter de emergência, para o esclarecimento
(vasoplégico) e cardiogênico; incluindo a titulação dos fármacos vasoativos
diagnóstico e orientação da terapêutica espe-
> Nas etiologias hipovolêmica cífica. Alguns pacientes, entretanto, podem e a reposição de fluidos (27).
e distributiva ocorre manter valores normais de pressão sistólica Os parâmetros hemodinâmicos que ca-
inadequado retorno do sangue na fase incipiente da síndrome do choque, racterizam o choque cardiogênico podem ser
venoso ao coração; em consequência da liberação excessiva resumidos a:
de catecolaminas. Salienta-se que nestas
> A etiologia cardiogênica tem situações o emprego de fármacos sedativos 1. Pressão sistólica < 90mmHg ou redução
como pressuposto a falência da com frequência irá precipitar a hipotensão, da pressão arterial média de pelo menos
função contrátil do coração. fenômeno que deve ser previsto pela equipe 30mmHg.

20 JBM  MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2


Abordagem contemporânea do choque cardiogênico

2. Índice cardíaco < 1,8l/min/m2, sem suporte com melhora na distribuição de oxigênio aos
farmacológico e/ou mecânico, ou < 2,2l/ tecidos hipoperfundidos. Conclui-se que a A maioria dos pacientes
min/m2 com suporte hemodinâmico. indicação da ventilação mecânica invasiva é com choque cardiogênico
3. Pressões de enchimento do ventrículo feita com base nas informações clínicas ob- tem indicação de
esquerdo elevadas: pressão de oclusão tidas à beira do leito e na ausência de testes intubação orotraqueal e
da artéria pulmonar (ou pressão diastólica laboratoriais diagnósticos, antes do encami- de ventilação mecânica,
final do ventrículo esquerdo) > 18mmHg ou nhamento do paciente para procedimentos de que devem ser instituídas
pressão diastólica final do ventrículo direito reperfusão miocárdica (10, 23, 24, 25). prontamente, antes de
> 10 a 15mmHg. Se houver suspeita de hipovolemia, deve- ocorrer hipoxemia grave.
-se realizar infusão rápida de volume, cuja A adequação da fração
A Doppler-ecocardiografia também pode composição dependerá da natureza do cho- inspiratória de oxigênio
ser bastante útil na avaliação hemodinâmica, que. No choque hemorrágico será realizada e dos níveis de pressão
com as medidas das pressões de enchimento reposição rápida de hemoderivados (con-
positiva expiratória
final é de fundamental
do coração e do débito cardíaco, além da centrados de hemácias, plaquetas, plasma,
importância para se obter
determinação da fração de ejeção ventricular, albumina); no choque hipovolêmico, a infusão
um conteúdo arterial de
dos aspectos contráteis globais e segmentares de bolus de cristaloides (em incrementos de
oxigênio satisfatório.
e do diagnóstico das complicações mecânicas 1 litro); no choque distributivo são necessárias
do infarto do miocárdio. grandes alíquotas de fluidos (6 a 10 litros de
cristaloides, ou quantidades menores de coloi-
Abordagem do paciente com des, albumina ou amilopectina), para reduzir o
choque edema tecidual que acompanha o distúrbio de
Medidas gerais de suporte permeabilidade capilar, porém não está defi-
A maioria dos pacientes com choque nida na literatura vantagem desta estratégia.
cardiogênico tem indicação de intubação
orotraqueal e de ventilação mecânica, que Terapia inotrópica e vasoconstritora
devem ser instituídas prontamente, antes de A adequação do débito cardíaco e, con-
ocorrer hipoxemia grave. A adequação da sequentemente, do transporte de oxigênio é
fração inspiratória de oxigênio e dos níveis mais relevante que o valor da pressão arterial
de pressão positiva expiratória final é de sistêmica para restabelecer a perfusão tissular
fundamental importância para se obter um periférica. Porém, níveis de pressão abaixo
conteúdo arterial de oxigênio satisfatório. dos limites da autorregulação levam à redução
Salienta-se a relevância de tais medidas de do fluxo sistêmico. Os agentes inotrópicos
assistência ventilatória, uma vez que a lesão positivos mais utilizados na prática clínica atuam
pulmonar (pulmonary injury) e a síndrome de elevando as concentrações intracelulares
angústia respiratória do adulto podem ocorrer de cálcio livre através de dois mecanismos:
precocemente na síndrome do choque circula- aumento das concentrações de adenosina
tório, como decorrência da intensa liberação monofosfato cíclico (AMPc), induzido pela
dos mediadores inflamatórios sistêmicos. É estimulação beta-adrenérgica (dobutamina
preciso que o médico reconheça de imediato e dopamina); e redução do catabolismo do
os sinais clínicos de insuficiência respiratória, AMPc pela inibição da fosfodiesterase (anri-
antes da obtenção da gasometria arterial, tais nona e milrinona). Entretanto, estes fármacos
como aumento da frequência e do esforço podem provocar efeitos indesejáveis (em
respiratórios, dificuldade em falar, respiração decorrência da sobrecarga de cálcio citosóli-
abdominal paradoxal, uso da musculatura co), como aumento do consumo de oxigênio
acessória da respiração, diaforese e cianose. miocárdico, agravamento do processo isquê-
Deve-se também prever o desenvolvimento mico e até mesmo necrose miocárdica, cardio-
da disfunção respiratória na presença de toxicidade e indução de arritmias cardíacas. O
acidose metabólica grave e choque, já que suporte farmacológico inotrópico geralmente
a compensação respiratória não será obtida é iniciado com agonistas beta-adrenérgicos,
devido à fadiga muscular, à redução do sen- principalmente a dobutamina. Os inotrópicos
sório e aos fármacos sedativos. A ventilação têm papel destacado no tratamento, uma vez
mecânica tem o benefício de reduzir a deman- que a disfunção contrátil aguda é o evento
da de oxigênio pela musculatura respiratória, fisiopatológico inicial.

JBM  MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2 21


Abordagem contemporânea do choque cardiogênico

TABELA 1: Efeitos hemodinâmicos dos agentes inotrópicos e vasopressores (30)

Fármaco DC PCP PA FC Arritmia Início de ação Duração do efeito Diurese


Dopamina
< 3mG/kg/min 0 0 0 0 0 Curta ++
3-7mG/kg/min + 0 + + ++ Rápido +/–
7-15mG/kg/min ++ 0 ++ ++ +++ 0
Dobutamina +++ – – + ++ Rápido Curta 0
Milrinona ++ – – + ++ Rápido Curta 0
Levosimendan +++ – – 0 0 Rápido Prolongado ++
Epinefrina ++ 0/+ +++ +++ ++++ Rápido Curta 0
Norepinefrina ++ 0/+ +++ ++ +++ Rápido Curta 0
Isoproterenol +++ 0/+ 0/– +++ +++ Rápido Curta 0

DC = débito cardíaco; PCP = pressão capilar pulmonar; PA = pressão arterial; FC = frequência cardíaca; 0 = sem ação direta, embora, indiretamente, possa influen-
ciar; Curta = perda de ação rápida após interrupção da infusão.

O uso de vasoconstritores (como norepi- efeitos menores na frequência cardíaca e no


nefrina ou dopamina) junto à dobutamina fre- inotropismo, em relação à dopamina. Os dois
quentemente é necessário, para manutenção fármacos podem ser administrados no choque
das perfusões coronariana e sistêmica até o séptico, destacando-se que a primeira pode
implante do balão de contrapulsação, e na ser mais eficaz em reverter a hipotensão grave
maioria das vezes após o mesmo. Os fárma- associada à resposta inflamatória sistêmica e
cos inotrópicos e vasoconstritores, portanto, que a dopamina pode reduzir a resposta do
devem ser utilizados nas menores doses efica- eixo hipotálamo-hipofisário, causar depressão
zes, para minimizar os efeitos tóxicos diretos. imunológica, agravar o efeito shunt pulmonar,
Na realidade, não há evidências definitivas por aumentar o fluxo em áreas não ventiladas,
para se recomendar o uso de uma ou outra e reduzir a resposta ventilatória à hipercapnia
catecolamina. No entanto, alguns estudos (28-31).
demonstram vantagens da norepinefrina e A vasopressina — hormônio antidiurético
da dopamina, quando comparadas à epine- — é liberada pela hipófise e age nos recep-
frina, que causa mais taquicardia que as duas tores V2 dos túbulos coletores renais com
primeiras, além de má perfusão esplâncnica e reabsorção de água. A segurança e a eficácia
hiperlactatemia. A fenilefrina, amina de ação da vasopressina como agente pressórico no
vasoconstritora exclusiva (agonista seletiva choque cardiogênico não foram definidas.
Pontos-chave: dos receptores α1-adrenérgicos), utilizada ami- Tanto a vasoconstrição como a vasodilatação
úde nos centros cirúrgicos para tratamento da coronarianas já foram demonstradas em mo-
> O uso de vasoconstritores hipotensão arterial, associada à anestesia, tem delos experimentais do fármaco. Em concen-
junto à dobutamina início e término de ação rápidos. Caracteriza-se trações elevadas, a vasopressina restabelece
frequentemente é necessário; por ser o agente com menor potencial de o tônus vascular nos estados de choque vaso-
> Os fármacos inotrópicos e aumentar a frequência cardíaca, podendo ser plégico, de etiologia séptica ou cardiogênica,
vasoconstritores, portanto, útil nos casos de refratariedade a outros vaso- agindo sobre os receptores V1 na musculatura
devem ser utilizados nas pressores associada à taquicardia, porém tem lisa vascular e na modulação de canais de po-
menores doses eficazes; como limitante a redução do volume sistólico. tássio e do metabolismo do óxido nítrico. Um
A dopamina aumenta a pressão arterial média estudo retrospectivo e de pequena amostra
> Alguns estudos demonstram e o débito cardíaco, através do incremento do demonstrou que, em pacientes com choque
vantagens da norepinefrina volume sistólico e da frequência cardíaca. A cardiogênico associado ao IAM e hipotensão
e da dopamina, quando norepinefrina, por sua vez, aumenta a pressão arterial refratária à dopamina, a adição de
comparadas à epinefrina. através de sua ação vasoconstritora, com vasopressina aumentou significativamente a

22 JBM  MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2


Abordagem contemporânea do choque cardiogênico

pressão arterial média (PAM) e não afetou os Os sensibilizadores do cálcio constituem


valores do índice cardíaco, nem da pressão um novo grupo de agentes inotrópicos positi- Os sensibilizadores do
de oclusão da artéria pulmonar. A adição de vos, que inclui o levosimendan, pimobendan, cálcio constituem um
norepinefrina aumentou a PAM, mas também simendan e o sulmazol. O levosimendan, novo grupo de agentes
a pressão de oclusão da artéria pulmonar, o o único aprovado para uso clínico, é um inotrópicos positivos, que
índice cardíaco e o poder cardíaco (28, 30). derivado dinitril-piridazinona. Exerce efeito inclui o levosimendan,
Em estudo randomizado e prospectivo, em na contratilidade através do aumento da pimobendan, simendan e
pacientes com choque vasoplégico avançado sensibilidade dos miofilamentos ao cálcio, o sulmazol.
(pós-cardiotomia e séptico), a associação de por intermédio da ligação do cátion ao do- O levosimendan, o único
vasopressina aumentou o débito urinário e mínio N-terminal da troponina C no músculo aprovado para uso clínico,
a perfusão tissular, avaliada pela tonometria cardíaco. O fármaco também possui efeitos é um derivado dinitril-
gástrica, e reduziu a frequência de taquiar- vasodilatadores nas artérias coronárias e nas -piridazinona. Exerce
ritmias, quando comparada à norepinefrina artérias sistêmicas, através da abertura de efeito na contratilidade
(32). O ensaio clínico randômico e controlado canais de potássio e do bloqueio da libera- através do aumento
VASST comparou a utilização de norepinefrina ção da endotelina-1. Estas ações resultam
da sensibilidade dos
miofilamentos ao cálcio,
isoladamente com a associação norepinefri- em redução das resistências arterial sistêmica
por intermédio da ligação
na/vasopressina, em pacientes com choque e pulmonar, aumento do débito cardíaco,
do cátion ao domínio
séptico. Não houve diferença no prognóstico. aumento da distensibilidade ventricular e em
N-terminal da troponina
Doses altas de vasopressina foram relaciona- discreto efeito lusitrópico positivo, sem incre- C no músculo cardíaco.
das à isquemia cardíaca, esplâncnica e perifé- mento no consumo de oxigênio miocárdico, e
rica (digital), devendo ser empregadas apenas menor potencial arritmogênico. A redução das
no contexto de refratariedade aos demais pressões atrial esquerda e capilar pulmonar
vasoconstritores (33). A terlipressina apresenta concorre para a melhora da função diastólica
efeitos farmacodinâmicos semelhantes aos do ventrículo esquerdo em pacientes com bai-
da vasopressina, porém com duração mais xo débito cardíaco, como nos casos de pós-
prolongada (ver Tabela 2) (34). -cirurgia cardíaca, miocardiopatia periparto

TABELA 2: Doses dos fármacos inotrópicos e vasoconstritores frequentemente


utilizados na prática clínica

Bolus Taxa de perfusão

Dobutamina Não 2 a 20mg/kg/min (b+)

Dopamina Não < 3mg/kg/min: efeito renal (b+)


3-5mg/kg/min: inotrópico (b+)
> 5mg/kg/min: (b+), vasopressor (a+)

Milrinona 25-75mg/kg durante 10-20min 0,375-0,75mg/kg/min

Enoximona 0,25-0,75mg/kg 1,25-7,5mg/kg/min

Levosimendan 12-24mg/kga durante 10min 0,1mg/kg/min, que pode ser reduzida


para 0,05 ou aumentada para
0,2mg/kg/min

Norepinefrina Sem bolus 0,2-1,0mg/kg/min

Epinefrina Bolus: 1mg pode ser administrado 0,05-0,5mg/kg/min


via IV em reanimação, podendo
ser repetida após 3-5min; a via
endotraqueal não é benéfica

JBM  MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2 23


Abordagem contemporânea do choque cardiogênico

e no choque cardiogênico. A meia-vida é de de evidência) (34). Está contraindicado nos


80 horas, o que pode explicar o prolongado pacientes com obstrução mecânica grave
efeito hemodinâmico após a infusão de 24 ao enchimento ventricular ou ao trato de
horas. O levosimendan foi aprovado pela saída do ventrículo esquerdo, naqueles com
Sociedade Europeia de Cardiologia para tra- hipotensão (pressão sistólica < 85mmHg ou
tamento, em curto prazo, de pacientes adultos taquicardia acentuada), nos distúrbios hepáti-
com insuficiência cardíaca sintomática, com cos e renais graves e no choque cardiogênico
sinais de baixo débito, secundária a grave (27, 34). Não há dados de estudos randômicos
disfunção sistólica, na ausência de hipotensão indicando a utilização do fármaco nos pacien-
arterial (recomendação classe IIa, com nível B tes com choque cardiogênico.

Referências 6. HOCHMAN, J.S.; SLEEPER, L.A. et al. — Early revascularization


11. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA EXECUTIVA. DATASUS. and long-term survival in cardiogenic shock complicating
Informações de saúde, morbidade e informações epidemio- acute myocardial infarction. JAMA, 295: 2511-5, 2006.
lógicas. Disponível em: http://www.datasus.gov.br. Acesso 7. SINGH, M.; WHITE, J. et al. — Long-term outcome and its
em dezembro de 2002. predictors among patients with ST-elevation myocardial
12. HASDAI, D.; HOLMES, D.R. et al., for the GUSTO-1 infarction complicated by cardiogênico shock: Insights from
Investigators — Cardiogenic shock complicating acute myo- the GUSTO-1 trial. J. Am. Coll. Cardiol., 50: 1752-8, 2007.
cardial infarction: Predictors of death. Am. H. Journal, 138: 8. HOCHMAN, J.S. — Cardiogenic shock complicating acute
21-31, 1999. myocardial infarction: Expanding the paradigm. Circulation,
Endereço para 107: 2998-3002, 2003.
13. HOLMES, D.R.; BATES, E.R. et al. — Contemporary reperfusion
correspondência: 9. REYNOLDS, H.R. & HOCHMAN, J.S. — Cardiogenic shock.
therapy for cardiogenic shock: The GUSTO-I Trial experience.
J. Am. Coll. Cardiol., 26: 668-74, 1995. Current concepts and improving outcomes. Circulation, 1117:
Fernando Oswaldo Dias 686-97, 2008.
14. HOCHMAN, J.S.; SLEEPER, L.A. et al. — Early revascularization
Rangel in acute myocardial infarction complicated by cardiogenic 10. TOPALIAN, S.; GINSBERG, F. & PARRILLO, J.E. — Cardiogenic
Rua Assunção, 2/Bl. 8/ shock. N. Engl. J. Med., 341: 625-34, 1999. shock. Crit. Care Med., 38(Suppl.): S66-S74, 2008.
Apt. 401 — Botafogo 15. MENON, V.; WHITE, H. et al., for the Shock Investigators —
22251-030 The clinical profile of patients with suspected cardiogenic
shock due to predominant left ventricular failure: A report
Rio de Janeiro-RJ
from the SHOCK Trial Registry. J. Am. Coll. Cardiol.,
36(Suppl. 1): 1071-6, 2000.

24 JBM  MARÇO/ABRIL, 2013  VOL. 101  No 2

Você também pode gostar