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Farmacologia da Contratilidade Cardíaca


Ehrin J. Armstrong e Thomas P. Rocco

Introdução Glicosídios Cardíacos


Caso Digoxina
Fisiologia da Contração Cardíaca Digitoxina
Anatomia dos Miócitos Agonistas dos Receptores ␤-Adrenérgicos
Contração dos Miócitos Dopamina
Regulação da Contratilidade Dobutamina
A Bomba de Sódio e a Troca de Sódio–Cálcio Epinefrina
Armazenamento e Liberação do Cálcio Norepinefrina
Sinalização do Receptor Adrenérgico e Ciclo do Cálcio Isoproterenol
Sensibilidade das Proteínas Contráteis ao Cálcio Inibidores da Fosfodiesterase (PDE)
Fisiopatologia Agentes Sensibilizadores do Cálcio
Fisiopatologia Celular da Disfunção Contrátil Conclusão e Perspectivas Futuras
Classes e Agentes Farmacológicos Leituras Sugeridas

tam a força contrátil dos miócitos cardíacos. Desde o advento


INTRODUÇÃO da digital, a elucidação do mecanismo celular da contração
cardíaca facilitou o desenvolvimento de outros agentes inotró-
Em 1785, o Dr. William Withering descreveu os benefícios car- picos. Após proceder a uma revisão da fisiologia da contração
diovasculares de uma preparação obtida da dedaleira, também cardíaca e da fisiopatologia celular da disfunção contrátil, este
denominada digital. Ele utilizou essa preparação para tratar capítulo irá descrever quatro classes de fármacos inotrópicos
pacientes que sofriam de “hidropisia”, uma afecção em que o positivos que já estão aprovados para uso ou que estão em
acúmulo de líquido extravascular leva à dispnéia (dificuldade fase de investigação em estudos clínicos. Pode-se encontrar
na respiração) e formação de edema periférico. Hoje em dia, uma discussão integrada das estratégias terapêuticas para a IC
esses sintomas são reconhecidos como manifestações caracterís- no Cap. 24.
ticas da insuficiência cardíaca (IC), uma síndrome clínica
mais comumente causada por disfunção sistólica do ventrículo
esquerdo (VE). Nessa afecção, o VE é incapaz de manter um n Caso
volume sistólico adequado, apesar do volume de enchimento
normal, e o volume diastólico final do VE aumenta na tenta- GW, um homem de 68 anos de idade com disfunção sistólica
tiva de preservar o volume sistólico. Todavia, acima de um e insuficiência cardíaca conhecidas, é internado com dispnéia e
determinado volume diastólico final, as pressões diastólicas do náusea. A história cardíaca do paciente é notável por dois infar-
VE começam a aumentar, freqüentemente de modo precipitado. tos de miocárdio anteriores, dos quais o mais recente ocorreu há
Esse aumento da pressão diastólica VE resulta em elevação da cerca de 2 anos. Desde o segundo infarto, o paciente apresentou
pressão atrial esquerda e pressão capilar pulmonar, as quais, uma limitação significativa na sua capacidade de atividade física.
por sua vez, levam à formação de edema pulmonar intersticial Um ecocardiograma bidimensional revela uma fração de ejeção
e alveolar e a um aumento da pressão cardíaca direita e arte- do VE de 25% (normal: >55%) e insuficiência mitral moderada.
rial pulmonar. A pressão cardíaca direita elevada resulta em GW tem sido tratado com aspirina, carvedilol (um antagonista ␤),
hipertensão venosa sistêmica e edema periférico. captopril (um inibidor da enzima conversora de angiotensina), digo-
O uso da digital pelo Dr. Withering pressagiou o uso atual xina (um glicosídio cardíaco), furosemida (um diurético de alça) e
da digoxina, um membro da família de glicosídios cardíacos, espironolactona (um antagonista dos receptores de aldosterona).
no tratamento de afecções em que ocorre comprometimento da Foi também colocado um cardioversor-desfibrilador interno automá-
contratilidade do miocárdio. Os glicosídios cardíacos são agen- tico (CDIA) para evitar arritmias ventriculares sustentadas e morte
tes inotrópicos positivos, definidos como agentes que aumen- cardíaca súbita.
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O exame físico no departamento de emergência é notável pela dos canais de cálcio regulados por voltagem, aumento do cálcio
pressão arterial de 90/50 mm Hg e freqüência cardíaca irregular de intracelular, ativação das proteínas contráteis e encurtamento
120 batimentos por min. O eletrocardiograma indica que o ritmo dos elementos contráteis por interações actina–miosina.
cardíaco subjacente consiste em fibrilação atrial. Administra-se amio- A anatomia celular dos miócitos ventriculares está bem
darona (um antiarrítmico de classe III), e a freqüência cardíaca do adaptada para a excitação e regulação da contração cardíaca
paciente diminui para cerca de 80 batimentos/min. Os exames de (Fig. 19.1). Os componentes especializados do miócito ven-
laboratório revelam: Na+ sérico de 148 mEq/L (normal: 135–145), tricular incluem o sarcolema ou membrana plasmática do
uréia (BUN) de 56 mg/dL (normal: 7–19), K+ de 2,9 mEq/L (nor- miócito; o retículo sarcoplasmático (RS), um grande sistema
mal: 3,5–5,1) e creatinina de 4,8 mg/dL (normal: 0,6–1,2). O nível de membranas internas que circunda as miofibrilas; e as pró-
sérico de digoxina é de 3,2 ng/mL (a concentração terapêutica é prias miofibrilas. As miofibrilas são unidades semelhantes a
tipicamente de ~1 ng/mL). cordões que contêm proteínas contráteis precisamente organi-
Com base nesses achados, GW é admitido na unidade de terapia zadas; a interação coordenada dessas proteínas é responsável
intensiva cardiológica. A dose de digoxina oral é suspensa, e admi- pelo encurtamento físico do músculo cardíaco. Essas especia-
nistra-se K+ por via intravenosa para aumentar a concentração sérica lizações anatômicas estão ilustradas nas Figs. 19.1 e 19.2 e
de potássio. Com base na gravidade dessa descompensação clínica, encontram-se resumidas no Quadro 19.1.
coloca-se um cateter na artéria pulmonar (AP) para monitorar as
pressões cardíacas. O paciente também recebe dobutamina, e o
carvedilol é suspenso. Após iniciar a dobutamina por via intraveno- CONTRAÇÃO DOS MIÓCITOS
sa, o débito urinário aumenta, e o paciente começa a sentir uma O aumento do Ca2+ citosólico constitui a ligação entre excita-
melhora sintomática. GW é monitorado durante 7 dias, e o nível ção e contração. Durante o potencial de ação ventricular (ver
de digoxina diminui para a faixa terapêutica. Cap. 18), o influxo de Ca2+ através dos canais de Ca2+ de tipo
L no sarcolema produz um aumento na concentração citosólica
QUESTÕES de Ca2+. Esse “cálcio desencadeante” estimula o receptor de
rianodina na membrana do RS, causando liberação do Ca2+
n 1. Por que GW está sendo tratado concomitantemente com um armazenado do RS para o citosol. Quando a concentração de
antagonista ␤ e um agente inotrópico positivo (digoxina)? Ca2+ no citoplasma atinge aproximadamente 10–5 M, o cálcio
n 2. Qual o mecanismo de ação da digoxina? liga-se à troponina C e induz uma alteração de conformação
n 3. Qual a principal manifestação clínica de toxicidade da digo- na tropomiosina, que libera a proteína inibitória, a troponina
xina em GW? I. Essa liberação de troponina I expõe um sítio de interação
n 4. Que fatores (incluindo interações medicamentosas) contri- para a miosina no filamento de actina, e a ligação da miosina
buíram para a toxicidade da digoxina nesse paciente? à actina inicia o ciclo de contração.
n 5. Qual o mecanismo de ação da dobutamina? A Fig. 19.2 ilustra o ciclo através do qual as interações acti-
na–miosina encurtam fisicamente o sarcômero. Cada filamento
de miosina exibe cabeças flexíveis que se projetam e formam
FISIOLOGIA DA CONTRAÇÃO CARDÍACA pontes cruzadas reversíveis com os filamentos de actina. A for-
mação das pontes cruzadas de actina–miosina, a inclinação das
O coração é responsável por receber o sangue desoxigenado da cabeças de miosina em suas dobradiças flexíveis e o desprendi-
periferia e propulsá-lo através da circulação pulmonar (onde mento das pontes cruzadas permitem ao filamento de miosina
a hemoglobina é reoxigenada) para distribuir finalmente esse “deslizar” sobre o filamento de actina em ambas as direções,
sangue oxigenado nos tecidos periféricos. Para executar esta puxando, assim, as duas extremidades do sarcômero.
última tarefa, o ventrículo esquerdo precisa desenvolver uma A função normal do ciclo de pontes cruzadas sarcoméricas
tensão suficiente para superar a impedância à ejeção que reside depende criticamente do ATP. A atividade de ATP hidrolase
na circulação periférica. A relação entre a tensão gerada durante (ATPase) da miosina fornece a energia empregada para impul-
a fase sistólica do ciclo cardíaco e a extensão do enchimento sionar a contração e reajustar as proteínas contráteis, resultando
VE durante a diástole é designada como estado contrátil do em relaxamento. Se uma quantidade insuficiente de ATP estiver
miocárdio. Juntamente com a pré-carga (volume sangüíneo disponível para o ciclo de pontes cruzadas, a miosina e a actina
intraventricular), a pós-carga (a resistência contra a qual o permanecem “travadas” no estado associado, e o miocárdio é
ventrículo esquerdo ejeta) e a freqüência cardíaca, a contra- incapaz de relaxar. Essa dependência do ATP explica o impacto
tilidade do miocárdio constitui um determinante primário do profundo da isquemia sobre a contração sistólica (o ciclo de
débito cardíaco. Embora o desempenho da bomba cardíaca em contração é incapaz de prosseguir) e o relaxamento diastólico
nível orgânico tenha sido objeto central de interesse dos fisiolo- (a actina e a miosina não podem dissociar-se) do miocárdio.
gistas cardíacos durante muitos anos, os mecanismos celulares A organização do sarcômero e o mecanismo físico da con-
e moleculares da contração cardíaca já estão, hoje em dia, bem tração explicam a relação fundamental entre a força muscular
elucidados. e o desenvolvimento de tensão. O estiramento (comprimento)
aumentado do músculo expõe sítios adicionais para a ligação do
cálcio e a interação actina–miosina; o estiramento aumentado
ANATOMIA DOS MIÓCITOS também propicia uma maior liberação de cálcio do RS. Esses
À semelhança do músculo esquelético, o músculo cardíaco con- eventos celulares fornecem a explicação mecânica da lei de
trai-se quando potenciais de ação despolarizam as membranas Frank–Starling: um aumento no volume diastólico final do
plasmáticas das células musculares cardíacas. O processo de ventrículo esquerdo leva a um aumento do volume sistólico
acoplamento excitação–contração (EC), em que os processos ventricular durante a sístole. O Cap. 24 descreve as implica-
mecânicos intracelulares transduzem um sinal eletroquímico em ções da lei Frank–Starling em nível orgânico de modo mais
força mecânica, envolve a seguinte cascata de eventos: abertura detalhado.
304 | Capítulo Dezenove

Túbulo T

Rede sarcotubular
Cisterna terminal Ca2+

Túbulo T Ca2+
Sarcolema
Mitocôndria
Miofibrilas

Ca2+

Retículo sarcoplasmático

Sarcômero

Banda I Banda A Linha Z Linha Z Banda A Linha Z

Actina Miosina
Fig. 19.1 Estrutura do miócito cardíaco. Cada miócito cardíaco contém miofibrilas e mitocôndrias circundadas por uma membrana plasmática especializada,
denominada sarcolema. As invaginações do sarcolema, denominadas túbulos T, fornecem condutos para o influxo de Ca2+. No interior da célula, um retículo
sarcoplasmático extenso armazena o Ca2+ para uso durante a contração. O Ca2+ extracelular penetra através do sarcolema e dos túbulos T durante a fase 2
do potencial de ação. Esse Ca2+ desencadeante liga-se a canais na membrana do retículo sarcoplasmático, causando liberação de um grande reservatório do
denominado Ca2+ de ativação no citosol. O aumento do Ca2+ citosólico inicia a contração das miofibrilas. O sarcômero é a unidade funcional da miofibrila.
Cada sarcômero consiste em bandas interdigitadas de actina e miosina. Essas bandas formam estruturas distintas ao microscópio eletrônico. As bandas A
correspondem a regiões de superposição da actina e miosina. As linhas Z demarcam as bordas de cada sarcômero. As bandas I estendem-se entre sarcômeros
adjacentes e correspondem a regiões da actina sem superposição da miosina. Durante a contração do miócito cardíaco, as bandas I tornam-se mais curtas
(isto é, as linhas Z aproximam-se uma da outra), porém as bandas A mantêm um comprimento constante.

REGULAÇÃO DA CONTRATILIDADE efetua a troca de sódio e de cálcio em ambas as direções através


do sarcolema. A ocorrência de alterações na concentração de
O ciclo do cálcio e a contratilidade do miocárdio nos mióci- íons sódio ou cálcio no interior ou no exterior da célula afeta a
tos cardíacos são regulados por três mecanismos principais de direção e a magnitude da troca de sódio–cálcio. Em condições
controle. No sarcolema, o fluxo de cálcio é mediado por inte- normais, a concentração intracelular baixa de sódio favorece o
rações entre a bomba de sódio e o trocador de sódio–cálcio. influxo de sódio e o efluxo de cálcio. Alguns fármacos fazem
No retículo sarcoplasmático, os canais e as bombas de cálcio uso do acoplamento funcional entre a bomba de sódio e o tro-
regulam a extensão da liberação e recaptação de cálcio. As
cador de sódio–cálcio para exercer seu efeito como agentes
influências neuro-humorais, particularmente a via de sinaliza-
inotrópicos positivos. A digoxina, discutida no caso apresen-
ção ␤-adrenérgica, também modulam o ciclo do cálcio através
desses canais e transportadores. tado na introdução e descrita de modo detalhado adiante, é o
protótipo do agente inotrópico que atua através da inibição da
bomba de sódio. Uma bomba de cálcio no sarcolema também
A Bomba de Sódio e a Troca de Sódio–Cálcio ajuda a manter a homeostasia do cálcio, expulsando ativamente
No sarcolema, as três proteínas-chave envolvidas na regula- o cálcio do citoplasma após a contração cardíaca. A presença
ção do cálcio são a Na+/K+-ATPase, daqui em diante designada de uma alta concentração de ATP favorece a remoção do cálcio
como bomba de sódio, o trocador de sódio–cálcio e a cálcio– (relaxamento), tanto diretamente, através da bomba de cálcio,
ATPase ou bomba de cálcio (Fig. 19.3). A atividade da bomba quanto indiretamente, através da bomba de sódio.
de sódio é crucial para manter tanto o potencial de membrana
em repouso quanto os gradientes de concentração de sódio e de
potássio através do sarcolema ([Na+]ext = 145 mM, [Na+]int = 15
Armazenamento e Liberação do Cálcio
mM, [K+]ext = 5 mM, [K+]int = 150 mM). A atividade da bomba Conforme descrito anteriormente, a sinalização do Ca2+ é de
de sódio está estreitamente ligada à concentração intracelular importância central tanto para a contração quanto para o relaxa-
de cálcio através do trocador de sódio–cálcio; esse antiportador mento cardíacos. Assim, o miócito cardíaco possui sistemas
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Tropomiosina Conforme assinalado anteriormente, o cálcio desencadeante


abre o receptor de rianodina. A concentração citoplasmática de
Filamento cálcio está diretamente relacionada com o número de receptores
de actina que se abrem. Existe também um mecanismo de segurança pelo
TN-I
qual a presença de níveis elevados de cálcio leva à formação do
TN-T
complexo cálcio–calmodulina: esse complexo inibe a liberação
Complexo de troponina TN-C
do cálcio ao diminuir o tempo de abertura do receptor de ria-
nodina. O ATP em altas concentrações favorece a conformação
1 aberta do canal e, portanto, facilita a liberação de cálcio do RS
Hidrólise do ATP no citosol.
Além da abertura do receptor de rianodina, o cálcio cito-
plasmático também estimula a SERCA, que bombeia o cálcio
ADP
de volta ao RS. Essa bomba proporciona outro mecanismo de
ATP
P controle para impedir um ciclo de retroalimentação positiva que
Miosina poderia causar depleção irreversível de cálcio do RS. À medida
que a bomba de cálcio efetua a reposição do RS, a taxa de recap-
Ca2+ Relaxada Relaxada, energizada
tação de SERCA diminui, devido ao declínio na concentração
citoplasmática de cálcio. O ATP também favorece a atividade
4 2 da SERCA; por outro lado, a presença de concentração dimi-
Dissociação da actina Formação de nuída de ATP compromete a recaptação de cálcio. Esse último
e da miosina complexo ativo mecanismo é responsável pela diminuição da taxa e a extensão
ATP Ca2+ do relaxamento diastólico no miocárdio isquêmico.
Um terceiro mediador da atividade da SERCA é a fosfolam-
ban, uma proteína da membrana do RS que inibe a SERCA.
A presença de altos níveis de cAMP intracelular estimula a
Ca2+ Ca2+ ADP
3 P proteinocinase A a fosforilar a fosfolamban, que reverte a ini-
Produto de bição exercida sobre a SERCA (Fig. 19.3). Por conseguinte, a
dissociação fosfolamban controla a taxa de relaxamento ao regular a recap-
Complexo de Complexo ativo tação de cálcio no RS: a fosfolamban não-fosforilada diminui o
contratura
ADP + P
relaxamento, enquanto a fosfolamban fosforilada o acelera.

Fig. 19.2 Proteínas contráteis cardíacas e o ciclo de contração. Durante Sinalização do Receptor Adrenérgico e Ciclo do Cálcio
a contração, a miosina desloca-se ao longo dos filamentos de actina por
um processo semelhante à catraca, resultando em encurtamento global A estimulação dos receptores ␤1-adrenérgicos sustenta o desem-
do comprimento do sarcômero. Os filamentos de actina (parte superior) penho cardíaco de diversas maneiras. Em primeiro lugar, os
consistem em dois polímeros de actina enrolados um ao redor do outro, três agonistas dos receptores ␤ aumentam a entrada de Ca2+ medi-
proteínas troponina (TN-I, TN-C e TN-T) e tropomiosina. Na ausência de Ca2+, ada pelos receptores ␤-adrenérgicos durante a sístole; a entrada
a tropomiosina é orientada na actina, de modo que ela inibe a interação da
actina com a miosina. O ciclo de contração, ilustrado no painel inferior, é um aumentada de Ca2+ aumenta o encurtamento fracional do mús-
processo que ocorre em quatro etapas. 1. A contração do miócito cardíaco culo cardíaco durante a contração. Esse efeito inotrópico posi-
começa com a hidrólise do ATP a ADP pela miosina; essa reação energiza a tivo resulta em maior volume sistólico para qualquer volume
cabeça da miosina. 2. O Ca2+ liberado do retículo sarcoplasmático liga-se à diastólico final. Os agonistas ␤ também exercem um efeito
TN-C; essa reação produz uma mudança na conformação da tropomiosina que
permite à miosina formar um complexo ativo com a actina. 3. A dissociação
cronotrópico positivo, aumentando a freqüência cardíaca de
do ADP da miosina permite a inclinação da cabeça da miosina; essa inclinação modo relativamente linear, dependente da dose. O efeito final
aproxima ainda mais as linhas Z e, portanto, encurta a banda I (não ilustrada). dessas ações inotrópicas e cronotrópicas consiste em aumentar
Esse estado contraído é freqüentemente designado como complexo de o débito cardíaco:
contratura, visto que o músculo irá permanecer em um estado contraído, a
não ser que haja disponibilidade suficiente de ATP para deslocar a cabeça da
miosina da actina. 4. A ligação de uma nova molécula de ATP à miosina permite Débito Cardíaco (DC) = Freqüência Cardíaca (FC) ⫻
a dissociação do complexo de actina–miosina. O Ca2+ também se dissocia da Volume Sistólico (VS) Equação 19.1
TN-C, e o ciclo de contração é então repetido.
onde DC é o débito cardíaco, FC é a freqüência cardíaca e
VS, o volume sistólico. Um terceiro mecanismo pelo qual os
agonistas ␤ sustentam o desempenho cardíaco, apesar de ser
menos amplamente reconhecido, consiste em aumentar a taxa
bem desenvolvidos para regular o fluxo de Ca2+ durante o ciclo e a extensão do relaxamento diastólico (algumas vezes deno-
cardíaco. No RS, o canal de liberação de cálcio (receptor de minado efeito lusitrópico positivo). Trata-se de um efeito
rianodina) e a bomba de cálcio (cálcio ATPase do retículo permissivo crítico da estimulação dos receptores ␤1, visto que
sarcoendoplasmático, SERCA) são críticos para a regulação da facilita a manutenção do enchimento adequado do VE (isto é,
contratilidade (Fig. 19.3). A contração apropriada requer que preservação do volume diastólico final do VE), a despeito da
a liberação de Ca2+ no citoplasma seja adequada para estimu- redução do tempo de enchimento diastólico que ocorre com o
lar a contração, e que a recaptação de Ca2+ no RS também aumento da freqüência cardíaca.
seja suficiente para permitir o relaxamento e a reposição das Na circulação periférica, os efeitos da estimulação simpá-
reservas de cálcio. As concentrações citoplasmáticas de cálcio tica são mais complexos. A ativação dos receptores ␤2 perifé-
e de ATP regulam a atividade tanto do receptor de rianodina ricos dilata o músculo liso vascular, enquanto a estimulação
quanto da SERCA. dos receptores ␣1 provoca constrição do músculo liso vascular.
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QUADRO 19.1 Anatomia Funcional da Contração dos Miócitos Cardíacos


Sarcolema
Túbulos T Invaginações do sarcolema, que facilitam o fluxo de íons através da
membrana celular
Canais de Ca2+ do tipo L regulados por voltagem Medeiam o influxo de íons de Ca2+ desencadeantes quando o sarcolema está
despolarizado
Retículo Sarcoplasmático (RS)
Canais de liberação de Ca2+ Estimulados pelo Ca2+ desencadeante, liberam as reservas internas de Ca2+
Bombas de Ca2+-ATPase Seqüestram o Ca2+ intracelular no RS para terminar a contração
Cisternas terminais Sáculos em ramos distais do RS que armazenam Ca2+
Miofibrila
Sarcômero Unidade contrátil básica da miofibrila
Miosina Filamento espesso, que hidrolisa ATP para obtenção de energia
Actina Filamento fino, que proporciona a base para a ligação da miosina
Tropomiosina Enrola-se ao redor da actina, impedindo a ligação actina–miosina em repouso
Complexo de troponina: Complexo de três proteínas que regulam a ligação da actina–miosina:
Troponina T Sustenta o complexo de troponina com a tropomiosina
Troponina I Inibe a ligação da actina–miosina em repouso
Troponina C Liga-se ao Ca2+, deslocando a troponina I do sítio de ligação da actina–
miosina

Por conseguinte, a estimulação dos receptores ␤2 tipicamente I pela proteinocinase A (um processo que, à semelhança da
diminui a resistência vascular sistêmica (RVS) e a pós-car- fosforilação da fosfolamban, depende dos níveis de cAMP)
ga, enquanto a estimulação dos receptores a1 as aumenta. Os diminui a sensibilidade das proteínas contráteis ao cálcio. A
receptores dopamínicos nas circulações esplâncnica e renal expressão de várias isoformas das proteínas contráteis, par-
também modulam os vasos de resistência nesses leitos vascu- ticularmente a troponina T, também tem sido associada a uma
lares, conforme discutido adiante. alteração da sensibilidade ao cálcio. Os agentes farmacológicos
As ações cardioestimuladoras do sistema nervoso simpático que sensibilizam as proteínas contráteis ao cálcio estão em fase
são mediadas pela ativação de vários subtipos de receptores de pesquisa ativa.
adrenérgicos localizados no coração e na vasculatura periféri-
ca. A estimulação desses receptores acoplados à proteína G
induz alterações de conformação, que ativam a adenilil ciclase
e, conseqüentemente, elevam os níveis intracelulares de cAMP
FISIOPATOLOGIA
(Fig. 19.4 e Quadro 19.2). Os níveis mais elevados de cAMP
ativam a proteinocinase A, que fosforila múltiplos alvos na Numerosos processos mórbidos podem levar à disfunção ou
célula. Esses alvos incluem os canais de cálcio de tipo L no morte dos miócitos, com conseqüente substituição do miocár-
sarcolema e a fosfolamban na membrana do RS. Conforme já dio por tecido fibroso e comprometimento da contratilidade.
discutido, a fosforilação da fosfolamban libera a inibição exer- Nos Estados Unidos, a etiologia mais comum da disfunção
cida sobre a SERCA, permitindo que o cálcio seja bombeado contrátil é a coronariopatia (CP), que resulta em infarto do
do citosol novamente para o RS; esse processo constitui um dos miocárdio; outras etiologias comuns da disfunção contrátil
mecanismos moleculares do aumento do relaxamento diastóli- incluem a hipertensão sistêmica e a cardiopatia valvar. Em
co associado à estimulação dos receptores ␤1-adrenérgicos. cada um dos estados mórbidos mencionados, ocorre disfunção
dos miócitos cardíacos em conseqüência de um processo mór-
bido não-miocárdico. Uma causa menos comum de disfunção
Sensibilidade das Proteínas Contráteis ao Cálcio VE consiste em miocardiopatia idiopática, em que a principal
Conforme assinalado anteriormente, a tensão desenvolvida anormalidade ocorre em nível do miócito cardíaco.
pelos miócitos cardíacos durante a contração está diretamente Independentemente da etiologia subjacente, a disfunção con-
relacionada com o comprimento das unidades sarcoméricas trátil progressiva do miocárdio leva finalmente à síndrome de IC
antes da contração. O aumento do estiramento dos sarcômeros sistólica. Todavia, é importante assinalar que a IC pode ocorrer
expõe um maior número de sítios de ligação de cálcio na tro- na ausência de disfunção contrátil. Por exemplo, vários estados
ponina C, propiciando a disponibilidade de um maior número mórbidos cardiovasculares comuns — como isquemia aguda do
de sítios para a formação de pontes cruzadas de actina–miosina miocárdio e miocardiopatia restritiva — estão associados a anor-
e aumentando, assim, a sensibilidade das proteínas contráteis malidades no relaxamento e/ou enchimento do VE, resultando
ao cálcio. Vários outros mecanismos também regulam a sen- em diminuição da complacência das câmaras e elevação da pres-
sibilidade das proteínas contráteis. A fosforilação da troponina são diastólica VE. Essa elevação anormal da pressão intraven-
Farmacologia da Contratilidade Cardíaca | 307

A
Sarcolema
Ca2+
Miócito
1 2 Liberação de Ca2+ induzida por Ca2+
cardíaco
Túbulo T

Agonista 1 Receptor ␤1
Ca2+ Ca2+ Adenilil ciclase Ca2+
Ca 2+2+
Ca
Ca2+

3 Contração da miofibrila
P
Ca2+ livre GTP Ca2+
ATP cAMP
Anrinona

Fosfodiesterase
PKA PKA
inativa ativa
AMP
B Fosfolamban
4 Troca do 5 Na+/K+-ATPase ADP
Na+/Ca2+ Ca2+ P

Ca2+ 3Na+ 3Na+ 2K+


ATP

Na+/K+ Ca2+
NCX ATPase Retículo
sarcoplasmático
ATP ADP

Ca2+ 3Na+ 3Na+ 2K+ Fig. 19.4 Regulação da contratilidade cardíaca por receptores ␤-
adrenérgicos. Os receptores ␤-adrenérgicos aumentam a contratilidade dos
6
miócitos cardíacos mas também intensificam o relaxamento. A ligação de um
Citoplasma agonista endógeno ou exógeno aos receptores ␤1-adrenérgicos na superfície
Fosfolamban ADP dos miócitos cardíacos induz as proteínas G␣ a ativar a adenilil ciclase, que
Ca2+ Ca2+ P
por sua vez catalisa a conversão do ATP em cAMP. O cAMP ativa múltiplas
proteinocinases, incluindo a proteinocinase A (PKA). A PKA fosforila e ativa os
PKA
SERCA ATP canais de Ca2+ do sarcolema, portanto, aumenta a contratilidade dos miócitos
cardíacos. A PKA também fosforila a fosfolamban. A bomba de SERCA torna-
se desinibida e bombeia o Ca2+ para o interior do retículo sarcoplasmático;
Retículo Ca2+ a taxa aumentada de seqüestro de Ca2+ intensifica o relaxamento dos
sarcoplasmático miócitos cardíacos. O cAMP é convertido em AMP pela fosfodiesterase, com
conseqüente término das ações mediadas pelos receptores ␤1-adrenérgicos.
A fosfodiesterase é inibida pela anrinona, um fármaco que pode ser utilizado
no tratamento da insuficiência cardíaca.
Fig. 19.3 Regulação do fluxo de Ca2+ no miócito cardíaco. A. Durante
a contração: 1. O Ca2+ extracelular penetra no miócito cardíaco através dos
canais de Ca2+ no sarcolema. 2. Esse Ca2+ desencadeante induz a liberação
de Ca2+ do retículo sarcoplasmático para o citosol (a denominada liberação de cardíaco inadequado. Nos estágios avançados da doença, pode
Ca2+ induzida por Ca2+). 3. O aumento do Ca2+ citosólico facilita a contração
das miofibrilas. B. Durante o relaxamento: 4. O trocador de Na+/Ca2+ (NCX) ser difícil estabelecer se as anormalidades celulares observadas
remove o Ca2+ do citosol, utilizando o gradiente de Na+ como força impulsora. nos miócitos cardíacos em falência refletem defeitos celulares
5. A Na+/K+-ATPase mantém o gradiente de Na+, mantendo, assim, o miócito primários ou uma resposta secundária a estímulos extracardía-
cardíaco hiperpolarizado. 6. A Ca2+-ATPase do retículo sarcoendoplasmático cos (como citocinas circulantes e peptídios neuroendócrinos).
(SERCA) na membrana do retículo sarcoplasmático é tonicamente inibida pela
fosfolamban. A fosforilação da fosfolamban pela proteinocinase A (PKA) retira Todavia, as alterações celulares e moleculares no miocárdio
a inibição da Ca2+-ATPase, permitindo o seqüestro do Ca2+ citosólico no retículo em falência podem ser comparadas com os eventos da con-
sarcoplasmático. tração normal num esforço de obter uma visão do processo
mecânico, e muitas dessas alterações continuam sendo áreas
ativas de pesquisa. O estudo dessas alterações também deverá
propiciar a identificação de novos alvos moleculares potenciais
tricular pode ocorrer até mesmo na presença de função sistólica para intervenção farmacológica.
normal, levando ao desenvolvimento de uma síndrome denomi-
nada insuficiência cardíaca diastólica. A patologia orgânica e o
tratamento da IC são discutidos no modo detalhado no Cap. 24. FISIOPATOLOGIA CELULAR DA DISFUNÇÃO
Neste capítulo, enfocamos os aspectos celulares e moleculares CONTRÁTIL
mais proeminentes da função contrátil normal e anormal.
A manifestação clínica da IC reflete freqüentemente o impac- Em nível celular, as alterações associadas à diminuição da con-
to de sistemas neuro-humorais que são ativados por um débito tratilidade cardíaca consistem em desregulação da homeostasia
308 | Capítulo Dezenove

QUADRO 19.2 Efeitos do Aumento do cAMP Intracelular nas de receptores. A redução da sinalização ␤-adrenérgica também
Células Cardíacas pode refletir uma expressão aumentada da cinase do receptor
␤-adrenérgico (que fosforila e, portanto, inibe os receptores
Sarcolema ↑ Fosforilação do canal de Ca2+ ␤-adrenérgicos) e da proteína G inibitória (G␣1). Outro ele-
regulado por voltagem → ↑ mento contribuinte para a redução da sinalização ␤-adrenérgica
contratilidade, freqüência cardíaca e
pode ser a óxido nítrico sintase induzível (iNOS), cuja expres-
condução AV
são está aumentada na IC. A resposta diminuída dos miócitos
↑ Fosforilação da bomba de Na+ em falência à estimulação adrenérgica produz uma diminuição
→ ↑ influxo de Ca2+ no citoplasma da fosforilação da fosfolamban, comprometendo a capacidade
através da troca de Na+/Ca2+ de captação de Ca2+ do RS. A diminuição dos níveis de cAMP
Retículo ↑ Fosforilação da fosfolamban → ↑ também resulta em capacidade reduzida de produzir ATP e utili-
sarcoplasmático captação e liberação de Ca2+ zá-lo. Em conjunto, o comprometimento da regulação do cálcio
Proteínas contráteis ↑ Fosforilação da troponina I → ↓ e a diminuição dos níveis de cAMP atenuam muitas das etapas
sensibilidade ao Ca2+ da contração e do relaxamento dos miócitos cardíacos.
Produção de energia ↑ Glicogenólise → ↑ disponibilidade
de ATP
CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS
As funções centrais do cálcio intracelular e do cAMP na con-
tração dos miócitos cardíacos fornecem uma base para a clas-
sificação dos agentes inotrópicos. Os glicosídios cardíacos
do cálcio, alterações na regulação e no padrão de expressão das
elevam a concentração intracelular de Ca2+ através da inibição
proteínas contráteis e alterações nas vias de transdução de sinais
da Na+/K+-ATPase (bomba de sódio) do sarcolema, enquanto
dos receptores ␤-adrenérgicos (Fig. 19.5). Conforme assinalado
os agonistas ␤ e os inibidores da fosfodiesterase aumentam
anteriormente, algumas dessas alterações podem resultar de
os níveis intracelulares de cAMP. Os agentes sensibilizadores
patologia local do miocárdio, enquanto outras provavelmente
do cálcio, uma classe de fármacos em pesquisa ativa, também
representam respostas a sinais hormonais e inflamatórios cir-
são discutidos de modo sucinto.
culantes.
A homeostasia alterada do cálcio resulta em prolongamento
do potencial de ação e do Ca2+ transitório associados a cada GLICOSÍDIOS CARDÍACOS
contração nos miócitos cardíacos em falência. Os mecanismos
que aumentam a concentração citosólica de Ca2+ e que causam Os glicosídios cardíacos incluem os derivados digitálicos, a
depleção das reservas de Ca2+ do RS incluem a redução da digoxina e a digitoxina e agentes não-digitálicos, como a oua-
captação de Ca2+ do RS e aumento no número de trocadores de baína. Os glicosídios são definidos por uma estrutura química
sódio–cálcio no sarcolema. Conforme descrito anteriormente, comum que inclui um núcleo esteróide, um anel lactona não
saturado e um ou mais resíduos de açúcar. Esse substrato estru-
o seqüestro eficiente de cálcio pelo RS é essencial para o tér-
tural comum constitui a base do mecanismo comum de ação
mino da contração. Por conseguinte, a incapacidade do miócito
desses agentes. Na prática clínica, a digoxina é o glicosídio
de regular o cálcio intracelular compromete tanto a contração
cardíaco utilizado com mais freqüência e também o agente
sistólica quanto o relaxamento diastólico.
inotrópico mais largamente utilizado.
As proteínas contráteis disfuncionais são produzidas por
alterações na transcrição de vários genes nos miócitos cardía-
cos em falência. Os dados disponíveis sugerem que os miócitos Digoxina
entram em uma fase de crescimento mal-adaptativo, revertendo A digoxina é um inibidor seletivo da bomba de sódio da mem-
para a produção das isoformas fetais de algumas proteínas. Por brana plasmática (Fig. 19.6). Os miócitos cardíacos expostos à
exemplo, os miócitos em falência aumentam a expressão da digoxina expulsam uma menor quantidade de sódio, resultando
isoforma fetal da troponina T, que é potencialmente uma pro- em elevação da concentração intracelular de sódio. Por sua
teína contrátil mais eficiente. Outras alterações das proteínas vez, o aumento na concentração intracelular de sódio altera
contráteis identificadas na insuficiência cardíaca incluem uma o equilíbrio do trocador de sódio–cálcio: o efluxo de cálcio
redução na fosforilação da troponina e diminuição da hidrólise diminui, devido à diminuição do gradiente para a entrada de
do ATP pela miosina; cada uma dessas alterações resulta em sódio, enquanto o influxo de cálcio aumenta, devido ao aumen-
uma taxa mais lenta do ciclo das pontes cruzadas. Além disso, to no gradiente de efluxo de sódio. O resultado final consiste
a ativação da colagenase e das metaloproteinases da matriz em elevação da concentração intracelular de cálcio. Em res-
pode romper a estrutura estromal que mantém a integridade posta a essa elevação, o RS da célula tratada com digoxina
estrutural e funcional do miocárdio. seqüestra uma maior quantidade de cálcio. Quando a célula
A dessensibilização da via de sinalização receptor ␤-adre- tratada com digoxina despolariza em resposta a um potencial
nérgico–proteína G–adenilil ciclase constitui o terceiro acha- de ação, existe uma maior quantidade de Ca2+ disponível para
do anormal principal nos miócitos cardíacos de pacientes com ligação da troponina C, e o desenvolvimento de tensão durante
IC sistólica. Os miócitos em falência infra-regulam o número a contração é facilitado.
de receptores ␤-adrenérgicos expressos na superfície celular, Além de seus efeitos sobre a contratilidade do miocárdio,
possivelmente como resposta adaptativa à presença de estimu- a digoxina exerce efeitos autônomos através de sua ligação a
lação neuro-hormonal aumentada. A estimulação simpática dos bombas de sódio nas membranas plasmáticas dos neurônios
receptores remanescentes resulta em aumento do cAMP menor no sistema nervoso central e sistema nervoso periférico. Esses
do que aquele que ocorreria na presença de um número normal efeitos consistem em inibição do efluxo nervoso simpático,
Farmacologia da Contratilidade Cardíaca | 309

Miocárdio normal Miocárdio em falência

A Homeostasia do cálcio

Ca2+ Ca2+ 3Na+ Ca2+ Ca2+ 3Na+

NCX NCX

Ca2+ Ca2+ 3Na+ Ca2+ Ca2+ 3Na+


Fosfolamban Fosfolamban
ADP
P
Ca2+

ATP

SERCA SERCA
Ca2+
Retículo Retículo
sarcoplasmático sarcoplasmático

B Filamentos contráteis

ATP ADP ATP ADP

Miosina Actina Miosina Actina

P
TN-I TN-T TN-I TN-T
TN-C TN-C

C Via de sinalização da adenilil ciclase

β-AR Agonista ␤1 β-AR


Adenilil ciclase Adenilil ciclase

β αs αi
γ P P
GTP GTP
P P
ATP cAMP ATP cAMP

β-arrestina
PKA PKA PKA PKA
inativa ativa inativa ativa

Fig. 19.5 Mecanismos celulares da fisiopatologia da contração. No miocárdio em falência, ocorrem perturbações na homeostasia do Ca2+, nos elementos
contráteis e na via de sinalização da adenilil ciclase. Em cada painel (A, B e C), o miocárdio normal é mostrado à esquerda, e o miocárdio em falência, à
direita. A. No miocárdio normal, a homeostasia do Ca2+ é rigorosamente controlada pelos canais de Ca2+, incluindo trocador de Na+/Ca2+ (NCX) e a Ca2+-ATPase
(SERCA). A operação dessas vias permite o relaxamento do miocárdio durante a diástole. No miocárdio em falência, o Ca2+ diastólico permanece elevado, visto
que a fosfolamban não é fosforilada e, portanto, inibe tonicamente a SERCA. Além disso, a expressão do NCX aumenta (setas grandes), de modo que o Ca2+
citosólico é removido do miócito cardíaco, em lugar de ser armazenado no retículo sarcoplasmático. B. No miocárdio normal, a fosforilação da troponina I (TN-
I) expõe o sítio de interação da actina–miosina, e a miosina hidrolisa efetivamente o ATP durante cada ciclo de contração. No miocárdio em falência, ocorre
diminuição da fosforilação da TN-I, resultando em ligação cruzada menos eficiente da actina–miosina. A miosina não hidrolisa o ATP de modo tão eficiente (seta
tracejada), reduzindo ainda mais a eficiência de cada ciclo de contração. Ocorre também aumento da expressão da isoforma fetal da TN-T no miocárdio em
falência, porém o significado dessa alteração é incerto. C. No miocárdio normal, os agonistas ␤-estimulam a formação de cAMP e a ativação subseqüente da
proteinocinase A (PKA). No miocárdio em falência, a ␤-arrestina liga-se aos receptores ␤-adrenérgicos (␤-AR) e inibe a sua atividade, resultando em diminuição
da estimulação da adenilil ciclase (setas tracejadas). Ocorre também indução da expressão da isoforma de G␣ inibitória, G␣i no miocárdio em falência.
310 | Capítulo Dezenove

2 Extrusão de Ca2+ 1 Extrusão de Na+ A digoxina possui um grande volume de distribuição; o princi-
pal reservatório de ligação consiste em moléculas de Na+/K+-
Ca2+ 3Na+ 3Na+ 2K+ ATPase no músculo esquelético. Cerca de 70% do fármaco são
Sarcolema Digoxina excretados de modo inalterado pelos rins; o restante é excretado
no intestino ou através do metabolismo hepático.
Vários aspectos específicos da farmacocinética da digoxi-
na merecem ser enfatizados. A doença renal crônica diminui
tanto o volume de distribuição quanto a depuração da digo-
Na+/K+ -
Trocador de ATPase xina, exigindo uma redução na dose de ataque e na dose de
Na+/Ca2+ Ca2+ 3Na+ 3Na+ 2K+ manutenção do fármaco (ver Cap. 3). A hipocalemia aumenta
a localização da digoxina no miocárdio, visto que a redução do
K+ extracelular leva a um aumento da fosforilação da bomba
3 Reservas de Ca2+ 4 Contração das miofibrilas de sódio, e a digoxina possui maior afinidade de ligação pela
forma fosforilada da bomba do que pela forma desfosforilada.
ADP (Em contrapartida, o aumento do K+ plasmático pode ajudar a
Ca2+ P
Ca2+ armazenado aliviar os sintomas de toxicidade da digoxina, visto que pro-
ATP move a desfosforilação da bomba de sódio.)
A digoxina também interage com muitos fármacos. Essas
Ca2+ liberado interações podem ser divididas em interações farmacodinâ-
Ca2+
micas e farmacocinéticas. As interações farmacodinâmicas
incluem aquelas com antagonistas ␤-adrenérgicos, bloquea-
Fig. 19.6 Mecanismo inotrópico positivo da digoxina. 1. A digoxina liga-se dores dos canais de Ca2+ e diuréticos perdedores de K+. Os
à Na+/K+-ATPase, inibindo-a. A extrusão diminuída de Na+ (setas tracejadas) antagonistas ␤-adrenérgicos diminuem a condução do nó AV,
leva a um aumento na concentração de Na+. 2. O aumento do Na+ intracelular
diminui a força propulsora para o trocador de Na+/Ca2+ (setas tracejadas),
e o uso combinado de antagonistas ␤ e digoxina pode aumen-
resultando em extrusão diminuída de Ca2+ do miócito cardíaco para o espaço tar o risco de desenvolvimento de bloqueio AV de alto grau.
extracelular e em concentração citosólica aumentada de Ca2+. 3. A seguir, a Tanto os antagonistas ␤ quanto os bloqueadores dos canais de
quantidade aumentada de Ca2+ é bombeada pela SERCA Ca2+-ATPase (seta Ca2+ podem diminuir a contratilidade cardíaca e atenuar poten-
grande) no retículo sarcoplasmático, criando um aumento efetivo de Ca2+,
disponível para liberação durante contrações subseqüentes. 4. Durante cada
cialmente os efeitos da digoxina. Os diuréticos perdedores de
contração, a liberação aumentada de Ca2+ pelo retículo sarcoplasmático leva K+ (por exemplo, furosemida) podem diminuir a concentração
a um aumento da contração das miofibrilas e, portanto, a um aumento do plasmática de potássio, o que pode aumentar a afinidade da
inotropismo cardíaco. digoxina pela Na+/K+-ATPase e, portanto, predispor à toxici-
dade da digoxina (ver anteriormente).
As interações farmacocinéticas podem resultar de alterações
sensibilização dos barorreceptores e aumento do tônus paras- na absorção, no volume de distribuição ou na depuração renal
simpático (vagal). A digoxina também altera as propriedades da digoxina (Quadro 19.3). Muitos antibióticos, como a eritro-
eletrofisiológicas do coração através de uma ação direta sobre o micina, podem aumentar a absorção da digoxina, matando as
sistema de condução cardíaca. Em doses terapêuticas, a digoxi- bactérias entéricas que normalmente metabolizam uma fração
na diminui a automaticidade no nó AV, prolongando o período significativa da digoxina administrada por via oral antes de
refratário efetivo do tecido nodal AV e diminuindo a velocidade sua absorção. A co-administração de digoxina com verapamil
de condução através do nó. Essas propriedades vagotônicas (um bloqueador dos canais de cálcio), quinidina (antiarrítmico
e eletrofisiológicas combinadas constituem a base para o uso da classe IA) ou amiodarona (um antiarrítmico da classe III)
da digoxina no tratamento de pacientes com fibrilação atrial e pode aumentar os níveis de digoxina, devido ao impacto desses
taxas rápidas de resposta ventricular; tanto a automaticidade fármacos sobre o volume de distribuição e/ou depuração renal
diminuída do tecido nodal AV quanto a diminuição da velocida- da digoxina.
de de condução através do nó aumentam o grau de bloqueio AV No caso descrito na introdução, múltiplos fatores prova-
velmente contribuíram para o aumento acentuado dos níveis
e, por conseguinte, diminuem a taxa de resposta ventricular.
séricos de digoxina do paciente. A taxa de filtração glomerular
Ao contrário de seus efeitos sobre o nó AV, a digoxina
(TFG) estava reduzida (indicada pelos níveis elevados de crea-
intensifica a automaticidade do sistema de condução infrano-
tinina), resultando em diminuição da depuração da digoxina.
dal (His–Purkinje). Esses efeitos divergentes no nó AV e no A administração de um diurético de alça provavelmente contri-
sistema de His–Purkinje explicam o distúrbio eletrofisiológico buiu para a redução da TFG. Essa diminuição da TFG poderia
característico do bloqueio completo com ritmo juncional ou ter sido exacerbada pela co-administração de um inibidor da
de escape idioventricular acelerado (designado como fibrila- enzima conversora de angiotensina, através da interferência na
ção atrial “regularizada”) em pacientes com toxicidade causada auto-regulação da pressão hidrostática glomerular mediada pela
pela digoxina. angiotensina II. Em seu conjunto, esses fatores provavelmente
A digoxina possui uma janela terapêutica estreita, e a pre- contribuíram para a concentração sérica elevada de digoxina
venção da toxicidade da digoxina depende de um conhecimento (3,2 ng/mL). Expressando esses fatos em valores, os efeitos
completo da farmacocinética desse agente (Quadro 19.3). A tóxicos, como ectopia ventricular, começam a aparecer com
digoxina administrada por via oral possui uma biodisponibi- concentrações de digoxina de 2–3 ng/mL.
lidade de cerca de 75%. Uma minoria de pacientes apresenta O tratamento da toxicidade da digoxina baseia-se na norma-
uma flora intestinal que metaboliza a digoxina ao metabólito lização dos níveis plasmáticos de K+ e na redução do potencial
inativo, a diidrodigoxina. Nesses pacientes, é algumas vezes de arritmias ventriculares. Além disso, a toxicidade potencial-
necessária a co-administração de antibióticos para descontami- mente alta da digoxina pode ser tratada com anticorpos anti-
nar o intestino e, portanto, facilitar a absorção oral da digoxina. digoxina. Esses anticorpos policlonais formam complexos 1:1
Farmacologia da Contratilidade Cardíaca | 311

QUADRO 19.3 Farmacocinética da Digoxina clínicas selecionadas. A digitoxina é estruturalmente idêntica à


digoxina, exceto pela presença (digoxina) ou ausência (digito-
Biodisponibilidade ~75% xina) de um grupo hidroxila na posição 12 do núcleo esteróide.
oral Essa modificação estrutural torna a digitoxina menos hidrofí-
Início de ação (via ~30 minutos lica do que a digoxina e altera significativamente a farmacoci-
intravenosa) nética do fármaco. Em particular, a digitoxina é metabolizada
Efeito máximo (via 1-5 horas e excretada primariamente pelo fígado; o fato de a sua depu-
intravenosa) ração não depender de excreção renal torna a digitoxina uma
alternativa apropriada da digoxina no tratamento de pacientes
Meia-vida 36 horas com IC que apresentam doença renal crônica. Entretanto, a
Eliminação Excreção renal de ~90%, digitoxina possui uma meia-vida muito longa (cerca de 7 dias)
proporcional à TFG até mesmo em comparação com a meia-vida longa da digoxina
Volume de Grande (~640 L/70 kg): liga-se ao (aproximadamente 36 horas).
distribuição músculo esquelético
AGONISTAS DOS RECEPTORES ␤-ADRENÉRGICOS
Os agonistas dos receptores ␤-adrenérgicos formam um grupo
com a digoxina, que são rapidamente eliminados do organismo. heterogêneo de fármacos que possuem especificidade diferen-
Foi constatado que os fragmentos Fab desses anticorpos (isto é, cial para subtipos adrenérgicos. As formulações inaladas dessas
a porção do anticorpo que interage com o antígeno) são menos medicações também são utilizadas com freqüência no tratamen-
imunogênicos do que a IgG antidigoxina e apresentam maior to da asma, conforme discutido no Cap. 46. No caso de todos
volume de distribuição, início mais rápido de ação e depuração esses fármacos, convém salientar que a ativação diferencial dos
aumentada, em comparação com a IgG intacta. subtipos de receptores é influenciada tanto pelo agente sele-
Intuitivamente, parece ser inadequado administrar digoxina cionado quanto pela dose administrada. Por exemplo, a dopa-
(um agente inotrópico positivo) e o antagonista ␤-carvedilol mina administrada em infusão lenta (2-5 ␮g/kg/min) exerce
(um agente inotrópico negativo) de modo concomitante. Entre- um efeito cardioestimulador global (produzido pelo aumento
tanto, foi constatado que ambos os fármacos proporcionam um da contratilidade e diminuição da RVS), enquanto o mesmo
benefício para pacientes com IC. Sabe-se que os antagonistas ␤ fármaco infundido em maior velocidade (>10 ␮g/kg/min) tem
reduzem a taxa de mortalidade em 30% ou mais em pacientes um impacto global que está relacionado, em grande parte, à
com IC. (Foi postulado que esses antagonistas dos receptores ativação dos receptores ␣1. Por conseguinte, é preciso consi-
anulam os efeitos cardiotóxicos da estimulação simpática crô- derar os efeitos farmacodinâmicos do agente (ver Quadro 19.4)
nica que pode ocorrer em pacientes com disfunção contrátil. no contexto do perfil hemodinâmico global do paciente; isso
Foi constatado que os antagonistas ␤ produzem alterações na freqüentemente exige a colocação de cateteres de monitoração
morfologia celular e na remodelagem das câmaras.) O mecanis- hemodinâmica para quantificar as pressões de enchimento intra-
mo subjacente ao benefício da digoxina IC não está totalmente cardíacas, a resistência vascular sistêmica e o débito cardíaco.
elucidado. Acredita-se que esteja relacionado com seu efeito Esta foi a razão pela qual, no caso descrito na introdução, os
positivo sobre a função contrátil e seus efeitos neuro-humorais. médicos de GW colocaram um cateter na AP antes de iniciar
Essa questão é discutida de modo mais detalhado no Cap. 24. a infusão com dobutamina.
Vários estudos clínicos randomizados de grande porte forne- Em geral, o uso clínico dos agentes inotrópicos simpatico-
cem um quadro consistente da eficácia clínica e das limitações miméticos é reservado para suporte a curto prazo da circulação
da digoxina. Esses estudos clínicos indicam que a interrupção em falência. Isso é atribuído ao perfil de efeitos adversos desses
da digoxina em pacientes com IC leva a um declínio do estado fármacos e às suas propriedades farmacodinâmicas e farmaco-
clínico, em comparação com pacientes que continuam tomando cinéticas. Em geral, os agentes simpaticomiméticos que estimu-
digoxina. Por exemplo, a interrupção da digoxina está associada lam os receptores ␤-adrenérgicos do miocárdio compartilham
a uma deterioração na capacidade de atividade física e a uma o perfil de efeitos adversos de taquicardia, arritmia e aumento
freqüência aumentada de hospitalização devido ao agravamen- do consumo de oxigênio do miocárdio. Esses fármacos também
to da insuficiência cardíaca. Entretanto, o uso de digoxina em induzem tolerância através da rápida infra-regulação dos recep-
pacientes com insuficiência cardíaca não possui um impacto tores adrenérgicos na superfície das células dos órgãos-alvo.
significativo sobre a sua sobrevida. Em resumo, embora não Além disso, as aminas simpaticomiméticas possuem baixa dis-
se tenha demonstrado que a digoxina possa melhorar a sobre- ponibilidade oral e são tipicamente administradas por infusão
vida, ela efetivamente diminui os sintomas, melhora o estado intravenosa contínua.
funcional e reduz a freqüência de hospitalização. Esses bene-
fícios clínicos podem proporcionar uma melhora significativa Dopamina
na qualidade de vida dos pacientes com IC.
Com freqüência, a digoxina também é utilizada para contro- A dopamina (DA) é uma amina simpaticomimética endógena
lar a freqüência ventricular em pacientes com fibrilação atrial que atua como neurotransmissor; além disso, trata-se de um pre-
de longa duração. Em virtude de seus efeitos bradicárdicos e cursor biossintético da norepinefrina e da epinefrina (ver Cap.
inotrópicos combinados, a digoxina é um fármaco particular- 9). A dopamina, quando administrada em baixas doses, exerce
mente útil para pacientes com IC e fibrilação atrial. um efeito vasodilatador na periferia, estimulando os receptores
dopaminérgicos D1 nos leitos vasculares renal e mesentérico.
Essa dilatação vascular regional diminui a impedância para a
Digitoxina ejeção ventricular esquerda (pós-carga). Quando administrada
A digitoxina é uma preparação digitálica utilizada com menos em doses intermediárias, a DA provoca vasodilatação mais dis-
freqüência e pode ser preferível à digoxina em circunstâncias seminada e maior redução da resistência vascular sistêmica,
312 | Capítulo Dezenove

embora a dilatação preferencial dos leitos renal e mesentérico ␣1. Como a formulação clínica inclui ambos os enantiômeros,
seja perdida nessa dose intermediária. A DA, quando utilizada as respostas hemodinâmicas opostas produzidas por esses
nessas doses intermediárias, também ativa os receptores ␤1, enantiômeros no receptor ␣1 anulam-se efetivamente. O efeito
com conseqüente aumento da contratilidade e da freqüência global predominante é de agonista nos receptores ␤1 cardíacos,
cardíaca. Em doses mais altas, a ativação dos receptores ␣1 com vasodilatação periférica moderada através da ação ago-
predomina na periferia, resultando em vasoconstrição generali- nista nos receptores ␤2 periféricos.
zada e aumento da pós-carga. A dobutamina é administrada na forma de infusão intra-
A dopamina deve ser administrada por via intravenosa, venosa contínua e titulada para obter o efeito clínico dese-
com estreita monitoração. É metabolizada rapidamente pela jado. A catecol-O-metiltransferase metaboliza rapidamente
monoamina oxidase (MAO) e pela dopamina ␤-hidroxilase a a dobutamina, de modo que a sua meia-vida circulante é de
metabólitos inativos, que são excretados pelo rim. Os pacientes apenas cerca de 2,5 minutos. A exemplo de todas as aminas
tratados com dopamina e inibidores da MAO concomitante- simpaticomiméticas com efeitos ␤-agonistas, a dopamina tem
mente apresentam uma diminuição do metabolismo da dopa- o potencial de induzir arritmias cardíacas. Na prática clínica, a
mina; nesses indivíduos, a dopamina pode provocar taquicardia taquicardia supraventricular e a arritmia ventricular de alto grau
significativa, arritmia e aumento do consumo de oxigênio do ocorrem menos freqüentemente com a dobutamina do que com
miocárdio. a dopamina. Com base nessa constelação de efeitos clínicos, a
A despeito de sua complexa farmacologia, a DA tem ampla dobutamina tornou-se o agente inotrópico simpaticomimético
aplicação clínica em pacientes com sepse e anafilaxia, isto é, de escolha para pacientes com insuficiência circulatória car-
síndromes nas quais a vasodilatação periférica constitui um diogênica aguda.
importante fator que contribui para a falência circulatória. Em
certas ocasiões, a DA é utilizada em doses baixas e intermediá- Epinefrina
rias em pacientes com choque cardiogênico ou IC. Todavia, o
seu uso na insuficiência circulatória cardiogênica foi suplan- A epinefrina (Epi) é um agonista adrenérgico não-seletivo que
tado, em grande parte, por fármacos alternativos (como dobu- é liberado de modo endógeno pelas glândulas supra-renais para
tamina e inibidores da fosfodiesterase), que possuem efeito sustentar a circulação. A administração exógena de Epi estimula
vasodilatador mais previsível na periferia e/ou menos tendência os receptores ␤1, ␤2, ␣1 e ␣2; o efeito final depende da dose. Em
a induzir taquicardia e arritmia ventricular. todos os níveis de dosagem, a Epi atua como potente agonista ␤1,
com efeitos inotrópicos, cronotrópicos e lusitrópicos positivos.
A Epi em baixa dose estimula predominantemente os receptores
Dobutamina ␤2 periféricos, causando vasodilatação. Todavia, em doses mais
A dobutamina é uma amina simpaticomimética sintética altas, a estimulação dos receptores ␣1 provoca vasoconstrição e
que foi desenvolvida na tentativa de otimizar os benefícios aumento da pós-carga. Em virtude desses efeitos, a Epi em alta
hemodinâmicos globais da ativação dos receptores ␤-adrenér- dose constitui um agente subótimo para pacientes com IC.
gicos em pacientes com insuficiência circulatória cardiogênica À semelhança de outros agonistas adrenérgicos, a epinefri-
aguda. De modo geral, a dobutamina aproxima-se do perfil na é primariamente administrada por via intravenosa, embora
hemodinâmico desejável de um agonista ␤1 “puro”. Entretanto, também possa ser administrada como agente inalado (para o
esse perfil não resulta da ativação seletiva dos receptores ␤1, tratamento da asma) ou por via subcutânea (para o tratamento
mas deriva do fato de que a formulação clinicamente disponível da anafilaxia). A epinefrina é rapidamente metabolizada a meta-
é uma mistura racêmica de enantiômeros que possuem efeitos bólitos, que são excretados pelos rins. A epinefrina, quando
diferenciais sobre subtipos dos receptores adrenérgicos. Ambos administrada em altas doses, pode causar taquicardia e arritmias
os enantiômeros (+) e (–) estimulam os receptores ␤1 e, em ventriculares potencialmente fatais.
menor grau, os receptores ␤2, porém o enantiômero (+) atua A principal aplicação clínica da Epi consiste na reanimação
como antagonista ␣1, enquanto o enantiômero (–) é um agonista da parada cardíaca, uma situação em que o objetivo imediato

QUADRO 19.4 Seletividade dos Receptores para Simpaticomiméticos


TIPO DE RECEPTOR
␣1 ␣2 ␤1 ␤2 D1
AUMENTO DA
FREQÜÊNCIA
CARDÍACA, VASODILATAÇÃO
VASOCONSTRIÇÃO INIBIÇÃO CONTRATILIDADE, VASODILATAÇÃO DOS VASOS
DOS VASOS PRÉ-SINÁPTICA RELAXAMENTO DOS VASOS RENAIS EM
AGENTE PERIFÉRICOS NA SINAPSE NE DIASTÓLICO PERIFÉRICOS BAIXAS DOSES
Dopamina + ++ ++ ++
Dobutamina +/– ++ +
Epinefrina ++ ++ ++ ++
Norepinefrina ++ ++ ++
Farmacologia da Contratilidade Cardíaca | 313

do tratamento consiste em rápida restauração da função circu- de 1960. A teofilina foi o primeiro inibidor da PDE a ser uti-
latória espontânea. Nessa situação clínica, os potentes efeitos lizado no tratamento da doença obstrutiva das vias aéreas (ver
inotrópicos e cronotrópicos da Epi suplantam a preocupação Cap. 46); entretanto, foi posteriormente observado que esse
relativa a seus efeitos adversos vasomotores periféricos. As fármaco possui benefícios inotrópicos possíveis.
indicações não-cardiovasculares da Epi incluem alívio do Apesar de o músculo cardíaco expressar múltiplas isoenzi-
broncoespasmo (através de relaxamento brônquico mediado mas da PDE, foi constatado que a inibição seletiva da PDE3
por ␤2), potencialização do efeito dos anestésicos locais (atra- possui efeitos cardiovasculares benéficos. Os inibidores rela-
vés de vasoconstrição local mediada por ␣1) e tratamento das tivamente seletivos da PDE3, a inanrinona e a milrinona,
reações de hipersensibilidade alérgicas. aumentam a contratilidade e a taxa e extensão do relaxamento
diastólico. Os inibidores da PDE3 também possuem efeitos
Norepinefrina vasoativos importantes na circulação periférica. Essas ações
periféricas ocorrem através de efeitos mediados pelo cAMP
A norepinefrina (NE) é o neurotransmissor endógeno libera- sobre o processamento do cálcio intracelular no músculo liso
do nas terminações nervosas simpáticas. A NE é um poderoso vascular, resultando em diminuição do tônus arterial e veno-
agonista dos receptores ␤1 e, portanto, sustenta o desempenho so. Na circulação arterial sistêmica, a vasodilatação resulta em
cardíaco tanto sistólico quanto diastólico. A NE também é diminuição da resistência vascular sistêmica (diminuição da
um potente agonista dos receptores ␣1 nos vasos periféricos, pós-carga); na circulação venosa sistêmica, o aumento da capa-
aumentando, portanto, a resistência vascular sistêmica. Durante citância venosa resulta em diminuição do retorno venoso para
a atividade física, a liberação de NE aumenta a freqüência e o coração (diminuição da pré-carga). A combinação do efeito
a contratilidade cardíacas, intensifica o relaxamento diastólico inotrópico positivo e da dilatação arterial e venosa mista levou
e sustenta a redistribuição do débito cardíaco longe dos leitos à designação dos inibidores da PDE como “inodilatadores.”
circulatórios não-críticos, através da vasoconstrição mediada À semelhança dos agonistas ␤, os inibidores da PDE pos-
por agonistas ␣1. suem utilidade clínica no suporte a curto prazo da falência grave
A NE por via intravenosa é rapidamente metabolizada pelo da circulação. A aplicação disseminada da inanrinona tem sido
fígado a metabólitos inativos. Em doses terapêuticas, a NE limitada pelo efeito adverso de trombocitopenia clinicamente
pode precipitar taquicardia, arritmias e aumento do consumo significativa, que ocorre em cerca de 10% dos pacientes. O
de oxigênio do miocárdio. Quando administrada a pacientes desenvolvimento de formulações orais de milrinona levou a
com disfunção contrátil, a NE tem tendência a causar taqui- um enorme entusiasmo na comunidade cardiovascular. Infeliz-
cardias, envolvendo tanto o nó SA quanto locais ectópicos nos mente, os estudos clínicos realizados com a milrinona demons-
átrios e ventrículos. Além disso, a vasoconstrição periférica traram um aumento estatisticamente significativo na taxa de
induzida pela NE aumenta a pós-carga, limitando, assim, o mortalidade de pacientes com insuficiência cardíaca; o aumen-
benefício inotrópico desse agente. O aumento da pós-carga to ultrapassou 50% em pacientes com sintomas mais graves
ocorre mais freqüentemente em pacientes que já recrutaram (NYHA Classe IV: sintomas em repouso). Embora os dados
respostas vasoconstritoras compensatórias (através de ativação iniciais de estudos clínicos com um terceiro inibidor da PDE,
simpático-adrenal e do sistema de renina-angiotensina–aldoste- a vesnarinona, tenham sugerido que esse fármaco pode ter um
rona). Todavia, a NE é freqüentemente utilizada para suporte impacto favorável na sobrevida de pacientes com IC avançada,
hemodinâmico agudo em pacientes com choque distributivo a revisão detalhada dos dados dos estudos clínicos completos
(por exemplo, sepse por bactérias Gram-negativas), na ausência também demonstrou um aumento da taxa de mortalidade no
de cardiopatia subjacente. grupo que recebeu tratamento.

Isoproterenol AGENTES SENSIBILIZADORES DO CÁLCIO


O isoproterenol é um agonista ␤-adrenérgico sintético com sele-
Os agentes sensibilizadores do cálcio, como a levosimendana,
tividade relativa pelos receptores ␤1. Os efeitos hemodinâmicos
constituem uma nova classe de agentes inotrópicos positivos
do isoproterenol caracterizam-se por uma resposta cronotrópica
em fase de investigação como possíveis agentes terapêuticos.
significativa. Os efeitos ␤2 do isoproterenol podem causar vaso-
Os sensibilizadores do cálcio, que possuem as mesmas ações
dilatação periférica e hipotensão. O isoproterenol não deve ser
“inodilatadoras” dos inibidores da PDE, aumentam a contratili-
administrado a pacientes com coronariopatia ativa, visto que
dade do miocárdio ao potencializar a sensibilidade da troponina
pode agravar a isquemia. O isoproterenol é utilizado raramente,
C ao cálcio. Esse efeito potencializador aumenta a extensão
mas pode estar indicado para pacientes com bradicardia refra-
das interações actina–miosina em qualquer concentração de
tária que não responde à atropina. Além disso, pode ser também
cálcio intracelular, sem aumento considerável no consumo de
administrado no tratamento da overdose de antagonistas ␤.
oxigênio do miocárdio. Na circulação periférica, a levosimen-
dana ativa os canais de K+ sensíveis ao ATP, com conseqüente
INIBIDORES DA FOSFODIESTERASE (PDE) vasodilatação periférica. Os dados preliminares dos estudos
clínicos realizados sugerem que a levosimendana melhora a
À semelhança dos agonistas dos receptores ␤-adrenérgicos, os hemodinâmica cardíaca na IC sistólica grave e pode reduzir a
inibidores da fosfodiesterase (PDE) aumentam a contratilidade taxa de mortalidade a curto prazo. A levosimendana está dis-
cardíaca, uma vez que elevam os níveis intracelulares de cAMP ponível em muitos países, porém ainda não foi aprovada para
(Fig. 19.4). Os inibidores da PDE inibem a enzima que hidrolisa uso nos Estados Unidos.
o cAMP, aumentando, assim, o cAMP intracelular e, indireta-
mente, a concentração intracelular de cálcio. Existem múltiplas
isoformas da PDE, e cada uma delas está associada a uma via n Conclusão e Perspectivas Futuras
de transdução de sinais distinta. Os inibidores inespecíficos da O conhecimento das bases celulares e moleculares envolvidas
PDE, como a teofilina, estão sendo estudados desde a década na contração miocárdica propiciou diversas estratégias farma-
314 | Capítulo Dezenove

cológicas visando aumentar a contratilidade do miocárdio em tezosentana, atenuam a progressão da disfunção VE e aumen-
pacientes com insuficiência cardíaca atribuível à disfunção tam a sobrevida em modelos animais de IC. O inibidor da PDE,
sistólica do ventrículo esquerdo. Através da inibição da bomba a vesnarinona, um agente inotrópico positivo que tem sido
de sódio, a digoxina aumenta os níveis intracelulares de cálcio associado a uma taxa aumentada de mortalidade nos estudos
e, por conseguinte, aumenta a força de contração. Esse fár-
clínicos conduzidos, está sendo atualmente examinado pelo seu
maco é, no momento atual, o único agente inotrópico oral larga-
mente utilizado na prática clínica. Embora a digoxina não tenha potencial anticitocina. Por fim, os métodos de terapia gênica
nenhum impacto demonstrável sobre a taxa de mortalidade de para aumentar a contratilidade incluem o fornecimento de genes
pacientes com insuficiência cardíaca, ela ajuda a aliviar os sin- com promotores cardíacos específicos, que alteram a produção
tomas e melhora a capacidade funcional. A digoxina também de proteínas contráteis, canais e reguladores no coração. No
diminui a velocidade de condução do nó AV, um efeito útil no momento atual, os candidatos mais promissores para terapia
tratamento de pacientes com fibrilação atrial e taxas de resposta gênica incluem a bomba de cálcio do RS, a fosfolamban e a
ventricular rápidas. Os agonistas dos receptores ␤-adrenérgicos troponina I cardíaca.
— incluindo as aminas endógenas dopamina, norepinefrina e
epinefrina e os agentes sintéticos, a dobutamina e o isopro-
terenol — atuam através da elevação do cAMP intracelular n Leituras Sugeridas
mediada pela proteína G, aumentando tanto a contratilidade do Gheorghiade M, Adams KF, Colucci WS. Digoxin in the management
miocárdio quanto o relaxamento diastólico. Este último efeito of cardiovascular disorders. Circulation 2004;109:2959–2964.
permite o enchimento adequado do ventrículo esquerdo durante (Revisão da farmacologia clínica da digoxina.)
a diástole, a despeito do aumento da freqüência cardíaca, que é Gheorghiade M, Teerlink JR, Mebazaa A. Pharmacology of new agents
estimulado por esses agentes. Os agonistas ␤ são administrados for acute heart failure syndromes. Am J Cardiol 2005;96:68G–73G.
por via intravenosa; esses fármacos proporcionam um suporte (Descrição das propriedades de muitos agentes ainda em investi-
hemodinâmico a curto prazo em pacientes com insuficiência gação para tratamento da insuficiência cardíaca aguda.)
circulatória cardiogênica. A utilidade a longo prazo desses
Lilly LS, ed. Pathophysiology of heart disease. 3rd ed. Baltimore:
agentes tem sido limitada pela ausência de uma formulação
Lippincott Williams & Wilkins; 2002. [Excelente introdução à
oral com biodisponibilidade aceitável e pelo seu perfil de efei-
medicina cardiovascular: os Capítulos 1 (Estrutura e Função Car-
tos adversos. Os inibidores da PDE, incluindo a inanrinona e
díacas Básicas), 9 (Insuficiência Cardíaca) e 17 (Fármacos de
a milrinona, atuam como agentes inotrópicos positivos e como
Ação Cardiovascular) correlacionam a fisiologia, a fisiopatologia
dilatadores arteriais e venosos mistos, aumentando os níveis de
AMP cíclico no coração e no músculo liso vascular. De modo e a farmacologia da função contrátil.]
semelhante, o aumento da mortalidade associado ao uso desses Stevenson, LW. Clinical use of inotropic agents for heart failure:
agentes a longo prazo restringiu o seu papel ao manejo a curto looking backward or forward. Part I: inotropic infusions during
prazo da IC grave. hospitalization. Circulation 2003;108:367–372. (Uso clínico dos
Novas classes de agentes farmacológicos cuja ação é aumen- agentes inotrópicos para a insuficiência cardíaca aguda descom-
tar a contratilidade do miocárdio estão em fase de investigação pensada.)
ativa. Esses agentes estão direcionados para uma variedade de Wehrens XH, Lehnart SE, Marks AR. Intracellular calcium release
alvos bioquímicos, incluindo os sistemas de sinalização que and cardiac disease. Ann Rev Physiol 2005;67:69–98. (Revisão
regulam a reabsorção de água (por exemplo, antagonistas dos dos conhecimentos atuais da fisiopatologia celular da insuficiên-
receptores de vasopressina) e a síntese de proteínas contráteis cia cardíaca.)
(por exemplo, neuregulinas cardíacas). Estratégias alterna- Zipes D, ed. Braunwaldʼs heart disease: a textbook of cardiovascular
tivas visam preservar a contratilidade do miocárdio ao inibir medicine. 7th ed. Philadelphia: WB Saunders; 2004. (Referência
os efeitos das citocinas pró-inflamatórias associadas à IC. Por enciclopédica que engloba uma boa avaliação dos agentes farma-
exemplo, os antagonistas do receptor de endotelina, como a cológicos, dos ensaios clínicos e das novas abordagens.)
Resumo Farmacológico Capítulo 19 Farmacologia da Contratilidade Cardíaca
Efeitos Adversos
Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas
GLICOSÍDIOS CARDÍACOS
Mecanismo — 1) No miocárdio, inibem a Na+/K+-ATPase da membrana plasmática, resultando em aumento da concentração citoplasmática de Ca2+, com conseqüente efeito inotrópico positivo; 2) no sistema nervoso
autônomo, inibem o efluxo simpático e aumentam o tônus parassimpático (vagal); 3) no nó AV, prolongam o período refratário efetivo e diminuem a velocidade de condução
O Fab imune antidigoxina é um fragmento de anticorpo que se liga à digoxina e a inibe
Digoxina Insuficiência cardíaca sistólica Arritmias (particularmente Fibrilação ventricular A digoxina apresenta numerosas interações medicamentosas
Digitoxina Arritmias supraventriculares, distúrbios da condução, Taquicardia ventricular significativas. A co-administração com beta-bloqueadores
incluindo fibrilação atrial, flutter com ou sem bloqueio aumenta o risco de desenvolvimento de bloqueio AV de alto
atrial e taquicardia atrial paroxística AV, CVP e taquicardias grau. Os beta-bloqueadores e os bloqueadores dos canais de
supraventriculares) cálcio anulam os efeitos inotrópicos positivos da digoxina.
Agitação, fadiga, fraqueza Os diuréticos perdedores de potássio e a hipocalemia
muscular, visão turva, predispõem à toxicidade da digoxina. Alguns antibióticos,
halo verde amarelado ao como a eritromicina, aumentam a absorção da digoxina. A co-
redor das imagens visuais, administração com verapamil, quinidina ou amiodarona pode
anorexia, náusea, vômitos aumentar os níveis de digoxina
Tratar a toxicidade da digoxina através da normalização
dos níveis plasmáticos de potássio ou uso de anticorpos
antidigoxina nos casos graves
A doença renal crônica exige uma redução da dose de ataque e
da dose de manutenção da digoxina
Não foi constatado que a digoxina melhora a sobrevida; ela
atenua os sintomas e melhora o estado funcional
A digitoxina sofre metabolismo hepático e excreção biliar
Fab imune antidigoxina Toxicidade digitálica potencialmente Insuficiência cardíaca, Nenhuma contra-indicação conhecida Manter o equipamento de reanimação disponível durante a
fatal anafilaxia Utilizar com cautela em pacientes alérgicos administração de Fab imune antidigoxina
Toxicidade da digoxina aguda, em a proteínas ovinas
que não se conhece a quantidade
ingerida nem o nível sérico de
digoxina
AGONISTAS BETA-ADRENÉRGICOS
Mecanismo — Aumentam o cAMP ao ativar os receptores adrenérgicos acoplados à proteína G; os agonistas, que atuam nos receptores ␤1-adrenérgicos cardíacos, possuem efeitos inotrópicos, cronotrópicos e
lusitrópicos positivos
Dopamina No choque distributivo ou Bradicardia, crises de Feocromocitoma A dopamina em baixas doses provoca vasodilatação na
cardiogênico, utilizar como asma, alargamento do Taquiarritmias não-corrigidas periferia ao estimular os receptores dopaminérgicos D1 nos
adjuvante para aumentar o débito complexo QRS, arritmias Fibrilação ventricular leitos vasculares renal e mesentérico
cardíaco, a pressão arterial e o fluxo cardíacas As doses intermediárias produzem vasodilatação disseminada
urinário Hipotensão, hipertensão, através da estimulação dos receptores D1 e aumento da
Tratamento a curto prazo da palpitações, taquicardia contratilidade e da freqüência cardíaca através da ativação dos
insuficiência cardíaca crônica receptores ␤1
refratária grave A dopamina em altas doses provoca vasoconstrição
generalizada através da estimulação dos receptores α1
A co-administração com inibidores da MAO resulta em
diminuição do metabolismo da dopamina, podendo levar ao
desenvolvimento de taquicardia e arritmias significativas
Dobutamina Tratamento a curto prazo da Iguais aos da dopamina, Estenose subaórtica hipertrófica idiopática Mistura racêmica de enantiômeros, que possui efeitos
Farmacologia da Contratilidade Cardíaca

descompensação cardíaca secundária exceto que as arritmias diferenciais sobre os subtipos de receptores adrenérgicos; o
à depressão da contratilidade cardíacas ocorrem com efeito global é predominantemente ␤1 e com efeito ␤2 modesto
|

(choque cardiogênico) menos freqüência Agente inotrópico simpaticomimético de escolha para


pacientes com insuficiência circulatória cardiogênica aguda
A dobutamina induz menos taquicardia supraventricular e
315

arritmia ventricular de alto grau do que a dopamina


(Continua)
Resumo Farmacológico Capítulo 19 Farmacologia da Contratilidade Cardíaca (Continuação)
316

Efeitos Adversos
|

Fármaco Aplicações Clínicas Graves e Comuns Contra-Indicações Considerações Terapêuticas


AGONISTAS BETA-ADRENÉRGICOS
Mecanismo — Aumentam o cAMP ao ativar os receptores adrenérgicos acoplados à proteína G; os agonistas, que atuam nos receptores ␤1-adrenérgicos cardíacos, possuem efeitos inotrópicos, cronotrópicos e
lusitrópicos positivos
Epinefrina Broncoespasmo Arritmias, incluindo Trabalho de parto ativo Agonista não-seletivo dos receptores ␤1, ␤2, α1 e α2
Reação de hipersensibilidade, fibrilação ventricular, Glaucoma de ângulo fechado A epinefrina em altas doses pode causar taquicardia e arritmias
choque anafilático hemorragia cerebral, Choque (distinto da anafilaxia) ventriculares potencialmente fatais
Reanimação cardíaca hipertensão grave Lesão cerebral orgânica
Capítulo Dezenove

Hemostasia (uso tópico) Cefaléia, nervosismo, Arritmias cardíacas


Prolonga o efeito anestésico local tremor, hipertensão, Insuficiência coronariana
(uso local) palpitações, taquicardia Hipertensão grave
Glaucoma de ângulo aberto Aterosclerose cerebral
Congestão nasal
Norepinefrina Suporte da pressão arterial nos Iguais aos da epinefrina Trombose vascular periférica Agonista não-seletivo nos receptores ␤1, α1 e α2
estados hipotensivos agudos Hipoxia profunda Pode causar taquicardias envolvendo o nó SA ou focos
(choque) Hipercapnia atriais ou ventriculares ectópicos em pacientes com disfunção
Limita o sangramento GI através Hipotensão resultante da perda de volume contrátil
de administração intraperitoneal ou sangüíneo Evitar a co-administração com inibidores da MAO ou
nasogástrica amitriptilina ou antidepressivos do tipo imipramina, devido ao
risco de hipertensão grave
Isoproterenol Tratamento de emergência das Iguais aos da epinefrina Taquicardia causada por intoxicação Agonista ␤ não-seletivo nos receptores ␤1 e ␤2
arritmias (IV) digitálica O isoproterenol pode ser útil no tratamento de pacientes com
Bradicardia hemodinamicamente Angina de peito bradicardia refratária que não responde à atropina, bem como
significativa, resistente à atropina no tratamento de pacientes com overdose de antagonistas ␤
(IV) Não administrar a pacientes com coronariopatia ativa
Bloqueio cardíaco e choque (IV)
Broncoespasmo (inalação)
INIBIDORES DA FOSFODIESTERASE (PDE)
Mecanismo — Aumentam o cAMP ao inibir as enzimas PDE que o hidrolisam; nos miócitos cardíacos, os inibidores da PDE possuem efeitos inotrópicos e lusitrópicos positivos; os inibidores da PDE também relaxam o
músculo liso vascular e, por conseguinte, diminuem a pré-carga (venodilatação) e a pós-carga (dilatação arteriolar)
Teofilina Ver Resumo Farmacológico: Cap. 46
Inanrinona Tratamento a curto prazo da Arritmias ventriculares Esses agentes não devem ser utilizados A co-administração de disopiramida pode causar hipotensão
Milrinona falência grave da circulação em Trombocitopenia (maior em lugar da intervenção cirúrgica para grave
Vesnarinona pacientes refratários ao tratamento incidência com a pacientes com doença valvar estenótica O uso da inanrinona é limitado pela ocorrência de
convencional inanrinona do que com a Fase aguda do infarto do miocárdio trombocitopenia em 10% dos casos
milrinona) Dispõe-se de uma formulação oral de milrinona; o uso da
Neutropenia e milrinona está associado a um aumento estatisticamente
agranulocitose reversíveis significativo na taxa de mortalidade de pacientes com
(vesnarinona) insuficiência cardíaca
O benefício da vesnarinona em termos de sobrevida é
controvertido
AGENTE SENSIBILIZADOR DO CÁLCIO
Mecanismo — Aumenta a sensibilidade da troponina C ao cálcio, o que aumenta a extensão das interações actina–miosina, sem aumento considerável no consumo de oxigênio do miocárdio
Levosimendana Ainda não aprovada para uso nos Hipotensão e taquicardia Hipersensibilidade à levosimendana ou à Os dados preliminares sugerem que a levosimendana–melhora
Estados Unidos reflexa relacionadas com simendana racêmica a hemodinâmica cardíaca na IC sistólica grave, podendo
a dose reduzir a mortalidade a curto prazo
Náusea, cefaléia

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