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Copyright © 2023 MAEVE BURNS.

EDITORA FRUTO PROIBIDO


Esta é uma obra de ficção. Quaisquer nomes, personagens, lugares e eventos são produtos da
imaginação do autor, e qualquer semelhança com eventos, lugares ou pessoas reais, vivas ou
mortas, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa. São proibidos o
armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios —
tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.

REVISÃO:
Talibah Casillas
Editora Fruto Proibido
CAPA:
Bruna Silva
@capistabrunasilva
DIAGRAMAÇÃO:
Larissa Chagas
@lchagasdesign
Aviso de conteúdo
Nota da autora
Epígrafe
Playlist
Prólogo
01. Dele
02. Atração
03. Beijo
04. Provocações
05. Ciúmes
06. Rainha
07. Ausência
08. Escapismo
09. Selvagens
10. Castigo
11. Perseguição
12. Diabo
13. Fatal
14. Meu garoto
15. Álibi
16. Retiro
17. Pesadelo
18. Nevoeiro
19. Inimigos
20. Revelação
21. Confissões
22. Vingança
23. Mentira
24. Protetor
25. Presente
26. Pride
27. Recaída
28. Amor
29. Paixão
30. Furação
31. Fantasmas
32. Abra a porta
33. Presa
34. Minha
35. Diário
37. Tinker
38. Sim ou não?
Epílogo
Agradecimentos
Este é um Dark Romance, seu conteúdo é adulto e gráfico, o que não é adequado para
todos os públicos. Os avisos de gatilho incluem: tortura física explícita, assassinato, crises de
pânico e ansiedade, acidentes, consumo excessivo de álcool, violência gráfica, perseguição,
abandono emocional, dependência, vício.
Se você é sensível a esse tipo de leitura, por favor, esteja ciente do aviso.

Essa obra não era para existir. Que a verdade seja dita, eu peguei algo que escrevi no site de
fanfics Spirit e decidi adaptar para o que eu gostaria de ler, mas percebi que muitas também
tinham um gosto peculiar em caras com redenção obcecados pelas suas garotas. Eu me apaixonei
escrevendo cada linha, me apaixonei por personalidades que só existem aqui, criei um homem
que faz tudo por quem ama mesmo sem saber amar, uma mulher que evoluiu a cada página e
agora estará na cabeça de vocês. Isso não é um reconto de Hades, mas como uma fã da
mitologia, haverá algumas semelhanças. Eu espero que gostem do meu primeiro e grande amor,
confio ele a vocês.
“O inferno pode abrir e vir a te engolir,
minha rainha, eu irei atrás de você por onde for.”
“A quem viveu muitos momentos, conheceu tantas pessoas e lugares, mas é a primeira vez que
acha um lugar que realmente deseja ficar.”
The Neighbourhood - A Little Death
Maroon 5 - Animals
Panic! At The Disco - House of memories
Hippie Sabotage - Devil's eyes
The Fray - Look After You
Camila Cabello - Shameless
Jay Z & Kanye West - Why I love you
Lord Huron - The Night We Meet
SOMO - Or Nah
Sam Tinnesz - Play With Fire
Vancouver - Someone To Stay
Não é certo dizer, mas de uma coisa todos tem certeza: ele não é uma criança normal.
O garoto mantém os olhos fixos na menina à sua frente como se apenas ela existisse em seu
mundo, nada importa ao seu redor. Mas como uma criança de seis anos teria uma paixão louca
por outra que apareceu agora em sua vida? Ou talvez não seja paixão, obsessão, sim.
Hades segura as mãos de sua mãe, que está emocionada com a chegada da menina, ele
também choraria com tamanha beleza da pequena Heather. Cabelos escuros presos em um
coque, olhos verdes como uma esmeralda e a pele branca como a neve, suas bochechas estão
rosadas, parecem de porcelana.
Nesse momento ele fez uma promessa para si mesmo, a de nunca deixar que alguém a
quebre. Ao redor, tudo parece em silêncio. Hades sempre menosprezou os assuntos ao redor e
ninguém chama tanto a sua atenção quanto essa menina, nem mesmo os filhos dos seus vizinhos,
que mais tarde viriam a ser seus amigos, lhe interessavam tanto.
É algo novo, sua primeira obsessão, ou seria seu primeiro amor? Talvez nunca saibamos.
— Mamãe. — Ele puxa a mão de sua mãe, Eloah. Ela desce seus grandes olhos verdes para
ele. — Quem é ela?
Eloah parece gostar da curiosidade do seu filho, visto que ele quase nunca se interessa por
ninguém. Utilizando um lenço para limpar suas lágrimas, ela se recompõe para respondê-lo:
— Essa é Heather, querido.
— Venha conhecê-la — Louise, mãe da pequena Heather, o chama.
Hades solta rapidamente a mão de sua mãe e, sem tempo a perder, caminha apressado até a
garotinha que, aos poucos, vai se escondendo atrás das pernas de Louise.
O menino não entende por que está com raiva e, ao mesmo tempo, cheio de uma enorme
curiosidade sobre ela, ele quer conhecê-la, quer tocar em seu rosto e ver o quão real ela é, mesmo
que esteja confuso por dentro.
Talvez fosse a beleza de Heather? Talvez por nunca ter se interessado tanto em conhecer
alguém até a chegada dela?
Heather não é muito de falar e esse é seu primeiro contato com outras crianças, e ele é a
primeira coisa em que seus olhos grandes focaram, Hades. Como se Heather soubesse o que a
esperava, ela permanece escondida para não falar nada.
— Ela é minha — Hades diz sem desviar os olhos dos dela.
Todos ao redor dão risada, aliás, gargalharam alto com a ousadia do garoto de apenas seis
anos. Mas Hades não riu, nem mesmo Heather, que se limitou a apenas lança um olhar furioso
para ele.
— Ah é, pirralho? — diz o pai de Heather, Liam, agachando-se. — Ela é minha primeiro, e
você vai ficar longe do meu bebê.
Um sorriso se curva no rosto do homem que espera uma reação malcriada ou alguma
expressão forte do garoto.
— Vamos ver — Hades rebate, e o sorriso de Liam se desmancha.
Hades não parece o tipo de criança que esquece, e Heather, de alguma forma, sabe o que a
aguarda.
(Onze Anos Depois)

Desde que mamãe viajou com a tia Eloah, virou um evento raro ter paz em casa. As duas
decidiram ir para um retiro espiritual há duas semanas em busca de sabedoria para se
reconciliarem, sem que haja divergências futuras, mas a droga desse retiro é em uma ilha longe
de qualquer sinal de civilização e, pelo pouco que meu pai disse, sem sinal de celular. Desde
então, nossa casa virou um grande vazio.
Papai costuma viajar mais do que ficar em casa, e Maria, a nossa governanta, sempre está
ocupada procurando algo para fazer. Hoje o vazio não é tão sufocante porque meu irmão, Kairon,
decidiu fazer uma festa em seu último dia de férias, com a desculpa de que todos teriam que ir de
ressaca para o primeiro dia de aula, do nosso último ano letivo.
Confesso que, mesmo adorando festas, estou morrendo de cólica, e implorei para que uma
das minhas melhores amigas, Noemia, viesse assistir ao filme comigo e nem pensasse na
comemoração do lado de fora.
Apenas depois de me humilhar, ela aceitou.
— Não quero pessoas aqui dentro, ou eu gravo você fumando maconha e envio para o papai
— ameaço meu irmão, enquanto despejo a pipoca em um recipiente maior.
— Me ameace com outra coisa, isso aí ele já viu pessoalmente — Kairon diz, balançando os
ombros.
Ele pega um punhado de pipoca, eu solto o pote e dou um tapa na sua mão.
— Drogado filho da…
— Mas vocês já estão brigando? Saiam da minha cozinha, eu levo isso quando os
convidados chegarem. — Maria adentra o cômodo aos gritos.
Ela começa a nos empurrar para o corredor, xingando baixinho e fechando a porta logo atrás
de nós.
— Chamou muitas pessoas? — pergunto, enquanto ele caminhava na minha frente, todo
despreocupado e com as mãos no bolso.
Eu coloco meu pé entre suas pernas, a fim de derrubá-lo, mas ele desvia com um pulo. Dou
risada de seu reflexo rápido, então envolvo a sua cintura com um abraço, levando um tempo para
inspirar seu cheiro pós-banho. Por mais que eu e Kairon tenhamos nossas diferenças, eu amo
meu irmão e tudo que ele representa para mim.
Eu só não contaria isso para ele.
— Muitas pessoas — ele diz.
— Quero nomes.
— Uma boa parte da escola e meus amigos. — Kairon me encara. — O Elliot, Magnus e...
— Ele dá uma leve pausa quando chegamos ao final do corredor de onde é possível ver o hall de
nossa casa e as escadas para o segundo andar. — Hades.
Solto Kairon assim que o nome sai de sua boca, procurando não olhar para o garoto que ele
vai cumprimentar. Porra, todo meu corpo estremece e sinto o medo me consumir. Leva tudo de
mim não transmitir isso ao encarar o meu maior pesadelo, mas é difícil quando recebo um olhar
intenso, ele está bem na frente.
Aqui vai uma coisa impossível: conseguir me acostumar com sua presença forte e essas
sensações frequentes. Chega a ser patética a facilidade com que Hades tem poder sob cada parte
do meu corpo, mesmo que eu o despreze fortemente. Já ficou claro que meu corpo é um maldito
traidor, assim como meu irmão, que convidou este homem aqui.
Desde que me conheço por gente, papai diz para me manter longe dele. Mas, em alguns
momentos, Hades me teve mais do que devia, e hoje me arrependo. Ou pelo menos é isso que
repito, pois não quero cair novamente naquele olhar de Liam, o olhar de desprezo.
Mesmo fugindo de qualquer contato, eu sempre observo Hades. Ele sempre atraiu muita
atenção por sua altura, tem um metro e oitenta e nove, cabelos escuros, assim como seus olhos,
sua pele é branca, mas como havia voltado das férias em Ibiza recentemente, está um pouco mais
avermelhado, e com o corpo escultural. Ele é obcecado em se manter em movimento, algumas
atividades são simplesmente para que ele não fique parado, ou melhor, para que não fique em
casa.
Hoje ele usa calça jeans, regata e jaqueta preta, um coturno da mesma cor e seu cabelo
desgrenhado está um pouco molhado. Eu entendo sua boa fama no meio das mulheres e a odeio
porque conheço esse lado de perto, posso afirmar que Hades é irresistível. Ele é bonito demais
para permanecer na face da Terra, e eu adoraria que ele fosse para o inferno e levasse toda essa
tentação consigo.
Mesmo que Hades tenha uma má fama aos meus olhos, ainda assim é adorado por todos, e
suspeito que ele usa de chantagem para chegar neste resultado, já que não é nada bom ou sequer
simpático.
Na realidade, suspeito que a única pessoa que conheceu o seu lado bom foi eu. Mesmo que
hoje já não tenha certeza se algo daquilo foi real, talvez ele tenha apenas me enganado para
conseguir o que queria.
As pessoas não recebem muito de Hades, não se vê uma expressão, reação ou qualquer outra
coisa. E agora, depois de bastante tempo sem experimentar o lado bom, começo a acreditar que
também tenho o seu lado ruim, como sua obsessão em me seguir, me encurralar ou me fazer
correr dele pelos corredores.
— Tinker. — Elliot me tira das minhas lembranças adormecidas, eu sorrio quando o vejo
caminhando para me abraçar. Eu abro meus braços para retribuir seu carinho.
Tinker é o apelido que ele usa para me lembrar do meu fracasso, o nome surgiu de como fui
um desastre na peça do Peter Pan. Houve uma época em que teimei em fazer teatro, eu amava
tanto o filme Peter Pan que consegui com que me colocassem na peça como Tinker Bell. No dia
da apresentação, eu perdi a peruca loira e tive que fazer com meus cabelos escuros e soltos, tudo
deu muito errado e meu apelido ficou marcado.
Todos me chamam de Tinker.
Menos Hades.
— Você odiaria se eu abraçasse a Ava desse jeito, não é? Ou eu deveria chamá-la para sair?
— Hades diz, sua voz rouca me causa arrepios. — Sem contato físico, merdinha.
Elliot se distancia quando Hades ameaça dar um passo em nossa direção.
— Ah, não fode, Diabo — Elliot diz, revirando os olhos para o garoto. — Como foram as
férias nos Hamptons?
— Eu tive insolação e fiquei quase todo mês no quarto, e como foi em Ibiza? — Seu olhar
vai para Hades, que o fuzilava, pode ser por sua aproximação ou por falar de Ibiza. Eu nunca vou
saber.
— Você nunca dá sorte nas férias. — Elliot passa o braço em meu ombro e se aproxima do
meu ouvido. — Foi muita putaria — sussurra, mas logo se afasta. — Foi uma merda, Heather,
não teve quase nada.
Eu gargalho com o quão sonso ele consegue ser e, também, porque é ótimo em ignorar
Hades, uma coisa que eu não consigo fazer desde muito tempo, já que sempre acabo encontrando
seu olhar no meu. Porém, eu não consigo sustentar por muito tempo, é impossível olhar para ele
e não sentir tudo aquilo que ficou no passado vindo à tona. Ainda mais quando ele é alguém tão
em branco e indecifrável, que não transparece nada, mas, ao mesmo tempo, me faz sentir tudo.
Eu conheço Hades faz muito tempo, de qualquer forma. Eu o enxergo de verdade e sei mais
coisas sobre ele do que o próprio é capaz de imaginar.
— Eu não demorei, né? — Noemia chama minha atenção ao entrar ofegante, ela vem em
minha direção, mas para e olha para os garotos. — Os convidados já começaram a chegar.
Eles vão saindo em direção a porta dos fundos, Nono e eu subimos as escadas para o meu
quarto enquanto ela ajeita seu cabelo em um coque. Noemia tem a aparência angelical, seus
cabelos têm a mesma cor dos seus olhos, um castanho escuro, com algumas luzes em tom de
mel. Noemia também é bem mais alta que eu, por isso conseguiu entrar para o time do vôlei.
Todos nós moramos no mesmo condomínio de casas, alguns têm preguiça e vem de carro,
outros a pé. Só que, infelizmente, a casa de Hades fica de frente para a minha e todos os dias eu
tenho que ser atormentada pela sua existência do outro lado dessa propriedade.
— Você soube de Ibiza? — ela pergunta atrás de mim. Pelo visto todos estão comentando
sobre isso.
— Não, eu fui com minha mãe para Hamptons, somente Kairon foi a Ibiza.
Eu abro a porta do meu quarto e vou direto para o banheiro, não via a hora de tirar a roupa e
me lavar. Noemia continuou no quarto. Depois de me despir, entrei debaixo do chuveiro.
— Soube que Kairon e Hades dormiram com Olivia — sua voz soa distante. A revelação me
pega de surpresa, acordando um monstro antigo que tenho escondido no meu peito.
Eu não devo me importar com o que Hades faz, sua vida não tem nada a ver com a minha,
mas sinto algo em mim queimar de raiva e indignação ao escutar que ele estava com outra, e pior
ainda… com Olivia.
Depois que termino, caminho até o quarto, enrolada em um roupão. Encontro Nono
observando pela sacada a festa no quintal, sua cara não é das melhores e eu não vou fazer o
mesmo que ela e alimentar essa necessidade dentro de mim. Não vou procurar por aquele olhar
esta noite.
— Nono, você vai ter que aguentar o que Kairon faz ou finalmente se declarar para ele. —
Eu visto meu pijama e paro para pensar no quanto essas duas opções são péssimas.
— Morrerei muda. — Ela caminha até minha cama.
Nono se joga de cara no colchão, resmungando mais alguma coisa que eu sequer me dou o
trabalho de tentar entender. Vindo dela, tudo é ainda mais complicado, principalmente quando
meu irmão está incluído. É difícil compreender os sentimentos dela por ele.
Fala sério, eu mal consigo entender os meus.

Enquanto Maria arruma as comidas na sala de cinema, percebo que esqueci meu celular no
quarto. Deixo Noemia afogando suas mágoas nos salgadinhos com a cerveja que roubou de
Kairon e corro para o andar de cima.
Em tempos de tecnologia, eu sinto que ficaria em abstinência se passasse mais de dez
minutos sem mexer no celular, ou pior, poderia morrer.
A música do lado de fora é abafada pelas janelas fechadas, e mal se ouvia da sala de cinema.
Pela vista da minha janela, eu consigo ver que o lugar está enchendo. Aos poucos mais pessoas
vão chegando, está na cara que isso não vai dar certo.
Alguns rostos são conhecidos, e outros nem tanto. Meu coração dá um salto de susto e
saudades quando percebo que estou procurando por Hades, mas não o encontro. Desde o que
aconteceu entre nós, eu o procuro em todos os lugares que estou. Eu faço isso apenas para olhá-
lo e me martirizar com todas as coisas não esclarecidas. É isso, eu sempre procuro por ele como
uma viciada, tentando encontrar de volta o que ele nunca me entregou por anos, o que ele apenas
fingia me dar.
Eu fecho a cortina, silenciando esse sentimento antes que eu seja devorada. Volto para o
andar de baixo sem pensar muito no Diabo. Mas falando nele...
Travo meus passos assim que o encontro encostado na parede no meio do corredor, ele está
com as mãos no bolso e a pouca iluminação o deixa... Sombrio. Essa é sua maior descrição, e
ficar sozinha com algo sombrio nunca é bom.
— Você não falou comigo quando cheguei, está com raiva, minha rainha? — sua voz grave
invade o ambiente, eu mergulho nas sensações que ele me causa.
Rainha, é assim que Hades me chama, deixando claro o que eu significo para ele. Isso me
deixa confusa, pois é óbvio que ele está mentindo e me enganando, e pior, eu sempre acredito em
suas palavras para me alimentar com migalhas do que éramos antes.
— Não, você é insignificante para mim — falo firme, enchendo minha boca com essa raiva
que guardo pelo que fez comigo. Eu levanto a cabeça para não me submeter a sua maldade uma
segunda vez. — Eu não te daria esse gostinho.
Receosa, mas sem querer demonstrar, tomo coragem para tentar passar por ele. Isso não
acontece. Hades me puxa e me empurra contra a parede, ele toma apoio no seu antebraço,
deixando-o ao lado da minha cabeça.
Jesus Cristo, ele tem um cheiro tão familiar e impregnante, e agora está misturado com o
aroma da praia. Meus lábios tremem e eu os pressiono para esconder o quanto essa aproximação
ainda me abala.
— Você sabe que quanto mais bate, mais eu vou querer, não é? Eu adoro sua falsa
resistência, mas odeio seu desdém comigo — ele diz em seu tom controlado, seu hálito de menta
bate em minha bochecha.
— Quando você vai entender que você não tem mais controle sobre mim? — enfatizo,
deixando claro que não pretendo voltar a ser aquela Heather ingênua que caiu na sua enganação.
Uma vez que meus olhos foram abertos, eles vão permanecer assim.
— Quando você entender que é minha. — Hades sorri, os dentes perfeitamente alinhados e
brancos. Eu fecho minhas mãos em punho. — E agora está crescida o suficiente para eu te
mostrar o quanto isso é verdade.
Hades se curva, se aproximando o suficiente para que eu pense que vai me beijar. Eu prendo
a respiração. Mesmo com a pouca luz no corredor, consigo ver com clareza o seu olhar intenso
que faz meu corpo ferver. Viro o rosto, fechando meus olhos e torcendo para que ele vá embora.
— Você é minha, e qualquer um que te tocar será um homem morto — ele sussurra perto do
lóbulo de minha orelha.
Eu fico inerte, até que finalmente não sinto mais sua presença. Minhas pernas parecem que
vão ceder a qualquer momento, e minha cabeça está doendo. Eu sei que isso é devido ao esforço
de lutar contra ele e tudo que uma vez significou para mim.
Hades é como uma avalanche de sentimentos bons e ruins, e nela me sinto sufocada pelo
medo de trazer de volta o sentimento que enterrei naquele dia, mas tudo que vem dele é intenso
ao ponto de desenterrar novamente, ou florescer tudo de novo com mais intensidade.
Eu estou de ressaca. Prometi que não iria beber, mas acabei cedendo a vodca do bar que
havia em casa, e que provavelmente era a que mamãe adorava usar para fazer seus drinks. Bom,
essa garrafa agora não existe mais.
Quando Hades saiu, me deixando atordoada com mais uma de suas ameaças, me senti
impotente o suficiente para que acabasse com a bebida quente, da qual eu nem sou tão fã assim,
mas que conseguiu levar qualquer vestígio do que eu estava sentindo.
Na primeira dose, eu ainda lembrava de suas palavras.
Na terceira, era um pensamento distante, mas ainda se repetia em minha cabeça. Na sexta,
eu não sabia quem era Hades, os efeitos do álcool tinham me deixado satisfeita.
Mas na nona dose, doeu saber que ele ficou com outra.
Mesmo que eu nem tenha visto, ou que ele não tenha jogado na minha cara que fez, no
fundo ainda pensava que ele não seria capaz disso.
Então o que me conforta é que esse ano seria o último, chega de ter medo, de correr toda vez
que ele se aproxima. Ele causou isso, ele destruiu tudo e eu não me esconderia mais. Na teoria,
parece ótimo, mas não sei como conseguirei passar por esse teste físico.
— Vamos. — Sobressalto, sentindo minha cabeça latejar com o grito de papai na entrada.
Sua voz é distante, mas, mesmo assim, sinto que esse é meu fim.
Eu me levanto da mesa do café e dou um tapa na nuca de Kairon, ele levanta a cabeça com
um óculos-escuro todo torto em seu rosto. Se eu acendesse um isqueiro perto dele, com certeza
pegaria fogo, ele exala álcool e, sendo bem sincera, eu não estou muito diferente.
Pego minha mochila e caminho em direção a entrada, vendo Liam, meu pai, de pé ajeitando
seu terno. Seus cabelos grisalhos estão penteados para o lado, seu porte é de alguém que malha
constantemente, ele tem uma certa fissura em querer se manter em forma. O típico homem que
tem horror de envelhecer. E dizem as más línguas que ele é muito bonito.
Sinto informar, mas a beleza não apaga o quão maldoso ele é. Palavras de Ava e Noemia.
No fundo, eu sempre espero algo de bom dele. Sempre.
— Devo chegar para o jantar — nos avisa enquanto caminhamos para fora.
— Não precisa gritar — Kairon resmunga.
— Mesmo se eu falasse baixo, sua ressaca te diria o contrário, imprudente. — E caminha até
seu SUV, nos deixando para trás assim que dá a partida.
— Acho que alguém tá de mau-humor — meu irmão sussurra enquanto me cutuca com seu
ombro.
Estalo a língua no céu da boca e olho para Kairon, que digita algo em seu celular. Seu carro
ainda está no conserto e eu não tenho um, nunca me interessei em aprender a dirigir. E bom,
meus amigos têm carros, por que eu gastaria com aplicativo de motorista?
— Quem vai te dar carona? — falo um pouco alto de propósito. Ele levanta o olhar por cima
dos óculos, com raiva.
Só não nos chamam de gêmeos pelas inúmeras diferenças. Kairon tem a cor dos olhos em
um castanho não muito claro, mas que ao sol ficam um mel lindo, o cabelo é tingido em preto,
deixando-o bem cortado e com seus pequenos cachos arrumados. Sua pele é de uma cor ocre,
muito parecida com a luz marrom suave.
Mesmo não sendo meu irmão de sangue, ainda sim é como se fosse. Meu irmão e eu nos
entendemos com um olhar e isso me fascina, temos nossos segredos, mas isso é o de menos. Ele
foi adotado assim que chegamos na cidade quando eu tinha seis anos e ele sete, foi amor à
primeira vista.
— Hades.
Meu sorriso desmancha, enquanto revejo meus sentimentos por ele.
— Passo.
— Você sabe que não tem como escapar dele, né?
— E você sabe que era para me defender dele, não é? — retruco com o óbvio, ele balança o
ombro em desdém.
— Você e o Diabo que se entendam. Esqueci meu fone, já volto. — Kairon corre para dentro
de casa.
Caminho para fora dos portões, isso não é algo que eu goste de pensar, eu sei que não posso
escapar agora, mas muito em breve poderei. Lembro de quando me deixei cair como uma boba
em suas palavras bonitas e intensas, de quando ele sempre me mostrava que eu sentia sim algo
por ele. Me arrepio, lembrando de como ele me perseguiu naquela primeira noite. A brincadeira
do Abate sempre foi minha preferida.
Levanto meu olhar quando o portão da casa de Hades se abre e dali sai seu Audi R8, sempre
muito exagerado quando o assunto é mostrar que tem muito dinheiro. Seu cabelo desgrenhado dá
o ar de badboy que desmancha qualquer garota, seu braço apoiado na janela enquanto o outro
maneja o carro perfeitamente. Ele para bem na minha frente e me olha de cima a baixo, seu olhar
escurecendo quando para em meus seios, fazendo com que eu os olhe também, percebendo dois
botões soltos.
Merda. Logo os que mostram uma parte de meu sutiã de renda branca. Me apresso para
fechar e puxar o blazer do uniforme, fechando-o também.
— Faz tempo que não vejo o que tem debaixo dessa roupa — sua voz soa rouca, como quem
acabou de acordar. Não sei por que ainda tenho sensações apenas com isso. — Imagino as
mudanças, imagino tantas coisas com você.
Ele batuca a lataria de seu carro e passa a língua entre os lábios, os umedecendo. Penso se
essa não seria a hora de correr, já que ele parece pronto para me devorar.
— E isso vai continuar apenas na sua imaginação — rebato, torcendo para que meu irmão
volte logo.
O desprezo pinga de cada palavra direcionada a Hades.
Se eu pudesse, o mataria.
— Muito em breve não será, você vai ceder a mim. — Um sorriso ladino se curva em seus
lábios rosados. — Acha que minhas palavras ontem foram em vão? Você é minha e eu estou
ansioso para escutar meu nome sair entre seus gemidos.
Congelo com suas palavras, mal conseguindo respirar diante disso. Eu tento ser discreta
enquanto me afasto, sentindo uma corrente elétrica passar pelo meu corpo. Sempre soube que
meu maior traidor é meu corpo. Hades parece saber o que fazer para me arrancar alguma reação.
— Magnus vai passar aqui para te buscar com Noemia. — Kairon surge atrás de mim,
batendo seu ombro no meu, fazendo com que eu volte a respirar.
Hades não tira os olhos de mim mesmo quando meu irmão dá a volta, entrando em seu
carro. Ele não ganharia assim tão fácil, como das outras vezes. Da mesma forma que me
desmancha, eu posso ferir seu ego e o deixar de péssimo humor durante um dia inteiro apenas
com algumas palavras. Me abaixo, ficando à altura de sua janela e apoio minha mão perto de seu
braço.
— Eu nunca vou ser sua — sussurro, então meu irmão entra em seu carro. — Nunca mais.
Seu sorriso se desfaz e ele trava a mandíbula. Hades não tenta nada na frente dos outros, e eu
tenho um pouco de sorte por Kairon estar ao seu lado, mesmo que distraído com o celular e
fones.
Me afasto quando o carro de Magnus, a Porsche tão desejada sobre a qual ele falou durante o
verão inteiro, para logo atrás do de Hades. Eu corro em direção a ele, deixando para trás um
garoto mal-humorado. As palavras que eu disse se fixam porque ele nunca ultrapassa a linha em
me encostar, então eu falo e me mantenho firme. Eu sei que se um dia ele as ultrapassar, vou
ceder.
— De ressaca? — pergunto a Nono quando me sento ao seu lado, já que cabem duas no
banco da frente. Imprudentes? Só hoje, vai.
Ela apenas movimenta a cabeça em afirmação, mas muito pouco, então a deita em meu
ombro e eu acaricio os cabelos de minha amiga.
Já a minha ressaca se foi quando algo em mim se acendeu.

Nesse último ano infernal, pessoas novas passam por mim e Noemia, desesperadas, a fim de
encontrar suas salas antes que o sinal bata. Quando se estuda desde o primeiro ano do ensino
médio na mesma escola, é normal perder essa euforia para se encontrar. Todos aqui se
conhecem, o que é bom e ruim ao mesmo tempo.
Filhos de senadores, magnatas e empresários poderosos, filhos da prefeita ou de pessoas
muito famosas, todos no mesmo lugar, é de se imaginar a guerra de egos ou competição sobre
quem é o melhor.
Noemia e Magnus são irmãos gêmeos e filhos da prefeita Nancy Edwards. Elliot, o filho
prodígio do maior jogador de futebol dos tempos, Patrick Lewis. Kairon, eu e Hades, filhos dos
maiores empresários do estado, a maioria dos negócios tinha nosso sobrenome. Walker ou
Caspian.
Por mais que os meninos vivessem na minha casa, não andávamos juntos no colégio. Ava
não suportava Elliot e Noemia vivia brigando com meu irmão, por bem, decidimos há muito
tempo que nossa relação só funcionava longe da escola.
E eu? Já é mais que nítido o motivo.
— Vocês estão péssimas. — Ava surge, ela segura sua pequena bolsa, onde cabem apenas
seus cartões de crédito e celular.
Ava tem a postura certa como filha do senador Mackenzie, um dos mais poderosos da cidade
ou do estado. Seus cabelos loiros quase platinados sempre chamam muita atenção, assim como a
forma de vestir, sempre em rosa, que rouba olhares, seus olhos são azuis feito o mar.
Infinitamente linda, confesso. Eu a conheci no balé aos seis anos, logo aos oito, Noemia se
juntou a nós, mas migrei para o rugby, onde estou até hoje. Noemia foi para o vôlei, apenas Ava
se tornou uma bailarina.
Personalidades diferentes, mas que se tornaram inseparáveis.
— Não é um ritual chegar de ressaca? Olhe a sua volta. — Noemia olhou ao redor, Ava
também, com uma cara de nojo. — Todos estão na mesma.
— Horríveis iguais a vocês — ela se apressa em rebater.
Noemia revira os olhos e toca a cabeça, provavelmente ainda com dores.
— Nosso último ano, precisamos fazer coisas diferentes — falei enquanto abria meu
armário.
— Tipo pegar os novatos? — Noemia sugere.
— Pode ser também — concordo com Nono.
— Para Hades mandá-los para a enfermaria? — Ava pergunta.
Ah sim, tem isso. A última vez em que cogitei beijar alguém, forças ocultas da natureza
revelaram o fato a Hades e, no dia de meu encontro, o rapaz foi parar na enfermaria. Era Hades
quem estava me esperando no lugar que marquei com outro. Ele tem ouvidos em todos os
lugares e isso me desespera.
O sinal toca, cruzo os braços, vendo os quatro entrarem como se fossem reis intocáveis.
Todos ao redor pararam para olhar a entrada ridícula. Magnus, Elliot, Kairon, Hades e...
Olivia? Que porra?
Eles entram quase em câmera lenta, Hades sempre no meio com a maior cara de tédio
possível, enquanto Elliot e Magnus brincam de socar um ao outro. Kairon conversa com Olivia,
que sorri e balança os cabelos ruivos muito bem tratados.
Os quatro ficam perfeitamente bem no uniforme do colégio, mas Hades sempre tem algo de
diferente. Seu olhar paira sobre mim como se fosse me engolir e eu sempre me deixo levar. É
algo vicioso, eu nunca enjoo de olhar para ele. Sinto coisas boas quando o faço, mesmo com tudo
o que Hades fez.
Olho para Noemia, que revira os olhos, batendo a porta do meu armário sem me dar a
chance de pegar meu estojo. Ela logo me puxa pela mão para entrarmos na sala, eu puxo Ava,
que mexia no celular, comigo. Eles não demoram muito para entrar e se apossar das cadeiras à
nossa volta, fingimos que eles não estão ali.
— Quero falar com você depois da aula — Hades diz ao meu lado, seu hálito de menta
batendo em meu rosto.
Cruzo as pernas debaixo da mesa, ignorando qualquer coisa que estou sentindo. Isso tem
sido recorrente e eu sei o que significa.
— Não tenho nada para falar com você — rebato.
Pelo canto de olho, eu vejo que ele ainda me encara, então, seu dedo indicador toca em
minha mão bem sutilmente, ele o desliza por todo meu braço, me causando arrepios.
Eu dou um tapa em sua mão. É isso que ele quer, ver se ainda causa algum efeito em mim.
— Qual é o seu problema? — Olho ao redor, vendo que todos da sala estão ocupados
demais para ter prestado atenção.
— Eu não perguntei se tinha algo para falar comigo, então é bom que esteja lá.
Antes que eu possa rebater, o professor entra, cessando o barulho e iniciando a aula.

Um mês sem treinar, mas que parecem anos, não consigo jogar mais de duas rodadas sem
cair no chão de cansaço, então acho que vou para casa bem mais cedo hoje para melhorar meu
desempenho na esteira.
— Se prepare, visto que nas férias não fez isso — Christine Folk, a professora de Rugby,
diz.
— Eram férias, não achei que fosse voltar tão mal — falo, ofegante.
— Jovens e seus achismos. Não se distraia, garota — murmura enquanto massageia a sua
têmpora. — Pode ir, mas quarta-feira fará o treino completo.
Aceno com a cabeça e me levanto, indo para o vestiário. Estou pingando de suor e o
uniforme de treino fica ainda mais colado com isso. Por sorte, é sempre fim de dia quando
precisamos usá-lo, sem nenhum aluno na escola. Pego a toalha no meu armário do vestiário e
solto meu cabelo, que está muito longo. Sempre quis que ficasse como os da mamãe, mesmo ela
sendo bem loira, quando entendi que não seria tão fácil, desisti.
Enrolo a toalha no cabelo enquanto me visto novamente com o uniforme. A saia xadrez azul,
blusa branca um pouco transparentes, e o blazer tornam o uniforme fácil de ser colocado, mesmo
eu estando um pouco molhada.
Bato meu armário e me assusto quando vejo o reflexo de Hades no espelho, ele está parado
na porta, brincando com seu cigarro entre os longos dedos.
— Gostou do que viu? — provoco, irritada.
— Infelizmente não cheguei a tempo, mas é sempre interessante te observar — rebate, seu
tom é debochado.
Então começo a esfregar o cabelo a fim de secar um pouco, já considerando correr dali.
Estamos sozinhos.
— Só mostra o quanto é pervertido.
— Com você eu sempre serei. — Ele caminha até o banco de frente para o meu armário e se
senta ali. — Vem aqui.
Ele bate em sua coxa, as mangas de sua camisa levantadas, mostrando as veias de seu braço,
agora muito mais musculoso. O futebol sempre lhe caiu bem. Hades me olha com sua cara de
tédio, como sempre, nenhuma expressão evidente, nenhum sinal do que ele fará a seguir.
— Eu estou bem aqui. — Levanto o queixo, sentindo minha garganta seca. Ele sorri ladino,
eu pensei que me deixaria sair.
Hades estica seu braço e me puxa para o seu colo, tento fechar minhas pernas, mas ele me
força contra si, me fazendo abri-las ao seu redor. Faço força, empurrando seu peito enquanto
uma de suas mãos se agarra a minha cintura, a apertando. A sua outra mão se prende firmemente
em meus cabelos, na parte de trás, fazendo com que eu o olhe.
— Qual a porra do seu problema? — minha voz falha e engulo em seco, percebendo a forma
que me olha.
— Meu problema tem sido você.
É a primeira vez que ele me toca depois do que aconteceu. Sempre foi de me ameaçar com o
discurso de que eu ainda não estava pronta, mas, aparentemente, isso mudou. Ele avisou.
— Sempre gostando do mais difícil e bruto — sussurra enquanto puxa minha cabeça para
trás, tendo livre acesso ao meu pescoço. — É do jeito mais duro que eu te deixo molhada. — Ele
me puxa para si, mordiscando meu pescoço. A dor é prazerosa, fecho os olhos e mordo os lábios,
evitando um suspiro.
Sei que não posso lutar contra a vontade, mas posso enganá-lo. Ele não vai ter controle pelo
meu corpo, mesmo que eu deseje isso. Me amaldiçoo por esses pensamentos. Isso vai me
prejudicar. De novo.
— Minha vida seria muito mais fácil, mas talvez entediante, se cedesse rápido a mim,
rainha. — Ele puxa meu rosto para si, eu engulo em seco. — Eu sempre pego o que é meu.
Eu sinto sua ereção por baixo do tecido da calça. O pau pulsando em contato com a minha
calcinha... Eu estou molhada. Um choque de realidade me faz despertar de tudo isso, por mais
que seu jeito duro de me domar me deixe excitada, não significa que ele pode me ter. Quando
seus lábios ficam perto dos meus, eu avanço primeiro, mordendo com força. Hades não me solta,
pelo contrário, ele me segura com mais força contra sua boca, saboreando enquanto tenta fechar
seus lábios entre a mordida.
Não diminuo a pressão e só solto quando sinto o gosto metálico em minha língua, então sua
mão se afrouxa, mas sinto seu sorriso em meus lábios. Eu o empurro e me levanto, vendo que, ao
invés de o deixar irritado, ele apenas gostou.
— Já passou da hora de entender que não sou sua. — Me afasto, limpando o sangue. — Pare
de falar como se eu fosse sua posse.
Ele passa o dedo nos lábios, retirando o sangue, e os coloca na boca, limpando.
— Ah, não é? — pergunta enquanto leva o cigarro à boca.
— Só porque me deixei levar uma única vez, isso não diz nada sobre ser sua ou não.
Ele então para com o isqueiro no ar.
Ponto para mim. Mas ele ri e termina de acender, puxando a nicotina, então me encara,
fazendo com que eu perceba que ele sempre sairia vencendo.
— Seu primeiro e único beijo foi comigo... — Ele se levanta. Sério, esse homem parece que
vai me engolir. — Tantas ocasiões em que você foi minha e ainda confessou, não foram palavras
vazias, preciso citar mais?
Ponto para Hades, não existia competição quando ele estava sempre a frente. Eu pego
minha bolsa, saindo dali irada. Desconcertada. Atordoada e pior… desejando mais. A áurea
sombria de Hades faz jus ao que ele é de fato; possessivo e psicopata.
Se torna impossível sair das suas garras quando ele se apossa de toda virtude que eu sonhe
em guardar. Mas ele esmagou qualquer chance de ter tudo aquilo novamente quando decidiu que
seria melhor me deixar no escuro e passar por tudo aquilo sozinha.
Sempre foi nítido para todos que Hades só pensa em si mesmo, mas eu nunca acreditei. Até
que ele fez comigo.
(Quinze Anos de Ida de)

Éramos proibidos, desde sempre, a ir até a casa de Hades, não por nossos pais, e sim pelo
pai dele, mesmo que mal o víssemos. E quando ele estava em casa, fosse por um único dia ou um
final de semana inteiro, Hades ficava trancado com o pai. Se a estadia se prolongasse, seria
possível ouvir as notas de Beethoven, Fur Elise, que Hades certamente tocaria durante a noite.
Ele toca perfeitamente bem, e a música é a minha preferida. Eu apenas imaginava o quanto
Hades ficava bonito de frente para o piano, completamente concentrado em não errar nada, em
sua postura de quem sabia o que estava fazendo.
Quando ele finalmente saía de seu castigo, que não era bem um castigo, sempre voltava pior
do que era. Nunca soubemos o que acontecia lá dentro de fato, ou como é o interior da casa,
tenho apenas uma vaga lembrança, mas faz anos, e é uma memória falha.
Tia Eloah e James são muito reservados, apesar de, sempre que estão em casa, saírem
bastante com meus pais e me tratarem muito bem. Bom, na realidade, apenas Eloah me trata
bem. James mal me olha.
A semana está quase terminando e, como previsto, todos saíram e nós ficamos em casa.
Então, depois de muito insistirmos, papai e mamãe deixaram que todos viessem para cá assistir a
um filme de terror em uma sexta-feira treze. Não era o filme de terror que queríamos, já que
Maria escolheu cuidadosamente um que fosse mais comédia do que tudo, por isso mal prestamos
atenção. Nossos pais ainda monitoram o que assistimos na TV por causa de um ataque de asma
que Ava teve após um susto, então preferíamos inventar algum jogo pela casa. Magnus, o irmão
gêmeo de Nono, está na casa de sua tia no centro da cidade. Ele não vem.
Bom, a nossa ideia inicial é apenas jogos de cartas, mas eles com certeza escolheriam outra
coisa, e eu tenho certo medo de escutar as sugestões.
— Vamos brincar de algo diferente — Hades começa, enquanto brinca com a caneta que
usava para anotar os pontos do jogo de cartas.
— Tipo? — Elliot se joga no sofá, o encarando.
Me sento na ponta do estofado, apoiando meu cotovelo no braço do sofá e esperando.
— Verdade ou desafio? — Kairon sugere.
Olho para Nono, que se encolhe no outro sofá, e Ava se levanta, pronta para protestar.
— Eu não gosto dessas brincadeiras.
Hades revira os olhos para ela, entediado. Mas depois de um breve silêncio, um brilho
diferente atinge seus olhos.
— Então vai ser a brincadeira do abate — Hades diz descontraído.
Ava, Noemia e eu nos entreolhamos, um pouco confusas, sem nenhuma ideia do que é
aquilo, logo olhamos para a expressão de cada um dos que nos encaram.
Kairon olha Nono com raiva, eu acho. Elliot não parece muito diferente de meu irmão
enquanto encara Ava. Ou pelo menos é isso que achamos que eles sentiam.
— Que tipo de brincadeira é essa? — minha voz vacila, tudo que vem de Hades trabalha
sempre ao seu favor.
Ele me encara com um sorriso de lado esquisito, uma mecha de seu cabelo escuro cai em sua
testa e ele a ajeita.
— Só corram e, claro, se escondam — é Elliot quem responde.
Acho que se trata de um blefe, então continuo sentada no mesmo lugar, roçando minhas
mãos suadas contra meu joelho no tecido do pijama.
— Um...
A voz de Hades preenche o ambiente e o sorriso de antes continua em seu rosto enquanto me
observa, fico ofegante de imediato, sentindo o nervosismo me consumir.
— Não concordamos, não conhecemos...
— Dois... — Elliot e Kairon falam juntos, interrompendo Noemia.
Sem pagar para ver se é ou não um blefe, me levanto em um pulo. Os conhecendo o
suficiente para saber que se ficarmos paradas será pior, então disparamos juntas porta a fora pelo
corredor.
Minha casa é grande e perfeita para esconde-esconde, ou o que quer que fosse essa
brincadeira de mau gosto, e com o desespero me consumindo, eu não conseguia pensar em mais
nada.
Ava dá a volta para subir pela escada da cozinha, que dá para o segundo andar, direto no
corredor do quarto de hóspedes. Nono continua logo atrás de mim, correndo e tentando abrir as
portas por onde passamos. A adrenalina me preenche enquanto eu vou pelo corredor em direção
as escadas, tudo parece distante quando precisamos, sinto meu coração na boca, estou quase
sorrindo com a sensação.
Com o desespero de ser encontrada me consumindo, nada além do quarto de Kairon vem a
minha mente. Preciso de algo que não conheçam, que ele não conheça, e essa é minha única
opção. Ao chegar no andar de cima, escutamos suas gargalhadas, parecem estar comemorando,
eles estão chegando. Então Nono vai para o outro lado e eu sigo em direção ao quarto de meu
irmão. Correr de algo nunca foi tão intenso e diferente, isso, de certa forma, me anima, a
sensação de estar fugindo, o coração disparado pela pequena adrenalina.
Como qualquer casa grande demais, a nossa também tem coisas excêntricas, uma delas é o
closet de Kairon, que dá acesso ao meu, nós dois temos acesso ao guarda-roupa do outro, então
eu posso, caso alguém entre, me enfiar entre as roupas e ir para o meu quarto achar outro
esconderijo. Meu peito sobe e desce rápido demais, não consigo ser silenciosa depois de correr
com todo meu pulmão, seguro minha boca a fim de que não escutem onde estou.
As brincadeiras são sempre sobre perseguir, e, querendo ou não, gostamos disso. Os
meninos tornam nossos finais de semanas menos entediantes.
Mas às vezes eles passam dos limites.
Alguém abre a porta do quarto de Kairon lentamente. Vejo, pela fresta entre as roupas, uma
pessoa ou duas entrando na ponta dos pés. A sombra olha em volta, mesmo no escuro, mas recua
depressa, fechando a porta. Eu engulo em seco com muita dificuldade, minhas pernas tremem
demais e eu estou suando frio, como se disso dependesse de minha vida.
Algo está estranho, eu ainda sinto uma presença no quarto. Dou passos cuidadosos para trás,
entrando na parte em que ficam minhas coisas e, então, ainda com os olhos fixos nas roupas de
meu irmão, na ponta dos pés, ando para trás. Eu posso dizer que estou escutando meu coração,
logo prendo a respiração e sinto outra bem atrás de mim.
Eu grito e Hades me puxa pela camisa quando ameaço correr de volta para o closet.
— Te achei — ele diz enquanto me empurra para o meio do quarto.
Coloco a mão no peito, sentindo meu coração acelerado. Sinto alívio por não serem os
outros garotos e desespero por se tratar dele.
— Como você sabia? — pergunto com um pouco de dificuldade. Me curvo, apoiando as
mãos em meus joelhos, tentando regular minha respiração.
— Você é previsível demais, eu sabia que pensaria em se esconder no seu closet. — Ele me
rodeia. — Fazia isso em brincadeiras de pique-esconde quando era mais nova.
— Como consegue se lembrar de tudo… — penso alto, um pouco admirada pela memória
desbloqueada que sua fala causou.
Não brincávamos disso há anos.
— Eu nunca me esqueço de algo que envolve você.
Apesar de ter apenas dezesseis anos, sendo alguns meses mais velho, Hades é alto, não
muito forte, mas esse ano havia começado a jogar futebol e estava ficando bem diferente dos
outros garotos. Talvez pela puberdade, mamãe me explicou sobre isso muito por cima, quase
nada.
Minha mão volta a suar e eu esfrego na lateral de minha cintura, seu olhar desce para ela e
depois para meu rosto.
— Você tem me evitado… — ele chama minha atenção.
— Claro, Olivia não desgruda de você. — O ciúme... eu disse a mim mesma que esse é um
sentimento bobo.
— Achei que éramos só amigos — Hades rebate, debochado. — Foi isso que me disse.
— Pelas suas atitudes, não quer ser só meu amigo e você me deixa confusa quando aparece
com ela.
Caminho para trás e, quando sinto o colchão, me sento sem tirar os olhos dele. Sempre senti
muito por Hades, tanto que me deixo atingir por tudo que ele faz e o que não faz.
— Óbvio que não quero ser só isso — reforça. — Quero sempre mais de você, mas é bom
que eu espere.
A pouca luz que vem do jardim o deixa como uma sombra, como um verdadeiro pecado que
eu apenas vislumbrava através de uma silhueta... e nem mesmo o terço, dado por sua mãe,
brilhando suavemente em seu pescoço, o fazia parecer menos... perigoso.
Eu sempre sei o que Hades faz, as meninas me contavam tudo e eu estou com raiva sobre o
que ele poderia ter feito com a garota que odeio.
— Não vou ser sua segunda opção. Ava me contou sobre o beijo que você deu na Olivia.
Hades acende a luminária da mesa, eu consigo ver com clareza apenas uma parte de seu
rosto, logo ele se senta na cadeira da penteadeira.
— Beijo?
Eu afirmo, então cruzo os braços.
— Isso nunca aconteceu. Ava me viu conversando com ela e deduziu, ela sempre deduz
tudo. — Hades se ajeita e inclina a cabeça para o lado. — O ciúme não combina com você,
Heather, eu sou seu.
Isso me deixa sem rumo, mil borboletas em meu estômago surgem, fica difícil de respirar.
Não havia muitos garotos interessados em mim, eles sempre preferiam Ava. Todos os garotos
sempre tiveram essa preferência.
Hades sempre dizia ser meu melhor amigo, mas ultimamente não tem agido assim. Eu não
tenho agido assim.
— Você é minha? — pergunta em um sussurro, eu engulo em seco.
Ele se levanta e caminha até mim, eu não consigo me mover ou respirar direito. Fecho os
olhos, eu nunca estive tão próxima assim de Hades, não desse jeito.
Qual é, uma hora isso teria que acontecer e ele é o melhor para isso. Não vou ser uma boca
virgem para sempre, ou talvez sim? Não. Definitivamente, não.
Sinto seu toque frio em minha bochecha, ele acaricia até minha mandíbula, acompanho seus
movimentos e tento falar algo, pedir algo, para ser sincera. Abro os olhos, enxergando pouco de
seu rosto, seus olhos são mais visíveis, já que estão vidrados nos meus. Ele alisa meu lábio
inferior e sorri, eu me derreto, é raro ver um sorriso de Hades.
— O que… o que vai fazer? — gaguejo, meus lábios tremem e ele percebe, os encarando.
— O que me pedir — murmura de volta.
Eu sei o que falar e o frio na barriga me consome, preciso que seja ele.
— Quero que seja meu primeiro beijo — falo de uma vez, e espero uma reação ruim.
Fecho os olhos, aguardando uma risada, deboche ou até mesmo que ele se afaste e apenas vá
embora, me deixando envergonhada. Mas quando os abro, percebo que ele ainda está aqui, e me
assusto.
O que encontro é o contrário, ele parece maravilhado, seu peito desce e sobe rápido demais.
Sua mão agarra minha nuca e ele se inclina, ficando a centímetros da minha boca. Seu hálito de
menta me atinge, arrepiando todo meu corpo.
São novas sensações, sensações boas.
— Só o primeiro beijo? — sua voz parece uma hipnose. Ele quer mais e eu me desespero.
— Quero promessas, assim volto para cobrar.
Eu o encaro em silêncio e aproveito para admirar cada detalhe de seu rosto. Ele é lindo, mas
uma beleza amaldiçoada que te prende e faz esquecer tudo ao redor.
— Prometo que será meu primeiro em tudo — gaguejo, e posso jurar que sua pupila dilata.
Parece um pacto com o Diabo.
— Então é minha, Heather? — ele repete a pergunta em um murmuro. Sim, eu apenas penso.
Ele me deita na cama e apoia um pouco de seu peso sobre mim, meu corpo incendeia,
borboletas voam por todo lugar, não só no estômago. Fecho os olhos e ele junta nossos lábios
devagar, em um selinho.
É terno, a sensação de seus lábios nos meus é tão boa. Logo sinto sua língua pressionar
contra, e eu os abro um pouco, acompanhando seus movimentos. Com calma, sigo seu ritmo no
beijo e sua língua que brinca com a minha. Tudo fica intenso quando enrolo minhas pernas em
volta de sua cintura, puxando-o para mim.
Ele explora meu corpo com as mãos, e onde toca parece queimar, parece acender e me levar
a outro lugar. Puxo mais seu corpo contra o meu. Eu quero mais, muito mais. É uma sensação
nova e boa.
— Responda — sua voz soa rouca entre meus lábios, eu fico ofegante. Abro os olhos,
confusa. — Você é minha?
— Sim, sou sua, você fala isso todo dia. — Um sorriso se forma em seus lábios. — Você é
realmente meu?
Minha voz sai grave, parece mais uma ameaça
— Eu sou seu desde antes de te conhecer.
Escutamos um estrondo e meu pai chamando por mim logo depois.
— Eu volto para terminarmos suas primeiras vezes, minha rainha — diz e me dá um selinho
demorado.
Hades sai rapidamente e eu corro para o meu quarto pelo closet, a fim de tomar um banho,
mas, ao mesmo tempo, não quero tirar seu toque de mim.
Para sempre sua rainha, isso soava tão bem…
— Você só pode tá de sacanagem, Heather — Kairon esbraveja enquanto entra no meu
quarto.
Me viro para ele, confusa. Eu só estou estudando.
— O que eu fiz?
— Foi você quem mandou essa foto da Olívia no meu carro para a Noemia?
Ele se aproxima, mostrando seu celular para mim. Ali dá para ver Olivia sentada no banco
do carona enquanto ele bolava um baseado. Já conheço a foto porque foi realmente eu que a
enviei.
— Jura que você está mais preocupado com a Olivia do seu lado, do que estar uniformizado
segurando um baseado? — Eu giro a cadeira e volto a atenção para o caderno.
Nessa altura, eu estaria preocupada em como lidar com uma expulsão caso o diretor visse
algo. Uma foto simples e esse desespero todo? Que ele pensasse nisso antes de se juntar a Hades
e Olivia em Ibiza.
— Eu não me meto no que quer que tenha com Hades para que você não se meta nos meus
problemas. — Kairon gira minha cadeira para ele novamente e, entediada, eu o encaro.
— Eu não tenho nada com Hades, e Noemia é minha amiga. — Dou de ombros. — Faça
mais escondido da próxima e eu não fotografo.
Ele apoia as mãos na cintura enquanto me encara com os lábios pressionados, seu peito sobe
e desce rapidamente, parece com raiva, mas Kairon nunca passa desses limites.
— Você quer um conselho? — pergunto, provocando.
— Vai se foder. — Então ele sai batendo o pé e em seguida a porta. Eu dou um sorriso.
Volto minha atenção para o caderno cheio de cálculos não resolvidos. Sou boa em fazer
merda, mas em cálculo... Suspiro, nisso eu penso depois, ano que vem tudo muda e esse é meu
último ano com meus amigos. Temos sonhos diferentes.
Os caminhos serão diferentes.
Ter meus amigos ao meu lado significa ter Hades por perto e, quanto mais perto, mais sua
possessividade me sufoca. Porém, uma parte minha ama tudo isso, é sujo demais, e é ainda mais
sujo ele saber disso.
Hades sempre causa conflito ao seu redor sem nunca ser atingido, isso só serve para que eu
saiba o quanto ele consegue manipular os outros ou as situações a seu favor.
Como na vez em que papai chegou em casa após nossa brincadeira do abate, Liam o viu
pelas câmeras, entrando no mesmo quarto que eu quando éramos um pouco mais novos, aquela
noite menti com toda minha alma e ele não dizia palavra alguma. Hades deixou que sua mãe o
defendesse e brigasse com meu pai, isso abalou um pouco a amizade deles na época, já que papai
chamou Hades de psicopata.
Mas essas são águas passadas, não que a opinião do papai tenha mudado.
Escuto uma agitação do lado de fora e saio para a sacada, os garotos estão na piscina, há
algumas pessoas do colégio, mas não chega a ser uma grande festa, hoje ainda é quinta-feira.
Eu o procuro automaticamente, e quando me dou conta do que estou fazendo, abaixo o
olhar. Eu não posso continuar fazendo isso, ele não merece, porém, eu o encontro assim que olho
para a cadeira perto da piscina. Hades está sentado enquanto fuma seu cigarro, o dia está absurdo
de quente, então ele está usando apenas um short preto. Eu demoro meu olhar no seu abdômen
perfeitamente malhado em exibição.
Eu não consigo evitar, é como um ímã e chega a ser desconfortável. Seu cabelo escuro ainda
está úmido, com mechas caindo em sua testa, as quais ele ajeita vez ou outra. Suas coxas grossas
e definidas estão à mostra, assim como os braços fortes.
Observo sua mandíbula marcada e travada enquanto assiste Elliot lhe explicando algo, subo
o olhar para os seus lábios rosados e ele os umedece, meu rosto parece queimar junto com meu
corpo. Hades foi desenhado com a maior paciência do mundo. Um verdadeiro anjo caído, quanto
mais perfeito por fora, mais demônios ele tem por dentro.
Tenho um sobressalto quando o celular vibra em minha mão, frio sobe pela minha espinha
quanto leio seu nome, então vejo que em sua mão está o celular.

Eu tento não transparecer meu tormento, reviro os olhos e levanto o olhar para Hades, que
agora tem seu cigarro entre os lábios enquanto digita mais alguma coisa.

Engulo e, quando o encaro no quintal, ele está me olhando também, o sol não parece
incomodar seus olhos, ele os mantém firmes em mim. Por descuido, deslizo o olhar para sua mão
apoiada na coxa. Aperto o celular em meu peito, roço minhas pernas tentando aliviar a tensão,
meu corpo queima.
Ah, mas que merda. Eu fecho a cortina e me afasto, desbloqueando para respondê-lo:

Envio a mensagem e sinto meu coração na boca, logo vem a resposta:

— Heather? — Pulo e meu celular pula junto, indo ao chão.


— Puta merda, pai — murmuro, me agacho rapidamente, ainda trêmula, e pego meu
telefone que está na tela da conversa. Eu o bloqueio.
Liam me encara com uma expressão de desaprovação pelo palavreado. Odeio quando faz
isso, dele eu só quero receber coisas boas.
— Me desculpa, estava distraída. — Passo por ele, indo até à escrivaninha onde costumo
estudar e começo a fechar os livros.
Pelo reflexo, vejo-o colocar as mãos nos bolsos. Ele está usando seu terno habitual,
dificilmente o vejo com roupas informais, mesmo em suas férias ele não abandona o personagem
de empresário.
— Desça, quero te apresentar ao meu novo sócio — diz, bem-humorado. — E seu filho,
claro.
— Não acho um bom momento. — Me viro para ele e encosto na mesa.
— É sempre um bom momento, desça.
Engulo em seco e, sem ter nenhuma opção, acompanho meu pai para o andar de baixo, um
pouco relutante e completamente entediada. Há um tempo ele passou a me levar para seus
eventos e conhecer pessoas, mais especificamente garotos da minha idade que são filhos de seus
possíveis sócios. Eu só os enrolava.
Papai sempre diz que isso é por um bem maior. Mamãe odeia e o proibiu, mas ele continua
às escondidas e me suborna, me deixando sair e voltar a hora que quero, ou com dinheiro para
que eu gaste como bem entendo.
"São homens certos e de famílias boas." É como um gravador, ele sempre fala isso, mas
nenhum, de fato, chegava a me interessar. Nenhum era tão atraente quanto… Bom, eu realmente
não me envolvo.
Viramos para o corredor de seu escritório assim que chegamos no térreo, quanto mais perto
estamos, mais escuto algumas vozes com clareza.
— John Howard — meu pai fala animado, chamando a atenção. — Minha filha, Heather.
O homem se vira e percebo o quanto é baixo, parece ser bem mais velho, barba pouco
grande e grisalha. Ele também é careca e usa uma muleta, tem muitas linhas de expressão em seu
rosto, denunciando que ele deve ter mais de sessenta anos. Eu me encolho quando percebo seu
olhar em mim dos pés à cabeça.
Olho para meu pai, mas ele se distraiu, se servindo com um pouco de whisky, e foi se sentar
em sua grande mesa de escritório. Tem uma grande janela atrás dele que ilumina todo o
escritório, dispensando que as luzes fiquem acesas durante o dia.
— Muito bela — uma voz controlada e doce chama minha atenção, é aí que percebo outro
homem no ambiente.
É um garoto que parece não ser mais velho que eu. Ele tem cabelos loiros penteados para
trás e sua roupa formal está impecável, sem nenhum amasso.
Seus olhos são muito azuis. Seu sorriso é lindo, mas, de novo, loiro? Não tenho preconceito,
mas me atraio pelos morenos.
Não faz meu tipo.
— Obrigada. — Sorrio forçada enquanto o encaro. — Qual o seu nome?
— Peter. — E então ele sorri novamente.
— Vão se dar bem — John diz enquanto levanta o copo em brinde com papai, que faz o
mesmo.
— Acho que seria ótimo se mostrasse a sala de jogos para ele, querida. — Os dois voltam a
olhar para mim, mas algo na janela chama mais minha atenção.
Meu olhar vai além de papai, todos na sala me encaram e tento não parecer desesperada
vendo Hades parado do lado de fora enquanto termina seu cigarro, o olhar escurecido sobre o
pobre Peter.
Ele parece ranger os dentes de raiva pela movimentação de sua mandíbula, o cigarro quase
queimando seu dedo de tão pequeno que está. Eu disse que tenho um lado sujo que gosta de sua
possessividade, então estou perfeitamente satisfeita em vê-lo com ciúmes, em pensar que ele
pode estar a um passo de cometer um erro.
Quando Peter se levanta, eu me aproximo dele, apoiando minhas mãos em seu ombro e fico
na ponta dos pés para chegar perto de sua orelha, meus olhos permanecem em Hades, que faltava
explodir.
— Melhor não, vou me encontrar com as meninas — sussurro para Peter, que anui. Deixo
um beijo em sua bochecha e seu sorriso se estende, a pele ficando vermelha. — Foi um prazer te
conhecer.
Saio da sala satisfeita, mas um pouco receosa de como ele poderia me devolver, mas hoje,
chega de doses de Hades.
Já na sala de aula, vejo Ava discutindo com Kairon por causa das suas brincadeiras. Eu me
viro e olho para Hades, que está lendo um livro de capa toda preta, não sei se ele usa isso para
esconder o real nome da obra ou coisa assim.
Deve ser algo sobre satanismo, ou sobre como esconder um corpo, não me surpreenderia se
fosse. Ele sustenta a expressão serena e concentrada, parecendo ser um bom garoto que nunca
fez coisas ruins e foi salvo pelo dinheiro do pai. Mas, na realidade, Hades não negava sua
natureza problemática, ele não se escondia. Eu não o admiro por talvez ser um psicopata, mas a
transparência é invejável.
A sala fica em silêncio quando o diretor Harry Donovan entra, ele não está com uma cara
boa, mas raramente aparece bem-humorado. Logo entra uniformizado Peter Howard, as garotas
murmuram gracinhas se perguntando quem é ele, principalmente Ava e Noemia. Sua beleza
realmente é de chamar atenção.
Ele olha para todos como se fosse o melhor, talvez eu tenha uma má impressão por seu pai
ter me olhado daquela forma. Eu associo Peter ao seu pai.
— Alunos, esse é Peter Howard. — O garoto se aproxima mais enquanto observa a sala. —
Será, a partir de hoje, um de nós. Sejam receptivos e deem boas-vindas.
Simpático, mesmo com o ar arrogante, ele cumprimenta sorridente a todos que falam com
ele. As garotas começam a puxar assunto, perguntando de onde era, se tinha namorada... E
alguns falando sobre o quanto ele odiaria cada pessoa desse ambiente, e com isso eu até
concordo.
Peter me olha e se senta na mesa a minha frente, seu cheiro era... Doce demais, não que ele
fosse a imagem da masculinidade, talvez eu esteja acostumada com o cheiro da nicotina
misturado com o perfume amadeirado.
— Olá, Heather. — Ele então se vira e eu o encaro. — Eu ia te contar ontem sobre estudar
junto com você, mas não consegui.
Me endireito na cadeira, seus olhos azuis fixos em meus olhos. Ele é confiante, a postura de
quem não se abala fácil.
— Me desculpe, eu tive que sair — minto, mas é melhor do que falar que o livrei de uma
possível ameaça de morte, ou da própria morte. — Fico feliz que tenha vindo para cá, tomara que
goste.
E então, os pelos de minha nuca se arrepiam e eu já imagino o porquê. Automaticamente,
minhas pernas balançam em nervosismo, cada parte de meu corpo sabe identificar quando sua
atenção está em mim e isso me atormenta.
— É, tomara, é horrível ser o aluno novo. — Peter bufa uma risada. — Poderia me mostrar
onde fica a sala de xadrez? É complementar, não quis acabar com o pouco humor do diretor
pedindo isso a ele.
Eu sinto minhas costas queimarem, estou dando mínima atenção ao que Peter diz. Ele é um
cara, até então, legal e acho que é por isso que ele não se deixa intimidar pelos olhares de Hades.
Talvez eu brinque um pouco.
— Os esportes nunca foram meu forte, o futebol daqui parece ótimo. — Ele já está em outro
assunto, sorrio para ele acompanhar meu raciocínio.
Então, quando vou respondê-lo...
— Que pena, adoraria te deixar no banco o semestre inteiro — a voz rouca de Hades soa ao
meu lado. — Ou talvez quebrar a sua perna em algum treino, assim não voltaria mais.
Levanto o olhar lentamente, vendo-o em pé enquanto encara Peter com sangue nos olhos, os
punhos cerrados e suas veias saltadas nos braços.
— Como eu disse a pequena Heather, esportes não são meu forte — o loiro brinca. Meu
Deus.
— Pequena? — Ele parece ter ouvido apenas isso.
Peter não se deixa intimidar por Hades e isso o está irritando mais ainda. Merda. Eu
realmente estou repensando sobre usá-lo. Procuro com o olhar seus amigos para que o tirarem
daqui, mas estão muito ocupados com Ava e Noemia brigando com eles.
— Hades, dá o fora, já acabou — falo impaciente, acenando com a cabeça na direção de
seus amigos. Péssima ideia.
Ele se inclina até ficar na altura de meu rosto, eu engulo em seco, mas não me movo. Seu
nariz roça no meu e seu hálito de menta se mistura à minha respiração que agora está desregulada
com sua aproximação.
Não responda o Diabo, não dê atenção a ele.
— O que disse? — sussurra. Pelo canto dos olhos, vejo que Peter também está imóvel.
Minha boca parece secar com sua aproximação, tento ao máximo não demonstrar que isso
me abala, mesmo com meu coração acelerado. Umedeço meus lábios e sustento seu olhar para
repetir:
— Sai daqui, acabou.
Seus olhos parecem brilhar com mais intensidade, e posso jurar ver um repuxar em seus
lábios, pronto para um sorriso, mas sua cara se fecha no mesmo instante.
— Só acaba quando eu quiser — diz entredentes.
Hades, então, volta para o seu lugar sem tirar os olhos de mim, pega novamente seu livro e
escreve algo ali, logo depois vira a página e volta a ler como se não tivesse vindo me ameaçar.
Isso me assusta às vezes. Agora, não sei se isso terá consequências ruins para mim ou para
ele, mas quando olho para Peter, ele não parece ligar para o que acabou de acontecer. O que é
bom, mas talvez também seja imprudente.
Depois de três aulas, pude mostrar a Peter onde fica a sala de xadrez. Eu, com certeza, o
havia interpretado um pouco mal no dia anterior, é uma pessoa boa e totalmente diferente de seu
pai asqueroso. Ele morava com sua mãe, diz que vivia como um rei e tinha bastante amigos, mas
teve que começar a acompanhar seu pai em reuniões e viagens, já que é o único herdeiro da
família. Peter deixou sua vida para trás. Ele diz isso com uma certa dor, um sofrimento de quem
não quer viver o que está sendo obrigado a fazer.
Por um momento, me identifico com ele, Peter fez isso por seu pai, e ver que está o
orgulhando é como um prêmio pessoal que ninguém nunca vai entender. Quando temos tudo,
mas por outro lado não temos nada, às vezes precisamos juntar migalhas para ter algo
significativo.
Pelo menos eu sou assim com papai.
Por outro lado, percebo outra coisa em Peter: o quanto repara nos rapazes. Ele não
perguntou de nenhuma garota desde que chegou, e sim dos garotos. Respondo o pouco que sei e
o observo, já que tinha pouco contato com eles.
Então para mim todos se pareciam com Hades, Kairon, Elliot e Magnus.
— Você costumava ir em competições de xadrez? — Eu tento ajudar a montar o jogo, a sala
está vazia.
Ele nega enquanto conserta todos os peões que coloquei errado.
— Tive que ir embora no ano que começaria a competir, adorava jogar com o pessoal da
escola antes dele me buscar. — Peter torce os lábios, desconfortável. — Vamos jogar?
— Eu não sei jogar.
— Eu te ensino, ou tento. — E então rimos.
Me ajeito na cadeira e observo tudo perfeitamente arrumado. Não faço ideia de como jogar,
nunca me interessei por jogos de lógica, e sim algo mais bruto, então a lembrança do que Hades
me disse no vestiário volta à tona.
— Você não me parece muito satisfeito com seu pai — comento, sendo bastante invasiva,
mas a curiosidade é maior. Peter levanta o olhar para mim.
— Esse é meu último ano com ele, pretendo voltar para a minha mãe sem que ele saiba.
Fico surpresa, normalmente os pais chantageiam seus filhos para herdarem seus negócios,
talvez com ele funcionasse diferente, ou não tinha nada a perder quebrando a aliança. Quando se
tem opções, é sempre mais fácil, eu o admiro por ter e ir contra a vontade de quem ama.
Liberdade é algo que eu gostaria de experimentar.
— Isso é bem radical. — Movimento meu peão.
— É assim que se faz quando não aceitam quem você é, você tem que ser radical. Eu vou
para onde não preciso me esconder.
— Se esconder? Então você é… — Ele então come meu peão.
— Bom, seu namorado pode parar de ciúmes, até porque sou gay, achei que estava na cara.
Paraliso com a peça no ar, encarando-o. É diferente quando um magnata tem o único filho
gay. A elite é preconceituosa o bastante para o odiarem por isso, é um mundo nojento demais
para alguém decente como Peter fazer parte.
Sorrio. Eu estou surpresa demais, e é, de certa forma, até revolucionário. Eles teriam que
aceitar.
— Isso é incrível. — Ofereço meu sorriso para ele e me aproximo ainda mais da mesa. —
Hades não é meu namorado, tenho que manter distância dele — continuo. — Seu pai sabe?
Ele balança a cabeça em negação e seu peão come o meu novamente. Percebo que estou
perdendo, mas me importa mais saber sobre Peter.
— Deve ser difícil se manter longe quando ele está sempre por perto. — Eu quase concordo.
— Bom, meu pai nem pode desconfiar, quem realmente sabe é você e meus amigos de onde vim,
então guarde isso.
Eu sorrio e insinuo, fechando um zíper em minha boca.
— Guardado à sete chaves.
Uma mecha de meu cabelo cai por cima de meu rosto enquanto arrumamos novamente as
peças. Peter prontamente a ajeita, colocando-a atrás de minha orelha com o maior cuidado.
Ficamos mais algum tempo conversando sobre o colégio e as noites de Oakland, achei que
fossem minutos, mas já faz mais de uma hora que estamos aqui. Pouco falamos sobre Hades,
parece que ele havia entendido e percebido qual era a real situação em que eu me encontrava.
Quando terminamos de arrumar tudo, eu o vejo olhar desconfiado.
— O pessoal costuma correr pelo corredor? — Peter pergunta, olhando para atrás de mim.
— É proibido correr.
Levantamos, confusos. Pego minha mochila e o corredor fica cada vez mais cheio de
pessoas saindo e comentando sobre fogo. Talvez fosse um treinamento, mas o alarme não teria
sido tocado. Quanto mais nos aproximamos da saída, mais é possível ver o pessoal segurando
seus celulares enquanto gravam algo, uma fumaça preta vem do estacionamento, enquanto gritos
podem ser ouvidos e, agora sim, o alarme é soa.
— Merda, merda, merda — Peter esbraveja em desespero com a mão na cabeça.
Seu carro está em chamas no meio do estacionamento, paraliso perto da entrada, vendo
aquela cena horrorosa e o desespero do garoto enquanto o fogo consome todo o seu carro. Por
um mísero segundo, não pensei que fosse coisa de Hades, mas isso é algo que ele faria.
Todos passam em câmera lenta enquanto observam, as vozes ao fundo ficam distantes e
agora já consigo escutar bem de longe os bombeiros, mas nada vai adiantar. Não restaria nada do
carro.
Alguém, ou melhor, ele encosta bem atrás de mim e sei disso, já que seu cheiro é
inconfundível. O demônio em forma humana que me persegue até que eu ceda ao seu pecado.
Nunca saberia quais eram seus limites.
— Eu disse que só acabava quando eu quisesse — Hades sussurra.
E eu me arrepio e odeio cada palavra dita. Eu perdia mais do que ganhava quando tentava o
provocar.
Ele fica um tempo parado ali, quando respira fundo, seu peitoral encosta em minhas costas.
Os bombeiros enfim chegam, tentando controlar o fogo, Peter fala com alguém no telefone e
todos olham horrorizados.
Principalmente eu.
Hoje foi um péssimo dia.

— Isso é sério? — Ava pergunta, assim que conto que foi Hades que causou o incêndio.
Eu concordo em um aceno enquanto tiro a etiqueta de algumas roupas novas e as coloco na
cama.
— Isso passou dos limites — acrescento.
— Quando se trata de você, ele não tem um limite — Noemia quem diz, adentrando o quarto
com alguns cabides que pedi para pegar.
— Isso é preocupante pra caralho, deviam proibir ele de ficar perto de você. — Ava está
extremamente indignada, ela não esconde o ódio que sente por Hades.
Como se Elliot não a tivesse trancado dentro do quarto dele uma madrugada inteira só
porque ela ameaçou beijar outro cara. Eu não estou defendendo Hades, mas os garotos são
farinha do mesmo saco.
— Mas ele é proibido — lembro. — Ele só não obedece, em pensar que antes era um pouco
mais fácil lidar com isso.
— Era? — Nono diz, confusa. — Heather, ele sempre foi como sua sombra. A única
diferença é que agora ele invade seu espaço pessoal.
Havia contado a elas sobre o que aconteceu no vestiário, mas de forma bem superficial.
Existem coisas que Hades e eu mantemos entre nós. A loucura pelo diferente… me perseguir.
Observar. Intimidar. Nada me causa medo como pensam.
Eu deixo as duas discutindo sobre as coisas possivelmente ruins que podem acontecer
comigo no futuro e desço para pegar um copo d'água. A casa é muito silenciosa quando Kairon
está fora.
Quanto a papai, sequer espero o encontrar essa semana, ele deve estar fora do país a essa
altura. Mamãe não envia mensagens desde que a deixamos no aeroporto com tia Eloah, se ainda
não voltaram, o retiro deve estar fazendo bem às duas.
Mas a falta que estou começando a sentir de minha mãe tem me incomodado. Ao passar pela
adega, me sinto tentada a pegar uma bebida quente para que isso suma. Eu com certeza nunca
vou entender o impulso de ir para uma ilha e ficar isolada, só por causa de um problema que
poderia ser resolvido com uma simples conversa.
Eu acendo a luz da cozinha e vou até a pia pegar um copo, vejo Maria pela janela ajeitando
algo no gramado, devem ser as suas plantações, papai disse que ela pode plantar o que quiser.
— Eu me considero uma pessoa muito paciente quando se trata de você, sabia? — a voz
grave de Hades invade o ambiente, o copo em minha mão cai na pia, se quebrando. Eu me viro
com o coração na boca. — Não gosto de dividir sua atenção com mais ninguém, você sabe disso
e parece gostar das consequências.
Hades arqueia uma sobrancelha enquanto me encara, parado na entrada da cozinha. Ele
veste sua calça moletom preta e uma regata branca, isso o deixa mil vezes mais atraente do que o
uniforme.
— Não tem o direito de controlar com quem eu falo, isso que você faz não tem nada a ver
comigo — falo firme, enquanto me viro para recolher os cacos na pia.
— Sabe que toda ação minha é um reflexo do que você faz — sua voz é controlada, uma
falsa tranquilidade. O cômodo fica em silêncio por um tempo, já que não o respondo. Então
continua: — Vai se apaixonar por mim, é inevitável.
Me viro, gargalhando em deboche. Eu balanço a cabeça com sua ousadia. Hades permanece
com as mãos no bolso, me olhando de um jeito sombrio e imprevisível.
— Meu pai disse que garotas como eu se apaixonam por homens bons, Hades, o que com
certeza você não é.
Ele bufa uma risada.
— Que exemplo seu pai é para te dizer isso? Você não vive em um conto de fadas e não
existem homens bons, existem homens fracos.
Hades se aproxima, mas não recuo. Eu apenas cruzo os braços e me encosto na bancada. Se
eu recuar, será a demonstração de medo ou submissão que ele tanto espera de mim.
Ele continua:
— Um homem precisa fazer o que for preciso para ter o que quer, minha rainha, se eu te
quero, não me importo de ir além do limite para isso.
Meu rosto esquenta, percebendo que ele escutou a conversa de alguns minutos atrás.
Hades para a centímetros de mim, ele não me encosta, mas, mesmo assim, sinto meu corpo
pedir por isso. O seu cheiro de banho recém-tomado invade minhas narinas. Eu consigo me
controlar apenas quando ele está longe, ou pelo celular, mas perto meu corpo implora por ele.
Engulo em seco, desviando o olhar para longe.
Ele coloca as mãos na bancada, me prendendo entre ele e o mármore.
— Não, isso é doentio — murmuro, com a voz falha. — Você precisa aceitar que não vamos
ter mais nada.
— Não adianta negar o que tem que acontecer, eu não teria remorso nenhum em acabar com
qualquer um que tente te afastar de mim. — Ele coloca uma mecha de meu cabelo atrás de minha
orelha. Da mesma forma que Peter fez. — Então não pague para ver.
A última parte é sussurrada. Ele não tenta nada, como achei que tentaria, Hades
simplesmente sai pela porta dos fundos e Maria entra. Ele a cumprimenta com um lindo e fodido
sorriso, logo beijando a mão dela.
— Ele é um ótimo menino. — Suspira, vendo-o sair.
— Não sabe como — sussurro, limpando a bagunça que fiz.
Deus do céu.
Como as aparências enganam.
A treinadora Folk deixou que os outros alunos assistissem ao treino de Rugby, entre eles
estão os meninos em suas brincadeiras de socos enquanto nada começa.
Peter não se abalou com o que aconteceu ao seu carro e aceitou meu pedido de desculpas,
indiretamente, quando o chamei para me assistir. Ele se juntou a Nono, o que causou a cara
fechada de Kairon.
Mal sabem da verdade, e eu não tenho o direito de tirá-lo do armário, mas se eles soubessem
a raiva diminuiria e, consequentemente, a implicância também.
Sinto os olhares firmes de Hades em mim enquanto me aqueço, ele parece prestes a
explodir. Afasto os pensamentos sobre ele e ajeito minha roupa. Me sinto seminua na frente
deles com essa roupa de esporte, mas sei que no próximo mês será muito pior, a competição está
próxima e será na frente de todo o colégio.
Temos pouquíssimo tempo para aperfeiçoar as técnicas e a marcação, visto que as férias nos
deixaram muito preguiçosas. Quando termino de alongar, Folk diz que vamos começar apenas
em sete contra sete. Eu apoio as mãos no meu joelho e flexiono enquanto ela repassa o que não
fazer.
Nada de Tackle em jogadora que não esteja com os pés no chão, isso significa que não
podemos agarrá-la e derrubá-la. Proibido empurrar quem estiver com a bola, podemos apenas
segurar, e sem rasteiras. Mas sabemos que, no treino, por enquanto, vale tudo, isso inclui
inúmeros hematomas e porradas para aperfeiçoar a resistência.
Olivia está novamente na equipe depois de ser expulsa das líderes de torcidas. Ela espalhou
para a escola toda que a capitã estava grávida só para tomar seu lugar, e conseguiu por alguns
meses. Logo depois, quando descobriram que foi ela, fizeram um abaixo assinado para que
Olivia saísse, então ela retornou para onde não devia, o Rugby.
— Bom jogo, coração. — Ela passa na minha frente, jogando o beijo no ar.
Seus shorts mostram quase metade de sua bunda e ela usa apenas um top. Olivia nunca ligou
para olhares ou que falassem dela, ela gosta de ser o centro das atenções e não nega isso.
— Não posso falar o mesmo para você — rebato, entredentes.
Por sorte, ela é do time adversário.
Começamos a nos colocar em posição de Scrum, todas de cabeça abaixada e se empurrando
para conseguir o passe de bola. Nada fora dessa quadra existe para mim quando o apito soa alto.
Elas acabam saindo na frente, mas avanço em Megan, que é a Hooker da vez e segura a bola
tentando passar para o lado. Ela tenta jogar, mas sem sucesso, a bola bate em minha mão e eu a
seguro firme, desviado da morena a minha frente.
Corro para o outro lado, a fim de marcar o Try no in-goal, essa é a marcação que vale cinco
pontos. Os pilares, que são a maior defesa, vêm em cima, eu tenho algo a meu favor; força e
agilidade. Desvio das duas brutamontes e me jogo na área adversária, encostando a bola
firmemente no chão.
Ponto para o meu time.
Estou em êxtase, meu corpo está todo suado e fervendo. A adrenalina me consome e eu
posso jogar por horas. Eu sempre soube que minha maior paixão seria isso aqui. E eu não me
arrependo da escolha. Por mais que as dores no corpo no dia seguinte sejam insuportáveis, eu
gosto do que machuca, isso me deixa viva.
— ACABA COM ELAS, TINKER — Elliot grita, a treinadora lança um olhar feroz para
ele, que se senta rapidamente.
Sorrio enquanto volto para a mesma marcação do começo, mas, por algum acaso, meu olhar
para em Hades. Ele está com as mangas da blusa do uniforme dobradas e mantém os braços
cruzados, agora sentado ao lado de Kairon.
Hades torce os lábios algumas vezes e seu olho direito se contrai, isso significa que ele está
bem concentrado. Decido seguir seu olhar, que vai até o meio da quadra, fixos em quem eu já
esperava. Olivia.
Cerro os punhos e meu sangue ferve, mas abaixo a cabeça, esperando todas se juntarem para
mais uma rodada. Eu sei como resolver isso do meu jeito, na realidade, do jeito que ele me
ensinou. A bola vem para o nosso lado dessa vez e quem agarra é Lindsay, uma das melhores
Hooker com quem treino. Fico de olho, apenas marcando Olivia quando, finalmente, a bola para
em sua mão.
Desde o que ela fez, nunca mais conseguimos ser amigas novamente. A peça do Peter Pan
não foi marcada apenas pela Tinker morena e sim pelos bastidores que Olívia não conseguiu
guardar para si, algo que quase implorei. Não devemos confiar em todos, principalmente em
alguém que não valoriza amizades.
Avanço com rapidez e raiva na direção dela, que se prepara para o contato, dou com meu
ombro no meio de seus seios, fazendo-a voar e jogar a bola para cima. Ela cai com tudo e me
olha furiosa, não disfarço a raiva e saio de perto, sem cortar o contato visual.
— A próxima eu te tiro, Walker — a treinadora grita, enquanto corre para ver como a
grande atriz está.
Meu sangue ainda está quente, mas sei que depois meu ombro vai doer. Eu não olho para os
meninos e fico de costas para eles, já não ligo se Hades está me olhando ou não. Eu quero
machucar Olivia. É como se tivesse um gatilho para isso, as lembranças vinham.
Tudo recomeça e faço a mesma marcação, Olivia respira pesado e me olha raivosa enquanto
prende seu cabelo que se soltou na queda. Quanto mais ela me olha, mais raiva eu sinto. Por um
descuido, tiro o olhar da ruiva e corro para pegar a bola, meu dedo chega a tocar o objeto, mas
sou arremessada, me chocando contra o chão com força. Sinto a fisgada em meu ombro e
reprimo um gemido de dor.
— Eu nem estava com a bola — grito, a empurrando de cima de mim e então me levanto.
— Você parece um neném chorão — Olivia murmura, me olhando de cima a baixo enquanto
se afasta, fazendo cara de choro.
— Qual é o problema de vocês? — Folk grita do outro lado da quadra.
Nós duas saímos sem falar nada, mas nos encarando com uma vontade mútua. O jogo
continua de onde parou e Olivia se posiciona sendo Pilar. Desvio o olhar e vejo Hades me
encarando, meu peito sobe e desce pesadamente. Hades sempre me desperta algo diferente, algo
impossível de controlar.
Volto a atenção para o jogo e, sem pensar duas vezes, disparo, agarrando a bola e corro para
marcar o Try. Nenhuma das garotas conseguem me alcançar e falta pouco, Megan se joga na
minha frente, a fim de fazer com que eu tropece, mas salto sobre seu corpo. No entanto, assim
que Olivia entra em meu campo de visão, sinto meu foco mudar rapidamente na tendência de
machucá-la.
Jogo meu corpo contra o da ruiva com tanta força que as duas vão ao chão, marcando o Try,
sua cabeça se choca contra o piso de madeira fazendo um barulho audível, meu ombro lateja, e
então, quando me sento, vejo todas as jogadoras horrorizadas. Olivia se encolhe, ainda caída e
geme de dor com as mãos na cabeça. Eu ainda estou ofegante e vejo isso como o teatro que ela
sempre usa para ser a vítima.
— Walker, fora, agora. Saia da minha frente — a treinadora grita enquanto corre em nossa
direção.
Eu não vou perder meu posto de pilar, mas com certeza serei dispensada nos próximos
treinos se isso se tornar algo sério. Megan me oferece sua mão, e então, com sua ajuda, me
levanto. Os garotos estão com expressões de surpresa. No treino deles ou nos jogos, são muito
piores.
— Você está bem? — Peter surge na minha frente com Noemia, que está assustada.
— Estou ótima, Peter.
Então, corro para o vestiário, torcendo para que ninguém venha atrás de mim. Me deixei
levar por um ataque de fúria correndo o risco de me colocarem para fora de treinos e
competições. Estou com raiva de mim, de Olivia e, principalmente, de Hades por me despertar
isso, o pior de mim. Maldito seja.

Papai está concentrado, sentado do outro lado de sua mesa do escritório, sua sobrancelha
arqueada e a barba grisalha para fazer, os lábios em uma linha fina de desagrado lhe dá o ar de
que vai explodir a qualquer momento.
O diretor Harry está falando com ele no telefone há mais ou menos quarenta minutos, papai
mal fala, e quando tem a oportunidade é para me detonar como o diretor provavelmente está
fazendo.
E é nessas horas que mamãe faz falta em minha rotina, eu não sou mais nenhuma criança,
mas certamente ela me entenderia muito mais e me defenderia com unhas e dentes de situações
como essa. Mamãe não é do tipo que deixa falarem de seus filhos, papai mal podia nos dar
esporro em sua presença, então ele se aproveita quando ela está em seus retiros e desconta tudo
que lhe foi reprimido.
Por mais que essa situação não me favoreça, eu espero ao menos ser acolhida.
— Tenho certeza de que Heather se arrepende do que fez — Papai diz com a voz grave,
ainda me encarando.
Eu não me arrependo do que fiz.
Liam massageia a têmpora, mostrando irritação pelo tanto que o homem do outro lado da
linha está falando. Depois de mais alguns minutos, ele consegue encerrar a chamada, falando
algo sobre doações.
— Um corte severo atrás da cabeça de Olivia, filha de Edward Thompson, meu sócio mais
antigo — a falsa calmaria em sua voz me faz esperar o pior. — Não tinha outra porra para fazer
não?
Cruzo os braços e olho para o lado de fora, evito seu olhar raivoso e a forma como ele está
conduzindo o assunto. Tudo voltado para o negócio dele, como sempre.
— Ela me provocou — me limito a dizer.
Ele ri sem humor.
— E desde quando cai em provocações? Ah, já sei o motivo. — Então papai tem toda minha
atenção. — A treinadora disse que Hades estava observando o treino. Coincidência, logo no que
você quase estoura a cabeça de alguém.
— Papai, eu não posso fazer muita coisa se estudo no mesmo colégio de Hades, e acha
mesmo que ele foi o motivo disso? Eu não o suporto.
Me inclino na mesa e Liam continua desconfiado.
— Não confio mais em nada que venha de você, Heather — rebate seco. — Esteja certa de
que é minha maior decepção.
Encaro papai, surpresa com suas palavras, seus olhos castanho-claros me encaram com raiva
e sem nenhum arrependimento sobre o que disse. Luto para que não caia nenhuma lágrima de
meus olhos e os desvio do rosto dele quando minha visão embaça. Indiretamente, Hades sempre
estraga o mínimo convívio que existe dentro de casa com Liam.
Eu esqueço o tanto de câmeras espalhadas pela casa e, provavelmente, sua fúria vem do que
viu ontem na cozinha, assim como no passado, mas o que posso fazer se sua maior dor de cabeça
é o filho do seu melhor amigo?
Isso mesmo, nada.
Sempre neguei a mim mesma qualquer possibilidade de acontecer algo entre nós, cedi ao seu
inferno somente uma vez e foi o bastante para ver como queimou, como acabou comigo.
— Sempre estive certa sobre preferir mamãe a você. Espero que ela volte em breve.
Me levanto e saio de sua sala, batendo a porta com força. Ele nunca foi bom e só se
preocupa com sua imagem e negócios. Mesquinho, queria ser como Kairon para tratá-lo com
indiferença, quem sabe assim ele lamberia meus pés também. Subo para o meu quarto e vou
direto para o banho. Louise precisa voltar…
Percebo que cochilei por tempo demais na banheira quando abro os olhos, vendo que o
banheiro está todo escuro. Saio, me enrolando na toalha e escutando o som de risadas abafadas
pela janela fechada. Estou tão chateada com as palavras de Liam que não tenho ânimo para
descer e ficar com o pessoal. Pelas mensagens, Ava e Noemia não estão aqui, o que piora meu
humor.
O retrato que tirei com mamãe no meu primeiro dia de balé fica em minha escrivaninha,
seus longos cabelos loiros, olhos azuis. Eu não me pareço com ela em nada. Nem em aparência,
nem em personalidade.
Mamãe tem classe e nada a influencia. Ela manda em papai, para ser mais específica, e ele a
obedece. Nada acima de Louise Walker, papai a coloca em um pedestal e essa é a única coisa
que me encanta nele.
Pelo canto de olho, vejo algo se espreitando para dentro do quarto e seu perfume se espalha
pelo ambiente, meu coração dispara, mas minha raiva ainda está aqui.
— Me surpreendeu hoje — ele sussurra, saindo das sombras, não me viro para olhá-lo. —
Mostre até onde vai sua raiva, mas dessa vez, em mim.
Eu poderia evitar o pecado o quanto quisesse, poderia adiar aquilo que iria me destruir, mas
não quando ele aparece no meu quarto aos sussurros… O Diabo e suas armadilhas.
Há algo na escuridão de Hades que me transmite segurança, nunca medo, mesmo que em
algumas vezes, raras, ele me assuste com suas palavras. Aqui não se corta o mal pela raiz quando
ela é sólida, ou apodrecida desde que veio a vida.
— O que está fazendo aqui? Não te agradou o estrago que fez hoje mais cedo? — meu tom é
seco.
Está mais do que nítido que ele desperta meus demônios. Não sou igual a Hades, mas não
deixarei que me passem para trás. Caminho até o interruptor e o acendo, ele está encostado,
vestindo uma camiseta preta de mangas longas, calça jeans e calça apenas meias, provavelmente
para entrar sorrateiro, para que ninguém perceba.
— Eu? Mas eu só estava observando — Hades diz como quem não quer nada.
— Observar? Você é sujo e eu quero distância de você.
Agarro firme a toalha para que não caia. Isso não vai terminar bem e me preocupo. Papai
está em casa e a qualquer momento pode saber da presença de Hades no meu quarto.
— Acha mesmo que eu acredito nisso?
— Eu não me importo se acredita ou não, só fique longe. Você não vê que me prejudica com
meu pai?
É isso o que ele quer, arrancar qualquer vestígio de paz em minha vida. Se eu pudesse culpá-
lo por tudo que tem acontecido, eu o faria.
— Sua relação com seu pai sempre foi uma merda, e bom, tem certeza de que quer
distância? — ele murmura enquanto desencosta da porta. — Eu posso te fazer mudar de ideia em
alguns segundos.
Engulo em seco, quanto mais perto, pior. Não, não, não. Dou alguns passos para trás, me
afastando da cama e da porta, ele parece ameaçador.
— Fique longe, isso é culpa sua. Se não estivesse no treino, não teria acontecido — disparo,
cerrando os punhos e com a voz elevada.
Hades para e inclina um pouco sua cabeça para o lado, como se estivesse avaliando minhas
palavras. Mas nunca dá para saber a real intenção por trás da forma que ele me encara, Hades é
do tipo que pode matar sorrindo.
— Não pode me culpar para sempre pelos seus atos e as consequências, admita quem é e não
sofrerá tanto com isso.
— Quem eu sou? Eu não sou o que aconteceu hoje no treino.
— Então quem você é? — Seus olhos nebulosos focam em mim intensamente, mas não ele
espera por uma resposta. — Eu não coloquei uma arma na sua cabeça para fazer o que você tinha
vontade, foi tanto tempo reprimido assim? Eu sempre soube que seus ciúmes é algo que não
consegue controlar, acha que não usaria ao meu favor?
A ficha cai quando percebo o poder que dei a ele sobre isso, fui burra em cair na sua
provocação. Seja na raiva ou cedendo as suas tentativas, no final, ele sempre ganha algo de mim,
e demonstrar ciúmes foi meu pior erro.
— Sempre em benefício próprio. — Coloco uma mão na cintura e com a outra pressiono
minha testa. — Isso não vai me definir só porque acha que me conhece, você parece ter prazer
em me ver na merda, mas adivinha? Eu não vou te dar esse gostinho, Hades.
— Você sempre me dá algo, não o que eu realmente quero, mas dá. — Abraço meu corpo,
sentindo o arrepio por todo ele, meu rosto queima mesmo que eu tente parecer indiferente.
Minhas mãos suam e as seco discretamente na toalha envolta de meu corpo, dou apenas um
passo para trás, encontrando a escrivaninha com as mãos e me encostando nela.
Hades volta a caminhar lentamente em minha direção.
— Acha que seu desprezo, raiva, tristeza, dor, felicidade ou prazer não me servem de nada?
Eu quero tudo que vem de você, minha rainha.
Estremeço, meu interior se agita com cada palavra possessiva, seu tom rouco e sussurros são
quase como um toque. Mas penso nas palavras de papai, Hades é o maior causador de minhas
desavenças com ele.
Eu tenho que agir, ficar parada esperando que ele, a qualquer momento, me agarre ou que eu
ceda não é uma opção.
— Você é mesmo um psicopata que não sente afeição por nada, sempre que pode me
prejudica indiretamente só pra satisfazer esse ego maníaco. O quão frustrado você é com a sua
vida, querido?
Ele levanta o queixo e o percebo travando a mandíbula, quase sorrio vendo que o atingi.
Mas quando um pequeno sorriso, mínimo, se forma no canto dos seus lábios, fico em completa
confusão.
— O errado não sou eu por te mostrar quem é e te aceitar, a única frustração que eu vejo
vem de você com o pai de merda que tanto endeusa — dispara com seriedade. — Então não
comece com isso, você não sabe do que fala.
Hades diz entredentes, sinto minhas bochechas queimando com a raiva que me sobe, minha
respiração fica pesada.
— É cômico esse seu ódio por Liam, por que parar? Tem medo das verdades? — pergunto
cínica.
Sem chances de correr ou sequer pensar, Hades avança rapidamente em cima de mim,
passando seu braço em minha cintura. Ele me joga na ponta da cama e se coloca no meio das
minhas pernas. Empurro seu peito, tentando o afastar e começo a empurrar com a perna, sem
sucesso. Hades pesa seu corpo sobre o meu, me deixando imóvel.
— Você é um covarde — minha voz falha.
Ele, então, se força mais contra mim, o atrito de sua calça na minha virilha está tirando
minha concentração para o que eu realmente quero dizer ou fazer.
— Me fale suas verdades, então. Me machuque com elas enquanto te faço gemer — a voz
rouca e baixa de Hades ao pé de meu ouvido atinge lugares proibidos em mim.
Meu corpo esquenta e a raiva se mistura ao tesão, involuntariamente meu quadril vai de
encontro a sua ereção ainda por baixo da calça. A falta de tecido na minha parte de baixo me faz
perceber o quanto eu estou molhada. E ele nem precisou fazer muito.
Desejos impuros que não deviam sequer estar em meus pensamentos me consomem, a
possibilidade de machucá-lo também é excitante. Doentia e excitante.
Minhas mãos vão até sua nuca e a arranho enquanto o sinto pressionar mais seu corpo ao
meu.
— Eu te odeio, Hades.
— E o que mais? — Ele beija meu pescoço e o suga. Dou tudo de mim para reprimir um
gemido.
— Nunca me teria, nunca na sua vida. — Isso é uma verdade?
A mão de Hades envolve meu pescoço com certa possessividade, seu olhar escuro sobe
lentamente enquanto roça contra minha intimidade. Levanto o queixo fazendo com que o aperto
fique... agressivo.
— Nunca? — sussurra, com a boca próxima a minha. — Anda repetindo as merdas que seu
pai fala, hum?
Ele passa sua língua pela minha bochecha e lábios entreabertos. Eu concordo e seu aperto
fica forte, me tirando um pouco de ar, engulo em seco.
— Eu vou fazer o que Liam mandou e ficar o mais longe que posso, você destrói tudo que
toca, essa é a maior verdade que ele já disse.
Seu aperto aumenta e sua outra mão passeia pelo meu corpo, deixando cada parte tocada
formigando, queimando, clamando por mais de seu toque. Meu corpo é um maldito que se rende
a tudo que ele faz, as sensações são sempre novas e eletrizantes, mas nunca o suficiente. Talvez
isso seja o mais excitante.
— Você sempre fica presa às vontades de seu pai, você segue tudo o que ele fala como uma
maldita regra e não vê que essa é só mais uma forma dele te controlar. Ele sabe que a filhinha vai
fazer tudo que ele quiser.
— Só porque o meu pai se importa com o meu futuro, não significa que esteja me
controlando.
— Você fala merda demais, cega por quem não te merece. — Hades parece estar com raiva.
— É isso que quer? Fazer com que ele me odeie?
Ele bufa uma risada e eu tento o empurrar novamente, estou ficando cansada de tentar.
Quando realmente canso de me debater, vejo que ele me encara. Sempre intenso, como se fosse
invadir toda minha alma e pegá-la para ele sem dó, meu estômago se revirava e então me
arrependo do que disse. Mas o arrependimento dura pouco.
— Ele te odiaria mais se soubesse que fica molhada e quase nua se esfregando em mim,
imagina a decepção? — Hades diz entre dentes, o rosto próximo do meu e seus olhos queimando
em raiva pura.
Eu não podia estar diferente depois dessas palavras vomitadas. Começo a me debater e a
toalha se solta aos poucos, eu fico nua com ele no meio de minhas pernas. A vergonha me
consome junto com a raiva, não penso duas vezes e cravo minhas unhas em suas bochechas e
mordo seu queixo. Ele vai ter que sair de cima de mim pela dor.
Hades grunhe quando minhas unhas entram mais na pele do seu rosto e forço mais a
mordida, sem dó, eu aumento a pressão, e então ele se afasta. Rastejo para o meio da cama, me
enrolando novamente na toalha e puxo o lençol para esconder meu corpo. Seu queixo está
avermelhado e as marcas de unha pouco visíveis em seu rosto, ele não fala nada e me olha por
breves segundos, me fazendo pensar que agora ele me mataria.
Me sinto, de certa forma, traída, não tenho mais controle sobre mim em relação a ele e isso
me enfurece. Eu o odeio pela sua maldade e pela maldade que desperta em mim.
— Não pense que isso acabou.
Então ele sai do quarto, batendo a porta.
Eu poderia chorar, mas isso não fazia parte de mim. Não me renderia as suas ameaças, e ele
teria que matar o mundo inteiro se não aguentasse me ver com outro.
Até meus doze anos, papai lia para mim todas as noites sobre os monstros que viriam pegar
quem não se comportava. Naquele tempo, eu acreditava tanto em suas palavras que dormia
rápido por medo. Eu não era comportada, não do jeito que ele queria.
Ele descrevia os monstros como criaturas terríveis e feias, impossíveis de serem encaradas
por muito tempo. Listava as coisas que mais os desagradavam também, só quando cresci mais
um pouco, percebi que eram as coisas que, na verdade, desagradavam a ele. Era uma forma
indireta para que eu seguisse suas regras, então o monstro sempre esteve ali.
Kairon às vezes entrava no meu quarto durante a madrugada, dizendo que sentia quando eu
estava com medo. Meu irmão sempre foi meu porto seguro, admirava o quanto não ligava para
absolutamente nada e não aparentava ter medos. Ele foi adotado assim que nos mudamos para
cá, eu com seis anos, e ele aos sete anos, sendo apenas cinco meses mais velho que eu. Lembro
de sua chegada como se fosse uma luz no fim de um túnel de solidão, já que era assim que eu me
sentia a maior parte do tempo, solitária. Meu irmão nunca quis saber de sua família antiga e
assim mamãe pôde ficar aliviada, já que chorava dia e noite com medo que ele pedisse para
voltar a sua verdadeira mãe.
Mas sabemos que Louise sempre foi a verdadeira em sua vida, criados de igual para igual e
sempre com as cartas postas à mesa sobre a verdade. Fizemos os mesmos amigos, claro que com
o tempo o ciclo de amizade dele aumentou e o meu não, mas isso nunca mudou nada entre nós
dois. Inseparáveis, dizem que o homem da nossa vida normalmente é o pai, uma tolice, Kairon é
o único homem que habita em meu coração e tem grande parte dele.
O amor de irmão é algo que aumenta a cada ano.
Aos treze, ele me levou para finalmente conhecer o lago que mamãe dizia ser lindo, mas era
longe de nossa casa, ela nunca teve tempo de nos levar até lá. Ele foi comigo depois que lhe
contei sobre meu sonho com o tal lago, caminhamos muito nesse dia, mas valeu a pena. Na
realidade, ele e Hades, que nesse dia mal falou comigo, já que foi depois de mais um fim de
semana que passou trancado em casa com seu pai. E foi o único fim de semana que não o escutei
tocar minha música favorita em seu piano, mínimos detalhes que marcam a gente.
Essa é uma memória forte para mim.
— O que achou? — pergunto enquanto dou uma voltinha para meu irmão.
— Não precisam se vestir feito vadias, mas combinou com vocês — Kairon diz com um
meio sorriso, depois de um olhar breve em mim e Ava.
Ele está um pouco esquisito, sondando muito nossas intenções para essa noite.
— O que te leva a pensar que não somos? — rebato, enquanto mexo na bolsa em busca de
meu gloss.
Eu uso um vestido rose até metade da coxa, um pouco colado, e salto branco, meu cabelo
escuro com ondulações está solto. Talvez eu queira atenção essa noite. Ava usa um vestido lilás
um pouco soltinho e saltos prata, em sua perfeita postura de bailarina, seu cabelo loiro cai em
uma cascata.
É compreensível que Elliot morra de amores por ela, mesmo que não admita.
Não contar ao meu irmão sobre o lugar que vamos, ele pode ir atrás de nós com os garotos e
essa é a última coisa que queremos. Eu nem esperava o encontrar em casa hoje, o que é estranho.
Pego minha bolsa e saio do quarto, puxando Ava para que ele não faça nenhuma pergunta.
Estou animada, tem alguns meses que eu não saio, já que passo bastante dos limites quando
o faço. Percebo que, quando paro de beber, começo a sentir mais do que o necessário, começo a
pensar mais no que está me rodeando, a realidade nunca me fez bem e, então, estou optando em
voltar a não sentir nada. A dor precisa ser aliviada, adormecê-la virou um dos meus maiores
dons, mesmo que seja por algumas horas.
Noemia e Peter nos aguardam na casa noturna. Ao nos aproximarmos, percebemos a grande
fila. A cidade não chega a ser pequena, mas a boate é muito conhecida e tem alguns rostos
familiares do colégio, alguns menores de idade como nós, a fim de sair um pouco da mesmice de
festas em casas.
Não tem emoção como as boates.
— Identidades. — O homem alto e extremamente forte nos para quando furamos a fila, já
que temos um camarote para entrar.
Ele usa um terno preto e é careca com uma tatuagem de escorpião no pescoço, tem cara de
quem pode bater em todos aqui e depois matar alguém. Sim, o estou julgando apenas pelo porte e
olhar maldoso. Ava joga o cabelo para trás e endireita a postura, gosto do quanto minha amiga
exala confiança, é algo que eu almejo em mim.
Mas eu sou mais abusada do que confiante.
— Acho que não será necessário — sua voz soa doce. — Tenho certeza de que meu nome
brilha aí no topo da lista, Ava Mackenzie.
Ele olha com desdém, irredutível e irritante, ele apenas balança a cabeça, colocando as mãos
para trás, pronto para pedir novamente o que não vamos dar.
— Deixe, há algumas pessoas que podem entrar sem documentos. — Uma mulher loira
aparece na porta apenas para dizer isso e adentra novamente, ele range os dentes.
Sem dizer mais nada, ele sai da frente e seguimos para dentro da grande casa noturna. O
interior está decorado com muitas luzes de led, a pista é enorme e possui uma cabine para o DJ
ao alto. Os camarotes têm grandes janelas com vidro escurecido no segundo andar, tendo a vista
para toda a pista. Possui três bares na parte de baixo e dois em cima, toca uma música eletrônica
enquanto enche aos poucos.
Atravessamos para subir e passar pelo corredor ao fundo dos camarotes, alguns já tem gente
e outros estão com uma faixa, sinalizando reserva. Noemia e Peter estão no último, um pouco
escondido, mas com a vista de toda parte de baixo, e conseguimos ver o outro camarote do outro
lado. Nosso espaço tem um pole dance bem ao centro, poltronas de couro de frente para ele e
uma grande janela. Olho para tudo ao redor, uma mesa de vidro com bebidas caras já compradas
e depois encaro Ava, que sorri maliciosa.
— Eu não aguentava mais esperar vocês para beber — Noemia reclama alto, para que
possamos escutar.
Ela usa um vestido vermelho com a lateral transparente, o decote em seus seios a deixa
muito mais ousada do que nós. Noemia, por sua altura e um corpo esculpido pelo treino
constante, chama muita atenção.
Às vezes me pergunto se sou a feia do grupo, mas isso nunca me consumiu, eu sou lembrada
do meu valor quase todos os dias.
— Vocês vieram prontas para acabar com a vida de qualquer homem. — Peter se levanta,
ele usa uma calça jeans apertada e blusa de botões azul-claro.
É incrível o quanto ele dá pinta e ninguém percebe, pelo menos Noemia e Ava já
desconfiam, mas eu não confirmo e nem nego. Segredo nosso.
— Então vamos começar — Ava grita, enquanto levanta a taça.

De começo, decidimos virar todo o champanhe sem pensar duas vezes, logo pulamos para a
tequila, que desce queimando minha garganta. É inevitável a careta a cada dose que é servida. A
cada copo virado, menos eu sentia. Outra dose, e menos eu lembrava.
A bebida demora a bater, sinto minhas bochechas quentes e meu corpo se move sozinho
com Renegade estourando por toda a boate, caminho com meu copo em uma mão para observar
a pista já cheia. A maioria procura sempre mais para não pensar muito na realidade, na decepção
que vão ser no dia seguinte quando seus pais sentirem o cheiro de álcool vir de cada poro. A
bebida ameniza a saudade e a dor, talvez o sentimento de abandono também.
Tenho medo de sentir demais, isso tende a acontecer quando passo dias sóbria, escutando
ordens e vendo que, mesmo quando eu me esforço, o filho preferido continua sendo outro.
A noite parece passar lentamente, me deixando saborear a bebida de cor diferente misturada
com álcool e dançar com minhas amigas que estão rindo atrás de mim, de relance vejo Peter com
a camisa desabotoada em seu molejo.
— Preciso ir ao banheiro — aviso, todos continuam em suas danças.
Mais para lá do que para cá, caminho pelo corredor dos camarotes, vendo a luz roxa que
ilumina o lugar, parece que eu estou em um filme do Spring Breakers. Talvez eu esteja querendo
viver tudo de uma vez, como lá, sem medo das consequências, mas sabendo que elas virão.
Desço as escadas mesmo que tenha banheiro no andar em que eu estava, mas deixo para lá o que
ia fazer, então puxo o telefone de dentro do sutiã e rolo as conversas.
Eu gargalho sozinha com a mensagem imbecil que nunca vou enviar, jogo o celular de volta
dentro do sutiã e olho para a garota ao meu lado.
— Homens são uma caixinha de mentiras — comento.
Ela me olha confusa e acena em concordância enquanto suga a bebida de seu copo com o
canudo, viro o copo para acompanhá-la e volto para onde estava com as garotas. Quando estou
de volta, um homem moreno de roupa social entra e Peter parece conhecê-lo bem, já que o
cumprimenta com um abraço.
Ele é alto e tem ombros largos, parece forte pela forma que seus músculos apertam o tecido
da sua blusa. Ele é um pouco mais velho que todos aqui, seu rosto é bem másculo, barba feita e o
olhar atento em nós. Logo um outro homem entra, conhecido de Peter, já esse é ruivo e do
mesmo porte que o outro, parece mais simpático e descontraído.
— Meninas, esses são Samuel e Cole — Peter diz, um pouco embolado, sorrindo. O moreno
acena com a cabeça, sem sorrir, o ruivo ri para nós e acena com as duas mãos.
Noemia parece não escutar e continua dançando sozinha, Ava e eu somos as únicas a acenar
em cumprimento. A presença deles não influencia muito, mas parece que foi uma fagulha para
acender a fogueira, não me sinto atraída por nenhum dos dois, mas brevemente me vem à mente
o meu último treino.
Ele olhou para outra, eu pensei que era somente eu em sua vista. Burra. Se ele pode fazer
esse tipo de coisa, isso significa que também posso. Primeiro Ibiza e depois o treino. Foda-se
Hades.
Viro todo meu copo, sentindo a bebida rasgar meu interior e queimar meu estômago. O
encho novamente, eu não devia pensar nele, eu não devia pensar em nada.
— Acho que ficar bêbada não vai te ajudar a esquecer com quem quer que você tenha
brigado. — Olho para quem disse isso e vejo o homem ruivo. — Normalmente te faz lembrar
ainda mais.
Eu rolo os olhos.
— Quem disse que quero esquecer alguém? E se eu quiser, posso fazer algo melhor que
beber — disparo, já sem filtro e atropelando as palavras.
O homem arqueia uma sobrancelha. A essa altura, sou incapaz de decifrar as pessoas, o
álcool me consome aos poucos.
— Então mostre ao que veio. — Tomo suas palavras como um desafio.
Eu não devia nem ter cogitado o pole dance, mas, quando percebo, já estou largando o copo
na mesinha e subindo no pequeno palco de frente para o grande sofá de couro preto onde está o
ruivo, acho que se chama Cole. Meu corpo está quente demais e, quando seguro a barra de ferro,
percebo minhas mãos suadas. Apenas me esfrego nele enquanto meu vestido sobe, ficando mais
curto que antes, eu estou dançando mais para mim do que para ele.
Na realidade, Cole não me importa, quem eu quero que veja não sabe nem que estou aqui.
Ava também dança comigo, lentamente e quase sincronizadas, como se não estivéssemos
bêbadas. Fecho os olhos e dou um pequeno giro na barra, sinto a música por todo meu corpo,
como se me dominasse com as batidas, e sorrio, me lembrando da mão de Hades percorrendo
meu corpo, tão impuro.
É como se ele estivesse na minha pele, impossível de remover, queimando cada parte que
ele tenha tocado e me fazendo desejar sempre mais e mais, mesmo que meu ódio seja cultivado
sempre. Isso é quente como o inferno.
Nosso corpo quer aquilo que não podemos ter com facilidade, aquilo que é negado e
ameaçado. Então é prazeroso quando eu quase ultrapasso o limite estabelecido. Jogo o cabelo
para trás e vejo o olhar de Cole queimando sobre mim, ele se ajeita no sofá e não pisca.
— Mas que merda… — Noemia diz, olhando através de mim, assustada.
Ava, que agora está sentada na ponta do palco, se vira rapidamente com os olhos
arregalados, me movo em câmera lenta e peço aos céus que não seja quem eu penso que é. Mas
Deus nunca esteve tanto assim ao meu lado.
No outro camarote, com a mão apoiada no vidro, de roupa social toda preta e os cabelos
desgrenhados, está Hades me encarando como se fosse atravessar esse vidro. Talvez esteja com
raiva, eu nunca sei exatamente o que ele sente. Merda. Não consigo entender como seu olhar fixo
em mim pode me fazer sentir uma mistura de sentimentos, desde raiva a alegria, desde medo e
segurança. Hades me deixa confusa demais, e eu estou muito bêbada para pensar sobre isso.
— Bom, precisamos ir embora. — Me viro para elas, então vou cambaleando até a minha
bolsa.
Noemia, em seu desespero ao ver Kairon, acaba tropeçando e caindo. Ava a ajuda e eu
procuro por minha bolsa, maldita bebida que não passa, tudo parece mais lento do que o normal.
A noite estava boa dentro do possível, mesmo que meus demônios não me deixassem flutuar
para longe da bolha miserável de pensamentos, eu estava com minhas amigas e dançando para
um desconhecido. Oh Deus, estava fazendo de novo.
— Não acredito que vai embora na melhor parte, baby. — O ruivo se coloca na minha
frente, enquanto vasculho tudo para encontrar a merda da minha bolsa. — Beba pelo menos o
último gole.
— Muito obrigada, mas já estou indo. — Levanto o olhar breve para ele, mas Cole insiste.
Peter não está mais aqui, não sei se me preocupo com isso ou não.
— Não faça essa desfeita, beba.
Elliot entra no camarote, girando a chave do carro em seu dedo, meu corpo esfria e por
nervosismo vendo a movimentação, pego meu copo da mão de Cole e viro, sentindo mais uma
vez a bebida me rasgar por dentro.
— O Diabo está muito puto na outra sala, Tinker — diz descontraído, me olhando, mas
depois encara Ava. — De você eu cuido agora.
Elliot joga Ava por cima dos ombros e pega a bolsa dela da minha mão, e logo sai sem dizer
mais nada, com ela socando suas costas. Olho para Nono e decidimos mentalmente sair juntas,
não temos medo dos garotos, é mais algo sobre não passar vergonha. A puxo para fora e o
homem ruivo vem atrás da gente, falando um monte de merda.
Minha cabeça dá uma girada, meus olhos pesam um pouco e minhas pernas falham, a
quantidade de álcool nessa noite e, de bônus, meus meses sem beber desse jeito, está
compactuando para meu estado catastrófico.
— Eu levo vocês, vamos no meu carro. — Cole segura em minha mão livre.
— Cole, não — minha voz falha.
Me sinto estranha, o chão não parece tão seguro e piso em falso por quase todo o caminho.
Noemia está bêbada, então me acompanha a cada tropeço, minha vista pesa ainda mais.
— Merda, merda — murmuro.
— Vem baby, eu te coloco no carro.
Cole me puxa para si e meu corpo amolece, ainda estou de olhos abertos, mas sem muito
controle. Nono cambaleia para o lado e Kairon surge, a segurando. Do nada, ouço o estalo de
garrafa que se quebra e estilhaços voam à minha frente. Fecho os olhos quando os braços de Cole
se afrouxam ao redor de meu corpo, e outro me segura.
O toque áspero e com posse, o que eu sempre reconheceria. Com muito esforço, abro os
olhos, vendo Hades me segurando a tempo de não cair. Ele sorri ladino.
— Nunca duvide da minha obsessão por você.
Tudo escurece.
Minha cabeça dói e meus olhos não querem abrir de jeito nenhum, eu sinto um pouco de frio
em meus braços não cobertos. Estou de bruços e abro lentamente meus olhos, nada os incomoda,
já que o quarto está escuro. Poucos feixes de luz atravessam a cortina branca, mas é o suficiente
para eu descobrir que aqui não é o meu quarto.
O edredom branco é extremamente macio, assim como a cama, que parece me engolir. Eu
apoio meus cotovelos no colchão e minha cabeça lateja, me lembrando da ressaca e da falta de
memória da noite passada. Vasculho e não me lembro de quase nada. Nem como vim parar aqui.
Viro a cabeça para o outro lado, vendo uma pequena mesa de madeira branca, uma cozinha
americana clássica. Na cabeceira tem um copo de água e comprimido, eu não sei onde estou, e
nem fodendo vou tomar isso.
Eu ainda visto a roupa de ontem, me viro e solto um pequeno grito vendo Hades sentado na
poltrona de frente para a cama. Minhas mãos tremem e meu coração acelera.
— Tome o remédio e beba a água — seu tom é autoritário, ele não tira seu olhar de mim.
Assim faço, viro o copo inteiro para conseguir engolir o remédio, quase volta tudo pelo
enjoo do estômago vazio, odeio sentir ressaca.
Minha atenção se volta para ele, e então, só aí, percebo respingos de sangue no lado direito
de seu rosto. A camisa dobrada revela sangue seco em suas mãos, e os nós de seus dedos estão
extremamente machucados. Não consigo identificar o que mancha o tecido preto de suas roupas,
mas desconfio. Seu cabelo está bagunçado e seu olhar é mortal.
— O que aconteceu? — Eu não sei se quero saber, na realidade.
— A pergunta não é essa. — Ele passa a língua entre os lábios. — Não deveria beber tanto,
ainda mais de um copo que não é seu.
— Eu… — minha voz falha, tento caçar isso em minhas memórias, mas não lembro de
absolutamente nada. — Isso não aconteceu.
Talvez se eu mentir, ele não vai me intimidar, porque eu estarei no controle, mas isso só
funciona na teoria. Na prática, não cola mesmo. Hades trava a mandíbula, a sombra em seu olhar
parece esconder os diversos demônios que ele controla e não deixa sair. Isso faz parte dele mais
do que eu posso imaginar.
Mas se ele está insinuando algo, é porque foi atrás de mim novamente e, de novo, tudo saiu
do controle. O sangue espalhado pela sua roupa pode ser o efeito do que sua presença causou.
— Como soube onde eu estava? Que merda aconteceu?
— Você lembra de quando entrou para o ensino médio e decidiu que queria beijar o garoto
novo? — Hades me interrompe em meu surto, me fazendo arquear as sobrancelhas em confusão.
Eu anuo. Não estava entendendo onde ele queria chegar com isso.
— Eu te avisei que você beijaria somente a mim, certo? — concordo novamente. — Ele
estava no banheiro, se gabando que iria ficar com você e acabar tirando sua virgindade, mas que
você tinha cara de puta e nem devia ser virgem. — Hades aperta o braço acolchoado da poltrona,
como se a lembrança o deixasse com raiva. — Ele não sabia quem eu era, mas depois que eu o
empurrei da escada, o fazendo fraturar a perna, deixei avisado que a única puta era a mãe dele e
que não chegasse mais perto de você novamente.
Abaixo a cabeça com sua confissão, me sentindo mal, culpada. Lembro que talvez eu tenha
falado muita merda para ele naquele dia. Sinto culpa por uma coisa que já aconteceu, o odiei por
uns bons meses depois disso, mas não altera nada. Não entendo porque ele decidiu me contar
isso agora e não quando tudo aconteceu, teria evitado uma série de coisas.
Ele nunca me contava os motivos para fazer o que fazia, ele só justificava dizendo que eu o
pertencia. Eu não sou um objeto, eu não posso ser tratada como um, eu só quero que ele se
comunique mais e faça menos.
Mas Hades é impulsivo.
— Ontem não foi diferente, eu te observei desde que chegou naquela merda com um vestido
minúsculo, me deu vontade de arrancar você dali por estarem te olhando com desejo, desejando
o que só eu posso tocar. — Um calafrio passa em minha espinha e eu me arrepio. — Mas eu te
deixei, até que começou a dançar para aquele filho da puta, eu tentei ir até lá três vezes, mas
Elliot me impediu, disse que você não faria nada.
Ele dá uma pausa e bufa uma risada, balançando a cabeça em descrença.
— Você não faria nada, isso era óbvio, ainda mais depois de sua mensagem. — Meu rosto
esquenta quando ela me vem à cabeça. — Mas quando você me viu e ele jogou a droga em seu
copo no momento de distração, percebi que meu problema ali não era você.
Cole me drogou.
Meu olhar fica vago, procurando algo em minhas memórias e nada vem, tudo foi apagado,
não consigo lembrar como saí de lá. Me sinto impotente, traída, eu fui ingênua ao ponto de não
perceber.
— Você não fez… — murmuro, com medo.
O encaro com os olhos arregalados, o sangue não é de Hades, então. Os nós em seus dedos
já estão me mostrando o que ele possivelmente fez. Ele se levanta e sobe na cama, andando sobre
ela. Logo se ajoelha, prendendo minhas pernas entre as suas. Meu corpo treme com a
aproximação e meus lábios também, mais de perto eu consigo sentir o cheiro de ferrugem.
Ele se aproxima ainda mais, fazendo com que eu me deite, então apoia seu cotovelo ao lado
de minha cabeça, eu viro o rosto.
— Eu faço qualquer coisa por você… — Hades agarra minha mandíbula e aperta, me
obrigando a olhá-lo. — E não me importo com as consequências desde que eu mostre para você
e para qualquer um que é minha, só minha.
Meu interior se agita, oh, como se agita. Seus olhos nebulosos encaram os meus com
intensidade, com desejo, maldade e excitação. Por mais que eu lute para que nada meu pertença a
ele, de qualquer forma, pertence.
— Você está todo sujo de sangue, não sei se devo te agradecer ou me preocupar com isso —
minha voz sai tremula enquanto o encaro. — De qualquer forma, eu te agradeço muito.
— É um bom começo, mas quero que fique longe de Peter. É meu terceiro aviso.
— Você me salvou, mas isso não altera a nossa realidade. Chega de me dar ordens —
rebato, ele então se aproxima e roça seu nariz no meu de olhos fechados.
Permaneço parada, esperando alguma reação, mas isso não parece o afetar em nada. Não me
surpreende. Ele então se afasta bruscamente, me esfriando, parecendo deixar tudo ao meu redor
vazio com sua aproximação.
— Então eu não me importo de continuar afastando ameaças que te rodeiam. — Hades
caminha até a porta. — Não me importo de matar por você, saiba disso.
Ele bate a porta atrás dele quando saí, eu me encolho na cama depois de suas palavras.

Saí como uma fugitiva da casa que fica nos limites da propriedade do pai de Hades, essa
casa foi construída para sua avó passar uns dias, mas ela acabou falecendo meses antes de ficar
pronta.
Quando chego na porta da minha casa, vejo o carro de meu pai ainda estacionado. Suspiro
pesado e fecho os olhos. Maldito dia.
Eu não faço ideia de que horas são, já que meu celular desligou, e tenho certeza de que não
vou mais para a escola. Eu giro a maçaneta devagar, tentando fazer o mínimo de barulho. Papai
não pode saber que eu estou chegando agora.
Estou tremendo de nervoso ao imaginá-lo me vendo desse jeito. O que eu vou falar para ele?
Oh, eu dormi na casa de Ava ou Nono? Mas e se os pais delas já tiverem entrado em contato? Eu
vou sair como mentirosa, aumentando ainda mais sua desconfiança em mim.
Tudo em silêncio, eu posso escutar meu coração de tão rápido que ele está batendo, então
corro para subir os degraus...
— Eu vou te perguntar uma vez e espero a verdade. — Eu travo no meio da escada, até
prendo a respiração para escutá-lo. — Onde você estava?
Me viro lentamente, encontrando papai de braços cruzados no final da escada, parece um
pouco cansado, cara de quem não dormiu a noite toda. Para ele estar assim, Kairon deve ter
passado a noite fora também, já que essa é a única coisa que tira seu sono.
— Estava em uma… — Procuro algo fácil e convincente. — Festa, que acabou tarde.
Sua postura fica mais rígida e seus lábios formam uma linha fina, ele sabe que eu estou
mentindo e eu estou pronta para sua bronca, papai solta um suspiro longo e pesado.
— Sua treinadora deixou você voltar aos treinos. — Liam muda de assunto, ele sabe que eu
menti. — Nunca mais faça o que fez no último treino, ou eu juro por Deus que te tiro do colégio
e desse estado.
— Por que essa decisão radical comigo?
Ele me olha impaciente.
— Porque é só você que me dá trabalho e dor de cabeça. Te dou chances e você as joga pro
alto.
— Chances? — repito com desdém. Ele me encara. — Você as tira de mim, tira minhas
próprias escolhas e vontades, eu sempre faço tudo que manda e você só vê o que quer.
— Eu só vejo o que quero? Você se mostrou alguém desprezível nos últimos dias.
— O que? Eu sempre faço tudo que manda. — Meus olhos enchem de lágrimas e me
controlo para não chorar. — Você não enxerga nada que eu faça, eu sempre quis ser útil assim
como Kairon é para você
Ele nunca está satisfeito, é só sobre ele, sobre respeitá-lo, obedecê-lo. Sem perguntas sobre o
que aconteceu noite passada, do porquê eu estou ali com a roupa de ontem, nada, ele só se
importa com o que vai beneficiá-lo.
Liam massageia a têmpora, parece puto pra caralho pelas minhas palavras, já que seu olhar
vaga por tudo ao nosso redor.
— Então seja útil no jantar de hoje à noite, esteja bem-humorada e eu penso sobre confiar
em você ou não, mesmo que a mentira esteja estampada em seu rosto.
Ele se vira e meus lábios tremem com a vontade de chorar, mas o choro seria de raiva.
— Papai — eu o chamo, ele não se vira. — Quando mamãe volta?
Há uma pausa que me deixa alerta, uma pausa longa demais. Papai sempre foi fissurado em
mamãe de todas as formas possíveis e sua hesitação em me responder é estranha.
— Não espere tanto assim por ela.
Então ele caminha em direção ao seu escritório a passos largos, me deixando chorar em
silêncio.
Fomos criados para viver debaixo das asas de Louise, sua ausência nunca se prolongou por
tanto tempo como agora. Talvez o seu abandono seja alguma mudança no comportamento do
papai.
Mas seria tão ruim assim nos levar com ela?
Não, ela vai voltar, é mais uma manipulação de Liam.
As notícias ruins vêm como um tsunami, desço e vou até à adega, pegando uma garrafa de
tequila. Eu preciso adormecer a dor.
(Quinze Anos de Ida de)

Meu aniversário de dezesseis anos está se aproximando, papai segue deixando claro que é
para ficar longe de garotos. Para ser mais específica, ele se refere a Hades. Olho para Louise, que
dirige atenta a estrada, uma vez ao ano ela pega esse mesmo caminho para fazer doações, e hoje
é minha primeira vez a acompanhando.
— Posso te fazer uma pergunta? — quebro o silêncio e mamãe me olha brevemente.
Ela se ajeita no banco e aponta o retrovisor central do carro para me olhar sem tirar tanto o
foco da estrada. Seus olhos azuis brilham, sempre me pergunto por que não puxei nada de bonito
dela, eu queria ser sua cópia. Seu cheiro é cítrico, fresco e marcante. Se as nuvens tivessem um
cheiro, com certeza seria como o de Louise.
Mas Louise disse que os olhos verdes e o cabelo escuro vieram de minha avó paterna, nunca
sequer vi uma foto de meus avós, seja por parte de pai ou de mãe.
Mamãe dizia que certas coisas precisavam ficar no passado. Então, por agora, ele não me
importa.
— Claro, pergunte — seu tom é calmo, sem pressa e bom de se ouvir.
— Quando teve seu primeiro beijo?
Ela torce os lábios, pensando sobre responder ou não, mas talvez sejam perguntas que não
podem ser evitadas para sempre. Louise é o tipo de pessoa que conversa abertamente sobre tudo,
mas faz isso com mais frequência quando Kairon pergunta algo. Eu sempre evitei perguntas que
fossem muito suspeitas, sempre esperei que ela decidisse que era hora de conversar sobre isso
mesmo que eu já tenha conversado com minhas amigas ou pesquisado sobre.
— Para ser bem sincera, foi aos treze anos, atrás de um lindo chafariz e com o garoto que eu
era apaixonada na época, logo depois do beijo confessei que gostava dele.
Ela sorri, mas com tristeza, parecendo se lembrar daquele dia. Fico nervosa sabendo que
meu primeiro beijo foi com alguém que eu confiava, que sempre deixou claro sua fascinação por
mim.
— Mas ele não gostava de mim por ser muito nova e foi um beijo escondido, depois disso
me ignorou e eu sofri tanto — diz melancólica, pousando sua mão na minha e a acariciando. —
Terá sorte quando decidir beijar alguém e ele gostar de você, então tente não ter pressa e...
— Ele gosta de mim — me apresso em dizer e a encaro. Ela então para de acariciar minha
mão. — Mas eu nunca disse que gostava dele, agora com seu exemplo, com certeza nunca direi.
Eu solto um riso nervoso e nego com a cabeça, ela dá um pequeno sorriso reconfortante,
voltando a alisar minha mão de forma calma, soltando um suspiro.
É sempre muito difícil de entender as reações de todos quando se trata de qualquer
aproximação minha e de Hades, mamãe sabe de quem eu estou falando.
— Eu tinha treze anos, não era pra ter dito. — Ela bufa uma risada. — Mas você gosta dele?
Eu não sei o que sinto por Hades, ele me deixa confusa na maior parte das vezes. Mas
também me dá a certeza de que eu sou a única em sua vida, sua rainha, como começou me
chamar.
Talvez gostar seja confiar e eu confio em Hades.
— Ele não é alguém bom para se gostar.
— Mas para beijar, sim? Hum? — Ela me balança levemente, então para o carro em frente a
um portão com grades brancas e me olha. — Você é uma garota perigosa, Heather, os deixe aos
seus pés, deixe que façam tudo por você, você deverá ser a única aos seus olhos. Eles têm que ter
medo de te perder, pois é rara.
Ela ajeita uma mecha de meu cabelo que se desprende, e acaricia minha bochecha.
Sempre soube que boas garotas ganham tudo que querem, mas as más conseguem mais
ainda com a ambição e a falsa doçura. A persuasão é a chave para conseguir tudo o que quer.
Mamãe me ensinou isso quando eu quis uma viagem e papai me negou.
— Lidar com garotos, ou homens, é como negar doce a uma criança; vamos começar pelo
não e depois de tanta insistência, ceder a eles o doce. O que é fácil está fora de jogo.
Talvez a devoção que papai tem por mamãe se deu pela insistência, ele nem sempre foi tão
poderoso e rico, o sobrenome era de mamãe, que vinha de uma linhagem rica.
Mas os tempos são diferentes, é difícil eu ter alguém ao meu lado que seja inferior à vida
que tenho, então sobra apenas um, aquele que se encaixa em tudo que Louise aconselha. Não que
os outros me interessassem, eu gosto da forma como Hades me trata, ele nunca me deixa no
escuro.
A verdade sempre vem dele, eu sabendo lidar com isso ou não.
— Chegamos, aqui é um Hospital psiquiátrico de Fallen — assim que diz, o portão se abre.
— Eles recebem doações de quase todos da nossa cidade, então, faremos o mesmo.
O carro começa a andar pelo corredor de árvores, é possível ver, ao fundo, uma grande casa
branca, mas não dou tanta atenção quando me lembro do que meu pai me perguntou.
— Mamãe. — Agora tenho sua atenção novamente. — Papai veio me perguntar novamente
sobre o papel de Tinker Bell naquele ano e...
— Ele não precisa saber dos nossos segredos, Heather. — Ela me interrompe, eu anuo.
Eu quero ver tudo que ela veio fazer aqui. É surpreendente ver uma mulher poderosa como
mamãe ser tão boa com todos ao seu redor, além disso, ser tão boa para mim. Louise não tem
limites, ela sempre consegue o que quer, faz o que quer e no final é incrivelmente recompensada
por isso.
Quando ela estaciona, eu me ajeito para sair, mas ela segura minha mão e eu paro.
— Minha vontade é de te trancar em meu porta-joias para que não cresça, queria que fosse
meu bebê para sempre. Mas a graça da vida é crescer, minha não tão doce garotinha. — E então
sorri para mim em uma piscadela.
Um pequeno sorriso se forma no canto de meus lábios enquanto a encaro. Louise parece
saber o que aconteceu ontem à noite na brincadeira dos trinta segundos, eu não disse sobre ter
beijado, mas ela simplesmente falou. Ela sabia.
Mamãe sabe de tudo...
(Dias Atua is)

O acúmulo de problemas sem solução é como uma bola de neve, eu não sei lidar com o que
eu estou sentindo depois de ser drogada e agora forçada a ir em um jantar para ter a merda da
aprovação de um homem de merda. Mas isso passa rápido pela minha cabeça.
Agora, uma parte minha me força a aceitar que Hades faz o que faz para me poupar de
situações de arrependimento, o único com quem não aconteceria nenhuma dessas coisas seria
com ele, eu sou agradecida. Ou talvez essa seja mais uma manipulação para que eu fique presa a
essa ideia de que só existe ele para mim.
Minha cabeça gira em torno de tudo que diz respeito a Hades, anos de convivência podem
ter desencadeado o mesmo comportamento quando me sinto... Substituível.
Eu estou pronta, mas ainda deitada em minha cama no escuro. Esse é o lugar onde eu me
sinto confortável, onde ninguém pode ver realmente como eu sou, mesmo que nem eu saiba
direito, uma hora sou a filha que foi pedida a Deus, em outra sou abandonada pela mãe por causa
de uma ilha sem sinal de celular.
Coloco a garrafa quase terminada na mesa ao lado da cama, talvez eu esteja cansada, mas
meu corpo finalmente está dormente e os pensamentos não doem. Isso significa que estou pronta
para ir.
Ajeito o vestido midi preto que modela meu corpo, acendo o abajur, e caminho, um pouco
zonza, em direção ao grande espelho para ajeitar meu cabelo.
— Nem tão doce garota… — murmuro.
Pego minha bolsa e, antes de sair, me encho de perfume, escovo os dentes e mastigo chiclete
para afastar o cheiro de álcool. Papai está no telefone ao pé da escada, mas, quando me vê,
começa seu caminho para fora de casa e eu o sigo.
Não espero um elogio ou uma conversa positiva, aliás, eu provavelmente não conseguiria
manter nenhum diálogo nesse estado. Eu só preciso me manter de boca fechada até a noite
acabar.
O caminho foi como imaginei, papai ao telefone discutindo com seu sócio sobre algo que
não me interessa. Fico aliviada que o jantar vai ser na casa do senador George Mackenzie, mas
lembrei que Ava está com Elliot. Ontem foi uma boa noite para Nono e ela, inclusive. Não
chegamos a trocar muitas mensagens sobre isso, mas com o pouco comentado já dá para ter uma
pequena noção.
Acho fui a única decepcionada, só para mim a noite foi cheia de nada. Tirando a imagem
sexy de Hades sujo de sangue me encarando dormir. Pelo tanto de sangue, esperava que Cole
estivesse morto ou bem longe daqui.
Quando chegamos à mansão do senador, observo alguns carros estacionados em frente,
parece que a casa é inspirada na Casa Branca, mas com algumas partes em dourados. O jardim é
imenso, a piscina fica aos fundos, onde às vezes aconteciam as festas. É raro.
O chofer para o carro e abre a porta do meu lado, eu desço, ajeitando minha roupa e meu pé
vira, eu me seguro no homem até que esteja em equilíbrio. Logo dou espaço para meu pai sair.
Ele desliga o celular e ajeita seu terno, o homem não está em seu melhor humor, mas isso já é de
se esperar.
— Odeio atrasos — murmura, e logo entrelaça seu braço ao meu.
Caminhamos para a entrada, onde se encontra Moreau, o mordomo que trabalha ali desde
que me conheço por gente. Sempre sorrindo e disposto.
— Isso que acontece quando sou avisada em cima da hora — rebato, depois lanço um
sorriso a Moreau que acena com a cabeça.
Por dentro, a casa parece um palácio, a mãe de Ava nunca foi uma mulher simples, as
decorações são sempre muito caras e chamativas. A escada é enorme, e mais à direita fica o salão
de festas para onde papai me puxa. Assim que adentramos, meu olho bate automaticamente no
moreno sombrio do outro lado do salão, ele escuta atentamente o que um senhor dizia a ele e seu
pai, James.
— Não mencionou sobre James vir ao jantar — sussurro para papai, que parece surpreso.
— Não sabia, ele não avisou que estava na cidade.
Papai e James são muito amigos, não tanto quanto mamãe e Eloah, mas são. Suas ideias de
negócios os fizeram crescer muito no ramo de cosméticos, a empresa pertence à família de
mamãe, e os dois investem juntos, então é esquisito os ver distantes em uma mesma sala.
Volto meu olhar para Hades, que agora me encara. Cada movimento, cada passo, nada passa
despercebido. Ele usa uma blusa branca de botões, e uma calça de alfaiataria preta. Esse
desgraçado fica bem em qualquer tipo de roupa, tornando complicado demais não reparar em
cada detalhe.
— Quero você ao meu lado a noite inteira — Papai murmura em meu ouvido, me puxando
em direção ao senador.
Engulo em seco e puxo meu braço discretamente, logo sorrio quando nos aproximamos. Eu
pego uma taça da bandeja do garçom, dando um gole no champanhe. Liam me olha com
desaprovação.
— Walker. — Mackenzie nos saúda, ele já é de idade. — Doce Heather, sinto muito que
minha princesa Ava não esteja conosco essa noite para te acompanhar.
Sempre gostei de como o senador se referia a sua única filha, é encantadora a forma como
ele a trata como seu tudo. Até construiu um grande estúdio de balé na área externa para que ela
dançasse a hora que quisesse.
— Está tudo bem — asseguro, ele pega em minha mão e leva a sua bochecha em um ato de
ternura, delicadamente a solta.
Uma curiosidade; ele nunca beija minha mão, ou de qualquer uma de nós, amigas de sua
filha, é sempre esse tipo de carinho. Nunca entendi o porquê, mas prefiro assim.
Papai e ele começam a conversar sobre negócios. Eu olho por cima dos ombros, a procura da
única coisa que me interessa aqui. Sinto como se estivesse sendo observada, mas não é por
Hades, ele não está me olhando.
Bebo mais um gole do champanhe e tento sair do agarre de papai, mas sem sucesso. Eu
sempre me arrependo de vir a esses eventos.
— Meus grandes amigos — a voz grave e carregada com o falso bom-humor chama nossa
atenção.
Olhamos para trás ao mesmo tempo, vendo Hades e James lado a lado. O psicopata parece
puto, já que odeia seu pai tanto quanto o meu. Não tem nem comparação, e provavelmente está
ali sob chantagem. Pais abusivos têm o costume de nos forçar a fazer o que querem ameaçando
nosso ponto fraco.
Neste caso, meu pai me chantageia usando sua confiança, que é algo importante para mim.
Mas até que ponto? Eu não sei, estou bêbada demais para raciocinar sobre isso.
— Fico surpreso em estar na cidade, James — o tom de papai é cínico.
— Não perderia o jantar de meu amigo, é para se comemorar. — James levanta seu copo
com whisky, papai fica tenso e Mackenzie o olha confuso.
— Comemorar o que exatamente? — É Hades quem pergunta, ele também segura um copo
de whisky.
Seu olhar intercala nos três que estão ali, mas eles parecem simplesmente não ter escutado.
James emenda uma outra conversa, que é voltada para o novo negócio no centro entre Liam e
ele. Hades bufa.
— Que se foda — murmura, então se afasta impaciente.
Volto meu olhar para papai, que está dividindo sua atenção entre mim e a conversa, mas em
certo momento já não tenho mais seu foco. O salão tem poucas mulheres, eu conheço algumas
por meio de mamãe, mas não gosto delas ao ponto de cumprimentar.
Pego outra taça, colocando-a vazia na bandeja assim que o garçom passa novamente e papai
bufa.
— Preciso ir ao banheiro. Licença.
Eu sussurro apenas para Liam e saio na direção oposta a que Hades saiu, mas eu não vou ao
banheiro. Meu salto vira novamente e me equilibro, segurando na parede.
Merda. O álcool já está me afetando muito e me conduzindo a um caminho perverso, muito
perverso. Por que negar o óbvio?
Dou a volta e vou até a parte da sacada que Hades está encostado, o vento bagunça seu
cabelo e ele se prepara para acender um cigarro. Odeio cigarros. Mas o perfume amadeirado com
a nicotina o deixa inconfundível, ele me impregna com isso. Coloco a taça sob a mureta e
envolvo seu pescoço com meus braços, ele toma um susto e afasta o rosto, seu cigarro cai junto
com o isqueiro.
— Que porra está fazendo? — Ele se abaixa, pegando o que derrubei. Ele joga o cigarro fora
e pega outro. — Você tá bebendo mesmo depois de ontem?
Me afasto, rangendo os dentes.
— Agora vou beber de garrafas da minha casa ou de lugares confiáveis, aprendi a lição
rápido.
Eu tento novamente e derrubo seu copo, ele se afasta, impedindo que o líquido caia em sua
blusa.
— Não beba mais — esbraveja, então joga a taça fora. — Você está bêbada.
Ele lambe os lábios e me encara. Mas eu estou com raiva demais para me prolongar no que
eu fiz ou deixei de fazer. Por que comigo sempre tem que ser mais difícil?
— Ah, sim, entendi. — Eu cambaleio para o lado, ele me segura pela cintura. — Só fica
com a Olivia, só fode com a Olivia, tudo é Olivia.
— Do que você está falando?
O encaro e percebo confusão em seu rosto. Ótimo em fingir, isso eu sei. O vento o impede
de acender o isqueiro, ele tenta, mas mantém seu olhar em mim. Canalha. Mas ele parece se
distrair com algo, já que olha para os lados.
— O ménage que fez em Ibiza e o tanto que olha para ela. E eu nem sei por que estou
falando isso, eu nem ao menos gosto de você, você é repulsivo e...
— Shhhh. — Ele coloca um dedo nos meus lábios, me calando.
Eu estufo o peito para descontar a minha raiva pela falta de atenção. Ele mandou eu me
calar?
— Então você e ela...
Hades coloca a mão na minha boca e me puxa para o vão na parede, nos escondendo ali, sua
respiração pesada bate em minha testa e, então, com o silêncio, escuto sussurros. Não são
audíveis o bastante para também serem compreensíveis, então tento não respirar tão pesado a fim
de escutar, mas meu coração está tão acelerado que nada sai com clareza.
Eu não sei se o nervosismo é por Hades estar me prensando na parede ou o motivo de
estarmos aqui, escondidos para escutar algo.
— Eles trouxeram os dois, não tem como eu pegar a garota, e o garoto é pior do que a gente
imagina — o homem sussurra.
O álcool parece passar em segundos, e meu estômago se revira em nervosismo só de pensar
na possibilidade de ser descoberta por esse homem.
— Você vai ter o que deseja, precisamos do momento certo. — Pela falta de resposta, parece
falar ao telefone.
Hades olha para os meus pés e depois para mim, ele coloca o indicador em seus lábios em
um sinal para que eu faça silêncio e tira sua mão de minha boca enquanto anuo, engolindo a
seco. Ele se agacha e tira meu salto devagar, e então volta a ficar de pé, agora percebo que
minhas pernas tremem e talvez eu nem consiga sair daqui.
De quem aquele homem falava?
Com quem falava?
Hades segura minha mão e me puxa para sair dali com cuidado, nos afastamos aos poucos
do homem ao telefone, indo na direção contrária.
— Eu nunca fiquei com Olivia, me surpreende você ainda acreditar em fofocas. — Ele não
se vira, continua andando a minha frente.
— Espera mesmo que eu acredite nisso?
Ele para e bato em suas costas. Hades me olha por cima do ombro, seu olhar escurecido e o
maxilar travado, minha respiração acelera com a imagem desse garoto.
— A única que me encosta e eu tenho desejo é você, eu posso ser tudo de ruim que quiser,
mas mentiras não fazem parte de mim. Então não vai ser dessa vez que conseguirá motivos para
me odiar.
Vejo um sorriso convencido em seus lábios e fecho a cara para ele.
— Em Ibiza eu fiquei chapado e te ligava todos os dias, era isso que eu ficava fazendo.
Outra curiosidade: Hades não deixa qualquer um encostar nele. Quando mais novo, sua mãe
tentou ajudar, achando que era algum tipo de bloqueio, mas ele simplesmente não gosta. Mas eu
sempre o encostei, talvez o problema fossem os outros.
O efeito da bebida passou e minha raiva também, eu acreditei fielmente que ele havia feito
algo com Olivia, mas Hades nunca mente, ele sempre assume tudo o que faz.
Acho que é o grau de psicopatia que o deixa ser sincero, por isso eu tenho medo de
realmente perguntar se ele matou Cole. Eu não quero saber a resposta.
Quando chegamos à parte da frente, vozes conhecidas ecoam sem medo de serem escutadas,
talvez por acharem que estávamos nos fundos.
Liam e James estão conversando, então Hades me puxa para mais perto dele. Estou ficando
impregnada com seu cheiro, seu aperto e seu olhar.
— Não é um bom lugar para conversar, amanhã ainda estarei na cidade — James responde.
— Que seja, onde está o merdinha do seu filho? — Meu pai parece irritado.
Há uma pausa.
— A pequena Heather sumiu também? Já temos a resposta.
Sem deixar prolongar muito, e para aceitar as consequências daquilo, me solto do agarre de
Hades e saio de trás do muro. Odiaria ver uma briga deles por causa de nós dois, eu fui atrás de
Hades, mas isso fica em segredo.
— Por que está descalça e onde estava?
Eu estou torcendo internamente para que ele não saia dali e me deixe mentir, eu posso
inventar qualquer coisa, falar que estou bêbada, qualquer coisa que mantenha Hades longe disso,
mas o barulho de meu sapato caindo ao meu lado e seu corpo alto parado perto do meu me fode
completamente.
— Estava comigo, tio Liam.
O senador aparece bem na hora e se engasga, James abaixa a cabeça, segurando o riso. Não
dá tempo de pensar em nada quando papai me puxa para irmos embora dali. Não ouso olhar para
trás. O Diabo sempre vem buscar o que foi prometido.
"O erro pode ser perdoado apenas uma vez, mas quando se repete, isso já diz respeito a sua
falta de caráter."
São três da manhã e essas palavras se repetem na minha cabeça desde sexta, papai decidiu
me trancar dentro de casa e me vigiar o final de semana inteiro. O portão principal foi trancado
por ele e a adega também, para que não sumisse mais nenhuma garrafa sua.
Ele não tem filtro quando se trata de falar as coisas mais dolorosas que se pode dizer a uma
filha. Cada vez mais dou razão a Hades
Sinto minhas pernas queimarem, meu corpo finalmente ficar cansado, e minhas pernas
arderem, eu corri por alguns minutos na esteira e depois diminuí para a caminhada. Meu suor
pinga e meu coração está disparado, preciso lidar com isso adormecendo esses pensamentos e
sentimentos, eu preciso de algo que faça a dor diminuir.
Maldito Hades, eu me odeio por fazer com que eu concorde com ele.
Aperto o botão e o aparelho que aos poucos vai diminuindo, algumas mechas de meu cabelo
grudam na minha bochecha, limpo com as costas da mão uma gota que escorre em minha testa.
Estou exausta.
— Isso é tudo para voltar bem aos treinos? — Meu olhar vai até Kairon de calça moletom e
casaco preto, encostado no batente da porta.
Desço da esteira e tomo um gole enorme de minha água, suspiro pesado.
— Preciso fazer jus ao dinheiro doado para que eu voltasse rápido, a temporada começa
semana que vem. — Eu rolo os olhos. — Onde estava?
Me lembro que, antes de descer, fui em seu quarto e a cama estava intacta. Ele coloca as
mãos no bolso do casaco e torce os lábios, hesitando um pouco em me contar.
— Noemia não anda maleável, estive lá para uma conversa, mas no final ela bateu a porta na
minha cara.
— Bem-feito, parece que andar com Hades influencia a serem iguais a ele. — Caminho até a
pequena mesa para pegar meu celular, são quase cinco horas.
Eu ainda tenho o costume de olhar o celular de hora em hora para ver se tem algo de mamãe,
mas, como sempre, nada. Nenhuma ligação ou mensagem, é como se seu celular nem existisse.
Kairon estala a língua no céu da boca, à meia luz dá para enxergar seus cachinhos.
— Essa raiva que criou dele por causa de Liam é perda de tempo — Kairon diz. — Quanto
mais se reprime sentimentos, mesmo que seja lá no fundo, eles aparecem nos causando muitos
problemas. Você sabe que não o odeia.
Bufo enquanto reviro os olhos.
— Isso não vem ao caso — falo como se fosse o óbvio. — Me poupe, defensor de Hades. A
questão aqui é o quanto seu amigo é um puto psicopata, Kairon.
Se eu lhe oferecesse a morte, ele a aceitaria de bom grado. O nojo, indiferença, carinho, ou
as piores coisas que eu poderia entregar, para ele tudo vale quando se trata de mim. Então isso
me deixa sem saída. Hades nunca me deu uma saída. Tudo se volta para ele.
Meu irmão se afasta da parede e torce os lábios.
Sem esperar uma resposta, continuo:
— Hades é obcecado por mim, em me causar qualquer sentimento que seja direcionado a
ele, sem limite nenhum.
Há um certo desânimo e uma chama indescritível fluindo em mim, existe meio-termo para
tudo quando ele é mencionado. Ódio e amor estão lado a lado.
— Não somos muito diferentes, minha irmã, a única diferença é que temos o controle. —
Me endireito e encaro Kairon se preparando para sair da sala. — Hades está pouco se fodendo
para isso, por isso faz o que tem que ser feito. Você mostrou no último treino algo que eu nunca
vi, não julgue o Diabo se faz o mesmo.
Meu olhar instantaneamente vai para a grande casa de frente para a nossa, que mais se
parece com um castelo, sua decoração é sombria, parece que tudo foi inspirado no Drácula, para
ser sincera. Tudo combina com o perfil de Hades e seu pai, como as janelas vitorianas escuras e,
por mais que fosse madrugada, ou em qualquer outro horário, tudo permanece apagado como se
não existisse ninguém lá. Mas a sensação de ser observada é constante, mesmo que não apareça
ninguém. Isso me remete a memória de quando ele tocava a madrugada inteira, me avisando que
estava ali.
Me pergunto por que Hades não toca mais piano, minha melodia favorita foi esquecida.

— Podemos ir para a minha casa para ficarmos chapados enquanto assistimos Alice no País
das Maravilhas.
Peter sugere enquanto saímos da nossa última aula. Eu o encaro com uma sobrancelha
levantada.
— Eu acho ótimo — Ava diz, enlaçando meu braço enquanto Peter fica no outro.
— Estou de castigo — relembro, pela milésima vez no dia.
— Então vamos para a sua casa — Ava sugere.
— Ava, eu estou de castigo — repito mais uma vez, confusa se ela sequer é capaz de me
ouvir ou não. Talvez ela esteja bêbada ou a realidade de que eu estou de castigo é algo muito
distante para ela aceitar.
— Heather, tecnicamente, você ainda vai ficar no castigo só que com companhias. —
Aponta para ela e Peter.
— Eu concordo com a Ava. — Ele torce os lábios.
— Não, porque tecnicamente isso não existe, devo ser liberada no final da semana, então
podemos sair juntos.
Quando saímos do prédio, vejo que falta pouco para o sol se pôr. O único horário que eu
gosto na escola é o de ir embora.
— Hum, sim, me convenceu — Peter diz animado.
Puxo a mochila para frente e procuro pelo meu celular, preciso ver onde Kairon está para
que me busque, já que Noemia sumiu. Eu preciso de um carro urgente, mas tendo em vista minha
situação, é pouco provável que papai me dê.
Não o acho em nenhum dos bolsos, merda.
— Acho que deixei o celular na sala, não o encontro — comento, revirando a bolsa.
— Podemos voltar e buscar — Ava diz.
— Não, me espera aqui.
Volto pelo grande corredor, correndo. A escola já começa a esvaziar e eu tento me lembrar
se hoje é dia de treino. Depender dos outros para fazer qualquer coisa é uma merda. Viro no
último corredor, aqui não há ninguém e eu torço para que ninguém tenha pegado, ficar trancada e
sem celular será o meu fim. O único barulho que se escuta aqui é do meu sapato contra o chão,
esse corredor vazio me dá arrepios.
Entro na sala, indo até onde me sentei hoje mais cedo e, quando me abaixo para procurar,
não tem nada. Alguém o pegou. Eu fico de joelhos e começo a olhar debaixo de cada mesa e em
cima também. Nada.
Me levanto e olho pela janela, a vista para o campo onde acontece o treino e Kairon pode
estar lá, mas do que adiantaria se ele não vai me ajudar com nada? Penso sobre o que escutei na
casa do senador, se meu irmão sabe o que se passa e quem é aquele homem falando sobre a elite
ser suja.
Qualquer dia desses, eu morreria sufocada pelo tanto de informações sem explicação que
vêm como uma bomba para mim. Talvez a verdade pudesse ser muito pior, mas acho que a
situação não.
— Procurando algo? — Eu congelo com a voz rouca e grave.
Tudo sempre piora. Eu me viro de supetão e encaro Hades, que está parado com as mãos no
bolso de sua calça jeans. Seu cabelo está molhado e a gravata desfeita, alguns botões da camisa
abertos revelando o peito nu. Meu interior se agita com essa imagem, é extremamente tentador
ceder a ele.
— Meu celular, você pegou? — Meus dedos brincam nervosamente na bainha de minha
saia.
Ele adentra mais a sala e anda até a mesa do professor, que está vazia. Ele encosta e cruza
seus pés, nenhum movimento dele passa despercebido por mim. Me preparo para correr a
qualquer momento.
Ele retira uma de suas mãos do bolso e meu celular acende ali, ele sabia que eu daria falta e
voltaria, tudo planejado, como sempre.
— Serve esse?
— Me devolve — sou firme.
Ele nega com um aceno.
— Tem como você agir normalmente pelo menos uma vez e me devolver? Eu tenho que ir
para casa.
— Isso não me agrada.
— Você não me agrada.
Ele suspira, sua expressão calma que me causa calafrios.
— Resposta errada.
— Quer saber? Que seja, eu peço meu irmão para pegar com você em outra hora.
Eu jogo as mãos para o ar e ando em direção a saída, não quero me arriscar tanto assim.
— Para onde seu pai disse que Louise foi?
A pergunta me faz parar. Eu sei apenas o que mamãe me contou. Olho para Hades, que
ainda mantém a expressão calma.
— Louise disse que iria para o mesmo lugar que tia Eloah, uma ilha sem acesso ao celular.
— E você não achou estranho o fato dela chorar quando a deixou no aeroporto?
Eu arqueio uma sobrancelha, me recordando. Mas para mim aquilo era apenas porque estava
indo para longe de mim e Kairon, mamãe nunca ficou longe. Então me lembro que Hades não
estava lá.
— E como você sabe que ela chorou?
— Ora, minha Heather, você é tão inteligente para desconfiar de mim, por que não faz o
mesmo em relação ao seu pai? Você confia cegamente nele, mas nunca chegou a pensar que ele
pode estar mentindo para você? — Sua falsa calmaria me perturba e eu o encaro raivosa depois
de ter a pergunta ignorada.
— O que você sabe fazer além de culpar Liam? — Aperto os olhos e cruzo os braços.
Ele bufa uma risada.
— Não te perturba nada do que ouviu naquela noite? Prefere sempre fechar os olhos diante
da situação do que culpar seu pai.
Ele cospe as palavras.
— Você queria que eu fosse atrás de vozes? Eu não faço ideia de quem seja e a falta da
minha mãe não me dá espaço para teorias.
Hades desencosta da mesa e caminha devagar, como uma tortura, na minha direção. Eu sou
boa a distância, mas com ele próximo, eu me torno péssima.
— Não há teorias quando a verdade fica debaixo da porra do seu nariz.
Ele está a poucos passos de mim, seu perfume é algo que está cravado em minha memória,
meu interior se agita novamente.
— Sou todo-ouvidos sobre a verdade — tento não parecer afetada.
— Você é fraca para ela.
— Então quando quero saber de você a verdade, você vem me chamar de fraca?
Um sorriso minimalista se curva no canto de seus lábios, meu peito sobe e desce rápido, eu
nunca vou me acostumar com ele. São malditos anos em que sua imagem e presença me
sufocam.
— Estou apenas te deixando no escuro, assim como seu pai e mãe. Talvez assim me idolatre
como eles.
Como papai e mamãe? Levanto meu olhar para ele a procura de respostas, nada, ele me
oferece o que desperta minha curiosidade e depois me abandona? Todo e qualquer assunto é
voltado para ele. Sua obsessão por mim precisa arrancar cada pedacinho meu e deixá-los na
palma de sua mão.
Hades se aproxima, parece com raiva, suas veias são visíveis de seus braços. Cada segundo
mais próximo, sem me dar chances de sequer pensar.
— Isso é blefe — minha voz sai alta.
— Louise sempre foi ótima em te esconder as coisas, gosta de ser enganada, mas adivinha,
minha Heather? Ela deve ser mais suja que seu pai. — Agora ele tem minha total atenção,
despertando em mim a raiva. Raiva por falar de Louise desse jeito. Minha mãe não me deixa no
escuro, ela nunca esconde algo de mim, é a pessoa mais verdadeira que conheci em toda minha
vida. Ela me poupa de tudo que pode me magoar, mas a verdade é sempre dita. Ela disse uma
vez que nossa maior arma é a verdade, mas se podemos omitir... Não.
Hades está sendo maldoso mais uma vez. Não vou ficar aqui escutando merda de um garoto
que sente prazer em me atormentar ou me jogar contra meus pais. A raiva me consome e estico
meu braço, abro a mão, estapeando seu rosto. Mechas do seu cabelo caem em sua testa.
— Você não ouse falar mentiras da minha mãe.
É aqui que ultrapasso os limites e lhe dou a amostra de que ele não pode falar assim dela.
Minha cabeça martela com suas suposições.
Passo por ele, indo em direção a mesa para pegar meu telefone, e uma vez que seguro o
aparelho, escuto a tranca da porta. Quando me viro, o vejo caminhar em minha direção a passos
rápidos e largos. Seu olhar paira a escuridão, seu rosto está vermelho e dá para ver um ou dois
dedos meus marcados.
Meu coração acelera e o desespero me consome quando sua mão envolve meu pescoço e me
joga na mesa. Eu gemo com o impacto e Hades sobe em cima de mim, me prendendo entre seu
corpo e a mesa gelada.
— P-para com isso — minha voz falha e eu tremo.
— O que eu disse sobre você ser fraca para a verdade? Não aguentou nem metade — ele diz
entredentes, seu aperto fica mais forte.
Com a mão livre, ele afasta minhas pernas e se coloca ali no meio, forçando seu quadril em
minha intimidade. Meu corpo esquenta e a umidade entre minhas pernas cresce. Algo em mim
clama pelo toque que só Hades sabe dar, é forte, é duro, é cheio de devoção e desejo. Eu gosto da
sensação de ser tomada pelo cara que acaba com a minha relação com meu pai. Que dia após dia
eu tento reconstruir.
Cá estou eu, abrindo mais as pernas e deixando que a mão do garoto que ele odeia passeie
entre minhas pernas até minha calcinha.
— Não — murmuro.
— Sim — ele sussurra de volta, com a boca contra minha pele.
Hades beija meu pescoço e queixo, ele se delicia pela minha pele e sua mão áspera agarra
um de meus seios. Deus, eu estou quente, estou em chamas. Sua excitação roça em minha
intimidade, fico ofegante e engulo em seco.
— Isso é errado.
— Isso é a gente.
— Nunca. — Estou perdida com os beijos que descem pelo meu corpo.
— Você é minha, Heather, minha rainha, minha maior obsessão — sussurra contra o vale
entre meus seios e desliza, beijando minha barriga. — Eu mataria qualquer um por você, não vou
deixar que te façam mal, porque você é minha.
Suas palavras me consomem. Sim, é esse o tipo de declaração doentia que faz meu coração
acelerar e tudo ao meu redor parar. A negação é algo que aprendi durante toda minha vida. Nós
somos errados e por isso nos encaixamos tão bem, mesmo ele sendo um fodido da cabeça, é tudo
por mim.
A atenção que eu não tive é substituída pelos anos que Hades sempre foi minha sombra, meu
primeiro em tudo. Principalmente no ódio.
— Heather, você está aí? — a voz de meu irmão me faz chutar Hades para longe e rolar para
o chão. Minhas mãos tremem e minhas pernas estão bambas, minha boca fica seca enquanto
ajeito minha blusa e desço a saia, colocando minha calcinha no lugar.
Onde eu estava com a cabeça? Que maldito inferno.
Maldita queimação, meu Deus, eu estou frustrada? Minhas bochechas queimam em
vergonha de olhar para trás e ver Hades. Ele vai na frente e destranca a porta, dando de cara com
um Kairon assustado.
— Merda, o que é isso? — esbraveja, olhando Hades passar por ele todo amassado.
— Estávamos brincando de médico ou casinha, o que preferir — diz entediado, enquanto
ajeita sua blusa. Eu reviro os olhos.
— Me poupe da sua babaquice.
— Não tem nada, ele pegou meu celular e eu vim buscar.
Kairon arqueia uma sobrancelha e me olha de cima a baixo, eu encolho os ombros,
desviando o olhar.
— Vamos, Liam ligou e nos quer em casa antes do jantar.
Os dois começam a andar na frente, me deixando andar logo atrás, pensando nas palavras
que Hades me disse. Até que ponto essas coisas podem ser verdadeiras?
De uma coisa ele está certo, eu estou sendo mantida no escuro enquanto tudo acontece ao
meu redor.
Eu só preciso começar a enxergar.
Mas talvez eu esteja com medo do que isso significa...
Atravesso o campo vazio e vou até às árvores no limite do terreno da escola, vejo Peter
sentado e encostado no tronco da árvore com um cantil pequeno cheio de vodca que eu pedi para
ele trazer. Ele tem um baseado entre seus lábios.
Me aproximando, ele levanta seu olhar até mim, colocando uma mão acima de seus olhos
para que consiga me enxergar. O sol faz parecer que Peter é cego de tão azul que são seus olhos.
Seu cabelo loiro brilha e está impecável como sempre.
Estamos matando os primeiros tempos das aulas para beber e fumar, ciente que se o diretor
ou nosso supervisor fizer algum tipo de vistoria, nossos pais serão avisados imediatamente e a
suspensão por três dias será aplicada. Sei disso graças a Kairon quando foi pego no primeiro dia
do ensino médio fumando no banheiro, esse dia eu tive que ir embora muito mais cedo, pois
Hades rasgou minha saia e literalmente me mandou para casa, mais tarde ele invadiu meu quarto
dizendo que ela estava curta e ele faria de novo se me visse com ela, não ousei usá-la, tinha
receio que da próxima vez ele fizesse na frente de todos.
— Ainda bem que você existe para deixar meu castigo menos entediante — falo assim que
estou perto o suficiente e ele solta a fumaça pelo nariz.
Me sento na grama de frente para Peter e de costas para o prédio da Dinasty, assim posso
evitar que me vejam bebendo.
— Todos precisamos de álcool e, talvez, de um baseado… — Ele estica os dois braços para
mim, oferecendo o cantil e o cigarro. Pego apenas o cantil e o abro.
Viro em minha boca, sentindo o líquido fazer minha garganta arder. O primeiro gole é
sempre o pior, depois que me acostumo, nada me atrapalha de terminar.
— Eu só preciso de álcool. — Passo a língua entre os lábios.
— Vai com calma, ainda tendo problemas com seu pai? — ele pergunta e dá mais uma
tragada.
— Muitos. Permaneço de castigo, isso significa problemas sérios.
— Se algo que pode ser evitado, só conserte — ele sugere o óbvio, reviro os olhos. — Ou
melhor, junte-se mais a ele, precisa de sua confiança, não é?
— Ele não é tão maleável assim, e no momento deve me odiar.
— Você é a vida de Liam, Heather. — Peter me encara com seus olhos azuis bem abertos.
— Ele só fala de você para meu pai, e meu pai quer me jogar para os seus braços de qualquer
jeito, mas adivinha? Prefiro outros braços. — Ele dá uma pausa e depois levanta um dedo. — E
masculinos, por favor.
Eu gargalho com as últimas palavras, mas fico feliz em realmente saber quem é Peter.
— Aí está o motivo dele falar sempre de mim; me jogar para seus braços. — Reviro os
olhos. — Você realmente acha que ele pode confiar em mim de novo? — Tenho certeza de que
pareço uma criança esperançosa perguntando, mas não posso evitar.
É estranha a forma como papai passou a agir comigo, como se eu fosse um troféu e como se
precisasse estar sempre... Impecável. Mamãe aliviava demais essa atitude dele. Por isso hoje
sinto tanto a sua falta, ela amenizada a ausência de meu pai.
— Acho. — Há uma pausa e ele rola o olhar. — Se ficar longe de problemas, e eu falo de
Hades, tudo pode melhorar.
— Hades está grudado em minha pele, não há para onde fugir. — Eu torço os lábios, me
pego até sorrindo. — É impossível afastá-lo.
Eu dou um gole na bebida e massageio minha nuca, sentindo-a formigar.
— Mas o que há entre vocês dois? O mundo dele parece ser você. Fora que todo lugar que
você está, ele também está, mas te observando. Parece que vou ser morto a qualquer momento
quando estou próximo a você.
Passo para ele o cantil e ele toma um gole, logo faz uma careta quando engole a vodca.
— Bobagem, ele não faria nada diretamente com você — o asseguro, mesmo não sentindo
firmeza no que eu mesma digo. — Hades parecia alguém que eu poderia amar, eu falo de amar
mesmo. Mas papai me mostrou que ele não passa de um bastardo que só usa as pessoas.
Seu olhar se perde, procurando as palavras.
— Isso é... trágico.
— Isso é fodido pra caralho.
Ele dá de ombros, encerrando o assunto, e se encosta na árvore, olhando para a floresta. Me
perco em pensamentos, lembrando da conversa que tive com papai logo após ele me mostrar o
que Hades fez, então, o que era para ser uma comemoração, virou um inferno. Aquilo não foi
uma conversa, para ser específica, foi minha destruição e vergonha.
Olho para o mesmo ponto, observando a floresta e afastando as lembranças. Dinasty possui
um rio há alguns metros, ele divide a escola dos animais da floresta. Às vezes, muito raramente,
alguns vem nos fazer uma pequena visita.
Sinto minha nuca formigar de novo e passo a mão ali, esticando minhas costas. Dou mais
um gole no cantil e esse é menos ardente. O escondo e me viro, tendo a sensação de que alguém
nos observa. Olho por todo o prédio de três andares com janelas enormes, a janela da biblioteca
fica para o campo, enquanto as das salas de aula para as laterais.
Corro o olhar por tudo, ainda com a mesma sensação. Talvez esse seja um sinal para que
voltemos. Dou um pulo quando o sinal soa alto, nos avisando do intervalo. Dou mais um gole e
depois jogo duas balas de menta em minha boca para disfarçar o cheiro.
— Vem. — Peter se levanta e estica a mão, eu a seguro e ele me puxa. Dou alguns tapinhas
em minha bunda e ajeito a saia. Caminhamos lado a lado, em passos largos, para que alcancemos
os alunos ainda saindo da sala. E é isso que acontece assim que adentramos o prédio, os
corredores começam a encher com os alunos eufóricos para comer, jogar ou conversar.
O bom é que os intervalos são longos, já que ficamos aqui até o final da tarde. Fora as aulas
externas, isso é ótimo.
— Eu queria te perguntar algo — Peter fala, eu olho para ele por cima do ombro enquanto
caminho. — Cole disse ao telefone que iria te encontrar em breve, algo assim.
Ele olha para baixo, tentando se lembrar. Meu corpo fica frio enquanto caminhamos, eu
engulo em seco, limpando minhas mãos suadas na barra de minha saia. Minha respiração acelera
e minha boca seca, alcanço o cantil em seu bolso e tomo um longo gole, coloco mais uma bala na
boca. Achei que Hades tinha dado um jeito nisso, ele disse que daria.
— Você tem falado com ele? — é quase um sussurro.
— Apenas uma vez, e ele disse isso que eu te falei — ele responde. — O pai miserável dele
está na cidade e parece fazer negócio com nossos pais. Vocês ficaram naquela noite? Eu não
lembro de nada...
Eu franzo as sobrancelhas, estou aliviada por ele não estar morto, mas também quase tenho
um ataque por ele estar realmente vivo. Parece uma coisa distante a se pensar pela forma que
Hades chegou coberto de sangue. Ele tinha que estar morto, não? Meus pensamentos me
devoram.
Peter não se lembra de quase nada e tagarela sobre como foi sua noite com o outro cara,
enquanto eu ando desnorteada. Um arrepio percorre minha espinha e, quando estou prestes a
chorar, uma mão passa pelo meu ombro.
— Anda matando aula, Tinker? — Elliot me puxa para o seu lado, tampando Peter. — Já
pode dar meia volta, novato.
Sua cara se fecha para Peter.
— Deixa ele em paz. — Eu dou-lhe uma cotovelada, mas ele nem se mexe.
— Te vejo mais tarde — Peter diz.
— Não haverá um depois. — Outro arrepio sobe com sua voz rouca. Meu olhar paira em
Hades com as mãos no bolso e uma postura ereta, encarando Peter como se fosse a morte, pronta
para levá-lo, como se fosse o deus do inferno pronto para fazer seu julgamento.
Peter parece pouco disposto a debater e segue seu caminho para o refeitório.
— E você tira essa mão imunda do que é meu, sabe-se lá onde estava essa porra. — Ele
estica seu braço e retira o de Elliot do meu ombro.
— Eu não sou sua — rebato. Hades bufa uma risada.
Cruzo os braços e começo a caminhar em direção ao refeitório, para bem longe deles, mas o
assunto continua às minhas costas:
— Você é um animal, Diabo, minha mão estava dentro do seu saco.
Eu bufo. Elliot é ótimo em provocar Hades, mesmo sabendo quem é sua verdadeira atração.
Ele sempre arranja uma forma de tirá-lo do sério. Bom, depois de muitos anos sendo amigos, é
comum saber o que fazer.
Elliot é o que eu mais gosto do grupo, para ser sincera. Ele é bem mais próximo de mim, tem
os olhos em um castanho-claro e seu cabelo é do mesmo tom. Junto a Hades, é o mais alto. O
garoto faz de tudo pela Ava, e ela o usa apenas para o sexo. Mas tanto ela, quanto Noemia, não
me enganam sobre seus sentimentos.
— Eu sempre soube dessa sua queda por mim, tente em outra vida, seu pedaço de bosta.
Elliot ri em deboche.
— É mais fácil eu ter uma queda pela Tinker, aliás, formaríamos um ótimo ca...
Um estrondo é ouvido nas minhas costas e eu encolho os ombros enquanto me viro, Hades
segura Elliot pelo colarinho, o suspendendo contra o armário. O outro ri, por sua vez, sem se
preocupar.
— Apenas pense nisso novamente e veja como eu quebro seu nariz — Hades diz
entredentes. — Ou seu braço para que não a toque de novo.
— A putinha está irritada — Elliot debocha, com as mãos levantadas.
Algumas pessoas olham assustadas. Hades não é do tipo que briga, eu nunca o vi fazendo
nada, e não quero que hoje seja a primeira vez.
— Parem com isso, o diretor pode ver. — Eu tento puxar Hades, mas ele é muito mais forte.
— A temporada está começando, uma advertência e é banco na certa — Elliot debocha mais
uma vez.
Agora, admiro sua coragem enquanto brinca com a chance de ter o nariz quebrado a
qualquer momento. Isso não agradaria seu pai, que valoriza seu rosto diante dos diversos eventos
com fotógrafos. Seria o caos. Mas a temporada significa muito para Hades e ele não a deixaria
escorrer entre os dedos. Furioso, Hades bate Elliot contra o armário e o solta.
Sua respiração está pesada e ele, aos poucos, fica menos vermelho. Então passa por mim
sem ao menos me olhar. Elliot se ajeita e vai atrás dele sorrindo. Isso é sério?
Volto a fazer meu caminho, mergulhando no assunto de Cole novamente. Aquele cara ao
telefone na casa do senador poderia ser alguém a mando dele? É uma possibilidade.
A culpa não foi, ele mereceu o que Hades com ele por ter tentado me drogar. Mas agora,
tenho medo do que ele possa fazer comigo em forma de vingança.

Eu sinto falta de quando nada me importava mais do que as minhas bonecas, pedia aos céus
que me fizessem crescer depressa e imaginava mil situações sobre meu último ano. Como visitar
a universidade de Columbia, fazer diversas aulas complementares só para que meu histórico
pesasse além de ter o nome da Dinasty nele.
Cheguei a fantasiar um possível namoro e até casamento quando chegasse aos dezoito anos,
jurava que iria ser como mamãe foi com papai. Sempre os tive como exemplo, queria dar a eles
orgulho, mas para Liam isso acabou tão rápido como quando começou, me atingindo em cheio.
Dou um gole na garrafa de champanhe e observo que está quase acabando. Meu eu de
antigamente estaria decepcionado.
— Merda, onde foi que eu me perdi? — murmuro grogue, balançando a cabeça.
A música toma conta do banheiro e logo some novamente. Peter fez uma festa em plena
quarta-feira a fim de tentar se enturmar. Pelo menos aqui não tivéssemos nenhum sinal dos
garotos. E eu estou começando a ficar bêbada ao ponto de não conseguir levantar do vaso.
— Heather? — Ava grita e eu desperto. — Merda, não é pra beber uma garrafa disso
sozinha.
Ela adentra no banheiro e retira a garrafa da minha mão, colocando-a sobre a pia, levanto a
cabeça, olhando para seus olhos azuis feito o oceano. Estão vermelhos, provavelmente estava
fumando. Maldita maconheira.
— E você não pode fumar sozinha — eu falo rindo. Ela bufa.
— Vem, acabou a festa para você.
— Ahhh — resmungo.
Ava me puxa e sinto tudo girar, mas eu não estou a ponto de cair. Tropeço nos meus
próprios pés enquanto ela me arrasta do banheiro do quarto de Peter. A música está alta quando
saímos, há muitos alunos do Dinasty bebendo e curtindo como se não houvesse aula amanhã. Eu
sou uma delas, mas tenho meus motivos.
Minha cabeça gira enquanto me apoio em Ava para descer as escadas. Daqui de cima é
possível ver que está bem mais cheio desde quando subi, acho que passei tempo demais
vomitando. O chão parece difícil de enxergar, mas estou conseguindo andar sem cair, ou eu
quero realmente acreditar nisso.
— O que aconteceu? — Nono surge com um copo na mão. — Porra, Heather, você está
bêbada.
Eu tento falar algo, mas nada sai, aliás, um mal súbito sobe em minha garganta. Sabe aquela
coisa de que podemos fazer de tudo menos vomitar na frente dos outros? Eu me controlo para
isso não acontecer agora. Estou muito bêbada? Sim, mas pera lá. Noemia passa meu outro braço
em seu pescoço, ela me ergue um pouco do chão por ser bem alta e Ava ajeita meu vestido.
Estamos saindo pelos fundos para evitar qualquer olhar indesejado.
— Espere aqui, irei encontrar sua bolsa e a minha — Ava diz, me deixando apoiada no
balcão da cozinha onde há apenas um casal se beijando. Noemia sai com ela.
Eu encaro os dois. Pode parecer vergonhoso, mas pouco me importa o que eles acham. Tem
gente com o direito de ser quem quer e fazer o que bem entende sem prejudicar sua imagem
dentro de casa. O pior julgamento vem daqueles que nos conhecem bem, mas o quão bem isso
pode nos fazer?
Me falaram uma vez que eu poderia matar meu pai e ninguém nunca descobriria o que fiz.
Bem, foi Hades quem me falou isso. Ele odiava papai? Sim. Faria isso? Talvez.
Eu me apoio no balcão quando caio para o lado, o álcool faz esses pensamentos não
machucarem tanto quanto machucam quando estou sóbria. Eu bebo e depois me esqueço por um
tempo. Viro lentamente minha cabeça para o lado, vendo um corredor que dá para uma escada
que parece um outro acesso para o andar de cima.
Tem alguém encostado na parede, me encarando. Seu capuz cobre parcialmente seu rosto.
Eu me sinto mal, essa presença não me causa conforto, me causa insegurança e medo. Posso
estar no auge da minha bebedeira, mas sei que Hades nunca me causou esses tipos de
sentimentos.
Minha perna vacila e eu me seguro no balcão novamente, encarando-o, sentindo um calafrio
em minha espinha, me deixando alerta. A sombra é grande, o corpo muito mais musculoso que o
de Hades ou qualquer um dos meninos. Minha visão pode estar me sabotando para que eu veja o
que me dá medo. O que eu tenho pensado durante o dia.
Ele dá um passo e o pouco de luz mostra que um de seus braços está com gesso, em sua
perna tem um ferro ortopédico fincado em sua pele. Tem um em seu braço também. Aquele não
é Hades.
Mais um passo dele e eu me preparo para correr, dando de cara com Noemia e Ava que me
olham assustadas. Minha respiração está acelerada e parece que fiquei mais bêbada ainda.
— Você tomou alguma balinha? Prometemos não ir por esses caminhos. — Noemia segura
minha bochecha entre as mãos, olhando no fundo de meus olhos.
— O que aconteceu, Heather? — Ava pergunta, passando meu braço por seu ombro.
Eu olho para o corredor e não tem mais ninguém ali. O álcool causa esses delírios? Não,
com certeza não. Foi real.
O carro de aplicativo nos deixa há algumas casas da minha, eu vomito três vezes nas lixeiras
que encontro no caminho. Ainda assim, o álcool parece estar impregnado tão forte que eu não
sinto nenhum sinal de lucidez. É isso que acontece quando se bebe de estômago vazio.
Evitei dizer para Nono e Ava o que vi, mesmo que as duas tenham insistido muito, essa
conversa precisa acontecer comigo sóbria e eu preciso ouvir o que elas sabem sobre aquela noite.
Hades, pelo visto, não terminou o trabalho.
— Anda Logo, Heather, a última coisa que eu quero é Hades me ameaçando — Ava diz
enquanto me puxa para que eu me mova mais rápido.
— Ele não manda em mim.
— Diga isso a ele que nos ameaçou depois da noite na boate — Noemia diz ao meu outro
lado, minha cabeça cai para frente. — Maldição, você mora de frente para ele — murmura.
Um segredo talvez não tão secreto assim: eu gosto disso. Isso é culpa da bebida. Tento ao
máximo andar sem tropeçar, mas o que elas fazem é me arrastar ainda mais para dentro do
quintal às pressas. Sorte do dia: papai está em uma conferência por uma semana. Azar: ele ainda
não está falando comigo, por isso minha grande escapada pode ser descoberta em breve.
— Manda ele se foder — falo um pouco alto demais.
Seus pés fincam no chão e eu levanto a cabeça, vendo Hades parado na minha porta com as
mãos por dentro do bolso da sua calça moletom. Ele está todo de preto e sua expressão sombria
me traz um pouco de lucidez. Merda. Eu retiro os braços dos ombros de Nono e Ava,
cambaleando um pouco para o lado e depois me coloco firme, ou é o que eu imagino.
Ele me olha da cabeça aos pés, me queimando com sua fúria. Há algo em mim que gosta de
desafiá-lo, mas morre de medo das consequências disso, ainda mais que ele tem ultrapassado a
linha do "jamais me toque."
— Elliot te aguarda ao lado de fora, Ava — sua voz é grave e firme, ele fala o nome dela
com desdém.
O barulho de um carro potente soa do outro lado do portão, ela estremece, mas antes de ir,
me dá um pequeno sorriso.
— Kairon está na casa de hóspedes depois da piscina, ele também tá te esperando — agora
ele diz com raiva, cruzando os braços, seus músculos pressionados na manga da camiseta.
Nono nem ao menos me olha e se apressa para dar a volta pela casa, o caminho mais longo,
para chegar a nossa casa de hóspedes. Quando ela some nos limites, eu abaixo a cabeça. Cadê a
coragem que você diz ter? Eu penso.
O silêncio se torna uma tortura. Eu mal escuto sua respiração e acho que ele consegue
escutar o meu coração, que a qualquer momento vai sair pela minha boca. Eu dou um passo e
meu pé vira. Eu sei que é pelo nervosismo somado ao salto, então me equilibro para que ele não
venha me ajudar, mas é tarde demais e ele me joga por cima de seus ombros.
Eu me assusto, mas não luto. Permaneço mole enquanto ele anda pelo hall e sobe as escadas.
Talvez, se eu me fingir de morta, posso escapar de suas más intenções. Eu estou bêbada e
cederia, me conheço.
Escuto quando Hades abre a porta do meu quarto, ele retira meus sapatos antes de me
colocar no chão. Eu sou como uma pena ou um saco de lixo para ele, pela facilidade com que faz
as coisas ainda me segurando. O balançar faz meu estômago revirar. Sou colocada no chão e
atropelo tudo o que tem pela frente até o banheiro, indo vomitar.
Eu permaneço em meu trono da vergonha, vomitando e vomitando. Suas mãos prendem meu
cabelo para trás enquanto coloco para fora todo o álcool. Tudo acontece em silêncio. Quando
termino de vomitar, ele me deixa sozinha no banheiro. Eu consigo tomar um banho, depois
escovo os dentes e coloco um pijama confortável. O silêncio dele me tortura mais do que suas
palavras mentirosas, dói não saber o que Hades está pensando.
Adentro o quarto e me sento na ponta da cama, ele olha para o lado de fora enquanto termina
seu maldito cigarro. A luz da lua deixa Hades com uma áurea misteriosa. Ele é sempre bonito de
se olhar, é como uma pintura feita com os mínimos detalhes da perfeição.
— O que exatamente você quer aqui? — murmuro, receosa.
Ele dá a última tragada no cigarro e o apaga na minha sacada, ele se vira e anda até mim,
bem lentamente.
— O que eu te disse sobre ficar longe de Peter? — a falsa calmaria em sua voz me arrepia.
Hades acaricia minha bochecha, olhando em meus olhos.
— O que eu te disse sobre não mandar em mim?
— Está brincando onde não deve — soa como uma ameaça.
Eu dou uma pausa na minha resposta venenosa, lembrando do que Peter me disse e sobre ter
visto Cole em sua casa. Eu não posso estar delirando, aquilo foi real. Eu preciso saber o que foi
feito com Cole.
— Você… — Eu engulo, minhas mãos tremem. — Você fez o que com Cole naquela noite?
Ele para sua carícia e se abaixa, ficando à altura de meu rosto, seus olhos acendem como se
gostasse da minha pergunta, como se quisesse me mostrar o que fez. Seu perfume impregna tudo,
é misturado com menta.
— Fiz o suficiente para que ele não usasse as mãos e as pernas tão cedo, não do jeito que
usava. — É raso, mas suficiente para me alertar.
Era Cole hoje e eu estou com medo.
— Por que a pergunta? — ele desconfia, me olhando cauteloso.
Seu polegar alisa meus lábios enquanto os encara, depois minha bochecha como se estivesse
cravando em suas memórias cada parte do meu rosto.
— Eu acho que o vi hoje...
Pela primeira vez, sua expressão cai, sua mão desce de meu rosto, fechando os punhos e
travando o maxilar. A respiração de Hades fica acelerada e eu sei que ele está com raiva.
— Estou com medo — confesso, sem cortar o contato visual. — Não sei o que fazer.
O seu olhar suaviza imediatamente.
— Então me peça, Heather. — O encaro confusa. — O que me pedir, eu farei, minha rainha
Eu agora vejo sua súplica para que ele termine o que começou, para que faça aquilo em meu
nome, e cravar em mim, me mostrando que ele é capaz de tudo. Sua mão se abre ao lado de meu
rosto e eu me delicio com seu toque cheio de ternura enquanto fecho os olhos. Agora sei o que
preciso dizer, eu sei o que preciso pedir.
Ele já fez isso antes, bem antes de sabermos o que é a maldade. Hades me empurra
suavemente para cima e eu me deito na cama, de lado. Com uma mão embaixo da cabeça, meus
olhos ficam pesados enquanto ele se coloca ao lado da cama.
— Faça o que tem que ser feito — eu murmuro.
Eu pisco algumas vezes, tendo como última visão seu sorriso. Tão lindo e verdadeiramente...
Psicótico. Há quem diga que o fogo causa mais destruição que o ar, mas ninguém fala sobre
como a junção dos elementos podem causar uma situação catastrófica.
Entre fogo e ar, não existe competição. O ar sustenta e espalha o fogo. Hades e eu somos
dessa forma. Uma junção catastrófica e avassaladora.
(Dezesseis Ano s de Ida de)

— Eu mataria vocês pela Heather, sem pensar duas vezes — falo descontraído, enquanto
saio da piscina de Kairon.
Magnus, Elliot e ele me encaram perplexos. Eu sei que posso falar coisas absurdas para eles,
mesmo levando a sério. Nada se altera entre a gente. Uns demonstram de menos e outros mais,
mas a obsessão por suas coisas sempre está ali. Porém, uma coisa que eu não suporto são as
provocações com o nome da minha Heather.
— Isso é hipoteticamente falando ou...? — Magnus dá uma pausa, receoso, voltando a se
movimentar para fora da água.
— Pode virar uma realidade se chamarem ela de novo para tomar banho na piscina.
Com isso, eu enrolo a toalha em minha cintura e saio dali. Ouço quando a porta da frente se
abre, eu não olho para trás e continuo o caminho até minha casa. O fato de viver mais na casa de
Kairon e Heather é porque meu pai proíbe pessoas em minha casa, então, assim que abro a porta
principal da minha residência e escuto a voz de Louise, eu acho estranho.
Estão falando algo sobre o treinador Mark Lowrey ter assediado Heather, não consigo
escutar muito já que o assunto está quase se encerrando. Mas se estão comentando uma para
outra, é algo que precisa ser resolvido.
Escuto Louise contar a minha mãe sobre o que descobriu, e eu quero garantir que isso nunca
mais vai se repetir. Heather não me contou nada e agora entendo seu desânimo em continuar,
mas eu vou fazer isso mudar muito em breve.
— Nosso monstrinho não pode saber disso — Louise diz apreensiva, mas bufa uma risada.
— Claro que não, será mais um problema para resolver — Mamãe responde, calma. Eu subo
para me trocar rapidamente.
Depois de apenas trocar de roupa, me apresso para sair primeiro e terminar logo com isso,
não é fácil esconder as coisas de mim e sabem disso. Tudo chega até mim, por bem ou mal, e
isso alimenta ainda mais minha raiva.
As pessoas não conseguem guardar segredos por muito tempo, elas sentem a necessidade de
que pelo menos uma pessoa saiba. Mas as paredes têm ouvidos. Eu estou atrás delas. Minha falta
de empatia ou remorso em qualquer ocasião me leva a dizer e fazer coisas que podem machucar
o outro, mas isso é só uma falha deles. Só sente a dor quem dá atenção a ela.
E se aos dezesseis eu já sei disso, é porque algo está errado comigo?
Avisto Heather sentada em sua porta e Ava na sua frente, lhe mostrando alguns passos de
Balé. Seus olhos verdes brilham em admiração pela maldita loira que me inferniza desde que me
conheceu. Eu até mesmo a ameaço, mas então aparece outra loira medrosa, a Noemia.
Por fim, meus amigos passaram a ficar interessados demais nelas. Eles dizem, talvez, amá-
las. Já eu posso afirmar que sou obcecado por Heather, ela é a única em quem tenho interesse,
mesmo que eu sempre tenha chamado a atenção das outras garotas de nossa escola, é somente ela
que eu vejo em todos os lugares.
Posso, também, afirmar que é recíproco, já que consigo afastar todos os garotos que ousam
tentar algo com a minha rainha. Sim, ela é isso tudo para mim, e sim, eu a faria pensar que
somente eu existo. Seu olhar encontra o meu e ela sorri, logo depois acena.
Heather tem o sorriso mais lindo que já vi, ainda mais depois que tirou o aparelho, ela sorri
com os olhos, e eles ficam pequenos de um jeito que me abala. Ela é um anjo, a luz que não
existe em mim.
— Parado aí, seu bastardo. — Ava coloca um dedo na frente do meu rosto. — O que você
quer?
Intercalo o olhar entre ela e Heather, que não interfere. Seu olhar está baixo e ela parece um
pouco distraída. Não é difícil identificar que algo a entristeceu. E isso me acende a mais pura
raiva.
— Toma conta da sua vida, Ava. — Eu esbarro em seu ombro.
Me aproximo de Heather e estendo a mão, ela não a pega de primeira, mas olha confusa
entre mim e Ava, que parece desaprovar o que vem a seguir, mas não diz nada. Somos feitos cão
e gato, tem momentos que ela me odeia mortalmente e outros em que conseguimos ser perfeitos
um para o outro.
Ela, um dia, perguntou se eu a amo, mas o amor é uma farsa, no final, ele te destrói como
todos os outros sentimentos. O que sinto por ela é devoção, talvez eu compare em como mamãe
é com sua religião. Heather é a minha.
— Eu quero te mostrar algo que vai te fazer sentir bem. — Seu olhar se ilumina, muito mais
do que vendo Ava dançar.
Heather agarra minha mão e se levanta, se despedindo vagamente de Ava que bate os pés,
saindo do quintal. Eu não me importo desde que eu consiga ter a total atenção de quem eu
realmente quero.
A Dinasty Junior não fica tão longe daqui, e com a distração de mamãe e Louise, eu consigo
pegar o carro para que seja um caminho curto e que aconteça rápido, bem rápido ou de forma
agonizante, esse é meu desejo.
Heather olha para o outro lado enquanto brinca com a barra de seu vestido, ela está nervosa,
mas só por estar aqui, eu sei que confia em mim mais do que tudo.
Há algo na raiva que me consome quando algo de ruim pode estar prestes a acontecer com
ela, quando algo pode machucá-la e tirá-la de mim, isso traz à tona meus piores demônios.
— Sabe para onde estamos indo? — pergunto sem encará-la, pelo canto de olho a vejo me
olhar assustada.
— Esse é o caminho do colégio, certo?
Saboreio sua voz doce, isso me dá mais certeza de que estou no caminho certo.
— Então sabe o que vamos fazer, não é?
Eu viro a última rua que dá acesso ao estacionamento dos fundos, mais especificamente dos
professores, e a parte onde ficam os vestiários de Rugby, o lugar onde Mark Lowrey vai
aparecer.
— Mamãe disse que não era para te contar, eu juro que quis, mas ela disse que resolveria. —
Heather agarra em meu antebraço e me olha com suas grandes íris verdes.
O fato de saber que ela me contaria, me alivia. Maldito Deus que eu nem acredito, ela é mais
linda assustada, mais perfeita ainda quando precisa de mim. Seu olhar paira para o único homem
saindo de seu carro bem ao longe, seu rosto suaviza e encará-la é fascinante.
— Lembra quando disse que não deixaria ninguém me magoar? — Ela me encara, eu anuo.
— Você sabe o que tem que fazer, resolva isso.
— Iremos resolver.
Mark entra em meu campo de visão no meio da pista na hora certa, então eu acelero o carro
pelo estacionamento, ele está distraído enquanto caminha para o prédio. Ele usa roupas
desgastadas e tem uma barba enorme, um verdadeiro porco prestes a ser morto em sua nojeira.
Escuto Heather fechar seu cinto e a velocidade aumenta, eu me aproximo mais ainda do homem
e seguro o volante com raiva, eu estou cego.
Heather gosta da velocidade, ela se remexe ao meu lado e em nenhum momento me pede
para parar. Ela não se arrepende, quem está fazendo sou eu. Quando ele percebe, tenta correr,
mas se atrapalha todo. Eu não tenho vontade de parar, ela também não tem essa vontade, ele vai
pagar.
Para tudo há consequências, mas para pessoas da elite existem meios de esconder onde seus
filhos se metem, ou se divertem. Tudo acontece muito rápido quando Mark voa por cima do
carro, o vidro da frente se funda, quase soltando com o impacto. Heather e eu permanecemos
olhando para frente, tentando assimilar o que acabou de acontecer.
Eu, por outro lado, me sinto bem. Respiro a satisfação, respiro seu perfume.
— Precisa dar a ré e acertá-lo novamente, ele está se mexendo — Heather diz enquanto olha
para trás. Seguro sua mão e a trago até minha boca, beijando-a e mostrando que isso é o
suficiente para afastá-lo de minha Heather.
Minha nem tão doce Heather.
(Atua lmente)

Eu observo tudo.
Eu a observo.
É impossível não me perder nesse corpo maravilhoso e cheio de curvas, sua cintura fina e
seios recheados, em seus um e sessenta. Alguns anos de Rugby lhe fizeram muito bem. Eu
sempre soube que balé nunca foi para ela, Heather é competitiva e bruta, mesmo tendo a
aparência angelical.
Ela sempre teve a atenção de todos, os cabelos escuros e longos como a noite, a pele branca
e fácil de ser marcada. Seus olhos verdes e cílios grandes, sim, é fácil se perder ali.
Heather não é mais aquela garotinha com a qual eu conseguia me controlar quando estava
por perto, agora até a respiração ou qualquer movimento involuntário dessa maldita me faz a
desejar mais e mais. Eu nunca vou enjoar de observar seu corpo inteiro, mesmo que não esteja
fazendo nada, ela tem toda minha atenção apenas por ser ela. Ela é a porra de uma deusa do
inferno. Fui arrastado para esse mar de obsessão quando me foi negado o pedido que ela fosse
minha, quando ela me pedia as coisas e em como ficava quando eu as realizava.
Aqueles olhos pidões são duas prisões.
— Você está me ouvindo? Eu não quero mais você se metendo nessas merdas — a voz
grave de meu pai soa atrás de mim. — Pare de agir como um doente.
Ele esbarra em meu ombro e fecha as cortinas, eu estava observando Heather, que está
treinando no quintal ao lado de sua casa junto a Kairon, ela prometeu melhorar a resistência para
os treinos da temporada que vai começar.
Ela acaba com qualquer um com sua determinação de ganhar o título. E estou me segurando
bastante para não ir lá e mandar que ele não coloque as mãos nela de novo. Devo lembrar que
são irmãos, mas não de sangue.
— Não sei se percebeu, mas tudo que você diz entra em um ouvido e sai pelo outro —
rebato, indo me sentar na cadeira de frente para minha cama. — O que você me fala é água.
Papai tem os olhos cor em tom de mel claro e o cabelo escuro como o meu, a barba tem
alguns cabelos brancos, mas está sempre muito bem-feita. Ele é alto, mas não mais do que eu, e
seu porte é bem robusto. Tem marcas de expressão em seu rosto, sinalizando o quanto trabalha.
— Estou a um passo de te mandar para o sul da Rússia e retornar só quando se tornar um
pouco mais… — Ele me encara com desdém. — Normal.
O encaro como sempre fiz, inexpressivo o suficiente para deixá-lo desconfortável e sem ter
que dizer uma única palavra, assim ele me faz o favor de sair do meu quarto. Mas só de olhar
para esse rosto, eu sinto repulsa.
Não tive exemplo de homens e os que me rodeiam desde criança me mostram algo que eu
não quero ser; tarados e velhos em eventos caçando garotas mesmo sendo casados. Ou
aparecendo com suas esposas com faces tão infelizes a ponto de que, se você se dedicar a olhá-
las por tempo o bastante, elas choram, ou se der um pouco de atenção, abrem as pernas para
você.
Elliot e eu, no ano passado, fingimos um possível interesse nelas quando fomos a eventos
com nossos pais, acabamos por saber que eles batiam nelas e estavam envolvidos em coisas
erradas. Nunca fizemos nada com nenhuma das senhoras, era mais pela curiosidade de saber
quanta sujeita esses velhos escondem.
Fomos proibidos de aparecer nos próximos eventos, mas isso não me abala, já que evita a
fadiga de sempre ter que acompanhar meu pai.
— Não posso dizer que sou o seu reflexo, eu me odiaria muito se isso fosse verdade —
disparo. — Ou você pode me fazer feliz dizendo logo que não sou seu filho.
Eu pego meu celular e desbloqueio, venho tentando saber onde Cole se enfiou, não o viram
no hotel em que seu pai está hospedado desde que chegou, não havia feito nenhuma aparição
com ele. Mas ele está por perto, ainda rodeando Heather a fim de conseguir vingança. Papai uma
vez disse que o certo era machucar nossos inimigos ao ponto de eles não voltarem para revidar.
Meu arrependimento foi deduzir que ele ficaria em coma por um longo tempo, mas esqueci que
coisas ruins se recuperam mais rápido.
Desde a boate, ele não tem aparecido. Me admira Heather ter pensado que poderia ir a algum
lugar sem que eu soubesse. Naquela noite, mal sabia ela que eu estava lá, só esperando o
momento certo de arrastá-la. Porque eu faria qualquer coisa por ela, isso significa tudo.
O pai de Cole, Sebastian Scott, está trabalhando em um projeto com meu pai sobre expandir
uma franquia dele pela cidade, mas duvido muito que Heather tenha contado da noite na boate
para o seu pai, o fodido Liam. Algo em mim diz que ele não faria nada... Talvez Louise que
tomaria essa frente, ela é louca pela minha Heather. Não mais do que eu, claro.
— Eu queria tanto quanto você que isso fosse verdade. — Ele ajeita seu terno. — Quem
sabe em outra vida não tenhamos sorte?
Levanto meu olhar para esse que se diz meu pai.
— Estou cansado de chegar às salas de reuniões e me contarem que apostaram no meu filho
em algo clandestino — diz entredentes. — A propósito, você só está aqui porque eu precisava de
um herdeiro, não é?
Eu bufo uma risada.
— Então terá que suportar tudo que seu único herdeiro fizer, papai — debocho. — Te
garanto desgosto por toda a vida.
Não sinto nada em relação as suas palavras, são realmente como nada em mim. Nenhuma
pontada ou vontade de chorar como vejo Heather fazer, nem mesmo remorso quando ouso falar
que sinto nojo de olhá-lo. A falta de expressão é mútua, ele também não se abala. James sai irado
de meu quarto, me deixando com a última provocação.
Mamãe, por sua vez, vivia chorando quando tentava me abraçar e eu negava. O toque é
como algo peçonhento em minha pele. Parece arder, formigar, a sensação me remete a coisas que
estão lá no fundo. Guardadas a sete cadeados sem chaves. Eu enforquei aquele demônio dizendo
que só existe lugar para um em meu corpo, mas isso não significa que em minha mente não
existe mais um.
A única coisa que eu posso fazer é despejar tudo o que foi me causado em quem diz ser meu
pai, mas acho que ter pais bons seria muita sorte para uma pessoa só. Não acredito em destino,
mas se existe, o maior erro dele foi ter juntando a mãe e o pai.
Uma submissa e o outro um dominador, a merda perfeita.
O desgosto em forma de pessoas.
É tolice ou ingenuidade demais acreditar naqueles que te botam no mundo não seriam
capazes de te ferir, magoar ou traumatizar. Aprendi na igreja — em uma das tentativas de mamãe
me exorcizar — que deveríamos honrá-los.
Burrice, balela.
Ninguém merece a honra apenas por me trazer ao mundo, a honra é merecida, conquistada.
E sim, houve uma época que ela me levava para a igreja todo domingo e chegou a me dar
um terço, a falta de contato e o fato de eu nunca ter expressado nada a ela, lhe fizeram acreditar
que eu estava possuído. Eloah é muito religiosa, o que me dá nos nervos, sua necessidade de
querer me encostar faz com que eu fique fora de casa por horas, depois de Heather, esse é o
maior motivo por passar horas na casa dos Walker.
— O problema não é você, Eloah, sou eu que me sinto sujo — murmuro, enquanto encaro o
nosso porta-retrato na cômoda.
Os cabelos escuros e curtos até o ombro e o batom vermelho são suas marcas registradas.
Alta e magra, uma verdadeira esposa troféu, o seu olhar é de um verde-escuro, talvez.
— E você é cega por não querer enxergar a sujeira.
Eloah é uma boa mulher, só não é uma boa mãe. O sentimento recorrente que sempre esteve
em mim é a maldade, em mim não existe bondade, e se existe pertence apenas a Heather. Eu sei
o quanto a manipulo, o quanto minha obsessão a encurrala apenas para mim. Ela é a única joia
que eu sei que me pertence. Heather é a única que conseguiria me amar sabendo o que aconteceu
comigo, eu ainda sou sujo, mas ela é a única que pode me purificar, mesmo que doa.
A necessidade de sentir dor me levou a procurar lutas clandestinas durante a madrugada,
esse é o único momento em que eu não penso em nada, mas é sempre muito difícil encontrar
alguém que realmente possa me ferir, e esse é o único meio para que eu consiga a dor necessária.
O passado é algo cravado em sua pele, impossível de esquecer, ele sempre vai estar ali. Tão
defeituoso. O fato que desencadeou tudo de ruim em uma só pessoa.
Talvez eu seja mesmo o Diabo, como Elliot me chama.
É, vou passar a concordar com esse bastardo de merda.

Coloco um cigarro entre os lábios e observo todos entrarem, a única que me importa ainda
não tinha saído de casa, então eu tenho tempo de sobra aqui fora. Não faço ideia de onde os caras
se meteram, provavelmente estão tentando se livrar da aula de hoje para conseguirem ir para o
treino.
Resumindo, eles são burros.
— Oi, gatinho. — Olivia se aproxima saltitando. — Vim te fazer companhia, está tão
sozinho.
Eu acendo o cigarro e trago a nicotina.
— Entre você e ficar sozinho, prefiro ficar sozinho.
Ela se faz de ofendida, seu cabelo ruivo caído em seus olhos. Ela usa um boné,
provavelmente para esconder o machucado que minha Heather fez. E que dia lindo de se ver. A
rixa vem de anos e eu nunca entendi o porquê, seria muito egocêntrico falar que sou eu o
motivo? Foda-se, porque é o que penso.
— Eu fiquei dias fora e é assim que me trata?
Eu reviro os olhos, jogando a fumaça para o ar e ignorando enquanto ela fala o que
aconteceu no hospital e que fim teve a denúncia que abriu, mas aconteceu o que eu já imaginava:
não deu em nada.
Liam é um filho da puta, mas James e ele tem o sobrenome mais forte do estado. O pai de
Heather deu uma grande doação ao colégio e deu, também, um posto um pouco melhor na
empresa ao pai de Olivia para que ele não odiasse sua filha. A prefeita, que é a mãe dos gêmeos
Noemia e Magnus, Nancy Edwards, sumiu com a denúncia em um telefonema.
Como sei disso?
Eu já disse, as paredes têm ouvidos e Magnus, quando está chapado com Kairon, me conta
tudo.
— Começou a se matar cedo, Diabo. — Eu levanto meu olhar para Kairon, que chega
abraçado a cintura de Heather.
Eu suporto meu melhor amigo, muito, mas ele me irrita quando fica próximo dela desse
jeito.
— Você vai antes de mim se continuar com essa mão onde está. — Eu travo o maxilar,
olhando diretamente para a mão dele na cintura dela.
Diferente de Elliot, que sente tesão em me desafiar, Kairon evita qualquer tipo de conflito,
então rapidamente retira a mão enquanto revira os olhos e ela bufa.
— Não sei por que obedece a ele, você tinha que pará-lo — Heather diz, está com as
bochechas coradas e leva uma mão a cintura.
Algo que percebi que a deixa fascinada são minhas ameaças aos outros, isso a puxa mais e
mais para mim sem que ela perceba. É assim que controlo tudo ao seu redor, é assim que ela
reconhece somente a mim como o único a tocá-la. Mas ainda não cheguei aonde quero, preciso
agir quanto a isso.
— Ele enforcou Elliot e bateu em Magnus ontem, eu passo qualquer coisa que vá destruir
meu lindo rosto. — Kairon aperta suas bochechas. — Mas eu o mataria se fizesse algo de ruim
com você, mesmo ele sendo a ruindade em pessoa.
Um sorriso tímido se forma no canto da boca de Heather, que parece convencida. Ameaças
não me atingem, mas ações sim. Minha vida não importa tanto quanto a dela.
Seu olhar escurece e seus lábios ficam em uma linha fina, como se estivesse com raiva,
quando Olivia se coloca ao meu lado novamente, ela não me encosta, mas a vejo por canto de
olho se encostando no meu carro de braços cruzados. Kairon segue o olhar de sua irmã e
surpreso, a cumprimenta.
— Oh, Olivia, está ótima. — Ele toca em seu ombro um pouco sem jeito.
Olivia mexe os cabelos ruivos com uma certa confiança, mas isso caí por terra quando
demonstra ser uma vadia sedenta por atenção de homens mais velhos. Ela e Ava tem um certo
hobby, tive que agir diante disso antes que entrassem em problemas maiores. Ir às festas de
negócios do papai me trouxe muitas informações… ou ela saía ou eu contava a Elliot.
No final, ela teria que contar de qualquer jeito, não sei como faria isso, mas a partir dessa
linha não é mais da minha conta.
— É claro que estou ótima — Olivia diz. — A propósito, querida Heather, eu te perdoo, mas
queria mesmo ouvir o pedido de sua boca.
Eu lentamente encaro Olivia, que tem um sorriso debochado em seus lábios, depois olho
para Heather, que parece pronta para atacá-la a qualquer momento. Heather segura a alça de sua
mochila com força e umedece os lábios. Linda...
— Para me perdoar eu preciso me arrepender primeiro, certo?
O sorriso de Olivia cai.
— Então eu não me importo de continuar o que eu estava fazendo. — Ela dá um passo na
direção de Heather, me olha de cima a baixo e depois a encara novamente. — Se isso for tirar a
sua paz, gatinha.
Heather não ousa se mexer.
— E eu não me importo de, na próxima vez, terminar de quebrar a porra da sua cabeça.
Ela diz entredentes, encarando a ruiva. Isso é excitante pra caralho, eu poderia agarrá-la
agora e finalmente tomar o que é meu. Tenho certeza de que meus olhos brilham de tesão
encarando Heather em sua fúria. Há quem diga que garotas como ela não conseguem ser
malvadas, mas eu conheço sua verdadeira face, aquela que sente prazer em machucar quem a
machucou, que gosta de andar em carros na mais alta velocidade. Heather é um anjo medroso,
mas que desce ao inferno quando duvidam de seu potencial.
Ava chega com Noemia e a chama de longe, ela sai com um sorriso vitorioso e Olivia vai
para o outro lado, bufando de raiva. Isso poderia ter sido melhor, mas, infelizmente, só na
próxima vez.
Eu acendo outro cigarro.
— Elas ainda vão se matar. — Kairon encosta ao meu lado e cruza os braços.
— Eu adoraria assistir Heather matando alguém — comento.
— Não sei por que ainda fico abismado com seus comentários. — Ele balança a cabeça. —
Acho que tenho uma sugestão sobre Cole.
— Eu odeio achismo.
— Uma certeza então, se Heather o encontrou na casa de Peter, ele tem livre acesso. — Eu
articulo para que ele continue. — O condomínio é de luxo, ele não entraria sem que Peter
soubesse.
— Então vamos torturar Peter até que ele diga a verdade e entregue Cole, assim me poupa o
trabalho de ir até Sebastian. — Eu trago a nicotina, meus pulmões agradecem.
Ou não.
— Cara, para de ser psicopata e espera eu terminar. — Kairon desencosta e me encara. —
As meninas disseram, e principalmente minha irmã, que ele não lembra de nada daquela noite,
inclusive, não o vimos quando tudo aconteceu.
O sinal soa, chamando nossa atenção.
— Cole pode não ter contado nada a ele.
Eu umedeço os lábios, nunca gostei de Peter e ter a oportunidade de bater nele escorrendo
pelas minhas mãos me deixa irritado. Ele não pode ser tão idiota assim, ou pode? Já que mesmo
depois que queimei seu carro ele continua falando com Heather.
— Isso tá estranho pra caralho, eu pensei que deixaríamos ele em coma por um bom tempo
— Kairon diz, pensativo.
E então me vem a lembrança de que paramos de bater nele quando percebemos que ele não
se mexia mais. Fizemos questão de quebrar seu braço e perna, ele não conseguiria andar para tão
longe.
— Ele ficaria em coma se ficasse sangrando lá por algumas horas — comento, eu vasculho
ainda mais as minhas lembranças daquela noite.
Havia mais um homem com elas, mas não quando chegamos, e ele assistiu a tudo.
— Alguém ajudou o filho da puta.
— Levantem, vadias. O dia está ensolarado para nos receber de biquínis minúsculos na festa
na piscina do MPG. — Ava adentra o quarto, puxando as nossas cobertas. — Jesus, vocês estão
um lixo.
Desperto e a encaro com o cenho franzido, vendo-a com uma saia transparente que mostra
seu biquíni rosa. Para que a saia, então? Me pergunto. Depois vejo Noemia a encarando deitada
ao meu lado. Decidimos assistir a um filme ontem, mas dormimos e... espera aí?
— Festa na piscina do MPG? — repito, confusa. — Onde é isso?
— Festa na piscina do Magnus Pau Grande, ele que colocou isso no convite — Ava explica,
dando de ombros.
— Dormimos e entramos em uma realidade paralela onde mamãe realmente autorizou uma
festa. — Noemia tampa seu rosto com o travesseiro e grita contra ele.
— Sua mãe vai estar em casa? — Ava pergunta.
— Não, viajou ontem à noite — Nono responde, se levantando. — Vamos logo para acabar
com isso.
Eu me levanto em um pulo e vou tomar banho, então me lembro que meu celular caiu na
escada enquanto subíamos para o quarto e quebrou. Merda, não ando tendo sorte.
Quis provar para mim mesma ontem à noite que não sou uma viciada em álcool, então não
bebi. Eu posso parar a qualquer momento, isso não é um vício. E ninguém entende o que se
passa aqui dentro. Elas não entenderiam.
Eu amo Noemia e Ava na mesma proporção, mesmo sendo duas personalidades
extremamente diferentes e curiosas.
Noemia é sempre a mais coração.
Ava é emoção, tem sua vida dupla, como ela nomeia.
Eu sempre tive curiosidade em saber o que a sua outra vida faz e ela sempre responde:
"maldades".
Ava sempre foi a mais inquebrável, nunca a vi chorar.
Talvez eu devesse seguir mais seus conselhos para que nada mais me abale.
Descemos as escadas enquanto minhas amigas discutem sobre tudo e eu apenas rio do quão
bobo esse assunto é, talvez por isso sejamos tão unidas, estamos sempre discordando e logo
depois concordando. Eu sou extremamente grata por ter esses momentos com elas, onde rimos
mais do que falamos, mas sempre tem alguém que me puxa para a escuridão e esses momentos
são apagados, existindo somente sombras.
— As princesas vão aonde com essas roupas transparentes? — Eu travo com a mão na
maçaneta da porta principal, a voz de papai soa grave atrás de nós.
Eu demoro um tempo para me virar, seu tom não é agradável e nem descontraído. Nem
sempre eu me sinto assim em sua presença, mas algo mudou de uns tempos para cá.
— Estamos indo à casa de Noemia. — Ava é a quem toma iniciativa, eu me viro.
Papai ri, sem humor.
— Então terá novamente um dia das meninas com muita piscina, bronze… — Liam diz
descontraído, colocando as mãos no bolso de sua calça. Meus ombros relaxam, talvez ele não
esteja com raiva. — Bastante bebidas alcoólicas para ficarem bêbadas, não é Heather?
Tudo em meu estômago revira, sinto um nó em minha garganta e as mãos trêmulas. Eu abro
a boca para falar algo, mas eu só consigo encarar papai. O olhar de decepção novamente paira
sobre mim, me cortando em mil pedaços, eu quero arrancar aquilo da minha frente ou sair
correndo para que não me atinja mais. Não me olhe assim, papai, de novo não, por favor.
Eu não percebi quando as meninas saíram do hall, estar sozinha com ele é minha melhor
opção. Eu respiro fundo, controlando tudo que se revira dentro de mim.
— Não vou beber, eu prometo parar.
— Palavras não me valem de nada — Papai repete, enojado. — Eu quero mudanças, ações, e
eu falo das que acrescentam algo.
Ele respira fundo e massageia sua têmpora, parecendo ainda mais impaciente.
— Eu não criei uma alcoólatra que passa por cima das minhas ordens para satisfazer seu
vício de merda. Ou que joga meu dinheiro fora sendo agressiva dentro do próprio colégio.
Arregalo os olhos, sentindo uma pontada. Meus lábios tremem, mas me nego a chorar.
— Nunca está satisfeito com nada, nunca pode confiar em mim… — Sai como um sussurro.
— Então deseja que eu confie em você, minha filha? — sua voz é mansa quando se
aproxima de mim. — Quer consertar isso? Quer que eu me desculpe pelas palavras?
Ele pega minha mão e a acaricia, eu observo seu movimento e sinto meu peito se encher de
esperança, talvez isso nos conserte.
Talvez, finalmente, ele possa confiar na filha que tem e fazer o que pais fazem, tirando
Kairon, eu só o tenho como minha família aqui e agora. Liam já foi um bom homem quando
Louise estava aqui.
— Sim, papai.
Ele sorri.
— Então na próxima semana conheceremos meu novo sócio e, com sorte, seu filho, eles são
bastante influentes fora do estado, preciso que os encante, então poderemos esquecer tudo isso.
Eu anuo, ainda inerte em suas palavras. Mas isso me frustra, isso me irrita ao ponto de me
fazer tomar atitudes que eu prometi não tomar, ele ainda me vê como sua fonte para conseguir
algo.
— Posso saber o nome dele?
Liam se afasta, mas então diz:
— Sebastian Scott.

A festa começou no final da tarde e sem horário para acabar, Magnus não conhece limites
quando se trata de conseguir autorização para algo, ele vai lá e acaba com qualquer chance de ter
como fazer outra vez.
Escolhi um vestido transparente e sem mangas, por baixo estou usando um biquíni preto.
Ava disse que ele destacou muito minha bunda e é perfeito para acabar com a vida de Hades.
Bom, eu suspeito que seja ao contrário, ele vai acabar com a minha vida assim que o ver. Mas eu
vou pagar para ver.
Sempre fico surpresa com o tamanho da casa dos gêmeos, é a maior do condomínio, sem
chances de competição. Ela tem dois andares, mas é extensa e incrivelmente decorada pelo
extremo bom gosto da prefeita, tem realmente tudo dentro desse lugar. O terreno é ainda maior,
tendo duas casas, mas a outra fica nos limites da propriedade, que não é nada pequena. Ela fica
logo depois da pequena floresta, e isso me assusta um pouco. Eu nunca gostei de ir até lá.
Já na entrada, vejo alguns carros luxuosos, parece que todo o colégio está aqui. As garotas
estão chegando com suas roupas frescas, algumas transparentes, e outras mais confortáveis, os
garotos em suas bermudas leves exibindo o físico que tanto lutam para ter nos treinos. É possível
ver, também, alguns calouros por aqui, rostos novos sempre chamam atenção, ainda mais os
tímidos nos cantos da festa querendo não ser notados ou torcendo para que os notem e os
incluam entre os antigos.
Mas a verdade é que não ser vista é a melhor opção, cria-se menos expectativa. Magnus se
empenhou muito para conseguir transformar isso aqui em uma festa sem igual, e eu nem estava
sabendo, ou recebi o convite e não vi, claro, vou ficar sem celular por um bom tempo.
Quando chegamos até a parte de trás, é tudo ainda maior, tendo duas piscinas e uma sauna
logo na lateral. Está com diversas boias e um barman. Na piscina, o pessoal conversa com seus
copos em mãos, e do outro lado, tem gente brincando de Beer-pong. No outro, pessoas bebem
cerveja de cabeça para baixo. Isso nunca dá certo, mas sempre quis brincar.
O futebol de sabão mais ao fundo me deixa bem intrigada, com certeza a prefeita Nancy vai
ter muitos problemas depois dessa festa, mas como não é comigo, eu não vou dar a mínima.
— Tinker — Elliot me chama, cambaleando para o lado depois de beber cerveja de ponta-
cabeça. — Você precisa fazer isso, vem.
Ele agarra meu antebraço e me puxa, eu tento travar meus passos, rindo.
— Eu acabei de chegar — protesto.
— Deixem ela em paz — Nono tenta, mas ele a ignora.
É apenas uma brincadeira, nada demais.
Então, estou de cabeça para baixo, engolindo o máximo de cerveja que consigo. Todo meu
sangue parece se acumular em minha cabeça e sinto a bebida pegar mais rápido. Esse é o
momento que eu esqueço de tudo que me dá angústia.
Balanço meus pés e Elliot me vira novamente, tudo parece confuso, mas quando me
recupero, vejo que ainda continuo sã. Se eu tinha algum estresse antes daqui, já não me lembro,
eu vou aliviar o peso daquelas palavras. Não pretendo beber muito, mas vou procurar me
desconectar de tudo que martela a minha mente.
Se eu estou errada, o que me impediria de errar novamente? Isso faz parte do meu caráter.
Papai está certo, mas mamãe disse que nada é mais verdadeiro do que nossos erros, precisamos
deles para ser quem somos. Cadê ela para reafirmar isso quando as palavras que Liam jogou em
mim me fazem sufocar?
— O que aconteceu quando saímos? — Ava se aproxima e Noemia me entrega um drink.
Eu dou um gole e vejo que tem mais vodca ali do que o normal, faço uma careta.
— Ele falou sobre o horário de voltar para casa — minto.
Dou mais um gole, sentindo o líquido descer ardente pela minha garganta. Eu disse que
quebraria minha promessa. A encaro, seus olhos azuis parecem que vão me engolir a qualquer
momento se eu vacilar. Torço internamente para que tenha sido uma mentira boa, elas vão me
perdoar por isso.
Há mil situações que devemos manter apenas para nós, é humilhante que outras pessoas
saibam sobre seus problemas parentais, certas coisas ficam guardadas para mim e somente isso.
— Você sabe que pode contar com a gente para tudo, não sabe, Heather? — Nono alisa meu
ombro com ternura, eu sustento minha expressão neutra mesmo sabendo que elas podem não
acreditar.
— Claro, mas realmente não aconteceu nada. — Sorrio, intercalando meu olhar entre as
duas. — É festa, vamos aproveitar.
E com isso, consigo evitar uma conversa profunda no meio de uma festa com minhas
amigas, não vou as arrastar para essa caverna sombria que são meus problemas acumulados.
A festa enche cada vez mais, a música eletrônica faz meu coração vibrar em êxtase e eu não
quero parar nunca. É como uma melodia reconfortante que cala tudo à sua volta. Mas eu ainda
preciso de mais.
Noemia dança no mesmo ritmo que o meu, ela pula e me abraça, me dando a certeza que já
está mais para lá do que para cá. É boa essa sensação de não ter nada pesando em meus ombros.
A falsa felicidade pode corromper. Em meio aos feixes de luz que são lançados entre todos, me
pego procurando pelos olhos de quem sempre está ali, mas que hoje, não há nem um sinal.
Me sinto vazia do que faz meu corpo incendiar e me lembra o quanto estou viva.
Eu limpo o suor em minha testa e bebo um pouco da água, tenho que provar para mim
mesma que eu não sou uma alcoólatra, está funcionando. Logo, dou um gole no meu outro copo
com vodca que desce agora como a água que eu bebi há segundos.
Todos estão eufóricos, Kairon distribui shots de tequila enquanto Elliot faz uma dança
desengonçada para uma garota que parece ser caloura. Ava vibra em deboche enquanto ri
daquela cena patética.
Eu dou um passo para trás e sou engolida pela água da piscina, solto tudo que está em
minhas mãos e me deixo afundar, sentindo meus músculos relaxarem. A música é abafada aqui
embaixo, abro os olhos e vejo as pernas das pessoas, não muito distante. Talvez se eu ficasse
mais alguns minutinhos...
Uma mão me puxa e sou colocada, sem dificuldade nenhuma, nas costas de Magnus. Uma
perna em cada lado de sua cintura, então, seguro em seus ombros para que eu não caia.
— Tinker, não me faça ficar preocupado enquanto estou chapado, Hades me mataria — ele
murmura abaixo, enquanto caminha comigo pela piscina.
— Hades nem está aqui.
Ele ri, fazendo seu corpo vibrar.
— É o que você pensa.
Então ele sai da piscina, eu o seguro firme. Ele não é tão alto, mas o suficiente para que eu
pose como uma atração em suas costas. Eu sei muito pouco dele, mesmo que tenha convivido
comigo por anos.
— Hades disse que irá gostar da próxima brincadeira — Magnus diz.
Ele me faz escorregar por trás de suas costas e finalmente solta minha mão quando percebe
que eu consigo alcançar o chão. Sem falar mais nada, ele some entre as pessoas. Eu o acompanho
com o olhar e ele vai até onde está a DJ.
A música para aos poucos enquanto ele pega o microfone. Elliot e Kairon se posicionam ao
lado dele, os dois já estão sem camisa.
— Sem delongas, chegou a brincadeira do abate — sua voz soa grossa e todos vibram. Eles
ao menos sabem que brincadeira é essa? — Quem for brincar, assim que eu der o sinal, vai correr
por essa floresta, e quem quer te pegar, vai te achar. E por favor, é sim ou não, e parou. Sem
problemas para o filho da prefeita aqui.
Ele faz uma cara de cachorro sem dono enquanto coloca a mão no peito.
— Então, já se preparem enquanto ajeitamos os limites da propriedade.
Todos começam a se separar, a grande maioria vai para mais perto da floresta, sinalizando
que vão brincar, e uma pequena parte continua em seus lugares, bebendo.
Eu procuro por Noemia e Ava, achando-as perto do pequeno bar.
— Eu vou brincar — falo animada.
— Então vamos — Ava diz animada e Noemia sorri.
— Você não vai. — Kairon surge ao lado dela. — Vamos para dentro.
Sem dar chances de ela responder, ele a puxa e os dois caminham em direção a enorme casa,
sumindo assim que passam pela porta.
Vejo Elliot se colocar ao nosso lado.
— Não me diga que vai me proibir também? — Ava debocha enquanto bebe seu drink.
Ele bufa uma risada.
— Não sabe o quanto fantasiei em te caçar, torça para que não tenha ninguém por perto
quando eu te achar.
Eu me engasgo com minha saliva e Ava começa a tossir desesperadamente, certa de que não
estávamos prontas para essa resposta. Merda, e eu ainda estou aqui.

Ava estava ao meu lado e me implora para que eu não corra muito distante dela, já eu torço
para pegar um rumo que seja o oposto. Estou curiosa para saber no que essa brincadeira vai
resultar, mas também sinto meu corpo ciente de que Hades não vai estar ali.
Você gosta da adrenalina, Heather. Gosta do perigo.
A música Can You Feel My Heart, que sinaliza a largada, soa, então, sem demora, eu e Ava
avançamos floresta adentro tentando lembrar de lugares em que podemos nos esconder. Nós
brincávamos aqui quando mais novas com a finalidade de conhecer tão bem ao ponto de não nos
perdemos, mas quando precisamos, certamente não conseguimos lembrar de nada.
Eu deixo minhas sandálias para trás e corro na direção contrária ao restante das pessoas, o
certo não é ir na direção da luz nos limites, onde a segunda casa fica, temos que ficar no escuro.
A graça é ser caçado e abatido.
Paro de correr para recuperar o fôlego e Ava continua, eu me limito a gritar e me sinto até
aliviada por não ter que ver alguma cena de sexo entre ela e Elliot, que já deve estar perto.
Respiro fundo, escutando alguns galhos quebrando e sons de corujas, eu sei que não tem animais
selvagens aqui, é só o quintal de Noemia.
— Buh. — Ouço.
Começo a correr novamente para longe, tropeçando em tudo à minha frente. Meu coração
parece que vai pular pela boca e o sangue em minhas veias pulsa com a adrenalina. Galhos batem
em meu rosto e braços, o desespero toma conta de mim enquanto abro caminho pela floresta que
fica cada vez mais escura e distante da casa nos limites. Hades está aqui.
Eu tropeço em um tronco e vou ao chão, sentindo minhas pernas trêmulas. Está escuro e eu
não consigo regular minha respiração, galhos se quebram por toda parte, então me levanto. Meu
queixo treme, é duro até ficar em pé com o medo me consumindo.
Me preparo para voltar a correr, mas sou puxada pela garganta e choco o corpo contra o
tronco de uma árvore, solto um gemido com o impacto. Seu cheiro, silhueta e toque são
inconfundíveis. A nicotina com o perfume másculo, seu corpo alto, mesmo no escuro, seu porte
ainda é nítido, ele está gravado em minhas memórias, as mais perversas delas.
— Você… — Eu engulo em seco. — Onde você estava?
— Esperando — sua voz rouca me faz estremecer.
— Esperando? — minha voz falha, enquanto levo minha mão a sua, que ainda está em
minha garganta.
— Como acha que caçadores fazem o abate da caça? Eles esperam o momento certo para
isso, você achou mesmo que eu não te acharia?
— Você nem ao menos estava na festa.
— Então andou me procurando... — Sua outra mão percorre meu corpo, seu toque é quente
em minha pele fria, eu reprimo um palavrão.
— Talvez eu tenha apenas me preocupado com você — sai trêmula minha voz, aproveito
seu toque.
— Essa roupa... — sussurra.
Hades puxa a parte de cima de meu biquíni e a joga em algum lugar nessa escuridão, meus
seios ficam expostos para ele e dolorosamente duros, talvez pelo frio, talvez pela excitação.
— Tão melhor sem ela. Eu poderia te foder todos os dias e mesmo assim não seria
suficiente, Heather. — Estremeço e minhas pernas vacilam, mas sua mão em minha garganta me
faz voltar à posição inicial, na ponta dos pés agora.
— Hades — sussurro.
— Sim, minha rainha?
Sem mais, Hades me vira para o tronco, posicionando uma mão no meio de minhas costas
enquanto a outra sobe pelo meu joelho, percorrendo até o meio de minhas pernas e fazendo com
que eu as abra involuntariamente. Sua mão está próxima à minha intimidade, não tenho forças
para negar esse contato mínimo. Eu estou quase implorando para que ele faça.
Fecho as mãos e os olhos, lutando contra a necessidade de pedir em voz alta.
— Quer que eu te toque, Heather? — Seu dedo passa, quase em minhas dobras, mas não
encosta. — Vai ser um caminho sem volta quando eu finalmente entrar em você.
Eu estou tão excitada que mordo os lábios, quase os cortando quando sua mão sobe para o
meio de minha bunda. Em um movimento involuntário, eu me mexo, desejando que faça mais,
mas não vou pedir.
Hades deposita um beijo em meu ombro, um arrepio, outro em meu pescoço, dois arrepios
de uma só vez. Um tapa é lançado contra a minha bunda e sua outra mão agarra meu pescoço,
me puxando para si, roçando em minha bunda a sua ereção por baixo da calça.
Não tenho controle, eu gemo. Pare.
Pare!
Mas eu só penso.
Meu corpo queima a cada toque, a sensação é de ser puxada para algo muito maior,
guardado em um lugar fatal. É proibido, perverso, machuca e é prazeroso. Ele me leva ao inferno
sem remorso nenhum. Estou perdida, mas minha mente faz com que eu me lembre que há algo
muito maior que tudo isso aqui, e mora no mesmo teto que o meu.
Eu sou puxada para a realidade, abrindo os olhos e lutando contra a minha vontade, me
afasto. Me sinto vazia sem sua aproximação, sem seu toque, sem suas palavras sujas e mentirosas
ao pé do meu ouvido. Eu me viro a tempo de vê-lo avançando até mim novamente.
— Não — eu grito, tampando meus seios com um braço e mantendo outro esticado, o
mantendo distante. — Saia, vá embora.
— Você quer isso, não anda cansada de fugir?
— Fugir? Olha, eu só preciso de um tempo.
— Você teve tempo demais e quer isso mais do que eu — ele altera a voz, mas se controla
quando passa a mão na cabeça.
— Não, não quero — minto, então Hades me encara. — Me deixe em paz
Ultrapassar os limites significa problemas com Liam, mesmo que eu ansiasse por esse
momento, as palavras que meu pai disse hoje são o suficiente para meu autocontrole finalmente
dar o ar da graça. Hades tira sua camisa e joga em minha direção. Sem dizer nada, ele volta a
caminhar na direção da casa principal a passos pesados.
Ouço gargalhadas ao redor e gritos enquanto caminho logo atrás dele, com sua blusa em
meu corpo. Avisto Ava toda suja de lama e a roupa bagunçada, encostada no palanque ao lado de
Elliot, que não está muito diferente.
— Pelo visto, você acabou com a Tinker. — Elliot sorri ao nos ver.
— Vai se foder — Hades dispara e continua seu caminho.
Eu o vejo ir embora, não consigo mais permanecer ali e nem me sentir bem. Meu coração
ainda está acelerado e eu estou confusa. Minha cabeça parece que vai explodir.
Quando chego em casa com meu irmão, paro e percebo que, depois de dois anos, escuto
Hades tocar em seu piano, tomo meu banho e fico ali, o escutando. É quando descubro algo a
mais sobre ele, Hades toca o piano quando ultrapassam os limites com ele.
Eu permaneço escondida na janela, ouvindo-o até o amanhecer, sentindo meu coração
apertar aos poucos, meus pensamentos se dividem entre confiar em papai ou ceder a Hades.
Mas ceder pode ser fatal.
(Quinze Anos de Ida de)

O silêncio é acolhedor e por isso vem acompanhado da noite, o céu todo estrelado e a lua
trazem a sensação de liberdade e de conforto. Por isso a noite é a minha preferida.
Meu corpo boia, inerte, enquanto encaro o céu. A água morna e a sensação de leveza depois
de ter ganho o último jogo da temporada, eu sou boa no que faço. Sorrio com a lembrança. Posso
explodir de felicidade só por saber que finalmente consegui algo pelo meu esforço.
Afundo meu corpo até sentir o chão da piscina, eu estou entre o raso e o fundo, aqui é mais
silencioso e bom para eu pensar em meu próximo ano. O segundo ano é um alerta de que estou
chegando cada vez mais perto da hora de ficar distante da mamãe.
O que vai ser de mim sem seus conselhos? Ou seus abraços, beijos e a voz acolhedora no
final de um dia? Eu preferia ficar sem papai do que sem Louise.
Me bate o desespero apenas com esse pensamento, então nado de volta à superfície e vejo
Hades. Ele está de pé na borda, me olhando. O suor por seu abdômen deixa sua pele brilhosa e
uns fios molhados do seu cabelo o deixa incrivelmente atraente. Ele usa apenas uma calça
moletom e parece ter acabado de chegar de mais uma de suas corridas pelo condomínio, desde
que decidiu focar no futebol, a mudança em seu corpo é muito perceptível. Mas seu pai o chama
de preguiçoso e faz Hades correr a noite para melhorar sua resistência nos jogos, mesmo ele
sendo um dos melhores.
James me causa repulsa, uma vez, escutei uma conversa de mamãe com Eloah sobre a surra
que ele deu em Hades após um jogo perdido. Isso faz pouco mais de um ano, mas nunca esqueci.
Entendo porque meu garoto é desse jeito, e eu o aceito assim, já que ele também me aceita como
eu sou.
O encaro em silêncio, esperando que ele entre, mesmo sabendo que mamãe e papai estão em
casa. Eu gosto de quando ele desafia Liam e suas ordens. E bom, depois do beijo em meu quarto,
ele tem ficado mais próximo. Ontem percebi que mamãe pode estar sabendo disso, depois de
nossa vaga conversa.
Hades parece ler meus pensamentos quando retira o tênis e desce lentamente pelos degraus
da piscina, a aproximação lenta faz meu coração disparar. A luz da lua o deixa lindo, não que de
dia ele não seja, mas a noite combina com ele.
— Você sabe que meus pais estão em casa, não é? — eu falo, o observando caminhar na
piscina, os olhos fixos nos meus.
— Então eles não vão gostar do que vamos fazer — sua voz rouca me faz arrepiar.
— E o que vamos fazer? — eu sussurro quando ele já está perto o suficiente.
Não tinha percebido que conforme ele está se aproximando, eu vou me afastando. Hades me
envolve e faz com que eu tenha movimentos involuntários, na maioria das vezes é sempre ao seu
favor. Eu sinto a parede da piscina em minhas costas, sem chances de evitar que algo aconteça,
eu nem ousaria, eu o quero muito.
Hades umedece seus lábios e uma de suas mãos deixa um aperto na minha cintura, eu
envolvo meus braços em seu pescoço, e pernas em sua cintura, o puxando para mim. Antes eu
tinha receio de me aproximar dele, tanto que brigavam com a gente, ou comigo, pelo menos, mas
quando seu toque começou a despertar sensações novas e boas, eu passei a pensar nisso todos os
dias. Só penso no quanto eu quero mais.
Um sorriso malicioso e tentador surge em seus lábios, ele não precisa dizer nada, nosso
silêncio é nossa melhor conversa. Olhar para esse universo sombrio que são seus olhos faz com
que eu me perca entre a razão e a emoção, tudo meu é prometido a ele sem que nada seja dito.
Hades aproxima seu rosto com calma, roçando seu nariz no meu gentilmente, eu me arrepio.
Fecho os olhos quando sinto seus lábios encostarem nos meus e o puxo ainda mais para mim, ele
conduz tudo lentamente, fazendo com que nossas línguas briguem para ficar juntas. Para se
enrolarem o quanto podem.
Ele é quente e profundo, tudo se agita dentro de mim, pedindo mais e mais desse contato,
dessa sensação de leveza. Eu viveria para sempre se me fosse prometido essas sensações por toda
vida. Sua mão caminha pelo meu corpo enquanto a outra agarra minha mandíbula, fazendo com
que o beijo seja interrompido. Eu quero mais.
— Você confia em mim?
Abro os olhos, ainda hipnotizada com a sensação e sem desviar o olhar do seu. O rumo pode
estar indo para onde desejei, mas, na prática, é aterrorizante.
— Eu acho que não estou preparada pra ter minha primeira vez — falo receosa, esperando
que talvez ele nem me queira mais.
Mas Hades parece mais encantado, seu olhar brilha.
— Lembra quando te disse que eu seria todas as suas primeiras vezes? — eu anuo,
reprimindo os lábios. — Isso não inclui só sua virgindade, tem outras coisas que vou te mostrar.
Que eu vou te ensinar. — Ele aproxima ainda mais seu rosto, seu nariz tocando o meu e então
repete, mais rígido: — Você confia em mim?
Eu sou facilmente levada para este lado sem pensar duas vezes, com sua promessa, seu
toque. Com um aceno, eu confirmo. Sua mão em meu rosto desce para o meu pescoço e sua boca
encosta na minha em um selinho demorado. Quando se afasta, a neblina que antes estava em seu
olhar sumiu, e agora resta apenas a escuridão para a qual eu quero ser arrastada.
— Você é minha, Heather — soa rouco, eu o encaro.
Não me assusta, nada nele me causa medo. Levo minha mão e aliso a linha de sua
mandíbula, subindo lentamente os dedos pelo seu rosto perfeitamente desenhado, logo colocando
uma mecha de seu cabelo para trás. Perfeito, a escuridão lhe cai tão bem.
— Só sua — sussurro.
Então, ele devora meus lábios com mais desejo e vontade enquanto me prende entre seu
corpo e a parede da piscina, fazendo com que eu sinta sua ereção em minha intimidade. Ainda
sinto medo. Mesmo que a curiosidade fale mais alto, eu não estou pronta, mas quero descobrir
como são as sensações que meu corpo pode ter com seu toque. As sensações que ele tem
prometido.
Ele afasta a parte de cima de meu biquíni e, com o polegar, brinca com um de meus
mamilos, ele não para o beijo, pelo contrário, apenas o intensifica, como se precisasse disso mais
que tudo. Meus mamilos endurecem com os movimentos e acabo gemendo, enfiando minhas
mãos em seus fios do cabelo.
Hades cessa o beijo lentamente enquanto deposita vários outros em trilhas até meu mamilo,
ele me ergue para que meus seios fiquem a altura de seu rosto. Quase posso ver um brilho em
seus olhos enquanto umedece os lábios antes de enfiar um deles em sua boca. Eu tombo a cabeça
para trás e rolo os olhos quando ele começa a rodear com a língua, brincando com o bico do meu
peito enquanto belisca o outro, levando ondas de energia por todo meu corpo. Eu queimo com
seu toque e estou tão arrepiada que posso tremer com a sensação.
Sinto sua mão passeando pela minha bunda e, com facilidade, afastando a calcinha do meu
biquíni, ele alisa minha intimidade e eu choramingo, logo mordo forte meu lábio inferior,
evitando que se transforme em um gemido.
— Tão sensível, minha Heather — ele sussurra, seu hálito quente em atrito com meu
mamilo.
Hades enfia um dedo lentamente, fazendo com que eu impulsione meu corpo para cima,
voltando a agarrar seu ombro. Fecho os olhos, sentindo um desconforto, mas tentando manter a
calma. Isso é normal, não é? Quando encontro seus olhos, eles ardem em mim. É como se eu
fosse sua maior fonte de devoção, a única que existe. Eu gosto disso.
Ele desliza outro e começa os movimentos bem lentos de entra e sai. Eu encosto minha testa
na dele e aproveito a sensação ardente que toma conta de mim, do desejo dele em continuar e me
mostrar até onde vai. Eu me remexo, sentindo como se meu coração fosse sair pela boca, meu
sangue ferve e acho que isso é prazer.
— Oh, Deus… — é mais um sussurro do que um gemido, é impossível controlar as
palavras.
— Chame por mim, não por ele.
Ele geme rouco quando pressiona seu polegar em meu clítoris e intensifica os movimentos
com o dedo, eu pairo minha boca contra a sua e fecho os olhos com a respiração pesada. Algo
em mim cresce, a sensação de desconforto desaparece assim que ele movimenta seus dedos em
cada ponto de prazer em minha boceta. Não é como nos vídeos onde tudo parece rápido demais e
doloroso.
É prazeroso, fazendo com que eu revire os olhos e quase implore para que ele fique assim a
noite toda. Um frio na barriga se forma, parece que eu estou prestes a perder o controle da minha
bexiga quanto mais ele me penetra com os dedos e movimenta seu polegar em meu clítoris. Com
meus braços envolvidos em seu pescoço, eu sinto tudo ao meu redor desaparecer, fazendo com
que esse momento tenha apenas nós dois no lado mais perverso que existe, apenas nós.
— Hades...
Meu corpo enfraquece a cada bombeada de seus dedos e a pressão de seu polegar no meu
ponto sensível, eu solto um gemido, o abafando contra sua boca. Eu devia estar assustada, com
medo dos meus pais saírem a qualquer momento e verem o que a filha deles está fazendo na
piscina, mas é isso que mais me deixa excitada aqui, o fato de que posso ser pega me dá emoção
e me faz sentir viva.
Eu nunca fui uma boa garota.
Choramingo quando sinto minhas pernas tremerem e meu corpo todo entra em colapso com
seus movimentos, ele intensifica e algo parece estalar, eu perco os sentidos e parece que estou
explodindo. É como me sentir viva novamente, meu corpo treme com a sensação do orgasmo se
libertando, mas com as pernas trêmulas.
Hades não para ele, pressiona seu polegar em meu clítoris com movimentos pesados,
entrando e saindo, eu tombo a cabeça para trás, mas sua mão livre agarra em meus cabelos com
firmeza, me obrigando a voltar a olhá-lo. Sua boca entreaberta e o rosto vermelho, o prazer
exalando enquanto ele age com os dedos e me corrompe da melhor maneira que eu posso
imaginar, que posso querer.
Eu o beijo com um certo desespero, deixando que minhas emoções falem mais alto, e então
mordo sua boca até sentir o gosto de cobre. O prazer e necessidade crescem novamente em mim,
prontos para serem liberados.
— Maldita — ele me amaldiçoa quando afasta o rosto.
Então Hades devora minha boca em um beijo intenso, fazendo com que seu sangue se
misture a mim. E, novamente, a sensação de explosão me invade e minha visão escurece por
breves segundos, eu estou ofegante. Dois orgasmos, eu estou delirando e cansada. Eu sinto
lágrimas se acumulando em meus olhos enquanto abraço firme o corpo de Hades e minhas
pernas despencam, fracas com essa adrenalina e sensação de quase morte que meu corpo me
lançou. Sinto meu rosto corar quando me dou conta do que acabou de acontecer, meu primeiro
orgasmo, e foi totalmente diferente do que eu havia imaginado, eu poderia reviver isso mais e
mais vezes.
Eu vou me tornar uma viciada em orgasmos?
Ficamos ali por um bom tempo, abraçados. Estou com vergonha de encarar seu rosto
novamente, mas posso afirmar que nunca vou me arrepender disso.
— Eu… — quebro o silêncio. — Eu preciso entrar, não posso brincar com a sorte.
Me afasto um pouco, ele abraça minha cintura, enquanto beija meu ombro e pescoço.
— Tem certeza que não quer ficar aqui a noite toda gozando na piscina? — sinto meu rosto
queimar com suas palavras.
O afasto com um sorriso tímido, ele também está sorrindo.
Deus, como Hades é lindo.
— Amanhã nos veremos na escola — eu desvio do assunto e dele, enquanto nado para a
escada.
Antes, ajeito todo meu biquíni e só então saio, me sentindo muito mais leve do que quando
entrei, mas com as pernas um pouco bambas. Agora entendo quando Ava aparece no colégio
dizendo que foi aliviada por Elliot. Me enrolo na toalha e, antes de entrar, tenho a imagem de
Hades subindo pela escada, bagunçando seu cabelo. Eu continuo meu caminho sem fazer
barulho.
Estou sorrindo feito uma idiota lembrando do seu toque, do seu beijo, eu relembraria todos
os dias se fosse possível, meu corpo se arrepia só pelos flashs. Agora, cada momento está
cravado em mim.
— Você não vai me distrair mais uma vez com sexo, Louise — a voz de papai faz com que
eu trave ao lado da porta do seu escritório. — Me diga a verdade, o que fez com o diretor da peça
e por que seu carro estava destruído?
Há um breve silêncio.
— Eu não lhe devo satisfações, e se me lembro bem, já respondi essas perguntas. — Mamãe
parece dar de ombros, sua voz é serena.
— Então deve satisfações a polícia? É mesmo esse exemplo de merda que deseja dar a
Kairon e Heather? Eu não tenho mais como acobertar seus deslizes.
O carro que usamos para afastar o treinador de uma vez por todas foi o de Louise, ela não
fez muitas perguntas quando voltamos e entregamos o carro com o vidro da frente quebrado.
"Fizeram o que tinha que ser feito, mas eu não quero vocês sozinhos e juntos novamente."
Foram suas únicas palavras. O treinador sobreviveu, mas foi demitido e, em seu lugar, uma
mulher foi contratada, o que me deixa aliviada, estou cansada de assédios e ameaças.
— Você está me ameaçando? — mamãe murmura. — Quem você pensa que é para falar de
exemplos para os meus filhos? Um fracassado não tem lugar de fala.
— Fracassado? Eu vivo para você, fiz de tudo durante todos esses anos por você e é isso que
me diz? Um fracassado não tem o que tenho, não tem o que eu trabalhei para manter — Liam
rebate, parecendo irritado. — Não percebe que está criando Heather para você e não para o
mundo? Acorda, Louise, ela não é um bebê.
Mamãe ri em deboche.
— Para manter — ela repete, com desdém. — Mas tudo isso me pertence, ou se esqueceu
das empresas em meu nome? A filha é minha, a trata como nada e agora vem se preocupar?
— Você sabe os motivos — papai se limita a responder apenas isso.
— Então que fique claro que eu faço o que tiver que fazer, não questione meus métodos.
— Você sempre vai escolher a Heather, não é? Maldito dia que concordei com tudo isso, era
para sermos nós, você transformou tudo em um inferno — as últimas palavras são murmuradas
em tom raivoso.
O silêncio reina, parece que saíram da sala, mas então algo se quebra lá dentro e eu coloco
apenas a cabeça para dentro, tentando ver.
— Não ouse trazer esse assunto novamente ou eu tiro tudo de você, até sua pele se precisar,
só para te ver apodrecer. Liam Walker não é ninguém sem Louise e não me faça provar que isso
é verdade.
Mamãe está sentada no colo de papai, segurando-o pela gola da camiseta, enquanto ele a
encara com receio.
— Eu gostava mais de você quando era obcecado por mim — ela diz com o rosto mais
próximo do dele.
Liam olha para mim assustado e Louise rapidamente sai de cima dele.
— Oh, querida, vamos subir que já está tarde.
Ela nem se dá o trabalho de me explicar o que acabei de ver, apenas sai dali, me puxando
escada acima.
Foi a primeira vez que os vi brigando em toda minha vida.
(Atua lmente)

Eu sinto meu corpo exausto, mas, pela primeira vez, estou com a mente livre de
pensamentos autodestrutivos.
Vejo alguns hematomas surgirem em algumas partes de meu corpo quando estou me
vestindo no vestiário. Na hora da partida, com o sangue quente, não vemos o estrago. Rugby me
leva ao meu lado bom, alguma coisa tinha que dar certo.
"Faça o meu dinheiro valer", a voz de papai ecoa, mas eu faço isso mais por mim do que
por ele, mesmo temendo seu castigo se eu não fizer. Balanço a cabeça, afastando-o de meus
pensamentos. O treino tem sido intenso pela aproximação do primeiro jogo da temporada, então
não tive tempo de respirar e muito menos de pensar em Olivia no mesmo ambiente que o meu.
E ela tem tentado, muitas vezes, me tirar do sério com provocações, mas relembrá-la o
quanto é negada por Hades, que é o verdadeiro motivo pelo qual me odeia, acaba diminuindo seu
ego, mesmo que também aumente sua fúria. Eu não tenho problemas em realmente abrir a cabeça
dela se ela ousar ameaçar algo que seja meu.
Como agora, eu não consigo prestar atenção no que Ava está dizendo vendo a aproximação
de Olivia e Hades. Eu vou chutar que é mais uma de suas provocações para que consiga minha
atenção depois da floresta. Mas eu devia me desculpar por não ter transado com ele?
Não, aquele garoto me destruiria em mil pedacinhos, e depois, se meu pai descobrisse, eu
seria transformada em pó, mas aturar o que estou tendo que olhar me faz repensar. Se mamãe
estivesse aqui, com certeza eu saberia o que fazer, ela ficaria a meu favor em qualquer decisão.
A saia de Olivia quase mostra a poupa de sua bunda. A blusa justa com os botões quase
estourando com seus peitos fartos. Oh, céus! Eu não tenho inveja, só não gosto dela, nosso
passado não é bom. Vadia, vadia e vadia.
Eu encosto na cadeira, bufando uma mecha de meu cabelo que solta enquanto cruzo os
braços.
Magnus passa por eles, olhando de cara feia para Olivia, que encolhe os ombros. Espera aí,
eu perdi alguma coisa? Olho a minha volta, vendo que apenas eu estou igual uma lunática
olhando para os dois. Claro, estou a ponto de pegar esse fachis da mão de Ava e ir até lá.
Por favor, se controle, ele não é seu.
Ele. É. Meu.
Quando me levanto, pronta para ir até lá, uma mão grande envolve minha cintura e me puxa
para trás, fazendo com que minhas costas se choquem contra seu peitoral, é um homem.
Eu engulo em seco, mas relaxo quando vejo uma pulseira com o nome de Noemia.
— O que está fazendo? — tento me virar, mas Magnus me mantém de costas para ele.
Nono anda também com uma pulseira que tem o nome de Magnus, eles são feito unha e
carne.
— Evitando que você saia como ciumenta — ele sussurra contra a minha nuca. — A
confiança é silenciosa, finja pelo menos.
— Eu não ia fazer nada, não me importo — minto. — O que pensa que ganhará me
ajudando? — Encontro seu olhar quando viro minha cabeça em sua direção.
Magnus ri, seus dentes brancos e alinhados, é o único que ainda tem um rosto angelical. Seu
cabelo é de um loiro quase platinado, crescidos até o ombro, a intenção era doar quando cortasse.
Ele tem esse lado humano que nenhum de nós temos, e apoia muitas causas sociais.
Um pouco feminista também, assim como Elliot.
— Bom, você pelo menos não vai ganhar fama de ciumenta na escola e eu vou ganhar um
boquete. — Ele ri quando arregalo os olhos. — Eu estou falando de outra pessoa.
Ele me vira totalmente para ele e se inclina, como se fosse me falar algo e eu afasto o rosto
com medo.
— Estou surpresa com isso vindo de você — comento.
— Não vai se repetir. — Ele olha para o que vem atrás de mim.
Uma hora, Magnus está a minha frente, em outra, um murro é acertado em seu nariz sem
qualquer aviso. Eu quase caio por cima dele quando ele se desequilibra, mas Hades me puxa para
si. Em seu olhar eu vejo raiva, ele nem ao menos continua ali e acerta outro soco em Magnus,
que o puxa pela camiseta, acertando Hades. Mas parece não fazer efeito, já que Hades avança, o
socando repetidas vezes.
Isso é demais para mim, parecem dois animais, e vejo o quão cego Hades fica.
— Parem com isso, façam alguma coisa.
Eu grito desesperada para que algum garoto os interrompa antes que aconteça o pior. Ava
tenta empurrar Hades, mas sem sucesso. Noemia grita com ele em lágrimas, mas nada muda.
Magnus quase não reage, apenas se protege e, vez ou outra, acerta um soco em Hades.
Nunca o vi cego de ódio, aquilo é assustador, uma amostra do quão sanguinário ele poder ser
mesmo com tantas pessoas olhando e gritando para parar.
— Chega. — Kairon aparece, empurrando a todos e se joga em cima de Magnus para que
Hades não o acerte mais.
Hades tenta tirá-lo dali, mas meu irmão não se move. Elliot aparece, puxando-o pela camisa
e assim o arrasta para longe. O garoto se debate, cego de raiva.
Seu peito sobe e desce rápido, seus punhos cheios de sangue e alguns pingos manchando sua
blusa branca. Eu não me arrependo de fazê-lo provar do seu próprio veneno, tenho que reagir à
altura, isso significa me igualar a ele.

Elliot e Kairon andam bem à nossa frente, tentando convencer o diretor a não dar uma
advertência que faça Hades e Magnus ficarem na reserva. O jogo da temporada também está para
iniciar e precisam de todos do time, já que estão treinando duro para isso. Mas percebi, agora,
que Magnus nem está mais nos acompanhando e Hades anda um pouco a minha frente, bufando
hora ou outra. Mal me olhando.
Quando foram chamar o diretor disseram que eu era o motivo. Cá estou eu, sem o verdadeiro
causador, e com o que terminou de destruir tudo.
Torço para que isso não resulte em uma ligação para papai, tenho calafrios só de imaginar o
que ele pode falar sobre isso. Mas se a briga não tivesse acontecido, eu provavelmente perderia o
controle indo até ele e a Olivia.
Prestes a virar o corredor, Hades me puxa pelo braço, fazendo com que eu fique longe da
vista do diretor Williams e dos meninos, encostada na parede, a centímetros dele.
— Eu estive pensando em realmente te dar a paz que tanto almeja.
Sua voz sai rouca, ele fecha uma mão em meu pescoço enquanto afrouxa a sua gravata com
a outra, a raiva é evidente em seus olhos. Permaneço imóvel e levo minhas mãos na sua, quando
seu aperto se fecha mais.
— Mas agora farei questão de fazer de sua medíocre vida um inferno e isso vai ser um
prazer — ele cospe as palavras, sem cortar o contato visual. — Você não vai fugir de mim.
— Te perturbou tanto eu ter feito o que você também faz… — Tento sorrir para não parecer
medrosa, mas desmancho quando sua mão sobe por entre minhas pernas.
Eu, inutilmente, tento fechá-las, mas meu corpo já está reagindo ao seu toque sem aviso, é
sempre o mais intenso que pode ser.
— Você quer se igualar a mim, Heather? — Ele paira com a mão em minha calcinha. — Eu
vou te arruinar.
Minhas pernas vacilam, mas seu aperto em meu pescoço me faz voltar a firmá-las. Eu fecho
os olhos, torcendo para que minha excitação não seja sentida. Mas mordo os lábios quando ele
alisa minha boceta por cima do tecido.
— E você vai adorar isso. — Ainda por cima do tecido, ele faz movimentos circulares.
Minha respiração está acelerada e sinto tremores por todo meu corpo, me dando a sensação
que eu vou entrar em combustão a qualquer momento, o contato de sua pele arde na minha, eu
preciso de mais.
— Vai me implorar por isso.
Meus olhos rolam quando ele massageia meu clítoris e então segura minha intimidade,
fazendo com que eu saia do transe em um pulo e o encare.
— Eu vou te mostrar que ficar comigo ou não, não é uma questão de opção. — Hades
aproxima seu rosto do meu, apertando mais meu pescoço e fazendo com que meu ar se acabe
rápido, eu cravo minhas unhas em sua mão. — É sua única escolha.
Ele me solta, fazendo com que eu busque ar desesperadamente e então continua seu caminho
sozinho até a sala do diretor a passos pesados. — Filho da puta…
A metade nunca me deixou satisfeito, isso significa que aquilo não é meu, e eu odeio dividir.
Seja uma pessoa ou coisas, então é tudo meu ou tudo meu. Não há opções, eu farei questão de
que não tenha.
A paciência que eu tenho é o suficiente para que aos poucos, só eu seja uma opção.
Eu estalo os dedos, sentindo o desconforto rastejar sob minha pele, quase me arrastando para
pensamentos obscuros onde esse toque é sentido até hoje. Mas eu não tenho mais medo, eu sinto
raiva, ninguém tem o direito de tirar isso de mim. Traumas são feito chaves, se alguma delas
virar, isso vai despertar o nosso pior, coisas que devem permanecer presas.
Eu cubro minha cabeça com o capuz e enfio minhas mãos no bolso do casaco enquanto
caminho pelo beco com pouca iluminação e molhado, desviando de algumas latas de lixos
jogadas ali. É aqui que essa sensação some, um vício sem fim. Trocando a dor das lembranças
pela dor em meu corpo.
Arrasto a porta do grande galpão para o lado, dando de cara com Elliot, que tomba a cabeça
para o lado, de braços cruzados.
— Ele está aqui hoje — ele diz.
Eu caminho para a outra sala assim que um dos caras que organiza tudo vem para trancar a
porta, visto que fui o último a chegar. O galpão é enorme e velho, mas é onde acontecem as
lutas, por aqui há acentos e um grande ringue onde o entretenimento só acaba quando alguém
estiver inconsciente. Alguns caras importantes vêm aqui suprir um pouco de seu vício com
apostas e ver a desgraça de alguém que precisa do dinheiro, hoje é uma noite cheia deles.
Não é um ambiente luxuoso pelo fato de ser clandestino, por isso é perfeito para que não
sejam descobertos. Daqui eu consigo ver alguns rostos conhecidos de meu pai que, com certeza,
vão comentar em alguma reunião. Mas eu quero isso, nada mais satisfatório que sua raiva.
— Muito bom. — Eu me sento e retiro o tênis. — Ele escolheu em quem apostar?
Retiro meu casaco e o jogo na mesa ali perto, retiro também as talas que envolvem minha
costela com um grande hematoma, eu fecho os olhos e suspiro.
A suspensão de três dias para que eu não ficasse no banco depois de quase matar Magnus na
porrada me resultou nisso. Como eu pude ser tão covarde ao ponto de ferir o garoto ao invés de
fazer isso com meu pai? Fui como um saco de pancada quando ele decidiu que seria certo
mandar me baterem.
Deixe que a dor construa você.
O caralho.
Em minhas mãos faltam algumas unhas, já que toquei piano durante duas noites inteiras ao
ponto delas se soltarem. Eu ainda sinto, mesmo agora, a melodia corroendo tudo em minhas
veias e ateando fogo enquanto meus dedos latejam, implorando para que eu pare. Mas eu nunca
vou parar.
— Não, mas assim que te ver tenho certeza que vai em você. — Ele se encosta na mesa e me
encara, seu olhar desce para o hematoma. — Isso aí não foi de nenhuma luta.
Eu rolo o olhar, entediado.
— Isso daqui não é da sua conta — rebato, passando outra tala envolta.
— O que te impede de reagir? — Elliot ignora o que acabei de falar.
Continuo o que estou fazendo sem olhar para ele, procurando uma resposta que o faça calar
a boca e não que me faça questionar a minha falta de coragem em acabar com quem eu devia.
— Heather.
Ele revira os olhos, bufando.
— Essa obsessão está indo longe demais, Heather não vai ceder.
— E que moral você tem para falar isso? Você é como uma putinha para Ava, sabe o que ela
anda fazendo?
Eu pergunto, cínico, ninguém toca no nome dela e fica por isso mesmo, até assim meu
ciúme explode.
— Para de ser um filho da puta. Eu não ando socando a cara de um amigo meu por causa da
Ava, você sim faz. — Elliot aponta seu dedo para mim, eu arqueio uma sobrancelha.
— Eu sou um homem de palavra, quando eu falo que irei fazer algo se encostarem nela, sabe
que será feito. — Eu penteio meu cabelo para trás. — Eu não reajo a James, senão fode com
tudo. Enquanto minha mãe não voltar, ele pode me mandar para longe como...
A porta se abre em um tranco e Big Bob, o famoso juiz das lutas clandestinas, aparece.
— Vamos, Diabo, tem pessoas demais apostando em você.
Elliot acena com a cabeça e eu acompanho o homem alto enquanto retiro meus anéis e passo
para ele segurar. Em um desses anéis eu tinha cravado o nome de Heather, minha sorte partia do
seu nome comigo.
Preciso descontar minhas frustrações em porradas sem finalidades, mas dessa vez, eu
finalmente tenho um objetivo com isso tudo, tudo é por ela.
Trazer Sebastian Scott para essa luta foi fácil, ele é tão burro que realmente achou que
tivesse sido convidado pelos donos do evento. Não foi, Kairon é bom em criar redes fakes para
atrair peixes pequenos como ele. Mas hoje eu o deixarei pensar que é um tubarão, só por uma
noite, só por ela.
E o único a tirar sua paz serei eu.
O rock alto rasga por todo ambiente, enquanto passo pelo corredor de pessoas que gritam em
comemoração, todo lugar clandestino é uma verdadeira zona.
Demoro um pouco até conseguir chegar ao ringue. Eu bato na mão de todos ali,
reconhecendo rostos que vejo algumas vezes. Não que eu perceba muitas pessoas, mas quando
um lugar vira sua segunda casa, as lembranças de tudo ficam guardadas.
Uma vez que subo no ringue, vou para o meu canto, fugindo do olhar de Sebastian. Quero
ser visto por ele e não que ele pense que o vi. Atraia a presa, finja que ele não está ali.
James é um merda, mas ele me criou para ser pior do que ele. Acho que conseguiu.
Patrick Hills vai ser meu oponente, não faço ideia de onde veio ou se já participou de outras
lutas, espero que Bob anuncie seu currículo para que todos comecem a ver, de fato, em quem
apostariam. Eu encaro Elliot, que anda devagar no meio de todos, até ficar perto de Sebastian.
Ainda não o encaro, mas sei que me olha.
— Patrick Hills vem do subúrbio com sangue nos olhos e com uma única finalidade, ganhar
o dinheiro dos ricos — ele diz em tom zombeiro. — Não é sua primeira luta, e espero que não
seja a última.
Então Bob sorri para o garoto, Hills é careca e possui tatuagens por todo seu corpo. Ele é
extremamente musculoso e vejo que tem uma boa técnica pelos seus movimentos. Mas isso é só
para intimidar.
Quando se vira, consigo ver uma tatuagem perto de seus olhos azuis e outra na cabeça
escrito "Death". Eu permaneço em minha mais serena expressão, mesmo que eu tenha gostado
da ousadia. Estou aqui em quase todas as noites, então minha introdução é descartada. Prefiro
que vejam ao invés de falar. Eu sempre prefiro ações a palavras.
Patrick está com sangue nos olhos atrás da grana, e eu estou focando em ganhar a liberdade
de ter algum assunto com o maldito que trouxe ao mundo um merda. Vamos lá Patrick, o seu
momento é o começo. Porque o final é meu.
Ele gira em minha direção e eu abro a guarda, deixando-o livre para me acertar e com a
finalidade de que ele se canse a cada tentativa. Uma vez ou outra, eu o deixo me acertar. Ele é
bom, seu ataque é preciso.
Com essa precisão, acaba deixando claro que veio para matar, ele quer esse dinheiro, mas
tem algo mais importante aqui para mim do que isso.
Eu desvio enquanto ele avança, rodo o ringue sem tirar os olhos dele, inspecionando seus
movimentos. Minha guarda desce novamente e ele acerta um soco em minha bochecha.
— Você pode mais que isso — eu debocho, com um sorriso ladino.
Patrick balança a cabeça e lança um chute em minha costela machucada, eu sinto além
daquela dor, e sorrio com a sensação de queimação que o golpe me proporciona. Eu continuo
esperando que ele me cause mais daquilo.
Sem delongas, ele se lança, disparando socos em minha direção e intercalando entre meu
rosto, costela e abdômen. Com sua aproximação, escuto o quanto ofega a cada golpe, me
revelando seu cansaço.
Bingo!
— Acho que alguém vai perder o posto de fodão — devolve a provocação, suando para um
caralho.
Eu sorrio ladino. Quando ele tenta me acertar um soco, desvio e acerto um em seu rosto.
Imediatamente, o sangue escorre de seu supercílio e é o suficiente para atordoá-lo.
Eu estou bem-humorado depois de ameaçar Heather, então o pouparei. A fim de apagá-lo
logo, eu me abaixo, e de baixo para cima levo o punho, fechado em seu queixo com toda minha
força. Meus dedos latejam e gotas de sangue pingam quando abaixo as mãos, vendo o garoto cair
para trás, desmaiado.
A cada nocaute meu ego é massageado pelos gritos, incentivos e o dinheiro sujo que nunca
usei de todas as vitórias. Eu não sinto nenhuma culpa vendo os oponentes desmaiados e
sangrando aos meus pés, são as consequências que o lado errado nos entrega e isso é satisfatório.
Procuro Elliot, que está ao lado de Sebastian, como o combinado. Os gritos continuam e,
quando saio do ringue, me parabenizam dizendo sobre terem apostado em mim, os homens que
estão de terno apenas me observam com... orgulho?
Foda-se.
— Preciso da toalha — falo ao meu amigo, ele se apressa para pegar.
Eu olho ao redor e todos voltam a beber, alguns felizes por terem apostado na pessoa certa, e
outros putos, indo embora por, provavelmente, terem perdido.
— O filho de James Davies em algo clandestino? — a voz de Sebastian me faz cerrar os
punhos.
Mas controle é algo que eu tenho.
Eu viro minha cabeça para ele, suavizando minha expressão.
— O próprio. — Sorrio, estendendo a mão. — E você é...
— Sebastian Scott.
Ele coloca o charuto na boca e me cumprimenta, seu aperto não é firme, já o meu, sim.
James sempre disse que passamos uma primeira impressão pela forma que cumprimentamos. Um
homem confiante sempre tem o aperto forte e o contato direto nos olhos. Duas coisas que esse
porco não faz.
Fraco, ele exala idiotice e fraqueza. O tipo que se deixa levar por qualquer prostituta. Cole
teve a quem puxar quando viu que não conseguiria nada com Heather e a drogou. O pensamento
me faz travar o maxilar, mas eu novamente me controlo e solto sua mão.
Ele a acaricia disfarçadamente, já que apertei mais do que devia.
— Bom, sei como filhos homens podem ser incontroláveis, então não comentarei que o vi,
meu filho é igual. — Seu olhar vaga pelo espaço. — Eu apostei em você e ganhei de meus
amigos, fez um velho feliz hoje.
Seu filho não é igual.
Eu me vejo o sufocando, ou cortando dedo por dedo, talvez batendo nele até que fique
irreconhecível. Me perco em quantas coisas eu poderia fazer para acabar com a vida dele, mas
isso demoraria.
— Ótimo saber que não estou sozinho em coisas erradas — eu tento ser o mais simpático
possível. — E ele está aqui? Acredito que goste de assistir.
Torço os lábios, fingindo estar sem jeito.
— Ou lutar.
O homem ri, negando com um balançar de cabeça.
— Cole curte apenas boates, ele não está aqui — Sebastian se limita a dizer, mas volta atrás.
— Quando eu descobrir onde aquele moleque se enfiou, trago para lhe conhecer.
Sorrio, a única expressão verdadeira que tive essa noite.
— Seria uma honra.
Oh, como seria...
Eu tiro o capuz do casaco quando já estou protegido da chuva, olho para a garagem da casa
de Liam e seu carro não está. O idiota consegue me odiar, mas sempre deixar o caminho livre até
sua filha. Por outro lado, entrar naquela cabecinha tem sido um dos meus maiores desafios.
Não sei que tipo de coisas ele diz e que acabam a convencendo de tudo, mas sei que Heather
apenas me deu um pouco de si e pegou de volta, despertando ainda mais meu desejo por ela.
Eu quero tudo dela, sua raiva, dor, prazer, amor, seu corpo... e que belo corpo. Se fosse
possível, devoraria até sua alma. Não me importa o jeito que vou conseguir, eu quero mais e
mais. E se me der, eu vou repetir a dose.
Já do lado de dentro, as luzes estão apagadas e só as do corredor que leva para a sala de
jogos estão ligadas, eu permaneço na escuridão quando vejo a silhueta de Heather se estreitando
para o outro lado, como se estivesse se escondendo.
Ela não me viu, então caminha a passos largos até a porta que leva para a adega de seu pai.
Ele pode ser um belo filho da puta, mas tem muito bom gosto para vinhos e traz sempre um
quando vai à Itália, fora as tequilas que trouxe do México e vodcas da Rússia. Então isso me
acende uma curiosidade, normalmente só bebem em festas e não em casa, eu até agora nunca a vi
tendo esse hábito.
Heather força a porta, e não está aberta, eu estranho, ela murmura um xingamento e tenta
novamente. Irritada, ela a chuta e volta para onde estava, indo na direção da sala em que deve
estar o pessoal. Nunca a vi entrar ali e a adega não tem tranca, pelo que me lembro bem, Kairon e
eu sempre pegávamos bebida de lá quando não conseguíamos alguém para comprar. Eu faço o
mesmo caminho, dando tempo de vê-la em seu short jeans curto que realça muito bem sua bunda
incrivelmente desenhada, a blusa branca justa e curta se desenha ao seu tronco e acompanha a
cintura fina.
Até na roupa mais simples se torna uma tortura ficar perto de Heather, minhas mãos coçam
só com lembranças e me sobe a necessidade, o tesão é inegável. E ela sabe disso.
— As princesas iam começar sem mim? — eu falo assim que passo pela porta.
Heather me olha assustada, Ava e Noemia reviram os olhos. O sabor de incomodá-las é tão
satisfatório.
— Você tem sorte de ser bom no baralho, uma hora de espera. — Kairon se levanta do sofá,
então vai até à mesa. — Só pode estar de sacanagem.
Eu faço o mesmo com as mãos nos bolsos de minha calça.
— Ele sempre faz de propósito, vamos, Diabo, eu vou ganhar hoje — Elliot diz, já sentado à
mesa.
Meu olhar vai até Magnus, sentado no grande sofá com Noemia, que tem a cabeça deitada
em seu colo, sua irmã parece contar algo a ele. Um sorriso ladino se forma em seus lábios com
um corte no canto, ele tem um hematoma ao lado do olho esquerdo.
Meus amigos sempre passam longe de qualquer atitude padrão, e isso é claro a cada ano que
passamos juntos. Ninguém aqui tem lugar de fala para julgamento, por isso raramente nossas
desavenças permanecem relevantes por muito tempo, já que no final somos nós, por nós, sempre.
Com Magnus não é diferente, mesmo sendo extremamente fechado, suas reações me
mostram a verdade e eu a descobri naquele refeitório. E ele sabe que eu descobri seu segredinho
sujo com a garota que diz odiar só por causa da irmã. E agora a odeio mais por saber o que ela
faz.
— Onde estava? — Kairon pergunta quando me sento de frente para ele, tendo a visão de
Heather deitada no sofá.
Ela tenta disfarçar, mas para o que está fazendo, tendo sua atenção na conversa.
— Por aí comendo prostitutas — Elliot responde por mim, desviando o assunto, já que ele
estava comigo na luta.
Por mais que Kairon seja como um irmão, apenas Elliot sabe da luta.
— Eu fico triste quando sou excluído dessas — Kairon finge tristeza, enquanto distribui as
cartas.
— Do que adianta ir se vai fingir que gostou? Sabemos onde você iria querer estar — Ava
dispara atrás dele.
Kairon se vira, indignado:
— Não massageie o ego dela, não sou como você que finge ter um orgasmo com Elliot.
— Você finge? — Elliot junta as sobrancelhas, eu seguro o riso.
Ava enche os pulmões e, claramente irritada, levanta do sofá para discutir com Kairon. Mas
maldita hora em que decido olhar novamente para Heather, ela engatinha pelo sofá até Noemia e
eu percorro o olhar por tudo ali. Ela mal dá atenção a discussão e devolve o celular a loira,
umedeço os lábios olhando para suas coxas nuas quando ela se senta novamente.
Fico enfeitiçado a observando, o balançar do cabelo e quando passa a língua entre os lábios
lentamente — ou eu já estou delirando a vendo assim, então me ajeito na cadeira. Precisamos de
mais momentos sozinhos, ela não pode ter para onde correr, ela não pode me evitar.
— Kairon, o que aconteceu que Olivia saiu do seu carro ontem? Ela chegou a entrar aqui?
— com um corte seco na discussão deles, todos me olham em silêncio, Kairon fica pálido com o
meu questionamento.
Noemia se levanta em um pulo e corre para fora do quarto, eu começo a mexer nas cartas,
como quem não acabou de causar uma puta briga entre eles.
— Qual a porra do seu problema, Hades? — Então sai atrás dela.
Eu recolho todo o baralho da mesa, sabendo que os jogos acabaram.
— E você Ava, não tem nada para falar com Elliot? Mas aposto que ele tem.
Foi mal, mas preciso mesmo ficar a sós com a minha deusa infernal. Ava me olha, quase me
fuzilando, e depois olha para Elliot que me encara mais puto ainda, mas eu não me importo. Me
importa o que me favorece aqui e agora.
— Seu filho da puta. — Ela lança um tapa no braço de Elliot. — Foi você que me seguiu até
a boate?
— O que? — Heather intercala o olhar entre os dois, que nem dão atenção a ela.
O garoto não fala nada, ela sai da sala irada e ele vai logo atrás, sem nem mesmo me xingar,
confesso que fico surpreso por Ava não ter feito isso ou ter voado em meu pescoço, mas quem
estragou a diversão dela não foi eu.
— Bom, saber a fofoca vale mais a pena do que olhar para sua cara. — Magnus se levanta,
ele sai fechando a porta.
Com o caos instaurado no meio deles, sei que não voltariam mais aqui. As situações
facilmente podem ser viradas ao meu favor e agora tenho Heather aqui. Só para mim.
— A noite ia ser incrível sem você — ela quebra o silêncio.
— Você é uma péssima mentirosa, perguntou se eu viria. — Me levanto, dando a volta na
mesa.
Ela me olha, talvez curiosa em como eu sei disso, mas quando atendi ao telefonema de
Kairon, ao fundo ela fez a pergunta.
— Você me ameaçou na escola, perguntei para manter distância.
Eu batuco a mesa atrás de mim enquanto observo a tensão em Heather. Ela abraça suas
pernas encolhidas e me olha receosa, como se esperasse algo.
— Então a minha aproximação só lhe serve se for para acabar com quem anda te
ameaçando?
— Sempre disse ser um homem de palavra, então faça jus ao que me prometeu anos atrás
sobre não deixar ninguém me fazer mal. — Ela ergue o queixo, me encarando.
Maldita.
— Eu poderia quebrar essa promessa, já que teve a sua quebrada quando decidiu me odiar.
Heather me encara incrédula, sua respiração está acelerada, ela começa a secar as mãos ao
lado de seus shorts e então se levanta. A passos largos, eu bloqueio a porta, ela para, e logo
começa a dar passos para trás até chegar perto do sofá, então balança a cabeça enquanto
pressiona os lábios um contra o outro.
Indiretamente, eu quero que ela me fale de onde essa raiva veio, o que eu fiz que a deixou
nesse estado.
— Quando decidi te odiar? Não foi de uma hora para outra, e consegue ser pior com esse
seu fingimento. — Cruzo os braços enquanto a observo. — É mais uma de suas manipulações?
— Fingir sobre o que? Se comunique, fale, grite sobre essa raiva ao invés de achar que eu
estou manipulando situações. — Jogo os braços no ar, enfatizando. — Ou isso é mais uma do seu
pai?
Suas bochechas ficam vermelhas, ela fecha suas mãos, demonstrando raiva e me encara
como se fosse voar em cima de mim. Por um lado, desejo isso. O contato com sua pele é algo
que eu sempre quero, ela é o que eu desejo sempre. Mas pelo visto, algo muito maior nesses três
anos ainda dói nela.
Eu preciso que ela fale, que ela comece a agir.
— Você não consegue deixá-lo fora disso?
— Mas que merda.
— Isso é sobre eu e você, não sobre ele — ela grita. — É sobre o que você fez logo depois
do que fizemos na piscina, sobre como você me quebrou e quebrou minha confiança depois de
pedir que eu confiasse em você. Então merece mais do que o meu ódio.
— Que merda ele te falou? — Ela permanece em silêncio, sua expressão continua exalando
raiva. — Eu sempre fiz tudo por você.
Heather se aproxima, fúria transborda de seus olhos verdes enquanto me encara. Pela
primeira vez sustentando seu olhar e não se abalando, baixo meu olhar para encontrar o seu
quando estamos a poucos centímetros de distância.
— Não só me falou, como me mostrou o que você sempre foi — diz entredentes. — Eu fui
burra em não reagir esses anos, fui burra em ter te deixado me tocar, mas sabe o que decidi?
Permaneço inexpressivo, mas com uma vontade imensa de sorrir ao ver sua feição sádica se
mostrar.
— Entrarei nesse seu jogo, já que me prometeu o inferno, então não te darei paz.
A falsa liberdade enche seu ego em ter a audácia de me ameaçar, eu pagaria para ver o seu
joguinho sendo desmanchado quando perceber que não pode ganhar de mim, então vai ser um
prazer imenso levá-la ao limite.
Ela tenta abrir a porta, dando o assunto como encerrado, mas se assusta quando eu não a
deixo sair. Eu a viro para mim, deixando-a encurralada entre a porta e meu corpo. Deslizo o dedo
indicador e contorno sua clavícula. Eu a vejo se arrepiar e, então, tenho certeza que ainda tenho
muito efeito sobre ela.
— Está me ameaçando, rainha? — Isso vai ser interessante, sua raiva é interessante.
— Isso foi uma promessa.
(Antes do último ano letivo)

— Achei que papai fosse assistir o campeonato, era importante — comento, sentindo mamãe
massagear meu couro cabeludo.
Fecho os olhos, sentindo meu corpo relaxar. Estamos na cozinha esperando os cookies que
Maria colocou para assar e pediu que eu vigiasse. Mamãe chegou e está me fazendo companhia.
Eu me sinto um pouco mal por Liam não ter ido assistir o meu último jogo do ano, esse que
classificou o time da Dinasty e o colocou entre os cinco melhores do estado. Na noite passada,
ele prometeu que estaria, mamãe ouviu, mas o procurei na arquibancada e o não encontrei.
— Oh, querida, ele tem trabalhado tanto esta semana...
— Ele foi no último de Kairon no começo dessa mesma semana, não precisa defendê-lo.
— Eu não faria isso. — Ela pausa a massagem. — Mas ele te recompensou enviando
presentes, hoje ele fará a mesma coisa. Seu pai é ocupado, mas te ama, você é a princesa dele.
Louise me vira, percebendo que não me alegro com o que diz. Parece que ele não quer estar
em nenhum de meus momentos bons. Mamãe e Eloah são sempre as únicas que estão por perto,
não importa o que seja, elas sempre vêm.
Fora meus amigos e... Hades.
— Não gosto de sua tristeza, isso me deprime, seu pai em breve vai chegar e pedir
desculpas.
Mamãe acaricia meu rosto, seu semblante entristecido enquanto me analisa. Mesmo comigo
fazendo o que ele manda, parece que nada está bom, ou que para ele não faz tanta diferença.
Desde que me entendo por gente, eu procuro sua atenção, mas só quem me deu isso foi Hades.
Fissurado por tudo que eu faço, mesmo sendo um pesadelo ambulante na maioria das vezes.
— Eu não te criei para que fique triste quando seu pai não aparece em seus jogos, ou
dependente desse tipo de aprovação. — Louise alisa minha bochecha. — Você não tem que
agradar ninguém, agrade a si mesma, é o suficiente.
— Mas eu só estou falando que preciso de papai assim como Kairon...
— Enquanto eu estiver aqui, você só precisa de mim, Heather.
Louise me corta, me sinto frustrada por ela não entender o que realmente quero dizer. É
sobre ter a mesma atenção que papai dá a Kairon, ele sempre duvidou que eu fosse permanecer
na equipe. Então Liam, pelo menos, tinha que estar presente para ver que consegui, mas no final
isso significa o que mamãe disse, eu estou tentando agradar e não mostrar minha vitória.
— E o que eu faço quando você não estiver aqui? — pergunto, sentindo um certo
nervosismo.
Não sei viver sem minha mãe, a ideia parece um pesadelo.
— Então terá que me fazer visitas, porque isso significaria que enlouqueci. Eu não sou louca
de te deixar sozinha.
Não consigo conter o sorriso e a abraço, seu perfume de rosas me transmite segurança e
sensação de lar. Duas coisas que eu só sinto em seus braços e nos de... Me distancio com o que
me remete, tudo se esfria.
— Maravilhosa, tão perfeita — a voz de Eloah soa atrás de mamãe, que se senta no banco ao
meu lado. — Você tem um talento para a pancadaria sem igual, tem resistência também, eu tinha
isso na minha adolescência.
Ela diz enquanto entra na cozinha, animada e com um grande sorriso.
— Minha treinadora diz que as pequenas são as que mais aguentam no Rugby, então isso
não me surpreende vindo de você, tia — falo enquanto me levanto e a abraço.
Seus abraços são sempre longos e com cheiros, faz cócegas o tanto que ela faz isso. Mamãe
faz a mesma coisa. Eloah se afasta, alisando meus ombros.
— Eu era o estouro, contei para todas da yoga e, também, do café onde costumo ir sempre.
Oh, minha princesa, você é tão igual a...
Eu encaro seus olhos verde-musgo, cílios longos que deixam seus olhos ainda maiores,
como se ela conseguisse ver através de minha alma, como se visse tudo além de mim. Seu cabelo
curto é o maior charme, Eloah me olha com admiração. Mas a acho tão negligente com Hades,
mesmo não o suportando mais.
— Já eu gostava mais do futebol americano. — Meu olhar brilha para Louise ao meu lado.
— O braço deslocado foi minha ruína, tome cuidado.
Meu sorriso se alarga para mamãe, que deposita um beijo em minha testa e olha para Eloah,
que a encara enquanto se afasta, logo se sentando na cadeira.
— Você nunca me contou disso. — Encaro mamãe.
— Você nunca perguntou. — Ela toca em meu nariz com a ponta de seu dedo e depois olha
para a tia. — O que te trouxe aqui, cara amiga?
Observo tia Eloah se mexer desconfortável na cadeira e, então, apoiar seu cotovelo sobre o
vidro da mesa, rolando o olhar que se fixa em mamãe.
— Achei que eu pudesse visitar minha sobrinha sempre que sentisse saudade, ou não posso?
Não consegui falar com ela quando acabou o jogo, Hades tinha sumido com meu carro e
aproveitei a carona de James.
Eu rolo o olhar, torcendo para que não me perguntem nada. Meu irmão está com ele e foram
até uma outra cidade atrás de "coisas clandestinas", como Kairon disse. Talvez o carro nem
volte, sabendo o quanto Hades é imprudente. Eu odeio mentir para elas.
Mas já devem ter voltado, visto que passa das oito da noite.
— Eu nunca disse que não podia — o tom de mamãe muda, talvez esteja incomodada. —
Achei que tivesse vindo aqui para… — Há uma pausa, parece pensar. — Conversar comigo.
Eloah batuca sua unha no vidro, torcendo os lábios.
— Ultimamente tem ficado tão superprotetora, sempre rodeando e questionando, isso seria
medo?
— Eloah… — mamãe diz entredentes, seu aperto em meu ombro intensifica, mostrando que
está com raiva.
Permaneço quieta e atenta, nunca as vi dessa forma, e agora, assisto a isso como se eu nem
estivesse aqui. Elas parecem esquecer de minha presença. As falas são confusas, parece mais
uma provocação a Louise.
— Perdendo o controle, minha grande amiga?
— Desde quando aprendeu a falar assim? — Mamãe soa provocativa, seu olhar parece
querer perfurar Eloah
O ar pesa com a tensão que se forma entre as duas, acharia mais fácil ver coisas do tipo com
James e papai. Então percebo que talvez não seja uma provocação, e sim um desafio.
— Heather, querida — Louise volta ao seu tom doce e me olha com ternura. Desmancho
quando toca em minha bochecha levemente. — Comprei presentes para você, estão na porta,
guarde-os em seu quarto.
Eu olho para tia Eloah, que sorri para mim, não posso questionar porque não posso escutar,
mesmo que eu queira muito. Mas obedeço, mamãe e saio da cozinha, indo para o hall. Quando
me aproximo, consigo escutar Maria no andar de cima com o aspirador ligado.
Não tem como entender a conversa, são palavras chaves que as irritam nessa troca de farpas.
Depois de tantos anos juntas, só agora estão se estranhando ao ponto de não ficarem no mesmo
ambiente.
Talvez tenham segredos que começaram a sufocá-las.
Eu viro o corredor e congelo quando a porta principal se fecha e Hades está parado com as
mãos no bolso. Sempre sombrio com suas roupas pretas e olhar vidrado, nunca sei seu próximo
passo. Se ia me ignorar ou me fazer correr como ontem na escola. Se ia me prender em um
cômodo até que eu parasse de bater porque minhas mãos doem.
Meu prêmio por odiá-lo foi ter minha vida transformada em um inferno de perseguição por
dois anos.
— Kairon não está em casa — me apresso em falar, mas lembro que eles estavam juntos.
Merda.
— Sabe muito bem que não estou aqui por ele.
Eu me movo um pouco para o lado, ficando perto do corrimão da escada.
— Eu vou gritar se você ousar...
— Já passamos por isso antes, minha rainha, aproveite enquanto eu só te faço correr. — Um
sorriso ladino se forma em seus lábios. — As coisas vão piorar.
Piorar, bufo uma risada com o pensamento.
— O que acha que meus pais vão fazer se descobrirem o que faz comigo? — ameaço,
torcendo para que tenha algum efeito.
Ele balança os ombros, como se não ligasse, como sempre faz.
— A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, a única que será castigada vai ser você,
esqueceu das ordens de ficar distante e me odiar? A primeira eu já quebrei… — Hades caminha
lentamente, eu dou um passo para trás e tropeço no final do corrimão.
Ele para a poucos centímetros de mim, fazendo com que eu inale seu aroma amadeirado com
nicotina. Seu olhar parece acender quase tudo em mim, sempre as partes iguais as dele. As
sombrias.
— A segunda, eu deixei por último por ser minha parte favorita e que tanto esperei. —
Hades retira uma mão de seu bolso e tira uma mecha de meu cabelo do rosto. — Vai ser
satisfatório ver você se odiando por não conseguir mais me odiar, tenho sido paciente demais...
Eu engulo em seco, merda, minhas pernas ameaçam vacilar e sinto cada parte de meu corpo
reagir a isso. Estou imóvel com sua aproximação e palavras, não sei como reagir, não sei o que
falar... porra...
— Se prepare para o próximo ano, prometo torná-lo inesquecível e prazeroso.
Ele passa por mim como se não tivesse soltado mais uma ameaça, fazendo com que eu fique
alerta. Ele sempre faz o que promete. Eu sempre ensaio o que posso revidar, como agir, ou o que
fazer. Mas, no fim, eu sou medrosa o suficiente, dando a ele o controle da situação.
Como sempre.
(Atualmente)

Church do Chase Atlantic ecoa por todo o ambiente, aqui fede a álcool e eu bebo o meu pelo
pequeno cantil, presente de Peter. Ele disse que estaria na festa, dá para acreditar que jogadores
de xadrez também dão festas regadas a bebidas? Isso é inédito para mim, tanto que eu não posso
perder.
Acredito que a escola inteira está aqui. Vi Elliot sentado no sofá, espalhando sua maldade na
brincadeira de “verdade ou desafio” com alguns novatos, também vi Magnus no corredor,
agarrado com uma garota.
Cheguei tarde com Kairon, que sumiu do meu lado. Então, se todos eles estão aqui, com
certeza o Diabo também veio. Mas ele é tão bom em se esconder que mesmo olhando por todos
os cômodos, eu só o acharia se ele quisesse.
Eu sempre soube que tenho alguma ligação com Hades, já que todas as circunstâncias me
levam até ele. Às vezes eu sei que ele está no mesmo lugar que eu sem precisar procurá-lo. Seu
olhar me queima sempre, eu gostando ou não, mas a última opção nunca existiu para mim.
— Você agora traz a sua bebida para festas open bar? — Ava surge ao meu lado.
Desde o que aconteceu na boate, não me sinto mais à vontade para beber em festas que meus
amigos não estejam organizando. Para mim, alguém pode burlar e colocar drogas em meu copo,
como da última vez. Poderia ter acontecido o pior e, se eu puder evitar, eu evitaria bebendo
apenas um pouco do que trago de casa. Me encosto na bancada ao lado de Ava, que brinca com o
canudo da bebida enquanto observa tudo.
Tenho a visão da sala, corredor e a entrada daqui. A casa é imensa e sem muitas paredes, já
que não é de dois andares. Isso me lembra o quanto Noemia fala sobre adorar casas de um andar
só. E ela decidiu não vir, eu não faço ideia do porquê e ela nem sequer se deu ao trabalho de
atender minhas ligações ou responder uma mísera mensagem.
Ei, vadia, eu sou sua melhor amiga.
— Trarei sempre que for possível. — Dou um gole na bebida quente, Ava levanta sua
cerveja e brinda comigo.
— Isso se chama trauma e tem que ser tratado. — Eu a encaro, duvidando de sua fala.
— Ava, eu posso lidar com isso.
A loira se vira para mim, ela usa uma minissaia rosa e uma blusa branca.
— Você tem bebido em excesso por causa do vídeo? — seu tom preocupado me faz
perceber que ela não está brincando.
— Se Hades não se afetou, por que eu me afetaria? — minto, aquilo me afetou tanto. — Foi
há dois anos e se encerrou, espero que esse assunto também se encerre.
Sinto o olhar de Ava, mas opto por olhar para todo lugar, menos para ela. Não é hora de me
questionar sobre coisas que já passaram, mas que ainda doem, mesmo que Hades continue
agindo como se não fosse nada.
Correndo o olhar por todo o lugar, ele para em Hades entrando na casa em toda sua glória.
Os cabelos escuros em um bagunçado sexy, a blusa preta definindo seus músculos no braço e
deixando claro o quanto é gostoso. Ele sabe a atenção que atrai, mas não dá a mínima. Veteranas
e novatas o olham rindo, sem sequer receber um mísero olhar do Diabo.
Eu não sei como entraria em sua brincadeira, mas a única certeza é que eu falharia. Meu
corpo está todo arrepiado, e fica ainda mais quando o seu olhar me encontra. Ele cumprimenta
seus colegas de time sem sequer olhá-los, Hades está vidrado em mim. Sua atenção focada em
meu corpo por inteiro, observando com cautela a saia jeans curta que eu uso, a blusa preta que
vai até metade de minha barriga, e eu agradeço aos céus por estar de sutiã, meus mamilos com
certeza marcariam essa camiseta.
Meu corpo esquenta quando ele umedece os lábios, pressiono minhas pernas e dou tudo de
mim para desviar desse maldito olhar que me devora. Hades nunca teve pudor.
— Beijo ou consequência — uma voz diz atrás de mim, eu me viro, então percebo que é
Peter.
Não tinha percebido que meu coração estava tão acelerado, eu respiro ofegante. Meu Deus.
— Vamos brincar só nós três? — Ava se vira, apoiando na bancada os cotovelos e eu faço o
mesmo.
— Já tinha gente brincando dessa mesma brincadeira na sala, por que não vamos para lá?
— Seus amigos me odeiam e falaram que eu não poderia, então começarei o meu já que
quem eu quero pegar disse que brincaria — Peter diz animado e bate palminhas.
Eu pensei que ninguém brincaria conosco, mas vejo que estou muito enganada quando mais
cinco pessoas se juntam a nós. Alguns eu já havia visto na escola e outros eu não faço ideia de
quem são. Peter coloca um garoto ao meu lado, entre mim e Ava, para que, ao girar a garrafa, ela
possa cair nele. Eu não penso tão bem assim, todos estão escolhendo beijo e, a cada beijo em
uma garota, Peter disfarçadamente limpa a boca.
Eu, por outro lado, ainda não fui escolhida e sei o porquê. Pelo menos os veteranos têm
medo e, por enquanto, a garrafa aponta apenas para eles. Entre risadas e desafios, a garrafa cai na
novata de cabelos cacheados, eu a encaro.
— Beijo ou consequência? — ela pergunta.
Todos me olhavam, Peter parece apreensivo.
— Consequência.
Ela parece pensar enquanto me encara, eu não desvio meu olhar do dela como se a
desafiasse.
— A consequência é ir para o quarto do Taylor e...
— Quem é Taylor? — Ava a interrompe com a pergunta.
— O dono da festa — a garota diz como se fosse óbvio. Ela aponta para o garoto ao meu
lado, o que Peter quer, eu não fazia ideia de que ele é o dono da casa. — Bom, você terá que
esperar lá enquanto giramos a garrafa novamente para ver quem vai te encontrar no quarto.
Eu endireito minha coluna, me preparando para ir.
— Moleza, estarei esperando.
Sorrio para Ava que ri e Peter prende o riso, eu procuro por algum corredor que
possivelmente me levaria aos quartos.
Eu passo por um corredor extenso, sem portas, apenas com janelas brancas e grandes com
vista para a piscina, onde é possível ver as pessoas bebendo e se jogando na água. Ao final, eu
viro, vendo quatro portas também brancas, mas me limito a ir até uma com luz azul vazando pela
parte de baixo.
Eu giro a maçaneta e a empurro, é um quarto grande e organizado. Tem uma escrivaninha
com inúmeros livros e papéis em cima, a cama fica ao centro e a janela dá para uma parte
silenciosa do quintal. Não tem posters de nerd nem nada do tipo, é normal, talvez eu tenha sido
preconceituosa com o pessoal do xadrez.
Não espero sentada, paro de frente para a janela, já sabendo que ele não vai deixar que
venha outro, mesmo que nem esteja próximo. Minha movimentação para longe dos seus olhos o
traz para mim. E não demora muito para que a porta se abra e sua silhueta invada o quarto
lentamente, fechando a porta atrás de si, eu escuto o click e, então, ele guarda a chave no bolso.
— Não era você que eu esperava — minto, enquanto caminho para a cama.
— Terá que me matar se quiser ficar com outro — a voz rouca me faz arrepiar, eu me sento.
— E se certificar que eu realmente esteja morto, porque enquanto eu estiver aqui só eu poderei te
tocar.
Eu acompanho sua caminhada, até estar de frente para a cama, a poucos metros. Mais
próximo que isso e eu estarei entrando em seu jogo. Hades agora vem até mim e se agacha a
minha frente, ficando a minha altura enquanto estou sentada.
— Esse é o seu jogo? — Sua mão agarra em minha panturrilha, eu me assusto com o toque.
— Me provocar em um quarto escuro?
— Eu poderia te matar aqui — sussurro.
Sua mão sobe pela minha perna, enviando pequenos choques a minha intimidade. Ele
aproxima seu rosto, encostando seu nariz no meu, fazendo com que eu me deite. Hipnotizada.
— E eu adoraria — seu sussurro rouco me faz perder tudo.
Ele não desvia seu olhar do meu enquanto me alisa o quanto pode, minhas mãos estão
descansadas em cada lado de meu corpo, não ouso tocá-lo. Meu peito sobe e desce
descompassado com o quanto seu toque me leva a um mundo só nosso.
Isso vai doer amanhã, o toque, as falas, seu olhar, é tudo uma dor tão boa. Hades roça seu
nariz no meu enquanto abre minhas pernas e deposita o peso de seu quadril ali, fazendo com que
o atrito de sua calça jeans roce em mim.
— Eu odeio quando me desafia — ele diz enquanto coloca a mão entre nós.
A saia já está na minha cintura, eu saboreio seu toque quando sua mão alcança minha
intimidade, eu fecho os olhos, sentindo um frio na barriga com a sensação e, quando abro meus
olhos, ele está me encarando.
— E eu adoro quando me ameaça — solto.
Eu sinto seu sorriso e, antes que eu reúna forças para empurrá-lo, mostrando que é tudo
apenas uma provocação, ele ataca meus lábios em um beijo quente e selvagem. Levo um tempo
para me dar conta que aquilo aconteceu e sinto meu mundo cair quando aceito, levo minhas
mãos entre seus cabelos. É diferente da primeira vez que fizemos isso, algo em mim se explode
em múltiplas sensações, desde as mais agradáveis até as ruins, é intenso, tudo cai como uma
bomba. Eu o puxo ainda mais para mim e aperto minhas pernas em volta da sua cintura, agora
sentindo sua ereção.
O beijo vem com a necessidade e a saudade que intensifica tudo, foram dois anos desde a
última vez e agora é melhor do que jamais foi. Sua mão agarra meu pescoço com força, fazendo
com que o beijo pare e eu quase implore por mais.
Hades não fala nada, só desliza pelo meu corpo até seu rosto estar no meio de minhas coxas,
ainda me olhando com um desejo intenso.
— Sempre minha, isso não tem mais volta — ele avisa em um tom rígido.
Eu fico entre me jogar do precipício, ou voltar para o que me atormenta. Os dois vão me dar
o mesmo destino. Repito para mim que odiaria isso aqui, mas seria mais prazeroso do que
doloroso.
Eu mordo a língua, deitando a cabeça no travesseiro, me rendendo.
— Só por uma noite — eu murmuro mais para mim, olhando para o teto.
Ele retira minha calcinha e eu o ajudo, seu toque é duro como se estivesse gravando cada
parte de meu corpo. Eu o admiro enquanto ele volta para o meio de minhas pernas, Hades roça o
dedo, vendo o quanto estou molhada. Me contorço ao seu toque, percebendo o quão sensível
estou, meu coração parece que vai sair pela boca a qualquer momento e, então, lembranças da
piscina me invadem.
Sempre será ele. Hades solta sua mão de meu pescoço e agarra meu quadril, me puxando
rudemente em sua direção.
— Tão linda. — Seu hálito quente bate ali, me torturando. Ele então deposita um beijo, eu
arfo.
Quando levanto a cabeça para olhá-lo, ele, sem avisar, chupa meu clítoris, fazendo com que
eu tombe minha cabeça para trás. Ele passa a língua por toda a extensão, como se estivesse me
beijando, e isso me faz revirar os olhos e sentir minhas pernas tremerem. Abro ainda mais as
pernas, sentindo a excitação se formar em meu estômago. Me contorço em sua boca, sentindo
meu corpo pegar fogo, não consigo ficar parada com a sensação que me consome.
Um gemido escapa dos meus lábios quando ele roça os dentes, fazendo com que minha
boceta pulse. Eu estou a beira da morte, com certeza.
— Eu poderia passar horas sentindo a porra do seu gosto — Hades diz, enquanto pressiona o
polegar em meu clítoris. — Doce, viciante.
Ele então prova, como se estivesse me bebendo, e depois sugando tudo que há de bom em
mim. O prazer aumenta quando ele me penetra com um dedo, e logo depois outro. Eu reviro os
olhos, segurando firmemente seus cabelos e fazendo com que eu solte um gemido alto. A tensão
nos ombros de Hades é nítida enquanto me puxa mais para a sua boca, como se não conseguisse
ter o suficiente de mim. Sua língua continua explorando cada centímetro, mergulhando junto
com os dedos.
Quando sua boca avança novamente em meu clítoris, eu alcanço um ponto que perco a
noção — que já nem tenho mais. Fecho minhas pernas em sua cabeça, sentindo meu corpo
convulsionar. Isso me faz perder os sentidos enquanto solto um gemido que poderia sair muito
mais alto se eu não abafasse com minha mão.
Sinto a euforia e a explosão me consumir por inteira, meu corpo treme e me sinto cansada e
perdida. Parece que vou desmaiar com a sensação do orgasmo se liberando de mim. Hades
coloca seus dois dedos em sua boca, os que estavam dentro de mim. Ele parece saborear meu
gosto.
Nunca senti isso tão forte, nem quando me toco, isso foi alucinante.
— Eu desconfiava que você fosse ser meu maior vício, mas agora eu tenho certeza. Isso não
vai ser só por uma noite.
Eu estou atordoada demais para entender o que isso significa, minhas pernas tremem e então
Hades se ajoelha na cama, tirando o cinto. Eu não sei se vou aguentar, mas eu quero tanto. Eu
não penso em nada ao meu redor ou no depois, apenas em ter mais dele.
Então começam batidas na porta de forma agressiva e insistente, ele não parece ligar, mas
quando vê que não para, ele bufa, fechando a calça. Eu pego minha calcinha e visto, entendendo
isso como um sinal dos céus para que eu preserve ao menos a minha virgindade hoje, talvez não
seja a hora.
— Eu vou matar o desgraçado... — Hades se levanta e destranca a porta com a chave que
havia colocado em seu bolso, a porta é aberta e Elliot intercala seu olhar entre nós dois.
— Isso aqui é novo para mim — diz com os olhos arregalados.
— O que você quer? — Hades o corta.
— A polícia acabou com a festa, temos três minutos para vazar.
Eu me levanto, mas minhas pernas vacilam. Correr depois do melhor orgasmo da minha vida
vai ser um dos meus maiores desafios. Elas ainda tremem, mas eu preciso sair daqui o quanto
antes. Antes que eu passe por Hades, ele me segura pelo braço
— A brincadeira só começou. — Eu não ouso encará-lo.
E eu já comecei perdendo.
(Aniversário de dezesseis anos)

— Não somos seus inimigos, minha filha — mamãe diz, com os braços cruzados. —
Quando falamos algo é para o seu bem, ele não é um bom garoto para você, não depois desse
vídeo.
— Mas eu o amo — choramingo enquanto me ajoelho na cama. — Ele é uma boa pessoa
para mim, ele me entende.
Louise rola o olhar, jogando as mãos para o ar.
— Desde quando sabe o que é amor, Heather? Não sabe nada da vida, isso nunca será amor.
— O que sei sobre amor é o que você me ensinou, o que sempre me mostrou. — Tento me
acalmar para não irritá-la, respiro e continuo: — Disse que só valeria a pena ter alguém se essa
pessoa só tivesse olhos para mim. É ele.
— Eu falei um monte de besteiras. — Louise aumenta seu tom. Eu me encolho. — O único
amor que você realmente conhece é o meu, Heather, que faz tudo para te manter bem.
Meu rosto se molha em lágrimas que não consigo mais controlar enquanto a escuto e... sou
obrigada a concordar. Ela é o verdadeiro amor. Mas ele também faz sua parte.
— Isso acaba aqui — Louise diz.
— Você não tem esse direito — soluço enquanto limpo as lágrimas que insistem em
escorrer. — Não tem, não tem.
— Chega disso. — Papai entra no quarto e mexe na TV. — Não temos o direito de te
convencer, mas temos a obrigação de te mostrar que com ele, não existe amor.
Me sento, abraçando minhas pernas contra meu peito enquanto assisto ao vídeo que Liam
colocou, para aprender a nunca mais confiar em ninguém a não ser em minha família.
O vídeo se repete várias e várias vezes, parece querer se fixar em minha mente e provar o
quanto fui burra em permitir. Soluço de tanto chorar e estou vidrada na tela, eu abafo tudo com o
cobertor pressionado em minha boca. Hoje é meu aniversário e, como presente, eu estou sendo
quebrada em mil pedaços pelo garoto que estou apaixonada.
Meu estômago embrulha quando o vejo sair da piscina depois de me masturbar e parar de
frente para o celular, tendo a certeza que estava ali, pegando o aparelho e analisando, logo o
vídeo se encerra com seu rosto na tela. Ele me enganou, me destruiu.
— Oh, minha princesa. — Papai entra novamente no quarto e se senta, logo me puxa para
seus braços.
Os abraços dele tem sido raros.
— Eu te avisei como são os garotos, eles se aproveitam da sua inocência, seus sentimentos...
— Sinto seu beijo no topo da minha cabeça. — Fazem de tudo para que ceda a necessidade
deles.
Fica impossível controlar meu choro e soluços, minha cabeça dói.
— Me perdoe, eu deveria ter acreditado em tudo, fui tola — minha voz falha. — Não me
odeie.
Eu sussurro segurando firme em seus ombros.
— Enquanto estiver fazendo o que mando, isso nunca vai acontecer, seja uma boa garota. —
Ele me afasta e me olha. — Ele merece sua raiva, me senti tão mal vendo o que vocês fizeram,
ele me enviou isso com raiva e você sabe que Hades faria isso, sim?
— Me desculpa. — Choro ainda mais sentindo algo em mim se quebrar.
A sensação boa que senti durante todo esse tempo, a liberdade com Hades, a confiança que
depositei nele... Tudo havia sido quebrado, mas o que mais dói é que eu o amo. Percebo que a
exposição é mínima ao estrago que está sendo feito em meu peito, me sinto traída.
— Solte ela e saia — a voz de Louise ecoa autoritária, então me solto de Liam. — Meu
amor...
Mamãe vem em minha direção, se sentando na cama e me puxa para seu aperto, eu me
desmancho em seus braços. Seu colo é o único lugar em que realmente encontro confiança, o
único que não me daria incertezas. Hades é um psicopata sem emoções e eu aprendi isso da pior
forma.
— Ficaremos um mês na Itália. — Levanto minha cabeça enquanto papai se levanta falando.
— E te perdoo, princesa, mas terá que lidar com seus erros.
— Não é você quem dá as ordens aqui — Louise diz entredentes, enquanto me aperta contra
seu peito.
— Terá que me suportar, Louise, quero que ela assista essa merda de vídeo até a viagem
acabar. — Liam veste seu paletó. — Precisa ver o porquê irá passar seu aniversário em um
quarto de hotel vendo o maior erro de sua vida.
Ele logo sai do quarto e escutamos quando realmente sai do apartamento, minha cabeça dói
mais do que antes e o vídeo não para de se repetir. Me deito junto com Louise, que me acolhe
como ninguém, mas nem isso é capaz de me fazer sentir boa. O vazio é perturbador.
Meu aniversário está sendo comemorado em um quarto de hotel escuro onde nada tem saído
como eu queria. Ao invés de tê-lo aqui, eu desejo distância. Planejei, durante meses, que ele seria
meu primeiro, como em todas as outras vezes, como foi sendo meu primeiro amor.
Mas ele matou a possibilidade com as próprias mãos.
Hades arrancou de mim qualquer sentimento bom.
Após um mês intenso e dolorido naquela viagem, a única coisa que quero é ficar em meu
quarto. Contorno com os dedos a bebida alcoólica em minha gaveta, eu nunca fui fã de bebidas
assim, mas uma vez soube que a melhor saída para se viver bem depois de uma grande decepção
é escolher algo que te adormeça. Algo que te faça esquecer quem é e o seu passado, junto com o
presente.
A sensação me parece convidativa, já que não tenho mais lágrimas para jogar fora.
Ava e Noemia vieram me fazer companhia assim que voltei, contei a elas como foi o pior
mês de minha vida e elas concordaram em nunca mais deixar Hades chegar perto de mim. Ava
declarou seu ódio a ele, já Noemia disse que eu deveria conversar com ele antes, sempre passiva,
fiquei irritada e a ignorei.
Não saio do meu quarto para absolutamente nada. Com a vista da minha janela para a
piscina, o fantasma dele me assombra. Eu não consigo abandonar a falta dele assim tão fácil, mas
sei que é necessário.
— Precisamos ir à escola, aproveita que está disposta e vamos. — Ava vem para o meu lado.
— Estaremos lá para te ajudar a dar uma surra nele se for necessário, e ele não vai chegar perto
de você.
Eu dou um sorriso fraco e me levanto.
Mas não foi isso que aconteceu.
Um estrondo e meu corpo se choca com o meu armário, eu olho para os lados e não vejo
nenhuma de minhas amigas para me tirar do aperto de Hades. Não consigo nem olhá-lo.
Ele age como se não estivesse sabendo o que causou, como se não soubesse o que
aconteceu, exatamente como papai avisou. Ele não tem mais nenhum poder sobre mim, já me
causou dor suficiente.
— Qual é a porra do seu problema? — ele esbraveja enquanto me prende contra o armário.
Eu o soco e disparo chutes, descontando tudo que senti durante essas últimas semanas; raiva,
dor, tristeza. Cravo minhas unhas em seu pescoço, tentando machucá-lo, mas é em vão. Ele dá
um jeito de suas pernas travarem as minhas e segura meus braços acima da cabeça, dou tudo de
mim para não chorar encarando seu rosto. O olhar é confuso, mas eu sei que Hades é um
manipulador.
— A porra do meu problema foi ter me envolvido com você.
Hades arqueia uma sobrancelha enquanto me olha.
— Mas adivinha? Eu já esperava vindo de alguém como você, que não tem nada na vida e
quer o mesmo para a minha. — Eu consigo o afastar e me apoio no armário atrás de mim. —
Fique longe de mim, seu bastardo.
Eu grito, ele acena em negativo com a cabeça, se afastando. Sinto a raiva subir por todo meu
corpo. É indiferente para ele, eu sei.
— É esse o seu joguinho agora? — Seu olhar é como o de um lunático. Elliot aparece junto
a Kairon. — Vamos ver até quando vai isso, se quer o meu ódio, eu te darei.
Hades faz seu caminho até nossa sala de aula, esbarrando nos meninos e me deixa ali,
incrédula que ele nem se importou ao menos em saber o que está acontecendo. Para ele sempre é
um jogo de empurra e puxa, agora eu tenho que finalmente aprender, de uma vez por todas, uma
forma para que ele apenas me empurre.
(Atua lmente)

A volta se resume a Kairon dormindo ao meu lado direito, Elliot gritando no banco da
frente, enquanto Hades me encara uma vez ou outra pelo retrovisor. A sensação continua
navegando pelo meu corpo enquanto me lembro do que aconteceu há alguns minutos.
Ser obrigada a ir com ele nessa confusão está sendo perturbador, eu prefiro ir andando do
que permanecer aqui. Ainda mais com seu olhar me queimando a todo minuto. É uma mistura de
sentimentos e sinto minha cabeça latejar só de reviver, ele parece saber que a cena se repete em
looping em minha mente, às vezes pressiono minhas coxas para que a excitação diminua.
Merda, merda.
Quando ele deixa Ava e Elliot na porta da casa dela, não demora muito para chegarmos até
minha garagem. O silêncio é constrangedor e eu agora não consigo sequer olhá-lo. Torço para
Kairon acordar, mas do jeito que bebeu, duvido muito. Provavelmente brigou com Noemia, ela
sumiu como sempre e ele decidiu que seria ótimo beber como louco.
Eu não o julgo. Me viro para ele e aliso seu rosto para acordá-lo.
— Eu o acordo, não precisa tocá-lo. — Minha mão para a centímetros do rosto de meu
irmão.
— Ele é meu irmão.
— Estou pouco me fodendo para isso. — Hades sai do carro e bate a porta, logo, aparece ao
lado da porta onde Kairon está e a abre, ele cai em Hades.
Meu irmão resmunga, mas não acorda. Com muita facilidade, ele joga Kairon por cima do
ombro. Eu saio do carro e passo por ele na tentativa de entrar primeiro e ficar o mais distante que
conseguir.
— Não adianta fugir — diz atrás de mim. — Mal posso esperar para fazer isso de novo.
— Não estou fugindo, Hades. — Eu paro antes de subir os degraus da entrada e me viro para
ele, que bufa uma risada, como se me conhecesse mais do que eu mesma.
Sinto minhas bochechas ardendo, e encontro o olhar de Hades. Eu o observo ajeitar meu
irmão como um boneco em seu ombro, é bem na hora que a porta se abre bruscamente,
revelando meu pai de moletom e com uma carranca em seu rosto. Ele intercala o olhar entre mim
e Hades, parece nem ter percebido que Kairon está sendo carregado, já que despeja seu olhar
furioso sobre mim.
— O que você fez? — Liam pergunta entredentes.
Mas muda imediatamente para preocupação quando olha para o meu irmão, eu abaixo a
cabeça, sentindo aquilo bem onde não deveria doer. A dor da rejeição é como uma faca que te
apunhalam sem dó e nem piedade, não tem carinho em todas as vezes que o olhar de papai é
direcionado a mim, como agora com sua pergunta, como se eu tivesse feito algo com Kairon.
Isso me perturba.
— Seu filho bebeu demais, ela não o obrigou a isso. — Eu olho para Hades, que rebate Liam
com raiva.
Meu pai o encara com uma sobrancelha arqueada.
— Os péssimos hábitos que ela tem criado ultimamente podem ter influenciado a isso —
Liam diz e o encaro com os olhos arregalados. — Não é, minha Heather?
Minhas mãos começam a suar e meu corpo esfria, estou a ponto de ter um colapso e cair no
choro na frente deles dois. Hades não pode nem sonhar.
— Não jogue para ela a péssima criação que deu, são o reflexo do senhor… — debocha. Eu
arregalo os olhos para ele surpresa. — Não é, tio?
O alívio me consome por perceber que sua raiva é tanta que não questionou ou me olhou
para saber, com certeza eu vacilaria, mas também quero sair dessa situação. São quatro da manhã
e eles estão em uma guerra com o olhar, não estou pronta para as consequências que isso teria.
— Kairon daqui a pouco pode vomitar, precisamos colocá-lo na cama. — Os dois me
olham. — Por favor, coloque ele lá em cima, Hades.
Seu olho direito se contrai como se estivesse, agora, com raiva de mim por pedir isso, mas
sabendo que ele nunca me nega nada e esperando o maior esporro de papai, eu prefiro estar
sozinha para quando ele for soltar as piores palavras.
Aquelas que provavelmente vão me lançar de volta ao fundo do poço e fazer com que eu me
arrependa dessa noite. Hades passa por mim sem dizer nada e eu entro logo em seguida.
— Venha na minha sala — Liam ordena e caminha à minha frente.
Eu sigo a passos lentos e respiração acelerada. Será que ele desconfia do que fiz essa noite?
Merda. Eu mentiria se algo fosse perguntado, quero, pelo menos, sentir arrependimento por ter
feito aquilo.
— A língua do garoto é afiada — ele comenta quando entro na sala.
Oh, como é, eu senti. Céus, que pensamento ridículo na frente do meu pai. Eu sou levada de
volta para horas atrás, não esqueço a sensação do seu toque, ainda está em minha pele.
— Não quero ter que me preocupar com sua chegada ao lado dele, precisa me contar algo?
— Eu o encaro enquanto ele se serve com um pouco de whisky. Nego com a cabeça. — Eu te
mostrei o que garotos como ele fazem quando conseguem o que querem, ou você esqueceu?
Ele se refere ao vídeo da piscina, esse é o motivo que me faz evitar Hades e tratá-lo mal em
todas as ocasiões. Eu quero fingir que não sinto sua falta e que não estou magoada por causa
daquele dia, das suas mentiras, de como fui enganada. É horrível sentir falta de alguém que está
ali, mas que não posso ter.
— Eu nunca esqueceria — minha voz embarga.
— Lembra como se sentiu traída? Odiei te ver sofrer daquele jeito, eles não mudam, minha
princesa, só param quando… — ele dá um pequeno gole. — Quando conseguem destruir tudo de
bom em você, é isso que ele vai fazer, não se iluda.
Outro gole, agora acabando com o líquido no copo.
— Não se iluda também achando que alguém possa te amar mais do que seus pais, aliás,
mais do que seu pai. — Isso chama minha atenção e um sorriso cínico se forma em seus lábios,
parecendo satisfeito. — Agora percebe que apenas eu faço tudo por você? Não seria justo com o
seu velho uma traição ou mentiras, seria?
— Não, eu nunca mentiria ou trairia o senhor — me apresso em responder, o choro se
prende em minha garganta.
O amor machuca tanto assim? Louise fez parecer ser algo bom, Hades fez parecer leve,
mesmo sem sequer falar de amor.
— Acha que ele vale mais que seu pai? — Isso me pega de surpresa.
Se for colocar em uma balança, Hades vale muito mais, mas suas palavras antes cortaram
qualquer sentimento que me leve a concordar com meu pensamento. O toque de Hades se esfria
contra minha pele e a sensação que julguei ser boa evapora quando Liam me lembra de como me
senti. Meus ombros caem e uma lágrima solitária desce pela minha bochecha. Eu quero tanto
amar seu toque sem me odiar depois. Mas agora eu me odeio por ter permitido.
— Kairon vomitou no quarto, mas consegui deixá-lo na cama — a voz de Hades soa bem
atrás de mim. Respiro fundo, mas não me viro, meu foco está à minha frente, esperando uma
resposta.
— Obrigado, garoto — Liam o responde seco.
Espero que Hades saia, no entanto, sua desconfiança faz o garoto permanecer ali, mas não
dura muito quando escuto seus passos para fora e a porta bater com força. Eu me viro para sair.
— Responda.
Por cima do ombro e parada na porta, eu o respondo:
— Não vale mais que o senhor, papai.

Meu final de semana se resumiu a ficar trancada no quarto, bebendo sozinha, não me olho
no espelho com vergonha pelo que fiz com Hades e nem atendo a porta quando batem. Eu só
aviso que estou viva. Isso não se chama ressaca moral ou arrependimento, é a falta disso que está
me perturbando desde que ele me tocou daquele jeito depois de anos.
Não me lembro mais da sensação e isso trouxe tudo à tona, me mostrando que agora foi
melhor do que antes, mais intenso e mais doloroso de se esquecer. Eu me amaldiçoo tanto por
lembrar de tudo e me arrepiar por inteira. Eu mal consigo dormir, já que sinto falta do seu toque
quente em minha pele, a forma como me devora sem pudor ou fala as frases mais possessivas
possíveis.
Merda, tire isso de mim. Aos poucos tudo ao meu redor vai à ruína pelas minhas atitudes
impulsivas, eu me permito mergulhar e agora sinto necessidade de nunca sair da água. É um
vício venenoso, que arde embaixo da minha pele e corrói. Meu corpo pode implorar pela
salvação, mas busca muito mais pela perdição, e esse é Hades. Ele vai me arruinar.
— Porra — solto um grunhido e termino de vez com o cantil que está cheio de vodca. Eu
tombo a cabeça para trás, mas viro o rosto, me afundando mais na cadeira que está virada para a
janela.
Eu acabo encarando meu reflexo no espelho, que mostra o quanto eu já sou arruinada antes
mesmo de Hades ameaçar fazer isso. Encarar a realidade nunca foi algo que eu fosse fazer
sempre, aliás, eu nunca fiz isso como agora.
Mas eu estou sendo obrigada a encarar meus demônios, sabendo que o pior deles ainda tem
controle absoluto do meu corpo e mente. Oh, eu sou uma covarde que nem luta pelo domínio
próprio? Merda, sim.
Meu reflexo com esse cantil é vergonhoso, meu olho caído pelo tanto que havia ingerido de
álcool, estou mais pálida que o normal. Que humilhação. Agora, mais do que nunca, sinto a
necessidade de me agarrar a algo que me leva para longe disso tudo, minha cabeça gira com as
ordens de Liam, suas palavras cortantes.
Mamãe, volte.
Ela fazia tudo por mim.
Mas sem me usar.
É diferente em sua presença, ele jamais faria algo que fosse contra Louise.
O cantil está vazio e preciso encontrar Peter para que ele me dê mais, já que papai até hoje
não abriu a adega e Maria tem a vigiado como se eu fosse uma maldita viciada. Eu realmente
sou?
A dúvida me faz parar enquanto encaro o nada, já provei a mim mesma que não sou uma
viciada em álcool.
Havia anoitecido, a casa está silenciosa e eu vou tentar a sorte indo até a casa de Peter,
aproveitando que Liam não está em casa e bom, não consigo me comunicar com Peter por papai
ainda não ter comprado um novo celular para mim. Eu sirvo para fazer o que manda, mas nunca
para receber o que quero...
Mamãe sempre disse para mim que só ela basta, que eu sou seu mundo, prometeu que tudo
que bastava pedir a ela tudo o que eu quisesse, apenas a ela. Mas não me disse como agir quando
não estivesse mais aqui. As pessoas quebram tanto suas promessas, assim como eu já quebrei
com Hades.
Saio do meu quarto e sinto um calafrio vendo a escuridão do corredor, parece que só tem eu
em casa e, com todas as janelas abertas, aqui está congelando. Se o lugar fosse assombrado, pelo
menos eu teria companhias.
Logo me arrependo desse pensamento quando caminho e sinto um calafrio subir por toda
minha espinha, eu me abraço enquanto ando para a escada. Eu odeio ficar sozinha desse jeito, ou
incomunicável, se me matassem nem conseguiriam me rastrear.
Merda. Esses pensamentos não estão me ajudando.
Desço as escadas e chego ao hall. Me abaixo para calçar meu tênis e olho algumas vezes em
volta, tentando ver algum sinal de que tem alguém em casa. Ainda sinto a presença de alguém.
— O quanto você é covarde me impressiona. — Levanto a cabeça procurando de onde vem
a voz de Hades, e não o acho.
Eu endireito minha coluna, ainda rolando o olhar pelo ambiente.
— O que mais me impressiona é você esperar esse tempo todo para que eu saia do quarto.
— Eu vim buscar meu celular que deixei ontem aqui e, por ironia, te encontro saindo na
ponta dos pés. — Então ele surge da escuridão ao lado da porta de entrada, eu me seguro no
corrimão.
É a primeira vez que o vejo desde o acontecido e meu coração acelera. Volto a calçar meu
outro tênis, ignorando sua presença e todo meu corpo enlouquecido, mas parece impossível fazer
as coisas na sua frente. Nada conspira ao meu favor para que eu saia o mais rápido possível
daqui.
— Do que tanto foge, Heather? — seu tom é sombrio, o nervosismo me consome. — Do
que eu despertei em você depois que me viu no meio de suas pernas?
— Não diga isso, Hades — minha voz falha.
Mas meu interior se agita.
— A vergonha te consumiu por ter gostado tanto? — Oh céus, como ele é fodido. — Ou
está se odiando por ter ido contra o merda do seu pai que só sabe mentir para você?
— Me escondo de vergonha por ter deixado você, de novo, rastejar em minha pele —
rebato.
Ele fica ali, parado por um tempo, mas tenho certeza de que as palavras não o acertam como
eu queria. Hades já está ciente do poder que tem sobre mim, ele sempre soube.
— Você é aquele tipo de mentirosa que não acredita na própria mentira.
— Acredite no que quiser, Hades, se tivesse significado algo para mim você saberia.
— Será? — é sereno e perverso. — Uma covarde como você procuraria outros meios para
que isso nunca fosse mostrado para mim.
— Queria que eu estivesse de frente para você desde então, implorando para ser fodida?
— Já faz isso com o olhar — diz despreocupado.
Como ele consegue ser tão pervertido ao falar alto sobre isso? Hades dá alguns passos na
minha direção, desvio o olhar para longe.
— Mas eu não esperava menos de você, é covarde demais para enxergar algo nessa sua
vidinha de merda. Se prende a promessas enquanto eu posso te dar muito mais do que ele
Ele aponta para si, eu sinto a raiva crescer em mim pela forma como ele fala, as palavras são
como socos na boca de meu estômago.
— Você teve oportunidade para fazer muito mais que ele e decidiu ser pior — eu altero a
voz e meu peito sobe e desce rápido com a respiração ofegante. — Eu te odeio, Hades.
Não estamos tão próximos, mas agora consigo ver melhor sua face, é como se nada o
abalasse, mas ele parece se satisfazer com cada palavra massacrante que sai das nossas bocas.
— Eu nunca faria mal a você, mas se me odeia, tudo bem… — Ele dá passos largos, ficando
mais perto. — É compreensível odiar a todos quando odeia mais a si mesma.
Pressiono meus lábios um no outro assim que os sinto tremer. Essa doeu. Hades se aproxima
o suficiente para inspirar meu cheiro de olhos fechados, e por um momento, acredito que ele está
com raiva de mim, já que me deu um tapa no rosto sem sequer me encostar, apenas com
palavras. Dou um passo para trás, engolindo em seco, mas sua mão agarra mandíbula, me
puxando para si.
Levo minhas mãos a sua enquanto ele cheira meu cabelo, pescoço.
— Você fede a álcool — ele diz entredentes, seu hálito de menta bate em minha bochecha.
— Me solta — resmungo, sentindo o aperto se intensificar.
Seu olho se contrai enquanto trava sua mandíbula, me examinando. Eu bato em sua mão,
mas ele não afrouxa.
— Se eu descobrir que anda fazendo o que eu penso, eu vou atrás de você até o inferno — a
ameaça escorre de sua língua naturalmente. — E mato o causador disso sem pensar duas vezes.
Ele me solta e cambaleio até a porta, com a mão onde ele apertou, eu ainda não sei o que dói
mais, suas palavras ou o seu toque. Isso fode comigo aos poucos. Abraço meu corpo quando
corro para fora, inspiro o ar com tudo. Está ventando demais, anunciando chuva. Se eu quiser
chegar seca na casa de Peter, vou precisar correr. E também bem antes de Hades decidir que não
vai me deixar em paz hoje.
Tudo parecia ir bem, mas durou apenas algumas horas. A conversa que tive com papai
naquela madrugada serviu apenas para me mostrar que eu só posso ser amada por ele, mas me
questiono se vale a pena entregar a minha obediência, ou me rebelar e fazer o que sempre quis. A
resposta viria com o tempo.
O prédio não fica tão longe quando se faz o caminho correndo feito louca, o porteiro espera
que Peter me autorize a subir e assim eu faço. Estou inquieta e talvez conversar com ele seja
melhor, ou pior, já que ele tem os piores conselhos.
Eu bufo quando o elevador sobe até o décimo quinto andar, a cobertura é de dois andares e
aqui é dividida apenas em duas. Peter diz que o vizinho mal aparece, é raro escutar algum
barulho ali, se eu tivesse meu próprio dinheiro eu também mal ficaria em casa. Iria embora sem
pensar duas vezes.
O elevador se abre e a luz automaticamente se acende, é de frente para a sua porta. Eu aperto
a campainha e minha entrada é autorizada, ele já deve estar me esperando, mas não escuto passo
algum.
No final do corredor, onde está escuro e leva a escada, vejo alguém colocando o lixo ali na
cabine, para que desça até a lixeira do prédio.
— Olá — chamo, ele para com as sacolas na entrada. — Você é o vizinho de Peter? Me
chamo Heather, desculpa incomodar.
Eu junto as mãos e espero uma resposta. Lentamente, ele se vira e caminha mancando em
minha direção, tem dois elevadores nesse andar, um ao lado da porta do vizinho de Peter e esse
de frente para a porta dele.
Percebo que mantém a cabeça baixa enquanto chega no elevador a alguns metros de mim.
— Eu sei quem você é, baby.
Meu corpo paralisa e meus ombros caem, a boca fica seca enquanto meu cérebro reconhece
aquela voz, essa que eu não esperava escutar tão cedo e ainda mais sozinha. Não consigo sequer
reagir a sua presença, apenas sinto vontade de chorar.
Esse homem é Cole.
— Você é inesquecível, mas farei questão de ser para você também. Ainda vou causar a dor
que aquele filha da puta psicopata causou em mim, quebrarei suas duas pernas com as mãos.
Eu começo a bater na porta, e intercalo, indo até o botão do elevador, o apertando e quase o
quebrando.
— Eu vou queimar a sua língua para nunca mais atrair um homem para sua armadilha, você
é uma vadia que merece a morte mais lenta e dolorosa.
Agora eu soco a porta de Peter em desespero maior, as lágrimas inundando todo meu rosto e
o corpo trêmulo, ele vai me matar aqui e agora?
Merda, Peter. Só apareça.
— Eu tenho paciência, Heather, assim como terei quando colocar as mãos em você, então
guarde minhas palavras.
— PETER — eu grito com a voz embargada.
Bato insistentemente, de olhos fechados e sabendo que, se ele tentar algo, será o meu fim. O
elevador não chega e a escada é do outro lado. Sinto mãos segurarem em meu antebraço, me
puxando para si.
— O que aconteceu? Ei. — Eu abro os olhos com a voz de Peter.
Eu olho para o lado, ele não está mais aqui.
— Você está tremendo e chorando. — Ava sai de trás do Peter e me puxa para um abraço.
Eu soluço com o medo percorrendo todo meu corpo, mas me aconchego aos braços de Ava
que me arrasta para o sofá. Não consigo falar, só chorar cada vez mais e soluçar diante do
desespero.
— Por que demorou tanto? — Limpo as lágrimas, me afastando para encarar os dois.
— Estávamos no segundo andar, a companhia não funcionou — Peter justifica, me olhando
assustado.
— Por que está chorando? — Ava pergunta.
— Cole esteve aqui — é o que consigo falar.
Ava me encara assustada, sabendo o que isso significa.
— Como assim? Só tem dois apartamentos aqui em cima, tenho certeza que se fosse Cole eu
saberia — Peter explica e volta a olhar o corredor, logo fecha e tranca a porta.
— Você tem certeza de que ele não mora aqui? — Ava pergunta com o olhar semicerrado.
— Sim, e também não o vejo desde a boate. Podem me explicar, por favor, o que está
acontecendo? — Ele se senta ao meu lado enquanto segura minha mão.
Reprimo os lábios, mais calma, mas eu não quero que ele saiba. Eu acabo de perder a minha
confiança nele, essa é a segunda vez que os vejo no mesmo lugar.
— Nada, eu posso lidar com isso.
Eu não posso lidar com isso.
(Dezessete anos de idade)

Eu comecei a fumar escondido aos treze anos, torcendo para que minha morte viesse cedo,
mas nunca ousei pensar em tirar minha vida, eu só penso em acelerar meu fim com o cigarro.
Mas agora a morte não passa pela minha cabeça. Tenho alguém aqui que preciso perseguir por
longos anos.
Mas tem sido um atrás do outro pela falta que eu sinto de Heather.
Por sentir raiva dela.
Observo da janela de minha sala, a comemoração que estão fazendo com a sua chegada após
um longo mês sem contato algum, sem qualquer sinal de onde estava.
Um mês se passou.
Um mês de agonia e incerteza.
Um mês sem saber absolutamente nada dela.
Ela não parece a mesma.
Heather agora tem olheiras e uma aparência indisposta, como se não existisse luz nenhuma
dentro dela, a luz que me puxava, que me atraía. O sorriso está extremamente cansado e ela tem
emagrecido bastante.
O que fizeram com minha rainha?
Meu olhar desliza para Liam, que está parado, olhando seus movimentos, sempre a julgando,
menosprezando e a fazendo implorar pelo mínimo de atenção.
Eu poderia morrer em paz no dia em que o matasse.
Mas eu não ousaria morrer e deixar Heather, então eu só o mataria para poder viver com ela
somente para mim.
A vida só tem sentido com ela.
Isso está próximo de virar um mantra de tanto que repito.
Na sua ausência, eu comecei a me drogar e sair, odiava essa rotina, mas se eu esquecesse
quem sou, talvez me esquecesse do porquê eu estava bebendo. Isso nunca funcionou, eu sempre
lembrava dela.
E eu a odeio por isso.
Liam olha diretamente para a janela em que estou, como se soubesse que eu os observo. O
sorriso cínico se forma no canto de seus lábios enquanto ergue a cabeça e coloca as mãos no
bolso de sua calça.
A raiva cresce por ele e transborda para ela, que nem se dá o trabalho de olhar para trás antes
de entrar, o pouco que tive acabou mais rápido do que imaginei.
Cerro os punhos, amassando o cigarro e sinto meus lábios tremerem de raiva. É a única coisa
que eu sinto agora. Normalmente eu não sinto nada.
— Eu te falei que você destrói tudo, até a doce Heather que já não era muito boa. — Não me
viro para encarar James, que provavelmente está na porta.
Suas palavras ecoam em minha mente como pensamentos intrusivos. Sei o quanto posso
quebrar alguém e sei que eu esmagaria qualquer coisa de Heather.
Mas ela entende.
Eu nunca me senti confuso, sempre tive o controle do que chega ou não a Heather. Ou sobre
seus passos, ou qualquer merda que falam e eu preciso contornar a situação.
Odeio mentiras desde que as escuto com frequência de meu próprio pai.
— Quais mentiras disseram a ela? — murmuro, me virando. — Vocês não cansam.
Finjo um bom humor, ameaçando rir.
— Creio que tenha sido uma verdade, meu filho, um dia vai me agradecer.
Minha cara se fecha e não sou mais capaz de fingir.
— Te agradecer o caralho — explodo, ele endireita sua coluna, sério. — Se acha que isso
vai me parar, estarei te decepcionando em breve.
— Coloque essa insistência em algo que te dê dinheiro, não uma boceta virgem que te trará
problemas.
Eu arremesso meu abajur, que se despedaça ao lado de James, ele não se move.
— As surras não adiantaram de nada para te dar boas maneiras, não é? — impaciente, ele
diz. — Mas uma hora funcionará.
E com essas últimas palavras, três homens entram em meu quarto, permaneço encarando
James enquanto eles me puxam pelos braços e me arrastam para fora. Eu reajo, dando chutes na
direção deles, mas, então, outros quatro aparecem, distribuindo socos em meu abdômen.
Um gemido de dor escapa de minha garganta quando acertam meu queixo, fazendo minha
visão ficar turva.
— Desçam para a sala de piano, não quero que sujem a casa, minha mulher me perturbaria
— a voz de James soa longe.
Arrastado escada abaixo, minha mente desliga e a dor já não está mais ali.
Eu sei que estão me batendo, mas em minha mente só me vem o pós. Ver Heather, tocá-la,
ouvir sua voz... Sei que de algum jeito agora ela pode me odiar mais do que tudo, o ódio, ainda
sim, é um sentimento.
Sempre foi minha maior incerteza um futuro com ela, mas minha maior certeza é que ela é
tudo que eu tenho, mesmo inalcançável agora. Como uma miragem a desenho em minha mente,
quase se vai quando sinto o soco na costela.
Esse pensamento tem me deixado dormente e meus lábios repuxam em um sorriso, sabendo
que, agora, com seu desprezo, ela terá apenas uma opção.
Ficar comigo.
(Atua lmente)

James tinha me dito que essa seria a última vez que me traria para uma reunião, eu também
espero que seja a última, já que só estou aqui para conseguir algo de Sebastian. Minha mente
pouco foca no que é dito nessa sala repleta de homens e de mulheres seminuas onde escondem
apenas seus rostos, eu sou sempre levado aos momentos com Heather. Ainda sinto seu toque,
cheiro e seu gemido rouco ecoando em meus pensamentos.
Isso se tornou um vício muito antes que eu percebesse, na realidade, eu fico viciado apenas
em olhar para ela. Eu estou obcecado a mais tempo do que imagino. Sentir o seu gosto só me
trouxe a escuridão e a certeza de que eu farei de tudo para que ela seja minha, eu a quero por
inteira, sem metades, como ela se ofereceu. Eu quero tudo.
— Aí está o filho de James Davies. — Sebastian se aproxima, tocando em meu ombro.
Dou tudo de mim para não quebrar sua mão, toques são permitidos apenas a Heather e
ninguém mais, eu teria que descontar isso em outra hora. Balanço meu ombro enquanto limpo
minha garganta, então sua mão é retirada dali.
— Não sabia que se conheciam. — James me olha desconfiado, antes de olhar para o velho
a minha frente.
— Oh, foi em uma noite muito agitada. — Ele pisca e eu forço um sorriso. Meu pai ainda
me encara, mas eu não me importo com nada.
A conversa se desenrola e tento escutar tudo que preciso, concordando e rindo das
babaquices que ele diz. James me olha mais desconfiado ainda pela minha falsa simpatia, mas
nem ouso olhar para ele.
— Como anda a fábrica? — James pergunta.
— Não sinto que esteja acontecendo um trabalho bem-feito, não existe talento o suficiente
— Sebastian informa James.
— Tudo que é feito com dedicação, acaba sendo melhor do que quando se tem talento para
aquilo — meu pai rebate.
Acho que temos um impasse.
— Eu discordo. — Sebastian e meu pai olham para mim. — Obsessão supera o talento e
dedicação, nada sai tão perfeito ou é adquirido quando se está obcecado.
James dá um gole em sua bebida, visivelmente irritado, não é bom para ele que seu filho
discorde dos seus conselhos, do seu jeito de controlar. O fato de que neguei o comando da
empresa dele sendo seu único herdeiro é o que mais o irrita também.
Eu vou viver bem longe dele assim que puder.
— O garoto tem razão. — Sebastian sorri para mim. — A obsessão é o que nos move no
dinheiro, laços, mulheres, poder...
Estreito os olhos e vejo a brecha.
— Então foi isso que te trouxe para cá? — pergunto enquanto dou um gole no whisky, não
sou de beber, mas nesses eventos é impossível.
Sebastian não pensa muito ao responder às perguntas que lhe fazem, ele é sempre confiante
e descontraído. Esse homem é do tipo que te leva na conversa e te rouba bem debaixo do seu
nariz. Trapaceiro fodido.
Vejo Howard, pai do maldito Peter, conversando com Liam do outro lado do salão. O último
não parece incomodado com minha presença como em todas as outras vezes.
— Apenas vim atrás do que é meu por direito. — Ele encara James, que endurece sua
postura e trava o maxilar, estou começando a desconfiar. — E, também, pelo dinheiro, claro.
— Seu por direito?
— Infelizmente os anos de procura e algumas trapaças tiraram isso de mim e vim buscar. —
Ele solta uma risada. — Mas já perdoei meu grande amigo.
Dois tapinhas no ombro de James, que o encara inexpressivo e sem um pingo de humor.
Sebastian não liga nem um pouco para essa situação e sinto que estou começando a ficar perdido.
Esse homem tem muita coisa para falar.
Eu o analiso, estou apenas atrás do seu filho e agora tenho curiosidade em saber o que é dele
por direito. Sua fábrica está crescendo no estado e sua parceria com James parece... sólida. Mas
ainda quebrável.
— Hades não tem interesse, Sebastian.
James corta Sebastian, que me olha surpreso. Não vou conseguir nada com meu pai ao meu
lado.
— Oh, curioso...
O assunto muda mesmo com meus esforços para que ele pelo menos diga algo sobre o que
veio atrás. Estou começando a ficar impaciente, então puxo meu celular e observo onde está
Heather, em casa e, muito provavelmente, em seu quarto.
O rastreador antes estava em seu celular que quebrou, mas dei meu jeito de colocar em seu
relógio digital que ela nunca tira. Preciso dos meus meios para saber dos passos da minha rainha.
Eu me atento de volta a conversa quando eles começam a falar sobre herdeiros, Sebastian
tem apenas um, pelo que Kairon pesquisou. Mas essas pesquisas estão erradas.
— E onde estão seus filhos? — James pergunta.
— Meus filhos vieram antes para conhecer a cidade. — "Meus"? — Tenho um bastardo com
defeito e o outro é certamente meu orgulho, mas por algum motivo decidiu morar com o irmão.
Eu dou um gole em minha bebida.
— Um bastardo? Eles são úteis para fazer o trabalho sujo, use-o — é meu pai quem diz.
— Ele o faz, o meu primogênito o leva para todos os lugares e assim limpa todas as suas
merdas, sabe o que fazer.
Tento me lembrar sobre ter outra pessoa naquele dia da boate, mas naquela noite fiquei tão
fissurado na merda que Heather estava para fazer que enxerguei somente ela, e logo depois o
filho da puta. Muitas coisas aconteceram, ao mesmo tempo, naquela noite, e o fato de meus
amigos terem entrado junto comigo pode ter atrapalhado e me feito deixar passar algo. Naquele
dia eu não bebi e muito menos usei algo, mas fiquei cego de raiva e enxergando apenas a opção
de tirar Heather de lá e depois afundar a cara de Cole.
O comentário de Sebastian sobre esse tal filho ser "defeituoso" só pode ser algum
preconceito, já que a Elite não tolera muita coisa que difira de seu padrão.
— E pretende um dia trazê-lo para conhecermos? — pergunto enquanto me incluo na
conversa, James olha ao redor.
— Ele está por todo lugar, Hades. — Ele retira um charuto de seu bolso do paletó e o coloca
na boca. — Ninguém o percebe.
Olho em volta e não há ninguém que nos observe ou a sensação de estar sobre olhares. Meu
olho se contrai quando volto a olhar Sebastian, que ria de suas ameaças. Foi ele quem tirou Cole
com vida. Foi ele que deu a segunda chance para Cole tentar algo com Heather.
Eu coloco o copo em qualquer mesa e saio dali frustrado pra caralho. Preciso saber pelo
menos onde eles estão, agora eu quero matar os dois e de brinde esse velho fodido. Desço as
escadas, afrouxando a merda da gravata e pego um cigarro, eu o acendo rápido, sentindo a
nicotina queimar e aliviar a tensão.
Respiro fundo, preciso controlar meus sentimentos ou vou ter que arrancar mais unhas, ou
ter que merecer mais uma surra.
— Que merda você veio fazer aqui? — Me viro para encarar James furioso descendo as
escadas.
— Eu que te pergunto, que merda ele veio buscar? — eu falo entredentes, respiro pesado
enquanto me aproximo dele. — Quem são esses filhos da puta que ele estava falando?
— Vamos lá, filho. — Ele ajeita sua postura. — Não me irrite com questionamentos e nem
me faça perguntar de novo, odeio quando vem para cima e adoro te corrigir sobre isso.
Então me aproximo ainda mais.
— Pode colocar aqueles filhos da puta para me dar uma surra novamente, não anula o fato
de você ser um merda.
Meu rosto vira e meu maxilar dói, uma mecha de meu cabelo cai sobre minha testa e então
ranjo os dentes, sentindo o gosto de ferro em minha boca. Cerro os punhos, tomando tudo de
mim para controlar a raiva crescente por todo meu corpo.
Eu não lhe darei o gostinho de me mandar para a Rússia.
— Você é um moleque, aprenda a falar comigo, eu já aturo muita merda sua.
Bufo uma risada.
— E lida com elas como um belo covarde.
— Acha que é fácil lidar com você? Eu te criei como pude e a recompensa que tive foi uma
dor de cabeça por anos.
— A sua criação envolvia surras e abusos para que eu ficasse tão traumatizado que teria
medo de você? O efeito não foi como o esperado, papai.
Eu debocho e James ajeita sua postura. Ele coloca as mãos no bolso, não existe nada de
arrependimento, nem espero isso dele.
— Agradeça o real motivo de ainda não estar a sete palmos do chão — falo com satisfação,
vendo a forma como ele me analisa, indiferente.
E o motivo é Heather, não posso fazer nada que vá me afastar dela.
— Eu tinha que ter pagado mais delas, talvez ter te trancado por mais tempo no quarto, aí
sim eu teria o efeito que esperava.
O rastejar em minha pele começa de forma violenta e eu não ouso dar o gostinho do efeito
que uma mísera frase causou em mim, a necessidade de me infligir dor cresce e a raiva também,
dessa vez eu me odeio. Saio de perto, sentindo o ódio me consumir. Minha respiração está
pesada e, quando finalmente entro no carro, soco o volante diversas vezes até que finalmente
sinto dor em minhas mãos.
Mas é inútil.
A dor maior está no peso das lembranças, se não existe mais uma alma em mim, é justo que
também não exista mais nada. Quando ligo o carro e saio dali, ando a toda velocidade para
chegar em casa. O que me move é fazer com que Heather esteja longe de qualquer coisa que
tende a levá-la de mim, eu não vou parar tão cedo enquanto não acabar com isso.
Então meus problemas com meu pai e o passado não tem importância, isso não pode mais
me consumir, ele não teria esse controle. Acelero para entrar na garagem e, quando saio do carro,
bato a porta com força e chuto o pneu, vou até o jarro e taco contra o muro, nem as plantas são
perdoadas.
Chuto e soco. Eu reprimo um grito de raiva, de ódio, de desgosto. Eu quero jogar esses
vasos janela adentro.
— Está de TPM? — me viro rápido, vendo Heather ao lado do carro.
O vento forte faz seus cabelos voarem, ela se abraça.
Bufo irritado.
— Não é uma boa hora, não sei se percebeu.
O silêncio paira e eu me agacho, tentando controlar minha respiração. Meu coração está
acelerado demais, como se fosse me matar a qualquer momento. Eu não posso morrer e deixá-la
aqui. Nem fodendo.
Levanto meu olhar para observá-la parada ali, olhando em volta. Eu poderia olhar para ela
durante horas e ainda assim acharia pouco, a paz que Heather me traz faz com que cada músculo
de meu corpo relaxe. Meu eterno paraíso. Não há nada como ela.
— Céus, que merda aconteceu com sua boca? — Ela dá alguns passos em minha direção,
mas para.
— Vá para a casa, Heather.
Ela coloca uma mecha do seu cabelo atrás da orelha e me analisa, presa ao provável corte
em meus lábios pelo soco.
— Anda brigando na rua?
— Desde quando se importa com o que ando fazendo?
— Então foi o seu pai, não foi? — Heather ignora o que falo e volta a se aproximar, quando
se agacha, inalo seu aroma doce. — Ele ainda te bate...
É um sussurro, seu tom é de ternura e seus grandes olhos estão atentos ao meu machucado,
exalando preocupação com o fato de que ainda acontece o que antes era frequente. Agora se
tornou esporádico, às vezes nem é ele que me dá uma surra. Ele só tem que me corrigir, mesmo
se isso envolver uma costela quebrada.
Seu toque quente ao lado do corte faz com que eu ignore a dor e aproveite sua aproximação.
Ela é linda. Eu não consigo tirar meus olhos dela.
— Não precisa fingir, eu resolvo minhas merdas.
— Eu sei disso e não preciso fingir, mas achei que as surras tivessem parado quando deixou
tocar piano. — Ela retira a mão, seu olhar desvia para a casa atrás de mim.
Fico de pé e enfio minhas mãos no bolso da calça. Eu me permiti nunca mais tocar no andar
de cima a sua música favorita, que alerta que não estou bem. Tocar sua música favorita, de
alguma forma, me leva para mais perto dela.
— Tem algum kit na sua casa? Posso limpar o corte para você — Heather pergunta, ela olha
para a porta e depois para mim, apreensiva.
Sem dizer nada, eu caminho em direção a porta de entrada, as luzes estão todas apagadas e o
silêncio é convidativo. A esquerda, fica a sala de jantar, que é imensa, nunca a usei, prefiro
comer o mais distante possível. A direita, sala de estar, usada poucas vezes, e tem meu piano.
Caminho pelo extenso corredor até a cozinha, pego uma pequena maleta de primeiros-socorros e
coloco na bancada, tem uma mesa aqui perto.
Heather anda pela casa lentamente, observando cada detalhe. São raras as vezes em que
alguém pode entrar aqui e ela veio apenas uma vez.
— Mamãe disse uma vez que Eloah não tinha jeito para moda e decoração — diz distraída,
arqueio uma sobrancelha. — Ela tinha razão.
— Você está vestindo estampa com listras, se encaixa também nessa crítica. — Dou um
sorriso ladino, mas ele logo se desfaz, mesmo vendo sua irritação.
Minha cabeça está uma bagunça. Ela me olha com uma carranca e depois abaixa a cabeça.
Não entendo absolutamente nada de moda, mas Eloah, Louise e Heather com certeza não são
parâmetros.
Logo ela vem em minha direção, olhando ainda mais, foi aqui que eu a vi pela primeira vez
e senti que sempre a esperava, mesmo sem saber. As sensações para uma criança de sete anos
podem ser confusas, mas as minhas me deram certeza de que seria para sempre ela em minha
vida.
Eu faria qualquer coisa por ela. Eu daria segurança e tiraria seus medos em agradecimento
por ter me tirado da escuridão, por ter tornado meus dias menos dolorosos.
Mas desde que ela se afastou de mim, anos atrás, tudo começou a piorar. Principalmente as
surras, que no começo doíam como o inferno, ardiam a cada golpe, mas depois adormecia o local
atingido.
Então mesmo com ela me odiando por um motivo que eu desconheço, eu tenho que aguentar
a dor para que no dia seguinte eu possa admirar sua beleza, e claro, transformar seus dias
infernais. Se ela não pode mais me dar sua admiração e carinho, eu vou aceitar seu ódio.
— Aqui é sempre tão silencioso — ela comenta. — Não tem nenhum funcionário? Vocês
costumam escutar músicas? Por que James não faz festas?
Ela se distrai, mexendo na maleta.
— Por que você não faz uma festa? Aqui é muito grande.
Eu a encaro e pisco algumas vezes, logo me ajeito na cadeira, suspirando. Mesmo que as
perguntas me irritem, as delas eu sinto vontade de escutar, mas não de responder.
O cansaço mental e físico estão se misturando, fico sem ânimo até para provocá-la.
— Para de me olhar como se fosse me matar.
— Não seria má ideia, pelo menos assim não me faria mais perguntas. — Pareço falar sério,
mas isso não a desconcerta.
Eu quase dou um sorriso com isso, ela está agindo como antes. Heather pega algodão e
espirra algumas vezes o álcool ali e vem até mim. Abro minhas pernas e ela se coloca entre elas,
mas sem me encostar. Eu sinto a ardência, mas permaneço parado, observando. Vejo suas
pequenas marcas de nascença com mais nitidez, seus olhos, mesmo sem a luz do sol batendo em
seu rosto, brilham como esmeraldas.
Sou sortudo por ter a atenção deles, por ter a atenção dela.
Ela suspira, incapaz de continuar em silêncio.
— Talvez me responda porque deixou de tocar Fur Elise?
Eu torço meus lábios quando ela força um pouco mais o algodão no corte, parece mais
profundo do que imaginei.
— Eu parei de tocar suas músicas favoritas quando decidiu por si só que seria de bom grado
me odiar, tive que mudar de hábitos e isso incluía esquecer todas as de Beethoven.
Heather para o que está fazendo e se afasta, mas não muito. Ela engole a seco e vejo seus
lábios se apertando em chateação. Eu nunca esqueci as notas complexas de todas as músicas de
Beethoven, e Fur Elise foi a única que aprendi por vontade própria. Tocá-la me causa dor, mas
faz com que eu lembre de Heather, mesmo que a prática me machuque.
Seu olhar me encontra com indignação, a ternura sumiu e ela se afasta.
— Decidi? Você ainda age como se nada tivesse acontecido.
Franzo o cenho, confuso.
— Eu te procurei na manhã seguinte, você sumiu. — Me levanto e Heather dá alguns passos
para trás. — Sumiu por um mês e voltou me odiando sem eu ter feito nada.
— Merecido pelo que fez, ainda tem a ousadia de dizer que não fez nada? O vídeo diz ao
contrário.
O quê? Que porra é essa?
— Vamos lá, estou pronto para negar qualquer merda que me envolva nisso.
— Seu rosto aparece no vídeo, o celular estrategicamente posicionado na direção da piscina
como se estivesse pronto para pegar algo — ela diz, apontando o dedo para mim. — Tudo
pensado, isso é exatamente você.
— Heather, do que você tá falando? — Jogo as mãos para o ar e arqueio uma sobrancelha
para ela.
Ela para, confusa, nem ela e nem eu estamos entendendo de fato o que é para ser
conversado.
— Aquele dia, você e eu entramos na piscina, e nosso ato foi filmado, depois você enviou
para Liam.
Paro por um momento e respiro fundo, controlando a raiva que cresce em mim. Raiva desse
filho da puta.
— Eu nunca faria isso com você, e foi justamente por causa desse seu julgamento que me
fez ver que não valia a pena lutar contra o que sempre acreditou.
— Você nunca negou e apenas me machucou, tive que conviver com isso por dois anos.
O silêncio paira no ambiente e eu me sento novamente. Eu passo os dedos entre meus
cabelos, respiro fundo, vendo que posso dar dois passos com ela, mas Liam acaba dando mais
três à frente. Porém, eu não vou desistir da minha Heather.
Do nada, uma chuva começa a cair ao lado de fora e trovões iluminam o quintal escurecido.
Ela se afasta um pouco da janela.
— Porque para você a última palavra sempre é a de Liam, me torturei durante meses até me
convencer que eu buscaria qualquer coisa que viesse de você, isso incluía seu ódio e raiva. —
Suspiro, olhando para ela, que se abraça. — Nos primeiros meses, tentei de tudo para conseguir
falar uma palavra com você e fui expulso por diversas vezes, então você não queria ouvir a
verdade e sim mais uma vez agradar aquele que se pudesse te colocava para fora de casa.
Eu me ergo e caminho até ela, que se afasta.
— É tanta necessidade de ser aceita por alguém que não te quer, que não aceita o que eu te
ofereço, mesmo com minha possessividade — admito, seus ombros parecem relaxar. — Foda-se
esse vídeo, eu entrei na piscina de calça com meu celular no bolso, ele caiu no fundo e parou de
funcionar, quando sai tinha outro nos filmando e eu o escondi, mas, de alguma forma, caiu nas
mãos de seu pai.
Seus lábios tremem, pressionados um no outro, e sei que ela luta contra a verdade. Louise
sempre protegeu Heather de tudo a sua volta, ela não via as brigas constantes dos seus pais na
garagem ou no quintal. Ou o quanto a amizade de Louise e Eloah é quebrada pra caralho, nada
acontecia em sua presença. Heather não via e escutava o mesmo que eu.
Ela foi poupada de coisas que poderiam quebrar e mudar sua identidade.
— Nunca foi você — ela diz com a voz embargada. — Meus pais armaram tudo? — Ela
limpa uma lágrima que desliza em sua bochecha enquanto olha para o lado de fora, mais
lágrimas descem.
Sua voz falha enquanto engole em seco a informação. Permaneço quieto, a observando. Pela
primeira vez não quero invadir seu espaço e a forçar ficar perto de mim. Eu, na realidade, não sei
o que estou sentindo. Meu estômago parece ter dado um nó desde que a primeira lágrima caiu de
seus olhos.
Sinto vontade de arrancar dela tudo que estiver a torturando, que machuca, mas agora,
Heather vai passar a sentir mais dor do que o esperado quando descobrir que quem ela mais ama,
é quem mais mente para ela.
Tudo foi uma mentira.
Não sei se dói ou se finalmente sinto o peso sair das minhas costas, tudo parece confuso aqui
dentro e eu estou perdida. Perdida por não reconhecer mais meus pais... ou sequer cheguei a
conhecê-los. A única pessoa que pode me dar essas respostas é a que está envolvida: Louise.
Encosto na bancada e vejo Hades sentado enquanto fuma, a chuva lá fora cai em abundância
e os trovões iluminando o céu já nem me assustam mais. O que me assusta é a burrice de fechar
os olhos para tudo ao meu redor, eu não procurei enxergar nada, nem mesmo as respostas. Eu
estava com medo, como agora, medo do que vem depois.
— O vídeo foi enviado do seu número de celular — quebro o silêncio, ele traga a nicotina e
joga a fumaça para o lado oposto ao meu, descontraído.
Desde que jogou a bomba em mim, ele age como se fosse a coisa mais normal a se
acontecer. Tudo é indiferente para Hades.
— Que não era mais meu quando o celular em meu bolso ficou no fundo de sua piscina,
demorei mais de dois meses para ir atrás do chip e um novo aparelho. Não consegui o mesmo
número. — Ele molha os lábios e continua. — Naquela noite escondi o celular em minha gaveta,
mas quando voltei, não estava mais. No dia seguinte, você e seus pais haviam viajado.
Uma pontada, sinto uma pontada em meu peito. Arrependimento me consome.
— O que seus pais fizeram? — um nó se forma em minha garganta e tenho medo da sua
resposta. Isso talvez doa.
Seu olhar escurece e ele trava a mandíbula, aqueles meses não foram bons para nenhum dos
dois, foi um completo inferno. Logo me arrependo da pergunta quando ele demora demais para
responder, abaixo minha cabeça, a vontade de chorar me consome.
Quase três anos me forçando a odiá-lo.
Quando levanto meu olhar para ele, vejo um sorriso no canto de seus lábios. O sentimento
de tristeza não nos rodeia mais e me preocupa o que estou sentindo, ainda é proibido e isso ainda
terá consequências. Seguro a ponta da bancada, sentindo meu rosto queimar, o mesmo acontece
com todo o meu corpo. Não há mais nada entre nós.
Nunca cheguei nessa parte. Me preocupo por gostar.
— Isso não precisa virar um enterro — sua voz é grave. — Devemos comemorar por ter
colocado as cartas na mesa.
— O que quer dizer?
— Se não mereço desculpas?
Ele se levanta e meu coração dispara. Há diversão em seu olhar enquanto apaga o cigarro no
cinzeiro na mesa.
— Ou ainda tenho que pedir seu perdão? Posso me ajoelhar se quiser, mas não costumo
pedir desculpas — soa debochado. — Ainda mais por algo que não fiz.
Sua presença é forte, ele começa a se aproximar lentamente, seu olhar está vidrado no meu e
parece faminto. A necessidade vem de anos, e talvez eu queira odiá-lo para que continue intenso.
Mas não ter nada que impeça o que pode acontecer é um alívio, minha ruína, e agora percebo que
aguardo há muito tempo para desmoronar.
Contorno seu corpo inteiro com o olhar e é inevitável não molhar meus lábios. O perdoar
por algo que nem tinha feito? A sugestão é ótima, seria lindo vê-lo ajoelhado em sua maestria.
— E se eu quiser que se ajoelhe? — Seu olhar escurece.
— Farei sem reclamar, minha rainha.
— Foda-se — eu murmuro.
Avanço em sua direção e ele me recebe sem me dar chances de conduzir. Hades devora
minha boca com vontade, passo meus dedos entre seus cabelos e assim que me suspende,
envolvo sua cintura com minhas pernas.
Quente, ele é quente como o inferno e eu estou me queimando. Arranho sua nuca sem dó e
suas mãos apertam firme minha bunda, fazendo com que eu dê um pequeno sorriso entre o beijo.
— Esse maldito sorriso — Hades sussurra e parece se desconcertar, quase me soltando, mas
logo me impulsiona para cima, me ajeitando em suas mãos... grandes mãos.
Sua língua explora toda minha boca e eu devolvo, saciando minha saudade e desejo, saciado
tudo que neguei e queria. É inevitável a explosão de sentimentos.
A mão de Hades desliza para a minha cintura por dentro da blusa, fazendo com que esse
contato me incendeie. Eu paro o beijo em busca de ar enquanto olho para ele que ainda mantém
os olhos fechados e a boca entreaberta.
Lindo, se há beleza nesse mundo, se concentra no Diabo à minha frente.
— Preciso de mais.
— Sem pressa, te quero devagar — Hades sussurra.
— Sem pressa — repito.
Eu seguro em seus bíceps com a insegurança de estar apoiada apenas na parede, a nicotina
misturada em seu perfume másculo me enfeitiça, o toque de suas mãos agarrando firme em
minha cintura me traz, novamente, aqueles sentimentos adormecidos.
O beijo de novo, estou insaciável, como se Hades fosse acabar, mas não vai, eu não vou
deixar. Sua respiração acelera quando passeio a mão por dentro de sua camisa de botões, ele
estremece e trava o maxilar. Cesso o beijo e Hades me segura mais firme e atravessa para outro
cômodo, envolvo seu pescoço em meus braços e vejo que é uma sala com alguns sofás grandes,
ele se senta e me ajeito em seu colo.
— Está bem? — pergunto quando deixo minha mão por cima de seu peito esquerdo,
sentindo seu coração acelerado. — Muita emoção?
Eu bufo uma risada, minhas bochechas esquentam quando ele me encara com um quase
sorriso. Meu coração desmancha, lembrando do quanto eu adoro os poucos sorrisos que ele me
dá.
— Muita emoção — repete, concordando. Ele se ajeita na poltrona e segura em minha
cintura. — O toque...
Retiro minha mão de seu peito e sinto a culpa me atingir, o meu toque antes era possível,
agora já não sei mais.
— Me desculpe, podemos ir mais devagar… — me inclino em seu corpo e apoio nossas
testas.
Sua respiração aos poucos normaliza, o barulho da chuva atingindo a janela parece ajudar a
fazê-lo relaxar. Ele alisa a linha de minha coluna, fazendo com que eu me arrepie, nunca pensei
que seria possível ter isso dele.
Ainda estou pensativa sobre o vídeo, lá no fundo eu sempre quis que não tivesse sido culpa
dele.
— O problema não é seu toque, faz tempo que não o sinto e preciso que minha mente
entenda… — ele explica, então continua —, preciso que minha mente entenda que só você pode
isso.
Hades suspira pesado e pressiona os meus lábios nos seus. Dou tudo de mim para não
perguntar algo que eu não suportaria a resposta, talvez fosse pelas surras e o toque não é mais
tolerado. A vulnerabilidade é vista aqui.
Me remexo em seu colo, tentando ficar confortável e Hades segura firme em minha cintura.
Levanto a cabeça e o encaro confusa.
— Ajoelha. — Seu olhar escurece em minha direção.
— O quê?
— Ajoelha — repete.
Ainda confusa, deslizo de seu colo para o chão, ficando de joelhos, sem cortar o contato
visual. Quero entender o que se passa dentro de sua cabeça com a mudança repentina. Ele molha
os lábios, me olhando de cima e seu olhar me conduz ao cós de sua calça, mais especificamente o
botão. Estou tão fissurada com o beijo que não tinha visto a protuberância ali.
— Saiba que só seu toque pode me fazer sentir isso…— sua voz sai rouca e seus lábios
ficam entreabertos. — Uma rainha não se ajoelha, mas para quem te deu esse título, tem que
fazer com vontade.
Meu queixo estaria no chão se não fosse grudado em meu rosto, sinto o calor entre minhas
coxas e subindo por todo meu corpo, pisco algumas vezes e, então, o observo desabotoar o
restante dos botões de sua camiseta preta.
Definido e lindo, eu passaria horas observando o quão bem ele foi moldado. Moldado para
mim.
— Eu não… — engulo em seco —, eu nunca fiz isso.
Hades desce ainda mais seu quadril para mim e não tira os olhos nem por um minuto.
— Talvez eu possa te guiar.
Estendo as mãos em seu cós, fazendo de tudo para não transparecer tanto nervosismo. Eu
poderia ter um colapso com tanta informação a partir daqui. Desabotoo lentamente e desço seu
zíper, Hades ajuda a descer a calça que cai em seus pés.
Encaro a protuberância que está em sua cueca box preta e, de novo, engulo em seco, mas eu
não estava esperando tanto por esse momento? Meu Deus! Passo a língua entre os lábios, dando
passagem para o desejo e a vontade, sim.
— E eu te machucar? — Ele ainda parece satisfeito, julgando pelo sorriso ladino em seus
lábios.
— Confio no seu potencial.
Desço a cueca, liberando seu membro ereto, as veias grossas, assim como ele, e sua cabeça
rosada, dá gosto de olhar e vontade de sentir na boca, meu estômago dá um nó em excitação, eu
molho meus lábios, talvez pronta. Não, talvez não, certa de que estou. É só um boquete, isso tem
que caber na minha garganta. O envolvo com minha palma fechada, Hades tomba a cabeça para
trás.
— Aperte e faça movimentos para cima e para baixo. — Eu faço o que ele manda, aperto e
faço os movimentos.
Quando intensifico os movimentos, sinto sua lubrificação por toda minha mão, facilitando
masturbar Hades, ele geme, eu fecho mais minhas pernas para aliviar a excitação em vê-lo dessa
forma.
— Caralho — Hades geme.
Por impulso, eu passo a língua na cabeça de seu pau e ele, na mesma hora, levanta a cabeça,
me olhando com os olhos em chamas. Suas mãos apertam os braços da cadeira com força com a
sensação. Giro a língua ali em cima e chupo, talvez os pornôs que vi com quinze anos possam
me ajudar.
Sinto meus seios rígidos contra o tecido fino da minha camisa, é prazeroso ver o quanto
Hades me deseja e ainda mais aqui, ajoelhada. Eu decido arriscar e, então, aos poucos, desço a
boca por todo seu comprimento, usando a língua para saborear toda sua extensão, quando quase
encosta em minha garganta eu subo e chupo a glande.
Hades enrosca seus dedos em meu cabelo, me forçando a encará-lo, não consigo mover
minha cabeça.
— Sempre olhando nos meus olhos. — Sinto um lado de minha bochecha arder e demoro
um pouco para entender que ele me deu um tapa, concordo com um aceno minimalista.
— Você vai fazer isso de novo?
Caralho, um tapa. É bom. É ótimo.
— Eu não mandei falar, você fica mais linda com meu pau na boca. — Eu quase dou um
sorriso vendo a satisfação em seu olhar. O tapa já nem dói mais.
Sem me dar muito tempo, ele conduz minha cabeça, ainda segurando firme meu cabelo,
então começo a chupar com mais confiança, sentindo seu gosto, sua pele. Com a mão, eu aperto
o que não cabe em minha boca. Mas Hades força, fazendo com que meus olhos encham d’água,
eu controlo a ânsia e continuo, seus gemidos são roucos e músicas para meus ouvidos.
Minha mão livre desliza para dentro de meu short e, por cima da calcinha, sinto a umidade
por todo o tecido, eu gemo contra seu pau em minha boca e continuo olhando para Hades. Sua
respiração começa a acelerar, sem tirar meus olhos do seu e então eu continuo chupando.
— Heather — ele geme meu nome.
Eu passo a língua por todo seu membro e o engulo, sentindo novamente a ânsia, quando
solto, ele se inclina para mim e começa a se masturbar enquanto segura meu rosto na direção de
seu membro.
— Abre a boca. — Eu abro, já sabendo o que vem. — Você quer? — Aceno que sim. —
Isso é coisa de puta, você é?
— Sua puta.
Então sinto o líquido espesso tocar o canto de minha boca e cair dentro dela, o gosto é
salgado, eu permaneço com meus olhos em Hades enquanto ele morde seus lábios, observando
essa cena. Tudo que ele quiser de mim, eu agora darei, não negaria nada que fosse, preciso de
tudo dele.
Eu engulo, evitando uma careta, não é lá o melhor gosto, mas eu preciso fingir. Ele ri
enquanto se encosta na poltrona novamente e sobe a cueca. Hades me puxa para cima e me dá
um selinho, logo esfrega seu nariz no meu. Ficaria aqui com ele para sempre, não sairia mais de
perto, a sensação em ter de novo esse contato com ele faz com que eu queira fugir.
— Boa garota. — Hades suspira satisfeito.
— Espero que seja seu primeiro — a frase me escapa, o ciúme também.
Mas ele só me olha breve e eu esfrio. Sua reação deu margem para mil cenários do porquê
disso. Hades puxa seu telefone e vejo algo em sua tela, como um GPS, ele parece rastrear
alguém. Ele encara a tela com toda atenção, então o choque de realidade me atinge. Não
podemos ser vistos juntos.
— Preciso ir, Liam já deve estar voltando.
— Seria ótimo que ele visse você no meu colo enquanto estou de cueca. — Me levanto e
ajeito minha roupa. — Você agora sabe da verdade, nada vai mudar?
— Tudo vai mudar, só, por favor, não faça nada estúpido. — Eu me aproximo dele, que se
levanta e sobe as calças. — Ainda tenho dezessete anos e preciso, pelo menos, saber onde Louise
está.
Envolvo meus braços em seu pescoço e ele me observa de cima, fazendo com que eu fique
na ponta dos pés para lhe dar um selinho.
— Por favor, tem muita coisa em jogo e agora preciso da sua ajuda.
Hades dá de ombros.
— O que eu ganho? — diz em tom de brincadeira
— Posso te dar muito mais que isso — provoco e o solto, seu olhar escurece em minha
direção e desce por todo meu corpo.
Ele não fala nada e passa por mim, sorrio quando meus olhos descem para sua bunda. Levo
o braço para trás e, com força, estalo minha palma em sua bunda grande e definida, ele para.
Olhando por cima dos ombros, pergunta:
— Qual a porra do seu problema?
— Pelo tapa na cara.
A garrafa de vodca escorrega de minha mão e a vejo rolar para baixo da minha cama, já
vazia como tudo aqui dentro depois de saber que quem mais amo mentiu. Me machucou por
capricho. Me prendeu em seu peito e mente por egoísmo.
Minha visão embaça com as lágrimas, e cambaleando, ando até o nosso porta-retrato em
minha escrivaninha. O olhar doce me encara e o toque suave ainda é lembrado.
— Vadia — murmuro.
Sumiu, me deixando mergulhada em mentiras e remorso, não se deu ao trabalho de me dar
uma luz novamente. Quantas mentiras tinham para me destruir? Quem era Louise se quem eu
conhecia mentia pelo mínimo?
Me incentivou e puxou meu tapete. Eu disse que o amava, mesmo assim ela não me deixou
opções.
Imagina viver quase três anos odiando alguém pelo que seus pais armaram? É doloroso olhar
para ele todos os dias pelos corredores do colégio e pelos cômodos de minha casa. Malditos.
Pego o porta-retrato e o quebro contra a ponta da mesa, o vidro se parte em vários pedaços,
assim como eu estou. Louise não mentia, e sua primeira mentira conseguiu acabar com tudo de
bom que restava em mim.
Bom saber que Hades não fez. Mal por entender que isso partiu de meus pais.
Sento no chão e encosto as costas na cama, não consigo mensurar o quanto a decepção está
me corroendo, não mais do que há alguns anos, mas a dor é a mesma. O que mais virá pela frente
quando eu a procurar? O quanto de merda apareceria se decidisse saber mais a fundo de tudo à
minha volta?
Fecho meus olhos de novo. Eu não suporto essa merda. A diferença é que um me acolhia e o
outro me mostrava sua real face. Então, saber que Louise sabia que o vídeo foi forjado, me
destrói por completo.
Desperto em um pulo, sentindo minha cabeça latejar. O sol invade todo meu quarto e então
percebo que ainda estou no chão, já nem lembro mais o que sentia.
Me sento, mas não demoro para levantar, indo ver que horas são. Hoje seria o grande jogo
para o começo das competições. Isso era para ser tudo de mais importante, o meu passaporte para
longe de Hades.
Mas agora não quero essa distância.
Quero apenas distância de quem me colocou no mundo.
Pego meu relógio digital e vejo que tenho duas horas para estar em Fallen para o torneio, são
onze e meia, se antes minha motivação era Hades, agora segue sendo um plano para ir embora
daqui com ele. Tempo demais perdido longe. Mesmo com sua possessividade, ali é onde eu me
escondo e mesmo assim ele me vê.
Ele só não pode ver o que tenho feito ultimamente, isso me mataria.
Depois que tomei uma ducha gelada e analgésico para a ressaca, procuro a garrafa por todo
o quarto e não a encontro. Talvez eu tenha jogado no lixo ou pela janela, mas com certeza papai
veria isso.
Sem tempo, eu recolho minha mochila onde estava o uniforme do jogo e saio. Desço as
escadas penteando meus cabelos ainda úmidos, mas me distraio com a voz de papai vindo do
corredor onde fica seu escrito. Ele está acompanhado, a outra voz é um pouco mais grave e eu
não reconheço.
— Precisamos ter calma — é Liam quem diz.
— Eu tive muita, principalmente com a vadia da Eloah e da sua mulher. Você já recebeu,
James também e o jantar está próximo — o desconhecido responde.
— Mas não é assim que funciona, é difícil controlar as situações.
Um silêncio paira no local, sinto meu coração disparar enquanto caminho lentamente na
direção do escritório, na ponta dos pés para meu sapato não fazer barulho.
— Eu vou fazer isso com sua ajuda ou não.
Dou passos largos para trás e quando volto a olhar para frente. Já no hall, a porta se bate e
Hades me agarra, com o susto abafo o grito contra seu ombro enquanto ele me levanta, mas não
enrolo minhas pernas em sua cintura.
— O que faz aqui? — sai abafado quando sela nossos lábios.
Seus braços me apertam mais contra ele.
— Estou te impedindo de sumir, não quero que se repita. — Hades me beija. Meu coração
aperta em saber que ele pensou que eu fosse acordar como aquele dia e ir embora. Então o
barulho de cadeira arrastando me faz o empurrar.
— Não, meu pai. — Tento me soltar de seu agarre.
Impossível.
Uma vez provado, é tentador demais ficar longe de sua boca por muito tempo.
— Eu quero que ele veja.
Hades me beija sem pressa e eu me derreto ainda mais em seus braços, subo minhas mãos
até seus cabelos, também úmidos, e acaricio, sentindo a explosão de sentimentos sair de meu
coração para todo meu corpo.
O contato me oferece saudade e a mata, seu gosto de menta e sua língua em guerra com a
minha me fazem querer mais.
— Aguarde aqui — a voz de meu pai faz com que eu desperte.
Eu o empurro e Hades geme em resposta, mas me solta. Ajeito minha saia e tudo que
poderia estar bagunçado. Quando vejo pelo reflexo no espelho, percebo que meu rosto está
vermelho demais.
Merda.
— Por favor, sai. — Eu o empurro para fora e o vejo indo em direção a sua garagem, então
fecho a porta.
— Achei que estivesse dormindo. — Me viro no susto para Liam, que me olha desconfiado.
— Tenho o campeonato daqui a pouco… — comento e, por força do hábito, vacilo. — O
senhor vai?
Eu me amaldiçoo por essa pergunta, não quero que ele vá, é a última pessoa que quero por
perto. Mas tornou-se um hábito mendigar sua atenção e isso eu mudaria.
Seu olhar é frio para mim, papai olha seu relógio e logo Maria aparece com a garrafa de
whisky dele na bandeja.
— Preciso que pegue mais um copo e leve ao meu escritório. — Direciona o olhar para ela e
se vira, voltando para onde saiu.
Ele me deixa ali sem uma resposta sequer, não existe calor e amor, engulo o choro preso na
garganta. Caminho em direção a Hades, que fuma encostado em seu carro enquanto me espera.
Eu estou com raiva. Irritada, paro de frente para ele e puxo o cigarro de seus dedos, jogo no chão
e piso até esfarelar.
O que sobrou, recolho e caminho até a SUV de Liam, jogo tudo em seu banco pelo vidro
que está aberto.
— O que meu cigarro tem com isso? — Ele abre os braços. — O que aconteceu lá dentro
para estar irritada?
Eu volto para o seu lado e puxo a porta, mas ele fecha, se encostando nela.
— Tá tudo bem, só me deixa em Fallen.
— Resposta errada, prefere chegar tarde no campeonato? — Hades cruza os braços, se
firmando ali. — São duas horas até lá, quanto mais rápido falar, mais cedo vamos chegar.
Bufo e coloco as mãos na cintura, a vontade de chorar se tornando cada vez mais presente,
faço o que posso para olhar todas as coisas a minha volta e não encontrar o olhar cinza de Hades,
que espera pacientemente, ou não, que eu fale.
— Você sabe o que aconteceu, isso é para me ver frágil novamente? — O encaro.
— Fale, Heather.
— Eu o chamei para o campeonato, ele nem ao menos me respondeu. — Uma lágrima
teimosa desliza pela minha bochecha. — Depois de ontem, tudo parece mais claro.
Hades a limpa com seu polegar.
— O que sabe sobre Louise? Por favor, eu não aguento uma vida sem ela.
Ele se aproxima e eu, por impulso, o abraço pela cintura, leva um tempo para que Hades
retribua o abraço, assim que ele o faz, sinto vontade de nunca sair daqui.
Eu sei que ele faria qualquer coisa para me deixar bem.
— Saberemos juntos. — Eu levanto meu olhar para ele, nenhuma emoção evidente, apenas
vidrado em meu rosto. — Vamos deixar algo a mais para seu pai.
Hades me solta e caminha até a SUV de papai, se agacha e retira um canivete de dentro da
sua jaqueta. Com força, ele rasga um pneu da frente e outro de trás. Meu sorriso se estende e ele
volta para o meu lado. O abraço novamente, quero que ele se acostume, quero que ele passe a
esperar pelo toque e não ficar mais na defensiva.
— Pra sempre meu — digo com possessividade, um sorriso ladino surge em seus lábios.
Fecho os olhos e ele me beija, fazendo com que tudo a minha volta suma e que a dor da
negação passe, me agarro a todas as sensações boas que Hades me proporciona, é tudo que eu
preciso. Tudo que eu almejo.
Ele cessa o beijo com selinhos, e um na ponta do meu queixo. Abro os olhos, suspirando de
alívio. Hades abre a porta para mim e eu seguro, ele então dá a volta e, assim que entra, eu faço o
mesmo.
— Havia alguém no escritório de Liam — comento, colocando o cinto. — Falava sobre ter
paciência e xingou Eloah e Louise de vadias.
— Reconheceu a voz?
Eu nego com um balançar de cabeça.
— Ele disse que James e Liam receberam, parecem próximos, mas nunca escutei aquela voz
antes. — Brinco com a barra de minha saia.
— Verei pelas câmeras de sua casa quando voltarmos, assim consigo saber quem foi.
Me viro para ele.
— Como tem acesso às câmeras se o sistema é de fora?
Hades sorri dando de ombros.
— Eu tenho acesso a tantas coisas na sua vida, minha rainha, ficaria surpresa.

Uma pequena viagem que era para ser de duas horas se transformou em três pelo fluxo
intenso e lento que pegamos. Meu corpo está cansado e eu cochilo enquanto Hades fala com
Kairon por chamada de vídeo. Soube que Ava e Noemia já estão lá esperando por nós.
O colégio de Fallen é extremamente grande, parece o castelo de Harry Potter, tudo muito
clássico e antigo, mas bem conservado. Eles são nosso maior rival, os alunos do colégio Dinasty
nunca se deram bem com os daqui, e vice-versa.
É sempre uma grande porradaria no Rugby quando competimos com elas, mas isso é como
reparação histórica já que, há anos, elas deixaram uma de nós em estado vegetativo, aconteceu
quando eu sequer era nascida, porém, sou rancorosa. Faço questão de sempre trazer para Dinasty
o troféu.
Hades estaciona e eu puxo minha mochila do banco de trás, estou mais atrasada que o
normal e preciso me trocar. Quando saio do carro, ao longe vejo Olivia aos prantos enquanto fala
algo para Magnus, ele, por sua vez, não parece nem um pouco sensibilizado pela ruiva, está de
braços cruzados enquanto ela os segura.
— Eles estão juntos? — pergunto, assim que Hades coloca sua mão em minha cintura e me
puxa para que eu ande.
Mas eu não tiro meus olhos daquela cena, ela parece inconsolável. Até que me vê e vira de
costas, eu olho para a entrada do ginásio.
— Você uma vez disse sobre eu ter dormido com Olivia em Ibiza, mas, na verdade, eu e
Kairon tivemos que passar a noite em seu quarto por causa de uns problemas dela.
Hades abre a porta e me espera passar, caminhamos lado a lado no corredor de Fallen.
— Ela bebeu demais e não se mantinha em pé, fora outros problemas que tivemos nesse
quarto. — Ele limpa a garganta, viramos o corredor e ele me guia, não consigo tirar os olhos de
seu rosto. — Por fim, Magnus disse para todos que dormimos com ela.
— Isso explica muita coisa.
Ele me olha.
— Então ela fica atrás de você por causa dele? — pergunto.
Hades dá de ombros.
— Sim, ele descobriu o segredinho sujo dela também.
— Qual segredo? — Paramos de frente para a última porta, que dá para o vestiário.
O barulho está abafado do lado de dentro do vestiário, mas o barulho que vem da quadra
está bem animado. Existe o lado bom de vir para cá, eles são extremamente competitivos como
nós, então fazemos de tudo para sermos melhor.
— Se ganhar, será muito bem recompensada. — Hades me puxa pelo queixo e me beija,
aqui eu já nem lembro mais do que falávamos.
Me afasto e empurro a porta, entrando no corredor, e depois vou até a outra porta que leva
até o vestiário onde vou trocar a roupa. A treinadora parece irritada, e quando me vê, sua cara se
fecha mais ainda. Não entendo tamanha antipatia por mim, sempre fui bem em todas as
competições.
— Achei que não fosse vir, Walker — ela grita do outro lado.
— Eu estive ocupada, mas vou me trocar rápido.
— O que é mais importante que um campeonato com olheiros?
— O namoradinho dela, Hades. — Olivia entra e todas as garotas param o que estão
fazendo.
A treinadora olha breve para ela e depois para mim. Aperto a alça de minha mochila,
tentando controlar minha vontade de dar um tapa em Olivia, mas certamente Folk me mandaria
para casa.
Olivia merece pena ao invés de qualquer outro sentimento. Folk se aproxima, ela me puxa
para um abraço inesperado e então diz, em um sussurro:
— Talvez se eu falar com ele sobre o cantil, ajude a melhorar sua pontualidade — a
treinadora fala.
É aí que eu congelo e apenas encaro essa maldita cadela quando ela se afasta, seu tom parece
de ameaça e sinto meu olho contrair enquanto me controlo. Ela não tem que mexer no que é meu,
não tem que falar e muito menos se meter.
— Você não tem que se meter na minha vida. — Folk me desafia com o olhar. — Não tem
nada para falar com ele.
— Esteja pronta.
Sem dizer nada, me viro e eu vou me trocar.
Acharei um jeito de resolver isso.
Quando já estou pronta, a última jogadora sai do banheiro, eu estou extremamente atrasada e
me sento para colocar meu tênis. Um incômodo e calafrios me consomem, olho para a única
porta que havia ali.
Nada.
Volto a amarrar o sapato e a mesma sensação retorna, não gosto de me sentir vulnerável.
Quando termino de amarrar meu cadarço e olho para a porta, alguém passa rapidamente. Me
levanto em um pulo e sinto meu estômago embrulhar e pernas começarem a ficar trêmulas.
Caminho com receio até a porta, devagar e com meu coração na boca. A escola é cheia de
câmeras, não podem me matar. Ou podem?
Estico as mãos e a porta se abre por Peter, animado, batendo palminhas.
— Merda, Peter. — Coloco a mão em meu peito. — Quase me matou.
Ele veste uma camisa polo um pouco pequena para seu tamanho, já que é bem musculoso,
uma calça de alfaiataria e seu cabelo penteado para o lado.
— Cruzes, me arrumei todo para ver novos homens.
— Só os homens, né? — Cruzo os braços e ele ri.
— E ver a pequena Heather dando uma surra em Fallen. — Eu dou uma risada enquanto ele
me chacoalha pelos ombros. — Vim direto da casa de meu ficante, estou apaixonado.
— Você acabou de falar sobre ver homens, vadia.
— Vadias têm um coração enorme, baby.
Peter sai dando seus pulinhos e eu me apresso para encontrar as meninas ainda no meio do
caminho.
Saímos eufóricas e todos gritam, aliás, apenas a Dinasty nos recebe com muita alegria. Meu
olhar encontra Ava e Nono sentadas na segunda fileira e os garotos na ponta dessa mesma fila,
mas bem distante delas.
Minha mente automaticamente procura por Louise, que sempre esteve em todos os meus
jogos, sem faltar nenhum, torcia como ninguém e discutia com quem estivesse falando algo
sobre o time. Ela foi uma vadia, mas não anula o fato de ter feito sempre seu papel como mãe.
Balanço minha cabeça, fastando isso de mim, e continuo correndo para minha posição
inicial. Todas nos juntamos para que começasse. Em posição de scrum, olho para a bola
esperando que alguém a pegue, eu não estou lá nos meus melhores dias para ser competitiva o
suficiente. Megan aponta para a Hooker e eu avanço em sua direção, me jogando nela para que
ela perca a marcação, a bola acaba caindo nas mãos de Olivia.
Dinasty grita em comemoração, mas uma voz sobressai.
— Essa vadia vai machucar minha namorada — o aluno de Fallen grita.
Quando olho para o lado, vejo Hades indo por cima de todos até o meio da primeira fileira,
sem se importar que havia derrubado algumas pessoas. Elliot e Kairon fazem a mesma coisa com
quem estava com o garoto e a confusão se forma na plateia. Ava e Noemia gritam xingamentos
para as garotas que estão xingando os meninos.
Sorrio com o caos, eles estão aqui por mim.
Com a confusão um pouco controlada, Olivia repassa para a garota ao seu lado e ela chuta,
errando. Folk, do outro lado, grita um quase xingamento, está vermelha e não se senta por nada.
A menina que derrubei debocha algo sobre estarmos ruins, pela primeira vez encaro Olivia,
que também escutou e me retribui o olhar.
Eu aceno, entendendo o que poderia fazer.
O jogo continua e, assim que me dão a bola, eu chuto para a frente e nossa jogadora agarra,
indo para seu lado e espero o repasse, mas acaba caindo nas mãos da mesma garota que
debochou e derrubei.
Isso é destino.
Avanço com tudo e, sem medir se aquilo iria doer em mim depois, com meu ombro, a jogo
para fora da quadra e chuto a bola para o gol, pontuando. É um estrondo de comemorações pelo
lugar. Ela se senta e me olha, sua expressão já me diz que sentia dor e eu apenas lhe dou um
sorriso.
— Não seja uma bebê chorona — debocho, fazendo beicinho.
Então me afasto para perto de meu time.
O pessoal grita e, aqueles que xingam, acabam em confusão, os meninos não estavam dando
paz para ninguém que ousasse falar de nós.
Com o andar do jogo, fomos fazendo pontos, mas com pouca diferença, eu corro para o lado
e perco a bola. Na defesa dos pilares, corro para o lado e repasso para Olivia, que chuta e faz gol.
Estou pingando de suor e, quando dá como finalizado, apoio as mãos em meus joelhos,
satisfeita que vencemos, mesmo que não tenha sido no meu melhor. Uma mão envolve minha
cintura e me levanta, eu grito balançando meus pés com o susto e vejo o outro time sendo
consolado. O nosso apenas comemora.
— Desde quando ficou um mar de rosas? — Kairon se aproxima e eu nego seu beijo na
bochecha por estar suada demais.
Hades me coloca no chão.
— Desde sempre, eu te falei que estávamos namorando há anos — ele responde, meu irmão
e eu o encaramos, confusos.
— Esse sabe usar a lei da atração. — Elliot aparece e levanta a mão, eu a toco animada.
— Não estamos namorando, não conversamos sobre isso. — Olho para ele, que me vira toda
em sua direção.
— Então a Tinker continua disponível — Magnus diz e Hades o empurra.
— Estou avisando agora.
— Não é assim que funciona, Diabo. — Eu bato em seu ombro e ele fecha a cara.
Ava e Noemia também chegam animadas e gritando o quanto nosso time é bom, me
parabenizando e dizendo que acabamos com elas. Fico feliz, hoje está sendo um dia feliz e eu
não me permito pensar em coisas que me façam achar o contrário.

A surpresa é um hotel.
— Você quer mesmo transar comigo — afirmo, inerte a vista que dá para o parque florestal
do centro.
Mesmo sendo noite, tem algumas luzes dos prédios ao longe e que fazem uma pequena
trilha na floresta. É uma noite fria e com bastante vento, as árvores balançam como se estivessem
dançando. Pelo horário, todos decidiram ficar no mesmo hotel para sairmos no dia seguinte, já
que ninguém queria dirigir a noite, ou só queriam mesmo uma desculpa para que ficássemos
juntos.
— Você ainda duvida? — Hades me abraça por trás e beija meu pescoço. — Então aqui
teremos todo tempo do mundo.
Sorrio como idiota olhando essa paisagem e sentindo seu corpo quente em mim. Esperei
tanto por esse toque que não sei como agir.
Quando me solto de seu agarre, vou para o banheiro e tomo um banho, e quando coloco
minha calcinha e sutiã, paro de frente para o grande espelho do banheiro enquanto visto uma
blusa fina e larga. Quando saio, o encontro dentro da hidromassagem. A porta não fez barulho,
ele está focado no celular. Ando em sua direção, bem calma, tentando não transmitir tanto
nervosismo.
A beleza de Hades deveria ser considerada um grande crime, que te seduz e te destrói por
gostar de observá-lo, por saber que não achará outro com tamanha beleza.
E nem com tamanha devoção, e isso eu tenho dele.
Eu quero tudo dele.
— Você não precisa apenas observar. — Ele joga a cabeça para trás e deixa o celular cair.
— Sente aqui.
Ele dá um pequeno tapa na água e eu me apresso. A água está quente, então coloco uma
perna em cada lado de seu corpo enquanto entro lentamente ali. Fecho meus olhos, sentindo meu
corpo agradecer pelo contato quente. E agradecer por ver que ele está apenas de cueca. Quando
os abro, seus olhos estão em mim e não sei o que está sentindo, não me dá trégua.
Meu olhar desce para sua pele e apoio minhas mãos na borda atrás dele, medo de meu toque
afastá-lo.
— Queria poder tocar todo seu corpo — sussurro.
Hades suspira pesado.
— O que eles fizeram com você? — Ele se arrepia e, quando olho para seu rosto, seus olhos
estão fechados. — Me diga o que te perturba.
É quase um implorar.
— Eu realmente não me importo mais com o que me aconteceu…
— Eram muitas surras? Por que sumia o final de semana e tocava apenas as madrugadas?
Volte a tocar para mim...
Eu abraço Hades, que continua de braços abaixados, seu coração está acelerado e, quando
aliso seus braços, os sinto arrepiados. Controlo para que eu não caia no choro com seu silêncio.
Preciso mostrar o quanto eu mereço seu toque, o quanto mereço tocá-lo, eu posso.
Não seria um toque doloroso, como as surras, eles viriam por cima delas, amenizando o que
já foi marcado por tanto tempo e me deixando ali.
Sem ter mais o que fazer, selo nossos lábios, ele não demora muito e retribui o beijo. Mas
dessa vez é calmo, sua mão alisa minha coxa e sobe para minha bunda, onde me puxa mais para
si.
Minha intimidade se choca contra a sua por cima do tecido fino de ambos, sinto meu corpo
esquentar com o quanto mais intenso fica o beijo, quanto mais intenso suas mãos apertam toda
minha pele. Isso deixaria marcas em minha pele pálida, mas quero lembrar de todo lugar que ele
me tocou.
Em busca de ar, apoio minha testa na sua, apenas nossas respirações pesadas ecoam pelo
ambiente. Eu abro meus olhos e vejo que ele permanece com os dele fechados.
— Por favor — sussurro.
Hades abre os olhos, eles estão escuros.
— Algumas coisas devem ficar no passado, minha rainha — diz calmamente. Eu nego. —
Até as boas lembranças que estive tocando piano foram manchadas, mas tudo passou e eu lidei
com aquilo.
— Eu só quero saber.
Ele coloca uma mecha de meu cabelo atrás de minha orelha e suspira.
— Você acha que as surras foram tudo que James me submeteu? — Eu paro com sua fala.
Porra. Talvez isso fosse embrulhar meu estômago e acabar com o pouco de bondade que
restou em mim.
— Ele nunca aceitou o fato de que me guardava para você, então ele deu um jeito quando eu
tinha quatorze anos. Ele pegou prostitutas para fazerem isso comigo.
Tento me afastar de Hades, em choque, mas ele me segura. Meus lábios tremem, isso é
demais para mim, isso foi demais para ele.
— E continuou até que eu tive coragem de intervir. Todas as minhas primeiras vezes foram
você, menos as que ele pagou para tirar de mim. Quando me amarrou e me trancou no quarto
com elas. — Ele gruda sua testa na minha. — Mas eu sempre pensei em você, me deu coragem
para arrancar o mamilo de uma das prostitutas e assim acabar com meu sofrimento.
Ele bufa uma risada sem humor. Estou em prantos e um soluço me escapa, por trás dos
muros é impossível imaginar as barbaridades que James fazia, e que Eloah era cúmplice.
Imaginar meu garoto passando pelo inferno ainda criança, por egoísmo, por nada.
— As surras valiam a pena por você. Tudo vale a pena se for em teu nome.
— Você não merecia isso, não merecia viver desse jeito — falo entre soluços. — Me
desculpa por não ter visto.
Hades me abraça e me aperta contra ele, soluço em seu ombro e sinto meu coração ser
esmagado com lembranças de seu comportamento sempre que voltava de um final de semana
preso com seu pai.
Para mim, James usava apenas surras como corretivo, eu já achava isso um absurdo, mas
agora abuso? Com quatorze anos...
Levanto minha cabeça e passo minhas mãos por todo seu braço, ombro, eu deslizo minha
mão por todo seu peitoral.
— Será meu toque em sua pele, para sempre vou ficar sobre ela. — Eu beijo seu queixo,
depois desço para seu ombro e Hades geme rouco. — Serei o primeiro toque com amor, nunca
pela dor.
O desespero de tocar todo seu corpo e beijar seu rosto por inteiro, a necessidade de apenas
eu ter tocado tudo seu sem forçá-lo a nada. Hades segura em meus braços para que eu pare, então
começo a chorar, soluço enquanto fecho os olhos e sinto sua dor em mim.
A culpa, ela mata.
— Você sempre me salvava, Heather. — Hades me puxa para si e me abraça forte. —
Sempre que eu tocava as notas do piano de sua música favorita era quando tudo acabava e eu me
sentia em casa.
Levanto meu olhar para ele, não há tristeza e sim um nada, transformaram tudo que Hades
era em um completo nada por dentro, meus lábios tremem.
— E Eloah? — Ele não diz nada, mas já era uma resposta. — Me desculpa por tudo que
disse esses anos, eu não... eram mentiras, me desculpa.
O que fizeram com a gente todos esses anos por egoísmo era algo que eu demoraria a
entender, as cicatrizes sempre estariam ali, grudadas em cada memória que era para ser boa, mas
a dor intensa tomaria conta de tudo. Não existia nada de bom atrás dos muros.
Quantas coisas viriam à tona dos absurdos que aconteciam? Agora consigo ver com clareza
que a vida que Hades tinha não era nada do que eu pensava, eu recebia amor de pelo menos um
dos lados, já ele nunca recebeu isso.
Tantas coisas absurdas que Hades tem escutado de mim durante esses quase três anos. Todas
poderiam ser evitadas se não houvesse mentiras. Deus, eu me culpo.
— Você não precisa se desculpar, nunca foi a culpada pelo que eles faziam. — Ele tenta
limpar meu rosto, mas eu não conseguia controlar minhas lágrimas. — Me salvou ao invés de me
matar como eles tentaram.
Deito minha cabeça em seu ombro e sinto Hades se levantar da hidromassagem, enrolo
minhas pernas em sua cintura, então ele caminha até a cama, mas paramos na ponta dela. Deslizo
minhas pernas de sua cintura e piso no chão frio, ainda de cabeça baixa, sentindo cada parte do
meu corpo quebrado.
A cena de Hades voltando, todas as vezes, dos finais de semana com seu pai pronto para
alguma maldade. Ele descontava em todos o que recebia em casa. Hades sempre mal-humorado,
sempre quieto…
— Já não dói mais em mim e não pode doer em você. — Ele apoia seu dedo indicador em
meu queixo e o levanta, encontro seu olhar em névoa, mas eu sentia tanto.
— Me desculpa por não ter visto...
— Não precisa de desculpas, quero você como sempre foi e sem meus demônios refletindo
sobre você. — Hades se inclina e me dá um selinho demorado, eu suspiro pesado, sentindo seus
lábios macios. — Seja apenas meu paraíso e eu cuido de tudo ao seu redor.
— Então seja meu por inteiro também, aceite tudo que tenho para te dar, inclusive meu
amor.
O abraço e ficamos por bons minutos em pé, eu me recupero do que ele havia dito e estaria
mentindo se dissesse que não quero encontrar todos mortos. O acho forte o suficiente por viver
com tudo isso e ainda conseguir lidar, foi do jeito dele, mas isso o tornou o que é hoje. Ou
apenas desencadeou tudo.
— Sempre aceitei tudo vindo de você, desde as coisas boas e as ruins, aceito de bom grado
tudo que me oferecer. — Um sorriso ladino se forma em seus lábios.
A mão de Hades desliza e acaricia minha bochecha, desce lentamente em meu pescoço,
levando calafrios por todo meu corpo, com o dedo desenhando minha clavícula que, com a perda
de peso, está visível. A ponta de seu dedo desliza pelo vale entre meus seios.
Eu puxo a camisa e a deixo cair ao meu lado, ele olha cada parte do meu corpo e seu dedo se
enrola na alça de meu sutiã rendado, o puxando para o lado. Levo minhas mãos na altura do
fecho em minhas costas e o retiro também, sentindo o ar frio em meus mamilos.
Mas, sentindo seu olhar quente sobre eles, meu corpo esquenta. Vidrada em seu olhar
escurecido sobre mim, a mandíbula travada. Ele dá um passo e eu me sento, ficando a altura de
sua cintura. A protuberância em sua cueca já me indica que a conversa está indo para onde eu
desejo, eu passo a língua pelos meus lábios. Hades se agacha e, com calma, me empurra para que
eu me deite, meu peito desce e sobe, estou ansiosa para o que virá. Apoio meus cotovelos no
colchão e ele, ainda me olhando, apoia meus calcanhares em seu ombro, tem um sorriso perverso
em seus lábios. Me falta ar.
Hades beija o interior de minhas coxas, e logo desliza para a minha virilha, meu corpo se
acende e anseio por mais, ele não enrola e retira minha calcinha. Minha boca se abre quando ele
a cheira.
— O cheiro é bom e o gosto viciante, a droga que sempre precisei. — Então a deixa cair no
chão.
— Deus… — sussurro, tombando a cabeça para trás, em completo choque.
— Espero que chame por mim quando começar.
Então, quando levanto minha cabeça novamente, Hades mergulha sua boca em minha
intimidade, fazendo com que eu revire os olhos e agarre os lençóis enquanto sinto sua língua em
meu clítoris. Ele beija e chupa, aperto sua cabeça com minhas pernas pelo extremo de sensações
que meu corpo está sofrendo, mas as abro novamente. Meu corpo entra em combustão, eu me
contorço em sua boca e sua mão desliza para minha bunda, me puxando mais para sua boca e eu
gemo alto quando atinge o ponto certo. Aperto meus seios e belisco meu mamilo, sentindo um nó
no estômago, ou algo como um redemoinho ali fazendo com que sinta meu corpo parar.
— Hades… — gemo e minha voz falha, e com uma mão agarro seus cabelos, os puxo
quando ele chupa com intensidade.
Seus dedos trabalham, me penetrando com rapidez, e quando o dobra dentro de mim, meus
lábios tremem do quão prazeroso havia se tornado sua língua e mão em sincronia.
Sinto o orgasmo se aproximar e fecho os olhos a cada momento que ele brinca e desliza sua
língua por toda minha boceta como se precisasse disso, como se eu fosse seu maior alimento. E
Hades me devora sem dó e com gosto, meu corpo agora treme e, quando ele dobra novamente
seu dedo e chupa meu ponto, a explosão acontece, fazendo com que meu gemido ecoe alto pelo
quarto.
De forma alucinante e única, como se minha alma saísse e voltasse. Aliás, acho que foi e
nunca mais voltou.
O lençol abaixo está encharcado e, quando tento sair, ainda trêmula, Hades me agarra pela
cintura e me puxa para cima, nos colocando no meio da grande cama. Meu rosto queima e meu
corpo mais ainda, os olhos de Hades não são diferentes disso. Luxúria e desejo.
Apoio minhas mãos em seus ombros e deslizo pela sua pele macia, está vermelho, lindo.
Quero olhá-lo como jamais o tinha visto antes, como ninguém o olhou, um pleno esplendor de
corpo sem vestes. Vê-lo como as esculturas gregas de mármore, ansiar por isso sempre, o quero
da cabeça aos pés.
Perfeito em suas imperfeições.
Se encaixa tão bem em minha parte quebrada.
Eu o beijo com vontade e ele deposita seu peso todo contra mim, roçando sua intimidade a
minha que pulsa novamente por ele, para recebê-lo. Cesso o beijo quando o percebo retirando
sua cueca, ele abre os olhos e me passa uma segurança jamais sentida, sempre foi ele.
— Primeiro, eu vou devagar… — Hades sussurra, sua voz rouca me deixa em transe.
— E se não der? Eu não tomo anticoncepcional e...
— É aqui que eu vou me encaixar melhor do que em qualquer outro lugar. — Ele beija o
canto de minha boca. — Prefere com preservativo?
Observo seu nariz afilado, lábios carnudos e rosados e a sensação de sua pele na minha, eu
preciso sentir Hades por inteiro.
— Quero te sentir, sem nada.
— Então agora abra bem as pernas para me receber, rainha.
Assim o faço, ele primeiro desliza os dedos, vendo que estou lubrificada o suficiente.
Primeiro eu sinto a ponta de seu pau em minha entrada úmida, ele começa lentamente e a
ardência começa enquanto ele desliza.
A dor é instantânea.
— Faça a dor ser de uma vez só — peço com os dentes trincados e fecho os olhos.
— A dor é prazerosa, aproveite cada minuto — sussurra em meu ouvido.
Hades dá pequenos beijos e agarra um dos meus mamilos entre os lábios, meu corpo vai de
encontro a ele com o misto de sensações, sua língua brinca e seus dentes mordiscam mais firme.
Então ele para, sinto sua respiração pesada em meu pescoço, ele apoia seu cotovelo ao lado
de minha cabeça e com a outra mão aperta minha coxa. Os movimentos de vai e vem são lentos,
de olhos fechados afasto a dor e então... o prazer.
Meu corpo relaxa, se acostumando e recebendo seu comprimento de bom grado, me
preenchendo.
— Preciso de mais — gemo, passando as unhas em suas costas, virando o rosto.
Ele ri rouco.
— Olhe para mim — ordena, assim eu faço. — Quero ver como fica sendo fodida com
força.
Hades coloca minhas pernas por cima de seus ombros, uma em cada lado de sua cabeça, e
sai de mim. Eu arregalo os olhos e, antes que pergunte, ele se afunda em mim com força, fundo
e, puta merda, sou preenchida. Ele começa as estocadas fortes e sinto como se estivesse indo
mais fundo.
Atingindo cada parte minha adormecida, me preenchendo com todas as sensações boas
possíveis por todo meu corpo. Hades beija meu pescoço e morde de leve meu queixo enquanto
seus movimentos ficam mais intensos.
— Porra — ele geme, finco minhas unhas em seus ombros e tombo a cabeça para trás, me
abrindo mais para Hades.
Eu preciso dele mais do que imaginei.
— Oh, céus. — E parece que eu estou mesmo no céu.
Minha visão embaça com o atrito de suas estocadas, eu coloco meus dedos entre nós e me
estimulo, gemendo contra seu ouvido. Vejo seus músculos se contraindo. O suor toma conta de
nós dois, o seu pinga entre meus seios vermelhos, a dor e o prazer se misturam de maneira com
que me faz sentir o orgasmo novamente se aproximando.
— Hades — choramingo, minhas mãos descem até minhas coxas e eu as aperto. O prazer é
intenso.
Ele desce minhas pernas de seu ombro e sai de dentro de mim, choramingo com a sensação
de vazio, ele me vira e faz com que eu fique de quatro. Com as pernas, ele afasta as minhas, que
estão bambas, e deita minha cabeça no travesseiro, tendo toda minha visão por trás. Eu aperto o
lençol, nervosa.
Mas movimento meu quadril contra seu membro em minha entrada, necessitando de mais.
Hades me dá um tapa e eu reprimo um gritinho, mais um gemido me escapa quando ele desliza
mais forte para dentro de mim e arranha minha bunda, no mesmo lugar em que deu o tapa.
As estocadas são mais intensas e fortes, mais do que antes.
— Eu sempre soube que o paraíso é dentro de você, Heather. — Tento levantar minha
cabeça para encará-lo, mas tudo em mim desmorona quando Hades pressiona meu clítoris
enquanto me fode.
Não consigo falar, não consigo emitir nenhum som a não ser os gemidos que eu estava
segurando com a cara no travesseiro. Minha cabeça bate na cabeceira da cama, o que eu também
tento impedir. O redemoinho se forma em meu estômago avisando que o orgasmo está quase lá.
— Eu estou quase… — gemo, ele pressiona novamente enquanto empurra fundo. — Por
favor, Hades.
O barulho de nossas peles se chocando uma contra a outra é o som que eu nunca enjoaria de
escutar. Eu rebolo contra ele, sentindo meu corpo quase convulsionar, já não tenho controle
sobre mim, tudo vai de encontro a ele.
— Chame por mim. — Ele puxa meu cabelo, mas as estocadas continuam quando preciso
me empinar mais. — Chame por quem te fode, por quem faria tudo por você, chame pelo meu
nome.
Seguro em sua mão, que aperta firme meus cabelos, e choro, sim, eu choro com o orgasmo
me atingindo de um jeito que eu perco a noção por segundos, intenso e mortal, meu corpo
convulsiona com a sensação e a cama se encharca com toda minha excitação sendo liberada.
Gemo seu nome enquanto ele continua me fodendo, meu orgasmo se intensificando.
Eu morreria com isso, meu coração acelera e perco o que resta das minhas forças. Mas não
muito tempo depois, ele me coloca de volta na posição de quatro e sinto seu orgasmo escorrer
dentro de mim e pelas minhas pernas. Tombo de bruços e ele acima de mim, sem sair ainda,
meus olhos ficam pesados e nossos corpos estão suados demais, quentes, juntos, quase como um
só.
— Acho que vou morrer — sussurro.
Ele parece rir, já que seu corpo treme acima.
— Acontecerá muitas e muitas vezes se depender de mim.
Hades beija meu ombro e se levanta, eu não me mexo, nem olho o que ele faz. Escuto o
barulho de água e a cama afundando ao meu lado. Ele me vira e me sinto uma boneca, já que
todo meu corpo clama por descanso.
— Coloque isso entre as pernas. — Ele me entrega o pano úmido e morno. — Não te darei
descanso pelos próximos anos, essa será a única noite que dormirá.
Reprimo um sorriso e coloco o pano entre as pernas doloridas, eu estou acabada, mas
realizada. Quando se deita, já com sua cueca, ele me puxa para seu peito e percebo as marcas de
unha em seus ombros.
Hades se mostrou para mim de uma maneira jamais vista, de dor me levou ao prazer. A
montanha-russa de emoções dá vida ao que somos, e somos quebrados para se completar.
Eu agora o tenho por inteiro.

Observo Hades dormir, estou encantada e acabei acordando até mais cedo para que eu
conseguisse o vigiar. Logo o que eu abominava em Hades, estou fazendo igual, mas é impossível
não ver como ele é lindo. O sol entra pela janela e ilumina uma parte de seu rosto, ele se mexe
um pouco, mas não acorda. O quanto desejei acordar ao seu lado não está escrito, todo esse
tempo eu senti sua falta e agora, nem se ficássemos vinte e quatro horas juntos, compensaria.
Ele desperta tudo de bom em mim, mas também os demônios que deixo bem guardados.
Com esse pensamento, lembro da ameaça de Folk, ela não me tiraria ele, não tiraria sua
confiança em mim e muito menos nossa paz. Eu teria que calar Folk, do meu jeito…
Mais tarde, quando chegamos no restaurante do hotel para o café, sento lentamente na
cadeira, meu corpo está dolorido, principalmente minhas partes baixas. Vejo que Ava e Noemia
me olham.
Hades olha algo no celular de Elliot, Kairon conversa com Magnus sobre a surra que deram
nos garotos de Fallen.
— Por que tem uma mordida no seu queixo? — Noemia sussurra, aproximando para ver
melhor.
— Não é uma mordida — sai alto demais.
— Quem te mordeu, Tinker? — Magnus pergunta. Trazendo a atenção de todos para mim.
— Oh, isso parece com os dentes perfeitos de Hades... — Elliot provoca.
— Você quer que eu afunde a sua cara a essa hora da manhã, Elliot? — Hades o ameaça, ele
levanta as mãos.
— Calma aí, Diabo. — Elliot diz, com as mãos em seu peito. — Estamos contentes que
finalmente somos o grupo dos transantes.
— Pelo amor de Deus, é da minha irmã que estão falando. — Kairon tampa os ouvidos e
abaixa a cabeça.
Hades vira o rosto, segurando uma risada, Magnus e Elliot explodem em uma gargalhada
que chama a atenção do restaurante onde estamos.
— Você não pode me dar um celular. — Eu retiro o cinto e me viro para ele.
Hades desliga o carro e apoia o cotovelo na janela da porta, descansando sua cabeça em suas
mãos.
— Posso, estou fazendo exatamente isso.
— Eu não quero isso, eu já ia comprar outro e...
— Céus como você enrola, eu não estou perguntando se você quer. — Ele aponta a caixa
para mim novamente. — Ele vai ser seu.
Eu viro o rosto para a entrada da escola e escuto Hades bufar, ele respira fundo umas duas
vezes.
— Aceitaria se eu falar que é seu presente adiantado?
Olho de volta para ele e sorrio sem mostrar os dentes, então pego a caixa.
— Presentes são sempre bem-vindos. — Eu me aproximo, envolvendo meus braços em seu
pescoço, o puxando para mim, e dou um selinho demorado.
Selinho esse que vira um beijo lento, com sua língua brincando com a minha. Logo sinto sua
mão subir no meio de minhas pernas causando arrepios. Solto a caixa e o puxo ainda mais,
cortando qualquer distância entra nossos corpos. Sedenta demais pelo seu toque, sabendo que
todo o sentimento adormecido está despertando intenso e sem controle, eu nunca mais o
controlaria, nunca mais o esconderia.
Encosto minha testa na sua, ofegante, de olhos fechado e sentindo o aroma de menta e do
meu perfume doce se misturarem. Eu não quero sair de seus braços nunca. Porém, então, a porta
ao meu lado se abre e me ajeito, encarando Magnus e Elliot.
— Terá que dividir seu homem com as duas amantes. — Elliot aponta para ele e Magnus. —
Vai mesmo querer competir com as duas amantes?
Eu solto um riso e pego a pequena caixa aos meus pés.
— Não existe competição se ele vai sempre me escolher. — Pisco para os dois que
debocham, logo depois brigam para ver quem vai na frente.
Paro, percebendo que eles estavam saindo do colégio. Então giro os calcanhares e vejo
Hades me olhando.
— Para onde vão? — Eu coloco uma mão acima de meus olhos, os protegendo do sol para
enxergar melhor.
— Eu te conto quando voltar. — Então ele arranca com o carro, quase atropelando Peter que
vem na minha direção, e meu amigo grita, um grito bem agudo.
Eu torço os lábios, desaprovando essa implicância com Peter, que é gay e nunca me olhou de
outra forma, a não ser julgamento as vezes em que meu cabelo esteve despenteado. Hoje é um
desses dias.
— Pelo visto você não o odeia mais, porém, ele continua tentando me matar. — Ele me
abraça e caminhamos juntos para dentro.
— Ele, um dia, se acostuma com a sua presença. — Meus olhos caem para seu pescoço com
um enorme hematoma. — Nossa, mas que chupão horrível, Peter.
Eu tento tocá-lo e ele se afasta.
— Acho que me empolguei com meu ficante cem por cento fixo. — Ele bagunça meus
cabelos. — E você parece diferente, a pele não parece ser de alguém que morreu há dias.
Ele alisa minhas bochechas e depois pega uma mecha de meu cabelo.
— Parece leve, diferente… — Eu puxo a mecha de sua mão e volto a andar pelo corredor.
Peter me segue e eu seguro o riso, talvez uma tola por lembrar da viagem a Fallen, mas foi
tão... excitante.
— Você… — Ele me para e eu gargalho. — Sua vadiazinha, você deu e deu muito. — Me
desespero, olhando para os lados e tampando a boca de Peter, por sorte, não tem muitas pessoas
por perto.
Voltamos a andar em direção a nossa sala e Peter se inclina até mim.
— É grande?
— Peter — o repreendo.
— O que foi? Ele tem cara de ter tudo grande.
Então entramos na sala rindo. Por sorte, a professora ainda não está, então vejo as meninas
sentadas no mesmo lugar que costumamos sentar.
— Você e esse novo amor… — eu mudo de assunto com Peter enquanto nos sentamos ao
lado de Ava e Noemia. — Estão muito sérios? E como vai ser pra esconder do seu pai?
Peter torce os lábios.
— Decidi que contarei em breve.
— E vai apresentar?
— Uma coisa de cada vez. — Peter bagunça meu cabelo.
Eu bufo e me viro quando a professora entra, Peter aproveita e diz, atrás de mim, algo sobre
fazer uma trança em meu cabelo, já que está horrível, e eu concordo. Chegamos tarde da pequena
viagem e acordei atrasada, mas percebo que a professora acordou mais ainda.
Por mais que eu esteja com ódio e farta de Liam, eu preciso saber onde minha mãe está e ele
é o único que pode saber. Passei a me perguntar: onde estão Louise e Eloah?
Essas duas consomem minha mente. Me sinto amarga em lembrar de mamãe, meu coração
parece estar entendendo toda essa merda, mas meu cérebro está doido para esquecer. Eu afogaria
meus sentimentos com álcool e embebedaria as borboletas para que voassem por todo meu corpo
em zig-zag, mas eu preciso parar, já que agora poderia causar um sofrimento maior.
Por mais que Hades seja obcecado por mim, talvez, quando souber sobre minha impureza,
tudo mude. Isso é um vício? Eu estou virando uma mentirosa como Louise, como Eloah. Talvez
eu o machuque mais se o deixar descobrir isso e eu não posso trazer mais sofrimento. Mas ele
algum dia vai descobrir. Hades tem um pacto com o Diabo para saber sobre tudo. Eu não duvido
disso.

Havia apenas o time de futebol treinando e o pessoal do teatro na última torre do colégio, o
treino de rugby havia acabado cedo, visto que hoje é apenas um aquecimento. O vestiário esvazia
aos poucos enquanto coloco cada acessório do meu uniforme.
Dentro de meu peito e cabeça carrego algo que Louise sempre me dizia: não existe ameaça
se você agir primeiro. Talvez ela, um dia, se arrependa de ter me dito isso. Mas, agora, eu estou
sozinha e sem ela para resolver o que acabei atraindo, talvez eu esteja fazendo isso em nome do
que me transborda, talvez o que está me movendo seja o medo de ter destruído o único
sentimento que conquistei sem implorar.
Sim, isso seria em prol de um bem maior...
Olivia é a última a sair, então pego minha mochila, deixando o lugar. Ando para o lado
oposto da saída e vou para os fundos, onde ficam as salas dos professores. Olho em meu relógio
digital, que agora avisa sobre mensagens em meu celular novo, essa é de Hades. Eu leio.

Meu rosto esquenta com a lembrança do hotel.

Eu bufo uma risada e guardo o celular no bolso da mochila, quando viro o corredor, entro
para a ala da escadaria e me encosto na parede ao lado da porta. Olho em meu relógio, vendo que
falta apenas um minuto para as seis horas da noite, meu olhar levanta para a câmera virada para a
janela.
A porta ao meu lado se abre e eu bato forte o pé no chão, causando barulho.
— BUH — grito e vejo Folk se assustar, tropeçando em seus próprios pés.
Ela não consegue se segurar no corrimão e vai com tudo na escada, rola todos os degraus,
mas não grita. Eu escuto algo se quebrando e imagino que tenha sido seu pescoço. Mas, para
minha sorte, ela levanta a cabeça para me encarar com seu nariz sangrando e com um corte em
sua testa. Desço os degraus em pulinhos e me agacho um pouco distante dela.
— Você está bem? — pergunto e ajeito minha mochila nas costas. — Desculpa por assustá-
la, quero conversar.
Ela geme de dor quando tenta mover sua perna. Seu joelho está estranho, provavelmente
saiu do lugar, e por isso não consegue mais mexer.
— Chame alguém, Heather, por favor.
— Claro, mas só se prometer cuidar da sua vida a partir de hoje.
Folk parece perceber e paralisa, ela franze o cenho.
— Isso foi de propósito? E eu já avisei que irei falar com seu pai e Ah...
Com um passo largo, piso em seu joelho sem colocar tanto peso. Ela quase grita de dor e,
para minha sorte, aqui está vazio e assim ficaria por longos minutos, já que o time de futebol
demora nos treinos.
— Irei levar a polícia e a administração, isso é crime — choraminga, suor desce em sua
testa.
— Você não vai, e sabe por quê? — Folk encosta a cabeça na parede, me encarando. — Eu
tenho dinheiro e acabaria com você. Não vai me tirar o que tenho agora.
Seu olhar de medo me encontra, seus lábios tremem e lágrimas descem sem qualquer
esforço. Não quero ter que fazer isso, mas se algo ameaça a mim, teria que fazer alguma coisa a
respeito.
Se ele faria tudo por nós, por que eu não faria o mínimo?
— Metade das doações desse colégio são dadas pelos meus pais, Folk. Não há opções.
— Olivia me avisou que era dissimulada e infelizmente não acreditei — murmura.
Me afasto, isso não me atinge.
— Não me importo com o que foi falado, espero que cumpra o que estou te pedindo.
— Pedindo? Você me agrediu, Heather, e está me ameaçando.
— As câmeras não dizem isso, olha onde estamos, Folk. — Eu aponto para onde poderia ter
câmeras, mas não tem. — Nada ao seu favor, aceite por bem ou por mal.
Ela me olha por breves minutos, se dando por vencida antes de abaixar a cabeça. Eu giro os
calcanhares, certa de que ela sairia o quanto antes desse colégio. Ou se manteria em silêncio, o
que é difícil já que teria que conviver comigo todos os dias. Eu estou fazendo isso por um bom
motivo.
Uma vez escutei Louise e James conversarem sobre quando eu e Hades ficávamos sozinhos,
sobre nossos momentos destrutivos. Principalmente quando atropelamos o meu antigo treinador,
isso talvez seja proteção a nós? Não? Eu posso justificar.
— Heather, o que você fez? — eu paro no meio da escada e vejo Olivia parada logo no topo.
Seus olhos estão vermelhos ao redor, olheiras fortes e os lábios ressecados. Não parece nada
bem.
— Quer participar novamente e depois me entregar? — pergunto com ironia, farta de Olivia.
— Você não está pensando em fazer o que fez da última vez, está?
Eu franzo o cenho, encarando Olivia, que desce o olhar para Folk atrás de mim, que
permanece em silêncio.
— Eu sabia que foi você quem contou a Louise sobre o que fiz com o diretor da peça, você
tem alguma obsessão por mim?
Olivia me olha.
— N-não sei o que está falando. — Ela dá um passo para trás.
— Sabe, oh como sabe, como sempre se metendo onde não é chamada.
— Você mentiu.
— Não.
— Eu só contei o que vi — ela reforça.
— Contou o que eu fiz e se retirou da história.
— O fim dele foi o mesmo, Heather, você sabe que eu precisava do dinheiro e Louise pagou
pela verdade.
Eu termino de subir os degraus e Olivia para a poucos metros de mim, respiro fundo. Eu
soube que Louise sabia de tudo desde quando se negou a falar sobre o que aconteceu com o
diretor. O fato dele ter me dado o papel principal, mas depois de descartar Olivia em todos os
testes, de ser rude com ela e não ter deixado que encaixasse Olivia em algum personagem da
peça me gerou raiva, disse a Louise, na época, que o diretor da peça se negou a me dar o papel
principal. O que era mentira.
Olivia me ajudou a cortar o figurino do meu personagem de fada, a sumir com as asas e
dizer que foi ele. Por que ele não fez do jeito que queríamos, aquilo me gerou arrependimento
logo após o feito. Ou após eu ser descoberta. Mas nada muda o fato de que minha até então
amiga da época decidiu me apunhalar, para a pessoa que não devia, seja qual fosse o motivo
daquilo. A impulsividade quase quebrou a confiança que Louise tinha em mim e não pude me
defender, já que ela não tocava no assunto.
E nunca perguntou a minha verdade.
— Então se retrate fingindo que não viu, você me ajudou no dia e mesmo assim agiu como
se não tivesse feito nada, como se o motivo não tivesse sido você também. — Eu aponto para
ela. — Me chama de dissimulada, mas qualquer quantia te compra.
Eu falo, me aproximando e ela já não se afasta.
Olho em seus olhos enquanto ficam marejados, falsa e hipócrita, não tem moral nenhuma
aqui se todo feito de ambas foram para benefício próprio. O dela principalmente.
— Sua mãe continuaria te amando pelas coisas mais cruéis que pudesse fazer, Heather,
minha madrasta me expulsaria — ela fala e seus lábios tremem. — Nossa realidade sempre foi
diferente.
Com isso, ela esbarra em meu ombro e desce as escadas, passa por Folk sem sequer olhá-la e
some ao final da escadaria.
Encaro o GPS que me mostra a localização exata de Heather, além de seu relógio já ter o
rastreador, eu dei o celular com ele também. Então eu sempre saberia todos os passos dela, todas
as vezes que fui ao seu encontro foi por isso, eu não a perseguia como um lunático usando um
boné e me escondendo entre as árvores, eu a rastreava. Isso evita desencontros.
A vejo se aproximar da lanchonete em que estou com Ava, que mandou mensagem dizendo
ter coisas para me contar, coisas preocupantes, e a conversa só me interessou quando o nome de
Heather foi dito.
Minha rainha da mentira.
Me surpreende ver que ela sempre tenta esconder algo de mim ou mente, depois que contei a
verdade a ela sobre o vídeo, e mais tarde fui em seu quarto verificar se ela, de fato, estava bem
com tudo que descobriu, achei estranho quando a vi dormindo no chão e olhei debaixo da cama,
que era onde ela estava bem próxima, vendo a garrafa de vodca vazia. Queria ver até que ponto
ela iria, eu cortaria todos os seus acessos para isso, faria do meu jeito.
Tudo sobre a rainha passa pelos meus olhos
Me irrita a forma de escape que ela se agarrou, mas seria hipocrisia minha julgar o que seria
o certo quando me presto ao papel de ser socado por um dinheiro que nem preciso, apenas para
descarregar o que carrego durante o dia. Ou anos. Eu cortaria antes que vire um vício que vá
além, que a faça procurar sempre por outras merdas mais pesadas.
— Estou esperando, Ava, pode falar. — Gesticulo para que ela comece, a loira revira os
olhos.
— Ela te contou quem viu há poucos dias?
Me endireito na cadeira, prestando atenção. Eu nego em um aceno.
— Cole a aterrorizou no corredor do prédio de Peter, acho que ele anda a perseguindo… —
Ela para de falar e olha para Heather, eu não me viro para ela. Sinto sua presença.
— Hades não me contou que estava com você — Heather fala e se senta ao lado de Ava.
Agora sinto também meu sangue esquentar em saber disso, em saber que ele está mais perto
do que imagino e que o encontro naquela noite em que chegou em casa bêbada, não seria o
único. Ele estava atrás dela para se vingar do que fiz com ele, mas me pergunto agora o porquê
de todas ali, ele foi na que não seguia os padrões que ele normalmente se envolve, loiras, altas,
isso tem me consumido, e agora muito mais.
— Engraçado, você também não me conta muita coisa — falo, a encarando, batuco com a
ponta dos dedos a mesa e Heather franze o cenho.
— Está bem — se limita, e depois se vira para Ava. — O jantar para comemorar o meu
aniversário será no sábado, não se atrase.
— Bem lembrado, já que lembrou desse assunto com ela, se lembre também em me contar
sobre Cole. — Apoio meus cotovelos na mesa e olho em seus olhos, ela fica estática.
Heather não pisca e muito menos se move, ela desvia o olhar para Ava, que abaixa a cabeça
e depois volta a me encarar. Parece nervosa enquanto se ajeita no banco, seus sinais de
nervosismo são esses, o desconforto onde está e o suar das mãos. Dito e feito, ela abaixa as mãos
e seca em sua saia do colégio, mas seus ombros relaxam.
— Eu iria contar, mas também achei que estivesse resolvendo.
— Como eu vou fazer se não abre a porra da boca para me contar quando vê ele? — Eu
bato, não muito forte, na mesa e as duas pulam de susto, eu me afasto. Me contenho, colocando a
mão em minha perna. — O que ele te disse?
— Ameaçou a nós dois — ela se apressa em dizer.
— E isso foi aonde?
Heather olha para Ava, que limpa a garganta e levanta o queixo.
— Na casa de Peter. — Heather a atropela, mas parece com raiva. — Você não vai falar
comigo nesse tom, muito menos bater nas coisas para mostrar algo.
Eu a observo ter uma atitude e reprimo um sorriso, eu gosto quando ela se impõe. Gosto
quando começa a tomar as rédeas das situações.
— Quando fui até você contar sobre o que aconteceu, tivemos que resolver outro assunto e
logo depois veio a viagem a Fallen. Não foi premeditado esconder isso de você, não gosto dessa
situação tanto quanto você. — Heather aponta para mim, enquanto diz as últimas palavras
entredentes.
Concordo com um aceno lento com a cabeça, Ava me olha com o deboche de sempre,
apoiando a amiga. Mas sua expressão muda para assustada quando a porta da lanchonete bate
com força, me viro a tempo de ver Elliot acertar um soco em meu rosto. Não tenho tempo nem
de assimilar sua presença. Com paciência, levo a mão e esfrego minha mandíbula, esperando seu
breve surto.
— Eu atrapalho o ménage? Ou vou ser o último a saber disso também?
— Do que você está falando? — Heather pergunta, tenta se levantar e vir até mim, mas
Elliot a para. Ela se senta, me olhando preocupada, apenas sorrio para confortá-la.
— Oh, você não sabe que seu namoradinho psicopata filha da puta escondeu de mim que sua
melhor amiga sai com homens mais velhos? — Elliot diz tudo de uma vez só e Ava se levanta
irada, mas Heather, no meio dos dois, a segura no banco. Ele agora me olha. — Se escondeu,
então gostaria de ter outro no seu jogo?
— Você não fica comigo, e sim com ela, eu não me intrometo nessa merda de vocês. — Me
levanto e fico de frente para ele. — Se tem outro na jogada, é porque você é um covarde. Não
divido minha mulher.
Encaro Elliot, que se aproxima ainda mais, cego de raiva por ter descoberto depois que
seguimos a última localização de seu celular hoje de manhã. Kairon deve ter comentado sobre eu
saber, já que ele não liga para nada e diz sem preocupação quando o perguntam sobre qualquer
merda dos outros.
— Rastreador? — ela repete brava. Elliot então sorri vitorioso.
— É o que eu sempre falo, não dou espaço para dúvidas. — Ranjo os dentes de raiva. Eu o
aliviaria, só dessa vez.

— Está bravo? — acelero o carro subindo a rua, seu corpo é lançado de volta para o banco.
— Que história é essa sobre rastreadores?
Pego meu celular com a outra mão e entro no sistema de câmeras da casa de Heather, essa
não é a melhor forma para que ela descubra sobre como eu a encontro, estou puto com Elliot por
ter contado assim de uma vez.
Eu não tenho culpa se Ava encontrou outro tipo de diversão, se ela pediu que eu não
contasse para ninguém e assim eu fiz, ela que tenha as consequências pela sua vida dupla, e não
eu.
Volto minha atenção para o celular e desativo o sistema por quarenta minutos, que era o
tempo máximo para não perceberem o congelamento de imagens, o carro derrapa na entrada e
Heather sai. Hoje os papéis se inverteram e ela está com raiva, por um lado isso me excita e
muito, espero conseguir algo disso.
Dou a volta no carro e entro na casa logo depois dela, seu pai está viajando e voltaria apenas
para o jantar de aniversário, jantar este em que James e alguns sócios vem a sua casa.
Liam está muito sociável, o que me é estranho. Eu faço questão de vir também, já que o
restante do pessoal viria. Um outdoor escrito "confusão" era para estar na porta no momento, já
que era isso o que ele provavelmente queria. Se ele pensa que conseguiria tirar Heather de mim
novamente, ele está muito errado.
Entramos no corredor do escritório de seu pai, então ela se vira de braços cruzados.
— Você não pode ficar bravo comigo — dispara, eu a olho de baixo para cima enquanto me
aproximo. — Eu que deveria estar.
Sempre soube que tínhamos uma certa ligação, somos levados para lugares que o outro
planejava ir, ou querer fazer algo que o outro já estava pensando.
E era exatamente aqui que eu a queria.
— Não estou com raiva, meu amor — falo baixo.
— Qual a porra do seu problema em me rastrear? Isso é verdade?
Balanço a cabeça lentamente, confirmando enquanto a encaro, eu jamais mentiria para ela.
— Não confia em mim? Que tipo de relacionamento é o nosso que você controla meus
passos?
Parece, agora, muito puta com a situação, seu rosto está vermelho e ela gesticula bastante.
— Eu confio em você, mas não confio nos outros.
— Que se foda. O celular, você me presenteou para isso... — ela para e respira fundo.
— Não te rastreio apenas por ele, eu tenho o controle sobre tudo que envolve você.
— Eu não quero mais essa merda. — Ela levanta o celular e o bate no meu peito. — Não se
dê ao trabalho de negar.
Sorrio ladino com sua aproximação.
— Jamais mentiria para você, confiaria em alguém que mente? Seja sincera.
Heather engole a seco.
— O assunto não é esse, você não vai me controlar e mudar o foco do assunto.
— Tem certeza?
Sem perceber, havíamos andado até metade do escritório de seu pai. Com sua mão ainda
segurando seu celular contra meu peito, ela percebe e começa a ficar nervosa. O medo toma
conta de seu rosto quando olha em volta.
— Precisamos sair daqui, meu pai vai nos matar. — Ela tenta passar por mim, mas a paro.
— Sempre imaginei os lugares que eu poderia te foder, os que eu tinha muita vontade... —
Eu envolvo seu pescoço com minha mão, travando a minha mandíbula. — E vou realizar um
desses desejos agora.
— H-ades. — Ela leva suas mãos a minha em seu pescoço.
Eu fecho a porta atrás de mim com os pés e, a passos lentos para que Heather não se
desequilibre, caminhamos até ela encostar na mesa. Seus olhos estão arregalados enquanto olham
para mim, procurando algum vestígio de que eu estou brincando.
Mas quando se trata de possuí-la, eu nunca brinco.
Me afasto um pouco, olhando para suas coxas, e logo subo o olhar para o seu decote,
mostrando pouco de seu sutiã rendado preto, não solto seu pescoço e a mantenho parada a minha
frente.
Levo minha mão livre a subir entre suas pernas, deslizando-a pela sua calcinha. Heather
estremece e suas mãos apertam a beira da mesa, se firmando no móvel.
Eu molho meus lábios e rio rouco.
— Ainda quer ir embora?
Heather me encara séria.
— Não.
Sem esperar mais, eu a puxo para um beijo. Ela parece derreter em minhas mãos quando as
deslizo para a sua nuca e enfio meus dedos entre seus cabelos, a puxando mais para mim,
intensificando o beijo. Heather joga seu quadril contra mim e geme entre meus lábios, suas mãos
entram por dentro de minha camisa e sinto o rastejar em minha pele. Os pensamentos quase me
engolem por causa de seu toque, mas repito para mim.
É apenas Heather.
É o toque que precisava.
É a única que me purifica e tira o rastejar de mim.
É apenas Heather.
Cessando o beijo, me afasto alguns centímetros para olhar aquela que me encara com o olhar
pegando fogo, com fome, com sede, entregue para mim.
E mesmo depois de anos, a coisa aqui dentro crescia sedento por ter sempre mais de
Heather, a obsessão que eu sentia por ela ia além de qualquer um que tentasse contra o que
tínhamos.
O que me alivia é a reciprocidade. Ela só finge bem melhor do que eu.
Beijo seu pescoço e desabotoo os primeiros botões, mas, sem paciência, estouro os que
restaram. Sem esperar mais, eu afasto seu sutiã, deixando seus seios amostra, seus mamilos dão
um puta sinal de excitação. Assim como dentro de minhas calças que meu pau lateja.
Trilho um caminho de beijos e chupões pela pele branca de Heather, que briga mentalmente
entre deitar sobre a mesa ou não, mas quando chupo seu mamilo, ela geme e se deita. Brinco
com a língua nele e mordisco, a fazendo arquear as costas sobre a mesa, então alguns papeis vão
ao chão.
— Merda — ela murmura.
Eu paro e me afasto, então me ajoelho entre suas pernas, ela se senta novamente.
— Preciso aliviar seu estresse, rainha.
— Sim, eu ainda estou brava com você — diz ofegante, enquanto me encara.
— Você terá duas opções, foder comigo com raiva ou foder comigo como forma de aceitar
minhas desculpas.
Ela me fita com seus cabelos bagunçados, que caem de um lado de sua cabeça, os lábios
rosados e os seios expostos, fodidamente lindos, a deixam como uma verdadeira obra-prima.
Mas ela é o tipo de obra única, feita apenas para que eu observe. Não deixaria nunca que
outro alcançasse o privilégio que apenas eu tenho, o de tocar, de admirar, de encher os pulmões e
falar que ela é somente minha.
Então, ela não é qualquer obra-prima, Heather foi planejada, desenhada e esculpida somente
para mim.
— Prefiro com raiva — é quase um sussurro.
Heather usa seus pés para me indicar que deveria me levantar, então me empurra para trás
com eles e caio na poltrona de frente para a mesa. Eu me ajeito, enquanto admiro sua
aproximação.
— Você ainda me surpreende com essa merda toda — sua voz é calma, sinto minha
pulsação endurecer ainda mais quando sua mão alisa meu membro por cima da calça. Eu dou um
meio sorriso.
Ela desabotoa a calça e a arrasta, eu levanto meu quadril, facilitando ainda mais. Sem
demora, ela arrasta a cueca, então, quando meu pau salta para fora, Heather o encara e molha os
lábios.
Seu olhar manhoso em minha direção enquanto começa a me masturbar faz com que eu
feche os olhos para que não goze rápido. Merda, essa maldita conseguiria qualquer coisa com
esse olhar.
Até me faria virar um maldito precoce.
— Puta que pariu — murmuro quando ela chupa a glande e passa a língua.
Os movimentos são repetitivos e sua boca desliza por toda minha extensão, abro meus olhos,
vendo que me olhava satisfeita... safada.
Então ela já está de pé novamente e retira sua calcinha, mas a saia ainda está ali. Ela joga o
tecido no chão e, devagar, como uma tortura, apoia uma perna em cada lado de meu corpo.
Minhas mãos pousam em sua bunda, então dou um tapa, certo de que ficaria a marca, ela dá um
pequeno pulo.
— Isso vai deixar marca — afirma e então bufa uma risada, enquanto se inclina para mim.
Eu estalo a mão no outro lado, posiciono meu membro em sua entrada e a outra mão desce
Heather sobre ele, engolindo por inteiro. Ela tomba sua cabeça para trás e apoia as mãos em
meus ombros. Sedento, eu agarro um de seus seios entre meus dentes e ela geme.
Eu sugo seu mamilo enquanto ela cavalga bruto, já que estava colocando um pouco de
pressão em seus quadris. Heather rebola e finca suas unhas em meus ombros, sinto suas paredes
apertarem contra mim, então ela me olha.
Há luxúria em seu olhar, desejo e tanto fogo que eu ficaria em chamas por ela sem um
mísero questionamento.
— Eu preciso de mais — geme, com a boca entreaberta.
Tocando sua testa na minha, sinto as primeiras gotas de suor descerem e, também, que iria
gozar a qualquer momento, mas não antes dela. Desço minha mão entre nós e faço movimentos
circulares, esfrego seu clítoris enquanto aperto a cintura de Heather para que cavalgue mais, indo
mais fundo.
— Caralho — falo rouco.
O barulho de nossos corpos se chocando é o melhor som que eu poderia escutar, seu gemido
em meu ouvido, seus seios rígidos enquanto se movimenta em cima de mim.
Tudo que sobre nós é intenso o bastante para que acabe com tudo a nossa volta.
— Eu te prometi que te foderia todos os dias, estou cumprindo.
— Sim — ela diz, perdida em meio a gemidos.
— Você é minha, Heather?
Ela acena com a cabeça, mordendo os lábios enquanto senta em meu pau com toda sua
maestria, com toda sua vontade.
— Só sua...
Ela revira os olhos e então me beija, mas dura pouco quando decide morder meus lábios.
Não ouso puxá-los, mesmo sentindo a dor de ser cortado. É bom, tudo vindo dela é um presente,
e eu os receberia.
Isso foi o meu fim.
Com o gosto de sangue invadindo minha boca, sua boceta aperta todo meu membro que
jorra dentro dela sem desperdício algum, e então suas pernas tremem e Heather cai por cima de
mim sem força alguma.
O cheiro de sexo e de seu shampoo são viciantes, como poderia ficar longe de uma droga
dessas? Como pude esperar tanto? Tenho a certeza que valeu por cada ano sendo odiado.
Agora finalmente a tenho.
— Isso foi... — ela sussurra contra meu pescoço. — Isso foi muito intenso.
Rio com seu comentário.
— Isso foi do caralho, tomara que ele descubra — em partes uma brincadeira que eu
adoraria que se tornasse verdade.
Ela rapidamente levanta a cabeça e me dá um tapa no peito.
— Idiota, vamos subir, preciso de um banho.
Então ela se levanta e me sinto estranho, poderia ficar vinte e quatro horas do meu dia
agarrado a Heather, e mesmo assim tenho certeza que não seria suficiente. Meu peito e mente
agem estranhos enquanto a vejo se vestir e tentar ajeitar o que sobrou da blusa, me sentia
aquecido.
Me sentia... diferente.
James uma vez disse que eu destruía tudo que tocava, assim como Heather disse uma vez.
Mas e quando as coisas e pessoas já vinham quebradas para as minhas mãos? Eu não sou capaz
de consertá-la.
Minha rainha quebrada, mas que finge tão bem, maldita deusa da mentira e manipulação.
Eu estou mais vidrado do que nunca.
— Hades. — Levanto meu olhar em direção a Heather, com a voz trêmula.
Arrumo minha calça e levanto, indo para o outro lado da mesa onde ela se agacha e pega um
pequeno cartão.
Visita.
Hospital Psiquiátrico de Fallen.
Sempre fui muito competitivo, nunca aceitei perder, e muito menos me importo quando
trapaceio. É assim que funciona e é assim que faço no futebol em dias de campeonato, mesmo
que agora a temporada esteja se arrastando e os jogos sendo extremamente entediantes.
Parece que jogo contra os mesmos jogadores todas as vezes, me pergunto se eles se
espelham em quem já jogou com a Dinasty para fazer igual, fracassam como todos e nos
colocam no topo.
Mas mesmo se aparecesse um a nossa altura, seria esmagado como esse time de Fallen que
Magnus acabou atropelando um de seus jogadores. Eu digo que ele realmente passou por cima
dele e o jogo teve uma pausa para que fosse retirado.
Perdedores do caralho.
Eu corro para o banco e puxo a garrafa da mão de Kairon antes que ele a coloque na boca.
— Eu peguei isso primeiro — ele diz e tenta pegar de volta.
— Fique mais esperto. — Pisco, depois bebo a água. Eu engulo satisfeito e apoio um pé no
banco. — Sabe algo do hospital?
Kairon é muito bom com tecnologia e em enganar os outros, com certeza essa cara de sonso
do caralho o ajuda em muitas coisas. Como em saber se ainda existe alguma Louise lá ou se
passar por seu pai para conseguir qualquer informação, ele pesquisou até sobre todos os
funcionários. Ligou para alguns deles.
— Não dá para agir como se não tivéssemos descoberto isso antes — acrescento, enquanto
olho ao redor.
— Mas Heather descobriu agora e quer respostas — ele fala o óbvio.
Kairon diz, mas parece pensativo, então continua:
— Minha mãe não quer ser encontrada — continua, parece frustrado. — Eles disseram que
não tem nenhuma Louise Walker lá, nem mesmo com as características. Algumas semanas atrás
ela estava lá, eu liguei.
Descobrimos há algum tempo sobre onde Louise estava e decidimos manter em segredo, era
desnecessário contar a Heather. Não conseguimos descobrir o porquê de ela estar lá, não havia
diagnóstico pelas pastas médicas que eles guardam em sua casa, foi sem sucesso algum.
Agora, não sabemos de mais nada. Me envolvi em outros assuntos e esqueci o que mais
corroía Heather, que é sobre sua mãe.
— Que resposta vamos dar a ela se nem mesmo nós conseguimos? — Aperto a garrafa em
minhas mãos. — Eu não me importava com o lugar que ela estava, pelo menos sabíamos que ela
estava lá, mas em um segundo contato, Louise evaporou novamente.
— Ela não pode ter saído em tão pouco tempo.
— Em quantos níveis acredita que ela realmente saiu de lá? Aquele hospital é caro, Liam
pode ter descoberto de nossas ligações.
— Em nenhum nível, Diabo. — Ele revira os olhos. — De qualquer forma, irei a Fallen
depois do aniversário de Heather e vejo com meus próprios olhos, encontrarei algo. É minha
mãe.
Dou de ombros. Magnus aparece ao meu lado e chuta a lixeira ali perto, o juiz apita e Elliot
dá um tapa em sua cabeça.
— Expulso? Sério, caralho? — o último grita, irritado.
— Ele me xingou no primeiro tempo e não fizeram nada, eu tive que resolver isso. —
Magnus muito raramente explode em campo.
Aliás, ele nunca explode com o mínimo que seja, e isso me faz suspeitar que tem uma
pessoa envolvida nisso. Nem quando soquei seu rosto ele se irritou.
Esse não parece um estresse competitivo, parece externo, e ela nem o está assistindo hoje.
Eu me afasto, sem ouvir o esporro que Elliot começa a dar, e meu olhar sobe para a
arquibancada, o jogo hoje foi em nosso campo de futebol e isso evita a fadiga de dormir fora.
Meu olhar desliza na arquibancada, mesmo que eu tenha dormido com Heather todas essas
últimas noites escondido, e fodiamos em todas elas, eu não me cansava dela.
Havia levado Heather ao médico, e ela acabou colocado algo como DIU para evitar, mas não
cem por cento, sugadores de atenção, o que me alivia. A questão não é que eu não queira filhos,
é que eu preciso de tempo o suficiente para entender que teria que dividir a minha rainha.
Mas o importante nisso é que o anti-sugadores-de-atenção já foi colocado, eu não consigo
me controlar tanto quando estou dentro dela e isso poderia virar um problema.
A arquibancada está cheia de alunos das duas escolas, comemorando ou conversando,
enquanto rola o intervalo, mas meu olhar procura apenas a garota de cabelos escuros feito essa
noite.
Eu a encontro sentada entre o filha da puta Peter, que parece não entender o mesmo idioma
que o meu quando o mando cair fora para sempre. Noemia, que decidiu aparecer descabelada,
sério, eu a achava louca a maioria das vezes, e a maldita Ava.
Se eu já disse algo sobre admirá-la, corte isso e apague, continua sendo a que mais odeio.
— Ainda suspeita que Peter esteja atraindo Heather para Cole? — Eu vejo Elliot por minha
visão periférica enquanto fala comigo.
Mesmo com o acontecimento daquele dia, não víamos por que parar de nos falar. Mas ele
rompeu de vez com Ava e lhe prometeu seu ódio daqui em diante.
Heather toma minha atenção novamente, ao redor de seus olhos há manchas vermelhas e ela
se esforça ao máximo para rir do que falam. Isso me deixa agoniado, seu humor reflete muito em
mim e vê-la nesse estado me faz sentir como se eu estivesse doente. A quero feliz, eu farei com
que isso seja rotina.
— Ainda não me convenci que ele foi visto duas vezes por coincidência em seu prédio —
respondo, e agora olho para Elliot. — Kairon pesquisou sobre quem mora no prédio, disse não
ter nada suspeito.
— Então tem que ser Peter, mas dificilmente ele falará algo para a gente.
— Talvez fale para ela. Só preciso convencer Heather a pressioná-lo, quando digo
convencer, digo que eu vou ter que ameaçá-la.
Elliot me encara com uma sobrancelha arqueada.
— O quê? — Suspiro, impaciente com sua burrice. — Ela só funciona assim.
Passei essas últimas noites em claro, já que a cada soluço de seu choro, mais atenção eu
prestava nela, estava tentando localizar Louise novamente apenas porque veio à tona onde ela
estava, então teria que achá-la por Heather.
Eloah está fora de meu radar e pretendo tirar Louise também.
E logo tiraria Liam do meu caminho.
O fato de tudo estar indo a passos lentos entre nós é por ele. Heather tem uma necessidade
enorme em ter a aprovação de Liam, que me dá nos nervos, por causa disso não andamos juntos
pelo colégio e isso só acontece se for do outro lado da cidade. Ou ela não aceita ficar no mesmo
lugar que eu esteja mesmo que tenhamos acabado de foder.
Desde que a deixei em seu quarto para ir me aprontar para o treino, não consegui pegá-la
novamente. Sei que preciso dar seu espaço, mas quero que esse espaço seja ao meu lado, de onde
ela nunca mais sairá. Eu a puxo para mim da forma mais bruta, a forma como ela odeia ser vista,
sua outra face.
De um lado eu estava fazendo de tudo para pegar o desgraçado que a ameaçou e tentou tocá-
la. Na realidade, eu estava fazendo de tudo para que ela não tivesse que se preocupar com mais
nada.
Do outro lado estava louco para ter sempre sua atenção só para mim.
Não me importava com esse empurra-e-puxa desde que no final eu a tenha só para mim.

Finalizamos o jogo sendo campeões e haverá uma festa de comemoração na casa de


Magnus, já que a prefeita está novamente fora da cidade. O único com passe livre no condomínio
para as festas, privilégio, digamos assim.
Quando tomo um banho e me troco, o vestiário já havia esvaziado um pouco, encontro
apenas Ava parada perto da porta, esperando Elliot.
— Ele está aí dentro? — Ela para na minha frente.
Eu apenas a encaro, sem querer responder.
— Qual é, você me deve uma.
— Eu avisei que não me meto entre vocês.
Passo esbarrando em seu ombro e ela tenta me empurrar, mas é inútil.
— Por favor — diz alto e eu me viro. — Eu preciso consertar as coisas com Elliot, você é
uma ponte para que isso aconteça.
Analiso Ava, que dificilmente me pede algo, ela sempre está me insultando e eu não fico
muito atrás. Também, das quatro, ela é a que mais se esconde. Eu sabia de suas merdas apenas
porque ela foi obrigada a me contar por eu já ter encontrado ela e Olivia acompanhadas em uma
de minhas lutas.
Mas o problema foi que elas não estavam acompanhadas de meus amigos.
Alguns segredos precisam continuar sendo apenas segredos, ainda mais os sujos.
Normalmente, Elliot buscava pela sua atenção com aquela imagem de "não temos nada e
não rola sentimentos". Uma fachada do caralho.
— Pare de correr atrás dele e resolverá, é no que posso ajudar no momento. Elliot saiu pelo
outro lado a caminho da festa.
Giro os calcanhares e saio dali.
Odeio me envolver em qualquer coisa deles, mas, quanto menos eu ligo, mais gravitam em
minha direção sem que eu peça, as pessoas me contam coisas como se eu gostasse de saber um
monte de merda. E sempre que eu vejo algo, eu guardo para mim.
Porque, na realidade, eu pouco me importo.
A única coisa que me importa acabou de me olhar e apressar seus passos para a saída
enquanto puxa seu chaveirinho, o maldito Peter.
A alcanço e seguro firme em seu braço, eu empurro Heather contra o armário e Peter me
olha assustado.
— Você, vaza — falo para o garoto, ele sai apressadamente.
Meu olhar encontra Heather tentando sair de meu aperto.
— Vai continuar me evitando? Talvez eu precise fazer algo na frente do seu pai para que,
enfim, você pare de fugir de mim. — A pressiono no armário com meu corpo, ela vira a cara.
Eu agarro sua mandíbula e a faço me olhar. Seu corpo estremece contra o meu.
— Deseja isso, não é? Que seu pai saiba que anda fodendo com quem ele te proíbe...
— Para com isso, podem ouvir — Heather sussurra, isso mais parece um gemido.
Maldita, safada.
— Me fala por que anda me evitando — digo entredentes.
Ela engole a seco e morde o lábio inferior, estão rosados e é como se me convidasse para
mordê-los e devorar sem nenhum pudor. Seu peito sobe e desce rapidamente, indicando seu
nervosismo.
— Eu não estou, estávamos juntos durante todas essas noites
— Não quero ficar apenas as noites com você, eu quero mais que isso.
— Eu sei, só preciso de tempo. Por favor, me deixe ir — ela choraminga.
— Eu te levo.
Não a espero protestar contra ou fazer o que costuma para tentar me parar, eu ando a
puxando pela mão enquanto ela tenta se livrar de meu aperto.
Estou com raiva, frustrado e sentia que poderia me dar bem em qualquer coisa que não fosse
em relação a ela. Mesmo que agora tudo esteja esclarecido, o estresse de outros problemas tem
tomado conta de Heather.
— Ande devagar, estou tropeçando — pede.
Eu paro e a suspendo, tirando seus pés do chão a grudando em meu corpo, ela envolve seu
braço ao redor de meu pescoço. Não falta muito para chegar no carro e, quando chego, a coloco
no banco e bato a porta. Olho em volta e vejo Ava, Noemia e Peter seguirem no carro do último.
Enquanto todos do time estão indo para a festa que Magnus irá proporcionar pela vitória.
Mesmo que ele tenha sido expulso.
Eu acelero pela estrada para que conseguíssemos chegar o quanto antes, ao meu lado ela
parece inquieta e então puxa o ar. Odeio seu silêncio.
Raramente recebia tratamentos em silêncio de meus pais. James sempre falava um monte de
merda de uma vez só ou me dava surras, ele não, aqueles filhos da puta que trabalham para ele.
Já Eloah era doce, nunca levantou a voz para mim ou a mão, mas... ela não tinha voz. Tudo
acontecia na sua frente e ela parecia não ver, não, ela simplesmente fingia que não via.
Ela era como uma mobília de nossa casa.
— Eu preciso ir para casa, preciso me organizar para amanhã.
Ah, seu aniversário amanhã.
Finalmente os dezoito.
Não que isso fosse mudar algo.
Aliás, pelos meus planos eu poderia facilmente levá-la para longe e ninguém mais saberia
dela, porém Heather nunca concordaria.
— Antes, quero saber o porquê de estar me evitando e quero uma resposta verdadeira.
Ela limpa a palma da mão na calça e isso mostra muito de seu nervosismo, conheço todos os
seus tiques e esse é o mais visível deles. Ainda mais se sentindo desconfortável, também é assim
que eu a pego na mentira.
Onze anos observando foram o suficiente para aprender sobre tudo de Heather.
— E-eu não...
Freio o carro em frente a sua casa, a atrapalhando de terminar a frase.
— Eu disse que quero uma resposta de verdade.
Ela pisca algumas vezes e seus lábios tremem, ela vai chorar a qualquer momento e algo em
mim parece doer, eu não estou entendendo. Minhas emoções não servem de nada e a olho em
branco, mas por dentro estou uma bagunça em ver sua chateação. Quero que ela me conte tudo,
quanto mais reprime, mais ela pode tentar ir pelos meios de consumir o álcool. Indiretamente,
estou a fazendo ficar distante de tudo isso, preciso a manter estável, preciso que ela fique distante
desse vício.
— Vou ter que te obrigar a me falar? — O click de quando destravo o cinto de segurança a
faz despertar.
Agora seus olhos enchem de lágrimas.
— Eu só não estou em uma boa semana — com a voz embargada, ela engole em seco. —
Essa situação acabou comigo, são coisas difíceis de assimilar rápido, eu não conheço a minha
própria mãe e ela está desaparecida sem explicações.
Ela continua quando vê que eu não vou falar nada.
— Meu pai não me fala nada e age como se estivesse tudo bem, mas nada está bem. —
Heather tenta respirar fundo para continuar. — Meu aniversário é amanhã e o que era para ser
felicidade, me lembra do dia em que a pessoa que eu mais amo mentiu para mim.
Eu respiro fundo, fechando os olhos por alguns segundos, e meus dedos deslizam para
destravar o seu cinto, assim que a libera ela não espera um mísero segundo e pula em meu colo,
soluçando. Inalo seu cheiro e aproveito o quanto sua presença me desconcerta, a vulnerabilidade
em que ela me deixa por alguns segundos me fazia sentir que estou vivo. Mas a sua tristeza agora
parece que contorce parte de meu corpo, eu sinto sua dor e eu não sentia nada antes.
— Eu não queria amá-la, mas meu coração dói de saudade e raiva — murmura contra mim.
Heather esconde seu rosto entre meu pescoço e ombro, se desmanchando em lágrimas,
encolhida em meu colo, eu só consigo lhe dar conforto. Pelo menos alguma vez na vida eu sou
bom para alguém. Meu estômago se embrulha a cada soluço doloroso que sai da boca de
Heather, não entendo o porquê.
Não sabia que eu poderia sentir a dor de alguém assim.
— Ela não merece nada de bom que venha de você — sussurro. — Louise foi egoísta e
maldosa.
— Mas eu nunca a vi sendo má. — Soluça contra meu ombro. — Louise me remete a muitas
coisas boas. Preciso de respostas.
Afago seus cabelos com uma mão enquanto a outra a abraça na cintura, a trazendo ainda
mais para mim. Eu quero a poupar se algo não for como ela espera, eu filtraria qualquer
informação para o seu bem, Heather é frágil. Mas torço para que não descubra que eu sempre
soube onde estava sua mãe.
Agora vejo que isso acabaria com a gente.
Encaro o teto e me sinto exausta.
Hades dormiu aqui essa noite — mais uma noite, mas saiu na ponta dos pés assim que
amanheceu. Como mais um presente de aniversário, ele me fodeu no banho e então estou deitada
enrolada em meu roupão desde que saímos.
Ele consome cada parte de meu corpo e parece que fico vazia sem ele por perto.
Tenho tanta necessidade de sua presença que me sinto mal a semana inteira o evitando para
que ele não me veja desmoronar. Mas basta uma pergunta dele e eu faço isso, não preciso mais
esconder os meus pesadelos.
Tenho me afastado da bebida, já que ele passa a maior parte do tempo comigo e eu não faria
nada disso na sua frente, algo em mim suspeita que ele saiba e por isso me deixa poucas vezes
sozinha. Isso me envergonha.
Não só tenho evitado Hades, mas também meu pai. Parece que olhar para ele me faria
vomitar a qualquer instante, ou me faz deduzir que ele saiba o que anda acontecendo em sua
casa.
Uma batida na porta me puxa de meus pensamentos, eu ajeito meu roupão e fico de pé ao
lado da cama.
— Entre.
Meu corpo inteiro gela vendo meu pai com a caixa de uma loja de luxo entrando em meu
quarto. Seu sorriso é largo como se tivesse alguma felicidade em estar me vendo completar mais
um ano de vida. Agora a maior idade.
Como se não tivesse estragado meu aniversário há muito tempo.
— Vim presentear a aniversariante do dia. — Ele estende a caixa para mim.
Não olho para a caixa, apenas para ele. Medo, é o que sinto, tanto medo que não consigo
respirar direito. Dou tudo de mim para não demonstrar nada para ele. Uma parte minha morre a
cada palavra sua e eu nem percebo, mas tudo desabou depois que eu soube a verdade. Sempre
tive medo da verdade e tenho meus motivos, elas machucam tanto que faz a alma doer.
Parece que me acostumei tanto a receber coisas ruins de Liam que é como se eu não
reconhecesse esse presente e esse sorriso, na realidade, não reconheço este homem sorridente me
dando um presente sem que Louise brigue com ele no dia anterior para comprar.
Antes eu tinha insônia por ser meu aniversário, a ansiedade era tanta para no dia seguinte
que eu ficava vagando pela casa.
Então eu escutava, toda véspera, ele dizendo que não passaria meu aniversário em casa. E
agora, isso é o que eu mais quero que aconteça: que ele não passe a data comigo.
— Pegue, minha princesa, é para usar hoje à noite — sua voz me desperta, estico as mãos e
a caixa. — Bom, espero não ter nenhum trabalho por ter chamado o bastardo do filho de James,
entendo que talvez não goste de Hades.
Eu coloco a caixa na cama e tento não dar atenção ao que ele fala, ainda mais que Hades
dormiu aqui e fico aliviada que ele ainda pense que realmente o odeio. Reprimo um sorriso, me
lembrando de como estávamos no banho, tão juntos que parecíamos um só.
Afasto esses pensamentos, céus, meu pai está aqui.
— Obrigada — é quase um sussurro, merda. — Obrigada, papai, usarei hoje.
— Sua mãe ficaria contente em te ver neste vestido. — Eu o encaro desconfiada. —
Continue fazendo o que mando e será sempre recompensada.
Sinto vontade de gritar com ele ou de sair desse quarto e o deixar falando sozinho com as
paredes, o presente e o bom-humor vieram acompanhados de ordens.
Liam se aproxima e dou um passo para trás, ele para e arqueia uma sobrancelha.
— O que está acontecendo, princesa?
— Nada, eu estava indo logo colocar o vestido pendurado no banheiro, estou ansiosa.
Pego novamente a caixa e me apresso para sair dali, então coloco a caixa na pia, espero e
espero, minhas mãos suam em nervosismo por ainda não ter ouvido a porta se fechar.
Moro, durmo e acordo com a pessoa que seria capaz de destruir qualquer coisa dentro de
mim desde que me conheço como gente. O homem que devia me proteger, mentia para que outra
pessoa fosse prejudicada, não só ele, mas a mulher que me teve também.
Sempre esperei por um presente, ou um simples "feliz aniversário" de papai, tudo que eu
quis foi escutar uma simples frase e agora elas me aterrorizam, ainda mais vindas dele, meus
olhos lacrimejam só com as lembranças.
Finalmente escuto o barulho da porta se abrindo e logo se fechando, então confirmo apenas
espiando, vejo que o lugar está vazio, então volto para o quarto e me jogo na cama, suspirando
pesado.
Hoje será difícil...
Eu desço para o café e encontro Maria dando um leve tapa na mão de Kairon, que tentava
pegar bacon.
As manhãs são leves com eles, então hoje pode ser um bom dia.
— Espere Heather, hoje é o dia dela — ela o lembra.
Kairon olha para mim assim que entro no campo de visão dele.
— Oh céus, a que já pode ser presa acabou de chegar. — Meu irmão se levanta, abrindo os
braços, então pulo nele.
— Podemos dividir a mesma cela agora. — Solto meus braços de seu pescoço.
Ele bagunça meu cabelo.
— Ei — reclamo, me distanciando.
— Só um minuto, trarei seu presente — ele se levanta e corre pelo corredor. — É UM
FONE DE OUVIDO FODA.
— Olha a boca, criança, preste atenção — Maria adverte e eu solto um riso baixo. — Feliz
aniversário, fiz suas panquecas.
— Obrigada, Maria. — Bato palminhas animadas.
Me sento e começo a comer logo quando percebo a demora de Kairon. Não dá para esperar,
eu estou com uma fome de leão, desde que cheguei do jogo ontem não quis comer nada. Fiquei
completamente entregue aos braços de Hades durante toda a noite, então percebo que, mesmo
tendo os seus demônios, ele ainda esteve ali, todo para mim.
Meu olhar é atraído pela figura de Hades ao lado de fora da casa, eu olho para Maria
distraída com seu bolo no forno.
Sempre quando encontro seu olhar intenso, meu coração dispara. O mundo parece parar com
sua presença e nada existe ao meu redor.
Hades levanta dois de seus dedos e faz um movimento com eles me chamando, sou atraída
para as suas chamas sem medo de me queimar.
Me apresso para o lado de fora, então percebo que segura uma caixa com a outra mão, o dia
está quente e lindo, não havia percebido com as cortinas fechadas e o ar de casa congelando.
— Mais um presente? — Eu aponto para a caixa.
É de uma marca de luxo, para esse presente sim eu estou animada. O que meu pai me deu
não se compara a receber um de Hades.
— Quero que use no jantar que o merda do seu pai programou. — Hades me entrega e eu
seguro.
Olho para os lados, então para as janelas atrás de mim à procura de Liam, ou de qualquer
pessoa que pudesse me ver aqui fora. Quando me viro para Hades, ele havia se aproximado
silenciosamente, me dando um susto.
— Use o vestido sem calcinha — ele sussurra enquanto leva sua mão para a minha nuca e
logo enterrando seus dedos em meus cabelos.
Um suspiro sai de minha boca enquanto ele se aproxima para um beijo, mas só roça seus
lábios no meu com um sorriso ladino.
Eu quase solto um gemido de frustração.
Merda, eu ainda estou no quintal de minha casa e Maria está na cozinha. Tento sair de seu
agarre, mas ele me puxa.
— Você me entendeu? — é autoritário o seu tom contra a minha boca.
— Terá outras pessoas aqui, seria indecente.
— Não fique agindo como se não gostasse. — Seus lábios ainda roçam nos meus. — Te
quero sem calcinha por baixo do vestido que comprei, preparada para me receber. Estamos
entendidos?
Sua aproximação, seu cheiro que me envolve e voz fazem com que eu perca completamente
os sentidos, eu o queria mais do que tudo aqui. Mas o barulho de panela caindo na cozinha me
desperta.
— Sim, entendido — concordo, ofegante.
Hades não me beija, então me solta, assim eu sinto o vazio me preencher novamente o
vendo sair do quintal pelo outro lado. Eu olho para a caixa e a abraço, talvez o primeiro presente
que eu realmente almejava tanto era receber um dele.
Meus cabelos caem feito cascatas em minhas costas, minhas bochechas estão coradas, já que
peguei um pouco de sol durante o dia, e meus olhos pareciam mais verdes do que antes. O
delineado o deixou selvagem.
O vestido vermelho que Hades me presenteou abraça bem minhas curvas e a alça sustenta
bem meus seios. Sou muito abençoada por tê-los em um tamanho em que eu possa usar decotes.
O vestido tem uma fenda que mostra metade de minha coxa esquerda enquanto o outro lado é
coberto até meu joelho.
Eu deslizo a calcinha, a retirando. Deus, eu vou mesmo ceder a sua ordem? Por que aquilo
não foi um pedido, e por que estou arrepiada só em lembrar dele? Me sinto pelada, essa fenda
mostrará demais. Só preciso fazer poucos movimentos com a perna e não a cruzar, acho que
assim eu consigo sobreviver a essa noite.
Coloco o colar que mamãe me deu assim que ganhei o jogo no ano passado. Sorrio com a
lembrança, então meu olhar encontra o seu no porta-retrato ainda com o vidro rachado.
— Saudades — sussurro, sabendo que não teria resposta.
Talvez uma parte minha quisesse que ela aparecesse do nada, mas a outra parte grita para
que nunca mais apareça. É uma briga interna que me faz ficar em pedaços.
Pensamentos barulhentos nos levam a lugares indesejados.
Enfim, dezoito anos.
Quando estou descendo as escadas escuto papai, também escuto as vozes de Elliot e
Magnus. Quando entro na grande sala de jantar, todos param e me olham, sinto minhas
bochechas esquentarem, mas percebo Liam apertando o copo em sua mão enquanto encara o
vestido.
Hades me olha com luxúria, sua expressão não me diz nada, mas a forma como sua
sobrancelha está arqueada me dá uma sugestão. Ele gosta do que vê.
— Lindo vestido, princesa — papai diz, eu o encaro.
Parece bravo. Não escolhi usar o que ele havia me dado.
— Virou uma linda mulher, Heather. — Olho para o pai de... Olivia? Que porra ele estava
fazendo aqui?
E ela está ao lado dele de cabeça baixa, então me lembro que conseguiu guardar um segredo
pela primeira vez na vida. Mas parecia distante do que acontecia aqui.
— Ela não precisa de seus elogios, ainda mais de um homem que tem idade para ser pai dela
— Hades o corta.
Elliot e Magnus riem, minha boca se abre e fecha. Meu pai ameaça falar algo, já que lança
um olhar raivoso a Hades, que parece querer voar em Edward Thompson.
— Bom, ainda faltam algumas pessoas. — Eu me apresso a quebrar qualquer fala de Liam.
E bem, isso é verdade. Faltam Ava e Noemia, Peter também e muito provavelmente seu pai
esquisito.
O pai de Olivia parecia quebrar bastante o gelo e o estresse de papai a cada corte que Hades
lançava no homem, não o deixando fazer qualquer comentário sobre mim. Liam mandou Hades
calar a boca três vezes e em todas o garoto o ignorou. Impossível ficarem na mesma sala.
Acontece muita troca de farpas entre os dois e, principalmente, meu garoto fala muitas coisas de
duplo sentido, insinuando que dormia aqui. Eu queria me enfiar embaixo dessa mesa.
Me sento ao lado esquerdo de papai, do outro lado fica Kairon, ao meu lado está Ava, que
acabou de chegar junto de Noemia. Magnus e Elliot estão do outro lado, ao lado de Hades, não
parava de me olhar.
Ele batuca seus dedos longos na mesa sem que fazer barulho, como se estivesse tocando
alguma melodia. Meu olhar sobe para sua mão com veias saltadas e depois para os braços da
mesma forma. Roço minhas pernas discretamente por baixo da mesa, sentindo minha intimidade
pulsar. Como alguém pode ter tanto controle sobre mim apenas em olhar e mexer os dedos?
Céus.
Tento desviar meu olhar do dele para prestar atenção no que Ava dizia ao meu lado, mas a
forma que ele me olha...
— Ele finalmente me perdoou, mas sem que eu pedisse perdão. — Ava então estala o dedo a
frente de meu rosto, eu desvio meu olhar para ela. — Vadia, eu estou te contando que quase me
humilhei para um homem.
Eu balanço a cabeça, confusa.
— Ainda bem que escutei o quase, você sabe que era só parar de insistir que ele viria atrás,
né?
Ava bufa, revirando os olhos.
— O maldito Hades disse a mesma coisa. — Eu arqueio uma sobrancelha, estranho, eles
conversarem sobre isso. — Sim, tive que recorrer ao Diabo e deu certo.
Eu bufo uma risada enquanto empurro a cadeira para trás.
— Fico feliz que não tenha se humilhado, preciso avisar Maria que pode começar a servir,
Peter deve demorar e estou faminta.
Ava acena e então tenta puxar assunto com uma Noemia enfurecida por algo desconhecido.
Eu saio pela porta que me levaria ao corredor da cozinha, e não a que eu entrei, estou começando
a ficar desesperada. Muita gente, isso não vai dar certo.
Eu desvio o caminho para o banheiro, precisava só de um tempo para respirar e tentar
relaxar, estou tensa com tudo que tem acontecido e sinto que preciso beber, apenas um pouco. É
meu aniversário e quase todos que eu quero estão aqui, ok, não que eu destrate a presença de
Olivia, mas não me incomodava se ela estivesse ou não.
Me olho no espelho e eu aparentemente não pareço o caco que estou me sentindo por dentro,
ou a que chorou ontem a noite de soluçar no colo de alguém, eu pareço alguém que está no
controle e não precisa de nada. Mas isso é mentira.
Sempre faltaria algo.
Merda, estou sendo consumida por Louise novamente.
Ouço um barulho e a porta se abre, eu me viro assustada vendo Hades entrar, desafivelando
o cinto com uma mão enquanto a outra tranca a porta atrás de si. O banheiro parece ficar
pequeno e quase sem ar com toda sua presença. Seu olhar desce por todo meu corpo com desejo,
fome e necessidade, algo em mim se acende e parece como se fosse nossa primeira vez.
Me olha como se fosse a primeira vez que me visse, como se só eu existisse em suas
melhores fantasias. Como se só eu tomasse conta de todos os seus pensamentos.
Pelo menos é isso que ele faz comigo.
— A sala é bem aqui ao lado, vão nos escutar. — Eu dou um passo para trás e sinto o
mármore da pia em minha bunda. — Aqui não.
— Então cabe a você gemer baixo, o que eu acho que será difícil. — Um sorriso malicioso
se forma em seus lábios.
Eu estremeço, então Hades devora meus lábios sem rodeios, ele me toma enquanto levanta
meu vestido desesperadamente, como se precisasse disso mais do que tudo. Como se já não
tivesse me possuído hoje pela manhã, ou nessa madrugada, ou nas noites anteriores.
Ele sempre buscava mais de mim.
E eu lhe daria de bom grado.
Sua língua dança com a minha e, quando se afasta, vejo um brilho sombrio em seus olhos,
tornando impossível não morder meus lábios com a visão de sua mandíbula trincada.
— Quando pedi que usasse o vestido não esperava ficar com tanta vontade de te tirar
daquela sala e te foder, mas também não esperava querer matar quem estivesse te olhando — são
afiadas as suas palavras.
A possessividade, ciúmes e controle sobre mim são coisas que gosto, isso me faz sentir viva,
eu amo o jeito que ele me vê. Amo a atenção que ele sempre me deu.
Hades me gira de frente para a pia e termina de levantar o vestido, ele passa dois dedos em
minha boceta encharcada.
— Hades — gemo seu nome com o contato frio de seu dedo.
Pelo reflexo do espelho o vejo os colocar na boca.
— Pronta para mim.
Aquilo poderia facilmente me levar ao orgasmo, só com essa imagem em minha cabeça eu
poderia morrer agora. Ele provando e se deliciando com meu gosto, céus, eu não aguento mais
esse homem. Hades enrola meu cabelo em seu punho e me curva para frente, meu rosto quase
gruda no espelho e fico na ponta dos saltos, enquanto me apoio no mármore.
— Olhe seu reflexo enquanto te fodo, se desviar ou fechar os olhos, eu paro.
Meu fim seria ali, com meus amigos e pai na sala ao lado, enquanto o garoto que eu dizia
odiar me fodia por trás. É como uma queda livre, e estou pronta para cair.
— Se empine, rainha — sua voz rouca ordena e eu obedeço. — E lembre-se, todos vão te
escutar.
Isso deveria me aterrorizar, mas não, nada se move em mim. Eu o quero agora.
Sem me avisar, ele me penetra e impulsiono meu corpo para frente, apoiando uma mão no
espelho e a outra na bancada. Ele começa lento e move seus quadris contra mim, fazendo com
que me acostume ainda mais com seu pau.
Ainda mais sabendo que quando me acostumo, ele pode usar a força que quiser.
Fecho os olhos com a sensação de prazer começando a crescer em mim, ele desliza lento e
sinto que aquilo é uma tortura, então ele para de se movimentar.
— O que eu disse sobre olhar para o seu reflexo? — Eu abro os olhos na hora.
Luto contra a vontade de encarar seu rosto mergulhado em tesão. Eu sei que ele está assim
como eu, percebo isso pela forma que segura firme meu cabelo e aperta forte minha cintura,
fazendo com que eu me empine mais, sua voz mais rouca que o normal também o entrega.
Todo sexo com Hades era como se ele me quebrasse e depois juntasse tudo novamente para
então me quebrar novamente. Isso era o que me puxava para ele, era como um ímã, me quebre e
reconstrua.
Ele não ligaria se precisasse fazer isso diversas vezes.
E eu não ligaria contanto que fosse ele.
As estocadas começam a ficar intensas, fortes, e eu sou lançada contra o espelho,
observando minhas expressões, no banheiro é possível ouvir meus múrmuros e o som de sua
virilha batendo em minha bunda com força.
Eu já nem me importo que escutem.
Minha boca está em um "O" enquanto minhas bochechas começam a ficar tão avermelhadas
ao ponto de parecer que estive no sol durante todo o verão. Eu reprimo os gemidos, mordendo
meus lábios até que os machuque, ninguém pode me ouvir, mesmo que isso pareça prazeroso.
Mesmo que isso esteja tirando minha paz.
Sua mão desce de minha cintura para a minha frente e ele estimula meu clítoris. Meus olhos
rolam, não conseguindo mais ficar fixados em mim, eu explodiria a qualquer momento.
— Ahh... — o gemido me escapa, eu abaixo a cabeça, mas logo a levanto quando ele ameaça
parar de bombear. — Hades, Deus...
— Sim, minha rainha, seu Deus — diz entredentes, eu não ouso olhar para seu reflexo.
Sinto tudo enquanto me vejo, enquanto percebo que isso é tudo para ele. Não há como
escolher entre a razão ou a emoção se ele está dominando tudo.
Minhas pernas ficam bambas, meu estômago parece criar um rodamoinho e ele me fode com
força, implacável e sem piedade. Me maltrata sem remorso enquanto bate contra mim e me
preenche com seu pau.
— Eu estou quase...
— Vamos lá, seja a putinha que me recebe todas as noites.
Suas palavras sujas me fazem revirar os olhos, parece que vou, a qualquer momento,
desmoronar sentindo o orgasmo vir enquanto ele ainda estimula meu clítoris e me fode ao
mesmo tempo, eu ouso olhar para ele, que está perdido vendo como entra e sai com força de
mim.
Então seu olhar me encontra.
Aquela escuridão que sempre me chamou atenção e me suga para dentro cada vez mais, o
primeiro olhar que recebi de possessividade aos seis anos e que, por onze anos, foi o único que
me prendeu com mil cadeados, ele está ali.
Nada havia mudado, ele estava reivindicando o que sempre deixou claro que era dele.
Aquilo bastou para mim, meu corpo fervia e então cedo a necessidade que ele supre toda
vez.
A explosão de meu orgasmo é avassaladora, minha boceta aperta seu pau enquanto libero o
mais intenso orgasmo que já tive, ao ponto que eu chame seu nome contra as costas de minha
mão apoiada no espelho.
Eu queria gritar seu nome, não abafá-lo.
— Se ajoelha. — Ele se afasta e então começa a se masturbar, seu olhar queima em minha
direção.
Me viro e então dobro os joelhos sem cortar o contato visual. Olhando de baixo, Hades
parecia um deus, suas veias estavam mais visíveis que antes e sua boca entreaberta.
Então abro a boca para receber o que ele quer me dar, me satisfazendo mais ainda com seu
gemido rouco enquanto ele coloca seu pau perto de minha boca e goza. Ele não perde nada
enquanto em silêncio me observa engolir. Quando termino, limpo o canto de minha boca com o
dedo e logo depois o coloco na boca.
— Se soubesse o quanto fica linda, faria isso todos os dias. — Ele me puxa para cima.
Algumas gotas de suor estão em sua testa e minhas pernas dão pequenos espasmos enquanto
ficamos ali, apenas escutando nossas respirações descompassadas.
Intenso, tudo o que vem dele é intenso.
Hades pega a toalha que seria para rosto e a passa entre minhas pernas e intimidade, ele
também se limpa e esconde a toalha ao lado da pia, preciso me lembrar de vir buscar depois. Eu
abaixo meu vestido o máximo que consigo e me ajeito.
Então eu me viro e olho no espelho, vendo que meu rímel está borrado, e que eu mal tenho
batom na minha boca. Meus cabelos estão uma bagunça, então começo a me ajeitar
desesperadamente.
Principalmente limpar o canto da minha boca, que está suja, a realidade voltando como uma
bomba.
— Literalmente fodida, eu me sinto orgulhoso por fazer isso — ele brinca.
Eu pego um papel e limpo tudo que borrou.
— Isso não tem graça.
— Eu posso fazer você me chupar para isso ficar melhor.
Levanto meu olhar o encarando, ele me olha sério.
Oh, ele está falando sério.
— Não, não começa, volte para lá agora.
Hades morde os lábios enquanto seu olhar desce para a minha bunda, logo sobe para o meu
rosto e merda, eu já estou molhada de novo. Paralisada com apenas alguns olhares que o Diabo
lança para mim.
E mais molhada ainda em saber que esse olhar de desejo é apenas para mim.
— Hades...
— Heather — sussurra e então me puxa pela nuca para um beijo.
Diferente de antes, esse é com ternura e calma, sem pressa, e me desmancho por completo
em seu gosto. Ele cessa com selinhos e um beijo na ponta de meu nariz.
— Não pense demais, farei o que puder para que não volte ao lugar escuro que costuma te
afastar de mim.
— Como você sabe? — minha voz quase não sai.
Ele coloca uma mecha de cabelo minha atrás da orelha e me olha como se pudesse ver tudo
que acontece aqui dentro, sem rodeios, Hades parece perceber tudo ao meu redor quando penso
que ele nem está prestando atenção.
— Nunca fora do meu radar, Heather, nunca.

Quando consigo voltar para a mesa depois de tentar parecer o mais normal possível, escuto a
voz de Peter do outro lado, ele chegou e cumprimentava Maria que foi recebê-lo.
Deixo para falar com ele na sala de jantar, onde a conversa está a todo vapor e alta, isso
significa que ninguém escutou, eu acho.
Me sento perto de papai de novo e vejo Hades conversando com Elliot, todos aqui se
comunicam e isso me alivia em mil partes, já que meu maior medo era que Hades e papai
simplesmente decidissem se matar aqui e agora.
— Meu grande amigo, Howard. — Liam se levanta de braços abertos.
O homem que me olhou no escritório parecia mais acabado e eu odeio olhar para ele, não me
sinto bem desde que o conheci, mas o que me fez aceitar que ele viesse é que Peter também viria.
Mas quando meu olhar desce para Ava, ela parece tremer, então tira a mão de cima da mesa.
Noemia continua extremamente irritada enquanto observa Kairon cochichar com Olivia.
Mas ela nem parece prestar atenção, já que olha assustada para o pai de Peter, não parecia
escutar nada do que meu irmão falava. Eu me levanto e Peter corre para me abraçar, seu cheiro
doce é irreconhecível e ainda mais forte.
— Eu iria te dar um vibrador, mas como você não precisa mais... — ele sussurra em meu
ouvido e lança um olhar para Hades, que o encara como se fosse voar nele por cima da mesa. —
Trouxe uma lingerie, aproveite.
Ele me entrega a bolsa e eu coro, ainda bem que a bolsa não denuncia o conteúdo. Meu olhar
desce para outro chupão em seu pescoço.
— Obrigada. — Eu o encaro enquanto me afasto. — Eu um dia ligarei para a polícia, já que
todo dia você aparece com um hematoma.
Eu brinco e ele rapidamente coloca a mão no pescoço.
— Eu passei maquiagem — ele sussurra, esfregando.
— Não funcionou.
Eu rio, então ele vai para onde tem cadeiras vazias, ao lado de Nono, então me sento
novamente e toco o braço de Ava, que se assusta.
— O que aconteceu? — pergunto, seus olhos azuis a denunciam, ela parece perdida.
Olho para Olivia, que abaixa a cabeça, escondendo o rosto com o cabelo, Ava parece querer
se esconder de tanto que escorrega na cadeira.
— Eu não sabia que ele era o pai de Peter — ela sussurra para mim.
Então, quando papai se senta novamente na ponta da mesa, ao meu lado, o pai de Peter tenta
encontrar o rosto de Olivia, que em um descuido ergue a cabeça. O homem fica surpreso, mas,
então, quando seu olhar encontra Ava, ele fica pálido.
Eu sempre soube que havia algo a mais na vida de Ava, ela sempre procurou por mais,
sempre dizia o quanto sua vida era um looping rotineiro e o quanto queria mudar isso.
Ava ter muito dinheiro nunca significou nada se ele não fosse satisfazer o "algo a mais" que
ela sempre procurou.
Ficávamos distantes desse outro lado dela, tanto é que Noemia e eu nunca fazíamos
perguntas quando ela falava sobre ter duas vidas.
— Chloe e Cherry — o homem fala enquanto olha para a Olivia e Ava, e a sala fica em
silêncio.
Os meninos levantam seus olhares para o homem, Magnus inclina a cabeça um pouco para o
lado, assim como Kairon, eles parecem confusos. Elliot e Hades olham indiferente. Como se
soubessem.
Uma gargalhada quebra o silêncio e é de Edward, pai de Olivia.
— Essa é Olivia, minha filha.
John Howard semicerra os olhos, então se senta, ele não diz absolutamente mais nada e as
duas parecem prontas para morrer em seus lugares. Chamadas de nomes diferentes e por alguém
que se mudou para cá a pouco tempo, na lanchonete Ellot falou sobre Ava sair com caras mais
velhos...
Mas Olivia também fazia isso?
Então finalmente o jantar começa e já nem tenho apetite, assim como quase metade da mesa.
— Fico feliz que tenha vindo. — Liam quebra o gelo enquanto corta sua carne, olhando para
Howard.
— Não podia perder o aniversário da pequena Heather. — Ele toma um gole de sua água. —
E, além do mais, achei curiosa esta mesa.
— Você não tem que se referir a Heather assim, nem mesmo a conhece. — Eu engulo a
salada a seco com a voz de Hades cortando Howard.
O último arqueia uma sobrancelha, surpreso.
— O garoto é namorado de sua filha? — o homem pergunta, encarando Liam, que está
quase explodindo de raiva.
Ele não pode ser rude, até porque seus dois sócios estão à mesa. Ainda mais quando todos
aqui não parecem confortáveis.
— Oh, me desculpe por essa criança se intrometer, ele não é nada de Heather.
— Papai... — eu tento fazer com que pare.
Hades bufa uma risada, balançando a cabeça, enquanto termina de mastigar.
— O que te faz pensar isso? Não sou uma criança, mas estou curioso para saber os porquês
de suas suposições.
— Não são suposições, são fatos, você não significa nada para minha filha e muito menos
tem uma posição em sua vida.
— Ter uma posição? Eu sou o único na vida dela e você vai aceitar isso por bem ou por mal.
Eu arregalo os olhos para Hades e Liam me olha.
— Pai, eu sou gay — Peter, diz, sem mais nem menos.
Me engasgo, a salada gruda no meio de minha garganta e não consigo tirá-la. Meus olhos
enchem de água enquanto tusso quase minha alma e Ava dá pequenos tapinha em minhas costas,
logo me entregando um copo de água. Olho para Peter, que me encara preocupado. Oh, Deus, o
que aconteceu aqui agora?
Hades me olha preocupado e se levanta.
— Não, não se aproxima dela. — Liam aponta para ele.
— Você é o quê? — Howard quase grita, arrastando sua cadeira para trás e se levantando.
Eu não sei mais para quem olhar ou prestar atenção, todos pareciam estar jogando na mesa
tudo que estava guardado. Mas meu coração acelera vendo como Liam e Hades se olham.
— Sério que a gente sentia ciúmes de um gay com elas? — Kairon pergunta, olhando para
os outros três.
— O perfume doce nunca me enganou — comenta Magnus, dando um gole no vinho.
Noemia alisa os ombros de Peter em ternura, dando seu apoio, as meninas suspeitavam, mas
nunca falaram nada.
— É, sou gay e estou apaixonado, não poderei me casar com Heather já que veio aqui nessa
intenção. — Peter me olha. — Me desculpe por não contar antes, esperei para estar ao seu lado e
do seu pai.
Eu solto meu talher e fico de boca aberta enquanto encaro em choque Peter, que encolhia os
ombros ao lado de seu pai. Howard está vermelho e começa a falar com Peter. Eu encaro Liam,
que parecia não ligar tanto assim para o que havia acontecido.
— Isso é verdade? Por isso estava tão animado por eu estar fazendo dezoito anos?
— Isso são negócios, princesa… — ele diz com desdém
— Minha vida não faz parte dos seus negócios. — Eu empurro minha cadeira para trás e me
levanto, me afastando dele.
Procuro o olhar de Hades, que me encara orgulhoso.
Sinto a mão de Ava segurar a minha mão, mas não como uma forma de me parar e sim me
avisando que está ali.
— Você vive debaixo do meu teto, não tem escolha, você vai se casar quando eu decidir e
ponto. — Seus lábios estão em uma linha fina e ele me encara raivoso. Ele se aproxima de mim.
— Então pode continuar a beber para aceitar isso melhor.
Ele sussurra, aquilo me corta.
Algo é quebrado contra a mesa, cacos voam e quando olho para Hades, Kairon tenta segurá-
lo e Elliot tenta tirar uma garrafa de vinho quebrada de sua mão, possesso com as palavras de
Liam. Parece que os cacos me atingem, mas sei que é só como meu coração sentiu com essas
palavras doloridas de Liam.
— Você pensa que é quem para vir na minha casa e me ameaçar com um vidro? Seu
bastardo de merda. — Liam ataca Hades com palavras.
— Não sou de ameaçar, eu vou te matar.
— Isso não me surpreende, você é um doente — as palavras de Liam não doem em Hades.
Mas eu sentia tanto por ele, tanto por mim. Ele me expôs. Agora quer humilhar Hades.
— Heather, solta essa faca — a voz de Ava parece distante.
Ele nunca foi digno para receber algo bom, ele nunca fez nada para ser bom e transborda
maldade em todas as suas falas direcionadas a mim.
Eu era boa e ele tirou isso de mim.
Anos fechando os olhos para o monstro que vivia embaixo da minha cama, quando, na
verdade, o monstro não só ficava ali, mas também me rondava.
É um de seus truques, aos dezoito anos me entregar de bandeja para outro, como um...
objeto.
— SUA FILHA DA PUTA! — então desperto com o grito furioso de Liam, seus olhos estão
vermelhos assim como seu rosto.
Assim como o sangue saindo de sua mão presa na mesa com a faca. Quanto mais ele mexe,
mais sangue sai dali.
Ava me abraça, me afastando de meu pai que grita, todos parecem estar em choque, eu só
estou arrependida de não ter deslizado o metal afiado pela sua garganta. Vejo que todos me
olham aterrorizados.
— Vamos, você precisa de um médico. — Edward, o pai de Olivia, se aproxima. — Maria,
traga algo para enrolar a mão dele.
Sem delongas, ele puxa a faca e enrola a mão de papai no pano que Maria desesperadamente
entrega. Ele arrasta Liam para fora, que xingava a mim de todos os nomes ruins possíveis,
principalmente de alcoólatra, de louca.
A essa altura, eu me sentia anestesiada.
Hades dá a volta na mesa e me puxa para um abraço, me escondendo em seu peito. Sua
respiração está pesada e ele suava, observo que minhas mãos tremem e o mau-pressentimento
cresce em mim.
— Tá tudo bem — Hades sussurra e beija minha testa.
Eu envolvo sua cintura e o aperto, sentindo a proteção que só ele agora pode me dar.
Não estou nada bem, mas é aqui que eu devo estar.
Liam iria me casar contra minha vontade, os jantares que íamos juntos era para, muito
provavelmente, me apresentar a alguém. Minha cabeça gira.
— Por que você as chamou por nomes diferentes? — Levanto a cabeça e observo Elliot
perguntar para Howard.
O homem não parece se intimidar e continua a olhar como um ser superior para o garoto que
quase encosta seu nariz ao dele. Elliot rangia os dentes e cerra os punhos.
— O que está acontecendo? — Peter pergunta enquanto tenta afastar Elliot.
— Eu quero que ele responda.
— Pai...
Peter o encara, enquanto é olhado de cima a baixo com... nojo. O homem ajeita seu paletó e
suspira, como se aquilo não fosse nada.
— Chloe e Cherry... — Howard começa, então limpa a garganta sendo cínico. — Devo
chamar agora de Olivia e Ava, não é?
Ava estremece e seus lábios tremem, ela não ousaria chorar, Ava sempre foi durona demais
para chorar na frente dos outros. Agora Olivia deixa as lágrimas descerem sem se importar, mas
ela observa o olhar de Magnus.
O último está vidrado no pai de Peter.
— Se não me falha a memória, elas saem com meus amigos, isso deve ser alguma diversão
de garotas mimadas que acham graça acompanhar homens mais velhos por dinheiro, mas isso
vocês já sabiam, não? São tão conhecidas nas noites...
Elliot não dá mais o direito dele continuar quando lança um soco no rosto de Howard, que
cambaleia para trás.
— Qual a porra do problema de vocês em saírem com menores? — o garoto grita e acerta
outro.
Eu estremeço e, quando Hades me solta para intervir, puxo Ava para meus braços e, sem
hesitar, ela me abraça e esconde o rosto em meu pescoço.
— Pergunte a elas o que elas faziam em um clube de prostituição, e não a mim que nunca
soube a idade delas e nem os nomes — ele rebate e recebe um terceiro soco.
Elliot é contido por Magnus e Hades que o agarra pela gola da camisa e o leva para o outro
lado. O pai de Peter cospe sangue e se ajeita, então olha para Peter, que abaixa a cabeça.
— Vamos embora, esse pessoal é uma verdadeira bagunça e não estou disposto a lidar com
isso. Mas, em breve, elas vão lidar com as consequências.
Ele sai e Peter me lança um olhar amável e com um pouco de culpa, ele não tinha culpa, não
teria como culpá-lo. Olivia chora, então Noemia a tira dali, eu faço o mesmo e as levo para a sala
de cinema.
Os soluços são altos e vem dela, depois que me afastei de Olivia nunca soube nada de sua
vida a não ser que é uma vadia. Mas isso ela é no colégio, nada fora dele era visível.
Isso servia para Ava também, anos de amizade e eu me perguntava o porquê de ela fazer
isso, um crime, elas duas tinham tudo e mesmo assim optaram por isso.
— Você... — minha voz falha. — Vocês se prostituem?
Eu me abraço enquanto intercalo o olhar nelas.
— Não... começamos com quinze anos, eu e Olivia achamos diferente o jeito que as
acompanhantes dos amigos de nossos pais se portavam — Ava começa, eu e Nono a encaramos.
— Sempre com roupas de luxo e misteriosas, queríamos ser alguém que ninguém conhecia,
como elas.
Ava funga e olha Olivia, que acena.
— Só que dinheiro é um vício e a noite também, nunca fazíamos nada porque a gente
dopava todos, eles não sabiam nossos nomes verdadeiros, então não tem denúncia. — A vida
dupla de Ava… — Mas ficamos com a corda na garganta quando Hades nos viu em um clube
clandestino.
Eu limpo a garganta.
— Clube o quê? — eu me levanto, juntando as sobrancelhas.
— Prefiro que pergunte a ele depois para que não me infernize, não faço ideia sobre isso. —
Ava dá de ombros. — Ele nos ameaçava para dar um basta nisso. Hades é o Diabo, ele consegue
tudo que quer, não o culpo, precisávamos parar.
Olivia suspira, limpando as lágrimas.
— Nunca tive sequer interesse em Hades, ficava no pé dele para que não contasse nada para
Magnus. — Seu olhar me encontra. — Em Ibiza ele e Kairon me acharam no quarto de hotel
com um homem dopado, eu menti para eles naquele dia e passaram a noite me ajudando a tirar
tudo que podia ser meu dali, na manhã seguinte saímos.
Os pontos se juntam.
Magnus no refeitório dizendo que me ajudaria, todas as vezes que eu via Olivia perto de
Hades. Estava tão cega de ciúmes que isso passava despercebido. Ou quando ele dava a entender
o que Ava fazia.
Ibiza... Hades disse que não ficou com Olivia.
Mas foi a primeira coisa que Nono me contou assim que cheguei de viagem.
— Merda, você e Magnus...? Oh... — Noemia se levanta e alisa o cabelo para trás. — Desde
quando? Eu pensei que você tinha feito sexo com Hades e Kairon em Ibiza. Merda, Olivia.
— Então... — Olivia se levanta, de tristeza foi para raiva. — Foi você quem contou a minha
madrasta? Foi você quem inventou essa merda?
— Eu não sabia, estava com raiva e ciúmes, acabei falando para mamãe e... ela contou —
Nono gagueja.
Eu me levanto quando Olivia vai até Nono e a empurra, Noemia não reage, isso não era de
seu feitio.
— Foi por sua culpa que ela me tirou tudo e eu tive que continuar com isso, sua vadia. —
Outro empurrão e Noemia bate na parede.
— Foi um mal-entendido — Nono rebate.
— Que me prejudicou, porra, e agora ele acabou de ameaçar nós duas, papai me odiaria se
soubesse disso...
Ava puxa a ruiva, que chora com as mãos no rosto e olha em desaprovação para Noemia.
Não sabia o que falar, ou como agir.
De repente, tudo se tornou uma bagunça difícil de arrumar, não foi só meu mundo que virou
de ponta cabeça, o de quem estava ao meu redor também
Eu não conhecia minha mãe e muito menos sabia o que acontecia com minhas amigas,
precisou um escândalo para que isso fosse colocado como cartas na mesa, não sabia o que
significava esse clube clandestino que elas e Hades frequentam.
Me sento e tombo minha cabeça para frente, me apoiando nas mãos, eu estou fodida.
Eu sabia que paz seria uma das últimas coisas que eu teria de hoje em diante, depois do que
fiz com Liam.
Tento pensar em algo, mas parece um grande branco em minha mente. Agora, mais do que
nunca, eu preciso correr para encontrar Louise, preciso de respostas.
Ava e Olivia precisam de ajuda.
Me levanto e saio da sala, ignorando as perguntas delas, precisava ficar sozinha, precisava
pensar. Minhas mãos tremem e minha boca fica seca, como se eu estivesse sem beber água há
dias.
Mas eu não tenho necessidade de água, quero algo para adormecer meus pensamentos. Eu
sou uma covarde. Parada de frente para a adega vejo que o cadeado ali se foi. Trêmula, eu toco a
maçaneta e vejo o quanto a casa está silenciosa, ninguém veria. Ninguém suspeitaria.
Quando entro, procuro pelas vodcas no último corredor e, quando encontro, abro e a cheiro
de olhos fechados, o álcool faz minha boca salivar. Maldito dia que me deixei viciar. Eu bebo e o
líquido queima minha garganta, mas logo depois ameniza.
Talvez mamãe tenha me protegido tanto dos ataques de papai que eu não tenha percebido o
monstro que ele é, seu ódio por mim me deixa confusa e agora me faz querer saber mais.
Mas eu estou pronta para a verdade? Na realidade, eu deveria me perguntar: por que eu
tenho tanto medo da verdade?
Eu me assusto quando vejo alguém entrar na adega e me puxar pelo braço para fora, a
garrafa cai e se estilhaça no chão, então reconheço Hades.
— Qual a porra do seu problema? Agora vai obedecer às ordens dele? — diz entre dentes,
então me encosta na parede.
Eu abaixo a cabeça enquanto nego, fecho os meus olhos, não quero olhar nos seus.
— Tacarei fogo no mundo se for preciso para te livrar desse maldito vício, ou te prender ao
meu lado para que não tome mais uma gota, se for necessário. — Ele dá uma pausa e, quando
não falo nada, continua: — Mas a certeza é que eu vou matar quem te levou para esse caminho, o
causador disso.
Um soluço escapa, então sinto a lágrima deslizar pela minha bochecha.
— Me olha — sua voz é grave, quando não o faço, ele agarra minha mandíbula e me força.
— Abre a porra dos olhos. Heather, por Deus, eu...
Abro os olhos, então sua mão cede de minha mandíbula, eu envolvo meus braços ao seu
redor e o abraço, soluço contra seu peito e ele me pega no colo.
— Por que espera que outros me contem? — Hades sussurra.
Ele começa a andar e não levanto a cabeça para saber para onde estamos indo.
— Sempre tive medo que me olhasse diferente se soubesse algo desse jeito sobre mim. —
Engulo em seco só de pensar nessa possibilidade.
— Impossível. — Ele se senta e me ajeita em seu colo, levanto a cabeça e vejo que estamos
na sala de estar. — Eu te contei o meu pior e você voltou a me olhar com a mesma intensidade
de dois anos atrás...
Hades coloca uma mecha de meu cabelo atrás de minha orelha, então acaricia minha
bochecha levemente com as costas de sua mão.
Eu poderia ronronar como um gato com seu toque, mesmo sendo bruto na maioria das vezes,
sua ternura é algo que eu aproveito... Me faz esquecer o real problema.
Hades continua:
— Não há nada, Heather, que me faça te olhar diferente. Nada que me faça mudar o
pensamento de que você foi feita para mim, ninguém é capaz de acabar com a vontade que eu
sinto de te ter por perto todos os dias e horas. Sou obcecado por você.
Eu encaro por alguns segundos aquela imensidão cinza que são seus olhos, que estão sempre
com uma fagulha de desejo. A luz lá de fora ilumina uma parte de seu rosto, sereno e imparcial.
Hades sempre menciona obsessão, nunca amor, e talvez isso me incomode lá no fundo.
Nunca escutei um “Eu te amo” vindo dele... Afasto esses pensamentos, não é hora.
Junto nossas testas e ele roça seu nariz no meu, seus olhos ainda vidrados em mim. Quando
se aproxima, eu colo nossos lábios com calma e necessidade, sempre há uma explosão de
sentimentos a cada toque e beijo dele.
Me afasto depois de encerrar o beijo com alguns selinhos demorados. É viciante beijar
Hades.
— Me desculpa por esconder por tanto tempo, eu deveria saber que nada entre nós se
quebra, fui tola e deixei passar dos limites. — Brinco com a gola de sua camiseta. — Você é
tudo que tenho, o único que me faz sentir realmente protegida, eu...
A frase foge, simplesmente por que sei que talvez ele nem receba bem o que eu quero falar
para ele.
Quando o encaro, seu olhar ferve em minha direção com satisfação. Confessar que tenho
somente ele para me proteger é como dar drogas a um viciado.
E o vício de Hades é saber que preciso dele.
— Vamos tratar disso, mas ainda cuidarei do motivo — ele diz e eu afasto um pouco meu
rosto do dele.
— Você não pode matá-lo, vai te prejudicar.
— Vamos ver.
Eu inclino a cabeça, o repreendo com o olhar.
— Hades...
— Não espere que ele volte e faça um inferno em nossa vida. Liam deve se juntar ao meu
pai para conseguir o que quer, e se isso for nos separar, eu matarei os dois.
Acho que o “Eu te amo” dele seja proteger o que temos e isso eu posso continuar aceitando,
já que meu interior se agita a cada ameaça que ele distribui.
Então ficamos ali por mais alguns minutos, apenas escutando a respiração um do outro, às
vezes sua mão sobe até minha bunda ainda sem calcinha, ou por entre as pernas, mas eu sempre
as tiro.
Um momento fofo e safado ao mesmo tempo.

Eu nunca me imaginei nessa posição, sem saber o que fazer e me apoiando no que Hades
fala. Estou na casa de Hades e ainda acho estranho ter conhecido seu quarto apenas agora. Não
tem nada demais, paredes em um azul escuro, a cama king, sua escrivaninha que possuí apenas
seu livro esquisito que tentei ler duas vezes e ele sempre chegava na hora.
Um closet com roupas organizada por cores e sapatos também, eu passo a maior parte do
tempo olhando para isso e agora eu consigo até encaixar alguma de minhas roupas.
— Isso não está arrumado — eu me assusto com sua voz e dou um pulo para o lado. —
Você precisa passar sua roupa antes de colocá-las nos cabides.
— Como você sabe que não as passei?
— Desalinhadas e amarrotadas, consigo ver daqui sua desorganização. — Ele cruza os
braços, ainda parado na porta.
— Isso te incomoda muito?
Coloco as mãos na cintura.
Nessa casa faz muito frio e eu ando de casaco, calça moletom, e meia o tempo inteiro. Já ele
não parece sentir o mesmo que eu, já que está sem camisa e suado na minha frente.
É que agora percebendo, meu rosto esquenta.
— Nem um pouco, meu amor. — Ele passa por mim e pega uma camisa pendurada.
Seus músculos tensionam enquanto ele a tira do cabide e coloca o objeto de volta. Suas
costas são definidas e com algumas marcas, pareciam machucados não muito antigos.
Impulsiva, levo meu dedo e aliso com as pontas, então ele para com o que estava fazendo.
— Que marcas são essas?
Me lembro sobre o clube.
— Elas vieram do clube? — continuo.
Eu reforço que Hades não mente. Então acredito em suas respostas.
— Sim, mas não o frequento mais desde que começamos a nos envolver. E antes que
pergunte, era um clube de luta clandestina.
Hades se vira para mim e me dá um selinho que eu não esperava. Então ele sai do closet e
escuto a porta se abrir e logo fechar, eu não sabia o que ele fazia no andar de baixo e não estava
curiosa o bastante para descer.
E fora que no corredor eu poderia encontrar James, e isso já me desesperava o suficiente.
Liam não voltou para casa desde o que fiz no meu aniversário, ele também não atende aos
telefonemas de Kairon, que sempre me pede para voltar, alegando que papai não faria nada.
Eu não confio nisso.
Volto para o quarto e me sento na ponta da cama, os anéis que Hades costuma usar estão ali
e há um com o meu nome, é impossível não sorrir.
Nunca os vi sem ele.
Não havia escutado o barulho do chuveiro e percebo que ele não está por perto, me levanto,
indo até a porta.
Eu paro quando escuto um grito agudo vindo do andar de baixo e sinto minhas mãos
tremerem quando minha mão toca a maçaneta e eu a puxo. O corredor está vazio, mas o grito
ecoa em minha cabeça, minhas pernas tremem enquanto sou puxada pelo corredor, sentindo um
aviso de que eu preciso voltar para o quarto e deixar isso para lá.
Eu ignoro a sensação e, quando piso no primeiro degrau, um estrondo ainda no andar de
baixo me faz recuar dois passos, quase me forçando a voltar para o quarto.
Se fosse um ladrão? Se fosse papai tentando entrar para me matar? Merda, eu estou
facilitando. Ou pode ser uma assombração que Hades invocou com seu livro de capa preta.
Caralho, eu não consigo respirar direito.
Quando dou mais um passo para trás, a madeira range e eu paraliso, olhando para a escada.
Meus lábios tremem enquanto encaro, esperando o pior e me amaldiçoo por não conseguir me
mover.
A porta lá embaixo se abre e fecha, logo escuto passos firmes pelo andar de baixo e pela
escada, assim que vejo que é James, me viro, voltando para o quarto.
— O que faz aqui, Heather? — Paro antes de entrar no quarto. — Acabei sabendo da cena
lamentável no seu aniversário.
Giro os calcanhares e o encaro parado no topo da escada, olhar para ele me faz sentir mais
ódio do que medo, eu poderia correr em sua direção e empurrá-lo escada abaixo pelo que fez
com Hades.
Ele sim merecia a pior morte possível e eu faria questão de, um dia, fazer isso com minhas
próprias mãos.
— Foi um acidente — minto.
Seu olhar para mim é desafiador e eu o sustento.
— Talvez tenha sido, mas talvez tenha herdado mesmo a genética de sua mãe.
— Genética? — Eu arqueio uma sobrancelha, confusa.
Eu posso jurar que ele ameaçou sorrir, seus lábios fizeram esse movimento. Dei a ele minha
dúvida e agora usaria isso contra mim.
Esse foi um truque que Hades me ensinou para descobrir quando acabo falando demais.
— Sim, a loucura segue gerações e isso é algo que vejo desde que você era uma criança. Um
amor para todos e, quando virávamos as costas, libertava seus demônios.
Engulo em seco suas palavras.
— Você fala um monte de merdas, isso nunca aconteceu e o único louco é você.
Ele balança a cabeça enquanto bufa uma risada.
— Sempre varremos suas merdas desde nova para debaixo do tapete, você nunca me
enganou, dissimulada — ele diz entredentes e eu cerro os punhos. — Folk me procurou e eu tive
que pegá-la para sair da cidade.
James coloca a mão dentro do bolso e ajeita a postura. Meu olhar desvia do seu, sem saber o
que falar, retorno e o encaro novamente, um frio percorre minha espinha pelo mau-
pressentimento que se aloja em mim.
— Eu tenho apenas um herdeiro, Heather, vocês dois são fatais demais juntos e se cegam
por essa obsessão. — Engulo em seco, ele continua: — Se afaste dele, porque, se acabar o
mandando para a cadeia ou o matando, eu farei muito pior com você.
Meu olhar se perde novamente com sua ameaça, mas uma fúria cresce em mim ao invés de
tristeza, ele não merece nada além de ódio, não teria mais meu medo.
Eu não vou recuar.
Não depois de ver Hades me defender em todas as vezes que Liam me ofendia ou me
ameaçava.
— Então temos um problema. — Eu o encaro e vejo, pela primeira vez, confusão em seu
olhar. — Eu não vou me afastar e farei muito pior com o senhor, e creio que seu filho me
ajudaria nisso com animação.
Eu lhe dou o gosto por ter falado que somos fatais, porque faríamos qualquer coisa um pelo
outro. A confusão logo se dissipa rapidamente de seu olhar e ele abre a porta de seu quarto, não
pareceu intimidado e nem nada depois de minha ameaça.
Eu tenho certeza de que entrei na maior merda da minha vida dizendo isso para James logo
depois de ter furado a mão de Liam.
Dois homens poderosos que acabariam comigo.
Dois abusadores também.
— Nem tão doce...
Levanto meu olhar, assustada com a frase que James disse, então ele some, entrando em seu
quarto, me deixando perdida.
A janela do quarto de Hades dá para a minha casa, em todo o tempo que estive observando,
ela parece vazia e talvez até abandonada, nenhuma movimentação a não ser de Kairon, mas que é
sempre breve, ele não permanecia por mais de uma hora ali.
Abrir os olhos e enxergar a verdade tem seus contras, com certeza ficar longe de casa é um
deles. Eu digo isso por ficar distante de Kairon e Maria.
Desde que encontrei James, não paro quieta no quarto e nem ouso sair para procurar Hades,
estou apenas aqui, esperando por algo, não sei o que, em minha cabeça mamãe chegaria? Ou
Hades entraria com respostas?
"Nem tão doce garotinha."
"Nem tão doce."
Apenas mamãe e Hades falavam assim de mim e para mim, de onde James tirou isso? A
inquietação começa a crescer em mim e a necessidade também, tentei passar o dia sem pensar em
nada, mas não consegui.
Oito e meia da noite.
Dez horas agoniada.
Olho para minhas mãos que tremiam, a vontade de chorar e gritar arranha em meu peito com
certa necessidade, eu engulo isso e tento aguardar.
Suspeito que a abstinência esteja me deixando mais estressada, eu agora suava
excessivamente, mas a presença constante de Hades me mantinha longe da vontade de ir em casa
e pegar uma garrafa de vodca, evitando essa crise, já que ele não me deixa chegar perto de nada.
Eu não sou uma viciada.
Eu não sou uma viciada.
Ando até a cama e rastejo por ela, logo puxando minhas pernas e as abraçando, talvez meu
medo fosse Hades me ver nessa situação de necessidade, de fraqueza, o vício era algo que me
enfraquecia e consumia minha mente.
Mas eu não era uma viciada.
Talvez um gole e eu conseguisse assumir o controle de meu corpo novamente, mas como se
eu me contorcia e parecia que meu coração ia sair pela boca?
Meus pensamentos estavam me destruindo e, quando tento não pensar, o silêncio também
me mata.
Eu não podia ser fraca.
Já fui por muito tempo.
Queimação e lábios secos, me levanto e corro para o banheiro, mas me agacho ao lado do
vaso e vomito, sinto meus pés formigarem e os toco com um tremor nas mãos. Lágrimas descem
desesperadamente enquanto reprimo um grito de dor, não sei de onde vem essa dor.
— Eu não sou uma viciada, não pode ser — murmuro enquanto me levanto e vou até a pia.
Preciso controlar isso antes que ele volte e me veja assim. Isso se repete em minha cabeça.
Pego o copo ao lado e encho de água, eu bebo com necessidade, mas arde já que não é o que
meu corpo pede, quando levanto e me olho no espelho, solto um soluço.
Olhos fundos e avermelhados, a boca ressecada, a perda de peso eu não tinha mais, já que
Hades agora cuida de nossa alimentação, mas, na sua ausência, eu me desconheço, meus
demônios me atormentam tanto ao ponto de me lembrar do que meu corpo precisa.
Quero tanto me esconder de Hades...
Eu preciso me manter sem ele, não ser consumida por tantos demônios para me afundar.
Jogo água em meu rosto e bebo mais um copo dela, sentindo ânsia de vômito, mas não o
faço, eu preciso ir em casa, minha cabeça dói e parece que vai explodir.
Uma única dose e eu conseguiria voltar a ficar bem, sim.
Saio do banheiro coçando as mãos e braços, algo pinicava em mim. Quando me aproximo da
porta, ela se abre e revela um Hades suado, por um momento ele parece inexpressivo, mas depois
de alguns segundos... Eu nunca obtive essa reação dele e me despedaça quando seus olhos se
arregalam e o desespero toma conta quando termina de me estudar.
— O que aconteceu? Você está suando e...
Percebendo do que se tratava, ele dá um passo na minha direção, as mãos tentando me
acalmar.
— Por favor, saia, só me deixa ir para casa — peço em meio a soluços e não consigo mais
controlar minhas lágrimas. — SAIA DA MINHA FRENTE.
Eu grito e ele fecha a porta, se aproximando, eu o empurro e soco seu peito. Hades me vira
de costas para ele e me abraça.
— Isso vai passar, meu amor, faça o que tiver que fazer comigo, mas não vou deixar que
caia — ele sussurra e eu me debato mais contra ele, a boca seca novamente.
Estou tremendo mais do que antes, tudo arde em mim e sinto a bile subir, seu toque faz
queimar feito o inferno, eu não quero ser contida, mas ter ele ali é algo que me desmorona. Ele
não precisa de alguém assim.
— Me solta, eu preciso ir — grito e me debato contra Hades, que me aperta ainda mais. —
EU TE ODEIO. TE ODEIO.
Sem conseguir me conter, eu vomito um líquido branco, minha garganta agora arde, Hades
me solta e eu corro para o vaso, vomitando mais disso. Sinto as mãos dele prenderem meu cabelo
para trás, eu soluço e tenho espasmos, não entendendo direito o que havia acontecido comigo,
lágrimas escorrem sem piedade e vergonha não é algo que eu sinta no momento.
Três dias sem álcool são suficientes para que meu mundo desmorone e para que me fique
claro que eu preciso sim de ajuda.
Hades não merece isso, não merece me ver desse jeito. Respiro fundo, conto até dez
inúmeras vezes para levar minha mente a outro lugar, meu coração está menos acelerado e não
estou mais irritada.
O silêncio paira e ele continua ali, estou debruçada sobre o vaso, as minhas costas sendo
alisadas em conforto.
Quando libera meu cabelo e o sinto se afastar, penso que talvez seja porque não me quer
mais, por que iria querer? Eu entenderia se agora ele me libertasse para sempre, mas não
suportaria, nem sempre escolhemos quem amar e amor não suporta tantas coisas.
O barulho de água me tira dos pensamentos autodestrutivos e me faz perceber que ele está
enchendo a banheira, mas não tenho força o bastante para encará-lo.
— Eu vou tirar seu casaco — Hades avisa ao meu lado, a voz firme. Levanto os braços, ele
retira o moletom e eu evito seu olhar. — Não quero e nem vou te perder.
É um sussurro vindo dele, talvez não quisesse que eu escutasse, então o encaro, eu vejo dor
em seus olhos e então molho meus lábios secos, prendendo um soluço.
— Merece alguém melhor do que eu — minha voz falha e Hades respira fundo.
— Você é o melhor que eu tive em toda minha vida.
Ele me levanta com delicadeza e desliza minha calça e calcinha, estou nua enquanto fujo de
seus olhares, magoada por ter causado dor e preocupação a ele.
— Algo bom não te traz problemas — rebato.
Estou tentando mostrar a ele que não seria uma escolha inteligente me escolher.
— Quantas vezes terei que repetir que é meu paraíso? Foda-se o que vem junto, não há
ninguém como você e é tudo que eu sempre quis e escolhi — Hades diz com ternura.
Eu choro ainda mais percebendo o quanto ele faz e sente, sentindo agora a culpa recair sobre
mim, seu amor, mesmo que não falado, me abraça. Seu cuidado excessivo, ciúmes, céus...
Hades me leva até a banheira e, quando já estou dentro, ele se senta do lado de fora enquanto
passa o sabão líquido na esponja, segurando as bordas, eu percebo que ainda estou tremendo,
então as puxo para dentro.
— Eu nunca passei por isso.
— Para tudo tem sua primeira vez.
Eu bufo uma risada sem humor, ele desliza a esponja em minhas costas, pescoço e ombro,
um carinho distante de como Hades e eu lidamos um com o outro, sempre o bruto.
— Mais uma para sua conta das primeiras vezes minha — o humor quebrado não me escapa.
E nem é hora de piadinhas.
— Isso não tem graça. — Ele me corta, eu quase dou um sorriso.
— Eu só não consegui me controlar, sabe, eu...
— Isso não se controla, me ligue, grite ou qualquer caralho se tiver uma próxima, mas me
alerte. — Sua mão cai e ele abaixa a cabeça, respirando pesado. — Por favor, não se esconda
mais de mim.
Retiro minha mão de dentro da água e aliso seus cabelos, quando levanta a cabeça, vejo
preocupação transbordar. Me assusta receber isso de Hades, que nunca foi de demonstrar nada,
mas também me dá a certeza que ele sente algo.
— Não tem como eu me esconder se você sabe exatamente onde me encontrar... — Me
aproximo e colo minha testa na sua. — Somos praticamente um só desde o dia que me chamou
de sua pela primeira vez que me viu, meu primeiro amor...
Hades me encara e o sinto relaxar, deslizo as mãos por todo seu braço e ele se arrepia. Seus
olhos brilham em minha direção... como se estivesse feliz? Talvez, eu nunca saberia.
Mesmo que as circunstâncias não sejam boas, eu gosto de momentos vulneráveis por me dar
a chance de ver o real por trás da máscara de ferro, ainda mais da armadura de Hades que quase
nunca cedia.
Ficamos mais alguns minutos ali e preferimos o silêncio, mas quando saímos e já estamos
vestidos e deitados, os braços de Hades me aprisionam em seu calor como se estivesse com
medo de que eu saísse e nunca mais voltasse, mesmo cansada, eu não queria dormir, apenas o
admirar.
— Me desculpa — murmuro, dou um leve beijo em seu queixo.
— Tá tudo bem — Hades diz e me dá um beijo na testa. — Você precisa descansar, amanhã
tenho uma surpresa para você.
Arqueio uma sobrancelha e afasto meu rosto.
— Eu tenho um pouco de medo das suas surpresas. — Ele bufa uma risada e ajeita seu
cabelo ainda úmido.
Seu sorriso é algo lindo e poucas vezes o via rindo.
— Eu sou bom com surpresas. — Rolando o olhar, ele para em mim. — Mas antes disso,
iremos a outro lugar, então durma.
Um selinho demorado é o bastante para que eu logo durma com suas carícias, mas ciente
que, talvez, ele sequer tenha conseguido dormir.

Meus passos travam e engulo em seco diversas vezes, eu não sabia se o acompanhava ou
dava meia volta e começava a maior briga que eu podia só para ele me tirar daqui. Viemos a
Fallen em completo silêncio e ele ignorando todas as minhas perguntas, três horas, eu acho que
vou até desmaiar de nervosismo.
Alcoólicos Anônimos.
Não havia uma faixa na entrada da igreja avisando que ali existia um lugar para a reunião, a
princípio, achei que ele estava me trazendo aqui para procurar Deus, mesmo sabendo que Hades
não acredita nele.
— Se viéssemos ao culto seria menos doloroso — murmuro e aperto sua mão, um pouco
nervosa enquanto encaro a porta com um vidro indicando os horários e dias das reuniões. —
Pode me ajudar mais, talvez.
— Entraremos no seu tempo.
— Você não pode me obrigar.
— Eu não estou te obrigando, mas posso te trancar no meu quarto sem qualquer remorso a
cada crise. Ou melhor, posso montar um quarto para isso, prefere o mais difícil? — Seu olhar
quase me perfura.
É, eu funciono melhor com ameaças.
Solto sua mão e entro na sala, mas Hades a agarra, indo junto comigo e a apertando. Tento
me soltar discretamente quando os olhares são desviados para a gente, curiosos e também
receptivos.
— Sejam bem-vindos. — É uma senhora, cabelos grisalhos e olhos azuis. — Me chamo
Mirian.
Mirian usa jeans surrados e uma blusa florida, seu cabelo está solto e vai até o ombro, ela me
lembra um pouco Maria. A voz é aconchegante, ela se aproxima, pronta para me abraçar, e eu
recebo, é reconfortante.
— Me chamo Heather. — Quando me solta, eu sorrio para ela e, quando se prepara para
abraçar Hades, ele estende a mão. — Esse é Hades.
— Namorado dela — ele acrescenta e força um sorriso.
— Tudo bem namorado dela, vocês podem se sentar que já vamos começar. — Eu bufo uma
risada e puxo Hades.
Seguro sua mão com toda força que posso e ele não se incomoda com isso, por minha visão
periférica, consigo saber que ele me encara a todo momento. Mexo minhas pernas nervosamente
enquanto a mulher, Mirian, explica os desastres dos vícios.
Eu não me aplico a nada que ela diz, eu não destruí nada.
— Ainda tem aqueles que se destroem, o que é pior. Engolir o orgulho e não ver o problema
que está se metendo em deixar o vício te conduzir. — Merda, ela está lendo meus pensamentos.
Hades alisa minha mão com sua outra livre, então percebo que eu estou me tremendo.
— Talvez esses sejam os que mais me preocupam, os que não confessam para si e nem para
quem quer ajudar. — Seu olhar passeia por todos ali e para em mim. — Mas pedir ajuda não é
para ser algo vergonhoso, o vício não é algo que escolhemos e estou aqui, ex-alcoólatra, sem
colocar uma gota de álcool na boca há quinze anos, vivi com o vício dos meus quinze até os
trinta. Demorei, mas clamei por ajuda, e tive.
Reprimo os lábios e a vontade de chorar eu engulo, se ela que era viciada por quinze anos
conseguiu viver sem, eu conseguiria. Eu via certa faísca em seu olhar direcionado para a mulher
de cabelos escuros ao seu lado, era sempre quando falava coisas boas.
Talvez tenha sido ela seu maior apoio.
Olho para a mão de Hades e percebo que eu tenho isso, tenho tudo dele e nem sequer havia
percebido. Aliás, sempre percebi o quanto ele se doa para mim e minhas vontades, isso basta.
Se eu quisesse fazer dar certo, iria começar por mim.
Mirian continua:
— Viver pode parecer doloroso, mas viver em uma realidade que não é nossa é pior ainda.
Estamos aqui para sentir, não somos inabaláveis, ninguém sai ileso do que é a vida. Podemos nos
reconstruir quantas vezes quisermos, somos humanos. Então precisamos cuidar do nosso templo,
que é o corpo, a mente e o coração.
Olho para Hades, que agora presta atenção na mulher, mas que desvia seu olhar para mim,
um sorriso tímido quase se forma no canto de seus lábios e meu coração parece se desmanchar.
Acho que estar apaixonada é isso, por mais que ele esteja obcecado por mim desde que me
conheço por gente, o amor nunca o alcançou, ou ele sempre o sentiu e nunca percebeu.
Amor é algo fraco para ele que sentia muito, pode parecer que não, mas tudo que vem de
Hades é uma avalanche de sentimentos e que se foda se você iria aguentar ou não.
Com certeza eu seria a única a aguentar, porque eu o amo.

Hades me abraça e beija minha testa enquanto andamos pelo corredor da igreja, ele ficou
atento na hora em que ela explicou como reagir a uma crise e ainda pediu para que ela repetisse
para que ele anotasse em seu celular palavra por palavra. Eu estava determinada até certo ponto,
ainda me culpava por ter jogado a responsabilidade em Hades, mas afasto cada vez mais esse
pensamento.
Mirian disse que era algo comum e eu só precisava repetir para mim mesma que nada era
minha culpa, isso ia passar, uma hora ia.
— Podemos parar em algum lugar e comer, depois continuamos o caminho — Hades diz
contra minha testa.
— Eu posso esperar até lá, demoraria muito?
— Quarenta minutos de Fallen até lá. — Ele parece distante
— Tudo bem. — Eu olho para onde Hades encara e vejo o carro de Kairon.
Me solto de seu abraço e caminho até lá, quando me aproximo, o vejo mexer em seu celular
e então bato no vidro, o assustando, aliás, duas vezes assustado já que Kairon ficou pálido em
segundos ao me ver ali.
— O que faz aqui? — pergunto, me debruçando na janela assim que ele a abre.
Ele olha para Hades atrás de mim, e depois para mim.
— A pergunta seria: o que você faz aqui? — ele tenta me enrolar, mas não vem ao caso.
— Responda a ela, Kairon — Hades diz ao meu lado, impaciente.
— Cala a boca, Diabo — meu irmão rebate.
Mas então meu olhar se levanta para Noemia, que saía sendo confortada pelo que me parece
ser o padre da grande igreja que acabamos de sair. Ela usa seu vestido florido branco e seu
cabelo preso em um rabo de cavalo.
— O que Nono faz aqui? Ela é uma viciada? — Meu coração dispara com medo da resposta.
— Não... — Kairon olha para frente respirando fundo, como se não conseguisse falar.
Quando olho novamente para onde está Noemia, ela já havia se aproximado, agindo como se
tivesse visto um fantasma, e para na porta do carona do outro lado, seus olhos tremem e se
enchem d'água.
— Nono...? — minha voz falha.
— Ela está grávida — Kairon diz de uma vez.
Fico bons minutos olhando para ela, que reprime os lábios e sei que quer sorrir, mas também
está prestes a se emocionar.
— Quantos meses? — pergunto quase em um grito, mas me controlo. — Desculpe.
— Três meses — é ela quem responde.
Coloco as mãos na cintura e me afasto do carro, meu coração dispara e é difícil assimilar que
minha amiga estava grávida e eu não percebi, e que ela ao menos me contou. Aliás, meu irmão
não me contou, mas isso não me incomoda.
Uma estranha felicidade cresce em mim, mesmo sabendo que pode ser um problema para
eles, mas ainda sim é uma notícia muito boa. Talvez isso seja esperança, uma vida é sempre algo
bom em meio a tanto horror.
— Heather... — ela ameaça dar a volta e vir até mim, eu limpo uma lágrima solitária e a
paro, levantando a mão. — Eu descobri tem poucas semanas, você iria saber assim que passasse
essa turbulência e...
— Estou feliz — a corto e lhe dou um sorriso. — Eu estou muito feliz, oh, essa com certeza
é a melhor notícia que recebo em meses.
Beijo a mão de Kairon, que limpa mais uma lágrima minha, havia uma luz diferente em seu
olhar, ele está feliz, mesmo com seu jeito inabalável.
Nono parecia feliz, já que alisava sua barriga sorrindo, então isso não seria um problema
para eles.
— Bom, eu já vou, voltem em segurança. — Me distancio e esbarro em Hades, que me
equilibra com a mão na minha cintura.
— Por isso quis vir a Fallen sem mim — Hades diz ao meu lado, com um pequeno sorriso
nos lábios.
— Eu sei que desconfiava. — Meu irmão revira os olhos.
Eu limpo mais lágrimas que insistem em descer, as palavras de hoje na reunião me tocaram
de forma extrema, e logo depois saber que uma de minhas melhores amigas está grávida... do
meu irmão...
Meu coração aquece, não consigo nem ficar chateada por terem me escondido, até por que
ando uma completa bagunça.
— Você está bem? — Hades pergunta assim que entramos no carro.
— Estou bem, você já sabia?
Ele dá de ombros enquanto liga o carro e pega a estrada.
— Eu achava que ela era uma viciada em comprimido quando a vi aqui semana passada,
mas gravidez foi meu último pensamento.
— E o que você fazia aqui?
— Onde moramos não é seguro te levar a uma dessas reuniões sem que ocorra comentários,
então Maria me indicou esse lugar de Fallen. Mirian é irmã dela. — Hades me olha breve e
pisca.
— Isso explica muita coisa. — Sorrio para ele.
— Eu penso em tudo, rainha, pode me chupar.
Empurro de leve seu ombro e solto uma risada.
— Seu babaca. Pode me falar onde estamos indo?
— Você vai gostar, tenho certeza.

É quando ele estaciona o carro que percebo que estamos no aeroporto, na parte reservada,
onde ficam os jatos particulares. Hades sai do carro, sem chances de me deixar fazer perguntas,
então tira da mala de seu carro minha mala rosa e uma mochila preta, que suponho seja sua.
— Como conseguiu minha mala? — Saio do veículo e corro atrás dele, que caminha como
se aquilo fosse normal. — Como programou isso tudo?
— Enquanto estive fora, era isso que eu resolvia, Maria fez suas malas e eu consegui o
jatinho do meu pai e, bom, ele ficará uns dias sem ele.
— Uns dias? Para onde vamos? Hades, isso é loucura.
— Eu disse que você vai gostar, meu amor.
Com uma piscadela, ele entrega as bolsas para o homem que ali aguardava e estende a mão
para mim.
— Hades...
— Do que você tem medo?
Torcendo os lábios, escolho não transformar essa viagem, seja lá para onde for, em um
enterro.
— Se eu não gostar, não terá boquete.
— Então isso significa que tenho altas chances de conseguir um. — Um sorriso ladino se
forma em seus lábios e eu seguro sua mão, subindo as escadas ao seu lado.
O jato é um pouco grande, lembro de James uma vez comentar com papai que essa foi a
coisa mais cara que comprou, mas também era a melhor coisa para seus negócios. Contava sobre
ir até algumas reuniões fora do país de forma mais rápida.
A elite sempre teve seus caminhos caros e luxuosos.
Eu não reclamaria, visto que usufruo de tudo que me proporcionam.
Os bancos são de couro em sua cor bege, tem quatro poltronas em cada lado, uma de frente
para a outra, uma mesa no meio separava os outros dois bancos. Tudo em tons claros e
compartimentos fechados, eu imaginaria tudo na cor preta já que essa é a marca da família
Caspian.
Sempre sombrios.
Ajeito meu vestido quando sento e sinto como se houvesse borboletas em meu estômago, eu
estava ansiosa e esperava algo bom, na realidade, eu sabia que viria. A confiança que eu tenho
em Hades não me deixa dúvidas de que ele faria qualquer coisa para me deixar bem.
Hades se senta ao meu lado e segura minha mão, a levando até seus lábios, onde deposita
beijos nos nós de meus dedos.
— A próxima parada será a Itália, minha rainha. Agora farei com que tenha boas memórias
de lá e serão todas comigo.
Observo Heather, a todo momento, para que eu perceba rápido se algo estiver errado, anotei
que se eu não quiser submetê-la a remédios controlados, o jeito seria a distrair. A abstinência
logo não iria ser tão dolorosa e, muito em breve, ela não sentiria mais falta. Recaídas vão ser
evitadas enquanto eu estiver ao seu lado, vinte e quatro por quarenta e oito, o único plantão
interminável que eu faria com prazer.
E, bom, também não tiro os olhos dela, porque esse minivestido que usa tem toda a minha
atenção.
Eu evito comentários e provocá-la durante o dia, até porque não é o momento e o estresse da
noite passada ainda não havia passado. Fora que Noemia e Kairon apareceram do nada, aquilo
foi uma surpresa até para mim que sabia de tudo.
Começamos a ter segredos.
Não os julgo, eu também não falaria nada de Heather a Kairon, Elliot ou Magnus. É assim
que funciona quando queremos manter a paz, nem sempre vou contar tudo aos meus amigos ou
saber tudo sobre eles.
Vejo Helena, a aeromoça que trabalha com meu pai há anos, sair da cabine. Havia pedido
para que viesse apenas quando decolasse e quando pousasse.
Toda a atenção de Heather teria que ser para mim.
— Olá, senhor Caspian. — Ela acena e eu faço o mesmo. — Olá, senhorita Walker, que
honra recebê-la.
— Olá... — Heather força a vista para olhar em seu crachá. — Helena, muito prazer.
Uma coisa que percebi é que o sorriso de Heather continua o mesmo, seus olhos quase se
fecham e isso a deixa linda. Com tamanha simpatia que exala é ainda mais difícil não ficar
hipnotizado.
E excitado, acrescente isso a lista.
Ela conta a Helena que fica um pouco nervosa na decolagem, mas que depois estaria tudo
certo, com isso, a mulher volta para a cabine.
— Você precisa ser simpática desse jeito? — a provoco, enquanto coloco meu cotovelo no
apoio da cadeira.
— As pessoas precisam de atenção, pessoas se comunicam, mesmo que não faça parte da
sua natureza dar atenção a todos.
— Então quer que eu dê atenção a todos? — Meus olhos correm e os seus me encaram, sua
pupila dilata, adoro a ver borbulhar com ciúmes.
Era por isso que mantinha Olivia à minha volta, todas que se aproximavam, mesmo quando
ela sequer olhava em minha cara, eram ameaçadas por Heather, gosto do jeito sonso que esconde
sua outra face. Gosto de saber que sou o que a faz se revelar.
— Não, sua atenção é para mim. Mas você precisa ser tão antipático? — Seus olhos verdes
me estudam e tudo se acalma nela.
Autocontrole quando se lembra que, de fato, nenhuma teria minha atenção. Está aprendendo
mais rápido do que pensei, preciso mudar minhas técnicas. Percebo a malícia de Heather quando
desvia o olhar para minha boca e depois molha seus lábios, se ajeitando no banco. O vestido sobe
quando cruza as pernas, chamando minha atenção.
Algo que eu estou disposto a dar sem hesitar.
— Guardo minhas palavras apenas para você.
Ela ri e desfaz o cruzar das pernas.
— Isso é novo, na maioria das vezes você me nega palavras também, Hades. Então é zero
simpatia para todos.
— É que normalmente minha boca está ocupada na sua boceta, fica difícil falar algo.
— O que… — Heather vira sua cabeça para mim com os olhos arregalados e as bochechas
vermelhas.
— Estou sendo comunicativo e te lembrando o porquê não falo com frequência, pelo menos
ultimamente.
— Mas não precisa ser tão safado em falar isso alto, você não tem filtro? — Suas bochechas
permanecem vermelhas, então pressiona suas coxas uma na outra.
Eu deslizo minha mão lentamente por sua coxa, subindo até tocar sua intimidade por cima
da calcinha já molhada... Isso é interessante.
Seu desespero se dissipa depois de olhar para a porta da cabine e quando volta a me encarar,
respira pesado.
— Você é um pervertido do caralho — sussurra, ela desliza seu quadril fazendo com que
meus dedos pressionem sua entrada. — Estou me tornando uma.
Saio do banco e me ajoelho na sua frente, sua boca permanece entreaberta e a respiração
entrega o quanto está excitada, tirando o quanto sentia sua calcinha encharcar. Seus mamilos
pressionam no tecido do vestido, os marcando, e sinto meu pau latejar, mas afasto os
pensamentos de fodê-la de uma vez, meu desejo é que ela gozasse em minha boca.
— Se tornando o que se sempre foi? No seu quarto há dois anos, pedindo para beijá-la… —
Eu puxo sua perna e as coloco apoiadas em meus ombros, abrindo para mim, então afasto o
tecido pequeno e fino de sua calcinha, me dando acesso.
Ela tomba a cabeça para trás quando enfio dois dedos de uma vez, Heather está tão excitada
que empurra o quadril, se movimentando em meus dedos.
— Me prometendo todas as suas primeiras vezes — sussurro.
— Era o óbvio a se fazer — diz ofegante, a observo. — Que garota negaria algo para alguém
que faria tudo por ela?
— Uma garota sã? — Eu me inclino no meio de suas pernas, mexendo os dedos dentro dela,
que choraminga.
Heather mexe seu quadril em minha direção e deposito um beijo em sua pele sensível, a vejo
se arrepiar.
— Você me deu sua devoção e eu queria te dar outras coisas — sua voz soa rouca e sorri
com uma puta malícia para mim, e aquilo foi como riscar fósforo em gasolina.
Eu sugo seu clítoris e ela arqueia as costas, abrindo mais as pernas, apoiando uma na janela
e a outra no banco. Movo minha língua em movimentos circulares e a penetro com dois dedos e
retiro enquanto pincelo com a língua toda sua extensão.
Heather morde a mão para controlar os gemidos e, daqui de baixo, essa cena é a mais linda
que já vi, tirando todas as vezes em que a vi pelada ou dormindo.
Eu não me daria nem ao trabalho de avisar a ela que a cabine é a prova de som.
A dor, adrenalina, medo de ser pega, é tudo uma junção do prazer que eu posso oferecer a
Heather, é tudo o que ela precisa para conseguir se libertar para mim.
Ao longo dos anos, observei tudo que poderia chamar a atenção de Heather, consegui
através de sua possessividade, mas isso era controlado por Louise, que dava os conselhos.
Eu sempre disse que as paredes tinham ouvidos e eu era um desses.
Passei a pensar em sexo como algo bom quando fiz dezesseis anos e a vi de biquíni, achei
que não pudesse nunca mais pensar na possibilidade de colocarem meu pau na boca ou sentarem
nele sem sentir repulsa.
Isso era distante em minha mente perturbada.
Mas passei a imaginar Heather e isso se encaixava tão bem, seu corpo é o único que me
chama atenção. Isso me fez procurar saber o que a excitava, já que qualquer movimento dela
estava me excitando.
E então descobri.
Provoque, a faça chegar ao limite, então terá maneiras de trazer a pessoa até você.
— Hades, eu vou gozar, meu Deus — diz entre gemidos. Sua mão puxa firme meus cabelos
e ela belisca seu mamilo com a outra.
Dor, é assim que a traria para mim. O jeito bruto de tomar o controle e depois devolver, já
que eu adorava ser seu fantoche para que descontasse a raiva com mordidas e depois beijos
selvagens.
Chupo e devoro Heather, torturo puxando seus grandes lábios entre os dentes e ela deixa
escapar um grito, mas logo o abafa com as mãos. Eu sorrio com a boca ainda ali, então a puxo
mais para mim quando tenta se afastar com a chegada do orgasmo.
— Goze na minha boca, rainha, estou de joelhos para isso — falo contra sua pele sensível.
Heather choraminga alto enquanto revira os olhos quando curvo os dedos dentro dela,
atingindo seu ponto sensível, e volto a chupar seu ponto inchado, lambo e o puxo entre meus
lábios.
Eu sempre estaria faminto pelo seu sabor, caralho, isso só faz algo em mim crescer mais e
mais. Foderia com Heather todos os dias se fosse preciso e, mesmo assim, minha obsessão só
aumentaria.
Heather é tudo para mim, meu mundo gira ao seu redor.
Ela se contorce no banco e, com as pernas trêmulas, as fecha na minha cabeça, como se
fosse esmagá-la. Heather chama o orgasmo de quase morte e eu concordo com ela, seu corpo
começa a convulsionar enquanto fecha seus olhos, e então me delicio de sua liberação.
Selvagem, é assim que ela fica e isso me deixa ainda mais viciado em seu gosto e em como a
deixo. Cabelos bagunçados de forma sexy, bochechas vermelhas e suas pupilas dilatas depois de
liberar seu prazer, antes de me levantar, dou um tapa em sua coxa.
— Isso... — ela me olha levantando, então limpa seu acento. — Isso fica cada vez melhor a
cada vez que faz.
Meu olhar passeia por como seu corpo se movimenta e quase solto um gemido com a
necessidade de comer Heather de quatro, eu marcaria qualquer lugar que estivéssemos com
nosso sexo, ela me deixa assim.
Eufórico por mais dela, sedento para beber somente da água dela.
Mas também precisava dela bem acordada e disposta para quando chegarmos, há um
repertório nesses breves dois dias fora do inferno que vivemos.
Eu me estico para pegar uma garrafa d'água, mas desisto quando Heather se senta em meu
colo com uma coberta de sei lá de onde ela tirou essa porra.
— O que você está fazendo? — Eu a ajeito em meu colo, ela se encolhe e descansa a cabeça
em meu peito.
— Dormindo com você.
— Você confortável e eu que me foda?
— Eu percebo que me observa toda noite, nunca te vi dormir, então não é um problema ficar
desconfortável. — Eu dou uma risada, tombando minha cabeça para trás quando ela termina.
Quando volto a encará-la, vejo um brilho diferente em seu olhar enquanto me observa.
— Por que não dorme?
— Mente perturbada e barulhenta demais. — A abraço contra meu peito, sentindo seu cheiro
doce. — Mas eu durmo algumas horas, só acordo antes, te observar é o que faço de melhor.
Heather sorri e se estica para me dar um selinho e recebo, logo vira um beijo, até que se
afasta e roço nossos narizes.
— Se eu não amasse tanto dormir, também te observaria por horas, Hades.
— Você acaba de me ofender dizendo que dormir é sua prioridade e quem você mais ama.
— Eu também te amo, mas… — seus olhos se arregalam e eu evito um sorriso. — Bom,
vocês estão na disputa pelo pódio.
Não ouso responder e nem aliviar para deixar Heather menos sem graça, mas a garota
afunda seu rosto em meu peito e o assunto acaba assim.
O dia em que ela descobrir o quão raso esse sentimento é para mim, vai entender que o que
eu sinto é muito maior e profundo. Mas Heather sente todas as emoções de forma extrema e, se
estiver me amando, terei que sentir isso também.
Mas como saber se estou sentindo amor se nunca o recebi? Vou me esforçar para entender
Heather e tudo o que ela sente. Oh, se amor for a parte de proteger, perseguir, necessidade de sua
presença constante, deixar que ela me irrite com suas perguntas sem nexo só para ouvir sua voz,
ou que ela bagunce meu guarda-roupa, ela está com sorte.
Devoção é a mesma coisa, ao meu ver, talvez muito maior, que é o que ela merece.
Sua respiração está mais calma quando presto atenção aos seus movimentos, sua cabeça cai
para o lado, me dando a visão de seu rosto, e juro que se fosse um artista e conseguisse pintar
algo, meus quadros só teriam os detalhes de Heather.
A forma como ela fica quando se distrai ou quando está triste, como a ponta de seu nariz fica
rosada quando chora ou está resfriada, os olhos verdes desconfiados, seus traços ficariam eternos
na tela branca.
Mas prefiro eternizar eles somente para mim, falas e traços, jamais esquecidos.

Elliot disse que viu Cole em um carro perto do condomínio onde moramos, ele tentou seguir
o homem, mas, pelo que entendi, ele também não podia deixar Ava sair de seu radar. Mesmo que
não estivessem mais juntos e nem se falando desde o jantar de Heather, ele ainda estava por
perto.
Raiva cresce em mim por saber que agora ele anda se aproximando mais, onde esse fodido
estava? Meu maior arrependimento foi ter deixado Cole vivo, eu poderia ter pisado em sua
cabeça até que se quebrasse.
Quebrar suas pernas e braços não o parou, só o irritou.
Mas algo me intriga, torno a repetir que ele não tentou nada com as outras garotas e, pelo
que pesquisei, em seus antigos relacionamentos, ele tinha um padrão. Loiras, altas, e a maioria
modelos.
Sim, é fácil achar no IG. Ele não apaga comentários antigos e lá encontrei os perfis de suas
antigas namoradas. Heather não é seu padrão.
Fora isso, preciso achar Louise e dar um fim nela, assim como farei com Eloah. Mas anseio
pelo sangue de Liam derramado aos meus pés. Desde que me conheço por gente, planejo
inúmeras formas de provocar sua morte.
O silêncio de Liam não me perturba, mas sim a Heather que ainda sente medo, então terei
que tornar seu silêncio eterno para que minha rainha possa dormir tranquila.
Eu farei isso.
— Vamos ao Coliseu? — Minha atenção vai para Heather, que tomou banho e se arrumou
como uma turista, palavras dela.
Um sobretudo que vai até metade das coxas, botas, uma calça legging, um gorro e luvas
pretas. Não está frio na Itália.
— Coma. — Indico com o queixo o prato com ovos mexidos, bacon e uma torrada. Ela se
senta para comer.
— Você não me respondeu.
— Vamos ver pedras?
— Tudo na Itália é isso, você quer jogar moedas em uma fonte e voltar? — Ela coloca o
bacon na boca e mastiga.
— Não seria má ideia. — Olho pela janela e vejo que faz sol, sem nuvens e o clima está
agradável demais para luvas e gorro. — Heather, está um pouco quente para que use essa roupa.
— O quê? Essa roupa é perfeita para a Itália, você já implicou com o lugar e agora com a
minha roupa?
Congelo, encarando Heather com as duas sobrancelhas levantadas, seu rosto está vermelho e
ela agora morde a torrada sem cortar o contato visual comigo. Sua última vinda aqui a
despedaçou e não a quero manter presa como faço em nossa cidade, porém, sexo e sua presença
para mim basta.
Heather sempre quer mais e eu posso dar isso a ela.
Siena fica a algumas horas de onde estamos, e definitivamente seria melhor para nós dois.
— Você já foi ao Coliseu, vamos a Siena. — Calço meus sapatos e ela se levanta em um
pulo, sem me questionar. — Precisamos de algo novo para você.
Como havia dito, está um calor do caralho e, por sorte, ela trocou a roupa por um vestido
branco com girassóis desenhados, seu estilo sempre foi muito alternativo e se adequava aos
eventos. Eu sempre a vi muito de shorts curtos e blusas largas.
Então vestidos, saias e calças eram por influência de lugar, se ela pudesse, andaria de shorts
curtos e blusas grandes.
Sua animação chama atenção e, quando levanta os braços para me mostrar algo, eu preciso
que segurar a barra de seu vestido para que não vissem nada. É ter atenção por mim e por ela,
cogito até em comprar um canivete para tirar os olhos de quem a observava por inteira.
Quando chegamos à praça central Piazza Del Campo já de cara parecia ter alguma
festividade, havia um grupo vestido de vermelho vindo de uma rua enquanto se aglomeravam
para ver a pequena apresentação.
Havia muitas lojas ao redor e um grande relógio que, se não me engano, é a Torre del
Mangia, tudo aqui é antigo, mas conservado, turistas espalhados e animados.
— Qual o nome da igreja? — Heather aponta e caminha na direção.
— Catedral de Santa Maria Assunta, amor. — Eu a puxo e viro para onde realmente fica a
catedral.
Sussurro em seu ouvido e ela ri, então me puxa para entrarmos e ela, tanto quanto eu,
ficamos impressionados com seu interior. Eu achei que já tivesse vindo aqui dentro e, se por
acaso vim, não me lembro.
Bancos desde a entrada até os limites do outro lado, a decoração é gótica, possuí anjos
esculpidos em suas pilastras grossas e paredes, há algumas pessoas orando. Eu só fico
impressionado em como isso virou um lugar santo.
Mas Jesus Cristo está desenhado em seu teto, bom, eles fizeram virar algo santos de alguma
forma.
Heather tira diversas fotos e, às vezes, me pede para fotografá-la, faço sem reclamar. Sua
beleza é radiante fora da câmera e se supera em fotos, eu encaro a foto de seu perfil que tirei
enquanto ela se distraía.
Seria muito possessivo se eu a levasse para casa só para que ninguém a olhasse?
Enquanto saímos, o barulho do flash me chama a atenção.
— Você é um maldito fotogênico, como eu ainda deixo que ande na rua sendo isso tudo? —
murmura enquanto andamos para fora e ela observa a foto que acabou de tirar, então dá um zoom
em meu rosto.
— Eu sou lindo fora e dentro das telas, supere isso — falo convencido.
— Esqueci do quanto seu ego é enorme.
— Não só o ego… — a puxo pela cintura e sua mão tampa minha boca.
Ela me encara, o sol bate em seus olhos, os deixando mais claro, uma maldita sereia.
— Acho que estou com ciúmes, se por foto distraído você fica assim, imagina quantas ficam
te admirando?
Seu olhar corre pelo local e eu não faço o mesmo, só quando seu humor muda fixando em
um ponto. Eu olho para as três meninas que olham para nós, pareciam adolescentes pela forma
que se vestiam e se portavam, isso parece incomodá-la.
— Algo me diz que aquele grupo de garotas está apontando para você. — Sua mão agarra
minha mandíbula e me força a olhá-la. Eu sorrio ladino. — Você é meu, sorte para mim e azar
delas.
A possessividade sempre foi algo em comum entre nós dois e ver isso acorda uma parte de
mim que queima como o inferno. Mesmo que tenha negado por um bom tempo, ela sempre foi
igual a mim.
Tomo seus lábios com sede e a puxo para que cada parte de seu corpo fique contra o meu,
não sei nem se isso é proibido, ela geme entre meus lábios e se afasta, as bochechas vermelhas.
— Isso foi sua resposta para meus ciúmes?
— Minha resposta vai ser outra e, se não formos embora, posso mostrar aqui a quem
pertenço — sussurro e a agarro pela cintura, a puxando mais rápido para longe, onde o carro está.
Quase corro até o veículo e vejo o quanto Heather se diverte com isso, tentando alcançar
meus passos. Agonia é a palavra certa, eu sinto, agora, necessidade de possuir parte dela, não
sabia que ficaria tão excitado escutando pela primeira vez que isso a incomoda.
Sabia de suas ameaças as líderes de torcidas.
Sabia de suas ameaças as garotas do Rugby e, principalmente, a Olivia.
Sorrateira em tudo que fazia, eu quase explodo com o que ela acabou de fazer, o quanto
esperei? Eu nem sabia que queria escutar isso.
— É nosso primeiro passeio, não podemos ir embora. — Ela para quando paro ao lado da
porta do motorista.
Olho pelo lugar que estacionei o carro e está vazio, distante e não passa pessoas aqui.
— Quem disse que vamos embora? Entre no banco de trás.
Antes que ela proteste, eu entro desafivelando meu cinto, ninguém nos veria pelos vidros
escuros e, que se foda também, eu preciso da minha mulher aqui e agora. Quando ela entra, não
dou espaço para que pense muito, eu sei que isso a excita.
Puxo Heather para o meu colo, colocando uma perna de cada lado de meu corpo, suas mãos
pousam em meu ombro e tremem um pouco, sinais.
— E se verem?
— Vidros escuros. — Eu passo dois dedos em sua boceta, que já encharcava a calcinha, ela
estremece.
— E se escutarem? — Heather solta um gemido quando afasto o tecido.
Seus olhos se concentram em mim com luxúria, tenho certeza de que os meus avisam a
urgência que eu tinha de a penetrar e permanecer ali por tempo suficiente, e mesmo assim não
supriria minha vontade de ter Heather.
Eu libero meu pau e o pincelo em sua intimidade, ela geme com a tortura.
— Eu os mato, seus gemidos são apenas para mim. — Agarro em sua cintura ao mesmo
tempo em que a desço em meu pau, empurro meu quadril em sua direção e ela tomba a cabeça
para trás. — Assim como seu corpo é meu.
Abaixo a alça fina de seu vestido, belisco seu mamilo com os dentes e o chupo.
— Tudo teu me pertence, assim como tudo meu é teu. — A penetro de novo e seu gemido
ecoa pelo carro.
Não dou tempo para que ela se recupere ou se acostume, continuo com as estocadas fundas e
fortes, seu corpo é lançado para cima e é preciso que eu segure em seu quadril para mantê-la ali.
O único lugar que ela se encaixa é em mim, eu destruiria tudo ao meu alcance para que ela
fosse somente minha. Necessidade, eu sentia isso da presença de Heather.
Seu cheiro me enfeitiça.
Sua voz me seduz.
Ela rebola e eu gemo contra seu peito e me seguro para caralho, gozar antes dela não é uma
opção. Quando falava sobre o paraíso ou pensava sobre ele, era isso que me vinha à cabeça, não
existia nada além de nós quando transávamos ou estamos juntos sem fazer absolutamente nada.
Eu sempre soube, desde que a vi, é aqui que eu sempre devo estar.
— Hades... Ahhhh. — Sinto o tremor em suas pernas e então a viro de costas para mim, a
encaixando de novo. Um suspiro escapa de seus lábios.
O barulho do tapa que dou em sua bunda a faz saltar, pela dor que ela acha prazerosa. Enrolo
seu cabelo em minha mão e movimento contra seu corpo, batendo dentro dela forte e com
necessidade.
Heather geme e aperta os bancos, suas pernas tremem quando estímulo mais uma vez seu
clítoris e então ela desaba em mim, suor escorre em sua nuca e em minha testa. Merda, ar
desligado.
Eu continuo as estocadas até que sinto o meu orgasmo vir, mas me retiro de dentro dela e a
deito no banco, apoio uma perna no chão e a outra do outro lado de seu rosto. Gozo em sua boca
e ela não desperdiça nada, ela passa a língua no que escapa e sorri para mim.
— Deixo para Noemia e Kairon os sugadores de atenção. — Ofegante, eu volto para o banco
quando ela se senta.
— Sugadores de atenção? — pergunta, puxando a alça de seu vestido para tampar seu peito,
tenho um leve vislumbre da marca que deixei.
— Bebês e essas coisas todas. — Gesticulo com a mão.
Passo para o banco da frente e ligo o carro, que automaticamente liga o ar, nós dois
pingávamos. Ela pula para o banco do carona e coloca o rosto onde sai o vento.
— Insensível chamar eles assim, Hades. Fora que não diminui as chances.
— Minha sinceridade é insensível, meu amor. Com seu DIU e o coito interrompido,
podemos viver sem eles por um tempo. — Aproximo do rosto de Heather e deposito um beijo,
sua mão acaricia minha nuca. — Agora vamos voltar para seu turismo pelas pedras.
Seu toque em minha pele não formiga, não rasteja, sempre foi esse o toque que tanto almejei
e agora tenho novamente.
Decidimos ir a uma loja de sapatos, eu havia dito para ela o quanto esses lugares eram
entediantes, mas isso não a impedia de me fazer tirar mais mil e uma fotos dela. Em todas ela
ficou linda.
Um fodido tentou chegar perto, mas o empurrei para longe, outro tentou tirar uma foto que
ela pediu enquanto fui ao banheiro. Quem ela pensa que é para pedir a outro o que eu faço?
Heather me deixa louco.
Merda, eu queimaria uma cidade inteira por essa garota.
— Sabe… — Heather começa, enquanto andamos até o único lugar que toca música e o
pessoal está estranhamente animado. — Sempre foi difícil imaginar isso com você.
— Mas você me imaginou antes dos quinze.
— Sim, falo depois do que meus pais fizeram. — Ela rola o olhar e come um pedaço de sua
pizza. — Mas eu tinha para mim que nunca ia se realizar, sabe? Itália, meu lugar favorito e
conhecer outro lugar com você é quase um sonho.
Eu bufo uma risada.
— Cidade romântica com meu primeiro ficante. — Eu paro quando ela termina de falar, e
ela solta minha mão.
— O que? Eu não sou seu ficante, isso está abaixo do subsolo se duvidar.
— Nunca houve um pedido. — Provoca. Ah, ok.
— Vamos noivar. — Cruzo os braços e ela gira os calcanhares, me dando as costas.
— Não vamos pular etapas. — E com isso, se afasta.
Balela.
Eu vou me casar com ela de uma vez, muito em breve, o namoro que se foda.
Ao cair do sol, ainda estávamos na praça e ela surpreendentemente fez amizade com um
casal gay que bebia vinho ali perto, a noite a cidade fica ainda movimentada.
O céu está alaranjado e isso dá a Siena um ar de cidade dos filmes antigos que eu costumava
ver, enquanto as pessoas bebem e dançam enquanto passam ou se sentam para assistir as danças.
As mãos de Heather tremem apoiadas em sua coxa e, provavelmente, isso se dá pelo vinho a
sua frente, qualquer álcool a deixa assim e ela precisa saber lidar, mas não dessa forma.
Derick e Taylor, os dois já estão um pouco altos na bebida e toca algo animado, todos batem
palmas.
— Vieni qui, vamos dançar. — Taylor, o mais afeminado deles, a puxa. Ela me encara com
um sorriso reprimido e então vai.
Eu só deixo para que se distraía e eu possa observá-la melhor.
Heather gira ao ritmo da música, enquanto o outro homem faz a mesma coisa, consigo
escutar sua gargalhada daqui, isso me preenche com algo bom.
Algo como paz.
— Estão noivos? — Derick pergunta enquanto me oferece um cigarro, eu aceito. — Lembro
quando me casei com Taylor, jovens e proibidos.
Eu pego o isqueiro na mesa e acendo o meu cigarro, logo trago a nicotina.
— Quanto tempo se conhecem? — Derick me faz outra pergunta enquanto me encara. Odeio
perguntas.
— Desde os seis anos, bom, pretendo pedi-la em noivado muito em breve.
— Isso é ótimo, o amor antigo sempre sobrevive, fomos assim até nossos dezenove — o
homem fala com nostalgia e seus olhos brilham na direção de Taylor.
Permaneço em silêncio enquanto trago o cigarro, meus olhos não saiam dela por nada.
— Vocês são lindos juntos, esqueçam a porra toda, vivam desta forma porque essa é a
cidade do amor.
Derick se levanta e puxa seu marido para dançar, então Heather ri para eles e acena um
tchau enquanto vem até mim. Jogo o cigarro no cinzeiro e ela se senta em meu colo, envolvendo
seus braços em meu pescoço.
— Gays não são tão maus, viu? — Ela se aproxima para um selinho.
— Apenas Peter — falo assim que se afasta.
Heather revira os olhos, então olha para os dois dançando juntos.
— O amor deles é lindo.
Não entendo o que seu olhar transmite ao vê-los, a forma nostálgica como ri triste olhando a
cena. Sempre soube que ela sempre quer mais e prometi para mim mesmo que daria isso a ela.
Ela quer que eu a ame? Eu a amo. Ela quer que eu seja devoto a ela? Eu sou.
Faço tudo por ela, mataria se for preciso e Heather sabe disso.
Algo se contorce em mim só em pensar na possibilidade de ela duvidar de tudo que temos, o
que nutrimos. Não poderia, não depois de tudo que passamos, somos do nosso jeito.
Foda-se a forma que eles sentem.
— O nosso é muito mais… — sussurro contra sua orelha, a trazendo para mais perto de
mim.
É inebriante seu cheiro e me traz paz... Que acabaria em breve.
Eu li uma vez sobre sentirmos quando aquele lugar é para a gente, lugar que também pode
ser uma pessoa, que nosso coração sabe onde seria nosso momento favorito. Uma leveza e
sensação de paz em meio ao caos, querer que o tempo pare para aquele momento ficar para
sempre ali.
Eu observo Hades dormir sereno, notei pequenas pintas em seu rosto e pescoço, me limitei a
acariciar seu rosto porque sei que seu sono é leve. Seu braço está embaixo de mim e me segura
como se, a qualquer momento, eu fosse embora.
E bom, acabei de descobrir que ele é meu lugar favorito e o momento que eu queria que
congelasse é esse. Acordar ao seu lado significa o caos e calmaria.
Gosto disso, da intensidade, da loucura e paixão ardente, tudo que se faz simples não chama
minha atenção. Tenho alguém que me incendeia sem me machucar, que me faz descobrir
sensações maravilhosas.
Já esperava que fosse assim já que Hades é feito um furacão, por todo lugar causa algo com
sua presença. Seja conquistado com sua forma de manipulação, em que qualquer um cairia, ou
fazendo odiá-lo se ele não gostasse de você.
Ele deixa qualquer um marcado com sua presença, lindo e grandioso.
E é aqui que eu tenho que estar, ao seu lado, em seus abraços e apertos, nada maior que a
admiração de Hades, ou sua devoção.
— Me admirando? — sua voz rouca e baixa soa, seus olhos ainda estão fechados.
— Apenas retribuindo as vezes que te pego fazendo o mesmo — respondo.
— Parece uma louca — sussurra de volta e eu rapidamente subo em seu colo, ele fica
surpreso.
Fecho minhas duas mãos em seu pescoço enquanto o olho de cima.
— Você acha? — Eu aperto, mas não forte o suficiente para suspender o ar, seus olhos
brilham enquanto um sorriso se forma no canto de seus lábios. — É agora que você pede para
terminar, vai que eu te enforque?
— Eu tenho certeza da sua loucura e mais certeza ainda que terminar nunca seria uma
opção. — Sua mão passeia pelo fio de minha calcinha. — E eu te incluo nessa, não há nada que
me faça desistir de você.
Aperto mais um pouco e ele deixa, parecendo não se importar. Talvez eu devesse provocá-
lo.
— E se eu aparecer com outro e...
Hades não me deixa terminar e inverte as posições mais rápido do que eu esperava, estou
abaixo de seu corpo e sua mão segura firme em meu pescoço enquanto a outra segura minhas
mãos acima da cabeça.
Seu olhar nebuloso e a mandíbula travada me avisam de sua raiva, seu aperto em meu
pescoço e mãos me mostram que ele tem controle de tudo.
— Eu mato o filha da puta.
— E eu?
— Casará comigo e será mãe dos meus filhos futuramente, você ainda não entendeu que é
minha? — Ele inclina um pouco sua cabeça para o lado e meu coração dispara. — Seu presente é
comigo e seu futuro também, minha rainha, não tem para onde fugir.
Eu não tenho nem o que falar e ele parece gostar disso, meu coração bate forte demais e eu
respiro pesado com o pouco de seu peso dificultando, fora sua mão apertando minha garganta.
Foda, esse homem é foda.
E talvez, só talvez, eu esteja esperando que ele me foda.
— A princípio, gosto de ser o único a fazer isso, já que te deixa fora de órbita. — Hades me
solta e rola, fazendo com que eu fique em cima novamente. — Esperei tanto por momentos como
esse.
Eu desenho lentamente um coração em seu peito nu, ainda perturbada com suas palavras.
— Nunca quis que a gente perdesse tanto tempo. Talvez pudéssemos ficar aqui e recomeçar
do nosso jeito — sugiro, olhando para Hades, que continua com a expressão em branco. —
Voltar à Oakland será como dar uma segunda chance para nos separarem.
— Não tem como correr do que nos espera lá, ninguém pode nos separar e isso eu já provei
a você. Não pense que conseguirão de novo, eu passarei por cima de todos se tentarem.
— Conseguiram por dois anos, o que vai impedi-los de fazer agora? — pergunto.
— Você acha que tudo continua igual há dois anos? Nem sempre tive livre acesso a você
como agora, com o afastamento de nossas mães.
Eu me afasto para observar bem Hades.
— Você sempre teve acesso a tudo ao meu redor.
— Sua mãe sempre esteve no seu encalço, se me lembro bem, os únicos momentos sozinhos
eram quando eu conseguia te atrair para algum corredor vazio.
Eu rolo de cima de Hades e me sento ao seu lado, ainda o encarando, a aproximação se deu
apenas esse ano e, antes disso, ele me aterrorizava, me fazia pensar que me odiava e isso
reforçou ainda mais a ideia que foi ele o criador do vídeo.
A verdade era que Louise sempre esteve ao meu lado, seja em treinos ou me fazendo
companhia, até para ficar em meu quarto me vendo fazer nada. Me observava quando ia me
arrumar para algum evento e se desesperava quando papai ia comigo a algum lugar.
E isso era sempre para ser simpática aos sócios de Liam, eu achava o suficiente quando
chegávamos em casa depois e ele me parabenizava. Agora eu vejo o quanto aquilo foi sujo.
A manipulação é como te levar ao céu enquanto a faixa está em seus olhos, você vê o que
querem, mas quando retiram, a queda é tão dolorosa.
Então agora eu quero odiar Louise como odeio Liam.
— Não passa pela sua cabeça que Louise era realmente doente e a Clínica não tenha sido a
surpresa maior? — Hades me puxa de meus pensamentos.
— Louise não é doente, nunca apresentou um caráter duvidoso para isso. Aliás, não até o
que fez no meu aniversário há dois anos.
— Isso é o que você via. Já a viu discutir com seu pai? Eles não pareciam se amar tanto. —
Hades se levanta e puxa a calça de moletom. — Já a viu quase matar James? Isso aconteceu no
ano passado.
— Tentar matar James?
— Ela tentou atropelá-lo um dia antes do Natal do ano passado.
Eu percebia algumas situações, eu via, mas nunca cheguei a questionar. Agora estou
perdida, vi coisas e escutei, tive medo de tornar aquilo real. O monstro seria real quanto mais
falássemos dele e então decido ignorar, talvez eu soubesse de tudo e só... Merda.
— Eu conheci todos os monstros daquele lugar enquanto Louise te guardava.
— Quem era Louise?
Questiono mais para mim do que para Hades, convivi tanto tempo com uma pessoa que
agora não sei quem era de fato. Quantas mentiras foram ditas?
O telefone de Hades toca e ele desliga, quando se vira para me responder, o telefone acende
uma mensagem. Ele aperta o celular em suas mãos enquanto observa e rola a tela de seu
aparelho.
Sua expressão continua sem me dizer algo, mas sua respiração pesada e a forma que segura
o telefone me dá indícios de sua raiva crescente.
— A vadia que começou com isso tudo — então me responde entredentes. — Temos que
voltar.

A volta foi mais rápida e insuportável, em uma segunda ligação, eu escutei Hades no
banheiro, quase quebrando tudo. Tentei conversar com ele quando entramos no carro, mas recebi
uma mensagem de Ava, havia me esquecido do grande problema em que ela havia se metido.
Minha cabeça está doendo, tendo que dividir minha atenção em ajudar Ava e tentar
descobrir o que tinha em seu celular.
Eu olho para um Hades inquieto que olhava seu relógio a cada segundo, mexia uma de suas
pernas nervosamente e resolveu se sentar de frente para mim.
— Você vai me contar o que aconteceu?
Ele acena que não.
— Não precisa saber por que eu vou resolver isso, você só precisa confiar em mim.
Me mexo desconfortável, sentindo minha garganta secar, isso não é bom.
— Se estou aqui é porque confio, mas preciso que fale comigo. Você está me assustando,
Hades.
— Eu não sabia que te assusto, meu amor — responde cínico.
— Suas poucas palavras me assustam.
— É o necessário.
— Prometeu não me deixar no escuro, por que está fazendo isso agora? — Sua mão alcança
meu joelho e o acaricia.
— Eu jamais faria isso. — Hades umedece seus lábios.
Hades me encara e seu sorriso é sem humor, mais como uma forma de me confortar, então
leva uma de suas mãos a sua boca e a beija.
— Você é tudo para mim — ele sussurra contra a minha mão.
Me inclino até seu rosto, que se levanta, então o beijo, meu coração acelerado parece que vai
sair pela boca a qualquer momento.
— Eu amo você mesmo sabendo que não sente o mesmo por mim — confesso, seus olhos
acinzentados focam em mim de maneira intensa enquanto sua pupila dilata. — Por favor, não
faça nada que separe a gente.
Há quem diga que nunca me preocupei em saber algo sobre Hades, mas eu tive que aprender
em livros sobre a linguagem corporal para saber quando algo o afetava de fato, já que as
expressões faciais são impossíveis de serem vistas como algum spoiler de sua próxima ação.
Desde o levantar do queixo quando algo chama sua atenção. Ou inclinar um pouco a cabeça para
o lado, indicando seu tédio. Ou até mesmo a forma como seu olho direito se contrai quando está
irritado.
Amei memorizar cada parte que me mostraria a versão menos falada do meu garoto, a que
era sempre menos vista. Mas que eu via.
— Pode não ser o mesmo, porque é mais do que isso, é muito maior e é o que você merece.
— Obsessão não é algo bom.
— Nada que venha de mim talvez seja, eu não aprendi sobre sentir algo bom, mas entendo
que preciso ser bom para você. — Ele diz e reprimo meus lábios com a necessidade de chorar. —
Preciso ser tudo que você queira.
— Você sempre foi tudo que eu quis. Você é tudo que eu mais preciso — falo e Hades
segura meu rosto com as duas mãos, uma em cada lado e sela nossos lábios suavemente.
Quando nos afastamos, ele continua a segurar uma de minhas mãos, eu alcanço meu celular
novamente na conversa de Ava.

E assim seguiu a viagem de carro com Hades, ele ficou no prédio da empresa de seu pai e
mandou que eu fosse imediatamente para casa e o esperasse. Bom, ele mandou, mas não vou
obedecer, eu preciso ajudar Ava.
Se não posso me envolver em um problema, então preciso resolver outro.
Combino de encontrar Ava em um clube de stripper onde homens como o pai de Peter vão,
onde James já nos viu lá e até hoje é uma incógnita sua presença naquele lugar.
Antes eu me certifiquei de que Liam não estivesse em casa e entrei furtivamente, tomei o
banho mais rápido da minha vida e logo depois me arrumei da forma certa para o lugar. Um
vestido azul-escuro com alguns brilhos que vai até metade da coxa, sua manga é comprida e seu
tecido inteiro é em seda. O salto não tão alto é da mesma cor e com a maquiagem tentei apenas
esconder um pouco das olheiras.
Elas têm sido minhas piores inimigas por dormir tarde, o motivo? Hades.
Saio do meu quarto e vou a passos largos até o de Louise e Liam, eu entro e todas as luzes
estão apagadas. Sorrateiramente entro em seu closet e pego uma gravata, isso seria muito útil, e
então tenho um choque vendo um grande quadro de Louise, ela estava sorrindo e usava seu
vestido florido, um chapéu bege de praia e seus cabelos longos e loiros estavam soltos. Meu
coração se aperta em saudade e em desgosto ao mesmo tempo, sua traição foi como diversas
facas cravadas em minhas costas.
Seu fantasma ainda me assombra neste lugar e em memórias, apesar de sua ausência ter
causado um abismo entre nós. Mas não consigo abandonar meus pensamentos de Louise, não
totalmente. Tenho tantas perguntas e sem ela não terei respostas.

— E se nos reconhecerem? — Olivia se desespera na fila, seu cabelo ruivo está preso em um
coque e ela usa um vestido vermelho acentuando bem suas curvas.
Como antiga líder de torcida e agora jogadora de Rugby, a vadia tem o corpo espetacular
que eu me recuso a elogiar em voz alta. Tenho um pouco de mágoa do passado, mas isso não
interferiria em muita coisa, sabendo que seu real interesse sempre foi Magnus.
— Se você não calar a boca, vão nos reconhecer. Calma, já vão nos colocar para dentro —
sussurra Ava para ela.
Seu vestido é um rosa clarinho com o fluflu no final dele que ia até as pontas, seu cabelo
está solto e ondulado. Sendo alta, ela costumava usar saltos não tão altos e isso a valoriza mais.
— Vem, Mackenzie. — O segurança a chama e então ela me puxa, logo puxo Olivia.
Ava sempre foi muito comunicativa e por onde fosse conhecia alguém, isso nos ajudou
muito nessa noite. O interior do lugar é como o de qualquer outra boate, mas essa não é qualquer
boate. O segurança anda a nossa frente e seguimos para uma porta dupla com insulfilme, quando
ele abre, nos dá a visão da escadaria para o subsolo, sua luz vermelha nos dá uma noção de para
onde estamos indo.
Talvez o inferno? Aqui é a perdição, tanto para o homem tanto para a mulher.
Chegamos ao fim e caminhamos em um pequeno corredor, logo o grande salão com sua luz
roxa se forma aos nossos olhares, um palco redondo com um pole dance ao meio de diversas
poltronas de couro preta.
Ao canto há salas particulares onde pagam mais caro pela dançarina de sua preferência,
alguns casais aparecem para apimentar a relação, mas tem a área do voyeurismo. Foi o que eu
disse, é a perdição para quem tem a mente aberta dessa forma.
Eu não suportaria.
— Eu vou pegar um drink. — Olivia anuncia, parece nervosa. — Vocês querem?
Antes que eu responda que não, Ava me interrompe.
— Uma água para Heather e te acompanho no drink.
Olivia vai ao bar e Ava pega outra direção, não muito distante, e eu ando entre as poltronas,
vendo o ambiente começar a ser ocupado pelos homens de ternos. Esse lugar foi descoberto sem
querer em uma noite com Ava, nos convidaram e descemos, aqui é o típico final do dia de um
homem rico.
O show de luzes começa e a música eletrônica toma conta do ambiente. Alguns chegam
acompanhados de mulheres e outros com amigos.
Caminho para o outro lado do bar enquanto espero que voltem.
— O que uma jovem faz aqui sozinha? — Me viro abruptamente para o homem ao meu
lado.
O homem alto de terno azul está parado ao meu lado, sua barba bem-feita grisalha e seu
cabelo perfeitamente penteado para o lado tem alguns fios brancos. Por incrível que pareça, ele
usa um óculos escuro, não parece tão velho e nem tão novo, deve ter a idade do meu pai.
É estranho conversar com alguém cujo os olhos não consigo ver.
— Não estou sozinha. — Dou um meio sorriso e volto a procurar.
— Oh, desculpe por chegar dessa forma. — Ele bufa uma risada e eu o encaro. — Me
chamo Sebastian, querida.
Franzo o cenho enquanto tento achar algo semelhante no homem a minha frente, no que ele
me remetia e com o turbilhão que andava minha mente não o associo a nada. Talvez a Louise?
Eu mexo em minha bolsa e não acho meu celular, então me recordo que não o trouxe. O
nervosismo está me fazendo agir estranho, ele não me transmite uma energia boa e parece me
sufocar com a forma invasiva que me encara.
Não sei se me olha de cima a baixo ou me observa, sua cabeça está virada para mim e ele
não diz nada. Merda, seu nome não me é estranho, lembre, lembre, lembre.
Dou um passo em falso e rapidamente sua mão agarra meu cotovelo, me impedindo de cair,
estremeço de medo e olho para onde ele segura.
— Obrigada. — Eu tento lhe oferecer um sorriso, mas sai como uma careta.
Então ele sorri e seu dedão acaricia minha pele, ainda me segurando, eu puxo
delicadamente.
— Não há de que, Heather. — Leio seus lábios quando fica impossível de escutar algo com
a música alta e aquilo me desespera.
Quase saio correndo dali, mas Sebastian se afasta, andando em direção a uma poltrona ao
lado de outros caras, uns fumam charuto e outros bebem whisky. Eu engulo em seco e sinto meu
ar ir embora, me apoio no bar quando não estou mais em seu campo de visão.
Respiro com dificuldade e tento manter a calma, essa é a sensação que ele me causa. Aquele
homem parece sugar todo meu espaço apenas com sua presença e isso me desespera.
Merda.
— John Howard chegou e foi para a sala — Ava diz, próximo ao meu ouvido, e eu me viro
assustada, ela arqueia uma sobrancelha. — O que aconteceu? Você está pálida, Heather.
— Heather sempre foi pálida — Olivia comenta.
Respiro fundo, não vale a pena falar isso agora, eu contaria a Hades assim que chegasse em
casa.
— Vai se foder, Olivia. — A encaro e ela desvia o olhar. — Vamos, estou bem.
Ava anda a frente e Olivia logo depois, eu mexo em minha bolsa e, antes que eu entre no
corredor, vejo Sebastian me olhando brevemente. Eu volto meu olhar para as meninas que
seguram a porta impacientes.
O corredor possui portas somente no lado direito, e o som daqui é abafado, as luzes piscam
em várias cores e em cada porta há um número. Quando paramos de frente a última porta, eu
volto a mexer na bolsa e retiro a gravata.
— Não podemos parar se entrarmos. — Ava se vira e sussurra. Eu olho para Olivia.
A ruiva parece determinada quando estufa o peito e acena concordando.
— A máscara. — Olivia retira uma balaclava de sua bolsa.
— Você lavou isso, né? Meu cabelo foi feito hoje. — Ava pega o pano.
— Eu comprei hoje isso. — A ruiva revira os olhos.
Ava faz um coque em seu cabelo e coloca a máscara, logo depois a ajeita em seu rosto e
vemos apenas seus olhos azuis e seus grandes cílios. Sem delongas ela entra na sala e vejo Olivia
posicionando a câmera em vídeo.
Gravaremos Ava com Howard para assim ter algo contra caso ele tentasse falar com o
senador, ou com o pai de Olivia. Tudo seria forjado para o nosso bem, ou melhor, o delas. Isso as
prejudicaria também se ele fosse realmente esperto, mas a raiva que causaria em seus amigos
sócios... Tudo seria colocado em uma balança.
O silêncio ou o encerramento de contratos e, consequentemente, perda de dinheiro?
A elite sempre vai escolher o silêncio e seu dinheiro.
Ava se senta no colo de Howard, que solta um gemido, isso me dá ânsia. Olivia entra um
pouco agachada, então, quando Howard envolve os braços ao redor de Ava, não demora muito,
ela retira a máscara e o vídeo é feito.
Ele demora um pouco para reconhecer a situação pela pouca luz, isso então nos ajuda, já que
na filmagem sua reação continua como a de um tarado.
— O que vocês fazem aqui? Que porra é essa.
Howard empurra Ava e, quando tenta se levantar, eu envolvo a gravata em seu pescoço por
trás e o puxo de volta para o banco. Meu aperto é forte e ele se debate tentando retirar, afrouxo
um pouco, mas sem liberar totalmente.
— Odiamos ameaças. — Ava alisa seu vestido e logo depois seu cabelo. — Então viemos te
fazer uma proposta.
A gravata se move e o sinto engolir a seco.
— Bom, temos um vídeo seu comigo que pode prejudicar os dois, mas você perderia tudo,
eu vi que marcou uma reunião com meu pai. Você vai desmarcar e seguir como se nunca tivesse
nos visto com seus amigos — Ava diz e acena para Olivia, que levanta o celular com o vídeo em
loop. — Imagina o quanto perderia se soubesse que estava assim comigo, a filha do senador?
— Você vai excluir isso.
— Ou o quê? Você saiu com Olivia que é de menor, só pesou a consciência quando viu que
éramos filhas de seus sócios, não é? Então se nos ameaçou, te ameaçamos de volta, e se aceitar
ficar calado, vamos embora.
Howard tenta sair, mas jogo o peso de meu corpo todo para trás, forçando o tecido em sua
garganta, daqui o vejo se debater e tentar gritar, eu alivio novamente.
— Tudo bem, tudo bem, façam o que quiser da porra da vida de vocês e me deixem em paz
— ele diz entre suspiros pesados, Ava acena para mim e o solto totalmente.
Ele tenta normalizar a respiração e eu preciso sair daqui o mais rápido possível. Assim que
coloco o pé para fora, sou arremessada contra a parede, caio de joelhos sentindo a dor em meu
corpo instantaneamente. Escuto um grito e uma mão agarra meu cabelo, forçando a olhar para
quem estava ali.
Cole Scott.
Eu me debato enquanto ele me puxa para ficar de pé e sua mão desce para o meu pescoço, o
apertando. Meu ar rapidamente é cortado e seu rosto está tão vermelho quanto o meu deve estar
pela falta de oxigênio, são machucados ainda não cicatrizados, estão por todo o seu rosto.
— Eu sabia que ia cair em minhas mãos mais rápido do que imaginava, baby — é sombria a
forma que sua voz é carregada de raiva. — Que audácia ainda conversar com meu pai.
Cole alivia a pressão e eu puxo o ar desesperadamente.
— Não sei quem é seu pai, me solta, socorro — tento gritar quando a pressão retorna e fica
muito pior quando me suspende.
— Já percebeu que você é a destruição por onde passa? Isso que fez comigo... e eu apenas
tentei te ajudar.
— Você me dopou — consigo dizer com muita dificuldade.
— Era a forma de te tirar do meu caminho.
A porta onde as garotas estão se fecha e elas batem enquanto gritam. Não consigo respirar e
arranho sua pele da mão e antebraço.
— Vou te matar, eu preciso te matar — Cole murmura enquanto aperta ainda mais.
Lágrimas brotam ao lado de meus olhos, então a porta é aberta, mas meus olhos focam no
sangue na visão de Cole, eu não sei de onde saiu tanto ódio, e ser negado por mim não é o
motivo. A visão fica turva e então ele cai aos meus pés.
Vejo Ava segurando um extintor com o rosto vermelho, fico a encarando, perplexa por
alguns segundos. Olivia sai do quarto e nos puxa daquela bagunça desesperadora, passamos por
todos correndo e mentalmente agradeço por estar cheio. Um salto meu havia quebrado e sinto
uma pontada enorme de dor em meu ombro, mas nada que me atrapalhasse a correr para fora
dali.
Mas é então que algo se liga e percebo só agora que o perigo está ali na minha frente, a
minha chance de ter evitado isso era apenas me lembrar do que Hades havia me contado.
Sebastian é pai de Cole.
Ele é o homem que papai queria que eu me encontrasse, que o conquistasse, mas seu filho
quer me matar agora. Minha cabeça dói e eu não via a hora de chegar à casa de Hades o mais
rápido possível, precisava contar a ele, meu desespero faz com que eu só pense em seu nome.
O caminho até a casa foi extremamente rápido e, quando saio do táxi, sinto meu corpo todo
doer. Mancando, eu vou em direção a casa de Hades e vejo seu carro na garagem. Ele deve estar
tão zangado, talvez tivesse ido até atrás de mim, eu o chateei.
Não suportaria olhar em seus olhos e ver a decepção transbordar dele. Ele estava certo sobre
ter inúmeras coisas para resolver aqui e o entendo, Deus, era só eu continuar dentro de casa.
Abro a porta e uma corrente de ar fria sai de lá. Eu paraliso, olhando para o único feixe de luz
que vem do porão. Meu sangue é drenado de todo meu corpo olhando para aquele fantasma,
minhas pernas fraquejam e a dor some.
Eu estou em completo choque e não consigo me mover diante da mulher rastejando para
fora do porão.
Eu nunca acreditei em fantasmas ou assombrações, isso é algo apenas visto em filmes. Mas
agora entendo quando os filmes passam a sensação de frio nos ossos, os pelos da nuca se
arrepiando e o estagnar no chão. O choque é tanto que não consigo sequer me mover, o medo
causa isso e nunca mais julgarei quando as mocinhas não conseguirem se livrar de primeira dos
fantasmas.
Ou agir em situações como essas, não quando esperava encontrá-la em um caixão. Mas isso
aqui é bem pior.
— Puta merda… — eu murmuro, não conseguindo tirar os olhos dela.
Minha garganta parece se fechar, me fazendo engolir tão em seco que dói, dói muito.
— Minha querida, me ajude — diz, tentando se arrastar ainda mais para fora do porão.
Meus pés parecem estar fixados no chão enquanto observo a mulher branca, cabelos
embaraçados e olheiras enormes. Ela usa um vestido branco, mas que está sujo da cintura para
baixo, deve ser do seu rastejar pela escada. Fecho os olhos, torcendo para que seja uma
assombração ou delírio da abstinência que poderia estar se aproximando. Eu inconscientemente
torço para que seja uma das opções acima.
Não é ela.
Isso está preso em sua mente.
Não é ela, porra.
Lágrimas deslizam por minha bochecha e não ouso abrir os olhos, os forço até pontos pretos
se formarem, até que seus gemidos de dor sumam e finalmente eu veja que realmente faz parte
da minha cabeça.
Logo após isso eu me internaria, sim, eu estou ficando louca.
Talvez a abstinência esteja em um nível que meu cérebro tenha que me assustar para me
manter longe de pensamentos que me sabotem para voltar ao vício. Tento me enganar.
Mas, infelizmente para ela, eu não estou louca.
Muito menos em abstinência.
Eloah está aqui.
Largo minha bolsa no chão e cerro os punhos, raiva me consome apenas por estar no mesmo
ambiente daquela que fez mal a Hades ou que ficou em silêncio enquanto acontecia algo, eu
odeio essa mulher e ela me aparece assim? Eu não pensaria duas vezes em acabar com Eloah. Os
pedidos de ajuda feitos por Hades foram escutados?
Ela tentou ao menos ser uma boa mãe para ele?
Eu tenho certeza que não.
Abro os olhos e pego o pedaço de mármore que é usado como porta-chaves na mesa do hall,
é firme e não se quebra facilmente, escondo minha mão com o objeto atrás de mim.
— O que aconteceu? — pergunto, então dou apenas um passo em direção a ela que me olha.
Nenhum sofrimento que ela passe seria o suficiente. Passa pela minha cabeça todas as vezes
em que ela permitiu que James levasse Hades para ser corrompido, o destruindo cada vez mais.
Me arrepio apenas com o pensamento e tento não expressar isso.
— Oh, minha Heather, não sei quanto tempo estou aqui. — Seu olhar parece perdido
enquanto fala, então me encara. — Mas... Se está aqui, isso significa que estão juntos?
Permaneço imóvel enquanto a encaro, não lhe darei uma resposta, não quero nem estar
diante de sua presença. E, em breve, não estaria mais.
— Sempre soubemos que seria impossível controlar vocês dois. — Eloah bufa uma risada,
jogando as mãos em desdém. — Mesmo Louise sendo boa em manipular Liam e James, mas
nunca seu gene... E o meu.
Seu olhar brilha em minha direção e eu aperto mais o mármore em minha mão.
— Hades não se parece com você — disparo entre dentes.
— Estou falando sobre você ter meu gene, é minha cópia.
Engulo em seco e limpo a única lágrima que ousa cair, eu me seguro em meu próprio peso
para não vacilar com o baque de suas palavras, que me afetam mais do que eu esperava. E eu
esperava tudo, menos não ser nada de Louise, que sempre fez tudo por mim, mesmo que no final
tenha me destruído. A pior desgraça é a verdade, mas também me faz enxergar além.
Tudo ao meu redor gira, sinto a pressão em meus olhos querendo chorar, mas não ouso
deixar cair uma lágrima sequer para ela... Ou melhor, elas.
"Sempre omitir para não machucar com a verdade."
Pequenos conselhos de Louise se tornaram grandes catástrofes.
— O quê? — É só o que consigo falar, enquanto meu corpo todo se arrepia.
— Você é minha filha e Louise sempre soube, ela que arquitetou tudo isso. — Essa vadia
está louca, parece não ter noção.
— Que merda você está falando, Eloah? Você não está dizendo a verdade.
— Essa é a verdade, quando se tem dinheiro podemos fazer de tudo, isso significa esconder
segredos, fazer nossas trocas para que nada dê errado, esses são os mais sombrios... — Ela
suspira pesado, depois de dizer tudo como se estivesse engasgada ou esgotada por guardá-los. —
E eu aceitei tudo, aceitei porque era para te proteger, mas quando saiu do controle de Louise, eles
tentaram nos calar, mas então ele voltou, minha Heather, não fique perto se ele vier.
— Por que fizeram isso? De quem eu não devo ficar perto? — minha voz falha
miseravelmente e sinto o latejar de minha cabeça.
Seu olhar vaga por todo o ambiente escurecido, perdida, e parece sentir realmente dor, mas
não é dor física, as palavras parecem machucar mais a ela do que a mim. A mulher sempre foi
como um túmulo em todos os nossos anos de convivência, e agora ouço sua voz mais do que
tudo na minha vida? Eloah jamais disse mais do que cinco frases e isso eu falo sério, era sempre
silenciosa por onde andava, e discreta.
Como uma sombra de tudo que Louise fazia.
Ninguém fugia mesmo das garras de Louise.
— Trocamos nossas vidas, paixões, na época fazia sentido tudo que fizemos. — Ela me
encara e eu dou um passo em sua direção. — Nem sempre podemos ficar com quem amamos, o
dinheiro gira em torno disso, mas esquecemos das consequências. Então, se hoje Liam te odeia, é
por minha culpa.
Paro na hora e meus olhos enchem d'água, ela parece serena, mas faz uma careta de dor
quando tenta se levantar, sem sucesso. Eu continuo com o pequeno mármore escondido e o
aperto com força, desgosto começa a crescer em mim. Eles são loucos, todos sempre souberam o
que se passava.
Somos apenas os peões de um jogo delas.
— Liam te odeia por ganância, assim que descobriu a verdade, te viu como um pote de ouro,
ele não aceitou nada bem que você é minha filha.
Ela encosta a cabeça na porta, seu olhar ainda distante, então dou dois passos em sua
direção. Preciso medir minha aproximação para não assustá-la, mesmo que agora ela esteja me
deixando absurdamente assustada com suas palavras.
"Te odeia por ganância."
— O motivo de terem ido embora então foi esse? Eles descobriram tudo?
— Não fomos embora por eles e sim por quem veio atrás de nós, mas parece que Hades
desconfiou. Ele me tirou do aeroporto e não sei se Louise de fato decolou. — Suspirando pesado,
seu olhar continua perdido. — Apenas Louise consegue te contar com mais clareza.
Um flashback me vem à mente quando Hades me pergunta sobre o porquê de mamãe ter
chorado tanto quando a levamos. Ele não estava lá, eu não vi nenhum sinal dele e mesmo assim
ele sabia. Agora sei que ele tirou Eloah de lá, ele observava tudo.
Hades poderia saber de Louise muito antes do dia que encontramos o cartão, eu nunca havia
perguntado se ele sabia de algo, então talvez ele tenha omitido?
Talvez ela estivesse delirando, já que confessou que só Louise poderia me contar melhor. Ou
talvez meu subconsciente estivesse torcendo para que tudo esteja sendo um delírio. Saber que
não sou filha de Louise desestabilizou tudo, não consigo formular uma pergunta depois disso.
Mas luto contra a tontura, é muita informação.
— Hades não é meu irmão, então?
Um suspiro pesado sai de Eloah.
— Não, queríamos que Liam e James pensassem assim, mas fomos descobertas. Você foi
feita para ser somente minha e Louise me tirou isso, fomos embora para te proteger, pelo menos
eu achava que era isso.
— Fala como Louise, vocês parecem tão obcecadas com essa ideia que conseguiram me
afastar da boa imagem de vocês.
— Mas...
— Me deixaram ao lado de um homem que me odeia e jogaram Hades para um homem que
abusava dele, agora me fala que fizeram algo para me proteger? — minha voz falha e lágrimas
descem. — Eu virei uma maldita viciada em álcool.
— Isso nunca dependeu de mim, nada aqui dependia, não tive voz, minha Heather. Não
sabia no mal que isso causaria a você, não foi minha intenção, culpe a Louise
Eloah me encara com os olhos cheios de lágrimas, eu aperto o mármore ainda mais em
minhas mãos. Sinto a raiva me consumir aos poucos a cada hora em que ela diz que foi para me
proteger quando nem o garoto que morava com ela, ela conseguiu.
— Culpar a Louise? Você consegue ser pior do que ela.
— Louise me tirou tudo, sofri vendo que você a chamava de mãe e a distância que ela criou.
— E quanto a Hades? Você só fala de mim, e o garoto que você criou?
Seu olhar se levanta para mim e mais uma vez ela tenta se levantar, então observa todo o
cômodo escurecido, como se procurasse algo, e parecia nervosa, muito nervosa. Então percebo
que talvez esteja falando para ter tempo, para o que eu não sei, volto alguns passos e tranco a
porta da casa. Sem surpresas, ela não sairia daqui acordada.
— Eu nunca conheci Hades de fato e vivi como um fantasma para ele, isso eu confesso —
ela diz tudo rápido. — Eu sempre fiz de tudo por ele e ele me afastou.
— Como você tem coragem de dizer isso sabendo o que James fazia?
Seu olhar me encontra, parecia confusa.
— Do que está falando? — pergunta.
Sonsa, era isso que ela queria. É impossível ela não saber onde o marido levava o filho, ou o
que ele o forçava a fazer. Eu aperto a pedra em minha mão com tanta força que dói, mas isso é o
de menos comparado a raiva na mulher à minha frente.
Ela sabia.
Eloah tinha que saber.
— Como assim? — pergunto entredentes.
— Minha querida, eu realmente...
— Você realmente o que? — digo. — Você vai me dizer que esteve todos esses anos aqui
dentro e não percebeu o comportamento de seu único filho piorar?
Então lágrimas deslizam em seu rosto, os lábios trêmulos se separam.
— Seu único filho ficar mais em minha casa do que na própria? Não achou nada estranho
porque sempre foi cômodo pra você, nada te atingia.
— Ele não é a vítima aqui, e com Louise em sua vida, não pode questionar o que eu fiz por
ele, na verdade, não faço ideia de onde quer chegar com isso. — Ela seca as lágrimas enquanto
fala, raiva evidente em seu tom.
— Você tem noção do que fala? A única vítima aqui é ele, foda-se Louise e o que ela
representa. Você machucou aquele que devia proteger.
— Não tem como o proteger dele mesmo, Hades e Louise são manipuladores e você a
marionete, como eu, a marionete de todos. Tão tola, pergunte a ele sobre onde está Louise e verá
— Eloah diz entredentes, seu rosto fica vermelho e percebo que está começando a ficar com
raiva. — Eles justificam como proteção e no final te enterram com as merdas que eles causaram.
— Se Hades soubesse onde Louise está, ele teria me falado. Torno a repetir, você fala de
Louise e é idêntica a ela.
— Se eu fosse mesmo idêntica, não estaria presa aqui pela maldita cópia dela. — Com essas
palavras, pontos se ligam. Ela bufa uma risada, balançando a cabeça. Ajeito o mármore, a parte
pontuda para cima. — Ela vai acabar com você assim como fez comigo, assim como vai fazer
com Liam e James.
Eloah está tão fragilizada que, quando tenta se levantar, solta um gemido de dor e volta a se
sentar. Percebi que me aproximei demais dela, minhas mãos tremem. Sua risada chama minha
atenção.
— Ele está mais perto, tic-tac, minha filha, tic-tac, tic-tac, tic-tac…
Um golpe e o corpo de Eloah rola escada abaixo no porão com pouca luz, observo quando o
corpo chega ao final e espero por um minuto se algo nela irá se mexer. Mais dois minutos para
conseguir cair a ficha de que a mulher desacordada, ou morta, é minha mãe. Esse tipo de segredo
deveria ser levado para o túmulo, isso não ajuda em nada na minha situação, não seria algo ruim
como ela e Louise.
Hades é realmente um bastardo, como Liam sempre o chamou, ele sempre soube... Mas
James ser meu pai não se encaixa, não está certo assim, Eloah disse que Hades é a cópia de
Louise. Sei agora do porquê Liam me odeia, ele descobriu a verdade e tinha que conviver com
isso.
Minha cabeça girava com as inúmeras informações pela metade, mas são as únicas possíveis
verdades que escutei em toda minha vida. Dizer isso não significa que confio no que Eloah
contou, faltam peças nisso e Hades com certeza já sabia.
Eu jogo o mármore com o sangue de Eloah no portão e fecho a porta, trancando logo em
seguida, vejo que possuí duas trancas. Uma com cadeado e outra com chave, percebo também
que para ela ter saído com facilidade é porque alguém abriu. Hades não seria descuidado a esse
ponto, ou ele abriu antes que fossemos viajar.
Logo me vem à cabeça que não eram apenas seus maridos que a aterrorizavam, havia uma
terceira pessoa que elas tinham medo. Como se não bastasse Cole tentando me matar, eu teria
que me atentar a outra pessoa, agora mais do que nunca eu precisaria encontrar Louise. Esperar
que Hades mova o mundo não estava funcionando, precisaria fazer por conta própria, viver por
trás das cortinas não é a solução.

Meus dedos tremem tanto quando entro em casa e a única fonte de luz que vejo é do
escritório de Liam, eu evitaria esse tipo de conflito, preciso pegar meu celular e ligar para Ava.
Maldita hora que não me importei em aprender a dirigir e aplicativos de motoristas não são uma
opção.
Subo, tomo o banho mais rápido da minha vida e visto uma roupa esportiva da cor preta,
meu ombro ainda dói e, pelo espelho, consigo ver as marcas dos dedos de Cole em meu pescoço.
A maquiagem estava se desfazendo e eu termino de retirar tudo, com pressa e tentando ser
silenciosa.
Estou quase sendo consumida pelo medo, eu nunca fui boa em escutar verdades e escutar
todas de uma vez me desestabiliza. Inconscientemente, eu torcia para que nada fosse real agora
as peças começaram a se encaixar.
Me olhando no espelho, vejo inúmeras semelhanças a Eloah, essas que me neguei a admitir
durante anos. Eu sempre soube que nada tinha a ver com Louise, mas com o tanto que ela se
mostrava sendo tudo para mim... Essas coisas viraram detalhes apagados. Como também apaguei
qualquer atitude abusiva que Louise tinha em relação a mim, ela ainda assim conseguia algo
positivo, que só iria me afetar em sua ausência... Como agora.
Diferente de Liam que fazia e mesmo assim, cegamente, acreditei que isso era um reflexo de
minhas atitudes autodestrutivas, mas a verdade é que acontecia o contrário. Eu me enganei
enxergando amor e proteção onde uma pessoa jurava sua vida a mim, enquanto me diminuía aos
seus caprichos de controle.
O outro me via como ouro, fingia sobre sentimentos e assim que fechava contratos tudo
voltava ao normal.
Usada por duas pessoas que deveriam me amar.
Liam e Louise.
Não enxergamos o abuso quando é disfarçado de boas palavras e falsas promessas, aquilo
está te destruindo aos poucos e, no futuro, isso te afeta mais do que você espera — ou não
espera. A culpa não é minha por ter acreditado.
Volto para o quarto e me sento na cama, quando ligo meu celular, vejo mais de duzentas
ligações e infinitas mensagens de Hades, essas não param de chegar e travar meu aparelho. Com
muita dificuldade, consigo entrar no aplicativo de ligação e telefonar para Ava.
A loira está inquieta e a música clássica de suas danças tocam no fundo, isso me faz pensar
que ela está dançando. Com tudo combinado e ela vindo me buscar, eu saio e vou na direção do
quarto da mamãe.
Vou até o closet dela e paro, vendo apenas os ternos de papai, a parte de Louise não está
mais ali, nem mesmo seu quadro ou seus perfumes. Abro todas as portas e apenas coisas do Liam
continuam nesse lugar.
— Mas que merda? — murmuro, voltando para o quarto.
Apenas um retrato dela.
Nada além disso, ele está apagando Louise de algo que é dela.
Corro para o quarto de Kairon e ele não está, então desço as escadas e caminho até o
escritório de Liam, diminuo a passos lentos, ouvindo apenas ele falar, não faço ideia se tem outra
pessoa. Então paro na porta e a inquietação me invade, meu coração acelera vendo Hades virado
para Liam, que está sentado ao telefone enquanto encara o garoto de volta, meu celular vibra e
vejo o número de Hades na tela.
— Por que me ligou do celular de Hades? — Eu entro falando, Hades me olha.
Mas seus ombros relaxam, me mostrando alívio, talvez achasse que Liam fez algo e veio
atrás dele? Não teria motivo para ele vir aqui a não ser esse. Olho para meu pai, que desliza o
celular do ouvido e me encarava, sua mão ainda enfaixada.
— Oh, aí está você, princesa. — Ele estica a mão boa com o celular na direção de Hades.
Esse não se move para pegar, então Liam apenas coloca em cima da mesa. Eu dou alguns
passos e paro perto da mesa, um pouco distante de Hades ao meu lado direito, ele está perto da
estante de livros.
— Eu fui em seu quarto e não há nada de Louise — falo com meu pai, não sei nem se devo
chamá-lo assim. Hades mal pisca, seus olhos pesam em mim.
Liam se recosta na cadeira e apoia o cotovelo no braço dela, a mão segura seu queixo e alisa
a região me olhando, os olhos semicerrados.
— Isso é só um detalhe, não tem necessidade de ter algo de alguém que provavelmente
nunca voltará.
— Porque você a internou — disparo, ele me olha surpreso.
— Foi isso que ele disse? — Liam aponta para Hades e arqueia uma sobrancelha.
— Então achamos a garota problema. — Me viro surpresa por encontrar James entrando na
sala. — De novo no clube de stripper? Que deselegante.
— Que porra você fazia lá? — Hades pergunta, pela primeira vez falando algo para mim
essa noite.
Acendo meu celular e vejo que são quase três da manhã.
— Eu precisei ir até lá. — Meu olhar para Hades é como se implorasse por compreensão.
Mas ele não parecia ter isso agora. — James não tem que se meter na minha vida.
— Tenho sim, ainda mais se está interferindo em meus negócios. — Seu olhar desvia para
Liam. — Howard quer apenas os lucros e não se envolver mais que isso nos negócios, ele está
saindo da cidade.
Eu quase sorrio e percebo que Liam percebe.
— Então isso é engraçado? Vamos ver se isso aqui é engraçado também. — Um meio
sorriso se forma no canto dos lábios de Liam, enquanto vira a tela de seu computador para mim.
Eu aceno, me negando e parando a tela de Liam.
— Eu já resolvi isso, se for sobre Eloah. — Olho para Hades, que tem uma sobrancelha
arqueada.
— Você precisa confiar em mim — ele parece nervoso.
— Eu confio e não estou brava, ela mereceu — eu digo convicta para Hades.
Ter a sua presença me faz sentir segurança em meio aos lobos ao nosso redor, mas a
insegurança que seu olhar me transmite me deixa assustada. Hades sentir demais em algum
momento não é algo que eu vá me acostumar com facilidade, ainda mais em situações como
essa.
— Eles não sabem sobre Eloah… — ele sussurra, seu olhar não devia do meu.
— Do que vocês estão falando? Onde está Eloah? — James diz e se aproxima, mas ainda
fica distante quando Hades se move para ele. — O que vocês fizeram com a minha mulher?
Eu o encaro.
— Era sobre a loucura dela quando falava sobre eu ter os mesmos genes?
Ele coloca as mãos no bolso e ajeita a postura, me olhando de cima.
— Então ela decidiu te falar? — James coloca as mãos em seu bolso. — Onde ela está?
Eu apenas olho para Hades, que dá de ombros e acena um não para mim. Encaro o homem
novamente.
— Eu vou achar minha mulher, já que vocês se negam a me contar onde a colocaram —
acrescenta. — Mas não é sobre isso que vamos conversar. Mostre, Liam.
— O quê? — Procuro o olhar de Hades, que agora olha com raiva para James, ele cerra os
punhos e respira pesado. Mas não me olha de volta, me deixando apreensiva.
— Mostre, Liam — ele ordena novamente, sem quebrar o contato visual com seu filho.
— Eu vou te matar. — é a última coisa que sai da boca de Hades.
Então olho para a tela já virada para mim com a imagem ainda congelada, mas que mostra
Hades sentado de frente para uma mulher, eles estão muito ao fundo e há pessoas passando toda
hora, alguns sentados como eles. A imagem dá zoom e vejo Louise.
Tomo um verdadeiro susto e meu peito se aperta, meu coração dispara, a data da gravação
consta há um mês. Me sento trêmula e sinto a pressão atrás de meus olhos novamente.
No vídeo, Louise está com o cabelo preso em um rabo de cavalo e uma blusa e calça branca,
não é como a dos outros no vídeo, aproveito a sensação de ver seu rosto novamente. Algo em
mim se acende e me recuso sentir sua falta, mas sou rapidamente puxada para a realidade.
— Veja bem com quem seu namorado esteve — é Liam quem diz.
Tudo está uma completa bagunça. Ainda não consigo processar tudo que Eloah disse há
poucos minutos, muito menos o que estou vendo agora. Tudo gira em minha mente, mas, ao
mesmo tempo, é como se nada fizesse sentido.
Mas algumas coisas faziam, eu que me nego a ver.
Manipulações, trocas, ser filha de outra pessoa...
Sempre soube que Louise é alguém indomável, ninguém era páreo para sua mente brilhante
e sua presença. Quando Eloah falou sobre tentar domar as duas, se referia mais a Louise, que
sempre foi o cérebro para tudo.
Trocas de vidas e paixões...
Por que Liam me odeia?
Eu sou uma cópia de Eloah.
Liam e Eloah não nasceram em berço de ouro, como James e Louise. Por isso ela disse que
tudo girava em torno do dinheiro, eles não puderam ficar juntos? Perdida, é isso que eu estou, e
não consigo de fato assimilar o que está por vir, são informações demais.
Eu achava que Hades pudesse ser o único a me contar toda a verdade, mas meu muito
desaba quando Liam dá o play no vídeo. Engulo em seco quando a gravação começa, um suspiro
pesado e audível sai de Hades atrás de mim e meu coração se aperta. Algo sempre me avisou
sobre ele saber mais do que me contava, ele sempre procurou mais do que eu.
Encolho os ombros, então me transporto para dois anos atrás, esse foi o gatilho para que
tudo a minha volta sumisse e voltasse para aquele quarto de hotel onde fui enganada pelos meus
próprios pais, agora torço para que seja mais uma de suas manipulações. Os mesmos sentimentos
daquele ano vêm à tona, a insegurança agora é maior, mas novamente torço do fundo do meu
coração que tenha um motivo maior para que não tenha me contado.
Ele não ia fazer nada que nos separasse, Hades faria tudo girar ao seu favor e isso não fazia
parte.
Algo a mais teria.
Isso nos afastaria.
Por Deus, que isso tenha explicação.
Foco no vídeo rolando e ali Hades olha para trás, ao redor, provavelmente se certificando
que não tem rostos conhecidos. Minha mãe, ou a mulher que me criou, fala sem parar algo para
ele e gesticula. Eles conversam por longas horas e parece até que, em alguns momentos, estão
descontraídos, como mãe e filho… Ele sempre soube de Louise enquanto prendia Eloah em seu
porão. Hades se encontrava com ela. Todas as vezes que ele demonstrou saber de algo não era
apenas blefe, ele realmente sabia onde as duas estavam.
Pressiono os lábios em uma linha fina e, quando uma lágrima desliza em meu rosto, a limpo
rapidamente, então me viro para Hades.
— Isso foi manipulado como o da piscina, não foi? — Me altero e me levanto, mas me
apoio na mesa quando Hades me encara. — Fale algo, fala que eles fizeram isso para acabar com
a gente.
— Minta, Hades — é James quem provoca.
— Ele não mente.
Vejo meu garoto se controlar de todas as formas para não voar em seu pai, mas ele ainda não
me respondeu, ao menos negou.
— Eu preciso que você fale que isso é um monte de merda como sempre — meu tom
aumenta novamente e o desespero me consome quando ele não fala nada. — DIGA QUE NÃO É
VOCÊ.
Quase imploro para que ele minta, a mentira machucaria menos do que essa verdade,
amenizaria a dor que crescia a cada segundo com seu silêncio. Pela primeira vez, eu quero que
Hades minta e me convença
Minta, Hades.
Fizeram isso comigo a vida toda e não ligaria se ele fizesse também, por favor, apenas
minta. Eu inconscientemente estou sabotando tudo para que tenha uma explicação para Hades ter
ido ao encontro de Louise enquanto eu era sufocada pela presença de Liam, quando ele sabia que
ela acabaria de uma vez com isso.
Mas Hades não me responde, eu avanço em sua direção, o empurrando, ele não se move,
muito menos me segura, então soco seu peito, sentindo meu punho doer e o ombro ferido latejar.
Hades não reage e apenas me olha, que caralho ele está fazendo?
— Minha casa continua aberta a você — Liam diz, mas continuo encarando meu garoto que
me olha em branco.
Preciso ver arrependimento em seu olhar, ou culpa, ou qualquer coisa que me faça ficar e
enfrentar meu pai.
Mas não vejo isso, não vejo nada.
Frieza transborda do garoto que sempre fez tudo para me ter ao seu lado e agora, deixa que
me tirem dele. Ele não faz nada, não diz nada, simplesmente se calou…
— Eu não quero sua misericórdia — falo me virando para Liam, que me olha sem entender.
— Se Louise está internada foi por sua culpa, você também sabia desde o começo sobre isso, já
que a colocou lá.
— Não a coloquei lá, estive sem contato com ela desde que entrou naquele maldito jatinho
para uma viagem… — Liam se levanta e apoia as duas mãos em sua mesa. — Mas vejo que
nunca decolou.
— E Eloah nem mesmo chegou a subir… — James diz enquanto coloca as mãos no bolso de
sua calça, então encara Hades. — Como não pensei nisso antes, isso diz muito sobre Louise ter
sempre escolhido vocês.
Já é a segunda vez que James diz algo semelhante.
Isso só fortalece que Louise e James já tiveram algo, é claro que Hades é filho dos dois.
— A raiva de vocês foi pelo fato de terem sido trocados por filhos? — Hades pergunta. —
Então o abuso foi sua única solução para descarregar suas frustrações?
É louco o quanto tudo meu se bagunça com sua presença forte e voz. Mas eu não volto a
encará-lo, eu deixo que fale. James tinha que ser questionado. Mas me dói saber o quanto Hades
sofreu durante tanto tempo na mão dele.
Hades era consumido pela merda que James o submeteu e isso eu faria questão de tirar do
meu caminho.
— Não sei do que está falando. — James diz, dando de ombro. Liam arqueia uma
sobrancelha, parecendo confuso.
Suspeito que não sabiam mesmo do que James fazia com Hades, por alguns minutos penso
na possibilidade de acreditar que Eloah realmente não sabia. Mas eles eram bons em mentir e
manipular, não eram bons em confiar.
— Quando decidiu ultrapassar os limites? — Liam pergunta a James.
— Você agora acredita em Hades? — ele zomba, apontando para o garoto.
— Os finais de semanas trancado desde os treze anos, isso diz muita coisa — argumento,
vendo que Liam olha incrédulo para James.
— Sabe o dia em que teve que pagar a uma prostituta que ficasse em silêncio sobre seu
mamilo arrancado? Não foi James que fez, foi eu — Hades acrescenta, ele continua atrás de mim
e sua respiração chicoteia meu cabelo. — A mulher estava ameaçando expor no ano passado,
depois de anos.
— Então o dia que Louise tentou te atropelar foi por isso? Ela que foi pagá-la naquele dia,
eu estava fora da cidade — Liam diz, ligando os acontecimentos, mas não parece tão preocupado
assim agora.
Os dois são abusadores. James também não parece interessado em relembrar aquilo.
— Não tenho tempo para isso. Mas vamos aos negócios, em breve Louise retorna para
buscar seu pote de ouro. — James me encara.
— Pote de ouro? — Hades questiona.
— Tudo... — ele gesticula girando seu dedo indicador. — Gira em torno de dinheiro,
principalmente Heather.
É então que paro e lembro que escutei algo relacionado a isso, deixei passar a conversa no
escritório de Liam no dia do campeonato. A voz não era de James, mas ele foi citado. Quanto
mais eu olho ao redor, mais faz sentido, mais tudo se encaixa. Eloah cada vez mais me faz
acreditar nela, há mais uma pessoa envolvida com eles e ela é poderosa.
— A conversa no escritório… — é um sussurro, então abaixo a cabeça.
Sinto a mão de Hades em meu ombro, me avisando de que ainda está ali, que ouviu o que eu
disse, mas me movo, a retirando. Quando levanto a cabeça, James está me olhando desconfiado,
mas não comenta nada. Eu saio dali e subo para meu quarto, trancando a porta logo em seguida.
Não posso ficar aqui e muito menos ficar com Hades.
Dou uma última olhada no celular e percebo que Ava me espera do lado de fora, pedir um
carro por aplicativo está fora de questão já que provavelmente Hades teria acesso.
A maçaneta da porta é forçada, mas logo para quando ele percebe que está trancada, eu sabia
que uma hora eu encararia a verdade e Hades estaria entre ela. Meu coração se aperta e então se
agarra a algo que ele nem falou, mas em que criei expectativas.
Expectativas de que ele tinha um motivo para isso e que ajudaria a gente.
Expectativas que era tudo por nós dois.
Expectativa que a gente merece ser feliz.
Mas seu silêncio quebrou tudo.
Expectativa de merda, desilusão em saber que nem tudo é como queremos. Grande conto de
fadas pensar que alguém como Hades pensaria em mim, e não somente nele. Eu sempre fecho os
olhos para todas as atitudes daqueles que eu amo.
— Abra a porta — Hades diz autoritário e então guardo o celular na gaveta.
Eu não levaria o celular e muito menos o relógio. Hades me acharia fácil demais. Continuo
em silêncio.
— Você tem que parar de fugir toda vez que abrem a boca sobre o que eu sempre te mostrei
— sua voz é controlada agora, cauteloso eu diria.
Manipulador também, eu diria.
— Você nunca me mostrou seus encontros com Louise.
— Tem certeza? — sua voz é baixa, então, por um momento penso sobre isso.
Minha memória parece se apagar para algo que me machuca, ou para qualquer situação em
que me sinta atacada. Mas eu sempre esperei segredos de meus pais, que nem meus pais são, de
meus amigos com suas vidas secretas... Menos de Hades, eu queria que tivesse sido ele a me
mostrar, me feito ver tudo antes e não ter essa merda toda em uma madrugada.
Confiro o horário e vejo que são três e meia da manhã e eu não me sinto como ontem, me
sinto traída. Menos de vinte e quatro horas de quando percebi que estava loucamente apaixonada.
— Tenho. — Eu não tinha.
Ele batuca na porta levemente, como se fosse alguma melodia de Beethoven e isso me faz
fechar os olhos e chorar. A música sempre foi sua fuga para quando estivesse sentindo demais e
isso eu descobri sozinha.
Talvez ele estivesse sentindo muito?
É difícil saber quando ele realmente está sentindo algo, já que quase nunca sente.
— Preciso que confie em mim mais uma vez e entenda que foi para te poupar, Louise não
estava muito... Boa para você vê-la. Indiretamente, eu sempre te disse sobre ela e o quanto você
não suportaria a verdade, e está me provando isso.
— Não estou te provando nada, estou cansada de sempre ouvir para confiar em você e que
fez para me poupar, eu esperava qualquer coisa, menos você esconder sobre minha mãe. — Um
soluço sai de minha garganta, encosto minha testa na porta. — Você sempre soube, não é?
Um silêncio perturbador do outro lado.
Reprimo os lábios enquanto lágrimas insistem em descer, o que mais me dói é ele ditar as
regras e depois cagar para elas.
— Você sabia que ela era o ponto forte disso tudo e ignorou, olha quanta coisa poderia ter
evitado.
— Eu fiz isso por você, fiz isso por nós. — Hades diz, sua voz falhando. — Precisava deixar
tudo seguro para que você a visse, preciso continuar afastando possíveis problemas...
Quase giro a tranca, mas ele continua.
— Vamos pôr as cartas na mesa agora, abra a porta e te direi que não foi Liam e nem James
que a colocaram lá, que eu tranquei Eloah para que ela não se aproximasse de você. — Mais uma
pausa e sua respiração é audível. — Era ela quem devia estar internada.
— Podíamos ter feito isso juntos e eu não teria que conviver com Liam, eu te implorei para
me contar sobre Louise e você me garantiu que a acharia, mas... — eu soluço. — Mas você já
tinha a encontrado.
— Meu amor...
— Para com isso, não me chame assim — grito contra a porta.
— Aquele vídeo foi nosso segundo e último encontro.
— O cartão de visita no escritório de Liam caiu do seu bolso, foi isso? — eu penso que
talvez ele nem tenha escutado de tão baixo que eu falei.
Mas seu silêncio é a confirmação.
Ele não mentia, nunca foi questionado para mentir. Mas omitir também é uma forma
enganosa de conseguir se desviar da mentira, isso não o isenta da culpa. Então paro.
Paro por um momento e vejo que não adianta culpar as pessoas pelas marcas que me
fizeram, não adianta eu ficar a todo momento culpando Hades por algo que eu mesma fiz questão
de deixar acontecer. Quem arruinou tudo foi eu por fechar os olhos por tanto tempo. Louise
sempre evitou que qualquer assunto se prolongasse ou que algo me atingisse.
Mesmo os métodos dela sendo de completa manipulação, tudo era resolvido, então me
lembro do que Liam disse sobre ela ter pagado a prostituta pelo silêncio.
Ela descobriu os abusos e tentou matá-lo. Louise talvez não seja a vilã disso tudo.
Desperto de meus pensamentos quando a porta do quarto ao lado se bate, o closet de Kairon
e o meu são ligados e separados apenas por roupa e um fundo falso. Eu destranco minha porta e
pego minha bolsa, pelo canto de olho vejo a porta do meu guarda-roupa se abrir, corro depois de
bater à porta atrás de mim.
Eu sei onde fica esse lugar e eu vou ao encontro de Louise.
Desço as escadas pulando alguns degraus e quase me desequilibro no último, que é quando
agarro o corrimão e olho para trás.
— Você não vai sem mim, minha rainha — ele grita do segundo andar.
— Não posso mais depender do seu senso de proteção, me deixe em paz pelo menos hoje —
grito de volta.
— Não vai ser possível — seu grito se aproxima. — Você é minha, sua paz sou eu e já disse,
foi para te proteger.
— Cala a boca — eu estouro. — Você não consegue ver que está errado? E ainda insiste que
é para me proteger, mas me machuca.
— Não vamos entrar nessa questão, eu sei o que é melhor para nós dois.
— Eu sei o que é melhor para mim e isso que faz não é. — Eu paro no meio do hall e ele
continua no topo da escada. — Talvez nem você seja o melhor para mim.
O sorriso cínico se desmancha, dando ao rosto de Hades o vislumbre sombrio de quando
deixa a raiva o consumir, no alto da escada, no escuro, ele me dá medo. Me arrependo
rapidamente de ter dito, mas levanto o queixo, mostrando que é isso mesmo. Finjo, apenas finjo.
— Nada nesse mundo irá tirar você de mim, nem mesmo a porra da sua mente confusa,
então pare de joguinhos e suba para conversamos.
Ele para na metade da escada, segurando firme o corrimão enquanto trava sua mandíbula.
— Não vou esperar conversas que não nos levam a lugar nenhum, isso acaba aqui.
Como um louco, ele inclina um pouco a cabeça para o lado. Seu olhar escurece.
— Está achando que pode terminar comigo?
Suspiro e dou alguns passos para trás, sentindo a porta.
— Isso pode acontecer se continuar indo por esse caminho onde só pensa em si mesmo. —
Minha mão está trêmula quando toca a maçaneta. — Mas não é uma opção para mim, nem para
você, a possessividade atinge nós dois aqui.
— Não há nada nesse mundo que separe a gente. — Ele gesticula, apontando o indicador
para ele e para mim. — Eu sempre disse que você é fraca para a verdade e está provando isso,
você não vai a lugar nenhum.
Abro a porta e a seguro fechada, em cinco segundos ela trancaria e ele levaria um tempo
para achar a segunda trava de segurança, isso me ajudaria a sair sem que ele me alcance. Mas
escuto algo ser jogado contra o vidro ao lado da porta e se rachar.
— Isso só vai gerar um grande estresse para você, uma grande fadiga e, no final, eu vou te
achar — Hades grita, os cinco segundos mais demorados da minha vida e então escuto a tranca.
Um vaso de planta é jogado e o vidro se espalha por todo lado. Ele está tentando me
distrair.
— Merda — sussurro.
— O inferno pode abrir e vir a te engolir, minha rainha, e mesmo assim eu irei atrás de você.
Então corro para o carro de Ava e, quando ela arranca com o carro, como em câmera lenta,
James passa pela gente com seu sorriso cínico. Está acontecendo tudo que ele e Liam querem,
ferrar com a gente e se dar bem.
Olho para a porta da minha casa e vejo Hades parado com as mãos no bolso enquanto
observa o carro se afastar, meu coração se acelera, ele vai atrás de mim.
Ansiosamente, encaro a bomba de gasolina onde os números mudam rapidamente. É a única
coisa que achei para me distrair da sensação que me atingiu. Quando olho ao redor, o posto de
gasolina está vazio, tem apenas eu e o frentista que mexe em seu celular a poucos metros,
esperando a bomba apitar.
Minha nuca pinica e meu corpo se arrepia, carros passam pela estrada uma vez ou outra,
inclusive um carro de bombeiro, com suas sirenes altas demais para que eu possa suportar. O dia
ainda não amanheceu, hoje parece uma daquelas noites longas e sem sono. E bem, não ousaria
sair de perto do carro, já bati a cota de atitudes burras em tão pouco tempo.
Talvez Hades esteja me observando, mas ele não seria silencioso assim. Ou talvez eu
devesse parar de responder minhas próprias perguntas, tem me assustado o quanto eu mesma me
aviso que nada está certo.
— O que pretende fazer? — sobressalto com a voz de Ava.
— Vamos para a casa de Noemia procurar Kairon, ele tem que ir a Fallen com a gente. —
Eu me encosto na lateral do carro. — Podemos ficar na casa dos fundos de Nono, assim...
Sussurro a última palavra, me esquecendo que não posso falar que Hades está furioso. Uma
coisa que todos eles evitam é ficar em seu caminho, estando ou não furioso, nenhum deles
gostam de testar até onde vai essa fúria de Hades.
— E por que essa pressa? — A encaro, encontrando desconfiança em seu olhar.
A bomba apita e o frentista sinaliza que está tudo certo. Eu agradeço aos céus por isso.
Assim que nos acomodamos no carro, dou uma última olhada pelo retrovisor vendo uma moto
sair de trás das árvores e arbustos. Tem uma mulher na garupa, dá para perceber pelo corpo
diferente do piloto. Bom, agora entendo porque me senti observada, já que um casal decidiu
transar ali enquanto eu provavelmente os deixava desconfortáveis em olhar.
— Você parecia mais nervosa ao telefone, o que aconteceu quando te deixamos em casa? —
Ava dá a partida no carro e saímos dali.
— Eloah voltou.
— Oh, isso é bom, né? Por isso você agora pode ir encontrar sua mãe.
— Mais ou menos.
— Estou aqui, Heather, pode me contar.
Suspiro pesado enquanto descanso a cabeça no encosto do banco.
— Continuaria amando Katherine se descobrisse que ela não é sua mãe?
Essa pergunta é mais para mim do que para ela, não consigo deixar de sentir tanto em
relação a Louise. A mulher me criou, me amou incondicionalmente, não há outra pessoa no
mundo para ser minha mãe e de Kairon.
Me quebra em mil pedaços ter que odiá-la.
Eu não podia. Mas por que essa mentira tem doído tanto?
— Katherine nasceu para ser minha mãe, se não fosse de sangue, ainda sim a amaria. — Ela
me olha breve, com um pequeno sorriso antes de olhar a estrada novamente. — Olho para meus
dezoito anos e vejo o quanto ela fez por mim.
— Mesmo que ela tenha mentido? — arqueio uma sobrancelha para ela.
Ava agora suspira.
— Heather, eu sei que a verdade é sempre a melhor opção, aquilo tudo sobre ser justo
consigo mesma, até porque é a única coisa que temos ao nosso favor… — ela faz uma pausa e
me olha breve. — Mas o quanto custaria ter a verdade?
Ela dá de ombros e volta com o olhar na estrada.
A verdade está me custando a paz, Ava.
Mas respondo somente para mim e eu tenho certeza de que ela não está esperando uma
resposta em voz alta. Por mais que esteja doendo, isso começa a refletir em mim, em tudo ao
meu redor. Ter Eloah no porão esse tempo todo me fez despertar, tudo estava bem debaixo do
meu nariz e eu... eu simplesmente ignorei.
Quando ouvi o grito, lá no fundo, eu sabia que algo estava errado. Quando James disse que
eu tinha a genética de minha mãe, não era sobre manipular, é sobre ser manipulada, como Eloah.
Quando Hades não se mostrou preocupado com nossas mães e nem surpreso em ver o cartão, ou
no dia que o vídeo foi gravado e Liam falou sobre Louise sempre me escolher.
O vídeo mostrando Hades no hospital conversando com Louise há um mês. Tudo sempre
esteve ali e eu me neguei a perceber. Então, tudo volta para Louise, todos falam o quanto ela é a
cabeça maligna nisso tudo. Ninguém sai ileso de sua presença. Dias sombrios quando a abelha
rainha se vai e tudo sai do eixo.
Assim que liberam nossa entrada na casa de Nono, percebo que é mais seguro aqui e que
Hades não me acharia tão fácil. Mesmo sendo no mesmo condomínio, aqui é enorme e a casa dos
gêmeos é do outro lado, ele me procuraria antes em outros lugares.
Kairon está aqui, e ele conseguiria parar qualquer coisa que Hades fizesse, mas ainda espero
que ele tenha entendido que eu posso sim ficar chateada e ter o meu próprio espaço. Mas talvez
eu esteja pensando assim só para me tranquilizar, não estou com um pressentimento bom.
Quando batemos a porta do carro, a luz da entrada se acende e a porta se abre.
— O que aconteceu? — Noemia sai descabelada, se enrolando no roupão e com os olhos
arregalados. — O que houve? Meu Deus, meu Deus.
Ela grita enquanto intercala entre nós duas, eu olho para Ava e ela segura Noemia pelos
ombros.
— Vadia, que desespero é esse?
— Está tudo bem — eu a acalmo, alisando seu ombro. — Está sozinha?
Sua respiração aos poucos volta ao normal, então percebe que realmente não está
acontecendo nada, mas seu desespero me incomoda.
— Estou — ela diz, então se vira para entrar. — Vocês apareceram de surpresa e vai dar
quatro da manhã.
— E, para nossa sorte, você estava acordada — Ava diz ao meu lado, enquanto entramos
logo atrás de Nono.
O interior da casa de Noemia é super minimalista, desde sua cor branca e as paredes vazias,
a prefeita odeia tudo que chama muita atenção, mesmo ela, por si só, chamando. E claro, está
silenciosa como sempre, quase tudo apagado com apenas um cômodo no andar de baixo com a
luz acesa, que é a cozinha.
Quando levanto o olhar para espiar o andar de cima, tem também alguma luz lá acesa.
— Onde está Kairon? — pergunto, olhando o hall pouco iluminado. — Você está grávida,
ele não pode te deixar sozinha assim.
— Saiu com Magnus para ir à loja de conveniência. — Noemia se vira para mim,
desconfiada. — Eu achei que estivesse em uma viagem com Hades.
— Alguém ligou para ele e tivemos que voltar — respondo, talvez rápido demais.
Eu não quero que me façam mais perguntas, já que eu não conseguiria responder quase nada
para elas.
— Foi Elliot, ele falou sobre seu pai ter descoberto algo — Ava comenta.
— Por que Elliot saberia disso? — a interrompo, ela e Ava me olham.
— Eu realmente não sei... Talvez sobre Eloah ter voltado? — Ava sugere.
Seguimos para a cozinha e Nono se senta na bancada, enquanto eu pego uma garrafa de
água. Tudo ainda está escuro do lado de fora, não sei se seria uma boa ideia sair a esse horário
para outra cidade.
— Não sabia sobre Eloah ter voltado, isso significa que sua mãe também voltou? — Nono
pergunta.
— Eloah nunca foi embora e essa é uma longa história. — As duas param e me encaram.
— Do que você está falando? — Ava pergunta.
— Hades a trancava no porão — falo de uma vez.
Elas paralisam, talvez esperando que eu diga que é uma brincadeira ou continue e amenize o
que acabei de dizer, mas é apenas a verdade, crua e sem falar da pior parte. Aliás, são tantas
partes ruins que me limito.
Noemia olha para Ava e depois para mim, algo parece acender em sua cabeça quando me
analisa, mas viro de costas para guardar a garrafa.
— Então você brigou com Hades? — Nono pergunta.
— Não é isso...
— É pior que isso, é madrugada e você está sem relógio, ouvi de Elliot que Hades te rastreia
por ele. — Eu me mexo desconfortável enquanto Ava fala. — Você está aqui fugindo de Hades?
— Ava...
— Aquele demônio vai acabar comigo, por que não me contou antes de virmos para cá?
Iríamos para um hotel, ou direto para Fallen. — Ava se levanta e puxa sua chave do bolso. — Eu
vou atrás de Kairon, nem fodendo vou ficar aqui esperando o Diabo.
A loira sai e a escutamos bater à porta. Noemia desce da bancada e libera sua saída, então
acessa o sistema de segurança, começando a trancar tudo. O condomínio pode ser de luxo, mas a
casa de sua mãe, a prefeita, tinha sua própria segurança.
— Heather, ele vai acabar com a minha casa — Noemia diz tentando manter a calma. — Foi
apenas isso?
— Descobri que ele se encontrava com Louise — resumo e sua boca se abre. — Eu saí antes
que ele pudesse falar algo.
— Caralho — ela diz. — Eu estou com medo de perguntar mais coisas.
Noemia encosta na parede e é então que percebe a merda que está acontecendo à minha
volta, e uma maior ainda se ele conseguir me alcançar.
— Que horas Kairon volta? — pergunto, apreensiva.
— Vou mandar uma mensagem e avisar que Ava está atrás dele. — Ela caminha até seu
telefone, digitando.
Ficamos ali, apenas conversando sobre seu bebê, tentando nos distrair, e funciona até o
momento que escutamos o barulho do interfone. Ava saiu tem uns vinte minutos, talvez fosse
ela. Então toca pela segunda vez e nos encaramos por breves segundos, prendo até a respiração,
torcendo para quem quer que seja vá embora, mesmo com o monitor ainda apagado, meu
coração se acelera e parece que vai sair pela boca.
Hades é imprevisível e, quando o controle da situação escorrega por suas mãos, é aí que o
alerta soa em minha cabeça.
— Ligue para Kairon — é quase um sussurro para ela, mesmo que ele não consiga nos
ouvir.
Concordando, ela digita e começa a caminhar até o monitor para conseguir visualizar o
carro. Tento manter a calma e reprimir tudo, estou exausta, tudo que Eloah disse vem à tona,
fazendo com que se misture em minha cabeça. Alguma coisa dali tinha que fazer sentido. Algo
sobre não ficarem com quem eles amam, é por isso que Liam me odeia, eu sou a cópia da mulher
que ele queria se casar.
Trocaram suas vidas e paixões.
Tudo isso talvez seja a frustração de não ter ficado com quem queriam e estejam espelhando
isso em nós dois. Louise e Eloah ainda assim mentiram sobre algo, talvez a paternidade. Hades
descobriu algo e prendeu Eloah. Ele sempre corria atrás da verdade, nada ficaria pela metade e
eu não estou brava por isso, mas ele sempre me pouparia.
Mas agora eu não preciso de suas meias verdades.
— É o carro de Kairon. — Noemia me puxa de volta, então me aproximo do monitor.
— Avise Ava que ele chegou e que é para voltar — ela concorda. — É mais fácil ela
responder que Kairon.
— Vou ligar. — Nono libera a entrada e o portão se abre.
O carro passa devagar e me sinto inquieta, não sabia como meu irmão iria reagir e preciso
abraçar Kairon, sentir que meu irmão está aqui ao meu lado.
— Feche a porta. — Noemia grita e me assusto, a encarando, o telefone ainda em sua orelha.
— Ele entrou?
— O que foi?
— Kairon está vindo com Ava — ela fala enquanto finaliza a ligação. — Hades pegou o
carro de Kairon e, Heather.... sua casa pegou fogo.
O carro dos bombeiros pela estrada a essa hora da madrugada, merda.
— Abra. — Congelo mais ainda escutando a voz rouca de Hades vindo do interfone da porta
principal. — Noemia, tenho certeza de que não quer ter estresse, não é?
Nono olha assustada para mim e caminha em direção a porta da frente, sigo logo atrás a
passos largos e, antes que chegue à porta, eu paro na sua frente e a encaro.
— Meu irmão já está chegando, não abra agora — sussurro.
— Estou grávida e não dá pra passar por isso — Nono sussurra de volta.
— Eu preciso encontrar Louise antes que Hades me leve e não me conte a verdade, por
favor. — Seguro sua mão e ela para por um momento, analisando meu pedido.
Mordendo os lábios, ela apenas concorda com a cabeça e se afasta da porta. Há silêncio do
outro lado. Hades sempre foi frio e calculista, manipula até situações como essa.
— Odeio a forma como outras mulheres lidam com essas situações, mas de você eu esperava
que me escutasse antes de agir — Hades fala do outro lado, não parece bravo. — Vale a pena ser
impulsiva?
— Você, mesmo sabendo que eu descobriria, preferiu que eu soubesse pelos outros. Valeu a
pena omitir informações? — rebato.
Ele ri rouco e alto do outro lado, o que me deixa confusa e assustada.
— Oh, meu amor, que inocência a sua achar que omiti algo, eu repito para você que estava
apenas te poupando. Se eu prometi te proteger, farei isso.
— O que fez com a minha casa?
— A pergunta certa seria o que aconteceu com o lixo do seu pai, mas isso eu te conto agora.
— Um riso maníaco ecoa. — Pelo visto, tudo que é ruim de dentro para fora precisa ser
queimado.
Me viro para encarar Noemia, que está com os olhos arregalados enquanto encara a porta e
então, balança levemente a cabeça, eu não estou muito diferente dela.
— Preciso vomitar. — Nono sobe as escadas correndo.
A imagem de Liam sendo queimado passa pela minha cabeça e sinto o vômito vir, meus
olhos lacrimejam, mas me seguro. Não vou chorar por Liam, mas isso é demais para mim.
— Tantas coisas para te contar, estou cansado de te pedir para abrir a porta — ele volta a
falar já que não o respondi. — Abra essa porra ou farei do meu jeito, eu quero você ao meu lado.
— Por que você simplesmente não me deixa em paz? — eu grito, enquanto me afasto. —
Isso que você está fazendo vai acabar com a gente, o quão fatal somos juntos? Mas que caralho,
Hades.
Eu passo os dedos entre meus cabelos e me sento no degrau, o desespero toma conta de
mim, percebendo o quanto nosso sentimento pode passar por qualquer um, até se for preciso
matar. Em breve, terei que visitar Hades na cadeia.
— Por que eu não te deixo em paz? — Hades agora grita. — Desde os meus sete anos eu
imagino uma vida com você, esperei doze anos para viver o que vivemos em Siena para um filha
da puta vir e tentar te tirar de mim? — Ele volta a rir, o que me assusta mais. — Se essa atração é
fatal, isso é culpa daqueles que tentaram nos afastar.
Há uma pausa e o interfone toca.
— Agora abra a porra dessa porta, eu não quero ser rude com você, minha rainha — ele
controla novamente sua voz.
Eu me levanto e ando lentamente até o começo do corredor, aproveitando seu silêncio, torço
para que sejam Ava e Kairon.
— Horas antes de nossas mães viajarem, eu escutei Eloah ao telefone, dizia que Louise não
entraria no jatinho e que poderiam pegar ela. — Eu me viro para a porta e me aproximo devagar
na ponta dos pés, para escutar melhor. — Quando tranquei Eloah no porão e ela me contou que
Louise sim é minha mãe, eu queria matar Louise.
O silêncio toma conta novamente e eu me mantenho um pouco longe da porta para que ele
não veja minha sombra, mas a essa altura ele sabe que eu estou escutando.
— Lembra do que escutamos na casa de Ava enquanto você estava podre de bêbada?
Acredito que não lembre, mas Eloah os mandou, queria o dinheiro que Liam e James receberam
pela gente.
— Receberam pela gente?
— A pessoa que você escutou no escritório de seu pai no dia que fomos a Fallen pagou por
nós dois, Eloah queria esse dinheiro. — Então volto a me afastar.
— Mas ela esteve presa no seu porão...
— Eloah deixou tudo pronto antes de ir, ela sabia o quanto seu futuro era imprevisível.
Louise tem alguém que a protege de Eloah. — Ele agora parece impaciente quando tenta de novo
abrir a porta. — Esse tempo inteiro as duas foram manipuladas por uma terceira pessoa e era
sobre isso que eu e Louise conversamos.
— Quem é essa pessoa?
— Eu ainda não sei direito — Hades diz baixo
— Tudo teria sido fácil se tivesse me contado isso antes. — O lembro do porquê estamos
assim.
— Ou difícil, você não pensa antes de agir.
— Mas e sobre as trocas? Você sendo filho de Louise e eu de Eloah, qual foi a finalidade?
— Agora tem que abrir a porta.
— Você não sabe, elas não te contaram — eu murmuro, ele soca a porta. — Anos de
convivência me serviram para descobrir quando você sabe ou não de algo.
Hades tenta novamente abrir a porta, na esperança de que eu tenha destrancado.
— Se soubesse faria questão de deixar isso claro, como em todas as vezes que me provocava
dizendo que sabia sobre Louise.
Hades bufa uma risada do outro lado.
— Rainha, eu tive tanta paciência, se afaste da porta.
— O que vai fazer?
— Te mostrar que quando se trata de ir atrás de você, eu não vou medir esforços — sua voz
está mais distante. — Quando digo que meus sentimentos vão além de qualquer eu te amo, não é
da boca pra fora, eu preciso de você ao meu lado e ir atrás de Louise é um tiro no pé.
— Hades, por favor — minha voz falha enquanto me afasto.
A porta do carro bate e eu começo a correr na direção da cozinha, quando no final do
corredor e entrando no cômodo, acabo deslizando e caindo. Eu grito, o desespero toma conta de
mim quando o acelerar do carro começa. Me levanto e corro até o controle na bancada e abro o
portão principal, quando vou ao painel onde tem a imagem da entrada, vejo Kairon saindo do
carro e entrando no quintal.
Um estrondo distante e a voz de meu irmão gritando consomem o lugar, eu não sabia que
alguém seria capaz de fazer tanto por mim quanto Hades está fazendo para me ter. Eu nunca tive
esse sentimento de ninguém, ele segue provando que gabaritaria o código penal se quisessem me
tirar dele.
E isso mais me assusta do que mexe com algo bom em mim, isso acabaria com o que
queríamos há tanto tempo. Penso em desistir e fazer o que Hades quer, mas agora, sabendo que
existe uma terceira pessoa… Valeria a pena parar? Minha paz já foi tomada a tempos e para tê-la
de volta, todos precisam estar fora do nosso caminho, as cartas precisam estar na mesa.
Desperto com um estrondo ainda maior, minhas mãos e pernas tremem enquanto vou na
direção do corredor, há um nevoeiro de fumaça vindo dali, gritos de Kairon e Ava são possíveis
de ouvir.
Saio pela porta dos fundos, dando a volta na casa, poeira para todo lado e meu irmão grita
furioso. A parte da frente na casa onde tem a sala com janelas está destruída com o carro dentro,
eu tusso enquanto me aproximo.
Hades acabou de destruir a entrada da casa da prefeita.
— Eu achei que estivesse na casa — Kairon diz, enquanto vem em minha direção para me
abraçar, eu o aperto contra mim. Queria ficar em seu abraço para sempre. — Onde está indo?
— Eu volto em breve, segure Hades aqui — digo ao meu irmão.
Preciso de respostas e não fugirei mais da verdade, estou cansada de ser apenas uma
covarde.
(Alg uma s ho ra s antes)

A dor muda você.


Meu passado fez com que me desligasse de qualquer empatia pelo próximo, mas a exceção
disso é Heather, eu sinto demais por ela e nunca entendi de fato que sentimento era esse. Mas
logo depois entendi que se trata de raiva.
Raiva por ela me tirar da zona de conforto que criei, do mundo em que conseguia organizar
todos os meus maiores pesadelos para que não me consumissem, mesmo que eles me
devorassem de dentro para fora, também por despertar tudo em uma mistura ridícula que faz meu
sangue esquentar a cada movimento de seu corpo, ou até sua respiração.
Firmei em minha mente que eu não precisava disso, amor, raiva, dor, tristeza... São tudo a
mesma coisa, tudo intenso e doloroso, e de intenso fiquei apenas com a raiva. Mas eu nunca
estive tão enganado quanto a isso.
Heather é uma avalanche de sentimentos intensos e ela mesma os sente demais, e isso te faz
sentir demais também. Nada que ela oferece é pouco, tudo em grandes quantidades, fazendo
qualquer um transbordar.
É então que descubro que a presença de Heather sempre causou essas coisas intensas em
todos ao redor.
Heather se transformou em um efeito borboleta; um simples contato com ela poderia selar
seu destino para o bem ou para o mal, atraindo pessoas ambiciosas e maldosas.
Faço o que for preciso para impedir que toquem em algum fio dela, talvez eu seja o próprio
efeito colateral de quem se aproxima.
E esse mesmo looping em que toda a situação acaba girando ao redor dela, acontece com
Louise, tudo gira de volta para ela também.
Demorei semanas até entender o que de fato estava acontecendo, tentando entender o porquê
de nossas mães terem decidido ir sem mais nem menos, eu precisava entender para poupar
Heather.
Ela sente demais.
Eu sempre soube que Eloah não era minha mãe, até certa idade acreditava, mas ela sentia
medo demais de se aproximar de mim, mesmo sendo a pessoa que me criou, que me levava ao
futebol e me ensinou a tocar piano.
Mas uma mãe não sente medo ou se torna um fantasma na vida de um filho.
Então Louise entrou em nossa vida, sempre agiu como uma mãe, seja com perguntas sobre
escola, sobre hematomas no meu rosto, a forma autoritária de dizer que me conhecia melhor do
que ninguém. Mas eu não a sentia como mãe e nem a queria como tal, mesmo que ela agisse
como uma, ela precisava ocupar esse lugar para Heather.
Me lembro que Louise nada se parecia com a garotinha de cabelos escuros e olhos verdes
quando as vi pela primeira vez aos seis anos, algo em mim nessa idade sentiu demais quando vi
que Heather tinha a aparência de minha mãe, a Eloah.
Senti muita raiva, minha perseguição e fascinação por ela começou com um excesso de
raiva. Mas mudou conforme fomos convivendo e eu vi que ali só existia aparência, Heather sabia
lidar demais comigo e minha mãe, a quem eu a associei, não.
E quando entendi isso, aos doze anos, comecei a escrever no diário de capa preta que
Louise me deu de presente.
Foram mais de quinze páginas escrevendo sobre Heather, descrevendo como era assistir ela
brincando de boneca, assistindo a inúmeros filmes de Barbie ou o quanto ela reclamava de
dormir cedo, então Louise leu enquanto eu brincava na piscina com Kairon.
James certa vez escutou nossa conversa e fez o que fez.
Então isso virou minha maior obsessão, saber porquê Liam e James não nos deixavam ficar
juntos, ou nutrir um sentimento. Se atente, as paredes têm ouvidos, eu posso estar atrás delas
escutando.
Virei alguém desconfiado e extremamente observador, isso por ela.
Inconscientemente, ela me afastou dos meus demônios.
Eles não iam me tirar a única pessoa que consegue ver coisas boas em mim, a única que
entendia tudo que eu queria sem falar uma palavra, sempre foi ela.
Foi então que escutei uma conversa de Eloah, alguns meses atrás, ao telefone, dizendo que
poderiam pegar Louise e ela embarcaria sozinha, mas não deixei. Eu tinha que ouvir da boca de
uma das duas sobre a verdade, e depois, eu aliviaria a situação para Heather. Mas tudo virou uma
completa bola de neve aonde chegavam mais problemas e nenhuma solução. Já não podia mais
manter Heather em sua bolha já que ela havia sido transformada em um lugar para ela se viciar.
Já não podia confiar nem em quem podia responder às minhas dúvidas.
O maior choque foi saber que elas fugiram daquele mesmo lugar com dezoito anos, mas isso
não se encaixava, alguém as tirou de lá.
No meio disso tudo, não puderam ficar com quem se apaixonaram e sim pensar em como se
manteriam. Louise pensou em tudo. Fui fruto de traição no dia do casamento de Eloah e James.
Louise dormiu com ele.
— Eu devia ter te matado quando era menor de idade. — Eu entro novamente na sala do
escritório de Liam.
Ele apoia os cotovelos à mesa e me encara.
Assim que Heather se foi, e eu descobriria em breve para onde, pedi para Maria ir até minha
casa, eu pensava em acabar com tudo de um jeito bem dramático e que não tivesse volta, então
joguei gasolina pelo corredor, caso ele tente correr e escorregue.
— Está bravo pela verdade? Por ela ter ido embora? Heather é fraca para a verdade, sabia
que se caísse em minhas mãos, eu mostraria sem hesitar.
— Não, eu a terei de um jeito ou de outro. — Coloco as mãos dentro do bolso. — Eu tenho
sugestões sobre você ser assim.
— Espera que eu leve em consideração? — Encaro Liam que sorri.
— Sua raiva deve ser relacionada a sempre ser trocado, nunca ser o escolhido, ser sempre a
última opção. — Vejo seu ombro cair e sua expressão se fechar. — James foi escolhido para ter
o primeiro filho, logo depois uma bastarda tendo toda a atenção.
Agora eu dou um sorriso cínico, aquele sorriso que ele me deu quando chegou da viagem em
que mentiu para Heather sobre o vídeo, onde a manipulou para escolher a ele sempre. Liam
queria, pela primeira vez, ser o primeiro a ser escolhido, queria atingir a mulher que o traiu e a
outra que não o escolheu, e sim outro pelo dinheiro.
Em um desses encontros com Louise, ela disse que passou a tomar remédios e não sabia que
ele a levava em jantares com os sócios dele.
Tudo se encaixa, ainda mais que foi ele que a induziu a tomar remédio quando soube de sua
obsessão a Heather, que nada era mais que a superproteção.
Louise foi uma vadia manipuladora, mas também sempre foi esperta.
Ela sabia que alguém ia tentar algo porque Eloah escondia sobre o pai de Heather.
— Um homem adulto sendo trocado inúmeras vezes é uma humilhação, é horrível não ser
amado. — Me aproximo da mesa, seu olhar parece distante. — É horrível não ter nada, nem um
filho conseguiu dar a ela.
Um riso sai de mim, mas foi involuntário. Eu gargalharia na cara de Liam.
— Você nunca sequer foi amado e ousa falar sobre mim? Estamos no mesmo barco, quem
devia te amar, te rejeitou.
As palavras não doem, não sinto sobre algo que trabalhei internamente por anos para rejeitar
qualquer sentimento. Mas eu sabia que ele sentia muito.
— Não me afeta em nada, isso não é uma competição, mas sim fatos que ao longo dos anos
você sentiu, não é nenhuma novidade.
— Então isso não te afeta? — ele pergunta e eu nego. — Bom, você não sabe o quanto ela
mentiu e manipulou, está contando apenas a versão dela.
— Escutei a de Eloah e só vi ganância.
— Duas loucas, mentiram e, quando descobrimos, estávamos presos a elas. — Ele encara a
estante. — Quando elas nos disseram que eram primas, acreditamos, depois descobrimos que
eram apenas melhores amigas e que, no ano passado, eram apenas conhecidas na área da
psiquiatria que fugiram.
— E como descobriram só agora? — Liam me olha, inabalável, se inclinando na mesa
— O pai de Heather contou.
— Quem?
O encaro confuso, esperando que me responda algo, mas ele me olha com desdém.
— Hades, não é novidade nenhuma que olhar para você é uma das últimas coisas que gosto
de fazer. Sua mãe me traiu, sabe que Louise me traiu? É meu direito querer te tirar da minha
vida, então fui pago para o que eu deveria ter feito há anos.
Liam suspira, se encostando na cadeira de novo.
— Heather é a imagem de tudo aquilo que deveria ser meu, a odeio por isso, sabendo que
não é sua culpa. — Ele junta as mãos, e continua. — Eu não sou o único a querer tirar ela de
você.
Observo Liam por alguns segundos e por um milésimo penso em não fazer nada a ele, mas o
homem consegue ser pior do que James quando insiste sobre algo. Não quero ninguém no meu
caminho até Heather.
É a segunda e última vez que ele fica entre nós dois.
Sem dizer nada, eu saio, não piso onde joguei a gasolina, então acendo um cigarro e trago a
nicotina ali, parado na entrada. Minha procura agora seria sobre o pai dela. A troca ainda não faz
sentido para mim.
Eu não jogo o cigarro no rastro de gasolina e fico do outro lado da calçada apenas pensando
de devo ou não, fazer isso me tornaria igual a eles, mesmo que mereçam essa dor. Mas então…
tudo começa a pegar fogo rapidamente, vejo as chamas começarem a consumir as cortinas, o
vento balança os panos, fazendo com que se alastram, eu encaro aquilo como um sinal, tinha que
acontecer.
Quando vejo o andar de cima ser consumido, disco o número dos bombeiros e aviso sobre o
incêndio, a janela lateral de onde é o escritório explode, mas Liam não sai dali.
Sempre soube o quanto minha relação com Heather é dolorida, mas agora sinto na pele o
quanto a distância tem me causado um desconforto e me arrependo por não ter dito a ela desde o
começo.
É disso que sinto raiva, de sentimentos novos que aparecem a cada momento que a atinjo de
forma negativa, é um desconforto no peito que parece rasgar.
Fecho as duas mãos em punhos e aperto, ficar longe dela é como um viciado em abstinência.
Nada supre o tempo que ficamos separados pelas mentiras, mas sua presença diariamente tem
reprimido essa dor constante do que perdemos.
Eu sinto todos os dias por não ter lutado antes.
Sinto toda hora quando abro meu livro e vejo que ali é tudo sobre ela, eu o chamo assim
porque ficará eternizado para mim em linhas e detalhes quem é Heather.
A sirene dos bombeiros soa cada vez mais perto, até que chegam e a metade do andar de
baixo já está em chamas, carros de polícias também se aproximam e eu me afasto, indo para
dentro de minha propriedade.
Quase escorrego na quantidade de óleo ali onde fica os carros.
— Que merda é essa, o que aconteceu? — Kairon diz saindo do carro. — Cadê Heather? Por
que seu olho está avermelhado?
Sem esperar uma resposta, ele se aproxima e tenta passar pelos policiais. Suor escorre pelo
seu rosto e o desespero é nítido.
— Minha irmã deve estar lá dentro, me soltem caralho. — Eu o vejo gritar e então chorar,
me aproximo e o puxo pelo ombro. — HEATHER.
— Calma, ela não tá aqui. — Puxo meu amigo para longe e ele limpa as lágrimas. — Ela
não está.
Kairon me encara com os olhos já inchados e respira aliviado.
— Tem um corpo aqui dentro — um dos bombeiros grita e ele me olha assustado.
Eu não falaria, mas também não precisaria. Kairon apenas concorda e se afasta.
— Aconteceu algo? Noemia mandou mensagem agora avisando que Heather apareceu lá —
Kairon comenta, enquanto guarda o celular.
— Nada, tudo no controle.
Ele volta a atenção para o trabalho dos bombeiros em terminar de apagar o fogo e eu vou até
seu carro. Sempre fiquei puto com a falta de atenção dele, seja nos jogos ou em conversas, ele
sempre se distrai fácil demais. Mas hoje é um dia que eu me sentia grato por isso.
Entro em seu carro e dou a ré, ele só percebe quando Ava chega buzinando e o alerta. Mas
quando tentam me seguir, um carro da polícia chega, os fechando.
Achei que passaria a madrugada indo para outra cidade, mas eu sempre saberia onde minha
rainha estava.
(Aos doze a no s de ida de)

— Posso me sentar ao seu lado? — a voz soa como uma melodia, mas não olho, continuo
olhando para tudo, menos para Louise parada ao meu lado.
Estou esperando Kairon sair para irmos ao futebol, ele esqueceu a mochila para trocar de
roupa pós treino, já que vamos ao boliche depois.
E bom, é meu aniversário e esperar em casa faria Eloah me achar e parabenizar. Isso
significa que me abraçaria e falaria um "eu te amo" que não me agrada. Isso nunca me agradou.
Então esperar no sofá da área externa dos Walker é mais interessante, mas me arrependo
agora vendo Louise.
— Sei que não gosta de aniversários, eu te entendo. — O sofá se mexe um pouco avisando
que ela se sentou, mesmo que eu nem a tenha olhado. — Eu também não gosto de aniversários,
isso significa que estou envelhecendo e esses pensamentos me fazem odiar a data.
Ela bufa uma risada e eu suspiro pesado, não gosto quando se aproximam tanto, já que gosto
do meu espaço. Louise limpa a garganta.
— Às vezes nossos pensamentos nos engolem, nos levam a lugares que não queremos, a
sempre esperarmos o pior… — dou uma espiada e a vejo olhando para frente. — E a fazer ou
pensar em algo que não devemos...
Louise me olha e eu desvio rapidamente para a frente, ela agora suspira.
— Estamos tão acostumados com coisas ruins que esquecemos as boas, devemos sempre
lembrar de todas as coisas boas à nossa volta, sensações... — Louise ri novamente. E por canto
de olho a vejo com algo na mão. — Ajuda se escrever sobre elas.
Olho totalmente para Louise, depois para o caderno de capa dura na cor preta. O plástico
ainda o envolvia e sua cor me chamou atenção, nunca tinha visto um assim.
Nunca gostei de falar com Louise ou de ter qualquer tipo de contato, eu sentia que ela
conseguiria escutar meus segredos mais sombrios ou saber o que eu estava pensando.
Desde que a vi pela primeira vez senti algo como... confiança.
— Seu presente, sei que fará bom uso. — Ela estende o objeto.
Olho com desdém, mas curioso para rasgar o plástico e ver como seria por dentro.
— Nada de bom acontece, serão folhas em branco.
— Observe mais e verá que não só acontece, mas sente também.
— Por que me presenteia em todos os meus aniversários se sabe que não gosto?
Ela sorri, é confortável.
— Tudo que dei a você foi muito útil. — Ela aponta para o anel de prata em meu dedo do
meio, presente dela do ano passado. — Te conheço como a palma de minha mão.
— Você não me conhece nada.
— Se surpreenderia com o quão bem te conheço — sussurra, desmanchando o sorriso. —
Feliz aniversário, monstrinho.
Louise coloca o diário ali, então se levanta e sai. Sem me dar tempo para pensar, escuto a
voz da garota que passei o dia observando brincar, como sempre faço, desde o dia em que ela
chegou.
Ela me deixa olhar tudo que faz e tem paciência em me explicar, mesmo que eu nem tenha
interesse, a deixo falar, é a única pessoa que a voz não me irrita.
Desde sua chegada, tudo mudou, ter ela aqui faz com que eu sinta ainda mais raiva, mas
também me afasta de pensamentos estranhos. Via Eloah em tudo, via Eloah nela.
Me incomodava alguém se parecer tanto com minha mãe em aparência, mas... ser tão
diferente.
Levanto na hora que a porta se abre e Heather me encara com seus grandes olhos verdes, seu
cabelo longo está preso em um rabo de cabalo. Louise tentava a vestir como uma princesa, mas
sempre gostou de suas calças jeans e blusas com seus desenhos favoritos.
— Oh, eu estava atrás de você o dia inteiro — ela diz animada, com um sorriso largo. —
Feliz aniversário, meu garoto.
Meu garoto.
Sinto um frio na barriga ao ouvir sua voz suave, e me arrepio um pouco, está frio. Ela não é
nada como Eloah, tão diferente até na forma que faz eu me sentir. É algo familiar. Como uma
memória fresca de quando a vi pela primeira vez.
— Estive ocupado e... Ham... Obrigado? — estranho, nunca me senti nervoso desse jeito.
Não costumo responder, na maioria das vezes a ignoro.
Algo de errado está acontecendo comigo. Eloah precisa checar se estou com febre, talvez
seja a piscina em dias frios que ela pediu para que eu não entrasse.
Ou as corridas na chuva nas quais Louise toda vez me colocava para casa. É uma virose, li
na capa do jornal que papai lia hoje sobre isso, crianças são as mais afetadas.
— Antes que você decida me ameaçar. — Kairon aparece, com as mãos levantadas em
rendição. — Eu não chamei Heather, ela decidiu ir e vai levar a garota da sapatilha.
— A loira louca?
— A loira louca e a Nono pirada, isso vai estragar meus planos de ser o melhor. — Elliot
vem até nós, já pronto e junto a Magnus. — Heather, você está banida de nosso grupo dos
homens.
Ela coloca a mão na boca e ri para ele, então sinto meu corpo ferver e encaro Elliot, não
gosto do que ela fez para ele. Dividir sua atenção não é algo bom para mim.
— Não temos um grupo dos homens — Kairon o lembra.
— E nem são ainda, mamãe disse que somos crianças — ela rebate.
— Como consegue me insultar dessa forma? Olhe, está começando a nascer barba. — Elliot
se aproxima de Heather e eu fico a sua frente, para que ele não se aproxime mais.
Nunca gostei da aproximação e nem intimidade que outras pessoas tinham com ela, isso eu
deixava claro para todos, ninguém devia estar próximo assim.
Eloah disse que isso era feio, já Louise disse para eu aprender a ter bons modos e não agir
assim.
Não escuto nenhuma das duas.
— Bom. — Elliot dá de ombros e se vira para Magnus. — A louca da sua irmã não vai me
vencer, vamos ser os primeiros a chegar e adiantar as pontuações.
— O Hades tem que ser o vencedor dessa noite — Heather chama sua atenção. — É
aniversário dele.
— Vocês esqueceram que ele é o Diabo, olhe… — Magnus diz e aponta para o livro no
banco. — Ele agora tem um livro preto de seitas, corram, Hades vai ganhar de qualquer jeito.
Os dois correm para dar a volta na casa, logo atrás vai Heather e Kairon. Olho para o livro
no banco, fico um bom tempo na indecisão de pegá-lo.
Mas eu corro, nunca pensei tanto, sempre esvaziei minha mente de tudo ao redor e hoje
pensei sobre coisas que nunca senti.

Pensei na mesma coisa por todo o tempo que fiquei com o pessoal, não conseguia parar de
observar Heather. Nada chamava mais minha atenção do que sua risada alta, ou quando se
distraía com tudo.
Eu tiro o livro de capa preta do plástico e o viro, observando sua capa dura e lisa, nada
escrito em seu exterior e isso me encanta. Mais parecia um livro de magia do que um com
páginas em branco, esperando que você diga o que aconteceu ou o que sente.
Não sei o que eu sinto, não sei por onde começar. Talvez: Sou Hades, tenho doze anos?
Mas o sorriso dela me vem à cabeça e me lembro o que precisa ser a primeira página,
somente dela, uma lembrança para mim.
Heather não é Eloah.
Leio de novo, de novo e de novo.
Folheando para a próxima página, penso o quanto isso pode ser uma bobagem e que James
não aprovaria, mas eu usaria mesmo assim.
Escrevo os detalhes de Heather na segunda folha, desde marcas de nascença até suas sardas
que estavam começando a desaparecer, a cor de seus cabelos, olhos e pele. Também detalho a
sensação de tocá-la, é macia e me arrepia, me faz querer estar cada vez mais perto mesmo que
sua aparência me lembre de Eloah.
Heather não é Eloah.
Escrevo novamente, vendo que meus pensamentos começavam a me puxar para o que me
motiva a me manter longe dela, mesmo querendo estar sempre por perto. Eu usaria isso como um
mantra e leria quantas vezes fosse necessário, a única garota que me entendia apenas com o olhar
seria a única a ter tudo de mim.
Eu poderia oferecer a ela o anel da sorte que Eloah sempre deixa no piano. Ele é brilhante e
lindo, chama atenção a quilômetros e, como todos dizem, existe apenas aquele em toda cidade, é
único, é como Heather.
Outro dia ouvi Kairon dizer a Noemia que a odeia, o vi puxar seu cabelo, implicando com
ela na aula e a fazendo chorar, até que Magnus viesse tirar satisfações.
Mas no fim do dia, ele confessava gostar dela...
— Não gosto de você — ele diz e Noemia sai correndo chorando.
— Ontem disse que ela é a garota que mais gosta e quer se casar. — Eu o lembro, enquanto
caminhamos em direção contrária.
A hora do lanche havia terminado e estamos um pouco atrasados, mas não me importo.
— Papai disse que se mulheres souberem que é seu ponto fraco, usariam isso contra você.
— Os homens de nossa família não são bons mesmo com conselhos. — Dou de ombros, não
gosto de Liam e muito menos de meu pai, James.
Mas nunca irei usá-los como espelho.
— Não posso fazer nada se você deixa Heather pisar nas suas bolas.
— Mas eu não gosto dela.
— Qual é, eu vejo que fica olhando para minha irmã. — Kairon revira os olhos, viramos o
corredor. — E ela também gosta de você.
— Eu já disse, não gosto dela — repito, mas começo a me interessar pelo assunto. — Como
sabe?
Ele balança o ombro em desdém e entramos para a aula, meu olhar vai para sua irmã
conversando ao lado da Loira que me tacou uma sapatilha semana passada e fez meu nariz
sangrar. Ava, a odeio e odeio ainda mais que seja tão próxima de Heather...
Mas foi a partir desse dia em que passei a reparar ainda mais em Heather, eu a observo por
gostar, por ela sempre me tirar do tédio, por ela ser a menina mais linda que já vi.
Folheio a terceira página, percebendo que a frente e o verso estão repletos de detalhes,
decido escrever a melodia de sua música favorita de Beethoven.
Descubro sempre algo a mais, mas desconfio que ela estava escutando apenas para chamar
minha atenção, já que nunca escutou músicas clássicas.
— Sabia que ia saber usá-lo. — Lentamente, levanto meu olhar para Louise entrando pela
porta da sala de jantar com seu vinho.
Louise e Eloah bebiam todas as sextas-feiras a noite, riam alto e, no outro dia, eu tinha que
olhar para o rosto de minha mãe com ressaca enquanto Louise movimentava seu mundo.
— Achei que minha mãe estivesse dormindo.
— Sua mãe está no décimo sono. A chame de Eloah, combina mais com ela, não a
envelhece tanto — responde e a vejo piscar com apenas um olho, então caminha até o piano.
— Ela sempre exige e James manda que eu a chame assim.
— E eles te tratam como filho para serem chamados de pai e mãe? Teriam que ser honrados
para serem chamados como tal.
— Eu acho que fazem tudo o que você faz a Kairon e Heather... — curioso, me atento a ela.
— Oh, meu monstrinho... Eles não fazem metade do que faço pelos meus, mas você também
é parte de mim. — Louise se encosta no piano. — Você é como um espelho meu, só que do zero.
— O quê?
— Eu e você somos iguais — sussurra, ela sorri como se isso fosse engraçado.
Então ela olha para o que está escrito na primeira linha.
"Amor."
— Uma criança de doze anos sabe o que é amor? — Louise dá um gole no líquido em sua
taça.
— Amor é Eloah e James juntos?
Se for, que coisa mais horrorosa.
Louise nega com um sorriso de canto esquisito, parece possuída como nos filmes de terror
que Heather assiste as vezes. Eu engulo, me ajeitando no banco.
Difícil eu sentir algo além de raiva, mas em alguns momentos tenho medo de tia Louise e
evito bastante sua companhia.
Quando Eloah bebe, ela dorme ou não consegue falar. Louise se torna mais poderosa do que
já é, ao meu ver, lá no fundo, talvez eu a observe mais do que quero.
Desde que escutei de James que ela manipulava todos, sinto a necessidade de fazer o
mesmo, mas ainda não sei o que isso significa. A biblioteca do pai de Ava sempre teve livros
assim, eu li uns até que enjoei deles.
Mas sempre senti curiosidade em tia Louise.
— E Liam te ama? — Seu olhar se acende ao me encarar, ela coloca a taça sob o piano, isso
o mancharia.
— Amar? Eu não aceito só isso. — Ela bufa uma risada. — É mais que isso, amar é história
para criança dormir acreditando que precisa disso para viver. Mas eu preciso de alguém que faça
tudo por mim, não tenha olhos para outras, seja imprevisível, mais como...
Seu olhar se perde no teclado, ela pressiona o dó até que ele fique distante. A luz do lado de
fora não ilumina quase nada normalmente, mas hoje o cômodo está quase todo iluminado.
Eu nunca sei por que ela sempre está aqui para mim, sempre aparecendo de surpresa, sempre
falando algo que minha mente fazia questão de guardar.
Nunca guardo nada para mim, mas o que ela fala, sim.
— Devoção — sussurro, ela me olha.
— Obsessão — diz enquanto se afasta da tecla e se apoia no piano. — Amor para uma
mulher como eu não é o suficiente, estou criando Heather para isso, mas... pena que o coração
bom dela esteja dificultando.
— Então nunca amou, por isso espera por mais? — Ela parece surpresa com a pergunta.
— Fui obcecada apenas por um, fiz mais do que pude para ser a única a ter algo dele, você é
esperto do jeito que sempre quis. — Louise aponta para mim. — Um dia vai entender.
— Entender o quê? — A encaro, sem expressar nada.
Eu já havia entendido, ela com certeza não estava falando de Liam. Mas eu não contaria que
entendi seus sinais, suas insinuações enquanto está uma bêbada nojenta como Eloah.
Louise então consegue ver melhor o que eu havia escrito, as cifras de uma das músicas de
Beethoven. Atenta, ela passa as pontas do seu dedo indicador na folha, sentindo o relevo que fiz
com a força da caneta.
Eu o fecho antes que termine.
— Moonlight Sonata. — Ela semicerra os olhos para mim. — Heather prefere mais Fur
Elise.
Seu dedo indicador desliza pelo meu ombro enquanto ela vai caminhando para a porta da
frente, o barulho de seu salto ecoa, avisando que ainda estava aqui.
Foi ela que me mostrou, sem querer, como eu devo ser com sua filha.
Eu sabia que existia algo além de gostar ou amar, algo que eu conseguia atingir. E Louise
me mostrou que há algo a mais, ela sentia isso, é... fascinante.
Nada se compararia com o quanto eu queria Heather só para mim, minha obsessão, devoção,
é isso.
Louise está ensinando isso a ela e eu darei, o que ela me pedisse, o quanto eu poderia
protegê-la. Eu faria.
Como um rei faz pela sua rainha,
Minha rainha.
(Atua lmente)

— Vai se foder, Kairon. — Meu ombro lateja quando o levanto para apontar o indicador ao
filha da puta na minha frente. — Você sabe que Louise não está naquela merda de clínica.
— Sei? Eles vivem distorcendo informações sobre ela estar ou não lá. — Agarro seu
pescoço com uma mão e o pressiono contra seu carro.
— Se acontecer algo, você vai ser o primeiro que vou matar e depois Ava — falo
entredentes e sinto as mãos de Noemia em meu ombro. Eu solto e a encaro, retirando suas mãos
de mim. — É bom continuar indo para a igreja e pedir que Deus prolongue a vida desse fodido.
— Você quer mesmo me ameaçar? Achou que eu ia impedir que ela fosse atrás de Louise
enquanto se trancava em casa com você?
— Pelo menos estava segura.
— Tá de sacanagem? Heather foi consumida pelos problemas de Louise e você facilitou
ainda mais quando decidiu não contar nada. — Kairon me empurrar, dou dois passos para trás
com as mãos fechadas. — Se tivesse contado a ela tudo que descobriu nesses anos por causa
dessa obsessão, você não a teria afasto de você.
Minha respiração é pesada e não deixo de encarar Kairon, que parece cego de raiva. Minha
vontade é estourar sua cabeça, mas o compreendo demais para não dar razão.
Tudo o que fiz foi por ela, mas parece que a coisa toda escapa entre meus dedos. Louise
disse que essa era a forma mais intensa de se oferecer a alguém, foi a única que me ensinou e
mostrou.
Mas da mesma forma que saiu de seu controle, tem saído do meu também.
— Você sabia das mesmas coisas que eu, por que não contou? — olho para ele, que me
encara incrédulo.
— Porque ela sempre quis saber isso de você.
— Até um tempo atrás ela não me olhava nos olhos e muito menos permanecia no mesmo
lugar que eu, isso não faz sentido nem na porra da tua cabeça. — Caminho até o carro novamente
e pego meu celular. — Todos temos culpa de ter escondido tudo isso, mas Louise faz merda por
todo lugar.
— A genética dela é forte, já que você causa o mesmo que ela por onde passa — Kairon fala
enquanto leva Noemia para dentro. — Você fez o mesmo ciclo dela.
Aquilo me acertou em cheio, ser comparado àqueles que nos destruíram. Sempre evitei
sentir demais, e agora, estou sufocando com isso.
Eu estive, durante anos, amando tanto alguém que não queria meu amor... afastei aquele que
me ama, mas que foi tão privado desse sentimento que não o reconhece mais. Mas mal sabe
Hades que me ama, sempre me amou. Abandonou seus demônios para lidar com os meus e me
sinto até egoísta por isso, mas tem pessoas que preferem lidar do seu jeito com seu passado.
Hades é intenso o suficiente para não enxergar nada ao seu redor, focado em apenas um
objetivo, e esse foi me ter ao seu lado.
Olho o percurso no GPS de Ava, quanto mais perto, mais meu coração acelera. O dia já
passa das dez da manhã e, pelo que sabemos, o horário de visitas no hospital já começou. Minhas
mãos suavam e a todo minuto tenho que secá-las na blusa, a ansiedade iria me consumir.
A presença de Louise nunca me deixou nervosa, mas quando se descobre coisas sobre a
pessoa que te criou e se passa meses sem vê-la, a ansiedade toma conta de toda sua cabeça,
imaginando cenários, como também passa a justificar o que ela tem feito. Saber de tudo que
Louise fez e ter ciência de que logo depois foi embora, sem nenhuma explicação, ela decidiu que
faria tudo para se livrar.
Ela me deixou afundar sozinha.
Louise não merece nada de mim ou de Hades.
Então por que ainda estava fazendo tudo isso? Eu poderia voltar agora para Hades e deixar
para lá, mas eu não conseguiria deitar minha cabeça no travesseiro e esquecer o que me foi
escondido. Preciso de respostas e ela é a única a me dar isso.
O único arrependimento que vou carregar por bons anos, ou minha vida inteira, é o de ter
implorado por algo que não era para mim e de alguém que me culpava pelo que eu não tinha
controle. Eu ignorei todos os sinais de Liam querendo que fosse apenas uma má fase, mas
passada da pior forma. Agora ele está morto, não causará mais dor em vida.
— Chegamos. — Desperto de meus pensamentos com a voz calma de Ava e olho em volta.
É um terreno enorme com um jardim muito bem cuidado, um caminho de pedrinhas em um
túnel de árvores de onde dá para ver a entrada do hospital, isso mais parece um spa, aqui nada se
parecia com uma ala psiquiátrica. Meus olhos se arregalam, lembrando desse lugar, eu já estive
aqui.
Alguns pacientes já estão caminhando acompanhados ao lado de fora, a área verde parece
realmente infinita. Ava retorna lentamente o carro na fonte de frente para a entrada. O verde e a
calmaria dão um ar leve, mas mesmo assim a sensação ruim de estar nesse lugar não sai de mim.
Mamãe mereceu tanto ter sido colocada aqui? É por isso que viemos fazer doações a esse lugar,
Louise já morou aqui.
Tudo se conecta, não sabia o seu nome, mas isso me despertou memórias e o lugar parece
até o mesmo de anos atrás, nem sua cor mudou
— Eu te espero no carro. — Olho para Ava que acaricia minha mão. — Ou, se preferir,
entro com você.
— Não precisa, é uma conversa rápida.
Abro a porta e saio, não deixo de observar as janelas grandes e de madeira, não possuía dois
andares, é como se fosse uma longa casa. Todas as janelas possuem grades, portas duplas e
enormes também sinalizam a entrada.
Eu sinto meu coração quase sair pela boca a cada passo que dou, a cada degrau da escada
que subo, penso novamente em voltar para casa e esquecer tudo isso. Seria demais para mim?
Estou pronta para o que vem assim que passar dessa porta? Não posso ser uma covarde para
sempre. Mas eu já fiz tanto para descobrir a verdade que não valeria a pena voltar agora, tudo foi
doloroso demais para eu desistir agora sem mais nem menos.
— Olá — a recepcionista chama minha atenção. — Como posso ajudá-la?
Eu me aproximo do balcão, ela tem a expressão serena, cabelo preso em um coque e as
roupas brancas. Linhas de expressão denunciam que seja bem mais velha, lá para a casa dos
sessenta, talvez tenha conhecido a Louise.
Quando viemos fazer a doação, não cheguei a entrar e a esperei no carro. A parte interior
parece a sala de espera para uma consulta, há bancos enfileirados e uma televisão passando
algum filme que não presto atenção. Tudo em branco e um verde-claro, extremamente silencioso
e limpo.
— Olá, me chamo Heather — minha voz sai embargada, ela me olha com ternura. — Eu
vim visitar Louise Walker.
— Me chame de Donna. Louise Walker? Estranho. — A mulher se levanta e anda até um
armário ao fundo da sala.
Ela o abre e passa o dedo pelas pastas brancas, uma por uma, fileira por fileira. Batuco a
ponta de minhas unhas no galpão em um nervosismo que cresce cada vez mais forte enquanto
olho para tudo ao redor, ansiosa para o que vem a seguir. Almejo esse encontro, mas quanto mais
se aproxima, mais esqueço o que devo perguntar
— Querida. — Minha unha quebra com a força que eu batia contra a madeira, olho para a
mulher. — Ela foi embora há algumas semanas, é curioso ver que foi com mesma pessoa que a
buscou na primeira vez.
Meu coração acelera, mais do que já estava, tento não fazer expressões que dedurem minha
surpresa.
— Imagino que era uma familiar minha, Eloah, não é? — Dou tudo de mim para ser natural
nessa conversa. Mas eu, de certa forma, via que não foi Eloah. — Eu devo ter me confundido
então quando ela comentou que viria procurá-la.
— Eloah? Lembro bem esse nome, chegou aqui por acaso e Louise chegou dois anos depois,
me admira que hoje em dia se deem bem. — A mulher se senta devagar com a pasta em mãos.
— Elas não se davam bem?
— Brigavam muito por coisas que a Louise recebia dos pais e Eloah não, mas viravam
cúmplices em todas as vezes que fugiram da clínica. — Donna folheia a pasta lentamente. — As
fugas se deram logo após a morte dos pais de Louise aos dezoito anos.
Lembro das vezes que as vi tendo algum embate, parecia que ambas sempre se controlavam
para evitar dizer ou fazer demais. Eloah sempre abaixando a cabeça, evitando tudo que talvez
Louise pudesse falar. Elas realmente tiveram um passado juntas, elas realmente tinham segredos,
e isso foi aqui.
— E por que elas vieram para cá?
— Como eu disse, Eloah foi encontrada por acaso na porta da clínica aos quatorze anos e
mais tarde descobriu que vinha de um orfanato. Sem vestígios do passado, então foi criada pelas
freiras de lá. — Donna me entrega uma foto amarelada, provavelmente é Eloah. — Foi
diagnosticada na época com mitomania
Eu engulo com dificuldade minha saliva quando ela conta sobre o diagnóstico. Quando
presto atenção a foto, percebo o quanto eu sou idêntica a ela. Seus braços estão para trás, como
se estivesse tímida para a foto, um pequeno sorriso se forma no canto de seus lábios, o cabelo
preso em um coque e a franja cai quase em seus olhos. Usava uma camisola branca que ia até um
pouco depois dos joelhos.
— Nessa foto ela tinha quinze anos, e nesse dia passou no teste para competir no Rugby, que
era o esporte que a clínica apoiava, ela se apaixonou por esse bate-bate. — Estava vidrada na
foto, queria levá-la comigo.
Minha vida toda procurei semelhanças em alguém que não tinha meu sangue, nem mesmo
um fio de cabelo ou jeitos. Até alguns de seus gostos passaram para mim. Mas eu não sou Eloah,
me pareço com ela, mas não me igualo.
— E Louise? — a voz sai quase em uma sussurrada. Donna me encara. Então empurra para
mim uma foto de Louise.
Aqui ela parecia já uma adolescente, seus cabelos loiros estavam bem grandes e, mesmo
sentada, eles chegavam até metade de sua barriga, a camisola branca ela também vestia, mas seu
olhar e sorriso era cínico. Como em todas as fotos da nossa casa, nada de diferente, fiquei cega
por ela, todos ficaram.
— Louise veio para cá aos dezessete anos, seus pais a internaram aqui após ela perseguir e
sequestrar o treinador do futebol americano de sua faculdade. — Minha boca aos poucos se abre,
extremamente assustada com isso. — Era uma boa garota, saiu sem ter um diagnóstico já que o
homem levou as duas um ano depois que Louise chegou e alguns meses da morte de seus pais.
Eu não conseguia assimilar tanta coisa junta, respirava até com dificuldade enquanto meu
olhar vagava por tudo. Mas algo me tira desse transe com suas últimas palavras se repetindo em
minha cabeça. Um homem veio buscá-las, pela segunda vez veio por Louise.
— E se lembra qual o nome dele?
— Se não me falhe a memória. — Ela massageia a têmpora e ajeita seus óculos. Então estala
os dedos. — Sebastian Scott, buscou as duas na primeira vez e depois veio buscar Louise.
Não consigo respirar, meu corpo está gelado. Estou em pé, encostada no balcão, e sinto
minhas pernas quase cederem, minha cabeça dá voltas, eu realmente não consigo respirar direito.
Não consigo me mexer.
O que Louise faz ao lado de dois homens como eles? A terceira pessoa é ele, é dele que elas
fugiram, é ele que Eloah disse que estava chegando, é dele que Liam falava do jantar. Agora me
faz ter certeza de que a pessoa no escritório de Liam era ele, ele sempre esteve por perto, sempre.
— Querida? — Donna toca minha mão e eu desperto. — Quer uma água ou café? Está
gelada, seus lábios estão brancos.
Eu tento negar, mas o desespero toma conta de mim, a mulher não espera e sai para buscar a
água, deixando a pasta aberta, as fotos estavam ali. Com as mãos trêmulas, me estico e pego as
fotos das duas com a roupa da clínica e escondo em meu sutiã, eu levaria isso para Hades ver.
Então saio dali o mais rápido que consigo e sem alarmar os enfermeiros que ali passavam com os
pacientes, quando chego no estacionamento não muito longe da entrada, procurado pelo carro de
Ava, estava entre dois carros pretos e o dela, branco, se destacava, então apresso ainda mais
meus passos.
Puxo ar antes de abrir a porta que, de primeira está trancada, bato no vidro escuro para
avisá-la e espero que destrave. Assim que faz, eu entro e fecho a porta, escondendo meu rosto em
minhas mãos, é muita coisa para mim. Onde Louise está e por que fez tudo isso? Saber que ela
veio daqui é o de menos, nem aqui eles tinham tanta informação sobre elas, já que tudo acontece
depois que saíram.
Limpo uma lágrima que cai e olho para frente, pela visão periférica vejo alguém com uma
roupa preta se mexendo. Ava não estava assim, ela usa rosa. Paraliso, olhando para frente, sem
ter coragem de encarar o que está por vir, não consigo pensar em nada, não tinha mais o que
fazer.
Lentamente, eu viro a cabeça para o lado do motorista, uma parte minha já sabe quem é,
meus lábios tremem e o vejo sorrindo para mim.
— Não é nada pessoal, Tinker. — Tudo escurece com a pancada que levo contra o vidro.
Meus olhos estão extremamente pesados, o lado esquerdo da minha cabeça dói tanto que eu
poderia arrancá-la. O chão é quente, parece algo peludo já que sinto meu braço pinicar, mas
meus olhos permanecem fechados.
Tento voltar a dormir, achando que a dor de cabeça se dá por ter dormido pouco, mas
desperto rapidamente, lembrando do que aconteceu para eu estar nesse estado. Minha boca está
seca, mas minhas mãos e pés estão soltos. Ainda deitada, olho todo o ambiente. O lugar tem vista
para a cidade, é uma cobertura, não havia quase nenhum móvel, apenas um sofá branco e
algumas caixas perto da porta e na ilha da cozinha. Me sento e percebo que isso parece uma
cópia do apartamento de Peter, essa rua que estou tendo a vista fica atrás do prédio dele. Minha
cabeça dá uma fisgada e, quando levo o dedo ao local, algo seco está preso em meus cabelos.
— Que merda é essa? — sussurro, massageando onde sinto dor.
Barulhos de salto vem do andar de cima e eu paro, está cada vez mais próximo, a sala está
sendo iluminada pelas luzes de fora. O barulho chega na escada e a luz forte se acende no
cômodo inteiro, eu fecho os olhos com a claridade repentina e os esfrego para me acostumar
melhor. É então que, com a vista embaçada, vejo uma mulher loira de branco, parada a alguns
metros de mim, eu congelo quando minha vista vai se acostumando. Não conseguia sequer me
mover, por um momento achei que minha alma havia saído de meu corpo.
Um soluço arranha minha garganta, não sinto minhas pernas e sendo sincera...
Não sinto nada.
— Que saudade eu senti da minha garotinha — sua voz é doce e calma, nada de diferente.
— Minha nem tão doce garotinha.
Respiro com dificuldade, tentando me trazer de volta para a realidade e percebendo o quanto
sua presença diminui cada vez mais minha vontade de estar nela, meu estômago se embrulha e a
saudade morre em vê-la. Mas isso cai por terra quando minha mente me sabota apenas por
escutar a forma que ela me chamava, isso me remete a lembranças boas, de tudo que ela sempre
foi para mim, eu queria correr e abraçar Louise, nunca mais soltá-la.
Mas essa não é a situação certa e eu não cederia a isso, ela não merecia.
Sinto uma lágrima deslizar pela minha bochecha e outro soluço me escapa com a imagem de
mamãe no último degrau da escada.
— Não quer me dar um abraço? — Ela abre os braços, seu rosto angelical em um quase
sorriso. Então ela sorri e me lembro da foto na clínica, é o mesmo sorriso, nada de diferente. Eu
correria para o lugar que sempre considerei minha casa, que eram nos abraços dela, eram.
Louise usa uma calça branca e um blazer da mesma cor, a blusa por baixo é um azul bebê, e
saltos da mesma cor, seu cabelo está solto. Linda e elegante como sempre, como eu sempre
almejei ser. Hoje quero ser bem diferente disso. Diferente de tudo que ela representa.
— Não, estou bem aqui. — É tudo que consigo responder.
— Acredito que esteja malcriada dessa forma pelo que “Donna: A fofoqueira” disse a você,
certo? — diz despreocupada e estende as mãos para o lado, então vejo Cole descer e me afasto.
— O que ele está fazendo aqui? — aumento o tom de voz, indignada.
Ele coloca duas folhas amassadas na mão dela e eu percebo que são as que peguei com a
recepcionista.
— Tem me ajudado. — Ela agarra as folhas e Cole sorri para mim.
Ele vem andando na minha direção, eu dou alguns passos para trás com medo.
— Não sou nenhum idiota para deixar que você leve o que é meu por direito, achou mesmo
que iria levar mais da metade da herança com você? — Ele ri, sádico, eu o encaro confusa.
— Está louco? Não sei do que você está falando, nunca quis nada seu.
— Sabe e quis sim, ia jantar com nosso pai para ser apresentada como mais uma herdeira já
que ele pagou para ter você novamente, mas ainda bem que você e seu namoradinho de merda
sempre estragam tudo, e você não apareceu.
— N-Nosso p-pai? Não, não mesmo. — Eu me afasto em choque. Isso não, tudo menos isso.
— Eu fui a boate porque Louise disse que precisava de você viva, então poderíamos dividir
o dinheiro que já estava destinado a você, te segui todo esse tempo, mas você estava sendo
seguida por outro… — Ele balança a cabeça, frustrado. — Você é difícil de ter acesso, nem
mesmo quando Dylan, meu irmão, foi atrás de você na casa daquele senador deu certo
— Hades sempre complicando os planos — Louise diz calma ao fundo e Cole concorda.
— Esse que quebrou minhas pernas, naquela noite, Dylan me ajudou, mas depois caiu fora,
já que se apaixonou pelo seu amigo. O trabalho sujo ficou para mim e Louise me falava o que
fazer — fala com orgulho, olho para ela, que se mantém com expressão neutra. — E adivinha?
Seu amigo Elliot, que sempre foi apaixonado por você, ajudou em tudo, ele via tudo de dentro e
assim eu conseguia saber onde você estava.
Não prendo mais uma lágrima, sabendo que fui traída por uma pessoa que cresceu comigo,
que sempre esteve ali, seja com suas palhaçadas ou conselhos. Hades o considera como um
irmão e ele decidiu isso por uma paixão?
— Elliot nunca foi apaixonado por mim, ele tinha a Ava — rebato, limpando as lágrimas.
— Ele nunca ligou para aquela louca, fachada para ficar perto de você — Cole diz com
convicção, seu olhar vai para a porta e eu acompanho, vendo Elliot entrar. — Conte a ela o
quanto você sempre foi apaixonado e topou tirar seu amigo do caminho.
Indignada, eu encaro Elliot que dá de ombros.
— Lá no fundo, Heather sempre soube. Quando falei sobre ficarmos juntos, não era uma
brincadeira, na floresta, eu te segui também, mas vi Hades se aproximando e mudei a rota indo
até Ava — ele diz com tranquilidade e caminho até ficar atrás de Louise, se apoiando na ilha. —
Quem gravou o vídeo, entregou para seu pai em nome do Hades fui eu, ele comentou sobre um
celular e eu peguei de volta. Tudo bem na sua frente, Tinker, e você não viu.
Estou apenas parada, escutando tudo, não sei se me surpreende mais depois de tudo que foi
dito só aqui, é melhor a avalanche de informações ser de uma vez, a dor é apenas uma.
— A verdade está sendo dita e quero logo acabar com isso. — Cole joga as mãos para o ar.
— Foi um pesadelo saber que você é minha irmã, foi pior ainda ver que ele sempre te quis, que
ele só me usava para esconder Dylan — diz com raiva, enquanto se aproxima. — Pensei em
matá-lo, mas prefiro ir até você. Sebastian Scott não precisa de mais um herdeiro.
Me afasto o suficiente para ficar o mais longe possível de Cole,
— Eu não quero nada de Sebastian. Cole, não faça isso. — Eu imploro, depois olho para
Louise, que nada expressa, muito menos Elliot.
Desvio o olhar deles em pânico, à procura de algo para o acertar, ou para, pelo menos, o
parar ali e conseguir tempo para sair desse maldito lugar, mas o apartamento não tinha quase
nada. Então é aqui que vou morrer? Fugi da ganância de Liam e James, para morrer na de Cole?
Tudo piora, ser morta por um irmão, ser filha de um homem que não conheço. Fecho os olhos
apenas esperando o pior.
Um som alto ecoa e permaneço como estou, prendo a respiração quando escuto o baque de
alguém caindo próximo a mim, que é audível, mas não quero abrir meus olhos, ele deve ter
matado Louise, ou ter me matado e eu estou já fora do corpo.
— Homens são sempre manipuláveis, ainda mais os ambiciosos, filha. — Agora não sei se
me desespero de estar com ela ou me tranquilizo. Eu abro os olhos, vejo Cole caído de bruços na
minha frente, estou me tremendo.
— Não me chame de filha, você mentiu para mim. — A encaro, ela dá alguns passos até a
janela. — Mentiu sobre tudo, nada era verdade, eu sempre paguei o preço de vocês.
Aponto para Louise, sinto meu rosto queimar de raiva enquanto aumento a voz.
— Anos com um homem que me odeia, me reprimindo dentro da minha própria casa. —
Meu olhar fica perdido, mas a encontro. — Você me deixou lá depois de me criar apenas para
ver o que você queria.
— Nem sempre foi assim — Louise apenas diz.
— Sempre foi assim.
— Ele só passou a desconfiar e logo descobriu a verdade quando você tinha dez anos. Eloah
ficou bêbada e acabou soltando suas frustrações — ela diz com desgosto, enquanto olha para
fora. — Liam descobriu que não é filha dele e muito menos minha, ficou ainda mais irado
quando descobriu que você é fruto de Eloah e Sebastian.
— Por que ela fez isso?
— James a traiu comigo no casamento deles, nisso veio a gravidez de Hades e, com raiva,
ela procurou Sebastian para chorar. Bom, eles se envolveram demais e ela engravidou, mentiu
sobre ser de James, ela sempre mentia, por tudo, até quando a verdade era conveniente. —
Louise balança a cabeça, então me lembro do diagnóstico de Eloah: Mitomaníaca. — Tínhamos
nosso grande plano de tirar de James tudo que ele tinha quando ele propôs a trocar os bebês,
precisava de um herdeiro homem e eu me apaixonei por você em seu nascimento.
A última frase ela diz com brilho nos olhos, como se isso anulasse tudo que aconteceu.
— A troca foi por causa de James, que depois abusou do seu filho?
— Soube dos abusos pelo Hades há um mês, quando eu apenas desconfiava, tentei atropelar
James ano passado. Mas quando tive a certeza, eu o… matei, assim como fiz com Liam e Eloah.
— Estou atenta, mal consigo respirar, não me movo e muito menos pisco. — Elliot tirou o
cadeado do porão e deixou aberto para que você a encontrasse, depois pedi que ele a trouxesse e
limpasse tudo lá, Eloah não ia mais ficar quieta e precisei matá-la.
Ela dá uma pausa, eu olho para Elliot que mexe despreocupado no celular, não tem um
pingo de arrependimento no que ele está fazendo.
— Quando vi pelas câmeras que Hades estava descontrolado, colocando gasolina por toda
minha linda casa, aproveitei que Cole já estava por perto por ter cortado o freio do carro de
James, pedi que entrasse em minha casa pelos fundos e começasse o incêndio. — Louise aponta
para sua cabeça. — Tudo veio ao meu favor, minha filha.
— Por que fugiu se tudo estava ao seu favor?
Louise me olha com ternura, parece se conter para não vir me abraçar, mas não dou
confiança para isso e prefiro essa distância. Seu olhar vai para a porta, ela se abre e me afasto até
encostar na parede.
— Ela achou que poderia me enganar outra vez — uma voz grave toma conta do ambiente e
eu me encolho contra a parede. É quando Sebastian caminha até metade da sala e mexe com o pé
em seu filho. — Como pode um filho se virar contra seu pai dessa forma?
Por um momento, ele parece triste, mas pensativo enquanto observa seu filho desfalecido no
chão e uma poça se formar ali. Meu estômago se embrulha quando minha atenção volta a isso
novamente, a ânsia sobe em minha garganta e levo a mão na boca.
— Tire o corpo da sala, Elliot — Louise manda, e ele faz isso rápido. Eu engulo a seco, não
estou mais reconhecendo Elliot. — Continue com seu discurso passado, Sebastian, conte também
por que fugi de você.
Ela gesticula, revirando os olhos. Percebo que realmente não se dão bem, nem mesmo nessa
situação.
— Ver você foi a certeza de que não era filha dela e sim de Eloah, em uma breve conversa
com James descobri a aversão que ele tinha a você e então todos os pontos se encaixam —
Sebastian diz calmo. — Liam deu com a língua nos dentes e confirmou após eu pagar uma
quantia grande para te ter de volta.
O homem se aproxima, mas para quando estremeço.
— Você foi escondida de mim, desde que nasceu viveu isolada até os seis anos para que eu
não encontrasse vestígios seus. — Eu mal tenho memórias de antes dos seis anos. — Você foi
fruto de uma vingança, Liam e James te odiavam por isso e a mulher que te criou nutriu uma
obsessão por você, e quem deveria ser sua mãe sempre foi fraca demais pra isso.
Eu olho para Louise e ela desvia o olhar para o lado de fora, não desmente nada que
Sebastian está me dizendo e muito menos dá atenção ao que ele fala. Então isso tudo é verdade,
eu nunca fui aceita pelos seus maridos por um erro delas.
— Isso não podia ser evitado se vocês fossem normais e ficassem com quem queriam? — eu
pergunto com raiva. Nossa atenção é desviada quando Elliot desce as escadas, ofegante.
— Hades nos achou e… — O estrondo da porta sendo quebrada o interrompe, eu me agacho
com o susto.
Hades aparece suado e com os olhos arregalados. Cego, ele me procura com o olhar pela
sala e, quando me vê no canto, sua expressão suaviza instantaneamente. Ele corre até mim e me
abraça, me beija, me cheira e eu faço o mesmo. Meus lábios tremem e a vontade de chorar é
incontrolável, ele está aqui por mim, ele sempre estaria aqui por mim.
— Ótimo, a despedida de vocês vai ser aqui e agora. — Simultaneamente olhamos para
Sebastian, que nos encara. — Heather volta para a Rússia comigo e sozinha.
Nós dois olhamos assustados para ele, eu sinto Hades me soltar e cerrar os punhos, mas eu o
seguro, trazendo-o para mim. Ele não pode fazer isso, eu nem o conheço.
— Não, eu sou maior de idade agora. — Me levanto, falando com Sebastian. — Não pode
me obrigar.
— Nem fodendo. — Hades bufa uma risada.
— Eu posso, posso fazer o que eu quiser e você vai comigo — Sebastian diz, me olhando
cínico.
— No dia da luta, você já sabia quem eu era — Hades relembra.
— Você achou mesmo que ia conseguir me enganar? Solte ela, já vamos.
Um click chama nossa atenção, e é então que percebemos Louise apontando a arma que
usou para matar Cole, para Sebastian. Ele junta as sobrancelhas, confuso, então coloca as mãos
dentro de seu bolso. A troca de olhares pode ser capaz de fuzilar um deles, Louise não vacila e
ele muito menos, é como se a desafiasse.
— Já passamos dessa fase de ameaças, Louise. — Ele parece convencido de que ela não
faria nada.
— Conte. Por quê. Fugi — ordena pausadamente, entredentes, mostrando que está furiosa
enquanto segura firma na arma com as duas mãos.
Eu olho para Hades, que parece estar distante do que eles estão fazendo e parece estar…
triste. Então vejo que ele olha para Elliot, que mantém a cabeça baixa e as mãos no bolso, talvez
agora, com a presença de Hades, ele tenha percebido o grande erro. Meu garoto mal pisca, assim
como eu, não consegue entender o porquê uma pessoa que cresceu ao seu lado, tenha escolhido
nos prejudicar.
Elliot sabia de todos os segredos de Hades, andavam lado a lado. Eu aliso o ombro de
Hades, que está tenso, mas relaxa ao meu toque, confortá-lo de que perdeu seu melhor amigo é a
única coisa que posso fazer.
— Achei que tivesse superado isso tudo, Louise — a voz de Sebastian chama minha
atenção.
— Superado o quê? O abuso? — Ela solta uma risada forçada. — Se tem algo que não eu
supero e muito menos esqueço, são seus gemidos no meu ouvido na primeira noite que passamos
fora da Clínica. Você sempre soube que Eloah te queria, mas decidiu me forçar a transar com
você.
Arregalo os olhos na direção de Louise, a expressão de Hades cai ao saber disso.
— Me casei com Liam às pressas por isso, para viver longe de você, mesmo que eu tenha
me apaixonado por James antes, nas vezes que fugia da Clínica. Pensei em Eloah, pensei que ela
merecia uma vida boa, mas foi uma vadia burra do caralho em depois se entregar para você —
ela cospe as palavras com raiva.
Então foi um gatilho para ela matar de vez James, aquele que ela amou, mas não o amava
mais que aos seus princípios e o matou quando descobriu sobre o que fazia com seu filho. Louise
tinha um motivo para fugir antes e teve um para fugir agora. Meu coração se aperta em ver seu
estado, ela não chora, mas agora não está mais tão controlada como quando acordei.
Todos estão perplexos com o que ela diz, eu agora sinto mais pena do que raiva em saber
que tudo não passou de uma forma para que ela sobrevivesse e me fizesse viver bem dentro do
possível. Talvez, se Sebastian tivesse me achado, eu nem estaria aqui hoje em dia.
Nem sempre ela foi a vilã.
— Você já levou metade da minha vida. Não vai levar a minha Heather — continua, ela
aperta algo na ponta de cima da arma com o seu dedão.
Hades me abraça, escondendo meu rosto em seu peito e tampando meus ouvidos. É como se
diminuísse mais o barulho, mas o desespero toma conta de mim e eu agarro a blusa dele em um
choro incontrolável. Tudo acontece muito rápido, imagino o quanto ela esperou para fazer isso,
já que fugiu quase a vida toda desse homem.
Louise já não era estável e, quando ele a tirou da Clínica, piorou ainda mais. Talvez se
apegasse ao que a distraísse, o que enchia a mente dela para que não pensasse nisso e viu a
oportunidade em mentir para os maridos, ela precisava deixar o passado para trás.
Quando levanto a cabeça e olho para ela, consigo ler em seus lábios um “eu te amo” e tudo
vira uma bagunça, a polícia entra com tudo no apartamento e derruba tanto ela, quanto Elliot no
chão. É tudo muito rápido e travo meus pés quando Hades me puxa na direção contrária, vejo
Louise pela última vez, então ele me pega no colo, passando pelo senador Mackenzie.
— Ela se machucou? — ele pergunta por nós no corredor, me assusto com a quantidade de
policiais que passam pela gente. — Ainda bem, nos ligaram a tempo, tinha homens do Sebastian
subindo pela escada. Vão para a minha casa, Ava e Katherine os esperam.
Hades me coloca no chão e se aproxima do senador.
— Não ligamos, ninguém ali dentro ligou.
— Eu sei, foi Peter que ligou. — Ele aponta para atrás de nós.
Não penso duas vezes em ir até Peter, que me recebe com um abraço apertado.
— Muito obrigada, você foi perfeito. — Me afasto e reparo em sua mala no chão. — O que
houve?
— Férias com o meu namorado. — Peter sorri, mas seu sorriso desmancha quando Hades
coloca a mão em minha cintura. — Estou indo.
Peter se vira e eu olho para Hades por cima do ombro, parece que entende o que tem que ser
feito e engole o orgulho.
— Obrigada por ter me ligado e ligado para a polícia, salvou Heather com isso. — Arqueio
uma sobrancelha para Peter, que agora sorri abertamente.
— O quê? — São as únicas palavras que saem da minha boca.
— Eu vi Elliot pela câmera depois de escutar o primeiro tiro. — Ele aponta para ela em cima
da porta. — Consegui o número dele no grupo do colégio, enfim, estou indo para bem longe
dessa loucura e espero que façam isso em breve. Até mais.
(Três Meses Depo is)

Hoje acontece o julgamento de Louise e Elliot, decidimos vir para bem longe de Oakland.
Desde o que aconteceu, viemos para a casa de praia em Greenport. O senador Mackenzie ficou
de ajeitar todos os documentos e disse que, em breve o valor do testamento é liberador, ele está
correndo com os advogados para conseguirmos todo o nosso dinheiro.
É diferente quando finalmente a verdade vem à tona e você não tem mais com o que se
preocupar, não tem mais ninguém à sua volta para tentar algo contra você. Eu quero sentir raiva
de Louise, mas não consigo. Foi tudo com um propósito e por um trauma que ela carregou por
anos. Isso não a isenta da culpa, ela matou pessoas.
Mas são os motivos que me fazem repensar se ela foi uma pessoa ruim. Às vezes, as atitudes
dos outros, faz com que tomemos ações de que não gostamos, isso tudo por sobrevivência. É, foi
isso o que aconteceu, Louise foi um reflexo de tudo que fizeram com ela.
— Prometeu não ficar pensando tanto sobre o dia de hoje. — Hades alisa meu cabelo,
enquanto me aninho mais em seu colo. Decidimos deitar na rede que está de frente para o mar,
enquanto o vento nos refresca.
— Só preciso de um tempo para esvaziar a cabeça. — Eu observo seu rosto, a expressão
neutra como sempre.
— Não pense tanto sobre isso, finalmente nos libertamos deles. — Ele diz e eu sorrio sem
mostrar os dentes, levanto a cabeça e lhe dou um selinho demorado.
Sempre achei assustador viver longe de Louise, me causava pânico já que pensei que não
conseguiria viver sem ela, até mesmo me incomodava o fato de ir para faculdade, porque eu
sabia que iríamos ficar distantes. Mas quando aconteceu, serviu mais para ver que eu conseguiria
sim, no começo não soube nada lidar com a sua ausência, doeu tanto que eu achava que nunca
iria passar.
Foi então que, junto com a verdade, veio a cura para toda essa dor, e a certeza que a
distância foi o melhor, tanto para mim, quanto para ela. Mas sei que Louise foi o karma de todas
as pessoas ruins que passaram pela nossa vida.
Achei que não pudesse ser amada como ela me amou, que não conseguiria metade daquilo.
Mas vejo que tenho mais que isso com Hades ao meu lado. Não tenho como ficar com raiva de
tudo que ele fez, não sabíamos o quão fundo eram os segredos, mas fico feliz por isso não ter
interferido em nada sobre nós.
Me sento na rede quando Hades se levanta e caminha até os limites do Deck. Tenho sorte,
mesmo com toda sua intensidade que acaba as vezes nos machucando, eu sempre tive sorte de ter
ele comigo. Poderia observá-lo para sempre e nunca enjoaria, não existe lugar melhor do que ele.
— Onde você vai? — pergunto quando o vejo voltar para dentro de casa. Hades não me
responde.
O sol já está quase se pondo, o alaranjado no céu sumindo e a praia escurecendo. Não
percebi o quanto a hora tinha passado rápido, e nem vejo movimentação dentro de casa. Onde
caralhos Hades se enfiou?
Eu me levanto e, descalça, entro lentamente em casa. Para apenas nós dois, ela é enorme,
mas foi a mais distante que o senador tinha para nos emprestar. A porta da frente e a de trás são
duplas de vidro, toda a casa é em conceito aberto, tudo em madeira, até os sofás que usam
almofadas para que não sentem no duro, sua cor sempre entre o creme e o branco. Olhando assim
não parece de alto padrão, mas só pelo lugar em que estamos, ela com certeza é.
A cozinha e sala de jantar ficam de frente uma para outra, e mais para frente da casa, fica a
sala, do outro lado esquerdo, fica onde criamos o costume de jantar juntos.
— Hades? — Um vento forte sopra atrás de mim e eu rapidamente me viro para fechar a
porta, cessando o barulho de fora. — Isso não tem graça.
Caminho até o outro lado e paro na ponta de escada, olhando para o andar de cima, que tem
uma luz acessa, e provavelmente é onde dormimos. Sinto meu coração quase pular do peito.
— Corra — ele diz atrás de mim.
E eu corro escada acima, sentindo a adrenalina por todo o meu corpo, aquilo que me faz
sentir cada vez mais viva e a vontade de ter mais está voltando para mim. Havia um bom tempo
que não sentia meu corpo com toda essa energia, quente, ansiando pelo que vem logo depois
disso. Isso me leva a quando me perseguiu na floresta, na brincadeira do abate. Tudo está fresco
em minha memória e quase sorrio por ele trazer esse tipo de coisa à tona.
Eu paro perto da cama, procurando algum lugar para me esconder, mas os passos pesados
que vem fazem meu corpo se arrepiar.
— Sempre previsível — sua voz rouca ecoa pelo ambiente, eu ando para trás à medida que
se aproxima. — Sempre querendo ser pega.
Quando sinto a cama em minhas pernas, sorrio ladino para Hades e, quando tento correr na
direção do banheiro, sua mão envolve minha garganta, me parando. Então, lentamente, ele me
puxa de volta e me joga no colchão sem afrouxar o aperto, meu coração parece sair pela boca
com seu contato bruto.
— Sempre gostando do mais bruto, eu te conheço tanto, minha rainha. — Hades se coloca
entre minhas pernas e puxa sua camiseta. Meu interior se agita e tenho certeza de que estou
molhada pela imagem a minha frente.
— Do que mais eu gosto? — provoco, enlaçando minhas pernas em sua cintura, jogando
meu quadril contra ele, Hades então deposita o seu peso em mim, roçando seu pau em minha
intimidade.
Seu aperto em meu pescoço intensifica enquanto ele levanta ainda mais meu vestido,
arranho sua mão e sinto cada parte de meu corpo reagir a isso.
— De mim — diz com um sorriso malicioso, ele se abaixa e beija meu pescoço e suga, ainda
fazendo atrito.
— Você eu amo, não só gosto. — Fecho os olhos e quando percebo que ele havia parado, eu
os abro e apoio os cotovelos no colchão.
Hades parece inexpressivo, como se estivesse em choque por algo. Mas logo um sorriso
ladino se forma no canto de sua boca.
— Quer se casar comigo? — pergunta. Mas sem tempo para resposta, me deixando
completamente sem palavras, ele tira a calça e volta para a cama, me puxando para ele. — Quer
viver para sempre comigo? Eu te disse, sou seu para sempre, assim como cada parte sua é minha.
Eu o ajudo a tirar minha calcinha, ainda inerte a pergunta e ao que ele quer fazer. Hades me
deita no colchão, se posicionando bem na entrada enquanto me encara. Em anos, nunca foi
decifrável o que se passava com ele olhando em seus olhos, mas agora vejo um brilho diferente,
o brilho que eu sempre procurei em todas as vezes que ele me via. Está aqui novamente.
— Se não quiser casar, a gente pula essa parte — diz apreensivo. Eu sorrio para ele.
— É claro que eu me caso com você. — Envolvo o pescoço de Hades com meus braços e o
puxo para mim.
Sem aviso, ele entra em mim de uma só vez e me beija com sede, com necessidade. Meu
corpo se incendeia a cada entocada, a cada gemido rouco e com o seu aperto em meu corpo, eu
preciso de Hades mais do que qualquer outra coisa, é viciante, é o único vício que me permito ter
e não teria vergonha de falar. Ele me fode com força, minhas pernas começam a ficar trêmulas de
tanto prazer, um redemoinho se forma em meu estômago, sentindo o orgasmo a caminho.
É aqui que eu sempre quis ficar, em seu calor, em seus braços, nada de fora importava para
nós dois. Agora vamos nos casar, tornar isso tudo ainda mais profundo e certo.
Eu me desmancho em Hades, que faz o mesmo em mim, sinto o líquido quente me
preencher e ele empurrar a última vez. Seus cabelos desgrenhados e com suor caem em sua testa.
Eu aliso seu rosto, gravando cada detalhe da obra-prima que recebi, não me cansaria de observar
nunca.
— No meu jogo, a rainha vale mais que o rei — ele sussurra para mim. Então gruda nossas
testas e roça nossos narizes. — Eu te amo, Heather.
Não escondo a felicidade e lágrimas transbordam sem controle algum, choro por ser a
primeira a ouvir isso, choro por amá-lo demais.
— Eu também te amo.
(Vinte e Cinco Anos de Idade)

Eu brinco com o cigarro entre os dedos enquanto vejo a neve cair devagar, pessoas passando
com sacolas de presentes e até um papai Noel bebendo uma garrafa de tequila eu vejo. Então
puxo meu celular do bolso para ver o horário: 15h:30min.
Nunca gostei do clima natalino, ou de qualquer data como essa durante dezoito anos, elas
simplesmente não existiam em minha casa, James me criou cético para tudo, Eloah não se
importava e eu só deveria ter sido uma criança. Datas com festividades eram passadas em
branco, sozinho em meu quarto.
O som da porta se abrindo chama minha atenção e me endireito, percebendo a felicidade de
minha mulher e o quanto seus olhos verdes brilham ao me ver. Seu nariz está vermelho e suas
bochechas também por causa do frio. Seu sorriso se estende mais e não estou muito diferente
dela. Heather não havia mudado nada, sua aura jovem ainda está ali e a felicidade irradia dela.
Descobri o amor com ela e, mesmo querendo sentir algo maior que isso, é o que ela quer.
Mesmo que eu prometa minha devoção, Heather quer um "eu te amo" na hora de dormir e
quando acordamos.
— Achei que estivesse terminando a ceia do natal. — Ela me dá um selinho demorado e
envolve meu pescoço com seus braços.
— Ava disse que daria conta — falo sem afastar nossos lábios.
Aproveito qualquer oportunidade sozinho com minha mulher, então deslizo a mão para
dentro de seu casaco. Ela me corta.
— Hades, que mão gelada. — Heather se afasta e segura minha mão, a esquentando com a
sua com luvas. — Vamos.
O caminho até em casa é curto, escolhemos uma cidade bem pequena e que não fizesse tanto
calor. Queríamos tudo perto, com segurança para fazermos tudo andando, para assim não
ficarmos à mercê de carro, só usamos para viajar até outras cidades, para ir ao mercado e só.
— Como foi a consulta? — pergunto.
— Foi ótima. Conversamos sobre tudo e me sinto cada dia melhor. — Heather me abraça
enquanto andamos, eu retribuo. — E como foi a sua?
— Ótimo também, nada como superar um dia após o outro, você tornou tudo fácil.
Tudo mudou em seis anos, nossa forma de pensar, de lidar com tudo e devemos isso à
terapia. Não foi fácil nos primeiros anos, a morte de Louise dois anos após a sua prisão fez com
que tudo voltasse para o zero com Heather, mas a vida tem nos surpreendido muito bem. Foram
anos intensos e agora percebo o quanto melhoramos, queremos ser pessoas melhores a cada dia e
deixar aquela merda toda para o passado, se possível, nunca mais comentar ou pensar sobre isso.
Fomos reféns de pessoas doentes e egoístas, de uma mente extremamente potente que quase nos
matou, e que nos faz lidar até hoje com suas consequências.
Mas lidamos juntos, superamos boa parte do que foi feito e conseguimos seguir em frente,
sem qualquer respingo daqueles que nos causaram dor e, bom, me alivia saber que todos estão a
sete palmos do chão. Sem manipulações, sem perseguições ou algo a mais com que se preocupar,
todos se foram.
Conseguimos seguir com os negócios, mesmo relutante no começo, mudei toda a gestão das
empresas que meu pai era sócio, coloquei Kairon e Magnus para se juntarem a mim, então
continuamos com a empresa de cosméticos de seus pais. Tendo sempre como referência as
mulheres que nos rodeiam, e isso tem dado certo, vendemos muito bem.
— Ava não tem jeito com os gêmeos. — Paramos a uma certa distância da janela.
Desde que descobrimos o que Elliot fazia, não temos mais notícias dele, mesmo depois de
que foi preso, e Ava, ela não se envolveu com mais ninguém nesses seis anos, pelo menos foi o
que Heather me disse. Sempre por aí dizendo sobre o quanto tem preferido estar sozinha, mas
falar de seu ex-namorado a fazia desmoronar.
Então, desde que Heather engravidou dos gêmeos, ela se mudou para a cidade e nos visita
todos os dias, também cuida deles para termos nossos momentos.
— Meus filhos estão gostando mais da loura louca do que de mim. — A puxo para
entrarmos.
— Para de ser bobo. — Heather puxa meu rosto e beija minha bochecha, enquanto
entramos.
Quando chego perto da porta, consigo ouvir as gargalhadas e correria, a voz em desespero
de Ava para que parassem de correr para não se machucarem quase me faz gargalhar. É quando
abro a porta que vejo tudo enfeitado, a árvore está com mais piscas-piscas, há mais presentes ao
pé dela e algumas cartinhas ali perto, que eu e Heather tínhamos lido para dar a Aria e Mason o
que pediram, demorou uma semana para entender os desenhos e letras horrorosas de meus filhos.
Nunca fui alimentado com essas fantasias, nunca tive essa oportunidade e o que não fizeram
por mim, eu faço pelos meus.
— Papai, papai, papai — a voz embolada e fina me chama, me viro na direção de Aria e me
abaixo assim que corre na minha direção de braços abertos. Eu a pego e aperto contra meu peito,
sentindo o perfume suave de seus cabelos. Inocência, proteção e amor…
Eu não sabia o que é ser tão amado, exceto por Heather, não sabia também que sugadores-
de-atenção faziam o peito doer a cada nova fase que nos apresentam. A cada tombo, novas
palavras, a marcação de tamanho na porta, eu pretendo guardá-los para sempre dentro dessa casa,
para que eu nunca os perca, para que ninguém faça maldade alguma. Há quatro anos nossa vida
mudou, o choque maior veio quando descobrimos serem dois e, logo depois, um menino e uma
menina, eles mudaram tudo e fizeram com que procurássemos melhorias.
Se um dia tive medo desse futuro, não me lembro mais, eu não sei onde eu estive com a
cabeça para não aceitar um amor maior que esse.
— Onde esteve, papai? Tia Ava não deixou que eu comesse os biscoitinhos do Papai Noel.
— Eu seguro o riso com sua reclamação, mas me contenho e a troco de braço.
— Fui buscar nossa rainha. — Sorrio para Heather, que retira o casaco, ela beija Aria na
bochecha. — Os biscoitos são para o velho de barba branca.
— Velho de barba branca — ela repete rindo.
Aria foi desenhada como uma cópia de minha mulher, os cabelos escuros e a pele branca
como a neve, suas bochechas grandes e avermelhadas, cílios e olhos grandes, mas em um
castanho escuro como os meus. A lembrança de como lembro de Heather a primeira vez que a vi.
Depois de tudo que aconteceu, decidimos colocar um nome semelhante a Ava para homenageá-
la, mas não contávamos que sua personalidade fosse ser igual à da loira.
— Não fale desse jeito, Mason anda replicando o que fala. — Heather pega a garotinha de
meu colo e a abraça. — Amanhã no café você come, o Papai Noel ficaria chateado se chegasse e
não visse os biscoitos.
Aria torce os lábios, decepcionada, e cruza os braços, sua mãe anda para o meio da sala com
ela ainda em seu colo enquanto mexe no celular com a outra mão. Eu vou na direção da cozinha,
achando tudo muito silêncio, Mason não é silencioso e Ava dificilmente diz não a ele já que
consegue a convencer a tudo. Meu filho é criativo e adora criar armadilhas, mesmo que nenhuma
funcione, eu finjo que comigo todas dão super certo.
— Te peguei. — Eu paro antes de entrar no outro cômodo e me viro devagar. Junto às
sobrancelhas, vendo que havia mudado de roupa no tempo que saí. Heather provavelmente
odiaria isso.
— Ele cismou que queria roupa assim para jantar. — Ava aparece logo atrás de braços
cruzados e suspira, reprimindo o riso enquanto olha para meu filho.
Mason usa uma fantasia de Capitão América e, ao invés da cueca por dentro da fantasia, ele
a colocou por fora. Em sua cabeça havia uma touca preta escrito "foda-se" que eu jurava que
tinha perdido na época da mudança, ele não usava o escudo e sim um arco e flecha, e a flecha
grudava onde batia. Dei tudo de mim para entender tudo isso, mas Mason é autêntico demais
para que eu adivinhe o que isso significa.
— Boa roupa, mas a que sua mãe comprou não te agradou? — Cruzo os braços e o observo
levantar o queixo, convencido.
— Papai, eu amo o Capitão América e queria ele comigo no Natal.
— Seus tios chegaram, vá se trocar. — Heather surge, olhando para a roupa confusa dele. —
Onde você achou essa toca, Mason? Hades, o troque agora. — Ela me olha furiosa e, antes que
continue, a campainha toca, fazendo com que ela se apresse para abrir.
Mason me olha, parecendo pedir permissão para continuar usando a roupa, eu lhe dou um
sorriso e ele corre na direção da porta também.
— Gostei da roupa, garotão — Kairon diz da porta.
Os gêmeos são eufóricos demais, muito criativos e totalmente o nosso oposto, isso é bom,
nossa mudança vem mais deles do que de dentro de nós.
— Aria e Mason são completamente diferentes de vocês. — Ava vem para o meu lado.
Parece saber o que eu estou pensando.
— Por incrível que pareça, é reconfortante ter filhos que falam muito, aqui não existe
tratamento de silêncio.
Ela me empurra, batendo seu ombro no meu, percebo que fui dramático, mas é a verdade.
Em uma casa onde eu não escutava quase nada, muito menos se tinha conversas, ter tudo ao
inverso me deixa contente, me mostra que estou no caminho certo. Observo Kairon entrar com
muita dificuldade com o bebê conforto, em que dentro está Violet, ainda com sete meses. Ele me
entrega sua filha e logo me cumprimenta com um aceno.
— A bagagem mais importante — ele diz, apertando a bochecha da menininha.
Parece todo enrolado com as inúmeras bolsas que trouxe, isso porque disse que ia passar
apenas três dias com a gente.
— Éramos difíceis quando éramos mais novos? — ele pergunta enquanto coloca as bolsas
para dentro, então Magnus surge com ainda mais.
— Não sei, nossos pais nunca reclamaram — respondo e coloco Violet ao lado do sofá,
ainda no bebê conforto. Volto para perto da cozinha, ajeitando as bolsas na mesa.
— Ares está impossível e tem apenas sete anos, não sei mais o que fazer — reclama.
Então Ares entra em sua grandiosa postura, olhando a todos como se fossem seus
subordinados. Usa uma calça preta, uma blusa gola alta e mangas na mesma cor e all-star, ele
está com a cabeça raspada. Fez isso apenas com a gilete escondido na semana passada. Isso
provocou uma crise de choro em Noemia que ligou todas as noites a Heather. Eles acham que
plantei algo na cabeça dele já que, sem muita novidade, ele me adora.
Todas as vezes que vem para minha casa só se senta ao meu lado, só fala comigo e está
sempre em chamada de vídeo comigo quando não vem para cá.
— Os gêmeos ainda não se rebelaram desse jeito, apenas com roupas. — Aponto para
Mason, dançando de frente para a cadeira de Violet. — Talvez comece a levar Ares na terapia, se
for algo a mais, na adolescência ele não sofrerá com isso.
— Me surpreende você falar de terapia, mas tem toda razão. Ou eu não tinha que ter te
homenageado e colocado outro nome em meu filho. — Kairon me encara, perplexo. — Talvez
tenha sido isso, meu filho vai contra tudo que eu e Noemia mandamos.
— Gênio forte? Se ele puxou a mim, isso é incrível. — Dou de ombros.
Observo Magnus ajudando Olivia a sentar, ela deve estar para ganhar bebê e é o primeiro
filho deles. Pelo que soube, só foram mesmo ficar juntos quando tinham vinte e um anos, o
gêmeo de Noemia sempre foi muito orgulhoso, só se reencontraram de novo em um estágio e se
acertaram.
Suspiro pesado vendo a sala cheia, podem se passar anos e acho que não conseguiria me
acostumar com essa nova dinâmica da minha vida. Inconscientemente, foi algo que sempre quis,
percebo isso agora por me sentir realizado em reunir pessoas que fizeram parte de toda minha
vida, e todos os momentos têm se tornado especiais e nostálgicos. Antes eu não tinha nada disso,
então é de se admirar sempre que acontece.
Eu não canso de falar sobre isso, o Natal virou minha data favorita. Aliás, todas que nos
unem, são minhas datas favoritas.
— Oi, tio Hades. — Eu desço meu olhar para o rebelde, Ares. — Agora me visto como o
senhor.
— Acho que seus pais não aprovam muito me usar como exemplo, pestinha — o respondo e
coloco as mãos no bolso, ele faz o mesmo. — Mas fique sabendo que eu aprovo, só não raspe
mais a cabeça.
— Isso faz parte da minha personalidade. — Eu o encaro com uma sobrancelha arqueada.
— Raspar a cabeça com gilete não monta sua personalidade ainda, Ares.
— É um começo para mim, eu tenho seu apoio ou não.
Eu rolo o olhar pela sala e vejo todos distantes dessa conversa que estou tendo com ele, vejo
que Heather nem presta atenção, então o que vou fazer não é um problema.
— Eu te apoio, mas cuidado para não infartar seu pai. — Ele concorda com a cabeça e
caminha para o centro da sala, junto a todos.
Só torço para que ele não conte aos seus pais. Meu apelido de Diabo não pode voltar nessa
altura da minha vida…
Depois do jantar, distribuímos os presentes de todos. As crianças sempre mais animadas em
receber algo que pediram nas cartinhas e os adultos satisfeitos com o que ganharam. Aria e
Mason jogam a bola por toda casa, presente que era para ser de Ares, deixando Heather louca.
Subo até meu quarto para pegar o presente de Heather, eu o embrulhei em papel pardo, eu
sei que ela esperou por muito tempo, mas só esse ano eu o finalizei. É que tudo começou
bagunçado e foi se arrumando, o amor mudando e crescendo, ela mudando principalmente.
Sempre deixei claro o quanto Heather é tudo para mim, mesmo nos anos mais difíceis, ela
está aqui. Quando eu afirmei que íamos casar e ter filhos, não foi da boca para fora, não há
ninguém como nós dois, nada se compara ao que sentimos um pelo outro. Demorei a entender
que, mesmo eu sendo devoto a ela, a cada palavra dela, o amor também poderia ser suficiente.
Mas para mim, o suficiente seria algo além.
Ela não entendeu quando eu disse que meu paraíso é ela, mas a cada dia tenho mais certeza
disso, ela me trouxe de volta a luz, confiou em mim mesmo que eu não merecia. Se isso uma
hora vai acabar, vamos estar juntos, mas eu não penso mais no futuro com medo e sim sinto uma
pontada enorme de felicidade.
Quando não me viam, quando não me escutavam, ela foi a única a sentar ao meu lado e
apenas ficar ali.
De uma coisa eu estou certo, meu futuro seria sempre ao seu lado, custe o que custar.
— Por que está aqui fora sozinho? Tem algo interessante acontecendo lá dentro… — ela diz
e se abraça, olhando para o objeto embrulhado em minhas mãos.
Estamos no deck aos fundos da casa, parou de nevar e agora conseguimos ver um pouco
mais das estrelas.
— Passei quase minha vida inteira apaixonado por você e deixei isso claro, do meu jeito,
mas deixei — falo e ela bufa uma risada, revirando os olhos. — E deixei isso claro em linhas.
Eu entrego para ela que rapidamente retira o papel, revelando meu livro de capa preta.
— Ele é sobre você, sobre como eu fui me apaixonando sem que percebesse. Com o passar
dos anos, eu percebo o quanto te amei e não aceitei. — Sorrio, vendo-a fungar com os olhos
cheios de lágrimas. — Mesmo com tudo ao nosso redor quebrado, você confiou em algo bom,
esse livro é seu.
Heather ri e limpa a lágrima que cai.
— Nunca pensei que fosse isso, é a segunda maior demonstração de amor que recebi em
toda minha vida, a primeira foram nossos filhos. — Ela diz e passa os braços em meu ombro. —
Quando se trata de você, eu confiaria em um futuro de olhos fechados.
Eu a beijo, sentindo suas lágrimas tocarem minha bochecha. É um beijo diferente, nostálgico
e com gosto enorme de felicidade, acho que é o clima natalino. Ela, então, se afasta, olhando
para a capa.
— O que de interessante estava rolando lá dentro? — pergunto, enquanto a abraço.
Quando entramos novamente, todos estavam animados conversando.
— Ares perguntou se Aria casaria com ele. — Heather ri e eu me afasto, enquanto procuro
os dois com o olhar pela sala. — Aria disse ser uma criança, mas que aceitaria.
— O quê? Minha filha não — rebato.
— Ares disse que vai esperar quando ficarem muito mais velhos, eu já vi essa história antes.
— Magnus aparece ao meu lado, comendo uvas e aponta com o queixo para onde estão os dois.
Ares está sentado no chão enquanto Aria está no sofá cantando, ele parece hipnotizado com
ela e não se move. O semblante de quem não vai me dar paz, e de quem não vai dar paz a minha
filha.
— Tirem ele de perto dela.
Dedico esse livro às minhas autoras favoritas, que sempre estiveram comigo, tanto em
apoio para que eu não desistisse ou me orientando: Nik S, Bruna Cayer e Issamells, obrigada por
tanto, vocês foram essenciais para que eu continuasse sem medo.
OBS: Nik S deixou tudo mais leve e afastou de mim o desânimo.
E para a maioral na escrita, Talibah Casillas, que teve paciência com minhas mudanças e,
principalmente, minhas inseguranças na escrita, me ajudou e ajuda a sempre melhorar e
trabalhou comigo para deixar o meu primeiro filho (o livro) do jeitinho que eu queria, sem você
eu estaria perdida. Não existe melhor companhia nesse mundo louco.
Não posso esquecer daqueles que me incentivaram a ir com tudo, ligar o foda-se e tentar
algo novo, que acreditaram desde quando nem era uma certeza, quando nem eu acreditava em
mim: Gabriele(Byl), Nenessa e Ricardo, eu amo vocês mais do que imaginam e choro só de não
conseguir colocar em linhas a minha gratidão.
Aos que souberam depois e sempre falavam com orgulho: Igor, Nay e Nyck, que estavam
sempre vibrando comigo, o interesse de vocês em sempre saber como estava o andamento fez
com que eu acreditasse mais nesse meu sonho.
Obrigada a Frutinha, que acreditou no meu potencial, teve toda a paciência em me ouvir e
colocar meu sonho em prática… E aos leitores da bíblia laranja pela grande força, isso só foi
possível por vocês.
A vida me presenteou com os melhores e eu nunca mais reclamei de estar sozinha.

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