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É proibida a distribuição de toda ou qualquer parte desta história. Os direitos da autora foram
assegurados. Plágio é crime.
Leitoras Betas: Carolina Oliveira, Josiane Lima, Duda Mota, Samira Frisso, Gabriela Miranda,
Juliana Aguiar, Enna C. S, Isadora Lacerda, Barbara de Oliveira, Giovanna Solewski e Vitória
Augusta.
— Lar doce lar. — Jas disse, girando a chave pela porta do pequeno
alojamento no campus da universidade Brightgate. — Não liga para a
bagunça. O que a Priyanka tem de fofa, ela tem de desorganizada.
Analisei o ambiente. Muitas almofadas coloridas pelo sofá e pelo piso da
sala, um buda no centro da mesa, incensos e uma decoração tão simples
quanto colorida e reconfortante.
— Amor! Trouxe o Ollie! — avisou, alto. A porta de um dos quartos se
abriu, revelando uma mulher loira em um blusão cinza e shorts jeans. Eu
olhei para baixo levemente, percebendo que sua perna esquerda terminava
em uma prótese.
— Ei! Você deve ser o novo amigo da minha garota. Sou Nichole. — Ela
estendeu a mão e eu a apertei, sorrindo fraco. — Demorou, Jasmine. —
reclamou em um beicinho, beijando a namorada. Mordi a bochecha,
assistindo-as.
— Acabamos descobrindo que Ollie é um pé de valsa. — Jas se
defendeu, girando-a e abraçando-a por trás. Senti meu rosto queimar e
deveria ser a primeira vez que eu ruborizava por uma garota. — Viu? Ele é!
Nem sabe disfarçar. Está todo vermelhinho!
— Bom, ótimo te conhecer, Oliver! Mas infelizmente tenho que sair
rapidinho. — Nick beijou Jasmine só mais uma vez. — Volto antes que
sintam minha falta.
Elas se despediram baixinho e Jasmine a assistiu sair do apartamento.
— Nick não mora aqui. Digo, praticamente mora, pois namoramos. Mas
divido apartamento com a Priyanka, que foi visitar a namorada. Amiga da
Mel, inclusive.
— Spencer? Conhece?
Bem… Minha boca conheceu a da Spencer há alguns meses. E posso ou
não ter conhecido outras coisas da garota que eu realmente não diria para
Rhodes naquele momento. Então apenas assenti e olhei ao redor, sem saber
muito bem como me portar. Eu não parecia encaixar ali. Nem um pouco.
— E aí? — Ela colocou as mãos na cintura, assim que encerrou o
silêncio estranho entre nós dois. — Pronto para conhecer o meu sonho?
— Vai, tenta!
— Jasmine, desiste.
— É sério! Quero saber se tem talento para conquistar uma mulher. Em
cena, claro. — Ela abanou o roteiro do teste de um seriado que seria em
uma semana.
Atriz. Jasmine era atriz, modelo (segundo as fotos pelo seu quarto) e
estudava artes cênicas. Seu sonho era atuar e não viver de pequenas
campanhas, desfiles e aulas de dança.
— Nunca atuei! Meu maior papel na escola foi de árvore.
— Bem, você tem a altura.
Empurrei sua testa, o que a fez gargalhar. Idiota.
— Vai! Me ajuda, por favor. É só ler as falas comigo. Nada demais.
Me esforcei por isso. Li as falas, tentando não ser uma completa falha na
tarefa. Jasmine tinha que fingir ser apaixonada por mim. Me encarar com
seus olhos brilhantes e implorar para que eu dissesse o que tanto escondia
dela.
Eu era péssimo. Ela era brilhante. Melhor, Rhodes era imersiva. Eu
esqueci do quarto à nossa volta. Esqueci qualquer coisa. Até mesmo da fala.
Olhei para baixo, tentando conseguir as palavras certas. Depois voltei a
erguer o queixo, fitando os olhos escuros como a noite.
— “É como se eu não tivesse…” — engoli em seco, preso. Preso pra
caralho. — “Como se eu não tivesse ar. Como se eu não tivesse a
capacidade de respirar. Como se meu coração fosse…” — Rhodes me
encarava em expectativa. Real pra caralho. — “Como se meu coração fosse
comandado por qualquer coisa senão meu corpo. Como se ele nem mesmo
estivesse batendo no meu peito, às vezes, mesmo que em disparada. É como
se ele morasse em você”.
Jasmine se aproximou, devagar.
Eu prendi a respiração.
— E aqui é a hora que eu beijaria meu companheiro de cena.
Ela se afastou bruscamente.
— Cacete, Oliver! Tem certeza de que quer jogar futebol? Você atuou
bem pra caralho!
Eu pisquei algumas vezes, ainda preso na cena. Preso em uma realidade
paralela em que… Deus… Em que não foi atuação alguma.
“Eles são normais. Não espere muita coisa.” Foi o que eu disse.
E assim que abri a maldita porta, o som de um tapa ecoou.
Sem respirar, encarei Rhodes de canto de olho. Ela tinha as sobrancelhas
no teto, abraçando a jaqueta jeans que usava, de queixo caído, assistindo a
cena.
— FILHA DA PUTA! VOCÊ ME DEU UM TAPA NA CARA, SUA
MALUCA!
— SAI DE CIMA DE MIM, NAOMI!
Melissa estapeava o ar, debaixo de Naomi Carlson, que tentava
desesperadamente colocar colírio na criatura. Ela gritava. Berrava. E
envergonhado, considerei dar as costas e fingir que não conhecia as
criaturas no meio do apartamento de Carlson e Bale. Bale, inclusive, que
gravava a cena enquanto Mike ria com a Hailey no colo.
— Seu olho está vermelho, porra, parece que usou um caminhão de
maconha!
— Carlson! Eu vou joelhar sua vagina, juro por Deus.
“Eles são normais”. E ali estava a pessoa mais normal do grupo
ameaçando atingir uma boceta.
Eu mal piscava, com medo de fazer movimentos bruscos e ser percebido.
A porta estava encostada, eu poderia dar as costas bem devagar e…
— Oliver! — Wayne exclamou, aliviada, olhando para mim. Merda. —
Jas?
— Hmmblahbeh.
Virei a cabeça para o lado lentamente. Jasmine acenava freneticamente,
corada. Uni as sobrancelhas o máximo que pude e ela se virou para mim,
em pânico.
— Mimba bingua bao buncioba.
— O quê? — ralhei.
— Meu Deus! Você cresceu. Parecia uma bebê quando te conheci. —
Mel abraçou Rhodes, um pouco sem jeito. Wayne era tímida pra cacete,
mas parecia gostar da garota. — Tem quantos anos agora?
— Zedenove.
— Dezenove — traduzi, confuso.
— Está tudo bem? Ela teve um derrame? — Mel me perguntou. Dei de
ombros e ela me apertou com força. — Oi, Zhang-Boo. Como foi o dia?
— Levei ela para conhecer o clube. Jasmine cismou em jogar futebol
comigo em um gramado de verdade. Aliás… Naomi, Bale, Mike…
— Ai, Deus, eu vou infartar! — Jasmine agarrou meu braço, surtando
como se ninguém estivesse nos assistindo. — Bale. Damian Bale. Meu
Deus! Meu Deus!
— Ih, acho que é uma fã… — Naomi comentou, em um bico.
— Naomi Carlson. Caralho, você é amigo de Naomi Carlson?
— Gostei dela — Naomi decidiu, sorrindo e se pondo de pé. — Não é do
tipo de fã do Damian que quer me matar para mamar o meu homem.
Jasmine, certo? — Ela abraçou a garota de olhos arregalados, que estava
estática.
— Rhodes, se você cair dura no chão… — avisei.
— Eu sou muito fã do seu trabalho, desculpa! Eu ia fazer um teste para
uma campanha da MBH há umas semanas e… Você estava no elevador e
me disse para arrasar, mas… Acabei fugindo. Meu Deus?!
— Fã do meu trabalho? — Carlson estava paralisada.
— Pera aí, você conhecia todo mundo aqui menos eu? — perguntei,
ultrajado.
— Bem, ele eu só vi de longe. — Jas acenou com a cabeça para o Mike.
Inacreditável.
— Oi, meu nome é… — Bale começou.
— Você está maluco? Eu sei quem você é! — Carlson gargalhou e Bale
ofereceu um abraço. Rhodes o apertou com força. — Caralho, é o melhor
dia da minha vida. Desculpa, mas… Jesus, sua música. E sua história. E…
Sabe… Nossa. — Ele a abraçou mais forte e então piscou para mim.
— Acho que gosto dela. — Damie sussurrou. Eu ri. Eu também gostava.
O jantar virou um grande conjunto de gargalhadas. A versão fã, de
Rhodes, morreu quando percebeu que eram todos apenas pessoas normais
aproveitando um tempo juntas. Na verdade, todo mundo parecia fã dela e
das histórias que contava sobre o Brasil, a comida, a vida como dançarina.
Eu descobri por mensagem de texto, lendo o celular sob a mesa, que o
pequeno derrame diante de Melissa era porque, antes de namorar Nichole,
Wayne era sua maior girl crush. Toda vez que ela entrava no estúdio de
dança em busca do irmão, Jasmine tinha um pequeno infarto. Eu entendia.
Melissa era linda desse jeito. Infelizmente — para Jas, claro — Mel
também era completamente hétero.
— Tem certeza de que tem dezenove? Parece ter vivido mais do que todo
mundo aqui — Mike comentou, virando um gole de vinho. Mel, deitou a
cabeça em seu ombro, cansada.
— Minha mãe diz a mesma coisa. Mas ela é meio puxa-saco. — Rhodes
fez Carlson rir.
— Elogiar sua filhotinha é essencial, Jasmine. — Naomi disse,
embasbacada com a garotinha apoiada em sua coxa, balançando os braços
para mim. — Ugh… Ela até durou muito comigo.
— É meu charme. — falei, levantando da mesa. — Sem ciúmes, Bale.
— Ela me ama mais de qualquer modo. — o cantor respondeu.
Era verdade, mas enruguei o nariz em reprovação, erguendo-a nos meus
braços. Hailey espalmou meu rosto e eu fingi que morderia seus dedos.
Meio estranho dizer isso, mas… acho que decidi tentar seguir as ordens
da minha equipe médica por essa garotinha. Estava prestes a desistir de toda
a fisioterapia, mal-humorado pra caralho, desfazendo meu contrato com
meu empresário e querendo largar o futebol e tudo; quando ela olhou, me
fez rir e então, sem motivo algum, chorar pra caralho. Sem conseguir dizer
uma só palavra, apenas existindo, Hailey ativou algo em mim.
Acho que percebi, em uma das vezes brincando com ela, que Hailey
merecia ter Brandon Ramsey na sua vida tanto quanto merecia um Oliver
melhor. Ela só conseguiria uma dessas opções. Então me comprometi em
ser bom em pelo menos uma única coisa: ser tio em dose dupla. Por mim e
por Ramsey. Naomi me disse que o melhor passo inicial era lutar por mim
mesmo. Isso me levou à terapia e à Jasmine.
Antes de Rhodes, Hailey era a única que me encarava sem pena, dor ou
implorando para que eu me resgatasse de qualquer abismo. Hailey me
encarava como se me entendesse. Como se eu fosse bom de qualquer
forma. Do modo que eu vejo, para qualquer pessoa que conhece a
primogênita de Carlson-Bale, ela é o sol. Nós só orbitamos a sua volta.
— Sentiu minha falta? — Sentei-me e Hailey riu baixinho, sem motivo
algum. Me senti mais vivo só de olhar em seus olhos azuis.
— Não. — Mel fez uma voz fina e eu ergui o dedo para ela. A mesa
explodiu em risadas.
— Ei, Hayhay… Essa é a tia Jas. — apresentei, baixinho. Hailey olhou
para Jasmine, encantada. E sorriu. Hailey se apaixonou por Jasmine à
primeira vista.
Tanto que nem sei quando a garota passou para o colo de Rhodes, mas
aconteceu. A garota dormiu nos braços de Jasmine, mesmo com as
gargalhadas constantes na mesa. E a ideia de passar um dia comigo, para
saber quem Oliver Zhang era, obviamente cresceu. De repente, Jasmine
conhecia melhor a minha melhor família inteira. E, por um momento,
parecia parte dela.
Inclusive, Rhodes voltou em todos os outros jantares do ano. E o pior?
Nem fui eu quem convidei.
— Chega, Pri! Foi o último teste.
Avisei minha melhor amiga e, até o momento, empresária provisória.
Priyanka bufou, jogando os fios escuros e escorridos para trás. A beleza da
garota, de descendência indiana, era surreal, mesmo brava, mas ela
ignorava todos meus pedidos para que fosse nos castings comigo porque
“ser modelo não parecia interessante”. Sua pele marrom clara tinha um
vinco bem entre as sobrancelhas. Pri não sabia mais o que fazer.
— Rhodes…
— Foi estúpido. Foi uma ideia estúpida. Eu amo a arte, mas a arte não
me ama de volta. Eu deveria ter feito outra coisa da vida! Não sei por que
comecei isso. Não sei mesmo. Não vou mais atuar.
— Rhodes…
— Sério! Que burrice a nossa. Claro que a garçonete fofa que namora o
bad boy de olhos azuis não seria eu! Por que contratariam uma mulher
latina se já tem outra na série? Por que que eu ainda tento? Sério?
— Porque você ama, caralho! — Priyanka explodiu. Ela não costumava
xingar, ela não costumava sair do sério. Na verdade, a mulher de frente para
mim, do outro lado da bancada da cozinha, estava vestindo um suéter
amarelo neon com flores rosas. Tinha um elástico tão colorido quanto o seu
cabelo. Ela era um arco-íris ambulante. — Você ama o que faz e, porra, nós
sabemos bem que esse país de merda é praticamente governado por e para
pessoas que não nos enxergam. Mas estou disposta a dar a porra da minha
alma para colocar você no topo e calar qualquer racistinha australiano de
merda. Então vamos chorar, gritar e destruir a porcaria desse apartamento.
Mas se ousar pensar em desistir, eu vou te esganar com minhas próprias
mãos.
Um longo momento passou. E então ela acrescentou:
— Caralho.
E mesmo em lágrimas, eu explodi em gargalhadas. Priyanka fez a
mesma coisa. Parecia que ela estava segurando o xingamento com força.
Talvez nem fosse engraçado, talvez estivéssemos descontroladas.
— Ugh, vou perder a porra da cabeça nessa cidade.
— Nem me fala — resmunguei.
— Falou com o Ollie hoje?
— Ele está treinando. Finalmente.
— Ele está bem?
— Sim. A gente combinou de sair hoje.
— Vai fazer bem. Ele te faz bem. E Nick?
Nichole e eu não estávamos bem. Ollie e eu éramos amigos há… o quê?
Oito meses agora? Ela tinha ciúmes dele, sem motivos. E não era só a
questão dos ciúmes, mas Ollie me incentivava a fazer mais testes. Na
verdade, ele até me conseguiu alguns testes. Seu novo empresário, Keanu,
ajudava em off nisso. Nem era sua área, mas o cara fazia o que dava porque
Ollie pedia. Oliver fazia qualquer coisa para que eu não desistisse do meu
sonho enquanto eu estava prestes a fazer vinte anos, a meses de me formar
em artes cênicas e pensando que meu diploma iria direto para o lixo.
Eu queria que Nichole me apoiasse mais.
Nós nos conhecemos no grupo da terapia, tal como Ollie e eu. O trauma
de Nick envolveu um acidente também. Mas no seu caso, foi um
atropelamento. De certa forma. O carro do vizinho desceu uma ladeira em
alta velocidade e prensou sua perna contra outro veículo. Ao contrário de
mim, Nick lutou com todas suas forças para se recuperar do trauma desde o
primeiro segundo. Ela sempre foi pura coragem. E desde que sorriu para
mim pela primeira vez, me prendendo em si antes que eu conseguisse
processar qualquer coisa, sempre estive ali por ela.
Agora ela estava reclamando que eu não passava tanto tempo com ela, o
que não era verdade. Eu sempre a ligava, chamava para sair e dormir
comigo. Tentei desfazer compromissos por ela. Nick sempre estava
trabalhando. E quando me ligava, eu estava estudando ou trabalhando.
Ollie, por outro lado, tirava tempo para ouvir meus desabafos em qualquer
momento do dia. Nichole ainda me tinha quando precisava, mas quando eu
ligava… parecia que nem me ouvia. A não ser quando eu falava dele, claro.
Porque aí ela reclamava por horas.
Eu estava cansada. Ser apaixonada pela Nick costumava ser leve. Por
que não mais? O que eu estava fazendo de errado?
— Estou perdendo-a no meio disso tudo, Pri. — praticamente sussurrei.
Priyanka suspirou. — Não sei se vale a pena. Perdê-la.
— São seus sonhos, Jasmine. Você não deveria escolher entre seus
sonhos e a pessoa que você ama. Dá para ter os dois. Se desistir dos seus
sonhos por ela, vai ser infeliz para sempre. E se ela te fizer tomar essa
decisão, então talvez deva amar outra pessoa.
Priyanka me deixou sozinha na cozinha. Eu só consegui pegar o novo
roteiro sobre a bancada, completamente grifado e rabiscado, e grunhir.
Um ano depois de conhecer Ollie, Nichole ainda não gostava dele.
O que rendeu a milésima briga do mês.
Eu nem lembro como isso aconteceu ou qual foi o motivo, mas eu
lembro de mandá-la se foder quando me disse que não me reconhecia mais
e que talvez não quisesse mais se encaixar nos sonhos impossíveis de uma
mulher que estava apaixonada por outro. O que era injusto, já que eu ouvia
todos os seus e fazia de tudo para me imaginar em cada um. O que era
injusto para alguém que considerou largar tudo para apenas ficar com ela. O
que era injusto porque eu não estava apaixonada por Oliver.
Imagina ouvir da pessoa que você ama que vocês são incompatíveis?
Que não acredita no que você sente? Foi basicamente isso. Ainda assim,
não foi um término, porque ela disse que conversaríamos depois e levou a
chave. Eu não sabia o que aquilo era. Além de, claro, a pior briga do
relacionamento.
E agora era o dia de um grande teste e eu estava trancada em uma cabine
de banheiro, dividida em reler o roteiro e atualizar suas mensagens, na
esperança de ler qualquer coisa que dizia que ainda tínhamos chance. Ela
nem me desejou boa sorte. Na verdade, nas últimas horas, Nichole tinha
sumido, me deixando ansiosa pra caralho.
Também era o dia que eu veria Ollie jogar pela primeira vez desde o
acidente, se tivesse a sorte de ser uma das primeiras audições do dia. Foram
meses longe do campo, meses fugindo disso, com medo, até que Zhang
tivesse coragem de trilhar o caminho de volta para os gramados, no clube
antigo. Ele enfrentaria muitos demônios em campo, retornando para um
time sem ter seu melhor amigo. E eu queria estar lá.
Minha mãe mandou diversas mensagens, desejando sorte. Eu estava
quase desistindo, no banheiro daquele pequeno estúdio. Queria desabar de
chorar.
Estava exausta.
Foram três campanhas sendo paga mal pra caralho, exceto a da MBH,
que me ajudou bastante. Dobrei meus turnos trabalhando com Finn, mesmo
com sua resistência, querendo qualquer grana extra para ajudar a minha
mãe com seu restaurante e ainda pagar as contas e dívidas da faculdade. No
meio disso tudo, eu ainda perdia Nick e enchia a Pri de trabalhos enquanto
ela deveria estar estudando.
Por que eu ainda tentava atuar?
Talvez eu não fosse boa o suficiente.
Talvez eu precisasse trabalhar mais. Largar artes cênicas, largar as
audições…
Seria o último teste.
O último.
Sequei minhas lágrimas e saí do banheiro, tentando não olhar o tanto de
garotas na sala de espera. E o fato de ser a única negra.
— Jas?
Olhei para o lado e suspirei entre alívio e choque ao ver Melissa Wayne.
— O que faz aqui?
— Jasmine. Você sabe que Melissa W. no roteiro na sua mão significa
Melissa Wayne, certo? — De repente, tudo fez sentido. — Tudo bem?
Neguei. Eu não tinha nem forças para fingir que sim. Que atriz eu era?
— É meu último teste.
Melissa suspirou, entendendo. Ela parou ao meu lado, analisando a sala.
— A ideia da série foi minha. Um grupo de seis amigos em uma cidade
australiana.
— Espero que dê muito certo.
— Sim. Espero. Porque nem acredito que isso está acontecendo mas…
Enfim, Georgia e Jack Rose, os produtores, eles assistiram ao filme do
Brandon e viram meu portfólio e acho que a publicidade de “cineasta
prodígio” se encaixa perfeitamente no que eles querem. Então… Dirigir?
Improvável. Mas o enredo é 50% meu e eu sou uma das maiores vozes da
equipe de roteiro. Com apenas 25 anos.
— Isso é gigante, Mel.
— E sabe o que é engraçado sobre esse roteiro? — Ela riu. — Escrevi
em uma crise. Ele foi o meu último.
Entendi o que quis dizer. Foi o que ela quis escrever como despedida
antes de largar tudo. Mas não largou.
Meu coração pesou e eu ergui os olhos para Melissa. As íris castanhas
claras brilharam e Mel respirou fundo.
— Quantos testes foram os últimos, Jas?
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu bufei. Odeio ser vulnerável na
frente dos outros e Wayne deve ter percebido isso, porque parou na minha
frente, impedindo que outras pessoas vissem, e segurou meu rosto. Mesmo
mais baixa do que eu, Melissa parecia enorme. Parecia ter o mundo em
mãos.
— Se o que ouvi do Ollie é verdade, então me deixe te dizer o que
Naomi Carlson sempre me diz: seus sonhos precisam ser objetivos, porque
todo objetivo nasce para ser atingido. Não deixe esse ser o último teste,
Rhodes. Faça ser o primeiro. O primeiro a te levar para o topo. — Ela secou
as lágrimas que rolaram pelo meu rosto e beijou minha bochecha, pouco se
importando se aquilo pareceria pouco profissional. — Seria uma honra
trabalhar com você. Ou será?
Ela se afastou e eu quis dizer quão importante para mim era que me
dissesse tudo aquilo. Mas com um sorriso, Mel me disse tudo. Ela sabia.
Sabia pra caralho.
— Só uma coisa…
— Oliver não me disse que faria esse teste se…
— Não! Não é isso. — murmurei. — Não quero que me escolha porque
sou sua amiga de certa forma.
— Você é minha amiga. Mas eu não te escolheria por isso. Até porque eu
não acho que tenha muita voz na escolha dos protagonistas. Estou aqui por
curiosidade. Vou até tentar sair mais cedo. O Ollie…
— Joga mais tarde! Eu sei. Eu sei. E é por isso que só que tem uma, uma
única coisa, que eu te imploro para fazer.
Mel olhou ao redor e suspirou.
— Fala.
Corri escadas abaixo do prédio da audição, feliz por ter acabado, mas
nervosa pra caralho porque demorou muito mais do que eu esperava,
mesmo que Mel tenha me colocado entre as primeiras.
Não que eu não estivesse pensando sobre o teste, eu estava. Na verdade,
tinha uma vozinha irritante no meu coração berrando a cada batida que
aquela tinha sido uma das melhores atuações da minha vida, mesmo que a
adrenalina quase tenha me feito infartar com meu colega de cena. Mas sabe
quantas vezes saí de uma audição pensando que tinha ido bem e não ganhei
nada? Centenas. Então decidi que fingiria não me importar. Talvez assim o
universo acreditasse e decidisse me surpreender.
Além do mais, eu teria dias para roer as unhas esperando por uma
ligação. Mas tinha apenas minutos para ver meu melhor amigo jogar.
Naquele segundo, Ollie era uma prioridade. Então eu tinha uma cidade para
percorrer, um jogo para chegar.
Parei quando ouvi uma buzina.
— Jasmine! — Um cara gritou dentro de uma caminhonete. Estreitei os
olhos para Mike Graham. Ele buzinou com força de novo.
— No carro! Agora! — Melissa disse, no carona. Disparei para o veículo
e então percebi que só tinham dois lugares. — Ok, não conta para o Ollie:
vai na caçamba.
Abri a boca, em choque.
— Vai, criatura! — Melissa repetiu, rindo. Eu ri junto e escalei a
caçamba. — Segura?
— Segura!
— Aqui vamos nós. — Mike avisou.
Eles dispararam pela cidade. Graham buzinava e gritava para saírem da
frente. Provavelmente achavam que éramos malucos e tive certeza de que
éramos quando vi um Corvette ao nosso lado, buzinando. Damian, dentro
dele, gritou “cobras fodidas” do banco do carona enquanto Naomi dirigia, e
nós os seguimos para o estádio.
Disparamos para dentro enquanto eu tentava colocar a camiseta do time
que estava na minha bolsa por cima da regata que eu vestia. O mais perto
possível do campo, busquei por Oliver no gramado, nervosa. O jogo já
estava acontecendo e um filho da puta do time vermelho — que não sei o
nome — deu um carrinho em Zhang no exato segundo que chegamos.
— FALTA! — gritei alto o suficiente para Naomi estremecer do meu
lado e Hailey, com protetores auriculares, me encarar como se eu fosse um
alien.
Oliver se levantou, ajeitando o uniforme branco, sem mancar, me
fazendo respirar aliviada. Ele me disse mil vezes que não se sentia na forma
ideal ainda e era um amistoso. O cara estava jogando uma partida que nem
valia para o campeonato e eu estava fora de mim.
Zhang corria pelo campo e meu coração apertava a cada segundo, com
pavor de cada falta, vibrando toda vez que ele disparava com a bola.
— Vamos, Z. Você está bem, está indo muito bem. — murmurei,
segurando o brasão de Brightgate no peito, orgulhosa de cada passe, cada
jogada bem feita.
O primeiro tempo acabou e Oliver disparou, mas não atrás dos
jogadores. Ele disparou em minha direção. O cara venceu qualquer e toda
pessoa que o disse para não fazer isso e parou na frente da minha cadeira.
— Como foi o teste?
— O quê? — perguntei, rindo. Ele estava mesmo pensando nisso?
Naquele momento?
— O teste, Jasmine!
Deus, ele estava mesmo preocupado com isso.
— Legal. Foi ok, acho. Não sei! Não foi terrível.
Zhang respirou aliviado e beijou minha testa, me abraçando com força.
— Você veio.
— Obviamente.
Ele se afastou e beijou a bochecha da Hailey.
— Beijinho da sorte, Hayhay. — pediu, se abaixando e deixando a
bochecha à disposição dela. A garotinha deixou um beijo estalado, que fez
todo mundo ao nosso redor gargalhar.
— Soite! — Hailey tentou dizer. Oliver a encheu de beijos, se afastando
em seguida.
— Vou fazer um gol por vocês, ok? — Ele apontou para todos nós e para
cima.
Foi no segundo tempo. Nos acréscimos. Mas Oliver Zhang Thompson
fez um gol. Ele apontou para nós e para o céu mais uma vez, antes de virar
de costas e finalmente nos deixar ler o que estava escrito no uniforme
branco. Chorei que nem um bebê.
Abaixo do 03, seu número, estava algo que jamais sairia da sua camisa.
“Em memória de Brandon Ramsey”.
“Jogado aos teus pés,
eu sou mesmo exagerado”
Exagerado, Cazuza
A principal causa de morte entre jovens no mundo? Acidentes de carro.
Eu sobrevivi um.
Era por isso que, por muito tempo, eu não me sentia tão confortável em
carros a não ser que eu estivesse dirigindo. Vivendo de viagens, passando
muito tempo no ônibus com o time, eu passei por crises pra caralho até me
acostumar com a situação. Enfrentei a porra do medo até ficar insensível a
ele. Ou quase isso.
Ainda preferia dirigir qualquer carro a deixar alguém fazer isso por mim.
Odiava ficar no banco do carona ou confiar a minha vida em qualquer
pessoa.
Movi a mandíbula de um lado para o outro, frustrado com a porra do
engarrafamento, apertando o volante. Os dedos cobertos por anéis estavam
brancos pela força que eu aplicava e eu brincava com a corrente sobre o
meu terno. Nervoso. Porque estava atrasado. E porque Brightgate não
costumava ter engarrafamentos.
Encarei meu reflexo no retrovisor. Cabelos escuros e lisos, o breu no
olhar, a pele amarela clara e lábios rosados eram fruto da família Zhang. O
maxilar definido e o nariz reto eram da família Thompson. Poucos traçados
das minhas tatuagens escapavam pelo terno e quase nada da Fênix, tatuada
em meu pescoço, aparecia pela minha gola alta. Tinha dois piercings de
ouro no topo da minha orelha direita. Eu estava atrasado…, mas pelo menos
estava bonito.
Recebi uma ligação e a atendi no bluetooth do Dodge Charger 1969.
Carro clássico com tecnologia de ponta. A família de uma das minhas
amigas mais próximas trabalhava com esse tipo de coisa.
— Fala, Bale — ordenei, irritado.
— Onde está, Oliver? Estou sozinho aqui! — Damian estava no
primeiro grande desfile da esposa dele, Naomi Carlson-Bale. Era a porra do
meu destino.
— Não está nos bastidores?
— Estou. Sozinho. Preciso repetir? Desenhar, talvez?
— Mike?
— Sumiu com a Melissa.
— Hailey?
— Com a Naomi e a Jasmine. E ela está me deixando louco.
— Qual das três? — brinquei e ele bufou uma risada. — Engarrafamento
no encontro da Westwood com a Tribbianni. Não sei o motivo. Devo chegar
em meia hora.
— O desfile é em quinze minutos.
Oh... Cacete, eu estava fodido.
Mas então o trânsito começou a fluir, devagar. Eu olhei para o lado,
encontrando o que interrompia a movimentação e xingando: um acidente.
Desviei o olhar antes que tivesse um vislumbre da vítima, apertando o
volante com mais força e focando na direção. Meu coração martelava no
peito.
— Talvez eu chegue em quinze, um milagre aconteceu. Ou uma morte.
— O quê?
— Esquece. — Balancei a cabeça. — Te vejo em vinte minutos.
— Eu disse quinze! Catorze agora. Oliver!
— Tchau, Bale!
Desliguei antes que protestasse.
Levei dezesseis minutos para chegar no maldito lugar. Joguei minha
chave para o manobrista e os flashes dispararam assim que me
reconheceram. Olhando para baixo e desviando de perguntas insuportáveis,
aquela luz branca inconstante na minha cara, tentei chegar até o evento. O
segurança me deixou passar e eu comecei a fechar os últimos botões do
blazer, caminhando por entre as fileiras. O desfile ainda não tinha
começado, mas pensei que era uma questão de segundos, então corri para o
meu lugar, em frente à ponta da passarela.
A minha irmã estava ali, ao lado da esposa, ambas em vestidos pretos e
justos, mas completamente diferentes. Enquanto Kiera, minha cunhada,
vestia algo delicado, ombro a ombro e não tão justo após a cintura; Riley —
ou Lee — minha irmã, estava em um vestido justo de gola alta e mangas
compridas. A primeira era filipina, com seus olhos oblíquos, pele marrom
clara bronzeada e sorriso meigo; a segunda era como eu, de descendência
chinesa, com a pele amarela clara, traços finos e marcantes, boca rosada e
olhos grandes, escuros e inclinados para baixo.
Sentei-me ao lado da Lee e ela me lançou um olhar repressivo. Lambi a
ponta do dedo, fingi que tocaria seu piercing na sobrancelha e ela bateu o
dorso da mão no meu peito, brava. Atrasado, eu sei, eu sei.
— Ei, Kie! — Troquei um high-five com a mulher que ria da relação
estranha entre nós. — Com quem está o Yuan?
— Babá. — Kiera respondeu e eu sorri. Meu sobrinho tem um ano
agora. Elas fizeram fertilização in vitro. Óvulo da Lee, barriguinha da Kie
e... boom... Bebê fofo! — A Hailey estava... — Um furacão correu por cima
da passarela e pulou em cima de mim, fazendo algumas pessoas
gargalharem. — Te procurando.
Hailey Carlson-Bale era minha sobrinha. Não de sangue. Filha de dois
dos meus amigos mais próximos e loucos.
— Você veio! — A garotinha de quatro anos gritou e eu ri, afundando a
cabeça no seu ombro, envergonhado. A minha tentativa de passar
despercebido foi para os ares, quando eu olhei para o palco, vi Naomi
Carlson nos bastidores. Ela me ergueu o dedo do meio pelo meu atraso.
Soprei um beijo. Carlson rolou os olhos, relaxando só um pouco ao deixar
um sorriso escapar. Hay se afastou e tocou meu rosto, virando-o para si. Os
olhos azuis se arregalaram. — Por que demorou?
— Engarrafamento, Hailey-Boo — expliquei e uni minhas mãos às dela.
Ergui o olhar para Naomi, sua mãe. Os cabelos escuros estavam presos, mas
a minha melhor amiga os soltou e as ondas caíram pelos seus ombros. Os
olhos azuis pareciam aflitos, a pele branca bronzeada mal era visível pelo
vestido preto até os joelhos, justo. Havia algo dourado em seus ombros e
me lembrava a roupa de uma realeza. — Está tudo bem com a sua mãe?
— Ela está bem nervosa. — Hay sussurrou, como um segredo. Eu vi o
pai dela, Damian Bale, envolver a esposa por trás, provavelmente
assegurando que tudo daria certo, mas Carlson não parecia respirar.
— Oh, oh... — Fiz menção de levantar com Hailey nos meus braços,
mas vi alguém de pé, bem ao meu lado. Ergui o olhar para Melissa Wayne,
minha outra melhor amiga. Sua pele negra estava bronzeada, eu conseguia
ver a marca suave deixada por um biquíni, pelo vestido ombro a ombro
escuro que ela vestia. — Que porra está fazendo aqui? O Robin para o seu
Batman está infartando?!
— Eu... Huh... O quê? — Ela estava ajeitando a bainha do vestido,
confusa, e eu percebi seu marido logo atrás, vermelho e nervoso, um pouco
ofegante.
— Sério, Wayne?! — ralhei. Ela e Mike estavam transando.
— Não foi minha culpa. — Mike Graham devolveu baixo, ajeitando o
terno. — Ela estava cheia de te... — Tampei os ouvidos da Hay e lhe lancei
um olhar furioso. — T-E-S-Ã-O.
— O que é te...? — A Hailey perguntou e eu trinquei os dentes,
preparado para agredir o Mike.
— Não diga isso em voz alta para ninguém. — Wayne mandou,
apontando para a afilhada e se sentou ao meu lado. Mel verificou o fecho do
salto alto que usava, os cachos deslizando por suas costas nuas. Ela olhou
para mim e se defendeu. — 36,8.
— O quê? — Não entendi.
— Minha temperatura. Estava alta. 36,8. Quase 37.
— E...?!
— E isso pode significar mais fertilidade, Zhang! — sussurrou. — Estou
ovulando. — Envergonhada, Wayne pigarreou e Mike se sentou ao seu
lado. Não é como se eu tivesse esquecido que eles estavam tentando fazer
bebês há seis meses ou mais. Eu só não era bom de biologia. — O que
houve com Carlson?
— Ansiedade, acho. — falei e ela xingou, correndo, quase tropeçando,
para os bastidores.
— Ei, Hayhay. — Mike cumprimentou a afilhada. Ela continuou no meu
colo, mas trocou um high five com ele.
— Então... Ansioso para ser pai, huh? — perguntei e minha irmã se
infiltrou na conversa.
— Mike?! Mike só fala disso. Para quem corria de filhos, agora ele deve
querer pelo menos seis.
— Dois. — ele corrigiu Riley. — Eu quero dois. Wayne também. Dois é
o número perfeito.
— Veremos se vai achar isso depois que tiver o primeiro. — Lee rebateu.
Eu ri. De fato, crianças são uma responsabilidade e tanto.
Wayne voltou alguns minutos depois, se sentando entre o marido e eu.
Ela bufou e aproximou o rosto do meu, brincando com os dedos da Hay.
— Um problema de bastidores atrasou o desfile. — ela explicou. — E,
sabe, aquela cantora famosa americana que a Naomi tinha contratado... Ela
não veio. Parece que houve algum tipo de bomba familiar na vida dela.
— E quem vai cantar com o Bale? — perguntei e Mel ergueu as
sobrancelhas, esperando. Hailey me beliscou, para acelerar o processo, e eu
grunhi de dor, mas funcionou. — Ah, tá. A Naomi. Faz sentido.
A ideia era um show como da Victoria Secrets, mas — nas palavras de
Naomi Carlson e sua sócia — "para todas as idades, corpos e mulheres e,
principalmente, sem risco de falir".
Pela primeira vez, Carlson faria dois shows por ano. Um no início — o
que eu estava —, voltado para a mídia, mundo da moda e pessoas próximas.
Outro no final, transmitido na internet e voltado para o público geral.
— Está nervoso? — Wayne perguntou e eu franzi o cenho para ela.
— Por quê?
— Sua melhor amiga vai desfilar. — ela soprou, baixo.
— Você? Ou Carlson?
— Jazzy! — Hay me impediu de me fazer de sonso por muito tempo,
com um sorriso de orelha a orelha. Era a prova de que Jasmine Rhodes,
minha melhor amiga há pouco mais de quatro anos, conquistou meu grupo
por completo.
— Jas faz isso há muito tempo. — respondi às duas. — Por que eu
ficaria nervoso?
Mel bufou uma risada, um sorriso de canto maldoso estampando seu
rosto.
— O quê?!
— Ela faz isso há muito tempo. — Wayne respondeu. — E toda vez que
você assiste, parece que encontrou o pote no fim do arco-íris. Parece o Mike
conhecendo Kevin Feige pessoalmente, ano passado.
— Ei! — Seu marido nerd ouviu, batendo o dorso da mão no braço dela
levemente. Mel o beijou algumas vezes, sussurrando alguma provocação.
Hailey fez uma cara de nojo para a demonstração de afeto e me observou.
As palavras de Wayne me incomodaram um pouco e eu tentei pensar que
não era nada demais, olhando para a passarela.
— Isso é sobre o nosso super segredo? — Hailey perguntou, esfregando
os polegares no meu cenho franzido e afastando a ruga. Ri baixinho, como
se não fosse nada demais. O fato de que um cara de quase trinta anos tinha
uma garotinha travessa como uma de suas melhores amigas era não apenas
estranho, mas perigoso. Hailey era um pequeno tornado.
— Não — murmurei.
As luzes se apagaram, o show começou. Como uma obra do destino para
expor a minha mentira.
Meu coração ameaçou disparar com o som da guitarra. Não sei explicar,
era como se o ritmo dele fosse o mesmo, mas cada batida era mais forte.
Hailey se moveu para o colo de Wayne, apertando o braço da madrinha e
sussurrando algo, empolgada. Mike falou alguma coisa comigo, mas acabou
se perdendo quando Hay mudou para o seu colo, bagunçando seu cabelo.
Eu estava vagamente ciente do mundo à minha volta.
— Eu escolhi o tema. — Wayne confidenciou e eu uni as sobrancelhas,
ainda atento à passarela.
— É? E qual é?
— Amor. — Torci a boca e ela chocou o ombro contra o meu. Wayne era
uma romântica incurável. — Vamos, é fofo! Carlson e Bale cantando sobre
a história deles.
— Como se o mundo inteiro não soubesse.
— Aposto que vai adorar.
— Você é impossível. — Observei Melissa, que bateu os cílios, como se
fosse um elogio.
— É brincadeira, senhor fujo-de-relacionamentos. Amor é o tema do
show de inverno — Wayne disse, o sorriso na sua voz. — Jasmine escolheu
o tema dessa vez.
Eu não perguntei mais nada, mas senti o olhar de Melissa sobre mim.
Estranhamente maldoso. Minha amiga me disse o tema sem que eu
perguntasse.
— Descontrole.
Meu coração finalmente disparou.
Bale entrou pela passarela e Hailey gritou, bem como algumas pessoas
por ali. Damian tinha um olhar perverso, dedilhando a guitarra e
caminhando com firmeza. Ele parou no centro do palco, a luz vermelha o
tornando levemente diabólico enquanto começava os acordes de Bad
Karma da Miley Cyrus. Mas o arrepio me percorreu mesmo, quando a voz
de Naomi Carlson ecoou.
— You may think I'm goosing but the truth is I'm a liar — ela cantou. —
I sell you what I tell you but you ain't a fucking buyer.
— Exibida. — Mel, Mike e eu cantarolamos, ao mesmo tempo. Acho
que Riley fez o mesmo, do meu lado.
A maldita era boa no que fazia e sabia disso.
— You thinking that I'm sleeping when I'm creepin' in the night. — Os
olhos azuis eram desconcertantes até na meia-luz. Naomi Carlson era puro
perigo. — They say it's bad karma when you live a double life.
Naomi começou a desfilar no escuro como uma de suas modelos, o
cabelo caindo com ondas, mas bagunçado. Um pouco selvagem. Um passo
à frente do outro, devagar, quase fatal. Quando Naomi Carlson parou ao
lado do marido, Hailey se debruçou sobre os tios e me sacudiu.
— São os meus pais!
— Eu sei! — respondi,em um sussurro alto, rindo do seu sorriso
orgulhoso.
— Agora, agora! Olha agora! — Riley me avisou. A minha irmã agarrou
o meu braço quando a sombra da primeira modelo apareceu na entrada da
passarela.
— They say it's bad karma being such a heart-breaker… I've always
picked a giver 'cause I've always been the taker…
O salto fino cravou na passarela escura. As pernas longas e magras
começando a caminhar, as calças escuras e a jaqueta de couro aberta. Nada
por baixo, mas nada revelador. Extremamente instigante. Mas não era
Jasmine. Riley e eu bufamos.
Ajeitei-me na cadeira, cravando as unhas nas palmas das mãos. Carlson
se virava para Damian, apoiando a cabeça em seu ombro enquanto ele ainda
tocava.
— I'd rather just do it then not think about it later…
As vozes do casal, finalmente, se combinaram em uma única frase e eles
se separaram, permitindo que a modelo caminhasse até o final da passarela.
Carlson piscou para a filha ao passar e Hailey deu um gritinho que nos fez
gargalhar. Ela era a maior fã dos pais, era ridiculamente fofo.
— Kiss me bad karma, uh.
Bale mudava os acordes gradualmente. Reconheci Psycho, da banda
Muse, e a voz rouca e intensa de Bale deixou todo mundo extremamente
atento. Eu mal piscava quando a segunda modelo entrou, com um vestido
curto gola alta, botas longas, tudo sempre sombrio. Era uma modelo ruiva,
gorda, com maquiagem pesada. Bale se aproximou dela, tocando a guitarra
para a garota e recuando a cada passo que ela dava, com um sorriso
malicioso.
Naomi fazia a segunda voz, brincando com as modelos no caminho e eu
estreitei os olhos, analisando uma por uma. Bale fingia seduzir todas elas,
deixando a guitarra de lado. A melodia ainda explodia pelas caixas de som.
Pela troca de olhares do casal, eles amavam o caos naquele palco. Atraindo
todas as mulheres, provocando o público, completamente submersos e
unidos.
Estreitei os olhos quando uma modelo entrou, incrédulo, assistindo-a em
um vestido vermelho sangue, com fendas longas. A mulher negra e magra
estava em forma, mesmo em seus cinquenta e alguma coisa.
— É a sua mãe? — Virei o rosto para Melissa Wayne. Ela estava
ocupada assobiando para a ex-supermodelo que desfilava.
— MBH para todas as idades, Zhang. — Mike brincou, se divertindo
com a sogra na passarela. — Todas as idades.
Voltei o olhar para a passarela, balançando a cabeça com a cara de pau
de Bale, fingindo seduzir Helena Wayne. — simplesmente a mulher do
prefeito. Aquilo era muito ousado. Talvez polêmico. E incrível. Mas perdi
meu sorriso com a última modelo na entrada da passarela.
As luzes vermelhas piscavam para a silhueta feminina que fechava a
primeira parte do desfile. Ela estava com a bunda firme contra a parede, a
coluna levemente arqueada, jogando os fios ondulados e pretos para trás.
A pele negra, escura, era iluminada a cada flash vermelho, que
acompanhava o ritmo frenético da guitarra nas caixas de som. Sua forma
fina e alta era inconfundível. Ela segurava uma jaqueta de couro apenas
com o indicador, ameaçando derrubá-la. Até que a deixou cair em um
instante. No outro, Jasmine Rhodes se afastava da parede, com uma falsa
despretensão de menina má e começava a desfilar.
Sabe, tem pessoas que nasceram para ser pura arte. Essa mulher?
Definitivamente uma delas.
Fingindo puro tédio, Rhodes girou ao passar por Carlson, ignorando-a
por completo e hipnotizando qualquer um com aquele balançar de quadris
dolorosamente decidido. O vestido tinha um decote caído, parecia seda e
era curto pra cacete. Encerrava no meio das coxas. Por outro lado, as botas
compridas e brilhantes cobriam boa parte da sua pele escura.
Quando Bale passou por ela, Jasmine o segurou pela camisa, deixando
que a acompanhasse por poucos passos. Seus dedos afrouxaram o aperto,
seu indicador desceu pelo peito do cantor e ela o empurrou bem fraco —
descartando-o como nada. Extremamente focada, sexy pra caralho. A cada
segundo, simplesmente caminhando, Rhodes provava porque era uma das
mulheres mais bem pagas da Austrália: porque exalava poder. Simples
assim.
Um arrepio quase me despertou daquele transe. Eu não tinha consciência
da minha respiração, batimentos, do meu corpo. Percebia levemente que
meu sangue fervia, mas seguia vidrado. pra caralho. Preso em como a
mulher se movia, como se o mundo fosse seu. E se quisesse, seria.
Quando parou ao fim da passarela, seu rosto era tão lindo quanto fatal.
Ela ergueu o queixo, como se fosse realeza e nós, mera plebe aos seus pés.
Os olhos escuros, maçãs altas, as sobrancelhas bem desenhadas, o nariz fino
e lábios cheios... Ninguém parecia respirar, contando os segundos para
descobrir que porra ela faria. Ela era deliciosamente imprevisível.
E seu Grand Finale foi piscar e rir — algo entre o travesso e o inocente
—, como se não tivesse feito nada com aquela caminhada; mostrando que
se divertiu o tempo todo.
O tema era descontrole e Jasmine Rhodes entendeu a tarefa
perfeitamente, porque me fez sentir que perderia a cabeça em poucos,
malditos, segundos. E com certeza eu não era o único atordoado por ali.
Senti o olhar de Hailey sobre mim e ela levou o indicador aos lábios,
silenciosamente lembrando que guardava o nosso segredo. Um pouco
ofegante, desviei a atenção de volta para a passarela, fingindo sentir nada.
Mas uma adrenalina perigosa me deixava mais vivo. Uma sensação de risco
iminente que eu gostava, por mais insano que parecesse. Tudo por causa de
uma única mulher.
Meu segredo? Jasmine era o acidente mais devastador da minha vida. A
única mulher capaz de me colocar de joelhos. E eu não sabia se
sobreviveria a ela.
“A vida de luxo me deu adrenalina”
Lush Life — Zara Larsson
A adrenalina dos bastidores está no top coisas mais gostosas do mundo.
Depois de tirar os saltos e colocar um roupão macio após um desfile longo e
cansativo.
Aisha me ajudou a tirar as sandálias longas do último look e eu joguei os
fios pretos e lisos para trás, respirando fundo e fechando os olhos.
Eu desfilava muito pouco, mas ainda amava.
Comecei minha carreira como modelo, em campanhas de lojas pouco
conhecidas. A MBH, loja da Naomi — minha amiga —, foi uma dessas há
poucos anos.
A passarela sempre me deixava viva. Mas havia algo que eu amava mais,
algo que estudei para fazer: atuar. Então quando a fama chegou para o meu
amor maior, eu deixei os desfiles um pouco de lado — exceto para lojas de
amigos ou que me pagassem um cachê realmente bom. Campanhas
publicitárias ainda me davam uma grana absurda, mas me preparar para
desfiles exigia tempo que eu poderia usar para me preparar para filmes,
séries, talvez teatro algum dia... Para o que eu amo fazer.
— Você foi INCRÍVEL! — Melissa gritou, me forçando a abrir os olhos
ao me encher de beijos. Rindo, agarrei Wayne em um abraço pelo pescoço.
— SENSACIONAL! Eu queria GRITAR!
— Como agora? — Aisha provocou Wayne. Melissa se afastou de mim e
deu língua para Aisha Ambrose, diretora criativa, sócia da MBH e uma de
suas amigas mais próximas. Gorda, alta, negra e com os cabelos em um
coque alto, Aisha era uma das mulheres mais lindas que eu conhecia, e uma
das mais bem sucedidas para sua idade. A gravidez recente definitivamente
lhe dava algum brilho. — Foi incrível mesmo. Se não for capa de jornais e
revistas amanhã, o mundo da moda estará bem louco.
— Impossível! — Naomi Carlson disse, se aproximando ao pegar a
conversa pela metade. A pele branca estava levemente suada, os olhos azuis
brilhando com a adrenalina do show e um sorriso satisfeito, como o meu,
estampado em seu rosto. A dona da MBH se apoiou na minha mesa dos
bastidores. — Seremos manchete amanhã. Adrenalina, caos, sentimento...
Fomos moda pura. Eu vivo por isso!
— Nós vivemos! — corrigi e ela chocou a mão contra a minha.
— MAMÃE! — O grito nos bastidores nos fez sorrir imediatamente.
Hailey disparou por entre as modelos, feliz quando finalmente abraçou a
Naomi pela cintura. Carlson a ergueu com dificuldades, enlaçando as pernas
da criaturinha em torno de sua cintura e a enchendo de beijos. — Foi
incrível!
— Foi mesmo? — Carlson perguntou. Nunca vi um sorriso de mãe
babona maior do que aquele. Ou um olhar mais brilhante. E minha mãe me
amava muito.
— Foi sensacional! — Mike Graham concordou, se aproximando. Com
o cabelo extremamente curto e a barba por fazer, meu cientista favorito
abraçou a esposa por trás. E essa era Melissa Wayne, cineasta e meio que
minha chefe no momento, já que era roteirista e criadora da série que eu
estrelava. Eles eram aquele tipo de casal que te deixam enjoada apenas de
observar. Apaixonados ao extremo. — Ei, preciso encontrar minha sogrinha
em algum lugar, huh?
— Puxa-saco. — Melissa tossiu a palavra, fingindo limpar a garganta em
seguida.
Quase todos os meus amigos estavam ali, mas meu olhar já procurava
por alguém.
Um homem parou com um buquê de girassóis tampando o rosto e todos
nós derretemos em sincronia. Naomi colocou a filha no chão e abraçou
Damian Bale com força. O cantor esmagou a esposa e eles entraram em um
mundo só deles.
Hailey parou de admirar os pais e agarrou a minha perna, chamando a
minha atenção.
— Pode me ensinar aquele giro que você fez?
— Qual? — perguntei, a colocando no meu colo. Eu amava a pestinha
com força.
— Aquele na primeira parte do desfile.
— Eu te ensinei!
— Não com salto.
— Não acho que existam saltos quinze para garotas de quatro anos.
— Cinco!
— Quase cinco. — a corrigi e ela rolou os olhos dramaticamente. Não,
não estava tão perto assim de fazer cinco anos, mas Hay queria fingir que
sim. Aproximei a boca do seu ouvido. — Eu te ensino o que quiser.
Lembra? A função da tia Jazzy é te ajudar a detonar esse mundo! —
Minhas cócegas a fizeram gritar de surpresa.
— Deus nos ajude. — Uma voz rouca e divertida ecoou do meu lado.
Ergui os olhos para Oliver Zhang. Meu coração se encheu, como sempre.
Compreensível quando seu melhor amigo te olha com tanto orgulho, certo?
Seu sorriso era discreto para o mundo, mas não para mim. Eu reconhecia
a satisfação no seu rosto. Com a mandíbula esculpida pelos deuses, os olhos
longos e oblíquos, carregando a noite escura, e um estilo inconfundível;
meu melhor amigo estava fazendo metade das modelos dos bastidores
suspirarem — apenas em existir. Algumas tatuagens pelo corpo de Zhang
honravam a descendência dele, com frases em caracteres chineses ou
símbolos e figuras que contavam histórias sobre a cultura da sua família,
escapando pela gola alta e mãos. Ele amava a herança materna e a tinha
marcada pela pele.
O esquadrinhei o mais breve que pude. Ollie ficava bem em ternos e
sabia disso. Ele ficava bem em qualquer coisa. O maldito era bom em moda
também.
— Nada mal, Rhodes. Parecia um grilo desfilando, mas tinha classe. —
Eu sorri de orelha a orelha, porque esse era nosso jeito exótico de
demonstrar carinho.
— Jura?! Te vi babando por um grilo na plateia então. Esse terno é de
qual brechó?
— Armani.
Hailey olhava de um para o outro, adorando nossa briga falsa.
— Jura?! — Franzi o cenho. — Em você parece tãaao barato!
— Desgraçada.
— Aprendi com você.
E então ele me abraçou, mesmo com a Hay entre nós. Afundei a cabeça
no seu ombro e suspirei, relaxando. Zhang tinha um perfume incrível e um
dos melhores abraços do universo. Eu tinha sorte de ser sua melhor amiga.
Assisti Melissa e Mike nos olhando por cima do ombro de Ollie. Graham
parecia querer rir, eu conseguia ler um ou dois pensamentos perversos pelo
seu rosto.
— Vocês são estranhos. — Mel disse, como sempre, mas seu sorriso
dizia o oposto. Eu a ignorei, beijando o ombro de Zhang e me afastando
com pesar.
— Pronto para a noite da sua vida? — perguntei.
Ollie me deu um sorriso perverso. Um que dizia: "Com você? Sempre".
— Rhodes! — Ouvimos e bufamos ao mesmo tempo. Priyanka, minha
empresária, segurava um cabide com a minha roupa da festa, me olhando
com uma firmeza impressionante. Depois piscou, deixando um sorriso doce
escapar, sua verdadeira essência. — Se vista.
Coloquei Hailey no chão e bati na bunda de Zhang antes de caminhar até
a mulher de pele marrom e sorriso largo. Pri já ria antes mesmo de ouvir
minha resposta.
— É para já, baixinha. — Bati meu quadril no seu e entrei em uma das
cabines, fechando as cortinas. Hora de fazer Brightgate ser minha.
Eu não sei ao certo quantos shots eu bebi. O suficiente para eu ter uma
crise de choro se escutasse Marília Mendonça, eu acho.
Eu estava tão bêbada que mal processei quem me protegia dos flashes,
até o uber fora da DarkGate. Não até estar no fundo do carro, com cinto de
segurança, ao lado de um homem alto, cheiroso pra cacete, que me
protegeria com a porra da sua vida.
Minha cabeça girava pra caralho. Meu coração partido não ajudava
muito.
O carro desceu pela garagem do prédio e eu dei um sorriso bêbado
quando o cara do meu lado assinou um autógrafo para o motorista. Depois,
ele me guiou até o elevador e eu colei a cabeça no espelho, torcendo para a
tontura passar, para que aquele momento vergonhoso com Nichole tivesse
sido um pesadelo.
Que porra eu estava pensando?
Correr atrás da sua ex, anos depois, sem sequer tê-la visto, em uma festa
como aquela… Impulsiva, idiota… frágil. Tudo o que lutei para não ser.
Acho que eu não era mais apaixonada por Nick. Mas talvez parte de mim
a amasse. Talvez aquela pequena parte da Jasmine do passado, presa em um
passado não resolvido. E é isso que o amor faz, não é? Ele apaga sua
racionalidade.
Por isso, talvez o amor não fosse para mim.
Talvez o amor fosse para poucos.
Talvez eu ficasse sozinha para sempre.
Ignorando minha frustração por ter me escondido qualquer coisa, deitei a
cabeça no ombro de Zhang, com os olhos marejados, observando a
numeração no visor do elevador. Faltavam vinte andares até a cobertura, no
vigésimo terceiro.
O perfume do meu melhor amigo me acalmaria até chegarmos lá. Era a
única coisa que jamais me enjoaria. Era a única coisa que me deixava
segura. Sempre deixou.
Desde o primeiro segundo que fiz suas barreiras caírem e descobri o real
Oliver, Zhang foi o meu melhor ombro para ruir e eu o seu. Nossas almas
colidiram em uma só, parecia predestinado. E se amor, o tipo de amor dos
filmes românticos e açucarados, não era para mim, Ollie e eu criamos algo
maior do que isso. Não era uma amizade simples. Era profundo e firme e
estável. Ele era minha pessoa favorita no mundo.
Acredito que, por isso, nossos corações e mentes eram ligados por um
fio inquebrável. E se isso é verdade, então por isso Zhang suspirou. Porque
se estava chateado comigo, por qualquer motivo que fosse, isso poderia
ficar para depois.
Então Ollie entrelaçou os dedos aos meus e deitou a cabeça na minha de
volta.
Nós não dissemos nada, andar por andar. Até chegarmos à cobertura.
O meu vizinho me acompanhou até a minha porta e esperou que eu a
abrisse. Eu poderia mentir que não precisava de Oliver, mas estava bêbada e
triste, precisava sim. Eu precisava do meu melhor amigo.
No segundo em que pisei em casa, minhas barreiras despencaram. As
decorações caras, os quadros abstratos, pintados e expostos, nas paredes
escuras, a grande escadaria para o segundo piso, a imensidão da sala de
estar que era duas vezes o tamanho do meu primeiro apartamento, a cozinha
ligada à sala moderna e em tons pastéis, as longas vidraçarias com visão
perfeita da cidade e do oceano na noite escura…
“Não está feliz? Você conquistou tudo, Jasmine. Conquistou tudo o que
queria, não foi?”
Bufei e as lágrimas escorreram. Não conquistei tudo o que eu queria.
Talvez isso nem fosse sobre a minha ex. Talvez aquele choro fosse apenas
sobre mim.
Pateticamente, eu sentia falta de amor.
Me virei para Zhang, sabendo que ele a odiava por ter terminado tudo
comigo. Silenciosamente o implorei para que ainda não sentisse raiva por
não a ter superado e cedi às lágrimas e soluços. O olhar de Oliver mudou
por completo, do superprotetor e duro para melancólico e compreensivo,
quando ele me abraçou. Ele fez um chiado baixo de descontentamento,
porque meu choro era por alguém que há anos não me queria, mas me
envolveu do mesmo jeito.
Ela me largou. E eu não conseguia deixar isso de lado. Três anos depois.
Porque era muito mais do que a Nick.
Meu último relacionamento estável tinha sido antes da fama. Ser uma
atriz era meu maior sonho e eu estava no auge. Ainda assim era
insuficiente. Insuficiente para ser amada como Jasmine Souza Rhodes, a
pessoa; e não a figura pública. Insuficiente para viver o amor que eu sempre
quis viver.
Ollie me carregou escada acima, me deitou na cama e tirou minhas
botas. Tudo girava, tudo doía, tudo sangrava… e eu torcia para não lembrar
de nada no dia seguinte. Minha maquiagem manchava o travesseiro,
enquanto eu chorava baixinho e Zhang se deitou ao meu lado, beijou minha
testa, sussurrando que tudo ficaria bem. Mas ele não entendia aquela dor,
entendia?
Pensei que, se eu fechasse minhas pálpebras o suficiente, aquela tontura
sumiria com toda aquela noite. E começou a funcionar. Aos poucos, o
cansaço foi me vencendo, enquanto Zhang acariciava a minha cabeça, sem
me deixar por um segundo sequer. Tanto que sua voz estava distante quando
ele soprou:
— Ela não entendia seus sonhos, Jazzy. Ela não te merece.
Não. Na verdade, ela merecia mais.
Meu coração partido o respondeu por mim:
— Você nunca se apaixonou e não quer se apaixonar, Z. Você nunca vai
entender.
Algo nas minhas palavras fez o silêncio absoluto cair sobre aquele
quarto, porque Zhang parecia até mesmo parar de respirar. Eu cedi ao
cansaço, bêbada e triste, então mal ouvi o baque silencioso da porta quando
me deixou descansar.
Mas pude jurar ter escutado um coração partir. E não era o meu. O meu
já estava quebrado.
“Passei por tanta coisa ruim, eu deveria ser uma vadia triste
Quem diria que, ao invés disso, me tornaria feroz?”
7 rings - Ariana Grande
Depois de um domingo de ressaca infernal, eu estava inteira. Se inteira
quer dizer forçadamente anestesiada após ver sua ex e perceber que, de fato,
sempre será sua ex, mas como diria Hailey Carlson-Bale: tuuuudo bem.
De frente para o espelho, fiz minha rotina de limpeza facial de sempre.
Cremes, esfoliante, massagem, limpeza, enxague, hidratante… Tem um
motivo para essa pele não ter um sinal de envelhecimento ou das malditas
espinhas da adolescência, amor, e isso se deve ao meu ritual de beleza
matinal. É quase minha religião.
Depois escovei os dentes, tomei um bom banho, me preparando para o
meu dia de trabalho. Assim que entrei no closet enorme, resistindo à
tentação de admirar minha bela coleção de sapatos — obrigada Deus pelos
Jimmy Choos — optei por uma camisa ombro a ombro preta e justa, calças
pantalona de mesma cor e botas cano baixo, colocando meu colar de olho
grego e prendendo os cabelos em um coque alto.
Peguei minha bolsa, abri meu celular, seguindo para a cozinha, onde
meu roteiro estava, completamente grifado e rabiscado. Temporada três,
episódio um: Surf & The City. O guardei na bolsa e ouvi os áudios no grupo
da minha equipe.
Priyanka me assegurou que não havia nada além da extensa rotina de
gravações naquela segunda, mas me lembrou de um photoshoot da série na
quinta de tarde, pela milésima vez. Enviei um “ok” para a minha empresária
e assegurei para a Frank que eu não precisaria de serviços de segurança
naquela semana. Brightgate era bem tranquila, então eu não costumava falar
tanto com meu segurança favorito, exceto em grandes eventos. Quanto à
minha estilista, Naomi já estava trabalhando na escolha de looks para uma
coletiva de imprensa no fim de semana. Minha equipe de publicidade e
assistentes não tiveram grandes observações.
Respirando fundo, da cozinha, ergui o olhar para o enorme buquê de
jasmins sobre a mesa de centro da sala. Mordi um sorriso idiota ao pensar
no bilhete de Oliver Zhang no dia anterior, pedindo desculpas se foi um
babaca por esconder qualquer coisa. Ele não foi. Eu o entendia. Eu devolvi
um dos jasmins na sua porta, de manhã cedo, com um sorriso torto, uma
oferta de panquecas com morango e o famoso brigadeiro no café da manhã.
Detalhe sobre mim? Eu até gosto de brigadeiro, mas não amo. Prefiro
comidas salgadas, apimentadas na verdade. Zhang, por outro lado, é viciado
por isso desde que minha mãe o apresentou o maldito doce. E, por ele, eu
cozinhava qualquer coisa. Estávamos bem. Tanto que meu celular vibrou
antes que eu saísse de casa e eu já imaginei quem era.
— Z?
— Emergência.
— A de sempre?
— Sim.
— Sorte que não estou maquiada.
Ele desligou do outro lado e eu saí do meu apartamento, me preparando
para a atuação do século e batendo na sua porta com desespero. Mais forte.
Mais rápido.
— ZHANG! Por favor! Por favor! — implorei, começando a chorar. —
POR FAVOR!
Uma garota abriu a porta. Ruiva, baixinha, magra e vestindo a blusa do
meu melhor amigo. Corajosa.
— Jasmine Rhodes? — ela sussurrou.
— Jasmine? — Oliver questionou, saindo da cozinha e fazendo sua
melhor cara de preocupado. O desgraçado estava aprendendo a atuar
direitinho.
— Preciso de você! — falei, soluçando e correndo para os seus braços,
como se a garota não existisse. Zhang me abraçou com força, me
tranquilizando. Ele acabou rindo baixinho contra o meu ouvido e eu o
belisquei. — Fica sério, filho da puta — sussurrei e ele voltou a atuar. —
Eu precisava m-muito do meu melhor amigo! — falei alto, soluçando cada
vez mais.
— Meu Deus… Parece que algo grave aconteceu, c-certo? — a garota
perguntou, sem jeito. — Nossa, vou me arrumar e ir embora. Desculpa por
qualquer coisa, Ollie. Nos falamos depois?
— Não precisa se desculpar, linda. Emergências acontecem.
Ele desviou da pergunta com maestria. Cafajeste.
A garota se vestiu com as roupas pela sala e eu olhei para Zhang,
erguendo as sobrancelhas como quem dizia: “na sala?”. Ele ergueu de
volta, com um sorriso olhando para todo o apartamento, que dizia: “por
todo o lugar”. Estremeci de nojo, fazendo uma nota mental de só sentar em
seu sofá se mandasse alguém limpá-lo.
— Mil desculpas! — a garota disse, sem nos olhar, jogando a camisa do
Oliver para ele. — Espero que tudo fique bem, Jasmine! Sou uma grande
fã!
Forcei um sorriso frágil e abracei Ollie de lado, que me abraçou de volta.
Ela finalmente caiu fora e fechou a porta do apartamento.
Eu me virei para o Zhang e tombei a cabeça para o lado, percebendo que
ele estava de boxer o tempo todo. Desgraça. Fazia sentido tanta gente cair
aos seus pés. Digo, eu tinha a regra pessoal de não ficar com amigos
próximos, mas não era cega: tatuagens, piercings, tanquinho, sorriso
impecável, o pecado em forma de pessoa… Zhang era muito gostoso. Voltei
o olhar para seu rosto e ele começou a se defender sem que eu dissesse
nada:
— O quê?! Ela estava com minha camisa, fazendo café da manhã e
fazendo planos de jantarmos juntos essa semana. Foi assustador!
— Vire gente, Oliver Zhang. — implorei, como sempre, e ele riu. —
Estou indo trabalhar. Se essa garota inventar qualquer merda sobre o que
viu aqui, esteja preparado para inventar alguma desculpa ou vou socar você
até o próximo ano. — Pisei firme para fora do apartamento.
— Aham, aham. Amo você.
— Amo você. — devolvi, rindo.
— Espera — Ollie me chamou e eu travei, segurando a maçaneta. —
Está bem? Digo… Depois da festa.
Forcei um sorriso que convenceria qualquer um, mas não Zhang.
— Bem o suficiente para expulsar uma garota da sua casa. De novo.
— Rhodes…
Prendi um suspiro.
— Estou bem, idiota, prometo.
Na verdade queria enfiar minha cara em um buraco depois de ter
cobrado satisfações da minha ex por um relacionamento antigo, mas para
quê relembrar?
— Preciso ir. Mais alguma coisa?
Zhang me deu um sorriso que me fez ter certeza de que me arrependeria
da pergunta. E eu me arrependi.
— Vai sair no mesmo horário amanhã, pela manhã? Talvez alguém
precise expulsar aquela loira do 302 bem cedo.
Revirei os olhos, erguendo o dedo e o deixando sozinho. Ouvi a
gargalhada de Oliver do lado de dentro. Esse cara nunca tomaria jeito,
tomaria?
— Algum motivo para a sua pele estar tão gelada agora de manhã? E
essa cara de choro? — Kyle, maquiadora e cabeleireira, perguntou. De pele
branca bronzeada e cabelo raspado, olhos azuis, vestindo a última coleção
da YSL, ela era uma das mulheres mais lindas que já vi.
— Longa história. — Me sentei na cadeira do meu trailer, me
preparando para sua longa rotina de cuidados e abri meu roteiro para
estudar as cenas daquela manhã. — Cole O’Connell está atrasado de novo?
— Provavelmente vai aparecer bêbado depois de gritarem ele pela
décima vez.
Suspirei. Meu colega de trabalho era impossível. O cara mais
antiprofissional que já vi e nem atuava tão bem assim. O lance era que
infelizmente ele era um galã antes mesmo de eu trabalhar com ele e foi um
dos nomes contratados para tentar fazer a série crescer logo de cara — o
que deu certo. Mas se ele era a estrela no início, eu era a estrela agora. A
série fazia sucesso por minha causa. E além de não atuar tão bem assim,
Cole era temperamental. Eu não sabia por que ainda estava na série.
Privilégio branco, possivelmente. Digo, ele era a cara cuspida do Liam
Hemsworth, mas podre em mais aspectos, ainda assim muita gente caía aos
seus pés.
Contudo, eu não desejava mal para o cara. Cole precisava ir para uma
clínica de reabilitação, se afastar da fama um pouco e se reencontrar de
alguma forma. De verdade mesmo, estava difícil trabalhar assim, mas
deveria ser pior estar na pele de um dependente.
— Jazzy-Boo? — Sorri assim que ouvi o chamado. Melissa Wayne
estava na porta do trailer, infiltrando a cabeça com o mesmo sorriso doce de
sempre. Tinha um tom avermelhado na pele negra clara, na região das
bochechas. O cabelo cacheado estava preso em um rabo de cavalo alto e
seus olhos tinham o mesmo tom do meu latte preferido. Minha roteirista
favorita entrou quando percebeu que era permitido e beijou o rosto de Kyle,
se apoiando na minha bancada e balançando um roteiro. — Preparada para
a bomba?
— Oh, oh… Que bomba? — Ela pegou meu roteiro grifado sobre a
bancada e o empurrou, até que caísse na lixeira bem próxima. Entendi
imediatamente, suspirando. — Trocaram o roteiro de última hora?
— Bem… Sim. Não só do primeiro episódio. Na verdade… — Mel
suspirou. Kyle ainda cuidava da minha maquiagem, uniformizando a base
na minha pele. — Estamos cogitando adiar a temporada e começar uma
nova leitura de mesa, novos ensaios… Algumas cenas dos cinco primeiros
episódios foram mudadas. Não tantas no primeiro, então ainda podemos
gravar essa semana. Mas… Depois, será discutido.
— O que Cole fez dessa vez? — Fechei os olhos quando Kyle pediu,
sentindo o pincel na região dos olhos.
— A pergunta é o que ele não fez. — Mel respondeu, soando
verdadeiramente cansada. — Cole não vem sendo professional, Jas. Por
muito tempo os produtores o queriam conosco, o streaming, o público… —
Abri os olhos. — Mas agora ele está atrasando a produção muito mais do
que antes, se atrasou para todas as leituras de roteiro, não responde às
ligações e faz duas semanas que o agente dele não dá notícias, o cara
simplesmente não se ajuda! Quase vazou uma foto de Cole cheirando uma
carreira de cocaína. Jake pagou dois milhões para evitar isso.
— Dois milhões?
Jake Rose, assim como Mel, era nosso showrunner. Um dos criadores da
série, junto com Melissa Wayne e Georgia Rose, a esposa dele. Mas
enquanto ele seguia como produtor e coordenador principal do projeto, ela
preferiu ficar como roteirista e na direção de alguns episódios, de vez em
quando.
— O cara está custando mais do que o salário dele. Está custando mais
que a produção de um episódio, Melissa!
— Pois é. E nós tentamos ajudar, certo? Eu tentei. — Vi a tristeza no
olhar de Wayne.
Cole nunca a tratou muito bem, mas Melissa Wayne tinha um coração
puro e fazia de tudo pelo bem de todos à sua volta. Ela tentou convencê-lo a
conseguir alguma ajuda psicológica uma vez e ele foi grosso pra caralho
com ela. O que resultou no marido de Wayne, Mike, um nerd sempre calmo
e sorridente, socando-o sem piedade. Saiu nos jornais, mas os produtores
conseguiram abafar a tempo. O pai de Wayne também ajudou a limpar a
barra de Mike. Não que tivesse algo a ser limpo.
Eu não sei se isso me torna uma má pessoa. Novamente, eu esperava que
Cole ficasse bem. Mas independentemente da sua dependência, antes
mesmo de ela aparecer, Cole já era incrivelmente perverso, rude e ruim.
Então eu não fiquei triste quando Mike o socou. Na verdade, amei um
pouco mais Graham por isso.
— Só espero que Cole fique bem quando ler os primeiros episódios —
Mel disse e eu peguei o roteiro novo de suas mãos, folheando-o em busca
das alterações. Wayne se afastou da mesa, beijando o topo da minha cabeça
como despedida.
— Por quê?
— Porque no quinto episódio, o personagem dele morre.
“Você nunca se apaixonou e não quer se apaixonar, Z. Você nunca vai
entender.”
Chutei a bola novamente.
Na época da escola, eu jogava na defesa ou como volante às vezes,
porque essa era a maior fraqueza do nosso time. Contudo, quando o
treinador me colocava como meia, eu brilhava pra caralho. Quando fiz o
teste para o time de Brightgate, jogando como meia, os olheiros perceberam
isso. Era a posição que eu amava. Meu melhor amigo, na época, me disse
“esqueça como faz na porra da escola, Zhang, faça como ama fazer”. E com
esse conselho de Brandon Ramsey, eu mostrei do que era capaz.
Eu sou um dos melhores meias da Austrália. Um dos melhores
cobradores de falta também. E isso não condizia com a bola voando por
cima do gol.
— Oliver! — O treinador Corey gritou e eu bufei, consciente de que era
o terceiro pênalti seguido que eu errava. — Porra! Meu melhor cobrador de
falta está onde? Naquela porra de festa que você foi esse fim de semana?
Respirei fundo com o comentário de Corey. Estávamos no início do ano.
Tínhamos alguns amistosos antes do campeonato de fato e o primeiro seria
naquela semana. Não era o fim do mundo beber quando se está de férias e
tecnicamente eu estava na noite da festa do desfile, então ele não poderia
reclamar, poderia? Mas confesso que eu não estava com a cabeça no lugar
naquele treino. Não mesmo.
— Desculpa, chefe — respondi, dando meu melhor sorriso e isso não
deixou o homem magro, bigodudo, negro e alto nem um pouco mais
tranquilo. Olhei para o outro lado do campo, onde alguns jogadores
treinavam velocidade, se movendo com habilidade com as bolas em um
percurso de cones. Clark, o goleiro, à minha frente, me lançou um olhar
confuso.
Eu chutei a bola novamente. E errei.
Eu precisava tirar Jasmine Rhodes do meu sistema. Quando isso
acontecia, mais sexo bastava. Exceto que naquela manhã Jazzy expulsou a
menina da minha casa e eu só consegui pensar no cheiro do seu perfume
por todo o caminho para o trabalho. Mais sexo, então. Jamais com ela.
Segurei a próxima bola e a posicionei na grande área, nervoso. Levei as
mãos à cintura, observando minhas chuteiras vermelhas contra a grama.
Eu não sei ao certo quando minha atração por Jasmine começou, mas eu
achei que estava a superando. Digo, eu ainda faria qualquer coisa por ela,
porém é o que você faz por sua melhor amiga. Principalmente, quando
conhecê-la foi uma das coisas que te salvaram do buraco mais fundo que
você já esteve em toda a sua vida. Eu a amava, obviamente. Mas não tinha
por que me incomodar tanto por aquela frase se eu não era apaixonado por
ela. Era apenas uma atração, era normal. Afinal, Rhodes era linda.
Não era paixão. Era?
Chutei a bola novamente. Errei.
Deixei flores na casa dela, como sempre quando brigávamos. Jasmins,
por motivos óbvios. Seu nome diz tudo. Ela apareceu na frente da minha
porta com uma flor cobrindo o rosto, até fazer o clássico “opa, aqui estou” e
tirar a flor de cena para me dar seu melhor sorriso. Ela me disse “Desculpa
por ter sido uma bebê chorona e mimada na outra noite”. Eu disse que ela
não tinha sido e sorri. Pra caramba. Eu não me importava se fosse uma bebê
e chorona mimada, porque ela era minha Jasmine. Mas não era paixão.
Nunca seria. Eu não poderia deixar que fosse.
Me afastei da bola novamente, prestes a cobrar outro pênalti.
Oliver Zhang foi feito para jogar futebol e viver intensamente. Oliver
Zhang não foi feito para amar.
“Você nunca se apaixonou e não quer se apaixonar, Z. Você nunca vai
entender.”
Cobrei o pênalti. E errei pra caralho.
— Péssimas cobranças!
— Uou! — foi o que consegui dizer, estremecendo, com a visão da
minha irmã no vestiário do time. Os jogadores não tinham se despido ainda,
eles esperavam por seja lá o que Corey, o técnico, nos diria após o treino.
— Bom dia para você também, Riley.
— Bom dia, insuportável. — disse, sorridente. Sua pele amarela estava
um pouco suada, resultado do calor infernal do verão daquela cidade, mas o
sorriso da técnica assistente era bem sincero. — O que tem de errado com
os seus pés hoje? Ainda sabe acertar o gol? Ainda lembra o que é um gol?
— Ha ha. Hilária. — Fechei meu armário e dei um peteleco na sua testa.
— Veio me pirraçar ou tem algo a me dizer, Lee?
— Na verdade, tenho. E você não vai gostar. — Cruzei os braços,
esperando que falasse de uma vez. — Corey está pensando em te tirar de
alguns dos jogos.
— Por quê? — Ela esperou que eu processasse. — Estou sendo punido?
— Shhh… Filho da puta, fala baixo.
— Chamou a mamãe de puta? — Lee bateu na minha nuca, brava pela
piada. Eu xinguei, alisando o lugar atingido. — Por que estou sendo
testado?
— Preciso mesmo dizer? Seu time, Zhang, e seu adorável empresário te
falam sempre, Oliver. No fim da última temporada, você tinha tantas
manchetes de fofocas por dia quanto assistências, gols e passes corretos.
Você teve duas lesões no último campeonato. — Eu não poderia falar sobre
elas. — E sempre saindo com garotas antes de treinos, chegando atrasado
nas concentrações depois de imagens suas em noitadas… E você foi
expulso por agredir um torcedor e não jogou a última partida.
— Eu estava errado? — perguntei, bravo. Ela negou.
O filho da puta foi racista e xenofóbico. Me chamou de “japonesinho”
quando eu estava para cobrar um escanteio, sendo que eu tenho
descendência chinesa. Geralmente eu ignoro esses desgraçados, por causa
do time, mas era um jogo tenso e ele gritava a plenos pulmões que eu — o
“japonesinho” — era burro demais para um asiático. Estereótipo do caralho.
Eu gritei de volta que minha descendência era chinesa, ele disse que dava
na mesma e minha família deveria voltar para onde veio. Os câmeras
gravaram o jogo sendo interrompido por aquela discussão. E gravaram
quando eu pulei os limites do campo e joguei a bola na cara do filho da
puta.
Eu faria de novo. E faria mesmo.
A única pessoa que me acalmou foi a Hailey, quando saí do jogo. E
depois da pequena Carlson-Bale, a Jasmine. Ela me ouviu contar toda a
história e disse que eu deveria ter jogado a bola mais forte.
Nunca fui um cara agressivo. Mas eu faria de novo. Mesmo que me
punissem.
— Veja, Ollie… Você não estava errado! Eu amo você pelo que fez, se
quer saber. Mas isso gerou burburinho para a imagem violenta que pintaram
de você.
— Que não faz nenhum sentido. Briguei uma vez na rua porque
assediaram a Mel, outra vez em um bar porque desrespeitaram a sua esposa
e mãe do seu filho, Lee, e…
— Ainda assim, essas mentiras e fofocas rendem para a mídia e você
sempre foi o alvo e, convenhamos, Z, você sempre vai ser! — Algo no seu
tom preocupado me fez suspirar. — Seu rendimento foi espetacular na
temporada passada e eu sei bem que vai ser nessa. Mas seu contrato está
acabando e algumas pessoas do clube estão falando que não sabem se você
é esse jogador todo e você é caro, Ollie. Você é o capitão. Então me choca
que não estejamos ouvindo falar tanto de outros times interessados e ainda
mais que esteja sendo cogitado para o banco, ou para cair fora.
Corey entrou no recinto e eu me senti tentado a falar com ele, mas Lee
leu meu olhar perfeitamente e balançou a cabeça, discordando da minha
ideia.
— Jogue bem, mas se comporte fora de campo. Fique mais quieto nos
próximos dias. E converse com seu empresário.
Assenti e ela beijou minha bochecha, se afastando. Suspirei, dando
graças a Deus por minha irmã existir. Ao mesmo tempo, quis que não
tivesse vindo me contar nada daquilo. Definitivamente não era o que um
capitão gostaria de ouvir. Não mesmo.
Almoçar com meus pais foi tranquilo, mas me atrasou um pouco para a
reunião que eu teria com meu empresário.
Mamãe fez seu típico macarrão Dandan, uma receita da sua família
materna. Minha avó, Zhang Chuang, morou em Hong Kong por quase toda
a vida, porque seus pais se mudaram para lá quando tinha apenas três anos.
Mas, na verdade, ela nasceu em Sichuan, uma província no sudoeste da
China — perto do Himalaia, se meus conhecimentos de geografia ainda
prestam de alguma coisa. A vovó sempre teve um grande contato com sua
cultura, porque era importante para seus pais. Mesmo após casar com um
cidadão de Hong Kong, ela fazia questão que a mamãe soubesse de onde
seu sangue vinha, principalmente se tratando da culinária.
A minha mãe saiu da China porque queria mais do que meu avô
planejava para ela. Ele era um empresário com uma rede importante de
restaurantes. Sempre em contato com as melhores escolas e com as famílias
estrangeiras dos sócios do seu pai, minha mãe precisava saber um pouco de
inglês. Ao mesmo tempo queria estudar e se tornar alguém — em suas
palavras — “relevante para a sociedade”. Meu avô, extremamente
conservador, queria casá-la com alguém e assisti-la ser apenas mãe e
esposa. Minha avó, de início, compartilhava a mesma ideia. Mas ao
perceber que sua querida Lin definhava sob desejos alheios, ela a
incentivou a buscar mais. Então a mamãe conseguiu uma bolsa de estudos
assim que se formou na escola, para uma vaga em Psicologia, na Austrália.
Contudo, o seu sonho era direito.
O destino, mágico e agindo por linhas tortas, a fez conhecer um
estudante de direito apaixonado o suficiente para enfrentar o vovô, implorar
pela mão da mamãe para a vovó, casar com Zhang Lin aos vinte e poucos e
ajudá-la a não somente conseguir a cidadania australiana, mas cursar o que
sempre quis cursar.
Desse amor, nasceu Lee e eu. Metade australianos, metade chineses.
Como a vovó fazia com ela, a mamãe tentava nos manter ligados à cultura
de Sichuan. Não funcionou muito comigo e com Riley, mas nós tentávamos
absorver alguma coisa, principalmente pela nossa avó… Mas vovó Chuang
morreu poucos anos depois que me tornei jogador de futebol.
Enfim… De qualquer modo, toda vez que eu me sentava com meus pais
e provava algo apimentado e temperado daquele jeito, eu lembrava dela. Eu
me sentia em paz e em casa. Eu via a satisfação nos olhos da mamãe —
principalmente quando me oferecia para cozinhar junto. E isso não tem
preço.
Além do mais, o macarrão Dandan — ou Dandanmian — tem um molho
picante de vegetais em conserva, óleo de pimenta, pimenta de Sichuan,
carne de porco picada e cebolinha servida com macarrão. É gostoso pra
caralho. Eu atrasaria qualquer coisa para comer isso. Inclusive, voltei para
casa com comida suficiente para mim e Jasmine — até porque a mamãe me
fez prometer que levaria para Rhodes.
O problema é que eu cheguei em casa e encontrei um bando de filho da
puta esfomeado. Eu não deveria me surpreender, afinal, eles tinham entrada
liberada no prédio e meu empresário tinha uma chave. Minha equipe, a
chamada Time Zhang, contava com publicistas, nutricionista pessoal e duas
pessoas principais: Eric, meu assistente pessoal, e Keanu, meu empresário.
Era uma equipe divertida e bem entrosada, mesmo que Keanu fosse
rigoroso. Ele agia como um irmão mais velho e insuportável. Mas era bom
no que fazia e tinha um bom coração.
— Demorou pra caralho, Zhang. — Keanu disse, jogado ao meu sofá,
em seu terno impecável. Ao seu lado, Eric rolou os olhos, assistindo o
último jogo da seleção australiana. Seu cabelo era rosa clarinho, seus olhos
verdes claros e sua pele branca cheia de tatuagens.
— Mamãe fez Dandanmian. — expliquei e os dois pularam do sofá
como abutres. — Na-não! É da Jasmine. — avisei, seguindo para a cozinha,
para guardar a comida.
— Claro que é. — Eric debochou, em meu encalço. — Como foi o treino
hoje?
— Pergunta porque quer saber ou como introdução para o papo que
sabem que quero ter? — fui direto e os dois se entreolharam. Guardei o
Dandanmian, fechando a geladeira e ignorando o olhar pidão de Eric. —
Lee conversou comigo hoje.
— Eu sei. — Keanu foi honesto, se sentando em frente à bancada da
cozinha americana. Seu rosto era anguloso, mandíbula reta. Sua pele, em
um tom médio, era bronzeada Muitas das suas tatuagens contavam a
história da sua família nativa havaiana, sua herança indígena. O cabelo liso
estava em um coque alto, as laterais raspadas permitindo a visão dos
piercings na orelha. O filho da puta era irritantemente bonito. — Estava
esperando que alguém me ajudasse a te colocar juízo, finalmente.
— É assim que chamamos agora?
— Levar trabalho a sério? Sim, chamamos de colocar juízo. — ele
repetiu e eu ri. — Porra, Oliver, você brinca com a sua carreira.
— Eu brinco em campo porque eu sou bom em brincar. Eu driblo, crio
jogadas, guio à vitória e me divirto na porra do processo…
— Não estou falando do campo! Estou falando da farra, das mulheres…
Dos atrasos em campo, Zhang, as pessoas comentam.
— Eu não me atraso em meio de semana porque estou fodendo ou
bebendo, Keanu.
— Então que porra está fazendo?
Preferi não responder. Olhei rapidamente para o Eric e ele grunhiu,
optando por se afastar e voltar para o jogo na televisão. Keanu tirou o paletó
e cruzou os braços. Em seus quase quarenta anos, o cara era intimidador
quando queria.
— Sou o melhor jogador em campo. Eu não deveria ter que provar nada.
— Deveria sim. Ser o melhor não te torna isento de responsabilidade e
você vem fugindo disso há tempos porque é conveniente. Vem fugindo
disso porque a diversão te faz esquecer dele. — Keanu pegou justo na
ferida e eu o observei com raiva. Keanu falava dele. Do Brandon. Meu
melhor amigo. — Precisa voltar para a terapia?
— Visito quando preciso, Keanu.
— Jura?
— Sim. Eu só sei ser discreto pra caralho no que faço. — Sustentei seu
olhar para que entendesse que era verdade. Porque era.
— Dá para ver. Porque aparentemente não te conheço mais, huh? Tem
muito sobre você que eu não sei. — Quase ri. Ele nem imaginava. — Por
que está colocando o futebol de lado, Zhang? Por que não leva isso a sério?
Posso consertar tudo isso e prometo tentar fazer os times te valorizarem
novamente, porque sei que vai arrasar em campo… Mas era para estar ALI.
— ele apontou para a televisão da sala. Os uniformizados da Austrália
perdiam feio para o Brasil. Jasmine me provocaria quanto a isso. — Talvez
se estivesse ali, o placar fosse outro. E você tem poder e capacidade de ir
para a seleção, mas não está lá!
— Porque não quero! Eu não faço questão disso! — explodi, em uma
meia verdade. — Eu quero ficar com a minha família, os meus amigos. Eu
faço uma grana boa pra caralho. Se continuar ganhando isso, desde que eu
continue por aqui, estou satisfeito, Keanu. Não quero Barcelona, PSG, Real,
Napoli… Só quero jogar bola porque sou bom nisso e amo o que faço.
Quero isso como emprego. Mas não quero ir para longe.
— Nem vai longe se continuar assim, Zhang. — ele murmurou. — É
difícil. Você é o único jogador de futebol sem ambição que eu conheço.
Meus pais diziam a mesma coisa. Desde criança. Às vezes eu sentia que
tinha vindo com defeito. Eu gosto de dinheiro, não me leve a mal. Amo
isso. Amo minhas roupas, meus sapatos, meu estilo. Amo mesmo. Mas
viveria bem sem isso. Gosto de ser o melhor de todos. Mas nunca fiz
questão de ser o mais rico. Eu sempre quis ser feliz com o que tenho. É tão
limitado pensar assim?
Talvez eu seja mal-agradecido. Ou talvez eu tenha vindo com defeito
mesmo, não? O mundo parece ter sido construído de um modo em que as
engrenagens giram para fazer dinheiro. E eu só quero ser feliz. Ou estar
bem. Bem o suficiente.
— Você tem um potencial enorme e se limita demais. Espero que isso
mude. Mas é dever meu como empresário assegurar seus desejos. Você quer
o campeonato australiano? Ok. Quer o time de Brightgate. Ok. Mas vai
perder até isso se não se mostrar como um cara comprometido. É sério,
Zhang. Você está perto dos trinta. Não vai jogar para sempre. Cresça um
pouco.
Era o que todo mundo me dizia. E eu sabia que todo mundo estava certo.
— Só resolve essa porra e não me deixe ficar feio no mercado, sim? —
pedi e Keanu suspirou.
— Torça para algo mágico e limpador de reputações cair do céu, então.
Keanu sempre teve uma boca maldita. Porque algo caiu do céu. E não foi
da melhor forma possível.
“Puta, vagabunda, interesseira
Eu fazendo meu trabalho
Escutando só besteira”
INTERE$$EIRA - Luísa Sonza
Não costumo me desesperar com facilidade. Não mesmo. Sou positiva. E
creio que quanto mais energia positiva jogamos no mundo, mais ela volta
para nós. Faço disso minha religião. Repito isso como a porra de um
mantra. E mesmo assim, eu estava me fodendo.
Eu estava desesperada.
— Vou deixar vocês a sós. Mike está chegando…
— Não precisa. — assegurei para Wayne, que beijava o rosto de um
Zhang estático e corria em minha direção, com um sorriso enorme no rosto.
— Precisa sim! Vocês dois fazem dessa sala um templo juntos, toda vez,
e não vou impedir isso. — Ela segurou minhas mãos, firme, ainda com
aquele sorriso gigante. — Está melhor?
Neguei, sem capacidade de mentir. Ela suspirou e me abraçou. Wayne
tinha cheiro de jasmins e algo mais doce. Era tranquilizante. Seu abraço era
um dos melhores do mundo. Só perdia, talvez, para o cara do outro lado da
sala.
— Vai ficar tudo bem, Jas.
— Vai ficar tudo bem, Mel. — devolvi, porque seu nome ainda estava na
reta. Ela fazia parte de Surf & The City. Aquela série era sua paixão. Todo
esse drama a afetava de alguma forma. Ela beijou minha bochecha e se
afastou. Ouvimos uma buzina e seu sorriso voltou.
— Vai para o seu nerd favorito, vai! — falei e ela riu, se virando para
Zhang e acenando antes de girar nos calcanhares e partir. Só me deu tempo
de bater na sua bunda uma vez, sua gargalhada ecoando porta afora. Pena.
Amava bater naquela bunda.
Zhang pigarreou. Eu fechei a porta da sala atrás de mim, cruzando os
braços, encolhida. Tímida. E com ele. O que nunca fui. Nunca mesmo.
— Então…
— Então… — o imitei, parando a alguns passos dele. Percebi a máscara
do Mike no canto da sala e as luvas em suas mãos. O que queria dizer… —
Produziu algo hoje?
— Não. Apesar da máscara, não gravei nada, eu só…
— Queria se distrair?
— Sim.
— É… — Meus olhos arderam. — Eu também.
Ollie esquadrinhou o meu rosto por dois segundos, mas preferiu fitar os
próprios pés. Eu mantive meu olhar sobre ele. As tatuagens escondidas pela
roupa preta. Gola alta. O que não ajudava para o que fazia ali. Deveria fazer
muito calor. Ele não se importava.
Ele se vestia assim mesmo quando não se gravava. Quando se gravava,
cobria cada centímetro de pele. Principalmente a cara.
— Não deveria esconder nada disso. — murmurei.
— Eu deveria sim. Você sabe disso mais do que nunca agora. — Nossos
olhares se cruzaram e meu coração bateu mais forte, absorvendo suas
palavras. — Tudo o que a mídia toca, apodrece, Jasmine. Ela tocou a sua
vida…
— E minha vida está apodrecendo?
— Está?
Estava. Tudo o que lutei para conquistar… Ri nasalado, balançando a
cabeça e odiando a dor atrás dos olhos. Frágil. Vulnerável. Chame o que
quiser, eu não gostava disso.
Zhang se aproximou. Não me tocou. Não me abraçou. Era o que eu
queria e ele sabia, mas também sabia que se isso acontecesse, eu desabaria.
A não ser que fizéssemos o que ele tinha ido ali fazer. O que provavelmente
fizera com Carlson e Wayne. Ainda assim, ficou ali, parado, a uma distância
segura. Esperando.
E eu não sabia como agir. Havia uma tensão diferente entre nós desde
que propusera ser meu namorado falso. Era inquietante. Confusa.
Fascinante também.
— Tire as luvas. Não precisa esconder comigo.
Ele obedeceu e eu passei reto. Os fios na minha nuca se arrepiaram e eu
ignorei isso, atribuindo a sensação ao ar-condicionado do ambiente e não…
ugh, sei lá.
— Posso?
— Sabe que pode. — ele respondeu, ainda distante. Vi pelo espelho suas
luvas sendo jogadas ao chão. Ótimo.
Conectei meu celular às caixas sonoras. Respirei fundo, fechando os
olhos e recuando… Até que Be My Queen do Seafret começou a tocar. Abri
os olhos.
Eu comecei a minha história ali. Trabalhei com Finneas Wayne naquele
mesmo estúdio, com dezoito anos e um sonho. Um sonho que era mais do
que ser instrutora de dança. Um sonho que agora escapava pelas minhas
mãos como areia.
— Sério? Essa? — Ele riu, atrás de mim.
— Essa me acalma, ok? — me defendi, vendo seu sorriso antes mesmo
de erguer o queixo e encontrá-lo pelo espelho. Seu sorriso sempre estava na
minha mente.
Eu deveria saber. Eu deveria saber muito antes, Oliver Zhang faria
comigo o que fez com tantas outras. Ele me conquistaria. Ele conquistava
qualquer um.
— Foi uma das primeiras que você criou. — lembrei e ele negou,
parando atrás de mim.
— Nós criamos juntos.
Zhang roçou o queixo na minha têmpora, mantendo os olhos sobre mim.
Seus olhos se fecharam, como suas mãos.
— O que está pensando?
— No que quero esquecer. — sussurrou. — E você?
Mídia. Seguidores despencando. Ataques, muitos deles claramente
racistas. Ódio gratuito. Mentiras ao meu respeito. O que minha família, no
Brasil, provavelmente pensava sobre tudo isso. Boatos de contratos
correndo risco de serem rompidos. A série por um fio. Meus próximos
filmes com divulgação fodida, por uma mentira suja. Meu sonho morrendo
junto com minha conta bancária.
— Também. No que quero esquecer.
Ele sorriu. Era um sorriso triste. Infelizmente lindo no seu rosto.
— Então vamos começar.
Ele me girou, colando meu peito ao seu, assim que o refrão explodiu
pela sala. Zhang me girou de novo e eu fingi que escaparia dele, apenas
para que caçasse por mim novamente, capturando-me pela cintura.
Erguendo-me ao topo. Prometendo me fazer sua rainha, ele seria o meu rei.
O mundo seria nosso. Mas era só uma música. Era só uma dança. Ainda.
De novo ao chão, uniu meu corpo ao seu, mas tentei escapar. Ele uniu o
peito às minhas costas de novo. Sua respiração perto da minha têmpora,
quente e acelerada. Seus dedos roçando de leve pelo meu braço, até se
entrelaçarem aos meus.
De todos os segredos de Oliver Zhang, o mais doce? Ele dançava. E
entre todos os estilos, a dança contemporânea era a que eu mais amava nele.
Era quando se mostrava vulnerável e criativo. Um livro aberto. Um que eu
amava ler.
Ele diz que criou essa coreografia comigo. Ele a odiava porque a julgava
amadora. Talvez seja. Zhang melhorou muito, desde sua primeira criação.
Mas a maioria das ideias foram suas e foram lindas. Foda-se. Era a minha
favorita.
O tempo todo eu fugia, o tempo todo ele me resgatava e o mundo todo
parava. Quando girei de novo, ele me capturou, puxando-me pela mão antes
que eu caísse, soltando-a apenas para agarrar minha coxa rente ao corpo.
Me segurava tão firme que os nós dos dedos tatuados estavam brancos na
minha perna e na minha cintura.
Eu poderia ficar por um triz de despencar, mas jamais me permitiria
chegar ao chão. Era poético. E irônico. Era sobre nós. Eu só era burra
demais para perceber.
Ele girou com meu corpo preso ao seu, até parar subitamente. Depois
deixou sua mão subir da minha coxa para cintura, pescoço… Minha
pulsação acelerava contra seus dedos, com o ritmo da música, intenso
apesar de constante. Mesmo que a melodia avançasse, era como se os
segundos não. Espaço, tempo, vida… tudo era sobre nós. Tudo sempre foi
sobre nós.
Ofegante, me perguntei por que não continuou a me guiar. Observei seu
peito subindo e descendo rente ao meu, sincronizados. Fechei os olhos, sem
saber o porquê. Meus lábios… Subitamente sua respiração os tocava e eu
podia, quase, sentir o gosto de menta e problemas.
— Esqueceu? — ele quis saber, enquanto a música continuava.
— Do quê? — perguntei, honesta. Abri os olhos e Zhang ainda estava
próximo, segurando meu pescoço e minha cintura.
— De tudo, Jasmine.
Assenti, unindo a testa à sua. Ele xingou baixo e eu quis saber o que
pensava.
— Qual é seu motivo, Ollie? — tentei, mais uma vez. Ele sabia do que
eu falava. — Por que quer ser meu namorado falso?
Ergui os olhos para meu melhor amigo. Aguardando.
Seu pomo de adão oscilou. Apenas isso.
Eu deixei de esquecer do mundo.
Eu cedi.
A música ainda continuava, mas não nos importávamos. Mesmo com o
caos externo, ele me ouvia.
— Priyanka ficou o dia todo em uma sala com nossa equipe, pensando
em uma solução, porque acreditam que os boatos são verdadeiros. Cartier,
Calvin Klein… Vou perder os contratos, Ollie…
— Não…
— Eu desmenti tudo antes de vir aqui. Eu postei tweets, stories, dizendo
que obviamente tudo é irreal e meus fãs estão lutando por mim, mas tem
tantos haters… — Meus olhos marejaram e um músculo na sua mandíbula
se sobressaltou. Ele segurou meu rosto como se eu fosse partir. — A série
deve ser paralisada, sabe? Adiada, talvez? Acho que só não perco os
contratos do filme da Universal e aquele da Sony, porque… Já me
anunciaram, certo?
— Respira, Rhodes.
— A melhor opção é uma cortina de fumaça e se for um relacionamento
falso… E se você realmente tem um motivo tão importante… — Parei de
falar, passando a língua pelos meus lábios e sentindo-os salgados. As
lágrimas já tinham escapado. Eu nem percebi. — Pode me contar no seu
tempo, ok? Tudo bem! Eu só preciso que isso passe. Eu só preciso… —
Minha voz falhou por completo quando olhei no fundo dos seus olhos. —
Preciso que fique bem também. Então se eu disser sim, Zhang, você vai
fazer isso parar? — Minha voz ficou por um fio. Ele sabia que era sério. Eu
estava ruindo mais vezes do que era capaz de contar naquelas últimas horas.
Precisava dele para me impedir de cair fora da dança. Eu faria o mesmo por
ele. — Z?
Eu não podia ler a intensidade do seu olhar. Raros eram os momentos em
que eu não o entendia. Mas pela vermelhidão nos seus olhos, algo o feria. O
quê? Era o seu motivo? Por que ele não me contava?
— Não posso prometer que o mundo vai parar de te ferir, Jasmine. —
falou. — Está fora do meu controle e eu odeio isso! Mas posso te prometer
que vou fazer de tudo para que parem. — Ele segurou minha nuca com uma
mão, ergueu meu queixo com a outra. — Vou fazer o que for preciso.
Quando soltei um suspiro cansado, ele me trouxe para si, unindo minha
cabeça em seu peito. Segura com ele, me agarrei à sua camisa como uma
criança agarra um cobertor e desabei pela última vez. Mas Zhang estava ali.
Ele me colocaria no céu novamente. Eu não tinha dúvidas disso.
Eu só esqueci que quanto mais alto ficamos, maior é a fatalidade da
queda.
Era como ter um roteiro para a vida real.
Uma semana para o primeiro beijo fotografado por paparazzi – o que
queria dizer, uma semana para contar para a família. Outra semana sem
comentar sobre a foto, que com certeza seria publicada, enquanto saíamos
juntos pela cidade, fingindo que jamais desconfiaríamos das câmeras
escondidas, gravando a cada interação. Iria em alguns jogos dele – o que
provavelmente preocupava Zhang, porque sou meio descontrolada quando
estou torcendo – e ele visitaria alguns photoshoots e o set, assim que as
gravações fossem retomadas. E então as campanhas publicitárias em
conjunto, o que Keanu esperou pelo menos trinta minutos antes de
comentar.
Digo, eu não era contra ganhar dinheiro, e se poderíamos lucrar alguns
milhares de dólares em seis meses, estava cem por cento a favor. Talvez não
seja algo decente a se pensar, mas tanto eu, quanto Zhang éramos assim. Se
a vida te dá limões, você faz limonadas. E se possível, as vende.
Assim que chamei o elevador, no quarto andar da Skore, Zhang parou ao
meu lado. Carlson e Bale estavam dentro da sala, conversando com
Madison e Priyanka. Mike e Wayne, logo à nossa frente, cochichavam sobre
alguma convenção de ciências da Universidade Brightgate.
— Para uma atriz, você não está agindo naturalmente — Zhang
sussurrou, ao pé do meu ouvido. Dei um sorriso tenso.
— Para um jogador, você está atuando melhor do que eu. — Tentei
abstrair o nervosismo esquisito de ter meu melhor amigo tão próximo. Não
era assim antes.
— Estou tentando mostrar que levo essa porra bem a sério.
— Eu sei. — Ele franziu a testa, silenciosamente perguntando “qual o
problema?”. — É que minha faculdade nunca me ensinou a atuar vinte e
quatro horas por dia.
— Pelo menos você fez faculdade. — brincou. Eu engoli a risada. — Só
para saber, para mim, está valendo desde que acordei hoje cedo. Está
valendo desde o treino, depois de errar pelo menos três passes pensando em
você. Nós. Isso aqui... Tenho palavra. Você quer isso o mais real possível,
será. Não sei se sou bom em fingir, mas vou dar o meu melhor. — Nunca o
tinha visto tão sério antes. — Mas não ache que está nervosa sozinha. E
lembre-se que ter um namorado gostoso como eu tem suas vantagens. Digo,
sério... Já viu meu sorriso? Todo mundo vai acreditar que se apaixonou por
mim, Rhodes. E você também não é nada mal, então...
Me dei conta de que estava sorrindo. E muito.
— Nem comecei a te ensinar e já está atuando super bem.
— Gostou? Sou um aluno dedicado.
Ok, decidi que eu gostava do Zhang ator.
— Percebi. É bom improvisando, huh? Seu raciocínio mentindo que não
sou nada mal, quando sou a mais gostosa da Austrália? Impressionante.
Rápido. Efetivo.
— É como penso em campo.
O elevador chegou e nós entramos. Não sei como couberam quatro
pessoas e nossos egos.
— Animados? — “Animados?”. Estreitei o olhar para Melissa, que deu
a mão ao marido, visivelmente feliz. — Amo tanto Fake Dating.
— Mel — comecei, cautelosa —, sei bem como funciona nos livros e
filmes que você venera, mas isso aqui é real. Temos cláusulas. Nenhuma
delas inclui um final feliz e romântico entre melhores amigos.
— Eu sei. — ela disse, ainda mais empolgada. Quase rolei os olhos.
Estava cansada de saber que Melissa Wayne acreditava fielmente que
éramos almas gêmeas, sentenciadas a ficarem juntas. — Só teatro e tal.
Mordi a bochecha, tentada a rir e percebi que Ollie, ao meu lado, fazia o
mesmo. Meu coração, contudo, permanecia inquieto. Fingir um
relacionamento não é fácil. Fingir com seu melhor amigo é perigoso.
Quando saber que ele me abraça porque quer? Como diferenciar isso dos
momentos em que é tudo um teatro?
— O único afeto simulado entre nós precisa ser o beijo. — falei, de
repente, olhando para frente. Mel riu baixinho e eu a encarei por meio
segundo, assistindo a graça morrer. Depois observei Zhang.
— Como assim?
— É óbvio que quando eu te beijar, vai ser teatro. — disse e Zhang se
manteve irritantemente impassível. O único movimento foi um leve salto na
sua mandíbula e eu não soube que porra isso significava, por isso,
continuei. — Mas quero te abraçar porque te amo e você é meu amigo.
Quero segurar sua mão porque te amo e isso me acalma. Quero você do
meu lado porque te amo e gosto de sua companhia. Ao menos 90% das
vezes, tudo precisa ser porque somos Jazzy e Ollie e nos amamos como
melhores amigos que somos. Nos outros dez por cento, quando for mentira,
quero que diga. Podemos ter uma palavra mágica como, sei lá, “avestruz”; e
eu vou saber que seu abraço é porque tem um fotógrafo na rua e sua mão na
minha é para convencer algum fã que está nos encarando.
Ficamos em silêncio, nos observando, por um momento.
— Eu amo Fake Dating! — alguém comemorou, em um sussurro. Oliver
e eu paramos por um momento e nos viramos para Melissa, enquanto o
elevador se movia.
— Mel. — Mike alertou. Ela fez um bico, corada e constrangida.
— Foi mal.
Virei o rosto para Oliver de novo. Ele cravou as íris escuras como a noite
nas minhas. As suas brilhavam de um jeito peculiar.
— E então? — eu quis saber.
— “Avestruz”? Jura? — Eu ri, mais leve. Ele me acompanhou com
aquele sorriso que iluminava o mundo todo. — O que te fizer segura, Jas.
Entreguei a mão a ele. Ele não disse “avestruz” ou nenhuma outra
palavra igualmente idiota. Eu também não. Seus dedos se entrelaçaram aos
meus e aquilo pareceu certo. Então a porta do elevador se abriu. E nós
começamos o teatro.
De todas as coisas que eu esperava que minha mãe diria, depois que
terminamos de contar nossa mentira, definitivamente… Definitivamente,
não pensei que seria:
— Finalmente! — exclamou, nos puxando para um abraço, no
escritório do restaurante. Ollie e eu nos entreolhamos, espremidos, em
choque. — Meu Deus! Eu sabia! Sabia que todas as vezes que eu brincava
sobre isso com vocês dois, vocês desconversavam para esconder o óbvio!
Sempre foram apaixonados, pelo amor de Deus! Desde que me apresentou
o Ollie e ele devorou aquele empadão, lembra? Logo depois do lance do
piercing…
— A gente não fala do lance do piercing. — Oliver interrompeu,
coçando a garganta.
Fazer sua mãe buscar você e seu melhor amigo, bêbados, em um estúdio,
depois de colocarem piercings em lugares inomináveis, só é pior do que ter
que explicar para o treinador dele que ele não poderia jogar, porque…
Bem... Melhor nem lembrar.
— Meu Deus, melhor presente de início de ano! Finalmente vou poder
expor meu genrinho para toda a família! Todo mundo te ama tanto desde
aquela dancinha no trio ano passado, em Salvador, você lembra, Ollie? —
Ela se afastou, com um sorriso enorme, radiante.
— A gente também não fala sobre isso. — murmurou, cada vez mais
vermelho. Eu ri com essa lembrança, porque um gringo dançando pagode
baiano está no top coisas mais bizarras que já vi na vida. Ele virou a
resenha[i] da família.
— C-como assim você sempre soube? — tentei retomar o início da
conversa, dessa vez em português, na esperança de que Ollie não
entendesse.
— Jasmine…— Ela riu, se sentando sobre a mesa como uma criança
empolgada. Os olhos escuros de Patrícia Souza brilharam para mim. —
Uma mãe sabe. Ela sente essas coisas. — Mentalizei que era cômico que
ela não sentisse que aquilo era uma mentira. — Vocês nasceram um para o
outro, meu amor. Ainda bem que perceberam.
Ollie me olhou, esperando a tradução. Meu coração parecia preso na
garganta.
— Ela disse que você é o melhor genro de todos os tempos. — menti.
— E você é a melhor sogrinha do mundo. — Ollie arriscou uma palavra
em português e eu fiquei estática, enquanto as duas criaturas se abraçavam.
Aquilo foi mais fácil do que eu imaginava. E também, era o sexto Dia da
Mentira. O que significava… Que no dia seguinte, o sétimo, não seria tão
fácil assim. Seria o beijo.
Cinco segundos são mais do que suficientes para foder com a mente de
um homem. Fonte: Oliver Zhang.
Sem brincadeira, de todos os beijos do mundo… Porra, ok, aquilo mal
era um beijo. Mas era. Seus lábios se moveram sobre os meus, reagindo. E
se minha mente não processou que Jasmine — minha Jasmine — Rhodes
estava me beijando de volta, meu coração disparou de imediato,
compreendendo a situação instantaneamente.
Seus lábios tinham gosto de cereja e Mocha. Era uma combinação que
eu nunca tinha provado. Ou imaginado. Macios, fartos e delicados. Isso eu
tinha imaginado. Foi uma colisão suave, mas pareceu brutal. No momento
em que uni os lábios aos de Jasmine Rhodes, tão devagar, foi como se tudo
dentro de mim simplesmente desmoronasse e explodisse em um
milissegundo. Caótico. Mas perfeito.
Senti sua pulsação forte e acelerada contra meu polegar. Seu Chanel
N°5, o aroma floral e marcante… A textura suave da sua pele, perdendo
apenas para a suavidade da sua boca… Porra.
Porra.
Porra.
Fechei o armário do vestiário com força, levando os dedos às pálpebras,
com a toalha presa na cintura.
Deixei-a no estúdio para sua reunião com a produção do seriado, ambos
em silêncio depois do beijo, e nem mesmo quando saiu do carro eu pude
respirar normalmente. Não teve um passe, um chute no treino, que tivesse
sido realizado sem pensar nela. Teve um motivo para eu ter dito aquela
maldita palavra idiota, antes do beijo. Para lembrar para mim mesmo que
era apenas uma atuação. Precisava ser. Mas agora minha boca formigava
por ter provado seu beijo e... Isso era…
Era errado. Mas não parecia. Era como… Cacete, era como estar em um
relacionamento proibido e não poder sair dele. Eu não poderia gostar disso.
Não poderia alimentar aquela atração. Não mesmo. Ainda assim eu gostava.
Ainda assim, parte de mim queria alimentar toda aquela merda e ver onde
daria. Onde me meti?
— Dia ruim? — Seth perguntou ao meu lado e eu abri os olhos para o
lateral esquerdo. O cara alto, de pele branca bronzeada e cabelos loiros,
abriu um sorrisinho debochado. — Tenta não descontar no armário, é
propriedade do clube.
— Pelo menos eu descontei em campo. — tentei brincar e Jordan vestiu
as calças ao meu lado, bufando. O cara branco, pálido, de cabelo preto em
corte militar, bufou exasperadamente.
— Ainda vou quebrar sua canela em campo, Zhang. — ele brincou e eu
sorri.
— Sou do seu time, você sabe.
— E me faz sentir um merda quando não intercepto seus passes. Uma
assistência e um gol em quarenta minutos. Que porra deu em você hoje?
E eu nem estava tão concentrado. Acho que descontei minha frustração
na bola. Às vezes, dá muito errado. Às vezes, estranhamente certo.
— Dia de sorte, acho. E Darren estava péssimo. — murmurei, levando
um soco no ombro. O zagueiro negro, alto e tatuado me deu o dedo. —
Você estava!
— Pior que sim. — ele admitiu, se sentando no banco. — Problemas
com a minha garota. Brigamos ontem.
Um sonoro “uhh” ecoou baixinho. Baguncei os cachos de Darren,
silenciosamente deixando claro que sentia muito.
— E você? Namorando Rhodes?! Finalmente, huh? — Jordan caçoou.
Arregalei os olhos. Como ele já sabia? — Os burburinhos estavam rodando
há muito tempo, principalmente essa semana. Dizem que sua sobrinha
gritou no restaurante que vocês estão juntos e eu vi uma foto de um beijinho
quando fui para o banco. — Ele fingiu que me beijaria e eu empurrei a cara
dele.
— Que foto, porra? — perguntei, surpreso pela notícia já estar rodando a
cidade.
Seth me entregou o celular. A primeira imagem estava ruim, mas
mostrava minha cabeça levemente inclinada, enquanto eu segurava o
pescoço da minha melhor amiga, muito próximos. A outra imagem, um
pouco melhor, a mostrava apertando minha camisa enquanto me beijava.
Nossa. Ela agarrou com vontade, huh?
— Meu Deus, eles são rápidos. — murmurei.
— Nunca subestime a BrightWeekly. — Alguém cantarolou atrás de
mim. Me virei, sorrindo forçosamente para Riley Zhang e seu olhar
amedrontador. — Oi, maninho.
— Oi, Lee. Sabe, tem… Homens se vestindo por aqui.
— Todos se vestiram, menos você, e já vi seu pinto mil vezes nos álbuns
de família. Não é impressionante. — Se ela visse o que tinha nele, ficaria
chocada. — Estou te esperando lá fora. Tem cinco minutos. Menos, se
reclamar.
Engoli em seco. Os jogadores ao meu redor uivaram, debochando da
situação, e eu bufei, me vestindo em tempo recorde. Saí antes da sétima
piada de Seth sobre ser cachorrinho da minha irmã e amaldiçoei o momento
em que me tornei amigo daqueles idiotas. Mas eram o meu time. Digo, a
parte mais antiga da equipe me detestou quando entrei aqui. Eles odiavam a
ideia de que um adolescente recém-saído da escola, havia sido contratado,
junto com seu melhor amigo, para um time profissional. À medida que
jogadores novos entravam, eu ganhava mais espaço e confiança. Quando
Seth, Jordan e Darren entraram, há três anos, eles me viam como uma
inspiração. O cara que saiu de um acidente, do fundo do poço, para recordes
pelo campeonato. Aos poucos, o resto do time foi me respeitando mais
também. Até porque sou bom no que faço.
No primeiro ano de volta? No top 5 de assistências da A-League. Foram
7. E 4 gols em 20 partidas. Eleito melhor em campo por volta de seis, talvez
sete vezes.
Segundo ano? Líder de assistências. Eu dobrei. 14. E 7 gols em 25
partidas.
Terceiro ano, na liderança de assistências também, 13. E 10 gols. Minha
melhor temporada. Tanto que fui eleito o melhor jogador da liga.
Quando coloquei os pés no gramado para uma partida pela primeira vez,
depois do acidente, eu pensei: eu preciso fazer um gol hoje. Preciso fazer
disso o meu início para o topo. É tudo ou nada. Não aceitaria menos do que
ser respeitado e visto como mais do que o projeto de caridade e propaganda
do Brightgate FC. Eu seria um dos melhores. Da equipe, do campeonato, da
Austrália. Então fiz isso.
Tiveram lesões, notícias falsas, jogadores implicantes, torcedores
desacreditados (e alguns deles, preconceituosos). Teve até uma vez que me
lesionei dançando, fiquei quatro jogos longe da equipe e menti que uma
garota me jogou para fora da cama de madrugada. Nem sempre fui visto
como o mais profissional, mas fiz de tudo para ser. Eu queria meu nome no
topo. Então é lá que ele está.
Ao mesmo tempo, não era pela fama ou pelo dinheiro. Era para mostrar
que posso. Para mim mesmo, principalmente. Gosto de ser o meu melhor e
gosto de ser o melhor. O que acham de mim por isso? Honestamente, pouco
me importa. Diziam que eu não levava a sério, eu dizia que era uma questão
de perspectiva. Eu levava. Só não era o que queriam que eu fosse. O Ollie
perfeito? Isso jamais existiria.
Quando encontrei Riley do lado de fora, ela imediatamente apertou
minha orelha. E arrastou.
— Ai, ai, ai… Lee! Para! Porra, meus brincos, meus brincos. Porra,
Riley, vai decepar minha orelha.
— Eu devia te dar uns cascudos, que nem a vovó fazia, por você
esconder um relacionamento por meses da sua irmã mais nova, bèn dàn[ii].
— ela disse, em chinês, fazendo algumas pessoas pelo corredor nos
encararem.
— Por que não me disse nada, babaca?
— Porra, Lee, larga minha orelha! — implorei e ela obedeceu,
cruzando os braços.
— É verdade?
— O que é verdade?
— Que você e Jas estão juntos há oito meses, Yan. — ela prosseguiu,
em chinês, me chamando como a vovó fazia. — Oito meses! E as garotas?
E os boatos?
— Sempre existem boatos. E nós terminamos algumas vezes, ok? Ela
confia em mim como melhor amigo, mas você sabe como Rhodes é fechada
para relacionamento e que eu e garotas nunca fomos uma combinação
estável.
Riley cruzou os braços, estreitando os olhos escuros.
— Isso não é uma mentira, certo? Para limpar a imagem de vocês?
Putaquepariu. Puta. Que. Pariu.
— O que?! Acha que eu faria isso? Eu? Seu irmãozinho?!
Riley mudou o apoio da perna, subitamente incerta. Jesus, Jasmine me
chamaria de cara de pau de milhares de formas diferentes por segundo.
— A Jasmine estava insegura com o relacionamento, ok? Não sou o
melhor exemplo, é minha primeira vez em um. — menti, na língua da nossa
mãe, nervoso, torcendo para que isso a convencesse. Foi o que Rhodes,
Keanu e Priyanka me treinaram para dizer. Minha irmã ergueu uma
sobrancelha perfeitamente desenhada, fazendo aquele piercing redondo se
mexer junto. — Porra, eu tenho quase trinta anos e é minha primeira
namorada. Minha imagem não é das melhores. Você duvida mesmo que
Jasmine tenha motivos para ter cautela?
— E por que isso vazou justo agora?
— Não sei! A gente sempre foi cuidadoso pra caralho, mas…
Aconteceu!
Ela suspirou. Esperei algum tempo, tocando minha orelha que pulsava,
doía.
— Ok, eu acredito. Acredito mesmo. Foi mal por ter duvidado. Eu
sempre senti algo entre vocês dois, mas… Nossa, Ollie, custava ter me
contado?
— Desculpa, ok? — Abri os braços e me aproximei. Riley me
empurrou a primeiro momento, mas acabou passando os braços em torno da
minha cintura, forte. — Foi mal, maninha. Desculpa mesmo.
Ela soltou um resmungo baixo, mas não me soltou.
— Isso não é ruim, pelo menos. Amo a Jazzy e ela finalmente
conquistou seu coraçãozinho de gelo. — Ela se afastou um pouco,
apoiando o queixo no meu peito. — Sem falar que… O clube ganhou cem
mil seguidores e você o quádruplo disso. — Meu queixo despencou. —
Acho que muita gente por aqui vai ficar feliz.
Eu segui boquiaberto, em choque.
Quantos seguidores?
@Jasmierhodes: eu SABIA que ela e Oliver estavam juntos! #ZhangRhodes para sempre.
@OllieUnited: caralho, meu homem está namorando. Que perda para as Maria Chuteiras.
@ZhangRhodes: O USER É MEU. EU CONSEGUI.
@BrgtSixSinsSucks: Será mesmo que eles estão juntos? Minha vizinha disse que fodeu o Ollie
há algumas semanas. Todo mundo sabe que Oliver Zhang é um mentiroso. Jasmine não parece
melhor. Ninguém dos Seis Pecados de Brightgate pode ser confiado.
O Twitter não parava. As notificações no Instagram foram silenciadas,
mesmo assim, eu sentia que meu celular estava travando mais do que
Damian Bale tentando processar matemática básica. Quase tive uma crise
de ansiedade no carro, quando saí do estacionamento do centro de
treinamento, porque alguns fotógrafos literalmente se jogaram em cima do
Dodge Charger. Se não fosse Keanu, no carona, gritando para que saíssem e
me mandando respirar e trocar de lugar com ele… Eu realmente não sabia o
que seria de mim.
Keanu dirigia e eu segurava o cinto e o teto, respirando fundo, tentando
mentalizar que meu empresário e advogado era um cara legal, responsável e
sóbrio. Por um momento, toda a terapia dos últimos anos quase pareceu
inútil. Até que, finalmente, estávamos no estacionamento do meu prédio.
Alívio fluiu em minhas veias e eu pensei “viu, Ollie? Medo bobo”,
repetindo isso mentalmente, até que parecesse.
Faziam menos de 5 horas desde que meus lábios tinham colidido com os
de Jasmine Rhodes. Tudo já estava caótico.
Mais calmo, entrei no elevador com minha mochila em um ombro, meu
empresário do lado, lendo uma das dez notícias que saíram. Essa, na Vanity
Fair dos Estados Unidos. Rhodes não mentiu quando disse que essa merda
seria global.
Atriz Jasmine Rhodes, da série globalmente conhecida Surf & The City, é vista aos beijos
com jogador de futebol e melhor amigo, Oliver Zhang.
Não é segredo para nenhum fã de Jasmine Rhodes (24) que os boatos de um relacionamento com
Oliver Zhang (29) existem. Há anos, desde que assumiu a liderança do seriado da Netflix, Zhang é
apontado como affair da queridinha do momento.
Fontes próximas ao casal afirmam que o romance, de fato, se iniciou há anos, desde que a
brasileira se tornou solteira. Oliver teria confessado uma atração pela melhor amiga, mas ambos
haviam combinado de que manter apenas uma amizade seria melhor. “Dois anos atrás, Ollie
confessou ser bem mais do que uma simples atração passageira. Ele é completamente obcecado por
ela, tentou se deitar com várias garotas para esquecê-la e Jasmine não cedeu facilmente”, disse a
fonte.
Segundo a amizade próxima da atriz e modelo, a rendição do coração da beldade começou há
oito meses. Entre idas e vindas, Jasmine acabou presa no jogador, completamente apaixonada, ainda
que não confiasse completamente nele. “Toda vez que terminaram, Ollie tentava esquecê-la com
garotas e manter a amizade. Mas manter apenas uma amizade é complicado quando se está
apaixonado”. Há algumas semanas, antes mesmo dos boatos, negados pela assessoria da atriz e do
seriado, de que ela teria tido um affair com o produtor Jack Rose, casado com Georgia Rose (clique
aqui para saber mais); Rhodes teria invadido o apartamento de Zhang, aos prantos, cansada de
resistir e perguntando o que ele faria para que confiassem nos dois, em uma chance para algo a
mais. A suposta mulher que fora expulsa por Rhodes do apartamento foi encontrada. Ela afirmou:
“Sou uma grande fã de Jasmine Rhodes e fiquei em choque quando a vi. Agora tudo faz sentido.
Ollie é um cara legal. Espero que fiquem bem. Pelo menos eu tive uma chance de conhecer ele
melhor. Se é que me entende (risos)”.
Conhecido pelos boatos de uma vida festeira regada de mulheres, não é surpresa que haja
alguma desconfiança por parte de Rhodes. Por outro lado, fotos por toda a internet andam surgindo
de momentos em que ambos estavam juntos. Depoimentos de fãs que encontraram o casal nos
últimos meses, corroboram com o fato de que eles estão terrivelmente apaixonados e isso sempre foi
claro.
Até o momento, Jasmine e Oliver não comentaram os boatos. Muito menos as fotos de um beijo
nessa manhã. Acompanhe a Vanity Fair para updates.
Parei de ler, impressionado com quão convincente soava. Era a matéria
mais completa sobre a mentira. Quando encostei minhas costas na parede
do elevador, minha panturrilha direita doeu. Um mínimo resmungo fez
Keanu virar a cabeça para mim em um nanosegundo.
— Não é nada. Só foi um carrinho do Callum meio pesado. Feriu só a
pele.
Ele assentiu, desconfiado.
Saí do elevador, com a mente a mil, encontrando Jasmine lutando contra
a fechadura do apartamento.
— Ei, namoradinha do Oliver. — Keanu chamou e ela virou a cabeça,
quase derrubando as chaves ao me ver. — Vamos pedir comida japonesa.
Quer?
— Não. Foi mal. Dia complicado. Meu celular não para. — Rhodes
olhou para mim por um momento e pareceu nervosa, desviando
rapidamente.
Entreguei a chave para Keanu e me aproximei dela, tocando sua cintura.
— Loucura, huh? — sussurrei e ela estremeceu, assentindo. Finalmente
acertou o buraco da fechadura e suspirou quando toquei seu ombro, firme.
— Combinamos que isso não mudaria nada entre nós.
— Eu sei. E foi fingimento. Nada mais. É só que…
Jasmine se virou e olhou por cima do ombro, esperando que Keanu
entrasse na minha casa, nos deixando a sós. Ele fez isso e eu ouvi um
barulho, me indicando que o Diabo de cabelo rosa — vulgo, meu assistente
—, estava lá dentro, fazendo a festa.
— Está tudo funcionando muito rápido, Oliver.
— Pois é.
— É meio assustador.
— Demais. — concordei.
Jasmine bufou e apoiou o corpo na porta, ainda trancada. Era difícil me
concentrar em seus olhos depois de beijá-la. A boca estava logo ali. Parecia
clamar por mim: “por favor, Ollie, ceda à tentação”. Engoli em seco,
balançando a cabeça.
— Ei, como foi no trabalho?
— Exatamente o que um namorado dedicado diria.
— Aprendo rápido.
Ela sorriu.
— Jake, o produtor, acalmou a esposa. Eu passei a semana dizendo que
tinha um namorado e ela estava fodendo nosso namoro acreditando nessas
merdas e alimentando as mentiras que Cole jogou para o público. — ela
mal respirava, jogando toda a informação sobre mim. Tentei não piscar
tanto, como se isso fosse me fazer me concentrar mais. — Então, Jake fez
Georgia acreditar que eu realmente tinha alguém esse tempo todo. Isso está
resolvido. Com nosso relacionamento indo à público, ela me mandou um
pedido de desculpas e tweetou algo dizendo que jamais acreditaria nas
palavras de um “viciado” de novo. O que é insensível, certo? Tipo, odeio
Cole por uma série de motivos, mas o cara precisa de ajuda e não desse tipo
de deboche. Desde que ele fique longe de mim, espero melhoras e tals.
Abri a boca para pedir que respirasse e desacelerasse, mas ela continuou:
— A gravação do seriado foi paralisada por um mês, porque os boatos
de que Cole vai entrar em reabilitação surgiram e toda essa merda fodeu o
clima do set. Basicamente, o cara conseguiu foder nossa equipe em um
nível astronômico. Os roteiros serão analisados e alterados para que o
personagem de Cole morra mais cedo e ele apareça o mínimo possível, com
o que já foi gravado. Então, vou ter novos roteiros para estudar, novas
mesas de leitura, muitos “novos” processos.
— Resumindo: tudo meio merda?
— Totalmente merda.
Rhodes gemeu de frustração e eu não soube o que dizer.
— Pelo menos duas das garotas da equipe de roteiro, estavam babando
no mascarado misterioso que dança com uma máscara, em alguns vídeos
por aí. — Ela balançou as sobrancelhas. — Minha serotonina do dia foi
vê-las babando por você sem dizer que era meu namorado na coreografia de
Lose Yourself.
Eu quase sorri. E quase tive uma síncope. “Meu namorado”. Que
estranho.
Jas estava quase se virando para abrir a porta do apartamento dela,
quando seu celular vibrou. Jasmine franziu o cenho para a tela e me
mostrou.
— Sua mãe.
— Merda. — resmunguei e ela atendeu, antes que eu a impedisse.
— Oi, amor da minha vida. — começou, até que seu sorriso morreu aos
poucos.
Pois é, Jasmine Rhodes se lembrou que agora éramos namorados falsos.
E que minha mãe não estava ligando para a minha melhor amiga. Ela
estava ligando para a sua nora.
— Oh, merda — ela soprou.
Eu fechei os olhos.
Puta. Que. Pariu.
Saí do ônibus do time com Not Afraid do Eminem explodindo nos meus
fones. Segui o caminho para nossos vestiários, tentando permanecer focado.
Estávamos em uma sequência boa de vitórias e eu esperava que
continuássemos assim. Riley, ao meu lado, seguia focada no iPad,
analisando a formação do jogo. O técnico andava alguns passos à frente,
conversando baixinho com Jordan, que estava na segunda partida de volta,
após uma lesão no joelho.
Depois de nos vestir para o aquecimento em campo, retornamos para o
vestiário.
Uma vez de frente para nossos uniformes, respirei fundo.
03. Oliver Zhang. Em baixo “em memória de Brandon Ramsey”.
Quando não estava bordado, eu rabiscava com qualquer caneta
permanente. A liga jamais me puniu por isso, mas adoraria vê-la tentar.
Peguei a camisa, passando os polegares pelo bordado. Era uma
responsabilidade. Eu nunca entrava em campo sozinho. Sempre com ele.
Depois de me vestir, sentei-me para calçar as chuteiras. A camisa 10 do
Brandon estava exposta em um quadro, naquele mesmo vestiário. Fiz o
mesmo que em todas as partidas em casa. Olhei fixamente para ela, antes de
apoiar os braços nos joelhos e fechar os olhos por um momento.
Nunca fui muito ligado à religião. Digo, minha família paterna era
católica. Minha mãe era budista. Riley e eu éramos… Riley e eu. Acho que
posso ser chamado de agnóstico. Minha irmã, por sua vez, parece mais
ateia. Se há alguma merda no mundo, ela descrê e não se importa. Ainda
assim, antes de toda partida, eu sentava e fazia a mesma porra de oração.
Para Ramsey.
Se você existe, mesmo após a morte; se almas existem e você consegue
me ouvir de alguma forma; jogue comigo hoje, irmão. Se não para pontuar,
para ajudar o time a ganhar. Se não para ganhar, para lutar comigo por
cada segundo. E mesmo se houver uma derrota, terá valido a pena.
Ele nunca me respondia. Mas era minha forma de sentir que seguia
próximo dele de algum modo.
O treinador passou algumas orientações novamente, ao lado da comissão
técnica, e eu ouvi atentamente, colocando a braçadeira de capitão.
Seguimos para a saída dos vestiários e eu sorri ao ver as criancinhas
enfileiradas, apertando a bochecha da minha criaturinha favorita. Hailey
ergueu a cabeça, sorridente, em seu uniforme de Brightgate. Ela chocou a
palma contra a minha, depois o dorso da mão e nós fingimos que nossos
polegares duelaram por um momento, antes da falsa jogada de purpurina
invisível, com nossos dedinhos balançando.
— A mamãe está uma fera contigo. E a tia Mel também.
— Ih, nem me lembra. — Fiz uma careta. Explicamos para as garotas
que elas tinham que ter lido os contratos para o jogo de caridade no
próximo mês, tanto quanto nós deveríamos ter explicado melhor. Elas
jogariam. E mesmo se pudessem escapar, pegaria feio se tentassem. Afinal,
a publicidade já tinha começado.
— Vai fazer um gol para mim hoje?
— Veremos, peixinha. Veremos.
Ela apertou minha mão. Seguimos para o campo quando autorizado.
Acho que Hailey afastou a cabeça para dar língua para o capitão do
Melbourne Victory. Quando digo acho, quero dizer que tenho certeza. Mas
ninguém poderia saber que eu estava sorrindo tanto por isso.
Passados todos os acontecimentos de sempre no pré-jogo, eu olhei para o
lugar de sempre na plateia. Era próximo do campo, na parte inferior e não
no topo do estádio, na parte VIP. Mel e Naomi estavam ali, mesmo putas
comigo. Abraçando a esposa por trás e olhando com admiração para o jogo,
Bale aparecia no telão, mesmo tentando se disfarçar com um boné e óculos
escuros. Já Mike bebia um Milkshake, ao lado de Wayne e Jasmine.
Eu sorri. Coitados dos ouvidos próximos dessa maluca. Ela berraria pra
caralho.
Acenei com a cabeça para a mulher com uma camisa larga do time e o
meu boné favorito da Nike. Rhodes cruzou os dedos e eu fiz o mesmo, mas
seu olhar foi para o alto quando Wayne a cutucou. Segui o que encaravam.
Como o esperado, dessa vez apareceu no telão: “Atriz mais bem paga da
Austrália e namorada de Oliver Zhang”. Minhas bochechas queimaram e
eu bufei com pesar.
Foda-se o teatro. Era meu momento.
O apito ecoou. O primeiro passe foi realizado. O segundo guiou a bola
para mim. E com Brandon Ramsey comigo, de alguma forma, eu fiz o
drible da minha vida no fim do primeiro tempo, chutando a bola no canto
do gol. Abri os braços para o estádio e, apontando para cima, como quase
sempre, sibilei, só para ele:
— Vê, Ramsey? Sempre juntos. E ainda os melhores.
2x1. Um gol meu, um gol de Jordan. Não fiz uma assistência dessa vez.
Era um bom resultado, não foi um jogo fácil. Era isso que eu falava após o
jogo, para um dos repórteres no gramado.
— Quer a liderança da artilharia esse ano?
Eu sorri, presunçoso, colocando as mãos na cintura.
— Acho difícil, não? Digo, trabalho mais criando as jogadas do que
qualquer coisa. Se tem oportunidade para gol, eu com certeza espero não
decepcionar. Se eu pudesse estar no topo da artilharia, adoraria. Mas ser o
líder das assistências, não é nada mal.
— Me desculpa a pergunta, mas… É que minha filha vai me matar se eu
não questionar. O gol de hoje foi para uma certa atriz na plateia?
Eu ri, consciente de que meu rosto queimava de vergonha. Que porra
era essa?
— Quem sabe?
Minha resposta evasiva com um sorriso era suficiente para alimentar os
rumores e combinava com o que esperavam de mim. Me despedi e segui
para o vestiário com os demais jogadores, ansioso para voltar para casa.
Mas foi na frente do carro da Naomi, caminhando com meu empresário,
que eu a vi. Jasmine cruzou os braços, sorrindo. Sua empresária estava logo
atrás.
— E lá vem ele — ela disse, alto, sua voz em um tom divertido, como
um narrador —, driblando como nunca — Joguei o corpo de um lado para o
outro, apesar da mochila no meu ombro —, ele ultrapassa um, ultrapassa
dois e… — Seus lábios formaram um grito de “gol”, sem som. Eu a imitei,
fingindo comemorar antes de carregá-la em um abraço apertado.
— E ainda juram que não estão namorando de verdade. — Damian
provocou, baixo. Nós os ignoramos e eu a coloquei de volta ao chão. —
Grande jogo, cara. — Ele me cumprimentou, apesar da Hailey quase
dormindo em seu ombro. Ela ergueu a mão para trocar um high-five
comigo.
— Estou brava com vocês — Naomi avisou —, mas se me ensinar a
jogar 10% do que fez hoje até o próximo mês, acho que te perdoo.
Gargalhei e aceitei seu abraço apertado. Naomi beijou meu ombro
algumas vezes.
— Como está? — perguntei, preocupado.
— Melhorando. Prometo. Vamos jantar fora hoje. Nos vemos depois,
ok? Jogo incrível, Ollie, de verdade.
Eles entraram no carro e eu me virei para Mel, que correu para me
abraçar forte. Mike esperou sua vez.
— Toda vez é mágica pra cacete. Juro. Você só melhora. Seu ombro não
doeu quando você caiu no chão daquela vez? — Já lesionei o maldito antes.
Às vezes doía um pouco. Mas neguei, sem querer gerar preocupação.
— Por mais que eu adore essa reunião das cobrinhas. — Priyanka
cantarolou. — Temos um jantar para reunir nossos próximos compromissos,
se é que me entendem.
— Sim, senhora. Entendido. — Mel bateu continência e beijou minha
bochecha mais uma vez. Eles entraram na caminhonete e, como Carlson e
Bale, nos deixaram.
— Carro da Jasmine. — Priyanka disse. Dei de ombros. Rhodes me
passou a chave, sem que eu precisasse pedir. Entrei no banco do motorista,
ela no carona, os dois empresários ao fundo do carro e partimos. Coloquei a
música no rádio, sorrindo quando The Real Slim Shady começou a tocar.
Vislumbrei um sorriso em Rhodes. Se nossos empresários não estivessem
no carro, nós cantaríamos a plenos pulmões. Gritar um rap a plenos
pulmões era meio que nosso lance.
— Eu começo? — Keanu disse, antes mesmo de sairmos do
estacionamento. Comecei a dirigir assim que colocamos os cintos, lançando
um olhar para Jasmine, que suspirou baixinho.
— Conversei com Carlson e Wayne depois do jogo — Priyanka
começou — e elas estão mais tranquilas quanto ao jogo beneficente. As
gravações de todo o grupo para a promoção do evento, começam logo essa
semana. Logo, nosso plano é que assumam o relacionamento depois da
próxima aparição pública planejada. Sei que Oliver treina ou joga
praticamente todos os dias, Rhodes está com a agenda um pouco mais vazia
após os probleminhas em Surf & The City, mas todo e qualquer tempo livre
possível, será convertido em reparo de imagem. Está funcionando.
— Para os dois. — Keanu acrescentou, colocando a cabeça entre os
bancos. — De verdade, Oliver, duas semanas dessa farsa e os números nas
suas redes sociais e na do time estão subindo em exponencial. Os
burburinhos que escutei pelo clube é de que Jasmine é exatamente o que
você precisava para acreditarem que está querendo se tornar um cara mais
sério. — Franzi o nariz. Como se uma mulher consertasse um cara. Que
babacas. — Também está chegando adiantado nos treinos, mantendo os
bons resultados, aparecendo muito na televisão e na boca de todo mundo
nas rádios. Muita gente está olhando para você agora. Em torno do mundo.
É o salto que sua carreira precisava.
Olhei de relance para Jasmine.
— Minha boca é mágica, eu acho. — brincou.
Apertei os lábios para evitar a piada pervertida e implorei para a cabeça
de baixo não pensar em nada do tipo também. A boca mágica da Jasmine
ficaria bem longe dela, afinal.
— Nosso ponto é, frutos já estão sendo colhidos. — meu empresário
prosseguiu. — Podemos colher mais. Já temos até mesmo contatos e
propostas. Estão interessados em nos ouvir?
Rhodes e eu nos entreolhamos, conversando silenciosamente. Voltei o
olhar para o trajeto, sabendo que ela diria exatamente o que eu estava
pensando. Dinheiro não é nada mal.
— Que tipo de frutos estão falando?
— Do tipo que te rende trezentos mil dólares. Cada fruto.
Dei graças a Deus pelo sinal vermelho e por não ter nenhum carro atrás
de mim, porque freei até rápido demais. Encarei Jasmine novamente,
boquiaberto. Ela ergueu uma sobrancelha, curiosa.
Acho que é isso o que nos diferenciava das tramas que ela tinha dito, nos
filmes e livros. Não éramos idiotas de recusarmos dinheiro. Eu sabia que
poderíamos lucrar. Só não tanto. Jamais negaria essa oportunidade. Tanto
que só ergui o olhar para o retrovisor, observando os dois ambiciosos nos
fundos do carro, antes de dizer?
— Quando começamos?
“Vamos passar a noite inteira
Dois passinhos com a mulher que eu amo
Todos os meus problemas somem
quando olho nos seus olhos, eletrizado
Vamos continuar dançando, a noite inteira”
2STEP - Ed Sheeran
Fingir até ser verdade meio que funcionou. Estávamos quase acabando
os pratos. Zhang pediu um filé com algum molho francês, que eu jamais
saberia pronunciar, e eu pedi a mesma coisa, só porque parecia mais prático.
A segunda taça de vinho estava quase no final para mim. Já Ollie seguia
apenas com um suco de laranja.
Oliver estava me fazendo gargalhar alto relembrando a vez que bebemos
tanto, tanto, que acordamos na mesma cama, — obviamente vestidos —
mas sentindo dor em lugares bizarros e com uma ressaca do caralho.
— Você foi se olhar no espelho! — Oliver recordou.
— E vi os dois piercings marcando na camisa. E a gente estava na casa
da minha mãe. Eu nem lembro de ter ligado para ela.
— Bom, eu não lembrava de muita coisa também.
— Até as memórias nos aterrorizarem.
Ele riu e eu também. Oliver Zhang sentindo dor entre as pernas e
gemendo para andar foi a coisa mais engraçada da porra da minha vida.
Não tanto quando…
— E você teve que explicar para Gérard que eu não conseguia correr. —
ele lembrou, sem fôlego. Eu tentei limpar as lágrimas ao chorar de rir,
lembrando do quão durão era o ex-técnico do Brightgate FC, ele ia apenas
com a minha cara e somente porque eu o levava a comida da minha mãe,
para ele pegar mais leve com Ollie nos treinos. — Ele olhou para mim,
olhou para você…
Eu levei a mão à barriga. Senti dor de facão[iv] por rir demais. Sério. Não
conseguia respirar. Provavelmente estávamos sendo escandalosos em um
dos melhores restaurantes da cidade. Os riquinhos por ali queriam nos
explodir com a força do pensamento, com toda a certeza, mas eu não
conseguia parar de gargalhar. Só de lembrar do olhar do técnico quando
comecei a contar a situação e ele juntou 1+1, entendendo que Oliver Zhang
tinha colocado um piercing no… Enfim. Complicado.
— Os piercings duraram menos de uma semana. — lembrei, levando a
taça à boca.
— Os seus sim. — E parei antes de beber. Oliver voltou à comida, como
se não tivesse dito nada demais. Eu o encarei por cima da borda de cristal,
mal piscando, sem saber se ele estava brincando. Pior, imaginando. Qual
piercing era? Onde exatamente? E… os boatos, sobre a sensibilidade… Eles
eram verdade?
Bem, eu jamais saberia, certo?
Virei um gole do vinho, com o coração em disparada com a mera ideia
de descobrir. Tentei umedecer a garganta seca com a bebida, mas não
funcionou. Voltei a segurar os talheres, decidida a acabar com a comida,
quando ele ergueu os olhos para mim.
— Falei algo errado?
— Não. — garanti, rindo.
— Rhodes…
— Você não tirou seu piercing? — perguntei, sem conseguir me conter.
Suas bochechas enrubesceram e Oliver mordeu o cantinho da boca. Ah,
para, o cantinho da boca era sacanagem. Sério?!
— É bom na cama. Tudo que vou dizer é isso, ok? Eu gostei.
Meu rosto esquentou e quase explodi a taça de tanto apertar, virando o
último gole. Deus. Oliver Zhang tinha um piercing no pau e gostava. E
estava casualmente falando sobre em um jantar. Comigo.
— É uma cruz. Por isso as garotas se ajoelham.
Eu gargalhei, jogando o guardanapo do meu colo sobre ele. Oliver
capturou, sorrindo, e eu não sabia se odiava ou amava o modo incomum
que tinha quebrado o clima subitamente estranho. Era um modo certamente
perigoso, pelo o que provocava no meu baixo ventre. Eu não poderia
imaginar. Não mesmo.
Oliver ergueu a mão, sinalizando para um garçom que minha taça estava
vazia e eu observei seus movimentos, quase hipnotizada. Até que a música
mudou, meu coração apertou e eu rapidamente virei a cabeça, tentando
encontrar a caixa de som mais próxima. Meus olhos se tornaram marejados
rapidamente, reconhecendo a melodia e eu me desliguei completamente de
Zhang e seu charme.
— Jasmine? Jas? O que houve?
Virei o rosto para ele lentamente. Sway do Michael Buble tocava.
— Meu pai. — Minhas cordas vocais mal funcionavam. — Ele amava
essa música. Rodopiava com a mamãe pela casa inteira, fazendo-a rir por
cada cômodo. E se eu estivesse em um mal humor, ele a girava para o nada
e me puxava. Inventava passos mirabolantes… Ele fez a mesma coisa uma
semana antes de… — Morrer.
Percebi a respiração suave de Oliver, seus olhos compassivos jamais
abandonando os meus, provavelmente atormentados.
— Sempre que ouço essa música, eu penso que jamais vou dançar com
ele. É horrível. É horrível não ver a mamãe dançando isso novamente
também. É só terrível, sabe? Você não ter mais aquela pessoa e aquele…
ritual, sei lá, que ela sempre fazia.
— Eu sei.
Eu sabia que sim. Ele sentia falta de Brandon mais do que admitia.
Todos os dias. Em todos os jogos. Todos seus gols eram para ele. Sempre
seriam.
— Brandon… Ele sempre amava quando conseguia fazer gols pelo
meio, sabe? Raramente o time adversário é bobo de deixar o meio campo
vazio, a zaga dispersa… Então quando surgia a oportunidade, ele tornava
futebol arte. Driblava com gosto, como uma criança. No último jogo… O
gol que eu fiz, ele deveria ter feito. Então dediquei a ele. E quando voltei
para casa, naquela noite, assisti um episódio de Breaking Bad, porque era o
que ele amava ver depois de todo jogo. Me irritava quando dividíamos o
quarto em alguma viagem, porque eu queria dormir, mas Brandon cismava
em assistir a merda da série e não diminuía o som. Hoje me incomoda que
eu tenha me viciado nessa porcaria sozinho.
Mordi o canto da boca, me questionando se ele tinha falado com Gianna
nas últimas semanas. Ela sempre mandava mensagem após os jogos. Ollie
nem sempre respondia. As meninas tinham dito que ela pensava em voltar
para a cidade naquele ano, mas a viúva de Brandon Ramsey era, quase
sempre, um assunto proibido.
— Já volto. — ele disse e eu assenti, sorrindo em agradecimento quando
o garçom se aproximou para encher minha taça.
Até que a música voltou ao início e Ollie parou ao meu lado, estendendo
a mão. Ergui o rosto para ele, incrédula.
— Me concede a honra, Moonshine?
Olhei ao redor.
— Nem tem onde dançar.
— Ah tem. A gente dá um jeito.
Meus ombros caíram e eu não soube o que fazer com a emoção.
Uni minha mão à sua, grande e áspera, estranhando como parecia feita
para abrigar a minha. Ele me guiou para um espaço entre mesas vazias. As
afastou, sem se importar com os olhares, e tocou minha cintura e minha
mão. Olhei ao redor, envergonhada, mas ele tocou meu queixo e
silenciosamente ordenou que meus olhos pertencessem a ele. E assim foi.
— Não sou seu pai. Não tenho como trazê-lo de volta. Mas pode dançar
qualquer música, Moonshine. Mesmo se doer. A gente cria novas memórias
para elas. Eu estou aqui para fazer isso por você, sim?
Assenti, me aproximando e tocando seu ombro. Ele apertou minha
cintura, como se eu fosse sua. Unimos nossas mãos livres. E Oliver me
conduziu, sobre as estrelas, de frente para o mar, inicialmente tão devagar.
E então me rodopiando, inclinando meu corpo até que meus cabelos quase
tocassem o chão e me mantendo segura em suas mãos, tirando-me do chão,
agarrando minha coxa enquanto eu inclinava para trás… e fingindo que seu
segredo — o que dividia comigo no estúdio de dança — era público. E eu
gargalhei. Eu sorri. Eu fui sua, sem me importar ou perceber.
Até nossos pratos esfriarem.
Até eu esquecer que o vinho existia.
Até o mar não parecer nenhum pouco bonito, perto de seus olhos.
Até as estrelas neles parecerem infinitamente mais brilhantes.
Até nos lembrarem de pagar a conta.
“Sortudo por ter conquistado minha melhor amiga”. Essa era a legenda.
Um milhão de curtidas em uma hora. Uma hora. Aquilo era insano.
Meu coração estava disparado e piorou quando ergui o rosto e vi Jasmine
de pé, em frente a lona branca, se divertindo enquanto alguma música
brasileira tocava, entre as ordens do diretor da sessão de fotos. Ela olhou
por cima do ombro, tirou algumas fotos sentadas contra um banco alto,
apenas com aquele sutiã e calça jeans folgadas e eu fazia um esforço
monumental para não olhar para os peitos da minha melhor amiga.
Melhor amiga, Oliver. Melhor amiga apenas.
Piorou quando analisei seu rosto sério, enquanto passava os dedos finos
pelos cabelos ondulados e eles caíam como cascatas por cima do seu
ombro. Sexy pra caralho. E não melhorou quando gargalhou de uma
brincadeira do fotógrafo, franziu o nariz, fez todo tipo de careta que
mostrava que por baixo da modelo mais sexy da porra do mundo, morava,
como sua mãe dizia, uma “moleca”. Ela tinha uma energia gostosa, acima
de tudo. Por isso e não apenas pelo exterior impecável, que Jasmine não
precisava se esforçar para parecer bonita: ela simplesmente era.
— Jasmine, pausa. Oliver, é a sua vez. — Clint, o diretor disse. Eu sorri
para a equipe da sessão e passei por Jasmine, que fez exatamente o que eu
pensei que faria: pegou o celular e deixou o queixo cair quase até o chão de
choque.
Pois é, éramos a fofoca do momento.
Contei que eu demorava muito para me soltar em photoshoots e
perguntaram se eu tinha alguma preferência de música. Eu disse que tinha
uma playlist. Rhodes se prontificou para colocá-la e eu sorri em
agradecimento.
Não era minha primeira vez posando, muito menos sem camisa e, por
incrível que pareça, também não era a primeira vez com a Calvin Klein.
Mas toda vez que eu precisava fazer aquele tipo de foto, eu pensava “não
sei como Jasmine consegue”.
Se vira um pouco. Senta. De pé. Sorri para mim. Tenta virar um pouco a
cabeça. Não assim. Ok, assim está melhor. Ajeita a postura. Mãos no bolso,
de frente. Mãos no bolso, de costas. Caminha em direção à câmera. Alguém
tem uma bola de futebol? Uau, você é bom com as embaixadinhas — Não
exatamente nessa ordem.
Dez minutos daquilo e eu já estava tonto. Meia hora depois, eu tinha
certeza de que tinha exercitado todos os músculos do meu rosto e que já
tinham colocado a câmera na minha bunda e até mesmo no mamilo, pelo
menos seis vezes. Uma hora e gravaram cada tatuagem de perto, de longe,
enquanto eu brincava com uma bola, provocava com os cós das calça ou
fazia qualquer porra imaginável.
Mas então houve esse momento. Esse momento em que olhei para
Jasmine e ela me encarava fixamente. O cantinho da unha pintada de branco
estava entre os dentes e se ela continuasse a morder, teriam que consertar o
esmalte no photoshop. Rhodes mal piscava. Na verdade… Porra, mal
parecia respirar. E encarava descaradamente o meu corpo, sem perceber que
eu a observava de volta. Há quanto tempo fazia isso?
— Jasmine, de volta!
Ordenaram e eu estremeci. Ela também. Imediatamente minha
“namorada” percebeu que tinha sido pega no flagra. Desviei o olhar e
esfreguei o rosto e o cabelo para disfarçar que enrubescia e troquei de lugar
com ela.
— Precisamos de algumas fotos sem o top, como deve imaginar. Se
quiser que eu esvazie o ambiente.. Podemos manter uma equipe menor e
seu namorado.
Minha garganta secou. Sem o top? Sem o top?!
— Estou caindo fora. — Keanu cantarolou, digitando no celular. Ele
seguiu para um dos camarins e eu observei Priyanka, que estava entretida.
Jogando Candy Crush.
Eu deveria sair. Me preparei para girar em meus calcanhares e inventar
alguma desculpa para acompanhar um ou dois funcionários que se
retiravam, quando Rhodes deu um suspiro e pediu para uma garota ajudá-la
a tirar o top e meus pés travaram. Para ela, não era nada. Jasmine fez fotos
nuas — obviamente, para revistas famosas e de respeito — em ensaios
artísticos. Aquilo era comum para ela. Mas então percebi que não olhava
para cima. Eu deveria sair. Então girei em meus calcanhares e…
— Espera, tive uma ideia! — O homem ao lado do fotógrafo disse e eu
travei. — Zhang, tire para ela.
Meu sangue parou de circular no corpo.
— T-tirar?
— Isso, garoto.
— E-eu?
Ele me olhou como se um terceiro olho tivesse nascido na minha testa.
Se éramos namorados, então fazíamos aquilo o tempo todo… Não? Oh,
merda. Nos fariam tirar fotos juntos também? Enquanto ela ficaria sem
nadinha da cintura para cima? Tipo, juntos? Meu pau ousou se manifestar e
eu abri a boca de novo, mas nada saiu. Olhei para Jasmine e ela moveu uma
mecha para trás da orelha. Nervosa. E subitamente, não era sobre meu
nervosismo. Era sobre ela.
— Se sente confortável com isso? — perguntei e Jasmine me encarou.
— Já fiz fotos sem camisa com outros caras, Ollie. Colados, separados…
De todas as formas. — Mordeu o canto da boca e eu ignorei a queimação
em minhas veias. Cerrei os dentes e a encarei, firme, porque aquela mentira
poderia estar indo longe demais. Ela suspirou. — Sério, está tudo bem. É só
tirar, nada demais vai acontecer.
Me aproximei, cauteloso. Jasmine se virou e eu vi a câmera focando em
nós dois.
— Devagar. Toque a pele dela, devagar.
Franzi o cenho com a instrução, achando estranho pra cacete. Mas
obedeci. Deixei meu indicador raspar por suas costas, tão devagar, enquanto
a câmera nos gravava. Jasmine moveu o cabelo para o lado e meu toque
seguiu o trajeto. Perdi o fôlego, sentindo-a tão suave, percebendo os pelos
em seus braços se eriçarem, na nuca também. Rhodes soltou um suspiro.
— Posso? — questionei. Ela confirmou. Tirei a peça, sentindo meu pau
pulsar com a intimidade.
— Ok. Ótimo. Agora vamos fazer algumas fotos com ela sem o top e
depois você volta, Ollie.
Eu me afastei, tentando não correr para longe. Jasmine demorou alguns
segundos antes de se mover. Eu tentei não encarar, pegando o celular e
mantendo meus olhos nele, por minutos torturantes, lembrando do toque.
Da sua pele. Que a garota estava nua da cintura para cima.
Depois dessa tortura, pediram-a para colocar o top novamente e eu pude
olhar para cima. Vi um sorrisinho maldoso no fotógrafo e ralhei, sem nem
pensar:
— Não quero mais gravações sem camisa hoje. Não comigo, nem com
ninguém.
— Oliver. — Rhodes chamou, estrangulando um riso nervoso.
— Está bom por hoje, Moonshine — falei, firme, olhando nos seus
olhos.
— Jesus, tudo bem… A gente discute isso mais tarde. — o diretor disse,
rindo, e eu o fuzilei com o olhar. O homem me ignorou, analisando algumas
fotos em um computador. O fotógrafo continuou sorrindo e eu quis explodi-
lo com a força do pensamento. Quis quebrar todos os ossos do seu corpo.
— Ollie, de volta — o diretor repetiu. Balancei a cabeça, me dando
conta de que meus pensamentos não eram bons. Nada bons.
Fiquei parado ao lado da Jasmine. Ela não me encarou, olhando para
frente. E foi desconfortável no início.
A abrace por trás. A abrace de lado. O abrace pelo pescoço. Oliver
senta, Jasmine se apoia nele. Sorriam para a câmera. Sorriam um para o
outro. Se encarem. E nada parecia dar certo. Eu estava travado.
— Oliver, você precisa superar esse ciúmes para isso dar certo, garoto.
— o homem atrás da câmera disse e eu abri a boca para retrucar. Até me dar
conta de que ele estava certo. Merda, eu estava com ciúmes.
— Foi mal. — murmurei e me virei para Jasmine. — Foi mal. Achei que
estava desconfortável sem roupa.
— Tudo bem. Não fico. De verdade. — Ela engoliu em seco, descendo o
olhar pelo meu corpo. Fotografaram isso. — Preciso que ria, Ollie. Que
sorria para mim. Consegue fazer isso?
— Sempre, Moonshine — prometi.
Rhodes sorriu. Capturaram isso.
— Tive uma ideia. — anunciou e eu semicerrei os olhos, temendo suas
ideias.
Até que colocou minha mão em sua cintura e segurou a outra e eu
entendi.
— Jasmine e Oliver. Nada mais. — sussurrou, baixo. Assenti, por algum
motivo, hipnotizado por suas ações.
Jasmine fingiu dançar comigo, me deixando mais leve. Ela me girou, eu
a girei. Eles fotografaram.
Rhodes roubou a bola de futebol de volta e falhou miseravelmente
tentando fazer embaixadinhas comigo.
Ela me contou piadas ao pé do ouvido e eu gargalhei. Ela riu junto. Mais
leve, tentei fazer o mesmo. Ela riu alto e o som melodioso fez meu coração
acelerar. Flashes dispararam.
Dancinhas, abraços, corridas pelo set, piadas idiotas, fotos na cadeira,
fotos de pé, beliscões e empurrões de brincadeira… Jasmine e Oliver. O
tempo todo.
Esqueci que tinham outras pessoas na sala por um momento e
prosseguimos. Ignoramos as ordens ou as ordens deixaram de existir. Ela só
me guiou como sempre fazia. Até que…
— Um beijo, por favor. — isso aconteceu.
Essa ordem, alta e clara, interrompendo nossa bolha. E Jasmine parou,
próxima demais de mim, quando a puxei com o susto daquela frase, após
girá-la pela milésima vez. Seu peito se chocou contra o meu, sua respiração
falhou.
“Um beijo, por favor”.
— Um beijo. Devagar. — aquela voz continuou, mas eu não a busquei.
Meu olhar estava preso no da mulher à minha frente, levemente
boquiaberta, encarando-me como se… Como se eu fosse tudo o que poderia
ver, para sempre.
Nossas respirações ecoaram baixinho. Um segundo ou um minuto se
passou, eu não saberia dizer. Tempo, espaço… Nada realmente importava.
Era como se nossa bolha parecesse a um segundo de estourar, mas não
estourasse; aquele pedido se repetindo sem parar em minha mente.
Um beijo.
Um beijo, por favor.
Espalmei sua cintura nua, o toque fazendo minha palma suar, formigar.
Agradeci aos céus por seu top estar de volta, quando me aproximei.
Rhodes era alta, mas eu era maior. Então ela olhou para cima. E eu… Eu
olhei para cada pedacinho daquele rosto que eu conhecia como a palma da
minha mão e ainda assim, parecia mais espetacular cada vez. Sempre tão
linda, tão… Tão dolorosamente perfeita.
Seus olhos escuros brilhavam, ansiosos, seu cabelo em ondas deslizou
por suas costas e eu acariciei seu rosto, sentindo minha pulsação em meu
peito, em minha garganta, na ponta dos dedos que tocavam a pele suave.
Suas pálpebras vacilaram, quase se fechando e meu corpo se tornou tenso,
antecipando. Seu perfume invadiu a minha mente. E a última vaga
lembrança que tive, antes de chocar os lábios com os seus, foi da boca
entreaberta, esperando por mim.
Colidimos. Despencamos. Renascemos.
Não tinha uma palavra à altura para o que aconteceu.
Só sei que pensei: “Esqueça os beijos falsos. Esqueça todos os beijos
que acha que conhece, Oliver. Todas as mulheres. Todos os gostos, texturas,
línguas contra a sua. Nada disso foi bom. Nada disso é memorável. Apenas
ela.”
O primeiro toque foi suave, como das outras vezes, ao mesmo tempo tão
diferente. Tão, tão bom.
Segurei seu pescoço, acariciando o ponto de pulsação e o sentindo cada
vez mais forte. Mais rápido. Por minha causa. O primeiro deslizar de lábios
me fez sentir que o tempo tinha parado. Cessado. Por completo.
Eu precisava de mais. Então eu peguei mais. Tomei, como se tudo
naquele beijo fosse meu para conquistar. E, Rhodes…
Oh… Rhodes me conquistou de volta.
Sedenta, Jasmine deslizou os lábios sobre os meus novamente,
espalmando meu peito com uma mão e meu pescoço com a outra. Me
agarrando como se precisasse de mim para existir, me fazendo sentir vivo
pra caralho sob seu toque.
Sua cabeça virou lentamente para um lado, a minha moveu para o outro,
em sintonia. Outro deslizar desgraçou a porra da minha mente e ela
suspirou. Mais. Eu precisava de muito mais. E eu continuei pegando,
tomando, tudo. Tudo.
A puxei mais para perto, pressionando sua cintura com vontade. Ela
afundou os dedos no meu cabelo, trazendo minha cabeça para si e cada
movimento era… Era perfeito. Como se tivéssemos nascido para aquele
momento, um guiando o outro à loucura, em uma falsa calmaria.
Rhodes arranhou minha nuca. Se sentiu minha pele arrepiada sob seu
toque, ela estava ocupada demais para falar. Eu também não pararia aquilo
nem se o mundo estivesse em chamas. Nem mesmo para provocá-la sobre o
relevo de seus poros contra meus dedos, ou o pequeno gemido que soltou
quando suspirei, perdendo o controle e puxando-a para mim com mais
possessividade, ainda que devagar, implorando por tudo que poderia me dar.
E ela deu, igualmente sedenta. Jasmine infiltrou os dedos no meu cabelo e
passou o outro braço em torno do meu pescoço, enquanto minhas mãos
deslizaram pelo seu corpo, apreciando, sentindo, tocando, como se tudo
aquilo fosse mesmo meu para tomar. E, por um momento, foi.
Era lento, mas me consumia rapidamente. Era doce, mas selvagem. Era
lindo, mas brutal. Era um conjunto de contrastes que formava a melhor
coisa que eu tinha provado. Um beijo que parecia uma obra-prima.
Parecia… Inexplicável pra cacete.
Aquele beijo…. Aquela mulher… Nós. Tudo era diferente.
Porra, era único.
Minha língua tocou seu lábio inferior, o superior, em uma ordem
prontamente obedecida. E ela arfou, abrindo a boca, me permitindo
aprofundar o beijo, então eu entendi, finalmente. Entendi com tanta força a
emoção bruta, dolorosa e igualmente linda que me percorreu: era isso.
Era isso o que eu deveria ter sentido em todas as bocas que beijei.
A eletricidade que caminhou pela minha nuca, se distribuindo por todo
o meu corpo, foi enlouquecedora e fatal, como fogo consumindo pólvora.
Nossas línguas se encontraram e tudo o que eu conseguia sentir era… Tudo.
Cada célula do meu corpo implorando por cada célula do dela, cada gota de
sangue fervendo como se eu estivesse em chamas, cada pedacinho da minha
mente agindo como se Jasmine Rhodes fosse a resposta para cada uma das
minhas necessidades, principalmente as mais primitivas.
Ela tinha gosto… de ser minha.
Parece estranho dizer, mas seu gosto parecia me dizer que ela pertencia a
mim.
Um nó se formou no meu coração, forte, tenso, firme. E no mesmo
segundo se rompeu. Então tudo se tornou volúpia e mesmo assustado, eu
não conseguia parar. Eu não conseguia imaginar um mundo em que não a
beijasse. Eu não conseguia imaginar um momento em que aquilo se
encerrasse. Um deslizar de lábios começava onde o outro terminava, nossos
movimentos em sincronia, nossas línguas se tocando, se reconhecendo,
criando um único ritmo perfeito desde o primeiro segundo…
Deveria parecer errado. Deveria parecer estranho. Deveríamos parar.
Precisaríamos parar em algum momento. O problema é que eu não
queria. Pior:
Eu não sabia se conseguiria.
“Se acalme e prepare seus lábios
Sinto muito interromper, é que apenas
estou constantemente à beira de tentar te beijar
Mas não sei se você sente o mesmo que eu sinto”
Do I Wanna Know - Arctic Monkeys
Era como se ele fosse meu primeiro, de certa forma, mesmo sem ser.
O primeiro a me fazer sentir… aquilo. Seja lá o que aquilo era.
Sua língua acariciava a minha devagar, mas nada sobre aquilo era calmo.
Era muito para suportar e ainda assim eu queria mais. Eu queria tudo.
Então, os fotógrafos deram ordens, mas Ollie… Ollie e eu, estávamos
ocupados para ouvir. Nós não conseguíamos parar. Tanto que, quando
recuei com avidez da sua boca, cacei-a de volta, tentando impedir que
aquilo acabasse.
Suas mãos desceram pela minha cintura, até os meus quadris, firmes e
decididas. Algo entre minhas pernas pulsou, contraiu, como se aquele beijo
fosse mais do que um beijo. Minha mão foi ao seu rosto, segurando-o para
mim, a outra ainda em seu pescoço e Zhang mordiscou meu lábio,
grunhindo baixinho, antes que eu mordiscasse seu lábio inferior de volta e
voltasse a colidir os lábios com os seus. Macios, suaves, tão, tão bons.
Meu coração estava a mil, minha respiração ofegante, mas eu não dava a
mínima. Era bom demais para parar. Prazeroso demais para conseguir
descrever com perfeição. Como uma colisão predestinada a acontecer,
calculada para ser perfeita em seus mínimos detalhes, capaz de me
enlouquecer.
— Pessoal. Já está bom.
Não paramos. Oliver apertou minha cintura e eu arfei antes de voltar a
beijá-lo. Quando chupou minha língua, minha mente evaporou e eu gemi.
Por Deus, eu gemi.
— Gente. Gente, chega. — Duas mãos se posicionaram entre nós dois e
nos afastaram com algum esforço.
Meus lábios formigavam, inchados, enquanto meus sentidos retornavam
aos poucos. Quando o encarei, Oliver umedecia a boca com a língua, seus
olhos escuros mirados em mim com pura fome. O diretor da sessão de
fotos, entre nós, fazia algum comentário engraçadinho que nem processei.
Meus olhos escorregaram por ele. O cabelo bagunçado, boca vermelha e
inchada, respiração ofegante, a maldita fênix oscilando no pescoço, os
ombros tensos, os braços tatuados soltos ao lado do corpo e as mãos
abrindo e fechando como se quisesse me tocar de novo ou não soubesse o
que fazer. Ele recuava devagar, hesitante.
Eu o queria de novo. Desgraça, eu queria Oliver Zhang. Era meu melhor
amigo, era errado, atrapalharia tudo, mas eu me sentia frustrada pelo fim do
maldito beijo. Queria agarrá-lo de novo e culpar o maldito photoshoot por
cada toque, suspiro, gemido. Eu o queria. Queria pra caralho.
Se tudo sobre nós era como fogo consumindo pólvora, então aquele beijo
marcava o fim do percurso. Faltava muito pouco para a chama que
criávamos gerar um incêndio catastrófico, mas a Jasmine ofegante de frente
para Oliver Zhang não ligava pra caralho algum. Ela só queria mais. Muito
mais.
Mas era meu melhor amigo. Meu namorado falso. O cara conhecido por
foder com garotas em todos os sentidos possíveis. Era puro perigo. Mas…
Deus, o perigo beijava tão bem.
Balancei a cabeça, tentando colocá-la no lugar.
— Acho que conseguimos tudo por hoje. — Priyanka disse, pálida, em
choque. Keanu ao seu lado estava ainda pior, com ambas as sobrancelhas
erguidas e o corpo ereto como se perguntasse “ei, que porra foi essa?”
Eu não sabia dizer.
Oliver abriu a boca, mas nada saiu. Ele tocou o ombro do diretor, abriu
um sorriso como agradecimento, passou reto por mim e eu continuei parada
por um segundo. Ou um minuto. Tentando voltar à Terra, fazer meu coração
se acalmar, me acalmar.
— Jasmine? — Pri chamou e eu me virei, lançando-a um olhar confuso.
Ela estendeu a mão, com um rosto compassivo, como se soubesse que eu
não queria e nem era capaz de falar.
Deixei que me levasse para o camarim. Quando eu saí dele, Oliver tinha
ido embora. Quando acordei na manhã seguinte, vi que ele não respondeu
às minhas mensagens. E no outro dia, também não. Eu estava fodida.
Agora Oliver Zhang estava por todo o meu sistema. E eu não sabia como
tirá-lo de mim.
Mel: Não vai falar mesmo por que está monossilábica nos últimos dias?
Ignorei Wayne. Não falaria do primeiro beijo com ela ou Carlson ainda.
No sofá da sala, comi meu Poke. Era minha comfort food. Saudável,
gostosa, suficiente para me deixar cheia pra caralho. Priyanka, ao meu lado,
repassava minha lista de compromissos em voz alta, com o seu Poke no
colo e pijamas. Vestida como minha melhor amiga, falando como minha
empresária. Eu passava pelos canais, lutando para não parar na ESPN e
assistir você-sabe-quem jogando você-sabe-o-quê.
Estressante. Irritante. Infelizmente, gostoso pra caralho.
Parei na maldita ESPN. O jogo ainda não havia começado. Seria
Brightgate FC contra o Newcastle Jets. Ele era titular. Sua coluna estava
melhor? Eu não sabia dizer. Pelo menos concentrado eu sabia que estaria,
não? Afinal, só eu tinha uma bomba atômica na cabeça o tempo todo.
Maldito beijo. Precisava ser tão bom?
Eu precisava aliviar o estresse. Mesmo. Mas minha maneira favorita de
aliviar o estresse estava fora de cogitação, porque Oliver estava na minha
mente e eu não me imaginaria com ele enquanto me tocava. Não mesmo. Já
era perigoso e irritante demais estar infectada por Oliver Zhang, quando eu
me julgava tão superior por nunca ter caído pelo seu charme. Correr o risco
de chamar o nome dele na cama? Não mesmo. Pelo menos não ainda. Digo,
eu não estava tão desesperada ainda para pegar o vibrador, na gavetinha ao
lado da cama, e fazer o que precisava ser feito, mesmo com aquele
tatuadinho insuportável na minha cabeça. Eu disse ainda. Mas algo em mim
dizia que estava quase lá.
Quando ele entrou em campo, segurando alguma criancinha no colo,
com aqueles braços fortes e tatuados, eu percebi o coque em sua cabeça e o
detalhe novo das laterais raspadas… Eu quase cuspi meu Poke com um
gemido.
Por. Que. Deus? Por queeeee? Por quê? Por quê?
Era tão injusto colocar toda a gostosura do mundo em um homem.
E ele ainda beijava bem. Pelos gemidos que eu costumava ouvir do
apartamento vizinho, fodia bem também. Quer dizer, sua reputação com
certeza procedia. Oliver Zhang era uma daquelas pessoas que apenas pelo
modo de agir, falar, caminhar, respirar… Você sabia que ele fodia bem. Ele
tinha essa atitude. Péssimo pensamento.
É seu melhor amigo e um cafajeste de primeira, Jasmine, seja melhor do
que isso.
— Terra para Rhodes! Está me ouvindo?
Virei a cabeça, com a boca cheia. Priyanka olhou para a televisão e para
mim, inclinando a cabeça.
— Está fodida com o beijo, não está?
Gemi, frustrada.
— Volta a ser minha empresária, por favor? A versão amiga pode ficar
para depois. — implorei. Ela suspirou. — Não me olha assim, por favor.
Vou superar. É superável.
— Ouviu alguma coisa que falei nos últimos minutos?
— Sim. — Ela estreitou os olhos. — Mas diz de novo só para eu ter
certeza? — pedi, cínica, e Priyanka tirou uma almofada da poltrona e jogou
na minha cara. Gritei, batendo antes que me atingisse ou atingisse minha
comida. Ela se jogou do meu lado, deixando seu Poke sobre a mesa de
centro. Seu olhar, sorriso empolgado e postura perfeita me disseram antes
da sua boca:
— Desembucha!
— Deveria estar feliz mesmo com o meu estado, considerando o
relacionamento em que estou inserida?
— Como empresária? Não. Como amiga? Aham. Adoro uma fofoca e
você claramente está Zhangada.
— Zhangada?
— É. Tipo infectada pelo Zhang, com ele na cabecinha, pensando
naquela transa em forma de beijo. Sério, Rhodes, fiquei dias esperando que
falasse comigo sobre. Por Deus, que beijo. Eu achei que tirariam a roupa e
foderiam como animais.
— Priyanka!
— Deus, não gosto de homens, mas ele tem pegada. E você também.
Jesus. Queria ser ele para ser beijada daquele jeito. Porra, você engoliu o
cara. Mudou o ambiente. Me deixou com tesão. Spencer se deu muuuito
bem naquela noite.
— Priyanka! — repeti, em choque, e ela só me deu um sorriso sapeca
antes de pegar o pote, colocá-lo na bancada e cruzar uma perna sob a outra,
como uma criancinha empolgada e ansiosa pela história do século. Santo
Jesus Cristinho, dá para crer nessa peste? — Foco, ok? Não tem o que falar.
Você viu o que viu. Ele me disse que não foi nada. E está tudo bem.
— Ih, ele disse isso?
— Disse, tá legal?
— Explica porque está agindo como uma vadia. — Abri a boca,
ultrajada. — Desculpa, bebê. Você está. — Bufei, escorregando pelo sofá,
olhando a TV.
Gravaram Oliver na lateral do campo, segurando a bola, prestes a
arremessá-la no gramado. A bermuda branca marcava tão bem aquela
bunda e, nossa, ele malhava aquela bunda, não malhava? Que bunda…Eu
precisava muito, muito dar. Ou foder com minha mão. Talvez Ollie
estivesse certo e fosse só tesão acumulado.
— Eu não acho que significou “nada” para ele, se quer saber.
A olhei, subitamente interessada.
— Ele deve estar deixando a Santa das Punhetas Desesperadas exausta
de tanto trabalho, batendo uma atrás da outra. Sério, ele fodeu sua boca com
a dele.
— Priyanka. Trabalho. Por favor.
Algo no meu tom a fez obedecer. Acho que foi o desespero.
Eu imaginei. Mesmo em meio segundo, eu imaginei. E agora que sabia
que tinha a porra de um piercing naquele maldito pau que eu jamais veria?
A imagem era sempre gráfica demais, infelizmente.
— Pedi para Jenny repassar sua agenda. — Jenny era minha assistente.
Mas ultimamente tudo na minha vida vinha através de Pri, depois do
contrato de namoro. Eu mal via qualquer pessoa da minha equipe, exceto
Priyanka Bowie. Quanto menos gente por perto, menores as chances de dar
merda no lance ZhangRhodes. — Mantendo sua rotina com o personal na
terça, quarta e quinta de manhã. Posso mudar com ele para segunda à noite,
se quiser, mas recomendo que corra na academia do prédio ou tente
descansar. Porque você tem uma entrevista na segunda pela tarde, aquela
reunião sobre o projeto da Warner na terça, prova da roupa do desfile da
Versace na quarta e quinta viajamos para o da Cartier. Inclusive, não sei
muito bem como encaixar seu namorinho na próxima semana. Keanu me
mandou a agenda de Oliver, ele está treinando como um condenado e você
provavelmente só volta para casa de noite em todos esses dias. Exceto,
talvez, na segunda.
— Ótimo. Não quero vê-lo por um tempo. As pessoas já acham que
estamos juntos. Qualquer coisa bato na porta dele, tiro uma selfie, alimento
as fãs e pronto.
— Como falei, agindo como uma vadia. — murmurou e eu suspirei,
alcançando o Poke novamente. — Resolva logo esse lance com Zhang. De
verdade. São melhores amigos e mais do que isso, ele é seu namorado para
o mundo. Clima ruim é igual a fotos, vídeos e momentos ruins para os fãs.
Agora que estão esquecendo Cole e o drama do seriado, essa mentira tem
que estar indo muito bem, Rhodes.
— Eu sei. Mas me dê uma semana de folga dele, por favor. Até colocar a
cabeça no lugar.
— Certo, tudo bem, eu acho. — Sua voz dizia que, como empresária,
não achava uma boa ideia, mas como amiga, com certeza tentaria.
Um som de apito na televisão ecoou. E de novo. E de novo, roubando
nossa atenção. Zhang gritava, partindo para cima de um jogador adversário.
Tinha sangue em sua boca e repassavam o lance em que um carrinho, dado
pelo meu melhor amigo, atingia a canela do zagueiro dos Jets. Lance sujo,
ele errou feio. Tanto, que não me surpreendi com a sinalização do cartão
amarelo no canto da tela. Mas me surpreendi, com um som de incredulidade
escapando do fundo da minha garganta, quando o juiz ergueu o cartão mais
uma vez, seguido por um vermelho.
Aumentei o som da televisão, com o coração em disparada. Levantei-me
e me aproximei da tela, como se isso fosse me levar para mais perto dele, de
acalmá-lo.
— … e a partida estava indo terrivelmente mal para Brightgate, pessoal,
com o capitão errando mais passes do que o comum e o time
completamente recuado no ataque nos primeiros quinze minutos de jogo,
mas conseguiu piorar.
— Pois é. — o outro comentarista concordou. — Em menos de vinte
minutos de partida, Ollie Zhang nos faz lembrar porque tantas pessoas o
julgam como mau capitão. Péssima partida. Péssimo comportamento. Zero
concentração, zero profissionalismo e cem de violência. Fácil assim, ele
está saindo de campo. Em vinte minutos de jogo. E digo mais…
Oliver cuspiu no gramado, puto, pisando firme. Ele tirou a camisa do
corpo, como se fosse uma vergonha carregar o nome do Brandon naquele
jogo, e a deixou cair antes de sumir pelo vestiário. Eu encarei Priyanka,
boquiaberta.
— O que disse sobre Zhang estar lidando bem com o beijo, Rhodes? —
debochou e eu segui boquiaberta, por um tempo. O jogo retornava,
enquanto outro narrador falava muito, muito mal do meu melhor amigo.
Levei a mão ao peito, sentindo a angústia fodida me engolir por
completo. O que tinha acontecido?
— Keanu, rápido como sempre. — Pri disse, acenando com o celular em
minha direção. Keanu tinha mandado mensagem. — Oliver não joga a
próxima partida, na quinta. Ele tem dois dias livres, sem treino, sem nada.
Balancei a cabeça, perdida em meus pensamentos.
— Desculpa, Jas, mas ele está viajando com a gente.
Eu mordi o canto da boca, olhei para cima e xinguei. Bem... Lá se ia
minha folga de Oliver Zhang.
“E meu pau assume o controle
E eu estou pensando em seus lábios
Mas estamos também extremamente sóbrios
Para erros como este”
Mistakes Like These – Prelow
Ao meu lado, durante todo o voo, Jasmine nem se mexeu quando mostrei
o celular e a ofereci uma minicompetição pela letra de Love The Way You
Lie. Era sua favorita. Tudo que fez, foi virar o rosto para a janela e admirar
as nuvens.
Quando chegamos em Camberra, onde aconteceria o desfile, Priyanka e
Keanu seguiram para o saguão, preparados para lidarem com o Check-in.
Ao meu lado, Jasmine bocejou e seu olhar caiu sobre um jornal que dizia
“Brightgate X Brisbane Roar”. Eu não jogaria a partida.
— Foi Nick Gruntman não foi? — perguntou e o nome do atacante
racistinha do jogo passado deixou meu rosto quente de ódio. Cerrei os
punhos, assentindo. — Mesma coisa de sempre?
— Sim.
— Deveria tê-lo socado.
Sorri. Interpretei isso como um avanço. Olhei de canto de olho para
Jasmine, mas seu olhar estava focado em Keanu e Priyanka. Ela não daria o
braço a torcer e eu nem sabia o que fazer para reverter isso. Estava chateada
comigo.
— Pelo menos ganhei seis desenhos da Hayhay para melhorar meu
humor. Em um deles, eu socava Gruntman. Não conte para Carlson.
Mesmo mordendo o canto da boca, Rhodes acabou sorrindo. Ponto para
Zhang.
— Você fica linda sorrindo. Mesmo brava.
— Não força. — falou.
Meu sorriso vitorioso só cresceu.
— Más notícias. — Priyanka declarou, parando à nossa frente.
— Houve um problema com a organização do hotel. Não registraram o
pedido pelo flat de dois quartos e nossas duas suítes. Acabaram reservando
três suítes comuns: quarto e banheiro. — Keanu disse e meu cérebro
começou a processar.
Aquilo dizia que Jasmine e eu não conseguiríamos disfarçar que
estávamos em camas diferentes pelo hotel, porque…
Os ombros da modelo caíram e uma risada estrangulada saiu da sua
garganta. Não, não. Nada bom. Passei uma semana lutando para escapar de
perto dela e do risco de beijar aquela boca de novo. Agora, não só viajaria
com ela para limpar minha imagem, com a pose de namorado dedicado
acompanhando um desfile, mas…
— Vamos dormir na mesma cama? — Jasmine perguntou baixo,
desesperada.
Nossos agentes assentiram.
Me controlei por quase cinco anos, eu conseguiria me controlar por
mais, certo?
Certo?
Xinguei, olhando para onde meu mini samurai se resguardava, sob
minha calça.
Ele precisava muito se comportar pelas próximas 48h.
Muito mesmo.
“Você não precisa ser tão cauteloso
Se você praticar o que prega”
High - Dua Lipa
Voltei para meu cochilo antes do desfile, meia hora depois daquela
conversa vergonhosa. Zhang estava no banho. O vapor que saía por baixo
da porta do banheiro e o perfume dele por todo o ambientem, me
frustraram. Então quando me joguei na cama, odiando minhas coxas por
quererem se unir só com o pensamento do meu melhor amigo nu, eu sabia
que seria difícil pegar no sono.
Só não sabia que seria tão difícil.
Até que eu ouvi.
Eu realmente não queria ter ouvido.
Me perseguiria, por semanas, o som rouco e desesperado de Oliver
Zhang, buscando por alívio.
Abri a boca, chocada, sentindo a contração entre minhas pernas, a
necessidade dolorosa. Aquilo era tortura.
Outro gemido.
Puta que pariu.
Ele provavelmente pensou que eu não voltaria tão cedo, já que fiquei
meia hora fora. Zhang não fazia ideia de que eu estava deitada, ouvindo
tudo. Os sons eram um pouco abafados pela água e pela porta fechada, mas
era impossível não ter certeza. Ele estava se tocando. E gemendo. Pelos
sons arrastados, sufocados, entrecortados, eram gemidos que queria evitar.
Tentava engolir a todo custo. Mas não conseguia.
Deitada, com o coração acelerado, eu cogitei sair e dar alguma
privacidade. Entretanto, minhas pernas seguiam travadas, minhas mãos
agarrando os lençóis da cama e eu percebi que nenhum pedacinho do meu
corpo, tinha a menor vontade de cair fora. Na verdade, parecia que eu só me
moveria para dentro daquele box. Meu autocontrole inteiro estava voltado
para não fazer isso.
Outro gemido. Longo, rouco, grosso. Puta merda.
Me sentei na cama, ainda sentindo meus batimentos acelerados por todo
o corpo. Principalmente entre as coxas. Minhas palmas suaram e eu
continuava com a boca escancarada em puro choque, tentando pensar no
que fazer. Não funcionou, porque tudo o que eu pensava era em suas mãos
tatuadas pelo seu corpo. Nos músculos marcados com tinta preta se
flexionando, as veias caminhando pelos braços tensos, na medida em que se
movimentava.
Como ele gostava? Como ele fazia isso?
Com as mãos contra os azulejos? Com a cabeça tombada para trás,
enquanto a água escorria por cada pedacinho da sua pele?
No que ele pensava? Havia alguma chance, mínima, de que pensasse em
mim?
Oliver Zhang estava se masturbando. No banheiro. Depois da nossa
conversa. Depois que confessei que queria beijar a sua boca até perder a
porra do fôlego. Na verdade, sugeri coisa pior, se tinha me entendido bem.
E agora ele estava se tocando.
E se fosse por minha causa?
Levantei-me, tensa, nervosa. Pior, eu estava queimando. Febril, ansiosa,
com minhas mãos formigando para tocar no que eu não deveria. Nele.
Ter tesão pelo seu melhor amigo, está no top coisas que você,
definitivamente, não deveria ter na situação em que eu me encontrava.
Ainda assim, Jasmine Souza Burra-Rhodes estava com muita vontade de se
juntar a ele, debaixo da água, e foder como se não tivesse um compromisso
em pouco mais de duas horas.
Considerei seguir até a porta do banheiro, mas… Não. Não poderia.
Parada, apertei os lábios, antes que babasse. Encarei a porta do banheiro
fechada.
Ele xingou. De repente, minhas roupas incomodavam. Meus mamilos
despontavam contra a maldita camisa de banda, eu sabia que precisaria
trocar de calcinha e tomar um bom banho depois dele, que os arrepios pelo
meu corpo significavam que eu estava inquieta e a ponto de explodir com a
ideia de que Oliver Zhang estava muito, muito perto de chegar ao clímax.
Caminhei em direção à porta do banheiro. Foi mais forte do que eu.
Os seus palavrões eram mais claros agora. Ele gemia e xingava, grunhia,
parecendo puto consigo mesmo. Era impossível não o imaginar agarrando o
pau, movendo a mão para cima e para baixo, desesperado para gozar.
Rápido, deveria se tocar com força, raiva. Os sons eram primitivos,
imperfeitamente perfeitos, e eu os imaginei no pé do meu ouvido. Baixinho.
Entre ordens.
Eu não era idiota.
Conhecia os boatos, que Keanu com certeza lutava para esconder, sobre
o jogador de futebol mais controverso da Austrália. Diziam que ele era
impiedoso na cama. Diziam que ele gostava de mandar e deliciosamente,
convencia as garotas a obedecer. Permitia-se ser submisso, apenas se
pudesse dominar na segunda rodada. Gostava de amarrar, de bater, de fazer
as mais silenciosas, gritarem.
Essa última parte eu sabia por ser vizinha dele.
Mesmo quando estava no segundo andar da cobertura, às vezes, eu
ouvia. E uma vez o filho da puta transou na sala. Eu estava com minha taça
de vinho, tentando assistir uma novela. Os gemidos desesperados de uma
garota, me fizeram subir para meu quarto e decidir assistir à televisão na
cama.
Agora eu ouvia muito mais de perto. E o queria. Entre minhas pernas,
atrás de mim, de lado… Não. Rhodes má. Péssima garota. Jamais pense
nisso.
Eu pensava.
Me afastei, me sentindo um pouco estranha e culpada. O que durou meio
segundo. Peguei meus fones na minha bolsa, colocando-o em um ouvido,
apenas caso ele saísse e achasse que eu estava escutando. Acoplei no meu
celular e deitei na cama. Ouvindo. Ouvindo. E ouvindo.
Os sons mais rápidos, mais desesperados, mais inconstantes, mais lindos.
Mais perfeitos. Mais perto do clímax. E, por um momento, foi como se eu
estivesse lá com ele. Chegando perto com ele, cada vez mais perto.
Tocando-o, beijando-o, lambendo sua pele, arranhando seus braços,
colidindo contra seu corpo.
Até que ele gemeu de novo, fodendo minha mente por completo.
Nenhum xingamento ou palavra incoerente dessa vez.
Foi meu nome. Alto e claro. Seguido por — agora sim — palavrões e
gemidos incontroláveis, enquanto provavelmente gozava.
Eu o imaginei gozando. O imaginei bombeando o pau cada vez mais
rápido e virei-me de lado, na direção oposta à porta, fingindo mexer no
celular. Meu coração estava mais acelerado do que nunca.
Após alguns minutos de calmaria, o chuveiro foi desligado.
A porta do quarto se abriu e o vapor represo invadiu o ambiente
refrigerado pelo ar-condicionado. Seu cheiro masculino, do sabonete e do
shampoo, fizeram minha boceta pulsar de novo, encharcada. Por causa dele.
E ele nem tinha me tocado. Virei minha cabeça, fazendo uma atuação que
faria Meryl Streep me aplaudir, quando franzi o cenho, cocei os olhos,
cínica.
— Hm? Ah… Ei.
Oliver ficou pálido quando me viu na cama, segurando a toalha com
mais força. Zhang reprimiu os lábios.
— Ei. — devolveu. — Estava no banho.
Não me diga.
— Estava tirando um cochilo. Tenho duas horas até o ensaio do desfile.
— Certo. Vou tirar um cochilo também. Tudo bem? — perguntou,
desviando o olhar, completamente vermelho. Com vergonha. De ter batido
uma pensando em mim. A água escorria pelo seu peito, braços. Porra, ele só
ficava mais gostoso.
— Só se você se vestir.
Ou não. Mas não acrescentei isso.
Ele assentiu e pegou uma muda de roupas, seguindo para o banheiro.
Fechei os olhos, fingindo ter pegado no sono imediatamente. Ollie se deitou
também. E eu fiquei em dúvida se ele estava de fato dormindo, depois do
orgasmo do século, ou se esteve fingindo o tempo todo. Como eu.
@TheOliverZhang: Uma obra de arte. E logo em sua frente, um quadro meio estranho.
Eu ri, nos bastidores, enquanto meu cabelo era alterado pela segunda vez
no dia. Todas as ondas foram para o espaço, porque me queriam com eles
úmidos e escovados para trás. Não permitiram que Zhang estivesse ali
comigo, muito menos Priyanka. Então eu estava com as demais modelos,
aproveitando o friozinho na barriga sozinha.
Troquei de roupa e substituíram o colar em meu pescoço por um duas
vezes mais pesado. Era de ouro e rubis. Cobria quase todo meu colo. Me
cobriam quase mais do que o enorme paletó que me fizeram vestir. Não
tinha nada senão uma calcinha por baixo e ele estava fechado, deixando que
um decote V profundo anunciasse que eu entraria na passarela vestindo,
quase, apenas uma jóia. As botas escuras eram lindas. Eu queria roubá-las.
Olhei ao redor, procurando por um rosto conhecido. Peguei o celular e
enviei uma mensagem no grupo das garotas.
Eu: Não vem mesmo? @Naomi.
Carlson enviou uma foto com Bale e Hailey em uma sorveteria. Hailey
estava no colo do pai, com um balde de pipoca de um filme da Marvel,
enquanto fingia que lamberia o sorvete dele. Sorri de orelha a orelha.
Naomi: Seguindo os pedidos do marido teimoso e da minha psicóloga, estou reduzindo meu ritmo
de trabalho esse mês. Não conseguimos viajar. Mas arrasa e me conta tudo depois. Te amo.
Mel: Conta tudo mesmo. Já transou com o Oliver? Essa foto grita “meu namoro é real” e o lance
de “só tem uma cama” sempre funciona. Sério, Rhodes, deu certo, né? Fala logo.
Ignorei Wayne, disse que amava as duas e que o desfile já começaria.
Melissa me bombardeou de mensagens, mas bloqueei a tela e guardei na
minha bolsa, olhando para a maquiagem pesada em frente ao espelho, antes
de fazer um pequeno sinal da cruz. Tudo me lembrava ele. Meu pai fazia
sempre que entraria em cena. Era por ele que eu fazia. Talvez ainda fosse
por ele que eu fazia tudo. Para deixá-lo orgulhoso.
Encarei meu reflexo mais uma vez. Minha pele negra, escura, meus
olhos da mesma cor que o céu na noite, o formato da minha boca... Tinha
tanto do meu pai em cada pedacinho meu.
Respirei fundo, fechando os olhos, e imaginando-o na primeira fila. Até
que chamaram o meu nome e a adrenalina fez minhas veias queimarem. Era
hora de mostrar o que Jasmine Rhodes significava.
As cortinas do nosso teatro estavam fechadas, não havia plateia.
Não existia fingimento quando rocei meus lábios nos seus — não como
uma atriz, nem como sua namorada falsa. Mas como sua. Não quando
acariciou minha nuca com possessividade. Não quando o senti movendo a
boca sobre a minha, tão perto de se descontrolar. Querendo isso.
Se me queria, por que não me tomava para si?
— Jas. — Oliver avisou e meu coração disparou, doendo em
necessidade.
Eu pressionei meus lábios nos dele novamente, mais devagar dessa vez.
— É a última vez que te digo, Zhang. Você sabe muito bem que só tem
um cenário para me ver implorando. Eu quero que perca o controle. Eu
quero que me faça gritar. Eu não me importo com as consequências, desde
que nenhuma delas envolvam te perder. E você não vai me perder.
Zhang não reagiu a princípio e eu esperei. Esperei que suas mãos, agora
em minha cintura, me afastassem. Mesmo sabendo que minha palma em seu
peito sentia seu coração trovejando. Eu conseguiria sua reação a todo custo.
Então mordisquei seu lábio inferior e seu punho se cerrou em meus quadris,
em busca por autocontrole. Mas eu arrastei aquela carne suave e rosada... E
Oliver o perdeu.
Ele me pressionou contra a bancada da cozinha, suspirando antes de me
beijar de volta e eu quase sorri, mas me contive.
Enganávamos perfeitamente o mundo todo, mas raramente um ao outro.
Seu beijo era possessivo como todos os outros, mas delicado como eu não
esperava. E eu poderia dizer toda aquela baboseira romântica de: "Oh,
Oliver Zhang trazia o paraíso nos lábios"... mas Oliver carregava puro
caos. Ele tinha gosto de problemas e mais problemas. Zhang beijava como
se conhecesse meu inferno e cada demônio — porque conhecia. Ele me
beijava como caos beijava caos, seduzindo-o a destruir o mundo. E eu
gostava.
Zhang acariciou minha coxa com uma firmeza estranhamente doce e eu
tombei a cabeça para o lado, explorando a sua boca e apreciando a sua
língua quente e macia contra a minha. Beijando o meu melhor amigo...
Porque eu queria. Porque ele queria. Por nenhum outro motivo.
Sabe... Eu estava fodida.
Eu estava. Era fato.
Zhang... Zhang era bom. Ridiculamente bom. Bom a ponto de ser
irritante a ideia de que teríamos que parar, porque oxigênio era necessário.
Mas era mesmo?
— Eca. — Uma voz infantil nos fez parar. Reprimi os lábios e olhei para
o teto para tentar não rir. De desespero. Eu amava a pequena Bale, mas
tinham vários momentos para interromper um casal e aquele,
definitivamente, não era um.
Zhang afundou a cabeça no meu ombro, mas ergueu o olhar para Hailey.
— Sabia que vocês trocam germes quando se beijam?
— É mesmo?! — perguntei, minha voz como uma melodia divertida.
— O que está fazendo aqui? — Zhang quis saber, tentando não soar tão
descontente.
— Assistindo vocês trocarem germes. — Hailey respondeu, esperta e
prática demais para uma garotinha de quatro anos. — Papai me disse para ir
dormir porque minha barriguinha está cheia. Daí a mamãe me deu banho e
tudo mais e eu coloquei meu pijama. — Ela apontou para a roupinha cor-
de-rosa com um monte de peixinhos.
— Mas não foi dormir. — presumi.
— Eu tentei!
— Você deveria estar na cama. — Oliver disse. Hailey colocou as mãos
na cintura, em um desafio silencioso. — Pestinha.
— Zhang-Burro. — ela devolveu e eu engoli o riso. Zhang-Burro. Muito
bom. Eu amava essa garota.
— Para a cama. — ele ordenou.
— Não.
— Hay. — chamei, em um pedido para que obedecesse. Ela suspirou
dramaticamente. Não queria dormir. Caminhei até ela. — Por que está sem
sono?
— Eu tive um pesadelo. — confessou, sem jeito, e meu coração apertou.
Me agachei, para ficar na sua altura. Li em algum lugar que as crianças
gostam disso. Que as fazem sentir iguais aos adultos. — Eu sonhei que... Eu
estava sozinha no mundo. Não tinha mais ninguém. — Sua voz era baixa e
tensa e seus olhos se encheram de água. Mas Hailey fingia ser forte, então
continuou: — Eu gritava pela mamãe e pelo papai e pelo tio Ollie e
ninguém aparecia e... — Ela coçou os olhinhos e eu senti Ollie se
aproximando.
Segurei sua cintura e Hay desviou o olhar. Ela suspirou, tentando não
chorar.
— Ok, e seus pais?
— Eu ia procurar eles. Acho que estão com a tia Gigi lá fora. Ou Memel
e tio Mike.
— Ok. — Ollie pensou, respirou fundo e encontrou uma opção que fez
meu corpo murchar. — E se o tio Ollie te contar uma historinha?
O rosto da Hailey inteiro se iluminou e eu fiquei feliz por isso. De
verdade. Mas quando Zhang a carregou e me lançou um olhar de desculpas,
eu não pude fazer nada senão ficar secretamente frustrada.
No momento em que Damian e Naomi voltaram para a cozinha e eu
contei que Ollie estava com a Hailey lá em cima, já era tarde demais. Eu
não sabia o que fazer com a receita da família dele e me senti meio idiota
por ter esperado. Zhang nem terminou o jantar, o pessoal também não
estava com fome. Já estava me preparando para dormir, no meu quarto,
quando Bale me disse que Oliver dormiu com a Hailey, como um bebê.
Então forcei um sorriso, agradecendo pela informação.
Me deitei, frustrada por não conseguir dormir, até que a porta se abriu. A
princípio, achei que fosse Gigi. Achei que ela tivesse trocado de quarto com
ele. Mas senti seu cheiro, um beijo no meu pescoço, ouvi sua
movimentação até o banheiro, seu banho e seu perfume quando retornou.
Senti seus braços em torno da minha cintura. E meu coração idiota resolveu
interpretar tudo aquilo como esperança. Eu só não entendi exatamente o que
essa esperança representava.
O trajeto em seu carro foi silencioso. Oliver nem mesmo colocou uma
música, apertando o volante com uma mão e brincando com uma corrente
fina de ouro em seu peito com a outra. Ele não me encarava, enquanto as
veias em seus braços e nós esbranquiçados me mostravam que estava puto.
Estava se contendo.
Mordi um sorriso, tentando não me concentrar em seu perfume no
veículo. Fiz o mesmo no elevador, encarando cada andar como parte de
uma contagem regressiva. Quando chegamos ao nosso andar, eu suspirei.
Senti Oliver em meu encalço, por alguns passos.
Zhang deixou sua pequena mala em frente ao apartamento dele e me
seguiu, com a minha em mãos. Ele fechou a porta atrás de si e eu… eu
quase me virei, mas decidi manter aquele teatro de que nada realmente
estava acontecendo.
Sentei-me no sofá, prestes a tirar as sandálias de salto baixo, quando ele
derrubou minhas malas e sua voz irrompeu pelo ambiente:
— Não.
Um arrepio me percorreu e eu parei. Minha boceta contraiu e eu soube
que ficaria satisfeito quando tirasse a minha calcinha. Eu já estava excitada.
— Onde guarda as taças? — perguntou, como se não soubesse, e eu o
assisti caminhar como se a casa fosse sua. Vi os músculos de suas costas
contraírem mesmo com a camiseta preta, justa ao corpo. A bunda firme
chamou minha atenção e eu umedeci os lábios, ansiosa.
— Armário central, de cima.
Ele pegou apenas uma taça, caminhando pelo cômodo como se nada
realmente estivesse prestes a acontecer. Eu sabia que aconteceria. Ele
seguiu para minha pequena adega na cozinha e retirou uma garrafa.
— Vamos beber? — perguntei.
— Você vai. Precisa relaxar, Moonshine. Parece tensa. — Apertei as
coxas. De longe, Oliver assistiu o movimento discreto e eu tive certeza de
que sabia que eu estava a um segundo de foder o sofá a seco.
Oliver serviu o vinho e retornou para a sala, bebendo apenas um gole
antes de me entregar a taça. Ele recolheu os resquícios de bebida pelos
lábios vermelhos.
— Está cansada?
— Um pouco. — Virei um gole do vinho tinto, incerta.
Zhang se ajoelhou, ainda sem esboçar qualquer sorriso.
Ele pegou uma das minhas pernas e a dobrou, apoiando o salto em sua
coxa. Ollie deslizou a ponta dos dedos pela pele nua da minha coxa, exposta
pelo meu vestido curto, de alças finas. Lutei para controlar a respiração e
lutei ainda mais, quando desfez a fivela do sapato.
— Sabe o que pensei, depois daquele encontro? — questionou e eu
neguei. — Pensei que…
Uma sandália saiu de cena e ele apoiou meu pé no chão, indo para a
outra.
— Ficar de joelhos aos seus pés…
Ele colocou o outro pé em sua coxa, acariciando meu tornozelo e mais
acima, em uma massagem que quase me fez gemer.
—… parecia tão certo, quanto uma tortura.
— Por que?
Oliver tirou o outro sapato, acariciando minhas pernas e mais acima.
Apertando minhas coxas de leve, tão de leve. Ele encarou minha boca, meu
colo, cintura… E então um tapa estalado na minha coxa me fez arfar,
surpresa. Sim. Porra, sim.
— Porque eu queria abrir suas pernas… — Ele apertou minhas coxas de
novo, as afastando —… foder sua boceta com a boca. E não deveria.
Suas mãos se infiltraram sob meu vestido, os dedos se enganchando nas
laterais da minha calcinha. Tirar os olhos dos seus era impossível.
— Não? — provoquei, segurando a taça como se minha vida dependesse
disso.
— Não. E ainda não devo.
— Não?
— Não. — Oliver arrastou a peça pelas minhas pernas. Ele
provavelmente sabia que eu estava molhada, mas tudo que fez foi guardá-la
em seu bolso, sem nenhum comentário, e se aproximar um pouco mais. —
Eu realmente não deveria.
— E ainda assim vai fazer isso agora, não vai? — arrisquei.
Meu coração disparou, esperando por uma resposta.
— Vou. — confessou, passando uma das minhas pernas por cima do seu
ombro e eu mordi o lábio.
— Por que?
— Porque te avisei que não sou tão bom quanto você pensa e mesmo
assim você me tirou do sério, Rhodes. Não quero mais ninguém brincando
com o que é meu. Então decidi parar de lutar contra o filho da puta que eu
sou.
Assenti, compreendendo, mesmo que meus pulmões falhassem. Zhang
abaixou as alças do meu vestido antes de voltar a se ajoelhar e mordiscar
minha perna. E mais acima…
— Vou ser esse filho da puta.
Ele mordiscou o interior da outra coxa e… mais acima.
— E esse filho da puta é o único que te fode daqui em diante, sim?
Confirmei, com o coração em disparada. Zhang segurou a barra do meu
vestido e o rasgou, devagar. Eu abri a boca, em choque. Ele manteve o olhar
preso no meu, ainda rasgando, até que eu estivesse nua e seus olhos
famintos devorassem meus peitos, barriga e boceta, sem nada o impedindo
de me analisar por completo.
— Era caro, Zhang. — falei, baixo.
— Avisei que não deveria brincar comigo, Jasmine. — devolveu. —
Então para de se importar com a porra do vestido, porque te compro outro.
O que importa é saber que isso aqui… — Ele espalmou a minha boceta,
agarrando-a firme, ao aproximar a boca da minha. Respirei fundo, beirando
a insanidade. — Pertence a mim.
Ele esperou. E deu um tapa bem ali quando não falei nada. Arfei,
apertando meu calcanhar em suas costas, querendo que acabasse com a
tortura.
— Sim?
— Sim. — respondi, prendendo um sorriso vitorioso entre os lábios.
— Agora cada um bebe o que merece. — provocou, finalmente sorrindo.
— É sério?
— Seríssimo. — Ele acenou com a cabeça para o vinho, em uma ordem
silenciosa, tirando os anéis e jogando-os no chão. Obedeci, levando os
lábios para a taça de cristal, me controlando para não gemer ao sentir sua
língua subindo pela minha boceta, enquanto o líquido descia pela minha
garganta. Olhei para baixo e Zhang abria minha boceta com dois dedos,
aproximando o hálito quente do meu ponto sensível, antes de tomá-lo com a
língua. Suspirei, afastando a taça do campo de visão e agarrando seus
cabelos, enquanto sua língua circulava meu clítoris, antes de massageá-lo
devagar de cima para baixo. Zhang o chupou e eu xinguei, tentando não me
esfregar contra sua boca tão cedo. — Gosta de me ver ajoelhado entre suas
pernas, hm? Como a porra de uma rainha?
Fui capaz apenas de gemer em resposta, quando seu polegar circulou
meu clitóris e ele o beliscou de leve. Zhang sorriu e eu soube que não
duraria muito. Estava excitada desde o fim do maldito jogo, só de lidar com
sua maldita existência. Quando abaixou a cabeça novamente, me possuindo
com aquela maldita boca, eu joguei a minha para trás, arfando.
Ollie me chupava, me mantendo aberta e exposta à ele com dois
malditos dedos, lambendo, mordiscando, tracejando caminhos com a língua
para me levar à loucura. Quando um dedo me penetrou, fechei os olhos.
Minha respiração estava uma desordem, meus gemidos eram incontroláveis
e eu sentia todo meu corpo cada vez mais tenso, implorando por alívio.
Zhang tomava seu tempo, relembrando cada rota para me fazer gozar.
— Eu beberia cada gota do seu gosto, Rhodes. — Chupou mais forte de
novo. Mordi a boca, com as pálpebras pesadas. — Quem mais faria isso por
você?
Não respondi e ele enfiou um segundo dedo, mordiscando o ponto
sensível, antes de provocá-lo, devagar, com a língua. Um tapa em minha
coxa e eu esfregaria contra sua boca, desesperada.
— Quem? — perguntou, tocando meu clítoris e lambendo minha
extensão devagar, provocando.
— Ninguém. — gemi, observando seu sorriso satisfeito enquanto
agarrava meus quadris, me devorando. Sua língua brincou com minha
entrada, antes que me fodesse com ela.
— Implore.
— Ollie… Por favor.
— Te fodo quando acabar a taça, Rhodes.
Eu ri, percebendo que tinha sentido falta disso. De como ele era um
desgraçado e sabia. Ele bateu na minha coxa, sua língua se movendo com
destreza, e eu me perguntei até quando suportaria. Ele alternava entre me
chupar e me foder com a língua. Zhang gemia em aprovação, como se eu
fosse a melhor coisa que já tinha provado. Segurei sua cabeça, mantendo-o
em minha boceta. Meus quadris se moviam, implorando por mais e eu
apoiei a outra perna sobre seu ombro.
Respirei fundo, dando os malditos goles, apreciando o vinho e aquela
língua em mim. Zhang estava certo. Eu gostava da ideia de vê-lo ajoelhado,
da falsa sensação de dominá-lo, de poder. Tanto que acabei deitando o
corpo no sofá e fodendo sua boca de volta, rebolando meu clitóris em sua
língua e bebendo enquanto ele saboreava meu gosto, sem parar, me fazendo
pingar. Ainda assim, odiava aquela taça. Poder agarrá-lo com apenas uma
mão era uma tortura. Zhang sabia disso.
— Você é tão deliciosa, amor. — Ele me penetrou com dois dedos, sua
língua torturando meu clítoris cada vez mais rápido. Amor… Caralho, eu
ia…
— Oliver. — avisei, choramingando de prazer.
— Olha para mim, Rhodes. Quero seus olhos em mim quando gritar meu
nome.
Ele me chupou e eu obedeci, sentindo a tensão se tornar insuportável.
Meus dedos se curvaram sobre suas costas, minhas pernas só não se
fecharam porque ele me segurou com firmeza. Meu clitóris pulsava em sua
língua, enquanto me chupava sem parar e aquilo era demais para aguentar.
Ele parou apenas por um momento, para aproximar a boca suja com minha
excitação da minha e me foder forte com dois dedos, cada vez mais rápido,
antes de dizer:
— Por que está se segurando? Com medo de não aguentar todas as
formas que vou te fazer gritar depois disso? — Ele soltou um risinho,
lambendo a minha excitação. — Goza, Rhodes, agora.
E eu gozei, gritando seu nome, arqueando a coluna, estremecendo no
sofá e agarrando seu cabelo enquanto minha mente se tornava fumaça,
minha visão desaparecia por completo e um tornado se apossava de cada
célula, veia e órgão do meu corpo, dilacerando-me com prazer. Minha
boceta apertava seus dedos, sua boca dominava a minha e eu não conseguia,
e muito menos queria, pensar. Eu viveria naquele orgasmo para sempre, por
mais simultaneamente desesperador e apaixonante que ele fosse.
Meu corpo despencou sobre o estofado e eu xinguei, ofegante, enquanto
meus sentidos voltavam aos poucos. Com as pálpebras pesadas, observei
Zhang me lamber uma última vez, beijando minha coxa, até aproximar os
lábios dos meus e agarrar meu queixo.
— Você está pingando por todo o sofá. Aquela garotinha idiota no
campo faria isso por você? — Zhang mordiscou meu queixo, beijando meu
pescoço e roubando a taça da minha mão. — Quando eu pergunto, você
responde, cachorra. — Ele me tocou novamente, entre as pernas, e eu gemi,
sensível, me esfregando em seus dedos.
— Não. — respondi, baixo, e ele beijou meu pescoço, deixando sua
língua percorrer todo o caminho até minha orelha. Ollie a mordiscou, me
tocando com leveza e meu corpo estremeceu de novo. Ele abaixou a boca
para chupar um seio e então o outro.
Depois se levantou, de repente, me deixando no sofá e virou o resto da
taça em um só gole, deixando-a sobre a mesa. Observei o volume entre suas
pernas, sentindo saudade de tê-lo na boca. De como empurrou os quadris
até que gozasse em minha garganta, sem nenhum controle.
— Deixe-me esclarecer uma coisa, Moonshine, esse namoro pode ser
mentira. — falou de pé, tirando a camisa e o cinto. Observei o objeto em
sua mão, me perguntando se usaria em mim. E eu queria. Realmente queria.
— Mas as coisas que vou te fazer sentir, são de verdade.
Ele se aproximou, me olhando de cima, segurando o cinto com ambas as
mãos, ao perceber meu interesse sobre ele.
— Então é assim que fode suas garotas mesmo, né?
Ele soltou um risinho e soou como uma confirmação. Meu coração
queimou com um sentimento idiota, pensando em todas as garotas que ele
trouxe para o apartamento.
— Você não entendeu mesmo, né? — Ollie passou o cinto em torno do
meu pescoço, aproximando minha cabeça da sua, ao se agachar e puxar o
acessório com leveza. — Eu as comia forte, sim. Mas não fodia nenhuma
como fodo você.
Sorri e ele sorriu de volta, me beijando, devagar.
— Fica de quatro para mim, segurando o sofá, Jas. — pediu, com tanto
carinho, que foi impossível negar. Virei-me, ajoelhando sobre o sofá e
respirando fundo, ele acariciou meu pescoço, deslizando meu cabelo por
cima do ombro. Sua mão deslizou pela minha bunda. Inspirei, em
antecipação, e ele chocou a mão na minha pele com força, me fazendo
gemer. Zhang beijou meu pescoço com ternura, acariciando a pele que
queimava pelo tapa. — Vou prender os pulsos dessa vez. Minha mão fica
melhor nesse pescoço. Por ora.
Sorri. Fiquei parada, enquanto prendia meus pulsos atrás do corpo, firme
o suficiente para me manter presa, mas não para me machucar.
Ouvi sua calça ser abaixada e senti seu pau em minha abertura, roçando
de leve a minha boceta por trás. Quis segurar o encosto do sofá e percebi
que não poderia. Senti seus beijos em minha nuca, enquanto agarrava meu
cabelo. Seu toque deslizou para os meus seios, beliscando os mamilos, e
deixando-os preencherem suas mãos.
— Não tem nada sobre você que não seja perfeito. — sussurrou, tão
baixo que não parecia ser dito para mim. Desceu as mãos pela minha
cintura, até os quadris.
E então me fodeu.
Fiz menção de tombar a cabeça para baixo, mas Oliver agarrou meu
cabelo, erguendo minha cabeça para si e beijando-me de cima. Sua mão
livre envolveu o meu pescoço, enquanto a outra agarrava as mechas escuras
e ele começou a se movimentar. Devagar, a princípio, mas nada sobre seus
movimentos era menos prazeroso.
Zhang desceu a mão em meu pescoço para um mamilo, torcendo-o de
leve, eu gemi, fodendo-o de volta. Olhando para cima e quebrando o beijo,
vi seu sorriso preguiçoso, sexy, sujo em todos os sentidos.
— Você fica linda sendo a minha vadia particular.
— Sua? — provoquei e ele sorriu ainda mais, me fodendo mais rápido.
Gemi alto e Zhang desceu a mão para o meio das minhas pernas, tocando-
me com firmeza.
— Minha. Confessa.
— Me faz confessar. — falei, gemendo, e ele me deu um tapa na boceta
que a fez contrair imediatamente. A dor gerou um formigamento prazeroso
e eu me perguntei como aquele homem fazia aquilo com meu corpo. Eu já
sabia que não demoraria em gozar.
— Você pediu.
Ele aumentou a velocidade das estocadas e eu comecei a xingar,
querendo tocá-lo, mas impedida pelo maldito cinto. Empinei a bunda,
fodendo-o de volta e ele a estapeou, empurrando-me contra o estofado,
segurando o cinto por trás e estocando com força mais vezes do que eu era
capaz de contar. O prazer foi crescendo novamente e eu estava perto, tão
perto de gozar, mas não queria. Não tão cedo.
Só que ele não parava.
Os sons dos nossos corpos se chocando, ecoavam por todo o
apartamento.
Nossos gemidos, respirações misturadas, xingamentos contidos…
Era demais para suportar.
Gozei mais uma vez, gemendo como a cachorra que ele queria que eu
fosse, e Oliver não parou, me mandando confessar mais uma vez. Não fiz
isso, estremecendo contra seu corpo e ele agarrou meu pescoço, me
levantando e me fazendo caminhar até as janelas do apartamento. Era alto
demais para todo mundo nos ver, mas eu tinha uma vista completa de
Brightgate pela noite.
— Quero que grite para esse prédio inteiro entender que essa boceta me
pertence, Jasmine. — ele rosnou e o prazer que estava quase acabando,
pareceu ressurgir, incendiando todo o meu corpo. Deus, Oliver me faria
gozar a noite toda. — Quer essa cidade? Ela é sua. Mas vou te marcar em
cada canto dela. Está ouvindo? — Assenti, gemendo. — A quem essa
boceta pertence?
Eu gemi alto quando pressionou meus seios na janela, que ocupavam a
parede inteira ao lado da varanda. Oliver me bateu e eu choraminguei,
empinando a bunda, querendo mais. Eu queria tocá-lo, mas a tentação era
prazerosa. Tudo era prazeroso. Demais.
— Diz, cachorra, a quem essa boceta pertence?
O orgasmo veio novamente, irrompendo por todo meu corpo e me
fazendo gritar seu nome, respondendo-o inúmeras vezes, enquanto ele
grunhia e fodia cada vez mais forte. Minhas pernas vacilaram, mas Zhang
segurou meus quadris e meu pescoço contra a janela, mantendo-me ali até
que conseguisse o que queria. Quando meu corpo estava quase se
acalmando, ele estocou fundo e forte uma, duas, três vezes, derramando seu
gozo em mim e xingando tão alto quanto eu, para a cidade toda ouvir.
Ofegante, apoiei a testa no vidro, vendo-o embaçar e nublar a imagem de
Brightgate, abaixo de nós.
O prazer ainda vibrava pelas minhas veias, enquanto meu corpo se
recuperava.
Devagar e ofegante, Zhang desfez o aperto do cinto nos meus pulsos e os
acariciou. Sua boca tocou minha cabeça, minha orelha, meu ombro. Ollie
apoiou a testa em mim e eu busquei por suas mãos, enlaçando-as em minha
cintura.
Não consegui falar.
Não consegui pensar.
Apenas me concentrei na sensação de tê-lo por cada pedacinho do meu
sistema.
Oliver estava na minha pele, no meu corpo, na porra da minha alma.
Meu melhor amigo. Minha pior tentação.
— Você vai ser o meu fim, Moonshine.
Eu sorri, fechando os olhos, o entendendo.
Oliver Zhang era minha insanidade.
E quando me abraçou, por trás, eu me senti muito mais alta do que no
topo daquela cidade. Me perguntei se, tal como eu, ele também se sentia
caindo, despencando… sem medo.
“Outro avião
Outro lugar ensolarado
Eu tenho sorte, eu sei
Mas eu quero ir para casa”
Home - Michael Bublé
— You ever love somebody so much you can barely breathe when you're
with them. — Jasmine gritava a letra, no banco do carona, e eu tentava
acompanhá-la, quase tão sem fôlego quanto Eminem dizia estar na música.
— You meet and neither one of you even know what hit them. — Algo em
seu sorriso e no modo empolgado como tentava me vencer me fez sorrir
demais e acabei me embolando na música. Ou talvez fosse o fato da criatura
estar linda pra caralho, mesmo só com uma blusa larga do Cage The
Elephant, shorts jeans e os óculos escuros redondos, que eu amava tanto. —
AHÁ!
— Droga, Moonshine, não é justo. — me defendi, rindo, voltando a
focar no trajeto até o aeroporto. — Eu não errei, errei… Só dei uma
travadinha.
— Sei, capitão. Sei…
— Eu gosto do rap da outra versão também. — confessei e ela franziu o
cenho, reduzindo o volume para me ouvir melhor. — É mais intenso. Mais
caótico. Sabe, é uma música sobre um relacionamento triste pra caralho.
Mas é… poética, de certa forma. É dolorosa porque é real. Eu espero nunca
ser o cara dessa música.
— Você nunca vai ser. — ela disse, enquanto apoiava os coturnos sobre
o porta-luvas. — Mas sim… É uma obra de arte. Principalmente quando
você canta. Mas posso confessar uma coisa? — Acenei, me esforçando para
não olhar para a dona do Chanel Nº5. — Odeio Eminem. Tipo, como
pessoa. Acho escroto. Como artista, infelizmente, eu… Sabe…
— Gosta. Pois é. Mal do século. Pessoas escrotas fazendo sucesso e até
sendo boas nisso. Às vezes parece uma regra e não uma exceção.
— Mas temos boas exceções. Tipo eu.
— Claro.
— E Damie… E Mel… E Naomi, certo?
— Adoro seu humor “amo os Green Snakes e o resto que se exploda”,
sabe? — debochei e ela me deu aquela gargalhada sensacional de novo.
— Qual o seu favorito? — Jas me perguntou e eu franzi o cenho. — Rap.
Não Green Snake.
Sorri, mesmo pensativo. Os efeitos de Jasmine Rhodes sobre mim
deveriam ser estudados.
— “Ela está de volta para ser meu soldado, porque ela é uma fugitiva e
eu sou um impostor. Coloque-nos juntos, como vão nos deter? Quando lhe
falta alguma coisa, eu estou no seu ombro. E quando eu estou para baixo,
ela me mantém concentrado. Então, vamos falar de como isso foi projetado
para ser a Bonnie e o Clyde…” — falei, olhando para Rhodes, enquanto
nos aproximávamos do aeroporto. Ela mordeu um sorriso.
— Jay Z e Beyoncé. — Rhodes acertou e eu confirmei.
O carro caiu em um silêncio estranhamente confortável. Assim que
estacionei o Dodge Charger e saí do veículo, Rhodes fez o mesmo e apoiou
as costas na porta. Peguei a mala nos fundos e a entreguei a chave. Jasmine
apertou minha mão, mesmo com a chave entre nossas palmas, erguendo a
cabeça com um sorriso contido.
— Não custa nada me deixar ficar aí com você, capitão. Ainda tem uma
hora para viajar.
— Você tem compromissos. Não vou te atrasar. Mesmo contando todos
os segundos para ficar contigo e tudo mais. Principalmente depois de
ontem.
O sorriso de Rhodes triplicou e eu ri.
— Cara, você está pensando tanto em sexo. — murmurei e ela
gargalhou, erguendo as mãos em rendição.
— Desculpa, Ollie, mas você… — Jasmine envolveu minha cintura, me
trazendo para perto — me fodeu contra a janela, na frente da cidade toda.
Não é algo que vou esquecer tão cedo. — Mordi o cantinho da boca, vendo
desejo nos seus olhos. Porra, quase considerei fodê-la em algum banheiro
do aeroporto e foda-se tudo. — Quem está pensando em sexo agora?
— Você é perigosa. — sussurrei, erguendo seu queixo antes de unir os
lábios aos seus.
Jasmine suspirou contra a minha boca, apoiando a cabeça no meu peito
ao olhar para cima. Tê-la contra mim, daquele jeito, parecia certo,
finalmente. Romper aquele abraço seria como sair de casa em um tempo
chuvoso, em que tudo que você quer é um cobertor. Ela realmente era a
minha casa. E eu queria saber o que éramos, o que aquilo tudo significava,
mas… Não queria estragar tudo. Também parecia mais certo que
estivéssemos em algo falso, mas com benefícios. Pelo menos até eu
conseguir contar toda a verdade. Se eu contasse.
Merda, Rhodes merecia alguém melhor.
— Vou te mandar um presente. — avisou e eu ergui seu rosto,
acariciando-o devagar.
— Por quê?
— Porque vai fazer trinta anos, seu babaca. — Eu parei para processar,
por um momento. Jasmine escancarou a boca. — Esqueceu do seu próprio
aniversário?
— Culpa sua e do sexo de explodir a cabeça, naquele sofá. — respondi e
ela gargalhou alto. Por Deus. Com a expulsão, depois a viagem, as semanas
lutando pelas vitórias no campeonato, o fato de estarmos tão perto do top 6
da liga… Caralho, já era março e eu esqueci do meu próprio aniversário. —
Não precisa me dar um presente, Moonshine.
— Cale a boca. Eu vou te dar um presente. Você é meu melhor amigo.
Aceita.
— Certeza? — Ela assentiu. — Ok, então. Vou te mandar um assim que
chegar em Sydney. — prometi de volta, arrastando o polegar pelo seu
pescoço.
— É seu aniversário e você vai me dar um presente?
— Primeiro: já falei que colocaria o mundo nas suas mãos e não estou
brincando. Segundo: digamos que seja um presente bom para ambas as
partes. — sussurrei. — Mas só vai poder usar, pela primeira vez, quando eu
mandar. Combinado?
— Uhhh… Misterioso. Eu gosto. — Jasmine me beijou mais uma vez,
puxando-me pelo moletom. Com uma respiração profunda pelo nariz, me
perdi em sua boca, deixando que arrancasse dela tudo o que eu sentia e
queria dizer. Quando o beijo se rompeu, eu a entreguei a chave novamente.
— Vou cuidar bem do seu bebê. Boa viagem.
Precisei roubar um selinho. E outro. E outro. Porra, eu estava mais
meloso do que Mel e Mike.
— Volto em breve, Moonshine.
— É bom mesmo, capitão.
Eu sorri, recuando e entrando no aeroporto. Dei alguns passos antes de
sentir alguém me puxar por trás de novo. Jasmine me fez gargalhar quando
me beijou mais uma vez. E outra. E outra.
— “Se eu fosse sua namorada, estaria aqui por você se alguém te
magoasse. Mesmo se esse alguém fosse eu.”
BONNIE & CLYDE. De novo. Eu colidi meu sorriso com o dela só mais
uma vez e ela me deixou ir. Me questionei porque meu rosto estava doendo
quando cheguei no hotel. E então percebi que sorri o tempo todo. No
aeroporto. No avião. No ônibus da equipe. Até me jogar na cama. Maldita
fosse Jasmine Rhodes.
Era 20 de Abril. Também conhecido como dia em que, anos atrás, papai
Rhodes e mamãe Souza esqueceram a camisinha e criaram a melhor mulher
já existente — eu. Por isso eu aceitei ser vendada no carro, enquanto Oliver
nos dirigia para a casa da minha mãe, onde aconteceria a festa.
Eu não fazia ideia do motivo da venda e perguntava a cada dois
segundos se estávamos perto de chegar. Ollie, pacientemente, acariciava a
minha coxa e prometia que sim.
Assim que chegamos ao destino e eu saí do carro, sorri com a música
que tocava. Ollie segurava minha cintura, ainda me impedindo de tirar a
venda, conforme seguíamos para dentro da casa, na qual Ludmilla explodia
pelos altos falantes. Não era todo dia que você ouvia música brasileira
tocando tão alta em uma rua de Brightgate.
Ollie abriu a porta para mim e meu estômago se agitou com o cheiro de
churrasco e comida baiana, se misturando. Meu coração apertou, com
saudades de casa, e Zhang finalmente se pôs atrás de mim, tirando a venda.
Tanta gente gritou “surpresa” que eu só consegui levar as mãos à boca,
olhando ao redor, chorando. Meus tios, primos, amigos… Tinha tanta gente
do Brasil que eu não conseguia processar.
— Quem… Como? — perguntei, entre lágrimas, e Ollie me abraçou
forte por trás.
Eu estava a um segundo de quebrar de tanto soluçar. Eu costumava ir ao
Brasil de quatro a cinco vezes ao ano. A maioria das vezes era no primeiro
semestre. Com a bagunça de O’Connell na produção e todo o rearranjo feito
na minha agenda, eu não conseguiria viajar para a minha terra. Não até,
pelo menos, setembro. Pelas bandeiras, Fitas do Bonfim pelo teto e meus
parentes por toda a sala, trouxeram o Brasil — mais especificamente a
Bahia — até mim.
— Fiz o que pude, Moonshine. — Zhang confessou e eu me virei, o
abraçando com força pelo pescoço, enquanto o beijava. Não tinha sido
barato. Tantas passagens em cima da hora, para trazer tanta gente do outro
lado do mundo, era uma fortuna. Mais caro do que qualquer colar que tinha
me dado, do que qualquer coisa que já recebi na vida. Mais especial
também.
— Você é maluco, Zhang. Insano.
— Vai curtir sua família, linda. Me elogia depois.
Gargalhei, mas senti dois braços atrás de mim e o obedeci, me virando
para abraçar a minha mãe o mais forte que pude. Ela encheu meu rosto de
beijos, secando minhas lágrimas, e eu parti para o próximo abraço,
apertando a minha prima, Ana, com força. Uma louca gritou, pulando sobre
nós duas, e eu sabia que era a Geovana. Passei os próximos minutos
abraçando, chorando e rindo com a minha família biológica. Quando ergui
o olhar, entre um abraço e outro, e vi Zhang com os Green Snakes e seus
sorrisos largos, percebi que ele não tinha feito aquilo sozinho.
Eu achava que tinha noção do quanto realmente os amava. Eu não tinha.
Eu não sabia se havia algum neurônio sobrevivente em Naomi Carlson.
Ela estava sentada, na mesa de sinuca, em frente às nossas mães. Ao
nosso lado, Wayne balançava as pernas sobre a mesa.
— Por que Mel está aqui? — Lia perguntou.
— Porque é fofoqueira. — respondi e Wayne não negou.
Carlson coçou a garganta, ainda reflexiva.
— Não vão dizer nada? — Lia nos perguntou. — Tricia?
— Jasmine? — minha mãe pediu.
— Bem-vinda à família, madrasta?! — brinquei.
— Rhodes! — Naomi ralhou e eu sorri, dando de ombros. Ela suspirou,
encarando as mulheres à nossa frente. — Estou meio confusa, foi
inesperado, mas só tenho uma pergunta a fazer. — Naomi começou,
respirando fundo. — Tricia, quais são suas intenções com a minha mãe?
Eu ri e minha mãe também, mas meu coração quebrou quando Lia
suspirou de alívio, seus olhos se enchendo de lágrimas imediatamente. Eu
conhecia essa sensação. A de se descobrir, ou estar tentando se entender, e
ter medo de que ninguém, nem mesmo as pessoas que você mais ama, te
apoiem.
— As melhores, Naomi. — minha mãe respondeu. — Independente de
qualquer coisa, Lia e eu somos amigas. Eu a protegia antes e protejo agora.
Naomi assentiu, mas nitidamente ainda tinha milhares de
questionamentos. Segurei sua mão, ciente de que ser mantida no escuro
quanto a algo e descobrir tudo de repente é meio confuso.
— Como isso aconteceu?
— Vocês nos apresentaram em algum evento para a caridade e viramos
amigas. — Lia disse e até aí todo mundo sabia. — O resto foi se
desenvolvendo durante os anos, eu só… Me sentia viva, alegre e feliz com
Trisha e achava que era uma conexão entre melhores amigas, até que
começou a doer não estar ao seu lado e até cada pequena maniazinha me
cativava. — Sorri observando a loira encarar a minha pessoa favorita no
mundo, com seus olhos brilhantes e sorriso, inegavelmente, apaixonado.
— Onde foi o primeiro beijo? — Mel perguntou, romântica como
sempre. A minha mãe sorriu três vezes mais.
— No restaurante. — Patrícia respondeu. — Eu tomei atitude, mesmo
sem saber se entendia, de fato, os sinais. Decidi arriscar e torcer para isso
não nos afastar de uma vez e por um momento quase aconteceu.
— Eu não entendi o que sentia. — Lia confessou, com as mãos trêmulas.
— Ou neguei o que sentia. — Naomi observou as mãos da mãe e expirou
com pesar. Havia algo que a deixava em alerta sobre aquilo tudo e eu queria
saber o quê. — Vivi a maior parte da minha vida casada com um homem…
abusivo. — Lia raramente admitia a verdade. Ela raramente falava em voz
alta sobre o inferno que seu marido tinha feito quando vivo, quase
destruindo ela, Naomi e Madison, sem piedade. — Algumas vezes, parando
para pensar, eu… Eu sentia alguma atração por mulheres. Celebridades,
amigas do trabalho… Mas eu era casada e… Vincent era tão…
Rígido, preconceituoso, sufocante. Ela o amava, era fiel e estava
comprometida, conhecer outras pessoas fora do casamento jamais seria uma
opção, obviamente. Então, pelo que entendi, Lia ficou mais de vinte anos
presa em um relacionamento abusivo, suprimindo uma parte de si sem nem
realmente perceber, incapaz de se conhecer. Lia estava presa em si mesma
por causa de Vincent e isso deve ter sido desesperador. O fato de poder sair
disso e se apaixonar, principalmente por uma mulher, e se descobrir, se
questionar, começar a se entender… Isso era liberdade.
E era lindo.
Naomi, ao meu lado, secou uma lágrima que deslizou pelo rosto. Pensei
na importância de ver sua mãe em um relacionamento saudável, deveria ser
enorme. Mas então ela disse:
— Há quanto tempo?
Lia e Patrícia se entreolharam.
— Oito meses.
Puta merda.
Carlson mordeu o lábio, desviando o olhar. Eu também estava em
choque.
— Estou feliz, mesmo. — Naomi disse, por fim, respirando fundo. —
Estou feliz pra caralho. Eu só sinto muito que… — Naomi estava a um
segundo de quebrar e Melissa estava em alerta, ao meu lado. — Que tenha
passado por tudo isso sozinha. Não deve ter sido um processo fácil e ainda
sentiu que precisavam esconder, então… — Meu coração estava apertado,
finalmente entendendo.
— Naomi… — Lia tentou se aproximar.
— Não, mãe. Eu entendo. Só sinto muito se não fui um lugar seguro para
desabafar. De verdade. — Carlson desabou e Lia a abraçou imediatamente.
Olhei para a minha mãe, em silêncio. Ela me lançou um olhar
preocupado e seus lábios se mexeram, em português. “Está tudo bem?”. Eu
sorri de canto, assentindo. “Eu já desconfiava”. Ela rolou os olhos,
deixando um sorriso escapar. Eu contive a tentação de abraçá-la o mais
forte que podia. Era o primeiro relacionamento de Patrícia, depois da morte
de Marco Rhodes. E era com alguém que eu conhecia, aprovava e
admirava. Meu pai com certeza estaria feliz também.
Olhei ao redor, enquanto Naomi e Lia conversavam baixinho.
— Vamos deixá-la a sós, sim? — Mel opinou e eu concordei, mas
ninguém se moveu por um bom tempo.
— Péssima hora para dizer que transei nessa mesa? — tentei descontrair.
— Ai, que nojo, Jasmine! — Naomi resmungou, entre lágrimas,
tremendo, e Wayne fez o mesmo.
— Na minha mesa? — Minha mãe ralhou, me puxando para fora e
fingindo que me arrastaria pela orelha.
— Culpe seu genrinho — me defendi.
— Foi bom pelo menos? — Mel murmurou e nós rimos, como se não
estivéssemos preocupadas com a conversa que houve lá dentro.
Carlson tinha Hailey no colo, sentada no pequeno muro com vista para a
praia. Hailey secava as lágrimas da mãe, enquanto ela provavelmente
contava sobre Lia e minha mãe. O rosto de Hailey se mantinha
compreensivo, inocente e feliz, livre de qualquer julgamento, qualquer
preconceito.
Me aproximei, incerta, mas Naomi me recebeu com um sorriso. Ofereci
minha taça de vinho e ela aceitou.
— Titia Jazzy, agora você é minha titia de verdade?
— Acho que sim, peixinha.
— E a Trisha é minha vovó oficial? — perguntou, empolgada, e eu
confirmei. — Vou pedir para ela me fazer um monte de bolinho, então!
— Acho que ela está fazendo agora. Por que não vai ver?
Seu rosto se iluminou. Hailey disparou para a casa lotada, gritando pela
minha mãe. Foi Lia quem a recepcionou, carregando-a com um sorriso
enorme. Quando a loira me observou de longe, eu só ergui o polegar, em
um sinal de que tudo estava bem.
— Até a Hailey sabia. Ela tentou esconder de mim, agora, mas eu
percebi que sabia. — Naomi disse, distante. — Não quis ter feito aquilo
sobre mim. Não era. Eu só não consegui prender o choro.
— Eu sei. — respondi Carlson. — Também sei que tudo o que sentiu foi
preocupação por sua mãe e por tudo que ela viveu ou vai viver. Conheço
você.
Naomi respirou, aliviada.
— Eu só queria que ela tivesse me contado. Lembro quando o irmão da
Mel me contou que era gay, ele… Ele desabafava comigo, com a Mel e a
Madison e morria de medo da reação dos pais. Ele nos dizia que era
solitário, às vezes e…
Ela estava sofrendo porque a mãe provavelmente tinha sofrido. Essa é a
coisa sobre Naomi Carlson. Ela finge ter um coração de gelo, mas não tem.
Naomi tem o maior coração do mundo. Por um lado, é a coisa mais linda de
se admirar. Por outro, me preocupa. Às vezes parece que ela sofre em
dobro. Por ela e por quem ela ama.
Ainda assim, eu precisava ser sincera. Ela imaginava que todo o
processo de se descobrir, entender e amar a própria sexualidade era solitário
para nós, parte de uma comunidade que boa parte do mundo não aceita. Eu
não mentiria. Era.
— Falando da minha experiência… Sim, é… Às vezes era como estar
sozinha no mundo. Dói quando você entende que esse mundo é sua própria
mente. — confessei, honesta, mesmo ciente de que isso não melhorava as
coisas. Naomi me encarou, com o rosto vermelho.
Mesmo com todo o apoio do mundo, me aceitar foi um processo. Acho
que criei um preconceito, uma repulsa sobre mim mesma, por medo de
sofrer por, simplesmente, ser quem eu era. Quis fingir que minha
bissexualidade não existia por muito tempo, até entender que era parte de
mim e que eu não estava errada em amar qualquer pessoa, independente de
gênero. O mundo estaria errado se me aceitasse.
Suspirei, incerta de por onde começar. Não era como se eu não confiasse
na mulher ao meu lado ou nunca tivesse falado sobre com ninguém, mas às
vezes era um assunto delicado. Temia dizer coisas que ninguém
compreendesse ou todo mundo julgasse.
— Eu era muito nova. Uma pré-adolescente… mas, olhando assim,
hoje… acho que eu era uma criança. Comecei a reprimir o que sentia por
uma amiga. Eu achava que odiava que me abraçasse, apenas que ela me
abraçasse. Quando entendi que eu odiava amar cada carinho, foi assustador.
Odiava porque eu amava uma garota e tinha medo de que fizessem da
minha vida um inferno. Mesmo com uma rede de apoio, Naomi, me neguei.
Por medo. Me silenciei. Me machuquei. — Ela ouvia cada palavra
atentamente. — Não queria perder ninguém. Tinha esse pensamento
cortante e tóxico pra caralho dentro de mim, de que a vida seria muito mais
fácil se eu não gostasse de mulheres.
— Mas você gosta.
— Sim.
— Deve ser fodido viver com esses pensamentos.
— E é. Mesmo depois que eu contei tudo para os meus pais, que eles me
apoiaram… Carlson, eu me pegava concordando com esses pensamentos.
Perdi tantas amizades… tantos pais afastaram suas filhas, minhas amigas,
de mim, porque descobriram que eu era bi ou porque eles não aprovavam.
Então comecei a pensar que… A torcer, na verdade…
— Para que se apaixonasse por homens e não por mulheres?
Assenti, envergonhada. Olhamos para o mar, ao mesmo tempo.
— Foi preciso tempo e um pouco de terapia, para entender que o mundo
é perigoso e meu receio de me abrir com ele sempre vai existir, é
compreensível. Mas preciso lutar para dominá-lo e não o contrário. Preciso
amar porque amo, independente de quem seja. E se for uma mulher, não vai
ser fácil, mas assim será. Porque se apaixonar sempre vale a pena e lutar
pelo amor é a melhor dádiva que temos em vida. Não é fácil, ainda mais
quando o mundo te julga como criminosa ou pecadora. Mas amar não deixa
de ser necessário.
Carlson concordou, respirando fundo.
— Não que eu não tenha medo do que pode acontecer, quando ela contar
para todo mundo. — ela começou, baixinho. — Eu quero que conte quando
estiver pronta. Quero que seja quem ela quer ser e o universo que se
exploda. O que me mata é que toda essa dor, essa incompreensão sobre si
mesmo, medo de preconceitos e tudo mais… Ela poderia ter buscado apoio
em mim, sabe? Eu queria ter ajudado. Não quero que minha mãe se sinta
sozinha, Jasmine. Nunca.
Eu sorri, entre lágrimas, a puxando para meu colo. Carlson me abraçou
forte.
— Você ajudou sem saber. As pessoas que amamos nos dão força sem
saber. Quantas vezes a Hailey te salvou, sem ter noção de que estava
machucada? Você faz por sua mãe o que sua filha faz por você, Carlson.
Você cura algumas coisas com amor, sem nem perceber.
A abracei até que se acalmasse. O inferno que Naomi viveu com seus
pais e a força que teve para entender e perdoar Lia, por não ter conseguido
protegê-la, era sua dor e sempre seria sua. Mas eu entendia. Quando saíram
disso, Naomi prometeu a si mesma que protegeria a mãe de tudo. Estar
preocupada era normal. E quase ri com o pensamento de que, agora,
seríamos oficialmente família.
— Posso te chamar de irmãzinha? — brinquei e Carlson riu, se afastando
para apertar meu queixo.
— Depende, vou poder roubar seus Jimmy Choo’s?
— Também quero. — Gianna disse, se aproximando. — Desculpa pelo
atraso, Rhodes! Parabéns. — Ela me abraçou por trás, sem jeito, enquanto
Carlson e eu ainda observavamos o mar. Mel se abaixou para beijar o rosto
molhado da Naomi, sussurrando algo baixinho. — Então… Lia e Patrícia…
— Patrícia e Lia. — todas falamos ao mesmo tempo.
— Esse lance de irmãs… — Mel me falou, se sentando ao meu lado.
Gianna se sentou sobre seu colo. — Sempre quis ter uma. Conquistei
Carlson antes mesmo de saber falar, quase perdi Gigi e agora tenho você. —
Meu coração apertou e eu segurei sua mão. — Estamos juntas, as quatro, e
sei que todas nossas mães não namoram entre si, mas… — Gargalhei da
piada. — Quero fazer parte disso.
Percebi Gianna sem jeito, observando o mar, e passei a apertar sua mão.
— Sempre quis ter irmãs. — confessei, baixo.
Olsen me encarou, sutilmente, chocada.
— Até eu?
— Disse que tenho um bom pressentimento sobre você.
Gigi sorriu. Naomi apoiou a cabeça no meu ombro e Mel também. Gigi
apertou minha mão mais forte e eu sorri, percebendo que aquele era o
melhor presente de aniversário do mundo. Três irmãs malucas.
Sorri ainda mais pensando que, de certa forma, para mim, talvez…
fomos isso desde o início.
O lado bom de ser atriz é que eu estava tensa, mas ninguém precisava
saber. Eu só precisava disfarçar.
A sala inteira estava em êxtase com uma cena minha, gritando pela
morte do personagem de Cole, que tinha morrido afogado na série. Não
gravaram com ele, mas com um dublê. Mal mostrava o rosto, então parecia
crível. Era sempre engraçado me assistir e eu estava ali, com mais cinco
colegas de elenco, assistindo Evvy, minha personagem, de joelhos, em
prantos e Thalia, minha colega ao meu lado, me disse que era uma cena
digna de um Emmy. Esperava que sim.
As luzes retornaram e os aplausos preencheram o ambiente. Fiz uma ou
duas brincadeiras sobre a cena que tínhamos visto e a sala explodiu em
gargalhadas, me deixando um pouco mais leve. Respondemos algumas
perguntas, selecionadas pelo coordenador do evento, sobre a nova
temporada. Fiquei com a maior parte das perguntas, seguida por Ian, meu
novo par romântico da série.
Sem Cole no ambiente, o elenco gargalhava com facilidade. Sempre tive
uma boa relação com meus colegas de elenco e claramente ninguém ali
sentia a falta de O’Connell.
Tudo ia bem. Mesmo.
Até começarem as perguntas dos fãs e jornalistas.
Estiquei o braço até o chão, sem sair da poltrona, alcançando minha
garrafinha de água, me hidratando, enquanto respondiam a alguma fã sobre
o que sentíamos com as gravações retornando. Depois sorri para uma fã, a
reconhecendo como parte da RhodesNation, quando pegou o microfone.
— Oi, pessoal. Oi, Jas. — a garota ruiva disse, tímida, e eu sorri ainda
mais, a encorajando. — Antes de mais nada, você provavelmente não
lembra de mim…
— Na verdade, lembro. — Ela corou. — Estava em um evento de fãs
ano passado.
— Sim. Ai, meu Deus! — Todo mundo riu um pouco com seu pequeno
surto e eu virei outro gole de água. — Enfim, eu queria saber o que sente
com a nova carga dramática, após a perda de um personagem tão
importante na vida da Evvy.
Eu peguei o microfone, pensando em como responder essa sem citar
Cole diretamente. Enquanto refletia, tentando fazer isso o mais rápido
possível, alguns celulares pela sala apitaram, inclusive o meu. Mesmo
estranhando a situação, coloquei o telefone no silencioso, sem encará-lo, e
agarrei o microfone.
— É um desafio como atriz carregar tanta emoção em uma personagem e
Evvy sempre foi muito intensa. Particularmente, retratar o luto mexe
comigo, porque passei por algo parecido. Não funciona exatamente como
um desabafo, são situações distintas, mas acho que eu consigo me conectar
ainda mais com a personagem. Eu a entendo. É difícil, desafiante, mas é
exatamente por isso que é tão gostoso atuar. Então estou empolgada para a
nova temporada. Não só pela história dela em relação à essa perda, mas
como a supera e mostra que é a mesma garota forte e cativante do início da
série.
Fiquei feliz quando me deu um sorriso radiante e virei o rosto para meus
colegas de elenco.
— Próxima pergunta. — o organizador do evento pediu.
— George Harris do TMZ. — o homem magro e alto disse e
automaticamente meu sangue gelou. — Tenho uma pergunta para Jasmine
Rhodes.
TMZ jamais significava algo bom e mesmo que tivessem instruído todo
mundo a não entrar em temas pessoais e controversos, só de olhar nos olhos
brilhantes daquele cara, eu soube que ele quebraria esse juramento. Eu só
não sabia o quanto.
— Sei que foi recomendado não citar assuntos pessoais, mas a
BrightWeekly acabou de soltar um furo de reportagem.
Vi a movimentação dos produtores para cortarem o microfone do rapaz.
Olhei de canto de olho para meus colegas, depois voltei a encarar o
homem do outro lado. Os burburinhos começaram imediatamente. Todas as
câmeras estavam viradas em minha direção.
O que estava acontecendo?
Meu rosto desmoronou em confusão assim que voltou a abrir a boca,
falando o mais alto possível, ecoando perfeitamente contra o barulho,
mesmo sem o microfone. E de todas as coisas que ouvi na vida, aquela foi a
mais dilacerante. Até então.
— É verdade que Brandon Ramsey estava bêbado na noite do acidente?
“Mentira também é ocultar verdade
Por que você não cuidou de mim?”
Hotel Caro - Baco Exu do Blues
Meu pai vestia uma camiseta branca, naquele dia. Havia uma pequena
cicatriz na sua sobrancelha esquerda, riscando a pele retinta, de um tom um
pouco mais claro. Seu cabelo estava em corte militar, extremamente curto.
Marco Rhodes tinha seus óculos escuros no rosto, redondos e de armação
fina, de ouro, com aquele sorriso enorme e braços cruzados, contra o carro,
esperando a filha sair da escola.
Eu estava brava naquele dia, com uma nota de matemática. Pisando
firme, com uma carranca que, em suas palavras, lembrava a minha mãe.
Meu pai era daqueles que demonstravam amor através da pirraça. Ele
desmontava as minhas birras me provocando. Ele dizia que me amava,
depois de me fazer revirar os olhos, pelo menos, três vezes. E eu nunca
pensei que isso acabaria ao meio dia de uma terça-feira.
Entrei no carro, empurrando-o para fora da porta com o quadril e ele riu,
se divertindo com sua missão de me fazer gargalhar a frustração para fora
do meu corpo.
E ele estava conseguindo.
Ele me fez gargalhar no exato segundo em que o sinal ficou verde em
um cruzamento e avançamos. Eu ainda gargalhava quando o carro da outra
rua não viu que tinha que parar, quando a motorista alcoolizada seguiu
acelerando e atingiu o carro do meu pai. Giramos uma vez antes de nos
chocarmos em outro veículo.
Apenas nós dois e a mulher bêbada sofremos algum ferimento.
Bati a cabeça contra o vidro, tal como Brandon Ramsey, pelo que ouvi
dizer. Se me perguntar, não sei porquê não morri. Só apaguei, com alguns
cortes, e desloquei o ombro com o impacto dele contra a porta.
O carro atingiu o corpo do meu pai. Meu pai reduziu a maior parte do
impacto que poderia ter me atingido.
Marco Rhodes morreu buscando a filha na escola em uma terça-feira
qualquer, a dois blocos de encontrar a esposa para almoçar com suas garotas
favoritas, no restaurante da família, que ainda era minúsculo, no centro da
cidade.
Ele morreu do meu lado e eu não tive tempo para processar.
Eu não tive tempo para me despedir.
Eu não consegui dizer que o amava uma última vez.
Minha mãe não conseguiu dizer que o amava.
Ele nunca mais dançaria comigo pela casa ou ensaiaria comigo para
comerciais da TV australiana.
Ele nunca mais ajudaria Patrícia Rhodes a cozinhar.
Tudo por uma única pessoa, que nem ao menos conhecíamos, e decidiu
beber em plena luz do dia.
Eu pensava nele todos os dias.
Eu respirava por ele, inconscientemente.
Todo mundo na sala esperava por uma resposta, mas minha mente estava
presa no passado.
Engoli em seco, forçando meus neurônios a voltarem a trabalhar, e
respirei fundo.
— Não acha baixo jogar um trauma meu contra mim em uma coletiva de
trabalho e ainda questionar sobre a morte de uma pessoa, que eu não
conheci, e era ligada ao meu namorado? — enfrentei, por fim.
— Só estou fazendo meu trabalho e isso não é uma negação.
— Claro que é a porra de uma negação. Brandon Ramsey não estava
bêbado naquela noite.
Meu coração estava, de repente, acelerado e furioso. Eu queria jogar o
meu microfone naquele cara. Queria que o expulsassem imediatamente.
Meus olhos ardiam com a mera ideia de que Zhang estava sofrendo com
uma notícia falsa, em algum lugar. Mas então a porta dos fundos se abriu e
meu olhar capturou Melissa Wayne erguendo os olhos arregalados da tela
do celular, seus ombros caindo quando me encontraram e culpa por cada
pedacinho da sua face.
Meu coração desmoronou em fração de segundos.
Não. Isso não poderia ser verdade.
Não poderia.
Certo?
Eles não teriam mentido para mim.
Oliver não teria mentido para mim.
Minha visão ficou turva imediatamente, todas as lágrimas se formando e
ameaçando deslizar pelo meu rosto. Minha respiração entalou em minha
garganta, fazendo todo o trajeto até meus pulmões queimarem como brasa.
Meu coração desacelerou, me torturando dolorosamente a cada batida,
atingindo minhas costelas como se quisesse se quebrar para parar de sentir
ou nem mesmo se mexer mais.
Oliver não teria mentido para mim.
—... Então tudo o que vai fazer é pedir desculpa para Jasmine depois de
ter quebrado a única coisa que te pedimos, pegar suas coisas e cair fora…
— Alguém ao meu lado disse, mas meus olhos estavam vidrados, presos no
jornalista da TMZ, que se encolhia, envergonhado, recolhendo suas coisas.
— É meu trabalho. Eu precisava fazer a pergunta. — ele se defendeu e
alguém tocou o meu ombro. Virei o rosto devagar, mesmo assustada,
encontrando Priyanka. Ela perguntou baixinho se tudo estava bem.
Sabe aqueles momentos que sua mente desliga? Que você não consegue
processar nada? Parece que o mundo gira muito mais rápido do que você
estava acostumada a lidar. Eu só conseguia repetir mentalmente que Oliver
Zhang jamais na vida mentiria para mim daquela forma.
Ele não mentiria.
— Rhodes!
Saí um pouco mais do transe, finalmente, engolindo em seco e franzindo
o cenho. Virei o rosto para frente. Wayne tinha os olhos marejados guiados
em minha direção.
Oliver não teria mentido para mim, teria? Era Cole, com certeza. Cole e
suas mentiras. Era Cole e suas mentiras.
Precisava ser.
— Não. — falei para Wayne, ao passar por ela. Mel desistiu de tentar me
tocar quando Priyanka se pôs entre nós duas, me guiando pelo elevador, da
saída da sala de conferências daquele hotel, para um dos quartos acima. A
entrada do hotel estava lotada.
— Eu preciso fumar. — falei.
— Não tinha parado?
— Eu preciso fumar, Priyanka. — repeti. Ela levou o celular ao ouvido e
eu colei as costas no elevador vazio, levando as mãos ao rosto, tentando
respirar.
— Keanu não atende. — ela disse, nervosa.
— Oliver… Oliver, preciso falar com o Oliver.
— Jasmine, respire.
— Estou tentando. — falei, cedendo às lágrimas. Deus, o que eu estava
sentindo? Era muita coisa para aguentar. Eu precisava que negasse tudo
aquilo. Eu precisava que alguém negasse. — Estou tentando.
Mal recordo do caminho do elevador para um dos quartos.
Quando vi já ligava para Zhang, desesperada. Uma, duas, três vezes. Ele
atendeu na quarta.
— Oi, Moonshine.
Ele ainda não sabia.
— Capitão? — chamei, minha voz desmoronando a cada segundo.
— O que aconteceu?
Por favor, Oliver. Negue. Negue, Zhang. Por favor.
— Brandon estava bêbado no acidente?
A linha ficou muda. Eu duvidei que sequer o ouvi respirar por um
momento, mas depois tive certeza de que estava ali.
Oliver não me respondeu.
Ele não negou.
Ele não negou.
Levei a mão à boca, abaixando a cabeça, tentando prender o soluço que
denunciaria que estava me dilacerando.
Por que não me contou antes?
Por que deixou a Austrália inteira — literalmente — descobrir antes?
— Jasmine… — chamou, desesperado, e eu desliguei a chamada,
levando as mãos aos olhos e quebrando por completo. Priyanka xingou,
jogando o celular na cama e se ajoelhando à minha frente, enquanto eu
chorava a ponto de não conseguir respirar.
Ela repetia para que eu me acalmasse, jogando meus braços em torno do
seu pescoço, me abraçando o mais forte possível e eu não conseguia. Não
conseguia me acalmar. Não conseguia respirar.
Meu celular tocava na cama, sem parar. Uma foto nossa e o seu nome no
topo aparecendo uma, duas, três, quatro, dezenas de vezes, antes de
Priyanka colocá-lo no silencioso.
Todas as vezes que o contei sobre o meu pai. Que desabafamos juntos.
Que o escutei repassar a noite do acidente, sem aquele detalhe. Que me viu
deixar flores para o meu pai. Que comentei sobre casos parecidos e ele
ficou distante ou, até mesmo, triste e bravo. Que se afastou e me afastou.
Por que?
Por que ele mentiu para mim?
Por que escondeu a verdade de mim, desde o primeiro segundo?
Por que ele fez isso comigo?
Outros nomes apareciam na minha tela. Nome de outras pessoas que
mentiram para mim.
Naomi. Damian. Melissa. Mike. Gianna. Zhang, Zhang e Zhang.
O tempo todo.
E enquanto isso, minha dor se transformava em outra coisa.
Em ódio.
Em ódio pela mentira. Ódio por ter confiado nele. Por ter confiado em
todos os nossos amigos. Ódio por amar Oliver Zhang. Ódio por ter me
permitido amar alguém como ele.
Eu nunca me imaginei sendo uma dessas garotas, que chora por um
coração partido por dias.
Nada contra elas. Também odeio esse lance de “sou tão diferente”,
porque, no fundo, não sou. Meu coração bate tanto quanto os dessas
garotas. Quebra da mesma forma, também.
Mas é que já passei por términos antes. Já quebrei meu coração antes. E
eu não chorei nem dez por cento do que chorei por Oliver, quando Nichole
sumiu da minha vida.
Sempre me julguei centrada até demais. Focada até demais. A cada dia
um pouco mais fria. E então Zhang derreteu toda a fina camada de gelo em
torno do meu coração. Apenas para fazê-lo queimar até se tornar cinzas.
Ele definitivamente não facilitava do outro lado da minha porta, dizendo
que me amava.
E eu ouvi.
Eu ouvi cada palavra, quase sem respirar, tampando a boca para segurar
os soluços, odiando cada mágoa em meu peito que me impedia de perdoá-lo
facilmente e ao mesmo tempo o odiando.
E não era fácil odiar Oliver Zhang.
Parecia… Porra, parecia contra as ordens da natureza. Era como se eu
lutasse contra um instinto de sobrevivência ou… contra mim mesma. Odiar
Oliver era desgastante. Sufocante. Uma das piores experiências da minha
vida.
Mas tal como Oliver não facilitava, eu também não.
— Não acha melhor desligar a televisão? — minha mãe perguntou,
acenando com a cabeça para a entrevista que Zhang dava, ao lado de alguns
membros da comissão técnica. Mesmo sabendo que meu esforço para secar
as lágrimas era patético, fiz isso. Patrícia colocou uma mecha para trás da
minha orelha. — Isso não te faz bem, Jas.
— Eu quero saber se ele vai dizer algo.
— Espero que não. — Pri disse, se sentando ao meu lado, no sofá da
casa da minha mãe, com um grande pote de sorvete de chocolate. Eu e
minha amiga atacamos o pote, juntas, imediatamente. — Ele já tem uma
sorte do caralho que ninguém mais está levando Cole a sério. Se ele abrir a
boca sobre você, Jas, tem que ser para implorar por perdão.
— O que ele fez. E faz toda vez que respira. — comentei, baixo,
suspirando antes da próxima colherada.
Eu já planejava ir embora do apartamento por um tempo. Só para superar
um pouco aquele coração partido. Ouvir Zhang do outro lado da porta só
acelerou o processo. Me fez bater na porta da minha mãe como eu fazia
quando era pequena e trovoadas me assustavam, em lágrimas.
Oliver parecia um pouco cansado. Sério como nunca, ele respondia cada
pergunta profissionalmente, quase sem piscar.
— Você ou o clube tem algo a comentar sobre Brandon Ramsey? — um
jornalista questionou e pelo olhar descontente da comissão, aquilo era, com
certeza, contra o que haviam permitido. Oliver provavelmente disfarçou
bem para o mundo todo que estava sofrendo, mas não para mim.
Mesmo de longe, eu reconhecia os sinais. O milissegundo em que seu
olhar se tornava vago antes de responder, a opacidade dele, os ombros
levemente caídos e cada respiração ameaçando falhar… Foi o Oliver que
conheci, naquela clínica. O que sumiu, aos poucos, se tornando o homem
engraçado e radiante que eu chamava de melhor amigo. Chamava.
— O que querem que eu diga, francamente? — Oliver perguntou, com
um riso sem humor. Ele coçou o rosto, provavelmente pela sombra da barba
que ameaçava aparecer. Em anos de amizade, eu nunca tinha visto Zhang de
barba. Apostava que ele não gostava, para ser sincera. — Se eu negar, vai
ter gente acreditando que é mentira. Se eu confirmar tudo que estão
dizendo, vão fazer da minha vida um inferno. A realidade é que qualquer
caminho vai gerar ódio e mais gente aproveitando de uma situação
dolorosa para ser filha da puta e preconceituosa. — Ele não pediu desculpa
pelo xingamento, mas ninguém o interrompeu. — Não devo explicações no
momento. Como jogador, meu foco é ganhar o troféu. Não vou aceitar
reviver um evento traumático na minha vida nesse momento só para render
likes para a mídia, que só está comentando sobre isso, porque um cara que
não tem nada a ver comigo e precisa da porra de um tratamento de
dependência química e de ajuda, resolveu descontar a sua frustração na
mulher que eu amo, em mim e na minha família.
Mulher que eu amo.
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não conseguiria parar de
assistir, nem se quisesse.
— Vocês não querem que eu conte a verdade por nenhum motivo senão
ter uma fofoca da semana. Se Brandon estava bêbado ou não, e eu não
estou dizendo que estava, jamais vou deixar que nada engula o homem
fenomenal que ele era. Se ele estava bêbado naquele carro, na noite em que
quase morri. — sua voz finalmente vacilou e seus olhos se encheram de
lágrimas. Eu quase parei de respirar, ainda presa na tentação de catar seus
cacos e uni-los, de implorar para que não se partisse novamente. — Se
Brandon estava bêbado, ele foi um irresponsável do caralho naquela noite.
Mas isso não apaga o fato de que ele era um exemplo e sempre vai ser um
para mim. Então se querem ou não acreditar em Cole O’Connell, cara…
Isso é problema de vocês. Não vou comentar mais nada sobre isso agora.
Não vou negar, nem confessar nada. O momento é de focar no apoio que
minha família e amigos precisam e em ganhar a Champions. Pela minha
equipe, pelos torcedores que ainda confiam em mim e até pelos que não
confiam, mas principalmente por Brandon Ramsey. Vocês o odeiem ou o
amem, é esse o meu objetivo.
Flashes ecoaram e brilharam contra seu rosto e Oliver tamborilou a
mesa. Um detalhe sobre quando estava ansioso, é que ele costumava coçar a
garganta ou brincar com os anéis em seus dedos. E foi justamente o que fez.
— Alguma outra pergunta? — Um homem em sua mesa questionou e o
silêncio, quase sepulcral, indicou que não. Zhang se levantou da mesa, antes
dos demais, sorrindo em um falso agradecimento e a câmera da ESPN
continuou mirada nos outros homens, como se o canal também estivesse
processando o que tinha acontecido.
Minha mãe desligou a televisão e minha visão embaçada se tornou
insuportável. Pisquei, liberando as lágrimas e tombei a cabeça para trás.
— Amor, acho que o molho já está bom. — alguém comentou, da
cozinha, e eu encarei minha mãe de canto de olho.
— Já vou! — Patrícia disse e me encarou por um segundo. — Pare, ela
não tem culpa.
— Sim, mas é por causa dela que… — A campainha tocou, provando
meu ponto. Por causa dela que eu lidaria com quem não queria.
— Jas, seja educada.
— Se Priyanka me segurar, tudo certo.
Pri riu, mas minha mãe só se levantou e mandou Lia desligar o fogo,
enquanto seguia para a porta de casa. Foquei no sorvete de chocolate,
tentando ignorar a mulher que entrava.
— Entregue! — Carlson anunciou, assim que Hailey disparou em minha
direção. Sorri para a garota, tentando manter a calma, mesmo com a certeza
de que sua mãe me encarava.
— Tia Jazzy!
— Ei, princesa, o que faz aqui? — perguntei, mesmo sabendo da
resposta, beijando sua bochecha quando sentou no meu colo.
— A vovó Lia vai cuidar de mim hoje. — ela me disse, pegando a colher
da minha mão e enfiando no sorvete, sem pensar duas vezes. — Tem
pãozinho de queijo hoje?
— Se não tiver, eu faço para você. — contei, como um segredo sujo, e
ela riu, já se sujando com a comida. Percebi o olhar de Priyanka preso em
alguém e infelizmente o segui, dando de cara com Naomi em um vestido
preto e longo, justo ao corpo, e rabo de cavalo. Seu rosto estava quase sem
maquiagem e seus olhos estavam tão apagados quanto os de Zhang.
E doeu.
Era a garota que, semanas antes, comemorava porque era da mesma
família que a minha. E agora só de pensar que conviveria com ela,
sangrava. Ela sorriu fraco, como cumprimento. Fiz o mesmo apenas por
Hailey. Porque o lado bom daquilo tudo, era ter uma desculpa para ver a
garota que seria sempre a minha sobrinha. Sempre mesmo. Não importa o
que acontecesse.
— Pode entrar se quiser, Naomi. — minha mãe disse.
— Bale está me esperando lá fora, mas obrigada, Tricia. Mesmo.
Ela recuou e eu me preparei para respirar normalmente, mas Carlson
parou.
— Na verdade… — Droga. — Jas, podemos conversar?
Ergui o olhar, tentada a negar, mas Hailey me encarava em expectativa.
Analisei Priyanka e ela roubou o sorvete do meu colo, sem querer interferir.
Resignada, eu me levantei, em meus pijamas, e segui Naomi para fora.
Avistei Bale no carro, mas o ignorei. Esperei que a mulher de olhos azuis
fosse breve.
— Ignorou todas minhas chamadas e mensagens e eu não vou dizer que
está errada, não está. — ela começou, entendendo a minha pressa para que
caísse fora sem que eu dissesse uma só palavra. — Não queria vir aqui hoje,
não mesmo. Respeito seu espaço. Não vou descansar até você voltar para a
minha vida, Rhodes, mas tem um jeito digno de reconquistar confiança e eu
sei que precisa de tempo para curar sua dor.
— Então…? — falei, tentando ignorar aquele papo de me conseguir de
volta. Eles teriam que desistir. Eu não cederia facilmente.
— Hailey. — ela disse, com os olhos marejados, e eu entendi tudo. —
Hailey não sabe sobre Brandon, mas entende que há algo acontecendo. Bale
e eu vamos conversar com ela essa semana. — Seus olhos se tornaram
marejados, sua voz falhou e Carlson se tornou vulnerável, como raramente
era com as pessoas. — Talvez você queira se afastar. Não julgo. Mesmo que
estejamos sofrendo. Mel só sabe chorar, Mike raramente nos atende, Bale se
isola na porra do estúdio de música e quando não estamos cuidando da
Hailey, eu só tenho energia para me trancar no escritório e encher uma pilha
de crôquis que vai para o lixo. Não vou falar de Zhang com você. Sabe
como ele está, eu sei que sabe. Meu ponto é: estamos na merda, mas
sabemos que merecemos estar. E que pode querer se afastar mesmo com
todas as nossas tentativas de te conseguir de volta. E vamos estar sempre de
braços abertos, Jas, juro mesmo. Mas, por favor, se for se afastar de Hailey,
faça isso devagar.
Seu pedido quebrou meu coração em milhares de pedacinhos e eu
respeitei um pouco mais Naomi por isso.
— Não quebre o coração dela, ela não tem nada a ver com isso. E ela te
adora, Jasmine.
Assenti, odiando que as lágrimas estivessem se acumulando novamente.
— Não precisa me pedir isso. Hailey é família para mim. E eu não
abandono minha família.
— Bom saber.
— Não disse que vocês também são.
Ela respirou fundo, aceitando o que nitidamente era um tapa verbal.
— Só isso?
— Só isso. — Naomi respondeu.
— Pode ir então. — falei, recuando.
Carlson seguiu para o carro, em silêncio, e entrou no banco do carona.
Virei-me, prestes a entrar em casa, desejando desesperadamente não ceder à
tentação de me virar, mas fiz isso. Vi o momento em que tampou o rosto e
seus ombros tremeram com o primeiro soluço. Vi Bale abraçá-la. Entrei em
casa e fechei a porta, mas olhei por trás da cortina por mais tempo do que
gostaria de admitir.
Eles só foram embora quando ela se acalmou.
E isso demorou muito para acontecer.
Atuar sem Melissa Wayne no set era vazio. Digo, claro que eu fazia isso
em outros projetos, mas Surf & The City era Melissa Wayne. E era sobre
Brandon. Eu sempre soube que a ideia de um grupo de amigos, em que
metade do elenco surfava, era uma homenagem para ele. E eu era a
protagonista.
Tudo parecia estranho, deslocado, fora de lugar.
Tudo, até mesmo o que não deveria me lembrar deles, me lembrava
deles.
Já era difícil o suficiente sentir falta de Oliver Zhang como meu amigo…
E como meu. Mas sentir falta de tudo aquilo que chamamos de família era
dilacerante.
Afundei minhas costas no banco do carro, depois de um dia inteiro de
gravação e respirei o mais fundo que pude. Priyanka abriu o banco do
carona, suspirando.
— Está no meu carro.
— Sim.
— O seu está bem do lado, Priyanka.
— Sim.
Segurei a ponte do nariz, querendo só um segundo para chorar.
— Cansada?
— Pelo menos ele não mandou flores hoje. — respondi, irônica.
— Cole é um desgraçado.
Ele era. A maré virou para o filho da puta e agora ele queria pedir
desculpas, só para eu não pegar tão pesado contra ele. Eu estava a um
segundo de enfiar um buquê no cu dele. Obviamente eu pegaria pesado.
Obviamente eu faria um inferno para provar que ele tinha mentido a meu
respeito.
— Acho que seria legal considerar uma reunião com o empresário dele.
— Priyanka?!
— Só para mandar se foder pessoalmente!
Eu ri, antes de gemer de frustração e afundar a cabeça no volante. Pri
afastou o cabelo do meu rosto e beijou minha têmpora. Era reconfortante
trabalhar com uma amiga. Ter Priyanka ao meu lado, desde o início, era
como ter um pedacinho de casa por onde eu fosse.
— Te amo, tá? Amo mesmo, Jas. Sou sua leoazinha para te proteger do
mundo. Vai ficar tudo bem.
— Também te amo. Obrigada por tudo.
Ela beijou minha testa, se afastando e fechando a porta do carro ao sair.
O silêncio que me acompanhou era bizarro.
Levantei a cabeça novamente, colocando o cinto e fechei os olhos.
Meu pai teria os melhores conselhos naquele momento, para cada coisa
fora do lugar. Ele deveria estar ali. Ele deveria estar comigo. Deveria me
abraçar até a dor passar e eu o faria rir, mesmo mal-humorada. Eu faria
Marco Rhodes gargalhar. E isso curaria tudo.
Não. Eu não choraria.
Dirigi para a casa da minha mãe sem música alguma tocando, apenas
para parar antes de direcionar o carro para a garagem. Havia uma
caminhonete azul esperando, com um nerdzinho familiar de braços
cruzados, olhando para mim.
Brinquei que o Mike era o único a não me encher o saco. Agora ele
estava ali. Esperando.
Saí do carro após estacioná-lo e cruzei os braços como ele. Mike sorriu
de canto. Eu me mantive firme.
— Tenho uma proposta irrecusável.
— Jura? Porque já passo.
Mike sorriu ainda mais.
— Obi morreu, Rhodes.
Seu sorriso não combinava com a sua fala. E então eu o interpretei de
modo correto. Aquele era o Mike que sorria quando estava machucado. O
que não cansava, até fazer todo mundo sorrir.
Meus ombros caíram e minha resistência vacilou.
— Meio patético vir atrás de uma amiga depois que meu furão morre,
huh? — Ele riu, com escárnio. — Mas é que… Meu furão morreu, meu pai
pode morrer, meu cachorro está no fim da vida, minha esposa está de luto
e… para piorar, perdemos você e ainda não temos essa única felicidade que
lutamos para conseguir esse ano, porque Mel segue cem por cento não
grávida.
Meu coração doeu com seu olhar perdido, completamente destoante do
seu sorriso largo.
— E eu só consigo pensar em um amigo que se foi e que sempre dizia
que temos pouco tempo para conquistar o que nossos sonhos gritam,
quando dormimos. Um amigo que se foi e me fez pensar que temos que
aproveitar cada maldito segundo com quem amamos e não deixá-los ir. Nós
somos uma família, Rhodes. Sinto sua falta. Minha mulher está em casa,
chorando, sem você. Então, preciso que escute essa única proposta e juro
que… Porra, se me chutar depois dela, tudo bem.
Cruzei os braços mais forte, tentada a abraçá-lo, ferrada por curiosidade.
— Que proposta?
Mike soltou um risinho, feliz em ter conseguido o que queria, seguindo
para a caminhonete.
— Está livre agora?
— Sim. — respondi, meio contra a minha vontade.
— Tenho um lugar para te levar e algumas pessoas para te apresentar. Se
não nos der uma chance depois disso, nunca mais te encho o saco.
Franzi o nariz, hesitante. Graham esperou, pacientemente.
— Nossa, odeio você. — murmurei, cedendo e pisando firme para o
carro. Mike gargalhou.
— Sei. — Entramos na caminhonete ao mesmo tempo, colocando os
cintos. — Me odeia muito.
— Não força.
Graham mordeu o sorriso, começando a dirigir. O perfume de jasmins
me deixou um pouco tensa, pensando que Wayne estava ali pouco antes e
que eu sentia saudade dela. E da Naomi. E das gargalhadas toda terceira
segunda-feira do mês. Ou em todos os outros dias.
— Mike? — chamei, sem jeito.
— Hm?
— A Mel…
— Está se sentindo uma merda.
Assenti, absorvendo sua honestidade. Suspirei, questionando quão
maluca eu era por entrar em um carro com um nerd maluco, implorando por
perdão. Ainda assim eu disse:
— Meus pêsames. Sinto muito.
Mike me deu um sorriso triste e algo em seus olhos me fez sentir que lia
seus pensamentos. Ele se julgava pior do que eu. Pela mentira. Por eu me
importar a ponto de estar ali, mesmo depois de tudo.
— Eu sei que sente, Jas. Eu também sinto.
Desviei o olhar. Já não estávamos falando de sua perda. Estávamos
falando de toda a merda que nos fez nos afastar. E meu silêncio seria
resposta suficiente.
Por ora.
Por um momento, meu corpo travou no carro, olhando para o prédio que
eu conhecia muito bem.
Mike saiu do veículo, sem dizer nada, e eu continuei ali, analisando a
clínica de saúde mental que eu conhecia muito bem.
Foi onde conheci Oliver. Onde tudo começou.
Saí do carro, mas apoiei minhas costas contra a lataria. Mike guardou as
mãos nos bolsos das calças. De todas as pessoas do mundo que eu poderia
esperar me levar até ali, Mike era a última. Na verdade, até me questionei
se ele iria atrás de mim em algum momento. Amo Graham e sei que sempre
foi recíproco, mas de todo o nosso grupo de amigos, sempre fomos os
menos próximos. O que é normal, não me faz considerá-lo menos parte da
minha família. É o mesmo com Mel e Damie, por exemplo. Eles se amavam
e se consideravam parte da mesma família, mas eram mais próximos de
outras pessoas no grupo.
— O quê? — Graham perguntou, percebendo o quanto eu viajava em
meus pensamentos.
Suspirei.
— O que estamos fazendo aqui, Mike?
Ele cruzou os braços de volta, se pondo ao meu lado e observando o
prédio.
— Quando indicaram terapia em grupo para Ollie, fui eu quem sugeriu
esse lugar. — ele disse, sorrindo de canto. O analisei, silenciosamente,
surpresa. — Então me sinto um pouco responsável por ter unido vocês.
Quando se casarem, lembre disso e me chame para padrinho.
— Mike. — falei, firme. — Caso não tenha percebido, não pretendo
casar com Oliver.
— Uhum, certo. — falou e eu revirei os olhos. — Ainda assim, me sinto
parte da história de vocês de alguma forma. Do início. E graças a isso, você
nos conheceu, Jas. Então se eu puder ser um pouco responsável por evitar
um final também, eu vou fazer isso.
Decidi não encará-lo, observando o prédio de quatro andares, grande,
com azulejos brancos.
— Quando meu pai foi diagnosticado, a médica o encaminhou para uma
psicóloga. — Graham contou. — Lidar com uma doença sem cura, como a
esclerose, é um peso muito grande. Ele acabou conhecendo esse lugar.
Tinha um grupo para doenças terminais ou incuráveis, enfim, não sei como
chamar. Ele gostou muito. Isso o ajudou a aceitar o que estava vivendo.
Então, procurei saber se poderiam ajudar o Oliver a superar o acidente. Ter
um grupo de apoio para algo tão específico foi questão de sorte. Mas acho
que… ele te encontrar foi questão de destino.
Sempre pensei isso. Eu só não sabia mais o que o destino queria.
Desilusões amorosas são assim, não? Nada faz muito sentido depois que
elas te atropelam.
— Sempre odiei a mentira. Acho que foi por isso que tentei limitar ao
máximo me aproximar de você, Jasmine. Isso pode ter feito um abismo
entre nós dois, mas não me fez te amar menos. Você é uma de nós. E tem
algo onde tudo começou que eu quero te mostrar. Na verdade, alguém. Foi
um grupo que a Mel começou a visitar depois que Brandon morreu, para
entender como dirigir o documentário. Para entender como perdoá-lo por
ter sido irresponsável, mesmo amando-o tanto.
Ele me encarou, esperando, me dando novamente a escolha de ir embora.
Mas eu não fui.
Respirei fundo e acompanhei Graham clínica adentro.
Não falamos nada a cada passo dado. Minha mente borbulhava com
centenas de pensamentos, era difícil até mesmo me atentar ao mundo à
minha volta. Quando vi, já estávamos no andar que ele queria e eu estava
parada, pouco atrás dele, atingida por toda a nostalgia.
Era o mesmo corredor.
Eu ainda conseguia visualizar Oliver sentado nas cadeiras, com o olhar
preso em algum canto da parede. Um homem alto, tatuado, esparramado em
uma cadeira tão pequena. Parecia um garoto perdido. Eu tentei ignorá-lo,
tentei mesmo. Mas havia algo no meu coraçãozinho que já denunciava que
ele tinha algo cativante demais para deixar passar.
Quando seus olhos se prenderam em mim e eu me sentei ao seu lado,
senti o que Mike disse. Não pensei que seríamos melhores amigos ou nos
tornaríamos namorados, não. Mas senti que, tal como Peter Pan e Wendy,
jamais seríamos os mesmos depois daquele dia. O garoto perdido mudaria a
minha vida. E ele mudou.
— Você sabe, eu poderia tentar conversar com a psicóloga para te deixar
assistir a sessão, — Mike disse. — mas tem pessoas aqui que mal
conhecemos e pode ser meio insensível da nossa parte. Então vamos esperar
que terminem. Depois disso, tenho três pessoas que aceitaram conversar
com a gente.
— Quem são?
Ele se sentou e eu me sentei ao seu lado, ainda incerta sobre aquilo tudo.
— Mel assistiu às sessões porque eles permitiram. Disse que era um
estudo pessoal para um filme. Mas acabou sendo demais para ela. Ela achou
pesado, porque estava em luto. Então fez pequenos formulários e, caso os
pacientes se interessassem, poderiam colaborar com uma pequena
entrevista. Ela os encontrava em um cafezinho aqui perto, depois das
sessões. Mas sabe como Wayne é, ela se envolve demais e muito rápido. O
coração dela é enorme. Ele os abrigou, eles a abraçaram de volta. Três deles
seguem vindo para cá. Foram convidados para nosso casamento, inclusive,
então talvez os julgue familiares. São gente boa. Fique tranquila.
Assenti, querendo rir. Tranquila era uma palavra distante demais do que
eu sentia. Para mim, aquilo era loucura.
Mike e eu ficamos em silêncio por alguns minutos, até que uma das
portas se abriu. Não reconheci ninguém que saiu dali, então esperei até que
Mike se levantasse. Uma garota ruiva, alta e magra, da minha idade, o
abraçou imediatamente. Um garoto negro, de pele clara, e cabelos trançados
presos em um coque, pareceu mais tímido, mas também o cumprimentou. A
terceira pessoa era uma loira, que me encarava quase sem piscar.
— Meu Deus, eu sou sua fã! — ela disse e eu quase ri de nervoso, mas a
abracei o mais forte que pude. — Meu nome é Diana. Eu te acompanho
desde o primeiro episódio de Surf & The City. Comecei pela Mel, mas… —
Ela se afastou, tremendo. — Meu Deus, não conte para ela, continuei por
você. — Ri e Mike também. A abracei mais uma vez, antes de
cumprimentar os demais.
Assim que atravessamos a rua para uma pequena cafeteria, meu
estômago roncou baixinho com as opções de tortas por ali. Fizemos nossos
pedidos e eu lembrei de Wayne ao pedir torta de limão, sua favorita; pensei
que ela choraria de prazer com quão boa estava.
— Ok… Vou começar isso, não quero levar muito o tempo de vocês. —
Mike disse, baixinho. — Mas sabem que vazaram as coisas sobre o
Brandon. — Levantei o olhar para os três e eles nem piscaram. Eles sabiam.
— Calma, Jas, eles assinaram termos há anos. Não vão dizer nada.
— Não só por ter assinado algo, mas por Wayne e Mike. — Beatrice, a
ruiva, explicou.
— Então… A Jas não sabia. — Mike prosseguiu, me lançando um olhar
antes de virar um gole do seu cappuccino. — E eu acho que… Devem
imaginar como ela se sentiu machucada por isso. Eu só… Só sei que muita
gente também julgou vocês por muito tempo e eu pensei que, talvez,
ouvindo suas histórias, ela poderia enxergar que nem tudo é tão preto no
branco.
— Entendi… — Tim, o outro homem entre nós, murmurou. — Bem…
Isso é difícil.
— Se não se sentir confortável. — Mike interviu e ele balançou a
cabeça.
— Disse que é difícil e não que é desnecessário. — Tim riu, o
tranquilizando. Ele limpou a boca suja de torta de chocolate, com um
guardanapo, me encarando. — Eu era fã de Brandon Ramsey, então saber
que ele provocou um acidente, também foi um baque forte pra caramba.
Porém, mais do que isso, saber que meu ídolo passou pelo mesmo que eu…
Bem, não é exatamente reconfortante, mas me faz pensar que nos
entenderíamos. — Ele bufou, parando por um momento. Beatrice segurou
sua mão sobre a mesa e, pelo brilho nos seus olhos, me questionei se eram
mais do que amigos. Foi um gesto simples, mas eles se encararam como se
significasse o mundo. — Eu estava em uma festa com os amigos. Era na
casa de um colega do meu time de basquete, meu melhor amigo, então, eu
dormiria lá e só iria para casa no dia seguinte. Por isso bebi. Mas me perdi
dos amigos em um momento e quando minha mãe ligou dizendo que meu
pai estava infartando, peguei a chave do carro e…
Meu coração apertou, encarando-o. A culpa em seus olhos foi
dilacerante.
— Não matei ninguém, Jasmine. O motorista do carro que atingi teve
apenas ferimentos leves. Em contrapartida, a culpa de tê-lo machucado,
mesmo que pouco, nunca passou. E meu pai morreu naquela noite, mas não
pude me despedir, porque eu estava sendo socorrido por médicos. Minha
mãe não me culpou ou, se fez, me perdoou, mas… mas eu me culpo. Afinal,
ela passou por dois traumas em uma noite, quando eu poderia ter pedido um
uber ou um táxi e tê-la dado todo o apoio que precisava.
Meus olhos arderam. Havia uma centena de argumentos na minha
garganta. Pensamentos que o culpabilizavam. Mas eles perdiam a força
encarando a dor no homem à minha frente.
— Consigo viver hoje em dia, mas certas feridas nunca se curam por
completo. Ou quando se curam, deixam as cicatrizes. — Ele ergueu a
manga da camisa, mostrando algumas cicatrizes brancas contra a pele
escura, seguindo por todo o antebraço. — Fragmentos da janela me
marcaram. Agora, todo dia, todo dia mesmo… Eu sempre lembro daquela
noite.
Lembrei de algumas tatuagens de Zhang. No cotovelo e nos joelhos,
simulavam pequenos Band-aids. Marcavam os lugares que lesionou no
acidente, para que jamais esquecesse.
— Eu… Eu estava com a minha filha. — Beatrice disse, limpando a
garganta. — Um mal entendido aconteceu na minha casa e estavam
despejando a minha mãe, então a busquei na escolinha e coloquei no banco.
Sempre checava a cadeirinha duas vezes. Sempre duas vezes. Naquele dia,
eu a coloquei sentada, botei o cinto, mas não conferi. Não conferi se estava
firme. — A ruiva respirou fundo, tentando não chorar e eu segurei sua mão
sem perceber. Ela não precisou contar o resto. — Foi um erro enorme, uma
irresponsabilidade gigante e vou viver para sempre com a culpa de… De ter
matado a minha…
— Você não fez isso, Bea. — Tim lembrou, baixinho, mas ela se
desmanchou em lágrimas do mesmo jeito e eu fui rápida em secar meus
olhos, observando Graham, que fazia o mesmo.
— Eu bebi também, como Tim. — Diana disse, baixinho, me lançando
um olhar envergonhado. — Sei da história do seu pai, Jas, e sinto muito,
então entendo se me odiar… — Meus olhos ardiam e eu segurava a vontade
absurda de chorar, ciente de que Beatrice estava destruída, Tim a abraçava
de lado e todos os meus pensamentos conflituosos lutavam pela minha
mente. Isso tudo doía. — Meu pai batia na minha mãe. Batia muito. Batia
todos os dias. E, às vezes, batia em mim. — Ela limpou a garganta,
brincando com o último pedaço de torta em seu prato. — Eu… Eu tentava
separar as brigas e me perguntava porque ela não o largava, mas mamãe só
dizia que era muito complicado e quando eu me apaixonasse, eu entenderia.
— Ela me deu um sorriso frágil. — Nunca entendi. Também não sei se
quero. Fato é que, quando percebi que não poderia protegê-la, comecei a
beber. Muito. Todas as noites, depois da escola, com uma carteira falsa.
Depois, todas as noites após o trabalho. Troquei a dor por um vício que não
realmente consertava as coisas. E toda vez que minha mãe precisava de
ajuda, ela me ligava. Então, sabe quantas vezes dirigi bêbada para impedir
que meu pai a matasse?
Não respondi, mal consegui encará-la. Presa em um vício, Diana não
conseguia parar de beber. Ela também não conseguia salvar a mãe.
— Hoje vejo que eu causaria um acidente mais cedo ou mais tarde.
Agradeço por isso ter acontecido sem ferir mais ninguém. Mas… — Diana
afastou a cadeira, erguendo a calça, e eu percebi que, tal como Nichole,
minha ex-namorada, Diana tinha uma prótese. — Eu perdi muito sangue.
Quase morri. Não consegui salvar minha mãe naquela noite, então ela foi
para o hospital, machucada, para ver a filha que quase morria. Depois
daquela noite, ela até largou o meu pai por algum tempo, mas… Houve um
dia que eu estava internada e ela não estava lá. Eu estava em abstinência e
ela não estava lá. Quando recebi alta, ela estava machucada de novo. Eu
não consegui salvá-la. Até hoje, a minha mãe ainda me liga. Eu ainda a
ajudo. E toda vez que faço, quero beber de novo. É minha nova perna que
me impede. Que me lembra que… Sou uma sobrevivente, mas mereço mais
do que isso. Mereço viver. Mas isso não me deixa mais leve. Eu ainda
penso em todas as vidas que poderia ter tirado por minha
irresponsabilidade. E isso, Jas, isso é punição o suficiente.
Não consegui mais esconder as lágrimas. Não consegui mais comer. Meu
café esfriou. Tim, Bea e Diana se despediram e Mike ficou ali, comigo,
esperando que eu tivesse alguma reação. Que eu dissesse qualquer coisa.
Mas eu não conseguia. Não conseguia me mover, não conseguia pensar.
Era um cara que estava perdendo o pai e não pensou duas vezes antes de
salvá-lo.
Uma mãe que poderia ter evitado a morte da filha.
Uma mulher com um vício que quase matou alguém e jamais se
perdoaria por isso.
E Brandon… Brandon…
— Brandon nunca bebeu e dirigiu até aquela noite. — Graham contou,
após algum tempo. Ergui meus olhos marejados para ele. — Nunca. Ele era
até mesmo careta em relação a isso. Brandie já bebeu, usou maconha pra
caralho, mas ele não dirigia sob efeito de nada. — Mike balançou a cabeça,
desolado. — Até aquela noite.
Ele balançou a cabeça, tomando coragem.
— Brandon não era um viciado, ele não tinha nenhum motivo urgente
para pegar um carro… Nada disso faz sentido, Jasmine. Nada faz sentido.
Não era o Ramsey que eu conhecia. E ainda assim, era. Ele foi
irresponsável e isso custou a vida dele. Poderia ter custado a de mais gente,
poderia ter custado a do Oliver. Não custou. Mas isso não melhora as
coisas. Fato é que… — Mike sorriu, mesmo que doesse. — Brandon
também era o cara que… Quando meu pai adoeceu, dormiu comigo por
noites, mesmo que se atrasasse para os treinos. Ele não queria me deixar
sozinho. Foi o cara que, quando Naomi quis deixar Damian por se sentir
indigna de ser amada, a convenceu do contrário e os uniu, mesmo que
pudesse ainda ser um pouco apaixonado por ela. Foi o cara que… Quando
eu evitei Wayne por anos, segurou a mão dela e a fez entender que seu erro
não a definia. Foi o cara que… Quando os pais de Oliver não aceitaram a
carreira que ele tinha escolhido, deu forças e seguiu seu sonho junto com
ele. Ainda trouxe a avó dele para visitá-lo, da China. Foi a última vez, Jas.
A última vez que Ollie viu a avó. Ela morreu pouco tempo depois. E
quando isso aconteceu, foi Brandon que fez Zhang se reerguer. Esse cara.
Ele era esse cara.
Absorvi sua fala, sem ter o que dizer. Sem ter o que fazer.
— Ele era esse cara. Mas também o cara que dirigiu bêbado. — Mike
pegou a carteira, para pagar a conta, sem me encarar mais. — E eu amo os
dois. Mas sei que, se estivesse vivo, Brandon se culparia como Beatrice,
Diana e Tim. Como Oliver faz até hoje e ele nem estava dirigindo. Ele nem
mesmo estava lúcido ou acordado. — Graham tirou o cartão e me lançou
um olhar. — E sabe o que é pior? Naquela noite, Jas, eu dirigi bêbado. A
única diferença é que não morri, nem matei ninguém. — Ele se levantou. —
Então… Se ele for um monstro, sou um monstro também, certo?
Mike saiu para pagar a conta, me deixando na mesa.
E eu percebi que estava certo. O mundo não era preto e branco. Era de
diferentes cores que se sobrepunham em um cenário confuso, que eu
certamente não sabia interpretar.
Brandon Ramsey não era um monstro. Tal como Diana, Beatrice e Tim
não eram. E eu não tinha o menor interesse de saber quem era a mulher que
matou o meu pai. Não tinha o menor interesse de saber sua história, eu digo.
Sei que se chamava Sarah, era rica, tinha 45 anos e duas filhas, e isso era
tudo. Sempre seria tudo.
Eu não precisava perdoá-la. Jamais perdoaria.
Mas quanto a Brandon, Diana, Beatrice e Tim… Não eram minhas
histórias para julgar. Não era meu lugar para perdoá-los. Eu não tinha nada
a ver com isso e eles pagavam por seus erros. Brandon pagou com a vida,
Diana perdeu a perna e a família, Beatrice perdeu uma filha e Tim… Tim
não pôde se despedir do pai, tal como eu não pude me despedir do meu. Tal
como Oliver jamais se despediria de Ramsey.
Mike me levou para casa sem dizer uma só palavra.
Assim que abri a porta de casa e minha mãe parou de assistir televisão
para perguntar onde estive, meus joelhos cederam e eu tive a pior crise de
choro da minha vida.
Eu não conseguia pensar.
Não conseguia respirar.
Não conseguia identificar que caminho seguir.
Eu não queria perder Zhang.
Não queria perder Mel, Naomi, Damie e Mike.
Não queria me afastar da Hailey.
Subitamente, eu não senti que havia motivos para não escutá-los, não
tentar dar uma nova chance para eles.
Ao mesmo tempo, eu estava sangrando. Doía tanto quanto o impacto do
dia que meu pai me deixou. Na verdade, ouvir Tim, Diana, Beatrice e
Mike… Foi como reabrir as feridas e encará-las de frente. Coisa que, sendo
bem sincera, desde que parei de frequentar a terapia em grupo, eu deixei de
lado.
Então eu repassava todas as vezes em que falei sobre a morte de Marco
Rhodes. Todas as vezes em que desejei que pessoas como Tim, Diana,
Beatrice e Brandon explodissem no inferno e… Não era tão simples.
Eu não conseguia respirar.
Minha mãe me abraçou, o mais forte que pôde, acariciando as minhas
costas, me mantendo contra si, como uma criança pequena. Eu não sei se
levei segundos, minutos ou horas para parar de chorar. Só sei que, quando
aconteceu, eu estava sobre o sofá, enrolada em uma coberta, enquanto os
créditos de Como perder um homem em 10 dias rolavam, segurando um
copo de água.
Minha mãe, ao meu lado, esperava que eu falasse.
Que eu falasse qualquer coisa.
— Esses dias. — falei, em português, engolindo a bile amarga que quase
saiu pela minha garganta. — Esses dias, minha mãe, você disse que eles me
amavam.
— Porque te amam.
— Eu sei. E no momento, isso dói pra caralho.
Minha mãe suspirou e eu voltei a chorar, baixinho, segurando o copo de
água com ambas as mãos. Tentando colocar a cabeça no lugar.
— Eu os amo também, sabe? Amo mesmo. Amo cada Green Snake com
a minha alma e acredito fielmente que vou deixar de ser uma só quando
meu coração parar de bater. Que deixaremos de pertencer a essa família,
apenas quando o último batimento ecoar. Mas… Nossa, é… É tão confuso.
— Eu sei, amor. Eu sei. — Ela acariciou a minha cabeça, pacientemente.
— E eu amo tanto Oliver Zhang.
— E ele te ama. Muito. — Ela sorriu fraco, movendo uma mecha para
trás da minha orelha, penteando meu cabelo com os dedos, devagar. — Não
houve um dia desde que tudo aconteceu que Ollie não tenha me enviado
mensagens, Jas. Ele me pediu perdão. Ele perguntou sobre você. Ele se
manteve à disposição para qualquer coisa, filha.
— Oliver Zhang sempre é assim, não? Desiste de lugares, mas nunca de
pessoas.
— Ele só está esperando pelo momento certo.
De implorar por perdão. Eu sabia. Sabia mesmo.
Tentei me acalmar, levando a mão à testa. Eu sentia falta dele. Mesmo.
— Não sei se… Se perdoá-los significa me amar menos.
— Está brincando, Jasmine? Não tem obrigação de perdoar ninguém em
vida, amor. Mas a verdade é que, algumas vezes, perdoar quem amamos é
um gesto de amor não só com eles, mas conosco. Segurar ódio, rancor,
mágoa… Nada disso, amor, nada disso é bom para você. Se escolher deixá-
los ir, não vou te julgar. Se escolher perdoá-los, não vou te julgar. Nada
disso vai significar se amar menos. E nada disso vai te tornar diferente do
que você é. E você é gigante, amor.
Gigante. Essa palavra só me lembrava Zhang.
Contei tudo o que aconteceu. Tudo. Desabafei com minha mãe sobre
Mike, sobre o que ouvi naquele dia. Sobre a demissão da Mel, sobre
Damian ter tentado conversar comigo, sobre ter feito Naomi chorar… Sobre
amar Oliver.
E acho que em algum momento cheguei à conclusão de que… Eu só
estava magoada por não terem me contado mais cedo. Por ter descoberto
por outras pessoas. Nem mesmo o efeito sobre minha carreira era minha
preocupação, naquelas últimas semanas. E Mike… Acho que Mike me fez
perceber que a morte do meu pai era dolorosa, ainda era muito dolorosa
para mim. Mas eu não tinha que perdoar nenhum deles por nada. A morte
de Ramsey não foi responsabilidade deles. A similaridade com a morte do
meu pai, não era responsabilidade deles. Eles só sofriam por alguém que foi
irresponsável. Viveriam para sempre sofrendo, sem ele, porque Brandon
também sempre seria um Green Snake.
Doía a omissão, a mentira. Doía porque eu poderia ter entendido aquilo
mais cedo. Doía porque não confiaram em mim para isso, porque acharam
que eu iria embora. E doía porque, de fato, quase fui. Mas eu não queria
deixá-los ir, queria?
Não sem ouvi-los primeiro.
— Mãe… — chamei, baixinho, tentando não chorar mais. — Eu também
amo muito eles.
— Eu sei.
— E você está bem com isso? Com a omissão?
— Jas… Se tivesse sido o inverso, se tivesse sido seu pai o bêbado a
bater o carro contra alguém, por mais errado que ele estivesse… Você
deixaria de amá-lo? Você contaria para qualquer pessoa que tivesse a
chance de julgá-lo, de sentir raiva dele, porque o perdeu? Como reagiria se
estivesse no lugar deles?
Parei para pensar por um momento, sem ter a mínima ideia de como
responder.
— Eu entendo o que eles escolheram. Não acho certo, Jasmine, mas
entendo. E, para mim, não tem o que perdoar. — me disse, honesta. —
Ainda os amo. Ainda amo a mãe da Naomi e ainda acho que tê-la como
filha é uma dádiva. Ainda sou amiga da mãe da Mel e vou abraçá-la como
se fosse minha sobrinha, parte da minha família, quase uma filha. Damian,
Mike… Sempre vão ser bem-vindos no meu restaurante e na minha casa.
Oliver seria um genro incrível e eu o amo, amor. O amo mesmo. Só que te
amo mais. Priorizo você em relação a eles. Mas isso tudo não me faz amá-
los menos. Assim como não te fez deixá-los para trás. A pergunta é: ainda
faz tanto sentido para você não ouvi-los? Ainda faz tanto sentido para você
deixar a mágoa falar mais alto? Porque está tudo bem, Jasmine. Está tudo
bem se não fizer.
Respirei fundo, tentando assimilar o que dizia. Tentando me colocar no
lugar deles e então, admitir para mim mesma que perdoá-los não me faria
mais frágil. Que escutá-los não me tornaria menor do que eu era.
Tinha uma segunda-feira por vir. Não era a terceira segunda-feira do
mês, mas era uma segunda-feira. E eu queria conversar com as minhas
garotas, antes de qualquer coisa.
A minha mãe me deixou por um momento, prometendo fazer meu bolo
de tapioca favorito, e eu encarei meu celular, no sofá, pensativa.
Travei uma luta interna entre sentimento e razão. Uma luta confusa,
porque nem coração, nem mente, estavam bem organizados. Mas,
eventualmente, uma decisão foi tomada. E eu peguei meu celular, ansiosa,
tremendo um pouco.
Cada batida vinha mais forte e mais rápida do que o anterior quando, me
sentindo idiota por ter saído do grupo com as meninas, fiz outro. As
adicionei: Mel, Naomi e Gianna. Esperei algum tempo, quando ninguém
digitou nada. Esperei, tomando coragem.
E então escrevi.
Eu: Noite das garotas. Segunda-feira. 19:00. Minha casa.
As meninas digitaram por algum tempo e eu aguardei, ansiosa.
Naomi: Eu levo o vinho.
Mel: Eu levo os livros.
Gianna: Eu levo… apoio moral?
Sorri fraco, mesmo com medo do que poderia vir.
Eu: Está marcado, então
.
“Eu tenho essa coisa de ficar mais velha, mas nunca mais sábia
As meias-noites se tornam as minhas tardes
Quando minha depressão resolve trabalhar no turno da noite
Todas as pessoas que eu ignorei estão paradas no meio do cômodo”
Anti-Hero - Taylor Swift
Eu estava nervosa.
Sabia que Oliver estava viajando para a final da Champions, então…
Não tive medo algum de me trombar com ele pelo prédio. Não era essa a
razão do meu nervosismo. Eu conversaria com Zhang. Talvez me resolvesse
com ele, até. Mas não ainda.
Eu estava nervosa pelas garotas.
Chequei toda a comida que preparei para o nosso jantar. Cozinhei
sozinha, apesar da minha mãe se oferecer para isso. É que tanto Mel, quanto
Naomi, amavam comida baiana, então… Moqueca de camarão poderia
aliviar o clima tenso. Como Gigi nunca tinha provado, fiz uma lasanha para
ela também.
Olhando para a mistura exótica de comida baiana e lasanha e para a
quantidade de guarnições, eu me perguntei se tinha enlouquecido.
Provavelmente sim.
A campainha tocou e eu me ajeitei, olhei para a minha camiseta do Red
Hot e calça jeans, me perguntando se era casual o suficiente e quem estava
atrás da porta. Me surpreendi quando a abri e encontrei as três.
Mel, ao centro, engoliu em seco. Naomi e Gianna tentaram se manter
impassíveis, mas Olsen estava um pouco pálida e Naomi mordia o cantinho
da boca.
— E aí, beleza? — Mel perguntou e eu franzi o cenho. “E aí, beleza?”.
— Deus do céu… Wayne! — Carlson ralhou e eu ri, tentada a abraçá-las,
mas sem saber se deveria. Dei passagem e Naomi suspirou. — Que cheiro
bom. Estou faminta.
— Uhhh, é agora que vou conhecer mocaque?
— Moqueca. — corrigi Gianna, tentando prender o riso. Mocaque, que
bizarro. — Se você não tiver alergia a camarão, sim. — Ela esfregou as
mãos e eu observei Wayne, que abraçou o próprio corpo. — Melissa, tudo
bem?
Ela negou, se afastando por um momento. Me perguntei para onde estava
indo e Naomi suspirou, me parando. Wayne estava no banheiro. Soube
porque a ouvi vomitando. Ergui as sobrancelhas.
— Acho que ela está grávida, mas Mel não quer fazer o teste. — Carlson
explicou.
— Por quê? — perguntei, com o coração acelerado pela chance de ver
Melissa, finalmente, sendo mãe.
— Mike esteve doente há, sei lá, três semanas. Ela acha que pode estar
só doente. — Gigi disse.
— E ela estava esperando você. — Naomi acrescentou, honesta, eu
franzi o cenho. Carlson suspirou mais uma vez. — Wayne tinha esperança
de ter você por perto quando fizesse o teste, Jasmine.
— E o que ela faria se eu não voltasse? — perguntei.
— Bem, daí a barriga provavelmente cresceria o suficiente para que
fosse inegável, — Gianna comentou, dando de ombros — já que ela é
teimosa pra caralho.
— A teimosa pra caralho voltou. — Mel disse, um pouco menos pálida.
— E eu não estou grávida. Podemos jantar? Acho que temos muito o que
conversar hoje.
Quis perguntar se ela estava bem, mas Wayne parecia tensa demais,
então… A resposta provavelmente seria não. Nos sentamos à mesa de jantar
e eu perguntei se queriam vinho. Gianna aceitou, Carlson negou, Wayne
também negou, apesar de jurar que não estava grávida. Eu tinha a sensação
de que ela sentia que estava e não queria enfrentar um teste.
Começamos a nos servir e eu me perguntei por onde começar, virando
um gole de vinho branco antes de comer. Mel não fazia muito contato
visual. Digo, nenhuma de nós fazia muito, mas Wayne beirava ao contato
nulo. Era desconfortável. Nunca fomos assim.
— Desculpa ter te tratado mal no outro dia. — falei, para Carlson. Ela
não me encarou, a princípio.
— Mereci. — ela respondeu, dando de ombros.
— Não, não mereceu.
— Mereci. Magoei você. Todos nós te magoamos. É passado. Está tudo
bem. Não esquenta.
Limpei a garganta.
— Estou com saudade da Hay. — confessei e ela sorriu, como mãe
babona que era, erguendo o rosto, finalmente.
— Ela quase forçou um choro para vir comigo. Puro drama. Mas está
brincando de cabaninha com o avô, estão montando uma super festa do chá
para todos os ursinhos de pelúcia. E Ryan está sofrendo tudo o que Damian
sofre.
— Está usando tutu? — brinquei e Naomi piscou, confirmando. Sorri,
um pouco mais leve. Mas isso morreu quando vi que Gianna comia em
silêncio e Melissa brincava com o camarão no prato. — Não é tão bom
quanto o da minha mãe, certo?
— Na verdade, é tão bom quanto. — Mel elogiou, sorrindo. — Mas mal
consigo comer.
— Enjoada?
— Não mais. Não… Só me perguntando por onde começo a implorar por
desculpas.
Abaixei os talheres, me surpreendendo com quão direta Melissa Wayne
tinha sido. Gianna fez o mesmo e Carlson… Ela lançou um olhar ao vinho,
quase mudando de ideia sobre beber apenas suco de laranja.
— Leu meus textos? Viu meus vídeos? — Mel questionou sobre o que
deixou no meu camarim, outro dia.
— Não consegui. Me faltou coragem. Principalmente depois que saiu da
série.
— É o material sobre o Brandon? — Gigi quis saber e eu confirmei. —
Podemos ver juntas.
Assenti, gostando da ideia.
— Gianna… Desculpa também. Não te procurei, não te respondi e ainda
falei algumas coisas sobre o Brandon que…
— Que são verdades. — Gianna rebateu. Ela afastou o prato, suspirando.
— Olha, Jas… Sendo bem honesta… — Olsen soltou um riso cansado. —
Sim, fiquei mal porque se afastou do pessoal. Achei que se afastaria de vez
de mim também, porque eu te lembraria alguém, que te lembra um acidente
parecido com o seu pai. Porque não discordei da omissão. Fiquei mal,
porque você estava mal e porque… Mal entrou na minha vida, Rhodes, mas
eu não queria que saísse. Mas depois de tanta terapia e cinco anos de
reflexão, eu não tenho tanto problema assim em confessar que o amor da
minha vida entrou em um carro bêbado e foi irresponsável pra caralho.
Sua calma e maturidade ao falar me chocaram um pouco. Naomi e Mel,
por sua vez, pareciam tranquilas. Meio cansadas, até.
— Acho que… — Mel suspirou. — Ok, nenhuma grosseria é correta e o
diálogo é sempre o melhor caminho. Mas não é porque ficou brava com a
gente ou preferiu ficar sozinha que está errada. Nada nessa situação te torna
errada. Você está aqui e está disposta a nos ouvir, Jasmine, então é isso que
importa. Nós precisamos pedir perdão. Você nem mesmo tem obrigação de
aceitar.
Meu coração não ficou muito mais leve com isso.
Esperei que alguém começasse, que alguém falasse algo a respeito das
últimas semanas. Naomi optou por começar:
— Os pais de Brandon não queriam que soubessem. Quando nada foi
investigado, absolutamente nada… Nós preferimos jogar para debaixo do
tapete. Os pais de Wayne se asseguraram de que nenhuma pessoa naquela
noite, comentaria se Ramsey estava ou não bêbado. A maioria, de fato, não
tinha visto nada, mas… Um garçom ou outro, um político ou outro daquele
evento… Enfim, eu desaprovei, mas soube que os Waynes compraram o
silêncio.
— Eu também. — Mel disse. — Descobri um pouco mais tarde, mas…
Enfim, briguei com eles por isso.
— Mas é inegável que isso tornou a mentira mais fácil. — Naomi
continuou, meio insegura com as palavras. — Se algo vazava, era só negar
e deixar que abafassem. E assim foi. Até que ninguém realmente comentava
mais sobre isso. E aí Oliver tinha mais calma para lidar com a morte, os
pais de Ramsey conseguiam manter a imagem positiva do filho não só para
o público, mas para eles mesmos… Até aí tudo bem. Era uma mentira. Era
errado. Mas todos nós conseguíamos levar para o túmulo. O problema foi
quando Wayne disse que poderíamos usar Brandon, para alertar os perigos
de agir como ele agiu. Que ele iria querer isso. Todos concordamos. Mas
além de ninguém ter coragem para falar com os pais de Ramsey, os
produtores do filme e sócios do time, se revoltaram. Eles ameaçaram ferrar
com Zhang. Ferrar a carreira dele, ferrar Melissa. E Wayne queria enfrentá-
los ainda assim, mas… Oliver tinha vontade de voltar para os gramados,
por mais que fingisse que não. Então… Carregamos aquele peso por ele.
Mesmo que, muitas vezes, ele tenha dito que poderia dizer a verdade. Que
não precisava. Até você.
— Quando ele te conheceu, Rhodes… Quando ele te conheceu… — Mel
riu, sem palavras. — Oliver pode não admitir, mas ele ganhou algo quando
você chegou na vida dele. Ele recuperou a vontade de lutar para ser mais do
que um sobrevivente. Ele viu outra pessoa que passou por um acidente
parecido rindo, sorrindo, sendo como ele era… E então você…. Nossa,
Jasmine, é impossível não se apaixonar por você. Você conquistou ele. A
alma, o coração, tudo. Tudo. Principalmente os amigos dele. Com um
sorriso e algumas gargalhadas…
— Você se tornou família em tempo recorde, Rhodes. — Carlson
acrescentou. Seus olhos estavam irritados e ela me encarou por meio
segundo antes de voltar a comer. — Nossos motivos para mentir para você
se tornaram nulos quando entrou para a nossa vida, mas… O medo do Ollie
de te perder… O nosso medo de te perder… — Ela suspirou. — Erramos e
não temos justificativa, foi por pura covardia…
— Mas, foi por medo de não te ter em nossas vidas. — Mel terminou.
Eu respirei fundo.
Não achava que estavam menos erradas em mentir, mas eu também não
queria perdê-las por isso. Era bom ouvir que não se achavam certas naquilo.
Que entendiam a minha dor. Eu realmente me sentia entre irmãs ali. Minhas
irmãs.
— Eu só queria que tivessem me contado mais cedo. — falei. Minha voz
vacilou e eu não sabia se odiava ou não o nó em minha garganta. Apesar de
doloroso, ele era a única coisa que impedia um choro de escapar. — Se
tivessem me contado mais cedo… Se eu não tivesse descoberto como foi…
Ninguém disse nada e eu tomei um momento para me acalmar, para
respirar e apenas respirar.
— Mas são “e ses” que eu… Eu honestamente não quero usar para me
impedir de viver perto das pessoas que eu amo. — confessei e vi o alívio
fluir pelas garotas quando me encararam, imediatamente. Minha visão se
tornou turva pelas lágrimas, eu esperei que ficassem onde estavam ou eu
desabaria de chorar e não queria isso. Não mesmo. — Eu sei que não
fizeram por mal. Agora vejo que entendem que me machucaram e… Não
digo que essa dor vai sumir de uma hora para outra, mas eu quero perdoar
vocês e, mais do que isso, não quero ficar um segundo sequer sem… Sem
Naomi e seu sarcasmo, Mel e seu jeito desastrado ou Gianna e suas piadas
fora de hora… Não quero ficar sem Mike e aquelas referências nerds, nem
Damian e os conselhos que ele jura que são péssimos, mas são perfeitos…
Não quero ficar sem Zhang. Não mesmo. Eu não quero ficar sem a nossa
família.
— Jas… — Naomi me chamou e eu ergui a mão, precisando continuar.
— Foi Wayne quem me incentivou a continuar quando eu estava prestes
a desistir de um teste que definiu toda a minha carreira. Foi Carlson que
insistiu em me contratar antes mesmo da série bombar, porque acreditou no
meu sucesso. Foi Damian que desabafou e me ouviu desabafar centenas de
vezes sobre como o mundo é uma merda, principalmente, quando você está
nos holofotes. Foi Mike quem tentou me fazer ver que o mundo não é tão
simples quanto eu imaginava. E foi Oliver Zhang quem fez tudo isso. Que
me amou por cada segundo. Eu tenho sorte de ter vocês. Vocês me
machucaram. Mesmo. Mas eu também machuquei vocês, por mais que
digam que mereçam. — Xinguei quando as primeiras lágrimas escorreram e
olhei para cima, abanando para que parassem. — As únicas pessoas que
arrastariam a minha família do Brasil para cá, que gastariam madrugadas
me ouvindo e me fazendo gargalhar… Vocês são a coisa mais preciosa que
tenho na vida. Não são os seguidores, os fãs, a fama, o dinheiro ou todos os
Jimmy Choos que Naomi quer roubar. — brinquei e vi Carlson secar as
lágrimas. Melissa não disfarçava que estava chorando mais e Gianna, muito
menos. — Eu sei que não estava na escola, quando vocês eram um time e
se denominaram Green Snakes, mas… Se eu ainda puder ser uma, se eu
ainda for uma para vocês… Eu quero ser até o fim da vida. Porque não
existe mais Jasmine Rhodes sem vocês. Porque… Porra, vocês são
Brightgate para mim. Vocês são minha casa. E se eu ainda puder voltar para
casa..
— Por favor. — Mel pediu, tentando não soluçar. — Por favor, volte
para casa sempre que quiser. Por favor, nos perdoe por tudo.
Naomi se levantou da mesa primeiro, se sentando ao meu colo e me
abraçando o mais forte que pôde. A xinguei porque desabei de chorar
instantaneamente e ela gargalhou, entre lágrimas. Após apenas um olhar,
Mel se levantou e me envolveu pelo pescoço, por trás. Estiquei a mão para
a Gianna, sentindo que faltava pouco para a cadeira cair, e ela entrelaçou os
dedos aos meus.
— Estamos resolvidas, certo? — Mel perguntou e eu ri de novo, entre
lágrimas.
— Depende. — falei, tentando secar as minhas lágrimas. — Vai voltar a
trabalhar comigo?
— Você quer isso? — Wayne perguntou, quase inaudível.
— Mais do que tudo, Melly-Boo.
— Eu volto se nunca mais for embora. — Wayne me pediu e eu ri. Tinha
sentido falta da sua fofura. Dos seus abraços apertados.
— Nunca mais vou embora. — prometi.
— Vou voltar a comer, então. Estou faminta. — Naomi falou, se
afastando, e eu gargalhei, dando-a meu dedo do meio. Ela sempre
interromperia os momentos fofos com qualquer piada escrota.
— Ao fim do drama? — Gianna desejou, erguendo a taça de vinho. Mel
e Naomi ergueram os copos de suco e eu ergui minha taça também.
— Ao fim do drama. — falamos, em uníssono. E então brindamos.
Eu estava só começando a perdoar toda a minha família. Faltavam só
dois garotos e um capitão emburradinho.
Acordei de ressaca.
Tudo o que Mel e Naomi não poderiam beber, eu e Gianna,
provavelmente, bebemos.
Meu pescoço doía com a posição desconfortável no sofá e minha cabeça
latejou, com um xingamento alto de Naomi Carlson. Ela estava puta com
alguém. Quando abri os olhos, devagar, percebi que era com Wayne.
— Como assim comprou as passagens para o horário errado, porra?!
— Você disse que era 15:30! — Mel rebateu, confusa.
— O jogo, Melissa, não o voo! Você comprou as passagens para a hora
do jogo!
— Calma! Dá para resolver! — Gianna tentou cooperar, espalmando o
ar, claramente desesperada.
— Não tem mais vôo, Gianna! Já são doze horas!
Porra, meio dia?! Já?!
Esfreguei os olhos, meus neurônios finalmente despertando.
— Não tem outro voo para Westville e são quatro horas de carro! —
Naomi ralhou, andando de um lado para o outro. — Sem trânsito.
— Merda, vamos perder o jogo. — Mel choramingou. — É tudo minha
culpa.
Por que mesmo elas precisavam ir para Westville?
Mike e Damian.
Em Westville.
— Puta merda! — falei, desesperada, no meio segundo que levei para
cair do sofá para o chão. Gemi de dor, tocando a testa, percebendo todos os
olhares sobre mim. Me levantei o mais rápido que pude, atônita.
Westville.
Mike e Damian.
A Champions.
O time de Brightgate conseguiu chegar até a final.
Eles estavam lá pelo Oliver.
“Vou cuidar de você como cuida de mim. E te prometo, Oliver Zhang,
que não tem possibilidade de você não levantar a taça da Champions ao
fim do semestre e muito menos de eu não estar lá com você, aplaudindo.”
A promessa.
A minha promessa.
Eu tinha que conversar com Oliver. Mas eu também nunca descumpri a
minha palavra.
Era meu melhor amigo. Mais: era o amor da minha vida. Era seu sonho,
sua taça, seu campeonato.
Eu tinha que ir. Poderíamos nos resolver depois, mas eu tinha que estar
lá.
— Jasmine? — Gianna chamou, provavelmente preocupada com meu
estado.
— A gente toma banho e você pega a Hailey. — falei e apontei para
Carlson, disparando escada acima.
— JASMINE! — Naomi gritou, impaciente. Segurei o corrimão, na
metade da escada, me virando. — Para onde você vai, porra?
— Tomar banho, achar minha camisa de Brightgate e tomar uma aspirina
para aguentar quatro horas de viagem de carro.
— Espera. — Mel falou, espalmando a mão no ar, processando. — Isso
quer dizer que…?
— O jogo, — falei — nós vamos para o jogo.
“Você torna difícil de ver
Onde eu pertenço
Quando não estou à sua volta
É como se eu estivesse sozinho comigo”
I Never Told You - Colbie Caillat
Sabe, sempre pensei que deveria ser um inferno terminar um
relacionamento sendo famoso.
As centenas de edits, fotos, tweets sobre o casal os marcando, sempre
pensei “Caralho, estão tentando viver e deixar alguém no passado e não
deixam”. Eu nunca imaginei que essa não era a pior parte. A pior parte é
quando o casal ainda se ama e não quer se deixar no passado.
Eu não conseguia parar de ver vídeos, fotos ou qualquer porra
relacionada a ZhangRhodes online.
Prometi, e cumpriria, para Jasmine que a reconquistaria. Eu só estava lhe
dando algum espaço, algum tempo para respirar.
Mas quanto espaço era suficiente?!
Quanto tempo era suficiente?!
Porque… Porra, a única coisa me segurando em Westville era saber que
eu lutei por aquela taça, que era minha chance de levantá-la por Ramsey e
eu. Ainda assim, parte de mim dizia “você pode lutar por essa taça ano que
vem, Zhang”. Eu considerava jogar todo o trabalho da temporada no lixo.
Por Jasmine Rhodes.
Eu considerava qualquer coisa, por Jasmine Rhodes.
Por isso me forçava a pensar em mais do que eu ou nós. A pensar no
time. Nos torcedores. Em Brandon. E não no fato de que ergueria um troféu
sem a minha Moonshine.
Eu fodi tudo. Certamente merecia dormir sozinho, voltar para uma casa
sem ela e não ouvir sua gargalhada ou sentir aquele perfume gostoso pra
caralho, quando me abraçava.
Recebi um áudio de Damian Bale me desejando boa sorte. Ri da sua
selfie com Mike, ambos a caminho do estádio, sorridentes. Eles viajaram no
mesmo dia que eu. Queriam estar por perto do meu hotel, a poucos andares
de distância, caso eu me sentisse sozinho. Mel disse que ela, Naomi, Gigi e
Hailey chegariam a tempo. Eu esperava que sim.
Já Rhodes… Porra, eu queria Rhodes comigo.
No fundo do ônibus, travei uma luta interna para não ligar para ela.
Perdi. Deu na caixa-postal e eu bufei, ciente de que… Bem, provavelmente
ninguém ouvia a caixa postal. Mas ela não respondia meus áudios e, por
algum motivo, eu deixei uma mensagem.
— E aí, Jasmine… — Ri, me sentindo idiota. “E aí, Jasmine”.
Cocei minha testa, nervoso.
— Sabe… Eu te disse que… Meu sonho é você. E acho que… Você nem
ouviu. Nem vai ouvir essa mensagem também, mas… — Ri nasalado, mais
uma vez, odiando aquela situação. — Eu te amo, Moonshine.
Fechei os olhos. Eu não era bom em me declarar. Não sabia o que dizer.
— Estou a caminho do estádio, não posso mais fugir, mas considerei
fazer isso. Considerei mesmo. Eu te amo demais, Rhodes. Eu te amo mais
do que aquela maldita taça e eu me sinto escroto, porque… Aquela taça
significa demais para mim, para quem eu amo, para Ramsey. Mas perto de
você, parece só um pedaço de metal, amor, eu… — Tentei organizar meus
pensamentos, ansioso. — Eu não sei se vou ganhar esse jogo, Jas. Vai doer
cada segundo em campo, sem você torcendo por mim na arquibancada. E
mereço isso, Moonshine, mereço mesmo. Mas queria te lembrar que te amo,
mesmo que não me ame. Te adoro, mesmo que não me adore. Torço por
você, mesmo que nunca mais torça por mim.
Apertei a ponte do nariz, tentando não chorar.
— Eu te amo há tanto tempo, Rhodes, que um dia, um mês ou um ano
sem você vão me fazer sangrar, mas eu esperaria o que quer que fosse para
ter você comigo. Então, caso esteja em casa, vendo televisão, assistindo
essa partida… A cada passe, a cada tentativa de gol, a cada segundo em
campo… Quero que saiba que toda vez que respiro, Moonshine, estou
pensando que amo você.
O tempo acabou, cortando a mensagem e eu xinguei. O ônibus parou em
frente ao estádio.
Jasmine Rhodes não viria. Mas eu tinha um jogo a ganhar, de qualquer
forma.
Segurei uma mão, que não era da Hailey. A garotinha sorriu para mim e
eu sorri de volta, me perguntando quando Naomi, Gianna e Melissa
chegariam com a pequena Bale. Ela era meu amuleto da sorte em grandes
jogos como aquele. Ela e Rhodes. Eu precisava de ao menos uma delas
comigo.
Entramos em campo e Westville, em peso, gritou. Estávamos em
território adversário e poucos dos nossos torcedores estavam ali por nós.
Aquilo não ajudava.
Não poderíamos deixar que atrapalhasse também.
Nos posicionamos para o hino e eu fechei os olhos, absorvendo a letra do
país que nasci. Mas a verdade é que Damie e Mike estavam logo em frente
e, se eu abrisse os olhos, eu veria que eram os únicos. E isso me machucava
um pouco.
Depois do sorteio do lado do campo e de cumprimentar o capitão
adversário e tirar fotos, eu me aproximei do nosso time. Eles fizeram um
círculo, esperando por mim.
— Por Brightgate e cada um que amamos, ok? — relembrei e eles
assentiram. — Um. Dois. Três… Qual é o time?
Eles gritaram a resposta e eu sorri, satisfeito.
Nos posicionamos em campo, observando os jogadores do time
adversário, famintos. Eles começariam a partida. Não importava.
Aquela vitória seria nossa.
O apito ecoou.
Eu recuei, seguindo o esquema tático antes de avançar.
Aquela vitória seria nossa.
Mas claro que não seria fácil.
Eu estudei Westville a fundo, sabia que meu time também. Por isso
alguns olhares trocados durante a partida diziam a mesma coisa: “Fodeu”.
Não jogávamos mal, muito longe disso. Estávamos indo bem. Mas a zaga
adversária estava fechada pra caralho e eu tentava criar jogadas, buscava o
olhar do técnico algumas vezes e nenhum gol acontecia. Esperei que
estivessem preparados, mas estava surpreso com a qualidade dos filhos da
puta.
Disparei pela lateral do campo, nos últimos segundos do primeiro tempo,
correndo com a posse da bola. Fizemos inúmeras tentativas de gol e o jogo
seguia empatado, porque o filho da puta do goleiro defendia todas.
Passei a bola para Seth, tentando avançar por um espaço vazio no meio.
Ele chutou para mim e eu matei no peito antes de driblar o jogador
adversário. Dentro da grande área, apenas eu e o goleiro, arrisquei o chute.
Passou raspando pelo travessão. Para fora.
Xinguei, tombando a cabeça para trás, junto com a maioria do estádio.
Até mesmo nossos torcedores adversários, estavam chocados.
Seth tocou meu ombro, aplaudindo e mais jogadores fizeram o mesmo.
Voltei a correr para o meio de campo, me preparando para o tiro de meta,
repassando o maldito lance.
Porra, eu tinha que ter acertado.
Eu tinha que ter acertado.
O goleiro só teve tempo de chutar a bola e o juiz apitou, sinalizando o
fim do primeiro tempo.
Seguimos para o vestiário e eu sequei o suor do rosto com a camisa,
tentando pensar em que falhas tinha percebido no time adversário, para
falar com os demais, quando o treinador estivesse nos dando um sermão no
intervalo.
Riley disparou em minha direção, no caminho, desesperada.
— Oliver! Onde está a porra do seu celular?
— Hm… Não em campo? — brinquei, confuso.
— Ouviu alguma mensagem antes da partida?
— Não?
— Zhangs! — O treinador gritou, na porta.
— Confia em mim, treinador, ele precisa me ouvir primeiro! — ela o
respondeu, no meio de todas aquelas pessoas e ele a encarou, confuso, mas
sinalizou que nos esperaria. Riley sorriu para mim. — Mel e Naomi me
encaminharam tudo, agora. Porque não conseguiram falar com você. Ela
está vindo.
— Ela?
Riley apenas assentiu.
Rhodes.
Rhodes estava vindo.
Jasmine Rhodes.
Peguei o celular em sua mão, sem saber qual mensagem abrir primeiro.
Riley clicou em Melissa por mim e eu levei ao ouvido, ansioso.
Meu coração se encheu quando ouvi sua voz. Tentei levar os dedos para
as pálpebras fechadas, para evitar chorar, mas o alívio era grande demais.
Eu não consegui evitar.
“Ei capitão, — Rhodes chamou, com a voz falha — acabei de ouvir sua
mensagem e meu celular descarregou. Eu sinto muito. Sinto muito por não
ter te escutado antes, Zhang. Sinto muito mesmo e não quero que entre em
campo achando que te odeio, quando te amo muito mais do que sou capaz
de explicar. — As garotas zombaram no fundo e eu sorri, mesmo naquele
momento. — Eu te amo, capitão. Te amo tanto que se alguém te lesionar
em campo, vai lidar com meus punhos depois. E minhas unhas. E sabe que
amo minhas unhas”.
Ela amava. Mesmo.
“Se alguém te machucasse em campo na minha frente, Zhang, eu te
levantaria. Te carregaria até o gol. Eu derrotaria qualquer um para te fazer
ganhar. Mas estamos atrasadas. Eu estou tentando chegar a tempo. Então,
como provavelmente vamos perder o primeiro tempo, amor, espero que
escute isso”.
“Eu te amo.”
“Eu te amo em um nível que jamais imaginei ser possível. E ainda assim
é. Eu te amo tanto, quanto me ama. E eu sei que me ama mais do que
qualquer taça. Sei que me ama mais do que qualquer coisa. E também sei
que errou, mas Oliver Zhang jamais abandona pessoas, e vai fazer de tudo
para que eu o perdoe. Estou ansiosa por isso. Mas já estou te perdoando,
amor. Está me ouvindo? Vamos conversar. Vamos nos resolver. Vamos ficar
bem. E eu vou te pirraçar para o resto da vida.”
“Mas antes disso, Oliver Zhang, por favor… Por favor, seja o gigante
que conheço. O guerreiro que enfrenta qualquer coisa em campo. O meu
capitão.”
“Ganhe esse jogo, capitão. Por mim. Por Brandon. Por nós.”
“Mas com taça ou sem taça, Oliver, eu sou sua Moonshine. Você me leva
para casa, independente de qualquer resultado.”
Ela riu, nervosa, e eu imaginei seus olhos pequenos, com seu rosto
inchado e as lágrimas. E ainda assim, Rhodes estaria linda.
“Só que… Porra, Ollie, por favor ganhe. — Gargalhei, tal como as
meninas no áudio. — Eu te amo, amor. Já estou indo”.
Ouvi o próximo áudio, com o coração a mil.
“Eu te amo, amor. Estou ouvindo o jogo pelo rádio”.
Ela estava acompanhando.
Porra.
Porra.
“Porra, Oliver! Não está vendo que o lado esquerdo está quase sem
jogadas? Lado esquerdo, Zhang”.
Coloquei no viva-voz, para Riley rir também.
“Caralho que goleiro filho da puta! Chuta uma bola nas bolas dele,
amor. Pelo amor de Deus…”
“Jasmine!” — Gigi repreendeu.
“Ei! Momento fofoca! Tem sete pessoas no carro”.
“Jasmine!” — Mel gritou. Sete?
“Ué? Sete?” — Hailey tirou as palavras da minha boca e eu sorri. Riley
agarrou meu braço, processando mais rápido do que eu.
“Não conte para Bale e Graham, Zhang” — Naomi ameaçou e eu quase
gritei, enquanto Riley berrava, em choque.
“Aproveite e faça sete gols. Que nem o Brasil sofreu” — Mel provocou e
eu ouvi um tapa. — “Bateu em uma grávida, sua maluca?!”
O áudio acabou e eu abri os de Naomi. Era Jasmine de novo.
“Está jogando bem, capitão. Estão te elogiando tanto. Eu queria estar
vendo”.
E outro.
“Meu coração está saindo pela boca”.
Outro.
“Vou comentar o jogo inteiro para que ouça depois. Sua namorada é
maluca, mas você sabe disso”.
Afastei o celular. Ela fez isso. Tinha centenas de áudios.
Jasmine Rhodes não estava no estádio ainda. Mesmo assim, comentou o
jogo inteiro. Inteiro.
— Zhang! — o treinador gritou mais uma vez e eu olhei para Riley.
— Vá! Te grito quando chegarem.
Beijei sua testa e corri para o vestiário, segurando o braço do treinador e
lembrando do que Rhodes tinha dito.
— Lado esquerdo! — falei, ofegante. — O que percebeu do lado
esquerdo?
Ele sorriu. E de algum modo eu soube que estávamos pensando no
caminho certo.
Meu coração está quase saindo pela boca.
De frente para o espelho, espero que minha mãe afaste as mechas
escuras, sem as bagunçar, para colocar o grande colar de ouro que cobrirá o
meu colo. Meu cabelo, parcialmente preso, parcialmente solto, tem duas
pequenas mechas soltas na frente. A maquiagem pela pele negra é suave, eu
não queria nada exagerado. Não deixa de ser impactante. Não que eu tenha
sido modesta em algum ponto da vida, mas, Deus, eu estou... sensacional.
Ainda assim respiro fundo, tensa, apoiando as mãos nas coxas, sentindo
as palmas úmidas. O vestido de noiva é composto por um corset justo ao
corpo, com a modelagem da cintura coberta por ramos de renda, em que
pequenos cristais se incrustam. Duas pequenas mangas partem do corset,
não tão finas e longe de serem grossas, pendendo pelos ombros. A partir da
cintura, o tecido abraça as minhas curvas, tão rendado e carregado de
brilhantes, quanto o busto. Não tem fendas, mas não deixa de ser sexy. A
elegância faz isso.
Bem, devo a Naomi Carlson por essa obra de arte.
Analiso a única fita do bonfim no pulso, que coloquei após a última
temporada gravada de Surf & The City.
Fiz três pedidos.
Que Ollie e eu tivéssemos um casamento perfeito.
Que ele ganhasse a Premier e a Champions desse ano.
Que Cole O’Connell se fodesse em seus processos.
Falta apenas o primeiro pedido para que ela caia. E está fina, tão fina,
que a superstição se mostra correta. Deve despencar assim que tudo se
cumprir.
— Não quer que eu corte?
— Não! — respondo à minha mãe, ultrajada. Ela sorri. A fita ficará logo
abaixo de uma das minhas pulseiras de ouro e… Bem, eu sabia que pouco
combinava com um casamento, mas… Superstição é superstição.
Minha mãe segura meus ombros, me encarando pelo reflexo do espelho.
Seus olhos brilham e eu quero muito, muito chorar. Sei exatamente o que
vai dizer.
— Seu pai estaria tão feliz.
Ele estaria.
Ele estaria radiante contra a porta do quarto, me assistindo me arrumar.
Pela primeira vez, Marco Rhodes não me apressaria, como sempre fazia
quando estávamos atrasados para algum evento. Não. Ele apenas sorriria,
vendo sua filha se preparar para seguir pelo altar.
— Acha que ele amaria Oliver? — pergunto, levando uma mão à barriga
para acalmar o frio irritante que se apossa dela.
— Sabe que sim. Ele seria superprotetor no início, talvez… Mas se
renderia a Zhang. — Minha mãe beija meu ombro, suspirando. — Ele é
jogador de futebol, afinal!
Rimos juntas e eu abano meu rosto, tentando não chorar. A porta se abre
e eu giro o corpo, rindo ainda mais das três Bales que invadem o cômodo. E
de como elas invadem: caóticas.
— Devolve, Hope! Não pode babar na caixinha!
Hailey reclama com a irmã, que anda quase tropeçando para dentro do
quarto. Hay, em seu vestidinho branco de daminha de honra, pega a
caixinha de aliança, segurando a mão de Hope e beijando sua bochecha,
para impedi-la de chorar, provavelmente — o que sempre acontece. A
Carlson-Bale mais nova usa um vestido rosa claro, com uma pequena tiara
de flores.
Naomi, atrás das filhas, ajeita a alça fina do vestido florido das
madrinhas, se equilibrando em saltos finos e gigantes. Ela tinha nos deixado
para vestir as pestinhas e ajudar Bale com a gravata.
— Deus, está linda. — Carlson me elogia, sorrindo. — Nem parece que
eu que fiz.
— Estranho, achei que eu tinha feito. — minha mãe brinca, nos fazendo
gargalhar. Carlson tinha falado do vestido. Patrícia falava de… Bem, de
mim.
— Vovó! — Hope pediu colo, erguendo os bracinhos.
— Ei, princesa da vovó! — Patrícia diz, se abaixando para falar com a
caçula dos Bales.
A garotinha sabe bem que tudo que pedir, as avós vão dar. Minha mãe e
Lia disputam pelo posto de quem vai mimar mais a criatura. Inclusive,
Carlson quase infartou quando descobriu que o maior quarto da casa das
duas é para as netas. Bale teve uma reação parecida quando Lia anunciou
que está arquitetando a porra de uma brinquedoteca em todas as novas
sedes da Oxente em Brightgate, por elas e qualquer filho que Zhang e eu
queiramos ter. Não me vejo tendo filhos por agora. Na verdade, ainda não
sei se está nos meus planos. Mas falar isso para essas mulheres é como falar
sozinha. Eu sei bem disso. Sei a dor de cabeça que passei sendo madrinha
do casamento delas. Naomi, Mel e eu quase explodimos com tanta teimosia.
— Hope acabou de mamar, Tricia. — Carlson lembra, se aproximando
de mim para checar o vestido. Ela bufa, resignada, e eu reprimo os lábios,
tentando não gargalhar. Minha mãe já carrega Hope, beijando a bochecha
da garota de um ano e pouco, sorrindo para aqueles grandes olhos
acinzentados. — É como falar com a parede, juro por Deus…
Concordo, conforme Carlson segura a minha cintura, me analisando
como uma obra de arte. Arrisco um olhar para Hailey, que segura a caixinha
com a aliança. Ela parece emburrada.
Vi essa criança com sete meses. Agora ela tem sete anos… E, bem,
segue ciumenta. Ainda mais ciumenta.
— Ei, Hayhay. — chamo e ela me encara, ainda com um bico. — Está
linda, sabia?
— Também está linda, tia.
— E eu? — Patrícia questiona.
— Pergunta para a Hope. Ela mal fala, mas boa sorte.
Até tento levar a mão à boca para prender a gargalhada, mas quando
olho para Carlson, a vejo tentando não rir, e não dá.
— Hay, amor… — Naomi repreende, apesar da risada em sua voz, ainda
checando o vestido que desenhou para mim. — Peça desculpas.
— Desculpa. — Hay pede, baixinho, constrangida.
— Sabe que eu amo minhas netas igualmente, Hailey. — Patrícia fala
para a daminha, apertando sua bochecha e a abraçando, doce como sempre.
Hailey perde a pose de brava assim que recebe atenção, corando, satisfeita.
— Parece em ordem. — Naomi me diz, bufando. — Quer que eu aperte
alguma coisa? Algum ajuste? Precisa de algo? — Eu confirmo. — O quê?
— Um abraço da minha irmã irritante. — respondo, nervosa.
Seus ombros caem. Naomi murcha os lábios, passando os braços pela
minha cintura. Meu coração dispara e acho que ela sente isso, mesmo com
os tecidos entre nós.
Eu vou me casar.
Vou me casar com Ollie Zhang.
Quão insano é isso?
— Acho que vou chorar. — choramingo. — Ou vomitar.
— Eu também. Chorar, no caso. — Naomi brinca, se afastando para
tentar secar as lágrimas sem manchar a maquiagem. — Deus, casamentos
me deixam instável.
— Achei que eu fosse a chorona aqui. — Melissa nos interrompe, à
porta do quarto. Com um vestido florido rosê, na mesma estampa que
Carlson, e os cachos soltos, ela está impecável.
Mel e eu estamos exaustas nas últimas semanas. Não só pelos
planejamentos do casamento, mas estamos em um projeto juntas. Encontrei
um livro brasileiro sobre um jogador de basquete universitário que cursa
jornalismo e compete academicamente com outra estudante do curso, se
chama Como Eu Não Me Apaixonei Por Você[v]. É um dos romances mais
lindos que já li. Vamos adaptar para as telinhas no próximo ano.
Assim que estiro os braços, Mel corre em nossa direção. Ela nos abraça
o mais forte que pode e eu inspiro os perfumes das minhas garotas,
aproveitando cada segundo. Esse é o lugar mais seguro do universo.
— Meu Deus! Meu Deus, está acontecendo! — Mel dramatiza, se
abanando. — O Fake Dating jamais falha! — Não a reprimo por falar disso
na frente da minha mãe. Zhang e eu acabamos contando a verdade para
nossos pais, algum tempo depois do pedido de casamento. Eles ficaram um
pouco chocados à princípio, mas já passou. — Jasmine Rhodes Zhang…
Vai ser Zhang, certo? — Mel recua, erguendo uma sobrancelha. —
Thompson é sem sal.
— Zhang, com certeza. — garanto, mas somos interrompidas por uma
voz curiosa.
— Mamãe?
Mel se vira imediatamente. Nós três sorrimos para a figura pequena na
porta.
O garotinho de pele negra clara e cabelos cacheados está com a mão na
boca, na entrada do quarto. Ele veste uma camisa social branca, calças
beges e uma gravatinha borboleta com a estampa do Homem-Aranha. Os
olhos cor de mel estão em nossa direção — mais especificamente em
Melissa. Ele parece com Mike em tantos aspectos, mas seu olhar seria
sempre de Wayne.
— O que foi, pequeno stormtrooper? — Wayne o chama e ele caminha
em nossa direção, incerto e tímido. Consigo ver o vislumbre de um sorriso
atrás dos seus dedos. A pose hesitante é só um disfarce para todo o caos que
ele é capaz de fazer.
— Vou gritar com a fofura, por Deus, ele está com uma gravata
borboleta. — Naomi comenta, incrédula, fazendo minha mãe rir. Eu estou
embasbacada demais para achar graça.
— Ei, meu nerd favorito! — chamo, fazendo minha pior voz de bebê, e
ele abre um sorriso enorme, tentando correr em minha direção. Brandon
quase tropeça e Melissa corre para impedir. O pequeno passa os braços em
torno do pescoço da mãe e ela o traz para mim. — Veio me ver, huh?
— Jasmine… — Patrícia alerta, preocupada com o que o pestinha é
capaz de aprontar, mas estalo a língua, pegando-o do mesmo jeito. Beijo sua
bochecha e dou um cheiro em seu pescocinho.
Porra, eu amo os meus sobrinhos.
— Estão atrasadas! — Mike avisa, colocando só a cabeça na frente da
porta e escancarando a boca. — Nossa senhora! Com todo respeito, amor,
mas Jasmine está…
— Deslumbrante? — Mel questiona.
— Impecável? — Patrícia brinca.
— Gostosa. — Naomi acrescenta.
Mike confirma, boquiaberto, finalmente aparecendo diante da porta, em
seu smoking cinza. Em seu colo, a pequena Graham ergue o queixo do pai,
sorrindo e demandando por atenção.
— Garotos não são permitidos nessa ala da casa, caso não se recorde. —
Melissa finge brigar, se aproximando do marido para pegar seu tornadinho
número 2. Mike e Mel tentam trocar um beijo, mas em dois segundos
Melissa já afasta a mão da filha do brinco, estalando a língua em
reprovação para Silver e seu sorriso sapeca.
Juro que os gêmeos são as piores e melhores pestes do universo.
Brincamos que esperaram tanto por uma criança que o universo mandou
dois para Graham e Wayne. E travessos o suficiente para seus pais não
quererem outros. Seus avós, por outro lado, querem mais. Ethan Graham,
principalmente, intitulou Silver sua princesinha Leia favorita.
Brandon Elliot Graham é afilhado de Carlson e Oliver. Damian e eu não
questionamos ou nos incomodamos com isso. Sendo uma homenagem para
Ramsey, faz mais sentido para Zhang e Naomi serem padrinhos, já que o
conhecem há mais tempo. Já a garotinha de cabelos cacheados presos em
dois coques, tal como a Princesa Leia, é minha pestinha e de Bale para
mimar. Diferente do irmão, os olhos de Silver são chocolates como os do
pai. Mas a garotinha tem a mesma covinha discreta e sardas suaves da mãe,
como o irmão. Silv e Brandie se parecem, mesmo não sendo — obviamente
— idênticos.
— Ollie estava infartando achando que algo tinha acontecido. Fui
escolhido para subir aqui.
— Foi par ou ímpar, não foi? — Naomi arrisca e Mike pisca,
confirmando. — Tão adultos.
Hope choraminga, se afastando da irmã em seu vestidinho branco para
agarrar a perna de Wayne. Mel olha para baixo, vendo o olhar pidão da
minha afilhada.
Hope Carlson-Bale nasceu três semanas após os gêmeos de Graham e
Wayne. Enquanto o nascimento dos nerdzinhos foi completamente normal,
Hope veio ao mundo da maneira mais caótica possível. Carlson e Bale
estavam jantando com Zhang e eu quando a bolsa estourou e… Bem, o
elevador parou com nós quatro e Hailey dentro. Eu achei que teria que
ajudar a minha amiga a parir e já estava de joelhos, quase mandando-a fazer
força, enquanto Naomi gritava que eu era maluca. Mesmo com um
engarrafamento desesperador, com sorte chegamos ao hospital a tempo…
Depois das mil vezes que apertei a buzina do carro de Zhang, gritando para
saírem do caminho. Não que Damian me deixe esquecer disso. Ou Hailey.
Fato é que as crianças são muito próximas. Enquanto Hailey é a super
guardiã dos outros três, o trio confusão é composto por melhores amigos
inseparáveis, principalmente Silver e Hope. Desde o primeiro segundo que
foram unidas, parecem almas gêmeas. Inseparáveis.
— Hay, leva seus primos e a Hope lá para o Damie com o tio Mike? —
Naomi pede, beija as filhas e caminha pelo quarto até onde tinha deixado
seu celular, mais cedo. Ela o pega, lendo algumas mensagens. — Já estamos
descendo, nos espera na sala. Sem correr para não cair.
Mel inclina Silver para que ela beije minha bochecha. Aproveito para
mordiscar o rostinho da garota, o que ela ama fazer comigo, e isso a faz
soltar um risinho contagiante. Devolvo Brandie para Mike e Hope dispara
para fora do quarto, gritando pelo pai, tropeçando nos próprios pés, até
Hailey segurá-la pela mão, como uma boa irmã mais velha. Graham nos
sopra um beijo e fecha a porta antes de levar os filhos para o andar debaixo,
onde o casamento acontecerá. Dois ou três segundos depois o escutamos
gritando para que Hailey ande mais devagar.
Estou sorrindo com toda essa confusão ao me virar, voltando a encarar o
espelho. O anel de noivado segue aqui. O que Ollie e eu mandamos fazer. É
de ouro branco, fino, com uma pedra lilás. Dentro dela está um fragmento
do confete que Ollie usou para improvisar o pedido, no estádio.
— O que houve? — minha mãe pergunta para Carlson.
— Gianna. Até agora nada. — Naomi diz, preocupada.
— Gigi odeia casamentos. — Mel lembra e uma dorzinha atinge o meu
peito. Queria que Gianna não se sentisse mal hoje. A queria aqui.
— Bem, eu deixei o vestido dela em seu prédio. — Carlson recorda,
esperançosa.
— A esperamos? — Minha mãe quer saber e Mel olha para mim,
esperando uma resposta. Não sei o que responder.
— Acham que ela vem? — quero saber. Melissa e Naomi trocam um
olhar.
— É improvável, Jas, desculpa. — Naomi responde, honesta e eu
suspiro, tentando dar de ombros.
Espero que algum dia Gianna supere a lacuna que Brandon deixou. Ela
merece seguir em frente, até porque sete anos se passaram. E em um timing
impecável, a porta se abre em rompante e eu dou de cara com Gianna Olsen
em um tubinho estampado, com os fios ruivos caindo pelos ombros. Minha
boca cai e eu estiro o dedo para seus cabelos. Wayne engasga de choque,
enquanto Naomi ergue as sobrancelhas, também apontando para ela,
dizendo exatamente o que estou pensando:
— Ruiva.
— Oi. — Gigi ofega, com um riso nervoso. — Estou…
— Ruiva. — repito. Vejo alguém alto atrás dela, ajeitando a gravata, tão
ofegante quanto. — Keanu. E Gianna. Que está ruiva.
— E-ele m-me convenceu a vir. — Gianna disse, limpando a garganta.
— Como amigo.
— Amigo. — Melissa repetiu, incerta. — O zíper do seu amigo está
aberto.
Keanu xinga, levantando o zíper da calça e eu arregalo os olhos, apenas
para estreitá-los em seguida para Olsen.
— Ele teve argumentos muito bons. — ela tenta se defender.
— É assim que chamamos orgasmos agora? — Carlson ironiza.
— Estamos atrasadas! — Minha mãe lembra, antes que Gianna infarte
de tão vermelha e eu caminho até Olsen, passando meus braços em torno do
seu pescoço.
— Obrigada por vir.
Gigi suspira, acariciando as minhas costas.
— Obrigada você. — ela devolve e eu sorrio. — Te conhecer melhor
está no top melhores coisas da minha vida.
— Antes ou depois do pau do Keanu?
— Não vou responder isso. — Gigi cantarola.
— Amém. — é ele quem murmura e eu passo por ele, arrastando-o pela
gravata. Kenny resmunga e eu encontro Priyanka no corredor, seguida por
Spencer, sua esposa. Ambas estão em terninhos. A morena veste azul claro
e a loira um tom rosa suave.
— Descobriu que foderam, né? — Pri pergunta e eu confirmo.
— Espero que não foda o coração dela. — alerto Kenny, ainda o
puxando pela gravata e ele bate em minha mão, a ajustando. Ouvi o clicar
dos saltos atrás de nós e o vi engolir em seco, ciente de que muitos deles
seriam enfiados em sua garganta caso magoasse Gianna Olsen.
— Sabe, eu estou bem aqui! — Gianna lembra, passando por nós e
bufando. — Espera, onde está o buquê?
— Aqui! — Damian berra, na base da escada. Naomi desce primeiro e
eu a vejo ajeitar a gravata do marido, nitidamente impaciente. — Como
esquecem a porra do buquê?
— Era função da Mel. — Naomi se defende.
— Eu estava acalmando uma criança — Melissa resmunga.
— Mike ou Brandie? — Damian quer saber. — Porque Silver estava
comigo.
— Deus, que inferno. — Gianna reclama e esfrega as têmporas, se
posicionando atrás de Hailey, que segura meu buquê de jasmins. Yuan, meu
sobrinho, segura uma cesta de pétalas, esperando impacientemente. Hope,
ao seu lado, está quase colocando uma na boca, quando Carlson a para e
passa o buquê adiante, até que chegue em minhas mãos. — Podemos?! Ou
as cobrinhas ainda vão brincar mais um pouco?
— Podemos! — Melissa responde por mim.
Priyanka sinaliza para que eu continue na escada e eu respiro fundo,
mentalizando que já desfilei em centenas de passarelas. Não vou cair justo
na mais importante da minha vida. Vou?
— Estamos esperando vocês ao fim do altar. — Damie brinca, piscando
para Carlson e Wayne. — Já fizeram o caminho, guiem Jasmine se ela ficar
confusa.
— Hilário. — debocho e ele apenas fecha o terno, seguindo para os
jardins.
Respiro fundo, o mais fundo que posso.
— Pronta? — minha mãe me pergunta, me oferecendo o braço.
— Pronta. — respondo, mesmo nervosa.
Esperamos Priyanka e Spencer o seguirem e uma melodia começa,
baixo. É Certain Things do James Arthur. Hailey dá o primeiro passo,
jogando as flores, apertando a mão de Yuan, enquanto Hope caminha logo
atrás. Os nerdzinhos os seguem, desajeitados, um pouco confusos e eu
tenho quase certeza de que os vejo disparando para o pai assim que saem
para os jardins, desorganizando tudo o que foi planejado.
Minha mãe dá o primeiro passo para fora da escada e eu faço o mesmo,
apertando o buquê e me dando conta de que isso está mesmo acontecendo
quando piso para fora da casa, os primeiros raios do pôr do sol me tocam e
eu vejo o meu melhor amigo, com seus olhos brilhantes em minha direção,
me esperando do outro lado do altar.
Oliver me gira mais uma vez, unindo o corpo ao meu, ao centro da festa.
Eu sorrio contra seus lábios, sem tirar meus olhos dos seus, vidrada em
como refletem cada pedacinho meu.
Meu melhor amigo.
Meu capitão.
Meu marido.
— Deus, você é linda. — murmura, ainda me guiando de um lado para o
outro, conforme Bale e Carlson selam sua promessa e cantam em nosso
casamento. Eles se empolgaram um pouco, porque estamos aqui há cinco
músicas. Bale deve estar implorando por um meteoro, porque ele não
exatamente ama cantar Taylor Swift e eu não acho que Out Of The Woods
seja a sua favorita.
O céu parece um oceano escuro, no qual as estrelas estão imersas e a
mais forte delas está quase, exatamente, sobre nós dois.
Keanu dança com Gianna bem ao nosso lado, ambos resmungando,
porque pisam no pé um do outro a cada dois segundos.
Mel e Mike estão entretendo os filhos, com as luzes penduradas por
todos os lados dos jardins da nossa casa e toda vez que um deles gargalha,
meu coração se enche, mesmo de longe.
Hailey está cumprindo o papel de irmã mais velha, tentando ensinar
Hope a dançar, mas ela é pequena demais para isso e só sabe bater os pés no
chão — o que parece perfeito para os pais babões que as assistem do palco.
Tudo parece, finalmente, perfeito.
Estamos bem.
Estamos juntos.
Estamos em casa.
E eu não consigo tirar os olhos dele.
— Você é até que bonitinho. — debocho e ele ri nasalado, estreitando os
olhos.
Nada como as danças que nos debruçamos a criar, dia após dia ou noite
após noite… No estúdio do nosso antigo apartamento, na cozinha pela
manhã ou na varanda, quando volta de suas viagens… Essa é diferente.
Eu passo meus braços em torno do seu pescoço, Oliver segura meus
quadris e une nossas testas, nos movendo de um lado para o outro.
Acariciando sua nuca, ergo a cabeça para admirá-lo melhor e seus olhos
brilham mais do que qualquer coisa que já vi na vida.
— Não tem nada melhor do que isso, tem? — ele quer saber.
— Talvez mais um cachorro. Ou aquele Valentino que prometeu me
comprar.
Ele tomba a cabeça, me dando aquela gargalhada que só ele tem, e eu
sorrio, me sentindo completa.
— Não, capitão, não tem nada melhor do que isso.
Ollie me encara por um longo momento, absorvendo todas as
declarações implícitas entre nós. Todos os “eu te amo” que meus olhos o
dizem. E eu admiro cada um que seus olhos devolvem.
Me sinto em casa quando beija minha testa, meu nariz, minha boca,
roçando a boca em meu ouvido e me provocando os arrepios mais
perigosos. Mais incríveis também.
— Pronta para dançar comigo pelo resto da vida, Moonshine?
Eu suspiro, unindo os lábios aos seus.
— Por favor.
Ele me gira mais uma vez, colando meu corpo ao seu, agarrando minha
coxa com possessividade e me inclinando, fazendo meu coque se desfazer e
meu cabelo chegar quase de encontro ao chão. Só para mostrar que pode.
— Essas duas palavras são incríveis na sua boca, senhora Zhang.
Estreito os olhos, tentando não rir.
— Canalha.
Ele sorri.
— Sabe me elogiar melhor. — Oliver diz, me trazendo para si.
— Sei?
— Sim. Mas vai ter muito tempo para pensar em algo melhor do que
isso.
— Vou?
— Sim.
Deus, eu o amo.
— Quanto tempo?
Oliver sorri, próximo à minha boca, me abraçando pela cintura. Sinto
quando a fita em meu pulso cai ao chão, mas estou presa demais nos olhos
de Zhang, para dizer qualquer coisa. Apenas sorrio, ciente de que meus
desejos se tornaram realidade.
Bem aqui. Agora. Em Brightgate.
Onde toda nossa família está.
Onde nossos corações encontram paz.
Onde nada parece um ponto final.
Onde tudo parece só mais um começo.
— Toda a eternidade. — ele finalmente me responde.
Temos toda a eternidade.
Uno os lábios aos seus, selando a promessa, provando-a em sua boca. E
ela é doce e linda e certa, como toda a nossa história. Perfeita. Como tudo
em Brightgate sempre foi. Até mesmo, ou principalmente quando, por
linhas tortas.
Tenho a sensação de que assim sempre vai ser.
Por toda a eternidade.
E além dela.
“Como colocar um ponto final no infinito?” – Melissa Wayne escreveu,
em um caderninho que Mike Graham leu, um livro atrás.
Eu não sei.
Eu honestamente não faço ideia.
E ainda aqui estou eu, agradecendo ao fim de algo, que não parece ter
fim.
Estou escrevendo com meus olhos ardendo, sem saber para onde ir.
Exatamente como eu me sentia em Misconduct, quando Mel e Mike me
resgataram. Exatamente como Naomi e Damian em Misbehave,
descobrindo como seguir em frente, quando ciclos se encerravam. E agora,
com Ollie e Jasmine, é um adeus muito mais forte. Me sinto mais perdida
do que nunca.
É o fim de uma era. O fim da série que me acompanhou por quase quatro
anos (31 de outubro, fazem quatro anos).
Eu não sabia se voltaria para a Amazon com Misbehave. Foi como a
última tentativa de sentir que ser autora ainda valia a pena. E valeu. E então
com Misconduct... Com Misconduct, eu estava insegura o tempo todo. E o
amor que meus nerdzinhos receberam vale o mundo. Agora, com
Misleading, eu não faço ideia do que vou sentir quando esse livro estiver
com meus Green Snakes. Eu não faço a menor ideia mesmo. Eu só sei o que
sinto agora. E eu nem sei explicar.
Eu os amo como se fossem reais. É profundo. Doía fazê-los sofrerem,
me fazia surtar quando eles cresciam e se resolviam. Brightgate é a minha
casa. Não parece uma cidade fictícia australiana. Eu consigo imaginar cada
rua, cada pedacinho de praia, cada canto da cidade. Parece real. E no meu
coração, ela existe. Brightgate mora bem no fundo do meu peito e cada
caminho que me compõe sempre vai me levar de volta para ela.
Então, como sempre, começo os agradecimentos dizendo que esse livro é
para a minha prima. Por ter sido mãe, enquanto meu pai desaprendia a ser e,
minha mãe, tentava ser. Por ter me ensinado a estudar e que conhecimento é
a melhor coisa que uma pessoa pode adquirir, depois de amor e fé em si
mesmo. Por ser a melhor professora que a vida me deu, em todos os
sentidos. Você sabe, minha mãe e eu estamos bem. Foi um caminho difícil e
você com certeza deve saber. Mas eu a amo com todo o meu coração. O
problema é que ela não é você. Ela ainda não me aceitaria se soubesse o que
Jas e eu temos em comum. E você é a Patrícia Rhodes que eu queria ter. E,
bem, ele me abandonou e você sabe quem ele é. Mas você nunca. Então, eu
estou bem e sempre vou ficar bem. Te levo comigo como levo Brightgate,
para todo lugar.
Depois dela, eu preciso agradecer a esses personagens.
Na semana do 7 de setembro de 2021, eu estava “sozinha” do lado de
fora de um bar, é um dia que eu nunca vou esquecer. Os pensamentos que
eu tive foram os piores. O que eu senti, eu não desejo a ninguém, bom ou
ruim. Nenhum ser humano deveria sentir. E eu só fiquei mais sozinha
depois. Foi o momento em que tudo se inverteu para mim de uma maneira
muito desproporcional, dolorosa e confusa. Me vi em um mundo vazio,
ansiosa, sem saber para onde ir. Estava no capítulo sete de Misconduct e
Brightgate era a única coisa que me parecia uma casa. Então esse mundo,
que nem existe, me salvou. Para as amigas que vão rir da minha cara,
essa é a única vez que vou fazer de conta que eles existem.
Naomi Carlson, eu te agradeço por ser a garota mais forte que já escrevi,
a maior inspiração que tenho e eu que te criei. Damian Bale, eu te agradeço
por ensinar que se existe amor, então existe luta, desde que você se ame em
primeiro lugar. Melissa Wayne, eu te agradeço por me ensinar que ser boa
em um mundo ruim não é uma fraqueza, é sinal de força. Porque tudo que
esse mundo quer é te tornar igual a ele e seguir firme em suas morais e
valores é mais do que ser diferente, é nunca se perder no meio do caminho.
Mike, eu te agradeço por todas as gargalhadas no capítulo do Sex Shop.
Brincadeira. Eu te agradeço por me ensinar que estar no mundo para apenas
existir é muito triste, quando nosso tempo para viver é tão limitado.
Brandon e Gianna, eu sei que não é o final que queriam para vocês e eu os
amo com todo meu coração, mas se tem algo que vocês foram grandiosos
em mostrar é que precisamos amar enquanto há tempo, dizer isso com todas
as letras e que um amor não morre quando a morte chega. O amor sempre
prevalece. Ollie... Oliver Zhang, eu não tenho palavras. Sua teimosia é
irritante, mas, puta que pariu, eu te amo tanto. Desde Misbehave eu te amo
tanto e hoje eu entendo o porquê. Obrigada por mostrar que família e
amizade podem ser o mesmo e que quando a vida te atinge sem piedade,
sua única opção é lutar. Considerar qualquer outra coisa é burrice. Têm
pessoas que te amam e têm pequenos detalhes da vida que precisam ser
admirados.Nenhum personagem meu vive, como Oliver Zhang vive.
Para Jasmine Rhodes, obrigada por ser meu desabafo por dois meses.
Parece que escrevi você a vida inteira. E eu acho que, de certa forma,
escrevi. Muitos desabafos seus, eram meus. Sua relação com o ódio que
recebe e sua força em nunca devolvê-lo, sempre erguer a cabeça e enfrentá-
lo com bondade, é a melhor coisa do universo. Você se encaixa tão bem
nesses personagens malucos, porque você os resume. Você é Brightgate
inteira em uma só. Mais do que qualquer coisa, obrigada por ser meu lugar
seguro para discutir minha sexualidade. Ser bi em uma casa que não te
aceita é um inferno e ter que esconder é pior ainda. Espero poder gritar para
o mundo como você faz, algum dia. Obviamente, uma mulher tão perfeita
poderia apenas ser baiana.
Para minha duplinha, Barb e Vivi, obrigada por toda a loucura. Sem
vocês segurando a minha mão, esse universo teria acabado pela metade.
Não viraria físico. Não seria nada. Ele não teria a mesma graça. Eu amo
vocês como Naomi, Mel e Jas se amam. De coração, obrigada por tudo.
Para meu grupinho mais maluco do universo: Geo, Emily, Clary, Vit,
Bea e Bel, obrigada por cada sermão quando quis desistir. Obrigada por
cada sprint cheio de fofocas, gargalhadas e “amiga, tenta só mais um
pouco”. Eu amo vocês com cada pedacinho da minha alma. E sei que vocês
conhecem uma tecnologia chamada print, então estou esperando a foto
chorando por esse parágrafo. Obrigada por segurarem minha mão quando
pensei que mais ninguém nesse meio literário seguraria.
Para Mary, minha carioquinha favorita, muito, muito obrigada. Melissa
Wayne me trouxe você e ela sempre vai ser minha favorita por isso. Te amo
demais, estou ansiosa para ver minha amiga e ídola conquistar o universo
com seus livros. Porque o mundo é uma bolinha muito pequena, para
alguém tão gigante.
Para Ana Paula Bale, amante de Oliver Zhang, eu agradeço por ter te
mandado um e-mail, na véspera do lançamento, com toda a cara de pau do
mundo dizendo: “Oi, meu nome é Brooke, tenho uma série de livros meio
merda, você tem vaga para leitura crítica?”. Ok, não foi bem assim, mas...
Foi quase. Foram quatro livros agora, dois contos e um ano de amizade e
medsurtos. Eu agradeço demais pela sua existência. Te amo e ainda vou te
incomodar muito com meus livros meia boca.
Para as minhas betas, obrigada pelas semanas insanas cuidando de Jas e
Ollie. Cada comentário, cada surto, cada meme, cada gargalhada... Foi
sensacional. Melhor experiência do mundo. E soube que tem um jogador de
hóquei que está fazendo vocês chorarem, hm? Espero estar fazendo um
bom trabalho.
Para os meus leitores, eu não tenho palavras. Não tenho o que dizer.
Mais de vinte milhões de páginas lidas com Brightgate, muitas lágrimas,
surtos e xingamentos na DM. Quatrocentos e vinte livros físicos vendidos
na primeira remessa. Eu não esperava ter metade disso. Falei em
Misconduct e repito, obrigada por toda a força que me passam. Vocês me
provam que eu não preciso estar no topo. Se estou na base, cercada pelas
pessoas certas, estou em casa. Vocês são a minha casa, como Brightgate
sempre vai ser.
Como não tem nenhuma forma melhor de terminar isso,
Depois de mim, está cada um de vocês. Meus livros favoritos, nas
estrelas e além delas. Gigantes, por toda a eternidade.
Uma vez Green Snake, sempre Green Snake!
Com amor,
Brooke Mars.
[i]
Na Bahia significa “zoeira”, “zoar”, então a Jasmine quer dizer que ele virou a piada da família.
[ii]
Significa “Idiota” em chinês.
[iii]
O livro é “Fora do Eixo”, nacional, da Maria Isabel Mello, disponível na Amazon e Kindle
Unlimited.
[iv]
Expressão baiana pra descrever dor causada pela falta de ar, seja por rir ou por qualquer
exercício físico extenso.
[v]
Livro da Mary Dionisio, nacional, disponível na Amazon e Kindle Unlimited.