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COPYRIGHT © 2023 por Brooke Mars.

É proibida a distribuição de toda ou qualquer parte desta história. Os direitos da autora foram
assegurados. Plágio é crime.

Esta é uma obra de ficção recomendada para maiores de dezoito anos.

Nomes, cidade onde a história majoritariamente se passa, personagens e acontecimentos descritos


aqui são frutos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera
coincidência.

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Capa: Brooke Mars

Diagramação: Brooke Mars

Revisão de texto: Luana Limongi.

Arte: Brooke Mars

Leitoras Betas: Carolina Oliveira, Josiane Lima, Duda Mota, Samira Frisso, Gabriela Miranda,
Juliana Aguiar, Enna C. S, Isadora Lacerda, Barbara de Oliveira, Giovanna Solewski e Vitória
Augusta.

Leitura Sensível: Mariana Dionisio, Ana Ferreira, Barbara de Oliveira.

Leitura Crítica: Ana Ferreira.


 
 
Oi, eu sou a autora!
Antes de mais nada, esse é um livro nacional, por favor, não pirateie.
Em segundo lugar, você não precisa ler Misbehave e Misconduct para
entender Misleading. Mas eu recomendo. Sua experiência de leitura vai
ser melhor se houver conexão com os personagens secundários, porque esse
livro, essencialmente, é sobre família e, a mais importante, é o grupo de
amigos denominado Green Snakes.
Misleading (em português: enganador, ilusório, ou ainda, mentindo)
é um livro para maiores de dezoito anos, principalmente por conter cenas
gráficas de sexo, consumo de álcool e violência. Ademais, o livro apresenta
a discussão de temas como dislexia, luto, bifobia, relações parentais
conturbadas, racismo e discursos de ódio. Portanto, ele só foi publicado
após leitura sensível por uma psicóloga e leituras sensíveis para
personagens negros e amarelos. Apesar de eu ser bissexual e algumas das
vivências aqui serem own voice, a obra passou por leitura sensível para que
a protagonista seja representada da melhor forma possível.
Para você entender esse livro, precisa saber que o campeonato
australiano opera de uma maneira completamente diferente do famoso
Brasileirão. Na realidade, a liga mais importante da Austrália (são muitas,
confia) se chama A-League e não possui rebaixamentos, nem permite “subir
de divisão”. É uma divisão única com doze times (11 australianos, 1 da
Nova Zelândia) e vinte e seis rodadas. O time que fica em primeiro lugar na
classificação de tabela ganha o Premier. O terceiro, quarto, quinto e sexto
lugares disputam um mata-mata e os dois vencedores competem com os
dois primeiros lugares da tabela por um lugar na Grande Final, na qual
disputam o segundo prêmio: Champion. Logo, toda temporada australiana
da A-League tem dois prêmios em disputa. O ganhador do Champion,
ganha uma vaga no AFC Champions League, que é uma liga dos
campeões asiática com participação da Austrália — pois é, nem é do
continente e participa. Também tem a Copa Australiana, com 32 times no
mata-mata. O foco deste livro é a A-League e a AFC Champions League.
A adaptação realizada no livro é que ao invés de 12 times, a League-
A fictícia terá 14 — incluindo Brightgate FC e Westville FC (maior
rival do time do Ollie), tendo 28 rodadas. Tal como na vida real, esse
torneio se dará de Outubro até Maio.
Relaxa, isso vai ser mais bem explicado durante o livro. Só lembra que é
um campeonato bem diferente, ok?
Esse livro é um desabafo e uma declaração de amor a personagens
que me mantiveram firmes quando, por um momento, eu ousei pensar
que o mundo seria melhor se algum desastre acontecesse comigo. Ou ele
vai dar muito certo ou muito errado, pensando como um produto. E tudo
bem. Esse livro é uma declaração de amor à uma arte que me salvou quando
inúmeros desconhecidos queriam que eu me afundasse. Esse livro é um
lembrete a mim mesma que sou capaz de escrever isso aqui e que se uma
única pessoa se sentir em casa lendo essas palavras, meu dever está
cumprido. Esse livro precisou ser lançado. Nem que fosse o meu último.
Esse livro é sobre um cara que nunca menosprezou o amor. Ele acredita
no sentimento e o conheceu de diversas formas — só não das formas que os
grandes românticos gostam. Talvez porque, se nunca menosprezou o amor,
ele, secretamente, menosprezou a si próprio. Do outro lado, uma mulher
bateu de frente com esse sentimento, só não do jeito certo. Ou melhor, não
com a pessoa certa.
Simultaneamente iguais e opostos — tipo de paradoxo quase
inexplicável — eles colidem. E como os universos mais lindos surgem de
uma colisão, Oliver e Jasmine criam algo único quando se apaixonam em
silêncio. Gradualmente esse silêncio se torna sufocante e seus corações
passam a gritar para que percebam que, no final de contas, eles sempre
pertenceram um ao outro.
Só precisavam se conhecer.
Bem-vindos à despedida mais agridoce que já escrevi. E ironicamente,
um adeus que não parece ter ponto final. Os Green Snakes são eternos.
Que alcancem tudo que seus sonhos gritam quando estão dormindo —
exceto se você estiver lendo isso aqui ilegalmente, puta.
 
Com amor, Brooke Mars.
 
 
Para a criança que sobreviveu mais vezes do que poderia contar. Para os
meus pais — principalmente o meu pai — que jamais aceitariam a
protagonista desse livro, porque confundem amor com destruição, mais do
que gostam de admitir. Para a garota que tentaram matar com palavras, mas
as palavras construíram uma mulher mais forte. E para os filhos da puta que
quiseram matá-la e falharam.
Também para Melissa, Naomi, Damian, Mike, Hailey, Jasmine e Oliver
Zhang. Obrigada por me lembrarem que viver é melhor do que apenas
existir — e que mandar o mundo se foder também é terapêutico.
E para Brandon. Por todos os sonhos que vou conquistar enquanto posso.
Logo depois, para vocês.
 
“Qual o poder da colisão de dois corações desatentos?”
Geleira do Tempo — ANAVITÓRIA ft. Jorge & Mateus
 
NOTAS E CONTÉUDOS SENSÍVEIS (não pule)             
Dedicatória             
Epígrafe             
0.1             
0.2             
0.3             
0.4             
0.5             
0.6
0.7             
0.8
Capítulo 1
Capítulo 2.1
Capítulo 2.2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10-
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21.1
Capítulo 21.2
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capitulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
 
 
Eu repeti minha alfabetização.
Foi quando os sinais começaram.
Não falo sobre isso com quase ninguém. Acho que parte de mim sempre
teve vergonha disso. Vivemos em uma sociedade que estimula a psicofobia
sem nem perceber. Muitas vezes nos empurram o conceito de que somos
errados ou defeituosos, só porque nossos cérebros operam de maneira
diferente. Como se cada pessoa já não fosse naturalmente única.
Passei anos me sentindo uma falha, vendo minha irmãzinha chegar em
casa com um sorriso orgulhoso por suas notas altas e coleções de elogios
das professoras. Enquanto eu tinha recadinhos de pedagogos preocupados e
passava horas com a minha mãe, tentando escrever ou ler. Gastando horas
em atividades de casa que levavam minutos.
Dentro de casa, meus pais nunca me julgaram por minha deficiência de
aprendizado. Mas eu odiava tudo isso. Era difícil querer ir para a escola
quando me sentia deslocado dos demais colegas. Eu me dedicava muito
para passar com notas medianas, sem conseguir ler direito, errando sílabas e
letras que ninguém mais errava.
Só fui diagnosticado com dislexia aos catorze anos.
O diagnóstico marcou o período que troquei de escola. O Colégio de
Brightgate foi escolhido porque tinha um novo projeto voltado para alunos
com dificuldade de aprendizado. Incluía provas com fontes e tamanhos
diferentes, acompanhamento com tutores e mais reuniões com a equipe
psicopedagógica.
Claro que poucas pessoas sabiam disso. É que poucas pessoas se
importavam. E para ser sincero, o colégio não era tão bom quanto fiz
parecer nesse momento. Era o lar das crianças da elite. Haviam segredos
demais por aquelas paredes. Alguns mais sujos do que os outros.
Então, minha irmã e eu chegamos juntos ao ensino médio. Enquanto
Riley sempre fora muito mais introvertida, eu era seu exato oposto.
Inventamos a mentira de que nossos pais nos colocaram na escola ao
mesmo tempo. Mas a verdade é que eu demorei para aprender a ler e
escrever.
Envergonhado, preferi ter as aulas particulares em casa, em segredo.
Gostava de fazer a prova no canto da sala onde ninguém me via e as
pessoas me olhavam apenas como o novato bonito pra caralho, de qualquer
forma. Até Brandon Ramsey.
Ele tinha o cabelo loiro e ondulado, quase sempre bagunçado, claro pelo
tempo que passava sob o sol, surfando. Suas bochechas quase sempre eram
rosadas pra cacete e ele tinha aquele sorriso que derretia as garotas.
Quando percebeu que eu era bom em campo, ele me convenceu a fazer
parte do time. Naquela época, nossa defesa era mais falha, então eu ficava
como volante ou zagueiro, raramente como lateral. Contudo, quando
treinamos em um campo perto de sua casa, com outras pessoas do seu
bairro, fui meia-atacante e ele sempre soube que esse era meu maior talento.
Eu não sabia por que um garoto popular tentava me fazer sentir bem, sem
nem mesmo me conhecer. Até perceber que suas provas eram iguais às
minhas.
Brandon era disléxico como eu. Encontrar alguém que passava pelo
mesmo que eu, era como ver uma luz no fim do túnel, encontrar um
caminho para fora da sua mente e respirar de verdade. Eu tinha alguém que
me entendia e jamais me julgaria. Finalmente.
Em algum momento, Brandon e eu descobrimos que a dislexia era só a
ponta do iceberg. Seu universo e o meu se encontravam de inúmeras
formas. Tanto que, de repente, viramos amigos. De amigos, viramos irmãos.
Brandon me fez conhecer Carlson e Wayne, suas amigas de infância. E
por muito tempo, parecia que éramos apenas Brandie e eu contra o mundo,
protegendo nossas amigas e causando o caos pela cidade… Até
conhecermos um nerd desengonçado e um britânico egocêntrico — Mike e
Damian, respectivamente.
Assim eu tive uma família além dos Zhangs.
Eu não queria contar tudo para essa família, de certo; às vezes me
isolava um pouco; mas ainda era minha família. Era um lugar seguro.
Respeitando minha escolha, Brandie nunca contou para meus amigos sobre
minha dislexia.
Sabe, eu acredito em almas gêmeas. E toda vez que alguma pessoa me
dizia que eu tinha que encontrar alguma garota que suprisse esse papel, eu
não achava necessário. Às vezes, sua alma gêmea é um irmão que a vida te
dá. A minha era Brandon Ramsey.
Eu o assisti se apaixonar, surfar as ondas mais radicais da Austrália,
ganhar e perder inúmeras partidas… Ele me deu forças para admitir para os
meus pais que assumir uma empresa jamais fora o meu sonho e que ser
jogador de futebol alimentava a minha alma; me ajudava a estudar em
alguns domingos após alguma festa de qualidade duvidosa e tentava me
conseguir algumas garotas, apesar de ser claro seu plano de me convencer
que o amor valia a pena.
Veja bem, não é que eu odiasse a ideia de me apaixonar. Confesso que
sempre tive uma tendência a isolar meu coração para superprotegê-lo de
julgamentos desnecessários. Mas meu problema com o amor é que ele
nunca bateu em minha porta e eu nunca fui de casa em casa procurá-lo.
Depois de ver tantos casais e meus amigos se apaixonando, me acostumei
com o fato de que não importava com quantas pessoas eu saía, nenhuma me
conquistava. Em algum momento me conformei com apenas sexo.
Então Naomi e Damian começaram um relacionamento, Mel e Mike
também e Brandon – o cara que eu achei que demoraria para entrar em algo
sério – conheceu Gianna e se apaixonou perdidamente. Claro que, na
cabeça dele, eu ser o único solteiro do grupo era algo engraçado e ele
brincava que me encontraria alguma garota. Por muito tempo ele tentou. Me
apresentou amigas da Gigi, colocou “encontrar uma namorada para o Ollie”
na lista de desejos da Mel... Nunca deu certo. Enquanto ele torcia muito
para que eu caísse de amores por alguém, eu realmente não tinha a menor
pretensão de fazer isso.
Engraçado que Ramsey sempre foi muito diferente de mim, certo? Até
porque ele era um garoto branco com dislexia, mas seus pais, liberais,
apoiavam qualquer coisa que escolhesse e ele tinha o mundo em mãos o
tempo todo. Eu era um cara de descendência asiática, disléxico, inserido em
uma escola majoritariamente branca e com sede por popularidade,
sonhando em ser jogador de futebol em uma família tradicional demais.
Mesmo assim, algo nos uniu desde o primeiro segundo.
Poderia ser nosso humor ácido, nossas gargalhadas fáceis ou jeito leve
de levar a vida. Poderia ser qualquer coisa. Até hoje não sei o que é. E acho
que nunca vou saber. Porque da mesma forma que a vida me deu Brandon
Ramsey, a morte o levou de mim sem piedade.
A noite estava fria e estrelada. As nuvens no céu me diziam que a chuva
era um fato próximo. Brandon e eu estávamos em ternos, na mansão dos
Waynes. Era um evento de caridade, voltado para arrecadar dinheiro para as
crianças com câncer. Do outro lado da festa, minha mãe me lançava alguns
olhares doces, silenciosamente me convidando a me aproximar. Mas meu
pai? Ele me feriria toda vez que abrisse a boca e falasse do meu trabalho. E
aquilo sangraria.
Costumávamos ser amigos. Mas Adrian Thompson, em algum momento,
deixou os planos que tinha para meu futuro arruinarem tudo. Ele sonhava
com um amanhã que eu não queria, nunca quis, e acabou anulando o
próprio filho. Quando a escola acabou e eu fugi para aquele teste do clube
Brightgate, tomei coragem para dizer que jogar bola era o meu sonho.
Adrian nunca conseguiu disfarçar seu desgosto. Para ele, futebol era uma
brincadeira insignificante de moleque. Para mim, era um sonho. Então nos
afastamos aos poucos, até que começamos a colidir toda vez que nos
encontrávamos.
Era difícil, naquela época. Meu pai não aceitava quem eu era. Grande
parte de mim sentia que jamais aceitaria. Outra parte esperava que isso
mudasse em um passo de mágica. Tanto que apertava meu copo de uísque,
os observando de longe, odiando como ele e minha mãe não tinham falado
comigo um momento sequer, mesmo ciente de que um diálogo
provavelmente foderia tudo.
— Respire, Ollie. — Brandon pediu e eu o observei. Em seu terno
impecável, ele segurava um copo de uísque como o meu. Tinha se
comprometido a beber comigo, porque em suas palavras, se eu iria me
afundar, ele iria comigo. Brandon Ramsey deveria ter tido mais cuidado
com o que dizia.
Circulamos um pouco pela festa, falamos com nossos amigos e Brandie
até brincou com nossa sobrinha — que na época era uma bebezinha
minúscula. E de algum modo, em algum momento, eu me perdi do meu
melhor amigo e comecei a me afogar em álcool sozinho.
Quando vi, meus pés tinham me guiado para os meus pais. O sorriso da
minha mãe morreu ao me ver. Eu deveria parecer horrível, com minha
gravata levemente frouxa, cheiro de álcool e olhos irritados. Os Zhang-
Thompsons estavam acompanhados de um casal, dois homens. E quando
um deles disse “Vocês devem ter muito orgulho do filho de vocês”, eu sorri,
irônico. Sabia onde aquilo daria.
— Eu tenho, com certeza. — minha mãe assegurou. Meu pai forçou uma
risada.
— Não é nada mal ter um filho conhecido pelo país. — Adrian disse. —
Apesar de que, confesso, não acompanho os jogos há muito tempo.
— Claro que não. — murmurei, voltando a beber.
— Não tem tempo para ver os jogos do seu filho? — um dos senhores
perguntou.
— Tenho muito trabalho sério a fazer, às vezes me perco em tanta
papelada. É responsabilidade demais. O Oliver entenderia se passasse um
dia na empresa.
— Nasci para conquistar gols e não contratos, obrigado. — respondi,
com uma educação falsa.
— É muito triste que pense assim. — Adrian me disse.
— Como?
— É muito triste que se reduza a ter nascido para ser jogador quando
existem muitos outros propósitos na vida.
— Se é o que amo fazer…
— Eu respeito isso, Oliver…
— Não, não respeita, Adrian. — o chamei pelo nome. — Você finge se
preocupar com Lee e eu, mas a verdade é que você só se preocupa consigo
mesmo.
— Érzi, guāi. — “filho, se comporte”, minha mãe pediu.
— Eu respeito, Oliver, só acho que dizer que nasceu para um trabalho é
triste, quando você é muito mais do que isso. — meu pai se defendeu.
— Disse o cara que vive pelo trabalho.
— Não está sendo justo, Yan-Zhang. — minha mãe sussurrava, a língua
chinesa deslizando pela sua língua com naturalidade, tentando atenuar a
briga em uma língua em que os senhores não compreendiam.
— Deixe-o, amor. Ser ingrato é o hobby de Oliver esses dias. — meu pai
disse em chinês, seu sotaque australiano discreto.
— Vai se foder. — falei, finalmente.
— O quê? — Adrian fingiu não ouvir. Sorri com ainda mais prazer,
virando o último gole de uísque.
— VAI SE FODER.
— Yan… — minha mãe chiou, com os olhos marejados. — Yan, não fale
com seu pai assim!
— Vai se foder você e seus costumes tradicionais e fodidos, pai. Vai se
foder você. Foi por isso que Lee teve medo por tanto tempo de dizer que era
lésbica, porque você age como um conservador do caralho às vezes.
— Oliver… — uma voz doce ecoou do meu lado. O perfume de Wayne
invadiu meu olfato, sua mão delicada em torno do meu braço, tentando me
afastar.
— Foi por isso que escondi por tanto tempo que eu amo futebol, quando
nós dois sabemos que eu sou burro demais para ficar atrás de uma mesa,
lidando com administração de uma companhia que nem me interessa. Eu
sou bom em campo, tá legal? — O nó em minha garganta doía, meu olhar
estava embaçado e Damian entrou em meu campo de visão, tentando me
afastar dos meus pais.
Eu não queria parar. Queria gritar mais. Xingar. Queria dizer tudo que
estava entalado em minha garganta, como se isso fosse, magicamente, fazê-
los se orgulharem de mim.
— Eu sou inteligente em campo e você deveria ter orgulho disso.
— OLIVER! — Brandon parou na minha frente, segurando meu rosto
com ambas as mãos, firme e sério. Seus olhos estavam marejados em me
ver ruir e me menosprezar daquele jeito. Ele ofegava, preocupado, e eu
olhei o tom esverdeado das suas íris, tentando me manter calmo. — Chega,
cara. Chega.
Eu recuei, olhando ao redor e me sentindo uma vergonha. Naomi, de
longe, carregava a filha e me olhava, sem saber o que fazer. Damian
alternava entre observar meus pais e eu, sem entender o que tinha
acontecido. Melissa também.
— Vem comigo. — Brandon segurou meu pulso, antes que eu jogasse o
copo no chão.
Todo o resto da noite foi um borrão. Passamos de um silêncio doloroso
para dois bêbados gargalhando em algum ponto, lembrando das histórias da
escola. Brandie tinha essa risada exagerada e grossa que fazia qualquer um
rir junto, principalmente quando seu sangue era quase álcool. Eu estava
quase esquecendo que algo tinha doído minutos antes… E quando vi
estávamos no carro.
Eu estava de cinto, acho que coloquei no automático. Ele também. Acho
que conversamos algo sobre como seria bom dirigir pelo litoral, como
fazíamos quando mais jovens e ele roubava o carro do pai. Acho que ele
disse que faríamos aquilo naquela noite e “foda-se o mundo”. Acho que
adormeci no banco, murmurando algo sobre ele ter certeza de que
conseguia dirigir, já que ele assegurou que não estava tão louco assim e
nosso prédio não ficava tão longe da festa. Mas ficava. E aquilo era
exatamente o que uma pessoa bêbada pra caralho diria se seu único
neurônio estivesse ocupado demais pensando que dirigir pelo litoral poderia
ser uma boa aventura.
Era tudo irresponsável demais, mas estávamos bêbados demais para
raciocinar e era exatamente esse o problema.
O álcool atrasa seu cérebro. Você demora para processar as informações
à sua volta. Então naquele horário da noite, em que sinais vermelhos eram
opcionais, Brandon demorou para frear quando um outro carro disparou por
um cruzamento. Acordei, confuso, gritando de susto. O álcool ainda
nublava a minha mente, mas a adrenalina aos poucos me levava à alguma
sobriedade. O cinto me impediu de voar para frente, mas todo meu corpo
doía cada vez mais, quando processei que o carro tinha chocado em um
poste.
— Brandon. — chamei, sentindo um sabor metálico se alastrando pelo
meu paladar. Cuspi sangue, deduzindo que tinha mordido minha boca no
impacto. Não importava.
 Ele não respondia.
— Brandie, cara, fala comigo. — Olhei para ele.
Sua cabeça estava sangrando; sua janela, estraçalhada. Brandon tinha se
chocado contra o vidro. Ele não se movia.
— BRANDON, ME RESPONDE!
Eu ouvia a chuva, fora do carro. Mas não ouvia nada dele. Nada. Nem
uma resposta verbal, muito menos o chiado de uma respiração. Ele
permanecia imóvel, machucado, sangrando contra a janela. E tudo foi
desespero. Absolutamente tudo.
Dizem que quando você está prestes a morrer, passa um filme pela sua
mente de tudo que você viveu. Acho que Brandon não teve tempo para ver
esse filme. Eu, por outro lado, olhava para ele e, em milésimos de segundo,
lembrava de cada partida que vencemos. Lembrava de sua gargalhada, do
seu sorriso na festa momentos antes, de como trapaceava no vídeo game,
das provas em que estudávamos (ou colávamos) juntos, das festas, das
lágrimas que ele tinha secado, das vez em que o ajudei a se recuperar de
uma lesão no joelho e prometi que conquistaríamos o mundo juntos.
Juntos. Precisamos conquistar o mundo juntos.
Ele precisava acordar.
Brandon precisava responder.
Ele não podia estar morto. Não podia. Eu jamais aceitaria um mundo em
que Ramsey não existia. Não fazia sentido. Não.
Desesperado, tentei me mover para tirar o cinto, mas tudo doía. Doía
muito. Doía tanto que foi insuportável. Então eu gritei. Gritei por ajuda.
Berrei por ele. Chorei como nunca tinha chorado na vida, torcendo para
aquilo ser um pesadelo. Tentei me mover novamente, mas era como se me
quebrassem de dentro para fora. Minhas costelas doíam, meus braços,
minhas pernas... Tão insuportável que eu continuei a chamar seu nome,
gritar com toda a força nos meus pulmões… Mas era inútil.
Brandon já estava morto. E eu apaguei antes mesmo da ajuda chegar.
Acordei no hospital horas depois, lembrando da noite em flashes,
achando que era um pesadelo. Mas quando o ambiente à minha volta
começou a fazer sentido e comecei a lutar contra todos aqueles cabos;
quando vi Riley, minha irmã, implorando por calma enquanto uma
enfermeira tentava me conter; quando Naomi e Melissa invadiram o quarto
e olhar para as minhas amigas me fez entender que aquilo era real…
Eu gritei até quase perder a voz.
Implorei para que dissessem que era mentira.
Implorei, mesmo lembrando do meu melhor amigo sem vida naquele
carro.
Implorei à elas, implorei para os médicos, implorei aos céus...
Tudo que recebi foi um sedativo e algumas horas de sono forçado.
Não consegui nem mesmo ir ao enterro. Fiquei naquele hospital,
chorando até não ter mais lágrimas para derramar. Até a dor me anestesiar
por completo, se é que faz sentido. Quando saí dele, vivo, ouvindo a equipe
médica e a minha família comemorarem, repetirem que ter sobrevivido era
uma dádiva, eu enxerguei como uma sina. Purgatório. Chame do que quiser.
Nada te prepara para esse tipo de perda. Nada na vida te prepara para
perder um irmão, muito menos para assisti-lo morrer. Nada na vida te
prepara para a sensação de que deveria ter sido você a morrer quando, por
algum motivo, seu melhor amigo falece e você acaba com duas pernas
quebradas, um braço fraturado e alguns arranhões.
Diziam que era um milagre que eu ainda estivesse vivo. Eu preferia estar
morto.
Virei o projeto de caridade do clube de Brightgate. Brandon ganharia um
filme sobre sua vida, os sócios do clube me ameaçaram a mentir e abafar
que ele estava bêbado naquele carro e eu fui obrigado a ir para a
fisioterapia, fazer acompanhamento psicológico e inúmeras consultas de
rotina. Eu assisti o amor da vida de Brandon, Gianna Olsen, chorando por
ele, debruçada sobre o caixão, repetidas vezes, na internet; porque estava
em um hospital impossibilitado de me despedir do meu melhor amigo no
velório. E tanto Gianna, como todo nosso grupo de amigos, me implorava
para ir em cada consulta, a lutar dia após dia, enquanto o Oliver engraçado
e divertido só queria desaparecer.
Não fazia sentido viver sem Brandon Ramsey. Na verdade, não fazia
sentido viver.
Até que começou a fazer.
Três meses após o acidente, a psicóloga me recomendou um grupo de
apoio para indivíduos em processo de luto ou que haviam passado por
quaisquer acidentes fatais. Finalmente, recuperando a capacidade de andar,
eu estava sentado em uma cadeira no corredor do pequeno prédio onde as
reuniões da terapia em grupo aconteceriam. Meio contra a minha vontade,
para ser sincero. Meus amigos tinham me pedido para ir e eu sentia que isso
faria todo mundo crer mais rápido que eu estava desistindo de passar a noite
bebendo ou arranjando confusão, com quem quer que fosse.
O corredor era um pouco escuro e vazio. Torcendo para não ser
reconhecido, mantive minha cabeça baixa... Até que ouvi uma gargalhada
que não se encaixava naquele lugar.
A garota negra tinha os cabelos lisos e escuros como a noite, exceto nas
duas mechas dianteiras, que eram quase brancas. Ela vestia uma camiseta
grande do Panic At The Disco! sobre uma calça skinny preta escura e
rasgada. Seus all-stars eram vermelhos e surrados e ela era magra, alta, com
uma elegância presente até mesmo no modo como jogava a cabeça para trás
para rir de algo que uma médica dizia. Sua risada era melodiosa e doce.
Parecia ter dezenove, vinte anos, e algo na sua existência me fazia sentir
que aquele ambiente, sem cor e levemente frio, era morno e suportável.
A garota era simplesmente a coisa mais linda que eu tinha visto.
Ela era pura vida.
Sua risada doce se encerrou e ela balançou a cabeça, se despedindo da
outra mulher. Se jogou ao meu lado na sala de espera, ainda com aquele
sorriso inexplicável, esticando as pernas. Enquanto eu a encarava sem
disfarçar. Eu não conseguia parar.
Ela virou o rosto para mim, lentamente. Seus olhos escuros e brilhantes
eram como dois céus noturnos carregados de estrelas, mirados em minha
direção. Meu sangue frio se tornou fervente. Minha pulsação acelerada
fazia um pouco mais de sentido. Ela tornava tudo, ao mesmo tempo,
estranho e inquietante.
— Eu te conheço?
Eu mal piscava, sem conseguir responder.
Era a primeira vez em muito tempo que alguém não me reconhecia em
dois segundos.
Se eu a conhecesse meses antes, teria dito que éramos a mesma coisa.
Naquele segundo, contudo, eu era diferente do Oliver divertido e doce de
sempre. Naquele hospital, parecíamos verdadeiros opostos.  Como vida e
morte.
E tem uma coisa que Melissa Wayne me disse uma vez. Ela me disse que
vida e morte são opostos contínuos. Eu não sabia que isso existia. Na
verdade, talvez ela tenha inventado. Mas faz sentido quando você pensa que
um termina onde o outro começa e mesmo assim são antônimos.
Mas sabe o que não te dizem sobre opostos contínuos? Eles são sempre
impiedosos. Principalmente quando se encontram, quando se chocam.
Principalmente quando colidem em um só.
 
O cara mal piscava em um segundo. No outro, desviava o olhar com uma
carranca estranha.
— Ah. Ok. Você é um desses! — Me escapou antes que eu pudesse
controlar a minha língua e ele me encarou de novo.
— “Um desses?”.
— O que acabou de chegar aqui e odeia tudo. — Ele riu nasalado e eu
sorri de canto. — Sabe, todo mundo que tenta odiar esse lugar
simplesmente falha.
— Jura? Ninguém consegue odiar um lugar caindo aos pedaços onde te
enviaram forçosamente para terapia em grupo? Para mim é bem fácil.
— Primeiro lugar, ninguém vai te forçar a nada por aqui. Pode se
levantar e ir embora. Terapia só funciona se você estiver disposto a
cooperar. — O encarei e ele manteve o olhar fixo em uma parede qualquer.
— Em segundo lugar, não estamos caindo aos pedaços. E em terceiro, mas
não menos importante, emburradinho, é impossível odiar esse lugar com
uma companhia tão agradável quanto moi.
— Espero que esse tal Moi chegue logo.
— Emburradinho, moi significa…
— Eu sei o que moi significa e não me chame de emburradinho.
Eu poderia ficar puta com sua grosseria. Ou poderia deixá-lo pior do que
eu. E nada pior para uma pessoa brava, do que sorrirem da sua ira. Então,
foi o que fiz.
— Como quiser, emburradinho.
Ele grunhiu. Praticamente rosnou baixinho. Por Deus, eu poderia
gargalhar com o cara alto, quase um metro e noventa, agindo como um
pinscher raivoso.
— Eu poderia te chamar de outra coisa se me desse seu nome. —
provoquei e ele me encarou. Não que da primeira vez eu não tivesse
percebido, mas seus olhos fixaram nos meus por mais tempo agora.
Um arrepio percorreu cada milímetro sob a minha pele, suavemente, me
mantendo em alerta.
Ele era… Indescritível.
Digo, eu poderia ficar horas e horas falando sobre seu rosto, cada traço,
cada pedacinho; mas seria uma descrição rasa. Deveria ser proibido ser tão
bonito.
Não sei se era a dor nos olhos oblíquos e escuros ou o fato de que
carregavam tanto tormento que parecia como encarar um abismo profundo.
Ainda assim, lindo. Sua mandíbula era tão definida, os traços eram
cortantes e memoráveis e, ao mesmo tempo, suaves. A descendência leste-
asiática era clara, eu só não sabia dizer de onde, exatamente, ele ou sua
família eram. Seus cabelos lisos e escuros caíam pelo rosto e algo no seu
modo despreocupado era dolorosamente atraente. Combinando isso com as
tatuagens pelos braços, sob a camiseta preta, ele — sem dúvidas alguma —
deveria deixar queixos caídos por onde passava.
Honestamente, me roubou o ar. O que não deveria ter acontecido.
— Oliver. Oliver Zhang.
O choque por não receber outra resposta infantil e carregada de raiva fez
meus lábios partirem. A tentação de repetir aquelas duas palavrinhas na
minha boca era incomum. Quase como se eu quisesse provar cada sílaba.
Seus olhos caíram nos meus lábios por uma fração de segundos antes de
encontrarem os meus. Fechei a boca, confusa. Ele me deu seu nome
facilmente. Sem mais birras. Por quê?
— Ok, Oliver Zhang. — repeti e estendi a mão. — Jasmine. Jasmine
Rhodes.
Sua palma tocou a minha. O toque por si só gerou eletricidade, mas me
forcei a seguir impassível, porque ele fez o mesmo. Aparentemente havia
sido unilateral.
O aperto suave demorou um pouco. Até que aproximou a boca da minha,
com um sorriso sarcástico.
— Agora pode parar de me chamar de emburradinho. — ralhou, baixo,
antes de soltar minha mão e caminhar para longe. Como se nada tivesse
acontecido. Dá para acreditar?
Oliver emburradinho Zhang me deixou sozinha. Já eu, senti o riso
borbulhar no peito, me divertindo com sua reação. Só não entendi o porquê.
Como usual na pequena clínica de saúde mental, a psicóloga chegou
pontualmente. Eu tentava não engolir em seco ou tremer a perna, consciente
demais do cara do outro lado da roda.
No círculo de pacientes, Oliver mantinha um olhar entediado, mexendo
no celular, quando a psicóloga se sentou.
— Vamos evitar o uso de telefones, por favor?
Sorri quando ele ergueu o queixo, guardando o celular como um aluno
pego em flagrante.
— Bom, meu nome é Felicia. Sou psicóloga formada pela Universidade
de Brightgate há dez anos. — A mulher loira e alta disse. Felicia era
simpática, adorável e amava falar de seus dois filhos. Ela era o auge da
fofura. Oliver a encarava como se fosse o seu pior carma. Entediado, ao
mesmo tempo, visivelmente contando os segundos para o planeta explodir.
— Alguns de vocês são novos por aqui e eu gostaria que dissessem seus
nomes e porque estão aqui. Qualquer pequena apresentação é válida.
Algumas reações ao redor me deixaram curiosa. Alfred, o senhor de
cinquenta anos, branco, baixinho e gordo, olhava para Oliver como se ele
fosse um Deus. Acho até que escorria baba da boca do cara. Do lado dele,
Tim, alto, magro e a cópia fiel de Ted Mosby, cochichava com Phil, um cara
simpático pra caralho que era a cara do Will Smith — nossa piada interna
era cantar a música de Um Maluco no Pedaço, inclusive.
Oliver era famoso?
Estreitei os olhos.
— Alguns de vocês têm acompanhamento psicológico ou psiquiátrico
individual aqui na clínica, certo? Outros apenas mantêm a terapia em grupo
por motivos pessoais. Podem revelar isso se e quando quiserem. Sintam-se
livres. — Felicia me olhou. — Por que não fazemos o básico? Quem
somos, com quem moramos, uma curiosidade e por quê estamos aqui…
Jas?
Abri a boca. Não estava surpresa por ser intimada a começar, na verdade,
eu só… Passei tempo demais concentrada em entender o ambiente ao meu
redor do que no que ela estava dizendo.
Limpei a garganta.
— Oi. Meu nome é Jasmine Souza Rhodes. Eu tenho 19 anos. — falei,
cruzando os braços. — Faço vinte em Abril, então… não falta tanto assim!
— Umedeci os lábios, consciente de que o arrogantezinho me encarava. —
Sou metade brasileira. Na verdade, me considero 100% brasileira. Meu pai,
Marco, era australiano, mas tinha família no Brasil e foi para lá estudar
artes cênicas, o mesmo que eu estudo no momento. Ele foi para a Bahia,
especificamente. Iniciou um pequeno grupo de atuação para jovens e
adolescentes em um bairro chamado Pelourinho. Atuava mais em teatro,
sabe, tanto teatros grandes quanto de rua. Ele não ganhava mal como
professor, mas… no Brasil, arte é muito desvalorizada e… Enfim. —
Respirei fundo. Eu falava demais quando estava nervosa. — Ele fez alguns
papéis na televisão, mas todos pequenos e bem… ele não se orgulhava
muito disso, então…
— Por que não?
Encarei Oliver. Ele tinha mesmo me perguntado algo?
Umedeci meus lábios secos.
— Porque os papéis oferecidos para caras negros há vinte anos,
geralmente, eram marginalizados. — Ri, sem humor. — Ele sonhava com o
dia que eu o veria interpretando um presidente ou um príncipe, um chefe de
cozinha, um empresário importante. E isso nunca aconteceu. Ainda assim,
só por ser o meu pai, eu ligava a TV escondida para vê-lo um pouquinho.
Oliver me encarava fixamente. Por algum motivo, mantive meu olhar
nele e prossegui.
— Marco, meu pai, conheceu minha mãe, Patrícia, em uma festa
universitária. Eles se apaixonaram à primeira vista. Não acredito muito
nisso, sabe? Mas eles, com certeza, se amaram desde o primeiro segundo.
Eles são a exceção para mim. — Meus olhos arderam. — Ou foram.
Mordi o canto da boca.
— Meus pais vieram para Brightgate quando se casaram, me tiveram
aqui. Fomos para o Brasil quando eu tinha dois anos. — falei rapidamente,
odiando quão pessoal aquilo ficou. — Voltamos para Brightgate quando fiz
15 anos. Meus pais queriam oportunidades melhores de emprego e
qualidade de vida. Meu pai nasceu aqui, então… Parecia uma boa ideia.
Dois anos e tudo estava bem. Tudo ia bem. Até que não mais.
Respirei fundo, optando por falar de uma vez.
— Eu estava no carro quando aconteceu.
As posturas mudaram. Meus olhos se encheram de lágrimas e Felicia
segurou minha coxa, com um sorriso compassível.
— Uma mulher bebeu em plena luz do dia. Meu pai tinha me buscado no
colégio. — As lembranças eram como um filme na minha cabeça. Doía
respirar, mas prossegui. Precisava desabafar. Até que falar sobre o assunto
ficasse mais fácil. — Só percorremos duas ruas antes que o carro dela se
chocasse na porta dele. Acordei no hospital com ferimentos leves. Sem meu
pai. Meu pai morreu na hora.
Olhei para Oliver. Ele tinha o punho cerrado sob o rosto, o braço tatuado
apoiado sobre a mesa. Me encarava fixamente.
Seus olhos escuros e alongados, sob os cílios espessos, estavam
marejados. As bochechas vermelhas contrastavam com a pele amarela e
clara. Mesmo mal conhecendo o cara, eu tinha certeza de que ele queria
chorar.
Ri sem humor, desconcertada, o que fez meus olhos liberarem algumas
lágrimas teimosas. Xinguei mentalmente. Odeio chorar na frente das
pessoas.
— E a minha curiosidade é que meu nome quase foi Yasmin. Mas
Jasmine é a princesa da Disney favorita da minha mãe. Phil, qual sua
história? — Mudei de assunto rapidamente.
— Meu nome é Oliver Zhang. — ele me interrompeu.
Todos os olhares se voltaram para o cara à minha frente.
— Eu tenho vinte e cinco anos. Metade da minha família é chinesa e eu
tenho um nome chinês, então essa é minha curiosidade.
— Qual o nome? — precisei saber.
— Yan.
— Yan. — repeti, baixo, provando o nome na minha boca, como eu
realmente tentei não fazer antes. Foi instintivo. O fez sorrir fraco. Por um
mísero segundo. — Significa…?
— Lindo. Obviamente.
Risadas e mais risadas. Eu tive que sorrir. Ora, ora… Ele sabia fazer
piadas?
— Meu melhor amigo morreu em um acidente de carro. Eu estava no
veículo. — ele disse, olhando para mim, interrompendo o clima
minimamente agradável. — Gritei o nome dele. Sem respostas. Acordei no
hospital. Ferimentos leves.
Seu olhar me disse o resto. Seu amigo morreu.
Nossas histórias eram parecidas, de certa forma. Isso fez a estranheza
inicial ruir. Isso me fez analisar os olhos de Oliver Zhang e entender por
que diabos ele me intrigou desde o primeiro segundo e eu não consegui
detestá-lo, nem com seu péssimo humor. Me fez entender por que gostei
dele de graça, em tão pouco tempo, mesmo com todas as suas barreiras. Me
fez ter empatia e perceber que toda aquela pose de garoto mau era só uma
fachada, muito mal construída, que poderia ruir com um sopro se dado no
lugar certo, no tempo certo.
Por um momento eu pensei “sorte a dele que o meu hobby é destruir
muros”. Contudo, azar o dele o motivo pelo qual nos identificamos tanto
um com o outro.
Porquê no fim das contas, mesmo com o início truculento, tudo que levei
do meu primeiro encontro com Oliver Zhang foi que seus olhos e os meus
partilhavam da mesma dor. E por um momento, parecíamos o reflexo um do
outro. A mesma pessoa.
Eu estava na sala de espera, aguardando pela minha carona de volta para
casa. Uma pessoa se sentou ao meu lado e, pelo perfume floral e marcante,
eu sabia quem era antes de olhar. Duas horas e a garota já tinha alugado um
espaço glorioso na minha mente.
— Você foi bem.
Sorri.
— Mereço um biscoito? — questionei, virando o rosto para ela.
— Talvez até três e um brinquedinho de borracha.
Bufei uma risada. Nem sabia a última vez que desejei sorrir desse jeito.
— Sou um cachorrinho agora?
— Ei, culpa sua, você me deu abertura para isso!
Ri baixinho. Depois olhei para o teto e grunhi, pensando “mas que
inferno?”.  Duas horas antes ela me incomodava profundamente. O que
mudou?
— Seis vezes. — ela disse.
Eu a encarei, sem entender. Jasmine encostou a cabeça na parede atrás de
nós, movendo uma das mechas cinzas para trás da orelha, e cruzou os
braços.
— Quando ouvi falar desse lugar, ainda com dezessete anos, parei em
frente da clínica seis vezes. Apenas na sétima, entrei. — Rhodes virou o
olhar brilhante para mim. — Você entrou de primeira e não ficou calado.
Não te conheço direito e sei que, possivelmente, implora mentalmente para
que eu exploda e te deixe em paz, mas achei que deveria saber. Hoje, dentro
daquela sala, Oliver Zhang, você foi gigante.
Meu coração parou por completo. Até que senti. Senti quando a
cobertura de gelo sobre ele trincou. Quando ela se levantou, prestes a me
deixar, meus batimentos voltaram na velocidade da luz, o gelo trincou ainda
mais. Agarrei seu pulso instintivamente. O que tinha nessa garota?
Jasmine ofegou, surpresa, descendo o olhar lentamente para os meus
dedos em torno da sua pele. Meu polegar se arrastou pela superfície suave e
Rhodes acompanhou o movimento, até erguer os olhos para mim.
— Por que entrou? — Engoli em seco. — Na clínica, digo. Depois das
seis vezes.
Ela mordiscou o cantinho da boca e depois ergueu o queixo com um
sorriso divertido, mesmo que seus olhos revelassem que estava
desconcertada com seu próprio desabafo, suas memórias.
— Isso eu só conto para amigos.
Com uma frase, o enigma Jasmine Rhodes me desafiou mil vezes mais
do que qualquer coisa na vida. Voltei para casa pensando em conseguir
aquela resposta. Fácil assim, a garota estava em cada pedaço da minha
mente. Por isso, voltei para a clínica na vez seguinte. E em todas as
reuniões daquele mês.
No mês seguinte, Jasmine Rhodes não era só um enigma. Ela era minha
amiga.
Pisquei, admirada.
Oliver Zhang gargalhava.
Nada como os risos presos nas sessões, nem os sorrisos roubados entre
piadas internas. Gargalhadas. Melodiosas, arrastadas, lindas pra caramba.
— Você é tão idiota! — Ele balançou a cabeça, parando de rir, comendo
mais uma chips, enquanto eu tentava lembrar que piada tinha feito. — O
quê?
— Não sei. Só… Me perguntando onde está o emburradinho do mês
passado.
— Aqui, acredite. — Seu bom humor vacilou. Cruzei as pernas,
comendo outra chips, no chão da sala de espera. Nem sei por que estávamos
no chão.
— Finalmente pesquisei você, sabia?
— Foi, hm? Pesquisou “Oliver Zhang sem camisa” ou “Oliver Zhang
pelado?”.
Bati no seu braço, rindo. Idiota. Mas posso ou não ter passado um tempo
babando nos seus músculos em uma ou duas fotos. Afinal, eu não estava
morta, apesar de…
— Tenho namorada, babaca.
Isso.
Ele ergueu a cabeça.
— Tem?
— Uhum. Uma bartender linda de vinte aninhos.
Pensei ter visto um sentimento estranho cruzar seu rosto, mas ele
desviou o olhar e quando me encarou de novo, era apenas… Ollie. Fosse lá
o que isso significava.
— Não fiz nenhuma piada desrespeitosa, certo? “Meus músculos” e tudo
mais?
Eu ri. Sério, dá para acreditar nesse cara?
— Sou bissexual, Oliver. Não me ofende dizer que babo em homens
gostosos. Porém, sou muito bem comprometida. O que é uma pena. Acho
que tenho crush em certo integrante dos Zhangs. — menti e ele cerrou os
olhos. — Sua irmã, não você. Segundo o google, ela é gata pra caralho.
— Idiota. — Ri quando jogou um chips em minha direção e eu capturei
com a boca. — Quem é a cachorrinha agora?
— Mais respeito, por favor. Já disse que sou comprometida. Apenas uma
pessoa pode me chamar de cachorra e em circunstâncias bem diferentes.
— Jasmine… — ele disse, em tom de alerta. Fiz minha melhor cara de
inocente, roubando outra gloriosa risada. — O que descobriu sobre mim?
— Li um pouco sobre o acidente. Sobre… Brandon. Parece um cara
legal. Vai ter um filme sobre ele, huh? — Ollie confirmou, um pouco mais
tenso. — Desculpa. Assunto proibido até a terapia?
— É. Algo assim.
— É só que — bufei —, nos falamos sem parar há um mês. Não
conseguimos calar a boca juntos. Tanto que a doutora Felicia parece prestes
a nos expulsar, sinceramente. — Ele riu nasalado, concordando. — E ainda
assim, sabemos tão pouco um sobre o outro. Só soube que eu namoro agora,
por exemplo.
— Eu não namoro. Quites?
— Não.
Ollie comeu outra batata e respirou fundo.
— O que quer saber? Por que quer saber?
— Porque você é meu amigo agora. E trato todos aqui como família,
Zhang, não tem ideia do quanto esse lugar me salvou quando eu só queria…
— Prendi as palavras, mas seu olhar dizia que entendia perfeitamente:
deixar de existir.
Quando alguém que você ama morre do seu lado, você sente que o
universo levou a pessoa errada. É assustador quando sai dessa situação e
encara ela por fora. O quanto percebe que foi injusta consigo mesma. Ainda
assim, aconteceu.
— Quero conhecer mais sobre você antes que vá embora, nunca mais
volte na clínica e conquiste o troféu das bolas de ouro.
— Bola de ouro. Ballon d'Or. No singular, Rhodes.
— Tanto faz.
— “Bolas” faz-me imaginar o prêmio de outra forma. — Bati nele de
novo, me odiando por rir disso. A sensação era de voltar para a quinta série
com ele. E era estranhamente gostosa. — Pode ser que eu demore a sair
daqui, Jasmine. Minha psicóloga e meu psiquiatra acham que estou
finalmente progredindo e meu fisioterapeuta disse que assim que a equipe
médica sinalizar que estou bem, posso voltar para o campo. Mas já vai fazer
quatro meses desde o maldito acidente e eu não vejo isso acontecendo.
— Talvez seja a dor bloqueando suas emoções.
Ele me deu um sorriso triste, mas compassivo. Tão diferente do
emburradinho de um mês antes. Ao mesmo tempo, melancolicamente
parecido.
— Sim. Talvez seja.
Sorri de volta, porque conhecíamos bem como era todo aquele luto. Eu
nem conseguia acreditar que tinha encontrado alguém que me entendia tão
bem, para ser sincera.  Muito menos que nossa conexão se formou tão
rapidamente.
— Também te considero uma amiga, Jasmine. — Ergui o rosto de novo.
— Mesmo que insuportável pra caralho. — Mordi o lábio, para impedir o
sorriso de triplicar.  — E uma coisa que deve saber sobre mim, é que eu
posso abandonar lugares, mas jamais pessoas.
Meus olhos arderam. Não consegui mais prender o maldito sorriso e não
sei o que pensei ao jogar meus braços em torno do seu pescoço com tanta
força, mas fiz do mesmo jeito. Ele engasgou, surpreso, mas devagar, tão
devagar, moveu as mãos pelas minhas costas, e devolveu o gesto. Pareceu
certo.
Veja, você geralmente lembra seus primeiros beijos, primeiros “eu te
amo” ou sei lá, transas… Mas se tratando de Ollie, eu deveria saber que
lembraria de todas as primeiras vezes para sempre. O sorriso, a gargalhada,
mas principalmente, principalmente o abraço. Porque estar nos braços de
Oliver Zhang pareceu certo desde a primeira vez. Certo até demais. E,
bônus, ele era cheiroso e gostoso pra caralho de abraçar.
— Ok, eu tenho uma ideia — falei, ajoelhando-me entre suas pernas. —
Para te conhecer bem e talvez te dar aquela resposta que tanto procura.
Como fui parar ali. Porque entrei depois das seis vezes.
Ollie ergueu uma sobrancelha.
— No que está pensando?
 
Eu me arrependi. Amargamente, devo dizer.
A ideia dela era que tivéssemos um dia de Jasmine Rhodes e um dia de
Oliver Zhang. Tudo o que mais amávamos reunido em 24h. Juntos.
E o primeiro arrependimento se deve à Jasmine Rhodes trabalhar em um
lugar bem conhecido para mim e distante da minha casa. E eu vim a pé do
mesmo jeito. Ainda tinha resistência a carros.
Respirei fundo, sob o capuz do casaco. Aquilo era estúpido.
Mas então, tudo o que ela propunha sempre era, e eu aceitava do mesmo
jeito. Cachorrinho, quase ouvi Brandon dizer. Era assim que eu o
provocava quando fazia tudo o que Gianna queria. Olhei para o celular,
encontrando a mensagem dela, inclusive: “Por favor, me responda, Ollie”.
Desbloqueei a tela, mas não respondi Gigi. Entrei no estúdio de dança de
cabeça baixa e abri a conversa com Rhodes, quase rindo das suas últimas
tentativas de me fazer entender memes brasileiros.
 
Jasmine: Nos fundos.
 
Eu: Nos fundos? Sua namorada sabe disso?
 
Ela riu da piada de duplo sentido. Conheceria sua namorada naquele dia,
inclusive. E estava nervoso para isso, ansioso até.
 
Eu: Cheguei, seja mais específica.
 
Jasmine: Terminei o expediente. Estou na última sala, em um corredor do lado do banheiro. Se
estiver na entrada, só olha para frente.
 
Obedeci e vi o banheiro. Depois segui, de cabeça baixa, para o corredor,
torcendo para não ser reconhecido. Quando abri a porta da sala, vi Rhodes
conversando com Finneas Wayne. O homem negro, alto, de corte militar;
ergueu o rosto para mim, surpreso.
— Mentira!
— Se você contar para a sua irmã, eu te esgano. — avisei e o dançarino
riu, batendo as palmas e as levando ao rosto. Chocado.
— Você conhece a irmã dele?
— Melhores amigos. — expliquei. Jasmine colocou as mãos na cintura,
boquiaberta.
— Ok! A ideia de hoje é saber mais sobre mim. O mundo gira em torno
de mim hoje. — ela disse, se abanando, como se estivesse prestes a chorar.
Idiota. — Mas por favor, nunca me leve para frente de Mel Wayne.
— Pretendo fazer isso amanhã. — confessei. Finneas gemeu, como se
aquilo fosse uma péssima ideia. — O quê?
— Amanhã você descobre. — ele fingiu sussurrar, como um segredo
sujo, e Jasmine ergueu o dedo médio, até Finneas nos deixar.
— O que ele quis dizer?
— Nada. — ela murmurou, baixinho, soando constrangida. — Hoje é
meu dia de folga. Mas estou disposta a simular um dia perfeito para
Jasmine Rhodes com você e Finn me emprestou a sala. É pequena, mas…
Serve.
Olhei ao redor. Se tinha 25 metros quadrados era muito.
— Então… Como o dia perfeito da Jasmine Souza Rhodes funciona?
— Primeiro, eu acordo cedo. — contou, sorrindo e se aproximando
quase na ponta dos pés, empolgada. — Tomo o café, com um bolo de
tapioca, o que você não deve nem saber o que é… Me arrumo, provoco
minha melhor amiga e colega de quarto, beijo minha namorada e digo que a
amo pelo menos três vezes… — Ignorei o incômodo no peito. Ele não fazia
sentido. — E então venho trabalhar.
— Como dançarina.
— Exatamente! — Jasmine ficou a poucos centímetros de mim. Olhei
para baixo, soltando o ar com pesar. — Comecei a dançar quando era
pequena, nos grupos de arte que meu pai me levava. Na Bahia, era um
pouco de street style, talvez funk ou rap… Samba e pagode. Baiano e não
carioca. E agora devo estar falando em códigos para você, sim?
— Uhum — confessei e Jasmine riu, ainda perto de mim.
— Depois que percebeu que eu amava isso, meu pai me matriculou em
aulas de Jazz e Ballet. Com nove anos. Aos quinze entrei em
contemporânea. Então basicamente…
— Dançou a vida toda. — Ela assentiu. — É seu sonho?
— Uma paixão. Me acalma. Me faz sentir que o mundo é meu e está sob
meus pés. Mas meu sonho é… Curiosidade para mais tarde. — sussurrou,
antes de estender a mão para mim. — Agora, eu quero que dance comigo.
— Eu? Dançar?
— Por que não? Com medo de se apaixonar pelo inesperado?
Mordi um sorriso e segurei sua mão. Ela tirou um pequeno controle do
bolso e apertou o play, fazendo Magic, do Coldplay, explodir pelo pequeno
som no ambiente. Apenas a batida.
— Não sou muito bom nisso. — confessei, nervoso, e ela guardou o
controle no bolso, sorrindo.
— Por isso sou sua professora.
Sua palma envolveu a minha e ela tocou o centro do meu peito.
— Respire. Fundo. — Obedeci e Rhodes guiou as minhas mãos para
seus quadris, mais próxima. Respirar se tornou um pouco… diferente.
Complicado. Ela espalmou meu peito com ambas as mãos. A batida ainda
forte ecoava dentro do meu peito e ao nosso redor. — Um segredo? O
homem deve guiar a mulher, segundo os convencionais chatos pra cacete.
Mas eu digo que uma boa dançarina guia seu dançarino sem que ele nem
perceba.
Segurando minha mão, ela girou completamente e, mais uma vez frente
a mim, puxou minha mão tão de leve que a distância pareceu tão errada, tão
errada que quis puxá-la mais forte. Então fiz isso. Seu corpo se chocou com
o meu e eu segurei sua cintura.
— Vê? — Ela deslizou a mão pelos meus braços e mal percebi que nos
mexíamos de um lado para o outro, tão devagar. Uni a testa a sua, confuso
com o sangue fervendo em minhas veias e coração em disparada. O
momento era calmo. Então por que eu era puro caos por dentro? — Só
precisa sentir e reagir. Eu te conduzo. — Ela segurou minha palma,
erguendo-a no ar e guiou a minha outra mão para a sua cintura antes de
envolver meu pescoço com o braço livre. — E quando menos esperar, vai
estar dançando.
Nos mexemos de um lado para o outro, devagar.
Por muito tempo.
— Você é bom nisso. — sussurrou e eu sorri. Sorri perto demais do seu
sorriso.
— Tenho uma boa professora.
Acho que só fomos embora vinte músicas depois.

— Lar doce lar. — Jas disse, girando a chave pela porta do pequeno
alojamento no campus da universidade Brightgate. — Não liga para a
bagunça. O que a Priyanka tem de fofa, ela tem de desorganizada.
Analisei o ambiente. Muitas almofadas coloridas pelo sofá e pelo piso da
sala, um buda no centro da mesa, incensos e uma decoração tão simples
quanto colorida e reconfortante.
— Amor! Trouxe o Ollie! — avisou, alto. A porta de um dos quartos se
abriu, revelando uma mulher loira em um blusão cinza e shorts jeans. Eu
olhei para baixo levemente, percebendo que sua perna esquerda terminava
em uma prótese.
— Ei! Você deve ser o novo amigo da minha garota. Sou Nichole. — Ela
estendeu a mão e eu a apertei, sorrindo fraco. — Demorou, Jasmine. —
reclamou em um beicinho, beijando a namorada. Mordi a bochecha,
assistindo-as.
— Acabamos descobrindo que Ollie é um pé de valsa. — Jas se
defendeu, girando-a e abraçando-a por trás. Senti meu rosto queimar e
deveria ser a primeira vez que eu ruborizava por uma garota. — Viu? Ele é!
Nem sabe disfarçar. Está todo vermelhinho!
— Bom, ótimo te conhecer, Oliver! Mas infelizmente tenho que sair
rapidinho. — Nick beijou Jasmine só mais uma vez. — Volto antes que
sintam minha falta.
Elas se despediram baixinho e Jasmine a assistiu sair do apartamento.
— Nick não mora aqui. Digo, praticamente mora, pois namoramos. Mas
divido apartamento com a Priyanka, que foi visitar a namorada. Amiga da
Mel, inclusive.
— Spencer? Conhece?
Bem… Minha boca conheceu a da Spencer há alguns meses. E posso ou
não ter conhecido outras coisas da garota que eu realmente não diria para
Rhodes naquele momento. Então apenas assenti e olhei ao redor, sem saber
muito bem como me portar. Eu não parecia encaixar ali. Nem um pouco.
— E aí? — Ela colocou as mãos na cintura, assim que encerrou o
silêncio estranho entre nós dois. — Pronto para conhecer o meu sonho?
— Vai, tenta!
— Jasmine, desiste.
— É sério! Quero saber se tem talento para conquistar uma mulher. Em
cena, claro. — Ela abanou o roteiro do teste de um seriado que seria em
uma semana.
Atriz. Jasmine era atriz, modelo (segundo as fotos pelo seu quarto) e
estudava artes cênicas. Seu sonho era atuar e não viver de pequenas
campanhas, desfiles e aulas de dança.
— Nunca atuei! Meu maior papel na escola foi de árvore.
— Bem, você tem a altura.
Empurrei sua testa, o que a fez gargalhar. Idiota.
— Vai! Me ajuda, por favor. É só ler as falas comigo. Nada demais.
Me esforcei por isso. Li as falas, tentando não ser uma completa falha na
tarefa. Jasmine tinha que fingir ser apaixonada por mim. Me encarar com
seus olhos brilhantes e implorar para que eu dissesse o que tanto escondia
dela.
Eu era péssimo. Ela era brilhante. Melhor, Rhodes era imersiva. Eu
esqueci do quarto à nossa volta. Esqueci qualquer coisa. Até mesmo da fala.
Olhei para baixo, tentando conseguir as palavras certas. Depois voltei a
erguer o queixo, fitando os olhos escuros como a noite.
— “É como se eu não tivesse…” — engoli em seco, preso. Preso pra
caralho. — “Como se eu não tivesse ar. Como se eu não tivesse a
capacidade de respirar. Como se meu coração fosse…” — Rhodes me
encarava em expectativa. Real pra caralho. — “Como se meu coração fosse
comandado por qualquer coisa senão meu corpo. Como se ele nem mesmo
estivesse batendo no meu peito, às vezes, mesmo que em disparada. É como
se ele morasse em você”.
Jasmine se aproximou, devagar.
Eu prendi a respiração.
— E aqui é a hora que eu beijaria meu companheiro de cena.
Ela se afastou bruscamente.
— Cacete, Oliver! Tem certeza de que quer jogar futebol? Você atuou
bem pra caralho!
Eu pisquei algumas vezes, ainda preso na cena. Preso em uma realidade
paralela em que… Deus… Em que não foi atuação alguma.
“Eles são normais. Não espere muita coisa.” Foi o que eu disse.
E assim que abri a maldita porta, o som de um tapa ecoou.
Sem respirar, encarei Rhodes de canto de olho. Ela tinha as sobrancelhas
no teto, abraçando a jaqueta jeans que usava, de queixo caído, assistindo a
cena.
— FILHA DA PUTA! VOCÊ ME DEU UM TAPA NA CARA, SUA
MALUCA!
— SAI DE CIMA DE MIM, NAOMI!
Melissa estapeava o ar, debaixo de Naomi Carlson, que tentava
desesperadamente colocar colírio na criatura. Ela gritava. Berrava. E
envergonhado, considerei dar as costas e fingir que não conhecia as
criaturas no meio do apartamento de Carlson e Bale. Bale, inclusive, que
gravava a cena enquanto Mike ria com a Hailey no colo.
— Seu olho está vermelho, porra, parece que usou um caminhão de
maconha!
— Carlson! Eu vou joelhar sua vagina, juro por Deus.
“Eles são normais”. E ali estava a pessoa mais normal do grupo
ameaçando atingir uma boceta.
Eu mal piscava, com medo de fazer movimentos bruscos e ser percebido.
A porta estava encostada, eu poderia dar as costas bem devagar e…
— Oliver! — Wayne exclamou, aliviada, olhando para mim. Merda. —
Jas?
— Hmmblahbeh.
Virei a cabeça para o lado lentamente. Jasmine acenava freneticamente,
corada. Uni as sobrancelhas o máximo que pude e ela se virou para mim,
em pânico.
— Mimba bingua bao buncioba.
— O quê? — ralhei.
— Meu Deus! Você cresceu. Parecia uma bebê quando te conheci. —
Mel abraçou Rhodes, um pouco sem jeito. Wayne era tímida pra cacete,
mas parecia gostar da garota. — Tem quantos anos agora?
— Zedenove.
— Dezenove — traduzi, confuso.
— Está tudo bem? Ela teve um derrame? — Mel me perguntou. Dei de
ombros e ela me apertou com força. — Oi, Zhang-Boo. Como foi o dia?
— Levei ela para conhecer o clube. Jasmine cismou em jogar futebol
comigo em um gramado de verdade. Aliás… Naomi, Bale, Mike…
— Ai, Deus, eu vou infartar! — Jasmine agarrou meu braço, surtando
como se ninguém estivesse nos assistindo. — Bale. Damian Bale. Meu
Deus! Meu Deus!
— Ih, acho que é uma fã… — Naomi comentou, em um bico.
— Naomi Carlson. Caralho, você é amigo de Naomi Carlson?
— Gostei dela — Naomi decidiu, sorrindo e se pondo de pé. — Não é do
tipo de fã do Damian que quer me matar para mamar o meu homem.
Jasmine, certo? — Ela abraçou a garota de olhos arregalados, que estava
estática.
— Rhodes, se você cair dura no chão… — avisei.
— Eu sou muito fã do seu trabalho, desculpa! Eu ia fazer um teste para
uma campanha da MBH há umas semanas e… Você estava no elevador e
me disse para arrasar, mas… Acabei fugindo. Meu Deus?!
— Fã do meu trabalho? — Carlson estava paralisada.
— Pera aí, você conhecia todo mundo aqui menos eu? — perguntei,
ultrajado.
— Bem, ele eu só vi de longe. — Jas acenou com a cabeça para o Mike.
Inacreditável.
— Oi, meu nome é… — Bale começou.
— Você está maluco? Eu sei quem você é! — Carlson gargalhou e Bale
ofereceu um abraço. Rhodes o apertou com força. — Caralho, é o melhor
dia da minha vida. Desculpa, mas… Jesus, sua música. E sua história. E…
Sabe… Nossa. — Ele a abraçou mais forte e então piscou para mim.
— Acho que gosto dela. — Damie sussurrou. Eu ri. Eu também gostava.
O jantar virou um grande conjunto de gargalhadas. A versão fã, de
Rhodes, morreu quando percebeu que eram todos apenas pessoas normais
aproveitando um tempo juntas. Na verdade, todo mundo parecia fã dela e
das histórias que contava sobre o Brasil, a comida, a vida como dançarina.
Eu descobri por mensagem de texto, lendo o celular sob a mesa, que o
pequeno derrame diante de Melissa era porque, antes de namorar Nichole,
Wayne era sua maior girl crush. Toda vez que ela entrava no estúdio de
dança em busca do irmão, Jasmine tinha um pequeno infarto. Eu entendia.
Melissa era linda desse jeito. Infelizmente — para Jas, claro — Mel
também era completamente hétero.
— Tem certeza de que tem dezenove? Parece ter vivido mais do que todo
mundo aqui — Mike comentou, virando um gole de vinho. Mel, deitou a
cabeça em seu ombro, cansada.
— Minha mãe diz a mesma coisa. Mas ela é meio puxa-saco. — Rhodes
fez Carlson rir.
— Elogiar sua filhotinha é essencial, Jasmine. — Naomi disse,
embasbacada com a garotinha apoiada em sua coxa, balançando os braços
para mim. — Ugh… Ela até durou muito comigo.
— É meu charme. — falei, levantando da mesa. — Sem ciúmes, Bale.
— Ela me ama mais de qualquer modo. — o cantor respondeu.
Era verdade, mas enruguei o nariz em reprovação, erguendo-a nos meus
braços. Hailey espalmou meu rosto e eu fingi que morderia seus dedos.
Meio estranho dizer isso, mas… acho que decidi tentar seguir as ordens
da minha equipe médica por essa garotinha. Estava prestes a desistir de toda
a fisioterapia, mal-humorado pra caralho, desfazendo meu contrato com
meu empresário e querendo largar o futebol e tudo; quando ela olhou, me
fez rir e então, sem motivo algum, chorar pra caralho. Sem conseguir dizer
uma só palavra, apenas existindo, Hailey ativou algo em mim.
Acho que percebi, em uma das vezes brincando com ela, que Hailey
merecia ter Brandon Ramsey na sua vida tanto quanto merecia um Oliver
melhor. Ela só conseguiria uma dessas opções. Então me comprometi em
ser bom em pelo menos uma única coisa: ser tio em dose dupla. Por mim e
por Ramsey. Naomi me disse que o melhor passo inicial era lutar por mim
mesmo. Isso me levou à terapia e à Jasmine.
Antes de Rhodes, Hailey era a única que me encarava sem pena, dor ou
implorando para que eu me resgatasse de qualquer abismo. Hailey me
encarava como se me entendesse. Como se eu fosse bom de qualquer
forma. Do modo que eu vejo, para qualquer pessoa que conhece a
primogênita de Carlson-Bale, ela é o sol. Nós só orbitamos a sua volta.
— Sentiu minha falta? — Sentei-me e Hailey riu baixinho, sem motivo
algum. Me senti mais vivo só de olhar em seus olhos azuis.
— Não. — Mel fez uma voz fina e eu ergui o dedo para ela. A mesa
explodiu em risadas.
— Ei, Hayhay… Essa é a tia Jas. — apresentei, baixinho. Hailey olhou
para Jasmine, encantada. E sorriu. Hailey se apaixonou por Jasmine à
primeira vista.
Tanto que nem sei quando a garota passou para o colo de Rhodes, mas
aconteceu. A garota dormiu nos braços de Jasmine, mesmo com as
gargalhadas constantes na mesa. E a ideia de passar um dia comigo, para
saber quem Oliver Zhang era, obviamente cresceu. De repente, Jasmine
conhecia melhor a minha melhor família inteira. E, por um momento,
parecia parte dela.
Inclusive, Rhodes voltou em todos os outros jantares do ano. E o pior?
Nem fui eu quem convidei.
— Chega, Pri! Foi o último teste.
Avisei minha melhor amiga e, até o momento, empresária provisória.
Priyanka bufou, jogando os fios escuros e escorridos para trás. A beleza da
garota, de descendência indiana, era surreal, mesmo brava, mas ela
ignorava todos meus pedidos para que fosse nos castings comigo porque
“ser modelo não parecia interessante”. Sua pele marrom clara tinha um
vinco bem entre as sobrancelhas. Pri não sabia mais o que fazer.
— Rhodes…
— Foi estúpido. Foi uma ideia estúpida. Eu amo a arte, mas a arte não
me ama de volta. Eu deveria ter feito outra coisa da vida! Não sei por que
comecei isso. Não sei mesmo. Não vou mais atuar.
— Rhodes…
— Sério! Que burrice a nossa. Claro que a garçonete fofa que namora o
bad boy de olhos azuis não seria eu! Por que contratariam uma mulher
latina se já tem outra na série? Por que que eu ainda tento? Sério?
— Porque você ama, caralho! — Priyanka explodiu. Ela não costumava
xingar, ela não costumava sair do sério. Na verdade, a mulher de frente para
mim, do outro lado da bancada da cozinha, estava vestindo um suéter
amarelo neon com flores rosas. Tinha um elástico tão colorido quanto o seu
cabelo. Ela era um arco-íris ambulante. — Você ama o que faz e, porra, nós
sabemos bem que esse país de merda é praticamente governado por e para
pessoas que não nos enxergam. Mas estou disposta a dar a porra da minha
alma para colocar você no topo e calar qualquer racistinha australiano de
merda. Então vamos chorar, gritar e destruir a porcaria desse apartamento.
Mas se ousar pensar em desistir, eu vou te esganar com minhas próprias
mãos.
Um longo momento passou. E então ela acrescentou:
— Caralho.
E mesmo em lágrimas, eu explodi em gargalhadas. Priyanka fez a
mesma coisa. Parecia que ela estava segurando o xingamento com força.
Talvez nem fosse engraçado, talvez estivéssemos descontroladas.
— Ugh, vou perder a porra da cabeça nessa cidade.
— Nem me fala — resmunguei.
— Falou com o Ollie hoje?
— Ele está treinando. Finalmente.
— Ele está bem?
— Sim. A gente combinou de sair hoje.
— Vai fazer bem. Ele te faz bem. E Nick?
Nichole e eu não estávamos bem. Ollie e eu éramos amigos há… o quê?
Oito meses agora? Ela tinha ciúmes dele, sem motivos. E não era só a
questão dos ciúmes, mas Ollie me incentivava a fazer mais testes. Na
verdade, ele até me conseguiu alguns testes. Seu novo empresário, Keanu,
ajudava em off nisso. Nem era sua área, mas o cara fazia o que dava porque
Ollie pedia. Oliver fazia qualquer coisa para que eu não desistisse do meu
sonho enquanto eu estava prestes a fazer vinte anos, a meses de me formar
em artes cênicas e pensando que meu diploma iria direto para o lixo.
Eu queria que Nichole me apoiasse mais.
Nós nos conhecemos no grupo da terapia, tal como Ollie e eu. O trauma
de Nick envolveu um acidente também. Mas no seu caso, foi um
atropelamento. De certa forma. O carro do vizinho desceu uma ladeira em
alta velocidade e prensou sua perna contra outro veículo. Ao contrário de
mim, Nick lutou com todas suas forças para se recuperar do trauma desde o
primeiro segundo. Ela sempre foi pura coragem. E desde que sorriu para
mim pela primeira vez, me prendendo em si antes que eu conseguisse
processar qualquer coisa, sempre estive ali por ela.
Agora ela estava reclamando que eu não passava tanto tempo com ela, o
que não era verdade. Eu sempre a ligava, chamava para sair e dormir
comigo. Tentei desfazer compromissos por ela. Nick sempre estava
trabalhando. E quando me ligava, eu estava estudando ou trabalhando.
Ollie, por outro lado, tirava tempo para ouvir meus desabafos em qualquer
momento do dia. Nichole ainda me tinha quando precisava, mas quando eu
ligava… parecia que nem me ouvia. A não ser quando eu falava dele, claro.
Porque aí ela reclamava por horas.
Eu estava cansada. Ser apaixonada pela Nick costumava ser leve. Por
que não mais? O que eu estava fazendo de errado?
— Estou perdendo-a no meio disso tudo, Pri. — praticamente sussurrei.
Priyanka suspirou. — Não sei se vale a pena. Perdê-la.
— São seus sonhos, Jasmine. Você não deveria escolher entre seus
sonhos e a pessoa que você ama. Dá para ter os dois. Se desistir dos seus
sonhos por ela, vai ser infeliz para sempre. E se ela te fizer tomar essa
decisão, então talvez deva amar outra pessoa.
Priyanka me deixou sozinha na cozinha. Eu só consegui pegar o novo
roteiro sobre a bancada, completamente grifado e rabiscado, e grunhir.
Um ano depois de conhecer Ollie, Nichole ainda não gostava dele.
O que rendeu a milésima briga do mês.
Eu nem lembro como isso aconteceu ou qual foi o motivo, mas eu
lembro de mandá-la se foder quando me disse que não me reconhecia mais
e que talvez não quisesse mais se encaixar nos sonhos impossíveis de uma
mulher que estava apaixonada por outro. O que era injusto, já que eu ouvia
todos os seus e fazia de tudo para me imaginar em cada um. O que era
injusto para alguém que considerou largar tudo para apenas ficar com ela. O
que era injusto porque eu não estava apaixonada por Oliver.
Imagina ouvir da pessoa que você ama que vocês são incompatíveis?
Que não acredita no que você sente? Foi basicamente isso. Ainda assim,
não foi um término, porque ela disse que conversaríamos depois e levou a
chave. Eu não sabia o que aquilo era. Além de, claro, a pior briga do
relacionamento.
E agora era o dia de um grande teste e eu estava trancada em uma cabine
de banheiro, dividida em reler o roteiro e atualizar suas mensagens, na
esperança de ler qualquer coisa que dizia que ainda tínhamos chance. Ela
nem me desejou boa sorte. Na verdade, nas últimas horas, Nichole tinha
sumido, me deixando ansiosa pra caralho.
Também era o dia que eu veria Ollie jogar pela primeira vez desde o
acidente, se tivesse a sorte de ser uma das primeiras audições do dia. Foram
meses longe do campo, meses fugindo disso, com medo, até que Zhang
tivesse coragem de trilhar o caminho de volta para os gramados, no clube
antigo. Ele enfrentaria muitos demônios em campo, retornando para um
time sem ter seu melhor amigo. E eu queria estar lá.
Minha mãe mandou diversas mensagens, desejando sorte. Eu estava
quase desistindo, no banheiro daquele pequeno estúdio. Queria desabar de
chorar.
Estava exausta.
Foram três campanhas sendo paga mal pra caralho, exceto a da MBH,
que me ajudou bastante. Dobrei meus turnos trabalhando com Finn, mesmo
com sua resistência, querendo qualquer grana extra para ajudar a minha
mãe com seu restaurante e ainda pagar as contas e dívidas da faculdade. No
meio disso tudo, eu ainda perdia Nick e enchia a Pri de trabalhos enquanto
ela deveria estar estudando.
Por que eu ainda tentava atuar?
Talvez eu não fosse boa o suficiente.
Talvez eu precisasse trabalhar mais. Largar artes cênicas, largar as
audições…
Seria o último teste.
O último.
Sequei minhas lágrimas e saí do banheiro, tentando não olhar o tanto de
garotas na sala de espera. E o fato de ser a única negra.
— Jas?
Olhei para o lado e suspirei entre alívio e choque ao ver Melissa Wayne.
— O que faz aqui?
— Jasmine. Você sabe que Melissa W. no roteiro na sua mão significa
Melissa Wayne, certo? — De repente, tudo fez sentido. — Tudo bem?
Neguei. Eu não tinha nem forças para fingir que sim. Que atriz eu era?
— É meu último teste.
Melissa suspirou, entendendo. Ela parou ao meu lado, analisando a sala.
— A ideia da série foi minha. Um grupo de seis amigos em uma cidade
australiana.
— Espero que dê muito certo.
— Sim. Espero. Porque nem acredito que isso está acontecendo mas…
Enfim, Georgia e Jack Rose, os produtores, eles assistiram ao filme do
Brandon e viram meu portfólio e acho que a publicidade de “cineasta
prodígio” se encaixa perfeitamente no que eles querem. Então… Dirigir?
Improvável. Mas o enredo é 50% meu e eu sou uma das maiores vozes da
equipe de roteiro. Com apenas 25 anos.
— Isso é gigante, Mel.
— E sabe o que é engraçado sobre esse roteiro? — Ela riu. — Escrevi
em uma crise. Ele foi o meu último.
Entendi o que quis dizer. Foi o que ela quis escrever como despedida
antes de largar tudo. Mas não largou.
Meu coração pesou e eu ergui os olhos para Melissa. As íris castanhas
claras brilharam e Mel respirou fundo.
— Quantos testes foram os últimos, Jas?
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu bufei. Odeio ser vulnerável na
frente dos outros e Wayne deve ter percebido isso, porque parou na minha
frente, impedindo que outras pessoas vissem, e segurou meu rosto. Mesmo
mais baixa do que eu, Melissa parecia enorme. Parecia ter o mundo em
mãos.
— Se o que ouvi do Ollie é verdade, então me deixe te dizer o que
Naomi Carlson sempre me diz: seus sonhos precisam ser objetivos, porque
todo objetivo nasce para ser atingido. Não deixe esse ser o último teste,
Rhodes. Faça ser o primeiro. O primeiro a te levar para o topo. — Ela secou
as lágrimas que rolaram pelo meu rosto e beijou minha bochecha, pouco se
importando se aquilo pareceria pouco profissional. — Seria uma honra
trabalhar com você. Ou será?
Ela se afastou e eu quis dizer quão importante para mim era que me
dissesse tudo aquilo. Mas com um sorriso, Mel me disse tudo. Ela sabia.
Sabia pra caralho.
— Só uma coisa…
— Oliver não me disse que faria esse teste se…
— Não! Não é isso. — murmurei. — Não quero que me escolha porque
sou sua amiga de certa forma.
— Você é minha amiga. Mas eu não te escolheria por isso. Até porque eu
não acho que tenha muita voz na escolha dos protagonistas. Estou aqui por
curiosidade. Vou até tentar sair mais cedo. O Ollie…
— Joga mais tarde! Eu sei. Eu sei. E é por isso que só que tem uma, uma
única coisa, que eu te imploro para fazer.
Mel olhou ao redor e suspirou.
— Fala.

Corri escadas abaixo do prédio da audição, feliz por ter acabado, mas
nervosa pra caralho porque demorou muito mais do que eu esperava,
mesmo que Mel tenha me colocado entre as primeiras.
Não que eu não estivesse pensando sobre o teste, eu estava. Na verdade,
tinha uma vozinha irritante no meu coração berrando a cada batida que
aquela tinha sido uma das melhores atuações da minha vida, mesmo que a
adrenalina quase tenha me feito infartar com meu colega de cena. Mas sabe
quantas vezes saí de uma audição pensando que tinha ido bem e não ganhei
nada? Centenas. Então decidi que fingiria não me importar. Talvez assim o
universo acreditasse e decidisse me surpreender.
Além do mais, eu teria dias para roer as unhas esperando por uma
ligação. Mas tinha apenas minutos para ver meu melhor amigo jogar.
Naquele segundo, Ollie era uma prioridade. Então eu tinha uma cidade para
percorrer, um jogo para chegar.
Parei quando ouvi uma buzina.
— Jasmine! — Um cara gritou dentro de uma caminhonete. Estreitei os
olhos para Mike Graham. Ele buzinou com força de novo.
— No carro! Agora! — Melissa disse, no carona. Disparei para o veículo
e então percebi que só tinham dois lugares. — Ok, não conta para o Ollie:
vai na caçamba.
Abri a boca, em choque.
— Vai, criatura! — Melissa repetiu, rindo. Eu ri junto e escalei a
caçamba. — Segura?
— Segura!
— Aqui vamos nós. — Mike avisou.
Eles dispararam pela cidade. Graham buzinava e gritava para saírem da
frente. Provavelmente achavam que éramos malucos e tive certeza de que
éramos quando vi um Corvette ao nosso lado, buzinando. Damian, dentro
dele, gritou “cobras fodidas” do banco do carona enquanto Naomi dirigia, e
nós os seguimos para o estádio.
Disparamos para dentro enquanto eu tentava colocar a camiseta do time
que estava na minha bolsa por cima da regata que eu vestia. O mais perto
possível do campo, busquei por Oliver no gramado, nervosa. O jogo já
estava acontecendo e um filho da puta do time vermelho — que não sei o
nome — deu um carrinho em Zhang no exato segundo que chegamos.
— FALTA! — gritei alto o suficiente para Naomi estremecer do meu
lado e Hailey, com protetores auriculares, me encarar como se eu fosse um
alien.
Oliver se levantou, ajeitando o uniforme branco, sem mancar, me
fazendo respirar aliviada. Ele me disse mil vezes que não se sentia na forma
ideal ainda e era um amistoso. O cara estava jogando uma partida que nem
valia para o campeonato e eu estava fora de mim.
Zhang corria pelo campo e meu coração apertava a cada segundo, com
pavor de cada falta, vibrando toda vez que ele disparava com a bola.
— Vamos, Z. Você está bem, está indo muito bem. — murmurei,
segurando o brasão de Brightgate no peito, orgulhosa de cada passe, cada
jogada bem feita.
O primeiro tempo acabou e Oliver disparou, mas não atrás dos
jogadores. Ele disparou em minha direção. O cara venceu qualquer e toda
pessoa que o disse para não fazer isso e parou na frente da minha cadeira.
— Como foi o teste?
— O quê? — perguntei, rindo. Ele estava mesmo pensando nisso?
Naquele momento?
— O teste, Jasmine!
Deus, ele estava mesmo preocupado com isso.
— Legal. Foi ok, acho. Não sei! Não foi terrível.
Zhang respirou aliviado e beijou minha testa, me abraçando com força.
— Você veio.
— Obviamente.
Ele se afastou e beijou a bochecha da Hailey.
— Beijinho da sorte, Hayhay. — pediu, se abaixando e deixando a
bochecha à disposição dela. A garotinha deixou um beijo estalado, que fez
todo mundo ao nosso redor gargalhar.
— Soite! — Hailey tentou dizer. Oliver a encheu de beijos, se afastando
em seguida.
— Vou fazer um gol por vocês, ok? — Ele apontou para todos nós e para
cima.
Foi no segundo tempo. Nos acréscimos. Mas Oliver Zhang Thompson
fez um gol. Ele apontou para nós e para o céu mais uma vez, antes de virar
de costas e finalmente nos deixar ler o que estava escrito no uniforme
branco. Chorei que nem um bebê.
Abaixo do 03, seu número, estava algo que jamais sairia da sua camisa.
“Em memória de Brandon Ramsey”.

Eu estava feliz. Oliver estava em êxtase.


Quando voltei para casa, com Ollie na minha cola, encontrei-a vazia.
Priyanka não estava em casa, ela avisou que dormiria na casa da Spencer.
— Está entregue! — Ollie me virou e se despediu com um beijo na
bochecha, sorridente. Seus cabelos estavam encharcados depois de um bom
banho no vestiário, seu sorriso enorme, a ponto de aparecer uma pequena
covinha no lado direito, e Zhang estava radiante. — Manda um beijo para a
Nick.
Ele começou a entender que ela não gostava dele, por isso não ficaria.
Ainda assim, Zhang nunca falou nada sobre ela. Nem a tratou de qualquer
outra forma sem ser perfeitamente bem. Por mim. Ollie não fazia ideia que
era o motivo de uma crise naquele momento e eu preferia que voltasse para
casa apenas feliz, sem saber.
Passei meus braços em torno de seu pescoço e o abracei o mais forte que
pude. Oliver me trouxe para si, respirando fundo.
— Estou orgulhosa de você. Mas não mais do que Brandon
provavelmente está.
— Eu não teria conseguido sem você.
— Até parece!
Ollie se afastou e respirou fundo.
— É sério, Jasmine.
Perdi meu sorriso. Meu coração apertou. Ollie não percebia quão forte
ele era. Quão corajoso ele era.
— Eu estava destroçado. Você me ajudou a juntar as minhas peças. Nem
sei se eu merecia. Jamais pensei que voltaria a ser o cara que ri e faz outras
pessoas rirem. Jamais pensei que viveria. Jurei que seria aquele que só
existe, sobrevive, que jamais seria feliz de novo, depois de perder uma das
pessoas mais importantes da minha vida. Você me fez entender que não o
perdi, Rhodes. E que também não perdi a mim mesmo. Eu devo o mundo a
você. E se algum dia, puder colocá-lo nas suas mãos, eu vou.
Meus lábios tremeram. Meu coração disparou, minha boca se tornou
completamente seca e eu senti. Senti o momento em que olhei nos seus
olhos e as palavras de Nichole retornaram. Acho que no fundo eu soube por
que elas me atormentaram. E hoje, também acho que o que resume Zhang e
eu, é que ignoramos o sentimento óbvio por medo de destruirmos um
relacionamento concreto.
Abafando o pequeno tornado confuso de sentimentos no meu peito, o
envolvi de novo. Por muito tempo.
Já era impossível imaginar uma vida sem Oliver Zhang nela.
Eu daria a minha alma por aquele garoto.
Eu daria meu coração por ele.
Tanto que não queria que fosse embora. Não mesmo. E nem sabia o
porquê.
— Entra? Faz um ano que não te conto por que não entrei naquela porra
de clínica.
Ele obedeceu, rindo. Eu prometia o mundo em troca dessa resposta e
nunca o contava.
Esperei que se sentasse ao sofá e me sentei do outro lado, colocando as
pernas no seu colo, tomando coragem.
— Jura? Folgada, huh?
— Shhh. Você é meu cachorrinho, afinal de contas.
Oliver riu. Mesmo. Eu amava quando conquistava suas gargalhadas
desse jeito.
Ele massageou minha perna e eu tombei a cabeça no sofá.
Minha mente girava em torno da minha namorada. Do que ela me disse
sobre o cara na minha frente. Pensei em contar para ele e ver sua reação. A
minha, em dizer aquilo em voz alta. Mas não tive coragem.
Contraditoriamente, foi isso o que eu falei:
— Entrei para a terapia em grupo porque meu pai me diria para não ser
covarde.
Ele piscou, em choque, porque eu realmente tinha contado. Cocei a
garganta, sem saber se o tinha decepcionado. Não era um grande mistério.
— Eu sei… Não tem nada especial. É só isso.
— Só? É muita coisa.
Sorri. Ele sabia que eu só confiava aquilo às pessoas mais próximas.
Tanto que, após um ano tendo ele como meu melhor amigo, após tantas
brincadeiras para nos conhecermos melhor e conhecendo o cara como a
palma da minha mão, era a primeira vez que o dizia em voz alta que o
motivo pelo qual busquei me recuperar do trauma, era o mesmo motivo que
gerou o trauma: perder o meu pai.
Fazia meses que eu não tinha mais vontade de voltar para a clínica. Ollie
também não. Acho que conseguimos todas as respostas que queríamos.
Acabamos parando. Toda vez que queríamos falar sobre os acidentes fora
de uma consulta, falávamos um com o outro.
O silêncio durou um bom tempo.
— Eu fui para as reuniões porque o clube me obrigou.
Gargalhei, chutando seu braço.
— Idiota!
— E porque minha família estava se despedaçando me vendo quebrar e
Brandon odiaria isso. — confessou, com um sorriso triste. Perdi a vontade
de rir imediatamente.
— Seus pais…?
— Você sabe que ainda não quero falar com eles. Não. Não é sobre eles.
Minha família de verdade.
Entendi imediatamente. Naomi, Bale, Mike, Mel, Hailey. Essa era a
família. E Gianna, mas ele evitava falar dela. Ou vê-la quando ela estava na
cidade.
— Voltei lá por sua causa. — Ollie disse.
— Minha causa?
— Sim. Você me disse “você foi gigante”. E de algum modo eu quis
acreditar que poderia continuar sendo.
Sorri, com os olhos marejados. Ele sempre seria gigante.
— Vou pegar uma cerveja. — falei, balançando a cabeça, para evitar
chorar na frente dele. Ou ter qualquer reação bizarra.
— Eu treino amanhã. — cantarolou.
— Não te ofereci.
Ele bufou uma risada e eu segui para a cozinha. Parei quando vi as
chaves da Nichole na bancada, ao lado de uma folha de jornal dobrada e
rabiscada. Era uma foto minha com Oliver do jornal daquela manhã. Ele me
abraçava, nada mais. O título dizia “Nova garota para Oliver Zhang?”. Mal
dava para ver o meu rosto, mas era eu. A matéria mentia e dizia que
tínhamos sido vistos de mãos dadas, nos beijando ou algo do tipo. Passei o
dia inteiro preocupada com a audição e o jogo, eu nem desconfiei que algo
estava acontecendo. Meu nome nem estava na matéria.
Era tudo mentira. Era só um melhor amigo abraçando a melhor amiga.
Ainda assim, com um marcador vermelho, em letras garrafais, estava
escrito “conquiste o mundo, acabamos por aqui”.
— Oliver — chamei, com a voz trêmula. Ele levantou até mim
rapidamente, xingando. Peguei o celular, ligando para Nick. Ela não
atendia.
Foi a primeira vez que a mídia fodeu com a minha vida. E ela nem sabia
quem eu era.
Xinguei, desesperada, e ele me abraçou, impedindo o celular de cair da
minha mão.
Eu só percebi que repetia que ela tinha me deixado quando Zhang
murmurou:
— Eu sei.
— Não é verdade, Z.
Ele demorou em responder.
— Eu sei.
— Ela tinha que ter acreditado em mim. Ela tem que me ouvir.
Mas Nichole nunca me ouviria. Eu também nunca contaria que o término
tinha sido por bem mais do que uma foto. Que ela desconfiava que eu o
amava, muito mais do que como um amigo. Que, por um momento,
considerei ser verdade. Então, me rendi à outra primeira vez: a vez em que
desabei em seus braços. E ele me abraçou. Ele me abraçou e disse as três
palavrinhas pela primeira vez.
— Eu amo você. Não vou sair do seu lado, tá? Isso vai passar.
Eu disse as três palavrinhas de volta. Em prantos, sem saber se ele tinha
ouvido, mas eu disse.
Zhang ignorou que teria ressaca no treino do dia seguinte. Nós bebemos.
Bebemos pra caralho. Bebemos até que todo meu sangue fosse álcool e
todas as lágrimas se secassem.
Repeti inúmeras vezes naquela noite que focaria em trabalhar, jamais em
relacionamentos.
Ollie me colocou para dormir.
Secou todas as minhas lágrimas.
Me abraçou quase todos os dias depois disso.
E Nichole nunca me ouviu. Ela nunca voltou.
No ano seguinte, Oliver foi o melhor jogador do campeonato australiano.
E lembra daquele teste? Eu passei. Ele não foi o último. Foi só o
primeiro. Então, nesse mesmo ano, enquanto assistia Oliver Zhang ser
ovacionado em um estádio lotado, eu, Jasmine Rhodes, com apenas 20 anos
— quase 21 — apareci no telão com uma única legenda: “atriz jovem mais
bem paga da Austrália”.
E foi assim que fiz o que Nick mandou: conquistei o mundo. E Oliver
Zhang o conquistou comigo.

 
 

 
“Jogado aos teus pés,
eu sou mesmo exagerado”
Exagerado, Cazuza
 
 
A principal causa de morte entre jovens no mundo? Acidentes de carro.
Eu sobrevivi um.
Era por isso que, por muito tempo, eu não me sentia tão confortável em
carros a não ser que eu estivesse dirigindo. Vivendo de viagens, passando
muito tempo no ônibus com o time, eu passei por crises pra caralho até me
acostumar com a situação. Enfrentei a porra do medo até ficar insensível a
ele. Ou quase isso.
Ainda preferia dirigir qualquer carro a deixar alguém fazer isso por mim.
Odiava ficar no banco do carona ou confiar a minha vida em qualquer
pessoa.
Movi a mandíbula de um lado para o outro, frustrado com a porra do
engarrafamento, apertando o volante. Os dedos cobertos por anéis estavam
brancos pela força que eu aplicava e eu brincava com a corrente sobre o
meu terno. Nervoso. Porque estava atrasado. E porque Brightgate não
costumava ter engarrafamentos.
Encarei meu reflexo no retrovisor. Cabelos escuros e lisos, o breu no
olhar, a pele amarela clara e lábios rosados eram fruto da família Zhang. O
maxilar definido e o nariz reto eram da família Thompson. Poucos traçados
das minhas tatuagens escapavam pelo terno e quase nada da Fênix, tatuada
em meu pescoço, aparecia pela minha gola alta. Tinha dois piercings de
ouro no topo da minha orelha direita. Eu estava atrasado…, mas pelo menos
estava bonito.
Recebi uma ligação e a atendi no bluetooth do Dodge Charger 1969.
Carro clássico com tecnologia de ponta. A família de uma das minhas
amigas mais próximas trabalhava com esse tipo de coisa.
— Fala, Bale — ordenei, irritado.
— Onde está, Oliver? Estou sozinho aqui! — Damian estava no
primeiro grande desfile da esposa dele, Naomi Carlson-Bale. Era a porra do
meu destino.
— Não está nos bastidores?
— Estou. Sozinho. Preciso repetir? Desenhar, talvez?
— Mike?
— Sumiu com a Melissa.
— Hailey?
— Com a Naomi e a Jasmine. E ela está me deixando louco.
— Qual das três? — brinquei e ele bufou uma risada. — Engarrafamento
no encontro da Westwood com a Tribbianni. Não sei o motivo. Devo chegar
em meia hora.
— O desfile é em quinze minutos.
Oh... Cacete, eu estava fodido.
Mas então o trânsito começou a fluir, devagar. Eu olhei para o lado,
encontrando o que interrompia a movimentação e xingando: um acidente.
Desviei o olhar antes que tivesse um vislumbre da vítima, apertando o
volante com mais força e focando na direção. Meu coração martelava no
peito.
— Talvez eu chegue em quinze, um milagre aconteceu. Ou uma morte.
— O quê?
— Esquece. — Balancei a cabeça. — Te vejo em vinte minutos.
— Eu disse quinze! Catorze agora. Oliver!
— Tchau, Bale!
Desliguei antes que protestasse.
Levei dezesseis minutos para chegar no maldito lugar. Joguei minha
chave para o manobrista e os flashes dispararam assim que me
reconheceram. Olhando para baixo e desviando de perguntas insuportáveis,
aquela luz branca inconstante na minha cara, tentei chegar até o evento. O
segurança me deixou passar e eu comecei a fechar os últimos botões do
blazer, caminhando por entre as fileiras. O desfile ainda não tinha
começado, mas pensei que era uma questão de segundos, então corri para o
meu lugar, em frente à ponta da passarela.
A minha irmã estava ali, ao lado da esposa, ambas em vestidos pretos e
justos, mas completamente diferentes. Enquanto Kiera, minha cunhada,
vestia algo delicado, ombro a ombro e não tão justo após a cintura; Riley —
ou Lee — minha irmã, estava em um vestido justo de gola alta e mangas
compridas. A primeira era filipina, com seus olhos oblíquos, pele marrom
clara bronzeada e sorriso meigo; a segunda era como eu, de descendência
chinesa, com a pele amarela clara, traços finos e marcantes, boca rosada e
olhos grandes, escuros e inclinados para baixo.
Sentei-me ao lado da Lee e ela me lançou um olhar repressivo. Lambi a
ponta do dedo, fingi que tocaria seu piercing na sobrancelha e ela bateu o
dorso da mão no meu peito, brava. Atrasado, eu sei, eu sei.
— Ei, Kie! — Troquei um high-five com a mulher que ria da relação
estranha entre nós. — Com quem está o Yuan?
— Babá. — Kiera respondeu e eu sorri. Meu sobrinho tem um ano
agora. Elas fizeram fertilização in vitro. Óvulo da Lee, barriguinha da Kie
e... boom... Bebê fofo! — A Hailey estava... — Um furacão correu por cima
da passarela e pulou em cima de mim, fazendo algumas pessoas
gargalharem. — Te procurando.
Hailey Carlson-Bale era minha sobrinha. Não de sangue. Filha de dois
dos meus amigos mais próximos e loucos.
— Você veio! — A garotinha de quatro anos gritou e eu ri, afundando a
cabeça no seu ombro, envergonhado. A minha tentativa de passar
despercebido foi para os ares, quando eu olhei para o palco, vi Naomi
Carlson nos bastidores. Ela me ergueu o dedo do meio pelo meu atraso.
Soprei um beijo. Carlson rolou os olhos, relaxando só um pouco ao deixar
um sorriso escapar. Hay se afastou e tocou meu rosto, virando-o para si. Os
olhos azuis se arregalaram. — Por que demorou?
— Engarrafamento, Hailey-Boo — expliquei e uni minhas mãos às dela.
Ergui o olhar para Naomi, sua mãe. Os cabelos escuros estavam presos, mas
a minha melhor amiga os soltou e as ondas caíram pelos seus ombros. Os
olhos azuis pareciam aflitos, a pele branca bronzeada mal era visível pelo
vestido preto até os joelhos, justo. Havia algo dourado em seus ombros e
me lembrava a roupa de uma realeza. — Está tudo bem com a sua mãe?
— Ela está bem nervosa. — Hay sussurrou, como um segredo. Eu vi o
pai dela, Damian Bale, envolver a esposa por trás, provavelmente
assegurando que tudo daria certo, mas Carlson não parecia respirar.
— Oh, oh... — Fiz menção de levantar com Hailey nos meus braços,
mas vi alguém de pé, bem ao meu lado. Ergui o olhar para Melissa Wayne,
minha outra melhor amiga. Sua pele negra estava bronzeada, eu conseguia
ver a marca suave deixada por um biquíni, pelo vestido ombro a ombro
escuro que ela vestia. — Que porra está fazendo aqui? O Robin para o seu
Batman está infartando?!
— Eu... Huh... O quê? — Ela estava ajeitando a bainha do vestido,
confusa, e eu percebi seu marido logo atrás, vermelho e nervoso, um pouco
ofegante.
— Sério, Wayne?! — ralhei. Ela e Mike estavam transando.
— Não foi minha culpa. — Mike Graham devolveu baixo, ajeitando o
terno. — Ela estava cheia de te... — Tampei os ouvidos da Hay e lhe lancei
um olhar furioso. — T-E-S-Ã-O.
— O que é te...? — A Hailey perguntou e eu trinquei os dentes,
preparado para agredir o Mike.
— Não diga isso em voz alta para ninguém. — Wayne mandou,
apontando para a afilhada e se sentou ao meu lado. Mel verificou o fecho do
salto alto que usava, os cachos deslizando por suas costas nuas. Ela olhou
para mim e se defendeu. — 36,8.
— O quê? — Não entendi.
— Minha temperatura. Estava alta. 36,8. Quase 37.
— E...?!
— E isso pode significar mais fertilidade, Zhang! — sussurrou. — Estou
ovulando. — Envergonhada, Wayne pigarreou e Mike se sentou ao seu
lado. Não é como se eu tivesse esquecido que eles estavam tentando fazer
bebês há seis meses ou mais. Eu só não era bom de biologia. — O que
houve com Carlson?
— Ansiedade, acho. — falei e ela xingou, correndo, quase tropeçando,
para os bastidores.
— Ei, Hayhay. — Mike cumprimentou a afilhada. Ela continuou no meu
colo, mas trocou um high five com ele.
— Então... Ansioso para ser pai, huh? — perguntei e minha irmã se
infiltrou na conversa.
— Mike?! Mike só fala disso. Para quem corria de filhos, agora ele deve
querer pelo menos seis.
— Dois. — ele corrigiu Riley. — Eu quero dois. Wayne também. Dois é
o número perfeito.
— Veremos se vai achar isso depois que tiver o primeiro. — Lee rebateu.
Eu ri. De fato, crianças são uma responsabilidade e tanto.
Wayne voltou alguns minutos depois, se sentando entre o marido e eu.
Ela bufou e aproximou o rosto do meu, brincando com os dedos da Hay.
— Um problema de bastidores atrasou o desfile. — ela explicou. — E,
sabe, aquela cantora famosa americana que a Naomi tinha contratado... Ela
não veio. Parece que houve algum tipo de bomba familiar na vida dela.
— E quem vai cantar com o Bale? — perguntei e Mel ergueu as
sobrancelhas, esperando. Hailey me beliscou, para acelerar o processo, e eu
grunhi de dor, mas funcionou. — Ah, tá. A Naomi. Faz sentido.
A ideia era um show como da Victoria Secrets, mas — nas palavras de
Naomi Carlson e sua sócia — "para todas as idades, corpos e mulheres e,
principalmente, sem risco de falir".
Pela primeira vez, Carlson faria dois shows por ano. Um no início — o
que eu estava —, voltado para a mídia, mundo da moda e pessoas próximas.
Outro no final, transmitido na internet e voltado para o público geral.
— Está nervoso? — Wayne perguntou e eu franzi o cenho para ela.
— Por quê?
— Sua melhor amiga vai desfilar. — ela soprou, baixo.
— Você? Ou Carlson?
— Jazzy! — Hay me impediu de me fazer de sonso por muito tempo,
com um sorriso de orelha a orelha. Era a prova de que Jasmine Rhodes,
minha melhor amiga há pouco mais de quatro anos, conquistou meu grupo
por completo.
— Jas faz isso há muito tempo. — respondi às duas. — Por que eu
ficaria nervoso?
Mel bufou uma risada, um sorriso de canto maldoso estampando seu
rosto.
— O quê?!
— Ela faz isso há muito tempo. — Wayne respondeu. — E toda vez que
você assiste, parece que encontrou o pote no fim do arco-íris. Parece o Mike
conhecendo Kevin Feige pessoalmente, ano passado.
— Ei! — Seu marido nerd ouviu, batendo o dorso da mão no braço dela
levemente. Mel o beijou algumas vezes, sussurrando alguma provocação.
Hailey fez uma cara de nojo para a demonstração de afeto e me observou.
As palavras de Wayne me incomodaram um pouco e eu tentei pensar que
não era nada demais, olhando para a passarela.
— Isso é sobre o nosso super segredo? — Hailey perguntou, esfregando
os polegares no meu cenho franzido e afastando a ruga. Ri baixinho, como
se não fosse nada demais. O fato de que um cara de quase trinta anos tinha
uma garotinha travessa como uma de suas melhores amigas era não apenas
estranho, mas perigoso. Hailey era um pequeno tornado.
— Não — murmurei.
As luzes se apagaram, o show começou. Como uma obra do destino para
expor a minha mentira.
Meu coração ameaçou disparar com o som da guitarra. Não sei explicar,
era como se o ritmo dele fosse o mesmo, mas cada batida era mais forte.
Hailey se moveu para o colo de Wayne, apertando o braço da madrinha e
sussurrando algo, empolgada. Mike falou alguma coisa comigo, mas acabou
se perdendo quando Hay mudou para o seu colo, bagunçando seu cabelo.
Eu estava vagamente ciente do mundo à minha volta.
— Eu escolhi o tema. — Wayne confidenciou e eu uni as sobrancelhas,
ainda atento à passarela.
— É? E qual é?
— Amor. — Torci a boca e ela chocou o ombro contra o meu. Wayne era
uma romântica incurável. — Vamos, é fofo! Carlson e Bale cantando sobre
a história deles.
— Como se o mundo inteiro não soubesse.
— Aposto que vai adorar.
— Você é impossível. — Observei Melissa, que bateu os cílios, como se
fosse um elogio.
— É brincadeira, senhor fujo-de-relacionamentos. Amor é o tema do
show de inverno — Wayne disse, o sorriso na sua voz. — Jasmine escolheu
o tema dessa vez.
Eu não perguntei mais nada, mas senti o olhar de Melissa sobre mim.
Estranhamente maldoso. Minha amiga me disse o tema sem que eu
perguntasse.
— Descontrole.
Meu coração finalmente disparou.
Bale entrou pela passarela e Hailey gritou, bem como algumas pessoas
por ali. Damian tinha um olhar perverso, dedilhando a guitarra e
caminhando com firmeza. Ele parou no centro do palco, a luz vermelha o
tornando levemente diabólico enquanto começava os acordes de Bad
Karma da Miley Cyrus. Mas o arrepio me percorreu mesmo, quando a voz
de Naomi Carlson ecoou.
— You may think I'm goosing but the truth is I'm a liar — ela cantou. —
I sell you what I tell you but you ain't a fucking buyer.
— Exibida. — Mel, Mike e eu cantarolamos, ao mesmo tempo. Acho
que Riley fez o mesmo, do meu lado.
A maldita era boa no que fazia e sabia disso.
— You thinking that I'm sleeping when I'm creepin' in the night. — Os
olhos azuis eram desconcertantes até na meia-luz. Naomi Carlson era puro
perigo. — They say it's bad karma when you live a double life.
Naomi começou a desfilar no escuro como uma de suas modelos, o
cabelo caindo com ondas, mas bagunçado. Um pouco selvagem. Um passo
à frente do outro, devagar, quase fatal. Quando Naomi Carlson parou ao
lado do marido, Hailey se debruçou sobre os tios e me sacudiu.
— São os meus pais!
— Eu sei! — respondi,em um sussurro alto, rindo do seu sorriso
orgulhoso.
— Agora, agora! Olha agora! — Riley me avisou. A minha irmã agarrou
o meu braço quando a sombra da primeira modelo apareceu na entrada da
passarela.
— They say it's bad karma being such a heart-breaker… I've always
picked a giver 'cause I've always been the taker…
O salto fino cravou na passarela escura. As pernas longas e magras
começando a caminhar, as calças escuras e a jaqueta de couro aberta. Nada
por baixo, mas nada revelador. Extremamente instigante. Mas não era
Jasmine. Riley e eu bufamos.
Ajeitei-me na cadeira, cravando as unhas nas palmas das mãos. Carlson
se virava para Damian, apoiando a cabeça em seu ombro enquanto ele ainda
tocava.
— I'd rather just do it then not think about it later…
As vozes do casal, finalmente, se combinaram em uma única frase e eles
se separaram, permitindo que a modelo caminhasse até o final da passarela.
Carlson piscou para a filha ao passar e Hailey deu um gritinho que nos fez
gargalhar. Ela era a maior fã dos pais, era ridiculamente fofo.
— Kiss me bad karma, uh.
Bale mudava os acordes gradualmente. Reconheci Psycho, da banda
Muse, e a voz rouca e intensa de Bale deixou todo mundo extremamente
atento. Eu mal piscava quando a segunda modelo entrou, com um vestido
curto gola alta, botas longas, tudo sempre sombrio. Era uma modelo ruiva,
gorda, com maquiagem pesada. Bale se aproximou dela, tocando a guitarra
para a garota e recuando a cada passo que ela dava, com um sorriso
malicioso.
Naomi fazia a segunda voz, brincando com as modelos no caminho e eu
estreitei os olhos, analisando uma por uma. Bale fingia seduzir todas elas,
deixando a guitarra de lado. A melodia ainda explodia pelas caixas de som.
Pela troca de olhares do casal, eles amavam o caos naquele palco. Atraindo
todas as mulheres, provocando o público, completamente submersos e
unidos.
Estreitei os olhos quando uma modelo entrou, incrédulo, assistindo-a em
um vestido vermelho sangue, com fendas longas. A mulher negra e magra
estava em forma, mesmo em seus cinquenta e alguma coisa.
— É a sua mãe? — Virei o rosto para Melissa Wayne. Ela estava
ocupada assobiando para a ex-supermodelo que desfilava.
— MBH para todas as idades, Zhang. — Mike brincou, se divertindo
com a sogra na passarela. — Todas as idades.
Voltei o olhar para a passarela, balançando a cabeça com a cara de pau
de Bale, fingindo seduzir Helena Wayne. — simplesmente a mulher do
prefeito. Aquilo era muito ousado. Talvez polêmico. E incrível. Mas perdi
meu sorriso com a última modelo na entrada da passarela.
As luzes vermelhas piscavam para a silhueta feminina que fechava a
primeira parte do desfile. Ela estava com a bunda firme contra a parede, a
coluna levemente arqueada, jogando os fios ondulados e pretos para trás.
A pele negra, escura, era iluminada a cada flash vermelho, que
acompanhava o ritmo frenético da guitarra nas caixas de som. Sua forma
fina e alta era inconfundível. Ela segurava uma jaqueta de couro apenas
com o indicador, ameaçando derrubá-la. Até que a deixou cair em um
instante. No outro, Jasmine Rhodes se afastava da parede, com uma falsa
despretensão de menina má e começava a desfilar.
Sabe, tem pessoas que nasceram para ser pura arte. Essa mulher?
Definitivamente uma delas.
Fingindo puro tédio, Rhodes girou ao passar por Carlson, ignorando-a
por completo e hipnotizando qualquer um com aquele balançar de quadris
dolorosamente decidido. O vestido tinha um decote caído, parecia seda e
era curto pra cacete. Encerrava no meio das coxas. Por outro lado, as botas
compridas e brilhantes cobriam boa parte da sua pele escura.
Quando Bale passou por ela, Jasmine o segurou pela camisa, deixando
que a acompanhasse por poucos passos. Seus dedos afrouxaram o aperto,
seu indicador desceu pelo peito do cantor e ela o empurrou bem fraco —
descartando-o como nada. Extremamente focada, sexy pra caralho. A cada
segundo, simplesmente caminhando, Rhodes provava porque era uma das
mulheres mais bem pagas da Austrália: porque exalava poder. Simples
assim.
Um arrepio quase me despertou daquele transe. Eu não tinha consciência
da minha respiração, batimentos, do meu corpo. Percebia levemente que
meu sangue fervia, mas seguia vidrado. pra caralho. Preso em como a
mulher se movia, como se o mundo fosse seu. E se quisesse, seria.
Quando parou ao fim da passarela, seu rosto era tão lindo quanto fatal.
Ela ergueu o queixo, como se fosse realeza e nós, mera plebe aos seus pés.
Os olhos escuros, maçãs altas, as sobrancelhas bem desenhadas, o nariz fino
e lábios cheios... Ninguém parecia respirar, contando os segundos para
descobrir que porra ela faria. Ela era deliciosamente imprevisível.
E seu Grand Finale foi piscar e rir — algo entre o travesso e o inocente
—, como se não tivesse feito nada com aquela caminhada; mostrando que
se divertiu o tempo todo.
O tema era descontrole e Jasmine Rhodes entendeu a tarefa
perfeitamente, porque me fez sentir que perderia a cabeça em poucos,
malditos, segundos. E com certeza eu não era o único atordoado por ali.
Senti o olhar de Hailey sobre mim e ela levou o indicador aos lábios,
silenciosamente lembrando que guardava o nosso segredo. Um pouco
ofegante, desviei a atenção de volta para a passarela, fingindo sentir nada.
Mas uma adrenalina perigosa me deixava mais vivo. Uma sensação de risco
iminente que eu gostava, por mais insano que parecesse. Tudo por causa de
uma única mulher.
Meu segredo? Jasmine era o acidente mais devastador da minha vida. A
única mulher capaz de me colocar de joelhos. E eu não sabia se
sobreviveria a ela.
“A vida de luxo me deu adrenalina”
Lush Life — Zara Larsson
 
 
A adrenalina dos bastidores está no top coisas mais gostosas do mundo.
Depois de tirar os saltos e colocar um roupão macio após um desfile longo e
cansativo.
Aisha me ajudou a tirar as sandálias longas do último look e eu joguei os
fios pretos e lisos para trás, respirando fundo e fechando os olhos.
Eu desfilava muito pouco, mas ainda amava.
Comecei minha carreira como modelo, em campanhas de lojas pouco
conhecidas. A MBH, loja da Naomi — minha amiga —, foi uma dessas há
poucos anos.
A passarela sempre me deixava viva. Mas havia algo que eu amava mais,
algo que estudei para fazer: atuar. Então quando a fama chegou para o meu
amor maior, eu deixei os desfiles um pouco de lado — exceto para lojas de
amigos ou que me pagassem um cachê realmente bom. Campanhas
publicitárias ainda me davam uma grana absurda, mas me preparar para
desfiles exigia tempo que eu poderia usar para me preparar para filmes,
séries, talvez teatro algum dia... Para o que eu amo fazer.
— Você foi INCRÍVEL! — Melissa gritou, me forçando a abrir os olhos
ao me encher de beijos. Rindo, agarrei Wayne em um abraço pelo pescoço.
— SENSACIONAL! Eu queria GRITAR!
— Como agora? — Aisha provocou Wayne. Melissa se afastou de mim e
deu língua para Aisha Ambrose, diretora criativa, sócia da MBH e uma de
suas amigas mais próximas. Gorda, alta, negra e com os cabelos em um
coque alto, Aisha era uma das mulheres mais lindas que eu conhecia, e uma
das mais bem sucedidas para sua idade. A gravidez recente definitivamente
lhe dava algum brilho. — Foi incrível mesmo. Se não for capa de jornais e
revistas amanhã, o mundo da moda estará bem louco.
— Impossível! — Naomi Carlson disse, se aproximando ao pegar a
conversa pela metade. A pele branca estava levemente suada, os olhos azuis
brilhando com a adrenalina do show e um sorriso satisfeito, como o meu,
estampado em seu rosto. A dona da MBH se apoiou na minha mesa dos
bastidores. — Seremos manchete amanhã. Adrenalina, caos, sentimento...
Fomos moda pura. Eu vivo por isso!
— Nós vivemos! — corrigi e ela chocou a mão contra a minha.
— MAMÃE! — O grito nos bastidores nos fez sorrir imediatamente.
Hailey disparou por entre as modelos, feliz quando finalmente abraçou a
Naomi pela cintura. Carlson a ergueu com dificuldades, enlaçando as pernas
da criaturinha em torno de sua cintura e a enchendo de beijos. — Foi
incrível!
— Foi mesmo? — Carlson perguntou. Nunca vi um sorriso de mãe
babona maior do que aquele. Ou um olhar mais brilhante. E minha mãe me
amava muito.
— Foi sensacional! — Mike Graham concordou, se aproximando. Com
o cabelo extremamente curto e a barba por fazer, meu cientista favorito
abraçou a esposa por trás. E essa era Melissa Wayne, cineasta e meio que
minha chefe no momento, já que era roteirista e criadora da série que eu
estrelava. Eles eram aquele tipo de casal que te deixam enjoada apenas de
observar. Apaixonados ao extremo. — Ei, preciso encontrar minha sogrinha
em algum lugar, huh?
— Puxa-saco. — Melissa tossiu a palavra, fingindo limpar a garganta em
seguida.
Quase todos os meus amigos estavam ali, mas meu olhar já procurava
por alguém.
Um homem parou com um buquê de girassóis tampando o rosto e todos
nós derretemos em sincronia. Naomi colocou a filha no chão e abraçou
Damian Bale com força. O cantor esmagou a esposa e eles entraram em um
mundo só deles.
Hailey parou de admirar os pais e agarrou a minha perna, chamando a
minha atenção.
— Pode me ensinar aquele giro que você fez?
— Qual? — perguntei, a colocando no meu colo. Eu amava a pestinha
com força.
— Aquele na primeira parte do desfile.
— Eu te ensinei!
— Não com salto.
— Não acho que existam saltos quinze para garotas de quatro anos.
— Cinco!
— Quase cinco. — a corrigi e ela rolou os olhos dramaticamente. Não,
não estava tão perto assim de fazer cinco anos, mas Hay queria fingir que
sim. Aproximei a boca do seu ouvido. — Eu te ensino o que quiser.
Lembra? A função da tia Jazzy é te ajudar a detonar esse mundo! —
Minhas cócegas a fizeram gritar de surpresa.
— Deus nos ajude. — Uma voz rouca e divertida ecoou do meu lado.
Ergui os olhos para Oliver Zhang. Meu coração se encheu, como sempre.
Compreensível quando seu melhor amigo te olha com tanto orgulho, certo?
Seu sorriso era discreto para o mundo, mas não para mim. Eu reconhecia
a satisfação no seu rosto. Com a mandíbula esculpida pelos deuses, os olhos
longos e oblíquos, carregando a noite escura, e um estilo inconfundível;
meu melhor amigo estava fazendo metade das modelos dos bastidores
suspirarem — apenas em existir. Algumas tatuagens pelo corpo de Zhang
honravam a descendência dele, com frases em caracteres chineses ou
símbolos e figuras que contavam histórias sobre a cultura da sua família,
escapando pela gola alta e mãos. Ele amava a herança materna e a tinha
marcada pela pele.
O esquadrinhei o mais breve que pude. Ollie ficava bem em ternos e
sabia disso. Ele ficava bem em qualquer coisa. O maldito era bom em moda
também.
— Nada mal, Rhodes. Parecia um grilo desfilando, mas tinha classe. —
Eu sorri de orelha a orelha, porque esse era nosso jeito exótico de
demonstrar carinho.
— Jura?! Te vi babando por um grilo na plateia então. Esse terno é de
qual brechó?
— Armani.
Hailey olhava de um para o outro, adorando nossa briga falsa.
— Jura?! — Franzi o cenho. — Em você parece tãaao barato!
— Desgraçada.
— Aprendi com você.
E então ele me abraçou, mesmo com a Hay entre nós. Afundei a cabeça
no seu ombro e suspirei, relaxando. Zhang tinha um perfume incrível e um
dos melhores abraços do universo. Eu tinha sorte de ser sua melhor amiga.
Assisti Melissa e Mike nos olhando por cima do ombro de Ollie. Graham
parecia querer rir, eu conseguia ler um ou dois pensamentos perversos pelo
seu rosto.
— Vocês são estranhos. — Mel disse, como sempre, mas seu sorriso
dizia o oposto. Eu a ignorei, beijando o ombro de Zhang e me afastando
com pesar.
— Pronto para a noite da sua vida? — perguntei.
Ollie me deu um sorriso perverso. Um que dizia: "Com você? Sempre".
— Rhodes! — Ouvimos e bufamos ao mesmo tempo. Priyanka, minha
empresária, segurava um cabide com a minha roupa da festa, me olhando
com uma firmeza impressionante. Depois piscou, deixando um sorriso doce
escapar, sua verdadeira essência. — Se vista.
Coloquei Hailey no chão e bati na bunda de Zhang antes de caminhar até
a mulher de pele marrom e sorriso largo. Pri já ria antes mesmo de ouvir
minha resposta.
— É para já, baixinha. — Bati meu quadril no seu e entrei em uma das
cabines, fechando as cortinas. Hora de fazer Brightgate ser minha.

Saí do ambiente do desfile com um blazer grande e escuro sobre um


vestido preto curto. Me equilibrando nos saltos, desci os óculos da cabeça
ao nariz, enquanto Jake e Tyler — meus seguranças — pediam por espaço
dos jornalistas que gritavam meu nome. Estranhei que o lugar estivesse tão
lotado, porque isso era incomum em Brightgate. Pri respondia a eles que eu
não poderia conversar no momento quando Zhang me alcançou, segurando
minha cintura com firmeza e me ajudando a caminhar para fora do prédio.
— Por que não mandou o carro para a garagem? — ralhou, baixo.
— Por que você não fez isso?
— Eu fiz. O manobrista trouxe meu carro de volta.
— E eu tenho fãs — respondi e ele rolou os olhos. De fato, não tinha
paciência para os jornalistas, mas tinha autógrafos para assinar e fotos para
tirar.
Assim que caminhamos para fora do edifício, eu comecei a autografar o
que podia, para o desespero dos seguranças. Sorrindo de verdade e tentando
gravar o nome de algumas pessoas, pelo menos por alguns minutos, eu
tentava conversar brevemente antes das fotos. Tinham os que pediam por
careta, os que preferiam sorrisos, os que tremiam e eu precisava acalmar
antes de qualquer coisa. Eu amava isso. Não a fama em si, exatamente, mas
o carinho, entende? Ser reconhecida tinha seu lado bom e ruim. O lado ruim
sabia ser bem ruim boa parte do tempo, mas eu consegui ter uma vida muito
mais confortável naqueles últimos anos, fazendo o que eu amava. Devia
isso aos meus fãs. Achava justo honrá-los.
— Jasmine! — Tyler gritou, na porta do carro. Consegui tirar a última
foto, dando língua para a câmera e para o meu segurança.
Corri em meus saltos e Zhang ainda estava ali, olhando como se eu fosse
um erro. Dei duas batidas no seu rosto. Ele fingiu que morderia meus
dedos.
— Se acha que fica sexy com a cara fechada, deveria saber que parece
que está constipado.
— Cale a boca. — Oliver rebateu, rindo, e fechou a porta assim que
entrei no fundo do carro. Abaixei o vidro e ele xingou quando assobiei. —
Vamos nos atrasar, Rhodes.
— Eu menti. — falei e ele ergueu uma sobrancelha. — Armani parece
mais caro em você. — A sombra de um sorriso cruzou seus lábios. — Às
vezes.
Ele bufou uma risada.
— Odeio você.
— Odeio você mais! — devolvi, sorrindo.
Vê? Jeito exótico de demonstrar amor.
Meu celular vibrou assim que Priyanka entrou no banco do carona.
Atendi, pedindo por cuidado quando o motorista recuou, tentando escapar
dos fãs e jornalistas.
— Jasmine Souza Rhodes, esqueceu que tem mãe? — O sotaque baiano
discreto do outro lado me obrigou a mudar para o português, como ela. Era
engraçado como a pronúncia do meu nome no idioma da minha mãe
mudava completamente para o idioma do meu pai.
História resumida? Mãe brasileira fez intercâmbio na Austrália antes do
curso de gastronomia e conheceu um australiano. Namoraram por todo o
ano em que ela esteve aqui, ficaram três anos namorando à distância, até
que ele largou tudo para morar no Brasil. Vivi na Bahia até meus quinze
anos, quando vim para a Austrália com os dois. Sempre tento visitar o
Brasil em pelo menos quatro momentos do ano: aniversário da minha mãe,
carnaval, São João (um dos meus favoritos) e perto do natal. Nem sempre
consigo.
— Onde você está?
— Ué? Trabalhando, minha mãe. Eu avisei que tinha o desfile da MBH
hoje. Como está?
— Bem. Tem a festa ainda?
— Sim!
— E tu vai com o Ollie, certo?
Rolei os olhos. Subitamente eu tinha quinze anos e uma babá-Zhang.
— Sim, minha mãe. Oliver vai comigo. — Pude ouvir o alívio no seu
suspiro. — Tenho quase vinte e quatro anos, lembra? Sei me cuidar.
— Oxe, oxe…, e desde quando sua idade me importa? Estou feliz que
Oliver vá com você. Isso te deixa mais segura e me deixa mais tranquila.
Me manda mensagem quando chegar em casa!
— Certo. Amo você!
— Também te amo.
Desliguei a chamada e Priyanka se virou para mim, no banco da frente.
Voltei para o inglês imediatamente:
— Minha mãe, checando sobre mim como sempre. Tem espaço aberto
no próximo fim de semana, certo?
— Sim. Você tem metade do sábado livre e o domingo intocável. —
Bufei. Eu tentaria passar no restaurante da mamãe antes do trabalho em
algum dia da semana, esperar até o sábado era tortura e domingo era dia de
jogo do Zhang. — Tricia está bem?
— Está ótima. — Minha mãe se chamava Patrícia, todos meus amigos
australianos a chamavam de Tricia. Ou tentavam. Acabava soando mais
como "Trisha". Não que minha mãe não adorasse, ela se sentia mais
"chique", em suas palavras e não minhas. — Spencer vai para a festa hoje?
— Sim. Ela não perderia por nada. — A voz apaixonada da minha
empresária ecoou pelo carro. Priyanka era casada com uma jornalista,
Spencer Bowie, há pouco tempo. Se conheceram na universidade, quando
Pri estava migrando do curso de jornalismo para o de relações públicas. —
Temos compromissos amanhã cedo. Qual a chance de sairmos cedo dessa
festa, senhorita Rhodes?
Sorri em antecipação à música, adrenalina e algumas boas horas com
meus amigos.
— Nenhuma.
Poucas coisas me fazem tão feliz quanto uma boa festa. Essa é uma das
únicas coisas que a mídia pode falar sobre mim que não seria mentira —
apesar de que não vou para tantas quanto gostaria.
Apenas com um vestido preto de alças finas, eu passei para a DarkGate
— boate mais famosa da cidade — rapidamente, enquanto os seguranças
tentavam garantir minha privacidade e segurança. Dedos firmes e longos
alcançaram minha cintura no meio do caminho e eu nem precisava olhar
para saber que era Zhang. Seu toque e perfume me diziam isso.
— Deixou seu carro onde? — cobrei, como sempre.
— Liguei para Carlson. Deixei com o motorista da família dela. Ele vai
deixá-lo no nosso prédio.
— Então… noite de diversão? — perguntei, empolgada. Zhang sorriu.
— Noite de diversão, Jazzy-Boo. — ele confirmou, piscando.
Caminhamos para dentro da boate, o som ficando mais alto e forçando
meu coração a explodir em sintonia com as batidas eletrônicas.  O remix de
Vintage Culture de Slow Down me fez sorrir de imediato. Como boa
brasileira que sou, apresentei o DJ para Naomi Carlson, dona da festa, bem
como milhares de outros artistas do meu país, que eu sabia que tocariam
naquela festa. Segurei a mão de Zhang sem jeito e isso me fez agarrar seu
indicador e puxá-lo pela multidão dançante, em busca do nosso grupo de
amigos.
Encontrei o Mike primeiro. Mike Graham estava cochichando no ouvido
de uma mulher negra de cabelos cacheados, que obviamente reconheci
como Mel Wayne — a mulher mais linda que já vi na vida, sem brincadeira.
Meus quadris já se mexiam no ritmo da música, mas segui meu caminho
para nossos amigos antes de pensar na pista de dança.
— Casal Marvel! — brinquei, porque era assim que eu chamava os meus
nerds favoritos. Eles sorriram para nós dois de imediato. — Onde está o
casal bodyshot?
— Foram deixar a Hailey em casa e depois vão trazer nossa diversão! —
Wayne respondeu, piscando.
Nós tínhamos o costume de dar os primeiros shots juntos em festas
comemorativas. Acho que isso surgiu no primeiro grande teste de filme que
eu passei. Estava emocionada por ter encontrado um novo grupo que me
aceitava como uma família e finalmente me sentindo em casa depois de
conquistar algum sucesso, porque Deus sabe como a fama pode bagunçar
sua vida. Eu entrei na vida daquelas pessoas devagar e não queria sair
nunca.
Ajeitei a gargantilha de brilhantes no meu pescoço e me debrucei sobre a
mesa para conversar com o casal mais nerd da cidade. Mike me contou
sobre como andava o fim do seu doutorado. Ele começou um relato
científico sobre a importância da educação em química em escolas. Já
Wayne era parte de uma equipe de roteiristas da série da Netflix que eu
protagonizava, sobre um grupo de amigos em uma cidade litorânea da
Austrália. Então eu contava com sua amizade, talento e confiança no meu
trabalho para nunca matar minha personagem. A história era meio clichê,
mas envolvia sexo, festas, drogas e um bom drama. Tudo o que o streaming
quer hoje em dia. Ela idealizou a ideia junto com uma diretora com quem
trabalhou após o seu primeiro documentário, o famoso “Ramsey”. É um
filme sobre Brandon Ramsey, jogador de futebol e antigo integrante daquele
grupo. Mel roteirizou e dirigiu, porque ele era seu melhor amigo. E melhor
amigo do meu melhor amigo, Ollie. Mas isso não era algo que Zhang curtia
falar sobre.
Não demorou muito para o nosso casal bodyshot chegar. Algumas
pessoas da festa gritaram e assobiaram quando Carlson entrou na boate com
a garrafa de tequila. Ela estava com o cabelo em um rabo de cavalo baixo,
dividido ao meio, e uma camiseta social longa e brilhante. Tipo,
completamente brilhante. Parecia ser feita de diamantes. Além disso, apenas
botas longas e escuras. Em seu encalço, Bale estava com o mesmo terno do
desfile, sorrindo para quem os cumprimentava, enquanto se guiavam em
nossa direção.
—  Por que estão nos olhando? —  Naomi perguntou, rindo. — Vão
curtir, porra!
Parte da festa gargalhou, voltando a focar na música e na diversão.
Naomi se virou para nosso grupo com um sorriso largo e um olhar
faiscando más intenções. Quando seus olhos azuis encontraram a tequila,
ela sorriu ainda mais, puxando Bale pela mão. Motivo para chamarmos eles
de casal bodyshot? Zhang me disse que a longa história de amor deles
começou a partir de um. Toda vez que tinha tequila por perto, tentávamos
fazer eles repetirem a cena. Às vezes, funcionava.
—  Naomi Carlson, porra… Uau! —  elogiei, olhando da estilista para
Damian. —  Você é sortudo pra cacete.
— Você nem imagina o quanto — Damie respondeu, com uma piscadela
sugestiva e Naomi fingiu que o acertaria com o cotovelo.
— Por que estão parados aqui? Sem curtir? —  Naomi quis saber,
sinalizando algo para um garçom que passou ao seu lado.
—  Esperando vocês, majestades. — Zhang debochou, fazendo uma
referência.
— Estávamos esperando pela nossa tequila. — Mel explicou e Carlson
rolou os olhos.
— Bem, poderiam esperar dançando. — ela argumentou, enquanto
Damian abria a garrafa. —  Mas já que esperaram… —  O garçom voltou
em tempo recorde com limões cortados, sal e seis copinhos, lançando um
olhar lascivo para Naomi, que foi interrompido por um olhar predatório de
Damian Bale. Homens.
O funcionário organizou os seis copinhos em fileira com os demais itens
e Carlson os preencheu de uma só vez, fazendo meu coração acelerar. Tem
um motivo para nos chamarem de Seis Pecados de Brightgate, mesmo que
sejam sete os pecados capitais. Quando somos nós seis em uma festa, ela é
definitivamente a mais comentada da cidade. Por meses.
— Todos, preparem-se. — Bale ordenou, pegando seu shot. Todos
fizemos o mesmo, colocando o sal nas mãos e erguendo os copos ao centro
da mesa. Damian olhou para a esposa. — Sweetheart?
Naomi abriu um sorriso perverso, encontrando os olhos de cada um ao
redor da mesa, o meu por último. Quando piscou para mim, eu soube o que
dizer:
— Arriba, abajo, al centro… — comecei e lambemos o sal, antes de
virarmos a dose de tequila.
Y adentro a tequila se foi.
 
 
Duas horas depois e Zhang tinha desaparecido com alguma garota.
Melissa e eu dançávamos Shakira, ao centro da festa, com os corpos
colados, até o chão. Bêbadas, graças a Deus. Era Chantaje e não Hips
Don’t Lie, mas mesmo não sendo sua música favorita, Damian Bale estava
com as mãos nos quadris da esposa, sussurrando algo em seu ouvido
enquanto dançavam juntos. Graham estava no bar, bebendo, porque não
curtia muito dançar e tentou fazer isso por várias horas.
Eu estava bem longe de me cansar. E quando Wayne virou o corpo para
mim, eu segurei sua cintura e deixei nossos corpos irem no mesmo ritmo.
Seu olhar, contudo, estava chamando o marido, e eu percebia, pela troca
silenciosa entre os dois, que em breve estariam se atracando e eu sobraria.
Pensei que teria sorte se Zhang parasse de engolir a boca de quem quer que
fosse — ou outra parte do corpo — rápido. Eu curtiria bem aquela festa
sozinha, mas não queria fazer isso.
Tequila, alguns drinks a base de gin… Nós garotas estávamos alegres pra
cacete. Então, mesmo quando Bale saiu da pista de dança para fazer
companhia ao melhor amigo, Naomi se juntou a nós e ficamos ali por um
bom tempo, no meio de todas aquelas pessoas, dançando e dançando e
dançando. Nós três só paramos quando seguimos para o bar, em busca de
mais diversão líquida.
Apesar de ser uma festa bem tranquila para os nossos padrões, tirei os
saltos com os pés e os escondi atrás da bancada, para poder dançar mais à
vontade. Mel fez o mesmo e Carlson gemeu de frustração pelas botas
longas. Bem, a escolha foi dela de vir tão bem-vestida para uma boate.
— Um Sex on The Beach. — Mel pediu e eu precisei rir.
— Para comemorar o que você fez semana passada. — cantarolei.
— Shh! — Wayne arregalou os olhos e Naomi gargalhou. — Por deus,
Jazzy…
— Ela não mentiu. — Naomi me apoiou e nós trocamos um high five. —
Eu realmente não esperava que de nós três você fosse ter a vida sexual mais
agitada, Batman. — Elas se chamavam de Batman e Robin. Era um lance
de amizade de infância. Basicamente, Melissa tem o sobrenome do Batman
e elas sempre foram inseparáveis. — Digo, nós sabemos que você e Mike
são bem agitados desde que… Bem…
— Naomi! — Melissa gritou e eu gargalhei. Não falávamos sobre o
“incidente”. Infelizmente não as conhecia na época, mas eu daria tudo para
ser amiga deles quando Melissa… Bem, ela fez algo estranhamente peculiar
com Mike Graham na cama. Algo que te faz chorar de rir só de pensar.
Engoli esse riso com muita dificuldade. — Por que eu teria a vida sexual
mais chata do grupo? Seu marido está sempre viajando e a Jasmine…
Espera, aí! — Mel se virou para mim. — Ainda saindo com aquela modelo
do desfile da Calvin Klein?
Sorri de lado ao pensar em Brianna Jensen. Era uma modelo ruiva,
americana, que morava na Austrália há dois anos e eu realmente não sabia
que era bissexual como eu, até que uma de suas amigas confessou que ela
estava de olho em mim por um tempo. Meio quinta série parando para
pensar, mas ela era linda, divertida e tinha uma covinha que fazia qualquer
pessoa cair de joelhos. E eu caí. Em outras posições também.
Foi bom. Foi gostoso. Foi uma noite espetacular. Mas percebi que foi
apenas uma noite. Ela viaja demais, perdemos o contato há alguns dias e
eu… Eu gosto de sexo casual, mas acho que gosto mais de sexo não casual.
O vazio no dia seguinte geralmente não compensa.
— Foi ótimo. Mas acho que… — Lembrei que tinha que pedir minha
bebida, erguendo a mão. — Jasmine Rhodes está focada em trabalho agora
e ter uma pessoa na minha cama realmente não é uma preocupação que…
— Virei o rosto para frente e perdi meu sorriso ou capacidade de falar.
A bartender tinha olhos escuros, pele pálida e cabelos loiros. Magra,
baixinha, olhos azuis… Tão linda quanto eu me lembrava. Nichole olhava
para mim, esperando pelo meu pedido.
Nichole Cruz. Vulgo: ex-namorada.
— O que vai querer? — ela perguntou, depois de nitidamente engolir em
seco, tendo ouvido cada parte daquela minha última fala e eu ergui as
sobrancelhas, amaldiçoando meu azar.
— Nick.
— Jasmine.
Senti a mão de Wayne sobre o meu pulso. Seu polegar escorregou sobre
minha pulsação e ela a apertou, lembrando que estava ali e que eu poderia
me manter calma. O ar escapou dos meus pulmões com pesar.
— Acho melhor chamar outra pessoa para te atender, certo? — Ela olhou
ao redor e seus colegas estavam ocupados servindo outras pessoas. Nick
respirou fundo e se afastou, apontando para os fundos. — Vou procurar lá
dentro. Só um segundo.
Xingando, Naomi tentou me segurar quando me desvencilhei de Wayne.
Meu coração disparou e eu tentei contornar o bar, mas Oliver parou na
minha frente.
— Não.
— Oliver. Sai da minha frente.
— Jasmine. Não.
— Ollie. Cai fora. — Eu olhei fixamente para Zhang e ele balançou a
cabeça, silenciosamente me suplicando para não fazer isso. Para não
implorar para falar com ela. Como eu sempre fiz todas as vezes que nos
vimos.
Nichole terminou comigo e nunca atendeu minhas ligações, desapareceu
das redes sociais… Simplesmente sumiu sem deixar traços e eu fiquei
preocupada pra cacete. Zhang secou minhas lágrimas. Zhang me ajudou a
me reerguer. Zhang me apoiou quando eu estava no topo e ainda assim tudo
era solitário. Porque ela me deixou.
E eu passei por ele mesmo assim, rumando para trás do balcão e abrindo
a porta dos fundos. Ela estava sentada em frente aos armários de bebida da
cozinha.
— Eu acabei de pedir por um bartender para você e…
— Nichole.
Sua perna balançava sem parar.
— Faz anos, Jas. O que tem para dizer depois de anos?
Meus olhos arderam e eu não soube responder. O nó em minha garganta
queimava e só piorou quando eu percebi que nada mudaria as coisas.
— Eu sinto muito.
Ela riu.
— Bem, eu não!
As palavras me cortaram e Nick se pôs de pé.
— Olhe para você, a grande Jasmine Rhodes! — Algo no seu tom de
voz me fazia me perguntar se aquilo era orgulho ou ironia. — Modelo, uma
das atrizes mais bem pagas da Austrália, em metade dos outdoors do
mundo… Chovem trabalhos e dinheiro, fama e reconhecimento! Você
estudou para isso. Se dedicou para isso. Nós duas conseguimos o que
sonhávamos, Rhodes. — Isso me machucou. — Não está feliz? Você
conquistou tudo, Jasmine. Conquistou tudo o que queria, não foi?
Existe algo mais forte que dinheiro, fama e poder para mim. E isso você
percebe mais quando o mundo todo diz estar aos seus pés, mas você ainda
dorme na cama sozinha. Depois de um tempo, essa solidão cansa. Ainda
mais quando já viveu algo bonito, intenso e digno dos filmes que eu faço.
— Conseguiu tudo o que queria? — perguntei. Seu sonho era construir
uma família. Seu sonho era apenas esse. Se conseguisse isso, Nick estava
satisfeita. Então quando ela assentiu, meu mundo desabou um pouco. —
Qual o nome dela?
— Thea.
Eu não esperava que a conclusão para três, quase quatro anos não
resolvidos estivesse nos fundos de uma boate.
— Fico feliz por você.
Minha mentira ecoou baixa por aquele quase silêncio, apenas a música
eletrônica abafada do lado de fora sendo escutada.
— Só vim porque não queria que tivesse fugido. Do bar, eu digo. — E
da minha vida. — Não precisava.
— Jasmine…
— Foi estúpido vir, de verdade — comentei, rindo. — Eu só… Faz
tempo que não te via e… Não sei o que me deu… Mas fico feliz de verdade
por você, Nick.
Ela me deu um sorriso triste e seus olhos marejados me diziam que
minha atuação era péssima demais para uma atriz como eu.
Eu só dei as costas, a tempo de ver sua boca se abrir e nada sair, pisando
para fora. Me choquei contra músculos e ossos e ergui o olhar para Zhang.
Odiei ver pena nos olhos do meu melhor amigo. Odiei mesmo.
— Você sabia? — murmurei.
— Eu as vi há alguns dias. A Nichole e a…
— Thea.
Eu nem conhecia a tal Thea, mas não esqueceria seu nome. Zhang não
me disse nada porque isso me destruiria. E eu senti raiva. Muita raiva. De
mim, dele, de ser tão burra a ponto de não superar uma história por três
anos.
Eu balancei a cabeça e passei direto por ele, secando as lágrimas que
escaparam e encarando Melissa e Naomi, que me observavam com
preocupação nítida.  Virei a bebida de Carlson e forcei um olhar firme para
as duas.
— Me levem para a pista de dança.
Elas obedeceram. Vi de relance a porta dos fundos se abrindo e senti o
olhar de Ollie e de Nichole sobre mim, mas os deixei de lado. A noite
inteira.

Eu não sei ao certo quantos shots eu bebi. O suficiente para eu ter uma
crise de choro se escutasse Marília Mendonça, eu acho.
Eu estava tão bêbada que mal processei quem me protegia dos flashes,
até o uber fora da DarkGate. Não até estar no fundo do carro, com cinto de
segurança, ao lado de um homem alto, cheiroso pra cacete, que me
protegeria com a porra da sua vida.
Minha cabeça girava pra caralho. Meu coração partido não ajudava
muito.
O carro desceu pela garagem do prédio e eu dei um sorriso bêbado
quando o cara do meu lado assinou um autógrafo para o motorista. Depois,
ele me guiou até o elevador e eu colei a cabeça no espelho, torcendo para a
tontura passar, para que aquele momento vergonhoso com Nichole tivesse
sido um pesadelo.
Que porra eu estava pensando?
Correr atrás da sua ex, anos depois, sem sequer tê-la visto, em uma festa
como aquela… Impulsiva, idiota… frágil. Tudo o que lutei para não ser.
Acho que eu não era mais apaixonada por Nick. Mas talvez parte de mim
a amasse. Talvez aquela pequena parte da Jasmine do passado, presa em um
passado não resolvido. E é isso que o amor faz, não é? Ele apaga sua
racionalidade.
Por isso, talvez o amor não fosse para mim.
Talvez o amor fosse para poucos.
Talvez eu ficasse sozinha para sempre.
Ignorando minha frustração por ter me escondido qualquer coisa, deitei a
cabeça no ombro de Zhang, com os olhos marejados, observando a
numeração no visor do elevador. Faltavam vinte andares até a cobertura, no
vigésimo terceiro.
O perfume do meu melhor amigo me acalmaria até chegarmos lá. Era a
única coisa que jamais me enjoaria. Era a única coisa que me deixava
segura. Sempre deixou.
Desde o primeiro segundo que fiz suas barreiras caírem e descobri o real
Oliver, Zhang foi o meu melhor ombro para ruir e eu o seu. Nossas almas
colidiram em uma só, parecia predestinado. E se amor, o tipo de amor dos
filmes românticos e açucarados, não era para mim, Ollie e eu criamos algo
maior do que isso. Não era uma amizade simples. Era profundo e firme e
estável. Ele era minha pessoa favorita no mundo.
Acredito que, por isso, nossos corações e mentes eram ligados por um
fio inquebrável. E se isso é verdade, então por isso Zhang suspirou. Porque
se estava chateado comigo, por qualquer motivo que fosse, isso poderia
ficar para depois.
Então Ollie entrelaçou os dedos aos meus e deitou a cabeça na minha de
volta.
Nós não dissemos nada, andar por andar. Até chegarmos à cobertura.
O meu vizinho me acompanhou até a minha porta e esperou que eu a
abrisse. Eu poderia mentir que não precisava de Oliver, mas estava bêbada e
triste, precisava sim. Eu precisava do meu melhor amigo.
No segundo em que pisei em casa, minhas barreiras despencaram. As
decorações caras, os quadros abstratos, pintados e expostos, nas paredes
escuras, a grande escadaria para o segundo piso, a imensidão da sala de
estar que era duas vezes o tamanho do meu primeiro apartamento, a cozinha
ligada à sala moderna e em tons pastéis, as longas vidraçarias com visão
perfeita da cidade e do oceano na noite escura…
“Não está feliz? Você conquistou tudo, Jasmine. Conquistou tudo o que
queria, não foi?”
Bufei e as lágrimas escorreram. Não conquistei tudo o que eu queria.
Talvez isso nem fosse sobre a minha ex. Talvez aquele choro fosse apenas
sobre mim.
Pateticamente, eu sentia falta de amor.
Me virei para Zhang, sabendo que ele a odiava por ter terminado tudo
comigo. Silenciosamente o implorei para que ainda não sentisse raiva por
não a ter superado e cedi às lágrimas e soluços. O olhar de Oliver mudou
por completo, do superprotetor e duro para melancólico e compreensivo,
quando ele me abraçou. Ele fez um chiado baixo de descontentamento,
porque meu choro era por alguém que há anos não me queria, mas me
envolveu do mesmo jeito.
Ela me largou. E eu não conseguia deixar isso de lado. Três anos depois.
Porque era muito mais do que a Nick.
Meu último relacionamento estável tinha sido antes da fama. Ser uma
atriz era meu maior sonho e eu estava no auge. Ainda assim era
insuficiente. Insuficiente para ser amada como Jasmine Souza Rhodes, a
pessoa; e não a figura pública. Insuficiente para viver o amor que eu sempre
quis viver.
Ollie me carregou escada acima, me deitou na cama e tirou minhas
botas. Tudo girava, tudo doía, tudo sangrava… e eu torcia para não lembrar
de nada no dia seguinte. Minha maquiagem manchava o travesseiro,
enquanto eu chorava baixinho e Zhang se deitou ao meu lado, beijou minha
testa, sussurrando que tudo ficaria bem. Mas ele não entendia aquela dor,
entendia?
Pensei que, se eu fechasse minhas pálpebras o suficiente, aquela tontura
sumiria com toda aquela noite. E começou a funcionar. Aos poucos, o
cansaço foi me vencendo, enquanto Zhang acariciava a minha cabeça, sem
me deixar por um segundo sequer. Tanto que sua voz estava distante quando
ele soprou:
— Ela não entendia seus sonhos, Jazzy. Ela não te merece.
Não. Na verdade, ela merecia mais.
Meu coração partido o respondeu por mim:
— Você nunca se apaixonou e não quer se apaixonar, Z. Você nunca vai
entender.
Algo nas minhas palavras fez o silêncio absoluto cair sobre aquele
quarto, porque Zhang parecia até mesmo parar de respirar. Eu cedi ao
cansaço, bêbada e triste, então mal ouvi o baque silencioso da porta quando
me deixou descansar.
Mas pude jurar ter escutado um coração partir. E não era o meu. O meu
já estava quebrado.
“Passei por tanta coisa ruim, eu deveria ser uma vadia triste
Quem diria que, ao invés disso, me tornaria feroz?”
7 rings - Ariana Grande

 
 
Depois de um domingo de ressaca infernal, eu estava inteira. Se inteira
quer dizer forçadamente anestesiada após ver sua ex e perceber que, de fato,
sempre será sua ex, mas como diria Hailey Carlson-Bale: tuuuudo bem.
De frente para o espelho, fiz minha rotina de limpeza facial de sempre.
Cremes, esfoliante, massagem, limpeza, enxague, hidratante… Tem um
motivo para essa pele não ter um sinal de envelhecimento ou das malditas
espinhas da adolescência, amor, e isso se deve ao meu ritual de beleza
matinal. É quase minha religião.
Depois escovei os dentes, tomei um bom banho, me preparando para o
meu dia de trabalho. Assim que entrei no closet enorme, resistindo à
tentação de admirar minha bela coleção de sapatos — obrigada Deus pelos
Jimmy Choos — optei por uma camisa ombro a ombro preta e justa, calças
pantalona de mesma cor e botas cano baixo, colocando meu colar de olho
grego e prendendo os cabelos em um coque alto.
Peguei minha bolsa, abri meu celular, seguindo para a cozinha, onde
meu roteiro estava, completamente grifado e rabiscado. Temporada três,
episódio um: Surf & The City. O guardei na bolsa e ouvi os áudios no grupo
da minha equipe.
Priyanka me assegurou que não havia nada além da extensa rotina de
gravações naquela segunda, mas me lembrou de um photoshoot da série na
quinta de tarde, pela milésima vez. Enviei um “ok” para a minha empresária
e assegurei para a Frank que eu não precisaria de serviços de segurança
naquela semana. Brightgate era bem tranquila, então eu não costumava falar
tanto com meu segurança favorito, exceto em grandes eventos. Quanto à
minha estilista, Naomi já estava trabalhando na escolha de looks para uma
coletiva de imprensa no fim de semana. Minha equipe de publicidade e
assistentes não tiveram grandes observações.
Respirando fundo, da cozinha, ergui o olhar para o enorme buquê de
jasmins sobre a mesa de centro da sala. Mordi um sorriso idiota ao pensar
no bilhete de Oliver Zhang no dia anterior, pedindo desculpas se foi um
babaca por esconder qualquer coisa. Ele não foi. Eu o entendia. Eu devolvi
um dos jasmins na sua porta, de manhã cedo, com um sorriso torto, uma
oferta de panquecas com morango e o famoso brigadeiro no café da manhã.
Detalhe sobre mim? Eu até gosto de brigadeiro, mas não amo. Prefiro
comidas salgadas, apimentadas na verdade. Zhang, por outro lado, é viciado
por isso desde que minha mãe o apresentou o maldito doce. E, por ele, eu
cozinhava qualquer coisa. Estávamos bem. Tanto que meu celular vibrou
antes que eu saísse de casa e eu já imaginei quem era.
— Z?
— Emergência.
— A de sempre?
— Sim.
— Sorte que não estou maquiada.
Ele desligou do outro lado e eu saí do meu apartamento, me preparando
para a atuação do século e batendo na sua porta com desespero. Mais forte.
Mais rápido.
— ZHANG! Por favor! Por favor! — implorei, começando a chorar. —
POR FAVOR!
Uma garota abriu a porta. Ruiva, baixinha, magra e vestindo a blusa do
meu melhor amigo. Corajosa.
— Jasmine Rhodes? — ela sussurrou.
— Jasmine? — Oliver questionou, saindo da cozinha e fazendo sua
melhor cara de preocupado. O desgraçado estava aprendendo a atuar
direitinho.
— Preciso de você! — falei, soluçando e correndo para os seus braços,
como se a garota não existisse. Zhang me abraçou com força, me
tranquilizando. Ele acabou rindo baixinho contra o meu ouvido e eu o
belisquei. — Fica sério, filho da puta — sussurrei e ele voltou a atuar. —
Eu precisava m-muito do meu melhor amigo! — falei alto, soluçando cada
vez mais.
— Meu Deus… Parece que algo grave aconteceu, c-certo? — a garota
perguntou, sem jeito. — Nossa, vou me arrumar e ir embora. Desculpa por
qualquer coisa, Ollie. Nos falamos depois?
— Não precisa se desculpar, linda. Emergências acontecem.
Ele desviou da pergunta com maestria. Cafajeste.
A garota se vestiu com as roupas pela sala e eu olhei para Zhang,
erguendo as sobrancelhas como quem dizia: “na sala?”. Ele ergueu de
volta, com um sorriso olhando para todo o apartamento, que dizia: “por
todo o lugar”. Estremeci de nojo, fazendo uma nota mental de só sentar em
seu sofá se mandasse alguém limpá-lo.
— Mil desculpas! — a garota disse, sem nos olhar, jogando a camisa do
Oliver para ele. — Espero que tudo fique bem, Jasmine! Sou uma grande
fã!
Forcei um sorriso frágil e abracei Ollie de lado, que me abraçou de volta.
Ela finalmente caiu fora e fechou a porta do apartamento.
Eu me virei para o Zhang e tombei a cabeça para o lado, percebendo que
ele estava de boxer o tempo todo. Desgraça. Fazia sentido tanta gente cair
aos seus pés. Digo, eu tinha a regra pessoal de não ficar com amigos
próximos, mas não era cega: tatuagens, piercings, tanquinho, sorriso
impecável, o pecado em forma de pessoa… Zhang era muito gostoso. Voltei
o olhar para seu rosto e ele começou a se defender sem que eu dissesse
nada:
— O quê?! Ela estava com minha camisa, fazendo café da manhã e
fazendo planos de jantarmos juntos essa semana. Foi assustador!
— Vire gente, Oliver Zhang. — implorei, como sempre, e ele riu. —
Estou indo trabalhar. Se essa garota inventar qualquer merda sobre o que
viu aqui, esteja preparado para inventar alguma desculpa ou vou socar você
até o próximo ano. — Pisei firme para fora do apartamento.
— Aham, aham. Amo você.
— Amo você. — devolvi, rindo.
— Espera — Ollie me chamou e eu travei, segurando a maçaneta. —
Está bem? Digo… Depois da festa.
Forcei um sorriso que convenceria qualquer um, mas não Zhang.
— Bem o suficiente para expulsar uma garota da sua casa. De novo.
— Rhodes…
Prendi um suspiro.
— Estou bem, idiota, prometo.
Na verdade queria enfiar minha cara em um buraco depois de ter
cobrado satisfações da minha ex por um relacionamento antigo, mas para
quê relembrar?
— Preciso ir. Mais alguma coisa?
Zhang me deu um sorriso que me fez ter certeza de que me arrependeria
da pergunta. E eu me arrependi.
— Vai sair no mesmo horário amanhã, pela manhã? Talvez alguém
precise expulsar aquela loira do 302 bem cedo.
Revirei os olhos, erguendo o dedo e o deixando sozinho. Ouvi a
gargalhada de Oliver do lado de dentro. Esse cara nunca tomaria jeito,
tomaria?

— Algum motivo para a sua pele estar tão gelada agora de manhã? E
essa cara de choro? — Kyle, maquiadora e cabeleireira, perguntou. De pele
branca bronzeada e cabelo raspado, olhos azuis, vestindo a última coleção
da YSL, ela era uma das mulheres mais lindas que já vi.
— Longa história. — Me sentei na cadeira do meu trailer, me
preparando para sua longa rotina de cuidados e abri meu roteiro para
estudar as cenas daquela manhã. — Cole O’Connell está atrasado de novo?
— Provavelmente vai aparecer bêbado depois de gritarem ele pela
décima vez.
Suspirei. Meu colega de trabalho era impossível. O cara mais
antiprofissional que já vi e nem atuava tão bem assim. O lance era que
infelizmente ele era um galã antes mesmo de eu trabalhar com ele e foi um
dos nomes contratados para tentar fazer a série crescer logo de cara — o
que deu certo. Mas se ele era a estrela no início, eu era a estrela agora. A
série fazia sucesso por minha causa. E além de não atuar tão bem assim,
Cole era temperamental. Eu não sabia por que ainda estava na série.
Privilégio branco, possivelmente. Digo, ele era a cara cuspida do Liam
Hemsworth, mas podre em mais aspectos, ainda assim muita gente caía aos
seus pés.
Contudo, eu não desejava mal para o cara. Cole precisava ir para uma
clínica de reabilitação, se afastar da fama um pouco e se reencontrar de
alguma forma. De verdade mesmo, estava difícil trabalhar assim, mas
deveria ser pior estar na pele de um dependente.
— Jazzy-Boo? — Sorri assim que ouvi o chamado. Melissa Wayne
estava na porta do trailer, infiltrando a cabeça com o mesmo sorriso doce de
sempre. Tinha um tom avermelhado na pele negra clara, na região das
bochechas. O cabelo cacheado estava preso em um rabo de cavalo alto e
seus olhos tinham o mesmo tom do meu latte preferido. Minha roteirista
favorita entrou quando percebeu que era permitido e beijou o rosto de Kyle,
se apoiando na minha bancada e balançando um roteiro. — Preparada para
a bomba?
— Oh, oh… Que bomba? — Ela pegou meu roteiro grifado sobre a
bancada e o empurrou, até que caísse na lixeira bem próxima. Entendi
imediatamente, suspirando. — Trocaram o roteiro de última hora?
— Bem… Sim. Não só do primeiro episódio. Na verdade… — Mel
suspirou. Kyle ainda cuidava da minha maquiagem, uniformizando a base
na minha pele. — Estamos cogitando adiar a temporada e começar uma
nova leitura de mesa, novos ensaios… Algumas cenas dos cinco primeiros
episódios foram mudadas. Não tantas no primeiro, então ainda podemos
gravar essa semana. Mas… Depois, será discutido.
— O que Cole fez dessa vez? — Fechei os olhos quando Kyle pediu,
sentindo o pincel na região dos olhos.
— A pergunta é o que ele não fez. — Mel respondeu, soando
verdadeiramente cansada. — Cole não vem sendo professional, Jas. Por
muito tempo os produtores o queriam conosco, o streaming, o público… —
Abri os olhos. — Mas agora ele está atrasando a produção muito mais do
que antes, se atrasou para todas as leituras de roteiro, não responde às
ligações e faz duas semanas que o agente dele não dá notícias, o cara
simplesmente não se ajuda! Quase vazou uma foto de Cole cheirando uma
carreira de cocaína. Jake pagou dois milhões para evitar isso.
— Dois milhões?
Jake Rose, assim como Mel, era nosso showrunner. Um dos criadores da
série, junto com Melissa Wayne e Georgia Rose, a esposa dele. Mas
enquanto ele seguia como produtor e coordenador principal do projeto, ela
preferiu ficar como roteirista e na direção de alguns episódios, de vez em
quando.
— O cara está custando mais do que o salário dele. Está custando mais
que a produção de um episódio, Melissa!
— Pois é. E nós tentamos ajudar, certo? Eu tentei. — Vi a tristeza no
olhar de Wayne.
Cole nunca a tratou muito bem, mas Melissa Wayne tinha um coração
puro e fazia de tudo pelo bem de todos à sua volta. Ela tentou convencê-lo a
conseguir alguma ajuda psicológica uma vez e ele foi grosso pra caralho
com ela. O que resultou no marido de Wayne, Mike, um nerd sempre calmo
e sorridente, socando-o sem piedade. Saiu nos jornais, mas os produtores
conseguiram abafar a tempo. O pai de Wayne também ajudou a limpar a
barra de Mike. Não que tivesse algo a ser limpo.
Eu não sei se isso me torna uma má pessoa. Novamente, eu esperava que
Cole ficasse bem. Mas independentemente da sua dependência, antes
mesmo de ela aparecer, Cole já era incrivelmente perverso, rude e ruim.
Então eu não fiquei triste quando Mike o socou. Na verdade, amei um
pouco mais Graham por isso.
— Só espero que Cole fique bem quando ler os primeiros episódios —
Mel disse e eu peguei o roteiro novo de suas mãos, folheando-o em busca
das alterações. Wayne se afastou da mesa, beijando o topo da minha cabeça
como despedida.
— Por quê?
— Porque no quinto episódio, o personagem dele morre.

O personagem dele morre.


O personagem dele morre.
O personagem dele morre.
Meu cérebro estava preso nisso. Kyle terminava de fazer as ondas no
meu cabelo e eu encarava a maquiagem natural no espelho, mal piscando
depois de Wayne nos deixar ali. Ninguém mais tinha vindo me contar sobre
essa bomba, o que significava que tinham mandado a pessoa mais próxima
para me manter mais calma.
Mas quando Jaden Scott, o personagem principal mais queridinho da
série (depois da minha) está para morrer sem que ninguém sequer desconfie
disso, em uma série de comoção nacional — e até internacional —, é meio
assustador. Não que eu não estivesse carregando o protagonismo nas costas
há um tempo, mas Jaden era importante para Evvy, minha personagem. Isso
mudava por completo todo o planejamento para ela, toda a carga emocional
dela, todo o meu trabalho, e oficializava o peso tremendo nas minhas
costas.
Priyanka abriu a porta, com o cabelo castanho escuro em um coque alto
e um terninho verde que eu jurava já ter visto Marina Diamandis usando.
— Você já sabe. — acusei.
— Acabei de saber. Isso é bom, certo?
Priyanka tinha um sorriso encorajador no rosto. Eu não.
Segui para a rotina de gravações com a minha empresária em meu
encalço, dizendo que seria bom ter apenas um grande nome no elenco — eu
—, e que aquilo me colocaria ainda mais em destaque. Priyanka parecia
empolgada e eu a ouvi falar, fingindo calma diante daquilo tudo.
Mas algo parecia errado.
Paramos em frente ao bar cenográfico onde as minhas cenas seriam
naquela manhã.
Kyle prendeu um pequeno coque no centro da minha cabeça, deixando o
resto do cabelo solto. Eu ajeitei a saída de praia, esperando pelo pior.
Sabe, minha família materna tem pessoas de várias religiões. Mas a
minha mãe é espírita. Eu não sou muito ligada a religião, apesar de essa ser
a que eu mais me identifico, de algum modo. Enfim, Patrícia Rhodes —
vulgo minha mãe — diz que a intuição é como uma inteligência
extraordinária que sequer temos total conhecimento sobre. Ela acredita que
isso reflete tudo o que vivemos, não só nessa vida, e que manifesta nossa
alma.
A minha alma sempre se manifestou bastante. Minha intuição sempre foi
forte. Obviamente, nem sempre ela estava certa. Mas naquele set de
filmagens, eu tinha certeza de que ela não estava errada em me dizer para
me manter centrada e respirar fundo. Algo ruim estava vindo.
Apertei o colar do olho grego na minha mão. Era um dos símbolos que o
papai mais gostava. Fechei os olhos e chamei por ele, só para me sentir
mais calma. Para ter a segurança de que ele me protegeria.
— Pronta? — Mel me perguntou e eu abri os olhos, confirmando. Ela se
sentou ao lado da cadeira do diretor, que naquele dia era Eric Driver. Eles
começaram alguma conversa baixa, enquanto os últimos ajustes na luz e
som eram realizados.
Me virei para Pryianka. Ela estava ao telefone. Olhei para Kyle. Ela me
deu um sorriso encorajador. Pete, Seth, Rachel… Eu conhecia todo mundo
da produção ali, parecia tudo em ordem. Mas só parecia.
Ignorei meu coração acelerado e caminhei para a cena. Atrás do balcão
do restaurante onde minha protagonista trabalhava, perto da praia, a cena
era dela com o melhor amigo. O cara que gostava dela. O cara por quem ela
começou a desenvolver alguns sentimentos na temporada passada. E agora
tudo fazia sentido. Estavam se preparando para a possibilidade de demitir
Cole.
Meu parceiro de cena, Ian, entrou com um sorriso enorme e foi
impossível não sorrir também. Ian tinha o cabelo trançado e curto, a pele
negra clara e a barba por fazer. Trocamos nosso high-five de sempre. Ele
sim era um cara legal para trabalhar. Principalmente quando levava a
filhinha dele para nos ver, era tãaaao fofa.
— Pronta?
— Pronto? — devolvi, para fugir da resposta.
Ele respondeu com um sorriso e eu respirei fundo, esperando as ordens e
tentando me conectar com a personagem. Percebi que Ian estava tenso
como eu, porque nossas brincadeiras e piadas pré-gravações eram
inexistentes.
— Preparados? — Wayne perguntou, alto, colocando os grandes fones
para ouvir melhor nossas vozes. O diretor, ao seu lado, nos lançou apenas
um olhar. Confirmamos e eu comecei a limpar a mesa, de acordo com a
cena. Ouvi a claquete, tentei não observar Ian do outro lado da bancada. —
Gravando!
— Então vocês terminaram? — Theo, personagem de Ian, quis saber. Eu
suspirei, dando as costas e guardando algumas das coisas da bancada em
um armário. Ian circulou a bancada. — Sou seu melhor amigo, você sabe.
Pode me contar essas coisas.
— Não quando eu sei o que você vai me dizer. — respondi, ainda
evitando contato visual. — Olha, Theo, eu sei que você odeia o Jaden. Eu
sei que acha que ele não é o cara certo para mim…
— Porque ele não é. — Sua voz era intensa, precisa e eu elogiaria Ian
mais tarde. Ergui o rosto para ele, devagar, como estava no script. — Ele
não é o cara para você, Evvy.
O silêncio se prolongou por algum tempo.
— Então quem é?
Ele riu baixinho, se aproximando e seu nariz roçou contra o meu.
— Theo…
— Eu preciso dizer mesmo o óbvio?
Seu polegar roçou contra o meu braço, seu toque subindo devagar. Eu
me preparei para repetir aquela cena milhares de vezes, em todos os ângulos
que quisessem, tentando recriar aquela química em todos os takes. E Ian e
eu éramos bons nisso.
Parada, minha função era respirar levemente ofegante e não tomar
atitude, porque isso seria trair os princípios da personagem, que era
apaixonada por outro; mas não fugir, porque já gostava do amigo o
suficiente e estava cansada de sofrer pelo mocinho quebrado e levemente
perverso.
— Evvy, eu…
— SUA VAGABUNDA!
E aí estava o que minha intuição tinha gritado que aconteceria. Virei o
rosto para Cole, que estava bêbado e gritando, estirando o dedo em minha
direção.
— VOCÊ FEZ ISSO!
— Cole…
Desligaram as câmeras, Wayne se levantou e Ian se pôs entre nós dois.
— Sério, Jasmine! Você não TOLERA isso, não é? Você não tolera
ninguém acima de você! Você queria ser a porra da protagonista desde o
início.
— Cole, eu sou a protagonista desde o início.
— E eu também era!
— Mas você nunca agiu como tal!
— Você PEDIU por isso, não foi? Você pediu para me tirarem dessa
série fodida?
— Cole — Melissa chamou, calma. — Para o seu trailer, agora.
— VOCÊ MATOU O MEU PERSONAGEM, Jasmine. Foi você e eu sei
que foi, porque eu cansei de ouvir por essa porra de set que você queria
isso.
— Bom, isso eu não posso negar.
— Jasmine! — Jake reclamou, entrando no set, e eu suspirei. O
showrunner estava em seu terno impecável, com as mãos na cintura e um
olhar furioso. De cabelo castanho escuro pintado, em seus cinquenta anos,
magro e alto; ele olhou no fundo dos meus olhos, esperando a certeza de
que eu ficaria calada dali em diante. Jake era meu amigo. Então eu confiaria
nele para resolver aquela merda. — Cole… Se acalme.
— Eu sou a porra do protagonista, Jake! — Cole argumentou e eu
suspirei. — Você vai me trocar mesmo por essa filha da puta?
— Puta é você, desgraçado do caralho!
— Jasmine! — Melissa ralhou e eu afastei de Ian, me aproximando de
Cole. — Rhodes!
— Não, Melissa. Agora ele vai me ouvir. — Olhei para o desgraçado que
tornou os últimos anos mais difíceis em um lugar onde todo mundo, por
incrível que pareça, se amava. E isso é raro no meu ramo. — Você
humilhou uma das minhas melhores amigas e ela é a porra da sua chefe, —
apontei para a Mel — a pessoa que escreve o caralho da série que você atua
— comecei a pontuar. — Você fez essa produção gritar e chorar de ódio
milhares de vezes com seu ataque de estrelismo e você está fedendo a
álcool. De novo.
Ele riu, debochado, e eu continuei, puta pra caramba.
— Tinha cocaína no seu trailer na última temporada, Cole! Cocaína
dentro do set. Você trouxe drogas para o trabalho! E mais de uma vez.
Você me beijou em cena e eu fui profissional, fingindo que sua boca não
tinha gosto de, sei lá, tequila?! Mas chega. Chega pra caralho. Você não vai
me tratar mal e você não vai dar chilique nenhum na porra desse set, porque
ele não é seu set, essa não é sua série e seu personagem vai morrer porque
ninguém mais te suporta. E se você tivesse algum juízo, perceberia que essa
demissão é para o seu bem.
Ele recuou, absorvendo minhas palavras. E talvez eu estivesse sendo
rude ou pegando pesado demais, mas… Nossa, eu trabalhei duro para me
tornar alguém.
Cole O’Connell era um ator mirim australiano, parecia o Brad Pitt nos
anos 90, tinha pais atores e reconhecidos na Austrália, veio de uma base
privilegiada, tinha toda uma herança no mundo da fama e ele tinha talento,
mas não fazia nada de bom para crescer. Eu só tive meu talento, meu estudo
e minha força de vontade para me tornar a atriz mais bem paga da Austrália
aos vinte e quatro anos, em uma sociedade majoritariamente branca e em
um contexto em que representatividade em filmes quase sempre
correspondiam a pequenas cotas.
Eu fiz a porra do meu nome. Cole não.
— Ninguém consegue te ajudar! Você reclama que eu não te quero aqui?
Me olhou feio todas as vezes que perguntei como estava, fez piada de todas
as cenas que me renderam prêmios e quase derrubou a porta do meu trailer
porque achou que eu tinha escondido a sua bebida…
— PORQUE ESCONDEU!
— Não, mas eu deveria ter escondido e provavelmente foi alguém da
produção, cansado de te esperar de um atraso de uma hora, porque você
preferia beber e foder uma fã no camarim, do que trabalhar, Cole! Cara, não
percebe? — Ri, com escárnio, frustrada. — Você humilha todo mundo e se
quer saber, eu queria sim que seu personagem morresse e graças a Deus
meus pedidos foram atendidos porque você é intragável, insuportável e
provavelmente só conseguiu a porra do emprego porque metade das garotas
querem chupar seu pau imundo. Mais alguma dúvida?
Eu trabalhei duro como mulher negra para chegar no posto de
protagonista de uma série de sucesso para isso? para ser xingada por apenas
fazer meu trabalho, como se a responsabilidade das falhas de um
irresponsável mimado fosse minha? Nunca.
Nunca abaixei a cabeça para ele, mas sempre fiz questão de me manter
fria quanto a toda sua merda. Eu o respondi com elegância até aquele
momento. Aquele era o meu limite.
— Mais alguma dúvida? — repeti e ele travou o maxilar, vermelho, me
olhando com pura cólera. — Esteja aqui cedo todos os dias, tente honrar a
porra do seu trabalho, pelo menos faça seu personagem morrer com
decência.
— Vá se foder — ele disse, recuando, e eu grunhi, observando seu
ataque de infantilidade e estrelismo pela última vez.
— Depois de você, O’Connell.
Eu deveria ter escolhido melhor as minhas palavras.
“Eu vejo você como bem mais do que só um amigo.”
ResenhaDaBlakk ft. Kiaz ft. Agnes Nunes

 
 
“Você nunca se apaixonou e não quer se apaixonar, Z. Você nunca vai
entender.”
Chutei a bola novamente.
Na época da escola, eu jogava na defesa ou como volante às vezes,
porque essa era a maior fraqueza do nosso time. Contudo, quando o
treinador me colocava como meia, eu brilhava pra caralho. Quando fiz o
teste para o time de Brightgate, jogando como meia, os olheiros perceberam
isso. Era a posição que eu amava. Meu melhor amigo, na época, me disse
“esqueça como faz na porra da escola, Zhang, faça como ama fazer”. E com
esse conselho de Brandon Ramsey, eu mostrei do que era capaz.
Eu sou um dos melhores meias da Austrália. Um dos melhores
cobradores de falta também. E isso não condizia com a bola voando por
cima do gol.
— Oliver! — O treinador Corey gritou e eu bufei, consciente de que era
o terceiro pênalti seguido que eu errava. — Porra! Meu melhor cobrador de
falta está onde? Naquela porra de festa que você foi esse fim de semana?
Respirei fundo com o comentário de Corey. Estávamos no início do ano.
Tínhamos alguns amistosos antes do campeonato de fato e o primeiro seria
naquela semana. Não era o fim do mundo beber quando se está de férias e
tecnicamente eu estava na noite da festa do desfile, então ele não poderia
reclamar, poderia? Mas confesso que eu não estava com a cabeça no lugar
naquele treino. Não mesmo.
— Desculpa, chefe — respondi, dando meu melhor sorriso e isso não
deixou o homem magro, bigodudo, negro e alto nem um pouco mais
tranquilo. Olhei para o outro lado do campo, onde alguns jogadores
treinavam velocidade, se movendo com habilidade com as bolas em um
percurso de cones. Clark, o goleiro, à minha frente, me lançou um olhar
confuso.
Eu chutei a bola novamente. E errei.
Eu precisava tirar Jasmine Rhodes do meu sistema. Quando isso
acontecia, mais sexo bastava. Exceto que naquela manhã Jazzy expulsou a
menina da minha casa e eu só consegui pensar no cheiro do seu perfume
por todo o caminho para o trabalho. Mais sexo, então. Jamais com ela.
Segurei a próxima bola e a posicionei na grande área, nervoso. Levei as
mãos à cintura, observando minhas chuteiras vermelhas contra a grama.
Eu não sei ao certo quando minha atração por Jasmine começou, mas eu
achei que estava a superando. Digo, eu ainda faria qualquer coisa por ela,
porém é o que você faz por sua melhor amiga. Principalmente, quando
conhecê-la foi uma das coisas que te salvaram do buraco mais fundo que
você já esteve em toda a sua vida. Eu a amava, obviamente. Mas não tinha
por que me incomodar tanto por aquela frase se eu não era apaixonado por
ela. Era apenas uma atração, era normal. Afinal, Rhodes era linda.
Não era paixão. Era?
Chutei a bola novamente. Errei.
Deixei flores na casa dela, como sempre quando brigávamos. Jasmins,
por motivos óbvios. Seu nome diz tudo. Ela apareceu na frente da minha
porta com uma flor cobrindo o rosto, até fazer o clássico “opa, aqui estou” e
tirar a flor de cena para me dar seu melhor sorriso. Ela me disse “Desculpa
por ter sido uma bebê chorona e mimada na outra noite”. Eu disse que ela
não tinha sido e sorri. Pra caramba. Eu não me importava se fosse uma bebê
e chorona mimada, porque ela era minha Jasmine. Mas não era paixão.
Nunca seria. Eu não poderia deixar que fosse.
Me afastei da bola novamente, prestes a cobrar outro pênalti.
Oliver Zhang foi feito para jogar futebol e viver intensamente. Oliver
Zhang não foi feito para amar.
“Você nunca se apaixonou e não quer se apaixonar, Z. Você nunca vai
entender.”
Cobrei o pênalti. E errei pra caralho.

— Péssimas cobranças!
— Uou! — foi o que consegui dizer, estremecendo, com a visão da
minha irmã no vestiário do time. Os jogadores não tinham se despido ainda,
eles esperavam por seja lá o que Corey, o técnico, nos diria após o treino.
— Bom dia para você também, Riley.
— Bom dia, insuportável. — disse, sorridente. Sua pele amarela estava
um pouco suada, resultado do calor infernal do verão daquela cidade, mas o
sorriso da técnica assistente era bem sincero. — O que tem de errado com
os seus pés hoje? Ainda sabe acertar o gol? Ainda lembra o que é um gol?
— Ha ha. Hilária. — Fechei meu armário e dei um peteleco na sua testa.
— Veio me pirraçar ou tem algo a me dizer, Lee?
— Na verdade, tenho. E você não vai gostar. — Cruzei os braços,
esperando que falasse de uma vez. — Corey está pensando em te tirar de
alguns dos jogos.
— Por quê? — Ela esperou que eu processasse. — Estou sendo punido?
— Shhh… Filho da puta, fala baixo.
— Chamou a mamãe de puta? — Lee bateu na minha nuca, brava pela
piada. Eu xinguei, alisando o lugar atingido. — Por que estou sendo
testado?
— Preciso mesmo dizer? Seu time, Zhang, e seu adorável empresário te
falam sempre, Oliver. No fim da última temporada, você tinha tantas
manchetes de fofocas por dia quanto assistências, gols e passes corretos.
Você teve duas lesões no último campeonato. — Eu não poderia falar sobre
elas. — E sempre saindo com garotas antes de treinos, chegando atrasado
nas concentrações depois de imagens suas em noitadas… E você foi
expulso por agredir um torcedor e não jogou a última partida.
— Eu estava errado? — perguntei, bravo. Ela negou.
O filho da puta foi racista e xenofóbico. Me chamou de “japonesinho”
quando eu estava para cobrar um escanteio, sendo que eu tenho
descendência chinesa. Geralmente eu ignoro esses desgraçados, por causa
do time, mas era um jogo tenso e ele gritava a plenos pulmões que eu — o
“japonesinho” — era burro demais para um asiático. Estereótipo do caralho.
Eu gritei de volta que minha descendência era chinesa, ele disse que dava
na mesma e minha família deveria voltar para onde veio. Os câmeras
gravaram o jogo sendo interrompido por aquela discussão. E gravaram
quando eu pulei os limites do campo e joguei a bola na cara do filho da
puta.
Eu faria de novo. E faria mesmo.
A única pessoa que me acalmou foi a Hailey, quando saí do jogo. E
depois da pequena Carlson-Bale, a Jasmine. Ela me ouviu contar toda a
história e disse que eu deveria ter jogado a bola mais forte.
Nunca fui um cara agressivo. Mas eu faria de novo. Mesmo que me
punissem.
— Veja, Ollie… Você não estava errado! Eu amo você pelo que fez, se
quer saber. Mas isso gerou burburinho para a imagem violenta que pintaram
de você.
— Que não faz nenhum sentido. Briguei uma vez na rua porque
assediaram a Mel, outra vez em um bar porque desrespeitaram a sua esposa
e mãe do seu filho, Lee, e…
— Ainda assim, essas mentiras e fofocas rendem para a mídia e você
sempre foi o alvo e, convenhamos, Z, você sempre vai ser! — Algo no seu
tom preocupado me fez suspirar. — Seu rendimento foi espetacular na
temporada passada e eu sei bem que vai ser nessa. Mas seu contrato está
acabando e algumas pessoas do clube estão falando que não sabem se você
é esse jogador todo e você é caro, Ollie. Você é o capitão. Então me choca
que não estejamos ouvindo falar tanto de outros times interessados e ainda
mais que esteja sendo cogitado para o banco, ou para cair fora.
Corey entrou no recinto e eu me senti tentado a falar com ele, mas Lee
leu meu olhar perfeitamente e balançou a cabeça, discordando da minha
ideia.
— Jogue bem, mas se comporte fora de campo. Fique mais quieto nos
próximos dias. E converse com seu empresário.
Assenti e ela beijou minha bochecha, se afastando. Suspirei, dando
graças a Deus por minha irmã existir. Ao mesmo tempo, quis que não
tivesse vindo me contar nada daquilo. Definitivamente não era o que um
capitão gostaria de ouvir. Não mesmo.

— Não falou com seu empresário sobre? — meu pai perguntou e eu


arremessei a bola de futebol americano. Ele gostava mais disso do que o
futebol de verdade. Sim, eu disse: futebol de verdade. O outro é ridículo.
Me processe.
— Não. Vou falar com ele amanhã. Eu queria saber o que você acha. —
Meu pai arremessou a bola de volta.
Ao contrário de mim, papai é branco. Loiro, alto, olhos escuros, meio
Brad Pitt. Nós tivemos uma relação conturbada quando optei pelo caminho
do esporte e não por sua empresa. Meu pai, Adrian Thompson, é advogado,
como a mamãe, inclusive era sócio do pai da Melissa quando ele era um
advogado também. Ele sonhava em me ver ao seu lado, já que Riley não
quis isso e alguém precisava seguir com o legado da família. Escolher o
futebol como profissão era demais para sua mente ultrapassada e isso se
manteve assim até o maldito acidente que sofri, quando ele acordou para a
vida. Sofri aquele acidente porque bebi com meu amigo. E só bebemos
porque meu pai tinha me magoado.
Guardei mágoas por um tempo, até que percebi como isso fazia ele
sofrer, bem como a mamãe. Jasmine foi um ponto crucial nisso, toda vez
que falava da sua relação com sua família ou de como faria de tudo para ter
seu pai de volta. Naomi, Mel, Mike e Damian também. Afinal, mesmo com
pais tão diferentes, todos concordavam que se eu sentia que havia amor
entre meu pai e eu — o tipo de amor capaz de curar ao invés de ferir —
então talvez valesse a pena. E teve as sessões de terapia… e a saudade de
encontrar meus pais depois de três anos de afastamento.
Eu nunca fui muito bom em guardar mágoas. Três anos sem falar com
alguém era algo sem precedentes na minha vida. Então houve um momento
em que a amargura perdeu o sentido e eu percebi que se tivéssemos parado
para conversar e nos resolver mais vezes, e mais cedo, nada de ruim teria
acontecido. E, bem, teve muita terapia para isso. Mesmo. Não era uma
ferida completamente curada, mas perto disso. Acho.
Ok, a verdade é que eu o tinha perdoado, mas não sabia ao certo como
voltaríamos a ser o que éramos antes. Se é que isso aconteceria. Eu
almoçava com ele vez ou outra, visitava minha família sempre que possível
e me preocupava em checar como ele e a minha mãe estavam… Mas a
verdade é que, querendo ou não, as discussões no passado criaram um
abismo entre nós. E por mais que eu o amasse e não estivesse mais
magoado, havia lacunas entre nós que dificilmente seriam preenchidas após
anos de desentendimentos. Talvez fosse uma ferida que não cicatrizasse
completamente.
Mas ele era meu pai. E eu me importava com o que ele pensava e sentia.
No fim do dia, com feridas e cicatrizes ou não em nosso relacionamento,
isso era imutável. Então ali eu estava, querendo sua opinião.
— Eu acho que sua imagem precisa de um cuidado melhor, Oliver. Mas
seriam loucos se te tirassem do time. Você é o capitão. A torcida te ama.
Sua sinceridade me fez bufar. Ao mesmo tempo, minha braçadeira
provavelmente não impedia nada. Se quisessem, me tirariam do time e do
posto de liderança. Simples assim.
— Garotos. — mamãe chamou, da porta. Seus braços estavam cruzados
e seu cabelo longo e liso, em um rabo de cavalo alto. Seus olhos oblíquos,
como os meus, tinham rugas por seu sorriso enorme. Lin Chan Zhang-
Thompson, ou apenas Lin, sempre teve uma elegância e doçura
inestimáveis. — Vão ficar jogando sem parar ou vão almoçar? — Ela me
encarou. — Fiz o que sua nutricionista insuportável recomenda.
— Ela não é insuportável! — Joguei a bola para ela e ela realmente
capturou.
— Ela te proíbe de comer minha comida, Oliver.
— Porque sou atleta! — Mostrei meu bíceps e minha mãe acertou a bola
nele. Gemi de dor e ela cerrou os olhos.
— Para dentro, atleta. — Lin deu as costas. — E não vou te chamar duas
vezes, Adrian.
Estremecemos juntos, papai e eu, e a seguimos imediatamente.

Almoçar com meus pais foi tranquilo, mas me atrasou um pouco para a
reunião que eu teria com meu empresário.
Mamãe fez seu típico macarrão Dandan, uma receita da sua família
materna. Minha avó, Zhang Chuang, morou em Hong Kong por quase toda
a vida, porque seus pais se mudaram para lá quando tinha apenas três anos.
Mas, na verdade, ela nasceu em Sichuan, uma província no sudoeste da
China — perto do Himalaia, se meus conhecimentos de geografia ainda
prestam de alguma coisa. A vovó sempre teve um grande contato com sua
cultura, porque era importante para seus pais. Mesmo após casar com um
cidadão de Hong Kong, ela fazia questão que a mamãe soubesse de onde
seu sangue vinha, principalmente se tratando da culinária.
A minha mãe saiu da China porque queria mais do que meu avô
planejava para ela. Ele era um empresário com uma rede importante de
restaurantes. Sempre em contato com as melhores escolas e com as famílias
estrangeiras dos sócios do seu pai, minha mãe precisava saber um pouco de
inglês. Ao mesmo tempo queria estudar e se tornar alguém — em suas
palavras — “relevante para a sociedade”. Meu avô, extremamente
conservador, queria casá-la com alguém e assisti-la ser apenas mãe e
esposa. Minha avó, de início, compartilhava a mesma ideia. Mas ao
perceber que sua querida Lin definhava sob desejos alheios, ela a
incentivou a buscar mais. Então a mamãe conseguiu uma bolsa de estudos
assim que se formou na escola, para uma vaga em Psicologia, na Austrália.
Contudo, o seu sonho era direito.
O destino, mágico e agindo por linhas tortas, a fez conhecer um
estudante de direito apaixonado o suficiente para enfrentar o vovô, implorar
pela mão da mamãe para a vovó, casar com Zhang Lin aos vinte e poucos e
ajudá-la a não somente conseguir a cidadania australiana, mas cursar o que
sempre quis cursar.
Desse amor, nasceu Lee e eu. Metade australianos, metade chineses.
Como a vovó fazia com ela, a mamãe tentava nos manter ligados à cultura
de Sichuan. Não funcionou muito comigo e com Riley, mas nós tentávamos
absorver alguma coisa, principalmente pela nossa avó… Mas vovó Chuang
morreu poucos anos depois que me tornei jogador de futebol.
Enfim… De qualquer modo, toda vez que eu me sentava com meus pais
e provava algo apimentado e temperado daquele jeito, eu lembrava dela. Eu
me sentia em paz e em casa. Eu via a satisfação nos olhos da mamãe —
principalmente quando me oferecia para cozinhar junto. E isso não tem
preço.
Além do mais, o macarrão Dandan — ou Dandanmian — tem um molho
picante de vegetais em conserva, óleo de pimenta, pimenta de Sichuan,
carne de porco picada e cebolinha servida com macarrão. É gostoso pra
caralho. Eu atrasaria qualquer coisa para comer isso. Inclusive, voltei para
casa com comida suficiente para mim e Jasmine — até porque a mamãe me
fez prometer que levaria para Rhodes.
O problema é que eu cheguei em casa e encontrei um bando de filho da
puta esfomeado. Eu não deveria me surpreender, afinal, eles tinham entrada
liberada no prédio e meu empresário tinha uma chave. Minha equipe, a
chamada Time Zhang, contava com publicistas, nutricionista pessoal e duas
pessoas principais: Eric, meu assistente pessoal, e Keanu, meu empresário.
Era uma equipe divertida e bem entrosada, mesmo que Keanu fosse
rigoroso. Ele agia como um irmão mais velho e insuportável. Mas era bom
no que fazia e tinha um bom coração.
— Demorou pra caralho, Zhang. — Keanu disse, jogado ao meu sofá,
em seu terno impecável. Ao seu lado, Eric rolou os olhos, assistindo o
último jogo da seleção australiana. Seu cabelo era rosa clarinho, seus olhos
verdes claros e sua pele branca cheia de tatuagens.
— Mamãe fez Dandanmian. — expliquei e os dois pularam do sofá
como abutres. — Na-não! É da Jasmine. — avisei, seguindo para a cozinha,
para guardar a comida.
— Claro que é. — Eric debochou, em meu encalço. — Como foi o treino
hoje?
— Pergunta porque quer saber ou como introdução para o papo que
sabem que quero ter? — fui direto e os dois se entreolharam. Guardei o
Dandanmian, fechando a geladeira e ignorando o olhar pidão de Eric. —
Lee conversou comigo hoje.
— Eu sei. — Keanu foi honesto, se sentando em frente à bancada da
cozinha americana. Seu rosto era anguloso, mandíbula reta. Sua pele, em
um tom médio, era bronzeada Muitas das suas tatuagens contavam a
história da sua família nativa havaiana, sua herança indígena. O cabelo liso
estava em um coque alto, as laterais raspadas permitindo a visão dos
piercings na orelha. O filho da puta era irritantemente bonito. — Estava
esperando que alguém me ajudasse a te colocar juízo, finalmente.
— É assim que chamamos agora?
— Levar trabalho a sério? Sim, chamamos de colocar juízo. — ele
repetiu e eu ri. — Porra, Oliver, você brinca com a sua carreira.
— Eu brinco em campo porque eu sou bom em brincar. Eu driblo, crio
jogadas, guio à vitória e me divirto na porra do processo…
— Não estou falando do campo! Estou falando da farra, das mulheres…
Dos atrasos em campo, Zhang, as pessoas comentam.
— Eu não me atraso em meio de semana porque estou fodendo ou
bebendo, Keanu.
— Então que porra está fazendo?
Preferi não responder. Olhei rapidamente para o  Eric e ele grunhiu,
optando por se afastar e voltar para o jogo na televisão. Keanu tirou o paletó
e cruzou os braços. Em seus quase quarenta anos, o cara era intimidador
quando queria.
— Sou o melhor jogador em campo. Eu não deveria ter que provar nada.
— Deveria sim. Ser o melhor não te torna isento de responsabilidade e
você vem fugindo disso há tempos porque é conveniente. Vem fugindo
disso porque a diversão te faz esquecer dele. — Keanu pegou justo na
ferida e eu o observei com raiva. Keanu falava dele. Do Brandon. Meu
melhor amigo. — Precisa voltar para a terapia?
— Visito quando preciso, Keanu.
— Jura?
— Sim. Eu só sei ser discreto pra caralho no que faço. — Sustentei seu
olhar para que entendesse que era verdade. Porque era.
— Dá para ver. Porque aparentemente não te conheço mais, huh? Tem
muito sobre você que eu não sei. — Quase ri. Ele nem imaginava. — Por
que está colocando o futebol de lado, Zhang? Por que não leva isso a sério?
Posso consertar tudo isso e prometo tentar fazer os times te valorizarem
novamente, porque sei que vai arrasar em campo… Mas era para estar ALI.
— ele apontou para a televisão da sala. Os uniformizados da Austrália
perdiam feio para o Brasil. Jasmine me provocaria quanto a isso. — Talvez
se estivesse ali, o placar fosse outro. E você tem poder e capacidade de ir
para a seleção, mas não está lá!
— Porque não quero! Eu não faço questão disso! — explodi, em uma
meia verdade. — Eu quero ficar com a minha família, os meus amigos. Eu
faço uma grana boa pra caralho. Se continuar ganhando isso, desde que eu
continue por aqui, estou satisfeito, Keanu. Não quero Barcelona, PSG, Real,
Napoli… Só quero jogar bola porque sou bom nisso e amo o que faço.
Quero isso como emprego. Mas não quero ir para longe.
— Nem vai longe se continuar assim, Zhang. — ele murmurou. — É
difícil. Você é o único jogador de futebol sem ambição que eu conheço.
Meus pais diziam a mesma coisa. Desde criança. Às vezes eu sentia que
tinha vindo com defeito. Eu gosto de dinheiro, não me leve a mal. Amo
isso. Amo minhas roupas, meus sapatos, meu estilo. Amo mesmo. Mas
viveria bem sem isso. Gosto de ser o melhor de todos. Mas nunca fiz
questão de ser o mais rico. Eu sempre quis ser feliz com o que tenho. É tão
limitado pensar assim?
Talvez eu seja mal-agradecido. Ou talvez eu tenha vindo com defeito
mesmo, não? O mundo parece ter sido construído de um modo em que as
engrenagens giram para fazer dinheiro. E eu só quero ser feliz. Ou estar
bem. Bem o suficiente.
— Você tem um potencial enorme e se limita demais. Espero que isso
mude. Mas é dever meu como empresário assegurar seus desejos. Você quer
o campeonato australiano? Ok. Quer o time de Brightgate. Ok. Mas vai
perder até isso se não se mostrar como um cara comprometido. É sério,
Zhang. Você está perto dos trinta. Não vai jogar para sempre. Cresça um
pouco.
Era o que todo mundo me dizia. E eu sabia que todo mundo estava certo.
— Só resolve essa porra e não me deixe ficar feio no mercado, sim? —
pedi e Keanu suspirou.
— Torça para algo mágico e limpador de reputações cair do céu, então.
Keanu sempre teve uma boca maldita. Porque algo caiu do céu. E não foi
da melhor forma possível.
“Puta, vagabunda, interesseira
Eu fazendo meu trabalho
Escutando só besteira”
INTERE$$EIRA - Luísa Sonza

— Não. Não, não, não, não! Não.


É isso o que você diz quando tudo dá errado e seu celular não para de
vibrar.
Sabe, quando seu colega de elenco aponta o dedo na sua cara e promete
foder com a sua vida, rescindindo contrato – como se não tivessem matado
o personagem dele, de qualquer forma – e colocando nas mãos da produção
a bomba de explicar para o público como um personagem importante
sumiria do seriado do nada... Você sabe que esse é apenas o prólogo do
caos. Você sente que esse problema é apenas a cena de créditos iniciais em
um filme apocalíptico e você é a protagonista.
Só acho que ninguém esperava que O’Connell fosse ser baixo daquele
jeito.
Eu perdia centenas de seguidores por segundo e ganhava milhares de
mensagens de ódio. Tudo por um boato falso espalhado por O’Connell que
dizia que eu tinha destruído o casamento de Jake Rose, meu produtor, indo
para cama com ele. Segundo Cole O’Connell, eu fiz isso para matar o
personagem dele na série e virar o centro de tudo. O problema é que, se
uma mulher preta e bissexual já é alvo fácil da mídia, tudo piora quando
provas são jogadas em sites de fofoca. Provas falsas e distorcidas, mas
evidências, de qualquer forma.
Óbvio que O’Connell culparia alguém pelo seu fracasso. E óbvio que
tentaria fazer isso de um modo que conseguisse alavancar a carreira, antes
que ela despencasse. Ele tinha toda uma equipe de publicidade disposta a
esconder seu vício e mantê-lo no topo, custasse o que custasse. Ou melhor,
custasse quem custasse.
E eu era a sua chance de vingança perfeita. O alvo fácil da mídia.
O BrightgateGossip, US Weekly, TMZ… Obviamente renderia para eles
e inúmeros outros sites de fofoca qualquer tipo de bomba envolvendo uma
artista em ascensão, ainda mais que eles sempre amaram me descrever
como festeira — o que não era mentira e nenhum crime — e galinha — isso
era —, independentemente de quão dedicada e trabalhadora eu sempre fui.
Quando todo sangue e suor gastos por sua carreira parecem piada perto
de uma mentira… Sabe, isso dói. As pessoas já amam te massacrar por você
ser você. Qualquer motivo a mais é um bônus. E eu não queria nem ver os
comentários nos meus posts, porque além dos haters comuns, deveria ter
muito filho da puta preconceituoso por ali. Tudo era sufocante.
— Respira, Jasmine, respira! — Kyle pedia, erguendo os pincéis de
maquiagem como se fosse me defender com aquilo, por algum motivo.
Priyanka irrompeu trailer adentro, pisando firme, já ao telefone, como uma
boa empresária.
— Eu vou matar esse desgraçado, eu juro. — prometi, tremendo.
— Entra na fila, amor. — Priyanka me disse, um metro e cinquenta de
puro ódio, pisando firme em seu terno florido e colorido. A garota era
positividade e alegria ambulantes, mas parecia raiva pura compactada em
uma pequena formiguinha.
— Ele tem fotos... — Kyle comentou, olhando para o celular.
— São fotos inocentes, Kyle!
— Eu sei que são, amor, mas... São fotos.
Jake, como boa parte da produção, era um amigo. Saíamos para almoçar
às vezes, todo o grupo, e nos despedíamos quando não nos encontraríamos
mais. Em algumas imagens, ele beijava o meu rosto e vice-versa, mas
O’Connell conseguiu ângulos em que parecia que nos beijávamos. Priyanka
parou de brigar ao celular para respirar fundo e olhar para mim.
— Kurt está na agência, ele conseguiu o fotógrafo dessas imagens e vai
pagar uma grana do caralho para conseguirmos as outras fotos. — ela
contou, eu sabia que a sua agência já trabalhava a todo vapor e minha
equipe daria a alma para resolver aquela merda. — Vamos provar que você
beijou o rosto dele. Mas isso ainda é feio, porque ele tem mensagens de
texto, áudios de pessoas que dizem ser do set de filmagens... E aquele
vídeo. — Ela gemeu de frustração, se jogando no sofá do meu trailer e
esfregando o rosto. O vídeo era bem ruim.
— Aquele vídeo só pegou uma parte da briga, Pri!
— É suficiente.
O’Connell gravou nossa discussão. Digo, provavelmente sua agente
gravou. Gravou a parte que eu dizia, com todas as letras, que eu não o
queria no set e estava feliz com sua demissão. Na verdade, a gravação dava
a entender que eu realmente tinha pedido por isso. Junto com os
depoimentos falsos do meu affair com Jake e as imagens... Digo, eu poderia
negar, mas aquilo já causava um grande estrago.
Levantei-me, andando de um lado para o outro, segurando o telefone
contra o peito. Estávamos gravando o primeiro episódio ainda, ele não tinha
grandes mudanças. O personagem de Cole O’Connell morreria no quinto
episódio, apareceria em quatro cenas; o roteiro tinha avisado que suas cenas
seriam substituídas, às pressas, e gravadas posteriormente. Eles não
queriam adiar a produção de novo. Não quando os fãs estavam parados,
esperando por algo novo.
Agora eles tinham algo novo. Eles tinham a fofoca do século em mãos.
Era mais difícil de desmentir do que qualquer outro boato a meu respeito.
Mais difícil do que negar, pela milésima vez, que eu tinha beijado Zhang
em algum momento da minha vida ou transado com metade da cidade. Era
uma imagem falsa que contribuía para a figura de vadia que O’Connell
vendia para Brightgate, a Austrália e a porra do mundo todo.
— Só precisamos que Jake desminta isso, antes de qualquer coisa. Mas
vamos traçar um plano e...
Jake.
Assim que Priyanka falou de Jake, eu pisei firme trailer afora. Caminhei
para onde a gravação aconteceria, o deque da praia envolto de câmeras e
microfones. Não tinha nenhum ator à vista, apenas Melissa, o diretor, dois
roteiristas e Jake em uma conversa claramente acalorada.
— Jake! — gritei e todos se viraram. — Que porra é essa?
— Ele retaliou. — Jake disse o óbvio, atordoado.
— Você precisa negar isso.
— Eu já neguei. — ele disse, com um sorriso fraco e os olhos marejados.
Algo em seu rosto me dizia que sentia culpa. Mas então estreitei o olhar,
percebendo que ele não queria olhar nos meus olhos.
— O que mais houve?
— Eu sinto muito, Jas. — falou, com a voz falha, me mostrando o
telefone.
“Esposa de Jake Rose dá unfollow em Jasmine Rhodes e solta indiretas
em rede social”;
“Vadia dissimulada, é como Georgia Rose está chamando a maior
estrela australiana”;
“Georgia Rose declara: Eu sabia que estava sendo traída, mas é bom
saber com quem”.
Olhei para Jake e meus ombros caíram. Georgia comprou a versão de
O’Connell. A esposa do showrunner estava dizendo para o mundo que
acreditava que eu poderia ter me deitado com seu marido, para foder com a
carreira de um dos atores mais queridinhos do país. Eu estava fodida.
— Você a traiu? — perguntei, incrédula. Ele confirmou. — Jake... Você
precisa dizer que não foi comigo.
— Eu já disse. Eu juro que já disse!
Olhei para o meu celular e me sentei na cadeira mais próxima. Meus
ombros desabaram com o peso de uma carreira em risco e uma reputação
em frangalhos.
Cem mil seguidores perdidos. Em menos de uma hora.
— Eu vou consertar isso, eu juro, Jasmine. — Jake prometeu e eu senti
um perfume floral suave, enquanto um olhar doce e conhecido surgia no
meu campo de visão embaçado. Mel ergueu meu queixo, com as mãos
trêmulas.
Aquilo também respingaria nela. Era uma roteirista, amiga minha, que
tinha concordado com a demissão de Cole. Ele nunca gostou dela. Chances
eram de que ele diria que ela tinha acobertado meu caso tórrido com Jake e
aprovado tudo por baixo dos panos. Mas algo no seu olhar me dizia que ela
sabia disso, mas estava mais preocupada comigo. E que havia algo que eu e
ela entendíamos mais do que qualquer um naquele meio: showrunners só
querem que o show cresça e homens do mundo artístico geralmente só
pensam em si.
Jake consertaria aquilo para ele. Para o seu casamento, sua carreira. Não
para a gente.
Ela apertou minha mão e eu suspirei pelas narinas, furiosa, apertando
seus dedos de volta. Porque se era olho por olho e dente por dente por trás
das cortinas, Wayne e eu nadaríamos contra essa corrente. E juntas, nós não
cairíamos. Nem fodendo.
— Carro do Mike, Jasmine. — Mel avisou assim que eu saí do trailer.
Lancei um olhar para Priyanka, que concordou.
Soubemos que a entrada do set estava cheia de jornalistas e paparazzis.
O carro de Mike Graham era muito diferente do meu. Era uma caminhonete
e estava dentro do set de filmagens, preparada para uma fuga
completamente deprimente. Mel envolveu o marido pelo pescoço e o
beijou. Ele acariciou suas costas, visivelmente preocupado, e então me
encarou. Graham murmurou um “sinto muito” e eu assenti, porque não
havia muito o que dizer sobre aquele caos.
— Eu fico com o carro da Pryianka, a Priyanka fica com o carro da Mel.
— Mike repassou, cansado. Só então eu percebi que ele ainda usava o
jaleco do seu trabalho. Graham provavelmente tinha saído do laboratório
direto para uma gravação em uma sexta de noite, desesperado com as
notícias que via. — Vocês ficam com o meu. Busco o carro da Jasmine
amanhã cedo. Encontro as duas em breve, sim?
— Quem pensou nessa troca-troca de carros? — perguntei, exausta.
— Adivinha. — Mel tentou brincar. Aquilo foi resposta suficiente: a
pessoa mais diabólica e inteligente do nosso grupo, Carlson.
Wayne e Mike se despediram com um beijo e nós trocamos as chaves.
Tudo aquilo para despistar paparazzis. Mel me entregou o casaco de
Graham e eu o coloquei. Ela fez o mesmo com um que ela tinha. Capuzes
para cima, óculos escuros, luzes baixas.
— Me deixa dirigir. Quero me manter viva. — pedi.
Wayne riu e me obedeceu. Eu não estava brincando. Ela era péssima no
volante.
O caminho foi tranquilo. Não nos perceberam e conseguimos tirar os
capuzes minutos depois. Mel ligou a rádio em uma estação de música, para
descontrair. Parei o carro na garagem do grande prédio no centro e nós
seguimos para o elevador. Wayne apertou a minha mão, silenciosamente
lembrando que estava comigo. Eu fitei sua pele negra clara, seus olhos
vermelhos  e inchados, percebi seu tronco se movendo com uma respiração
irregular... Ela estava firme, mas fazia esforço para estar.
Quando Bale abriu a porta para nós duas, antes mesmo de colocarmos a
senha na tranca do apartamento, ele suspirou. Meu estado não era dos
melhores. Meu cabelo estava molhado. Sem maquiagem e com cara de
choro. Nada como a grandiosa Jasmine Rhodes. Ele me abraçou de
imediato.
— Sinto muito por esse boato maldito. — Bale abraçou Mel em seguida.
— Onde está nossa gênia maquiavélica? — brinquei, mencionando a
responsável pelo troca-troca de carros.
— Sala. — ele disse, baixo, e eu imaginei o porquê. Segui pela antessala
do apartamento e encontrei Naomi erguendo Hailey do sofá. Seu gato
gordo, com um olho azul, outro cinza, miou e se enroscou no meu pé,
ronronando. Enquanto uma das maiores fashionistas da Austrália estava de
rosto lavado e vestindo apenas a camiseta do marido; uma garotinha dormia
agarrada à mãe, como um coala.
— Vou colocá-la na cama e volto. — Naomi avisou. Bale se aproximou e
beijou a testa da filha, sussurrando boa noite. Hailey se espreguiçou um
pouco e soprou um beijinho para ele. Seu olhar sonolento me encontrou.
— Oi, tia Jazzy. — Ela abriu um sorriso preguiçoso para Mel. — Oi,
Super Memel.
— Tchau, tia Jazzy. Tchau, super Memel. — Naomi corrigiu, baixinho.
— Hora de dormir, peixinha. — Hay estendeu a mão em minha direção,
deixando claro que só sairia depois de falar comigo. Permiti que me
abraçasse, mesmo nos braços da mãe.
— Vai ficar tudo bem, tia Jazzy. Meus pais são feras em limpar a
bagunça.
— É mesmo? — perguntei, um pouco melhor, acariciando suas costas.
Crianças definitivamente são mágicas.
— Aham… Você devia ver a mamãe arrumando o caos do papai no
estúdio e…— ela bocejou, se perdendo em seus pensamentos. — Você
parece tristinha. Posso ficar aqui se quiser.
— Hailey-Boo, você precisa descansar. — Mel lembrou, beijando sua
testa.
— Mas eu tenho o poder dos super beijinhos, lembra? — Seus olhos
lacrimejavam de sono e ela não resistiu à tentação de bocejar no colo da
mãe, sonolenta.
— Peixinha, você estava dormindo há dois segundos. — Naomi lembrou
e Hay bufou, concordando, repetindo o “boa noite” que me fez sorrir. A
garota apagou como se aquele diálogo nunca tivesse existido e nós rimos
baixinho. — Já volto, meninas.
Carlson a carregou escada acima da cobertura, fazendo Dior, o gato
cinza, segui-la escada acima com um assobio. Me joguei sobre o sofá,
exausta. Mel se jogou à minha direita. Bale se sentou à esquerda, por dois
segundos.
— AMOR! — Naomi berrou.
Nós rimos e ele pediu licença. Os dois inverteram os papéis e Naomi se
jogou ao meu lado um tempo depois, olhando para o teto.
— Tudo bem? — Wayne quis saber.
— Hay queria uma música do pai antes de dormir. E essa pergunta
deveria ser minha.
Ficamos em silêncio. Senti seu escrutínio e preferi desviar a pergunta
que nos fez, ao invés de ser sincera. Porque era óbvio que tudo estava
horrível,
— Como Cole pode ter sido tão filho da puta? — murmurei.
— Não sei. Não sei mesmo. — Naomi mexeu o ombro em indicação por
colo e eu aceitei, apoiando a cabeça nela. Carlson apertou minha mão. —
Respirem fundo, as duas, ok? Vamos passar a madrugada juntos, pensando
em como limpar isso. Amanhã você, Jasmine, vai ter uma reunião com
Priyanka e seu time, de cabeça fria, leve e consciente de suas melhores
opções. E você, Wayne, vai ligar para a equipe mágica do seu papai prefeito
e tudo vai ficar bem com uma boa jogada de marketing.
— Como consegue se manter calma? — quis saber.
— Tudo pelas minhas garotas. E eu não estou no meio dessa merda, é
mais fácil se manter fria de fora.
— Obrigada.
— Não por isso.
Carlson apertou minha mão mais forte e então… riu. Olhei para ela,
confusa.
— O quê?
— Desculpa, Jasmine, não é nada demais. — Ela mordeu o sorriso.
— Não, sério, o quê?
Uma risada fez seu corpo vibrar.
— É que… Vamos! Essa cidade?! É muita gente se fodendo por metro
quadrado.
Eu tentei não gargalhar da minha própria desgraça, tentei mesmo. Mas
quando Wayne bufou uma risada, eu quebrei, rindo até tremer. Naomi
Carlson era impossível. Seu humor ácido desconcertava qualquer um.
A campainha tocou mais uma vez e duas pessoas entraram, discutindo.
— Você não precisava tocar a campainha. — Mike reclamou. — Tem
senha.
— Você demorou demais. — Pryianka desdenhou, nervosa. — Foi mal
pela campainha. Atrapalhei?
— A Hailey provavelmente vai alugar o pai dela um pouco mais depois
disso, mas não atrapalhou muito. — Naomi respondeu, cansada. — Como
vai a Spencer?
— Louca porque casou com essa peste. — Mike desdenhou, bagunçando
o cabelo de Priyanka Bowie.
— Louca ela estava quando chupou seu pau, nerd maldito.
Eu ri. Priyanka era geralmente arco-íris e fofuras, mas não com Mike.
Eles se amavam, porque... Curta história: Mike é amigo próximo da esposa
dela, que por sua vez é ex dele. E eles sempre faziam essas piadas, como se
odiassem um ao outro. Acabavam abraçados dois segundos depois.
— Como está, amor? — ele perguntou, beijando Wayne.
— Cansada. — ela confessou e se moveu, deixando que ele sentasse sob
ela. Em seu colo, Mel abraçou o marido e suspirou.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
— Vamos, temos uma roteirista, uma atriz, uma empresária e uma mente
perversamente inteligente aqui, — Mike tentou nos animar. — Vocês vão
limpar isso.
— Perversa é uma palavra fraca. — Naomi brincou e eu reprimi o riso,
beliscando sua coxa para que parasse com as piadas.
— Prefere demoníaca?
— Deliciosamente maldosa. — ela corrigiu e Wayne e eu erguemos a
cabeça para o teto em sincronia. Mais implicantes que Mike e Priyanka?
Mike e Carlson, com certeza. — Sabe do que precisamos? — Carlson
levantou, movendo o cabelo para trás das orelhas e colocando as mãos na
cintura. Ela lançou um olhar firme para Mel e para mim. — Álcool e ideias.
É hora de beber para afogar as mágoas e para criar o que há de mais louco
para limpar essa bagunça.
— Ou beber o suficiente para só apagar essa bagunça amanhã. — Mel
murmurou e Mike riu.
— Eu não tenho essa opção. — Pri disse, se sentando no sofá do outro
lado da sala e apoiando as botas de camurça na mesa de centro. A pele
marrom clara parecia macilenta de cansaço. — Tenho uma carreira para
manter no topo.
— Uísque, gelo. — Naomi disse, apontando para ela.
— Não me tente. — Pri avisou.
— Uísque e gelo será.
— Demônio.
— Deliciosamente maldosa. — Naomi corrigiu e seguiu para a cozinha.
Ela voltou abraçando uma garrafa de uísque, uma garrafa de vinho e
equilibrando três taças na mão livre. Graham se levantou para servir uma
dose para si e Priyanka. Naomi preencheu três taças com vinho tinto e
estendeu duas para Wayne e eu. Preferindo ficar no chão, ela olhou para nós
duas.
— Vamos traçar essa história do início, sim?
Wayne e eu nos entreolhamos e começamos a falar.

Mel começou a explicar o comportamento de Cole O’Connell no set.


Mike lembrou do soco que deu naquele desgraçado e eu só conseguia
apreciar meu vinho, mais amargo que doce, olhando para um ponto perdido
da mesa. Carlson pontuava algumas coisas, lançando olhares para Pri, que
preferia pensar em silêncio.
— Jasmine? — Mel chamou, quando percebeu que eu estava calada
demais.
Virei um gole do meu vinho, segurando a taça com ambas as mãos, ainda
com as pernas cruzadas e um pé sobre cada coxa, no chão. O nó na minha
garganta triplicava a cada segundo e eu agradecia aos céus por estar no
meio daquelas pessoas, porque se eu pegasse o meu celular novamente, eu
desabaria. Se visse as mensagens da minha mãe, preocupada, eu desabaria.
E só tinha uma pessoa que eu queria por perto para desabar.
Meus olhos lacrimejaram.
Zhang tinha um jogo naquele dia, uma das rodadas da A-League. Ele
estava voltando de Camberra, provavelmente no avião ou saindo do
aeroporto no ônibus do time, ansioso por não ser a pessoa dirigindo. Ele não
veria aquele caos tão cedo, veria? Ou já tinha visto?
Meu coração apertou.
Minha carreira... Todos os anos estudando teatro e dança quando criança,
até a adolescência. Minha mudança para a Austrália, a bolsa no curso de
Artes Cênicas de Brightgate... Como cursei o primeiro ano de faculdade
fazendo cada desfile com exaustão, torcendo para os castings me aceitarem,
para ganhar dinheiro para novos cursos e audições. Cada centavo que
investi em mim mesma, depois de photoshoots cansativos e aulas de danças
intermináveis para pagar as contas e meus estudos, eu tinha apenas dezoito
anos. Eu me formei no fim da primeira temporada da série, porque merecia
aquele diploma. Porque eu queria mostrar que, mais do que talento e garra,
eu tinha conhecimento para a arte que eu praticava.
Eu lutei contra cada uma das adversidades e cada obstáculo me dizia
para desistir.
“Olha esse teste de elenco, Jas”, Priyanka me dizia, quando dividíamos
um apartamento. Fazíamos cursos diferentes, no mesmo campus, mas ela já
me ajudava com cada trabalho possível e naquela época mal nos
conhecíamos. Eu respondia: “Não especificam mulheres negras nesse, Pri, é
para uma garota branca” ou “Ouvi que já conseguiram uma latina para
esse” e nós suspirávamos. Às vezes eu tentava, mesmo sabendo que
receberia um não e dividíamos sorvetes assistindo grandes produções cada
vez mais distantes da minha realidade. Isso quando eu não voltava de um
casting de desfile, sabendo que eu não me encaixava no padrão que eles
queriam.
Eu era só uma garota metade brasileira, completamente preta, vivendo
em um país que me lembraria, em cada ambiente em que eu entrava, que eu
poderia ser sempre vista como minoria e apenas isso. E se acrescentássemos
o fato de que eu poderia entrar nesses ambientes de mãos dadas com a
minha namorada, isso só piorava. Mas eu não desisti, desisti? Eu fui aquela
garota em um milhão. E no segundo em que entrei para aquela maldita
série, eu prometi que cresceria e seria exemplo para todas as outras
Jasmine’s como eu. Eu me mantive fiel às minhas raízes, minha criação e a
quem eu sou, não importava quantos Versaces tinham na porra do meu
armário. Eu prometi para mim mesma, dia após dia, que faria outras
pequenas Jazzy’s terem uma chance de um futuro como o meu.
Eu lutei para estar no topo.
Dei a porra da minha alma para estar no topo.
Para cada maldito não que recebi; eu chorei, desabei e voltei mais forte.
E agora tudo estava ruindo por um covarde babaca que nunca lutaria
tudo aquilo, que jamais entenderia como era ser Jasmine Rhodes e nem
mesmo chegaria aos meus pés como ator.
— Jas? — Naomi sussurrou, preocupada. Ouvi alguém descer as escadas
e soube que a mão em meu ombro era de Bale, garantindo que eu poderia
quebrar de vez.
Mas eu só quebrei mesmo quando ouvi outra voz.
— Por que porra Bale me mandou vir aqui e por que diabos eu não
consigo entrar no meu prédio com aquele bando de jornalistas
desocupados? — Ergui a cabeça. Zhang pisava firme sala adentro com a
mandíbula tensa e um moletom do clube de Brightgate. Seu empresário
estava em seu encalço e Ollie girava a chave do carro nos dedos, cheios de
anéis e tatuagens, quando finalmente me viu.
Eu nem precisava dizer nada para ele saber que algo estava errado.
O nó na minha garganta se rompeu, um soluço escapou e as lágrimas
rolaram aos montes pelo meu rosto. Tudo doeu e eu percebi o quanto
precisava dele para ruir naquele momento. Seu rosto desmoronou e ele caiu
aos meus pés imediatamente, preocupado, segurando meu rosto.
— Quem te fez chorar, Jasmine? — Oliver perguntou e eu uni a testa à
dele, sem conseguir responder, tremendo. Ele secou minhas lágrimas com
ternura, mas sua voz ecoou baixa e carregada de cólera. — Que filho da
puta te fez chorar?
Ele questionava como se pudesse trazer o inferno à Terra e fazer o
mundo queimar por minha causa. Zhang falava como se pudesse fazer
qualquer coisa por mim. E ele faria. Mas eu só queria que meu melhor
amigo me abraçasse até a dor passar, então segui ali: chorando em seu
ombro, o envolvendo pelo pescoço, e ninguém ousou dizer nada. Ninguém
parecia sequer respirar.
Zhang se desfez da minha taça e se sentou ao chão, me colocando sobre
seu colo e eu afundei a cabeça em seu peito, agarrando sua camisa e
escondendo meu rosto em seu pescoço, estilhaçada com a dor.
— O’Connell lançou um boato pesado sobre ela. — Naomi sussurrou,
explicando, quando meu choro ecoou por tempo demais. — O tipo que
pode foder com tudo, Oliver. O tipo de mentira que só outra pior consegue
abafar.
— Então criem a porra de outro boato, caralho. — ele disse. — Que
porra vocês precisam? Que tipo de boato foi?
— Ele disse que Jasmine fodeu um produtor casado. — Bale murmurou.
— Que?!
— Calma, Oliver. — Mel pediu, assustada.
— Quão ruim isso é, Bale?
— Você sabe como a mídia é, Z. Estão acreditando. É ruim. Geralmente
é o tipo de coisa que faz o pessoal buscar medidas bruscas. Tipo contra-
atacar, contratar alguém para lançar uma cortina de fumaça das grandes tipo
uma...
— Um PR stunt.
Todo mundo olhou para a dona da voz suave e rouca que sussurrou o
improvável. Melissa tinha as sobrancelhas erguidas e alguma ideia maluca
passava pela sua mente. Ela olhou para cada um ao nosso redor, rindo
baixinho. Virei o rosto para Priyanka e seus olhos brilharam, como se ela
entendesse exatamente o que Wayne queria dizer.
— Tipo um PR stunt. — minha empresária repetiu.
No Brasil, não sei se há tradução para isso. Em inglês, é como um golpe
de relações públicas. Um truque publicitário. Costumam usar esse termo
para falar de um…
— Relacionamento falso. — Mel murmurou, parecendo ler a minha
mente.
Mas isso seria loucura, certo?
— Não, eu não sugeri isso. — Bale cantarolou, rindo de nervoso.
— Espera, ainda não entendi. O que seria isso? — Mike questionou.
— Uma mentira. — respondi, atordoada, ao mesmo tempo que Keanu,
empresário de Oliver. Seu olhar estava preso na minha empresária e aquilo
era estranhamente recíproco. Como telepatia entre gênios.
— Lembra dos livros que eu leio? Lembra o que é Fake Dating? — Mel
perguntou para o marido. Ele concordou. — É tipo isso, Mike. É uma
cortina de fumaça ou uma jogada de marketing para alavancar carreiras.
Nesse caso, um relacionamento falso. É mais comum do que você imagina.
— Genial. — Naomi soprou, rindo. — É genial. Vamos, vocês estão
entendendo que temos a resposta perfeita, certo? Só precisamos inventar
que a Jasmine estava namorando em segredo esse tempo todo e nunca foi
com Jake!
— Você não pode mesmo estar sugerindo que a Jas se submeteria a isso,
certo? — Bale disse, rindo. — É absurdo, sweetheart. E se ninguém
acreditar?
— E daí? Muita gente não acredita até em um relacionamento real, amor.
Teria gente desconfiando até se fosse de verdade. Tem gente que diz que eu
subi no seu pau para dar o golpe do baú e que só estou com você por fama.
E olha que eu te conheço desde que tocava violão no seu quarto para fugir
das provas de química. O importante é criar uma narrativa que convença
gradualmente. O importante é ter mais gente acreditando do que duvidando,
lindo.
— Vocês só estão esquecendo do mais importante, ok? — Mike disse,
rindo. — Quem seria doido o suficiente para aceitar isso também, em um
momento em que a Jasmine está por baixo?
— Quem está na merda. — murmurei, amarga, ainda processando aquela
ideia.
— E quem seria o grandioso ser na merda que se beneficiaria disso tanto
quanto beneficiaria a Jasmine? — Mike insistiu, o único a perceber que
aquilo era loucura. E era mesmo.
Ainda assim, minha mente trabalhou inquieta. Graham estava certo! Eu
estava na merda. Quem se arriscaria por mim em um momento delicado? E
mais, eu me submeteria mesmo àquilo? E quem seria de confiança
suficiente para entrar nisso de cabeça?
— Oliver seria. — Keanu respondeu Mike, mas parecia responder à
minha mente. Meu coração acelerou e eu bufei um riso de incredulidade,
virando o olhar para Zhang.
Mas Zhang só me olhou de volta com o olhar brilhante, carregado de
determinação, e sustentou isso. E com apenas esse olhar, Oliver Zhang
silenciosamente garantiu que queimaria no inferno comigo. Por quê?
“Cada minuto que passa me faz pensar,
Se meu desejo é teu corpo, tua alma
Meu bem, talvez você seja a resposta dos meus problemas;
E também a causa.”
Quando você voltar - Grito Filmes ft. Lourena, WJ

Jasmine estava me encarando. Por muito tempo. E o meu coração estava


em disparada. Na verdade, eu sentia todos os olhares da sala mirados em
minha direção; mas só o dela me deixava perto de ter uma síncope.
— O Oliver seria perfeito para isso. — Mel disse, rindo. — Cara, seria
genial.
— O Oliver?! — Mike exclamou.
— O Oliver… — Damian murmurou, pensativo.
— O pior é que faria sentido, — Naomi sussurrou — a mídia já supôs
que eles estavam juntos algumas centenas de vezes nos últimos anos.
Eu ouvia meu nome ser repetido por todos os nossos amigos e ainda
assim meus olhos pertenciam à Jasmine Rhodes. Esperando. Implorando
por uma reação.
O problema? Eu a lia perfeitamente. E Jasmine fazia o mesmo comigo,
esquadrinhando o meu rosto e parecendo um tanto quanto… confusa?
Perplexa? Eu não sabia definir. Eu não sabia explicar. Porra, eu nem sabia
se estava respirando, subitamente em alerta pela proximidade magnética
entre nós dois e… Não. Aquele era um raciocínio perigoso que eu não
poderia ceder ao luxo de ter.
— Diga alguma coisa. — ela implorou, baixinho.
Meu coração bombeou adrenalina. Adrenalina rasgou pelo meu sangue.
Sangue que claramente não chegava ao cérebro. Porque eu disse. Eu disse
algo que nos sentenciaria para sempre. Algo que nem pensei ao dizer:
— Eu posso ser seu namorado.
E toda a sala caiu em um silêncio absoluto.
Tenso, vi seus ombros ratificarem e sua respiração escapar por entre os
lábios cheios e entreabertos. A pele negra escura, por um momento, pareceu
um pouco mais pálida. Seus olhos se arregalaram minimamente, mas as
sobrancelhas fizeram um arco perfeito rumo ao teto. Eu estava vagamente
atento aos olhares presos a nós dois, mas hiperconsciente de cada pequena
reação dela.
Oh, merda…
Quando eu reagia daquela forma perto dela, geralmente outras garotas
ajudavam. Sexo ajudava. Futebol ajudava. Se bem que, desde o que me
disse na festa da MBH, futebol não ajudava tanto. Meu pequeno segredinho
me fazia esvaziar a mente. Mas eu não podia recorrer a nada daquilo
naquele segundo, com minha melhor amiga no meu colo, após propor um
relacionamento falso. Eu não tinha onde depositar minhas energias para
escapar da pequena sensação agonizante no meu peito que me ligava à
Rhodes. E aquilo era desconcertante.
Eu tinha dito aquilo porque ela precisava de alguém.
Eu tinha dito aquilo porque Jasmine precisava de uma solução rápida e
de confiança.
Eu tinha dito aquilo porque…
Eu tinha dito aquilo porque a ideia de ter outra pessoa fingindo ser seu
namorado ou namorada de mentira, colocando sua reputação em risco,
tocando aqueles lábios em público na minha frente de novo quando eu…
Eu… Droga.
Eu tinha dito aquilo porque era atraído por Jasmine Souza Rhodes.
E era a pior hora possível para admitir isso a mim mesmo.
— Você pode O QUÊ? — Rhodes explodiu.
Estremeci. Ela saiu rapidamente do meu colo, como se eu fosse uma
assombração e não seu melhor amigo. Jasmine parecia ofegante e eu me
coloquei de pé. Olhei para as pessoas no sofá. Mel escancarou a boca e
desviou o olhar para Mike, virando o rosto do marido; como se fosse má
educação encarar. Naomi… Naomi olhava fixamente para mim com uma
interrogação enorme na testa. E Bale, atrás do sofá, eu conseguia ouvir seus
neurônios fritando. Ele provavelmente ainda estava preso no diálogo de
minutos antes, quando citaram meu nome pela primeira vez.
Voltei a encarar Jasmine. E então Priyanka, que mantinha um olhar
impassível em nossa direção. Keanu pegou o celular, sorrindo, digitando
algo para alguém e pedindo por um minuto antes de se retirar para longe.
— É uma boa ideia. — Priyanka disse. — Eu normalmente não
concordaria com um relacionamento falso e nós temos toda uma equipe a
postos para pensar em outras jogadas de marketing, Jas… Mas pensando
que a mídia realmente já forçou vocês dois como casal algumas vezes e que
tem fãs dos dois que aprovariam esse relacionamento… É um truque
publicitário bom e não começaríamos do zero. Podemos provar milhares de
momentos em que vocês dois estiveram realmente juntos nos últimos
meses. Alguns deles, em períodos de gravação, nos dias que encontrava
Jake nas gravações e…
Jasmine arfou e olhou para mim, incrédula. Ela esperava que eu
discordasse, mas… eu só conseguia pensar que estaria ali por ela. Não
importava o motivo. Oliver Zhang faria de tudo por Jasmine Rhodes muito
tempo antes daquilo. Talvez desde o segundo em que nossos horizontes se
encontraram.
Não. Não era um bom pensamento.
Meu coração disparou de novo e eu senti minhas mãos subitamente
úmidas. Eu não entendia o que acontecia comigo. Não mesmo. E eu não
podia dizer que não havia sentido aquilo antes, só não… Não tão forte.
Jasmine Rhodes precisava parar de provocar aquilo sobre mim, porque
éramos melhores amigos. Sempre seríamos. E mesmo se aquela proposta
maluca fosse para frente, eu tinha que me lembrar que seu coração era
precioso demais para mãos como as minhas e que arriscar uma relação
como a nossa por algo tão incerto era perigoso e insano. Ela era minha
melhor amiga. Apenas isso. E foi isso que repeti como um mantra.
— Oliver — ela me chamou, com a voz fraca. — Oliver, sério, não
pode…
— É loucura, mas faz sentido. — argumentei, baixinho. Suas
sobrancelhas se ergueram ainda mais, se é que era possível. — Olha,
Jasmine, eu não estou dizendo para fazer isso. — Deus, se minha pulsação
acelerasse um pouco, eu provavelmente infartaria, certo? — É só que… Se
precisar… Se precisar, eu estou aqui e…
Ela segurou meu pulso, lançando um olhar para Mel e Naomi. Wayne
sorria como se aquilo fosse uma vitória na loteria, mas Carlson tinha uma
ruga entre as sobrancelhas. Jazzy me arrastou para a cozinha. Passei por
Keanu, que conversava empolgado com alguém e ele apontou para mim,
sussurrando algo como “não estrague isso”. Isso. O relacionamento falso.
Meu empresário aprovava aquilo. Por quê?
— Zhang! — Jasmine ralhou, quando paramos na cozinha, sozinhos.
Olhei para o pessoal na sala e ela grunhiu, segurando meu queixo e o
virando para mim. — Fala sério! Não é brincadeira. São nossas carreiras. Se
uma porra dessas dá errado…
— Por que daria errado?
— Está falando sério?! Já viu filmes, leu livros, alguma série com tramas
assim?
— Está se ouvindo? Isso não é uma trama. Isso é real. Sou eu, você e
esse caos. Na ficção pode dar errado, mas quantas vezes fizeram isso na
vida real e deu certo?
— Defina dar certo, Oliver.
— Dar certo significa dar certo, Rhodes. Dar certo significa que se é de
uma cortina de fumaça que você precisa, eu posso ser sua cortina de
fumaça. E a melhor cortina de fumaça que você vai ver na porra da
Austrália.
— Isso não é uma brincadeira, Zhang! Caralho… — Ela esfregou o
rosto, verdadeiramente aflita e eu senti algo doer no meu peito. Por que era
tão difícil acreditar que eu toparia mesmo aquilo e levaria a sério? Eu nunca
fiz nada que a colocasse em risco, fiz? Sempre estive ali por ela.  — Olha,
Z, eu amo você. Amo de verdade. Então eu agradeço que esteja se dispondo
a fazer algo tão esdrúxulo por mim. Mas estamos cansados e levemente
bêbados, certo? Você não, mas eu bebi vinho, as meninas também e
Priyanka estava com um copo de uísque na mão. Então… Sabe, a
sobriedade é questionável e…
— Jasmine…
— Não precisa fazer isso, ok? Foi uma ideia louca em um momento
louco em uma situação louca…
— Jasmine, eu preciso disso!
Ela piscou algumas vezes, confusa. E então eu me dei conta das minhas
palavras. Eu precisava daquilo? Por quê?
— Por que você precisa disso?
Eu abri e fechei a boca algumas vezes, bufando, por fim, ao perceber
que… Precisar era uma palavra muito forte.
— Minha carreira não está indo muito bem. O time acha que eu saio com
muitas mulheres, vou para muitas festas, que não levo porra nenhuma a
sério. Um relacionamento firme pode fazer isso mudar? Digo, você é uma
das mulheres mais profissionais e focadas que eu conheço, então me
associar a você, pode ser positivo.
Ela tocou a nuca, visivelmente desnorteada pelo elogio. Como eu,
Jasmine tinha um problema em se manter firme quando acariciavam seu
ego.
Jas mordeu o interior da bochecha e cruzou os braços, se apoiando na
bancada da cozinha.
— Ollie… A imagem das festas é falsa e você ama o futebol, mas quanto
às mulheres… Não é mentira.
Isso doeu. Doeu ainda mais quando olhei para as íris escuras como a
noite e eu as li perfeitamente. Eu li cada pequena insegurança. Entendi
todas as vezes que disse “isso não é brincadeira”. Ela achava que eu não
entendia a proporção daquilo tudo, certo? Ela achava que eu não entendia o
que estava acontecendo.
— Espera, Ollie, eu não quis dizer que… — Jasmine se aproximou e
tocou o meu braço, o que fez meu sangue congelar e, paradoxalmente,
ferver no instante seguinte. A eletricidade do toque me preocupou e eu
engoli em seco. Aquela mulher… Se ela soubesse, ela se afastaria. Mas
Jasmine tocou o meu queixo e me fez encará-la. — Eu só acho que não viu
a dimensão do que está acontecendo ainda. E o caos na sua carreira pode ser
resolvido por outras ideias, um relacionamento falso não é o melhor
caminho, ok? Estou pensando que minha bagunça não é suficiente para
arriscar você. E quanto às mulheres, isso seria uma falha importante na
nossa história. Por que como vamos explicar que você transou com outras
nos últimos meses?
Senti um peso sobre os meus ombros, porque ela tinha razão.
— Isso poderia me ajudar a esconder… Você sabe. — lembrei e ela
sorriu fraco.
— Não precisa esconder algo que ama fazer.
— Eu sei. Mas explicaria minhas noites fora de casa. Explicaria que nem
sempre estou em festas ou me deitando com alguém. A gente pode arranjar
um jeito, Rhodes. Eu posso te ajudar.
— Tem outro motivo para querer tanto isso? — Estreitou os olhos e eu
desviei o olhar para a sala. Todos nossos amigos se viraram ao mesmo
tempo, fingindo não nos assistir. Eu riria, se não estivesse tenso demais para
isso. — Zhang?
Tinha. E isso estava, de repente, me matando.
Eu não queria que Jasmine se arriscasse naquela ideia com outra pessoa.
Eu realmente faria qualquer coisa por ela. Eu me importava com ela
daquele jeito. Ela era a minha pessoa. Como Christina Yang é para
Meredith Grey. E eu odeio Naomi Carlson por ser fã dessa série fodida,
porque essa foi realmente a única associação que meu único neurônio
conseguiu criar. Mas era verdade.
Jasmine Rhodes era a minha pessoa.
Ela era o meu motivo.
Sempre seria
Então quando voltei meus olhos aos seus, consciente de que minha
melhor amiga em perigo era suficiente para que eu fizesse o possível e o
impossível para ajeitar as coisas, eu preferi esconder isso. Eu disse uma
meia-verdade:
— Na verdade tem outro motivo.
Rhodes tombou a cabeça para o lado, esperando que eu esclarecesse isso.
Me mantive em silêncio, pressionando os lábios, sem ter o que dizer.
— Que motivo?
— Não vou dizer.
Ela riu e balançou a cabeça.
—  Como assim?
— Tem outro motivo para eu querer tanto isso e é extremamente
importante para mim. Na verdade, é uma das coisas mais importantes na
minha vida e está em risco no momento, Jasmine. Então você estaria me
ajudando pra caralho. Estaria me fazendo respirar mais tranquilo. Mas não
vou dizer o que é. É muito pessoal. Muito secreto.
—  Muito pessoal? O suficiente para deixá-lo em segredo? Longe de
mim?
— Todos nós temos segredos, não temos? — rebati, nervoso. Cruzei os
braços para que não percebesse meus dedos trêmulos e segurei a vontade de
engolir em seco sob seu escrutínio. Rhodes estreitou os olhos. —  Você não
me conta tudo, conta?
— Eu meio que conto.
—  Não conta não.
—  Oliver! —  ela ralhou e olhou para a sala, percebendo que todos nos
assistiam. Os fofoqueiros desviaram o olhar quando ela limpou a garganta e
voltou a me encarar. — Sinto muito pelo seu motivo e estou aqui quando
quiser conversar. Mas não vou te arrastar para esse caos sem saber o que
está havendo contigo. Não correndo o risco de ferrar mais do que ajudar
uma das pessoas que mais amo na vida.
—  Rhodes… Você precisa disso.
—  Eu preciso de uma jogada de marketing, Zhang. — ela se aproximou
e eu inspirei o Chanel N°5 e quis que expirar fosse mais fácil. Parecia me
deixar vazio. — Mas isso não quer dizer que eu precise dessa jogada de
marketing. —  Ela beijou minha bochecha e eu suspirei com o contato. — 
Obrigada por isso, de qualquer forma.
Rhodes seguiu para o corredor do primeiro andar, possivelmente em
busca do banheiro. Cruzei os braços, me apoiando na bancada da cozinha e
soltei o ar com pesar, fechando os olhos. Quando os abri, encontrei todos na
sala me encarando.
— Fofoqueiros. — ralhei e o sorriso de Melissa Wayne triplicou. Ela
ergueu o polegar, silenciosamente perguntando se estava tudo bem. Eu olhei
para Carlson, Bale e Graham. Por fim, encontrei Priyanka e Keanu me
encarando. Minha resposta foi girar a chave do carro entre os dedos e
caminhar até eles. Sem uma maldita palavra sequer. Vazio pra caralho.

O grupo todo passou a noite bebendo e tentando encontrar outras


soluções para o problema da Jasmine. Infelizmente o único sucesso que
tivemos foi transformar nosso sangue em álcool.
Acordei no sofá com dois tapinhas fracos no meu rosto. Abri os olhos e
encontrei Hailey com a cabeça tombada para o lado, vestindo seu pijama de
peixinhos e sorrindo de orelha a orelha, segurando seu gato e um hidrocor
rosa pink. Franzi o cenho e percebi Wayne dormindo na poltrona, sobre o
colo de Mike, que roncava baixinho. Priyanka e Keanu estavam
esparramados no outro sofá. A primeira abraçava a garrafa de uísque e o
segundo tinha um bigode rosa desenhado na cara. Pelo hidrocor na mão da
Hailey, eu sabia quem tinha sido...
—  Ele precisava de um bigode. — ela se defendeu, baixinho. Rindo, me
sentei e olhei ao redor, procurando… — Tia Jazzy saiu faz um tempo. Ela
queria ficar sozinha. Nem o bigode do tio Keanu fez a titia sorrir. —  Ela
murchou os lábios. —  Eu deveria ter feito na tia Mel, né?
—  Bom dia, Hailey-Boo. — desejei e ela colocou Dior no chão, pulando
no meu colo. — Onde estão os seus pais?
— Dormindo. Aposto que a mamãe vai ficar com uma dor de cabeça
daquelas, sabia?
—  Por quê?
—  Ela bebeu muito vinho. Que nem quando o papai fala que ela bebe
mais álcool do que o Olaf.
Olaf era o Corvette. A Hailey deu esse nome para o Corvette da mãe
dela. Ela amava Frozen, por influência da tia por parte paterna. A moto do
pai dela se chamava Kristoff e a SUV que Bale comprou há dois anos se
chamava Elsa… o que ele odiava, mas fingia que amava pela filha.
— Por que a titia Jazzy está triste? — Hailey parecia preocupada.
Acariciei seu rosto, respirando fundo.
—  Porque tem muita gente malvada inventando mentiras sobre ela,
Hayhay. E isso machuca, né? —  Ela assentiu, pensativa.
— Você vai ajudar ela, né, Zhang-Boo? — Hay murchou os lábios. —
Você sempre ajuda todo mundo. É o melhor amigo do universo!
—  Sou, é?
—  Aham! Você é meu melhor amigo do mundo todo. Depois do papai.
Mas não conta para o vovô e para o tio Mike, ok?
Confirmei com um sorriso gigante, sentindo meu coração explodir no
peito, mais quente. Abracei a pestinha e ela me esmagou com ainda mais
força.
Talvez mais do que Jasmine, Hailey me salvou quando Brandon morreu
e nada no mundo parecia fazer sentido. Elas eram as únicas pessoas que me
faziam acreditar que eu era melhor do que de fato era. As outras apenas
tentavam, sem sucesso. E o fato de Hailey ter feito isso desde quando era
apenas uma bebê que nem sabia falar ainda, me choca.
Algumas pessoas se conectam com você através da sua alma. Hailey
Bale era uma dessas para mim. Inexplicável e insuperável. Tanto que eu não
tinha vergonha de admitir que uma das minhas melhores amigas tinha
quatro anos de idade. Porra, ela era mais esperta e madura que muito adulto.
— Salva a tia Jazzy, tio Ollie. — Hay pediu, desenhando algo na minha
bochecha. — Você sabe como, você sempre sabe. —  Ela aproximou a boca
do meu ouvido. —  E talvez possa contar aquele segredo para ela!
Eu rolei os olhos, a enchendo de cócegas para que se calasse. Keanu
acordou, rindo e apontando para o meu rosto. Eu olhei para um espelho na
lateral da sala, encontrando um coração gigante na minha bochecha. Ele
seguiu para o banheiro, tonto de sono e ressaca... com o rosto
completamente rabiscado.
— Cinco. — Hailey contou.
—  Quatro… — a segui.
— Três… Dois…
E Keanu gritou alto, acordando a casa inteira, ao perceber o bigode
pintado no seu rosto. Hailey e eu rimos, enquanto Melissa e Mike
acordavam assustados e Priyanka estremecia contra a garrafa de uísque.
Troquei um High-Five com a Hailey e ela gargalhou, contando:
— É canetinha permanente.
Oh, porra…

Ainda tinha um coração no meu rosto pela noite. Eu esfreguei, tentei


álcool e ainda aparecia o maldito coração. Hailey era uma peste.
Não consegui não pensar em Jasmine Rhodes por todo o dia. Seus
seguidores estavam caindo e os ataques não paravam. Ela ou sua equipe
privaram os comentários de todos os posts e a falta de um pronunciamento
fazia algumas pessoas pensarem que os boatos eram verdadeiros.
Jogado sobre o sofá no início da noite, a ansiedade inquietava as minhas
veias e tinha um único lugar em que eu queria ir. Mas não sozinho. Abri um
grupo que eu tinha com Batman e Robin.
 
Eu: Hoje.
Naomi: Hoje?
Eu: Estou ansioso. pra caralho.
 
Naomi: Estou sozinha em casa com a Hailey. Damian está voltando de uma gravação. Só posso
a partir das 20h. @Mel.
Mel: Oiii. Consigo a chave só para a gente! 21:30.
Naomi: @Oliver
 
Bufei. Odeio esperar algumas horas, mas melhor do que nada.
 
Eu: @Mel sabe o que levar.
Naomi: Quer carona?
Eu: Não. Você sempre se atrasa.
 
Naomi Carlson começou uma série de protestos, conforme Melissa me
apoiava naquela discussão. Guardei o celular no bolso, optando por assistir
ao último jogo de Brightgate enquanto o momento de sair não chegava.
Peguei meu caderno de anotações e assisti as jogadas, sinalizando o que eu
deveria melhorar e discutir com os colegas de time. Meu olhar capturava a
porta de casa vez ou outra, porque eu não escutava sinal algum da minha
vizinha. Jas desapareceu o dia inteiro. Nem sites de fofoca a encontraram.
Sua mãe não me respondia. Isso me preocupava pra caralho.
Suspirei de alívio quando o alarme indicou que era hora de me preparar
para sair. Como sempre, saí do banho e optei pelo moletom preto e as luvas
escuras. Peguei minha SUV preta, ao invés do Dodge Charger e ergui o
capuz do casaco, dirigindo. Um rap explodiu no rádio e eu só consegui
pensar em Rhodes. Nós tínhamos a mania de tentar cantar todo rap existente
juntos. Apertei o volante com força, porque ela era justamente o que eu
pretendia esquecer naquela noite.
Quando parei em frente ao estúdio de janelas longas, quase
completamente escuro, avistei a caminhonete azul de Mike Graham. Ele
saiu primeiro do carro, apenas para digitar a senha da garagem. Como
sempre, Mike riu ao olhar para mim, balançando a cabeça em negação,
antes de voltar a dirigir rampa abaixo. Eu o segui. Saímos do carro ao
mesmo tempo.
Mel pulou do carona com um rabo de cavalo alto, leggings escuras e
uma camiseta do The 1975. Ela girou a chave do estúdio em mãos e nós
seguimos pela entrada subterrânea, da garagem. Após abrir a porta dos
fundos e nos guiar escada acima, Wayne acendeu as luzes do primeiro piso
do trabalho do irmão. O estúdio se iluminou com luzes brancas, expondo o
piso de madeira, as paredes de mesmo tom e o armário de prêmios de
dança. Minha amiga nos guiou para uma das salas amplas, ligando o
interruptor na entrada. Todas as luzes de dentro se acenderam, expondo a
sala completamente branca, exceto pelo piso de madeira e o espelho de
vidro.
— Vou encher a garrafinha. Já volto. — Mel disse, beijando minha
bochecha ao passar por mim.
Abaixei o capuz, olhando ao redor. Mike parou ao meu lado e abriu a
mochila que pendia sobre o ombro, retirando a máscara preta com dois X
no lugar dos olhos e um sorriso de LED, ainda desligado.
— Valeu. — murmurei, observando a máscara que ele sempre me
emprestava quando eu precisava.
— Pode ficar com ela, você sabe.
— Eu sei… Mas é mais divertido te irritar toda vez que preciso.
Ele rolou os olhos, mas acabou por rir. Ergui o olhar para o espelho, me
sentindo ridículo com a máscara em mãos. Ao meu lado, Graham suspirou.
Ele sabia que não era porque eu gostava de irritá-lo. Eu só não queria sinais
daquilo dentro de casa. Manter meu segredo longe do público, até da
maioria das pessoas que eu amava, era necessário para mim. Não por
vergonha, não mesmo. Era… Por algo a mais.
— Jasmine não te respondeu hoje? — Mike perguntou, preocupado.
Neguei, suspirando e voltando a analisá-lo. Ele entendeu minha pergunta
silenciosa. — Não falou com a Mel também. Nem comigo.
— As coisas que estão falando dela… — Forcei a mandíbula, tentando
ficar calmo.
— É, cara… Eu sei. A mídia é uma merda. — Eu senti seu alívio por não
fazer parte de nada disso. Graham era apenas um professor de ensino médio
contando os segundos para receber o diploma do doutorado e ensinar em
universidades. Por acaso, seu sogro era o prefeito de Brightgate, mas isso
ainda não o tornava tão interessante aos da Austrália. Azar deles. O nerd era
um dos caras mais divertidos que eu conhecia. — E sobre o namoro falso…
— Foi uma ideia insana.
— Foi mesmo. — ele concordou e isso me incomodou. Ao mesmo
tempo, eu sabia que Graham não me apoiaria nisso. Ele ficaria do meu lado
se fosse minha escolha, mas não se sentiria confortável com a ideia. — Já
tem uma mentira grande demais entre vocês dois, Zhang. Adicionar outra à
equação é perigoso.
Mordi o canto do lábio, porque ele estava certo, mas me fazia querer
socá-lo para que ficasse calado. Mike deve ter sentido isso, porque suspirou
e se afastou, deixando a mochila em um canto da sala. Percebi os bottons
coloridos e soube que era de Wayne. Ele parou ao meu lado, tocando meu
ombro em uma despedida silenciosa e eu ergui o olhar para o espelho,
vendo-o parar na saída quando a esposa voltou. Graham a trouxe para perto
e Mel sorriu, erguendo a cabeça para encará-lo melhor. Eles conversaram
algo baixinho.
Sabe, tem casais que você admiraria por horas e horas… Esse era um
desses, mesmo correndo altos riscos de te deixar enjoado só de olhar. Os
olhos de ambos brilhavam como um céu estrelado e seus sorrisos eram tão
grandes quanto sinceros.
Mel beijou o marido como despedida e ele saiu, deixando-a com um
sorriso bobo. Percebendo que era observada, Wayne me encarou pelo
espelho. Meu sorriso triplicou, perverso. Ela ruborizou, me lançando um
olhar de reprovação antes de parar ao meu lado e me entregar a garrafa de
água.
— Interrompi a fábrica de bebês essa noite? — perguntei e Wayne
estreitou os olhos, ainda corando, enquanto eu virava um gole. Aquilo era
confirmação suficiente. — Como que funciona? É só sexo ou você, sei lá,
coloca as pernas para cima…?
— Por que eu colocaria as pernas para cima? — ela perguntou, rindo.
— Pra, sabe, os Mikezoides chegarem no útero mais rápido.
Ela fez uma careta.
— Isso não faz nenhum sentido, Ollie.
— Claro que faz… Tipo a gravidade… — A porta abriu rapidamente,
me interrompendo.
Naomi Carlson tirou o grande moletom da turnê do marido enquanto
entrava, sorrindo para nós dois. Ela usava um top e legging pretos.
— Não me atrasei tanto!
— Cinco minutos. — Mel disse, com um sorriso orgulhoso. — Parabéns.
— Quer um biscoito? — brinquei, me virando para a morena. Wayne fez
o mesmo.
— Cala a boca. — a patricinha de Brightgate retrucou e colocou as mãos
na cintura, com um sorriso empolgado. — Vamos começar ou não?
“Às vezes no silêncio da noite,
eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado, juntando
O antes, o agora e o depois”
Sozinho - Caetano Veloso

Oliver Zhang é um homem de muitos segredos. Mas o que fazíamos


naquele estúdio estava no top 3, definitivamente. Tanto que apenas o nosso
grupo sabia.
Caímos de cansaço no chão uma hora depois. Como sempre, deitados,
observando o estúdio vazio. Não lado a lado, apenas formando uma espécie
de T no piso. Naomi bebeu metade da garrafa sozinha e eu bati em seu
braço, irritado.
— Isso foi bom. — Mel disse, ofegante, encarando o teto.
— Bom tipo “dá para o gasto” ou melhor do que os orgasmos que seu
marido dá? — provoquei e Wayne chutou minha canela. Gargalhei, mas
doeu pra cacete.
— Quem nos encontrasse aqui, ouvindo esse tipo de coisa, pensaria que
fizemos um ménage. — Naomi comentou. Até Wayne riu, concordando.
— “Filha do prefeito de Brightgate trai marido com esposa de cantor
famoso e jogador de futebol”. — Wayne estendeu as palmas para o teto,
como se visualizasse a manchete.
— Citariam os nossos nomes. — opinei.
— Na reportagem, sim. — Naomi interferiu. — No título, talvez apenas
o seu. Você é o homem da situação. — Sua ironia não deixava de ser
verdade. — “Oliver Zhang é pego transando com estilista e roteirista.
Clique aqui e confira o tamanho do…”
— Ei! — protestei, gargalhando. Melissa levou as mãos ao rosto,
escondendo a risada. — “Sexo à três faz Brightgate estremecer. Saiba mais
sobre como Oliver Zhang fodeu Naomi Bale e Melissa Graham…”
— Eles não falariam “fodeu” — Mel interferiu.
— Fez amor?
— Nah. “Teve um affair tórrido”.
— Seria um escândalo e tanto. — Naomi comentou e um silêncio
invadiu a sala.
Nós três pensamos a mesma coisa. Eu me sentei, observando a máscara
no canto da sala. Eu não a tinha usado naquele dia. Eu tinha esquecido da
confusão da Jasmine até aquele comentário.
— Foi mal. — Carlson se ajoelhou, percebendo o que tinha dito. Ela
tocou o meu ombro e Wayne permaneceu deitada por um tempo, reflexiva.
— Foi mal mesmo.
— Tudo bem. Não é comigo.
— Meio que é. — Mel murmurou. — Tudo que acontece com a Jazzy,
parece que é com você.
Observei Carlson. Um celular vibrou e Melissa xingou, correndo para o
telefone. Naomi e eu a encaramos e ela nos lançou um olhar de desculpas.
Combinávamos sempre de desligar os telefones quando estávamos juntos
ali, mas Wayne esqueceu disso. Dessa vez, contudo, Mel não deixou o
celular de lado e correu de volta para nós dois. Ela atendeu e seguiu para
fora da sala.
Naomi se sentou do meu lado, batendo o ombro contra o meu.
— Foi muito bem hoje. Na verdade, nasceu para isso e você sabe.
— Nasci para o futebol.
— Também. Mas podemos ter nascido para mais de uma coisa. E é essa
a graça da vida, não? Que porre seria se fossemos sentenciados a apenas um
dom, quando tem tanto que podemos fazer.
— “Engoliu Sócrates?” — imitei a voz de Melissa. Naomi bufou uma
risada, beliscando minha coxa. Bati na sua mão. Mudei de assunto logo,
porque sabia que minha amiga comeria pelas beiradas até chegar aonde
queria. Era o que Batman e Robin faziam de melhor. — A ideia foi insana.
Jasmine negou. Espero que encontrem um jeito de limpar essa bagunça.
Ponto.
— Você só mente bem para si mesmo. — A encarei. Carlson apoiou a
cabeça sobre os joelhos. — Vamos, Zhang! A ideia não foi péssima. Na
verdade, foi muito boa. Um relacionamento é uma boa cortina de fumaça.
Você só está mordido porque Jasmine não se imaginou fazendo isso
contigo.
— Não…
— Eu te conheço desde os treze anos. Tem algo que eu não saiba sobre
você?
A observei em silêncio. Mordi o canto da boca. Sempre teve algo que eu
quis saber e nunca tinha perguntado.
— A dislexia…
— Dois anos antes da formatura. — ela foi objetiva.
— E não contou para ninguém?
— Não é algo que se conta. É parte de quem você é. É normal. Não se
faz fofoca sobre isso. E não ouse me agradecer por fazer o mínimo. Posso
ter sido uma Regina George na escola, mas era uma Regina George com
princípios. — Acompanhei seu sorriso. — Viu? Sei tudo sobre você. O que
eu não percebo, a Hailey percebe.
—  Fofoqueira.
—  Como é que a Jas sempre diz? “Filha de peixe, peixinha é”.
Meu sorriso morreu com o silêncio.
— Mike não achou a ideia muito boa.
— Não. Ele achou a ideia insana. — Naomi me corrigiu. Eles
conversaram sobre, claro que sim. — A ideia é genial, Zhang. Só não seria
justa. —  A encarei e percebi que Carlson também a desaprovava.
— Achei que…
— Eu sou a favor de um relacionamento falso nesse caso? Talvez. Acho
inteligente se for você? Como empresária que convive com publicidade
mais do que eu provavelmente gostaria, sim. Mas como sua amiga…
—  Achei que tinha a mesma opinião da Mel.
—  A Mel é uma romântica incurável, Zhang. — ela me disse, firme. — 
Wayne é muito racional quando a vida é dela, porque a vida a ensinou a ser.
Mas assistindo a vida dos outros, Wayne sempre torce pelo lado arco-íris e
corações. Não é exatamente errado. Na verdade, é uma das coisas que mais
amo sobre ela. Só que isso a cega de vez em quando. Ela acredita em
amores improváveis surgindo de situações improváveis e é time
ZhangRhodes desde que viu vocês pela primeira vez.
—  ZhangRhodes. — falei, rindo.
— É sério! —  Naomi riu junto. —  Mel amaria vocês dois juntos.
—  E você não? —  perguntei, duvidando.
—  Sim. Mas não assim.
Respirei fundo.
—  Puxe o Band-aid de vez, Naomi Carlson.
—  Mesmo que doa? —  Ela ergueu o mindinho.
—  Mesmo que doa. —  Enlacei o meu dedo ao dela.
Naomi puxou uma inspiração profunda e então começou:
— Meus princípios e valores seguem firmes, mas eu os torno maleáveis
por quem amo, sem pensar duas vezes. Então minto por vocês. Enquanto
Mel provavelmente luta com o peso disso nos ombros noite após noite, eu
minto para o mundo todo, sem peso na consciência. Talvez isso me torne
uma má pessoa, mas não dou a mínima.
Eu sabia para onde aquilo caminharia. Ela estava puxando o band-aid de
vez. Mas ele não saía com facilidade. Ele me rasgava a cada segundo.
— Quando Brandon morreu… Achei que passaríamos de sete para seis,
porque Gigi ficaria. — Gianna era a noiva de Brandon, meu melhor amigo.
— Mas ela foi embora sem olhar para trás. E Gianna ainda liga, ainda fala
comigo quando pode, mas não é a mesma coisa. Nós passamos de sete para
cinco, Oliver. Até que você trouxe Jasmine para as nossas vidas. E ninguém
esperava que ela seria parte de nós. De repente, parecia que guardávamos
uma mentira a sete chaves: cinco em cinco mãos, uma enterrada e a sétima
sobrando… mas jamais entregue. — Eu pedi para o band-aid ser arrancado
de vez e Naomi fez isso. —  Ela deveria saber da verdade, mas você mente
para Jasmine Rhodes desde que colocou os olhos nela, Oliver.
—  Naomi…
— Em cinco anos de amizade, ela te ajudou a superar seus medos, a ter
uma voz com aqueles sócios filhos da puta do seu time, te ajudou até
mesmo a ter seu coração leve o suficiente para perdoar seus pais por
qualquer coisa, a voltar a ser você mesmo… E ainda assim, você nunca
contou que a raiz para todos esses problemas, a razão para ter se afastado
mais dos seus pais, para quase ter morrido na porra de um acidente foi
que… — Seus olhos se tornaram marejados e Naomi limpou a garganta. —
Que da mesma forma que uma irresponsável bebeu e matou o pai dela em
um acidente de carro, Brandon… O nosso Brandon, o Brandon que
amamos, foi irresponsável de beber e isso o matou e quase, Ollie, quase te
matou no processo.
— Os dois acidentes não são relacionados.
— Não são. Mas você escondeu isso dela, no início, para impedir que ela
julgasse o nosso Brandon como julgou a mulher bêbada pra caralho que
bateu o carro contra o do pai dela. E, Ollie, eu entendo. Eu realmente
entendo. Eu teria feito o mesmo, provavelmente. —  Ela riu. —  Mas depois
teria sido sincera, porque isso foi no início. Vocês são amigos há anos,
agora. Não dias ou semanas ou meses. Anos. Ela é a pessoa mais importante
na porra da sua vida e você nunca contou isso. Ela sai por aí te apoiando e
dizendo que adoraria ter conhecido Ramsey… Mas ela não sabe de toda a
história, Zhang.
— A história toda é complicada.
— Claro que é. Porque, bem, não foi Brandon que atingiu o carro do pai
dela. Mas poderia ter sido.
— Não poderia.
— Entendeu o que eu quis dizer, Zhang. Nossa. Estou dizendo que
vocês… Na verdade, nós… Nós nos aproximamos dela muito pelo luto que
compartilhamos. Mas a história complicada que tanto fala? Não é a que ela
conhece. Brandon foi irresponsável. Ela até mesmo o exalta só porque te
ama, pelo que ouviu falar através de você e de nós. Ela acredita que ele foi
um ídolo, impecável, um herói. Mas se soubesse toda a verdade do início,
talvez o repudiasse. Talvez nunca tivesse se aproximado tanto de nós.
Talvez se afastasse por um tempo. E eu entendo que queira evitar isso. Que
queira evitar qualquer reação ruim que Jasmine possa ter. Mas, caralho, é
nossa amiga e a gente fica escondendo isso dela o tempo todo. Se tornou
uma mentira desnecessária, mas que cria esse abismo estúpido. Se ela
descobrir por qualquer outra pessoa senão nós, vai ser um inferno. Ela vai
cair na porra desse abismo, ficar bolada pra caralho. Por todas as conversas
que vocês tiveram… Que nós tivemos, dividindo o peso do luto, e você
nunca, jamais, contou isso. E isso não é pouca coisa.  Porque a única vítima
do acidente do Ramsey foi ele mesmo, mas poderia ter sido outra pessoa.
Poderia ter sido você. E você sabe disso. Então eu digo que deveria contar a
verdade, deixá-la digerir e recuperar sua melhor amiga quando ela estiver
pronta. Não esconda tudo para sempre. Ou até tudo explodir. Por que, quer
saber? Eu acho que pode acontecer.
Doía. Doía ouvir e eu só consegui dizer isso em voz alta uma vez na
terapia. Admitir a irresponsabilidade do cara que era um irmão para mim e
que isso quase me matou era difícil. Pior ainda era a culpa de saber que eu
deveria ter evitado.
Eu deveria ter feito alguma coisa.
Se eu não tivesse bebido naquela noite… Eu teria o impedido de dirigir.
Se eu não tivesse tão bêbado… Tudo seria diferente. A culpa de Ramsey ter
sentado naquele banco do motorista também era minha, não?
De início, todos nós decidimos esconder essa verdade por um conjunto
de fatores. Porém nenhum desses fatores era forte o suficiente para me
impedir de contar tudo para Jasmine. Exceto, claro, meu egoísmo. Meu
medo de perdê-la para sempre. Perdê-la porque minha falta de coragem me
fez esconder a verdade por tanto tempo, que a omissão se tornou uma
mentira cada vez maior.
E ela me odiaria por isso.
Odiaria todos nós por mentirmos juntos.
Mas eu não poderia perdê-la.
Não poderia deixar nossa família ser uma decepção para ela.
— É feio, Zhang. — Carlson seguiu, honesta. — É sujo. E eu continuo
me submetendo a isso porque vejo seu sorriso toda vez que ela respira perto
de você. Porque não quero perdê-la. Porque Damian a ama, ela é a melhor
amiga que ele tem no momento. Porque Hailey é obcecada por aquela
mulher. Porque Mel a considera uma irmã, tanto quanto me considera uma.
E antes, eu não tinha problemas de mentir para uma desconhecida, mas
Jasmine Rhodes se tornou importante para mim. Eu a defendo com unhas e
dentes, ao mesmo tempo que eu sinto que a machuco sem que ela saiba. A
morte do pai dela ainda a machuca. Ela ainda odeia com todas as forças a
criatura que provocou isso. Eu só abaixo a cabeça e minto, por você, Zhang.
Porque sei que você mente para si mesmo muito bem toda vez que diz que
não a ama do jeito que a ama, mas você a ama. Perdê-la te dilaceraria. — 
Meus olhos arderam e o nó na minha garganta tornou impossível negar
qualquer coisa que dissesse. Pela primeira vez, eu não conseguia negar. — 
E essa sou eu arrancando o band-aid, Oliver: você a ama e não fingiria por
um segundo sequer, Oliver. Seria real para você. E se você tornasse real
para ela também, com um segredo desses nas costas eu, honestamente, não
sei se suportaria. Eu não suportaria viver com medo de assistir vocês ruírem
a qualquer momento. Porque todo amor que nasce de uma mentira tem data
de validade. Minha lealdade a você tem limite. Acho que esse é o limite.
Onde a minha com Jasmine começa. Se Rhodes se apaixonasse por você no
meio de uma mentira, eu contaria a verdade. Contaria o que a esconde há
quase cinco anos. O que todos nós já deveríamos ter feito.
Olhei para o chão, consciente de que Naomi me encarava. E de repente,
tudo em mim doía. Eu não estava mais sendo bom em mentir para mim
mesmo, estava? Eu amava Jasmine Rhodes. Parte de mim, sabia que mais
do que eu dizia amar. Eu só trancafiava essa parte no fundo do peito, porque
era mais fácil viver assim. Era cômodo. Me colocar em um relacionamento
falso era arriscado, mas permitir que ela se apaixonasse por mim de volta,
seria egoísmo. Na verdade, estar perto dela em meio àquela mentira, já era
egoísmo suficiente.
— Conte a verdade, Ollie. — Naomi pediu, como raramente fazia.
— Eu não consigo.
Carlson suspirou e a porta do estúdio voltou a abrir.
— Voltei! O que aconteceu? — A felicidade morreu na voz de Wayne a
cada sílaba.
— Damian vai viajar para Sydney amanhã e eu estava desabafando sobre
essa rotina louca dele. — Naomi mentiu. — Na verdade, acho que estou
sentindo falta dele e ele nem partiu ainda. Tudo bem se eu voltar para casa?
— Tudo sim. — Mel disse, incerta, e eu senti seu olhar sobre mim.
Naomi beijou minha bochecha, se despediu da Mel com um abraço, pegou
as coisas e partiu em um piscar de olhos. Mel olhou fixamente para mim. A
porta se fechou, em um baque silencioso, e eu soube que Wayne não caiu na
mentira. Ela nunca foi burra. Nos conhecia muito bem. — Tudo bem
mesmo?
Me pus de pé e estendi a mão para ela. Mel entrelaçou os dedos aos
meus.
— Vai ficar. — Dei meu melhor sorriso, me sentindo falso pra caramba
por isso.
— Super-abraço?
— Super-abraço! — confirmei, apertando a minha amiga com força.
Ficamos um bom tempo ali. Enquanto eu preferia desabafar com a
Naomi, porque ela era mais direta do que nunca; eu definitivamente preferia
os abraços da Melissa, porque ele me arrancava verdades de uma maneira
mais doce.
— Tem um coração no seu rosto?
— Hailey.
Ela bufou uma risada, acariciando as minhas costas.
— Fim da pausa? — perguntei, me afastando quando ficamos tempo
demais parados e o abraço perdeu a força. Um som na sala fez meu corpo
tensionar.
— Na verdade… — Mel sorriu de orelha a orelha, olhando para algo
sobre meu ombro. — Eu também estou indo, mas você deveria ficar.
Franzi o cenho confuso, me virando. A porta da sala estava aberta e eu vi
uma mulher negra com leggings brancas e top de mesma cor, cabelos lisos
presos em um rabo de cavalo alto e sem um sinal sequer de maquiagem
pelo rosto. Jasmine Rhodes ergueu uma chave em mãos e um olhar
marejado em minha direção, silenciosamente dizendo que precisava de
mim. E mesmo sabendo que seria egoísta da minha parte precisar dela de
volta, eu deixei cada uma das minhas barreiras cederem por causa daquela
mesma mulher.
De novo. Como sempre.
“Seja minha rainha, serei seu rei
Seremos governantes
Eu te darei tudo”
Be My Queen – Seafret

 
Não costumo me desesperar com facilidade. Não mesmo. Sou positiva. E
creio que quanto mais energia positiva jogamos no mundo, mais ela volta
para nós. Faço disso minha religião. Repito isso como a porra de um
mantra. E mesmo assim, eu estava me fodendo.
Eu estava desesperada.
— Vou deixar vocês a sós. Mike está chegando…
— Não precisa. — assegurei para Wayne, que beijava o rosto de um
Zhang estático e corria em minha direção, com um sorriso enorme no rosto.
— Precisa sim! Vocês dois fazem dessa sala um templo juntos, toda vez,
e não vou impedir isso. — Ela segurou minhas mãos, firme, ainda com
aquele sorriso gigante. — Está melhor?
Neguei, sem capacidade de mentir. Ela suspirou e me abraçou. Wayne
tinha cheiro de jasmins e algo mais doce. Era tranquilizante. Seu abraço era
um dos melhores do mundo. Só perdia, talvez, para o cara do outro lado da
sala.
— Vai ficar tudo bem, Jas.
— Vai ficar tudo bem, Mel. — devolvi, porque seu nome ainda estava na
reta. Ela fazia parte de Surf & The City. Aquela série era sua paixão. Todo
esse drama a afetava de alguma forma. Ela beijou minha bochecha e se
afastou. Ouvimos uma buzina e seu sorriso voltou.
— Vai para o seu nerd favorito, vai! — falei e ela riu, se virando para
Zhang e acenando antes de girar nos calcanhares e partir. Só me deu tempo
de bater na sua bunda uma vez, sua gargalhada ecoando porta afora. Pena.
Amava bater naquela bunda.
Zhang pigarreou. Eu fechei a porta da sala atrás de mim, cruzando os
braços, encolhida. Tímida. E com ele. O que nunca fui. Nunca mesmo.
— Então…
— Então… — o imitei, parando a alguns passos dele. Percebi a máscara
do Mike no canto da sala e as luvas em suas mãos. O que queria dizer… —
Produziu algo hoje?
— Não. Apesar da máscara, não gravei nada, eu só…
— Queria se distrair?
— Sim.
— É… — Meus olhos arderam. — Eu também.
Ollie esquadrinhou o meu rosto por dois segundos, mas preferiu fitar os
próprios pés. Eu mantive meu olhar sobre ele. As tatuagens escondidas pela
roupa preta. Gola alta. O que não ajudava para o que fazia ali. Deveria fazer
muito calor. Ele não se importava.
Ele se vestia assim mesmo quando não se gravava. Quando se gravava,
cobria cada centímetro de pele. Principalmente a cara.
— Não deveria esconder nada disso. — murmurei.
— Eu deveria sim. Você sabe disso mais do que nunca agora. — Nossos
olhares se cruzaram e meu coração bateu mais forte, absorvendo suas
palavras. — Tudo o que a mídia toca, apodrece, Jasmine. Ela tocou a sua
vida…
— E minha vida está apodrecendo?
— Está?
Estava. Tudo o que lutei para conquistar… Ri nasalado, balançando a
cabeça e odiando a dor atrás dos olhos. Frágil. Vulnerável. Chame o que
quiser, eu não gostava disso.
Zhang se aproximou. Não me tocou. Não me abraçou. Era o que eu
queria e ele sabia, mas também sabia que se isso acontecesse, eu desabaria.
A não ser que fizéssemos o que ele tinha ido ali fazer. O que provavelmente
fizera com Carlson e Wayne. Ainda assim, ficou ali, parado, a uma distância
segura. Esperando.
E eu não sabia como agir. Havia uma tensão diferente entre nós desde
que propusera ser meu namorado falso. Era inquietante. Confusa.
Fascinante também.
— Tire as luvas. Não precisa esconder comigo.
Ele obedeceu e eu passei reto. Os fios na minha nuca se arrepiaram e eu
ignorei isso, atribuindo a sensação ao ar-condicionado do ambiente e não…
ugh, sei lá.
— Posso?
— Sabe que pode. — ele respondeu, ainda distante. Vi pelo espelho suas
luvas sendo jogadas ao chão. Ótimo.
Conectei meu celular às caixas sonoras. Respirei fundo, fechando os
olhos e recuando… Até que Be My Queen do Seafret começou a tocar. Abri
os olhos.
Eu comecei a minha história ali. Trabalhei com Finneas Wayne naquele
mesmo estúdio, com dezoito anos e um sonho. Um sonho que era mais do
que ser instrutora de dança. Um sonho que agora escapava pelas minhas
mãos como areia.
— Sério? Essa? — Ele riu, atrás de mim.
— Essa me acalma, ok? — me defendi, vendo seu sorriso antes mesmo
de erguer o queixo e encontrá-lo pelo espelho. Seu sorriso sempre estava na
minha mente.
Eu deveria saber. Eu deveria saber muito antes, Oliver Zhang faria
comigo o que fez com tantas outras. Ele me conquistaria. Ele conquistava
qualquer um.
— Foi uma das primeiras que você criou. — lembrei e ele negou,
parando atrás de mim.
— Nós criamos juntos.
Zhang roçou o queixo na minha têmpora, mantendo os olhos sobre mim.
Seus olhos se fecharam, como suas mãos.
— O que está pensando?
— No que quero esquecer. — sussurrou. — E você?
Mídia. Seguidores despencando. Ataques, muitos deles claramente
racistas. Ódio gratuito. Mentiras ao meu respeito. O que minha família, no
Brasil, provavelmente pensava sobre tudo isso. Boatos de contratos
correndo risco de serem rompidos. A série por um fio. Meus próximos
filmes com divulgação fodida, por uma mentira suja. Meu sonho morrendo
junto com minha conta bancária.
— Também. No que quero esquecer.
Ele sorriu. Era um sorriso triste. Infelizmente lindo no seu rosto.
— Então vamos começar.
Ele me girou, colando meu peito ao seu, assim que o refrão explodiu
pela sala. Zhang me girou de novo e eu fingi que escaparia dele, apenas
para que caçasse por mim novamente, capturando-me pela cintura.
Erguendo-me ao topo. Prometendo me fazer sua rainha, ele seria o meu rei.
O mundo seria nosso. Mas era só uma música. Era só uma dança. Ainda.
De novo ao chão, uniu meu corpo ao seu, mas tentei escapar. Ele uniu o
peito às minhas costas de novo. Sua respiração perto da minha têmpora,
quente e acelerada. Seus dedos roçando de leve pelo meu braço, até se
entrelaçarem aos meus.
De todos os segredos de Oliver Zhang, o mais doce? Ele dançava. E
entre todos os estilos, a dança contemporânea era a que eu mais amava nele.
Era quando se mostrava vulnerável e criativo. Um livro aberto. Um que eu
amava ler.
Ele diz que criou essa coreografia comigo. Ele a odiava porque a julgava
amadora. Talvez seja. Zhang melhorou muito, desde sua primeira criação.
Mas a maioria das ideias foram suas e foram lindas. Foda-se. Era a minha
favorita.
O tempo todo eu fugia, o tempo todo ele me resgatava e o mundo todo
parava. Quando girei de novo, ele me capturou, puxando-me pela mão antes
que eu caísse, soltando-a apenas para agarrar minha coxa rente ao corpo.
Me segurava tão firme que os nós dos dedos tatuados estavam brancos na
minha perna e na minha cintura.
Eu poderia ficar por um triz de despencar, mas jamais me permitiria
chegar ao chão. Era poético. E irônico. Era sobre nós. Eu só era burra
demais para perceber.
Ele girou com meu corpo preso ao seu, até parar subitamente. Depois
deixou sua mão subir da minha coxa para cintura, pescoço… Minha
pulsação acelerava contra seus dedos, com o ritmo da música, intenso
apesar de constante. Mesmo que a melodia avançasse, era como se os
segundos não. Espaço, tempo, vida… tudo era sobre nós. Tudo sempre foi
sobre nós.
Ofegante, me perguntei por que não continuou a me guiar. Observei seu
peito subindo e descendo rente ao meu, sincronizados. Fechei os olhos, sem
saber o porquê. Meus lábios… Subitamente sua respiração os tocava e eu
podia, quase, sentir o gosto de menta e problemas.
— Esqueceu? — ele quis saber, enquanto a música continuava.
— Do quê? — perguntei, honesta. Abri os olhos e Zhang ainda estava
próximo, segurando meu pescoço e minha cintura.
— De tudo, Jasmine.
Assenti, unindo a testa à sua. Ele xingou baixo e eu quis saber o que
pensava.
— Qual é seu motivo, Ollie? — tentei, mais uma vez. Ele sabia do que
eu falava. — Por que quer ser meu namorado falso?
Ergui os olhos para meu melhor amigo. Aguardando.
Seu pomo de adão oscilou. Apenas isso.
Eu deixei de esquecer do mundo.
Eu cedi.
A música ainda continuava, mas não nos importávamos. Mesmo com o
caos externo, ele me ouvia.
— Priyanka ficou o dia todo em uma sala com nossa equipe, pensando
em uma solução, porque acreditam que os boatos são verdadeiros. Cartier,
Calvin Klein… Vou perder os contratos, Ollie…
— Não…
— Eu desmenti tudo antes de vir aqui. Eu postei tweets, stories, dizendo
que obviamente tudo é irreal e meus fãs estão lutando por mim, mas tem
tantos haters… — Meus olhos marejaram e um músculo na sua mandíbula
se sobressaltou. Ele segurou meu rosto como se eu fosse partir. — A série
deve ser paralisada, sabe? Adiada, talvez? Acho que só não perco os
contratos do filme da Universal e aquele da Sony, porque… Já me
anunciaram, certo?
— Respira, Rhodes.
— A melhor opção é uma cortina de fumaça e se for um relacionamento
falso… E se você realmente tem um motivo tão importante… — Parei de
falar, passando a língua pelos meus lábios e sentindo-os salgados. As
lágrimas já tinham escapado. Eu nem percebi. — Pode me contar no seu
tempo, ok? Tudo bem! Eu só preciso que isso passe. Eu só preciso… —
Minha voz falhou por completo quando olhei no fundo dos seus olhos. —
Preciso que fique bem também. Então se eu disser sim, Zhang, você vai
fazer isso parar? — Minha voz ficou por um fio. Ele sabia que era sério. Eu
estava ruindo mais vezes do que era capaz de contar naquelas últimas horas.
Precisava dele para me impedir de cair fora da dança. Eu faria o mesmo por
ele. — Z?
Eu não podia ler a intensidade do seu olhar. Raros eram os momentos em
que eu não o entendia. Mas pela vermelhidão nos seus olhos, algo o feria. O
quê? Era o seu motivo? Por que ele não me contava?
— Não posso prometer que o mundo vai parar de te ferir, Jasmine. —
falou. — Está fora do meu controle e eu odeio isso! Mas posso te prometer
que vou fazer de tudo para que parem. — Ele segurou minha nuca com uma
mão, ergueu meu queixo com a outra. — Vou fazer o que for preciso.
Quando soltei um suspiro cansado, ele me trouxe para si, unindo minha
cabeça em seu peito. Segura com ele, me agarrei à sua camisa como uma
criança agarra um cobertor e desabei pela última vez. Mas Zhang estava ali.
Ele me colocaria no céu novamente. Eu não tinha dúvidas disso.
Eu só esqueci que quanto mais alto ficamos, maior é a fatalidade da
queda.

Sentados contra o espelho do estúdio, Oliver e eu dividíamos um pacote


de batatas chips que compramos na maquininha do corredor.
— Quer mesmo fazer isso? — quis saber. — Talvez Priyanka consiga
outra maneira. Keanu pode ajudar.
— Keanu conseguiu outra maneira para limpar sua imagem? —
perguntei e ele franziu o cenho em um silencioso “como sabe disso?”. Eu
sorri. — Riley.
— Fofoqueira. — resmungou.
— Eu senti que algo estava errado porque você foi substituído algumas
vezes. — Ele pareceu surpreso. — Sou sua fã número um, esqueceu? —
Seu sorriso me fez sorrir. — Sondei a Riley de um jeito tão certeiro que se
fosse um filme, eu ganharia o Oscar. Apesar de que não deveria ter sido tão
difícil pensar que sua imagem não está das melhores, Z, e isso influencia
seu trabalho.
— Um brinde a isso! — Ele chocou sua batata frita com a minha e nós as
mordemos. Ollie respirou fundo. — Não está tão feio assim.
— Mas o namoro falso pode te ajudar.
— Pode.
— Outras coisas também podem.
— Desiste. — Soltou um risinho, identificando minha jogada. Ri junto,
frustrada. Queria saber o tal motivo. Ofereci as batatas para ele e ele pegou
uma. Peguei outra. — Pior que não sei mais se é o melhor caminho para
mim. — Sua voz era distante.
— Se não quiser fazer isso…
— Ainda assim, eu quero.
Olhei para ele, instigada. Droga, Oliver, por quê?
— Pelo seu motivo secreto?
— Pelo meu motivo secreto.
Respirei fundo.
— Vai ser difícil.
— Tenho uma atriz para me ajudar.
— Nossos amigos já vão ter que mentir. — Ele me deu um sorriso triste.
Inquietante. — Quanto menos pessoas souberem, melhor. O que quer dizer
que… Tirando a minha mãe, nem minha família vai saber. E a sua?
— Meus pais desaprovariam. — Assenti, concordando. Adrian engoliria
isso com dificuldades, mas eu conseguia imaginar o olhar decepcionado da
dona Lin. Ela odiava mentiras assim. Seria doloroso até para mim. — A
Riley também.
— Apenas nosso grupo?
— E nossa equipe.
Ficamos em silêncio novamente, nos encarando. Tombamos a cabeça em
direção ao espelho em sintonia.
— Vai ter que me beijar. Em público. E eu vou ter que te beijar. Vai ser
nojento — brinquei. Ele gargalhou e eu amei o som da sua risada. Oliver
fitou o teto e eu analisei seu pescoço. A fênix preta na sua garganta oscilou,
mas seu sorriso persistiu. E era genuíno. — E como vamos fazer para
esconder a trilha de calcinhas que você deixa por onde anda?
— Keanu sabe lidar com isso.
— Espero que saiba.
Oliver olhou para mim.
— Sou capaz de fazer isso. Ainda assim, Jasmine, você precisa ter
certeza. Parece incerta. Quer mesmo fazer isso comigo? Tem outras
celebridades bonitas que combinariam com seu sorriso nas revistas e sites
de fofoca.
— E ainda assim nenhuma delas é você.
Absorvemos minhas palavras em silêncio. Ele era um cara que
associavam muito a mim. Ele me deixava confortável. Com Zhang, eu
fingiria, mas fingiria menos. Eu me encaixava nos seus braços, gostava de
estar ao seu lado e pareceria… menos errado. Mel e Naomi estavam certas
quando disseram que era uma ideia genial.
— Só me prometa — comecei, incerta — que, independentemente do
que acontecer, Zhang… Ainda teremos um ao outro ao fim do dia. E que
tirando essa mentira, não haverá mais nenhuma outra entre nós dois.
Ele olhou no fundo dos meus olhos, virando o rosto bem devagar, e
disse:
— Prometo.
Seus olhos fizeram os meus de refém por uma eternidade.
— Você promete? — ele devolveu.
— Eu prometo.
Meu mindinho procurou pelo seu, no chão do estúdio. Eles se
engancharam em uma aliança firme e forte. Por um segundo, pareceu que
nossas almas faziam o mesmo.
Mas Oliver mentiu. E eu também quebraria a minha promessa.
“Eu serei seu conserto temporário
Você pode ser minha dona
E nós vamos chamar isso do que você quiser chamar”
Temporary Fix - One Direction

Depois de um bom banho, de colocar minha camiseta longa favorita e de


encher uma taça de vinho, eu me permiti respirar de verdade.
“Exausta” era uma palavra fraca para me definir.
Encostei os quadris na bancada da cozinha, virando um gole da taça. A
porta do apartamento estava aberta, bem como a de Zhang. Ele disse que
iria tomar um banho depois que voltamos do estúdio, ele em seu carro e eu
no meu. Meu olhar caía sobre ela vez ou outra e eu odiava a ansiedade que
me tomava de repente.
Meu celular vibrou e eu analisei a tela. Respondi em português as
mensagens da minha mãe, perguntando se eu tinha chegado bem em casa.
Mudei para o inglês quando vi as mensagens do Damian. Meu amigo estava
preocupado, porque eu disse uma única frase: “Estou namorando Oliver
Zhang”.
 
Damian: Tem certeza?
 
Eu ri baixinho.
 
Eu: Bem, ele não fez um pedido oficial.
Damian: Jasmine, é sério.
 
Mordi a bochecha.
 
Eu: É sério. E precisamos de vocês nessa. Amanhã, de tarde.
Damian: Rhodes...
Eu: Não vamos conseguir sem o grupo, Bale. Faz isso por sua fã número 3.
 
Damian: Achei que era a número 1.
 
Eu: Por favor, seu brilho sumiu um pouco depois que te vi dançar Shakira pela primeira vez.
Carlson e Mini-Carlson pegaram meu lugar de BaleStan obcecada. Agora sou apenas a amiga
maluca.
 
Damian: Para de brincar e me responde, porra, tem certeza disso?
 
Não respondi.
Depois que explodi com o seriado, me aproximei de Damian Bale mais
do que esperava. Achei que Oliver seria o único a me entender, mas a
verdade é que meu melhor amigo tinha uma fama pequena perto do que
Damie e eu conquistamos. Isso considerando os dois milhões de seguidores
que Oliver Zhang possuía, estou falando bem sério. Damian sabia o que era
ser conhecido a um nível global e como aquilo era assustador para nós,
individualmente, e nossas famílias. A empatia monstruosa do falso bad boy
australiano, o fez checar como eu estava de vez em quando. Então isso se
tornou mútuo e sempre que possível.
Deixei o celular de lado e virei outro gole da taça, recuando até meus
quadris se colarem à bancada oposta. Aquilo era loucura.
— Então, só repassando nossa ideia. — a voz grave e rouca que invadiu
o apartamento me fez estremecer de susto. Desgraça.
Zhang estava com os cabelos molhados e uma camisa preta de mangas
curtas justa ao corpo sob a calça de moletom. Gritava frescor e todos os
seus músculos estavam deliciosamente bem-marcados, as tatuagens pretas
contrastando com a pele clara. Ele não mentiu quando disse que outras
pessoas bonitas poderiam fingir comigo, mas não menti que nenhuma era
ele. O filho da puta era lindo de um jeito quase irritante.
— No momento em que pisarmos na Skore amanhã, já estaremos
fingindo? — ele perguntou e eu confirmei. Precisávamos chegar na agência
interpretando. Digo, por mais que ela trabalhasse para mim, eram muitos
funcionários e eu não confiava em todo mundo. Apenas na minha equipe e
principalmente na Priyanka. — Keanu vai estar lá. Acabou de confirmar
comigo. — Zhang balançou o celular e adentrou a cozinha, se apoiando na
bancada. — Liguei para Naomi e para Mel também. Não acha suspeito tê-
las por lá?
— O Damian também é agenciado pela Skore; a Naomi é minha estilista
e, portanto, da minha equipe. Ela estar lá não é estranho. E a Mel é a outra
metade dela. — Ele concordou. — Precisamos da Melissa lá mais do que
tudo.
— O que está tramando? — ele perguntou e eu o ofereci a taça. Senti
que o olhar de Zhang cravou no meu ombro quando a camisa caiu para um
dos lados, expondo a minha pele. Ele aceitou a bebida, desviando o olhar
rapidamente.
— Precisamos da equipe perfeita para nos tirar da merda. E essa equipe
precisa envolver a nossa família. — respondi, cruzando os braços, o
observando beber. Havia algo, em todos os seus movimentos, que o fazia
parecer como o dono do mundo. Era classe, firmeza e algo a mais. —
Preparado para amanhã?
Ele afastou a taça, agora vazia, da boca e lambeu os resquícios de bebida
da carne rosada. Pensei que o namoro falso já deveria estar mexendo
comigo, para estar tão observadora e nervosa com cada gesto do meu
melhor amigo.
— Você está? — ele rebateu.
Dei de ombros, pegando a taça de volta e nos servindo de mais.
— Acho que veremos. — Virei mais um pouco de coragem líquida, o
observando por cima da borda do copo. — Quão bom jogador acha que é?
Ele abriu um sorriso arrogante.
— O melhor.
— Ok, “o melhor”. — zombei, sorrindo mil vezes pior. — Hora de
traçarmos nossa estratégia de jogo. — Entreguei meu celular para Zhang.
— E de ligarmos para as feras.
E por feras, eu quis dizer agentes. O que fez Oliver gemer de desespero.
Compartilhando do sentimento, virei o resto da taça de uma só vez. Seria
uma noite difícil.

— Precisam ter certeza absoluta de que querem isso.


De lados opostos da longa mesa de vidro da minha agência, tanto eu
quanto Oliver tentamos nos manter impassíveis diante de Keanu e Priyanka.
Eles levaram nossa “reunião de emergência” bem a sério. Na verdade, nos
imploraram por vinte e quatro horas de reflexão. Provavelmente por serem
nossos amigos, porque quaisquer outros profissionais, veriam a
oportunidade de juntar duas personalidades influentes naquela cortina de
fumaça, como uma enorme máquina de lucro. Não que Zhang e eu não
tivéssemos discutido essa possibilidade, digo... Se estávamos na merda, por
que não tentar lucrar com isso? Éramos esse tipo de filhos da puta de
qualquer modo.
Lentamente, guiei meus olhos para meu melhor-amigo-barra-falso-
namorado, tentando captar qualquer hesitação.
Zhang estava sentado com uma feição rígida, contrastando com sua pose
relaxada. Me encontrando depois de uma manhã de treinos, Oliver parecia
ter tido uma noite de sono melhor do que eu, usando uma camiseta longa do
Red Hot, com seus cabelos úmidos e tatuagens por toda parte. Parecia bem.
Na verdade, parecia lindo, calmo e pronto para estrelar uma campanha de
moda. Já eu, estava mantendo uma performance digna de um Oscar, lutando
para não infartar no prédio da Skore.
O edifício era nada discreto. Quatro andares, algumas vidraçarias e um
estacionamento modesto. Ficava a dois blocos do litoral, completamente
grafitado com artes coloridas e carregadas de contraste. A logo da Skore
tinha um coala amarelo no lugar do “O”. Priyanka dizia que era seu detalhe
favorito. Achava engraçado como minha agente era uma leoa feroz em
trabalho e fora dele tinha a mesma energia que um Shih-Tzu alegre e
saltitante.
Bem, naquela manhã eu enfrentaria a leoa.
— Terra para Rhodes. — Priyanka ralhou. —  Tem certeza ou não?
— Nossa certeza não mudou em vinte e quatro horas. — respondi.
Um silêncio sepulcral tomou a mesa de oito lugares, quase
completamente preenchida.
— Ninguém mais vai dizer nada?
O olhar de Priyanka alcançou os nossos amigos. Ela com certeza
desaprovava todos ali, na agência. Achava que chamava muita atenção. De
certo, sim, mas Oliver e eu precisávamos de cada um naquela mesa.
— Eu ainda não entendi porque estamos aqui, na verdade. — Mike
confessou, baixo.
— Nossas agendas pessoais incluem vocês em 70% do tempo. —
lembrei. —  Então não só não queremos esconder a verdade de vocês, como
precisamos da cooperação.
—  E de termos de sigilo. — Keanu disse, acenando para nossa
advogada em comum. Madison Carlson ergueu uma sobrancelha para a
irmã. Naomi estava mastigando o cabo de um pirulito há dois minutos, com
o olhar preso em Bale, do outro lado da mesa. Eles nitidamente mantinham
alguma conversa silenciosa e tensa.
— Não acham que vamos contar para alguém qualquer merda, acham?
— Mike soou ofendido. Mel, do seu lado, alisou seu braço, mantendo-o
relaxado.
— É uma formalidade. — Keanu interveio, sério como sempre. — E
nossos clientes podem confiar em vocês, mas meu trabalho, nesse caso, é
desconfiar até das nossas sombras.
— Vamos ter que mentir para Hailey? — Carlson falou pela primeira vez
naquela manhã. Keanu abriu a boca para responder, mas Naomi observava
Oliver. Honestidade era pilar para Carlson e Bale na criação da garota. Eles
odiavam mentir.
— Eu converso com a Hailey. — Oliver disse, encarando a amiga com
segurança.
— Vai confiar em uma criatura de quatro anos? — Keanu insistiu.
— Se chamar a minha filha de criatura de novo, vai engolir esse seu
Armani de três peças goela abaixo. Sem cuspir. — Naomi deu um sorriso
ameaçador e Keanu virou para Bale com um olhar de “me ajude aqui”.
Damian o encarou com tédio, nitidamente do lado da esposa. — Vamos
apoiar vocês em qualquer coisa. E, se precisar, tanto eu quanto Damie nos
responsabilizamos pelo silêncio da Hailey. Damian?
— Se não tivermos que mentir para ela, ótimo. — Damian disse. Ele
analisou Mel e Mike, esperando pela confirmação deles.
— Amo Fake Dating! — Mel disse, dando de ombros.
— Melissa! — Todos nós falamos ao mesmo tempo.
— Ué, é verdade! Eu amo. — Ela mordeu o canto da boca. — Mas sim,
estou de acordo. Qualquer coisa por vocês. Storm? — ela chamou o marido,
que respirou fundo e lançou um olhar em torno da mesa. Ele desaprovava,
ainda assim fez um esforço:
— Preciso de aulas de atuação para esconder essa merda. — me avisou e
eu sorri.
— Ao seu dispor, padawan — retruquei, conquistando um sorrisinho do
meu nerd favorito. Um silêncio sepulcral tomou a mesa. Até Mike quebrá-
lo.
— Como vão esconder as garotas que o Oliver fodeu? Porque só nessa
mesa tem duas.
— Por Deus. — Damian esfregou o rosto. Naomi corou, lembrando da
despedida de solteiro de Graham e Wayne. Se os tabloides soubessem o que
Naomi e Bale fizeram com Zhang em um dos quartos… Ugh. Vomitei
internamente, até parar e...
— Espera, ele fodeu duas? Quem Oliver fodeu além de...? — Naomi
roubou meus pensamentos.
Madison estava vermelha. Muito vermelha. Oliver sorriu de canto.
— Meu Deus, você fodeu minha irmã? — Naomi ralhou e eu segurei seu
joelho, implorando por calma.
— Sou uma pobre advogada hoje, por favor, para de olhar para mim. —
Madison implorou, cada vez mais vermelha.
— Você é casada!
— Você também. — Oliver lembrou e eu quase vomitei internamente de
novo, percebendo que ele conseguiu dois ménages com duas Carlsons
diferentes. Digo, nada contra, mas... A ideia do meu melhor amigo ter
fodido um terço das garotas da sala me incomodava um pouco.
— Ok! Ok! Foco! — Keanu pediu, espalmando a mesa enquanto
Priyanka se sentava, claramente arrependida por ter aceitado aquilo. Ou
nascido. Talvez ambos. — Vamos trabalhar em uma mentira que esconda
qualquer merda necessária dos últimos meses. Maddie, faça as mudanças
nos contratos dos Bales. Grahams, assinem. Rhodes e Oliver também. —
Maddie se levantou, distribuindo os contratos e as canetas.
Mel e Mike assinaram sem muita hesitação. Naomi foi atrás da
advogada, ainda chiando baixinho por só descobrir três anos depois que a
irmã tinha transado com um dos seus melhores amigos. Eu só folheei o
contrato, escutando a conversa distante que envolvia “vai me contar tudo” e
“ai, meu Deus, Naomi, se acalma”.
Admirei a eficiência de Madison em fazer aquela documentação tão
rápido e ainda incluir todos os tópicos que Zhang e eu tínhamos citado por
telefone, para Pri e Keanu.
“Nenhuma das partes pode ser flagrada com quaisquer outras pessoas,
em qualquer tipo de envolvimento sexual ou amoroso”. Deus, Oliver
sofreria com essa.
“A existência de sentimentos por qualquer um dos envolvidos que
ameace a estabilidade do relacionamento deve ser imediatamente
comunicada, visando máxima transparência.” Razoável, ainda assim me
inquietou. Mesmo parecendo improvável que Zhang se apaixonasse por
mim, a ideia era... desconcertante.
“Toda a narrativa envolvendo o casal passará pela aprovação dos
mesmos e de seus agentes, por um período de, no mínimo, seis meses”.
Caralho, seis meses?
“As agendas de ambos serão adaptadas nas primeiras semanas. Haverá
um cronograma a ser cumprido para que a narrativa pareça verídica”.
“Narrativa”. Era assim que nos chamariam?
Suprimindo um riso nervoso, ergui o olhar para Oliver, respirando fundo.
Ele fez o mesmo, ainda sem assinar.
Eu estava nervosa. Muito nervosa.
Até que seus olhos brilharam.
Um meio sorriso se formou.
Tudo parou.
— Como nós nos apaixonamos? — ele perguntou.
Todos nos assistiam, de repente, calados, mas era como se fôssemos
apenas Ollie, eu e dois contratos.
Eu sorri. Como Jasmine Rhodes e Oliver Zhang se apaixonaram um pelo
outro?
— Você caiu pelos meus maravilhosos encantos. — decidi.
— Obviamente! — Ele bufou, debochando. — E você foi mais uma das
centenas garotas a se render pela minha covinha.
— Obviamente. — Bufei de volta. Rimos juntos. Me debrucei sobre a
mesa. — Como nós nos apaixonamos, Oliver Zhang? Me diga você.
Oliver crispou os lábios e se debruçou de volta, me analisando. Um frio
tomou minha barriga. Eu era cem por cento curiosidade.
— Nos apaixonamos sem percebermos. — começou. — Tentamos
desesperadamente ignorar nossos sentimentos em prol da amizade.
— Desesperadamente. — ironizei.
— Com tantas pessoas...
— Certamente você tentou. — provoquei, lembrando de todas as vezes
que assisti alguma garota sair do apartamento dele. Ollie apenas me deu um
sorriso cafajeste. O tipo que explicava porque tanta gente era obcecada por
aquela maldita covinha ou o modo como a maldita língua raspava pelos
lábios quando ficava pensativo. — Mas foi impossível resistir a mim, não
foi?
— Definitivamente foi.
— Até que você bateu na minha porta, há alguns anos. Se declarando.
Mas eu fiquei tão insegura!
— Você ficou. E nos separamos algumas vezes, preferindo tentar
suprimir o desejo pela amizade. — Ele fez um bico, franziu o cenho,
fingindo lembrar de cada detalhe.
— Claro que sim.
— E aí você bateu na minha porta!
Eu quase ri. Claro que eu bateria na porta dele. Zhang adoraria me ver
implorando.
— Eu bati, huh?
— Sim, Rhodes. Expulsando uma garota do meu apartamento — o modo
como disse aquilo... Por um momento, pareceu real. Por um momento, eu
me imaginei expulsando aquela ruiva do seu apartamento de novo, ou
alguma das outras. Mas não porque meu melhor amigo me pediu. Porque eu
quis. — Aos prantos.
Meu sorriso se tornou contido, mas nem um pouco menos sincero. Eu
estava gostando da mentira. Gostando até demais. Imaginando-a como um
filme que eu iria ao cinema, inúmeras vezes, para assistir. Um dos meus
favoritos.
— Aos prantos. — repetiu. — Dizendo que me ama. E que estava pronta
para ficar comigo.
Subitamente, nada era frio, perigoso ou assustador. Apenas
reconfortante. Como um chocolate quente no inverno. Tudo era morno
como a sensação de estar em casa. Apenas por olhar nos olhos do meu
melhor amigo e lembrar que ele jamais seria apenas meu namorado falso.
Ele seria sempre, sempre meu Oliver Zhang.
— Você se declarou, Rhodes. — continuou, e quase acreditei que ele
queria que isso tivesse acontecido. — E finalmente deixei de buscar em
outras o que eu só encontro em você.
— Que seria...?
— Tudo.
Perdi o ar por um segundo, mordendo o canto da boca.
Eu deveria ter percebido que me apaixonaria pela mentira, até que se
tornasse verdade. Que, talvez, uma pequena parte de mim quisesse que
fosse.
— Céus, agora até eu acho que isso vai dar certo. — Damian murmurou,
nos despertando do transe.
Naomi e Madison estavam quase sem piscar, atrás dele, nos encarando.
Mike tinha as sobrancelhas quase no teto, levemente boquiaberto, enquanto
Melissa parecia a um segundo de sair saltitando pela sala. Nossos agentes
mal respiravam. E Oliver... Oliver achou o contrato, de repente,
interessante.
— Isso foi assustadoramente convincente. — Priyanka cochichou,
enquanto Keanu limpava a garganta.
Minhas bochechas esquentaram e eu engoli em seco, desviando a
atenção para os papéis. Ouvi algo ser riscado e vi os dedos tatuados e
carregados de anéis, erguendo a caneta e assinando a papelada.
— Eu amo mesmo Fake Dating. — Melissa murmurou, empolgada.
Tentando ignorar o que tinha acontecido, eu rubriquei o contrato. E então
estava feito. Eu era, oficialmente, namorada de Oliver Zhang.
 
“Ele faz com que as batidas do meu coração
Saltem lá para a Décima Sexta Avenida
Ele tem aquilo, oh, quer dizer
Quero ver o que tem por baixo dessa atitude”
I Think He Knows - Taylor Swift

 
Era como ter um roteiro para a vida real.
Uma semana para o primeiro beijo fotografado por paparazzi – o que
queria dizer, uma semana para contar para a família. Outra semana sem
comentar sobre a foto, que com certeza seria publicada, enquanto saíamos
juntos pela cidade, fingindo que jamais desconfiaríamos das câmeras
escondidas, gravando a cada interação. Iria em alguns jogos dele – o que
provavelmente preocupava Zhang, porque sou meio descontrolada quando
estou torcendo – e ele visitaria alguns photoshoots e o set, assim que as
gravações fossem retomadas. E então as campanhas publicitárias em
conjunto, o que Keanu esperou pelo menos trinta minutos antes de
comentar.
Digo, eu não era contra ganhar dinheiro, e se poderíamos lucrar alguns
milhares de dólares em seis meses, estava cem por cento a favor. Talvez não
seja algo decente a se pensar, mas tanto eu, quanto Zhang éramos assim. Se
a vida te dá limões, você faz limonadas. E se possível, as vende.
Assim que chamei o elevador, no quarto andar da Skore, Zhang parou ao
meu lado. Carlson e Bale estavam dentro da sala, conversando com
Madison e Priyanka. Mike e Wayne, logo à nossa frente, cochichavam sobre
alguma convenção de ciências da Universidade Brightgate.
— Para uma atriz, você não está agindo naturalmente — Zhang
sussurrou, ao pé do meu ouvido. Dei um sorriso tenso.
— Para um jogador, você está atuando melhor do que eu. — Tentei
abstrair o nervosismo esquisito de ter meu melhor amigo tão próximo. Não
era assim antes.
— Estou tentando mostrar que levo essa porra bem a sério.
— Eu sei. — Ele franziu a testa, silenciosamente perguntando “qual o
problema?”. — É que minha faculdade nunca me ensinou a atuar vinte e
quatro horas por dia.
— Pelo menos você fez faculdade. — brincou. Eu engoli a risada. — Só
para saber, para mim, está valendo desde que acordei hoje cedo. Está
valendo desde o treino, depois de errar pelo menos três passes pensando em
você. Nós. Isso aqui... Tenho palavra. Você quer isso o mais real possível,
será. Não sei se sou bom em fingir, mas vou dar o meu melhor. — Nunca o
tinha visto tão sério antes. — Mas não ache que está nervosa sozinha. E
lembre-se que ter um namorado gostoso como eu tem suas vantagens. Digo,
sério... Já viu meu sorriso? Todo mundo vai acreditar que se apaixonou por
mim, Rhodes. E você também não é nada mal, então...
Me dei conta de que estava sorrindo. E muito.
— Nem comecei a te ensinar e já está atuando super bem.
— Gostou? Sou um aluno dedicado.
Ok, decidi que eu gostava do Zhang ator.
— Percebi. É bom improvisando, huh? Seu raciocínio mentindo que não
sou nada mal, quando sou a mais gostosa da Austrália? Impressionante.
Rápido. Efetivo.
— É como penso em campo.
O elevador chegou e nós entramos.  Não sei como couberam quatro
pessoas e nossos egos.
— Animados? — “Animados?”. Estreitei o olhar para Melissa, que deu
a mão ao marido, visivelmente feliz. — Amo tanto Fake Dating.
— Mel — comecei, cautelosa —, sei bem como funciona nos livros e
filmes que você venera, mas isso aqui é real. Temos cláusulas. Nenhuma
delas inclui um final feliz e romântico entre melhores amigos.
— Eu sei. — ela disse, ainda mais empolgada. Quase rolei os olhos.
Estava cansada de saber que Melissa Wayne acreditava fielmente que
éramos almas gêmeas, sentenciadas a ficarem juntas. — Só teatro e tal.
Mordi a bochecha, tentada a rir e percebi que Ollie, ao meu lado, fazia o
mesmo. Meu coração, contudo, permanecia inquieto. Fingir um
relacionamento não é fácil. Fingir com seu melhor amigo é perigoso.
Quando saber que ele me abraça porque quer? Como diferenciar isso dos
momentos em que é tudo um teatro?
— O único afeto simulado entre nós precisa ser o beijo. — falei, de
repente, olhando para frente. Mel riu baixinho e eu a encarei por meio
segundo, assistindo a graça morrer. Depois observei Zhang.
— Como assim?
— É óbvio que quando eu te beijar, vai ser teatro. — disse e Zhang se
manteve irritantemente impassível. O único movimento foi um leve salto na
sua mandíbula e eu não soube que porra isso significava, por isso,
continuei. — Mas quero te abraçar porque te amo e você é meu amigo.
Quero segurar sua mão porque te amo e isso me acalma. Quero você do
meu lado porque te amo e gosto de sua companhia. Ao menos 90% das
vezes, tudo precisa ser porque somos Jazzy e Ollie e nos amamos como
melhores amigos que somos. Nos outros dez por cento, quando for mentira,
quero que diga. Podemos ter uma palavra mágica como, sei lá, “avestruz”; e
eu vou saber que seu abraço é porque tem um fotógrafo na rua e sua mão na
minha é para convencer algum fã que está nos encarando.
Ficamos em silêncio, nos observando, por um momento.
— Eu amo Fake Dating! — alguém comemorou, em um sussurro. Oliver
e eu paramos por um momento e nos viramos para Melissa, enquanto o
elevador se movia.
— Mel. — Mike alertou. Ela fez um bico, corada e constrangida.
— Foi mal.
Virei o rosto para Oliver de novo. Ele cravou as íris escuras como a noite
nas minhas. As suas brilhavam de um jeito peculiar.
— E então? — eu quis saber.
— “Avestruz”? Jura? — Eu ri, mais leve. Ele me acompanhou com
aquele sorriso que iluminava o mundo todo. — O que te fizer segura, Jas.
Entreguei a mão a ele. Ele não disse “avestruz” ou nenhuma outra
palavra igualmente idiota. Eu também não. Seus dedos se entrelaçaram aos
meus e aquilo pareceu certo. Então a porta do elevador se abriu. E nós
começamos o teatro.

Zhang estacionou o carro em frente ao restaurante e eu mordi a


bochecha, tensa. Pelo suspiro que soltou, sabia que estava na mesma.
Meus olhos continuavam presos no estabelecimento com longas janelas
de vidro, paredes de tijolos, luzes alaranjadas e uma palavra brasileira —
especificamente, baiana — escrita acima da entrada: Oxente. “Bar e
Restaurante” logo abaixo deixavam claro que o lugar só fecharia depois das
duas da manhã. Ou mais tarde.
— Podemos contar a verdade para ela — Ollie propôs. Mantive meu
foco no restaurante, puxando a fumaça do cigarro eletrônico para dentro dos
pulmões, segurando o ar o suficiente para nublar a minha mente e conseguir
me preparar para lidar com o que eu via. Quem eu via.  Especificamente, a
mulher negra, de cabeça raspada, se mexendo graciosamente entre as
mesas, pura felicidade em sua roupa de chef, nitidamente se divertindo com
fosse lá que música estava tocando no momento.
Patrícia Souza Rhodes.
Era a primeira vez que eu mentia para ela naquele nível. Sempre contei
tudo para ela. Até mesmo quando percebi que estava atraída por uma
garota, na quarta série, não consegui esconder. Nem tive medo e sei bem
que tenho o privilégio de ser uma exceção. Muitas das minhas amigas só
conseguiram falar abertamente da sexualidade quando saíram de casa. Meus
pais nunca me fizeram temer nada. Na verdade, ajudou que, minha mãe,
desde a época que estudava na universidade federal, soubesse que também
não se atraía somente por homens. Bi como eu, Patrícia sempre fez questão
de que minha criação fosse diferente da que ela teve. Melhor.
Meus pais me apoiaram por todo período que me questionei, tentando
entender quem eu era. Quando me identifiquei como bissexual, meu pai me
ajudou a pintar minha parede com os tons de rosa, roxo e azul. O foda é que
dentro de casa eu era aceita. Fora dela, muita gente passou a me ver como
uma estranha. Perdi algumas amizades por confessar que sou bi. Muitas, na
verdade. E muitas mães e pais de amigas me viram como uma má
influência.
Engraçado que isso mudou quando me tornei famosa. De repente, o
preconceito sumiu dessas pessoas. Claro, apenas em relação a mim. Sim,
estou sendo irônica.
Minha mãe entrou na cozinha. Suspirei mais uma vez, tomando
coragem.
—  Jazzy?
— Contar a verdade vai decepcioná-la ainda mais. Algumas mentiras são
necessárias, eu acho. — murmurei, virando o rosto para Oliver. Ele preferiu
olhar para frente, ainda segurando o volante com uma mão. — Vamos logo.
Saí do carro e Zhang fez o mesmo, desligando-o e arregaçando as
mangas do suéter branco que vestia, antes de estender a mão tatuada para
mim. Os anéis reluziram contra a luz da lua e ele ergueu os olhos para mim.
— Sou seu namorado, Jasmine. É isso ou sua cintura.
Tombei a cabeça para o lado, rindo.
—  Idiota.
Pus minha mão sobre a sua, a textura mais áspera sob meus dedos finos,
gerando algo diferente. Um incômodo. Não como se fosse errado, nem
certo. Não soube o que era. Respirei fundo, ignorando o sentimento antes
que parecesse estranha para Ollie e entrelacei os dedos aos dele, aceitando
que me guiasse para dentro do estabelecimento. Sorri para Jake, o
segurança, que abriu a porta para nós dois.
—  É esse o apelidinho de casal que tem para mim?
— Vamos ter apelidos de casal? — Assim que passamos para dentro do
estabelecimento, com o cheiro delicioso de comida brasileira por todo o
canto, olhei para Ollie. A música passou de uma de Jorge Vercillo para Me
Desculpe Jay-Z do Baco e eu soube imediatamente que a mamãe tinha
colocado minha playlist para tocar. O cheiro dos temperos, principalmente
de uma moqueca de camarão na mesa três, fez eu me sentir ansiosa e em
casa ao mesmo tempo.
— Para tornar realista? Acho legal. Estou pensando em te chamar de
“maluca do apartamento da frente”. Ou “brasileirinha”.
— Engraçadinho. — resmunguei e ele sorriu, erguendo o olhar para
buscar a nossa mesa. Quando imitei o seu gesto, percebi os olhares sobre
nós dois. Nossas mãos, especificamente. Meu coração parou.
— Vou ao banheiro, namorada. — uma voz rouca e grossa disse ao meu
ouvido. Um arrepio seguiu pela minha coluna, eu engoli em seco,
assentindo, e me guiei para a única mesa em que uma criatura permanecia
absorta ao ambiente ao redor.
Naomi Carlson tinha alguns desenhos pela nossa mesa de sempre, uma
caipirinha, nitidamente intocada, à sua direita. Nem gelo tinha mais. Uma
ruga leve marcava entre as sobrancelhas, os olhos azuis concentrados em
alguns textos e figuras quando limpei a garganta. Ela tinha me percebido,
mas não ergueu o rosto.
—  Ei, Donatella Versace da Austrália.
—  Deus me livre ter tanta plástica.
Eu sorri e me sentei à sua frente.
— Não vai beber?
— Não pedi. Sua mãe insistiu.
—  Ela vai te matar se ver isso quente e cheio.
— E não vai sozinha. Olhe discretamente para o bar. —  Virei-me
devagar. —  Discretamente, Rhodes, pelo amor de Deus.
— Ih, sua mãe.
— Aham. Do lado da mãe da Mel, esperando pela sua para uma noite
das garotas. Só pode ser castigo. Vão falar tanto da gente, tanto. —  Ri,
concordando. Por outro lado, era bom que três das senhoras mais lindas e
fofoqueiras da cidade estivessem reunidas e prestes a descobrirem que Ollie
e eu éramos… bem… namorados. —  O casal nerd está chegando. Bale está
trazendo a Hailey, ela está com a tia.
— Maddie ou Miley?
— Miley.
— Vai tirar esses olhos do trabalho e me dizer o que está errado ou vou
ter que deitar minha cabeça nessa papelada e enfiar o canudo da caipirinha
na sua garganta? — Naomi ergueu os olhos, finalmente. Forcei um sorriso.
Eu a conhecia bem demais para saber que se estava devorando trabalho, em
momentos inoportunos, provavelmente estava na merda. E seus olhos não
mentiam tão bem para mim. Ou eu achava que não. — Damian? A loja?
Hailey…? Oliver e eu? —  arrisquei todas as possibilidades e Carlson se
rendeu, reunindo as folhas e guardando-as em uma pasta antes de pegar a
caipirinha e fazer uma careta. —  É, quente.
— Consumível. — mentiu, puxando um gole longo. E outro. E outro.
— Carlson. — repeti, séria. Ela afastou a bebida, suspirando. — O que
houve?
— Nada com que deva se preocupar, Rhodes. Juro.
— Carlson.
— Não posso contar. Se eu contar, vai contar para Bale.
— Contou para a Mel?
— Nem para o Ollie. Nem para ninguém. É algo que consigo lidar.
Como é que você diz para sua mãe? “Fica de boa”. —  Eu riria do sotaque,
tentando falar português, mas estava preocupada.
— Mamãe! —  Hailey disparou entre as mesas, largando sua mochila de
unicórnio com o pai, enquanto Damian preferiu seguir para cumprimentar a
sogra, ao bar, primeiro. Hailey se jogou sobre Carlson, antes que ela
conseguisse piscar, e eu sorri. —  Está pintando? Posso pintar também? — 
Ela se ajoelhou entre as pernas de Naomi, tentando alcançar a papelada,
mas Naomi impediu.
— Hoje não, peixinha. Te mostro os desenhos da mamãe mais tarde, ok?
Está com fome? —  Carlson perguntou, já sabendo a resposta. Hailey
confirmou com a cabeça.
— Não fala mais comigo? — perguntei, me fingindo de brava.
— Desculpa. — Hay pediu, pulando do colo da mãe, apenas para subir
no meu. Um abraço forte e meu dia subitamente era muito melhor. — Oi,
tia Jazzy! Pede aquela coisinha redonda que eu gosto?
—  A de queijo ou a marronzinha?
Hailey uniu as sobrancelhas, pensativa.
— Trouxe as duas. — uma voz anunciou ao meu lado, colocando uma
porção de acarajé e outra de pãozinho de queijo. A combinação mais
exótica que vi, mas tudo bem.  —  Conheço a barriga dessa pestinha! —
Minha mãe apertou o nariz da Hay, que sorriu largamente. —  E estou
trazendo gelo, Naomi. Bebe dessa vez. Estou confiscando sua pasta por
ordens superiores.
Naomi bufou, como uma criança, quando Patrícia pegou o trabalho dela
e lançou seu melhor olhar “nem tente me contrariar”.
— Trish, você era mais divertida antes de ser amiga de Lia Carlson. —
Minha mãe riu e eu também. —  Vou comer. —  Ela pegou um pão de
queijo e mordeu, forçando um sorriso depois de engolir. —  Feliz?
— Come o acarajé também. Já volto para ficar com vocês. Lia está cheia
de fofocas. —  Ela olhou para mim, mudando para português
imediatamente. — Jasmine, passa na cozinha depois?
—  Sim, senhora.
Minha mãe beijou minha testa e nos deixou. Bale se juntou a nós, ao
mesmo tempo em que Ollie finalmente saiu do banheiro, parando apenas
para beijar a bochecha da minha mãe rapidamente.
— Esperamos Mel e Mike? —  perguntei, ainda com Hailey no colo.
Damian beijou a esposa brevemente, mas ela pegou o celular em seguida.
— Eles já estão aqui. — Ollie disse, se sentando ao meu lado, antes de
acenar com a cabeça para a porta. Mel foi falar com a mãe primeiro,
enquanto Mike se limitou em soprar um beijo para a sogra e se aproximar
da mesa.
— E aí, peixinha? — Mike Graham cumprimentou a afilhada chocando
suas mãos, fez o mesmo comigo e se sentou ao lado de Bale. —  Estou
morrendo de fome.
— Novidade… — Mel resmungou, se aproximando da mesa e optando
pelo lado oposto ao marido. — Uhhh… Acajaré. —  Eles começaram a
comer imediatamente.
—  Acarajé. — corrigi, rindo. O sotaque só tornava tudo pior.
—  Então…? —  Bale pegou o cardápio que provavelmente tinha
decorado, olhando para nós dois por cima do mesmo, em um silencioso
“por favor, comecem”.
Zhang limpou a garganta, tocando minha coxa. Meus lábios partiram e
eu acompanhei a palma larga na minha pele. O vestido curto subitamente
pareceu uma ideia perigosa.
— Hayhay… Precisamos ter uma conversa com você. — avisei,
baixinho, e a garotinha ergueu a cabeça para mim. Carlson deixou o celular
de lado. Mike e Mel encheram a boca de comida, para não falarem nada.
Respirei fundo. —  Precisamos que guarde um segredo de todo mundo.
Todo mundo mesmo. Ninguém fora dessa mesa pode saber. Podemos
confiar em você?
—  Nem a vovó Trish?
— Hay… Titia Trish. — Naomi tentou corrigir, envergonhada.
—  É vovó. Eu tenho várias vovós. Tem a vovó Lia, vovó Lis, vovó
Kate, vovó Helena — ela disse, sorridente, e Mel riu, provavelmente
pensando que a mãe derreteria se ouvisse isso — e vovó Patrishia. — Meu
rosto doeria de tanto sorrir. Ninguém ali sabia falar Patrícia e eu com
certeza não corrigiria. — Aceita, mamãe.
— Não está mais aqui quem falou. — Naomi brincou, erguendo as mãos.
—  Mas nem a vovó Trisha pode saber. Ninguém mesmo. — Bale fingiu
sussurrar, erguendo o mindinho. — Promete para mim?
Hailey olhou para o pai, antes de unir o dedo ao dele, confirmando.
— Vem cá. — Ollie chamou, esticando os braços para pegá-la para si.
Hailey pulou para o colo dele, confortável, esperando. — Lembra que me
pediu para ajudar a tia Jazzy? —  A garotinha balançou a cabeça. —  A
gente encontrou uma maneira. Mas é um faz de conta. E todo mundo fora
dessa mesa precisa achar que é verdade.
— Qual o teatrinho? — Ela tombou a cabeça para o lado, curiosa.
— Ollie e eu estamos namorando. — falei, tensa.
Esperei por um segundo. E então outro. Hailey olhou para Ollie. Para
mim. Para Ollie de novo. E então sorriu.
—  Aham, sei. — ela piscou um olho, fazendo esforço e mexendo o
corpo todo para isso, completamente incapaz de disfarçar. —  Teatrinho, né,
tio Ollie?
Olhei para ele, sem entender. Oliver ficou completamente vermelho,
engasgando com palavras desconexas.
— É sério, Hailey, é de mentirinha.
—  Aham.
Ela piscou de novo e eu olhei para Naomi e Bale, confusa. Melissa
engasgou com um riso, roubando a caipirinha da amiga e quase cuspindo a
bebida em seguida.
— Quente. — Naomi e eu cantarolamos ao mesmo tempo. Wayne
afastou a taça.
— Ok, foco. — Damian pediu. — Hay, o que Ollie e Jasmine estão
fazendo?
— Dando beijinhos. — ela brincou, fazendo biquinho. Escancarei a
boca, abismada com a cara de pau da garota.
— Não de verdade. — Oliver tentou acrescentar, mas Bale ergueu uma
mão, mandando-o calar a boca.
—  Se alguém perguntar? — Bale insistiu.
— São namoradinhos, papai, finalmente! —  ela disse, sorridente,
balançando as perninhas. E então olhou para o Ollie e deu aquela piscada
estranha de novo.
—  Hailey! — chamei, nervosa. — É sério.
—  Sei, titia! Namoradinhos de mentira. —  Ela olhou para o Oliver de
novo. —  De men-ti-ra. — Outra piscadinha. — Aí você vai conquistar ela
que nem nos filmes. — sussurrou, como um segredo sujo. Oliver gargalhou,
tampando o rosto com as mãos e eu oficialmente desisti, roubando a bebida
quente e decidindo virar de uma vez.
— E aí? Quais são as novidades do dia? — Minha mãe perguntou,
arrastando uma cadeira para a nossa mesa e se sentando. —  Por que minha
filha desnaturada não foi me encher o saco na cozinha?
— Porque ela está ocupada namorando o titio Ollie! —  Hailey declarou
alto, sorridente, justo no meio tempo em que a música do ambiente mudou.
Ela se virou para o Ollie, sorridente. O restaurante inteiro olhou para a
nossa mesa. Eu percebi o instante em que a fofoca nasceu, pronta para se
espalhar para a cidade inteira. Obrigada Hailey.
Eu abri a boca. Fechei.
—  É uma boa hora para aquela conversa na cozinha, huh? —  perguntei,
nervosa.
Patrícia olhou para mim, estreitando os olhos.
—  Você acha?

De todas as coisas que eu esperava que minha mãe diria, depois que
terminamos de contar nossa mentira, definitivamente… Definitivamente,
não pensei que seria:
—  Finalmente! —  exclamou, nos puxando para um abraço, no
escritório do restaurante. Ollie e eu nos entreolhamos, espremidos, em
choque. —  Meu Deus! Eu sabia! Sabia que todas as vezes que eu brincava
sobre isso com vocês dois, vocês desconversavam para esconder o óbvio!
Sempre foram apaixonados, pelo amor de Deus! Desde que me apresentou
o Ollie e ele devorou aquele empadão, lembra? Logo depois do lance do
piercing…
—  A gente não fala do lance do piercing. — Oliver interrompeu,
coçando a garganta.
Fazer sua mãe buscar você e seu melhor amigo, bêbados, em um estúdio,
depois de colocarem piercings em lugares inomináveis, só é pior do que ter
que explicar para o treinador dele que ele não poderia jogar, porque…
Bem... Melhor nem lembrar.
— Meu Deus, melhor presente de início de ano! Finalmente vou poder
expor meu genrinho para toda a família! Todo mundo te ama tanto desde
aquela dancinha no trio ano passado, em Salvador, você lembra, Ollie? — 
Ela se afastou, com um sorriso enorme, radiante.
—  A gente também não fala sobre isso. — murmurou, cada vez mais
vermelho. Eu ri com essa lembrança, porque um gringo dançando pagode
baiano está no top coisas mais bizarras que já vi na vida. Ele virou a
resenha[i] da família.
— C-como assim você sempre soube? — tentei retomar o início da
conversa, dessa vez em português, na esperança de que Ollie não
entendesse.
— Jasmine…— Ela riu, se sentando sobre a mesa como uma criança
empolgada. Os olhos escuros de Patrícia Souza brilharam para mim. —
Uma mãe sabe. Ela sente essas coisas. —  Mentalizei que era cômico que
ela não sentisse que aquilo era uma mentira. —  Vocês nasceram um para o
outro, meu amor. Ainda bem que perceberam.
Ollie me olhou, esperando a tradução. Meu coração parecia preso na
garganta.
— Ela disse que você é o melhor genro de todos os tempos. — menti.
— E você é a melhor sogrinha do mundo. — Ollie arriscou uma palavra
em português e eu fiquei estática, enquanto as duas criaturas se abraçavam.
Aquilo foi mais fácil do que eu imaginava. E também, era o sexto Dia da
Mentira. O que significava… Que no dia seguinte, o sétimo, não seria tão
fácil assim. Seria o beijo.

—  Um mocha de caramelo e um expresso. — Oliver pediu, atrás de


mim, espalmando a minha cintura.
Como namorados, nossa programação era: irmos juntos à cafeteria, ele
me deixaria no trabalho antes de ir treinar e antes disso, me beijaria no
carro. O tempo todo seguidos de perto por um fotógrafo de uma revista, que
tinha recebido um e-mail misterioso, avisando que Jasmine Rhodes e Oliver
Zhang estavam juntos. Eles precisavam de uma foto. Nós também.
— Para quem?
— Para quem, amor? — ele murmurou a brincadeira, baixo para fingir
que era só para mim, mas eu sabia que a mulher do outro lado do balcão
tinha escutado. Ergui a cabeça, processando, com o coração a mil
batimentos por segundo. Seus dedos, tensos, se fecharam com firmeza em
torno da minha cintura e um suspiro escapou dos meus lábios, processando
o toque. Quase possessivo. Quem diria que Zhang era um bom mentiroso?
— Não vai expor meu apelido para todo mundo, vai?
A atendente arregalou levemente os olhos. Desci os olhos para sua boca.
— Pode escrever “Ollie” mesmo. — ele disse.
— E o seu? —  Me perguntou e eu abri a boca, me perguntando por que
ela agia como se não nos conhecesse, se estava mais pálida do que a parede.
—  Moonshine. — Oliver prosseguiu.
Foi preciso todo o controle do mundo para não me virar e dizer “Moon-
o-quê?”.
Com o autocontrole quase transcendental, forjei todo meu rosto em um
sorriso apaixonado e um olhar que dizia apenas para ele “de onde você tirou
isso?”. A garota estava focada em assinar as embalagens das bebidas.
Esperamos pelos pedidos, enquanto Ollie me abraçava por trás,
conforme Priyanka tinha instruído. Ele apoiou o queixo na minha cabeça,
eu envolvi seus braços, tentando controlar minha inquietude. Seu perfume.
Seu corpo em torno do meu. A farsa.
Moonshine.
Tentei traduzir para o português. Luar, brilho da lua, raio da lua, luz da
lua. Não tinha uma bebida com esse nome? Eu ficaria com o lance da lua,
era melhor do que ser comparada com álcool. De onde ele tirou isso?
Chamaram nossos nomes… Se é que essa é a palavra certa. Oliver
buscou nossos pedidos e eu o segui para fora do estabelecimento, tentando
fingir que não vi um cara atrás de um dos carros, mirando uma câmera em
nós dois. Ollie abriu a porta do motorista, eu abri a do carona.
— “Moonshine”? —  perguntei imediatamente. Ele soprou um riso,
abrindo um sorriso largo. Zhang apoiou o braço no volante. Acompanhei o
desenho de cobra que se arrastava do bíceps, sob a camisa preta, até metade
do antebraço, bem abaixo do nome do Brandon. Ele tinha uma no outro
braço também.
— Gostou? Sunshine não parecia certo. Você sempre prefere a noite.
— Tenho mesmo que pensar em um apelido para você, então. — Voltei a
tentar focar no seu rosto.
— Com certeza, Moonshine. — ele provocou. Eu dei um soquinho na
cobra que contornava a sua pele e Zhang apoiou a cabeça no banco ao olhar
para mim. Sua garganta oscilou e meu coração disparou ainda mais,
observando o subir e descer da fênix preta, lendo seus movimentos. Ele não
estava mais calmo do que eu.
Era o sétimo dia. O dia do primeiro beijo fotografado. Nosso primeiro
beijo.
— Vai ser como em uma das milhares de cenas que me fez ensaiar com
você, Rhodes.
— Só que, dessa vez, eu vou te beijar.
— Tem isso.
Tinha. E eu estava nervosa.
—  Já beijou tantas pessoas por encenação. Sou só mais uma.
— Você jamais vai ser só mais um, Oliver.
Ele cravou o olhar na minha boca e se aproximou, devagar. O ar sumiu
dos meus pulmões por um momento. Tudo queimou. Seu perfume, forte e
suave ao mesmo tempo, invadiu meu sistema. Muito mais viciante e
delicioso do que o aroma de café, que eu amava ter todas as manhãs. Ele
roçou o nariz no meu.
—  Se fosse uma cena, como você a escreveria, Moonshine?
Meus lábios tremeram. Tentei pensar. Depois disse:
— Resistiríamos à tentação, por saber que poderíamos ser flagrados.
—  E?
— E você encaixaria a mão no meu pescoço mesmo assim, porque você
nunca foi muito controlável. Ou previsível.
— Assim? —  Ele tocou minha pele, sua mão como um colar delicado
em torno do meu pescoço. Se sentiu minha pulsação disparando sob seu
toque, Oliver manteve isso para si. —  E então?
Engoli em seco, sentindo o movimento contra sua mão. Meus olhos
fecharam. Eu não sabia como meu coração suportava bater tão forte, tão
rápido.
— Você me beijaria.
O silêncio durou um segundo ou um minuto. Eu não saberia dizer.
—  Jasmine?
— Hm?
—  Avestruz.
Eu ri, sem entender. Mas era um aviso. Um aviso de que era a hora da
nossa cena. E aproveitando a desconcentração, Oliver… Oliver me beijou.
Meu sorriso morreu devagar, conforme algo muito, muito diferente,
nascia em mim.
Eu não estava preparada para isso.
Já beijei muitas pessoas no meio de uma atuação. Afeto simulado era
parte da minha vida de atriz. Mas então, os lábios de Oliver Zhang cobriram
os meus, dentro daquele carro e eu soube, de algum modo, quando os
flashes dispararam. Soube o exato segundo que nossa mentira se tornou
pública.
Durou tão pouco. Cinco segundos. Talvez menos. Ainda assim, foi o
suficiente para que o meu coração sentisse algo, lá no fundo, bem no fundo,
mas ainda ali. Era a coisa mais louca. A coisa mais esquisita.
Enlouquecedora, até.
Meu coração sentiu que aquilo não deveria ser uma mentira.
 
“Então me diga garota, se cada vez que nos tocamos
Você tem esse tipo de emoção"
Kiss You - One Direction

Cinco segundos são mais do que suficientes para foder com a mente de
um homem. Fonte: Oliver Zhang.
Sem brincadeira, de todos os beijos do mundo… Porra, ok, aquilo mal
era um beijo. Mas era. Seus lábios se moveram sobre os meus, reagindo. E
se minha mente não processou que Jasmine — minha Jasmine — Rhodes
estava me beijando de volta, meu coração disparou de imediato,
compreendendo a situação instantaneamente.
Seus lábios tinham gosto de cereja e Mocha. Era uma combinação que
eu nunca tinha provado. Ou imaginado. Macios, fartos e delicados. Isso eu
tinha imaginado. Foi uma colisão suave, mas pareceu brutal. No momento
em que uni os lábios aos de Jasmine Rhodes, tão devagar, foi como se tudo
dentro de mim simplesmente desmoronasse e explodisse em um
milissegundo. Caótico. Mas perfeito.
Senti sua pulsação forte e acelerada contra meu polegar. Seu Chanel
N°5, o aroma floral e marcante… A textura suave da sua pele, perdendo
apenas para a suavidade da sua boca… Porra.
Porra.
Porra.
Fechei o armário do vestiário com força, levando os dedos às pálpebras,
com a toalha presa na cintura.
Deixei-a no estúdio para sua reunião com a produção do seriado, ambos
em silêncio depois do beijo, e nem mesmo quando saiu do carro eu pude
respirar normalmente. Não teve um passe, um chute no treino, que tivesse
sido realizado sem pensar nela. Teve um motivo para eu ter dito aquela
maldita palavra idiota, antes do beijo. Para lembrar para mim mesmo que
era apenas uma atuação. Precisava ser. Mas agora minha boca formigava
por ter provado seu beijo e... Isso era…
Era errado. Mas não parecia. Era como… Cacete, era como estar em um
relacionamento proibido e não poder sair dele. Eu não poderia gostar disso.
Não poderia alimentar aquela atração. Não mesmo. Ainda assim eu gostava.
Ainda assim, parte de mim queria alimentar toda aquela merda e ver onde
daria. Onde me meti?
— Dia ruim? — Seth perguntou ao meu lado e eu abri os olhos para o
lateral esquerdo. O cara alto, de pele branca bronzeada e cabelos loiros,
abriu um sorrisinho debochado. — Tenta não descontar no armário, é
propriedade do clube.
— Pelo menos eu descontei em campo. — tentei brincar e Jordan vestiu
as calças ao meu lado, bufando. O cara branco, pálido, de cabelo preto em
corte militar, bufou exasperadamente.
— Ainda vou quebrar sua canela em campo, Zhang. — ele brincou e eu
sorri.
— Sou do seu time, você sabe.
— E me faz sentir um merda quando não intercepto seus passes. Uma
assistência e um gol em quarenta minutos. Que porra deu em você hoje?
E eu nem estava tão concentrado. Acho que descontei minha frustração
na bola. Às vezes, dá muito errado. Às vezes, estranhamente certo.
— Dia de sorte, acho. E Darren estava péssimo. — murmurei, levando
um soco no ombro. O zagueiro negro, alto e tatuado me deu o dedo. —
Você estava!
— Pior que sim. — ele admitiu, se sentando no banco. — Problemas
com a minha garota. Brigamos ontem.
Um sonoro “uhh” ecoou baixinho. Baguncei os cachos de Darren,
silenciosamente deixando claro que sentia muito.
— E você? Namorando Rhodes?! Finalmente, huh? — Jordan caçoou.
Arregalei os olhos. Como ele já sabia? — Os burburinhos estavam rodando
há muito tempo, principalmente essa semana. Dizem que sua sobrinha
gritou no restaurante que vocês estão juntos e eu vi uma foto de um beijinho
quando fui para o banco. — Ele fingiu que me beijaria e eu empurrei a cara
dele.
— Que foto, porra? — perguntei, surpreso pela notícia já estar rodando a
cidade.
Seth me entregou o celular. A primeira imagem estava ruim, mas
mostrava minha cabeça levemente inclinada, enquanto eu segurava o
pescoço da minha melhor amiga, muito próximos. A outra imagem, um
pouco melhor, a mostrava apertando minha camisa enquanto me beijava.
Nossa. Ela agarrou com vontade, huh?
— Meu Deus, eles são rápidos. — murmurei.
— Nunca subestime a BrightWeekly. — Alguém cantarolou atrás de
mim. Me virei, sorrindo forçosamente para Riley Zhang e seu olhar
amedrontador. — Oi, maninho.
— Oi, Lee. Sabe, tem… Homens se vestindo por aqui.
— Todos se vestiram, menos você, e já vi seu pinto mil vezes nos álbuns
de família. Não é impressionante. — Se ela visse o que tinha nele, ficaria
chocada. — Estou te esperando lá fora. Tem cinco minutos. Menos, se
reclamar.
Engoli em seco. Os jogadores ao meu redor uivaram, debochando da
situação, e eu bufei, me vestindo em tempo recorde. Saí antes da sétima
piada de Seth sobre ser cachorrinho da minha irmã e amaldiçoei o momento
em que me tornei amigo daqueles idiotas. Mas eram o meu time. Digo, a
parte mais antiga da equipe me detestou quando entrei aqui. Eles odiavam a
ideia de que um adolescente recém-saído da escola, havia sido contratado,
junto com seu melhor amigo, para um time profissional. À medida que
jogadores novos entravam, eu ganhava mais espaço e confiança. Quando
Seth, Jordan e Darren entraram, há três anos, eles me viam como uma
inspiração. O cara que saiu de um acidente, do fundo do poço, para recordes
pelo campeonato. Aos poucos, o resto do time foi me respeitando mais
também. Até porque sou bom no que faço.
No primeiro ano de volta? No top 5 de assistências da A-League. Foram
7. E 4 gols em 20 partidas. Eleito melhor em campo por volta de seis, talvez
sete vezes.
Segundo ano? Líder de assistências. Eu dobrei. 14. E 7 gols em 25
partidas.
Terceiro ano, na liderança de assistências também, 13. E 10 gols. Minha
melhor temporada. Tanto que fui eleito o melhor jogador da liga.
Quando coloquei os pés no gramado para uma partida pela primeira vez,
depois do acidente, eu pensei: eu preciso fazer um gol hoje. Preciso fazer
disso o meu início para o topo. É tudo ou nada. Não aceitaria menos do que
ser respeitado e visto como mais do que o projeto de caridade e propaganda
do Brightgate FC. Eu seria um dos melhores. Da equipe, do campeonato, da
Austrália. Então fiz isso.
Tiveram lesões, notícias falsas, jogadores implicantes, torcedores
desacreditados (e alguns deles, preconceituosos). Teve até uma vez que me
lesionei dançando, fiquei quatro jogos longe da equipe e menti que uma
garota me jogou para fora da cama de madrugada. Nem sempre fui visto
como o mais profissional, mas fiz de tudo para ser. Eu queria meu nome no
topo. Então é lá que ele está.
Ao mesmo tempo, não era pela fama ou pelo dinheiro. Era para mostrar
que posso. Para mim mesmo, principalmente. Gosto de ser o meu melhor e
gosto de ser o melhor. O que acham de mim por isso? Honestamente, pouco
me importa. Diziam que eu não levava a sério, eu dizia que era uma questão
de perspectiva. Eu levava. Só não era o que queriam que eu fosse. O Ollie
perfeito? Isso jamais existiria.
Quando encontrei Riley do lado de fora, ela imediatamente apertou
minha orelha. E arrastou.
  — Ai, ai, ai… Lee! Para! Porra, meus brincos, meus brincos. Porra,
Riley, vai decepar minha orelha.
— Eu devia te dar uns cascudos, que nem a vovó fazia, por você
esconder um relacionamento por meses da sua irmã mais nova, bèn dàn[ii].
— ela disse, em chinês, fazendo algumas pessoas pelo corredor nos
encararem.
— Por que não me disse nada, babaca?
—  Porra, Lee, larga minha orelha! —  implorei e ela obedeceu,
cruzando os braços.
—  É verdade?
—  O que é verdade?
—  Que você e Jas estão juntos há oito meses, Yan. — ela prosseguiu,
em chinês, me chamando como a vovó fazia. —  Oito meses! E as garotas?
E os boatos?
— Sempre existem boatos. E nós terminamos algumas vezes, ok? Ela
confia em mim como melhor amigo, mas você sabe como Rhodes é fechada
para relacionamento e que eu e garotas nunca fomos uma combinação
estável.
Riley cruzou os braços, estreitando os olhos escuros.
—  Isso não é uma mentira, certo? Para limpar a imagem de vocês?
Putaquepariu. Puta. Que. Pariu.
—  O que?! Acha que eu faria isso? Eu? Seu irmãozinho?!
Riley mudou o apoio da perna, subitamente incerta. Jesus, Jasmine me
chamaria de cara de pau de milhares de formas diferentes por segundo.
— A Jasmine estava insegura com o relacionamento, ok? Não sou o
melhor exemplo, é minha primeira vez em um. — menti, na língua da nossa
mãe, nervoso, torcendo para que isso a convencesse. Foi o que Rhodes,
Keanu e Priyanka me treinaram para dizer. Minha irmã ergueu uma
sobrancelha perfeitamente desenhada, fazendo aquele piercing redondo se
mexer junto. —  Porra, eu tenho quase trinta anos e é minha primeira
namorada. Minha imagem não é das melhores. Você duvida mesmo que
Jasmine tenha motivos para ter cautela? 
—  E por que isso vazou justo agora?
—  Não sei! A gente sempre foi cuidadoso pra caralho, mas…
Aconteceu!
Ela suspirou. Esperei algum tempo, tocando minha orelha que pulsava,
doía.
— Ok, eu acredito. Acredito mesmo. Foi mal por ter duvidado. Eu
sempre senti algo entre vocês dois, mas… Nossa, Ollie, custava ter me
contado?
—  Desculpa, ok? —  Abri os braços e me aproximei. Riley me
empurrou a primeiro momento, mas acabou passando os braços em torno da
minha cintura, forte. — Foi mal, maninha. Desculpa mesmo.
Ela soltou um resmungo baixo, mas não me soltou.
— Isso não é ruim, pelo menos. Amo a Jazzy e ela finalmente
conquistou seu coraçãozinho de gelo. —  Ela se afastou um pouco,
apoiando o queixo no meu peito. —  Sem falar que… O clube ganhou cem
mil seguidores e você o quádruplo disso. — Meu queixo despencou. —
Acho que muita gente por aqui vai ficar feliz.
Eu segui boquiaberto, em choque.
Quantos seguidores?

 
@Jasmierhodes: eu SABIA que ela e Oliver estavam juntos! #ZhangRhodes para sempre.
@OllieUnited: caralho, meu homem está namorando. Que perda para as Maria Chuteiras.
@ZhangRhodes: O USER É MEU. EU CONSEGUI. 
@BrgtSixSinsSucks: Será mesmo que eles estão juntos? Minha vizinha disse que fodeu o Ollie
há algumas semanas. Todo mundo sabe que Oliver Zhang é um mentiroso. Jasmine não parece
melhor. Ninguém dos Seis Pecados de Brightgate pode ser confiado.
 
O Twitter não parava. As notificações no Instagram foram silenciadas,
mesmo assim, eu sentia que meu celular estava travando mais do que
Damian Bale tentando processar matemática básica. Quase tive uma crise
de ansiedade no carro, quando saí do estacionamento do centro de
treinamento, porque alguns fotógrafos literalmente se jogaram em cima do
Dodge Charger. Se não fosse Keanu, no carona, gritando para que saíssem e
me mandando respirar e trocar de lugar com ele… Eu realmente não sabia o
que seria de mim.
Keanu dirigia e eu segurava o cinto e o teto, respirando fundo, tentando
mentalizar que meu empresário e advogado era um cara legal, responsável e
sóbrio. Por um momento, toda a terapia dos últimos anos quase pareceu
inútil. Até que, finalmente, estávamos no estacionamento do meu prédio.
Alívio fluiu em minhas veias e eu pensei “viu, Ollie? Medo bobo”,
repetindo isso mentalmente, até que parecesse.
Faziam menos de 5 horas desde que meus lábios tinham colidido com os
de Jasmine Rhodes. Tudo já estava caótico.
Mais calmo, entrei no elevador com minha mochila em um ombro, meu
empresário do lado, lendo uma das dez notícias que saíram. Essa, na Vanity
Fair dos Estados Unidos. Rhodes não mentiu quando disse que essa merda
seria global.
 
Atriz Jasmine Rhodes, da série globalmente conhecida Surf & The City, é vista aos beijos
com jogador de futebol e melhor amigo, Oliver Zhang.
Não é segredo para nenhum fã de Jasmine Rhodes (24) que os boatos de um relacionamento com
Oliver Zhang (29) existem. Há anos, desde que assumiu a liderança do seriado da Netflix, Zhang é
apontado como affair da queridinha do momento. 
Fontes próximas ao casal afirmam que o romance, de fato, se iniciou há anos, desde que a
brasileira se tornou solteira. Oliver teria confessado uma atração pela melhor amiga, mas ambos
haviam combinado de que manter apenas uma amizade seria melhor. “Dois anos atrás, Ollie
confessou ser bem mais do que uma simples atração passageira. Ele é completamente obcecado por
ela, tentou se deitar com várias garotas para esquecê-la e Jasmine não cedeu facilmente”, disse a
fonte.
Segundo a amizade próxima da atriz e modelo, a rendição do coração da beldade começou há
oito meses. Entre idas e vindas, Jasmine acabou presa no jogador, completamente apaixonada, ainda
que não confiasse completamente nele. “Toda vez que terminaram, Ollie tentava esquecê-la com
garotas e manter a amizade. Mas manter apenas uma amizade é complicado quando se está
apaixonado”. Há algumas semanas, antes mesmo dos boatos, negados pela assessoria da atriz e do
seriado, de que ela teria tido um affair com o produtor Jack Rose, casado com Georgia Rose (clique
aqui para saber mais); Rhodes teria invadido o apartamento de Zhang, aos prantos, cansada de
resistir e perguntando o que ele faria para que confiassem nos dois, em uma chance para algo a
mais. A suposta mulher que fora expulsa por Rhodes do apartamento foi encontrada. Ela afirmou:
“Sou uma grande fã de Jasmine Rhodes e fiquei em choque quando a vi. Agora tudo faz sentido.
Ollie é um cara legal. Espero que fiquem bem. Pelo menos eu tive uma chance de conhecer ele
melhor. Se é que me entende (risos)”.
Conhecido pelos boatos de uma vida festeira regada de mulheres, não é surpresa que haja
alguma desconfiança por parte de Rhodes. Por outro lado, fotos por toda a internet andam surgindo
de momentos em que ambos estavam juntos. Depoimentos de fãs que encontraram o casal nos
últimos meses, corroboram com o fato de que eles estão terrivelmente apaixonados e isso sempre foi
claro. 
Até o momento, Jasmine e Oliver não comentaram os boatos. Muito menos as fotos de um beijo
nessa manhã. Acompanhe a Vanity Fair para updates.
 
Parei de ler, impressionado com quão convincente soava. Era a matéria
mais completa sobre a mentira. Quando encostei minhas costas na parede
do elevador, minha panturrilha direita doeu. Um mínimo resmungo fez
Keanu virar a cabeça para mim em um nanosegundo.
—  Não é nada. Só foi um carrinho do Callum meio pesado. Feriu só a
pele.
Ele assentiu, desconfiado.
Saí do elevador, com a mente a mil, encontrando Jasmine lutando contra
a fechadura do apartamento.
— Ei, namoradinha do Oliver. —  Keanu chamou e ela virou a cabeça,
quase derrubando as chaves ao me ver.  — Vamos pedir comida japonesa.
Quer?
—  Não. Foi mal. Dia complicado. Meu celular não para. — Rhodes
olhou para mim por um momento e pareceu nervosa, desviando
rapidamente. 
Entreguei a chave para Keanu e me aproximei dela, tocando sua cintura.
 — Loucura, huh? — sussurrei e ela estremeceu, assentindo. Finalmente
acertou o buraco da fechadura e suspirou quando toquei seu ombro, firme.
— Combinamos que isso não mudaria nada entre nós.
— Eu sei. E foi fingimento. Nada mais. É só que… 
Jasmine se virou e olhou por cima do ombro, esperando que Keanu
entrasse na minha casa, nos deixando a sós. Ele fez isso e eu ouvi um
barulho, me indicando que o Diabo de cabelo rosa — vulgo, meu assistente
—, estava lá dentro, fazendo a festa.
— Está tudo funcionando muito rápido, Oliver.
— Pois é.
— É meio assustador.
— Demais. — concordei. 
Jasmine bufou e apoiou o corpo na porta, ainda trancada. Era difícil me
concentrar em seus olhos depois de beijá-la. A boca estava logo ali. Parecia
clamar por mim: “por favor, Ollie, ceda à tentação”. Engoli em seco,
balançando a cabeça. 
—  Ei, como foi no trabalho?
—  Exatamente o que um namorado dedicado diria.
— Aprendo rápido.
Ela sorriu.
— Jake, o produtor, acalmou a esposa. Eu passei a semana dizendo que
tinha um namorado e ela estava fodendo nosso namoro acreditando nessas
merdas e alimentando as mentiras que Cole jogou para o público. — ela
mal respirava, jogando toda a informação sobre mim. Tentei não piscar
tanto, como se isso fosse me fazer me concentrar mais. —  Então, Jake fez
Georgia acreditar que eu realmente tinha alguém esse tempo todo. Isso está
resolvido. Com nosso relacionamento indo à público, ela me mandou um
pedido de desculpas e tweetou algo dizendo que jamais acreditaria nas
palavras de um “viciado” de novo. O que é insensível, certo? Tipo, odeio
Cole por uma série de motivos, mas o cara precisa de ajuda e não desse tipo
de deboche. Desde que ele fique longe de mim, espero melhoras e tals.
Abri a boca para pedir que respirasse e desacelerasse, mas ela continuou:
—  A gravação do seriado foi paralisada por um mês, porque os boatos
de que Cole vai entrar em reabilitação surgiram e toda essa merda fodeu o
clima do set. Basicamente, o cara conseguiu foder nossa equipe em um
nível astronômico. Os roteiros serão analisados e alterados para que o
personagem de Cole morra mais cedo e ele apareça o mínimo possível, com
o que já foi gravado. Então, vou ter novos roteiros para estudar, novas
mesas de leitura, muitos “novos” processos. 
—  Resumindo: tudo meio merda?
—  Totalmente merda.
Rhodes gemeu de frustração e eu não soube o que dizer.
— Pelo menos duas das garotas da equipe de roteiro, estavam babando
no mascarado misterioso que dança com uma máscara, em alguns vídeos
por aí.  — Ela balançou as sobrancelhas. —  Minha serotonina do dia foi
vê-las babando por você sem dizer que era meu namorado na coreografia de
Lose Yourself.
Eu quase sorri. E quase tive uma síncope.   “Meu namorado”. Que
estranho. 
Jas estava quase se virando para abrir a porta do apartamento dela,
quando seu celular vibrou. Jasmine franziu o cenho para a tela e me
mostrou.
— Sua mãe.
—  Merda. — resmunguei e ela atendeu, antes que eu a impedisse. 
— Oi, amor da minha vida. — começou, até que seu sorriso morreu aos
poucos. 
Pois é, Jasmine Rhodes se lembrou que agora éramos namorados falsos.
E que minha mãe não estava ligando para a minha melhor amiga. Ela
estava ligando para a sua nora.
 — Oh, merda — ela soprou.
Eu fechei os olhos. 
Puta. Que. Pariu.

Nossos planos mudaram imediatamente, porque nós dois temíamos a


senhora Zhang imensuravelmente. Então, de repente, a noite chegou e
Jasmine Rhodes estava em um vestido preto, do outro lado da mesa, com
sua postura impecável; enquanto eu tentava não mexer demais na gola alta
branca do meu suéter, sob o olhar dos meus pais.
Jantar de família de emergência.
Sabe quantos desses aconteceram? Nenhum. Era o primeiro.
— Então… Oito meses. — Lin cantarolou e Jasmine forçou um sorriso,
me lançando um olhar antes de focar no Kung Po no prato. Eu fiz o mesmo,
tenso, admirando os cubos de frango, amendoins e vegetais como uma obra
de arte interessantíssima em um museu. O prato, de Sichuan, era um dos
preferidos do meu pai. —  Sabia disso, Lee?
—  Não, mãe.
— Kiera?
— Não, senhora Zhang. — minha cunhada respondeu. Meu sobrinho
Yuan, sobre seu colo, escolheu o momento para soltar uma pequena
gargalhada aleatória.
— Patrícia?
—  Soube essa semana. — minha “sogra” disse, pomposa, provocando
por ter descoberto antes.
—  Mamãe! —  Jasmine protestou. Adrian sorriu de canto e eu lancei um
olhar para o meu pai, pedindo socorro.
— Estamos felizes com a notícia. — ele disse, por fim, limpando a
garganta antes de virar um gole do vinho.
Eu visitava meus pais, gostava de estar com eles, mas nem sempre era o
ambiente mais confortável do mundo. Eu não me sentia cem por cento
seguro para dividir tudo com eles, por exemplo. Acho que desde que
comecei a ser jogador profissional, nossa relação se tornou um pouco
balançada. Depois teve o acidente e todo o tempo me esforçando para ter
coragem e aceitar as ligações deles. Agora nos encontrávamos, eu buscava
alguns conselhos do meu pai quanto à trabalho ou contratos e devorava a
comida da minha mãe sempre que possível. Mas não era a mesma coisa de
quando eu era só um garoto.
Ainda assim, mentir para eles era desconfortável. Levar minha
namorada, falsa ou não, para aquele tipo de jantar de emergência? Era pior
ainda.
Mamãe me observou e eu suspirei.
— Estamos. Felizes. Muito felizes. — ela garantiu. — Apesar de que
ficamos mantidos no escuro, Yan. — seu tom passivo agressivo me deixou
tenso. Isso evaporou em um segundo, quando olhou para sua pessoa
favorita, do outro lado da mesa. Rhodes pegou o vinho, fingindo não
perceber que cada movimento era assistido. —   Oito meses, huh? Já dá
para casar!
E Jas quase cuspiu a bebida.
—  Mãe! —  ralhei.
— Só estou falando, querido. Eu e seu pai falávamos de casamento com
seis meses de namoro.
Que inferno.
— Então, como aconteceu? — Adrian perguntou, claramente do lado do
interesse gritante da minha mãe. Patrícia se ajeitou na mesa, interessada em
ouvir mais. Jasmine e eu nos entreolhamos, dessa vez ela teve as honras de
contar a mentira. Ela era a atriz, afinal de contas. E com alguns olhares
apaixonados falsos seus em minha direção e sorrisos tensos meus, a história
tinha acabado.
— Sabia que todos aqueles olhares nos jantares e desculpinhas para irem
embora significavam algo. — meu pai provocou, piscando para mim.
Vergonha fez meu estômago embrulhar e eu mal consegui olhar para
Rhodes, que achou o guardanapo no colo superinteressante, de repente.
Seu celular vibrou.
— Se me permitem… Pri está ligando, é uma emergência.
Jasmine se levantou. 
Um silêncio tomou a mesa até Riley pisar no meu pé. Arregalei os olhos,
assustado.
— Vá atrás da sua mulher, seu inútil. — ralhou e mamãe me lançou o
mesmo olhar ameaçador. Então lancei um sorriso de desculpas e obedeci.
Segui para os fundos da casa, vendo Jasmine sentada no pequeno batente
da sacada, sem atender ligação alguma de Priyanka Bowie. Soube
imediatamente que a ligação tinha sido uma desculpa. Provavelmente um
pedido de socorro atendido por um minuto para respirar.
— Emergência, huh?
— Oxigênio. Minha saturação devia estar  rumo aos valores negativos.
— Você falando assim… Me faz lembrar daquela sua participação
especial em Grey’s Anatomy.
— Nunca fiquei tão feliz em viajar para os Estados Unidos na vida. —
ela lembrou e eu ri, concordando. — Mas tenho quase certeza de que não
existe saturação negativa, então… Nossa, estou hiperventilando. — Jasmine
riu. Me aproximei, incerto. — Todo mundo acredita na gente.
— Arroba-brightgatesixsucks discorda. 
— Todo mundo que importa. — ela se corrigiu, rindo. —  Tirando
nossos amigos que já sabem a verdade, Ollie… Todo mundo acredita na
gente. Só porque dizemos que é verdade, é verdade. Sua mãe e a minha tem
a mesma opinião, até. Que sempre fomos um do outro e finalmente
percebemos. Seu pai, lançando perguntas na mesa… Tentando saber se nas
situações em que fugimos de um jantar, estávamos…  —  Transando. Ela
engoliu a palavra, mas eu sabia que diria isso.  — Dá para acreditar?
Bufei exageradamente, forçando uma risada.
—  Né? Que loucura! Imagina… Pensar nisso.  — Ri um pouco mais,
nervoso. —  Eu e você. Pelados. —  Me aproximei um pouco mais. — Em
uma cama. Fodendo.  
Eu estava a um segundo de uma gargalhada histérica, com medo de que
a mera menção de Jasmine e eu em uma cama, me deixasse duro, como um
adolescente cheio de hormônios que acaba de descobrir que sexo existe. Até
que percebi que estava entre suas pernas. Não sei como parei ali. Sabia,
contudo, que isso não facilitava as coisas.
Rhodes olhou para a Fênix tatuada no meu pescoço, que oscilou. Depois,
seu escrutínio subiu para a minha boca e demorou tanto, tanto ali… Eu
apoiei as mãos nas suas coxas, sem entender meus próprios movimentos.
Ela ergueu o meu queixo. Quando seu polegar roçou o desenho na minha
garganta, meus batimentos dispararam. Jasmine tornava meus pensamentos
voláteis. Com um toque, olhar ou palavra, eles se dissipavam. Era
perigosamente bom. Não deveria ser.
—  Você só aceita morrer, se renascer no processo. — sussurrou. 
Foi o que eu disse a ela quando tatuei o pescoço. Ela segurou minha mão
quando fiz isso, mesmo que eu jurasse que não doía. Rhodes admirou cada
segundo em que a tatuagem era cravada na minha pele. 
— Preciso que me ensine a ser assim. Essa força… Menos de 24 horas
desde o beijo e já estou com medo. Talvez eu precise aprender esse lance de
renascer.
  — Para renascer, precisa morrer. E jamais vou te deixar morrer,
Jasmine. Em sentidos literais ou figurados. Nunca. 
  Ela voltou a esquadrinhar o meu rosto. Seu dedo roçou as chamas da
ave no meu pescoço. Controlei-me com seu toque, preso em sua admiração,
mas meu coração doeu. Odiava seu medo. Faria de tudo para eliminá-lo.
Por isso assegurei:
— Vamos passar por isso juntos. Se você queima, eu queimo. Só
queimamos juntos pelos próximos seis meses. 
Jasmine assentiu. Foi minha vez de ver sua garganta oscilar. Ela fez
força para sair do batente e eu apertei sua cintura, para ajudá-la, o que fez o
maldito vestido subir um pouco. Seu corpo se chocou com o meu. Nossos
quadris, nossos peitos… Quase nossas bocas.
Perdi o ar, quando me encarou sob os cílios longos. Perdi ainda mais,
quando olhou para a minha boca. Por três segundos… quatro, quase cinco.
Como o maldito beijo.
Me perguntei se… Aqueles cinco segundos também foderam sua mente.
Se queria me beijar de novo. Mas uma mãozinha puxou minha calça. Olhei
para baixo. Yuan, meu sobrinho, abriu um sorriso largo.
—  Casal, é hora da sobremesa. — minha cunhada avisou, constrangida,
por ter atrapalhado um momento. Forcei um sorriso, a assistindo voltar.
Quando eu vireii o rosto para Rhodes, ela carregava Yuan e já partia, sem
nem olhar para trás. 
O vazio que se apossou das minhas veias era frustrante. Fiquei a um
segundo de beijar minha melhor amiga com força. Porra, eu sabia que
perderia o controle em uma próxima vez. “Por isso não pode haver outra,
seu idiota”, pensei.
Soltei o ar com pesar, erguendo a cabeça para o teto e fechando os olhos,
tentando controlar minha inquietação. Por cinco segundos, eu quase a
beijei. Por cinco segundos, eu quase a tornei minha.
Como eu disse… Cinco segundos são suficientes para foder com um
homem.
“Sempre vai existir outra montanha, sempre vou querer movê-la
Sempre vai ter uma batalha difícil. Às vezes, eu vou ter que perder
O importante não é o quão rápido eu vou chegar lá
O importante não é o que está esperando do outro lado
É a escalada”
The Climb - Miley Cyrus

Eu estava no Oxente às sete da manhã. Oliver também. Eu tinha um


photoshoot durante a manhã, reunião pela tarde e filme com as garotas pela
noite. Ele só tinha uma reunião e um treino pela tarde, pelo o que eu sabia.
Não estávamos nos falando tanto desde o jantar, em que quase o beijei
sem nem pensar em dizer “avestruz”. O que não fazia sentido. Ollie era meu
melhor amigo. Ele precisava ser apenas isso. Um beijo falso e eu
subitamente estava confundindo as coisas? Sério? Só isso? Jasmine Rhodes
já foi melhor.
Teríamos que quebrar aquele gelo o mais rápido possível. Se toda vez
que acontecesse um momento, falso ou verdadeiro, nós nos tornássemos
estranhos um para o outro, nosso acordo iria por água abaixo. E não falo
apenas do contrato, mas daquilo que juramos de dedinho no estúdio do
Finneas: que não haveriam mentiras, nem barreiras entre nós. Até porque,
tudo provavelmente pioraria. Confirmaríamos o relacionamento na próxima
semana, visto que até então, seguíamos sendo não-tão-por-acaso flagrados
juntos pela cidade e ignorando os boatos. 
— Pãezinhos de queijo e uma pequena empada de camarão para o meu
genro favorito.
— Seu único genro. — murmurei. Patrícia me ignorou. — A
nutricionista do time vai te matar.
— Isso é com ela, Roberto Carlos e as baleias. — minha mãe
resmungou, me entregando minha tapioca e arrastou nossos dois cafés na
bancada, em nossa direção. 
— Roberto Carlos, o jogador? — Ollie perguntou, de boca cheia. — E o
que ele faz com as baleias?
— Tem um jogador chamado Roberto Carlos? — questionei, franzindo o
nariz antes de morder a tapioca e provar um pouco do café da minha mãe.
— Meu Deus, você é brasileira? — ela debochou e eu rolei os olhos. —
Tem um jogador, Jasmine. Mas estou falando do cantor, Ollie. É um ditado
popular na Bahia.
— Quer dizer “problema dela” ou “não é comigo”. — esclareci e Zhang
uniu as sobrancelhas. — Minha mãe basicamente disse “foda-se sua
nutricionista”. Roberto Carlos faz shows em cruzeiros, acho que é por isso
o lance das baleias. Não sei.
— Isso não faz o menor sentido. — ele murmurou e eu escondi o sorriso
atrás do copo. De fato, parando para pensar, não fazia mesmo. 
— E como estão os pombinhos hoje? — Patrícia perguntou, sorridente.
— Acordaram de bom humor? — Ótimo. Ela achava que tínhamos
transado.
— Como está você e Lia? — mudei de assunto e ela engasgou sozinha.
— O que quer dizer?
— Sei lá, estão andando para cima e para baixo…
— Lia Carlson é hétero. — Oliver murmurou.
— Muita gente acha que é.
— Lia está em uma mesa, no fundo do restaurante. — Patrícia ralhou,
baixo.
— Só prova meu ponto.
— Jasmine… — ela usou o tom “tome juízo” e eu dei de ombros,
virando outro gole do café. — E agora cale a boca, antes que a família dela
te ouça. — A porta do restaurante se abriu e fiz a nota mental de que ela
não tinha negado nada, para irritá-la mais tarde. Mas de fato tinha passado
pela minha cabeça. As duas estavam o tempo todo juntas. O tempo todo.
Mesmo.
— Bom dia, família. — Naomi cantarolou, beijando a bochecha de Ollie
e beliscando minha bunda ao passar por mim. Estremeci, observando-a ao
lado de Melissa Wayne. Ambas estavam em leggings e tops de academia.
— Todo mundo resolveu tomar café no mesmo lugar hoje?
— Não entendo porque iriam em outro lugar. — Patrícia reclamou e
Naomi ergueu as mãos, rindo. — O que minha princesinha e minha estilista
favorita vão querer?
— Sua princesinha vai querer um café. Naomi também, Trisha. — Mel
disse, sorridente. Mamãe piscou e voltou para a cozinha. — Chegamos ao
mesmo tempo hoje. Milagre que alguém não se atrasou.
— Amém, não veio dirigindo. — Oliver provocou Wayne. — Sabe-se lá
quantos hidrantes atingiria dessa vez. — Ela escancarou a boca e eu tentei
muito não rir.
— Pediu um café para mim? — Pulei de susto, reconhecendo a voz de
Mike, enquanto abraçava a esposa por trás e beijava seu pescoço. Ele estava
com uma gravata sob o suéter azul marinho. Ela se virou para ele,
ajeitando-a sem pressa.
— Pode ficar com o meu. Para não se atrasar. Eu fico com outro. Está
merecendo. — Mel sussurrou.
— Deus, vão para um quarto! — implorei, fingindo que vomitaria meu
beiju. 
— Não comentem sobre o tutu. — Carlson pediu e eu franzi o cenho,
prestes a perguntar “que tutu”, até que todos nos viramos para a porta. Acho
que Oliver gargalhou alto primeiro. Eu estava entre engasgar e cuspir meu
café inteiro no chão. 
— Puta que pariu, puta que pariu! — Mike murmurou, pegando o celular
imediatamente para fotografar Damian Bale de mãos dadas com Hailey,
ambos de tutu rosa, enquanto ele carregava a mochila de unicórnio.
— O que o novo bailarino vai querer? — Melissa, por algum motivo,
forjou um sotaque britânico.
— Que vocês explodam. — Bale respondeu, com um sorriso irônico.
Hailey abraçou a perna do Ollie primeiro, sorridente. — É o primeiro dia de
aula dela. Na vida. Ela queria ir de tutu, mas comentou com a insuportável
da filha da vizinha…
— Amor… — Naomi repreendeu, mas ele só prosseguiu:
— ... e ela disse que era ultrapassado. Hay estava triste, não queria ir
para a escola. Eu disse “foda-se, qualquer um pode usar um tutu em
qualquer momento”, Hailey disse “prove” e aqui estou.
— Isso foi de paternidade para “foda-se o patriarcado” muito rápido. —
Mike provocou e eu gargalhei contra o copo. Bale estapeou sua cabeça e
seguiu para a esposa, risonha, abraçando-a por trás. Percebi que Naomi
parecia melhor do que o outro dia. Ela estava sorrindo para ele,
cochichando baixinho.
— Os cafés. — minha mãe anunciou, entregando-os para as garotas. —
E já vou preparar algo para minha bailarina favorita. — ela falou, para
Hailey, que de repente estava no colo de Oliver, sorrindo, toda pomposa.
— Está falando da Hay ou do Damian? — Mike insistiu. Engasguei de
novo.
— Bom, eu vou trabalhar. — avisei.
— E essa é a minha deixa. — Oliver falou, colocando Hailey no chão.
Me abaixei, apenas para abraçá-la. A espertinha me abraçou e mordeu
minha tapioca. Fingi estar ultrajada, o que a fez correr para se esconder
atrás da mãe. — Bom trabalho e enviem as fofocas do Bale de tutu.
— BrightWeekly vai ser o entretenimento do dia. — Mike acrescentou.
Me virei para Naomi e Mel rapidamente.
— De noite, casa da Naomi? — elas assentiram. Encarei Wayne. —
Como está?
— Me preparando mentalmente para começar a reescrever boa parte de
uma série, começando amanhã. — Tradução: querendo morrer
internamente.
— Parece melhor hoje. — falei, para Carlson.
— Mais ou menos. Bale e eu conversamos. Explico de noite. —
devolveu, baixinho. — Bom trabalho, tá? Qualquer coisa nos liga.
Soprei um beijo para as duas, puxei o tutu de Bale e segui Oliver para
fora do restaurante.
—  Preparada para o segundo beijo? — ele questionou, quando abri a
porta do Dodge Charger.
— Depende, vai fingir que eu não existo depois?
— Ouch.
Nós entramos no carro. Ollie dirigiu em silêncio, dando goles ocasionais
em seu café, conforme eu comia. Até que suspirou.
— Comunicação é entre duas partes. 
— É estranho. Você me beijou. Depois teve aquele jantar. Não sei reagir.
— respondi. — Fico esperando que fale comigo primeiro. É meio que a sua
cara.
— Minha cara? — perguntou, ultrajado, e soltou um riso seco. —
Estranho me beijar por quê? Beijo mal?
— Sim, por isso tantas garotas te querem. Masoquistas.
Oliver sorriu. Dessa vez, eu sorri também.
— A gente pode pedir ao mesmo tempo.
Ele colocou o café nos porta-copos e usou as mãos para uma contagem
regressiva. 3…2…1…
— Desculpa. — falamos em uníssono, rindo como idiotas depois.
— E agora? — quis saber, estacionando de frente para o prédio onde
meu photoshoot aconteceria. Era para uma marca de cosméticos. — Pronta
para o segundo beijo, Moonshine?
— Não. — confessei, sincera, ciente do carro que tinha nos seguido,
nada discretamente, por todo o maldito percurso.
— A gente não precisa fazer isso dessa vez. — Isso seria dizer “foda-se
os planos”, mas era verdade. Poderíamos não nos beijar e lidar com Keanu
e Priyanka depois.
— Eu sei.
Respirei fundo, tirando o cinto e me aproximando. Peguei meu café e
meu saquinho com o que restava do maldito beiju. Poderíamos não nos
beijar, mas eu não era de fugir. E, com o coração acelerado, perto dele, me
assustei com a ideia de que talvez não quisesse. E deveria querer. Mesmo.
— Ei, Ollie?
— Hm?
— Avestruz.
Ele mal teve tempo de olhar para os meus lábios, antes que tocassem os
seus, macios, estranhamente doces. Durou menos que cinco segundos.
Encerrei antes que o tornado bizarro no meu peito implorasse para ser a
catástrofe do século.
— Bom trabalho. — desejei e saí do carro. Resisti à tentação de olhar
para trás até chegar à porta do prédio, mas me virei. Oliver permanecia
parado, segurando o volante. Olhava para mim. Ele balançou a cabeça,
como se quisesse dissipar os pensamentos, e caiu fora dali. Parada, com a
intensidade dos seus olhos em mente, respirei fundo. Pela primeira vez em
não sei quanto tempo, eu não fazia ideia do que aquele olhar queria dizer.

Dei graças a Deus quando entrei no carro, depois de todo o trabalho e


pude cochilar. Agradeci aos céus, mais ainda, quando Bale abriu a porta
antes que eu digitasse a senha do apartamento e Hailey olhou para mim,
sentada com Dior, o gato, entre pelúcias no chão da sala.
— Oi, Jasmine. Tchau, Jasmine. — Damie falou e eu ri quando passou
por mim, aproveitando que o elevador ainda estava naquele andar. Homens
são proibidos na noite das garotas. Tanto quanto as garotas são proibidas na
noite dos garotos e era isso o que ele teria com Mike e Zhang, com certeza.
— Seu pai é meio…. — girei o dedo em torno da cabeça, arrancando
uma gargalhada gostosa da garota.
— Carlson está no banho. Trouxe pijamas, se troca. — Melissa disse,
surgindo de sabe lá onde e arremessando uma roupa na minha cara.
Permaneci parada, lançando-a um olhar incrédulo, ouvindo Hailey rir. 
Agindo como se estivesse em casa — porque era isso o que fazíamos —,
invadi uma das suítes do segundo piso da cobertura e tomei um bom banho,
colocando o pijama e tentando não franzir o nariz para a estampa do Baby
Yoda por toda a parte. 
Quando voltei para a sala, dois Kindles estavam sobre a mesa e Hailey
ainda brincava com Dior de frente para a televisão. Um cheiro fez minha
barriga roncar e eu dei de cara com Naomi Carlson na cozinha, retirando
algo do forno. Melissa já a cercava, faminta.
— Por favor, diz. — implorei, sabendo o que ela falaria.
— Lasanha. Receita da mãe do Damian. E temos seu vinho favorito.
Fechei os olhos. Isso, porra, isso era o paraíso.
Corri, pegando Hailey de surpresa, ao jogá-la por cima do ombro e
disparar para a cozinha. A garota gargalhava com as cócegas, quando a
coloquei sobre a bancada. Naomi serviu os vinhos, Melissa perguntou sobre
o filme que eu tinha escolhido para a noite e eu expliquei o conceito de
Lisbela e o Prisioneiro conforme atacávamos a lasanha — como se nossa
vida dependesse disso. Eu disse: isso é o paraíso.
Esses momentos com o Ollie, os garotos, o grupo inteiro ou apenas com
as meninas… Acho que eram os únicos em que eu me sentia normal. Digo,
Pri era minha melhor amiga e eu a venerava. Sério. Mas desde que entrou o
elemento da fama, ela não era só minha amiga. Ela era parte do meu
trabalho. Bem certo de que ela fazia meus dias mais leves e melhores, mas
não lembro da última vez que tínhamos saído para curtir. Já Naomi e Mel?
Seja na nossa noite, na terceira segunda-feira de cada mês — o que é um
dia pouco comum para beber e ficar em casa com as amigas, eu sei — ou
em qualquer escapadinha de emergência… Era relaxante. 
Eu não era a Jasmine Rhodes. Eu era Jas, a brasileirinha entre duas
australianas malucas e, às vezes, uma Hailey faminta.
Tal como Dior, o gato folgado largado sobre a poltrona, Hailey dormiu
na primeira hora do filme. Ela desmaiou de sono no colo da mãe, no sofá,
sem nem conseguir tagarelar sobre o primeiro dia de aula. Carlson a
manteve contra si, focada em ler as legendas, enquanto Mel ocasionalmente
elogiava o roteiro. Deitada sobre o colo de Wayne, eu aproveitava seu
cafuné lento, devorando um saquinho de M&Ms.
O filme acabou e passamos para as leituras. Eu roubei o Kindle da
Naomi e preferi um romance brasileiro sobre um jogador de hóquei e a filha
do treinador[iii], Melissa estava relendo The Trouble With Love pela milésima
vez e Carlson tinha o físico de Zodiac Academy equilibrado no braço do
sofá, enquanto passava os dedos pelas mechas castanhas da Hailey, já no
sétimo sono. Quando Hayhay balbuciou algo sobre unicórnios, nós paramos
a leitura para rir.
— Acho que os sonhos dela são melhores que os livros. E eu estou
amando o meu. — comentei.
— Espero que ela se divirta muito com os unicórnios, a vida real é uma
merda. — Naomi ironizou, rindo. Mel e eu deixamos os Kindles de lado ao
mesmo tempo.
— Ok, o que está acontecendo? — Wayne foi direto ao ponto, já que eu
tinha passado a noite inteira pelas beiradas. Carlson suspirou e deitou a
cabeça no sofá. — Está estranha a semana toda, Robin. Não sei mais o que
fazer.
Naomi apenas olhou para Hailey. Hayhay dormia como uma pedra. Ela
não seria um problema. Ainda assim, Naomi parecia hesitante.
— Olha, eu e minhas amigas temos uma brincadeira. — Melissa
começou.
— Amigas. — debochei, ciumenta. Naomi franziu o nariz e Wayne
cerrou os olhos para nós duas.
— Ciumentas.
— Fala logo, Batman. — Naomi mandou. — Você e suas amiguinhas
felizes, mentalmente estáveis e saltitantes fazem o quê?
— Cada uma conta um desabafo ou um segredo. Toda semana. A gente
senta no chão, abre um vinho e só fala.
— Não vou colocar minha bunda no chão agora. — Naomi apontou para
Hailey.
— Ok. Eu começo. — Melissa disparou. E então nitidamente se
arrependeu. — Digo, Jazzy começa.
Respirei fundo. O mais fundo que pude.
— Beijei Oliver no carro, duas vezes. — Elas ergueram as sobrancelhas
ao mesmo tempo. Era assustador o quanto eram sincronizadas. — Tipo…
de mentira. O beijo foi de verdade, a situação de mentira. Vocês
entenderam! — Elas me olharam em expectativa. — E eu quase o beijei
sem ser de mentira, na casa dos Zhangs.
— Em menos de um mês. — Naomi pontuou. — Falei! 
— Eu ainda acredito que o primeiro beijo vai ser em um mês, ok? E a
transa em dois — Melissa seguiu.
— Espera, vocês apostaram? — perguntei, confusa.
— Aham. — Naomi nem piscou. — Digo, acho que tudo isso vai dar
merda? Sim. É uma ideia quase péssima? Talvez. Estou torcendo para que
se peguem? Honestamente, não sei, é uma situação confusa. Mas vai
acontecer.
— Não vai acontecer.
Elas ficaram em silêncio, me encarando como se eu fosse a pessoa com
menor credibilidade na face da terra.
— Sério, não vai. — falei, nervosa. — Wayne, seu segredo.
Melissa gemeu de frustração, se arrependendo da ideia. Ela pegou a taça
de vinho na mesa de centro e soltou o ar com pesar.
— Eu queria muito não poder beber. — murmurou, com a voz falha. —
E é um problema idiota, certo? Digo, Jasmine está em uma crise de carreira.
Você nitidamente tem alguma bomba nas costas — Mel apontou para
Carlson — e eu estou em uma crise pelo mesmo motivo que Rhodes: Cole
O’Connell e toda aquela merda. Ainda assim, minha maior frustração é não
estar grávida. É… idiota.
— Não acho que seja.
— Ah, ah tá. Aham. — Melissa duvidou.
— Eu não quero ter filhos, Wayne. — falei. — Isso não significa que eu
menospreze os sonhos das mulheres que querem. Tipo, viva a sororidade,
direitos femininos e todo esse lance Girl Power. De verdade. Mas nada
disso torna menos digno ou importante o sonho de uma mulher que quer ser
mãe. E você quer isso mais do que tudo. Respeito isso. Respeito ainda mais
que isso seja um sonho, entre trilhares, que você faz questão de alcançar.
— E eu te entendo perfeitamente. — Naomi acrescentou. Ela queria
mais filhos.
Melissa suspirou e eu reconheci o brilho nos seus olhos.
— Estamos tentando há um ano. Contamos para vocês há seis meses,
bem certo. Mas já faz um ano que Mike e eu… Decidimos ter filhos,
paramos de usar camisinha, consultamos médicos, seguimos a porcaria da
tabelinha. E eu estou começando a achar que tem algo de errado com meu
útero, meus óvulos… Mike está começando a achar que algo está errado
com os Mikezoides dele.
— Mikezoides? — questionei.
— Oliver. — Naomi murmurou. Imediatamente fez sentido. Wayne
prosseguiu:
— E todos os exames estão normais. Sei que muitos casais estão
tentando há mais tempo e somos jovens, mas… Caramba, Graham vai se
tornar professor universitário em breve, eu já estou exatamente onde quero
em minha carreira com apenas 28 anos e mesmo assim, parece que estamos
incompletos. Não conseguimos. Apenas não conseguimos engravidar.
— Procuraram outros médicos? — Naomi questionou, baixinho. Wayne
suspirou.
— Estamos com medo do que vão dizer. E se o problema for, sei lá, meu
útero?
— Eu empresto o meu. — falei, sério.
— Aham, você não quer ser mãe, Jasmine.
— E daí? O filho não vai ser meu.
— São nove meses.
— Sim. São. — Dei de ombros. Wayne olhou para Carlson, tudo sobre
seu rosto dizendo “ela é maluca”.
— Eu emprestaria meu útero para você sem pensar duas vezes. —
Naomi ficou do meu lado e meu peito borbulhou com uma gargalhada.
Melissa riu também.
— Vocês são insanas. 
Nós sorrimos em silêncio. Nós éramos.
— Naomi?
— Hm?
— Seu segredo. — cobrei. Ela tombou a cabeça para o lado, hesitando.
— Acho que só estou mal porque a Gianna não vem para o aniversário
da Hay esse ano.
— Sim. E ela não veio nos últimos dois anos. — falei. Sabia que isso
incomodava as garotas. A ex de Brandon era a terceira garota desse trio, às
vezes eu me perguntava se alguma delas sentia que eu tinha roubado seu
lugar. Nunca quis isso. Poderíamos ser um quarteto, se Gianna Olsen
tivesse me dado alguma abertura, nas únicas quatro vezes que voltou para
Brightgate depois de ir morar na Itália. Mas talvez isso tenha a ver com o
fato de que, como melhor amiga do Ollie, eu quase sempre estava com ele.
E ele a evitava. Então se nos víamos sozinhas, trocávamos sorrisos e rolava
aquele momento constrangedor “oi” respondido por um “oi”, seguido por
um silêncio sem fim. Não era isso o que estava deixando Naomi mal. Isso a
frustrava, certamente, mas não a fazia agir estranho por dias. — Conta
outra.
Carlson suspirou.
— Eu tive uma recaída. — confessou.
O silêncio voltou. Mais forte do que tudo.
— Recaída? — murmurei e ela engoliu em seco.
— Aquele dia, no restaurante… — Naomi deu um sorriso que era tudo,
menos feliz. — Tento não dar a mínima para o que falam de mim na maior
parte do tempo e vocês sabem que sou especialista nisso. Mas algumas fãs
do Damian… estão passando dos limites. 
Meus olhos arderam. Eu sabia do tipo de ódio que existia. Eu já tinha
visto alguns comentários em suas fotos. Carlson mordeu o canto da boca.
— Falam do meu corpo, do meu trabalho, que engravidei da Hailey para
prender ele, que… — Sua voz falhou. — Que eu atrapalho a carreira dele. E
às vezes…
Às vezes ela acreditava.
— Hailey ouviu de uma amiguinha, que conheceu na vizinhança do pai
do Damie, que na escola, fazem trabalhos como a árvore da vida. Ela
decidiu que queria fazer uma. Hailey é um pouco… dedicada demais, como
eu. Isso me preocupa até. Enfim, Hay perguntou sobre o meu pai no meio
do jantar, fácil assim. Damian e eu travamos. E eu só consegui pensar que
meu pai… 
Ela olhou para Hailey. Todas nós sabíamos que ele a odiaria. O pai da
Naomi foi um monstro. Dificilmente seria bom avô para a garota. 
— E nessa mesma semana, eu recebi mensagens dizendo que eu deveria
ter… interrompido… — Naomi tentou continuar. Meu queixo caiu e meus
olhos se encheram de lágrimas. Alguma filha da puta disse que ela deveria
ter abortado a Hailey. — Disseram que já fiz antes e devia ter feito de novo.
Tudo porque o Damian não começou os ensaios para a maldita turnê. Eu
não queria contar nada. Achei que eu conseguiria lidar com toda essa
pressão, achei mesmo. Tentei esconder de vocês. Tentei esconder dele. E
quando vi, eu estava trancada no banheiro…
Olhei para Melissa e seu maxilar trincado, as mãos cerradas em puro
ódio. Eu não estava melhor. Queria matar quem fazia aquilo com ela.
Queria estraçalhar.
— E eu vomitei todo o jantar. Então… No dia seguinte, me joguei no
trabalho, porque tem muita coisa acontecendo e trabalhar me acalma. Mas
Bale e eu conversamos quando coloquei Hailey para dormir, algo no sorriso
dela só me fez querer chorar e eu tive que contar tudo para Damie,
porque… Eu nunca pensei que odiariam uma criança de quatro anos por
existir e isso me assusta pra caralho.
É esse o problema da fama. É que ela sempre traz ódio junto. Tem
pessoas que não aceitam o sucesso das outras. Tem pessoas que só aceitam
a felicidade própria.
— Tentei esconder porque… Porque dói. Por mais que provavelmente
sejam, sei lá… Garotas bobas ou pré-adolescentes maldosas, com síndrome
de adulto me atacando, ler esse tipo de coisa é dilacerante. E não queria
preocupar ninguém, mas… Tenho medo. Tanto medo.
Mel e eu permanecemos em silêncio, ambas com os olhos marejados,
sem saber o que dizer.
— Foi assustador. Quando lavei a boca depois de colocar tudo para fora,
percebi que eu… Eu não sabia por que tinha vomitado. Às vezes… Às
vezes eu tenho tanto medo de ser a antiga Naomi. Parece que ela está
esperando pelo momento de me engolir por inteiro. E eu não quero isso. Eu
não quero ser ela. Mas é tipo… — Carlson respirou fundo. — É tipo ver seu
passado se chocando com o presente. Eu sabia que muita gente jamais
esqueceria tudo isso, mas… Caralho, isso dói. — Ela riu, apesar das
lágrimas. — Algumas pessoas ainda me julgam como se eu fosse a Naomi
Carlson antiga. Como se ninguém fosse passível de evolução, apenas de
erros. Parece que querem me ver apodrecer. Quanto mais na merda, melhor.
E por um momento, eu realmente ousei acreditar nelas. Que eu não sou boa
o suficiente. Que eu sou um monstro. Que eu mereço o pior e não… — Ela
respirou fundo mais uma vez. — Não uma família que me adore, amigos
que me apoiem, um marido incrível, um trabalho próspero e uma filha
excepcional. Eu tenho meu final feliz. Na verdade, essa é só a porra do meu
começo. E eu estou tão cansada, exausta, de ser julgada. De agir como se eu
tivesse que provar algo para quem não me conhece. Porque… Quer saber?
Essa é a porra do meu não-final-mas-com-certeza-feliz-pra-caralho. E eu
não quero, nem vou mais abrir mão disso. 
Eu sorri, orgulhosa da força dela, mesmo odiando quão turva minha
visão estava pelas malditas lágrimas, e as sequei.
— Não conheci a Carlson antiga, Naomi. Mas tenho certeza de que a
amaria. Ainda assim, se você a teme, eu te prometo — assegurei — que nós
vamos chutar a bunda dela e impedir que ela chegue perto de você
novamente.
— Você só tem que dizer quando ela bater à sua porta. — Mel lembrou,
baixinho, e Naomi assentiu, antes de olhar para Hay e a abraçar mais forte.
Eu a abracei imediatamente, de lado, e Mel fez o mesmo. Subitamente
percebi que protegeria aquelas três com a porra da minha vida.
— Bale já sabe. Minha psicóloga sabe. Eu vou ficar bem. Vou ficar bem,
certo?
— Você vai, Robin. — Mel prometeu, baixinho.
Ninguém está bem sempre. Carlson estava passando por algo
emocionalmente. Eu não sabia o que era. Mas tive certeza de que estaria do
seu lado enquanto se reerguesse. E seria lindo vê-la calar a boca de cada
filho da puta que queria vê-la ruir.
— E, sabe o quê, mais? — falei, dando meu melhor para o meu sorriso
parecer sincero ao me afastar. — Vai ficar bem a tempo do jogo do próximo
mês e você vai fazer um gol e comemorar para essas haters fodidas do
caralho.
— An? — Naomi perguntou, secando as lágrimas. — O jogo
beneficente? Dos garotos?
— E das garotas.
— An? — Naomi repetiu.
— Espera, nós vamos jogar futebol em algum momento? — Melissa
questionou e eu paralisei.
— Os garotos não falaram para vocês?
— Não! — elas disseram em uníssono. Hailey murmurou algo sobre
unicórnios de novo e o momento triste, virou momento de incredulidade e
fúria.
Oliver, Mike e Damian estavam fodidos.
“Eu sinto algo tão certo
Fazendo a coisa errada
E eu sinto algo tão errado
Fazendo a coisa certa”
Counting Stars – OneRepublic

— Fizeram o quê com a Naomi? —  quase gritei, fora de mim.


Mike não estava melhor, agarrando a garrafa de cerveja na cozinha com
tanta força, que eu não me surpreenderia se quebrasse. Bale virou um gole
da cerveja, antes de esfregar o rosto e bagunçar o cabelo. Puto. Era o que
ele estava. Puto pra caralho. Mas o que ele estava ainda mais, claramente,
era assustado.
— Não consigo acreditar que o ódio chegou a esse nível. — ele
desabafou. —  E contra a minha filha, também. É… bizarro. Eu vi o que
Jasmine estava passando e pensei “se fosse com alguma das minhas
garotas…”. Jamais pensei que seria. Mas aconteceu. Com as duas. Cara, eu
sei que muita gente não gosta de mim ou da Naomi, ou de nós dois juntos,
mas… Caralho, para mim é absurda a ideia de que tem gente que jura que
me ama, mas na real, não me conhece nenhum pouco. Se conhecesse,
jamais jogaria ódio contra duas pessoas que são a porra da minha vida.
Mike bufou, olhando ao redor. O apartamento de Mike Graham estava
uma bagunça. Seu Golden retriever estava esparramado sobre brinquedos
de Star Wars e o furão bizarro, estava mastigando a jaqueta de couro de
Damian Bale. Damie nem se importava. O furão podia cagar a jaqueta
inteira de volta. Bale só pensava na família.
— E eu achando que meus espermatozoides não acharem um óvulo era o
maior problema do universo. — Mike murmurou. —  O que vai fazer, Bale?
— Não sei. Pensei em expor as mensagens, mas não sei se adiantaria.
Entrar com um processo contra tanta gente, é inútil. Não quero ser
impulsivo. Só quero estar aqui por elas. Talvez adie a turnê para o fim do
ano, já que ainda não anunciamos as datas. Vai ser um inferno dizer isso
para o meu empresário e talvez eu gaste um dinheiro do caralho, mas elas
são prioridade. Quero estar aqui. Preciso estar.
Trinquei os dentes com força. Naomi tinha que ter me contado. Porra,
passar por isso tudo sozinha é uma merda. Pelo menos, pelo que Bale tinha
dito, ela não estava resistente a procurar ajuda, para evitar as crises de
bulimia. Ele jamais largaria a sua mão, nós jamais largaríamos. Ela ficaria
bem. 
— O mundo é uma merda. — Mike resmungou. Não discordei. Às vezes
parecia. 
—  Como está você com a Jazzy? —  Bale mudou de assunto, voltando a
beber. Eu era o único a não colocar uma gota de álcool para dentro. Tinha
um jogo em dois dias e já tinha saído da minha dieta duas vezes. Se
descobrissem, eu estava fodido. —  Parece que está funcionando, não? Os
seguidores voltaram a subir. As pessoas passaram a desconfiar da história
que aquele ator fodido liberou.
— Às vezes é assustador que já esteja funcionando tanto. — confessei.
—  Duas semanas de mentira. Só duas semanas, porra. 
— Não estou tão surpreso. — Mike confessou. —  Porra, todo mundo
sempre sentiu uma vibe entre vocês. E talvez estejamos errados, certo? Mas
falando como professor de química… Isso vocês têm de sobra. 
— Só não quebre o coração da garota, Zhang. — Damian falou e
pareceu uma ameaça. Quase roubei sua cerveja, mesmo sabendo que não
poderia, para impedir as palavras de escaparem. E elas escaparam, baixinho
o suficiente para que só eu as ouvisse.
—  Mais fácil o contrário.
Nossos celulares vibraram várias vezes, ao mesmo tempo. Devagar, já
com medo, nós os olhamos.
 
Melissa: MIKE EDWARD GRAHAM.
Melissa: NÓS? E UMA BOLA DE FUTEBOL?
 
Jasmine: Sério, @Oliver você disse que tinha contado para todo mundo.
 
Naomi: Oh, com certeza contou. É a cara desses PUTOS esconderem isso da gente. DAMIAN
BALE, VOCÊ ESTÁ FODIDO. FO. DI. DO. 
 
Melissa: Se virem para nos tirarem dessa, por favoor. VÃO TRANSMITIR PARA A AUSTRÁLIA
TODA.
 
Jasmine: Na verdade, no youtube… Então é para o mundo todo.
 
Naomi: Puta que pariu, eu vou MATAR todos vocês.
 
Nós nos entreolhamos, quase sem respirar. Oh, oh…

Saí do ônibus do time com Not Afraid do Eminem explodindo nos meus
fones. Segui o caminho para nossos vestiários, tentando permanecer focado.
Estávamos em uma sequência boa de vitórias e eu esperava que
continuássemos assim. Riley, ao meu lado, seguia focada no iPad,
analisando a formação do jogo. O técnico andava alguns passos à frente,
conversando baixinho com Jordan, que estava na segunda partida de volta,
após uma lesão no joelho. 
Depois de nos vestir para o aquecimento em campo, retornamos para o
vestiário. 
Uma vez de frente para nossos uniformes, respirei fundo.
03. Oliver Zhang. Em baixo “em memória de Brandon Ramsey”.
Quando não estava bordado, eu rabiscava com qualquer caneta
permanente. A liga jamais me puniu por isso, mas adoraria vê-la tentar.
Peguei a camisa, passando os polegares pelo bordado. Era uma
responsabilidade. Eu nunca entrava em campo sozinho. Sempre com ele.
Depois de me vestir, sentei-me para calçar as chuteiras. A camisa 10 do
Brandon estava exposta em um quadro, naquele mesmo vestiário. Fiz o
mesmo que em todas as partidas em casa. Olhei fixamente para ela, antes de
apoiar os braços nos joelhos e fechar os olhos por um momento.
Nunca fui muito ligado à religião. Digo, minha família paterna era
católica. Minha mãe era budista. Riley e eu éramos… Riley e eu. Acho que
posso ser chamado de agnóstico. Minha irmã, por sua vez, parece mais
ateia. Se há alguma merda no mundo, ela descrê e não se importa. Ainda
assim, antes de toda partida, eu sentava e fazia a mesma porra de oração.
Para Ramsey.
Se você existe, mesmo após a morte; se almas existem e você consegue
me ouvir de alguma forma; jogue comigo hoje, irmão. Se não para pontuar,
para ajudar o time a ganhar. Se não para ganhar, para lutar comigo por
cada segundo. E mesmo se houver uma derrota, terá valido a pena.
Ele nunca me respondia. Mas era minha forma de sentir que seguia
próximo dele de algum modo.
O treinador passou algumas orientações novamente, ao lado da comissão
técnica, e eu ouvi atentamente, colocando a braçadeira de capitão.
Seguimos para a saída dos vestiários e eu sorri ao ver as criancinhas
enfileiradas, apertando a bochecha da minha criaturinha favorita. Hailey
ergueu a cabeça, sorridente, em seu uniforme de Brightgate. Ela chocou a
palma contra a minha, depois o dorso da mão e nós fingimos que nossos
polegares duelaram por um momento, antes da falsa jogada de purpurina
invisível, com nossos dedinhos balançando. 
— A mamãe está uma fera contigo. E a tia Mel também. 
— Ih, nem me lembra. —  Fiz uma careta. Explicamos para as garotas
que elas tinham que ter lido os contratos para o jogo de caridade no
próximo mês, tanto quanto nós deveríamos ter explicado melhor. Elas
jogariam. E mesmo se pudessem escapar, pegaria feio se tentassem. Afinal,
a publicidade já tinha começado.
—  Vai fazer um gol para mim hoje?
— Veremos, peixinha. Veremos.
Ela apertou minha mão. Seguimos para o campo quando autorizado.
Acho que Hailey afastou a cabeça para dar língua para o capitão do
Melbourne Victory. Quando digo acho, quero dizer que tenho certeza. Mas
ninguém poderia saber que eu estava sorrindo tanto por isso.
Passados todos os acontecimentos de sempre no pré-jogo, eu olhei para o
lugar de sempre na plateia. Era próximo do campo, na parte inferior e não
no topo do estádio, na parte VIP. Mel e Naomi estavam ali, mesmo putas
comigo. Abraçando a esposa por trás e olhando com admiração para o jogo,
Bale aparecia no telão, mesmo tentando se disfarçar com um boné e óculos
escuros. Já Mike bebia um Milkshake, ao lado de Wayne e Jasmine. 
Eu sorri. Coitados dos ouvidos próximos dessa maluca. Ela berraria pra
caralho.
Acenei com a cabeça para a mulher com uma camisa larga do time e o
meu boné favorito da Nike. Rhodes cruzou os dedos e eu fiz o mesmo, mas
seu olhar foi para o alto quando Wayne a cutucou. Segui o que encaravam.
Como o esperado, dessa vez apareceu no telão: “Atriz mais bem paga da
Austrália e namorada de Oliver Zhang”. Minhas bochechas queimaram e
eu bufei com pesar.
Foda-se o teatro. Era meu momento.
O apito ecoou. O primeiro passe foi realizado. O segundo guiou a bola
para mim. E com Brandon Ramsey comigo, de alguma forma, eu fiz o
drible da minha vida no fim do primeiro tempo, chutando a bola no canto
do gol. Abri os braços para o estádio e, apontando para cima, como quase
sempre, sibilei, só para ele:
— Vê, Ramsey? Sempre juntos. E ainda os melhores.

2x1. Um gol meu, um gol de Jordan. Não fiz uma assistência dessa vez.
Era um bom resultado, não foi um jogo fácil. Era isso que eu falava após o
jogo, para um dos repórteres no gramado.
— Quer a liderança da artilharia esse ano?
Eu sorri, presunçoso, colocando as mãos na cintura.
— Acho difícil, não? Digo, trabalho mais criando as jogadas do que
qualquer coisa. Se tem oportunidade para gol, eu com certeza espero não
decepcionar. Se eu pudesse estar no topo da artilharia, adoraria. Mas ser o
líder das assistências, não é nada mal.
— Me desculpa a pergunta, mas… É que minha filha vai me matar se eu
não questionar. O gol de hoje foi para uma certa atriz na plateia?
Eu ri, consciente de que meu rosto queimava de vergonha. Que porra
era essa?
— Quem sabe?
Minha resposta evasiva com um sorriso era suficiente para alimentar os
rumores e combinava com o que esperavam de mim. Me despedi e segui
para o vestiário com os demais jogadores, ansioso para voltar para casa.
Mas foi na frente do carro da Naomi, caminhando com meu empresário,
que eu a vi. Jasmine cruzou os braços, sorrindo. Sua empresária estava logo
atrás.
— E lá vem ele — ela disse, alto, sua voz em um tom divertido, como
um narrador —, driblando como nunca — Joguei o corpo de um lado para o
outro, apesar da mochila no meu ombro —, ele ultrapassa um, ultrapassa
dois e… — Seus lábios formaram um grito de “gol”, sem som. Eu a imitei,
fingindo comemorar antes de carregá-la em um abraço apertado. 
— E ainda juram que não estão namorando de verdade. — Damian
provocou, baixo. Nós os ignoramos e eu a coloquei de volta ao chão. —
Grande jogo, cara. — Ele me cumprimentou, apesar da Hailey quase
dormindo em seu ombro. Ela ergueu a mão para trocar um high-five
comigo.
— Estou brava com vocês — Naomi avisou —, mas se me ensinar a
jogar 10% do que fez hoje até o próximo mês, acho que te perdoo.
Gargalhei e aceitei seu abraço apertado. Naomi beijou meu ombro
algumas vezes.
— Como está? — perguntei, preocupado.
— Melhorando. Prometo. Vamos jantar fora hoje. Nos vemos depois,
ok? Jogo incrível, Ollie, de verdade.
Eles entraram no carro e eu me virei para Mel, que correu para me
abraçar forte. Mike esperou sua vez.
— Toda vez é mágica pra cacete. Juro. Você só melhora. Seu ombro não
doeu quando você caiu no chão daquela vez? — Já lesionei o maldito antes.
Às vezes doía um pouco. Mas neguei, sem querer gerar preocupação. 
— Por mais que eu adore essa reunião das cobrinhas. — Priyanka
cantarolou. — Temos um jantar para reunir nossos próximos compromissos,
se é que me entendem.
 — Sim, senhora. Entendido. —  Mel bateu continência e beijou minha
bochecha mais uma vez. Eles entraram na caminhonete e, como Carlson e
Bale, nos deixaram.
— Carro da Jasmine. — Priyanka disse. Dei de ombros. Rhodes me
passou a chave, sem que eu precisasse pedir. Entrei no banco do motorista,
ela no carona, os dois empresários ao fundo do carro e partimos. Coloquei a
música no rádio, sorrindo quando The Real Slim Shady começou a tocar.
Vislumbrei um sorriso em Rhodes. Se nossos empresários não estivessem
no carro, nós cantaríamos a plenos pulmões. Gritar um rap a plenos
pulmões era meio que nosso lance.
— Eu começo? — Keanu disse, antes mesmo de sairmos do
estacionamento. Comecei a dirigir assim que colocamos os cintos, lançando
um olhar para Jasmine, que suspirou baixinho.
— Conversei com Carlson e Wayne depois do jogo — Priyanka
começou —  e  elas estão mais tranquilas quanto ao jogo beneficente. As
gravações de todo o grupo para a promoção do evento, começam logo essa
semana. Logo, nosso plano é que assumam o relacionamento depois da
próxima aparição pública planejada. Sei que Oliver treina ou joga
praticamente todos os dias, Rhodes está com a agenda um pouco mais vazia
após os probleminhas em Surf & The City, mas todo e qualquer tempo livre
possível, será convertido em reparo de imagem. Está funcionando.
—  Para os dois. — Keanu acrescentou, colocando a cabeça entre os
bancos. —  De verdade, Oliver, duas semanas dessa farsa e os números nas
suas redes sociais e na do time estão subindo em exponencial. Os
burburinhos que escutei pelo clube é de que Jasmine é exatamente o que
você precisava para acreditarem que está querendo se tornar um cara mais
sério. —  Franzi o nariz. Como se uma mulher consertasse um cara. Que
babacas. — Também está chegando adiantado nos treinos, mantendo os
bons resultados, aparecendo muito na televisão e na boca de todo mundo
nas rádios. Muita gente está olhando para você agora. Em torno do mundo.
É o salto que sua carreira precisava.
Olhei de relance para Jasmine.
— Minha boca é mágica, eu acho. — brincou.
Apertei os lábios para evitar a piada pervertida e implorei para a cabeça
de baixo não pensar em nada do tipo também. A boca mágica da Jasmine
ficaria bem longe dela, afinal.
—  Nosso ponto é, frutos já estão sendo colhidos. — meu empresário
prosseguiu. — Podemos colher mais. Já temos até mesmo contatos e
propostas. Estão interessados em nos ouvir?
Rhodes e eu nos entreolhamos, conversando silenciosamente. Voltei o
olhar para o trajeto, sabendo que ela diria exatamente o que eu estava
pensando. Dinheiro não é nada mal.
—  Que tipo de frutos estão falando?
—  Do tipo que te rende trezentos mil dólares. Cada fruto.
Dei graças a Deus pelo sinal vermelho e por não ter nenhum carro atrás
de mim, porque freei até rápido demais. Encarei Jasmine novamente,
boquiaberto. Ela ergueu uma sobrancelha, curiosa. 
Acho que é isso o que nos diferenciava das tramas que ela tinha dito, nos
filmes e livros. Não éramos idiotas de recusarmos dinheiro. Eu sabia que
poderíamos lucrar. Só não tanto. Jamais negaria essa oportunidade. Tanto
que só ergui o olhar para o retrovisor, observando os dois ambiciosos nos
fundos do carro, antes de dizer?
— Quando começamos?
“Vamos passar a noite inteira
Dois passinhos com a mulher que eu amo
Todos os meus problemas somem
quando olho nos seus olhos, eletrizado
Vamos continuar dançando, a noite inteira”
2STEP - Ed Sheeran

Tive um photoshoot para uma marca brasileira na quinta. 


Na sexta, Ollie e eu gravamos com nossos amigos por uma noite inteira,
para o jogo beneficente. Era apenas a primeira gravação das chamadas para
o Youtube e televisão. Cada um de nós filmava com uma outra pessoa do
nosso grupo. 
Ainda não tinham me colocado para gravar com o Oliver e eu não soube
o porquê. Também não reclamei, porque minhas duplas foram Mel e depois
Damian. Após Zhang, eles eram os mais próximos a mim, acho. 
Com Melissa, nos colocaram de costas uma para outra, com uma lousa
branca cada uma. A cada pergunta que realizavam sobre nossos gostos,
precisávamos escrever o que achávamos que a outra iria responder. Nós
gargalhávamos a cada dois segundos. Com Bale foi um pouco diferente,
porque arrancar gargalhadas de Damian Bale é mais difícil. Nos fizeram
competir em um jogo sobre curiosidades de futebol. Ele, obviamente,
ganhou. Saímos do estúdio por volta das nove da noite e eu senti pena de
Zhang. Teve um treino de velocidade por toda a manhã e ainda teve que
passar o resto do dia lidando com gravações. Ele estava quase cochilando
no elevador, quando chegamos no nosso prédio.
Zhang e eu estávamos interagindo menos, fora daquele teatro. Tirando
aquela noite do seu jogo, em que realmente conseguimos nos divertir,
comendo comida italiana, mesmo com nossos empresários discorrendo
sobre nossas agendas e lucros.
Não que não conversássemos ou tivéssemos perdido o posto de melhores
amigos, é que… era diferente. Não falávamos sobre os beijos falsos e eu
achava que era a única a sentir aquela eletricidade perigosa por todo o
corpo, toda vez que sua boca tocava a minha. Às vezes as conversas
morriam e eu me perguntava se ele estava lembrando de algum beijo ou
surtando com cada boato sobre nós, porque eu com certeza estava.
Então, quando o sábado chegou e eu entrei no meu closet, buscando algo
para vestir no nosso primeiro encontro falso — porque obviamente quase
tudo incluía aquela palavra —, eu estava nervosa. Como se fosse
verdadeiro, para ser sincera. Na verdade, eu não lembrava da última vez que
tinha me sentido ansiosa escolhendo algo para vestir em um encontro.
Meus dedos se arrastaram pelos cabides, analisando Versaces, Saint
Laurents, Chanels, Burberrys… Nada parecia bom o suficiente. Mandei
uma mensagem para minha estilista favorita — Carlson, obviamente —, e
ela repetiu pela milésima vez as palavras “La Robe Jacquemus branco”.
Era um vestido branco, com um decote generoso. Mas fiquei olhando para a
peça e pensando “será?” por longos minutos.
Nervosa. pra caralho.
 
Eu: e se eu usar terninho?
 
Naomi: ai, Jasmine, me poupa. Bota logo a porra de um vestido. 
 
Mel: tradução: Vestido. É mais romântico. É um encontro. <3 
 
Bufei. Elas estavam certas. Precisava ser um vestido.
Depois de meia hora — ou uma hora inteira — procurando, encontrei
um vestido drapejado, mas não era Jacquemus. Era da MBH, na verdade.
Tinha duas alcinhas finas, era de um tom vermelho persa e não ficaria nada
mal com uma das minhas sandálias de salto favoritas, da mesma cor. 
Por que eu estava tão insegura?
Era Oliver Zhang quem eu encontraria. O meu melhor amigo. Pelo
menos foi isso que repeti durante todo o banho, fazendo as ondas do cabelo,
aplicando a maquiagem, o perfume, me vestindo e selecionando a
gargantilha de ouro, os brincos longos e minhas pulseiras favoritas. Gritei
que já atenderia a porta quando Oliver tocou a campainha pela segunda vez.
Odiei as borboletas de gelo que batiam asas na minha barriga. Elas
evaporaram quando girei a maçaneta e dei de cara com ele.
Nossa.
Um nó se formou em minha garganta e eu tentei engoli-lo,
esquadrinhando ele. O inferno se apossou do meu sangue, de cada
pedacinho sob minha pele. Meus pulmões queimaram, sem ar. Tudo isso em
menos de um segundo. Apenas…Uau. 
Oliver Zhang vestia um terno preto que o servia perfeitamente. Não
usava gravata. A camisa social branca tinha dois botões desabotoados,
permitindo a visão quase perfeita da bússola, que tinha bem ao centro do
peito, e uma análise completa da fênix preta em seu pescoço. Se eu estava
morrendo apenas por colocar meus olhos nele, acho que renasci e morri de
novo quando voltei a perceber a intensidade do seu olhar, que ele caiu para
meu batom vermelho escuro, depois para o decote do vestido, minha
cintura, minhas pernas, até os malditos saltos.
Não que em algum momento eu não tenha percebido quão ridiculamente
lindo e sexy ele era, mas… Maldita a hora em que seus lábios tocaram nos
meus, porque certamente Jasmine Rhodes foi desconfigurada
imediatamente. Eu pensava nele, na sua boca. Pensava principalmente
quando estava na cama, tentando dormir. Pior, quando dormia. E agora que
ele estava na minha frente, com os anéis brilhando em seus dedos longos e
tatuados, intoxicando o ar da melhor forma possível… 
Desgraça, Oliver Zhang era meu melhor amigo. 
Não era certo considerar que meu colar não parecia nenhum pouco
bonito, perto daquela mão ou que entendia as garotas que pulariam em seu
pescoço e o agarrariam pelo colarinho. Dava tempo de pesquisar, no carro,
como fazer seus pulmões funcionarem, certo? Porque os meus certamente
estavam entrando em colapso.
Era meu melhor amigo.
Meu melhor amigo. Apenas isso.
— Podemos ir? — perguntou, rouco. Oliver limpou a garganta e eu
assenti, um pouco atordoada.
— Só preciso pegar minha bolsa. E celular. — lembrei, umedecendo
meus lábios, secos pra caralho. Eu tive a sensação de que ele acompanhou o
movimento, mas me virei antes que aquele calor bizarro subindo pelo
pescoço me queimasse viva, alcançando a bolsa que deixei na mesa, ao lado
do sofá, e guardando o celular nela. Para pesquisar como se respirava,
óbvio.
Caminhamos até o elevador, lado a lado, sem trocarmos uma palavra
sequer. Todo o caminho da cobertura ao estacionamento foi em silêncio e eu
me perguntei quando aquela caixa metálica tinha se tornado tão pequena,
porque respirar o mesmo ar que Zhang, subitamente, era complicado.
Quando meus saltos ecoaram pelo estacionamento, sua mão tocou as
minhas costas. Minha postura ereta ficou ainda mais impecável, se
ajustando à palma longa e calejada em minhas costas nuas. A eletricidade
disparou pela minha pele, para as minhas veias, para a minha mente. E
subitamente tudo era quente. Fervente.
Ele abriu a porta do carro. Eu também. Nós entramos no Dodge Charger,
colocamos o cinto. E todo o caminho foi em silêncio, enquanto ele dirigia
com aquele foco de sempre. Era sexy. Não, Rhodes. Era normal. Normal,
Jasmine.
Quando paramos o carro em frente ao restaurante e eu tirei o cinto, ele
falou pela primeira vez em muito tempo:
— Não, fica.
E eu obedeci. Porra, obedeci e ainda apertei as coxas automaticamente.
Ele nunca tinha mandado em mim assim. Por que eu queria que mandasse
mais?
Oliver abriu a porta e eu uni minha palma a sua. Ele fechou a porta atrás
de mim e tocou minha cintura, me trazendo para perto. Eu sabia que já
tinham fotógrafos em algum canto, mirando suas lentes em nós dois, como
armas preparadas para o disparo, mas isso foi parar no fundo da minha
mente.
— Cavalheiro, de repente. — debochei, baixo demais para o meu gosto.
—  Você é a minha mulher nessa noite, não? — perguntou e eu senti
minhas pernas fraquejarem com o brilho nos seus olhos. — É isso o que eu
faria se fosse minha.
Tentei sorrir, atingida em cheio por suas palavras.
Zhang me guiou restaurante adentro e eu inspirei a brisa do mar,
aprovando o ambiente. Ficava no litoral. A maior parte dele em um deque
em frente ao oceano, iluminado por luzes presas em pequenas lamparinas
sobre cordões, meio rústico. O som de taças se chocando, do mar revolto,
das conversas baixinhas… Era reconfortante. E a música ao fundo,
baixinha, era agradável. Oliver tocou a base da minha coluna, o tecido do
vestido dessa vez, e a firmeza do seu toque fez o mesmo estrago que a outra
vez.
Nos sentamos na mesa que havíamos reservado e eu ignorei os olhares
sobre nós dois, fingindo conforto. Ele pediu o cardápio, me dando um
sorriso tenso. E ficamos calados, como se Da Vinci estivesse pintando a
Monalisa original naquelas folhas. Até que perdi a paciência.
—  O que está rolando, Ollie? Por que estamos assim? É algo sobre os
contratos que vamos assinar essa semana?
—  Hm? Não. Digo… O da Calvin Klein me deixa nervoso, para ser
sincero. Mas… Dinheiro não me deixa nervoso. Dinheiro me deixa feliz. 
Não precisei perguntar por que a propaganda da Calvin Klein o deixaria
nervoso, porque imediatamente pensei em lingeries, beijos, corpos colados
e… Ai, Deus, eu precisava de vinho. Imediatamente.
— Então o que é? — perguntei.
—  Não estou estranho sozinho, Moonshine. Então me diga você.
Lá estava o nó monumental na minha garganta de novo. Moonshine.
Porra.
— O beijo. — falei, baixo, e ele se ajeitou sobre a cadeira. O modo
como seu indicador se arrastou sob a camisa… Eu queria ver sob aquela
camisa… Não. Não queria. Talvez fosse abstinência de sexo. Engraçado,
esperei que ele sofresse mais com isso, mas… Vai saber, né?
— Abstinência de quê?
Eu falei em voz alta. Parabéns, Rhodes.
— Hm… Nada. Estava falando do beijo. Te beijar, Ollie… Digo, nunca
aconteceu antes. — Fiz o máximo para falarmos o mais baixo possível.
— É… Complicado, não?
Ele ficou calado por um momento, até deixar o cardápio de lado.
—  Vamos fazer o acordo de novo. —  decidiu. —  Já o descumprimos
centenas de vezes, não? Dissemos que a mentira não mudaria nada, mas
estamos agindo estranho. Então vamos recomeçar isso, fingindo que não
assinamos nada e que é tudo uma grande promessa verbal só nossa. A partir
de agora, essa noite, somos Jasmine e Ollie. Melhores amigos e, por acaso,
namorados. — Ele sorriu. — De mentira. — Falou, com o cantinho da
boca, os lábios quase cerrados. —  Pode ser?
Olhei no fundo dos seus olhos, me questionando se aquilo funcionaria.
Porque a melhor amiga dele pensou nele sem roupa, três vezes, desde a
saída do apartamento. Ao mesmo tempo, eu era uma atriz. Então eu fingiria
até que fosse verdade.
— Pode ser. — falei. E ele se virou, lendo meus pensamentos e pedindo
uma taça de vinho. Então começamos a noite.

Fingir até ser verdade meio que funcionou. Estávamos quase acabando
os pratos. Zhang pediu um filé com algum molho francês, que eu jamais
saberia pronunciar, e eu pedi a mesma coisa, só porque parecia mais prático.
A segunda taça de vinho estava quase no final para mim. Já Ollie seguia
apenas com um suco de laranja.
Oliver estava me fazendo gargalhar alto relembrando a vez que bebemos
tanto, tanto, que acordamos na mesma cama, — obviamente vestidos — 
mas sentindo dor em lugares bizarros e com uma ressaca do caralho.
—  Você foi se olhar no espelho! —  Oliver recordou.
— E vi os dois piercings marcando na camisa. E a gente estava na casa
da minha mãe. Eu nem lembro de ter ligado para ela. 
— Bom, eu não lembrava de muita coisa também.
— Até as memórias nos aterrorizarem.
Ele riu e eu também. Oliver Zhang sentindo dor entre as pernas e
gemendo para andar foi a coisa mais engraçada da porra da minha vida.
Não tanto quando…
— E você teve que explicar para Gérard que eu não conseguia correr. —
ele lembrou, sem fôlego. Eu tentei limpar as lágrimas ao chorar de rir,
lembrando do quão durão era o ex-técnico do Brightgate FC, ele ia apenas
com a minha cara e somente porque eu o levava a comida da minha mãe,
para ele pegar mais leve com Ollie nos treinos. —  Ele olhou para mim,
olhou para você…
Eu levei a mão à barriga. Senti dor de facão[iv] por rir demais. Sério. Não
conseguia respirar. Provavelmente estávamos sendo escandalosos em um
dos melhores restaurantes da cidade. Os riquinhos por ali queriam nos
explodir com a força do pensamento, com toda a certeza, mas eu não
conseguia parar de gargalhar. Só de lembrar do olhar do técnico quando
comecei a contar a situação e ele juntou 1+1, entendendo que Oliver Zhang
tinha colocado um piercing no… Enfim. Complicado.
— Os piercings duraram menos de uma semana. — lembrei, levando a
taça à boca.
— Os seus sim. — E parei antes de beber. Oliver voltou à comida, como
se não tivesse dito nada demais. Eu o encarei por cima da borda de cristal,
mal piscando, sem saber se ele estava brincando. Pior, imaginando. Qual
piercing era? Onde exatamente? E… os boatos, sobre a sensibilidade… Eles
eram verdade? 
Bem, eu jamais saberia, certo?
Virei um gole do vinho, com o coração em disparada com a mera ideia
de descobrir. Tentei umedecer a garganta seca com a bebida, mas não
funcionou. Voltei a segurar os talheres, decidida a acabar com a comida,
quando ele ergueu os olhos para mim.
—  Falei algo errado?
—  Não. — garanti, rindo. 
—  Rhodes…
— Você não tirou seu piercing? — perguntei, sem conseguir me conter.
Suas bochechas enrubesceram e Oliver mordeu o cantinho da boca. Ah,
para, o cantinho da boca era sacanagem. Sério?! 
— É bom na cama. Tudo que vou dizer é isso, ok? Eu gostei. 
Meu rosto esquentou e quase explodi a taça de tanto apertar, virando o
último gole. Deus. Oliver Zhang tinha um piercing no pau e gostava. E
estava casualmente falando sobre em um jantar. Comigo.
— É uma cruz. Por isso as garotas se ajoelham.
Eu gargalhei, jogando o guardanapo do meu colo sobre ele. Oliver
capturou, sorrindo, e eu não sabia se odiava ou amava o modo incomum
que tinha quebrado o clima subitamente estranho. Era um modo certamente
perigoso, pelo o que provocava no meu baixo ventre. Eu não poderia
imaginar. Não mesmo.
Oliver ergueu a mão, sinalizando para um garçom que minha taça estava
vazia e eu observei seus movimentos, quase hipnotizada. Até que a música
mudou, meu coração apertou e eu rapidamente virei a cabeça, tentando
encontrar a caixa de som mais próxima. Meus olhos se tornaram marejados
rapidamente, reconhecendo a melodia e eu me desliguei completamente de
Zhang e seu charme.
— Jasmine? Jas? O que houve?
Virei o rosto para ele lentamente. Sway do Michael Buble tocava.
—  Meu pai. —  Minhas cordas vocais mal funcionavam. —  Ele amava
essa música. Rodopiava com a mamãe pela casa inteira, fazendo-a rir por
cada cômodo. E se eu estivesse em um mal humor, ele a girava para o nada
e me puxava. Inventava passos mirabolantes… Ele fez a mesma coisa uma
semana antes de… — Morrer. 
Percebi a respiração suave de Oliver, seus olhos compassivos jamais
abandonando os meus, provavelmente atormentados.
—  Sempre que ouço essa música, eu penso que jamais vou dançar com
ele. É horrível. É horrível não ver a mamãe dançando isso novamente
também. É só terrível, sabe? Você não ter mais aquela pessoa e aquele…
ritual, sei lá, que ela sempre fazia.
—  Eu sei.
Eu sabia que sim. Ele sentia falta de Brandon mais do que admitia.
Todos os dias. Em todos os jogos. Todos seus gols eram para ele. Sempre
seriam.
— Brandon… Ele sempre amava quando conseguia fazer gols pelo
meio, sabe? Raramente o time adversário é bobo de deixar o meio campo
vazio, a zaga dispersa… Então quando surgia a oportunidade, ele tornava
futebol arte. Driblava com gosto, como uma criança. No último jogo… O
gol que eu fiz, ele deveria ter feito. Então dediquei a ele. E quando voltei
para casa, naquela noite, assisti um episódio de Breaking Bad, porque era o
que ele amava ver depois de todo jogo. Me irritava quando dividíamos o
quarto em alguma viagem, porque eu queria dormir, mas Brandon cismava
em assistir a merda da série e não diminuía o som. Hoje me incomoda que
eu tenha me viciado nessa porcaria sozinho.
Mordi o canto da boca, me questionando se ele tinha falado com Gianna
nas últimas semanas. Ela sempre mandava mensagem após os jogos. Ollie
nem sempre respondia. As meninas tinham dito que ela pensava em voltar
para a cidade naquele ano, mas a viúva de Brandon Ramsey era, quase
sempre, um assunto proibido.
—  Já volto. — ele disse e eu assenti, sorrindo em agradecimento quando
o garçom se aproximou para encher minha taça.
Até que a música voltou ao início e Ollie parou ao meu lado, estendendo
a mão. Ergui o rosto para ele, incrédula.
— Me concede a honra, Moonshine?
Olhei ao redor.
—  Nem tem onde dançar.
—  Ah tem. A gente dá um jeito.
Meus ombros caíram e eu não soube o que fazer com a emoção.
Uni minha mão à sua, grande e áspera, estranhando como parecia feita
para abrigar a minha. Ele me guiou para um espaço entre mesas vazias. As
afastou, sem se importar com os olhares, e tocou minha cintura e minha
mão. Olhei ao redor, envergonhada, mas ele tocou meu queixo e
silenciosamente ordenou que meus olhos pertencessem a ele. E assim foi.
— Não sou seu pai. Não tenho como trazê-lo de volta. Mas pode dançar
qualquer música, Moonshine. Mesmo se doer. A gente cria novas memórias
para elas. Eu estou aqui para fazer isso por você, sim?
Assenti, me aproximando e tocando seu ombro. Ele apertou minha
cintura, como se eu fosse sua. Unimos nossas mãos livres. E Oliver me
conduziu, sobre as estrelas, de frente para o mar, inicialmente tão devagar.
E então me rodopiando, inclinando meu corpo até que meus cabelos quase
tocassem o chão e me mantendo segura em suas mãos, tirando-me do chão,
agarrando minha coxa enquanto eu inclinava para trás… e fingindo que seu
segredo —  o que dividia comigo no estúdio de dança —  era público. E eu
gargalhei. Eu sorri. Eu fui sua, sem me importar ou perceber. 
Até nossos pratos esfriarem. 
Até eu esquecer que o vinho existia. 
Até o mar não parecer nenhum pouco bonito, perto de seus olhos.
Até as estrelas neles parecerem infinitamente mais brilhantes.
Até nos lembrarem de pagar a conta.

Gritávamos, berrávamos, o rap de Can’t Hold Us de Macklemore,


disputando quem erraria a letra primeiro, dentro do carro.
Eu estava quase sem fôlego, lutando para vencer, mesmo que o sorriso
idiota nos meus lábios tornasse tudo mais difícil. Oliver era bom demais
nisso. Ele não parava nem por um segundo, com um sorriso convencido, e
quando chegou na parte que o rapper soletrava uma palavra, Ollie seguiu
perfeitamente. Já meu maldito sotaque ou minha dicção de centavos me fez
travar. Grunhi, de ódio, e ele gargalhou no refrão, antes de voltar a cantar e
cantar, feliz pra cacete. 
O acompanhei baixinho no refrão, mentalmente prometendo que faria
uma revanche na próxima música. Mas acabei perdendo em Love The Way
You Lie. O que é ultrajante, porque eu sempre vencia nessa. Acabamos
parando de cantar em algum momento, abaixando o som para
conversarmos. E quando meu olhar se prendeu em algo pelo caminho,
acabei comentando:
— Sinto falta disso. — confessei quando passamos por uma lanchonete,
sorrindo, ainda com seu paletó sobre os ombros. Ele me lançou um olhar,
confuso.
— Do quê? 
— De entrar em um restaurante qualquer, principalmente essas
lanchonetes, sem ser reconhecida. Sem dar mil autógrafos, responder fãs…
—  Que antipática. — debochou e eu gargalhei, batendo em seu braço.
—  Idiota.
Ele sorriu. Muito. O tipo de sorriso que fazia calcinhas caírem por onde
ele andava.
— Amo quando me chama assim.
— Talvez deva ser seu apelidinho nesse relacionamento.
— Talvez sim, Moonshine.
Eu sorri, admirando seus olhos. Oliver se manteve focado na rua, até que
suas bochechas se enrubesceram. Foi quase imperceptível, no escuro do
carro, mas eu percebi. Eu amava quando suas bochechas ficavam
vermelhinhas. Era tão raro. E amava fazer isso com ele. Por que eu fazia
isso com ele?
Zhang pegou um retorno, tirando-me dos meus devaneios.
— O que está fazendo?
— Sendo idiota. — falou, simplesmente. — Mas o idiota que te lembra
que pode fazer qualquer coisa.
Ele estava indo para a lanchonete. Abri a boca, confusa. Oliver passou a
sorrir de orelha a orelha, como se minha confusão fosse hilária. Ele deixou
o Dodge Charger no estacionamento e arregaçou as mangas, saindo do
carro.
— Não podemos entrar, maluco. — falei, saindo do veículo. — Vão
pular em cima da gente. — Mesmo tarde, ainda estava cheio. Ele sorriu,
olhando para o drive thru. E este seguia vazio. Seus olhos brilharam com
uma ideia genial.
— Você quer fazer um pedido sem atrair olhares de todo mundo. Então é
isso que vai fazer.
Ele envolveu minha mão e me arrastou para o lugar onde apenas carros
deveriam passar. Ajeitei a peça de roupa sobre meus ombros, com medo de
que caísse no chão, ignorando a máquina que deveria perguntar o que
queríamos. Ele parou em frente da janelinha, onde uma atendente estava
entretida no celular, e bateu com os nós dos dedos. Ela estremeceu e
arregalou os olhos, em choque. É aquele momento “ai, meu Deus, Oliver
Zhang e Jasmine Rhodes”. Eu dei meu melhor sorriso, ensaiado. Zhang
tentou fazer o mesmo.
— Queremos fazer um pedido.
— Só com v-veículos, s-senhor.
— Ok, sobe nas minhas costas. — ele me disse. Eu ri, incrédula. —
Sobe. Vai. — Obedeci, mesmo achando loucura. Enlacei minhas pernas em
torno dele e Zhang sorriu mais para a atendente. — Sou o veículo dela.
Sabe como é… Ela adora sentar em mim.
Dei um tapa estalado em suas costas. A atendente gargalhou.
— A gente te dá uma única foto se deixá-la fazer um pedido. Um
pedido… Sasha — ele leu o nome dela no crachá. — Por favor?
Ela olhou para ele e para mim, sibilando um “puta que pariu” e eu
apertei os lábios para não gargalhar.
— O que vão querer?
Então fizemos nosso pedido. Comemos batatas fritas e hambúrgueres
muito maiores do que os pratos daquele restaurante chique pra cacete.
Gargalhamos no estacionamento por minutos. E se algum de nós percebeu
que a mentira parecia real pra cacete, nenhum dos dois disse nada.

A noite foi perfeita. Tão perfeita que eu detestei cada segundo no


elevador, porque estávamos em casa. Quis chorar por ter acabado. Mas,
fiquei feliz pelo meu melhor amigo ser um intrometido, quando me seguiu
para meu apartamento. Eu não me importaria nem mesmo se dormisse ali.
Não comigo, claro. Só não queria que fosse embora.
— Está cansada? — Zhang perguntou e eu quase gemi de prazer com o
estofado do meu sofá sob as minhas costas.
— Sim. — minha resposta saiu entredentes, arrastada. Minhas pálpebras
pesaram. 
Oliver se aproximou e eu tentei ignorar o leve calor nas minhas veias.
Tentei mesmo. Mas então ele estava ajoelhado perante a mim, colocando
meu pé em sua coxa e meu corpo entrou em um tipo de alerta
perigosamente delicioso.
Seus dedos ásperos e longos acariciaram meu tornozelo e a eletricidade
da fricção viajou, daquela pele sensível, até absolutamente todo o meu
corpo. O leve calor nas veias se tornou um incêndio perverso, descendo
para uma região perigosa — bem no baixo ventre. Eu puxei a respiração
sem nem perceber e meus olhos não conseguiram mais se desprender dos
dele. 
Ele tinha sentido também. Eu finalmente soube que sim. Apenas soube.
Mentalizei que não entendia, como ou por que, um gesto tão simples nos
deixava na ponta daquele precipício novamente. Eu mentalizei que não
sabia por que diabos estávamos mudando tanto. Porém, estava ficando
óbvio, não? Só era mais fácil negar que tudo sempre faria parte de um
teatro, entre dois amigos que não queriam atuar.
Aquele relacionamento falso era gasolina pura, sendo despejada em uma
chama que insistíamos, pateticamente, em controlar. Era questão de tempo
para aquela tensão nos queimar vivos.
Seus dedos trabalharam na fivela da minha sandália e ele retirou o salto
devagar. Zhang segurou meu pé com delicadeza, massageando levemente o
ponto dolorido no calcanhar, antes de devolvê-lo ao chão. Quase gemi.
O ar preso em meus pulmões escapou na mísera chance que teve, entre
aquele carinho e o segundo em que Ollie pegou minha outra perna. Ele
olhou para ela, tocando-a com delicadeza, ao posicionar meu pé em sua
coxa. O salto marcava sua calça escura e ele não dava a mínima,
observando a pele negra, suave e macia. Meu tronco subia e descia
lentamente a cada instante, até seu toque chegar ao segundo tornozelo,
retirando o outro sapato.
Ele colocou a outra perna no chão e aquela necessidade crescendo no
fundo do meu peito, se tornou dolorosa.
Zhang também respirava profundamente e eu não sei como não perdi a
sanidade, quando sua língua raspou pelos lábios carnudos e rosados. Era
tentador. De uma forma tão desesperadora quanto patética. Oliver era
irritantemente bonito...
E eu estava excitada.
Não conseguiria negar a pulsação entre as pernas, o desejo de apertar as
coxas e suprir aquele vazio, a umidade e a pressão tensa e quente no baixo
ventre. Muito menos o desespero que me fazia implorar mentalmente para
Ollie não olhar para o meu vestido. Porque meus mamilos despontavam,
descaradamente, contra o tecido de cetim.
Tudo no meu corpo dizia o óbvio.
Eu queria Oliver Zhang.
É seu amigo, Jas. Seu melhor amigo. É seu vizinho. Ollie. Apenas o
Ollie. Seu Ollie.
Seu Ollie?
Não. Nada seu.
Não é seu, Jasmine. Acorde!
— Acho melhor eu ir. — Zhang disse, rouco. Ele limpou a garganta e
sua tentativa de ficar de pé o deixou perto demais do meio das minhas
pernas.
Desconfortável e absorta naquele tesão inexplicável e irritante, eu me
coloquei de pé. O que foi uma péssima escolha, porque meu peito se chocou
contra o dele, os mamilos roçando perigosamente no tecido de sua camisa e
me fazendo recuar a ponto de quase cair. Mas ele me capturou. Com suas
mãos firmes em um aperto estranhamente possessivo.
— E-Eu concordo. — devolvi, minha voz baixa quase por um fio. 
Em sincronia, nossos olhos caíram para nossos lábios. Perigoso. Muito
perigoso.
  Buscando autocontrole, eu beijei sua bochecha como despedida, mas
perto demais da sua boca. Demais.
— Qualquer coisa estou do outro lado do corredor, namorado. — Minha
tentativa de descontrair foi péssima. Porque Zhang sorriu.
Oliver Zhang abriu um sorriso cafajeste, carregado de deboche, que me
fez arrepender amargamente do meu sarcasmo.
— Digo o mesmo, namorada.
Finquei os dentes no lábio inferior e engoli o gemido sujo que quase
subiu pela minha garganta, por uma simples resposta. Ollie me deu um
beijo fraternal demais, para o meu desespero, bem em minha testa, piscando
antes de sair.
Paralisada, no topo da cobertura, eu olhei fixamente para a porta por
longos e longos minutos, antes de xingar alto.
Eu queria Oliver Zhang.
E estava fodida. 
Não do jeito que eu gostaria.
“Tudo começa e termina nos seus lábios
Amores burros. Movimentos sábios.”
Tardes Que Nunca Acabam - Baco Exu do Blues

Eu sentia tanta falta.


Sentado, em um dos puffs do centro de treinamento, de frente para a
televisão da sala de espera, focado no meu telefone, eu estava exausto. E
mesmo assim, tudo o que eu pensava era que eu sentia tanta falta disso. E
por isso, quero dizer dançar.
O vídeo no meu celular era de um cara alto, com uma máscara de LED,
dançando Venom do Eminem. A coreografia era de Finneas Wayne. Todos
os comentários no maldito Reels — e no Tiktok que eu tinha visto mais
cedo — questionavam quem era o mascarado misterioso e porque ele não
liberava mais vídeos há duas ou três semanas. Porque os vídeos gravados
nas férias dele acabaram, pensei, e ele estava se controlando para não
voltar ao estúdio, porque também jogava futebol e precisava evitar
qualquer risco de lesão.
Chamavam-me de Mistério. Eu achava hilário. Eu me sentia um vilão
subdesenvolvido do Homem-Aranha — que Mike nunca acesse meus
pensamentos.
Mas eu sentia falta de ser o Mistério. Era mais forte do que eu. Às vezes
eu colocava os fones e dançava sozinho no quarto do hotel, quando ficava
sozinho, antes de um jogo. Às vezes eu afastava os móveis da sala de casa
para treinar uma coreografia ou inventar uma. Me apaixonei pela dança
desde que Jasmine Rhodes a apresentou para mim. Parecia parte de quem
eu era. Eu conseguia até mesmo me enxergar fazendo isso depois da
aposentadoria do futebol. Mas só depois. 
Se descobrissem antes, eu estaria fodido, não? Digo… A dança
carregava estereótipos fodidos. Descobriram que um jogador tinha feito
ballet na temporada passada, ele recebeu uma tonelada de comentários
homofóbicos e, até onde eu sei, o cara era hétero. Mesmo se não fosse…
Ugh, tudo o que a mídia e a fama tocam, apodrece. Porque as pessoas
sabem ser podres quando querem. Era esse o motivo, inclusive, para Seth
esconder de tudo e todos que era gay. Ele já tentou se aproximar de mim
algumas vezes, para perguntar se Eric, meu assistente, também gostava de
garotos e estava solteiro. Sempre esperei que perguntasse, compreendendo
muito bem seus olhares, o que significam suas bochechas vermelhas de
apreensão quando ele estava por perto. Nunca teve coragem.
O preconceito é fodido em qualquer lugar. Dentro do esporte não é
diferente. Sei o que acontece quando desconfiam de qualquer mínima coisa
nos vestiários. Sei o que falam, o que fazem, como fazem. E geralmente as
vítimas acabam se demitindo, enquanto os filhos da puta se safam.
Meu fone foi retirado. Senti duas mãos delicadas nos meus ombros e o
Chanel N°5 viciante. Reconheci Jasmine Rhodes antes de vê-la,
— É minha dança favorita. Eu não teria feito melhor.
Ergui a cabeça, deixando um beijo suave no seu braço. Ela mordeu a
boca e eu me arrependi imediatamente. Era algo que, como amigo, eu fazia.
Beijar qualquer lugar menos sua boca, abraçá-la… Eu era esse cara. Porém,
parecia que os pequenos gestos se tornaram gigantes na última semana.
Normalmente, eu fugiria de qualquer garota que me deixasse em alerta
como ela fazia. Mas, primeiro, era um tipo bom de alerta. E, segundo, era
ela. Prometemos que não deixaríamos nada atrapalhar nossa amizade. Então
eu estava tentando cumprir. E isso significava tentar esquecer do seu pé na
minha coxa, de como toquei suas pernas e como fiquei tão perto do meio
entre elas, depois do nosso encontro falso. Ele deu certo, pelo menos,
porque dezenas de fotos e vídeos nossos, dançando ou gargalhando no
restaurante, circulavam nas redes sociais. A passada rápida que demos em
uma lanchonete também gerou efeito, já que a atendente postou a selfie
conosco e ela se espalhou, corroborando com a ideia de que #ZhangRhodes
era real. ZhangRhodes. Dá para acreditar?
— Vim de uber. Priyanka disse que eu pareceria a típica namorada
esforçada se fosse buscar o namorado no trabalho para nossa sessão e eu
acabei de sair de casa depois da academia, então pensei “por que não?”.
Além do mais, aquele segurança fofo tirou uma foto comigo. Significa
redes sociais. Significa…
— Significa Hashtag-adoro-Zhang-Rhodes. — debochei e ela
concordou. Fiz esforço para levantar e minha lombar doeu. Jasmine
percebeu meu resmungo, olhando preocupada. — Só um pouco de dor.
Nada que gelo não resolva.
— Ele tomou um banho de gelo. — Jordan escolheu esse momento para
passar por nós dois e pontuar. Rhodes estreitou os olhos. Traidor.
— O time sabe?
— Sim. Comunico cada maldita merda para a equipe médica. O treino de
velocidade foi pesado hoje e eu fiz alguns abdominais pela tarde. É normal
ter algumas dores, ok? Não tenho mais dezoito anos e já devo ter caído
centenas de vezes. Estarei novo em folha antes do próximo jogo, não se
preocupe. — Isso não a deixou mais calma. — Avestruz. Fofoqueira da ala
administrativa apontando o celular nada discretamente, atrás de você. 
Jas entendeu o recado imediatamente, enlaçando minha cintura e ficando
na ponta dos pés para encaixar a cabeça no meu ombro. Fingi não ter visto
Leah nos gravando e beijei a bochecha da minha melhor amiga algumas
vezes. 
— Merda. Até quando esses irresponsáveis vão continuar fazendo isso?
— Jasmine resmungou e eu me afastei, confuso. Ela apontou para a
televisão. A manchete me fez engolir em seco.
“Motorista embriagado atinge carro de família em Westbury”. 
A imagem do homem chorando, sendo preso, e as informações sobre as
vítimas deixaram meu estômago embrulhado.
— Só me faz lembrar que aquela filha da puta que matou o meu pai, só
pagou a porra de uma fiança e entrou para a porra da terapia. — Jasmine riu
com escárnio. Ela me encarou e eu lutei para não desviar o olhar. — Dá
para acreditar? Uma criança e uma mãe feridas porque um desgraçado
achou que beber e dirigir em plena tarde é aceitável. — Aproveitando o
timing terrível, o dito cujo apareceu, sendo interrogado por jornalistas,
enquanto era encaminhado pelos policiais para a delegacia. Ele chorava. —
Isso. Chora mesmo. Apodreça no inferno.
Meu corpo inteiro se tornava tenso toda vez que ela falava sobre casos
como aquele. Me fazia pensar no Brandon e… Certo, eu não conhecia o
cara dos noticiários ou nenhuma das outras pessoas que provocaram
acidentes parecidos. Mas eu conheci Brandon. E ele foi um cara
excepcional que cometeu um enorme, enorme erro. Nem todas as pessoas
que cometiam erros como aquele eram monstruosas, certo? Elas tinham
amigos, família e uma vida inteira também. Brandon tinha tudo isso.
Brandon me tinha, tinha os meus amigos. Para Rhodes, isso tudo se anularia
por causa de uma noite? De uma merda inconsequente que custou a própria
vida dele?
Esquadrinhei minha melhor amiga, percebendo seus ombros tensos, sua
respiração profunda e a cólera em seus olhos escuros.
Ela falaria a mesma coisa do Brandon.
E eu não sei como reagiria se Jasmine estivesse mandando-o apodrecer
no inferno ou qualquer coisa do tipo. Porra, não julgo o que sente com a
perda do seu pai, mas quando ela vai parar para pensar, por um segundo,
que nem tudo é resumido a certo e errado? Algumas coisas são complexas
demais para serem analisadas dessa forma.
Talvez em sua cabecinha, ela jamais pudesse ser a pessoa bêbada por trás
do volante e, ok, beber e dirigir é a última coisa que Jasmine faria. Mas e se
fizesse? Ou se, por exemplo, dirigisse com sono, após o trabalho, e causasse
um acidente? Isso a tornaria automaticamente um monstro? Ela gostaria de
ser vista dessa forma? Porque, honestamente, fico sem ar toda vez que a
vejo falar assim. A imagino falando do Ramsey e ele não merecia isso. Eu
jamais permitiria que falassem dele assim.
É por isso que mantenho o silêncio. Porque não quero a enfrentar dessa
forma, muito menos reviver algum trauma. — tanto para mim quanto para
ela. É por isso que mesmo que me incomode, frustre e até mesmo, às vezes,
me irrite, permaneço calado. Porque a amo tanto, quanto amava ele. E perdi
Ramsey, mas não quero perder Rhodes.
— Já acabou por aqui? — perguntou, virando o rosto para mim e
soltando o ar com pesar. Seus punhos estavam cerrados, como se seu dia
tivesse sido completamente estragado e eu engoli em seco, assentindo. 
— Estava esperando Keanu.
— Ele mandou uma mensagem dizendo que nos encontra na sessão de
fotos.
Assenti novamente, nervoso. Agora não só pela maldita reportagem, mas
por nossa primeira publicidade juntos, como casal. Mesmo que essa só
saísse em algumas semanas, após revelarmos que estávamos, de fato,
juntos. Ou não “de fato”.
— Então vamos. — murmurei.
— Avestruz. — ela devolveu, baixo, e entrelaçou os dedos aos meus, nos
guiando para a saída. E pela primeira vez, eu interpretei negativamente o
choque gerado pela sua palma contra a minha. Porque me angustiou.
Porque engoli uma discussão que deveria acontecer.
Porque eu deveria falar a verdade e defender Ramsey.
Porque eu era um filho da puta covarde e mentiroso.

Eu estava nervoso quando me entregaram apenas uma calça, uma boxer


e me disseram “é isso aí”. Fiquei mais nervoso ainda depois que terminaram
de aplicar maquiagem na  minha cara e Priyanka colocou a cabeça para
dentro da sala.
— Ollie, se tiver acabado, pode passar no camarim da Jasmine?
Sorri e murmurei um agradecimento para a maquiadora, seguindo a
empresária de Rhodes. Não me surpreendi em ver Keanu ali. Jasmine estava
sentada, com um robe sobre o corpo, enquanto o maquiador aplicava pó em
seu rosto. A maquiagem era leve, deixando seu rosto quase natural. Pelo
que eu conhecia das campanhas de casais na Calvin Klein, elas quase
sempre eram assim. E “pelo que eu conhecia” significa: vi um anúncio do
Justin Bieber com a esposa no youtube uma vez.
— Considerando que esse photoshoot acabou sendo encaixado agora,
devido a agenda caótica de ambos — Keanu começou — e que nosso
acordo é de que essa publicidade só vai ser revelada algum tempo após o
namoro de vocês ser oficializado para o público… Queremos saber qual a
possibilidade de fazerem isso agora. Hoje. Ou amanhã. O mais rápido
possível.
—  A marca tem pressa. — Priyanka disse. — Mas respeitamos a
decisão de vocês. — Seu olhar firme explicitou que mais do que respeitava,
concordava. Afinal, se os comerciais e outdoors da Calvin Klein saíssem
por toda a Austrália tão cedo e tão próximo da confirmação do nosso
relacionamento, seria suspeito. E um olhar era tudo que Priyanka poderia
dar enquanto o maquiador estivesse presente. — Mas o mundo
aparentemente gira conforme as leis do capitalismo e tempo é dinheiro.
Então… Se confirmarem hoje, essa propaganda pode sair no fim do
próximo mês. Ou no início do outro. Não muito mais tarde. O ponto chave
para a Calvin Klein é ser a primeira marca a lucrar com vocês. É para isso
que estão nos pagando rios e rios de dinheiro.
Era muito dinheiro. 
Jasmine abriu os olhos quando o maquiador se afastou.
— O que acha, bebê?
Franzi o nariz, para o espelho. Bebê? Ela sorriu de canto, ciente de que
eu tinha desaprovado. Seus lábios se moveram pelo reflexo, oferecendo
outras opções. “Fofucho”, “Torta de maçã”, “Melzinho”, “Meu Bem”,
“Coração” ... Porra, só piorava.
— Se sente à vontade com isso, Moonshine? — questionei, tentando
ignorar o maquiador. Tive que morder a língua para lembrar de que não
poderia fazer careta, rir ou esboçar qualquer reação bizarra quando falei: —
Sabe que nosso amor é precioso demais para ser mercantilizado desse jeito.
Jasmine visivelmente engoliu o riso. Ela desfez o sorriso assim que o
rapaz retornou, aplicando algum tom mais escuro em suas bochechas,
tornando aquelas maçãs altas um pouco mais marcantes.
— Nosso amor não vai perecer perante a podre mão do capitalismo,
Lord Zhang. 
A brincadeira me fez sorrir. O maquiador sorriu também, antes de
guardar os pincéis e dizer que nos deixaria ter alguma privacidade. Keanu e
Priyanka estavam de braços cruzados, nos assistindo, sem piscar, quando a
porta se fechou.
—  Caralho, como fazem isso? — o homem questionou, franzindo o
cenho.
—  Fazem o quê? —  eu quis saber.
—  Fazem parecer real. — Priyanka explicou, quase em choque.
Desconcertado, me limitei em desviar o olhar, enquanto Jasmine deu de
ombros.
— Tem aquela foto nossa, há alguns meses — Jasmine lembrou — no
jantar de Natal que a Mel deu. Eu ria de algo que você dizia, bem próximo,
e Mel tirou a foto, lembra? Mas Mike fez algumas piadas sobre parecermos
namorados.
— Acho que eu tenho por aqui. — lembrei, pegando meu celular no
bolso da calça para pesquisar a foto. Tive a sensação de que o olhar de
Rhodes descia pelas minhas tatuagens, completamente expostas, pelo
reflexo do espelho. Tive quase certeza de que estava babando no meu
abdômen quando cliquei na fotografia, finalmente, limpando a garganta, e
ela estremeceu. — Essa? 
Me agachei um pouco, meu rosto perto demais do seu ombro. Ela
confirmou, pegando o telefone das minhas mãos. Jasmine ficou subitamente
tensa. Já eu, tive que me controlar para não afundar o nariz na curva do seu
pescoço e inspirar seu perfume com vontade.
 Agradeci aos céus quando esquadrinhei seu rosto e a percebi tão focada
na fotografia. Porque eu estava perdido na sua pele, na curva que seus cílios
faziam, no brilho nos olhos escuros, no maldito aroma floral e marcante, no
calor do seu corpo.
—  Por que essa foto? — questionei, rouco, e percebi sua garganta
oscilar, devagar. Me questionei se tinha se arrepiado. E o porquê. 
— Porque, por um momento, concordei com as piadas de Mike Graham
— confessou. Eu senti um aperto no peito. Forte. E então tudo era
incrivelmente quente. 
Mike disse que parecíamos um casal.
— Publica, com aquela opção de compartilhamento de post. E escreve
algo bonito. 
Meus lábios caíram para onde aquela ordem saiu. Quis ouvir de novo. E
era tão errado. Eu deveria me sentir tão, tão péssimo. Jasmine Rhodes
deveria ser território proibido. Pelo menos quando não estivéssemos
encenando para o mundo inteiro.
— Deixa que eu cuido disso. — Priyanka falou, tomando o celular das
minhas mãos. — Vocês homens são meio inúteis. 
Ela levou dez segundos para publicar. Eu sabia que uma chuva de
notificações chegava, mas meu olhar estava preso em Jasmine. E o seu
estava preso no meu de volta. Isso era tudo o que importava.

“Sortudo por ter conquistado minha melhor amiga”. Essa era a legenda.
Um milhão de curtidas em uma hora. Uma hora. Aquilo era insano.
Meu coração estava disparado e piorou quando ergui o rosto e vi Jasmine
de pé, em frente a lona branca, se divertindo enquanto alguma música
brasileira tocava, entre as ordens do diretor da sessão de fotos. Ela olhou
por cima do ombro, tirou algumas fotos sentadas contra um banco alto,
apenas com aquele sutiã e calça jeans folgadas e eu fazia um esforço
monumental para não olhar para os peitos da minha melhor amiga.
 Melhor amiga, Oliver. Melhor amiga apenas.
Piorou quando analisei seu rosto sério, enquanto passava os dedos finos
pelos cabelos ondulados e eles caíam como cascatas por cima do seu
ombro. Sexy pra caralho. E não melhorou quando gargalhou de uma
brincadeira do fotógrafo, franziu o nariz, fez todo tipo de careta que
mostrava que por baixo da modelo mais sexy da porra do mundo, morava,
como sua mãe dizia, uma “moleca”. Ela tinha uma energia gostosa, acima
de tudo. Por isso e não apenas pelo exterior impecável, que Jasmine não
precisava se esforçar para parecer bonita: ela simplesmente era.
— Jasmine, pausa. Oliver, é a sua vez. — Clint, o diretor disse. Eu sorri
para a equipe da sessão e passei por Jasmine, que fez exatamente o que eu
pensei que faria: pegou o celular e deixou o queixo cair quase até o chão de
choque.
Pois é, éramos a fofoca do momento.
Contei que eu demorava muito para me soltar em photoshoots e
perguntaram se eu tinha alguma preferência de música. Eu disse que tinha
uma playlist. Rhodes se prontificou para colocá-la e eu sorri em
agradecimento.
Não era minha primeira vez posando, muito menos sem camisa e, por
incrível que pareça, também não era a primeira vez com a Calvin Klein.
Mas toda vez que eu precisava fazer aquele tipo de foto, eu pensava “não
sei como Jasmine consegue”.
Se vira um pouco. Senta. De pé. Sorri para mim. Tenta virar um pouco a
cabeça. Não assim. Ok, assim está melhor. Ajeita a postura. Mãos no bolso,
de frente. Mãos no bolso, de costas. Caminha em direção à câmera. Alguém
tem uma bola de futebol? Uau, você é bom com as embaixadinhas — Não
exatamente nessa ordem.
Dez minutos daquilo e eu já estava tonto. Meia hora depois, eu tinha
certeza de que tinha exercitado todos os músculos do meu rosto e que já
tinham colocado a câmera na minha bunda e até mesmo no mamilo, pelo
menos seis vezes. Uma hora e gravaram cada tatuagem de perto, de longe,
enquanto eu brincava com uma bola, provocava com os cós das calça ou
fazia qualquer porra imaginável. 
Mas então houve esse momento. Esse momento em que olhei para
Jasmine e ela me encarava fixamente. O cantinho da unha pintada de branco
estava entre os dentes e se ela continuasse a morder, teriam que consertar o
esmalte no photoshop. Rhodes mal piscava. Na verdade… Porra, mal
parecia respirar. E encarava descaradamente o meu corpo, sem perceber que
eu a observava de volta. Há quanto tempo fazia isso?
— Jasmine, de volta!
Ordenaram e eu estremeci. Ela também. Imediatamente minha
“namorada” percebeu que tinha sido pega no flagra. Desviei o olhar e
esfreguei o rosto e o cabelo para disfarçar que enrubescia e troquei de lugar
com ela.
— Precisamos de algumas fotos sem o top, como deve imaginar. Se
quiser que eu esvazie o ambiente.. Podemos manter uma equipe menor e
seu namorado.
Minha garganta secou. Sem o top? Sem o top?!
— Estou caindo fora. — Keanu cantarolou, digitando no celular. Ele
seguiu para um dos camarins e eu observei Priyanka, que estava entretida.
Jogando Candy Crush.
Eu deveria sair. Me preparei para girar em meus calcanhares e inventar
alguma desculpa para acompanhar um ou dois funcionários que se
retiravam, quando Rhodes deu um suspiro e pediu para uma garota ajudá-la
a tirar o top e meus pés travaram. Para ela, não era nada. Jasmine fez fotos
nuas — obviamente, para revistas famosas e de respeito — em ensaios
artísticos. Aquilo era comum para ela. Mas então percebi que não olhava
para cima. Eu deveria sair. Então girei em meus calcanhares e…
— Espera, tive uma ideia! — O homem ao lado do fotógrafo disse e eu
travei. — Zhang, tire para ela.
Meu sangue parou de circular no corpo.
— T-tirar?
— Isso, garoto. 
— E-eu?
Ele me olhou como se um terceiro olho tivesse nascido na minha testa.
Se éramos namorados, então fazíamos aquilo o tempo todo… Não? Oh,
merda. Nos fariam tirar fotos juntos também? Enquanto ela ficaria sem
nadinha da cintura para cima? Tipo, juntos? Meu pau ousou se manifestar e
eu abri a boca de novo, mas nada saiu. Olhei para Jasmine e ela moveu uma
mecha para trás da orelha. Nervosa. E subitamente, não era sobre meu
nervosismo. Era sobre ela.
— Se sente confortável com isso? — perguntei e Jasmine me encarou.
— Já fiz fotos sem camisa com outros caras, Ollie. Colados, separados…
De todas as formas. — Mordeu o canto da boca e eu ignorei a queimação
em minhas veias. Cerrei os dentes e a encarei, firme, porque aquela mentira
poderia estar indo longe demais. Ela suspirou. — Sério, está tudo bem. É só
tirar, nada demais vai acontecer.
Me aproximei, cauteloso. Jasmine se virou e eu vi a câmera focando em
nós dois.
— Devagar. Toque a pele dela, devagar.
Franzi o cenho com a instrução, achando estranho pra cacete. Mas
obedeci. Deixei meu indicador raspar por suas costas, tão devagar, enquanto
a câmera nos gravava. Jasmine moveu o cabelo para o lado e meu toque
seguiu o trajeto. Perdi o fôlego, sentindo-a tão suave, percebendo os pelos
em seus braços se eriçarem, na nuca também. Rhodes soltou um suspiro.
— Posso? — questionei. Ela confirmou. Tirei a peça, sentindo meu pau
pulsar com a intimidade. 
— Ok. Ótimo. Agora vamos fazer algumas fotos com ela sem o top e
depois você volta, Ollie.
Eu me afastei, tentando não correr para longe. Jasmine demorou alguns
segundos antes de se mover. Eu tentei não encarar, pegando o celular e
mantendo meus olhos nele, por minutos torturantes, lembrando do toque.
Da sua pele. Que a garota estava nua da cintura para cima.
Depois dessa tortura, pediram-a para colocar o top novamente e eu pude
olhar para cima. Vi um sorrisinho maldoso no fotógrafo e ralhei, sem nem
pensar:
— Não quero mais gravações sem camisa hoje. Não comigo, nem com
ninguém.
 — Oliver. — Rhodes chamou, estrangulando um riso nervoso.
— Está bom por hoje, Moonshine — falei, firme, olhando nos seus
olhos.
— Jesus, tudo bem… A gente discute isso mais tarde. — o diretor disse,
rindo, e eu o fuzilei com o olhar. O homem me ignorou, analisando algumas
fotos em um computador. O fotógrafo continuou sorrindo e eu quis explodi-
lo com a força do pensamento. Quis quebrar todos os ossos do seu corpo. 
— Ollie, de volta — o diretor repetiu. Balancei a cabeça, me dando
conta de que meus pensamentos não eram bons. Nada bons.
Fiquei parado ao lado da Jasmine. Ela não me encarou, olhando para
frente. E foi desconfortável no início.
A abrace por trás. A abrace de lado. O abrace pelo pescoço. Oliver
senta, Jasmine se apoia nele. Sorriam para a câmera. Sorriam um para o
outro. Se encarem. E nada parecia dar certo. Eu estava travado.
— Oliver, você precisa superar esse ciúmes para isso dar certo, garoto.
— o homem atrás da câmera disse e eu abri a boca para retrucar. Até me dar
conta de que ele estava certo. Merda, eu estava com ciúmes.
— Foi mal. — murmurei e me virei para Jasmine. — Foi mal. Achei que
estava desconfortável sem roupa. 
— Tudo bem. Não fico. De verdade. — Ela engoliu em seco, descendo o
olhar pelo meu corpo. Fotografaram isso. — Preciso que ria, Ollie. Que
sorria para mim. Consegue fazer isso?
— Sempre, Moonshine — prometi.
Rhodes sorriu. Capturaram isso.
— Tive uma ideia. — anunciou e eu semicerrei os olhos, temendo suas
ideias.
Até que colocou minha mão em sua cintura e segurou a outra e eu
entendi. 
— Jasmine e Oliver. Nada mais. — sussurrou, baixo. Assenti, por algum
motivo, hipnotizado por suas ações.
Jasmine fingiu dançar comigo, me deixando mais leve. Ela me girou, eu
a girei. Eles fotografaram. 
Rhodes roubou a bola de futebol de volta e falhou miseravelmente
tentando fazer embaixadinhas comigo. 
Ela me contou piadas ao pé do ouvido e eu gargalhei. Ela riu junto. Mais
leve, tentei fazer o mesmo. Ela riu alto e o som melodioso fez meu coração
acelerar. Flashes dispararam. 
Dancinhas, abraços, corridas pelo set, piadas idiotas, fotos na cadeira,
fotos de pé, beliscões e empurrões de brincadeira… Jasmine e Oliver. O
tempo todo.
Esqueci que tinham outras pessoas na sala por um momento e
prosseguimos. Ignoramos as ordens ou as ordens deixaram de existir. Ela só
me guiou como sempre fazia. Até que…
— Um beijo, por favor. — isso aconteceu. 
Essa ordem, alta e clara, interrompendo nossa bolha. E Jasmine parou,
próxima demais de mim, quando a puxei com o susto daquela frase, após
girá-la pela milésima vez. Seu peito se chocou contra o meu, sua respiração
falhou.
“Um beijo, por favor”.
— Um beijo. Devagar. — aquela voz continuou, mas eu não a busquei. 
Meu olhar estava preso no da mulher à minha frente, levemente
boquiaberta, encarando-me como se… Como se eu fosse tudo o que poderia
ver, para sempre.
Nossas respirações ecoaram baixinho. Um segundo ou um minuto se
passou, eu não saberia dizer. Tempo, espaço… Nada realmente importava.
Era como se nossa bolha parecesse a um segundo de estourar, mas não
estourasse; aquele pedido se repetindo sem parar em minha mente.
Um beijo. 
Um beijo, por favor.
Espalmei sua cintura nua, o toque fazendo minha palma suar, formigar.
Agradeci aos céus por seu top estar de volta, quando me aproximei. 
Rhodes era alta, mas eu era maior. Então ela olhou para cima. E eu… Eu
olhei para cada pedacinho daquele rosto que eu conhecia como a palma da
minha mão e ainda assim, parecia mais espetacular cada vez. Sempre tão
linda, tão… Tão dolorosamente perfeita.
Seus olhos escuros brilhavam, ansiosos, seu cabelo em ondas deslizou
por suas costas e eu acariciei seu rosto, sentindo minha pulsação em meu
peito, em minha garganta, na ponta dos dedos que tocavam a pele suave.
Suas pálpebras vacilaram, quase se fechando e meu corpo se tornou tenso,
antecipando. Seu perfume invadiu a minha mente. E a última vaga
lembrança que tive, antes de chocar os lábios com os seus, foi da boca
entreaberta, esperando por mim.
Colidimos. Despencamos. Renascemos.
Não tinha uma palavra à altura para o que aconteceu.
Só sei que pensei: “Esqueça os beijos falsos. Esqueça todos os beijos
que acha que conhece, Oliver. Todas as mulheres. Todos os gostos, texturas,
línguas contra a sua. Nada disso foi bom. Nada disso é memorável. Apenas
ela.”
O primeiro toque foi suave, como das outras vezes, ao mesmo tempo tão
diferente. Tão, tão bom. 
Segurei seu pescoço, acariciando o ponto de pulsação e o sentindo cada
vez mais forte. Mais rápido. Por minha causa. O primeiro deslizar de lábios
me fez sentir que o tempo tinha parado. Cessado. Por completo. 
Eu precisava de mais. Então eu peguei mais. Tomei, como se tudo
naquele beijo fosse meu para conquistar. E, Rhodes… 
Oh… Rhodes me conquistou de volta. 
Sedenta, Jasmine deslizou os lábios sobre os meus novamente,
espalmando meu peito com uma mão e meu pescoço com a outra. Me
agarrando como se precisasse de mim para existir, me fazendo sentir vivo
pra caralho sob seu toque. 
Sua cabeça virou lentamente para um lado, a minha moveu para o outro,
em sintonia. Outro deslizar desgraçou a porra da minha mente e ela
suspirou. Mais. Eu precisava de muito mais. E eu continuei pegando,
tomando, tudo. Tudo.
A puxei mais para perto, pressionando sua cintura com vontade. Ela
afundou os dedos no meu cabelo, trazendo minha cabeça para si e cada
movimento era… Era perfeito. Como se tivéssemos nascido para aquele
momento, um guiando o outro à loucura, em uma falsa calmaria.
Rhodes arranhou minha nuca. Se sentiu minha pele arrepiada sob seu
toque, ela estava ocupada demais para falar. Eu também não pararia aquilo
nem se o mundo estivesse em chamas. Nem mesmo para provocá-la sobre o
relevo de seus poros contra meus dedos, ou o pequeno gemido que soltou
quando suspirei, perdendo o controle e puxando-a para mim com mais
possessividade, ainda que devagar, implorando por tudo que poderia me dar.
E ela deu, igualmente sedenta. Jasmine infiltrou os dedos no meu cabelo e
passou o outro braço em torno do meu pescoço, enquanto minhas mãos
deslizaram pelo seu corpo, apreciando, sentindo, tocando, como se tudo
aquilo fosse mesmo meu para tomar. E, por um momento, foi.
Era lento, mas me consumia rapidamente. Era doce, mas selvagem. Era
lindo, mas brutal. Era um conjunto de contrastes que formava a melhor
coisa que eu tinha provado. Um beijo que parecia uma obra-prima.
Parecia… Inexplicável pra cacete. 
Aquele beijo…. Aquela mulher… Nós. Tudo era diferente.
Porra, era único.
Minha língua tocou seu lábio inferior, o superior, em uma ordem
prontamente obedecida. E ela arfou, abrindo a boca, me permitindo
aprofundar o beijo, então eu entendi, finalmente. Entendi com tanta força a
emoção bruta, dolorosa e igualmente linda que me percorreu: era isso. 
Era isso o que eu deveria ter sentido em todas as bocas que beijei.
 A eletricidade que caminhou pela minha nuca, se distribuindo por todo
o meu corpo, foi enlouquecedora e fatal, como fogo consumindo pólvora.
Nossas línguas se encontraram e tudo o que eu conseguia sentir era… Tudo.
Cada célula do meu corpo implorando por cada célula do dela, cada gota de
sangue fervendo como se eu estivesse em chamas, cada pedacinho da minha
mente agindo como se Jasmine Rhodes fosse a resposta para cada uma das
minhas necessidades, principalmente as mais primitivas.
Ela tinha gosto… de ser minha. 
Parece estranho dizer, mas seu gosto parecia me dizer que ela pertencia a
mim. 
Um nó se formou no meu coração, forte, tenso, firme. E no mesmo
segundo se rompeu. Então tudo se tornou volúpia e mesmo assustado, eu
não conseguia parar. Eu não conseguia imaginar um mundo em que não a
beijasse. Eu não conseguia imaginar um momento em que aquilo se
encerrasse. Um deslizar de lábios começava onde o outro terminava, nossos
movimentos em sincronia, nossas línguas se tocando, se reconhecendo,
criando um único ritmo perfeito desde o primeiro segundo…
Deveria parecer errado. Deveria parecer estranho. Deveríamos parar.
Precisaríamos parar em algum momento. O problema é que eu não
queria. Pior:
Eu não sabia se conseguiria. 
“Se acalme e prepare seus lábios
Sinto muito interromper, é que apenas
estou constantemente à beira de tentar te beijar
Mas não sei se você sente o mesmo que eu sinto”
Do I Wanna Know - Arctic Monkeys

Era como se ele fosse meu primeiro, de certa forma, mesmo sem ser.
O primeiro a me fazer sentir… aquilo. Seja lá o que aquilo era.
Sua língua acariciava a minha devagar, mas nada sobre aquilo era calmo.
Era muito para suportar e ainda assim eu queria mais. Eu queria tudo.
Então, os fotógrafos deram ordens, mas Ollie… Ollie e eu, estávamos
ocupados para ouvir. Nós não conseguíamos parar. Tanto que, quando
recuei com avidez da sua boca, cacei-a de volta, tentando impedir que
aquilo acabasse.
Suas mãos desceram pela minha cintura, até os meus quadris, firmes e
decididas. Algo entre minhas pernas pulsou, contraiu, como se aquele beijo
fosse mais do que um beijo. Minha mão foi ao seu rosto, segurando-o para
mim, a outra ainda em seu pescoço e Zhang mordiscou meu lábio,
grunhindo baixinho, antes que eu mordiscasse seu lábio inferior de volta e
voltasse a colidir os lábios com os seus. Macios, suaves, tão, tão bons.
Meu coração estava a mil, minha respiração ofegante, mas eu não dava a
mínima. Era bom demais para parar. Prazeroso demais para conseguir
descrever com perfeição. Como uma colisão predestinada a acontecer,
calculada para ser perfeita em seus mínimos detalhes, capaz de me
enlouquecer.
— Pessoal. Já está bom.
Não paramos. Oliver apertou minha cintura e eu arfei antes de voltar a
beijá-lo. Quando chupou minha língua, minha mente evaporou e eu gemi.
Por Deus, eu gemi. 
— Gente. Gente, chega. —  Duas mãos se posicionaram entre nós dois e
nos afastaram com algum esforço. 
Meus lábios formigavam, inchados, enquanto meus sentidos retornavam
aos poucos. Quando o encarei, Oliver umedecia a boca com a língua, seus
olhos escuros mirados em mim com pura fome. O diretor da sessão de
fotos, entre nós, fazia algum comentário engraçadinho que nem processei. 
Meus olhos escorregaram por ele. O cabelo bagunçado, boca vermelha e
inchada, respiração ofegante, a maldita fênix oscilando no pescoço, os
ombros tensos, os braços tatuados soltos ao lado do corpo e as mãos
abrindo e fechando como se quisesse me tocar de novo ou não soubesse o
que fazer. Ele recuava devagar, hesitante. 
Eu o queria de novo. Desgraça, eu queria Oliver Zhang. Era meu melhor
amigo, era errado, atrapalharia tudo, mas eu me sentia frustrada pelo fim do
maldito beijo. Queria agarrá-lo de novo e culpar o maldito photoshoot por
cada toque, suspiro, gemido. Eu o queria. Queria pra caralho.
Se tudo sobre nós era como fogo consumindo pólvora, então aquele beijo
marcava o fim do percurso. Faltava muito pouco para a chama que
criávamos gerar um incêndio catastrófico, mas a Jasmine ofegante de frente
para Oliver Zhang não ligava pra caralho algum. Ela só queria mais. Muito
mais.
Mas era meu melhor amigo. Meu namorado falso. O cara conhecido por
foder com garotas em todos os sentidos possíveis. Era puro perigo. Mas…
Deus, o perigo beijava tão bem.
Balancei a cabeça, tentando colocá-la no lugar.
— Acho que conseguimos tudo por hoje. — Priyanka disse, pálida, em
choque. Keanu ao seu lado estava ainda pior, com ambas as sobrancelhas
erguidas e o corpo ereto como se perguntasse “ei, que porra foi essa?”
Eu não sabia dizer.
Oliver abriu a boca, mas nada saiu. Ele tocou o ombro do diretor, abriu
um sorriso como agradecimento, passou reto por mim e eu continuei parada
por um segundo. Ou um minuto. Tentando voltar à Terra, fazer meu coração
se acalmar, me acalmar.
— Jasmine? —  Pri chamou e eu me virei, lançando-a um olhar confuso.
Ela estendeu a mão, com um rosto compassivo, como se soubesse que eu
não queria e nem era capaz de falar.
Deixei que me levasse para o camarim. Quando eu saí dele, Oliver tinha
ido embora. Quando acordei na manhã seguinte, vi que ele não respondeu
às minhas mensagens. E no outro dia, também não. Eu estava fodida. 
Agora Oliver Zhang estava por todo o meu sistema. E eu não sabia como
tirá-lo de mim.

O beijo se passava por minha mente o tempo todo.


Quando acordei, quando tomei banho, quando tomei café, quando fui
malhar, quando gravei um maldito comercial e quando voltei par acasa.
Parada em frente ao meu apartamento, eu ousei olhar para trás. Talvez
pudesse bater em sua casa, conversar sobre o beijo… Ou talvez ele
precisasse de espaço.
Peguei o celular, enviando uma mensagem para Finneas, mesmo exausta.
Meu ex-chefe e amigo respondeu, dizendo que se eu chegasse em meia
hora, o encontraria no estúdio. Então, tomei um banho, vesti uma legging e
um top, meu tênis favorito e desci o elevador, chegando ao meu carro em
tempo recorde.
A porta do estúdio estava aberta. Streets da Doja Cat tocava, na única
sala aberta. Eu me aproximei, incerta, mas não encontrei Finn. Encontrei
um cara com vestes pretas e uma máscara de LED, dançando de frente para
o celular, posicionado em uma cadeira, devagar. Cada movimento perfeito,
extremamente bem performado e de acordo com a batida, meu coração
passou a seguir a música. Devagar, concentrado, ameaçando disparar e
foder com todo o meu corpo.
Oliver recuou, seu dedo tocando a gola da camisa, como se estivesse
com calor, mas era tudo parte da atuação. Ele voltou a dançar. E dançar. E
dançar. Todo o meu corpo se arrepiava sempre que o assistia, mas dessa vez
era diferente. Era como se desabafasse com cada movimento, de acordo
com a letra da música. 
Até que acabou. 
Ele se aproximou devagar do telefone, ofegante, tirando a máscara e
jogando-a no chão. Sua pele amarela clara contrastava com a roupa escura.
O rosto anguloso e paradoxalmente suave estava parcialmente mascarado
pelos cabelos escuros, lisos e suados caídos pela testa. Eu me senti perdida
na visão dos seus músculos apertados pela camisa manga longa, preta e
justa.
— Sabe que eu te vi, certo?
Estremeci. Ergui as mãos, entrando na sala. Um músculo de sua
mandíbula saltou quando eu me aproximei, hesitante, como uma criminosa
pega em flagrante. 
— O que faz aqui?
— Finn disse que ele estava aqui. 
— Saiu assim que cheguei. Há vinte minutos.
— Eu não sabia. 
— Hm.
Hm? Ergui uma sobrancelha.
— Olha, eu não sabia mesmo, ok? Mas aqui estamos! Frente a frente.
Então lá vai, Oliver. Vai ficar estranho toda vez que me beijar? Voltamos a
isso?
— Você me beijou de volta.
— E você está me evitando. — acusei.
—  Porque não sei como pedir desculpas.
Ai. Ele queria pedir desculpas. Como se fosse um erro. Por que isso
doía?
— Acho que ultrapassei a linha no nosso beijo e fiquei envergonhado
e…
— O que sentiu? — As palavras me escaparam antes que eu controlasse
minha língua e Oliver ergueu o queixo, me encarando, como se eu tivesse o
atingido. Ou como se eu fosse a porra de um enigma. Era difícil de
interpretar e eu não gostava disso. Preferia lê-lo com facilidade. 
— O que quer dizer?
— O que sentiu com o beijo?
Ele umedeceu os lábios, bufou e apertou o celular entre os dedos, dando
de ombros. Fale, pensei, por favor, fale. 
— Porque, Zhang, pareceu que não conseguíamos parar. — Porque não
conseguíamos. —  Então, quero saber se estava na mesma página que eu,
ok? Quero discutir e compreender por que me beijou daquele jeito e por que
eu…
Parei de respirar e ele arregalou levemente os olhos, ansiando,
esperando. 
 “Porque eu gostei”, era o que eu diria. “Na verdade, amei cada segundo
ao mesmo tempo em que aguardei pelo próximo, ciente de que seria ainda
melhor. Porque você foi a melhor pessoa que já beijei e não consigo
respirar, comer, viver, sem pensar nisso. Porque estou enlouquecendo nas
últimas horas, Ollie. Porque quero de novo”.
Mas eu não disse nada disso.
— Você...? — ele insistiu.
— Porque eu te beijei de volta. — optei, por fim.
Ele suspirou e me deu um sorriso falso. Eu sabia que era falso. Não era?
— Vai ver já estamos sem foder há muito tempo. Pelo menos eu estou.
Testosterona mexe com meu cérebro, não? Talvez seja falta de sexo.
Eu abri a boca, me sentindo… ofendida? Decepcionada? Então ele me
beijou daquele jeito por que não transava? Ele não sentiu tudo o que eu
senti? Deus. Deus… Eu estava agindo como uma das garotas que saía do
apartamento dele com um sorriso triste, encantadas por um cara que
inventaram após alguns beijos, amassos ou orgasmos. E eu nem cheguei tão
longe. Não mesmo.
Movi a mandíbula e Oliver se aproximou, arrependido por suas palavras.
— Ei, Jazzy, olha…
Eu me afastei um pouco. Minhas barreiras se reergueram, foi
involuntário. Ele percebeu, parando. Desviei o olhar, questionando o nó
irritante na garganta. O que eu esperava com aquela pergunta, afinal?
— Foi só um beijo. Nos enrolamos na mentira e mentimos muito bem. 
— Eu senti mais. — confessei, o encarando, seus olhos brilharam, mas
ele assentiu e olhou para o chão, como se eu o machucasse. — Mas tem
razão, Ollie, acho que mentimos muito bem. Posso ter confundido com
verdade por um segundo. Obrigada por me lembrar que foi só um beijo.
— Rhodes…
Por que eu o chamava mentalmente de cafajeste se ele não me iludiu?
Ele não me prometeu mais. Só me beijou porque mandaram. Aconteceu. Eu
senti demais. Eu me envolvi demais no beijo. Eu voltei para casa com todo
o corpo se sentindo muito vivo, minha mente confusa, o coração acelerado
como se ele ainda estivesse me beijando e a memória do seu gosto me
atormentando. Enquanto Zhang só queria pedir desculpas.
— Está tudo bem.
Exceto que não estava e ele me conhecia demais para saber disso.
— Pode dançar se quiser. Eu vou procurar outra sala. Ou cair fora.
— Não. — ele murmurou, baixo, mas eu ouvi. — Acho que acabei por
aqui.
Fiquei parada, absorvendo a estranheza daquele diálogo. Odiando-me
pelos sentimentos que eu não queria ter no meu peito. O gosto na minha
boca era amargo. Nada doce como ele foi, dias antes. Tudo sobre a situação
era detestável.
Zhang abaixou a cabeça, pegou suas coisas e me deixou. Eu tentei
dançar minhas dores, mas elas me consumiram e eu voltei para casa muito
cedo e decepcionada, odiando saber que ele estava no apartamento do outro
lado do corredor. 
No dia seguinte, a cidade inteira falava da coreografia nova do
mascarado silencioso. E eu agradecia mentalmente por ele estar do outro
lado da Austrália, se preparando para outro jogo. Porque eu queria que meu
namorado de mentira, meu melhor amigo de verdade, explodisse. E não
deveria querer. Então eu desejava o mesmo para mim também.

Mel: Não vai falar mesmo por que está monossilábica nos últimos dias?
 
Ignorei Wayne. Não falaria do primeiro beijo com ela ou Carlson ainda.  
No sofá da sala, comi meu Poke. Era minha comfort food. Saudável,
gostosa, suficiente para me deixar cheia pra caralho. Priyanka, ao meu lado,
repassava minha lista de compromissos em voz alta, com o seu Poke no
colo e pijamas. Vestida como minha melhor amiga, falando como minha
empresária. Eu passava pelos canais, lutando para não parar na ESPN e
assistir você-sabe-quem jogando você-sabe-o-quê.
Estressante. Irritante. Infelizmente, gostoso pra caralho.
Parei na maldita ESPN. O jogo ainda não havia começado. Seria
Brightgate FC contra o Newcastle Jets. Ele era titular. Sua coluna estava
melhor? Eu não sabia dizer. Pelo menos concentrado eu sabia que estaria,
não? Afinal, só eu tinha uma bomba atômica na cabeça o tempo todo.
Maldito beijo. Precisava ser tão bom?
Eu precisava aliviar o estresse. Mesmo. Mas minha maneira favorita de
aliviar o estresse estava fora de cogitação, porque Oliver estava na minha
mente e eu não me imaginaria com ele enquanto me tocava. Não mesmo. Já
era perigoso e irritante demais estar infectada por Oliver Zhang, quando eu
me julgava tão superior por nunca ter caído pelo seu charme. Correr o risco
de chamar o nome dele na cama? Não mesmo. Pelo menos não ainda. Digo,
eu não estava tão desesperada ainda para pegar o vibrador, na gavetinha ao
lado da cama, e fazer o que precisava ser feito, mesmo com aquele
tatuadinho insuportável na minha cabeça. Eu disse ainda. Mas algo em mim
dizia que estava quase lá.
Quando ele entrou em campo, segurando alguma criancinha no colo,
com aqueles braços fortes e tatuados, eu percebi o coque em sua cabeça e o
detalhe novo das laterais raspadas… Eu quase cuspi meu Poke com um
gemido. 
Por. Que. Deus? Por queeeee? Por quê? Por quê?
Era tão injusto colocar toda a gostosura do mundo em um homem.
E ele ainda beijava bem. Pelos gemidos que eu costumava ouvir do
apartamento vizinho, fodia bem também. Quer dizer, sua reputação com
certeza procedia. Oliver Zhang era uma daquelas pessoas que apenas pelo
modo de agir, falar, caminhar, respirar… Você sabia que ele fodia bem. Ele
tinha essa atitude. Péssimo pensamento.
É seu melhor amigo e um cafajeste de primeira, Jasmine, seja melhor do
que isso.
 — Terra para Rhodes! Está me ouvindo?
Virei a cabeça, com a boca cheia. Priyanka olhou para a televisão e para
mim, inclinando a cabeça.
— Está fodida com o beijo, não está?
Gemi, frustrada.
— Volta a ser minha empresária, por favor? A versão amiga pode ficar
para depois. — implorei. Ela suspirou. —  Não me olha assim, por favor.
Vou superar. É superável. 
— Ouviu alguma coisa que falei nos últimos minutos?
— Sim. —  Ela estreitou os olhos. — Mas diz de novo só para eu ter
certeza? — pedi, cínica, e Priyanka tirou uma almofada da poltrona e jogou
na minha cara. Gritei, batendo antes que me atingisse ou atingisse minha
comida. Ela se jogou do meu lado, deixando seu Poke sobre a mesa de
centro. Seu olhar, sorriso empolgado e postura perfeita me disseram antes
da sua boca:
— Desembucha!
— Deveria estar feliz mesmo com o meu estado, considerando o
relacionamento em que estou inserida?
— Como empresária? Não. Como amiga? Aham. Adoro uma fofoca e
você claramente está Zhangada.
— Zhangada?
— É. Tipo infectada pelo Zhang, com ele na cabecinha, pensando
naquela transa em forma de beijo. Sério, Rhodes, fiquei dias esperando que
falasse comigo sobre. Por Deus, que beijo. Eu achei que tirariam a roupa e
foderiam como animais.
— Priyanka!
— Deus, não gosto de homens, mas ele tem pegada. E você também.
Jesus. Queria ser ele para ser beijada daquele jeito. Porra, você engoliu o
cara. Mudou o ambiente. Me deixou com tesão. Spencer se deu muuuito
bem naquela noite.
—  Priyanka! —  repeti, em choque, e ela só me deu um sorriso sapeca
antes de pegar o pote, colocá-lo na bancada e cruzar uma perna sob a outra,
como uma criancinha empolgada e ansiosa pela história do século. Santo
Jesus Cristinho, dá para crer nessa peste? — Foco, ok? Não tem o que falar.
Você viu o que viu. Ele me disse que não foi nada. E está tudo bem.
— Ih, ele disse isso?
— Disse, tá legal?
— Explica porque está agindo como uma vadia. —  Abri a boca,
ultrajada. — Desculpa, bebê. Você está. — Bufei, escorregando pelo sofá,
olhando a TV.
Gravaram Oliver na lateral do campo, segurando a bola, prestes a
arremessá-la no gramado. A bermuda branca marcava tão bem aquela
bunda e, nossa, ele malhava aquela bunda, não malhava? Que bunda…Eu
precisava muito, muito dar. Ou foder com minha mão. Talvez Ollie
estivesse certo e fosse só tesão acumulado. 
— Eu não acho que significou “nada” para ele, se quer saber.
A olhei, subitamente interessada.
— Ele deve estar deixando a Santa das Punhetas Desesperadas exausta
de tanto trabalho, batendo uma atrás da outra. Sério, ele fodeu sua boca com
a dele.
— Priyanka. Trabalho. Por favor.
Algo no meu tom a fez obedecer. Acho que foi o desespero.
Eu imaginei. Mesmo em meio segundo, eu imaginei. E agora que sabia
que tinha a porra de um piercing naquele maldito pau que eu jamais veria?
A imagem era sempre gráfica demais, infelizmente.
— Pedi para Jenny repassar sua agenda. —  Jenny era minha assistente.
Mas ultimamente tudo na minha vida vinha através de Pri, depois do
contrato de namoro. Eu mal via qualquer pessoa da minha equipe, exceto
Priyanka Bowie. Quanto menos gente por perto, menores as chances de dar
merda no lance ZhangRhodes. —  Mantendo sua rotina com o personal na
terça, quarta e quinta de manhã. Posso mudar com ele para segunda à noite,
se quiser, mas recomendo que corra na academia do prédio ou tente
descansar. Porque você tem uma entrevista na segunda pela tarde, aquela
reunião sobre o projeto da Warner na terça, prova da roupa do desfile da
Versace na quarta e quinta viajamos para o da Cartier. Inclusive, não sei
muito bem como encaixar seu namorinho na próxima semana. Keanu me
mandou a agenda de Oliver, ele está treinando como um condenado e você
provavelmente só volta para casa de noite em todos esses dias. Exceto,
talvez, na segunda.
— Ótimo. Não quero vê-lo por um tempo. As pessoas já acham que
estamos juntos. Qualquer coisa bato na porta dele, tiro uma selfie, alimento
as fãs e pronto.
— Como falei, agindo como uma vadia. — murmurou e eu suspirei,
alcançando o Poke novamente. — Resolva logo esse lance com Zhang. De
verdade. São melhores amigos e mais do que isso, ele é seu namorado para
o mundo. Clima ruim é igual a fotos, vídeos e momentos ruins para os fãs.
Agora que estão esquecendo Cole e o drama do seriado, essa mentira tem
que estar indo muito bem, Rhodes.
— Eu sei. Mas me dê uma semana de folga dele, por favor. Até colocar a
cabeça no lugar.
— Certo, tudo bem, eu acho. — Sua voz dizia que, como empresária,
não achava uma boa ideia, mas como amiga, com certeza tentaria.
Um som de apito na televisão ecoou. E de novo. E de novo, roubando
nossa atenção. Zhang gritava, partindo para cima de um jogador adversário.
Tinha sangue em sua boca e repassavam o lance em que um carrinho, dado
pelo meu melhor amigo, atingia a canela do zagueiro dos Jets. Lance sujo,
ele errou feio. Tanto, que não me surpreendi com a sinalização do cartão
amarelo no canto da tela. Mas me surpreendi, com um som de incredulidade
escapando do fundo da minha garganta, quando o juiz ergueu o cartão mais
uma vez, seguido por um vermelho.
Aumentei o som da televisão, com o coração em disparada. Levantei-me
e me aproximei da tela, como se isso fosse me levar para mais perto dele, de
acalmá-lo.
— … e a partida estava indo terrivelmente mal para Brightgate, pessoal,
com o capitão errando mais passes do que o comum e o time
completamente recuado no ataque nos primeiros quinze minutos de jogo,
mas conseguiu piorar.
— Pois é. — o outro comentarista concordou. — Em menos de vinte
minutos de partida, Ollie Zhang nos faz lembrar porque tantas pessoas o
julgam como mau capitão. Péssima partida. Péssimo comportamento. Zero
concentração, zero profissionalismo e cem de violência. Fácil assim, ele
está saindo de campo. Em vinte minutos de jogo. E digo mais…
Oliver cuspiu no gramado, puto, pisando firme. Ele tirou a camisa do
corpo, como se fosse uma vergonha carregar o nome do Brandon naquele
jogo, e a deixou cair antes de sumir pelo vestiário. Eu encarei Priyanka,
boquiaberta.
— O que disse sobre Zhang estar lidando bem com o beijo, Rhodes? —
debochou e eu segui boquiaberta, por um tempo. O jogo retornava,
enquanto outro narrador falava muito, muito mal do meu melhor amigo.
Levei a mão ao peito, sentindo a angústia fodida me engolir por
completo. O que tinha acontecido?
— Keanu, rápido como sempre. — Pri disse, acenando com o celular em
minha direção. Keanu tinha mandado mensagem. — Oliver não joga a
próxima partida, na quinta. Ele tem dois dias livres, sem treino, sem nada.
Balancei a cabeça, perdida em meus pensamentos.
— Desculpa, Jas, mas ele está viajando com a gente.
Eu mordi o canto da boca, olhei para cima e xinguei. Bem... Lá se ia
minha folga de Oliver Zhang. 
 
“E meu pau assume o controle
E eu estou pensando em seus lábios
Mas estamos também extremamente sóbrios
Para erros como este”
Mistakes Like These – Prelow

O treinador gritou comigo. Pra caralho. E eu mereci.


Joguei mal. Muito mal.
Entrei pouco concentrado por conta daquele maldito beijo, mas não foi
apenas ele. Foi todo o contexto que o envolve.
Antes do photoshoot, o modo como a Jasmine reagiu vendo as notícias
do acidente de carro… Porra, eu me senti culpado por existir, por ter me
tornado amigo dela, por estar em um relacionamento falso. E esse mesmo
cara, que se sentiu dessa forma, ainda a beijou violentamente horas depois.
Porra, precisamos ser afastados para parar.
Que tipo de cara eu sou? Fui egoísta e me permiti beijar a minha melhor
amiga, mesmo sabendo que os lábios que a tocavam eram os mesmos que
escondiam a verdade. Uma verdade que a destruiria e nos quebraria por
completo.
Eu não deveria tê-la beijado. Eu deveria ter inventado qualquer desculpa
para não fazer isso. Porque ter medo de ser sincero já é ruim o suficiente,
mas beijá-la como eu fiz, depois de vê-la falar daquele acidente... Porra,
anulei tudo por aquela boca em um momento e quando esse momento
passou...
Eu não consegui nem olhar na cara dela. 
Sou uma péssima pessoa? Digo, devo ser. Devo ser horrível. Mesmo
com toda essa omissão sobre a morte do Brandie, cedi aos meus desejos em
uma situação que não deveria ter cedido e, pior, senti que acabaria cedendo
novamente.
Então me afastei.
Talvez algum espaço ajudasse a esquecer o que senti quando o mundo se
resumia àquele beijo. Porque eu precisava respirar longe dela, precisava
lembrar de que aquilo não poderia, sob hipótese alguma, se repetir. 
Tentei evitá-la no hall entre os apartamentos. Não respondi sua
mensagem. Foquei nos treinos da forma que era possível, indo mal toda
vez. Fiz questão de estar treinando até mesmo fora do centro do time.
Treinei em uma academia perto do nosso prédio, onde ela não costumava ir.
Corri na praia. Rodei a cidade de carro por muito tempo. Fugi,
pateticamente, de Jasmine Rhodes.
Eu nunca estive em um relacionamento antes. Não sabia como reagir,
como buscar esse diálogo e, juro que do meu jeito, eu estava tentando.
Minha ideia era colocar a cabeça no lugar antes de conversarmos, encontrar
algo não idiota para dizer. E o detalhe é que esse relacionamento nem era
real. Então, se eu não saberia o que fazer em um namoro de verdade, sabia
muito menos em um falso. 
Era minha melhor amiga. Fiz uma promessa, há anos, de que jamais a
abandonaria. Ela seria sempre minha pessoa favorita. Sempre cumpri e não
era agora que mudaria de ideia. Mas, porra, aquele beijo desgraçou a porra
da minha mente. Eu sentia que ultrapassara alguns limites e, na minha
cabeça, precisava pedir desculpas. Não ajudou que, mesmo fugindo de
Rhodes, ela tivesse me encontrado.
Como disse, fiz de tudo para estar fora de casa. Mesmo sabendo que era
imprudente fugir para o estúdio de dança na véspera de um jogo, eu
precisava dançar para desabafar de algum modo. Decidi criar uma
coreografia. Só consegui inventar 30 segundos para um vídeo rápido e
Jasmine Rhodes estava em minha porta.
Senti cada olhar sobre meu corpo. Eu sempre sentia. E fodi tudo dando a
entender que eu não tinha sentido nada por ela. Nem no beijo, nem nunca.
Era o melhor a se fazer, não? O que fiz foi tentar desenhar uma linha
visível entre nós dois, um limite a não ser ultrapassado. Então por que isso
me fez sentir mais frustrado, mais triste, mais puto? Quis tirar a minha
própria pele e explodir, só por ter olhado nos olhos mais lindos que vi na
vida e dito que ficar sem foder por tanto tempo mexia com minha cabeça.
Fui escroto. Deveria ter alguma outra, mas eu vesti a máscara de cafajeste,
como sempre, e ferrei com tudo. Justo com ela. Eu a machuquei.
Mas era o melhor a se fazer, não? 
Entrei em campo sem concentração alguma. E se o problema entre
Rhodes e eu era termos química demais, o problema no nosso time era não
ter química. Aparentemente o universo escolheu aquela semana para foder
com todo mundo, porque os treinos foram terríveis e o jogo, pior ainda.
Passei a semana inteira berrando para que melhorassem antes do jogo.
Berrei em campo com cada passe perdido, lance idiota realizado. O ataque
inteiro estava ajudando a zaga. Inteiro. Eu deveria estar criando jogadas,
buscando assistências e passes, conduzindo o time à vitória. Mas não. Ollie
Zhang estava dando carrinhos, chutando a bola para a lateral, gritando com
a defesa, até que a veia na minha testa estivesse a ponto de explodir.
 Então um carrinho no atacante adversário e ele estava no chão, gritando.
O companheiro de time falou para o japonês tomar cuidado. Não era a
primeira vez que ele me dizia isso. Fez o mesmo no ano anterior e fui
expulso pelo mesmo motivo. Por corrigi-lo, dizendo que era chinês, e
mandá-lo se foder pelo sorriso debochado. De repente, ele xingou minha
mãe, eu xinguei a dele, ele elevou a briga tão madura com um empurrão, eu
retribuí e o filho da puta me socou. Os dois foram expulsos.
Um soco deveria resultar em uma punição mais severa. Mas iria? Eu
tinha certeza de que era visto como vilão, enquanto o senhor UFC teria a
barra limpa em dois segundos.
Fodi minha imagem ainda mais, justo quando ela estava melhorando. No
dia seguinte, minha imagem entregando a braçadeira e jogando a camisa no
chão estaria por todo o país e eu sabia. Só me surpreendi em vê-la nas capas
dos jornais. Resmunguei, baixinho, no aeroporto.
Eu estava sendo punido, sabe? Treinos leves por toda a semana porque
não jogaria. Passei muito tempo na academia do time, não jogaria o
próximo jogo pela expulsão no anterior e nem sabia se seria escalado para
começar o outro. Grande semana para Oliver Zhang. Brandon me xingaria
pra caralho por tudo isso.
— Se te consola. — Mel disse, nos meus fones —, eu odeio seu time
também.
— Não consola. — garanti.
Ela me ligou pela tarde para saber como eu estava. Mike dirigia o carro,
ao lado da esposa, então eu sabia que ele também ouvia. Isso foi
confirmado quando disse:
— Não é verdade. Ela ama o time. Ela torce por vocês. Ela odeia a
equipe.
— Não a equipe toda, amor. Gosto de alguns jogadores. Odeio os sócios.
E o presidente. Quero que explodam.  Fodidos do cacete.
— Se ela xinga… — Mike começou e eu sorri, murmurando as palavras
ao mesmo tempo que ele —  então é real.
Sim, e foram dois xingamentos.
Não investigaram o Brandon após o acidente. Não fizeram testes, não
vazou por ninguém que ele estava bêbado na festa do prefeito antes de
dirigir. Se vazou, não vi. A mídia jamais alimentou qualquer boato do tipo.
A princípio, demoramos em contar a verdade para os pais de Ramsey e
escolhemos manter a mentira, porque eles nos pediram para preservar a
imagem do homem bom que ele era e não o cara que cometeu um erro
fodido pra caralho. Até hoje não sei se eles pagaram pelo silêncio de
alguém ou se foi o pai da Mel. Só sei que, quando descobriram que o
Brandie tinha bebido antes do acidente, os sócios do time ameaçaram a Mel
para que não colocasse isso no filme. Algo que ela já tinha prometido para
os pais de Brandie que não faria.
Eu mantinha contato com os pais de Ramsey. Eles tinham até me
autorizado a contar a verdade para Rhodes, mas eu não conseguia. Todos os
meus amigos deixavam aquilo para mim. E a única pessoa que poderia ser
sincera com Rhodes por mim, provavelmente era Gianna, mas nunca o fez
nas exatas quatro — e apenas quatro — vezes que retornou para a cidade. A
viúva de Ramsey era mais uma mentira na minha vida. Porque eu dizia que
jamais abandonava pessoas, mas nós dois nos abandonamos, mutuamente.
Eu ainda não conseguia olhar na cara dela.
Enfim, apesar de toda essa sujeira, ainda assim eu amava meu time.
Amava pela equipe de jogadores, comissão técnica e torcida. Mas odiava o
presidente e os sócios, profundamente. Odiava que sempre dificultavam
minha venda para outro time e eram passivos-agressivos em suas ameaças
sutis e lembranças de que tinham me colocado de volta ao topo. Eu era mais
do que um jogador, eu era marketing. Então ficava ali, preso, porque não
queria que falassem sobre Ramsey e porque o salário era muito melhor do
que eu esperava naquelas circunstâncias. Eles sempre ameaçavam me
demitir, mas eu era proibido de largar o barco.
— Você e a Jasmine se beijaram né? — Mel disse, me despertando dos
meus pensamentos. Não respondi e Mike riu.
—  Cacete, devo dez dólares a Bale.
— Vocês apostaram? —  perguntei, ultrajado.
— Sim. Mas vou te dar uma semana antes de contar para ele, porque ele
é todo protetorzinho com a Jasmine e você sabe disso.
— Eu também sou. — Mel disse. — Aposto que você está agindo como
um babaca.
— Por quê?
—  Porque ela está agindo como uma vaca.
— Me fodi então. Estou viajando com essa vaca.
— Essa vaca acaba de chegar. — Rhodes disse, parando à minha frente.
Estremeci e ela me deu um sorriso forçado que dizia que estava a um
segundo de me castrar. Jas abaixou os óculos escuros e redondos, uma de
suas marcas registradas, antes de ajeitar a blusa do Panic At The Disco!
para dentro da calça, apenas na frente. Era a mesma de quando nos
conhecemos, mas não falei nada. — Se levanta e abraça sua namorada,
porque é o que faria.
— Ligo depois. — avisei, para Mel e Mike, desligando a chamada e
obedecendo Rhodes. Ela beijou minha bochecha e aproximou a boca do
meu ouvido.
— Segure minha mão quando precisar. Sente ao meu lado no vôo. Mas
não fale muito comigo.
Assenti, tenso, e ela apertou meu nariz, seguindo Priyanka para comprar
um café. Keanu, do outro lado da fileira de cadeiras da sala de embarque,
me lançou um olhar preocupado. Eu apenas me sentei novamente,
suspirando. Seria uma viagem longa.

Ao meu lado, durante todo o voo, Jasmine nem se mexeu quando mostrei
o celular e a ofereci uma minicompetição pela letra de Love The Way You
Lie. Era sua favorita. Tudo que fez, foi virar o rosto para a janela e admirar
as nuvens.
Quando chegamos em Camberra, onde aconteceria o desfile, Priyanka e
Keanu seguiram para o saguão, preparados para lidarem com o Check-in.
Ao meu lado, Jasmine bocejou e seu olhar caiu sobre um jornal que dizia
“Brightgate X Brisbane Roar”. Eu não jogaria a partida.
— Foi Nick Gruntman não foi? — perguntou e o nome do atacante
racistinha do jogo passado deixou meu rosto quente de ódio. Cerrei os
punhos, assentindo. — Mesma coisa de sempre?
— Sim.
— Deveria tê-lo socado.
Sorri. Interpretei isso como um avanço. Olhei de canto de olho para
Jasmine, mas seu olhar estava focado em Keanu e Priyanka. Ela não daria o
braço a torcer e eu nem sabia o que fazer para reverter isso. Estava chateada
comigo. 
— Pelo menos ganhei seis desenhos da Hayhay para melhorar meu
humor. Em um deles, eu socava Gruntman. Não conte para Carlson.
Mesmo mordendo o canto da boca, Rhodes acabou sorrindo. Ponto para
Zhang.
— Você fica linda sorrindo. Mesmo brava.
— Não força. — falou.
Meu sorriso vitorioso só cresceu.
— Más notícias. — Priyanka declarou, parando à nossa frente.
— Houve um problema com a organização do hotel. Não registraram o
pedido pelo flat de dois quartos e nossas duas suítes. Acabaram reservando
três suítes comuns: quarto e banheiro. — Keanu disse e meu cérebro
começou a processar. 
Aquilo dizia que Jasmine e eu não conseguiríamos disfarçar que
estávamos em camas diferentes pelo hotel, porque…
Os ombros da modelo caíram e uma risada estrangulada saiu da sua
garganta. Não, não. Nada bom. Passei uma semana lutando para escapar de
perto dela e do risco de beijar aquela boca de novo. Agora, não só viajaria
com ela para limpar minha imagem, com a pose de namorado dedicado
acompanhando um desfile, mas…
— Vamos dormir na mesma cama? — Jasmine perguntou baixo,
desesperada.
Nossos agentes assentiram.
Me controlei por quase cinco anos, eu conseguiria me controlar por
mais, certo?
Certo?
Xinguei, olhando para onde meu mini samurai se resguardava, sob
minha calça. 
Ele precisava muito se comportar pelas próximas 48h. 
Muito mesmo.
“Você não precisa ser tão cauteloso
Se você praticar o que prega”
High - Dua Lipa

— Vocês vão dormir no mesmo quarto? — Bale perguntou, na chamada


de vídeo. Oliver colocava nossas malas no canto da suíte. — Na mesma
cama?
— Tem um sofá aqui. — Zhang disse, alto. O sofá era minúsculo para
um cara de um e noventa.
— Não vai dormir no sofá. Já dormimos juntos antes. Não é grande
coisa.
O duplo sentido fez meu amigo sorrir, na chamada de vídeo.
— Dormiram juntos, foi? — Carlson disse, ao seu lado, rindo. — Bom
saber.
— No sentido literal, engraçadinha. Está melhor, hm? Está até fazendo
piadas. Vão vir ou não?
— Não sei. — Naomi respondeu, se sentando ao colo de Damian. Ele a
entregou o celular, concentrando-se em abraçá-la pela cintura. —
Contratualmente deveríamos, mas… Depois que Bale anunciou que a turnê
vai começar só no segundo semestre, acho que queremos ficar um pouco
mais sozinhos, em família. Se formos, talvez seja um bate e volta. Apenas
para o desfile.
Bale e Carlson foram a cara da Cartier no ano anterior. Foi meio
escandaloso. Os photoshoots e os comerciais contavam com eles sem roupa,
obviamente em um ensaio artístico e preservando muito bem certas áreas.
Tudo para fazer apenas as joias se destacarem. Eles tinham sido convidados
para desfilar, assim que escolheram Camberra como sede para a
apresentação da nova coleção.
— Conseguiram modelos para nos substituírem e eu queria muito ir
para o cinema, com minha peixinha e minha esposa insuportável, amanhã.
— Damian contou e Carlson beliscou sua bochecha, o que o fez fingir, bem
baixinho, que tinha doído. Sorri. Era bom mesmo vê-los assim. — Se
formos, avisamos amanhã cedo. E Rhodes, por favor, resista aos charmes
desse nojento.
— Se disse que sou charmoso é porque quase não resiste, Bale. —
Oliver devolveu, parando ao meu lado e apoiando o queixo no meu ombro.
A proximidade me deixou tensa.
— Bom, vocês sim já dormiram juntos, então… — Naomi brincou e a
mera menção ao ménage me deixou mais tensa ainda. — Ligamos mais
tarde, ok? Bom desfile! E Ollie, fique longe de problemas.
— Sim, mamãe. — ele provocou. Acenamos para a tela e logo a ligação
acabou.
Não levou trinta segundos para Melissa me bombardear com mensagens
sobre o clichê “só tem uma cama”. Ela realmente nos via como personagens
de livro. 
Suspirei, me jogando sobre os lençóis. Eram só quarenta e oito horas. E
eu mal ficaria no hotel. Era um compromisso profissional. Zhang estaria ali
apenas pela mentira. Nada aconteceria. 
— Vai ficar puta comigo para sempre?
— Não estou puta.
— Aham.
— Você me chamou de vaca, eu deveria estar puta.
— Foi uma brincadeira, idiota.
— E agora me chamou de idiota.
Ele bateu o pé em minha canela e eu o encarei. Não queria sorrir. Nem
um pouco.
Jasmine Rhodes, deitada na cama, de frente para Oliver Zhang e seus
braços cruzados. Entre suas pernas. Não como nos meus sonhos. Não que
eu quisesse pensar neles.
— Vamos sair!
— Vou sair. — anunciei. — Sem você. Vou tirar um cochilo e depois me
preparar para o último ensaio antes do desfile. Você, sem credencial, vai dar
uma volta na cidade, torcer para algum paparazzi te fotografar em
Camberra e associar ao nosso relacionamento. Nos vemos no jantar e
amanhã, no evento. 
— E ainda diz que não está puta.
Me sentei, bufando. Eu estava puta. E não deveria. Acho que era com a
situação. 
Eu beijei meu melhor amigo, ele me pediu desculpas e eu… Não gostei
disso. Não queria que pedisse perdão. Mas também não poderia pedir para
que acontecesse novamente, poderia?
— Eu fui um canalha. — ele falou, se agachando. Entre as minhas
pernas. Isso não era muito melhor. Tentei pensar em outras coisas.
Unicórnios, bolsonaristas raivosos, Gretchen, bonde das maravilhas.
Qualquer merda. — O beijo, Rhodes… Eu não deveria ter dito que foi por
falta de sexo. Foi bem desrespeitoso. Me desculpa.
De novo. Ele pedia desculpas. Por que isso me frustrava?
— Mas foi, não foi? Então talvez eu deva te agradecer por ser honesto.
— Me levantei, querendo ir embora, mas Ollie me puxou pelo braço e logo
meu corpo colidiu com o dele. Meu nariz quase bateu contra a parede de
músculos e ossos que ele era. O perfume na sua camisa me deixou
balançada. Ergui devagar meu rosto ao dele e… Me arrependi. Eu
realmente estava atraída pelo meu melhor amigo, mas essa não era a pior
parte. A pior parte era que eu queria que estivesse atraído por mim de volta.
— Converse comigo. Geralmente você conversa. Eu faço a birra. Não
vamos inverter a ordem natural das coisas. Sou mais gostoso agindo como
idiota e sabe disso.
Rolei os olhos, odiando como ele ser cafajeste o deixava mais sexy. Será
que eu me atraía pelas pessoas erradas? Ou subitamente regredi à
adolescente, fascinada por bad girls, bad boys ou pessoas escrotas com um
sorriso bonito?
— Você é meu melhor amigo, Ollie. Nós nos beijamos. É confuso para
mim. Preciso de espaço e isso aqui não ajuda. Só isso. — Até porque eu
planejava usar o vibrador na minha mala e agora, claramente, não poderia.
— Tudo bem?
— Não. Porque odeio ficar perto de você nesse clima. Porque queria
voltar no tempo e consertar as coisas, mas só posso pedir desculpas e isso
está me irritando.
— Então pare de pedir desculpas.
— Por quê?
— Porque a última coisa que quero fazer é pedir desculpas, Zhang! 
Quando vi, eu já tinha dito. Ele estava perto demais e eu não conseguia
pensar. Não queria pensar. Na verdade, queria jogá-lo contra a parede e
beijá-lo com raiva. Eu queria que me jogasse naquela cama e nunca pedisse
perdão. Queria que fosse implacável. Queria que me fodesse com força,
como eu sabia que fizera com tantas garotas. Invejava elas por terem
sentido sua pele, seu gosto, seu corpo. Eu pensava nele, naquele piercing
idiota, na sua cabeça entre minhas pernas, sua língua na minha boceta, seus
quadris se chocando contra os meus, nossos gemidos em um quarto vazio.
E não deveria querer tudo aquilo. 
Mas perto de Oliver Zhang, eu não me comportava. Era pura má
conduta. E nada sobre aquilo era enganoso. Meu desejo era pura verdade.
Tanto que continuei, impulsiva, soltando as palavras como fazia quando
estava nervosa.
— Porque, na verdade, só aceitaria seu pedido de desculpas se
significasse que não queria ter parado. — O brilho no seu olhar era feroz e
eu quis arrancar aquela fênix com as unhas quando ela se mexeu. — Eu
amei cada segundo daquele beijo e só penso nele. Acha que estou puta? Eu
estou. Porque não deveria estar brava com você, está certo de tentar ser
racional, Oliver. EU costumo ser a racional aqui, tá legal? E mesmo assim
estou furiosa, mesmo sabendo que você não está errado. E isso me deixa
ainda mais frustrada. Toda essa situação me deixa mais frustrada, Oliver,
porque o que se passa na minha cabeça entre você e eu é perigoso e se eu
colocasse em prática, Zhang… 
  Engoli em seco. Eu não conseguia parar a minha língua. Mesmo com
seu escrutínio quase impassível. Mas eu tinha quase certeza de que
interpretava bem a mandíbula tensa, os dentes cerrados, a respiração
profunda e os olhos presos aos meus em busca de autocontrole. Parte de
mim ansiava para que se descontrolasse.
— A última coisa que eu gostaria, é que dissesse que sente muito,
Zhang. A última coisa que eu queria, é que se arrependesse. Estamos há
menos de um mês nessa mentira e nunca pensei que acreditaria nela, ainda
mais tão rápido. Então pare de repetir “desculpa”, porque me faz sentir
como uma das garotas que você expulsa da sua casa na manhã seguinte,
elas pelo menos conseguiram o que querem e eu não vou ter isso.
Seu aperto no meu braço? Não se afrouxou. E eu esperei. Esperei mesmo
que me soltasse. Que fizesse algo. Mas Oliver continuou parado.
E era sufocante. Meio humilhante até.
— Odeio agir assim. Me sinto uma criança, tá legal? — continuei. — E
odeio ainda mais que você me veja assim. Então me solta e me deixa ir.
Ele obedeceu. Eu fui dar uma volta pelo hotel, tentando respirar o mais
longe possível do seu perfume maldito e rosto irritantemente perfeito. Antes
que me arrependesse.

Voltei para meu cochilo antes do desfile, meia hora depois daquela
conversa vergonhosa. Zhang estava no banho. O vapor que saía por baixo
da porta do banheiro e o perfume dele por todo o ambientem, me
frustraram. Então quando me joguei na cama, odiando minhas coxas por
quererem se unir só com o pensamento do meu melhor amigo nu, eu sabia
que seria difícil pegar no sono.
Só não sabia que seria tão difícil. 
Até que eu ouvi.
Eu realmente não queria ter ouvido.
Me perseguiria, por semanas, o som rouco e desesperado de Oliver
Zhang, buscando por alívio.
Abri a boca, chocada, sentindo a contração entre minhas pernas, a
necessidade dolorosa. Aquilo era tortura. 
Outro gemido.
Puta que pariu.
Ele provavelmente pensou que eu não voltaria tão cedo, já que fiquei
meia hora fora. Zhang não fazia ideia de que eu estava deitada, ouvindo
tudo. Os sons eram um pouco abafados pela água e pela porta fechada, mas
era impossível não ter certeza. Ele estava se tocando. E gemendo. Pelos
sons arrastados, sufocados, entrecortados, eram gemidos que queria evitar.
Tentava engolir a todo custo. Mas não conseguia.
Deitada, com o coração acelerado, eu cogitei sair e dar alguma
privacidade. Entretanto, minhas pernas seguiam travadas, minhas mãos
agarrando os lençóis da cama e eu percebi que nenhum pedacinho do meu
corpo, tinha a menor vontade de cair fora. Na verdade, parecia que eu só me
moveria para dentro daquele box. Meu autocontrole inteiro estava voltado
para não fazer isso.
Outro gemido. Longo, rouco, grosso. Puta merda.
Me sentei na cama, ainda sentindo meus batimentos acelerados por todo
o corpo. Principalmente entre as coxas. Minhas palmas suaram e eu
continuava com a boca escancarada em puro choque, tentando pensar no
que fazer. Não funcionou, porque tudo o que eu pensava era em suas mãos
tatuadas pelo seu corpo. Nos músculos marcados com tinta preta se
flexionando, as veias caminhando pelos braços tensos, na medida em que se
movimentava. 
Como ele gostava? Como ele fazia isso?
Com as mãos contra os azulejos? Com a cabeça tombada para trás,
enquanto a água escorria por cada pedacinho da sua pele?
No que ele pensava? Havia alguma chance, mínima, de que pensasse em
mim?
Oliver Zhang estava se masturbando. No banheiro. Depois da nossa
conversa. Depois que confessei que queria beijar a sua boca até perder a
porra do fôlego. Na verdade, sugeri coisa pior, se tinha me entendido bem.
E agora ele estava se tocando.
E se fosse por minha causa?
Levantei-me, tensa, nervosa. Pior, eu estava queimando. Febril, ansiosa,
com minhas mãos formigando para tocar no que eu não deveria. Nele. 
Ter tesão pelo seu melhor amigo, está no top coisas que você,
definitivamente, não deveria ter na situação em que eu me encontrava.
Ainda assim, Jasmine Souza Burra-Rhodes estava com muita vontade de se
juntar a ele, debaixo da água, e foder como se não tivesse um compromisso
em pouco mais de duas horas. 
Considerei seguir até a porta do banheiro, mas… Não. Não poderia.
Parada, apertei os lábios, antes que babasse. Encarei a porta do banheiro
fechada.
Ele xingou. De repente, minhas roupas incomodavam. Meus mamilos
despontavam contra a maldita camisa de banda, eu sabia que precisaria
trocar de calcinha e tomar um bom banho depois dele, que os arrepios pelo
meu corpo significavam que eu estava inquieta e a ponto de explodir com a
ideia de que Oliver Zhang estava muito, muito perto de chegar ao clímax. 
Caminhei em direção à porta do banheiro. Foi mais forte do que eu.
Os seus palavrões eram mais claros agora. Ele gemia e xingava, grunhia,
parecendo puto consigo mesmo. Era impossível não o imaginar agarrando o
pau, movendo a mão para cima e para baixo, desesperado para gozar.
Rápido, deveria se tocar com força, raiva. Os sons eram primitivos,
imperfeitamente perfeitos, e eu os imaginei no pé do meu ouvido. Baixinho.
Entre ordens.
Eu não era idiota.
Conhecia os boatos, que Keanu com certeza lutava para esconder, sobre
o jogador de futebol mais controverso da Austrália. Diziam que ele era
impiedoso na cama. Diziam que ele gostava de mandar e deliciosamente,
convencia as garotas a obedecer. Permitia-se ser submisso, apenas se
pudesse dominar na segunda rodada. Gostava de amarrar, de bater, de fazer
as mais silenciosas, gritarem.
Essa última parte eu sabia por ser vizinha dele. 
Mesmo quando estava no segundo andar da cobertura, às vezes, eu
ouvia. E uma vez o filho da puta transou na sala. Eu estava com minha taça
de vinho, tentando assistir uma novela. Os gemidos desesperados de uma
garota, me fizeram subir para meu quarto e decidir assistir à televisão na
cama.
Agora eu ouvia muito mais de perto. E o queria. Entre minhas pernas,
atrás de mim, de lado… Não. Rhodes má. Péssima garota. Jamais pense
nisso. 
Eu pensava.
Me afastei, me sentindo um pouco estranha e culpada. O que durou meio
segundo. Peguei meus fones na minha bolsa, colocando-o em um ouvido,
apenas caso ele saísse e achasse que eu estava escutando. Acoplei no meu
celular e deitei na cama. Ouvindo. Ouvindo. E ouvindo.
Os sons mais rápidos, mais desesperados, mais inconstantes, mais lindos.
Mais perfeitos. Mais perto do clímax. E, por um momento, foi como se eu
estivesse lá com ele. Chegando perto com ele, cada vez mais perto.
Tocando-o, beijando-o, lambendo sua pele, arranhando seus braços,
colidindo contra seu corpo.
Até que ele gemeu de novo, fodendo minha mente por completo.
Nenhum xingamento ou palavra incoerente dessa vez.
Foi meu nome. Alto e claro. Seguido por — agora sim — palavrões e
gemidos incontroláveis, enquanto provavelmente gozava.
Eu o imaginei gozando. O imaginei bombeando o pau cada vez mais
rápido e virei-me de lado, na direção oposta à porta, fingindo mexer no
celular. Meu coração estava mais acelerado do que nunca.
Após alguns minutos de calmaria, o chuveiro foi desligado.
A porta do quarto se abriu e o vapor represo invadiu o ambiente
refrigerado pelo ar-condicionado. Seu cheiro masculino, do sabonete e do
shampoo, fizeram minha boceta pulsar de novo, encharcada. Por causa dele.
E ele nem tinha me tocado. Virei minha cabeça, fazendo uma atuação que
faria Meryl Streep me aplaudir, quando franzi o cenho, cocei os olhos,
cínica.
— Hm? Ah… Ei.
Oliver ficou pálido quando me viu na cama, segurando a toalha com
mais força. Zhang reprimiu os lábios.
— Ei. — devolveu. — Estava no banho.
Não me diga.
— Estava tirando um cochilo. Tenho duas horas até o ensaio do desfile.
— Certo. Vou tirar um cochilo também. Tudo bem? — perguntou,
desviando o olhar, completamente vermelho. Com vergonha. De ter batido
uma pensando em mim. A água escorria pelo seu peito, braços. Porra, ele só
ficava mais gostoso. 
— Só se você se vestir.
Ou não. Mas não acrescentei isso.
Ele assentiu e pegou uma muda de roupas, seguindo para o banheiro.
Fechei os olhos, fingindo ter pegado no sono imediatamente. Ollie se deitou
também. E eu fiquei em dúvida se ele estava de fato dormindo, depois do
orgasmo do século, ou se esteve fingindo o tempo todo. Como eu.

Senti quando um peso deixou a cama. O ouvi ir até o banheiro, escovar


os dentes e sair do quarto. Meu celular vibrou e soube que Ollie tinha
deixado uma mensagem.
 
Oliver: Depois conversamos melhor, ok? Te amo, Rhodes. Não quero brigar, nem que se afaste.
Tem que haver um modo de resolvermos isso. Vou almoçar com Keanu e depois daremos uma volta
pela cidade. Talvez ir para um Shopping. Volto de noite. Talvez depois do jantar. Bom ensaio.
 
Te amo, Rhodes.
Suspirei, me sentindo idiota. Não podia me afastar dele por uma atração.
Mas era difícil. Principalmente depois de saber que era mútua. Que tinha se
tocado pensando em mim, quando eu me esforçava para não fazer o mesmo.
 
Eu: Te amo também. Depois conversamos. Avise quando estiver chegando. Ou se precisar de
qualquer coisa. Fica bem, idiota.
 
Ele visualizou, mas não respondeu. Suspirei, esfregando o rosto. Meu
alarme tocou, avisando que era hora do ensaio. Então me levantei, peguei as
roupas, segui para o banheiro e parei nele ao sentir o perfume de Zhang.
Olhei para o chuveiro, ciente do que tinha acontecido ali. E foi torturante
cada segundo sob aquela água. Foi torturante sentir seu perfume, lavar meu
corpo sem ter suas mãos me tocando… Imaginar como deveria ser.
Foi nisso que pensei me vestindo, aplicando minha maquiagem, no
carro, enquanto Priyanka cantava uma música do Bruno Mars. 
Foi nisso que pensei caminhando pela passarela, testando as roupas pela
última vez, analisando as joias que iria expor em meu pescoço e meus
braços…
Foi nisso que pensei conversando com outras modelos.
Oliver Zhang.
Se tocando.
Quando voltei para o hotel, reli sua mensagem. “Volto depois do jantar”.
Abri seu Instagram. Tinha um story de Zhang em um restaurante com
Keanu. Ele colocou a localização, avisando que estava em Camberra.
Nossos fãs deveriam estar malucos. A mesa vazia e as taças cheias me
diziam que: um, Ollie se permitia beber com alguém, sem dirigir; e dois,
Zhang ainda estava longe de terminar de jantar.
— Vai querer comer em algum lugar especial? — Pri me perguntou,
colocando o cartão em sua porta. Meu quarto era no fim do corredor.
— Serviço de quarto. — falei, vendo a decepção pelo seu rosto. — Estou
exausta. Mas… café amanhã cedo?
Ela assentiu, com um sorriso compassivo. Trocamos “eu te amo”
baixinhos e eu segui para meu quarto. A sala estava vazia. A cozinha
também. Sem sinais de Zhang por lugar algum. Abri seu story de novo e
lancei um olhar para a mala.
Mordi o canto da boca.
Ele demoraria, não demoraria? Não custava nada aliviar um pouco de
tensão. Talvez fosse errado, muito errado, mas ele também fez aquilo
pensando em mim. E onde peca um, pecam dois. Então eu peguei o maldito
vibrador, nervosa. 
Minhas roupas foram ao chão, sem cerimônias. Eu me deitei sobre a
cama, sem pensar muito. Sem pensar, na verdade. Impulsiva. Se ele voltasse
mais cedo? Seria impossível, certo? Ele estava no jantar, não? E se ele me
visse?
Eu estava mesmo com medo ou ansiando por isso?
Olhei para o teto, insegura em um primeiro momento. Mas então… Essa
não era eu. Eu não era mais a garota insegura de anos atrás. Eu precisava
daquilo. E se Oliver me visse, então ele teria três opções. Ir embora, assistir
ou se juntar. Foda-se.
Passei as mãos pelo meu cabelo, os jogando para trás. 
Dobrei e abri as pernas, consciente de que não adiantaria tentar pensar
em outra coisa. Então, a imagem de Oliver Zhang se tocando se formou em
minha mente. Seu rosto se contorcendo de prazer no chuveiro, a raiva por
estar se masturbando pensando em mim, a frustração de não me ter ao seu
lado. Eu entendia, Oliver. Entendia mesmo.
Comecei com os seios, devagar. Tão devagar. Respirei fundo, odiando
que meus dedos finos não fossem grandes e calejados como os dele. Que
não fosse ele. Como ele me tocaria?
Imaginei-o novamente naquele chuveiro. Mas dessa vez o imaginei
apoiando a mão nos azulejos, se movendo mais rápido, até que sentisse que
era observado. Seu olhar faminto por cima do ombro, ao me perceber
tirando a roupa antes de me juntar a ele. E não haveria hesitação ou pedido
de desculpas. 
Ele me beijaria com fome, segurando o meu pescoço. Seus dedos, com
aqueles anéis, aquelas tatuagens… Sua mão seria muito melhor, do que
qualquer maldito colar caro que já coloquei em meu pescoço. Ele me
prenderia contra a parede, a água caindo sobre nós dois, antes de me beijar
com força.
E então ele me tocaria. Sua mão deslizaria devagar pela minha
intimidade, como a minha estava fazendo. Ele me provocaria, perverso,
sentindo-me encharcada contra seus dedos, já pulsando e implorando por
ele. Oliver se sentiria tão tentado a se ajoelhar, não? Mas me torturaria
primeiro. Com aquele sorriso cafajeste próximo à minha boca, me
provocando. Mordendo. Puxando meu lábio entre os dentes. Lambendo
meu pescoço, chupando meu pescoço, meus seios. Tocando-os como fiz,
antes de voltar uma mão para onde estava.
Ele me provocaria… Tocaria minhas coxas, antes de brincar com meu
clitóris em movimentos inicialmente preguiçosos, torturantes, usando da
minha excitação para facilitar o trabalho. Ele me sentiria pulsando como eu
estava sentindo e então me tocaria com mais firmeza, decidido, mesmo sem
aumentar a velocidade. Aumentaria gradualmente e então pararia. Só para
infiltrar um dedo, primeiro, apenas um.
Saindo e entrando.
Saindo…
E então dois.
Chamei seu nome pela primeira vez, arqueando a coluna.
Seus dedos lambuzados com minha excitação, explorando sem pressa,
mas impetuosos.
Saindo. Entrando. Saindo. Entrando de novo.
Ele beijaria meu pescoço, xingando baixinho como fez naquele chuveiro.
Gemendo. Dando ordens. Me pressionando contra a parede, enquanto eu o
deixava dominar, só um pouco. Só um pouquinho. Eu imploraria até. Ele
me faria implorar.
Chamei seu nome. De novo.
De novo.
E de novo.
Mas os meus dedos eram nada. Eram nada perto do que os deles
causariam. Tanto na realidade quanto em sonho, eu precisava de mais.
Então liguei o vibrador, colocando-o primeiro sobre meu clitóris, xingando
e fechando os olhos. Mordi a boca, tentando não chamar por ele. Não era
possível. Eu chamava. 
Infiltrei um dedo em minha boceta, sentindo-a o apertar, antes de
acrescentar outro. Imaginei que era ele, de novo, me fodendo devagar.
Devagar. Até que conseguisse o que queria: Jasmine Rhodes implorando.
Quando o vazio se tornou insuportável, eu aproximei o aparelho da
minha entrada, infiltrando-o na minha boceta devagar. A vibração, o
movimento… Era demais para suportar, mas nada perto de Oliver Zhang,
em minha mente.
Imaginei-o me fodendo e chamei seu nome, desligando a vibração,
deixando-me imaginar que era ele. Fodendo devagar, provocando e
prometendo que faria mais rápido. Prometendo que me foderia até que
minhas pernas cedessem e depois disso. Erguendo-as em torno da sua
cintura, empurrando-me contra a parede, me enforcando enquanto me
beijava.
Senti seu perfume. 
Ouvi uma respiração.
Um xingamento baixo.
Meu coração parou, à beira do orgasmo.
A princípio, achei que fosse um sonho, mas eu abri os olhos. 
Oliver estava na frente da cama, com a mandíbula tensa, completamente
vestido.
Além da incredulidade, do choque, seu olhar passava algo parecido com
fúria, como todas as vezes em que o vi puto, mas era tão, tão melhor.
Era fome.
Eu não parei. Soube que tinha me ouvido chamá-lo, só soube.
E mesmo assim, não parei. Eu não pararia.
Desafiei-o com o olhar. Ele poderia sair do quarto, assistir ou se juntar a
mim. Porque por mais que negasse, Oliver Zhang estava atraído por cada
pedacinho meu. E eu estava na cama, aberta para ele, enfiando a porra de
um vibrador na boceta e esperando que tomasse alguma atitude. 
Estalou a mandíbula, projetando-a para frente, a incredulidade perdendo
a força para o desejo. Era nítido. Seu desejo era tão nítido, que poderia ser
pintado. Seu olhar desceu pelos meus seios, meu corpo suado, quase como
um toque distante. E eu não parei. Ele poderia sair do quarto, assistir ou se
juntar a mim.
Mordi o lábio, tentando não gemer, sentindo o prazer crescer. Eu estava
quase lá. Tão perto. Tão perto.
Um músculo tensionou em seu pescoço e ele engoliu em seco,
observando o brinquedo sair e entrar. Assistindo, hipnotizado, o vibrador se
movimentar. Devagar, molhado, em seu lugar. Deveria ser ele. 
Oliver umedeceu os lábios. E eu senti que poderia gozar vendo-o assim,
tentado a me chupar, lamber, mordiscar, a se perder no meu corpo. Ameacei
fechar as pernas, mas ele tombou a cabeça para o lado e estreitou os olhos,
reprovando. Desci o olhar pelo seu corpo, pela jaqueta de couro, a blusa
branca, justa ao corpo, e as calças, fazendo um trabalho péssimo em
esconder o volume entre as pernas. Fechei as minhas, provocando, sorrindo
tão cafajeste, quanto ele era.
Então Oliver fez sua escolha.
— Abra as pernas, Rhodes. — grunhiu.
A ordem quase me fez gozar. Firme. Furiosa. Decidida. Como se fosse
me punir caso desobedecesse. E, por um momento, cogitei. Cogitei fazê-lo
perder o controle. Até que ele disse tudo o que eu queria ouvir.
— Me deixe assistir.
Sorri ainda mais, com o coração carregado de adrenalina.
E então deixei.
“E cê me diz: ‘Me toque’
Sei que do seu corpo minha mão não foge”
Toque de Recolher - Sophi ft Julia Avelin
 
 
Ela disse que quis me beijar.
Que quis fazer pior, na verdade.
Queria que eu não pedisse desculpas.
Depois saiu da porra daquele quarto levando meu coração consigo. E a
porra da minha razão.
Tem coisas na vida que são difíceis de explicar.
Uma delas é o quão gostosa Jasmine Rhodes fica quando está puta.
Quanto mais brava, mais sexy.
Tudo o que eu pensava era que se ela queria tanto que eu a fizesse gozar
sem pedir desculpas, então eu ficaria mais do que feliz, em calar aquela
boquinha maldita com meu pau, por sua língua, por sua garganta. Fazendo-a
se ajoelhar para mim, segurando aqueles cabelos escuros, fodendo sua boca,
até que só pudesse falar quando eu permitisse. Para pedir mais. Para
implorar para ser fodida. Para me pedir um beijo, na cama, e não daquele
jeito.
Então, quando deduzi que ficaria fora do quarto por um bom tempo,
percebi que precisava colocar todos aqueles pensamentos para fora, antes
que fizesse merda.
Por isso, fodi minha mão pensando nela. Naquela boca atrevida pra
caralho. Naquela bunda gostosa, que ficava tão linda nas calças jeans
apertadas. Em como queria tirar sua roupa e comer sua boceta naquele
chuveiro. Com a boca. Os dedos. Metendo até que estivesse gritando meu
nome, tremendo, gozando forte e me apertando sem piedade por dentro.
Quando saí do banheiro, vendo-a na cama, meu coração parou. Me
perguntei se ela tinha escutado algo o dia todo. Tive quase certeza de que
sim, quando a vi de pernas abertas, na cama, se fodendo com a porra de um
vibrador e chamando o meu nome.
Cínica.
Desgraçada.
Gostosa pra caralho.
De olhos fechados, Jasmine tirava e colocava o brinquedo na boceta,
devagar. Devagar demais. Aquilo era tortura. Cada vez, ele retornava mais
lambuzado e ela não parava. Os peitos empinados, a pele suada, a boca
inchada de tanto morder e tão gostosa, que eu queria fazer aquilo por ela…
A mulher era um monumento. Mas sem roupa e perto de gozar, ela era a
melhor coisa que já tinha visto na vida. Se tiverem outras vidas, com
certeza ela superava tudo o que eu tinha experienciado, em cada uma delas
também.
Jasmine Rhodes era a minha ruína.
E a minha ruína se fodia tão gostoso que… se minhas morais, meus
valores, me imploravam para sair dali, eu não dava a mínima.
Eu queria vê-la gozando.
Precisava.
Queria saber se meus sonhos faziam jus à visão da sua excitação
escorrendo pela sua entrada, molhando suas coxas, enquanto se tocava.
Queria ver sua boceta inchada implorando pelo meu pau e minha boca.
Queria ouvi-la gemer meu nome mais vezes. Então fiquei, até que abrisse
os olhos. E quando abriu, a maldita amou o que encontrou. Jasmine sorriu.
Meus sonhos definitivamente não chegavam aos pés daquilo.
Não mesmo.
— Abra as pernas.
Ela abriu, obediente.
— Me deixe assistir. — mandei, bravo. Bravo porque ela queria que eu
perdesse o controle. Porque seu sorriso dizia que, talvez, a filha da puta
tivesse implorado ao universo para me fazer sair do restaurante mais cedo
como saí, ir até o quarto para conversar com ela e encontrá-la suada, quase
gozando, aberta, chamando por mim.
Assistindo, meu pau pulsou mais forte. Prendi um gemido, mordendo o
lábio e apertando meus braços cruzados. Mas Jasmine parou. Ela
abandonou o vibrador e separou os lábios com dois dedos.
— Assim?
Quase ri. Maldita.
Se ela queria instruções, então tudo bem. Eu diria exatamente o que
queria assistir. Foda-se as regras. Foda-se o teatro. Foda-se. Tudo.
— Coloque um dedo.
— Só um?
Desgraçada.
Desgraçada linda pra caralho.
— Preciso repetir? — perguntei, tirando a jaqueta e arregaçando as
mangas da camisa. — Um dedo na boceta, Jasmine. Apenas um. E faz
pensando que sou eu. Afinal, fez isso o tempo todo, não foi?
— Só você pode? — retrucou, ao fazer o que mandei. — Só você pode
se masturbar pensando em mim, Oliver? — O gemido que escapou quase
me colocou de joelhos, mas forcei a resposta:
— Sabia que tinha ouvido.
Rhodes sorriu, tocando um dos seios enquanto o outro dedo continuava
entrando e saindo, brilhando com sua excitação. Um arrepio me percorreu,
mas falei:
— Não falei para tocar nenhum outro lugar.
— E? — Ela quase uniu os joelhos.
— Abra mais as pernas, Jasmine. — falei, impaciente. Novamente
acatou, ajeitando os quadris e me dando a visão perfeita de como se fodia.
Meu pau pulsou mais forte. Doeu. Eu morreria se não a fodesse naquela
noite.
— Dois dedos.
Ela nem hesitou e eu lambi a boca, tentado a me ajoelhar, venerá-la de
perto. Mas eu queria que implorasse primeiro. Então mandei:
— Três.
— Três?
— Sim. Agora.
Ela obedeceu, com um suspiro sôfrego. Percebi que amava brincar com
seus limites. Quão longe ela iria? O quanto me queria?
— Pega o vibrador de volta. Se fode como quer que eu faça. Mais tarde.
— Oliver… — ela choramingou.
— Diga, Moonshine. Algum problema? — Abri um sorriso irônico.
Ela não parou de se tocar, mas não fez o que mandei.
— Quis brincar com fogo, não quis? Agora estou ansioso para te ver
queimar. Mas só te toco quando gozar gritando meu nome, antes mesmo
que eu me aproxime.
Rhodes estremeceu, ainda se fodendo.
— Vai, me obedece. Ou vou sair pela porta, Jasmine. Agora mesmo.
A vibração ecoou pelo quarto e a mulher fez questão de manter os olhos
sobre mim quando se fodeu com o vibrador. Um gemido longo e
desesperado escapou da sua garganta.
— Caralho, Rhodes. Você é impossível.
Não deveria existir uma mulher gostosa nesse nível. Linda daquele jeito.
Sorrindo, sacana pra caralho. Era a minha perdição.
Olhei para baixo e vi suas roupas. Sua calcinha. Sorri. Dois poderiam
jogar aquele jogo.
— Não goze agora. Entendeu?
Ela acenou com a cabeça, suspirando.
Me virei e puxei uma cadeira, próxima à escrivaninha no canto do
quarto. A coloquei em frente à cama e peguei sua calcinha. Jasmine me
observou enquanto eu tirava a camisa, o cinto, e descia o zíper da calça.
— Está proibida de gozar até que eu permita. Olhos em mim.
Ela me encarou, quase sem piscar. A quis por tanto tempo, mas ela era
ainda melhor do que eu tinha esperado.
— Meio injusto que só eu assista, não acha? — questionei. Rhodes
gemeu, sem conseguir responder. — Não acha?
— Sim.
Mantive a calcinha entre os dedos e Jasmine umedeceu os lábios. Desci a
peça de roupa com a boxer e meu pau entrou em seu campo de visão, já
duro pra cacete.
Arrastei minha palma pelo membro que pulsava, desesperado por ela, e
toquei o pré-gozo, circulando a cabeça devagar. Arfei pela combinação da
sensibilidade aumentada e visão da garota dos meus sonhos aberta sobre a
cama, se oferecendo. Jasmine o analisou com fome. Não brinquei quando
falei que se formava uma cruz. Não era um piercing. Eram dois,
atravessando a glande.
Mordi o canto da boca, tentando não gemer, antes mesmo de começar. E
então me masturbei com sua calcinha em minha palma, se arrastando pelo
meu pau, seu cheiro contra minha pele, o tecido branco e suave envolvendo
minha pele quente.
— Pensou nisso o dia todo?
Ela murmurou que sim.
— Pensou no que?
— Em você.
— Como? — perguntei, sentindo um arrepio cruzar minha coluna.
Jasmine grunhiu.
— Na minha boca.
Inferno.
— Em como… — Ela gemeu, alto, arqueando a coluna. Quis chupar
aqueles peitos. Quis substituir o brinquedo pela minha boca. Me contive. —
Em como eu poderia ter me ajoelhado, naquele banheiro.
— Poderia?
Ela assentiu.
— E o que faria, Rhodes?
Ela não parava de se foder.
Nem.
Por.
Um.
Segundo.
Eu também não.
— Eu colocaria você na minha boca. — gemeu. A vibração, seus
gemidos cada vez mais constantes e desesperados, seu corpo se contorcendo
de prazer, seus olhos cravados nos meus enquanto eu me tocava forte e cada
vez mais rápido. Eu tinha medo de gozar cedo demais, pela primeira vez em
muito tempo. Era bom demais. Parecia a porra de um sonho. — Ollie, por
favor…
— Por favor o quê, linda?
Ela choramingou, mas não cedeu. Não gozou sem minha autorização,
para que eu pudesse puni-la. Seguiu submissa, porque sabia que isso foderia
minha mente.
— Me deixa gozar, por favor. — pediu, com a voz rasgante. Eu quis,
quis mesmo prolongar aquela tortura. Mas não dava.
— Conte até trinta e goze.
Ela xingou.
— Zhang, eu… Não vou conseguir.
— Conte, Rhodes.
Ela começou.
— Trinta…
Acelerei o movimento em meu punho, mais firme, tentando não fechar
os olhos. Minhas pálpebras pesavam com o prazer e sua boceta encharcada
lambuzava suas coxas, a cama. Jasmine estava tão desesperada, seguindo a
contagem.
—… Vinte e cinco…
Apertei meu pau, torcendo para a dor afastar o prazer só um pouco. Ela
gemia cada número, arrastado, chocando os quadris contra a cama. Os
dedos dos pés se contorciam nos lençóis.
— … Vinte…
Abri a boca, tentando respirar. Ela gemeu alto, levando uma mão para a
boca.
— Deixe o hotel inteiro ouvir, Jasmine.
— …Dez… Nove…— ela falou os números alto demais, arqueando a
coluna. Eu senti que gozaria logo, então me levantei, querendo vê-la de
perto. — Oito… Sete… Ollie, por favor.
— Continue, amor. Você está tão perto…
Jasmine estremeceu e eu apertei meu pau mais uma vez, parando de me
tocar quando senti a pulsação, por todo o meu corpo, ameaçar acelerar.
— Seis… Cinco… Quatro…
Quando a tensão no meu corpo quase beirou o ápice e eu senti que
gozaria. Apertei forte e seu olhar desceu pelas minhas tatuagens, para as
veias em minha mão, para o membro duro entre meus dedos.
— Três… Dois… Ai, meu Deus…
Jasmine gritou e eu perdi o controle.
Me aproximando do seu corpo que tremia, da boceta que gozava cada
vez mais e substituí o vibrador pela minha boca. Rhodes agarrou os lençóis,
o meu cabelo, meus ombros e eu lambi, chupei, aproveitei seu ápice, para
descobrir qual era o sabor de Jasmine Rhodes. E era doce, forte e minha.
Ela chamou meu nome, no ápice, esfregando a boceta na minha cara e eu
aproveitei cada segundo, agarrando e afastando suas coxas, me inebriando
no paraíso entre suas pernas.
Até que parou.
Seu corpo parou, ofegante.
Me ajoelhei, ainda segurando meu membro. Passei o polegar livre pela
boca, provando seu gozo. Jasmine assistiu. Cada segundo.
— Melhor do que imaginou?
Ela confirmou e eu sorri. Seu olhar era surpreendentemente fácil de se
ler.
— Me diz, Jasmine… O que quer? Sempre vou te dar tudo o que quiser.
Diz. — Meu tom rouco era desesperado. Eu poderia gozar em sua barriga,
em seus peitos… Mas sabia exatamente onde ela queria.
Ela olhou para o meu pau, descendo a mão pelo corpo, antes de voltar
olhar nos meus olhos.
— Quero que você goze na minha boca.
Eu estava fodido. Essa mulher estraçalharia minha razão. Foderia minha
sanidade. Jasmine me tinha e agora sabia. Sabia pra caralho.
— Então vou te mostrar o que queria ter feito naquele banheiro. Senta.
Ela se sentou, umedecendo os lábios.
Segurei seu pescoço, acariciando o ponto de pulsação, erguendo a cabeça
para analisar melhor a boca que eu mal poderia esperar para beijar de novo.
Mas não ainda.
Quando ergui seu queixo e delineei seu lábio inferior com o polegar,
Rhodes o sugou para dentro da boca. Meu sorriso presunçoso escapou antes
que eu o segurasse.
— O que quer, linda? Repete para mim.
— Você. — Ela beijou minha mão, meu abdômen, perto do que ansiava.
— Quero te ver gozar, Zhang. Em mim. De todas as formas possíveis.
Era tão errado. Mas reprimi aquele desejo por anos. Ela finalmente me
queria. Talvez pudéssemos aproveitar pelo menos aquela viagem. Só um
pouco.
Foda-se. Eu aproveitaria.
— Sou todo seu, Rhodes.
Jasmine abriu um sorriso que me avisou que tomaria seu tempo. Que eu
não estava preparado. E eu não estava.
Devagar, Rhodes se tocou primeiro, sensível, mostrando que ainda
estava molhada. Muito molhada. Depois beijou e mordiscou a parte interna
das minhas coxas. Cada tatuagem que encontrava, cada centímetro de
pele… Ela explorava com o toque, a língua, a boca.
Suas unhas arranharam meu corpo, antes que sua língua percorresse meu
membro e eu xinguei, agarrando sua cabeça, quando chupou a glande,
lentamente…
— Filha da puta do caralho…
Ela riu, perversa.
Agarrei e puxei seu cabelo para trás, de leve, para ver melhor sua boca
envolvendo meu pau, deixando-o enquanto me chupava pela primeira vez.
Ela beijou a glande e seu polegar a contornou, tocando os pontos onde o
piercing tocava a pele, explorando a sensibilidade. Era demais para
aguentar. Jasmine me torturava.
Ela bombeou meu pau, devagar, antes de colocá-lo na boca, devagar.
Senti os piercings se arrastando por sua língua, quente, suave, me
provocando tanto quanto seu olhar.
Perversa. A mulher era má na cama. E eu gostava.
Gemi, sentindo a umidade quente e gostosa, sua língua contornando,
suas bochechas encolhendo conforme fazia o caminho de volta. Ergui a
cabeça para o teto, agarrando seu cabelo mais forte. Ela lambeu de novo
toda a extensão, antes de beijar a ponta e me colocar quase todo na
garganta, fundo pra caralho. E eu perdi o controle. Forte, profundo, rápido,
eu fodi a sua garganta. Ela gemeu contra meu pau, agarrando minhas coxas.
Tão linda. Tão sedenta. Tão minha.
— Se toca. — mandei, rouco, e ela obedeceu. Rhodes levou uma mão
para o clítoris, a outra para um dos seios, tocando-os sem pressa.
Porra.
Recuei os quadris e avancei, mexendo sua cabeça e fodendo sua boca
sem piedade. Jasmine aguentava, olhando com admiração enquanto eu me
apossava daqueles lábios cheios, da língua molhada e gostosa pra caralho.
Ela me chupou forte, fazendo o caminho para fora, antes de chupar minhas
bolas devagar e voltar a engolir meu pau sem piedade.
Parecia a porra da minha primeira vez.
Nenhuma mulher chupava como ela.
Nenhuma mulher gozava como ela.
Nenhuma mulher gemia como ela.
Ela ficava linda com meu pau na boca. Ficava esplêndida oferecendo a
boceta para mim. Parecia certo e se não fosse, eu não dava a mínima.
— Rhodes. — falei, em tom de aviso, mas ela só arranhou minhas coxas
e mexeu de leve a cabeça, em um sinal de que sabia o que eu queria dizer e
não se importava, me chupando mais forte.
Então eu gozei.
Gemi alto, xingando pra caralho, enquanto minha visão inteira escurecia
e todo o quarto parecia em chamas. Meu corpo tensionou por completo e
meu aperto em seu cabelo aumentou, enquanto eu me derramava em sua
garganta e Jasmine engolia. Ela engolia cada gota de gozo, enquanto meu
coração disparava, meus pulmões queimavam e minhas coxas apertavam.
Linda. Gostosa. E minha.
Fiz menção de afastar os quadris, sensível, mas Rhodes me chupou de
novo, percorrendo meu membro com a língua. Recolhendo cada pedacinho
de líquido que poderia escapar e eu fechei os olhos. Era demais para a
minha sanidade.
Senti suas mãos em meus ombros, quando se ajoelhou sobre a cama.
Depois em minhas bochechas, tocando a curva do meu rosto.
— Eu te chuparia a vida inteira só para te ver daquele jeito. — provocou,
no meu ouvido, mordiscando o lóbulo. — Fodendo minha boca. Gozando.
— Meu corpo todo se arrepiou e Rhodes sorriu, beijando a região abaixo da
orelha, antes de sugá-la de novo. — Foi assim que imaginou, Ollie? No
chuveiro? — provocou, baixo, bombeando meu pau. — Já quer gozar na
minha boca de novo? — Abri os olhos. — Porque eu quero.
Maldita.
Ela sorriu, ciente de que tinha o poder sobre mim. No fim das contas,
sabíamos quem controlava quem. Mesmo com minhas ordens. Mesmo com
minha raiva, na sede por controle. Ela me tinha nas mãos.
— Cala a boca e deita para mim, Jasmine.
Ela riu baixo, gostando da resposta. Jasmine se deitou, me encarando.
Esperando.
Como a porra de uma rainha.
— Estou há um mês sem foder, mas sempre foi com proteção. Repito os
exames todo mês. Sou neurótico pra caralho. Estou limpo. — avisei, ciente
de que poderia não soar muito confiável. Jasmine assentiu, devagar,
ouvindo cada palavra. Confiando. — Mas acho que tenho uma camisinha…
— Uso a pílula. — avisou. — E confio em você, Zhang, por Deus, para a
aula de educação sexual e só me fode.
Ri baixinho e ela também. Para duas pessoas que estavam se segurando,
odiando querer foder o melhor amigo… Nós definitivamente só
precisávamos de uma oportunidade para jogar tudo para os ares, não?
Abri suas pernas.
— Amanhã, antes do desfile, vou retribuir. — O oral, eu quis dizer. Ela
revirou os olhos.
— Você nunca fodeu não?
Sorri com a provocação. Entrei nela em um empurrar de quadris, calando
a porra da sua boca. Um palavrão lhe escapou, em português. Sorri mais.
Era fofo que achasse que eu não entendia nada. Fofo mesmo.
— Caralho, Zhang, meu Deus…
O piercing. Quase sempre era essa a reação. Rocei meu sorriso contra
sua boca.
— Pode gozar quando quiser dessa vez, linda. Eu deixo.
— Já entrou mesmo? Porque deixei de sentir, sabe? Talvez seja porque
fala demais.
Me afastei, acariciando suas coxas, vendo-a de cima. Os seios, o corpo
suado, o brilho feroz e paradoxalmente suave nos olhos escuros. Ela
brincou com o cara errado. Eu ainda estava pegando tão leve.
— Tenta não gritar alto demais dessa vez.
Ela riu.
Bem, eu avisei.
Comecei a me movimentar. Devagar ao início, até pegar o ritmo que eu
gostava. Nada lento. Rápido. Bruto. Fundo.
Jasmine chamou por Deus e eu guardei as piadinhas para mim, fodendo
mais forte. O suor descia pela base da minha coluna, grudava as mechas
lisas em minha testa, mas eu não parava.
Ela pediu por isso, afinal.
Sua mão desceu para o espaço entre as pernas e eu bati em seu rosto.
— Quieta, cachorra. — Segurei seu rosto, firme. — Sou o único que te
toca agora, entendeu?
— Não posso? — provocou, sorrindo, fodendo de volta, esfregando a
boceta em mim, buscando algum atrito, algum alívio, enquanto eu estocava
o mais fundo e forte que conseguia.
— Pode me tocar. — falei.
Rhodes trouxe minha cabeça para si, beijando-me com força. Sua língua
mostrou para a minha que havia um limite para sua submissão. Eu só estava
no controle porque ela deixava. Sabia exatamente o que fazer para me levar
para a insanidade.
Quando chupou minha língua e gemeu contra minha boca, meus dedos
esmagaram sua cintura, fazendo-a se arquear. Jasmine arranhou minhas
costas com força, gemendo em meu ouvido, implorando por mais,
chamando meu nome. Rouca, desesperada, quase chorando de prazer.
Senti o orgasmo chegando novamente e levei meus dedos para seu
clítoris, tocando-a em movimentos lentos, mas firmes. Desci a boca ao seu
mamilo, matando a curiosidade do gosto de sua pele, quando chupei seu
peito com vontade. Agarrando meu cabelo, Rhodes me fodeu de volta,
guiando as malditas unhas pelos meus braços, ombros, costas, nuca…
Eu não parava, gemendo, xingando, provocando.
Apertei seu pescoço, mantendo o polegar no lugar certo, com alguma
pressão. Erguendo a cabeça, Jasmine gemeu, olhando para meu rosto com o
cenho franzido e a boca aberta, perdida em prazer. Desci o olhar para seus
seios, se mexendo enquanto a cabeceira da cama se chocava contra a parede
e ela ainda arrancava a minha pele com as unhas. Não pararia nem mesmo
com a dor e a ardência dos machucados. Não pararia por nada.
— Goza para mim, Jas. Goza agora. — mandei, ainda segurando seu
pescoço. Ela segurou meu pulso e sua boca se abriu ainda mais, antes que
um grito escapasse do fundo da sua garganta e os espasmos da sua boceta
começassem a me apertar deliciosamente.
Ela era linda gozando.
Mas gozando no meu pau? Não tinha comparação.
Gritando meu nome então, era espetacular. Por isso, não me surpreendi
quando meu corpo acompanhou o seu e toda a familiaridade do orgasmo me
atingiu, mais forte do que nunca. Xinguei alto, derramando meu gozo em
sua boceta e afundando a cabeça entre seus seios ao agarrar a cama.
Foi a melhor foda da minha vida. Foi como renascer. Como queimar e
ressurgir das cinzas. Mais forte do que tudo que experienciei. Melhor do
que qualquer ápice, com qualquer pessoa, por causa dela. Dela. Apenas
dela.
Parei meus movimentos aos poucos, surpreso por meus quadris terem
vida própria.
Meus batimentos demoraram demais para se desacelerar, enquanto
nossas respirações aceleradas ecoavam pelo quarto. Doce como eu não
esperava que fosse, Jasmine me manteve em si, dobrando as pernas em
torno do meu corpo e acariciando minha nuca, depois meu cabelo, em um
cafuné lento.
Esfreguei meu nariz em sua pele, lentamente subindo uma trilha de
beijos pelo seu pescoço, até seu queixo, chegando à sua boca.
Rhodes sorriu. E seu sorriso me fodeu muito mais, do que todos aqueles
minutos suando por ela, então… Eu estava ferrado.
E quando me beijou, devagar, tocando o desenho de bússola bem ao
centro do meu peito, eu me senti mais seu do que meu. Senti que meu
coração batia nela. Que aquela vez, na cama, provava que eu era mais
canalha do que pensava, por querer mais dela.
Ela era a melhor. Em tudo. Eu sempre me viciaria por todo mísero
detalhe de Jas e sexo não seria diferente.
Ela rompeu o beijo com um selinho.
— Ok, você é gigante mesmo, huh?
Gargalhei alto, jogando a cabeça para trás, e ela me acompanhou. Por
muito tempo. Me perguntei há quanto tempo segurou a piada e agradeci por
ter esperado que acabasse, ou a crise de riso no meio do sexo teria fodido
com tudo.
— Idiota.
— Volta para Moonshine, Oliver, esse apelido é meu para usar.
Eu sorri.
— Moonshine. — sussurrei, provocando.
Com um sorriso presunçoso, Rhodes tocou o centro da minha garganta,
onde a Fênix estava. E eu me questionei se sabia o quanto me tornava uma.
— De novo. — mandou, dessa vez, arrastando meu lábio inferior entre
os dentes. Perigosa. Perigosa demais. — Me fode de novo.
— Vai conseguir andar na passarela amanhã, Moonshine? — brinquei.
Ela rolou os olhos.
— Fale menos e faça mais, Zhang.
Eu ergui uma sobrancelha e respirei fundo, como quem dizia: “ok, você
quem sabe”. Beijei-a novamente antes de me ajoelhar, erguendo seus
quadris e admirando a mulher dividindo a cama comigo, por toda a noite.
Então meus quadris recuaram, antes de colidirem com os dela.
E repetimos isso.
De novo.
E de novo.
E de novo.
“Quando o Sol brilha, nós brilhamos juntos
Te disse que estaria aqui para sempre
Disse que sempre seria sua amiga
Fiz um juramento, eu vou cumprir até o fim”
Umbrella – Rihanna
 

Lembro vagamente de acordar no meio da madrugada, com uma das


pernas enroscadas entre as de Zhang. Sua pele quente e músculos firmes,
formaram um travesseiro estranhamente aconchegante. Estava tão exausta
que apaguei, sem saber se era real ou um sonho. A dor entre as coxas, pela
manhã, me respondeu perfeitamente. As pernas cansadas me fizeram
resmungar.
“Vai conseguir desfilar na passarela amanhã?”
Babaca.
Cocei os olhos, espalmando o lençol vazio, até sentir o cheiro de café e
algo a mais. Confusa, puxei o cobertor em frente ao corpo e me sentei.
Oliver estava contra a parede do quarto, me assistindo, tomando um café.
Sem camisa, com o cabelo bagunçado, apenas de boxer. Marcas vermelhas
de unhas afiadas estavam por todo seu corpo, peito, ombros, pescoço,
braços… e tanquinho, claro, eu jamais teria perdido essa oportunidade.
Limpei a garganta e ergui as sobrancelhas, pensando no que dizer.
Zhang escondeu um sorriso perverso atrás do copo fumegante e eu me
senti fodida de novo.
— Bom dia, Moonshine. Dormiu bem? — questionou, rouco.
Deus. Foi real. Com certeza foi real.
Lancei um olhar para o café sobre a mesa e ele sorriu, descartando seu
copo na superfície por um momento e se aproximando com a bandeja.
— Traz café para todas as garotas na sua cama?
— Tecnicamente, essa cama é nossa pelas próximas 24h. E geralmente
eu tenho uma amiga gostosa para expulsá-las, mas acabei transando com a
amiga gostosa.
— Quão gostosa? — perguntei, com uma falsa inocência.
— Mais gostosa do que qualquer garota estúpida que você já fodeu,
Jasmine.
— Com ciúmes?
— Depois de ontem, Rhodes? Adoraria se me apontasse quem te fodeu
melhor do que eu. Mas para isso você teria que se levantar e eu aposto que
não pretende fazer isso tão cedo. Uvas?
Ele pegou um cacho e eu abri a boca, estreitando os olhos, fingindo estar
ultrajada. Como se não percebesse, ele colocou uma das frutas roxinhas na
minha boca. Mordi.
— Canalha.
— Fica deliciosa pra caralho quando me elogia, mas sabe fazer melhor
do que isso.
Arrepios e mais arrepios. Mas, por mais que todas aquelas gracinhas
fossem legais, eu fui direto ao ponto. Melhor, tentei:
— Ollie…
— Me deixa falar primeiro? — me cortou.
Engoli em seco, pega de surpresa.
— Eu quis te beijar até que perdesse o fôlego, Jasmine.
Olhei nos seus olhos, sentindo esse beijo sem que me desse. Meus
pulmões queimaram, sem oxigênio. Meu rosto também. Tudo em mim era
fervente.
— Quis fazer pior e fiz. Não teve um minuto daquele beijo que fosse por
falta de sexo. Só se fosse falta de sexo com você. E quando me falou
aquelas coisas, bravinha e sexy pra caralho, eu quis rasgar suas roupas e te
comer bem aqui. — Deu duas batidinhas na cama, como se falasse do clima
ou da agenda da semana. — Como estava ocupado demais te fazendo gozar
até dormir ontem, achei que devesse saber.
— Então por que não fez isso?
— Porque sou seu melhor amigo. Porque isso me assusta, Rhodes. Sua
confiança em mim, me assusta. Não sou um cara legal. — Levei a mão a
sua boca para que se calasse, mas ele a beijou e segurou a palma,
acariciando meus dedos sobre sua coxa.  Ollie suspirou. A dor nas íris
escuras e brilhantes me confundia. Sempre me confundia. — Você me vê
melhor do que sou, Jas.
— Você é gigante.
— Não estou falando do meu pau, por favor! — Rolou os olhos com a
própria piada e eu gargalhei, fazendo-o sorrir de orelha a orelha. Zhang
esperou que eu terminasse de rir. Ele admirou cada segundo enquanto
podia. — Não sou bom para você. Quero te beijar, te foder, quero tudo que
fizemos ontem. Mas não sou bom para você. Estou sendo sincero, porque
ontem fui escroto de ir para a cama sabendo disso. Mas não podemos passar
disso, Jas. Não mesmo.
— Oliver… Não tem nada nos impedindo de ir para a cama um com o
outro ocasionalmente e…
— Não sou bom para você.
— Por que não? Não estou apaixonada aqui, Ollie. Não estou pedindo
para que se case comigo, adote seis cachorros e se mude para meu
apartamento. Estou dizendo que ontem foi bom e se quisermos repetir,
então podemos. Somos adultos e sabemos das consequências.
— Eu sei. Mas você não.
— Está me escondendo alguma coisa, então.
— Rhodes…
— Está, não está? É sobre seu motivo para toda essa farsa? Seu motivo
secreto?
Ele suspirou, acariciando meu rosto, antes de selar os lábios nos meus
com um beijo agridoce. Era bom, suave e calmo, mas doía. Quase como
experimentar saudade antes da partida. Uma despedida silenciosa antes da
hora.
— Tudo o que posso te oferecer é que nossa mentira seja verdade até o
fim da viagem. Depois dela, Jas… — Ele moveu uma mecha para trás da
minha orelha. — Seremos Ollie e Jasmine, melhores amigos que
experimentaram algo juntos, algumas vezes. Nada mais. Ok?
Tentei esconder a insatisfação, mas falhei quando suspirei. Zhang beijou
minha testa.
— Vamos, Z. Não esconda as coisas de mim.
— Estou sendo sincero, Moonshine. Você é a mulher mais forte que
conheço. Mas não importa a sua força, Rhodes, se você se envolver comigo,
vou quebrar você.
O tom preocupado e a seriedade nos seus olhos fez meu coração se
apertar. O que Ollie escondia de mim?
Suspirei, resignada. Eu não imploraria por migalhas de afeto e também
precisava respeitar seu espaço, seu tempo.
— Tudo bem. Aproveitaremos nossas últimas 24h juntos, mesmo que
boa parte dela seja trabalho. Em Brightgate, tudo acaba.
Ele não sorriu dessa vez. Só beijou minha testa e seguiu para o banheiro,
me deixando com o café da manhã na cama. Provei um pouco de um
cappuccino e levei outra uva à boca, quando ele apareceu nu na porta do
banheiro, segurando a boxer como uma oferta. Era impossível não admirar
Oliver Zhang. Parecia esculpido por um perfeccionista.
— Não quer saber o que imaginei naquele chuveiro?
Me espreguicei, fingindo pensar e tentando ignorar a dorzinha chata no
fundo da alma.
— Não sei se consigo andar, sabe? Meu melhor amigo me fodeu forte
demais ontem. Estou dolorida.
Ele me lançou um olhar incrédulo, se aproximando devagar. Ollie pegou
o café da minha mão e o deixou na bancada ao lado da cama.
— Não tem problema, eu te carrego.
E eu gritei quando me pegou nos braços.

Quando tomamos o café, já estava frio e o serviço de quarto estava


batendo à porta. Ollie e eu nos vestimos e deixamos que arrumassem nossa
bagunça. Zhang esperou a porta do elevador se fechar, para levar as mãos
para minha cintura e me trazer para si. Ele não disse nada. Só me abraçou e
afundou a cabeça no meu ombro, inspirando meu perfume. Acariciei seus
braços em torno da minha cintura e seguimos elevador afora. Um
desconforto me fez grunhir baixinho.
— Dói?
O encarei, deslizando a mão por seu braço até entrelaçar os dedos aos
seus. Eu diria “avestruz”, mas levei a sério o lance de tornar a farsa uma
verdade pelas próximas horas e não quis estragar as coisas.
— Pare, Z.
— Não estou brincando. Está doendo? — Ele moveu uma mecha para
trás da minha orelha, me trazendo para si pela cintura e eu suspirei.
— Um pouquinho.
Abriu um sorriso presunçoso e eu grunhi, batendo em seu braço.
— Calma, calma! — Ele agarrou meus pulsos e os passou em torno do
pescoço. — Desculpa, Moonshine. Prometo pegar mais leve mais tarde.
— Não ouse.
Ele riu contra o meu ombro.
O abraço de Oliver Zhang deveria ser encapsulado e vendido. De
verdade. Cura mau humor, depressão e coisas para baixo. Te faz sentir em
casa, protegida e aquecida, em milésimos de segundo.
— Não peça desculpas de novo, por favor. — murmurei, baixinho.
— Força do hábito.
— Não me arrependo de nada.
Senti que ele sorria. Ergui o rosto e tive certeza de que sim.
— Eu sei. O… “Ai meu Deus, Oliver”, “Isso, mete aí”, “Zhang, eu vou
gozar”…
— Fala baixo, Ollie. — bati em seu peito, envergonhada. Ele estremeceu
com uma risada, me envolvendo e acariciando as minhas costas.
—… “Vai, fode” meio que me deixou claro isso. — prosseguiu.
— Ai, meu Deus, eu te odeio! — praguejei, rindo.
— Teve essa também.
Bati em seu peito. Forte. Só o fez rir mais.
— Fodi o mau humor para fora do seu corpo.
— Zhang, estou muito perto de te matar, eu juro.
Ele me calou com um beijo. Depois se afastou, pegando o celular. O
abracei pela cintura, vagamente consciente dos olhares sobre nós dois.
Zhang acariciou minhas costas despreocupadamente.
— Quando é seu primeiro compromisso do dia?
— Começo a me preparar para o desfile depois do almoço.
— Temos duas horas então. — ele disse, erguendo meu queixo. — O que
quer fazer, namorada?
Percebi que era uma péssima ideia tarde demais. Levou pouco mais de
quinze minutos, para lembrarmos que definitivamente não estávamos em
Brightgate. Camberra era a capital. Era enorme. E quando anunciaram que
Oliver e Jasmine estavam pelas ruas, nossos celulares explodiram com
mensagens de Keanu, avisando que tinha um grupo de fãs se formando na
entrada do Museu Nacional.
Aquilo era péssimo. Já tive que apertar sua mão por todo o trajeto,
porque era um uber que nos levava para o destino e não Zhang dirigindo, o
que o deixava ansioso; agora teríamos que conseguir sair dali sem chamar
tanta atenção. Ollie e eu mal tínhamos chegado e eu já o abraçava e pedia
desculpas.
— Tudo bem, Moonshine. — murmurou, acariciando minhas costas. —
Só fico triste por você. Não acontece tudo isso quando estou sozinho. Deve
ser cansativo.
Era. Eu amava meus fãs, definitivamente. Amava com força minha
RhodesNation ou Rhodies, toda maldita forma que escolhiam de se chamar.
Mas às vezes sentia falta de ser um pouco mais livre. Eu costumava ter um
pouco mais de liberdade em casa. E por casa quero dizer do outro lado do
mundo, em Salvador.
—  Sinto falta do Brasil. — falei, baixinho, me afastando. Ele pareceu
entender de onde o pensamento tinha surgido, porque só balançou a cabeça
e beijou minha testa. — Queria mesmo aproveitar a cidade com você.
— E ainda podemos. Vamos caminhar por esse museu, torcer para que
mantenham alguma distância segura e assinar um autógrafo, ou quinhentos,
mas desde que estejamos juntos, já vai ser divertido.
Eu sorri, um pouco melhor. Ollie apertou minha mão e me guiou por
peças que mal sabíamos o que significavam. Ri quando gesticulou para uma
caravela e inventou que tinha sido utilizada para uma festa do The Weeknd
há duas semanas. Ele também apontou para uma escultura estranha e
garantiu que tinha sido construída com massinha de modelar por Hailey
Carlson. Zhang me fazia feliz com facilidade.
Quando avisamos para Keanu que gostaríamos de um carro para voltar
para o hotel, meu coração apertou um pouco. Ollie me abraçou pela cintura
e eu ergui a cabeça, tentada a tomar aqueles lábios com os meus novamente.
Ele leu minha mente com precisão, como sempre.
— Sou seu até o fim da viagem, Jasmine. Pode e deve me beijar quando
quiser.
Seu polegar tracejou o contorno da minha mandíbula e eu me perdi nos
seus olhos por um momento. Percebi como mudaram quando afirmou que
seria meu só até o dia seguinte. Quase como se quisesse que fosse por mais
tempo.
E se fosse por mais tempo? O que o segurava tanto?
Suspirei, ficando na ponta dos pés para capturar sua boca com a minha.
Oliver me beijou devagar e, de algum modo, eu soube que nunca tinha feito
isso com nenhuma outra garota. Quando nossos lábios se separaram, voltei
os pés ao chão e apoiei o queixo em seu peito, aproveitando o roçar dos
seus dedos na minha bochecha, quando moveu uma mecha para trás da
minha orelha.
Algumas horas eram muito pouco para ter Ollie como namorado.
—  Fica comigo hoje? — pedi, baixinho. — Vai ser uma bagunça. Vai ter
maquiadores e ajudantes e fotógrafos no hotel, nos bastidores… Por todos
os lados. Sei que é muito para pedir e com certeza prefere dormir e esperar
o momento do desfile. Mas fica comigo?
Não sei dizer o que me fez pedir. Também não sabia explicar o paradoxo
da dor chata, acompanhada do calorzinho gostoso no meu peito, mas não
queria pensar muito. Sorri quando deduzi que Ollie pensava o mesmo,
assim que beijou minha testa, a ponta do meu nariz e minha boca e disse:
— Quantas vezes vou ter que te dizer que sou todo seu?

Olhei de relance para Zhang, preocupada.


Era para eu me arrumar no quarto da Priyanka e deixá-lo descansar, mas
como disse que ficaria comigo ao longo do dia, tinha pelo menos seis
pessoas no quarto com a gente. Uma pessoa da minha equipe, a Penelope,
conferia o vestido que eu usaria para chegar ao desfile e conversar com a
mídia. Um maquiador cuidava da minha pele, enquanto as ondas do meu
cabelo eram feitas por uma mulher que, visivelmente, era fã de Zhang. Ou
só o achava estupidamente bonito e isso eu não poderia contestar.
Priyanka estava ao telefone, na cama, ouvindo algo que uma funcionária
da Cartier dizia sobre eu chegar ao evento já com uma peça cara que
custaria, pelo menos, metade do meu apartamento. Keanu brigava com
alguém ao celular, na varanda, enquanto um fotógrafo já registrava a minha
preparação para sair do hotel.
Ollie permanecia segurando a minha mão, ao celular, o tempo todo.
— Os desafios de namorar uma estrela, huh? — o maquiador brincou e
Zhang abriu um sorriso contido, acariciando os nós dos meus dedos.
— Vale a pena.
Olhei para o meu celular no meu colo, esperando que a palavra
“avestruz” chegasse em algum momento. Mas Ollie só me enviou uma foto
minha, de frente para um quadro, no museu, com uma pergunta: "posso
postar?”. Quis sorrir para ele, mas logo o maquiador erguia meu queixo,
checando a base antes de seguir para os olhos. Tive meio segundo para
respondê-lo.
 
 Eu: Deve.
 
Zhang sorriu. A cabeleireira se pôs entre nós dois e eu respirei fundo
enquanto cuidava de outra mecha, odiando que isso quase desfez o contato
entre nós. Quase. Tivemos que nos agarrar pelos mindinhos. Ainda assim,
em nenhum momento, Ollie deixou o meu lado. E eu esqueci,
completamente, que tudo aquilo era uma grande mentira.

@TheOliverZhang: Uma obra de arte. E logo em sua frente, um quadro meio estranho.
 
Eu ri, nos bastidores, enquanto meu cabelo era alterado pela segunda vez
no dia. Todas as ondas foram para o espaço, porque me queriam com eles
úmidos e escovados para trás. Não permitiram que Zhang estivesse ali
comigo, muito menos Priyanka. Então eu estava com as demais modelos,
aproveitando o friozinho na barriga sozinha.
Troquei de roupa e substituíram o colar em meu pescoço por um duas
vezes mais pesado. Era de ouro e rubis. Cobria quase todo meu colo. Me
cobriam quase mais do que o enorme paletó que me fizeram vestir. Não
tinha nada senão uma calcinha por baixo e ele estava fechado, deixando que
um decote V profundo anunciasse que eu entraria na passarela vestindo,
quase, apenas uma jóia. As botas escuras eram lindas. Eu queria roubá-las.
Olhei ao redor, procurando por um rosto conhecido. Peguei o celular e
enviei uma mensagem no grupo das garotas.
 
Eu: Não vem mesmo? @Naomi.
 
Carlson enviou uma foto com Bale e Hailey em uma sorveteria. Hailey
estava no colo do pai, com um balde de pipoca de um filme da Marvel,
enquanto fingia que lamberia o sorvete dele. Sorri de orelha a orelha.
 
Naomi: Seguindo os pedidos do marido teimoso e da minha psicóloga, estou reduzindo meu ritmo
de trabalho esse mês. Não conseguimos viajar. Mas arrasa e me conta tudo depois. Te amo.
 
Mel: Conta tudo mesmo. Já transou com o Oliver? Essa foto grita “meu namoro é real” e o lance
de “só tem uma cama” sempre funciona. Sério, Rhodes, deu certo, né? Fala logo.
 
Ignorei Wayne, disse que amava as duas e que o desfile já começaria.
Melissa me bombardeou de mensagens, mas bloqueei a tela e guardei na
minha bolsa, olhando para a maquiagem pesada em frente ao espelho, antes
de fazer um pequeno sinal da cruz. Tudo me lembrava ele. Meu pai fazia
sempre que entraria em cena. Era por ele que eu fazia. Talvez ainda fosse
por ele que eu fazia tudo. Para deixá-lo orgulhoso.
Encarei meu reflexo mais uma vez. Minha pele negra, escura, meus
olhos da mesma cor que o céu na noite, o formato da minha boca... Tinha
tanto do meu pai em cada pedacinho meu.
Respirei fundo, fechando os olhos, e imaginando-o na primeira fila. Até
que chamaram o meu nome e a adrenalina fez minhas veias queimarem. Era
hora de mostrar o que Jasmine Rhodes significava.

Cada passo na passarela me deixava mais viva. Era quase a mesma


emoção de estar em cena. Quase. E o motivo é bem simples.
Claro que tem momentos que eu queria ser notada menos. Mas isso era
do desfile para fora. Do cinema para fora. Não eram poucos os momentos
em que eu queria ser a mais vista. Eu gostava da sensação.
O poder de ter cada olhar sobre mim era inebriante.
Tentando controlar meu coração acelerado a cada passo dado, percebi
Oliver pela minha visão periférica, mas não poderia olhar para ele. Não
diretamente. Esperei até parar ao final do caminho, exibindo a joia cara em
meu pescoço, antes de me virar novamente. Então o vi. O sorrisinho
escapou no meu rosto e eu tive que me esforçar para que sumisse. Oliver
piscou, ciente de que era por causa dele, aplaudindo discretamente.
Eu queria meu pai ao seu lado, comentando sobre sua pimentinha
favorita dominando o mundo. Queria mesmo. Mas ver Oliver Zhang com os
olhos brilhando de orgulho, aquecia meu coração também.
Depois de abrir o desfile, eu me preparei para outra troca de roupa. Meu
celular acendeu, dentro da bolsa, e eu o virei, lendo a notificação na tela.
 
Oliver: Não cansa de ser a melhor em tudo?
 
Mordi um sorriso, tentando ignorar as malditas borboletas no estômago.
 
Eu: Só quando estou por cima de você.
 
Quando voltei para encerrar o desfile, o escrutínio de Oliver me queimou
por cada segundo. Ao fim, ele estava aplaudindo de pé, mas não foi isso o
que mais me fez sorrir. Foi seu olhar me percorrendo de cima a baixo, no
vestido curto, antes de apontar para mim, para si e seus lábios se moverem
em uma única frase.
“Por cima de mim, mais tarde”.
Eu definitivamente gostava quando ele mandava.

— Jasmine! Aqui! — me gritaram, em um tapete vermelho disposto após


o desfile. Eu já tinha conversado com os jornalistas antes, mas agora tinha
alguém comigo e eles claramente se aproveitariam disso.
Olhei para Oliver, insegura.
— Avestruz? — murmurei.
— Avestruz. —  Ele deu de ombros, ciente de que fazia parte do
trabalho.
Nos aproximamos do primeiro repórter. O cara alto abriu um sorriso
enorme por sua sorte e os demais, ao seu redor, se aproximaram como
abutres.
— Boa noite. — disse, antes de mais nada, e eu e Ollie retribuímos
baixinho com sorrisos cordiais. — Antes de tudo, que desfile impecável. O
que acha de Camberra ter sido escolhida pela Cartier dessa vez?
— Acho incrível! Queria que mais eventos de moda acontecessem pela
Austrália. Amo viajar, mas temos cidades que podem oferecer tanto quanto
Nova York e Paris. — Posso ter forçado um pouquinho, mas o repórter
sorriu de qualquer forma.
— O Brasil também?
— Sim! Adoraria ter a oportunidade de desfilar por lá. Sinto muita falta.
A gente estava até falando disso hoje, certo, amor?
Oliver travou. Ele piscou algumas vezes, levando os olhos para mim.
— Ollie?
Ele abriu a boca, mas tudo que escapou foi um sorriso enorme. Zhang
ficou vermelho imediatamente, limpando a garganta.
— Perdão, mas a beleza dessa mulher me desconfigura algumas vezes.
— ele disse, segurando minha mão. — Sentimos falta do Brasil, com
certeza.
—  E o que diz do seu primeiro evento público como namorado da
Jasmine? Finalmente pôde aplaudi-la sem esconder nada, certo?
— Com certeza. — Apertei sua mão, percebendo sua tensão. — Não que
em algum momento eu tenha deixado de aplaudir de pé o talento dessa
mulher, certo? Mas poder fazer isso, ciente de que todos sabem que ela é
minha é… Indescritível.
Meu estômago se revirou.
— Melhorou seu humor, diante dos últimos acontecimentos? —  outra
repórter questionou, quase gritando. Ai, Deus, eles iam perguntar mesmo da
expulsão?
— Certamente sim. — Ollie respondeu, aparentemente inabalado. Mas
eu sabia perceber os sinais. Seu cenho se franzia minimamente e seu tom
alterava para um pouco mais baixo. —  Eu precisava de um momento para
colocar a cabeça no lugar e ninguém me ajuda mais nisso do que a Jasmine.
— Não estamos felizes pela expulsão. — interferi. — Mas Ollie foi
punido e espero que o idiota que o socou também. Afinal, um soco é mais
grave do que um mero empurrão, certo? — Oliver apertou minha mão, para
que eu me acalmasse. — Enfim, estou fazendo meu melhor para lembrá-lo
que um acontecimento não o define e tem um motivo para ele ser o melhor
jogador em toda a Austrália.
— Jasmine, o que diz sobre os tweets do seu antigo colega de elenco
afirmando que tudo isso é um teatro? As indiretas do Cole são para você,
certo?
Abri a boca, em choque. Cole estava tweetando sobre nós? Quando?
— Bom, espero que não seja sobre mim ou sobre nós, porque prezo pelo
profissionalismo. Mas se for, digo que sinto muito por ele e sua obsessão.
— falei, tentando manter a serenidade. — Afinal, ele precisa de ajuda. Por
mais que ele tenha falado mal de mim nas últimas semanas, espero sempre
o melhor para as pessoas e Cole precisa de ajuda profissional para estar
bem. Ele sabe disso. Também sabe que o afastamento da produção se deve a
isso e que tentar atingir outras pessoas não vai mudar em nada sua situação.
Estou feliz com Zhang. Espero que Cole fique bem e, quem sabe, encontre
alguém, como eu encontrei.
Eu tinha mexido em um vespeiro. Percebi isso assim que acabei de falar.
Não o ataquei, mantive a classe, mas mexi com Cole mais uma vez. Ele
contra-atacaria em sua vingança sem sentido. Poderia demorar, mas
aconteceria em algum momento.
— Chega de perguntas. — Priyanka falou, parando entre nós e os
jornalistas, nitidamente descontente com minha resposta. — Algumas fotos,
sim? —  pediu.
Oliver segurou minha cintura e me guiou para o centro do tapete,
conforme me pediam para sorrir. Mas eu não conseguia. Não por um
momento.
— Olhe para mim. — pediu, segurando meu queixo. Soltei o ar pelo
nariz, nervosa. — Você foi bem. Estou orgulhoso. Foda-se, Cole O’Connell.
Assenti, retomando o foco. E então fingi que estava bem para as
câmeras.

Tirei os saltos assim que entramos no quarto, limpo e organizado, graças


a Deus. Oliver e eu nos recusamos a lidar com a festa após o desfile, depois
daquelas perguntas. Nos recusamos também a falar de trabalho com Keanu
e Priyanka, porque tínhamos poucas horas juntos até partirmos no dia
seguinte.
Me sentei na cama, levando as mãos ao rosto. Cansada. Exausta. Brava.
Senti duas mãos tocarem meus joelhos, anéis gelados sobre eles,
conforme Zhang acariciava a minha pele.
— Eu odeio esse cara. — confessei, baixinho.
— Eu sei.
— Realmente desejo que ele evolua, melhore, trate as dependências dele
e a porra da obsessão que criou sobre mim, mas eu odeio esse cara.
— Eu sei.
Ollie tirou minhas mãos do rosto e eu apoiei a cabeça sobre a sua.
Cansada. Exausta. Muito frustrada.
— E você poderia ter dito que aquele desgraçado foi racista com você
em campo.
— Poderia. Mas sou capitão do time e preciso me esforçar para me
manter longe de problemas. Por mais que eu queira dizer para todo mundo
de novo o que Gruntman fez, da última vez não deu em nada. Agora não vai
dar em nada. Vão me culpar como se eu fosse o problema, Jasmine. Já
fazem isso. Se eu abrir a boca e interpretarem uma palavra sequer errada,
vou ferrar o time. Já sei que o cara me socou, no máximo vai ser suspenso
por alguns jogos e depois voltar a trabalhar como se nada tivesse
acontecido. Não tem ninguém xingando-o online, apenas querendo fofocas.
Comigo é diferente e você sabe. Dizem que eu comecei tudo. Que eu o
agredi primeiro. No futebol, por aqui, ainda enxergam o preconceito como
uma culpa da vítima e não do agressor. Quero mudar isso. Mas até descobrir
o caminho certo, tenho que ter cuidado, Moonshine. É minha carreira. E
mais do que isso, preciso estar bem para garantir que os outros Ollies do
futuro terão espaço.
— Eu odeio essa indústria. — falei, sabendo que ele não estava
exatamente errado. — Esporte, cinema… No fim ainda estamos nos
fodendo por toda essa merda o tempo todo.
— Eu sei. Ei, olhe para mim. — pediu e ergueu o meu queixo. — Se
você queima, eu queimo. Lembra? — Sua mão levou meus dedos em torno
de seu pescoço, tocando a fênix tatuada em sua pele. — Vamos ressurgir
das cinzas e foder esses filhos da puta, ok?
Assenti, mesmo exausta.
— Vem cá. — pediu, já passando meus braços em torno do seu pescoço.
E eu o abracei. O abracei com força. Ollie suspirou, beijando meu ombro
algumas vezes.
Depois me beijou, devagar, me fazendo suspirar. Eu estava cansada e
triste demais para considerar sexo e, por algum motivo, me surpreendi
porque não sugeriu me animar dessa forma. Ele me guiou para o banheiro e
me perguntou com um olhar se poderia me despir. Tirou nossas roupas com
cuidado, eu estaria mentindo se dissesse que seu toque não me fez queimar.
Mas, uma vez debaixo do chuveiro, Zhang só me ajudou a tirar a
maquiagem, a relaxar com a água quente, a ensaboar todo o corpo. E uma
vez na mesma cama, vestidos, ele só passou uma perna e um braço meus
por cima do seu corpo, me mantendo segura e aquecida, enroscada nele.
Nenhum de nós falou mais nada. Honestamente, nem precisava.
Adormecemos acariciando um ao outro, em silêncio, apreciando o calor de
um corpo contra o outro sob os lençóis, em uma noite fria. Ele me beijou
algumas vezes, eu o beijei de volta e a última lembrança que tive antes de
apagar foi de sorrir com o vislumbre do seu sorriso. Aquilo era
surpreendentemente quase tão bom quanto sexo com ele.
Quase.
 
“Se eu estivesse morrendo de joelhos
Você seria aquele que me salvaria
E se você estivesse afogado no mar
Eu te daria meus pulmões, para que você pudesse respirar”
Brother – Kodaline
 

Geralmente, quando acordava com uma garota na cama, eu queria que


ela fosse embora. Quando acordei com Jasmine nos meus braços, sua
cabeça em meu peito enquanto abraçava minha cintura… Eu não queria
quebrar aquele momento, nem mesmo com a dormência fodida do meu
ombro direito para baixo.
Seus cílios não tremiam, seus lábios formavam um biquinho engraçado e
vez ou outra ela se ajeitava, me apertando mais forte. Como se nunca
quisesse me deixar ir. E eu entendia, entendia mesmo.
Quando despertou, bocejando e fazendo uma careta por acordar
descabelada ao meu lado, eu ri baixinho. Rhodes empurrou meu rosto para
o lado, sem querer que eu a visse daquele jeito, mas tudo que fiz foi
mordiscar seus dedos e puxá-la mais para perto. Alguns resmungos depois,
ela estava rendida. Acho que teve algo a ver com meus beijos em seu
pescoço, quando a puxei para cima de mim e a abracei. Tinha uma ereção
matinal em sua barriga e Jasmine engasgou, ciente disso, mas algo em meu
rosto deve ter dito para que ignorasse, porque voltou a deitar a cabeça em
meu peito.
Tínhamos que arrumar as malas e voltar para Brightgate. Ficamos
grudados em silêncio até que Keanu espancasse a porta, nos lembrando
disso.
Nenhum dos dois queria dizer nada. Nem no banho, nem quando
tomamos café no aeroporto, muito menos quando ignoramos os paparazzis
na fila para a sala de embarque ou quando entramos na primeira classe do
avião. Ao contrário da viagem de ida, Jasmine aceitou meus fones. Mas
mesmo com um rap estourando em nossos ouvidos, ela não quis nenhuma
competição boba. Rhodes só deitou a cabeça no meu ombro. Eu entrelacei
os dedos aos seus e engoli o nó fodido em minha garganta.
Foram as melhores 48h que tive em muito tempo. Vivemos em uma
bolha utópica e só nossa, em que até mesmo as imperfeições foram
perfeitas. Talvez, quando os seis meses acabassem e eu contasse toda a
verdade, eu poderia reconquistar minha melhor amiga e tentar ter mais
horas como aquelas. Queria isso. Queria pra caralho.
Quando desembarcamos, Rhodes e eu paramos frente a frente na saída
do aeroporto. Eu iria direto para o treinamento, mesmo cansado. Ela iria
para casa. Ainda éramos Ollie e Jasmine, ainda éramos melhores amigos.
Mas algo doía.
— Avestruz. — avisei, ciente de que tinha alguém com uma câmera
apontada para nós dois atrás de um dos carros. Rhodes ergueu o rosto para
mim e quase me desmanchei com a melancolia no seu semblante. Beijá-la
por teatro era triste. Beijá-la por beijá-la era um paraíso.
Ela me abraçou forte e não pareceu teatro. Eu beijei sua testa e não foi
teatro. Quando ergueu o rosto para mim e seus lábios colidiram nos meus,
toda a volúpia no meu sangue não pareceu tão errada. O que pareceu foi o
momento em que nossas bocas se separaram.
— Podemos fazer uma competição. — ela disse, baixinho, abrindo um
sorriso e eu reconheci sua atuação, por mais excelente que fosse. Poderia
mentir para todo mundo, mas Jasmine jamais conseguiria fazer o brilho nos
seus olhos serem ilegíveis para mim. Ela estava triste.
— É? Que competição?
— De quem vai ser mais criativo tentando fazer essa viagem e todo o
sexo de explodir a cabeça, não tornar nada estranho entre nós.
Segurei a piadinha sobre o sexo. Afastei uma mecha do seu rosto para
apreciá-lo melhor.
— Se eu ganhar, eu uso uma camiseta com o seu rosto por uma semana.
— ela disse. — Se você ganhar, você cozinha para mim.
— Só isso?
— Só? Eu amo quando você cozinha.
Olhei no fundo dos seus olhos. Algo em mim se partiu com a ideia de
deixá-la se afastar, por um segundo que fosse. Sem beijar sua boca sem que
fosse teatro, sem abraçá-la e encher seu pescoço de mordidas até que
gargalhasse. Sem brincar sobre como a fodi naquele hotel e vê-la ameaçar
me esganar com aquelas mãozinhas delicadas pra caralho.
— Oliver! — Keanu chamou e eu desviei o olhar de Rhodes só por um
segundo. Priyanka também estava em frente a um carro, com a porta aberta,
esperando. E eu senti que eles faziam aquilo há algum tempo. Eles sabiam
que estávamos nos despedindo de algo.
Encarei minha vizinha, minha melhor amiga, minha brasileirinha
favorita, me preparando para voltar a tratar a mentira como o que ela era.
— Te vejo mais tarde, Moonshine.
Ela me puxou para perto mais uma vez, beijando minha bochecha, antes
de me deixar partir.
— Te vejo mais tarde, Ollie.
Finalmente a deixei no aeroporto, ciente de que me encarava antes de
entrar em seu carro. Mal respondi Keanu até o centro de treinamento. Me
esforcei no treino de velocidade, pela manhã, e na musculação na academia,
pela tarde. Tentei parecer focado na reunião, pela noite, em que discutiam
meu comportamento em campo e me alertavam mais uma vez sobre a
braçadeira de capitão. Porém, eu só pensava nela.
Quando cheguei em casa e encontrei uma caixa em frente a porta, com
uma foto nossa no desfile, dois dias antes, eu sorri, apesar do coração
pesado. A desembrulhei e encontrei um bolo de tapioca, com palavras
escritas com brigadeiro e granulado — que eu amava, mas a própria
brasileira não: “Não me ignore, eu chupei seu pinto”. Gargalhei, ciente de
que ela ouvia da sala do seu apartamento, e só depois entrei em casa.
Assim que a porta se fechou, eu percebi que jamais ganharia dela
naquela disputa. Não tinha a menor chance de sair como vencedor. Porque
pela primeira vez na vida, eu comecei a entender o que sentia. Não era
atração. E se eu estivesse mesmo, apaixonado pela minha melhor amiga?

Jasmine estava ganhando.


Eu enviei, como resposta, uma caixa de vidro com uma foto minha, sem
camisa, e um martelo pequeno de brinquedo. Era uma daquelas coisas
bregas que normalmente diziam “quebre se sentir saudade”, mas troquei por
“bata uma se sentir saudade”. Rhodes me enviou a foto do dedo do meio.
Era uma brincadeira engraçada. E perigosa. Percebi isso quando apareceu
no campo, no próximo jogo, com uma camiseta do time que tinha “Jasmine
Rhodes fode melhor do que eu jogo” nas costas. Logo abaixo “diz Oliver
Zhang”. Eu poderia tentar esquecer disso, mas apareceu no telão e em todas
as páginas de fofoca.
Rhodes era competitiva. Mais do que eu e isso é dizer muito. O foda é
que nenhum de nós dois sentia vergonha de porra alguma em 90% das
vezes. Então, não dávamos a mínima se saíssemos do limite daquela forma.
Era bom, até. Envolvia pessoas na mentira.
No meu segundo jogo, indo para o campo, duas semanas depois da
viagem e de ter reconhecido que estava apaixonado pela mulher que eu
jamais teria… Como de costume, preferi ficar longe das redes sociais até o
momento da partida. Falhei quando estávamos perto do estádio, porque tirei
meu celular do modo avião e ele explodiu de notificações, enquanto eu
ainda estava no ônibus do time.
Eram oito chamadas perdidas da Naomi. Ao menos seis do Damian, o
mesmo do Mike e dez mensagens de texto da Melissa. Pensei que Rhodes
não tinha mandado nada, mas isso não me deixou menos preocupado. Abri
o grupo que tínhamos juntos e meu coração disparou.
 
Naomi: Ollie, ela está na cidade e quer ver o jogo. Desculpa, estou tentando impedir.
 
Damian: Não é nada mal ela estar na cidade, é? Ela ainda é nossa amiga.
 
Jasmine: Meu celular está descarregando. Gianna está na cidade?
 
Mel: Estava com a gente mais cedo. Apareceu na minha casa, de surpresa.
 
Mike: Gente… Eu acho que ela vai ficar.
 
Damian: Ficar tipo… para sempre?
 
Naomi: Isso é bom, certo? Sinto falta dela. Ela me mandou mensagens, quer ir para o jogo, quer
nos ver e não pretende ir embora. Acho bom. Talvez seja um bom primeiro passo para Ollie e Olsen.
 
O ônibus parou, em frente ao estádio. Como de praxe, a comissão
técnica saiu primeiro. Os jogadores das primeiras fileiras também e eu só
fiquei parado, pensando que a responsabilidade era dobrada agora.
Quando Gianna Olsen estava em Brightgate, eu a evitava. Fiz terapia ao
longo dos anos e não mentia quando falava que ainda voltava no grupo de
apoio, raramente, quando sentia falta. Mas se tem uma coisa que eu de fato
não consegui superar até aquele momento, era a culpa quando eu a olhava.
Olsen não conseguia ter nenhum relacionamento longo. Nada parecia
certo. Nada parecia ele. Ela detestava ficar mais do que três dias em
Brightgate. Repudiava. Sempre sumia após visitar a família de Ramsey.
Nem mesmo atendia ligações. Quando ia para a praia com as garotas, não
surfava mais.
A morte do Brandon a quebrou de uma forma irrecuperável. Gianna não
superava. Ela vivia, de certo, mas jamais surfava, se permitia se apaixonar
ou mesmo apreciava Brightgate. E essas eram as três coisas que Gianna
Olsen mais adorava sobre a vida, cinco anos antes, em suas próprias
palavras: surf, amor e Brightgate.
Brandon morreu e nada disso fez mais sentido.
Eu me sentia culpado. Eu sentia que poderia ter impedido. Toda vez que
Gianna estava na cidade, eu revivia a porra do luto. Ela costumava ser
minha amiga, talvez a melhor, antes de Jasmine. Cinco anos depois e eu não
conseguia nem olhar para ela. Sentia sua falta. Sabia que era mútuo. Mas
era dor demais.
Gianna era uma das minhas falhas. Eu dizia que abandonava lugares e
jamais pessoas, mas eu a abandonei, de certa forma. Senti que era um peso
em sua vida, então sumi.
Por que ela estava de volta? E para ficar?
— Ollie. — o treinador me chamou, mas minha visão estava borrada e
eu não conseguia sair do lugar. — Oliver. Droga. Oliver.
Eu sabia o que aquilo era. Era uma crise. Eu não tinha uma há quatro
anos. Eu estava em um carro, de frente para o estádio, sem conseguir
respirar. Por causa do maldito acidente.
— Chamem Jasmine. Chamem Jasmine Rhodes. Agora! —  alguém
gritou, mas eu não reconhecia. Não conseguia sair do lugar. Minutos se
passavam. Eu deveria estar me vestindo. Deveria me aquecer para entrar em
campo.
— Ei, ei… — Tive um vislumbre de alguém disparando por entre os
bancos do ônibus, correndo, desesperada. Jasmine se ajoelhou, segurando
meu rosto, me fazendo encará-la. Eu finalmente consegui respirar. — Ei,
isso, isso… Conta até quatro, vamos. — Fiz, mentalmente, tentando
inspirar. — Agora até oito. Isso, Oliver. Você consegue. Expira, Ollie, isso.
— Soltei o ar, devagar, tremendo.
Jasmine trocou um olhar com a minha irmã. Riley estava com um boné
do time, de pé, apoiada em um dos bancos, me encarando sem nem piscar.
Preocupada.
— Meu celular estava descarregado, tentei falar com ele pelo da Naomi.
Tentei chegar aos vestiários.
— Ainda bem que te encontraram. Gritei por você, só você o tira disso.
Tentei tirar o cinto e não consegui.
— Calma, calma… — Jasmine fez isso por mim e segurou minhas mãos,
firme. — Ei, calma. Respira. Gianna está aqui. Eu sei que mexe com sua
cabeça. Eu sei disso. Mas ela está bem, está orgulhosa de você e quer te ver
jogar. Entendo se não conseguir. Entendo se não puder entrar em campo.
Todo mundo vai entender. Mas você consegue, capitão. Você sabe que
consegue. É sua amiga, Ollie. Ela te ama. Ela sempre vai amar você. Não
precisa ficar nervoso.
— Foi minha culpa.
— Não foi. — ela disse, firme, mas Rhodes não sabia da história toda.
Ela não sabia.
Jasmine se sentou no meu colo, erguendo meu rosto e me fazendo
encarar o fundo dos seus olhos.
— Você não matou Brandon Ramsey. Você o amou profundamente e ele
te amou de volta. Ele está na sua camisa, no seu coração, do mesmo lado
que o emblema do time. Se entrar em campo, Ollie, vai entrar com ele e
sabe disso. Gianna sabe disso. Vai fazer ambos felizes e orgulhosos. Gianna
sabe que você o amou, o ama e o carrega por onde vai. Você é maior que
sua ansiedade e seu nervosismo, ok? Você está bem, está seguro e está vivo,
Brandon está contigo. É totalmente capaz de jogar esse jogo, com ou sem
Gianna na arquibancada.
Ela ergueu um pouco mais o meu rosto, me fazendo me perder na noite
escura que eram seus olhos.
— Você é gigante, Oliver Zhang.
Eu suspirei, assentindo. Rhodes uniu minha testa à sua.
Um minuto se passou e então dois. Três. Talvez quatro.
— Ele tem condições de jogar? — alguém questionou, à porta do ônibus.
Fui eu quem respondi:
— Tenho.

Fiz minha oração de sempre, sentado, em frente à camisa de Ramsey.


Cantaram o hino do time durante o aquecimento. Cantaram uma música
que criaram para Brandon quando mostraram Gianna no telão. Seu cabelo
era curto agora, na altura dos ombros. Carlson e Wayne seguravam suas
mãos, Jasmine em uma fileira logo à frente, ao lado dos garotos. Mike
carregava Hailey, que tinha o rosto pintado de branco e preto, com uma
mãozinha de espuma que dizia “Oliver Zhang, fã número um”.
Eu tentava me alongar com Seth, e ele me dizia, baixinho, que não
importava o que diziam fora do estádio: eu era o capitão. Eles confiavam
em mim. Sabiam o que eu significava para a equipe e para o futebol
Australiano. Sabiam que Brandon estava comigo. Que lutariam comigo para
ganhar aquela partida, mas mesmo se não conseguisse, isso não me tornaria
um mal jogador.
Eu assentia, tentando focar em todas as táticas que o treinador havia
passado.
Não ajudava muito que o time adversário fosse o Westville Fury. Nossos
maiores rivais. Eles não pareciam acanhados pelas arquibancadas tremendo
e preenchidas de camisas brancas ou pretas do nosso time. Os camisas-
roxas eram minoria, mas nos encaravam como se fossemos nada.
Voltei para o vestiário, pegando a camisa do jogo. Virei-a por um
momento.
Oliver Zhang T. 03. Em memória de Brandon Ramsey.
— Uma águia engole aquele Barneyzinho sem pensar duas vezes. —
Seth debochou, ao meu lado, fazendo alusão ao fato de que o nosso mascote
era uma águia, enqaunto Westville realmente tinha um dinossauro roxo
como representante. Eu sorri.
— É o que veremos.
Tentei espantar o nervosismo ao entrar em campo, com uma criancinha
de três anos saltitando. Ela olhava para mim, empolgada, e eu sorri de volta.
Ao menos alguém estava leve.
Passadas todas as cerimônias antes do jogo, eu olhei para onde Rhodes
estava. Vi que eu estava no telão. Apontei para ela, para mim, para o telão e
deixei que lesse as palavras na minha boca: “Me chame de capitão de
novo”.
Jas gargalhou, levando as mãos à boca e gritando a palavra com toda a
força em seus pulmões. A multidão foi à loucura e eu me posicionei em
campo, olhando para os adversários com pura fome.
Por Brandon, por Gianna, por mim, eu ganharia aquele jogo.
Não tinha outra opção.

Ainda estávamos empatados no segundo tempo.


Eles eram agressivos. Pra caralho.
Fizeram mais uma falta em mim, a um metro da grande área. Eu gritei,
segurando a canela. Seth avançou para cima do jogador que recebia cartão
amarelo e o juiz teve que separar os dois, enquanto outros adversários
tinham a cara de pau de dizer que nada tinha acontecido. O cara
literalmente chutou o caralho da minha perna.
Jordan me ajudou a levantar e eu gemi de dor, odiando que minhas
costas também tivessem se arrastado pela grama com força. Ele perguntou
se eu estava bem duas vezes e eu assenti, tirando o cabelo de frente do rosto
e tentando amarrar aquela porcaria de novo. Puto.
Ergui o olhar para onde Rhodes estava, perto do gol adversário, e ela
estava xingando pra caralho. Para a minha surpresa, ela estava xingando
junto com Gianna, ambas putas apontando para o campo. Um torcedor
adversário tentou mexer com elas e Melissa as segurou, antes que
literalmente caíssem na porrada com ele. Eu sorri. Ao menos não era o
único bravo com aquilo tudo.
— Quem vai cobrar? — Seth perguntou e eu levantei a mão.
— Treino para isso.
Ele colocou a bola onde foi indicado. A barreira se formava onde o juiz
riscava o chão, se afastando para que todos se posicionassem. Eu coloquei
as mãos na cintura, me afastando da bola e esperando.
Olhei ao redor e fiz um sinal, levando o indicador à boca, para que todo
o estádio fizesse silêncio. Os torcedores do Westville foram os únicos que
desobedeceram, mas eles eram poucos. Não me afetavam.
Treinei mil vezes de posições parecidas. Eu estava pronto. Pior, eu
estava seguro. E não existe ninguém mais filho da puta do que Oliver
Zhang preparado.
O juiz apitou.
Eu respirei fundo, me afastando. Lembrei de Brandon, de como ele
secava o suor com a camisa antes das cobranças e fiz o que ele faria.
Lembrei de como respirava fundo antes de cobrá-las nos treinos e me
olhava, com um sorriso presunçoso, dizendo: “Assiste e aprende”. Eu
aprendi.
Avancei em direção à bola, mas parei só por um milissegundo, assistindo
a zaga bagunçada. Minha torcida costumava dizer que um milissegundo é
tudo o que precisa para uma águia encontrar sua presa.
Chutei.
A bola fez um arco perfeito ao lado da barreira, entrando no canto
superior do gol.
O goleiro não tinha chances.
Meus olhos arderam imediatamente e eu corri. Corri em direção à minha
família, levando as mãos ao ouvido, querendo ouvir se algum rival ainda
gritava. Não. Apenas Brightgate, inteira. Olhei para Olsen, apontei para ela
e me virei, abrindo os braços e deixando que lesse. Encarei o céu, uma
única estrela aparecendo na noite escura. A mais brilhante.
Eu aprendi, seu idiota do caralho.
E o imaginei rindo, bagunçando meu cabelo, e dizendo “Estou vendo,
Zhang, estou vendo”.

— Quase encostei bem de leve o carro, no de uma torcedora gostosa pra


caralho lá embaixo. — Keanu contou, caminhando pela minha sala. Eu
vesti uma camiseta branca, após sair do banho, gemendo baixinho de dor
pelo machucado nas minhas costas. Eu caí feio. Mesmo. Precisaria colocar
gelo por algumas semanas. — Ela estava puta, mas era tão linda, Zhang.
Porra. Juro mesmo.
Eu o ignorei. Não era incomum que o idiota desse em cima das minhas
vizinhas.
— Cabelo curto, bunda de milhões, olhos esverdeados, pele bronzeada…
Morena linda do caralho e por que diabos toda mulher fica mais gostosa
quando está brava?
— Já acabou? Estamos atrasados. — reclamei, apesar de não lembrar de
nenhuma moradora com aquelas características.
— A comemoração é no apartamento da frente.
— Mesmo assim. Estamos atrasados.
Jasmine insistiu em fazer uma pequena noite de comemoração pelo jogo
ganho. Eu aceitei, porque não tinha treino na manhã seguinte e precisava de
uma cerveja. Precisava espairecer. Precisava tomar coragem antes de
conversar com a Gianna, se ela estava de volta e tinha visto aquele jogo.
Eram quase cinco anos de falta de comunicação, por minha culpa.
Aquela crise de ansiedade de mais cedo tinha drenado minhas energias, eu
nem sei como consegui jogar e cobrar aquela falta. Mas aconteceu.
Abri a porta do apartamento de Rhodes, inspirando o cheiro de comida
brasileira e ouvindo minha playlist favorita. Nossos amigos gargalhavam,
em meio às conversas, distribuídos pela sala, quando uma criatura disparou
em minha direção.
— Tio Ollie!
— Minha peixinha favorita! — Carreguei Hailey imediatamente,
enchendo seu pescoço de beijos. Ela gargalhou com as cócegas, apertando
meu rosto, com um sorriso de orelha a orelha. — Viu o gol que fiz para
você?
— Não foi para o tio Brandie?
— Foi para ele. E para você — contei, balançando a cabeça. — E para a
sua mamãe. E para a titia Mel. E para o seu papai, para aquele nerd
chatinho que você chama de tio…
— E para a tia Jazzy…
— E para a tia Jazzy!
— E para a tia Gigi? — Ela olhou por cima do ombro e a sala caiu em
um silêncio quase absoluto. Eminem ainda cantava Lose Yourself na caixa
de som. Gianna estava apoiada na mesa de jantar, segurando uma garrafa de
cerveja.
— E para a tia Gigi. — confessei, colocando a pequena no chão.
— Caralho, é a vizinha gostosa. — Keanu murmurou e eu o encarei. O
cara de cabelos longos os jogou para trás, pigarreando. O empresário durão
pra caralho parecia a um segundo de uma síncope.
— Esse motorista pior do que a Mel é seu amigo? — Gianna debochou,
se aproximando.
— Ei! — Melissa protestou, fazendo todo mundo rir.
— Eu dirijo melhor do que isso. — Keanu se defendeu.
— Você nem sabe pedir desculpas, quanto mais dirigir. — Gigi rebateu
Keanu, que geralmente ficaria puto, mas só sorriu, maravilhado. O ignorei,
voltando a encarar Olsen. —  Ei, Ollie.
— Veio para ficar, huh? Do nada?
Ela suspirou.
— Longa história.
— Eu tenho tempo.
Olsen sorriu, com os olhos marejados, antes de jogar os braços em torno
do meu pescoço. A abracei de volta, apertado, pensando em qual das
milhares de frases ensaiadas nos últimos anos, que eu diria primeiro.
— Senti sua falta. — ela começou e eu ri, encontrando Jasmine,
finalmente. Rhodes tinha duas lágrimas escorrendo pelo rosto, segurando
uma garrafa de cerveja, para mim. Sua taça de vinho já estava sobre a mesa,
bem ao seu lado. Ela acenou com a cabeça, em encorajamento, me guiando
como sempre, sem nem saber… e eu encontrei as palavras certas.
— Também senti sua falta, Gigi. Muito.
 
Gianna ainda me abraçava, forte. Sem saber o que fazer, a abracei na
mesma intensidade.
Apoiando o queixo em sua cabeça, lancei um olhar pela sala. Mike e Mel
estavam no tapete, perto do ursinho de pelúcia favorito da Hailey. Sobre o
sofá, Bale estava debruçado sobre o colo da Naomi, bebendo sua cerveja,
enquanto Carlson preferia vinho branco. Hailey estava ocupada puxando a
calça de Keanu, dizendo que precisávamos de privacidade, mesmo que a
sala inteira nos assistisse e… Rhodes sorria, em paz, sem tirar os olhos de
nós dois.
— Só um momento, ok? Já volto. — pedi para Gigi, beijando sua testa
ao me desprender dos seus braços. Caminhei para Jasmine e ela se desfez
da garrafa de cerveja, ciente do que eu precisava mais do que tudo. Só um
abraço. Ela leu isso imediatamente e eu simplesmente soube.
Ao mesmo tempo em que Rhodes ergueu os braços e os passou sobre
meus ombros, eu passei os meus em torno da sua cintura, a trazendo para
perto. Tomei um pouco da sua coragem, antes de uma das conversas mais
importantes da minha vida. Fechei meus olhos, senti seu cheiro, beijei seu
rosto. E por mais que a tentação de beijá-la seguisse mais forte do que
nunca, era da minha melhor amiga que eu precisava.
— Você foi gigante em campo. — disse, se afastando só para olhar meu
rosto melhor. Com o nariz perto do seu, foquei em seus olhos. — Mesmo.
— Obrigado.
Ela sabia porquê. Eu não teria conseguido se não tivesse invadido aquele
ônibus como um tornado. Rhodes só sorriu fraco, movendo os fios teimosos
que caíam pela minha testa para me encarar melhor, com ternura.
— Sua amiga está esperando. — lembrou, baixinho, com um sorriso
encorajador. — Se quiser contar tudo para ela, conte.
— E o contrato?
— É só um pedaço de papel. Se quiser fazer um para ela, a gente faz. O
que importa é que esteja bem. — Beijei sua testa, mesmo que seus lábios
estivessem logo ali. Ela me afastou, devagar. — Vá, capitão.
Recuei, sorrindo. Passei pelo sofá e Bale ergueu a mão e eu choquei
contra a dele, antes de parar em frente de Gianna e salvá-la das cantadas
desesperadas de Keanu.
— Tem algum lugar que possamos conversar? —  ela perguntou,
envergonhada.
— Qualquer quarto, escritório… Se sinta em casa, Gianna —  Rhodes
disse.
Gigi lançou um sorriso tímido de agradecimento para Rhodes e eu
observei o grupo inteiro, ainda meio travado. Mel sorriu para mim em
encorajamento, seus lábios se movendo em um “vá” sem som. Obedeci,
meio sem jeito.
— A varanda é legal e a porta é à prova de fofoqueiros. — ofereci e
Olsen riu. Sem jeito, puxei Gianna pela mão. Ela me seguiu, olhando por
cima do ombro com uma careta.
— Aquele seu amigo não para de olhar para mim, huh?
— É meu empresário.
— Trocou? Graças a Deus. Aquele maluco que cuidava de você e do
Brandon me deixava surtada, lembra? — Eu ri, concordando. Então abri a
porta da varanda e Olsen entrou, assobiando. — Caralho, que vista!
— Pois é. Moro no apartamento do outro lado.
— Riquinho do caralho.
Gargalhei e me sentei sobre um pequeno sofá, observando as estrelas.
Olsen fez o mesmo, bem do meu lado. Ela apoiou uma mão sobre a minha,
em minha coxa, observando os meus dedos.
— Céus, não tem mais um centímetro de pele não coberto por tatuagens.
— Seus olhos estavam marejados e seu sorriso ocupava quase o rosto
inteiro. Aquela frase dizia “você mudou, Ollie”. Ela também. Não só pelo
cabelo curto, mas havia algo mais maduro sobre seu rosto. Meu coração se
apertou com tudo o que poderia ter dito nos últimos cinco anos. Com a
imagem de Gianna por perto, sem sinais de Ramsey, exceto pelo anel de
esmeralda na mão direita, sobre a minha.
Wayne tinha um colar com uma joia do mesmo tamanho que não saía do
seu pescoço. Carlson tinha uma pulseira, discreta, com uma pequena pedra
esverdeada. Dentro das joias estavam as cinzas de Ramsey. Eu herdei uma
joia parecida com a da Mel, mas nunca tive coragem de usar. Tinha medo
que se quebrasse ou se perdesse. Estava na mesinha do lado da minha cama.
Evitei olhar em seu rosto novamente, quando um peso enorme caiu sobre
as minhas costas. Respirar se tornou difícil. Muito difícil. Meus pulmões
tentavam se expandir, mas não conseguiam, porque eu concentrava toda as
minhas energias em tentar não quebrar. Até que falhei.
As primeiras lágrimas escaparam pelos olhos, que queimavam.
Escorreram pelas minhas bochechas até caírem no meu colo e tentei limpar
tarde demais. Apertei os olhos, abaixando a cabeça, envergonhado pra
caralho.
— Me desculpa. — foi tudo o que consegui dizer, antes de deixar o
primeiro soluço escapar. Tremi assim que comecei a desabar e Gianna se
virou para mim, acariciando meu cabelo com o mesmo cuidado de sempre.
Eu quase me encolhi, sentindo que não merecia sua compaixão. Não
merecia nada daquilo. — Me desculpa, Gigi, eu te abandonei. Te deixei ir.
Mas eu não consigo olhar para você às vezes. Dói demais.
— Shh… Ei, eu sei. Mas preciso que se esforce um pouquinho, Zhang-
Boo. Preciso que tente, ok? Respire fundo, bem fundo. E tente. — Me
esforcei para isso e ela sorriu, mesmo com o rosto encharcado por lágrimas.
— Também me dói te ver sem ele, Ollie. Também te evitei por um tempo,
isso aqui não foi unilateral, Zhang. O bom é que amadurecemos e podemos
mudar isso, não podemos? Meu coração ainda sangra. Mas você foi um dos
meus melhores amigos e eu estou de volta e não quero perder mais nenhum
segundo. Ele nos diria isso, não?
Assenti, voltando a abaixar a cabeça para chorar. Gianna me abraçou
pelo pescoço, respeitando meu tempo. Eu chorei por algum tempo,
buscando as palavras certas. Mas era como estar em um labirinto sem
encontrar saída.
— Eu fui um covarde, não é? Ainda sou. — falei e ela ergueu meu rosto,
negando. — Fugi de você, de cada mensagem. Eu te abandonei quando
mais precisava.
— Você não me abandonou.
— Gi…
— Ollie, olhe para mim. — mandou, segurando meu rosto. Obedeci,
mesmo com a dor insuportável no peito e sabendo que estava vermelho de
tanto chorar. — Eu deveria ter lutado mais por você também, ok?
Escolhemos caminhos diferentes com o luto e nos desencontramos. Por
algum tempo, me senti frustrada por não te ter comigo, Zhang. Até que
entendi que seu mecanismo de defesa nessa dor toda era me evitar. Também
te evitei. Te deixei ir. Quando foi tarde demais, fiz você lembrar que eu
sempre estaria ali se precisasse, a uma ligação de distância. Agora estou
aqui, Ollie. Estou do seu lado. E também sei que, caso eu precisasse… Você
estaria comigo mesmo se doesse, certo? Porque esse é o cara que você é,
Oliver Zhang.
Eu era? Mesmo? Porque parecia que ela descrevia o cara que Brandon
Ramsey foi. Balancei a cabeça, tentando secar minhas lágrimas, mas
Gianna fez isso por mim. A abracei de volta, me permitindo quebrar em sua
frente.
Tínhamos cinco anos de conversas perdidas, mas eu sempre pude ser eu
mesmo com ela. Foi estranho e familiar perceber que isso não tinha
mudado.
— Eu sinto muita falta dele. — confessei, tremendo. Gigi me abraçou
mais forte, chorando comigo. — Cinco anos depois, Gianna, e eu não
supero. Cinco anos depois e… Eu não esqueço nada sobre ele. Dizem que a
primeira coisa que esquecemos em uma pessoa é a voz. Toda vez que entro
em campo, se fecho os olhos, consigo ouvir Ramsey bravo pra caralho,
pedindo pela bola. — Ela riu, mesmo entre lágrimas.
— Ele era meio egoísta com a bola.
— Meio? — Gargalhei, mesmo com a dor da saudade. — O filho da puta
amava receber passes, mas grudava aquela bola no pé e só soltava por um
milagre.
Rimos juntos. E então choramos no instante seguinte.
Gianna se sentou, respirando fundo. Ela entrelaçou os dedos aos meus.
— Eu não consigo surfar há quase cinco anos. — confessou e eu engoli
em seco, ciente disso. — Eu olho para o mar e parece estranho. Não parece
bonito sem ele, Ollie. Então eu entendo. Ainda escuto a voz dele nos meus
sonhos. Ainda tenho seu perfume favorito na estante, mesmo que pareça
diferente sem a pele dele. Cinco anos depois e Ramsey está tão vivo em
mim, ao mesmo tempo que está morto. Eu não vou mais ver seu sorriso sem
ser nas memórias. Não vou bagunçar seu cabelo como quando insistia em
dividir a prancha comigo. Eu não queria voltar para Brightgate, porque
olhar para o oceano sem encontrar ele surfando parece…
Parecia errado. Eu entendia. Odiava ir para a praia, às vezes, porque
surfistas me lembravam Ramsey. Ela não precisava ter passado por isso
tudo sozinha. Gigi escolheu viajar para o outro lado do mundo, morar na
Itália, mas eu poderia ter lutado um pouco mais para estar ali por ela. Fui
egoísta, cego pela minha própria dor e jamais me perdoaria.
Meus ombros caíram e eu escondi o rosto atrás das mãos, ainda me
sentindo terrível e envergonhado. Ela passou um braço em torno da minha
cintura e beijou meu ombro.
— Fiquei tão orgulhosa quando te vi em campo! — Gigi bateu o ombro
ao meu e eu a encarei, com um sorriso contido. — Aquela falta, passando
quase de raspão pela barreira em uma curva perfeita até o cantinho do gol…
Foi uma obra de arte! — Sorri, apertando sua mão livre, feliz por isso. —
Foi lindo, Zhang, de verdade. Eu fiquei tão, tão orgulhosa. — sua voz
falhou e eu voltei a chorar. — É o melhor do campeonato. Carrega ele na
camisa. Carrega ele para o topo, sempre. Eu jamais vou conseguir te
agradecer o suficiente por isso.
Seus olhos esverdeados estavam vermelhos e inchados pelo choro, mas
seu sorriso era honesto. Ainda doía vê-la sem ele, porque aquele rostinho
chorão me lembrava muito o dia que Brandie a pediu em casamento. Me
lembrava de tudo que deveriam ter vivido se eu tivesse o impedido de entrar
naquele carro.
— Jasmine não sabe. — falei. — E o pai dela…
— As meninas me atualizaram, eu sinto muito. Vai contar para ela?
— Vou. Mas tem algo que preciso te contar também. Você só não pode
surtar, Gigi — avisei, erguendo uma mão, e ela balançou as sobrancelhas.
— Que está apaixonado? Porque isso é bem nítido. — Gargalhei da
provocação. Cacete, eu tinha sentido falta dela. Mesmo que ainda doesse
estar do seu lado, percebi que doía ainda mais estar longe. Talvez
pudéssemos desconstruir nossas barreiras aos poucos. Poderia cuidar da
minha italianinha favorita, por Ramsey. E por mim. Porque ela era uma
amiga do caralho. Tanto que não hesitei em contá-la antes de todo mundo,
mesmo com cinco anos de desencontros entre nós:
— Bom, eu estou apaixonado.
Ela gritou alto e eu fiz uma careta, tampando sua boca. Me inclinei para
a porta de vidro ao lado do sofá e vi os fofoqueiros curiosos desviarem o
olhar de imediato. Todos eles. Depois encarei Olsen, com um olhar de
repreensão.
— Ela não sabe. E é uma merda.
— Ela não sabe? Pela mentira?
— Pela mentira. E por outra mentira. — Olsen franziu o cenho, confusa.
— É um relacionamento falso, Gi. E a gente já se beijou. A gente já…
Sabe? — Ela riu, mesmo em choque.
— Oliver Zhang sem jeito para falar de sexo?! Deus, ela te pegou de
jeito mesmo. — Sorri, sem negar. — Mel deve estar surtando. É a trope
literária favorita dela.
— Ela está. Mas isso não é um livro. E é complicado. Não quero perder
Rhodes. Não posso. E não vejo um cenário em que isso não aconteça.
Ela apoiou o queixo no meu ombro.
— Sabe, Ollie… Pessoas brigam e se separam. Mas também são
reconquistadas. Pelo que vi na sala, em um único abraço… Pelo que sei
sobre vocês… Pelo que vi no jogo… Eu vejo muitos cenários em que isso
não acontece.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
— É um conselho melhor do que os do Brandon.
—  Eu sei. — ela disse. — Ele te diria para beijar ela e foda-se. O cara
era maluco.
Ri, concordando. Então ouvi gritarem por Hailey e olhei para o lado.
Suas mãozinhas estavam contra o vidro e seu nariz e bochechas amassadas,
enquanto tentava nos assistir descaradamente. Sinalizei para que ficasse ali
e ela obedeceu. Naomi e Melissa riam de nervoso e Bale estava quase se
levantando para pegar a garota, mas neguei com a mão, antes de encarar
Gigi novamente.
— Ei, vou te contar algo que provavelmente não sabe sobre meus
últimos cinco anos. Posso? — perguntei e Olsen secou as lágrimas,
concordando.  — Quando Brandon morreu, eu ía para a terapia emburrado.
Para me “castigar” e me fazer aprender a tratar as pessoas sem todo aquele
mal humor após o acidente, Damian colocava a Hailey no meu colo. Nem
ele, nem Mike a tiravam de mim. E eu me apaixonei pela pestinha. É uma
conexão meio bizarra, porque ela me entende só de olhar para mim. Só que
quando voltei a andar, comecei a fazer umas merdas, antes da terapia.
Merdas que faziam Mel e Mike me buscar de madrugada em bares, Damian
e Naomi me colocarem debaixo de um chuveiro frio.
Olsen engoliu em seco, como se não soubesse disso.
— Até que Damie sentou comigo e disse que me amava, mas não
permitiria que Hailey crescesse vendo o tio fora de controle, então eu tinha
que fazer uma escolha. Ele não disse que a afastaria de mim, mas ela era a
única pessoa que me olhava como se eu não fosse quebrado. Então eu
decidi começar a terapia por medo de perder essa única coisa boa: Hailey. E
minha família. Nossa família. Então eu fui para a terapia, conheci Rhodes…
E todo o resto você vai ter tempo para entender. Mas toda minha cura
começou porque minha melhor amiga é essa criaturinha aqui… — Abri a
porta da varanda e Hailey me olhou, com um sorriso de orelha a orelha.
Percebi que faltava um dentinho e sorri com isso. — Entra aqui, peixinha.
A peguei no colo, olhando-a.
— Eu quis ouvir só um pouquinho, só um tiquinho, juro. — se defendeu
e Gigi riu.
— Viu, Gi? Essa garota aqui me salvou. — falei e Hailey uniu as
sobrancelhas, confusa. — E aposto que vai te salvar também, é o
superpoder dela.
— Com meus super beijinhos?
— Com seus super beijinhos. — concordei, me sentando ao lado de
Olsen. — Mostra para a tia Gigi. — Hailey beijou sua bochecha
imediatamente, secando suas lágrimas com cuidado. Gianna sorriu, sincera.
— E a melhor coisa que eu a ensinei de volta, é isso… — falei para Gianna,
antes de cutucar a Hailey. — Ei, Hailey-Boo, você consegue me mostrar
onde está o tio Brandon?
Ela me olhou e olhou para o céu. Hailey forçou o olhar, procurando. Até
que apontou.
— A estrelinha mais brilhante. Bem ali.
— A estrelinha mais brilhante é o tio Brandon.
— Sempre. — Hay disse, olhando para Gigi. Gianna secou as lágrimas
mais uma vez, apertando a mãozinha da criança.
— Sempre.
— Não vai sair do colo da Gianna, jura? — Melissa protestou, à mesa de
jantar. Hay sorriu, nos braços de Olsen, voltando a devorar a comida. Era
feijoada, feita especialmente pela mãe da Jasmine, no restaurante. Jazzy
disse que queria ter tempo para ter preparado algo, mas não conseguiu.
— Só vi essa pestinha por chamadas de vídeo por meses, ok? Eu
mereço! — Gianna retrucou e Melissa fez uma careta. — Falando em
pestinhas… Damian e Naomi, vão fazer outros?
Os sorrisos na mesa vacilaram. Mike olhou para Mel, que não parecia
tão feliz.
— Damian e eu concordamos em começar a tentar depois do quinto
aniversário da Hailey. — Naomi disse, cautelosa. Troquei um olhar
preocupado com Rhodes, que moveu a mão para segurar a da Melissa, por
baixo da mesa.
— Aquele mesmo acordo? — Gianna questionou, alheia ao elefante rosa
na sala de jantar.
— Sim. — Bale disse, limpando a garganta. — Paramos se o próximo
for menino. Se não, tentamos só mais uma vez. No máximo três filhos.
— Isso deve estar te matando, né? Sempre quis uma casa inteira. —
Olsen brincou, mas ninguém riu. — E vocês? Ainda tentando? — Gianna
olhou para Mel e Mike e finalmente percebeu.
O silêncio fez até Hailey focar os olhos na comida, sem parar.
— É o terceiro médico que diz que não há nada errado comigo ou com o
Mike, mas não tem um bebê na minha barriga, então… Talvez meu útero
seja amaldiçoado.
— Mel… — Naomi disse, baixinho. Jasmine suspirou, sem saber o que
fazer. Mike abaixou a cabeça. — É bom que não tenha um problema. É só
uma questão de tempo.
— Será mesmo? Quer dizer… Se tivesse um problema e pudesse ser
resolvido, então seria melhor, não? E eu penso em… Sei lá, adotar, mas…
Eu realmente queria isso. Enfim. Não se pode ter tudo, eu acho.
Mike moveu a mandíbula e Bale o encarou. Ele parecia se sentir
culpado.
— Graham. — chamei baixinho.
— Vai ver eu disse tantas vezes que não queria ter filhos no passado, que
mudar de ideia não funcionou. O universo já me marcou. — ele disse e
Jasmine bufou.
— Ei, nada disso, ok? — Rhodes interferiu. — Vocês são jovens e
saudáveis e nada está errado. Talvez precisem se cobrar menos. Amor não
falta. Sucesso não falta. Vontade não falta. Então vai dar certo. Vamos ter
um bebê Graham-Wayne esse ano. Nem que eu tenha que enfiar o
Mikezoide na Mel-óvulo.
— Mel-óvulo? — Mike perguntou, com um sorriso contido. Até Melissa
sorriu. — Cara, vocês realmente se parecem. — ele me disse, rindo. A mesa
inteira concordou e eu só consegui piscar para Rhodes.
— O que é um Mikezoide? — Hay questionou e a mesa explodiu em
gargalhadas. Gianna a explicou baixinho que só saberia quando crescesse.
A garotinha fez uma cara emburrada, suspirando em resignação.
— Gianna, por que voltou para a cidade? — Damian finalmente
perguntou. — Até agora não disse.
— Quero construir uma família também. — ela disse, um pouco
hesitante. — Só vejo isso acontecendo em Brightgate.
— Encontrou alguém? —  Keanu perguntou e Naomi o encarou feio.
Melissa riu baixinho, interessada naquela interação.
— Não que te interesse, mas não. Só decidi que quero procurar por aqui
e isso não é uma boa conversa para agora.
— Sabe o que é uma boa conversa para agora? Mike conseguiu
convencer a nossa antiga escola a liberar as líderes de torcida e a bateria
para o jogo beneficente. — Mel contou, sorridente. — É em duas semanas!
Gigi, você vai?
— Jogo beneficente? — Olsen questionou, confusa.
— Times de estrelas masculinas e times de estrelas femininos em prol de
doações para causas australianas. — Naomi explicou, por alto, antes de
beber mais um gole de vinho. — Já gravamos algumas propagandas. Quer
ir? Te colocamos no time.
— Eu? Jogar futebol? — Gianna questionou, rindo.
— Ollie e Riley vão nos treinar na próxima semana. — Jasmine disse.
—  Infelizmente pela noite. E tem uma gravação no próximo fim de
semana, vai ser divertido.
Gianna me lançou um olhar, inseguro, do outro lado da mesa. Eu sorri.
— Vai ser uma honra treinar você, Gigi. E o Brandon ficaria feliz pra
caralho.
— Ficaria? —  A mesa inteira assentiu e o rosto de Gianna se iluminou
só um pouco. — Acho que vou jogar futebol então.
Sorri ainda mais, orgulhoso. Olhei ao redor e percebi que todos faziam o
mesmo, em silêncio. Parei meu olhar em Jasmine, do outro lado da mesa.
Ela piscou para mim. Eu pisquei de volta. Hailey piscou da pior forma
possível, nos fazendo rir baixinho.
Ignorando Keanu, estávamos eu, Jazzy, Hay, Bale, Naomi, Mel, Mike,
Gigi e Ramsey onde quer que ele estivesse… O dia tinha sido tumultuoso,
mas bom. Muito bom. De repente, entendi por que. Percebi que minha
família estava completa.
“Mesmo quando estivermos por um fio, amor
Mesmo quando for para fazer ou morrer
Nós podemos fazer isso, amor, simples e claro
Porque esse amor é uma coisa certa”
Sure Thing – Miguel
 

— Ei! — Gianna disse, sem jeito, entrando na sala da Skore. Eu sorri,


me levantando. — Disseram que estariam aqui.
— Bem… Eu estou! — Sorri. — Ollie está treinando. Nossos
empresários insistiram no contrato. Foi mal.
Toquei a papelada sobre a mesa e ela deu de ombros, tentando ignorar
que os dois estavam ali, presentes. Priyanka sorriu fraco e Keanu… Bem,
ele encarava Olsen completamente hipnotizado.
— Não tem nenhum problema mesmo, certo? Eu saber disso? — Ela
largou a bolsa sobre a mesa e eu a entreguei uma caneta. Deixei que tivesse
seu tempo folheando o documento.
— Nenhum. O contrato foi a desculpa perfeita para te ver de novo.
Priyanka e eu nos entreolhamos antes de observarmos de onde aquilo
tinha saído: Keanu. Boquiaberta, assisti Keanu quase sem piscar. Fiquei
mais boquiaberta ainda quando Gianna apenas ergueu o olhar. Eu o diria
para parar de encher o saco da garota, mas um brilho percorreu os olhos de
Olsen e, por meio segundo, senti que ela o escaneou de cima a baixo.
— Coitada de mim.
Ela desviou o olhar e Priyanka riu. Eu também. Mas quando a graça
acabou eu percebi que Keanu não tinha se abalado. Ele sorria, de pé, com as
mãos em frente ao corpo. A assistindo. E tinha um sorriso de canto mal
disfarçado em Olsen. Se Melissa Wayne estivesse ali, ela fanficaria
horrores. Se Naomi Carlson estivesse, ela iria cantarolar horrores sobre a
tensão sexual. Eu estava internamente fazendo os dois.
Gianna rubricou as folhas, limpando a garganta e se forçando a ficar
séria.
— Nem quis ler? — perguntei.
— Confio em você, Ollie e aqueles malucos que chamamos de amigos.
Desde que não tenha nenhuma cláusula que me obrigue a lidar com o mal
educado que quase arranhou meu carro, tudo bem.
Keanu sorriu três vezes mais. Gianna corou, mesmo me encarando. Eu
queria muito explodir com meus surtos internos, mas fiz minha melhor cara
impassível para assentir.
— Podemos conversar? — Gigi me pediu. — A sós. Só um minutinho.
Juro. Não quero incomodar.
— Vamos estar lá fora. — Pri disse. — Vem cachorrinho! — Ela estalou
a língua e puxou Keanu pela orelha. Ele xingou, mas a seguiu com
obediência.
Ri baixinho e Gigi fez o mesmo. Quando a porta se fechou, eu não
resisti.
— Ele é bonitinho, vai! — falei. Gianna bufou, se largando sobre a
cadeira. — Cabelo na altura do ombro, chuva de tatuagens, empresário
sério e dedicado e… Bônus secreto: ele surfa como você.
O rosto de Olsen desmoronou. Subitamente foi como se eu tivesse dito
uma centena de defeitos sobre o empresário do Ollie. Como se tivesse o
tornado proibido.
— Surfistas não fazem mais meu tipo.
Perdi meu sorriso, percebendo que tinha falado merda. Gianna limpou a
garganta mais uma vez, sem jeito.
— Queria perguntar se está tudo bem mesmo se eu participar do jogo de
caridade na próxima semana — ela começou, hesitante. — Pulei de
paraquedas em sua vida, dois meses depois que você e Ollie começaram
algo que… desculpa, não parece de mentira. E você e as meninas têm uma
amizade sólida. Não quero ser um peso de certa forma, Jasmine. Ollie e eu
temos cinco anos para recuperar e isso é um processo. Eu também sinto que
pequei, com a distância que impus sobre as garotas, mas antes éramos um
trio e agora vocês são.
— Gigi…
— Não quero que pense que vim tomar seu lugar, porque não vejo como
se tivesse tomado o meu. Só acho que os dois trios podem se sobrepor. Gigi,
Naomi e Mel, Jasmine, Naomi e Mel… Esses dois grupos têm uma
interseção importante na vida de ambas e… Não quero forçar nada, sei que
mal conversamos ao longo dos anos, mas se estiver aberta…
— Eu estou. — a cortei, segurando sua mão, com um sorriso contido.
Seu receio de falar fez meu coração apertar. De volta à cidade após uma
perda devastadora, Gianna se sentia sozinha. Eu sabia bem como isso era.
— Mel e Naomi se chamam de Batman e Robin, talvez sua volta seja um
sinal para formarmos uma pequena liga da justiça. — Balancei as
sobrancelhas e Olsen riu de um jeito que aqueceu meu coração. Do pouco
que a conhecia, já sabia que era raro vê-la sorrir assim. — Não quero forçar
nada e nunca soube muito como me aproximar de você…
— Até porque eu mal aparecia na cidade.
— Tem isso. — confessei, rindo baixinho. — Mas tenho um bom
sentimento dessa vez, Olsen. — Encarei seus olhos esverdeados e ela me
analisou por um bom momento. — Se está de volta para valer, mesmo, e
Oliver te ama tanto… Deve ter um bom motivo. E eu mal posso esperar
para te amar também.
— Simples assim? — perguntou.
— Simples assim.
Ela sorriu daquele jeito de novo. Como se eu tivesse dado o mundo com
tão pouco. Vi a Jasmine de anos atrás, buscando migalhas de afeto após a
perda do pai e quis guardar Gigi em um potinho. Ela morou em outro país
depois de um processo pesado de luto. Devia ser difícil voltar. Talvez
estivesse sentindo tudo aquilo de novo.
— Acho que agora sei porque Ollie te ama tanto. — me disse, apertando
minha mão de volta. — E por ter cuidado tão bem da minha família nos
últimos anos, Jas, acho que eu já te amo.
— Fazer o quê? É o meu charme. — Pisquei.
Ela riu e eu a acompanhei. De repente nada parecia tão estranho, só…
Reconfortante. Tão reconfortante como anos atrás, quando Ollie entrou na
minha vida. Eu realmente tinha um bom pressentimento quanto a Gianna
Olsen. E eu mal poderia esperar para conhecê-la melhor.
— Vi seis propagandas, em uma manhã, sobre essa partida. — Gianna
comentou, no fundo do carro. Oliver dirigia com um sorriso presunçoso.
Uma semana treinando futebol em uma quadra pequena, tarde da noite…
Aproxima as pessoas. Ou talvez fosse o prazer em ver Naomi xingando por
não saber cobrar pênaltis e Melissa falhando em driblar cones. De qualquer
forma, quando falaram no grupo que Gigi precisava de uma carona, eu
disse:
Um: coloquem logo a garota no grupo.
Dois: Ollie e eu a buscamos. Ela estava na casa da mãe, no litoral, e
não era tão distante da casa que tínhamos alugado.
— Gargalhei muito com Damie e Naomi e o lance dos gostos musicais,
mas Jasmine tentando fazer Carlson dançar músicas do Tiktok brasileiro
está no top vergonhas alheias. — Olsen continuou. Gargalhei alto e Oliver
me acompanhou. — Então, mesmo vendo as propagandas, só para
repassar… Quem teve essa ideia?
— Todo mundo, acho. — falei, tocando a coxa de Ollie para lembrá-lo
que tudo estava bem e podia relaxar. Ele ainda ia a passos pequenos com
Gigi e eu sabia bem como era difícil para Zhang deixar suas barreiras
caírem. — Descobrimos que Naomi fazia doações em segredo. À uma casa
de apoio para mulheres vítimas de violência doméstica e para uma ONG
voltada para tratamento psicológico de pacientes com transtornos
alimentares. Percebemos que todos meio que faziam o mesmo, sem
explanar. Eu invisto em alguns grupos de teatro da periferia no Brasil,
principalmente na Bahia. Ollie, em pequenos grupos de esporte para
crianças na Austrália…
— Damie em grupos de música…— Ollie prosseguiu. — Mel abriu
pequenos cursos gratuitos de fotografia para ajudar algumas pessoas
interessadas e desempregadas. E Mike ensina matemática e química em
orfanatos e abrigos, quando pode. — Ele encarou Olsen por um momento,
pelo retrovisor. — Sabemos que temos muito dinheiro e privilégios e…
Enfim, gostamos de ajudar. Pensamos que uma ação na Austrália que
pudesse se expandir, até mesmo a níveis globais, era uma forma legal de
estimular a solidariedade. A gente pode doar milhares de dólares, mas se
uma pessoa pode doar apenas dez dólares, tudo bem. Desde que lembre que
pode ajudar o mundo e se sinta bem fazendo isso.
— Então, Ollie propôs a partida, inicialmente um amistoso de
Brightgate. Mas eu ofereci que fosse entre famosos, porque isso traria uma
publicidade maior. — contei. — Damian está sorteando entre os doadores,
um ingresso para um festival onde vai tocar daqui a uma semana. Naomi
está sorteando um mês de MBH de graça. Mel e eu pensamos em um dia no
set de Surf & The City…
— E Mike? — Gigi questionou, com um sorriso orgulhoso.
— Mike entrou com o apoio moral. — Oliver brincou e nós rimos. —
Então basicamente vou deixar vocês na casa que alugamos e ir treinar.
Apareço lá de noite. Gigi, só repassando: teremos câmeras para gravar o dia
de hoje e o de amanhã, em grupo, vamos dividir em seis episódios de meia
hora, focados em cada um de nós. Vai ser divulgado no Youtube. Todo lucro
revestido com anúncios vai para a caridade.
— Certo.
— O que significa que se tivermos uma câmera ligada em mãos, você
vai mentir sobre esse namoro falso o tempo todo. — falei. — Tipo um Big
Brother. Vocês tem Big Brother na Austrália, certo? Porque no Brasil é a
melhor coisa do mundo.
Oliver fez uma careta e Olsen perguntou o porquê. Seguimos o resto do
caminho comentando sobre como eu o obrigava a assistir novelas e realities
brasileiros comigo, quando estávamos entediados. Ela gargalhava do drama
de Oliver, ainda mais quando eu fingia que iria agredi-lo.
Quando Ollie parou o carro em frente à grande casa amarela no litoral,
só nossa, Gianna disse:
— Vai, um beijinho de despedida.
— Olsen! — falei, rindo.
— Eu falei que ela é maluca. — Oliver murmurou.
— Só um beijo! Tem um cara com uma câmera bem ali. — ela sinalizou
e Oliver e eu nos entreolhamos. — Por Deus, que tensão sexual. Vocês
foderam tanto, né?
— Gianna! — exclamamos ao mesmo tempo, mas Gigi só sorriu.
— Um beijinho ou não saio do carro.
— Você soa como a Hailey. — Oliver acusou.
— Temos a mesma maturidade.
Ri baixinho, mas me surpreendi quando Zhang se aproximou e sussurrou
“avestruz” antes de chocar os lábios nos meus. Meu corpo paralisou, antes
de tudo nele parecer mais vivo e elétrico. Suspirei contra a sua boca,
prolongando o deslizar de lábios só um pouco mais.
Era difícil brincar de melhor amiga, depois daquela noite no hotel. Mais
difícil do que me despedir no aeroporto. Passei as últimas três semanas
mentalizando que ele estava focando no trabalho, em Gianna e em cuidar da
cabecinha dele. Tentei não me martirizar com o pensamento idiota e talvez
egoísta, de que queria que me olhasse um pouco como eu o olhava. E
aquele beijo, no carro, certamente foderia ainda mais a minha mente.
Zhang se afastou, admirando a minha boca. Demorei em fitar seus olhos,
porque… Bem, ele saberia exatamente o que eu pensava. E eu pensava em
nós dois em circunstâncias proibidas.
— Volto mais tarde, Moonshine.
— Mais tarde, capitão.
Alguém pigarreou no fundo do carro. Oliver corou, eu mordi um sorriso
e Gianna abriu a porta dos fundos, se abanando. Saí do veículo e abri o
porta-malas, pegando as minhas coisas e as de Gigi. Ela me seguiu com um
sorriso enorme no rosto.
— Pare. — murmurei.
— Mooooooonshine! — ela abriu a boca e fingiu gritar.
Gargalhei e pensei: “retiro tudo o que disse sobre ter um bom
pressentimento sobre Gianna Olsen”. Mas, droga, eu tinha.

Havia um motivo para o apelido da Hailey ser peixinha.


— Está apertado já, mamãe, me deixa ir para o mar! — ela implorou, no
quarto. Soltei um risinho conforme Gianna amarrava meu biquíni.
— Falta o protetor, Aileen — Carlson avisou, baixo. E mesmo seu tom
sendo calmo e doce, Hay sabia que quando a mãe usava o nome do meio,
era sério. A garotinha bufou, dramática como o pai e eu adivinhei o que
Naomi diria antes mesmo de ouvir. — Fala sério, eu pari uma mini Damian
Bale.
— Bem linda, inclusive. — Gianna elogiou, soprando um beijo para a
garota que ficou toda vermelha e sorridente. Naomi já passava o protetor na
pestinha, entre suas pernas, na beira da cama.
Dividimos os quatro quartos. Damian e Naomi ficariam em um, Mel e
Mike em outro, o terceiro seria dividido por Gigi e Hailey e o quarto por
Oliver e eu. Tive certeza de que Gianna poderia dormir comigo e Hay com
os pais, ou que qualquer outro arranjo poderia ter sido realizado para Oliver
e eu ficarmos em camas separadas. Soube quem era a culpada por isso,
quando Naomi explicou a situação dos cômodos e eu olhei para Wayne, que
sorria de orelha a orelha. Bookstans precisam ser estudados, mas Melissa
Wayne, de fato, estava em outro patamar.
Aquele cômodo era de Wayne e Graham, tecnicamente, mas foi invadido
por todas nós, quando Melissa chegou da farmácia com mais um teste.
— Mel?
— Ainda não. — Wayne me respondeu, dentro do banheiro. — Já
passaram os três minutos?
— Já. — falei, apreensiva. Mike apareceu na porta do quarto, nervoso.
Neguei, com um sorriso triste. Ele entrou e se jogou na cama, quando
percebeu que todas já estavam prontas para a praia. Wayne saiu do banheiro
com os cachos em um coque, vestindo um maiô.
— Quer saber? — ela disse, exasperada, com o teste de gravidez em sua
mão, de frente para o marido. — Se for negativo, tudo bem. Não quero mais
tabelinhas, não quero mais consultas e mais consultas, não quero medir
minha temperatura…
— Jedi. — Mike chamou sua nerd favorita.
— Não, me escuta! É sempre a mesma coisa! A menstruação atrasa?
Criamos esperança. E aí menstruo. Estou cansada de me resumir a um teste
de gravidez, tá legal? Então digo que esse é o último que vamos fazer, a não
ser que eu esteja vomitando minhas tripas, com meus peitos doendo e sem
menstruar a pelo menos dois meses.
Hay ergueu as sobrancelhas, assustada.
— Não sei mais se quero um irmãozinho, mamãe. — balbuciou e Gianna
quase riu.
— Você quer. — falei, para o desespero de Carlson, que discretamente
ergueu o dedo do meio. Ser mãe? Não era um grande sonho. Mas eu
gostava de ser titia.
— Eu não quero mais fazer testes. Se vamos ter um bebê, quero estar
mentalmente saudável para toda essa merda e não nos transformar em
Quinn e Graham, apesar do seu sobrenome… E sei que não vai aparecer
uma Andrea, mas esse lance de infertilidade está me estressando pra caralho
e…
— Quem é Andrea? — Gianna me perguntou e eu dei de ombros.
— Melissa, primeiro, — Naomi a cortou, tampando os ouvidos da filha 
— Todas as suas Imperfeições não é um bom livro para meta de casamento
considerando a traição. Mike não vai te trair. Eu quebraria o pinto dele. —
Mike estremeceu, mas concordou. — Segundo, todos os médicos já
disseram que vocês não são inférteis. Terceiro, respira, caralho!
Mel obedeceu e observou Mike.
— Não quero que fique triste se for negativo. — ela disse. — Digo, a
gente vai ficar, ok? Mas eu te amo e está tudo bem. Não quero que se sinta
mal ou pressionado por minha causa.
— Ei, shh… Vem aqui. — Graham a puxou para o colo e Wayne
suspirou. Ele acariciou a sua coxa despretensiosamente e eu quase derreti
com a fofura. — Vamos ter um bebê. Pode não ser agora. Pode não ser esse
ano. Pode não ser do modo convencional. Podemos adotar, podemos fazer
inseminação artificial. Vamos ter um filho, Mel. Eu te prometo que vamos.
Mas tudo que me importa no momento é que esteja bem. Se for negativo,
vamos secar suas lágrimas e fazer esse fim de semana ser divertido. Se for
positivo, você vai fazer um gol em campo pelo nosso filho e eu vou fazer
outro pela melhor mamãe do mundo. Tudo bem?
Wayne assentiu, se ajeitando em seu colo. Ela o entregou o teste, sem
querer olhar. Graham leu o que aparecia no visor. Ele suspirou, derrotado, e
meu coração doeu. Mike me deu para que eu jogasse fora. Negativo.
— Tudo bem. Está tudo bem. — Mel disse baixinho, como um mantra.
— Eu sou uma das roteiristas de sucesso mais jovens do país, casada com o
nerd mais bonito da cidade, com a melhor família do mundo. Não preciso
de um bebê agora. Vai chegar no tempo certo.
Não estava tudo bem. Até eu queria chorar. Ver Melissa e Mike tristes
me dilacerava.
Hay se moveu pela cama e pulou no colo da Mel.
— Vai ser esse ano, Memel. — a garota disse. —  Não fica triste, tá?
Eu e Carlson trocamos um olhar. Era impossível não ficar. O silêncio se
prolongou até que…
— Vamos para a praia! —  Hailey decidiu, de repente, jogando os
bracinhos para cima e fazendo todo mundo rir. —  O mar vai deixar todo
mundo legalzão, né, mamãe?
— Quer saber? — falei, me aproximando da Mel. — É a nossa missão
do dia, tornar nossos nerdzinhos favoritos felizes, ok? Então Hailey está
certa. — Puxei as mãos de ambos. — Praia, já!
Hailey pulou, animada, e Naomi bateu em sua bunda antes de disparar
pela casa e fazer a garota segui-la a todo vapor. Foi quando ouvimos:
— Não bate na minha bunda, mamãe, ela vai entrar dentro do corpo que
nem a do papai!
E gargalhamos da nossa peixinha favorita, como sempre.

Gravamos, curtimos o mar, gargalhamos como idiotas e voltamos para a


casa no fim da tarde.
Bale tocava o violão na fogueira, no deque da piscina. Carlson cantava
Innocent da Taylor Swift, baixinho, com Hailey no colo. Eu tentava não
focar em como a letra parecia tão nossa, ajudando Gianna na churrasqueira.
— Churrascos brasileiros são muito superiores — murmurei,
provocando.
— Impossível.
— Sério, vocês não sabem fazer isso certo. Não sabem.
Ela bateu o quadril no meu, rindo. Assisti o mar, por cima da fumaça,
por um momento. Mel e Mike ainda estavam na praia. Wayne segurava uma
câmera, gravando-o caminhando pela areia. Pareciam em paz, apesar de
tudo.
— A casa do lado é minha. — Gianna disse e eu a encarei. — Brandon
comprou. Essa praia é a nossa favorita, por ser vazia, privativa. Acho que o
pessoal não teve coragem de me pedir, mas era o lugar que íamos há cinco
anos. Foi onde ele propôs. Tem duas pranchas encostadas no deque. A azul
clara é dele. A minha é a branca, com um sol no meio.
Absorvi, em silêncio. Não sabia porque me dizia isso. Talvez só quisesse
desabafar. Ela tirou um espeto da churrasqueira, colocando a carne sobre a
tábua. Ela cortou um pedaço e eu provei. Era bom. Muito bom. Mas eu
ainda estava presa no que tinha dito. Quase questionei se o pessoal sabia
disso, mas… Não quis ser invasiva.
— Vim para cá porque quero construir uma família. Tenho trinta anos e
esse foi meu sonho por muito tempo, sabe? O abandonei quando Brandie
morreu, mas minha psicóloga me fez lembrar que estou viva. A terapia me
fez perceber que estou fugindo do meu final feliz e ele mora em Brightgate.
Mesmo que seja o lugar que me assombra. Preciso enfrentar meus medos,
minhas dores. Preciso dos meus amigos, da minha mãe, do meu pai…
Preciso recomeçar. Faz sentido?
— Faz.
— O problema é que ainda não quero começar uma família sem ele. Não
sei se estou pronta para voltar a namorar. E eu posso adotar ou… Sei lá…
Tenho tempo para pensar. Só me assusta que tenho quase trinta e eu já me
imaginava com dois loirinhos pequenos, surfando com Ramsey todo fim de
semana…
— Eu queria tê-lo conhecido e visto isso.
Gigi sorriu fraco. Queria ver seu sorriso sincero de novo. Ela estava
fodida. Eu não descansaria até isso acontecer.
— Ei, Troy e Gabriella do Kamasutra.
Me virei. Oliver Zhang tinha uma maneira de chegar nos lugares, huh?
— Caramba, Bale, você sempre vira. — Naomi resmungou.
— Ele nos chamou, sweetheart. — Bale se defendeu, rindo.
— O que é Kamasu…
— Hailey, não! — avisamos ao mesmo tempo para que não perguntasse
e ela bufou, resmungando algo sobre papo de adultos e correndo para a
piscina. Bale disse que ela tinha apenas dez minutos e Hay bateu as pernas,
com as boias coloridas nos braços, falhando miseravelmente em mergulhar.
Senti o olhar de Oliver sobre mim e tentei ignorá-lo.
— Ei. — me chamou, baixinho. Gianna escondeu um sorriso muito mal,
se afastando. — Acabem com isso. Vou cozinhar hoje.
Ergui a cabeça para Zhang e ele sorriu, beijando meu ombro. Minha pele
queimou com o contato dos seus lábios. O corpo inteiro entrou em erupção.
— Ganhei de você já? — provoquei e Ollie deu de ombros, beijando
minha testa.
— Sempre ganha. — Ollie encostou os lábios na minha testa. — Vamos
gravar juntos, namorada.
Oliver vigiava o macarrão e tentava me instruir a cortar os alimentos, de
longe, enquanto fingimos ignorar a câmera sobre a pia. Ele tirou a camisa,
reclamando do calor e eu xinguei baixinho, sentindo-o dez mil vezes pior.
Zhang continuou a focar no molho, enquanto eu… Bufei, observando-o
cozinhar e odiando o quanto isso me dispersava. Tem uma hierarquia de
coisas que deixam qualquer homem mais bonito. E para mim, o top três é:
carregar bebês, passear com cachorros e cozinhar.
— Como foi o treino?
— Bom. Mas estou cansado.
— Posso te fazer uma massagem mais tarde.
Ele me encarou por um momento.
— Sem más intenções. — acrescentei, tentando soar convincente. Queria
dizer “como melhor amiga”, mas a câmera estava gravando. Pior, meu
subconsciente estava contaminado por más intenções e brincar de melhor
amiga estava difícil, até mesmo quando eu lutava para ser sincera.
— Não vai ser sem más intenções se estiver me tocando, sem camisa, em
uma cama.
— Você mencionou uma cama. Não precisa ser em uma.
— Jasmine, não importa onde for. — ele disse baixo, sério;  sua
mandíbula cerrada e sua respiração pesada me diziam que estava se
controlando. — Se me tocar assim, eu vou perder o controle. Em qualquer
lugar.
Eu realmente deveria tomar cuidado com a minha língua. Mesmo. Mas
Oliver Zhang estava do meu lado, falando em sair do controle. Eu o tinha
visto perder o controle. E em suas palavras, ainda tinha sido leve. Eu queria
vê-lo pegar pesado.
— Então perca.
Oliver respirou fundo e apoiou as mãos na bancada.
— Oliver, eu…
— Jasmine. — seu tom firme me fez calar a boca. Os arrepios
percorreram minha coluna e eu andei até a câmera, a desligando. Zhang
bufou, abaixando a cabeça.
— Estou tentando ser só sua amiga, eu juro mesmo. Mas prometemos ser
transparentes e eu não consigo esquecer aquela noite.
— Não faz isso.
— O quê?
— Não me fala essas coisas.
Eu parei ao seu lado, tocando suas costas. Oliver ficou parado,
respirando devagar. Seus músculos estavam tensos, as veias aparecendo
pela força que usava contra o balcão. Segui a tatuagem de cobra pelo seu
braço com o olhar, até sua mão, lembrando de como ficou no meu pescoço.
— Ninguém precisa saber se dormirmos juntos hoje, de novo.
— Pare de foder com a minha cabeça. — Oliver sussurrou.
— Não quero foder com sua cabeça, Oliver. — garanti, rindo, e me
afastei. — Só estou dizendo que somos adultos e podemos muito bem lidar
com sexo casual e… — Zhang segurou o meu quadril, me trazendo de volta
e eu me calei.
Meu corpo tensionou, com a proximidade. Sua respiração no meu
ouvido, o cheiro de menta e seu perfume. O perfume masculino gostoso e
intoxicante. Seu toque firme era possessivo, mesmo que Zhang recusasse
me ter. Eu me arrepiei por completo e tinha consciência de que ele sabia
disso. Não havia nada que aquele homem não conhecesse de mim e do meu
corpo. Ele não precisava me levar para a cama para me ler com perfeição.
— Você me quer. — ele observou, consciente de que eu estava brava
com ele, comigo e conosco, pela situação chegar àquele ponto. A tensão era
desesperadora.
— Parabéns. Quer um prêmio pelo óbvio? — tentei descontrair.
— Sabe que não podemos, Jasmine.
— Por que não? — Eu mal consegui acreditar em minhas próprias
palavras. — Todo mundo acha que namoramos, Zhang.
— E? Nós não namoramos.
— Somos os tipos de pessoas que normalmente acreditam que não faria
diferença acrescentar sexo à equação.
— Jasmine. Faz. E você sabe. — Ele balançou a cabeça. — Eu não
entendo você.
— É essa a porra do problema! — Segurei seu queixo. — Eu não me
entendo e não te entendo há algum tempo. Porque éramos amigos, não? E
somos. — Sua respiração se tornou mais profunda, minha mão ainda firme
no seu rosto. — Mas agora há uma tensão entre a gente e você sabe que isso
muda muita coisa. Você sabe o que precisamos fazer.
— Eu não vou tocar em você assim. Não de novo.
— Por que não?
— Sabe porquê. Porque se eu tocar em você, — ele ralhou, baixo, rouco
e eu senti que meu corpo entraria em colapso, olhando para a intensidade no
breu dos seus olhos — eu não vou parar. Vai ser melhor do que a última
vez. Se eu perder o controle de novo, vou perder de vez. Você vai gritar, vai
implorar por mais e eu vou te dar tudo de mim. Eu vou morder, beijar e
chupar cada pedaço da porra do seu corpo, até você esquecer o seu nome.
Está me entendendo? — Assenti, querendo que fizesse aquilo.
Desesperadamente. — Você vai gritar. Você vai gemer. Vai perder o
controle de volta. E eu não vou parar, Jasmine.
Eu já quis implorar. Quis fazer tudo aquilo. De novo.
— E você pode não ver isso como um problema. Mas é um problema. É
um problema do caralho. Porque eu duvido muito que vá cansar de você,
está me entendendo? — Ele segurou meu pulso, mas não me afastou. Eu
sentia minha pulsação contra seu polegar. Tão ofegante quanto ele, eu senti
que morreria se não acabasse com aquela tortura de uma vez. — Se fosse
pelo tesão, Rhodes, eu já teria te feito pingar a madrugada inteira. Mas eu
estou fazendo o certo. Porque se formos adiante, eu vou te foder mais do
que você imagina. E eu sei que já imagina bastante.
Zhang fez menção de se afastar, mas eu não sei o que deu em mim. Não
sei mesmo. Era como estar queimando vazia, sem ele. Como ansiar pela
destruição mesmo com todos os avisos. Então só o puxei pela mão e
avancei em sua boca.
Eu o beijei.
O beijei para mostrar que não me importava se fosse um problema. Que
não queria que cansasse de mim.
O beijei para mostrar que queria que perdesse o controle.
O beijei porque me acostumei a conquistar o que eu queria.
E em algum momento daquela conversa, eu decidi, que eu queria Oliver
Zhang. E se ele temia perder o controle, ele estava fodido. Porque eu já
tinha perdido há muito tempo.
“Sem forças e eu não ligo que seja óbvio
Simplesmente não consigo me cansar de você
Estou indo com tudo, meus olhos estão fechados
Sem controle”
No Control - One Direction

 
As cortinas do nosso teatro estavam fechadas, não havia plateia.
Não existia fingimento quando rocei meus lábios nos seus — não como
uma atriz, nem como sua namorada falsa. Mas como sua. Não quando
acariciou minha nuca com possessividade. Não quando o senti movendo a
boca sobre a minha, tão perto de se descontrolar. Querendo isso.
Se me queria, por que não me tomava para si?
— Jas. — Oliver avisou e meu coração disparou, doendo em
necessidade.
Eu pressionei meus lábios nos dele novamente, mais devagar dessa vez.
— É a última vez que te digo, Zhang. Você sabe muito bem que só tem
um cenário para me ver implorando. Eu quero que perca o controle. Eu
quero que me faça gritar. Eu não me importo com as consequências, desde
que nenhuma delas envolvam te perder. E você não vai me perder.
Zhang não reagiu a princípio e eu esperei. Esperei que suas mãos, agora
em minha cintura, me afastassem. Mesmo sabendo que minha palma em seu
peito sentia seu coração trovejando. Eu conseguiria sua reação a todo custo.
Então mordisquei seu lábio inferior e seu punho se cerrou em meus quadris,
em busca por autocontrole. Mas eu arrastei aquela carne suave e rosada... E
Oliver o perdeu.
Ele me pressionou contra a bancada da cozinha, suspirando antes de me
beijar de volta e eu quase sorri, mas me contive.
Enganávamos perfeitamente o mundo todo, mas raramente um ao outro.
Seu beijo era possessivo como todos os outros, mas delicado como eu não
esperava. E eu poderia dizer toda aquela baboseira romântica de: "Oh,
Oliver Zhang trazia o paraíso nos lábios"... mas Oliver carregava puro
caos. Ele tinha gosto de problemas e mais problemas. Zhang beijava como
se conhecesse meu inferno e cada demônio — porque conhecia. Ele me
beijava como caos beijava caos, seduzindo-o a destruir o mundo. E eu
gostava.
Zhang acariciou minha coxa com uma firmeza estranhamente doce e eu
tombei a cabeça para o lado, explorando a sua boca e apreciando a sua
língua quente e macia contra a minha. Beijando o meu melhor amigo...
Porque eu queria. Porque ele queria. Por nenhum outro motivo.
Sabe... Eu estava fodida.
Eu estava. Era fato.
Zhang... Zhang era bom. Ridiculamente bom. Bom a ponto de ser
irritante a ideia de que teríamos que parar, porque oxigênio era necessário.
Mas era mesmo?
— Eca. — Uma voz infantil nos fez parar. Reprimi os lábios e olhei para
o teto para tentar não rir. De desespero. Eu amava a pequena Bale, mas
tinham vários momentos para interromper um casal e aquele,
definitivamente, não era um.
Zhang afundou a cabeça no meu ombro, mas ergueu o olhar para Hailey.
— Sabia que vocês trocam germes quando se beijam?
— É mesmo?! — perguntei, minha voz como uma melodia divertida.
— O que está fazendo aqui? — Zhang quis saber, tentando não soar tão
descontente.
— Assistindo vocês trocarem germes. — Hailey respondeu, esperta e
prática demais para uma garotinha de quatro anos. — Papai me disse para ir
dormir porque minha barriguinha está cheia. Daí a mamãe me deu banho e
tudo mais e eu coloquei meu pijama. — Ela apontou para a roupinha cor-
de-rosa com um monte de peixinhos.
— Mas não foi dormir. — presumi.
— Eu tentei!
— Você deveria estar na cama. — Oliver disse. Hailey colocou as mãos
na cintura, em um desafio silencioso. — Pestinha.
— Zhang-Burro. — ela devolveu e eu engoli o riso. Zhang-Burro. Muito
bom. Eu amava essa garota.
— Para a cama. — ele ordenou.
— Não.
— Hay. — chamei, em um pedido para que obedecesse. Ela suspirou
dramaticamente. Não queria dormir. Caminhei até ela. — Por que está sem
sono?
— Eu tive um pesadelo. — confessou, sem jeito, e meu coração apertou.
Me agachei, para ficar na sua altura. Li em algum lugar que as crianças
gostam disso. Que as fazem sentir iguais aos adultos. — Eu sonhei que... Eu
estava sozinha no mundo. Não tinha mais ninguém. — Sua voz era baixa e
tensa e seus olhos se encheram de água. Mas Hailey fingia ser forte, então
continuou: — Eu gritava pela mamãe e pelo papai e pelo tio Ollie e
ninguém aparecia e... — Ela coçou os olhinhos e eu senti Ollie se
aproximando.
Segurei sua cintura e Hay desviou o olhar. Ela suspirou, tentando não
chorar.
— Ok, e seus pais?
— Eu ia procurar eles. Acho que estão com a tia Gigi lá fora. Ou Memel
e tio Mike.
— Ok. — Ollie pensou, respirou fundo e encontrou uma opção que fez
meu corpo murchar. — E se o tio Ollie te contar uma historinha?
O rosto da Hailey inteiro se iluminou e eu fiquei feliz por isso. De
verdade. Mas quando Zhang a carregou e me lançou um olhar de desculpas,
eu não pude fazer nada senão ficar secretamente frustrada.
No momento em que Damian e Naomi voltaram para a cozinha e eu
contei que Ollie estava com a Hailey lá em cima, já era tarde demais. Eu
não sabia o que fazer com a receita da família dele e me senti meio idiota
por ter esperado. Zhang nem terminou o jantar, o pessoal também não
estava com fome. Já estava me preparando para dormir, no meu quarto,
quando Bale me disse que Oliver dormiu com a Hailey, como um bebê.
Então forcei um sorriso, agradecendo pela informação.
Me deitei, frustrada por não conseguir dormir, até que a porta se abriu. A
princípio, achei que fosse Gigi. Achei que ela tivesse trocado de quarto com
ele. Mas senti seu cheiro, um beijo no meu pescoço, ouvi sua
movimentação até o banheiro, seu banho e seu perfume quando retornou.
Senti seus braços em torno da minha cintura. E meu coração idiota resolveu
interpretar tudo aquilo como esperança. Eu só não entendi exatamente o que
essa esperança representava.

— Melhor? — perguntei para Mel, ao seu lado, no gramado. Assistíamos


os garotos jogarem, pela manhã. Usávamos uniformes dos Green Snakes,
time antigo da escola do Ollie, eu tentava me acostumar com a blusa e os
shorts femininos, brancos e minúsculos.
O time de Zhang era composto por Mike, Damian, alguns cantores
conhecidos por Damian e ex-jogadores que Oliver conhecia. Zhang só foi
autorizado a jogar dez minutos pelo time de Brightgate e assinou um termo
se responsabilizando com uma multa por qualquer fratura. Então ele estava
jogando os dez minutos finais.
— Melhor. Mike e eu conversamos muito na madrugada. — ela disse.
— Depois de todo o sexo.
Ela me encarou e eu observei o empenho de Mike Graham em campo.
Certamente inspirado.
— Eu ouvi gemidos de manhã, Wayne.
— Ai meu Deus…
— Ouvi isso também. — comentei e ela tampou o rosto, envergonhada.
Deitei a cabeça em seu ombro, sorrindo. — Se resolveram mesmo, certo?
— Sim. Vamos tentar levar essa situação de bebês com mais leveza.
Menos testes, menos consultas, menos ansiedade. Se não acontecer em até
dois anos, consideramos outras possibilidades.
A encarei, orgulhosa. Ela dizia aquilo com alguma firmeza e eu sabia
que era difícil demais para Melissa Wayne dar um passo para trás. Seria
difícil não pensar tanto nisso pelas próximas semanas, meses ou ano.
Porém, talvez fosse melhor tentar pensar menos naquilo tudo. O bebê
Graham-Wayne viria no tempo certo. Até lá, ela tinha outra família maluca
para cuidar. A nossa.
— Estou contigo em cada etapa do caminho. — prometi. — Até se
outras possibilidades incluírem o meu útero.
— Para de ser maluca, Jasmine.
— É sério. Eu te amo desse jeito.
Mel me encarou, sorrindo. Ela segurou minha mão, olhando no fundo
dos meus olhos e eu vi a emoção brilhar no tom castanho claro vivo do seu
olhar.
— Obrigada. Mesmo. Por tudo. Eu te amo ainda mais.
Virei-me para passar os braços em sua cintura.
— Sei que cheguei depois no lance Batman e Robin. Mas se tiver uma
terceira heroína por Gotham, me avisa. — Mel riu e me encarou.
— Tem o Asa-Noturna. — Dei de ombros. Não sabia quem era, mas
aceitava.
—  Tem uma quarta-heroína em algum lugar? — Gigi perguntou,
parando ao meu lado.
— Batgirl…? — Gigi franziu o nariz com a sugestão da Mel. — Tem o
Capuz-Vermelho, mas quase certeza de que é meio vilão.
— Uhh, eu gosto. —  falei. — Deixa a Gigi como Asa-Noturna. Quero
ser esse Capuz-Alguma-Coisa. Vilão é meio sexy. — As duas riram e eu
perdi a concentração no restante da conversa.
Meu olhar capturou Oliver matando a bola no peito, antes de dar um
chapéu em um colega do meu elenco, no time adversário. Zhang girou o
corpo e avançou para o gol, o goleiro não teria chances. Ainda assim Ollie
passou para Mike, livre. Melissa parou de conversar para gritar e gritar e
deu certo. Foi no cantinho inferior direito, rápido como uma bala. Mike
disparou pelo campo, gritando enquanto Bale pulava em suas costas. Oliver
abriu os braços pelo estádio, incentivando a torcida a ir à loucura. Hailey,
no colo da sua tia Miley, uma das líderes de torcida, batia palmas.
Ollie passou por mim ao se posicionar em campo, faltando apenas os
acréscimos para acabar a partida. Ele me fitou por um longo momento e eu
senti minha pulsação pelo corpo inteiro. Meu rosto queimou e eu mordi um
sorriso. Não tínhamos conversado muito desde a manhã. Mas ele não saía
da minha cabeça.
— Porra, esse short fica entrando na minha bunda. — Uma voz raivosa
ecoou do meu lado e eu observei Carlson. Ela estava puta, ajeitando os
shorts e as meias. —  Caralho, cadê a Hailey?
— Com a Miley.
— Arrrrrrgh, porra de short entrando no meu cu. — ralhou, cada vez
mais impaciente. Gianna, do meu lado, gargalhou, enquanto Melissa tentava
desesperadamente não rir. — Sério, parem de achar engraçado! Odeio vocês
por concordarem com isso. Odeio os garotos por terem inventado essa
bosta. Eu vou me jogar no chão nos primeiros quinze minutos e fingir que
fraturei a tíbia.
— Por que a tíbia? — perguntei, rindo.
— Sei lá, porra. Que ódio.
Reprimi os lábios, para não rir mais. Oliver jogava os cabelos para trás,
limpando o suor do rosto, antes do juiz apitar. Então, a bola estava rolando e
Zhang já corria, pronto para roubá-la dos oponentes. Era sexy. Primeiro que
ele era naturalmente gostoso e eu sabia exatamente o que era capaz de fazer.
Segundo que seus músculos eram meio hipnotizantes quando corria.
Principalmente as coxas. Porra, as coxas eram fenomenais.
— Está babando. — Melissa me provocou, mas eu nem liguei.
— Ei, se ele fizer mais um gol, beija ele. — Busquei a dona da voz.
Priyanka estava no banco, ao lado de Riley, nossa técnica. — E se você
fizer também.
— O quê?
— Beija seu namorado, porra! — ela disse, alto demais, e eu estremeci,
assentindo. Beijos em público eram importantes. Para o teatro e para
satisfazer os meus desejos, obviamente.
Infelizmente Oliver não fez um gol. O juiz apitou novamente e os
garotos saíram de campo.
Bale correu, tirando a camisa, em direção a Carlson. A visão do marido
sem camisa não a deixou mais feliz. Naomi estava ocupada demais
mexendo no short, como se formigas estivessem mordendo a sua bunda.
Melissa, por sua vez, enlaçou a cintura do seu jogador preferido com as
pernas e encheu Mike de beijos.
— Fiz um gol para você, sweetheart. — Bale provocou, beijando-a.
— Que bom? Quer fazer mais? Entra no meu lugar.
Ri do seu péssimo humor.
— Jogador da partida, senhoras e senhores! — Melissa comemorou,
ainda presa em Graham como um coala. Mike tinha um sorriso enorme no
rosto, feliz pra cacete. — Meu Stormtrooper fez dois gols. Quantos Ollie
fez mesmo?
— Um. E eu tive dez minutos, Wayne. — Zhang se defendeu, tirando a
camisa e pegando uma garrafa de água. Eu senti todos os olhares sobre ele.
Sobre nós. Estava ocupada demais engolindo os gominhos naquele
abdômen desgraçado com meus olhos, mas vagamente ciente do mundo à
minha volta.
Disse vagamente, porque meus neurônios quase viraram fumaça quando
Oliver jogou a água da sua garrafinha pela cabeça. E ela caiu pelo seu
cabelo. Pelo seu rosto. Pelo seu peito. Pela sua barriga. Desgraça, aquele
tanquinho era sacanagem. Precisava mesmo ser tão gostoso?
— Pronta para o jogo? — Oliver me questionou, de longe, e algo
incongruente me escapou. — Jasmine? —  Sorriu, como se não soubesse
porque eu babava tanto. Desgraçado. Filho da puta. — Vai me fazer algum
gol, Moonshine?
— Depende, vai repetir o que fizemos ontem?
Os amigos, à nossa volta, surtaram, querendo saber o que eu queria dizer.
Os ignorei, focando em Zhang. Oliver ficou vermelho, estreitando os olhos.
Abri os braços e dei de ombros.
— Veremos se farei um gol, capitão. — provoquei. — Vou querer uma
recompensa.
Seus lábios se moveram em uma única frase: “Não brinque comigo”.
Torci para que meus olhos respondessem à altura. Eu iria brincar.
Senti uma mão em minhas costas e me virei.
— Ansiosa para jogar contigo, Rhodes. — Delilah disse. Era uma garota
alta, loira, de olhos claros. Eu a chamei para a competição. Era uma modelo
com quem trabalhei em alguns desfiles, uma das poucas pessoas com quem
eu tinha ficado, antes daquela mentira toda começar. Zhang sabia. Seu olhar
se estreitou em nossa direção e eu fingi que não percebi. Mas percebi.
Também percebi o duplo sentido da garota e sorri sujo, apenas para tirar
Ollie do sério. Ele ouvia. Ele ouvia muito bem.
— Vamos jogar então, amor. — devolvi, ciente do que isso causava em
Ollie.
Zhang trincou o maxilar, apertando a garrafa de água. Eu sorri, cínica,
torcendo para que se afogasse em seu ciúmes. Ouvi resmungos ao meu lado
e ignorei Carlson e Wayne, me enchendo de perguntas sobre o que tinha
acontecido, quando me abaixei para amarrar as chuteiras. Uma mão tocou
minhas costas e eu soube que era ele antes que falasse. Quando me pus de
pé e encarei Zhang, prendi um sorriso vitorioso e não sei como. Oh, alguém
estava puto.
— Chamou alguém que você fodeu para jogar?
— Foi antes de você. — devolvi, baixo, o que fez Melissa gritar. Gianna
tampou a boca dela e Carlson estava boquiaberta, se virando para Damian e
Mike e perguntando se eles sabiam disso. Nem Ollie, nem eu nos
importávamos com aquele caos. Tanto que ergui o queixo de Zhang,
segurando-o com uma falsa ternura. — Com ciúmes, capitão?
— Com ciúmes? Não. — mentiu. E mentiu tão mal que as borboletas no
meu estômago comemoraram. — Só puto com a falta de respeito da garota
de dar em cima de uma mulher que namora.
— De mentirinha.
Ele trincou os dentes, com a provocação, e se aproximou um pouco
mais. Ergui a cabeça, lutando para permanecer impassível. Foi exatamente
o mesmo olhar que me deu antes de me foder com força. Antes de me fazer
contar os segundos para gozar. Ele não poderia fazer isso em público. Mas
em algum momento poderia.
— Ela não sabe que é de mentira, Rhodes. — retrucou, baixo, erguendo
meu queixo de volta. Sua respiração perto da minha boca era
desconcertante. — Ela também não sabe que engoliu minha boca ontem,
quase implorando para engolir outra coisa.
— Não implorei.
— Ah, mas pareceu.
Estreitei os olhos, agora brava como ele. E excitada. Meio que gostando
de vê-lo da mesma forma. Zhang ativava muitos sentimentos conflitantes.
— Você sabe quando imploro, capitão. Ou já esqueceu?
Fiz menção de caminhar, mas Oliver me puxou para si.
— Para o mundo, você é minha mulher, Jasmine. E ninguém brinca com
o que é meu. Entende?
— Canalha.
Ele sorriu. Sorriu, perverso.
— Só porque me elogiou, Moonshine. — soprou. — E só porque ela está
assistindo.
Tive um vislumbre dos seus lábios antes que me perdesse neles.
Zhang me beijou, me trazendo para si pela nuca.
A multidão foi à loucura, o estádio tremia e fazia o chão tremer.
Meu coração vibrava, meu sangue fervia e todo pedacinho meu era puro
caos. Piorou quando Zhang sorriu contra a minha boca. Piorou quando sua
mão agarrou meu quadril, possessiva, e eu quis bater nele, mas também quis
puxá-lo para perto. Foi o que eu fiz, segurando seu rosto e espalmando seu
peito, deixando minha língua brincar com a sua.
Ele me beijou para me marcar. Me beijou para mostrar para a cidade
inteira, para o mundo inteiro e não para uma única garota. Para dizer que eu
era sua. Eu o afastei. O afastei quando meu coração acelerou quase além do
tolerável. Quando encarei seus olhos e não soube se o odiava ou se…
Merda.
O juiz apitou e alguém me puxou para o campo. Andei para trás, presa
nele.
Zhang tinha os olhos presos em mim, me dizendo que talvez estivesse
mesmo perdendo o controle. Eu estava completamente perdida em meus
sentidos, recuando ainda presa naquelas íris sombrias, porque finalmente a
ficha caiu.
Eu gostava da sua possessividade. Eu gostava de ser sua. Não era só uma
atração. Desde quando?
Minha própria consciência me respondeu: talvez desde sempre.
Merda, Rhodes.

Estávamos perdendo de dois a zero. E eu não faria um gol daquele jeito.


Primeiro que a única jogadora boa do nosso time, por incrível que
pareça, era Melissa Wayne. Os nerds realmente foderam muito bem na noite
anterior, inspirados pra caralho. Naomi Carlson literalmente fugia da bola.
E por fugir eu quero dizer que, em um lance, a maldita estava indo em
direção a Carlson e ela gritou achando que seria atingida, se abaixando e a
deixando passar pela lateral. Eu abri os braços, em choque. Melissa ficou
atônita, enquanto Gianna gargalhava. Naomi estava vermelha, xingando o
tempo inteiro, por pagar mico em rede nacional. Seu marido, Mike e Oliver,
por sua vez, gargalhavam. Minha cunhada e técnica do nosso time, Riley,
estava puta.
— Pretende jogar bola ou veio mostrar as unhas, Carlson? — Riley
berrou, puta.
— Mostrar as unhas. — Naomi gritou de volta, erguendo o dedo do
meio. A juíza a lançou um olhar feio e Naomi ignorou, se posicionando em
campo.
A jogadora do time adversário arremessou a bola em campo e eu gemi
de frustração, finalmente a reconhecendo. A filha da puta era amiga do
Oliver e ex-jogadora da seleção australiana. Caralho, a gente estava fodida.
Tecnicamente eu era meia-atacante, mas nem sabia o que eu estava fazendo.
Carlson era do ataque, porque a acharam muito fresca para ficar na defesa.
Wayne era da defesa.
— A gente vai perder tanto. — Priyanka gritou, pouco atrás de mim. Eu
a encarei como quem dizia “jura? você grita isso em rede nacional?”.
Melissa roubou a bola da adversária, perto do nosso campo. Ela chutou
para mim e eu demorei para processar que estava comigo. Oliver gritou
“corre” e… Bem, foi isso que eu fiz. Corri pra caralho com a bola, até meus
pulmões queimarem. Corri até que uma perna atingiu a minha chuteira e eu
caí. Gritei, xingando. Ouvi Oliver berrar horrores por uma falta e eu riria
por pensar que finalmente a situação estava invertida, mas estava ocupada
demais segurando minha canela. Se eu fingisse que doía mais, será que
expulsariam a maldita?
A garota levou um cartão amarelo e nem reclamou. Me ofereceram uma
mão e eu aceitei, dando de cara com Delilah e seu sorriso enorme.
— Tudo bem?
— Tudo. — respondi, sentindo minha pele queimar. Olhei para o banco e
vi Zhang de braços cruzados, sem camisa, odiando a interação. Parecia
querer que ela explodisse com a força do pensamento.
Voltamos a jogar. Mel cobrou a falta na lateral direita do campo
adversário, para Carlson, que milagrosamente acertou o passe para mim.
Enviei a bola para Priyanka no lado esquerdo, que correu, buscando
alguém. A zagueira adversária era Bowie, sua esposa, e Priyanka soprou um
beijo antes de chutar a bola por cima dela. Me surpreendi com o lançamento
perfeito até Wayne, no lado direito e fiz um joinha para Pri. Mel tentava
ultrapassar Maddie, irmã da Naomi, sem sucesso, então acabou passando a
bola para pessoa mais próxima, infelizmente com força demais.
A última coisa que vi foi Naomi Carlson, recebendo uma bola na cara e
caindo no chão como um pino de boliche.
Meu queixo caiu, em puro choque. Melissa levou as mãos à boca e
Gianna xingou, se aproximando com cuidado. Carlson tinha as mãos no
rosto e o jogo foi paralisado. Uma risada ameaçava borbulhar no meu peito
e eu me perguntei se iria para oinferno. Uma criança invadiu o campo,
gritando, e a juíza apitou de novo, desaprovando, mas Hailey já estava
ajoelhada ao lado de Carlson.
— Mamãe, você está viva?
Eu tive que gargalhar. Foi mais forte do que eu. Coloquei as mãos no
joelho, gritando de rir. Gianna fez o mesmo, escondendo o rosto atrás das
mãos. Bale se ajoelhou com uma pequena equipe médica, enquanto Carlson
gemia de dor.
— Não vou conseguir jogar. —  ela dramatizou. — Acho que quebrei o
nariz.
— Nem está sangrando! — a ex-jogadora da seleção protestou.
— Foi seu nariz? — Gianna perguntou. A ex-atleta negou. — Então cala
a boca.
O drama de Carlson chegou ao ponto de oferecerem uma maca para a
tirarem de campo, mas ela segurou o braço de Bale e subitamente ele estava
a carregando. Ouvi algo como “meu herói” de sua boca, enquanto Damian
ria. O estádio aplaudia e Naomi segurava o nariz, atuando melhor do que
eu, e balançava a mão livre tal como uma rainha. Hailey saiu atrás dos pais,
saltitando e acenando também. Deus, isso estaria em todas as redes sociais.
Naomi Carlson viraria meme.
— Você só tem amiga maluca. — Pri me disse.
— Nem me fale.
O jogo continuou e Mel parecia culpada, olhando para onde Naomi tinha
ido. Ela balançou a cabeça quando choquei a mão contra a sua, dizendo que
era seu momento Troy Bolton de colocar a cabeça no jogo. Uma referência
da Disney depois, ela estava um pouco mais focada.
O apito ecoou novamente e Mel chutou a bola para mim. Devolvi para
ela e corri para a grande área. Melissa passou para Gianna que correu até
passar para mim. Eu só lembro de chutar e então… O estádio estava
gritando.
Eu observei a bola dentro do gol por um tempo, sem acreditar, antes que
Mel caísse por cima de mim. Eu ri, confusa, enquanto Gianna me abraçava.
Assim que se afastaram, Delilah me abraçou de lado, comemorando e eu
ergui os olhos para Oliver Zhang. Eu fiz um gol.
Mesmo assim, ele não sorria. Suas mãos estavam na cintura, seu olhar
focado em cada toque da garota em mim e seu corpo parecia tenso. Lembrei
do que Priyanka havia mandado minutos antes.
“Beije seu namorado”.
E eu queria. Não porque era um teatro, mas porque eu queria fazer
aquele idiota do caralho entender que não precisava ter ciúmes. Que não
precisava agir como um homem das cavernas estúpido e marcar território.
Não tinha nenhuma outra pessoa naquele estádio com quem eu quisesse
comemorar um gol. Porém, se ele não sabia disso… eu poderia brincar um
pouco com seu autocontrole, não?
Então eu corri.
Corri pra caralho.
Até que pulei sobre Oliver Zhang, enlaçando minhas pernas em sua
cintura.
Processando o que eu estava fazendo, Ollie abriu a boca para dizer
qualquer coisa.
— Eu beijei você ontem. — falei.
— Eu lembro.
Oliver me observou. Os olhos escuros brilhavam absurdamente sob os
cílios espessos e eu conseguia me ver por eles.  Eu conseguia ver as amarras
em sua alma, como se me quisesse do mesmo jeito e se segurasse. Mas nada
sobre aquilo era errado. Era certo. Ele era meu melhor amigo e podia me
beijar. Sempre que quisesse. Apenas ele. Eu esperava que percebesse isso
em algum momento.
— Também vou beijar você agora, capitão — falei baixo, para ele, com
a boca a milímetros da sua, mesmo com uma multidão inteira nos
assistindo.  — Você, Zhang. — falei. E Ollie entendeu o que eu queria
dizer: eu queria beijar ele. Ninguém mais naquele estádio.
Não teve “avestruz” ou qualquer outra palavra que tornasse uma mentira
o momento em que colidi meus lábios com os de Oliver Zhang. Foi breve,
mas suficiente para incendiar meu corpo inteiro, conforme meus lábios
deslizavam sobre os seus e eu afundava as mãos em seus cabelos. Eu sabia
que o incendiava de volta, apenas sabia. Nossos corpos se comunicavam tão
bem quanto nossas almas.
Quando me afastei, olhei em seus olhos nublados de desejo e satisfação,
sorri. Porque apesar de gostar da visão, lembrei que poderia fazer melhor.
Ou, na verdade, pior. Eu queria que perdesse o controle comigo.
E ele perderia.
— Aproveite enquanto meus beijos são seus, Oliver. — sussurrei,
levando os lábios ao seu ouvido. Passei uma palma pelo braço de Oliver e
ele se tornou tenso, me apertando com força enquanto eu deslizava as
pernas de volta ao chão. — Porque você definitivamente sabe que tem uma
fila atrás de você, minha paciência está acabando e garotas como Delilah
não ficariam nada mal na minha cama. — Senti sua nuca se arrepiar sob
meu toque e fingi depositar um beijo casto abaixo da sua orelha. — Eu só
precisaria não ser flagrada, certo?
Recuei de vez, piscando, com um sorriso vitorioso ao perceber seu
estado. Sua feição estava pior do que minutos antes e Oliver Zhang parecia
incapaz de sorrir tão cedo, quando bufou, cruzando os braços, me
encarando com algo que eu jamais tinha visto com aquela intensidade
naqueles olhos escuros, vorazes e sombrios: ira.
Girei meu corpo em direção ao campo.
Puta merda, eu tinha conseguido.
Sorri, sentindo uma súbita vontade de gargalhar.
Eu descontrolei mesmo Oliver Zhang. E não foi nem um pouco difícil.
“ Hoje você, amor, vai ser a minha taça”
Intenção - Marilia Mendonça ft Gaab
 

Fato: uma das melhores coisas sobre sexo é a antecipação. Pessoas


tendem a ignorar que preliminares começam nos primeiros olhares. Desejo
se constrói a partir de pequenos detalhes. Se os alimenta do jeito certo, você
constrói um fogo que incendeia o mundo inteiro.
Oliver Zhang, de repente, era minha chama favorita para brincar.
Apesar do meu gol, perdemos o jogo e ele não trocou uma só palavra
comigo. Quando o encontrei, após uma boa ducha, no vestiário, Zhang mal
conversava com as pessoas, não esboçava um sorriso e até mesmo Mike
questionou se algo tinha rolado. Oliver se limitava apenas em desviar com
respostas monossilábicas e esquadrinhar do meu rosto, ao vestido preto e
curto, até as sandálias de salto. Eu me esforçava na atuação da minha vida,
agindo como se não tivesse feito nada demais. Nadinha. Mas toda vez que
seu olhar encontrava o meu, ele silenciosamente me dizia que tinha
brincado com a pessoa errada… e eu tinha que controlar a empolgação.
Puta merda, eu tinha tirado Oliver Zhang do sério. E era bom, muito bom
o gosto da vitória.
De alguma forma, eu apenas sabia que algo aconteceria. Eu sabia que
seria insano. E eu sabia que ele só estava esperando pela chance de nos
deixarem sozinhos.
Tivemos que retornar para a casa alugada, para pegarmos nossas coisas.
Nosso grupo entrou em uma van que, graças a Hailey, tocava Peppa Pig.
Mike zoava nosso jogo, enquanto Melissa pedia para parar, Bale colocava
gelo no nariz da Naomi, Gianna buscava analgésicos na bolsa e… Ollie e
eu, lado a lado, não nos falávamos. Ele estava puto. Possesso. Internamente
fora de si. Tentava manter a calma e a paz por fora, apenas por fora e eu
sabia. Meu coração estava acelerado. Não sei como consegui controlar meu
nervosismo por todo o trajeto.
Assim que chegamos na casa, Oliver finalmente abriu a boca. Ele parou
na frente da escada e me disse:
— Saímos em cinco minutos.
Nada mais, nada menos.
Subi as escadas, tentando não correr e senti duas mãos em torno dos
meus braços.
— Você fodeu Zhang e não nos contou?! — Naomi ralhou, baixo.
— Como foi? Foi na viagem né? “Só tem uma cama” nunca falha. —
Mel questionou e eu me virei para as duas, tampando suas bocas, no
corredor do andar superior.
— Sim. Foi na viagem. E eu vou contar para vocês. Mas tenho cinco
minutos para a melhor foda da minha vida, então, explico depois.
— Jasmine! — Naomi ralhou, mas entrei no quarto e bati a porta na cara
das duas, colando as costas na madeira e finalmente podendo respirar.
Levei a mão ao colo, sentindo meu coração em disparada.
Eu consegui o que queria. Finalmente.

O trajeto em seu carro foi silencioso. Oliver nem mesmo colocou uma
música, apertando o volante com uma mão e brincando com uma corrente
fina de ouro em seu peito com a outra. Ele não me encarava, enquanto as
veias em seus braços e nós esbranquiçados me mostravam que estava puto.
Estava se contendo.
Mordi um sorriso, tentando não me concentrar em seu perfume no
veículo. Fiz o mesmo no elevador, encarando cada andar como parte de
uma contagem regressiva. Quando chegamos ao nosso andar, eu suspirei.
Senti Oliver em meu encalço, por alguns passos.
Zhang deixou sua pequena mala em frente ao apartamento dele e me
seguiu, com a minha em mãos. Ele fechou a porta atrás de si e eu… eu
quase me virei, mas decidi manter aquele teatro de que nada realmente
estava acontecendo.
Sentei-me no sofá, prestes a tirar as sandálias de salto baixo, quando ele
derrubou minhas malas e sua voz irrompeu pelo ambiente:
— Não.
Um arrepio me percorreu e eu parei. Minha boceta contraiu e eu soube
que ficaria satisfeito quando tirasse a minha calcinha. Eu já estava excitada.
— Onde guarda as taças? — perguntou, como se não soubesse, e eu o
assisti caminhar como se a casa fosse sua. Vi os músculos de suas costas
contraírem mesmo com a camiseta preta, justa ao corpo. A bunda firme
chamou minha atenção e eu umedeci os lábios, ansiosa.
— Armário central, de cima.
Ele pegou apenas uma taça, caminhando pelo cômodo como se nada
realmente estivesse prestes a acontecer. Eu sabia que aconteceria. Ele
seguiu para minha pequena adega na cozinha e retirou uma garrafa.
— Vamos beber? — perguntei.
— Você vai. Precisa relaxar, Moonshine. Parece tensa. — Apertei as
coxas. De longe, Oliver assistiu o movimento discreto e eu tive certeza de
que sabia que eu estava a um segundo de foder o sofá a seco.
Oliver serviu o vinho e retornou para a sala, bebendo apenas um gole
antes de me entregar a taça. Ele recolheu os resquícios de bebida pelos
lábios vermelhos.
— Está cansada?
— Um pouco. — Virei um gole do vinho tinto, incerta.
Zhang se ajoelhou, ainda sem esboçar qualquer sorriso.
Ele pegou uma das minhas pernas e a dobrou, apoiando o salto em sua
coxa. Ollie deslizou a ponta dos dedos pela pele nua da minha coxa, exposta
pelo meu vestido curto, de alças finas. Lutei para controlar a respiração e
lutei ainda mais, quando desfez a fivela do sapato.
— Sabe o que pensei, depois daquele encontro? — questionou e eu
neguei. — Pensei que…
Uma sandália saiu de cena e ele apoiou meu pé no chão, indo para a
outra.
— Ficar de joelhos aos seus pés…
Ele colocou o outro pé em sua coxa, acariciando meu tornozelo e mais
acima, em uma massagem que quase me fez gemer.
—… parecia tão certo, quanto uma tortura.
— Por que?
Oliver tirou o outro sapato, acariciando minhas pernas e mais acima.
Apertando minhas coxas de leve, tão de leve. Ele encarou minha boca, meu
colo, cintura… E então um tapa estalado na minha coxa me fez arfar,
surpresa. Sim. Porra, sim.
— Porque eu queria abrir suas pernas… — Ele apertou minhas coxas de
novo, as afastando —… foder sua boceta com a boca. E não deveria.
Suas mãos se infiltraram sob meu vestido, os dedos se enganchando nas
laterais da minha calcinha. Tirar os olhos dos seus era impossível.
— Não? — provoquei, segurando a taça como se minha vida dependesse
disso.
— Não. E ainda não devo.
— Não?
— Não. — Oliver arrastou a peça pelas minhas pernas. Ele
provavelmente sabia que eu estava molhada, mas tudo que fez foi guardá-la
em seu bolso, sem nenhum comentário, e se aproximar um pouco mais. —
Eu realmente não deveria.
— E ainda assim vai fazer isso agora, não vai? — arrisquei.
Meu coração disparou, esperando por uma resposta.
— Vou. — confessou, passando uma das minhas pernas por cima do seu
ombro e eu mordi o lábio.
— Por que?
— Porque te avisei que não sou tão bom quanto você pensa e mesmo
assim você me tirou do sério, Rhodes. Não quero mais ninguém brincando
com o que é meu. Então decidi parar de lutar contra o filho da puta que eu
sou.
Assenti, compreendendo, mesmo que meus pulmões falhassem. Zhang
abaixou as alças do meu vestido antes de voltar a se ajoelhar e mordiscar
minha perna. E mais acima…
— Vou ser esse filho da puta.
Ele mordiscou o interior da outra coxa e… mais acima.
— E esse filho da puta é o único que te fode daqui em diante, sim?
Confirmei, com o coração em disparada. Zhang segurou a barra do meu
vestido e o rasgou, devagar. Eu abri a boca, em choque. Ele manteve o olhar
preso no meu, ainda rasgando, até que eu estivesse nua e seus olhos
famintos devorassem meus peitos, barriga e boceta, sem nada o impedindo
de me analisar por completo.
— Era caro, Zhang. — falei, baixo.
— Avisei que não deveria brincar comigo, Jasmine. — devolveu. —
Então para de se importar com a porra do vestido, porque te compro outro.
O que importa é saber que isso aqui… — Ele espalmou a minha boceta,
agarrando-a firme, ao aproximar a boca da minha. Respirei fundo, beirando
a insanidade. — Pertence a mim.
Ele esperou. E deu um tapa bem ali quando não falei nada. Arfei,
apertando meu calcanhar em suas costas, querendo que acabasse com a
tortura.
— Sim?
— Sim. — respondi, prendendo um sorriso vitorioso entre os lábios.
— Agora cada um bebe o que merece. — provocou, finalmente sorrindo.
— É sério?
— Seríssimo. — Ele acenou com a cabeça para o vinho, em uma ordem
silenciosa, tirando os anéis e jogando-os no chão. Obedeci, levando os
lábios para a taça de cristal, me controlando para não gemer ao sentir sua
língua subindo pela minha boceta, enquanto o líquido descia pela minha
garganta. Olhei para baixo e Zhang abria minha boceta com dois dedos,
aproximando o hálito quente do meu ponto sensível, antes de tomá-lo com a
língua. Suspirei, afastando a taça do campo de visão e agarrando seus
cabelos, enquanto sua língua circulava meu clítoris, antes de massageá-lo
devagar de cima para baixo. Zhang o chupou e eu xinguei, tentando não me
esfregar contra sua boca tão cedo. — Gosta de me ver ajoelhado entre suas
pernas, hm? Como a porra de uma rainha?
Fui capaz apenas de gemer em resposta, quando seu polegar circulou
meu clitóris e ele o beliscou de leve. Zhang sorriu e eu soube que não
duraria muito. Estava excitada desde o fim do maldito jogo, só de lidar com
sua maldita existência. Quando abaixou a cabeça novamente, me possuindo
com aquela maldita boca, eu joguei a minha para trás, arfando.
Ollie me chupava, me mantendo aberta e exposta à ele com dois
malditos dedos, lambendo, mordiscando, tracejando caminhos com a língua
para me levar à loucura. Quando um dedo me penetrou, fechei os olhos.
Minha respiração estava uma desordem, meus gemidos eram incontroláveis
e eu sentia todo meu corpo cada vez mais tenso, implorando por alívio.
Zhang tomava seu tempo, relembrando cada rota para me fazer gozar.
— Eu beberia cada gota do seu gosto, Rhodes. — Chupou mais forte de
novo. Mordi a boca, com as pálpebras pesadas. — Quem mais faria isso por
você?
Não respondi e ele enfiou um segundo dedo, mordiscando o ponto
sensível, antes de provocá-lo, devagar, com a língua. Um tapa em minha
coxa e eu esfregaria contra sua boca, desesperada.
— Quem? — perguntou, tocando meu clítoris e lambendo minha
extensão devagar, provocando.
— Ninguém. — gemi, observando seu sorriso satisfeito enquanto
agarrava meus quadris, me devorando. Sua língua brincou com minha
entrada, antes que me fodesse com ela.
— Implore.
— Ollie… Por favor.
— Te fodo quando acabar a taça, Rhodes.
Eu ri, percebendo que tinha sentido falta disso. De como ele era um
desgraçado e sabia. Ele bateu na minha coxa, sua língua se movendo com
destreza, e eu me perguntei até quando suportaria. Ele alternava entre me
chupar e me foder com a língua. Zhang gemia em aprovação, como se eu
fosse a melhor coisa que já tinha provado. Segurei sua cabeça, mantendo-o
em minha boceta. Meus quadris se moviam, implorando por mais e eu
apoiei a outra perna sobre seu ombro.
Respirei fundo, dando os malditos goles, apreciando o vinho e aquela
língua em mim. Zhang estava certo. Eu gostava da ideia de vê-lo ajoelhado,
da falsa sensação de dominá-lo, de poder. Tanto que acabei deitando o
corpo no sofá e fodendo sua boca de volta, rebolando meu clitóris em sua
língua e bebendo enquanto ele saboreava meu gosto, sem parar, me fazendo
pingar. Ainda assim, odiava aquela taça. Poder agarrá-lo com apenas uma
mão era uma tortura. Zhang sabia disso.
— Você é tão deliciosa, amor. — Ele me penetrou com dois dedos, sua
língua torturando meu clítoris cada vez mais rápido. Amor… Caralho, eu
ia…
— Oliver. — avisei, choramingando de prazer.
— Olha para mim, Rhodes. Quero seus olhos em mim quando gritar meu
nome.
Ele me chupou e eu obedeci, sentindo a tensão se tornar insuportável.
Meus dedos se curvaram sobre suas costas, minhas pernas só não se
fecharam porque ele me segurou com firmeza. Meu clitóris pulsava em sua
língua, enquanto me chupava sem parar e aquilo era demais para aguentar.
Ele parou apenas por um momento, para aproximar a boca suja com minha
excitação da minha e me foder forte com dois dedos, cada vez mais rápido,
antes de dizer:
— Por que está se segurando? Com medo de não aguentar todas as
formas que vou te fazer gritar depois disso? — Ele soltou um risinho,
lambendo a minha excitação. — Goza, Rhodes, agora.
E eu gozei, gritando seu nome, arqueando a coluna, estremecendo no
sofá e agarrando seu cabelo enquanto minha mente se tornava fumaça,
minha visão desaparecia por completo e um tornado se apossava de cada
célula, veia e órgão do meu corpo, dilacerando-me com prazer. Minha
boceta apertava seus dedos, sua boca dominava a minha e eu não conseguia,
e muito menos queria, pensar. Eu viveria naquele orgasmo para sempre, por
mais simultaneamente desesperador e apaixonante que ele fosse.
Meu corpo despencou sobre o estofado e eu xinguei, ofegante, enquanto
meus sentidos voltavam aos poucos. Com as pálpebras pesadas, observei
Zhang me lamber uma última vez, beijando minha coxa, até aproximar os
lábios dos meus e agarrar meu queixo.
— Você está pingando por todo o sofá. Aquela garotinha idiota no
campo faria isso por você? — Zhang mordiscou meu queixo, beijando meu
pescoço e roubando a taça da minha mão. — Quando eu pergunto, você
responde, cachorra. — Ele me tocou novamente, entre as pernas, e eu gemi,
sensível, me esfregando em seus dedos.
— Não. — respondi, baixo, e ele beijou meu pescoço, deixando sua
língua percorrer todo o caminho até minha orelha. Ollie a mordiscou, me
tocando com leveza e meu corpo estremeceu de novo. Ele abaixou a boca
para chupar um seio e então o outro.
Depois se levantou, de repente, me deixando no sofá e virou o resto da
taça em um só gole, deixando-a sobre a mesa. Observei o volume entre suas
pernas, sentindo saudade de tê-lo na boca. De como empurrou os quadris
até que gozasse em minha garganta, sem nenhum controle.
— Deixe-me esclarecer uma coisa, Moonshine, esse namoro pode ser
mentira. — falou de pé, tirando a camisa e o cinto. Observei o objeto em
sua mão, me perguntando se usaria em mim. E eu queria. Realmente queria.
— Mas as coisas que vou te fazer sentir, são de verdade.
Ele se aproximou, me olhando de cima, segurando o cinto com ambas as
mãos, ao perceber meu interesse sobre ele.
— Então é assim que fode suas garotas mesmo, né?
Ele soltou um risinho e soou como uma confirmação. Meu coração
queimou com um sentimento idiota, pensando em todas as garotas que ele
trouxe para o apartamento.
— Você não entendeu mesmo, né? — Ollie passou o cinto em torno do
meu pescoço, aproximando minha cabeça da sua, ao se agachar e puxar o
acessório com leveza. — Eu as comia forte, sim. Mas não fodia nenhuma
como fodo você.
Sorri e ele sorriu de volta, me beijando, devagar.
— Fica de quatro para mim, segurando o sofá, Jas. — pediu, com tanto
carinho, que foi impossível negar. Virei-me, ajoelhando sobre o sofá e
respirando fundo, ele acariciou meu pescoço, deslizando meu cabelo por
cima do ombro. Sua mão deslizou pela minha bunda. Inspirei, em
antecipação, e ele chocou a mão na minha pele com força, me fazendo
gemer. Zhang beijou meu pescoço com ternura, acariciando a pele que
queimava pelo tapa. — Vou prender os pulsos dessa vez. Minha mão fica
melhor nesse pescoço. Por ora.
Sorri. Fiquei parada, enquanto prendia meus pulsos atrás do corpo, firme
o suficiente para me manter presa, mas não para me machucar.
Ouvi sua calça ser abaixada e senti seu pau em minha abertura, roçando
de leve a minha boceta por trás. Quis segurar o encosto do sofá e percebi
que não poderia. Senti seus beijos em minha nuca, enquanto agarrava meu
cabelo. Seu toque deslizou para os meus seios, beliscando os mamilos, e
deixando-os preencherem suas mãos.
— Não tem nada sobre você que não seja perfeito. — sussurrou, tão
baixo que não parecia ser dito para mim. Desceu as mãos pela minha
cintura, até os quadris.
E então me fodeu.
Fiz menção de tombar a cabeça para baixo, mas Oliver agarrou meu
cabelo, erguendo minha cabeça para si e beijando-me de cima. Sua mão
livre envolveu o meu pescoço, enquanto a outra agarrava as mechas escuras
e ele começou a se movimentar. Devagar, a princípio, mas nada sobre seus
movimentos era menos prazeroso.
Zhang desceu a mão em meu pescoço para um mamilo, torcendo-o de
leve, eu gemi, fodendo-o de volta. Olhando para cima e quebrando o beijo,
vi seu sorriso preguiçoso, sexy, sujo em todos os sentidos.
— Você fica linda sendo a minha vadia particular.
— Sua? — provoquei e ele sorriu ainda mais, me fodendo mais rápido.
Gemi alto e Zhang desceu a mão para o meio das minhas pernas, tocando-
me com firmeza.
— Minha. Confessa.
— Me faz confessar. — falei, gemendo, e ele me deu um tapa na boceta
que a fez contrair imediatamente. A dor gerou um formigamento prazeroso
e eu me perguntei como aquele homem fazia aquilo com meu corpo. Eu já
sabia que não demoraria em gozar.
— Você pediu.
Ele aumentou a velocidade das estocadas e eu comecei a xingar,
querendo tocá-lo, mas impedida pelo maldito cinto. Empinei a bunda,
fodendo-o de volta e ele a estapeou, empurrando-me contra o estofado,
segurando o cinto por trás e estocando com força mais vezes do que eu era
capaz de contar. O prazer foi crescendo novamente e eu estava perto, tão
perto de gozar, mas não queria. Não tão cedo.
Só que ele não parava.
Os sons dos nossos corpos se chocando, ecoavam por todo o
apartamento.
Nossos gemidos, respirações misturadas, xingamentos contidos…
Era demais para suportar.
Gozei mais uma vez, gemendo como a cachorra que ele queria que eu
fosse, e Oliver não parou, me mandando confessar mais uma vez. Não fiz
isso, estremecendo contra seu corpo e ele agarrou meu pescoço, me
levantando e me fazendo caminhar até as janelas do apartamento. Era alto
demais para todo mundo nos ver, mas eu tinha uma vista completa de
Brightgate pela noite.
— Quero que grite para esse prédio inteiro entender que essa boceta me
pertence, Jasmine. — ele rosnou e o prazer que estava quase acabando,
pareceu ressurgir, incendiando todo o meu corpo. Deus, Oliver me faria
gozar a noite toda. — Quer essa cidade? Ela é sua. Mas vou te marcar em
cada canto dela. Está ouvindo? — Assenti, gemendo. — A quem essa
boceta pertence?
Eu gemi alto quando pressionou meus seios na janela, que ocupavam a
parede inteira ao lado da varanda. Oliver me bateu e eu choraminguei,
empinando a bunda, querendo mais. Eu queria tocá-lo, mas a tentação era
prazerosa. Tudo era prazeroso. Demais.
— Diz, cachorra, a quem essa boceta pertence?
O orgasmo veio novamente, irrompendo por todo meu corpo e me
fazendo gritar seu nome, respondendo-o inúmeras vezes, enquanto ele
grunhia e fodia cada vez mais forte. Minhas pernas vacilaram, mas Zhang
segurou meus quadris e meu pescoço contra a janela, mantendo-me ali até
que conseguisse o que queria. Quando meu corpo estava quase se
acalmando, ele estocou fundo e forte uma, duas, três vezes, derramando seu
gozo em mim e xingando tão alto quanto eu, para a cidade toda ouvir.
Ofegante, apoiei a testa no vidro, vendo-o embaçar e nublar a imagem de
Brightgate, abaixo de nós.
O prazer ainda vibrava pelas minhas veias, enquanto meu corpo se
recuperava.
Devagar e ofegante, Zhang desfez o aperto do cinto nos meus pulsos e os
acariciou. Sua boca tocou minha cabeça, minha orelha, meu ombro. Ollie
apoiou a testa em mim e eu busquei por suas mãos, enlaçando-as em minha
cintura.
Não consegui falar.
Não consegui pensar.
Apenas me concentrei na sensação de tê-lo por cada pedacinho do meu
sistema.
Oliver estava na minha pele, no meu corpo, na porra da minha alma.
Meu melhor amigo. Minha pior tentação.
— Você vai ser o meu fim, Moonshine.
Eu sorri, fechando os olhos, o entendendo.
Oliver Zhang era minha insanidade.
E quando me abraçou, por trás, eu me senti muito mais alta do que no
topo daquela cidade. Me perguntei se, tal como eu, ele também se sentia
caindo, despencando… sem medo.
“Outro avião
Outro lugar ensolarado
Eu tenho sorte, eu sei
Mas eu quero ir para casa”
Home - Michael Bublé
 

Eu estava exausto, mas valia a pena.


Uma Jasmine Rhodes, só com a minha camisa, estava sentada entre as
minhas pernas e eu não conseguia parar de admirar cada sorriso, gargalhada
ou o modo como colocava o cabelo para trás da orelha. Todo pequeno
detalhe era hipnotizante.
O sentimento insano no meu peito, me fazia pensar que meu coração
provavelmente explodiria a qualquer momento. E eu não dava a mínima.
Ela era a minha casa. E agora que a tinha, de certa forma, não queria
deixá-la ir.
Jasmine brincou com meus limites, fodeu com minhas morais e me
tornou ainda mais seu.
Eu era um filho da puta egoísta. E dela.
— Te fiz brigadeiro. Tem que comer o brigadeiro. Não a mim.
— Não estou te olhando assim porque quero te comer, Rhodes. —
Teríamos que dormir em algum momento, mas ela cismou em me fazer o
maldito doce e agora estávamos com uma panela sobre a cama, assistindo
Brooklyn 99. — Estou te olhando assim porque você é linda.
Jasmine deitou a cabeça no meu ombro, sorrindo.
— Precisa mesmo viajar amanhã?
Meu coração doeu. Eram dois dias. Apenas isso. Mas o modo como
falou me fez pensar na tortura que seria ficar sem ela.
— Preciso.
— Justo agora que te domei. — Ri, concordando. Ela me ofereceu uma
colherada. Aceitei o doce, consciente de que não poderia comer muito mais
do que aquilo. Tinha uma dieta a seguir.
Rhodes bocejou e se acomodou sobre o meu peito.
— Precisa descansar, Moonshine.
— Não quero dormir. — A analisei, com suas pálpebras pesadas,
resistindo ao sono. — E se tudo isso for um sonho?
Eu movi uma mecha para trás da sua orelha, admirando seu rosto.
— Ainda vou estar aqui amanhã, Jas. — prometi.
— Você viaja amanhã, mentiroso.
— Não sem te acordar. — assegurei e Rhodes olhou no fundo dos meus
olhos.
— Posso te levar para o aeroporto?
Sorri, apertando suas bochechas com uma mão, o suficiente para
mordiscar aquela boca, só de brincadeira.
— Deve. — sussurrei. — Mas só se dormir.
Ela franziu o nariz, teimosa, porém deixou um sorriso escapar. Passei um
braço em volta do seu pescoço, apoiando o queixo em sua cabeça e a ouvi
rir mais uma vez do seriado na TV. Cinco minutos depois, Jasmine estava
dormindo, suspirando baixinho. Fui até a cozinha, lavei a panela e voltei
para a cama, envolvendo-a pela cintura e cumprindo minha promessa.
Eu sempre estaria ali por ela.

— You ever love somebody so much you can barely breathe when you're
with them. — Jasmine gritava a letra, no banco do carona, e eu tentava
acompanhá-la, quase tão sem fôlego quanto Eminem dizia estar na música.
— You meet and neither one of you even know what hit them. — Algo em
seu sorriso e no modo empolgado como tentava me vencer me fez sorrir
demais e acabei me embolando na música. Ou talvez fosse o fato da criatura
estar linda pra caralho, mesmo só com uma blusa larga do Cage The
Elephant, shorts jeans e os óculos escuros redondos, que eu amava tanto. —
AHÁ!
— Droga, Moonshine, não é justo. — me defendi, rindo, voltando a
focar no trajeto até o aeroporto. — Eu não errei, errei… Só dei uma
travadinha.
— Sei, capitão. Sei…
— Eu gosto do rap da outra versão também. — confessei e ela franziu o
cenho, reduzindo o volume para me ouvir melhor. — É mais intenso. Mais
caótico. Sabe, é uma música sobre um relacionamento triste pra caralho.
Mas é… poética, de certa forma. É dolorosa porque é real. Eu espero nunca
ser o cara dessa música.
— Você nunca vai ser. — ela disse, enquanto apoiava os coturnos sobre
o porta-luvas. — Mas sim… É uma obra de arte. Principalmente quando
você canta. Mas posso confessar uma coisa? — Acenei, me esforçando para
não olhar para a dona do Chanel Nº5. — Odeio Eminem. Tipo, como
pessoa. Acho escroto. Como artista, infelizmente, eu… Sabe…
— Gosta. Pois é. Mal do século. Pessoas escrotas fazendo sucesso e até
sendo boas nisso. Às vezes parece uma regra e não uma exceção.
— Mas temos boas exceções. Tipo eu.
— Claro.
— E Damie… E Mel… E Naomi, certo?
— Adoro seu humor “amo os Green Snakes e o resto que se exploda”,
sabe? — debochei e ela me deu aquela gargalhada sensacional de novo. 
— Qual o seu favorito? — Jas me perguntou e eu franzi o cenho. — Rap.
Não Green Snake.
Sorri, mesmo pensativo. Os efeitos de Jasmine Rhodes sobre mim
deveriam ser estudados.
— “Ela está de volta para ser meu soldado, porque ela é uma fugitiva e
eu sou um impostor. Coloque-nos juntos, como vão nos deter? Quando lhe
falta alguma coisa, eu estou no seu ombro. E quando eu estou para baixo,
ela me mantém concentrado. Então, vamos falar de como isso foi projetado
para ser a Bonnie e o Clyde…” — falei, olhando para Rhodes, enquanto
nos aproximávamos do aeroporto. Ela mordeu um sorriso.
— Jay Z e Beyoncé. — Rhodes acertou e eu confirmei.
O carro caiu em um silêncio estranhamente confortável. Assim que
estacionei o Dodge Charger e saí do veículo, Rhodes fez o mesmo e apoiou
as costas na porta. Peguei a mala nos fundos e a entreguei a chave. Jasmine
apertou minha mão, mesmo com a chave entre nossas palmas, erguendo a
cabeça com um sorriso contido.
— Não custa nada me deixar ficar aí com você, capitão. Ainda tem uma
hora para viajar.
— Você tem compromissos. Não vou te atrasar. Mesmo contando todos
os segundos para ficar contigo e tudo mais. Principalmente depois de
ontem.
O sorriso de Rhodes triplicou e eu ri.
— Cara, você está pensando tanto em sexo. — murmurei e ela
gargalhou, erguendo as mãos em rendição.
— Desculpa, Ollie, mas você… — Jasmine envolveu minha cintura, me
trazendo para perto — me fodeu contra a janela, na frente da cidade toda.
Não é algo que vou esquecer tão cedo. — Mordi o cantinho da boca, vendo
desejo nos seus olhos. Porra, quase considerei fodê-la em algum banheiro
do aeroporto e foda-se tudo. — Quem está pensando em sexo agora?
— Você é perigosa. — sussurrei, erguendo seu queixo antes de unir os
lábios aos seus.
Jasmine suspirou contra a minha boca, apoiando a cabeça no meu peito
ao olhar para cima. Tê-la contra mim, daquele jeito, parecia certo,
finalmente. Romper aquele abraço seria como sair de casa em um tempo
chuvoso, em que tudo que você quer é um cobertor. Ela realmente era a
minha casa. E eu queria saber o que éramos, o que aquilo tudo significava,
mas… Não queria estragar tudo. Também parecia mais certo que
estivéssemos em algo falso, mas com benefícios. Pelo menos até eu
conseguir contar toda a verdade. Se eu contasse.
Merda, Rhodes merecia alguém melhor.
— Vou te mandar um presente. — avisou e eu ergui seu rosto,
acariciando-o devagar.
— Por quê?
— Porque vai fazer trinta anos, seu babaca. — Eu parei para processar,
por um momento. Jasmine escancarou a boca. — Esqueceu do seu próprio
aniversário?
— Culpa sua e do sexo de explodir a cabeça, naquele sofá. — respondi e
ela gargalhou alto. Por Deus. Com a expulsão, depois a viagem, as semanas
lutando pelas vitórias no campeonato, o fato de estarmos tão perto do top 6
da liga… Caralho, já era março e eu esqueci do meu próprio aniversário. —
Não precisa me dar um presente, Moonshine.
— Cale a boca. Eu vou te dar um presente. Você é meu melhor amigo.
Aceita.
— Certeza? — Ela assentiu. — Ok, então. Vou te mandar um assim que
chegar em Sydney. — prometi de volta, arrastando o polegar pelo seu
pescoço.
— É seu aniversário e você vai me dar um presente?
— Primeiro: já falei que colocaria o mundo nas suas mãos e não estou
brincando. Segundo: digamos que seja um presente bom para ambas as
partes. — sussurrei. — Mas só vai poder usar, pela primeira vez, quando eu
mandar. Combinado?
— Uhhh… Misterioso. Eu gosto. — Jasmine me beijou mais uma vez,
puxando-me pelo moletom. Com uma respiração profunda pelo nariz, me
perdi em sua boca, deixando que arrancasse dela tudo o que eu sentia e
queria dizer. Quando o beijo se rompeu, eu a entreguei a chave novamente.
— Vou cuidar bem do seu bebê. Boa viagem.
Precisei roubar um selinho. E outro. E outro. Porra, eu estava mais
meloso do que Mel e Mike.
— Volto em breve, Moonshine.
— É bom mesmo, capitão.
Eu sorri, recuando e entrando no aeroporto. Dei alguns passos antes de
sentir alguém me puxar por trás de novo. Jasmine me fez gargalhar quando
me beijou mais uma vez. E outra. E outra.
— “Se eu fosse sua namorada, estaria aqui por você se alguém te
magoasse. Mesmo se esse alguém fosse eu.”
BONNIE & CLYDE. De novo. Eu colidi meu sorriso com o dela só mais
uma vez e ela me deixou ir. Me questionei porque meu rosto estava doendo
quando cheguei no hotel. E então percebi que sorri o tempo todo. No
aeroporto. No avião. No ônibus da equipe. Até me jogar na cama. Maldita
fosse Jasmine Rhodes.

@ZhangGate: Eu vi Oliver e Jasmine se beijando no aeroporto!!! Fofos demais.


@Carlsonbale: Meu Deus, as fotos de ZhangRhodes???? #ZhangRhodes4Life
@JasRh0des: Honestamente, sentava nos dois.
 
Ok, éramos um casal bonito pra caralho. Eu passava as imagens dos fãs e
paparazzis no aeroporto, pela primeira vez surpreso por não ter percebido
nenhum deles enquanto beijava Jas. Seu sorriso quando se afastou era tão
contagiante que eu estava vendo em loop o vídeo de Rhodes correndo para
me roubar um último beijo. Coloquei BONNIE & CLYDE para tocar, me
jogando sobre a cama do hotel.
“Se eu fosse sua namorada, estaria aqui por você se alguém te
magoasse. Mesmo se esse alguém fosse eu.” Se a letra era uma indireta…
Bem, era recíproco, sendo seu namorado ou não. Eu estaria ali por ela,
mesmo se ela me quisesse longe. E, quando eu contasse a verdade, poderia
querer.
Bufei, observando o teto.
Talvez eu pudesse fazê-la entender, aos poucos, outras perspectivas,
antes de contar sobre Ramsey. Seria uma catástrofe se ela o julgasse,
porque… Porra, ele errou feio, mas ele ainda era meu irmão. A porra da
minha alma gêmea.
Peguei o celular, seguindo para a varanda do hotel. Digitei o número da
Mel e aguardei. Foi uma escolha meio óbvia. Mike odiava a mentira como
qualquer um do grupo, mas era menos superprotetor em relação à Jas e
Wayne tinha Brandie como um irmão tanto quanto eu. Demorou um pouco,
mas ela atendeu.
— Ei, Zhang-Boo. Tudo bem?
— Ei, Mel… — falei, incerto. — Mike está aí também? Queria falar
com vocês dois.
— Sim. Só um momento. — Ela o gritou e eu esperei um pouco. — Só um
segundo. Fala com ele rapidinho? Obi-Wan não quer comer e eu vou tentar
resolver isso.
Assenti, como se pudesse ver. O furão da Mel tinha quase oito anos
agora. Ele estava velho. Yoda também não estava tão jovem assim. Isso me
preocupava.
— Fala, Zhang-bosta.
— Que adulto, Mike.
— Aprendi com a Hailey, meu príncipe. Ela está te chamando assim nos
últimos dias.
— Por que? O que eu fiz?
— Disse que não curtiu o fim do jogo beneficente com ela e não a ama
mais.
— Filha de Damian Bale, hm? Drama puro. Vou falar com ela depois.
Como está por aí?
— Complicado. — ele confessou, suspirando. — Mel e eu resolvemos
desacelerar com o lance da gravidez, mas isso não quer dizer que
esquecemos disso por um segundo sequer. E é foda. Foda porque Obi está
velho e talvez não conheça nosso filho, se é que teremos um. Foda porque
meu pai também não está nada bem. Não estávamos correndo contra o
tempo pela nossa idade, sabe? É porque… Porra, estamos com medo de
perder quem amamos, Zhang. Ter esse bebê e permitir que conheçam meu
pai, Obi-Wan e Yoda… Seria uma vitória do caralho, entende?
— É… Eu sei. Mas vai acontecer. Sinto que vai acontecer ainda esse
ano. Juro. Estou ansioso pra cacete para ser o titio Ollie de novo. Mas seu
pai está piorando?
— Ele não anda mais. Não fala. Sei lá, cara, parece que a cada dia que
passa… — Mike bufou e eu fiz o mesmo.
Não era o mais próximo do meu pai há um tempo, depois do acidente.
Acho que mesmo me culpando pelo acidente, vê-lo tornava as coisas piores.
Me lembrava o motivo para ter bebido e Brandon ter feito o mesmo.
Demorei para entender que brigando ou não com ele naquela noite, tendo
ou não uma boa relação com ele naquela época, o acidente poderia ter
acontecido da mesma forma. E, bem, parte de mim pensou, por muito
tempo, que precisei estar na maca de um hospital para que Adrian me visse
por completo e compreendesse que ter um filho jogador era melhor do que
não ter um filho. Precisei de muita terapia e puxão de orelha da Jas, para
conseguir ter alguma coragem e conversar com meus pais pela primeira
vez. Precisei ainda mais dessas duas coisas para continuar lutando por uma
nova relação, uma melhor. Eventualmente conseguimos. Não se tornou
perfeita ou a mesma de antes da minha carreira, mas eu ainda o amava,
respeitava e o queria na minha vida.
A ideia de vê-lo adoecer, como Graham lidava com a esclerose do pai,
era desesperadora. Minha mãe, pior ainda. Perder minha avó já tinha sido
doloroso o suficiente.
— Enfim, vai dar tudo certo, né? — Mike perguntou. — Tentando
pensar positivo como a Mel, mas… É complicado. Até ela parece que
perdeu as esperanças.
— Você sabe que não precisa passar por isso tudo sozinho, certo? Odeio
quando se isola, Graham. Se guarda nesse mundo de piadinhas e
brincadeiras e não conta que está mal. Há quanto tempo passa por isso sem
desabafar?
— Pois é, senhor Zhang, está falando de mim ou de si mesmo? — Bufei,
porque ele estava certo. Mike e eu, às vezes, éramos como reflexo um do
outro. Por isso era tão fácil entendê-lo. Ele gostava de ser o engraçadinho
do grupo, para não mostrar suas vulnerabilidades, como eu. Ele odiava
preocupar as pessoas de qualquer forma possível, como eu. — Por que
ligou, Ollie?
— Mel está aí? — perguntei. Mike a chamou novamente.
— Oii, Zhang-Boo. Fala. — Wayne disse, de longe. Presumi que a
ligação estava no viva-voz.
— Eu e a Jasmine estamos meio que juntos.
Meu celular vibrou. “Melissa quer mudar para chamada de vídeo”. Jesus.
Aceitei. Mel estava com o celular em mãos agora, Mike sobre seu ombro
tentando me ver.
— Foi o lance de “só tem uma cama”, não foi? Vocês transaram. — Mel
falou e eu abri e fechei a boca, gaguejando. —  Ai, meu Deus, Ollie! Ela me
contou. Mas foi naquela viagem? Em menos de um mês?
— Foi.
— Droga, se foi menos de um mês, Bale ganhou a aposta. — Mike
resmungou.
— Vocês apostaram a transa também?! — ralhei, chocado e um pouco
frustrado. A aposta do beijo já tinha me chocado o suficiente.
— Eu achei que se beijariam em um mês e fariam amor em dois. — Mel
disse e eu franzi o nariz. “Fazer amor”? Jura? — Ai, desfaz essa cara de
Christian Grey: “não faço amor, eu fodo”, Zhang, você entendeu o que eu
quis dizer. UM MÊS?
— Jesus, vou ficar surdo. — Mike resmungou. — Não dava para ter
esperado duas semanas? Eu apostei primeiro beijo em um mês e sexo em
um mês e meio, Ollie.
— Porra, foco, caralho! — falei, rindo. — Eu e Jasmine estamos meio
que juntos. Eu não queria isso, porra, não assim.
— Não assim, mas queria. —  Mike entendeu minhas palavras melhor do
que eu.
— No fundo, talvez? — confessei, sem jeito e Mel sorriu de orelha a
orelha. Merda, merda, merda… Eles sempre estiveram certos. — Gosto de
Jasmine Rhodes.
— Sim…? — Mel me incentivou, sabendo que eu tinha muito mais do
que o óbvio a confessar.
— Há muito tempo.
Melissa ergueu a mão em um high five e Mike demorou em colidir a mão
à dela.
— Eu não consigo sair disso. — falei e o sorriso de Wayne morreu,
quando ela finalmente percebeu que isso não me deixava exatamente feliz.
— Eu não deveria estar nessa situação, mas não quero deixá-la ir. Não
consigo dizer a verdade.
— Estive nessa. Me fodi. — Mike lembrou, sobre o passado entre ele e
Wayne. — Olha, Zhang, eu te entendo um pouco. De verdade. Mas por
alguém que quase perdeu a mulher da vida e a chance de construir uma
família com ela por uma omissão… Porra, conte a verdade.
— Mel? — chamei. Ela observou Mike por um momento e então me
encarou, pela câmera.
— Brandon era meu irmão, Zhang. — Mel começou, incerta. — Eu sinto
falta dele todos os dias. Eu sinto falta quando acordo, quando levanto,
quando como, quando durmo, quando respiro. Só aprendi a disfarçar muito
bem que pensar nele me traz uma saudade tão forte, que fico tentada a ficar
debaixo do cobertor, chorando e implorando para que ele volte, mesmo
anos depois. — ela foi honesta, respirando fundo. — Ele me viu crescer, eu
o vi crescer… Ele era minha base. Mas Jasmine… Ela também se tornou
família para mim, Ollie.
Xinguei, consciente disso, me sentando em uma cadeira da varanda.
— Quero vocês juntos, sempre quis. E não vou te julgar se seguir seu
coração. Entendo que queira contar a verdade depois que o relacionamento
falso acabar. Mas fato é que sempre vai ter algo te deixando inseguro, te
impedindo de ser honesto. E se esse namoro falso se tornar verdadeiro…
Ollie, guardar isso para sempre vai ser um fardo que não sei se todos vão
querer carregar e se Jasmine descobrir tudo, então fodeu.
— Fizemos um acordo de não contar a verdade para ninguém, — Mike
prosseguiu — mas se conversar com os pais de Ramsey, se conversar com
todos nós, até mesmo Gigi… Todos sabemos que já passou da hora de
contar a verdade para Jasmine.
— Ela te ama, ela nos ama e ela não sabe de tudo. — Mel disse. —  Vai
demorar um pouco para que processe a história toda, nos perdoe e perceba
que a morte de Brandon, não é a mesma coisa que a morte do pai dela e
quem o matou… É muito complexo e eu nem imagino o que ela vai sentir.
Mas quanto mais você demora em ser sincero, mais difícil vai ser para ela
nos perdoar.
— Eu não quero perder Rhodes. — confessei. — Não só porque estou…
— Suspirei, sem conseguir repetir. — Ela é minha melhor amiga. Não sei se
consigo.
Mel e Mike se entreolharam, suspirando.
— Segue seu coração. — Mel falou, dando de ombros. — Pensa com
calma. A gente dá um jeito.
Assenti, confuso. Uma notificação impediu a chamada por um momento
e eu suspirei.
— Ela está ligando. Falo com vocês depois?
— Pode ser, cara. E feliz aniversário adiantado, caso não consigamos
falar com você amanhã.
— Feliz aniversário, Zhang-Boo. — Mel soprou um beijo. — Volte com
uma vitória para comemorar com a gente.
Sorri, pensando em como eu tinha sorte de ter meus nerds favoritos e
aqueles babacas, Damian e Naomi. Sorte de ter Hailey e Gigi. Sorte de ter
Rhodes. Eles eram muito bons para mim. A melhor família do mundo. A
que te ensina sem passar a mão na sua cabeça e sem perder a ternura —
mesmo entre tapas e beijos.
Aceitei a outra chamada, forçando um sorriso. Rhodes apareceu
imediatamente, sorrindo, gritando.
— Primeiro: as fotos da propaganda da Calvin Klein saíram! Os fãs
estão SURTANDO! O beijo, Oliver… Porra! As suas fotos! Caralho, EU
estou surtando.
— Ansioso para ver, Moonshine. — falei, apesar do incômodo no peito.
Eu definitivamente não poderia respirar se ferisse Jasmine. Não mesmo. —
E o que mais me ligou para dizer?
— VOCÊ ME COMPROU A PORRA DA UMA GARGANTILHA! — ela
berrou, rindo. — DE OURO! É ENORME!
— É a sua cara.
— Por que? Parece uma coleira? Vai me chamar de cadela? Porque
você é a cadela aqui, Zhang. Isso custa meu rim esquerdo e pelo menos
metade do direito. — Gargalhei com sua felicidade, os olhos brilhando de
pura euforia. — Porra! Eu vou usar naquela premiação, em dois meses,
amor. — Meu coração pesou com a palavra, mas Rhodes nem percebeu o
que tinha dito. — Posso? Posso né? É minha, foda-se, posso. Você disse que
ia ter que permitir, mas que se foda, Zhang!
— Minha única condição é te ver só com ela depois. — falei as palavras
que tinha ensaiado em dizer, sorrindo, sem jeito. Jasmine franziu o cenho,
confusa.
— O que houve, Z?
Suspirei, vendo-a se jogar sobre a cama. Os fios escuros se
esparramaram sobre os lençóis e eu senti falta de estar ali com ela. De beijá-
la, abraçá-la. De dizer “você é gigante” e ouvir o mesmo.
“Quando nos apaixonamos?”, lembrei de quando perguntei, assinando
aquele maldito contrato. Eu não fazia ideia de quando eu tinha me
apaixonado por Rhodes. Eu só soube, desde o primeiro segundo em que a
vi, que mudaria a minha vida. No fundo, eu soube. Só não imaginei que me
jogaria em um abismo sem fim, condenado a cair de amores por ela, para
sempre.
Brandon riria da minha cara. Ele diria que eu estava fodido e que eu
finalmente tinha me rendido. Porra, provavelmente faria uma festa para
comemorar. E provavelmente ficaria envergonhado por me ver mentir.
Mas eu não queria perder Rhodes. Eu contaria tudo a ela aos poucos.
Encontraria uma maneira lentamente. Era a melhor forma.
— Ollie? O que houve?
— Mais um aniversário sem ele, Moonshine. — desconversei e ela
suspirou. — Dói.
— Eu sei. Meu pai faz aniversário no ano novo. — ela disse. — Eu não
consigo virar o ano me sentindo feliz. E toda vez que eu estou prestes a
fazer aniversário… Eu entendo, Zhang. Sinto muito.
Assenti, secando uma lágrima teimosa pelo meu rosto.
— Mas… Ei… Vou te mandar um presente sensacional amanhã, tá? E
contarei os segundos para te ver amanhã de noite. Te amo, ok? Te amo
mesmo. Estou aqui por você. E próximo fim de semana, capitão, avise ao
treinador que você vai ter a melhor festa do mundo e foda-se qualquer
merda.
Eu sorri, tentado a pegar o primeiro avião rumo a Jasmine Rhodes e
dizer foda-se às minhas responsabilidades.
— Te amo, Moonshine.
Ela soprou um beijo.
Eu fiz o mesmo.
E quando a chamada acabou, olhei para a estrela mais brilhante do céu e
xinguei.

O jogo tinha acabado. Ganhamos de um a zero, subindo para quinto


lugar na liga. Precisávamos manter o desempenho nos próximos jogos e
tudo daria certo.
Respirei fundo, ciente de que não tinha sido a minha melhor partida, mas
foi até boa. A torcida me cantou parabéns, eu participei da jogada do gol de
algum modo e consegui fugir dos jornalistas, gritando como abutres pela
expulsão partidas antes. Gruntman teria apenas oito jogos de expulsão. Ele
voltaria a jogar depois e o time dele estava me culpando. Tanto quanto no
ano anterior, quando denunciei o filho da puta e a liga disse que não faria
nada.
Era meu aniversário e eu odiava passá-lo em campo, se isso significasse
estar longe de casa. Eu sentia falta de Brightgate.
— Ei, irmãozinho… Presente para você. — Riley disse e se aproximou
com uma caixa mediana, no vestiário. O time gritou, jogando camisas para
cima e agindo como animais, puxando um coro de parabéns.
Envergonhado, abri o presente, ciente de que vinha de Rhodes. Sorri
quando encontrei um bolo azul e verde, como o mundo. Peguei o
cartãozinho, rindo, mesmo entre lágrimas.
“Trinta anos, vovô? Isso não é um colar caro (ainda, mas terei que fazer
algo a respeito) e não tenho a capacidade de colocar o mundo nas suas
mãos agora. Apesar de você ser gigante, Zhang, o planeta é um pouco
maior (acredite, chocante, né? Feri seu ego?). Só quero que saiba que eu
também o daria o mundo, se pudesse. Na verdade, o universo. Todos os
multiversos, como diria Graham. Essa sou eu fazendo o que posso e te
prometendo fazer isso para sempre. Sigo orgulhosa de ser sua melhor
amiga e te ver crescer de perto. Te amo, capitão. Da sua melhor amiga, Jas
Rhodes”.
Eu olhei para Riley e ela sujou o dedo de glacê, pintando minha
bochecha e beijando minha testa.
— Parabéns, babaca. Te amo um pouco.
Murmurei o mesmo. O time devorou o bolo mais do que eu e eu… Eu só
consegui me trocar, desesperado para ver Rhodes novamente.
Eu realmente era um filho da puta. Mas era dela. E eu seria o melhor
enquanto pudesse.
Uma hora minha mentira desabaria. Então, eu a reconquistaria.
Até lá eu cairia de cabeça nela enquanto havia tempo.
Foi nisso que pensei de volta para casa.
Foi nisso que pensei quando Keanu me buscou no aeroporto.
Foi nisso que pensei quando bati na porta da sua casa, morrendo de
saudade. Foi nisso que pensei quando ela abriu.
— Diga que sentiu minha falta. — implorei, avançando contra sua boca,
tirando o casaco e fechando a porta atrás de mim com o pé.
— Senti sua falta. — ela suspirou, rindo baixinho e segurando minha
nuca. Senti cada toque amplificado, divino, atingindo mais do que pele e
carne. Atingindo a porra da minha alma.
— Diga que quis me ver. — supliquei, tirando a sua camisa e segurando
o seu pescoço, a trazendo para mim, também, pela cintura. Eu não
conseguia pensar. Sua boca estava na minha antes que meus neurônios
funcionassem. — Diga, Jasmine.
— Eu quis te ver.
Apertei sua cintura, sentindo sua pele, possuindo sua boca como se
minha vida dependesse disso. Porque dependia. E, de repente, tudo parecia
se resumir a Oliver Zhang e Jasmine Rhodes. Aquela intensidade era
intoxicante, dolorosa e deliciosamente perversa. Me apaixonar por ela? Foi
a coisa mais fácil do mundo.
— Diga que contou os segundos.
— Ollie… — Arfou quando mordisquei seu queixo, pescoço… Depois
minha língua massageou seu ponto de pulsação, meus lábios se fecharam
sobre ele e Rhodes agarraou a minha camisa.
— Diga. Por favor. Me diga que não estou sozinho. Estou
enlouquecendo, Jasmine, você está me enlouquecendo.
Ela me disse tudo o que eu queria em um beijo. E de repente nossas
roupas estavam no chão do seu apartamento, mais uma vez.
“Chame de magia, chame de verdade
Eu chamo de magia quando estou com você”
Magic – Coldplay
 

Eu não sabia a quanto tempo fodíamos naquela cama. Eu só sabia que


sua boca roçava contra a minha e gemíamos juntos a cada empurrar de
quadris, isso era tudo o que importava. Rhodes ficava linda demais em
qualquer posição, mas sob mim, implorando por mais, era espetacular.
— Diga que você contou os segundos, para que eu fodesse sua boceta
com força, Jasmine.
Ela gemeu, incapaz de obedecer. Um arrepio cruzou minha coluna, meus
músculos cada vez mais tensos e eu senti que estava tão perto de gozar.
— Diga que sentiu minha falta.
— Eu senti sua falta.
Sorri, unindo a testa à dela.
— Porra. Te foder é a melhor coisa que já fiz na minha vida, Jas.
— Ollie… — chamou, em aviso. Beijei seu pescoço, descendo os lábios
aos seus seios, chupando, provando e mordiscando. Ela não aguentou mais.
Gozamos ao mesmo tempo, gemendo baixinho dentro do quarto. Meus
músculos se tornaram tensos sob suas mãos e Rhodes arquejou, ainda
sensível, enquanto eu cessava meus movimentos.
Suspirei, deitando a cabeça em seu colo por um momento e forçando os
braços sobre a cama, para não cair por cima dela. Jasmine acariciou a minha
nuca, enquanto nossas respirações se misturaram. Voltar para ela foi como
voltar para casa. Ela era meu porto seguro, de todas as maneiras possíveis.
— Capitão?
— Hm? — murmurei, erguendo o rosto para encará-la melhor.
— Parabéns.
Meus lábios se repuxaram para cima imediatamente. Vi o vislumbre do
seu sorriso, antes que me beijasse de novo e invertesse as posições. Sentada
por cima de mim, nua, ela jogou os cabelos para trás e me fez a melhor
pergunta possível.
— Segundo presente da noite?
— Por favor.
E então se abaixou, me beijando de novo.

Até o fim de semana seguinte, momento em que eu poderia, enfim,


comemorar meus trinta anos, Rhodes passou seu tempo livre caminhando
pelo seu apartamento, ao telefone, organizando meu aniversário. Queria
fazer parte e ajudá-la, mas Jas disse que eu estava proibido de mexer nisso.
Não era como se eu não a adorasse vestindo apenas as minhas camisetas e
me assistindo cozinhar, mas minha curiosidade berrava para saber o que
aconteceria.
Felizmente, o dia chegou. Ela me proibiu de entrar em sua casa até o
horário da festa e, quando aconteceu, eu entendi. O cheiro de comida me
fez lembrar da minha avó. A única coisa fora do lugar era a Taylor Swift
tocando no volume máximo, mas quando olhei para a cozinha e vi Jasmine
em um vestido vermelho, experimentando algum molho com Wayne
enquanto Naomi e Gianna dublavam Blank Space, eu sorri.
Além dos balões por todos os cantos, tinham fotos minhas com a minha
família, amigos, Brandon e o time. Uma foto minha com a minha avó
estava bem ao lado de um bolo de três andares, ao centro da sala, e eu
poderia rir do exagero, mas não queria apanhar.
— Parabéns, Yan. — minha mãe me disse, em chinês, abrindo os braços
em um longo vestido vermelho. Mesmo chocado pela superprodução do
ambiente, eu a abracei imediatamente. Minha mãe inspirou meu perfume e
me apertou mais forte. — Meu garotinho está fazendo trinta anos!
— Deus, seu garotinho é um adulto, senhora Lin. — Riley protestou. —
Se afasta do queridinho da mamãe para eu abraçá-lo, por favor?
— Não tenho um preferido, Lee! Pare com isso. — Lin Zhang estava
brava, eu segurei o riso ao me afastar dela e encarar Riley. Ela usava um
vestido preto curto, segurando meu sobrinho no colo.
— Ei, meu amor. — falei, baixinho, deixando claro que não era para ela
quando carreguei Yuan e o enchi de beijos. — Que saudade eu estava de
você!
— O veria mais se nos visitasse mais. — meu pai protestou e eu beijei a
testa de Lee, me aproximando dele, enquanto o garotinho brincava com o
meu brinco. — Parabéns, filho.
— Obrigado, pai. — o abracei.
Veja, eu o amava. Mesmo. Adrian Thompson foi um exemplo de homem
para mim quando eu era menor. O que me tornei tem muito dele,
independentemente do passado. Mas as feridas da nossa relação corrompida
não estavam completamente cicatrizadas, ainda. Eu me esforçava para
mudar isso, mas às vezes, criar certa distância era algo involuntário.
Entendia que tinha o meu tempo e podia ir com calma nessa reconstrução,
mas ainda assim, ouvi-lo dizer isso me fez criar uma nota mental para tentar
vê-lo mais vezes.
Meu pai me deu dois tapinhas e eu sorri, olhando ao redor mais uma vez.
Hailey estava no colo de Damian, escondendo o rosto de mim.
— Só um minuto. — Entreguei o meu sobrinho para o avô e segui para a
sala de jantar, onde apenas Mike e Bale estavam.
Mike se desfez do uísque, para me cumprimentar, enquanto Bale falava
baixinho com a Hailey.
— É aniversário dele, Hay.
— Estou brava, papai. — Franzi o cenho e Damian se virou, forçando-a
a me ver. Hailey resmungou e escondeu os olhos no ombro dele. — Para,
papai!
— O que aconteceu? — perguntei, tocando suas costas. Hailey abraçou
Damian mais forte.
— Ela ficou chateada porque você não falou direito com ela essa semana
e abraçou Yuan primeiro hoje. — Eu sorri e Damian me lançou um olhar
que dizia “desfaça essa cara”. Hailey com ciúmes era pior do que a Naomi.
— Ei, sweetheart, você vai deixar o tio Ollie triste.
— E meus sentimentos?
Gargalhei, sem conseguir evitar, mas prendi a risada o mais rápido que
pude.
— Ei… Hay… — falei baixinho, me aproximando. — Eu te amo muito,
pequena. Estou trabalhando demais e sinto muito se te deixei de lado de
algum modo. Nunca mais vai acontecer. Me desculpa?
— Vai lá com o bebê fofo!
— Hailey… — Damian repreendeu e ela se virou, devagar. Seu biquinho
era adorável. — Pede desculpas, sweetheart. O tio Ollie também pediu.
Hailey cruzou os braços e resmungou o pedido de desculpas. Eu me
ofereci para carregá-la, em seu vestido azul bufante. Hailey torceu o nariz,
mas não se opôs.
— Você me salvou, Hailey. Amo meu sobrinho, mas ele não fez isso.
Você é meu solzinho. Não precisa ter ciúmes.
— Jura?
— Juro. Ei, quem te vestiu bonita desse jeito?
— Eu escolhi a roupa. Pareço uma bailarina, né? — Assenti e olhei para
Damian, que me cumprimentou com um abraço e um aperto de mãos,
finalmente. — Papai, cadê meu presente para o tio Ollie?
— Já o perdoou rápido assim? Não faz isso comigo. — Damian
protestou.
— É que se eu demoro com você, você me dá mais presentes. — Damian
escancarou a boca e Mike engasgou. Garota esperta pra caralho.
Bale me entregou um papel e eu o observei, sorrindo. Reconheci Damian
e Naomi, não sei como. Reconheci Mike e Melissa também. Digo, eram
bonecos palitos, mas eram bem feitos. Gigi tinha sido desenhada de rosa e
eu não entendi o porquê. Mas ao centro, estavam Jasmine, eu e Hailey, de
mãos dadas, com chapéus de aniversário.
— A mamãe teve que escrever “parabéns” para mim, mas tá legal, né?
Assenti ao encarar Hailey, agradecendo pra caralho pelo dia em que
Damian e Naomi transaram em uma moto, sem camisinha. Ela era a melhor
coisa do universo.
— É o melhor presente do mundo, Hay.
Ela beijou minha bochecha, me abraçando forte.
— Estou com ciúmes. Parem. — Damian pediu e Hailey gargalhou, indo
para o chão e abraçando a perna do pai.
— Depois de mim está você, papai. Para de drama. Eu te amo.
— Mais do que ama a sua mãe? — Mike debochou.
— Não. A mamãe é a melhor do mundo, porque me deixa usar as
canetinhas dela.
Ri, sentindo dois braços em torno da minha cintura.
— Parabéns para o meu jogador favorito! — Wayne desejou e eu me
virei, encontrando-a em um vestido longo e preto. A abracei o mais forte
que pude. — Como se sente tendo trinta?
— Do mesmo modo que me sentia com vinte e nove. — confessei e ela
riu. — De zero a dez, quanto preciso me preocupar com as garotas?
— Dez. — ela respondeu, honesta, acenando em direção à cozinha.
Naomi e Jasmine brigavam, com um livro de receitas em mãos. Haviam
várias comidas já prontas na mesa e Gianna estava, discretamente,
roubando um morango de um pote, enquanto outra música da Taylor Swift
tocava.
Aproximei-me da confusão, com Wayne ao meu lado.
— Porra, será que a gente botou pimenta demais? — Jasmine
resmungou.
— Com sua mão pesada do caralho? Com certeza. Se eu passar mal por
causa da pimenta, Jasmine… Eu juro… — Naomi parou de falar, ao erguer
os olhos azuis para mim. Ela vestia um suéter gola alta e calça jeans, com a
jaqueta de Bale sobre os ombros. — Ei, transão, feliz aniversário!
— Transão?
— É assim que ela vai te chamar até eu contar tudo sobre nós dois. —
Jasmine avisou.
— O que estão fazendo? — perguntei.
— Atrasando o jantar. — Mel cantarolou.
— Não estamos entendendo a receita da sua avó. — Jas disse.
— Receita da minha avó?
— Sim. — Rhodes respondeu.
— Estávamos tentando entender esse molho, mas não sabemos se
fizemos certo. — Gianna confessou.
— Era só me chamar. — falei e Rhodes franziu o nariz, teimosa. Ergui as
mangas da camisa, me pondo ao lado da minha melhor-amiga-barra-
namorada-falsa. — Chef Oliver cuidará disso.
— Isso vai contra todo o lance de te deixar relaxar no seu aniversário. —
Jas resmungou e eu a abracei por trás, beijando sua bochecha.
— Cozinhar as receitas da minha família com você, Moonshine, é
relaxar. — garanti e ela olhou para cima. — Tudo com você é o conceito de
relaxar, Rhodes.
Jas sorriu.
— Estamos sobrando aqui, garotas. — Gianna debochou enquanto
Carlson balançava a cabeça e Melissa imitava um latido. Joguei o pano de
prato em Wayne, tentando ignorar o quanto meu rosto queimava, antes de
começar o trabalho.

Depois de ajudar as garotas com o jantar, enquanto minha mãe


observava de longe, se segurando para não opinar, eu fui beber um pouco
com os garotos. Mike me serviu uma dose de uísque e Bale seguia no copo
de água, por ser o motorista da noite. Ele dirigiria Mel e Mike para casa.
Seguimos para a varanda, porque Bale queria fumar aquele cigarro
eletrônico maldito, o que para mim, só podia significar uma coisa:
— Está ansioso? — perguntei, virando-me sobre o batente para observar
as garotas na cozinha, cantando e dançando alguma música do One
Direction a plenos pulmões.
— Um pouco. — Damian confessou, tragando mais uma vez.
— Por quê? — Mike quis saber, virando um gole do seu copo.
— A turnê adiada me rende um pouco de dor de cabeça. Tive que
reorganizar todos os meus planos e os da equipe. Mas faço qualquer coisa
para ver a Naomi mentalmente saudável, então… — Ele suspirou, cansado.
— E você, Mike? Anda se isolando com a porra do trabalho, isso também
me estressa, sabia?
Mike riu baixinho, sem jeito.
— Terminar um doutorado é um inferno e eu já deveria ter acabado. —
Graham lamentou.
— Mas você não está só terminando um doutorado. — o defendi. —
Você está lidando com o casamento, cuidando do seu pai doente, do seu
furão e cachorro idosos, trabalhando, tentando ter um bebê e, só depois,
terminando um doutorado. O fato de conseguir fazer tudo isso e estudar é
bizarro. Eu até diria que tenho orgulho de você e toda essa merda
sentimental, mas… — Bale riu, concordando com o fato de que não éramos
assim. — Como está seu pai, Graham?
— Estável, eu acho. Com nenhum problema de saúde, além da esclerose,
no momento.
— E o lance dos bebês? — Damian perguntou, fumando novamente.
— Mel e eu estamos tentando deixar isso um pouco de lado. Se estamos
conseguindo é outra história. — Graham bufou. — De verdade, me
arrependo de todas as vezes que menti que não queria ser pai no passado.
Minhas palavras se voltaram contra mim. E parece ser a melhor coisa do
mundo.
— É. — Damian concordou, com um sorriso. — Digo, é exaustivo,
desesperador e meio insano às vezes. Mas é a melhor coisa do mundo. —
Bale me olhou. — E você? Pensando em filhos com a Jasmine?
— Por Deus, Damian Bale. — resmunguei, fazendo uma careta. Ele
gargalhou.
— Estão juntos mesmo, huh? — Mike perguntou e eu dei de ombros,
sem saber como responder. — Silêncio, Damian Bale vai ser superprotetor
com Rhodes, tal como Brandon era com Wayne. — Mike debochou e eu ri,
apesar de saber que provavelmente estava certo.
— Ele era superprotetor, mas não estava errado. — Uma voz ecoou atrás
de nós e eu me virei, dando de cara com Mel Wayne. Ela passou os braços
em torno da cintura de Mike, que acariciou suas costas nuas pelo vestido,
imediatamente. Mel e Damian chocaram as mãos em um cumprimento e
Wayne me observou. — Estava querendo um minuto para conversar com
você e cheguei na hora certa.
— Comigo?
— Exatamente. — Mel se virou, para que Graham a abraçasse por trás.
Seu olhar, atento para o apartamento, me dizia que não queria que ninguém
mais nos ouvisse. — Nos ligou preocupado por Rhodes não saber sobre
Brandon. Já pensou no que fazer?
— Contar a verdade, por favor. — Bale implorou, baixinho. — Foi mal,
cara, mas me sinto um monstro.
— Quero contar, de verdade. Meu plano era fazer isso assim que os seis
meses do nosso contrato acabassem. — falei, me odiando por minha própria
covardia. — Me envolver com Rhodes muda as coisas. É complicado pra
caralho. Não quero perdê-la, não quero magoá-la, não quero que ela magoe
vocês com o que ela, provavelmente, vai dizer ou pensar… — Damian
xingou baixo e eu prossegui. — Porra, o que fariam no meu lugar? Porque
também poderiam ter contado a verdade nos últimos anos, ok? Não só eu. E
se ninguém faz isso, é porque todo mundo tem o mesmo medo.
Nenhum deles me respondeu. Porque era a verdade. Mel tinha o olhar
levemente marejado guiado para o apartamento, enquanto Damian seguia
fumando em silêncio e Mike olhava para o teto. Era foda. Foda pra caralho.
— Naomi queria contar. — Damian confessou. — Acha que vocês estão
apaixonados e isso piora tudo, mas… No fim das contas, ela também não
tem coragem. Não para isso.
Virei-me, observando Naomi com Hailey no colo. Mesmo que a garota
já fosse grande, Carlson se esforçava para carregá-la e Hay estava
especialmente carente naquele dia, abraçando a mãe e demandando por toda
a atenção do mundo. Jasmine se aproximou, brincando com a nossa
sobrinha, antes de enchê-la de beijos, e meu coração pesou.
— Elas são a minha família. — Wayne disse, baixo. — Amo meu irmão,
mas sempre quis irmãs. Naomi sempre foi uma. Depois Gigi, estou muito
feliz por tê-la de volta. Mas a conexão que formei com Rhodes, foi muito
rápida e muito forte.
— Ela tinha uma queda por você. — Mike lembrou, rindo.
— E era minha fã! Com fã-clube e tudo. — Damian adicionou e eu
joguei a cabeça para trás, gargalhando, apesar da dor chata no meu peito.
— Ela só não sabia quem eu era. — recordei.
— Agora sabe. — Wayne disse. — Sabe mais do que todo mundo.
Ficamos em silêncio por algum tempo.
Suspiramos em uníssono e seria cômico, se não fosse trágico.
— Brandon teria vergonha de nós? — perguntei, baixinho. — De mim?
— Não. — Mel disse, firme. — Por incrível que pareça, essa omissão é
um erro que ele também cometeria. Sejamos sinceros, a ideia de perder
alguém era dolorosa demais para Ramsey.
E nós acabamos o perdendo.
Virei-me para observar a cidade, bufando. A sensação de estarmos
incompletos sem Ramsey me atingia vez ou outra. Éramos oito Green
Snakes agora — contando com a Hailey —  e começamos sendo seis. Mas
deveríamos ser nove.
Mesmo perdido no silêncio e com o cheiro da fumaça de Bale, eu senti o
perfume de Rhodes, antes que seus braços me envolvessem por trás. Olhei
para o lado e vi Damian e Mike culpados, pela conversa anterior, abaixando
a cabeça. Mel se virou para Graham, o abraçando, provavelmente para
esconder o rosto em seu ombro.
— Ei, aniversariante! — Rhodes apoiou o rosto no meu ombro. Virei a
cabeça para observá-la. — Pode vir comigo rapidinho? Tenho um presente
antes do jantar.
Admirei os olhos escuros e brilhantes, como um céu noturno estrelado,
contornados por um delineado preto, os cílios pretos e abundantes, a pele
negra, sobrancelhas bem desenhadas, maçãs altas e sua boca. Meu coração
apertou, como se ela o enlaçasse e reivindicasse para si. Linda por fora.
Ainda mais esplêndida por dentro. Perder Jasmine doeria. E, talvez, fosse
inevitável.
Talvez meu egoísmo de mantê-la comigo, fosse a consciência disso. De
que eu aproveitava cada segundo, antes de contar a verdade e perdê-la,
talvez para sempre.
— Vem. — repetiu o pedido, baixinho, estendendo a mão para mim.
Aceitei.
Jasmine entrelaçou os dedos aos meus, sorrindo para meu sobrinho no
colo da minha mãe, antes de me guiar escada acima da cobertura. Rhodes
parou em frente a um cômodo, no corredor, segurando a maçaneta e me
dando um sorriso enorme, antes de abrir a porta.
Hesitei em entrar, confuso ao observar o antigo quarto de hóspedes
vazio, com as janelas longas permitindo a vista perfeita da cidade abaixo de
nós.
Mesmo com a música no andar de baixo, eu conseguia ouvir cada passo
meu ecoando pelo ambiente. Guardei as mãos nos bolsos da calça, tentando
entender que tipo de presente era aquele, até que Rhodes esclareceu:
— Amo o estúdio de dança, mas sei como se preocupa por ter que entrar
e sair escondido de lá. Então, te fiz esse pequeno lugar seguro para ser meu
mascarado favorito. — Meu coração se encheu de algo que eu jamais seria
capaz de explicar. Todo meu corpo se tornou confortavelmente quente e eu
me virei, encarando-a de frente para a porta, de braços cruzados, com um
sorriso enorme no rosto. Rhodes me jogou uma chave. — Pode entrar
sempre que quiser, capitão.
Sorri, incrédulo, pensando no que dizer primeiro. O agradecimento
estava na ponta da língua, mas a piada venceu.
— Não está cedo para morarmos juntos?
Rhodes gargalhou.
— Não moramos juntos, idiota. Mas somos vizinhos, melhores amigos,
transamos com frequência e você tem minha chave, então não seria tão
distante de morar junto, tecnicamente. — confessou, com um sorriso
brincalhão, antes de se aproximar. — Apenas sei o quanto sente falta de
dançar e estou te lembrando que pode e deve fazer isso. — Jas passou os
braços em torno do meu pescoço. — Principalmente comigo.
Sorri, a trazendo para perto, pelos quadris. Acariciei seu rosto,
contornando-o com o polegar. Porra, doeria mesmo quando eu a perdesse.
Já doía saber que, provavelmente, era uma questão de tempo.
— Você é perfeita.
Ela ergueu a cabeça, com um sorriso contido. Seus olhos brilharam dez
mil vezes mais e eu consegui me enxergar por eles, mesmo hipnotizado por
cada detalhe dela.
— Ainda vou fazer alguns ajustes no cômodo. — falou, baixinho. —
Mas gostou, certo?
— Amei, Jasmine. — Contornei seu rosto mais uma vez. — Obrigado.
Ela sorriu mais, colando os lábios aos meus. Uni a testa à sua, mantendo-
a próxima a mim, inspirando seu perfume, aproveitando o calor do seu
corpo. Eu não poderia perder Jasmine Rhodes. Se acontecesse, perderia
parte de mim.
Antes mesmo de termos algo, sendo apenas minha melhor amiga, eu já
sentia que ela era minha outra metade. Entendi isso naquele momento, com
seu corpo contra o meu. Jasmine era meu oxigênio. Ela era tudo o que eu
precisava encontrar para a vida fazer sentido. Era o meu coração fora do
corpo. A única pessoa para quem eu diria as três palavrinhas, por ser mais
do que minha família, mais do que minha casa, mais do que minha amiga.
Por ser minha.
— Dança comigo? — pedi e Rhodes ergueu a cabeça. Peguei o celular
no bolso da calça, oferecendo-a para que escolhesse uma música.
— Agora? — Rhodes questionou, mesmo já aceitando o celular. Minhas
mãos se encontraram no fim de suas costas quando confirmei. — Que tipo
de música quer?
— Não sei. Qualquer uma. A que seu coração preferir.
Jasmine fez um bico, pensativa. Aguardei, ainda me apaixonando por
cada pedacinho do seu rosto. Ela finalmente escolheu uma, erguendo uma
sobrancelha em minha direção, nitidamente esperando que eu adivinhasse o
que ela significava. Sorri.
— A primeira que dançamos juntos.
Jas confirmou, enquanto a melodia de Magic do Coldplay começava.
— Ok. — falei, guardando o celular no bolso. — Me concede a honra
dessa dança, Moonshine? — Fiz uma reverência e ela se afastou, cedendo a
mão.
— Por favor, capitão.
Um sorriso lentamente ocupou meu rosto e o mesmo aconteceu com ela.
No momento em que nossas palmas se tocaram, a eletricidade que passou
do simples contato para todo o meu corpo, me confirmou o que eu já sabia.
Era ela. Sempre seria ela. Eu não me apaixonaria por nenhuma outra
pessoa.
A puxei para mim, mantendo nossos corpos colados, a guiando de um
lado para o outro. Rhodes ergueu o queixo para me ver melhor e eu me
perdi nos seus olhos, nos movendo devagar. Eu não encontraria o que tinha
nos seus olhos em nenhuma outra pessoa. A intensidade, o brilho, a
vivacidade e a sensação de pertencimento.
Controlando a emoção em meu peito, a girei, a fiz gargalhar, cantarolei
baixinho em seu ouvido, enquanto apoiava o queixo em meu ombro e
aproveitei cada segundo daquela dança, com um único pensamento a cada
maldito passo:
De fato, sempre seria ela.
“Várias queixas de você
Por que fez isso comigo?
Estamos juntos e misturados
Meu bem, quero ser seu namorado”
Várias Queixas – Gilsons
 

Ollie realmente não deveria passar tanto tempo dançando e eu sabia. O


risco de uma lesão não poderia ser ignorado. Mas toda vez que colocava a
cabeça para dentro do meu apartamento, sorria e perguntava se podia usar a
sala que eu tinha separado para nós dois, meu coração aquecia. Fazia bem
para o seu psicológico, de qualquer modo, e isso era importante. A pressão
do campeonato era desgastante.
O time estava em quarto lugar na liga e isso já classificava Brightgate
para competir a Champions, mas Ollie queria mais. Ele queria o primeiro.
Ele queria os dois troféus da liga do ano e eu não poderia culpá-lo. Porém,
também não sabia como lembrá-lo de que ele era apenas um jogador e não
poderia trabalhar por todos da equipe. A vitória não dependia só dele. E
mesmo se dependesse, não era só sobre o time ir bem, visto que o top 3 da
liga estava indo melhor. Era sobre torcer para que os outros três times
perdessem alguns jogos.
De qualquer modo, eu realmente não reclamaria de assisti-lo dançar para
desestressar. Principalmente, quando tinha energia para me foder depois…
O que era meio que 90% das vezes.
Oliver Zhang passou semanas dançando no meu apartamento, sem
camisa, enquanto o suor descia por cada tatuagem e aquele tanquinho
invejável, por sorte eu tinha uma visão privilegiada de cada passo. Ainda
poderíamos dançar juntos. Era muito vantajoso, para ambas as partes.
Eu estava sentada no chão do cômodo, enquanto Ollie dançava. Tinha
acabado de voltar da academia, tomei um bom banho, peguei o script
reescrito do primeiro episódio da nova temporada de Surf & The City —
graças à Mel Wayne e à vantagem de ser melhor amiga da roteirista  — e
decidi estudar. Era apenas o primeiro roteiro, de muitos, mas faltava pouco
para a equipe de roteiro terminar as mudanças, termos nossa nova mesa de
leitura e começarmos a produção de fato. Eu estava ansiosa.
Ollie Zhang sem camisa me fazia desestressar bastante.
Tirei os olhos da cena dramática para observar a bunda firme na calça de
moletom cinza, enquanto ele se movia, tão devagar, ao som de All Mine do
PLAZA. Mordi o cantinho do marcador, admirando-o concentrado, se
movendo tão lentamente, com uma música tão sexy. Ri com o pensamento
de que era como ter uma sessão privativa de Magic Mike e Zhang viu meu
reflexo pelas janelas da cobertura, se virando.
— Fiz algo engraçado, Moonshine? — Aproximou-se, mesmo com a
música tocando. Apoiei as mãos no chão, estiquei as pernas e mordi o
interior da bochecha, erguendo a cabeça para analisá-lo melhor.
A pele amarela clara, levemente bronzeada, tinha uma fina camada de
suor. Por isso, os músculos, rabiscados de tinta preta, brilhavam pela luz
ambiente, era absurdamente tentadora a vontade de contorná-los com as
unhas. Principalmente, porque o corpinho espetacular acompanhava um
rosto impecável e aqueles olhos escuros, alongados e estreitos, que
carregavam um breu perigoso, repleto de malícia.
Oliver Zhang, certamente, era inexplicável.
Deus, inexplicável pra cacete.
— De zero a dez, quão brega seria se eu pedisse por um strip no quarto?
— Oliver gargalhou, se ajoelhando entre as minhas pernas. — Mas tem que
ser com uma música mais sexy.
— Dez. Seria brega pra caralho. Mas eu faria isso por você. Com uma
música mais sexy. — Zhang sorriu, maldoso, e eu dobrei as pernas, ansiosa.
Ele poderia me foder no chão, eu realmente não me importava. — Eu te
faço essa dança, se me deixar organizar seu aniversário de volta.
— Priyanka já está trabalhando nisso.
— Sem strip então. — Ele murchou os lábios e fez menção de se afastar,
mas eu o puxei pelo cós da calça, roubando uma gargalhada, provavelmente
pela minha rapidez. — Mudou de ideia?
— Tenho uma contraproposta. — sugeri e ele ergueu uma sobrancelha,
interessado. — Vocês organizam juntos e eu ganho meu strip.
— Acha que eu sobrevivo à sua leãozinha de terno colorido? — Assenti
e Zhang me surpreendeu ao me pegar no colo e se erguer. Gritei quando
meus papéis e meu marcador caíram ao chão, envolvendo-o pelo pescoço,
enquanto me carregava como se eu pesasse nada. — Bom, vamos ao strip
então.
Sorri, mas acabei gritando quando me jogou por cima do ombro e bateu
na minha bunda, me guiando para o quarto. Melhor namorado falso do
mundo.

Era 20 de Abril. Também conhecido como dia em que, anos atrás, papai
Rhodes e mamãe Souza esqueceram a camisinha e criaram a melhor mulher
já existente — eu. Por isso eu aceitei ser vendada no carro, enquanto Oliver
nos dirigia para a casa da minha mãe, onde aconteceria a festa.
Eu não fazia ideia do motivo da venda e perguntava a cada dois
segundos se estávamos perto de chegar. Ollie, pacientemente, acariciava a
minha coxa e prometia que sim.
Assim que chegamos ao destino e eu saí do carro, sorri com a música
que tocava. Ollie segurava minha cintura, ainda me impedindo de tirar a
venda, conforme seguíamos para dentro da casa, na qual Ludmilla explodia
pelos altos falantes. Não era todo dia que você ouvia música brasileira
tocando tão alta em uma rua de Brightgate.
Ollie abriu a porta para mim e meu estômago se agitou com o cheiro de
churrasco e comida baiana, se misturando. Meu coração apertou, com
saudades de casa, e Zhang finalmente se pôs atrás de mim, tirando a venda.
Tanta gente gritou “surpresa” que eu só consegui levar as mãos à boca,
olhando ao redor, chorando. Meus tios, primos, amigos… Tinha tanta gente
do Brasil que eu não conseguia processar.
— Quem… Como? — perguntei, entre lágrimas, e Ollie me abraçou
forte por trás.
Eu estava a um segundo de quebrar de tanto soluçar. Eu costumava ir ao
Brasil de quatro a cinco vezes ao ano. A maioria das vezes era no primeiro
semestre. Com a bagunça de O’Connell na produção e todo o rearranjo feito
na minha agenda, eu não conseguiria viajar para a minha terra. Não até,
pelo menos, setembro. Pelas bandeiras, Fitas do Bonfim pelo teto e meus
parentes por toda a sala, trouxeram o Brasil —  mais especificamente a
Bahia —  até mim.
— Fiz o que pude, Moonshine. — Zhang confessou e eu me virei, o
abraçando com força pelo pescoço, enquanto o beijava. Não tinha sido
barato. Tantas passagens em cima da hora, para trazer tanta gente do outro
lado do mundo, era uma fortuna. Mais caro do que qualquer colar que tinha
me dado, do que qualquer coisa que já recebi na vida. Mais especial
também.
— Você é maluco, Zhang. Insano.
— Vai curtir sua família, linda. Me elogia depois.
Gargalhei, mas senti dois braços atrás de mim e o obedeci, me virando
para abraçar a minha mãe o mais forte que pude. Ela encheu meu rosto de
beijos, secando minhas lágrimas, e eu parti para o próximo abraço,
apertando a minha prima, Ana, com força. Uma louca gritou, pulando sobre
nós duas, e eu sabia que era a Geovana. Passei os próximos minutos
abraçando, chorando e rindo com a minha família biológica. Quando ergui
o olhar, entre um abraço e outro, e vi Zhang com os Green Snakes e seus
sorrisos largos, percebi que ele não tinha feito aquilo sozinho.
Eu achava que tinha noção do quanto realmente os amava. Eu não tinha.

Falar em português, com a minha família, era estranhamente libertador.


Claro que meus tios, Maria Isabel e Emílio, gastavam que eu tinha um
sotaque australiano vez ou outra e eu franzia o nariz, em desgosto. Mas no
geral, era libertador.
Interrompi uma conversa quando senti duas mãozinhas em torno da
minha calça. Deixei Hay subir no meu colo, quando disse que queria ver as
fitinhas no teto e não conseguia. Caminhei com a minha garotinha favorita
pela festa, deixando que puxasse uma fita colorida.
— O que é isso, titia?
— Se chama fitinha do Bonfim, amor. Lá na Bahia, é super conhecido
pelos turistas e até por nós, moradores. Você amarra no pulso e dá três nós.
Cada nó é um pedido. — expliquei e ela me encarou, curiosa. — Você não
pode contar o pedido para ninguém, nem tirar a pulseirinha do pulso. Tem
que esperar cair. Dizem que cai quando todos seus pedidos se realizam.
Hay me deu um olhar que eu conhecia muito bem. O de que queria pedir
algo, mas não sabia se deveria. Beijei sua testa.
— Que cor você quer? — perguntei e seu rosto se iluminou, apesar de
escondê-lo no meu ombro, tímida como não costumava ser. Tinham muitas
pessoas que ela não conhecia por ali, falando uma língua que não conhecia.
Poderia ser intimidante.
— A azulzinha.
Peguei uma das fitas e me sentei no sofá da sala. A casa era enorme e eu
amava isso. Nunca fiz questão de ter uma mansão, mas a minha mãe sempre
quis uma casa gigante e eu consegui comprar para ela. Era especial para
mim.
Hay esperou enquanto eu dava duas voltas em seu pulso, explicando de
novo que não poderia me contar seus pedidos. Ela fechou os olhos azuis
com força no primeiro nó, erguendo o polegar em um sinal de que eu
poderia seguir para o próximo. Sorrindo, repeti o processo mais duas vezes
e Hayhay me abraçou forte, pelo pescoço.
— Parabéns, tá? Te amo. — Meu coração explodiu e eu segurei seu rosto
com as duas mãos, enchendo-a de beijos. — Mamãe e papai compraram um
colar para você, mas fui eu que escolhi.
— Te amo também, meu amor. Aposto que é lindo. — Ergui o olhar, os
procurando.
Encontrei Naomi e Damian gargalhando com Mel e Mike, na área da
piscina. Me surpreendi ao ver Lia Carlson com eles e virei o rosto,
encontrando a minha mãe. Ela encarava a mãe da Naomi e eu estreitei os
olhos, fortalecendo minha teoria. Pega no flagra, senhora Patrícia apenas
virou um gole da garrafa de cerveja e seguiu para alguma mesa da nossa
família.
Lembro de pensar: “Por favor, Lia, não seja hétero”, e quase fiz uma
dancinha vitoriosa, quando a mãe de Carlson encarou a minha mãe por
algum tempo, mesmo de longe. Eu só não estava mais chocada do que feliz,
mas engoli a informação, por não ter certeza se estava certa. E porque, até
onde todos sabiam, Lia era hétero. Caso estivesse se questionando ou se
descobrindo, eu sabia o quanto isso era difícil, ainda mais na vida adulta, e
esperava que tivesse paz nesse processo.
— Ei, titia, posso levar algumas para a mamãe e para o papai? — Olhei
para Hailey, confirmando. Ela me disse as cores que queria e eu as tirei do
teto, entregando para a garota que disparou para os pais, empolgada. Sorri
quando ela começou a explicar para eles e estranhei que Oliver não
estivesse por perto.
Segui pela festa, procurando Zhang e parando para falar com uma pessoa
ou outra. Até que entrei no salão de jogos e o vi rindo com duas das minhas
primas, disputando na sinuca. Elas arriscavam falar inglês. Mordi o sorriso,
cruzando os braços. Barbara gesticulava para ajudar, no inglês mais errado
da minha vida, enquanto Vitória disse:
— Feliz que Jasmine is com você. Você is very cat, brother.
Zhang franziu o cenho, reprimindo os lábios para não rir.
— Very cat, jura? — a outra ralhou, baixo, envergonhada.
Pigarreei e as duas me encararam.
— As duas, vazem. — falei, em português, tentando não gargalhar ao
salvar o pobre Oliver. Elas resmungaram, mas obedeceram.
Oliver mordeu um sorriso, assim que fomos deixados a sós.
— Very cat. — ele murmurou e eu precisei rir. — Isso queria dizer?
— Muito gato. É tipo, muito bonito. — voltei para o inglês.
— E “mass energy”? — O esforço que fiz para não rir até explodir foi
indescritível.
— Provavelmente quis dizer que você tem uma “energia massa”. — Ele
franziu o cenho para as duas palavras em português. — Significa uma
energia legal. Você é um cara divertido, Ollie.
— Eu sou, é? — Sorri, pegando um dos tacos contra a mesa, preferindo
não responder. — Roubou minhas oponentes, Rhodes.
— As substitui por uma que você adora. — corrigi. — Ou está com
medo de perder para mim, capitão? — Ele me deu aquele sorriso de canto
perfeito, com uma covinha discreta, que fazia minhas entranhas derreterem.
— Se eu vencer, o que ganho?
— Você decide.
— Penso em uma coisa ou duas. — Captei a malícia em sua voz,
enquanto seguia para a porta do cômodo. Vi Zhang trancá-la, mas fingi que
não. — E você?
— Penso em várias coisas, amor.
Ele suspirou, apoiando as costas na porta, enquanto eu reorganizava a
mesa.
— Não me chame de amor. É perigoso.
— Ok, amor.
Ele riu baixinho, desconcertado, e eu o encarei. Zhang tinha o inferno e o
paraíso nos olhos. Eu amava ambos.
— Eu começo, Moonshine. Já estava aqui antes.
— Chato.
— Prefiro quando me chama de cafajeste, mas tudo bem.
Oliver posicionou o taco em frente à bola branca, mirando nas demais,
posicionadas em um triângulo no lado oposto. Eu sorri, atenta a como tudo
ficou posicionado, pensativa. Pensei ter achado uma boa jogada e passei por
trás dele, nada inocentemente tocando suas costas antes de me posicionar
em um dos lados menores da mesa.
Senti Ollie atrás de mim. Eu sentia sua presença como uma presa diante
de um predador. A diferença era que eu deveria ser o tipo de presa estranha,
que provoca sem medo de ser a próxima vítima.
Apoiei o taco sobre a mesa, passando-o entre meus dedos, ajustando a
mira. Se eu acertasse a bola vermelha, ela poderia atingir a azul e seriam
dois pontos de uma só vez. Mas então eu senti.
Senti uma das suas mãos firmes em minha cintura, possessiva. Senti
quando se abaixou devagar, grunhindo baixinho perto do meu ouvido, como
se a movimentação fosse desconfortável. Senti seu tronco perto do meu, seu
rosto colado ao meu, sua respiração suave. Senti seus dedos saindo da
minha cintura e subindo pelo meu braço; o modo despreocupado em que
apoiou seu taco na mesa e usou a mão livre para ajustar minha mira.
— Sou sua oponente. Não deveria me ajudar, você sabe.
— Você que disse que estou te ajudando. — ele disse, com aquela
maldita voz grave e rouca. — Não estou.
Seu perfume me desconcentrava. Sua presença me tirava do eixo. Então
me aproveitei da situação. Ajustei o corpo e ele suspirou. Movi os quadris,
me aproveitando para tentar atingi-lo de alguma forma e deveria estar
funcionando. Principalmente pelo volume quase encaixado na minha…
— Se continuar empinando essa bunda no meu pau, eu vou te puxar
pelos cabelos, te jogar nessa mesa, na frente de todo mundo, e comer sua
boceta até que esteja gritando por misericórdia.
Ela contraiu imediatamente.
Engoli em seco, tensa. Ele espalmou minha bunda, esperando pela
jogada. Atingi a bola branca antes que enlouquecesse, ajeitando minha
postura. Ele apertou meu ombro em uma massagem suave, mas precisa;
assistindo meus dois pontos se tornarem realidade. O toque tão prazeroso
quase me desmanchou. Piorou, quando a outra mão subiu da minha bunda,
até os quadris e cintura. Ele sempre me segurava como se fosse sua.
— Pena, Rhodes. — Estremeci e ele pegou o taco, se inclinando com
uma segurança irritante ao bater na bola branca. Ela atingiu uma preta no
meio da mesa, que bateu na parede e atingiu outra azul. Ambas caíram em
um buraco. Dois pontos. — Comer você nessa mesa seria bem interessante.
— Seria? — perguntei, com uma falsa inocência. — E por que não é?
Zhang estreitou os olhos, se aproximando devagar. Recuei, fingindo
fugir, contornando a mesa, cada vez mais devagar. Até Oliver me alcançar,
segurando meus quadris e me puxando para si.
— Peguei você. — soprou e eu sorri.
— Porque eu deixei, capitão. Acho que preciso agradecer pela festa.
— Precisa?
Eu o beijei, cansada de brincar. Oliver riu contra a minha boca, me
colocando sobre a mesa de sinuca.
— Minha mãe nos mataria se descobrisse.
— O som está alto. É só você gemer baixinho e não teremos problemas.
— Sua boca suprimiu um xingamento meu, pela presunção estampada no
seu rosto. Oliver abaixou o meu corset, deixando abaixo dos meus seios,
sorrindo ao admirá-los. — Precisamos ser rápidos, Moonshine, ou vão
perceber que a aniversariante está ocupada recebendo um orgasmo de
aniversário.
— Então fala menos e fode mais, Zhang.
— Você tende a falar isso.
— Você tende a falar demais.
Ele me beijou, com fome, e eu quase ri contra a sua boca ao pensar que
aqueles éramos nós agora. O tipo de casal que não consegue ficar muito
tempo longe um do outro. Era quase compulsório. Tinha um imã em Oliver
Zhang que puxava Jasmine Rhodes para uma colisão. Sempre.
Oliver beijou o meu pescoço, seus dedos brincando com meus mamilos,
enquanto eu arranhava a sua nuca, entrelaçando as pernas atrás do seu
corpo. Ele desceu um caminho de beijos molhados pela curva da minha
pele, até tirar o corset de vez, jogando-o em algum canto da sala. Eu voltei a
beijá-lo, deitando e torcendo para não baterem na porta tão cedo.
Eu nunca me cansaria dele. Era perigoso. Talvez fosse mais seguro
voltarmos a ser apenas amigos em algum momento, mas eu não me
importava. Se houvesse um caminho para a destruição, eu seguiria para ele,
desde que Zhang me tocasse o trajeto inteiro.
Gemi quando abocanhou um mamilo, mordiscando, chupando, faminto,
enquanto seus dedos massageavam o outro seio. Ollie chupou com vontade,
antes de partir para o outro, descendo o zíper da minha saia e a arrastando
pelas minhas pernas, ansioso para voltar a devorar meus seios como antes.
Arqueei as costas, xingando pelo prazer e ele sorriu.
— Continuam sensíveis? — Pelo piercing, ele dizia. Fitei-o, rindo, como
quem pergunta “é sério?”. Ele riu, voltando ao seio. Desci o zíper da sua
calça, deixando claro que o queria de uma vez. — Ainda não. Abre as
pernas, Jas, me deixa chupar você.
Obedeci, apoiando as pernas na beirada da mesa, Zhang as passou por
cima dos ombros, beijando a lateral de cada joelho e subindo, lentamente,
pelas coxas. A cada mordida leve e suspiro, eu olhava para a porta, ciente
de que estava trancada, mas querendo que acelerasse as coisas. Eu ficaria
frustrada se nos chamassem.
Oliver beijou as minhas dobras e minha mente evaporou, se tornando
pura antecipação. Sua língua me percorreu e ele riu contra a minha boceta.
— Fica pronta para mim tão rápido, Jasmine. Eu poderia mesmo te foder
em qualquer lugar, huh? — Não neguei. Acabei mordendo a mão para não
gemer quando me chupou, sua língua e lábios me fodendo tão gostoso que
eu só conseguia esfregar a boceta em sua cara, implorando por mais.
Oliver…
Deus, Oliver era incomum. O que ele fazia comigo, com meu corpo,
minha mente… Porra, ele me tinha para si.
Zhang me chupava com os olhos presos aos meus, me cativando de
volta, como se eu fosse sua para fazer o que quisesse. Cada movimento da
língua, sucção e mordida suaves, me diziam que ele amava brincar com
meu corpo e nenhuma outra pessoa jamais chegaria aos seus pés. Não
demorou muito para que eu estivesse implorando.
— Amor…
— Rhodes. — ralhou, em aviso. Eu ri e ele beliscou meu mamilo,
estapeando o meu rosto de leve. Ele sabia fazer mais do que isso. — Não
brinca comigo desse jeito. Não seja má.
— De novo. Forte. — Ele balançou a cabeça, perdendo o controle. —
Por favor, am… — Oliver me tirou da mesa, quando me puxou para si e
agarrou meu pescoço, mordiscando meu lábio e estapeando a minha bunda,
para que eu ficasse calada. Forte. Arfei, sorrindo contra seus lábios, por ter
conseguido o que eu queria.
— De costas. Falei que ia te comer contra a mesa, Rhodes, empina essa
bunda para mim.
Obedeci e Zhang segurou meus quadris, me empurrando contra a
superfície. Senti sua respiração em meu ouvido, antes que mordiscasse meu
lóbulo e agarrasse meu cabelo. Deixando minhas costas livres, ele desceu
uma trilha de beijos pela minha coluna, até mordiscar e estapear minha
bunda com força. Empinei mais para ele, ansiosa.
— Quero deixar uma boa impressão para a família da minha namorada,
Jasmine, então goza quietinha, certo?
Assenti, satisfeita e excitada por não dizer que éramos falsos naquele
momento. Zhang abaixou a calça e a boxer, devagar, e penetrou minha
boceta por trás, com força. Cruzei os braços, escondendo o rosto, para
abafar os gemidos. Oliver agarrou meus quadris, prenunciando que me
foderia forte e fundo. E foi o que ele fez.
Ele me fodeu forte, fundo e rápido, até que eu estivesse suando,
desesperada para gozar e gritar seu nome. Me virou e me deitou sobre a
mesa, preferindo olhar nos meus olhos, quando minha boceta contraiu em
torno do seu pau, o apertando, até que estivesse gozando comigo,
literalmente, fodendo o jogo que mal começamos.
Nada parecia uma mentira naquele segundo. Porra, nada parecia uma
mentira há muito tempo.

Fiquei algum tempo checando minhas roupas em um pequeno espelho do


banheiro, no cômodo ao lado. Tinha um chupão visível na minha pele negra
e eu suspirei, ciente de que minha maquiagem dificilmente esconderia.
Quando olhei para o reflexo, vi que Oliver cruzava os braços contra a porta
atrás de mim, com um sorriso satisfeito.
— Você vai precisar tirar da cara esse sorriso “acabei de te foder” em
algum momento, Zhang.
— Difícil. Fico lembrando das posições quando acaba. Você fica gostosa
em todas.
Sorri, sem jeito, odiando que o desgraçado soubesse exatamente como
acariciar meu ego. Ollie me abraçou por trás, mantendo a porta aberta.
— Ainda dá tempo de outra rapidinha?
— Caralho, homem, que apetite é esse?
— Você está se olhando no espelho, Rhodes. Se uma mulher como você
estivesse contigo, não iria querer foder sempre?
Sorri ainda mais. Idiota. Porém fazia sentido. Eu era boa desse jeito.
— Gostou da sua festa, mesmo? — perguntou, beijando minha
bochecha. Confirmei, seguindo-o para fora do banheiro. Ollie manteve os
braços em torno de mim quando virei-me para ele, enlaçando-o pelo
pescoço. — Jure. Porque eu quis fazer melhor do que a que fez para mim.
— Era uma competição?!
— Não. Só minha forma de agradecer por existir no mesmo mundo em
que você. — Derreti, beijando-o mais uma vez.
— Vou te agradecer por isso tudo de novo mais tarde. — prometi,
puxando seu lábio inferior entre meus dentes. — Uma rapidinha não é
suficiente.
— Foi uma rapidinha boa.
— Fiz melhores. — menti. Ele escancarou a boca, unindo as
sobrancelhas, fingindo estar puto.
Puxei Zhang de volta para a festa e ele sorriu ao ver algumas pessoas
dançando. Nossos amigos estavam na mesa de salgados. Ver Naomi Carlson
e Melissa Wayne comendo coxinha, só não era mais engraçado do que ver
Hailey em cima de uma cadeira, tentando fazer Mike dançar sertanejo ou
Damian fingindo que a música o agradava.
— Oi, transões. — Naomi provocou e eu nem fiz esforço para desmentir.
— Não vai parar com isso? — Ollie quis saber.
— Até Jasmine me contar os detalhes? Não. Fazem dois meses.
— Quer saber os detalhes de s-e-x-o com Zhang, quando você já fez com
ele? — perguntei. Soletrei pela Hailey, mas ela estava ocupada demais,
dançando com Mike e gargalhando com as provocações de Damie, para
ouvir.
— Está com ciúmes? — Naomi provocou. — Porque faz anos e meu
marido estava na situação, só para lembrar.
— Não quero relembrar, obrigada. — Naomi riu, sem acreditar.
— Ciúmes. — Mel cantarolou.
— Sério, Rhodes? Ciúmes de mim? Porque, se quer a verdade, na maior
parte do tempo, Ollie só assistiu. A três só foi bom para dizer que tive essa
experiência. Ser tocada por qualquer pessoa sem ser Bale, me parece vazio
e Damian se arrependeu assim que o tesão acabou.
— Não é por isso. — garanti. — Somos amigas, Carlson, e eu sei que
ama Bale e Ollie de maneiras diferentes. É porque você é superprotetora.
Ela abriu a boca para negar e eu ergui as sobrancelhas, a desafiando.
Naomi enfiou outra coxinha na boca, aceitando. Ela era. Por trás daquela
pose de mulher leoa raivosa, Naomi era puro coração. Ela se certificaria de
que não estávamos estragando a amizade a cada dois segundos, sendo mais
minha mãe do que mãe da Hailey.
— Qual é… Não fica bolada. — pedi.
— Naomi. — Ollie pediu e ela deu de ombros, fingindo que não se
importava. Bufei e me pus entre ela e Wayne.
— O sexo é o melhor que já tive. — falei, tentando ignorar Ollie e seu
sorriso idiota. — Até porque fodo com o homem mais galinha da cidade e
que provavelmente estudou sexo na teoria e na prática.
— Ei! — Ollie protestou e Melissa riu.
— Conto os detalhes depois, ok? — prometi. — Mas de fato é meio
bizarro contar para você o que já sabe. — falei baixinho, para Naomi. Ela
suspirou, assentindo.
— Só não quero que sinta que não pode me contar algo. — murmurou,
sem me encarar. Eu beijei seu ombro e encarei Wayne, silenciosamente
implorando por ajuda.
— Ok, Jas, me diz quando for para parar. — Mel pediu, unindo as mãos
e as afastando devagar. Gargalhei, entendendo o que queria dizer.
— Me ajuda aqui, Carlson. — pedi e Ollie engasgou, ultrajado. —
Assim? — menti, colocando as mãos da Mel próximas, com uns cinco
centímetros de distância.
— Um pouco menor. — Naomi brincou, mais animada.
— O quê? Meu samurai é grande, tá legal? — Oliver ralhou, afastando
as mãos de Wayne no tamanho quase exato.
Melissa escancarou a boca, analisando a distância entre as palmas e
olhou para Naomi e eu, sem saber se era verdade. Naomi murchou os
lábios, reflexiva, antes de dar de ombros. O olhar de Mel parecia me
perguntar “como você aguenta?”. Eu dei de ombros. Não era tão absurdo
assim. Nem era o mais importante sobre o sexo.
— É maior do que o do Mike? — precisei saber. Mel confirmou.
— Tchau, não quero ouvir isso. — Ollie resmungou, se afastando,
enquanto Mel assentia.
— Naomi? — perguntei.
— Depende. Está falando de comprimento ou grossura? — ela disse,
rindo.
Ergui o olhar para as janelas que davam para o lado externo. Patrícia
Rhodes e Lia Carlson estavam muito próximas, perto da academia ao lado
da piscina. Quase impossíveis de serem vistas. Eu disse quase. Meu queixo
caiu um pouquinho, quando a minha mãe uniu os lábios aos da mãe de
Carlson. Achei que só eu tinha percebido, mas Mel xingou e foi tarde
demais. Quando olhei para o lado, Naomi já assistia a cena.
— Rhodes? — Sua voz, assustada, me deixou em alerta.
Nossas mães se afastaram, sorrindo, até que perceberam que eram
assistidas. Estávamos as três, de pé, encarando-as de longe, boquiabertas.
Elas, de longe, se tornaram tão chocadas quanto nós.
Olhei Carlson de soslaio, não sabendo interpretar seu olhar.
— Minha mãe não era hétero?
E então eu gargalhei, com todo o respeito.
“Garotas gostam de garotas como os garotos gostam
Nada novo”
Girls Like Girls - Hayley Kiyoko

 
Eu não sabia se havia algum neurônio sobrevivente em Naomi Carlson.
Ela estava sentada, na mesa de sinuca, em frente às nossas mães. Ao
nosso lado, Wayne balançava as pernas sobre a mesa.
— Por que Mel está aqui? — Lia perguntou.
— Porque é fofoqueira. — respondi e Wayne não negou.
Carlson coçou a garganta, ainda reflexiva.
— Não vão dizer nada? — Lia nos perguntou. — Tricia?
— Jasmine? — minha mãe pediu.
— Bem-vinda à família, madrasta?! — brinquei.
— Rhodes! — Naomi ralhou e eu sorri, dando de ombros. Ela suspirou,
encarando as mulheres à nossa frente. — Estou meio confusa, foi
inesperado, mas só tenho uma pergunta a fazer. — Naomi começou,
respirando fundo. — Tricia, quais são suas intenções com a minha mãe?
Eu ri e minha mãe também, mas meu coração quebrou quando Lia
suspirou de alívio, seus olhos se enchendo de lágrimas imediatamente. Eu
conhecia essa sensação. A de se descobrir, ou estar tentando se entender, e
ter medo de que ninguém, nem mesmo as pessoas que você mais ama, te
apoiem.
— As melhores, Naomi. — minha mãe respondeu. — Independente de
qualquer coisa, Lia e eu somos amigas. Eu a protegia antes e protejo agora.
Naomi assentiu, mas nitidamente ainda tinha milhares de
questionamentos. Segurei sua mão, ciente de que ser mantida no escuro
quanto a algo e descobrir tudo de repente é meio confuso.
— Como isso aconteceu?
— Vocês nos apresentaram em algum evento para a caridade e viramos
amigas. — Lia disse e até aí todo mundo sabia. — O resto foi se
desenvolvendo durante os anos, eu só… Me sentia viva, alegre e feliz com
Trisha e achava que era uma conexão entre melhores amigas, até que
começou a doer não estar ao seu lado e até cada pequena maniazinha me
cativava. — Sorri observando a loira encarar a minha pessoa favorita no
mundo, com seus olhos brilhantes e sorriso, inegavelmente, apaixonado.
— Onde foi o primeiro beijo? — Mel perguntou, romântica como
sempre. A minha mãe sorriu três vezes mais.
— No restaurante. — Patrícia respondeu. — Eu tomei atitude, mesmo
sem saber se entendia, de fato, os sinais. Decidi arriscar e torcer para isso
não nos afastar de uma vez e por um momento quase aconteceu.
— Eu não entendi o que sentia. — Lia confessou, com as mãos trêmulas.
— Ou neguei o que sentia. — Naomi observou as mãos da mãe e expirou
com pesar. Havia algo que a deixava em alerta sobre aquilo tudo e eu queria
saber o quê. — Vivi a maior parte da minha vida casada com um homem…
abusivo. — Lia raramente admitia a verdade. Ela raramente falava em voz
alta sobre o inferno que seu marido tinha feito quando vivo, quase
destruindo ela, Naomi e Madison, sem piedade. — Algumas vezes, parando
para pensar, eu… Eu sentia alguma atração por mulheres. Celebridades,
amigas do trabalho… Mas eu era casada e… Vincent era tão…
Rígido, preconceituoso, sufocante. Ela o amava, era fiel e estava
comprometida, conhecer outras pessoas fora do casamento jamais seria uma
opção, obviamente. Então, pelo que entendi, Lia ficou mais de vinte anos
presa em um relacionamento abusivo, suprimindo uma parte de si sem nem
realmente perceber, incapaz de se conhecer. Lia estava presa em si mesma
por causa de Vincent e isso deve ter sido desesperador. O fato de poder sair
disso e se apaixonar, principalmente por uma mulher, e se descobrir, se
questionar, começar a se entender… Isso era liberdade.
E era lindo.
Naomi, ao meu lado, secou uma lágrima que deslizou pelo rosto. Pensei
na importância de ver sua mãe em um relacionamento saudável, deveria ser
enorme. Mas então ela disse:
— Há quanto tempo?
Lia e Patrícia se entreolharam.
— Oito meses.
Puta merda.
Carlson mordeu o lábio, desviando o olhar. Eu também estava em
choque.
— Estou feliz, mesmo. — Naomi disse, por fim, respirando fundo. —
Estou feliz pra caralho. Eu só sinto muito que… — Naomi estava a um
segundo de quebrar e Melissa estava em alerta, ao meu lado. — Que tenha
passado por tudo isso sozinha. Não deve ter sido um processo fácil e ainda
sentiu que precisavam esconder, então… — Meu coração estava apertado,
finalmente entendendo.
— Naomi… — Lia tentou se aproximar.
— Não, mãe. Eu entendo. Só sinto muito se não fui um lugar seguro para
desabafar. De verdade. — Carlson desabou e Lia a abraçou imediatamente.
Olhei para a minha mãe, em silêncio. Ela me lançou um olhar
preocupado e seus lábios se mexeram, em português. “Está tudo bem?”. Eu
sorri de canto, assentindo. “Eu já desconfiava”. Ela rolou os olhos,
deixando um sorriso escapar. Eu contive a tentação de abraçá-la o mais
forte que podia. Era o primeiro relacionamento de Patrícia, depois da morte
de Marco Rhodes. E era com alguém que eu conhecia, aprovava e
admirava. Meu pai com certeza estaria feliz também.
Olhei ao redor, enquanto Naomi e Lia conversavam baixinho.
— Vamos deixá-la a sós, sim? — Mel opinou e eu concordei, mas
ninguém se moveu por um bom tempo.
— Péssima hora para dizer que transei nessa mesa? — tentei descontrair.
— Ai, que nojo, Jasmine! — Naomi resmungou, entre lágrimas,
tremendo, e Wayne fez o mesmo.
— Na minha mesa? — Minha mãe ralhou, me puxando para fora e
fingindo que me arrastaria pela orelha.
— Culpe seu genrinho — me defendi.
— Foi bom pelo menos? — Mel murmurou e nós rimos, como se não
estivéssemos preocupadas com a conversa que houve lá dentro.

Carlson tinha Hailey no colo, sentada no pequeno muro com vista para a
praia. Hailey secava as lágrimas da mãe, enquanto ela provavelmente
contava sobre Lia e minha mãe. O rosto de Hailey se mantinha
compreensivo, inocente e feliz, livre de qualquer julgamento, qualquer
preconceito.
Me aproximei, incerta, mas Naomi me recebeu com um sorriso. Ofereci
minha taça de vinho e ela aceitou.
— Titia Jazzy, agora você é minha titia de verdade?
— Acho que sim, peixinha.
— E a Trisha é minha vovó oficial? — perguntou, empolgada, e eu
confirmei. — Vou pedir para ela me fazer um monte de bolinho, então!
— Acho que ela está fazendo agora. Por que não vai ver?
Seu rosto se iluminou. Hailey disparou para a casa lotada, gritando pela
minha mãe. Foi Lia quem a recepcionou, carregando-a com um sorriso
enorme. Quando a loira me observou de longe, eu só ergui o polegar, em
um sinal de que tudo estava bem.
— Até a Hailey sabia. Ela tentou esconder de mim, agora, mas eu
percebi que sabia. — Naomi disse, distante. — Não quis ter feito aquilo
sobre mim. Não era. Eu só não consegui prender o choro.
— Eu sei. — respondi Carlson. — Também sei que tudo o que sentiu foi
preocupação por sua mãe e por tudo que ela viveu ou vai viver. Conheço
você.
Naomi respirou, aliviada.
— Eu só queria que ela tivesse me contado. Lembro quando o irmão da
Mel me contou que era gay, ele… Ele desabafava comigo, com a Mel e a
Madison e morria de medo da reação dos pais. Ele nos dizia que era
solitário, às vezes e…
Ela estava sofrendo porque a mãe provavelmente tinha sofrido. Essa é a
coisa sobre Naomi Carlson. Ela finge ter um coração de gelo, mas não tem.
Naomi tem o maior coração do mundo. Por um lado, é a coisa mais linda de
se admirar. Por outro, me preocupa. Às vezes parece que ela sofre em
dobro. Por ela e por quem ela ama.
Ainda assim, eu precisava ser sincera. Ela imaginava que todo o
processo de se descobrir, entender e amar a própria sexualidade era solitário
para nós, parte de uma comunidade que boa parte do mundo não aceita. Eu
não mentiria. Era.
— Falando da minha experiência… Sim, é… Às vezes era como estar
sozinha no mundo. Dói quando você entende que esse mundo é sua própria
mente. — confessei, honesta, mesmo ciente de que isso não melhorava as
coisas. Naomi me encarou, com o rosto vermelho.
Mesmo com todo o apoio do mundo, me aceitar foi um processo. Acho
que criei um preconceito, uma repulsa sobre mim mesma, por medo de
sofrer por, simplesmente, ser quem eu era. Quis fingir que minha
bissexualidade não existia por muito tempo, até entender que era parte de
mim e que eu não estava errada em amar qualquer pessoa, independente de
gênero. O mundo estaria errado se me aceitasse.
Suspirei, incerta de por onde começar. Não era como se eu não confiasse
na mulher ao meu lado ou nunca tivesse falado sobre com ninguém, mas às
vezes era um assunto delicado. Temia dizer coisas que ninguém
compreendesse ou todo mundo julgasse.
— Eu era muito nova. Uma pré-adolescente… mas, olhando assim,
hoje… acho que eu era uma criança. Comecei a reprimir o que sentia por
uma amiga. Eu achava que odiava que me abraçasse, apenas que ela me
abraçasse. Quando entendi que eu odiava amar cada carinho, foi assustador.
Odiava porque eu amava uma garota e tinha medo de que fizessem da
minha vida um inferno. Mesmo com uma rede de apoio, Naomi, me neguei.
Por medo. Me silenciei. Me machuquei. — Ela ouvia cada palavra
atentamente. — Não queria perder ninguém. Tinha esse pensamento
cortante e tóxico pra caralho dentro de mim, de que a vida seria muito mais
fácil se eu não gostasse de mulheres.
— Mas você gosta.
— Sim.
— Deve ser fodido viver com esses pensamentos.
— E é. Mesmo depois que eu contei tudo para os meus pais, que eles me
apoiaram… Carlson, eu me pegava concordando com esses pensamentos.
Perdi tantas amizades… tantos pais afastaram suas filhas, minhas amigas,
de mim, porque descobriram que eu era bi ou porque eles não aprovavam.
Então comecei a pensar que… A torcer, na verdade…
— Para que se apaixonasse por homens e não por mulheres?
Assenti, envergonhada. Olhamos para o mar, ao mesmo tempo.
— Foi preciso tempo e um pouco de terapia, para entender que o mundo
é perigoso e meu receio de me abrir com ele sempre vai existir, é
compreensível. Mas preciso lutar para dominá-lo e não o contrário. Preciso
amar porque amo, independente de quem seja. E se for uma mulher, não vai
ser fácil, mas assim será. Porque se apaixonar sempre vale a pena e lutar
pelo amor é a melhor dádiva que temos em vida. Não é fácil, ainda mais
quando o mundo te julga como criminosa ou pecadora. Mas amar não deixa
de ser necessário.
Carlson concordou, respirando fundo.
— Não que eu não tenha medo do que pode acontecer, quando ela contar
para todo mundo. — ela começou, baixinho. — Eu quero que conte quando
estiver pronta. Quero que seja quem ela quer ser e o universo que se
exploda. O que me mata é que toda essa dor, essa incompreensão sobre si
mesmo, medo de preconceitos e tudo mais… Ela poderia ter buscado apoio
em mim, sabe? Eu queria ter ajudado. Não quero que minha mãe se sinta
sozinha, Jasmine. Nunca.
Eu sorri, entre lágrimas, a puxando para meu colo. Carlson me abraçou
forte.
— Você ajudou sem saber. As pessoas que amamos nos dão força sem
saber. Quantas vezes a Hailey te salvou, sem ter noção de que estava
machucada? Você faz por sua mãe o que sua filha faz por você, Carlson.
Você cura algumas coisas com amor, sem nem perceber.
A abracei até que se acalmasse. O inferno que Naomi viveu com seus
pais e a força que teve para entender e perdoar Lia, por não ter conseguido
protegê-la, era sua dor e sempre seria sua. Mas eu entendia. Quando saíram
disso, Naomi prometeu a si mesma que protegeria a mãe de tudo. Estar
preocupada era normal. E quase ri com o pensamento de que, agora,
seríamos oficialmente família.
— Posso te chamar de irmãzinha? — brinquei e Carlson riu, se afastando
para apertar meu queixo.
— Depende, vou poder roubar seus Jimmy Choo’s?
— Também quero. — Gianna disse, se aproximando. — Desculpa pelo
atraso, Rhodes! Parabéns. — Ela me abraçou por trás, sem jeito, enquanto
Carlson e eu ainda observavamos o mar. Mel se abaixou para beijar o rosto
molhado da Naomi, sussurrando algo baixinho. — Então… Lia e Patrícia…
— Patrícia e Lia. — todas falamos ao mesmo tempo.
— Esse lance de irmãs… — Mel me falou, se sentando ao meu lado.
Gianna se sentou sobre seu colo. — Sempre quis ter uma. Conquistei
Carlson antes mesmo de saber falar, quase perdi Gigi e agora tenho você. —
Meu coração apertou e eu segurei sua mão. — Estamos juntas, as quatro, e
sei que todas nossas mães não namoram entre si, mas… — Gargalhei da
piada. — Quero fazer parte disso.
Percebi Gianna sem jeito, observando o mar, e passei a apertar sua mão.
— Sempre quis ter irmãs. — confessei, baixo.
Olsen me encarou, sutilmente, chocada.
— Até eu?
— Disse que tenho um bom pressentimento sobre você.
Gigi sorriu. Naomi apoiou a cabeça no meu ombro e Mel também. Gigi
apertou minha mão mais forte e eu sorri, percebendo que aquele era o
melhor presente de aniversário do mundo. Três irmãs malucas.
Sorri ainda mais pensando que, de certa forma, para mim, talvez…
fomos isso desde o início.

— Como foi? — Damian me perguntou, ao lado de Mike, assistindo


Gianna, Mel e Naomi rindo, perto da piscina. Segurei o braço do meu
cantor favorito, suspirando.
— Bem, agora somos cunhadinhos.
Ele rolou os olhos.
— Tecnicamente já somos. — Bale mencionou Oliver, indiretamente.
Mike se aproximou, fofoqueiro como sempre. — Como foi? Como ela está?
— Sabe que Carlson sempre puxa a responsabilidade de cuidar de todo
mundo. A ideia de que a mãe dela não confiou nela machucou um pouco,
mas aos poucos ela vai entender que não tem a ver com ela. O receio de se
abrir, até com quem amamos, vem quando não nos entendemos. E pelo que
entendi, Lia ainda está se descobrindo e minha mãe está a ajudando nisso.
Com o tempo, tudo vai ficar bem.
— Aposto que ela queria contar tudo e não que descobríssemos desse
jeito. — Mike opinou e eu concordei, me lembrando de quando o
BrightWeekly contou para a Austrália inteira que eu era bissexual.
Digo, não que eu escondesse de ninguém, mas… É parte de mim e não
deveria ser exposta por cliques dessa forma. É bizarro.
— Vai ficar tudo bem. — repeti. Encarei Graham e percebi que ele
sorria, olhando para Mel. — Bons tempos para meu casal Marvel?
— Ótimos tempos. Estamos nos entendendo melhor. — confessou.
— Entendendo melhor… — repeti, sugestivamente, chocando o ombro
ao de Mike.
— Da mesma forma que você e Oliver. — Graham provocou e Damian
riu. Me afastei, recusando a falar de sexo com aqueles babacas; Damian
bem que tentou me agarrar de volta para a conversa, mas escapei, chocando
meu corpo contra algo forte e alto. Mãos capturaram a minha cintura.
Olhei para cima e Zhang sorria. Algo em mim, desmoronava
internamente. Talvez tudo. E depois pegava fogo. Deus, por que tão lindo?
— Sua tia está tentando me fazer dançar foro.
— Forró. — corrigi. Meus ouvidos doeram quando gritaram o final de
Evidências e aplaudiram como se Chitaozinho e Xororó estivessem ali.
— Está todo mundo bem? — perguntou e eu confirmei, envolvendo-o
pelo pescoço.
Beijei a camisa sob sua clavícula, na ponta dos pés, meu lugar favorito.
Ele acariciou minhas costas, antes de me beijar. E de repente, todo o caos
em mim se tornou calmaria. Oliver Zhang sempre seria meu ponto de paz
nesse mundo bizarro. Paradoxalmente, era tão certeiro, quanto não cansava
de me surpreender.
— Dança comigo? — pedi baixinho, quebrando o beijo e dando alguns
selinhos que o fizeram sorrir. Várias Queixas estava começando e era uma
das minhas músicas favoritas.
— Não faço ideia do que ele está cantando, mas não parece ser “mete
com força e com talento”. — Ollie brincou e eu joguei a cabeça para trás,
gargalhando.
Menti uma vez que a letra de Mete Com Força era romântica, apesar da
batida, e ele acreditou. Zhang colocou de legenda em uma das nossas fotos
e me xingou quando descobriu tudo — apenas duas horas depois.
— Eu traduzo baixinho para você. — prometi, enquanto me abraçava
mais forte e beijava meu pescoço. Era tão gostoso estar em seus braços que
,por um momento, quase desisti da dança.
— Bem baixinho?
— Bem baixinho.
Ele sorriu e me girou, antes de me puxar para mais perto do som. Nos
mexemos devagar, ignorando as risadas e brincadeiras da minha família.
Ouvimos um “puta merda” e quase gargalhamos, percebendo que Priyanka
e Keanu chegavam atrasados e ele tinha derrubado bebida em Olsen sem
querer. Ela o fuzilou com o olhar, iniciando uma discussão sozinha,
enquanto Priyanka os abandonava e Keanu sorria de orelha a orelha.
Escondi a risada no ombro de Zhang. Ele beijou minha têmpora,
acariciando meus quadris.
— Isso vai dar em casamento. — opinou.
— Com certeza.
Ollie me girou de novo, unindo nossos corpos. Eu segurei sua nuca e
peito, deixando que me guiasse e aproximei a boca do seu ouvido, cantando
para ele. Só para ele.
Ele dançou comigo aquela música. O maldito forró — mesmo sendo
péssimo nisso. O sertanejo. Achou engraçado brega funk, arrocha e samba
mas dançou comigo do mesmo jeito. Mesmo que nossos corpos colados, se
mexendo devagar, não combinassem com nenhuma melodia, ainda assim,
Zhang dançou daquele jeito, comigo.
Acho que só paramos dez músicas depois.
“Eles dizem que é um péssimo carma
Quando você vive uma vida dupla”
Bad Karma – Miley Cyrus
 
 
O ruim de estar acostumado a se foder, é que quando as coisas estão
boas, você já sabe que vai se foder em algum momento.
Eu e Jasmine estávamos bem.
Nosso grupo de amigos estava bem.
Mas empatamos duas partidas seguidas e, por algum motivo, mesmo
com meus bons números, a cobrança caía sobre mim.
— Só estou te lembrando que te colocamos no topo. — o presidente do
clube disse e eu trinquei os dentes, ciente de que deveria contar para Keanu
tudo aquilo. Mas não conseguia.
Era sempre a mesma maldita chantagem.
— Deveria nos colocar no topo de volta, Oliver.
— É o que estou fazendo, Evans. — respondi, observando-o enfurecido.
— Dou o sangue para colocar esse time no topo. Não falei para ninguém
que aquele jogador de merda foi racistinha de novo. Acompanhei Chad na
fisioterapia mês passado, mesmo não sendo minha obrigação, porque vocês
não dão porra da mínima para o psicológico da equipe. Depois do treinador
e da Riley, eu sou o que mais tranquiliza o time. Eu quero a porra do topo e
vou conseguir. — Arrastei a cadeira. — Mas não fique achando que é pela
sua chantagem de merda. É porque o time, os torcedores e minha carreira
não precisam se foder por caras como você e aqueles sócios filhos da puta.
— Cuidado, Zhang, nós pagamos seu salário.
— Então vá em frente e me demita.
Dei as costas. Eu era o nome do time, mesmo com todos os boatos e
fofocas, ao longo dos anos. Estava exausto de toda aquela pressão do
caralho.
— Posso fazer pior, Oliver, e sabe disso. Ou quer que a cidade toda saiba
quão bêbado Brandon estava naquele carro?
Virei-me, observando o cara branco, baixo e magro, com um bigode
escroto pra cacete na cara. Internamente eu o xinguei e o bati milhares de
vezes. Por fora, apenas o encarei com desprezo e bati a porta ao sair.

Era um dia após um jogo. Tínhamos ganhado, mas estávamos em sexto


na porra da liga. Se saíssemos do top 6, não poderíamos disputar a
Champions. Eu estava frustrado. Comecei o campeonato querendo a
Champions e a Premier. Eu não descansaria sem ganhar as duas na carreira.
Mas eu não sentia que tinha energia para isso.
Depois da ameaça do presidente do clube, meu trabalho parecia... sem
sentido. Não sei explicar. Eu amava o que fazia, com toda a minha alma.
Futebol é como oxigênio para mim. Eu amava os torcedores de Brightgate,
a cidade, os jogadores... Mas não amava quem comandava o time nos
bastidores. Na verdade, odiava.
“Posso fazer pior, Oliver, e sabe disso. Ou quer que a cidade toda saiba
quão bêbado Brandon estava naquele carro?”
Quão suja tem que ser uma pessoa para ameaçar alguém com seu pior
trauma?
E não era só o meu pior trauma. Brandon Ramsey teve uma família, uma
noiva, amigos e fãs de verdade. Esse tipo de ameaça, se concretizada, fode
o psicológico de muita gente.
Eu amo o futebol, mas às vezes eu estava prestes a entrar em campo,
encontrava alguém da diretoria e a magia do esporte vacilava. Eu ficava
puto, possesso, cego de ódio. Ao mesmo tempo, com um pequeno sorriso,
aqueles filhos da puta lembravam quem mandava no clube. E eu encolhia
como um garotinho assustado.
Eu estava dando o melhor pelo time e não parecia suficiente. Agora eles
estavam considerando expor a história de Brandon para o mundo todo? O
que eu precisava fazer? O que mais queriam de mim?
Conversar com o presidente me levou ao tipo de angústia que corrói a
porra do cérebro. Como resultado, fiquei uma merda nos próximos dias. Em
todos os sentidos imagináveis. Isso se refletiu no meu humor da pior forma
possível. Ou eu não estava a fim de fazer nada, ou provavelmente com uma
carranca o dia inteiro. Por isso, meus amigos estavam intervindo. Para eles,
intervenção significava praia.
— Me lembrem por que estamos aqui de novo?
— Precisa relaxar. — Eric me disse, colocando um boné em seu cabelo
rosa. Meu assistente saiu do carro primeiro, Keanu em seguida.
— Vou me corrigir… — falei, seguindo pelo píer, procurando o ponto
onde meus amigos estavam — Porque vocês estão aqui?
— O Keanu me pediu para vir e alugar duas pranchas. — Eric se
defendeu.
Olhei para Keanu, colocando as mãos na cintura.
— É um compromisso, estava na sua agenda. — Keanu disse.
— Sim. Estava “tempo livre: praia com os amigos”, o que significa
folga.
— Se estava na agenda, ser folga é discutível. — meu empresário
argumentou, sorrindo.
— Veio pela Gianna.
— Sim.
— Puta que pariu. — resmunguei, dando as costas. Keanu me seguiu,
rapidamente, enquanto Eric ia alugar a porra da prancha. — Não vou te
ajudar a ficar com a mulher que ia casar com o Brandon.
— Não estou pedindo sua ajuda! — Encontrei meus amigos. Melissa,
sentada sobre a toalha, na areia, parou de passar protetor nas costas de Mike
para nos encarar. Logo, toda a praia nos encarava e eu levava os dedos à
ponte do nariz, pedindo por paciência. — Oliver, anda devagar!
Virei-me, puto.
— Keanu. — falei, tentando ser paciente. — Você está de TERNO em
uma PRAIA! — Explodi. Ele estremeceu e deu um sorriso tenso, colocando
as mãos na cintura.
— Quando você coloca dessa forma…
— SÉRIO?! Acha que Gianna vai querer um maluco de terno em uma
praia?
— Eu ia trabalhar! Mudei os planos no meio do caminho.
— Para foder a porra da minha vida.
— Caramba, Oliver, por favor. — Keanu se aproximou, unindo as mãos,
implorando. — Eu não sei o que essa garota tem! Mesmo! Não sei! Não sei,
caralho! Mas eu não consigo tirar aquela cara bravinha da cabeça. Me dá só
uma chancezinha.
— Puta merda, que perturbação. — murmurei, escondendo o rosto atrás
das mãos. — Tá, Barney Stinson. Vem logo.
Assim que me aproximei do pessoal, Mike ergueu a mão como um aluno
em aula.
— Sem perguntas. — implorei e ele abaixou a palma, confuso.
— Cara, você está de terno? — Damian me desobedeceu. Jasmine
segurou meu braço quando me sentei, tirando a camisa.
— Keanu está de terno. — ela me disse o óbvio. — Na praia.
— Ele veio surfar. — tentei ajudar.
— De terno?
Quase bati a mão na testa.
— Oi! — Keanu falou, erguendo a mão. Ele buscou por Gianna e não a
encontrou. Carlson e Hailey também não estavam por ali.
— Keanu, tira a porra do terno. — mandei, impaciente e ele obedeceu.
Estapeei a coxa de Jas de leve, quando ela babou no corpo do meu
empresário. — Sério, Rhodes? Meu tanquinho está bem aqui.
— Ai, por Deus, capitão, só estou olhando… — Observei o que ela tanto
encarava. Eu sabia que Keanu também tinha tatuagens e um corpo forte do
caralho, mas eu queria mais atenção. — Espírito Santo amado, Cristo,
Senhor Jesus, Deus abençoe…
— Jasmine!
— Parei! — ela se rendeu, erguendo as mãos e me beijando. — Está
mal-humorado a semana toda. É o campeonato?
— Sim. Uma merda. — confessei, apenas de bermuda.
— Veio de sunga?
— Por baixo.
— Fica de sunga. — ela mandou.
— Por que?
— Porque você é gostoso e eu quero admirá-lo. Fica de sunga.
Bufei. Mulher mandona do caralho. Tirei a maldita bermuda e Mike
imitou um pequeno latido, me chamando de cadela. Que fosse.
Rhodes assobiou, satisfeita.
— Bela mala. — Damie debochou, deitado, pondo um chapéu da Naomi
no rosto.
— Acabou de olhar para o meu pau?!
— Não julgo. — Jasmine provocou, Wayne riu e eu desisti de entender
aqueles malucos. — Adoro a tatuagem na coxa.
— Você adora toda tatuagem minha. — retruquei.
— Verdade.
Sorri, menos bravo. Jas beijou meu pescoço uma, duas, três vezes e eu
suspirei, envolvendo-a pela cintura.
— Por que você veio de terno? — Mel insistiu para Keanu, enquanto eu
senti alguém jogar areia na minha perna. Trinquei os dentes, encarando o
maldito, que agora estava de calça e tirava os tênis.
“Me ajude”, seus olhos diziam. Olhei para océu e pensei: “Brandon, me
leva com você?”.
— Porque ele estava a ponto de ter uma crise de burnout. — improvisei.
— Então eu o arrastei do escritório para cá.
— Jura? — Mel claramente duvidava.
— Diz isso para Gianna pelo menos.
— Oliver! — Keanu ralhou e Mel gargalhou, entendendo tudo.
As risadas cessaram quando Mel cutucou Mike e Damian bateu em
minha perna. Percebi Carlson e Hailey logo atrás de Gianna, que saía do
mar. Naomi parou em frente a Bale, apertando os fios castanhos e
derramando o excesso de água na areia. Hailey apenas se jogou sobre o pai,
que a abraçou imediatamente. Os olhos de Carlson caíram sobre Keanu e o
terno, depois Olsen. Gianna observou as roupas no chão, olhando-o por
meio segundo e eu jurei ter visto um sorriso de canto. Mas logo depois, ela
voltou a desprezá-lo por completo.
— Vai para o mar comigo, papai? E tia Jazzy! Vocês prometeram.
— Me tornei invisível? — resmunguei.
— Para de ser ciumento. — Naomi pediu, rindo e dando um chute leve
na minha perna. Carlson se sentou ao lado de Bale, pegando o celular na
bolsa.
— Ei, as pranchas. — Eric voltou. Gianna sorriu para ele, analisando a
cabeça rosa.
— Gostei do cabelo! — ela disse.
Keanu a observou, impassível. Eric corou e todo mundo tentava não rir
de Keanu. Gianna, nitidamente, fazia de propósito.
— Obrigado, linda. Aqui estão as pranchas, Kenny. — Eric tentou
parecer sério ou seu chefe o explodiria, com a força do pensamento.
— Quem vai surfar aqui? — Gianna quis saber, ainda ignorando Keanu.
— Eu. — meu empresário respondeu e Olsen se sentou no colo da Mel,
observando-o de cima a baixo. Kenny engoliu em seco, nervoso.
— E a outra prancha?
— Eric. — ele improvisou, batendo no ombro do garoto que vestia jeans,
uma blusa da Marvel e nitidamente não esperava permanecer na praia. —
Ele surfa.
— Eu nunca… — Eric tentou explicar, mas acabou suspirando,
resignado. — Nunca perco a chance de surfar! Adoro ondas. Mares.
Oceanos. Sal e água. Tartarugas. Ostras.
— Cara, por favor, para. — Mike pediu, envergonhado por ele. Gianna
deu de ombros, pegando uma garrafinha de água em sua bolsa.
Bufei, com pena de Kenny, quando ele a encarou, em expectativa.
— Por que não surfa com ele, Gigi? — indaguei, inseguro por minhas
próprias palavras.
— Não surfo mais, Ollie. — ela disse, baixo, e Hay se sentou no colo de
Damian, a observando. Eu não a culpava. O tom de voz de Olsen fez todo
mundo observá-la.
— Não sabe mais? — Kenny tentou ser casual.
— Acho que surf é como andar de bicicleta, coração, você não
desaprende. — Gianna rebateu e Keanu sorriu imediatamente. Ele
conseguiu sua atenção. Era tudo o que queria. — No máximo estou um
pouco enferrujada.
— Está com medo de não ser tão boa quanto eu, então? — Kenny
questionou e eu e Damian trocamos um olhar. Li os lábios de Mike para
Wayne: “Ele é bom”. Ela riu.
— Me lembra Brandon, Keanu.
O silêncio absoluto fez Mike murchar. Seus lábios foram ao ouvido de
Wayne de novo e dessa vez eu ouvi: “Ok, ele foi mal”. Mel não sorriu.
— Eu lembro Brandon? — Kenny questionou e eu quase bati na minha
própria testa, mas Jasmine fez isso por mim.
— Mar me lembra Brandon. Você não me lembra ninguém. Você mal me
conhece.
— Podemos mudar isso, anjo.
— Por que?
— Isso é legal de assistir, né? — Hay cochichou e concordamos
discretamente.
— Porque eu gosto de você.
— Você não me conhece.
— Pois é, Gianna, azar o seu, eu gosto de você de graça. Desde o
primeiro segundo. Há algo sobre você que me puxa. Tem algo a ver com
seus olhos, quando finge estar brava ou com o jeito que brilham o tempo
todo, mesmo que esteja mal. Então você pode até resistir a mim e eu paro
de tentar me aproximar, mas isso não vai me fazer não gostar de você.
Olsen torceu o nariz, desconcertada. Eu realmente não sabia que motivo
havia para Keanu estar tão obcecado por ela, mas também não via motivos
para que ela fingisse que o cara não existia. Digo, ele quase arranhou seu
carro, mas Gianna mal dirigia. Ele só realmente gostava dela.
— Nunca duvide da minha habilidade de pegar onda, Keanu. — ela
disse, permitindo-se abaixar as barreiras só um pouco, apesar da birra.
— Só se for me mostrar que consegue.
O desafio a fez respirar fundo.
Eu a assisti, ansioso por uma resposta. Percebi que não era o único. As
garotas não respiravam e os garotos mal piscavam.
— Sozinha e você só assiste. — Gianna cedeu e eu lutei muito para não
escancarar a boca. Keanu sorriu como se eles existissem em uma bolha e,
de repente, os dois andavam para o mar.
Me sentei, encarando a cena, confuso.
Jasmine segurou meu ombro e Naomi se ajoelhou, tentando ver melhor.
Mel fez o mesmo, forçando os olhos.
— Ela foi mesmo surfar? — Naomi perguntou, chocada.
— E odiava ele dois segundos atrás? — Jas acrescentou, mas Mel apenas
riu, deixando um sorriso enorme tomar seu rosto.
— Ela foi, mas nunca o odiou. — Wayne opinou e todos nós observamos
Keanu entrar no mar e ajudar Olsen a se sentar na prancha.
Ela ficou algum tempo reflexiva, tomando coragem, antes de nadar em
busca de alguma onda. Meu coração se acelerou em expectativa, quando
tentou se erguer, e explodiu, quando, minutos depois, Olsen de fato estava
fazendo algumas manobras.
Ri, em êxtase, sentindo minha visão embaçar. Naomi e Wayne assistiam
à cena, com mãos na boca e olhos marejados. Eu só conseguia pensar que
Brandon ficaria feliz pra caralho. E que era a primeira vez, desde a morte de
Ramsey, que eu ficava feliz vendo alguém surfar.

Damian e Naomi disputaram uma corrida até o restaurante, com Hailey


nas costas do pai. Mel e Mike estavam conversando, baixinho, assim que
saíram da caminhonete e Gianna e Keanu passaram a corrida inteira, no
fundo do Dodge Charger, discutindo sobre ela estar enferrujada ou não no
surf. Rhodes, ao meu lado, estava ocupada enviando áudios para Priyanka
sobre as gravações de Surf & The City, então, meu mau humor
provavelmente não chamava tanta atenção assim.
Assim que entramos no restaurante, Patrícia me abraçou e roubou a filha
para a cozinha. Aparentemente, era o penúltimo dia de algumas pessoas da
família de Rhodes na Austrália e elas estavam dominando o restaurante.
— Tio Ollie, vem cá! — Hailey pediu, me puxando pela mão. Ela me
guiou para a mesa que nossos amigos estavam, exceto por Gigi e Keanu,
que discutiam em frente a um quadro da Bahia, sem motivos. — Diz para a
mamãe que eu tenho razão!
— No que? — perguntei, confuso.
— Em pedir um irmãozinho.
— Ah, com certeza. — falei, sorrindo para Damian e Naomi. Eu gostava
de crianças. Amava ser tio. — Por favor, façam.
— Oliver! — Naomi ralhou, mesmo rindo.
— Pensa, mamãe! A titia Mel pode me fazer um priminho e você um
irmãozinho. Daí eles vão ser amigos e eu vou poder cuidar dos dois.
— Amor, um bebê é uma responsabilidade. Não é uma coisinha fofa
para você brincar.
— Pode ser os dois. — Hailey resmungou.
— Pode mesmo. — Damian opinou.
— Como que vai funcionar? Vamos transar nos mesmos horários que
vocês? — Mike debochou, atento ao celular.
— Mike Edward Graham! — Melissa disse, atônita, batendo em seu
braço. Ele falou de sexo na frente da Hailey.
— Ih, foi mal. Quis dizer, encomendar bebês com cegonhas, Hailey.
— Não é a sementinha? — Hailey perguntou, confusa. Já estava muito
difícil acompanhar a conversa. — O papai explicou que coloca uma
sementinha na barriga da mamãe e boom!
— Boom? — Naomi questionou, olhando para Bale.
— Não falei isso. — Damian garantiu.
— Tuuudo bem, gente, não importa. — Hailey disse, revirando os olhos,
tal qual a mãe sempre fazia. — Boom é para representar a barrigona. — Ela
apontou para a barriga da Naomi. Carlson balançou a cabeça em negação.
— Eu não estou… recebendo sementinhas com frequência. — Mel disse,
absolutamente do nada, corando. — Deus, chega. — murmurou para si
mesma.
— Chega mesmo. — pedi, prendendo o riso.
— Não vai me dar um irmãozinho mesmo? — Hay choramingou,
fazendo seu melhor drama.
— Não sei, Aileen. Iriamos esperar os seus cinco anos, lembra? —
Naomi disse e Hay bufou.
— Falta só um mês e meio, mamãe!
— Então, espera um mês e meio e vê no que dá, peixinha — Mike
sugeriu.
— Tuuudo bem. — ela resmungou. Depois limpou a garganta, sem jeito,
parando ao lado de Carlson e puxando sua saída de praia. — Mamãe,
preciso fazer… Sabe?
— O quê, amor?
— Pipi, mamãe. Não gosto de ir ao banheiro sozinha.
— Ok. Eu te levo.
— Ou será que consigo ir sozinha? — perguntou.
— Será que consegue?
Hailey ficou pensativa.
— Porra, é só um xixi. — resmunguei. Hailey respirou fundo, como se
estivesse se preparando para uma guerra.
— Vou sozinha. — Hailey disse e Carlson assentiu, observando-a correr.
Naomi se debruçou sobre a mesa e bateu na minha testa. Xinguei,
confuso.
— Que porra?
— A garota te ama pra caralho e você é grosso com ela, seu idiota. —
ralhou.
— Não fui grosso com ela.
— O lance do xixi, é importante pra caralho para a Hailey. — Damian
disse, sério. Eu olhei para Mel e Mike procurando apoio.
— É sobre independência. — Mel explicou. — Ir ao banheiro sozinha.
— Por Deus, que porra vocês estão falando? É só mijar! — argumentei.
— Está agindo como um garoto frustrado o dia todo, Zhang. — Mike
falou. — Que porra aconteceu?
Suspirei, resignado. Eu teria que pedir desculpa para a Hailey pelo xixi.
Era a coisa mais estranha da porra da minha vida, mas tudo bem. Eu estava
irritado, estava frustrado e, possivelmente, incapaz de esconder.
— Odeio mentir para Jasmine e não sei não mentir. Somado a isso,
adivinha quem foi ameaçado pelo presidente do clube?
— De novo? — Mel perguntou, baixinho. Confirmei. — Porra, Oliver,
sai desse time.
— Mel! — Mike a repreendeu.
— O problema não é o time ou a torcida. — Damian tentou me ajudar.
— Eles apoiam o Ollie. É quem está na administração, entende?
— Desculpa, amor, mas eu estou do lado da Mel. — Naomi falou. — O
time é administrado por um conjunto de filhos da puta que fodem a cabeça
do Oliver. O time não é só um grupinho de jogadores, ou a Riley, ou o
técnico. Não é um ambiente saudável.
— Eu amo Brightgate, Carlson. — falei, firme.
— Nem sempre amamos o que nos faz bem. É por isso que precisamos
entender o momento de cair fora.
— Tem vários outros times que te querem, não? — Mel quis saber.
— E eles me ameaçam para não sair também.
— Quer saber a verdade? É uma ameaça vazia. — Mike opinou. — Se
vazar o lance do Brandon, não é só você que vai ser questionado. É o time.
Se a verdade vir à tona, vão querer saber porque escondemos e porque eles
apoiaram a omissão.
— Começamos a esconder tudo porque os pais de Ramsey pediram. —
Naomi lembrou, baixinho. — Eles queriam preservar a imagem do Brandie.
Temos um motivo muito melhor do que aqueles filhos da puta.
— Ainda assim, continuamos na omissão por esse time do caralho —
Melissa acrescentou, puta. — Sério, odeio tanto esses caras…
— Percebemos, Jedi. — Mike murmurou.
— E quanto a Rhodes? — Damian mudou um pouco o assunto, se
debruçando sobre a mesa. — Disse que está ansioso por não contar a
verdade, certo?
Olhei ao redor, bufando.
— Eu estou apaixonado, tá legal?
As palavras me escaparam, com uma facilidade impressionante.
Ninguém mais disse nada por um longo, longo momento. Meus olhos
arderam, minha garganta fechou e eu me senti vulnerável pra caralho.
Queria que alguém quebrasse a porra do silêncio, mas ninguém fazia
isso. E eu não queria olhar para nenhum deles. Não queria ver pena, choque
ou qualquer merda.
— Ollie. — Mike me chamou. — Pode confiar na gente. Ninguém aqui
vai te julgar.
— Pausa. — Naomi disse, erguendo a mão. — Amizade não é sobre não
julgar. Isso seria passar a mão na cabeça. Eu vou estar aqui do lado de vocês
para qualquer merda, mas não significa que concordo com tudo.
— Sweetheart…
— Ela não está errada, Damie. — Mel disse, baixo. — Mas entendi o
que Mike quis dizer. — Ela sempre era a mais compassiva e olhar para ela,
me trouxe conforto. — Pode ser vulnerável com a gente. É um lugar seguro.
Sabe disso, não sabe?
Confirmei, sem jeito. Eu sabia que poderia confiar neles e ainda assim
era difícil. Não sei porque sempre me senti tão preso em mim mesmo. Acho
que, infelizmente, entre tantas coisas que meus pais me ensinaram, não ter
vergonha de ser vulnerável não estava entre elas. A pessoa que mais me
deixou confortável para isso, era Rhodes. Mas Rhodes era a única que não
poderia ouvir aquele desabafo. Não ainda.
— Olha, Zhang… O que queremos dizer, é que ninguém vai te amar
menos ou apontar o dedo na sua cara. — Damian começou, olhando ao
redor. Gianna e Keanu ainda discutiam e Rhodes não estava por perto. —
Estou feliz que esteja apaixonado, finalmente, e por uma pessoa
maravilhosa. Estar apaixonado por alguém pode ser a melhor coisa do
mundo. — O encarei, sentindo que havia um grande “porém” por vir. E
veio. — Desde que não haja mentiras.
Meus ombros caíram e eu levei as mãos ao rosto, me sentindo perdido.
— Não quero perdê-la. — falei, baixinho.
— Zhang. — Naomi começou, segurando minhas mãos e tirando-as do
meu rosto. Carlson segurou minha palma sobre a mesa. — Precisa contar a
verdade em algum momento. Não vou te dizer que vai ser fácil. Não vou te
dizer que não tenho medo também. Mas precisa acontecer. Só garanto que
não é só você que quer lutar para manter Rhodes por aqui.
— Então, se perdê-la, a perdemos contigo. — Mel continuou, segura,
apesar do semblante triste. — Mas a reconquistaremos contigo também.
Olhei ao redor, cada um da mesa. Damian não parecia ter nada a
acrescentar e eu encarei Mike, querendo saber o que ele pensava.
— Ela é uma de nós agora, Zhang. — Graham disse, dando de ombros.
— E uma vez Green Snake, sempre Green Snake.
Sorri, mesmo inseguro.
Uma vez Green Snake, sempre Green Snake.

Entrei na cozinha e Jasmine gargalhava enquanto suas primas dançavam.


Eram as mesmas da sinuca. Patrícia cozinhava, comandando a equipe,
enquanto as garotas tentavam mexer em algumas panelas e uma música
tocava no celular de uma delas. Elas se moviam coordenadamente de um
lado para o outro.
Olhei para Tricia, confuso.
— Pagode baiano. — explicou e eu ri, me lembrando da festa que ela me
levou na Bahia. Foi meu único carnaval, antes de voltar a jogar. Rhodes me
ensinou toda coreografia possível em cima de um trio.
— Ela sente falta. Do Brasil. Da Bahia. De tudo. — falei.
— Ela está ouvindo. — Jas cantarolou, se afastando das garotas para
andar até mim. — Veio me resgatar?
— Precisa de resgate?
— Estou me divertindo. — ela me confessou. — Só um pouquinho.
Sorri, sentindo o peso em meus ombros, que não tinha nada a ver com
seus braços passando por cima deles.
Rhodes sorria, tranquila, mesmo ciente de que eu estava em um péssimo
dia. Ela me entendia. Jasmine não me forçava a ficar bem, ela só mostrava
que estaria ali por mim, em qualquer momento, até que eu estivesse bem.
Jasmine era boa demais para mim.
— O que foi, capitão? Converse comigo. Ficou sério de repente. — Ela
acariciou meu pescoço. — Fica até bem gostoso mal-humorado, mas te
prefiro feliz.
Segurei sua cintura, a trazendo para mim.
Ela era a minha casa e era boa demais para mim. Ficar sem ela me
deixaria sem rumo. Eu não teria para onde voltar depois de uma viagem
cansativa. Não teria suas gargalhadas gostosas, enquanto bebe uma taça de
vinho e me faz assistir uma novela mexicana estranha — provavelmente
Rebeldes.
Doeria.
Mas nossa família tinha razão. Se eu a perdesse, iria para o inferno para
reconquistá-la. E talvez esse fosse o caminho certo. Contar a verdade,
deixá-la processar e lembrá-la que seria sempre dela.
— Podemos conversar? — pedi, baixinho.
Ela assentiu, confusa.
— Minha mãe, podemos usar o escritório? — Rhodes mudou para
português, mas eu entendi.
Eu já entendia algumas coisas, na verdade. Usava um aplicativo que me
fazia repetir frases estranhas em português, entre viagens. Só sabia falar
“oi”, “tchau”, “estou com saudades” e “quero comer pão”, mas tudo bem.
Quando Tricia assentiu, Jas me guiou para fora da cozinha. Passamos por
Hay e Lia, enquanto Hailey comemorava que tinha feito xixi sozinha e
Rhodes gargalhou, mas não fez perguntas.
Assim que fechou a porta do escritório atrás de nós, eu suspirei,
pensando em por onde começar. Caminhei pelo lugar, ensaiando mil
discursos por nanosegundo, mas quando me virei, Rhodes xingou,
atendendo uma chamada.
— Um segundo, amor.
Amor.
Porra.
Assenti, dando uma olhada pelo ambiente. Jasmine conversava com
alguém da produção de Surf & The City, baixinho. Eu parei na escrivaninha
de Patrícia, analisando o lugar, até perceber uma foto emoldurada.
Um homem negro, alto e magro, estava em frente a um palco de teatro,
fazendo uma careta. Ao seu lado, Patrícia, mais jovem, sorria de orelha a
orelha, carregando uma garotinha de mais ou menos cinco anos, de língua
para fora. Jasmine tinha vários pequenos coques na cabeça, com um vestido
rosa. Pareciam felizes. Pareciam completos.
Meu coração pesou, por algum motivo, e eu peguei a imagem para mim,
tocando o rosto de Rhodes. Ela tinha o mesmo brilho no olhar. A mesma
alegria. A mesma leveza de sempre. Ela tinha seu pai ao lado, com a mesma
energia que ela. Os três, na verdade, me transmitiam a mesma energia.
Felicidade e união.
— Ele teria te amado muito. — Jas disse e eu ergui o olhar, percebendo
que tinha acabado a chamada. — É a foto que ele está de jardineira?
— Sim.
— Amo essa. — disse, se aproximando e passando os braços em torno
da minha cintura ao apoiar o queixo no meu ombro. — Ele realmente teria
te amado muito.
Meu coração apertou mais. E mais. E mais.
— Minha mãe te ama, então… Meu pai provavelmente te adoraria. E ele
era maluco por futebol, Z. Sério mesmo. Ele seria fissurado pelo seu
talento.
Segurei a moldura mais forte, ansioso. Ele me amaria? Eu não achava
que sim.
— E eu te amo, então… — Ela riu baixinho, deixando claro que ele
amava todo mundo que ela amava. Meu coração rachou, finalmente. — É
uma pena. Queria que ele tivesse vivo, para te ver conquistar o mundo
comigo.
Rhodes suspirou. E ele quebrou por completo, quando disse:
— Maldito acidente.
Decidi colocar a imagem de lado, para me acalmar.
Não funcionou.
Por um momento, tive certeza de que vomitaria.
— O que houve? O que quer conversar comigo? Por que está assim?
Brandon morreu porque estava bêbado, Jas.
Como a mulher que bateu o carro contra o veículo do seu pai.
Mas ele é diferente.
Ele era diferente.
Não era?
Abri e fechei as mãos, odiando o nó em minha garganta. Rhodes se
aproximou, preocupada, segurando meu rosto com as duas mãos.
— Conversa comigo, capitão.
Cada maldito frangalho do meu coração doeu e eu não consegui.
— Me desculpa.
Ela franziu o cenho, confusa. Eu abri a boca, tentando justificar.
Tentando contar a verdade. Mas ela era a minha casa. Eu não conseguiria
quebrá-la também.
Eu não suportaria machucá-la.
— Está falando sobre hoje? Tudo bem. Também tenho meus dias de ser
ranzinza e você me suporta. — Ela beijou minha bochecha, meu queixo,
minha boca. — Não precisa ser feliz sempre, mas vou lutar para que seja na
maior parte dos dias. Jamais vou sair do seu lado, Ollie. Nos momentos
bons e ruins. Eu sempre vou voltar para você, ok? Sou sua melhor amiga,
Zhang. Isso nunca vai mudar.
Meus olhos arderam e eu assenti, unindo a testa à dela, esperando que
aquilo fosse uma promessa que conseguisse cumprir.
— Você é gigante, Rhodes.
Ela sorriu, sem entender o quanto. E quando me beijou, eu me senti
horrível, porque percebi que jamais conseguiria contar a verdade.
— Você é gigante, Oliver Zhang.
Mas eu não era. Jamais seria. E também, jamais seria capaz de deixá-la
ir.
“Quero ver seu corpo no meu
E colidir, colidir”
Collide – Justine Skye ft. Tyga
 
Ao longo das semanas, eu senti que vivia simultaneamente no céu e no
inferno.
Não era como se eu não quisesse contar a verdade: eu não conseguia. A
tortura dentro da minha própria mente era cansativa. Em contrapartida, isso
era o que me rendia a melhor coisa na minha vida naquele momento:
Rhodes.
Acho que, de certa forma, eu me esforçava para meus medos não a
atingirem e para que ela estivesse em um constante estado de paz e
satisfação consigo mesma. De certo modo, eu sacrificava um pouquinho da
minha felicidade, para que ela tivesse tudo. O melhor amigo, a família que
construímos, o bem-estar no trabalho e a fama.
Ao mesmo tempo, eu era egoísta pra caralho, porque boa parte da
mentira não era para poupá-la da dor. Era para me poupar do sofrimento de
deixá-la ir, mesmo que por um momento.
Rhodes dormia ao meu lado, tranquila, na minha cama e eu não
conseguia evitar pensar que, provavelmente, não a merecia.
Ela era a primeira mulher que eu levava ali. Antes dela, eu sempre
acabava transando com outras no quarto de hóspedes. Não sei o porquê e
nenhuma delas jamais percebeu ou reclamou.
Já Jasmine, parecia pertencer àqueles lençóis. Ter seu perfume por eles
era a melhor coisa do universo. Me fazia dormir mais tranquilo. Em paz.
Eu estava fodidamente apaixonado. Era nítido pra caralho.
Levantei-me da cama com pesar, tentando dissipar esses pensamentos.
Segui escada abaixo da cobertura, sem sono, mesmo exausto.
O campeonato estava me consumindo. Estávamos em quarto mais uma
vez e isso nos garantia uma vaga para a Champions, mas eu tinha medo de
cairmos. E parte de mim ainda sonhava com a Premier. Não ajudava que a
cobrança dos sócios do clube fosse absurda e concentrada em tão poucas
pessoas. Era como se eu e o técnico precisássemos carregar o time nas
costas. Qualquer mínima falha, virava um monstro de sete cabeças. E eu, já
perfeccionista o suficiente para me cobrar pra caralho, não exatamente
amava a cobrança externa.
Enchi um copo de água e peguei o celular.
Keanu tinha mandado algumas mensagens, mas eu e Jasmine estávamos
muito ocupados para percebermos.
 
Kenny: Primeiro, Gianna está respondendo minhas mensagens (!!!!!!!!!!)
Kenny: Segundo, o compromisso da Jasmine não se choca com sua agenda. É bom para a
imagem de ambos que apareçam em premiações juntos. A única observação da Priyanka é que Cole
O’Connell vai. O que significa que vocês devem evitar atrito, a todo custo. Pelo que sei, todos os
seus amigos receberam convites para essa premiação de televisão e cinema que vai rolar em
Brightgate, então isso ajuda, certo? Qualquer coisa me avisa.
Kenny: Terceiro: aquele seu colega de time demitiu o empresário e me procurou. Ele ainda tem
uma queda pelo Eric? Sou um bom cupido.
 
Ri pela última mensagem.
 
Eu: Primeiro: se você quebrar o coração de Gianna Olsen, eu quebro você. Mesmo.
Eu: Segundo: não prometo não agredi-lo, mas prometo que ninguém ficará sabendo.
Eu: Terceiro: apoio esse casal.
 
— Por que está sorrindo para o celular? — Jas perguntou e eu a olhei por
cima do ombro. A garota estava com uma camiseta minha, prendendo os
fios lisos e escuros em um coque alto. Era impossível não admirar suas
pernas. Ou ela por completo.
— Keanu. — expliquei, me virando. Rhodes se aproximou, passando os
braços em torno da minha cintura. Beijei sua testa, apertando seu queixo.
— Não deveria estar dormindo?
— Sem sono.
— Você está me preocupando. — Suspirei e Rhodes me abraçou mais
forte. — Não precisa me contar o que está havendo se não quiser, mas
precisa dormir, Ollie.
Apoiei o queixo em sua cabeça, a trazendo para perto.
— Você também está acordada. — observei.
— Não tinha o meu capitão, para me defender dos meus pesadelos.
— Teve um? — Ela assentiu, beijando meu ombro.
— Estou com medo de Cole O’Connell. Sou idiota?
— Não. — respondi, erguendo seu rosto. Jas me analisou por algum
tempo. — Mas precisa lembrar que não te defendo apenas nos seus
pesadelos. Te defendo na vida real também. Ele não vai fazer nada contra
você.
— Será que não?
— Não vai. — garanti e Rhodes olhou no fundo dos meus olhos. Ela
ficou na ponta dos pés ao me beijar e eu sorri, me lembrando de algo. —
Lembra daquele colar?
— Uhum.
— Quero que o use, pode ser? — pedi, acariciando seu rosto. Ela
confirmou, devagar, com os olhos brilhando em expectativa. Seu sorriso era
tão, tão lindo. — E no fim da noite, Jasmine, ele vai ser a única coisa no seu
corpo. Entende?
O sorriso de Rhodes cresceu, se tornando perverso.
— Isso é uma promessa, capitão?
— Com certeza, Moonshine.
Ela ficou na ponta dos pés, colidindo o sorriso travesso ao meu. E eu
aprofundei o beijo, a puxando em minha direção, guiando-a para cima da
bancada e mostrando um pouco — só um pouco — do que eu planejava
para o maldito evento.

Keanu e Eric repassavam mil recomendações sobre o maldito evento,


enquanto eu ajeitava o blazer e o suéter vermelho gola alta, na saída do meu
apartamento. Toquei a campainha de Rhodes, acenando para seja lá o que
eles diziam, ansioso para vê-la e ir para a tal premiação.
— Só estou dizendo que você não deve interagir diretamente com
O’Connell.
Revirei os olhos, como nas outras dez mil vezes que Keanu falou, mas
então a porta se abriu e Jasmine Rhodes estava segurando a maçaneta,
resmungando enquanto Priyanka e alguma outra garota ajeitavam a ponta
do vestido vermelho. Seu cabelo estava ondulado, sobre um dos ombros,
dando um ar meio clássico.
O vestido vermelho me deixou sem ar, abraçando suas curvas
perigosamente, antes de cair com leveza por suas pernas. Duas fendas
mostravam o suficiente de suas pernas para roubar o ar dos meus pulmões e
forçar meus neurônios a completarem a imagem delas nuas, mesmo que
parcialmente cobertas. O decote ombro a ombro permitia a visão dos seios,
que eu amava tanto, e subitamente eu queria expulsar todo mundo daquele
andar e fodê-la por cada lugar, com e sem aquele maldito vestido — mas
principalmente com aqueles saltos.
Porra, a mulher de saltos era um crime. Eu era sua vítima, com toda a
certeza.
Xinguei baixinho e seu olhar me devorou de cima a baixo, finalmente.
Sua frustração com qualquer coisa sobre o vestido acabou morrendo,
enquanto seus olhos acompanhavam meu terno, as tatuagens expostas e
meu rosto.
— Capitão. — me cumprimentou, baixinho.
— Moonshine… — praticamente soprei, ainda hipnotizado. Qualquer
merda que falavam à nossa volta sumiu, quando Rhodes segurou meu rosto
e eu agarrei sua cintura. — Está magnífica, Jasmine. Espetacular pra
caralho.
Ela sorriu, com os lábios pintados de um tom vermelho escuro e eu perdi
o fôlego. Sorri de pura satisfação, com a gargantilha grossa de ouro em
torno do seu pescoço.
— Vamos? — Keanu nos apressou e eu assenti, ainda meio aéreo.
Ofereci o braço para a minha falsa namorada e ela enganchou o dela ao
meu.
— O vestido é lindo, certo? — sussurrou, enquanto caminhávamos para
o elevador. — Mas gosto da ideia de usar só o colar. Então pode tirá-lo
quando quiser.
Eu ri baixo com a provocação, tentado a ajeitar as calças. Meu pobre
samurai teria boas horas para se comportar.

— Aqui. Sorria. Oliver! Jasmine!


Porra, era um saco. Mas eu tolerava por ela.
Rhodes tratava tudo com uma elegância ímpar, me conduzindo pelo
tapete vermelho do Australian Movie & Tv Awards, uma premiação que
havia surgido há pouco mais de quatro anos. Eles escolhiam uma cidade
australiana por ano para sediar e, por algum motivo, Brightgate fora
escolhida.
— Posso tirar seu vestido agora? — brinquei, baixinho. Jasmine
gargalhou, olhando para mim, o que as câmeras claramente capturaram.
— Seria escandaloso.
— Seria por um bom motivo, Moonshine.
Ela me analisou e eu segurei seu quadril, ao seu lado, demorando em
olhar para frente. Meu sorriso foi enorme e eu sabia o porquê. Rhodes
estava com tesão e era tão, tão fácil de identificar.
Seguimos pelo tapete, dando entrevistas, até que avistei Mel e Mike
chegando. Wayne estava em um vestido esmeralda de mangas compridas,
com um decote generoso; enquanto Mike usava um smoking preto. Eles
tiraram menos fotos, preferindo seguir direto para a sala onde o evento,
televisionado, de fato aconteceria. Rhodes e eu saímos pouco depois de
gritos enlouquecedores indicarem que Damian Bale chegava, acompanhado
por Naomi Carlson. Quase perdi a audição enquanto Damian acenava, de
longe, para fãs, puxando a esposa pela mão, em um smoking preto. Naomi
usava um vestido preto longo, com mangas e saia quase transparentes.
Eu sabia que os seis pecados de Brightgate, seriam assunto por toda a
semana, apenas pelo modo como tínhamos nos vestido. E não dava a
mínima, honestamente.
— Me lembra de novo: melhor atriz de série dramática? — questionei
para Rhodes e ela deu de ombros, sem revelar certeza de que ganharia. Era
uma boa atriz, porque todo mundo sabia que ganharia. Todo mundo. — Mel
está concorrendo em direção, por aquele episódio da temporada passada?
— E, de certa forma, também em melhor roteiro. — entramos no grande
salão de festas e ela segurou minha mão, fazendo-me esquecer que nosso
namoro era uma farsa — Wayne carrega aquele grupo nas costas.
Concordei, orgulhoso, observando Mel, de longe, em uma mesa com
Mike, em um canto, no fundo. Eles conversavam baixinho. Jasmine e eu
ficamos em uma mesa mais ao centro. Damian e Naomi ficaram pouco mais
à esquerda.
Jasmine manteve o aperto na minha mão, sob a mesa da sala, por muito
tempo. Então estranhei quando isso se desfez.
O’Connell entrou no ambiente, ao lado de uma loira. Mordi o interior da
bochecha, me questionando se ele não deveria estar na reabilitação, odiando
o olhar maldoso que nos lançou. Jasmine fingiu perfeitamente não estar
tensa na presença do ex-colega de trabalho, que ironicamente concorria
como melhor ator por seu papel como namorado de Rhodes. Era uma
grande piada. Ele era péssimo.
— Estou aqui, Moonshine. Respire. — falei baixo e ela assentiu,
aceitando uma taça de espumante quando um garçom ofereceu.
— Eu odeio esse cara. — murmurou.
— Não pense nele.
— Estou tentando.
Suspirei, acariciando sua coxa, tentando trazer algum conforto.
Os minutos se passaram e logo a premiação, de fato, começou.
Rhodes estava na segunda taça e eu aceitei uma dose de uísque, por não
estar dirigindo. Eu tinha que viajar com a equipe na manhã seguinte, então
não teria treino até o fim da tarde. Poderia beber. Eu acho.
Minha mão continuou sobre a coxa de Rhodes, tentando mantê-la calma,
fazendo desenhos abstratos. Até que ela se aproximou de mim, levando a
boca ao meu ouvido.
— Capitão, se seu plano é trocar meu nervosismo por tesão, está
funcionando. Mas não pode me foder aqui, então tenha piedade.
Meu pau pulsou com a ideia da minha garota excitada e eu sorri, mesmo
sentindo meu rosto esquentar. Algum comediante fazia algum monólogo
meia boca de abertura, quando encarei Rhodes, segurando meu copo com
uma mão e deslizando a outra para o meio de suas pernas, sob a mesa.
— Eu posso te foder em qualquer lugar, Moonshine. Precisa apenas
pedir.
Ela umedeceu o lábio inferior, olhando para os meus olhos e ao redor.
Acariciei o interior das suas coxas, sobre o vestido, esperando que fizesse
uma escolha. Jasmine sorriu para as câmeras, fingindo uma gargalhada
quando a mencionaram, mas minha mão seguiu ali. Tocando sua coxa.
Esperando.
Quando o foco da gravação se afastou dela, Rhodes abriu as pernas, me
lançando um olhar de canto antes de dizer duas palavras:
— Então fode.
Eu mordi um sorriso de canto, olhando para frente. Essa mulher seria
minha ruína.
Devagar, infiltrei a mão pela fenda do vestido e subi um pouco por entre
suas coxas.
Rhodes suspirou, com o toque suave, e seu olhar flutuou para o palco.
O’Connell não nos assistia, mesas à nossa frente, provavelmente ciente
de que ficaria muito óbvio caso se virasse. Ela também não o encarava.
Estava bem ocupada com meus toques não tão inocentes. Minha distração
funcionava.
Toquei seu centro sob a calcinha, deslizando dois dedos pela superfície
do tecido, provocando. Ela já estava molhada e eu respirei fundo,
imaginando minha boca ali. Daria minha vida para afastar a calcinha para o
lado e chupar aquela mulher. Infelizmente, não podia.
— Ollie, pelo amor de Deus… — sussurrou, baixo, desesperada.
— Peça.
Ela suspirou e eu brinquei com o elástico, puxando-o levemente,
fazendo-o estalar em sua boceta. Rhodes apertou a taça com mais força,
suspirando.
Poderíamos ser flagrados.
A sala inteira poderia ver.
A Austrália inteira poderia assistir.
Era um risco que valia a pena.
— Me fode logo, Z.
Sorri, maldoso.
— Vai aguentar que eu te foda só com meus dedos?
— Não. — confessou, sôfrega, quando estalei a calcinha em sua boceta
mais uma vez. Jas grunhiu, baixo.
— Então, se for uma boa garota, eu te como nos bastidores. Mas tem que
ficar quietinha, sim? Ou a Austrália inteira vai saber a vadia que se torna,
quando te fodo com força.
Ela sorriu, maldosa.
— E se eu não ficar quieta?
— Todo mundo vai saber que a mulher mais gostosa da porra da
Austrália, ou do mundo, gosta de ser chamada de cachorra quando estou
dentro dela.
Rhodes olhou para mim, aproximando a boca da minha e tampando os
lábios para o público, como se contasse algo casual, nada importante.
— Esperando você estar dentro de mim, capitão.
Eu ri baixo, aprovando sua maldade.
Era a mulher mais gostosa do mundo e sabia disso. Rhodes era
implacável.
Meus dedos passaram sob a calcinha, encontrando-a molhada e pronta
para mim.
— Já, Moonshine?
— Penso nisso desde que te vi nesse terno.
— Gosta de me ver de terno?
— Principalmente com cinto.
Ela amava ser presa com ele e algo nos seus olhos me dizia que adoraria
experimentar mais.
Essa mulher seria minha perdição.
Lambuzei seu clítoris com sua excitação, começando a tocá-la com
movimentos suaves, aproveitando-me de sua temperatura fervente e da
textura da sua boceta molhada, da fricção que a fazia ajeitar a postura
discretamente.
— Me diga, como quer meu cinto hoje?
— Nos pulsos, de novo.
— Não no pescoço?
— Você tem planos para o meu pescoço.
O colar. Sorri.
— Sim, eu tenho. — confessei. — Mas gostaria do cinto no lugar da
minha mão, nos tapas que tanto ama?
— Só provando para saber, Zhang.
Porra.
Infiltrei dois dedos em sua boceta, sem aviso prévio, sentindo meu pau
pulsar com a conversa, com sua boceta pulsando contra meus dedos, com
seu interior fervente e molhado. Jas arfou e eu jurei que, quase, tinha
soltado um gemido.
Arqueei levemente os dedos, arrancando um suspiro longo, conforme
entrava e saía, fodendo-a devagar.
— Bom? — Rhodes confirmou, olhando para frente. Eu suspirei, quando
levou a mão para o meu pau, tocando-me por cima da calça. — Jasmine…
Não.
— Por que?
— Porque se quer que eu te foda, tenho que sair daqui minimamente
apresentável.
Ela gargalhou baixo e eu fiz o mesmo, sem acreditar naquele diálogo.
Eu nunca tinha tido essa cumplicidade com outra pessoa. Nunca achei
nada engraçado ou capaz de me fazer rir com leveza, sem perder o tesão, no
meio do ato. Com Jasmine, sexo era tudo. Era mais do que sexo. Era
conexão. Bom o suficiente para nos arriscarmos na frente de todo mundo.
Ela levou a mão em frente à boca, apoiando o braço na minha cadeira,
quando comecei a impulsionar meus dedos. Mais e mais. E mais rápido.
A primeira categoria era apresentada, para uma série de comédia.
Nenhum de nós se importava naquele segundo. Minha única concentração
estava voltada, para não me ajoelhar sob a mesa na frente de todo mundo e
chupar aquela boceta, com fome.
Percebi quando os dedos de Rhodes foram da boca, para a minha coxa e
ela estirou três, sinalizando o que queria. Estreitei os olhos.
— Você é maior do que isso, por que o choque?
Sorri e dei de ombros, concordando. Jasmine suspirou, apertando
levemente as coxas quando adicionei mais um dedo, entrando e saindo.
— Porra, Zhang…
Ela estava encharcada, lambuzando meus dedos a cada vai e vem.
Removi um dedo, ciente de seu protesto, mas tudo que escapou foi um
engasgo baixo quando os curvei novamente, tateando suas paredes,
mapeando-a como sempre.
— No que está pensando? O que quer, amor?
A palavra me escapou, antes que pudesse me controlar.
— Mais rápido.
— Aqui não posso, Moonshine.
Ela suspirou, frustrada, me deixando tocá-la. E tocá-la. E tocá-la.
Quando belisquei seu clítoris, de leve, Rhodes mordeu a boca com força
e pegou a taça, virando o último gole, tensa. O mantive preso entre dois
dedos, esfregando-o devagar, sentindo-o cada vez mais rígido.
Umedeci os lábios, assistindo suas coxas tensas sob a mesa, seu corpo
me dizendo, em sinais tão sutis, que ela estava a poucos segundos do ápice
do prazer. Linda. Linda pra caralho.
— Ollie, eu vou gozar…
— Então goza para mim, Jasmine.
Ela cruzou as pernas, me mantendo preso e escondido sob a mesa, e
agarrou minha coxa, suas unhas me apertando sem piedade, enquanto
tentava se segurar. Mas veio.
Jasmine engoliu um gemido baixo com muita luta, enquanto os
espasmos de sua boceta envolviam meus dedos e eu não parei de fodê-la
por um bom tempo, querendo que aproveitasse tudo do seu ápice.
Seu corpo se largou sobre a cadeira e Rhodes deitou a cabeça no meu
ombro, agarrando meu braço em busca de estabilidade, se acalmando,
devagar.
— Porra. — xingou, fechando os olhos, por um momento.
Eu sorri, pegando o guardanapo sobre a mesa, discretamente limpando
meus dedos e jogando-o no chão, próximo a uma mesa ao lado. Meu
coração estava em disparada e eu estava bem consciente de quão duro meu
pau estava.
— Banheiro.
— Sim. — ela concordou.
Rhodes e eu nos levantamos, o mais discreto que conseguimos, em busca
de qualquer lugar para foder.
Caminhamos por um corredor, fora do salão de festas, ignorando
qualquer pessoa. A puxei para uma sala, quando percebi o caminho mais
vazio e a choquei contra a porta, assim que nos fechei em uma espécie de
depósito.
Rhodes colidiu a boca com a minha imediatamente, deixando que nossas
línguas fodessem tão bem quanto nossos sexos costumavam fazer, antes de
se afastar e tirar meu cinto.
— Quantas categorias até te chamarem?
— Duas.
— Seja rápida, por favor.
Ela riu, se ajoelhando e abaixando minha calça e boxer. Rhodes lambeu a
extensão do meu pau, que latejava contra sua língua e eu deitei a cabeça na
porta. Queria agarrar seus cabelos, mas isso faria todo mundo perceber que
tínhamos fodido.
Puta merda, sua boca…
Jasmine me chupou fundo, sua língua me contornando todo o caminho
de volta. E de novo. E de novo.
Segurei-a pelo colar, vendo sua garganta oscilar a cada movimento em
meu pau e… Porra. Porra.
Não. Eu não aguentaria muito tempo com meu pau se arrastando por
aquela boca gostosa pra caralho.
Puxei para cima o colar, de leve, em um sinal para que se levantasse. Ela
sorriu, sua boca soltando meu pau com pesar, antes de obedecer. Infiltrei
meus dedos em sua boceta, sob a calcinha, levando-os à minha boca para
provar seu gosto. Cada segundo sem ele era uma tortura.
— Pede, Jas. — mandei, contra sua boca.
— Me fode.
— De novo. — Estapeei sua bunda, sobre o vestido, e ela arfou.
— Me fode, por favor.
Sorri, satisfeito, colando a boca à dela. Inverti as posições e choquei
Jasmine na porta, afastando as fendas do vestido para abaixar sua calcinha,
apenas o suficiente.
— Vai pegar aquele prêmio com minha porra na sua boceta, sim?
Confirmou, devagar.
— Linda pra cacete. — elogiei baixo, como em todas as outras mil vezes
naquela noite.
Ela sorriu, de orelha a orelha, erguendo uma perna em torno da minha
cintura quando alinhei meu pau na sua entrada. E então a penetrei, forte.
Jasmine gemeu, alto, e eu tampei sua boca.
— Shh, amor. Geme baixinho enquanto te como, ok?
Obedeceu, mordiscando de leve meus dedos.
Agarrei-a pela gargantilha e Rhodes arqueou o pescoço para trás,
segurando-me pela camisa enquanto eu começava a fodê-la com vontade.
Seus sons eram baixos e só meus, deliciosos de ouvir. Perfeitos.
Inesquecíveis. Não dava para imaginar um mundo em que não mais os
ouvisse.
Beijei sua boca com força, ainda segurando-a pelo colar enquanto
estocava forte, até que a ergui pela cintura, deixando que envolvesse meus
quadris com ambas as pernas.
O suor descia pela minha coluna, mas eu não conseguia parar.
Forte. Fundo. Tão, tão bom.
— Tão gostosa. — ralhei, segurando-a pelas coxas, ouvindo a porta
estremecer toda vez que Jasmine se chocava contra a madeira. — Gostosa
pra caralho.
— Ollie…— falou, baixo, em aviso, e eu não parei de me mover. Porra,
ela era o paraíso.
— Isso, Jas, geme meu nome. Quem te fode assim?
Ela gemeu o meu nome de novo, arranhando minha nuca, suspirando
contra a minha boca e seu orgasmo foi o meu fim. Minha visão se escureceu
com sua boceta me apertando, molhada pra caralho. Seus sons e meu
coração em disparada, eram tudo o que eu ouvia enquanto gozava dentro
dela, gemendo em sua boca, no ápice do prazer.
Estoquei mais algumas vezes, demorando um pouco em parar, mesmo
cansado.
Rhodes beijou minha testa, meu nariz, minha boca. Eu sempre amava
quando fazia isso. Eu sempre amava fazer o mesmo com ela.
Retirei-me de dentro dela, deitando a cabeça na sua.
Jasmine me abraçou por baixo do paletó, levando os pés de volta ao chão
e eu a mantive segura, segurando seus quadris.
— Melhor? — perguntei. Rhodes mexeu a cabeça, relaxada, contra os
meus braços. — Mais calma?
— Nem lembro por que estava tensa. — confessou, rindo, e eu ri
também. — E você? Está bem?
Assenti. Jasmine uniu a testa à minha, suspirando. Seu perfume, seu
calor, seu corpo… Ela. Tudo nela me acalmava.
— Zhang?
— Oi, Moonshine.
Ela ergueu a cabeça, prestes a dizer algo, mas pressionou os lábios,
hesitante.
Após um longo momento, Rhodes só me beijou. Leve, devagar, doce. E
acho que meu coração entendeu o que quis falar em cada deslizar de lábios.
Mas aquelas três palavrinhas ainda eram perigosas demais para nós dois.
Pelo menos naquele momento, naquele contexto. E da forma que queríamos
dizer.
— Uau… Isso aqui… — Jasmine disse ao microfone, no palco,
encarando o milésimo prêmio da carreira.
Certo, estou exagerando. Mas eram muitos.
Ela ergueu o troféu, encarando-o, antes de lançar um olhar para todos os
convidados presentes.
— Eu não me acostumei com isso ainda. Ajuda que minha família esteja
me assistindo agora. Minha mãe em casa, meus melhores amigos nessa
sala… — Seu olhar percorreu as mesas de Graham e Wayne, Bale e
Carlson, antes de parar em mim. — Ajuda mesmo.
Sorri, orgulhoso pra caralho. Ela merecia todo o reconhecimento do
mundo. Do universo. Jasmine era a melhor em tudo o que fazia.
— Todo prêmio… me pego torcendo para meu pai me assistir de algum
lugar.  Ele sabia mais do que ninguém que essa indústria não é fácil. Ainda
mais para uma mulher latina e preta. Mas aqui estou. Queria agradecer a
quem está do meu lado. E quem não está… — Seu olhar pousou em
O’Connell por um milésimo de segundo, mas voltou para mim. Rhodes
sorriu e eu sorri de volta.
“Gostosa”, sibilei, e ela mordeu o cantinho da boca.
— Bem, quem não está do meu lado vai ter que aguentar Jasmine
Rhodes no topo por mais algum tempo. Obrigada aos meus fãs por
permitirem que isso aconteça, minha equipe, minha família, Ollie… —
Soprei um beijo, sorrindo pra caralho. — Obrigada por mim e por todas as
outras Jasmines Rhodes por aí.
Rhodes se afastou e eu me levantei, aplaudindo e incentivando outras
pessoas a aplaudirem. Ouvi Bale e Mel assobiando ao fundo, enquanto
Carlson gritava e Mike corava aplaudindo, envergonhado.
Rhodes passou pela mesa de O’Connell e ele a disse algo, porque ela o
olhou de relance. Eu respirei fundo, tentando me controlar.
Cole O’Connell perdeu o prêmio naquela noite.
Jasmine Rhodes não.
Ainda assim, Oliver Zhang apareceria nas manchetes pelos motivos
errados.
Não sabia se era intuição ou ansiedade, mas algo me dizia que a noite
não acabaria bem. E eu estava certo.
Lavei meu rosto e minhas mãos, no banheiro da festa. Saí pelo corredor,
vendo Bale ao fundo dele, fumando aquele maldito cigarro eletrônico e
conversando baixinho com Graham. Dei apenas cinco passos antes de ouvir.
— Feliz com sua vadiazinha no topo?
Parei imediatamente, sentindo meus ombros tensos. Bale e Mike
moveram os rostos imediatamente, encontrando o filho da puta alguns
passos atrás de mim.
Virei-me devagar, no corredor vazio.
— O que disse? — perguntei, vendo Cole e seus olhos claros, cabelos
loiros e pose soberba do caralho.
— Perguntei se está feliz com sua vadiazinha no topo. — Cole repetiu,
devagar, se aproximando. — Afinal, foi chupando seu pau que ela limpou a
imagem dela.
O soco me escapou antes que eu pensasse duas vezes. Puxei o idiota pelo
colarinho imediatamente, chocando-o contra a parede. Respirei com pesar e
ele riu, por ter conseguido exatamente o que queria.
— Oliver! — Bale disse. Apenas uma vez.— Porra, Zhang, coloca o cara
no chão.
Trinquei o maxilar, tentado a quebrar todos os dentes, daquele filho da
puta.
O idiota sorria, mesmo com um corte na maçã do rosto. Eu deveria ter
socado mais forte.
— Ollie. Coloque-o no chão. — Mike disse, firme.
Não. Ainda não.
— Mexeu comigo, porque acha que preciso me conter. — falei, baixo,
perto do rosto do desgraçado. Ele tentou me atingir com o joelho e eu me
afastei, ajoelhando-o entre as pernas e chocando-o contra a parede mais
uma vez. Cole gemeu de dor, perdendo o sorriso debochado e eu trinquei os
dentes. — Engula o som, porra, e olhe para mim.
Ele obedeceu e Mike repetiu para que eu o deixasse ir mais uma vez.
Ignorei.
— Não ligo para a porra da minha imagem quando o assunto é Jasmine
Rhodes. — falei, para o idiota que subitamente parecia fraco em minhas
mãos. — Está me ouvindo? Então quando conseguir se levantar da porra
desse chão, pense duas vezes antes de se meter no meu caminho, mas três
antes de cruzar o dela. Porque a “vadiazinha”, O’Connell, é a mulher mais
poderosa da Austrália e você é mera merda. Ela lutou para estar no topo e
merece estar e não é um babaca privilegiado, contando mentiras por uma
birra idiota, que vai mudar isso. Aquela mulher é a minha família. É a
minha mulher. E a última coisa que deveria fazer, na porra da sua vida
escrota, é se mexer com a minha mulher. Está me entendendo?
Ele não respondeu e eu atingi o meio das suas pernas novamente,
deixando-o cair ao chão. Ouvi seguranças se aproximando. Me agachei,
antes que me puxassem pelo ombro.
— Espero que tenha entendido que a única vadiazinha aqui é você, Cole.
Damian me puxou e eu o afastei, puto pra caralho, até me virar e
entender o que ele queria dizer. Ou melhor, mostrar.
Jasmine Rhodes estava parada ao fim do corredor, assistindo a cena, em
choque.
E eu senti que ela tinha ouvido e que sabia.
Que a chamei de minha, porque eu era seu.
Que nada daquilo tinha sido teatro.
O problema é que eu sabia que deveria ser. O que eu não fazia ideia, era
de que não ferraria só com a minha imagem, naquela noite.
“Se você não é a pessoa certa para mim
Então porque consigo te deixar de joelhos?”
Water Under The Bridge – Adele
 
 
Meu olhar percorreu a cena duas ou três vezes. Meu coração acelerado e
respiração profunda cessaram quando ouvi duas palavras.
Minha mulher.
Meus olhos arderam, o nó em minha garganta se formou tão rápido,
quanto quadruplicou de tamanho, e eu assisti Zhang agarrando Cole pelo
colarinho, prendendo-o contra a parede, enquanto processava o tornado de
sentimentos que rasgava o meu peito. O tempo parou. Tudo parou.
“Precisa lembrar que não te defendo apenas nos seus pesadelos. Te
defendo na vida real também. Ele não vai fazer nada contra você”.
Zhang sempre cumpria suas promessas. Principalmente quando eram
sobre mim.
“Não ligo para a porra da minha imagem quando o assunto é Jasmine
Rhodes”.
“Pense duas vezes antes de se meter no meu caminho, mas três antes de
cruzar o dela”.
“É a minha mulher. E a última coisa que deveria fazer na porra da sua
vida escrota é se mexer com a minha mulher”.
A emoção que corroía meu coração, de dentro para fora, era bem
conhecida. Eu já a sentia há algum tempo, para ser honesta, mas me
recusava a confessar para mim mesma algo que mudaria Zhang e eu para
sempre. Naquele momento, vendo-o me defender e ciente de que ele não
precisava fazer isso, mas queria… Que sempre iria querer me proteger, seja
lá qual fosse a consequência… O sentimento se tornou avassalador
rapidamente. Se tornou grande demais para meu coraçãozinho. Gigante. O
transbordou, o suficiente para que eu quisesse até mesmo chorar.
Comecei o ano me sentindo sozinha. Comecei o ano jurando que jamais
conseguiria me envolver novamente com outra pessoa. Passei tanto tempo
achando que estava condenada a ficar só depois de Nichole, que poderia ter
apenas meu sucesso profissional e jamais um relacionamento sólido… A
ideia de me apaixonar não passou pela minha cabeça, muito menos em
relação ao meu melhor amigo.
Ainda assim, aconteceu.
Aconteceu pra caralho.
Aconteceu o suficiente para meu coração me fincar naquele chão,
assistindo-o, imóvel, me perguntando como eu poderia amar tanto alguém.
Eu me apaixonei por Oliver Zhang.
Para ser sincera, eu não sei quando. Não sei se foi antes da mentira
começar ou após. Não sei se sempre foi algo que meu coração gritou e eu o
silenciei, sem perceber. Só sabia que imaginar uma vida sem ele, já era
difícil quando éramos melhores amigos. Agora, imaginar uma vida sem
beijá-lo, abraçá-lo, esperá-lo ansiosamente após uma viagem, torcer em
seus jogos, dormir agarrada com aquele homem enorme e que ainda assim
parecia apenas um garoto quando se aninhava contra mim, enquanto eu
afagava aqueles fios escuros como a noite… Imaginar um universo sem
estar com ele, era rasgante.
Me apaixonar por Oliver Zhang foi fácil. Fácil demais. Não pela beleza
extraordinária do seu sorriso, covinha discreta ou olhos escuros, mas pelo
fato de que ele era ainda mais lindo por dentro. Sempre foi. Me apaixonar
por Oliver Zhang não foi apenas fácil, foi inevitável.
Minha mulher. Minha mulher.
Porra.
— Não precisa, eu sei o caminho para fora. — Ollie disse, quando um
segurança se aproximou, e eu finalmente voltei para a realidade, correndo
em sua direção.
— Ele está comigo. — falei, enquanto Mike tentava conversar com
outros seguranças, impedindo que aquela confusão se tornasse maior ainda.
Damian falava ao telefone com alguém.
— Eu sei, senhorita, mas não toleramos agressões no evento. — o
homem disse e eu avistei Carlson ao celular e Wayne entrando rapidamente
pelo corredor, com Keanu e Priyanka no encalço. Porra, aquilo não era nada
bom.
— Não foi nada demais. — tentei argumentar.
— Ele chutou as minhas bolas, porra. — Cole resmungou.
— Você mereceu. — Mike disse, não exatamente melhorando as coisas.
— O que aconteceu? — Wayne se aproximou. Os seguranças tentavam
guiar Zhang para fora e ele se desvencilhou, repetindo que iria sozinho. Mel
viu Cole no chão e xingou. Carlson segurou o braço de Damian, ouvindo-o
explicar a situação.
Segui Oliver e Priyanka segurou meu braço.
— Jasmine…
— É meu namorado, Pri, não vou sair sem ele.
Ela manteve o aperto, lançando um olhar para Cole. Como amiga, com
certeza estava satisfeita por O’Connell estar no chão. Como empresária,
não. Aquele relacionamento falso deveria nos ajudar. Ollie agredir Cole, por
mais que ele merecesse, não exatamente ajudava. Ao mesmo tempo, deixar
que Zhang saísse sem mim, levantaria burburinhos desnecessários. Ela
provavelmente pensou o mesmo quando voltou os olhos para mim e
assentiu, antes de acenar com a cabeça para Keanu.
Todos nós saímos da festa, com sorte, não tão analisados pelos
convidados. Do lado de fora, fotógrafos gritavam e faziam perguntas, ainda
alheios ao que tinha acontecido lá dentro. Segurei o pulso de Zhang, que
olhava para baixo, ansioso para chegar no carro. Ele parou por um
momento, em frente à porta do Audi de Keanu, olhando para as nossas
mãos unidas. Meus dedos acariciaram os nós dos seus, levemente
avermelhados, em cada letra tatuada que formava o seu sobrenome. Zhang
entrou no carro e eu entrei ao seu lado, sem saber o que dizer.
Keanu entrou no banco do motorista e Pri ao seu lado, já ao celular.
Apesar de falar baixo, o silêncio no carro nos permitia escutar
perfeitamente sua conversa com o pessoal da Skore, já se preparando para
limpar a situação. Damian e Naomi passaram em frente do carro, seguidos
por Mel e Mike, entrando em um táxi e tentando afastar os paparazzis do
nosso veículo.
Zhang suspirou, ansioso, colocando o cinto. Coloquei o meu e apertei
sua mão, firme. Ele não me olhou até que chegássemos em sua casa. Na
verdade, nem mesmo quando chegamos.
Naomi e Damian irromperam pelo ambiente, enquanto Bale conversava
com a sogra, esperando saber como Hailey estava. Mel e Mike os seguiam,
ambos aos celulares, e assim que Graham xingou, eu soube que a fofoca
sobre Cole e Ollie já estava pela internet. Oliver estava sentado no sofá, sua
perna tremendo, olhando fixamente para a mesa.
— Eu te dei uma ordem, Zhang. — Keanu explodiu, imediatamente.
— Porra, o cara estava humilhando Rhodes. — Mike o defendeu.
— E agora vai fazer pior ainda! — o empresário disse, fora de si.
— Oliver está ansioso pra caralho, você jura mesmo que vai jogar algo
na cara dele agora? — Naomi ralhou, jogando a bolsa na poltrona. Damian
esfregou o rosto e Wayne fez uma ligação. — O quê?
— A equipe do meu pai. — Mel explicou. — Cole também falou comigo
na festa. Acho que vai retaliar contra Ollie depois desse soco. Contra a
Jasmine, em algum momento. E contra mim.
— Por que você? — Damian quis saber.
— Porque eu o demiti. — Mel disse, alto. Todos a encaramos, chocados.
— A ideia de matar o personagem dele foi minha. É minha culpa. Preciso
arrumar essa merda.
— Mel… — Mike chamou, baixo, tenso, percebendo o nervosismo da
esposa.
— A culpa é minha. — Zhang disse baixo. — Se ele ficar puto por hoje
e fizer algo, a culpa é minha.
Wayne xingou quando ninguém a atendeu e Mike a abraçou,
murmurando algo sobre levá-la ao banheiro. Eles nos deixaram e Carlson
olhou para o corredor do primeiro andar e então para nós, preocupada.
Damian segurava a ponte do nariz, sem saber o que dizer.
— Não adianta brigar agora. — Priyanka disse para Kenny. — A Skore
já está trabalhando na situação. O melhor no momento é rebater a fofoca
com a verdade: Cole a ofendeu, Ollie a defendeu. Assim Oliver fica como,
obviamente, o bom namorado que defende a sua garota. Muita gente pode
não acreditar? Talvez. Mas é o melhor. Quanto a qualquer retaliação de
O’Connell, se isso for uma guerra para ele, seremos os melhores soldados
da porra da cidade. Então respirem fundo. Calma.
Ela não soava muito calma, mas pelo menos suas palavras faziam
sentido.
Encarei Zhang e ele ainda tremia as pernas, de cabeça baixa. Apertei sua
mão, mas ele não reagiu. Ollie esfregou o rosto e eu não soube o que dizer,
o que fazer.
— Z…
— Eu tinha que ter me controlado.
— Olhe para mim.
Ele não conseguiu.
— Ok, Priyanka está certa, Oliver. Desculpa por ter me excedido. Mas
isso não pode se repetir, ok? — Kenny pediu e Zhang não respondeu.
Preocupação fez meu coração explodir.
— Isso é verdade. — Pri opinou. — Não é só sua imagem em jogo,
Zhang. Por mais que tenha razão em querer quebrar todos os ossos daquele
filho da puta, sua fama pela cidade é de ser agressivo.
— O que ele não é. — Damian lembrou, seu tom denunciando que
estava a um segundo de se exaltar.
— Ele não é e nunca foi, mas infelizmente é o que a porra da mídia quer
que ele seja, é o que os tabloides vendem. — Keanu disse, tirando o blazer
e jogando-o na poltrona. — Então precisamos ter cuidado manipulando a
porcaria do cenário até que essa má fama suma e, de fato, esse incidente
não ajuda.
— Isso é uma piada. — Naomi resmungou, sem crer em quão fodidas as
pessoas eram quando o assunto era Zhang.
— Isso pode queimar a imagem da Jasmine. — Priyanka pontuou, sendo
minha empresária mais do que nunca e eu me incomodei. Queria a minha
amiga ali. A que calaria a boca, porque meu namorado estava a um segundo
de uma crise. — E, de fato, Ollie tem que ter mais cuidado, mesmo que
Cole passe dos limites. Porque se ele mancha a imagem dele, ele mancha a
da Jasmine.
— Chega! — ralhei, puta. — Todo mundo para fora.
— Para onde?
— Para a puta que pariu, Kenny. — respondi o empresário de Zhang.
Abri minha bolsa e joguei minha chave para Priyanka. — Abre a porra do
meu apartamento. Vão para lá. Todo mundo. Preciso conversar com Zhang.
Eles não se moveram por um instante e eu os odiei. Eu os amava, mas os
odiei naquele segundo. Porque a superproteção ou as mentes trabalhando
incessantemente não ajudavam. Naquele momento, Oliver Zhang era minha
prioridade.
— Fora. Todo. Mundo. — repeti, entredentes.
Devagar, todos obedeceram. Naomi parou em frente à porta.
— Mel e Mike…
— Assim que saírem do banheiro eu aviso. Mas ouvi Wayne chorar,
então acho que ele vai levar um tempo a acalmando. — confessei, sincera.
Eu realmente jurava ter escutado algo.
Naomi assentiu e fechou a porta em um clique quase silencioso, nos
deixando.
Me ajoelhei entre as pernas de Ollie, passando meus braços em torno do
seu pescoço, mas ainda assim, Zhang não reagiu.
— Respire.
Ollie deitou a cabeça no meu ombro.
— Desculpa.
— Está tudo bem.
— Não está. Eu não devia ter entrado nessa contigo.
Meu corpo tensionou e eu me afastei, segurando seu rosto, fazendo-o me
encarar.
— Oliver, não ouse se arrepender disso, ok? — pedi, baixo. Meu coração
estava esmagado em vê-lo daquele jeito. — Isso nos fez viver muita coisa
boa. Até mais cedo, não era um problema. Ainda não é. O problema não é o
relacionamento, é Cole. E vamos resolver isso, Zhang. Eu prometo.
— O problema sou eu, Jasmine. — Zhang disse, balançando a cabeça. —
Eu sou impulsivo. Deveria ter pensado duas vezes antes de bater naquele
cara. Deveria ter pensado melhor no que poderia causar a você. Isso não te
faz bem, Rhodes. Eu não te faço bem agora. Não deveria namorar um cara
como eu. Sua imagem não deveria estar misturada com a minha. Deveria ter
procurado outra pessoa.
Meu coração era esmagado a cada segundo, mas eu mentalizei que era
apenas sua ansiedade falando. Não era o meu Ollie ali. Não mesmo. Ele só
precisava se acalmar.
— Zhang, não tem nenhuma outra pessoa possível para ser meu
namorado. Você entrou nessa para ajeitar sua imagem, mas a minha estava
mais fodida. Dessa vez é o inverso. Então, agora vou estar do seu lado,
segurando sua mão e sorrindo para qualquer câmera, dizendo para a
Austrália inteira que você é o melhor namorado do mundo até que
acreditem. Falando em cada canto que você é o melhor cara que já conheci.
— Meus olhos arderam, ciente de que eu não estava falando de teatro
algum. — Que você é absolutamente tudo o que uma pessoa poderia querer
em um parceiro e muito mais e que eu não dou a mínima se estamos em um
bom ou um mau momento, porque desde que estejamos juntos, capitão,
tudo vai ficar bem.
— Não quero que se arrisque por mim, Rhodes… Não mais. Eu não te
mereço. Não assim e não de qualquer forma.
— Oliver…
— Acho melhor pararmos com isso.
Meu coração quebrou em milhares de pedacinhos, mas eu segui ali,
focada em fazê-lo acordar daquela crise, em enxergar tudo com clareza.
— Temos um contrato, Zhang.
Ele me deu um sorriso triste, apesar de não me encarar diretamente.
— É só um pedaço de papel.
E os pedacinhos do meu coração partido quebraram em cacos ainda
menores.
Eu não sabia que poderia doer tanto.
— Ollie, está nervoso. Podemos conversar depois…
— Não é o nervosismo, Rhodes.
— Zhang…
— Acha que não pensei nisso antes? — Ollie disse, rindo. — Você é
perfeita, Jasmine. Eu sou um cara fodido, quebrado, que nunca se
apaixonou antes e não faz a menor ideia de como é estar com alguém. A
porra de um cara de trinta anos que nunca teve um relacionamento. Quão
ridículo isso é? É isso que quer para a sua vida? — Me levantei. — Um cara
que te faz parar nas manchetes dos jornais como vai estar amanhã? Ganhou
a porra de um prêmio, Jasmine, e ainda assim só vão falar do maldito soco.
— Oliver me acompanhou enquanto eu respirava fundo, de pé, na sala.
— Eu não ligo, Zhang.
— Mas deveria ligar. Você sempre ligou para isso. É a porra da sua
carreira. Nunca lutou por nada, tanto quanto pela sua carreira.
— Talvez eu queira lutar por você, seu idiota! — falei, desesperada para
que parasse de falar. Só por um momento. — Tem coisas mais importantes
que a porra do dinheiro que entra na minha conta ou milhares de pessoas
que juram me amar, mas nem mesmo me conhecem como a palma da mão.
Não me aguentam cantando RBD vinte e quatro horas por dia ou assistindo
os mesmos episódios de Brooklyn 99. Não me fazem gargalhar com piadas
dignas da quinta série ou criam competições de rap no carro. Não me fazem
chorar com cada maldito gol, por entender o quanto cada um é tão precioso.
Não seguram minha mão quando estou nervosa. Não dormem como um
anjo, mesmo enquanto me mantém segura. Eu amo minha carreira, Zhang.
Mas, da mesma forma que disse para Cole lá fora, — apontei para a porta
— eu não dou a mínima para a porra da minha imagem, quando o assunto é
você.
— Deveria se importar, Rhodes.
— Por que?
— Porque eu não sou bom para você.
— Pode parar por um segundo para se lembrar que tenho vinte e cinco
anos e sei muito bem que caralho eu quero para a porcaria da minha vida?
— perguntei, cansada. — Meu Deus, Zhang…
— Não posso, Rhodes. — ele disse, se levantando. — Porque sou seu
melhor amigo. E te amo o suficiente para reconhecer quando preciso parar
de ser egoísta e me afastar. Para te proteger.
— Me proteger da melhor coisa que aconteceu na minha vida?
Oliver me encarou, com os olhos marejados. Ele projetou o queixo para
frente e esfregou o rosto.
— Eu não vou terminar com você, Zhang.
— Não precisa, Rhodes, porque nem começamos algo de verdade, se
parar para pensar.
Meus olhos arderam e eu me perguntei se estava falando sério.
— É impressionante como, às vezes, você se esquece. — falei, rindo
com escárnio. — Você esquece que te conheço como a palma da minha
mão, Oliver. Você esquece que eu vivi com você nos últimos meses. Cada
momento que esteve comigo, eu estava contigo de volta. Não estou falando
só de sexo, nem dos beijos. Estou falando dos olhares, das gargalhadas, da
forma que seu humor muda quando eu simplesmente te abraço. Então vai
em frente! Diz que não começamos algo de verdade, quando eu sei e você
sabe, que isso é um bando de merda.
Ele encarou o teto, colocando as mãos na cintura.
— Estamos namorando há algum tempo, Zhang. Não é mentira há algum
tempo e você sabe. É real. Cada toque. Cada segundo. E eu sei que alguma
merda está acontecendo para sua cabeça estar uma merda. Algo está
acontecendo. Eu te conheço, Oliver. Te conheço pra caralho. As qualidades
e os defeitos. E um dos seus piores defeitos é demorar séculos para
desabafar, por medo de preocupar as pessoas. Mas estou te lembrando que
estou aqui e que eu vivi os últimos meses com você. Que tudo que precisa
agora é se acalmar, respirar fundo e amanhã é outro dia.
— Não é sobre hoje, Rhodes. Não só sobre hoje. Só não quero que o
mundo pense que você…
— Eu não dou a porra da mínima para a porra do mundo, Zhang! —
explodi. — Estou falando de Jasmine e Oliver, Oliver e Jasmine. E faz
meses que estou esperando que tenha a maturidade para discutir isso.
Porque eu sei que você tem. Mas prefere fugir. Mesmo quando ouvi da sua
boca que sou sua mulher.
— Foi parte do teatro.
— Foda-se o teatro. Foda-se pra caralho. Talvez deva acordar para vida e
pensar que não sou sua, mas talvez uma parte sua queira que eu seja. E que
posso ser, Ollie. Posso mesmo ser.
Ele não conseguiu olhar nos meus olhos e eu respirei fundo.
— Podemos conversar amanhã, Z.
— Estou decidido, Rhodes. Seja lá quanto preciso pagar pela quebra de
contrato, não quero mais isso para mim, para você e para nós.
— Olhe para mim e diga isso.
Oliver ergueu a cabeça, sustentando o olhar, mesmo que os olhos
estivessem avermelhados e a maldita fênix em seu pescoço oscilasse
visivelmente.
— Acabou, Jas, de verdade.
Respirei fundo, sem acreditar, e uma risada amarga me escapou.
Meu melhor amigo. O cara que eu jamais imaginei que me deixaria ir.
Porra, isso doía.
— Jamais pensei que imploraria verdades e afeto de você, Zhang.
Parabéns. Parabéns mesmo. Você está sendo exatamente o canalha que
finge ser.
— Talvez eu esteja te protegendo de mim mesmo, Rhodes. Talvez eu
seja exatamente esse canalha.
— Não, Ollie, você está com medo. Você tem medo de relacionamentos
e não sabe admitir isso. Até quando vai ser assim? Talvez agora seja
comigo, mas quando deixar outra pessoa entrar nesse seu coração maldito,
vai deixá-la ir também? — questionei, cansada. — Você não me fodeu
naquele hotel como se eu fosse qualquer outra, Zhang. Você não me beijou
naquele estádio como se eu fosse sua namorada falsa. Você não agiu
naquele photoshoot como se quisesse que o beijo acabasse, não me abraçou
nas últimas noites por teatro. Você fez tudo como se eu fosse sua. Até
quando vai mentir para si mesmo? Não se cansa disso? — Algo em mim
estava se rompendo. Não era só com o cara por quem eu nutria sentimentos
que eu brigava. Era com meu melhor amigo. Eu me preocupava com ele.
Mesmo. — Não quer, em algum momento, alguém que sinta sua falta como
mais do que uma amiga? Que quer te ver sempre? Que conte os segundos
para te tocar, beijar, foder? Vai mentir para si mesmo para sempre por
quanto tempo, Zhang?
Oliver não me respondeu. Eu bufei.
— Quer saber, Ollie. — falei, baixo. — Sou sua vizinha e sua melhor
amiga. Eu estou a uma porta de distância. Se decidir conversar sobre que
porra se passa na sua cabeça, sabe onde me encontrar e…
Mel e Mike saíram do corredor. Wayne estava com o rosto um pouco
inchado e nós os encaramos, nos dando conta de que não estávamos
sozinhos.
— Está tudo bem aqui? — Mike perguntou. Eu encarei Zhang. Ele abriu
e fechou a boca, mas apenas meu sobrenome escapou:
— Rhodes…
— Não se preocupe. Estou bem. — falei, frustrada, pegando minha bolsa
sobre o sofá. — Espero que fique bem também, Oliver. Estou a um corredor
de distância.
Saí da sua casa, passei pelos nossos amigos na sala e encostei as costas
na parede da porta. Levou menos de dois segundos, para deitar a cabeça no
ombro de Priyanka e desabar de chorar. Ninguém disse nada.
Absolutamente nada.
No dia seguinte, Oliver sumiu.
Dois dias depois, Zhang viajava com o time.
Nenhuma mensagem sua chegava.
Nenhuma ligação.
Nenhum sinal.
Tudo doía a cada hora que passava.
Dizem que saudade é a maior declaração de amor. Esquecem de avisar
que é a mais dilacerante. Porque eu finalmente entendia que estava
apaixonada pelo meu melhor amigo. E eu realmente queria tirar meu
coração do peito.
“É que eu nem sei pra onde você vai

Quando cê decide ir pra longe de mim”


Quando Você Voltar - Grito Acústico
 
 
— Precisa comer mais. — minha mãe observou, parando à nossa mesa,
no restaurante. Naomi desviou o olhar. Hailey devorava o quinto ou sexto
pequeno acarajé em seu colo. Mel suspirou, sem saber o que fazer e
Gianna… Gianna parou de sorrir para as brigas falsas no celular, dando uma
folga para Keanu e suas patadas.
— Estou bem, minha mãe. — mudei para português.
— Você e Oliver brigaram, Jasmine, mas vão se resolver. Precisa estar
viva até lá. Então coma. — ela ordenou e eu bufei, tal como fazia quando
era criança, dando uma garfada no camarão da moqueca e levando-o à boca.
Estava morno. Patrícia virou a cabeça para Carlson, voltando a falar em
inglês. — Tudo certo para esse fim de semana?
— Sim. Maddie e eu viremos. — Naomi garantiu, sorrindo.
— E eu! — Hay disse e minha mãe riu, tal como Naomi. — Vai me fazer
mais bolinho, né, vovó?
— Hailey… — Naomi chamou sua atenção, envergonhada.
— Eu a chamava de vovó antes. É vovó agora. É oficial. Ela cozinha
com a vovó Lia e beija ela quando fazem minhas comidas favoritas. Se elas
tão juntas, é vovó, mamãe.
Naomi sorriu, sem jeito, para Tricia.
— Acrescente um “sem pressão” ao fim da frase da Hailey, Tricia, por
favor. Porque se depender dela, vão se casar amanhã mesmo. —  Minha
mãe riu e eu esbocei um sorriso também, virando um gole da coca.
— Não digo amanhã, mas não deve demorar muito. — A resposta da
mais velha fez todo mundo na mesa ficar boquiaberto. Wayne sorriu, feliz
pra caramba, como a boa romântica que era. — E deve me chamar de vovó,
Hay.
— Ahá, viu! — Hailey comemorou, sorridente.
— Deus, essa garota vai ser tão mimada. — Naomi resmungou e todas
rimos. Patrícia beijou a minha cabeça antes de seguir para a cozinha.
— Vai ser ou já é? — Mel debochou. Gigi voltou para o celular. — Vai
ter duas mães agora, já pensou nisso?
— Não reclamaria de ter uma mãe como Patrícia Rhodes — Naomi
confessou, sorrindo. — Até porque ganho uma irmã de brinde. Certo,
Rhodes?
Eu demorei em processar a pergunta, mas assenti.
— Vamos, Jas… Essa não é a Jasmine que conhecemos. — Mel disse
baixo, preocupada. Eu respirei fundo, ciente disso.
— É só um coração partido. Vou ficar bem.
— Seu coração foi partido pelo seu melhor amigo, amor, não estamos
julgando sua tristeza. — Naomi assegurou, colocando uma mecha da Hailey
para trás da orelha, mesmo focada em mim. — Só queremos que tente um
pouco interagir com a gente. Estamos tentando te fazer feliz aqui.
— Esse melhor amigo não me responde, Carlson. Nem sei se ainda
somos isso.
— Sempre vão ser. — Mel disse, me dando um sorriso encorajador ao
apertar minha mão, sobre a mesa. — É só uma má fase, Rhodes! Não
importa o que aconteça, ao fim do dia, Oliver e Jasmine sempre voltam um
para o outro.
— Ele não liga, não manda mensagem e nem mesmo o vi desde que
voltou de viagem.
— Talvez deva ligar para ele. — Mel sugeriu.
— Não vou correr atrás de Zhang, Wayne. Eu tenho um pouco de amor
próprio.
— Ele te enviou o contrato de confidencialidade? Ouvi Maddie dizer que
Keanu queria outro, para que ninguém conte sobre o relacionamento falso,
mesmo após o antigo acordo ser rompido.
— Ele pode enfiar essa papelada no…
— Jasmine! — Naomi me interrompeu, tampando as orelhas da Hailey.
Ela estava lutando para fincar o garfo no camarão seco. Eu poderia dizer
que era um crime comer acarajé de garfo e faca, mas Hay estava tão
concentrada que não tinha coragem.
— Se nada chegou até você, é porque ele não tem coragem de decretar
um fim. — Mel disse.
— Ele não tem coragem de muita coisa.
— Touché. — Mel concordou. — Mas acho que entendo um pouco o
Oliver. Ainda estão comentando sobre o caos na festa, ele se sente culpado
e Zhang tem muita coisa na cabeça no momento. Ele precisa de um
tempinho para digerir as coisas.
— Não vou esperar para sempre.
— Nem estou dizendo que deve, Jas. — ela disse, doce e centrada, como
sempre. Ergui o olhar para a Mel. Ela tombou a cabeça para o lado,
respirando fundo. — Amo que se valorize e está certa de fazer isso. Só
lembra que, durante anos, Zhang sempre lutou por você. Pode parecer que
está se esforçando sozinha agora, mas a verdade é que, nem sempre estamos
bem para qualquer coisa ou fazemos a melhor escolha. Tem vezes que ele
vai ter que correr milhas por você, para se encontrarem no meio do
caminho. Tem vezes que será você. E se quer saber, acho que agora é um
desses momentos.
— Não vou correr por alguém que está indo para o lado contrário,
Wayne.
— Bem, eu entendo. Mas não acho que ele está correndo para o lado
contrário. Acho que só recuou um pouco e agora está parado, perdido, sem
saber o que fazer. Porque o coração dele diz que o caminho certo é você.
Mas a razão diz outra coisa.
Suspirei, tombando a cabeça para trás e encarando o teto.
— Não sei mesmo porque ele entrou nisso. — Voltei a olhar para as
garotas na mesa. Agora todas me encaravam de volta, ouvindo. — Se era
para terminar tudo desse jeito, para quê começar?
— Ninguém dá o primeiro passo cem por cento seguro de onde vai ser o
último. — Naomi disse, dando de ombros.
— Além disso, — Gigi começou — por mais que doa, se foi escolha
dele dar um tempo, é melhor que dê. Manter algo que machuca por causa da
imagem seria terrível, não?
—  Não estou dizendo que quero que ele fique comigo por ficar ou pela
imagem, não é isso. — falei, rindo, sem humor. — Mas a fama dele vai
ficar estremecida se vazarem boatos de que não estamos bem, depois
daquela festa. Ele veio com todo esse papo de “motivo especial urgente” e
parece que esse motivo secreto não foi suficiente, nem mesmo para manter
o teatro. Enfim, acho que agora nunca vou saber que razão era essa e nem
como…
— O motivo era você, ué. — Hay me interrompeu, com a boca cheia, e
todas nós a encaramos. Meu coração disparou e eu franzi o cenho, confusa.
Ela engoliu a comida, voltando a enfiar o garfo em outros pedacinhos da
comida. — Titio Ollie gosta de você. Faz muuuito tempo.
— Quê?
Naomi a repreendeu. Gianna achou graça. Mel riu também.
— Não faz sentido o motivo ser eu, Hay.
— Claro que faz. — Gianna respondeu, dando de ombros. — O motivo
para entrar nisso tudo é o mesmo para se afastar. Te proteger.
Parei por algum tempo, processando. E processando. E processando por
tempo pra caralho.
— Por que está tão surpresa, Rhodes? — Wayne perguntou, virando um
gole do seu vinho. — Você mesma o disse que estava lá em cada segundo
de vocês juntos e todo mundo sabia desde o primeiro.
Olhei ao redor da mesa, ainda pensativa.
— Vamos, Jas. — Naomi disse. — Não é possível que nunca tenha
passado pela sua cabeça.
Meu queixo caiu e eu busquei por palavras que não vieram, repassando
cada momento, cada segundo, tentando ver sentido.
— Acorda, Rhodes. — Wayne disse, virando mais um gole antes de
pegar o cardápio, possivelmente em busca da sobremesa. — Você sempre
foi o motivo especial para Oliver Zhang. Ele entrou nessa porque te ama.
Eu nem mesmo pensei que isso era um mistério.
Meu coração bateu mais forte. E de novo. Até que estivesse em
disparada no meu peito. Se eu era a razão para Zhang ter entrado naquilo
tudo… Então talvez ele sentisse o mesmo que eu. Há mais tempo. Certo?
Depois do jantar, eu pensei em ir ficar em casa. Mas ficar no
apartamento do outro lado do de Zhang, tentada a bater em sua porta, não
parecia uma boa ideia. Tentei me distrair com televisão, estudar o texto para
a gravação que aconteceria na próxima semana e cogitei entrar no pequeno
estúdio de dança. Mas tudo nele me lembrava Zhang. Mesmo com toda a
limpeza do apartamento… Porra, talvez o estúdio cheirasse como Zhang.
Ou minha mente só me traísse pensando nele.
Em algum momento, acabei em minha roupa de academia, de noite,
enviando mensagens para Finneas. Talvez o estúdio estivesse vazio e eu
pudesse gastar minhas energias lá e não em um lugar que tinha montado
para Ollie. O dono do estúdio de dança não me respondeu. Olhei o horário
no celular, percebi que era tempo de fechar o estabelecimento e talvez
estivesse fazendo isso, portanto, estava ocupado. Então decidi arriscar.
Saí do apartamento, mas dei de cara com Oliver.
Ele parou imediatamente, segurando a maçaneta, tal como eu.
Seu olhar me percorreu de cima a baixo, processando o que via,
enquanto eu fazia o mesmo. Eu quase ri. Era irônico.
Ollie vestia um moletom preto, calças escuras e carregava uma mochila.
O capuz na sua cabeça e as luvas, quase caindo por um bolso aberto da
mochila, me diziam que dançaria e gravaria naquela noite. Pensamos em
fazer a mesma coisa.
— O Mistério vai dar as caras novamente, huh? — perguntei, um pouco
rouca. — Com saudades da máscara?
— Um pouco. — respondeu, baixo.
— Poderia ter pedido para usar o estúdio.
— Não achei uma boa. — Zhang desviou o olhar, mas eu tive o
vislumbre da melancolia antes que observasse o chão.
“Pode parecer que está se esforçando sozinha agora, mas a verdade é
que, nem sempre estamos bem para qualquer coisa ou fazemos a melhor
escolha. Tem vezes que ele vai ter que correr milhas por você, para se
encontrarem no meio do caminho. Tem vezes que será você. E se quer
saber, acho que agora é um desses momentos.”
Maldita fosse Melissa Wayne.
Respirei fundo, fechando os olhos, antes de encará-lo novamente.
— Entra, Ollie.
— Jas, eu…
— Sou sua melhor amiga. Pode fugir, do que sente ou não por mim,
outro dia. Mas sinto que precisa da sua melhor amiga. E eu preciso de você
de volta.
Ele olhou no fundo dos meus olhos e engoliu em seco. Zhang pensou por
longos segundos, trincando a mandíbula, mas acabou por assentir. Abri a
porta para ele e Oliver passou direto por mim.
Como se não conhecesse o apartamento e não soubesse o caminho,
Zhang hesitou. Parecia um estranho e isso doeu. Pra cacete.
Quando subiu as escadas, o segui, tensa.
Talvez nem me amasse como eu o amava. Talvez eu estivesse
apaixonada sozinha e todo aquele papo de motivo secreto fosse baboseira.
Eu tentaria descobrir naquela noite. Apenas naquela noite.
Mordi o canto da boca quando entramos no estúdio de dança e segurei a
tentação de inspirar seu perfume. Algo sobre sentir seu cheiro à distância
era dilacerante.
— Também queria dançar, Z. Então espero que tenha uma coreografia
para dois.
— É individual. Mas posso te ensinar. — Ele prendeu o lábio inferior
entre os dentes, colocando a mochila em um canto da sala, visivelmente
segurando alguma frase. Para minha felicidade, Zhang a deixou escapar. —
Porém, Finn me enviou uma coreografia de casal semana passada. —
Percebendo suas palavras, Ollie balançou a cabeça. — Dupla. De dupla. —
Meu coração disparou com a sensação de que o seu ainda cismava em ir
contra sua razão e chamava por mim. — E-enfim…
Oliver Zhang gaguejando. Mais raro do que corar daquela maneira.
— Péssima ideia, esquece.
— Por que ele te enviou uma coreografia de casal? — insisti um pouco,
tentada a me aproximar.
— Ele propôs que eu dançasse com outra garota do estúdio. Mascarado.
Para divulgar o lugar e tudo mais.
Assenti, julgando como uma boa ideia.
— Já ensaiou?
— Não.
— Bem, estou aqui, se quiser.
Ollie demorou a me encarar, incerto.
Vamos, faça sua escolha.
— Jasmine, olha…
— Não pense muito, Zhang. — Me aproximei. — É só uma dança.
Ele bufou quando passei por ele, parando ao centro do ambiente e
observando a cidade pelas longas vidraçarias. Esperei que tomasse uma
decisão e ouvi a caixa de som que tinha trazido ser ligada. Meu coração
disparou e eu me questionei que música tocaria. Até que começou.
Era Certain Things do James Arthur. Reconheci porque foi uma das que
Finn e seu marido dançaram no casamento deles. Eu ensinei ao segundo a
coreografia.
— Só uma dança, certo? — Oliver perguntou atrás de mim e os pelos em
minha nuca se eriçaram, meu corpo todo se arrepiou enquanto se
aproximava.
— Só uma dança. — respondi, rouca, baixo demais.
Ollie parou à minha frente, o primeiro verso quase acabando quando
suas mãos envolveram minha cintura. O toque me fez fechar os olhos, mas
esforcei-me para abri-los e erguer o rosto para ele. As íris escuras, como
aquela noite, me envolveram com tantos sentimentos que não soube
decifrar.
Zhang me girou, rápido, uma, duas, três vezes, enquanto o segundo verso
começava um pouco mais rápido. Quando uniu meu corpo ao seu
novamente, no refrão, ele acariciou meu rosto, deslizando até os meus
quadris, antes de voltar a segurar minhas mãos e me fazer virar contra ele.
Reconheci a coreografia, não a do casamento, mas uma das primeiras que
criei com Finneas e soube o que fazer, erguendo a mão para tocar seu rosto,
atrás de mim. Ele segurou meu pulso, me virando para si e espalmando
minhas costas, me fazendo inclinar o suficiente para que meu cabelo quase
tocasse o chão, sua outra palma firme em minha coxa, me mantendo segura.
Meu coração disparou quando me trouxe para si, meu peito rente ao seu,
nossas respirações em sincronia por um momento, antes de voltar a me girar
e me guiar pela sala, seus passos em harmonia com os meus, tocando minha
cintura e mão, enquanto eu tocava sua nuca, me permitindo ser levada por
ele por todo o ambiente. Para frente, para trás, de um lado, para o outro,
para onde quisesse me levar.
Meu coração se encheu daquele sentimento conhecido de novo, forte,
intenso e vivo. Meus olhos aprisionavam e eram presos pelos seus, não se
soltavam. Nós também não.
Mesmo com a vontade de chorar, mesmo que sangrasse, eu não largaria
Oliver Zhang por nada e ele também não. Quando o refrão acabou pela
segunda vez, ele me ergueu, em uma última volta, e eu passei as pernas em
torno da sua cintura. Oliver uniu a testa à minha e eu suspirei, sentindo seu
perfume, sua respiração contra a minha.
Assim que voltei ao chão, Ollie me trouxe para perto, suas mãos
reconhecendo a minha cintura, mesmo com a regata justa atrapalhando o
toque. A eletricidade me deixou em alerta e eu senti meu coração em minha
garganta, quase saindo pela boca.
A música tinha acabado.
Eu não me movia.
Nem ele.
A vontade de chorar era desesperadora.
Eu não queria que me deixasse ir. Que me soltasse. Queria dançar com
ele de novo e para sempre. Suspirei, acariciando sua nuca e tocando seu
ombro, torcendo para que estivesse na beira do descontrole como eu.
Até que decidi arriscar.
— Oliver?
Ele não me respondeu, mas também não me soltou, tombando a cabeça
contra a minha. Soltou uma expiração longa, de olhos fechados. Então eu
perguntei:
— Como se apaixonou por mim?
Ele ergueu o rosto devagar.
Seus olhos brilhavam e ele bem que poderia mentir, mas eu o conhecia.
Porra, eu o conhecia. O conhecia mesmo.
— Quando? — insisti.
Oliver fez menção de se afastar, mas suas palmas não me soltaram. Ele
não queria. Ollie não queria me soltar. Ele jamais iria querer.
Eu era o motivo.
Ele estava apaixonado de volta.
— Zhang. — pressionei, só um pouco, ansiosa.
— Faz muito tempo.
Jurei ouvir nossos batimentos pela sala. Por muitos segundos. Talvez
minutos.
— Faz muito tempo. — confessou novamente, com a voz trêmula, como
se fosse um segredo cortante.
— Por que nunca me disse?
— Porque Oliver Zhang jamais se apaixonaria. — Meus olhos arderam e
eu franzi o cenho, confusa. — Você nunca sequer pensou na possibilidade,
Jas. Reconheceu todo sentimento, cada pedacinho meu, sempre me
entendeu como ninguém. Menos todas as vezes… — Ele respirou fundo,
emoção fazendo sua voz vacilar. — Menos todas as vezes em que te encarei
como se você fosse tudo. O que basicamente… Basicamente, Rhodes, é
cada segundo da sua existência.
As lágrimas escorreram pelo meu rosto, imaginando que esteve do meu
lado o tempo todo, me vendo sair com outras pessoas e… E eu fiz o mesmo
com ele. Incomodada grande parte das vezes, mas sem entender o porquê.
Empurrando o sentimento para o fundo do peito.
— Por que me deixou ir?
— Porque comecei o contrato, descumprindo a cláusula mais importante.
Ele começou a mentira me amando de verdade.
Isso doeu. Eu quis ter percebido antes. Quis ter vivido tudo aquilo antes.
— Porque, Rhodes, você é realmente muito boa para mim. E eu não
quero estragar a pessoa que mais amo na vida.
Segui chorando silenciosamente, com o corpo colado ao dele.
— Eu sou seu desde o primeiro segundo, Jasmine. Não acredito que te
amei quando te vi naquela clínica, porque acredito que o amor é construído
aos poucos. Mas desde o primeiro segundo, eu senti algo. Como se você
puxasse meu coração para si. Como se o universo estivesse
desesperadamente me avisando que você mudaria a minha vida. E você
mudou, Moonshine. Você mudou tudo.
— Então porque não fica comigo?
— Porque eu te amo sem saber amar. E você merece mais.
— Talvez não faça ideia do que eu mereço, Oliver.
Ergui os olhos para ele, vendo seu rosto brilhar pelas lágrimas em suas
bochechas.
— Sou sua melhor amiga. Converse comigo.
— Não consigo.
— Por que?
— Dói. Querer você dói. Não me sinto digno.
— Me deixe decidir isso.
— Jas…
— Oliver, eu estou na sua frente, te dando a chance de me dizer o que
sente e de me fazer sua para sempre. É sua única chance. — menti, ciente
de que parte de mim sempre estaria ali, esperando por ele. — Converse
comigo.
Ele respirou fundo, expirando próximo da minha boca, eu queria tanto
beijá-lo e acabar com aquilo, mas Zhang tinha que falar algo. Eu sabia que
sim.
— Você perguntou se eu não estou cansado de vagar pelo mundo, sem
ter alguém para voltar e eu estou exausto. Porque eu sei qual é a minha casa
e eu não sinto que a mereço, Jasmine. Minha casa é você. É assim que eu
me sinto.
— Pode voltar para mim.
— E se eu te ferir?
— Não vai, Zhang.
— Tem algo de errado comigo, Rhodes. É como se meu coração
estivesse quebrado em cacos, não quero que tente consertá-lo e se corte no
processo.
— Me deixe tentar mesmo assim.
— É confuso. Eu te amo demais, o suficiente para saber que merece
tudo. Ao mesmo tempo, te amo demais para conseguir te deixar ir.
— Então não me deixe ir, Zhang.
Rocei os lábios aos seus.
— Não me deixe ir.
— Rhodes…
— E se eu te disser que te amo de volta? Se eu te disser que sou sua,
capitão? Se eu disser que estou completamente apaixonada por você e
também não sei quando começou? Que talvez esteja apaixonada por você
há anos e só entendi agora? — Falei, apesar das lágrimas salgadas
deslizando pelo meu rosto, minha boca. Apesar do tom instável da minha
voz. — E se eu te disser que sou sua?
— Porra, Jasmine.
Ele me beijou, segurando minha nuca com firmeza, e eu suspirei de
alívio, feliz por seu coração ganhar a maldita guerra contra a razão. Oliver
colidiu a boca na minha com desespero, mas nada daquilo era caótico. Se
fosse, então havia ordem no caos. Porque era certo. Parecia certo. Era para
ser. Porra, era para ser.
Infiltrei a mão sob seu moletom, sentindo sua língua torturar a minha,
devagar, mas faminta. Tirei seu casaco, jogando-o em algum canto da sala e
quase resmungando ao perceber que tinha uma maldita regata sob ele.
Oliver me beijou de novo, cessando meus pensamentos e eu arranhei sua
nuca, gemendo baixinho quando sua palma deslizou por baixo da minha
blusa, acariciando minha pele. Inferno, eu senti falta dele. Por uma semana,
mas senti. Muita. Muita mesmo.
— Me diga, capitão. — falei, baixo, ao romper o beijo. Levemente
ofegante, ergui a cabeça, acariciando o contorno do seu rosto, apaixonada
por cada detalhe de Oliver Zhang. Meu. Meu homem. Meu Ollie. — Já fez
amor antes?
Ele riu baixinho, corando. E, cacete, nada era mais lindo do que Ollie
envergonhado.
— Acho que vai ser minha primeira, Rhodes.
Eu sorri de orelha a orelha, gostando da resposta.
— Eu te ensino. — falei e ele sorriu. Tirei a camisa e o top, sentindo seu
olhar sobre meu corpo. — Pode tocar e venerar cada pedacinho meu. Vou
fazer o mesmo de volta. Bem devagar. — Beijei seu pescoço, sua
mandíbula, sua boca. — Até perdemos o controle. E aí você vai entender
que sou sua, amor. Sua para tocar. — Mordisquei seu lábio inferior. — Sua
para beijar. — Deslizei os lábios sobre os seus, levando as mãos para a
barra da sua camisa. — Sua para amar. — Subi a maldita peça de roupa e
ele ergueu os braços, me deixando despi-lo. — Sua para foder.
Quando mordisquei seu lábio novamente, Oliver me beijou devagar.
Eu o fiz sentar no chão do estúdio, me ajoelhando com as pernas em
torno das suas.
Ergui a cabeça, deixando meu cabelo deslizar pelas minhas costas e
Zhang as espalmou, beijando, chupando e venerando meu pescoço, meu
colo, até chegar a um dos meus seios. Eu arfei,  mexendo os quadris sobre
seu colo, sentindo o volume entre suas pernas. Ollie segurou meu pescoço,
sugando um mamilo, mordiscando, lambendo, chupando com vontade. Já
estava molhada, me esfregando e deixando que me provasse daquele jeito,
quando moveu para o outro seio, levando seu tempo.
Me pus de pé e Zhang entendeu o recado, descendo minhas calças e
beijando minhas pernas, as partes internas das minhas coxas, mordiscando e
chupando a pele até chegar em minha calcinha. Deixando um beijo sobre o
centro protegido pelo tecido, Zhang arrastou a peça para baixo, me
admirando de baixo, quase sem piscar. A adoração silenciosa me fez sorrir.
Ele não precisava dizer nada. Nada mesmo. Mas confesso que adoraria
se dissesse três palavrinhas a noite toda.
Ele me abocanhou enquanto eu ainda estava de pé, me chupando
devagar, me lambendo sem pressa, circulando meu clitóris com a língua
antes de me abrir com dois dedos e me foder com ela, girando-a devagar
dentro de mim, enquanto eu arfava, agarrando seu cabelo, me esfregando
em sua boca. Zhang tocou meu ponto sensível, olhando para cima,
admirando meu rosto se contorcendo de prazer, enquanto me provava. Meu
clitóris rígido, em sua língua, pulsando, deve ter denunciado que eu não
aguentaria muito mais. Senti que me faria gozar ali mesmo, mas o afastei,
me ajoelhando antes disso.
Desci suas calças, voltei para o seu pescoço e beijei o caminho por seu
peito, seu abdômen, sem tirar os olhos dos seus. Oliver apoiou as mãos no
piso, esperando que eu o libertasse e fiz isso, tirando sua boxer e
encontrando-o pronto para mim.
— Diz, amor. — pedi e ele xingou, assim que sentiu minha boca entre as
suas pernas, chupando a sua glande, devagar. Ollie segurou meu pescoço,
soltando o ar com pesar.
— Porra, eu amo você, Jas.
Eu sorri, mesmo com todos os arrepios e a eletricidade pelo meu corpo,
por uma única frase.
— De novo. — O bombeei, beijando a ponta, perto do maldito piercing.
Ele obedeceu e eu o chupei fundo algumas vezes, tomando meu tempo.
Ollie agarrou meu cabelo, jogando a cabeça para trás, e eu mudei de ideia
sobre vê-lo corado.
Aquela era a visão mais linda do mundo.
Quando o senti pulsar contra a minha língua, cada vez mais duro e
desesperado para gozar, Oliver me puxou para si, me beijando com fome.
Alinhei minha entrada com seu pau, por cima, de joelhos, me perdendo em
como sua língua molhada e suave conduzia a minha em algo mais
coordenado e mágico do que a dança de minutos antes. Mais pecaminoso
também. Ao mesmo tempo tão puro. Era um paradoxo viciante.
— Diz. — pediu, mordiscando meu queixo.
— Me faz dizer. — provoquei. Ele sorriu de orelha a orelha e eu me
sentei em seu membro, deixando que se afundasse dentro de mim,
centímetro por centímetro.
Arfamos ao mesmo tempo, nossos olhares conectados. Ollie apertava
meus quadris, eu apoiava as mãos em seu pescoço, sentindo nossos sexos
unidos e pulsando. Eu estava encharcada sobre ele. Não precisava de muito
para Oliver Zhang me deixar louca por ele. Nunca precisaria.
Comecei a me movimentar e Zhang olhou para baixo, assistindo o ponto
em que nossos corpos se encontravam, colidiam lentamente. Ele voltou a
beijar meu pescoço, meu colo, até chupar um dos seios e eu acariciei sua
nuca, oferecendo meu corpo para ele. Minha alma. Tudo.
Joguei os cabelos para trás, olhando para a cidade atrás dele por um
momento, antes que erguesse a cabeça e sorrisse para mim, antes de me
beijar. Sorri contra sua boca, apesar do prazer, feliz por estar com ele.
Oliver Zhang disse que eu era sua casa. Ele era a minha.
Tanto que, algum tempo depois, suando e me esforçando para fazê-lo
sentir tudo o que me fazia sentir, comecei a dizer o que tanto queria, sem
que me desse conta. Quando percebi, Oliver implorava:
— Repete, amor.
Amor.
Eu estava tão perto.
— Eu amo você.
— De novo.
Eu obedeci. De novo. De novo. E de novo.
Até que senti o prazer tornar meu corpo todo tenso demais, esperando
por alívio e não me segurei mais. Meus batimentos explodiram por todo o
corpo, como fogos de artifício. Eletricidade cruzou cada vaso, cada
centímetro da minha pele, fazendo-a se arrepiar. Tudo se tornou escuro por
um momento e eu senti quando Oliver inverteu as posições, me deitando
sobre o piso ao tomar o controle, buscando por alívio no ápice do meu
orgasmo.
Zhang estocou uma, duas, três vezes… Cada vez mais rápido, eu o
envolvi com as pernas, sentindo o prazer crescer de novo.
Fui sua primeira. A primeira com quem fazia mais do que sexo. E Zhang
aprendia rápido. Amor estava em cada um dos seus movimentos.
Principalmente no modo como colidia os quadris com os meus, assistindo-
me em êxtase, sem parar. Até que gozou dentro de mim, se derramando e
xingando, antes de unir a cabeça à minha. Eu gozei de novo, pouco depois,
enquanto ainda tentava estocar. Até que parou.
Ollie deitou a testa contra a minha e eu suspirei.
Quis chorar.
Quis gritar.
Quis bater nele por ter cogitado me deixar, sem confessar que me amava.
Mas então ergui a cabeça, encarei seus olhos, acariciei seu rosto e
percebi que minhas lágrimas seriam apenas de felicidade.
Eu tinha Oliver Zhang. Ele me tinha. Era certo. E isso era tudo que
importava.
Sorri e ele sorriu junto, quase rindo, provavelmente ao pensar o mesmo
que eu: finalmente.
— Ei, capitão. — comecei, baixo, e ele roçou o nariz contra o meu,
esperando que eu falasse. — Como nos apaixonamos?
Zhang riu. Aquela risada gostosa que fazia o mundo todo entrar em
ordem, fazer sentido. Ele lembrou. Foi exatamente o que me perguntou no
dia do maldito contrato.
— Você, maluca, me chamou de emburradinho em uma clínica de saúde
mental.
— Soa como uma boa história.
— A melhor.
Ele beijou minha testa, nariz e boca.
— Namorado. — chamei e ele franziu o nariz, corando. — Fui sua
primeira.
— Fui bem?
Sorri, boba pra cacete.
— O melhor.
— Acho que sei o porquê. — Ergui a cabeça, curiosa, envolvendo-o pelo
pescoço.
— Sabe?
— Sim. — Zhang me beijou. — Talvez eu faça amor com você desde a
primeira foda, Rhodes.
A confissão fez meu coração explodir e eu ergui a mão, acariciando seu
rosto, saboreando cada pedacinho do momento.
Ele sempre foi meu. E eu sempre fui sua. Agora sabia disso. E jamais
esqueceria novamente.
“Nada é mais como antes,
Mas tudo é tão igual”
Sagitário (part. Gustah) - Xamã
 
 
Não sei dar um nome certo ao sentimento, mas era agridoce.
Digo que o sentimento era agridoce, porque eu estava em êxtase, feliz
pra caralho, descobrindo que Jasmine Rhodes estava apaixonada por mim.
Finalmente. Ela me amava como mais do que um amigo. Mas ela me
amaria se soubesse da verdade?
Meus olhos arderam e eu ergui a cabeça para as janelas longas do seu
quarto, encontrando o céu limpo, com apenas uma estrela perto da lua.
O que Brandon faria no meu lugar?
Ele contaria a verdade de uma vez?
Ele esperaria só mais um pouco?
Rhodes se mexeu sobre a cama, involuntariamente seguindo para mais
perto de mim e eu me deitei ao seu lado. Rhodes esfregou o nariz de leve
em meu peito, me envolvendo pela cintura e eu nos cobri, beijando sua
testa, depois nariz e boca. Seu sorriso pequeno e contido me disse que
estava feliz. E estava feliz pra caralho.
A parte doce do sentimento prevaleceu sobre a amarga.
Eu contaria a verdade em algum momento, em breve… Certo?
Suspirei, observando Jasmine dormir e meu coração chegou a doer, tão
preenchido por ela. Voltei a ter certeza de que se a perdesse, a
reconquistaria de volta. Não a deixaria ir mais. Nunca mais. Porque não
tinha nada melhor na vida, do que fazê-la feliz.
Avisei a Kenny que poderia cancelar o cancelamento do namoro falso, se
é que faz sentido. Ou queimar os contratos, porque agora era real. Digo,
assim que recebesse minhas flores em casa e me encontrasse cozinhando
Dandamian, Jasmine provavelmente diria sim e seria real, mas… Era
apenas uma formalidade.
Depois de me despedir dela, no estacionamento do prédio, — beijando-a
mais contra seu carro do que eu provavelmente deveria, estando atrasado —
segui para o meu treino. Rhodes gravava um dos primeiros episódios da
nova temporada de Surf & The City e eu checava o celular na pausa da
musculação, na academia do clube.
Estava preocupado. Depois que agredi Cole, pensei que o clima no set
poderia ser estranho. Pelo que ela me explicou, a maioria das pessoas da
produção acreditavam que eu deveria ter batido mais. Online era diferente.
Boa parte dos fãs de Cole O’Connell estavam me xingando nos comentários
dos meus posts, há algum tempo. Em contrapartida, meus fãs e os da
Jasmine criavam uma guerra contra esses filhos da puta e nem toda matéria
da mídia me colocava como vilão.
Priyanka e Keanu fizeram um bom trabalho, espalhando a informação de
que eu tinha defendido Jasmine. Até o TMZ Austrália, que pegou um pouco
pesado comigo quando a fofoca começou a surgir, acabou reconhecendo
que a fama de Cole piorava cada vez mais, seus vícios precisavam ser
tratados e defender a honra da namorada, verbalmente agredida por um
idiota como esse, não era nada perto de monstruoso.
Claro que muita gente discordava. Cole ainda tinha alguma influência e
eu tive que me recusar a responder um jornalista, em uma coletiva de
imprensa dois dias antes, porque ele não perguntou sobre futebol e sim
sobre meu relacionamento e minha agressividade contra O’Connell.
Depois que Jas respondeu pela milésima vez, dizendo que tudo estava
bem e mandou uma selfie na praia, com dois colegas de elenco, sorrindo de
frente para o mar, com os microfones acima de suas cabeças, eu relaxei um
pouco. Enviei uma foto na frente do espelho da academia, com Seth e
Jordan no fundo, fazendo caretas em suas bicicletas. Rhodes respondeu me
pedindo para tirar a camisa e eu ri, morrendo de saudade.
Morrendo de saudade de alguém que eu tinha visto horas antes.
Quão bizarro é isso?
Tanta saudade que, quando eu estacionei o carro em frente ao restaurante
de Patrícia, quase suspirei de alívio assim que Jas correu por entre as mesas,
pulando em mim e me abraçando pelo pescoço. Eu ri, beijando seu pescoço,
mantendo-a firme contra mim. Percebi que Mel nos assistia em uma das
mesas, sorrindo. Coloquei Rhodes no chão, segurando sua cintura e ela me
beijou uma, duas, três vezes.
— Juro que não sou grudenta, mas fiquei com abstinência de Oliver
Zhang.
— Eu entendo. — Beijei sua testa, envolvendo-a pelo pescoço. — E vai
ser pior quando eu for jogar fora de casa. — Ela gemeu de frustração e eu
achei graça.
— Sei que sempre falo algo do tipo, — alguém disse atrás de mim.
Naomi Carlson carregava a mochila de unicórnio da Hailey no ombro —
mas não comentem a fantasia.
— Que fantasia? — murmuramos, confusos.
Naomi seguiu para a mesa, balançando a mão, como quem dizia “vocês
vão entender já, já”. Rhodes e eu olhamos para as janelas do restaurante.
Damian Bale tentou tirar a Hailey da cadeirinha da SUV, mas ela demorou a
sair. Damian se agachou, conversando com ela. Eu estava ansioso para
entender que fantasia era e então Hailey saiu do carro vestida de…
brocólis?
— É dia do vegetal? — Jas perguntou e eu estreitei os olhos, me
perguntando se tinha um dia do vegetal. Hailey andava, emburrada,
conforme Bale a guiava para o restaurante. Os olhares se guiaram para os
dois e ela disparou para a mesa, de cabeça baixa.
Bale parou ao nosso lado, com as mãos na cintura.
— Lembra daquela peça da escolinha que falei? — ele comentou com
Rhodes, que assentiu. Eu lembrava vagamente de algo sobre uma peça no
jardim de infância da Hailey, mas não tinha certeza.
— Ela não era a natureza? — Jas questionou, confusa.
— Então… Sim. — Damian segurou a ponte do nariz, suspirando. — E
eu fiquei horas tentando fazê-la feliz e convencê-la de que era algo legal,
que a natureza é tipo a porra mais importante no mundo e etc..
— Quando entrou para o Green Peace? — tentei brincar e Damie me
lançou um olhar puto que me fez engolir em seco. Cruzes, mexer com sua
versão papai do ano era perigoso pra cacete.
— Enfim, a Hailey acreditou que ela teria um grande papel e seria
importante, mas ela é figurante, como outras dez crianças, e está vestida
de…
— Árvore. — Jas e eu falamos ao mesmo tempo, compreendendo. Não
fazia sentido o tronco da árvore ser verde, mas, como diria Hay “tuuudo
bem”.
Nos aproximamos da mesa. Melissa tentava não rir do mal humor da
Hailey, escondendo a boca atrás de um copo de suco de laranja. Mike
apareceu, provavelmente voltando do banheiro, e Naomi percebeu tarde
demais que não tinha falado com ele, porque escancarou a boca um
milésimo de segundo antes de...
— Por que a Hailey está vestida de brocólis?
Hay ergueu a cabeça, no colo da mãe, lentamente, parecendo assassina
demais para uma criança. Naomi tombou a cabeça para o lado, fuzilando
Mike com o olhar e Mel acabou rindo. Jas se sentou comigo, mordendo um
sorriso e eu me preparei para Hailey ficar brava, mas ela fungou o nariz e
começou a chorar. Muito.
— Ai, Deus, o que eu disse? — Graham quis saber, se sentando ao lado
da esposa.
— Shhh… Calma, calma. — Naomi disse, baixinho, enquanto Hay
afundava a cabeça em seu ombro. — Está tudo bem, meu amor, a peça foi
incrível e você foi a mais linda, juro.
— Eu estou vestida de árvore! — Hay resmungou, chorando, e eu
segurei a vontade de rir. Damian também e Jasmine engasgou sozinha,
roubando o suco de Wayne para disfarçar. Até Naomi esboçou um sorriso,
porque, por Deus, algumas birras eram engraçadas pra cacete. — Ninguém
quer ser árvore, mamãe!
Carlson olhou para cima, reprimindo os lábios, tentando não gargalhar.
Eu afundei o rosto entre os braços, sobre a mesa, rindo. Porra, a criatura
estava chorando porque era uma árvore.
— Está tudo bem, peixinha, tudo bem. — Naomi disse, disfarçando
muito mal a risada em sua voz. Hailey não se acalmou. Bale estava rindo e
a esposa o acertou com o cotovelo, para que parasse.
Um celular tocou à mesa e Mike xingou baixinho, o atendendo. Peguei o
cardápio, oferecendo para que Jas fizesse nosso pedido, mas algo em
Graham me fez travar. Wayne segurou seu braço, perguntando o que tinha
acontecido. Mike estava pálido. Tanto que, mesmo com Hay chorando,
Damian e Naomi só olhavam para ele.
— Não. Digo, sim… Sim, estamos perto. Mel e eu estamos indo. Tudo
bem, mãe. Obrigado. — Mike tocou a testa, se levantando. — Te amo. Já
estamos indo.
Ele desligou a chamada e ofereceu a mão para que Melissa se levantasse.
Graham respirava com dificuldade e eu estava quase fazendo-o sentar de
novo.
— O que aconteceu? — Damian perguntou e Mike olhou para o celular
duas ou três vezes. Hay parou de chorar, encarando-o, confusa, e foi a vez
dele chorar. — Mike?!
— Meu pai foi internado de novo, gente, foi mal… Eu… Eu preciso ir…
Me levantei imediatamente e Carlson pegou o celular, ligando para
alguém e perguntando se poderiam tomar conta da Hailey hoje. Peguei a
chave da caminhonete de Mike e deixei a minha com Naomi.
— Eu dirijo, ok? — Me ofereci. — Mas respira. Respira e se acalma.
Mike assentiu, deitando a cabeça no meu ombro, sem pensar duas vezes,
e desabando.
Eu encarei Jasmine, sem saber o que fazer, o abraçando de volta.
— Não posso perder mais ninguém, não posso perder mais ninguém…
— Mike soluçava, enquanto Mel alisava suas costas e eu suspirei,
mantendo-o em meus braços. Ninguém ali falou nada. Todo mundo sabia
como era perder alguém. Todo mundo sabia como era temer perder
qualquer outra pessoa. E todo mundo sabia que não havia o que ser dito.

Rhodes dirigiu com Wayne até o hospital. Naomi e Damian vieram na


SUV, após deixar Hay com Patrícia e eu dirigi a caminhonete de Graham,
com ele.
Assim que chegamos, Jas segurou minha mão, enquanto Mel e Mike
estavam conversando com a mãe dele. A senhora Graham parecia calma,
em seu jaleco branco, explicando o caso para os dois, na recepção. Damian
e Naomi estavam sentados, em silêncio, pensativos.
A última vez que todos nós estivemos em um hospital, eu estava
internado e Brandon tinha morrido.
Bufei com esse pensamento, tentando tirá-lo da cabeça e Jasmine me
abraçou, provavelmente adivinhando porque eu estava ansioso. Eu odiava
hospitais. Mesmo.
Mel retornou, sozinha, abraçando o próprio corpo.
— Ele basicamente aspirou comida, pelo que entendi. — Wayne disse,
quase em um suspiro. — Pode acontecer, porque ele já não engole com
facilidade e sabemos disso, mas eu nunca pensei que realmente aconteceria.
Enfim… Está em ventilação mecânica. Deus… — Mel levou as mãos ao
rosto. — É definitivamente o pior semestre da minha vida.
Naomi se levantou, passando os braços em torno do pescoço de Wayne e
ela a abraçou forte de volta, respirando fundo.
— Vou buscar algumas coisas dele e do Mike. Mike quer dormir aqui
hoje. — Mel explicou, se afastando. — Enfim, é melhor vocês irem para
casa.
— Quem vai ficar com Graham? — Damian quis saber. — Digo, até
você voltar.
— São só alguns minutos. Liv ainda vai trabalhar um pouco essa noite,
está tentando espairecer, mas volto em, no máximo, quarenta minutos.
— Eu dirijo para você. — Carlson se ofereceu. — Está nervosa. Trago
você de volta em breve.
— Eu fico aqui. — Damian disse.
— Eu também. — Jas e eu falamos em uníssono.
— É melhor irem para casa. — Mel repetiu, suspirando. — Hailey
precisa dos pais, Jas trabalha amanhã cedo e Oliver tem treino.
— Eu posso ficar. — falei, firme. Wayne suspirou, resignada.
— De qualquer forma, não é bom ter tanta gente aqui. Então… Se Ollie
quer ficar…
— E eu também. — Damian insistiu.
— Então só vocês. Volto logo. — Mel disse, aceitando a carona de
Carlson. Jas me beijou, sussurrando que iria com elas e eu assenti, me
jogando em uma das cadeiras.
Damian, duas cadeiras ao meu lado, apoiou os cotovelos nas coxas,
esfregando o rosto. Mike caminhou em nossa direção, sentando-se entre
nós. Ele não disse nada por muito tempo.
— Não posso perder meu pai.
— Não vai. — Damian assegurou.
— Não pode prometer isso. — Mike rebateu, baixinho. Ele olhou para
mim, mas mantive meu olhar em um ponto fixo do teto. — Sei que é difícil
para você estar aqui, então obrigado, Ollie.
Eu os encarei por algum tempo, pensando no que dizer.
— Não consegui contar para Rhodes sobre Brandon e acho que não é só
por medo de perdê-la, mas porque vou ter que confessar, em voz alta, que
ele foi irresponsável naquela noite. Parece que estou revisitando isso o
tempo todo. Estar aqui não ajuda e não vou dizer que não dói, Graham, mas
por algumas pessoas, vale a pena nadar contra a maré de dor e você é uma
delas. Não agradeça, de verdade. É o mínimo que posso fazer por quem me
ajudou a ficar de pé novamente, em todos os sentidos possíveis. Eu
enfrentaria a dor por qualquer um de vocês, milhares de vezes. Porque uma
vez Green Snake…
— Sempre Green Snake. — Damian terminou, baixinho, e nós sorrimos.
Mike suspirou, abaixando a cabeça e escondendo o rosto entre as mãos.
Seus ombros tremeram e Bale passou o braço em torno do seu pescoço,
imediatamente, ciente de que ele estava a um segundo de desabar. No
momento em que toquei sua perna, silenciosamente lembrando que estava
ali, foi isso o que ele fez. Mike desabou.
— Sei que não digo isso com frequência, — Mike falou, tentando se
acalmar — mas acho que deveríamos falar mais vezes. Principalmente
depois que Brandon se foi. Deveríamos falar mais vezes enquanto podemos.
Então… — Ele respirou fundo, apoiando a cabeça na mão, ainda tremendo
de chorar. — Eu amo vocês, de verdade.
Bale me encarou, com os olhos irritados e eu senti os meus arderem
também.
— Não contem para ninguém, mas eu também. — Damian brincou,
baixinho, e Mike riu entre lágrimas. Eu sorri, bagunçando o cabelo de
Mike, observando os dois caras que se tornaram meus irmãos, com o passar
dos anos.
— Eu amo vocês pra caralho também. — confessei e não falamos mais
nada, por algum tempo.
Mike se acalmou aos poucos e nós ficamos ao seu lado até Mel voltar. E
acho que foi um daqueles momentos tristes pra cacete, mas que te fazem
entender o quanto você ama alguém. Eu daria minha alma por qualquer
Green Snake. E sabia que seria sempre recíproco.
Naomi estava do lado de fora, esperando Bale, quando saímos. Estranhei
não ver Rhodes ali.
— Ela dormiu no carro. — Carlson explicou e eu vi Jasmine dormindo
no banco do carona da SUV, com a cabeça contra a janela.
Suspirei, exausto, confuso em como tudo pode mudar em vinte e quatro
horas. Jas e eu estávamos separados e então juntos. Mike estava bem e
então no hospital, esperando por notícias do pai. Tudo em Brightgate
poderia sempre mudar em um piscar de olhos e era meio assustador, para
ser sincero.
— Estão juntos, huh? — Naomi me questionou, com um sorriso contido,
esticando a mão para Bale. Ele a segurou e então abraçou a esposa por trás,
visivelmente desanimado.
— Sim… Eu… — suspirei, inseguro — confessei que estou apaixonado.
— E Rhodes?
— Também.
Carlson sorriu e seus olhos brilharam. Damian beijou seu pescoço, quase
dormindo de pé. Eu sabia que Naomi sempre seria honesta e me perguntei
se tinha algo para me dizer. Me surpreendi quando falou o que eu não
esperava, mas, certamente, respondeu uma das perguntas que tinham
passado pela minha mente.
— Não vou contar para ela, Oliver.
Damian ergueu a cabeça, bufando com o assunto.
— Disse que contaria caso ela estivesse se apaixonando…
— Sim. Mas, tal como você, eu estou morrendo de medo de perder uma
garota que se tornou uma irmã. E provavelmente vai entrar para a minha
família. Então, talvez Naomi Carlson não seja tão fodona e forte no fim das
contas.
— Cale a boca. — Damian protestou.
— Carlson… — tentei começar, hesitante.
— E também acho que é uma omissão que o grupo inteiro carrega, mas
se tem uma pessoa que deveria contar a verdade, é você — Naomi
prosseguiu, firme. — Porque tudo nasceu de você. Nossa amizade com ela,
veio através de você. O amor de vocês surgiu do luto que ela acha que
dividem por completo, de certa forma… E você perdeu e pode perder mais
do que todos nós, Zhang. Isso é muito mais sobre você. Estou disposta a
sofrer as consequências e lutar por Rhodes, quando for a hora, mas não vou
interferir nisso até que esteja pronto para ser honesto.
Meu coração pesou com culpa, eu a encarei e então Bale, angustiado.
— Eu não sei se consigo.
— Eu entendo. — Damian disse, abraçando Carlson mais forte, olhando
para baixo. — A mera ideia de perder essa criatura aqui me deixa
dilacerado. — O cantor ergueu o rosto para mim de novo. — Mas é como
sempre falamos, Zhang, só tem um caminho possível: contar a verdade,
reconquista-la e garantir que nunca vai perdê-la novamente. A cada dia que
passa, vai ser mais difícil. Então acho que deveria fazer isso de uma vez.
Assenti, buscando Rhodes com o olhar. Ela ainda cochilava, em uma
posição que parecia completamente desconfortável, com o cinto preso ao
corpo.
— Vou levá-la para casa. — falei. — Vou contar a verdade amanhã,
depois do jogo.
Os dois assentiram. Abracei Bale e depois Naomi, que sussurrou que me
amava antes de me seguir e abrir a porta do carro.
Jas resmungou quando tirei o cinto, mas não lutou quando joguei seus
braços em torno do meu pescoço e a carreguei com cuidado. Seu sono
pesado a fez dormir nos meus braços imediatamente e eu a guiei para seu
carro, pegando sua chave em seu bolso. Coloquei seu cinto, beijei sua testa
e a observei mais uma vez antes de fechar a porta e entrar pelo banco de
motorista.
Deitei a cabeça no banco, olhando para o céu mais uma vez. Busquei a
estrela mais brilhante.
Esperei que ela me dissesse o que fazer.

Jas estava na arquibancada e eu estava tenso, em campo. O jogo contra


Sydney estava sendo difícil e não ajudava que o capitão estivesse
desconcentrado pela garota que aparecia, vez ou outra, no telão.
Errei muitos passes.
Muitos mesmo.
Era um dos últimos jogos do campeonato e precisávamos ganhar ele para
ter uma mínima chance de pegar o primeiro lugar da liga — isso se
ganhássemos todas as próximas partidas. A matemática não estava ao nosso
favor. Na verdade, as estatísticas diziam que era quase impossível. E se
perdêssemos aquele jogo, seria impossível.
Perderíamos a chance de ganhar a Premier. Teríamos apenas a
oportunidade de levar a taça da Champions no mata-mata.
Bufei, quando caí no chão mais uma vez, em um lance de falta, tão perto
da grande área que era frustrante. Seth estirou a mão para mim, me
ajudando a levantar, apenas para cair de joelhos no chão novamente quando
a bola passou raspando pelos dedos do goleiro, seguindo por cima do
travessão a cobrança.
O estádio inteiro estremeceu e eu levei as mãos ao rosto, frustrado.
Ergui o rosto para onde Jas estava, gritando, preocupada. Eu precisava
ganhar a maldita partida. Também precisava de coragem para contar a
verdade.
Era muita pressão.
Me posicionei na grande área, ajeitando o coque pequeno em minha
cabeça e limpando o suor da testa com o dorso da mão, cansado. O apito
ecoou e meu companheiro de time se afastou da bola para cobrar o
escanteio.
Era um dos nossos melhores campeonatos. Poderíamos ganhar ainda.
Precisávamos ganhar.
Ouvi a bola ser chutada e pulei, tentando acertá-la com a cabeça, rumo
ao gol. O goleiro avançou em minha direção, agarrando-a. O choque dos
nossos corpos foi brutal e a próxima coisa que senti foi meu corpo caindo
em direção ao chão. Meu pé aterrissou errado e eu gritei, não apenas de dor,
mas porque eu soube. Eu tinha torcido o tornozelo.
Agarrei o pé, chorando de dor, enquanto uma confusão se instaurava em
campo, pedindo por um pênalti. Agarrei meu pé, me contorcendo, pensando
que não poderia perder muitas partidas. O time precisava de mim. Eu não
poderia perder o título.
— Calma, calma! — Ouvi alguém dizer, se ajoelhando ao meu lado. Um
toque no maldito tornozelo e eu mordi a boca, levando as mãos ao rosto.
— Ele tem condições de voltar? — Ouvi Jordan, preocupado.
Quis morrer quando escutei a resposta.
— Não.

Eu estava no hospital, pela segunda vez na semana, com uma bota


ortopédica, segurando a vontade de chorar de frustração.
Quatro semanas, eram quatro jogos perdidos.
Keanu estava indo me buscar. Eu não poderia nem dirigir. Isso me
deixava pior.
Futebol era minha paixão, o que eu nasci para fazer.
Eu tinha apenas cinco anos de carreira restantes, talvez um pouco mais.
Odiava perder jogos.
Odiava perder qualquer segundo.
Odiava ainda mais saber que estava tão perto de ganhar um prêmio
coletivo e agora estava tudo perdido.
Fomos derrotados.
A Premier não seria nossa aquele ano.
Talvez apenas a Champions. Talvez.
Aquilo era um pesadelo.
— Ei… — Ouvi uma voz feminina e doce, baixa. Inspirei seu perfume
antes de encará-la. Xinguei ao me dar conta de que tínhamos que conversar
naquela noite e agora eram, pelo menos, dez horas e eu estava sentado em
uma maca, com a perna estirada. Eu ia contar toda a verdade para Rhodes e
agora ela estava ali, de frente para a maca, olhando para mim. E tudo que
consegui fazer foi chorar.
Chorei. Chorei de cansaço. Chorei porque ela estava preocupada,
passando os braços em torno do meu pescoço e eu não a merecia. Chorei
porque queria ganhar os dois prêmios mais importantes da Austrália por
Brandon Ramsey e agora estava fodido. Chorei porque, por um momento, o
mundo e as pessoas à minha volta, pareceram muito melhores do que eu
era.
Eu não merecia aquele abraço.
Eu não a merecia.
— Sinto muito, capitão.
Alisei suas costas de volta, enquanto afagava meu cabelo, soluçando.
— Vai voltar para o campo, amor, vai dar tudo certo. — Jas beijou minha
cabeça. — Vai levantar a taça da Champions, Z.
— Quatro jogos… Quatro jogos, Jas.
Ela secou minhas lágrimas, ergueu minha cabeça e me encarou.
— Oliver. Me escuta.
Olhei para as íris escuras como a noite. Lindas pra cacete.
— Se eu pudesse, daria a porra do meu tornozelo, pé, joelho, que porra
você precisasse para entrar em campo. Mas eu não posso. — Ela engoliu
em seco e eu segurei seus pulsos em torno do meu rosto, absorvendo suas
palavras. — Não posso te dizer para não chorar ou que isso não vai doer.
Não posso prometer que nunca vai sofrer e isso me destrói, porque é você
quem me carrega quando mal consigo seguir em frente e eu daria minha
alma, para garantir que seria feliz para sempre.
— O que posso te dizer, amor, é para chorar, gritar, xingar, para sofrer o
que tem que sofrer enquanto dói. E então lutar como sempre fez. — ela
continuou — Você é gigante. Você é o melhor jogador da Austrália. Quatro
jogos não te definem e essa não é sua última temporada. Já levou pancadas
mais fortes e cresceu mais ainda.
Ela ergueu meu rosto mais, mantendo meu queixo para cima. Sempre
para cima.
— Você é gigante, amor, mas não cresceu o máximo possível. Não
chegou ao topo ainda. Sempre vai poder crescer mais, está ouvindo?
Assenti, respirando fundo. Porra, eu não a merecia. Não mesmo.
— Então está aqui o que vai acontecer: vai manter esse queixo erguido.
Eu vou te dirigir para cada fisioterapia, segurar sua mão em cada etapa e,
talvez, você volte antes mesmo do quarto jogo. Vou fazer de tudo para que
esteja bem. Vou cuidar de você como cuida de mim. E te prometo, Oliver
Zhang, que não tem possibilidade de você não levantar a taça da Champions
ao fim do semestre e muito menos de eu não estar lá com você, aplaudindo.
No próximo ano, Zhang, vai ganhar a Champions, a Premier e a Copa da
Ásia. Posso até roubar o Ballon’Dor por você se quiser. Só precisa ser o
homem que eu amo, me orgulho e venero.
Ela secou as minhas lágrimas.
— Vai conquistar a porra do mundo comigo. Ano após ano, capitão.
Uni a testa à sua e ela roçou seu nariz ao meu, soprando:
— Repita, Z.
— Vou conquistar a porra do mundo com você, Moonshine.
Ela acenou com a cabeça e me beijou.
Minha melhor amiga. Minha pessoa.
Deus, não apenas minha, Jasmine era a melhor pessoa do mundo. E não
fazia ideia disso. Não fazia ideia de que merecia muito mais do que um cara
covarde, que contava meia-verdades com a mesma boca que a beijava.
Rhodes merecia um homem honesto, bom e que fosse sincero sempre. Ele
não era eu, era? Talvez jamais fosse.
Eu não a merecia. Pior, não conseguia deixá-la ir. Jamais conseguiria.
Suspirei, odiando-me por isso. E a amei. A amei ainda mais.
Muito mais.
“Outros planos falharam
E coloco uma carga pesada em você, eu sei”
New Perspective - Panic! At The Disco
 
 
Rhodes voltou do trabalho, me buscou no clube após a fisioterapia e
agora estava na minha cozinha, preparando algo gostoso o suficiente, para
fazer a casa inteira cheirar absurdamente bem. Aproveitei sua desatenção
para apoiar as mãos na cama, apoiando a bota ortopédica no chão e me
pondo de pé. Achava um exagero usar aquela merda, meu tornozelo já não
estava tão inchado assim, mas qualquer coisa para voltar logo para o
campo.
Segui para o banheiro, tirando a roupa e quase ri com o banquinho que
Rhodes colocou no chuveiro. Apesar de ter uma banheira que eu poderia
usar, eu preferia o chuveiro e ela só faltava colocar barras para que eu me
segurasse. Era um tornozelo torcido, não era a primeira vez, mas Jasmine
era exagerada pra cacete.
Abri o registro do chuveiro, indo para debaixo da água e suspirando com
a temperatura morna e o vapor quente. Tudo o que eu precisava.
Assim que terminei o banho, caminhei para o closet e me vesti. Tinha
uma pequena mala com coisas de Rhodes ali e eu deixei um sorriso idiota
escapar. Éramos vizinhos, mas tinha uma escova de dente para mim em sua
casa, um espaço para seus produtos de beleza no meu banheiro, um estúdio
de dança para mim no apartamento dela e meus lençóis tinham seu perfume.
Paguei com a língua por todas as vezes em que debochei de Carlson e
Bale ou Graham e Wayne.
Oliver Zhang estava domado pra caralho.
Depois de me vestir, segui para fora do closet e então a vi. Rhodes estava
na cama, com o meu moletom, segurando um livro e eu xinguei. Seu sorriso
era tão nítido, quanto a ruga entre suas sobrancelhas.
— Por que não me chamou para tomar banho?
— Não acho uma boa ideia foder de pé no momento, Moonshine. —
brinquei e ela tombou a cabeça para o lado, sem achar graça. — Consigo
fazer as coisas sozinho, amor, fica tranquila. Estou em repouso na maior
parte do tempo, seguindo as recomendações do fisioterapeuta e do médico
do clube e meu pé quase nem está inchado. — Apontei para o dito cujo,
mas Jas apenas ergueu uma sobrancelha.
— Posso te ajudar. Quero te ajudar.
— E te amo por isso. Mas faz duas semanas desde que fodi o pé e já
estou bem melhor.
— Está mesmo?
— Aham.
— Então me explica isso.
Ela ergueu o livro, eu o vi melhor e fiquei boquiaberto. Eu só pensei:
“Bem, fodeu…”
— Ollie… Desde quando estuda português?
— P-pou-pouco. — gaguejei.
— É um livro avançado.
Sorri torto, pensando em começar a me explicar. Ela escancarou a boca e
eu ri, nervoso, quando me jogou um travesseiro.
— Entende tudo o que eu falo?!
— Calma! Não tudo. — Sorri ainda mais, erguendo as mãos. — Boa
parte das coisas. — Ela jogou outro travesseiro e eu ri, me afastando. — Em
minha defesa, parei há um ano.
— Você chegou no avançado há um ano?!?! — Abri e fechei a boca e
Jasmine soltou um riso estrangulado. — Oliver Zhang!
— Em minha defesa, novamente, eu não entendo tudo sempre, ok?! Sei
ler algumas coisas e entendo o básico que falam, mas se me quiser falando
algo, vai se decepcionar. Ainda repito as coisas no Duolingo e erro pra
caramba.
— Fala comigo!
— O quê?
— Fala português comigo.
Coloquei as mãos na cintura, hesitante. Tentei formar frases na minha
mente.
— Eu gosto de pão de queijo.
Rhodes explodiu em gargalhadas e eu cocei a testa, me aproximando
devagar. Joguei meu peso sobre ela, forçando-a a se deitar no meio das
gargalhadas.. Jasmine chorava de rir, encarando o teto, tremendo.
— O que foi? — resmunguei, fazendo drama e beijando seu pescoço.
— Entendi sua intenção, mas… Você praticamente falou pau de queijo,
amor. — Jas tentou parar de rir. — Precisa trabalhar nos sons nasais.
Meu rosto esquentou e eu enterrei a cabeça no seu ombro, morto de
vergonha. Ela me abraçou pelo pescoço, acariciando a minha nuca.
— Por que nunca me disse?
— Não queria criar expectativas. Sabe que sou péssimo aluno.
— Discordo. Aprende muita coisa rápido. — Ergui a cabeça, assistindo-a
com os olhos pequenos, com sono, sem maquiagem. Linda. — Por que as
letras são grandes assim?
Respirei fundo, me sentando. Rhodes fez o mesmo, ao meu lado.
— Eu tenho dislexia.
Jas não piscou. Também não duvidou e nem fez qualquer comentário
idiota.
— Por que não me disse antes?
— Porque… Não sei. Não sei mesmo. Por que não está confusa?
— Eu meio que desconfiava. — confessou, baixo, colocando uma mecha
para trás da orelha. — Quando você treinava textos comigo, Ollie, às vezes
lia as falas errado, uma ou duas vezes. Trocava uma palavra ou outra e
ficava nervoso. Você sempre falou da sua dificuldade na escola e sempre
desconversou quando a Mel indicou algum livro. Nichole também era
disléxica e os sinais são sutis, mas eu percebo.
— Nichole. — resmunguei, de brincadeira, estalando a língua. Jas riu,
beijando minha bochecha. Acariciei sua mão, esquadrinhando seu rosto. —
Desculpa não ter contado. Acho que nossos amigos também sabem ou
desconfiam, mas meus pais nunca me ensinaram a conversar sobre isso e eu
fui criando algumas barreiras.
— Eu entendo. — ela me disse, baixo, movendo meu cabelo para trás da
orelha, em um carinho suave. Quando ergueu meu queixo, com um sorriso
contido, me apaixonei mais um pouco por Rhodes. Não sei porquê, só que
aconteceu. — Mas lembra que sempre que precisar de ajuda ou desabafar,
nisso ou em qualquer coisa, sou mais do que sua namorada. Sou sua melhor
amiga. Para sempre, ok?
Rhodes ofereceu o mindinho e eu uni o meu ao seu, esperando que
cumprisse a promessa. Torcendo para que não percebesse a insegurança no
meu rosto, balancei as sobrancelhas, sorrindo.
— Namorada, é?
— Quer dizer… Você sabe, não recebi nenhum pedido. E no Brasil, a
gente trabalha com pedidos.
— Trabalha, é?
A confirmação virou um grito quando a joguei na cama, enchendo-a de
cócegas. Rhodes me parou, rindo, me beijando e invertendo as posições,
sobre a cama.
— O jantar. — lembrei.
— Está pronto. Podemos esquentar depois.
— E quanto a não poder fazer esforços? — debochei.
— Você só precisa ficar deitado e ser gostoso, capitão, eu faço o resto.
Gargalhei e ela colou o sorriso ao meu, provando seu ponto.
Tinha muito a ser resolvido entre nós e a culpa era, com certeza, minha.
Mas eu poderia me acostumar àquela rotina. Definitivamente poderia.

Rhodes tocou as minhas costas conforme eu caminhava para dentro do


Oxente, com a bota ortopédica, mancando. Bale passou o braço em torno de
Naomi, em frente ao caixa, sorrindo de orelha a orelha para mim e Mike se
virou, com um brilho perverso que dizia que faria alguma piada. Mel tocou
seu braço, em um sinal para que se contivesse. Mas Graham não faria isso.
— Apaixonou na botinha nova, né, meu príncipe?
— Vai se foder, Graham. — falei, rindo, percebendo que Hailey, no colo
da Naomi, corava. — Foi mal, Hayhay, nunca xingue na frente dos outros.
— Ainda bem que pediu desculpa antes de apanhar. — Carlson me
ameaçou, depois encarou Hayhay. — Ei, amor, não tem algo que queria
mostrar para os titios?
— Está feio, mamãe.
— Nada seu é feio, sweetheart. — Bale a corrigiu, pegando a mochila de
unicórnio nas costas da Naomi e acenando. — Posso?
Hay assentiu, nervosa, e eu fiquei curioso. Rhodes sinalizou algo para
um funcionário, que entrou na cozinha imediatamente. Bale pegou um
pequeno caderninho com dois desenhos dentro.
— Isso é sensacional. — avisou, olhando para cada um de nós antes de
abrir o caderninho. Era uma árvore para mostrar sua família.
Tinha a foto da avó materna, mas não do avô e sim de Patrícia Rhodes.
Dessa forma, Jasmine era da família dela e eu, seu namorado, também. Ao
lado da Naomi, um traço puxava para uma foto de Wayne e tinha escrito
“aisade” o que eu entendi como amizade. O mesmo de Bale para Mike. Os
dois nerdzinhos eram ligados por um grande traço com um coração no
centro. Todas as nossas mães, eram avós da Hailey, com fotos pequenas por
todo o lado, provavelmente impressas do Google.
Rhodes segurou meu braço, sem acreditar. Mel fez um bico, com os
olhos marejados, abrindo os braços para a afilhada. Hay sorriu, tímida, mas
migrou para o colo da tia e a abraçou o mais forte que pôde.
— Tem mais. — Carlson avisou, baixinho, orgulhosa. — Esse é seu. —
ela disse para Mike, mostrando um papel um pouco amassado. — E esse é
seu, Zhang. — Ela me entregou a outra folha.
Uma Hailey com uma cabeça três vezes maior que o corpo e uma boca
quase do tamanho da cabeça beijava a minha bochecha. E eu sei que era eu,
porque o boneco palito carregava uma bola e usava uma bota, com o pé
machucado.
— Meus beijinhos saram tudo. — ela explicou, baixinho.
Ergui a cabeça, buscando Mike. Ele suspirou com pesar, sem palavras.
Era um hospital, com um cara no que parecia ser uma cadeira de rodas,
provavelmente o pai dele. Mike, ao lado, estava vestido de Homem-Aranha,
pela máscara vermelha em seu rosto, e Hay beijava o rosto do pai dele.
— É para o titio Ethan sarar logo. — Hay deitou a cabeça no ombro da
Mel.
— Ele já está melhorando, sabia? — Mike contou. — E vai melhorar
ainda mais quando ver seu desenho. — Graham a encheu de beijos e eu
encarei Naomi e Bale.
— Vocês fizeram um ótimo trabalho nessa aí.
— Pois é. — Damian devolveu. — E foi uma rapidinha em uma moto.
Naomi acertou o dorso da mão em seu peito, rolando os olhos.
— O que vão fazer hoje? — ela quis saber, mudando de assunto. —
Damie e eu temos um podcast que não faço ideia do porquê vamos gravar,
enquanto a Hailey vai para a escola. Preciso de algo para me motivar.
— Ollie vai acompanhar uma gravação essa manhã. — Rhodes contou,
com uma careta. — Vou levá-lo para o clube depois do almoço.
— Você tem certeza? — Naomi me perguntou.
— Sim, ué, por que eu não veria minha namorada atuar? — rebati,
confuso.
Carlson me encarou, fixamente, esperando que eu entendesse. Não
aconteceu.
— Rhodes, você contou para ele que cena me disse que gravaria essa
semana? — Mel pressionou, rindo. Olhei para Jasmine e ela recebia um
copo de café, provando-o e o julgando, de repente, mais importante que a
conversa.
— Jasmine? — perguntei, ansioso.
— Vamos? — ela devolveu, acenando com a cabeça para a porta, não
parecendo muito melhor. Ela não gravaria uma cena de sexo, gravaria?

Ela estava gravando uma cena de sexo.


Eu não sabia se respirava.
Rhodes e outra garota estavam na cama e eu queria interromper, vesti-las
e dizer que ninguém tocava a minha garota.
Eram meio broxantes os tapa-sexos, posições da câmera e tudo mais,
mas desde que a minha namorada tirou o roupão e começou a beijar outra
pessoa, eu quis vomitar.
Não tinha nenhum problema em assisti-la em filmes, séries, qualquer
porra… Mas estar atrás das câmeras, vendo aquilo… Meu braço ficou
dormente. Meu peito doeu. Era um infarto, não era?
— Corta! — Wayne gritou.
Graças a Deus.
Rhodes e a garota se afastaram, se vestindo e rindo, como se não
tivessem feito nada e eu continuei parado, olhando fixamente para o
cenário, pensando se tinha morrido e aquele era o meu purgatório. Deveria
ser. Provavelmente era.
— E aí? Foi tão mal assim? — Jasmine perguntou, parando à minha
frente.
Eu ainda estava meio dormente.
— Oliver?! Está pálido.
A outra atriz passou por Jas, tocando seu ombro, e eu a fuzilei com o
olhar.
— Ai, Deus, sabia que era uma péssima ideia! Está com ciúmes.
— Não. — menti, mas trinquei os dentes e franzi o cenho, com ciúmes.
— Ollie, é meu trabalho.
— Eu sei. Parece divertido, hm?
— Não faço só cenas assim.
— Eu sei, Moonshine.
Ela riu e eu não vi a graça.
— Vem cá. — falou, baixinho, passando os braços em torno do meu
pescoço e me dando um selinho. — Deixa seu orgulho ferido de lado por
um momento, capitão, e pensa que quem eu estava fodendo de verdade
ontem, era você. E na vez antes disso. — Ela me deu outro beijo. — E na
vez antes disso…
— Eu sei, mas… poxa, ela mordeu sua boca que nem eu faço. — Rhodes
prendeu a risada. — Sério, não tem graça, Jas.
— Desculpa, desculpa! — Jasmine me beijou de novo, um pouco mais
profundo. — Mas não senti prazer nenhum em cena. Nunca sinto. Na
verdade, é um desafio fazer não parecer desconfortável.
— Já ficaram… sabe… contigo em cena?
— Uma vez.
— Cole?
Ela não respondeu e eu quis vomitar.
— Mas ele não está mais aqui, hm? — Jas lembrou, passando os braços
em torno da minha cintura. — E você está. E temos dez minutinhos antes
do almoço e antes de te levar para a fisioterapia…
— Cole não está fisicamente. — Priyanka disse, brotando de sabe lá
onde e me fazendo estremecer de susto. Rhodes xingou. — Mas acabou de
aprontar outra merda para não sair da porra das nossas cabeças.
Rhodes xingou de novo. Devagar.
Seguimos para o camarim, enquanto Priyanka nos atualizava. Ele fez
uma entrevista para um tablóide, confessando seu problema com drogas e o
início parecia ótimo, eu quase torci para o cara superar o vício. O problema
é todas as vezes em que ele culpa Jasmine por isso.
— “Toda vez que ela ganhava alguma coisa no set, eu usava alguma
coisa”. — Jasmine leu a revista em sua mão, incrédula. — “Ela me
sabotava e eu voltava para o vício.” Pelo amor de Deus?! Eu nunca sabotei
esse cara! E eu poderia ter sabotado. Porra, quem ele pensa que é? A Mel
leu isso?
— Ela estava entrando na sala de Jack assim que você acabou a
gravação, acho que estão conversando. — Pri disse e Rhodes riu, de ódio.
Ela pegou o celular e eu me levantei, sentindo que deveria para-lá ou ela
faria alguma merda.
— Pegue seu telefone, Oliver.
— O quê?
— Pega a porra do seu celular, eu estou cansada de ser boazinha.
— Jasmine. — Priyanka avisou.
— Ele falou do Ollie também.
— O quê?! — ralhei.
Peguei a revista, passando os olhos novamente por todas as vezes que
falou mal da minha garota, ficando mais puto a cada parágrafo, porque ele
não parava. Não chegou ao meu nome. Franzindo o cenho, confuso,
fechando a revista.
Até que vi, no canto da capa, em letras garrafais: “Quem é o Mistério?
Dançarino famoso das redes sociais”. Cole tinha descoberto. E ele tinha
exposto.
Folhei a revista, desesperado, xingando com a confirmação. Eu voltaria a
jogar em duas semanas, talvez uma. Sabia como os preconceituosos filhos
da puta dentro do clube agiriam por eu ter um hobby como a dança.
— Cole. — Jasmine disse quando alguém atendeu, colocando o telefone
no viva voz e estendendo a mão para mim. Entendi o que ela queria fazer,
tão puto quanto.
Se era nossa chance de foder a vida do cara, eu faria exatamente isso. Ele
tinha ferrado com a minha mulher. Tinha ferrado comigo. Eu o arrastaria
para o inferno.
Coloquei para gravar.
— Ora, ora, Rhodes… A que devo a honra?
Priyanka tentou nos interromper, mas eu levei o indicador à boca, para
que se calasse.
Jas estava certa. Precisávamos começar a enfrentar aquele filho da puta.
Tudo o que Jasmine precisava era de um deslize.
E ela com certeza o faria cair.
“As verdades nas minhas mentiras agora caem como chuva”
River – Eminem ft Ed Sheeran
 
 
— Aposto que é um prazer falar comigo. — Cole provocou.
Ri. O tipo de gargalhada que geralmente fazia as pessoas saírem do meu
caminho quando eu estava puta.
— Oh, com certeza. No ranking de prazeres, falar com você
provavelmente está próximo de enfiar um lápis nos olhos, comer merda ou
parir uma criança como você. 
— Tão adulta.
— Preciso ajustar minha linguagem para sua compreensão, O’Connell.
Mas vou ser direta, porque minha sobrinha de quase cinco anos conseguiria
me entender e estou escolhendo confiar no seu potencial.
Oliver prendeu um riso, trocando um olhar com Priyanka, que não tinha
achado muita graça. É que Hailey ficaria toda pomposa ouvindo aquilo.
Bem, era verdade.
— Estou ligando para meus advogados. Não quero que cite meu nome,
nem o nome do meu namorado em suas notícias falsas. Então vou te dar
uma oportunidade de entrar em uma reabilitação, virar um cara decente e
tentar crescer na indústria do jeito certo, sem passar por cima de ninguém. É
a última oportunidade, Cole, e você não merece nem uma segunda ou
milésima chance. Estive quieta em respeito a uma série de pessoas, mas
estou cansada de engolir a sua merda. Então ou para de divulgar mentiras
ao meu respeito ou vou ferrar você em um tribunal e arrancar dinheiro o
suficiente para resolver todas as merdas e perdas que você me causou.
— Sabe que não menti sobre tudo, Jasmine.
Meu coração acelerou e uma gargalhada vitoriosa se prendeu em minha
garganta. Levei a mão à boca, tentando manter a calma ao sorrir, me
virando para minha empresária. Priyanka Bowie deixou o queixo cair,
surpresa em quão fácil tinha sido.  Ele não mentiu sobre tudo. Mas tinha
mentido. Eu poderia terminar ali. 
Mas Cole era burro. Burro pra caralho. E talvez eu conseguisse arriscar
mais.
— Não me importa se você acha ou não que não mentiu sobre tudo. Vou
provar que mentiu. E se continuar falando merdas sem provas, Cole, vai
arcar com a porra das consequências. O que acha que está fazendo? Acha
que pode sair impune? Ainda mais se metendo com Jasmine Rhodes?
— E você está se metendo com Cole O’Connell.
— Um mimadinho de merda que fodeu ou comprou o caminho até o
topo e quer mentir que eu fiz isso? Bom, não me parece muito difícil de
ganhar.
— Você fodeu minha carreira. Fodeu minha vida. Estou retribuindo,
Jasmine.
— Não fodi porra alguma. 
— Fodeu sim. Você me fez ser demitido, porra. Você e aquela filha da
puta da Melissa.
— Seu comportamento te fez ser demitido.
— Foda-se! Tem tantas celebridades com comportamentos piores no
topo. Eu sou talentoso pra caralho, vocês não poderiam fazer isso.
— Talentoso? Cole, você atua como uma parede. E beija pior do que
uma.
Vamos, Cole. Mais um deslize. Só um.
— Sou a porra da razão pelo sucesso daquela série fodida, Jasmine. E
eu vou mostrar isso. Vão se arrepender de terem me demitido. Vão me
implorar para voltar quando estiverem em ruínas. Pode arrastar todo um
time jurídico para a porra do tribunal, porque eu não vou descansar até
foder você, aquela desgraçada da Melissa, os roteiristas, produtores e seu
namoradinho idiota que acha que pode me bater e sair ileso. Vou ferrar
todo mundo com quem se importa. Quando estiver na merda, sem fãs, sem
trabalho, sem dinheiro, você vai se ajoelhar pedindo por perdão. E se acha
que uma mentira ou outra é o pior que posso fazer, então eu me prepararia
se fosse você e seus amiguinhos filhos da puta, porque são as verdades que
vocês devem temer.
Cole desligou a chamada e eu larguei o celular, tremendo, avançando em
Oliver. Ele pausou a gravação e colocamos o play, ouvindo que tudo o que
tinha sido gravado. Cole conseguiu ser burro o suficiente, cego pelo ódio,
para confessar tudo sem que nem percebesse.
— Priyanka. — comecei, ciente de que o que se passava pela minha
cabeça era perigoso e insano e ela provavelmente detestaria. Mas Pri me
surpreendeu, encarando Oliver e tirando o celular do bolso.
— Mande para meu telefone e para Keanu. — ela disse, já ligando para
alguém. 
— O que vai fazer? — eu quis saber, tocando o colo e sentindo meu
coração à mil.
— Enviar um furo de reportagem para o TMZ Austrália. — ela me
respondeu. — Se quer foder com O’Connell, então vamos foder com
O’Connell. Mas isso vai ser uma guerra, Rhodes. Então precisam estar
preparados.
Priyanka olhou para mim e então para Zhang.
— É o que quer? — Ollie me perguntou, segurando minha cintura.
Assenti, unindo os lábios aos dele, tentando me acalmar.
— Juntos, capitão? 
Ele sorriu, mesmo tenso, colando os lábios nos meus.
— Juntos, Moonshine.

Xinguei, me perguntando como poderiam ter jornalistas no


estacionamento do time do Oliver. Os afastei, com cuidado, me
arrependendo de não ter aceitado os seguranças que a Pri tinha oferecido.
Eles gritavam perguntas e eu tocava as costas de Zhang, o incentivando a
andar, preocupada com cada passo que ele dava. Era a última semana de
fisioterapia e ele estava evoluindo. Poderia voltar a jogar na próxima
semana e poderia disputar dois jogos para ajudar a garantir a vaga na
Champions. Era seu sonho em jogo e qualquer queda que aqueles abutres
provocassem, me tornaria uma fera. Pior do que isso, Zhang já ficava
ansioso o suficiente por eu dirigir em seu lugar, não o queria mais nervoso.
— Jasmine! Foi você quem vazou o áudio ou mesmo um colega de
produção?
— Oliver, é verdade que você chutou os ovos de Cole? — Eu quase ri
com essa, apesar de estar nervosa, me senti menos mal quando abri a porta
para Zhang e o vi dar um sorrisinho de canto, olhando para baixo.
— Jasmine, é verdade que já tem um processo em andamento?
— Cole é realmente um viciado?
Por mais que odiasse o filho da puta, eu não responderia a última
pergunta.
Assim que Zhang colocou o cinto, fechei a porta e segui para o banco do
motorista. Oliver bufou quando fechei a porta do carro. Tinham papparrazis
na frente do carro.  Zhang olhou para baixo, seu peito subindo e descendo
em uma inspiração profunda. Virei-me para ele, virando seu rosto em minha
direção.
— Ei… Ei… Respire.
Oliver obedeceu, olhando no fundo dos meus olhos. Respirei fundo e ele
me imitou. De novo. E mais uma vez. Colei os lábios em sua testa, nariz e
boca, ignorando os idiotas do lado de fora.
— Eu te amo, ok? Vou dirigir devagar. Eles vão sair da frente. Não tem o
que temer.
— Eu sei. Confio em você.
Sorri, beijando sua bochecha. 
Liguei o som, feliz por já estar em nossa playlist de rap e coloquei o
cinto, buzinando para saírem da frente. Movi o carro um pouco para frente e
eles finalmente se afastaram. Bateram em nossas janelas, gritando
xingamentos ou perguntas que jamais responderíamos e eu comecei a
dirigir.
Zhang olhou para cima, pálido, parecendo um pouco enjoado. Segurei
sua mão e a beijei. Ele entrelaçou os dedos aos meus. Macklemore cantava,
mas ele não parecia focado na letra. Eu também não. Era melhor que se
acalmasse em seu tempo.
— Moonshine?
— Hm? — O encarei de relance, antes de virar na próxima esquina. 
Zhang deitou a cabeça no encosto do banco, com um sorriso contido, ao
suspirar.
— Também amo você.
Meu coração se encheu e eu apertei sua bochecha, voltando a focar na
direção.
— Eu sei, capitão. Eu sei.
Foi assim na segunda. Na terça. Na quarta. Na quinta. Na sexta, o clube
disse que o fisioterapeuta estava no hospital, porque seria uma boa para
despistarmos os paparazzis, que já começavam a incomodar. Então fomos
até lá.
— Cole lançou outra entrevista. Mas ninguém acredita nele. — Keanu
disse, nos seguindo de perto. Zhang caminhava normalmente, sem a bota
ortopédica, segurando minha mão. Ele relia as mensagens, em busca da
confirmação da sala a qual teríamos que ir. — Seus fãs estão protegendo
vocês com força. Digo, enfrentá-lo de cara era algo que eu jamais
concordaria no início de tudo, mas devo dizer que estou chocado por isso
estar indo bem. Os fãs brasileiros são ainda mais insanos. Tem uma
@BeaZhang fazendo uma série de edits detonando Cole e fazendo sucesso
no Tiktok, uma @GegeoBale montando vídeos de exposed… Oh, e uma
@SamiRhodes postando memes no twitter sobre a situação, está famosa pra
caralho.
— Eles realmente não deveriam ter mexido com uma brasileira. —
comentei e Zhang concordou, acenando com a cabeça para o caminho que
deveríamos seguir. Encontramos uma sala de espera e algumas pessoas
ficaram impressionadas por Jasmine Rhodes e Oliver Zhang estarem ali. Z e
eu demos sorrisos pequenos, enquanto ele digitava para o fisioterapeuta. —
Vai esperar com os demais? Porque realmente preciso de um café.
— Só cinco minutos. Ele disse que já está chegando e sou o primeiro da
tarde.
Zhang beijou minha testa, me puxando para si. Keanu suspirou, ao
celular.
— Conversando muito com a Gigi? — perguntei, tentando aliviar o
clima.
— Tentando. Mas essa garota é difícil de conquistar.
— Ou você que é péssimo pra caralho. — Oliver debochou e eu ri contra
seu peito, o abraçando pela cintura.
— Oi… — Ouvi e olhei para baixo. Tinha uma garotinha negra, de
cabelos cacheados, olhando para mim. Deveria ter cinco ou seis anos. —
Você é Jazzy Rhodes né?
Me agachei, sorrindo.
— Sou sim, amor. E você? Quem é?
— Sarah.
— Sarah? Uau! Que nome lindo.
Ela sorriu de orelha a orelha, fazendo duas covinhas profundas
marcarem suas bochechas. Meu útero coçou, só um pouco. Um pouquinho
só.
— Gostei muito de você naquele filme da Disney.
— Jura?! — Não fiz uma princesa nem nada do tipo. Fiz uma
personagem secundária nova em um filme sobre sereias. Até que foi
divertido, apesar de ter me deixado quatro meses em uma ponte aérea
Austrália-Estados Unidos. — É um dos meus favoritos também, sabia?
Ela sorriu, sem jeito, e eu soube que queria pedir alguma coisa.
— Pode dar um autógrafo para a minha mãe? Ela é muito sua fã. —
disse baixinho e eu ergui o rosto, vendo uma mulher de trinta e poucos anos
com cabelos cacheados presos em um rabo de cavalo escondendo o rosto,
tímida.
— Posso sim. Quer me apresentar?
Olhei para cima, encontrando Oliver hipnotizado pela cena, com os
olhos brilhantes. Suas bochechas coraram e eu perguntei se estava tudo
bem. Zhang assentiu, sorridente.
Me aproximei da senhora, tirando uma ou duas fotos e escrevendo algo
em seu caderninho. Zhang nos observou de longe e eu perguntei por que ela
estava ali. Ela me disse que tinha sofrido um acidente de carro seis meses
antes.
Motorista bêbado. Ela sóbria.
Ela trabalhava como barista pela noite.
Estava a apenas um bloco de casa.
Um de seus clientes morava na mesma rua e atingiu seu carro.
Ergui a cabeça para Oliver, me perguntando se ele tinha ouvido;
lembrando de como nos conhecemos e de como nossas histórias eram
parecidas. Zhang desviou o olhar, quase como se tivesse sido atingido e o
fisioterapeuta chegou antes que eu perguntasse se tudo estava bem.
A princípio, eu achei que Ollie estava triste por reviver algo sobre
Brandon. Mas então ele saiu da consulta e não disse absolutamente nada até
chegar em casa. Foi quando eu comecei a me perguntar se havia algo a mais
o ferindo.

— Não precisa. — Oliver disse e eu respirei fundo.


— É sua última consulta, eu quero estar lá, Zhang.
— É dia de você curtir com as garotas. Volto logo.
O segui pela sala, enquanto ele ajeitava as mangas da camisa, mal
olhando nos meus olhos.
— É isso mesmo? Só isso? — questionei e Zhang suspirou pelo nariz. —
Porque você mal me toca, nem me beija direito e é monossilábico desde
sexta-feira. Fiz alguma coisa? Tem algo te preocupando? É sobre Cole?
— Jas, de verdade, estou bem. — Oliver falou, erguendo o rosto,
forçando um sorriso. — Keanu vai me buscar. Acho que até volto dirigindo,
porque estou cem por cento recuperado. Devo voltar a treinar essa semana.
Está tudo bem.
— Você mente muito mal, Zhang.
— Não estou mentindo.
— Sim, está. — rebati, pegando minha bolsa sobre o sofá. Oliver bufou
e eu segui para a porta. — Vou dormir em casa hoje. Não se incomode em
dar boa noite.
Oliver me alcançou assim que apertei o botão do elevador, me virando
para si. Eu cogitei afastá-lo, mas não pude. Não quando me olhou daquele
jeito.
— Vou conversar tudo contigo ainda essa semana. Não estou bem. Só
não me pressiona, tá? Tenho muita coisa na cabeça. Estou com medo de
ouvir que ainda não posso jogar a próxima partida, na sexta, de ir mal nos
treinos. Estou com medo de perder a Champions. E mais do que isso tudo,
estou com medo de perder você.
Engoli em seco, confusa.
— Não vai me perder. Por que me perderia?
— Cole… 
Eu o interrompi, erguendo seu queixo e colando os lábios aos seus.
Oliver suspirou pelo nariz, relaxando os ombros.
— Não vai me perder, Zhang, não importa o que Cole faça. Estamos
nessa merda juntos e eu te arrastei para ela. Vamos resolver juntos e estou
do seu lado. Se eu precisar socá-lo como fez por mim, vou fazer. Se você
estiver ansioso, precisa conversar comigo. Sou sua namorada, Zhang. Sua
melhor amiga. E é com diálogos que relacionamentos funcionam. Ok?
Ele assentiu, não parecendo menos tenso.
— O que quiser me contar, pode contar. — falei.
— Ok. Mas ainda preciso de tempo.
— Vai me deixar te levar para a fisioterapia?
— Não precisa.
Bufei, me afastando quando o elevador chegou.
— Rhodes!
— Está tudo bem, Z. Estou atrasada. Se não quer que eu te leve agora, a
gente conversa depois.
O assisti com as mãos na cintura, até a porta se fechar.
Mas não estava tudo bem. Oliver me escondia algo, há algum tempo. De
início eu sentia que era alguma neurose minha. Agora, por algum motivo,
eu tinha certeza. E parte de mim se incomodava por não saber o que era.
Por duvidar que não confiasse em mim o suficiente para ser sincero.
Xinguei, bufando e olhando para o teto do elevador.
Tinha esquecido de como discussão em relacionamento poderia ser uma
merda.

— Então brigaram? — Damian perguntou, me servindo uma taça de


vinho, enquanto Naomi ajudava Hailey no banho. Mel estava atrasada e
Damie esperava Mike deixá-la para pegar uma carona. Seria uma noite dos
garotos sem Zhang, aparentemente. Oliver não confirmou que iria, após a
fisioterapia.
— Mais ou menos. Talvez eu tenha pressionado um pouco. Quer saber?
Não. Não pressionei. — Damian riu nasalado e eu percebi quantas vezes
mudei de ideia em segundos. — Ugh… Só sinto que tem uma distância
estranha entre nós. Ele é meu melhor amigo antes de qualquer coisa e eu
não quero que me esconda nada, sabe?
Damian não disse nada. Só se serviu de um pouco de vinho e virou um
gole. Estreitei os olhos, percebendo algo estranho em sua postura tensa.
— Sabe de algo?
— An? O quê? Não!
— Sabe de algo!
— Não sei de nada, porra.
— Você me ama? — Murchei os lábios.
— Para com isso.
— Funciona com a Hailey.
— Ela tem quase cinco anos, é fofa e é 50% eu, tecnicamente saiu do
meu saco. — Fiz uma careta.
— Você é nojento, sabia? — Damian deu de ombros. — Sério, Bale, me
conta.
— Olha. — ele disse, suspirando. — Eu te amo, mesmo. Você é,
provavelmente, a melhor amiga que tenho. Depois da minha esposa. — Ele
piscou, voltando a beber da sua taça. Fiz o mesmo. — Mas Oliver é meu
irmão. Sou tão leal a ele quanto a você.
— Ou seja, sabe de algo, mas não quer contar.
— Ou seja, mesmo se eu soubesse de algo, — se esquivou, erguendo um
dos dedos que agarravam a taça — eu o respeitaria. Jas, tem coisas que um
casal precisa resolver. Ou dois amigos. Tem coisas que terceiros não devem
interferir. Então, seja lá qual motivo Oliver tenha para estar na merda, ele
tem que falar com você. E você tem que estar disposta a ouví-lo e vice-
versa. Logo, não, eu não te contaria nada.
— Merda nenhuma. — resmunguei. — Terceiros sempre interferem. Ou
quartos. É como uma família funciona, Bale. Quantas vezes contou algo da
Mel para o Mike ou o contrário, pelo bem deles? Quantas vezes fez o
mesmo com Ollie e eu? Ou eu fiz com vocês? Tem segredos que precisam
de confiança e não contamos. Mas tem coisas que precisam ser ditas.
Damie suspirou, mas não rebateu.
— Converse com ele, Rhodes. É tudo que posso dizer.
— Estou tentando.
Ele não disse mais nada.
— Papai! — Hailey gritou, correndo para ele, em seu pijama azul. Ele
sorriu, a erguendo no colo. — Hoje é dia de máscara no rosto. Você pode
ficar?
— Sabe que amo skin care, sweetheart. — Bale disse. — Mas é noite
das garotas. Infelizmente sou um garoto. Pode pintar minhas unhas e cuidar
da minha pele amanhã, o que acha?
— E roubar meu papel? — Naomi fingiu brigar, cruzando os braços, ao
se aproximar. Damian se limitou a sorrir, mas o modo como seus olhos
percorreram a esposa, que vestia um blusão qualquer da turnê dele, me
disse exatamente o que fariam se Hay e eu não estivéssemos ali.
— Vocês não cansam de serem perfeitos? — perguntei.  — Digo, qual é
a fórmula? Vocês tem uma filha linda e incrível, são casados há o quê?
Quatro anos? Juntos há dez ou mais? Firmes, fortes e apaixonados. De
verdade, com qual capeta vocês fizeram pacto? Qual é o segredo?
— Eu mando e ele obedece, basicamente. — Carlson respondeu,
cruzando os braços em cima da mesa. Bale deu de ombros, porque era
verdade.
A campainha tocou e Damian suspirou, enchendo o rosto de Hay de
beijos antes de colocá-la no chão. Naomi gritou, lembrando que bastava
colocar a senha para abrir a porta e Mike fez isso, enquanto Melissa
resmungava. Ele sempre esquecia.
— Foi mal. — Graham se desculpou, erguendo as mãos. —  Vim deixar
minha esposa e buscar meu marido. 
— Já era hora, amor. — Bale respondeu, piscando.
— Garotos são tão… Ugh — Melissa resmungou, passando por Graham
e roubando a taça de Bale. Ela virou um gole. 
— Brigaram? — Damian quis saber.
— Homens são porcos. — Melissa respondeu.
— São mesmo. — Naomi concordou e Damian a encarou. — Desculpa,
novato, mas você me irritou muito hoje. Quer que eu lembre o porquê?
— E vamos sair, Mike. — ele cantarolou, saindo rapidamente e puxando
Graham pela camisa. Hailey correu para abraçar Graham e se despedir do
pai. Damian a encheu de beijos uma última vez. — Vai guardar máscara de
argila para mim?
— Ai, Damian, cai fora, vai. — Naomi mandou, balançando a mão. Eu ri
e Wayne também, enquanto os dois se retiravam. Assim que a porta se
fechou, eu bati na testa de Mel, chamando sua atenção. Ela se fez de
confusa. — O que aconteceu?
— Discussão de casal. Mike buscou Ethan no hospital hoje. Ele está
melhor. — Sorri, feliz de saber que seu sogro estava bem. —  Daí voltamos
para casa e eu acabei dormindo depois do jantar. Acordei e ele estava
assistindo The Mandalorian sem mim.
— Meu Deus, que crime. — falei, fingindo estar ultrajada. —  O que é
isso?
— Série nerd. — Naomi traduziu. — Aí vocês brigaram?
— Eu fiquei chateada, porque esse é o nosso lance. É nossa série. — Mel
explicou. — Mas também estou meio estressada ultimamente. E dormindo
demais. Estou quase ligando para o meu psicólogo. Não sei se é ansiedade.
Percebi que Carlson ficou pensativa por um momento.
— Pode ser TPM? — ela perguntou.
— Talvez. Mas minha menstruação não veio e era para vir há, sei lá dois
dias. Provável, então, certo? Sempre fico estressada na TPM.
— Quando foi a última vez que fez um teste, Batman? — Naomi
perguntou e Wayne deu de ombros. 
— Também não quero fazer tão cedo, então…
— Wayne. — falei, entendendo o que Carlson queria dizer.
— Não estou grávida. Minha menstruação é irregular. Não vou cair
nessa pilha. — ela disse, forçando um sorriso. — Vou trocar para o meu
pijama. Já volto.
Mel saiu. Naomi e eu nos entreolhamos. Ela apoiou a cabeça no meu
ombro.
— Odeio que o assunto bebês a deixe assim. — Naomi murmurou.
— Eu também.
— E os peitos dela estão maiores. Você percebeu?
— Não. Mas agora vou ficar olhando, obrigada por me fazer pensar
nisso. — debochei e ela riu. — E se Mel estiver grávida?
— Espero que esteja. — Naomi disse, se virando e observando Hailey de
longe. Hay estava no chão, brincando com Dior, o gato. — Quero ter mais
um.
A encarei.
— Quero muito um garoto. Digo, amaria uma garota, sabe? Amaria
mesmo. Eu adoraria ter outra filha. Mas, nossa, eu quero tanto um menino.
Eu sorri.
— Você tem cara de mãe de mini Damian.
— Ugh, para. — ela resmungou, jogando a cabeça para trás. — E você?
Mudou de ideia sobre ter filhos? — Bateu o ombro ao meu, me analisando.
— Não sei. Estou focada na minha carreira. Eu só teria filho se meu
parceiro ou parceira soubesse que minha agenda é um inferno e eu não
tivesse dúvidas de que estaria ali, cuidando da criança, toda vez que eu
estivesse trabalhando como uma condenada. É muita responsabilidade. 
— Oliver vai se aposentar em cinco anos. — Naomi lembrou. — Ou um
pouco mais. Ele vai ter tempo.
— Ele vai trabalhar depois disso. Ollie quer ser treinador ou investir em
algum clube.
— Ainda assim, ele vai ter mais tempo.
Parei para pensar. Era verdade.
— Acho improvável mudar de ideia antes dos trinta. — insisti. —  Trinta
e cinco, na verdade. Sabe como é difícil seguir relevante como atriz. Quero
focar nisso por muito tempo antes de pensar em bebês. — Suspirei,
longamente. — E para eu considerar ter um filho com Oliver Zhang, além
de mais de trinta e cinco anos, eu tenho que estar com ele.
Naomi me encarou, visivelmente em alerta.
— Desenvolva.
— Acho que Oliver está me escondendo algo.
Carlson moveu a mandíbula. Foi discreto, mas eu percebi. Ela sabia o
que era.
— Já tentou conversar com ele? 
— Sim. 
Naomi não disse mais nada.
Wayne voltou para a cozinha, em um pijama de Vingadores, torcendo o
nariz.
— Está pálida. Está tudo bem? —  Naomi perguntou e Mel assentiu,
com o olhar meio vago.
— Ei… Vai para a coletiva de imprensa amanhã? — Wayne mudou de
assunto, engolindo em seco. Seus lábios realmente estavam um pouco
brancos. 
— Que coletiva de imprensa? — Naomi questionou, curiosa. Gemi de
frustração. Eu estava brincando de esquecer.
— Não é uma coletiva, exatamente. — respondi. — Voltamos com as
gravações e vai ter essa pequena convenção para fãs da série e alguns
jornalistas, já que cancelamos a ida para aquela Con de San Diego. Então os
produtores e Jack marcaram esse evento, para mostrar uma ou duas cenas
que gravamos e respondermos algumas coisas sobre a temporada. Ele acha
que vai tirar o foco das merdas de Cole.
— Esse nome me deixa enjoada. — Wayne resmungou, seguindo para
abrir a geladeira. — Gigi não vem mesmo, né?
— Ela saiu com Keanu, mas não digam que contei. — Carlson
respondeu. — Jas, acha uma boa ideia ir para um evento desse? E se
perguntarem sobre Cole?
— Perguntas pessoais são proibidas. — falei, dando de ombros, a
encarando. — O que pode dar errado?
Naomi me lançou um olhar cauteloso e depois para Wayne. Ela não disse
nada e  nem precisava. Seus olhos diziam.
Muita coisa.

O lado bom de ser atriz é que eu estava tensa, mas ninguém precisava
saber. Eu só precisava disfarçar.
A sala inteira estava em êxtase com uma cena minha, gritando pela
morte do personagem de Cole, que tinha morrido afogado na série. Não
gravaram com ele, mas com um dublê. Mal mostrava o rosto, então parecia
crível. Era sempre engraçado me assistir e eu estava ali, com mais cinco
colegas de elenco, assistindo Evvy, minha personagem, de joelhos, em
prantos e Thalia, minha colega ao meu lado, me disse que era uma cena
digna de um Emmy. Esperava que sim.
As luzes retornaram e os aplausos preencheram o ambiente. Fiz uma ou
duas brincadeiras sobre a cena que tínhamos visto e a sala explodiu em
gargalhadas, me deixando um pouco mais leve. Respondemos algumas
perguntas, selecionadas pelo coordenador do evento, sobre a nova
temporada. Fiquei com a maior parte das perguntas, seguida por Ian, meu
novo par romântico da série.
Sem Cole no ambiente, o elenco gargalhava com facilidade. Sempre tive
uma boa relação com meus colegas de elenco e claramente ninguém ali
sentia a falta de O’Connell.
Tudo ia bem. Mesmo.
Até começarem as perguntas dos fãs e jornalistas.
Estiquei o braço até o chão, sem sair da poltrona, alcançando minha
garrafinha de água, me hidratando, enquanto respondiam a alguma fã sobre
o que sentíamos com as gravações retornando. Depois sorri para uma fã, a
reconhecendo como parte da RhodesNation, quando pegou o microfone.
— Oi, pessoal. Oi, Jas. — a garota ruiva disse, tímida, e eu sorri ainda
mais, a encorajando. — Antes de mais nada, você provavelmente não
lembra de mim…
— Na verdade, lembro. — Ela corou. — Estava em um evento de fãs
ano passado.
— Sim. Ai, meu Deus! — Todo mundo riu um pouco com seu pequeno
surto e eu virei outro gole de água. — Enfim, eu queria saber o que sente
com a nova carga dramática, após a perda de um personagem tão
importante na vida da Evvy.
Eu peguei o microfone, pensando em como responder essa sem citar
Cole diretamente. Enquanto refletia, tentando fazer isso o mais rápido
possível, alguns celulares pela sala apitaram, inclusive o meu. Mesmo
estranhando a situação, coloquei o telefone no silencioso, sem encará-lo, e
agarrei o microfone.
— É um desafio como atriz carregar tanta emoção em uma personagem e
Evvy sempre foi muito intensa. Particularmente, retratar o luto mexe
comigo, porque passei por algo parecido. Não funciona exatamente como
um desabafo, são situações distintas, mas acho que eu consigo me conectar
ainda mais com a personagem. Eu a entendo. É difícil, desafiante, mas é
exatamente por isso que é tão gostoso atuar. Então estou empolgada para a
nova temporada. Não só pela história dela em relação à essa perda, mas
como a supera e mostra que é a mesma garota forte e cativante do início da
série.
Fiquei feliz quando me deu um sorriso radiante e virei o rosto para meus
colegas de elenco.
— Próxima pergunta. — o organizador do evento pediu.
— George Harris do TMZ. — o homem magro e alto disse e
automaticamente meu sangue gelou. — Tenho uma pergunta para Jasmine
Rhodes.
TMZ jamais significava algo bom e mesmo que tivessem instruído todo
mundo a não entrar em temas pessoais e controversos, só de olhar nos olhos
brilhantes daquele cara, eu soube que ele quebraria esse juramento. Eu só
não sabia o quanto.
— Sei que foi recomendado não citar assuntos pessoais, mas a
BrightWeekly acabou de soltar um furo de reportagem.
Vi a movimentação dos produtores para cortarem o microfone do rapaz.
Olhei de canto de olho para meus colegas, depois voltei a encarar o
homem do outro lado. Os burburinhos começaram imediatamente. Todas as
câmeras estavam viradas em minha direção.
O que estava acontecendo?
Meu rosto desmoronou em confusão assim que voltou a abrir a boca,
falando o mais alto possível, ecoando perfeitamente contra o barulho,
mesmo sem o microfone. E de todas as coisas que ouvi na vida, aquela foi a
mais dilacerante. Até então.
— É verdade que Brandon Ramsey estava bêbado na noite do acidente?
“Mentira também é ocultar verdade
Por que você não cuidou de mim?”
Hotel Caro - Baco Exu do Blues
 
 
Meu pai vestia uma camiseta branca, naquele dia. Havia uma pequena
cicatriz na sua sobrancelha esquerda, riscando a pele retinta, de um tom um
pouco mais claro. Seu cabelo estava em corte militar, extremamente curto.
Marco Rhodes tinha seus óculos escuros no rosto, redondos e de armação
fina, de ouro, com aquele sorriso enorme e braços cruzados, contra o carro,
esperando a filha sair da escola.
Eu estava brava naquele dia, com uma nota de matemática. Pisando
firme, com uma carranca que, em suas palavras, lembrava a minha mãe.
Meu pai era daqueles que demonstravam amor através da pirraça. Ele
desmontava as minhas birras me provocando. Ele dizia que me amava,
depois de me fazer revirar os olhos, pelo menos, três vezes. E eu nunca
pensei que isso acabaria ao meio dia de uma terça-feira.
Entrei no carro, empurrando-o para fora da porta com o quadril e ele riu,
se divertindo com sua missão de me fazer gargalhar a frustração para fora
do meu corpo.
E ele estava conseguindo.
Ele me fez gargalhar no exato segundo em que o sinal ficou verde em
um cruzamento e avançamos. Eu ainda gargalhava quando o carro da outra
rua não viu que tinha que parar, quando a motorista alcoolizada seguiu
acelerando e atingiu o carro do meu pai. Giramos uma vez antes de nos
chocarmos em outro veículo.
Apenas nós dois e a mulher bêbada sofremos algum ferimento.
Bati a cabeça contra o vidro, tal como Brandon Ramsey, pelo que ouvi
dizer. Se me perguntar, não sei porquê não morri. Só apaguei, com alguns
cortes, e desloquei o ombro com o impacto dele contra a porta.
O carro atingiu o corpo do meu pai. Meu pai reduziu a maior parte do
impacto que poderia ter me atingido.
Marco Rhodes morreu buscando a filha na escola em uma terça-feira
qualquer, a dois blocos de encontrar a esposa para almoçar com suas garotas
favoritas, no restaurante da família, que ainda era minúsculo, no centro da
cidade.
Ele morreu do meu lado e eu não tive tempo para processar.
Eu não tive tempo para me despedir.
Eu não consegui dizer que o amava uma última vez.
Minha mãe não conseguiu dizer que o amava.
Ele nunca mais dançaria comigo pela casa ou ensaiaria comigo para
comerciais da TV australiana.
Ele nunca mais ajudaria Patrícia Rhodes a cozinhar.
Tudo por uma única pessoa, que nem ao menos conhecíamos, e decidiu
beber em plena luz do dia.
Eu pensava nele todos os dias.
Eu respirava por ele, inconscientemente.
Todo mundo na sala esperava por uma resposta, mas minha mente estava
presa no passado.
Engoli em seco, forçando meus neurônios a voltarem a trabalhar, e
respirei fundo.
— Não acha baixo jogar um trauma meu contra mim em uma coletiva de
trabalho e ainda questionar sobre a morte de uma pessoa, que eu não
conheci, e era ligada ao meu namorado? — enfrentei, por fim.
— Só estou fazendo meu trabalho e isso não é uma negação.
— Claro que é a porra de uma negação. Brandon Ramsey não estava
bêbado naquela noite.
Meu coração estava, de repente, acelerado e furioso. Eu queria jogar o
meu microfone naquele cara. Queria que o expulsassem imediatamente.
Meus olhos ardiam com a mera ideia de que Zhang estava sofrendo com
uma notícia falsa, em algum lugar. Mas então a porta dos fundos se abriu e
meu olhar capturou Melissa Wayne erguendo os olhos arregalados da tela
do celular, seus ombros caindo quando me encontraram e culpa por cada
pedacinho da sua face.
Meu coração desmoronou em fração de segundos.
Não. Isso não poderia ser verdade.
Não poderia.
Certo?
Eles não teriam mentido para mim.
Oliver não teria mentido para mim.
Minha visão ficou turva imediatamente, todas as lágrimas se formando e
ameaçando deslizar pelo meu rosto. Minha respiração entalou em minha
garganta, fazendo todo o trajeto até meus pulmões queimarem como brasa.
Meu coração desacelerou, me torturando dolorosamente a cada batida,
atingindo minhas costelas como se quisesse se quebrar para parar de sentir
ou nem mesmo se mexer mais.
Oliver não teria mentido para mim.
—... Então tudo o que vai fazer é pedir desculpa para Jasmine depois de
ter quebrado a única coisa que te pedimos, pegar suas coisas e cair fora…
— Alguém ao meu lado disse, mas meus olhos estavam vidrados, presos no
jornalista da TMZ, que se encolhia, envergonhado, recolhendo suas coisas.
— É meu trabalho. Eu precisava fazer a pergunta. — ele se defendeu e
alguém tocou o meu ombro. Virei o rosto devagar, mesmo assustada,
encontrando Priyanka. Ela perguntou baixinho se tudo estava bem.
Sabe aqueles momentos que sua mente desliga? Que você não consegue
processar nada? Parece que o mundo gira muito mais rápido do que você
estava acostumada a lidar. Eu só conseguia repetir mentalmente que Oliver
Zhang jamais na vida mentiria para mim daquela forma.
Ele não mentiria.
— Rhodes!
Saí um pouco mais do transe, finalmente, engolindo em seco e franzindo
o cenho. Virei o rosto para frente. Wayne tinha os olhos marejados guiados
em minha direção.
Oliver não teria mentido para mim, teria? Era Cole, com certeza. Cole e
suas mentiras. Era Cole e suas mentiras.
Precisava ser.
— Não. — falei para Wayne, ao passar por ela. Mel desistiu de tentar me
tocar quando Priyanka se pôs entre nós duas, me guiando pelo elevador, da
saída da sala de conferências daquele hotel, para um dos quartos acima. A
entrada do hotel estava lotada.
— Eu preciso fumar. — falei.
— Não tinha parado?
— Eu preciso fumar, Priyanka. — repeti. Ela levou o celular ao ouvido e
eu colei as costas no elevador vazio, levando as mãos ao rosto, tentando
respirar.
— Keanu não atende. — ela disse, nervosa.
— Oliver… Oliver, preciso falar com o Oliver.
— Jasmine, respire.
— Estou tentando. — falei, cedendo às lágrimas. Deus, o que eu estava
sentindo? Era muita coisa para aguentar. Eu precisava que negasse tudo
aquilo. Eu precisava que alguém negasse. — Estou tentando.
Mal recordo do caminho do elevador para um dos quartos.
Quando vi já ligava para Zhang, desesperada. Uma, duas, três vezes. Ele
atendeu na quarta.
— Oi, Moonshine.
Ele ainda não sabia.
— Capitão? — chamei, minha voz desmoronando a cada segundo.
— O que aconteceu?
Por favor, Oliver. Negue. Negue, Zhang. Por favor.
— Brandon estava bêbado no acidente?
A linha ficou muda. Eu duvidei que sequer o ouvi respirar por um
momento, mas depois tive certeza de que estava ali.
Oliver não me respondeu.
Ele não negou.
Ele não negou.
Levei a mão à boca, abaixando a cabeça, tentando prender o soluço que
denunciaria que estava me dilacerando.
Por que não me contou antes?
Por que deixou a Austrália inteira —  literalmente — descobrir antes?
— Jasmine… — chamou, desesperado, e eu desliguei a chamada,
levando as mãos aos olhos e quebrando por completo. Priyanka xingou,
jogando o celular na cama e se ajoelhando à minha frente, enquanto eu
chorava a ponto de não conseguir respirar.
Ela repetia para que eu me acalmasse, jogando meus braços em torno do
seu pescoço, me abraçando o mais forte possível e eu não conseguia. Não
conseguia me acalmar. Não conseguia respirar.
Meu celular tocava na cama, sem parar. Uma foto nossa e o seu nome no
topo aparecendo uma, duas, três, quatro, dezenas de vezes, antes de
Priyanka colocá-lo no silencioso.
Todas as vezes que o contei sobre o meu pai. Que desabafamos juntos.
Que o escutei repassar a noite do acidente, sem aquele detalhe. Que me viu
deixar flores para o meu pai. Que comentei sobre casos parecidos e ele
ficou distante ou, até mesmo, triste e bravo. Que se afastou e me afastou.
Por que?
Por que ele mentiu para mim?
Por que escondeu a verdade de mim, desde o primeiro segundo?
Por que ele fez isso comigo?
Outros nomes apareciam na minha tela. Nome de outras pessoas que
mentiram para mim.
Naomi. Damian. Melissa. Mike. Gianna. Zhang, Zhang e Zhang.
O tempo todo.
E enquanto isso, minha dor se transformava em outra coisa.
Em ódio.
Em ódio pela mentira. Ódio por ter confiado nele. Por ter confiado em
todos os nossos amigos. Ódio por amar Oliver Zhang. Ódio por ter me
permitido amar alguém como ele.

Tem vezes que damos o primeiro passo em direção ao caos e sabemos


disso. Pior, escolhemos isso.
Quando aceitei o maldito acordo, eu sabia.
Vejo isso melhor agora, obviamente, mas isso não muda as coisas. É por
isso que eu não o culpava por completo por toda aquela desgraça. Não
mesmo. Eu fui idiota ao me submeter a toda aquela situação.
Quem eu quero enganar? Fiz muitas merdas sabendo que estava
escolhendo algo potencialmente errado. Digo, faz parte da fama, creio eu.
Se você quer ficar no topo, você faz escolhas. Nem todas boas. É o que é.
Eu só não esperava toda aquela maldita bagunça. Não mesmo. Aquilo
era muito para lidar.
A televisão do quarto de hotel estava ligada no TMZ Austrália. A
coletiva de imprensa passava, o momento exato em que me fizeram a
maldita pergunta sobre ele e nossas mentiras e tudo, absolutamente tudo
desabou. Eu conseguia ouvir o silêncio sepulcral e repleto de choque dos
jornalistas. Se eu fechasse os olhos, eu conseguiria sentir meu coração
palpitar, aquela adrenalina dilacerante me ferrando de dentro para fora. Mas
não fiz isso.
Meus olhos vagavam pela fresta da cortina, no topo daquele hotel, e eu
só conseguia pensar que aquilo era um desastre. Fotógrafos e jornalistas já
tinham descoberto meu novo paradeiro, todos eles na frente do prédio,
sedentos por comentários meus ou fotos exclusivas — possivelmente do
meu dedo do meio.
Puxei a fumaça do cigarro eletrônico, prolonguei a inspiração e soltei o
ar só depois. Fechando os olhos, tentei me aproveitar do que a nicotina
fazia. O sabor suave da essência era de menta, dessa vez. Meus ombros
tensos se aliviaram minimamente e um arrepio suave caminhou pela minha
coluna.
Era uma boa droga e companheira. Mas não era ele.
Meus olhos arderam e eu bufei uma risada. 
Jasmine Rhodes, pateticamente apaixonada pela única pessoa que ela
jurava que nunca a conquistaria dessa forma. O melhor amigo, o cara que
deveria ficar longe da sua cama para não misturar as coisas... Meu Deus...
Ele mentiu, me fez me apaixonar por ele, disse que me amava de volta,
fez todos os nossos amigos entrarem em seu teatro e eu ainda sentia falta
dele? Maldito fosse Oliver Zhang.
E ainda assim eu o amava.
Dando meia volta, prendi meus fios lisos em um coque alto e desleixado,
colocando meus óculos redondos e escuros, como os do meu pai. Não
ficaria parada. Não. Eu precisava fazer alguma coisa.
Saí do quarto do hotel, com os meus neurônios a mil, tentando achar
soluções e respostas. Qualquer coisa, qualquer ideia insana para abafar
aquele incêndio ou fazê-lo foder o mundo inteiro.
Puxei a fumaça do vape mais uma vez, enquanto meus saltos firmavam
contra o piso, o sobretudo grosso no meu corpo me protegendo de
absolutamente nada, conforme eu caminhava. Flagrando-me com o Diabo
na mente e péssimas intenções movidas por fúria, minha agente disparou,
ao meu lado, perguntando para onde eu ia. Apenas soltei a fumaça pelo
nariz.
Pessoas da minha equipe me pediram por calma, mas eu não ouvi.
Vozes ressoavam ao meu redor.
Meu coração disparava forte, firme e louco contra as minhas costelas.
Cada batida audível, estremecendo minha alma com uma raiva fervente.
Apertei o botão do elevador, mesmo com os protestos.
Eu foderia Zhang de volta.
Ferraria com ele.
Destruiria o cara que se chamou de meu melhor amigo por quase cinco
anos.
O cara que mentiu para mim.
Devolveria alguma dor.
Estava cansada de ser boa, exausta em todos os sentidos.
Eu o ferraria, porra! Ele se arrependeria da droga do dia que cruzara com
Jasmine Rhodes e desejaria voltar no tempo para nunca ter me dito uma
palavra sequer. Mas então a porta do elevador se abriu e ele estava ali, em
um terno impecável, cinza.
A fúria se dissipou.
Eu me odiei por isso.
Seu cabelo liso e impecável... Seus olhos escuros, grandes e oblíquos,
gritaram algo para mim. Seus lábios finos e rosados se firmaram em uma
linha, sem qualquer vislumbre de sorriso. Analisei o nariz reto, as maçãs do
rosto elevadas, os traços firmes, masculinos e cortantes, a respiração calma
e o semblante falsamente frio... E tudo sumiu.
Zhang deu um passo à frente.
Eu não recuei.
Tão alto, ele olhou para mim, de cima, sem abaixar a maldita cabeça. Eu
ergui o meu queixo e o desafiei silenciosamente, de volta.
Vamos, grite. Berre. Xingue. Me faça te odiar.
Meus olhos arderam e sua mandíbula tensionou.
As íris escuras como a noite, tão atraentes e perigosas, me arrastaram
sem piedade.
Zhang esquadrinhou cada pedacinho do meu rosto com um sentimento
que eu não queria identificar, mas conhecia como a palma da minha mão.
Eu o amava. Ele me amava. E isso me frustrava mais do que nunca,
naquele exato segundo.
Sem contratos, sem mentiras, sem teatros, sem segredos e sem qualquer
piedade.
Tudo sobre nós dizia que aquele era o começo do fim. E eu não tinha a
menor dúvida disso.
Foi necessário um autocontrole que eu não sabia que possuía para não
estapear seu rosto ou gritar com ele na frente daquele elevador. Eu fiz isso
por mim. Não por ele. Pela minha carreira e o que um escândalo no
corredor do hotel poderia causar.
Oliver já tinha me ferrado o suficiente.
Abri a porta do quarto, silenciosamente mandando-o entrar, e ele
obedeceu. Só depois entrei, fechei a porta e o vi caminhar pelo ambiente,
sem dizer uma só palavra.
Tirei os óculos escuros e os joguei na cama, cruzando os braços e
fazendo questão de sustentar seu olhar, quando se virou para mim. Eu
queria que tivesse noção do quanto estava me machucando.
— Rhodes.
— Cinco. Anos.
Ele respirou fundo, entendendo o que aquilo queria dizer. Interpretando a
dor e a cólera na minha voz. Oliver absorveu minha ira, enfrentou-a de
frente, aceitou-a como um tapa que sabia que merecia. E por mais que me
machucasse ver a dor no seu rosto, eu queria causá-la. Era paradoxal, mas
era a verdade.
— Você teve cinco anos para contar a verdade, Oliver, então quero que
comece a falar ciente disso. Agora pode começar.
Seus olhos brilharam, cada vez mais marejados, e ele assentiu, engolindo
em seco e fazendo aquela maldita fênix oscilar.
“Se você queimar, eu queimo. Queimaremos juntos pelos próximos seis
meses”.
Verdade. Eu só não sabia se iríamos renascer das cinzas. Parecia
impossível.
— De início, eu queria me aproximar só um pouco. — ele disse,
suspirando. — Queria conhecer melhor a garota que… Que por algum
motivo, me fazia querer ser gigante.
Meus olhos queimaram e eu desviei o olhar. Zhang não fez o mesmo.
Senti sua análise pairando sobre mim, desesperadamente esperando que
meu coração o ouvisse. Ele estava ouvindo. Por isso doía tanto.
— Eu não achei que seria algo duradouro, achei que… Eu não sei,
Rhodes, eu só queria me aproximar. Mas então você… Você virou minha
melhor amiga, minha família, minha base. Você fez todos meus melhores
amigos se apaixonarem por você, tanto quanto eu. Você se tornou uma de
nós. E a ideia de contar algo que poderia nos afastar, que poderia nos
corromper, que faria você julgar Brandon… Eu não queria te machucar.
Não queria te perder. Não queria que todos nós te perdêssemos, Jas… Por
favor, Rhodes, por favor, olhe para mim! — Oliver se aproximou,
soluçando baixinho, finalmente quebrando e eu fechei os olhos, abaixando a
cabeça e balançando-a para resistir.
Resistir ao seu cheiro, ao seu corpo, à vontade de abraçá-lo e amá-lo,
porque ele estava me fazendo sangrar tanto.
— Olhe para mim, Moonshine.
— Vocês mentiram para mim. — falei, tentando segurar o choro
compulsivo que se construía, subia pela minha garganta, implorando por
libertação. — Meus amigos. Minha família. Mentiram para mim.
— Jas… Nós não…
— Não mentiram? — falei, erguendo a cabeça e encarando-o finalmente.
Doía. Doía ver seu rosto vermelho, suas lágrimas, seu arrependimento. Mas
eu não confiava naquele homem à minha frente mais. Ou não queria
confiar. Eu não queria amá-lo mais. — Esconderam algo de mim, Zhang.
Omitiram, ocultaram a verdade por anos, essa porra é mentir, tá legal?! E
você me ouviu desabafar tantas vezes. Você me ouviu desabafar no sofá,
depois das sessões. Você me ouviu desabafar nas noites mais frias, depois
de testes que eu perdia. Ou nas noites que eu voltava para casa com mais de
cem mil seguidores ganhos na porra do dia, mas me sentindo sozinha. E
você dizia que me entendia. Você me fazia sentir que nossas perdas eram
parecidas.
— E eram..
— Mas você não me contou tudo.
— O Brandon…
— O Brandon bebeu. Entrou em um carro. E poderia ter matado alguém
naquela noite.
— Ele não matou ninguém.
— Mas poderia.
Oliver assentiu e eu grunhi com a sensação das suas mãos nos meus
quadris, o afastando. Doía gostar do seu toque. Doía demais.
— E mesmo assim, Zhang… — Eu ri, com escárnio, como se eu fosse a
piada. Como se minha dor fosse a coisa mais engraçada do mundo. — Se
você tivesse me contado, naquela sala da clínica, anos atrás, talvez
tivéssemos um começo difícil, mas poderíamos estar aqui. — Falei,
sentindo as lágrimas escorrerem quentes pelo meu rosto enquanto as
verdades rasgavam para fora. — Se tivesse me contado algumas semanas
ou meses antes, eu poderia ter te perdoado. Mas são cinco anos. CINCO
ANOS, PORRA!
Ele chorou, abaixando a cabeça, mas não rebateu. Não tinha o que dizer.
— Eu não queria te perder…
— Bem, sinto em te informar… — Ri de novo, até lembrar que não tinha
nada de engraçado sobre a situação. E então doeu. Doeu tanto. Doeu tanto
que eu precisei me sentar, à cama, para chorar, ou eu não conseguiria mais
respirar.
Oliver levou as mãos ao rosto e eu… eu queria desaparecer.
— Você me ouviu falar do meu pai tantas vezes…
— Não é bem assim, Jas… Brandon e seu pai… São coisas distintas.
— Mas você sabia que eu levaria tempo para processar isso. — falei,
entre soluços. — E você me escondeu isso. Você… Nossa, Zhang, você fez
nossos amigos mentirem. Você… — Chorei, ao constatar que ficaria
sozinha novamente, não ficaria?
Ele me deu uma família.
Uma que mentiu para mim.
Uma que me machucou tanto ou mais do que ele.
E agora eu não tinha ninguém. Não confiava em ninguém.
Não tinha um lar, figurativamente falando, para voltar quando as coisas
estivessem difíceis.
Ele me deu o mundo. Apenas para me mostrar que era tão falso quanto
nosso relacionamento.
— Carlson, Bale, Graham, Wayne… Deus…
Eles mentiram para mim.
— Jas, eles… Eles queriam contar. A gente queria contar. Mas nós
prometemos à família de Ramsey… E depois decidimos que precisávamos
te contar, que era uma de nós, mas ninguém… Ninguém queria te perder,
Jasmine. — Oliver se ajoelhou e eu não quis vê-lo. — Nós amamos você,
Rhodes. E erramos. Erramos feio. Eu errei. Errei ainda mais. Mas eu te amo
tanto, Rhodes, por favor, me escuta. Se me der tempo, posso te mostrar que
pode me perdoar. Posso te fazer entender por que fizemos isso, posso te
mostrar que Ramsey era uma boa pessoa e queríamos proteger a imagem
dele…
— Ferrando a minha no processo? — O encarei, por mais que sangrasse.
— Isso não foi intencional.
— Mas aconteceu, Zhang! — explodi.
— Eu sei! E eu sinto muito.
— Bom, sentir muito não muda as coisas, muda?!
— Estou tão ferrado com isso quanto você. Ainda mais, Rhodes. Eu
tentei te afastar por isso. Para não te arrastar comigo pra…
— Não, Oliver. Você quis me afastar porque é um covarde do caralho
que escolheu mentir para a mulher que ama ao invés de enfrentar as
consequências como um adulto.
Ele olhou nos meus olhos e eu vi o momento em que parti seu coração.
Mas Zhang só abaixou a cabeça, absorvendo as palavras, tomando-as para
si e assentindo.
— Você está certa.
Ouvir isso não me fazia sentir melhor.
— Me perdoa, Rhodes. Por favor?
O nó na minha garganta foi quase sufocante e eu encarei minhas próprias
mãos quando as segurou, acariciando os nós dos meus dedos.
— Me perdoa, por favor. Por favor.
Quantas garotas dariam a vida por Oliver Zhang de joelhos? E eu tinha
isso. E era comicamente trágico o quanto eu não queria isso.
Não queria que implorasse.
Não queria que me amasse.
Não queria que sofresse.
Eu desejei não tê-lo conhecido, na verdade. Desejei nunca ter tido
consciência da sua existência.
— Sabe o que é engraçado, Ollie? — falei, ciente de que não havia nada
de divertido sobre o que eu diria. Apenas doloroso. Tudo sobre aquilo era
doloroso. — Eu sei que é sincero. Sei que quer meu perdão. E eu te amo
muito. Acho que sempre vou amar você mais do que qualquer outra pessoa
na face da Terra.
Sorri, apesar das minhas lágrimas denunciando minha tristeza e dos
cacos do meu coração se quebrando em pedaços tão pequenos quanto grãos
de areia.
— Eu te amo tanto, que se tivesse me contado a verdade dias antes,
semanas antes, meses antes ou todas as vezes que perguntei se algo estava
errado, eu poderia ter reagido mal, mas eu teria te perdoado.
Ele abaixou a cabeça, colando-a ao meu corpo, e seu choro era um
pedido de desculpas. Cada soluço era Oliver Zhang implorando por um
perdão que eu não sentia que conseguiria dar. E por mais que as palavras
rasgassem o caminho contra o nó da minha garganta, doendo a cada
segundo, me fazendo submergir em sofrimento, eu precisava dizer.
— Eu te amo tanto que eu teria te perdoado. Se você tivesse dito a
verdade.
Ele mexeu a cabeça, agarrando minha cintura como se sua vida
dependesse disso.
— Mas você não disse. Você me deixou saber por alguém que não
conheço, enquanto milhares de pessoas descobriam antes de mim.
Respirei fundo, tentando controlar as lágrimas o suficiente para
conseguir falar.
— Então eu não te perdoo, Zhang.
Ele chorou mais forte e eu fechei os olhos, ciente da escolha que eu
fazia.
— Eu não te perdoo, Oliver Zhang.
Seu sofrimento ecoou pelo quarto e eu o afastei, fazendo esforço ao
secar as lágrimas, ao esconder a dor com os óculos escuros sobre a cama e
me levantar. Oliver seguiu ajoelhado em frente à cama, desabando, e eu fiz
o que jamais pensei que faria em toda vida. Eu deixei Oliver Zhang
Thompson ir. E mesmo longe, soube que ele leu as entrelinhas assim que
fechei a porta, deixei-o sozinha e segui para o elevador, apertando o botão,
preparada para deixá-lo para trás e enfrentar um novo mundo em que Oliver
e Jasmine não mais existissem.
Eu soube que ele entendeu o que eu quis dizer perfeitamente.
Eu não o perdoava. E não sabia se algum dia conseguiria.
“Nós costumávamos ter tudo
Mas agora é a hora em que as cortinas se fecham.
Então espere os aplausos (...)
Mas pelo menos nós roubamos os holofotes”
Stole The Show - Parson James
 
 
Ela foi minha primeira, de diversas formas.
E ela seria a minha última.
Eu sabia disso.
Então quando consegui parar de chorar, sentado na cama de um quarto
de hotel frio, minha mente ainda repetia que eu tinha perdido a mulher da
minha vida e que merecia isso.
Jasmine estava certa. Não tinha muito o que dizer em um pedido de
desculpas que tornasse aquilo menos terrível do que era. Se eu tivesse
contado a verdade, em todas as oportunidades que tive, ela poderia me
perdoar. Não fiz isso.
Meu celular tocava sem parar.
Afundei as mãos na testa, nos cabelos, tentando fazer minha cabeça
parar de latejar, tentando pensar.
Levou séculos para que eu decidisse o que faria primeiro.
Desci o elevador até o primeiro andar, pegando a escada de incêndio até
a garagem, na tentativa de evitar jornalistas. Entrei no meu carro, saí pelo
prédio e quando alguém me notou, eu já estava acelerando com o carro para
longe dali.
Nervoso, foquei em dirigir, traçando meu trajeto até a casa azul, a
poucos blocos da praia. Saí do veículo e os vi saindo de casa, antes mesmo
que tocasse a campainha. Os cabelos loiros, com alguns fios grisalhos…
Ambos me lembravam ele tanto, que doía.
— Sabia que viria. — Angel Ramsey disse. Tomei meu tempo
analisando a mulher ao lado de Dean Ramsey, tão idêntico ao filho que era
como encarar Brandon mais velho.
— Estamos te esperando, campeão. — ele chamou, do modo mais
carinhoso possível e eu me aproximei, envergonhado.
— E-eu sinto muito. — solucei, voltando a chorar. Angie balançou a
cabeça, me puxando para si e afundando a cabeça no meu ombro.
— Sabíamos que isso poderia acontecer, Ollie. Está tudo bem. Vamos
passar por isso juntos.
Angel praticamente me embalou, como uma criança, conforme Dean
acariciava minhas costas, e eu fiquei ali, implorando por perdão a cada
lágrima, até me acalmar e me levarem para dentro.

— Está bem? — Dean perguntou, sentado no sofá à minha frente,


enquanto eu bebia um gole do copo de água gelada, em uma poltrona da
sala. Angel acariciava meu cabelo, de pé, preocupada.
— Eu deveria perguntar isso a vocês. — respondi, suspirando. — Porra,
eu sinto muito.
— A língua, Oliver… — Angie me repreendeu e eu riria, se não
estivesse exausto demais para isso.
Meus ombros caíram e Angel se sentou no braço da cadeira.
— Não deveria pedir desculpa, Ollie-Boo. — ela disse, calma como
sempre. — Não mesmo. Nós pedimos que mantivessem isso em segredo e
você sofreu muito obedecendo. Nós sentimos muito por você.
Balancei a cabeça, pensando em Jasmine, na sua reação. Eu fodi tudo.
— Escolhi omitir. Escolhi toda essa merda e ainda incentivei todo
mundo a entrar nisso comigo. Eu poderia ter contado a verdade para ela.
— Bem, isso você poderia. — Dean concordou e Angie o lançou um
olhar.
— Enfim, eu só… Vim checar como vocês estavam. O que querem fazer.
Se querem contar a verdade ou sair da cidade por um tempo.
— Estamos bem, filho. — Dean disse e eu sorri. Ele chamava todo
amigo de Ramsey assim. Todo. — E significa muito saber que pensou em
nós antes de qualquer coisa, Ollie. Significa mesmo. Mas tanto eu quanto
Angie, e acredito que Brandon, onde quer que ele esteja… Nós queremos
que pense em você também, quando essas coisas acontecerem.
Eu ergui meus olhos marejados para eles, me sentindo horrível por não
ter impedido a notícia de cruzar toda a Austrália. O luto revivia em mim, eu
sabia que revivia neles também. Eu deveria manter mais contato, deveria ter
cuidado melhor deles. Brandon sentiria vergonha. Ele jamais teria deixado
tudo isso acontecer se estivesse no meu lugar.
— Eu realmente sinto muito. — falei, voltando a deixar algumas
lágrimas escaparem. — Sinto mesmo.
— Eu sei, querido. Eu sei. — Angie deitou minha cabeça em seu corpo e
eu voltei a desabar.
Não tinha o que fazer. E sentir muito não consertava as coisas.

Fui parar no apartamento de Mel e Mike, naquele mesmo dia. Gianna


observava         o céu na varanda, acariciando Yoda, o golden retriever do
casal. Keanu estava ao seu lado e eu não sabia como tinha parado ali, mas
algo me dizia que não sairia de perto de Gianna, a não ser que ela
mandasse. E Gigi não mandaria. Eu não sei como ou porquê, mas sabia que
não mandaria.
O furão de Graham e Wayne dormia sobre meu colo, velho e cansado,
sempre exausto. Eu o acariciei, olhando para o teto.
Decidimos nos encontrar para resolver toda aquela situação, mas
ninguém realmente dizia nada senão “sinto muito” ou qualquer xingamento,
toda vez que nos encarávamos. Era uma merda.
Uma merda do caralho.
A campainha tocou e Wayne deixou Mike preparando o jantar para abrir
a porta. Hailey gritou, feliz, alheia a todo aquele clima, e meu coração
pesou. Fechei os olhos e engoli em seco. Doeria quando soubesse que a tia
Jazzy não queria mais nos ver. Doeria quando soubesse que perdi Rhodes e
provavelmente a fiz perder Jas também.
Senti um pé contra minha canela e abri os olhos, encarando as íris azuis
de Naomi Carlson, envoltas de um tom vermelho. Carlson abraçou o
próprio corpo, com o nariz rosado de quem havia acabado de chorar. Seu
rosto inchado me dizia que tinha feito isso o dia todo.
— Vai dizer “eu avisei”? — brinquei.
— Jamais.
Ela abriu os braços. Me levantei imediatamente e deitei a cabeça em seu
ombro. Naomi me apertou o mais forte que pôde. Respirei fundo, tentando
não chorar.
— Me desculpa.
— Erramos em grupo nessa, Zhang. — Ela se afastou, erguendo meu
queixo. — Vamos resolver isso em grupo também.
Hailey abraçou minha perna e eu me abaixei. Ignorei sua pergunta
quando questionou por que eu estava chorando e a abracei forte, inspirando
seu perfume e tentando me acalmar. A pequena Bale afundou a bochecha no
meu ombro e acariciou meu cabelo, como a mãe fazia e eu achei a coisa
mais fofa do universo. Rompendo o carinho, Hayhay apertou minhas
bochechas.
— Você brigou com a tia Jazzy?
— Eu magoei a tia Jazzy, Hay. Todos nós.
Ela fez um biquinho, pensativa.
— Posso dar um beijinho nela para sarar se você quiser.
Eu ri, entre lágrimas, assentindo.
— Isso seria incrível.
— Hay. — Mel chamou, sorrindo. — Por que não chama Yoda e Obi
para brincar lá no meu quarto? — Ela levou a mão em frente à boca, como
se contasse um segredo sujo. — O tio Mike vai deixar você brincar com os
bonecos dele.
— É sério?! — Hailey quase gritou, arregalando os olhos e Mike se
aproximou com algumas taças e copos, suspirando.
— Cuide bem dos meus amores, Hailey. — ele pediu e até eu fiquei
meio chocado. Cada “bonequinho” custava um rim. Mas, ele não parecia
realmente se importar e até sorriu de canto quando Hailey carregou Obi,
seguiu para varanda, chamando o “auau” e disparou para o quarto dos
nerds.
Gianna se levantou, percebendo que todos estávamos ali, entrou na sala,
meio sem jeito. Graham colocou os copos e taças na mesa, o tilintar sendo a
única coisa que escutamos por um longo momento.
Todos de pé, nos entreolhamos. Quebrados, perdidos, destroçados…
Escolha o que quiser. Bale pegou o cigarro e levou-o à boca, se largando
sobre uma poltrona primeiro e tampando o rosto.
— Por onde começamos? — Gianna perguntou e eu suspirei.
— Não sei. — confessei.
Enquanto Graham enchia os copos com uísque, Wayne pegou a garrafa
de vinho sobre a mesa e começou a nos servir, parando e xingando quando
percebeu que uma taça ficaria vazia. Costume.
— Bem, isso dói. — Bale murmurou, assistindo Melissa paralisada.
Acho que todos nós concordamos silenciosamente.
— Quer saber? Foda-se a taça. — Naomi resmungou, pegando o objeto
na mão de Wayne. — Eu fico com a garrafa.
Nós rimos, mesmo na merda. E então o silêncio doloroso estava ali
novamente, nos massacrando. Mike acenou com a cabeça para a varanda.
— Ele vai ficar ali mesmo? — Todos observamos Keanu.
— Acho que sim? Não sei. — Gianna respondeu. Mel deu um sorriso
pequeno, preferindo se sentar ao chão. Eu escolhi o sofá e Olsen ficou ao
meu lado, segurando a minha mão.
— Keanu é chatinho. Mas se te fizer bem… — Naomi comentou, dando
de ombros.
— Acho que depois de hoje, vou precisar superar Brandon de novo antes
de pensar em Keanu desse jeito. — Gigi ironizou, rindo.
— Me desculpa. — murmurei.
— Oliver, sério, não faz isso. — Mel disse. — Todos nós erramos.
— Ainda assim, fui eu que nos fiz perder Rhodes.
Damian esfregou a testa, soltando a fumaça do cigarro.
— Eu menti para ela na última semana. — ele disse e Carlson se sentou
em seu colo, cruzando os braços. — Naomi também.
— Eu também. — Mel murmurou.
— Todos nós. — Olsen acrescentou.
E lá estava o silêncio fodido novamente. Todos nós a perdemos, então.
Graham xingou, colocando as mãos na cintura.
— Quer saber… — Mike disse. — Estamos fodidos.
— Uau, que ajuda! — Damian debochou.
— Não. Me deixe falar! — Graham estirou o dedo para ele, se virando e
olhando cada um de nós. — Jasmine tem todo direito de apontar o dedo e
dizer que porra ela quiser. Estamos fodidos. Erramos pra caralho. Mas
somos adultos e o que fazemos quando erramos? Sofremos as
consequências.
Ergui a cabeça, sem saber para onde aquilo estava indo.
— Estamos perdidos. — ele continuou. — Qual a novidade? — Graham
riu com escárnio. —  Nos perdemos mais de uma vez. Dez anos atrás,
Naomi estava superando um relacionamento abusivo e sendo exposta para a
escola inteira. Bale estava deixando uma ex-namorada para trás, em uma
nova cidade. Cinco anos atrás, Melissa voltava à cidade para recomeçar,
depois de toda sua vida ir por água abaixo e eu estava me condenando a
viver um inferno, me anulando por completo e vivendo pela minha família.
Cinco anos atrás, Brandon morreu e Gianna foi embora. Oliver teve que
aprender a andar novamente. Ele renasceu como essa porra de fênix. —
Mike apontou para a tatuagem no meu pescoço. — Exceto que ele não é
isso. Sabe o que Oliver Zhang é? Sabe o que somos? — Ele voltou as mãos
para cintura e meus olhos arderam, ciente do que ele diria. — Somos Green
Snakes. Não porque a porra da escola disse que éramos. Não por um time
de merda. Somos Green Snakes porque foi isso que nos uniu. Aquela
escola, a família que construímos. A família que adotou Gianna, a família
que adotou Rhodes. E nós sobrevivemos porque somos uma família. Não,
nós vivemos porque somos uma família. Então sabe que porra vai
acontecer?
Não respondemos. Eu estava meio chocado com o discurso, para ser
honesto.
— Nós vamos superar isso como a porra de uma família. — Graham
continuou. — E quando eu digo nós, eu envolvo Jasmine Rhodes. Eu
envolvo Brandon, onde quer que ele esteja. Nós vamos limpar essa
bagunça. Podemos chorar, gritar e beber nossas dores hoje. Tudo bem! Mas
amanhã nós nos reerguemos. Vamos limpar essa merda, não sei como. Mas
vamos. E então, Zhang. — ele se virou, olhando para mim. — Você vai
reconquistar Rhodes. E nós também. Porque é isso o que fazemos.
— Tem certeza de que não quer ser político? — Naomi debochou,
quebrando o gelo, e eu ri nasalado. Todos tentaram segurar a risada por um
tempo, mas não deu. — Desculpa, o lance de ser filha da puta em
momentos inoportunos é mais forte do que eu.
— Um brinde a isso. — Wayne disse, chocando sua taça à garrafa da
melhor amiga. — Rimos da nossa desgraça.
— Com certeza. — murmurei, perdendo o sorriso imediatamente. Bufei,
odiando o quanto me sentia a beira de um abismo constantemente. — O que
fazemos se ela não nos quiser de volta?
— É o direito dela, honestamente. — Carlson disse. — Mas não
desistimos fácil. — Ela virou o rosto de Bale para si. — Desistimos,
novato? — Ele negou, mesmo desolado.
— Ela precisa de tempo. — Bale observou. — Acho que Rhodes precisa
de tempo. Mas sim. Não podemos desistir tão fácil.
Todos me encararam e eu xinguei.
— Quero e vou reconquistar Rhodes. Só não sei como. E volto a jogar
essa semana. Vai ser um inferno.
— Que bom que estamos acostumados, então. — Carlson me respondeu.
— O céu não parece um lugar divertido, de qualquer forma. — Rimos de
novo, mesmo que exaustos. Mesmo cientes de que, na verdade, não tinha
graça alguma.
— Estamos incompletos sem ela. — Bale observou, baixo, quase para si
mesmo.
Meus olhos queimaram novamente, porque se eles se sentiam assim, eu
me sentia… Eu me sentia tudo, menos Oliver Zhang.
Jasmine Rhodes era onde meu coração morava. Sem ela, eu mal o sentia
bater. Tudo parecia fora do lugar. Sem ela, eu não tinha uma parte de mim.
— Então é melhor planejarmos algo logo. — Mel disse, soltando o ar
com pesar.
Mike se sentou ao meu lado, espalmando minha coxa e me fazendo
encará-lo.
— Ela vai estar aqui. Ela vai voltar, Zhang. — Graham me disse. Eu
sorri, usando de todas as minhas energias para acreditar em suas palavras.
Eu ajeitaria aquela merda.
Reconquistaria Jasmine Rhodes.
— Uma vez Green Snake. — puxei, incerto.
— Sempre Green Snake. — um coro baixo ecoou, carregado de dor e
cansaço. Mas bastava.
Rhodes era uma de nós. Ela voltaria para casa. Ela voltaria para nós. E
isso era uma promessa.

— Estamos na arquibancada. — Damian disse, em meus fones, e eu


sorri, caminhando para fora do ônibus.
Era meu primeiro jogo após uma lesão e era o primeiro mata-mata da
Champions. Haveria apenas uma segunda partida antes da final.
— Torçam por mim.
Meu coração estava destroçado.
Minha alma estava rasgada.
A cidade inteira falava de Ramsey como algo negativo. Mas sabíamos
quem ele era. Sabíamos o que ele representava. E faríamos todo mundo
enxergá-lo novamente, como ele era: o homem que errou, mas não se
resumia ao erro. Por mais cruel, perverso e doloroso que seu erro tenha sido
com ele mesmo.
Então aquele jogo era por ele. Não só por mim.
Eu estava na merda, sofrendo sem Rhodes, mas aquele era nosso sonho.
E minha família — aquela família que construí com meu melhor amigo —
me lembrou que sonhos são objetivos e devem ser alcançados. Que em
qualquer multiverso, realidade paralela ou o que quer que seja, nós
venceríamos todos os desafios, juntos. Então se me queriam fora de campo,
teriam que tentar me destruir com mais força, porque eu ganharia aquela
taça. Aquela taça era nossa.
E, se eu tivesse sorte, Rhodes estaria me aplaudindo. Se não daquela vez,
no próximo ano.
Eu a teria de volta.
Esperei por vaias no aquecimento e elas não vieram. Nossa torcida tinha
cartazes dizendo que acreditavam que Ramsey era melhor do que aquilo.
Ecoavam hinos, alto pra caralho, e eu não conseguia acreditar. Tinham
tweets e posts impressos erguidos ao alto, de Naomi, Wayne, Mike e
Damian, falando que Brandon Ramsey não se resumia a um acidente e que
não devíamos explicações a ninguém. Tweets que quase chorei vendo pelo
telão.
Confuso, uni as sobrancelhas. Meus amigos prometeram que fariam a
cidade inteira amar Brandon de novo, mas nossos torcedores já estavam do
nosso lado. E eu não sabia como. Ou porquê.
Jordan e Seth tocaram meus ombros, lançando olhares irritados para um
ou dois colegas que fizeram piadinhas para mim, sobre Ramsey ou o
maldito fato de que eu dançava. Lidaria com toda aquela merda depois.
Depois de ganhar a taça.
Voltamos ao vestiário depois do aquecimento e eu peguei o celular,
encarando Jasmine e eu na tela de bloqueio. Ela tentava lamber meu rosto,
na cama, e eu fazia uma careta, como se ela fosse nojenta. Desbloqueei a
tela, encontrando milhares de notícias sobre um término que Jas ainda não
tinha confirmado e tentando encarar isso como esperança.
Deixei o celular de lado e segurei minha camisa à minha frente.
03.
Em memória de Brandon Ramsey.
Agarrei-a, firme, fechando os olhos por um momento, repetindo o
mesmo de sempre:
Se você existe mesmo após a morte, se almas existem e você consegue
me ouvir de alguma forma, jogue comigo hoje, irmão.
Respirei fundo, alterando um pouco o pedido que costumava fazer:
Para pontuarmos juntos. Lutarmos juntos a cada segundo. E não vai
haver uma derrota, Ramsey.
Por mim. Por você. Por nós.
Sempre.
Troquei de camisa, sentindo a responsabilidade de carregar Ramsey
comigo e caminhei para fora, sorrindo ao encontrar Hailey Bale esperando
para segurar minha mão.
— Faltei aula por você, sabia?
Eu ri.
— Está gostando de Melbourne?
— Nah, Brightgate sempre é melhor.
Segurei sua mão, gargalhando com sinceridade, pela primeira vez em
muito tempo.
Entramos em campo, juntos, provando que Hailey estava certa, com uma
vitória contra Melbourne. Um gol meu. Nosso.
E quando abri os braços em campo, olhando para a estrela mais brilhante
do céu, eu prometi que aquela taça seria nossa. Não importava que porra
aquela cidade falasse. E depois de conquistá-la, eu faria o que ele faria se
estivesse vivo. O que faria se estivesse perdendo Gigi. O que faria para os
Green Snakes se orgulharem. Eu levaria a taça para Rhodes. E a
reconquistaria. Custe o que custasse.

Saí do elevador sozinho, segurando a mala.


Parei no primeiro passo, inspirando fundo.
O perfume de Rhodes quebrou o único pedacinho do meu coração que
ficou no meu peito.
Observei a porta do seu apartamento, hesitante.
Minha melhor amiga. Minha pessoa. A mulher da minha vida. A que eu
tinha quebrado. Eu lutaria para merecê-la. A faria acreditar nisso. Nunca
mais a decepcionaria.
Lutando contra a voz na minha mente que gritava para ir até ela, tentei
respeitar seu espaço e destranquei meu apartamento, mas deixei a mala cair
no chão, xingando e colando a testa à madeira.
Eu não conseguia. Não conseguia ficar um segundo sequer sem lutar por
ela.
Parecia errado.
Errado pra caralho.
Dei as costas, com o pedacinho pulsante no meu peito quebrando a cada
batida dolorosa. Bati em sua porta e ela não respondeu. Não tinha som
algum lá dentro. Não por um bom tempo.
Me afastei, pegando o celular. Digitei seu número, mas meu dedo ficou
sobre o botão de ligar e minha visão turva esquadrinhou a porta, ainda
esperando.
Abri nossas conversas, mudando de ideia. Pressionei o botão de gravar e
recuei um pouco mais, analisando a porta de madeira que sempre esteve
aberta para mim, mas não mais.
— Ei, Moonshine. — falei, com a voz falha.
As minhas cordas vocais doíam em um nó insuportável e eu tentei
engolir contra ele, mas não adiantou muita coisa. Pigarreei, desconcertado.
— Eu sei que pode ter me bloqueado, mas o único pedacinho do meu
coração, covarde e idiota, que você não levou consigo, está me dizendo
que… Mais cedo ou mais tarde, pode me desbloquear e falar comigo ou…
Ou não me bloqueou de modo algum.
Sorri, apesar da dor, piscando para liberar as lágrimas e engolindo o
sofrimento por um momento. Eu precisava soar forte. Precisava ser firme.
Implorar não bastava se eu escolhesse as palavras erradas.
— De qualquer modo, Jasmine, eu quero dizer que estava certa. Não que
alguém precise te confirmar isso, você com certeza sabe. — Ri, sem humor.
— Mas está certa, Moonshine. Fui um covarde. Errei. Nossos amigos
erraram. Mas você é uma de nós, Rhodes. Se prepare para se apaixonar por
mim de novo. Por todos nós. Do jeito certo agora. Sem mentiras.
As lágrimas escorreram quentes pelo meu rosto e eu não tentei escondê-
las.
Vamos, Moonshine, abra a porta. Abra para mim.
Me dê mais uma chance.
— Você provavelmente vai me mandar me foder ouvindo isso, mas no
fundo sabe que é verdade. Nós erramos com você. Pra caralho. Mas te
amamos. E somos sua família. Família não se abandona, Rhodes. Nunca. E
eu te avisei, desde o primeiro segundo, que posso abandonar lugares, mas
jamais pessoas. Jamais você. Então… Vou te fazer se apaixonar por mim de
novo, mais cedo ou mais tarde. E nossos amigos vão lutar tanto quanto.
Queremos que grite, nos xingue, berre. Sei que perdoar é um caminho
difícil, mas estaremos ao fim dele, de braços abertos. Porque você é uma de
nós. Sempre vai ser.
Porra, aquilo doía.
— Estou falando isso como seu melhor amigo. Mas principalmente
como o cara que te ama mais do que tudo e… Acabei de voltar do jogo. Eu
ganhei e talvez não dê a mínima para isso. Entenderia se torcesse pela
minha derrota. Mas meu ponto é… Essa taça é um sonho para mim. Mas
principalmente, um sonho para ele. Talvez o odeie no momento. Nunca o
conheceu, não precisa amá-lo. Mas o que quero dizer é que esse nosso
sonho é um dos maiores da minha vida, amor, mas não é o maior.
Meus lábios vacilaram, meu queixo estremeceu e eu entendi de verdade
o que é o amor.
Amor é desejar alguém, querer o bem de alguém e sangrar por essa
pessoa, mesmo que não seja recíproco. É altruísta, porque você sofreria
sozinho por esse alguém. Você o adoraria independentemente de qualquer
coisa. É tão lindo quanto avassalador, destruidor. E ainda assim, ao fim do
dia, eu não escolheria nada mais, senão amar Jasmine Rhodes.
— Sei que não sou bom com as palavras e tudo isso deve estar confuso
pra caralho. — continuei, entre lágrimas, tentando não soluçar, ciente de
que estava implorando em cada sílaba dita e que já não tinha nenhuma força
em meu discurso, apenas vulnerabilidade. — Não sei compor como Bale ou
sou genial como Mike, para montar declarações mirabolantes. Não sou o
melhor em muita coisa. Mas estou tentando te dizer aqui, Jas… Estou
tentando dizer que…
Porra.
Porra, aquilo doía.
— No momento, Jas, meu maior sonho é merecer você. Posso estar
longe disso, amor, mas vou chegar lá. Vou merecer você e te dar o mundo.
Doía pra caralho.
— Porque, no momento, Moonshine, você é meu maior sonho.
Eu sorri, mesmo com os lábios trêmulos, lembrando de cada momento.
— Você é minha ambição.
Cada beijo.
— Você é tudo, Jasmine Rhodes.
Cada lágrima.
— E mesmo que você decida não me amar mais, isso não vai mudar.
Cada segundo.
— Oliver Zhang jamais será de outra pessoa. E se quiser, ainda podemos
conquistar o mundo juntos. Porque não sou gigante sem você. E nem quero
ser. Então… É isso, amor.
Parei o áudio, o enviando, e o símbolo indicou que ela tinha recebido.
Rhodes ainda não tinha me bloqueado.
Guardei o telefone no bolso, recuando e ainda encarando a porta.
Eu a deixaria ir por ora, mas voltaria por ela. Para ela. Sempre. Porque
aquilo era uma promessa.
Oliver Zhang jamais seria de outra pessoa.
“Guarde seu conselho, porque eu não vou ouvir
Você pode até estar certo, mas eu não ligo
Há um milhão de motivos para que eu desista de você
Mas o coração quer o que ele quer”
The Heart Wants What It Wants - Selena Gomez

 
Eu nunca me imaginei sendo uma dessas garotas, que chora por um
coração partido por dias.
Nada contra elas. Também odeio esse lance de “sou tão diferente”,
porque, no fundo, não sou. Meu coração bate tanto quanto os dessas
garotas. Quebra da mesma forma, também.
Mas é que já passei por términos antes. Já quebrei meu coração antes. E
eu não chorei nem dez por cento do que chorei por Oliver, quando Nichole
sumiu da minha vida.
Sempre me julguei centrada até demais. Focada até demais. A cada dia
um pouco mais fria. E então Zhang derreteu toda a fina camada de gelo em
torno do meu coração. Apenas para fazê-lo queimar até se tornar cinzas.
Ele definitivamente não facilitava do outro lado da minha porta, dizendo
que me amava.
E eu ouvi.
Eu ouvi cada palavra, quase sem respirar, tampando a boca para segurar
os soluços, odiando cada mágoa em meu peito que me impedia de perdoá-lo
facilmente e ao mesmo tempo o odiando.
E não era fácil odiar Oliver Zhang.
Parecia… Porra, parecia contra as ordens da natureza. Era como se eu
lutasse contra um instinto de sobrevivência ou… contra mim mesma. Odiar
Oliver era desgastante. Sufocante. Uma das piores experiências da minha
vida.
Mas tal como Oliver não facilitava, eu também não.
— Não acha melhor desligar a televisão? — minha mãe perguntou,
acenando com a cabeça para a entrevista que Zhang dava, ao lado de alguns
membros da comissão técnica. Mesmo sabendo que meu esforço para secar
as lágrimas era patético, fiz isso. Patrícia colocou uma mecha para trás da
minha orelha. — Isso não te faz bem, Jas.
— Eu quero saber se ele vai dizer algo.
— Espero que não. — Pri disse, se sentando ao meu lado, no sofá da
casa da minha mãe, com um grande pote de sorvete de chocolate. Eu e
minha amiga atacamos o pote, juntas, imediatamente. — Ele já tem uma
sorte do caralho que ninguém mais está levando Cole a sério. Se ele abrir a
boca sobre você, Jas, tem que ser para implorar por perdão.
— O que ele fez. E faz toda vez que respira. — comentei, baixo,
suspirando antes da próxima colherada.
Eu já planejava ir embora do apartamento por um tempo. Só para superar
um pouco aquele coração partido. Ouvir Zhang do outro lado da porta só
acelerou o processo. Me fez bater na porta da minha mãe como eu fazia
quando era pequena e trovoadas me assustavam, em lágrimas.
Oliver parecia um pouco cansado. Sério como nunca, ele respondia cada
pergunta profissionalmente, quase sem piscar.
— Você ou o clube tem algo a comentar sobre Brandon Ramsey? — um
jornalista questionou e pelo olhar descontente da comissão, aquilo era, com
certeza, contra o que haviam permitido. Oliver provavelmente disfarçou
bem para o mundo todo que estava sofrendo, mas não para mim.
Mesmo de longe, eu reconhecia os sinais. O milissegundo em que seu
olhar se tornava vago antes de responder, a opacidade dele, os ombros
levemente caídos e cada respiração ameaçando falhar… Foi o Oliver que
conheci, naquela clínica. O que sumiu, aos poucos, se tornando o homem
engraçado e radiante que eu chamava de melhor amigo. Chamava.
— O que querem que eu diga, francamente? — Oliver perguntou, com
um riso sem humor. Ele coçou o rosto, provavelmente pela sombra da barba
que ameaçava aparecer. Em anos de amizade, eu nunca tinha visto Zhang de
barba. Apostava que ele não gostava, para ser sincera. — Se eu negar, vai
ter gente acreditando que é mentira. Se eu confirmar tudo que estão
dizendo, vão fazer da minha vida um inferno. A realidade é que qualquer
caminho vai gerar ódio e mais gente aproveitando de uma situação
dolorosa para ser filha da puta e preconceituosa. — Ele não pediu desculpa
pelo xingamento, mas ninguém o interrompeu. — Não devo explicações no
momento. Como jogador, meu foco é ganhar o troféu. Não vou aceitar
reviver um evento traumático na minha vida nesse momento só para render
likes para a mídia, que só está comentando sobre isso, porque um cara que
não tem nada a ver comigo e precisa da porra de um tratamento de
dependência química e de ajuda, resolveu descontar a sua frustração na
mulher que eu amo, em mim e na minha família.
Mulher que eu amo.
Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não conseguiria parar de
assistir, nem se quisesse.
— Vocês não querem que eu conte a verdade por nenhum motivo senão
ter uma fofoca da semana. Se Brandon estava bêbado ou não, e eu não
estou dizendo que estava, jamais vou deixar que nada engula o homem
fenomenal que ele era. Se ele estava bêbado naquele carro, na noite em que
quase morri. — sua voz finalmente vacilou e seus olhos se encheram de
lágrimas. Eu quase parei de respirar, ainda presa na tentação de catar seus
cacos e uni-los, de implorar para que não se partisse novamente. — Se
Brandon estava bêbado, ele foi um irresponsável do caralho naquela noite.
Mas isso não apaga o fato de que ele era um exemplo e sempre vai ser um
para mim. Então se querem ou não acreditar em Cole O’Connell, cara…
Isso é problema de vocês. Não vou comentar mais nada sobre isso agora.
Não vou negar, nem confessar nada. O momento é de focar no apoio que
minha família e amigos precisam e em ganhar a Champions. Pela minha
equipe, pelos torcedores que ainda confiam em mim e até pelos que não
confiam, mas principalmente por Brandon Ramsey. Vocês o odeiem ou o
amem, é esse o meu objetivo.
Flashes ecoaram e brilharam contra seu rosto e Oliver tamborilou a
mesa. Um detalhe sobre quando estava ansioso, é que ele costumava coçar a
garganta ou brincar com os anéis em seus dedos. E foi justamente o que fez.
— Alguma outra pergunta? — Um homem em sua mesa questionou e o
silêncio, quase sepulcral, indicou que não. Zhang se levantou da mesa, antes
dos demais, sorrindo em um falso agradecimento e a câmera da ESPN
continuou mirada nos outros homens, como se o canal também estivesse
processando o que tinha acontecido.
Minha mãe desligou a televisão e minha visão embaçada se tornou
insuportável. Pisquei, liberando as lágrimas e tombei a cabeça para trás.
— Amor, acho que o molho já está bom. — alguém comentou, da
cozinha, e eu encarei minha mãe de canto de olho.
— Já vou! — Patrícia disse e me encarou por um segundo. — Pare, ela
não tem culpa.
— Sim, mas é por causa dela que… — A campainha tocou, provando
meu ponto. Por causa dela que eu lidaria com quem não queria.
— Jas, seja educada.
— Se Priyanka me segurar, tudo certo.
Pri riu, mas minha mãe só se levantou e mandou Lia desligar o fogo,
enquanto seguia para a porta de casa. Foquei no sorvete de chocolate,
tentando ignorar a mulher que entrava.
— Entregue! — Carlson anunciou, assim que Hailey disparou em minha
direção. Sorri para a garota, tentando manter a calma, mesmo com a certeza
de que sua mãe me encarava.
— Tia Jazzy!
— Ei, princesa, o que faz aqui? — perguntei, mesmo sabendo da
resposta, beijando sua bochecha quando sentou no meu colo.
— A vovó Lia vai cuidar de mim hoje. — ela me disse, pegando a colher
da minha mão e enfiando no sorvete, sem pensar duas vezes. — Tem
pãozinho de queijo hoje?
— Se não tiver, eu faço para você. — contei, como um segredo sujo, e
ela riu, já se sujando com a comida. Percebi o olhar de Priyanka preso em
alguém e infelizmente o segui, dando de cara com Naomi em um vestido
preto e longo, justo ao corpo, e rabo de cavalo. Seu rosto estava quase sem
maquiagem e seus olhos estavam tão apagados quanto os de Zhang.
E doeu.
Era a garota que, semanas antes, comemorava porque era da mesma
família que a minha. E agora só de pensar que conviveria com ela,
sangrava. Ela sorriu fraco, como cumprimento. Fiz o mesmo apenas por
Hailey. Porque o lado bom daquilo tudo, era ter uma desculpa para ver a
garota que seria sempre a minha sobrinha. Sempre mesmo. Não importa o
que acontecesse.
— Pode entrar se quiser, Naomi. — minha mãe disse.
— Bale está me esperando lá fora, mas obrigada, Tricia. Mesmo.
Ela recuou e eu me preparei para respirar normalmente, mas Carlson
parou.
— Na verdade… — Droga. — Jas, podemos conversar?
Ergui o olhar, tentada a negar, mas Hailey me encarava em expectativa.
Analisei Priyanka e ela roubou o sorvete do meu colo, sem querer interferir.
Resignada, eu me levantei, em meus pijamas, e segui Naomi para fora.
Avistei Bale no carro, mas o ignorei. Esperei que a mulher de olhos azuis
fosse breve.
— Ignorou todas minhas chamadas e mensagens e eu não vou dizer que
está errada, não está. — ela começou, entendendo a minha pressa para que
caísse fora sem que eu dissesse uma só palavra. — Não queria vir aqui hoje,
não mesmo. Respeito seu espaço. Não vou descansar até você voltar para a
minha vida, Rhodes, mas tem um jeito digno de reconquistar confiança e eu
sei que precisa de tempo para curar sua dor.
— Então…? — falei, tentando ignorar aquele papo de me conseguir de
volta. Eles teriam que desistir. Eu não cederia facilmente.
— Hailey. — ela disse, com os olhos marejados, e eu entendi tudo. —
Hailey não sabe sobre Brandon, mas entende que há algo acontecendo. Bale
e eu vamos conversar com ela essa semana. — Seus olhos se tornaram
marejados, sua voz falhou e Carlson se tornou vulnerável, como raramente
era com as pessoas. — Talvez você queira se afastar. Não julgo. Mesmo que
estejamos sofrendo. Mel só sabe chorar, Mike raramente nos atende, Bale se
isola na porra do estúdio de música e quando não estamos cuidando da
Hailey, eu só tenho energia para me trancar no escritório e encher uma pilha
de crôquis que vai para o lixo. Não vou falar de Zhang com você. Sabe
como ele está, eu sei que sabe. Meu ponto é: estamos na merda, mas
sabemos que merecemos estar. E que pode querer se afastar mesmo com
todas as nossas tentativas de te conseguir de volta. E vamos estar sempre de
braços abertos, Jas, juro mesmo. Mas, por favor, se for se afastar de Hailey,
faça isso devagar.
Seu pedido quebrou meu coração em milhares de pedacinhos e eu
respeitei um pouco mais Naomi por isso.
— Não quebre o coração dela, ela não tem nada a ver com isso. E ela te
adora, Jasmine.
Assenti, odiando que as lágrimas estivessem se acumulando novamente.
— Não precisa me pedir isso. Hailey é família para mim. E eu não
abandono minha família.
— Bom saber.
— Não disse que vocês também são.
Ela respirou fundo, aceitando o que nitidamente era um tapa verbal.
— Só isso?
— Só isso. — Naomi respondeu.
— Pode ir então. —  falei, recuando.
Carlson seguiu para o carro, em silêncio, e entrou no banco do carona.
Virei-me, prestes a entrar em casa, desejando desesperadamente não ceder à
tentação de me virar, mas fiz isso. Vi o momento em que tampou o rosto e
seus ombros tremeram com o primeiro soluço. Vi Bale abraçá-la. Entrei em
casa e fechei a porta, mas olhei por trás da cortina por mais tempo do que
gostaria de admitir.
Eles só foram embora quando ela se acalmou.
E isso demorou muito para acontecer.

Saber que o grupo estava basicamente em frangalhos por toda aquela


merda, não exatamente me consolava. Ter que trabalhar naquela manhã e
ver Melissa Wayne não ajudava também.
Acordei com um corpo pequeno abraçado ao meu. Hailey vestia um
pijama de panda, me mantendo próxima a si. Sua avó a levaria para a escola
e eu desconfiava que Lia tinha pedido para ficar com ela, só para que Hay
passasse uma noite comigo. A criança poderia não saber todos os detalhes
de tudo, mas com certeza ela sofria.
Acariciei sua cabeça e Hay coçou os olhos, me abraçando mais forte.
— Precisamos levantar, peixinha.
— Não quero ir embora.
— Por que?
— Porque não sei quando vou te ver de novo.
Meu coração quebrou e eu a puxei mais para perto. Hay me apertou o
mais forte que pôde, esfregando o nariz no meu colo, e eu senti que ela
choraria a qualquer momento.
— O que aconteceu, titia? Me conta, por favor.
— Briguei com seus pais, amor. Com tio Ollie, Mel e Mike… É pessoal.
— Não sou sua amiga?
— Claro que é!
— Então me conta! — Ela me encarou com os olhos azuis e grandes em
expectativa e eu neguei. Hay bufou, frustrada. — Eles quebraram seu
coraçãozinho?
— Sim, amor.
— Mas dá para consertar, né? Eles podem consertar. E vai ficar tudo
bem, tia Jazzy. Vai ficar tudo bem, né? — Não consegui responder e ela se
levantou. Fiz o mesmo, segurando sua mão.
— É complicado, peixinha. Mas eu e você? Para sempre.
— Promete?
Assenti, odiando o nó em minha garganta.
— Prometo.
Hailey me abraçou forte, enchendo meu rosto de beijos e eu fiz o esforço
do século para não desabar. Pelo menos em algo ela sempre esteve certa:
seus beijinhos eram mágicos. Não consertaram meu coração partido, mas
não o deixaram quebrar também.
A ajudei a se vestir para a escola. Até me atrasei um pouco fazendo duas
tranças e enchendo seu cabelo com suas presilhas coloridas favoritas. Fazer
Hailey rir era um bom remédio. Sempre foi.
Mas como esperado, Hailey chorou ao ir embora. Ela tentou esconder e
ser forte, mas a vi coçando os olhos no caminho até o carro da avó,
completamente vermelha. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto,
pegando a chave do carro e minha bolsa e percebi o olhar de minha mãe.
— O quê?
— Eles te amam. Todos eles.
Tombei a cabeça para o lado.
— Jura?
— Sim. Juro.
— O problema não é falta de amor, minha mãe. De ambas as partes.
— Eu sei.
— Então qual é o ponto?
— O ponto é que, onde há amor, amor de verdade… Do tipo que te faz
bem… Sempre há perdão. E sempre há cura.
Eu ri, sem humor.
— Pena que esse me destruiu.
Patrícia Rhodes suspirou, provavelmente pensando algo, que escolheu
manter para si. E eu não insisti naquele diálogo ao seguir para fora de casa.

Tive sorte de ir até meu camarim sem encontrar Melissa Wayne.


Ele ainda estava vazio. Pelo menos até Priyanka chegar, repassando
minha agenda da semana. Meu texto do dia estava sobre o sofá e eu tentei
me concentrar no que ela dizia, mas não conseguia.
O olhar magoado de Carlson, Hailey chorando, o fato de que Mel com
certeza estava por algum canto do set e a entrevista de Oliver… Eu queria
muito ter um momento Elena Gilbert de desligar meus sentimentos, só por
um instante.
— … E ainda precisamos decidir se haverá um pronunciamento sobre
Oliver… Se quiser, converso com Keanu essa parte. — Meu estômago
embrulhou assim que Pri disse isso e eu foquei em sua fala, finalmente.
Meu olhar a respondeu. — Ok, podemos esperar um pouco mais para tomar
qualquer decisão. Mas converso com Kenny sobre. Não se preocupe.
— Pri… Quão feia é a situação? — perguntei, querendo sua honestidade.
Ela suspirou.
— Não é ideal, mas… Na verdade, Jas, é melhor do que você imagina.
— Ela riu, parecendo um pouco surpresa. — O posicionamento de Oliver
na última coletiva e o amor dos fãs de vocês… Estão soltando declarações
sobre Cole. Tem pessoas contando relatos sobre atitudes abusivas do cara
por todos os lados. Independentemente de você querer Zhang de volta ou
não, muita gente torce por vocês. E… Honestamente, Cole tentou limpar a
imagem dele atacando vocês, porém a maré virou. Agora ele está
afundando. Ninguém mais acredita nele, depois do áudio vazado em que
confessou que queria ferrar contigo. Ninguém até mesmo acredita muito
nesse lance do Brandon. E mesmo com algumas pessoas confirmando que
ele estava bêbado naquela noite, muitas outras que o viram naquela noite
negam saber qualquer coisa. Tão dizendo que Cole pagou para mentirem. E
ninguém tem como provar nada, porque faz muito tempo, nunca foi
investigado e o corpo foi cremado.
Mas era verdade.
Suspirei, mantendo aquela parte para mim e respirando fundo, o mais
fundo que pude.
Alguém bateu à porta e eu mandei entrar, pensando que era Kyle,
preparada para me maquiar, mas senti um perfume de jasmins e ergui o
olhar para a mulher negra, de cabelos cacheados, segurando uma papelada.
Melissa engoliu em seco, hesitante.
— Não. — falei.
— Só um minuto. Por favor, Jas. Um minuto.
— Vai embora.
Wayne bufou, olhando para o teto por um momento e Priyanka estava
preparada para tirá-la dali, mas algo em meu olhar a fez parar. Mel ergueu o
papel e o colocou sobre a bancada, junto com um pen-drive de Darth Vader.
— Vou deixar aqui, caso queira ler.
— O que é isso?
— Tudo o que se nega a ouvir. — Mel disse. — Meu planejamento sobre
o documentário que fiz acerca da morte de Brandon. Se é verdade ou não e
o que houve. Coisas que enviei para você por mensagem e se recusou a ler.
Até mesmo pequenos esboços que escrevi ao longo dos anos, porque Naomi
queria contar a verdade, Zhang não conseguia, Mike não sabia o que fazer e
Bale se isolava quando o assunto vinha a tona. Então eu escrevia esses
discursos e ensaiava para te contar tudo. Mas não conseguia. Porque viver
em um conto de fadas em que você era nossa família e finalmente se
apaixonava por Zhang, era mais fácil do que enfrentar tudo que estamos
enfrentando. — Sua sinceridade me chocou e me machucou por um
momento.
Ela chocou o pen-drive na mesa novamente, seguindo para a porta.
—  Tem cenas cortadas no pen-drive, recomendo que assista sozinha.
Depois fique à vontade para me chamar de filha da puta e socar uma
almofada com meu rosto. Pode me odiar e queimar tudo isso. Mas se algum
dia quiser me perdoar, eu ainda te vejo como uma irmã e posso passar cada
dia da vida te pedindo desculpas, de braços abertos. — Ela abriu a porta, me
lançando um último olhar. — E eu me demiti.
— O quê?! — ralhei e Wayne fechou a porta.
Priyanka me encarou, catatônica, e eu me levantei, correndo para fora do
trailer. Avistei Melissa pisando para longe e gritei por ela. Olhei ao redor,
odiando o quanto chamei atenção, parando à sua frente. Mel abraçou o
próprio corpo, visivelmente insegura.
— Não pode se demitir, a série é sua! Você criou tudo isso.
— A série é sua, Rhodes. — ela me corrigiu, com os olhos irritados.
Aquilo era uma loucura. — Se tornou sua no momento em que entrou por
aquela audição e tem outros roteiristas incríveis que podem te dar o final
digno de um Emmy. Merece mais do que vir trabalhar dando de cara com
alguém que te magoou e eu honestamente preciso de um tempo para focar
em mim agora. Não sinto que mereço trabalhar nisso tudo e não quero que
se sinta desconfortável vindo fazer o que ama. Então bom trabalho.
— Melissa! — chamei, mas ela deu as costas, sem olhar para ninguém.
Quis xingar. Quis gritar. Quis me demitir também.
Wayne era maluca. Ela não poderia fazer isso. Não poderia me deixar
daquele jeito.
E então eu me dei conta.
Ela fez isso por mim. Para que eu não me sentisse mal vendo-a todos os
dias.
Só que eu me sentia ainda pior.
Porque não parecia que ela estava me deixando. Eu estava deixando-a ir.
— Flores para Jasmine Rhodes. — alguém disse e eu virei o rosto,
encontrando um buquê de jasmins.
Priyanka o pegou para mim e eu rezei para não ser Oliver. Era seu jeito
de pedir desculpas. E eu honestamente não queria lidar com aquilo naquele
momento. Mas assim que Pri leu o cartão, eu quis que fosse Oliver. Quis
mesmo.
— Cole. — ela disse e eu suspirei.
Babaca filho da puta.
Passei direto por ela, quase chocando nossos ombros ao entrar de volta
ao trailer.
— Pode queimar.
Sentia falta de Mike, Mel, Naomi, Damian, Gigi… Hailey.
Eu sentia falta de Oliver.
Mesmo que tivessem me machucado, eu queria estar com eles. Queria
cuidar deles. Queria que cuidassem de mim, como sempre faziam. Queria
enfrentar aquilo tudo com eles. Mas como fazer isso quando não me
contaram a verdade, quando me machucaram dessa forma?
E para piorar, Cole existia.
Priyanka jogou as flores no chão, enquanto eu me sentava de frente para
o espelho e afundava o rosto entre as mãos.
Queimar, eu disse. Ela deveria queimar. E tudo o que minha empresária
respondeu foi:
— Vai ser um prazer.
“Eu nem sei se você existiu
Ou é um devaneio que eu criei pra mim”
Quando você voltar - Grito Acústico
 
 
Que Cole O’Connell era um filho da puta eu já sabia.
Agora que ele era um filho da puta, se ferrando naquele nível eu, de fato,
não sabia.
Digo, eu acredito em carma. Mesmo. Acredito. Mas às vezes ele não
funciona muito bem. Tem tanto desgraçado no poder ou escroto ganhando
rios de dinheiro, que é até fácil pensar, de vez em quando, que não existe
justiça na Terra. Talvez eu tivesse que agradecer a Cole por me mostrar
que… Bem, tinha sim. E era incrivelmente satisfatória.
Deixando bem claro que eu não aprovo hate. Não mesmo. Desaprovo
pra caramba. Mas se eu fosse para o Inferno, por rir de uma foto de Cole
O’Connell pintado de vermelho, com dois chifres, tudo bem.
Ok. Brincadeiras à parte, isso não era satisfatório. Satisfatório era a
justiça sendo feita. Inúmeras pessoas que tinham trabalhado com Cole,
finalmente, se pronunciavam. Suas atitudes em set, mentiras e birras, eram
expostas por todos os lados. E segundo minha advogada, — que
infelizmente ainda era uma Carlson — eu poderia entrar na justiça por
difamação, com provas de que Cole havia mentido ao meu respeito. Sem ter
como provar nada sobre Ramsey, Cole também poderia se foder nas mãos
de Oliver. E… Bem, eu estava magoada e puta com Zhang, mas eu esperava
que ele também enfiasse um processo no rabo de O’Connell.
Sim, finalmente decidi judicializar aquela merda.
Finalmente encontrei algum apoio e segurança para isso.
Minha imagem não estava tão ruim assim, meus fãs me apoiavam e até
aquele momento, todos os meus contratos estavam seguros. Digo, menos as
publicidades de casal.
Claro que havia algum hate em minha direção, sempre havia. Boa parte
dele era direcionada a Oliver e eu. Mas, por incrível que pareça, após as
declarações de Zhang nas coletivas e com todo aquele alvoroço contra
O’Connell… Bem, o cenário não era péssimo.
— Farei meu possível para o representante desse desgraçado saber que
vamos ao tribunal. — Madison Carlson disse e eu assenti, meio sem jeito.
Na mesa do Oxente, ao meu lado, Priyanka me encarava a cada dois
segundos, buscando ter certeza de que eu estava bem. Acho que Maddie
percebeu. — Ei, sei da sua briga com a minha irmã. Também sabia sobre
Ramsey, não vou mentir. Mas estou aqui como profissional, Rhodes. E se
me der uma chance… Sabe, sua mãe namora a minha mãe, eu não quero ter
uma relação ruim com você.
— Eu sei. — falei, tentando sorrir com tranquilidade. — Tudo bem.
Confio em você.
Como advogada, quase acrescentei. Ela acenou, provavelmente lendo
nas entrelinhas.
— Tia Maddie!
Mal conseguimos piscar e a loira já era esmagada pela minha pestinha
favorita. Hailey fez a advogada gargalhar e eu sorri com a cena.
— Meu Deus! É minha bailarina favorita. — Maddie comentou, visto
que a garota estava vestida com seu tutu cor de rosa. A loira ergueu a
cabeça, sorrindo. — Ei, cunhadinho.
— Boa noite. — Damian disse, atrás de mim. Fiz meu máximo para agir
naturalmente. Pela Hay. — Ei, Jasmine.
— Oi.
— Podemos conversar?
Olhei por cima do ombro. Damian estreitou os olhos e eu fiz o mesmo,
me perguntando se era sério. Vi Naomi no bar, conversando com a mãe, que
preparava algum drink, como se trabalhasse ali. Carlson não me olhava.
Voltei a analisar Bale.
— Viemos porque sua mãe pediu. Por causa da Hailey. — esclareceu.
— Sim, segunda vez.
— Sim. Ela gosta da sua mãe. E de você.
Suspirei e me levantei, o seguindo para o bar, longe o suficiente para que
Naomi não nos ouvisse. Damian cruzou os braços e eu esperei pelo sermão
idiota que viria.
— Está puta. Eu sei que está. E deve estar. Adoraria se gritasse,
quebrasse coisas e me xingasse. Mas não questione nada na frente da
Hailey, por favor. Ela venera você. Se desconfiar que não quer vê-la, isso
vai destruí-la, Rhodes.
— Quero vê-la.
— Não pareceu.
— Porque vê-la significa ver vocês, no momento.
— E de repente somos monstros, huh?
Engoli em seco, porque eu jamais os definiria assim. Damian trincou o
maxilar, virando-se para observar os movimentos da filha, sempre atento.
— Sobre o que quer conversar?
— Mel se demitiu. — ele disse.
— Sei. Depois de jogar uma bomba no meu colo, que eu não analisei,
por sinal.
— E o Mike…
— É o único que falta me encher o saco?
— Porra, eu amo você, mas não facilita, né?
Eu ri. Ele queria que eu facilitasse, mesmo?
— Bom, Bale, é o que acontece quando todos os seus amigos mentem
para você, deixam a Austrália inteira saber de algo, antes que você sequer
cogite que algo aconteceu e ainda ouve a verdade de um repórter do TMZ.
— Não estou dizendo que não tem razão, Rhodes. Estou dizendo que
amo você, você é minha melhor amiga, depois da minha esposa, e eu sinto
que é uma das únicas que entendem toda a porra da pressão que eu sofro e
sinto sua falta. — ele disse, seco. — Estou dizendo que estou tentando pedir
desculpas, mas já que não responde minhas mensagens ou me atende, não
sou tão paciente e bonzinho quanto o resto do pessoal. Então, sim, te
chamei para encher a porra do saco e, sim, acho que Mike vai fazer o
mesmo. Porque nós dois concordamos que pode nos chutar para fora da sua
vida, mas lutaremos um pouquinho para que isso não aconteça. E mais do
que isso, para uma amizade acabar, principalmente uma que significou algo
tão bem para todos nós, precisa ter um final digno. E para ter um final
digno, precisamos ter uma conversa. Você, sempre adulta, deveria saber
disso.
Absorvi suas palavras por um segundo, não conseguindo prender uma
risada amarga. Bale me analisou e eu cruzei os braços, tombando a cabeça
para o lado.
— Um final digno para o que não começou bem?
— Jasmine, — ele disse, devagar, descontente. — isso começou com
uma fã desconhecida em um jantar de amigos. Uma que me fez gargalhar
pra caralho, fez minha filha dormir em seu colo no primeiro contato, roubou
mais sorrisos da minha esposa do que eu e conseguiu a proeza de fazer
Melissa e Mike xingarem, ao menos vinte vezes, em um minuto. Começou
de uma forma digna, se quer saber. Mas não começou com uma amizade
instantânea. Então sim, demoramos em considerar te contar a verdade. Mas
consideramos.
— Ainda assim não fizeram.
— E erramos. Ponto. Agora é a parte que explicamos o que sentimos e
pedimos perdão, visto que você fez absoluta questão de jogar na cara de
Zhang e na nossa que, no momento, nos odeia. — Não o respondi e foi sua
vez de rir nasalado, puto. — Caralho, sabe quantas vezes Naomi e eu
conversamos sobre? Sabe quantas discussões aconteceram no nosso grupo?
Algumas vezes, comecei a ir pelas beiradas, para te contar a verdade. Não
fui o único. Não é fácil, Rhodes. Sabemos que Brandon errou. Sabemos pra
caralho. Mas o amamos. E a ideia de ouvir outra pessoa que amamos, você,
falando dele como se ele fosse um monstro, era desesperadora.
— Não acho que ele seja um monstro. —  confessei, baixo.
— Bom, então é um primeiro passo. Vê? Diálogo.
— Mas não quero esse diálogo com vocês, Bale.
— Por que?
Suspirei, frustrada.
— Porque isso abriu feridas em mim. Me fez sentir fora do grupo.
Quebrou a confiança. E já fui muito descartada na vida. Já fui muito
colocada de lado. Já fui colocada no escuro tantas vezes que, aqui na
Austrália, vocês e Priyanka eram literalmente meu único círculo de
amizade. Eu achei que sabia tudo sobre vocês e não sabia. Sinto que não
conheço quem amei por cinco anos e não falo só de Zhang. Então não quero
um diálogo. Porque nem mesmo sei com quem estou falando.
Me afastei, prestes a voltar para a mesa, onde apenas Priyanka estava.
Hailey estava puxando Maddie para a mãe, empolgada com alguma coisa.
Mas Bale segurou meu braço, com leveza, me parando uma última vez.
— Você está falando com um cara que secou muitas lágrimas suas e não
foi mentira. — ele me disse, firme. — Você está falando com o cara que
seca as lágrimas de Zhang, Wayne, Graham e Naomi quando sofrem sem
você e isso não é mentira. Está falando com um amigo, Jasmine. Está
falando com sua família. E agora que a única inverdade entre nós foi para o
lixo, podemos finalmente seguir em frente. Estamos prontos para implorar
pelo seu perdão. A pergunta é se você vai aceitar.
Pisquei algumas vezes, respirando fundo, olhando em seus olhos e
tentando, tentando mesmo, acreditar nele. Uma grande parte de mim
conseguiu. A outra ainda sangrava demais.
Bale me soltou, seguindo para Hailey e Naomi, me deixando parada,
sozinha, em frente ao bar.
Não pude evitar assisti-los de longe e sentir saudade.
Deles, de Graham e Wayne, de Zhang.
Mas uma voz na minha cabeça ainda dizia que não poderia perdoá-los.
Ok, por tudo que ouvi sobre Brandon, ele parecia ser uma boa pessoa.
Ele foi importante para todos eles e eu entendo. De verdade, sempre
entendi. Mas quando escolheram proteger a imagem do Brandon, eles
tinham a opção de não esconder de mim, não tinham? Por cinco anos, eu
estive ali com eles. O tempo todo. Então por que não contar a verdade? Por
que me machucar dessa forma?
Respirei fundo, ciente de que ficar ali, pensando neles, olhando para
eles, me despedaçaria. Então, antes que eu desabasse na frente de todo
mundo, só peguei minhas coisas e fui embora.

Atuar sem Melissa Wayne no set era vazio. Digo, claro que eu fazia isso
em outros projetos, mas Surf & The City era Melissa Wayne. E era sobre
Brandon. Eu sempre soube que a ideia de um grupo de amigos, em que
metade do elenco surfava, era uma homenagem para ele. E eu era a
protagonista.
Tudo parecia estranho, deslocado, fora de lugar.
Tudo, até mesmo o que não deveria me lembrar deles, me lembrava
deles.
Já era difícil o suficiente sentir falta de Oliver Zhang como meu amigo…
E como meu. Mas sentir falta de tudo aquilo que chamamos de família era
dilacerante.
Afundei minhas costas no banco do carro, depois de um dia inteiro de
gravação e respirei o mais fundo que pude. Priyanka abriu o banco do
carona, suspirando.
— Está no meu carro.
— Sim.
— O seu está bem do lado, Priyanka.
— Sim.
Segurei a ponte do nariz, querendo só um segundo para chorar.
— Cansada?
— Pelo menos ele não mandou flores hoje. — respondi, irônica.
— Cole é um desgraçado.
Ele era. A maré virou para o filho da puta e agora ele queria pedir
desculpas, só para eu não pegar tão pesado contra ele. Eu estava a um
segundo de enfiar um buquê no cu dele. Obviamente eu pegaria pesado.
Obviamente eu faria um inferno para provar que ele tinha mentido a meu
respeito.
— Acho que seria legal considerar uma reunião com o empresário dele.
— Priyanka?!
— Só para mandar se foder pessoalmente!
Eu ri, antes de gemer de frustração e afundar a cabeça no volante. Pri
afastou o cabelo do meu rosto e beijou minha têmpora. Era reconfortante
trabalhar com uma amiga. Ter Priyanka ao meu lado, desde o início, era
como ter um pedacinho de casa por onde eu fosse.
— Te amo, tá? Amo mesmo, Jas. Sou sua leoazinha para te proteger do
mundo. Vai ficar tudo bem.
— Também te amo. Obrigada por tudo.
Ela beijou minha testa, se afastando e fechando a porta do carro ao sair.
O silêncio que me acompanhou era bizarro.
Levantei a cabeça novamente, colocando o cinto e fechei os olhos.
Meu pai teria os melhores conselhos naquele momento, para cada coisa
fora do lugar. Ele deveria estar ali. Ele deveria estar comigo. Deveria me
abraçar até a dor passar e eu o faria rir, mesmo mal-humorada. Eu faria
Marco Rhodes gargalhar. E isso curaria tudo.
Não. Eu não choraria.
Dirigi para a casa da minha mãe sem música alguma tocando, apenas
para parar antes de direcionar o carro para a garagem. Havia uma
caminhonete azul esperando, com um nerdzinho familiar de braços
cruzados, olhando para mim.
Brinquei que o Mike era o único a não me encher o saco. Agora ele
estava ali. Esperando.
Saí do carro após estacioná-lo e cruzei os braços como ele. Mike sorriu
de canto. Eu me mantive firme.
— Tenho uma proposta irrecusável.
— Jura? Porque já passo.
Mike sorriu ainda mais.
— Obi morreu, Rhodes.
Seu sorriso não combinava com a sua fala. E então eu o interpretei de
modo correto. Aquele era o Mike que sorria quando estava machucado. O
que não cansava, até fazer todo mundo sorrir.
Meus ombros caíram e minha resistência vacilou.
— Meio patético vir atrás de uma amiga depois que meu furão morre,
huh? — Ele riu, com escárnio. — Mas é que… Meu furão morreu, meu pai
pode morrer, meu cachorro está no fim da vida, minha esposa está de luto
e… para piorar, perdemos você e ainda não temos essa única felicidade que
lutamos para conseguir esse ano, porque Mel segue cem por cento não
grávida.
Meu coração doeu com seu olhar perdido, completamente destoante do
seu sorriso largo.
— E eu só consigo pensar em um amigo que se foi e que sempre dizia
que temos pouco tempo para conquistar o que nossos sonhos gritam,
quando dormimos. Um amigo que se foi e me fez pensar que temos que
aproveitar cada maldito segundo com quem amamos e não deixá-los ir. Nós
somos uma família, Rhodes. Sinto sua falta. Minha mulher está em casa,
chorando, sem você. Então, preciso que escute essa única proposta e juro
que… Porra, se me chutar depois dela, tudo bem.
Cruzei os braços mais forte, tentada a abraçá-lo, ferrada por curiosidade.
— Que proposta?
Mike soltou um risinho, feliz em ter conseguido o que queria, seguindo
para a caminhonete.
— Está livre agora?
— Sim. — respondi, meio contra a minha vontade.
— Tenho um lugar para te levar e algumas pessoas para te apresentar. Se
não nos der uma chance depois disso, nunca mais te encho o saco.
Franzi o nariz, hesitante. Graham esperou, pacientemente.
— Nossa, odeio você. — murmurei, cedendo e pisando firme para o
carro. Mike gargalhou.
— Sei. — Entramos na caminhonete ao mesmo tempo, colocando os
cintos. — Me odeia muito.
— Não força.
Graham mordeu o sorriso, começando a dirigir. O perfume de jasmins
me deixou um pouco tensa, pensando que Wayne estava ali pouco antes e
que eu sentia saudade dela. E da Naomi. E das gargalhadas toda terceira
segunda-feira do mês. Ou em todos os outros dias.
— Mike? — chamei, sem jeito.
— Hm?
— A Mel…
— Está se sentindo uma merda.
Assenti, absorvendo sua honestidade. Suspirei, questionando quão
maluca eu era por entrar em um carro com um nerd maluco, implorando por
perdão. Ainda assim eu disse:
— Meus pêsames. Sinto muito.
Mike me deu um sorriso triste e algo em seus olhos me fez sentir que lia
seus pensamentos. Ele se julgava pior do que eu. Pela mentira. Por eu me
importar a ponto de estar ali, mesmo depois de tudo.
— Eu sei que sente, Jas. Eu também sinto.
Desviei o olhar. Já não estávamos falando de sua perda. Estávamos
falando de toda a merda que nos fez nos afastar. E meu silêncio seria
resposta suficiente.
Por ora.
Por um momento, meu corpo travou no carro, olhando para o prédio que
eu conhecia muito bem.
Mike saiu do veículo, sem dizer nada, e eu continuei ali, analisando a
clínica de saúde mental que eu conhecia muito bem.
Foi onde conheci Oliver. Onde tudo começou.
Saí do carro, mas apoiei minhas costas contra a lataria. Mike guardou as
mãos nos bolsos das calças. De todas as pessoas do mundo que eu poderia
esperar me levar até ali, Mike era a última.  Na verdade, até me questionei
se ele iria atrás de mim em algum momento. Amo Graham e sei que sempre
foi recíproco, mas de todo o nosso grupo de amigos, sempre fomos os
menos próximos. O que é normal, não me faz considerá-lo menos parte da
minha família. É o mesmo com Mel e Damie, por exemplo. Eles se amavam
e se consideravam parte da mesma família, mas eram mais próximos de
outras pessoas no grupo.
— O quê? — Graham perguntou, percebendo o quanto eu viajava em
meus pensamentos.
Suspirei.
— O que estamos fazendo aqui, Mike?
Ele cruzou os braços de volta, se pondo ao meu lado e observando o
prédio.
— Quando indicaram terapia em grupo para Ollie, fui eu quem sugeriu
esse lugar. — ele disse, sorrindo de canto. O analisei, silenciosamente,
surpresa. — Então me sinto um pouco responsável por ter unido vocês.
Quando se casarem, lembre disso e me chame para padrinho.
— Mike. — falei, firme. — Caso não tenha percebido, não pretendo
casar com Oliver.
— Uhum, certo. — falou e eu revirei os olhos. — Ainda assim, me sinto
parte da história de vocês de alguma forma. Do início. E graças a isso, você
nos conheceu, Jas. Então se eu puder ser um pouco responsável por evitar
um final também, eu vou fazer isso.
Decidi não encará-lo, observando o prédio de quatro andares, grande,
com azulejos brancos.
— Quando meu pai foi diagnosticado, a médica o encaminhou para uma
psicóloga. — Graham contou. — Lidar com uma doença sem cura, como a
esclerose, é um peso muito grande. Ele acabou conhecendo esse lugar.
Tinha um grupo para doenças terminais ou incuráveis, enfim, não sei como
chamar. Ele gostou muito. Isso o ajudou a aceitar o que estava vivendo.
Então, procurei saber se poderiam ajudar o Oliver a superar o acidente. Ter
um grupo de apoio para algo tão específico foi questão de sorte. Mas acho
que… ele te encontrar foi questão de destino.
Sempre pensei isso. Eu só não sabia mais o que o destino queria.
Desilusões amorosas são assim, não? Nada faz muito sentido depois que
elas te atropelam.
— Sempre odiei a mentira. Acho que foi por isso que tentei limitar ao
máximo me aproximar de você, Jasmine. Isso pode ter feito um abismo
entre nós dois, mas não me fez te amar menos. Você é uma de nós. E tem
algo onde tudo começou que eu quero te mostrar. Na verdade, alguém. Foi
um grupo que a Mel começou a visitar depois que Brandon morreu, para
entender como dirigir o documentário. Para entender como perdoá-lo por
ter sido irresponsável, mesmo amando-o tanto.
Ele me encarou, esperando, me dando novamente a escolha de ir embora.
Mas eu não fui.
Respirei fundo e acompanhei Graham clínica adentro.
Não falamos nada a cada passo dado. Minha mente borbulhava com
centenas de pensamentos, era difícil até mesmo me atentar ao mundo à
minha volta. Quando vi, já estávamos no andar que ele queria e eu estava
parada, pouco atrás dele, atingida por toda a nostalgia.
Era o mesmo corredor.
Eu ainda conseguia visualizar Oliver sentado nas cadeiras, com o olhar
preso em algum canto da parede. Um homem alto, tatuado, esparramado em
uma cadeira tão pequena. Parecia um garoto perdido. Eu tentei ignorá-lo,
tentei mesmo. Mas havia algo no meu coraçãozinho que já denunciava que
ele tinha algo cativante demais para deixar passar.
Quando seus olhos se prenderam em mim e eu me sentei ao seu lado,
senti o que Mike disse. Não pensei que seríamos melhores amigos ou nos
tornaríamos namorados, não. Mas senti que, tal como Peter Pan e Wendy,
jamais seríamos os mesmos depois daquele dia. O garoto perdido mudaria a
minha vida. E ele mudou.
— Você sabe, eu poderia tentar conversar com a psicóloga para te deixar
assistir a sessão, — Mike disse. — mas tem pessoas aqui que mal
conhecemos e pode ser meio insensível da nossa parte. Então vamos esperar
que terminem. Depois disso, tenho três pessoas que aceitaram conversar
com a gente.
— Quem são?
Ele se sentou e eu me sentei ao seu lado, ainda incerta sobre aquilo tudo.
— Mel assistiu às sessões porque eles permitiram. Disse que era um
estudo pessoal para um filme. Mas acabou sendo demais para ela. Ela achou
pesado, porque estava em luto. Então fez pequenos formulários e, caso os
pacientes se interessassem, poderiam colaborar com uma pequena
entrevista. Ela os encontrava em um cafezinho aqui perto, depois das
sessões. Mas sabe como Wayne é, ela se envolve demais e muito rápido. O
coração dela é enorme. Ele os abrigou, eles a abraçaram de volta. Três deles
seguem vindo para cá. Foram convidados para nosso casamento, inclusive,
então talvez os julgue familiares. São gente boa. Fique tranquila.
Assenti, querendo rir. Tranquila era uma palavra distante demais do que
eu sentia. Para mim, aquilo era loucura.
Mike e eu ficamos em silêncio por alguns minutos, até que uma das
portas se abriu. Não reconheci ninguém que saiu dali, então esperei até que
Mike se levantasse. Uma garota ruiva, alta e magra, da minha idade, o
abraçou imediatamente. Um garoto negro, de pele clara, e cabelos trançados
presos em um coque, pareceu mais tímido, mas também o cumprimentou. A
terceira pessoa era uma loira, que me encarava quase sem piscar.
— Meu Deus, eu sou sua fã! — ela disse e eu quase ri de nervoso, mas a
abracei o mais forte que pude. — Meu nome é Diana. Eu te acompanho
desde o primeiro episódio de Surf & The City. Comecei pela Mel, mas… —
Ela se afastou, tremendo. — Meu Deus, não conte para ela, continuei por
você. — Ri e Mike também. A abracei mais uma vez, antes de
cumprimentar os demais.
Assim que atravessamos a rua para uma pequena cafeteria, meu
estômago roncou baixinho com as opções de tortas por ali. Fizemos nossos
pedidos e eu lembrei de Wayne ao pedir torta de limão, sua favorita; pensei
que ela choraria de prazer com quão boa estava.
— Ok… Vou começar isso, não quero levar muito o tempo de vocês. —
Mike disse, baixinho. — Mas sabem que vazaram as coisas sobre o
Brandon. — Levantei o olhar para os três e eles nem piscaram. Eles sabiam.
— Calma, Jas, eles assinaram termos há anos. Não vão dizer nada.
— Não só por ter assinado algo, mas por Wayne e Mike. — Beatrice, a
ruiva, explicou.
— Então… A Jas não sabia. — Mike prosseguiu, me lançando um olhar
antes de virar um gole do seu cappuccino. — E eu acho que… Devem
imaginar como ela se sentiu machucada por isso. Eu só… Só sei que muita
gente também julgou vocês por muito tempo e eu pensei que, talvez,
ouvindo suas histórias, ela poderia enxergar que nem tudo é tão preto no
branco.
— Entendi… — Tim, o outro homem entre nós, murmurou. — Bem…
Isso é difícil.
— Se não se sentir confortável. — Mike interviu e ele balançou a
cabeça.
— Disse que é difícil e não que é desnecessário. — Tim riu, o
tranquilizando. Ele limpou a boca suja de torta de chocolate, com um
guardanapo, me encarando. — Eu era fã de Brandon Ramsey, então saber
que ele provocou um acidente, também foi um baque forte pra caramba.
Porém, mais do que isso, saber que meu ídolo passou pelo mesmo que eu…
Bem, não é exatamente reconfortante, mas me faz pensar que nos
entenderíamos. — Ele bufou, parando por um momento. Beatrice segurou
sua mão sobre a mesa e, pelo brilho nos seus olhos, me questionei se eram
mais do que amigos. Foi um gesto simples, mas eles se encararam como se
significasse o mundo. — Eu estava em uma festa com os amigos. Era na
casa de um colega do meu time de basquete, meu melhor amigo, então, eu
dormiria lá e só iria para casa no dia seguinte. Por isso bebi. Mas me perdi
dos amigos em um momento e quando minha mãe ligou dizendo que meu
pai estava infartando, peguei a chave do carro e…
Meu coração apertou, encarando-o. A culpa em seus olhos foi
dilacerante.
— Não matei ninguém, Jasmine. O motorista do carro que atingi teve
apenas ferimentos leves. Em contrapartida, a culpa de tê-lo machucado,
mesmo que pouco, nunca passou. E meu pai morreu naquela noite, mas não
pude me despedir, porque eu estava sendo socorrido por médicos. Minha
mãe não me culpou ou, se fez, me perdoou, mas… mas eu me culpo. Afinal,
ela passou por dois traumas em uma noite, quando eu poderia ter pedido um
uber ou um táxi e tê-la dado todo o apoio que precisava.
Meus olhos arderam. Havia uma centena de argumentos na minha
garganta. Pensamentos que o culpabilizavam. Mas eles perdiam a força
encarando a dor no homem à minha frente.
— Consigo viver hoje em dia, mas certas feridas nunca se curam por
completo. Ou quando se curam, deixam as cicatrizes. — Ele ergueu a
manga da camisa, mostrando algumas cicatrizes brancas contra a pele
escura, seguindo por todo o antebraço. — Fragmentos da janela me
marcaram. Agora, todo dia, todo dia mesmo… Eu sempre lembro daquela
noite.
Lembrei de algumas tatuagens de Zhang. No cotovelo e nos joelhos,
simulavam pequenos Band-aids. Marcavam os lugares que lesionou no
acidente, para que jamais esquecesse.
— Eu… Eu estava com a minha filha. — Beatrice disse, limpando a
garganta. — Um mal entendido aconteceu na minha casa e estavam
despejando a minha mãe, então a busquei na escolinha e coloquei no banco.
Sempre checava a cadeirinha duas vezes. Sempre duas vezes. Naquele dia,
eu a coloquei sentada, botei o cinto, mas não conferi. Não conferi se estava
firme. — A ruiva respirou fundo, tentando não chorar e eu segurei sua mão
sem perceber. Ela não precisou contar o resto. — Foi um erro enorme, uma
irresponsabilidade gigante e vou viver para sempre com a culpa de… De ter
matado a minha…
— Você não fez isso, Bea. — Tim lembrou, baixinho, mas ela se
desmanchou em lágrimas do mesmo jeito e eu fui rápida em secar meus
olhos, observando Graham, que fazia o mesmo.
— Eu bebi também, como Tim. — Diana disse, baixinho, me lançando
um olhar envergonhado.  — Sei da história do seu pai, Jas, e sinto muito,
então entendo se me odiar… — Meus olhos ardiam e eu segurava a vontade
absurda de chorar, ciente de que Beatrice estava destruída, Tim a abraçava
de lado e todos os meus pensamentos conflituosos lutavam pela minha
mente. Isso tudo doía. — Meu pai batia na minha mãe. Batia muito. Batia
todos os dias. E, às vezes, batia em mim. — Ela limpou a garganta,
brincando com o último pedaço de torta em seu prato. — Eu… Eu tentava
separar as brigas e me perguntava porque ela não o largava, mas mamãe só
dizia que era muito complicado e quando eu me apaixonasse, eu entenderia.
— Ela me deu um sorriso frágil. — Nunca entendi. Também não sei se
quero. Fato é que, quando percebi que não poderia protegê-la, comecei a
beber. Muito. Todas as noites, depois da escola, com uma carteira falsa.
Depois, todas as noites após o trabalho. Troquei a dor por um vício que não
realmente consertava as coisas. E toda vez que minha mãe precisava de
ajuda, ela me ligava. Então, sabe quantas vezes dirigi bêbada para impedir
que meu pai a matasse?
Não respondi, mal consegui encará-la. Presa em um vício, Diana não
conseguia parar de beber. Ela também não conseguia salvar a mãe.
— Hoje vejo que eu causaria um acidente mais cedo ou mais tarde.
Agradeço por isso ter acontecido sem ferir mais ninguém. Mas… — Diana
afastou a cadeira, erguendo a calça, e eu percebi que, tal como Nichole,
minha ex-namorada, Diana tinha uma prótese. — Eu perdi muito sangue.
Quase morri. Não consegui salvar minha mãe naquela noite, então ela foi
para o hospital, machucada, para ver a filha que quase morria. Depois
daquela noite, ela até largou o meu pai por algum tempo, mas… Houve um
dia que eu estava internada e ela não estava lá. Eu estava em abstinência e
ela não estava lá. Quando recebi alta, ela estava machucada de novo. Eu
não consegui salvá-la. Até hoje, a minha mãe ainda me liga. Eu ainda a
ajudo. E toda vez que faço, quero beber de novo. É minha nova perna que
me impede. Que me lembra que… Sou uma sobrevivente, mas mereço mais
do que isso. Mereço viver. Mas isso não me deixa mais leve. Eu ainda
penso em todas as vidas que poderia ter tirado por minha
irresponsabilidade. E isso, Jas, isso é punição o suficiente.
Não consegui mais esconder as lágrimas. Não consegui mais comer. Meu
café esfriou. Tim, Bea e Diana se despediram e Mike ficou ali, comigo,
esperando que eu tivesse alguma reação. Que eu dissesse qualquer coisa.
Mas eu não conseguia. Não conseguia me mover, não conseguia pensar.
Era um cara que estava perdendo o pai e não pensou duas vezes antes de
salvá-lo.
Uma mãe que poderia ter evitado a morte da filha.
Uma mulher com um vício que quase matou alguém e jamais se
perdoaria por isso.
E Brandon… Brandon…
— Brandon nunca bebeu e dirigiu até aquela noite. — Graham contou,
após algum tempo. Ergui meus olhos marejados para ele. — Nunca. Ele era
até mesmo careta em relação a isso. Brandie já bebeu, usou maconha pra
caralho, mas ele não dirigia sob efeito de nada. — Mike balançou a cabeça,
desolado. — Até aquela noite.
Ele balançou a cabeça, tomando coragem.
— Brandon não era um viciado, ele não tinha nenhum motivo urgente
para pegar um carro… Nada disso faz sentido, Jasmine. Nada faz sentido.
Não era o Ramsey que eu conhecia. E ainda assim, era. Ele foi
irresponsável e isso custou a vida dele. Poderia ter custado a de mais gente,
poderia ter custado a do Oliver. Não custou. Mas isso não melhora as
coisas. Fato é que… — Mike sorriu, mesmo que doesse. — Brandon
também era o cara que… Quando meu pai adoeceu, dormiu comigo por
noites, mesmo que se atrasasse para os treinos. Ele não queria me deixar
sozinho. Foi o cara que, quando Naomi quis deixar Damian por se sentir
indigna de ser amada, a convenceu do contrário e os uniu, mesmo que
pudesse ainda ser um pouco apaixonado por ela. Foi o cara que… Quando
eu evitei Wayne por anos, segurou a mão dela e a fez entender que seu erro
não a definia. Foi o cara que… Quando os pais de Oliver não aceitaram a
carreira que ele tinha escolhido, deu forças e seguiu seu sonho junto com
ele. Ainda trouxe a avó dele para visitá-lo, da China. Foi a última vez, Jas.
A última vez que Ollie viu a avó. Ela morreu pouco tempo depois. E
quando isso aconteceu, foi Brandon que fez Zhang se reerguer. Esse cara.
Ele era esse cara.
Absorvi sua fala, sem ter o que dizer. Sem ter o que fazer.
— Ele era esse cara. Mas também o cara que dirigiu bêbado. — Mike
pegou a carteira, para pagar a conta, sem me encarar mais. — E eu amo os
dois. Mas sei que, se estivesse vivo, Brandon se culparia como Beatrice,
Diana e Tim. Como Oliver faz até hoje e ele nem estava dirigindo. Ele nem
mesmo estava lúcido ou acordado. — Graham tirou o cartão e me lançou
um olhar. — E sabe o que é pior? Naquela noite, Jas, eu dirigi bêbado. A
única diferença é que não morri, nem matei ninguém. — Ele se levantou. —
Então… Se ele for um monstro, sou um monstro também, certo?
Mike saiu para pagar a conta, me deixando na mesa.
E eu percebi que estava certo. O mundo não era preto e branco. Era de
diferentes cores que se sobrepunham em um cenário confuso, que eu
certamente não sabia interpretar.
Brandon Ramsey não era um monstro. Tal como Diana, Beatrice e Tim
não eram. E eu não tinha o menor interesse de saber quem era a mulher que
matou o meu pai. Não tinha o menor interesse de saber sua história, eu digo.
Sei que se chamava Sarah, era rica, tinha 45 anos e duas filhas, e isso era
tudo. Sempre seria tudo.
Eu não precisava perdoá-la. Jamais perdoaria.
Mas quanto a Brandon, Diana, Beatrice e Tim… Não eram minhas
histórias para julgar. Não era meu lugar para perdoá-los. Eu não tinha nada
a ver com isso e eles pagavam por seus erros. Brandon pagou com a vida,
Diana perdeu a perna e a família, Beatrice perdeu uma filha e Tim… Tim
não pôde se despedir do pai, tal como eu não pude me despedir do meu. Tal
como Oliver jamais se despediria de Ramsey.
Mike me levou para casa sem dizer uma só palavra.

Assim que abri a porta de casa e minha mãe parou de assistir televisão
para perguntar onde estive, meus joelhos cederam e eu tive a pior crise de
choro da minha vida.
Eu não conseguia pensar.
Não conseguia respirar.
Não conseguia identificar que caminho seguir.
Eu não queria perder Zhang.
Não queria perder Mel, Naomi, Damie e Mike.
Não queria me afastar da Hailey.
Subitamente, eu não senti que havia motivos para não escutá-los, não
tentar dar uma nova chance para eles.
Ao mesmo tempo, eu estava sangrando. Doía tanto quanto o impacto do
dia que meu pai me deixou. Na verdade, ouvir Tim, Diana, Beatrice e
Mike… Foi como reabrir as feridas e encará-las de frente. Coisa que, sendo
bem sincera, desde que parei de frequentar a terapia em grupo, eu deixei de
lado.
Então eu repassava todas as vezes em que falei sobre a morte de Marco
Rhodes. Todas as vezes em que desejei que pessoas como Tim, Diana,
Beatrice e Brandon explodissem no inferno e… Não era tão simples.
Eu não conseguia respirar.
Minha mãe me abraçou, o mais forte que pôde, acariciando as minhas
costas, me mantendo contra si, como uma criança pequena. Eu não sei se
levei segundos, minutos ou horas para parar de chorar. Só sei que, quando
aconteceu, eu estava sobre o sofá, enrolada em uma coberta, enquanto os
créditos de Como perder um homem em 10 dias rolavam, segurando um
copo de água.
Minha mãe, ao meu lado, esperava que eu falasse.
Que eu falasse qualquer coisa.
— Esses dias. — falei, em português, engolindo a bile amarga que quase
saiu pela minha garganta. — Esses dias, minha mãe, você disse que eles me
amavam.
— Porque te amam.
— Eu sei. E no momento, isso dói pra caralho.
Minha mãe suspirou e eu voltei a chorar, baixinho, segurando o copo de
água com ambas as mãos. Tentando colocar a cabeça no lugar.
— Eu os amo também, sabe? Amo mesmo. Amo cada Green Snake com
a minha alma e acredito fielmente que vou deixar de ser uma só quando
meu coração parar de bater. Que deixaremos de pertencer a essa família,
apenas quando o último batimento ecoar. Mas… Nossa, é… É tão confuso.
— Eu sei, amor. Eu sei. — Ela acariciou a minha cabeça, pacientemente.
— E eu amo tanto Oliver Zhang.
— E ele te ama. Muito. — Ela sorriu fraco, movendo uma mecha para
trás da minha orelha, penteando meu cabelo com os dedos, devagar. — Não
houve um dia desde que tudo aconteceu que Ollie não tenha me enviado
mensagens, Jas. Ele me pediu perdão. Ele perguntou sobre você. Ele se
manteve à disposição para qualquer coisa, filha.
— Oliver Zhang sempre é assim, não? Desiste de lugares, mas nunca de
pessoas.
— Ele só está esperando pelo momento certo.
De implorar por perdão. Eu sabia. Sabia mesmo.
Tentei me acalmar, levando a mão à testa. Eu sentia falta dele. Mesmo.
— Não sei se… Se perdoá-los significa me amar menos.
— Está brincando, Jasmine? Não tem obrigação de perdoar ninguém em
vida, amor. Mas a verdade é que, algumas vezes, perdoar quem amamos é
um gesto de amor não só com eles, mas conosco. Segurar ódio, rancor,
mágoa… Nada disso, amor, nada disso é bom para você. Se escolher deixá-
los ir, não vou te julgar. Se escolher perdoá-los, não vou te julgar. Nada
disso vai significar se amar menos. E nada disso vai te tornar diferente do
que você é. E você é gigante, amor.
Gigante. Essa palavra só me lembrava Zhang.
Contei tudo o que aconteceu. Tudo. Desabafei com minha mãe sobre
Mike, sobre o que ouvi naquele dia. Sobre a demissão da Mel, sobre
Damian ter tentado conversar comigo, sobre ter feito Naomi chorar… Sobre
amar Oliver.
E acho que em algum momento cheguei à conclusão de que… Eu só
estava magoada por não terem me contado mais cedo. Por ter descoberto
por outras pessoas. Nem mesmo o efeito sobre minha carreira era minha
preocupação, naquelas últimas semanas. E Mike… Acho que Mike me fez
perceber que a morte do meu pai era dolorosa, ainda era muito dolorosa
para mim. Mas eu não tinha que perdoar nenhum deles por nada. A morte
de Ramsey não foi responsabilidade deles. A similaridade com a morte do
meu pai, não era responsabilidade deles. Eles só sofriam por alguém que foi
irresponsável. Viveriam para sempre sofrendo, sem ele, porque Brandon
também sempre seria um Green Snake.
Doía a omissão, a mentira. Doía porque eu poderia ter entendido aquilo
mais cedo. Doía porque não confiaram em mim para isso, porque acharam
que eu iria embora. E doía porque, de fato, quase fui. Mas eu não queria
deixá-los ir, queria?
Não sem ouvi-los primeiro.
— Mãe… — chamei, baixinho, tentando não chorar mais. — Eu também
amo muito eles.
— Eu sei.
— E você está bem com isso? Com a omissão?
— Jas… Se tivesse sido o inverso, se tivesse sido seu pai o bêbado a
bater o carro contra alguém, por mais errado que ele estivesse… Você
deixaria de amá-lo? Você contaria para qualquer pessoa que tivesse a
chance de julgá-lo, de sentir raiva dele, porque o perdeu? Como reagiria se
estivesse no lugar deles?
Parei para pensar por um momento, sem ter a mínima ideia de como
responder.
— Eu entendo o que eles escolheram. Não acho certo, Jasmine, mas
entendo. E, para mim, não tem o que perdoar. — me disse, honesta. —
Ainda os amo. Ainda amo a mãe da Naomi e ainda acho que tê-la como
filha é uma dádiva. Ainda sou amiga da mãe da Mel e vou abraçá-la como
se fosse minha sobrinha, parte da minha família, quase uma filha. Damian,
Mike… Sempre vão ser bem-vindos no meu restaurante e na minha casa.
Oliver seria um genro incrível e eu o amo, amor. O amo mesmo. Só que te
amo mais. Priorizo você em relação a eles. Mas isso tudo não me faz amá-
los menos. Assim como não te fez deixá-los para trás. A pergunta é: ainda
faz tanto sentido para você não ouvi-los? Ainda faz tanto sentido para você
deixar a mágoa falar mais alto? Porque está tudo bem, Jasmine. Está tudo
bem se não fizer.
Respirei fundo, tentando assimilar o que dizia. Tentando me colocar no
lugar deles e então, admitir para mim mesma que perdoá-los não me faria
mais frágil. Que escutá-los não me tornaria menor do que eu era.
Tinha uma segunda-feira por vir. Não era a terceira segunda-feira do
mês, mas era uma segunda-feira. E eu queria conversar com as minhas
garotas, antes de qualquer coisa.
A minha mãe me deixou por um momento, prometendo fazer meu bolo
de tapioca favorito, e eu encarei meu celular, no sofá, pensativa.
Travei uma luta interna entre sentimento e razão. Uma luta confusa,
porque nem coração, nem mente, estavam bem organizados. Mas,
eventualmente, uma decisão foi tomada. E eu peguei meu celular, ansiosa,
tremendo um pouco.
Cada batida vinha mais forte e mais rápida do que o anterior quando, me
sentindo idiota por ter saído do grupo com as meninas, fiz outro. As
adicionei: Mel, Naomi e Gianna. Esperei algum tempo, quando ninguém
digitou nada. Esperei, tomando coragem.
E então escrevi.
 
Eu: Noite das garotas. Segunda-feira. 19:00. Minha casa.
 
As meninas digitaram por algum tempo e eu aguardei, ansiosa.
 
Naomi: Eu levo o vinho.
 
Mel: Eu levo os livros.
 
Gianna: Eu levo… apoio moral?
 
Sorri fraco, mesmo com medo do que poderia vir.
 
Eu: Está marcado, então
.
“Eu tenho essa coisa de ficar mais velha, mas nunca mais sábia
As meias-noites se tornam as minhas tardes
Quando minha depressão resolve trabalhar no turno da noite
Todas as pessoas que eu ignorei estão paradas no meio do cômodo”
Anti-Hero - Taylor Swift
 
Eu estava nervosa.
Sabia que Oliver estava viajando para a final da Champions, então…
Não tive medo algum de me trombar com ele pelo prédio. Não era essa a
razão do meu nervosismo. Eu conversaria com Zhang. Talvez me resolvesse
com ele, até. Mas não ainda.
Eu estava nervosa pelas garotas.
Chequei toda a comida que preparei para o nosso jantar. Cozinhei
sozinha, apesar da minha mãe se oferecer para isso. É que tanto Mel, quanto
Naomi, amavam comida baiana, então… Moqueca de camarão poderia
aliviar o clima tenso. Como Gigi nunca tinha provado, fiz uma lasanha para
ela também.
Olhando para a mistura exótica de comida baiana e lasanha e para a
quantidade de guarnições, eu me perguntei se tinha enlouquecido.
Provavelmente sim.
A campainha tocou e eu me ajeitei, olhei para a minha camiseta do Red
Hot e calça jeans, me perguntando se era casual o suficiente e quem estava
atrás da porta. Me surpreendi quando a abri e encontrei as três.
Mel, ao centro, engoliu em seco. Naomi e Gianna tentaram se manter
impassíveis, mas Olsen estava um pouco pálida e Naomi mordia o cantinho
da boca.
— E aí, beleza? — Mel perguntou e eu franzi o cenho. “E aí, beleza?”.
— Deus do céu… Wayne! — Carlson ralhou e eu ri, tentada a abraçá-las,
mas sem saber se deveria. Dei passagem e Naomi suspirou. — Que cheiro
bom. Estou faminta.
— Uhhh, é agora que vou conhecer mocaque?
— Moqueca. — corrigi Gianna, tentando prender o riso. Mocaque, que
bizarro. — Se você não tiver alergia a camarão, sim. — Ela esfregou as
mãos e eu observei Wayne, que abraçou o próprio corpo. — Melissa, tudo
bem?
Ela negou, se afastando por um momento. Me perguntei para onde estava
indo e Naomi suspirou, me parando. Wayne estava no banheiro. Soube
porque a ouvi vomitando. Ergui as sobrancelhas.
— Acho que ela está grávida, mas Mel não quer fazer o teste. — Carlson
explicou.
— Por quê? — perguntei, com o coração acelerado pela chance de ver
Melissa, finalmente, sendo mãe.
— Mike esteve doente há, sei lá, três semanas. Ela acha que pode estar
só doente. — Gigi disse.
— E ela estava esperando você. — Naomi acrescentou, honesta, eu
franzi o cenho. Carlson suspirou mais uma vez. — Wayne tinha esperança
de ter você por perto quando fizesse o teste, Jasmine.
— E o que ela faria se eu não voltasse? — perguntei.
— Bem, daí a barriga provavelmente cresceria o suficiente para que
fosse inegável, — Gianna comentou, dando de ombros — já que ela é
teimosa pra caralho.
— A teimosa pra caralho voltou. — Mel disse, um pouco menos pálida.
— E eu não estou grávida. Podemos jantar? Acho que temos muito o que
conversar hoje.
Quis perguntar se ela estava bem, mas Wayne parecia tensa demais,
então… A resposta provavelmente seria não. Nos sentamos à mesa de jantar
e eu perguntei se queriam vinho. Gianna aceitou, Carlson negou, Wayne
também negou, apesar de jurar que não estava grávida. Eu tinha a sensação
de que ela sentia que estava e não queria enfrentar um teste.
Começamos a nos servir e eu me perguntei por onde começar, virando
um gole de vinho branco antes de comer. Mel não fazia muito contato
visual. Digo, nenhuma de nós fazia muito, mas Wayne beirava ao contato
nulo. Era desconfortável. Nunca fomos assim.
— Desculpa ter te tratado mal no outro dia. — falei, para Carlson. Ela
não me encarou, a princípio.
— Mereci.  — ela respondeu, dando de ombros.
— Não, não mereceu.
— Mereci. Magoei você. Todos nós te magoamos. É passado. Está tudo
bem. Não esquenta.
Limpei a garganta.
— Estou com saudade da Hay. — confessei e ela sorriu, como mãe
babona que era, erguendo o rosto, finalmente.
— Ela quase forçou um choro para vir comigo. Puro drama. Mas está
brincando de cabaninha com o avô, estão montando uma super festa do chá
para todos os ursinhos de pelúcia. E Ryan está sofrendo tudo o que Damian
sofre.
— Está usando tutu? — brinquei e Naomi piscou, confirmando. Sorri,
um pouco mais leve. Mas isso morreu quando vi que Gianna comia em
silêncio e Melissa brincava com o camarão no prato. — Não é tão bom
quanto o da minha mãe, certo?
— Na verdade, é tão bom quanto. — Mel elogiou, sorrindo. — Mas mal
consigo comer.
— Enjoada?
— Não mais. Não… Só me perguntando por onde começo a implorar por
desculpas.
Abaixei os talheres, me surpreendendo com quão direta Melissa Wayne
tinha sido. Gianna fez o mesmo e Carlson… Ela lançou um olhar ao vinho,
quase mudando de ideia sobre beber apenas suco de laranja.
— Leu meus textos? Viu meus vídeos? — Mel questionou sobre o que
deixou no meu camarim, outro dia.
— Não consegui. Me faltou coragem. Principalmente depois que saiu da
série.
— É o material sobre o Brandon? — Gigi quis saber e eu confirmei. —
Podemos ver juntas.
Assenti, gostando da ideia.
— Gianna… Desculpa também. Não te procurei, não te respondi e ainda
falei algumas coisas sobre o Brandon que…
— Que são verdades. — Gianna rebateu. Ela afastou o prato, suspirando.
— Olha, Jas… Sendo bem honesta… — Olsen soltou um riso cansado. —
Sim, fiquei mal porque se afastou do pessoal. Achei que se afastaria de vez
de mim também, porque eu te lembraria alguém, que te lembra um acidente
parecido com o seu pai. Porque não discordei da omissão. Fiquei mal,
porque você estava mal e porque… Mal entrou na minha vida, Rhodes, mas
eu não queria que saísse. Mas depois de tanta terapia e cinco anos de
reflexão, eu não tenho tanto problema assim em confessar que o amor da
minha vida entrou em um carro bêbado e foi irresponsável pra caralho.
Sua calma e maturidade ao falar me chocaram um pouco. Naomi e Mel,
por sua vez, pareciam tranquilas. Meio cansadas, até.
— Acho que… — Mel suspirou. — Ok, nenhuma grosseria é correta e o
diálogo é sempre o melhor caminho. Mas não é porque ficou brava com a
gente ou preferiu ficar sozinha que está errada. Nada nessa situação te torna
errada. Você está aqui e está disposta a nos ouvir, Jasmine, então é isso que
importa. Nós precisamos pedir perdão. Você nem mesmo tem obrigação de
aceitar.
Meu coração não ficou muito mais leve com isso.
Esperei que alguém começasse, que alguém falasse algo a respeito das
últimas semanas. Naomi optou por começar:
— Os pais de Brandon não queriam que soubessem. Quando nada foi
investigado, absolutamente nada… Nós preferimos jogar para debaixo do
tapete. Os pais de Wayne se asseguraram de que nenhuma pessoa naquela
noite, comentaria se Ramsey estava ou não bêbado. A maioria, de fato, não
tinha visto nada, mas… Um garçom ou outro, um político ou outro daquele
evento… Enfim, eu desaprovei, mas soube que os Waynes compraram o
silêncio.
— Eu também. — Mel disse. — Descobri um pouco mais tarde, mas…
Enfim, briguei com eles por isso.
— Mas é inegável que isso tornou a mentira mais fácil. — Naomi
continuou, meio insegura com as palavras. — Se algo vazava, era só negar
e deixar que abafassem. E assim foi. Até que ninguém realmente comentava
mais sobre isso. E aí Oliver tinha mais calma para lidar com a morte, os
pais de Ramsey conseguiam manter a imagem positiva do filho não só para
o público, mas para eles mesmos… Até aí tudo bem. Era uma mentira. Era
errado. Mas todos nós conseguíamos levar para o túmulo. O problema foi
quando Wayne disse que poderíamos usar Brandon, para alertar os perigos
de agir como ele agiu. Que ele iria querer isso. Todos concordamos. Mas
além de ninguém ter coragem para falar com os pais de Ramsey, os
produtores do filme e sócios do time, se revoltaram. Eles ameaçaram ferrar
com Zhang. Ferrar a carreira dele, ferrar Melissa. E Wayne queria enfrentá-
los ainda assim, mas… Oliver tinha vontade de voltar para os gramados,
por mais que fingisse que não. Então… Carregamos aquele peso por ele.
Mesmo que, muitas vezes, ele tenha dito que poderia dizer a verdade. Que
não precisava. Até você.
— Quando ele te conheceu, Rhodes… Quando ele te conheceu… — Mel
riu, sem palavras. — Oliver pode não admitir, mas ele ganhou algo quando
você chegou na vida dele. Ele recuperou a vontade de lutar para ser mais do
que um sobrevivente. Ele viu outra pessoa que passou por um acidente
parecido rindo, sorrindo, sendo como ele era… E então você…. Nossa,
Jasmine, é impossível não se apaixonar por você. Você conquistou ele. A
alma, o coração, tudo. Tudo. Principalmente os amigos dele. Com um
sorriso e algumas gargalhadas…
— Você se tornou família em tempo recorde, Rhodes. — Carlson
acrescentou. Seus olhos estavam irritados e ela me encarou por meio
segundo antes de voltar a comer. — Nossos motivos para mentir para você
se tornaram nulos quando entrou para a nossa vida, mas… O medo do Ollie
de te perder… O nosso medo de te perder… — Ela suspirou. — Erramos e
não temos justificativa, foi por pura covardia…
— Mas, foi por medo de não te ter em nossas vidas. — Mel terminou.
Eu respirei fundo.
Não achava que estavam menos erradas em mentir, mas eu também não
queria perdê-las por isso. Era bom ouvir que não se achavam certas naquilo.
Que entendiam a minha dor. Eu realmente me sentia entre irmãs ali. Minhas
irmãs.
— Eu só queria que tivessem me contado mais cedo. — falei. Minha voz
vacilou e eu não sabia se odiava ou não o nó em minha garganta. Apesar de
doloroso, ele era a única coisa que impedia um choro de escapar. — Se
tivessem me contado mais cedo… Se eu não tivesse descoberto como foi…
Ninguém disse nada e eu tomei um momento para me acalmar, para
respirar e apenas respirar.
— Mas são “e ses” que eu… Eu honestamente não quero usar para me
impedir de viver perto das pessoas que eu amo. — confessei e vi o alívio
fluir pelas garotas quando me encararam, imediatamente. Minha visão se
tornou turva pelas lágrimas, eu esperei que ficassem onde estavam ou eu
desabaria de chorar e não queria isso. Não mesmo. — Eu sei que não
fizeram por mal. Agora vejo que entendem que me machucaram e… Não
digo que essa dor vai sumir de uma hora para outra, mas eu quero perdoar
vocês e, mais do que isso, não quero ficar um segundo sequer sem… Sem
Naomi e seu sarcasmo, Mel e seu jeito desastrado ou Gianna e suas piadas
fora de hora… Não quero ficar sem Mike e aquelas referências nerds, nem
Damian e os conselhos que ele jura que são péssimos, mas são perfeitos…
Não quero ficar sem Zhang. Não mesmo. Eu não quero ficar sem a nossa
família.
— Jas… — Naomi me chamou e eu ergui a mão, precisando continuar.
— Foi Wayne quem me incentivou a continuar quando eu estava prestes
a desistir de um teste que definiu toda a minha carreira. Foi Carlson que
insistiu em me contratar antes mesmo da série bombar, porque acreditou no
meu sucesso. Foi Damian que desabafou e me ouviu desabafar centenas de
vezes sobre como o mundo é uma merda, principalmente, quando você está
nos holofotes. Foi Mike quem tentou me fazer ver que o mundo não é tão
simples quanto eu imaginava. E foi Oliver Zhang quem fez tudo isso. Que
me amou por cada segundo. Eu tenho sorte de ter vocês. Vocês me
machucaram. Mesmo. Mas eu também machuquei vocês, por mais que
digam que mereçam. — Xinguei quando as primeiras lágrimas escorreram e
olhei para cima, abanando para que parassem. —  As únicas pessoas que
arrastariam a minha família do Brasil para cá, que gastariam madrugadas
me ouvindo e me fazendo gargalhar… Vocês são a coisa mais preciosa que
tenho na vida. Não são os seguidores, os fãs, a fama, o dinheiro ou todos os
Jimmy Choos que Naomi quer roubar. — brinquei e vi Carlson secar as
lágrimas. Melissa não disfarçava que estava chorando mais e Gianna, muito
menos.  — Eu sei que não estava na escola, quando vocês eram um time e
se denominaram Green Snakes, mas… Se eu ainda puder ser uma, se eu
ainda for uma para vocês… Eu quero ser até o fim da vida. Porque não
existe mais Jasmine Rhodes sem vocês. Porque… Porra, vocês são
Brightgate para mim. Vocês são minha casa. E se eu ainda puder voltar para
casa..
— Por favor. — Mel pediu, tentando não soluçar. — Por favor, volte
para casa sempre que quiser. Por favor, nos perdoe por tudo.
Naomi se levantou da mesa primeiro, se sentando ao meu colo e me
abraçando o mais forte que pôde. A xinguei porque desabei de chorar
instantaneamente e ela gargalhou, entre lágrimas. Após apenas um olhar,
Mel se levantou e me envolveu pelo pescoço, por trás. Estiquei a mão para
a Gianna, sentindo que faltava pouco para a cadeira cair, e ela entrelaçou os
dedos aos meus.
— Estamos resolvidas, certo? — Mel perguntou e eu ri de novo, entre
lágrimas.
— Depende. — falei, tentando secar as minhas lágrimas. — Vai voltar a
trabalhar comigo?
— Você quer isso? — Wayne perguntou, quase inaudível.
— Mais do que tudo, Melly-Boo.
— Eu volto se nunca mais for embora. — Wayne me pediu e eu ri. Tinha
sentido falta da sua fofura. Dos seus abraços apertados.
— Nunca mais vou embora. — prometi.
— Vou voltar a comer, então. Estou faminta. — Naomi falou, se
afastando, e eu gargalhei, dando-a meu dedo do meio. Ela sempre
interromperia os momentos fofos com qualquer piada escrota.
— Ao fim do drama? — Gianna desejou, erguendo a taça de vinho. Mel
e Naomi ergueram os copos de suco e eu ergui minha taça também.
— Ao fim do drama. — falamos, em uníssono. E então brindamos.
Eu estava só começando a perdoar toda a minha família. Faltavam só
dois garotos e um capitão emburradinho.

— Não vou fazer o teste. — Mel resmungou, fugindo do óbvio, atacando


a pipoca enquanto Cinquenta Tons de Cinza passava na televisão. A única
vantagem de não ter Hailey ali? Poder ver filmes para maiores e zoar, ou
comentar o quanto Jamie Dornan era gostoso.
— Não vai perder nada com um teste. — Gianna tentou ajudar, mas não
era exatamente verdade.
— Se for negativo, Gigi, isso vai me dilacerar. — Mel rebateu, com um
riso amargo, se jogando no sofá, ao meu lado. Naomi estava esparramada
na poltrona, jogando as pernas por cima do braço da mesma. —  E o
Mike… Acho que isso vai quebrar o Mike.
— Mas se for positivo… — Gigi incentivou e Wayne crispou os lábios,
pensativa.
— Batman, — Naomi chamou — eu acho que… Fugir de um negativo
não adianta muito se está tendo sintomas. Sim, pode te dilacerar. Sim, pode
te machucar. Mas a dúvida pode ser mais angustiante, não? E… Não que
ajude muito, mas estamos aqui, se tudo der errado.
Mel bufou e me lançou um olhar.
— Podemos fazer todas juntas, se te encorajar. — falei, sem saber se
fazia muito sentido.
— Deus me livre! — Gianna reclamou e eu ri.
— Ué, e você está transando ultimamente para temer estar grávida?
— Não. — ela me respondeu e eu estreitei os olhos, duvidando. —
Keanu e eu nem nos beijamos, Rhodes. Muito menos fodemos.
— Que pena. — murmurei e ela jogou uma almofada em mim.
Gargalhei. E gargalhei ainda mais quando se jogou sobre mim, me atacando
com cócegas. — Chega, chega! — Ela parou e eu a arrastei para o meu
colo, envolvendo-a pela cintura. — Naomi, o que diz?
Carlson respirou fundo, movendo um bico de um lado para o outro.
— Não sei.
— Está com medinho também? — brinquei e algo em seu olhar me disse
que sim.
— Não. — Estreitei os olhos e Carlson suspirou. — Quer saber? Acho
uma boa. Podemos fazer sim.
Wayne respirou fundo, devagar, tomando coragem. E quando vimos,
Gianna saía com Melissa para comprar os testes, enquanto Carlson e eu
esperávamos no carro. De volta em casa, cada uma foi para um banheiro
diferente. Nos reunimos na sala, um minuto depois, com os testes fechados
sobre a mesa, aguardando.
— Deus, não estou grávida e estou nervosa. — murmurei.
— Certeza? — Gianna debochou. Bati o ombro contra o dela.
— Uso pílula, ok?
— Nem sempre é eficiente. — ela lembrou e eu belisquei sua coxa,
subitamente mais nervosa.
Carlson estava sentada na poltrona, olhando para o teste a cada dois
segundos. Mel estava caminhando de um lado para o outro. As duas
estavam ansiosas. Muito.
Um celular apitou na sala e eu estremeci. Wayne pegou o telefone na
mesa de centro e mostrou para a gente. Acima de uma foto sua com
Obiwan, estava o fim da contagem regressiva.
— Hora de olhar os resultados. — ela disse, sua voz tremendo de medo.
Ninguém se moveu e Gianna ergueu uma mão.
— Posso começar. — Olsen se ofereceu. Esperamos e ela olhou o
resultado, virando para nós em seguida, impassível. — Negativo, graças a
Deus.
Naomi sorriu e Melissa também. Eu peguei meu teste, virando-o,
devagar.
Suspirei de alívio e me levantei, fazendo uma dancinha.
— Sem bebês nessa barriguinha, amores. — comemorei, ainda
dançando. Carlson jogou uma almofada em minha direção e eu ri, voltando
a me sentar. — Vai, Naomi, você é a próxima.
Carlson suspirou, hesitante. Seus olhos azuis capturaram Wayne antes de
sua mão tatear a mesa. Ela recuou.
— Não posso.
— Por que? — Gigi perguntou.
Naomi gaguejou algumas vezes, tentando formular alguma frase, até que
foi honesta:
— Minha menstruação está atrasada, ok?! Também estou com medo.
— Não ficaria feliz estando grávida? —  perguntei.
— Ficaria, mas… — Carlson olhou para a Mel. — Não sei se é o melhor
momento. Damian tem uma turnê para começar e… Não quero te magoar,
Mel.
— Está maluca? Amo ser tia. Isso não vai me machucar. — Melissa
garantiu, rindo. — Quero estar grávida mais do que tudo, mas não depende
de você. Não tem nada a ver com você, Robin. Não vai me magoar me
dando um sobrinho, enlouqueceu?!
Carlson ainda hesitou, incerta.
— Olhem ao mesmo tempo! — sugeri, empolgada com a ideia de ter
mais dois bebês no grupo. Definitivamente fiz certo em chamá-las naquela
segunda-feira. Eu me arrependeria muito se soubesse que seria tia muito
tempo depois.
Estava torcendo por dois positivos como nunca, agora que Gigi e eu
estávamos livres. Ela segurou minha mão em expectativa e Carlson se
levantou, pegando o teste, mas sem olhar. Mel fez o mesmo, inspirando e
expirando com pesar. Elas fizeram uma pequena contagem regressiva,
olhando uma para a outra, o tempo todo. E então olharam.
Naomi ficou pálida imediatamente, sua mão tremendo enquanto
observava o visor do teste de gravidez. Melissa estava paralisada, sem
reação, e eu achei que tivesse que consolá-la mais uma vez. Gianna apertou
minha mão mais forte quando um suspiro escapou de Naomi Carlson e seus
olhos azuis, cheios de lágrimas, se voltaram para nós duas, e então para
Wayne. Ela sorriu, de orelha a orelha, e eu soube exatamente o que estava
ali, antes que abrisse a boca.
Meu coração estava em disparada, esperando por uma reação de Melissa
Wayne.
Esperando por qualquer coisa. Um suspiro que indicasse que eu teria de
secar suas lágrimas ou um sorriso que me fizesse pular pela casa, surtando
pra caralho.
— E-eu acho que es-está errado. — Mel disse, finalmente.
Eu me levantei, a um segundo de abraçá-la, porque… Deus, um negativo
a arrasaria.
— Está errado? — Mel questionou, com sua voz tremendo.
Naomi se aproximou, perdendo o sorriso, mas parou quando Melissa
levou a mão à boca, soltando um riso incrédulo. Wayne me encarou, com os
olhos marejados, e seus dedos começaram a tremer. Ela me entregou o teste,
como se quisesse que eu me certificasse de que lia certo.
+4 semanas. Positivo.
Melissa Wayne estava grávida.
Finalmente.
— Meu Deus… Meu Deus… Meu Deus… Meu Deus! — Wayne
repetia, tremendo, aos poucos entendendo que seu sonho se tornava
realidade. Escancarei a boca, soltando algo entre um xingamento e um
sopro de puro choque, alívio e felicidade, deixando que Gianna olhasse.
Melissa recebeu o teste da Naomi, segurando suas mãos e gargalhando, sem
acreditar.
Gianna pegou o teste da mão de Wayne, me mostrando.
+2 semanas. Positivo.
Carlson estava grávida.
Levei as mãos à boca, para não gritar, mas Melissa fez isso por mim. Ela
gritou o suficiente para que o prédio inteiro estremecesse e Carlson a
abraçou imediatamente, o mais forte que pôde, chorando. Eu estava quase
me sufocando, com meus próprios soluços, apenas por assistir Melissa
Wayne naquele estado de êxtase, abraçando Naomi, que só sabia chorar.
Melissa repetia que não acreditava, tremendo, e eu ainda analisava os
dois testes. O primeiro passo era organizar um chá de bebê? Estava muito
cedo? Deus, eram dois chás de bebês? E roupas. Eu podia comprar roupas?
— Eu consegui. Eu consegui, meu Deus… Eu vou ser mãe. — Melissa
dizia, quase sem respirar, e eu não conseguia nem imaginar a felicidade que
ela sentia se eu estava me sentindo nos céus com a notícia. — Mike. Mike.
Eu preciso contar para o Mike. — Melissa atropelava as palavras quando
deixei os testes na mesa e a abracei o mais forte que pude, balançando-a de
um lado para o outro, esperando que se acalmasse. Gianna abraçou Carlson,
que ainda estava processando o que acontecia. — Meu Deus… Jasmine,
meu Deus! — Eu ri, me afastando para segurar seu rosto com as duas mãos.
Melissa riu, pura felicidade, enquanto as lágrimas jorravam pelo seu rosto,
uma atrás da outra. Ela tocou o próprio ventre, processando, em puro
choque.
— Onde Mike está? — perguntei.
— Westville. — Gianna respondeu. — Mike e Damian estão em
Westville.
O jogo. O jogo de Oliver.
Segurei o rosto de Wayne, acariciando sua pele e olhando no fundo dos
seus olhos. Eu tinha certeza de que conseguiria. Tive mais certeza ainda de
que desidrataria de tanto chorar, mas… Porra, Melissa Wayne ainda ter
água no corpo com tanto choro era surpreendente.
— Sabíamos que conseguiriam, ok? Vamos pensar na melhor forma de
contar para o Mike. Eu te amo muito. Muito mesmo. Eu mal posso esperar
para segurar meu bebê nerd, Mel, eu estou tão, tão feliz por você. — falei,
sorrindo, vendo-a com o rosto encharcado de lágrimas.
— Tia Jazzy. — ela provocou, rindo, e eu dei a língua, antes de esmagá-
la mais uma vez. Wayne me apertou o mais forte que pôde. — Eu estou
grávida. Porra, eu estou grávida?
— Sim, Mel, você está.
Wayne riu de novo e eu não poderia, jamais, estar mais feliz por alguém
na minha vida. Até que me afastei, encarando Carlson. Ela estava
espalmando a barriga, ainda processando.
— Está feliz, certo? — questionei e ela encarou Wayne.
— Em algum lugar entre “Puta que pariu” e “Ai, meu Deus”, sim. — sua
resposta nos fez gargalhar quase histericamente.
Naomi se aproximou de Melissa, devagar, espalmando sua barriga.
— Ei, pequeno Batman. Estou ansiosa para te conhecer.
— Ele vai ser o melhor amigo do pequeno Robin. — Mel a provocou,
devolvendo.
Elas se encararam como se aquilo, aquele único momento, significasse o
mundo e eu soube que significava. Para Carlson, era a primeira vez que
ficava completamente feliz e não assustada com uma gestação. Para Wayne,
era seu sonho, tudo o que mais queria na vida.
— Titia ama, mas titia não cuida. — Gianna comentou, estragando o
momento, e eu a empurrei no sofá, fazendo-a gritar antes de me puxar para
cima de si.
Teríamos mais dois bebês cobrinhas no grupo.
As coisas finalmente dariam certo.
Aquele era o início do nosso não-final-mas-felizes-pra-caralho.

Acordei de ressaca.
Tudo o que Mel e Naomi não poderiam beber, eu e Gianna,
provavelmente, bebemos.
Meu pescoço doía com a posição desconfortável no sofá e minha cabeça
latejou, com um xingamento alto de Naomi Carlson. Ela estava puta com
alguém. Quando abri os olhos, devagar, percebi que era com Wayne.
— Como assim comprou as passagens para o horário errado, porra?!
— Você disse que era 15:30! — Mel rebateu, confusa.
— O jogo, Melissa, não o voo! Você comprou as passagens para a hora
do jogo!
— Calma! Dá para resolver! — Gianna tentou cooperar, espalmando o
ar, claramente desesperada.
— Não tem mais vôo, Gianna! Já são doze horas!
Porra, meio dia?! Já?!
Esfreguei os olhos, meus neurônios finalmente despertando.
— Não tem outro voo para Westville e são quatro horas de carro! —
Naomi ralhou, andando de um lado para o outro. —  Sem trânsito.
— Merda, vamos perder o jogo. — Mel choramingou. — É tudo minha
culpa.
Por que mesmo elas precisavam ir para Westville?
Mike e Damian.
Em Westville.
— Puta merda! — falei, desesperada, no meio segundo que levei para
cair do sofá para o chão. Gemi de dor, tocando a testa, percebendo todos os
olhares sobre mim. Me levantei o mais rápido que pude, atônita.
Westville.
Mike e Damian.
A Champions.
O time de Brightgate conseguiu chegar até a final.
Eles estavam lá pelo Oliver.
“Vou cuidar de você como cuida de mim. E te prometo, Oliver Zhang,
que não tem possibilidade de você não levantar a taça da Champions ao
fim do semestre e muito menos de eu não estar lá com você, aplaudindo.”
A promessa.
A minha promessa.
Eu tinha que conversar com Oliver. Mas eu também nunca descumpri a
minha palavra.
Era meu melhor amigo. Mais: era o amor da minha vida. Era seu sonho,
sua taça, seu campeonato.
Eu tinha que ir. Poderíamos nos resolver depois, mas eu tinha que estar
lá.
— Jasmine? — Gianna chamou, provavelmente preocupada com meu
estado.
— A gente toma banho e você pega a Hailey. — falei e apontei para
Carlson, disparando escada acima.
— JASMINE! — Naomi gritou, impaciente. Segurei o corrimão, na
metade da escada, me virando. —  Para onde você vai, porra?
— Tomar banho, achar minha camisa de Brightgate e tomar uma aspirina
para aguentar quatro horas de viagem de carro.
— Espera. — Mel falou, espalmando a mão no ar, processando. —  Isso
quer dizer que…?
— O jogo, — falei — nós vamos para o jogo.
“Você torna difícil de ver
Onde eu pertenço
Quando não estou à sua volta
É como se eu estivesse sozinho comigo”
I Never Told You - Colbie Caillat
 
 
Sabe, sempre pensei que deveria ser um inferno terminar um
relacionamento sendo famoso.
As centenas de edits, fotos, tweets sobre o casal os marcando, sempre
pensei “Caralho, estão tentando viver e deixar alguém no passado e não
deixam”. Eu nunca imaginei que essa não era a pior parte. A pior parte é
quando o casal ainda se ama e não quer se deixar no passado.
Eu não conseguia parar de ver vídeos, fotos ou qualquer porra
relacionada a ZhangRhodes online.
Prometi, e cumpriria, para Jasmine que a reconquistaria. Eu só estava lhe
dando algum espaço, algum tempo para respirar.
Mas quanto espaço era suficiente?!
Quanto tempo era suficiente?!
Porque… Porra, a única coisa me segurando em Westville era saber que
eu lutei por aquela taça, que era minha chance de levantá-la por Ramsey e
eu. Ainda assim, parte de mim dizia “você pode lutar por essa taça ano que
vem, Zhang”. Eu considerava jogar todo o trabalho da temporada no lixo.
Por Jasmine Rhodes.
Eu considerava qualquer coisa, por Jasmine Rhodes.
Por isso me forçava a pensar em mais do que eu ou nós. A pensar no
time. Nos torcedores. Em Brandon. E não no fato de que ergueria um troféu
sem a minha Moonshine.
Eu fodi tudo. Certamente merecia dormir sozinho, voltar para uma casa
sem ela e não ouvir sua gargalhada ou sentir aquele perfume gostoso pra
caralho, quando me abraçava.
Recebi um áudio de Damian Bale me desejando boa sorte. Ri da sua
selfie com Mike, ambos a caminho do estádio, sorridentes. Eles viajaram no
mesmo dia que eu. Queriam estar por perto do meu hotel, a poucos andares
de distância, caso eu me sentisse sozinho. Mel disse que ela, Naomi, Gigi e
Hailey chegariam a tempo. Eu esperava que sim.
Já Rhodes… Porra, eu queria Rhodes comigo.
No fundo do ônibus, travei uma luta interna para não ligar para ela.
Perdi. Deu na caixa-postal e eu bufei, ciente de que… Bem, provavelmente
ninguém ouvia a caixa postal. Mas ela não respondia meus áudios e, por
algum motivo, eu deixei uma mensagem.
— E aí, Jasmine… — Ri, me sentindo idiota. “E aí, Jasmine”.
Cocei minha testa, nervoso.
— Sabe… Eu te disse que… Meu sonho é você. E acho que… Você nem
ouviu. Nem vai ouvir essa mensagem também, mas… — Ri nasalado, mais
uma vez, odiando aquela situação. — Eu te amo, Moonshine.
Fechei os olhos. Eu não era bom em me declarar. Não sabia o que dizer.
— Estou a caminho do estádio, não posso mais fugir, mas considerei
fazer isso. Considerei mesmo. Eu te amo demais, Rhodes. Eu te amo mais
do que aquela maldita taça e eu me sinto escroto, porque… Aquela taça
significa demais para mim, para quem eu amo, para Ramsey. Mas perto de
você, parece só um pedaço de metal, amor, eu… — Tentei organizar meus
pensamentos, ansioso. — Eu não sei se vou ganhar esse jogo, Jas. Vai doer
cada segundo em campo, sem você torcendo por mim na arquibancada. E
mereço isso, Moonshine, mereço mesmo. Mas queria te lembrar que te amo,
mesmo que não me ame. Te adoro, mesmo que não me adore. Torço por
você, mesmo que nunca mais torça por mim.
Apertei a ponte do nariz, tentando não chorar.
— Eu te amo há tanto tempo, Rhodes, que um dia, um mês ou um ano
sem você vão me fazer sangrar, mas eu esperaria o que quer que fosse para
ter você comigo. Então, caso esteja em casa, vendo televisão, assistindo
essa partida… A cada passe, a cada tentativa de gol, a cada segundo em
campo… Quero que saiba que toda vez que respiro, Moonshine, estou
pensando que amo você.
O tempo acabou, cortando a mensagem e eu xinguei. O ônibus parou em
frente ao estádio.
Jasmine Rhodes não viria. Mas eu tinha um jogo a ganhar, de qualquer
forma.

Me alonguei em campo, ciente de que as câmeras estavam sobre mim.


Ergui o olhar, encontrando Damian e Mike perto de onde eu estava, nas
arquibancadas. Bale tinha uma bandeira de Brightgate sobre os ombros e
uma camisa com a minha cara que dizia “#ZhanGorgeous”. Mike, ao seu
lado, com a camisa do time, ergueu uma mão de esponja preta com o dedo
do meio levantado. Ela dizia “Time Zhang”. Gargalhei. E gargalhei ainda
mais quando ele ergueu uma folha de papel, com algo rabiscado com caneta
comum: “Devora eles, Zhang-Burro”.
Eu amava os filhos da puta. Eram os melhores irmãos que eu poderia
pedir.
Voltei para os vestiários, aceitando uma garrafa de água e ouvindo o que
o técnico tinha a me dizer. Ele pediu por calma e para me atentar às laterais,
principalmente a direita, onde Westville Fury tinha falhado bastante no
último jogo. Assenti, cumprimentei Jordan e Seth dentro do vestiário,
ignorando um ou dois olhares de jogadores que não gostavam mais de mim.
Não após bater em quem quer que fosse. Era pelo lance da dança.
Eu não gastaria minha energia, com preconceituosos do caralho, naquele
dia.
Removi a camisa do treino, prendendo os fios escuros em um coque
pequeno. Peguei o celular por um momento, sem encontrar mensagens de
Jasmine. Decepcionado, mesmo sabendo que aquele seria o cenário mais
provável, bufei. Havia ao menos vinte mensagens de Naomi e Melissa,
entretanto. Todos áudios. Eu as amava e esperava que chegassem a tempo,
seja lá o que aconteceu, mas não tinha tempo para ouvir.
Guardei o celular na minha bolsa e encarei a camisa à minha frente.
Oliver Zhang T.
03.
Em memória de Brandon Ramsey.
Toquei a bússola no meu peito, respirando fundo, fechando os olhos e
tombando a cabeça em direção à camisa.
Ei, loirinho irritante, pensei.
Estou sofrendo. Não sei se sou o melhor jogador no momento. Mas te
amo pra caralho. Estou aqui por você. Vou lutar por essa taça. Vou lutar
para erguê-la. Esteja aqui comigo também.
Abri os olhos, que ardiam com a emoção. Agarrei a camisa e a puxei
para mim, me sentando no banco e estendendo-a para ler o nome de
Ramsey ao fundo.
Por mim. Por você. Por todos os sonhos que gritaram enquanto
dormíamos.
Vesti a camisa, finalmente começando a oração. Murmurei apenas uma
sílaba, antes que uma mão tocasse meu ombro. Riley sorriu para mim.
— Diga em voz alta dessa vez.
Ergui o olhar, encontrando Jordan, Darren e Seth ao seu lado. Meus
colegas de time, devidamente vestidos, e minha irmãzinha se colocaram ao
meu redor, segurando as mãos.
— É para Ramsey.
— Eu sei.
— Você nem mesmo acredita nessas coisas, Lee. — lembrei e Riley deu
de ombros.
— Eu acredito que Ramsey te amava e acredito em você.
Lancei um olhar para os demais e eles assentiram, me incentivando a
começar.
Me senti vulnerável e foi estranho, a princípio.
— Se você existe mesmo após a morte, — os demais jogadores ficaram
em silêncio, aos poucos, me encarando, e eu optei por fechar os olhos — se
almas existem e você consegue me ouvir de alguma forma, jogue comigo
hoje, irmão.
Respirei fundo.
— Para pontuarmos juntos. Lutarmos juntos a cada segundo. E não vai
haver uma derrota, Ramsey. Por mim. Por você. Por nós.
Apertei a mão de Lee, assim que acariciou meus dedos. Mentalizei
Brandon comigo. Seus sorrisos e gritos em campo, o modo como dava o
suor e o sangue por cada partida. Minha maior inspiração.
— Sempre.
Abri os olhos.
— Repita, capitão!
Capitão. Preferia Jasmine dizendo isso, mas quando um jogador do time
gritou, eu sorri. E repeti, mas fiz melhor. Subi na cadeira do vestiário, assim
que Lee colocou a braçadeira de capitão no meu braço. Ergui o rosto e vi o
treinador do outro lado, sorrindo. Acho que ele sabia. Que talvez fosse
minha última temporada com a equipe. Que eu amava Brightgate, mas
estava cansado de aguentar algumas coisas. Que talvez fosse hora de voar
mais alto, finalmente.
Depois de conquistar a taça.
— Quem aqui queria jogar desde criancinha? — perguntei e vi a maioria
levantar as mãos. — Quem aqui ama o que faz, com toda a porra da alma?
— Mais levantaram.
Olhei para cada um deles, até os que provavelmente não me respeitavam
mais.
— Não sei se sou o melhor capitão. Sou um homem repleto de falhas.
Mas quando estou em campo, com vocês, — apontei lá para fora — o
mundo externo não pode existir.
Respirei fundo, pensando no que dizer. No que Ramsey diria.
— No momento em que eu pisar naquele campo, ele vai ser a porra do
meu universo. Um universo em que estamos contra onze, disputando uma
bola. Mas para mim, somos doze. Somos onze e Ramsey. Somos mais, na
verdade. Somos nossas famílias, nossos amigos, os amores das nossas vidas
e o que representamos. Somos milhares de pessoas nas arquibancadas ou de
frente para a televisão. Somos Brightgate inteira.
Engoli em seco, sentindo o peso da camisa em minhas costas.
— Westville são nossos maiores rivais. Sempre. Mas hoje eles são ainda
mais. Hoje eles são um empecilho para a droga da Champions. Os
vencemos tantas vezes e, para mim, não me importa se ficamos em quinto
na temporada e eles em terceiro. Essa porra não me importa. Porque somos
superiores. Porque quando entramos naquela porra de campo, somos
gigantes. Aquela taça tem que ser questão de tempo. E se tudo der certo,
noventa minutos. Sem prorrogações. Então qual a porra do time?
Eles gritaram. Eu balancei a cabeça, abrindo os braços.
— QUAL É A PORRA DO TIME?
— BRIGHTGATE!
E mais uma vez. E mais uma vez.
Quando olhei para baixo, Riley sorria para mim, com os olhos
marejados. Desci do banco e abracei minha irmãzinha, o mais forte que
pude.
— Talvez esteja certo, no final de contas. — murmurou e eu me afastei,
para olhar seu rosto. Lee segurou meu rosto, erguendo meu queixo. — Jurei
que senti Brandon aqui.
Minha ceticazinha estava acreditando em algo maior que nós, mesmo
que só por um momento.
— Ele está, Lee. Mesmo se almas não existirem, Brandon está vivo em
qualquer pessoa que o amava.
Ela assentiu e me abraçou mais uma vez.
— Juro que te aviso se ver Jasmine na arquibancada. — ela sussurrou e
eu respirei fundo, como se isso fosse impedir meu coração de quebrar.
— Não se preocupe. Tem outras taças por aí. Jasmine Rhodes ainda vai
me ver erguer muitas delas.
Riley se afastou, forçando um sorriso. Fiz o mesmo, tentando parecer
confiante, e então me afastei.
Com ou sem Rhodes, eu tinha um jogo para ganhar. Por Brandon. Por
cada Green Snake. Pelo time. Por muita gente.

Segurei uma mão, que não era da Hailey. A garotinha sorriu para mim e
eu sorri de volta, me perguntando quando Naomi, Gianna e Melissa
chegariam com a pequena Bale. Ela era meu amuleto da sorte em grandes
jogos como aquele. Ela e Rhodes. Eu precisava de ao menos uma delas
comigo.
Entramos em campo e Westville, em peso, gritou. Estávamos em
território adversário e poucos dos nossos torcedores estavam ali por nós.
Aquilo não ajudava.
Não poderíamos deixar que atrapalhasse também.
Nos posicionamos para o hino e eu fechei os olhos, absorvendo a letra do
país que nasci. Mas a verdade é que Damie e Mike estavam logo em frente
e, se eu abrisse os olhos, eu veria que eram os únicos. E isso me machucava
um pouco.
Depois do sorteio do lado do campo e de cumprimentar o capitão
adversário e tirar fotos, eu me aproximei do nosso time. Eles fizeram um
círculo, esperando por mim.
— Por Brightgate e cada um que amamos, ok? — relembrei e eles
assentiram. — Um. Dois. Três… Qual é o time?
Eles gritaram a resposta e eu sorri, satisfeito.
Nos posicionamos em campo, observando os jogadores do time
adversário, famintos. Eles começariam a partida. Não importava.
Aquela vitória seria nossa.
O apito ecoou.
Eu recuei, seguindo o esquema tático antes de avançar.
Aquela vitória seria nossa.
Mas claro que não seria fácil.
Eu estudei Westville a fundo, sabia que meu time também. Por isso
alguns olhares trocados durante a partida diziam a mesma coisa: “Fodeu”.
Não jogávamos mal, muito longe disso. Estávamos indo bem. Mas a zaga
adversária estava fechada pra caralho e eu tentava criar jogadas, buscava o
olhar do técnico algumas vezes e nenhum gol acontecia. Esperei que
estivessem preparados, mas estava surpreso com a qualidade dos filhos da
puta.
Disparei pela lateral do campo, nos últimos segundos do primeiro tempo,
correndo com a posse da bola. Fizemos inúmeras tentativas de gol e o jogo
seguia empatado, porque o filho da puta do goleiro defendia todas.
Passei a bola para Seth, tentando avançar por um espaço vazio no meio.
Ele chutou para mim e eu matei no peito antes de driblar o jogador
adversário. Dentro da grande área, apenas eu e o goleiro, arrisquei o chute.
Passou raspando pelo travessão. Para fora.
Xinguei, tombando a cabeça para trás, junto com a maioria do estádio.
Até mesmo nossos torcedores adversários, estavam chocados.
Seth tocou meu ombro, aplaudindo e mais jogadores fizeram o mesmo.
Voltei a correr para o meio de campo, me preparando para o tiro de meta,
repassando o maldito lance.
Porra, eu tinha que ter acertado.
Eu tinha que ter acertado.
O goleiro só teve tempo de chutar a bola e o juiz apitou, sinalizando o
fim do primeiro tempo.
Seguimos para o vestiário e eu sequei o suor do rosto com a camisa,
tentando pensar em que falhas tinha percebido no time adversário, para
falar com os demais, quando o treinador estivesse nos dando um sermão no
intervalo.
Riley disparou em minha direção, no caminho, desesperada.
— Oliver! Onde está a porra do seu celular?
— Hm… Não em campo? — brinquei, confuso.
— Ouviu alguma mensagem antes da partida?
— Não?
— Zhangs! — O treinador gritou, na porta.
— Confia em mim, treinador, ele precisa me ouvir primeiro! — ela o
respondeu, no meio de todas aquelas pessoas e ele a encarou, confuso, mas
sinalizou que nos esperaria. Riley sorriu para mim. — Mel e Naomi me
encaminharam tudo, agora. Porque não conseguiram falar com você. Ela
está vindo.
— Ela?
Riley apenas assentiu.
Rhodes.
Rhodes estava vindo.
Jasmine Rhodes.
Peguei o celular em sua mão, sem saber qual mensagem abrir primeiro.
Riley clicou em Melissa por mim e eu levei ao ouvido, ansioso.
Meu coração se encheu quando ouvi sua voz. Tentei levar os dedos para
as pálpebras fechadas, para evitar chorar, mas o alívio era grande demais.
Eu não consegui evitar.
“Ei capitão, — Rhodes chamou, com a voz falha — acabei de ouvir sua
mensagem e meu celular descarregou. Eu sinto muito. Sinto muito por não
ter te escutado antes, Zhang. Sinto muito mesmo e não quero que entre em
campo achando que te odeio, quando te amo muito mais do que sou capaz
de explicar. — As garotas zombaram no fundo e eu sorri, mesmo naquele
momento. — Eu te amo, capitão. Te amo tanto que se alguém te lesionar
em campo, vai lidar com meus punhos depois. E minhas unhas. E sabe que
amo minhas unhas”.
Ela amava. Mesmo.
“Se alguém te machucasse em campo na minha frente, Zhang, eu te
levantaria. Te carregaria até o gol. Eu derrotaria qualquer um para te fazer
ganhar. Mas estamos atrasadas. Eu estou tentando chegar a tempo. Então,
como provavelmente vamos perder o primeiro tempo, amor, espero que
escute isso”.
“Eu te amo.”
“Eu te amo em um nível que jamais imaginei ser possível. E ainda assim
é. Eu te amo tanto, quanto me ama. E eu sei que me ama mais do que
qualquer taça. Sei que me ama mais do que qualquer coisa. E também sei
que errou, mas Oliver Zhang jamais abandona pessoas, e vai fazer de tudo
para que eu o perdoe. Estou ansiosa por isso. Mas já estou te perdoando,
amor. Está me ouvindo? Vamos conversar. Vamos nos resolver. Vamos ficar
bem. E eu vou te pirraçar para o resto da vida.”
“Mas antes disso, Oliver Zhang, por favor… Por favor, seja o gigante
que conheço. O guerreiro que enfrenta qualquer coisa em campo. O meu
capitão.”
“Ganhe esse jogo, capitão. Por mim. Por Brandon. Por nós.”
“Mas com taça ou sem taça, Oliver, eu sou sua Moonshine. Você me leva
para casa, independente de qualquer resultado.”
Ela riu, nervosa, e eu imaginei seus olhos pequenos, com seu rosto
inchado e as lágrimas. E ainda assim, Rhodes estaria linda.
“Só que… Porra, Ollie, por favor ganhe. — Gargalhei, tal como as
meninas no áudio. — Eu te amo, amor. Já estou indo”.
Ouvi o próximo áudio, com o coração a mil.
“Eu te amo, amor. Estou ouvindo o jogo pelo rádio”.
Ela estava acompanhando.
Porra.
Porra.
“Porra, Oliver! Não está vendo que o lado esquerdo está quase sem
jogadas? Lado esquerdo, Zhang”.
Coloquei no viva-voz, para Riley rir também.
“Caralho que goleiro filho da puta! Chuta uma bola nas bolas dele,
amor. Pelo amor de Deus…”
“Jasmine!” — Gigi repreendeu.
“Ei! Momento fofoca! Tem sete pessoas no carro”.
“Jasmine!” — Mel gritou. Sete?
“Ué? Sete?” — Hailey tirou as palavras da minha boca e eu sorri. Riley
agarrou meu braço, processando mais rápido do que eu.
“Não conte para Bale e Graham, Zhang” — Naomi ameaçou e eu quase
gritei, enquanto Riley berrava, em choque.
“Aproveite e faça sete gols. Que nem o Brasil sofreu” — Mel provocou e
eu ouvi um tapa. — “Bateu em uma grávida, sua maluca?!”
O áudio acabou e eu abri os de Naomi. Era Jasmine de novo.
“Está jogando bem, capitão. Estão te elogiando tanto. Eu queria estar
vendo”.
E outro.
“Meu coração está saindo pela boca”.
Outro.
“Vou comentar o jogo inteiro para que ouça depois. Sua namorada é
maluca, mas você sabe disso”.
Afastei o celular. Ela fez isso. Tinha centenas de áudios.
Jasmine Rhodes não estava no estádio ainda. Mesmo assim, comentou o
jogo inteiro. Inteiro.
— Zhang! — o treinador gritou mais uma vez e eu olhei para Riley.
— Vá! Te grito quando chegarem.
Beijei sua testa e corri para o vestiário, segurando o braço do treinador e
lembrando do que Rhodes tinha dito.
— Lado esquerdo! — falei, ofegante. — O que percebeu do lado
esquerdo?
Ele sorriu. E de algum modo eu soube que estávamos pensando no
caminho certo.

Rhodes não chegaria a tempo.


Percebi isso aos quarenta minutos do segundo tempo.
Mas não foi por isso que não fizemos um gol.
Foi porque os filhos da puta corrigiram o lado esquerdo e recuaram o
time a ponto da porra do gol estar quase impenetrável.
Quase.
Joguei a bola para Seth, no arremesso lateral. Ele analisou as opções e
optou por recuar, deixando que outro jogador analisasse as possíveis
jogadas no meio do campo.
Arrisquei um olhar para a arquibancada, mas lembrei do que prometi
para o time: o mundo externo fica fora do campo. Dentro dele, somos todos
contra onze.
Focando em me manter visto e fora de qualquer chance de impedimento,
caminhei pelo campo, pensando e pensando.
Tinha que ter alguma jogada possível.
Percebi um pequeno espaço no meio do campo e ergui o rosto para o
cronômetro no placar. Faltava um minuto para o fim do jogo e eu não sabia
se teríamos acréscimos ou se iríamos direto para a pausa antes da
prorrogação.
Pelo meio.
Como Ramsey gostava.
E se desse errado?
A bola estava com o nosso time, na lateral direita e eu me posicionei,
com o coração acelerado e pesado no peito.
Queria que Jasmine visse, mas a imaginei gritando no carro, torcendo
por mim. Teriam outras taças para erguer com ela.
Então pedi a bola, ao centro, arriscando. Demorou um pouco para que eu
recebesse, mas fiz o que pude.
Ciente dos dois zagueiros se aproximando, a joguei para cima com a
chuteira, observando-a passar por cima dos dois. Girei o corpo entre eles, a
capturando novamente e percebendo que, por um milésimo de segundo,
eram apenas o goleiro e eu.
Então arrisquei.
Chutei no canto esquerdo, torcendo.
Por Brandon.
Por mim.
Por cada Green Snake.
Por Brightgate inteira.
Os gritos ecoaram pelo estádio, em menor quantidade e eu caí de joelhos
quando os colegas de time se jogaram sobre mim, chorando.
Gol.
Porra, gol. Gol.
Meus ombros tremiam quando Seth passou os braços ao redor do meu
pescoço, gargalhando de pura felicidade. Eu me afastei, levantando e
atravessei o campo, até onde Damian e Mike estavam. Eles gritavam como
nunca. Como loucos.
Estirei os braços, mostrando as tatuagens de cobras, o nome de Brandon
logo abaixo de uma delas, e eles gritaram ainda mais. Rindo, entre lágrimas,
me virei com um pulo, abrindo os braços e deixando que lessem.
Em memória de Brandon Ramsey.

Era uma questão de tempo agora.


Minutos tinham se passado desde o único gol do jogo e, se não
conseguíamos marcar, precisávamos segurar o resultado. Manter a posse de
bola, recuperá-la o mais rápido possível sempre que a perdida. E isso
conseguíamos fazer bem. Mas porra, o cronometro parecia mais lento que o
normal.
O carrinho que dei fez o jogador fingir uma falta, girando pelo campo
mais do que o Neymar em qualquer partida do Brasil. Me levantei, ciente de
que o lance era limpo e sorri para o juiz quando não deu em nada.
Ainda assim, Westville conseguiu um lateral perto do gol.
Faltavam dez segundos para o fim dos acréscimos. 1 x 0 seguia no
placar.
Jogaram a bola para o centroavante adversário e eu o marquei. Ele tentou
passar para alguém e eu interceptei mais uma vez, roubando a bola para
Darren. Meu colega de time disparou, levando a bola para o mais longe do
nosso campo possível e eu me levantei, seguindo para o centro do campo,
observando o juiz.
Ele levou o apito para os lábios.
Porra.
Porra.
Porra.
Estava acontecendo.
O som ecoou e eu caí de joelhos.
A comissão técnica invadiu o campo e eu senti dois braços em torno do
meu pescoço, desabando de chorar. Riley me apertou o mais forte que pôde
e eu não conseguia falar, não conseguia pensar, tremendo.
— Você conseguiu, irmão. Você conseguiu, Ollie.
Eu assenti, soluçando. Ela acariciou minhas costas e eu senti uma mão
no meu ombro. Ergui o olhar e dei de cara com Seth. Ele me ajudou a me
levantar e me abraçou forte. Seth ergueu meu braço, me guiando para onde
nossa torcida estava.
Cada torcedor de branco e preto berrava e eu tentava secar as lágrimas,
sem entender o que eu sentia. Era muita coisa ao mesmo tempo.
Olhei para Damian e Mike e eles riam, entre lágrimas.
Tirei a camisa, virando-a para eles. A torcida gritava, mas aquilo, aquele
momento, era sobre Ramsey, para mim. Era sobre minha família. Era sobre
o que Brightgate significava.
Senti alguém empurrando minhas costas. Me virei para comemorar com
o time, colocando a camiseta sobre o ombro, lançando um olhar para o céu.
O sol estava se pondo, eu não conseguia ver estrela alguma ainda, mas o
sentia comigo. Então, quando aplaudi o time e a torcida, pelo campo, eu
também o aplaudia por me manter firme. Por ter sonhado com aquilo tanto
quanto eu.
— Ollie! Oliver! — o treinador me gritou, na beira do campo, e eu me
virei, confuso. — Estão te chamando!
Vi o painel de entrevistas e suspirei, ciente de que era meu trabalho.
Caminhei até lá, me preparando para todo tipo de pergunta. Gritaram meu
nome, imediatamente, e eu pisquei algumas vezes, odiando os flashes. Vi
meu rosto no telão, respirando fundo.
— Como se sente sendo o jogador da partida? — alguém questionou e
eu ri.
— Me sinto bem. — respondi, para todos os microfones posicionados à
minha frente. — Mas acho que cada um do time merecia um troféu desse,
hoje. Jogamos muito. Nos preparamos para esse dia… — Respirei fundo,
sem conseguir focar naquilo tudo.
Balancei a cabeça, porque… Porque só pensava em uma pessoa. Uma
que não tinha chegado ainda, mas estava me ouvindo em algum lugar. E
aquela era uma oportunidade que eu não deixaria escapar.
— Honestamente, qualquer troféu individual que eu ganhar vai para
Jasmine Rhodes. — falei, colocando as mãos na cintura. Os flashes
continuaram e eu segui, esperando que não me interrompessem. — Eu não
teria conseguido sem ela.
Sequei o rosto, lembrando de cada gargalhada, cada sermão, cada
abraço. E depois cada beijo, cada gol comemorado, cada momento após um
jogo.
Não menti quando disse que, se eu ainda não a merecesse, lutaria dia
após dia para isso. Acho que qualquer pessoa sempre seria rasa demais para
merecer Jasmine Rhodes. Ela era tudo. E era minha.
De todas as pessoas no mundo, Jasmine Rhodes tinha sido insana o
suficiente para me amar de volta. E começamos com um contrato falso,
uma mentira, mas nem por isso, um segundo sequer foi enganoso.
Fui seu desde o primeiro segundo.
A amei desde a primeira assinatura.
A amei antes disso.
— Todas as vezes que pensei em desistir, — falei, ofegante— antes de
voltar aos gramados ou depois disso… Eu devo cada vitória a Jasmine
Rhodes e essa não é diferente.
Olhei para o telão e para a plateia, sofrendo por não vê-la ali.
— Moonshine, se está me ouvindo… Obrigado.
Mal conseguia enxergar com as lágrimas se formando e todos aqueles
flashes, mas eu precisava fazer isso.
— Obrigado por existir, obrigado por me levantar, obrigado por me guiar
pelos melhores caminhos. Obrigado por ser o norte que preciso, a razão
quando estou perdido, meu coração quando o meu está fraco demais. Eu
não teria conseguido sem você, Jas. Sabe o quanto tudo isso significa para
mim. Sabe mais do que ninguém. Mas vou repetir, amor, eu te amo mais do
que essa taça. Eu te amo mais do que tudo isso. Eu…
Alguém virou o meu rosto e me puxou pela camisa. Tive um vislumbre
de lábios que conhecia muito bem, antes de sentir dois braços, em torno do
meu pescoço, e uma boca colidir contra a minha.
Agarrei os quadris que pareciam feitos para as minhas mãos, senti o
Chanel N°5 que fazia meus pulmões falharem e apreciei os lábios macios
contra os meus.
Meu coração disparou.
O sangue nas minhas veias pareceu mais quente.
A felicidade fez mais sentido.
A vida fez mais sentido.
Fechei os olhos, sentindo as lágrimas deslizarem pelas minhas
bochechas.
Os flashes disparavam, as pessoas berravam e eu não me importava.
Com mais nada, senão ela. Ela e apenas ela.
Estava longe de Brightgate, mas estava em casa.
Jasmine Rhodes estava comigo.
“E eu odeio acidentes, exceto o de quando passamos de amigos para isso

Uh, huh, isso mesmo

Querido, é você quem eu quero”


Paper Rings – Taylor Swift
 
Estava com ela. Estava com ela. Finalmente.
Me afastei, querendo ter certeza de que aquilo não era um sonho.
Jasmine espalmou o meu rosto, sorrindo, mesmo chorando. Eu acariciei
sua bochecha, sem acreditar e ela pulou sobre mim, enlaçando minha
cintura. A abracei o mais forte que pude, tremendo com cada soluço e a
guiando para o campo. Para longe dos fotógrafos. Para onde eu poderia
mostrar para a Austrália inteira que ela era minha, mas ainda estar um
pouco mais sozinho com ela.
— Oi, capitão.
Eu sorri de orelha a orelha, perto da sua boca, mesmo entre lágrimas.
— Oi, Moonshine.
Jasmine acariciou meu rosto, sem saber o que dizer. Eu apreciei o
contato suave dos seus dedos contra a minha pele, saboreando cada
segundo.
— Ouvi seus áudios. — confessei.
— E não me respondeu?
— Não consegui! — me defendi e ela não fez perguntas, me beijando
novamente.
Coloquei Rhodes no chão, trazendo-a para mim pela cintura e caindo no
abismo que seus lábios me proporcionavam. Segurei seu pescoço,
delicadamente, acariciando o ponto atrás da sua orelha. Ela virou a cabeça,
entendo o recado e me dando mais acesso a sua boca, deixando sua língua
tocar a minha.
Casa. Ela era a porra da minha casa. Era tudo o que eu precisava.
Rhodes quebrou o beijo e eu a abracei forte novamente, a girando no
centro do campo. Ela me apertou pelo pescoço, colando a bochecha à
minha, sem dizer nada.
— Prometi que viria.
— Você prometeu. — concordei. — Mas entenderia se não viesse.
— Eu não me perdoaria.
Ela recuou a cabeça, para me encarar melhor, na ponta dos pés.
— Eu te amo, Oliver Zhang.
Sorri, abrindo a boca para rebater, mas ela colocou os dedos sobre meus
lábios.
— Não! Me deixe comentar o que ouvi agora a pouco. — ela mandou e
eu obedeci, como sempre. — Esses troféus são seus, capitão. Eu posso ter
dado um empurrãozinho, mas você os conquistou. Líder de assistências do
campeonato, jogador da competição, homem da partida e ganhador da
Champions. Tudo isso é seu. Do seu trabalho. E eu estou orgulhosa, Oliver.
Adoraria um desses na minha estante, mas eles pertencem a você. Me sinto
honrada de estar com você. De te ver ganhar cada um deles. Mas quem
calou a porra da Austrália e conquistou um sonho foi o meu capitão e não
sua Moonshine.
— Não. Eu não teria conseguido sem você. — repeti, em seu ouvido,
pelo barulho. Ela se afastou, sorrindo e colando o queixo no meu peito.
Ergui sua cabeça, acariciando suas bochechas. — Minhas conquistas são
nossas, Jasmine. É assim que quero viver. Comemorando cada vitória e
ciente de que sem uma mulher excepcional me amando, acreditando em
mim e sendo a maior fonte de felicidade da minha vida, eu jamais teria
conseguido.
— Ollie…
— Quero que me perdoe. Quero te merecer. Mas sobretudo, quero ser
seu para sempre, Jasmine. Na verdade, já sou. — Encarei seus olhos
brilhantes, amando me ver por eles. Aliviado por esse privilégio. — Eu te
amo a quantidade de vezes que consigo respirar e ainda vou. Te amo até a
lua e de volta. Te amo tanto que eu ainda seria e serei feliz se minha carreira
acabar hoje e agora. Porque acordar ao seu lado, Jasmine Rhodes, é tudo o
que eu preciso. E mesmo se eu estiver perdido, se isso acontecer, se estiver
comigo, sei que vou encontrar o meu caminho.
Apontei para a tatuagem no meu peito, guiando sua mão para ela.
— Você é minha bússola, Rhodes. Meu norte. — Guiei seu indicador
para a palavra “amor” tatuada em chines, e então “vida”, bem ao lado, sob
minha clavícula. — Você é meu coração. Você está em cada batimento.
Você.
— Amor…
Guiei seu indicador para a fênix na minha garganta e ela soluçou. Me
perguntei se sabia para onde aquilo iria, porque eu sabia.
Eu sempre soube.
— Se você queima, eu queimo. — lembrei e ela secou as lágrimas no
meu rosto com a mão livre. — E eu prometi que jamais iríamos renascer,
porque nunca nos tornaríamos cinzas e nos tornamos. Eu permiti isso. Eu
falhei com você, Jasmine. Te machuquei e vou viver para sempre tentando
te fazer esquecer que, algum dia, chorou por minha causa. Mas se você
queima, eu queimo. Se você renasce, eu renasço.
Segurei sua mão contra a minha pele e acariciei seu anelar.
— Então case comigo.
Ela se afastou, rindo, como se não acreditasse.
— Oliver, eu juro que se estiver…
— Não estou brincando. — prometi, capturando sua cintura. — Tenho
que sair daqui e comprar um anel. Talvez te leve comigo. Sei que não é
comum, mas nada sobre nós é comum. Nosso primeiro encontro foi depois
do namoro. Nosso primeiro beijo foi depois do namoro. E nosso namoro
veio com centenas de regras que rompemos. Conheço minha mulher o
suficiente para saber que adoraria ficar horas em uma joalheria, escolhendo
ou rabiscando designs de anéis de noivado. E amo isso como amo tudo
sobre você.
Olhei para o céu, percebendo que soltavam alguns confetes. Que
fumaças saíam das arquibancadas e música começava a ecoar por todos os
lados. Olhei para Rhodes, capturando um confete e ela riu, duvidando que
eu faria o que eu faria. Mas fiz.
— Não mexe muito ou vai quebrar. — alertei e ela gargalhou. Enrolei o
confete em um anel mal feito.
Rhodes levou as mãos para o rosto, enquanto o estádio ia à loucura e eu
me agachei, me apoiando em um joelho.
— Jasmine Souza Rhodes. — falei, alto, sorrindo. — Aceita me perdoar,
me amar e me acompanhar em todos os jogos da minha carreira? Aceita que
eu aplauda todos seus prêmios e te espere em casa, com nossos… — Franzi
o nariz. — Espera, seis cachorros? É isso que quer mesmo? — Ela assentiu
e eu sorri, estendendo a mão em busca da sua. Rhodes me entregou a palma
e eu acariciei seus dedos, olhando no fundo dos seus olhos. — Aceita
conquistar o mundo comigo, Moonshine? Aceita casar comigo?
Ela se aproximou, passando os braços em torno do meu pescoço e se
ajoelhou, de frente para mim.
— Conquistar o mundo, capitão? — Assenti, apreensivo. — É pouco.
Aceito conquistar o universo.
Ri, de pura felicidade, colando a boca à sua. Jasmine riu contra mim e eu
passei o anel roxo e frágil pelo seu anelar entre um deslizar de lábios e
outro, apreciando o momento mais feliz da minha vida.
Finalmente me apaixonei.
Finalmente conquistei a mulher da minha vida.
Finalmente não haviam mentiras entre nós.
E eu finalmente estava em casa.
Jasmine se levantou, reclamando da grama nos joelhos e eu a chamei de
fresca, apenas para receber um dos seus tapas inofensivos e roubar outro
beijo. E outro. E outro.
O time todo comemorava à minha volta e eu deveria ir até eles, mas meu
final feliz estava na minha frente, dizendo que me amava a cada tocar de
lábios.
Minha melhor amiga.
Minha noiva.
Minha Moonshine.
Me afastei, para analisar o anel improvisado. O retirei e ela resmungou,
mas pedi baixinho por paciência, percebendo que havia um anel de cobra no
seu anelar, envolvendo boa parte do seu dedo. Lutei para contornar a
serpente com o papel roxo, prendendo-o mais firme e Jas ergueu o rosto,
com um sorriso satisfeito.
Ela beliscou meu queixo, fazendo meus olhos se alinharem aos seus.
— Ei, campeão. Não vai chamar nossa família para o campo?
Assim que recuei, entendi o porquê da sua pergunta. Hailey disparou em
minha direção, gritando e eu abri os braços, a erguendo o mais alto que
pude. A pequena Bale gargalhou quando a joguei para cima uma e duas
vezes, a prendendo em meu quadril e enchendo sua bochecha de beijos.
Melissa se aproximou, devagar, com Mike em seu encalço e eu lembrei
que não poderia contar da sua gravidez, ainda. Tinha que esperar que ela
contasse. Mas seus olhos brilharam para os meus e eu quis chorar mais
ainda.
— Ei, Zhang-Boo…
Coloquei Hailey no chão, para abraçar Wayne. E quando seus braços se
encontraram atrás do meu pescoço, eu afundei a cabeça e desabei.
Era a melhor amiga do meu melhor amigo. Era a garota que passou o
semestre inteiro lutando por um sonho e, tal como eu, finalmente tinha
conseguido. Eu tinha mais orgulho de Melissa Wayne do que jamais
conseguiria dizer e, pelo seu choro compulsivo, eu sabia que era recíproco.
— Ei, mamãe Wayne. — falei baixinho, para que só ela escutasse.
Wayne gargalhou, me apertando mais forte.
— Ei, titio Ollie. — ela devolveu, como um segredo sujo e eu resisti a
tentação de tocar sua barriga quando me afastei. Percebi que Mike estava
alheio ao que conversávamos, ao celular, e observei sua esposa.
— Se for menino… — sussurrei, lembrando da promessa.
— Brandon. Com certeza.
Espalmei ambas as mãos no ar e trocamos high-fives, antes de mais um
abraço. Depois observei Damian Bale, completamente vermelho.
— Ei, bebê chorão.
— Vai se foder, Zhang. — ele ralhou, me abraçando forte. Eu gargalhei,
batendo em suas costas. — Caralho… Eu te amo, filho da puta. Só não
conta para ninguém.
— Mehh, — debochei, franzindo o nariz — eu vou contar.
Bale partiu para abraçar Rhodes, a tirando do chão. Ela gargalhou, o
abraçando de volta, enquanto conversavam. Ele implorava por perdão, eu
nem precisava olhar para saber.
Graham cruzava os braços para mim. E eu só conseguia pensar que…
Bem, ele desidrataria quando soubesse que era o novo papai do ano. Ele
merecia, pra caralho.
Mike estendeu a palma para mim e eu choquei a minha contra a dele,
antes de puxá-lo para um abraço forte. Graham deitou a cabeça no meu
ombro e eu fiz o mesmo. Como eu, ele sabia o que era descobrir que era
possível viver mais do que respirar, existir. Ele sabia pra caralho.
— Não existe um multiverso que Oliver Zhang não ame Mike Graham.
— debochei da sua frase de efeito e ele deu um tapão nas minhas costas. Ri,
mesmo tentado a xingá-lo, ao romper o abraço. — É verdade.
— Eu sei.
— Não vai dizer que me ama?
— Não hoje, seu ego já está enorme.
Gargalhei, concordando, e então encarei Carlson. Ela soltou um suspiro
sôfrego, abraçando o próprio corpo. Meus olhos se encheram de lágrimas
novamente.
Não tinha dor alguma minha que aquela mulher não tivesse tentado
acalmar. Não teve um momento sequer, que a olhei e não a enxerguei como
uma das maiores inspirações da minha vida. E ela sabia.
— Eu te amo tanto, que ódio. — ela ralhou e eu gargalhei, abrindo os
braços. Carlson correu em minha direção e eu a ergui do chão.
— Obrigado por tudo.
— Não fiz nada.
— Sim, fez. — Tombei a cabeça para trás, para encará-la melhor. —
Você me deu a melhor coisa do mundo, a minha sobrinha. Você uniu esse
grupo e o manteve unido. Somos o que somos porque Naomi Carlson
existe. Então obrigado.
Ela fungou, beijando minha bochecha e me abraçando de novo.
— Não me faz chorar. — resmungou. — Sabe… Os hormônios…
— Sei, hormônios. — debochei e beijei seu ombro. — Te amo,
insuportável.
— Te amo, babaca.
Coloquei Carlson no chão, ciente de que restava uma única pessoa.
Gianna Olsen olhava o estádio ao redor, com o rosto encharcado. Eu me
aproximei devagar e ela virou o rosto para mim.
— Ei. — disse e eu sorri fraco.
— Ei.
Gianna bufou, tentando segurar as lágrimas. Era como se ela o buscasse
no meio daqueles casais comemorando o campeonato e eu sabia disso. Às
vezes eu fazia o mesmo em campo.
Ela reprimiu os lábios, tentando segurar as lágrimas, mas não conseguiu.
A trouxe pela nuca, afundando sua cabeça em meu peito e Gianna agarrou
minha camisa sobre o ombro, onde o nome de Ramsey estava, desabando.
— Ele estaria tão orgulhoso. — falou, entre soluços e eu fechei os olhos,
a abraçando o mais forte que pude.
— Ele está aqui. — garanti, baixinho. — Ele está comigo em cada passo,
Gigi. E vai estar quando erguermos a taça mais tarde, ok? — Ergui seu
queixo, beijando sua testa.
Girei o corpo, ainda abraçando Gianna, apenas para ver Jasmine
abraçando nossos amigos, finalmente voltando para todos nós.
Aliviado, deitei a cabeça sobre a de Gianna e então alguém me gritou,
apontando para a plataforma agora montada no centro do estádio. Era hora
de comemorar.
— Moonshine! — gritei, acenando com a cabeça para onde o time já
estava. Jasmine soprou um beijo e eu me afastei de Gigi, correndo em
direção ao time.
— Ergue aquela taça, capitão! — Ouvi Jas gritar.
Eu faria isso. Finalmente faria isso.
Com o coração transbordando, entrei na fila para receber minha
medalha. Sorri tanto que, honestamente, não sei como meu rosto não doeu.
Estranhei quando não vi o presidente do clube para me cumprimentar
com os demais. Um homem em torno dos trinta anos, loiro, de olhos claros,
apertou minha mão.
— Drake Evans. — se apresentou, entendendo meu olhar confuso. —
Seu fã. — Franzi o cenho, ainda sem caminhar. — Filho do ex-presidente
do clube. Novo sócio majoritário. — Ele apertou minha mão mais forte e se
inclinou, perto do meu ouvido, antes de passar a medalha pelo meu
pescoço. — E eu odeio o meu pai.
Sorri, aceitando o colar.
— Também odeio o seu pai.
Ele apertou minha mão mais uma vez, forte.
— Ele está fora do clube, Oliver. Não saia do time sem conversar
comigo. — A fila esperava, mas Drake não me deixou passar, não ainda. —
Sei o que ele fez com você. O que muitos dentro desse clube fizeram com
você. Não aprovo. E prometo que Brightgate terá uma nova direção.
Ninguém vai te fazer mal. Só te peço mais uma temporada.
Olhei para os jogadores, um pouco nervoso. Sério? O cara falaria de
negócios agora?
— Ama o time?
— Sim. A maioria do time.
— Só mais uma temporada, Oliver.
Bufei, assentindo.
— Vou pensar.
Ele me deu um sorriso enorme, batendo no meu ombro e me deixando
passar.
Cumprimentei outros membros do clube, ainda pensando no que ele
tinha dito. Ergui o olhar, percebendo Jasmine confusa. Balancei a cabeça,
indicando que também estava e ela estreitou os olhos, encarando Evans e
comentando algo com as garotas.
Não iria pensar em negócios naquele momento. Kenny poderia resolver
isso depois. Poderia resolver também o processo que eu, provavelmente,
enfiaria pela garganta de Cole O’Connell.
Naquele momento, eu só queria aproveitar.
— EI, CAPITÃO! — Jas gritou e eu levantei o rosto, sorrindo. —
GRITA SE QUISER AJUDA!
Meu time gargalhou, atrás de mim, e eu ergui o dedo do meio para a
minha noiva, me posicionando atrás da taça.
Entre Darren e Seth, eu ergui o olhar para a minha família, ainda no
campo, me filmando e me assistindo. Esperei que o técnico sinalizasse que
eu poderia erguer o objeto enorme, de prata, com duas alças maiores ainda.
Ele espalmou o ar, para que eu esperasse, olhando ao redor. Vi seus dedos
formando os números:
Três…
Dois…
Um.
E quando me deram sinal, estouraram mais confetes, sopraram as
porcarias das vuvuzelas e eu fiz o que sempre sonhei em fazer.
Por tudo que superei até aquele segundo.
Por Naomi Carlson ter me ensinado que só um pouco mais de força, em
um dia ruim, vale a pena no fim da jornada. Por Damian Bale ter insistido
que lutar por amor e por quem você ama, é a melhor coisa que podemos
fazer em vida. Por Melissa Wayne ter me feito acreditar que toda a magia
que as histórias dos filmes e livros prometem, pode ser real, se você deixar
seu coração aberto. Por Mike Graham, que me inspirou a mais do que fazer
o mundo sorrir, conseguiu lutar por cada sorriso que eu poderia dar. Por
Jasmine Rhodes, que segurou minha mão por cada segundo, desde que me
conheceu. Por Gianna, me assistindo, por mais que pudesse doer.
E por Brandon Ramsey e todos os sonhos que podemos conquistar antes
de dormir. E todos aqueles que gritam por nós quando fechamos os olhos.
Logo depois, por mim.
Por todas as vezes que sair da cama foi difícil após o luto. Por todas as
vezes que quis desistir e não fiz isso. Por todas as vezes que tentaram me
derrubar e não conseguiram. Por ser mais forte do que eu pensava ser.
Ergui a taça, comemorando como nunca.
Por mim. Por todos nós.
Por tudo o que Brightgate representava.
“E há certas coisas que eu adoro
E há certas coisas que eu ignoro
Mas estou certo de que eu sou seu”
Certain Things - James Arthur
 
DOIS ANOS DEPOIS
 

 
Meu coração está quase saindo pela boca.
De frente para o espelho, espero que minha mãe afaste as mechas
escuras, sem as bagunçar, para colocar o grande colar de ouro que cobrirá o
meu colo. Meu cabelo, parcialmente preso, parcialmente solto, tem duas
pequenas mechas soltas na frente. A maquiagem pela pele negra é suave, eu
não queria nada exagerado. Não deixa de ser impactante. Não que eu tenha
sido modesta em algum ponto da vida, mas, Deus, eu estou... sensacional.
Ainda assim respiro fundo, tensa, apoiando as mãos nas coxas, sentindo
as palmas úmidas. O vestido de noiva é composto por um corset justo ao
corpo, com a modelagem da cintura coberta por ramos de renda, em que
pequenos cristais se incrustam. Duas pequenas mangas partem do corset,
não tão finas e longe de serem grossas, pendendo pelos ombros. A partir da
cintura, o tecido abraça as minhas curvas, tão rendado e carregado de
brilhantes, quanto o busto. Não tem fendas, mas não deixa de ser sexy. A
elegância faz isso.
Bem, devo a Naomi Carlson por essa obra de arte.
Analiso a única fita do bonfim no pulso, que coloquei após a última
temporada gravada de Surf & The City.
Fiz três pedidos.
Que Ollie e eu tivéssemos um casamento perfeito.
Que ele ganhasse a Premier e a Champions desse ano.
Que Cole O’Connell se fodesse em seus processos.
Falta apenas o primeiro pedido para que ela caia. E está fina, tão fina,
que a superstição se mostra correta. Deve despencar assim que tudo se
cumprir.
— Não quer que eu corte?
— Não! — respondo à minha mãe, ultrajada. Ela sorri. A fita ficará logo
abaixo de uma das minhas pulseiras de ouro e… Bem, eu sabia que pouco
combinava com um casamento, mas… Superstição é superstição.
Minha mãe segura meus ombros, me encarando pelo reflexo do espelho.
Seus olhos brilham e eu quero muito, muito chorar. Sei exatamente o que
vai dizer.
— Seu pai estaria tão feliz.
Ele estaria.
Ele estaria radiante contra a porta do quarto, me assistindo me arrumar.
Pela primeira vez, Marco Rhodes não me apressaria, como sempre fazia
quando estávamos atrasados para algum evento. Não. Ele apenas sorriria,
vendo sua filha se preparar para seguir pelo altar.
— Acha que ele amaria Oliver? — pergunto, levando uma mão à barriga
para acalmar o frio irritante que se apossa dela.
— Sabe que sim. Ele seria superprotetor no início, talvez… Mas se
renderia a Zhang. — Minha mãe beija meu ombro, suspirando. — Ele é
jogador de futebol, afinal!
Rimos juntas e eu abano meu rosto, tentando não chorar. A porta se abre
e eu giro o corpo, rindo ainda mais das três Bales que invadem o cômodo. E
de como elas invadem: caóticas.
— Devolve, Hope! Não pode babar na caixinha!
Hailey reclama com a irmã, que anda quase tropeçando para dentro do
quarto. Hay, em seu vestidinho branco de daminha de honra, pega a
caixinha de aliança, segurando a mão de Hope e beijando sua bochecha,
para impedi-la de chorar, provavelmente — o que sempre acontece.  A
Carlson-Bale mais nova usa um vestido rosa claro, com uma pequena tiara
de flores.
Naomi, atrás das filhas, ajeita a alça fina do vestido florido das
madrinhas, se equilibrando em saltos finos e gigantes. Ela tinha nos deixado
para vestir as pestinhas e ajudar Bale com a gravata.
— Deus, está linda. — Carlson me elogia, sorrindo. — Nem parece que
eu que fiz.
— Estranho, achei que eu tinha feito. — minha mãe brinca, nos fazendo
gargalhar. Carlson tinha falado do vestido. Patrícia falava de… Bem, de
mim.
— Vovó! — Hope pediu colo, erguendo os bracinhos.
— Ei, princesa da vovó! — Patrícia diz, se abaixando para falar com a
caçula dos Bales.
A garotinha sabe bem que tudo que pedir, as avós vão dar. Minha mãe e
Lia disputam pelo posto de quem vai mimar mais a criatura. Inclusive,
Carlson quase infartou quando descobriu que o maior quarto da casa das
duas é para as netas. Bale teve uma reação parecida quando Lia anunciou
que está arquitetando a porra de uma brinquedoteca em todas as novas
sedes da Oxente em Brightgate, por elas e qualquer filho que Zhang e eu
queiramos ter. Não me vejo tendo filhos por agora. Na verdade, ainda não
sei se está nos meus planos. Mas falar isso para essas mulheres é como falar
sozinha. Eu sei bem disso. Sei a dor de cabeça que passei sendo madrinha
do casamento delas. Naomi, Mel e eu quase explodimos com tanta teimosia.
— Hope acabou de mamar, Tricia. — Carlson lembra, se aproximando
de mim para checar o vestido. Ela bufa, resignada, e eu reprimo os lábios,
tentando não gargalhar. Minha mãe já carrega Hope, beijando a bochecha
da garota de um ano e pouco, sorrindo para aqueles grandes olhos
acinzentados. — É como falar com a parede, juro por Deus…
Concordo, conforme Carlson segura a minha cintura, me analisando
como uma obra de arte. Arrisco um olhar para Hailey, que segura a caixinha
com a aliança. Ela parece emburrada.
Vi essa criança com sete meses. Agora ela tem sete anos… E, bem,
segue ciumenta. Ainda mais ciumenta.
— Ei, Hayhay. — chamo e ela me encara, ainda com um bico. — Está
linda, sabia?
— Também está linda, tia.
— E eu? — Patrícia questiona.
— Pergunta para a Hope. Ela mal fala, mas boa sorte.
Até tento levar a mão à boca para prender a gargalhada, mas quando
olho para Carlson, a vejo tentando não rir, e não dá.
— Hay, amor… — Naomi repreende, apesar da risada em sua voz, ainda
checando o vestido que desenhou para mim. — Peça desculpas.
— Desculpa. — Hay pede, baixinho, constrangida.
— Sabe que eu amo minhas netas igualmente, Hailey. — Patrícia fala
para a daminha, apertando sua bochecha e a abraçando, doce como sempre.
Hailey perde a pose de brava assim que recebe atenção, corando, satisfeita.
— Parece em ordem. — Naomi me diz, bufando. —  Quer que eu aperte
alguma coisa? Algum ajuste? Precisa de algo? — Eu confirmo. — O quê?
— Um abraço da minha irmã irritante. — respondo, nervosa.
Seus ombros caem. Naomi murcha os lábios, passando os braços pela
minha cintura. Meu coração dispara e acho que ela sente isso, mesmo com
os tecidos entre nós.
Eu vou me casar.
Vou me casar com Ollie Zhang.
Quão insano é isso?
— Acho que vou chorar. — choramingo. — Ou vomitar.
— Eu também. Chorar, no caso. — Naomi brinca, se afastando para
tentar secar as lágrimas sem manchar a maquiagem. — Deus, casamentos
me deixam instável.
— Achei que eu fosse a chorona aqui. — Melissa nos interrompe, à
porta do quarto. Com um vestido florido rosê, na mesma estampa que
Carlson, e os cachos soltos, ela está impecável.
Mel e eu estamos exaustas nas últimas semanas. Não só pelos
planejamentos do casamento, mas estamos em um projeto juntas. Encontrei
um livro brasileiro sobre um jogador de basquete universitário que cursa
jornalismo e compete academicamente com outra estudante do curso, se
chama Como Eu Não Me Apaixonei Por Você[v]. É um dos romances mais
lindos que já li. Vamos adaptar para as telinhas no próximo ano.
Assim que estiro os braços, Mel corre em nossa direção. Ela nos abraça
o mais forte que pode e eu inspiro os perfumes das minhas garotas,
aproveitando cada segundo. Esse é o lugar mais seguro do universo.
— Meu Deus! Meu Deus, está acontecendo! — Mel dramatiza, se
abanando. — O Fake Dating jamais falha! — Não a reprimo por falar disso
na frente da minha mãe. Zhang e eu acabamos contando a verdade para
nossos pais, algum tempo depois do pedido de casamento. Eles ficaram um
pouco chocados à princípio, mas já passou. — Jasmine Rhodes Zhang…
Vai ser Zhang, certo? — Mel recua, erguendo uma sobrancelha. —
Thompson é sem sal.
— Zhang, com certeza. — garanto, mas somos interrompidas por uma
voz curiosa.
— Mamãe?
Mel se vira imediatamente. Nós três sorrimos para a figura pequena na
porta.
O garotinho de pele negra clara e cabelos cacheados está com a mão na
boca, na entrada do quarto. Ele veste uma camisa social branca, calças
beges e uma gravatinha borboleta com a estampa do Homem-Aranha. Os
olhos cor de mel estão em nossa direção — mais especificamente em
Melissa. Ele parece com Mike em tantos aspectos, mas seu olhar seria
sempre de Wayne.
— O que foi, pequeno stormtrooper? — Wayne o chama e ele caminha
em nossa direção, incerto e tímido. Consigo ver o vislumbre de um sorriso
atrás dos seus dedos. A pose hesitante é só um disfarce para todo o caos que
ele é capaz de fazer.
— Vou gritar com a fofura, por Deus, ele está com uma gravata
borboleta. — Naomi comenta, incrédula, fazendo minha mãe rir. Eu estou
embasbacada demais para achar graça.
— Ei, meu nerd favorito! — chamo, fazendo minha pior voz de bebê, e
ele abre um sorriso enorme, tentando correr em minha direção. Brandon
quase tropeça e Melissa corre para impedir. O pequeno passa os braços em
torno do pescoço da mãe e ela o traz para mim. — Veio me ver, huh?
— Jasmine… — Patrícia alerta, preocupada com o que o pestinha é
capaz de aprontar, mas estalo a língua, pegando-o do mesmo jeito. Beijo sua
bochecha e dou um cheiro em seu pescocinho.
Porra, eu amo os meus sobrinhos.
— Estão atrasadas! — Mike avisa, colocando só a cabeça na frente da
porta e escancarando a boca. — Nossa senhora! Com todo respeito, amor,
mas Jasmine está…
— Deslumbrante? — Mel questiona.
— Impecável? — Patrícia brinca.
— Gostosa.  — Naomi acrescenta.
Mike confirma, boquiaberto, finalmente aparecendo diante da porta, em
seu smoking cinza. Em seu colo, a pequena Graham ergue o queixo do pai,
sorrindo e demandando por atenção.
— Garotos não são permitidos nessa ala da casa, caso não se recorde. —
Melissa finge brigar, se aproximando do marido para pegar seu tornadinho
número 2. Mike e Mel tentam trocar um beijo, mas em dois segundos
Melissa já afasta a mão da filha do brinco, estalando a língua em
reprovação para Silver e seu sorriso sapeca.
Juro que os gêmeos são as piores e melhores pestes do universo.
Brincamos que esperaram tanto por uma criança que o universo mandou
dois para Graham e Wayne. E travessos o suficiente para seus pais não
quererem outros. Seus avós, por outro lado, querem mais. Ethan Graham,
principalmente, intitulou Silver sua princesinha Leia favorita.
Brandon Elliot Graham é afilhado de Carlson e Oliver. Damian e eu não
questionamos ou nos incomodamos com isso. Sendo uma homenagem para
Ramsey, faz mais sentido para Zhang e Naomi serem padrinhos, já que o
conhecem há mais tempo. Já a garotinha de cabelos cacheados presos em
dois coques, tal como a Princesa Leia, é minha pestinha e de Bale para
mimar. Diferente do irmão, os olhos de Silver são chocolates como os do
pai. Mas a garotinha tem a mesma covinha discreta e sardas suaves da mãe,
como o irmão. Silv e Brandie se parecem, mesmo não sendo — obviamente
— idênticos.
— Ollie estava infartando achando que algo tinha acontecido. Fui
escolhido para subir aqui.
— Foi par ou ímpar, não foi? — Naomi arrisca e Mike pisca,
confirmando. — Tão adultos.
Hope choraminga, se afastando da irmã em seu vestidinho branco para
agarrar a perna de Wayne. Mel olha para baixo, vendo o olhar pidão da
minha afilhada.
Hope Carlson-Bale nasceu três semanas após os gêmeos de Graham e
Wayne. Enquanto o nascimento dos nerdzinhos foi completamente normal,
Hope veio ao mundo da maneira mais caótica possível. Carlson e Bale
estavam jantando com Zhang e eu quando a bolsa estourou e… Bem, o
elevador parou com nós quatro e Hailey dentro. Eu achei que teria que
ajudar a minha amiga a parir e já estava de joelhos, quase mandando-a fazer
força, enquanto Naomi gritava que eu era maluca. Mesmo com um
engarrafamento desesperador, com sorte chegamos ao hospital a tempo…
Depois das mil vezes que apertei a buzina do carro de Zhang, gritando para
saírem do caminho. Não que Damian me deixe esquecer disso. Ou Hailey.
Fato é que as crianças são muito próximas. Enquanto Hailey é a super
guardiã dos outros três, o trio confusão é composto por melhores amigos
inseparáveis, principalmente Silver e Hope. Desde o primeiro segundo que
foram unidas, parecem almas gêmeas. Inseparáveis.
— Hay, leva seus primos e a Hope lá para o Damie com o tio Mike? —
Naomi pede, beija as filhas e caminha pelo quarto até onde tinha deixado
seu celular, mais cedo. Ela o pega, lendo algumas mensagens. — Já estamos
descendo, nos espera na sala. Sem correr para não cair.
Mel inclina Silver para que ela beije minha bochecha. Aproveito para
mordiscar o rostinho da garota, o que ela ama fazer comigo, e isso a faz
soltar um risinho contagiante. Devolvo Brandie para Mike e Hope dispara
para fora do quarto, gritando pelo pai, tropeçando nos próprios pés, até
Hailey segurá-la pela mão, como uma boa irmã mais velha. Graham nos
sopra um beijo e fecha a porta antes de levar os filhos para o andar debaixo,
onde o casamento acontecerá. Dois ou três segundos depois o escutamos
gritando para que Hailey ande mais devagar.
Estou sorrindo com toda essa confusão ao me virar, voltando a encarar o
espelho. O anel de noivado segue aqui. O que Ollie e eu mandamos fazer. É
de ouro branco, fino, com uma pedra lilás. Dentro dela está um fragmento
do confete que Ollie usou para improvisar o pedido, no estádio.
— O que houve? — minha mãe pergunta para Carlson.
— Gianna. Até agora nada. — Naomi diz, preocupada.
— Gigi odeia casamentos. — Mel lembra e uma dorzinha atinge o meu
peito. Queria que Gianna não se sentisse mal hoje. A queria aqui.
— Bem, eu deixei o vestido dela em seu prédio. — Carlson recorda,
esperançosa.
— A esperamos? — Minha mãe quer saber e Mel olha para mim,
esperando uma resposta. Não sei o que responder.
— Acham que ela vem? — quero saber. Melissa e Naomi trocam um
olhar.
— É improvável, Jas, desculpa. — Naomi responde, honesta e eu
suspiro, tentando dar de ombros.
Espero que algum dia Gianna supere a lacuna que Brandon deixou. Ela
merece seguir em frente, até porque sete anos se passaram. E em um timing
impecável, a porta se abre em rompante e eu dou de cara com Gianna Olsen
em um tubinho estampado, com os fios ruivos caindo pelos ombros. Minha
boca cai e eu estiro o dedo para seus cabelos. Wayne engasga de choque,
enquanto Naomi ergue as sobrancelhas, também apontando para ela,
dizendo exatamente o que estou pensando:
— Ruiva.
— Oi. — Gigi ofega, com um riso nervoso. — Estou…
— Ruiva. — repito. Vejo alguém alto atrás dela, ajeitando a gravata, tão
ofegante quanto. — Keanu. E Gianna. Que está ruiva.
— E-ele m-me convenceu a vir. — Gianna disse, limpando a garganta.
— Como amigo.
— Amigo. — Melissa repetiu, incerta. — O zíper do seu amigo está
aberto.
Keanu xinga, levantando o zíper da calça e eu arregalo os olhos, apenas
para estreitá-los em seguida para Olsen.
— Ele teve argumentos muito bons. — ela tenta se defender.
— É assim que chamamos orgasmos agora? — Carlson ironiza.
— Estamos atrasadas! — Minha mãe lembra, antes que Gianna infarte
de tão vermelha e eu caminho até Olsen, passando meus braços em torno do
seu pescoço.
— Obrigada por vir.
Gigi suspira, acariciando as minhas costas.
— Obrigada você. — ela devolve e eu sorrio. — Te conhecer melhor
está no top melhores coisas da minha vida.
— Antes ou depois do pau do Keanu?
— Não vou responder isso. — Gigi cantarola.
— Amém. — é ele quem murmura e eu passo por ele, arrastando-o pela
gravata. Kenny resmunga e eu encontro Priyanka no corredor, seguida por
Spencer, sua esposa. Ambas estão em terninhos. A morena veste azul claro
e a loira um tom rosa suave.
— Descobriu que foderam, né? — Pri pergunta e eu confirmo.
— Espero que não foda o coração dela. — alerto Kenny, ainda o
puxando pela gravata e ele bate em minha mão, a ajustando. Ouvi o clicar
dos saltos atrás de nós e o vi engolir em seco, ciente de que muitos deles
seriam enfiados em sua garganta caso magoasse Gianna Olsen.
— Sabe, eu estou bem aqui! — Gianna lembra, passando por nós e
bufando. — Espera, onde está o buquê?
— Aqui! — Damian berra, na base da escada. Naomi desce primeiro e
eu a vejo ajeitar a gravata do marido, nitidamente impaciente. — Como
esquecem a porra do buquê?
— Era função da Mel. — Naomi se defende.
— Eu estava acalmando uma criança — Melissa resmunga.
— Mike ou Brandie? — Damian quer saber. — Porque Silver estava
comigo.
— Deus, que inferno. — Gianna reclama e esfrega as têmporas, se
posicionando atrás de Hailey, que segura meu buquê de jasmins. Yuan, meu
sobrinho, segura uma cesta de pétalas, esperando impacientemente. Hope,
ao seu lado, está quase colocando uma na boca, quando Carlson a para e
passa o buquê adiante, até que chegue em minhas mãos. — Podemos?!  Ou
as cobrinhas ainda vão brincar mais um pouco?
— Podemos! — Melissa responde por mim.
Priyanka sinaliza para que eu continue na escada e eu respiro fundo,
mentalizando que já desfilei em centenas de passarelas. Não vou cair justo
na mais importante da minha vida. Vou?
— Estamos esperando vocês ao fim do altar. — Damie brinca, piscando
para Carlson e Wayne. — Já fizeram o caminho, guiem Jasmine se ela ficar
confusa.
— Hilário. — debocho e ele apenas fecha o terno, seguindo para os
jardins.
Respiro fundo, o mais fundo que posso.
— Pronta? —  minha mãe me pergunta, me oferecendo o braço.
— Pronta. — respondo, mesmo nervosa.
Esperamos Priyanka e Spencer o seguirem e uma melodia começa,
baixo. É Certain Things do James Arthur. Hailey dá o primeiro passo,
jogando as flores, apertando a mão de Yuan, enquanto Hope caminha logo
atrás. Os nerdzinhos os seguem, desajeitados, um pouco confusos e eu
tenho quase certeza de que os vejo disparando para o pai assim que saem
para os jardins, desorganizando tudo o que foi planejado.
Minha mãe dá o primeiro passo para fora da escada e eu faço o mesmo,
apertando o buquê e me dando conta de que isso está mesmo acontecendo
quando piso para fora da casa, os primeiros raios do pôr do sol me tocam e
eu vejo o meu melhor amigo, com seus olhos brilhantes em minha direção,
me esperando do outro lado do altar.

Eu choro mesmo antes da primeira lufada de ar deixar o meu corpo.


Jasmine Rhodes sorri, de longe, com os olhos marejados, de braços
dados à minha sogra e eu…
Eu não consigo acreditar, secando as lágrimas pelo meu rosto e tentando
me manter calmo a cada passo que dá em minha direção.
Naomi faz alguma piadinha ao apertar meu braço e assumir seu lugar
com as madrinhas e Mel me oferece um lencinho, o que me faz rir antes de
aceitar, limpando o rosto.
Damian e Mike tinham me alertado que eu jamais teria sentido algo
parecido. Que seria diferente de tudo que experimentei na vida e é verdade.
Venci a Premier. Ganhei a Champions, duas vezes. Assisti o rosto de
Cole ser condenado a pagar uma quantia milionária por toda a merda que
nos fez. Carreguei meus sobrinhos pela primeira vez — e os três Pugs que
Jas e eu adotamos. Vi Jasmine Rhodes chorar ao ser indicada ao Emmy, no
mês passado. Experimentei a felicidade pelo o que vivi e pelo o que as
pessoas que amo viveram.
Ainda assim, de todos os momentos que vivi em Brightgate, nada chega
perto de Jasmine Rhodes atravessando o jardim da nossa nova casa, no
litoral da cidade que amamos, em um vestido de tirar o fôlego, em minha
direção.
É devagar e rápido ao mesmo tempo. Ficar longe dela é uma tortura, mas
vê-la traçar o caminho pelo tapete branco, até mim, entre os convidados…
Porra, é um alívio.
Hailey solta a mão de Yuan, meu sobrinho, quando chegam ao final do
corredor. Ela segura Hope, antes que a pestinha dos Bales coma uma flor no
chão, como a garotinha está de mãos dadas com Silver, acaba puxando a
nerdzinha e seu irmão gêmeo no processo. Eu riria, se não estivesse a ponto
de desidratar de tanto chorar.
Quando Patrícia para à minha frente e beija a testa da filha, eu preciso
secar as lágrimas, mais uma vez. Patrícia Rhodes aperta o meu braço,
coberto pelo terno preto e ajeita a gola da minha camisa branca, aberta em
dois botões.
— Cuide bem da minha garota, Zhang. — ela diz, em português e eu
surpreendo Rhodes ao dar meu melhor na resposta.
— Pode deixar, sogrinha.
Rhodes sorri, de orelha a orelha, sem fazer qualquer comentário sobre
meu péssimo sotaque ao enlaçar o braço ao meu. Patrícia corre para a
esposa, que está logo ao lado dos meus pais. Mamãe está chorando, o que é
raro. Na verdade, eu nunca a vi chorar em nenhum casamento. Digo, no da
Lee ela sumiu para o banheiro e nós desconfiamos que desidratou por lá. O
que é engraçado é o meu pai tentando acalmá-la com mil lencinhos à
disposição ou o fato de que Kiera está abanando a minha irmã super durona,
completamente vermelha de tanto chorar e a cerimônia nem começou.
Quem diria que Riley Zhang tem um coração mole? Eu diria.
Meus pais se aposentaram há pouco tempo. Vivem em Camberra agora,
mas vieram para o casamento. Já Lee e Kiera se preparam para uma adoção,
prontas para aumentarem a família. Kie se tornou professora de espanhol do
colégio Brightgate, já Riley, infelizmente, se tornou minha chefe, depois de
todas as mudanças do Clube. O novo presidente mudou tudo. Inclusive,
comprou as ações de boa parte da bancada dos sócios. Ele queria reformular
o clube inteiro e, quando eu me aposentar, daqui a dois ou três anos, me
ofereceu um lugar nos bastidores. Ainda não sei qual será minha função ou
se vou aceitar, mas trabalhar com futebol, em casa, parece o paraíso.
— Ei, Moonshine. — sopro, sem conseguir tirar os olhos dela.
— Ei, capitão. — ela devolve, sorrindo tanto quanto eu.
Deus, ela é linda.
Pra caralho.
Olhamos para frente ao mesmo tempo, esperando. Nossos padrinhos e
madrinhas se reúnem, como o planejado e minha mão sua contra a de
Rhodes, em expectativa.
E… Bem, medo, porque Damian Bale pega o microfone, limpando a
garganta, e os demais fazem o mesmo. Todo o casamento recai sobre um
silêncio sepulcral.
— Bom, infelizmente, Jasmine Rhodes e Oliver Zhang são o tipo brega
de casal que resolve inovar sendo extremamente meloso. — Damian Bale
começa, sobre o altar. — E um casal também extremamente burro, porque
colocar todos os seus amigos com um microfone, celebrando sua união, é…
Bem, de longe, a pior decisão possível. — Os convidados riem e eu
também. Jas aperta minha mão mais forte e eu acaricio o seu anelar, onde a
aliança ficará, em breve.
— Ainda assim, estamos aqui hoje, — Mike diz, sorrindo com
perversidade, e eu me preparo para me foder nas mãos desses filhos da puta
— para celebrar a união da modelo mais bem paga da Austrália com o
jogador mais famoso do continente. Podres de ricos. Mas tão mãos de vaca
que eles economizaram não chamando um celebrante ou um juiz de paz.
Para ser sincero, me surpreende que Damian e Naomi não tenham cantado a
marcha nupcial.
— É porque vamos cantar na festa. — Naomi acrescenta e Rhodes
gargalha, tombando a cabeça para trás porque… Bem, é verdade. Eles vão
mesmo. Em nossa defesa, eles se ofereceram.
— Brincadeiras à parte. — Mel diz, dando uma rápida olhada no papel
em sua mão antes de amassá-lo e jogá-lo no chão. Com uma respiração
profunda, Wayne nos diz que não precisava dele. Mesmo odiando falar em
público, mesmo com sua timidez… Melissa Wayne não precisa de uma
folha de papel naquele momento. Apenas olhar para a gente. E é isso o que
faz. — Quando Oliver Zhang entrou naquela escola, mais de doze anos
atrás, e Brandon Ramsey o fez sentar no refeitório com a gente…
Honestamente, eu não fazia ideia que ele se tornaria família para mim.
Acho que… Carlson também não. E ainda assim aconteceu.
— Melissa era tímida. — Naomi disse. — Eu era extremamente fechada.
Brandon era… Brandon. Ele não confiava facilmente em qualquer pessoa,
apesar de ter um coração enorme. Mas ele apenas colocou Oliver no banco
e disse “Você fica aí”. — Carlson suspira, afastando o microfone por um
momento. — Deus, eu vou te bater tanto por me fazer chorar, Oliver. —
Apesar de falar baixo, muita gente ri. Eu estou ocupado demais chorando.
— Oliver me fazia gargalhar quando eu era uma garota quebrada, perdida,
após um relacionamento abusivo. Quando Melissa passou por algo
parecido, ele fez mais do que o mesmo. Zhang andava por perto como se
nos protegesse de tudo e de todos. E ele nunca se abria. Nunca mesmo.
Oliver tem todo um universo dentro de si, trancado a tantas chaves e é
difícil de entrar. Mas a desse universo, é um coração enorme. Um pelo qual
ele acabou nos deixando passar.
— E então me deixou também. — Mike retoma, olhando no fundo dos
meus olhos. — E um idiota britânico que não vale a pena ser citado. —
Damian bate o quadril ao dele, fingindo estar bravo.
— Zhang não ria quando debochavam de Mike. — Damian diz. — Ele
não ria quando falavam mal do novato que tinha acabado de chegar na
escola. Ele protegia as garotas com apenas um olhar. E quando se juntava
com Ramsey, ele provocava gargalhadas que faziam meus dias serem mil
vezes menos cinzentos. Então quando Brandie se foi… — Bale limpa a
garganta. — Quando Brandie se foi… Todos nós nos juntamos para não
deixar Oliver ir também.
Toco a ponte do nariz, meus dedos apertando o cantinho dos olhos, como
se me evitasse de chorar.
— Quando Brandon se foi. — Mel continua, soltando um sorriso
amargo. — Pareceu, por um momento, que mesmo vivo, Oliver estava
morto. Mas ele reviveu. E para isso, bastou nosso empurrãozinho, uma
pestinha que mal tinha nascido — ela pisca para Hailey — e uma garota
com uma camiseta do Panic At The Disco! em uma clínica de saúde mental.
Jas aperta minha mão, secando as lágrimas, e eu faço o mesmo.
— É essa a hora que vocês correm. — Bale tenta descontrair, fazendo
algumas pessoas gargalharem.
— A hora que contamos que o casal se encontrou na terapia, — Mike
explica, gerando mais gargalhadas. E é entre risadas que decido que não sei
o quanto os amo. Eu jamais saberei. Vai além das palavras.
Respiramos fundo, assim que os sons se dissipam.
Naomi nos assiste, com um sorriso largo, mesmo com as lágrimas
escorrendo pelo rosto. Percebo que todos os Snakes têm a mesma satisfação
em frente a Jas e eu, como se fossemos bem mais do que um casal de mãos
dadas.
Mas Carlson… Carlson sabe mais do que ninguém o que era ruir e se
reconstruir. Por isso, eu me conectei tão rápido com ela. Por isso, Jasmine
Rhodes a chama de irmã. Por isso eu sei que quando ela abrir a boca
novamente, eu vou chorar. E aconteceu.
— A verdade é que… Quando lutamos por Oliver depois daquele
acidente, — Naomi diz, nitidamente se esforçando para manter a voz firme
— lutamos por todos nós. Lutamos por Ramsey, que se foi. Lutamos por
cada um que amava Zhang. E lutamos por Jasmine Rhodes, sem nem saber.
Porque hoje eu tenho certeza de que… Cada passo que demos foi para
chegarmos a esse momento. Cada respiração dada por Oliver Zhang era
apenas um segundo esperando para se apaixonar pela pessoa certa. Não só a
mulher da sua vida, mas a peça que faltava em um quebra-cabeça muito
grande, composto por Brightgate, Green Snakes e Ollie.
— Jasmine Rhodes se tornou sua melhor amiga, — Melissa me diz,
respirando fundo — sua confidente e sua base. Mas mais do que isso, ela se
tornou sua família. — A minha amiga vira o rosto para a noiva, abrindo um
sorriso maior ainda. — E, por consequência, nossa. Então, piadas à parte,
estar aqui, nesse altar hoje, é a maior honra do universo. Ou de todos os
multiversos existentes.
— Porque o dia de hoje faz Brightgate fazer sentido. — Mike prossegue,
guardando uma das mãos no bolso da calça. — O dia de hoje torna os
Green Snakes oficialmente completos.
— Uma grande família. — Carlson diz. — Uma que Brandon assiste,
aonde estiver, crescer e crescer cada dia mais. Não só em número. A cada
dia, a cada segundo… Nos tornamos gigantes. E temos o privilégio de
assistir Jasmine Rhodes e Oliver Zhang dominarem o mundo.
— Então hoje, — Bale continua — hoje estamos reunidos aqui para
celebrar o amor na forma mais pura. O amor que trouxe um homem de volta
à vida, no sentido mais verdadeiro da palavra. Um amor regado a mal
comportamento, péssima conduta, mas zero enganações. Estamos reunidos
por Oliver Zhang e Jasmine Rhodes e o início do caminho que começarão a
traçar juntos.
— E que tal quanto os Green Snakes, — Naomi diz — não seja eterno
enquanto dure, mas sim, infinitamente eterno.
Jasmine olha para mim e eu sustento o olhar, orgulhoso do que
construímos até ali. Ansioso para o que construiremos a seguir.
— E obviamente, todo o lance quinta série de montar um discurso em
conjunto acabou agora. — Mike anuncia, fazendo a esposa gargalhar.
Damian e Naomi esfregam a testa quase em sincronia, envergonhados,
enquanto Rhodes e eu somos apenas capazes de rir. — Então agora é a hora
que os noivos fazem seus votos.
Jas e eu nos viramos, um para o outro, devagar. Melissa se oferece para
segurar o buquê e Rhodes agradece baixinho, me permitindo acariciar
ambas as suas mãos.
Nos olhamos por um longo momento, suspirando em harmonia, o que
nos faz rir.
— Posso começar. — ela se oferece.
— Por favor. — imploro.
Seu sorriso cresce três vezes mais e eu me apaixono novamente pela
mesma mulher.
— Eu voltei para Brightgate aos quinze anos, sem saber que esse lugar
seria eternamente a minha casa. — Jas se aproxima, olhando no fundo dos
meus olhos. — Vim para cá sem pretensão alguma, sem saber que… Esse
lugar seria o meu lar. Seria onde tudo faria sentido. Um refúgio. Que as
ondas, o céu, o ar, as ruas… Tudo, seria mágico. Vim para Brightgate por
acaso. Mas fiquei porque meu coração bate o que esse lugar diz para bater.
Meus pulmões respiram essa cidade. Tudo nela grita vida. E quando eu te
conheci, Oliver Zhang, eu entendi o porquê.
Ela mantém o sorriso, erguendo a cabeça para me analisar melhor.
— Você tem tudo o que torna esse lugar mágico. Você tem as estrelas no
olhar. Tem a mesma calmaria e selvageria do oceano. Seu sorriso aquece
mais do que o sol, que amamos tanto curtir nos finais de semana. E seu
abraço, Zhang… Ele é insuperável. Te torna casa para quem precisar. —
Sua garganta oscila e Rhodes sorri ainda mais. — Você, Oliver. Você é a
definição da sensação de estar em casa. Você explica porque, desde o
primeiro segundo em que pisei aqui, Brightgate pareceu tão certa. Porque
era para ser.
— Te encontrar era questão de tempo. Amar você era uma consequência
de estar viva. Pertencer aos Green Snakes era uma página escrita em um
livro que precisava existir. E me apaixonar por você é a coisa mais
verdadeira que fiz na vida. Acordar vendo essa sua covinha maldita ou
tracejando cada tatuagem do seu corpo, honestamente, é meu paraíso
pessoal. Beijar você é saber que jamais vou me sentir tão de outra pessoa,
quanto me sinto sua.
Ela se aproxima um pouco mais, como se esse fosse um segredo nosso e
mais ninguém estivesse nesse casamento, só nós dois.
— Não existe nenhuma mentira sobre nós. Não existe nada senão a
verdade. E a maior delas é que ser sua melhor amiga, sua Moonshine, e sua
Jasmine Zhang, é a melhor decisão que tomei em toda a minha existência.
Seco as lágrimas e Rhodes segura meu pulso, beijando o dorso da minha
mão. Imito seu gesto, tentado a beijá-la de uma vez.
— Porra, eu amo você. — falo e sinto um peteleco na minha nuca.
Jasmine ri e eu arregalo os olhos para Melissa, que murmura “as crianças”,
me fazendo franzir o nariz. Volto o olhar para Jas, que apenas sorri. Em paz.
Mordo o cantinho dos lábios, porque meus votos parecem uma merda
perto dos seus. Então eu vou improvisar. Tenho que improvisar.
— Todo mundo brincava que eu fugia do amor. — começo, incerto. —
Mas acho que… O tempo todo, Rhodes, eu fugi de qualquer caminho que
não me levasse a você.
Esquadrinho seu rosto. A pele negra com uma maquiagem suave, os
olhos escuros assumindo uma cor castanha mais clara pelo sol que está
quase partindo. Eu sou sortudo. Muito sortudo.
— Crescendo, assisti o amor de milhares de maneiras. O senti de
diversas formas. Mas só entendi o quão profundo ele é quando você entrou
na minha vida. Antes de você, Jasmine, eu era um garoto perdido. Depois
de você, sou o homem consciente de que jamais amarei algo, mais do que
amo nós dois. Que jamais encontrarei outra pessoa como você. Que talvez
todos os filmes de romance e livros de qualidade duvidosa dos quais sempre
debochei… Ou aqueles contos de fadas sem graça que minha irmã adorava
na infância… — arrisco um olhar para Riley. E até ela, uma das pessoas
mais duronas que eu conheço, está chorando. — Tudo isso tinha razão
quanto a uma coisa, Rhodes. Existe um final feliz para cada pessoa na
Terra. E o meu é você.
Respiro fundo.
— Ou talvez não seja um final. Porque não existe nada em Brightgate
que pareça um conto de fadas. Tudo aqui é muito cru. Às vezes perverso.
Real. Intenso. Muitas vezes esse foi um dos motivos para que eu quisesse
abandonar a cidade. Mas tal como você disse, algo sempre me prendeu. E
eu acho que, lá no fundo, era a certeza de que eu encontraria meu não-final-
mas-feliz por aqui. Eu só não sabia que seria em alguém. Eu só não sabia
que seria você.
— Você é a melhor coisa que me aconteceu. Você é a certeza de que…
Não podemos fugir do destino. Porque eu tentei, Rhodes. Tentei não me
apaixonar por você. Mas me apaixonar por você era como respirar. E tal
como oxigênio, preciso disso um pouco mais a cada segundo. Aprendi com
a nossa família que, muitas vezes, ver quem amamos crescer é muito mais
satisfatório do que qualquer conquista pessoal. Aprendi isso,
principalmente, com você. Porque te ver conquistar tudo o que merece, Jas,
é uma dádiva. Te ver sorrir, é um privilégio. Secar suas lágrimas é algo que
faço sem pensar duas vezes e lutar por cada gargalhada sua, é uma
necessidade pessoal minha. Ser seu é o mesmo que pertencer a mim
mesmo. Ser seu é o mesmo do que estar vivo. E eu sei que sou péssimo com
as palavras e… Talvez nada disso faça sentido, amor, mas a verdade é
que…
Respiro fundo, ao olhar em seus olhos.
Há muito mais, além do que é dito, mas eu não preciso dizer.
Jasmine Rhodes lê nosso amor nas linhas e entrelinhas, em cada pausa,
suspiro e respiração. Ela me conhece como a palma da sua mão e me tem
nela também.
— A verdade é que te amar é o caminho para a felicidade, Moonshine.
Te fazer feliz, Rhodes, é me fazer feliz. E não existe nada na face da Terra
mais fascinante do que amar você dia após dia. Então aqui está a promessa
que te fiz, anos atrás, quando me colocou nos gramados novamente.
Quando me fez acreditar que eu poderia ser gigante. — Entrelaço os dedos
aos seus, olho no fundo das suas íris escuras como a noite, que eu venero
com cada pedacinho do meu ser. — Jasmine, eu devo o mundo a você. E
dia após dia, Jasmine Rhodes, eu prometo, que vou lutar para colocá-lo em
suas mãos. Se achá-lo pouco, te darei o universo. E como merece mais,
darei todas as galáxias.Tudo o que quiser. Porque meu amor pode ser até
imperfeito, mas é gigante como você. Como nós. Como tudo o que vamos
ser. E vou entregar tudo que possuo para te mostrar isso. Sempre.
Ela sussurra que me ama, baixinho, com os lábios trêmulos. Eu sorrio,
devolvendo o mesmo, e espero por algum tempo, tendo a certeza de que
nada mais precisa ser dito.
— Jasmine Rhodes, — Melissa diz, sorrindo — aceita Oliver Zhang
como seu legítimo esposo, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na
riqueza e na pobreza…
— Sim! — Jasmine interrompe Melissa, impaciente.
— Oliver Zhang… — Naomi tenta começar.
— Por Deus, sim, me deixe beijar minha esposa. — imploro, já puxando
Rhodes pela cintura.
— Faltam as alianças. — Mike lembra e eu olho para Hailey. Esperta
como sempre, ou preguiçosa como nunca, ela arremessa a caixinha. Naomi
lança um olhar bravo a ela, mas para, quando percebe que eu estou ocupado
demais passando o anel com uma lua de brilhantes pelo anelar da minha
mulher.
Apressada, Rhodes segura minha palma, acariciando os nós dos seus
dedos, onde meu sobrenome — agora nosso sobrenome — está, antes de
passar minha aliança, mais fina e delicada, por meu anelar.
Olho para as quatro cobras irritantes sobre o altar, ansioso. Quero
permissão. Preciso.
— Agora pode beijar a noiva. — eles dizem, em uníssono, e eu me viro
para Jasmine Rhodes, colando os lábios aos dela imediatamente e toda a
cerimônia se torna uma chuva de pétalas, assobios e aplausos, mas eu só
penso nela.
Eu só sinto ela.
Jasmine acaricia a minha nuca, suspirando pelo nariz. Eu a trago para
mais perto, mantendo-a contra mim, tomando meu tempo, me apaixonando
mais uma vez por ela, no melhor beijo da minha vida. O beijo da minha
melhor amiga, minha pior tentação, minha esposa. O beijo que me faz ter
certeza de que Brightgate é meu lar, minha casa, meu lugar, mas meu
coração sempre estará onde estiver Jasmine Rhodes.
E isso é uma promessa.
 

 
Oliver me gira mais uma vez, unindo o corpo ao meu, ao centro da festa.
Eu sorrio contra seus lábios, sem tirar meus olhos dos seus, vidrada em
como refletem cada pedacinho meu.
Meu melhor amigo.
Meu capitão.
Meu marido.
— Deus, você é linda. — murmura, ainda me guiando de um lado para o
outro, conforme Bale e Carlson selam sua promessa e cantam em nosso
casamento. Eles se empolgaram um pouco, porque estamos aqui há cinco
músicas. Bale deve estar implorando por um meteoro, porque ele não
exatamente ama cantar Taylor Swift e eu não acho que Out Of The Woods
seja a sua favorita.
O céu parece um oceano escuro, no qual as estrelas estão imersas e a
mais forte delas está quase, exatamente, sobre nós dois.
Keanu dança com Gianna bem ao nosso lado, ambos resmungando,
porque pisam no pé um do outro a cada dois segundos.
Mel e Mike estão entretendo os filhos, com as luzes penduradas por
todos os lados dos jardins da nossa casa e toda vez que um deles gargalha,
meu coração se enche, mesmo de longe.
Hailey está cumprindo o papel de irmã mais velha, tentando ensinar
Hope a dançar, mas ela é pequena demais para isso e só sabe bater os pés no
chão — o que parece perfeito para os pais babões que as assistem do palco.
Tudo parece, finalmente, perfeito.
Estamos bem.
Estamos juntos.
Estamos em casa.
E eu não consigo tirar os olhos dele.
— Você é até que bonitinho. — debocho e ele ri nasalado, estreitando os
olhos.
Nada como as danças que nos debruçamos a criar, dia após dia ou noite
após noite… No estúdio do nosso antigo apartamento, na cozinha pela
manhã ou na varanda, quando volta de suas viagens… Essa é diferente.
Eu passo meus braços em torno do seu pescoço, Oliver segura meus
quadris e une nossas testas, nos movendo de um lado para o outro.
Acariciando sua nuca, ergo a cabeça para admirá-lo melhor e seus olhos
brilham mais do que qualquer coisa que já vi na vida.
— Não tem nada melhor do que isso, tem? — ele quer saber.
— Talvez mais um cachorro. Ou aquele Valentino que prometeu me
comprar.
Ele tomba a cabeça, me dando aquela gargalhada que só ele tem, e eu
sorrio, me sentindo completa.
— Não, capitão, não tem nada melhor do que isso.
Ollie me encara por um longo momento, absorvendo todas as
declarações implícitas entre nós. Todos os “eu te amo” que meus olhos o
dizem. E eu admiro cada um que seus olhos devolvem.
Me sinto em casa quando beija minha testa, meu nariz, minha boca,
roçando a boca em meu ouvido e me provocando os arrepios mais
perigosos. Mais incríveis também.
— Pronta para dançar comigo pelo resto da vida, Moonshine?
Eu suspiro, unindo os lábios aos seus.
— Por favor.
Ele me gira mais uma vez, colando meu corpo ao seu, agarrando minha
coxa com possessividade e me inclinando, fazendo meu coque se desfazer e
meu cabelo chegar quase de encontro ao chão. Só para mostrar que pode.
— Essas duas palavras são incríveis na sua boca, senhora Zhang.
Estreito os olhos, tentando não rir.
— Canalha.
Ele sorri.
— Sabe me elogiar melhor. — Oliver diz, me trazendo para si.
— Sei?
— Sim. Mas vai ter muito tempo para pensar em algo melhor do que
isso.
— Vou?
— Sim.
Deus, eu o amo.
— Quanto tempo?
Oliver sorri, próximo à minha boca, me abraçando pela cintura. Sinto
quando a fita em meu pulso cai ao chão, mas estou presa demais nos olhos
de Zhang, para dizer qualquer coisa. Apenas sorrio, ciente de que meus
desejos se tornaram realidade.
Bem aqui. Agora. Em Brightgate.
Onde toda nossa família está.
Onde nossos corações encontram paz.
Onde nada parece um ponto final.
Onde tudo parece só mais um começo.
— Toda a eternidade. — ele finalmente me responde.
Temos toda a eternidade.
Uno os lábios aos seus, selando a promessa, provando-a em sua boca. E
ela é doce e linda e certa, como toda a nossa história. Perfeita. Como tudo
em Brightgate sempre foi. Até mesmo, ou principalmente quando, por
linhas tortas.
Tenho a sensação de que assim sempre vai ser.
Por toda a eternidade.
E além dela.
“Como colocar um ponto final no infinito?” – Melissa Wayne escreveu,
em um caderninho que Mike Graham leu, um livro atrás.
Eu não sei.
Eu honestamente não faço ideia.
E ainda aqui estou eu, agradecendo ao fim de algo, que não parece ter
fim.
Estou escrevendo com meus olhos ardendo, sem saber para onde ir.
Exatamente como eu me sentia em Misconduct, quando Mel e Mike me
resgataram. Exatamente como Naomi e Damian em Misbehave,
descobrindo como seguir em frente, quando ciclos se encerravam. E agora,
com Ollie e Jasmine, é um adeus muito mais forte. Me sinto mais perdida
do que nunca.
É o fim de uma era. O fim da série que me acompanhou por quase quatro
anos (31 de outubro, fazem quatro anos).
Eu não sabia se voltaria para a Amazon com Misbehave. Foi como a
última tentativa de sentir que ser autora ainda valia a pena. E valeu. E então
com Misconduct... Com Misconduct, eu estava insegura o tempo todo. E o
amor que meus nerdzinhos receberam vale o mundo. Agora, com
Misleading, eu não faço ideia do que vou sentir quando esse livro estiver
com meus Green Snakes. Eu não faço a menor ideia mesmo. Eu só sei o que
sinto agora. E eu nem sei explicar.
Eu os amo como se fossem reais. É profundo. Doía fazê-los sofrerem,
me fazia surtar quando eles cresciam e se resolviam. Brightgate é a minha
casa. Não parece uma cidade fictícia australiana. Eu consigo imaginar cada
rua, cada pedacinho de praia, cada canto da cidade. Parece real. E no meu
coração, ela existe. Brightgate mora bem no fundo do meu peito e cada
caminho que me compõe sempre vai me levar de volta para ela.
Então, como sempre, começo os agradecimentos dizendo que esse livro é
para a minha prima. Por ter sido mãe, enquanto meu pai desaprendia a ser e,
minha mãe, tentava ser. Por ter me ensinado a estudar e que conhecimento é
a melhor coisa que uma pessoa pode adquirir, depois de amor e fé em si
mesmo. Por ser a melhor professora que a vida me deu, em todos os
sentidos. Você sabe, minha mãe e eu estamos bem. Foi um caminho difícil e
você com certeza deve saber. Mas eu a amo com todo o meu coração. O
problema é que ela não é você. Ela ainda não me aceitaria se soubesse o que
Jas e eu temos em comum. E você é a Patrícia Rhodes que eu queria ter. E,
bem, ele me abandonou e você sabe quem ele é. Mas você nunca. Então, eu
estou bem e sempre vou ficar bem. Te levo comigo como levo Brightgate,
para todo lugar.
Depois dela, eu preciso agradecer a esses personagens.
Na semana do 7 de setembro de 2021, eu estava “sozinha” do lado de
fora de um bar, é um dia que eu nunca vou esquecer. Os pensamentos que
eu tive foram os piores. O que eu senti, eu não desejo a ninguém, bom ou
ruim. Nenhum ser humano deveria sentir. E eu só fiquei mais sozinha
depois. Foi o momento em que tudo se inverteu para mim de uma maneira
muito desproporcional, dolorosa e confusa. Me vi em um mundo vazio,
ansiosa, sem saber para onde ir. Estava no capítulo sete de Misconduct e
Brightgate era a única coisa que me parecia uma casa. Então esse mundo,
que nem existe, me salvou. Para as amigas que vão rir da minha cara,
essa é a única vez que vou fazer de conta que eles existem.
Naomi Carlson, eu te agradeço por ser a garota mais forte que já escrevi,
a maior inspiração que tenho e eu que te criei. Damian Bale, eu te agradeço
por ensinar que se existe amor, então existe luta, desde que você se ame em
primeiro lugar. Melissa Wayne, eu te agradeço por me ensinar que ser boa
em um mundo ruim não é uma fraqueza, é sinal de força. Porque tudo que
esse mundo quer é te tornar igual a ele e seguir firme em suas morais e
valores é mais do que ser diferente, é nunca se perder no meio do caminho.
Mike, eu te agradeço por todas as gargalhadas no capítulo do Sex Shop.
Brincadeira. Eu te agradeço por me ensinar que estar no mundo para apenas
existir é muito triste, quando nosso tempo para viver é tão limitado.
Brandon e Gianna, eu sei que não é o final que queriam para vocês e eu os
amo com todo meu coração, mas se tem algo que vocês foram grandiosos
em mostrar é que precisamos amar enquanto há tempo, dizer isso com todas
as letras e que um amor não morre quando a morte chega. O amor sempre
prevalece. Ollie... Oliver Zhang, eu não tenho palavras. Sua teimosia é
irritante, mas, puta que pariu, eu te amo tanto. Desde Misbehave eu te amo
tanto e hoje eu entendo o porquê. Obrigada por mostrar que família e
amizade podem ser o mesmo e que quando a vida te atinge sem piedade,
sua única opção é lutar. Considerar qualquer outra coisa é burrice. Têm
pessoas que te amam e têm pequenos detalhes da vida que precisam ser
admirados.Nenhum personagem meu vive, como Oliver Zhang vive.
Para Jasmine Rhodes, obrigada por ser meu desabafo por dois meses.
Parece que escrevi você a vida inteira. E eu acho que, de certa forma,
escrevi. Muitos desabafos seus, eram meus. Sua relação com o ódio que
recebe e sua força em nunca devolvê-lo, sempre erguer a cabeça e enfrentá-
lo com bondade, é a melhor coisa do universo. Você se encaixa tão bem
nesses personagens malucos, porque você os resume. Você é Brightgate
inteira em uma só. Mais do que qualquer coisa, obrigada por ser meu lugar
seguro para discutir minha sexualidade. Ser bi em uma casa que não te
aceita é um inferno e ter que esconder é pior ainda. Espero poder gritar para
o mundo como você faz, algum dia. Obviamente, uma mulher tão perfeita
poderia apenas ser baiana.
Para minha duplinha, Barb e Vivi, obrigada por toda a loucura. Sem
vocês segurando a minha mão, esse universo teria acabado pela metade.
Não viraria físico. Não seria nada. Ele não teria a mesma graça. Eu amo
vocês como Naomi, Mel e Jas se amam. De coração, obrigada por tudo.
Para meu grupinho mais maluco do universo: Geo, Emily, Clary, Vit,
Bea e Bel, obrigada por cada sermão quando quis desistir. Obrigada por
cada sprint cheio de fofocas, gargalhadas e “amiga, tenta só mais um
pouco”. Eu amo vocês com cada pedacinho da minha alma. E sei que vocês
conhecem uma tecnologia chamada print, então estou esperando a foto
chorando por esse parágrafo. Obrigada por segurarem minha mão quando
pensei que mais ninguém nesse meio literário seguraria.
Para Mary, minha carioquinha favorita, muito, muito obrigada. Melissa
Wayne me trouxe você e ela sempre vai ser minha favorita por isso. Te amo
demais, estou ansiosa para ver minha amiga e ídola conquistar o universo
com seus livros. Porque o mundo é uma bolinha muito pequena, para
alguém tão gigante.
Para Ana Paula Bale, amante de Oliver Zhang, eu agradeço por ter te
mandado um e-mail, na véspera do lançamento, com toda a cara de pau do
mundo dizendo: “Oi, meu nome é Brooke, tenho uma série de livros meio
merda, você tem vaga para leitura crítica?”. Ok, não foi bem assim, mas...
Foi quase. Foram quatro livros agora, dois contos e um ano de amizade e
medsurtos. Eu agradeço demais pela sua existência. Te amo e ainda vou te
incomodar muito com meus livros meia boca.
Para as minhas betas, obrigada pelas semanas insanas cuidando de Jas e
Ollie. Cada comentário, cada surto, cada meme, cada gargalhada... Foi
sensacional. Melhor experiência do mundo. E soube que tem um jogador de
hóquei que está fazendo vocês chorarem, hm? Espero estar fazendo um
bom trabalho.
Para os meus leitores, eu não tenho palavras. Não tenho o que dizer.
Mais de vinte milhões de páginas lidas com Brightgate, muitas lágrimas,
surtos e xingamentos na DM. Quatrocentos e vinte livros físicos vendidos
na primeira remessa. Eu não esperava ter metade disso. Falei em
Misconduct e repito, obrigada por toda a força que me passam. Vocês me
provam que eu não preciso estar no topo. Se estou na base, cercada pelas
pessoas certas, estou em casa. Vocês são a minha casa, como Brightgate
sempre vai ser.
Como não tem nenhuma forma melhor de terminar isso,
Depois de mim, está cada um de vocês. Meus livros favoritos, nas
estrelas e além delas. Gigantes, por toda a eternidade.
 
Uma vez Green Snake, sempre Green Snake!
Com amor,
Brooke Mars.
 
[i]
Na Bahia significa “zoeira”, “zoar”, então a Jasmine quer dizer que ele virou a piada da família.
[ii]
Significa “Idiota” em chinês.
[iii]
O livro é “Fora do Eixo”, nacional, da Maria Isabel Mello, disponível na Amazon e Kindle
Unlimited.
[iv]
Expressão baiana pra descrever dor causada pela falta de ar, seja por rir ou por qualquer
exercício físico extenso.
[v]
Livro da Mary Dionisio, nacional, disponível na Amazon e Kindle Unlimited.

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