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Copyright 2023 Luana Oliveira

Título: MEU BAD BOY É UM VAMPIRO

Escrito por Luana Oliveira

Capa(arte): GB Design Editorial

Diagramação: Luana Oliveira

Revisão: Stephany Cardozo Gomes

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios, sem


o consentimento do(a) autor(a) desta obra.

Texto revisado conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.


Olá, caro leitor! Seja bem-vindo a Meu Bad Boy é um Vampiro.

Se você chegou de paraquedas nesse livro, saiba que você aterrissou no lugar
certo, em uma aventura que te fará suspirar, com um romance New Adult
com aquela pitada de fantasia, em que teremos um enemies to lovers
protagonizado por um vampiro amaldiçoado e a única sobrevivente da
linhagem de bruxas que o destruiu há mais de um século.
Se está disposto a entrar nesse universo, a entrar nessa nova jornada, nessa
nova fantasia e nessa nova viagem, que eu espero, do fundo do meu coração,
que toque você e lhe faça esquecer do mundo lá fora, separe o chapéu de
bruxa ou o pescoço, porque Levi Vodrak está pronto para te conhecer. Só
não esqueça que ele é altamente perigoso e apaixonante, certo?

Depois não vai dizer que eu não avisei, hein?

Para finalizar e te deixar finalmente adentrar Emerald Grave, preciso


ressaltar algumas coisas: esse livro tem conteúdo +18 e pode gerar gatilhos,
como: violência, chantagem, assassinato, tortura, morte e muito, muito
sangue.

Lembrando que esse livro faz parte de uma duologia, e para melhor
compreensão da história, é importe que leia o primeiro volume: Meu Jogador
é um Vampiro, disponível na Amazon e Kindle Unlimited.

Por favor, peço que se atente a cada um e respeite sua saúde mental em
primeiro lugar.

Caso tenha lido e deseja prosseguir mesmo assim, tudo o que eu posso te
desejar é uma... boa sorte.

E uma ótima leitura, claro.


“A ausência de amor é o sofrimento mais desprezível.”

— Conde Drácula

Para todas aquelas amantes de morenos sarcásticos, lhes apresento: Levi


Vodrak, o maior vampiro bad boy cadelinha de todos.
Eu fui transformado em um vampiro por uma bruxa Salazar.

Eu e o meu irmão gêmeo, no caso, quando estávamos no ventre da nossa


mãe.

Para resumir toda essa história patética, havia, há muitos e muitos anos no
passado, bem no começo da idade média, uma mulher cujo nome era
Thereza.

Thereza não entendia sua força e seus poderes, fazia questão de esconder de
todos sua verdadeira identidade e seu espírito sensitivo, porém, em um
determinado momento, não aguentando mais a violência e as humilhações
diárias de seu marido, assumiu a sua natureza e os seus poderes, e o
amaldiçoo, transformando-o num monstro com sede por sangue, só para
atormentá-lo o suficiente por todas as vezes que a xingou e a diminuiu por,
periodicamente, sangrar pelo meio das pernas, a tratando como se ela fosse o
monstro assustador esse tempo todo, e não o contrário.

Ela queria vingança. Ela queria que ele pagasse por todos os anos de maus-
tratos e sofrimento que passou dentro de seu lar.

E ele pagou, porque o marido de Thereza nada mais era do que Vladimir
Vampir, o primeiro vampiro do mundo, que, diferente do que muitos
humanos acreditam, nasceu após ser criado por uma bruxa furiosa. Anos
mais tarde, seu sobrenome foi usado como base para o termo pelo qual nos
chamam até hoje.

Vampiro.

Mas antes de chegarmos nessa parte, preciso dizer que Thereza passou por
um tormento ao lado dele, de Vladimir, mesmo depois do homem já
amaldiçoado.
Como ela não entendia seus poderes e não tinha a noção do que poderia
acarretar no universo após ter brincado com o véu da vida e da morte, seu
feitiço deu completamente errado, e o tiro, na verdade, saiu pela culatra.

Ao invés de seu marido ser o único a sofrer eternamente, Thereza não


contava que ele sairia transformando inocentes através da matança atiçada
pelo seu desespero em não saber lidar com a besta enjaulada dentro de si.
Toda vez que Vladimir mordia sua vítima, um vírus era transferido para o
corpo daquela pessoa, e, mesmo que conseguisse sair viva do ataque, horas
depois, como se estivesse com o vírus que os humanos conhecem como
raiva, ela começaria a agonizar até a morte, com sintomas que incluíam
febre, tremores, vômito com hemorragia, até sair todo sangue do seu corpo e
não sobrar mais nada. A pessoa literalmente morria e, quando acordava,
precisava se alimentar de sangue para repor tudo aquilo que perdeu
anteriormente, no período em que seu corpo estava passando pela transição.

Dessa forma, aos poucos, vampiros surgiram na humanidade, e o caos estava


espalhado pelo mundo. Thereza não aguentou viver com a culpa do que
tinha feito e se matou pouco tempo depois de descobrir sobre a maldição que
jogou nos humanos, sem nem saber e sem nem querer tamanho sofrimento
aos outros, que de nada tinham a ver com a sua vida e o seu próprio
tormento.

O que essa mulher tem a ver comigo e com o meu irmão? Bem, muitas
coisas, porque se não fosse por ela, ele e eu também não seríamos
amaldiçoados por uma outra bruxa, essa sendo, Alma Salazar, também
motivada por vingança, ao achar que meu pai, um viajante de Londres que
chegou aos Estados Unidos, mais precisamente numa pequena cidade no
interior da Virgínia, Emerald Grave, havia a trocado pela minha mãe quando
teve que voltar para o seu país, quando na verdade, teve que se casar e não
pôde fugir do casamento arranjado em que meus avós o colocaram à força, o
deixando sem nenhuma opção.

Ela foi vê-lo alguns meses depois, estranhando o fato de ele ter
desaparecido, e ficou furiosa ao se deparar com uma nova realidade, que era
a do seu amor por outra mulher que estava esperando bebês dele. Na mesma
hora, se sentiu traída e enganada.
Como as Bruxas Salazar sempre foram as mais fortes e as mais poderosas, as
que fugiram de Salém para Emerald Grave e as que tiveram posse dos
feitiços de Thereza, Alma simplesmente decidiu repetir a maldição. Não com
meu pai, não com sua nova esposa, mas sim com os filhos que nasceriam, só
para se certificar de que o sofrimento fosse muito maior e muito mais
doloroso para todo mundo.

Ela nos rogou que, quando meu irmão Luca e eu chegássemos no nosso
vigésimo primeiro aniversário, morreríamos e nos tornaríamos vampiros.

Não vampiros infectados, vampiros transformados por uma bruxa.

E não querendo cometer o mesmo erro de Thereza, Alma nos deu uma
chance para controlarmos nossos impulsos primitivos, para controlar o véu
da vida e da morte. Nossa força e nossa cura, pelo menos parcialmente,
estariam na natureza, em algum dos quatro elementos. Nosso organismo
também seria incapaz de transferir o vírus, justamente para não haver mais
vítimas.

Ela só queria que sofrêssemos, só queria nos dar trabalho, porque, ao mesmo
tempo que poderíamos encontrar nossa conexão rapidamente, ela poderia
demorar ou ela poderia, simplesmente, durar pela eternidade. A tortura seria
duplamente maior por causa disso. A tortura de vivermos vagando como
monstros, e a tortura de saber que tinha uma forma de controle, e não
sabíamos qual era.

Passamos por todo tipo de angústia e sofrimento, até que Luca se descobriu
na água, e eu no fogo.

Ele conseguiu se controlar nesse elemento, mesmo demorando muito, coisa


que não aconteceu comigo.

Ele também tentou olhar para toda essa situação com bondade, porque é
como diz na história, se há gêmeos, um tem que ser o bom, e o outro
obrigatoriamente tem que ser o ruim.

Luca Vodrak é o gêmeo bom.


Eu, Levi Vodrak, sou, orgulhosamente, o gêmeo ruim.

Não fiquei satisfeito com o meu caminho e jurei passar o resto da minha
eternidade matando cada bruxa Salazar existente na terra. Eu faria uma
limpa e, se uma delas havia me amaldiçoado, eu amaldiçoaria todas elas de
volta, nem que toda a minha eternidade fosse desperdiçada nisso.

Porque seria um efeito dominó, cada uma pagaria o preço enquanto caía.

Então, como elas estavam fixas em Emerald Grave, foi para lá que eu fui.

Juntei vampiros com os mesmos objetivos que os meus e deixei um rastro


enorme de sangue que, por muitos anos, ficaria registrado como um fato
histórico daquela cidade. E ficou. A morte das bruxas, incluindo Alma
Salazar, ficou conhecida como A Matança de Dantown. Mesmo passados
séculos do acontecimento, ele ainda é lembrado tanto pelas antigas, quanto
pelas novas gerações, e isso me orgulha. O trabalho foi mesmo muito bonito.

E não parou por aí, que fique claro. Muitas bruxas se espalharam para outros
cantos, e eu continuei as perseguindo, mesmo com o meu irmão atrás,
tentando inutilmente me conter. O que Luca mais me dizia é que elas eram
inocentes, que não tinham nada a ver com os seus antepassados e que não
podiam pagar por

coisas que não cometeram, que, na verdade, não eram nem nascidas na
época dos fatos.

Eu não me importava, no entanto.

Quando Alma nos feriu, nós também não tínhamos nascido. Nós éramos
bebês inocentes, puros, com uma vida toda pela frente. Se ela não levou isso
em consideração, por que porra eu deveria?

Estava convicto, e nada poderia me fazer parar. A guerra era tanto por mim
quanto por ele, mesmo que não entendesse meus motivos e me pintasse o
tempo todo de vilão.
E não era um problema para mim ser tratado dessa maneira, os vilões sempre
me pareceram mais interessantes do que os mocinhos. Eles são sempre muito
água com açúcar, e eu sempre gostei muito mais de bebidas apimentadas. Eu
gostava do sabor de ser mau. Do sabor de parecer mau.

Durante séculos, as Bruxas Salazar morreram na minha mão. Em 2009,


quando a linhagem estava apenas por um fio de terminar, eu descobri que as
últimas que faltavam, estavam tentando escapar do país em um cruzeiro
chamado Shine Star Cruises. Eu reuni a minha tropa e fiz o que tinha que ser
feito, ignorando, mais uma vez, os protestos de Luca. Eu comecei um
incêndio naquele navio com o meu descontrole e a minha raiva, e, ao invés
de matar somente a elas, eu também tirei a vida de alguns inocentes que
estavam em alto-mar, humanos que só queriam se divertir com as suas
famílias.

Mesmo sendo extremamente difícil de acreditar, pela fama que carrego, eu


não gostei e não me orgulho dessa parte, de ter atingido outras pessoas,
inclusive crianças, porém tive que lidar e me contentar com o fato de que
havia acabado, a guerra finalmente tinha chegado ao fim, e toda a linhagem
de Bruxas Salazar havia sumido do planeta. Minha vingança tinha dado
certo, e eu poderia, até que enfim, seguir em frente, partir para outra.

Pelo menos foi no que eu acreditei por anos, até receber a notícia de que uma
garota havia sobrevivido. A única Salazar estava vivendo livre e
perfeitamente em Emerald Grave, estudando e sendo uma jovem normal de
sua idade, como se não tivesse uma dívida a pagar.

Fiquei furioso, e comigo, que tinha a deixado escapar e nem sabia, poderia
passar anos e anos sem saber. Ela poderia se multiplicar, e todo o meu
sacrifício não valeria de nada.

Mas aí, me disseram que o nome dela era Evelyn Sutton e que quem tinha a
salvado naquele cruzeiro foi, obviamente, meu gêmeo bom. Eu voltei à
cidade para matá-la, e ele chegou pouco tempo depois, para salvá-la como o
herói que gosta de ser.
Fiquei enojado ao saber que Evelyn e Luca estavam apaixonados, entretanto
fiquei ainda mais quando, no exato momento em que tentei pôr em ação o
plano no qual fiquei meses trabalhando, me deparei com uma outra peça-
chave desse quebra-cabeça, que jogou no meu colo a revelação que seria a
minha nova maldição.

Gabriella Faulkner, a irmã adotiva da tal Evelyn.

Era ela a bruxa. Era ela quem se escondeu de mim esse tempo todo, não
Evelyn, como achei. E mais uma vez, eu poderia ter ferrado tudo por causa
da minha cegueira acometida pela raiva. Se ela não tivesse se revelado,
ninguém saberia, pois a menina estava mesmo empenhada em ser discreta,
em passar despercebida e ser comum.

Seu sobrenome pode ter se tornado Faulkner ao ir parar na porta de outra


família, quando os seus pais biológicos a deram uma nova oportunidade de
vida, porém ela sempre seria uma Salazar.

Gabriella fez um feitiço e me mandou embora de Emerald Grave, junto dos


meus amigos, também vampiros.

O mais surpreendente foi perceber quão poderosa a garota consegue ser.

Ela é a última.

A última da linhagem, a mais potente, a mais letal, a que carrega a herança


de todas as outras bruxas dentro de sua alma.

Se ela se esforçar, pode ser a minha destruição, foi o que percebi quando
olhei naqueles olhos penetrantes dela.

Como eu, Gabriella também tem sede de vingança e de justiça.

E eu sei que a garota sabe que não desistirei fácil, que estou me preparando,
juntando meu exército para a batalha final, e sei que ela sabe que, dessa vez,
é definitivo.

Ou morre eu ou morre ela ou morremos os dois.


A nossa história mal começou e já está fadada, porque não importa o que ela
faça, eu vou correr bem às suas costas, como o predador e monstro que sou.

O fim, eu definitivamente não sei como vai ser, só sei do começo.

E o começo é o perfeito embate de um vampiro versus bruxa.

Quem vai ganhar essa? Será que vai ser possível haver vencedor?

É algo que eu, Emerald Grave e toda a humanidade estamos prestes a


descobrir, enquanto tento achar o momento exato para estar de volta à
cidade.

Espero que muito, muito em breve.


Durante muitos anos da minha vida, senti como se fosse incompleta.

Como se eu não estivesse inteira, estivesse pela metade. Como se alguma


outra parte minha estivesse por aí, em algum lugar, flutuando, à deriva,
tentando achar um caminho de volta, só para me encontrar.

Eu nunca gostei desse sentimento, me fazia parecer uma garota


completamente ingrata, o que me revoltava e me deixava bastante chateada.

Afinal, como eu poderia sentir que algo estava faltando na minha vida,
quando eu sempre tive de tudo?

Sim, de tudo. De tudo que deve ser essencial, sem exagero.

Um lar saudável, pais incríveis e apoiadores, amigos, uma irmãzinha mais


nova para me fazer companhia, dentre muitas outras coisas. E mesmo que
ela e eu fôssemos adotadas, mesmo que em tempos e de maneiras diferentes,
Leah e Elliam Faulkner, nossos pais, sempre fizeram questão de deixar
muito claro todas as nossas histórias, todas as nossas raízes e nunca
mentiram para nós sobre absolutamente nada.

Sem contar que nunca houve distinção, nós somos filhas deles. Ponto.

Sempre tivemos carinho, atenção, respeito, cumplicidade e um amor

profundo e infinito. Nossa casa, apesar das dificuldades de toda família, era
e ainda é muito recheada de felicidade e harmonia. Na vizinhança, nós
sempre fomos conhecidos e vistos como exemplos, muitas pessoas, e até
amigas minhas, me param vez ou outra só para elogiar o que temos, que eu
sei que é bem raro de se encontrar hoje em dia.

Além de toda essa parte do afeto, eles também nunca deixaram faltar nada
material, para nenhuma de nós duas. Tudo o que eu queria, assim como
Evelyn, eu tinha, apesar de também sempre fazer por merecer, sendo
aplicada e não dando nenhum tipo de trabalho. E eu amava a minha vida.

Amava ser a filha mais velha dos Faulkner, a responsável, a líder de torcida
popular na escola, que viveu um perfeito clichê ao lado de um dos atletas
mais cobiçados da época do ensino médio, amava estar sempre com as notas
impecáveis, sempre falada, sempre elogiada, sempre comunicativa, com
amigos que viviam dando festas e fazendo nossa cidade nunca ser tão
entediante quanto ela parece e, sobretudo, amava ser eu, a Gabriella, que
todos conheciam e adoravam.

E ainda assim, mesmo envolvida de carinho e coisas boas por todos os lados,
aquele sentimento de vazio querendo me deixar para baixo voltava
constantemente. Ele não era passageiro, não era um pensamento intrusivo,
ele era, de fato, real. Mesmo não gostando, eu sabia que existia, sabia que
estava enraizado em mim e por muito tempo, me senti péssima, destruída por
causa disso. Era um sentimento de culpa terrível, e enquanto uma voz na
minha cabeça pedia para que eu corresse atrás do que estava faltando, a
outra, em um duelo, ficava me xingando de cruel, ingrata e insensível, em
um looping.
Contudo, para a minha sorte, não precisei ficar brigando comigo mesma por
muito tempo, pois, ao completar 16 anos, finalmente tive a minha resposta e
pude, pelo menos um pouco, respirar em paz, quando descobri que não era
nenhuma ingrata, nem lunática, afinal de contas, algo, uma força muito
maior, realmente estava flutuando pela Terra, só esperando o tempo de eu
tomar conhecimento sobre a sua existência.

Foi difícil, extremamente difícil e assustador lidar com toda a proporção que
aquela revelação trouxe para a minha história, para a minha vida e para a
vida das pessoas ao meu redor, contudo, ao mesmo tempo que foi um choque
gigantesco, também foi libertador e esclarecedor, porque

muitas coisas sobre mim, coisas essas que eu achava diferentes e anormais,
coisas essas que eu tentava, a todo tempo, esconder de todo mundo,
finalmente passaram a fazer sentido quando as explicações vieram, e eu pude
sentir, no meu mais profundo âmago, que passei, mesmo sem saber, todo
esse tempo esperando que esse grande momento acontecesse.

Quando aconteceu, eu entendi que tinha que ser daquele jeito. Eu entendi
que eu precisava descobrir a minha verdadeira identidade no auge da minha
adolescência, só para que no futuro, eu pudesse ser, com muita força,
sabedoria e resiliência, a mulher que fui destinada a ser desde o dia do meu
nascimento. Eu precisava ser essa Gabriella, e olha que essa Gabriella ainda
tem muito mais coisas para descobrir e um longo e árduo caminho para
trilhar. Só que eu já me encontro satisfeita, no entanto. Eu lutei e batalhei
muito para ser quem sou, estar onde estou, e não há mais nada de vazio em
mim. Pelo menos não como antes, já que agora está tudo perfeitamente em
seu devido lugar.

Comigo, no caso. Está tudo perfeitamente em seu devido lugar comigo.


Porque sim, ainda há muitas coisas bagunçadas e prestes a serem resolvidas,
resolvidas com seriedade e urgência. Começando agora, inclusive, pela
palestra no auditório da Emerald Grave University, na qual eu deveria estar
prestando atenção e não consigo.

Sentada nem tão no fundo e nem tão na frente, meu subconsciente muito
certo pede, ou melhor, implora, para que eu pegue a caneta e comece a fazer
anotações o quanto antes, pois esse é meu dever, estou aqui, junto de todos
os outros jovens, para me formar em Ciências Biológicas, algo que está,
graças ao universo, muito perto de acontecer. Porém, a parte perversa do
meu cérebro, a que está ganhando o duelo nesse momento, simplesmente
ignora os meus afazeres, e, ao invés de pegar a caneta, eu abro a minha bolsa
e puxo, com muita cautela, meu diário de dentro dela.

Escondido, para que ninguém o perceba, eu passo a dedilhá-lo, quando já


está repousado entre as minhas coxas. Ele é antigo, tem relevo na capa, e as
folhas já se encontram um pouco amareladas, mas ainda permanece
completamente conservado. É um material de valor, tem coisas
extremamente poderosas e secretas dentro, e foi guardado com muito amor
por anos, antes de ser entregue a mim, o que me faz redobrar ainda mais a
atenção. Eu não costumo trazê-lo para a faculdade, quer dizer, eu nunca o

trago, essa é a primeira vez, e por mais que ele fique superprotegido no meu
quarto, em segurança, hoje me deu essa vontade de carregá-lo comigo,
porque sabia que mais cedo ou mais tarde, a vontade de ler certos parágrafos
me pegaria com força, quando o tédio me invadisse.

Essa necessidade vem acontecendo com frequência ultimamente, totalmente


além do normal, e sei exatamente o porquê, infelizmente.

Antes que eu possa fazer menção de abrir o diário, a pessoa sentada ao meu
lado, que até então estava em uma distância segura e considerável, agora faz
questão de se aproximar, me observando. Eu coloco o caderno virado de
cabeça para baixo e aprumo os ombros na mesma hora, fingindo
concentração no professor lá na frente e podendo, de rabo de olho, observar
o pequeno sorriso de canto brotando nos lábios do garoto, que tem suas írises
fixas em meu rosto.

— Me desculpe invadir o seu espaço pessoal, moça, mas é que meu celular
descarregou tem cerca de cinco minutos, e eu estou prestando atenção na
aula faz, bem, cinco minutos, o que é, basicamente, uma tortura, quando
aquele careca ali só sabe falar de planta. Preciso, você sabe, conversar com
alguém — sussurra, agora com o rosto virado, para não ficar muito claro que
está tentando puxar assunto comigo em um momento inoportuno. — Você
foi a única pessoa pedindo socorro em silêncio que encontrei, e acho que
podemos salvar um ao outro dessa tentativa implícita de suicídio coletivo
que, caso a palestra demore mais um pouco, pode vir a acontecer a qualquer
milésimo de segundo. Eu ainda não vivi o suficiente, moça e você?

A forma engraçada como soa levemente desesperado e essa insistência de


me chamar de moça, me faz dar uma pequena risada, enquanto viro meu
rosto para encará-lo pela primeira vez. Por coincidência, ele também parece
ter a mesma ideia que eu ou talvez, quem sabe, se vira de propósito apenas
para me ver mais de perto.

Seus olhos nos meus se demoram um pouco, porém ele continua crescendo
seu sorriso conforme eu balanço a cabeça, tentando não voltar a sorrir só por
causa da sua cara de pau em escorregar ainda mais a bunda para o meu lado,
agora realmente próximo, sem nenhuma chance de distância entre nós.

— Se você vier só um pouco mais para o lado, acredito que consegue se


sentar no meu colo — digo, ao erguer uma das minhas sobrancelhas de
forma sarcástica. — Juro. — Entro na brincadeira, mantendo o tom de voz
baixo. — Você não precisa fazer nenhum esforço para passar por cima de
mim, na verdade, estou começando a desconfiar que é isso que está tentando
fazer com essa aproximação toda. — Tento ficar séria, com os braços
cruzados, fazendo o maior esforço para ignorar sua expressão divertida, que
assente a tudo o que eu falo, também no maior deboche e ironia. — Não ria
da minha cara, é verdade. Estou até sem ar, praticamente claustrofóbica com
toda essa sua figura em cima de mim.

Mais um sorrisinho ganha forma em seu rosto e dessa vez, nada inocente.

— Poxa, eu realmente costumo causar essa reação nas mulheres, elas sempre
dizem que ficam com falta de ar quando observam minha beleza, mas não
foi meu intuito dessa vez. Eu só queria fazer você falar comigo, não estava
tentando te deixar apaixonada nem nada. — Ele morde a boca quando se
encosta, colocando o braço atrás de mim na maior inocência fingida, seus
olhos agora descendo e subindo por mim, mesmo sentada. —
Só não me entenda mal, moça, eu não reclamaria se foi esse o efeito que
causei na senhorita.

Obviamente é um flerte, eu sei reconhecer um cara interessado e tentando


jogar charme, e é o que ele está tentando fazer. É um pouco engraçado para
mim, para ser sincera. Ele é bonito, do tipo naturalmente bonito, aquele
homem que não precisa fazer esforço para chamar a atenção.

Tem olhos castanhos claros, um rosto de bebê, cabelo também castanho e


todo milimetricamente arrumado, e dá para ver pelas suas roupas, que tem
grana e é um mauricinho filhinho de papai, seu relógio no pulso do tamanho
do mundo consegue me avisar isso muito bem. Não é meu estilo favorito de
garoto, não mesmo, nem de longe, entretanto esse, diferente dos outros, se
sobressai um pouquinho mais, não que esteja gostando muito de admitir tal
fato.

— Não, não foi. Certamente foi o efeito inverso — menciono com um


sorriso igual ao dele, só para provocá-lo. O filho da mãe sabe que estou só
brincando, porque sua expressão não murcha nem por um minuto. — E a

propósito, eu tenho nome, não precisa ficar me chamando de moça como um


senhor na terceira idade.

— Está querendo que eu pergunte seu nome, moça? — rebate, cheio de


segundas intenções e querendo me provocar de volta.

Reviro os olhos de maneira exagerada, me virando para frente.

— Mesmo se me perguntasse, eu não diria meu nome a você —

murmuro em sussurros e bato levemente meu ombro contra o seu. — Uma


pessoa que reclama de uma palestra superimportante sobre plantas, não
merece me conhecer.

É sua vez de revirar os olhos e bufar.

— Plantas são chatas, ele não precisa ficar o tempo todo só falando delas.
Como se eu fosse a menina estrelando o filme O Exorcista, minha cabeça
vira com tudo em sua direção, uma careta de indignação se formando em
meu rosto.

— Cara, não sei se você percebeu, mas você está em uma aula de botânica
— sibilo pausadamente, meus cílios superiores e inferiores se chocando a
cada milésimo de segundo, conforme fixo minhas írises nas suas. —
Botânica — repito, dando um pouco mais de ênfase, só por garantia. — Do
que mais o professor poderia falar, senão plantas, plantas e plantas?

Aos poucos, também piscando os olhos, parece cair em si.

— Porcaria — xinga, ao bater a mão contra a testa. — Por isso essa merda
não estava fazendo sentido.

Lambo os lábios, querendo rir.

— Deixe-me adivinhar, você errou de sala e está assistindo uma palestra


totalmente diferente da que seria a sua?

— Não se desapaixone por mim agora, mas sim. A minha tinha algo a ver
com fazenda e agronomia. Não me assustei tanto com a aula em um primeiro
momento porque caramba, tinha, de certa forma, algo a ver o que ele estava
falando. Plantas ficam em fazendas, não?

— Ficam, claro, mas por que você teria que saber todos esses termos
técnicos?

— Ok, tudo bem, não precisa fazer eu parecer mais burro do que já estou me
sentindo.

Ergo as mãos.

— Foi mal, só estava tentando ajudar. — O vejo juntar suas coisas com uma
certa pressa, como se estivesse atrasado. E olha só que engraçado, ele está
mesmo. — E não acho que você pareça burro, acho que você parece
desatento e desinteressado — completo.
— Melhor desinteressado do que desinteressante. — Pisca, pondo uma única
alça da mochila no ombro e me surpreendendo ao não perder a oportunidade
de flerte. — Eu realmente queria conversar com você agora, Gabriella, mas
você me fez perceber que não será possível. Era melhor não termos falado
sobre plantas, só assim eu teria a graça da sua companhia por mais tempo,
antes de precisar te deixar para ir para outra sala correndo, já que não posso
mais levar falta, o reitor é amigo dos meus pais, e eles estão de olho nas
minhas notas e no meu comportamento. — Respira fundo, passa a mão no
cabelo, olha para o professor e depois volta a me olhar. —

Nunca pensei que fosse dizer isso, mas plantas podem ser vilãs de histórias.

Elas acabaram de ser da nossa.

Mesmo acabando de soltar muitas informações, minha mente só se concentra


em uma.

— Você me chamou pelo meu nome — acuso. — Disse Gabriella.

Você já sabia esse tempo todo.

Tombando a cabeça um pouco para o lado, para me ver por outro ângulo, ele
confirma, ao repuxar os lábios para cima.

— Todo mundo na EGU conhece você, Gabriella. E eu não sou tão


desinteressado, a ponto de deixar passar despercebida uma cacheada dessas.

Uh, tudo bem, esse garoto é mesmo bom nisso, entretanto ainda precisa de
um pouco mais, se quiser me deixar desconcertada, tímida ou com as
bochechas pegando fogo.

Na verdade, tem tempo que não fico assim, a última vez foi no ensino
médio, provavelmente. De lá para cá, muita coisa mudou, principalmente eu
e o meu modo de lidar com o sexo masculino.

— Você deveria ter dito que me conhecia ao se aproximar, não mentir.


— Eu não menti, eu só não disse a verdade, e você também não me
perguntou nada. Ah, e outra coisa, nós nunca fomos apresentados e nunca
conversamos, como pode dizer que eu te conheço?

— Tem razão, não me conhece.

— Pois é, mas vai mudar, porque quero conhecer.

— Não vai rolar, você detesta plantas, e eu amo. Caso não tenha percebido,
sou uma futura bióloga, e vai totalmente contra os meus princípios conhecer
alguém como você — brinco, o que o faz ficar com cara de ofendido.

— Eu nunca disse isso. Nunca falei mal de plantas, nunquinha.

— Falou sim. Há um minuto, basicamente.

Eleva as sobrancelhas, agora segurando a alça da mochila.

— Tem provas? Se não tiver, é crime o que está fazendo com a minha
pessoa. Se chama calúnia.

— Você por acaso faz Direito?

— Ah, com certeza, pode apostar que eu faço direito. — Malícia goteja em
cada sílaba, fazendo seus olhos brilharem, e mesmo que eu me deteste por
isso, acabo dando risada por ter conseguido achar duplo sentido nisso, numa
simples pergunta. — Gostei da sua risada e de poder conversar com você,
Gabriella Faulkner, mesmo que brevemente. Espero que possamos nos
trombar por aí qualquer dia desses.

— Não sendo para você falar mal de plantas e interromper minhas aulas,
para mim, tudo certo.

— Engraçadinha. — É sua vez de sorrir. — Não vou mais parecer burro na


sua frente, prometo. Sou um cara inteligente, você vai perceber com o
tempo. — Antes de se levantar, para por um momento, só para me dizer: —
Antes que eu me esqueça, é Cody. Meu nome é Cody.
— Davenport? — indago. — Cody Davenport?

— Isso mesmo, gata. Fico feliz que também já me conheça. Acho que é o
destino agindo.

Depois de soltar mais uma piscadela, ele se levanta e vai embora no meio da
aula, me fazendo não ter mais dúvidas e sim certeza, quanto a ser um
mauricinho. Porque é ninguém mais e ninguém menos que Cody

Davenport, o garoto que ficou famoso pelo campus nas últimas semanas,
após ter gravado um vídeo jogando dólares no camarote de uma boate.

A sua boate, já que é o herdeiro legítimo, filho do dono. As meninas estão


loucas por ele e por suas festas, com tanta coisa acontecendo em minha vida,
não tive nem tempo de procurar conhecê-lo. Também não esperava que fosse
aparecer assim para mim, do nada. É engraçado, e me faz, mais uma vez,
soltar uma risada baixa, à medida que tento me concentrar no que realmente
estava interessada em fazer antes de tê-lo se aproximando do meu espaço
pessoal.

Que Cody e o professor me perdoem, porém o que realmente importa para


mim nesse momento, são as palavras secretas que guardo neste diário, acerca
de tudo sobre a minha vida e a verdadeira eu.

O dedilho mais uma vez, após virá-lo com a capa para cima.

O abro e poucos minutos depois de começar a lê-lo, me aprofundando cada


vez mais nas páginas, escuto algo que me faz sobressaltar, deixando-o cair
sobre meus pés.

— Gabriella! — É a voz cortante do professor lá na frente, me chamando


atenção. — Se estiver com o celular, guarde-o imediatamente.

Você estava conversando antes, não vou tolerar que permaneça desatenta na
aula, não quando é uma das minhas alunas prodígios.

Suas palavras são extremamente certeiras, eu reconheço, reconheço tanto,


que posso afirmar que não fui nem um pouco produtiva o dia todo, mas o
modo como resolveu me trazer de volta para a aula é um grande problema,
porque ele me assustou, e quando eu me assusto, coisas erradas podem
acontecer, como é o caso de agora.

As luzes da sala começam a piscar, até que a luz seja cortada completamente
e nos deixe no escuro, as cortinas fechadas impedindo que a claridade
perpasse pelas janelas.

Pelo barulho, ouço um leve desespero dos alunos, que ficam tentando
entender o que aconteceu, enquanto eu seguro firme no lugar em que me
encontro, o coração martelando na garganta por causa do susto e do que
acabei de fazer na minha faculdade.

Porque é isso que tem no diário.

Porque é isso quem sou.

Uma bruxa.

A última de uma linhagem poderosa, que estaria em extinção se não fosse


por mim.

E mesmo estudando e sabendo da minha força, ainda cometo deslizes, afinal,


sou uma bruxa iniciante que passa a maior parte do tempo sendo só uma
garota normal no interior da Virgínia, em uma cidade pacata e chuvosa
recheada por lendas e mistérios.

Ninguém sabe o que Emerald Grave esconde, nem o que eu escondo.

Para os moradores, aqui é uma cidade tranquila.

Para mim, é onde monstros podem ficar à solta, querendo me pegar.

Quando me concentro e faço a luz voltar, um pensamento vem junto.

Sou, além de Faulkner, uma Salazar, e monstro nenhum, nem agora nem
nunca, vai me parar.
Por minha causa, a aula terminou antes do previsto e todo mundo foi
liberado mais cedo.

Não que tenha sido totalmente minha culpa, óbvio, se o professor não tivesse
me chamado daquele jeito na frente de todo mundo, eu não teria me
assustado, e os meus poderes não teriam sido ativados como se eu não
conseguisse me controlar nem minimamente.

E aí, por causa disso, o caos foi jogado por cima do auditório da Emerald
Grave University, e, mesmo após a luz voltar, os alunos ainda se mantiveram
agitados, cada um tentando descobrir o que havia acontecido para ocasionar
aquele tipo de falha em um lugar daquele tamanho que, com certeza, possuía
um gerador seguro. O professor, mesmo tentando muito, não conseguiu fazer
a turma focar no seu debate importantíssimo sobre as plantas carnívoras e as
suas nomenclaturas, e acho que o pessoal, no fundo, estava fazendo de
propósito, para que ele não tivesse outra alternativa a não ser encerrar o
conteúdo mais cedo por hoje.

Minha teoria se confirma ainda mais quando, ao passar por um grupo de


garotos, os vejo comemorando à medida que marcam entre si o que vão fazer
no campus para passar o tempo até a próxima aula. Eles dão risada, batem
nas costas uns dos outros e agem como se estivessem de volta ao ensino
médio, quando os

professores faltavam, o que era bem raro, a propósito, e nós ficávamos com
aquele horário todo vago.

É agora que eu digo a eles que eles deveriam me agradecer?

É, tudo bem, melhor não, não quero criar mais pânico do que já criei. Não
seria legal chegar para minha turma e simplesmente dizer: então, não fiquem
tão felizes assim, o que aconteceu foi que eu me assustei e eu sou uma
bruxa, caso não saibam, tenho poderes e sou capaz de fazer tudo o que
imaginarem, inclusive fazer vocês, e toda essa universidade, virarem cinzas
num piscar de olhos e estalar de dedos.

Ou eles me achariam ainda mais divertida ou eles me veriam como uma


aberração que precisa urgentemente ser decapitada.

E juro, já tem gente demais querendo a minha cabeça, não preciso, nesse
momento, fazer a lista triplicar.

Posso ser poderosa e tudo o mais, mas ainda sou só uma. É necessário ter
cautela. A partir de agora, em tudo.

Uma vez fora do prédio onde estava acontecendo a palestra, eu passo a


caminhar pelo campus, segurando a alça da minha bolsa como se fosse
possível grudar as pontas dos meus dedos sobre o couro, não querendo, nem
por um segundo, perde-la, logicamente, pelo que carrego aqui dentro. Já
basta o desespero quando o diário caiu no chão da sala sobre meus pés, não
quero ter que passar por algo semelhante novamente.

É aí que eu chego a mais uma nova conclusão, não vou, nem ferrando, trazê-
lo nunca mais comigo. É muita preocupação, e já basta as que eu já tenho.
Sem mencionar a distração, fica totalmente complicado prestar atenção na
aula, se as palavras guardadas naquelas páginas ficam me chamando o tempo
todo, algo que está acontecendo de novo agora.
Eu as ignoro dessa vez, entretanto. Não vou pegá-lo, ainda mais em público,
a céu aberto, com tantas pessoas indo e vindo no campus, não sou tonta a
esse ponto, mesmo curiosa. Eu só preciso... caminhar. Encontrar uma outra
distração para fazer a vontade passar.

Milagrosamente, depois de uns cinco ou dez minutos, encontro Evelyn


Sutton, minha irmã mais nova, saindo da biblioteca e equilibrando alguns
livros nos braços. Assim que eu começo a apressar os passos para me
aproximar dela, observo quando seu namorado surge, não sei de onde, para
ajudá-la. Ele pega alguns livros para não sobrecarrega-la e depois entrelaça
suas mãos, um olhando para o outro enquanto sorriem, apaixonados.
Começam a andar em minha direção, ao passo que conversam, e nós
finalmente nos encontramos.

— Olá, irmã. — Sorrio para a garota de cabelos castanhos lisos e olhos


azulados que se escondem por trás de seus óculos. Ela sorri para me
cumprimentar de volta, toda fofa usando sua regata branca por baixo da
jardineira jeans e com All Star nos pés. — Olá, cunhado — me direciono ao
garoto ao seu lado, com fios pretos e olhos tão pretos quanto. Ele está com a
jaqueta do time de hóquei da faculdade, o Emerald Blood, do qual faz parte,
sendo o capitão e uma das maiores estrelas em ascensão. Seu nome é Luca.
Luca Vodrak. E Luca me cumprimenta, ao balançar a cabeça. — Vocês não
têm ideia do que acabou de acontecer comigo na sala de aula — digo, me
aproximando.

Os dois se entreolham, curiosos, depois me encaram. Evelyn com a cabeça


tombada levemente para o lado, me estudando, sem saber se é coisa boa ou
ruim.

— Estava na palestra quando fiz algo — sussurro, olhando de um lado para


o outro para me certificar que não há pessoas perto de nós. Eles percebem
que é algo sobre o que andamos escondendo, então encurtam totalmente a
distância que restava. — Foi a primeira vez que algo do tipo aconteceu
comigo. Eu sou uma pessoa controlada, vocês sabem, além de que também
sempre tento ser a mais discreta possível, o que, obviamente, significa que
nunca, jamais, mostrei minhas habilidades, se é que me entendem, aqui e em
nenhum outro lugar, tão publicamente. Mas hoje, dei uma vacilada. —
Franzo o nariz em uma careta, como se tivesse sido pega fazendo coisa
errada. — Não foi minha intenção, que fique claro. Só... aconteceu. —
Mordisco o lábio inferior, levemente nervosa sob o olhar do casal. — Tipo,
foi só um minuto. Menos de um minuto. Um momentinho só.

— Certo, entendemos. Mas o que exatamente aconteceu? — minha irmã


deseja saber, preocupada, se soltando de Luca para vir até mim e segurar
meu ombro. É só sentir seu toque, que percebo que não estava mais a
olhando, tinha desviado de seu rosto. Paro de mexer com o meu lábio, a
encarando. — Espera, é melhor você me dizer primeiro se está bem.

— É, Gabriella, você está bem? Se não, ficaremos preocupados — Luca


emenda.

— Estou bem — asseguro. — Bem mesmo. De verdade — completo,


quando os dois elevam as sobrancelhas para mim. — Quer dizer, antes não
estava, porém agora já estou. E indo direto ao ponto, estava distraída lendo o
diário na palestra, quando o professor me chamou atenção, já que antes
também estava com mau comportamento, por ter passado algum tempo
conversando com outra pessoa ao invés de estar agindo como a aluna
aplicada e obediente que sou. Fiquei tão assustada quando ele berrou meu
nome para a sala inteira que, em apenas um mísero segundo, fui capaz de
transformar o ambiente em um verdadeiro caos completo.

— Sério? — Luca parece chocado, exatamente como a sua namorada. — E o


que foi que você fez de tão grave?

— Deixei as luzes piscando por algum tempo, antes de deixar todo mundo
no escuro. — Agora que estou falando em voz alta, me sinto culpada. Até
cruzo os braços, um pouco envergonhada com a minha irresponsabilidade.
Tudo bem que ninguém poderia adivinhar que uma pessoa havia causado
aquilo, ainda mais com os poderes da mente, e se imaginassem, dificilmente
poderiam detectar o culpado em uma sala com um bocado de gente,
entretanto, não consigo deixar de sentir a dor da pontada de culpa que me
atinge no âmago. Sendo quem sou, não posso dar um mole desses, ainda
mais quando são bobos. — Eu consegui me recuperar a tempo, e a queda de
energia não pareceu tão longa. Depois disso, o nosso professor quis
continuar sua aula, só que já era tarde demais, ninguém estava mais disposto
a falar sobre botânica, e não tinha mais nada que poderia ser feito, a não ser
nos liberar. Estão todos por aí comemorando como se a EGU, tivesse feito
de propósito, mal sabem eles a triste realidade.

Trocando os pesos dos pés, Evelyn dá uma espiada para trás e nota a
movimentação.

— Bem que eu percebi uma alegria diferente no ar — ela diz, assim que
volta sua atenção para o que realmente interessa. — Está explicado agora.
Você acabou de dar para eles um pouquinho de paz, maninha, não é para se
sentir mal ou nervosa por isso.

— Mesmo não sendo sua intenção, você acabou de fazer uma boa ação aos
seus colegas, Gabriella Faulkner — é a vez de Luca mencionar, divertido. —
No fim das contas, foi legal. Se você estava aérea, aposto que estava sendo
um tédio, e se estava sendo um tédio, definitivamente, ninguém mais queria
estar lá dentro.

Desejo de todos realizado pela nossa bru-xa — a última palavra, ele sibila
sem som, entendo apenas por fazer leitura labial. — Você é poderosa, garota.
Em todos os sentidos, se é que me entende.

Mesmo revirando os olhos e me forçando a não sorrir, acabo vacilando e


rindo, quando não consigo mais me segurar, afinal de contas, esse é ele, o rei
dos duplos sentidos e das piadinhas engraçadas sempre fora de hora.

Ninguém consegue resistir a Luca, e isso é algo que venho percebendo desde
que tudo explodiu sobre nós, há quase dois meses, quando ele e a minha
irmã estavam se conhecendo. Antes, eles não sabiam o meu segredo, e eu
não sabia os deles, pois, infelizmente, Evelyn e eu não tínhamos tanta
aproximação. Ela levava uma vida reclusa junto da sua amiga Angelina
Chan, e eu sempre fui um pouco mais agitada, o que acabava não batendo
muito. Não só isso, claro, já que a Evelyn fora adotada um pouco mais tarde
que eu, lá pelos cinco anos de idade, depois de
ter perdido seus pais no incêndio do cruzeiro Shine Star, sendo a única
sobrevivente.

Ela ficou em um orfanato, e os meus pais, que na época estavam tentando


aumentar nossa família, se apaixonaram e sentiram empatia por ela e pela
história dela no primeiro segundo em que a viram. Infelizmente, a pequena
estava cheia de traumas por ter passado pelo que passou, principalmente por
ter visto com seus próprios olhos os seus pais mortos, e não conseguiu se
abrir conosco por muitos e muitos anos. Sempre foi óbvio que ela queria,
sempre foi óbvio que nos amava e que era extremamente grata pela nova
família e pelo amor que recebia, sempre se esforçando, mas ainda, no fundo,
tinha algo dentro dela que a impedia de abaixar os muros.

E eu fiz o meu máximo para me aproximar completamente, porém aos


dezesseis, quando soube que era uma bruxa e fiquei a par de tudo que
aconteceu na noite que vitimou tanto seus pais biológicos quanto os meus,
por causa do vampiro que nos perseguiu durante séculos, me senti culpada
por não poder lhe contar a verdade e fui me mantendo afastada, como sabia
que era o seu desejo e como sabia que seria mais fácil, mesmo doendo muito
em mim também, ter que seguir por outro tipo de caminho.

Só que aí Luca apareceu, e tudo mudou nas nossas vidas. Ele veio para
salvá-la, assim como fez na noite do acidente, em alto mar, e acabou se
apaixonando perdidamente justo pela garota por quem não podia. Minha
irmã também não queria deixá-lo se aproximar, no entanto, com muito
esforço e vontade do novato da cidade, ele foi o primeiro a quebrar todas as
suas muralhas, finalmente a alcançando. Eles ficaram juntos logo, contudo,
tinham vários segredos os envolvendo. Na época, assim como seu irmão
gêmeo, Luca achava que a única bruxa Salazar sobrevivente era Evelyn, e
além de esconder isso dela, ainda escondeu o fato de ser um vampiro.
Porque é isso que Luca Vodrak é. Um vampiro. Aquele que um dia fora
amaldiçoado por uma bruxa.

Quando a garota descobriu sobre a verdade, já dá para imaginar que não foi
bonito, mas os dois conseguiram um jeito de voltar um para o outro, como se
quisessem superar e enfrentar o inimigo juntos. Foi nesse meio tempo que eu
também estava finalmente entendendo o que estava acontecendo na cidade
após a sua chegada, quem era ele e o que a sua presença em Emerald Grave
significava.

Antes que eu pudesse confrontá-lo, Evelyn e sua melhor amiga, Angelina,


foram sequestradas, o que fez com que eu me aproximasse de Luca logo,
para salvá-las.

A revelação, ao mesmo tempo que foi um alívio para ela, que estava
completamente sem entender como poderia ser uma bruxa, se nunca havia
sentido ou se visto fazendo nada de diferente, também foi como um peso.
Minha

irmãzinha ficou preocupada que, uma vez expulsando os monstros naquele


dia, era eu quem passaria a estar com um alvo nas costas.

Por isso, desde então, nos aproximamos.

Todos nós.

Eu, ela, Luca e até mesmo sua amiga Angelina, a humana que sempre
acreditou nos mistérios e nas lendas da cidade e que enfrentou bravamente
os vampiros que a pegaram. Estamos todos, agora, sem mais segredos e
mentiras, nos apoiando e dando suporte, já que temos o mesmo objetivo em
comum; nos proteger e enfrentar qualquer um que seja, para salvar quem
amamos e, claro, a essa cidade, que, no momento, segue em perigo por Levi
Vodrak e sua turma ainda estarem à solta, livres, calculando a hora exata em
que voltarão.

E sim, Levi é o irmão gêmeo de Luca.

Enquanto um é bom, o outro é ruim, e isso é algo que vem sendo registrado e
escrito há anos e anos. Os dois passaram a vida toda sendo o alicerce um do
outro, porém, no instante em que se transformaram em vampiros, um seguiu
um caminho, o outro seguiu outro, e se afastaram oficialmente. Eles criaram
uma espécie de rixa, de briga, Luca nunca foi a favor do desejo ensandecido
de vingança do irmão, e quando ele chegou a ameaçar Evelyn, quando
chegou a quase matá-la, a raiva de ambos duplicou.
No começo, mesmo sabendo que ele era louco pela minha irmã e,
obviamente, por ter presenciado muitos momentos dos dois, inclusive vendo
de perto o quanto quase perdeu a cabeça por vê-la em perigo, ainda assim,
fiquei um pouco com o pé atrás, afinal, nada poderia mudar sua natureza, ele
era um vampiro, seria pela eternidade, e estava próximo de mim, da minha
família, e era extremamente perigoso, porém, como eu disse anteriormente, é
impossível não se render a ele em algum momento. Dá para notar porque
Evelyn Sutton se apaixonou por ele, Luca Vodrak é naturalmente uma boa
pessoa, nada foi capaz de mudá-lo, nem mesmo o monstro que por muito
tempo quis controlar o seu corpo.

Ele é íntegro, forte, bondoso, corajoso e muito controlado, diferente do seu


irmão. Deve ser esse o motivo principal de Levi odiá-lo. Luca consegue ter
absolutamente tudo o que ele não tem. E se já o odiava antes, o odeia muito
mais agora, porque seu irmão gêmeo agora é meu amigo, ele me ajuda e está
aqui para me apoiar quando erro e quando acerto. Nós viramos basicamente
um time, e eu não tenho nada para reclamar dele, muito pelo contrário, na
verdade. Eu só posso agradecê-lo por ter, além de tudo, trazido a minha irmã
de volta para mim, para a minha mãe e para o meu pai.

Desde que Luca apareceu, ela é uma outra pessoa. Uma pessoa muito mais
feliz, muito mais segura de si, muito mais amorosa, apaixonada e aberta para
todas

as oportunidades em sua vida. Ela não se fecha mais em seu casulo, virou
uma linda borboleta que levantou voo e nunca mais parou. Nossa amizade e
irmandade também está se fortalecendo, e acho que é isso que está me
mantendo em pé esse tempo inteiro, sem perder as forças. Não quero e não
posso decepcioná-la. Não posso decepcionar nenhum deles.

Mesmo com medo do que sei que vem por aí, sigo com a cabeça erguida.

Respiro fundo e aperto a ponta do nariz, depois de um tempo.

— Obrigada por tentarem me colocar para cima e por sempre me apoiarem,


mas dessa vez, sei que fiz burrada.
— E quem não faz? — Evelyn indaga. — O Luca também faz o tempo
inteiro.

— Ei, mocinha — ele chama a sua atenção. — Só eu faço? Você acabou de


pegar da biblioteca o livro errado. Era romance, e você me trouxe ficção
científica.

— Luca, para o que você fez lá no começo, isso é o de menos.

Alternando o olhar entre os dois, eu acho graça.

— E o que foi que ele fez? — quero saber.

Evelyn se vira para mim e assim que abre a boca para me contar, meu
cunhado pressiona a mão em sua boca, a impedindo de falar. Enquanto ela
tenta se afastar dele, os dois dão risada, com ela balbuciando coisas
incompreensíveis cada vez mais. Para ajudá-la, eu olho feio para Luca, e
com mais a força dela para afastá-lo, ele finalmente a deixa livre para me
contar o que de tão grave ele fez.

— Nossa, achei que não fosse me soltar nunca — diz, dramática. — Enfim,
o que esse cara aqui fez, foi simplesmente jogar um livrão na minha cabeça
na primeira vez em que nos vimos. E ele era enorme. Parecia uma edição
muito maior de Os Miseráveis de Victor Hugo.

— Que exagero, amor. Os Miseráveis já é muito grande, uma edição muito


maior é praticamente impossível.

— Impossível? — soa perplexa. — Está dizendo isso só porque não foi você
que ficou sentindo como se um galo enorme fosse brotar na sua cabeça por
dias a fio.

Assim que a escuta, ele abre um sorrisinho aos poucos.

— O quê? Por que está sorrindo desse jeito?

— Não, nada. Só relembrando que foi com um galo na cabeça, que você
provavelmente se apaixonou perdidamente por mim.
Evelyn revira os olhos, tentando não amolecer na frente dele. Ela faz isso
todas as vezes em que Luca Vodrak faz ou fala qualquer coisa que a faça
corar.

— Você é tão convencido — murmura.

— E você é tão linda.

Quando chega perto para abraçá-la e beijá-la, ambos claramente esquecendo


da minha presença, eu faço questão de me fazer ser ouvida, só para separá-
los.

— Ewww — é o que solto, após contorcer o rosto em uma careta, colocar a


língua para fora e simular um vômito, ao pôr o dedo indicador na frente da
boca.

— Vocês são mais enjoativos do que doces e dão mais diabetes do que eles
também.

Agarrada ao seu namorado, a garota de óculos à minha frente ri.

— Acho que isso aí é inveja, Gabi. Cadê seus pretendentes? Lembro muito
bem que a senhorita nunca foi de passar muito tempo sozinha.

— Pois é, você deveria sair por aí para dar uns beijos também. Se ficar só
focada em se preparar para a chegada daquele que não pode ser nomeado,
vai enlouquecer — Luca agora fala sério, me aconselhando mais uma vez
sobre esse assunto. — Você não pode parar a sua vida por causa dele.

— Não estou parando — minto rapidamente. — Eu até conheci uma pessoa


hoje. O nome dele é Cody.

— Davenport? — os dois perguntam em uníssono. — Cody Davenport? — e


seguem falando juntos, como se fosse ensaiado.

— Sim, ele mesmo. Se confundiu e entrou na sala errada. Nós conversamos


por pouco tempo, e Cody flertou comigo.
— Ele não é, sei lá, um babaca? — Evelyn cruza os braços e une as
sobrancelhas. — Pelo menos foi o que pareceu nos vídeos que viralizaram
esses dias.

— Não. — Balanço a cabeça. — Quer dizer, ele pareceu legal naquele


momento. É bonitinho também.

— Dizem que bonitinho é irmão de feio — Luca faz graça, e eu já o olho de


uma forma tão boa, só que não, que o faz levantar as mãos em rendição. —
Tudo bem, parei. Mas você deveria dar uma chance. Pelo menos ele tem
dinheiro.

— Ei, minha irmã não é interesseira, não fale assim dela.

Rio.

— Não, tudo bem, maninha, Luca tem razão. Não quero o dinheiro dele, mas
se ele quiser gastar comigo e me levar a lugares incríveis, que mal tem?

— Exato! — Ele vem para um high five comigo. — É isso mesmo.

Aproveite. Faça como sua irmã, ela adora fugir dos problemas quando está
na cama comigo.

Evelyn bate no ombro dele, e, na mesma hora, eu só falto gorfar de verdade,


o que o faz rir de novo.

— Que mente perversa que vocês têm, eu nem disse nada sobre o que
fazemos quando estamos na cama. Pode ser qualquer coisa.

— Sim, porque eu sou uma criança e não posso imaginar o que fazem
quando estão sozinhos.

— E quando estamos com pessoas perto também — ele faz questão de


deixar claro, só para provocar Evelyn e me deixar prestes a entrar em
colapso e morrer. — Ah, Gabriella, para com isso, você acabou de dizer que
não é criança.
Já viu a sua irmã? Ela é gostosa, não tem como resistir. Qualquer hora é
hora, qualquer lugar é lugar.

Balanço a cabeça de um lado para o outro, com nojo, enquanto Evie quase
pode cavar um buraco no chão e se mandar para qualquer outro planeta por
causa do seu namorado sem filtro do cacete.

— Para eu não me matar ou matar vocês, vou embora — informo, já prestes


a girar nos calcanhares.

— Tudo bem, me deu uma pequena vontade de fazer aquilo com você, amor.

Será que poderia vir comigo? — é o que Luca dispara, me impulsionando a


realmente ir embora sem nem olhar para trás, também não querendo ver a
resposta da minha irmã para essa pouca vergonha.

À medida que caminho, olhando para os meus sapatos, percebo que estou
realmente muito sozinha desde que tudo aconteceu. Minha mente não
consegue mais descansar, assim como meu corpo, e a única coisa que me
interessa é me tornar cada vez mais forte. Eu não tenho mais tempo para
garotos, na minha cabeça, pensar em coisas assim enquanto estou sendo
ameaçada, é uma completa bobagem, não faz sentido.

Contudo, para ser sincera, vendo Luca e Evelyn interagirem agora, percebo
quão desligada da minha realidade me encontro; sem festas, sem garotos,
sem sexos casuais.

Essa merda vai ter que mudar uma hora ou outra, mais cedo ou mais tarde,
quer queira, quer não.
Se há algo que eu gosto tanto quanto sangue, essa coisa é vinho.

O sabor me agrada, a cor também, e talvez seja porque, de certa forma, me


lembra sangue. Tudo o que me faz lembrar sangue, se torna algo que me
pertence, que me deixa saciado e anestesiado. É como me sinto agora,
sentado na poltrona de frente para a janela deste quarto moribundo de beira
de estrada com a garrafa na mão.

Conforme bebo direto do gargalo, meus olhos permanecem presos no céu, na


lua vertiginosa que, dentro dessa escuridão para onde fui engolido, é a única
luz que perpassa pela janela entreaberta e tenta clarear minhas ideias e as
minhas emoções.

Desde que tudo fora revelado e eu fui expulso de Emerald Grave, estou uma
verdadeira pilha.

É, uma pilha de nervos, principalmente quando me recordo que fui expulso


de lá.
Quer dizer, não expulso de verdade, mas um expulso em que eles acreditam
nisso, o que não é verdade. Ninguém, além de mim mesmo, me fez ir
embora.

Decidi recuar porque eu quis, porque eu sabia que era preciso e porque eu
precisava de um tempo longe para me organizar e, com calma, preparar os
meus

próximos passos, afinal, não estava esperando que a última bruxa Salazar
não fosse a tal da humana Evelyn Sutton, aquela garota franzina, sem sal e
tão amedrontada e trêmula quanto um cachorrinho abandonado. Na minha
cabeça, ela não tinha conhecimento dos seus poderes, ela não era forte, era
fraca, e seria muito, muito fácil derrotá-la, eu não precisaria fazer esforço
nenhum para matá-la e para fazer o meu irmão gêmeo sofrer por sua terrível
escolha errônea não ficar do meu lado quando pedi e quando lhe dei a
chance.

Contudo, não era Evelyn, era Gabriella, e a coisa se transformou em outro


patamar, algo que eu definitivamente não estava esperando. A garota de
longos cabelos encaracolados, pele negra e lábios volumosos não era como
sua irmã, ela exalava mil vezes mais força só pelo maldito olhar. E eu estou
falando isso sem mencionar a sua força de bruxa, o seu poder interior de
uma Salazar, estou apenas falando do seu físico, da sua aura, da porra da sua
presença forte e esmagadora, que destruiu todo o meu plano, ao aparecer
para mim sem nem tremer, sem nem vacilar, sem nem mostrar um pingo de
medo de me enfrentar cara a cara. Ela estava disposta a salvar a todos e não
se importava se isso causaria a minha morte ou a de qualquer outro vampiro
que estava comigo naquele dia.

Simplesmente estragou tudo, tudo, e eu precisei recalcular a rota, porque a


minha inimiga não era mais fraca, ela é forte. Muito forte, a bruxa mais forte
e poderosa de todas, a última, a que herdou todas as características
marcantes e essenciais de todas as outras que vieram antes dela.

Para as bruxas, Gabriella é uma espécie de milagre, a única que pode fazer
justiça e acabar com toda essa guerra de séculos, e eu posso ser tudo, menos
burro.
Passei muito tempo agindo só na base da emoção e da raiva, agora, mais do
que nunca, eu devo ser ainda mais frio, ainda mais calculista, inteligente e
perverso.

Cada passo tem que ser milimetricamente calculado, e eu preciso pesquisar


de tudo sobre a sua vida, a dos seus amigos e, principalmente, a da sua
família. Tanto biológica, quanto adotiva.

Antes de alcançá-la, eu preciso estudá-la, preciso conhecê-la, conhecê-la de


verdade, seus gostos e as suas possíveis fraquezas. Eu preciso tê-la na minha
mão antes de voltar para a sua cidade, para o lugar que acha que é o seu
território.

Eu preciso criar planos, estratégias, preciso manter a calma em mim, não


cultivar a pressa, afinal, minha maior vontade é destruí-la aos poucos.

Se Gabriella Faulkner, ou melhor, Salazar, é a última, ela merece um pouco


mais de sofrimento e de agonia. A morte seria um caminho muito rápido
para ela, e percebi que não é isso que quero. Eu quero poder brincar, tê-la
implorando aos meus pés por misericórdia, por compaixão, por piedade. Eu
quero ser tão venenoso para ela, quanto ela é para mim. Quero que a minha
presença seja esmagadora.

Quero que me tema e, para isso, preciso calcular o que posso e o que não
posso fazer.

Terá que ser tudo estudado, tudo arquitetado, tudo muito bem montado, para
não ter falhas como da última vez. Porque o embate será final. Será épico. A
jornada de dor, destruição e vingança está só começando, tanto para mim
quanto para Gabriella, e eu sei que uma vez começando, ninguém será capaz
de parar, de se render, de desistir.

Eu quero seu sangue derramado, e a bruxa quer se certificar que eu nunca


mais tome sangue na vida. Nós dois queremos a morte um do outro, e, para
ser sincero, sei que isso levará um bom tempo. Não pretendo aparecer tão
rapidamente, quero que fique ansiando, pensando em mim o tempo inteiro,
sentindo a minha presença, imaginando se estou perto ou se estou longe,
tentando adivinhar meus próximos passos, enquanto se borra de medo.
Quero consumi-la antes mesmo de aparecer. Quero estar preso em seu
psicológico, como um parasita sanguessuga que fez do seu cérebro seu novo
abrigo.

Inclusive, eu também tenho algo para me fazer lembrar dela todo dia.

Ao entornar para dentro de mim mais um longo gole do vinho, flexiono os


joelhos e me levanto da poltrona, deixando a garrafa no primeiro lugar
seguro que encontro. Me direciono até a cama do hotel e, de baixo do
colchão, retiro uma pasta meio amarelada, que se assemelha com aquelas
que vemos em arquivos criminais.

Fiz questão que me trouxessem algo parecido.

Dentro dela, há tudo que eu posso precisar saber sobre Gabriella Faulkner,
sua data de nascimento, sua idade, todo o processo de sua adoção, como foi
sua infância, sua adolescência, tenho suas notas, todo o seu currículo na
Emerald Grave University e tenho, claro, tudo o que preciso para me inteirar
sobre seus pais biológicos. Há um dossiê completo sobre a vida de sua mãe
biológica, Zena Salazar, e de todas as outras de sua família e linhagem
medíocre. Há uma árvore genealógica, alguns dos feitiços mais usados e
seus modus operandi frequentes.

Como eu disse anteriormente, realmente um estudo que exige dedicação.

Dentro da pasta, eu tenho até uma foto revelada de Gabriella, uma que
encontrei em uma das suas redes sociais. É ela dentro do carro, sorrindo,
com o cabelo cacheado todo para frente, em evidência, e os lábios
emoldurados por uma generosa camada de gloss na cor marrom claro. A
olhando assim, parece tranquila, feliz, no auge da juventude, uma garota
qualquer, comum, cuja a única preocupação deveria ser se formar na
faculdade e encontrar o emprego dos sonhos, para ser bem sucedida.
Entretanto, nós sabemos que não é só isso. Nós sabemos

que ela tem uma outra vida, uma outra identidade, que suas preocupações
são superiores às de qualquer outra garota da sua idade.
E porra, detesto admitir uma merda dessas, mas por que a minha inimiga
tinha que ser tão, tão bonita?

Só pode ser para foder com a minha cabeça de vez.

Se fosse em outra ocasião, eu certamente correria atrás dela, e de nada teria a


ver com matá-la.

Porém, não é a realidade, Levi Vodrak, você precisa se lembrar que a odeia,
o monstro que habita em mim tenta me recordar.

Quando percebo, estou dando um meio sorriso predatório para a foto de


Gabriella, me recordando do nosso primeiro, e até então, único encontro
caótico.

— Olha só, estou ouvindo. — Ergui as sobrancelhas depois de algum tempo,


ainda sentado despojadamente e captando a movimentação do lado de fora
da igreja abandonada de Dantown, o lugar perfeito que encontrei para o
fim. — É a festa. A festa está para começar, meninas.

Um estrondo, e a porta da igreja voou, revelando Luca, meu irmão,


enfurecido lá na frente, com sangue nos olhos e prestes a voar no meu
pescoço para me matar.

É! Adeus, tédio, a diversão finalmente me encontrou.

— Sim, começou — Luca mencionou, provavelmente tendo me escutado


quando estava lá fora. — Mas fui eu quem trouxe uma surpresa.

Quando ele foi para o lado, uma garota se revelou.

Não fazia ideia de quem se tratava e do que ele resolveu armar, mas, por
ora, ignorei e resolvi provocá-lo.

— Ah, Luca, querido irmão, estávamos só esperando por sua presença. —

Me levantei, caminhando tranquilamente até o meio com as mãos nos


bolsos.
Fiquei de costas para Evelyn e para sua amiga amarradas no alto, porém de
frente para eles, separados por alguns poucos passos de distância. — Vejo
que trouxe companhia para a nossa diversão da noite. Quem é a beldade
que chegou no momento mais inoportuno possível?

— Eu sou Gabriella — a garota respondeu sem medo, dando um passo à


frente e parecendo querer me enfrentar. — Gabriella, irmã adotiva de
Evelyn, filha dos Faulkner, vinda das… Salazar. Que você fez questão de
tirar de mim.

— Agora me lembro de você. Mas impossível, docinho. — Eu ri anasalado,


sem humor, obviamente sabendo que era algum tipo de pegadinha. — Eu fiz
questão de matá-las, todas elas. A única que restou foi sua irmã, em que
estou trabalhando para dar um fim.

— Não, a única que restou fui eu. — Outro passo certeiro da tal Gabriella.

— Alguém que te passou a informação, te passou errado ou então você,


burro, que entendeu errado.

— Não, não entendi — respondi, já ficando com raiva da sua audácia e sua
insolência para se dirigir a mim. — A última que restou foi a sobrevivente, a
deixada para trás pelos seus pais.

— Sim, eu. — Cada vez mais, ela encurtou a distância entre nós, brava,
enfurecida, seus olhos conectados aos meus todo o tempo. Cerrei minha
mandíbula e senti meus ossos doerem com a força. Que caralhos estava
acontecendo? — A sobrevivente. A deixada para trás pelos meus pais.
Porque assim que a minha mãe biológica descobriu que estava grávida,
vindo a ser da penúltima geração e, automaticamente, transferindo o peso
para mim, sabia dos riscos que sua filha estaria correndo se fosse
descoberta e decidiu, para me dar uma chance de viver longe de ameaças e
de ser caçada, me colocar na porta da casa de uma família, algumas horas
depois de me ter. Eu fui parar na família que tenho hoje, emaranhada numa
manta e com um diário ao lado, que só deveria ser aberto no meu
aniversário de dezesseis anos. Foi quando descobri a minha verdade, a
minha linhagem. Lá estava tudo explicado. Inclusive, tinha tudo o que eu
precisava saber sobre os Gêmeos Vodrak. O bom e o mau. O que nos
ajudava, e o que nos caçava. — Cara a cara comigo, a desgraçada empinou
o queixo, me provocando. — Você, antes de ser cegado pela sua raiva,
deveria ter procurado mais um pouco. Deveria ter pensado mais um pouco.
Só achou que era ela porque, no sentido literal, Evelyn é uma sobrevivente
que ficou para trás. No entanto, uma sobrevivente de uma tragédia, que, por
coincidência do destino, teria a ver com a minha vida, porque meus pais
também foram mortos por você e seus outros vampiros, quando eles
tentaram fugir naquela mesma noite. Aí, você os tirou de mim e achou que
podia tocar na minha irmã? — Num mísero segundo, eu voei para longe,
pelo poder da garota. Quando os vampiros que estavam me ajudando na
vingança foram alcançá-la, ela levantou a mão no ar, e eles caíram também,
gritando e pondo a mão na cabeça, doloridos pelo feitiço que tentava nos
parar.

— Seus burros! — O grito, que parecia ter ficado muito tempo preso, saiu
com muita força por sua garganta, fazendo toda a igreja balançar. O fogo,
que estava sob os pés das duas garotas presas, feito por mim, num segundo,
desapareceu. —

Eu sou a Salazar! É comigo que vocês devem mexer! É muito fácil duelar
com alguém que, teoricamente, não tinha conhecimento sobre seus poderes,
huh?

Covardes. Eu quero ver mexer comigo agora.

Todos gritaram, inclusive eu, caído no chão e com uma pressão absurda na
cabeça.

— Vão embora! — ela continuou, andando pela igreja e sustentando o


feitiço, não tendo medo, não vacilando nem por um instante. — Vão embora,
sumam de vez ou eu juro por tudo, que eu passo a minha vida dedicada a
matar cada um de vocês! Pode não parecer, mas sou extremamente
poderosa. Mais do que qualquer um de vocês imagina.

As luzes piscaram com a sua raiva e força, os bancos vibraram, e os


vampiros e eu tentamos, com muita dificuldade, nos levantar, mesmo com a
dor.

Eu não queria dar o braço a torcer naquele momento, porém estava sem
aguentar, tive de desaparecer junto dos outros.

Voltando ao presente, dou risada quando guardo a foto de volta na pasta e a


jogo em cima da mesa.

Essa garota é osso duro de roer.

Enfrentá-la será o desafio mais difícil dos meus 148 anos de existência na
Terra.

E dane-se a sua beleza, ela não importa nem um pouco agora.

O que importa é o tic tac do relógio, cronometrando todo o nosso tempo, que
está diminuindo cada vez mais.
Chego em casa acompanhada de Evelyn, e assim que passamos pela porta,
olhamos uma para a outra e depois suspiramos, à medida que o cheirinho de
comida sendo preparada adentra nossas narinas.

— Acho que a mamãe está fazendo torta — menciono, ao passo que deixo
minhas coisas da faculdade na sala e jogo meus sapatos para o lado, ficando,
finalmente, de pés descalços, o contato com o chão gelado me fazendo
estremecer. Minha irmã, após assentir em comemoração, me imita, deixa
seus pertences juntos aos meus e vem para o meu lado. Aproveito sua
aproximação para entrelaçar nossos braços. Nós nos olhamos ao mesmo
tempo, ela já sabendo exatamente o que se passa na minha cabeça. —

Vamos lá, vamos ajudá-la, pondo a mão na massa.

Quando estou prestes a empurrá-la para andar comigo, ela nos freia, fazendo
com que fiquemos estagnadas no mesmo lugar.

— Pelo cheiro, a torta já deve estar no forno, ela já terminou.

— Tudo bem, se não podemos mais ajudá-la, então vamos atrapalhá-la.


Querendo rir, Evelyn ainda me olha, como se não pudesse acreditar no que
acabou de ouvir.

— O quê? — Me faço de sonsa. — Ajudando ou atrapalhando, o importante


é participar, mana.

— Se ela te ouvir falando uma coisa dessas, você está frita.

— Frita? — Ergo as sobrancelhas. — Que tipo de palavreado simples é


esse?

— Ué, o que gostaria que eu falasse, que você está fodida? — retruca.

— Sim. — A encaro como quem quer dizer: “poxa, não é óbvio?”. —

Seria muito mais aceitável para alguém que anda fodendo por aí com o
namorado como se fosse uma coelhinha no cio.

— Ei! — Embasbacada com a minha escolha de palavras, me empurra. Não


aguento olhar muito tempo para as suas expressões inconformadas sem dar
risada, o que acaba contribuindo para ela piorar suas caretas. — É sério,
Gabriella, pare. Fale mais baixo quando for falar desses assuntos dentro de
casa.

— Por quê? — pergunto, com um sorriso tão debochado que a faz revirar os
olhos. — Está com medo que nossos pais descubram que a nossa bebezinha
já não é mais bebê, porque agora ela já faz bebês estando sozinha com o
namorado ou até com mais pessoas por perto?

Evelyn se desvencilha de mim, só para me empurrar novamente, me


fuzilando com o olhar, as bochechas evidenciando sua vergonha e timidez.

— Se você falar qualquer outra coisa, juro por Deus, Gabriella, que vou
matá-la.

Por um momento, fricciono os lábios, para não sorrir diante de sua ameaça.
— Não é comigo que você tem que reclamar, é com Luca. Se ele não abrisse
aquela boca grande dele mais cedo, nada disso estaria acontecendo.

Mas não, ele tinha que se gabar e mudar a visão que eu tinha da minha
irmãzinha mais nova, apenas para me traumatizar para o reeeesto da minha
vida — prolongo as sílabas, dramática. — E ainda me fez perceber que estou
carente, o que é uma droga.

Agora a garota ri, porque ponho para fora a minha desgraça.

— Então está aí a reposta, é mesmo inveja.

Um O perfeito se forma em minha boca.

— Não acredito que você falou isso.

— Falei.

— Ah, mas não falou mesmo.

— Falei sim. Inveja — repete a palavra com um certo deboche, sendo a sua
vez de aproveitar a oportunidade perfeita para me provocar e brincar
comigo. — Aceite o quanto antes, que é melhor.

— Sabe o que é melhor? — Antes que tenha chance de responder minha


pergunta, que é retórica, eu continuo andando disfarçadamente até a ponta do
sofá. — Essa almofada que vou esfregar nessa sua carinha safada e cínica.

Ao fazer menção de jogar a almofada nela, Evelyn grita e sai correndo. Eu


jogo a almofada no chão, indo atrás dela também, que agora entra na
cozinha, para se proteger ao lado da nossa mãe. Sou ótima em alcançá-la, e
isso, nesse momento, é algo péssimo, porque trombamos as duas com Leah
Faulkner na porta, que estava prestes a ver por conta própria nossa chegada e
o que estávamos aprontando com o pote de farinha agarrado no braço. Com
o susto e com o quase impacto de ficarmos frente a frente, a farinha voa em
nossa direção numa quantidade considerável e faz com que todas as três
fiquemos paralisadas.
Mamãe, tentando entender o que acabou de acontecer; Evelyn e eu,
ensopadas de farinha na cara e por toda a roupa. Estamos absolutamente
brancas. E sujas.

— Meninas! — Leah não sabe se ri, se nos ajuda ou se nos dá um tremendo


puxão de orelha. Troco um olhar com a minha irmã e fico na dúvida se é
capaz de me enxergar agora ou não, já que tem farinha até nas lentes da sua
armação. — Por tudo que é mais sagrado, que susto que vocês me deram.
Desde quando vocês chegam da faculdade assim, querendo matar uma à
outra e me matar no processo?

— Desculpa. — Cuspo um pouco da farinha que entrou em minha boca e eu


nem percebi, vendo, por rabo de olho, Evelyn tirar seus óculos, para tentar
limpá-los com os dedos. — Nós só queríamos provar da sua torta, mãe.
Ficamos meio que eufóricas quando entramos e sentimos o cheiro, então
corremos para cá — minto, ou melhor, não conto toda a verdade sobre o que
realmente aconteceu.

Ela finalmente libera a risadinha que tanto estava segurando esse tempo
todo. É rápida, muito, muito rápida, dá para perceber que não queria ter
perdido o controle, entretanto não é possível ignorar o fato de que está
achando graça das suas filhas sujas bem diante dos seus olhos. Estamos
como fantasmas, assombrações, e é tudo tão surreal, que não conseguimos
nem nos movimentar para nos limparmos. Permanecemos no mesmo lugar,
na porta e de frente para Leah, que está com o seu avental de cozinha branco
e rosa tão sujo e cheio de farinha de trigo, quanto Evelyn e eu.

— Sabe... — Nossa mãe dá uma pausa só para nos olhar de cima à baixo,
enquanto pressiona os seus lábios para tentar evitar continuar dando risada
do nosso estado caótico. E põe caótico nisso, acho que entrou farinha até
mesmo dentro do meu nariz, o que me dá coceira e me faz espirrar. Ao meu
lado, parecendo o Gasparzinho, Sutton me deseja saúde baixinho, ainda de
olho no que a nossa cozinheira favorita tem para falar. Eu também
permaneço estagnada no mesmo lugar. — Vocês até que estão uma gracinha
assim. Será que posso pegar o meu celular para tirar uma foto das duas e
postar no meu Facebook? Já estou vendo aqui, minhas amigas iriam adorar
nossa bagunça.
— Não! — em desespero, Evelyn e eu gritamos ao mesmo tempo. —

Por favor, não faça isso — eu imploro.

— É, mãe, não faça — minha irmã continua, seus olhos podendo saltar das
lentes, agora limpas.

— Por que não? — Sua expressão entristece um pouquinho, o que faz meu
coração dar uma titubeada dentro do peito. — Vocês estão lindas, estão
adoráveis. Eu gosto de poder compartilhar nossos momentos divertidos.

— Sim, nós sabemos e também adoramos, mas esse, dessa vez, terá que ficar
apenas na nossa memória e no nosso coração — eu digo, carinhosa, me
direcionando ao seu lado para entrelaçar nossos braços. —

Não é por nada não, mamãe, é que eu ainda não tenho namorado como a
Evelyn, e se algum gatinho acabar encontrando uma foto minha manchada
de farinha de trigo da cabeça aos pés nas redes sociais, ele não vai mais me
achar tão sexy e durona quanto eu tento parecer.

— Mas por que algum pretendente seu iria entrar no meu Facebook, minha
querida?

Chacoalho os ombros para cima e para baixo.

— Não sei, a internet é um ambiente perigoso que adora nos humilhar.

— Humilhação é essa farinha — Evelyn murmura, enquanto caminha até


nós. — Acho que entrou até no meu nariz. Minha respiração está estranha.

— Foi exatamente o que eu pensei. Já tentou espirrar? Comigo funcionou.

— Quem manda vocês ficarem correndo dentro de casa. — Pronto, pode ter
demorado, mas a bronca veio, é o que penso quando me afasto um pouco,
para ver dona Leah espalmar as mãos na cintura à medida que alterna o olhar
entre nós duas. — Achei que estivessem brigando ou que sei lá, uma pessoa
tivesse invadido a casa, então corri para ver o que estava acontecendo.
— Com o pote na mão? — Ergo uma sobrancelha, irônica. — Uma ótima
arma de defesa, pode apostar. Ninguém, absolutamente ninguém, é capaz de
sobreviver à farinha de trigo da dona Leah Faulkner. É

completamente letal.

Com um sorrisinho de lado, mamãe troca o peso dos pés.

— Não a vocês duas, pelo visto.

Impressionadas e fazendo um oh bem audível ao mesmo tempo, Evelyn e eu


viramos nossas cabeças na direção uma da outra e trocamos um olhar
bastante significativo, praticamente surpreso.

— Olha só, ela está mesmo fazendo isso — menciono, com a boca ainda
entreaberta. — Estou começando a desconfiar que estava esse tempo todo só
esperando uma oportunidade para nos zoar.

— Sim — Evelyn concorda e balança a cabeça de forma exagerada.

— E algo me diz, Gabriella, que essa história de fotos adoráveis no


Facebook era só um pretexto para nos fazer pagar mico em público.

Um outro oh, dessa vez forçado e encenado, me escapa, e nossa mãe ri de


toda a cena que fazemos.

— Meu Deus, que absurdo. — Também balanço a cabeça, fingindo não


acreditar no que, aos poucos, vamos descobrindo. — Se bobearmos, a
farinha nas nossas caras foi proposital. É só olhar para ela, para a cena do
crime, e verá que as únicas sujas, de fato, somos nós, irmã. Fomos atraídas

para uma emboscada muito séria e muito grave de vergonha alheia, acho que
devemos ligar para o nosso pai, para contarmos as peripécias de nossa mãe e
a sua vontade de extinguir toda e qualquer chance de uma vida minimamente
sociável de suas duas filhas lindas e perfeitas que jamais se jogariam em
frente a um pote de farinha de trigo, se não tivessem sido atraídas para tal
situação vexatória. — Após terminar de falar meu discurso, que finjo ter sido
muito inteligente e convincente, respiro fundo, porque fiquei um tempo sem
respirar, vendo a garota ao meu lado confirmar cada palavra que saiu da
minha boca, ao passo que a nossa mãe parece prestes a puxar nossas orelhas
de novo, só que dessa vez, de brincadeira.

— Quanta bobagem. — Ela revira os olhos com um grande sorriso no rosto,


limpando os resquícios de farinha do seu avental, o pote agora pela metade,
já debaixo do seu braço. — Eu sou uma mulher com boas intenções,
principalmente com as minhas filhotas. Mas agora que vocês duvidaram de
mim, quero as duas me ajudando a terminar de cozinhar. Já fiz uma torta, a
que está no forno, agora preciso fazer a outra. Vamos, vamos. — Se vira,
indo em direção ao balcão da ilha. Quando percebe que nem eu, nem Evie a
acompanhamos, que na verdade, estamos indo para outra direção, ela para e
vira sobre os ombros. — Ei, vocês duas. Posso saber onde as minhas
mocinhas pensam que estão indo?

Minha irmã e eu nos entreolhamos outra vez.

— Nos limpar — respondo por nós duas, como se fosse óbvio. — Ah, mãe,
não. — Choramingo quando, ao observar sua expressão, percebo o que ela
quer. — Simplesmente não dá para ficarmos assim por mais tempo.

É farinha. Tá grudando em tudo.

— Você mesma disse que essa imagem adorável das duas não podia ficar em
foto, e sim na memória e no coração. Acho que vou precisar de mais um
pouquinho de tempo observando vocês, só para me certificar de que nunca
me esquecerei desse momento.

De repente, me vejo fazendo um biquinho emocionado com os lábios.

— Que fofo. — Finjo que estou fungando, entretanto estou mesmo a um


passo de sentir meus olhos se encherem de água, afinal, essa sou eu,
totalmente emotiva quando se trata da minha família e das pessoas que amo.

Por causa disso, giro nos calcanhares, voltando e indo em direção ao balcão,
para ficar ao seu lado. Evelyn faz o mesmo, se direcionando ao lado oposto,
com mamãe no meio. Leah para de pegar os ingredientes e nos observa, com
um sorriso grande e orgulhoso tomando conta de todo o seu rosto. —

O que foi? — quero saber, curiosa. — O que é que está se passando nessa
sua cabecinha agora?

— É, desembucha, queremos saber. Estamos aqui na vibe pó compacto na


cara, só por sua causa — Sutton diz, pegando o rolo de massa de bolo para,
de brincadeira, ameaçá-la. — Vai, Leah, fala logo — implora, também
fazendo bico à medida que pisca os cílios de forma nada inocente.

Não sei como a nossa mãe é capaz de nos aguentar, quando queremos algo,
costumamos ser bem insistentes.

— Não, não é nada não, é que... bem, estou um pouco chorosa agora.

— Dessa vez, ela funga de verdade e seca o canto dos olhos. — Ver vocês
duas assim, próximas, me deixa tão, tão feliz, que não sou capaz de suportar
sozinha tanta emoção. Ver a minha família desse jeito, unida, foi o que
sempre sonhei. Só Deus sabe o quanto rezei e pedi para que momentos assim
acontecessem com frequência, e eu nem consigo acreditar que Ele realmente
me ouviu. Pode parecer boba essa minha reação, mas é que eu estive há anos
esperando por isso. É como ver um grande sonho sendo realizado bem diante
dos seus olhos. — Agora, estamos todas emocionadas, quase chorando. Era
para ser um momento divertido, engraçado, porém Leah conseguiu nos
deixar amolecidas com suas palavras sempre doces e certeiras. Eu ponho a
minha cabeça em um dos ombros da nossa mãe, e Evelyn coloca no outro,
nós três tentando, ao menos, dar um abraço, que mais parece desajustado do
que qualquer outra coisa. Contudo, é bom. Bom não, é maravilhoso. —
Vocês, suas sujinhas, são a minha vida. Eu amo vocês. E espero que
permaneçam amigas para sempre. — Ela ri.

— A gente também ama você. Muito — é Evelyn quem fala, e nós sorrimos,
porque sabemos como significa bastante para ela poder falar assim, em voz
alta, sem medo, sem mais nada a impedindo. — E eu sinto tanto, tanto, por
tê-las afastado um dia. Ainda tenho um pouco de raiva de mim por ter
perdido tantos momentos incríveis que poderia ter passado ao lado de vocês
duas. — No instante em que Leah e eu vamos abrir a boca, ela nos impede,
ao balançar a cabeça. — Sim, eu já sei o que vão falar, já sei que não devo
me culpar e que colecionaremos muitos e muitos outros, como é o caso de
agora, mas, desde que tudo mudou para mim, estou me

cobrando a sempre, não importa a ocasião, ser honesta com os meus


pensamentos e os meus sentimentos, assim como também devo sempre, não
importa a ocasião, dividi-los com as pessoas que eu amo. É o que estou
fazendo agora. Não quero nunca mais ter que me esconder. E eu também
estou muito, muito feliz agora. Radiante. Tão radiante, que quero começar a
fazer a outra torta agora mesmo.

Pisco os cílios, tentando pegar a minha pose de durona de novo.

— É, acho que está na hora, já ficamos fofas e chorosas por tempo demais.
Se continuarmos assim por mais tempo, a nova torta terá cobertura de
lágrimas, e acho que o gosto ficará uma merda.

— Tem razão — a caçula da família me segue nessa. — Lágrimas são


salgadas e definitivamente não combinam com doces.

Não sei o que é que acontece ou o que falamos dessa vez, porém nossa mãe
desperta, como se estivesse entrando em estado de alerta, e tanto eu quanto
Evelyn nos afastamos do abraço desajeitado, só para vê-la com mais
atenção, tentando entender o que está acontecendo.

Uma nuvem recheada de interrogações paira acima da minha cabeça, quando


a vejo pôr as suas mãos uma em cada lado da sua cintura.

— Meu Deus, a torta — é tudo o que sibila, o olhar congelado em um ponto


qualquer. — A torta — repete.

— Sim, a torta, sabemos — eu começo. — Estamos atrasadas, mas vamos


começar agora me...

— Não, querida, a torta — insiste. — A que está no forno.


— Céus, queimou? — a pergunta me escapa rapidamente. — Acha que
ficamos tempo demais no amor e por causa disso, agora vamos sofrer?

— Não sei, calma, vou verificar.

E mamãe vai, ela pega uma espécie de luva, põe na mão e abre o fogo,
colocando a cara por ali, para se certificar de como está a situação. Eu fico
preocupada, acredito que Evelyn também, já que a mesma se põe na ponta
dos pés e estica o pescoço para tentar ver alguma coisa a mais, no entanto,
tudo se tranquiliza quando ela volta o rosto para nós, fazendo um positivo
com a mão, que segue com a luva.

É tão engraçado, que me dá vontade de rir, mas apenas mordo um sorriso e


saio em direção aos armários para pegar as coisas para a cobertura,

podendo escutar os passos da nossa mãe voltando para o balcão.

Assim que me aproximo, ela está cortando a barra de chocolate.

— Vamos de mão na massa — Dona Leah decreta. — Cadê o chantilly,


pegaram?

Eu olho para os ingredientes que peguei e vejo que não está comigo, só que
antes de eu conseguir detectá-lo, escuto algo sendo aberto, agitado e, quando
levanto o rosto para ver o que é, sinto algo gelado melecando a ponta do meu
nariz.

Obviamente, o bendito chantilly.

Faço cara de brava, e Evelyn, com a arma do crime em mãos, se divertindo


ao me ver sujar ainda mais o rosto ao passar o dorso da mão no nariz, dá
risada.

— Ops, foi sem querer. — Encolhe os ombros, mentirosa. — Mas o que é


um chantillyzinho para quem já está toda suja de farinha, não é mesmo? —
Vira o rosto para o lado, fazendo graça. — Quer saber, pensando bem, mais
um pouco, e você vira a nossa própria torta, Gabriella.
Posso pôr você no fogo?

— É forno, idiota — a corrijo, mesmo sabendo que falou de propósito. Tento


pegar o objeto da sua mão, porém é óbvio que ela se afasta, entretanto,
mesmo assim, avanço em sua direção, querendo fazer cócegas para ver se
solta. Sua gargalhada logo explode no ar, embalando nossa diversão na
cozinha. — Vai, solta, eu sei que você quer soltar.

— Não quero, não.

— Ótimo. — Ouvimos mamãe bufar. — Toda a dor de cabeça que não me


deram juntas na infância e na adolescência, estão querendo me dar agora. Eu
mereço. — Quando percebemos, Leah já está se colocando entre a gente. —
E me dá isso aqui. — Ela pega o chantilly da mão da Evelyn num puxão só.
— Se quiserem instaurar o caos nessa casa, pelo menos façam certo.

Só entendemos a sua frase quando, tanto eu quanto ela, recebemos chantilly


na cara por parte da nossa própria mãe.

Nosso queixo vai ao chão.

E Leah também gargalha, tanto quanto Evie estava gargalhando há pouco


tempo.

O som é simplesmente perfeito, assim como o cheiro que vem do forno, que
cada vez mais, nos diz que a torta está praticamente pronta.
Olho para a minha irmã, e a minha irmã olha para mim.

Demora menos do que cinco segundos para que todas as nossas risadas
preencham o ar.

Aqui, eu encontro, além de muito açúcar e muito amor, a mais pura verdade
do universo.

Eu, Gabriella, posso até ser poderosa, contudo, elas são o meu maior poder.

E é muito bom estar em casa depois de um longo dia cheio de preocupações,


faz tanto o meu corpo quanto a minha mente, descansarem.

As tortas ficaram uma delícia, e o papai amou.

No fim, tiramos todos juntos uma foto para Leah postar no Facebook e dessa
vez, não tivemos como fugir, o dia foi tão divertido, que queríamos todos
compartilhar com o mundo aquele momento, mesmo Evelyn eu parcialmente
sujas de farinha e chantilly.

E o mais importante, claro, queríamos fazer nossa mãe feliz, e ela merecia
compartilhar com seus amigos o tão sonhado e aguardado momento em
família naquela rede social que basicamente ninguém mais usa com
frequência, só ela.

E nossa, finalmente pude tomar o meu banho, de cabeça e tudo.

Estou, nesse momento, vestindo apenas a minha calcinha e uma camiseta


velha, que é quase três tamanhos a mais que o meu, e com os meus cachos já
com creme de pentear, depois de eu ver uma técnica nova de finalização no
Youtube.

Agora é, basicamente, esperar secar, para poder avaliar o resultado.

Por ora, eu já acredito que vou gostar. Eles parecem mais brilhosos e mais
definidos, mesmo molhados.
De pés descalços, arrasto os meus pés pelo piso do meu quarto e começo a
desfazer a minha bolsa da faculdade, que trouxe para cima

quando subi, depois da comida. Eu tiro alguns livros de dentro dela e, claro,
meu diário.

— Ufa, o dia foi corrido, e quase não consegui te dar atenção — digo para
mim mesma, após dedilhar mais uma vez a capa em relevo. — Mas agora
estamos só você e eu, bonitinho. Enfim a sós.

Deixo tudo para trás, tranco a minha porta e esqueço do mundo lá fora.
Escorrego para baixo das minhas cobertas, ligo o abajur, encosto as costas na
cabeceira da minha cama e então, depois de muitas tentativas falhas de lê-lo
hoje, o abro nas primeiras páginas.

Durante todos esses anos, desde que o recebi pela primeira vez aos
dezesseis, eu tenho o lido, no entanto, depois do que aconteceu com o gêmeo
do mau e sua ameaça constante pairando acima de mim, venho o lendo com
cautela, analisando palavra por palavra, como se, talvez, fosse encontrar algo
muito importante que talvez tenha deixado passar antes.

Ainda não encontrei nada, que fique claro, mas sigo procurando, porque é
isso que meu instinto está me pedindo.

E eu acabo de voltar para as primeiras páginas. De novo.


Querida filha, minha menina, se você está com essa espécie de diário em
mãos, significa que entregaram ele a você. E se entregaram ele a você,
significa que eu tive coragem de, além de escrevê-lo, seguir com o meu
plano de te dar uma nova oportunidade longe de mim, longe do nosso
sobrenome, da nossa sina. E se você conseguiu chegar aos seus doces
dezesseis anos recém-completados sem nem saber e sem nem entender do
que estou falando, significa que o enorme sacrifício que seu pai e eu tivemos
que fazer, deu certo, pois significa que você está a salvo, com uma nova
família, viva, feliz, definitivamente amada, bonita e, o mais importante de
tudo, segura.

Estou muito emocionada agora. Muito nervosa também. Minhas mãos


tremem enquanto seguro a caneta, e tenho quase certeza de que a minha
caligrafia está saindo péssima, mas estou rogando à natureza, que ela seja
compreensível aos seus olhos. Estou rogando à natureza também que, nesse
momento, você tenha paciência para lê-las, assim como deverá ter para
compreender nosso legado e a decisão dolorosa que tomamos.
E me perdoe, meu estado caótico agora se deve ao fato de que estou
pensando e tendo a ciência que, talvez, nesse momento do futuro, você me
odeie. É

horrível demais para uma mãe pensar que a sua pequena, que ainda está se

desenvolvendo em seu ventre, pode cultivar, ao longo da vida, algo


totalmente contrário ao amor que já sinto pulsando dentro do meu peito.
Vou parar de falar isso agora porque, se eu continuar, vou acabar deixando
as minhas lágrimas presas caírem, e elas mancharão o papel, o que acabará
me obrigando a começar tudo de novo, e talvez eu também não venha mais a
ter coragem de continuar. E eu preciso parar também, porque isso
provavelmente está confuso, e você, minha filha, não deve estar entendendo
nada do que estou querendo dizer.

No entanto, pelo menos você poderá saber como esteve a cabeça da sua mãe
enquanto lhe escrevia isso.

Confusa.

Cheia de sentimentos, pensamentos e palavras que estarão sempre


embaraçadas na minha cabeça como um nó, o mesmo nó que aperta a
minha garganta agora. São tantas coisas que quero falar, tantas histórias
para descrever, que simplesmente me falta rumo. Quero falar de tudo, e ao
mesmo tempo, não quero precisar falar de nada, mesmo sabendo que é
necessário. Fica evidente o meu despreparo, fica evidente quão pessoal
essas palavras estão sendo, e eu espero que você, minha eterna garotinha
que já tanto amo, possa perceber que são sinceras. Que são de coração.

E, sobretudo, que possa ter o discernimento de entender que é tudo verdade.

Sua mãe biológica, mesmo que pareça no começo, não é nenhuma lunática,
muito menos, vive em uma realidade alternativa, na verdade, quem dera que
fosse.

Sua mãe biológica é uma mulher muito poderosa, e agora, preciso que
respire fundo, pois vou te contar toda a história. Tanto a minha, quanto a
sua.

Começando, eu me chamo Zena Salazar.

Sou uma mulher negra, formada e totalmente apaixonada pela natureza.

Inclusive, conheci meu grande amor, seu pai, em um piquenique com amigos
em um dia ensolarado. Ele era o garoto mais bonito e mais disputado do
pedaço. Eu o quis no primeiro segundo em que o vi, mas não tive coragem
de pegá-lo para mim.

Fala sério, na minha cabeça, seria impossível que ele se interessasse por
alguém como eu. Porém, ele se interessou. Ele correu atrás, fez todas as
declarações possíveis, me pediu em namoro e aceitou ficar comigo até o fim,
mesmo sabendo da minha verdade e do meu destino.

Eu não podia ficar em um lugar por muito tempo, eu precisava viver me


mudando, me escondendo, e mesmo assim, foi capaz de largar tudo para me
seguir, para me ajudar, para me proteger e para me apoiar, quando nem eu
mesma achava que seria possível. Eu o amo tanto que, querida, se você
soubesse, ficaria encantada pela nossa história e pela nossa parceria. E eu
espero que, através dessas palavras, você possa sentir. Espero que, de
alguma maneira, alcance o seu

coração e o blinde com apenas sentimentos positivos. Porque, de certa


forma, irá precisar.

E sabe por quê?

Porque o que falarei a seguir, é difícil. Bastante difícil. E espero que


continue sendo forte. Espero que continue lendo e não me abandone. Tudo
irá fazer sentido no fim, eu prometo, pequenina.

Então vamos lá, retomando, eu amava o seu pai, e o seu pai me amava na
mesma intensidade. Nosso amor sempre foi grande demais, ele
transbordava, e aí, por causa disso, veio você.
Nós tomamos todos os cuidados, mas você quis vir mesmo assim. Acho que
você consegue imaginar o susto. Ele foi bem grande. Principalmente, porque
eu não podia. Eu não queria.

Não me entenda mal, filha, por favor, eu sempre quis ser mãe, sempre foi o
meu maior sonho, porém não dava. Não era certo. Eu tinha abdicado desse
desejo há muito tempo, porque estava mais do que convicta que não iria
propagar meu sofrimento e a minha sina. Eu não ia colocar um ser humano
no mundo, para ele sofrer tanto quanto eu, para ele não ter vida.

Eu pensei em não te ter, sendo bem franca, mas eu também não podia. Me
apaixonei por ti no primeiro momento em que te vi naquele ultrassom, e seu
pai só faltou morrer de amores, quando ouviu o som do seu coraçãozinho
batendo pela primeira vez. Foi lindo. Nós dois choramos. De felicidade, de
medo, de desespero, de tudo.

Se você viesse ao mundo, seria nossa alegria, e o meu sobrenome seria o seu
pesadelo.

Porque eu sou Zena Salazar, filha.

Você provavelmente ainda não entendeu, mas posso repetir.

Sou uma Salazar. Eu venho de uma linhagem de bruxas. Nós duas, no caso.

E essa linhagem está sendo dizimada por alguém que nos odeia. Nosso povo
está morrendo. Nós estamos em guerra.

No momento, eu ainda não fui encontrada, porém é só questão de tempo, eu


sei disso.

E meu amor por você sempre foi tão grande, filha, que, para te libertar
desse destino, optamos, seu pai e eu, por te entregar a um novo.

Você teria a chance de ser uma garota normal, você teria a chance de ficar,
e não fugir, teria a chance de ser quem eu sempre quis ser e nunca pude. Sua
felicidade seria prioridade, e mesmo que doa como o inferno pensar em
você longe, é o certo e a única alternativa.
E eu te escrevo essas palavras, porque você precisa saber da verdade. Eu
também devo isso a você, não posso te deixar crescendo, achando que te
abandonei porque quis. Toda a nossa situação me levou a isso. Se eu fosse
outra mulher, se eu fosse normal, comum, nós teríamos sido mãe e filha,
teríamos sido inseparáveis, e eu espero que, se existirem outros universos e
outras realidades, possamos viver juntas o que não vivemos nessa. É tudo o
que eu mais peço. É tudo o que eu mais oro e no que me pego confiando
para aliviar a dor.

E, além de você precisar saber que eu sempre te amei, você também precisa
estar a par das suas tendências e da sua natureza. Se esse seu lado for
aflorado, você pode ser uma bruxa extremamente poderosa. E só você é
quem pode decidir o que vai fazer com isso, não estou aqui para te obrigar
a nada, apenas para te informar e para te pedir que, independentemente da
sua escolha, seja se aprofundar nesse assunto ou simplesmente ignorar, para
continuar vivendo sua adolescência, tome cuidado.

E nas próximas páginas, eu também vou te dizer o motivo.

— Droga, estou chorando. — Fecho o diário e o repouso na cama, tentando


regular a minha respiração, conforme seco as lágrimas. Olho para as minhas
mãos e percebo que elas se encontram trêmulas. As abro e as fecho algumas
boas vezes, inspirando pelo nariz e soltando todo o ar pela boca. — Posso ler
essa página mil vezes, e nas mil vezes, chorarei e me emocionarei como se
fosse a primeira —

reflito em voz alta.

Porque, merda, dá para sentir toda a dor da minha mãe. É palpável.

Pelas palavras dela, você consegue notar todo o turbilhão de sentimentos que
ela sentiu enquanto estava escrevendo, você consegue se pôr no lugar dela,
uma mulher que teve que entregar seu bebê logo após dar à vida a ele, pois o
amava tanto, que precisava se certificar que ele crescesse em outra família,
para que não carregasse o peso da dela.
Durante muitos anos da minha vida, me perguntei o que tinha feito de tão
errado, para ter sido abandonada na primeira oportunidade. Era doloroso
pensar que haviam me rejeitado e que eu era tão insignificante, que fui
colocada na primeira porta que encontraram, mesmo com muita sorte de
terem sido a melhor família que eu poderia ter. E também, mesmo amando
muito os meus pais, eu não conseguia não me questionar sobre os motivos
que levaram a minha mãe biológica a fazer isso.

Depois de um certo tempo, para ser bem sincera, o questionamento parou de


existir. Eu cheguei num nível em que eu não queria saber, que eu não me
importava mais. Meus pais sempre seriam Leah e Elliam, eu já tinha uma
casa,

uma irmã e uma família, nada que tivesse me acontecido antes, e ainda
quando bebê, seria capaz de me dar dor de cabeça.

Eu estava livre dos sentimentos. Estava despreocupada.

Quando recebi o diário, tudo mudou. E como Zena disse, tudo fez sentido.

O que ela havia feito, tinha uma explicação, e eu a entendia perfeitamente.

Foi difícil, doloroso, mas louvável, e eu definitivamente não a julgava. Os


únicos sentimentos que carrego comigo são tristeza, dor e uma raiva
descomunal por termos sido privadas de uma vida juntas e por termos que
viver lutando por causa de um maluco sanguinário, que ainda não superou
seu destino, mesmo tendo passado mais de um século.

Agora um pouco mais calma, ou pelo menos tentando ficar, pego o diário e o
abro de novo.

Nas folhas seguintes, ela me explica sobre absolutamente tudo. Sobre


Thereza, sobre Vladimir, sobre todos os vampiros à solta, sobre a verdade do
que aconteceu em Salem, a fuga de algumas das bruxas para Emerald Grave,
sobre uma das nossas ancestrais, chamada Alma Salazar, sobre o seu feitiço,
sobre os irmãos Vodrak, o gêmeo bom e o gêmeo mau, sobre todo o seu
ódio, sua sede de vingança e tudo o que fez em Dantown e nos anos
seguintes.

Ela também contou que, basicamente, estávamos em extinção, que ela era
uma das últimas restantes e que eu, possivelmente também viria a ser. Minha
mãe biológica também descreveu o que eu precisava saber sobre o meu lado
bruxa, sobre os feitiços, sobre controle e sobre como eu encontraria a minha
força.

As páginas escritas são extensas, demandou muito trabalho, no entanto, o


que Zena não foi capaz de me contar, e isso porque, obviamente, não sabia o
que estava por vir, foi o atentado que Levi cometeria no Shine Star, o
cruzeiro em que a minha família tentaria fugir e acabaria sendo morta, assim
como todas as outras pessoas que estavam a bordo daquele navio. Ela
também não me contou sobre eu ser, de fato, a única, a sobrevivente, a que
viria, talvez mais tarde, a ter que enfrentar os vampiros, em nome de todas as
outras.

Ela também não sabia que eu assumiria esse papel com afinco, e sim, me deu
a oportunidade de escolha, mas também não tinha certeza se eu teria
coragem.

Zena nem sabia se eu poderia encontrar meu lado bruxa, quem dirá as outras
coisas.

Se eu tivesse a oportunidade de conversar com ela, eu diria que sim, tive. E

que acho que posso ser uma das mais fortes de todas. Algo me diz que
ficaria orgulhosa.

Mordendo o lábio e me concentrando em achar algo que eu nem sei que


estou procurando, pego outro trecho, de outra página, para ler.

Os irmãos Vodrak, querida, podem ser muito semelhantes na aparência,


porém são extremamente distintos na personalidade. Enquanto um é água,
calmo e tranquilo, o outro é puro fogo, ardente e fatal. E, novamente,
cuidado, ele pode ser altamente manipulador, é muito conhecido por usar
sua beleza discrepante ao seu favor, junto da sua lábia e língua afiada. Seu
maior poder é fingir ser inofensivo, e ele adora o fato de que todos ignoram
o perigo bem estampado em sua testa, quando o veem sorrir. Deve ser por
isso que costuma sorrir com frequência. Seu sorriso é tão matador quanto
seu instinto vampiresco. E não se engane por um sorriso, não há nada de
feliz naquele homem.

— Porra — é tudo o que profiro quando sua imagem, de repente, vem à


minha mente, arrepios perpassando pelo meu corpo e eriçando meus pelos.
— Eu preciso, pelo menos, saber se esse demônio ainda se encontra longe ou
já está se aproximando.

Deixo o diário de lado, pulo da cama, fecho as minhas cortinas e confiro


novamente se a porta está trancada. Quando tenho certeza de que ninguém
será capaz de me ver ou de me interromper, pego algumas velas que deixo
guardadas, as espalho no chão e me sento no meio do quarto, em posição de
yoga.

Respiro fundo, aprumo os ombros, fecho os olhos e, baixinho, começo a


desenrolar o feitiço de localização. Na mesma hora, sinto o calor das chamas
cintilando nas velas, minha mente se transforma em um verdadeiro apagão, e
tenho quase certeza que tremo, porém continuo mesmo assim.

Como Levi é um vampiro, não consigo localizá-lo como se fosse um


humano, eu só consigo, com muito esforço, sentir sua presença. Só sou
capaz de saber se está longe ou perto.

Meu coração bate forte, as chamas das velas se intensificam, e o chão sob
mim parece vibrar.

Porra, minha nossa, eu o sinto. Eu posso mesmo senti-lo outra vez.

Nem tão longe, nem tão perto.

Diferente de antes, parece que agora começou a se movimentar.

E no fundo, bem no fundo da minha mente, eu o vejo.


Um lapso, um borrão, mas que soa com muito barulho dentro da minha
cabeça.

Volto a mim, respirando fundo, como se quasse tivesse sido afogada, e é no


mesmo exato segundo, que as chamas das velas se apagam e o meu entorno
se tranquiliza.

Não é o que acontece com o meu coração, no entanto.

Ele está agitado, assim como minha mente, que só consegue pensar em uma
coisa.

— Onde diabos está esse homem? — indago para ninguém em específico,


para o além.
Eu estou em uma festa.

Sim, uma festa. Com bebida, música alta, mulheres gostosas com pescoços à
mostra e tudo.

A música eletrônica vibra, os humanos pulam desesperadamente na batida


frenética, com os corpos repletos de sangue e álcool, e a minha única certeza
é de estar no paraíso. Porque estou sendo contagiado pelas luzes
estroboscópicas, pelo cheiro delicioso dessa multidão, pela bebida, também
aquecendo o meu corpo, e por toda a atenção e flertes que estou recebendo
por parte do sexo feminino, que quer me caçar esta noite.

Elas me enxergam como uma presa em potencial, coitadas, mal sabem elas
que é bem o contrário.

Eu gosto, no entanto. E era da porra dessa sensação que eu estava


precisando, já que não aguentava mais ficar preso dentro daquele quarto,
ouvindo os meus próprios pensamentos deprimentes, enquanto a única
diversão era encarar os ponteiros do relógio e ver as horas passarem.

Eu estava mesmo precisando me reconectar com o meu verdadeiro eu, com o


Levi Vodrak, o gêmeo mau, caralho. Estava mesmo precisando estar
novamente inserido no caos, para me lembrar do que fui feito. Estava mesmo
precisando de

distração, de diversão, de festa, de fazer o que mais adoro, que é beber até
não aguentar mais, ser o centro das atenções e tacar o terror, ao passo que me
infiltro no meio dos humanos, tão perturbados da cabeça quanto eu.

E toda essa merda me excita e me deixa ensandecido, pois a sensação de


poder é surreal. Estar aqui com eles me engrandece, afinal de contas, não
fazem nem ideia da aberração que deixaram entrar e se misturar por entre os
seus. Eles não fazem nem ideia que, num único segundo, posso acabar com
esse momento de alegria e euforia, como num passe de mágica, mais rápido
que o próprio Flash.

Que posso acabar com todos eles e matá-los, antes mesmo que percebam e
clamem por ajuda, bebendo não mais em copos, e sim diretamente de suas
veias, até não sobrar mais nenhuma gota para me saciar.

A sorte é que a desordem que quero causar hoje, eles vão gostar.

Não teremos nada de morte, entretanto, ainda teremos bastante sangue. E

bebidas. E festa. E pessoas indo à loucura. E talvez sexo, drogas, bagunça e


a típica sensação de ter sido colocado no meio do pandemônio. Afinal, é
tudo o que sou capaz de proporcionar quando, à noite, chego em um lugar
como esse. Só eu sei comandar uma boa diversão, e comigo não há mimimi
ou moralismo, é permitido fazer o que quiser.

Ainda ousam falar de mim, penso e rio internamente. Eu sou é pouco


valorizado, isso sim. Se soubessem como vivem no marasmo, implorariam
para fazer parte do meu bando. Infelizmente, nem todo mundo tem
inteligência e bom gosto, a maioria é tão sem sal quanto o meu irmão.
Meus pensamentos se dissipam, quando os outros vampiros se aproximam.

São Larkin River e Devon Mars, meus companheiros de jornada e de crime.


Há outros, muitos outros, porém esses, especialmente, sãos os que mais se
parecem comigo e de quem eu sou mais próximo. Nós temos décadas e
muitas matanças de parceria.

— Levi, finalmente encontramos você, cara — É Devon quem diz, ficando à


minha frente. Seus olhos percorrem meu corpo, e ele os revira de uma forma
tão assustadora, que penso que nunca mais vão voltar ao normal. Mas
voltam. Mars é acostumado a revirar muito os olhos para mim, ele é meio
sem paciência. — E é claro que você já está sem roupa.

— Não estou sem roupa, estou sem camisa — explico o óbvio, depois de
beber o restante da cerveja no copo. — Sem roupa, vou ficar mais tarde,
quando encontrar uma ou duas humanas, para fazermos nossa própria
festinha em algum quarto dessa casa.

— Opa, eu também quero. — Larkin se agita. — Será que topa uma suruba
hoje?

Faço uma careta para ele.

— Estou cansada de ver seu pau, quero ver mais bocetas na minha frente.

Devon dá risada.

— Você falando assim, parece até que já transou com ele.

Na mesma hora, Larkin River arregala seus olhos e faz o sinal da cruz.

— Nem se me pagassem — fala, ainda se benzendo. — Levi parece foder


bem, mas ele não tem o que eu gosto. A gente só brinca junto das garotas de
vez em quando.

— É, e já está bom — decreto. — Se ficar insistindo de novo, vou começar a


achar que você está gostando até demais de me ver pelado.
— Credo, cara, é que eu gosto de trisal. Um ménage ou uma suruba é sempre
bom, fortalece a amizade.

— Não tô dizendo. — Viro para Devon. — Esse maluco quer dar pra mim.

— Ah, para, Levi, você gosta quando compartilhamos a mesma garota.

— É legal, mas agora eu quero só garotas. Os sangues delas são sempre mais
deliciosos, e não tô muito a fim de dividir esta noite. Preciso distrair minha
cabeça ou vou enlouquecer.

— Verdade, tem razão, a piranha daquela bruxa vem comendo seu juízo. —

Larkin, mais uma vez, revira os olhos, e agora por lembrar de Gabriella.

— Eu acho melhor a gente parar com essa conversa, falar as palavras sangue
e bruxa no meio de tanta gente, pode ser perigoso — Devon aconselha, já
que, dentre nós três, é o único mais sensato, que gosta de pensar antes de
fazer ou falar qualquer coisa. Quando precisa, ele é um pouco mais frio e
calculista que Larkin e eu, então preciso constantemente me lembrar de que
necessito ser mais como Mars, quando as coisas saem do controle. Balanço a
cabeça, assentindo, e o vampiro, que está nesse momento usando calça jeans,
camiseta branca e uma jaqueta de couro preta, olha para trás, observando
alguma coisa. É nesse instante que percebo que nós três temos o mesmo
estilo. Sempre jaqueta de couro, calça, botas de combate, óculos escuros,
roupas sempre pretas. As humanas costumam nos chamar de bad boys, e nós
somos mesmo. — A propósito, de quem é essa festa? De quem é essa casa?
Onde nós estamos? — ele quer saber, quando volta a me olhar.

— Não faço ideia. — Dou de ombros. — Essa cidade fica até que próxima
de Emerald Grave, mas a ambientação é bem diferente, dá pra perceber. As
pessoas são meio tontas, principalmente os universitários, eles convidam
qualquer estranho para suas festas. — Sorrio de forma atroz. — Péssimo pra
eles, mas ótimo para nós.

— Por isso que acontecem as coisas, e depois eles acham ruim. — Larkin
cruza os braços, também olhando para a festa. — Humanos são muito
burros, eles sempre acham que não vai acontecer com eles. A sorte é que
você está estranhamente muito calmo, o que foi que aconteceu?

— É, Levi, o que foi que aconteceu? — Devon também pergunta e arqueia


uma sobrancelha em minha direção. — Você não faz o tipo que se esconde
no canto de uma festa e observa a multidão. Você leva a multidão até você.

Mais uma vez, sorrio. Adoro saber que eles também sabem da minha fama.

Não há festas sem mim.

— Estava só aquecendo e esperando vocês chegarem — digo. — Tirem as


roupas também, vamos aproveitar. É nossa chance de esquecermos os
problemas, pelo menos um pouco. Vamos atrair algumas mulheres e mostrar
para eles como é que faz.

Larkin e Devon se entreolham e seja lá o que estão pensando, não externam


nada, apenas me obedecem. Eles tiram as jaquetas, as amarram na cintura e
depois pendem as camisetas nos ombros, ficando com seus corpos nus das
barras das cuecas para cima.

É automático os olhares grudarem em nós, admirados.

É compreensível, somos vampiros, e vampiros sempre são espetacularmente


bonitos, mais do que qualquer humano consegue ser. Nossos corpos são
largos, fortes, os músculos saltam, e tanto eu quanto Devon, temos algumas
tatuagens serpenteando nossas peles. Nós gritamos que somos território
proibido, e mesmo assim, elas gostam. Elas gostam de se aventurar no
proibido, naquilo que aparentemente parece errado, obscuro, que grita
problema, e acho que é justamente porque caras como nós é que sabem
proporcionar as melhores aventuras e os melhores prazeres na cama. Nós
damos a elas o que nenhum outro é capaz de dar, além de sermos
inesquecíveis, inalcançáveis, fatais.

Larkin também possui a mesma aura, também possui a mesma personalidade


destrutiva, só que diferente de Devon e eu, sua fisionomia é um pouco mais
angelical. Enquanto Devon e eu temos cabelos e olhos escuros, ele é ruivo.
Tão branco quanto a neve que cai no Alasca. E seus olhos são uma bela
mistura de verde, azul e amarelo, quando não está transformado em vampiro,
claro, que é quando ficam completamente pretos, sem pupila, sem nada,
como se estivéssemos carregando duas densas bolas de bilhar nos olhos.

— Ótimo — depois de um tempo, os parabenizo por terem feito o que eu


mandei e por estarem mais à vontade. — Agora, observem e aprendam.

Começo a andar por entre os humanos e, sem paciência, os empurro, para


conseguir chegar no meio da sala, onde tem uma mesa. Antes de alcançá-la,
paro

ao lado de um garoto que está prestes a pôr a garrafa de uísque na boca.

— Dá licença aqui, filhote. — Arranco a bebida da sua mão e sorrio de


forma cínica, diante de seus resmungos e sua careta de confusão, virando-a
na minha boca só para provocá-lo, meus olhos presos aos dele. Enquanto o
desconhecido continua reclamando, eu continuo sorrindo, à medida que
lambo os lábios para tirar os resquícios do álcool. — Uma delícia. Muito
obrigado pela sua gentileza. Se me permite, vou levá-la comigo, espero que
encontre outra o quanto antes. — Pisco, sarcástico.

Quando giro nos calcanhares, tenho certeza que ele me fulmina.

Um belo foda-se para você, humano idiota, tem sorte que eu só arranquei
sua garrafa, não seu coração, reflito, com a minha voz cantarolando dentro
da minha cabeça. Meus pés, sem perderem tempo, marchando até o lugar em
que quero ficar, o sorriso divertido não saindo do meu rosto nem por um
segundo.

Assim que eu subo rapidamente na mesa, eu ergo a garrafa de uísque e uivo,


atraindo toda a atenção para mim. A galera grita de volta, e toda a multidão
aglomerada corre para me ver, principalmente as garotas, que ficam todas
em minha frente.

— DJ! — Olho para o garoto que está tomando conta das músicas no andar
de cima. — Uma música mais sensual, por favor.
Elas gritam e me apoiam, pedindo para que troque a música.

E o DJ troca.

A batida agora é muito mais envolvente, então começo a dançar no ritmo


lento, mexendo a barriga. Entorno o líquido alcóolico na boca, para beber
uns bons goles, e ele acaba escapando e descendo por todo o meu peitoral.
Aproveito que ficaram eufóricas por causa disso e entorto o canto dos meus
lábios em um sorriso, e, só para provocar, escorrego minhas mãos pelo lugar
molhado, ainda dançando e fazendo toda uma cena.

Minha atenção rapidamente se fixa na primeira fileira de mulheres, na loira e


na morena, que me observam como se estivessem famintas e desesperadas.

— Por que não sobem aqui, gatas? — Elas se olham, como se não
estivessem acreditando que falei com elas duas, então faço que sim,
apontando e depois as chamando com o dedo. — Venham, tem espaço para
nós três. Se não tiver, a gente faz caber.

Sorriem, tão sacanas quanto eu.

Bingo. Encontrei as duas que eu queria.

Eu fico no meio, a loira de um lado, e a morena de outro.

— Dance para mim — peço para a loira atrevida, que já vira para ficar de
frente para mim, encarando fixamente seus olhos e já pondo a mão no seu
pescoço.

Seu cheiro logo atinge minhas narinas. — Ou me beije, gata. Sou seu. Faça o
que quiser.

Não preciso nem pedir de novo, porque ela me beija, e a festa toda vai à
loucura.

— Mas e eu? — Ouço a outra, chorosa, perguntar.

Me separo minimamente de uma e já vou para outra.


— Tem Levi para você também. — Puxo-a pelo pescoço também e a beijo.

A loira, enciumada, nos afasta, se colocando no meio, e eu tento muito não


sorrir como um filho da puta.

— Que tal se formos nós três para um quarto? — indago, sem pretensão, e
quando as vejo balançarem as cabeças ansiosamente na mesma hora, ouço
fogos de artifício e não posso mais segurar meu sorriso malicioso. Pulo para
fora da mesa e dou a mão para elas também descerem. — Vou satisfazer
vocês — sopro baixinho, para que apenas elas escutem. — E espero que me
satisfaçam também.

Automaticamente, as duas balançam as cabeças, as írises brilhando em


desafio.

As levo comigo, segurando suas mãos e as conduzindo pela festa ainda


rolando, e quando passo por Devon e Larkin, os dois estão boquiabertos,
mas não parecem tão surpresos.

Lanço uma piscadela para os meus amigos e dou um tapinha nas bundas das
garotas, incentivando-as a subirem mais rápido pelas escadas, eu indo atrás
delas.

Entramos no quarto vazio mais próximo, e eu tranco a porta.

No meio do ambiente, as duas parecem meio perdidas, entretanto uma faz


questão de perguntar, acanhada:

— Por onde nós começamos?

Na mesma hora, sinto minhas presas querendo sair, porém as controlo e


balanço a cabeça. Primeiro, satisfazer o homem; depois, a besta faminta que
habita em mim.

— Deitem na cama, e eu posso mostrar. — Começo a desabotoar minha


calça. — O que posso dizer é: aproveitem, porque vocês nunca mais me
verão em suas vidas.
E eu nunca mais sentirei o gosto dos seus sangues de novo.

Daqui por diante, apenas uma única garota terá minha atenção. E espero que
ela esteja se preparando.
Naquele mesmo dia, eu disse a mim mesma que não importava onde Levi
estivesse, eu ia tentar parar de focar nele e no meu lado bruxa, nem que fosse
só um pouco, para poder pensar mais em mim, no meu lado humano de uma
jovem no auge dos seus vinte e dois anos de idade, porque, sinceramente,
estava precisando.

Eu tinha algumas mensagens das minhas amigas para responder, tinha


lugares para ir e não podia mais simplesmente dar desculpas a torto e a
direito, as pessoas estavam desconfiando. Todo mundo do meu círculo social
estava querendo saber onde diabos eu tinha me enfiado nesse tempo em que
me mantive reclusa, e se eu mentisse mais uma vez, tinha certeza que,
quando menos percebesse, mais cedo ou mais tarde, todos se juntariam para
vir bater em minha porta, para conferir se estou mesmo bem e viva ou se fui
substituída ou, quem sabe, abduzida por alienígenas, e se esse fosse o caso,
só assim entenderiam o motivo de eu ter estado diferente, pois não
aceitariam nenhuma outra explicação saindo da minha boca. Eu não era o
tipo de pessoa que se escondia ou se isolava.
Savannah Summers, uma das minhas amigas mais próximas, era uma dessas
que estava enlouquecendo pelo meu afastamento. Ela me mandou mais de
cem

mensagens só hoje.

Cem. Ou um pouco mais. E não é exagero ou brincadeira da minha parte.

Pronto, ela acaba de me mandar outra, sinto o bolso do meu jeans vibrar.

Equilibro meus livros em um braço só e pego meu celular para conferir o


que quer dessa vez, continuando a andar pelo campus da faculdade.

Savannah: Pelo amor de Deus, Gabriella, me responda. Eu preciso


urgentemente falar com você. Preciso da sua ajuda. Juro, é caso de vida ou
morte.

Se ignorar essa mensagem, é muito mais de morte do que de vida.

Ah, ótimo, mais drama. Como se a minha vida já não tivesse o suficiente.

Eu: Manda ver, garota. Pode falar.

No mesmo segundo, visualiza e já começa a digitar, os três pontinhos


dançando na tela.

Savannah: Ufa, aleluia, lembrou que tem amigos. Pode me encontrar em


frente ao vestiário das líderes de torcida?

Eu: Precisa ser agora?

Savannah: Precisa ser pra ontem, Faulkner. Estou desesperada.

Coço a ponta do nariz, começando a ficar nervosa.

Eu sei que Savannah também é uma pessoa dramática, mas se ela diz que
precisa da minha ajuda, ela realmente precisa da minha ajuda. Ela não gosta
muito de ficar insistindo e se está insistindo nesse momento, significa que o
caso é sério.

Eu: Tudo bem, estou indo, Summers. Chego em 5 minutos.

Quando vejo que ela visualizou, guardo o celular novamente no bolso, enfio
os livros, que estou carregando, dentro da bolsa e faço o caminho inverso do
que eu deveria, indo em direção ao vestiário das líderes de torcida.

Conforme ando pela EGU, admirando toda a arquitetura moderna, percebo


que hoje o clima da cidade está ótimo para uma caminhada. Nada de chuva,
nada de céu cinzento e nem de névoa nos serpenteando, está um solzinho
tímido querendo aparecer por entre as nuvens. Eu gosto quando fica assim,
sendo bem sincera, não sou lá muito fã de frio, inverno ou casacos. Gosto de
cor, de sol, de roupas curtas, de poder admirar a natureza e o céu no seu ar
mais puro.

Infelizmente, Emerald Grave não faz nem um pouco jus aos meus gostos.

Ela desconhece o verão, desconhece a primavera, é sempre inverno chuvoso,


sem neve, ou um outono cinzento e sem cor. Aqui é a típica cidade pacata, a
cidade das florestas, das montanhas, dos lagos com cores escuras, onde se
escondem vampiros, bruxas e sabe lá quais seres sobrenaturais mais. Não há
nem um pouco de brilho, que fique claro, mas eu gosto de ir totalmente
contra o nosso ambiente.

Eu me entupo de cor e hoje mesmo, como não está chovendo, coloquei uma
calça

cintura baixa e um cropped ombro a ombro amarelo, que deixa minha


barriga e o meu piercing no umbigo à mostra. É meio ousado, e a qualquer
momento posso passar frio, porém é o preço que se paga quando você quer
que os outros observem quão maravilhosa e gostosa você pode ser.

Por falar em maravilhosa e gostosa, lá está ela, Savannah Summers, a capitã


das líderes de torcida dos jogadores do time de rugby, uma das mais
populares e uma das mais invejadas da Emerald Grave University, na frente
do vestiário. Ela parece apreensiva, andando de um lado para o outro, como
se quisesse cavar um buraco e se enfiar dentro. Aposto que se continuar
fazendo isso por mais um tempo, seus saltos agulhas serão capazes de
completar essa missão por ela.

— Oh, céus, Gabriella. — Corre até mim assim que me vê e logo me segura
pelos ombros, nitidamente afobada. Seu cabelo esvoaçante e loiro
rapidamente fica atrapalhando sua visão, voando em seu rosto, entretanto
está tão focada em controlar sua respiração e ver se eu sou mesmo real, que
nem se dá ao trabalho de tirar a cortina de fios lhe atrapalhando. — É você.
Finalmente você está aqui —

solta, à medida que me chacoalha.

Pisco uma, duas, três vezes, estranhando toda essa sua reação.

Tudo bem que ficamos um tempo sem nos vermos, tudo bem que ignorei
algumas das suas mensagens, mas também não faz tanto tempo assim. E
ontem, eu ainda respondi algumas, querendo saber como ela estava.

Pelo visto, não muito bem, Savannah deve ter mentido para mim.

— Sim, sou eu — digo calmamente, só para que ela não se afobe mais. —

Estou aqui, como me pediu. — Ao perceber que está voltando a si, retiro,
com cuidado, suas mãos dos meus ombros, e a garota, também percebendo o
que acabou de fazer, dá um único passo para trás e abraça seu próprio corpo.
— Pode me dizer o que foi que aconteceu, agora que está mais tranquila?

Ela olha para o lado e morde o interior da bochecha, antes de voltar a me


encarar nos olhos.

— É uma coisa muito séria — faz questão de deixar claro, frisando a palavra
muito. — É um caso de...

— Vida ou morte — a corto, sendo eu a próxima a entrar em colapso, caso


decida não ir direto ao assunto. — Você me disse nas mensagens, caso não
lembre.
Quer falar logo o que houve, Savannah? Esse seu desespero todo está me
deixando louca. O que foi que aconteceu? Fizeram algo com você?

— Não! — Balança a cabeça rapidamente. — Pelo amor de Deus, não é


nada comigo. Quer dizer, não é comigo, mas tem a ver. Tem bastante a ver. E
se eu não resolver, estou ferrada. Todas nós estamos.

— Diga de uma vez ou eu vou hiperventilar.

— Ai, calma, é que só você pode nos ajudar.

— Então fala logo, desse jeito você não está ajudando.

— Ok, ok. Vou dizer. — Apruma os ombros, respira fundo e tenta se manter
um pouco mais séria e controlada, depois de me deixar descontrolada. —
Não sei muito bem por onde começar, mas acho que devo ir pelo começo.
Mesmo sendo redundante, é o que faz sentido no momento. — Assinto e, ao
erguer as sobrancelhas, peço silenciosamente para que continue, Savannah
entende e engole em seco. — Você deu uma sumida, eu, as meninas e todo
mundo ficamos preocupados, queríamos saber como estava, queríamos falar
com você e te contar as novidades. Entendemos que tinham coisas
acontecendo na sua casa, respeitamos e por isso, não te convidamos para a
última festa recente, que os meninos do time fizeram. Enfim, resumindo a
história, a Gianna ficou bem bêbada, eu me distraí, e quando fomos ver, ela
tinha subido em cima da árvore nos fundos do jardim e aí, quando foi descer,
se desequilibrou, escorregou, caiu e torceu o pé. Foi um desespero total,
porque ela começou a gritar e a chorar de dor. E como eu não tinha bebido
muito, peguei o meu carro e eu mesma a levei para o hospital.

— Merda, Savannah, você deveria ter me ligado. — Será que ela consegue
enxergar a minha expressão e o meu sentimento de culpa? Porque estive tão
atolada no meu próprio problema, que esqueci de conferir como as minhas
amigas estavam. — E a Gianna, o que aconteceu com ela? Ela está bem?

— Sim, ela está bem, está ótima. Pelo menos agora, já está. Mas antes não,
porque achávamos que era só uma torção, porém ela acabou, de fato,
quebrando o pé na queda. Ela vai precisar operar, ficar de repouso, ir para a
fisioterapia e todo aquele processo demorado. O médico disse que não sabe
quando ela vai poder voltar aos ensaios da equipe de novo.

— Nossa, sério? — Fico sem acreditar. — Mal posso imaginar como a


Gianna deve estar se sentindo. Como você, ela adora dançar, adora te ajudar
nas coreografias, adora estar nos jogos e ser líder de torcida, ficar esse tempo
afastada será péssimo para ela.

— Sim, mas você a conhece, Gianna Bridges não fica para baixo por muito
tempo. Ela ficou bem triste quando recebeu a notícia, é verdade, porém já
está confiante de que tudo se resolverá o mais rápido possível.

Sorrio, sabendo muito bem como Gianna é.

— Ela é sempre muito positiva, não importa o que aconteça — me recordo.

— É. — Savannah sorri também. É a primeira vez, desde que correu até


mim, que a vejo mais leve, longe de toda tensão que a envolvia. — Ela é tão
positiva que estava me ligando para dizer que acha que foi uma mensagem
do

universo, para mostrar a ela que estava precisando de descanso e também de


um susto, para, no futuro, maneirar na bebida e nos seus impulsos.

— Nunca mais ela sobe em uma árvore na vida. — Rio.

— Não, nunca mais.

Sav me acompanha, achando graça, e depois de um tempo, com nós duas


envolvidas em um clima muito mais leve, me dou conta do que disse
anteriormente e paro, as sobrancelhas unidas em confusão.

— Espera — começo. — Você disse que vocês estavam ferradas e que eu era
a única solução. Vocês quem? E solução para quê?

— Nós, as meninas líderes de torcida — explica. — Sem Gianna, não


estamos completas e se não estivermos completas, as coreografias não
funcionam e não fazem sentido. Era ela quem ficava no topo da pirâmide.
— Certo, tudo bem, e como eu posso ajudar vocês?

— Ah, Gabriella, você era líder de torcida no ensino médio, e era uma das
melhores, nós sabemos disso. Até participou do Campeonato Nacional de
Cheerleading.

— Mas isso faz tempo — a recordo. — Não danço tem anos, provavelmente
estou enferrujada, e se está pensando que posso ser a melhor opção para
substituir Gianna, devo dizer que está equivocada. Eu vou é dar dor de
cabeça a vocês.

— Nada disso, mocinha. Você acha que estou esquecida do dia que fez as
acrobacias na minha casa?

— Ali foi o básico e foi na brincadeira.

— Brincadeira uma ova, Gabriella. Todas as meninas ficaram surpreendidas


e ainda ficaram te questionando o motivo de você não ter se inscrito para o
time de líderes de torcida assim que chegou na faculdade.

— Porque eu tinha sido vista assim o ensino médio inteiro, eu queria buscar
outros ares. Sempre gostei de dançar e competir, mas depois de ter feito isso
por tanto tempo, eu meio que cansei. — Dou de ombros. — E eu tinha um
namorado que era quarterback, lembra? A gente terminou, e eu fiquei com
um pouco de ranço de atletas. Não queria ficar agitando pompons e torcendo
para eles por aí.

Decidi me afastar desse mundo, ou pelo menos parcialmente, né, porque me


tornei amiga justamente de vocês.

— Claro, nós somos as melhores, e você sabe disso — diz, convencida. — E

acho que esse é o seu destino, garota. Esqueça o quarterback, esqueça o


futebol americano, nós somos do rugby, um universo novinho para você
explorar. Até os meninos, você conhece, Gabriella, e você até gosta, e se dá
muito bem com eles.

— Os garotos são legais — assumo. — Mas...


— Mas nada — é a sua vez de me cortar. Savannah aproveita o embalo para
se aproximar novamente, suas mãos tocando os meus braços. Não sei em que
momento arrumou seu cabelo, entretanto ele se encontra perfeitamente em
seu devido lugar agora, cascateando sobre seus ombros em leves ondulações,
que provavelmente fez com a ajuda do babyliss. — Você é uma das garotas
mais lindas que já vi, é talentosa, é amiga das meninas, elas te adoram, e é a
nossa única salvação. E eu sei, a gente poderia procurar outra, tem muitas
garotas querendo a vaga, no entanto, nós não temos tempo para ensiná-las
todas as coreografias, e eu sei que você sabe boa parte delas. Você
frequentava os ensaios, frequentava os jogos, sabe como nós somos, é
praticamente do time. — Junta as mãos em formato de oração perto do rosto,
faz bico e uma carinha de cachorrinho que caiu da mudança, só para me
comover. — Nós confiamos em você para nos salvar, Faulkner. Diz que vai
nos ajudar. Diz, vai, por favor. Por favorzinho.

— Eu não sei se...

— Pelo menos um teste — é rápida em argumentar. — Amanhã. Você, eu e


as meninas. No campo. Separamos um uniforme, colocamos uma música,
fazemos uma coreografia, nos divertimos, e aí você dá a resposta depois, não
precisa ser agora.

Savannah, querida, se você soubesse que tem um vampiro querendo me


matar, entenderia o meu lado em querer relutar, já que não posso ter tantas
distrações assim...

— É só um ensaio, garota — insiste, quando percebe que estou sem saber o


que fazer. — Vai, não custa nada. Se você disser que não quer, não vamos
insistir.

E você pode até gostar, pode relembrar os velhos tempos e voltar a se


apaixonar pelo nosso mundo.

— É justamente esse o problema.

— Não vejo como voltar a ser líder de torcida pode ser um problema para
você, Gabriella.
É melhor você permanecer assim.

Inspiro uma grande quantidade de ar para os meus pulmões, sabendo que ela
não vai aceitar outra resposta, a não ser a que ela quer.

— Tudo bem. — Dou o braço a torcer, e Savannah logo começa a bater


palminhas, saltitando. — Mas é só um ensaio. Um.

— Perfeito, perfeito, perfeito. — Continua com a sua empolgação, o sorriso


quase partindo seu rosto em dois. — Um ensaio é a única coisa que preciso.

— Ok, mas siga o meu conselho. Continue procurando garotas, não pare,
porque você pode se frustrar quando me ver dançar. — Semicerro os olhos e
ergo

um dedo em riste.

— Duvido muito que isso vá acontecer, mas isso nós veremos amanhã. —

Quando percebo, Savannah se põe ao meu lado, engancha nossos braços e


começa a me arrastar com ela. Ao me ouvir questionar o que está fazendo,
chacoalha os ombros para cima, como se não se importasse. — Nós vamos
encontrar as outras.

Agora que tenho você de novo, não vou te largar.

— Não posso, Savannah. — Choramingo. — Eu tenho aula daqui a pouco,


não posso perder...

— Ah, você não só pode, como vai. Já estudou muito esse tempo que quis
ficar sozinha, agora vai se manter inteirada de todas as novidades, e ai de
você se reclamar.

Assim que me olha com cara feia, muito, muito brava, eu fecho a boca no
mesmo instante, não querendo contrariá-la, apenas aceitando quando passa a
nos conduzir.
É, eu disse que precisava focar mais em mim agora e acho que devo começar
por esse momento, começar pelos meus amigos.
Fui bastante ingênua, pensei que Savannah iria voltar atrás na sua ideia e
que, de ontem para hoje, iria encontrar uma nova garota para substituir
Gianna, sem ser eu. Mas é claro que foi apenas um pensamento bobo e
esperançoso meu.

Não tinha a menor possibilidade. Ontem mesmo, a loira fez questão de


deixar isso muito claro, quando contou a novidade para as meninas ao me
levar até elas, me mencionando como a salvadora.

Tanto Savannah quanto todas as outras ficaram felizes, e eu não tinha como
ser a chata quebradora de clima, não quando elas realmente estavam
necessitando da minha ajuda e não quando todas elas decidiram mostrar a
falta que eu estava fazendo, me recebendo com gritinhos e abraços calorosos
repletos de sinceridade.

Minha única reação foi continuar insistindo na questão de que elas me


veriam enferrujada no ensaio, que poderiam se arrepender, entretanto,
estavam muito convictas de que minhas habilidades jamais se perderiam.
Eu fiquei feliz pela confiança que tiveram em mim, não posso negar, porém
me deixou um pouco apreensiva, cheguei em casa e tive que dividir meus
pensamentos com as minhas duas identidades. À noite, deixei que o lado
fútil ganhasse e passei a rever minhas apresentações nos jogos da escola. Até
relembrei uma coreografia ou outra.

E numa tentativa de mostrar que definitivamente não estava para desistir,


que na verdade, estava falando muito, muito sério, Savannah Summers me
ligou antes de eu sair de casa hoje. Ela disse que tinha conseguido separar
um uniforme para mim, que iria me entregar assim que chegássemos à EGU
e que também já tinha a hora exata do ensaio, que aconteceria depois das
aulas, entretanto precisava confirmar algo antes, para poder me passar.

Depois de terminar a primeira aula, Sav me mandou uma mensagem com o


horário.

Eu já tinha o uniforme, o ensaio confirmado, o local, e só faltava resgatar


minha confiança em relação à dança.

Mesmo sabendo que sou e sempre serei boa, ainda tinha medo de
decepcionar as garotas.

Não por nada, mas porque não sabia se podia me dedicar cem por cento, do
jeito que precisavam. Eu ia tentar. E ia tentar por esse ensaio, que prometi e
do qual não podia fugir.

Por isso que vim correndo para cá quando as aulas acabaram, no horário em
que marcamos.

Eu entro no vestiário e vejo, de cara, Savannah, andando apenas de sutiã e


com a saia de pregas vermelha do uniforme.

— Olha quem chegou! — ela cantarola, ao parar para me dar um abraço. —

Como está? Está bem? Está animada? Preparada? Comeu e dormiu bem?

— Sim, sim e sim — respondo, quase podendo dizer: é, nem tanto assim.
Para muitas das perguntas. — E olá, meninas. — Aceno quando as vejo, se
vestindo, olharem para mim.

— Olá, Faulkner, nossa salvadora — é Maya Shaw quem diz, uma das
nossas amigas mais próximas também. Ela é tão espontânea quanto
Savannah, tão positiva quanto Gianna e tão famosa quanto... hm, é, acho que
ela mesma. Maya tem uma grande quantidade de seguidores nas redes
sociais e é uma das blogueiras mais queridinhas da cidade, que dá dicas de
beleza, tanto de maquiagem quanto de cabelo, e ainda agracia a vida dos
seus amigos da internet com os seus vídeos de dança e com os seus vídeos
mostrando toda a sua rotina como líder de torcida na universidade. E o
melhor de tudo, não é nem um pouco metida, tão pouco dá ataques de
estrelismo, como se se sentisse superior. Ela é ótima, e eu me identifico
muito com seu conteúdo, porque somos ambas negras e de cabelo cacheado,
mesmo que com diferentes curvaturas, e eu adoro pegar dicas de hidratações,
cremes e de finalizações. Acho que já deu para perceber que sou viciada
nessas coisas. — Seu cabelo acordou lindo no day after, o que foi que você
usou? — Não só eu, Maya é outra viciada, também deu para perceber.

— Ah, obrigada. Ainda estou usando os mesmos produtos.

— Os leave-ins da Briogeo?

Faço que sim.

— Esses mesmos. O meu favorito é o com aminoácidos de arroz e óleo de


abacate, já usou?

— Nossa, esse, meus seguidores sempre me recomendam, mas ainda não


usei. Estou esperando que eles me mandem para possíveis testes.

— Ei, princesas — Savannah chama nossa atenção. — Os cabelos de vocês


são maravilhosos, super-hidratados, bem cuidados, graças a Deus todos nós
sabemos e podemos ver, mas o foco aqui agora é outro. Será que podemos
deixar nossa querida Gabriella se trocar?
— Desculpe, capitã, você tem toda razão. — Maya faz uma espécie de
continência para a sua líder, e tanto elas duas quanto as outras e eu, damos
risadas.

— Gabriella, por favor, põe logo o uniforme ou Savannah Summers entrará


em colapso, de tanto medo de te perder.

A loira revira os olhos, e eu a encaro com um biquinho nos lábios.

— Não se preocupe, Barbie Profissão Líder de Torcida, eu não vou fugir.

O apelido a faz sorrir, porém só um pouco.

— Então vá logo, Bratz, só por precaução.

— Bratz? — Uno as sobrancelhas. — É, gostei. Elas são estilosas e


definitivamente, me representam.

— Por isso que te chamei assim. — Pisca. — Agora vai logo, sou muito
rigorosa e não tolero atrasos de jeito nenhum. E você está, tecnicamente, três
minutos atrasada.

— Só para lembrar, capitã Summers, eu não faço parte do seu time.

— Não faz parte ainda. — Bate palmas, me apressando. — Quero adiantar


esse processo o quanto antes, então, favor se dirigir à cabine e só voltar
quando estiver devidamente pronta para torcer para os garotos do rugby.

— Tudo bem, tudo bem, já vou. — Começo a andar até os bancos, para
poder pôr as minhas coisas em cima. — Você parece uma general, eu hein —

resmungo, já de costas para ela, sem poder ver sua reação. — Reclame mais
um pouco comigo, e eu vou embora — brinco.

— Não estou reclamando, você pode fazer tudo o que quiser, linda.

Muda até o tom de voz, e eu rio.


— Sua falsa — acuso, ainda sem olhar para trás.

Ouço sua risadinha baixa e, com o uniforme em mãos, eu finalmente vou me


trocar, para a enorme felicidade de Savannah.

Se é dança e animação que ela quer, então vamos lá.

As meninas e eu estamos dispostas no campo de rugby, depois de Savannah


delegar, muito confiantemente, cada uma das posições em que devemos ficar
para começarmos essa espécie de teste.

Para a minha infelicidade e o meu completo azar, não somos só nós que
estamos presentes aqui, há alguns jogadores e outros curiosos, que
descobriram que Gabriella Faulkner vai dançar junto das líderes, também
vestindo o uniforme.

Eles estão de olho na minha saia, ou melhor, mini saia, que deixa minhas
pernas bastante expostas, e simplesmente não conseguem disfarçar. Estão
todos concentrados no nosso treino, nem piscam.

Olho para os pompons em minhas mãos e penso que não vai ter jeito, vou ter
que dar o show que todos eles querem. O mesmo show que Savannah
também deseja.

Por falar nela, ela para novamente em minha frente.


— Gabi, uma pergunta. Você se recorda da última coreografia nossa que
assistiu?

— Se não me falha a memória, era aquela música das meninas do BlackPink


com a Selena Gomez.

— Isso, essa mesma . Ice Cream o nome dela — relembra de forma


nostálgica. — Nós vamos testar essa agora, pode ser? A Gianna foi o
destaque, e acho que fica bom se a gente ver como você vai se sair a
substituindo.

— Ah, sem problema, eu me lembro da dança, acho que vai ser bom.

— Exatamente por isso que escolhi. — Ergue os ombros, enquanto sorri de


maneira nada modesta. — Lembro que naquele dia você participou
efetivamente do ensaio e até ajudou a Gianna nos passos que ela estava com
dificuldade.

— Uau, garota, sua memória é mesmo muito boa.

— Não há nada em mim que não seja bom, docinho. — Aperta meu queixo
por um segundo e depois dá uns bons passos para trás, para poder ver melhor
a formação das meninas. Ela ergue a mão em um joinha, quando percebe que
está tudo em seu devido lugar e depois pega o apito em seu peito, para
prejudicar nossos ouvidos. Eu contraio o rosto em uma careta ao escutá-la,
assim como Maya e todas as outras. — Vou contar até três, vou pôr a música
e quero que vocês só...

arrasem, façam o que sabem fazer de melhor. E Gabriella! — grita, ao


chamar

minha atenção. — Venha um pouco mais para frente, por favor, quero você
sendo o foco. Incorpore a garota que te habitava no ensino médio, e todas
nós estaremos realmente salvas.

Tudo bem, penso, dando um passo à frente e fazendo o que pediu.


— Ótimo. — Savannah bate palmas e corre para a caixa de som. — Se
liguem na batida, meninas, prestem atenção.

— Ok, capitã! — alguém grita, e não consigo perceber quem foi ou de onde
veio. — Boa sorte, Gabriella! — a pessoa também emenda.

Viro para trás, dando um sorriso e um aceno para todas como agradecimento.

— Obrigada, garotas. Vamos nessa.

— Sim, vamos mostrar quem é que manda — Maya complementa, ao meu


lado. — E, claro, mostrar qual equipe de animadoras que é a melhor.
Gabriella vai dar esse título para nós.

— Para com isso, vocês já são e nem precisaram de mim.

— Mas agora precisamos. — Bate levemente seu ombro contra o meu, de


propósito, me fazendo rir.

Não temos tempo de comentarmos mais nada, porque Savannah dá play na


música, depois de contar até três. Rapidamente, mudamos a postura, ficamos
mais sérias e escutamos os primeiros segundos de Ice Cream, eu, pelo
menos, tentando me recordar do que fazer a seguir. Olho para o lado, vejo os
passos de Maya e vou seguindo, meu próprio corpo, junto da minha mente,
se acostumando com a letra e com os movimentos, que começam um pouco
mais devagar e depois vão aumentando o grau de dificuldade.

Não é algo que me deixa desesperada, muito pelo contrário, conforme a


música segue seu ritmo, meu corpo parece ganhar vida, como em todas as
vezes em que me disponho a dançar, seja em casa, numa festa ou até mesmo
num campo de futebol americano ou, como agora, de rugby. É eletrizante,
me deixa com o coração martelando minhas costelas e faz com que gotículas
de suor comecem a se formar em minha testa, provavelmente brilhando tanto
quanto o sorriso de satisfação que começa a brotar em meus lábios.

Acho que as meninas que dançam comigo percebem o momento exato em


que a chavinha é virada em mim, pois começam a gritar quando eu me
empolgo no refrão. Troco de lugar com Maya e passo a jogar meus cachos
para o lado, passando, com sensualidade, as mãos pelo meu corpo,
deslizando da cintura até o quadril, depois jogando as mãos para o ar,
conforme giro uma, duas, três vezes, também usando os pompons no
processo.

Começo a escutar mais gritos, mais assovios, mais palavras de incentivo e


dessa vez, tenho certeza que não são das meninas, e sim dos garotos que
estão nas arquibancadas nos observando. Eles vibram a cada movimento, a
cada toque, a cada contato que temos umas com as outras, e isso meio que
infla os nossos egos.

É instantâneo, automático, desperta partes minhas que eu tinha esquecido,


que eu tinha deixado para lá, que estavam adormecidas e não faziam ideia de
que precisavam acordar, até esse momento.

Com essas partes acordadas, elas fazem minha respiração ficar


descompassada, o calor aumentar e, o mais importante de tudo, fazem a
minha mente sofrer um completo blackout, afinal de contas, enquanto danço,
com os tênis arrastando sobre a relva, eu não lembro de nada além da
Gabriella do ensino médio, que ganhava inúmeros elogios por sua
desenvoltura como animadora, sempre parabenizada por demonstrar tanto
amor naquilo que se dedicava a fazer.

Eu não lembro dos meus problemas, principalmente dos últimos tempos, não
lembro de Levi, de suas ameaças, de sua presença, que pode chegar a
qualquer momento e, principalmente, não lembro que não sou como as
outras que dançam comigo.

Aqui, enquanto coreografo Ice Cream, enquanto substituo Gianna, enquanto


sou observada e desejada, me sinto perfeitamente normal. Não tenho meu
lado bruxa ativado, não tenho que esconder nada anormal ou sobrenatural,
coisa que venho fazendo por tempo demais, e não tenho que fingir ser o que
não sou. Aqui, eu sou só a Gabriella. Aqui, eu sou só a garota do curso de
Ciências Biológicas, a que é a amiga de Savannah, de Maya, de alguns
garotos do rugby e que assim como eles, gosta de se divertir, de estar diante
do público e de surpreendê-los com as suas habilidades artísticas, tocando-os
através da minha dança e das minhas acrobacias, que sempre os deixam
admirados.

Por falar em acrobacia, quando a música já está acabando, eu preparo o meu


corpo para as estrelinhas, para os mortais para trás e para o meu perfeito
espacate, que finaliza a coreografia. Como no começo, eu fico na frente das
meninas, só que dessa vez na grama, e elas pulam no ar com os pompons
erguidos. Os gritos estouram no ar na mesma hora em que terminamos.

Eufórica e com o peito subindo e descendo, não sei se o som vem dos atletas
na arquibancada, se vem de Savannah, sem vem da gente ou se é uma
mistura de tudo junto. Voto na última opção, porque com certeza é o mais
provável.

— Meu Deus, meu Deus, meu Deus! — Summers exclama, quando começa
a saltitar até nós. Eu me levanto e quando percebo, estou sendo engolida em
um abraço por todas as líderes de torcida, que passam a rodar junto comigo.
E é claro que Savannah permite e faz parte da bagunça. — Ficou perfeitoooo
— prolonga as

sílabas para mim, quando eu me separo para buscar ar. — Do jeitinho que eu
imaginei. Não, estou errada, não foi do jeitinho que eu imaginei, porque
você, Gabriella, conseguiu superar todas as minhas expectativas. E devo
dizer que estou impressionada, você teve uma harmonia e uma conexão
incrível com todas elas. É

a salvadora, não tem jeito.

Antes que eu possa falar qualquer coisa, os garotos começam um coral:

— Queremos Gabriella! Queremos Gabriella! Queremos Gabriella!

— Sim, queremos! — Savannah comemora junto à Maya. — Mas e você,


Gabriella, quer ser uma de nós?

Merda, eu tenho um milhão de motivos para não aceitar, entretanto eu sei


que não posso. Eu vim até aqui, dancei, dei esperança às meninas e não
posso simplesmente acabar com tudo. Sem contar que eu gostei. Da
sensação, de relembrar os velhos tempos, de me sentir normal, venerada,
aérea e sem preocupações, a não ser não errar os passos ou não me doar o
suficiente na coreografia.

Quando eu vim, não achei que pudesse me sentir desse jeito, porém não
posso ignorar a verdade. Não posso ignorar que, no fundo, sempre serei uma
líder de torcida, não importa quanto tempo eu me mantenha afastada. É
como andar de bicicleta, uma vez que você aprende, já era, jamais será
apagado da sua memória, se lembrará para o resto da sua vida.

E agora, eu me dei conta que eu me lembro. Que quero me lembrar.

Que, como um escape, eu preciso disso. Preciso da dança para fugir da


minha realidade e do peso que vem sobrecarregando os meus ombros.

Não penso, apenas falo, deixo que meus desejos sejam atendidos, antes que
meu lado racional decida se expressar primeiro.

— Sim, eu topo. — Qualquer um é capaz de perceber a alegria em meu tom


de voz. — Eu topo ser uma de vocês. Topo fazer a coreografia de Ice Cream
e de qualquer outra música que a nossa capitã Savannah Summers mandar.

— Awwwwwwn — a loira solta de forma dramática, quando decide jogar o


corpo em mim novamente, me abraçando. — Estou sensível, se você falar
qualquer outra coisa, vou chorar.

— Não chore — eu peço, enquanto afago as suas costas. — Não gosto de


você chorando, gosto de você sorrindo, dando ordens, sendo nossa líder.

— Ai, que chique, que lindo, que tudo. — Seus lábios fazem bico, e dá para
perceber que está realmente emocionada. — Que tal mais uma coreografia
de comemoração? Dessa vez, não tem regra, vale tudo, incluindo deixar os
jogadores babando.

— Isso é o máximo — Felicity, uma das líderes de torcida, menciona. — Eu


vou pôr a música, quero ver a Sav dançando junto da gente. — E ela vai em
direção à caixa de som.

A capitã, ao ouvir a música, logo se junta na nova bagunça que está prestes a
começar.

Eu não sei se a gente é capaz de seduzir alguém com o que estamos fazendo,
é muito mais uma dança da comemoração, do que qualquer outra coisa.
Estamos brincando, leves, nenhuma, de fato, ligando para quem quer que
esteja nos olhando.

Em um determinado momento, eu me pego gargalhando, quase podendo


estar plenamente feliz de novo.

E quando chega a hora da nossa diversão acabar, nós voltamos ao vestiário e


continuamos brincando lá dentro, à medida que cada uma se arruma. Eu
agradeço a elas pela oportunidade, elas me agradecem de volta, e guardo o
uniforme na bolsa, que agora aperto a alça, depois de me despedir do meu
mais novo time.

Passo a caminhar sozinha pelo campus e quando me afasto do vestiário, uma


pessoa grita por mim às minhas costas. Na mesma hora, todo o meu corpo
congela, principalmente quando escuto a voz masculina dizer:

— Finalmente pude encontrar você de novo.


Giro nos calcanhares na velocidade da luz e ao vê-lo parado à minha frente,
um suspiro de alívio escapa por entre meus lábios. Segundos depois, por
causa de toda tensão que me fez passar, não sei se agora sinto vontade de
matá-lo ou de abraçá-lo, mesmo sabendo que seria muito estranho.

Porque não é quem eu pensei que poderia ser, é apenas Cody.

Cody Davenport. Aquele mauricinho engraçado que errou a palestra e


invadiu a minha aula de Botânica um dia desses.

Ponho a mão no peito, podendo sentir meus batimentos cardíacos acelerados


contra a minha palma. Ele não deveria chegar assim por trás de uma bruxa
— pelo menos não por trás de uma que está sendo caçada por um vampiro
psicótico.
— Você. — Abro um sorriso e sei que ele sai mais nervoso do que eu
gostaria. Mas tudo bem, não posso ser tão dura comigo mesma, ainda estou
me recuperando do susto. — Hm, olá, invasor — prossigo e aprumo os
ombros, para finalmente conseguir passar confiança e parecer minimamente
normal. — Não sabia que estava por aqui ainda.

— Pois é, não pretendia ficar, mas meus amigos me chamaram — se explica,


coçando a nuca como se estivesse sem jeito. — Eu era um dos garotos na

arquibancada, no campo de rugby.

Levo minha cabeça um pouco para o lado e uno as sobrancelhas.

— Não sabia que era atleta.

— Porque não sou, sou só amigo de alguns deles. E você, líder de torcida,
uh?

— Não, não sou. — Balanço a cabeça e, quando percebo o que eu disse,


quase mordo a minha própria língua. — Quer dizer, eu não era uma, até
alguns minutos atrás. Mas sou amiga da Savannah, a Savannah Summers, e
ela me convenceu a fazer um teste, porque a Gianna se machucou e vai ficar
fora por algum tempo.

— Quebrou o pé na festa do Marshall, certo? — Faço que sim, com uma


expressão um pouco triste, ao lembrar da garota de cabelos vermelhos. Faço
uma nota mental para me lembrar de ligar para ela hoje novamente. Tentei
no mesmo dia em que soube, porém Gianna não atendeu, só fez me mandar
uma mensagem, me pedindo desculpas e dizendo que estava grogue dos
remédios. — É, eu soube.

Dizem que a queda foi feia.

— Estranho. Você não estava lá?

— Não, não estava. — Ele me olha de uma forma desconfiada. — Por que
você parece tão surpresa com a minha resposta?
— Ué, pelo óbvio. Não é você, Cody Davenport, que ficou conhecido como
o riquinho baladeiro que desperdiça dinheiro? — Cruzo os braços, mordendo
um sorriso. — Pois então, achei que não fosse capaz de perder nenhuma
festa, pelo menos não ainda vivo.

Com uma expressão nada santa, Cody dá um passo, desfazendo um pouco da


nossa distância.

— Olha só, então ela ouviu falar de mim por aí. — Suas palavras gotejam
malícia e um pouquinho de soberba. É perceptível que está se sentindo
porque, na sua cabeça, acha que saí por aí querendo descobrir coisas ao seu
respeito. Muito pelo contrário, na verdade. Eu mesma nem o conhecia,
nunca nem tinha o visto ou sequer reparado no campus, só fiquei sabendo do
acontecido como todo mundo, ouvindo da boca de outra pessoa, simples.
Sendo bem sincera, não vou falar nada, vou deixar que continue pensando
dessa maneira, que continue se iludindo. Não sei outras mulheres, mas eu,
particularmente, gosto de ver até que ponto a autoestima de um homem é
capaz de chegar. Pela minha experiência, é sempre muito, muito longe. De
um jeito que você nunca viu igual. — Que pena, eles sempre exageram. Eu
estava apenas bêbado naquele dia, e, por causa desse dia mesmo que saiu o
vídeo, meu pai me proibiu de frequentar festas pelos próximos

cinquenta anos. Sabe como é, não posso manchar o sobrenome da nossa


família, mais do que já manchei.

— Caramba, álcool é um bicho complicado, se não mata, humilha.

— Eu que o diga.

— E a pobre da Gianna também — completo, me segurando para não rir.

Infelizmente, é automático, é só um olhar para a cara do outro, que as risadas


explodem no ar.

Paro na mesma hora que a vozinha da minha cabeça diz que estou sendo
uma idiota insensível.
Desculpa, Gianna, não vai mais acontecer.

Por sorte, acho que Cody escuta a mesma voz na sua cabeça, também
parando, só que com um fantasma de um sorriso ainda passeando por sua
boca.

— Por favor, Gabriella, me diz que a sua amiga está bem e fora de perigo,
estou com um pouco de peso na consciência agora.

— Por quê? Por ter rido? — questiono.

— Não, não por isso. Por ter agradecido, só por um momento, por ela ter
decidido ficar um tempo fora da animação das líderes de torcida.

— Por que você agradeceria a uma coisa assim, invasor?

Mais uma vez, Cody sorri. E ele tem covinhas.

Apenas uma, furando sua bochecha esquerda.

— Porque ver você dançando no campo com aquele uniforme foi a coisa
mais esplêndida que meus olhos já presenciaram. Naquele momento,
também agradeci por enxergar. Era como se eu estivesse presenciando um
acontecimento, um fato histórico, algo que ficaria marcado para sempre na
história da humanidade.

— Nossa, que exagero. — Bufo uma risada, enquanto desvio do seu olhar
por um segundo. — Aquilo não foi nada, sério. As meninas se destacaram
muito mais do que eu.

— Eu acho que não.

— Foi sim.

— Vá por mim, não foi. Eu estava lá.

Dessa vez, reviro os olhos de brincadeira, diante do que fala.


— Está só tentando me impressionar, para poder sair comigo, Cody
Davenport, eu conheço o seu tipinho. Esses elogios todos só são para fazer
com que eu esqueça do que fez naquele dia, no auditório, falando mal das
lindas e importantíssimas plantas, que fazem parte do nosso ecossistema. —
Semicerro os

olhos em fendas, fingindo. — Já disse, eu não dou chances para quem agride
o meio ambiente.

— Ei, a coisa está indo para outro patamar. — Toca o meio do seu peito,
também entrando na encenação. — Que tipo de acusações são essas? Eu
nunca agrediria o meio ambiente. O único crime que cometi, foi já ter jogado
papel de bala no chão, isso eu confesso.

— Só que você agrediu naquele dia, com palavras. E aposto que fez muito
mais do que está dizendo, aposto que já desperdiçou água também.

Entreabre os lábios em um 0 perfeito.

— Como sabe?

Balanço os ombros.

— Você tem cara de quem gasta água cantando no chuveiro.

Outro ar malicioso lhe engloba.

— Por acaso, anda vigiando meus banhos, e eu não estou sabendo, Gabriella
Faulkner?

Droga, ele é bom nisso.

Não tanto quanto eu, acho.

Tento parecer séria, sem dar nenhuma brecha de que quero sorrir, e continuo:

— Não, é só que, como eu disse, conheço seu tipinho. Nada vai fazer com
que eu esqueça seus insultos às plantas e sua falta de empatia pela natureza.
— Qual é, gata, o que eu podia fazer? Aquela aula estava tediosa pra
caralho.

— Você poderia ao menos fingir — digo, como se fosse óbvio. — Eu sou


uma aluna do curso, aquilo poderia me ofender, oras.

É sua vez de bufar.

— Que mentira, você estava tão entediada e tão prestes a morrer quanto eu.

Tento muito continuar mantendo a pose e toda a encenação, juro que tento,
porém não aguento ver seu olhar sobre mim. É quase igual ao dos meus pais,
quando me pegavam mentindo na infância pelas coisas mais bobas possíveis.

Como aconteceu anteriormente, nós também acabamos rindo juntos.

— Ok, tudo bem, você venceu. Culpada. — Ergo as mãos entre uma risada e
outra. — Mas não pense que você não está no meu radar de desconfiança
ainda, porque está. Uma coisa é você achar a aula chata, outra coisa é você
achar as plantas chatas. E quem não gosta de plantas, bom sujeito não é, é o
que vivo dizendo.

— Caramba, já percebi que você não vai esquecer isso tão cedo. Será que
não tem nada que eu possa fazer para mudar essa sua opinião sobre mim?

Flertes. Mais flertes.

Ele, definitivamente, não vai parar.

— O que você sugeriria? — E pelo visto, eu também não paro, talvez eu


goste de dar corda.

— Um encontro. — A rapidez com que solta isso, me faz perceber que


estava com essa intenção desde o minuto em que resolveu se aproximar e
falar comigo. Era bem óbvio até. — Você e eu. Em qualquer lugar. Só para
conversarmos e para eu fazer com que você perceba que não sou nenhum
monstro, por ter falado mal de plantas apenas uma vez na vida.
— É o que você quer? — Continuo sorrindo, agora o provocando.

— É tudo o que eu mais quero.

— Ok, invasor. — Lambo os lábios de uma forma tão ardilosa, que até o
deixa desconcertado, seu pomo-de-adão descendo e subindo em sua
garganta. — E

tem certeza de que pode ser em qualquer lugar? Tem certeza de que pode me
deixar escolher?

— A mais absoluta das certezas, você tem cara, mas não pode ser tão má.

— Ah, posso ser sim, porque estou pensando em te levar para conhecer a
natureza, te fazer ter um contato mais íntimo com plantas, sabe como é, para
que nunca mais reclame delas de novo.

— Alguma floresta? — Ergue uma sobrancelha em desafio, pensando em


mil e uma sacanagens, provavelmente. Todo mundo que é jovem em
Emerald Grave, conhece as histórias dos casais em florestas, e são sempre
para maiores de dezoito ouvirem. As coisas que acontecem são insanas.

— Talvez... — Deixo no ar, só para lhe dar esperanças, sabendo que vou
cortar logo em seguida. — Ou, quem sabe, em um jardim bem bonito.
Talvez em uma floricultura, em algum viveiro. — Dou de ombros. —
Poderíamos plantar mudas também. Quem sabe.

— É, retiro tudo o que eu disse, você é sim malvada.

Jogo a cabeça para trás para poder rir, sua expressão falando por si só o quão
tedioso nosso encontro seria se fizéssemos qualquer uma dessas coisas
mencionadas.

Tirando a parte da floresta, claro.

— E retiro a outra coisa que eu disse também — continua e ignora minha


crise de riso. — Não quero mais que escolha lugar nenhum. Você pode odiar
a ideia, mas eu vou escolher. O que é que você gosta de fazer?
Volto a olhá-lo como quem diz: “quer mesmo que eu diga? ”.

— Sem ter nada a ver com planta, Gabriella, por favor — solta, quase em
desespero.

Pressiono os lábios, até a vontade de continuar rindo passar.

— Hm, vamos lá. Vamos falar sério agora. Caso não tenha percebido, eu
ainda não aceitei cem por cento do seu convite. Estou pensando e dessa vez,
juro que não tem nada a ver com plantas.

— E com o que é que tem a ver, então?

— Não vou a encontros há muito tempo — sou sincera. — E vamos lá de


novo, não sou inocente, você também não vai a eles. Não por falta de
pedidos, mas porque não gosta. E vamos lá pela terceira vez, você não quer
sair comigo, jantar e comer, você quer me comer. Já estava interessado antes,
na aula, me ver dançando só fez despertar ainda mais essa sua vontade.

Ao mesmo tempo que parece achar graça, Cody parece espantado com a
minha escolha de palavras. Tenho certeza que muitas pessoas também
ficariam assim, caso me ouvissem, mas o que posso fazer? É a droga da
verdade.

Essas mesmas pessoas, caso me ouvissem agora, poderiam achar que estou
no mesmo patamar de autoestima dos homens, só que, se eu pudesse
retrucar, diria que não estou. E não estou mesmo. O que estou sendo, é
realista. Sei muito bem a fama de Cody, e ele mal me conhece, não tem
como não pensar o que estou pensando. Até porque, seria surreal demais
pensar que o cara conhecido por ser herdeiro de boates e que vive em
camarotes com strippers, soltando dólares e mais dólares, me viu uma vez e
pensou: “nossa, quero um encontro com ela, quero levá-la para jantar em
um restaurante à luz de velas, escutar cada uma das suas histórias, estar
inserido em sua vida, mesmo que minimamente, e depois deixá-la segura na
porta da sua casa, e me despedir com um casto beijo na testa” .
Fala sério, não sou besta. E tão pouco estou dizendo que ele está errado em
querer o que ele quer, apenas estou pondo os fatos na mesa, para deixar tudo
bem esclarecido. Para nós dois.

— Uau. — Assobia. — Já conheci garotas diretas, mas você superou todas


elas agora.

— É que eu gosto de jogar limpo.

— Percebi. — Por um momento, Cody olha para o chão. Para os seus


sapatos antiderrapantes tão caros, que minha realidade não consegue nem
mensurar o preço. Assim que ergue o olhar, está sorrindo. — Você também
conseguiu fazer o que ninguém nunca conseguiu, que é me deixar sem
palavras.

Me deixou até um pouco envergonhado. Não consegue ver as minhas


bochechas queimando?

— Não, elas parecem perfeitamente normais para mim.

— Então estou fingindo bem. — Ergue os ombros, à medida que escorrega


as mãos para dentro dos bolsos do jeans. — Mas vamos lá, chegou a minha
vez de falar sério. Você não acha que anda fazendo muitas suposições ao
meu respeito, não?

— Estou errada dessa vez?

— Não totalmente, mas…

— Tá vendo — dou ênfase, ao passar minha voz por cima da sua. — Eu


sempre sei das coisas, meu sexto sentido é muito bom.

— Tá, caso seja verdade o que você disse, você não deseja me comer
também, não?

Franzo o nariz ao escutá-lo.

— Ah, Cody, não acredito que você mandou essa.


— Mandei sim, depois do que disse, não temos mais filtros. Eu até achei
mais legal assim.

Continuo com uma careta no rosto, no entanto, não estou assim de fato.

Estou achando engraçado, só que solto:

— Não vou responder. Me recuso.

— Tudo bem, você pode aceitar o nosso encontro e me responder lá. Que
tal?

Hm, merda, agora não tenho para onde fugir. Gosto das tiradas dele, da
forma como nossa conversa flui bem e de como rimos à toa, um sempre
entendendo as brincadeiras do outro. Meu humor meio sem graça combina
com o dele, e, assim como eu, Cody tem resposta para tudo. Ele é bom nos
jogos, nos flertes, é decidido, sabe o que quer e é bem bonito, não posso
negar.

Tudo bem que seu estilo de mauricinho não é meu favorito, porém há algo
nele que me deixa entretida. Eu poderia ir para a cama com ele por isso,
estou precisando, e acho que seria uma boa deixá-lo me tirar da seca, já que
entrou no meu caminho e quis roubar minha atenção. Porém, entretanto,
todavia, a minha intuição, e dessa vez não sei se de mulher ou de bruxa, me
diz que não me parece tão certo assim…

Talvez possa dar ruim, e para Cody. Ele pode ficar em perigo por minha
causa. Não estou no meu melhor momento para adicionar pessoas novas à
minha rotina.

Contudo, é só uma noite, uma ficada, uma coisa de momento. Minha vida de
bruxa perseguida não poderá afetá-lo.

Certo?

Certo. Eu mesma respondo.


— Me passe seu número, invasor, e talvez, quando eu estiver com fome, seja
capaz de te procurar.

Não vai dar em nada, eu repito para mim mesma, quando o vejo sorrir de
forma ladina.

Balançando a cabeça para espantar meus próprios pensamentos, eu retribuo


o seu sorriso no exato momento em que puxo meu celular para entregar a
ele.

— Adicione — mando. — E reze para que a minha vontade de comer


chegue o quanto antes.
Minha cabeça dói.

Minha barriga ronca.

Eu estou faminto, com fome de sangue.

Queria estar, nesse momento, com as presas fincadas no pescoço de alguém,


do mesmo modo que fiz com a loira e com a morena na festa em que fui de
penetra, com quem tive uma ótima foda e não passei fome em nenhum
sentido, nem no meu lado animal, nem no meu lado homem humano, que
tem suas necessidades e que, de qualquer forma, acaba sendo tão ruim
quanto o monstro sobrenatural que me domina.

E sim, eu disse queria, no passado, pois, ao invés de estar me deleitando


com as coisas que costumam me alimentar e me dar prazer, estou trancado
num quarto minúsculo, dividindo a porra da cama com Devon e Larkin,
enquanto somos engolidos pelo tédio de não conseguirmos e de não
gostarmos de fazer nada durante dia.
Sobre a cama, melhor reformular de novo para não ficar estranho. Não estou
dividindo a cama com eles. Falar assim, faz parecer outra coisa. O que está
acontecendo, é que eu estou meio deitado, meio sentado, a coluna um pouco
encostada na cabeceira, e as minhas mãos atrás da minha cabeça, em uma
postura

totalmente desleixada, já que também estou de coturnos, calça, camiseta e


uma jaqueta de couro por cima, balançando os meus pés calçados de um lado
para o outro, como um meio de extravasar a ansiedade. E meus amigos, tanto
um quanto o outro, estão jogados na ponta da cama, se olhando, à medida
que continuam falando, falando e falando, suas vozes fazendo o inferno da
minha dor de cabeça se intensificar.

Eu pedi para eles pararem ou diminuírem o tom de voz um milhão de vezes,


mas é claro que me ignoram. Reforço novamente meu pedido, só que agora
em um tom muito mais imperioso e matador. Meu cérebro praticamente
agradece e suspira em alívio, quando me escutam e ficam em silêncio, porém
o que eu achei que fosse acontecer, não acontece. Larkin e Devon não
param, eles trocam mais um olhar, e depois suas cabeças rodam em minha
direção, os dois pares de olhos fixos em mim de uma forma estranha e
insuportável, porque sei que estão prestes a abrir a boca de novo.

E é o que vai acontecer em 5,4,3,2...

— O que você quer que a gente faça? — 1. É Larkin quem estoura a


contagem regressiva e põe em prática todo o conhecimento que tenho sobre
o modo dos dois agirem. Eu os conheço bem o bastante, infelizmente. É uma
merda saber cada passo que eles dão, até mesmo os que estão pensando em
dar. Pensando em dar, isso saiu meio errado. E droga, minha mente deveria
parar um pouco, assim faz parecer que estou prestes a enlouquecer. — É à
tarde, estamos presos aqui dentro, não temos absolutamente nada para fazer,
o que nos resta é conversar e falar em voz alta. Se quer sangue para parar
esse seu mau humor, tem bolsas na geladeira, mais especificamente, no
congelador, o Devon roubou. Ei! Vocês viram?

— Estica o pescoço e alterna o olhar entre mim e o outro vampiro ao seu


lado, parecendo uma criança capetinha e atentada. — O que eu disse acabou
de rimar.

— Parabéns, Eminem da geração sobrenatural, quer palmas? — o provoco.

— Quantos neurônios será que você fritou nessa? — Devon Mars também
participa.

O ruivo joga a cabeça para trás e revira os olhos de uma forma tão intensa
que, por um momento, penso que suas írises se perderão lá dentro.

— Inferno — resmunga. — Vocês nunca reconhecem minhas habilidades


artísticas. Acho que vocês são meio tóxicos.

— Só… cala a boca. Por um momento. Apenas para a minha dor de cabeça
passar — suplico, enquanto massageio as têmporas.

— Foi o que eu disse antes de me empolgar, vai beber sangue, está


precisando. — Do jeito que Larkin me olha, parece que está querendo me
chamar de burro.

Balbucio coisas que nem eu mesmo entendo, à medida que sinto o olhar dos
dois me queimando, sem lhes dar nenhuma resposta. Estou totalmente
concentrado em massagear, com certa agressividade, cada lado da minha
cabeça.

Por que está doendo tanto? O que está acontecendo comigo?

— Acho que o problema do Levi não deve ser sangue — Devon diz ao
outro, como se eu não estivesse nem aqui. Mereço.

— É, pode ter acontecido algo — River completa, reflexivo.

Depois de um tempo, voltam a olhar para mim, dessa vez com mais
intensidade.

— Não, eu tô com fome — exponho, sem nenhum motivo para mentir. E


também, talvez, quero que parem de conversar e debater sobre mim como se
eu não estivesse presente, me deixa um pouco mais nervoso e um tanto
quanto inquieto, como se eu já não estivesse o bastante. — É só que… sei lá,
beber sangue de bolsas retiradas de hospital não tem a mínima graça. E toda
essa porra de ficar preso dentro desse quarto e dessa cidade, está me
deixando num tédio do cacete. Eu mataria qualquer pessoa que aparecesse na
minha frente agora mesmo.

Com tédio igual a mim, Devon se joga para trás, seu corpo imenso quase
afundando o colchão que mal está suportando a nós três.

— Não queria falar nada, mas estou com o mesmo pensamento. Não é nada
legal ficarmos nos escondendo como se fôssemos as vítimas, não quando é a
porra do contrário. Por que aquela bruxa está livre, e nós não? — Seu tom
de voz mudando revela que, como eu, Mars está a um passo de explodir. Dá
para ver quando a escuridão toma conta das suas feições e o deixa sombrio.
— Longe de mim ir contra você, Vodrak, sabe que concordei com sua ideia
desde o princípio, tanto que estou aqui com você até hoje, mas não acha que
estamos demorando demais, não?

— Não — sou direto e reto, pois não gosto de joguinhos ou rodeios. Não
com eles, meus braços direitos, meus amigos, as únicas pessoas que tenho
próximas. — Tudo no seu tempo. Já aprendi que não podemos deixar a raiva
falar mais alto, como antes. Sacrifícios são importantes às vezes. Agora, a
gente perde; lá na frente, a gente ganha.

Larkin também se deita, puto da vida.

— Eles vão achar que estamos com medo, que somos fracos.

— E por acaso somos? — Ele logo faz questão de negar, ao balançar a


cabeça. — Então não se importe tanto, porra. Nós vamos destruí-los, um por
um, e não importa quanto tempo leve, vai acontecer, e ponto final. Todos nós
vamos ter nossa vingança.

— Até mesmo seu irmão? — Devon questiona, com uma pitada de


provocação e desconfiança.
Eles não acham possível que eu queira matar Luca Vodrak, meu próprio
irmão, meu gêmeo. Eles dizem que é raiva de momento, que é birra, que
todo o nosso ódio é ressentimento, mágoa, e que o que estamos precisando
mesmo, é de uma boa conversa esclarecedora sobre todas as nossas escolhas
durante os anos que vivemos como vampiros, depois que fomos
amaldiçoados.

Meus amigos acham que somos família, que, mesmo que briguemos feito
cão e gato, jamais seríamos capazes de matar um ao outro. Na cabeça deles,
nós morreríamos um pelo outro, e isso só porque nunca, de fato, entramos
em combate, apenas mantemos uma guerra fria durante todos esses anos.
Mostra que eles não entendem de porcaria nenhuma, pois, por mais que eu
tenha brigado com Luca por décadas a fio, ainda tentei fazer a minha parte
de família, mesmo até o último segundo.

Ele esteve o tempo todo contra mim, esteve o tempo todo me traindo,
escolhendo pessoas desconhecidas como prioridade e colocando qualquer
um na minha frente, inclusive Evelyn, sua namorada humana, e até mesmo
Gabriella, a última bruxa de uma linhagem que nos matou, que nos
machucou, que tirou tudo de nós dois e fez com que vivêssemos para sempre
em agonia.

Podem me chamar de monstro, de vilão, de assassino cruel, do que quiserem,


mas eu, mesmo com todo o seu ódio para cima de mim, tentei trazê-lo para o
meu lado, tentei lhe dar uma última chance, uma última opção de escolha,
para ver o que faria. E o que eu esperava, aconteceu, obviamente. Luca se
voltou contra mim definitivamente e preferiu lutar essa guerra ao lado de
pessoas que o descartariam na primeira oportunidade; humanos e uma bruxa
que sabia muito bem do peso do seu sobrenome. Do nosso sobrenome. E se
mesmo assim, foi isso que ele escolheu, eu não sou otário, quero que aguente
e sustente até o fim, quero que brigue, quero que lute, quero que veja tudo
ser destruído, da mesma forma que eu vi. Quero que se descontrole e que
perca tudo.

Sua vida estúpida e mentirosa de humano, seu amor, seus amigos, sua
cidade.
Eu quero ver tudo pegando fogo.

Foda-se, é tudo o que eu tenho a dizer, porque sei que ninguém nunca vai
entender meus sentimentos mesmo. Não importa o que eu faça, não importa
o quanto eu tente, eu sempre serei o errado, afinal, ninguém para e tenta
escutar ou entender o Levi. O Levi está marcado na história como mau,
como descontrolado, ele sempre será visto dessa forma. E é isso que eu sou
mesmo. É esse lado que quero que vejam em mim.

Se eu escolhi o lado deturpado para tentar consertar as coisas, para tentar me


recuperar, vou sustentar até o fim, e é por isso que eu quero que o meu irmão
sustente também.

— Até mesmo ele — garanto, com os meus dentes rilhando uns nos outros.

A raiva é tão grande ao pensar nele, ao pensar em tudo que vivemos, todas
as dores que sentimos, que enxergo tudo vermelho e sinto o meu interior
vibrar. É

como se eu tivesse uma besta, uma pessoa à parte dentro de mim, e ela
sempre fica instigando e aflorando o meu pior. É horrível, desesperador,
tento lutar contra e constantemente falho, perco as árduas batalhas, e talvez
essa seja uma das merdas da maldição da qual não consigo me livrar. Na
verdade, do que foi que eu me livrei? Nada. Nada é a resposta. — Ele não
foi capaz de se juntar a mim, então terá que aguentar o tranco de ter ficado
contra. Não vou facilitar. Para ninguém. Nem para ele, nem para a sua
namoradinha patética e muito menos para aquela bruxinha endiabrada.

Não sei o que posso ter falado para despertar isso em Devon, porém ele
esboça um pequeno sorriso de lado, assim que me escuta.

Rapidamente, uno as sobrancelhas.

— Por que está parecendo tão debochado, idiota? Tem medo de morrer, não?

— Não, é que... é justamente isso. Morrer — sopra a palavra, depois de


fazer um movimento estranho de estalo com os lábios. — Na hora do vamos
ver, você vai deixar seu gêmeo morrer, Levi? Vai conseguir matá-lo com as
suas próprias mãos?

Meu pomo-de-adão sobe e desce em minha garganta, sem nenhum tipo de


consentimento com o meu cérebro, parece que faz sozinho,
automaticamente.

— Por que eu não conseguiria? — decido, não sei como, questioná-lo.

— Porque você o ama. — Larkin se levanta e decide encher a porra do meu


saco com essa conversa, sendo que nem foi ele quem perguntou. — Tão
simples.

— Olha, que milagre, Larkin River falando algo que preste pela primeira
vez.

— Amor é o caralho — solto, agora já sem paciência. — Vocês falam de


mim, mas estão os dois loucos da cabeça, parecendo até que não me
conhecem. Eu já falei mil vezes, amor não existe, é uma invenção. As
pessoas são cruéis e falsas, agem por conveniência, decidem ficar ao lado
daqueles que são capazes de lhes trazerem benefícios e... só. Não podemos
confiar nem na nossa família. Na verdade, nem na nossa própria sombra.

— Por acaso isso é uma indireta para nós? — um questiona, enquanto o


outro, Larkin, mais especificamente, volta a se sentar na cama, só para
cruzar os

braços e me olhar, como se estivesse tentando enxergar até mesmo a minha


alma.

Não.

Óbvio que não.

Devon, Larkin, e eu... nós três somos algo diferente. O que temos é único.

Raro, extremamente difícil de se encontrar. Não costumamos demonstrar


nossas emoções, não costumamos falar em voz alta o que significamos um
para o outro, nossas personalidades e nossos traumas não deixam, mas é algo
que simplesmente sabemos, algo que já está enraizado conosco, algo tão
natural quanto respirar, ninguém chegou em nós para nos ensinar.

Temos muitas histórias, muita confiança, e, por mais que eu não confie em
ninguém nesse mundo, nesses dois idiotas eu confio mais do que em mim
mesmo.

Eles também sabem disso, inclusive. Sabem que o que temos não se compara
com nada, e que todas as minhas reclamações acerca das minhas revoltas e
mágoas, de nada tem a ver com qualquer um dos dois. Essa é só mais uma
das formas que encontram para me provocar.

— Quer saber de uma coisa? — Pego as primeiras almofadas que encontro e,


antes de arremessá-las contra seus corpos, eu grunho, fingindo raiva. — Por
que vocês não vão se ferrar? — Obviamente, mesmo que eu tenha a minha
perfeita mira de vampiro, por eles também serem tão rápidos quanto eu,
desviam das almofadas, que caem no chão. Reviro os olhos quando os ouço
darem risada.

Sinceramente, eu deveria odiá-los, assim seria muito mais fácil para a minha
sanidade. Como posso passar tanto tempo em suas companhias sem surtar?
Sem sentir uma vontade, mesmo que mínima, de matar e esganar pescoços?
Os deles, de preferência. — Cansei desse assunto, cansei de falar sobre
Luca, Gabriella ou Emerald Grave. Por que não falamos de outra coisa ou
então, sei lá, ficamos calados?

Minha cabeça lateja enquanto falo, e eu pisco.

Hoje está um inferno, nunca senti nada parecido. A minha cabeça parece que
vai explodir, e dessa vez não é nem exagero ou drama referente ao fato de
esses vampiros atiçarem meu lado com pouca paciência. É que realmente
está doendo.

— Não, na verdade eu quero, sim, falar sobre Luca, porque acabei de me dar
conta de algo sobre ele. É algo que já venho pensando, criando teorias e só
não tinha falado ainda, porque não tinha encontrado brecha.
Quando River se levanta, Devon Mars e eu trocamos um olhar que
basicamente diz: “ei, por acaso você sabe me dizer o que está acontecendo?
”.

Pela expressão dele, que é exatamente igual a minha, tenho certeza que está
tão perdido quanto eu.

Uma vez que não temos respostas, nossos rostos, no mesmo instante,
acompanham o ruivo andando pelo quarto em busca de algo que só ele sabe
o que é.

Larkin vai na gaveta, pega algo e quando retorna, está com uma foto virada
para si em mãos.

Eu estranho no mesmo momento.

— O que é isso?

Não responde, apenas se senta de volta na cama, agora com Devon em seu
encalço, esticando o pescoço para a foto, só de curiosidade.

Faço o mesmo, me junto mais perto deles para poder olhar melhor.

— Você deixou essa foto cair, Levi — informa, a confusão fazendo nós e nós
em meu cérebro. Em um primeiro momento, acho que sou eu na imagem,
mas não demora muito para eu perceber que não é. — Estava na sua pasta de
investigação, acredito eu. É o Luca.

Sim, obviamente é meu irmão gêmeo, como suspeitei. Podemos até ser
parecidos, porém eu sou muito mais bonito. E estiloso também. Luca não
sabe como cortar o cabelo direito e não usa jaquetas de couro, apenas
jaquetas ridículas do seu time de hóquei ridículo. Faço a maior força
extracorpórea para não revirar os olhos aqui.

— Certo, deve ter caído mesmo. Mas o que é que tem?

— É. — Devon parece inquieto. — Por que você a guardou nas suas coisas,
ao invés de devolver para o lugar em que supostamente estava?
— Nossa, calma. — Ergue a palma, tanto para mim quanto para o outro
vampiro ao seu lado. — Será que vocês poderiam, por favor, só uma vez na
vida, me levarem a sério e me deixarem explicar? Não é nenhum tipo de
graça, estou mesmo querendo falar algo importante aqui.

Lhe dou um tapa em sua nuca, fazendo-o se assustar.

— Fala de uma vez. — É meu método dócil de incentivá-lo a ser mais


rápido.

Pelo menos funciona, porque Larkin resolve ignorar o meu tapa e se


concentrar na foto de Luca, um pouco depois do incêndio no Shine Star,
quando eu pedi para que um dos meus olheiros me trouxesse atualizações
sobre sua vida; onde estava, como estava e com quem estava. Ele parece
bem na imagem, perfeitamente normal, não sei o que pode ter de tão sério na
foto que está segurando bem à minha frente.

Acho que eu mesmo já a vi incontáveis vezes, por anos, e ela é só uma mera
lembrança, um papel descartável, que só não joguei fora ainda, porque... me

esqueci.

É, me esqueci e quando encontrei, resolvi juntar com as outras fotos que


mandei revelar da Gabriella, da sua irmã Evelyn Sutton e de todas as outras
pessoas que fazem parte da sua vida agora, só para que eu pudesse me
inteirar com perfeição.

— Ok, vou falar. — Larkin respira fundo, como se fosse fazer o discurso
mais importante, para o qual ele precisa se preparar para não errar ou não
deixar dúvidas. — Eu encontrei essa foto no chão do quarto e, assim como
você, Levi, assim como você, Devon, eu não vi nada demais. Era só uma
foto qualquer, uma em que ele andava pelas ruas, à tarde, é bom frisar isso, e
que não me interessava em nada. Então, quis rapidamente colocá-la de volta
no lugar, porém antes que eu pudesse fazer qualquer coisa com ela, algo me
chamou atenção na foto, e eu parei um instante para tentar decifrar o que era.
Não sei quanto tempo levou essa minha busca, não sei se foi rápido, se eu
bati o olho e logo percebi ou se realmente demorou algum tempo, no
entanto, quando percebi, já tinha encontrado e me dado conta do que era.

Larkin faz uma pausa dramática, e todos os meus nervos se abalam com sua
maldita demora em ser objetivo.

Devon permanece em silêncio, mas troca mais olhares comigo, quando


Larkin continua com suas írises presas no papel que segura entre os dedos.

— Estão vendo esse colar aqui? — depois de um certo tempo, finalmente


fala, e meus olhos logo correm para a parte da foto em que o seu dedo
indicador está batendo. Balanço a cabeça, dizendo silenciosamente que, sim,
estou vendo. A foto está no zoom, com uma boa resolução, e dá para ver
perfeitamente o colar caindo pelo peito, sobre o tecido da sua camiseta. —
Pois bem, parece um colar comum, mas eu fiquei intrigado com ele. Tem
uma pedra, uma pedra bem no meio, e isso me fez lembrar de uma história.

— Que história? — insisto novamente.

— De que bruxas fazem feitiços em pedras — explica, fazendo todo meu ser
congelar, tanto por dentro quanto por fora. — Certa vez, fiquei com uma
vampira em Atlanta. Ela estava desesperada, porque tinha perdido seu colar
de pedra de água marinha bruta, uma pedra da natureza em que uma amiga
bruxa dela tinha feito feitiço para que ela pudesse andar normalmente entre
os humanos, de dia e de noite, enquanto controlava seus impulsos por
sangue. Quando percebeu que havia o perdido, tentou voltar para o local em
que acreditava que podia ter caído, mas foi tarde demais, não o encontrou.
Lembro até hoje que ela dizia que algum humano podia ter visto e pegado
para usar, porque sempre a paravam para elogiar o colar em seu pescoço. —
Leva a foto para mais perto do seu rosto. — Fico me

perguntando se não é essa a pedra de água marinha, pois faria total sentido,
principalmente porque esse é o elemento do Luca. A água. Teria o feitiço da
bruxa e ainda teria a conexão da natureza, o que explicaria todo o seu
controle, toda a sua perfeição em se misturar e levar uma vida de humano
normalmente, sem levantar suspeitas, e, claro, o fato de ele conseguir andar
no sol. Não era isso que você vivia se perguntando e querendo descobrir?
Como ele consegue andar tranquilamente?

Talvez seja o colar. Talvez a pedra possa ser a resposta. — Me encara.

Olhando dentro dos seus olhos, eu tento ficar sério, entretanto, depois de
poucos segundos, estou rindo.

Nem ele, nem Devon me acompanham, porém não consigo parar.

A contragosto, eu respiro e me forço a fechar a boca.

— História interessante, Larkin, só que Luca conseguiu andar no sol sem


sentir dores faz pouco tempo. — Aperto a ponta do nariz. — Mesmo de
longe, eu acompanhei os passos do meu irmão. Comecei a vê-lo sair
normalmente de dia pouco tempo depois do incêndio, o que significa que faz
mais de dez anos. Seu caso com essa vampira aconteceu há o que, séculos
passados? Impossível. —

Acabo bufando mais uma risada e dessa vez, sem humor, algo estranho em
mim, se revirando por dentro. — Impossível mesmo. — Não sei se estou
querendo convencê-lo ou me convencer no processo. — Luca não poderia ter
encontrado esse colar, as contas não batem.

— Eu acho que, na verdade, as contas podem sim, bater — reflete. — Esse


meu encontro também faz mais de dez anos, quase dezesseis, praticamente, e
mesmo que não tenha sido ele a pegar no momento exato em que ela o
perdeu, alguém pode ter encontrado, passado para outra pessoa, depois para
outra e aí, no fim, Luca a achou em algum outro lugar, talvez perdida, talvez
sendo vendida, a gente não tem como saber. O que a gente sabe, é que esse
colar, esse aqui que ele está usando — Larkin aponta de novo para a foto,
batendo seu indicador —, tem essa pedra que parece de água marinha bruta,
a mesma que a vampira usava. E ele é controlado, totalmente diferente de
nós, não podemos negar que Luca é diferente, porque ele é. E isso aqui, pode
ser a resposta de todas as nossas dúvidas.
— Tudo bem, Larkin, está começando a fazer sentido — Devon decide
opinar na história. — Tem a possibilidade de também não ser exatamente o
mesmo colar que a vampira perdeu, e sim um colar inspirado. Talvez ele ou
alguém perto dele possa ter tido conhecimento dessa história, conhecimento
de que, com uma bruxa e um bom feitiço, essa pedra possa vir a ser
milagrosa na vida de um vampiro que quer um pouco mais de normalidade e
controle. Nós sabemos muito bem que Luca Vodrak tem uma bruxa muito
poderosa perto dele, obter um feitiço para isso não seria nenhum problema.

— Outra vez, impossível — eu saio rápido na corrida para responder. —

Gabriella apareceu na vida de Luca recentemente, há menos de um ano, e só


essa foto aí tem muito, muito mais.

— Tem razão — Devon soa pragmático, concentrado, parecendo que está


tentando desvendar um caso que acabou de chegar em suas mãos. — A
Gabriella pode não ter sido, mas ainda existem outras bruxas, de outras
linhagens, que passeiam pelo mundo há tempos. Em algum momento, Luca
pode ter conhecido uma.

— Não, ele não conheceu. Eu saberia se ele tivesse conhecido.

— O que nos dá mais pistas de que esse pode ser, de fato, o colar perdido —

Larkin continua firme e forte com sua teoria, parece até mais feliz, mais
convicto.

— O Luca pode ter encontrado sem querer. O filho da mãe pode ser um
sortudo.

— Ou, como sempre, você está viajando, fazendo a gente viajar junto, e isso
não passe de um colar brega qualquer. Eu até entenderia, visto que meu
irmão não é o melhor no quesito se arrumar e parecer minimamente decente,
como eu costumo parecer. — Dou de ombros. — Esse controle dele e essa
habilidade de andar ao sol pode não ter nada a ver com isso, pode ter a ver
com poderes. Talvez ele tenha descoberto em si próprio, sozinho, um jeito de
controlar seu lado mais primitivo e animal. Com o tempo, ele pode ter
adquirido esse dom. — O que, com certeza, me faz odiá-lo um pouco mais.

— É, talvez — Larkin ainda parece desconfiado, entretanto dá o braço a


torcer, me entregando a foto. — Foi só uma teoria que eu quis compartilhar.
Acho que devemos ficar de olho na bruxa e em seus possíveis feitiços, só
para que não sejamos pegos de surpresa, como da última vez.

— É por isso que ainda estamos aqui, indo com calma — o lembro. — Não
podemos subestimá-los, eles querem e estão esperando por essa luta, tanto
quanto nós. — Minha mente, sozinha, volta no assunto do colar, quando
ficamos em silêncio, e eu simplesmente não consigo controlar a minha
língua. — Sobre o feitiço, River, é verdade mesmo que uma bruxa é capaz
de fazer uma simples pedra ser capaz de ajudar um vampiro descontrolado e
em agonia?

Se eu tivesse um coração, ele estaria batendo muito rápido agora, enquanto


espero sua resposta.

— Sim, definitivamente. Foi o que eu ouvi falar por aí.

— O problema é que, na maioria dos casos, 99% deles, uma bruxa não vai
querer, nem fodendo, se aliar e ainda por cima ajudar um vampiro, não
importa de que linhagem venha. Essa rixa sempre falará muito mais alto, por
isso que é raro, e não temos conhecimento de muitos casos assim. — Devon
volta a se deitar na cama, fitando o teto e com as mãos entrelaçadas em cima
da sua barriga.

— E feitiço assim, não é qualquer uma que faz, tem que ser forte, tem que
ser poderosa, tem que saber o que está fazendo, afinal, controlar um
vampiro, principalmente um amaldiçoado, não deve ser coisa fácil — River
completa seu raciocínio, e eu assinto. Dessa vez, nenhum dos dois está
mentindo. — É bom tomarmos mesmo cuidado.

— Sim, devemos, mas a sorte é que também não precisamos — Mars fala, e
me vejo engolir em seco. Não sei se é por tocar nesse assunto ou se é por
causa da minha cabeça mesmo, porém a sinto latejando um pouco mais forte
do que antes.

— Eu sou um vampiro transformado por outro, Larkin também, e por mais


que tenhamos toda essa sede, ela não é tão forte quanto a sua, Levi, que foi
justamente imposta no feitiço, para lhe deixar descontrolado. Por sorte, você
também aprendeu a se controlar muito bem.

Muito bem. As palavras se repetem como um looping e me assustam.

Limpo a garganta, cortando o assunto, flexiono os meus joelhos, arrasto os


meus coturnos pelo quarto e decido jogar a foto em cima da mesa.

Ao notar minhas mãos tremendo, as coloco dentro dos bolsos da jaqueta e,


aproveitando que os garotos começam a conversar entre si sobre outra coisa,
corro para ir ao banheiro, fechando a porta e a trancando. Colo minhas
costas na madeira e busco por ar.

Sempre invejei Luca, sempre quis descobrir como ele conseguiu viver bem,
como conseguiu lidar com o monstro, com a besta dentro de si, como fez
para seguir com a sua vida normalmente e, muito mais do que andar no sol,
sempre quis saber como pôde ter superado, obtido controle, se salvado da
maldição, quando eu passei todos os meus anos aqui, na mesma, fingindo,
sendo usado de marionete para o monstro da sede por sangue, da sede por
destruição, queimação, ardor, fogo, que vive dentro de mim.

Eu queria entender como ele conseguiu ter tudo, enquanto eu permanecia


sem nada, apenas com a minha má reputação e o ódio que todos depositavam
sobre mim.

Agora, ao menos, acho que compreendi.

Há uma possibilidade.

E, claro, por uma bruxa.

Parece que tudo sempre começa e termina com elas.


Me dá ainda mais raiva que elas possuam tanto poder assim. Sobre a vida.

Sobre as pessoas. Sobre nós. Sobre tudo.

Com dificuldade, tento alcançar a pia, minha cabeça voltando a doer, dessa
vez mais forte do que antes. Seguro um grito de dor na garganta e assim que
ergo

minha cabeça, e encaro meu reflexo no espelho, vejo as minhas presas


saindo sem o meu controle, assim como noto as veias saltarem abaixo dos
meus olhos, esses agora, completamente pretos.

Resfolego, seguro as extremidades da pia com mais força e jogo a cabeça


para trás.

Tenho que me controlar.

Tenho que em controlar.

Tenho que me controlar, porque eu tenho o controle.

E agora não.

Agora não.

Agora não.

— Ei, Levi, vai demorar muito aí dentro? — É algum dos meninos que se
aproxima, bate na porta e me assusta, me fazendo voltar à realidade. Ao
olhar de novo para o espelho, tudo some. Sou eu de novo, sem presas, sem
monstros aparentes. — Anda, cara, me responde, estou querendo fazer uma
coisa.

— E-eu... — Tusso, buscando minha voz firme. — É... já estou saindo.

Me afasto da pia e olho para as minhas mãos.

Tremor.
Tudo o que eu vejo é tremor.

Por que não consigo fazer com que elas parem de tremer?

E nem sei porque me sinto subitamente tão fraco.


Quando saí do banheiro, minha fisionomia estava péssima, tanto Devon
quanto Larkin acharam estranho e perguntaram se estava tudo bem comigo,
e como não queria preocupá-los, fiz o que sempre faço de melhor; eu menti.

Não por querer, mas porque era necessário. Eu desconfiava do que podia
estar acontecendo comigo, desconfiava o que podia ser a dor de cabeça, os
tremores, a irritação, a fraqueza varrendo meu organismo como se eu tivesse
passado dias longe de sangue, conseguia imaginar, por tudo que vivi, que era
aquilo querendo dar seus primeiros sinais de que estava voltando. E
justamente por eu saber, que eu não podia dizer a eles o que estava
acontecendo, precisava disfarçar e fingir, como sempre, que eu estava
perfeitamente dentro dos conformes e seguindo como o planejado.

Eles têm uma outra imagem de mim, uma que possivelmente ninguém do
nosso mundo é capaz de ter, e eu não queria, sob hipótese alguma, que
vissem o verdadeiro eu, a face que tento, a todo custo, esconder, tanto dos
meus amigos quanto dos meus inimigos. Queria que continuassem vendo
que sou, dentro da nossa realidade sobrenatural, minimamente normal, e foi
por isso que permaneci

sentindo os sintomas em silêncio, sozinho, me escondendo no banheiro


quando o primeiro tremor do dia surgia.

Achei que fosse dar conta, torci, até o último minuto, que não fosse nada do
que eu estava pensando, para eu poder melhorar o quanto antes, entretanto,
as coisas pioraram consideravelmente, para o meu terrível azar.

Mesmo ainda me alimentando, eu me sentia mais fraco, indisposto, como se


a raiva fosse se acumulando em meu peito, a pressão subindo para a minha
cabeça.

Passou a ser insuportável e, durante os últimos dois dias, fiquei mais fora, do
que no hotel junto dos outros, tanto para me esconder nas sombras, quanto
para pensar, porque eu não aguentava mais, de tempos em tempos, durante
anos e anos, ter que passar por essas merdas, ter que sofrer por causa da
maldição que uma bruxa Salazar me rogou. O sentimento sempre foi brutal,
as dores sempre foram além de físicas, e por mais que essas questões de
sintomas que me deixam fraco sejam tenebrosas, elas não conseguem ser a
pior parte para mim, mesmo que ainda seja muito difícil de suportar.

A pior parte para mim, sempre foi perder a porra da cabeça, a porra do
controle, como se uma força superior e caótica estivesse tomando conta do
meu interior e de todas as minhas ações, obviamente, contra a minha
vontade. Bastava uma única coisa para me tirar do sério, pequena que fosse,
e, quando eu percebia, coisas grandes e maléficas aconteciam, e pelas
minhas mãos. Eu só vinha cair em mim, quando a merda tinha sido feita e
não podia ser revertida. Meu ódio mortal por bruxas e a minha caçada a elas
se deu justamente por causa disso, se eu tinha que viver para sempre sendo
um monstro, eu ia começar sendo um monstro destruindo Alma, a que tinha
me amaldiçoado, e todas as outras, mesmo que eu me destruísse e me
perdesse completamente no processo, que foi o que aconteceu.

Que é o que continua acontecendo.


E é também por isso que eu continuo vagando por essa nova cidade próxima
de Emerald Grave, com a conversa sobre Luca e o colar ainda rondando a
minha cabeça como um fantasma que me assombra.

Eu penso se é mesmo verdade o lance do feitiço, o fato de uma bruxa


realmente ser capaz de conseguir controlar nossos impulsos, nos fazer
minimamente sedentos, menos letais, se elas conseguem tirar essa nossa
agonia e se conseguem, penso se Luca, de fato, conseguiu ser o que é hoje
em dia por esse motivo e penso como é a sensação de viver do jeito que ele
vive, se controlando, ao invés de ser controlado. Fico me perguntando e
pensando se o meu irmão sente dor como eu, se ele continua passando por
algum tipo de sofrimento, mesmo depois de anos de transformação, se ele
finge ser o que não é ou se apenas

conseguiu lidar da melhor forma com os dois mundos em que habita, o


mundo humano e o sobrenatural.

Não sei como é a sensação e nem ao menos sei se pode ser possível, porque,
desde que me transformei e morri, não conheço outra vida, a não ser a que
eu levo.

Ou melhor, a que eu decidi levar, e ela não é nem um pouco parecida com a
de Luca. A realidade, é que ela não é parecida nem mesmo com a que eu
faço questão de mostrar e de deixar claro para a história e para as futuras
gerações de vampiros.

Para os outros, sou o fodão, porém, na realidade, eu sou mesmo é o fodido.

O fodido que precisa urgentemente tirar essa história a limpo, o quanto


antes. Não estou sossegado e não vou sossegar até saber se é mesmo possível
ou se Larkin estava blefando com a história do colar.

Se o meu irmão tem, eu também posso ter.

Com as mãos dentro da jaqueta, eu entro no bar, depois de ter passado horas
e horas o rondando, esperando a hora certa.
É o famoso Potion’s.

Como o próprio nome já dá a entender, é um bar temático, com decoração de


bruxa no maior estilo Halloween, com vassouras presas nas paredes, chapéus
e as famosas bebidas servidas como se fossem poções, muitas vezes
coloridas e saindo fumaça.

Ao passo que caminho para dentro, passo os dedos pelo queixo e evito rir.

Porque sim, é irônico para um cacete esse lugar, tendo em vista que a dona é
uma bruxa de verdade.

Deve ter feito de propósito.

Possivelmente fez de propósito.

Me movo entre a multidão, ignoro as luzes, o barulho, os corpos suados e


cheirando a sangue, e caminho até o balcão sem desviar minha atenção.

Na primeira oportunidade que encontro, me sento na cadeira totalmente de


frente para ela, Journee Devine, a dona do estabelecimento.

E uma das poucas, senão única, bruxa que reside nessa cidade.

Eu não sabia sobre sua existência, que fique claro, até porque não procuro
saber sobre esse tipo de gente, não me interessa se não for Salazar, e só
fiquei sabendo quando resolvi ligar para outros conhecidos meus e perguntar
se eles sabiam me informar o nome e a residência de uma bruxa mais
próxima de mim.

Obviamente, não podia ser Gabriella, e para a minha sorte, Journee estava
bem aqui, tão perto, que seria extremamente fácil achá-la para tentar
arrancar as imprescindíveis informações que necessito.

Ela está, nesse momento, virada de costas para mim, provavelmente


preparando algum drinque. Aproveito a visão para dar uma espiada em seu
físico e, uau, ela tem um belo quadril e uma bela bunda, que se evidencia e
fica bem marcada no jeans apertado que está usando, quase como uma
segunda pele em seu corpo. E por falar em pele, a bruxa, que parece mais
uma sereia, com esses seus longos fios pretos e lisos, está usando uma micro
blusa branca regata, onde dá para notar todas as tatuagens serpenteando seus
braços e descendo por suas mãos.

Quando se vira, minhas írises automaticamente se fixam em seu rosto, e eu


quase assobio.

Cara de marrenta, piercing na sobrancelha, e lábios cheios e rosados se


erguendo num meio sorriso para o rapaz que paga e pega a bebida de sua
mão.

Vai ser uma conversa interessante, eu penso, conforme sorrio internamente.

Batuco os dedos na bancada, e, jogando um pano por cima do ombro,


Journee vem até mim.

Não sei se ela me conhece, contudo, a hora de descobrir a resposta,


definitivamente, será agora.

— Olá. — Abre novamente um meio sorriso e dessa vez, só para mim, o que
já me parece um perfeito começo. Poderia ter feito uma careta, assim que
notou minha presença, poderia ter gritado, poderia ter fritado meu cérebro
com os seus poderes, mas não, ela sorriu. Talvez não tenha me reconhecido
ainda ou talvez só não faça ideia de quem sou eu. Por isso, abro um sorriso
como o dela e me aproximo mais no exato segundo em que também o faz,
fincando seus cotovelos no balcão que nos separa. — O que deseja pedir
para beber? — grita por cima da música, para ser ouvida, mesmo que
estejamos próximos agora.

— Ah, não sei — falo no mesmo tom e finjo estar totalmente tranquilo,
envolvido no ambiente. — Que tal se você me trouxer o melhor da casa?

— Primeira vez?

— Hã? — Dessa vez, eu realmente não entendo sobre o que pode estar
falando.
Primeira vez não é uma bebida, é?

— Aqui — se explica. — Se é a sua primeira vez aqui no bar.

Baixo a cabeça por um momento e rio, quase como se tivesse sido pego no
flagra, quase como se pudesse estar envergonhado e sem jeito.

Poucos segundos e poucos fingimentos depois, volto a fitá-la.

— Está tão óbvio assim?

É sua vez de rir.

— Não para os outros, você poderia se misturar perfeitamente entre eles,


mas é que eu estou aqui há muito tempo, consigo farejar quando há um
forasteiro.

E a sua resposta sobre a bebida, só foi capaz de deixar tudo tão cristalino
quanto água. Meus clientes, quando perguntado o que eles querem, eles não
soltam um:

“Não sei. Que tal se você me trouxer o melhor da casa?” — Engrossa a voz
de um jeito engraçado, para imitar a minha, e ainda faz aspas no ar, o que
acaba me tirando, genuinamente, uma risada inesperada. — Porque quem é
cliente e frequenta o Potion’s de verdade, sabe que não tem outra resposta
para a minha pergunta, a não ser: Um Black Magic, Journee, por favor.

— Então um Black Magic, Journee, por favor — sigo as suas instruções.

— É para já, forasteiro.

Após soltar uma piscadela para mim de uma forma nada inocente, ela se
afasta com os olhos ainda conectados aos meus e, aos poucos, se vira para
fazer a minha bebida.

Para passar o tempo, fico admirando o seu traseiro, conforme vai de um lado
para o outro. No momento em que se abaixa para fazer sabe-se lá o quê, eu
quase me inclino mais por cima do balcão.
No entanto, me mantenho no mesmo lugar, é claro.

— Enquanto ela não fica pronta... — De costas, sua voz soa aos meus
ouvidos. Acho que gostou de mim, meu ego reflete sozinho, acho que está
querendo flertar. — Será que poderia me dizer o que te trouxe até aqui?

Posso.

Claro que posso.

— Estava me sentindo meio inquieto na cidade, esse lugar me pareceu uma


ótima opção para extravasar. — Não conto a verdade e também não minto.
— Eu gosto de locais assim.

— Com bruxas? — Journee vira sobre os ombros, para ver a minha


expressão e ouvir a minha resposta, certamente, ainda chacoalhando o
drinque. Eu faço a maior força sobrenatural para não demonstrar nenhum
sinal que me entregue totalmente. Primeiro, preciso ver como está o terreno;
depois, eu entro em ação com as perguntas, porque respostas é o que quero,
não confusão ou inimizade desnecessária, ainda mais agora, nessa fase da
minha vida. Eu realmente não preciso de mais problemas e de mais
preocupações, já basta os que eu já adquiri ao longo dos meus 148 anos.
Acho que ela percebe meu silêncio e o entende como se eu não tivesse
compreendido o que quis dizer com isso, então completa: — É o tema do
bar, caso não tenha percebido. Queria saber se você gosta.

— Hm... — Batuco novamente os dedos, sem parar. — Claro — minto com


a minha maior cara de inocente. — Eu adoro. Harry Potter e Abracadabra é
comigo mesmo.

Ao contrário do que eu imaginei que aconteceria, Journee não ri da minha


piadinha com referências, ela só sorri, sem descolar os lábios e sem olhar
para mim, e fica totalmente séria, quando passa a transferir a minha bebida
para o copo, provavelmente se concentrando para não errar.

Eu só... espero.
Sei que ela é a dona, que provavelmente tem mais experiência do que eu e
qualquer pessoa aqui, mas ela me parece demorar mais do que o esperado.
Talvez seja para sair perfeito, para me impressionar e para que eu volte mais
vezes ao bar.

Mal sabe o que a espera daqui a pouco.

Paro de pensar quando ela finalmente retorna, se debruça novamente e


desliza o copo até mim, seu rosto contorcido em expressões que me deixam
um tanto quanto aéreo.

Acho que só pode ser coisa de bruxa ser tão bonita assim, porque Gabriella
sofre da mesma perfeição que Journee, mesmo uma sendo uma Salazar, e a
outra uma Devine.

Um gosto amargo paira na minha boca, e nem é por eu ter provado a bebida
ainda, mas sim porque pensei nessa garota agora, quando não tem nada a ver.

Credo.

— Prove. — Outra vez, sua voz flutua até os meus ouvidos e me traz de
volta à realidade. — Eu posso apostar que você vai adorar o que tem aí
dentro.

A mulher de fios escuros parece muito mais sensual, muito mais séria, e os
seus olhos, só por um segundo, parecem diabólicos, quando me
esquadrinham e notam cada um dos meus movimentos, principalmente o que
eu faço para entrelaçar os meus dedos no vidro, à medida que espio o líquido
que há dentro.

— Que sabor tem? — pergunto, curioso.

— É surpresa.

— Hm, ok, legal. E a fumaça? — também não deixo de questionar. — Me


falaram que um ponto forte desse bar eram as bebidas coloridas e as fumaças
que vocês faziam sair delas.
— A sua ainda é colorida. — Aponta para o meu copo com o seu queixo. —

E essa, especialmente para você, não fiz com fumaça porque,


particularmente, acredito que vá preferir assim.

— Sério? — Minhas sobrancelhas se elevam.

— Claro, forasteiro — garante, com mais um dos seus sorrisos. — Você é


novo aqui, quero te impressionar e preciso, obviamente, pôr o melhor efeito
de bebida para você, para que retorne mais vezes.

Retorço os lábios de forma impressionada e trago a bebida para mais perto,


ainda sendo vigiado pelo seu olhar completamente intenso.

— Vai, bebe — me incentiva. — Quero poder ver sua reação.

Acho que essa bruxa está mesmo a fim de mim.

Com um sorriso ladino, eu faço o que me pede.

Olho para a bebida, a trago para minha boca, bebo um gole e, quando a sinto
dentro de minha boca, eu cuspo para fora o pouco que ingeri, tossindo e
sentindo todo o meu organismo queimar como se tivessem posto fogo nele,
só por causa do líquido. Na mesma hora, fico pálido, gotículas de suor
salpicando minha testa, e derrubo com força o copo no chão, o vidro se
estilhaçando de forma bastante audível. Me agarro na bancada, enquanto
ergo minha cabeça para olhá-la, essa mínima ação parecendo demandar
muito de mim e da minha força.

A minha sorte é estar sentado, porque, caso estivesse em pé, certamente


cairia.

Tusso por mais algumas vezes, resfolegando.

— Que porra foi que você colocou naquela bebida, sua desgraçada? —

vocifero num tom não tão alto, ainda querendo não chamar atenção dos
outros.
Journee não sabe se sorri de maneira vitoriosa ou se mantém a sua pose de
que nada demais aconteceu, independentemente do que escolha, minha fúria
não será capaz de diminuir nem mesmo uma maldita polegada que seja.

— Ué... — Pisca os cílios volumosos de uma forma tão maléfica que,


mesmo respirando melhor e mesmo voltando a ficar parcialmente bom de
novo, me sinto prestes a me tremer por inteiro. — O que eu disse que ia
fazer, uma poção mágica. E bem aí, está o ingrediente secreto, o famoso
derruba vam-pi-ro —

soletra com uma mistura de desdém e deboche, encurtando de vez a


distância que restava entre nós. — Ou você acha mesmo que Levi Vodrak
entraria pelas portas do meu estabelecimento, e eu não saberia quem ele é?
Acha mesmo que eu não o reconheceria na hora? — Pode estar sorrindo,
pode estar com a expressão mais tranquila do mundo, porém seus olhos
demonstram sua verdadeira face perigosa.

As tatuagens combinam com ela, com sua aura, ela tem fama de garota má, e
eu não sei como não percebi que estava fingindo, que estava me enganando,
só para me dar o bote. Me deixei levar pela sua beleza e pela porra do seu
rabo grande.

Burro, burro e burro. — Fale agora mesmo o que está fazendo por aqui ou
eu juro, por tudo que é mais sagrado, que te enfio goela abaixo outra bebida
daquela.

— Calma, docinho — peço, ao erguer um dedo no ar, tentando tomar as


rédeas do meu corpo, da minha força e, é claro, da situação, lhe dando um
dos meus sorrisos que costuma desarmar qualquer mulher, até mesmo as
mais bravas.

— Estou deveras lisonjeado que você, além de me conhecer, é capaz de me


reconhecer, isso mostra muito da minha importância e da minha fama para
esse nosso mundo secreto, o que massageia pra caralho o meu ego. No
entanto, para a sua terrível sorte, não estou aqui querendo te caçar, afinal,
meu único papel é atormentar todas as bruxas Salazar, e pelo que eu me
lembre, você é uma Devine, outro tipo de bruxa, uma que não é minha
inimiga. Ainda — dou ênfase enquanto pisco, e Journee parece cada vez
mais desconfiada. — E para o seu próprio bem, vou esquecer o que você
acabou de fazer, e nós vamos começar de novo. — Limpo minha garganta,
alinho a minha jaqueta e até aprumo os ombros, à medida que balanço a
cabeça. — Olá, Journee Devine, é um prazer finalmente conhecê-la.

Meu nome é Levi Vodrak, e eu entrei no seu território erguendo uma


bandeirinha branca da paz. Não estou aqui para causar nenhum tipo de
confusão, apenas para obter algumas informações.

— Você? — Ela ri, sem acreditar. — Impossível. A gente nunca se conheceu


antes, mas eu conheço a sua fama, conheço tanto, que sei que você nunca,
sob hipótese alguma, não importa sobre o que seja, é capaz de vir em missão
de paz.

Ainda mais quando o assunto tem a ver com bruxas.

— Caramba, vocês precisam maneirar no que andam falando sobre mim. —

De forma exagerada, eu respiro fundo. — Posso ser ruim, mas não sou tão
ruim assim. Eu sou só incompreendido.

— Claro — debocha, conforme revira os olhos. — Totalmente


incompreendido você, dizimando e matando toda uma linhagem de bruxas,
só por pura mágoa e birra.

— Ei, gata, assim você me ofende.

— Dane-se.

— Ei, alto lá, não é só porque você é toda bonitona, que tem o direito de
falar desse jeito comigo não. — Transformo meus olhos em duas fendas. —
E não abuse só porque eu fui com a sua cara, posso mudar de opinião
rapidinho. Na mesma velocidade que eu gosto, eu desgosto. E na mesma
velocidade que eu entro em missão de paz, eu entro na de guerra, e isso
provavelmente você já sabe. Agora aproveite o meu bom humor, me traga
uma bebida de verdade e converse comigo, porque foi por isso que vim. Para
conversarmos.

Cruza os braços, marrenta como eu disse que se parecia.

— E quem lhe garante que quero fazer qualquer coisa com você?

— Docinho, qualquer uma quer fazer qualquer coisa comigo, então


aproveite que tirou a sorte grande e se junte a mim de uma vez por todas,
sem reclamar.

Bufa.

— Se você tentar qualquer coisa contra mim, Levi, eu...

— Não vou — a corto e faço com que veja a minha verdade. — Não estou
aqui para isso, Journee Devine, você tem a minha palavra. Se fosse para eu
fazer qualquer coisa contra você ou esse lugar, pode ter certeza que eu não
estaria aqui, já teria feito, e você só estaria lidando, nesse momento, com os
estragos.

Quando vejo, Journee está dando uma volta no balcão, para se aproximar,
puxar a cadeira ao meu lado e se sentar, o corpo virado para o meu.

— Tudo bem — diz, por fim. — Se não é para causar estrago, por que está
aqui, então? — Cruza as longas pernas. — Vamos, Levi Vodrak, responda,
estou curiosa, preciso saber o que você acha que pode querer de mim.

Minhas mãos tremem, e para disfarçar, eu sorrio, querendo que perceba que
eu não posso perder essa oportunidade por nada.
— Não, desculpa se te passei a impressão errada, mas eu não sou uma bruxa.

Rio sem humor, sabendo que está querendo blefar comigo, mesmo depois de
ter aceitado essa conversa e mesmo depois de ter escutado toda a história
que lhe trouxe.

— Você é, sim.

— Não, não sou — repete, quase tão sem paciência quanto eu. — Minha
família, mais precisamente minha bisavó, avó, mãe e minha irmã mais velha
são, mas eu não sou.

— Não, você está me zoando. — Estalo a língua no céu da boca e aperto a


ponta do nariz por alguns segundos. — Como isso pode ser possível? Você,
há poucos minutos, acabou de me fazer uma bebida literalmente matadora,
como pode me dizer que não é uma bruxa?

Dá de ombros, ao jogar seu cabelo para trás do ombro.


— Eu chamei de feitiço por referência, mas não foi verdadeiramente um. Foi
só uma erva que a minha família me ensinou a usar, caso entrasse alguém
aqui que eu desconfiasse, tipo uma proteção. — Por um momento, Journee
fica cabisbaixa, olha para as suas unhas, para o chão e quando resolve
retornar com as suas írises até mim, uma longa lufada escapa por entre seus
lábios, possivelmente ao notar

minha expressão de que interrogações pairaram acima da minha cabeça. —


É

cansativo ter que explicar isso todas as vezes que me deparo com um de
vocês, entretanto, pela sua nítida frustração e estranhamento, vou ter que
explicar minha história resumida para você também.

— Pois bem, faça isso agora mesmo.

— Ei, você está na minha cidade, no meu estabelecimento, no meu território.

— A cada palavra dita, ela afunda o indicador em seu próprio peito. — Não
me mande o que fazer, como se tivesse alguma autoridade, tudo bem? —
Pisco, impressionado, quase podendo ver minha versão feminina bem na
minha frente.

Até que parece, a língua afiada, o jeito bom para a trapaça e para desarmar
um inimigo, as tatuagens, a cara de má e o sorriso que, ao mesmo tempo que
consegue refletir um lado angelical, consegue também ser o próprio demônio
encarnado. —

Tem sorte que eu esteja conversando com você, ao invés de ter te colocado
para correr daqui, então abaixe a sua bola, por favor.

Cruzo os braços, agora adorando cada palavra que resolve proferir para mim.

— Tem certeza que quer mesmo falar das minhas bolas? — Duplo sentido e
maldade gotejam de cada sílaba, e eu prendo uma risada na garganta quando
a vejo rolar os olhos com uma raiva que sei que é fingida, pois, se estivesse
mesmo tão exausta de mim, da minha presença e do que eu represento, não
teria dado meia volta e sentado aqui, para começo de conversa. Journee,
como eu, é uma pessoa curiosa, uma pessoa que provavelmente gosta de tirar
suas próprias conclusões sobre as coisas e não tem nenhum medo de
provocar ou enfrentar alguém, caso for preciso. Está aqui porque quer,
porque talvez também gostou da minha presença, talvez se identificou com o
meu jeito e só está agindo assim para demonstrar que aqui, ela também
manda e não é capaz de baixar a cabeça, mesmo se dispondo a conversar
com quem não deveria. — Tudo bem, parei. — Ergo as mãos em sinal de
rendição. — Vai, Journee, me conte a sua história, eu sou todo ouvidos.

— Não me interrompa — sibila, e eu finjo passar um zíper na minha boca,


ignorando seu outro suspiro cansado por causa das minhas atitudes, que a
provocam. — — Como você sabe, eu sou uma Devine, uma Devine de
sangue e tudo. Nasci e cresci sabendo da linhagem e dos poderes da minha
família, afinal, como minha casa sempre foi muito movimentada, eu via
sempre quando elas faziam feitiços, quando comemoravam algum feriado
particular só delas e acompanhei de perto, obviamente, minha irmã ser
introduzida nesse meio, depois de ela se autodescobrir se conectando com a
natureza. Desde então, todas nós ficamos ansiosas para sabermos quando
seria o meu momento, quando seria a minha vez de treinar e ser oficialmente
bruxa, porém esse momento nunca chegou, mesmo depois de termos tentado
de tudo.

— Certo — eu falo, querendo pontuar alguns fatos que escutei, só para ver
se entendi mesmo. — Isso significa que seu lado bruxa nunca veio à tona?

— Não.

— Mesmo sendo uma Devine?

— É. — Journee descruza as pernas e parece secar as palmas das mãos nas


coxas. — No começo, achamos estranho, mas depois, com o tempo,
descobrimos que é possível ter alguém na linhagem que não ative a força, é
quase como se fosse a genética que nós conhecemos. E por causa disso, eu
não sou capaz de fazer nenhum feitiço, não sou capaz de lutar com nenhum
ser sobrenatural e, mesmo em uma família de bruxas, sou só uma humana
sem graça qualquer, que toca a vida dela dentro de um bar temático só por
ironia.

— Tudo bem, entendi. — Me aproximo mais um pouco. — Devo te dar


parabéns por você não ter herdado esse fardo ou devo dizer sinto muito por
não ter nenhum poder sequer? — Para irritá-la, eu faço um biquinho. —
Como eu, você também tem inveja da sua irmãzinha? — A toco, e ela me
empurra.
— Nossa, bem que dizem que você é insuportável. Eu daria tudo para ter
vindo o outro gêmeo no seu lugar. Mas é claro, eu não sou capaz de dar essa
sorte.

— Pois é, eu também não dei a sorte de ter encontrado a sua irmã, uma
bruxa de verdade — faço questão de frisar, fazendo Journee revirar os olhos
para mim mais uma vez. Eu gosto dessa coisa, faz parecer que eu tenho esse
tipo de poder com as pessoas. — Acho que você e eu estamos quites nessa,
no final das contas — declaro. — Somos parecidos, Journee.

— Deus me livre ser parecida com você, eu não mato nem uma formiga.

— Olha só, para uma pessoa que não é bruxa, você sabe de muita coisa
sobre o meu mundo.

— Sou inteligente.

Meus lábios automaticamente se erguem.

— Ótimo, porque vou precisar da sua ajuda.

— Puts, então acabo de me declarar como burra.

— Tarde demais, docinho — cantarolo, agora com a minha confiança


voltando. — Você pode até não ser bruxa, mas, como disse, nasceu e cresceu
com várias delas e, como acabou de mostrar desde que cheguei, sabe muito
bem sobre mim, sobre o meu irmão e, possivelmente, sabe sobre muitas e
muitas outros histórias que rondam por aí, o que é exatamente o que preciso
no momento. Eu preciso de respostas, e você pode me dar elas.

A não bruxa balança a cabeça.

— Me desculpe, mas eu não tenho como te ajudar.

Antes que ela possa pular da cadeira e voltar ao seu trabalho, eu a impeço,
segurando seu braço sem impor nenhuma força.
— Eu só tenho algumas dúvidas, Journee, não estou aqui para te pedir que
me ensine novas formas de matar e dizimar toda a população dos Estados
Unidos

— falo sério dessa vez, sem nenhum tipo de brincadeira ou gracinha para
irritá-la.

Ela não faz ideia, porém estou levemente desesperado, para dizer o mínimo.
— Eu vou te fazer algumas perguntas, e você vai me responder se quiser. Sei
que não tem motivos para confiar em mim, mas foi o Carter quem me trouxe
até aqui, ele disse que você poderia me ajudar.

Se antes seu corpo estava todo tenso sob meu toque, agora, após me ouvir,
parece que ele amolece como gelatina.

— O Carter? — Seus olhos também se iluminam quando profere o nome do


vampiro. Ah, está explicado. Carter, um dos amigos que fiz pelo mundo,
deve tê-la conquistado enquanto, provavelmente, decidiu passar um tempo
nessa cidade. Ele é assim, em cada canto que passa, deixa uma mulher
apaixonada, não importa se é humana ou um ser sobrenatural como ele. —
Você conhece o Carter? — Assinto algumas vezes, e sua fisionomia de
marrenta também muda no mesmo segundo. —

E como ele está?

— Está bem, está ótimo, mandou lembranças.

— Sabe dizer por onde ele anda? Sabe dizer se ainda está no país?

— Não, não sei — respondo, sendo sincero. — Mas não é esse o assunto da
nossa conversa, certo, docinho?

— Certo. — Acho que agora ela cai em si, pois seu corpo num instante volta
à postura de antes, quase como se tivesse se dado conta de que estava à
mercê demais, só porque toquei, por pouco tempo, em algo que parece ser
um dos seus pontos fracos. Journee ergue a armadura novamente, mas dessa
vez um pouco menos bruta, afinal, se alguém em quem ela confia me trouxe
até aqui, então está acreditando, ou querendo acreditar, que não vou metê-la
em problemas, nem pequenos, nem grandiosos demais, a ponto de não
conseguir dar conta. — Que respostas são essas que você precisa e acha que
sou capaz de lhe oferecer?

— Vou direto ao assunto — sou claro. — Sabe dizer se há possibilidade de


uma bruxa fazer algo que seja capaz de ajudar um vampiro amaldiçoado?

— Em que sentido?

— No sentido que você entendeu, Devine. Algum feitiço, alguma mágica,


alguma coisa. — Engulo em seco e olho para os lados, conferindo se
ninguém presta atenção em nós. A sorte é que as cadeiras são afastadas, e a
música no ambiente está bastante alta, sem contar que os humanos estão
todos praticamente na pista agora, enquanto se divertem ao som de alguma
música pop qualquer, que

não importa nem um pouco. Meu interior todo vibra, e também não tem nada
a ver com o fato de eu estar dentro de uma festa. Dessa vez, não é
adrenalina, não é algo bom e que gera combustível em minhas veias. —
Vampiros normais já sofrem bastante com toda a sede e com todas as
emoções, que passam a ficar intensificadas, porém nós, vampiros
amaldiçoados por bruxas, conseguimos sofrer o triplo. A sede é insaciável,
desesperadora, fora os sentimentos, a raiva predominante, o descontrole, o
fato de se tornar instável, de sentir dor física, como se estivesse, todos os
dias, passando pela transição, e entre outros. É por isso que quero saber se
tem como, por acaso, vocês, bruxas, ajudarem a diminuir esse lado, que é
capaz de nos assombrar por séculos. Algum remédio, algum colar com
alguma... não sei, pedra — solto essa.

— Olha, Levi, vou ser bem sincera com você, e acho que você até sabe, mas
a minha família nunca teve nenhum problema com os vampiros, elas nunca
quiseram fazer parte dessa briga, na verdade. Quem sustentou isso até o fim
foram as que fugiram de Salem para Emerald Grave, e mesmo morando
perto, nós sempre nos mantivemos na nossa, tanto que não há problema
nenhum com a nossa linhagem. Ela é uma linhagem tranquila, pura, uma
que, confesso, não é tão forte e não faz efeitos de magnitudes tão grandes e
poderosas quanto as outras, tipo as Salazar, por isso que posso te dizer com
toda certeza que, pelo que convivo, a minha não sabe e não está envolvida
com esses tipos de ajudas. Afinal, as únicas pessoas que ajudamos são os
humanos enfermos, com as ervas medicinais que plantamos nos fundos das
nossas casas.

Balanço a cabeça, assentindo, e a minha garganta arranha com a sua


confissão, que já era esperada. Minha cabeça tomba para frente, e eu encaro
o chão, sabendo que perdi tempo e que estive buscando por esperanças, o
que é ridículo.

— Mas... — Minhas írises logo se erguem, pela forma que ela fala. — Além
da minha família, eu tenho esse bar há anos, o que significa que eu já recebi
todo tipo de gente e já ouvi todo tipo de coisa, então posso te dizer que
chegou até mim, não sei se verídica, uma história de um colar perdido, que
tinha uma pedra mágica dentro dele. Até o próprio Carter me disse uma vez
que é tipo uma lenda entre alguns vampiros, eles sabem o que aconteceu,
porém não sabem, de fato, se foi verdade. Alguns acham que é verdade,
outros acham que é mentira, não há um consenso. Quem acha que é mentira,
costuma dizer que não tem como um vampiro ter tanto controle assim sobre
si mesmo, nem mesmo com feitiços feitos por bruxas poderosíssimas.

Porra, então o que Larkin disse tem fundamento, essa história é de


conhecimento de outros também.

Luca pode sim, estar usando algo a seu favor, não é um fato mirabolante, é
um fato que pode ser real.

Com a mão em frente à boca, eu limpo a garganta, antes de dizer:

— Nessas conversas que ouviu, te disseram qual que é a pedra?

— Eu não lembro exatamente, mas tinha a ver com...

— Água? — eu sugiro, quando ergo as sobrancelhas, esperançoso de novo.

— Isso! — Parece se recordar. — Pedra marinha, algo assim.


Porra.

Porra.

Porra.

Mil vezes porra.

Essa merda só pode ser verdade, tem que ser verdade.

Flexiono meus joelhos e pulo da cadeira, porém ainda me mantenho perto e


na frente de Journee.

— Sem saber, você me trouxe as respostas e esclareceu a minha mente —

sou sincero, totalmente sincero, como nunca antes. — Aprecio sua atenção,
Journee, e pode ter certeza que nem me lembro mais daquela bebida
matadora. —

Para a minha total surpresa, ela ri, e isso me incentiva a continuar: — E pode
ter certeza também, que você já está adicionada à minha lista de amigos, que
passaram pelo meu caminho e me ajudaram em algum momento, dessa
forma, garanto que você e o seu bar estarão seguros. Novamente, dou a
minha palavra. —

Falando no bar, eu giro a minha cabeça para olhá-lo. — E quer saber,


qualquer outro dia eu venho aqui também, para aproveitar e para você me
trazer a bebida que ficou me devendo.

— A melhor da casa — relembra, esperta.

— Isso, a melhor da casa. A Black Magic mesmo?

— Sim, a Black Magic mesmo, mas aquela que eu te dei não era ela.

— É, acho que eu pude perceber quando experimentei.

Nós dois rimos, e Journee, aos poucos, para para me olhar mais atentamente.
— Posso não ter desenvolvido nada, porém eu ainda tenho algo em mim
que, de vez em quando, sente e percebe coisas que outros não conseguem. E
eu percebi algo em você depois dessa nossa conversa, Vodrak.

— É? — indago, voltando com as mãos para o bolso da jaqueta, agora que já


me encontro em pé. — Posso saber o quê?

— Você pode mesmo ser só um... garoto incompreendido. Não estou


justificando as coisas que você fez, mas talvez, só talvez, esteja sofrendo
com os

efeitos da maldição e ainda não saiba direito quem é e o que quer. Acho que
você se deixou levar e se cegou pelas piores emoções possíveis.

Eu não baixei meu muro completamente, não sei como Journee pôde me ler
assim, no entanto, me deixa abalado e me faz baixar a cabeça, agradecer sua
ajuda em murmúrios baixos e andar sem nem ver seu rosto pela última vez,
um gosto amargo pairando em minha língua.

Acho que é o gosto de ter escutado, pela primeira vez, alguém falar assim
comigo, com tanta... ah, merda, dane-se, foda-se, não vou falar.

Eu já ganhei o que queria, só vou embora e não vou pensar mais em nada.

Serpenteio pelas pessoas, tentando fazer o caminho para a saída sem trombar
em ninguém, mesmo com os corpos cada vez mais perto, e, ao alcançar a
porta para finalmente respirar o ar livre da noite, tenho o azar de ter meu
corpo chocado contra o de outro cara, tão grande e tão mal-encarado quanto
eu.

Inferno, não sei se eu me bati nele ou se ele se bateu em mim, mas uma coisa
é certa, não está nem um pouco disposto a pedir desculpas.

— Você não olha por onde anda, não? — Seu bafo de cachaça alcança o meu
rosto, eu contorço o rosto em uma careta e, quando noto nosso entorno, vejo
que outros nos observam. O osso da minha mandíbula já começa a saltar. —
Você não fala? Está com medo, menininha?
Valentões. Esses são os famosos valentões humanos, que não sustentam suas
gracinhas depois que caçam brigas com desconhecidos até verem a merda
acontecer.

Estou me sentindo formigando, porém não vou me render, não depois da


conversa agradável com Journee, que me deixou um pouco mais leve e
melhor para poder retornar para o hotel bem.

Sendo assim, eu me mantenho calado, com os punhos fechados, e tento


passar sem nem encara-lo de volta.

— Uh, galera, um covarde — o idiota debocha, e acho que seus amigos o


acompanham nessa idiotice maior ainda, porque ouço risadas e vaias às
minhas costas. Contudo, novamente, não vou ligar, porque estou quase perto
de ir embora e passar pela porta. Você consegue, Levi, digo a mim mesmo
em pensamento, é só seguir reto e não olhar para trás. Penso em Journee,
em como ela me ajudou e em como eu disse que não causaria problemas
para ela, nem para o seu estabelecimento. — Ei, filho de uma putinha, não
me ignore, eu estou falando com você.

Em um momento, eu estou andando.

Em outro, estou sendo empurrado para o lado de fora, sendo pego


desprevenido e quase caindo, ao tropeçar nos meus próprios pés.

Em um momento, estou seguindo um mantra, acreditando que vou me


controlar, que vai dar certo e que nada vai ser capaz de me afetar depois de
eu ter adquirido minhas respostas.

Em outro, estou me virando para o sujeito morto, aos poucos, as mãos agora
em cada lado do corpo, meus olhos pretos, e minhas presas praticamente
para fora.

A felicidade vai embora, e a raiva toma conta, acendendo a besta insaciável


dentro de mim, que urra com um ódio tão grande, que o homem com quem
eu trombei se assusta, gritando de volta, e quando percebo, noto que acabei
de abrir um caminho de fogo, que vai rapidamente de mim até ele, em
questão de segundos, parando a pouco centímetros dos seus pés, antes de
poder queimá-lo vivo por completo.

Continuo urrando, vociferando, sem saber o que estou fazendo, sem


controle, até que umas pessoas começam a sair para ver o que está
acontecendo, uma delas sendo Journee.

— Levi! — ela grita. — Levi! — De novo. De novo. E de novo. Sua voz


está longe, mas me alcança no momento em que diz, nervosa: — O fogo!
Olha o fogo!

E é quando eu vejo que o fogo está querendo me consumir também,


começando a subir pelos meus coturnos.

O desespero me toma, o transe vai embora do meu corpo, e o fogo que eu


tinha levantado, simplesmente desaparece quando eu inclino todo o meu
corpo para frente, numa mistura esmagadora de tosses e arfadas. A sensação
que eu tenho, é que acabaram de me afogar, que acabaram de arrancar minha
alma do corpo e agora estão trazendo de volta.

Dói.

Dói muito.

E antes estava quente, porém agora está frio. Muito frio.

Ainda com o meu corpo dobrado para frente, resolvo erguer minha cabeça e
buscar Journee, ignorando todas as outras pessoas que pararam para olhar.

Acho que vou encontrá-la furiosa, decepcionada, mas não.

Journee me olha como se... me entendesse. Como se me lesse mais uma vez
e tivesse certeza de tudo que vem acontecendo comigo desde que me tornei
vampiro.

Olhar para ela assim, é pior do que olhá-la se estivesse brava, então saio
correndo, sabendo que dará conta de tudo que ficou para trás. E quando não
estou mais na frente de nenhum humano, desato a correr com a minha
velocidade

sobrenatural, querendo chegar o mais rápido possível, para me esconder e


me trancar novamente no banheiro.

Entro de uma vez pela janela e também muito rápido, eu me sento na cama,
buscando respirar com precisão e me acalmar. Não olho para nenhum deles,
mas sei que estão aqui. Não demora muito para que Devon e Larkin parem
de andar de um lado para o outro e se direcionem até mim, um de um lado, e
outro do outro.

— Onde você esteve esse tempo todo? — um deles pergunta, e nem consigo
saber quem é. Está tudo embaçado. Minha visão, minha cabeça, tudo.

— É, Levi, estávamos te esperando. — A voz, dessa vez, só pode vir de


Larkin, e ele parece... preocupado? Com o que, comigo? Ah, não, não, não...

Acabaram de ligar para o Devon, descobriram uma coisa que você não vai
acreditar.

Ótimo, eles não fazem ideia sobre mim, não fazem ideia do que aconteceu, e
isso é bom. Posso aguentar ouvir qualquer outra coisa agora, só preciso
tentar achar meu controle de volta.

Ele vai voltar.

Tem que voltar.


Deus que me perdoe, mas tenho uma confissão a fazer essa noite.

Ela é breve, bem simples, e vou soltar tudo de uma vez.

A Evelyn está um porre de chata agora, dentro do meu quarto, no meu


espaço, sentada na minha cama.

Não, chata é pouco, a minha irmã está insuportável.

Se antes ela era calada e se isolava, agora ela quer ficar no meu pé direto, e
isso é ótimo, não é ruim, de forma alguma é disso que estou reclamando. O
que estou reclamando é que, desde que soube que Cody Davenport me
chamou para sair, ficou me provocando e me enjoando o tempo inteiro para
que eu concordasse e aceitasse logo o pedido do rapaz, que insistiu por
várias semanas. Não bastando me perturbar junto dele, a garota resolveu
acompanhar de perto toda a minha produção como, é claro, a maior
incentivadora de que eu, Gabriella Faulkner, saia da seca e volte a dormir
com os garotos, como costumava fazer há algum tempo, porque, segundo
suas próprias palavras, não aguenta mais me ver levar a vida que costumava
levar antes da aparição de seu namorado Luca, pois era deprimente e
desprovida de emoção e adrenalina.

Não sei que tipo de adrenalina ela acha que vou ser capaz de encontrar nesse
encontro, mas estou apenas concordando com tudo que fala, porque eu não
aguento mais ter que ouvir seus argumentos, que são sempre os mesmos.
Vira e mexe, Evelyn traz à tona o assunto de Levi, das nossas preocupações,
mais especificamente, as minhas, que ela diz que carrego sem compartilhar
com ninguém, e é... urgh, insuportável.

Eu queria sair com Cody, é verdade, porém acho que só aceitei sair com ele
hoje, mais para calá-la, para mostrar que quero e posso sim me divertir
quando bem entender, que nada mudou e que não estou tão preocupada
quanto ela e o seu vampiro acreditam.

No fim das contas, para ser bem sincera, nem adiantou de nada, porque
Evelyn Sutton não fica quieta, ela tagarela sem parar.

É sério que essa é a nerd antissocial que se escondia até mesmo das
paredes?

Não parece.

— Ei, Gabriella, você por acaso está tentando se atrasar de propósito? —

Para o que estava falando antes e logo vem com essa pergunta, quando me
vê trocar as peças de roupa mais uma vez. Antes, eu estava de saia,
entretanto, agora visto uma calça, uma de couro justa e que é de cintura alta.
Estou apenas de sutiã, tentando encontrar outra blusa no meio do caos que já
virou o meu guarda-roupa.

— Para, garota, você já se trocou três vezes.


Viro para a minha irmã mais nova e vejo que já está de pé na cama, me
olhando com aquele seu típico olhar julgador, os óculos já descendo para a
ponta do nariz com o movimento de cabeça que faz.

— Arrrgh — grunho voz alta, enquanto bato o pé no chão, parecendo uma


criança emburrada depois de não conseguir dos seus pais o doce no
supermercado.

— É que você está falando, falando, e a minha cabeça fica doidinha. Por que
não para, vem aqui e me ajuda?

Mal termino de falar, e Evelyn já fica em minha frente.

— Isso tudo é por causa do Cody? — Confusão assume as linhas do seu


rosto, depois estala os lábios e balança a cabeça de um lado para o outro,
negando sua própria pergunta. — Não, não é pelo Cody. Você não gosta dele
a ponto de ficar assim, irritada, nervosa, trocando de roupa como se estivesse
desesperada para ficar bonita e impressioná-lo. Quer dizer, vamos ser
realistas aqui, você, desde que saiu do ensino médio e entrou na faculdade,
não fica assim por homem nenhum. Você é a Gabriella, a garota na qual
todos os garotos de Emerald Grave têm crush, você sabe que não precisa de
nada para impressioná-los, sabe que apenas ser do jeito que é, já é o
bastante. E se posso chutar, diria que está assim

porque é a primeira vez que está saindo de casa para curtir uma noite como
uma garota normal, depois de tudo que nos aconteceu.

— De novo, você com esse assunto. — Respiro audivelmente. — Eu estou


bem, Evie. Eu estou mesmo bem — reforço, para também não preocupá-la,
mesmo com um sentimento estranho esmagando meu peito. — Eu só... não
sei, parece que estou escutando uma voz me pedindo para ficar em casa.
Talvez eu não esteja tão no clima assim.

— Não, você está. Essa voz aí na sua cabeça é a voz do medo. Você
provavelmente deve estar pensando que não deve ficar fora de casa por tanto
tempo, que não deve nos deixar sozinhos, eu, mamãe e o nosso pai, e que
também não deve ser legar ficar tão tarde se arriscando na rua. E, para
completar, deve estar pensando que Cody é um garoto legal e que não pode
ficar próxima dele a ponto de trazê-lo para sua vida. — Sacode os ombros,
quando eu entreabro os lábios. — Não me olhe desse jeito, como se estivesse
espantada, essas coisas estão praticamente escritas na sua testa, e eu sou uma
leitora, tenho um olhar mais apurado nessa questão de ler pessoas, ainda
mais se essa pessoa se trata da minha querida e incomparável irmã mais
velha.

Arfo diante de suas palavras e resolvo jogar meus braços ao lado do corpo.

Tudo bem, não sabia que ela conseguia me ler desse tanto, mas Evelyn pode
estar um pouquinho certa em sua análise. Esses pontos que destacou foram
exatamente os pontos que me fizeram prolongar ao máximo esse convite,
cortando o barato de Cody Davenport todas as vezes em que aparecia na
minha aula de Botânica só para me ver e em todas as vezes que resolvia me
mandar mensagem perguntando sobre quando, onde e como seria o nosso
encontro, e se eu já havia pensado em ficar com fome logo.

Minha fome gritou muitas vezes, óbvio, porém eu fiz com que a minha
barriga ficasse calada, enquanto colocava na balança os prós e os contras de
aceitar seu insistente convite, afinal, antes de ele aparecer, eu tinha dito a
mim mesma que precisava ficar mais leve e aproveitar um pouco mais, não
ficar tão neurótica com vampiros querendo me caçar e todas essas merdas,
no entanto, quando a oportunidade apareceu, eu me vi encurralada em um
beco sem saída, com duas alternativas: ou eu aproveitava e me tirava da seca
logo de uma vez, como tanto falavam Evelyn e Luca, ou eu parava de
acreditar nessa baboseira, porque não podia dar mole e precisava ficar
sempre em alerta.

Até que, depois de muito pensar, eu decidi me aventurar, pois confiava em


mim mesma para me proteger. Ninguém buscaria os outros, nem meu pai,
nem minha mãe, nem minha irmã, buscariam a mim, e, qualquer coisa, Luca
é nosso vizinho, ele está apenas algumas casas de distância, e comigo
saindo, ele viria para

cá, o que é exatamente o que vai acontecer, isso não seria nenhum problema
e, de fato, não é.
Eu tinha e ainda tenho ciência dessas coisas, de que está tudo bem, de que eu
dou conta, mas... merda, não sei o que é, é só a droga de uma sensação ruim.

Talvez, realmente possa ser só uma pontada de medo querendo me


convencer a desistir por bobagem, afinal de contas, ainda sou uma humana,
meu subconsciente pode muito bem querer me sabotar em momentos que
com certeza seriam inofensivos.

Contudo, não vou deixar.

Eu definitivamente não vou deixar de conhecer a balada de Cody Davenport,


por causa de pensamentos intrusivos.

— Eu estava te achando insuportável, mas estou, agora mesmo, voltando


atrás nos meus próprios pensamentos. Eu precisava de você aqui, sacudindo
o meu juízo para me encorajar, percebo agora. — Empurro de leve um dos
seus ombros, e Sutton sorri, com todos os seus dentes brancos e alinhados
aparecendo, para mostrar para mim sua felicidade em me ver cair na real. —
Só que o que eu disse antes disso, continua de pé, vou querer que me ajude.

Antes mesmo de ela me confirmar sua ajuda, eu já estou, de novo,


bagunçando as minhas roupas e pegando duas opções para vestir. Um, é um
cropped de zebra com manga longa e gola alta, o tecido levemente
transparente; e o outro, é apenas um pretinho básico, que com certeza
também vai combinar muito bem com a bota de salto que estou usando.

Levanto os dois, um em cada lado do meu rosto, e solto:

— E aí, só para eu me sentir muito bem, com qual dessas duas opções vou
ficar mais gata?

— Hm... — Faz um biquinho pensativo com lábios e bate com o dedo


indicador no queixo, segundos antes de apontar para o preto básico. — Essa.
Vai combinar com a calça, vai parecer um conjunto. E você sabe, não gosto
de estampas, chamam muita atenção.
— Mas eu gosto de chamar atenção. — Projeto o lábio inferior para baixo,
fingindo tristeza, embora eu esteja concordando totalmente com sua opinião.

Descarto a peça de zebra de volta pro guarda-roupa e, com Evelyn rindo, eu


visto a blusinha preta. — Ei, para com isso. Estou seguindo seus gostos,
porque acho que essa irá ornar melhor com o look, mas ainda sou totalmente
a favor de estampas, contanto que a pessoa saiba usar sem parecer brega. Eu
acho bem tendência.

— Pois, eu não acho, não. É muita informação.

— Claro — sou irônica. — Você só sabe usar esses seus suéteres sem graça.

—Ei, não fale dos meus suéteres, eles são confortáveis, aconchegantes e
quentinhos.

— Eu não falo deles, se você não falar das minhas roupas.

— Não estou falando das suas roupas especificamente, até porque você tem
ótimas escolhas e que combinam muito com você, estou falando das benditas
estampas.

— Eu já entendi, e eu estou aqui para defendê-las.

Evelyn gira nos calcanhares para voltar a sentar na minha cama, entretanto,
não sem antes cruzar os braços e erguer os lábios no sorriso mais zombeteiro
possível.

— Ai, ai… — cantarola num tom alto, o que faz com que um vinco se forme
entre as minhas sobrancelhas. O que foi agora?, meus pensamentos não
ganham vida, porém minha irmã parece me escutar e me entender, mesmo de
costas, porque continua: — Você está de volta, Gabriella. Isso é bom. Isso é
muito bom.

Bastou trocarmos uma palavrinha, e a vozinha na sua cabeça foi para o


espaço.
Ela se senta, agora ficando à minha frente, e quando noto, estamos sorrindo
uma para a outra.

É verdade.

Evelyn me trouxe de volta, se não fosse por ela, ainda continuaria uma pilha
de nervos. Disse no começo que ela estava sendo chata, contudo, na
realidade, eu quem estava sendo e não estava percebendo. Se continuasse
daquele jeito, a noite seria um completo fiasco.

Fico feliz que a nossa relação evoluiu tanto, mas tanto, que agora temos essa
liberdade uma com a outra, coisa que nunca imaginávamos ter. Agora ela me
olha e me entende, da mesma forma que eu a olho e a entendo.

Sempre fomos irmãs, sempre nos amamos, é verdade, só que é tudo


diferente. Agora, também somos melhores amigas. E é simplesmente um
sonho, finalmente poder falar isso.

Não quero e não vou, nunca mais, me afastar dessa garota. Ela que aguente
meus chiliques, minhas estampas e a minha personalidade totalmente
diferente da dela. O bom é que, pelo menos assim, nos completamos.

O que Evelyn não encontra em si, encontra em mim.

E vice-versa.

— Lá vou eu, incorporar a chata de novo. — Pisco e fico séria, quando


escuto a sua voz, porque sei que lá vem coisa. — É melhor começar a se
mover, pois você está, literalmente, superatrasada. Já passou das 22h.

Ai, merda.

Cody disse que viria às 22h.

Enquanto corro para pegar a minha maquiagem e ficar de frente para o


espelho, reflito que ele também está atrasado, não só eu. Mas está tudo bem,
não posso pensar nisso agora, tenho que me concentrar em passar a base, o
corretivo, o pó, o blush e o iluminador. Quando tenho a minha pele pronta,
me concentro nos meus olhos e faço apenas um esfumado com uma sombra
clarinha, para fazer o delineado na pálpebra e vir com o rímel em seguida,
caprichando nas camadas.

Guardo tudo de volta no lugar e fico com o batom, o lápis de contorno dos
lábios e o gloss.

Antes de focar na minha boca, que é a parte que eu particularmente mais


gosto, ponho os brincos, pego a bolsa deixei na cama, ao lado da minha
irmã, que ainda segue me assistindo — e dessa vez, calada —, e volto para
frente do espelho, dando ainda mais volume para os meus lábios
naturalmente carnudos. Ao ver que ficam lindos, eu os estalo, faço um carão
para ver meu próprio reflexo e, depois de guardar o batom, o lápis e o gloss
na bolsa, caso eu precise dar retoque na festa, amasso os meus cachos,
coloco-os para frente e fico me analisando em diferentes ângulos no espelho.

Não sei quanto tempo leva esse amor que eu sinto por mim mesma, mas a
graça acaba completamente quando meu celular vibra, e é uma mensagem de
Cody, dizendo que já chegou e que já está aqui na frente.

No mesmo segundo, escutamos uma buzina lá fora.

No mesmo segundo, eu saio de perto do espelho, me viro e vejo Evie, outra


vez em pé e com os olhos azuis arregalados.

— Ele chegou! — avisa com tanta empolgação, que parece que é ela que vai
sair com Cody, e olha que recentemente estava o considerando um babaca.
Tudo bem, ela pode ainda estar tendo esse pensamento, contudo, sua
vontade de me ver dando uns beijinhos é tão grande, que nem está se
importando com a fama do garoto, porque sabe que a minha também não é a
melhor das melhores, visto que gosto de sair e experimentar muitos caras.
Ela só não liga tanto e não fica preocupada, porque sabe que sei me cuidar e
sei proteger meu coração. — Já está pronta? Já pegou tudo? Não está
esquecendo de nada? — Sua parte tagarela, até então desconhecida, retorna
com mais perguntas, que saem desenfreadas e emboladas, uma atrás da
outra.
Permaneço tranquila e calma, enquanto confirmo.

— Está tudo aqui — respondo, bem na hora que Cody dá a segunda


buzinada da noite. Fecho os olhos por um instante, sentindo o recado e quase
podendo dizer por telepatia um grande e belo “já estou indo!” . — É melhor
eu ir, ele provavelmente está ansioso para me ver e, pelo tanto que insistiu
para que

saíssemos juntos, não vai aguentar esperar mais um minuto. Também não
quero tirar nossos pais do quarto, eles podem estar querendo dormir mais
cedo hoje.

— Tem razão. — Corre até mim, quando eu começo a me movimentar, se


põe ao meu lado, desliga as luzes e fecha a porta do meu quarto por mim,
logo após sairmos de dentro. — Ei. — Me cutuca com o cotovelo, para que
eu a olhe enquanto quase alçamos a escada. Viro sobre os ombros,
incentivando-a, silenciosamente, a continuar falando. — Seja sincera, não
está minimamente nervosa pelo encontro?

Descemos as escadas lado a lado.

— Estou perfeitamente normal, e não é um encontro, encontro. Nós só


vamos a uma balada.

Seu nariz franze.

— Por que ele te convidaria para ir a uma balada na primeira vez juntos?

— Por que ele é o futuro dono, esqueceu? — Ela bate a mão de leve contra a
testa, como se realmente tivesse se esquecido. — E porque ele disse que lá
também tem algumas salas VIPs, onde podemos desfrutar a companhia um
do outro. Parece que servem até jantar.

Descemos o último degrau e voltamos a ficar uma de frente para a outra.

— Sendo assim, parece interessante. — Sorri, com aquela pitada de que


nada do que eu disse faz o seu tipo. — Espero que se divirta e deixe as
preocupações de lado. Ficaremos bem, Luca já está perto de chegar.
— Ok, obrigada. Se divirta também. — Antes de me virar e ir embora, eu
volto para olhá-la, querendo soar ameaçadora. — Eu sei que você tem um
tesão gigantesco no seu namorado, mas, se for possível, nada de sexo hoje.
Não quero que se distraiam por tanto tempo. Será que é possível a sua
mocinha aí de baixo se controlar?

Num piscar de olhos, suas bochechas ficam rosadas de vergonha.

— Nossa, Gabriella, é melhor você ir embora logo. Não escutou? Cody está
gritando seu nome lá fora.

Dou risada, porque é um truque para fugir. Não há ninguém me chamando,


quem dirá, gritando.

Mesmo assim, resolvo deixar passar e mando beijos no ar para ela,


caminhando até a porta, saindo e trancando-a depois.

Desço os degraus da varanda e me deparo com o carrão de Cody


estacionado.

O vidro desce lentamente, e seu rosto aparece, o sorriso brilhando tanto


quanto a lua acima de nós. Ele me cumprimenta com dois dedos, me olhando
de

cima a baixo, e eu começo a me movimentar para chegar até ele.

— Oi, invasor e hater número um de plantinhas — falo, quando já escorrego


para dentro do seu carro, Cody trava-o em seguida. Ele ri pela forma
inusitada que o chamo. — Desculpa se demorei, minha irmã não estava
muito a fim de me deixar sair.

Que mentira deslavada.

— Ciúmes? — Levanta uma sobrancelha.

— Eu chamaria de cuidado. — Outra mentira. Minha irmã só estava


faltando me jogar da janela para eu encontrá-lo mais rápido. — Ela é
cuidadosa e preocupada.
— Entendo. — Cody não para de olhar para mim. — Mas que bom que, no
fim, você está aqui.

— Sim, invasor, estou aqui.

— Obrigado, Deus.

Ponho a mão na boca, para não sorrir tão descaradamente assim.

— E a propósito, você está linda — solta no minuto seguinte. — Você está


linda sempre, mas hoje está... impressionante.

— Ah, que bonitinho. Obrigada. São os seus olhos.

Dessa vez, permanece calado e continua me olhando por mais alguns


segundos, o que passa a ser um pouco constrangedor, porque ninguém fala
nada, e o carro ainda está parado na frente da minha casa. Posso apostar que
Evelyn está espiando tudo pela janela e, se bobear, meus pais também, caso
estejam acordados.

— Vamos? — pergunto, querendo sair daqui logo, e Cody parece sair da


espécie de transe em que se enfiou, pois, seu corpo chacoalha, e ele
movimenta a cabeça em confirmação.

— Vamos, Faulkner.

Então liga o carro e dá partida, porém não sem antes mencionar:

— Se prepare para a noite mais inesquecível de sua vida.

— Ah, tem que ser mesmo, tendo em vista o tanto que você me procurou
para isso.

— Acho que você está esquecida do que me falou depois do seu momento de
líder de torcida. — Com a mão no volante e os olhos na rua, ele fala,
malicioso.

Me remexo no assento do carro e coloco o cinto.


— Não, Davenport, eu não esqueci.

— Pois bem, se você não esqueceu, imagina eu. Não fui capaz de seguir a
minha vida normalmente depois daquilo, você entrou na porra da minha
cabeça.

Mordo os lábios.

— E isso é bom ou ruim?

— Antes era ruim, porque eu não tinha você, mas agora é bom. Vai ser bom.

Volta a me encarar, quase podendo mandar eu me preparar para o que pode


acontecer mais tarde.

Mais tarde.

Só em pensar no que pode vir a seguir, me dá um frio na barriga.

E, infelizmente, não é daqueles bons.

A noite está ótima.

A balada é enorme, bonita, organizada, bem decorada, com luzes neons, e as


pessoas que trabalham aqui, para o pai de Cody, são muito gentis. Desde que
chegamos ao local, nos trataram superbem, eles até reservaram uma sala só
para nós dois jantarmos.

O jantar também estava muito bom.

A companhia também estava agradável, com conversas legais, leves e


descontraídas, como Davenport costuma ser. Ele me contou algumas coisas
da sua família, me contou um pouco sobre a sua vida, seus hobbys, me fez
rir e continua sendo muito legal e atencioso.

Está tudo muito bem, saindo como planejado, mas desde que saí de casa, o
frio na barriga não passou, só fez aumentar. Minha preocupação e paranoia,
e aquele sentimento ruim que estava sentindo, também voltou e voltou muito
mais forte do que antes, tanto que, mesmo me forçando a prestar atenção no
que o garoto à minha frente fala, não sei dizer em que assunto está agora,
porque minha mente está em um lugar desconhecido.

Um lugar que me desespera e que faz tanto minhas mãos quanto meu corpo
por inteiro, suarem.

Deslizo as palmas novamente na calça, pelo que parece ser a milésima vez
esta noite.

Meu peito sobe e desce, e eu tento me acalmar, tento me concentrar, me


sentindo cada vez mais claustrofóbica, como se as paredes estivessem nos
espremendo a cada minuto que passa. É estranho, e parece que só eu que
sinto, já

que tanto Cody, quanto todos os outros à minha volta, estão completamente
normais, executando seus afazeres da forma mais plena e tranquila possível.

Com ele ainda falando sobre como seus pais pegam no seu pé, junto do
reitor da faculdade, que é amigo super próximo deles, eu balanço a cabeça,
sorrio e comento uma coisa ou outra, só para não demonstrar que estou tão
por fora, e pego, por baixo da mesa, meu celular, que estava dentro da minha
bolsa, para mandar uma mensagem para Evelyn.
Eu: Hey, cadê você? Está tudo bem por aí?

Demora cerca de dois minutos para que ela veja a mensagem e resolva
responder.

Irmãzinha: Sim, tudo tranquilo por aqui. Estou assistindo filme com Luca e
não tem nem cinco minutos que fui no quarto dos nossos pais, eles
obviamente pegaram no sono assistindo uma série infantil da Disney,
acredita?

Acredito, e muito, nossos pais criaram esse hábito agora. Eles dizem que é
divertido relembrar os velhos tempos de infância antes de dormirem.
Segundo a teoria dos dois, dá um sono melhor, muito mais tranquilo e leve,
com zero insônia ou pesadelos.

Sorrio internamente, aliviada.

Eu: Tome cuidado, não transe e qualquer coisa, me ligue.

Os três pontinhos na tela surgem com rapidez, para indicar que ela já está
prestes a me responder.

Irmãzinha: Meu Deus, vai aproveitar seu encontro com o playboy e me


deixa em paz.

Rio sozinha, sem querer, sem nem pensar, e é óbvio que isso chama atenção
de Cody, que para de falar e me olha de forma confusa.

Guardo meu celular de volta na bolsa na velocidade da luz e ergo minhas


írises nas suas.

— Está tudo bem? — pergunta, receoso. — Por favor, não me diga que estou
sendo tedioso.

— Não! — nego com firmeza, me sentindo culpada. — Eu só... cansei de


ficar sentada, quero um pouco mais de agitação. Que tal se a gente sair
daqui, ir para a pista e dançar?
— Sou péssimo dançando, mas por você, eu posso fazer esse sacrifício, gata.

Já flexiono os joelhos e arrasto a cadeira rapidamente, ansiosa e com


arrepios passando pela coluna.

Talvez essas reações sejam boas, e eu esteja confundindo, pelo tempo que
fiquei mais em casa do que na rua, devo ter desacostumado e só percebi
agora.

Preciso me aliviar, preciso mesmo dançar.

Cody se põe ao meu lado, me conduz para o lado de fora, fecha a sala VIP, e
tanto música quanto gritos nos envolvem com força, já que lá dentro, o
barulho não nos alcançava.

É um barulho bom, um barulho do qual eu estava precisando, abafa os da


minha mente.

— Vem, por aqui.

Ele me puxa pela mão, e a gente começa a passar pelas pessoas, descendo as
escadas dessa área e indo para o andar de baixo, com o futuro proprietário do
lugar abrindo caminho para passarmos. Alguns olham para nós, outros nem
ligam, continuam bebendo e dançando, entretanto, quando chegamos na
pista, eu tento não pensar em mais nada. Eu só penso na vibração da música,
na batida que faz com que o meu corpo trema, nas pessoas animadas
gritando ao redor e, claro, em Cody, que se aproxima, me olhando como se
quisesse me devorar por inteira. Ele me olha assim desde o começo da noite.

Desde que nos conhecemos, na verdade.

— Está com medo de mim? — grito por cima da música, vendo-o negar,
enquanto sorri. — Então por que você não se aproxima mais um pouco e me
toca?

O jantar estava bom, a conversa também, mas talvez seja disso que eu esteja
necessitada no momento, um pouco de distração e prazer.
A fome, que tanto viemos falando esses dias, aumenta no seu olhar, quando
eu alcanço a sua mão e coloco na minha cintura.

Começo a movimentar meu corpo aos poucos, o encarando e fingindo que


somos só nós dois aqui.

— Cacete, Gabriella, você é tão gostosa — profere, depois de se aproximar


da minha orelha, sua respiração batendo contra o meu pescoço. Para
provocá-lo mais um pouco e também para ouvir as coisas que eu gosto,
decido me virar, chocando minhas costas contra o seu peito, sua mão agora
apertando o meu quadril, quase descendo para a minha bunda, que agora
começa a rebolar. —

Porra, puta que pariu, acho que estou sonhando.

— Cala a boca e me acompanha — murmuro de olhos fechados, focada em


dançar e em sentir sua pegada.

É quando sinto outro arrepio, no entanto.

Um tão forte, tão forte, que abro os olhos e solto um gritinho que,
felizmente, ninguém parece notar. Meu corpo continua se movimentando,
porém, meus olhos não me obedecem, eles ficam procurando algo pelo
ambiente, indo de

um lugar ao outro, como se tivesse algo aqui que eu precisasse enxergar e


não estou enxergando.

Estico o pescoço, olho para os lados, para o fundo, e... um vulto.

Meu coração acelera no peito, porque tenho certeza que vi um vulto, uma
coisa se mexendo.

Procuro outra vez, mas nada aparece.

Quer dizer, não aparece por cerca de segundos, pois em seguida, vejo de
novo, se movimentando com as luzes, indo lá para cima, para a área VIP.
Pisco uma porção de vezes e já sinto minha testa com gotículas de suor se
acumulando.

Meu Deus, eu só posso estar maluca, vendo coisas e assombrações.

Será que meu lado bruxa ativou meu lado espiritual?

Não.

Eu não estou preparada para isso.

— Oh, linda, por que você parou? — Cody praticamente choraminga às


minhas costas, com a sua mão ainda me segurando. — Continue, eu estava
adorando. Ou você quer... sair daqui e ir para outro lugar?

— Quero — respondo rápido e sem nem pensar direito. — Mas me espere


aqui, eu só preciso passar no banheiro antes.

Nem espero uma resposta ou uma confirmação da sua parte, já lhe dou as
costas e começo a praticamente correr, querendo chegar depressa no
banheiro, para jogar uma água no meu rosto e retocar a maquiagem, porque
devo estar num estado deplorável.

Também preciso respirar, colocar as ideias em ordem, já que parece que


estou praticamente a um passo de surtar.

Serpenteio as pessoas, peço licença a outras, e o frio me segue até mesmo


quando eu alcanço o banheiro e me enfio nele.

Respiro mais aliviada, quando vejo que não tem mais ninguém além de mim,
e corro para me equilibrar na pia. Agora, com a música abafada, posso ouvir
melhor o zumbido do meu coração vibrando no meu ouvido.

É forte e parece que eu acabei de dançar todas as maratonas de cheerleaders


de uma só vez, porque minha respiração está descontrolada, eu puxo o ar
com precisão, enquanto finalmente encaro meu reflexo.

Exatamente como eu imaginei, estou horrível.


Jogo o cabelo para trás, ligo a torneira, pego um pouco de água com as mãos
em concha e jogo no meu rosto. Uma, duas, três, várias vezes.

Fecho a torneira, pego alguns papéis para me secar e, depois de jogá-los no


lixo, sinto meu coração dar outro salto no peito.

Meu corpo se retesa e em seguida eu ouço uma movimentação, como se


tivesse outra pessoa aqui comigo no banheiro.

Me viro, tentando encontrar o que quer que seja, quando algo se materializa
à minha frente e me empurra para uma das paredes.

— Olá, bruxinha. — O desgraçado sorri, me segurando pelos ombros. Pelo


susto, perco o raciocínio por um momento, sem saber o que fazer com ele
em cima de mim. — O que pensa que está fazendo com outro homem que
não seja eu?

Achei que estivesse me esperando. — Um bico se apossa dos seus lábios. —


Estou me sentindo traído, confesso. E eu não gosto de me sentir traído,
bruxinha. Não por você.

Meu coração extrapola os batimentos cardíacos, e a raiva se apossa do meu


organismo, meus dentes rilhando uns nos outros. Porque na minha frente, é
ele, Levi. Levi Vodrak. Em carne, osso e sorrisos irônicos que podem
enlouquecer qualquer pessoa.

Depois de tanto tempo, ele ressurge, e justo agora.

— Me solte — rosno. — Me solte! — Me debato, com suas risadas me


sufocando.

— Use seus poderes, gracinha. — Pisca, me olhando com a cabeça jogada


para o lado.

— Se você não se afastar agora mesmo, eu juro que vou usar.

Não sei se ele me solta ou se eu faço alguma coisa sem querer, mas Levi não
está mais me agarrando, o maldito só dá um único passo para trás e continua
quieto, como se estivesse me esperando agir.

Por que ele parece tão confiante?

E por que eu simplesmente não reajo?

Faz alguma coisa, Gabriella. Faz alguma coisa!

Você esteve esperando por esse momento, está na hora de mostrar o que
aprendeu.

Entretanto, não vou causar uma confusão aqui, não com Cody e todas as
pessoas lá fora. Não posso colocar ninguém em perigo, sendo que esse
problema é só nosso.

Ergo a mão no ar e fecho os olhos, pronta para fazer o mesmo feitiço que o
derrubou da outra vez. Me concentro, com as luzes piscando, e quando abro
os olhos, achando que funcionou, vejo que Levi permanece a mesma coisa,
no mesmo lugar, intacto.

Não, pior, ele parece mais confiante, mais prepotente, com os braços
cruzados, as botas pesadas batendo no chão, e a risada arrogante lhe
escapando.

Por que não funcionou? Por que ele não está no chão?

— Acabou? — soa debochado e vem em minha direção. — Pode tentar outra


vez, se preferir.

— O que foi que você fez? — Meu maxilar trinca, e as minhas unhas cravam
nas palmas. — O que foi que você fez? — repito, e à medida que avança até
mim, eu me colo mais na parede.

— Descobri um truque que faz com que você não tenha tanto poder assim
sobre mim. — Dá de ombros, como se não fosse nada demais. Eu juro, vou
matá-lo. Vou matá-lo aqui mesmo. — E para com essa cara de bravinha, para
a sua felicidade, eu não vou te matar. Meus planos com você agora são
outros, e aposto que vai gostar da proposta que lhe trouxe.
— Eu não quero nada com você — declaro, com um sussurro-grito. —

Nada.

Ele estala a língua no céu da boca e pega um cacho do meu cabelo entre os
seus dedos, quando vou empurrá-lo, obviamente, ele prende meu pulso com
seus dedos.

— É, eu suspeitei que não fosse facilitar, por causa do nosso primeiro


encontro um tanto quanto... conturbado — é a sua vez de sussurrar, só que
no meu ouvido. Eu prendo a respiração, e Levi parece parar por um segundo,
para inspirar meu cheiro. Ao voltar seu rosto no meu, bem próximo, me
lança outro sorriso, agora muito mais diabólico e predatório. Ele realmente
parece a droga de um animal. — É por isso que você vai dar adeus ao idiota
lá fora, porque agora você é minha, e nós temos um passeio a fazer.

Não tenho nem tempo de gritar ou pedir ajuda, quando percebo, Levi já está
me levando consigo.
Eu sei que ele é um vampiro, um ser sobrenatural, mas porra, ele anda
rápido, muito rápido, e eu, agarrada a ele, não tenho sequer qualquer forma
de me tirar dessa situação.

Nem mesmo se eu quisesse me soltar, por causa de algum feitiço, não


conseguiria, afinal, é tudo na mais absoluta velocidade da luz, entrando em
um lugar e outro escondido, passando pela floresta, pelas árvores e agora,
nesse momento, parece que nos leva para algum lugar alto, pois sinto tontura
e enjoo, o que me faz fechar os olhos, minhas mãos presas ao redor do
pescoço de Levi, suas mãos em minha cintura.

Se fosse em outra ocasião, eu pegaria as minhas próprias mãos e esganaria


seu pescoço, porém, como não tenho outra alternativa, me seguro nele como
se a minha vida dependesse disso.

E que desgraça dos infernos, pior que depende mesmo.

Apertando ainda mais os olhos, rezo para que esse pesadelo acabe o mais
rápido possível.
Porque eu só posso estar sonhando.

Definitivamente, só posso estar sonhando, nem ferrando que estou nos


braços do meu inimigo, enquanto corre comigo, para sabe Deus onde.

Isso aqui não é Crepúsculo, não é The Vampire Diaries, é a porra do mundo
real, e, por mais que eu tivesse imaginado esse momento acontecendo na
minha cabeça umas trezentas vezes, sempre o repetindo como um looping,
várias e várias vezes, nada, nem uma vez, nunca, se pareceu com o que está
acontecendo. Eu imaginava que entraríamos em combate, que brigaríamos e
lutaríamos na primeira encarada, quando ficássemos um de frente para o
outro, pensei que ele traria os seus vampiros, seus cúmplices, e eu teria a
minha magia e o meu cunhado Luca para me ajudar no que fosse preciso. Eu
imaginei que teria muito fogo, grito, morte, caos e destruição, não isso, um
Levi Vodrak me dando um passeio por Emerald Grave na sua velocidade
sobrenatural para, talvez, um possível sequestro.

E como se a situação já não fosse ruim e absurda o suficiente, ele ainda disse
que não queria me matar, que me queria para outros fins, que me queria para
um passeio, logo depois dos meus poderes não terem funcionado com ele,
por simplesmente ter descoberto um truque.

Que truque?

Ele só pode ter ficado maluco.

E é por isso que eu continuo insistindo, não é real.

O vento zumbindo no meu ouvido e balançando o meu cabelo não é real, a


lapela gélida da sua jaqueta roçando em mim não é real, o toque dos seus
dedos também não é real, e nada do que aconteceu depois que entrei no
banheiro foi real.

Talvez eu tenha batido minha cabeça na pia depois de lavar o rosto e agora
estou em coma, alucinando.
Ou, para não ser tão pesado assim, talvez eu esteja só dormindo, depois de
ter mandado mensagem a Cody, dizendo que desisti do encontro.

Talvez o pedido do encontro nunca tenha acontecido.

Talvez eu mesma nem exista, seja só uma projeção, uma inteligência


artificial. Deve ser, só pode ser isso, bruxas nem existem de qualquer forma
mesmo.

Abro os olhos, vendo os mesmos vultos.

Chego à conclusão de que Levi não está maluco, quem está sou eu.

É, só pode ser isso, porque agora nós dois nos materializamos na sala de uma
casa, uma espécie de cabana, no meio do nada, em uma montanha esquecida
da cidade.

Começo a gritar e o empurro para longe, dando uma joelhada no meio das
suas pernas. Levi me solta no mesmo instante, pego de surpresa, e dobra seu
corpo, urrando com a dor do golpe nas suas bolas.

— Caralho, bruxinha — murmura entredentes, depois de erguer a cabeça


para me fuzilar com as suas írises escuras. Eu olho de um lado para o outro,
à procura de algo para me defender desse monstro, de preferência, algo
especialmente pontiagudo, e com a adrenalina correndo em meu sangue,
minha atenção se fixa na tesoura no móvel da televisão, em cima de revistas
e papéis velhos, o que obviamente me faz correr até lá, com Levi ainda
tentando se recuperar do meu chute. Tenho que ser rápida, afinal, é um
vampiro, suas dores passam tão rápido quanto ele é capaz de se locomover.
— Eu fui tão gentil com você, te tirei daquele encontro estúpido, lhe
proporcionei um passeio sobrenatural, te trouxe para cá viva, inteirinha, e o
seu jeito de me agradecer é esse? Dando um chute no meu saco? Posso não
gerar filhos, mas ainda preciso do meu brinquedinho intacto, sua bruxa,
como vou satisfazer mulheres bonitas como você no futuro?

Nem aí para suas baboseiras, eu alcanço a tesoura rapidamente e me viro


com ela em mãos, apontando-a em sua direção, conforme percebo que já está
de volta ao normal e prestes a se aproximar. Ele, mesmo andando e nem um
pouco intimidado, ergue as suas palmas para o alto e fica com o olhar preso
no meu, me provocando, me incentivando a reagir e a ter mais raiva.

Quanto mais me instiga e me atiça, menos parece se importar com a minha


clara ameaça, que é estúpida e não vai adiantar de nada, pois não é com uma
merda de uma tesoura que conseguirei matar um vampiro. Contudo, isso faz
com que eu aperte a tesoura com mais firmeza, apontando, o cercando, ele
andando para um lado, e eu para o outro, em círculos. A forma que nos
olhamos é como se uma caça estivesse diante de seu caçador, a presa diante
de seu predador. É

selvagem, animal, e mesmo que não morra, se vier para cima de mim, eu
facilmente sou capaz de ataca-lo, abrindo mil buracos em seu corpo sem
nenhum tipo de dó.

E ele pode me alcançar depois, porém eu vou fugir sem nem olhar para trás.

Vou fazer o possível e o impossível para escapar, não vou entregar o jogo, se
é isso que está pensando.

Levi tenta avançar, e eu quase enfio a ponta da tesoura em sua mão.

— Não chegue perto de mim — ordeno, também entredentes. — Não sei em


que merda você está confiando tanto, mas eu ainda posso fazer essa casa ruir
com nós dois dentro. Se a morte sempre foi reservada e destinada a mim
desde que nasci, então eu aceito, mas antes de ir, me certifico de também te
levar junto, seu desgraçado.

— Nossa, você é mesmo brava, puxa vida. — Por que, mesmo numa
situação tão séria como essa, ele fica brincando? Bem que dizem que Levi
Vodrak

tem um jeito terrível mesmo. Eu quase posso me morder de tanta raiva e


tenho certeza que age assim de propósito, só para cansar e fazer seu inimigo
perder a cabeça sem nem mesmo ter começado a atacá-lo, usando de suas
artimanhas passivo-agressivas para se promover e sair por cima. Ele é
daquele que mata na unha, que mexe na ferida até abrir, faz a pessoa surtar e
depois sai como vítima, porque mantém a pose fingida até o último segundo.
É a porra de um manipulador frio do cacete, o pior e mais deplorável ser que
existe. Olhar para o seu rosto agora, me causa calafrio, náuseas, parece
minha sentença direta para o purgatório.

— É melhor se acalmar, baixar essa tesoura, baixar essa sua bola toda e ficar
de boa, pois hoje, por incrível que pareça, não estou aqui para tretas. Hoje,
estou uma vibe Luca, estou bonzinho, a fim de resolver todos os meus
problemas na base do diálogo. Inclusive, se ele estivesse aqui, me daria
parabéns e ficaria orgulhoso da minha conduta. É fofinha, não é?

— Uma ova que é.

— Ova, ovo, bola, saco — contabiliza e mesmo andando, ergue os dedos no


ar. — Acho que você está viciada demais nessas regiões baixas e está
destoando do clima doce e favorável que estou tentando instaurar entre nós,
bruxinha. Essa tesoura erguida e esse olhar assassino só estão piorando tudo,
é melhor guardá-la onde você pegou, pois você ainda não é o Johnny Depp.

— Referência a Edward, Mãos de Tesoura, sério mesmo?

— Pode ser a Piratas do Caribe também, se você estiver vendo a tesoura


como sua espada.

Inacreditável.

Não acredito que estou tendo esse tipo de diálogo com o cara que quer me
matar.

Balanço a cabeça e me concentro no que realmente interessa.

— Que lugar é esse e por que me trouxe aqui? — Continuo com a tesoura
erguida. — O que você está tramando? O que quer comigo? — O filho da
puta fica em silêncio, observando minhas mãos tremerem, enquanto retorce
os lábios em um sorriso de canto. — É sério, estou falando com você —
digo, sendo a minha vez de dar um passo para frente. — Não pense que não
vão procurar por mim, pois vão. O

Cody estava comigo, ele vai notar que desapareci e então irá comunicar a
todo mundo.

— Cody? — O nome se desenrola em sua boca com um certo sarcasmo. —

É esse o nome daquele moleque engomadinho? — Ri, como se fosse algum


tipo de piada. — Está tudo certo, eu já me livrei dele.

Sinto como se todo sangue sumisse do meu corpo, junto de todo o meu ar.

A raiva que me consome é tanta que, quando percebo, minha fúria me leva
até ele, a ponta da tesoura praticamente enfiada em um dos seus olhos.

— Você tocou nele? — rosno.

Eu juro que eu não me reconheço, porque Levi traz o meu pior lado à tona.

Estou me sentindo sanguinária, louca para entrar em uma briga corporal com
ele.

Louca para, de fato, matá-lo.

— Porque, se você tiver o matado, eu juro que...

— Cara, estou começando a ficar chateado com a forma errônea com que as
pessoas me veem. — Suspira e, à força, Levi faz a minha mão com a tesoura
ser baixada. Mesmo ele sendo muito mais forte que eu nesse sentido,
continuo com o nariz e o queixo empinados, sustentando seu olhar. —
Vontade eu tive, mas eu não matei seu namoradinho, bruxa. Na verdade,
senti vontade de me matar, ao ver seu péssimo gosto para homens. Ele é tão
feinho, coitado, tão sem graça, tão sem sal e ainda te deixou entediada, que
eu vi. — Bufa uma risada, ainda segurando meu pulso. — Mas o que esperar
de bruxas, não é mesmo? Vocês escolhem os homens errados, são trocadas
por outras e, ao invés de agradecerem, ficam putinhas e fazem feitiços para
acabar com a vida deles, afinal, os homens são sempre errados, nunca vocês,
já que são sempre as vítimas das histórias, as incompreendidas, as que
tiveram o coração quebrado e por isso, podem tudo, inclusive se vingar de
criancinhas que de nada tinham a ver com seus pecados e suas escolhas
inúteis.

— Puxa — é a minha vez de ser debochada, até faço beicinho. — Você


realmente ficou muito magoado, não foi? Ainda não conseguiu superar? —

Aproximo tanto nossos rostos, que os nossos narizes se tocam. — Por que
essa raiva aprisionada, se você adora ser vampiro? Se você adora o sangue,
todo esse poder, toda essa força? É ridículo. — Rio sem humor. — Essa sua
briga toda durante mais de um século, te faz é passar vergonha, porque você
parece mais um menininho birrento, mimado e hipócrita, do que qualquer
outra coisa. Se essa mágoa toda por bruxas viesse de Luca, que não é capaz
de fazer mal a ninguém, eu até entenderia, mas vindo de você, é só idiotice,
falta do que fazer e muita, muita maldade.

— Linguinha afiada, eu gosto disso. — Mais uma vez, não é capaz de levar
nada a sério, embora eu perceba como seu pomo-de-adão sobe e desce em
sua garganta, e logo em seguida, o osso na sua mandíbula salta. Ele sente
raiva, muita raiva, entretanto quer pagar de controlado, e, definitivamente,
ainda não sei por qual razão. Se finalmente me tem em sua frente, o
desafiando, por que está parado? Por que está ouvindo cada palavra sair da
minha boca bem atentamente?

Por que ele não avança? Por que não luta, por que não me fere ou me mata?
Eu

preferia que fizesse isso, a vê-lo assim. Dessa forma, me sinto perdida, não
faço ideia do que esperar. — Para evitar problemas futuros, vamos encerrar
esse assunto. Como eu disse anteriormente, o que me trouxe aqui foi outro
motivo.

— Que motivo?

— Se quiser saber, primeiro você, além de largar essa tesoura, vai ter que
baixar seu murinho, sentar naquele sofá e me escutar. Mas me escutar de
verdade, sem pensar em derrubar esse chalé comigo e você dentro.

— Vai ser bem difícil — enfatizo.

— Então vamos ficar aqui, assim, até amanhã.

Reviro os olhos.

— O que você quer que eu faça? Não posso ficar de boa no mesmo ambiente
em que você está, se eu não confio em você nem de olhos fechados.

Ele também revira os seus, quando me escuta.

— Recapitulando, você tentou jogar um feitiço em mim quando me viu,


você deu um chute no meu saco quando chegamos aqui, você me ameaçou,
me apontou uma tesoura, me chamou de birrento, mimado e hipócrita e
ainda está dizendo que não confia em ficar sozinha no mesmo ambiente que
eu? Eu nem te toquei, nem revidei, nem fiz nada. O máximo que fiz, foi te
pedir calma e chamar seu namorado de feio.

— Ele não é meu namorado, é um amigo — deixo claro, porque já está


começando a me irritar com esse papo.

Outro sorriso malicioso cresce em seu rosto.

— De tudo que eu falei, foi nisso que focou? — Lambe os lábios. — Citou
isso para que, para me deixar a par do seu status civil? Tudo bem, anotado.

Gabriella está solteira, e aquele mauricinho idiota não é o seu namorado.


Confesso que fico aliviado, me mostra que você não é tão deplorável quanto
eu pensei.

— Você é ridículo — cuspo. — Acha que estou me oferecendo a você? Nem


se fosse a única coisa que eu precisasse fazer para ficar viva.

— Ai! — Levi finge que foi afetado novamente por outro golpe. — Não
destrua meu ego, ele é a única coisa que eu tenho que é incapaz de me
abandonar.
E se quer saber, nem mesmo se você se oferecesse para mim, eu aceitaria.
Não estou passando fome para pegar qualquer porcaria.

Oi?

Ele acabou de me chamar de... porcaria?

Engulo a minha raiva em seco, mesmo me pinicando por inteira, me controlo


para não surtar e incorporo um espírito de atriz em mim, pois finjo que não
me

ofendi, que não senti absolutamente nada e até abro um pequeno sorriso sem
descolar os lábios.

— Pode me soltar — eu peço com a voz mais mansa do mundo. — Vou


ignorar o que você disse, fingir que nunca aconteceu, me sentar ali e te
escutar.

— Jura? — As írises brilham. — Tão fácil assim?

Balanço a cabeça e pisco os cílios, tentando soar inofensiva.

— Unhum.

Ele fica desconfiado, dá para perceber, ainda assim, resolve me dar o


benefício da dúvida.

Aos poucos, Levi solta a minha mão, dá um passo para trás e fica esperando
que eu devolva o objeto metálico, que ainda está em minha mão.

Eu sorrio, indo até ele entregar.

Só que não.

Antes que possa compreender o que estou fazendo, pego a tesoura e enfio
com toda força em sua clavícula. Como na parte do chute, Levi grita de dor,
que é basicamente música para os meus ouvidos.
— Sua cadela desgraçada, é a porra da minha jaqueta preferida! — grunhe,
ao tirar a tesoura do seu corpo, sangue pingando por ela e pelo buraco
formado no tecido de couro, que vê o estrago causado e lhe dá ainda mais
raiva. Quando retorna o rosto para mim, está com a sua face assombrosa de
vampiros, os olhos pretos, as veias abaixo deles, e as garras pontiagudas para
fora. — Eu tentei o modo fácil, tentei ser paciente, mas se você quer o meu
lado mau, você vai ter o meu lado mau.

Começo a correr, buscando uma saída, porém ele me encontra e se


materializa na minha frente, tapando a minha boca, quando começo a gritar.

— Faremos o modo difícil agora, bruxinha — é o que sua voz ardilosa sopra
no pé do meu ouvido. Outro arrepio, aquele mesmo que eu estava sentindo
antes de sair de casa. É nesse momento que percebo, eu posso senti-lo. Perto
ou a quilômetros de distância, eu sou capaz de sentir sua ruindade me
fazendo cócegas.

— Depois não diga que não lhe dei oportunidade. Posso até ser o vilão dessa
história, porém você também não é nenhuma mocinha.
Eu grito.

Se os animais estão na floresta, eles acabam de fugir todos de uma vez, e


para bem longe, porque meu grito é alto, forte, estridente e deve ecoar por
Emerald Grave inteira, quando Levi me pega, me põe sentada em uma
cadeira no meio da sala, e, sem eu saber de onde diabos veio, me enrola com
cordas.

Nos pulsos, nos pés, ao redor da minha cintura.

Ele é tão rápido, que só tenho noção do que acabou de fazer, quando se põe
em minha frente, dando uma olhada e sorrindo orgulhosamente para trabalho
feito em questão de segundos, e mesmo me movimentando e me puxando,
não consigo me locomover nem para um lado, nem para o outro, tão pouco
para frente ou para trás.
Estou definitivamente presa, literalmente sem saída.

E grito mais por causa disso, a plenos pulmões e no volume máximo, só para
que uma alma caridosa, mesmo que no meio do nada, seja capaz de me
escutar e de me ajudar.

— Quem é que está parecendo uma criança birrenta agora, hein? — me


provoca, passando o dedo pelo meu nariz, como se não fosse ele a criança.
Mostro

os dentes e faço que vou mordê-lo, mas é claro que se afasta antes que eu
possa fazer qualquer coisa, dizendo: — Wow, wow, bruxinha dos infernos, o
vampiro aqui sou eu, não confunda. E pare de me olhar desse jeito, você que
se colocou nessa posição, agora aguente.

— Vou matar você — ameaço, sendo extremamente verdadeira nas minhas


palavras e na encarada fatal que lhe dou. — Vou acabar com a sua raça,
fazendo muito pior do que fiz com aquela tesoura. Aquilo não é nada, perto
do que tenho em mente, seu filho da puta, nojento, desgraçado e... porra,
todos os malditos xingamentos do mundo — vocifero, me chacoalhando
para os lados mais uma vez.

— Vou matar você, mas antes, vou fazer com que pague por tudo que
cometeu.

Tudo. Cada mínima coisinha. Você, Levi Vodrak, vai se arrepender de ter me
achado, cruzado o meu caminho e de um dia ter pensado que seria capaz de
me enfrentar ou derrotar. Eu acabarei com toda essa sua marra, com toda
essa sua história hipócrita e colocarei um ponto final em tudo, fazendo
justiça pelos meus pais e por toda geração Salazar, que você perseguiu por
anos. Vou fazer mesmo, e não é blefe. Vou acabar com você, nem que eu
acabe comigo também.

Dá dois passos para trás e me estuda com a cabeça tombada minimamente


para o lado, como se quisesse me ver por um outro ângulo dessa vez.
Independentemente da forma como me olhe, sei que permaneço a mesma
coisa; borbulhando por dentro e por fora, espumando de uma grande mistura
de ódio e desespero.

Estou a pura imagem do caos, a própria personificação dele.

— Vou me vingar — emendo logo em seguida, e minha cadeira se


movimenta para frente, afinal, conforme falo, ela se mexe cada vez mais. —
Vou te amaldiçoar de volta, e dessa vez, sem nenhum feitiço, apenas com o
poder e com a força que carrego no meu sangue.

Mesmo Levi me escutando muito bem — qualquer um escutaria, na verdade,


já que não estou fazendo nenhuma questão de ser silenciosa —, me ignora, o
que me deixa ainda mais puta, e pega outra cadeira que orna a pequena mesa
do chalé, pondo-a bem na minha frente e se sentando em um baque. Ele fica
na maior pose desleixada, as pernas levemente abertas, os pés batucando no
chão, e os braços cruzados em frente ao peito, à medida que tenta decidir
qual expressão vai sustentar em seu rosto, a divertida fingida ou o ódio
descarado e verdadeiro que sente por mim e que só cresce, ao passo que me
ouve o ofendendo.

Aposto que está se segurando, que está brigando internamente com a sua
razão e a sua emoção, sem saber qual deixa vencer essa batalha para dominá-
lo.

Porque sei que, mesmo sua boca querendo expor um sorriso, seus olhos
presos aos

meus, brilham e não mentem sobre sua verdadeira realidade, a que, não sei
por qual motivo, está tentando esconder de mim.

Ele está furioso, no entanto.

Eu o vejo.

Está doido para voar no meu pescoço, querendo desesperadamente me fazer


calar a boca de uma vez por todas e, provavelmente, deve estar fazendo tudo
isso em sua mente, onde projeta diferentes formas de me ver morta por suas
garras.

Aposto que todas elas são dolorosas, torturantes, sangrentas, onde Levi se vê
me humilhando e sendo sua vez de colocar o ponto final nessa história
macabra de vingança, que cultivou por décadas a fio.

E o pior, é que ele está com a oportunidade. A perfeita das oportunidades, na


verdade. Não há mais ninguém aqui, apenas nós dois, se quisesse fazer algo,
não seria impedido.

Por que ele não faz? , a pergunta ecoa em minha mente de forma
inconformada.

Por que ele continua sentado, de frente para mim, escolhendo camuflar a sua
raiva para poder sorrir?

Falso.

É isso que Levi Vodrak é.

Falso, fingido, dissimulado, frio, extremamente perigoso.

— Se você continuar com essa fúria toda, bruxinha, vai acabar tendo um
ataque cardíaco, mesmo na flor da idade. — O sorriso dele é tão petulante,
que me faz rosnar de novo. — Eu, hein, quanto ressentimento. Que tal se
deixarmos o passado no passado? — Suas sobrancelhas dançam de forma
sugestiva. — Acho que a gente deve esquecer o que aconteceu, ter um novo
começo. O que me diz?

Eu já vi gente cínica e cara de pau, só que da marca dele, está para nascer.

— Por favor, por que você não vai logo direto ao ponto? Por que você não
me diz o que está tramando de uma vez por todas?

Agora, Levi descola as costas da cadeira, se colocando para frente.


— Hm, é o que eu quero, mas você não para de se mover feito um Pinscher
raivoso. Tô tendo que ficar aqui, esperando seu surto passar, para você
realmente prestar atenção em mim e me ouvir.

Não tenho outra opção, tenho que respirar fundo e me controlar, pois preciso
saber o motivo de sua volta, e, principalmente, o motivo de ter me trazido
para este lugar com um discurso de que não vai me matar, porque
precisamos conversar.

Seja lá o que estiver tramando na sua cabeça doentia, nada do que estou
fazendo, vai me ajudar a descobrir. Preciso aprender com a sua frieza e seu
jeito

manipulador, preciso respondê-lo da mesma maneira que ele me responde


para assim, talvez, só talvez, eu conseguir começar a compreender o que
diabos está querendo.

— Fala — incentivo, dando o braço a torcer e parando de me balançar nessa


cadeira idiota em que estou presa. Quando disse que iríamos pelo modo
difícil, não estava de brincadeira, não sei como pude ter duvidado. Também
não sei por qual milagre ele não me aponta nenhuma arma ou adota a sua
versão vampiro para falar comigo e para me botar mais medo, visto que nada
do que eu li ou descobri a seu respeito, me fez esperar esse seu tipo de
comportamento. Está tudo simplesmente muito estranho. — Não que eu
queira ter qualquer tipo de conversa com você, mas, se quer falar, vá direto
ao assunto.

— Obrigado. — Pisca, ao passo que finca os cotovelos nas coxas e entrelaça


as mãos embaixo do queixo. — Bem, bruxinha, vou fazer algo com você que
não costumo fazer com muitas pessoas, vou ser bem sincero. Eu estava em
uma outra cidade, uma bem perto daqui, na espera de chegar o tempo
perfeito para voltar e atormentar a sua vida, porque, se pensa que eu viria e
só te mataria, está muito enganada. Como você é a minha última, de fato,
comecei a pensar que você deveria ter um pouco mais da minha atenção, não
se livrar de mim e do peso de ser uma Salazar assim tão facilmente. Por isso,
me mantive recluso, quieto, buscando a melhor forma de agir e de mexer
com a sua cabeça, a ponto de enlouquecê-la, como agora. — Uma lufada
densa de ar lhe escapa, e Levi começa a mexer a cabeça de um lado para o
outro. — Só que, para a sua sorte, nesse meio tempo, coisas aconteceram e
me fizeram perceber que, na verdade, eu ganharia muito mais se a deixasse
viva, do que morta. Você poderia muito bem me ajudar em algo que venho
procurando por décadas, e é por esse motivo que está aí, inteirinha, apenas
colocada de castigo, por ser uma bruxa malvada e desobediente.

Eu paro por alguns segundos, tentando entrar em consenso com o meu


cérebro sobre o que eu acabei de ouvir.

E rio.

— Te ajudar? — praticamente cuspo as palavras. — Ah, não, só pode ser


pegadinha. Você não está se ouvindo, não pode estar falando sério.

— Eu estou — continua, sustentando a mesma pose, e minha barriga


congela. — Você vai me ajudar, querendo ou não, gostando ou não. Não há
escapatória ou saída.

Prendo outra risada que quer vir, porque esse cara não pode estar sendo
capaz de se escutar. Deve estar no seu modo lunático, deve estar possuído,
deve ter usado alguma coisa bem forte, que o deixou completamente sem
sentido, sem noção da realidade.

Fricciono os lábios, até me concentrar no que desejo perguntar, o que não


demora muito.

— Tá bem, vamos supor que isso que acabou de falar faça algum tipo de
sentido e tenha fundamento, de que tipo de ajuda, só para eu saber, você está
falando?

— Feitiço. — Dá de ombros. — Preciso que faça para mim, o mesmo feitiço


que está no colar do Luca.

— Oi?!

— O colar do Luca — repete. — Eu quero o feitiço.


Estátua, é assim que fico.

Parada.

Completamente sem reação.

Não por ficar surpresa, mas por não conseguir assimilar.

Choco os cílios uma, duas, três vezes.

— Eu não sei do que você está falando.

Me assusto, quando se levanta bruscamente, a cadeira caindo com o


movimento.

Levi corre, com seu jeito sobrenatural e veloz para minha frente, agora
completamente sério, com o maxilar trincado. Parece muito mais com o
vampiro que vi aquele dia, quando tentou matar a minha irmã, achando que a
bruxa sobrevivente era ela, sem nenhum pingo de vontade de se controlar.
Ele me enfrenta cara a cara, e seus dedos, quando percebo, tocam e seguram
o meu queixo, para me manter imobilizada.

— Te deixei brincar demais, minha paciência acabou — sibila, fazendo meu


corpo se arrepiar novamente. — Não tente me fazer de otário, eu já vi muito
dessa vida, tenho 100 anos a mais que você, bruxa dos infernos. Se eu estou
falando que você sabe, é porque eu sei que você sabe. Ou vai me dizer que
sua irmãzinha ou o próprio Luca, nunca te contaram o porquê de ele ser um
vampiro tão diferente dos outros, a ponto de se passar perfeitamente por um
humano no auge da sua juventude universitária?

— Não, eu sei sobre o colar — digo, com raiva, porque é só isso que Levi
consegue tirar de mim. — Eu só não sei de que merda de feitiço é esse que
está falando. Luca nunca pediu para colocarem nada ali, ele o achou no mar,
perto da praia, sei lá. Foi quando ele salvou a Evelyn da tragédia que você
fez acontecer naquele navio, em 2009.

Em segundos, sua expressão se transforma, e nem parece se abalar comigo


citando o Shine Star.
— Então é mesmo verdade — parece falar mais para si mesmo, do que para
mim, com o rosto virado para o lado. Não demora muito, no entanto, pois
cerca de cinco segundos depois, seus olhos escuros já se voltam para encarar
firmemente os meus, injetados com uma mistura do que me parece surpresa
e entendimento. —

Meu irmão é um filho da puta sortudo do caralho, sabia?

— Por quê? — questiono, confusa. — Por que estamos falando de Luca e


desse colar? Por quê?

— Porque ele sempre, sem esforço, consegue tudo. Não importa o que seja,
ele sempre vai sair na frente, enquanto eu fico cada vez mais para trás. Até a
merda de um colar, que foi dado a uma vampira depois de ter sido
enfeitiçado por uma bruxa, para que ela andasse no sol e se controlasse, ele
conseguiu achar depois de ela ter o perdido. Para você ver o nível de sorte
dele, esse colar provavelmente rodou por muitos lugares, por muitas pessoas,
até que o encontrou.

— Ri e dessa vez, não parece nem um pouco preocupado em me deixar ver a


mágoa e a raiva que cintilam em suas írises, quando menciona seu irmão
gêmeo que, segundo a própria história de ambos, ficou conhecido como o
melhor dos dois. — E essa é a história desse maldito colar, bruxinha. A
bruxa colocou um poder na pedra, ela o deixou poderoso para aquela
vampira e para Luca que, por já ter essa conexão com a natureza e com a
água, por causa da maldição de Alma Salazar, caiu como um presente que
ele nem sabia que precisava. E eu quero o mesmo.

Ah, agora sim, tudo faz sentido.

Minha mente clareia como num passe de mágica.

Levi descobriu sobre o colar, ficou com inveja por ter perdido mais essa para
o seu irmão e agora não precisa mais de mim morta, precisa de mim viva,
porque está necessitando de uma bruxa que venha a fazer esse feitiço para
ele. Quer me usar, quer se favorecer da minha linhagem e dos meus poderes,
só para sair ganhando na disputa irrefreável que trava contra o irmão.
Que lute sozinho, na verdade, já que Luca nunca quis fazer parte de uma
competição.

— Espera, vamos ver se eu entendi. — Circulo a minha boca com a língua,


tentando não rir de incredulidade mais uma vez. — Você me trouxe até aqui,
por que quer que eu te faça um serviço?

— É, podemos chamar assim.

— E acha mesmo que vou fazer?

— Acho que posso te convencer, então sim.

— Jura? — Ergo uma sobrancelha e soo tão irônica quanto ele. — Você
mata basicamente todas as pessoas da minha família biológica, sequestra a
minha irmã, a melhor amiga dela, me ameaça de morte e acha que tem o
direito de me pedir alguma coisa?

— Com você falando assim, não, mas eu juro que tenho um motivo muito
grande para acreditar que você vai aceitar. — Solta o meu queixo, para poder
apertar o meu nariz. Preciso reunir todo meu autocontrole para permanecer
quieta.

— E eu já disse, o passado não é mais importante, vamos focar no futuro,


deixe de ser rancorosa. E, se quer saber, acho que, no fim, te fiz um favor,
porque posso presumir que não mudaria nada na sua vida agora. Você não
trocaria seus pais por nada nesse mundo, você se sente feliz por ter se
aproximado da Evelyn e se aproximou pelo que aconteceu, que fique claro, e
provavelmente sente que um peso saiu das suas costas, ao revelar seu
segredo e não precisar carrega-lo sozinha.

Dependendo da perspectiva, eu nem te fiz tão mal assim.

— Você é mesmo um monstro. — Sinto nojo e contorço o rosto de desgosto.

— Você perseguiu pessoas inocentes, feriu, machucou e mesmo quem não


matou, deixou um trauma gigantesco, que foi o caso da minha irmã. Tentou
acabar com a vida dela duas vezes. Se não significou nada para você,
significou muito para nós.

— E o fato das suas ancestrais acabarem com outras vidas, incluindo a


minha, a do meu irmão, a do meu pai, a da minha mãe, não significa nada
para você? — rebate, fervilhando. — Porque significou muito para mim,
porra. Se eu fiz o que eu fiz, foi tudo por vingança. Se os outros eram
inocentes, Luca e eu também fomos um dia. Se você não sabe, Alma decidiu
nosso futuro de merda, quando ainda estávamos na barriga da nossa mãe,
quando nem sabíamos quem éramos e o que nos aguardava. Tem seres mais
puros do que dois bebês, Gabriella?

Vai, me responde, porque era isso que éramos. Dois bebês. Dois bebês
condenados à morte e à dor, por culpa de terceiros que não sabiam lidar com
suas próprias frustrações. Agora me diz, o que você diz sobre isso?

— Que um erro não justifica o outro, Levi.

— E o que eu te digo, é que toda ação gera uma reação, Gabriella. Quem
pode me julgar? Eu tinha os meus motivos. Errados ou não, eles eram meus,
e só eu sei tudo o que eu passei.

— Seu irmão também passou pela mesma coisa — o lembro. — O mesmo


que você sofreu, ele sofreu também. A dor da morte, a dor da transformação,
a transformação por si só, toda a sede por sangue, o descontrole, a raiva, o
lado animal. Cada mínima coisa, vocês passaram juntos. E veja só ele, não
precisou fazer nada do que você fez. Muito pelo contrário, Luca foi aprender
a viver

sozinho, porque você lhe deu as costas, enquanto ele tentava ao máximo,
lidar da melhor forma com a sua realidade.

— Porque ele era e continua sendo um frouxo. — Levi parece que explode,
até dá passos para trás e bagunça os fios do seu cabelo. — Eu tentei ao
máximo e o chamei para me acompanhar, mas ele não quis, preferiu ficar
sozinho, bancando o herói, só para, no fim, jogar na minha cara que ele
sempre foi o melhor dentre nós dois. Ele arquitetou tudo, e... quer saber,
foda-se, eu não vou ficar discutindo com você sobre isso. Eu não te trouxe
aqui para resolvermos esses problemas, te trouxe para resolvermos outros.
Quero meu feitiço na pedra. Quero em colar, anel, broche, em qualquer
objeto que você conseguir.

— Você, por algum acaso, quer ter controle? Quer andar entre os humanos?

Quer ter uma vida parecida com a de Luca, a de que tanto reclama e julga?
Não é você o vampiro fodão, que se controla pelo fogo, que curte a noitada,
as festas e ama esse lado sobrenatural? — pergunto retoricamente. — Então
por que você quer esse feitiço? Por que está pedindo só agora, esse tipo de
ajuda?

— Primeiro, não te interessa — tem a audácia de dizer, o que faz com que
minha boca se entreabra em um O gigantesco. — Segundo, não estou
pedindo nenhuma ajuda, eu não preciso, estou bem, perfeitamente bem. —
Ele passa a mão no rosto, diferente de quando chegou, e não parece, nesse
estado, nada bem. —

Talvez, a pedra enfeitiçada pode ser para outra pessoa, ou para mim, que
posso estar querendo competir com Luca. Se ele tem algo assim, eu também
posso querer ter, e aí? — Chacoalha os ombros, e suas botas novamente se
arrastam em minha direção, um sorriso diabólico começando a crescer em
seu rosto. — E sabe quem vai me proporcionar isso? Você, minha bruxinha.
— Aponta com o indicador para a minha testa.

— Pois procure outra. — Começo a me debater, querendo me soltar. — Ou,


se preferir, me mate de uma vez. Prefiro morrer a te ajudar com qualquer
coisa que seja.

— Eu até queria, mas não posso, dizem que esse tipo de feitiço só é feito
pelas mais fortes. Você é a única que conheço, que tem acesso ao colar de
Luca e que pode me fazer um igual.

— Mesmo se eu fosse te ajudar, Levi, eu não teria como. Coloque na sua


cabeça que eu nunca fiz, nem sei como fazer e nem tenho isso nos meus
estudos.
Coloque na sua cabeça que é caso perdido, que é furada, que não é
importante e me deixe em paz.

Dessa vez, também não se abala.

— Eu também faço meus estudos, virei o melhor aluno no quesito descobrir


a vida de Gabriella Faulkner, o que significa que eu sei que você ainda não
sabe. É

por isso que vou ficar aqui em Emerald Grave, te rondando, até você
aprender, e eu ter o que eu quero.

Meu. Deus. Meu. Deus.

Tombo a cabeça para trás, gargalhando tanto, que a minha barriga dói.

Eu dou risada, muita risada, e não sei como vou conseguir parar.

— Você é realmente louco, maluco, pirado — disparo, ainda rindo. — O

quê? Não posso rir da sua cara e da sua confiança, ao dizer isso?

— Não, bruxinha, não pode. Porque é o que vai acontecer.

Sua certeza, aos poucos, me faz parar de sorrir e ficar séria, já começando a
ficar com um pouco de medo.

Pela sua expressão, ele só pode ter uma carta na manga.

Sim, só pode ter, ele não faria isso tudo sem uma certeza de que eu toparia.

Engulo em seco, e o meu coração se agita no meio do peito.

— Por que, depois de tudo, eu faria algo para te beneficiar? — pergunto,


mesmo sem ter certeza se quero ouvir sua resposta.

Por um momento, Levi me dá as costas, mas é rápido, só dura até que pegue
a cadeira novamente, a ponha na minha frente e se sente.
— Porque eu tenho algo que você, Luca e até mesmo sua irmãzinha sem
graça, podem querer saber. Você tem a noção, eu sou uma pessoa bem
informada, muitas coisas chegam aos meus ouvidos em primeira mão. —
Dobra a coluna para frente. — E o que eu descobri recentemente, é que
você, Gabriella Faulkner, ou melhor, Gabriella Salazar, está com outro
vampiro querendo a sua cabeça, e um muito, muito pior do que eu.

Tudo meu gela.

— Vladimir — diz, continuando, e tem um pouco de diversão em seu tom de


voz. — Vladimir Vampir. O original, o primeiro vampiro do mundo.
Vladimir.

Vladimir Vampir.

O original.

O primeiro vampiro do mundo.

O amaldiçoado por Thereza. O homem que fez com que o mundo


sobrenatural passasse a se misturar com o humano, o homem que, por sua
causa, fez com que o feitiço de transformação da sua esposa acabasse
chegando na minha família, mais especificamente em Alma, e ela, séculos
depois, o reproduziu de forma proibida para cima de Luca e Levi,
ocasionando todos os problemas possíveis, inclusive o meu, esse aqui, com o
qual estou tendo que lidar nesse momento.
E esse tal Vladimir está atrás de mim. Me procurando. Querendo a minha
cabeça.

Demora um tempo até que eu consiga captar a informação para tentar


compreendê-la.

E nada do que eu pense, faz sentido na minha cabeça.

O quão verídico isso pode ser?

— É mentira sua — eu digo de uma vez, sem rodeios, já que essa sua
revelação simplesmente não entra e não bate. — Por que esse vampiro
estaria atrás de mim? E por que, se estivesse, você me avisaria algo assim,
de bandeja?

— Porque eu quero algo seu e estou te dando algo em troca. Poderia só te


forçar e te obrigar? Poderia, mas como você não tem um feitiço, e ele pode
demorar um pouco, seria capaz de você e Luca, em algum momento,
tramarem uma emboscada para mim. E eu mal tive tempo de pensar o que
poderia fazer com você, quando essa novidade veio até mim. Foi instantâneo
pensar que, ao invés de nos matarmos, poderíamos trabalhar juntos, um em
prol do outro. Sabe, sustentar uma guerra por tantos anos pode cansar.

Um V se forma na minha testa.

— Eu continuo sem entender — insisto. — Se essa história for verdade, o


que Vladimir quer de mim? E como você poderia me ajudar? Você me odeia.

Ele dá um pequeno sorriso, voltando a encostar as costas na cadeira.

— Eu te odeio, mas preciso de você viva, e ele te quer morta, ou seja, quer
arruinar os meus planos. E para conseguir o que eu quero, sou capaz de tudo,
até mesmo me unir com a minha maior inimiga, em prol de me beneficiar. —
Dá de ombros. — E se quer saber, Vladimir também quer usar a mim e a
Luca no seu planinho mirabolante de reverter a maldição.

— Reverter a maldição? — Quase engasgo. — E como... como seria isso?


— Ainda não sei ao certo, estou pesquisando. Mas, pelo pouco que descobri,
consiste em pegar você, eu e Luca para um sacrifício. — Eu não sei se é
possível, porém meu coração acelera tanto, que o sinto praticamente
querendo sair pela minha boca. Sacrifício. A palavra ronda em minha cabeça
e me deixa tonta. —

Pelo que parece, ele quer a cura, quer voltar a ser humano, e para isso
acontecer, precisa dos principais elementos que mantêm de pé esse feitiço.
Uma Salazar, e outros vampiros, amaldiçoados como ele. — Quando
percebo, Levi arrasta a cadeira para mais perto e aponta com o indicador
para mim. — Você é a única Salazar existente, você é a bruxa, e parece que
para quebrar o feitiço, só usando o seu sangue por completo. Depois que eles
te usarem, você, no fim, acabará morta, enquanto Vladimir seguirá o resto da
sua vida como um humano.

— Tudo bem, eu fujo, eu me escondo, eu luto com ele se preciso for.

Ri.

Levi Vodrak ri da minha cara, da forma mais exagerada possível.

Rilho os dentes e o vejo abrir a boca.

— Bruxinha, nós dois sabemos que você é incapaz de deixar sua família e
Emerald Grave para trás. E não seja inocente, mesmo se você fugisse, ele
seria

capaz de te encontrar na primeira oportunidade, e aí, você estaria sozinha,


despreparada e sem ajuda dos seus amigos. Seria morte na certa — declara,
convicto. — E sobre você lutar com Vladimir, não se garanta tanto. Se Luca
e eu somos fortes, ele consegue ser dez vezes mais, porque tem anos e anos
na nossa frente. Ele é uma besta, tipo uma lenda, nós nem sabemos onde ele
se esconde ou vive. Se a informação chegou até mim, significa que ele
queria que soubéssemos.

Ele quer nos deixar com medo, é algo que adora.


— Certo... — Meneio a cabeça, tentando ajustar as peças do quebra-cabeça.

— Vladimir é o primeiro vampiro do mundo, possivelmente o mais forte,


quer o sangue de uma Salazar para quebrar a maldição e também precisa das
outras partes afetadas por esse feitiço da transformação induzida, entretanto,
precisa de uma bruxa para quebrá-lo com outro feitiço. Quem vai ser?

— Aí, você já quer demais da minha pessoa, eu não sei. Talvez você, talvez
outra.

Nego.

— Não vai ser, eu estarei no centro do feitiço, estarei sendo usada.

— Então vai ser outra — responde com desdém. — Se tinha isso em mente,
por que perguntou?

O ignoro.

Para o bem da minha própria sanidade, o ignoro e foco ainda nos


questionamentos que tenho.

— Veja bem, Levi, você mesmo falou que Vladimir é o mais forte entre
vocês, por qual motivo ele faria algo para tentar voltar a ser um humano de
novo?

— Porque ele pode até ser um vampiro forte e que reside no mundo há
séculos, mas ele não é um vampiro transformado, é um vampiro
amaldiçoado por uma bruxa. Como o próprio nome já diz, não é uma
bênção, é uma maldição. Não sei os motivos dele, mas não seria tão difícil
assim imaginar. Todos nós temos as nossas dificuldades, até mesmo os mais
controlados, como Luca, passam por algum tipo de sofrimento, mesmo que
mínimo. É a regra da brincadeira, querida bruxa, vocês não mediram
esforços para nos castigar. São todas umas cadelas sem coração, acho que
você consegue perceber agora.

— Então é por isso que quer o feitiço na pedra? — eu solto, só para ver sua
reação. Em um primeiro momento, fica sem entender, porém quando observa
minhas feições, desvia o olhar e é nítido que vacila e engole em seco. É
muito mínimo, quase imperceptível, entretanto não deixa de passar por mim.
— Você, Levi, como Luca, quer diminuir o sofrimento que carrega e quer se
controlar.

Talvez não seja tão forte assim, talvez finja — o provoco, vendo-o se
contorcer cada vez mais de raiva. — Estou mentindo ou não estou?

— Cale a boca — vocifera. — Você não sabe de porra nenhuma.

— Que bom te ouvir falar assim, porque se eu não sei de porra nenhuma, eu
não sei fazer feitiço nenhum, então me deixe em paz — vocifero de volta,
pois se acha que vai gritar comigo, e eu vou me manter calada, está muito
enganado.

Tento, mais uma vez, me soltar das cordas, que já estão me irritando e me
fazendo entrar em colapso por estar assim, presa por tanto tempo, desde que
me trouxe até aqui. — E se quer saber, eu não acredito em uma palavra do
que soltou. Não tenho motivo nenhum para confiar em alguém da sua laia,
que pode muito bem estar querendo dar o golpe final com todo mundo por
aqui.

— Eu sei que não tem motivos para confiar, eu também não confio nem um
pouco em você. — Sorrio de forma irônica ao ouvi-lo, quase podendo dizer:
isso mesmo, imbecil, não confie, pois posso acabar com a sua raça em
segundos, se eu quiser. Ele percebe, porém opta por me ignorar e continuar
com seu discurso. —

Também não pense que estou amando fazer isso, porque não estou, o que eu
quero é o feitiço na pedra e estou aqui para oferecer minha ajuda contra
Vladimir, em troca dos seus serviços, afinal, ele também quer a mim e ao
meu irmão nesse plano idiota.

— Repetindo o que eu disse anteriormente, se essa história for verdade


mesmo, o que eu duvido, a gente não tem motivo nenhum para aceitar sua
ajuda.
Por que parece tão confiante de que isso vai acontecer?

Na maior pose arrogante, Levi dá de ombros de novo e, pouco a pouco, abre


outro sorriso. Aquele sorriso maldoso que arrepia, que causa angústia, que
dói e corrói a alma. Ele parece ter pensado em tudo, arquitetado cada
mínimo detalhe, e é como se eu estivesse sobrando aqui, apenas coexistindo
nessa cena do seu espetáculo.

— Porque talvez, só talvez, eu saiba de mais coisas. Mais coisas


importantes, que ocultei de propósito para não entregar o jogo todo, coisas
que podem ajudar, coisas que farão muita diferença na hora de vocês criarem
o plano de defesa e contra-ataque. E a mais importante, porque eu sei que
vocês sabem que, se eu estiver ao lado de vocês, é muito melhor do que se
eu estiver contra, porque tenho minhas fontes, tenho meus amigos, posso
trazer mais gente para a batalha. Não é tanto confiança, quer dizer, ela
também existe, mas é apenas pura lógica. Eu posso ser uma peça muito
importante, e todo mundo sabe disso. —

Umedece os lábios com a ponta da língua, que passeia de uma região à outra,
e continua ostentando seu ego maior do que esse bendito chalé no meio do
mato. —

E a minha entrada para o time da Luluzinha, só acontece quando você me


der sua palavra, bruxa.

— Não, sinceramente, eu acho muito engraçado que você ache que vou
topar. — Balanço a cabeça. — Essa história pode até ser verdade, tem
fundamento, mas essa sua conversa, esse seu teatrinho, não é capaz de
convencer ninguém.

Você quer vingança, você nos odeia, a mim, ao seu irmão, à minha irmã, a
todos nós. Acha mesmo que vamos confiar que está aqui querendo nos
ajudar? —

Continuo em negação. — Você é um mentiroso, Levi. Um traidor. Um


manipulador. Um assassino. Pode me querer para pôr o feitiço na pedra, mas
é só isso. Assim que conseguir, vai cumprir com o que prometeu e o que
sempre fez.

Vai se virar contra o seu irmão na primeira oportunidade e vai garantir que
eu morra, antes mesmo que Vladimir seja capaz de me alcançar.

— Você é inteligente — menciona. — E você tem um ponto. Só que da


mesma forma que eu posso fazer isso, você também pode mentir e me
amaldiçoar com outro feitiço, ao invés do que possivelmente me ajudaria.
Você pode dizer que vai topar, mas é só uma mentira, pois vai fazer um
plano de me destruir, para depois se concentrar em destruir Vladimir, com a
desculpa de que consegue ser a heroína forte e salvadora de todos, sendo que
não é tão fácil assim, e você sabe.

Pode ser uma ótima bruxa, uma forte e que carrega dentro de si todas as
outras, entretanto ainda é iniciante, não tem experiência como tantas outras,
o que significa que estamos na mesma posição. No entanto, nós dois
sabemos que, se qualquer um dos dois desviar do combinado, perderemos. Já
era. Você desfaz o feitiço, eu fico sem, e aí começamos tudo de novo o lance
da perseguição.

É minha vez de engolir em seco, sabendo que, dessa vez, ele tem razão, e
não gosto nem um pouco de saber que ele sabe disso. De que não tenho tanta
experiência, de que ainda estou aprendendo, de que, se essa história do
primeiro vampiro for verdade, estaremos interligados, teremos que trabalhar
juntos, um em prol do outro.

É nojento para um cacete, e eu não confio. Não confio.

— Eu sei de mim, da minha palavra, do que sou capaz de fazer, porém de


você, eu espero tudo. Você não tem consciência, você não pensa, você não
tem discernimento do certo, do errado, de verdade e promessa. Você age por
impulso, só faz aquilo que te convém. Você é um animal, e nada pode mudar
isso.

— Lá vem você de novo me ofender. — Bufa. — Eu também tenho palavra,


ouviu? Da mesma forma que prometi caçar cada uma de vocês e cacei, posso
muito bem prometer te deixar livre, se me provar que merece e que também
vai me deixar em paz, quando toda a guerra com Vladimir acabar. Uma mão
vai lavar a outra, e, no fim, voltaremos para as nossas vidas e sairemos
ganhadores.

— E se você estiver blefando ou sendo enganado sobre Vladimir?

— Não estou, eu ouvi de fontes seguras.

— Como se fosse parâmetro para me convencer — debocho. — Se forem as


mesmas fontes que te contaram que a Evelyn era a bruxa Salazar
sobrevivente, estamos todos ferrados.

— Isso foi um erro — retruca, com a voz séria e longe do sarcasmo


costumeiro. — E se quer saber, depois do que aconteceu, eu sempre checo
mais de uma vez, só para ter certeza do fato que me foi passado. E eu tenho
certeza. Muita certeza.

— Talvez eu não tenha tanta, talvez eu precise checar também.

Continuando sem paciência, o vampiro se levanta, vem até mim e se agacha.

Me pergunto o que diabos vai fazer, porém rapidamente o vejo começar a


desfazer os nós das cordas.

— Você é uma ridícula — me ofende, sem mais nem menos, e eu entreabro


os lábios em surpresa. Esperava que falasse tudo, menos isso. — Quer ficar
bancando de superior, de que não acredita em mim, de que não vai com a
minha cara e blá blá blá, mas desde que chegou, não tentou usar seus
poderes contra mim de novo. Não tentou nem contra mim, nem contra o
chalé, como disse. Nem se livrar das cordas, que eu aposto que pode, tentou
fazer. — Agora se levanta, ficando a poucos centímetros de distância. É
automático, eu olho para os seus olhos e já prendo a respiração, fico imóvel,
porque parece um absurdo a ideia de ter que fazer qualquer outra coisa, com
Levi assim tão perto. Minha mente se torna empoeirada, não dá para
organizar nenhum pensamento, e todos os meus pelos eriçam, reagindo
como um imã diante de outro. — Você nem se deu ao trabalho de tentar
fugir, bruxinha. Sem nem perceber, quis estar aqui comigo. Seja por
curiosidade, por medo ou por outros sentimentos, seu subconsciente te
desarmou, te fez agir como uma humana indefesa que pode ficar sobre meus
cuidados.

Imagina só o que Vladimir Vampir não é capaz de fazer com você.

Seus dedos voam para a pele da minha bochecha, e por mais que eu tente me
desviar, e fazer cara de nojo, o fulminando com os olhos, Levi me alisa,
deliberadamente.

Enquanto me toca, sua expressão muda drasticamente. É estranho, é novo, e


desde que estamos aqui, nunca adotou essa posição. Parece que esquece do
mundo lá fora, parece que esquece até de que está mesmo diante de mim, sua
inimiga mortal, e só foca em encarar cada centímetro do meu rosto, como se
quisesse gravá-lo em sua mente. Seu rosto perde toda a marra, e suas írises
deixam, por um momento, de parecerem opacas e sem vida.

E ele parece estar em outro mundo, preso em mim, preso na sua própria
mente.

— Eu já vi muitas humanas, estive diante de várias delas, por décadas e


décadas, mas igual à sua beleza, eu nunca vi. — Se antes eu não estava
respirando, agora é que eu não consigo mesmo. Meus pulmões começam a
pegar fogo. — É

algum feitiço?

Pisco.

— O quê?

— O modo como estou a enxergando agora.

— Não.

— Que merda — xinga baixinho e se afasta, como se eu estivesse pegando


fogo. Levi vai para trás de mim, desamarrar as minhas mãos, e escuto
quando murmura: — Era melhor se fosse.

Sinto as minhas mãos livres e arfo, podendo respirar. As trago para mim e,
ainda sentada, começo a massageá-las, porque as sinto dormentes. É quando
ele retorna.

— Está livre — diz simplesmente. — Para você ver que tenho palavra, vou
te deixar ir para casa com calma, para absorver o que aconteceu e para tirar
suas próprias conclusões.

Me levanto e começo a olhar para a cabana mais tranquilamente.

— Onde estamos?

— Em uma das cabanas da montanha Locker Gray, foi aqui que fiquei da
outra vez.

— A prefeitura proibiu, ninguém mora ou vem aqui há anos — reflito em


voz alta. — Estamos sozinhos.

— Sim, estamos.

De repente, Levi já está atrás de mim outra vez, me assustando.

Eu me viro para ele, dando passos para trás, e é óbvio que ele sorri.

— Isso te incomoda? — Se materializa em minha frente de novo. — Saber


que eu tenho você para o que eu quiser fazer? — Suas mãos circulam meu
pescoço, só que sem apertar. — Sabe me dizer se o sangue de uma bruxa é
mais gostoso?

— É letal — falo, porém nem sei se é verdade.

— Hm, acho que valeria a pena descobrir. Se você é gostosa, seu sangue
deve ser também.

— Coloque essas suas presas demoníacas para fora, e eu juro que faço seu
cérebro fritar igual da última vez. Acabo com todos os seus neurônios, se é
que existe algum aí dentro.

Outro sorriso se alarga em seu rosto.

— Vai me lançar um feitiço? — Veneno goteja por cada sílaba. — Que nem
os que você fez desde que chegou?

Mais sarcasmo.

Que nem um dos meus personagens favoritos da vida, Stiles Stilinski, de


Teen Wolf, sarcasmo deve ser sua única defesa.

Eu fecho minhas mãos em punho ao lado do corpo.

— Por que você não vai se foder?

Levi me joga contra a parede, ainda agarrado a mim e com a mão no meu
pescoço, só que mais forte.

— Por que você não vem comigo?

— Me solte — profiro entredentes. — Me solte ou você nunca terá o que


tanto quer.

— Que é ver você me fodendo?

Idiota.

Mil vezes imbecil, é isso que é.

— Nossa, muito engraçada a piada, estou me acabando de rir.

Bem nessa hora, Levi aproxima-se da pele do meu pescoço, na jugular.

— Pode não ser piada.

A bile me sobe.

E quando vejo, já estou dando outra joelhada nas suas bolas.


Diferente de antes, dessa vez, eu fujo.

E ele, por sorte, não vem atrás.


Quando meus pés tocam fora da cabana de Locker Gray, eu me viro por um
momento, só para vê-la, só para gravá-la, caso um dia eu precise. E ela é a
mais afastada de todas, como eu suspeitei, numa versão um tanto quanto
antiga e macabra, porém ainda assim, muito bonita e única, de madeira, com
dois andares e envolta por árvores.

Ao nosso redor, é tudo floresta, tudo mato, tudo escondido, na mais absoluta
vibe de filme de terror.

Se eu gritar, ninguém me escuta.

Se me machucarem, ninguém vê.

Se Levi quiser esconder meu corpo em algum lugar por aqui, capaz de nunca
o encontrarem.

Nenhum morador de Emerald Grave em sã consciência entra nessa área, não


se eles querem manter a sua segurança e a de sua família, e é por isso que
vampiros, e talvez lobos, se existirem, andam por aqui à noite, escondidos,
camuflados.

Por isso que, da outra vez, ninguém sabia dizer onde Levi estava, pois o
gêmeo de Luca estava muito bem escondido, ao mesmo tempo que muito
perto, também muito longe de todos nós.

E eu, depois do que fiz, não quero ficar mais nenhum segundo aqui.

Por isso que deixo a cabana para trás e continuo a correr, entrando na
floresta.

Não me importo com o que posso encontrar aqui dentro, com o perigo que
estou passando ao entrar em uma mata fechada, justamente à noite, no
escuro, enquanto minha bolsa, junto do meu celular, nem comigo estão mais,
provavelmente deixei cair no banheiro da boate de Cody, quando Levi
chegou, e eu me assustei.

E também, se estivessem, nem serviriam de nada, pois com certeza o meu


celular ficaria sem sinal, me impossibilitando de pedir ajuda para Evelyn ou
Luca, porque obviamente, o sinal não funciona por aqui.

Só que eu continuo, mesmo com minha consciência e meu lado racional me


pedindo para dar meia volta.

Eu corro, corro e corro, sempre seguindo reto.

Eu não paro.

Por nenhum segundo, eu paro, me sentindo uma finally girl dos filmes, a
própria Sidney Prescott que, ao invés de um psicopata humano, foge de um
psicopata vampiro que tem mais de 100 anos.

E meus pulmões ardem pela força que imponho, a respiração fica ofegante, o
coração galopa no peito, o mundo fica em completo silêncio, e a única coisa
que sou capaz de escutar, são as chicoteadas que as plantas dão, tanto no
meu rosto quanto no meu corpo.
Ardem, e mesmo assim, não são suficientes para me parar, pois há algo em
mim, aquele mesmo pressentimento que tive antes de sair de casa, me
induzindo a continuar, a olhar para frente, nunca para trás. E os arrepios
voltam. Os arrepios não me abandonam.

O chirriar das corujas também resolve aparecer, ao longe.

Encaro o céu escuro, para ver a lua vertiginosa acima de mim, e é quando
um pingo de água cai na minha testa.

Logo em seguida, outro.

E outro.

E mais outro.

Até a chuva desabar por completo, me molhando dos pés à cabeça, me


deixando encharcada, completamente ensopada, porque a chuva é forte,
bruta, densa, como o típico clima da cidade.

E o frio me invade no mesmo segundo, meus lábios trêmulos.

Pelo visto, meu lado racional estava mesmo certo, foi uma péssima ideia.

Corro mais um pouco e então, quando tento parar para me abrigar embaixo
de uma árvore, ouço barulho, passos e vejo pegadas serem formadas no solo
lamacento, ao mesmo tempo que, novamente, meu lado médium se aflora, já
que vejo os mesmos vultos de hoje mais cedo, quando estava no encontro.

Lado médium? É apenas uma brincadeira sem graça minha, para não ficar
tão tensa, pois sei exatamente do que se trata essa movimentação rápida na
floresta.

— Olá, bruxinha. — Levi aparece na minha frente, e, quando vejo, já estou


sendo prensada contra o tronco de uma árvore, suas mãos segurando meus
ombros.
Mesmo no escuro e na chuva, noto seu sorriso, que é tão branco, que parece
clarear tudo ao nosso redor. — Veja só o que a sua teimosia lhe fez, está
completamente molhada.

— Nossa, sério? — Como em todas as outras vezes, eu tento me


desvencilhar inutilmente do seu aperto e, infelizmente, não consigo sair do
lugar, e Vodrak é incapaz de mover um músculo. — Ótima percepção, idiota.
— Reviro os olhos, sem nenhuma paciência no organismo. — Se está
chovendo, e eu estou aqui no meio do nada com você, é obvio que estou
completamente molhada.

— E olha que a gente se conheceu há pouco tempo, não esperava que fosse
ficar molhada tão rápido assim.

Seu duplo sentido e a sua malícia não passam despercebidos por mim.

Nem seu sorriso aumentando.

Nem o brilho nos seus olhos.

Nem a porra do seu corpo, também molhado, se colando ao meu.

Tento fugir, caminhando para trás, mas estou sem alternativa, minhas costas
já estão completamente presas ao tronco dessa árvore, infelizmente, ainda
não aprendi o feitiço de como me integrar a essa parte da natureza, para não
ter que passar por isso.

Meu peito sobe e desce, e não sei mais como se respira.

— Você acha mesmo que tem o direito de fazer essas piadinhas para cima de
mim? — Ponho a mão no seu peito e tento afasta-lo. — Você tentou me
matar, você não tem nenhum tipo de intimidade comigo.

— Engraçado, na hora de ficar sentindo meu pau com seu joelho, você não
pensou nisso. — Meu queixo quase vai ao chão quando o escuto, e meu
corpo todo paralisa. — É, isso mesmo que você ouviu, bruxa. Acho que
gostou tanto da primeira vez, que teve que fazer a segunda.
— Porque suas garras estavam perto do meu pescoço! — digo, como se
fosse óbvio, emburrada. — E você podia cometer uma atrocidade, você é
desses.

— Eu não disse que não vou te matar? — grunhe. — Se eu não vou te matar,
eu não vou te matar, você não tem o que temer. Mas se você continuar com
essa palhaçada, em dois tempos, eu mudo a minha opinião e faço você se
arrepender rapidinho. Não importa a pedra, não importa Vladimir, não
importa nada, o que vou deixar assumir, é o meu ódio por você.

Estalo os meus lábios, inconformada, nem aí para o frio, nem aí para porra
nenhuma, porque a raiva que sinto dele é imensa e me faz ferver por dentro.

— Eu acho muito engraçado que você se coloca como o rei da história, o que
manda, desmanda, e os outros obedecem. O poderoso, o dono da verdade, o
assustador, sendo que não é bem assim. — Empurro seu peito novamente,
várias e várias vezes. — Eu também sou poderosa. Eu também tenho o poder
de escolha, de fazer o que eu quiser, inclusive, ceifar a sua vida desprezível
ou te deixar vivendo com sua própria amargura. E você fala como se
estivesse me fazendo um favor, como se decretasse que é você o único capaz
de me matar, e não o contrário.

Isso é o que, machismo? Medo de admitir que a sua vida também corre
perigo e que você pode estar comendo bem na minha mão? Na mão de uma
mulher, de uma bruxa, da sobrevivente que você tanto julgou como fraca e
descartável?

Desempine esse seu nariz, seu merdinha, porque se você não tem medo de
mim, eu também não tenho medo de você!

Quando vou empurra-lo mais uma vez, Levi agarra meus pulsos e, com
força, os prende em cima da minha cabeça, agora cortando qualquer
distância que restava. E, definitivamente, não há mais frio, meu corpo todo
pega fogo, próximo do seu. Podemos estar abrigados embaixo da árvore,
protegidos da chuva torrencial que cai, com todo o vento e ruídos da floresta,
porém parece que nada no mundo acontece, parece que estamos presos
dentro da nossa própria bolha, e a sensação é aterrorizante, me faz sentir
impotente, me faz contorcer os dedos dos meus pés.

— Uhh, ela é feminista e faz discursos empoderados — zomba. — Eu sei


que você é poderosa, bruxa, mas até agora, você não tentou me matar, você
não está fazendo muito esforço para me apavorar, está só fazendo um
discurso hipócrita o tempo todo. Acho que, no final das contas, você é aquilo
que me acusou de ser. É uma hipócrita também.

— Hipócrita? — eu quase grito.

— Claro, porque você fala, fala e não faz nada. Se finge de malvadona, mas
na real, é boazinha, com o coração mole. Pode ser capaz de me machucar,
porém, não de matar. Acho que você é incapaz de matar qualquer pessoa, até
mesmo aquele que um dia já lhe fez mal. E isso é bem, bem ruim. Quando
Vladimir chegar ou se ele te pegar desprevenida, você vai ser incapaz de se
salvar. — Abro

os lábios para retrucar seu comentário com um bem mais agressivo, e o


vampiro põe um dedo em frente à minha boca, para me calar. — Mas não é
um problema, bruxinha. Na verdade, você ganhou na loteria com a minha
chegada. Eu vou te ajudar a ser mais brava, a enfrentar os inimigos do jeito
certo. Ao meu lado, você não vai ter piedade de ninguém.

— Eu não preciso. — Faço menção de chutar o meio das suas novamente, e


ele finalmente se afasta. Me coloco para o lado, massageando o peito e
respirando.

— Não preciso de sua ajuda, não preciso de nada seu. E se deseja tanto que
eu não tenha piedade, posso mostrar a você, o quão ruim eu posso ser,
porque talvez eu só esteja aqui, esperando o momento certo para te atacar,
esperando o momento certo desse truque, que você usou para ficar imune
aos meus feitiços, passar, pois tenho certeza que o efeito deve ser só por
algumas horas. Às vezes, tudo faz parte de um plano. Às vezes, eu estou na
frente, e você nem sabe.

Mentira.
Um grande blefe.

É nítido que não estou na frente, é nítido que, desde que me pegou à força,
estou afetada e não conseguindo raciocinar direito. Poderia já estar em casa
há horas, se fizesse algum feitiço que me permitisse escapar, entretanto, na
presença de Levi, é totalmente diferente do que imaginei.

Se ele estivesse me atacando desde o começo, eu, com certeza revidaria, me


protegeria e o colocaria no chão para agonizar, mas o grande problema, é
que ele não está. Seu retorno veio com novidades, e mesmo que estejamos
brigando, e falando coisas um para o outro, obviamente com muita raiva e
rancor guardados, estamos mantendo um conflito um tanto quanto
apaziguador, quando deveríamos estar em luta corporal.

Exatamente por esse motivo, que a minha cabeça está uma completa
confusão.

Eu, Gabriella, estou uma completa confusão.

E a culpa é dele.

E de Vladimir.

Se é que essa história é mesmo real.

Contudo, só pode ser, Levi não me aguentaria tanto assim, se não fosse, e ele
ainda me deu a chance de procurar saber, para depois tomar uma decisão.
Ele sabe que eu vou procurar, checar com Luca e ver se tem pistas do que
pode estar acontecendo, o que, automaticamente revelaria se está mentindo
ou não. E se estiver, eu não lhe daria absolutamente nada, e o vampiro não
poderia perder essa oportunidade de me manter presa a ele, de me manter
forçada a lhe ajudar, porque,

de certa forma, também vou precisar de sua ajuda se a casa, de fato, cair para
o meu lado, quando me acharem.

Como disse, Levi veio com tudo tramado. Tudo.


— Pode ser — não soa nada sincero. — Você pode estar na frente, sim,
porém eu sinto que não agiria assim, se estivesse.

— Você nem me conhece, nem sabe das minhas atitudes.

— Eu não menti quando disse que estudei você, enquanto estive fora, bruxa.

Eu basicamente criei um dossiê completo sobre a sua vida e, se quiser, posso


te mostrar agora mesmo como te conheço.

Tento muito não demonstrar minha surpresa, embora tenha a ciência de que
Levi Vodrak é bem capaz de fazer algo assim. Se é que não fez.

— Duvido.

Meu lado muito, muito infantil resolve falar.

E parece que eu acabo de desafiá-lo.

— Você estudou na Emerald High School durante a sua vida toda, fez
ginástica desde pequena, num centro esportivo a dois quarteirões da sua
casa, entrou para a equipe de líderes de torcida assim que adentrou no ensino
médio, fez parte de algumas competições, ganhou boa parte delas e engatou
um namoro clichê de adolescente com Will Montgomery, quarterback do
time de futebol americano, que decidiu terminar com você por mensagens de
texto no último ano, porque queria se concentrar no esporte. E aí, graças ao
universo e talvez à praga de bruxa, o babaca lesionou o joelho em um
campeonato estudantil contra as melhores escolas da Virgínia, nunca mais
pôde ser o mesmo e se mudou da cidade pouco tempo depois, por pura birra
e vergonha.

A cada mínima palavra que solta, eu fico mais embasbacada. Não é possível.

Quer dizer, pelo visto é, já que está descrevendo praticamente toda a minha
vida.

E o mais impressionante, é que não para, arrasta as botas até minha frente,
para poder continuar falando.
— E aí, você entrou na Emerald Grave University, cursa Ciências
Biológicas e já está bem perto de se formar. Fora isso, sua mãe biológica se
chama Zena Salazar, eu acho que não preciso mencionar aqui como foi que
ela morreu, para não gerar mais atrito, sua irmã é a Evelyn, sua mãe é a
Leah, seu pai, o Elliam e o seu cunhado, o Luca. Você tira notas boas, é a
típica garota popular, que anda só com os populares da faculdade e, por mais
que nunca mais tenha namorado depois do Will, não virou uma freira
imaculada, saiu pegando geral. Pelo visto, gosta de festas, de roupas que te
destacam e de proteger sua família, mais do que a si mesma. É também
muito confiável, articulada, adora velas, fogos, aprender

feitiços e, provavelmente, não vê a hora de poder fazer um colar para mim.


De preferência, um que combine com a minha jaqueta, essa aqui que
estragou com a tesourada.

Me lança uma piscadela, da forma mais cretina possível, com certeza se


divertindo e adorando ver a minha reação.

— Viu, bruxa? — Seus dedos ágeis tocam meu queixo e me trazem para
mais perto. — Eu sou uma pessoa de palavra, eu nunca minto. Sua história
de vida até que é interessante, me tirou do tédio muitas vezes. — Chacoalha
os ombros para cima. — Não me olhe com tanta surpresa, depois do que
aconteceu da última vez, eu precisava conhecer mais a fundo a minha
inimiga, tinha que me preparar, e eu sempre tenho meus métodos, sempre
tenho minhas fontes. É por isso que eu digo e repito, sou a melhor opção que
você e o meu irmão idiota terão, para se salvarem. — Agora,
cuidadosamente, o que me assusta pra cacete, tira alguns cachos molhados
do meu rosto e os coloca para trás da minha orelha. — E acho que isso
significa que, de um jeito ou de outro, teremos que derrubar nossos muros,
para entendermos que, dessa vez, estamos do mesmo lado. Não sou eu o
inimigo agora, bruxa. Se eu quiser continuar te odiando, vou te odiar depois,
pois primeiro, preciso do meu feitiço, preciso mostrar a Vladimir quem é que
manda no pedaço, e, para que isso aconteça, temos que ser do mesmo time,
afinal, você também precisa derrotá-lo, precisa ficar viva, e tenho certeza
que não conseguirá fazer isso sozinha.
Tiro sua mão de mim, indo novamente para o lado, para fazer com que
entenda que não gosto quando fica querendo se manter por perto.

— Eu já entendi. — Tento muito não revirar os olhos dramaticamente. —

Mas se você pode ajudar tanto, por que já não começa expondo o que
escondeu?

— E te entregar o jogo assim? — Nega com a cabeça. — Não, bruxinha, eu


não sou tão idiota. Primeiro, você vai colher informações, vai pensar e só
quando voltar para mim com a certeza de que quer mesmo fazer parte disso,
me mostrando que teve sucesso nas pesquisas do feitiço, eu revelo. Até lá,
vou ficar por aqui, só te vigiando, para ver se não apronta nada.

— Não vou — declaro, porque sei que já não tenho mais volta. — Eu vou
tirar essa história a limpo, ver o quão verídico é isso que me trouxe e depois
de me sentar para conversar com os meus amigos, eu vejo o que podemos
fazer. Só te digo que não vai ser fácil, nenhum de nós gosta de você. Nem
eu, nem minha irmã, nem o seu.

— Ótimo, não estou aqui buscando aprovação, muito menos me tornar ídolo
de vocês, Turma da Luluzinha, estou apenas buscando vencer. E se vencer
significa me juntar a vocês e depois desaparecer, eu aguento, faço esse
sacrifício.

Pela sobrevivência, sei que farão isso também, e, quando acabar, cada um irá
para o seu lugar. — Cruzo os braços, sentindo o frio voltar e acho que Levi
percebe, porque parece fixar suas írises na minha boca, que volta a tremer e
com mais intensidade. — A respeito de Luca, deixa que com ele, eu mesmo
me resolvo. Nós temos nossas pendências e nossos problemas familiares em
atraso. Não queria ter que confrontá-lo tão cedo, mas pelo visto, agora que
estamos os dois em ameaça, não temos como fugir. Ou é agora ou é nunca.

— Certo. — Finco meus olhos no chão, nos meus sapatos sujos e


encardidos, e o silêncio perfura a nossa bolha, já que não há mais nada a se
dizer.
A verdade é que estou exausta, perdida, uma nuvem negra pairou em minha
cabeça desde que saí da boate, e chove tanto quanto o que estamos
presenciando nessa cidade. — Vou para casa.

Eu informo, embora Levi não precise saber de nenhum passo meu. Tá


vendo, só posso estar mesmo muito cansada, com sono e confusa. Meu
cérebro não está mais funcionando bem.

Começo a me mover, o deixando onde está, e quando caminho dois ou três


passos, recuo, pois brota na minha frente num mísero piscar de olhos.

Respiro fundo.

— Se a brincadeira acabou, me deixe passar, por favor — peço, já sem


forças.

— Não — é incisivo ao responder, suas írises ainda fixas na minha boca, nos
meus tremores. — Já está tarde, você está assim, com frio, é melhor voltar
para a cabana, lá tem lareira, comida, banheiro e algumas roupas que podem
te servir.

Outro choque me percorre.

— Está preocupado comigo? — Afundo o indicador no meu peito e choco os


cílios superiores e inferiores um bocado de vezes. — E está tentando ser...
legal?

— Não se anime, bruxa dos infernos, estou só dando essa sugestão, porque
não quero que a mulher que vai me fazer um favor, morra de hipotermia. Se
não morreu na minha mão, não é na mão de uma chuva que eu vou deixar
que parta dessa para uma melhor.

Ok, essa quase, quase, me fez dar uma pequena risada.

— Devo agradecer?

— Deve me obedecer.
— Uma ova — guincho.

— Uma ova nada, um fato.

Respiro fundo pela centésima vez esta noite.

— Eu não aceitaria nunca e também nem posso. Minha irmã está me


esperando em casa, se eu não chegar, ela vai ficar preocupada e imaginar que
algo aconteceu.

— Piada. — Chega sua vez de cruzar os braços, e é quando eu percebo que


seus braços duplicam de tamanho na jaqueta de couro. Não que eu nunca
tenha percebido que ele é alto, forte e tem uma beleza surreal demais para
alguém tão mau, porém, uou, é absurdo demais, parece que o tecido da
jaqueta vai se romper e explodir a qualquer momento. Por que, por Jesus
Cristo, eu estou pensando nisso?

Balanço a cabeça incontáveis vezes. — Você não saiu com aquele cara?
Então, é de se esperar que você durma fora. A não ser, claro, que a sua
irmãzinha já saiba que você seria incapaz de dar para ele. Eu, se fosse você,
jamais daria. Mas só um conselho, não que você tenha perguntado minha
opinião.

— Ainda bem que você sabe.

Continuo andando e ouço as pegadas das suas botas às minhas costas.

Solto um muxoxo, percebendo o quão insistente consegue ser.

— Eu não vou voltar com você, Levi, vá embora.

É só eu dizer isso. que ressurge novamente.

Paro no mesmo lugar e o encaro, para ver o que vem agora.

— Você não vai achar a saída, está indo para o lugar errado, vai se perder
nessa floresta. Deixa de ser teimosa e volte.
— A única forma de eu voltar, é se for como cadáver. Me mate e estarei lá.

— Eu, hein, deixa de ser cabeça dura e orgulhosa.

— Não estou sendo cabeça dura e orgulhosa, estou só sendo realista. Eu já


entendi todo o plano, se for verdade, temos que ser uma espécie de time,
mesmo que fingidamente e por um tempo, entretanto, ainda preciso
processar essa merda, preciso ficar longe de você, ir para minha casa e
respirar. Ou você acha que é simples assim, que só porque conversamos,
entramos em um consenso, e tudo passou, vou conseguir olhar para a sua
cara tranquilamente e esquecer cada maldita coisa que fez a mim e à minha
família? — Arfo, percebendo, só agora, que a chuva cai com tudo na gente.
Jogo meu cabelo todo para trás, tirando a água, que permanece, de qualquer
forma, caindo. — Eu não quero brigar mais, estou com frio, meu corpo todo
está doendo, e, se continuar assim, vou ficar doente e não posso ficar doente,
entrei para a equipe de líderes de torcida recentemente, e a minha amiga
Savannah precisa de mim, depois do que aconteceu com a... Espera, quer
saber, esquece, não importa. Vou embora, quanto mais tempo eu perco, pior.

— Não, Gabriella, você não vai.

É a primeira vez que me chama pelo meu nome, me faz olhá-lo nos olhos de
imediato. E parece sério. Tão sério, que me pergunto se ficou alguma vez
assim desde que me trouxe até aqui.

De qualquer maneira, não importa.

— Você não manda em mim — sibilo e arrebito o nariz. — Sai da minha


frente ou eu vou correr de novo.

— Corra. — Me dá espaço. — Quero ver se você consegue ser mais rápida.

Não consigo, mas também, dane-se.

Bato meu ombro no seu de propósito e começo a correr, arranjando forças


não sei de onde, para tentar fugir de um vampiro no meio dessa escuridão e
dessa chuva.
Não há dúvidas de que Levi vai me achar, além de ser extremamente rápido
e conseguir me farejar, ele conhece essa floresta de uma ponta à outra. Não
importa o quanto eu corra ou o quanto eu tente, ficarei sempre para trás.

No fundo, uma voz completamente insuportável, quer que eu fique mesmo.

— Corra o quanto quiser, bruxinha. — O eco da floresta me traz o seu


recado. — Eu sempre, sempre vou te achar, e fugir de mim não é mais uma
opção.

Viro sobre os ombros, só para ver se tenho algum sinal dele, e não encontro
nada.

Feliz e achando que vou me livrar, olho para a frente e sei que tenho a
convicção de dizer para mim mesma que não devo parar, no entanto, me vejo
sendo obrigada a parar.

Meus pés tropeçam num galho e, quando percebo, estou caindo no chão.

Devo bater a cabeça em algo duro, porque sei que apago em questão de
segundos.

Vejo tudo preto, depois de me dar conta de um vulto passar.


Veja bem, eu adoro dormir.

Se me perguntassem o que mais gosto de fazer na vida, depois de comer, eu


diria que é dormir. Afinal, não tem nada melhor do que, depois de um dia
longo, deitar na sua cama, sentir a maciez do seu colchão, se cobrir com a
sua coberta favorita, pôr a cabeça no travesseiro e ficar refletindo os
momentos do seu dia, até finalmente sentir o sono lhe envolvendo, lhe
alcançando, fazendo os seus olhos pesarem e a sua mente flutuar, indo para
outra dimensão na mesma velocidade em que um foguete sai do planeta
Terra.

Rápido. Muito rápido.

E aí, você se perde, se deixa ser levada completamente, e às vezes, em outra


dimensão, você sonha, faz coisas que jamais faria, se estivesse vivendo sua
vida acordada. Pode ser muito bom, pode ser completamente incrível, mas
também pode ser muito, muito ruim. Pode ser nojento. Pavoroso.
Horripilante. Humilhante.

E se fosse para dizer o que eu odeio, eu diria que é despertar de um sono


após um desses pesadelos horríveis.

Acho que é o que acontece comigo agora, pois, aos poucos, eu abro os olhos,
sinto a maciez do colchão, sinto a minha cabeça deitada em um travesseiro,

provavelmente o meu, embora esteja mais fino e molengo, e, com a cabeça


doendo e ardendo a nuca, sei que tive um pesadelo. E que ele foi tão real, tão
real, que acordei sentindo os mesmos sintomas que a Gabriella da outra
dimensão.

Esse é, definitivamente, o pior tipo de pesadelo.

O pesadelo que me deixa muito, muito mal-humorada pela manhã.

O pesadelo que me faz levantar, sentar na cama e encostar as costas na


cabeceira com cuidado, demorando a me ajustar à realidade, por causa dos
olhos embaçados.

E eu lembro.

Lembro do que eu sonhei na noite, parece vívido em minha mente.

Foi, de fato, um pesadelo. Um que envolvia Cody, a balada do pai de Cody,


Levi, e até mesmo Vladimir Vampir, o primeiro vampiro do mundo, que
estava querendo me caçar.

Ao ir me lembrando de mais coisas, conforme minha cabeça vai clareando as


ideias, eu dou pequenas risadas.

E depois, no minuto seguinte, já não estou mais sorrindo, estou com a


expressão fechada, totalmente séria e com o corpo ereto, retesado, quando
começo a identificar que, na verdade, não estou na minha cama.

Até porque, não é uma cama, é um sofá.


Não estou encostada em uma cabeceira, estou encostada no braço dele.

E não é o meu quarto, não, não tem nada a ver com o meu quarto ou a minha
casa.

Parece...

Ah, droga, a cabana.

A cabana do pesadelo, em que Levi me sequestrou, e depois eu corri,


fugindo para a floresta, que começou a chover e...

Olho para as minhas roupas.

Nada de pijama, nem mesmo pijama seco, estou com roupa de festa e
molhada.

Meu cabelo também está molhado, eu o sinto pingar às minhas costas.

Merda, merda, merda.

Não foi um pesadelo, as últimas horas aconteceram mesmo.

Grito de susto, tendo certeza da realidade, quando vejo Levi Vodrak parado
ao lado da lareira, de frente para mim, sem jaqueta, apenas de camiseta
branca que, por causa da água da chuva, está transparente e grudando em seu
corpo definido.

— Meu Deus — sussurro num sopro, com a mão já repousada em meu peito,
e, infelizmente, meus olhos curiosos acabam me traindo e se fixando em seu
peitoral e abdômen. Não deixa margem para imaginação, está tudo
transparente, cada mínimo detalhe revelado. Vejo os traços do seu corpo,
seus músculos e as tatuagens que circulam por sua pele. Não são muitas, são
poucas, espalhadas em locais diferentes e mesmo assim, são bastante
convidativas. Eu disse...

convidativas? Oh, céus, eu realmente devo ter batido com a cabeça, não
posso estar prestando atenção dessa forma em um homem como ele. Um
vampiro, na verdade. Um que não pode e não deve ser nem um pouco
admirado. — Você me assustou.

Toco a minha nuca, a massageando e sentindo queimar sob o toque.

— Eu caí feio — digo, muito mais para mim do que para ele. — E você me
trouxe para cá, como disse que ia fazer.

Ergo o meu olhar e o vejo do mesmo jeito, com a mesma fisionomia,


impenetrável.

— Preferia que eu te deixasse na floresta, como um banquete para os


animais? — Começa a andar na minha direção, o que basicamente, estava
demorando para acontecer. — Inclusive, você caiu no chão como uma batata
velha e murcha. Perdeu a força nas pernas?

— Devo ter tropeçado em alguma coisa.

— Tropeçou e depois bateu a cabeça num pedaço da árvore, acho.

— E desmaiei. — Contorço o rosto em uma careta. — Foi forte, então.

Ponho meus pés para fora do sofá, sabendo que ele vai sentar ao meu lado.

E ele senta, com as írises querendo encontrar as minhas, que desvio.

— Não que eu me importe, mas você está bem?

— Estou. — Continuo sem encará-lo. Olho tudo, menos Levi. Até que...

algo surge em minha mente, e eu viro meu rosto em sua direção, unindo as
sobrancelhas. — Há quanto tempo estou desacordada? Há quanto tempo
estou aqui dentro com você? — Começo a olhar cada centímetro da minha
roupa, com medo de encontrar alguma coisa fora do lugar. Não confio nele,
não tenho motivos, mas tudo parece da mesma forma que estava antes, só
um pouco menos ensopado. —

Sério, se você tocou em mim, eu...


— Tocar em você? — Dá risada. — Acha mesmo que preciso tocar em uma
mulher vulnerável para conseguir alguma coisa? Olha para mim, bruxa, eu
sou o gêmeo que é mais bonito, que é mais gostoso e que provavelmente tem
o pau maior, acha que passo vontade ou fico na seca?

— Sei lá, não sei das suas intenções e muito menos tenho conhecimento
sobre a sua vida sexual. Nem quero ter, na verdade.

— Tudo bem, é você quem sai perdendo.

Semicerro os olhos.

— Por que está flertando e dando em cima de mim?

Dessa vez, outra risada cortante atinge meus ouvidos.

— Eu jogo meu charme para todas, mas nem sempre significa que eu as
quero. Com você, no caso, é só brincadeira.

— Não gosto desse tipo de brincadeira — deixo claro.

Parece que um aff sai dos seus lábios, enquanto murmura.

— É por isso que você é amiga do Luca, é uma chata igual a ele. Combinam.

Flexiono meus joelhos, me levanto e agora que estou bem, que parece ter
parado de chover lá fora, vejo se deixei alguma coisa pelo caminho e me
preparo para ir embora.

Ficar ao lado dele é pedir para cometer um crime, uma atrocidade sem
tamanho.

— Ei, bruxinha, para onde pensa que vai? — Já estou girando nos
calcanhares, nem aí para os seus chamados. — Você acabou de bater a
cabeça, Gabriella, volte aqui, não vai sair desse jeito.

— Cacete, me deixa em paz de uma vez! — Me viro bruscamente,


trombando com tudo em Levi, que já veio para cima com a sua velocidade
sobrenatural que sempre, sempre me assusta e me pega desprevenida. Parece
que é capaz de se materializar a qualquer minuto, em qualquer lugar, com
qualquer pessoa. E o pior, parando para refletir, é que ele pode mesmo. Isso é
irritante, me faz perder a cabeça, e olha que ela já não está muito boa. Sem
contar que acabei de cair, o que piorou tudo. — Que mania terrível é essa de
achar que você tem algum tipo de controle sobre a minha vida? Entenda de
uma vez por todas, você NÃO

TEM — soletro as últimas palavras com o tom de voz alto. — Antes me


queria morta, agora me quer viva. Só para te contrariar, vou pular dessa
montanha assim que chegar lá fora, para ver se assim você vai buscar o que
fazer da sua vida de uma vez por todas. Não cansa, não? Ter pensado em
mim esse tempo todo e ainda continuar querendo me olhar por mais tempo?
Porque eu já não aguento mais ter que olhar para essa sua cara de pau, está
me dando náuseas.

Parece que eu acabo de elogiá-lo, de pôr para fora as palavras mais lindas
que uma pessoa poderia dizer à outra, pois, ao invés de se ofender, parece
adorar.

Até repuxa os lábios para cima.

— Bruxinha, bruxinha... — cantarola. — O quanto antes você se acostumar


com a minha presença, melhor. Nós iremos trabalhar juntos, já disse. —
Cruza os braços e me fita da cabeça aos pés, depois dos pés à cabeça, umas
duas ou três vezes, nesse looping. — Se eu fosse você, respirava fundo,
mantinha a calma, voltava a se sentar comigo ou iria ali para frente da
lareira, para se aquecer. Não é bom sair assim, nervosa, você viu o que
acabou de acontecer lá fora. Pode falar de mim o quanto quiser, mas a sua
sorte foi que eu estava lá para te acudir e para te pôr em um lugar seguro, se
não, sabe lá o que aconteceria com você.

— Não importa o que aconteceria, seria culpa sua — acuso, ao espalmar a


cintura. — Se não tivesse me sequestrado, nada disso teria acontecido.

Faz cara de ofendido.


— Ei, eu não te sequestrei, eu te peguei emprestado. E ainda acabei salvando
a sua vida duas vezes, não seja ingrata.

— Duas? Que duas?

— O encontro chato com o playboyzinho e a queda, bruxa, não se faça de


sonsa.

Se existe reencarnação, na minha vida passada, eu fui a pior pessoa do


planeta, porque só isso explica esse pecado pesado que estou tendo que
pagar nessa.

Sinceramente, sou uma pessoa tão boa, não faz sentido que estou tendo que
lidar com algo tão complexo e tão complicado assim, numa fase que deveria
ser a melhor da minha vida.

Prendo meu cabelo em um coque qualquer, novamente sentindo a exaustão


me dominar. A sensação que tenho é que um caminhão passou por cima de
mim, passou de novo e depois deu ré.

Cansada, dele e de toda essa discussão, eu expiro todo o ar acumulado e ao


invés de falar alguma coisa para dar corda, e o assunto não acabar nunca, eu
opto por ficar calada.

No exato segundo em que vou alcançar a porta, ela é aberta.

Me assusto, paraliso e quando percebo, escuto o grito de dois homens.

Eles caem no chão, de joelhos, à minha frente.

E Levi chega por trás, me chacoalhando, pois estou usando os meus feitiços,
fritando o cérebro deles, colocando esses dois, provavelmente vampiros,
para sentirem, com mais intensidade, toda a dor de seus vasos se rompendo.

— Ei, para, para com isso, bruxa! — Continua me movendo, sua voz soando
longe. — São amigos, eles são amigos. Meus amigos, eu os chamei, está
tudo bem.
Eles vão fazer parte do time, estão aqui para nos ajudar. Não é ameaça, por
favor, para com isso.

Eu paro, e os estranhos, aos poucos, tiram as mãos da cabeça e me encaram,


ainda de joelhos.

Os encaro de volta, com os punhos cerrados.

Eles não são... tão desconhecidos assim, para ser sincera.

Eu os conheço, se não me engano, estavam com Levi quando o mesmo


sequestrou minha irmã e sua melhor amiga, a Angelina.

Para falar a verdade, me dá vontade de continuar o trabalho que fora


interrompido.

Quando se levantam, vejo que estão vestidos a caráter, igual ao mandachuva,


com jaquetas e roupas pretas, para representarem bem o clube dos bad boys
do qual fazem parte. Eles também erguem as mãos no ar, em sinal de
rendição, e mesmo ambos tentando se manterem sérios após eu quase ter
explodido suas cabeças por causa do susto, dá para notar o sorrisinho de lado
que tentam, a todo custo, esconder.

— Vejo que a bruxa já está em nossos aposentos — o ruivo é o primeiro a


falar, com muito mais ar de graça do que o outro, que é aparentemente mais
fechado. — Não se sinta culpada pelo que aconteceu, nós chegamos sem
avisar, você foi rápida e agiu certo. — Ele dá um passo à frente e estende a
mão. — A propósito, eu sou o Larkin. Larkin River, ao seu dispor.

— E eu sou o Devon Mars. — O que está ao lado do tal Larkin se aproxima,


também me esticando a sua mão. — O que você fez doeu minha cabeça pra
porra, mas eu também não guardo rancor, e a história está aí, provando que
não posso mentir.

Sim, é um grande mentiroso, afinal, tanto ele quanto o outro estiveram ao


lado de Levi em suas matanças e planos de vingança. Incluindo o último.

Agora querem pagar de bonzinhos? Me poupem.


Não tenho cara de palhaça e muito menos tenho sangue de barata, então
resolvo ignorar os dois, recuando e cruzando os meus braços, para esconder
as minhas mãos.

— Já não basta ter que lidar com um, vou ter que suportar a presença de
mais dois? — estou falando diretamente com Levi. — O que é isso? Um
método de tortura, para que eu me lembre dia após dia do que fizeram com
as pessoas que eu amo?

— Falando nisso... — Larkin chama minha atenção, e quando o flagro, está


coçando a nuca. — Foi mal, nós nos arrependemos do que fizemos com a
sua irmã

e com aquela outra, a amiga dela. Sabemos que elas não tinham nada a ver
com a história.

— Agora vocês pedem, né — soo inconformada e alterno o olhar entre os


três. — Se eu não tivesse chegado a tempo, vocês teriam matado elas. E se
não fossem elas, seria eu.

— Mas não foi — Levi se intromete. — Você vive muito de passado,


Gabriella. Sua irmã, a amiga dela e você estão bem, sãs e salvas. Vão
continuar assim por muito tempo, porque agora temos um trato.

— Ah, verdade, esse trato é bom — Devon, o moreno, que também tem
tatuagens, e algumas subindo pelo pescoço, emenda. — Todo mundo vai sair
ganhando.

Fantástico Mundo de Bob, é nesse lugar que eles vivem, onde tudo é
simples, onde é tudo acolhedor e onde todos os problemas e dificuldades são
esquecíveis, só pode.

— Todo mundo quem? — não consigo não questionar. — Minha mãe e meu
pai biológico, toda a minha família, as pessoas inocentes que morreram
naquele cruzeiro, as que morreram anos antes em Dantown? São essas que
estão mencionando? Porque, se for, tenho a mais absoluta das certezas que
todas essas saíram ganhando, claro.
— Nossa — um deles sopra, e não faço nenhuma questão de saber quem. —

Ela vai ser totalmente difícil.

— Nunca disse que seria fácil. — Levi para de olhar os amigos e me


esquadrinha. — Mas ela está com raiva, está certa, tem que soltar tudo o que
está entalado mesmo. Depois, quando já tiver soltado tudo, vai agir
racionalmente e, de fato, se juntar a nós. Agora, está só a pura raiva. Parece
um Pinscher, já, já late.

— Você vai ver só daqui a pouco, quem é que vai latir — ameaço.

— Eu não lato, bruxa, eu só mordo.

Até nos momentos mais inoportunos, Levi consegue fazer suas piadinhas.

— Ei, agora que eu parei para pensar. Cadê a raiva toda que você sentia por
ela? — Devon cutuca Vodrak. — Você não era assim antes. Que discurso é
esse de que Gabriella tá certa?

— É Devon, seu nome, né? — O vampiro confirma com um assentir


comedido de cabeça, e eu troco o peso entre os pés. — Pois bem, seu amigo
aí é um frio calculista, está só fingindo me agradar, para pegar de mim o que
o trouxe até aqui.

— É, eu sei, ele disse que faria, mas estou impressionado que esteja
conseguindo. A personalidade dele é meio explosiva.

— Meio? — o ruivo entra em ação. — É totalmente explosiva, isso sim.

— É porque ele quer muito o colar — o outro diz. — Porém, sinceramente,


ainda não entendi muito bem o motivo.

— E está aqui fazendo o que, afinal? — Um sorriso perverso abre em minha


boca também. — Ah, já sei, vocês são tipo marionetes. O que ele fala, vocês
obedecem, nem questionam.
— É que ele é nosso líder. — Larkin dá de ombros e, no mesmo minuto, se
põe ao lado de Levi e engancha o braço em seu pescoço, mesmo com o
gêmeo de Luca reclamando. — Estamos aqui para servi-lo. Você vai entrar
nessa também, bruxa?

— Não chame ela assim — Levi ralha, o afasta e me encara. — Só eu posso


chamá-la desse jeito. Ela é a minha bruxa. Seja viva, morta, do meu lado ou
contra mim, sempre continuará sendo minha, para o que eu bem entender. E
não comece a ficar puta, Gabriella, é um fato. É histórico. Uma Salazar
sempre acabará na mão de um Vodrak.

— Foi mal, foi mal, esqueci que vocês têm toda uma história de décadas
juntos. Ela é a sua bruxa, não está mais aqui quem falou.

Me engasgo, com asco.

— Porra, qual o problema de vocês? — O gosto da bile paira em minha


língua, e eu continuo franzindo o nariz em uma careta. — São todos doentes.
Eu não sou dele, não sou de ninguém.

— Você é sim. — Agora é a vez de Devon se juntar e ficar do outro lado de


Levi, que está no meio, junto ao seu trio. — Se o chefe decretou, está
decretado.

— Chefe? — Rio anasalado. — Só se for na casa do ca...

— Ei! — Os três me impedem de completar a frase. — Olha a boca,


mocinha.

Arrgh!

Não vou ficar aqui por nem mais um minuto.

Marcho até a saída, passo pela porta e continuo a caminhar de volta pela
floresta.

Nem que eu me perca, mas eu vou sair daqui por contra própria, não preciso
de ninguém, se é para sofrer algum tipo de perigo, prefiro sofrer com
qualquer coisa que não seja Levi.

Passo com cuidado entre as plantas e olho para o chão em cada pisada, para
não cair pela segunda vez, indo bem devagar, até que um vento forte
bagunça os meus cabelos, e, numa velocidade que já não me assusta mais,
Levi me pega pela cintura e corre comigo.

Por toda floresta.

Pela montanha.

Pela cidade, se escondendo.

E então, quando percebo, estou sendo colocada na frente da minha casa,


como se eu tivesse surgido aqui pelo poder da mente.

Assustada e com a veia do meu pescoço latejando pela adrenalina, olho para
os lados e não o encontro.

Foi embora.

Veio até aqui só para, literalmente, me deixar na porta de casa, intacta.


Eu estava em completo desespero e, mesmo assim, quando cheguei no
quarto, tinha uma novidade me esperando.

É como vivem dizendo, nada é tão ruim que não possa piorar.

E agora iria, eu já estava sentindo.

Não demorou muito para que Devon e Larkin parassem de andar de um lado
para o outro e se direcionassem até mim, um de um lado, e outro do outro.

— Onde você esteve esse tempo todo? — um deles perguntou, e nem


consegui saber quem era. Estava tudo embaçado. Minha visão, minha
cabeça, tudo.

— É, Levi, estávamos te esperando. — A voz, dessa vez, só podia vir de


Larkin, e ele parecia... preocupado? Com o que, comigo? Ah, não, não,
não... —
Acabaram de ligar para o Devon, descobriram uma coisa que você não vai
acreditar.

Precisava me acalmar.

Precisava guardar as minhas mãos nos bolsos da jaqueta, controlar minhas


expressões e esquecer, por ora, do que eu quase fiz no bar da Journee.

Porque, por pouco, como no navio, eu não coloquei fogo em tudo.

Por pouco, não causei novas mortes e fiz novas vítimas, por causa da
maldita besta que se aflora em mim quando sou instigado, talvez por uma
pessoa ou uma força maior, a colocá-la de uma vez para fora, destruindo a
tudo e a todos que estão em meu caminho.

Balancei a cabeça, afinal, não podia continuar pensando, tão pouco podia
deixar que as imagens rondassem a minha cabeça, como um carrossel
mortal e infernal.

Eu precisava me concentrar nos garotos, ouvir o que tinham para me dizer


e, só assim, voltar ao normal, tentar achar de volta o controle.

Pisquei e ergui o queixo para vê-los.

— O quê? — exigi saber, tentando ficar realmente interessado no assunto. —

O que foi que descobriram dessa vez?

— Vladimir — Devon saiu na frente, para poder me passar a informação


mais rápido que Larkin, e é óbvio que ele revirou os olhos quando percebeu
o que seu amigo acabou de fazer, ficando com raiva por Mars não tê-lo
deixado contar.

Estranhei quando ouvi o nome, mas esperei que continuasse. — Vladimir


Vampir está atrás de Gabriella para um sacrifício.

— Um sacrifício? — As palavras se desenrolaram na minha boca de modo


apressado, porque fiquei sem entender que tipo de conversa era essa. — Do
que está falando, Devon? Seja mais claro, idiota.

A essa altura do campeonato, eu já estava completamente inteirado no


assunto, não pensava e nem queria pensar no que tinha acabado de
acontecer comigo e com o meu corpo, e essa dádiva tinha acontecido em um
tempo muito, muito rápido.

Era impressionante? Era, claro, porém o teor do que me falavam, era muito
mais.

— Deixe comigo — Larkin assumiu o controle, deu um empurrão em Devon


e ficou na minha frente. Ele parecia ansioso, aflito, numa mistura maluca de
ansiedade e medo. — O Carter ligou agora há pouco, ele queria falar com
você e não estava conseguindo, disse que queria te perguntar sobre uma
garota chamada Journee e também falar algo importante. Como você não
estava presente, ele achou pertinente repassar o recado para nós dois.

— Sim, já entendi, só fala logo.

— Ele estava viajando, quando encontrou alguns vampiros pela cidade —

continuou, falando sobre Carter. — Pelo que me disse, os caras estavam na


missão de encontrar a Salazar sobrevivente, porque, pelo visto, as notícias
correm rápido, e o mundo sobrenatural ficou sabendo que Gabriella existia,
bem como

que nós tínhamos ido ao encontro dela. E eles estavam procurando em nome
de Vladimir, que deseja quebrar a maldição de Thereza e descobriu que há
um jeito para isso, depois de fazer algumas pesquisas.

— Envolve você e Luca também — Devon cortou Larkin, e eu olhei para ele,
com as minhas sobrancelhas batendo quase que no meu couro cabeludo. —
Para quebrar o feitiço, tem que fazer um novo feitiço com os elementos que
ainda mantêm de pé o feitiço que quer quebrar. Ou seja, você, Luca,
Vladimir e Gabriella.

Puta.
Que.

Pariu.

— E precisam dela, necessariamente, para o que? — me vi indagando,


necessitando saber mais. — Para ser a bruxa que quebra a maldição?

— Não. — Larkin River balançou a cabeça. — Não é para isso que precisam
dela e não é para isso que estão incansavelmente a procurando. O que eles
precisam é, na verdade, do sangue dela. A quebra do feitiço necessita do
sangue de uma bruxa Salazar. Parece que o sangue será drenado do seu
corpo, literalmente como em um sacrifício, para ela morrer, e assim, com
Vladimir conectado a ela, ele voltar a viver. Acho que é tipo uma
transferência de sangue, quase como uma transfusão que os humanos
conhecem, sai o de vampiro e entra o de um humano, para ele voltar a ser
um. Carter disse o nome do sacrifício, ele disse que alguém da linhagem
Salazar, estudando o caso de Thereza, já que elas tomaram posse dos
feitiços e dos conhecimentos que a mulher tinha na época, mesmo que
poucos, o criou numa tentativa de ser possível reverter o que tinha sido feito
no passado, eles tomaram conhecimento e querem testar.

— Isso significa que o meu irmão e eu teremos que morrer também?

Raiva me preencheu e fui capaz de ver tudo vermelho.

— Carter não soube responder essa parte com muita certeza — é Larkin
mesmo quem continua. — Ele acha que precisa do sangue de vocês também
para a quebra, e, se não morrerem por isso, podem morrer quando o véu da
vida e da morte voltar ao eixo. Vocês podem, simplesmente, evaporar,
pararem de existir no exato segundo em que Vladimir recuperar sua
humanidade.

Fiquei em silêncio e olhei para todos os cantos, menos para eles, que
pareciam indecifráveis. Sabia que não queriam me mostrar, no entanto,
podia perceber que estavam escondendo o medo e o terror que estavam
sentindo, afinal, apesar de sermos fortes, Vladimir era o primeiro vampiro
do mundo, ele era extremamente invencível, pelo menos, era isso que as
histórias que ouvimos por décadas nos diziam.

— Você não vai nos perguntar o motivo de ele querer ser humano?

Os fitei novamente e percebi que, dos dois, Larkin era o que escondia menos
suas emoções, o que também não era muito surpreendente. Ele sempre foi
muito mais real e muito mais espontâneo que nós, nada era capaz de passar
despercebido pelo ruivo.

Dei de ombros, indiferente.

— Não importa, River — falei, sendo bem sincero. — Vladimir é o primeiro


vampiro amaldiçoado por uma bruxa, ele está vagando pelo mundo há
tantos séculos, que fica difícil contar, deve ter feito e visto tantas coisas, que
só... cansou.

A eternidade pode ser dolorosa para vampiros, às vezes, o que nós queremos
é só um pouco de normalidade. A vida, quando você sabe que vai acabar um
dia, é muito melhor de ser vivida. Quando você sabe que para sempre terá o
amanhã, ter propósitos não é mais uma opção. E se não é mais uma opção,
por qual motivo você vai querer acordar no dia seguinte?

— Nossa, que filósofo.

O ruivo comentou, e Devon, por mim, bateu em sua nuca.

— Não é hora de brincadeira, água de salsicha.

— Ei, isso aí é preconceito, discriminação, bullying.

Devon permaneceu do mesmo jeito, sério, e acho que Larkin percebeu que
realmente, mesmo que tentasse, não tinha clima para nenhum tipo de graça.

Sua expressão murchou na mesma hora, e antes de abaixar a cabeça,


murmurou:

— E agora, o que nós vamos fazer?


Não tinha outra alternativa, nós sabíamos disso.

— Temos que nos juntar aos nossos inimigos — respondi de uma vez. —

Temos que voltar, temos que avisar à Gabriella e ao Luca o que está
acontecendo.

Precisamos juntar forças para acabarmos com eles ou então, morreremos


todos.

— E a nossa vingança? — Devon piscou, atônito.

— Você prefere a vingança ou a sobrevivência? Porque, se não se recorda,


estamos falando de Vladimir Vampir aqui, não de um vampirinho qualquer.
Ele é forte, e posso apostar que tem um monte de fiéis o seguindo nessa sua
busca, tão fortes e tão milenares quanto ele. É questão de ser mais esperto,
mais rápido. —

Quando uma nova ideia me surgiu, eu me ergui em um ímpeto. — Vou ligar


para Carter, pedir a veracidade dessa informação e, uma vez constando que
é mesmo o que teremos que enfrentar, vou pedir que me conte tudo o que
sabe, e se não souber de muita coisa, vou pedir que investigue por mim, até
que eu esteja munido

de informações o suficiente para levar ao lado de lá. Temos que estar muitos
passos à frente, pois, se não estivermos, eles não vão confiar.

— Se eles não confiarem, Levi, problema deles. Nós damos o nosso jeito.

Devon cruzou os braços e bufou, com raiva mais aparente dessa vez.

— Não, não podemos. Eles têm uma bruxa, e nós, o que temos?

— Merda. — Flexionou a mandíbula. — Nós vamos ter que voltar à Emerald


Grave urgentemente. Só espero que aquela bruxa não nos mate ou nos
expulse de novo.

— Não vai — assegurei. — Daqui para lá, terei um bom plano.


— Nunca pensei que fosse dizer isso, mas, se não pode com o inimigo, se
junte a ele. — Larkin soltou uma lufada de ar, com todo o seu jeito
dramático.

Naquele momento, eu não quis demonstrar, porém também estava com


muita, muita raiva. Não por Vladimir, não por estarem me ameaçando, até
porque, recebi várias dessas por diversos anos, colecionei uma infinidade de
inimigos e criaturas que não iam com a minha cara, mas sim, por estar
pensando que, justo quando eu tinha todo um plano de infernizar a vida de
Gabriella como ela merecia, eu precisava voltar atrás e me juntar a ela,
justo com a última garota que eu queria ver em minha frente, se não fosse
para tê-la morta ou então implorando por misericórdia.

E naquele momento, eu não sabia exatamente como essa junção poderia dar
certo, como que eu ia fazer para convencê-la ou então obrigá-la, entretanto,
no fundo, no fundo, pelo que tinha me acontecido no bar, pelos sintomas
recorrentes que estava sentindo e a recém-descoberta de um possível colar
de controle sobre vampiros, algo em mim se agitava para encontrar a
melhor forma de, diante dessa história fodida, achar uma brecha para me
favorecer, porque, se eu tinha que mantê-la viva, nem que fosse só para
derrotar o outro vampiro original, eu precisava de algo extremamente
favorável em troca.

Eu estaria deixando de lado a minha vingança, os meus planos, a minha


promessa de fazer da vida dela um inferno, e isso não era pouca coisa, não
poderia ser tão fácil assim abrir mão.

Gabriella podia, sim, ficar viva e livre depois de trabalharmos juntos, no


entanto, teria que ralar muito para conseguir. Não ia ser fácil, eu ia querer
algo em troca.

Ao chegar de volta na cabana, depois de ter a deixado na porta da sua casa,


eu paro em frente à porta e então, de forma mínima, eu sorrio, quando paro
de pensar e me dou conta que, naquele momento mesmo, onde Larkin e
Devon me interceptaram, eu já sabia o que queria, só não tinha chegado
ainda à conclusão e
acho que porque não queria admitir para mim mesmo tão rápido assim, que
eu precisava do colar de Luca, depois de ter ouvido Journee me contar sobre
a possível história verdadeira dele.

Eu precisava do controle, precisava do feitiço, e só Gabriella seria capaz de


me proporcionar isso. Eu lhe daria respostas sobre Vladimir, lhe daria a
liberdade logo após ganharmos a batalha, porque vamos vencer, e ela me
daria uma coisa extremamente grandiosa, que não faz nem ideia do quanto
poderia me ajudar.

Do quanto vai me ajudar, pois sei que, mesmo na marra, vai voltar até mim.

Assim como eu também não tive, ela não vai ter saída. Gostemos ou não,
vamos ter que trabalhar juntos, não importam nossos problemas ou nossas
diferenças.

E se bem que, quando ela me entregar a pedra já com o feitiço, e quando


derrotarmos o Vampir, com tudo já no eixo, eu posso muito bem encontrar
um novo jeito de matá-la, sem que nem perceba que estou voltando a me
aproximar, já que é isso que sou no fim das contas; um mentiroso babaca,
como disse. Um monstro que não sabe ainda como irá se sentir ao vê-la
livre, casando, tendo filhos, voltando a espalhar a maldita linhagem que me
amaldiçoou. É como ver seu trabalho de anos sendo jogado fora.

E me dá náuseas. Principalmente, pensar nela com filhos.

Ew.

Entro na cabana logo.

Às vezes, minha mente é o pior lugar para se estar.

E com Larkin e Devon, as coisas melhoram um pouco.

Falando neles, quando soube o que queria fazer com Gabriella, contei o meu
plano e tive que mencionar o colar aos meus amigos. Obviamente, não
contei toda a verdade, não revelei que sou, diferente do que pensam, um zero
à esquerda, mas mantive a conversa de que só queria provar o mesmo que
Luca, já que não queria ficar para trás. Eu disse que usaria apenas numa
ocasião ou outra e que só estava fazendo isso para tirar algo de Gabriella,
transferindo muito mais peso aos seus ombros, do que aos meus, para não
facilitar nem um pouco. Seria basicamente para emputecer a sua vida tanto
quanto a minha, que, de um dia para o outro, virou de cabeça para baixo.

E os garotos, assim como acreditaram, me apoiaram.

Também pediram para que eu, de um jeito mais leve, a infernizasse.

Eu disse que não precisavam nem ter pedido e acho que já estou começando
a ser bom nisso. Gostei de vê-la perder completamente a cabeça comigo. Foi
divertido.

E cansativo, a voz do meu subconsciente grita, querendo relembrar, e sei que


também tem razão.

A garota é o cão. A própria bruxa dos infernos.

Mais uma dor de cabeça, das muitas que tenho que aguentar.

Arrasto os pés para sala e paraliso, encontrando os meus dois vampiros, que
deveriam demonstrar bravura, bebendo chocolate quente em canecas que
dizem Feliz Natal, com desenhos de corações e renas sorridentes.

— É dessa forma que vocês querem derrotar os inimigos? — brinco, mas me


mantendo numa pose séria. — Fala sério, com vocês dois no time, já
podemos nos considerar mortos.

— Deixe de coisa e se junte a nós, babá de bruxa — Larkin debocha, depois


de pôr a xícara fumegante no apoio do braço do sofá, sorrindo ironicamente
ao mencionar o que acabei de fazer, levar Gabriella para casa. Reviro os
olhos e lhe mostro meu dedo do meio. — Vou fingir que não vi isso e vou
continuar falando como a boa pessoa que sou, já que também te preparei um
chocolate quente, está lá na ilha dessa coisa que chamam de cozinha. Vai
aliviar a sede por sangue.
— Não sei, não. — Ouço Devon bufar, quando me dirijo até a ilha, para ver
se me prepararam algo mesmo. — Acho que vou ter que beber sangue de
qualquer jeito, nem que seja indo caçar coelhinhos nessa floresta. Já ouvi um
monte deles.

— Diga, Stefan Salvatore.

— Quem é Stefan Salvatore, Levi?

Fricciono os lábios, para não dar risada da confusão no tom de voz de


Devon.

— Nossa, que tipo de vampiro é você, que nunca ouviu falar de The Vampire
Diaries? — Larkin que soa incrédulo agora. — É uma série que tem um
irmão bom e um irmão mau, tipo o Luca e o Levi. Esse irmão bom, é o
Stefan Salvatore, o Damon zoa ele, porque não se alimenta de sangue
humano, apenas de animais, com preferência em coelhos.

De onde estou, perto de pegar a xícara que eles realmente prepararam para
mim, eu falo:

— Uau, ele assiste coisas que os humanos inventam sobre a nossa raça,
pessoal. Que traidor.

— Você também assiste! — acusa de volta. — Ou você acha que eu não vi


quando você chorou na parte da morte da Elena?

Devon, ao escutar, meio que ri, meio que assobia, meio que bate palma e
meio que faz tudo isso junto. O idiota parece achar hilário.

— Puta que pariu, nós somos uns vampiros de merda — constata, entre uma
risada e outra. — Não revelem essas coisas que vocês fazem a ninguém, por
favor.

Nós não vamos ter credibilidade nenhuma, e olha que a história nos chama
de assassinos. Que assassinos são esses, que maratonam seriado de
televisão?
— Eu não chorei na morte da Elena, é mentira desse idiota. — Me enfio no
meio deles. — Só fiquei triste, porque a atriz ia sair da série, ela era gata, um
colírio para os meus olhos. — Fica um completo silêncio, como se
estivessem me julgando, e com raiva por estarem desse jeito, olho para cada
um deles, depois de beber um gole do chocolate. — É Nina Dobrev o nome
dela, depois pesquisem fotos, vão me entender. Ou melhor, Devon vai
entender, o Larkin só está fingindo que não pensou o mesmo que eu.

— É que eu estava muito mais ocupado prestando atenção naqueles olhos


azuis do Damon.

No mesmo instante, Mars e eu o olhamos.

— Cara, se você gosta de homem, é só falar, nós te aceitaremos do jeito que


for.

Finjo seriedade, entretanto ela dura tão pouco que, pouco tempo depois,
estamos os três quase que cuspindo o chocolate quente para fora, explodindo
em risadas.

Ao todo, levamos dois minutos para voltarmos ao normal, e quando a


energia caótica passa, Larkin, como sempre, é o primeiro a voltar com um
assunto.

— Falando sério, Levi, como foi a conversa com a Gabriella? — quer saber.

— Ela aceitou fazer parte do plano, mesmo com suas exigências?

— Ela não chegou a confirmar, mas tudo leva a crer que sim. — Dou de
ombros. — A garota é cabeça dura e está com raiva, então eu lhe dei um
tempo para pensar. Acredito que vai contar à irmã e ao Luca, e os três vão
tentar descobrir sozinhos se é verdade ou não. Posso até deduzir que vão
tentar, ao máximo, fazerem tudo sozinhos, só que quando perceberem que
ainda possuem mais questionamentos do que respostas, me procurarão. Nos
procurarão — friso.

— E aí, é só questão de tempo até me dar o colar.


— E ela foi tranquila quando você apareceu ou também fritou seu cérebro?

Tentou, Devon, bem que tentou, reflito na minha própria cabeça, porém não
externo.

A verdade é que tive sorte, depois que voltei ao bar de Journee, no dia
seguinte, para tentar me explicar e me desculpar pelo ocorrido, eu, enquanto
conversávamos, perguntei se tinha alguma maneira de, mesmo que por um
tempo determinado, ficar incapaz de sentir efeitos de qualquer feitiço de uma
bruxa. Ela

disse que não, que era impossível, tentou desconversar, mudar de assunto e
no fim, sem nem perceber, me soltou, por cima, que havia uma erva que, se
tomada antes e em uma certa quantidade, talvez poderia dar um efeito
reverso, cortando o contato entre a bruxa e a pessoa que tomou, por cerca de
alguns minutos.

Eu tentei, não sabia se funcionaria com vampiros, nem sabia se os minutos


seriam o suficiente, contudo, confiava que era só até trazê-la para cá e falar a
verdade, o que funcionou.

— Tranquila, tranquila, não foi, mas também não fritou minha cabeça. Na
verdade, ela não tentou usar feitiço contra mim em mais nenhum momento,
depois que começamos a conversar. Por todo tempo em que estivemos
juntos, acho que ela esqueceu que é capaz de me derrotar.

— Uau. — Assobia Devon. — Estou impressionado, achei que, quando


chegássemos, te encontraríamos morto. Ela quase fez isso com a gente, pelo
menos.

Ao me lembrar dela enraivada, correndo de mim, molhada da chuva, caída,


deitada no meu sofá, os colocando para se ajoelharem aos seus pés, eu
sorrio, mesmo não devendo.

— Não, meus caros amigos. — Lambo os lábios. — Ela não pode me matar.

Não agora, que nossa história está só começando.


Um silêncio se arrasta, até que, pela segunda vez consecutiva, nosso ruivo
resolve dialogar. E dessa vez, só comigo.

— Você a acha bonita?

Sinto meu pomo-de-adão se movimentar.

— Porque você é um canalha, e se for parar pra pensar com a cabeça de


baixo, vai dar merda. Estou aqui para te reforçar que ela é proibida.

— Verdade — O outro concorda. — Totalmente proibida. Não pense, sob


hipótese alguma, em levar sua inimiga para a sua cama, mesmo ela sendo
bem gostosa e tentadora, que é o que ela é.

— Não seja Eva, não tente comer a maçã — Larkin, de um jeito que ele acha
que é muito sábio, aconselha.

Bufo, reviro os olhos e me levanto, tudo ao mesmo tempo, ainda brincando


de ping pong, ao passo que alterno meu olhar pelo rosto de cada um.

— Não que eu queira, mas vocês não estão em posição de exigir nada aqui.

Eu sou o líder, o alfa, eu faço as escolhas.

Giro nos calcanhares, porque a minha escolha agora, é parar com essa
conversa.

Que absurdo, eles pensarem que vou tirar uma casquinha da maçã.

Eu nem gosto dessa fruta.


Já é tarde, quase de manhãzinha, eu deveria deixar a minha irmã dormir,
porém, ainda com as minhas roupas, que já estão mais secas, e meu estado
deplorável, invento de passar pelo meu quarto e ir direto para o seu, porque,
depois das coisas que aconteceram, preciso vê-la, preciso me sentir mesmo
em casa, só para sentir que realmente sobrevivi, depois de ter vivido tantas
coisas em tão poucas horas.

De fininho, abro sua porta, entro, a fecho de novo e, praticamente na ponta


dos pés, caminho sem fazer barulho, até estar de frente para sua cama, a
vendo dormir. A imagem é tão fofa que, por um momento, me pego
sorrindo, com lágrimas querendo subir aos meus olhos. Porque é
simplesmente a melhor sensação de todas, chegar em casa e ver quem você
ama tranquilo, seguro, depois de você mesmo ter enfrentado o maior dos
furacões, sem nem saber se seria possível escapar para voltar a vê-lo.

E meu Deus, estou aqui, Evelyn também está, provavelmente sonhando e


com alguma coisa verdadeiramente boa, pois sua expressão está serena, e
seu peito sobe e desce numa respiração regular, totalmente sem nenhuma
ciência do que está acontecendo, ou prestes a acontecer, no nosso mundo
real. E eu queria mantê-la sempre assim, segura em seu quarto, tão
despreocupada com a vida lá fora, onde

os monstros não podem alcança-la, onde é capaz de dormir uma noite inteira
de sono, com os lábios entreabertos e prestes a babar a qualquer segundo, de
tão bom que está sendo.

Queria me juntar a ela, me proteger na sua cama, debaixo das suas cobertas,
contra o seu abraço. Queria pôr a minha cabeça em seu ombro e também
poder dormir plenamente, hoje e nas outras noites, mas sei que não será mais
possível.

Agora, mais uma vez, as coisas mudaram de cenário, e eu vou ter que me
reajustar, porque tem novos vampiros, e esses, mais fortes, querendo me usar
de sacrifício e depois me matar.

Isto é, se for mesmo verdade toda a história que Levi me falou sobre
Vladimir.

Se não for, minha única preocupação continuará sendo ele, que está de volta
à cidade. Não mais longe, agora perto, tendo acesso a qualquer um de nós.

Não importa qual seja a verdade, eu ainda continuarei cheia de


preocupações.

E medos.

Muitos medos.

Não quero falhar comigo mesma, muito menos com a minha família e com
os meus amigos. Não quero tirar o sono calmo de Evie, não quando ela
passou por infinitos traumas e hoje, tenta, mais do que nunca, se reerguer e
ser feliz.

É cruel.

A porra da minha vida é cruel, perturbadora, instável e insana.


Quando as coisas resolvem acontecer, elas acontecem todas de uma vez, sem
nem mandar um aviso ou um recadinho simples, para eu me preparar. É
sempre bomba por cima de bomba, e se eu não tiver cuidado, ela pode cair a
qualquer segundo sobre a minha cabeça, me destruindo.

Se fosse só em mim, seria bom, eu poderia aceitar, mas não, elas podem
muito bem respingar nas pessoas que amo, e isso sim é a pior coisa que
poderia me acontecer.

Me sinto de mãos atadas, me sinto fraca, me sinto presa numa dimensão


assustadora, onde eu sou constantemente lembrada que, não importa o que
aconteça, as pessoas ao meu redor acabarão sempre, de alguma forma,
machucadas.

E não posso suportar ver Evelyn sofrer de novo, sem nem ter a ver com o
meu destino e com os inimigos que fiz por causa disso.

Não posso suportar pensar em deixar meus pais desprotegidos, não quando
eles sempre me protegeram e me deram as estrelas e o mundo.

E pensar ao que, talvez para me atingir, Vladimir, Levi ou qualquer outro


pode tocá-los, feri-los, fazê-los sentir qualquer tipo de dor, meu coração
parece ser pisoteado no peito.

Abraço meu próprio corpo, mordo os lábios para evitar chorar e penso que
tenho tanto, tanto medo. Eu não sei o que sou capaz de fazer, caso qualquer
uma dessas coisas aconteça. Eu só espero que, depois de hoje, eu só fique
cada vez mais forte, para vencê-los.

Contudo, nesse momento, eu só quero chorar feito uma garotinha.

— Hmm — Evelyn balbucia, parecendo despertar. Ela se vira


completamente para o lado em que estou e, aos poucos, quando abre os
olhos com cuidado, se depara comigo bem à sua frente. Mesmo no escuro,
minha irmã não se assusta, só sorri um pouco, de forma grogue. — Gabriella
— chama, a voz rouca e sonolenta. Ouvi-la me chamar, me faz querer chorar
ainda mais. Mas não vou, não agora. — O que está fazendo aí? Você chegou
agora do encontro com Cody?

— Sim — minto.

E começo a sentir um bolo se formar na minha garganta.

— E foi bom?

— Foi bom — digo em um tom tão baixo, que nem sei se ela escuta. —

Assim que clarear, assim que estivermos acordadas, eu te conto como foi —
a tranquilizo, só que, mais uma vez, mentindo. Eu me aproximo dela, no
entanto. —

Vou te deixar dormir agora, mana. Volte a ter bons sonhos.

Vou me virar, entretanto ela impede, ao tocar meu pulso.

— Espera — pede, e seu tom de voz me parece receoso. — Aconteceu


alguma coisa? — Faço questão de balançar a cabeça logo. — Tem certeza?

— Tenho.

— E por que estava me observando dormir?

Sutton pode parecer boba aos olhos dos outros, porém ela não é nem um
pouco.

— Porque eu sou a sua irmã mais velha, oras — desenrolo a conversa e me


sento no espaço que encontro na sua cama. — Te deixei sob os cuidados de
Luca, queria saber se ele fez um bom trabalho e se você já estava dormindo.

— Como se eu fosse uma menininha?

— Você sempre será a minha menininha. — Meus olhos se enchem de


lágrimas de novo, e espero que, no quarto parcialmente escuro, não seja
perceptível. — E se quer saber, acho que vou dormir com você, sua cama é
muito espaçosa para te aguentar sozinha.

Engatinho, me coloco ao seu lado e me enfio por baixo da sua coberta, que
também vai comportar muito bem nós duas. Em todo o processo, ouço a sua
risada.

E vira-se para o lado oposto, para me ver.

— Vai dormir com essas roupas? — Aponta com o queixo para o meu corpo.

Faço um bico de quem não se importa.

— Não vou mais me levantar daqui, estou com preguiça.

E querendo ser protegida por você, nem que seja só por essas horas, penso.

— Credo, que porca, sai daqui.

Empurra meu ombro de leve, me fazendo dar risada.

Não, não, eu não vou sair daqui por nada.

É aqui que vou recarregar minhas energias e tirar a minha força.


— Feche os olhos e volte a dormir — soo mandona, lhe dando as costas e
me virando para o outro lado. — Estou cansada, morrendo de sono.

É só uma desculpa para que, mais de perto, não possa se dar conta do quão
emocionada estou.

— Eu também. — Sinto seus braços me envolverem. — Desculpa se parece


estranho, não fazemos isso há anos, mas agora que você se deitou aqui, vou
te usar de minha conchinha, como fazíamos quando dormíamos juntas na
infância.

Ah, merda, o embargo na minha garganta só aumenta.

É surreal, parece que ela pressente, parece que percebe que preciso disso, do
seu abraço.

— Pode continuar — sussurro, algumas lágrimas escorrendo pelas minhas


bochechas. — Eu sei que você não consegue se desgrudar de mim.

Me abraça mais forte.

— É, talvez.

E é tudo o que eu simplesmente precisava ouvir nesse momento.

Pela manhã, antes de Evelyn acordar, eu pulei da sua cama e, mesmo um


pouco melhor, não consegui diminuir a ansiedade que estava aflorando em
mim, principalmente, porque resolvi esconder dela o que estava
acontecendo, até que eu mesma, de algum jeito, fosse capaz de descobrir
toda verdade, afinal, não queria preocupar ela e Luca à toa.

Queria resolver tudo sozinha, fosse verdade ou mentira.

Óbvio, eu não podia esconder a realidade para sempre, eu nem pretendia


demorar tanto assim, só queria realmente um tempo sozinha, para refletir
melhor os últimos acontecimentos.
Por esse motivo, com a casa ainda em silêncio, voltei para o meu quarto,
tomei um bom banho, troquei as minhas roupas, pulei para a minha cama e
peguei o meu diário.

O diário da minha mãe contém muitas informações valiosas.

Por meses, ela detalhou tudo o que eu precisava saber, se decidisse assumir a
minha força de uma Salazar. Porque, nas folhas, ela dizia que tinha se
sacrificado para me dar uma chance, para me dar o poder de escolha entre
permanecer com o meu lado bruxa apagado ou o meu lado bruxa aflorado.
Por isso, tinha contado a história, tinha separado os feitiços e tinha deixado
para mim, o poder de escolha.

Mas também, tinha me dado uma coisa muito mais valiosa e importante,
para caso eu precisasse, para caso eu sentisse que estava em perigo e
precisasse me salvar.

Ela tinha me deixado um nome. Um nome de confiança.

Valerie.

Valerie Moore.

A vizinha idosa que mora na casa ao lado, para quem mamãe vive enviando
tortas.

Eu não sei o que ela é, nem o que pode fazer por mim, porém eu finalmente
a procuraria.

Me parecia a hora certa, e eu só não tinha feito ainda, porque não sabia se ela
sabia sobre mim, não queria me revelar para uma outra pessoa assim, mesmo
que Zena tenha deixado por escrito que era de confiança. Eu também, no
fundo, tinha medo do que poderia encontrar com aquela senhora, tinha medo
de cavar mais um pouco e perceber que só sei desse mundo o básico do
básico, que tem muito mais coisas escondidas na nossa cidade.

Estava aguardando o momento em que eu não sentisse mais medo, que eu


precisasse de explicações, e talvez essa mulher possa ser a chave. É um tiro
no escuro, entretanto para mim, que estou ficando cada vez mais sem
opções, prestes a entrar em desespero, parece a única saída.

Valerie sabe desse mundo, e ela é uma pessoa antiga, que vive há bastantes
anos por aqui, deve conhecer Vladimir Vampir.

Precisa conhece-lo, se não tiver respostas para mim, eu só vou ter Levi.

Com toda ansiedade percorrendo o meu corpo, me arrumei, peguei uma


bolsa, enfiei meu diário dentro, caso ela precise de uma prova, e saí de casa,
deixando todos dormindo.

Na maior rapidez, vim parar na sua porta.

Apesar de ser final de semana, e todos acordarem um pouco mais tarde, sei
que a Sra. Moore não é adepta a essa modernidade. Ela é aquela que acorda
junto das galinhas.

E, de qualquer forma, vai ter que me atender, porque já subi na sua varanda e
já estou tocando a sua campainha.

Dou alguns passos para trás e gangorreio com os pés, a esperando.

E continuo.

Esperando, esperando e esperando.

Até que a porta é aberta, me assustando.

Valerie aparece, com um dos seus vestidos floridos, e me analisa de cima à


baixo.

— Ah, você. Oi. — Seus olhos pequenininhos se concentram nos meus, e ela
sorri, fazendo suas bochechas enrugadas alargarem. — É uma das filhas da
Leah.

— Não é uma pergunta, é uma afirmação. Algo me diz que ela sabe muito
mais do que isso, que está fingindo, como fez a vida toda. — Me trouxe
alguma torta?

Geralmente é a outra que traz, a de óculos, acho que é Evelyn o nome dela.
É uma boa garota. Gosto da companhia dela. Mas cadê?

— O quê?

— A torta.

Engulo em seco e dou alguns bons passos para frente, pois percebi que
estava muito afastada.

— Não há tortas — esclareço e olho para os lados. Sei que ninguém está por
perto, que ninguém pode nos ouvir, mas não custa conferir, o assunto é
mesmo muito sério. — Estou aqui por outro motivo, Sra. Moore.

Ela entorta a cabeça minimamente para o lado, como se não soubesse.

— Sou a Gabriella — me apresento, embora possa imaginar que esteja só


fingindo, esperando até eu ir direto ao ponto. — Filha biológica de Zena
Salazar, a senhora provavelmente a conheceu. A senhora, provavelmente,
esteve me esperando por todos esses anos.

— Zena. Minha amiga. — Sua expressão muda em segundos. — Ah, que


saudade. E eu estava mesmo te esperando, querida. Eu sabia que viria. —
Abre mais a porta e me dá espaço. — Esperei, sim, por anos, então vem,
entre. Tem café fresquinho, vamos conversar.

Sem pensar duas vezes, eu passo pela sua porta, sabendo que, ou eu avanço
ou eu continuo no mesmo lugar.
Desde que eu me entendo por gente, a minha família e eu moramos na
mesma cidade, na mesma casa, no mesmo bairro, em um lugar onde a
vizinhança não muda, o que significa que, de um jeito ou de outro, acabamos
conhecendo, mesmo que por cima, a vida de cada vizinho.

E a Sra. Moore, claro, é a pioneira desse bairro, com seus quase 90 anos de
idade, foi uma das primeiras a construir tudo por aqui, tanto sua casa, quanto
toda a sua vida. E a sua vida, tanto quanto a sua pessoa, com o tempo,
acabaram sendo bastante famosas entre os moradores dessa região.

Eu, por exemplo, cresci sabendo da sua existência. Sempre que brincava na
rua, com todas as crianças do bairro, a via sentada na porta, em sua cadeira
de balanço, tricotando e fazendo suas previsões sobre o tempo todas as vezes
em que passávamos perto da sua casa, já que tinha um dom muito forte de
acertar quando iria chover ou não, sempre mandando a mim ou as outras
crianças voltarmos para as nossas casas, para não ficarmos gripados por
causa do frio.
Eu lembro de achá-la simpática, atenciosa e lembro também de, conforme
crescia, ver seus filhos namorando, casando, tendo filhos e saindo de casa,
um a um, até deixarem-na sozinha, mesmo com a idade avançando. Lembro
que começaram a circular conversas e boatos, depois do seu marido falecer,
que ela

tinha ficado com muito dinheiro, que estava com uma condição de vida
muito melhor e mesmo que tentasse dar de tudo aos netos, eles também
cresceram e passaram a não vir vê-la com frequência nos finais de semanas
mais.

Os boatos, de repente, passaram a não ser mais boatos, já que nos últimos
anos, a própria Sra. Moore fazia questão de dizer, não importando com quem
parasse para conversar, que ela estava praticamente abandonada por sua
família, mesmo com toque de piada e bom-humor. Foi por causa disso, que a
vizinhança começou a ser solidária com ela, as pessoas começaram a tirar
horas dos seus dias para visitá-la, para agradá-la, e uma delas foi mamãe,
que passou a trazer umas das suas tortas rotineiramente, para deixá-la mais
alegre, sempre de abóbora, que é a sua favorita.

Como crescemos sempre ouvindo histórias sobre ela, falavam muito que sua
casa era uma das mais bonitas e aconchegantes do bairro. Como nunca tinha
entrado, não fazia ideia se estavam certos ou não, mas agora, sentada no seu
sofá, com a xícara de café servida, e com Valerie de frente para mim, em sua
poltrona, eu posso confirmar, porque meus olhos percorreram cada
centímetro da residência, curiosos.

Tem muitas coisas antigas, como vitrola, discos de vinis como uma coleção,
taças e copos de vidros enfileirados em um móvel, mas também muitas
outras coisas modernas. E mesmo que eu tente notar algo de diferente, que
possa me revelar o que ela é, não encontro. Parece tudo absolutamente
normal para a idade que tem.

Bebo alguns goles do café, para não ficar com a boca seca, e depois o
repouso no centro à minha frente, cruzando as pernas, respirando fundo e me
preparando.
— A senhora sabe quem sou e o que sou. — Também não é uma pergunta,
estou só constatando os fatos. — Primeiro, para começarmos, eu gostaria de
tentar entender qual a sua ligação com a minha mãe. Na verdade, qual a sua
ligação com isso tudo. A senhora é uma bruxa também? Tipo, de outra
linhagem? Uma bem antiga, sábia e poderosa?

Não sei o que falo de tão engraçado, porém a minha vizinha sorri, enquanto
balança a sua cabeça.

— Não, querida, eu não sou uma bruxa. — Repousa sua xícara no primeiro
lugar seguro que encontra e se acomoda melhor na poltrona, parecendo saber
que a conversa vai perdurar por horas. — Eu vou te contar tudo, fique
tranquila, mas primeiro preciso saber, sua mãe escreveu mesmo sobre mim
no diário, não foi?

— Sim, pediu para que eu te procurasse se estivesse em apuros. —

Pestanejo. — Mas... como sabe do meu diário?

— Bem, digamos que eu fiz parte disso também.

Parece que dá uma chacoalhada na minha cabeça, porque tudo se embaralha,


e eu fico cada vez mais confusa.

— Calma, eu vou chegar nessa parte — Valerie diz, e acho que percebeu as
interrogações pairando sobre mim. Assinto, pedindo silenciosamente que
continue, que estou preparada para ouvi-la. — Só me responda uma coisa,
antes de partirmos para as histórias, você leu tudo que estava escrito?

— Dos meus dezesseis anos para cá, só umas trilhões de vezes.

— Ótimo, é bom que nos poupa tempo, e eu não preciso fazer a revelação de
que o namorado da sua irmã é um vampiro, um dos gêmeos Vodrak.

Não é bruxa e sabe até disso? Capaz de ser igual a melhor amiga de Evelyn,
uma humana que tem total ciência do que se esconde por Emerald Grave,
que sempre soube primeiro que todo mundo.
— É, mas também não se preocupe, ele está do nosso lado.

— Ele sempre esteve, querida. Sempre esteve. E eu seria a primeira pessoa a


impedir, caso percebesse qualquer má intenção da parte dele, o que não foi o
que aconteceu. Eu vi que vocês precisavam dele. Eu senti.

Meu coração se tranquiliza mais, sabendo que ela sabe disso, não quero
arrumar mais problemas para o Luca ter que resolver.

— Tudo bem, tudo bem, a senhora pode prosseguir, então.

Um aperto se instala na boca do meu estômago, quando a vejo confirmar.

— Claro, claro. — Se mexe na poltrona outra vez. — Acho que é bom


começar com a sua mãe. Zena. Por coincidências da vida, nós nos
esbarramos uma vez em uma loja, em uma outra cidade. Sua mãe parecia
eufórica, parecia se esconder de alguém ou de alguma coisa e quando ela
literalmente esbarrou em mim, eu a senti. E acho que ela sentiu a conexão
também, porque parou e ficou me olhando com aqueles grandes olhos dela.
Além de sentir, eu também a vi. Vi seus poderes e seus feitiços. Ali mesmo,
mas longe de todos, eu a puxei num canto e disse que sabia o que ela era. —
Seu olhar é nostálgico, se perde em algum ponto aleatório, provavelmente
morando em sua própria mente, para relembrar esse momento de sua vida,
que, pela sua expressão, parece ter sido importante. — Ela perguntou se eu
era uma também, perguntou, como a senhorita acabou de fazer agora há
pouco, se eu vinha de outra linhagem. Eu disse que não, e na mesma hora
Zena ficou sem entender, porque sabia que eu também havia sentido o que
ela sentiu, e se eu tinha sentido, queria dizer que eu era uma delas. Fiquei um
pouco incomodada, não tenho para que mentir, sempre se esquecem de
pensar na minha classe. Se você não for bruxa, você automaticamente, não
pode ser mais nada.

— E o que a senhora é, para ter tido essa conexão tão grande com a minha
mãe?

— Vidente — responde, na mesma hora. — Eu sou uma vidente, querida. Às


vezes, tenho visões sobre o futuro, e às vezes, o leio em cartas.
Vidente.

Uau.

Eu não sabia que também podia existir, contudo, levando em consideração


que tem vampiros, bruxas e possivelmente lobos por aí, videntes são as mais
aceitáveis.

Ainda estou um pouco chocada, no entanto. Por muito tempo, desde que li as
anotações de Zena, ficava me perguntando o que Valerie, minha idosa
vizinha, poderia ser, e ser uma senhora que é capaz de prever o futuro, nunca
foi algo que passou pela minha cabeça.

Quanto mais eu acho que sei do mundo, menos eu sei.

— Eu também contei isso para ela naquele mesmo dia, e ela ficou igualzinha
a você, surpresa — continua. — E nas minhas visões, quando Zena esbarrou
comigo, eu vi que ela estava passando por dificuldades, a chamei para um
café, e ficamos conversando a tarde inteira. Foi quando me contou da
maldição, dos vampiros, que eu já conhecia, por sinal, e quando decidiu
revelar que estava grávida, carregando você no ventre, totalmente
desesperada, por não saber o que fazer. Não tinha nem contado ao seu pai
ainda. — Sra. Moore suspira. — Eu fiquei com muito dó na época e me
dispus a ajudar, a manter contato e lhe entreguei meu número fixo, junto do
meu endereço, para caso precisasse. Poucos dias depois, Zena apareceu na
minha porta, mais uma vez fugindo, sempre ao lado do seu pai.

Ela disse que ia gerar o bebê e que iria dá-lo para adoção, porque não queria
lhe entregar o mesmo destino. Nesse mesmo dia, Zena pediu que eu lesse
algumas cartas para ela, queria ter a certeza de estar fazendo a coisa certa.

Quando Valerie para e me encara, tenho certeza que pode ver meu coração
no chão, totalmente despedaçado.

— Eu lembro daquele dia como se fosse ontem, minha querida.


Se antes a senhora estava sorridente, nostálgica, agora ela parece muito mais
assombrada, do que qualquer outra coisa.

— Sua mãe se sentou comigo à mesa, e eu espalhei as cartas. Ela tinha


aquela mesma euforia do dia em que nos conhecemos, agitada, ansiosa,
completamente nervosa. Eu, por outro lado, estava um misto de sentimentos.

Queria ajudá-la, mas também sabia que não podia fazer muito, que só
precisava trabalhar com a verdade, mesmo que as cartas me mostrassem que
o futuro era

doloroso. E ele veio para mim totalmente doloroso, menina. Porque o futuro
me dizia que vinha guerra, fogo, morte e destruição em massa. Na mesma
hora, Zena e o seu amado ficaram desolados, porém tiveram a certeza de que
não tinham mais saída, eles precisavam te entregar para outra família, depois
que sua mãe gestasse você. — Ela enxuga o canto dos olhos, dá para ver que
é algo que também mexe com ela. — Acabei conseguindo um lugar para eles
ficarem aqui em Emerald Grave, e por mais que Zena não gostasse da ideia
de ficar, pelo fato de toda a rixa dos vampiros e bruxas ter começado aqui,
ela sabia que não tinha mais dinheiro, não tinha mais escapatória, e que aqui,
eu poderia ajudá-la no que fosse preciso. E

eu ajudei, ficando ao lado deles por todos os nove doloridos meses.


Acompanhava até mesmo quando ela decidia escrever naquele diário. Nunca
soube ao certo o que tinha dentro, mas podia imaginar.

— A senhora foi como uma mãe pra ela — exponho, emocionada e com os
olhos marejados. — A senhora resolveu ficar, quando estava tudo
desmoronando, resolveu ficar, quando possivelmente nenhuma outra pessoa
ficaria.

— E não me arrependo. — Eu vejo que não. — Não me arrependo nem um


pouco, porque até o parto dela, eu fiz. — Meus lábios se entreabrem em
mais choque, em mais surpresa, em mais emoção. — Sim, querida, eu que te
trouxe ao mundo. E eu também te dei banho, te coloquei a sua primeira
roupinha e te levei para mamar junto de Zena. Foi um momento muito
emocionante, ela só sabia chorar. Trent também. Ele segurou a sua mãozinha
e prometeu que você seria feliz.

Não pense que você nunca os conheceu, porque você os conheceu, e foi
lindo.

Foram algumas poucas horas mais bonitas de toda a minha vida, e olha que
eu já era velha naquela época.

Sorrio junto dela, em meio às lágrimas.

— E depois? — Limpo a garganta, o que faz a minha voz sair entrecortada.

— O que aconteceu depois? Como eu vim parar na casa dos meus pais, Leah
e Elliam?

— Depois de você nascer e ficar um tempinho com eles, ela entregou você a
mim, disse, com muita dor no coração, que se ficasse segurando você por
mais tempo, iria perder a coragem. E disse que eu podia fazer o melhor para
a bebê dela, contanto que o diário fosse junto à sua cesta. — Sra. Moore se
levanta com cuidado e bem devagar, por causa da sua idade, vem até mim e
se senta ao meu lado, para segurar as minhas mãos. Eu fungo, sentindo o seu
toque. — No começo, eu iria a um orfanato, é verdade, mas eu me lembrei
na mesma hora da sua mãe, da Leah. Ela sempre foi uma mulher incrível,
com um marido tão bom quanto, com uma família estruturada, e, além disso,
eu, assim como todo mundo no bairro, sabia do seu amor por crianças, do
seu sonho de gerar filhos e de toda a sua

dificuldade em conseguir. Muitas das vezes, Leah tinha desabafado comigo,


chorado muito, e meu coração simplesmente sentiu que era o melhor destino
para você, minha menina. Eu precisava fazer isso por você, por Zena, por
Leah. —

Nesse momento, já me encontro chorando compulsivamente. — E eu ainda


teria você perto de mim, crescendo ao meu lado, na casa vizinha. Você
jamais sairia da minha vista. E não saiu mesmo, eu pude te acompanhar por
todos esses anos, ver a menina linda, forte e amada que se tornou. Como
seus pais e eu sempre quisemos.

— E depois? — continuo com a mesma pergunta. — E o que aconteceu


depois?

— Eu te deixei paradinha na porta da casa da Leah, toquei a companhia e


voltei para minha casa, observando tudo pela janela da minha cozinha. Eu vi
como Leah chorava, chorava e te abraçava. Ela estava inconformada, claro,
imaginava que tinha sido abandonada ali por acaso, que tinham feito por
maldade, e ao mesmo tempo que se sentia revoltada, ela já sentia que você
era dela, e ela era sua.

A conexão foi instantânea. — Confirmo, balançando a cabeça várias vezes,


pois não tenho a menor dúvida de que foi isso mesmo que aconteceu. —
Depois de ver e sentir que você ficaria bem, eu voltei para dentro e liguei
para Zena, só para dar a notícia de que já tinha feito o que ela havia me
pedido. Liguei uma, duas, três, quatro, cinco vezes, e a ligação sempre
acabava na caixa postal. Tentei no outro dia, nada. No outro também, e nada.
Fiquei muito preocupada e fui até o lugar onde eles estavam ficando aqui na
cidade, mas também sem sinal deles. Quando voltei para casa, à noite, que
recebi um telefonema, era Zena, me agradecendo pela amizade, por tudo e
dizendo que tinha encontrado um jeito, uma última esperança de talvez fugir.
Antes mesmo de eu tentar falar alguma coisa, ela desligou a ligação.

Também enxugo minhas lágrimas, me mantendo mais calma.

— Presumo que a senhora não sabia que ela e o meu pai estariam no
cruzeiro Shine Star.

Valerie, com pesar, nega.

— Só vim descobrir muitos anos depois, em meus sonhos, minhas visões.

— E enquanto não sabia do seu paradeiro, procurou muito por ela?

— Muito, mas com o tempo, fui perdendo as esperanças de encontrá-la viva.


O que eu pude fazer por ela, foi permanecer de olho em você, na família
Faulkner.

— Era por isso que sempre ficava na porta, quando eu passava brincando?

— Com certeza. — Gargalha, aquela risada incrível de poder se escutar. —

Não conseguia não te vigiar, você sempre foi como uma neta para mim,
ainda que eu tivesse que te ver crescer distante. E me desculpe por não ter
me aproximado ou te contado a verdade, eu não podia.

— Por que não podia?

— Porque eu não sabia se você tinha herdado seu lado bruxa, se você tinha
recebido o diário quando ficou mais velha, se tinha lido e, principalmente, se
acreditava e se queria mesmo falar sobre. Eu tinha que te deixar vivendo,
como Zena e Trent tanto queriam. Você foi colocada ali para ter outra
oportunidade de vida, outro destino, eu não podia me intrometer. Meu
trabalho já tinha sido feito, e eu estava muito feliz com o resultado dele. —
Seca as poucas lágrimas que ainda insistiam em cair, depois ergue meu
queixo, ao segurá-lo com os dedos em formato de pinça. — Mas agora que
está aqui, minha menina, posso imaginar que, além de ter assumido o seu
lado bruxa, assumiu todos os problemas da herança de uma Salazar, não é?

— Sim, Sra. Moore — assumo, sem poder mentir, afinal de contas, se estou
aqui em busca de respostas, não posso sair sem elas. — Zena disse que você
era confiável, agora eu vejo que é, e que podia me ajudar, caso eu estivesse
passando por apuros. Acredito que seja com suas visões, com suas cartas.

— Sim, sim, querida, eu posso te ajudar. Só preciso saber o que exatamente


está se passando.

Puxo todo o ar para dentro dos meus pulmões.

— Há alguns meses, Levi Vodrak achou que Evelyn, minha irmã, era uma
Salazar, porque foi a sobrevivente do navio que pegou fogo, e então decidiu
que queria caçá-la. Ele a levou, junto da amiga, para a igreja abandonada em
Dantown, lugar onde aconteceu um dos massacres dele, e tentou matá-las.
Por sorte, pude chegar lá junto de Luca, contando a verdade e os expulsando
em seguida. No fim das contas, estava claro que ele voltaria para me matar e,
durante esse tempo todo, estive esperando que voltasse para cumprir sua
promessa. E ele voltou. — Meu corpo inteiro se vira totalmente para Valerie,
na intenção de vê-la melhor. — Mas não para me matar, para me informar
que outro vampiro está atrás de mim. O

primeiro vampiro amaldiçoado por uma bruxa.

— Vladimir Vampir? — a senhora pergunta.

— Esse mesmo.

— Ele quer desfazer a maldição — revelo. — Quer usar o meu sangue e me


matar. Quer Luca e Levi também, parece que para o feitiço de quebra dar
certo, tem que ter todos os elementos que mantêm o feitiço antigo
funcionando. A senhora acha que ele pode estar falando a verdade? Tem
como saber?

— Eu posso ver nas cartas. — Se levanta, e dessa vez, eu me levanto junto, a


ajudando. — Venha comigo, venha para a minha mesa. — E nós nos
conduzimos até ela, com Sra. Moore arrastando a cadeira para eu poder me
sentar. Fico acomodada, a vendo andar para buscar suas cartas lá para dentro
da casa,

provavelmente em seu quarto. Quando retorna, se senta ao meu lado e põe as


cartas na mesa, aquelas que costumamos ver videntes, tipo de circo, usando.
Essas, pelo menos, parecem reais. — Eu mal consigo acreditar que a história
está se repetindo, a sua mãe tinha tanto medo disso.

— Eu sei, Sra. Moore, mas não posso evitar o meu destino. Essa maldição
vai ter que acabar comigo, de um jeito ou de outro. Seja eu morrendo ou
derrotando meus inimigos, ela vai ter que chegar ao fim.

— Vira essa boca para lá, menina, você não vai morrer.
— É, se Levi ajudar a derrotar Vladimir como disse que faria, já é meio
caminho andado. Isto é, se não estiver querendo me enganar também.

— Vamos descobrir agora.

Aponta para as cartas e começa a embaralhá-las.

E uma única gota de apreensão desliza pela minha espinha.


Eu já passei por muitos momentos tensos na minha vida, mas esse, de
esperar Valerie olhar as cartas que escolhi, se torna simplesmente um dos
mais tensos de todos. Ela acabou colocando, agora há pouco, um par de
óculos, que fica bem na ponta do nariz, com aquelas cordinhas penduradas
no mais absoluto estilo de vó, para não ter nenhuma dúvida do que vê.

Parece concentrada e até com um pouco de medo de virá-las.

Posso imaginar que desde o último futuro que previu de uma Salazar, não
está muito animada para fazer o mesmo agora, depois de anos.

Também não estou nem um pouco animada, para ser sincera, e por motivos
óbvios. Não sei o que vai ela vai ver, entretanto acredito que nada do que
puder me falar, vai me tranquilizar.

Na realidade, não consigo ficar me vendo tranquila em momento algum.

Nesse instante, por exemplo, estou suando frio.


Minhas mãos estão encharcadas, e toda hora eu as limpo nas minhas roupas,
mesmo que em vão.

Só para ter uma noção de como me encontro, a Sra. Moore fica olhando as
cartas viradas para baixo por um tempo, que se equivale provavelmente a
segundos, mas que no meu entendimento, parecem horas. É fruto do meu

nervosismo. Fruto dos cenários apavorantes que começo a criar em meu


cérebro, onde todos acabam sempre no mesmo lugar; em morte. E eu
continuo ficando no centro de todas elas.

— Vou virar — Sra. Moore anuncia, acho que percebe o nível da minha
ansiedade, que é palpável. Fico olhando de forma vidrada para o caminho
que suas mãos fazem até as cartas, porém, quando chega bem perto, bem
perto mesmo, ela simplesmente paralisa, quase paralisando o meu coração
junto. Eu olho para Valerie, e Valerie olha para mim, e sei que quer me dizer
algo importante. É o que faz. — Antes de descobrirmos o que tem aqui,
queria que soubesse, filha, que uma vidente nem sempre é capaz de ver
detalhadamente o futuro. Nós temos visões e nós mesmos fazemos nossas
interpretações sobre o que vemos nelas, podendo muitas vezes, serem certas
ou erradas. Sou uma velha senhora sincera e mesmo que tenha acertado
muito mais do que errado, já errei também, não posso esconder.

— Tenho uma clara ideia de como funciona, Sra. Moore, já assisti muito As
Visões da Raven, acompanhei pela televisão as enrascadas em que ela se
metia por interpretar suas visões de forma errada.
Sua testa enrugada fica ainda mais enrugada, quando fica sem entender do
que estou falando.

Está vendo, é o bendito nervosismo me deixando sem noção, até parece que
a Sra. Moore alguma vez na vida já assistiu As Visões da Raven passando na
tevê.

O máximo que ela deve assistir, quando não tem nada para fazer, é Bingo.

— Me perdoe, não foi importante o que falei. — Balanço a cabeça, para


mostrar que estou espantando os pensamentos. — Tomei outro rumo, pensei
alto, mas a senhora pode prosseguir.

— Tudo bem, minha querida, não há problemas. — Com o indicador, Valerie


empurra para trás os óculos, que escorregam quando abaixa a cabeça, de
olho no que está prestes a fazer. — O que quero dizer é que temos essa
benção, essa dádiva, e muita gente não sabe usá-la, assustando aqueles que
estão ao seu redor.

Outra questão são as cartas, elas não são precisas, normalmente costumam
ser muito vagas, podendo indicar qualquer segmento da sua vida. Com Zena,
as cartas diziam morte, diziam fogo, e duvido que ela imaginou que essas
duas previsões se juntariam e aconteceriam bem ali, em um cruzeiro em alto-
mar. É por isso que, por favor, menina, não se desespere. Tudo pode alterar o
futuro, inclusive você estar sentada a essa mesa comigo. E lembre-se
sempre: você é forte, você é a última, você é uma bruxa, você é poderosa.

— Obrigada, Sra. Moore. Por tudo — friso, ao sorrir. — Por ajudar a minha
mãe Zena, por me ajudar quando bebê, me trazendo minha família e

principalmente, por estar me ajudando agora. Eu não sei o que seria de mim
hoje, se não te encontrasse.

— Bobagem, menina, não precisa me agradecer. Eu te trouxe ao mundo, eu


te peguei no colo, faria qualquer coisa, dentro das minhas limitações, para te
ajudar.
Sorrio, agradecida, e percebo o quão importante essa mulher foi na minha
vida, que me ajudou sem pedir nada em troca, me colocando na melhor
família que eu poderia ter. Ela estava longe esse tempo todo, mas ao mesmo
tempo, muito perto, observando, zelando, cuidando de mim. Se hoje estou
aqui, é por causa da pessoa incrível que foi para Zena.

E o que me conforta um pouco, é saber que, pelo menos antes de morrer,


meus pais souberam o que é ter uma rede de apoio. Eles foram cuidados,
amados.

E eu também fui, por todos eles.

A Gabriella de anos atrás, a que achava ter sido abandonada, fica muito,
muito agradecida e feliz por finalmente saber toda a verdade.

Ela dá tapinhas na minha mão, ao me ver sorrindo, e sei que chegou o


momento.

Valerie toca as cartas por cima, depois decide virar primeiro a do meio.

Prendo o ar.

O mundo fica em completo silêncio.

— Essa é a que eu tanto temia, é a carta da guerra. — Vira-a para mim, e


uma bola de concreto parece se alojar em minha garganta. — Aqui, você
pode ver a areia, as pilhas de corpos, os guerreiros apontando espadas e
duelando. Significa que um caminho tortuoso está chegando e pode
significar tanto uma guerra pessoal, muitas vezes você consigo mesma,
quanto uma guerra no sentido literal da palavra, com luta corporal, sangue
derramado e a disputa final entre o bem e o mal, levando em consideração o
mundo sobrenatural do qual faz parte. — Desliza a carta na mesa até mim e
aponta para o desenho do homem ao fundo, que parece tentar esconder suas
presas. — Ele é um vampiro. Pode significar alguém querendo sugar a sua
alma ou, na sua realidade, sugar e evaporar mesmo todo o seu sangue. Pode
ser Vladimir.
— Ou Levi.

— É, pode ser, não sabemos. — A senhora ajeita seus óculos folgados de


novo e em seguida, parte para mais uma nova carta. Quando a pega em
mãos, se surpreende. E de um jeito... bom. De um jeito tão bom, que me
surpreende e me deixa esticando o pescoço, para tentar flagrar qualquer
coisa que me dê um sinal do que possa estar vendo, mesmo tendo a noção de
que possivelmente, não vou

entender nada. — Gabriella, minha menina, você não vai acreditar. — Joga
novamente a carta para mim, com cuidado. Eu a pego entre meus dedos e a
trago para mais perto do meu rosto, podendo observar os desenhos. Parece
um casal, tipo Eva e Adão, um de frente para o outro, no que parece ser o
paraíso. — Essa aqui, significa romance. Amor verdadeiro. Aquele que é tão
forte e arrebatador, que muitas vezes pode ser considerado proibido. Ele
também promete abalar suas estruturas, te tirar dos eixos e te fazer viver
intensamente, como nunca imaginou viver antes.

— Não sei se ouvir uma coisa dessas é boa ou ruim, diante de toda situação.

— Passo a carta rapidamente para Valerie, e mesmo que eu acredite cem por
cento no seu trabalho e no seu dom, nessa parte, eu não coloco tanta fé
assim. É mais fácil eu acreditar se ela me disser que vou virar um
dinossauro, do que se me disser que vou achar o amor verdadeiro no meio do
turbilhão de loucura que é a minha existência nesse mundo. — Melhor
passar para a próxima, Sra. Moore.

Vamos passar para a próxima.

— Como quiser, querida.

Noto que está mais contente, que está menos tensa e preocupada, como se
acreditasse que tudo fosse melhorar a partir de agora, quando virar e se
deparar com a próxima. Contudo, não é o que acontece. A senhora perto de
mim dá um pequeno sobressalto, seus lábios se abrem lentamente em um O,
que a todo tempo tenta muito não deixar tomar conta, e os olhos ficam fixos
nas imagens, arregalados. E antes mesmo que eu possa fazer qualquer
pergunta sobre o que houve, a carta simplesmente cai da sua mão e vai parar
no chão.

Alterno meu olhar entre a carta e Valerie, mas acabo percebendo que ela não
se mexe, que fica como uma estátua, sem cor, pálida, totalmente branca, com
os seus olhos perdidos por trás das lentes da sua armação.

Vê-la nesse estado, me deixa mais preocupada do que qualquer coisa que
pudesse falar sobre o meu futuro, então me levanto da cadeira em um
ímpeto.

— Sra. Moore? — a chamo, e ela não se mexe. — Sra. Moore? — grito, a


chacoalhando pelos braços. O mesmo olhar, a mesma expressão, o mesmo
desespero. — Pelo amor de Deus, Sra. Moore, o que está acontecendo?
Precisa que eu chame um médico?

Quando vou me virar para buscar ajuda, ela me puxa, ao prender os dedos
em meu antebraço.

— Eu vi — sussurra, amedrontada, quando volta, com o tempo, a se mexer.

Seus cílios se chocam uns nos outros, e parece finalmente me notar de novo.
— Eu vi você, lado a lado com Luca e um outro, extremamente parecido
com ele.

Tinham mais pessoas, era uma luta. Você, Luca e o outro estavam no mesmo
lado,

lutando por um único objetivo. E depois, eu vi... mortes. Muitas mortes.


Corpos caídos no chão, e você entre dois desses corpos, Gabriella. Você
estava ajoelhada, desolada, eu vi lágrimas e ouvi gritos.

Cubro a minha boca com as mãos trêmulas, sem acreditar que teve esse tipo
de visão agora, comigo em sua frente.

— Quem era? — me vejo questionando em agonia. — Quem era no chão,


Sra. Moore? Por que eu chorava?
— Não sei. — Toca o meio do peito, também angustiada, e fico com medo
de que possa passar mal por minha causa, afinal, Valerie é uma idosa, não
tem idade para aguentar passar por certos tipos de emoções. Estou errada,
completamente errada em estar aqui, colocando esse peso sobre ela, como se
não tivesse tido demais em sua vida. — Estava tudo embaçado, minha
menina, me perdoe. A visão só foi capaz de focar em você, não dava para
saber nem se era homem, nem se era mulher, a imagem estava cortada, turva.
Eu não... consegui.

Não consegui mesmo.

— Está tudo bem — a tranquilizo, tentando me manter forte, pelo menos em


sua frente. Se eu continuar lhe mostrando que fiquei afetada com a sua visão,
pode ser muito pior para ela, do que para mim. E eu vim até aqui, invadi o
seu espaço, é o meu dever ir embora e deixá-la bem, mesmo que eu volte
para casa e desmorone.

— Ei, Sra. Moore, olhe para mim, está tudo bem, fiquei assustada, mas
entendi que é uma visão. As visões têm diferentes interpretações, certo? Não
foi isso que me disse? E também é como a senhora mesmo falou, o futuro
pode ser alterado, qualquer coisa que fizermos, mesmo que mínima, pode
impactar mais lá na frente, e se pensarmos assim, talvez o que viu, nem se
concretize. Vou trabalhar nisso, não vou deixar que nenhuma pessoa que eu
amo, morra.

— Sim. — Escuto o som da sua respiração se controlando e observo seu


rosto voltar à sua cor natural. — Mas...

— Não há problema — insisto, para que não tenha dúvidas. — Eu estou


acostumada com ameaças, com vampiros querendo minha cabeça, não caí da
outra vez, não é agora que cairei. Zena me deixou sua herança de força, e
enquanto eu estiver aqui, lutarei, não vou deixar o caminho fácil para
ninguém. Eu prometo, Sra. Moore. A senhora confia em mim?

— Confio. — É o que eu precisava escutar. — Confio, menina. Algo em


mim está me avisando que você vai... consertar tudo.
Espero muito que seja uma verdade e que ela entre na minha cabeça de
alguma forma.

— Algo em mim também me diz isso. Acho que é a nossa conexão fluindo.

— Sim, é isso mesmo.

Eu sorrio, me aproximo da sua bochecha e a beijo, como agradecimento.

— A senhora vai ficar bem? — Faz que sim, ao pôr suas mãos em cada lado
do meu rosto. — Certo, eu preciso ir agora, mas saiba que continuarei
voltando para vê-la. Agora não precisará me ver crescer de longe, farei
questão de me manter por perto.

Seus olhos ficam pequenininhos e com lágrimas.

— Apareça — pede. — Venha me trazer tortas. Você e a sua irmã.

— Sim, sim, pode deixar. Ficaremos batendo papo aqui com a senhora, até
enjoar de nós.

— Não, não, isso nunca. — Ri. — E qualquer coisa que acontecer, não deixe
de vir aqui. Se precisar da minha ajuda, este lugar também pode ser o seu
refúgio.

Meu peito se enche de amor e carinho.

— Mais uma vez, muito obrigada, Sra. Moore. — Me afasto, pego a bolsa
que tinha colocado em cima de uma outra cadeira, e, antes mesmo de eu me
dar conta, ela já está em pé. — Não, é melhor a senhora ficar aí, eu posso,
sem problema algum, ir até a porta sozinha, não quero fazê-la se esforçar
mais do que já se esforçou comigo aqui.

— Deixe da bobagem, eu posso caminhar até a minha porta, não estou


morta, só velha.

É, bem que os vizinhos dizem que Valerie Moore é uma força da natureza,
capaz de fazer tudo sozinha, sem depender de ninguém.
E ao abrir a porta para mim, ela se despede com mais um beijo.

— Você vai ficar bem, querida. Vai dar tudo certo.

Assinto, com os lábios erguidos em um sorriso contido, e fico em sua


varanda até vê-la fechar a porta. Quando isso acontece, desço os pequenos
degraus e começo a andar rápido, sabendo que preciso ir para outro lugar de
forma urgente.

Meus passos são certeiros, me levam à outra casa, no que parece ser menos
de um minuto.

Minhas mãos com os punhos fechados também são rápidas, pois começam a
bater desesperadamente na porta de Luca, assim que meus pés se estagnam,
agora em sua varanda.

Para a minha sorte, ele também é rápido em abrir e me olhar com uma
expressão de quem acabou de acordar, e não está entendendo nada.

— O que foi? — A voz é grave, preocupada, e eu fico, na minha cabeça,


tentando encontrar a melhor forma de falar. — Nossa, Gabriella, o que
aconteceu que você parece tão assustada? — Olha por cima de mim. —
Cadê a Evelyn?

— Ela está bem. — Seguro seu ombro, para fazer com que pare de procurá-
la. — Ei, olha para mim, deixei a Evelyn dormindo em casa, está tudo bem.
O

assunto não é sobre ela, é sobre mim. Sobre nós. Eu, você e Levi.

— Levi? — Dá para ver que, quando se segura na porta, segura com muita
força, porque o local fica um pouco amassado. — Não me diga que aquele
desgraçado apareceu.

— Ele apareceu — conto de uma vez. — Ontem, quando saí com Cody, Levi
apareceu. — Abraço meu próprio corpo, sentindo o frio da manhã de
Emerald Grave me atingir. — Resumindo a história, ele não quer mais me
matar, ele quer me deixar viva, para que eu consiga fazer para ele o mesmo
colar que você usa, e aí, em troca, vai nos dar informações sobre Vladimir
Vampir, que quer desfazer a maldição para se tornar um humano e, para que
isso aconteça, precisará do sangue de uma Salazar e de todos os elementos
que mantêm esse feitiço ainda funcionando, que no caso é Vladimir, você e
Levi. Basicamente, estamos todos perto de morrer, tipo, bem perto mesmo.

— Entre — diz, com o maxilar trincado. — Entre, porque essa história não
está fazendo sentido nenhum, Gabriella.

Passo por Luca, entro em sua casa e ouço quando fecha a porta, e vem até
mim.

Giro nos calcanhares para podermos ficar frente a frente.

— Não é mentira — afirmo com convicção. — Eu também achei que fosse,


não dava para confiar em Levi, não depois de tudo. Mas agora eu sei. É
verdade. A Sra. Moore acabou de me contar.

Nada do que eu falo, ajuda a esclarecer suas dúvidas, só faz aumentar,


percebo.

— Sra. Moore? — A cabeça de Luca tomba para o lado. — O que nossa


vizinha tem a ver com isso?

— É uma longa, longa história.

Abro a minha bolsa e pego o meu diário de dentro, para, primeiramente,


mostrar a ele sobre Valerie e depois sobre tudo o que descobri nas últimas
horas a respeito de nossas vidas.

Quando eu digo que a história é longa, é porque ela é mesmo.


Após três dias em Emerald Grave, tenho certeza de que o meu irmão já sabe
sobre mim.

Até porque, dessa vez, não é como se eu estivesse tentando me esconder. A


cada esquina, estou lá, andando tranquilamente. Algumas pessoas, mais
especificamente jovens, já vieram me parar e me cumprimentar, porque se
confundiram, achando que era o Luca. A essa hora, dentro de uma cidade
minúscula como essa, em que todos se conhecem, a notícia já deve ter se
espalhado muito rápido, como um vírus que contamina a todos.

Isso se a própria Gabriella já não lhe contou em primeira mão naquela noite
mesmo ou no dia seguinte, mencionando minha aparição e as informações
sobre Vladimir, que trouxe comigo e só joguei em seu colo. A bruxa
provavelmente deve ter falado sobre a festa, sobro o nosso passeio e sobre a
cabana na montanha, que a fiz conhecer à força.

Espero muito que tenha tocado nesse ponto, a propósito, porque tentei muito
me ajustar naquele lugar em meio à floresta, no entanto, depois de já ter
passado tanto tempo na companhia de Larkin e Devon, seja referente à outra
vez que viemos juntos ou seja referente à nossa última estadia naquele
quartinho na beira da estrada de outra cidade, fiquei simplesmente cansado
de dividir lugares pequenos com aqueles dois, então disse, hoje mesmo, há
poucas horas, que eles

podiam desfrutar daquele lugar sozinhos, porque eu estaria me mudando


oficialmente para outro lugar na cidade, uma casa digna, grande e espaçosa,
do jeito que preciso e estou merecendo, depois de ter passado por certos
tipos de perrengues com os meus amigos, como se eu fosse um homem
pobre qualquer, sendo que não é bem assim.

E é até bom que Luca já tenha ciência da minha presença, pois a casa para
onde estou me mudando é, na verdade, a dele.

Fui convidado? Não, porém, apesar das nossas diferenças, ele é meu irmão, e
o que é dele, é meu.

Gostando ou não, não posso passar dificuldades por causa do seu egoísmo,
ele tem que aprender a dividir e tem que aprender a lidar comigo daqui por
diante.

O melhor para ele, para a sua namoradinha e principalmente para a sua


amiga bruxa, é que eu me mantenha sempre por perto.

Se eu estiver longe, como poderei ajudá-los de forma rápida e eficiente?

Na minha cabeça, parece uma ideia genial, só preciso falar isso olhando
para a cara dele agora e espero que não me mate, penso, quando já estou
parado na sua porta com uma mochila nas costas, contendo minhas roupas e
minhas coisas mais importantes.

Está prestes a chover, com o céu cinzento acima de mim, mas ando mais
rápido, para poder me cobrir em sua varanda. Parado nela, fico sem saber se
entro como um vampiro ou se ajo como um humano normal, que esperaria
até que viesse me atender.
Pondero as duas opções e por mais que eu saiba que os meus poderes de
vampiro são muito mais divertidos, não posso perder a oportunidade de
flagrar a sua cara, quando escutar a campainha, vir abrir a porta e perceber
que sou eu. Não para uma visita, não para uma conversa, não para uma
discussão, como seria o normal, e sim para morar.

Morar.

Luca vai surtar.

É, Larkin, amigo, acabei de rimar também.

Umedecendo os lábios, faço o que vai ser mais impagável, eu aperto o dedo
na sua campainha e o deixo pressionado ali por alguns segundos, para que
ela soe e chegue de forma estridente e insuportável aos seus ouvidos. Ouço,
com os meus ouvidos de um bom ser sobrenatural, quando Luca murmura lá
dentro, por causa da minha insistência, ao passo que começa a se
movimentar, descendo as escadas.

No próximo segundo, ele já está destravando a tranca, abrindo a porta e...

isso mesmo, se deparando comigo sorrindo. E com a palma de uma das


minhas

mãos virada para ele, em uma forma que encontro de dizer olá, sem soltar
nenhuma palavra.

Também contém sarcasmo, ironia, porém o que posso fazer, se esse é meu
jeito de ser?

Posso estar puto por dentro, entretanto estarei sempre matando meu inimigo
com um sorriso ou uma provocação. E fazer isso com Luca funciona... hm,
bem, desde sempre.

Gosto que, comigo, perde a paciência fácil, fácil.

— Olá, irmão. — Faço uma continência de dois dedos e continuo com a


minha pose inabalável, enquanto o meu gêmeo parece respirar fundo umas
quinhentas vezes, só para ser capaz de se controlar. — Quanto tempo, não?
—O

olho de cima à baixo. — Ei, cara, calma, eu não sou uma bandeira vermelha
sendo balançada na sua frente, para você me olhar assim, como se fosse um
touro de desenho, que sai fumaça. Se bem que... posso até ver um par de
chifres na sua cabeça. Foi a Evelyn quem meteu um desses aí? — Com o
queixo, aponto para o topo da sua cabeça.

Nada.

Luca não responde nada.

Num segundo, ele está me encarando, como se realmente fosse se arremessar


para cima de mim, e no outro, quando me dou conta, está fechando a porta
da sua casa e me arremessando na parede, minha mochila com as roupas
rolando para o lado.

Na mesma hora que eu caio, eu me levanto, o empurrando de volta com as


minhas mãos presas na gola da sua camiseta, o prensando com toda força
contra a parede oposta a que eu caí.

— Você tem que parar com essa mania terrível de me cumprimentar dessa
forma, maninho — ironizo a última palavra, e Luca praticamente rosna para
mim, querendo sair do meu aperto. — Credo, isso foi só por que eu apareci
ou por que falei da sem sal da sua namoradinha? — Lambo os lábios,
tentando evitar rir. —

Falando nela, por onde anda? Evelyn Sutton já soube, pela minha bruxinha,
que estou de volta?

— Você deve estar adorando tudo isso, não é? — Me empurra, só que dessa
vez, é fraco, para me afastar. Luca parece com raiva, inconformado, e já
posso imaginar que está falando de Vladimir. Está na cara que sabe, como
suspeitei. —
Está adorando que encontrou um motivo para se aproximar, para ficar perto
de mim, da Gabriella e da Evelyn a pulso, porque acha, na sua cabeça, que
vai ser útil para nós. E não pense que Gabriella não me contou, ela contou
cada detalhe do que você fez e falou com ela. Até a porra do meu colar, você
fez questão de

descobrir sobre, para querer um? — Nem percebe, contudo, já está em


minha frente de novo, com as veias abaixo dos seus olhos aparecendo, o
ódio crescendo à medida que me encara. — Você é um idiota, um invejoso
do caralho. Por qual motivo maltratar a menina assim, não acha que já fez
demais, não? Matando toda a família dela e quase entregando o mesmo
destino à irmã?

— Não sei do que está falando. — Jogo os ombros para cima e para baixo.

— Eu estou aqui para ajudar, não estou aqui para maltratar ninguém, apenas
Vladimir. Inclusive, ouviu falar dele ou também quer que eu te conte a
historinha?

O osso na mandíbula do meu irmão salta para fora, e ele fecha as mãos ao
lado do corpo.

— Ela disse que vai procurar o feitiço, porque, de um jeito que não te
interessa, descobriu que estava falando a verdade e precisa que você solte
mais coisas que possam ajudá-la a montar seu plano para se manter salva. —
Mais outro passo, e Luca parece mesmo como um touro, alto, forte,
indomável. Só é capaz de ficar desse jeito, quando se trata de mim. — Sério,
fico me perguntando como você pode não sentir um remorso sequer. Fico me
perguntando, dia após dia, como foi que o meu irmão se tornou isso aí, esse
monstro que só sabe chantagear, ameaçar e tirar vantagem da
vulnerabilidade dos outros para seu próprio benefício.

Você é incapaz de ter empatia, incapaz de mostrar sentimentos e mesmo que


esteja tentando sustentar uma pose de bonzinho para cima da Gabriella, é só
mais uns dos seus truques filhos da puta, para mexer com o psicológico da
menina, que já está abalado o suficiente, por ter que se preocupar com mais
uma ameaça. E ainda vem aqui, aparece na minha casa depois de tudo, com
essa cara lavada e cínica, achando que vou pegar leve, só porque deu sua
palavra de que trabalharia para derrotar Vladimir.

Entreabro os lábios, pois penso que, agora que parou de falar, é o meu
momento para quebrar o clima, mas sua raiva é incapaz de mantê-lo calado
por mais do que segundos, já que provavelmente tem uma infinidade de
coisas guardadas, necessitando serem jogadas na minha cara. É perceptível,
só pelos seus olhos, o tamanho da sua decepção, mágoa, vergonha, tristeza e
desprezo por mim.

De nós dois, ele sempre foi o gêmeo mais expressivo e verdadeiro, nossa
mãe costumava dizer que Luca seria um garoto de ouro até o fim de sua
vida.

— Você tentou tirar de mim a garota que eu amo duas vezes. Duas — dá
ênfase, ao erguer os dedos. — No cruzeiro, quando ela era só uma criança, e
há pouco tempo, quando resolveu executar sua ideia estúpida de que Evelyn
era a Salazar sobrevivente. Você não foi capaz nem de pensar em mim, no
seu irmão, na dor que me causaria. Você só soube pensar no seu ego, na sua
vingança, no ódio e no monstro que deixa te consumir. Ou você acha que
não posso imaginar que quer

o colar, porque, no fundo, no fundo, ainda é um só um garoto medroso,


indefeso e que não sabe nem um pouco como se controlar, mesmo tendo
passado tantos malditos anos? — Quando o vejo rir sem humor nenhum,
claramente me tirando de palhaço, um fogo ardente começa a crescer em
meu interior, querendo queimar o resto de sanidade que tenho, para me
controlar. Também travo o maxilar, ficando ainda mais parecido com ele. —
Você é um fingido e manipulador do caralho, que nem para pedir ajuda
consegue, tem que contornar toda uma situação, só para continuar bancando
o vilão. Eu também sou um vampiro amaldiçoado, Levi, eu sei o que é capaz
de sentir, eu sei toda a dor, toda a tortura, todo o controle que simplesmente
se esvai das nossas mãos.

É a minha vez de rir anasalado e apertar o meio do nariz.


— Você não sabe de porra nenhuma, Luca! — ralho. — Você sempre foi o
preferido dos nossos pais, sempre foi o carinhoso, sempre foi o bondoso, o
gentil, o educado, o que tinha um futuro brilhante, que nem mesmo o mundo
sobrenatural e o monstro que veio com a gente, foi capaz de engolir.
Enquanto eu estava me fodendo, você continuava brilhando, exalando
bondade, querendo perdoar a todos, como se simplesmente não tivessem
destruído as nossas vidas. Eu estava pedindo socorro naquela hora, e ao
invés de você me ouvir e ficar ao meu lado, você foi o primeiro a me virar as
costas, só porque não queria compactuar com as minhas decisões. E mesmo
que eu continuasse te chamando, você continuava me afastando. Quer me
tirar de monstro, de vilão, mas na última oportunidade, quando te dei um
ultimato e pedi que escolhesse o caminho que você queria seguir, continuou
insistindo no caminho contrário. Tudo o que você fez nesses 148 que
existimos, foi me chutar, me chutar e me chutar. Não quis me ajudar em
absolutamente nada. Nada.

— Claro, Levi, você estava matando inocentes, fazendo vítimas pelo mundo!

— grita de volta. — Queria que eu ficasse ao seu lado como? E porra, da


última vez, você estava pedindo para que eu escolhesse entre salvar o amor
da minha vida ou matá-la. Acha que faria algo do tipo? Por favor, isso só
mostra o quanto não me conhece e o quanto não se importa com ninguém,
além de si mesmo, porque não pensou nem por um momento, na minha
felicidade.

— Felicidade? — Remorso desliza por toda a frase, e destruo qualquer tipo


de distância que estávamos mantendo. — Não acredito que quer mesmo falar
de felicidade. Quando foi que pensou na minha? Você achou esse colar, você
soube se controlar e viver tranquilamente, agora pergunta quando foi que
chegou para me contar e dizer que podia fazer o mesmo por mim, se eu
quisesse? Não sei se sabe o significado de egoísta, mas para mim, isso que
fez por todos os anos, é ser egoísta.

Mas está tudo bem, eu conheço o seu tipo, Luca. Você sempre vai querer ser
o
único, você sempre vai querer poder se olhar no espelho toda manhã, bater
no peito e dizer em voz alta que é muito melhor e muito superior a mim no
quesito caráter e escolha de vida. Seu maior prazer é viver sabendo que,
enquanto tem tudo, eu não tenho nada. — Encontro forças para empurra-lo,
fazendo-o cambalear para trás. — E quer saber? Foda-se você, sua vida
perfeita e o seu amor verdadeiro. Estou pouco me lixando, eu não dou a
mínima, não me atinge. Minha vida está ótima, adoro ser esse vampiro que
sou, e você vai ter que me aturar por muito, muito tempo, porque não
pretendo sair dessa cidade tão cedo.

Ando para pegar minha mochila e quando a coloco em um dos meus ombros,
cruzo os braços, percorro as minhas írises por cada canto da sua casa e mudo
minhas expressões, assumindo novamente o meu sorriso.

— Espero que tenha separado um quarto para o seu irmão favorito, já que é
aqui que vou morar.

— Você só pode estar de brincadeira, Levi.

— Gostaria que eu estivesse, né? Eu sei, mas não estou. Trouxe as roupas
que vou precisar, trouxe meus amigos comigo, Larkin River e Devon Mars,
acho que os conhece, e claro, as informações que precisamos para
derrotarmos Vladimir Vampir, quando o momento chegar. Porque, querido
irmão, é para isso que estou aqui, para derrotá-lo, para fazê-lo entender que
ninguém ameaça um Vodrak e sai ganhando, e para ajudar minha bruxa a
fazer os feitiços que eu quero, não tem nada a ver com resolver nossas
pendências do passado. Essa barreira entre nós sempre existirá, de qualquer
forma.

— Não existiria, se você tivesse seguido o caminho certo.

— Quem que pode me dizer qual que é o certo e o errado? — pergunto. —

Você? — Bufo e depois de um tempo, respiro fundo. — Deixa eu te contar


uma coisa muito importante, maninho. Só porque você está certo, não
significa que eu estou errado. Você apenas não viu a minha vida pelo meu
ponto de vista e não sentiu na pele o que eu senti. Se tivesse sentido, seu
discurso seria completamente diferente. A vida é assim, toda história possui
dois lados, e o vilão só é vilão, quando ouvimos a história do herói. Se
ouvíssemos a do lobo mau, por exemplo, tenho certeza de que a
Chapeuzinho Vermelho não seria tão inocente assim, então cuidado para não
estar cometendo uma injustiça.

— É cansativo — solta e me dá as costas. — É simplesmente cansativo


tentar conversar com você, Levi. Esse é seu problema, você é incapaz de
admitir os seus erros.

Dou de ombros.

— Não estou vendo você admitindo os seus.

— O único erro que eu cometi, foi não ter matado você quando tive a
chance, garanto que teria poupado muito sofrimento.

— É — concordo, tentando ignorar a pontada que sinto ao ouvir sua


confissão. Não estava esperando nada assim tão... dramático. — Você tem
um bom ponto, irmão, mas, se não fosse por mim, você não teria encontrado
a Evelyn, já parou para pensar? — Seguro a alça da mochila com uma mão e
coloco a outra no bolso da frente da minha calça, o vendo buscar a primeira
garrafa de bebida que encontra no armário daqui da sala. Ele vira uma boa
dose do conteúdo âmbar em sua boca. — E a Gabriella não teria encontrado
a mãe Leah, o pai Elliam e nem a irmã mais nova. Não teria ficado em
Emerald Grave, não teria feito os amigos que fez e não teria testado mais o
seu lado bruxa, só porque sabia que eu estava a caminho. O certo e o errado
novamente se divergem, porque, para mim, fica nítido que tenho uma
parcela de importância no destino de todos vocês. No fim, deveriam me
agradecer. Por antes e agora, que resolvi trazer a informação sobre o
sacrifício de Vladimir.

Não estou mentindo ou exagerando, é verdade, parece que as coisas tinham


mesmo que acontecer dessa forma.

— Você sabe que não poderia lutar sozinho, por isso veio. Você é esperto,
Levi, cada passo seu é calculado para, lá na frente, ganhar. Acho que acabei
de entender todo o seu plano.

Como vejo Luca se sentar no sofá, eu vou até ele fazer o mesmo.

Jogo a minha mochila na primeira cadeira que noto pela frente, depois me
sento ao seu lado e, quando percebo que vai beber mais um gole do álcool,
eu roubo da sua mão.

— Fale aí, espertão, qual que é?

Bebo direto do gargalo e faço uma careta pela queimação, e por meu gêmeo
puxar a garrafa de volta.

— De um jeito ou de outro, Vladimir iria te encontrar, e para ficar mais


forte, pensou: hm, por que não me juntar àqueles idiotas, pelo menos lá, tem
outro vampiro forte com aquele colar e uma bruxa Salazar — imita a minha
voz e até usa dos meus trejeitos, o que me deixa puto, porque está horrível.
Se é assim que os outros me veem, é melhor eu me matar logo de uma vez,
preciso nem esperar Gabriella ou Vladimir. — E aí, claro, você pensou que
não podia vir aqui e agir com bondade, nos contando o que estava se
passando e logo em seguida oferecendo ajuda, pois jamais seria do feitio de
Levi Vodrak se solidarizar assim com os outros. E inteligente como é, viu o
colar como a desculpa perfeita para ameaçar Gabriella e jogar essa de que
poderia dar respostas em troca do feitiço, em troca de sua liberdade, só para
não ficar tão feio e dar tão na cara que precisa

tanto de nós quanto, suspostamente, precisamos de você. O colar não deve


ter sido tão importante assim, ou foi desculpa para esconder que está
morrendo de medo ou resolveu incluir inveja junto do pacote.

— Eu acho que você que está com inveja — acuso e desdobro o assunto,
para que continue com suas dúvidas, sem nenhuma necessidade de precisar
receber uma pista minha. — Por quê? Não quer que eu também possa andar
ao sol? Quer ser o único? Isso também configura egoísmo, só para você
saber.
Me viro para o meu irmão, que, ao mesmo tempo que é tão parecido comigo,
é tão diferente. No rosto, no estilo, na personalidade.

— Todo vampiro pode andar no sol, Levi, contanto que use óculos. O que
nos impede são nossos olhos, que ficam mais sensíveis e parecem que vão
explodir. O colar só protege contra isso, não faz mágica.

— Não minta, eu sei de toda a verdade. — Ergo uma única sobrancelha em


desafio. — E não sei se você sabe, mas esse colar aí foi de uma vampira,
enfeitiçado por uma bruxa. Você tirou a sorte grande.

— Gabriella também me contou essa parte da história que conversaram.

— Pelo que percebi, Gabriella tem uma boca bem grande — comento.

— Ela também disse que, se eu te visse, não era para te matar, porque quer
ver o que vai dar. Disse que quer pagar para ver.

Balanço a cabeça para cima e para baixo, assentindo.

— Matar não podia, mas quase matar estava valendo, certo?

— Não conversamos sobre isso, e acho que ela também nem vai ligar, eu
precisava, de algum jeito, descontar a raiva. Não é muito fácil lidar com a
sua cara.

— Sério? — Assobio. — Engraçado, é a mesma que a sua.

— Há, há, há. — Luca me fulmina. — Tem um minuto para se levantar,


pegar essa sua mochila de Dora Aventureira e ir embora.

— Cara, acho que você não entendeu, estou falando mesmo sério, vou morar
aqui.

— O caralho que vai.

Além de Luca não ser fácil, ele ainda é difícil.


— A ideia já entrou na sua cabeça, você sabe que é verdade, só aceite,
maninho. Nós somos parceiros agora, temos que tomar conta da vida um do
outro.

Nada melhor do que fazermos isso morando sob o mesmo teto. — Dou de
ombros.

Luca abaixa a cabeça e massageia a testa.

— Não acredito que isso está acontecendo — murmura para si mesmo.

— Ah, está sim. — Me levanto e, pela segunda vez, passeio com meus olhos
pela casa, para conhecê-la. Depois de perceber que é um lugar como esse
que eu

estava mesmo precisando, volto a encarar Luca, que segue de cabeça baixa,
como se estivesse rezando. — Agora que estamos conversados, e você está
mais calmo, poderia me mostrar meu quarto? — Ele segue em silêncio. —
Eu também fiquei do mesmo jeito, quando percebi que teria que me
aproximar de vocês, mas daqui a pouco, você supera e faz que nem eu,
começa a esquecer do passado e foca no futuro, para que as coisas
aconteçam rápido, e assim, nunca mais precisemos nos ver.

Luca ergue o olhar, mas não tenho certeza se ele permaneceria no seu
silêncio mórbido ou se me responderia, porque nós dois paramos e
prestamos, ao mesmo tempo, atenção no que acontece lá fora, nossos
ouvidos captando uma movimentação.

Poucos segundos depois, quem está lá fora toca a campainha e bate na porta,
simultaneamente.

Sinto o cheiro.

O cheiro dela.

De outra pessoa também, porém é nela que foco toda a minha atenção.
— É Gabriella — Luca me diz o que eu já sei, se levantando e se colocando
ao meu lado. — Ela e Evelyn. Tínhamos marcado esse horário para falarmos
sobre o que faremos com Vladimir.

— Oh, ótimo. Reunião de grupo. — Retorço os lábios de canto. — Enquanto


você as recepciona, vou lá em cima guardar minhas coisas e mandar uma
mensagem para os meus amigos, porque eles também farão parte dessa
missão.

Quanto mais vampiros, melhor.

Tenho certeza que ele me xinga, porém estou ocupado demais subindo as
escadas da minha nova casa.
— Nossa, que demora pro Luca atender. O que será que ele está fazendo?

Evelyn Sutton soa ansiosa, apertando seu dedo na campainha de novo.

Eu já disse para ela ficar calma umas cinco vezes, isso só desde que
chegamos, o que não deve ter nem um minuto, e me recuso a ter que falar de
novo.

A garota está assim desde que saímos de casa, ou melhor, desde que eu, há
três dias, resolvi contar o que estava acontecendo com Levi e Vladimir, tanto
para ela quanto para o seu namorado, que a chamou para sua casa pouco
tempo depois de eu ter revelado sobre a Sra. Moore, nossa vizinha anciã e
vidente, para que ambos se inteirassem sobre as novidades juntos.

E a princípio, eu não sabia dizer se a minha irmã tinha ficado mais assustada
com Valerie, que, segundo sua cabeça pensante, imaginava que a senhora já
estivesse caducando, ou se ficava assustada com o sacrifício que Vladimir
estava desejando fazer, junto da oferta que Levi Vodrak estava nos
oferecendo, acerca do colar.

Ela ficou e ainda está muito preocupada, a revelação foi como um baque
para Evelyn, afinal, mesmo que eu estivesse e ainda esteja, escondendo a
visão final de Valerie, nem ela, nem nenhum de nós, estava esperando por
algo assim.

Esperávamos sim, uma luta com Levi a qualquer momento, isso é fato, mas
não

uma aproximação, embora forçada, e que nos deixava, teoricamente, à mercê


dele.

Porque nós sofremos o pão que o diabo amassou, tanto quando ele quase a
matou, junto de sua melhor amiga, tanto quando foi embora, nos deixando
um monte de dúvidas, medos e inseguranças, já que não sabíamos quando
podia voltar para terminar seu trabalho.

E agora ele estava de volta, entretanto não para terminar o trabalho, e sim
para começar um novo. Um que inseria a todos nós. Um que me usaria de
isca, porque quer a merda de um feitiço no colar e não vai falar o que sabe,
até me ver progredindo na minha procura.

Por isso, que eu também disse à Evelyn e a Luca que, não importava o que
ele fizesse ou falasse, tivessem paciência. O gêmeo mau, como é conhecido,
por mais que tenha essa fama e seja um vampiro odioso, ele ainda tem muito
conhecimento, e talvez, se eu conseguir domá-lo e tratá-lo da maneira certa,
ajude muito mais do que atrapalhe.

Só o fato de ter que ficar perto dele, tratando-o como se estivesse tudo bem,
me deixa louca e me mata por dentro, porém há uma guerra chegando, e, de
qualquer forma, Sra. Moore disse que ele estava lutando ao nosso lado.
Preciso ver com meus próprios olhos até que ponto podemos confiar nele.
Provavelmente, até um ponto bem pequeno, mas ainda é alguma coisa, e se
ele quer o colar, vai precisar de mim também.
Como disse na cabana, não dá, nesse momento, para trairmos um ao outro.

Essa parte ainda não entrou muito na cabeça de Evelyn, é por isso que está
desse jeito, tocando a campainha do seu namorado pela terceira vez
consecutiva.

— Se você tocar a campainha mais uma vez, ela vai explodir.

— E se Luca não aparecer agora, ele quem vai explodir.

— Quem vai explodir quem? — A porta é aberta, o revelando.

Posso muito bem ouvir o suspiro de alívio dela, que corre para abraçar o
namorado.

Reviro os olhos, porque a sua expressão de brava some no instante em que


está nos braços de Luca.

— Fiquei preocupada — diz, enquanto o olha. — Achei que tivesse


acontecido alguma coisa.

Luca coça a nuca, e parece que algo não está certo.

— O que? — Evelyn logo percebe. — Céus, o que foi? Descobriu mais


alguma coisa, viu alguém? — Pela fresta da porta, tenta espiar a casa.

Uma lufada de ar densa escapa por entre os lábios do meu cunhado, e antes
de responder o que está havendo, bagunça os fios do seu cabelo de forma

impaciente.

— Levi está aqui. — As palavras se embolam em sua língua e quase não dá


para entende-lo, porque fala rápido, entretanto, meu coração entende melhor
do que meu cérebro, pois dá uma guinada forte em meu peito, ao
compreender o nome. Levi. E ele está aqui. — No andar de cima, mais
especificamente. Está se instalando em um dos quartos.

Evie e eu arregalamos os nossos olhos, à medida que trocamos olhares.


— Espera. — Levanto a mão no ar, tentando entender. — Isso significa
que...

— Ele vai morar aqui — Luca fala por mim, e meu coração acelera um
pouco mais. — Pelo tempo que for necessário.

— Você o... convidou? — embasbacada, Evelyn quase grita. — E que merda


estava pensando quando fez isso?

— Pelo amor de Deus, amor, você acha que Levi Vodrak precisa ser
convidado? Ele não tem escrúpulos, ele faz o que ele quiser e não está nem
aí.

— Mas essa casa é sua! — é minha vez de mostrar minha indignação. —

Mande-o embora, chute-o para fora, não dá para simplesmente tê-lo na nossa
vizinhança assim. E não tem nem sentido Levi estar aqui, se me disse que
estava ficando na cabana em Locker Gray. Deve ser por pirraça, só para nos
provocar, para nos tirar do sério.

— Quando ele veio, também pensei assim, mas depois, na minha cabeça,
percebi que não posso me opor. Não é melhor tê-lo debaixo das minhas
vistas, do que longe?

— Sim, porque aí vocês dividirão o mesmo ambiente, e você poderá vigiá-lo


praticamente o tempo todo — penso alto, quando me dou conta. — Se ele
agir de forma suspeita, Luca poderá perceber e ser o primeiro a intervir. —
Me viro para Evelyn, que tenta permanecer sem esboçar nenhuma reação. —
Vai ser um mal necessário — aviso a ela. — Não temos o que fazer, a ideia é
péssima, a vontade de matar ele é grande, porém se quisermos deixar todo
mundo vivo, é o único jeito.

— Tá. — Revira as írises azuis por trás das lentes de seus óculos. — Mas se
ele pensa que vou tratá-lo bem, está muito enganado.

— Nem o irmão dele trata ele bem, quem dirá a gente.


— Como se Levi se importasse com isso. — Luca está prestes a se virar, mas
antes, pega a mão da namorada. — Vamos entrar, é melhor. Nós
conversamos e tentamos tirar todas as dúvidas. Sem matarmos uns aos
outros, claro.

— Claro, trataremos tudo civilizadamente — garanto.

Pelo menos, é o que eu espero.

Afinal, estou aqui para me proteger, não para brigar com Levi, por mais que
ele mereça. Até porque também, o foco nem é esse agora. No futuro, tenho
certeza que o carma vai agir, e ele vai ter o que merece, e se esse momento
do hoje não é o momento certo, então que Vladimir Vampir passe na frente e
receba o seu primeiro.

Estou com medo? Com certeza, contudo, ainda estou pensando no que
prometi à Sra. Moore, repetindo a mim mesma todos os dias, como se fosse
o meu mantra.

Sou forte, como mulher e como bruxa, no que depender de mim, farei o
possível e o impossível para garantir que nada nos aconteça.

Se eu preciso conviver com aquele arrogante bad boy e fingir ser pacífica
para ter o que quero, vou fazer, não tenho alternativa.

Não que eu vá aceitar tudo calada, claro, mas tentarei me comportar bem.

Isso é, se ele se comportar também, ficar na sua e não encher a minha


paciência.

O que você deve duvidar que aconteça, Gabriella, a voz chata no meu
subconsciente resolve atormentar o meu juízo, quando resolvo entrar na
casa, atrás do casal.

Cruzo os meus braços, olho para eles andando à minha frente e quando ouço
um barulho na escada, no andar de cima, minhas írises automaticamente,
sem eu nem pensar, se erguem, esbarrando com as írises escuras de Levi, que
está descendo e já de olho em mim. Ele esboça um pequeno sorriso de lado,
uma pequena ação que já é capaz de me irritar e de me dizer que não adianta,
nem mesmo que eu tente muito, muito, vou conseguir suportá-lo com
facilidade, afinal, o cara é um imbecil arrogante e prepotente do cacete, para
dizer o mínimo. Você olha para ele e consegue perceber como se sente o
dono do pedaço, o rei, o indispensável, e até mesmo aqui, nessa casa que
nunca pisou os pés, já age como se fosse tão sua, quanto é de Luca, dá para
notar pelo modo como faz das escadas sua passarela, seu principal palco
para descer e fazer seu showzinho particular.

Com todas as letras, é um canalha.

Um canalha que está usando a sua típica e indispensável jaqueta de couro, e


essa parece outra, já que a anterior, eu tive o prazer de rasgar, com os fios tão
pretos quanto penas de corvos propositadamente bagunçados em sua cabeça,
naquela pegada que acredita gritar : ei, pessoal, olha só, acabei de acordar e
vim assim mesmo, porque sou sexy sem precisar fazer esforço, diferente de
vocês, meros mortais idiotas.

— Olá, bruxa — me cumprimenta, ao descer o último degrau, passando seus


olhos rapidamente por mim, porque prefere destilar seu veneno para cima da
minha irmã, já que é a primeira vez que estão frente a frente, depois do
ocorrido.

— Olá, querida Evelyn, que prazer revê-la. Que prazer poder ver com meus
próprios olhos que está tão... — Parece procurar as palavras certas. — Viva.

— Não se dependesse de você, suponho — ela alfineta, mantendo um sorriso


que não tem nada de dócil.

— Aquilo foi um grande equívoco, cunhada, você não tinha absolutamente


nenhum envolvimento com a brincadeira, e mesmo assim, te assustei. Não
foi minha intenção.

— Me assustar? — Sutton ri pelo nariz e quando avança para Levi, Luca fica
ao seu lado, segurando o seu braço. — Você sequestrou a mim e à minha
melhor amiga, nos levou para a igreja abandonada de Dantown, onde
aconteceu um massacre, e como se não fosse terrível o suficiente, ainda nos
pendurou, amarrou nossos pulsos com cordas e colocou fogo abaixo de nós.
Não causou isso para nos assustar, causou isso para nos matar. Queria que
morrêssemos queimadas vivas, como se fôssemos bruxas na idade média.

— Nossa, qual é, você falando assim faz até parecer que sou realmente um
monstro da pior espécie. Já disse, foi um equívoco, eu errei e exagerei na
brincadeira, estava em um mau dia, não sabia muito bem o que estava
fazendo. —

Na maior atuação cínica, a qual parece dominar muito bem, Levi para bem
em frente à Evelyn, toca o meio do peito, faz um bico e pisca os cílios,
tentando passar um ar inocente. Rá! Fala sério, até parece que conseguiria.
— Achei que já tivesse superado, sabia? Nós somos praticamente família, e
eu fui tão generoso com você.

Te deixei completamente livre para viver seu romance patético e fui focar na
sua irmã.

— O que foi, basicamente, a pior decisão que poderia tomar — Evelyn


continua o enfrentando. — Se você passa a ameaçar a Gabriella, é como se
estivesse me ameaçando também.

— Owwwn. Você viu só, Luca? — Um gêmeo encara o outro, e enquanto um


parece se esforçar para não deixar a raiva assumir, o outro se esforça para
não deixar que a sua risada maligna preencha a nossa atmosfera. — Por que
é que nós não temos uma relação de parceria tão bonita assim? —
Apontando com o polegar para Luca, Levi passa a olhar para mim, só para
dizer: — Bruxa, se alguém tenta me matar ou me ameaça, meu irmão é
capaz de dar graças a Deus.

Luca exaspera e começa a andar com Evelyn até o sofá, para se sentarem.

Levi os segue, e como não posso ser a única em pé, também vou ao encontro
deles.

— Se a gente quer fazer isso funcionar, é melhor acabarmos com essas


discussões — Luca, o mais sábio, decreta, olhando para cada um de nós,
dispersos em lugares diferentes. — Não importa os problemas que tivermos
uns com os outros, não importa o sentimento que sentimos e deixamos
nutrir, aqui, quando estivermos juntos, vamos focar apenas em Vladimir
Vampir, afinal, se continuarmos desse jeito, nos mataremos antes mesmo que
ele e sua turma cheguem à cidade.

— Isso — sou a primeira concordar. — Se estamos juntos nessa, não


importa a razão pela qual cada um entrou, sendo boa ou ruim, devemos nos
dedicar e garantir nossa sobrevivência. Os problemas, as dores, as raivas e as
mágoas devem ficar daquela porta para fora. E caso queiram resolver, ou
caso queiram brigar, façam quando não estivermos em nossas reuniões. Ou
melhor, nem façam. Fingiremos todos e, quando essa tempestade passar,
seguiremos uns longe dos outros. Mais especificamente, Levi longe da gente.

— Rapaz, o cara traz a novidade que ninguém fazia ideia, quer ajudar e
ainda é crucificado. — Balança a cabeça e, por um momento, parece mesmo
inconformado. A minha sorte, é que eu já consegui captar que ele é muito
bom em fingir. — Mas tudo bem, como eu disse à Gabriella, não estou aqui
para entrar na Turma da Luluzinha, tão pouco para brincar junto de vocês de
Três Espiãs Demais, numa missão comandada para derrotarmos os inimigos
e terminarmos nossos dias como melhores amigos. Todo mundo sabe muito
bem qual que é o meu papel aqui, todo mundo sabe o que eu quero e o que
estou disposto a fazer para conseguir.

— Você quer o colar — menciono o óbvio. — E só vai começar a abrir a


boca, quando me ver trabalhando nisso.

— Exatamente, garota. Até que para uma bruxa, você é bem inteligente.

Levi pisca, abre mais as pernas e se encosta no sofá.

— Certo. — Evelyn limpa a garganta, projeta o corpo para frente, e nossos


olhos se voltam para sua figura. — Ele precisa do colar, disse que vai
começar a falar quando ver Gabriella se empenhando no feitiço, mas e aí, e
depois?

— Depois o que? — o irmão do seu namorado a questiona.


— Depois, você pode muito bem dizer meias verdades, pegar o colar e
simplesmente fugir para longe. Pode muito bem ir de encontro a Vladimir, se
quiser, para nos dedurar e dizer onde estamos. Pode muito bem também,
pedir alguma coisa em troca, como acabou de fazer com a bruxa que tanto
jurou que ia destruir.

Tanto eu quanto Luca ficamos em silêncio, os encarando se encararem.

Eu já tive a minha briga com Levi, Luca provavelmente já teve a dele, e


agora é a vez de Evelyn ter a sua. Acredito que quando ela perceber que não
vai,

pelo menos nesse momento, adiantar falar mais nada referente a tudo o que
passamos no passado, as coisas começarão a andar.

Eles não sabem, mas acho que Levi se tornou uma das minhas últimas
preocupações agora, tendo em vista o que a Sra. Moore me contou de suas
visões.

Dois corpos no chão, comigo no meio, chorando.

Não vou deixar isso me consumir, é o que digo a mim mesma, prestando
atenção quando um dos Vodrak, o todo de preto, infla o ar nas bochechas,
com tédio.

— Como te chamam de nerd e te acham tão inteligente, se você faz uma


pergunta tão burra como essa? — dispara contra Evelyn. — Se eu fugir para
longe e não lutar, do mesmo jeito que sua irmã vai fazer o feitiço, ela pode
muito bem desfazer. Se eu procurar Vladimir e dedurar vocês, vou
simplesmente assumir a minha sentença de morte, porque não vai querer
fazer nenhum tipo de acordo comigo e me deixar vivo, já que também
precisa de mim para o sacrifício. Fugindo ou ficando, ele e os seus capangas
irão atrás e me encontrarão. Ou seja, não há escapatória, de um jeito ou de
outro, vou ter que me juntar a vocês.

— E ele não pode se juntar a nós por livre e espontânea vontade, mana,
mesmo necessitando. Tem que ameaçar, tem que ganhar algo em troca e tem
que se favorecer — deixo o jogo bem claro, para que não haja dúvidas para
ninguém.

— Esse é quem Levi Vodrak é.

— Podem julgar meus métodos, mas não meus resultados.

— Ok, ok — Luca decide intervir. — É melhor focarmos aqui. Se Levi vai


se manter calado até o fim, alguém descobriu alguma coisa e quer expor?

A campainha, logo depois de ele falar, toca.

E Levi se levanta.

— Trouxe reforço, família, deixa que eu atendo.

Num segundo, está aqui, no outro, já não está mais.

— O que ele está aprontando dessa vez? — Evelyn Sutton pergunta para
ninguém específico.

— Nada — seu namorado faz questão de responder. — Só são seus amigos.

Devon Mars e Larkin River. Também vampiros.

— Deixa eu adivinhar, aqueles que estavam o ajudando quando me


sequestrou?

— Os próprios.

— Ai, meu Deus, era só o que faltava. — Aperta a têmpora, ficando mais
branca do que já é. — Como pode vocês não estarem surtando?

— Se chorar, não resolve. Surtar, é pior. — Dou de ombros. — Percebi que é


melhor fingir e ser tão falsa quanto eles. Abra um sorriso, aja naturalmente.

— Nem ferrando. — Bufa, e eu me seguro para não rir.

Que situação.
Que porra de situação tenebrosa do cacete.

— Se serve de consolo... — Luca suspira pesado. — Esses dois são os


cachorrinhos do Levi, só fazem o que ele manda. São os peixes pequenos,
não os tubarões.

— Não muda muita coisa, amor, mas né, se fomos empurrados para esse
mar, vamos nadar.

Não falo nada, porque é bem na hora que eles entram, o trio pinico, papel e
cocô.

É impressionante, porque eles entram sorrindo, como se estivessem


completamente acostumados conosco, com todo esse ambiente e essa
atmosfera caótica.

Contudo, é disso que eles gostam, renascer em meio ao caos.

Levi é o primeiro a voltar para o seu lugar, deixando Larkin e Devon de pé.

— Sentem-se, garotos. Fiquem à vontade. — Aponta com o queixo para os


lugares vago perto dele, comandando e assumindo toda a posição que
deveria ser de Luca. Encaro meu cunhado, podendo me ver nele, já que
expressa o sentimento mais incrédulo do mundo só pelo olhar. Tem uma
pitada de graça também, parece querer rir de nervoso a qualquer momento.
— E garotos, esses são Luca Vodrak, sua namorada Evelyn Sutton, que eu
acredito que vocês já conheçam, e claro, ela, Gabriella Faulkner para uns, e
Gabriella Salazar para outros, mas isso vocês já sabem. E família, esses são
nossos reforços, Larkin River e Devon Mars. —

Chegou tarde na apresentação, babaca, isso nós também já sabemos, penso,


entretanto não estou nem um pouco a fim de falar em voz alta. — Não sei se
Vampir vai se sentir ameaçado por um time de peso desses, mas é aquela
coisa, né, não custa nada tentar.

— Já está decretando nosso fim? — Minha língua coça, e, quando me dou


conta, ela saiu na frente e já falou por mim. — Achei que você e seu trio
fossem invencíveis.

— Pera lá, gata, nós somos bons de briga, mas nunca entramos em conflito
com o vampiro mais antigo do mundo. Somos tão novatos quanto vocês
nisso —

Larkin faz questão de falar, porque, pelo que já percebi, é o que mais gosta
de ser o centro das atenções, já que o outro, o Devon, é um pouco mais na
dele. — A

propósito, já souberam de alguma coisa? — Seu rosto vira em minha direção


de forma rápida. — Você sabe onde Vladimir se encontra, Gabriella?

— Não.

— E você não é uma bruxa? — é a vez de Devon, que tira os óculos escuros
e põe na cabeça, para poder me enxergar melhor. — Bruxas fazem feitiços
de localização, é a coisa mais simples. Por que não fez?

Respiro fundo e conto até três.

— Com todo respeito, vampiro do mal, se você não sabe como funcionam
nossos poderes, por que merda está querendo opinar sobre? — Tento, com
muito esforço, manter meu tom de voz baixo e neutro. — Porque, para o seu
governo, não é tão fácil assim. Feitiço de localização se faz quando a bruxa
tem forte ligação ou, ao menos, conhece aquela pessoa. Não posso fazer com
qualquer um, se fosse assim, eu fecharia os meus olhos agora mesmo e
pensaria onde Justin Bieber está, para eu poder ir atrás.

Ouço Levi, no seu canto, rir baixinho, como se tivesse, de alguma forma,
gostado do meu afronte. Larkin também tenta neutralizar suas expressões,
porém é péssimo nisso. Você olha para ele e já dá para perceber que está a
um passo de dar risada do amigo.

— Mas com um objeto, um fio de cabelo ou qualquer coisa que ligue a


pessoa a você, você consegue, que eu sei. Então, teoricamente, não seria
impossível, e eu não estou tão louco assim — Devon continua, para não sair
por baixo.

— Por acaso, você tem um objeto, um fio de cabelo ou qualquer coisa que
possa ligar a mim, disponível?

Ergo uma sobrancelha, o desafiando.

Devon desiste e fica em silêncio, o que, para mim, já é uma resposta.

— Pois é, foi o que eu suspeitei. — Me jogo para trás, no encosto. —

Alguém tem mais coisas a agregar, já que isso foi inútil?

— Devon e Larkin, não falem nada. Hoje, nós só escutaremos — Levi avisa
aos seus amigos, sorrindo e fazendo com que tanto eu, quanto Luca e Evelyn
o matemos só na base das encaradas.

Ele é tão, tão desnecessário.

E seus amigos, mais desnecessários ainda, que o obedecem e ficam sorrindo


tanto quanto ele, os olhos de todos parecendo que brincam de ping pong,
conforme pulam de mim para Luca e de Luca para Evelyn, seguindo nessa
sequência tantas vezes, que fica impossível contar.

Minha atenção, no entanto, se volta totalmente para a minha irmã, já que a


mesma parece ter algo a dizer, e dessa vez, mais sério do que qualquer um de
nós.

— Quando fiquei sabendo que Gabriella e vocês estavam sendo caçados


pelo vampiro original da maldição de Thereza, eu fui pesquisar para ver se
encontrava informações importantes sobre ele, tanto na internet quanto na
Biblioteca Pública de Emerald Grave, que me ajudou da última vez, com a
minha pesquisa sobre vampiros e todas as lendas da cidade, e, por incrível
que pareça, não encontrei nada. Foi como se todo o conteúdo tivesse sido
tirado de circulação, tipo de propósito. E quando perguntei à moça da
biblioteca o que tinha acontecido com os livros, ela não soube me explicar.
— Pode ter sido — Luca pondera o argumento da sua namorada. — Seja lá o
que Vladimir estiver tramando, deve fazer parte do plano nos deixar
mergulhando no desconhecido. Ele quer que fiquemos assim, de mãos
vazias, atadas.

— Eu entendo sumir da internet, mas de Emerald Grave? — Fico em


negação. — Sério, não faz sentido. Alguém teria que ter sumido com eles, e
se sumiram, significa que sabem onde estamos.

Um silêncio recai sobre a sala, contudo, não dura muito.

— Vocês são tão inocentes — ele, Levi, estoura nossa bolha. — É claro que
Vladimir sabe onde estamos. Seus capangas devem estar por aqui, só estão
esperando o momento certo de agir, quando ele resolver chegar. Deve estar
se preparando também.

— Engraçado, lembro de você ter dito que ia ficar calado — Larkin


murmura para Levi.

— Essa não é uma informação que sei e que posso dizer que é oficial — se
explica. — É só a parte lógica da coisa, River. E se seus capangas não
estiverem, deve ter mandado uma bruxa sumir com tudo. Porque é disso que
ele precisa, huh?

Uma bruxa para quebrar o feitiço de outra bruxa, e como a própria Salazar
terá que ser sacrificada, precisará haver outra.

Não gosto de admitir, mas sua teoria faz sentido.

— Voto mais na da bruxa, do que na dos capangas — sou sincera. — Se


outros vampiros tivessem chegado na cidade, nós saberíamos, porque eles
viriam atrás de mim, nem que fosse só para me mandar um recado.

Levi fica em silêncio, não quer dar o braço a torcer, porém posso perceber
que também sabe que posso estar certa no meu raciocínio.

Me assusto, quando vejo Evelyn se levantar, puxando Luca.


— De qualquer forma, essa conversa é perda de tempo. — Põe os óculos
para trás e depois entrelaça as mãos na do vampiro ao seu lado. — Levi não
vai

soltar nada agora, por causa da Gabriella, e se não podemos falar sobre
Vladimir ou no que consiste essa quebra de maldição de forma verdadeira e
sem gracinhas, de nada adiantará estarmos todos aqui, se não for para
passarmos raiva. E acho que, por hoje, já está de bom tamanho.

Assinto, também me levantando.

— Vou continuar pesquisando — aviso, de olhos semicerrados para Levi,


para que entenda que não preciso tanto dele assim. Luca ainda é um
vampiro, embora não saiba do sacrifício, conhece Vladimir pelo menos um
pouco e tem o que acrescentar. — E vou continuar com meus olhos bem,
bem abertos.

— É uma ameaça, bruxinha? — me provoca.

Ainda está desleixado no sofá, seus dedos passeando pelo seu queixo, e suas
írises presas nas minhas pernas, quando fico de pé.

— Meu rosto está aqui em cima, babaca.

Mais risadinhas vêm dos seus amigos.

— E os meus olhos estão bem aqui embaixo, bruxa dos infernos.


O mundo de uma Salazar pode estar desabando, mas eu ainda sou uma
Faulkner, ainda sou a Gabriella que cursa Ciências Biológicas na Emerald
Grave University, a que é amiga das meninas líderes de torcida e dos garotos
do rugby, ou seja, não importa o que aconteça na minha realidade de bruxa,
eu ainda preciso estudar e continuar fingindo ser normal. Ainda preciso
sorrir, acenar e falar com as pessoas que me param para uma conversa,
querendo saber sobre como eu estou, como está sendo o meu dia.

Tem quem me pare até para falar sobre o clima, como hoje, que
milagrosamente, está fazendo calor na cidade.

Muitas das vezes, minha mente se perde no assunto, e eu só sorrio e aceno,


porque, no fim, as pessoas falam mais do que escutam. E a verdade é que
elas nunca querem, de fato, saber como você está. É por isso que só me
limito a um estou bem, obrigada, e saio como se nada tivesse acontecido,
para poder chegar mais rápido em minha casa.
E mesmo se a pessoa quisesse e realmente se importasse, eu não tenho a
menor condição de revelar a verdade. Ninguém aguentaria ouvir, e todos me
chamariam de louca.

Se querem saber, já estou muito bem ficando louca sozinha, não preciso de
plateia.

Por causa dos meus devaneios e minha falta de atenção, acabo me batendo
com alguém no campus.

Estou prestes a pedir desculpas, quando percebo que é Cody.

Ele fica surpreso, e eu, envergonhada.

Com todas as coisas que andam acontecendo, me esqueci completamente de


procurá-lo.

— Nossa, Gabriella, oi. — Seus lábios se erguem para cima, e, pelo visto,
não parece com raiva pelo bolo que lhe dei sem querer. — Você está bem?
— Uh, novamente essa pergunta. Estou começando a pensar que estou
demonstrando estar abatida demais e não estou percebendo, embora os
outros à minha volta estejam.

— Desde a festa, tento falar com você e não consigo.

— Desculpa, eu deixei minha bolsa na balada do seu pai, deve ter caído no
banheiro. E sobre eu ter ido embora, eu queria pedir...

— Desculpa também? — balança a cabeça, ao cortar minha fala. — Não


precisa, sério. Fiquei na pista à sua espera, depois comecei a rodar na balada
para te encontrar, e um homem se aproximou para me dizer que a garota com
quem eu estava tinha ido embora e pedido para me avisar que não estava se
sentindo muito bem. Ele disse que te viu vomitar no banheiro.

Eu poderia muito bem ficar confusa nesse momento, tentar entender de onde
diabos surgiu esse homem com essa história sem pé e nem cabeça, que
claramente não foi o que aconteceu, mas não precisa ser um gênio para
chegar à conclusão de quem foi que planejou essa desculpa esfarrapada.
Ainda meio sem graça e envergonhada, eu sorrio fraco.

— Acho que comi demais no jantar — invento, me sentindo péssima. Cody


não merece, ele é uma pessoa boa, coitado, de nada tem a ver com a minha
história. — Me desculpe ter saído e sumido completamente, nesses últimos
dias aconteceram muitas coisas na minha vida, e foi terrível para mim. —
Essa, pelo menos, não deixa de ser verdade. — Espero que não tenha
pensado que foi por sua culpa.

— Ah, eu pensei. — Ele dá risada. — No começo, não, achei que você


realmente pudesse ter passado mal, mas depois, quando vi que não atendia
minhas ligações e não via minhas mensagens, comecei a falar para mim
mesmo que você tinha fugido, porque odiou cada segundo comigo. Admito,
meu coração se partiu profundamente.

— Que terrível, Cody. — Me aproximo e toco em seu braço. — Me


desculpa, de verdade. Eu deveria ter tentado falar com você de algum jeito,
porém estive tão ocupada, tão mergulhada em problemas, que minha cabeça
simplesmente não funcionou direito. Você deve ter pensado um monte de
merda sobre mim.

— Você passou mal, eu entendo, não precisa se preocupar. E eu fui um idiota


também, deveria ter entrado em contato com você pessoalmente, não ficar
focando apenas no celular.

Digo que também não precisa se preocupar.

— Mas falando em celular, você não encontrou o meu por aí não?

— Não voltei mais lá, desde aquela noite — comenta. — Posso perguntar ao
meu pai ou a algum funcionário, tem basicamente um “achados e perdidos”
lá dentro da boate. Se alguém encontrou a sua bolsa, pode ser que esteja lá.

— Eu agradeceria muito, muito, muito, muito — sou exagerada e faço Cody


soltar mais uma risada. Ele fica bonito sorrindo. — Sério, não posso perder
aquela bolsa, ela foi cara.
— Mais cara que o seu celular? — Parece achar estranho.

— Não exatamente, mas ela ainda continua sendo a minha bolsa favorita.

— Então vou pedir que joguem o celular fora e te tragam só a bolsa.

Arregalo os olhos.

— Ei, aí também não, gato, não sou rica que nem você.

Aos poucos, os cantos dos seus lábios se retorcem em um sorriso malicioso.

O encaro com uma certa desconfiança.

— O que foi agora?

— Nada, é que você me chamou de gato.

— Não posso? — Ergo uma sobrancelha, brincando. — Os garotos só sabem


se referir a nós assim o tempo inteiro, não vejo problema nenhum em
retribuir.

Você é bonito, você é gato, é uma boa forma de te chamar.

— Prossiga, Gabriella Faulkner — pede e, também brincando, se abana. —

Continue elevando a minha moral e me fazendo achar que ainda tenho


chance de mais um encontro com você.

— Em um outro momento, logo, logo, quando tudo tiver se acertado na


minha vida, você terá. Ou você acha que quis parar aquela dança bem na
melhor parte? — Pisco, sendo ousada, e por mais que Cody não fique
envergonhado ou com as bochechas pegando fogo, já que também gosta
desses tipos de flertes, ainda assim, dá para notar que o faço perder a
postura. — Foi mal, aposto que te levei para aquele momento.

— Levou mesmo.
— É melhor pensar em outra coisa, para não ter nenhuma ereção no meio do
campus da faculdade. Imagina só, se o pessoal vê seu pau duro?

— Gabriella! — me repreende, dando risada. — Você não tem filtro, não?

— Foi mal. — Cubro a boca com a minha mão. — Eu sempre esqueço meu
filtro em casa. E quando estou em casa, sempre o esqueço na rua. No fim do
dia, a gente nunca se bate, acredita?

— Acredito até demais.

É, é óbvio que ele acredita, eu provavelmente sou a pessoa mais sincera que
já viu.

Contudo, eu não faço nada demais, na verdade, só sou o que eu sou. As


pessoas, mais especificamente os homens, se surpreendem, porque não estão
acostumados a lidar com mulheres que têm as mesmas estratégias que eles.

Se muitas soubessem que, pensando e agindo como eles, o coração


permanece intacto, não se desiludiriam e sofreriam tanto.

Por isso que comigo é assim, tem que jogar o feitiço contra o feiticeiro.

Saindo de mim, que sou de uma linhagem de bruxas, essa frase parece um
tanto quanto errada, pois saiu no seu sentido mais literal possível.

— Mas falando sério agora, Sra. Sem Filtro, você está bem? — deseja saber,
ao passo que me analisa com mais atenção. Eu chacoalho a cabeça, parando
de divagar. — Tipo, bem mesmo?

Não.

— Claro! — minto com o maior sorriso. — Depois que cheguei em casa,


tomei um remedinho e não fiquei mais doente. E os problemas que
mencionei são... familiares. — Mentira. Mais uma. É melhor assim, no
entanto. Não posso, querendo ou não, mantê-lo por perto. Quase poderia ter
dado merda para Cody naquela noite, e se eu continuar com essa história de
que tenho que distrair a mente e fazer coisas que fazia antes, vou entrar em
uma operação homicida. Além de provocar minha morte, vou provocar a
dele, que não tem nada a ver. — Acho que vão se encerrar muito em breve
— digo, tranquila, tentando não colocar muito peso, nem nas minhas
palavras, nem nas minhas expressões. — E quanto a você, Cody Davenport?
Está tudo bem?

— Agora que falei com você e sei da verdade, estou ótimo. — Meneia a
cabeça, depois olha para um lado, para o outro, sorri para algumas pessoas
que passam por nós, e quando ficamos a sós novamente, passeia com suas
írises por todo o meu rosto. — Ei, sei que pensa que só estou querendo pegar
você por pegar e que não estou interessado no que tem a dizer, mas gostaria
que soubesse que não

tem nada a ver, se precisar de um amigo para conversar ou desabafar, quero


que entenda que pode contar comigo. Sou bonito, ou melhor, um gato, sei
aconselhar como ninguém e ainda sou rico, para poder te levar para tomar
um café ou um milkshake quantas vezes quiser no dia, ou seja, claramente
uma ótima rota de fuga para qualquer um dos seus problemas.

— Poxa, Cody, muito obrigada. — Agora é a minha vez de perder a pose,


pois não estava esperando que falasse algo assim. Me sinto feliz, grata e
também triste. Triste, porque não adianta, terei que ficar o empurrando para
longe, pelo menos até essa tormenta passar. Quando passar, espero que ainda
possa estar interessado em mim, porque posso perceber que é um cara legal,
e se for para escolher um para passar meu tempo e voltar à ativa, escolho ele.
Só... não posso pensar nisso agora. Tenho que quebrar o clima, me desculpar
mais uma vez por ter sumido e ir embora. — Eu adoro essa forma delicada
que você usa para jogar na minha cara o quanto sou pobre.

Faço beicinho, fingindo tristeza, e, como em todos os nossos momentos,


Cody se diverte às minhas custas.

— Você fez isso por si só, gata, quando começou a fazer questão por uma
bolsa.

Meu queixo cai, e eu o empurro.


— Porque foram meus pais que me deram!

O empurro mais um pouco, mas na próxima investida, pega os meus pulsos e


me gira, minhas costas colando em seu peito. Ele ri perto da minha orelha,
eu rio de volta, por estarmos nessa situação patética, e os meus olhos se
concentram na nossa frente.

Na mesma hora, a cor do meu rosto some, a minha risada se perde no ar, e
cada músculo do meu corpo enfraquece.

Porque é ele.

Levi.

Parado a poucos metros de distância, de olho em mim e Cody, com os braços


cruzados, de óculos de sol e uma expressão tão sombria que, mesmo fazendo
sol, parece que vai chover em Emerald Grave, o percebo se infiltrar na
minha cabeça, mesmo que de longe.

E não basta mexer com a minha cabeça, o filho da puta mexe com cada
maldita célula minha. Eu sinto frio, minha barriga congela, e os arrepios
voltam, tudo de uma só vez.

E é claro que também sinto raiva... porque, minha nossa, o que Levi pensa
que está fazendo na minha faculdade?

Ok estar na cidade, ok estar na casa de Luca, mas agora ficar perambulando


pelo meu campus? Ah, não, isso aí já é querer demais.

Quase caio por me embolar nos meus próprios pés, quando Cody me gira de
volta, ainda me segurando.

— Conhece aquele cara? — encarando Levi com estranhamento e com o


peito estufado, ele me pergunta. — Ele está parado ali há um tempo, de cara
fechada. É meio esquisito.

Meu coração bate mais forte, e não consigo encontrar a minha voz.
Eu não consigo nem ao menos identificar o porquê dessa minha reação.

Só por que ele me viu com Cody?

Um grande e belo: E DAÍ, GABRIELLA?

Não é como se ele não tivesse o visto na festa, não é como se ele fosse mata-
lo por nada. Nós não estamos mais naquela página em que ele quer me
destruir, pelo menos, não por agora, e Cody é só meu amigo, um humano,
não é uma ameaça.

Preciso protegê-lo de Vladimir, não de Levi.

— Mas que porra? — A voz de Davenport reverbera, me assustando.

— O que foi?

Há uma pausa, que me deixa angustiada.

— Ele está vindo em nossa direção.

Puta.

Que.

Pariu!

Foda-se tudo, eu vou ter que matá-lo, não quero nem saber.

Prendo a minha respiração e sinto o arrepio de novo, porque já sei que está
às minhas costas.

Na verdade, não é algo que sei, é algo que sinto.

E outra vez, no meu corpo todo.

— Ora, ora, ora... — É gutural, rouca, grave, entorpecente. Sua voz desperta
sentimentos que nem eu mesma sabia ser capaz de sentir. — Não sabia que
tinha voltado para o seu namorado, Gabriella. Me lembro muito bem que
disse estar solteira.

Cody desvia dele, para me olhar.

— Você o conhece?

— Perfeitamente — no seu tom mais leviano, Vodrak responde por mim e


ainda tem a coragem de tocar em meu ombro, me apertando, só para
provocar

Cody. Achando pouco, Levi apruma sua postura e sorri da forma


terrivelmente irritante e arrogante que só ele sabe fazer, já para desestabilizar
o outro, que julga ser o seu oponente. É agora que percebo que, como estão
um de frente para o outro, Levi, obviamente, se sobressai. É uns dez
centímetros mais alto, é mais forte e infinitamente mais ofensivo. — Qual
seu nome mesmo? Cory?

— Cody — o garoto corrige.

— Pois bem, Cory — prossegue, e é claro que é uma artimanha para irritá-
lo. Está conseguindo, eu posso sentir a atmosfera entre nós mudando
completamente. — A Gabriella e eu temos meio que uma história de décadas
e décadas juntos, ela não te contou?

— Não.

A mandíbula de Cody se contrai, e quando olha para mim, parece magoado.

— É, eu imaginei. — Sinto seu braço passar pela minha cintura e paraliso.

— Gabriella não tem jeito, ela sempre, sempre quer me manter em segredo.

Percebendo o que está acontecendo e o que Levi está tentando insinuar, eu


lhe dou uma cotovelada, e mesmo rindo, se afasta de mim, o que me faz dar
um passo na direção de Davenport.

Me surpreendendo, quando me aproximo, ele dá um passo para trás.


— Não é o que você está pensando — falo, rápida. — Ele...

— Não, Faulkner, pare. — Finco os incisivos no meu lábio inferior, sem


alternativa. — Você não precisa me dar explicações, nós não temos nada um
com o outro. Eu só achei que... éramos amigos, ou pelo menos, estávamos
tentando ser.

Se os problemas que está tendo são por causa desse cara, não precisava
mentir para mim.

— Meus problemas não tem a ver com...

Paro a frase no meio, por que o que posso dizer? Que não tem nada a ver
com Levi? Aí sim, seria mentira. Tem a ver com ele. Tem tudo a ver com ele.

— É melhor você dar o fora, vai por mim, ela é complicada — Levi resolve
se meter de novo. Como se eu estivesse estrelando o filme O Exorcista,
minha cabeça gira em sua direção, e os meus olhos quase saltam para fora,
de ódio. —

Sério, Gabriella age de uma forma tão errada que, às vezes, me lembra uma
bruxa.

Ela parece com uma, não acha, Cory? Só falta o chapéu, a verruga no nariz e
a vassoura — soa irônico, fazendo essa piada idiota com duplo sentido.

Se eu estivesse em um desenho animado, nesse momento, meu rosto estaria


totalmente vermelho e fumaça sairia dos meus ouvidos, porque estou
simplesmente muito perto de cometer um assassinato.

— É Cody — ele o corrige pela segunda vez. — Cody, não Cory.

— Desculpe, eu não costumo decorar coisas insignificantes.

— Cala a boca, Levi — grunho. — Já chega.

— Uau. — Davenport assobia. — Pelo visto, você o conhece mesmo.


— Não. — Balanço a cabeça, quando ouço Levi rir. — Quer dizer, sim, mas
não do jeito que ficou parecendo. Ele e eu, hm... é complicado. — Dou o
braço a torcer, pois, ao mesmo tempo que há muito a explicar, não há nada.
É mesmo muito complicado. — Eu posso tentar me explicar, Cody. Podemos
conversar depois? Não quero perder sua amizade.

— Puta merda, deixou na friendzone — Levi zomba, só para estragar um


pouco mais as coisas. — Se eu fosse você, não a escutava, relacionamentos
que começam com mentiras não vão pra frente nunca. E bem, se quer um
conselho, Gabriella não vai ter tempo para conversar com você, ela estará
muito ocupada comigo nos próximos dias.

Que merda, o que me dá mais raiva, é que tudo que ele fala é verdade, porém
fica usando as frases que pareçam outros contextos, justamente para
confundi-lo.

Ele é extremamente perverso e manipulador, para qualquer situação.

— Porra, Gabriella, eu estou fugindo de drama, a minha vida já é dramática


o suficiente, para que eu fique me metendo em relacionamentos — Cody
profere as palavras para mim, se virando para ir embora logo em seguida.

Não espero nem um minuto, já avanço para cima de Levi, usando meus
punhos para agredi-lo. Eu soco seu peito, o empurro, bato em seu ombro, e,
enquanto murmuro xingamentos que provavelmente invento agora, tudo o
que ele faz é aceitar, rindo e se divertindo.

— Uau, bruxinha, você bate forte. — Continuo, continuo e continuo. Chega


uma hora que ele não aguenta mais, usa da sua força de vampiro para
prender meus pulsos e para me puxar em um solavanco para perto do seu
corpo, que se junta ao meu em um encaixe que não deveria parecer tão
perfeito e tão certo, como se eles se completassem. Ofego, com o peito
subindo e descendo, e Levi não sabe se fica concentrado mais nos meus
olhos ou no decote da regata fina que uso. —

Usa dessa braveza toda na cama também? — O aperto e a aproximação


aumentam, e por um motivo que desconheço, não consigo reclamar, nem
externar nenhuma palavra. — Você agiu desse jeito com aquele babaquinha
ou deixou ele te dominar? Porque, fala sério, é tão mais divertido assim.

Um raio parece me atingir, quando processo suas palavras e me agito.

— Que merda você pensa que fez? — solto, brava. — Ficou louco, perdeu a
droga do juízo? — Meu tom de voz aumenta, e só não grito, porque não
quero fazer uma cena maior no campus. — Primeiramente, o que pensa que
está fazendo

aqui, na minha faculdade, me vigiando e falando com os outros daquela


maneira, como se tivéssemos alguma coisa? — Me debato, e Levi não me
solta por nada. —

Você sabe o que Cody está pensando agora? Isso mesmo, que sou uma
mentirosa.

Já não basta ter estragado meu encontro, quer estragar minhas amizades
também?

— Está vendo, é exatamente por isso que eu fiz o que fiz, olha só a forma
como está falando dele. — Um vinco se forma na minha testa, mas também
não dou o gostinho de perguntar nada. — Você fala que ele é seu amigo, e eu
estava ali observando, por mais que a cena de vocês juntinhos tenha sido
bonitinha, o cara não é para você. E nem vem falar que eu não sei do que
estou falando, eu também observei vocês na festa, lembra?

— Ele é um garoto bom, Levi. Você jamais entenderia o que é isso.

— Tudo bem, ele pode ser um garoto bom, mas não incendeia as suas veias.

— O meu mundo novamente gira. Por que ele está falando algo assim? — E
os garotos bons são entediantes, bruxinha. Você alguma vez já conheceu os
maus? —

na última palavra, fala baixo, rente ao meu ouvido. — Porque, se só conhece


os bons, eu posso te dizer como funciona. Os garotos bons te levam para
conhecer as estrelas, e os garotos maus fazem você vê-las sem precisar estar
olhando para o céu.

Engulo em seco e tenho certeza que está conseguindo ouvir o som


desenfreado do meu coração.

— É uma tentativa sua de se autopromover? — falo, para que possa prestar


atenção na minha voz, não no som que vem do meu peito. — Ou uma
propaganda gratuita para a classe de bad boys da qual faz parte?

Reviro os olhos, porque acho que nem me ouve, está com a atenção vidrada
nos meus seios.

— Levi, eu já disse a você, meus olhos estão aqui em cima, pare de desviar
do meu rosto quando estamos falando algo sério. Essa é a segunda vez que
faz isso

— friso.

E segue sem ter coragem de me encarar, porém lambe os lábios.

Mesmo de óculos, é nítido onde sua atenção está.

— Não precisa de água, não?

— O que? — Pisco, sem entender. — Por que pergunta?

— Porque estou te secando desde aquele dia, você deve ter desidratado. —

Quando finalmente ergue a cabeça finalmente para mim, eu perco qualquer


linha de raciocínio. — Mas quer saber, não precisa se preocupar, seu corpo
tem saúde para dar e vender. Oh, se tem.

Vendo-o rir e tirar uma com a minha cara, eu o empurro, conseguindo me


livrar do seu aperto dessa vez.

— Não tem a menor graça. — Massageio meus pulsos e o fulmino. — Sério,


não gostei nem um pouco de você ter vindo aqui e ter feito aquela gracinha.
Foi totalmente desnecessária, e nem sei mais se Cody irá acreditar em mim.

Levi bufa.

— Por favor, bruxa, eu te fiz um favor enorme. Se você não conseguia se


livrar dele, eu me livrei por você, muito simples. Depois, eu sei que vai me
agradecer.

— Você está impedido de se meter na minha vida, Vodrak. Está proibido de


se aproximar enquanto eu estiver na faculdade, está impedido de mostrar que
me conhece e, principalmente, está completamente e irrevogavelmente
proibido de afastar os caras com quem quero me relacionar. Você não é
minha babá e nem vai ser meu empata foda.

— Babá, não. Empata foda, talvez. — Sorri. E o seu sorriso é o motivo de


todo o meu colapso. Assim como os passos que dá até mim, lentos, um pé
atrás do outro, totalmente calculado. O brilho nos seus olhos deve ser
selvagem, a sua boca erguida para cima parece o próprio pecado. Juro,
alguém no nível dele não deveria ser tão, tão bonito. — E sabe por quê?
Porque eu estou aqui agora, você não precisa de nenhum outro homem. Não
menti para aquele mauricinho idiota quando disse que você, Gabriella, não
terá tempo para pensar ou foder com ele e nem macho nenhum, já que estará
ocupada demais sobre meu domínio, o domínio sem escrúpulos do vampiro.
É por isso que não vou te soltar, não vou parar de te vigiar, não vou parar de
ficar te rondando. Pode gritar, pisar duro ou se revoltar o quanto quiser, mas
você é minha, a minha bruxa, e enquanto eu estiver aqui, ninguém te toca ou
fica por perto, te farejando. Não se tiverem amor à própria vida, claro.

Psicótico.

Completamente psicótico, problemático e obsessivo.

Medo rasteja pela minha pele, pois não há a menor dúvida em mim, de que é
capaz de cumprir com o que está dizendo.

Levi simplesmente não tem um pingo de piedade, e, para piorar toda a


história fodida que temos, eu também não tenho juízo.
Pelo menos, não quando se trata dele.

— Não me ameace — sibilo pausadamente, rilhando os dentes. — E muito


menos haja como se eu fosse uma propriedade ou um objeto seu, porque, se
eu te pegar falando assim comigo de novo, o próximo feitiço que vou fazer,
é para que você sufoque e morra com seu próprio pau na boca.

Eu acho que nunca vou conseguir ser intimidadora o suficiente com Levi,
tudo o que eu falo, o idiota sorri.

— Meu pau é grande, mas não tão grande quanto você está pensando, a
ponto de vir e alcançar a minha boca. — Tomba a cabeça para o lado,
parecendo me estudar de outro ângulo. — Mas alcançar a sua, no entanto...

— Olha a ousadia para cima de mim — o repreendo.

— É brincadeira, bruxa. — Entretanto, ele continua me olhando daquele


jeito, até que algo parece clarear em sua mente. — Espera, essa foi a
primeira coisa que passou na sua cabeça? O meu pau? Sério? Caralho, que
bruxinha safada.

Um O de indignação se forma em minha boca.

— Você vai ver a safada, quando eu meter a mão na sua cara.

— Certo, tudo bem, eu também gosto de meter coisas em certas áreas, se é


que você me entende.

— Eww, você é tão nojento! E pare de se aproximar de mim!

Não sei qual o milagre, mas Levi me obedece, fica a um passo de distância.

É pouco, porém me faz respirar melhor.

— Eu só posso estar pagando meus pecados, tendo que aturar você. — Fico
em negação, quando começo a apertar o nariz. — O que é que o trouxe até
aqui, afinal? — Bato meus tênis no chão e nem preciso procurar suas írises,
elas seguem aprisionadas nas minhas. — Duvido que saiu de lá da sua casa
nesse horário, só para vir até aqui me ver, você não faria esse sacrifício se
não tivesse com alguma coisa em mente.

— Você é tão teimosa, como as coisas que digo podem não entrar em sua
mente?

Levi não perde tempo, parece que suas mãos possuem uma necessidade
absurda de me tocarem, pois, antes mesmo de eu sequer processar suas
ações, elas seguram meus ombros, o que significa que já destruiu nossa
distância de novo.

As pessoas que passam por nós, devem pensar o que diabos acontece aqui.

Nem eu sei.

— Estou aqui porque estou te protegendo, tenho que ficar de olho em você,
não posso deixar que Vladimir te encontre, antes que eu tenha o que eu
quero —

pela primeira vez hoje, é sincero, e seu rosto não parece mais divertido. — E
eu vou continuar assim, te perseguindo, você gostando da ideia ou não. Até
porque, não estou nem aí para a sua opinião, eu faço o que eu quero, como
eu quero e quando eu quero. — Pega um fio do meu cabelo em seu dedo, o
enrolando. É

engraçado que, por um momento, parece ficar admirado, deslumbrado com o


cacho que se forma, mesmo que ele o puxe e o solte depois, com cuidado.
Mais

uma vez, não consigo me mexer, estou que nem estátua. — E por falar no
que eu quero, eu também vim aqui te dizer algo importante. Não acha que
estamos perdendo muito tempo, não?

— Eu já falei mil vezes, que não quero que você flerte comigo.

— O quê? — Fica tão confuso quanto eu, quando falou da água. Chacoalha a
cabeça um tempo depois. — Não estou flertando com você, besta, estou
falando de Vladimir. Não acha que estamos perdendo muito tempo ficando
calados, não?

Oh, sim, é disso que está falando.

A vontade que sinto é de me encolher de vergonha, porém sustento minha


pose de quem costuma bater de frente com ele até o fim.

— Você quem está calado — pontuo. — Abra a boca, conte o que você sabe,
e todos nós sairemos da estaca zero, simples assim.

— Não tão fácil assim, bruxa.

Reviro os olhos.

— Não faça isso.

— O quê?

— Revirar esses seus olhos para mim, achando que não posso perder o
pouco do autocontrole que me resta.

— Por Deus, Levi, não mude de assunto, você é o único aqui perdendo
tempo.

— Na verdade, é você, que ainda não se mexeu para me entregar o que eu


quero. Já está com o meu colar?

Exalo todo o ar que nem sabia estar prendendo mais uma vez e, com calma,
ao notar que não está me segurando mais, eu delicadamente dou um passo
para o lado.

— Não é fácil como pensa, estou providenciando, fazendo minhas pesquisas.

— Ótimo, a partir de amanhã, trabalharemos nisso juntos. Quero poder


acompanhar com meus próprios olhos e talvez, comigo ao seu lado, eu acabe
te ajudando e fazendo todo o processo ser mais rápido.
— Mas...

— Não reclame, bruxa, não reclame — ordena. — É para o bem de todo


mundo, afinal, quanto mais você demora, mais tempo eu fico de boca
fechada.

Não passa nem um segundo, e Levi já está falando de novo.

— E nem pense em revirar os olhos para mim, teimosa.

Cruzo os braços, emburrada.

Como sabe que eu ia?

Deve ser porque tem a plena noção do quanto me irrita.

Estalo a língua no céu da boca.

— Fique sabendo que se acha que só vai falar alguma coisa, quando eu te
entregar o que quer, está muito enganado. Como disse, um minuto a mais,
um minuto a menos, já é uma perda de tempo enorme.

— Eu sei das minhas obrigações, não precisa me dizer. O que eu quero, é só


ter certeza que você descobriu como fazer, tendo isso, já começo a ajudá-los,
tanto no que sei agora, quanto no que pretendo descobrir depois. — Uma
cambalhota se faz presente na minha caixa torácica, quando Levi me estende
a mão. — E aí, bruxinha, posso te encontrar amanhã? Temos um acordo?

Mesmo que eu odeie, essa é a minha realidade, e eu tenho que encará-la com
a mesma frieza que Levi o faz.

Aprumo os ombros e concordo.

— Temos um acordo.

Entrelaço nossas mãos, sentindo seu aperto firme.

Agora é oficial, acabei de fechar um acordo com o diabo.


E que Deus tenha misericórdia da minha alma.
Eu estava entediado e resolvi comprar uma moto.

Eu gostava de moto, tinha uma muito especial nos anos 50, chamada Betty,
em homenagem à Betty Cooper da história em quadrinhos Archie Comics,
mas quando ela resolveu me abandonar e partir dessa para uma melhor,
depois de eu tê-la usado por anos, disse para mim mesmo que ficaria de luto
e que não andaria de moto nunca mais, não importando quantos novos
modelos lançassem dali para frente.

O problema é que, para um vampiro, a frase nunca mais é muito vaga,


porque os anos vão passando, vão passando, passando, e quando se percebe,
não há o nunca em nosso vocabulário, apenas o sempre. E a eternidade é
assim, coisas que você não faria, você começa a fazer, e as coisas que você
achava que queria fazer, percebe que não faria.

Eu não queria comprar uma moto tão cedo, entretanto, comprei.

Tecnicamente, não tão cedo assim, porém comprei.


E estava de saco cheio de olhar para as paredes da casa de Luca, queria algo
que pudesse me distrair, que pudesse me dar uma animada, que fosse trazer
uma marca minha nessa cidade.

Essa Harley-Davidson me pareceu a melhor opção, achei que ela combinou


totalmente comigo.

Como não sou besta nem nada, já a testei por cada canto dessa cidade,
pilotando em alta velocidade, como há tempos não fazia.

A Harley está zero quilômetro, novinha em folha, pronta para todas as


guerras e batalhas.

Pronta, principalmente, para entrar cantando pneu no bairro de Luca, Evelyn


e Gabriella.

Eu a faço soar mais alto, não economizando no barulho e na festa que faço,
ao me aproximar da casa que agora também é minha, gritando e buzinando
ao estacionar.

Os vizinhos vão me odiar e querer me matar? Com certeza, mas dane-se, eu


comprei uma moto. Uma moto. Eles devem ficar felizes por mim.

Ou não, porque agora com a Harley, não darei nenhum sossego a eles.

É uma pena.

Sorrindo, tiro o meu capacete, o ponho repousado no banco da moto e ao


girar nos calcanhares, vejo Luca saindo de casa, sem camisa e com uma
expressão de que não está entendendo nada.

Parece que estava dormindo, pulou da cama e saiu correndo, para ver o que é
que estava acontecendo. Seu cabelo está uma bagunça, seus olhos estão
menores, e ele até ergue as mãos, como quem diz: o que é que você está
fazendo?

— E aí, irmão. — Dou espaço para que veja minha moto, sendo o primeiro
de nós dois a falar. — Olha só o que comprei. Muito linda, não?
Ele coça os olhos e estica o pescoço.

— Achei que tivesse acontecido alguma coisa, Levi — murmura, grosso,


sem demonstrar nenhum tipo de emoção pela minha Harley. — Escutei sua
voz antes mesmo de virar a esquina. Por acaso está querendo morrer,
chamando a atenção desse jeito?

— Nossa, esqueci que você é um chato, incapaz de ficar feliz por mim. —

Rolo os olhos. — Vim te mostrar a minha moto, e você a trata desse jeito.
Ela tem sentimentos, sabia?

— Eu não estou falando da sua moto em específico, estou falando de você se


aparecendo com ela por aí. Por acaso, está tentando ser encontrado mais
rápido?

— Não, credo, eu nem pensei nisso.

Luca continua com a mesma expressão desconfiada de sempre, quando se


refere a mim. Meu irmão tenta me aturar, tenta não brigar comigo a ponto de
ter um desentendimento enorme, que possa atrapalhar nossa espécie de
investigação,

no entanto, não importa o que eu faça, não importa de que forma eu ande ou
fale, ele sempre irá desconfiar e duvidar de cada uma das minhas ações,
sejam elas exageradas ou mínimas, como agora, que desconfia até da compra
da minha Harley-Davidson.

— Pois deveria pensar — ele solta. — Se alguém te vê fazendo essa festa


toda enquanto pilota, pode esperar que mais cedo ou mais tarde, estarão
todos os vampiros do mundo em nossa porta.

Ele só pode ser uma outra versão barata minha mesmo, porque é tão
exagerado...

E é a própria personificação de um velho, não é à toa que tem 148 anos.

— Eu só estava feliz, cara, queria que as pessoas ao meu redor percebessem.


Mas parabéns, você conseguiu acabar com a minha alegria e com todo o meu
momento de diversão — resmungo.

— Não seja dramático.

Dramático? Eu? Ah, até parece.

— Olha, quer saber, vou ignorar. Vamos começar de novo. — Eu pego o


capacete em cima da moto, o coloco de volta no lugar, me viro e finjo
surpresa, ao me deparar com Luca. — Olá, irmão! — me expresso da forma
mais exagerada possível, e ele permanece impassível. — Não acredito que
desceu só para me ver chegar, que coisa boa. Já viu a minha moto? É nova.
Ela é uma Harley-Davidson, mas vamos chamá-la apenas de Harley, para
ficar bonito. É a substituta da Betty.

— Quem é Betty?

— Você ainda tá dormindo, Luca? Acorde! — Estalo os dedos em frente ao


seu rosto. — Quem que é Betty? Betty? — falo soletrando, para ele se tocar.

— A moto que você tinha nos anos 50?

— Exatamente, irmão. Acertou.

Cruzo os braços em frente ao corpo e alargo o meu sorriso, o olhando de


cima a baixo por trás das lentes escuras desses óculos de sol que uso.

Acho que Luca vai simplesmente balançar a cabeça, murmurar alguma coisa
e voltar para casa, nem aí com o que falo ou compro. No entanto, me
surpreendendo, meu irmão também cruza os braços, igual a mim, e não volta
para casa, ele anda. Anda até a minha Harley. Ele olha toda a moto, toca o
couro, segura no guidão e assente, como se estivesse aprovando a minha
escolha, embora tenha me dado uma bronca há alguns minutos.

Ainda nem estou acreditando que ele está... aqui.

Sendo que eu tinha certeza que Luca bufaria para mim e iria embora.
— Ela é bonita — comenta, e também não estou acreditando que está
fazendo isso. Por um momento, só por alguns segundos, me lembro de
quando éramos adolescentes, irmãos que faziam tudo juntos, eram
inseparáveis. Naquela época, não existiam carros ou motos, mas tinham as
carruagens, e quando ninguém estava por perto, Luca e eu fugíamos com
elas, para que corrêssemos pela cidade.

Um nó se forma no meu estômago com as lembranças que inundam a minha


mente, e começo a tossir baixo, para voltar à realidade, já que não estamos
mais em mil oitocentos e bolinhas. A realidade é completamente diferente
agora. E eu não me importo. Não estou nem aí para o que nos tornamos. —
Fez uma boa escolha, Levi — continua, seus olhos me alcançando de uma
forma tão pacífica que, mais uma vez, me surpreendo. Parece, nesse
momento, também relembrar as mesmas coisas que eu. Seu rosto me recorda
de alguém que está preso no passado.

Porra, não.

Não vamos fazer isso.

Posso aguentar todas as brigas e todas as raivas que acumulamos, mas isso
não.

Desvio rapidamente do seu olhar e me encolho.

— Valeu.

Acho que meu irmão também percebe o clima estranho instaurado, porque
resolve limpar a garganta e aprumar os ombros, se afastando tanto da Harley,
quanto de mim.

— Se era só isso, vou entrar. — Aponta para a casa com o polegar e fita o
chão por alguns segundos, como se estivesse pensando em alguma coisa.
Depois olha para mim. — E vê se toma cuidado quando for andar com a
Harley, não vai querer que ela encontre com a Betty, vai?

— Essa é uma tentativa sua de fazer uma piada?


Luca ergue os ombros.

— Foi só um conselho.

— Piada ou conselho, você é ruim nas duas coisas.

— Tá. Que seja. Não me importo.

— Se não se importasse, não estaria mostrando preocupação.

Mesmo compenetrado, vejo meu gêmeo coçar o nariz, ao passo que


demonstra ficar preso em sua bolha de proteção contra mim de novo.

— Não é preocupação com você, idiota, e sim comigo, com Evelyn e


Gabriella — faz questão de explicar, óbvio, eu para ele, não sou nada. —
Não quero você atraindo atenção ou fazendo essas coisas de propósito, não
quando

estou te abrigando na minha casa, perto da casa das garotas. Foi por isso que
mandei tomar cuidado, não tente interpretar de outra forma.

Sem me dar um direito de resposta, Luca se vira, joga os braços ao lado do


corpo e volta para casa. Daqui, assisto que abre a porta e a fecha, sem nem
olhar para mim.

Ótimo, não sei como pude pensar naquela estupidez sobre o passado.

Pior, não sei como pude achar que Luca Vodrak estava pensando o mesmo.

Meu irmão me odeia, a verdade é que ele só está me aturando, como todos
os outros. Mal pode esperar a hora de eu sumir de novo, para nunca mais me
ver.

Ele nunca vai me perdoar.

Quando percebo, a fúria me toma, e eu chuto para longe a primeira pedra


que vejo pelo meu caminho.
Como se eu precisasse do seu perdão.

Como se eu estivesse aqui para me redimir.

Como se eu quisesse qualquer coisa dele, que também odeio com todas as
minhas forças.

Sinto meu corpo entrar em combustão e vejo, mais uma maldita vez, minhas
mãos começarem a tremer.

Fico pálido e com a boca seca.

Porque está acontecendo de novo. E eu já perdi a porra das contas de quantas


vezes fico mal em um dia.

E eu é que não volto para aquela casa agora, tanto pelo que acabou de
acontecer com Luca, quanto pelo meu estado, e não posso lhe dar nenhum
gostinho de me ver miserável, com a maldição mais ativa do que nunca.

Merda, e é assim sempre, não posso ficar com raiva, que perco
completamente o rumo de mim mesmo. Passar por certas situações tensas é
como se fosse um gatilho.

Finco os dentes da minha versão humana no meu lábio inferior e volto a


pegar o capacete, para coloca-lo em minha cabeça, pois a sensação de pilotar
a Harley tem que me ajudar.

Monto nela e quando a ligo, querendo deixar tudo para trás, meus olhos me
traem e voam para a casa de Gabriella, quando passo por ela.

E, por coincidência, a garota de cabelos cacheados presos em um rabo de


cavalo está me observando da janela do seu quarto. Parece ter estado lá por
muito tempo, e desconfio que seja desde que cheguei com Harley, quando fiz
barulho, e provavelmente escutou. Deve ter achado estranho e correu para a
janela, para verificar o que estava acontecendo.
Com uma única mão, eu aceno, meu corpo, ao mesmo tempo que esfriando,
aquecendo de uma outra forma. Ainda há fogo, mas não é mais bruto e
selvagem, é reconfortante. Quente. Aquecedor. E bizarro. Muito bizarro.

Ignoro.

Eu só ignoro e foco em Gabriella, me esforçando para que perceba que hoje,


não importa o que aconteça, vamos nos ver mais tarde.

Hoje, a bruxa não me escapa.

Hoje, a bruxa não me escapou.

Depois de ter passeado com Harley para inaugurá-la e também para esfriar
um pouco a cabeça, estou de volta, só que dessa vez, batendo na sua porta e
tocando sua campainha.

Detesto esperar, porém Gabriella não demora muito, para a minha sorte. Ela
atende no mesmo minuto, já se colocando para fora e fechando a porta atrás
de si.

Ela está arrumada, tem até mochila nas costas.

Sorrio.

— Você é pontual assim mesmo ou só estava ansiosa para me ver?


— Sim, ansiosíssima — responde e sorri de forma falsa. — Se você não
viesse, acho que eu morreria de tanto te esperar. Minha vida, desde que
apareceu, é essa agora, viver por você. Levi Vodrak se tornou o ar que eu
respiro, o calor que me aquece, a fúria que me consome, e oh, céus — toca a
sua testa com as costas das mãos e faz a maior encenação —, estou
desesperada de amores por ele.

— Isso, isso. — Mordo um sorriso. — Vá brincando assim, que quando você


for ver, vai mesmo estar apaixonada por mim. É só você olhar para o meu
rosto, olhar para o meu corpo e se dar conta de que eu sou todo apaixonante,
em cada centímetro.

— Pequenos centímetros, você quer dizer.

Ergo uma única sobrancelha quase que no meu couro cabeludo, adorando o
fato de ter sido ela a fazer a piada com duplo sentido.

E é claro, não vou poder perder essa.

— Vira e mexe, e você segue falando do meu pau. — Nego, como se


estivesse desacreditado, e cubro a boca com a mão, para que não veja que
estou querendo sorrir um pouco mais. — Isso está virando uma fixação
assustadora. Se quer descobrir os centímetros, eu te deixo medir. Você tem
régua?

— Régua? — Quase engasga. — Não, você está exagerando...

— Se você não tiver uma régua, bruxa, pode ser uma varinha. Aposto que é
do mesmo tamanho. O único problema é que varinhas são finas demais, e o
meu pau é grosso.

— É, você realmente é um exagerado com traços narcisistas. — Dá para


notar, mesmo que não queira me mostrar, que ficou desnorteada, como se
seu cérebro tivesse projetado uma cena bem erótica em sua mente. Se fosse
para chutar, eu aposto que foi uma imagem minha nu. — E eu nunca vi uma
varinha na minha vida, idiota. Sou uma bruxa normal, não a Hermione
Granger.
— Certo, nunca viu uma varinha. Mas e uma vara, já viu?

Ok, tudo bem, essa é péssima, eu mesmo acabo explodindo em risadas,


sozinho, porque foi completamente horrível essa associação.

Gabriella não ri, ela fica me fitando, como se eu tivesse uma doença
contagiosa e ela quisesse sair correndo desesperadamente, para não ter
contato comigo e se infectar.

— Sabe, Levi, você é uma criatura vergonhosa, e eu ainda me pergunto por


qual motivo eu paro para conversar com você e te dar corda, sendo que em
todas as vezes, eu sinto vontade de pega-la, amarrar no meu pescoço e me
jogar. —

Arfa, segurando cada lado da alça da mochila. — É melhor a gente resolver


logo o que nos interessa, para que não precisemos ficar um na presença do
outro por mais tempo. E eu não tenho só essas coisas para resolver, eu
também tenho que estudar, ainda sou uma jovem que precisa se formar. Não
sou você, que tem toda uma eternidade para fazer o que quiser. Para mim, o
tempo é importante, principalmente, se eu me preocupo com o futuro.

Assinto, ao subir e descer o queixo.

— É verdade, tem um vampiro com alto teor letal querendo te matar, a


ampulheta da sua vida já está de cabeça para baixo, e você está começando a
ficar sem tempo.

— Poxa, Levi, muito obrigada, você acabou de me ajudar muito — é irônica.

— Estou só brincando com a sua cara, bruxinha, não leve para o coração, vai
dar tudo certo. Já viu meus braços? — Como estou sem a minha jaqueta de
couro dessa vez, vestindo só uma camiseta preta lisa, eu arregaço mais as
mangas e mostro o meu bíceps. — Eles são enormes, e eu dou conta. Minhas
presas são bem afiadas também, mas isso eu não acho que posso te mostrar
agora. Em um outro momento, quem sabe. Quando estivermos no escuro, à
sós, no meu quarto, talvez no seu. Se quiser, posso enfiá-las no seu pescoço.
Se quiser, posso chupar seu sangue. Se quiser, posso enfiar e chupar outras
coisas mais interessantes também, que o horário não permite.

Gabriella pressiona os lábios, sem saber se ri ou se se fica com raiva.

— De verdade, eu não vou nem me estressar, porque já sei que você vai
dizer que é brincadeira.

Talvez não seja.

Me assusto com a voz que surge em minha cabeça, sem saber se veio de
mim ou do monstro enjaulado que habita o meu corpo.

Não, nem vem, eu só gosto de irritá-la, de vê-la com ódio, de fazer com que
se sinta no purgatório comigo, pois, se eu não posso matá-la ou infernizá-la
de forma eficaz como eu gostaria, ainda posso fazer desse jeito, de forma
mais suave.

E tudo bem, eu admito, ela é provavelmente a mulher mais bonita e gostosa


que já cruzou o meu caminho, seu corpo definitivamente me deixaria com
tesão, se fosse qualquer outra pessoa, e é inegável que eu faria de tudo para
fodê-la, para tê-la na minha cama, contudo, é como Larkin e Devon falam,
ela é totalmente proibida, e eu não posso começar a nutrir desejos sexuais
por uma Salazar. Seria ridículo.

Perverso. Uma ironia fodida do destino.

E eu não preciso ficar me lembrando de que odiamos um ao outro, todo


mundo sabe. O que estamos fazendo é apenas para garantir que possamos
salvar nossas vidas, para que, muito em breve, quando derrotarmos
Vladimir, cada um siga o seu caminho longe do outro.

Isto é, se eu ver que Gabriella realmente merece, pois, como vivo dizendo,
não é tão fácil assim você ver seu trabalho de décadas ser arruinado, e é o
que vai acontecer, se eu deixá-la viva. Nada do que eu fiz no passado, vai ter
valido de algo.
Por mais que o feitiço vá me ajudar, por mais que ele seja extremamente
importante, e o sacrifício de também deixá-la ir seja importante para me dar
uma eternidade estável, não gosto da ideia.

Simplesmente não suporto a ideia de deixá-la em paz, e agora é um


sentimento muito mais forte e muito mais dominador do que antes. É
praticamente possessivo.

Cerro a mandíbula e sinto o osso saltar.

— Melhor focarmos no que interessa — soo um pouco mais autoritário do


que eu gostaria. — Você já sabe como fazer o feitiço? Encontrou alguma
coisa que pode ser útil?

— Talvez, mas não posso dizer aqui — responde, à medida que olha de um
lado a outro, como se ficasse com medo de que alguém estivesse por aí, nos
ouvindo. Não tem ninguém, estamos sozinhos, porém a sua preocupação é
válida.

— A gente vai para a casa do Luca?

Faço que não.

— Vamos a outro lugar.

— A cabana?

— Não, outro. Um lugar novo.

Um V rapidamente se forma em sua testa.

— Que lugar novo?

— Não vou te dizer. — Viro as costas. — Venha comigo.

Desço as escadas da varanda de Gabriella e escuto que me acompanha,


murmurando.
— Bruxinha, eu sou um vampiro, eu posso te ouvir me xingar — digo, sem
virar para olhá-la.

Idiota foi o mais leve que saiu por entre seus lábios, e ela dá uma corridinha
para me alcançar, e ficar ao meu lado.

— Inferno, não tenho nem o direito de pensar alto em paz — reclama. — E

pare de rir, você ri demais, e isso é irritante.

— Aposto que se eu ficasse de cara fechada, você se assustaria.

— Eu me assusto com você de qualquer jeito.

Retorço minimamente os lábios, mas não deixo que veja.

— Certo, agora cale a boca e coloque isso.

Pego o outro capacete que comprei e jogo para ela, que nem estava
esperando, a sorte é que minha pontaria é muito boa.

Gabriella, no entanto, encara o capacete, depois me encara, depois o


capacete, a mim de novo e fica nessa por algum tempo.

— É nova — explico. — A moto, no caso. Comprei hoje.

Uma risada gutural lhe escapa, quando cai em si.

— Acha mesmo que vou andar pela cidade pendurada na sua garupa?

— Não só acho, como tenho certeza. — Dou de ombros, passando as pernas


pela Harley e me sentando, com o outro capacete à minha frente, esperando
que eu o coloque na cabeça. — E nem consigo entender o motivo da
reclamação, sabia?

Não é como se eu andasse com várias garotas na moto, você vai ser a
primeira, bruxa. Sinta-se privilegiada.
— Não, não. — Vem me entregar o capacete, entretanto, eu a deixo no
vácuo. — É sério, Levi. Eu não vou andar por aí, como se eu fosse seu
troféu.

A encaro como se quisesse dizer: é sério?

— Bruxa, ninguém vai desconfiar, só porque você vai estar andando de moto
comigo, na minha garupa, abraçadinha a mim, eu juro.

A expressão de raiva retorna ao seu rosto.

— Eu nem ao menos sei para onde você vai me levar, Levi.

— Isso é o de menos, só suba.

— Não — soa irredutível.

— Sobe logo, Gabriella.

— Já disse que eu não vou subir.

Porra, essa garota vai me enlouquecer.

— Ou você sobe agora na minha garupa, por livre e espontânea vontade, ou


eu mesmo vou fazer questão de te botar para sentar, e pode ter certeza que
não vai ser mais na moto.

Mais uma vez, passa a me xingar, mas coloca o capacete embaixo do braço e
sobe na Harley.

— Põe o capacete — ordeno, ao vê-la sobre os ombros. — Eu sou imortal,


você não.

Fica calada, me atiçando, ao não mover um músculo.

— É sério, bruxa, põe logo, não faça com que eu me arrependa de tê-lo
comprado para você.
Agora sim, sua expressão muda, e é de surpresa, choque.

— O que foi, viu um fantasma?

— Não, é que... é que... você disse que me comprou esse capacete.

— Comprei.

— Por quê?

— Porque não há mais ninguém nessa cidade que possa andar comigo, além
de você.

— Por quê? — pergunta de novo.

Ela não me ouviu?

— Porque nós vamos trabalhar juntos a partir de agora, bruxa, não ficou
claro?

— Ficou, mas é que do jeito que você falou, parecia que não queria que eu
me machucasse.

— E eu não quero que se machuque — respondo o óbvio. — Se você se


machucar, como eu vou ficar?

Pisca uma, duas, três vezes, sua boca abrindo e fechando.

— Sem o colar — também resolvo responder. — E é por isso que estou aqui

— me vejo numa necessidade absurda de querer afirmar isso em voz alta.

— Ah, claro, o colar. — Solta uma risada e desvia o olhar, para se concentrar
em pôr o capacete na sua cabeça. Olho para frente e faço o mesmo. — Não
sei como pude ter esquecido, se você só se importa com isso, mais nada.

Ponho as mãos no guidão com mais força do que seria necessário e quando
sinto que está preparada para me ver sair daqui, ligo a minha Harley e
acelero.

Gabriella, assustada, grita e fica relutante em se segurar em mim ou não.

Depois de avançar por mais uma ou duas ruas, ela fica com medo e envolve
de uma vez a minha cintura, porém não sem antes soprar em meu ouvido:

— Se contar para alguém que fiz isso, já sabe.

— Sim, você me mata. — Lambo os lábios e não consigo evitar sorrir. —

Mas não se preocupe, bruxa, não vou dizer a ninguém que partiu de você a
ação de dar nosso primeiro abraço.

Sinto-a desferir um soco na minha costela, quando me escuta.


— Não acredito que você me trouxe para outra floresta de Emerald Grave —

Gabriella reclama, pelo que eu acredito ser a sexta vez, desde que desceu da
moto e começou a me acompanhar mata adentro. — Você disse um lugar
novo, Levi.

Um lugar novo. Achei que fosse me surpreender e não repetir o passeio à


força que me fez ter com você aquela noite.

— Essa aqui não é a montanha de Locker Gray, essa é a floresta onde fica o
Swan Lake. Nós não viemos aqui em momento algum, ou seja, é um lugar
novo sim, pare de reclamar. Parece que você só é capaz de fazer isso,
reclamar, reclamar e reclamar. Dê um tempo.

Ela grunhe um intenso argh, mas, por sorte dessa vez, fica calada, e eu posso
me concentrar no que está perto de aparecer às minhas vistas.

Locker Gray é um lugar meio esquecido da cidade, ao contrário dessa


floresta aqui, que é basicamente o maior ponto turístico dessa pequena e
pacata cidade no interior da Virgínia. As pessoas, sejam turistas ou
moradores, sempre passeiam e fazem festas ou trilhas por essas áreas, já que
é, como eu havia mencionado, o ponto de encontro do Swan Lake, o lago
que ficou subitamente famoso por ter suas águas escuras, quase pretas,
gerando uma grande curiosidade e

um fascínio por parte dos humanos, que fizeram aqui, muitas vezes, de
parque aquático.

Se você vier à Emerald Grave, obrigatoriamente tem que conhecê-lo.

Agora, por essas épocas do ano, ele não é um lugar tão movimentado, então
é o lugar perfeito para conversarmos e testarmos os feitiços, caso seja
possível hoje.

Sem contar que é uma floresta, estamos conectados com a natureza,


Gabriella não tem o direito de reclamar de algo assim. Não são as bruxas que
amam esse contato?

Eu, pelo menos, gosto.

Sou um vampiro amaldiçoado, no final das contas. E Alma ainda colocou no


feitiço que, para uma possível cura no futuro, Luca e eu poderíamos
encontrar nossas forças nos elementos. Ele encontrou na água, e eu encontrei
no fogo.

Quer dizer, eu deveria ter encontrado no fogo. Ainda não encontrei. O fogo
que me encontrou e me dominou, de uma forma tão forte, que... bem, estou
no estado em que estou.

Nem me lembro mais no que estava pensando há segundos, pois o lago


aparece, e eu fico vidrado.

Ele é bem escuro mesmo e muito bonito.

Paro no lugar em que me encontro agora, de frente para o Swan Lake, e a


garota ao meu lado faz o mesmo, abraçando seu próprio corpo.
Sei que vai abrir a boca para falar, mas sou mais rápido.

— Se reclamar, porque não gosta de lagos, eu juro que te largo aqui e te faço
voltar para casa andando a pé.

— Nossa, que grosseria, eu só ia dizer que nunca tinha chegado até aqui. Da
última vez que vim, não consegui avançar tanto na floresta, porque fiquei
com medo. Agora percebo que foi bobagem minha, eu deveria ter vindo
tomar banho, quando tive a chance.

Me viro um pouco de lado.

— Por acaso, bruxa, está querendo deixar subentendido que quer que eu te
chame para nadarmos pelados um pouco, do jeito que viemos ao mundo?

— Céus... — Gabriella respira fundo, ao apertar o nariz. — Ou você vê


maldade em tudo ou você faz de propósito. Eu só estava aqui comentando
algo pessoal meu com você, o que também foi errado da minha parte. Nós
não temos que ficar contando historinhas, como se precisássemos nos
conhecer, pois não precisamos. O que precisamos agora, nesse momento, é
de um lugar tranquilo para

falarmos sobre o feitiço da pedra e o que eu descobri, enquanto fazia as


minhas pesquisas em casa, antes de dormir.

— Vem comigo então, a gente pode sentar naquele tronco caído ali.

Começo a andar, com ela em meu encalço.

Me sento, e, quando penso que também vai se sentar e ficar ao meu lado,
Gabriella pega e se acomoda no chão, no meio da relva, como se não visse
problema nenhum nisso.

— Tem certeza que vai ficar aí?

— É mais confortável.
Dá de ombros, fica com as pernas na posição de yoga, tira a mochila das
costas e a põe em sua frente, a abrindo. De lá de dentro, a bruxa tira alguns
livros e depois a deixa de lado, repousando os livros em seu colo.

— Esses são alguns livros que já tinha, peguei da Biblioteca Pública de


Emerald Grave e nunca mais devolvi. Um pouco rebelde, eu diria. — Me
mostra os livros, que são mais grossos, depois que me vê assentir com um
aceno de cabeça, os deixa no lugar que estavam e ergue um, mais fino, mais
antigo e com palavras em relevo na capa. — Esse é o meu diário, minha mãe
Zena o escreveu para mim e o colocou na porta da minha atual casa, dentro
da cesta em que eu me encontrava. Aqui dentro, tem toda a minha história,
toda a sua história e, claro, os principais jeitos de eu adquirir a melhor força
de uma bruxa. Tem feitiços também.

Feitiços que a minha mãe achou importante me ensinar, e que eu, obediente,
decorei e fiquei, desde os meus dezesseis anos, reproduzindo, quando
encontrava uma oportunidade.

Assinto de novo, com uma pontada de esperança de que as coisas talvez não
precisem ser tão difíceis, talvez possam ser magicamente fáceis.

— E deixa eu ver, você o trouxe para me dizer que, depois de algumas


buscas, percebeu que ele esteve o tempo todo aí, bem embaixo do seu nariz,
e não conseguia enxergar?

Nega, me fazendo murchar na mesma hora.

Facilidade? Nunca nem vi.

Com Levi Vodrak, as coisas sempre vão ser mais difíceis, é o carma.

— Na verdade, não tem nada aqui sobre a pedra da água, nem colar, nem
vampiros que precisam de colar. — Não falo nada, nem penso, porque fico
prestando atenção no modo como abre o diário e passa as páginas com
extremo cuidado. — Mas tem isso aqui, dê uma olhada.
Eu endireito minha postura, quando me passa o seu diário para ler, e tento
pega-lo entre os dedos com o mesmo cuidado, minhas írises
automaticamente

percorrendo pelas páginas meio amareladas que estão abertas. O título é o


que mais chama a atenção primeiro, depois as palavras grifadas.

A PEDRA DA SUPER LUA AZUL

A pedra da super lua azul, raramente encontrada e com apenas uma no


mundo, foi o nome dado à pedra em que bruxas se juntaram para aprisionar
um dos feitiços que viria a, futuramente, quebrar a maldição daquele
homem que pode, às luas cheias, se transformar em bicho.

— Isso é um trecho que confirma a existência de lobisomens? — indago, ao


erguer minhas írises do livro até Gabriella, que meneia a cabeça como um
mais ou menos. — Lua cheia e homem que se transforma em bicho, só pode
ser isso.

— É, mas vai saber. — Arranca o diário das minhas mãos e volta a se sentar
no chão, provavelmente relendo aquele trecho de novo. — E a propósito,
você ainda tem dúvidas de que eles podem existir? Nunca trombou com
nenhum deles, não?

— Não, nunca. Passei 148 anos focado em apenas vampiros e bruxas. —

Toco o meu queixo, quando uma pergunta me invade. — Mas o que é que
isso tem a ver com o que estamos procurando, bruxinha?

— Esse trecho, nada. Só foi para te mostrar que, apesar de eu não ter
encontrado nada específico sobre a pedra da água de Luca, que
possivelmente foi passada de uma bruxa para uma vampira, como você havia
me contado, eu pude, de algum jeito, ter a confirmação de que é mesmo
possível que isso aconteça. É

mesmo possível que bruxas possam ajudar humanos ou seres sobrenaturais


com feitiços implantados nesses objetos, só basta saber como descobrir de
que forma colocar o ingrediente certo, digamos assim, no momento em que
estiver o fazendo.

— Deixa o diário de lado e agora pega o outro. — Nesse aqui, que conta um
pouco da história das bruxas que fugiram de Salem para Emerald Grave,
menciona que elas, na época, faziam tudo de acordo com a natureza, de
acordo com os seus sentimentos, da forma mais caseira possível. Eu acho
que pode ter a ver, ou pelo menos, ser parecido com o feitiço que se faz
quando quer entrar na cabeça de alguém para ler seus pensamentos. Você só
precisa se concentrar, pensar nos seus propósitos, e acho que a bruxa tem
que ter algum tipo de ligação com a pessoa também. Ou, ao menos, tentar
entender o que o outro deseja ao receber o feitiço.

— Me olha profundamente, de uma forma que faz parecer que ela está
olhando para o fundo da minha alma, como se ela estivesse inteira, ao invés
de destruída.

— O que você, Levi, deseja receber do feitiço?

Meu pomo-de-adão se movimenta, quando engulo.

— Eu já disse. — Me limito a um dar de ombros. — Eu quero poder ir ao


sol, eu quero poder ter...

— Controle? — sugere, e eu, mais uma vez, engulo em seco. Será que o que
Gabriella está fazendo é algum tipo de truque? Algum tipo de feitiço
silencioso que não estou percebendo? — Calma, eu não estou lendo a sua
mente, se é isso que está pensando. Eu não faço esse tipo de coisa, a
propósito. É tipo uma maldição entre as bruxas, uma vez que você o ativa,
você passa a ler os pensamentos a todo instante, e deve ser horrível. Tenho
pavor só de pensar.

— Tá. — Olho para baixo, encarando os meus coturnos. — E só para você


saber, eu tenho o controle, não é disso que eu preciso.

Gabriella não fala nada em seguida, porque está óbvio que está esperando o
momento em que eu vou revelar o que é que eu preciso.
— Eu só preciso do feitiço, Gabriella. Eu só preciso dele, e é isso, por que
tanto importa para você?

— Porque eu estou tentando te dar ele e eu preciso dessa conexão, preciso


saber.

Me levanto e começo a andar de um lado para o outro, impaciente.

E ela, só para piorar a situação, deixa seus livros de lado e se aproxima.

— Me fala a verdade, eu sei que tem uma verdade. Você me trouxe para o
meio da natureza, Levi, esse aqui é o meu habitat, eu posso sentir as suas
vibrações.

Meus pés parecem criar raízes na relva, quando a escuto.

— Pare com isso. — Jogo os braços ao lado do corpo e fecho as mãos em


punho, o peito ficando pesado, à medida que se expande com a minha
respiração.

— Você está tentando fazer alguma coisa comigo, eu também estou


conseguindo sentir, só que não vai funcionar. Me trouxe aqui para nada, não
é? Porque não descobriu porra nenhuma. Até o momento, você só me trouxe
suposições, achismos da sua cabeça, nada concreto.

— Porque eu ainda estou pesquisando, inferno! — grita, ao passo que bate o


pé no chão e começa a ficar furiosa. — Você acha que é fácil? Acha que eu
tenho todas as respostas do mundo? Se ainda não entendeu, eu sou sozinha,
eu não tive uma família para me ensinar meus poderes, não tive ninguém me
auxiliando, tive que buscar e entender tudo por conta própria e, ainda assim,
sou uma ótima bruxa, embora seja iniciante e ainda precise de muito, muito
estudo. Então entenda, eu faço o que eu posso, não atropelo nada e nem finjo
ser o que não sou. Se eu digo que essas foram as únicas evoluções que tive
com a pesquisa, estou falando a mais pura verdade. Agora, se você não quer
colaborar com essa merda que tanto deseja, eu também não posso fazer
nada! — explode, os olhos castanhos cintilando com fogo ardente. — E eu
só te fiz uma pergunta. Uma. Por que é tão difícil responder a verdade do
porquê você quer esse colar?

Mesmo parando de falar e ainda me encarando em busca de respostas, eu


ainda escuto sua voz na minha cabeça, como um eco. Ela dói. Dói muito. E
minhas mãos, novamente, já começam a tremer.

Todo meu corpo treme, perde as forças, e a pressão em minha cabeça só


aumenta, me fazendo cair no chão, gritando de dor.

Não!

Não acredito que, pela segunda vez no dia, estou passando mal de novo.

E na frente da Gabriella. Na frente dela. Porra.

— Ei, o que está acontecendo? — Se aproxima, receosa. — Eu não estou


fazendo nada com você, eu juro. Para com isso. Se levanta.

Não, não está.

Sou eu que estou fazendo isso comigo mesmo.

O monstro.

O lado vampiro amaldiçoado, aquele que me suga completamente.

Antes de joelho, agora eu me deito e fico em posição fetal, tremendo.

Flashes das dores do dia em que me transformei em vampiro começam a


aparecer em minha cabeça, e eu só sinto mais dor. Há suor pelo meu corpo,
escorregando pela minha testa, e tudo ao meu redor fica rodando e fica
turvo. Só percebo que Gabriella se coloca ao meu lado, quando ela começa a
me puxar para, sentada, me fazer colocar a cabeça em seu colo.

— O que está acontecendo? — repete, nervosa. — O que está acontecendo


para você ficar assim, Levi? O que está sentindo? Será que é Vladimir?
Balanço a cabeça, negando, e meu corpo se contorce.

Porra, porra e porra.

Isso é a porra do que tento esconder de todo mundo. Esse meu lado. Essa
minha dor. Essa maldição infernal que carrego comigo durante todas essas
malditas décadas, me corroendo, se instaurando no meu âmago e se
libertando nos momentos em que o monstro deseja. Não é por falta de
sangue, não é por nada, e sim para me torturar, para me fazer sofrer, para
retirar meu controle e me fazer perceber que não importa o que eu faça ou o
quanto eu tente, estarei sempre preso dentro desse corpo, que já não me
pertence mais, mesmo morto.

Ele é só uma carcaça, uma que vem me torturando durante longos e longos
anos, e que eu fiz questão de esconder de tudo e todos, preferindo enfrentar
sozinho, do meu jeito.

Foi por isso a vingança.

Foi por isso o meu ódio e o meu rancor pelo meu próprio irmão.

Foi por isso que assumi essa identidade, foi por isso que, desde que percebi
que ia viver na miséria, ia ser tão podre e tão miserável quanto. Passei a
desejar que as pessoas me odiassem, pois só assim, seria muito melhor e
muito mais fácil me odiar também.

— Você parece estar convulsionando. — Sinto suas mãos me amparando,


me envolvendo, sinto até quando tira os fios molhados do meu cabelo da
testa. —

E meu Deus... tem sangue saindo do seu nariz, Levi. Você está... chorando?
Puta que pariu!

Dor.

Muita dor.
Eu não enxergo nada, não posso nem ao menos vê-la, só sinto que se mexe,
como se estivesse procurando desesperadamente por alguma coisa.

— Me dá a sua mão. — Gabriella mesmo que a alcança, porque estou fraco,


sem me mover, fitando o céu e ainda tremendo. Ela põe algo na minha
palma, a fecha e envolve a minha mão com a sua, a apertando. — É uma
planta. Vou tentar transferir toda a dor que você está sentindo para ela.

Resfolego, em agonia, mas ouço, um pouco longe, a voz de Gabriella


começar a falar coisas que não compreendo, como se fosse em uma outra
língua. É

quando me dou conta de que está fazendo um feitiço. Está... me ajudando.

As folhas nas árvores começam a balançar, os pássaros e os animais


começam a correr, e o mundo começa a se balançar, ganhando vida à medida
que Gabriella vai pegando cada vez mais impulso na sua força e em suas
palavras.

Começo a me sentir leve, o corpo parece flutuar e, de repente, não há mais


dor. Não há mais dor de cabeça, não há mais agonia e tão pouco desespero.
No entanto, a bruxa continua falando, ainda continua segurando a minha
mão e a planta, poucos segundos depois, explode, desaparece, junto de
qualquer resquício de medo que eu estivesse sentindo.

Minha visão volta ao normal, minha sensibilidade e o meu entendimento


também, por isso que percebo que ainda estou sendo abraçado e amparado
por ela, com as lágrimas ainda sendo derramadas dos meus olhos, com uma
frequência absurda.

— Foi a pior — sopro, buscando fôlego, me segurando em Gabriella como


se ela fosse meu bote salva-vidas. — Foi a pior crise de todas. — Mais
lágrimas descem. — E porra, esse é o motivo. Esse é o motivo de eu querer
tanto o colar, bruxa. Não é por inveja, não é por ganância ou pelo simples
prazer de ameaçar, é porque eu preciso. Eu sempre passei mal, sempre fiquei
assim, descontrolado, mas agora as coisas estão piorando, estão se
intensificando, eu estou...
— Shhhh — é o jeito que encontra para me cortar, para impedir que eu fale e
acabe ficando mais fraco do que já estou. — Eu já entendi, já entendi. Acho
que, no fundo, eu estava pressentindo sobre a verdade. Agora faz sentido a
ajuda que ofereceu em troca dele. E eu acho que... acabo de ter a conexão.
Fiz o feitiço com a planta e deu certo, acho que posso tentar numa pedra,
num colar, em algum objeto que queira usar, e ver se as crises melhoram.
Mas...

— Eu já sei — exponho, não deixando que complete. — Primeiro, vou ter


que falar tudo que sei sobre Vladimir.

— Sim, isso também — concorda. — Mas não é só isso, você vai precisar
me contar tudo. Vai precisar me contar o que sente, como se sente e o que
costuma fazer quando perde o controle. Quero fazer o feitiço, te entregar e
ver como reage, para ver se é suficiente ou se será necessário adicionar mais
alguma coisa.

— Eu ainda vou ajudar vocês — digo, piscando os olhos para ver seu rosto
mais focado em frente ao meu. De alguma forma, Gabriella parece
preocupada, com muita atenção em mim. — Eu ainda estou forte, eu ainda
sou... bom de briga, não pense que irei atrapalhar, por favor.

— Não estou pensando em nada.

— E não conte ao meu irmão.

— Não vou contar, nós temos um acordo.

— Nem à Evelyn, nem a ninguém.

— Tá.

Eu busco força para me levantar, com Gabriella me ajudando a ficar sentado


na relva também, como ela esse tempo todo.

— Faz parte da maldição — explico, depois de um tempo em que ficamos


presos num silêncio sepulcral. — Luca achou sua cura, achou seu controle,
eu não.
Eu vivo assim há mais de um século, e é por isso a minha fama — revelo,
afinal, não há mais razões para esconder. — Meu irmão domina a água, e o
fogo me domina. Não sei por qual milagre eu não incendiei essa floresta,
enquanto me debatia no chão. Quando a crise vem, eu faço coisas
irreparáveis, coloco tudo para queimar.

Pisca, compreendendo, porém junta suas pernas perto do peito, as abraça e


repousa o queixo entre os joelhos, não me encarando e fixando-se em outro
ponto aleatório ao meu lado oposto.

Daqui, sua mente parece trabalhar para processar todas as últimas


informações, principalmente sobre o fogo, que tenho certeza que a faz se
recordar do Shine Star de imediato.

Depois, ela não fala mais, e eu também não, porque sei quão complexa e
dolorosa é toda essa situação.

Para os dois.

E provavelmente, muito mais para Gabriella.

Meu peito se agita, mas dessa vez, não tem nada a ver com o que acabou de
me acontecer.

É como magia entrando.

É como... conexão.

Me arrepio, sabendo que Gabriella Faulkner pôde sentir o mesmo.


Depois do que aconteceu com Levi nas margens do Swan Lake, nós ficamos
em silêncio e voltamos para casa em silêncio. Parecia que não havia mais
nada para ser falado, como se tanto eu quanto ele ainda estivéssemos presos
lá, repassando na mente o momento em que simplesmente caiu no chão e
começou a praticamente convulsionar na minha frente.

Em um primeiro momento, achei que Levi estivesse fingindo ou só querendo


me assustar. Achei que tivesse ficado com raiva das minhas considerações
em relação ao feitiço, então estava, sei lá, de um jeito vampiresco e nada
normal, liberando todo o estresse, para tentar me fazer sentir culpada de
alguma forma.

Confesso, não pensei tão rápido que pudesse ser alguma coisa série. Mas
depois, quando o vi gritar, chorar e se contorcer de dor, aí sim, não teve
como, eu vi com meus próprios olhos que a coisa era completamente
anormal e preocupante.
Pensei até que pudesse ser alguma interferência de Vladimir, como um
feitiço para derrubá-lo ou alguma coisa tão ruim quanto, entretanto Levi me
garantiu que não era.

E ele continuou no chão.

Continuou gritando, continuou tremendo. Foi a pior coisa que vi, e acho que
nem ele tem noção do quão ruim e debilitado fica. Tanto, que eu mesma nem
me reconheci, fiquei em choque por ele, tive que colocá-lo em meus braços,
abraçá-lo e fazer um feitiço que pudesse tirar aquela sua dor. Foi quando
Levi me contou a verdade, foi quando revelou o que eu suspeitava, que era o
fato de não ter conseguido encontrar o seu controle, pelo menos não como
seu irmão Luca, e que passava, todas as vezes, por aquelas dores e agonias.

Quando mencionou o fogo, e o fato de ficar tão descontrolado, que é capaz


de incendiar tudo, eu automaticamente me recordei do Shine Star, o cruzeiro
que ele fez pegar fogo em alto-mar e acabou matando praticamente todo
mundo que estava a bordo. Eu me lembrei de Evelyn, me lembrei dos meus
pais e fiquei mal, porque o primeiro pensamento que tive, foi um grande: e
se?

E se Levi Vodrak não quisesse ter causado aquele desastre, porém foi
induzido pela maldição?

E se em todas as vezes, ele não soubesse o que estava fazendo?

Me odiei no exato segundo em que me dei conta do caminho perigoso para


onde meus pensamentos estavam me levando.

Era um caminho completamente errado, um caminho que não fazia sentido.

Ele passou anos dedicado a matar bruxas, ele escolheu isso, não foi um
único caso isolado, foram vários, durante anos e anos. E escolheu essa forma
de tortura por vingança, para que todas as outras pagassem pelo que vem
sofrendo, e isso até dá para entender, mesmo que não justifique, mesmo
assim, não dá para esquecer o que fez com a minha mãe Zena, com o meu
pai Trent e o que quase fez com a Evelyn.
Ele não se arrepende, e é óbvio que também deve ter feito por querer, foi
total tolice minha querer diminuir seus atos, só porque o vi vulnerável, só
porque pude perceber o que a maldição de uma bruxa foi capaz de fazer com
ele, com seu corpo.

Não tinha, na verdade, motivo nenhum de eu tentar me questionar sobre seu


lado ruim só porque, no fim, espero que as pessoas não sejam tão ruins. Elas
são. E

ele é.

Eu estava ao seu lado para me ajudar também, para ter reforços quando a
guerra chegasse e por isso que estava empenhada em fazer o que me pediu,
pôr o feitiço na pedra. Mesmo sabendo, de fato, o motivo e sabendo que vai
me auxiliar no processo de ser mais rápida, vou fazer apenas pela troca que
combinamos, não por nenhum outro motivo.

Ainda preciso, para o feitiço, saber como ele se sente e do que precisa, é
claro, porém já decretei a mim mesma, que não vou mais me fazer

questionamentos. É errado.

E é doloroso, principalmente porque vai contra tudo o que imaginei sobre ele
durante todo esse tempo. O que eu sinto por Levi está muito bem
estabelecido, e não vai mudar, não importa o que aconteça. Minha
aproximação e a minha ajuda só vão continuar sendo para fins de
autopreservação, até porque, se estiver mal, como vai poder fazer parte do
time que lutará contra Vladimir e sua tropa de vampiros antigos e fortes?

Ele precisa estar bem.

Minimamente controlado.

E é só por isso. Só.

Levi Vodrak ainda continua sendo o vilão, não importa as partes fracas que
me mostre.
Falando em partes fracas, depois desse desastre, eu não o vejo há dias. Acho
que deve estar trancado na casa de Luca, porque não o vejo mais passeando
com a sua moto Harley-Davidson e nem o tenho mais me acompanhando na
faculdade, como se fosse um s talker.

Também não veio me encontrar mais nenhuma vez para perguntar quando
vou poder tentar fazer o feitiço do jeito que pensei, e desconfio que seja
porque, quando voltou para casa, começou a se sentir envergonhado, ou com
raiva, por ter me mostrado seu lado fraco. Com dor, Levi não estava
raciocinando o que estava acontecendo naquela floresta, não pôde perceber o
que podia significar para nós dois, e aí, quando se deu conta que revelou seu
segredo para a garota que odeia, ficou recluso e não quer mais ver minha
cara.

Por mim, não estou nem aí.

Se não quiser nunca mais me ver, eu acho que é até melhor, só assim não
corre o risco de eu ficar pensando em bobagens.

E se quer saber, eu ainda continuo seguindo a minha vida normalmente. Não


contei nada a Luca, nem à Evelyn, fiz que não aconteceu nada, que ainda
estamos trabalhando no feitiço, à espera de Levi abrir a boca o quanto antes.

Os dois, da sua maneira, também estão estudando, tentando chegar a


respostas sozinhos.

Eu estou fazendo o possível para que tudo aconteça da melhor forma


possível, mas, entretanto, todavia, como eu vivo dizendo, fora desse mundo,
eu estudo na Emerald Grave University e estou fazendo parte do time das
líderes de torcida, com a Barbie Savannah Summers de olho em mim, para
eu não acabar fugindo.

— Ei. — É a loira que está na minha frente agora, no refeitório. Acabamos


de comer e estamos conversando. Quer dizer, ela conversa, eu só finjo que
escuto, enquanto divago sobre os meus problemas. Me sinto um pouco mal
por não estar prestando atenção, confesso, porém acredito que Savannah não
vá se incomodar, acredito que ela nem percebe. — Já sabe o que as pessoas
estão comentando por aí?

Me concentro nela.

— Não, não sei, toda hora é uma novidade diferente, e eu não consigo
acompanhar. O que foi agora?

— Estão dizendo que o irmão do Luca voltou — comenta, e eu quase posso


revirar os olhos. Estava querendo parar de pensar nele, me concentrando em
nós duas para não ter nenhum tipo de pensamento intrusivo, e lá vem ela,
mencionar justamente o que eu não queria. — E que eles são bem, bem
parecidos. Dizem que ele é um gato também.

— Eles são gêmeos, Savannah.

— Você o conhece? — Arregala um pouco os olhos.

— Conheço. — Infelizmente, é o que penso, entretanto não digo em voz alta.

— E ele é gato mesmo?

Dou de ombros.

— Não prestei atenção.

— Como assim você não prestou atenção, Faulkner?

— Simples, não prestando.

— Que mentira mais descarada. — Me encontro do mesmo jeito, meus olhos


se arregalam com sua fala. — Você sempre presta atenção nos homens,
principalmente se eles forem bonitos. E eu sei que o irmão do Luca é, as
meninas dizem que, da última vez que ele veio à EGU, ficaram loucas,
porque ele é a versão bad boy do seu cunhado. Deve ser bem sexy. O Luca já
chama atenção, imagina o que uma versão má dele não faz.

Senhor, era só o que me faltava.


Juro, vou pegar esse garfo do meu prato e enfiar no meu pescoço, para não
ter que ouvir mais nada disso.

Já não basta os pensamentos que tive ao longo desses dias? Não quero ter
que ficar pensando em seus atributos físicos agora, mesmo eu sabendo que
são muitos e que são de forma exagerada.

E daí que ele tem cabelos escuros, um corpo malhado, uma beleza
sobrenatural e um sorriso capaz de molhar qualquer calcinha? Ele é um
vampiro assassino, porra.

E um que está me ignorando, me deixando com raiva e não deve ser foco de
nenhuma conversa ou pensamento meu, nem aqui, nem em lugar nenhum.

— Qual que é mesmo o nome dele?

Ah, Deus, a morte nunca me pareceu uma opção tão boa.

— Levi — respondo baixo, sem emoção nenhuma. — Levi Vodrak.

Savannah sorri, de forma maliciosa.

— Bonito. Será que também será transferido para a faculdade em algum


momento?

— Não. — Rio. — De jeito nenhum. Não é uma opção.

— Por quê?

— Porque não.

— Credo, você não t á se esforçando para ajudar a esclarecer as minhas


dúvidas. Que tipo de amiga é você, que sabe das fofocas e não repassa?

Respiro audivelmente.

— Vai por mim, eu estou te ajudando. Você não vai querer conhecê-lo.
— Não vejo motivos, se ele é carne nova no pedaço, eu quero dar uma
mordidinha. — Finca os cotovelos na mesa redonda que nos separa e se
aproxima.

— Você já viu essa cidade? Ela é pequena. Você e eu já pegamos


praticamente todos os caras gostosos, ou seja, as opções estão se afunilando
cada vez mais.

Nisso, ela tem razão, ao menos.

— Savannah, minha loira querida. — Fico na mesma posição que a sua. —

Você não é para o bico de Levi Vodrak. — Meu rosto se contorce em uma
careta, quando começo a pensar nos dois juntos. Que nojo. A bile me sobe, e
o meu peito queima. — E se quer um conselho, ele é um garoto terrível,
fique longe dele. Se vê-lo passar na mesma rua que a sua, corra e mude de
calçada. É perigoso. O

próprio bad boy destruidor de vida, de corações, de tudo.

— Ai, que merda, eu tenho um fraco por esses, e sei que você também.

— Nada disso — solto, rápida.

— Tudo disso, mocinha. Você lembra que passou o rodo na fraternidade


daqueles caras? Eles são todos bad boys.

— Isso foi no começo da faculdade, Savannah. Eu mudei de vida.

— Aham, e eu sou a gata milionária da Taylor Swift — ironiza.

Reviro os olhos, pego as minhas coisas e me levanto.

— Olha, se a gente continuar nessa, vamos nos atrasar para o ensaio. Você
não acha melhor parar de fofocar, se levantar e me acompanhar, não?

Também revira as írises para mim, mas acata minha decisão, reúne suas
coisas, pega a sua bolsa e se põe ao meu lado, começando a andar comigo,
para sairmos do refeitório.

Ao passarmos pelas portas duplas, a claridade quase me cega, e eu semicerro


os olhos, tentando ajustar minha visão.

Acho que nada acontece com Savannah, porque, ao meu lado, ela para de
andar e puxa meu braço, para que eu também não avance e fique no mesmo
lugar que ela.

— O que foi? — Pestanejo uma porção de vezes, seu rosto virado para
frente, agora em foco. — Por que está abrindo a boca assim?

— Olhe para frente também e veja você mesma.

— Nossa, que suspense. O que é de tão surpreendente que pode aparecer na


facul...

Minha pergunta morre no ar no instante em que olho para frente.

Porque, depois de dias, lá está ele, parado a poucos passos de distância, na


sua pose, como se estivesse me aguardando, enquanto descansa embaixo da
árvore.

— É o Levi, não é? — Savannah me cutuca com o cotovelo, impressionada.

— Só pode, é a versão bad boy do Luca Vodrak parada bem na minha frente.

Assobia e começa a se abanar. — Uau, Gabriella, ele é quente. Muito quente.

De longe, vejo quando um fantasma de um sorriso parece querer aparecer


nos lábios dele.

O filho da puta está escutando nossa conversa, é óbvio.

— Cale a boca — praticamente suplico. — Só cale a boca, Savannah.

— Peça para ele vir calar.


Toco a testa e balanço a cabeça, sem acreditar que falou isso.

Agora mesmo que ele se acha, e seu ego infla.

Se Savannah soubesse no que está querendo se meter, sairia correndo.

— Ai, meu Deus, está se aproximando de nós — murmura de forma


animada, só para que eu escute, e tapa toda a visão ao se colocar em minha
frente.

— Como estou? Bonita? Apresentável? Gostosa?

Finjo um sorriso e balanço a cabeça.

— Olá, garotas. — Levi se aproxima, e Savannah volta para o meu lado, mas
não sem antes me cutucar outra vez. — Olá, Gabriella. — Sorri para mim e
depois encara a minha amiga. — Você é a...?

— Savannah — faz questão de se apresentar e ainda estica a sua mão. —

Savannah Summers, amiga da Gabriella.

— Levi Vodrak. — Ele beija o dorso da mão dela, com as írises erguidas
para o seu rosto, fazendo charme. Consigo perceber quando a capitã das
líderes de torcida se amolece sob seu toque. — É um prazer conhecê-la,
Savannah.

Ah, meu Deus, acho que vou vomitar.

— A gente vai se atrasar, Savannah — digo, o ignorando, embora possa


sentir seu olhar em mim, quando retorna para sua posição anterior, me
queimando.

Engulo um grito na minha garganta, quando, disfarçadamente, ela me dá um


beliscão.

— Tenho certeza que podemos esperar.


Seu sorriso em minha direção também é fingido.

Devolvo o sorriso e encaro Levi, sabendo que não sairemos daqui tão cedo.

— Posso saber para onde as donzelas vão agora?

— Para o ensaio — Savannah explica por mim. — Eu sou líder de torcida do


time de rugby, e a Gabriella está nos ajudando no momento, dançando com a
gente.

— Ah, é? — soa curioso e não para de me fitar, erguendo uma sobrancelha.

— Sua amiga não me contou que tinha voltado a dançar.

— Foi recente, por causa de uma das meninas que se acidentou. Fiquei
desesperada e pedi ajuda à Gabi, ela é muito boa no que faz.

— Posso imaginar que sim. — Morde os lábios e em nenhum momento,


volta seu olhar para Savannah. Por que que ele não olha para Savannah, só
para mim? Não é com ela que ele está conversando? — Mas você deveria
ter me contado, Gabriella. Sabe que eu gosto de me atualizar sobre a sua
vida.

— Para que, para você desaparecer em seguida? — Fricciono os meus lábios


na mesma hora em que percebo o que acabou de escapar por eles.

Que ódio, a informação nem mesmo passou pelo meu cérebro, só saiu,
escapuliu.

Ele não responde, apenas me olha, a tensão crescendo entre nós.

— Ah, minha nossa — Savannah acaba nos assustando. — Já saquei o que


tá rolando aqui. Agora, eu entendi tudo. — Alterna o olhar entre mim e Levi,
conforme aponta para nós. — Vocês... vocês dois... Ah, meu Deus.
Realmente faz sentido. — Se volta para mim. — Por isso que estava dizendo
aquelas coisas sobre ele, certo? Vocês... têm algo.
— O quê? — eu grito, realmente assustada. — Não, não, não. Você está
entendendo errado.

Ao invés de ajudar a desmentir essa merda, Levi só atrapalha, do mesmo


jeito que fez com Cody.

— É que nós temos meio que uma história juntos, Savannah. Seja lá o que
ela tenha te dito, não acredite, ela provavelmente está com raiva de mim,
porque fiquei uns dias sem vê-la, depois de um momento superimportante e
esclarecedor que passamos juntos.

Meu rosto esquenta de raiva.

— É melhor eu deixar vocês conversarem. — Savannah Summers se prepara


para ir embora. — Ah, Gabriella, me desculpe por quase ter dado em cima
dele, eu deveria ter percebido o seu ciúme. Me desculpe mesmo, de coração,
não sou uma amiga talarica, e você sabe disso. Pode ter poucos homens na
cidade, mas eu jamais quero roubar o que é dos outros.

— Puta merda, Savannah, não é isso...

— Boa sorte, amiga. Eu te espero no campo em alguns minutos. — Antes de


girar nos seus saltos, a loira para por um momento. — Levi, foi um prazer te
conhecer. Você é realmente muito parecido com o seu irmão e
provavelmente, não só na aparência, já que também está querendo entrar
para a família Faulkner.

Espero que consiga, e ela te perdoe, porque você é muito bonito.

— Não tenho nada a ver com meu irmão, mas muito obrigado, Savannah.

Você também é bonita.

Ela sorri, acena e vai embora, como se quisesse nos deixar a sós o mais
rápido possível.

— Sério? — Cruzo os braços em frente ao peito. — Você também é bonita?


— Imito a sua voz, quando repasso sua frase. — Você faz com que a minha
amiga acredite que temos alguma coisa e depois dá em cima dela na maior
cara de pau?

— Não fique com ciúmes, bruxinha. Eu tinha que ser educado. — Dá de


ombros, com desdém, porém seus olhos brilham em divertimento. — Ou
você queria que eu acabasse com a autoestima dela ao dizer que, não importa
o quanto ela tente, jamais chegará aos seus pés? Porque é exatamente isso
que eu acho.

— Você é um mentiroso — acuso com convicção. — E sério, não estou a


fim de conversar. Você não pode simplesmente desaparecer e voltar quando
bem entender, as coisas não funcionam só no seu tempo.

— O que você gostaria que eu fizesse? Eu estava tentando colocar a minha


cabeça em ordem depois do que aconteceu, Gabriella. Eu não sabia se fugia,
se deixava tudo para trás, se falava com você sobre o acontecido ou se fingia
que ele nunca existiu, porque não conseguia suportar a ideia de que deixei a
garota que me odeia descobrir sobre a minha maior fraqueza, sendo que eu
nunca contei ou mostrei a ninguém. Nunca. Em mais de século.

Exatamente como eu tinha suspeitado.

E Levi parece sério, parece transtornado, mais uma vez, me deixando vê-lo
por completo.

— Você viu como eu fico, não é uma coisa da qual me orgulho e com a qual
consigo lidar tranquilamente — expõe baixinho, quase não querendo que eu
escute. — E eu ainda não sei lidar com o fato de que outra pessoa sabe, e
que essa pessoa é você. Aposto que está me achando fraco, uma completa
farsa e, sinceramente, por causa disso, não queria mais te ver, estava certo
que iria te deixar em paz. Entretanto... não consegui. Você me assistiu,
poderia muito bem ter virado as costas e me deixado ali, não tinha motivo
nenhum para me ajudar, mas mesmo assim, ajudou. Tirou a minha dor, e eu
queria... eu queria... hm... t-te... —

Deixa tudo no ar e fecha a boca.


— Você queria...?

Insisto e posso imaginar o que ele quer, e não consegue falar.

Um simples obrigado parece ser extremamente difícil de sair de Levi.

— Te... — continua gaguejando. — Eu queria... — Fita o chão, mordendo os


lábios. — Merda, Gabriella, você sabe o que eu quero dizer.

— Na verdade, eu não sei, não. Seja mais claro.

— Euqueriateagradecer.

Todas as palavras saem emboladas por causa da pressa, como se assim,


achasse que não fosse ficar registrado em meu cérebro. Pois coloco as mãos
em cada lado da minha cabeça, nas orelhas, e finjo que não ouvi mesmo.

— Sua voz não está me alcançando, fale mais alto.

— Gabriella...

— Hã? — grito e continuo com as mãos tampando os ouvidos. — Sério,


muito barulho, não estou te escutando.

Sem paciência, ele abaixa as minhas mãos e as segura com as suas.

Por causa da nossa diferença de altura, eu tombo a cabeça para trás, para
olhar seu rosto com precisão.

— Eu queria te agradecer — diz, agora pausadamente. — Desde que fez


aquele feitiço, não tive, ainda, nenhum sintoma. Eu... acho que você me
ajudou muito.

— Pode ter sido a planta, ela serviu de canalizador, tirou a sua dor e resgatou
a sua força, o que pode significar que você não precisa, necessariamente, de
uma pedra, pode ser qualquer coisa ligada à natureza. — Fico perto de Levi,
para que não corra o risco de outras pessoas escutarem nossa conversa. —
Pode ser que funcione com alguma erva, sabia? Você poderia, todo dia,
tomar um pouco e assim ir conhecendo melhor seu corpo, seu lado humano e
o seu lado vampiro, aquele

que pode controlar e aquele que quer te controlar. Lembrando que não é
certeza, mas pode ter sentido.

— Sabe... — Ele se perde um pouco em pensamentos, parecendo que está


tentando se lembrar de alguma coisa importante. — Recentemente, eu
conheci a filha de uma bruxa, ela tem um bar na cidade em que eu estava
antes de vir para cá, e assim que eu cheguei no estabelecimento, mesmo não
tendo desenvolvido o lado dos poderes, me reconheceu como vampiro e me
deu uma bebida que poderia facilmente me matar. Um momento depois,
quando mostrei que estava em missão de paz, ela disse que também tinha
feito aquela bebida com uma erva. Você falando agora, pode ser que
realmente possa ajudar.

— A gente pode testar e ver no que dá.

— Sim, podemos. — Assente. — Você... não falou para ninguém, certo?

— Não, Levi, eu não falei. Eu mantenho minha promessa.

— Certo. — Assente de novo. — E também não vai usar isso contra mim
um dia, vai? Lembre-se que eu te livrei do seu destino e que estou aqui para
te proteger, e te manter viva, indo contra tudo o que acreditei por décadas e
décadas.

Abri mão de muita coisa, inclusive do meu próprio orgulho, e quando fiz
aquele trato com você, quando demos as mãos, eu estava mesmo empenhado
em firmar algo sério.

— Não vou usar — soo sincera e percebo que precisa escutar isso vindo de
mim. — Se eu estou aqui cumprindo com o nosso trato, querendo fazer as
coisas melhorarem para você, como vou parar, para usar contra você um dia?
Até lá, não passará mais por nada disso, ou seja, não terei nada para passar
na sua cara, pode ficar despreocupado.
— Hm, ok. Tem razão.

Balanço a cabeça.

— E espero que isso signifique que você não vai mais sair fugindo de mim
por aí, não quando estamos com problemas, precisamos resolvê-los e
estamos todos te esperando abrir a boca.

— É, sobre isso, já conversei com Luca, disse que estava pronto para nos
reunirmos de novo e dessa vez, para falar tudo que sei.

— E ele?

— Aceitou, disse que ia chamar você e Evelyn, e que eu deveria chamar


Devon e Larkin.

Faço um bico de lado.

— Estranho, ainda não recebi nenhum convite.

— É porque foi hoje, antes de eu vir até aqui. Acho que meu irmão também
estava me dando um tempo, enquanto me observava, para ver se eu tinha
algum comportamento estranho e suspeito. Mas fique tranquila, ele não
encontrou nada, estou mesmo empenhado a trabalhar para derrotar Vladimir
Vampir.

O relógio no meu pulso me mostra que estou atrasada, e fico agitada.

— Certo, a gente pode conversar melhor outra hora? — Viro sobre os


ombros, de olho na movimentação. — Preciso ensaiar com Savannah e as
outras meninas.

Levi aceita, só que antes de eu conseguir me virar por completo, ele me para.

— Tem mais uma coisa que preciso te dizer.

Ergo a sobrancelha, querendo implicitamente que continue.


— Acabei de dizer ao reitor que fui transferido de outra universidade para a
Emerald Grave University.

Meu queixo vai ao chão.

— O que? — Começo a piscar com insistência. — Como? Por quê?

Joga os braços para cima e para baixo.

— Percebi que é um saco ficar em casa o dia inteiro, quero fingir poder ser
um jovem humano, como meu querido irmão gêmeo. Para ele gostar tanto
dessa vida, pelo menos, tem que ser minimamente interessante.

Não sei que mania é essa, que do nada adquiriu, mas pega um cacho do meu
cabelo e começa a brincar, ao envolvê-lo no seu dedo. Aproveita a
oportunidade para se aproximar, encaixando os lábios próximos da minha
orelha, para sussurrar:

— E também estarei aqui para ficar de olho em você, bruxa. Esse é o motivo
principal.

Eu até poderia perguntar de novo como foi que conseguiu fazer isso sem
documento, porém seria estupidez.

Ele é um vampiro, e vampiro consegue fazer literalmente qualquer coisa.


— Vamos, meninas! — Savannah grita, ao erguer os seus pompons para o
alto. — Cinco, quatro, três, dois, um...

A música escolhida explode na caixa de som, e é um remix de Can’t


Remember to Forgert You da Shakira com a Rihanna.

Me animo, porque eu adoro essa. Acho que é uma música incapaz de


envelhecer, incapaz de perder a graça. Toda vez que eu escuto, me sinto
como se estivesse fazendo parte do vídeo clipe. É uma batida sensual,
divertida, nostálgica e que dá para usar e abusar na dança, que é o que
Summers está fazendo nesse momento.

Ela ensina os passos, remexendo seu corpo curvilíneo, e a gente repete. No


começo, não é difícil, é basicamente puro instinto, e eu vou me adaptando,
porque não gosto nem um pouco da ideia de ficar para trás. E logo, logo o
time de rugby entrará em cena para as competições, o que significa que eles
precisarão tanto de nós, quanto precisarão do fervor da torcida, quando
estiverem nas disputas em casa.
Savannah não quer que nada saia errado, ela quer ser perfeita. Todas nós
queremos, na verdade. Ninguém está aqui por brincadeira, cada uma tem seu
desejo, seu sonho, e não importa a forma como fomos trazidas para cá, o que
importa é que não sairemos até que consigamos entregar tudo de nós.

— Felicity, trocar de lugar com a Gabriella! — Sav manda, relembrando a


ordem. — Agora!

Vou para o lugar de Felicity, e Felicity vem para o meu.

Antes atrás, agora estou completamente na frente.

The way he makes me feel like

(A maneira como ele me faz sentir)

The way he makes me feel, I never seemed to act so stupid (A maneira como
ele me faz sentir, nunca agi de forma tão estúpida) Oh, there we go

(Oh, aqui vamos nós de novo)

He a part of me now

(Ele é uma parte de mim agora)

He a part of me

(Ele é uma parte de mim)

So where he goes, I follow, follow, follow, oh

(Então, onde ele vai, eu sigo, sigo, sigo, oh)

Na parte do refrão, que é justamente a parte em que eu viro meu corpo


minimamente para o lado, é quando percebo uma movimentação nas
arquibancadas, lá no alto. Meu coração dispara, meus pelos eriçam, e eu sou
atraída para a figura emblemática de Levi Vodrak.
O vampiro ainda não foi embora.

Ele resolveu ficar, para me ver dançar. Nem sei se as outras percebem a sua
figura aqui, me acompanhando com os olhos por trás dos óculos, mas eu
estou muito ciente, e acho que isso já é o bastante.

Mesmo longe, ele parece muito, muito perto.

Mesmo sem nem falar nada, ouço a sua voz na minha cabeça.

Gotículas de suor se formam em minha testa, e eu tento não ficar subindo o


olhar para vê-lo, porque vou me perder, porém se torna uma tarefa
impossível, e eu nem entendo o motivo. Meu corpo é que parece entender
muito melhor que eu, pois se antes ele estava se entregando na dança, agora
ele se entrega muito mais, como se quisesse, de alguma forma, se sobressair
às outras meninas, coisa que nunca, nunca, aconteceu antes.

Eu não deveria me importar que Levi as visse dançando, não deveria estar
com essa coisa em mente de que preciso ser a melhor, de que preciso que
seus olhos estejam em mim o tempo todo, sempre nas minhas curvas, vendo
as coisas loucas e mágicas que posso fazer com elas enquanto danço.

Eu não deveria fazer isso.

E eu, definitivamente, não deveria chamar a sua atenção.

Merda, eu não sei nem o que é que está acontecendo comigo, só sei que não
importa sobre o que seja, Levi Vodrak sempre me deixa com os nervos à flor
da pele.

Embora eu não me reconheça agora, continuo.

Passo, devagar, as mãos pelo meu corpo, jogando o cabelo, rebolando e


sensualizando um pouco mais do que a música pede. É a minha hora de
mostrar o meu talento, de mostrar que posso ser tão poderosa como humana,
como posso ser como bruxa, e faço sim, questão de olhá-lo, porque se Levi
soube sobre a minha vida inteira, enquanto estava pesquisando, é bom que
presencie mesmo o meu lado líder de torcida e perceba que sou boa em
absolutamente qualquer coisa que me proponho a fazer.

Que sou boa dançando.

Que sou boa nessa coreografia.

Que sou boa descendo até o chão, rodopiando, percorrendo o campo de


rugby como se ele fosse só meu.

E não importa o que eu faça, ele permanece lá.

Parado, focado, tipo estátua, parece assistir o melhor jogo de todos os


tempos, aquele que, caso você pisque, pode perder grande parte da emoção,
e não é isso que Levi quer.

E eu também não vou deixar que perca.

Faltando pouco para acabar, meu coração já batendo descontroladamente no


peito, eu viro de costas, ao lado de Savannah e todas as outras, e começo a
balançar a bunda junto delas, remexendo-a de um lado para o outro, depois
subindo e descendo mais uma vez, até o chão.

Eu me separo, espero que comecem a se posicionar para a pirâmide e corro


até elas, sendo, aos poucos, levantada.

Sem nenhum erro de execução e já no topo, eu ergo um dos braços e vibro,


porque saiu mais do que perfeito.

E na altura do vampiro, com meus lábios erguidos num sorriso, pisco, como
quem quer dizer: viu só, arrasei, espero que tenha olhado cada segundo.
As meninas me colocam no chão de novo, e com elas também vibrando, a
gente se abraça e dá pulinhos de alegria.

Eufórica, eu olho de novo para a arquibancada.

Meu sorriso se perde automaticamente.

Porque Levi não se encontra mais no lugar em que estava sentado, agora está
tudo vazio, sem nenhum sinal dele.

Observo os outros cantos, mas também nada dele.

Será que esse momento existiu mesmo e ele estava aqui ou eu apenas
inventei tudo na minha mente?

Depois do ensaio, as meninas saíram logo do campo, e eu fiquei lá, só


tentando entender o que diabos tinha acontecido.

Acho que acabei ficando mais tempo lá do que o necessário, pois, quando
retornei ao vestiário com as mesmas dúvidas em minha mente, as meninas
tinham ido embora.

Eu tinha perdido a diversão do pós-treino e tinha ficado sozinha para tomar


meu banho, mas até que, no fim, não foi um problema tão grande, visto que
pude pensar, refletir e desfrutar da minha própria companhia, sem toda
aquela gritaria costumeira.
Eu relaxei.

Ou ao menos, tentei.

Minha cabeça estava e ainda se encontra a mil por hora, meus pensamentos
estão bagunçados, tumultuados, e eles meio que brigam entre si, já que,
sinceramente, meus próprios sentimentos estão em conflito.

Não sei o que foi que aconteceu mais cedo.

Juro, não sei mesmo.

Durante todo esse tempo, estou duvidando da minha própria sanidade


mental, porque eu tinha certeza absoluta de que era ele. Eu estava vendo-o
lá, estava praticamente ocupando todos os lugares, entrando na minha
corrente sanguínea e bombeando meu peito com adrenalina.

Contudo, outra coisa também não saía da minha mente: Por quê?

Por que eu fiquei daquele jeito? Por que quis mostrar alguma coisa para
Levi, se Levi não tem nada a ver com a droga da minha vida?

Por que pareci tão... desesperada por atenção?

E por que raios, ele foi embora sem mais nem menos?

Só pode ser isso que aconteceu, não estou ficando louca, muito menos tendo
delírios ou alucinações.

Balanço a cabeça.

Já chega de pensar nisso.

Desligo o registro do chuveiro, tiro o excesso de água do meu cabelo e pego


a toalha para me secar. Uma vez que não estou mais molhada, a enrolo no
meu corpo, dou um nó firme e saio da cabine, prestando atenção se nenhuma
menina voltou para pegar mais alguma coisa que talvez possa ter esquecido.
Porém não, tudo continua silencioso, tranquilo e do mesmo jeito que
encontrei.

Sigo adiante, vou atrás do meu armário, ponho a minha senha e me assusto,
quando as luzes começam a piscar, como se estivessem muito perto de
falhar.

Me viro, observando o teto.

Piscam, piscam, piscam e... param.

Voltam ao normal e ficam assim por um minuto inteiro, o que significa, pelo
que eu acredito, que não vão mais dar problema.

Ciente disso, volto para pegar as minhas coisas no armário e é quando ouço
passos.

Bem de longe, quase imperceptível, mas que eu escuto muito bem.

A veia do meu pescoço começa a latejar com o medo de quem pode estar
aqui, e, na ponta dos pés, eu ando para ver se consigo encontrar alguma
coisa.

Mais passos.

Sons se tornando mais audíveis.

Minha respiração se torna desregulada, e uma única gota de apreensão


desliza pela minha espinha.

— Olá? — grito, aguçando minha audição. De repente, uma porta de


armário batendo estronda no silêncio, me assustando mais um pouco. —
Quem está aí?

Não tem reposta, porém meu corpo parece sofrer uma descarga elétrica, e eu
me arrepio toda com a sensação.
Vultos passam por mim bem na hora, como se uma coisa muito rápida
estivesse indo e voltando, de forma sobrenatural.

Meus pés ficam no mesmo lugar, e eu paro tanto de andar, quanto de tentar
entender, porque não há mais dúvidas de quem se trata.

É ele. De novo.

— Aparece, Levi. — Cruzo os braços e bato o pé, vendo-o praticamente


dançar pelo vestiário na velocidade da luz. — Deixa de graça, eu já sei que é
você, não vai me assustar.

É só mencionar isso, que o vampiro se materializa na minha frente, me


levando consigo para que eu cole minhas costas em um dos armários,
praticamente me prendendo contra seu corpo. Eu entreabro os lábios, um
pouco surpresa pela rapidez com que é capaz de se mover e me levar junto
para qualquer lugar que quiser. Mesmo já tendo feito isso comigo algumas
vezes, ainda parece surreal, e não dá para se acostumar.

— Olá, bruxinha. — Suas mãos voam para os armários, espalmadas em cada


lado da minha cabeça. Dessa forma, Levi consegue ficar ainda mais perto, e
eu consigo ver melhor quando lambe os lábios e sorri para mim, da maneira
mais sacana possível. — Poderia ser Vladimir, poderia ser qualquer vampiro
que quisesse te atormentar. Por que estava tão convicta de que era eu?

Porque eu... senti.

— Porque você tem essas manias — desconverso, falando a primeira coisa


que vem em minha cabeça. — E porque estava aqui na faculdade, seria
muito mais fácil ser você, do que qualquer outro.

— E a minha presença não é mais capaz de te assustar? — Ele está sem os


óculos dessa vez, o que me faz olhar dentro dos seus olhos, coisa que,
quando está à luz do dia, quase nunca acontece. E ele me esquadrinha de
volta, cheio de intensidade e malícia, e quando desce para o meu colo, para
ver meu pescoço e toda a minha pele exposta por causa do jeito como
coloquei a toalha, as suas írises pioram e quase parecem monstruosas, de tão
selvagens. Merda, merda, merda.

Não acredito que estou deixando-o me ver assim. — Está tão confortável
assim na minha frente, bruxa? Que não pensa mais que posso te matar, que
não liga mais para as suas vestes diante da minha presença?

— Primeiro, você não vai mais me matar, já teve oportunidade de sobra. E

em relação à minha roupa, você invadiu meu banho, seu idiota, como posso
me trocar, se você simplesmente me prensou aqui?

— Ah, não seja por isso, eu te deixo livre, se isso significar que vai fazer
agora, na minha frente.

— Só se for nos seus sonhos.

Meneia a cabeça.

— É, nos meus sonhos acontece mesmo.

Franzo o nariz em uma careta.

— Muito engraçadinho.

— Não contei nenhuma piada, Gabriella.

E fica sério, me fazendo bufar.

— Por favor, saia daqui — peço e tento empurra-lo para trás, que, como em
todas as vezes, é inútil, pois, além do corpo forte e alto como a Muralha da
China, ainda tem a força de um vampiro. — É sério, estou sendo educada,
saia já daqui, não posso ficar com você nessas condições. E esse lugar aqui,
não é lugar para você.

— Você é tão hipócrita, bruxa — zomba, voltando com seu ar de graça. —


Não pode ficar de toalha enquanto estamos sozinhos, mas pode dançar e
rebolar para mim na frente de todas as suas amigas?

Eu sei que eu sempre digo que não sou de ficar corada, mas dessa vez,
minhas bochechas e meu rosto inteiro esquentam de vergonha.

Ele estava mesmo lá, Gabriella, não era imaginação, a voz diabólica do
meu subconsciente cantarola. Ele te viu, ele te notou e ele, com certeza, pôde
ver seu lado perverso e sujo, que queria atenção do único homem no planeta
que você não poderia querer.

Não.

Não foi isso que aconteceu, eu...

Movimento a cabeça de um lado para o outro, despistando todos os


pensamentos.

— Não foi isso que aconteceu — consigo externar, com a voz arrastada e
nervosa. — Você... entendeu errado.

Levi ri de forma gutural, obviamente não acreditando em minhas palavras.

— Todo mundo para você entende errado, não é? Cody, sua amiga
Savannah, eu. Pode mudar o disco, já não está mais colando com ninguém.

Me fazendo prender todo o ar nos pulmões, Levi desce uma única mão e
começa a deslizar os dedos por todo o meu braço, em seguida fazendo o
caminho de volta, para poder alcançar o meu ombro desnudo. Não gosto da
reação involuntária que meu corpo tem, reagindo, e pior, gostando do seu
toque. Deveria me repelir, não me atrair, afinal, não é porque vi o que vi na
floresta, que vou parar de senti tudo o que senti durante tanto tempo. Não é
porque resolveu vir até mim e continua me mostrando sua parte fraca e
minimamente humana, que tudo vai ficar bem. Não, não vai. Não pode ficar.

— Acho que você já percebeu, Gabriella, não tem como fugir. Nós temos
uma história, errada, problemática, do avesso, seja o que for, mas temos.
Temos uma conexão também, um imã, que nos puxa para perto um do outro.
E depois do

feitiço na floresta, só intensificou. Não sei se naquela hora que me abraçou,


você deu um jeito de mexer com a porra da minha cabeça, mas agora eu só
consigo querer, de alguma forma, ficar perto de você. Acho que estou... com
medo de te perder de vista e passar por aquilo de novo sozinho. Eu só... não
aguento mais. Eu preciso de alguém que me entenda.

— Pare com isso — imploro, e merda, não estou entendendo essa minha
estúpida vontade de chorar. — Pare de se abrir pra mim, para de querer esse
tipo de aproximação e contato, tudo que estou fazendo é por causa de
Vladimir, para que fique bem e forte para me ajudar, para ajudar a Luca. Não
coloque em mim essa responsabilidade, não me veja com outros olhos,
porque eu não consigo suportar a ideia de querer te ajudar só... por querer.
Você sabe o que fez para mim, sabe o que fez para a minha família, nada do
que tente me mostrar agora, vai mudar isso. Nada. Eu te odeio!

— E acha que eu também não te odeio? Acha que eu não me odeio? — Seu
tom de voz se altera, seu peito infla de ar, e Levi parece completamente puto,
com o maxilar trincado. Ele até se afasta, chutando a lixeira para o lado. —
Acha que eu queria estar aqui, confessando todas essas merdas para você?
Acha que eu queria esquecer todo o mal que sua família me fez? E você sabe
o tamanho do estrago, você viu com seus próprios olhos, e aposto que pôde
entender, pelo menos um pouquinho, os meus motivos de vingança. Tudo
bem, eu entendo que pode parecer horrível para quem está de fora, eu
entendo que seja coisa de monstro, mas é a porra do que eu sou! É nisso que
me transformaram!

Num piscar de olhos, já está na minha frente de novo, me fazendo,


assustada, bater outra vez contra os armários.

— As mesmas questões que você tem, eu também tenho, não percebe isso?

— Coloca a mão acima da minha cabeça de novo, e com a outra, toca meu
queixo, para que eu possa olhá-lo, para que eu possa, novamente, ver aquela
dor em seus olhos. — Nós dois estamos fodidos, não podemos gostar um do
outro, nem como amigo, nem como porra nenhuma. A história toda diz por
nós, você é uma Salazar, eu sou um Vodrak. Você é uma bruxa, eu sou um
vampiro. Durante décadas e décadas, estivemos em lados opostos, e
basicamente, por minha causa. Mas agora eu estou aqui, na sua frente, te
dizendo que, talvez, só talvez, eu não me importe mais com todas essas
baboseiras que eu mesmo criei, porque estou, em suma, gritando por
socorro, coisa que também, por anos e anos, não consegui fazer, por decidir
engolir cada maldito sofrimento calado. Entre você e eu, quem está na pior?
Quem que está precisando se humilhar, só por precisar de um braço para se
apoiar? Lembre-se, você não me mostrou suas fraquezas, Gabriella Faulkner,
e eu

fiz isso, sem nem querer, sem nem perceber. Está a quilômetros de distância
na minha frente, como pode estar com medo?

Cravo os incisivos no meu lábio inferior, ao senti-lo trêmulo, sabendo que


minha garganta também se encontra péssima, cheia de nó, embargada.

— Você é covarde — dispara. — Você quer me ter ao seu lado, eu sei,


demonstrou isso quando ficou toda com raivinha, quando eu apareci hoje,
depois de ter passado uns dias recluso, só não é fodona o suficiente para
bater no peito e assumir isso, querendo mentir para mim e para si mesma que
é só por proteção, sendo que sabe muito bem que não é.

— Você matou pessoas, destruiu a vida de inocentes, me tirou uma vida com
os meus pais biológicos. — Sinto o choro preso, praticamente fechar toda a
minha garganta. — Como eu posso deixar isso de lado? Como eu posso
ignorar algo tão grave? — Empurro a sua mão do meu queixo, e Levi parece
fraco, porque eu o empurro para me livrar da sua proximidade, e ele cede. —
Se não fosse por essa história de colar e de Vladimir, a uma hora dessas, eu
estaria correndo de você, tentando me manter a salvo. Sem nenhum tipo de
pena ou compaixão, me mataria sem nem hesitar e sem nem pensar. Sem
pensar em quem eu sou, sem pensar que tipo de mulher eu gostaria de ser e,
principalmente, sem se dar ao trabalho de descobrir minhas dores ou as
minhas lutas. Se você não faria isso por mim, por que eu tenho que fazer por
você?
Vejo que continua apertando forte sua mandíbula, em silêncio, e sei que o
deixei sem argumentos.

— Eu vou te ajudar com o que você sente, mas é só isso — declaro, tentando
soar convicta. — É a minha parte bruxa te ajudando, não eu, Gabriella. É
tudo pensado na luta que está por vir, não pensando em você, Levi. Então,
por favor, pare de me tocar, pare de me prender em seus braços, pare de
tentar bagunçar a minha cabeça e a dos meus amigos com essa historinha de
que temos uma conexão pessoal. Não temos — sibilo para que entenda. —
Pode me falar suas dores quando estivermos juntos, pode desabafar, mas não
quero que interprete de outra forma, a não ser pela que é, que é para eu poder
saber direito o que fazer na hora de conduzir o feitiço. Eu não vou ser sua
amiga, eu não vou estar ao seu lado em todos os momentos, não posso,
então, se quiser uma pessoa para se apoiar, chame o seu irmão. Não projete
em mim essa figura.

Ouço seus passos soando para se aproximar, o que me faz dar a volta.

No mesmo segundo, o sinto parar às minhas costas.

Me sinto estúpida.

Por ainda estar de toalha, por estar tendo essa conversa, por estar tão
estranha e tão... irreconhecível.

— Você me ouviu alguma vez hoje, dizer que eu quero que você seja minha
amiga? — Arrepio. Outro maldito arrepio, quando Levi encosta seu corpo
em minhas costas, minha bunda perto de uma área extremamente perigosa.
Se só o fato de ter se aproximado abala as minhas estruturas, cada músculo
meu fica pior e se contrai, quando resolve tocar a minha cintura. — Eu não
sei se amigos são capazes de sentir o que você está me fazendo sentir,
bruxinha. Você dançou na porcaria daquela mini saia de líder de torcida e me
deixou tão, mas tão duro. Te vi rebolar gostoso e se eu já não estivesse
morto, teria morrido bem ali, e por sua causa. — Me pressiona mais contra
seu quadril, e eu, sem querer, gemo baixinho.
Porra. — Amigos não fazem isso, acho que inimigos também não. E esse
som que você acabou de fazer, mocinha, tenho certeza que não é de raiva.

Tão rápido quanto é capaz de se movimentar, Levi me gira, agora com as


duas mãos em minha cintura.

— Pode ter certeza, bruxa, nada do que aconteça entre nós, vai fazer com
que eu pare de odiá-la. Não tem como não odiar alguém que é proibida para
mim.

— Me solte.

Faz que não com a cabeça, e seus olhos descem para os meus lábios.

— Você pode até ser um pecado, mas eu vivo há mais de um século sendo
pecador.

Levi me traz em um solavanco para mais perto, enganchando sua mão em o


meu pescoço. Se eu já estava sem reação, me reteso ainda mais quando ele
começa a se aproximar.

De mim.

Da minha...

Ah, não.

Não, não, não.

Sinto um gelo profundo.

E é da sua boca tocando os meus lábios.

Fico em choque, meus olhos arregalados, e ele continua com os lábios


pressionados nos meus.

Não sei por quanto tempo ficamos parados assim, com Levi me agarrando, e
eu parecendo uma estátua de cerâmica exposta em um museu, mas para
mim, parece uma eternidade, já que o mundo ao nosso redor congela.

Eu só percebo, de fato, o que está acontecendo, quando tenta empurrar sua


língua por entre meus lábios, pedindo passagem para me beijar.

No susto, só percebo o que estou fazendo, quando o vejo se afastar e


começar a ficar de joelhos, com a mão na cabeça.

— Ai! — grita, com dor, pois estou fritando seu cérebro com o poder da
minha mente. — Para! Para com isso, Gabriella!

Eu paro, porém não sem antes dizer:

— Por amor à sua vida, nunca mais ouse fazer isso de novo. Nunca mais.

Meu olhar é cortante, antes de eu pegar as minhas roupas e correr para a


cabine, me trancando dentro.

Abraço meu próprio corpo e espero, tremendo, que vá embora.


Voltei para casa da mesma forma que saí daquele vestiário, tremendo.

Aquela conversa e aquele quase beijo não estavam saindo da minha cabeça,
e por mais que eu tentasse me distrair com outros assuntos, nada conseguia
mudar a rota dos meus pensamentos.

Eu estava nervosa.

Angustiada.

Revoltada.

Inconformada.

Como ele teve a coragem de me falar aquelas coisas?

Não, como ele teve coragem de me... beijar?


Não conseguia entender de onde tinha vindo tamanha audácia e ousadia.

Era simplesmente enlouquecedor pensar que, de repente, as coisas mudaram


entre nós.

Levi, antes queria minha cabeça, e agora parecia querer arrancar meu
coração para fora do peito.

Apavorante. Totalmente apavorante.

No entanto, só não era mais apavorante do que as coisas tenebrosas que senti
quando se aproximou, me tocando. Eu perdi o fôlego, perdi a noção do
tempo, do espaço, do certo e do errado e só fiquei ali, parada, não
conseguindo me mover, como se estivesse somente esperando seus próximos
passos.

Na hora, minha mente gritava, soando alertas vermelhos, contudo, meu


corpo não escutava, ou pelo menos, fingia que não, já que fazia as coisas por
conta própria.

Eu detestei cada segundo e odiei quando achou que podia me beijar.

Afinal, quem Levi Vodrak pensava que eu era? Uma garota movida apenas a
desejos? Uma garota sem escrúpulos, que esquece as coisas rápido?

Tudo bem que ele é lindo, um gato e faz completamente o meu estilo,
entretanto, nós somos incompatíveis nessa vida. Se fosse em outra, eu
poderia aceitar seu beijo e tudo que quisesse me oferecer, porém nessa, nem
se fosse o último homem na terra.

Ele fez coisas terríveis, monstruosas, coisas que me afetaram, e não dá para
passar pano.

Eu não ia passar pano, não importa o quanto tente me mostrar o que a


maldição de uma Salazar fez com ele.

Continuo decidida a ajudá-lo, entretanto, se pensa que seria capaz de me


manipular ou de repetir o que fez no vestiário, está muito enganado.
Eu não o deixaria mais me tocar. De nenhuma forma. Nunca mais.

E eu juro que não queria ter que vê-lo, ainda mais tão precocemente, com o
meu pensamento ainda sendo todo sobre ele, porém estamos aqui, na sala da
casa de Luca, para escutá-lo falar sobre Vladimir.

Por ironia do destino e total azar meu, estou bem na sua frente e posso
analisar com propriedade a maneira como me olha. Não tem mais o brilho
lúdico nos seus olhos, não tem os lábios retorcidos em sorrisos maldosos, e
ele também não parece carregar mais, pelo menos por ora, a sua pose
arrogante e autoconfiante. Na realidade, para ser bem sincera, Levi está um
pouco cabisbaixo, não faz suas típicas piadas e se limita a falar apenas sobre
o assunto.

Não sei se os outros percebem, entretanto, eu percebo.

Deve ser porque ele está assim por sua causa, Gabriella, e só vocês sabem o
que passaram.

Ignoro a mim mesma, para conseguir me concentrar no que estão falando.

Se eu continuar dispersa assim, vão terminar, e eu vou continuar na mesma,


perdida, como se ninguém nunca tivesse falado nada.

— Vai, Levi, prossiga — Luca pede. — O que foi que você descobriu.

— Certo. — Ele tamborila os dedos em suas coxas. — Eu cheguei, e Larkin


e Devon vieram me avisar que Carter, um conhecido nosso, estava de
viagem numa cidade e acabou descobrindo dessa história de Vladimir, por
justamente ser o assunto mais comentado do local entre os seres
sobrenaturais. Ele disse que tinha um grupo liderado por Vampir, e que esses
vampiros estavam na missão de encontrar a Salazar sobrevivente, já que
sabiam que ela existia, e que nós, eu, meus amigos e Luca, já tínhamos ido
ao encontro dela. Carter falou, como eu também já tinha dito, que Vladimir
deseja quebrar a maldição de Thereza, após descobrir que há um jeito para
isso.
— E qual é o jeito? — Evelyn quer saber.

Viro minha atenção para ela e a vejo com algumas folhas em mãos,
provavelmente de sua própria pesquisa. Ela pode não ter nada a ver com essa
história e me deixar com muito medo de que acabe achando que pode
interferir de alguma forma, só por nós, para nos ajudar nessa confusão toda,
no entanto, já me garantiu que só está fazendo o seu papel de nerd que gosta
de estudar e buscar conhecimento.

Minha irmã me disse que esse era o único jeito que ela podia ajudar e pediu
encarecidamente que eu não atrapalhasse, porque já bastava Luca em seu pé.

Estou deixando, pois, embora preocupada, eu gosto de vê-la empenhada em


algo.

— Envolvendo a mim, Luca e Gabriella — ele responde, com as írises de


volta em mim. — Para quebrar o feitiço, como eu tinha dito, tem que fazer
um novo feitiço com os elementos que ainda mantêm de pé o feitiço antigo
que quer quebrar. Vladimir provavelmente vai precisar de outra bruxa, uma
que deve fazer parte de sua turma, já que Gabriella será usada de outra
forma. — Engole em seco, e sei que tem coisa ruim por vir. — O que quebra
a maldição, é o sangue de uma Salazar. Parece que o sangue será drenado do
corpo dela, literalmente como um sacrifício, para ela morrer, e assim, com
Vladimir conectado a ela, ele voltar a viver. Fiquei sabendo que é tipo uma
transferência de sangue, quase como uma transfusão que os humanos
conhecem, sai o de vampiro, e entra o de um humano, para, dessa forma, ele
voltar a ser um.
Um silêncio sepulcral se instala na sala quando Levi para de falar, e posso
perceber como todos eles se voltam para mim, preocupados. Minha irmã,
mesmo por trás dos seus óculos, dá para perceber que está prestes a chorar,
com lágrimas nos olhos.

Se antes estava preocupada e temendo por minha vida, saber dessa


informação, só piora o seu estado.

Evelyn tenta disfarçar e se afasta um pouco, não deixando que a gente olhe
muito para o seu rosto.

Eu continuo na minha, sem conseguir externar nada.

A verdade é que eu estou um completo caos por dentro, só não caio no chão,
porque já estou sentada.

— Mas... — Meu cunhado se perde nas próprias palavras e tenta reformular.

— Mas onde diabos foi capaz de encontrar uma informação dessas? Como
ele teve acesso a isso? Como descobriu que existe essa forma de quebrar a
maldição? —

Todas as perguntas saem uma atrás da outra, desenfreadas.

Devon e Larkin estão aqui também, então resolvem falar antes de Levi.

— Esse sacrifício ficou documentado — é o ruivo que explica. — Alguém


da linhagem Salazar, estudando o caso de Thereza, já que elas tomaram
posse dos feitiços e dos conhecimentos que a mulher tinha na época, mesmo
que poucos, o criou numa tentativa de ser possível reverter o que tinha sido
feito no passado.

Parece que Vladimir o achou.

Evelyn retorna para a posição em que estava e respira fundo.

— Certo, vamos recapitular. — Estende suas mãos, como se pedisse calma.


— Gabriella vai ter o papel dela nesse sacrifício, que é a questão do sangue,
mas e quanto a Luca e Levi? O que, teoricamente, teria que acontecer com
eles? — Dá para notar seu medo, sua angústia, está amedrontada, tanto pelo
amor da sua vida quanto pela sua irmã.

— A resposta para essa pergunta, nós ainda não temos — é Larkin mesmo
quem continua. — Porém, temos uma teoria. Acreditamos que tudo vai
envolver sangue para a quebra, tanto de Gabriella quanto de vocês,
provavelmente numa quantidade menor, e se não morrerem por isso, podem
morrer quando o véu da vida e da morte voltar ao eixo. Vocês dois podem,
simplesmente, evaporar, pararem de existir no exato segundo em que
Vladimir recuperar sua humanidade.

É como se tudo voltasse a Vampir, como se uma Salazar e um Vodrak nunca


tivessem existido no mundo. Gabriella é a última, sem ela, realmente não vai
existir mais ninguém.

Outro silêncio.

Dá para notar que, em todos aqui, novos medos são desbloqueados.

Meu coração se comprime, e mãos invisíveis apertam a minha garganta.

Guerra.

Automaticamente, lembro da visão da Sra. Moore, e meu corpo inteiro


congela de pavor.

Não demonstro, no entanto. Da mesma forma que fiz com a senhora, com a
nossa vizinha, eu fico quieta, querendo passar confiança, pois não vou e não
posso desestabilizar ainda mais a minha irmã.

Se ela me ver forte, vai ficar forte também.

— Qual vai ser o plano? — sou a primeira a soltar isso, na lata. — De que
forma todos nós aqui, vamos reverter essa maluquice? Porque nem fodendo,
que vou deixar aquele idiota usar do meu sangue e se transformar em
humano. Vou nem perguntar o motivo de ele querer se tornar um, deve ser
insuportável para ele pensar em passar a eternidade sozinho no corpo dele
mesmo.

— Dizem que é por amor. — A voz de Levi falando por cima da minha, me
faz fechar a boca rapidamente. — Que Vladimir, durante esses poucos
últimos anos, encontrou uma mulher humana por quem se apaixonou
perdidamente, por causa disso, não suporta a ideia de vê-la morrer e quer
fazer de tudo para conseguir reverter sua condição. — Quando revira os
olhos, é quando percebo que consigo ver o Levi que ele é. — O amor na vida
real é sempre diferente da fantasia, ele sempre vem para ferrar com tudo.
Mesma coisa das mulheres, que sempre arrumam um jeito de entrar na
cabeça dos homens, a ponto de eles serem capazes de fazer qualquer coisa
por elas. Patético.

Fita meu rosto de modo tão intenso que, por um momento, me questiono.

Isso por acaso foi algum tipo de indireta dirigida à minha pessoa?

Não, claro que não. Tem nem como.

— Não interessa o motivo. — Desvio do seu olhar compulsório, para mirar


Luca. — O que podemos fazer?

— Lutar — Devon Mars responde primeiro. — Não deixar que nos


alcancem.

— Eles são mais velhos que vocês — Evelyn relembra, como se ele não
estivesse pondo em consideração esse fato. — Não dá para confiarmos só na
luta, precisamos de um plano. Um plano bom.

— Não sei se vão gostar do que eu vou falar — receoso, Larkin entra de
volta na conversa. Todos nós o encaramos —, mas fiquei pensando nesse
sacrifício por dias, horas e horas a fio. Até que cheguei à conclusão de que
há sim, um jeito de revertermos isso, porque acredito que Vladimir não está
com o feitiço original, está provavelmente uma cópia, que encontrou em
algum lugar ou com alguém, e se foi feito por uma Salazar, passou de
geração para geração e só pode estar com, hm, vejamos bem, uma... Salazar.
— Aponta o dedo indicador para mim, e minhas sobrancelhas já se unem em
confusão. — E aí, quando Vladimir chegasse, nós, ou melhor, Gabriella,
usaria esse feitiço contra ele, usando um pouco do seu próprio

sangue e o sangue do vampiro mais antigo do mundo para transformar em


humanos... Luca e Levi, matando Vampir no processo.

— O quê? — os gêmeos dizem em uníssono.

— Foi só uma ideia. — Larkin balança os ombros. — Eu não sei se pode ser
possível, por causa do véu da vida e da morte. Gabriella, se fizesse isso,
também poderia morrer, ou por causa da força do feitiço ou porque,
deixando os Vodrak vivos, uma Salazar não possa existir no mundo. Tudo
sempre vai girar em volta desse véu.

Praticamente todas as nossas cabeças baixam, menos a de Luca.

— A gente pode tentar — fala e puxa Evelyn para perto. — Se for para
salvar todo mundo, eu não me importo de voltar a ser humano. Eu toparia,
pela Evelyn. Para passar o resto da vida com essa mulher.

Levi é o primeiro a revirar os olhos e a se levantar.

— É arriscado — diz, com raiva, para o irmão. — Pode nem dar certo, pode
simplesmente dar tudo errado. E eu não aceito, não aceito deixar de ser
vampiro.

Esse é quem eu sou e eu não vou mudar toda a porra da minha vida, para que
Luca possa viver feliz com a sua namoradinha. Quando arrumarem outro
jeito que não seja esse, me falem, que eu ajudo. Só que essa merda está
totalmente fora de questão.

E então, como um furacão, vira as costas para todo mundo e corre para subir
as escadas, e se esconder em seu quarto, coisa que atualmente está adorando
fazer, pelo visto.

Não quer lidar com problemas? Ótimo, vou sumir, e vocês que se danem. O
caralho que vai pensar assim.

Também revoltada e já com chamas por dentro, por tudo que está
acontecendo em tão pouco tempo, eu me levanto, abaixo o meu vestido e só
digo:

— Com licença.

Percorro o mesmo caminho que Levi fez, subo as escadas de dois em dois e,
mesmo não sabendo onde diabos está ficando nessa casa, eu começo a
procurar por ele pelo corredor.

O encontro pela porta entreaberta e entro sem nem pedir licença, fechando a
porta e nos trancando aqui dentro.

Levi está andando em círculos pelo quarto.

— É melhor sair daqui, Gabriella, estou te avisando — rosna, sem nem


erguer a cabeça para mim. — Vá embora, eu não quero ver você, porra!

— Abaixa o tom de voz, idiota! — também grito, com o dedo em riste e


ficando tão furiosa que, quando percebo, já estou em sua frente, ficando na
ponta

dos pés. — Querendo ou não, você vai me ouvir.

Ele aperta a ponta do nariz e serpenteia meu corpo para fugir de mim.

Não importa, eu vou atrás.

— Que show foi esse que deu lá embaixo, ofendendo o seu irmão e a minha
irmã a troco de nada, hein? — Cutuco as suas costas, quando se vira para
mim.

Acha que vai me parar? Rá! Estou só começando. — Tudo bem que você
poderia dizer que não queria fazer merda de sacrifício nenhum, que gostaria
de continuar sendo vampiro, coisa que eu também nem entendo se quisesse,
já que estava praticamente, há algumas horas, desabafando comigo que não
suporta a dor que carrega, mas agora ficar putinho por besteira, subir e
deixar todo mundo lá embaixo com cara de palhaço, já é demais. Estamos
nessa juntos, seu babaca, o Larkin e o Luca estavam tentando ajudar, não
precisava agir daquele jeito. E se Luca topou, foi por desespero, ele nem
estava pensando direito, e eu obviamente não ia dizer que aceitava algo
daquele tipo, sem antes pensarmos em outras soluções.

— Viu, Gabriella, tá bom. — Ao tentar abrir a porta para mim, eu o impeço.

— Inferno, garota. O que é que você quer? — diz entredentes.

— Sei lá, talvez tentar entender que porra passa na sua cabeça — esbravejo,
e Levi novamente marcha para outro canto do quarto, dessa vez, perto da
cama. —

Que tanto gosto é esse que você faz em ser vampiro, se tudo que essa merda
faz é te fazer sofrer? Que tanta raiva foi essa que você ficou por uma simples
pergunta?

Quanta hipocrisia. — Eu mesma dou risada, sem humor. — Diz que detesta
bruxas por uma delas ter te transformado nisso, saiu se vingando, e aí,
quando alguém diz que talvez você possa não sofrer mais, que talvez você
tenha uma chance, mesmo que mínima, de ser um garoto que nunca
conseguiu ser, a primeira coisa que passa na sua cabeça, é ficar com raiva?
Juro, não entendo. Não entra na minha cabeça.

Ou está mentindo para mim ou está mentindo para si mesmo, porque não
condiz com o que foi me dizer no vestiário.

Ele continua rodando, rodando e rodando.

Sua aparência parece cada vez mais obscura.

— Sério, me diz, por que está aqui? — Um passo, e já está parado à minha
frente. — Por que você está se importando se eu quero continuar com o meu
sofrimento ou não? Você mesma fez questão de jogar na minha cara que não
está nem aí — cospe as palavras com dor, dá para ver. — Vai, me diz,
Gabriella, por que você se importa? — Mais um passo. — Por que está
sozinha aqui comigo, tentando relembrar o que aconteceu no vestiário?

Fraquejo diante do seu olhar e me sinto tão, tão pequena.

— É, você continua sendo uma covarde. Foi o que eu pensei.

Fico inconformada.

Ele está mesmo me atacando? É sério?

Mesmo depois de tudo?

Não posso deixar barato.

— Se eu sou covarde, você é um hipócrita. — Faço questão de afundar o


meu indicador em seu peito, várias e várias vezes. — E um idiota, egoísta,
capaz de pensar em si mesmo sempre.

Quando estou prestes a empurrá-lo, prende meus pulsos com só uma das
mãos, nossas írises travando uma guerra também, tipo uma competição para
ver quem perde primeiro.

— Egoísta? Eu? — Libera uma risada anasalada. — Puta que pariu, não
pode ser possível. Tudo que você é capaz de fazer é me julgar, me julgar e
me julgar? Você nem sabe os meus motivos, nem sabe porque descartei e
decidi tirar aquela ideia estúpida da cabeça deles.

— Então fale. Me explique.

Nega.

— Você não merece uma explicação minha, Gabriella.

Tento me soltar do seu aperto, mas é em vão.

— Na verdade, aposto que é porque você não tem uma, aposto que é porque,
no fundo, no fundo, sabe que estou certa. É um egoísta, um mimadinho, um
esnobe.

— E você uma bruxa da pior espécie — devolve, labaredas dançando em


seus olhos. — Em todos os sentidos possíveis. Tanto metaforicamente,
quanto literalmente.

— Babaca.

— Teimosa — rosna.

— Bad boy mequetrefe de quinta.

— Líder de torcida gostosa.

— Tão burro, isso deveria ser uma ofensa?

— Não, é um elogio mesmo. Infelizmente, posso te chamar de tudo, menos


de feia, o que é uma merda e me faz logo perder a discussão.

Reviro os olhos, puxando meu braço.

— Não mude o foco da conversa.

— É só você parar de me distrair. Que tal se sair do meu quarto?

Bufo.

— Esse quarto nem é seu.

— Porra, para de implicar.

Estalo os meus lábios, passando por ele e batendo no seu corpo de propósito.

— Olha, vamos voltar para o começo. Por que você saiu daquela forma?

— Porque eu não quero te colocar em perigo! — grita, e, diante do que


escuto, fecho a boca e fico petrificada. — Porque eu não quero te colocar no
centro do furacão, não quero que tente algo que nem sabe se vai dar certo e
que claramente você pode morrer no processo. É, é isso mesmo que você
está ouvindo.

Não tem nada a ver com eu continuar sendo vampiro ou não, tem a ver com
você.

Satisfeita?

Pisco uma, duas, três, quatro, cinco vezes.

— Eu... — Me perco até no que quero falar, porque obviamente, não estava
esperando por isso. — Eu...

— Gabriella?

Não o escuto, continuo falando.

— Gabriella! — Chama a minha atenção, e eu paro para fitá-lo. — Está


acontecendo de novo. Minhas mãos estão tremendo. — As estica para que eu
veja.

— E minha cabeça está... querendo doer. Vai voltar. Ai, meu Deus, vai
voltar.

Vejo o desespero estampado em seu rosto e, me recordando do que teve na


floresta, saio do transe, desperto e corro em sua direção.

— Calma — peço. — Calma, Levi, calma. Senta aqui.

O conduzo até sua cama, e quando ele se senta, fico de joelhos no chão, para
que seus olhos consigam me ver melhor.

— Gabriella... — sopra, parecendo querer choramingar. — Os outros. Os


outros lá embaixo. Eles vão... vão me ver assim. Não, não.

Seguro as suas mãos e aperto firme, exatamente como fiz da última vez.
— Ei — o chamo, porém não me olha. — Ei, Levi, olhe para mim. Isso, para
mim. Só para mim. Eu estou aqui, não vai acontecer nada, vai ficar tudo
bem.

— E se acontecer? — Prende os lábios trêmulos entre os dentes. — E merda,


eu estava bem. Estava tudo certo comigo, mas olha só o estresse de brigar
com você, o que é capaz de fazer comigo. — Ele quer puxar suas mãos, me
afastar, entretanto não deixo, eu continuo. — Você está se arrastando sobre a
minha pele, bruxa. Você está mexendo com a minha cabeça, e ver que fica
duvidando da minha palavra, me mata.

Quando Levi começa a tremer mais um pouco, querendo continuar falando e


falando, coisa que só piora sua situação, eu não tenho outra alternativa.

Não posso fazer um feitiço agora, não tenho planta, eu só tenho...

Ai, meu Deus, não acredito que vou fazer mesmo isso.

Mas faço.

Fico na sua altura, o puxo pela gola da jaqueta e pressiono sua boca na
minha.

Ele, surpreso, murmura algum palavrão contra os meus lábios, porém não
me afasto, eu continuo. Fecho os olhos e o sinto, aos poucos, parar de ficar
tenso.

Não demora muito para que também pare de tremer, voltando a ficar leve.

O solto e fico a poucos centímetros de distância do seu rosto, passeando


minhas írises pela sua boca avermelhada e por todo seu rosto, só para ver se
tenho alguma ideia se o que eu fiz funcionou ou não.

— Se acalmou? — questiono, sem ter certeza. — Está tudo bem?

— Por incrível que pareça, sim — responde, também atordoado. — Veja,


não está mais tremendo.
Me mostra suas mãos.

Realmente, não estão mais trêmulas, o que é ótimo.

— Não acredito que me beijou e que isso fez passar, Gabriella.

Volto a ficar de joelhos.

— Tecnicamente, não foi um beijo. Foi um selinho. E só foi para ajudar.

— Ajudou.

Meio que dou um sorriso, e Levi percebe.

— Não vai fritar minha cabeça agora, vai?

— Não. — Dou de ombros, querendo rir. — Eu que te peguei à força, e foi


caso de urgência.

Levi olha para baixo, contudo, vejo seu sorriso também.

— Obrigado. — Fica sério, e acredito que seja para que eu perceba o poder e
a verdade em suas palavras. — Sei que me odeia, mas você me ajudou.
Segurou a minha mão. Fez tudo desaparecer. De novo.

Uma pontada de dor alcança meu coração, ele se questionando se não estou
sendo dura demais.

Não, não posso estar sendo.

Abro a boca para falar alguma coisa, porém batem na porta, e como se
estivéssemos fazendo algo de errado, nos levantamos os dois na mesma
hora, em um ímpeto.

Levi é o primeiro a ir atender.

Deve ser para verificarem se estamos bem, se não nos matamos.

Imagina só se soubessem o que acabou de acontecer aqui agora.


Com os meus dedos, toco os meus lábios, sentindo-os queimar.

Não tem para onde fugir, acabo de perceber.

Levi tem mesmo razão, há um tipo de imã extremamente perturbador entre


nós.
A reunião se perdurou pela noite, e Levi desceu muito mais calmo quando
Larkin e Devon foram nos chamar. Por um momento, pareceu até que ele
queria pedir desculpas.

Como o orgulhoso que é, não falou nada, porém ficou muito mais disposto a
opinar e a ajudar de verdade, sem nenhum tipo de indireta ou briguinha.

Ninguém mais tocou no assunto tornar-se humano, na verdade, parecia que


ninguém queria, na real, tocar no assunto sacrifício, porque era pesado
demais, e o clima ficava denso, insuportável. Nós só focamos na estratégia
de conhecer melhor a vida de Vladimir Vampir, com as cópias que Evelyn
separou para nos mostrar.

Também falamos dos planos, do que cada um poderia fazer, no que cada um
poderia ajudar, como nos defenderíamos, como poderíamos ser mais fortes
que eles e assim, quando percebemos, já estava muito tarde, e tanto eu,
quanto a minha irmã nos encontrávamos exaustas, jogadas no sofá,
praticamente dormindo.
Devon e Larkin tinham sido os primeiros a irem embora para a cabana, só
tinha sobrado nós duas. E os moradores da casa, claro. Eles foram os
primeiros a dizerem que, por mais que morássemos na vizinhança, muito
perto, podíamos dormir aqui, caso estivéssemos muito cansadas.

E estávamos.

Evelyn Sutton foi a primeira a me puxar para o andar de cima, só para nos
enfiar no segundo quarto de hóspedes, após ouvir seu namorado dizer que o
espaço estava disponível para nós. Ela ligou o ar-condicionado, arrumou a
cama para que ficasse confortável para ambas e está agora, nesse exato
momento, virada de frente para mim, sem conseguir dormir, porque quer
ficar conversando.

— Acho que foi por isso que você negou o convite de Luca para dormir no
quarto com ele — eu sussurro, brincando, depois de ouvi-la dizer que quer
fazer mais uma pergunta. Estou querendo colocá-la para dormir, tentando
fazer com que entenda que amanhã temos aula na EGU, porém não me
escuta. Parece que seu sono evaporou de um segundo para o outro. Deve ter
fingido esse tempo todo, do jeito que é espertinha quando quer. — Está
querendo ficar aqui me interrogando, enchendo o meu saco.

— Eu só quero conversar com a minha irmã, que mal tem? — diz, cínica, e
eu rolo os olhos de forma dramática. — É sério, Gabi. O que é que custa
você me responder?

— Tá, fale logo. Repita a pergunta.

Eu a ouvi, a propósito, mas estou tentando ganhar tempo.

— O que está acontecendo entre você e Levi?

A sorte é que ela é humana e não pode escutar o solavanco desproporcional


que o meu coração deu agora.

— Nada — não hesito em responder. — Que tipo de pergunta é essa?


— Ah, sei lá. Tem todo esse lance do colar, do feitiço, de Vladimir, ele meio
que está entrando em nossas vidas, gostemos ou não. E hoje mais cedo você
subiu para falar com ele, e nós meio que escutamos um alvoroço aqui em
cima, porém pouco tempo depois, tudo se tranquilizou. Ficamos curiosos
sobre o que tinha acontecido.

— Eu só estava tentando entender o motivo do show dele. — Não deixa de


ser verdade, o que me alivia. Não gosto de mentir para Evelyn. — Não
gostei do modo como falou com vocês, então fui questionar. Eu disse que, se
quisesse fazer parte disso direito, da forma correta, teria que refrear o jeito
Levi Vodrak de ser.

Foi duro e extremamente difícil, mas acho que ele entendeu isso.

— Larkin disse que você saiu da sala como se só você fosse capaz de
controlá-lo.

— Larkin não sabe é de nada.

— Eu achei um pouco parecido com isso, também. — Se encolhe e mexe


mais no travesseiro. — Você tem certeza que não tá rolando nada? Tipo,
vocês saíram recentemente para a floresta, não aconteceu algo de diferente?

— Não, Evelyn. O que está tentando insinuar?

— Nada, eu juro. — Entrelaça as mãos, como se estivesse em oração. — Só


queria saber se sua opinião sobre Levi mudou ou continua a mesma. Me
desculpe pelo que vou dizer, mas às vezes, só às vezes, queria que ele
demonstrasse arrependimento e estivesse disposto a ser uma pessoa melhor,
e isso pelo Luca. Eu posso ver pela forma como o olha, que ainda ama o
irmão, apesar de tudo.

— Eles são gêmeos. — Pego a sua mão e faço carinho na palma. — Eles
sempre vão ter uma conexão maior do que o mundo. É uma pena tudo o que
aconteceu entre eles.
— É mesmo — concorda. — Eu mal posso imaginar como deve ser ficar
brigado com o seu irmão por anos e anos. Deve ser um pesadelo.

— Sim, com certeza.

Balanço a cabeça, ao pensar vagamente se fôssemos nós duas na situação de


Luca e Levi.

Realmente, é um pesadelo. Não sei como eles suportaram viver tanto tempo
longe um do outro.

Ela fica em silêncio, e, mesmo não falando nada, posso imaginar que sua
mente foi para um lugar totalmente terrível.

— Você está com medo, Gabriella? — Sabia. Eu sabia que essa é e vai
continuar sendo a sua maior preocupação do momento. — Está com medo
do que pode vir a acontecer? Porque eu estou morrendo. — Sua voz embarga
na mesma hora. — Não posso suportar a ideia de perder você, de perder
Luca. Vocês são, literalmente, tudo o que eu tenho nessa vida. São os meus
maiores amores, minha fortaleza.

Toco seu rosto, alisando a sua bochecha.

— Oh, minha eterna irmãzinha. — Encosto as nossas testas e faço o maior


esforço para não demonstrar que também estou com medo. Muito. — Nós
vamos conseguir, você não tem com o que se preocupar. Eu estarei sempre
aqui com você, e Luca é forte, ele te ama, ele vai nos tirar dessa. Levi
também. E ainda temos Devon e Larkin, não estamos sozinhas. Sem contar
que eu ainda sou uma bruxa, não sou? Sou uma Salazar, querida. Sou a
última. A sobrevivente. Para me matar, vão ter que ralar muito.

— Não faça piada, por favor — suplica, com a voz doce. — Eu tenho
mesmo muito medo.

— Todos nós estamos com um pouco de medo, mana. É normal. Mas vai
ficar tudo bem, eu prometo. Você não confia em mim, não? Porque não vou
deixar
que nada nos aconteça. — Nem que eu tenha que me sacrificar até o último
minuto por isso.

— Confio e é por isso que ainda não entrei em desespero. Estou confiando
na melhor bruxa de todas.

Emocionada, a puxo para mim, lhe dando um abraço, para depois lhe encher
de beijos, e ela logo faz questão de me afastar, fingindo que não gosta.

— Eu te tenho para mim agora, Evelyn, e nada mais será capaz de nos
afastar.

— Promete? — Ergue o mindinho no ar.

— Prometo.

Engancho nossos dedos e os aperto, depois, quando começa a rir, eu a


empurro.

— Por que você não vai para o quarto do seu namorado, hein? Sei que deve
estar morrendo de vontade.

Faz beicinho.

— Não posso deixar você sozinha.

Ergo uma sobrancelha.

— Querida, eu sei que dormir de conchinha comigo é esplêndido e


irresistível, mas não posso te roubar do seu namorado, não quando ele me
disponibilizou esse quartão aqui.

Fica quieta, como se estivesse me observando para notar se tem algum traço
de brincadeira da minha parte.

— Vai logo, criança — insisto. — Seu namorado não vai conseguir nem
dormir essa noite, se você não for lá abraça-lo.
Ela se levanta no mesmo instante, com pena.

— Ai, meu Deus, tadinho, não posso deixar isso acontecer. Mas você não vai
ficar chateada comigo, vai?

— Claro que não, Evie. Vai ser até bom, que fico com essa cama espaçosa
toda para mim.

— Certo, estou indo lá agora mesmo. — Pula para fora, calça seus pés e vira
para mim. — Já avisei a mamãe que dormiremos aqui, então não precisa
ficar preocupada, pode dormir à vontade. Sinta-se em casa.

— Pode deixar, dona da casa. Obrigada — soo zombeteira, fazendo Evelyn


contorcer o rosto em uma careta engraçada. — Vai logo. Aproveita e transa
com ele, para ter um orgasmo e uma perfeita noite de sono.

— Juro, se eu tivesse uma almofada agora, jogaria na sua cara — ameaça.

Sonsa, minha língua coça para falar, porém fico quieta, observando-a abrir a
porta e sair por ela logo após me mandar um tchauzinho e um beijo no ar.

Continuo sorrindo mesmo sozinha, achando graça de como ela fica sem
graça quando falo algo assim. É sempre muito divertido.

Balanço a cabeça de um lado para o outro e quando já estou prestes a me


virar para pegar no sono, escuto batidas na porta.

Peço que Evelyn entre, porque só pode ser ela, afinal, saiu daqui há poucos
minutos, mas nada acontece, só novas batidas.

Falo de novo e... nada.

— Eita, Evelyn — murmuro, quando também me levanto da cama. — O que


foi que esqueceu aqui agora?

Arrasto meus pés até a porta, a abrindo.

— Olha, não me diga que você resolveu não...


Com a mão na porta, fico calada quando vejo que não é Evelyn, é Levi.

Interrogações pairam acima da minha cabeça, tentando entender o que está


fazendo aqui, ainda mais sem jaqueta e sem camiseta, apenas de calça
moletom.

Seu cabelo está lavado, e o cheiro do seu sabonete irradia. Faço o esforço
que eu consigo, para não descer os olhos para o seu abdômen, então
continuo ligada em seu rosto, tentando encontrar algum sinal do que pode ter
acontecido.

— Você está bem? — Troco o peso dos pés. Foco. Total foco. — Aconteceu
alguma coisa? Está sentindo aquilo de novo?

— Estou — responde de forma firme e categórica. Estranho, parece


perfeitamente normal, sem tremor ou dor. — Estou bem, bem mal.

Quando começa a andar para frente, eu começo a andar para trás, não
entendendo nada. A minha confusão só piora, quando Levi fecha a porta, a
tranca e volta até mim.

— Estou completamente necessitado. — A voz é grave, rouca,


diabolicamente perigosa e sedutora. — E você disse que eu podia te
procurar, caso precisasse da sua ajuda. Só da sua ajuda, e é o que estou
precisando. Acho que você vai ter que me beijar de novo para a crise passar.
Topa?

Num segundo, o bad boy vampiro está me perguntando isso, no outro,


quando me dou conta, já está segurando cada lado do meu rosto e me
beijando, sem dar margem ou espaço para que eu consiga pensar sobre essa
sua atitude.

Gemo contra a sua boca, de surpresa, de choque, de raiva, de necessidade, de


infinitos sentimentos que jamais conseguirei descrever ou explicar, e, para
me deixar ainda mais quente e louca da cabeça, Levi geme de volta, e é um
gemido primitivo, que parece vir do fundo da sua alma, saindo com muita
fome e urgência.
Minha mente se torna um borrão no mesmo segundo em que me leva para a
parede, rápido, na sua velocidade típica de ser sobrenatural. Meu corpo se
entrega, meu coração bombeia sangue com mais intensidade, e porra, não sei
que merda penso que estou fazendo, não sei que merda ele pensa que está
fazendo, mas não sou capaz de impedir, não sou capaz de para-lo,
principalmente porque Levi investe sua língua para dentro da minha boca,
me sugando como se estivesse desesperado, ensandecido, furioso e ao
mesmo tempo, emocionado, sem acreditar que estou, de fato, o beijando de
volta, depois de praticamente tê-lo feito se ajoelhar de dor, por ter sido pega
desprevenida no vestiário das líderes de torcida.

Tenho um milhão de motivos para dizer o quão errado isso está sendo e
posso listar agora mesmo.

Estamos sob o mesmo teto do seu irmão e da minha irmã.

Ele é um vampiro, e eu sou uma bruxa.

Ele me odeia, e eu o odeio.

Ele matou pessoas.

Ele dizimou toda a minha família de bruxas.

Ele sequestrou a minha irmã.

Ele queria me matar até pouco tempo.

Mas também tenho um milhão de motivos para não deixar que escape, para
permitir que continue.

Ele me beija como se quisesse me possuir.

Ele beija bem para um caralho.

Ele é gostoso.

Eu estou na seca, com tesão e com muita vontade de dar.


De dar pra ele.

Os motivos para afastá-lo são, com certeza, piores, bem piores, e se eu


estivesse pensando direito, se estivesse nas minhas faculdades normais,
jamais deixaria que acontecesse, o empurraria, falaria que está louco. Não é
o que consigo agora, no entanto. Não consigo pensar com Levi mordendo
meus lábios, lambendo meu queixo, descendo com beijos molhados por toda
extensão do meu pescoço.

E ele geme.

Ele rosna.

Ele me domina, me jogando para todas as malditas paredes desse quarto, me


pressionando, me tocando, me conhecendo. Porque é, de fato, o que está
acontecendo. Levi está me conhecendo, está tirando a limpo o que vinha
sentindo, para ver se sou tudo isso mesmo, se sou tudo o que queria ou era
apenas uma parte perversa da sua cabeça criando coisa só para fodê-lo de
vez.

— Você é muito mais deliciosa do que eu imaginava. — Se afasta


minimamente, para dizer isso olhando dentro dos meus olhos. Vejo sua boca
inchada ostentando um sorriso ladino, seu cabelo bagunçado, todo seu ar
sexy me envolvendo, e já posso sentir a droga da minha calcinha começar a
ficar molhada.

Juro, não pode ser. Não pode ser. Não acredito que estou mesmo excitada
pelo meu inimigo. — E caralho, Gabriella, não quero largar da sua boca tão
cedo. Ela cabe perfeitamente na minha. É macia, quente e aposto que pode
envolver meu pau muito bem também.

— Se quiser continuar me beijando, é melhor fechar a boca. Quando você


fala, dá vontade de desistir.

Finge que acabou de costurar sua boca e agora me puxa pelo pescoço, me
beijando na mesma intensidade de novo. Me arrepio na mesma hora e fico
elétrica, sem saber muito o que vai acontecer, mas ansiando por cada
segundo.

Senhor, alguma coisa está possuindo e se apossando do meu corpo, não sou
eu.

Não sou eu.

Eu jamais faria isso.

Eu jamais permitiria que Levi me jogasse em uma cama e ficasse por cima
de mim, segurando uma perna minha, deslizando uma mão e a cravando por
toda a minha coxa em seguida. E olha que loucura, é justamente o que está
acontecendo.

— Temos que ser silenciosos — sussurra. — Já rodei com você por esse
quarto todo, possivelmente batemos em móveis, e agora te tenho em uma
cama. A vontade de te ouvir fazer barulho é enorme, bruxa, mas não
podemos, certo? Sei que você não vai querer que os outros descubram o que
está fazendo a essa hora da noite, quando seu cunhado e sua irmãzinha
pensam que já está dormindo, então seja uma boa garota uma vez na vida e
me obedeça.

— O que pensa que vai fazer comigo? — o desafio, embora eu esteja muito
certa de onde isso vai parar.

— Eu vou arruinar você. Todinha.

Oh, porra.

Sei que eu falo que prefiro que ele fique de boca fechada, porém é tudo
mentira. Suas palavras também me deixam molhada.

E meu Deus… estou mesmo confessando essas coisas. Só pode significar


que não estou bem. Só pode significar que aquele feitiço que fiz em Levi
teve efeito colateral, porque, ao invés de eu querer ficar longe dele, quero
ficar perto.
Mais, mais e mais perto. Seja para brigar, para ouvi-lo me xingar ou só para
vê-lo

ficar bem com a minha ajuda, eu quero, de alguma forma, tê-lo, o que é
terrível.

Tenebroso. Deplorável. Muito, muito sujo da minha parte.

Tão sujo quanto o sorriso e o olhar que me lança.

— Você vai me deixar te foder? — indaga e parece mesmo desesperado para


saber. — Porque já conheci sua boca, agora quero conhecer sua boceta.

— Isso é tão errado — consigo externar em voz alta. — Mas vai acontecer, e
você precisa entender que é só sexo. Só vai acontecer agora, essa vez, nunca
mais.

Um único erro, e acabou. Nada vai mudar entre nós.

— Nadinha.

Por que seu tom de voz sai tão irônico?

Quero nem pensar.

Na verdade, em algum momento desde que Levi pôs os pés aqui, eu estou
pensando?

Não.

Não é a resposta.

E continuo sem pensar, porque sai de cima de mim, ainda sorrindo, e começa
a tirar o meu vestido, que, a uma hora dessas, já estava na minha barriga, de
tanto que nos mexemos. Eu levanto os meus braços com certa pressa, ele
escorrega a peça para fora do meu corpo com uma agilidade impressionante,
e, no mesmo segundo, ela é descartada no chão do quarto.
Estou sem sutiã, meus seios pulam para fora, e Levi só falta babar quando os
encara. O brilho cheio de luxúria aumenta nas suas írises, e meu Deus, sobre
a pouca luz do ambiente, o homem fica ainda mais gostoso e irresistível,
porque o deixa mais perigoso, o torna ainda mais da noite, das sombras,
aquele que pode te caçar, ficar à noite inteira atrás de você, e você jamais
seria capaz de perceber.

— Ah, bruxinha… — Arfa. — Vou comer você com tanto gosto, que vai me
sentir por dias aí no meio das suas pernas. Não pretendo ir com calma, que
fique sabendo. Eu quero me enterrar em você bem fundo, para castigar essa
boceta do jeitinho que vem merecendo. Se eu sou o vilão, você vai conhecer
o vilão. E se é só hoje, se é só sexo, vou garantir que eu te dê uma foda
completamente inesquecível, digna de um vampiro.

— Até agora, você só está falando, não está fazendo.

— Filha da mãe.

Perco o fôlego quando o vejo tirar o cordão da sua calça, o coração batendo
com força na minha caixa torácica.

— Junte as mãos acima da cabeça — ordena, e estou tão maluca, que eu


faço. — Vou te amarrar, você vai ficar bem quietinha e vai apreciar minha
língua

lambuzando sua boceta primeiro. Não vai poder falar, não vai poder gemer,
não vai poder gritar, nem se mexer e muito menos me tocar. Agora, eu que
vou te usar.

Agora, eu que vou te mostrar como você é minha para o que eu bem
entender.

Você riu quando eu disse isso, não foi? Vamos ver quem vai rir agora.

Levi prende meus pulsos com o cordão na maldita cabeceira, apertando com
uma força, que sabe que não vai ter como eu escapar. O olho com atenção e
penso que vai se abaixar para me beijar, então entreabro os lábios, porém
não é o que acontece. O vampiro chupa o vão entre os meus seios, depois
muda a rota e abocanha um mamilo, sugando, chupando, raspando os dentes
e mordendo.

Na minha primeira tentativa de não gemer, eu falho.

— Mal comecei, e você já está assim? — me provoca, abrindo as minhas


pernas para se colocar no meio delas. — Calma, bruxinha, se controle,
lembre que você não quer que ninguém saiba que está prestes a dar para o
monstro aqui, que tanto abomina e odeia. Mas se eu fosse você, eu gritava, e
foda-se. Mostrava logo que você é uma gostosa safada, que tem tanto tesão
por mim quanto eu tenho por você.

— Desgraçado — xingo, já ensopada. — Eu odeio você e aposto que não é


nem bom no que faz. Aposto que não sabe onde é o clitóris, que tem o pau
pequeno e que goza em cerca de cinco segundos.

Ele ri, sádico.

— Você vai se surpreender tanto, bruxa, e eu vou rir da sua cara. Pior, vou te
castigar mais um pouco e impedir que você goze.

— Não… — imploro, já suada, em combustão, ligada na maior das


eletricidades.

— Shhh, fica quietinha, fica.

Sem esperar por uma liberação da minha parte, Levi abre as minhas pernas,
que eu já estava tentando fechar para controlar meu desejo, e enfia a cara no
meio, inspirando o meu cheiro, a minha excitação. Ele inspira uma, duas,
três vezes, se esbaldando, se deliciando com a visão do que está prestes a
comer.

E sem avisar, eu me assusto, porque rasga a porra da minha calcinha.

Rasga inteira.

Não sobra pano, não sobra fiapos, não sobra nada.


Ele xinga um palavrão, assim que me vê completamente nua, e a minha
boceta pingando começa a pulsar seu nome.

Sinto mais tesão só por ser comida pelos seus olhos.

Muito, muito mais.

E é desesperador, quero fazer com que me toque, mas não consigo me


mexer. Toda vez que tento, meu pulso dói, e tudo que recebo é uma
repreensão através de suas írises, já que a cama começa a se movimentar por
minha causa.

— Estou conseguindo ver daqui que pode molhar esse colchão a qualquer
momento — avisa, como se eu não pudesse sentir o líquido escorrendo pelas
minhas pernas. Não sei como posso estar desse jeito, já que Levi ainda não
fez basicamente nada. E olha que sou uma pessoa tecnicamente experimente,
já saí com alguns garotos, já tive algumas boas transas, outras terríveis, e
mesmo assim, nenhuma delas consegue se comparar ao nível de vazamento
que estou hoje. Só pode ser o tempo que fiquei longe de garotos e seus paus,
só isso explica. —

Espero que seque até de manhã, porque se Luca não se der conta de que
estava fodendo comigo, vai achar que estava fodendo consigo mesma. Não
importa a forma, o resultado será o mesmo. Ele terá a noção que de pura,
você só tem a cara, Gabriella Faulkner.

Sorri, adorando cada maldito segundo. Tenho ainda mais certeza que deve
estar nas nuvens, que deve achar que alcançou o paraíso, ganhou a maior
batalha de todos os tempos, agora que me tem à sua mercê dessa maneira.

O que achou que nunca seria possível, está acontecendo bem agora.

Mas é só sexo.

Só sexo.

Eu já escolhi o cara errado várias vezes, o que é mais um na lista?


Pelo menos, eles realmente te fazem ver estrelas, e geralmente, quando
estamos de olhos fechados.

Não é o que acontece agora, no entanto. Eu vejo estrelas, mas é com eles
bem abertos, arregalados, admirando e enlouquecendo, quando Levi se
abaixa um pouco, põe a língua para fora e lambe a minha lubrificação,
sumindo com o rastro que estava fazendo a minha pele brilhar. Em seguida,
beija a minha coxa, minha virilha e parte para a minha boceta, o lugar que
mais implora por atenção da sua parte, praticamente choramingando. Com os
olhos erguidos em minha direção, ele transforma seu rosto na maior
expressão maldosa, as írises carregadas de volúpia.

— Aprecie minha língua socar você, bruxa. Observe e sinta o poder dela.

Duvido que já sentiu qualquer coisa parecida com outro homem.

Não vou deixá-lo ganhar, nem mesmo em uma hora como essa.

— Tá bem. Se quiser ajuda para encontrar o clitóris, só falar.

Mais uma vez, ri da minha cara, obviamente, já que tem tanta certeza de si
mesmo.

— A única ajuda que você vai pedir, é para que possamos conseguir trazer
de volta a sua alma para o corpo.

Fico em êxtase quando, sem esperar, Levi me dá uma lambida, de baixo para
cima, bem lentamente, como fazemos quando estamos provando um sorvete.

Pressiono os lábios para não gemer, só grunhidos incompreensíveis saindo, e


sinto que a adrenalina desliza pelas minhas veias e corre até o meu coração,
que dispara.

Meu peito sobe e desce, como se eu estivesse correndo uma maratona,


gotículas de suor se formam em minha testa, e um pequeno “oh” de tesão me
foge, quando ele separa a minha carne e a primeira coisa que faz, talvez para
me matar e para me mostrar quão mentirosa eu sou por debochar dele e suas
habilidades na cama, é encontrar meu clitóris com a sua língua, sugando para
dentro da sua boca esse ponto sensível, que se encontra endurecido, vibrando
tanto quanto sou capaz de vibrar meu corpo.

Arqueio mais os quadris, não aguentando quando Levi passa tempo demais
brincando com ele, dando atenção ao meu clitóris para me provocar. Ele
lambe, chupa e morde, em uma sequência infernalmente deliciosa, que só me
deixa cada vez mais molhada, excitada, mole e sem forças, meu pulso já
doendo de tanto que eu tento me mexer, querendo toca-lo também. Querendo
puxar seu cabelo, querendo esfregar seu rosto ainda mais contra a minha
boceta, querendo, desesperadamente, sentir cada um dos seus músculos sob
o meu toque.

— Bruxinha, você definitivamente tem o melhor gosto de todos. — Lambe


os lábios quando ergue a cabeça para me ver, querendo sumir com a minha
umidade, porém ainda a vejo brilhando em sua boca. Puta que pariu. Nunca
imaginei que ia ter esse tipo de imagem dele. Nunca pensei que fosse capaz
de me permitir viver esse momento. — E você é capaz de tornar qualquer
um viciado e esfomeado. É assim que eu estou me sentindo, como se eu não
me alimentasse há anos. E quanto mais provo de você, menos é suficiente.
Muito pior que a sede por sangue. Muito pior.

Também sinto como se ele não tivesse me provado o suficiente.

Como se precisasse de mais.

Como se precisasse gozar logo, para tê-lo dentro de mim.

E que vergonhoso, meu Deus.

Esse momento é, com certeza, um dos meus maiores pecados. O mais


depravado e perigoso deles, sem dúvidas. Porque o sentimento é tão terrível,
tão irracional, tão ilógico, mas eu continuo aqui, sabendo da verdade e
querendo prosseguir. Eu continuo aqui, entreabrindo os lábios,
completamente inflamada, enquanto fecho os olhos e tento chegar ao clímax
mais rápido, moendo minha boceta em sua cara da forma que eu posso,
querendo enlouquecê-lo da mesma
maneira que está fazendo comigo, já que não consigo, de jeito nenhum,
respirar sem achar que estou colocando meus pulmões no meio do fogo.

É quente.

Dói o peito, dói a alma e ao invés de doer o meu juízo, acho que ele foi parar
nos pés.

— E aí, Gabriella, será que ainda acha que eu não sei como é que chupa
gostoso? — murmura, se deliciando tanto com a minha vagina, quanto com a
pergunta que paira no ar como uma provocação, não parando de me comer e
de me provar nem por um segundo, chupando, sugando, tentando enfiar a
língua para dentro de mim. Acho que esquece de usar a língua no minuto
seguinte, porque, depois de me deixar mais lubrificada do que o normal,
Levi me pega desprevenida e enfia seus dedos em minha entrada. Não um,
não dois, mas três. Me sinto alargando e com meus músculos internos os
apertando, como se quisessem explodir seus dedos. Arquejo, arfo, resfolego,
tudo de uma vez, revirando os olhos e gemendo baixinho, quando começa a
bombear, ao mesmo tempo em que volta a enfiar seu rosto entre as minhas
pernas. — Ah, bruxa, você não sabe o quanto eu queria isso. O quanto eu
queria provar dessa sua boceta, o quanto eu queria marcá-la, o quanto eu
queria torná-la minha. Decreto de antemão, não tem mais jeito, ela é minha.
Propriedade de Levi Vodrak, qualquer homem que tentar chegar perto, está
morto. Posso muito bem passar mais mil séculos torturando cada um dos
filhos da puta que achar que pode tirar você de mim.

Murmuro baixinho palavras inteligíveis, um jeito que encontro para parar de


gemer tão facilmente.

Ele é sádico. Não pode ver que estou gostando tanto.

— Queria que você pudesse gemer, bruxa. Mas continue rebolando na minha
cara, faça daquele jeito que você fez no campo, não tenha medo ou
vergonha, venha para mim.

Novamente grunho, ou rosno como um animal, sei lá, porque sinto seus
dedos indo de dentro para fora, estocando, me levando ao limite. Levi se
sente mais invencível, mais poderoso, mais excitado, porque também geme e
xinga, não parando, metendo duro, forte, como se imaginasse seu pau aqui
dentro de mim. Eu me sinto, em todos os cantos, preenchida. Consumida.
Destruída. Me sinto em pedaços, sem nenhum tipo de poder sobre mim, pois
acabo de entregar tudo nas mãos de Levi Vodrak, pelo menos por ora.

E ele sabe muito bem o que está fazendo. Ele sabe muito bem como me
tocar. Sabe muito bem como me dar prazer. Sabe muito bem como foder
com a minha cabeça, tanto dentro quanto fora de um quarto.

— Sua boceta está esmagando os meus dedos, bruxa — cantarola, malvado,


não medindo esforço para me comer com eles. — Você vai ter que ter
misericórdia do meu pau, quando eu enfia-lo em você. Vai ser tão gulosa,
que é capaz de me deixar roxo.

— Levi… — queria repreendê-lo, mas sai muito mais como um gemido. —

Só… cala a boca e continue.

— Porra, chame meu nome assim de novo, e eu juro que gozo nas calças.

Juro que mando um foda-se para Luca e te faço gritar agora mesmo.

— Não! — novamente em um fio de voz, ela se perde no espaço. Como eu.

— Então vá tirando seu cavalinho da chuva de que essa é a única vez. Eu


vou precisar dos seus gemidos, bruxa, é questão de necessidade.

Abro e fecho a boca, pois ele volta a beijar minha virilha, depois sobe para
circular meu umbigo e ir subindo pela minha barriga. Chupa novamente um
dos meus seios, com força, e então, me pegando de surpresa, me beija com a
mesma intensidade. Bruto. Fatal. Perigoso. Ele suga cada pedacinho da
minha alma e leva consigo o resto da minha sanidade.

Se é que, numa situação dessas, ela ainda existia.

Me perco tanto em sua boca, que só percebo que me soltou do cordão


quando pega as minhas mãos e prende com as suas, as apertando. Devolvo o
beijo, no entanto, depois de alguns segundos, eu o afasto.

— Por que você não me fez gozar? — Pestanejo, toda corada.

— Porque eu quero que você mele o meu pau.

É rápido, Levi, na mesma hora em que me revela esse absurdo, abre o botão
da calça, desce com o zíper e se livra logo da peça. Fica nu, de joelhos, e
meus olhos automaticamente descem para o seu membro finalmente livre.

— Puta que pariu, isso não vai caber em mim.

É grande. Grosso. Cheio de veias. A cabeça rosada está perolada, por causa
do líquido pré-gozo. Eu fico salivando imediatamente, admirada, porém
assustada.

— Não foi você que disse que era pequeno?

— Isso aí que você carrega entre as pernas não tem nada de pequeno.

— Não o chame de “isso aí” , como se ele não tivesse importância. Ele é
seu pau. Seu novo brinquedo.

Minha nossa.

Esse é Levi.

Levi Vodrak é o nome do meu pesadelo. Ele tem o sorriso mais cafajeste do
mundo, a típica pose de bad boy com sua jaqueta de couro, coturnos e sua
sede incontrolável por sangue.

E, pelo visto, uma sede muito grande por mim também.

Estou tão ferrada e tão mais excitada ainda.

— Então enfie seu pau dentro de mim de uma vez — peço, já sem aguentar
mais.
Ele se toca, bem na minha frente.

— Vou entrar, bruxa. E pode anotar, nunca mais vou sair.

Vem para cima de mim, me jogando no colchão e me beijando. Eu faço o


que eu tanto queria, passo as mãos pelos seus braços, pelo seu peitoral, desço
pelo seu abdômen definido e o sinto se contrair sob meu toque. Levi grunhe,
geme no meu ouvido, quando está perto de morder o lóbulo da minha orelha.

— Deixa eu te contar uma coisa, antes que você se assuste. — Retorna para
me fitar. — Meus olhos mudam de cor no sexo. Não é nenhuma possessão
ou alguma coisa que estou querendo cometer contra a sua vida. É apenas
meu lado vampiro tentando lidar com o fato de que estou comendo alguém
de outra forma.

Não se assuste.

Entreabro os lábios.

— Ficam de que cor?

— Você vai ver.

Reviro os olhos.

— Agora você pode fazer isso, eu deixo. Estou prestes a te foder de qualquer
maneira mesmo, sua teimosinha.

Foder.

Levi vai mesmo me foder.

Isso está mesmo acontecendo.

E eu ainda continuo querendo continuar, o que é mais impressionante.

— Outra coisa, eu sou um vampiro. Estou morto, ou seja, não tenho doença.
E nem posso ter filhos, ou seja, não tenho como te engravidar.

— Tudo isso para me dizer que vai entrar sem capa? — Ergo uma
sobrancelha. — Nunca fiz sem, mas já tinha entendido que essa seria a nossa
realidade. Você é um ser sobrenatural, não um humano. As coisas são
diferentes aqui. Espero que o sexo também.

— O sexo vai ser simplesmente o melhor da sua vida. Você acha que já foi
bem servida antes, mas é porque nunca teve um vampiro te fodendo. Agora
vai ver o que é ser comida de verdade.

O puxo de volta para um beijo, e na mesma hora, Levi se encaixa entre as


minhas pernas. Ele pega seu pau e me faz tombar a cabeça para trás, quando
começa a pincelar minha boceta, me provocando, colocando e tirando só
para ver

minha reação. Eu finco minhas unhas na carne do seu braço, com raiva,
querendo que pare a brincadeira e empurre de uma vez.

Ri, esfregando o pau no meu clitóris.

— Tão inocente — soa zombeteiro. — Acha que vou te comer nessa posição
sem graça? — Estala a língua no céu da boca e balança a cabeça. — Não,
não mesmo. Você vai ficar de quatro pra mim, bruxa. Eu vou te pegar por
trás.

Paraliso por um momento e depois, tão perversa quanto ele, sorrio, porque
essa é, definitivamente, minha posição favorita.

Sai de cima de mim, eu me ergo e quando tento me mexer para lhe dar a
visão que tanto quer, Levi não deixa, porque ele mesmo quer fazer isso por
mim. O

vampiro me põe de quatro, faz eu empinar a minha bunda e alisa as minhas


nádegas, apertando a carne em seguida, de uma forma que sei que vai deixar
marcas.
— Caralho, bruxa. Você estava errada sobre as outras coisas, mas o gozar em
cinco segundos, receio que possa vir a se tornar verdade. Não acho que vou
conseguir durar muito com uma mulher deliciosa dessas batendo o cu no
meu pau.

Me viro sobre os ombros e faço questão que me veja revirar os olhos.

— Céus, você fala demais — reclamo.

— Claro, você é gostosa assim e espera que eu saiba lidar tranquilamente?

Forço a minha bunda contra ele, para ver se agiliza, pois já estou encharcada
de novo, necessitando da sua atenção.

Que droga. Não acredito que estou necessitando da atenção dele.

Eu mesma me ignoro, faminta.

Finco os incisivos no meu lábio inferior e guardo um gritinho na minha


garganta quando, depois de desferir um tapa na minha bunda e me lamber
por trás, o sinto pincelar minha boceta de novo, a abrindo e fazendo com que
ela entenda que está prestes a recebê-lo. E ela entende, porque ela pulsa, o
molhando, e ele me molhando de volta.

Todo meu corpo se retesa, o esperando. No entanto, sem perder mais tempo,
Levi entra, aos poucos, em mim, empurrando na minha entrada até caber.
Sinto meus olhos encherem de lágrimas, porque ele é grande, é mesmo
grande, e não estou mais acostumada. Mas é aquele ardor, aquela dor boa,
que aos poucos se dissipa, quando o seu parceiro te espera e faz você se
acostumar, algo que demora pouquíssimo tempo. E para me deixar entregue
de novo, Levi se curva sobre as minhas costas, para beijar minha coluna e
apertar os meus seios, estimulando meus mamilos.

Gemo, empinando mais a bunda e rebolando.

Ele empurra em mim, dando a primeira estocada. Vou no outro mundo e


volto, tipo ao paraíso. Que sensação. Que sensação. Fico mais suada, mais
trêmula, com a respiração descompassada e acho que nota meu estado, pois
não para. Levi se sente mais instigado, na verdade. Ele aperta meus quadris
com vontade e começa a me penetrar por trás, a fricção dos nossos sexos
sendo completamente enlouquecedora e perfeita. O atrito me deixa
desconcertada, ouvir seus gemidos contidos só faz com que eu perca ainda
mais o meu juízo, com a mente completamente nublada pela luxúria e pelo
tesão que me faz sentir, conforme seu pau entra e sai da minha boceta.

No começo, a velocidade não é tão rápida, porém acho que o vampiro às


minhas costas resolve soltar o monstro que habita em si, resolve o que é
realmente ser comida por um vampiro, porque começa a estocar mais fundo,
mais forte, mais rápido, em uma velocidade que, com certeza, faz a cama
tremer e balançar.

A sorte é que esse quarto fica no começo do corredor, e o de Luca no final,


porque, se não fosse, meu cunhado saberia com certeza que eu estava dando
para o seu irmão.

E pior, gostando. Adorando.

Meus seios balançam com o movimento, o ar parece não chegar aos meus
pulmões, tudo fica turvo, e os meus lábios cortam, pela força dos meus
dentes os mordendo, tentando não gritar e gemer como uma garota que está
descobrindo o sexo só agora.

Contudo, parece que é isso que está acontecendo mesmo, afinal de contas,
mesmo que eu odeie admitir, Levi Vodrak tem razão. Não há nada
comparado a ele na cama. Não há nada como nós e a nossa química.

E por que temos que ter uma química tão grande?

— Você me enlouquece — rosna por trás, também tentando se conter para


não acordar ninguém. Parece que seu pau toca em um ponto diferente dentro
de mim, pois me contorço por dentro e por fora, como se estivesse quase,
quase lá.

Muito, muito perto de gozar. Muito perto de gozar em seu pau. O ajudo na
velocidade, esfregando minha bunda, o querendo muito mais por dentro. E
ao virar novamente para vê-lo, um oh de surpresa me escapa dos lábios, pois
Levi está mesmo com os olhos de outra cor. Eles estão vermelhos.
Vermelhos vivos. — Você é a minha maldição. É a minha ruína. Porra, estou
fodendo você aqui, mas sei que eu quem estou fodido de verdade. Nenhuma
outra vai superar isso que estamos tendo. É única. Única.

Dá mais tapas na minha bunda, fazendo com que eu venha logo, seus
xingamentos me levando ao ápice.

Tento segurar, mas na sua última estocada, quando eu gozo, e em poucos


segundos ele também goza, ainda enterrado na minha boceta, eu grito de
forma exasperada, me odiando na mesma hora em que me ouço.

No entanto, o que eu poderia fazer, se acabei de ser arrebatada por um


vampiro de 148 anos?
Nos jogamos na cama, de barriga para cima, e posso ouvir a sua respiração
acelerada muito bem, provavelmente muito mais do que ela mesma.

Viro de lado para vê-la, apoiado nos cotovelos.

A visão é magnífica.

Linda, e ao mesmo tempo que serena, muito caótica.

Será que estou sonhando?

Se for, não quero acordar, não quero nunca sair daqui, porque Gabriella, por
incrível que pareça, me faz ficar bem, e ela foi a primeira pessoa que me
estendeu a mão, mesmo quando não deveria. Ela foi a primeira a me mostrar
empatia, quando tudo o que eu merecia era a sua raiva, o seu ódio e o seu
desprezo.

Tudo bem que a bruxa ainda luta para sustentar seus sentimentos, porém,
diferente de todo mundo, ao invés de fugir, ela fica. Tive crise pela maldição
duas vezes, e nas duas, ela ficou. Na primeira, me abraçou. Na segunda,
segurou a minha mão e me beijou.

Foi tão puro, foi tão doce, foi tão real, e eu nunca tive nada disso. Nunca.

Não sou um santo, estou muito longe disso, sou fodido da cabeça e tenho um
zilhão de defeitos que fazem com que todos queiram se afastar, mas antes
mesmo, quando eu estava passando pela transição, eu me vi sozinho. Me vi
sem um ombro

amigo que pudesse me apoiar, que pudesse ouvir as minhas dores, que
pudesse me entender.

Todas as coisas que fiz, foram movidas à raiva, dor e revolta, afinal, eu não
conhecia mais sentimentos diferentes desses. Eu não conhecia mais
sentimentos bons.

Eu não queria conhecer, eu queria que pagassem pelo que tinham me feito.

Agora, a olhando, sabendo que ela nunca pode me ver com outros olhos,
percebo que eu podia ter feito tudo diferente. Não sei se gosto mais da visão
que Gabriella tem sobre mim.

— Ei... — Eu toco seus cachos, e quando ela olha para mim, fico mudo por
um segundo. Nunca sei reagir muito bem com tanta beleza. — Sei que não é
hora de conversa, depois de um sexo incrível desses, sei que também pediu
para que eu não desabafasse ou projetasse essa figura de amiga em você,
mas acho que... que...

que queria te dizer que, em Dantown, no massacre, as coisas fugiram um


pouco do meu controle. Eu acabei comovendo os vampiros com a minha
história de ter sido amaldiçoado por uma bruxa e acabei convencendo a
população humana, que sabia sobre a nossa existência, e quando vi, nós
tínhamos destruído tudo. No Shine Star foi a mesma coisa. Eu tinha acabado
de descobrir que Luca estava no navio, estava com muita raiva e, quando
percebi, o lado terrível que você encontrou naquele dia, tomou conta de
mim, assim que notei que estava incendiando tudo, já era tarde demais. Eu
não tinha pretensão de machucar nenhum inocente, eu só queria encontrar as
bruxas, eu só queria... — Meu peito se contrai com dor, e os flashes daquela
noite de 2009 inundam a minha mente como um tsunami. Ninguém acredita,
jamais poderia acreditar, mas isso me persegue até hoje. Não gosto do que
causei a tanta gente, e agora, menos ainda. — Enfim, eu só queria me vingar,
achando que eu ia me sentir melhor em algum momento. Mas não me senti,
como dá para perceber. E se todos achavam que eu era um monstro, eu ia
assumir o papel com vontade, porque no fundo, eu preferia que me odiassem
e lembrassem de mim, do que me esquecessem por completo.

Afinal, esse sempre foi o meu maior medo. Ser esquecido.

Por Luca.

Pela minha família.

Pelas pessoas que eu conhecia.

Gabriella para de me fitar, voltando a olhar para o teto.

— Você tem razão, eu não quero escutar ou falar sobre essas coisas. —

Entrelaça as mãos sobre a barriga nua e fica séria, como se estivesse


refletindo algo em sua mente. — Eu só preciso... me levantar e tomar banho.

Tudo bem, acabou de me cortar completamente.

Proibido qualquer assunto com valor sentimental, é o que está escrito em


sua testa, já entendi.

Assinto, mas também nem serve de nada, porque Gabriella nem percebe, ela
só pula da cama, pega de volta seu vestido e se enfia no banheiro, ligando
rapidamente o registro.

Minutos depois, retorna, já vestida e com a toalha secando o cabelo.

— Acho que é a sua vez.


Aponta com o polegar.

Me levanto e, antes de passar por ela e ir para o banheiro, eu aperto as suas


bochechas e a beijo.

Com vontade.

Com determinação.

Como se esse momento nunca pudesse acabar.

Ao me afastar, ainda com as mãos em seu rosto, a vejo chocar os cílios


superiores e inferiores algumas boas vezes.

— Por que acabou de fazer isso?

— Porque eu quis. — Dou de ombros. — E porque você disse que é só por


essa noite, estou só aproveitando.

— Hm. — Engole em seco. — Tá.

Rio, a beijando de novo.

— Vou lá.

— Certo.

A beijo mais uma vez.

— Vai logo!

Me empurra e mesmo que não sorria, sei que quer.

Giro nos calcanhares, indo tomar meu banho.

Quando retorno, de toalha, na esperança de vê-la, não a encontro na cama,


nem em nenhum canto do quarto.

Me aproximo da cômoda e vejo que tem um papel com um lápis em cima.


O pego entre os dedos, já sabendo que é de Gabriella.

Só para você e os outros não ficarem preocupados quando acordarem e


perceberem que não estou aqui, fui para casa. Lavei meu cabelo e esqueci
completamente que aqui não tem cremes de pentear. Não consigo ficar sem
finalizá-lo, mesmo prestes a ir dormir. É coisa das cacheadas, espero que
entenda.

Tem seu nome assinado e até um rostinho feliz depois do ponto.

Me pareceu, na verdade, a primeira desculpa esfarrapada que encontrou para


poder fugir de mim.

Pela manhã, encontro Evelyn e Luca na ilha da cozinha, comendo


panquecas.

Antes de eu me aproximar, eles estavam rindo, brincando um com o outro,


mas param um pouco quando me notam, prestando atenção em mim.

— Podem continuar o amor de vocês, casal — resolvo encher o saco deles,


indo até a geladeira para buscar sangue. Graças a mim, Luca encheu seu
estoque agora. Tem sangue suficiente para alimentar todos os vampiros do
planeta Terra.

Não que eu esteja reclamando. — É, sério — insisto, quando tanto Evelyn


quanto Luca resolvem me encarar como se quisessem dizer: “não é possível
que ele já apareceu” . — Continuem, finjam que não estou aqui, prossigam
com os sorrisos e toda a melação que só vocês são capazes de fazer. Prometo
que dessa vez, não vou reclamar, só admirar.

— Hm, Luca, veja só. — Minha cunhadinha cutuca seu namorado. — Acho
que alguém acordou de bom humor hoje.

Ergo os ombros, bebendo meu sangue.

— A partir de hoje, eu tenho um bom humor, queridos. Estou mudando.

— Mudando? — Meu irmão quase se engasga, e olha que ele nem colocou
nada na boca. — Duvido.

— Pois acredite.

— E qual que é o motivo, podemos saber? — Evelyn soa curiosa.

Oh, cunhada, provavelmente deve ter a ver com o fato de eu ter macetado a
sua irmã e ter gostado tanto, que quero mais vezes.

Porém, não vou te dizer. Vai ficar só nos meus pensamentos.

— A vida. — Sento em um dos bancos e fico de frente para eles. — A vida


está me fazendo mudar. Ela é bela, não?

A garota de óculos dá risada.

— Meu Deus, que garoto estranho. Ninguém consegue entender.

— Certo. — Repouso a bolsa de sangue na mesa e entrelaço as mãos


embaixo do queixo. — Você, por acaso, está tentando se aproximar mais de
mim?

Porque, se for, estou tão de bom humor, que posso aceitar. E se quer saber,
acho que você nem me odeia mais.

É sua vez de dar de ombros.


— Não vou responder nada, mas saiba que eu ainda estou de olho em você.

— É um grande avanço. — Sorrio. — Se fosse em outros tempos, estaria me


xingando e não fazendo isso, já é um bom sinal. Pode continuar de olho, não
há problema.

Luca tenta disfarçar, porém noto seu sorrisinho de canto. Parecem, por
estarem me vendo tentando ajudar e não causando nenhum problema ou
tendo atitudes suspeitas, que os dois estão mais habituados a mim.

Temos os nossos problemas, óbvio, mas agora conseguimos ficar um na


frente do outro sem querermos nos matar.

Como eu disse, é um grande avanço.

Em silêncio, nós continuamos a comer, até que Evelyn olha para a tela do
seu celular, provavelmente vendo o horário, e franze o nariz.

— Ué, esse horário, e Gabriella não acordou? — Sabe de nada, inocente. —

Que estranho. Será que devo subir para chamá-la?

Limpo a garganta e finjo que o assunto não é nada demais.

— Ah, vocês não viram quando ela foi embora? — pergunto, como quem
não quer nada. Os dois se olham e balançam a cabeça, negando. — Nossa,
achei que ela tivesse avisado a vocês, mas pelo visto foi só a mim. Ela foi
para casa na madrugada mesmo, disse que não conseguiu se acostumar com
uma cama que não era dela.

— Isso é tão a cara da Gabriella — Evelyn fala, e só não fico tão surpreso
pela mentira ter colado, porque realmente é a cara da bruxa. — Por isso fui
para o quarto de Luca, só para dar mais espaço a ela também. Mas não tem
jeito, ela é assim desde pequena.

Ponto para mim.

Flexiono os joelhos e pulo da cadeira.


— Uma pena. — Faço beicinho e procuro minhas coisas pela sala, tanto da
minha nova faculdade, quanto as chaves da Harley. — Vou indo, cunhada.
Vou indo, irmão. Não posso me atrasar, tenho algo importante a fazer.
Beijos.

Continuem namorando quando eu for embora.

Escuto a risada desacreditada deles às minhas costas e, depois de pegar meus


pertences, saio para ir em direção à Emerald Grave University.

Sei que Gabriella vai querer se esconder e não vai querer me ver mais,
provavelmente já arrependida do que aconteceu, mas vou mostrar pra ela que
não

adianta ela fugir, eu estarei em todos os lugares.

— Time de rugby? — Luca quase grita, quando eu ando ao lado dele no


campus. Está usando a jaqueta do Emerald Blood, seu time de hóquei. —
Como assim, você entrou para o time de rugby?

Ele está chocado, ainda estava surpreso que eu estivesse frequentando uma
faculdade depois de anos, já que nunca liguei para isso, e parece ainda mais
chocado por eu ter dito o que ouviu.

Que vou fazer parte do time de rugby, o time do qual Gabriella é líder de
torcida.
Que estaremos juntos em mais uma coisa divertida agora.

Sou bom em esportes, assim como Luca, só nunca pensei, de fato, em fazer
parte de um time. Era só hobby. Agora, é para ficar um pouco mais de olho
naquela garota. Vou fazê-la entender que pode sim, me ver de uma nova
forma.

De uma um pouco melhor.

— Consegui falar com o treinador daquele nosso jeito vampiro — explico e


continuo andando. — De repente, assim que falou comigo, percebeu que
estava precisando de um substituto, e eu era a ajuda perfeita. Vou começar
nos próximos dias. Ainda não vou jogar, jogar, provavelmente ficarei no
banco, porém vai ser bom, a qualquer momento, eu consigo o destaque.

Na verdade, nem estou pensando em destaque, estou só pensando em


Gabriella.

Luca estagna os passos, o que me faz parar também.

— Primeiro, o colar. Depois, entrar na EGU. Agora, praticar um esporte


também?

Reviro os olhos.

— Olha, sei o que está querendo insinuar, mas não tem nada a ver com você.

Não é inveja, pare de pensar mal de mim.

— E é o quê?

— O colar, você já pode imaginar, preciso nem falar. Agora a faculdade e o


esporte são para ter outras ocupações enquanto estiver na cidade. Ou você
espera que eu fique em casa, aguardando Vladimir chegar, enquanto todos
vocês têm o que fazer?

— Tá. — Dá o braço a torcer. — Faz sentido. Só… pare de ficar


manipulando os outros, é errado.
— Mas é por besteirinha, gêmeo. Não vai afetar ninguém, prometo.

Me olha de forma desconfiada, entretanto, acaba assentindo.

— Depois vou querer ver você jogar — diz, e eu sorrio. — Vou querer saber
de mais coisas dessa história também, mas agora vou ter que ir. Tenho que
entregar uns livros que peguei na biblioteca.

— Certo, vá lá. Estou indo para o outro lado.

Luca assente de novo, e eu giro nos calcanhares, para andar no lado oposto,
indo ao bloco onde Gabriella estuda Ciências Biológicas.

Chegando lá, animado para contar a novidade e fazê-la deixar de bobagem,


só porque transamos, meu sorriso some automaticamente.

Porque ela está agarrada aos livros, conversando com Cody.

Eu jurava que esse filho da puta havia desistido.

Cerro os punhos.
Eu estava tão mal essa manhã, mas encontrei Cody. E ele finalmente me
escutou.

Eu contei que aquele cara que nos atrapalhou é Levi Vodrak, irmão de Luca
Vodrak, capitão do time de hóquei da faculdade, meu cunhado. Contei que
ele e eu temos algumas desavenças, e que Levi só estava tentando espantá-lo
de propósito, porque não gosta de mim e porque sua maior mania é
infernizar a minha vida quando surge uma oportunidade.

Em um primeiro momento, Cody ficou desconfiado, entretanto, à medida


que conversamos, acho que acreditou e que não está mais com raiva ou
pensando besteira sobre a minha índole.

— Desculpa — peço mais uma vez, depois de ele rir por falarmos sobre a
forma como Levi o abordou. — É sério, desculpa mesmo. Você não tem
noção do quão envergonhada fiquei. Depois me senti muito triste também,
porque não queria perder a sua amizade.

— É isso que vamos ser, não é? Amigos?


— É. — Meneio a cabeça. — Acho que sim. Minha vida ainda continua uma
completa confusão.

E põe completa confusão nisso, de uma forma que Cody Davenport jamais
poderia desconfiar.

Sou uma bruxa, meu cunhado é um vampiro, e tem o irmão dele, que é um
vampiro também, mas que queria me caçar recentemente, depois de ter
descoberto que eu estava viva, a última da linhagem de bruxas que
amaldiçoou tanto ele, quanto seu gêmeo.

Ele estava focado em me destruir, e eu em destruí-lo, até que chegou com


uma mensagem de que um vampiro muito mais poderoso queria meu sangue
para um sacrifício.

E aí, quando foi ontem, nós transamos. E eu fiquei de quatro para ele.

Para piorar a situação, arrumei uma desculpa esfarrapada e fugi, porque


depois de ter me contado mais uma das verdades que insiste em me fazer
engolir, me arrependi e me senti suja, lembrando da minha mãe e do meu
pai.

Uma coisa bem simples e bem tranquila, que acontece na vida de qualquer
garota no auge dos seus vinte e poucos anos.

Só que não.

— Sabe, Gabriella, não acho que você está mentindo para mim — solta, do
nada, me trazendo para a realidade. — Acho que está mentindo para si
mesma.

Você pode não perceber, mas tem algo com aquele cara, sim. E inclusive, ele
está voltando agora, vindo até nós com um rosto muito, muito assassino. Eu
realmente disse que não quero mais drama na minha vida, e é verdade. Você
é uma garota legal, qualquer coisa que precisar, estou aqui, mas espero que
se resolvam.

O quê?! Não pode ser!


Viro para trás e vejo, de fato, Levi se aproximando.

Retorno para frente, e então, Cody está indo embora, virado para mim, só
para me dar tchau, depois sumindo com os outros alunos.

Pronto, agora deu.

Não posso fazer nada, que Levi vem atrapalhar.

Será que ainda não entendeu que foi só sexo? Um único erro, e acabou?

Vai ficar me perseguindo agora com todos os garotos em que eu me


encostar?

Assim que para em minha frente, abre a boca para reclamar, no entanto eu
sou mais rápida, pisando duro.

— Não acredito que já veio bisbilhotar a minha vida — soo sem paciência,
como em todas as vezes que tenho que conviver com esse homem. — Será
que você não pode me deixar em paz nem por um segundo?

— Não, porque você é que nem criança, se a gente desvia a atenção, você já
está fazendo merda.

— E que merda foi que eu fiz, posso saber?

— Ah, pode saber sim. Posso listar. — Cruza os braços e dá um passo, sua
figura me engolindo. — Primeiro, aquela droga de bilhete deixado no quarto.
Foi para casa só para passar creme no cabelo, sério? Acha mesmo que sou
trouxa? Eu vi você, sabia que estava arrependida no segundo em que
acabamos.

— Eu tenho cabelo cacheado, eu preciso finalizá-lo. Não foi uma desculpa,


foi coisa de vida ou morte. Meu cabelo é mais importante para mim, do que
qualquer outra coisa.

— Certo, vou fingir que acredito nessa sua desculpinha. — Arrgh. Santo
Deus, como uma pessoa pode ser tão irritante? — E não foi só isso, bruxa.
Você mal saiu da minha cama e já estava atrás de outro cara?

— Era Cody, e você não tem nada a ver com o que eu faço ou deixo de fazer,
só porque transou comigo. Eu já transei com vários outros, já cometi vários
erros, você não é o primeiro, e nem será o último.

O osso na sua mandíbula salta.

— Não gosto desse Cody.

— Óbvio que não gosta, você sabe que ele me quer. — Dou um passo
também, o afrontando. — E se quer saber, acho que vou atrás dele. Vou atrás
porque, se não sabe, na consulta com a Sra. Moore, nossa vizinha, ela me
disse que eu ia encontrar um grande amor. Um amor que me consumiria, que
me arrepiaria, que seria inesquecível, e aposto que esse amor pode ser Cody.
Aposto que ele pode ter alguma coisa para me oferecer. Que ele pode ser
bom, calmo, que pode me tratar bem e que não vai ser um problemático no
futuro. Ele é claramente a escolha certa.

As minhas palavras deveriam afetá-lo, deveriam fazer com que ele se


sentisse com mais raiva, pensando até mesmo em se afastar, pensando em
me esquecer, porém é claro que não é o que acontece.

— Eu já disse, ele pode ser bom, mas ele não é o que você quer, Gabriella.

Cody não faz o seu tipo, muito menos será capaz de te tratar do jeito que eu
trato, como fiz naquela cama ontem. Você sabe que é a mim que seu corpo
quer e só está se negando tanto, por causa do passado, eu entendo. — Toca
em meu rosto, e, como sempre, não consigo afastá-lo. — O passado já não
importa mais. Você deixou de ser minha inimiga, deixou de ser a garota que
eu deveria odiar, e, sinceramente, é melhor assim. E se parasse de ser uma
covarde e me escutasse, iria entender que, talvez, só talvez, eu posso ter me
arrependido de ter passado anos

cego por raiva e vingança, quando deveria ter gastado esse tempo todo
procurando uma cura, uma forma de viver bem, porque de sofrimento, já
bastava o meu.
— Nesse caso, Levi... — interrompo a frase no meio, para morder o interior
da bochecha, os olhos marejados. — Só falar não vai apagar tudo o que você
fez.

Você pode estar falando aí, mas pode ser muito bem da boca para fora. Eu
não sei se pode ter mudado tão rápido, eu preciso de ações, preciso acreditar
e confiar primeiro.

— Como? — Sua cabeça se move de um lado para o outro. — Como, se toda


vez que eu tento me abrir, você foge? — Não digo nada, fico completamente
parada. — E eu não vou dizer a você que mudei, que já estou prestes a ser
um cara perfeito, porém posso te fazer entender que já comecei a ver todos
os meus erros, a enxergá-los, coisa que nunca imaginei fazer um dia. Mas
também preciso que você entenda que muitos dos meus comportamentos
foram baseados no monstro que habita em mim, na fúria, no ódio, no fogo, o
fogo que me domina. Por muitos anos, eu fiquei transtornado, cego,
completamente cego e descontrolado. Poxa, Gabriella, você viu como eu
fico. Aquilo ali é só uma parte do que pode acontecer dentro de mim. Não
justifica, eu também sei, porém tenho certeza que explica muita, muita coisa.

Sim, explica, mesmo que eu deteste admitir.

Cada um tem seu modo de lidar com as coisas, não dá para comparar Luca
com o Levi. Nem todo mundo conseguiria ter a paciência e o discernimento
do seu irmão gêmeo ao ter sua vida roubada, muitos poderiam agir como
Levi, querendo vingança. Eu poderia muito bem ser desse tipo, poderia sim,
odiar a pessoa que me transformou num monstro com sede por sangue,
enquanto eu ainda era um bebê, no ventre da minha mãe.

Poderia também culpar todas as bruxas do mundo, se uma delas tivesse me


destruído.

E Levi também sofreu, dá para notar. Não tem como não notar.

Contudo, não é só isso, tem muito mais envolvido. É questão de confiança,


de dor pelos meus pais, de empatia, de medo.
Foi por isso que saí da sua casa, foi por isso que fugi. Não conseguia pensar
só em mim, se fossem só os meus problemas, eu conseguia lidar, mas eu me
sentia uma traidora. Me senti nojenta. Fiquei pensando no que meus pais
achariam de mim, se estivessem vendo com quem a filha deles se juntou, e
ainda mais da maneira mais porca possível.

E eu ainda me sinto assim, também confesso, mas se ele... se ele me


mostrasse que deseja se livrar de todo o peso do passado e ser uma pessoa
melhor,

talvez, só talvez, eu não fugisse mais. Nem eu, e tenho a mais absoluta
certeza, que nem o seu irmão também.

E eu estou tão cansada dessas brigas, dessa montanha-russa com Levi, que
não tenho nem forças para externar mais nada, acho que cada um já entendeu
o lado do outro.

Agora, já não restam mais dúvidas.

Sabemos o que queremos, mas também sabemos o que não queremos.

E o que eu não quero, nesse momento, fala muito mais alto para mim.

— Sabe... — Respiro de forma densa, sabendo que tenho que falar pelo
menos essa última coisa importante. — Acho que a gente está desviando do
foco do que realmente interessa. Nós temos que derrotar Vladimir, Levi, ou
tanto eu quanto você morreremos, e isso aqui. — Aponto para nós dois,
depois de jogar meus livros para um braço só, com ar triste. — Não vai
existir nem da maneira que você quer, nem da maneira que eu quero.

— Não estamos desviando de nada, quem está é você — responde, rápido.

— E eu não estou nem um pouco preocupado, porque não importa o que


aconteça, eu sei que você vai ficar viva. Não vou deixar que nada te
aconteça, e é uma promessa minha também. Quando eu estive mal, você não
soltou minha mão, e não importa o quão mal o mundo esteja, eu também não
vou soltar a sua. Apesar dos meus defeitos, sou um homem intenso e
extremamente leal a quem um dia mostrou lealdade a mim. Você é uma
delas. Você é a maior delas, na verdade.

Nunca teve uma como você.

Tento manter a postura de que o que acabou de me dizer, não foi capaz de
me abalar nem um pouquinho.

No entanto, foi.

E é outra coisa que eu detesto admitir a mim mesma.

— Você falar isso me mostra que tem gratidão para dar, é bonito.

— Tenho a faixada de bad boy e tentei sustentar isso por muito tempo, mas
não sou um monstro. Pelo menos, não quero mais ser um para você.

— Certo. — Mordo o interior da bochecha novamente, sem palavras. — Vou


precisar ir para a aula.

Começo a me movimentar, entretanto Levi me para.

— Eu vou provar, vou te mostrar o que tanto quer. Vou fazer você confiar
em mim. — Assinto, olhando para baixo, porém Levi segura meu queixo
com os dedos em formato de pinça. — Me deixa te beijar de novo —
implora. — Só mais um.

Nego.

— Aqui não, Levi. Não na frente dessas pessoas.

Não sei nem o motivo que me leva a falar isso, acabou de ser uma péssima
ideia, já que o vampiro faz questão de me puxar para um lugar em que
ficamos fora da vista de todos.

Me deixando mais uma vez sem reação, Levi pega os meus livros, coloca-os
no chão e vem para cima de mim, minhas costas colando automaticamente
na parede. Ele beija meu pescoço, põe minhas mãos acima da minha cabeça
e investe contra a minha boca, me apertando. Quando pede passagem, eu
cedo no mesmo segundo, nossas línguas se encontrando e duelando, como se
estivéssemos em uma batalha épica.

Ele sempre me deixa sem fôlego quando me beija assim, e minha mente,
como foguete, viaja rapidamente para o momento íntimo que tivemos ontem.
Sinto um raio atingir o meio entre as minhas pernas e, quando percebo, já
estou gemendo e chamando seu nome.

É a porra da atração fatal, da conexão que nunca senti com garoto nenhum.

Nunca. Nem com Will, meu ex-namorado da adolescência, que eu jurava


que seria para sempre o meu grande amor.

A Gabriella daquela época não sabia de merda nenhuma.

Isso que é ser consumida.

Isso que é ter fogo incendiando nas veias.

Levi só pode ser um feitiço, e eu preciso urgentemente achar um antídoto.

— Eu tenho aula agora também — fala, assim que se afasta de mim. — Mas
não vou conseguir prestar atenção, não quando você gemeu assim para mim
e me deixou de pau duro. Se eu te fizer uma proposta agora, será que aceita?

— Qual?

— Só não me mate.

— Fale primeiro, e eu penso.

— Quer trepar comigo em algum canto dessa universidade? — Uma única


sobrancelha se ergue, junto do seu sorriso carregado de maldade. — Só uma
trepada. Uma trepadinha na amizade.

— Nós não somos amigos.


— Na inimizade, então.

Estou prestes a negar, mas ele me beija de novo, e eu já não sei nem mais o
meu nome.
Eu sou um vampiro que gosta de festas.

Bebidas.

E claro, sexo. Muito sexo.

Na minha antiga rotina, não podia faltar sangue e mulheres, afinal, eram
como combustíveis.

Hoje, depois de ter chegado em Emerald Grave, meu combustível diário se


tornou perseguir e insistir em Gabriella.

Depois daquela nossa noite, o sexo com ela também se tornou


imprescindível. Sabia que não conseguiria mais ficar perto dela sem pensar
em seu corpo, seu toque, seu cheiro, sua boceta. Sabia que uma ínfima
aproximação nossa, me levaria à loucura, e, sinceramente, foi o que
aconteceu quando a pressionei naquela parede e devorei seus lábios.
Meu pau inchou na mesma hora, maltratando o zíper do meu jeans.

A sorte é que ela topou mais uma aventura comigo, nos enfiando e nos
trancando no vestiário das líderes de torcida na primeira oportunidade em
que percebeu que não tinha ninguém.

Agora, nós estamos nos beijando, nos empurrando e nos batendo nos
armários, um não sabendo o que fazer primeiro com o outro, porque a
vontade é

tanta, o tesão é tanto, que ficamos afobados e queremos fazer tudo ao mesmo
tempo.

— Bruxinha, devagar com ela — zombo num fio de voz, quando a observo
se afastar da minha boca para começar a tirar a jaqueta do meu corpo,
relembrando implicitamente do que fez com uma na primeira vez em que
nos encontramos na cabana. A ajudo, deixando-a cair no chão, e quando
percebo que estou só com a camiseta, puxo-a pelo pescoço, ficando ainda
mais de pau duro, quando a vejo deslizar as írises ousadas pelo meu peitoral.
— E aí, gostando da vista? Tira uma foto.

Revira os olhos, daquele seu jeito impaciente, que só a deixa mais gostosa.

— Você não é a última bolacha do pacote, querido. Encontro uma infinidade


de caras mais gostosos que você.

Mentirosa.

— Ah, é? E pra quem é que você vai dar a sua boceta agora?

— Boca suja.

— E a sua uma delícia, que não consigo ficar longe. — Puxo seu rosto de
volta para o meu, e, de novo, como provavelmente em todas as vezes em que
estivermos juntos, viramos um completo caos de apertos, chupadas,
mordidas, gemidos e roupas pelo caminho. Tocando meu peito e sendo a sua
vez de lamber o meu pescoço, ela desabotoa a minha calça sozinha, com
seus dedos trêmulos. —
Calma aí, bruxinha. Deixa que eu te ajudo.

Desço o zíper, desço a calça, que cai nos meus tornozelos, e também deslizo
a cueca, tirando tudo com a ajuda dos calcanhares. Essas roupas se juntam
no chão com todas as outras, e quando estou completamente nu, percebo que
Gabriella está de sutiã e calcinha.

Balanço a cabeça de um lado para o outro, de forma predatória.

Num segundo, eu estou na sua frente, no outro, já estou às suas costas, me


desfazendo do seu sutiã. Dá um gritinho de susto, e eu a giro para ficar em
minha frente.

— Tire a calcinha — ordeno, feroz. — Ou vai querer que eu rasgue como a


outra?

Boa garota.

É o que penso, sorrindo internamente, quando a vejo passá-la pelas suas


pernas, me deixando ver sua boceta lisa, macia e brilhando com a sua
excitação.

— Aposto que está bem molhadinha para mim. — Lambo os lábios, com
fome. É monstruoso. Essa garota alimenta meu lado monstro, e porra, pela
primeira vez parece que ele gosta, que ele aceita e não faz nenhum tipo de
objeção.

Parece que ela é a domadora da besta que habita em mim, mandando e


desmandando como bem entender. Ao seu lado, meu lado vampiro e o meu
lado humano, entram no eixo, não há divergência, não há discussão, ambos
aceitam e se acalmam com a presença de Gabriella. É tipo um feitiço, uma
coisa absurda, paranormal. Me enche de sentimentos que nunca
experimentei, e é bom. Bom pra caralho. Nunca quero parar. — Aposto que,
quando meu pau for entrar em você, vai se sentir num playground,
deslizando facilmente.

A puxo, já enchendo minha mão com seus seios.


Não são muito grandes, nem pequenos, são do tamanho perfeito, parece que
foram projetados para caberem na minha palma. E os seus bicos sempre
ficam apontados e arrebitados para mim, tão duros que parecem pedras.
Ficam me chamando, ficam me seduzindo, para que eu os coloque na boca e
dê a devida atenção que tanto merecem.

— Eu gosto de mamar em você, bruxa — declaro, curvando meu corpo para


abocanhar seu seio direito, sugando, deixando um rastro de saliva e depois
circulando a ponta da língua na aréola. Gabriella geme, tomba a cabeça para
trás e finca as unhas em meus braços, me dando o privilégio de perceber que
tem muita sensibilidade nessa área do seu corpo, que lhe traz muito prazer.
— Gosto quando você fica assim, pronta para mim. Bem entregue. É
justamente nessa hora que seu corpo conversa comigo, indo contra tudo o
que sua boca gosta de falar para mim, mentindo. Aqui, eu vejo que você
quer ser minha, que você quer foder comigo da mesma forma que gosta de
foder com a minha cabeça.

— Para...

E eu paro, mirando suas expressões.

— Não é para parar de me dar atenção, Levi, mas parar de jogar essas coisas
na minha cara. É a segunda vez que me entrego para você, dá perceber que
sou mentirosa e que não se confia nem mesmo no que eu digo.

Ergo meus lábios para cima, e, quando retorno para chupá-la, Gabriella me
empurra, me fazendo tropeçar e cair sentado no banco do meio do vestiário.

— Sem preliminares — decreta. — Eu vou sentar em você, sentir seu pau


bem fundo em mim e vai ser rápido.

— Uma rapidinha?

Minhas sobrancelhas dançam sugestivamente, e o meu pau fica mais


dolorido, de tanto desejo por essa garota, vendo-a confirmar com um sorriso
tão sujo quanto isso que estamos fazendo.
— Sim, uma rapidinha.

Perco completamente as estribeiras quando a vejo se aproximar, espalmar as


mãos no meu peito e pegar impulso para subir em cima de mim, querendo
quicar no meu pau.

Falando nele, com o mesmo sorriso malicioso, ela mesma o pega e, comigo a
firmando, segurando cada lado da sua bunda, direciona meu pau para a sua
entrada.

— Porra — xingo e mordo os lábios quando a sinto, pouco a pouco, ir se


sentando em minha extensão. — Vai, você consegue, bruxa. Pede para a sua
boceta pingando me engolir todo.

Revira os olhos, gemendo baixinho.

— Porra, Levi — também xinga, ofegante, com suor se formando em sua


testa e colo. Desfiro um tapa em sua bunda, para incentivá-la a sentar mais.
E ela senta. Sinto os seus músculos internos, sinto meu pau ser apertado e o
sinto abrir caminho por dentro, alargando. Um pequeno grito gutural me
escapa, minha visão escurecendo no exato momento em que, respirando e
cravando as unhas nas minhas omoplatas, começa a subir e a descer devagar,
conhecendo como é fazer essa posição comigo, prestando atenção na
sintonia dos nossos corpos, dos nossos sexos, como eles se conectam e se
complementam, um sendo perfeitamente envolvido pelo outro. — Isso,
perfeito — a incentivo, com minhas mãos em sua bunda, também a
ajudando. — Caralho, bruxa, que delícia. Cavalga para mim, vai.

Cavalga no pau do seu vampiro.

— Eu... quero... ver... — As palavras saem entrecortadas, por causa do


oxigênio que parece lhe faltar. — Eu quero... ver os seus... olhos.

Vermelhos.

Meus olhos vermelhos.


— Olhe pra mim, então — peço, com a voz também arrastada. — Me encare
e não me perca por nenhum segundo, se isso também te excita.

Gabriella faz o que eu mando, suas írises se conectam com as minhas, e eu


deixo que veja, além dos meus olhos vermelhos, toda a minha face de
vampiro, só para ver como reage. Deixo tanto as veias abaixo dos olhos
quanto as presas, aparecerem.

Ela não demonstra medo, não demonstra nem mesmo ficar assustada.

Gabriella parece, na realidade, admirada.

Parece gostar muito do que vê, parece que se sente impressionada, instigada.

Passo a língua pelas minhas presas e rosno para a garota, deixando-a me ver
por completo.

Acho que isso dá um impulso maior no seu tesão e na sua vontade de estar
fodendo comigo, porque começa a cavalgar mais rápido, subindo, descendo
e rebolando no processo, engolindo meu pau como uma gulosa.

Ainda como vampiro, me aproximo do seu pescoço, podendo ouvir seu


sangue flutuando pelo seu corpo. Posso sentir o cheiro também, que é uma
delícia, irresistível.

— Morda, Levi. — A voz soa em meu cérebro, fazendo eco. Meu pau está
sendo esmagado pela sua boceta, e o meu organismo não pensa em outra
coisa a não ser prová-la, mesmo que um pouco. — Eu sei que você é um
vampiro amaldiçoado, não tem o poder de passar o vírus transformador.
Então me morda.

— Eu quero, mas... tenho medo de não me controlar.

— Sou eu. — Olha de novo para o meu rosto. — Você não vai querer me
machucar.

— Não, não vou. Não quero nunca.


— Então prove — ordena mais uma vez, depois de gemer. — Prove que não
me machucaria e prove o meu sangue. Prove que o que você falou mais cedo
é verdade, que quer... tentar.

Faço que sim e perco toda a minha linha de raciocínio, quando Gabriella
joga a cabeça para o lado, me dando total acesso ao seu pescoço.

Com cuidado, eu me aproximo, a mordendo e sentindo seu sangue se


esparramar em minha língua.

Doce.

Viciante.

E é tudo meu.

No entanto, Gabriella grita quando sugo mais um pouco, o que me faz parar.

— Está doendo?

— Está, mas é muito bom. Continue. Se delicie com o meu pescoço,


enquanto me delicio sentando no seu pau.

Lambendo os lábios e as presas com resquício do seu sangue, eu volto a


sugar sua pele na pequena mordida que fiz.

Não há desejo de matar.

Não há desejo de querer mais.

Não há nem mesmo descontrole.

É apenas eu e ela.

É apenas ela e eu.


Somos apenas nós, nessa bagunça imperfeita que parece perfeitamente
perfeita.

Gabriella joga todo o cabelo para trás, e quando eu me afasto, sentindo-a


quicar, quicar e quicar sem parar, me livro do sangue que escorreu pelo seu
colo, sumindo com a ajuda da minha língua, que se arrasta pela sua pele.

— Aaaaah — gememos em uníssono.

E eu a beijo, fazendo com que ela prove seu gosto também.

Pouco tempo depois, gozamos juntos, suados, e a levo comigo para fazermos
um segundo round no banho, em uma das cabines.

Antes de me enfiar em Gabriella de novo, eu paro, a olhando.

— Com você, não há espaço para rapidinhas. Você tem que simplesmente ter
todas as horas do meu dia — declaro, arrancando um sorriso seu. Para mim,
já é o bastante. Já ganhei o dia. — E você vai ter, porque preciso te contar
algo.

— O quê?

— Não me pergunte como, mas entrei para o time de rugby. Estarei com
você nos ensaios e nos jogos.
— Não posso acreditar, Levi.

— Acredite. — Pincelo seu nariz e o aperto. — Você vai dançar olhando


para mim sempre.

— Foi só por isso que entrou?

— Claro — afirmo, categórico. — E para que nenhum atleta pense que pode
mexer contigo, também.

Me surpreendo, pois, ao me ouvir, a atitude é sua de enroscar os pulsos ao


redor do meu pescoço e me beijar.

E mais uma vez, é somente eu e ela.

Mais nada, nem ninguém.

Rugby.

O que falar do rugby?

Acredito que todo mundo saiba que é um esporte coletivo de intenso contato
físico. Eu, por exemplo, também estava ciente disso, no entanto, mesmo
sabendo, eu não fazia ideia do quão intenso poderia ser. Os garotos são
muito bem treinados, muito bem desenvolvidos, são monstros do esporte,
que não pensam

duas vezes em entrar em combate pela bola, e por mais que eu seja bem
melhor que eles, por causa do meu lado vampiro, ainda assim, fiquei
cansado.

E olha que por muitos dias fiquei no banco, esperando uma oportunidade de
me mostrar.

A sorte é que eu tinha Gabriella para me ajudar, já que toda vez que aparecia
no campo, aumentava em 100% minha vontade de ficar ligado, só para vê-la
rebolar com aquela mini saia e com aqueles pompons engraçados.
Semanas depois de treinos exaustivos e uma rotina firmada junto dela, Luca,
Evelyn e até mesmo Devon e Larkin, que as vezes sumiam para aprontar em
outras cidades perto, eu estava me considerando uma parte essencial do time.

Tanto do rugby, quanto deles.

E eu não sentia mais dor, nem passava mais por crises.

Meu irmão não parecia mais desconfiado, e Evelyn, sua namorada, aos
poucos, abaixava a guarda. Eu também me sentia bem mais à vontade com
todos eles.

Com Gabriella principalmente, e isso não preciso nem mencionar.

Às vezes, a bruxa ainda brigava comigo, ainda insistia que não éramos nada,
e, em outros momentos, estava calando a sua boca na minha. Nada tinha
mudado, ainda éramos nós.

E eu sei que Gabriella podia detestar a instabilidade, podia detestar os


sentimentos que vinha nutrindo, mas ela não podia mudar o destino e o que
estávamos criando.

Era tão claro quanto o sol e a lua.

Sol e lua.

É bom chegar a essa comparação, pois, após terminar mais um treino, eu


estou praticamente vendo o sol e a lua na minha frente.

O sol é Savannah, toda feliz e radiante.

A lua é Gabriella, que está com a cara fechada, fingindo ficar emburrada
com a amiga, quando lhe manda corrigir um passo da coreografia.

As duas são engraçadas, e é extremamente divertido vê-las ensaiando logo


após nós.
— Ei, Gabriella. — Minha audição de vampiro logo capta, quando a loira
chama a sua atenção e começa a cutucar a amiga, tentando inutilmente
disfarçar.

— Seu namorado, como em todas as vezes desde que veio transferido, está
assistindo um ensaio seu. Vocês vão se assumir quando, hein?

— Nós não somos namorados — a bruxa logo rebate. — Ele é só o irmão do


meu cunhado.

— Claro, e o seu cunhado sabe que você está fodendo com o irmão dele? —

Fricciono os lábios para não rir da ousadia de Savannah. Adoro essa garota.

Sinceramente, não tem mal nenhum, ele nem é da sua família e ainda por
cima é bonitão. Por qual motivo mentir?

— Savannah Summers — a cacheada sopra entredentes o nome da amiga. —

É melhor você parar de falar ou ele vai acabar ouvindo.

— Nós estamos longe, garota, e eu ainda estou falando baixo. Não tem
como.

— Vá por mim, eu o conheço, Levi tem uma ótima audição.

Por cima do ombro da amiga, ela me fita, sorrindo levemente.

Eu sorrio de volta, mostrando que sei que ela sabe que estou ouvindo toda a
conversa.

E gosto do conteúdo, porque a deixa nervosa, eu sinto.

E toda vez que ela fica nervosa em uma conversa, significa que, no fundo,
no fundo, concorda com o que está sendo dito e não quer externar.

Já conheço Gabriella Faulkner como a palma da minha mão.


Me sentindo vitorioso, eu dou as costas e vou para o vestiário tirar o
uniforme, e tomar banho.

Inclusive, esqueci de mencionar, ela está empenhada em encontrar o feitiço


original do sacrifício.

Gabriella pensa que eu não sei, mas eu sei, e talvez deve estar me
escondendo, porque não quero voltar no assunto de me tornar humano.

Tem nada a ver com isso, e eu lhe falei naquele dia.

De qualquer maneira, preciso tomar um banho no vestiário, tirar esse


uniforme e depois ir para casa, para poder encontrar com Gabriella na
vizinhança em algum dos nossos infinitos encontros secretos.

Faço tudo em questão de uma hora e quando saio do vestiário, já está tudo
vazio. Sem os atletas, sem as animadoras, sem ninguém.

Contudo, por que eu escuto uma movimentação... no campo?

Tento ignorar, achando que é coisa da minha cabeça, entretanto, enquanto


caminho, ouço de novo.

É forte, é alto e me traz uma sensação estranha.

Volto para o campo totalmente vazio, deixo minha mochila na entrada e,


com cuidado, eu arrasto minhas botas até o local, mais especificamente, até a
grama sintética.

Encaro um lado, encaro o outro, olho as arquibancadas e então vejo um


vulto, bem no alto.

Vladimir.

Meu corpo todo se retesa, e meus punhos se fecham ao lado do corpo.

Estou prestes a correr até lá, quando ouço outro som atrás de mim.
Já me preparo para entrar em ataque, porém me viro e vejo Savannah.

O que ela está fazendo aqui?

Não, não, não.

— Levi? — A loira também parece confusa ao me ver. — Ah, então era só


você. Eu achei que tivesse...

— É, é só eu — eu a corto, nervoso. — Por que você não volta e vai para


casa, huh?

Olho para os lados, tentando encontrá-lo. Minha cabeça roda com tanta
procura.

— Nossa, por que tanta grosse...

O grito que eu escuto vem de muito próximo, me assustando.

É da própria Savannah, que não tem nem tempo de completar a sua frase
porque, por trás, Vladimir tapa a sua boca e fixa os olhos completamente
negros em seu pescoço, eu penso que vai mordê-la, transformá-la, porém,
contrariando a todas as possibilidades, ele usa suas garras para machucá-la,
cravando fundo em seu pescoço. Seu sangue esguicha para todos os lados.

Outro grito estrondoso soa.

Dessa vez, sai de mim mesmo.

Tento avançar, tento salvar Savannah, mas quando me aproximo, ele me


empurra só com uma mão, me fazendo voar por alguns metros. Savannah cai
em seguida na grama também, desmaiada, sangrando, com um buraco aberto
em seu pescoço.

Me levanto, com tanta raiva, que não vejo nada, só ódio, chamas invisíveis
percorrendo todo meu corpo. Eu grito novamente e corro, rápido, o pegando
pelo pescoço também.
Nós dois rolamos juntos na grama.

Em um momento, eu caio no chão; no outro, é ele.

Não dá para negar o quão forte é, não dá para negar que pode muito bem me
matar, entretanto, tenho certeza que não quer isso, que não pode, justamente
por causa do sacrifício.

Contudo, eu também estou puto.

Eu também estou rosnando, furioso, vendo vermelho, sentindo o monstro


impiedoso se conectar comigo de novo.

Consigo me separar do seu aperto, e quando ficamos um de frente para o


outro, nos desafiando, eu sinto. Sinto algo que nunca senti antes.

Parece que estou pegando fogo, e quando olho para uma das minhas mãos, é
isso mesmo que acontece.

Fogo, literalmente, brota por entre os meus dedos, chamas bruxuleantes


dançando.

Não sei o que está acontecendo, mas é como se eu precisasse disso, porque,
ao ver o que está acontecendo e o que posso fazer, Vladimir dá um passo
para trás, e posso ver um breve medo cintilar nos seus olhos.

— Vladimir Vampir chegou — mesmo assim, tem a audácia de falar. — É só


um recado. Só para mostrar que eu sei que vocês sabem sobre mim, sobre o
sacrifício, e que eu estou muito, muito perto. Na hora certa, todos vocês
morrerão, e eu voltarei. Muito, muito em breve. — Dou um passo para
frente, querendo continuar, querendo matá-lo, querendo atear fogo em todo
seu corpo e acabar de uma vez com toda essa palhaçada. No entanto,
Vladimir olha para o corpo de Savannah e transforma seu rosto na coisa
mais falsa e horripilante que já vi nos meus 148 anos vagando pela Terra. —
Se eu fosse você, ao invés de vir atrás de mim, corria para salvá-la. Se
demorar demais, já sabe o que acontece. Tic tac. Tic tac.

Psicopata do caralho!
Era isso que as pessoas sentiam quando me viam? Quando sabiam sobre o
que eu era capaz de fazer?

Acho que consigo entender ainda melhor a forma horrenda como Gabriella
se sente suja comigo. É como se só agora, a minha ficha caísse
completamente.

E sem pensar duas vezes, eu corro para salvar Savannah.

Me ajoelho, escutando quando Vladimir passa por mim correndo e


simplesmente desaparece.

Trago seu corpo para o meu colo, ficando desesperado quando noto seu rosto
sem cor, seus olhos fechados, e seu pescoço à mostra, em carne viva.

Ela está desmaiada, fraca, praticamente sem vida, já que aquele filho da puta
drenou quase todo o seu sangue.

Entretanto, não vou deixá-la aqui.

Não posso simplesmente desistir.

Não posso.

Nem por ela, nem por mim, nem por Gabriella.

Me levanto com Savannah em meus braços e também começo a correr.


Sabe quando você tem aquela sensação do mundo ao seu redor congelar?

Parar?

Aquela sensação que parece que sua alma sai do corpo, e você se torna um
mero telespectador da sua vida?

Pois bem, foi exatamente assim que me senti quando Evelyn me procurou,
depois de Luca ter ligado para ela. Minha irmã estava em desespero e
quando ela me disse o que tinha acontecido à Savannah, eu não consegui
reagir durante cinco minutos.

Eu só conseguia ficar parada.

Olhar para o nada.

Pensar nela. Em Savannah. Na minha amiga.

Não sei muito bem como cheguei até aqui, provavelmente sendo arrastada
pela minha irmã.
E se antes eu achava horrível o que podia ter acontecido com ela, se antes eu
não conseguia ter reação nenhuma, só sabendo que Summers tinha sido
atacada, agora, a vendo nesse estado, é aí que não consigo fazer nada
mesmo.

Minha amiga está desacordada no sofá do Luca, foi trazida por Levi até aqui,
depois de Vladimir ter a machucado para deixar o seu recado. Está pálida,
com o

seu pescoço ferido, praticamente desfalecida.

Desfalecida.

A palavra faz eco em minha cabeça, e eu pisco.

Uma, duas, três vezes, com os lábios trêmulos de vontade de chorar.

Ainda sinto como se fosse só um filme de terror, um pesadelo em que estou


assistindo, de camarote, a protagonista sofrer até o último segundo.

E tenho certeza que as pessoas, tão desesperadas quanto eu, passam por
mim, falam comigo, esperam que eu faça algo. Alguma coisa, pelo menos.
Nem que seja chorar. Nem que seja gritar. Nem que seja ver o que Luca e
Levi estão planejando fazer com ela para salvá-la.

Porém, será que terá salvação?

Será que a minha loira vai conseguir… viver?

— Ela não vai ser transformada em vampira, vai?

Escuto, ao longe, Evelyn perguntar.

— Não, Vladimir não usou as presas, só as garras — Levi comenta. Levi.

Ouvir a voz dele me traz de volta à realidade, pelo menos um pouco. E eu sei
que ele também parece desesperado, tão atordoado quanto eu, afinal, foi ele
quem viu tudo. Ele quem viu Vladimir chegar e ele quem viu Savannah ser
machucada. —

Mas ela vai ficar bem, ela vai ficar bem.

É quando ele diz isso, que me forço a sair da janela para, com cautela, me
aproximar.

Preciso ser forte.

Preciso. Ser. Forte.

Fico ainda mais baqueada quando olho para ele e percebo que seu estado é
ainda mais caótico do que pensava. Seus olhos estão com bolsas arroxeadas,
o cabelo uma completa bagunça, as roupas rasgadas, e um semblante que dá
para ver, pelo menos eu, que está se sentindo perdido, impotente, angustiado,
nervoso e principalmente, assombrado.

Ele olha para Savannah e parece tremer. Parece ficar exatamente do mesmo
jeito de quando está mal, tendo suas crises.

Automaticamente, fico preocupada, e agora pelos dois.

Não quero que nada de mal aconteça com eles.

E porra, Levi estava lá também, com Vladimir. E se algo tivesse acontecido?

E se ele…

Não, não, não. Não vou pensar.

Não vou pensar mesmo.

Meu coração não suportaria.

E merda também, nem acredito que estou assumindo isso.


Contudo, ao mesmo tempo que estou paralisada, estou amolecida, porque ele
está cuidando de Savannah. Ele não sai do lado dela. Levi está visivelmente
preocupado, e todos nós estamos vendo toda a sua preocupação e toda a sua
mobilização.

— Luca, nós temos que dar nosso sangue a ela — avisa, ficando de joelhos
na frente do sofá. Apesar de falar isso para o irmão, que também se mobiliza
e fica ao lado dele, Levi é o primeiro a pôr as presas para fora e morder seu
pulso, deixando que sangue comece a vazar. Com cuidado, levanta a cabeça
dela e a faz beber. — Isso, bebe. Vai cicatrizar. Ela vai ficar bem, ela vai
ficar bem — repete, e parece que é muito mais para si, do que para nós.

Sinto Evelyn ao meu lado, me abraçando.

Entretanto, meus olhos estão presos nele.

Não consigo desfocar.

Não consigo parar de pensar que Levi não está bem, porque é o que percebo.

Ele não está nem um pouco bem. O que acabou de acontecer, lhe afetou de
uma forma muito, muito significativa.

Será que Vladimir disse algo? Ou Vladimir fez algo com ele e não quer
falar?

Estou a um passo de entrar em colapso.

Me agacho também no chão, ficando ao seu lado. Intercalo meu olhar entre
ele e Savannah.

Depois de beber o sangue de Levi, Summers parece, aos poucos, voltar a


coloração normal do seu rosto.

Meu coração se tranquiliza no peito.

Vai mesmo ficar tudo bem.


Sinto meus olhos se encherem novamente de água e tento engolir meu choro.

Só Deus sabe o medo que senti.

O pavor.

Não me perdoaria nunca se algo acontecesse com a minha amiga, a minha


capitã, a minha loira. Eu não saberia prosseguir, iria me odiar pelo resto da
vida.

Sei que ela estava no lugar errado e na hora errada, mas eu não conseguiria.

E o meu ódio, com certeza iria aumentar. Duplicar. Triplicar.

Seria muito, muito fácil de eu cometer uma besteira, uma atrocidade.

— Foi um recado — ele diz de novo. — Vladimir queria que a gente


soubesse que ele está ciente de que sabíamos. Ele queria nos dizer que, em
breve, estará chegando.

— Foi por isso que deixou Savannah com a opção de ficar viva, não a
matando de fato — Luca menciona. — Na hora que ela apareceu, foi a
oportunidade perfeita que encontrou para nos assustar e chamar nossa
atenção. O

problema dele não é com ela, é com a gente.

— Mas ele quase a matou — eu rosno, de raiva. E quando a encaro de novo,


vejo que a ferida em seu pescoço cicatrizou, só falta acordar, o que eu
acredito que ainda levará um tempo. — Se acha que vou deixar barato, está
muito enganado.

Foda-se plano, foda-se tudo, eu vou destruí-lo.

— Você, nem pense em fazer besteira — Levi me repreende, tão sério, que
faz o silêncio esmagador se instaurar sobre todos nós. Certeza que Luca e
Evelyn estranham o tom de voz que usa comigo, porém não falam nada,
apenas se olham.
— Aquele homem é forte, poderoso. Por favor, por tudo que é mais sagrado,
bruxa, eu te imploro, não faça nenhuma besteira, não coloque sua vida em
risco.

Se ele fizer qualquer coisa com você, parecida com o que fez com a
Savannah, eu… — Arfa, bagunça os fios do seu cabelo e se levanta num
ímpeto, assustando a todos nós. — Ah, porra, acho que não posso mais
esconder. Não, não posso.

— Esconder o que? — Luca também se levanta, preocupado. — O que foi


que aconteceu, Levi? Por que você está tremendo?

Ele olha para mim, e meu coração se despedaça diante do seu estado.

— Eu vi o que Vladimir fez com Savannah, vi ela estirada no chão e fiquei


me perguntando se foi isso que fiz a minha vida toda. Machucar pessoas. —

Morde os lábios, sem olhar para nenhum de nós, não conseguindo. — Foi
como se eu tivesse tomado um choque. Foi como se eu tivesse sido colocado
na realidade, na minha realidade. Olhei para Vladimir e, por um segundo, vi
que muitos poderiam me ver daquela forma. Odiei, detestei. Me senti e
continuo me sentindo péssimo. — Cruza os braços, indefeso. — E eu…
queria o colar, o feitiço, para levar uma vida como a do Levi. É Inveja? Não.
Juro por tudo que não é. É

porque… a Gabriella sabe como eu fico descontrolado. Não tenho nenhum


controle. Sou um vampiro amaldiçoado, um que teve que lidar, dia após dia,
com o fato do fogo domina-lo, então eu tremo, eu sinto fortes dores de
cabeça, eu passo mal, eu incendeio, sem querer, coisas. Lugares. Foi o que
aconteceu no Shine Star.

Só por vê-lo se abalar, eu também me encontro mais trêmula do que estava.

— Me desculpem. — Cai de novo no chão. — Me desculpe, Evelyn. Me


desculpe, Luca. Eu só… não sabia o que estava fazendo. Estava perdido,
morrendo de medo, com raiva, muita raiva. Durante décadas e décadas, eu vi
que se eu
estava com um monstro em mim, então eu deveria assumi-lo. Se as pessoas
me abandonavam e sentiam raiva de mim, então eu ia fazer com que me
odiassem com gosto. Hoje, eu sinto e percebo que fiz tudo errado, e que
contribui, com toda a certeza, para a piora considerável que tive nos últimos
anos. E que contribui também, claro, para o nosso afastamento. — Se
direciona ao irmão. — Foi tudo culpa minha, Luca. Eu sempre te amei,
sempre te admirei, afinal, é o meu gêmeo, uma parte minha, a extensão da
minha existência, e lá no fundo, sempre quis ser como você, antes mesmo
de, aos vinte e um anos, morrermos. Eu queria ter a sua pureza, a sua
bondade, a sua luz. Quando vi que não estava disposto a me compreender,
que não estava querendo seguir com as minhas loucuras, te odiei no primeiro
segundo e acho que é porque eu sabia que você estava certo. Eu sabia que
você, mesmo sofrendo, continuaria bondoso, que passaria pela tempestade e
conseguiria se reerguer. Foi o que aconteceu. Você se reergueu, e eu caí,
querendo que todos achassem que eu estava por cima. Só, por favor, me
desculpem. Me desculpem mesmo.

Luca sente o efeito das palavras de Levi na hora, ficando de joelhos e


segurando o irmão pelos ombros.

— Eu não sabia. — Meu cunhado balança a cabeça, cheio de dor. — Eu não


fazia ideia. E porra, também é culpa minha, Levi. Eu deveria ter insistido
mais, deveria ter corrido mais atrás de você, não deveria tê-lo deixado na
mão, só porque tentava me mostrar o tempo todo que estava destinado a
nunca mudar. E veja só você agora, expondo seus sentimentos, sendo
empático, gentil, generoso. Eu esperei a minha vida toda por esse momento,
será que nunca percebeu?

— Ele é generoso mesmo. — O ajudo, porque não posso ficar calada. Ando
até onde estão Luca e Levi. — Ele… me alcançou. Insistiu para que eu visse
seu outro lado. De uma forma totalmente errônea, nós nos conectamos, e
desculpa se escondemos isso de vocês, mas é que passamos muito tempo
escondendo isso de nós mesmos. Ou melhor, eu escondendo isso de mim
mesma. Mas estou aqui para dizer que sou a prova viva de que Levi Vodrak
não é mais o mesmo. Eu pedi para que ele me provasse, e, sem perceber, está
fazendo isso. Fez muito antes e está fazendo agora, quando trouxe Savannah,
quando se importou com a vida da minha amiga e ficou tão abalado, mas tão
abalado, que resolveu se abrir. — Enxugo o canto dos olhos, rindo para
despistar as lágrimas. — Levi se abriu da mesma maneira comigo também.
Acho que, no fundo, ele sempre quis isso e nunca conseguiu pedir. Ele
queria um abraço do irmão, um ombro amigo para desmoronar, e pessoas
que o apoiassem.

— E eu queria você — solta, pegando tanto a mim, quanto Luca e Evelyn de


surpresa. — Todo esse tempo, eu queria alguém como você, Gabriella. E me
sinto

tão, tão mal por tudo que fiz. Pelos seus pais. Pela sua família. Pelo dia em
que sequestrei Evelyn e, por pouco, não a matei também. Me sinto mal por
tudo. Por favor, acreditem em mim. — Choraminga.

— Acreditamos — Luca garante. — Acreditamos, sim. E bem, agora, você


está provando as suas palavras. Ficamos de olho em você por todo esse
tempo, Evelyn e eu, no caso, e tentávamos encontrar qualquer coisa suspeita
em qualquer mínima ação que fazia, mas não encontrávamos nada. Você
parecia outro.

Conforme o tempo foi passando, foi melhorando. A única coisa de que


suspeitávamos era o comportamento de você e Gabriella, principalmente
quando ficavam juntos no mesmo ambiente. Agora está tudo esclarecido, no
entanto.

— E eu me sinto… aliviado. — Levi solta uma lufada de ar. — Me sinto


aliviado por colocar tudo para fora. Me sinto aliviado por enfim poder falar a
verdade. Me sinto aliviado e…

Antes mesmo de terminar sua frase, Savannah geme do sofá, se senta e toca
no seu pescoço.

Em alerta, nós nos entreolhamos e também suspiramos, aliviados por poder


ver que ela está finalmente bem, inteira, de volta para nós.
Contudo, então ela grita, ainda tocando o seu pescoço, se encolhe e começa a
parecer prestes a chorar.

Corro até ela, me sentando ao seu lado no sofá.

Luca e Levi ficam em nossa frente.

— Vamos ter que fazê-la esquecer. — Luca olha o seu gêmeo. — Ela não
pode conviver com isso.

— Sim — Levi também concorda. — E quanto menos ela souber, melhor.

Ninguém quer cruzar sua vida com vampiros assim, do nada. Vamos libertá-
la.

O outro também concorda, então se direcionam para cada lado de Savannah,


a contendo.

Enquanto eles falam com ela, a capitã das líderes de torcida vai, aos poucos,
se acalmando, em transe.

Abraço a minha irmã de lado, olhando para eles, os gêmeos. Trabalhando


juntos. Parceiros.

Ouço Sutton suspirar.

— Não sei como me sinto ainda em relação a ele, Levi, mas estou feliz que
eles finalmente conversaram e estarão agora cada vez mais perto de se
entenderem.

Sim.

Depois de tanto tempo, eles merecem.

Quando derrotarmos Vladimir, porque sei que iremos, as coisas entre os


dois, entre todos nós, só melhorarão.
Savannah olha para nós ainda um pouco desnorteada, depois de ter jantado
conosco.

— Acredita que eu não me lembro de nada de quando passei mal e desmaiei


depois do treino? — pergunta, sentada à mesa, olhando para cada um de nós.

De nadinha.

Por sorte, ela parece a Savannah Summers que eu conheço.

Céus, estou tão, tão aliviada.

Senti tanto medo.

Estava mesmo desesperada e ainda estou, é verdade, mas agora nada mais
importa, já que ela está bem, viva, saudável e sentada aqui conosco.

Já a abracei várias vezes, entretanto acho que ainda não é suficiente. Quero
abraçá-la bem mais.
— Levi que encontrou você — eu conto, porque não deixa de ser verdade.

— Ele ficou preocupado.

— Obrigada, Levi — ela o agradece mais uma vez. — Acho que não ingeri
proteínas o suficiente para me deixar forte, então posso ter desmaiado por
isso.

Mas obrigada, pessoal, por cuidarem de mim. Estou me sentindo muito


lisonjeada por estar na casa de Luca Vodrak. — Savannah se vira
rapidamente para Evelyn.

— Ai, meu Deus, isso soo tão mal. Não é porque eu quero dar em cima do
seu boy não, Sutton. É porque realmente estou me sentindo importante, o
cara é popular, é capitão do time de hóquei.

Todos nós rimos, e se antes eu me sentia aliviada, agora, ao ouvi-la, eu me


sinto bem mais, afinal, se está podendo falar algo assim, significa que é
realmente Savannah.

Que está novinha em folha, inteirinha.

— Não se preocupe, Summers, eu não vi maldade alguma.

— E a capitã das líderes de torcida sabe que eu só tenho olhos para a minha
nerd.

Mais uma vez, rimos, e Luca vai atrás de abraçar a sua namorada, um clima
muito mais leve se instaurando entre nós.

Óbvio, ainda está tudo muito recente e tenso, porém dá para sentir que, aos
poucos, podemos voltar ao eixo.

Precisamos voltar ao eixo.

Me surpreendo quando Levi também vem ficar atrás de mim, colocando as


mãos em meus ombros.
No mesmo segundo, Savannah nota a movimentação e já troca um olhar com
Evelyn e Luca.

— Eles já se assumiram? — pergunta, ao passo que passeia o indicador por


nós dois. — Porque assim, está nítido que eles estão se pegando.

— Meu Deus, até a Savannah percebeu — Luca soa indignado. — Vocês


não fizeram questão nenhuma de serem discretos.

— Ei, vamos parando — tento fingir autonomia. — Não quero falar sobre a
minha vida pessoal com nenhum de vocês. Me deixem em paz.

É apenas uma brincadeira, contudo, faço um biquinho emburrado.

Savannah se levanta.

— Ai, Gabriella, você não engana ninguém. Mas se quer minha permissão,
pode ficar tranquila, que eu aprovo. — Ri e manda beijos no ar. — Agora
falando sério, preciso ir para casa. Muito obrigada pela ajuda, pelo jantar e
pela conversa.

Espero que eu possa vir aqui mais vezes.

— Está convidada — Luca emenda.

— Hm, muito obrigada.

Pisco para ela quando me olha, e ainda atrás de mim, Levi limpa a garganta.

— Vem, Savannah, eu te dou uma carona até em casa. Não é bom você ir
caminhando, pode ser perigoso.
Luca fica em alerta, eu também.

Uau.

Ele ficou mesmo preocupado.

E quer garantir a segurança dela.

Se me dissessem que esse é o Levi Vodrak que tanto falavam, eu não


acreditaria.

— Parabéns, Gabriella, seu boy, ou melhor, bad boy, é, na verdade, um


cavalheiro.

Me provoca, quando já está prestes a sair.

Eu sorrio de volta.

Porém, no instante em que saem por aquela porta, todo o clima sai junto
deles.

O silêncio sepulcral em que Luca, eu e Evelyn nos enfiamos, faz até mesmo
a minha alma se arrepiar.

Porque os dias estão contados.


Vladimir Vampir chegou e sabe muito bem onde nos encontrar.

Na mesma noite, Levi passa, me vê na varanda de casa, dá meia volta com a


moto, desce, tira o capacete e caminha em minha direção.

— Ela está segura — menciona, falando de Savannah. Vou mais para o lado,
para lhe dar mais espaço para sentar aqui comigo, nas escadas. — E vai ficar
bem também. Vladimir, na cabeça dele, não vai querer perder tempo com
ela, vai querer perder tempo com... bem, eu, você e Luca. Aqueles que
mantêm o feitiço vivo.

— Sim, eu sei. — Me viro instantaneamente para ele, e Levi, já no mesmo


segundo, aperta as minhas mãos. — Você a salvou hoje. Você mostrou um
lado seu que impressionou a todos. Eu fiquei impressionada. E comovida.
Juro que não esperava.

— Eu também não, mas saiu. — Dá de ombros. — Fiquei muito comovido


com tudo o que estava acontecendo, as lembranças que estavam surgindo e
não aguentei, coloquei para fora. Acho que tinha que ser assim, na verdade.
Eu tinha que falar com o meu irmão naquela hora, porque talvez, possa ser
tarde demais.

Talvez possa ser tarde demais para ele, para nós. Precisava deixar claro.
Precisava fazer com que vocês soubessem.

— E conseguiu. — Aperto suas mãos de volta e aposto que pode ver meus
olhos brilhando. — Você, hoje, e em outras vezes também, conseguiu me
mostrar o que tanto pedi. Parou de falar e começou a agir, começou a
demonstrar. E eu sei, eu sinto no meu coração, que é a mais pura verdade.

— Você ter fé em mim, já é o que me motiva, bruxa. Vai dar tudo certo para
nós.

Descanso minha cabeça em seu ombro, sentindo o tecido gélido da sua


jaqueta sob a minha pele.
— Vai dar tudo certo — garante, com as írises perdidas no céu. — Tudo
terminará bem. Nós terminaremos bem. Todos nós.

Subo e desço o queixo, confirmando.

Encaro a lua cheia.

Ela está tão linda, parece querer nos iluminar, nos mostrar um caminho.

Olho para Levi, e é óbvio que já estava me encarando, antes mesmo de eu


erguer a cabeça.

— Falando em nós, em que pé nós estamos agora?

— Não posso te responder até tudo estar resolvido.

— É, foi o que eu imaginei.

Dou um sorriso fraco.

— Vou precisar entrar também, está frio.

Me levanto, e Levi também faz o mesmo.

— Obrigado, Gabriella. Por ter me ajudado quando eu mais precisei e por ter
me apoiado mais cedo. Obrigado mesmo. Por tudo.

— Eu quem agradeço.

Levi se aproxima, dá um beijo demorado em minha testa e me espera,


parado na varanda, enquanto eu abro a porta, a fecho e subo para o meu
quarto.

Espiando pela janela, observo que ainda fica um tempo parado, observando
o céu, como se estivesse fazendo um pedido.

Independentemente do que pediu, que ele seja concedido.


Ando para trás e, por estar de costas, me bato na minha mesa de cabeceira, e
só escuto o baque de algo caindo.

É o meu diário, que lembro ter deixado na ponta da mesa.

Me agacho para pegá-lo, mas então percebo uma coisa estranha.

Parece que abriu um buraco no livro, como se fosse um esconderijo.

Vinco a testa, viro o diário e não encontro nada lá dentro.

No entanto, quando minhas írises passeiam sem querer pelo chão, eu vejo.

Um papel bem dobrado, amarelado e provavelmente, também muito antigo.

O reconhecimento vem na hora, e a minha boca fica em um O.

Procurei esse negócio por todos os lugares, verifiquei esse diário de cabeça
para baixo, para ver se Zena tinha escrito algo, porém nada encontrava. E
claro, ele não estava escrito, estava escondido esse tempo todo, bem na
minha cara.

Minha mãe, de fato, o guardou para mim, era como se soubesse que eu fosse
mesmo precisar.

Com os dedos trêmulos, eu o abro.


É mesmo ele.

O feitiço. O feitiço original do sacrifício, feito por uma Salazar.

A atenção agora estava redobrada.

Todos estavam se mobilizando, em busca de Vladimir.

Não era mais brincadeira, viramos uma espécie de força tarefa.

E eu, eu só conseguia pensar no feitiço.

Não disse nada a nenhum deles, porque não queria que achassem que eu
estava os pressionando só para livrar a minha bunda.

Livrar a minha bunda, mais ou menos, né. Eu poderia morrer do mesmo


jeito, porém, ainda assim, preferia, por enquanto, me manter calada,
conforme pensava a respeito.

Inclusive, falando da minha bunda, ela já está praticamente quadrada, de


tanto sentar na moto de Levi, afinal de contas, não me deixa sozinha para
fazer nada, vamos e voltamos todos os dias da EGU juntos.

Levi com a Harley na frente, Luca com o carro atrás, porque os gêmeos são,
obviamente, preocupados com as garotas da família Faulkner.

E ainda tem Devon e Larkin também, que nos acompanham escondidos.

Tudo estava perfeitamente tranquilo e normal, no entanto hoje, o cenário


muda e se torna completamente diferente.

Levi freia bruscamente com a sua moto, parando-a em uma rua não muito
movimentada de Emerald Grave, Luca logo atrás, e quando vou ver o que
está

acontecendo, o oxigênio some do ar no mesmo segundo em que vejo uma


fila de homens mal encarados, com um no meio e um pouco mais à frente,
de olho em nós e junto de uma única mulher.
Vampiros.

Vladimir.

E, possivelmente, a bruxa que acabará com a maldição.

— Ora, ora, ora... — A voz do vampiro mais antigo do mundo me arrepia, e


eu só faço apertar Levi com mais força, querendo passar para ele que vai
ficar tudo bem. — Vejam só, pessoal, se não são as minhas crianças
favoritas.

Levi, rosnando, tira o seu capacete, desce da moto, e eu faço o mesmo.

Num instante, Devon e Larkin já apareceram ao nosso lado, preparados para


o combate.

Luca pula para fora do carro, que dá ré e sai correndo pela pista.

Foi Evelyn, e tenho certeza que, mesmo desesperada e odiando a ideia, teve
que sair daqui depois do seu namorado provavelmente passar o recado de
que não a queria no meio dessa briga de vampiros x bruxas.

Ela é uma humana, no final das contas.

E eu sou uma bruxa, uma que está diante de outra bruxa, uma mais velha e
que pode muito bem ser muito mais estudada e forte que eu.

Fora que Vladimir trouxe uns dez vampiros, e no meu time só tem quatro.

A situação está meio injusta e desfavorável aqui, mas ninguém, ninguém vai
recuar.

— Luca, ele trouxe sua equipe de cachorrinhos, o todo Vladimir Vampir não
se garante sozinho — mesmo nessa situação, Levi ainda encontra forças para
debochar. Mas essa é sua arma, não? Sorrisos perversos e palavras que
gotejam veneno são suas maiores aliadas na arte da desestabilização. — Para
mim, não muda porra nenhuma. Estou morrendo de ódio, queimando por
dentro. Se vocês vierem, vão levar.
Vladimir ri, e como se fosse ensaiado, todos os outros dão risada também.

Isso também infla minha raiva, meu ódio, minha vontade de lutar.

Penso em mim, no que querem fazer comigo, com Luca e Levi e,


principalmente, no que fizeram à Savannah.

Cerro os punhos, travo o maxilar e dou um passo, ficando no meio dos


Vodrak, em frente a ele.

— A Salazar sobrevivente — cantarola ao me ver. — Finalmente, eu te


encontrei. Está preparada para o que vai acontecer hoje? Espero que sim,
porque

você não pode nem fugir, minha amiga Alicia aqui, colocou uma proteção
nessa rua, tipo uma redoma. Nenhum vampiro ou bruxa pode escapar mais.

— Se está pensando que vai fazer qualquer coisa com a gente, está muito
enganado. Você pode até ter uma bruxa ao seu lado, mas nós também temos
uma

— Luca tenta manter o controle da sua voz, não querendo perder a razão,
porém dá para perceber que está tão possesso quanto nós. — E ela é forte,
muito forte.

— Mas é uma iniciante, não é como Alicia — Vladimir diz, muito ciente do
que fala. Não é como se estivesse blefando, é como se tivesse certeza
absoluta de que tudo sairá como planejou. — E Alicia vai me ajudar a
prender vocês agora mesmo. Pode ir, Alicia.

A tal bruxa vem até nós, pisando duro, confiante, e eu troco um olhar com os
meninos. É em questão de segundos que isso acontece, porque já corremos
até ela, mas caímos no chão no mesmo instante. Minha cabeça dói, a vista se
torna turva, e começo a gritar, entretanto não sei se é pela dor que estou
sentindo ou se é por ver os corpos de Luca, Levi, Devon e Larkin no chão.

Corpos.
Dos meninos ao longe.

De Luca e Levi.

Eu no meio.

Gritando.

A visão da Sra. Moore está se cumprindo.

E não acredito que Alicia está conseguindo entrar na minha cabeça, não
estou conseguindo acreditar que está me pegando à força, com outros
vampiros me puxando para cima, prendendo os meus braços e me jogando
de volta no chão.

Eu não consigo me debater, não consigo fazer nada, estou chorando,


gritando.

— Que porra você fez? — Em meio às lágrimas, eu grito mais forte. Para
Alicia. Para os outros. Para Vladimir. Ele está parado, de braços cruzados,
observando tudo como se fosse o rei, e o restante seus servos em serviço. —
Que porra você fez com eles? Você os... matou? — A pergunta sai como
outro grito esganiçado, doloroso.

Não.

Não, não, não.

Não pode ter sido tão rápido assim, que nem nos deu tempo para pensar.

Não posso, simplesmente não posso, pensar neles mortos.

Minha irmã ficaria devastada.

Eu ficaria devastada.

Porque porra, ali está Levi, e ele tem que acordar. Ele tem que levantar e me
encontrar para lutarmos juntos, foi isso o que me prometeu, e o que tínhamos
combinado. Ele precisa vir gritar comigo, precisa vir me chamar de
bruxinha, precisa me abraçar, segurar as minhas mãos e dizer que vai ficar
tudo bem.

Ele tem que me escutar, tem que me ouvir dizer em que pé nós estamos.

E Luca é meu amigo, ele precisa se casar com a minha irmã, precisa fazê-la
feliz pelo resto da vida.

E os dois, Luca e Levi, precisam de mais tempo juntos. Eles precisam viver
tudo o que nunca viveram, tudo o que fizeram questão de perder de forma
egoísta.

E Vladimir, no entanto, precisa parar, assim como Alicia.

Não sei como uma bruxa pode ter se sujeitado a uma situação dessas,
querendo se tornar marionete na mão de um vampiro que só quer se
beneficiar, porém, se não está sendo chantageada, se é tão má quanto ele,
precisa pagar também.

E eu vou querer caçar. Vou querer caçar os dois.

Só começo a me debater, quando vejo Alicia fazer uma roda com sal grosso,
chamas aparecendo na mesma hora. Um vampiro se aproxima dela num
instante em que ela para, lhe entregando uma espécie de cálice dourado, o
qual observa e verifica se tem algo dentro.

Ou se está vazio, vai saber para o que é que quer.

Rosno, vendo-a se aproximar e se agachar, para ficar na minha altura.

— Seu sangue, junto ao de Luca e Levi, vai ficar aqui, depois que eu
dissecar você, a peça mais importante desse feitiço, já que o seu sangue será
usado como cura — explica, como se eu quisesse saber. A mulher de cabelos
escuros e olhos cinzentos me olha, e é estranho. É um olhar muito, muito
intenso. Parece querer olhar para além de mim. — E aí, ele entrará no corpo
de Vladimir, fazendo-o voltar à vida. É melhor não tentar nenhuma gracinha.
Se tentar fazer algum feitiço contra mim ou contra qualquer pessoa aqui,
pode acabar dando muito, muito errado — dá ênfase, não desgrudando suas
írises das minhas nem por um segundo. — Só observe, mocinha, porque a
mágica de verdade começa já, já.

O modo como ela fala de verdade, me deixa desconfiada, intrigada.

Alicia me parece... não sei. Só sei que tem algo diferente nela, algo estranho.

Acho que consigo sentir essa coisa de bruxa para bruxa. As suas energias
irradiam dela para mim.

Contudo, eu não sei o que é e eu preciso salvá-los.

Vejo os dois conversando quando, de repente, sangue está sendo esguichado


para todos os lados. São Luca, Levi, Devon e Larkin, que acordaram.

Eles estão jogando para fora os pescoços dos vampiros.

Estão os matando.

Rápidos, um por um, e quando os que restam tentam reagir, só acabam


apanhando ainda mais.

— O que é isso? — Vladimir fica perdido, olhando de um lado a outro,


vendo corpos e sangues. A pista está toda em vermelho escarlate. — O que
está acontecendo com eles? Por que eles acordaram, Alicia? Você não disse
que o feitiço que iria apagá-los duraria horas? Justamente as horas
necessárias para conseguirmos matá-los?

— Não sei o que está acontecendo — Alicia fala rápido, parecendo surpresa
também. — O feitiço foi feito, eles que estão conseguindo reagir. E eu não
sei como, sério. Juro que não sei como.

— Faça alguma coisa! — Vladimir berra com a bruxa, furioso.

— Tô tentando!

— Sua imprestável, eu bem que não deveria ter confiado essa missão a você.
E sai, querendo pegar Luca e Levi que, a essa altura, junto de Devon e
Larkin, já estão derrotando os dois últimos vampiros, que caem no chão, sem
cabeças, essas sendo roladas para vários lados, inclusive para o meu. Vejo os
olhos, a expressão assustada, o rosto todo roxo, e na hora que sinto o cheiro
pútrido que emana deles, quase gorfo com o nojo e a vontade de vomitar que
me sobe pela garganta.

— Ei, Vladimir — Alicia chama, com um certo deboche e sorriso nos lábios.

— Você realmente não deveria ter confiado em mim.

Com todos os vampiros ajudantes mortos, meus amigos e eu paramos para


vê-los, a tensão crepitando no ar.

— Do que está falando, sua vagabunda?

— Acha que eu, uma bruxa, me sujeitaria a ficar com você, se eu não
quisesse nada em troca? — O choque me pega, e é agora que tudo faz
sentido. A paixão que diziam que Vladimir estava tendo, é verdade, e é ela.
Alicia. — Acha que eu acreditei no seu papo torto de que tinha se
apaixonado e queria a humanidade para ficar comigo para o resto da vida?
Me poupe, eu sabia que você só queria parar de se sentir tão castigado,
porque era e ainda é extremamente difícil para você, saber que ficou assim
por causa da sua ex-mulher, Thereza. E

naquele dia mesmo, quando você se aproximou de mim no bar, eu sabia que
estava interessado no feitiço que eu poderia proporcionar a você. No
começo, fiquei com nojo, queria te colocar para correr, mas depois, quando
percebi que queria fazer mal a mais uma bruxa, não bastando ter acabado
com a vida de Thereza, tive que

aguentar a tortura de fingir te amar, só para fazer parte de todo esse plano e
acabar com você, por vingança a todo mal e todo sofrimento que causou a
infinitas mulheres.

— Sua...
— Não, espera. — Alicia estala a língua no céu da boca, gostando da mágica
de verdade, como disse que faria. — Você vai ter o que você quer, e vai ser a
morte. Mas primeiro, você vai dormir e vai experimentar o feitiço completo,
aquele que não joguei nesses meninos.

Vladimir voa para acabar com Alicia, entretanto, num piscar de olhos, já está
no chão, parecendo morto, depois da bruxa ter levantado a mão e o parado
com a sua mente poderosa.

A primeira coisa que faz é correr até mim, me desamarrar e me levantar.

— Me desculpa, Gabriella — pede, depois se vira para os outros. — Eu


precisei fazer toda uma introdução ou ele iria desconfiar e eu passei meses
planejando na surdina, garantindo que tudo saísse perfeito. A propósito,
deixem eu me apresentar. Sou Alicia. Alicia Devine.

— Da linhagem Devine? — Levi atira, mais surpreso que todo mundo. —

Não me diga que você é...

— Isso, irmã da Journee. — Sorri. Journee. Levi havia me contado sobre


ela. — Ela me falou também sobre um tal de Levi Vodrak, que apareceu em
seu bar. Óbvio que ela não sabia e ainda não sabe da história que sua irmã
estava aprontando, mas fiquei chocada com a coincidência.

— É, eu também estou surpreso com a coincidência.

— Mas e Vladimir? — eu pergunto. — O que vamos fazer com ele?

— Então, o deixei dormindo, porque queria ter a certeza de vocês. O que


faremos? Não é tão fácil matar um original assim, e, apesar de eu não saber
se tenho esse poder todo, sei que não devemos, de jeito nenhum, deixá-lo
vivo.

— Não, não podemos — Luca também afirma.

— Tem uma opção — Alicia pondera. — Podemos matá-lo com a própria


quebra da maldição. Eu inventei para ele boa parte dos poderes, e não é
necessário matar Gabriella.

— É só um pouco — relembro, ao dizer em voz alta o que li no papel


original que a minha mãe deixou.

— Apenas um pouco do sangue de uma Salazar dentro do organismo de um


dos vampiros, e já é suficiente. Como Gabriella me tem para ajudar, não será
perigoso. Nós duas, juntas, seguraremos o véu da vida e da morte, fazendo
com que Vampir morra e os Vodrak vivam.

Todo mundo se olha, novo silêncio surge.

— Eu topo — Luca é o primeiro a dizer, e isso não é novidade para


ninguém. — Eu deixo de ser vampiro, eu me torno humano.

— Eu também.

A revelação de Levi, é o que faz todo mundo ficar chocado.

Balanço a cabeça, negando.

— Levi...

— Não, bruxinha, eu quero — é firme em sua resposta. — O vampirismo só


me trouxe coisas ruins, sentimentos ruins. Foi dor, foi raiva, foi mágoa, eu
não quero mais isso. Não quero mais ter que me afastar das pessoas, não
quero mais ter que fugir, eu quero viver. Quero viver como nunca vivi, sem
poderes, sem sede por sangue, sem monstro, sem fogo. Eu quero viver com o
meu irmão, com você.

Quero continuar indo à faculdade, quero continuar sendo o seu jogador de


rugby e quero poder ter um novo recomeço, para fazer tudo diferente. Quero
ser minha melhor versão. Para Luca, para mim, para Evelyn e para você. É
tudo sobre você, Gabriella Faulkner, sua teimosa, será que também não
percebe? Me tornei outro desde que pisei os pés aqui. Você fez com que eu
encontrasse a minha melhor versão, e assim como Luca quer passar o resto
da vida ao lado de Evelyn, eu quero passar o resto da minha vida ao seu
lado, fazendo um milhão de promessas que sei que posso cumprir, te
entregando milhares de ações todos os dias, para que perceba que eu estou
apaixonado por você, que fui destinado a você, e que nada vai poder mudar
isso.

Fico sem palavras, com meus olhos cheios de água, praticamente


transbordando.

— Eu quero ser um humano — responde, cada vez mais firme. — Eu quero


ser seu. Me perdoe por tudo. Me faça nascer de novo e me deixe ser seu. Me
deixa te provar que agora sei que o amor não é uma fraqueza, e sim a maior
força que um homem pode carregar.

— Que lindo — Alicia funga, emocionada.

— Eu sabia que eles iam ter uma história — Larkin também fala, e seus
olhos claros parecem emocionados. — Gabriella acabou de tirar toda a pose
de bad boy do nosso amigo, Devon, mas é lindo.

— Sim, Larkin, sim. Gabriella também acaba de nos tirar um parceiro de


festas e sangue, mas é bonito mesmo, admito. Eles se merecem.

— E eu quero ficar com o meu irmão, meu gêmeo — Luca se direciona para
o lado de Levi. — Eu quero que possamos aproveitar uma vida inteira
juntos.

— Então vamos, para não perdermos tempo.

Ela nos chama para o meio do círculo e coloca tanto Levi quanto Luca para
ficarem de joelhos. Meu coração vai nas alturas, Alicia pega o cálice de
novo e vai até Vladimir, se ajoelhando. Após tirar uma pequena faca afiada
da sua jaqueta, ela pega o braço do vampiro, faz um corte profundo em seu
pulso e o deixa pingar um bom tempo no cálice.

Quando parece satisfeita, guarda tudo e retorna para o meu lado.

— Vocês dois, mordam o pulso e bebam o sangue dela.

Primeiro Luca morde, depois é Levi.


— Agora venha pingar aqui, Gabriella.

Eu deixo que algumas gotas caiam, observando o sangue, sozinho, rodar


pelo cálice, se misturando.

Ela deixa o recipiente no chão e fica em minha frente, me dando as mãos.

— Você sabe o que tem que fazer agora, não sabe?

Assinto, ao balançar a cabeça.

— Luca e Levi vão desmaiar, vão parecer que estão mortos, e nós vamos
ficar aqui, fazendo o feitiço e controlando o véu da vida e da morte, não o
deixando cair, até passarem pela transição. O sangue vai ficar rodando no
cálice, para representar o sangue da cura chegando até eles, e quando isso
acontecer, Vladimir Vampir desaparece de vez, acaba a maldição, e eles
voltam a viver, como se Alma Salazar nunca tivesse passado pelo caminho
deles.

Assinto mais uma vez e olho para Levi, quando vejo que já está pronto, bem
como Luca, eu volto a fitar Alicia, respirando fundo e dizendo a mim
mesma: se acalme, Evelyn, querida irmã, estou levando, em breve, seu
homem de volta para você.

E não mais morto, vivo. Completamente vivo.

Como Levi, que irá deixar tudo para trás e viver comigo. Simplesmente não
tem prova maior da sua mudança, do que essa.

Eu já sabia disso, mas agora eu tenho certeza.

Todas as coisas, sejam certas ou erradas, se alinharam para que chegássemos


a esse momento. Para que ele renascesse e fosse tão meu, quanto sou dele.

— Preparada?

— Preparada.
— Então repita comigo. — Aperta as minhas mãos e fecha os olhos. Eu
fecho também, relembrando todo o feitiço que decorei, desde que o
encontrei em meu diário. — Sanguis naturae vis est. Aeris fortitudo. Hic, in
hoc spatio et tempore, sanguis commutabitur.

O sangue é a força da natureza.

A bravura do ar.

Aqui, nesse espaço e nesse tempo, os sangues se trocarão.

— Sanguis naturae vis est. Aeris fortitudo. Hic, in hoc spatio et tempore,
sanguis commutabitur — repito como Alicia, canalizando nossas forças de
bruxa para o sangue se misturar, e o véu da vida e da morte não ser puxado
para baixo.

As plantas pelo caminho começam a deslizar na pista, o vento jorra forte na


cidade, e as árvores balançam, com força, como se uma tempestade estivesse
a caminho.

Só que não é uma tempestade, somos nós.

Uma Salazar e uma Devine.

Continuamos falando o feitiço repetidas vezes, o som do sangue no cálice


rodando, se fazendo presente.

Até que os meninos gritam e caem, apagando.

Meu coração se aperta, com medo, mas Alicia não me deixa desistir.

— Foco, Gabriella. Foco — pede, o vento agora envolto em nós duas.

Sinto a sua energia vir para a minha, a minha energia ir para sua e consigo,
na minha mente, ver o fio da vida de Levi e Luca novamente se juntando,
como se estivessem se tornando um só outra vez, como gêmeos da mesma
placenta.
— Sanguis naturae vis est. Aeris fortitudo. Hic, in hoc spatio et tempore,
sanguis commutabitur — falamos juntas, o que acredito ser a última vez.

Porque, como uma força nos empurrando, nos afastamos.

Respiro fundo, tocando o meio do meu peito, buscando o ar de volta e logo


corro em direção a Luca e Levi, ainda deitados, de olhos fechados.

— Será que funcionou?

— É só você olhar para lá.

Aponta para o lugar onde Vladimir estava deitado, e, quando acompanho


com os olhos, me assusto, pois não há mais nada lá, apenas suas cinzas.

Vladimir Vampir desapareceu.

Luca e Levi Vodrak vão voltar.

Meu coração se agita ainda mais.

Cerca de um ou dois minutos depois, começam a despertar.

Ao abrirem os olhos, levantam e se sentam rapidamente, também buscando


ar.

— Ai, meu Deus — digo, sem acreditar que realmente deu certo. — Como
vocês estão se sentindo? Está tudo bem?

Quando olham um para o outro, tocam no peito, provavelmente sentindo


seus batimentos cardíacos, e dão um sorriso.

Eu sorrio também, afinal, deu certo.

Deu mesmo certo.

Levanto, abraço Alicia e lhe agradeço.

— Se não fosse por você, nada disso teria acontecido.


— Imagina, Gabriella. Uma bruxa sempre deve apoiar a outra, e mesmo eu
em dúvida se deveria ou não confiar nos Vodrak, principalmente em Levi,
Journee me fez ver, indiretamente, que ele estava precisando da minha ajuda.
Fico feliz em ter vindo.

— Muito, muito obrigada mesmo. — Aperto suas mãos.

Depois corro em direção a Levi, o abraçando apertado.

— Sério, como está se sentindo?

Os dois se entreolham e dizem juntos:

— Vivos.
Assim que chegamos na casa dos Vodrak, Evelyn, que estava na varanda
toda aflita, corre para nos ver.

Eu disse correr?

Correr é muito pouco, a minha irmã praticamente voa em nossa direção, sem
saber o que faz primeiro, se me abraça, se chora mais por estarmos todos
vivos ou se fica preocupada por Luca estar andando apoiado em Larkin,
enquanto Levi se apoia em Devon.

— Meu Deus... — Põe os dedos na boca, ficando em nossa frente e nos


fazendo parar de andar. — Vocês saíram de lá. Saíram vivos. Como? Digo,
eu confiava em vocês, estava aqui rezando que nem louca para que desse
tudo certo, mas, uau, deu. Vocês estão bem, estão bem mesmo. Só... como?
O que foi que fizeram? E por que estão andando assim, como se estivessem
sido feridos? Espera, vocês foram feridos? Onde?

— Evie, calma. Respira — eu peço, tocando em seu rosto. — Está tudo bem,
está tudo mais do que bem. Nós acabamos com Vladimir, ele morreu. E
acabamos com a maldição também.

Sua expressão de choque não muda, permanece a mesma.

— Como? — insiste na pergunta.

Com cuidado, seu namorado anda até ela.

— Vladimir estava com uma bruxa, ela que nos desarmou completamente e
fez um feitiço para que ficássemos apagados. Mas então, cerca de poucos
minutos depois, nós acordamos, eu, Devon, Larkin e Levi, e matamos todos
aqueles outros vampiros. Foi exatamente nesse momento, que a bruxa se
revelou, fazendo Vladimir e todos nós entendermos que ela estava ali para
nos ajudar, e não a ele. A bruxa era irmã de uma amiga de Levi, então
apagou Vladimir e, junto de Gabriella, quebrou a maldição.

— Se ela quebrou a maldição, significa que vocês viraram...

— Humanos, isso — Luca fala, e a felicidade é tão nítida em seu tom de


voz, que também me sinto ainda mais feliz por ele. Por eles. Só quem os
acompanhou de perto sabe o quanto se amam, o quanto são a vida um do
outro, e o quanto, no fundo, sempre quiseram isso. — Estamos vivos, meu
amor. Levi e eu.

Somos humanos. Nossos corações agora batem, e ele, agora vivo, bate ainda
mais por você.

— Meu Deus, Luca. — Abraça o seu amado, e ele, mesmo com dor, porque
agora é capaz de sentir, fica calado, não mostra, apenas a abraça de volta. —
Eu nunca quis te dizer, mas eu morria de medo do tipo de para sempre que
tínhamos.

Morria de medo de partir e te deixar sozinho.

— Você nunca mais vai precisar se preocupar com isso, meu amor. Nunca
mais. Agora podemos refazer todos os nossos planos e ter a nossa família.
— Sim, sim, sim. — O sorriso da minha irmã passa a crescer copiosamente
no rosto. No entanto, mesmo querendo dar atenção para o seu namorado, ela
se vira para Levi e, surpreendendo a ele e a todo mundo, o abraça também.

Obrigada, Levi. Sei que se você não quisesse se tornar humano, nada disso
aconteceria. Obrigada por... nos escolher, por proporcionar esse tipo de
felicidade a mim e ao seu irmão.

Meio sem jeito e impactado, Levi fica alguns segundos sem tocá-la, sem
abraçar de volta, com os olhos meio arregalados e molhados, porém é apenas
por pouco tempo, porque suspira e a abraça, tão profundamente e
verdadeiramente, que sinto meu coração bater mais rápido no peito.

Ele ficou emocionado.

Ela também.

E tenho certeza que esse momento acaba sendo muito importante para os
dois.

Para todo mundo, na verdade, porque Luca se sente infinitamente orgulhoso,


dá para notar.

— Tudo bem, Evelyn, já chega, fique com o seu Vodrak, que eu fico com o
meu — brinco, e quando ela se afasta, com a boca entreaberta em um O
perfeito, eu já corro, para, com cuidado, abraçá-lo de lado. — É, pois é, não
fique surpresa, ele meio que se declarou na frente de todo mundo de novo e
agora é totalmente meu, não vou mais fugir. Pronto, falei.

— Não sei de onde você tira que estou surpresa, estava todo mundo
esperando por isso, você que foi a tonta esse tempo todo.

— É, cunhadinha, vou ter que concordar. — Levi ergue os ombros,


convencido. — Mas eu consegui, eu consegui entrar na cabeça dura dessa
bruxa, que me deu infinitos foras.
— Tá, tudo bem. — Reviro os olhos de brincadeira. — Vamos parar, está na
hora de entrar. Tanto Luca quanto você, Levi, precisam descansar, ainda
estão fracos por causa do feitiço e de toda a transição.

— Tem razão, estou me sentindo meio tonto.

Meu cunhado avisa, assim que começamos a andar para dentro da casa, se
apoiando agora em Evelyn.

Levi se apoia em mim, e seus amigos ficam atrás, se sentindo traídos. É

engraçado os resmungos deles às nossas costas.

Pois continuem, não pretendo mais largá-lo, muito menos fugir.

Devon e Larkin, depois de resmungarem, se jogam no sofá e dizem que,


depois de horas de trabalho, precisam de descanso, por isso ligam a tevê.

Tanto eu quanto Evelyn os deixamos à vontade aqui no andar de baixo,


porque subimos com os gêmeos, cada uma indo tomar conta de um em seu
devido quarto.

Fecho a porta e no momento em que vou colocá-lo na cama, com os


travesseiros erguidos, para que suas costas encostem neles, ele me puxa pelo
pulso, me fazendo deitar ao seu lado, para me beijar.

Estar com seus lábios nos meus é como alcançar o paraíso, e acho que nunca
vou me cansar dessa sensação.

E minha nossa, nem consigo acreditar que tudo acabou, que não há mais
brigas, que não há mais ameaças, que não há mais vampiros do mal
querendo acabar com as nossas vidas.

Parece um sonho.

— Eu estive querendo fazer isso desde que me declarei a você. — Beija


mais meus lábios, apertando minhas bochechas e me fazendo rir. — Mas fala
aí, arrasei ou não arrasei no discurso?
— Completamente.

Deito em seu peito, só para ouvir seu coração, só para ter certeza se é mesmo
real ou se estou sonhando, em um mundo utópico.

— E agora, você é minha oficialmente, sem negar ou esconder.

— Completamente.

Levi ri com a minha resposta repetida.

Ergo meu olhar.

— E você está apaixonado por mim.

— Completamente.

— Eu também estou. — Seguro cada lado do seu rosto. — Completamente.

— Você é a minha pedra, Gabriella. Esse tempo todo, foi você que me curou,
e foi por isso que não insisti mais no assunto de feitiço. Porque você, para
mim, era o feitiço. Seu sangue, definitivamente, foi a minha cura.

— E por mais que eu detestasse pensar, você, a todo tempo, foi a visão da
Sra. Moore. Você é o meu amor cheio de fascínio, de fogo, aquele amor que
me consome, que me enlouquece, que é tão intenso que nem parece real. —
Mordo um sorriso, sem poder acreditar que, depois de tudo, essa é a nossa
realidade, o nosso destino. — Você chegou e mudou tudo. Tudo.

— E eu não pretendo mais sair — declara. — E agora falando em Sra.

Moore, a gente precisa ir vê-la. Eu preciso agradecê-la pessoalmente e pedir


perdão por todo mal causado.

— Jura?

— Juro, eu não menti. Agora que tenho uma nova oportunidade, vou passar
o resto da minha vida, empenhado em me redimir com todas as pessoas que,
de alguma forma, magoei ou machuquei. — Assinto, sabendo que ele
também precisa disso para se libertar. — Mas no momento, eu só quero ficar
abraçado com você.

— E eu só quero ficar escutando seu coração.

— Se o ouvir gritar seu nome, não se assuste.

Rio, colocando o rosto de volta em seu peito.

Bobinho, é exatamente isso que quero.

Estamos Levi e eu, Luca e Evelyn de frente para a Emerald Grave


University, ambos os casais de mãos dadas.

Os irmãos Vodrak com as irmãs Faulkner, tudo tão perfeito, que parece ter
sido milimetricamente calculado pelo destino.

— A partir de hoje, nossa vida zerou completamente — Luca, o sábio, fala.

— Somos jovens no auge da juventude, somos garotos completamente


normais e que namoram as garotas mais bonitas da universidade. Um, é
jogador de hóquei. O
outro, de rugby. Se estivéssemos em um livro, essa seria a etapa das nossas
vidas que se enquadraria em romance, porque a fantasia e o mistério se
encerraram.

Seremos outros tipos de clichês, outros tipos de histórias.

— Sim, seria tipo um New Adult — Evelyn, que é a fanática por livros, não
deixa de comentar. — Aqueles com atletas na universidade, no auge do
sucesso e popularidade. O pessoal ia amar.

— Não entendi nada, mas concordo — Levi diz e faz todo mundo dar risada
com a sua espontaneidade de sempre. — Só preciso acrescentar uma coisa.
Sabem o que nunca mudaria?

Nossos olhos se voltam para ele, que parece inspirado.

— O fato de que somos família. Nós sempre estaremos ligados, nessa vida,
em outra, na realidade ou na ficção.

— Seremos sempre família — Luca repete. — E sempre estaremos


apaixonados por vocês.

— Sim, sempre.

Enquanto Luca beija Evelyn, Levi vem e me beija.

Na universidade.

Na frente de todo mundo.

Porque nós nunca mais iremos nos esconder.

Nós só iríamos viver.

Completamente.

E eu o odeio.
O odeio muito.

Mas também o amo.


ANOS DEPOIS

Certa vez, Damon Salvatore disse:

Você quer um amor que a consuma. Você quer paixão e aventura. E

até um pouco de perigo.

Na época, eu achei tão patético.

Que tipo de pessoa, em sã consciência, ia querer amor e paixão?

Aventura e perigo já eram suficientes, a adrenalina era melhor, maior, o


amor não servia para nada, além proporcionar dor aos corações daqueles
que o sentiam.

Besteira daquele Levi Vodrak, que na época, não sabia de nada.

Hoje, eu tenho um amor que me consome, e não é porque deixei de ser


vampiro, que também não tenho aventura ou perigo.

Gabriella e eu vivemos exatamente à base disso; aventura e perigo.

E foi esse amor mesmo que me tornou tudo que sou hoje, tudo aquilo que
um dia imaginei que nunca fosse conseguir. Por causa de todo meu corpo
consumido, por causa de toda paixão e de todas as aventuras que viemos
colecionando ao longo desses anos em que estamos juntos, eu posso afirmar
categoricamente que entendo o que Damon disse à Elena em The Vampire
Diaries.

Entendo, principalmente, aquele amor intenso que ele sentia por ela.

É o que eu sinto por Gabriella, a minha bruxinha.

Antes, meu mundo era obscuro, sombrio, cheio de dor, e aí, quando ela
apareceu e me estendeu a mão, foi a minha luz, o meu feitiço, a minha
pedra, o meu porto seguro.
Ela me quis na minha pior fase, acreditou em mim e hoje desfruta de tudo o
que aprendi, e de tudo que colhemos juntos, porque, se ser vampiro já é
difícil, ser um humano também não é nada fácil, e é por isso que também
preciso dizer que ainda brigamos, que ainda discordamos em muitos
aspectos, que fazemos coisas erradas, que acertamos, que erramos, mas que,
sobretudo, nunca perdemos a fé um no outro.

Gabriella permanece ao meu lado, mesmo quando digo que não quero ir ao
médico fazer exames periodicamente, para saber como está a minha saúde.

Gabriella permanece ao meu lado mesmo quando eu sorrio quando está


brigando comigo, só para irritá-la.

Ela permanece comigo quando roubo a xícara do seu café.

Quando deixo a toalha molhada em cima da cama.

Quando não faço exercícios físicos o suficiente.

Quando peço para usar algum dos seus feitiços, mesmo quando diz que não
quer ficar usando dos seus poderes para coisas levianas.

E ela ficou ao meu lado todas as vezes em que tive dificuldade e não soube
agir como um humano.

Porque, mesmo você se misturando em meio a eles por anos, uma coisa é
você fingir ser um, e outra coisa é você ser um.

Entretanto, mesmo com todas as dificuldades, eu não mudaria nunca a


minha decisão.

Se eu escolhesse passar um milhão de vezes por aquele momento de novo,


em todas elas, eu escolheria viver com Gabriella. Em todas as vezes, eu
escolheria ficar próximo do meu irmão, repor todos os nossos anos
perdidos, aqueles em que nos odiávamos e tentávamos, o tempo inteiro,
mostrar que não nos importávamos.
E sabe por que tenho tanta certeza no que afirmo?

Porque, além de eu ter conhecido o amor de perto, o amor de um homem e


uma mulher, eu pude relembrar a força e o poder de um amor de

irmão, ainda mais de um gêmeo.

Hoje em dia, posso afirmar com todas as letras que, assim como Devon
Mars e Larkin River, Luca Vodrak é o meu melhor amigo. É nele em quem
eu confio de olhos fechados e por quem sou capaz de fazer qualquer coisa,
não importa onde ou com quem.

E ainda tem a minha cunhada, a Evelyn Sutton, que não posso deixar de
mencionar como uma das melhores coisas que ganhei durante os últimos
anos, pois, além de ser uma amiga incrível e para todas as horas, ela
também está prestes a dar à luz ao meu primeiro sobrinho.

Ou melhor, sobrinha.

Evelyn está grávida de uma menininha, uma que se chamará Jane, em


homenagem a uma das autoras favorita dos dois, a Jane Austen. A garota
disse que o livro dela, Razão e Sensibilidade, foi o primeiro presente que o
Luca lhe deu, e que desde aquele momento, ou desde muito antes, como
diz, não conseguiu tirar o jogador da sua cabeça, sendo um dos momentos
mais especiais da sua vida.

Luca se tornou um jogador de hóquei famoso, inclusive. E a Evelyn é a


melhor Engenheira Mecânica que os Estados Unidos já viu. Por causa disso,
o casal vive viajando bastante, e sempre que voltam, trazem lembrancinhas
para mim e Gabriella.

Gabriella Faulkner também se formou na Emerald Grave University, hoje


trabalha em um laboratório aqui mesmo em Emerald Grave, já que nunca
pensou em sair da cidade.

E eu, apesar de ter adorado o rugby, não segui carreira profissional, mas me
tornei treinador de garotinhos, em uma escola infantil próxima da nossa
casa.

Sim, aquela de Luca, que hoje em dia é minha, depois de eu tê-la comprado.

Falando na casa, agora ela está toda decorada, em festa, já que tanto eu
quanto Luca iremos nos fundos, no jardim.

É, juntos. Um casamento duplo.

Gabriella e Evelyn que inventaram, claro, e nós só aceitamos.

Eu estou a um passo de surtar, não sei como Luca consegue manter a


plenitude, terminando de fazer o nó na gravata em frente ao espelho.

Mas é, mesmo depois de todos esses anos, ele ainda continua o mesmo.
Calmo, bondoso e com um espírito tão jovem e tão livre quanto o meu.

As pessoas que conhecemos dizem que ficamos ainda mais parecidos com o
tempo, e por mais que antes eu não gostasse de afirmar isso, hoje eu posso
ver que é verdade.

Nós somos muito, muito parecidos.

Me aproximo dele, pedindo espaço para me ver no espelho também.

Daqui do quarto, dá para ver a movimentação no jardim e perceber que


quase todos os nossos convidados já chegaram para a cerimônia.

Cerimônia.

Porra, essa palavra é tão bonita.

— Olá, irmão. — Sorrio e aponto para o meu pescoço. — Tem como fazer
o nó em mim?

— Ainda não aprendeu?

Chacoalho os ombros, fingindo indiferença.


— É que você é melhor nessas coisas do que eu.

Luca também sorri, vindo me ajudar, depois de ficar completamente


impecável no seu terno caro.

— Você costumava dizer a mesma coisa quando éramos pequenos —

relembra, nostálgico. — E sempre me irritava, porque ao invés de ficar


prestando atenção no que eu fazia para também aprender, você queria ficar
conversando.

— E em todas as vezes, você brigava comigo.

— Porque você me desconcentrava! — fala, como se fosse óbvio, me


fazendo gargalhar.

— Você era muito chato, Luca, você tem que admitir.

Depois de dar o nó na gravata, deixando-a perfeita, encara o fundo dos


meus olhos, toca o meu ombro e me abre um sorriso, que me parece muito
orgulhoso.

— E você era totalmente encrenqueiro, eu lembro. Por muitos e muitos


anos. Mas olha só para você agora, indo se casar.

— Nós dois, na verdade.

— Sim, dá para acreditar? — Parece emocionado. — Estou muito feliz que


entrarei com você, irmão. Estou muito feliz de onde chegamos.

— É recíproco. — Toco seu ombro e o puxo para um abraço. —

Sempre será nós dois contra o mundo. Eu te amo, Luca.

— Eu também te amo, Levi. Obrigado por ser a minha metade.

— Obrigado por ser a minha metade — repito. — E obrigado por estar


fazendo parte de um dos momentos mais felizes da minha vida.
— Para mim, é uma honra. — Faz tipo uma reverência engraçada e depois
checa o relógio em seu pulso. — Já está na hora, irmão.

— Sim, vamos lá, vamos buscar nosso felizes para sempre.

Rimos, saímos do quarto, passamos pelos convidados e paramos no jardim,


prontos para esperarmos elas entrarem.

— Lembre-se, a minha é a nerd que vai estar de óculos.

Ao meu lado, ele zomba.

Como se eu fosse capaz de esquecer da minha mulher.

Contudo, para não perder a oportunidade de brincar, eu também falo:

— A minha é a cacheada, se encostar nela, eu te mato.


F I M.

Ai, meu Deus, olha a gente aqui de novo.

Não, me recuso a agradecer, me recuso a dar um fim nos meus irmãos


Vodrak, nesse universo em que amei tanto embarcar, que amei tanto me
desafiar.

Brincadeiras à parte, que felicidade em encerrar mais um ciclo. Claro, é


difícil se despedir de personagens aos quais você se apegou, é difícil se
despedir de todo um universo, mas também é gratificante, mostra que a
gente conseguiu, que agora nossos personagens não estarão só na nossa
cabeça, mas sim no mundo. E saber disso, para mim, é especial demais.
Sempre vai ser especial.

A cada livro finalizado, para mim, é uma conquista e uma realização


enorme. E é exatamente o que estou sentindo com Levi e Gabriella. Não
tenho nem palavras para descrever a minha emoção, porque passei um
turbilhão de emoções com esse casal intenso, senti cada pequena coisa que
eles sentiram e espero que vocês também possam surtar tanto quanto eu
surtei do lado de cá, em cada diálogo, cena e briga.

Dito isso, queria agradecer primeiramente ao sucesso que foi com Luca e
Evelyn, no lançamento de Meu Jogador é um Vampiro. Eu realmente nunca
imaginei que eles dois fossem alcançar tantas pessoas, e todo carinho que
recebi foi surreal. Esse livro aqui, do Levi, é totalmente dedicado a vocês,
que me pediram sem parar pela continuação.

Obrigada, pai, que está no céu sendo a estrelinha que me guia e não me
deixa nunca desistir. Nos momentos mais difíceis, eu olho para aquela nossa
foto que fica na minha escrivaninha de trabalho, lembro do seu sorriso, do
seu constante apoio e tudo passa. Tenho certeza que é a minha

força, o que me motiva a continuar todos os dias, pois pretendo, enquanto eu


viver, continuar fazendo o que eu amo para continuar lhe dando orgulho.

Obrigada, mãe, por ser a melhor pessoa que eu conheço. Você é a pessoa que
mais me inspira e, pode ter certeza, que se não fosse por você e por suas
ideias geniais, muito dos meus personagens nem existiriam. Pois é, leitores,
já podem agradecer à minha mãe, Luciana, porque ela é demais.

E um super obrigada, claro, a toda a minha família, por continuar me


apoiando e apoiando o meu trabalho. Adoro quando vocês dizem que sou a
escritora favorita de vocês.

E como esquecer delas? Minhas assessoras, Mari Vieira e Vanessa Pavan.


Trilhar esse caminho se torna infinitamente melhor e mais fácil, porque
tenho vocês. Obrigada por tudo.
Iali, amiga, fique ciente, esse vampiro é todo para você. Muito obrigada por
ter aparecido em minha vida, por ter sido o meu maior presente nesse meio
literário e por ter me ensinado tanto, tanto e tanto. Você é uma das pessoas
mais incríveis que conheço.

Carol, obrigada por ser a melhor amiga de todas. Eu te amo do tamanho do


universo. Espero que a Yasmin goste desse também.

Parceiras de lançamento, todas as meninas que estão fazendo publi comigo,


o meu MUITO, MUITO OBRIGADA. Vocês são maravilhosas,
imprescindíveis, nada seria possível se eu não pudesse contar com a ajuda de
vocês.

Leitoras, vampiretes, todo mundo que me acompanha lá no Instagram,


muito, muito obrigada também. Espero que tenham se divertido, que tenham
se apaixonado e que eu possa ter proporcionado a vocês uma ótima
experiência com esses gêmeos.

Falando neles, Levi, Luca, OBRIGADA por terem aparecido na minha vida
e mudado muita coisa para mim. Vocês serão para sempre lembrados.

E serão para sempre... eternos.

Com carinho, Luana Oliveira.

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