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Abaixo o amor – 1º edição

Copyright © 2021 Ray Pereira


Revisão: Bárbara Pinheiro
Capa: L.A Designer
Diagramação: Ray Pereira

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens ou situações não


correspondem à realidade.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser
apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar,
sem permissão dos detentores dos direitos autorais.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido por através da
lei 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Texto revisado de acordo com as regras do Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa.
A todas que já tiveram o coração partido, seja lá por quem for.
Respire fundo e não deixe de acreditar no amor.
Não me leva a mal
Eu não começo a relação com medo do final

(Coração traumatizou – Israel e Rodolffo)


Sumário

Nota da autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Epílogo
Bônus
Agradecimentos
Nota da autora
O hábito da leitura me levou a viver muitas coisas, muitos mundos,
me apaixonar milhares de vezes e fazer amigos incríveis.
Escrever salvou minha vida.
Muitas vezes. Mais do que você possa imaginar.
Esse livro, em especial, me salvou.
Abaixo o amor, diferente de tantas e tantas histórias que pretendia
escrever este ano, não foi planejado. Ele só chegou.
Lembro como se fosse hoje. Na época, estava com outro livro, outros
personagens, mas não fluía.
Escrever ajuda a manter minha mente sã. Eu havia perdido minha vó
em uma luta exaustiva contra o câncer. Estava triste. Triste, por acaso, não
consegue expressar como me sentia. Faltava parte de mim.
Não conseguia ler, escrever, falar com as pessoas que eu amo.
Nada.
Para me expressar, sabia do que eu precisava.
Tinha que escrever, mas o livro não fluía.
Pensei, por meses, que havia acabado ali. Que Amizade Colorida
havia sido meu último livro e nunca mais conseguiria me conectar a outros
personagens novamente.
Foi assim, em meio a um desabafo com minha beta, Dani, que o
Valentim e a Talita surgiram em minha mente.
Essa história, particularmente, me salvou.
Me fez rir, perder o sono, ler e reler, surtar.
E o resultado final?
Bem, eu gostei. Foi uma jornada divertida, e entre surtos e medo de
que vocês odeiem a história, ela chegou.
Espero, de coração, que gostem. Que sorriam, queiram bater nos
personagens e também que morram de amor.
Enfim, é isso.
Obrigada por darem uma chance a Abaixo o amor.
Ah, e quando acabar, que tal me contar o que achou?
Vou amar saber.
Mil beijos, Ray,
Sinopse

Contar histórias de amor era uma coisa natural para Talita Gomes,
uma escritora de livros hot que, encabeçava a lista de autoras queridinhas
entre todas as leitoras do país.
O que não seria nenhum problema, caso não houvesse um pequeno
detalhe: ela não acreditava no amor.
E, por anos, conseguiu que ninguém descobrisse essa particularidade
que podia a descredibilizar perante suas leitoras, até que Valentim
Fernandes, um dos jornalistas mais notáveis da sua cidade, e de quem ela era
grande admiradora, cruzou seu caminho.
Valentim Fernandes, jornalista conceituado e dono da coluna
quinzenal mais aguardada pelos leitores do periódico mais famoso de sua
cidade, viu-se obrigado a ceder espaço em sua coluna para Talita Gomes,
uma mulher que, para ele, desmoralizava tudo aquilo que nomes consagrados
da literatura lutaram para conquistar no país: histórias que levassem o leitor
à reflexão sobre a realidade e que retratassem o amor como ele deveria ser,
simples e puro, sem a necessidade da objetificação dos prazeres da carne —
não que ele tivesse algo contra quanto à prática.
Para ela, ele era um cretino hipócrita que poderia destruir sua
carreira.
Para ele, ela era, nada mais, que uma vendedora de imoralidades
literárias.

Mas, até onde as primeiras impressões seriam suficientes para conter


a química óbvia que, certamente, existia entre os dois?
Prólogo

— Mamãe, acho que estou com dor de barriga. Não quero ir pra
escola amanhã — sussurrei, assim que percebi que minha mãe sairia do
quarto pequeno onde Nick e eu dormíamos.
Ela sorriu, passando a mão pelo meu cabelo.
— Desculpe, querida. — Usou o tom de voz mais calmo que podia.
Aquele que mostrava saber exatamente que eu não estava falando toda a
verdade. Ou melhor, que estava mesmo mentindo. — Não posso te deixar em
casa sozinha, você vai ter que ir.
Soltei o ar com força.
Era uma droga. Eu odiava ir para a escola no Dia dos Pais. Quase
todo mundo tinha um pai, então tinham as músicas e depois todos se
abraçavam e saíam felizes.
Menos eu.
— Tá — respondi baixinho, e eu sabia também que minha cara tinha
mudado. Era impossível não demonstrar que estava triste.
Não queria fazer birra nem nada. Sabia que mamãe sempre estava lá
por mim. Sabia o quanto ela se matava de trabalhar para conseguir garantir
que Nick e eu tivéssemos tudo o que precisávamos. Muitas vezes, não
fazendo coisas que ela gostava de fazer para ela mesma.
— Se eu ficar aqui mais um pouco e te contar uma história, você acha
que pode mudar essa carinha e colocar o sorriso mais lindo do mundo de
volta a esse rostinho lindo? — Fez uma careta divertida para mim e, mesmo
triste, eu sorri. — Acho que isso foi um sim, então.
Balancei a cabeça em afirmativa, vendo-a se sentar e pegar um livro
na cabeceira da minha cama.
Eu amava ler. Mamãe também.
Ela sempre tinha um livro nas mãos. Eu achava engraçado, porque às
vezes ela suspirava lendo. Um montão de vezes, quando eu tinha algum
pesadelo e ia para o quarto dela havia um livro aberto ao seu lado, porque
mamãe dormia lendo. Quando eu pedi a ela um livro de presente, mamãe
ficou tão, mais tão feliz.
Ela disse que agora ia ter uma melhor amiga com quem ia
compartilhar as leituras.
— Qual conto de fadas vai querer hoje? — perguntou, voltando a se
sentar ao meu lado e abrindo o livro com a história de todas as princesas que
existiam.
— Huuuum. — Pus o dedo indicador sobre a boca, pensando no
assunto. — Acho que podemos ler sobre a Ariel.
Minha mãe deu um beijo em minha testa, abrindo o livro em seguida.
Eu já conhecia aquela história. Assim como todas as outras. Todos os
dias, mamãe lia para Nick e para mim antes de dormir. Nicholas era um
chato e nunca gostava que mamãe contasse histórias de princesas, ele dizia
que elas eram chatas, então a gente sempre brigava. Mas hoje ele tinha ido
dormir na casa de um colega da sala dele, para fazer um trabalho, então eu
podia escolher minha história sem que ele ficasse brigando comigo toda hora
e dizendo que meus livros eram histórias para menininhas bobas.
Bobo era ele.
— Um dia, quando eu crescer, eu vou ter um príncipe, mamãe —
falei, suspirando, assim que ela chegou ao final da história. — Assim como a
Ariel teve o príncipe dela.
Mamãe não falou nada, depois sentou e segurou minhas mãos com
cuidado.
— Na sua idade, querida, não faz mal sonhar com alguém que possa
mudar sua vida. Mas o que a Ariel fez, ela deixou de ser ela mesma por um
cara. Na vida real, coisas assim nunca acabam bem, você entende isso?
Assenti, mesmo que não tivesse entendido bem o que ela queria
dizer.
— Eu quero, meu amor, acima de tudo, que você cresça, se torne uma
mulher forte, que lute pelos seus sonhos e nunca, nunca mesmo, abra mão
deles por ninguém, tá certo? — Balancei a cabeça, mais uma vez. — Os
príncipes, os homens perfeitos, fiéis e que fazem de tudo por quem eles
amam, só existem nos livros. Na vida real, você precisa ser inteligente e se
amar sempre em primeiro lugar, Talita.
— Tá certo, mamãe — respondi, depois de alguns segundos.
— Os homens na vida real, eles mentem, meu amor. Você precisa ser
mais esperta que eles. Mais esperta que eu fui. Promete pra mim? —
Balancei a cabeça, confirmando que havia entendido.
1. Homens perfeitos não existem, só nos livros;
2. Os homens mentem;
3. Eu tinha que lutar por mim.
Acho que tinha entendido bem.
Capítulo 1

Enquanto olhávamos para todas as cores que se misturavam ao céu


alaranjado de fim de tarde, sentia meu coração bater descompassado.
Fechei os olhos quando senti o toque da brisa gelada pinicar em minha
pele, balançando meus cabelos. Suas mãos Seus braços firmes rodearam
minha cintura, deixando um rastro daquele calor que sempre se acendia
em meu corpo ao menor toque dele.
Assim, unidos, com nossos (procurar uma palavra que substitua
coração. Já usei no parágrafo acima.) corações batendo em um mesmo
ritmo, senti, enfim, aquilo que eu tanto procurava buscava, mesmo que
ainda não soubesse.
Era ele.
Sempre foi ele.
Esse final está uma porcaria, e eu sou uma fraude.

— Droga! — Suspirei, cansada, movendo a cabeça para estalar meu


pescoço.
Depois de mais de quatro horas ininterruptas, sentada na cadeira de
trabalho, tentando finalizar o livro novo, meu corpo pedia — intensamente
— uma trégua. Eu não estava disposta a parar, mas a minha mente se negava
a produzir algo que me agradasse. Original. Alguma coisa que me fizesse
suspirar, uma cena marcante para esses personagens que me fizeram largar a
história que eu já havia começado a escrever, para dar atenção a eles, pois
não paravam de buzinar em minha mente.
Já tinha feito de tudo para ver se conseguia finalizar de um jeito
satisfatório. Li histórias fofas, trágicas, assisti a comédias românticas, fiz
faxina três dias consecutivos — sim, arrumar a casa me ajudava a pensar,
cozinhei tanto que tive que mandar quentinhas para minhas amigas e, no fim,
um enorme nada.
Nada.
Minha mente era um completo vácuo.
Um buraco negro.
Sim, eu era uma fraude.
Bati, nervosa, o indicador no cantinho do meu notebook, irritada por
não ter conseguido escrever as três letrinhas que todo escritor mais ama e
detesta, ao mesmo tempo: fim.
Era um sentimento engraçado. Durante a escrita, tudo que mais
queremos é finalizar a bendita história, porém quanto mais perto do fim
chegamos, vai batendo aquela saudade dos momentos que passamos juntos
com aqueles personagens que, de certa forma, se tornam tão reais para nós, a
ponto de senti-los como parte da família.
Parafraseando a não tão grande filósofa, Sra. Bennet[1] “Não existe
nada pior que perder um filho — no caso, terminar um livro — nos
sentimos tão desamparadas sem eles”.
Eu nunca tive, antes, dificuldade com a finalização. Na verdade, era,
para mim, a parte mais fácil de toda história que escrevia.
Quando pensava em um novo roteiro, os personagens apresentavam-
se de forma muito específica. Quase sempre com nome, com suas
personalidades e histórias de vida muito bem-resolvidas, os desafios que
enfrentariam e que teriam que vencer pelo caminho além de, claro, aquela
declaração final que me fazia ficar ansiosa e debruçada no computador por
horas e horas, apenas para chegar o momento de escrevê-lo.
Entretanto, faltando menos de uma semana para a finalização do meu
prazo e eu ter de enviar o arquivo para revisão ortográfica — um dos itens
principais para uma história ser publicada —, minha mente deu pane.
Bloqueio total.
Será que eu já tinha criado todos os finais felizes possíveis e agora
não conseguiria dar um encerramento digno a mais nenhum personagem?
Será que todos seriam destinados aos finais trágicos dignos de Nicholas
Sparks?
Por favor, Deus, isso não! Meu psicológico não me permite criar
personagens para sofrerem no final. Só em 75% da história, mesmo!
Tirei os óculos de descanso do meu rosto, peguei o aparelho celular
vendo, em meu protetor de tela, a contagem regressiva para o lançamento nas
plataformas digitais do meu novo livro “Destinado a você”. As notificações
mostravam que meus seguidores, nas mais diversas redes sociais, tinham
respondido meus últimos posts no qual eu falava um pouco mais sobre o
enredo. Um casamento por contrato que estaria fadado ao fracasso, se não
fosse um certo acontecimento que mudaria suas vidas para sempre.
Claro, as mesmas perguntas de todo lançamento pairavam sobre
minha mente. “Será que vão gostar?” “E se todo mundo odiar o
mocinho?” “Será mesmo que a história de vida dos protagonistas estava
convincente e que o amor deles parecia, minimamente, real?” Até que os
primeiros feedbacks chegassem, eu não teria um pingo de paz.
E ainda dizem que ser escritora é fácil. Ninguém via as noites
insones pelos mais diversos motivos e os surtos que sempre temos.
Sentindo um enorme frio na barriga por ainda não ter chegado a
lugar algum com o último capítulo e morta de medo de que as leitoras
odiassem os novos personagens, abri meu aplicativo de mensagens,
ignorando as cento e cinco conversas ainda não lidas, busquei o nome da
minha revisora e grande amiga, Andréa, enquanto caminhava até a minha
cama, onde me sentei, começando a digitar.
“Decididamente, não sirvo para ser escritora.”
Antes mesmo que eu pudesse sair da conversa para ver quem mais
havia falado comigo nas últimas horas, o status mudou para digitando, e eu
resolvi esperar.
“Isso, falou a estrelinha do ranking. Talita, você fica fazendo
drama, mas mora no top dez por, pelo menos, um mês. Se isso é não servir
pra ser escritora, minha amiga, você está no caminho certo.”
Conseguia vê-la rolando os olhos para o meu desabafo.
“Eu não consigo acabar o livro, amiga. Já reli a história inteira,
mas, não sei. Falta alguma coisa.”
“Manda lá no nosso grupo”, respondeu, mais uma vez,
imediatamente. Que Deus fizesse mais pessoas assim, amém. “Vou ler e te
falo o que achei.”
Mandei um emoji de carinha com corações nos olhos para ela,
enquanto voltava ao notebook, copiava e colava o último capítulo, único que
ela e Pietra, nossa amiga, ainda não tinham lido, em nosso grupo. Era lá que
elas me contavam o que estavam achando dos capítulos, analisavam se havia
alguma discrepância entre as informações dadas anteriormente, brigavam
comigo quando eu destruía a vida de algum personagem e depois choravam,
sempre, ao final da história.
Enviei-o, mesmo sabendo que Pietra ainda demoraria para lê-lo, já
que estava no trabalho. Minha amiga era estudante de Odontologia e
trabalhava, há alguns meses, como assistente de um dentista bonitão em um
bairro nobre da cidade. Você ia ver os dentes e saía com problema no
coração. Deus, decididamente, não devia criar homens tão escandalosamente
bonitos se nem nos dar a chance de sentar, ao menos uma vez. Ser uma mera
mortal era um inferno.
Pietra, pelo visto, era uma mortal diferenciada, já que o cara vivia
dando condição a ela e demonstrando interesse. Em breve, minha amiga
devia cair na cama e, se tudo continuasse indo bem, no coração do bonitão.
Inclusive, ela já tinha até escrito um roteiro para que eu contasse a história
de amor deles em um dos meus livros. Segundo ela, seria uma história digna
de se tornar lembrada para sempre.
Comecei a roer as unhas, nervosa, para saber o que minha amiga
acharia, girando na cadeira. Tentando conter a ansiedade, acabei retornando
para a cama, jogando meu corpo contra o colchão macio e encarando o teto.
Meu corpo pareceu agradecer o conforto que recebia, já que, nos
últimos dias, mal sabia o que era passar alguns minutinhos deitada,
confortavelmente, na cama, fazendo nada.
Esse período de lançamento era absurdamente estressante. Reler a
história quinhentas mil vezes para garantir que não havia nenhuma ponta
solta, separar quotes, contratar designer para fazer banners, pensar em
chamadas criativas... Só de pensar, ficava ainda mais exausta.
Mas valia a pena. Especialmente por minha mãe. Ela adorava ler
histórias de amor e foi por causa dela que acabei me apaixonando por
romances também.
Mamãe trabalhava como auxiliar de serviços gerais em um hotel de
grande movimentação na ilha onde Nick, meu irmão; ela e eu morávamos,
anos atrás. Minha mãe sempre foi a pessoa mais romântica que eu conheci na
vida, entretanto, não deu muita sorte romanticamente falando.
Minha mãe conheceu o homem que nos fez no trabalho e não demorou
muito até morarem juntos. Menos de um ano e meio depois, Nicholas
chegava em suas vidas e, depois disso, menos de um ano, eu surgi. Segundo
ela, o homem andava irritado com duas crianças chorando em casa há algum
tempo, um belo dia saiu para comprar fraldas e nunca mais apareceu. Minha
mãe, por anos, achou que ele estivesse morto, chorando sua perda. Chegou a
ir a alguns hospitais e delegacias, sem nenhum retorno positivo.
Porém uma de nossas vizinhas o avistou em algum lugar em Salvador,
como se não tivesse feito uma enorme sacanagem com a mulher mais incrível
que eu conhecia e, quando questionado pela senhora, disse que minha mãe
havia feito aquilo de propósito, enchendo a vida dele com crianças que
nunca quis, como se ela tivesse nos feito sozinha e ter filho de pobre fosse
uma forma inteligente de dar o golpe da barriga.
Depois dessa decepção, decidiu dedicar-se apenas aos homens
perfeitos das histórias. Os que não magoariam seu coração. Os que
assumiam suas responsabilidades, eram românticos e seriam capazes de dar
a volta ao mundo de sandálias Havaianas pelas mulheres por quem estavam
apaixonados.
Conhecidos popularmente como cadelinhas das mocinhas.
Meu irmão, Nicholas — sim, coincidentemente, meu irmão tinha o
mesmo nome do meu escritor favorito, o Sparks destruidor de corações —, e
eu tínhamos saído do outro lado do mar para a capital da cidade, alguns anos
atrás, para estudar.
Nascemos e crescemos na ilha de Itaparica, a maior ilha marítima do
Brasil. Apesar da maioria dos moradores amar nossa cidade, viver do outro
lado do mar era uma espécie de sonho para grande parte das pessoas que
conhecia, e nunca foi exatamente o que eu havia planejado para mim. Eu
amava viver perto do mar e estar com os pés na água sempre que sentisse
vontade.
Minha mãe sempre nos incentivou a estudar e dar o meu melhor nos
estudos para que eu pudesse ter um bom futuro. Nick e eu sempre fizemos o
possível para dar orgulho a ela em todos os aspectos, mas, em especial,
nesse. Ela dizia que nós dois íamos estudar em Salvador e, depois, ter boas
profissões para termos um futuro como ela havia sonhado.
Acho que tanto eu quanto Nicholas levamos suas palavras muito a
sério. Meu irmão sempre foi o cara mais inteligente da sala. Ele dizia que
quando crescesse, ia poder oferecer à nossa mãe a vida que ela merecia por
dar tanto duro por nós dois.
Então, quando Nick saiu de casa, depois de ser aprovado em uma
universidade pública no curso de Química, de Salvador — coisa de doido,
eu sei, desejar passar a vida inteira com todas aquelas fórmulas e tabela
periódica? —, mamãe ficou absurdamente feliz e quase morreu de orgulho.
No ano seguinte, foi a minha vez. Assim como meu irmão, fui aprovada em
uma universidade pública onde, por conta do meu amor por livros desde a
infância, cursei Direito.
No começo, foi bem difícil. Nick trabalhava, pela manhã, em uma
loja de camisas para nerds, no shopping mais famoso da capital, e eu
consegui um estágio em um bom escritório. Nossos salários pagavam o
aluguel do quarto e sala que dividíamos, assim como as despesas
fundamentais para qualquer ser humano.
Cinco anos depois, formei-me como advogada, enquanto meu irmão
ainda teria alguns anos de graduação pela frente, já que antes de se formar,
havia passado em um concurso para trabalhar embarcado em uma das
plataformas petrolíferas do estado, o que acabou atrasando a finalização do
seu curso, mas compensando bastante financeiramente, o que fez com que
pudesse realizar o que sempre quis: sustentar nossa mãe.
Ela não quis vir morar conosco. Eu sempre acreditei que era por
receio de encontrar o doador de espermas, mas ela garantia que não. Dizia
que gostava da vida desacelerada e simples que tinha na ilha. Nós acabamos
respeitando, e sempre íamos passar alguns dias com ela quando possível.
Algumas raríssimas vezes, ela vinha até nós, ficando alguns dias, mas
praticamente confinada em nosso apartamento.
Eu, por algum tempo, exerci minha função. Gostava do meu trabalho
apesar de não amar mais do que tudo a minha profissão, como via meu irmão
amando o que estudava. No transporte entre a casa e o trabalho, tinha sempre
um livro à mão e, por conta de passar tantas horas de ônibus em ônibus,
acabei tornando-me uma leitora ainda mais ávida.
Aos poucos, passei a conhecer, para além dos livros gringos, a
literatura nacional, autores bem-humorados e receptivos com quem mantinha
contato e surtava mandando mensagem nos grupos ou no privado, enquanto
lia histórias cada vez mais intensas, morrendo de rir com as comédias
divertidíssimas, e chorando até que toda a água fosse drenada do meu corpo
com os dramas destruidores de coração. Conversando com uma delas,
resolvi voltar a fazer algo que sempre amei na infância: escrever.
Inicialmente, era mais uma forma de passar tempo mesmo. Um hobby
para distrair minha mente de todos os muitos processos aos quais tinha
acesso durante o dia. Dei meus primeiros passos através de plataformas
gratuitas e, por fim, descobri que podia fazer da escrita uma profissão.
A melhor delas.
Assim, depois de cinco livros lançados, decidi pedir demissão e me
dedicar apenas à escrita, tornando-me criadora de mundos e de amores que
eu, certamente, não estava destinada a viver.
Atualmente, tinha a marca de vinte livros autopublicados e, se tudo
desse certo, em duas semanas, meu vigésimo primeiro chegaria aos
aplicativos de leitura para os leitores que estavam ansiosos para conhecer os
novos personagens e eu, com o estômago doendo de aflição para saber a
reação deles.
Escrever abriu portas para que eu conhecesse pessoas dos mais
diversos lugares do país. Não, melhor, do mundo. E meu coração sempre
ficava absurdamente quentinho quando recebia mensagens de leitores que
haviam lido essa ou aquela história, se identificado com os protagonistas e
se apaixonado pelos boys maravilhosos que eu criava. Era uma sensação
indescritível, algo como “as pessoas realmente gostam do que faço”.
Infelizmente, amar a sensação não fazia com que eu tivesse aprendido
a lidar com isso. Costumava ficar tão feliz que podia dançar Ragatanga do
Rouge, ao mesmo tempo, ficava tão tímida que nem sabia como agradecer.
Mas, ainda era uma enorme surpresa para mim que as pessoas me
considerassem boa contando histórias sobre grandes amores, em especial
por um pequeno detalhe: acreditava piamente que algumas pessoas estavam
destinadas a viver um grande amor, e eu nunca seria uma delas.
Eu nasci para os amores literários.
Minha mãe me criou em meio aos livros, sempre cercada por amores
irreais e absurdamente apaixonantes.
Via-me em cada uma das histórias que eu lia.
Na garota que se apaixona por meu melhor amigo; na filha da
empregada que se apaixona pelo filho dos patrões donos das mansões aonde
iam para passar o período de férias; ou que no meu primeiro dia de
faculdade me atrapalharia com tudo, deixaria meu material cair e o homem
da minha vida me ajudaria a catar minhas coisas. Também como secretária
de um CEO gostosão que me proporia um casamento por contrato e
descobriria que estava de quatro por mim; sem falar naquele clássico
moreno sombrio do passado obscuro. Todos eles eram os homens ideais
para mim.
Responsáveis, me incentivavam (mesmo que através das lições que
podíamos tirar das histórias) a seguir meus sonhos, me faziam rir mesmo
quando eu estava brava com alguma idiotice que fizeram e, sem dúvida, me
sentia amada com todo meu coração através das declarações fofas de amor
daquelas que faziam meu coração parar.
Depois que minha mãe havia me dito que os príncipes não existiam,
de certa forma aquelas palavras grudaram em meu coração. Eu decidi que
seria uma mulher independente, que não ficaria atrás de um príncipe
salvador. Para isso, eu tinha muitos livros.
Também não era freira.
Não queria amor, mas conhecia muito bem os benefícios do sexo e
era uma boa praticante do exercício.
Todas as relações mais longas que tive me mostraram o quanto
mamãe estava certa. Mentiras, traições, crises de ciúme, gente que achava
que podia mandar nas roupas que eu usava, ou pior, que queriam determinar
o que eu podia ou não escrever, porque isso tornava a mim uma mulher
decente, ou alguém que as pessoas veriam como uma vadia.
Foda-se.
Mandei cada um deles para o quinto dos infernos, sem remorsos.
E assim, decidida a não amar ninguém além dos meus mocinhos
queridos, cheguei à conclusão de que como Jane Austen, garantiria que
minhas mocinhas — sempre fortes e empoderadas — tivessem o final feliz
dos meus sonhos, o final feliz com homens perfeitos e que não existiam.
“EU AMEI”, Andréa respondeu pouco depois, em letras garrafais.
“Não sei como você pode dizer que está horrível. Sério. Às vezes só queria
te dar uns tapas.”
“Tem certeza? O final não está fraquinho demais?”, perguntei, ainda
insegura.
“Fraco? Depois de tanto sofrimento, você só pode estar querendo
matar seus pobres leitores do coração, neste caso, de amor. Vomitando arco-
íris. Tá tudo perfeito, lindo demais. Sério. Pare de bobagem. Já pode
providenciar o livro físico.”
Soltei um gemido de agonia só de pensar nisso. Sim, eu amava mais
do que tudo pegar meus livros em minhas mãos. Os leitores também amavam
e sempre cobravam. Porém, só de pensar em todo trabalho, tinha vontade de
chorar.
“Vamos com calma, querida. Veremos como esse livro vai se sair e
então podemos pensar no assunto.” Suspirei. “Ai, só queria mesmo ser
notada pela editora Encanto, sabe? Meu sonho de consumo. Morria do
coração facinho. Só de ter meu nome vinculado a uma das maiores editoras
do país.”
“Eu sei que vai acontecer, amiga. Relaxa.”
Rolei os olhos em resposta.
“Claro que não, amiga. Eles só lançam gente top, e eu, claramente,
não faço parte dessa classificação.”
“Você é top! Agora, cale essa boca e me mande o arquivo. Preciso
revisar.” Enviou a mensagem seguida por um emoji de olhos piscando.
Fiz o que minha amiga pediu, caminhando para o meu escritório para
escolher um livro.
Era hora de relaxar depois de tantos dias com a cara no computador
e sentir meu coração quentinho, me apaixonando profundamente por todos os
personagens literários que eu conhecia: Anthony Bridgerton; Christian Grey;
Eric Zimmermann e uma ruma dos mais maravilhosos personagens literários.
No fim das contas, aparentemente, era o tipo de amor que eu queria
para sempre: amores perfeitamente inventados.
Capítulo 2

Olhava, atentamente, para a tela do computador, tentando analisar,


mais uma vez, se o texto estava coerente com a minha proposta inicial.
Claro que não existia texto perfeito — nem para mim, o mais incrível
jornalista de todos. Uma correção ou outra era sempre necessária. Logo,
depois de mudar algumas palavras, sorri, satisfeito com o resultado. A
coluna da quinzena, para a alegria geral da nação, estava concluída.
Anexei o arquivo ao e-mail, já aberto em meu navegador, e cliquei
em enviar. Juntei os dedos, alongando os braços, jogando-os para frente, e
sentindo um alívio instantâneo ao estalá-los. Ajeitei meu corpo na cadeira,
dando início à busca sobre o assunto para a próxima quinzena da minha
coluna MERECE DESTAQUE. Modéstia à parte, a melhor coluna do nosso
jornal e da revista digital.
A coluna falava sobre tudo: revelações da moda; filmes; novelas;
séries; lugares incríveis e que todo mundo devia conhecer; celebridades;
causas sociais. Tudo e qualquer coisa que me chamasse atenção — ou aos
meus chefes — acabava virando destaque, desde que me impressionasse.
Eu amava o meu trabalho.
Proporcionava-me uma enxurrada de coisas novas. Lugares, pessoas,
comidas inusitadas. E, apesar de ter me formado pensando em tornar-me um
consagrado jornalista investigativo, comecei aqui, no Jornal Tribuna, como
estagiário, tive a chance de passar pelas mais diversificadas áreas. No fim
das contas, acabei descobrindo-me um apaixonado pela arte de inovar.
Escrever a minha coluna permitia que eu, justamente, tivesse isso. Aventura,
lazer, cultura e entretenimento e, o melhor, sendo pago. Muito bem pago,
diga-se de passagem.
Abri a página de pesquisa, sem saber exatamente sobre o que queria
escrever. Para onde queria ir ou se, de repente, queria conhecer alguém.
— Valentim. — Mariana, da seção de esportes, parou na minha baia.
Usava um vestido justo, na altura dos joelhos. Os olhos castanho-claros
combinavam perfeitamente com o cabelo exatamente do mesmo tom. Tinha
um sorriso sedutor nos lábios, de quem esperava que eu soltasse algum tipo
de galanteio. — Antonella quer que você vá até sua sala — anunciou,
sorrindo em seguida.
— Já vou. — Fiz menção de levantar, mas fui impedido por ela.
— Olha só, vou cobrir o jogo do final de semana. Vai ser minha
primeira vez cobrindo jogo aqui, e estava pensando se, talvez, você não
topasse ir comigo me ajudar, dar umas dicas e, depois, podíamos ir tomar
uma cervejinha em um bar. — Ergueu a sobrancelha, sugestiva.
Mari, como ela gostava de ser chamada, era nova no jornal. Foi
contratada depois do antigo colunista da seção ser denunciado em um caso
de assédio a uma das jogadoras do time feminino de futebol colegial, em um
campeonato intermunicipal que solicitou a nossa ajuda quanto à divulgação,
já que todo o dinheiro arrecadado seria destinado à compra de agasalhos e
alimentos para realização de sopas comunitárias que seriam distribuídos
para os moradores de rua da nossa cidade.
Pensei sobre o assunto.
Não tinha nada de muito importante para fazer e ela, coitada, devia
estar precisando de alguém para socializar por aqui. Talvez, eu até fosse
bonzinho e compartilhasse uma cama com ela por algumas horas.
É, eu era um cara que se preocupava com o bem-estar das pessoas e,
diferente de muitos outros, não fazia o tipo “onde se ganha o pão, não se
come a carne”. Carne é carne, independentemente de onde estivermos.
Desde que ambos estivéssemos na mesma vibe, se havia uma coisa que eu
não tinha, era problema em comer.
— Acho que posso pensar sobre isso. — Pisquei para a garota, que
riu, contente com o flerte.
— Espero que tenha bons pensamentos. — Mordiscou os lábios e eu
adorei o movimento. Fazia com que sua boca carnuda ficasse ainda mais
sexy.
Sabe, a maioria dos caras odiava quando as mulheres demonstravam
interesse. Eu não, na verdade, adorava. Uma mulher que sabia o que queria
era o céu. O inferno era aquele tipo de garota que ficava fazendo joguinhos,
como se ainda estivéssemos na escola. Por Deus, depois dos vinte, ninguém
mais está interessado em jogo de gato e rato.
Você quer dar? Ok! Eu quero te comer.
Você não quer? Sem problemas. Como diria a grande filósofa
contemporânea Ariana Grande: Thank u, next.
Desde que estivesse tudo muito bem entendido, entre nós dois, que
íamos trepar algumas vezes — se a primeira fosse boa, e apenas.
Sem compromisso, sem encontros, sem paqueras, sem pretensões.
Sexo e nada mais.
— Pode ter certeza que os melhores, baby. — Dei um sorriso de
lado, no exato momento em que Antonella apareceu na porta da sua sala,
gritando meu nome. — A chefe está com pressa.
Ela assentiu, esperando que eu me virasse.
Eu sabia bem o motivo. Já tinha ouvido Josilene — dos classificados
— e ela, falando sobre a minha bunda ser redonda, durinha e que as deixava
com uma enorme vontade de apertá-la.
Se eu me sentia mal com isso?
Absolutamente, não!
Afinal, se os homens podiam falar sobre o corpo das mulheres e
tomarem a iniciativa, por que raios elas não podiam fazer o mesmo?
O mundo, meus amigos, como diria meu velho pai, é das mulheres.
Sorri ao pensar nele.
Meu pai era um homem sábio, destemido, daqueles como poucos.
Amante de filmes antigos, livros clássicos e música de qualidade. Ouvia,
constantemente, os discos de bandas e cantores consagrados como Roupa
Nova; Gilberto Gil; Elis Regina; Milton Nascimento e Caetano Veloso.
Discutíamos sobre as mensagens que Machado de Assis; José de
Alencar; Guimarães Rosa; Graciliano Ramos; Zélia Gattai e outros autores
fantásticos queriam nos transmitir através de suas páginas.
Costumávamos ler juntos, embalados ao som de uma boa música, e
depois compartilhávamos nossas visões sobre as histórias retratadas. Eram,
certamente, meus momentos preferidos em família.
Fizemos isso por anos, algumas vezes, sobre histórias repetidas. Era
incrível como a nossa visão podia mudar lendo o mesmo livro, depois de
anos.
Ele também era um poeta. E dos bons.
Meu pai dizia que um bom livro e poesias eram o alimento da alma e,
com ele, nossa alma era sempre muito bem alimentada.
Meus pais foram muito felizes juntos, até que um infarto fulminante a
levou, três anos atrás, deixando-o devastado.
Os dois faziam com que as clássicas famílias de comercial de
margarina sentissem vergonha por fingirem ser tão perfeitas quando, sem
nem ao menos tentar, nós três éramos as pessoas mais felizes do mundo.
Eu cresci idealizando aquilo. Encontrar o que os dois tinham. Ser,
com alguém, o casal perfeito.
E eu cheguei perto disso.
Pelo menos, eu achava que tinha encontrado o grande amor da minha
vida, até que, em um rompante, sem nenhum aviso prévio, meu mundo ruiu.
Naquele mesmo dia, depois de tomar o porre mais histórico do
universo, eu jurei, para mim mesmo, que jamais amaria outra pessoa daquela
forma.
Afinal, amar é perda de tempo. É sofrer.
A notícia sobre eu ter me tornado um homem “abaixo o amor” foi
recebida com enorme pesar por meus pais. Meu pai, especialmente, que
vivia para lembrar-me que me criou para ser um cavalheiro, não um safado
que desvirtuava mocinhas inocentes, como o Santo Cristo de Faroeste
Caboclo.
Mas, como eu disse, o mundo é das mulheres. E, se elas me querem,
quem sou eu para dizer não?
— Por favor, me diga que eu não vi você flertando com a Mari —
Antonella falou, assim que fechei a porta da sala.
O lugar não era o que eu poderia chamar de enorme, mas era melhor
que dividir a baia com quase cem pessoas. Minha chefe estava sentada em
sua cadeira, olhando para a tela do seu computador e, ainda assim, parecia
ser capaz de prever qualquer movimento que eu faria, ou até o que acontecia
na China. Era vidente, eu tinha quase certeza.
Os cabelos começavam a ganhar mais fios brancos, contudo, seu
espírito jovem estava longe de fazê-la parecer ter seus sessenta e poucos.
Na pequena parede atrás da mulher, entre as duas janelas que nos
permitiam ter a visão do mar, estava o quadro de Frida Kahlo, pintora da
qual minha chefe era fã. E sobre a mesa, a foto com sua esposa e os dois
filhos.
Cheguei aqui muito novo e, não sei bem por qual motivo, mas
Antonella viu algo em mim. E, apesar das brincadeiras e implicâncias, ela
me incentivou e vinha incentivando ao longo dos anos, como a um filho.
O filho que elas demoraram muito para conseguir.
Minha chefe e a esposa não puderam, por muitos anos, adotar, como
sempre quiseram fazer, por não serem reconhecidos os direitos de casais
homossexuais à adoção. Apenas em 2010 o judiciário brasileiro reconheceu
a adoção de crianças por casais homoafetivos. Elas esperaram por mais
cinco anos, após a conquista dos direitos para, enfim, poderem adotar o João
Pedro e a Maria Helena, hoje, com 10 e 9 anos, respectivamente.
Quando perdi minha mãe, Antonella foi de um enorme apoio para que
não perdesse minha cabeça, para que não me perdesse, e por mais que
implicássemos muito um com o outro, eu a amava e a respeitava muito. Ano
passado, inclusive, pude retribuir um pouco de todo carinho que ela que ela
dedicava a mim quando João Pedro precisou ser hospitalizado, devido à
anemia falciforme, e tanto ela quanto à esposa ficaram arrasadas com o
diagnóstico. Felizmente, o garoto respondeu bem ao tratamento e estava
melhor.
— Você não me viu flertando com a Mari — repeti. Ela, lentamente,
ergueu o rosto, encarando-me com os olhos semicerrados. — O quê? Falei
exatamente o que você pediu.
— Olha só, depois do Antônio, eu, decididamente, não tenho a menor
pretensão de passar por outro processo de assédio — alertou, apontando
para a cadeira em frete à sua mesa, o que significava que a conversa ia
demorar. — Nem que, para isso, eu tenha que arrancar o seu maldito pau
fora.
— Ei, não fale assim que ele fica desanimado. — Sentei, pegando um
maço de papéis que estava sobre a sua mesa, pondo no colo, como se criasse
uma barreira entre ela e meu melhor amigo. — Não é porque você não gosta
desse tipo de brinquedo, que ele é inútil.
— Essa coisa mirrada? Pelo amor de Deus. Eu faria um bem à
humanidade arrancando isso do seu corpo. As heterossexuais iam me
agradecer por toda a eternidade.
— Ela não quis dizer isso, amigo — falei, olhando para o meu colo.
— Mas, com certeza, não foi para falar sobre meu pau ou minhas fodas que
você me chamou aqui.
Ergui uma sobrancelha para ela.
— Não mesmo. — Virou o computador em minha direção, mostrando
um dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter. — Já tinha ouvido
falar disso aqui?
Apontou para o nome em destaque.
Destinado a você.
Franzi o cenho.
Era um prato novo? Um restaurante? Uma música? Um filme?
— Não. — Balancei a cabeça em negativa, intrigado, vendo-a virar o
notebook, novamente, em sua direção.
Tirei o aparelho celular do bolso da minha calça, abrindo o meu
próprio aplicativo, e digitando as palavras lidas anteriormente. Os
resultados apontaram para diversos memes sobre estarem aguardando há 84
anos, com a Rose, já idosa. Um meme hilário, inclusive. Havia outros, claro.
Alguns bem divertidos. Mas, nas mentions, sempre havia uma mulher, Talita
Gomes.
— Aparentemente, esse livro será o próximo a ser lançado pela
escritora, também baiana, Talita Gomes. — Parecia bem interessada no
assunto, levando em conta que nós nunca nem tínhamos ouvido falar sobre
essa cidadã na vida. — Antes que você chegasse, dei uma fuçada na vida da
mulher, lembrei que até já tinha ouvido falar sobre ela na Bienal do ano
passado, mas com o problema dos gêmeos, esqueci completamente. —
Cliquei no link, disponibilizado em um dos tuítes, que me direcionava para
seu perfil no Instagram. — O ig dela conta com vinte e cinco mil e
novecentos seguidores — anunciou, ao mesmo tempo que eu mesmo
arregalava os olhos ao me deparar com a quantidade de pessoas que a
seguiam.
Não respondi.
Curioso para saber o que essa mulher tinha de especial, desci um
pouco para ver suas postagens e... lá estava. A capa do livro em questão,
nada mais era do que um homem parcialmente despido, com tantos gominhos
no abdômen que me fez ter certeza da manipulação do photoshop que havia
sido realizada naquela imagem.
A imagem seguinte era um fundo preto, com as seguintes palavras
“Escritora&Hot&Orgulhosa&Sim”.
Continuei analisando as postagens intermináveis, nas quais ela
descrevia seus personagens masculinos e exibia, orgulhosamente, os corpos
dos homens que havia escolhido para representá-los.
— Isso é um pornô literário? — brinquei, franzindo o cenho, olhando
para Antonella, enquanto ela dava um gole no seu café.
— Eu não sei o que é. E, apesar de claramente nenhum desses
rapazes indiscutivelmente bonitos fazerem meu tipo, ela é exatamente o tipo
de pessoa que merece destaque.
Olhei para a mulher sentada à minha frente como se ela estivesse
ficando louca.
— Quais substâncias ilegais usaram em seu café hoje? — perguntei,
pegando o copo que estava em sua mesa e cheirando-o. — Você só pode
estar brincando, se acha que darei espaço em minha coluna de prestígio para
uma pessoa que desmerece a literatura nacional vendendo sexo como uma
cafetina.
— Que eu saiba, você não tem nenhum problema com a realização
dessa atividade.
— Nenhum mesmo. Inclusive, faz muito bem para a saúde. Mas, sabe
o que Machado de Assis diria ao ver uma coisa dessas? — Mostrei a tela do
meu celular onde a capa de outro dos seus livros estava estampado. “Senhor
Orgasmo. O sexo como você nunca viu”.
— Puta que pariu, como não pensei nisso antes? — indagou, como se
tudo não passasse de uma brincadeira.
— Que esse tipo de gente que faz da literatura, uma coisa que
deveria ser séria e reflexiva, ser... sei lá, desmerecido e castigado pelos
deuses literários. Machado de Assis e companhia, certamente, diriam que
isso é imoral até para os padrões mais imorais do mundo. Os pobres homens
devem estar se revirando lá do túmulo.
Ela riu.
RIU.
— Essa garota — apontou para a tela do seu computador, eu não
podia ver o que estava lá, mas, sem dúvidas, era uma foto da maluca que
desmoralizava a literatura nacional escrevendo bobagens — vai ser o
próximo destaque.
— Ah, não vai mesmo! — garanti. — A menos, é claro, que você
mesma resolva escrever a coluna de agora em diante. Meu pai me ensinou
que a literatura deve alimentar a alma, isso aqui, por Deus, isso é...
asqueroso, no mínimo. Você viu os comentários? A quantidade de gente que
está ansioso pra ler isso?
— Se tem tanta gente interessada, com certeza, o que ela tem a dizer
deve ser, no mínimo, interessante. — Pareceu concentrada, lendo alguma
coisa em uma das publicações. — Olha só, você leu essa sinopse? Parece
mesmo muito bom!
Rolei os olhos, sem acreditar no que estava ouvindo.
— Interessante, é a minha coluna. O personagem deve ter um
daqueles fetiches para sadomasoquismo, em que vai transar como um
cachorro no cio com a mocinha e achar que todos os problemas da vida se
resolvem à base do sexo. — Balancei a cabeça em negativa. — Não vou
mesmo dar palco para essa mulher que, certamente, dissemina informações
duvidosas e sem nenhum tipo de domínio no assunto, ganhar ainda mais
notoriedade.
— Eu gosto de você, Valentim. E, mais ainda, gosto de todo o lucro
que você nos garante. Mas, em momentos como esses, em que você esquece
quem é a chefe e quem manda nesta porra aqui — apontou para a sua própria
mesa —, eu detesto você.
Cruzei os braços, com o rosto fechado, mostrando que, independente
do que ela dissesse, eu não voltaria atrás.
— Quando começamos com essa coluna, combinamos que eu falaria
sobre coisas que EU acreditasse que merecia destaque — lembrei. — Para
que eu possa escrever um texto que seja verdadeiro, eu preciso acreditar
naquilo. E, sinceramente, a indústria pornográfica não me impressiona em
nada.
Ergui uma sobrancelha para ela, que soltou o ar devagar.
— Olha só, você está bem crente de que essa mulher não merece
destaque, não é?
— Com toda certeza, ela não terá nenhuma linha elogiosa escrita por
Valentim Fernandes até o fim dos meus dias — garanti.
— Faremos o seguinte — entrelaçou os dedos, apoiando-os,
juntamente com o braço, em sua mesa, apontando o corpo em minha direção
—, já que você está tão certo de que ela não merece nenhuma linha elogiosa
do inestimável Valentim Fernandes, porque você não faz o seu trabalho,
conversa com ela, faz algumas pesquisas sobre o assunto, e, se ela não te
impressionar em uma semana, você fala sobre, sei lá o que for merecedor de
sua atenção.
— Qualquer coisa? — Ergui a sobrancelha.
— Desde que você não queira, mais uma vez, fazer críticas sem
provas para pessoas com poder suficiente para fechar o meu jornal, sim,
qualquer coisa.
— Droga. — Sorri para ela que retribuiu o gesto. — Combinado.
Quando eu e essa... Como é mesmo o nome dela?
— Talita, Valentim. — Rolou os olhos.
— Quando eu e essa Talita terminarmos, com certeza ela estará com
vergonha de si mesma por escrever algo tão deseducador.
Balançou a cabeça em negativa, como se não acreditasse em mim.
— Ok. Agora sai da minha sala, e, por favor, não a ofenda. Se eu for
processada, mais uma vez, por alguma gracinha sua, arrancar o seu pau vai
ser pouco. Vou colar, no seu rabo, uma rolha. E, acredite, você vai saber
rapidinho como é que se toma naquele lugar.
Apesar de ter usado um tom ameaçador, eu ri.
Saí da sua sala, feliz. Eu teria a chance de fazer um bem para a
humanidade e fazer aquela mulher parar de vender sexo, e ainda poderia
escrever sobre algo que eu realmente tivesse interesse.
Como eu disse, me preocupava com o bem-estar das pessoas. E era
por elas, e apenas por elas, que eu acabaria com aquela pouca vergonha que
chamavam de livros.
Capítulo 3

— Nós, definitivamente, não devíamos estar aqui — afirmei para


Pietra, minha amiga e vizinha, enquanto assistia à atendente colocar a fatia
de Red Velvet em meu prato.
— Oxe, claro que devíamos. — Olhou-me como se eu tivesse batido
a cabeça no carro ao descermos. Os cabelos estavam presos em um coque
alto, as sobrancelhas bem-feitas e valorizando ainda mais os olhos escuros e
bem expressivos. Os lábios vermelhos por conta do batom preferido davam
ainda mais destaque à sua pele negra. — É tradição, lembra? Não devemos
quebrar tradição.
Pietra era a louca das tradições.
Nunca passava por debaixo de uma escada, tomava todo o cuidado
do mundo para não quebrar nenhum espelho, evitando assim ser perseguida
pelo azar por sete anos, sempre levantava da cama com o pé direito e, se
sentisse a orelha coçar, meu Deus, era sinal de que alguém estava falando
dela, e a garota mal dormia tentando descobrir quem era.
Era louca? Sim. Mas eu a amava assim mesmo.
Nós nos conhecemos justamente por causa de uma dessas tradições.
Eu ia passar por debaixo de uma escada apenas para não ter que me arriscar
andando no meio da rua, já que o meio-fio estava tomado pelos motoristas
que se achavam no direito de estacionar em lugares impróprios,
impossibilitando os pobres pedestres de andarem no passeio. Pouco antes
que eu passasse, ela me puxou pelo braço, perguntando se eu era maluca e
não sabia que aquilo dava azar.
Descobrimos que estávamos indo para a mesma direção, o shopping,
e seguimos caminhando juntas. Assistimos ao mesmo filme, na mesma
sessão, e assim nos tornamos grandes e inseparáveis amigas. Antes de nos
despedirmos, trocamos números e seguimos mantendo contato.
Depois, descobri que a garota que andava para ir ao shopping, na
verdade, era uma das pessoas mais ricas que eu conheceria na vida. Os avós
tinham ligações políticas em uma pequena cidade do interior. Eram ricos,
muito ricos. Segundo ela, tudo dinheiro roubado do povo.
Eu não duvidava nem um pouco.
Pietra contou que o maior sonho era poder se desvincular da imagem
que a família passava. Escolheu o curso na universidade que amava, mas que
ao mesmo tempo a manteria o mais distante possível da linha de roubo,
como costumava chamar, em que a família trabalhava. Por isso, escolheu
Odontologia, e trabalhava como assistente de um dentista gato.
Embora se esforçasse para manter uma vida normal e o mais distante
que podia, morava em um dos apartamentos dos avós na cidade, e odiava
isso. Mas trabalhando como assistente e prestes a finalizar o curso, não dava
para se preocupar com as contas.
— Segundo a tradição, a comemoração deve ser feita conosco, e
quando a história for finalizada — apontei. — Ainda não terminei o livro e
isso pode dar azar.
A atendente, que segundo o nome constava em sua blusa, chamava-se
Carla, sorriu para mim colocando meu prato e enchendo meu copo com o
líquido gelado e preto, meu preferido, Coca-Cola. Sim. Eu devia me
envergonhar por destruir voluntariamente a minha saúde, mas, no fim das
contas, eu podia estar andando na rua, despreocupadamente, um saco de
cimento cair em minha cabeça e eu morrer.
Morrer bebendo Coca, pelo menos, me faria morrer muito mais feliz.
— Déa está chegando. — Virou o celular em minha direção para que
eu lesse a mensagem que nossa amiga tinha acabado de mandar no grupo.
Depois, soltou um muxoxo para mim, assistindo à Carla guardar meu bolo,
pegar a torta salgada de carne seca e banana da terra e pôr sobre o balcão
antes de começar a cortá-lo. — O livro está terminado. Eu já li e posso
afirmar. Déa também. — Ergueu uma sobrancelha como se fossem motivos
suficientes para convencer-me.
— Eu não sei... — Parei a frase. Por mais que eu tentasse explicar,
elas não conseguiam entender.
O universo inteiro podia dizer que o livro estava perfeitamente
finalizado, mas, se eu não sentisse que a jornada dos personagens estava
completa, simplesmente, continuaria me sentindo insegura, e pior, traindo
aquelas duas pessoas que eu amei profundamente escrever nos últimos dois
meses e meio.
— Amiga, eu juro por tudo que há de mais sagrado que esse livro
está simplesmente fantástico. Está no meu top 3 de favoritos, e só não roubou
os dois primeiros lugares porque, por favor, o sofrimento do Max e do
Francesco são insuperáveis, e você sabe, né?
— Quanto mais lágrimas, melhor. — Sorri.
Leitor é uma coisa, não é? A gente gosta mesmo é do caos e do
sofrimento. Se não for para chorar, a gente nem vai. Ou até vai, afinal, a
gente não especifica, exatamente, chorar por onde...
— Obrigada — falou, agradecendo à Carla depois de pegar sua
bandeja, enquanto nos dirigíamos à nossa mesa.
Para hoje, escolhemos vir ao Vila San Luigi, um pedaço da Vila
Toscana, que foi construída em meio a Pituba. Ainda não tínhamos tido a
oportunidade de conhecê-lo, e, ainda na entrada principal, com vista para a
primeira loja dividindo-se entre os tijolinhos creme e uma pintura um pouco
mais escura dando ar de envelhecido, dava um toque romântico e perfeito,
fazendo com que eu me apaixonasse irremediavelmente.
Com certeza, algum personagem meu passaria por aqui.
O portão que dava acesso à vila possuía um tom acobreado, e, ainda
do lado de fora, era possível ver o poço dos desejos que ficava em meio à
pracinha principal onde havia também uma fonte circundada por pedras
dando um ar rústico. Mesas e cadeiras estavam dispostas para que
tivéssemos opções de onde sentar. O chão de paralelepípedo combinava
perfeitamente com o ambiente e, dando um toque final, a iluminação com
varal de luzes, deixando-o ainda mais charmoso.
Frases em italiano podiam ser lidas nos degraus da escada que
levava às lojas do segundo andar. O melhor era que, além de linda, a vila
ainda contava com um bom atendimento.
A vila, em si, mais que agradável, era um lugar perfeito para quem
amava boa comida e um espaço que proporcionasse fotos incríveis.
Escolhemos uma das mesas externas, para aproveitarmos o sol
tímido que fazia. Os últimos dias tinham sido frios, e, para mim, criada com
os pés no mar, os dias ensolarados faziam, de fato, muita falta e, enquanto
nos organizávamos, Déa chegou deixando sua bolsa em nossa mesa e
seguindo para fazer o seu pedido. Não demorou para que estivesse de volta
com um café gelado e um bolo ganache.
— Meu Deus, me atrasei por sua culpa. — Apontou o garfo em minha
direção. Os olhos pequenos, típicos dos descendentes de japoneses, ainda
menores por estarem semicerrados em minha direção. Usava uma franja e o
cabelo na altura dos ombros, o que dava a ela um ar ainda mais jovem,
fazendo com que parecesse ter 16 ao invés dos 26, como eu. — É difícil ser
revisora num planeta onde eu tenho convicção de que jamais encontrarei um
Maxwell para chamar de meu.
— Você fala isso em todo livro — apontei, erguendo a sobrancelha
para ela.
Minha amiga era uma das maiores periguetes literárias que a
humanidade já tinha ouvido falar. Déa era uma mulher incrível, tranquila e,
quase nunca saía do sério. A menos que dissessem que ela era chinesa, ou
que insinuassem que as nacionalidades eram a mesma coisa.
Pronto, ela transformava-se de uma forma que nunca tinha visto na
vida.
Nós nos conhecemos em um grupo literário. Tinha acabado meu
primeiro livro e estava atrás de uma revisora. Perguntei se alguém ali
conhecia uma confiável e, claro, ela se autoindicou. Nós nunca tínhamos
efetivamente conversado, só uma vez, quando ela percebeu que nossos
DDDs eram iguais e sugeriu que marcássemos algo. Eu topei, mas sempre
nos desencontrávamos.
Obviamente, fiquei apreensiva. Era meu primeiro livro, e eu morria
de medo que algo desse errado. E se a louca registrasse minha história eu
nunca conseguisse provar que eu, na realidade, era quem a tinha escrito?
Fui sincera e contei meu receio a ela que me orientou a, antes de
enviar um arquivo para revisão com qualquer pessoa, fizesse um registro do
livro on-line, isso me deixaria mais segura. Falou também que muitos
autores iniciantes tinham esse medo e que, por conta disso, deixavam de
enviar suas histórias para um profissional, o que atrapalhava bastante o
desenvolvimento da história, já que é necessário ter responsabilidade com a
língua ao se lançar um livro.
Ia fechar o trabalho de qualquer forma, já que tinha gostado bastante
da garota. Busquei referências com autoras com as quais ela já tinha
trabalhado e todas a elogiaram muito. Começamos a trabalhar juntas e, já no
primeiro livro que ela revisou, tornamo-nos grandes amigas.
— E que culpa eu tenho, se, a cada história, você consegue fazer um
homem ainda mais sentável, desejável e amável? — Ri. — Sério. Vou
morrer solteira e a culpa é toda sua e de todas essas autoras que fazem livros
com homens irreais aumentando a minha expectativa. Como vou me contentar
com um “E aí, gostosa?” — imitou a entonação dos assédios disfarçados de
cantada que nós sofremos, às vezes. — Quando sei que, em algum lugar na
minha estante, existe um homem que diz coisas como “Você é como a luz,
capaz de me arrancar da minha própria escuridão. E eu, sou como um
planeta que passou a orbitar à sua volta.”. Ou como “Ela é um arco-íris
trazendo cor depois da mais intensa tempestade.”. Sério. Onde, fora da
minha estante, eu posso encontrar um homem desses, meu Pai do céu? O que
eu fiz para não merecer alguém assim? — reclamou, olhando para o alto,
como se falasse com o próprio Deus.
— Ou sexo de duas horas quando o máximo que a gente consegue são
caras que não demoram nem cinco minutos para gozar e se acham os deuses
do Olimpo, sem nem fazer um agradinho lá embaixo?
— O mundo não é justo, garotas. — Dei de ombros.
— É, eu já ouvi isso em algum lugar — Pietra respondeu, soltando
um suspiro, indício de que estava sonhando com o dentista gato. — Se fosse,
eu estaria agora, sem roupa, deitada na cama do doutor delícia, enquanto ele
me faria revirar os olhos em um...
— Meu Deus — interrompi, vendo uma menininha caminhando em
nossa direção de mãos dadas com a mãe. —, estamos em um lugar público.
Eu não quero ser processada. Abandonei o Direito, lembra?
As meninas riram. Ficamos em silêncio por alguns instantes, e eu me
senti grata porque, mesmo com todas as dúvidas em minha cabeça, minhas
amigas estavam ali, acreditando em mim e nos meus sonhos, ainda que eu
mesma começasse a duvidar das minhas habilidades.
— Eu sei que você sempre dá uma surtada quando está perto de
lançar, mas, fique na sua, tudo dará certo. — Déa ergueu seu copo de suco
de laranja para mim. — Um brinde? — Assenti, segurando meu próprio copo
e Pietra fez o mesmo. — A mais um sucesso.
— Deus te ouça. — Dei um pequeno gole, pegando meu celular para
tirar uma foto do prato e postar nos meus stories. De todas as coisas que eu
mais gostava que a escrita tinha me trazido, com certeza, a possibilidade de
interagir com tanta gente foi a maior delas.
Assim que a foto foi enviada ao aplicativo, meu celular tocou. Era
um número desconhecido e eu tinha certeza de que se tratava de alguma
operadora oferecendo-me um serviço que, segundo eles, era irrecusável.
— Quem é? — Pietra quis saber, esticando o pescoço, curiosa que
só.
Dei de ombros, deslizando o dedo pela tela.
— Alô?
— Talita Gomes? — A voz era grave, sensual, daquelas que com um
simples oi, te faz molhar a calcinha. E, pela primeira vez na vida, eu me
senti tentada a dizer sim a seja lá qual fosse a proposta de plano que me
fariam. Será que esse operador de telemarketing é daqui mesmo, de
Salvador? Toparia um encontro. E olha que ele só tinha falado meu nome. —
Alô? — chamou quando não respondi.
— Oi, sim, aqui é ela mesma. Quem é? — perguntei, um pouco
aturdida, mas querendo ouvir o que o homem da voz deliciosa tinha a me
oferecer.
— Quem é? — Déa quis saber, baixinho.
— Eu não sei, mas a voz... — retruquei, apenas movimentando os
lábios e abanei-me, dando ênfase ao que quis dizer.
— Aqui quem fala é Valentim Fernandes — continuou, fazendo-me
estacar no lugar. Acredito até que o sangue tenha sumido do meu rosto. Claro
que eu sabia quem ele era. Inclusive, o seguia nas redes sociais. —
Possivelmente, você não sabe quem eu sou, mas eu trabalho...
— No Tribuna? O Valentim da Tribuna? Do Merece Destaque? —
interrompi, animada demais.
— COMO É?
— É ELE MESMO?
Pietra e Déa perguntaram ao mesmo tempo, dessa vez mais alto. Eu
as ignorei, levantando da mesa para poder me concentrar. Lidar, naquele
momento, com as duas metades de mim já era trabalhoso demais.
A parte mais cética da minha mente, ficava gritando que o homem
tinha ligado por engano. Mas, fala sério, como seria engano se ele me
chamou pelo meu nome?
Ai. Meu. Deus!
Ele, aquele deus grego e mago das palavras, sabia quem eu era!!!
Já a parte sonhadora demais, tinha certeza de que ele tinha me ligado
para convidar-me para fazer parte de sua coluna, e, só de pensar nisso, meu
coração disparava.
Inspira, expira e não pira! Se aquieta, Tali.
— Claro que eu sei quem você, eu acompanho seu trabalho, há anos!
— continuei, mantendo o tom mais calmo, mesmo que quisesse gritar aos
quatro ventos que eu amava a sua coluna e que esperava, ansiosa, os dias em
que suas matérias saíam.
Todo ser humano que já tivesse lido sua coluna tinha sonhado, ao
menos uma vez na vida, em ser destaque nem que fosse apenas por ajudar na
liberação de gás carbônico através da absorção do oxigênio do ar.
— Bom, estou entrando em contato, pois encontramos, nas redes
sociais, uma grande expectativa com o lançamento do seu próximo livro.
Isso, claro, chamou nossa atenção. — Puta merda, eu tinha chamado a
atenção dele. Eu ia morrer. — Gostaria de saber se a senhora... — Será que
seria indelicado da minha parte corrigi-lo deixando claro que eu era solteira
e disponível a brincar de gangorra, subindo e descendo nele? Foco, Talita.
Foco. — Possui disponibilidade para agendarmos uma conversa e, se tudo
correr bem, ficaria feliz em ter a honra de tê-la em nossa coluna.
Meu coração, decididamente, parou de bater.
Oi, Deus, não me deixe morrer agora, eu tenho que responder
antes.
— Eu... Claro. Seria uma honra. — Sorri.
Meu Deus, o que a gente fala num momento desses, mesmo?
— Ótimo! Que tal marcarmos um café da manhã, amanhã?
— Por mim, perfeito!
Combinamos o lugar e, por Deus, eu tinha uma entrevista, amanhã,
com a coluna mais famosa da cidade.
Minhas amigas me esperavam ansiosas na mesa, e, antes mesmo que
eu sentasse, queriam saber da fofoca.
— O Valentim. Valentim Fernandes do Merece Destaque quer me
encontrar amanhã para um café da manhã. — As meninas, eufóricas, gritaram
de alegria.
— Não acredito que você vai conhecer aquele gato. — Déa parecia
animada demais.
— Ele te quer na coluna dele? — Pietra questionou.
— Sim. Ele disse que quer conversar comigo amanhã e que, se tudo
der certo, seria uma honra. Uma HONRA, me ter em sua coluna. — Encostei
meu corpo na cadeira. Estava eufórica demais.
Valentim Fernandes me queria em sua coluna.
— Sobre o que vocês vão conversar?
— Não sei bem — falei, repassando a rápida conversa em minha
mente. Eu ainda nem podia crer que tinha falado com Valentim, e que ELE
queria me conhecer. — Disse que ouviram falar sobre o lançamento do meu
livro e que eu tinha chamado atenção dele.
— Olha só, garotaaaaaa, eu não disse que esse livro seria sucesso?
Nem chegou e já está arrasando, amiga! Namoral, você é barril. — Pietra
ergueu a mão para que eu desse um tapinha, e o fiz. — Olha só, Déa, nossa
amiga vai ficar ainda mais famosa. Daqui a pouco, teremos que marcar
horário para falar com ela.
Rolei os olhos.
— Pare com isso. — Ri, balançando a cabeça em negativa. — E nem
sabemos se isso vai dar certo. Nós ainda vamos conversar.
— Vai dar certo, claro! E você, vai ser nossa amiga famosa, e eu vou
poder dizer pra todo mundo que conheço uma celebridade. Já te quero bem
estilo ex-BBB andando de segurança e tudo. Imagina só, o luxo que vai ser,
eu poder sair por aí dizendo que te conheço e reviso seus livros. Nem vou
mais pisar no chão.
Balancei a cabeça em negativa para minhas amigas.
— É por isso aí que Deus não dá asas à cobra. Imagina você, saindo
de um reality? — Minha amiga deu de ombros, sabendo que eu estava certa.
— Vai ser um encontro de trabalho e só. Falaremos sobre livros e eu vou
impressioná-lo o bastante para que ele perceba que, na próxima edição, não
existe nada que mereça mais destaque do que a literatura nacional. Vai ser
ótimo. Por aqui, pouco se fala nos jornais sobre isso. Música, teatro e TV
sempre acabam ganhando mais destaque. Falar sobre a literatura, em
especial sobre a literatura hot, que é, por vezes, tão discriminada, em uma
coluna com um alcance tão grande, certamente vai abrir portas não apenas
para mim, mas para muitas outras escritoras talentosíssimas e que, também,
merecem falar sobre seus livros.
— Sim. Vai ser incrível. Quer saber? — Pietra perguntou, mas nem
se deu ao trabalho de aguardar a resposta. — Você nem vai precisar de
esforço para convencê-lo que merece todo destaque do mundo.
Sorri, um pouco mais confiante e sabendo que não era apenas por
mim que eu queria aquela oportunidade, mas para ter a chance de falar sobre
nosso trabalho e mostrar ao mundo como ele era importante.
Isso tinha que dar certo.
Capítulo 4

Eu amava Antonella, minha chefe. Mas, em momentos como os de


hoje mais cedo, quando ela ficou ao meu lado fiscalizando cada palavrinha
que eu diria à pseudoautora, lembrei-me como havia circunstâncias em que
eu a detestava.
Precisava mesmo de tudo isso?
Está bem que, certamente, eu não teria sido assim tão educado se a
mulher em questão não estivesse sentada em minha mesa, olhando-me como
se fosse atirar o grampeador em minha testa, caso eu cometesse qualquer
deslize.
Irritado por ter que encontrar a vendedora de sexo amanhã cedo e já
ter que dar início ao meu dia com um aborrecimento, tomei a liberdade de
liberar-me um pouco antes da redação. Antonella podia brigar comigo
depois, se quisesse, mas, já que estava me coagindo a fazer algo que eu
definitivamente não queria, achei justo me dar ao luxo de realizar algo que
eu queria muito, para compensar.
— Pai? — chamei, assim que abri a porta de madeira antiga da sua
casa, a mesma onde morávamos quando minha mãe ainda estava viva e da
qual ele recusava-se a mudar qualquer pequeno detalhe que fosse.
Eu tentei, várias vezes, fazer com que fosse morar comigo.
Preocupava-me o fato de que ele passava bastante tempo sozinho.
Inclusive, foi pensando nele que acabei comprando uma casa maior do que
eu pretendia. Justamente para que ele tivesse conforto e privacidade. Mas, o
homem era turrão, e garantiu que morreria ali, na mesma casa onde viveu a
vida inteira ao lado do amor da sua vida.
Logo, todos os dias, assim que saía do trabalho, e, algumas vezes
antes mesmo de chegar à redação, eu vinha vê-lo.
— Na cozinha — avisou, com a voz grave, porém, não tão forte
quanto anos atrás.
Deixei a sacola transversal de couro que carregava no sofá cinza da
sala posicionado ao lado de um vaso com zamioculca. A planta seguia
mantendo o brilho nas folhas, o que mostrava o quanto meu pai dedicava-se
a cuidar delas, eu, sem dúvidas, a teria matado. As plantas deviam dar um
jeito de se comunicar com seus humanos para lembrá-los de que precisavam
também de sol e água, não é? Afinal, cachorros latiam, gatos miavam e assim
seguia.
Adentrei a casa de paredes amarelo-envelhecidas, mesma cor que,
apesar de detestar, pouco antes de nos deixar e mesmo com todas as minhas
recomendações de que não o fizessem, minha mãe havia pintado juntamente
com meu pai.
Ele costumava falar que algumas tarefas bobas e causais poderiam
fazer com que casais saíssem da rotina e torná-los ainda mais unidos.
Os porta-retratos ainda permaneciam os mesmos.
Imagens dos dois abraçados em seu casamento. Minha mãe com
aquelas mangas escandalosamente bufantes, meu pai usava, na época, um
bigode horrível estilo Sinhozinho Malta, que sempre me fez perguntar o que
uma mulher linda como minha mãe havia visto nele.
Fotos de viagens que fizeram juntos por muitos anos até que, enfim,
depois de anos tentando e ter acreditado que não conseguiria ser mãe nunca,
meus pais conseguiram me conceber, imagens dos meus primeiros passos,
primeiro aniversário, primeiro dia na escola, formatura. Momentos únicos e
que jamais voltariam atrás, emoldurados no corredor mediano que dava
acesso ao resto da casa.
Eu sentia falta dela. Todos os dias. Mas ir ali e encontrar tantas
recordações fazia com que meu coração sangrasse.
Era exatamente como a música dizia “Saudade não tem tradução”.[2]
— Posso saber o que o senhor está fazendo? — perguntei, passando
pela porta da cozinha e sentindo o cheiro típico de massa recém-preparada.
Dobrei as mangas da camisa, parando ao seu lado para ajudá-lo.
— Sabia que viria aqui e quis preparar alguns sonhos.
Olhou-me rapidamente com um sorriso discreto no rosto. A barba e o
bigode estavam grandes o bastante, e se minha mãe ainda estivesse aqui, com
certeza teria feito com que meu pai os raspasse. Os olhos já não tinham
aquele brilho sempre presente quando a esposa estava aqui.
Os bolinhos já enformados em uma assadeira que, agora, ele removia
o pano de prato de cima, separando alguns deles e colocando-os no cesto de
fritura, para levá-los à panela onde o óleo já estava no ponto certo.
— Deixe que eu faço isso. — Antecipei-me, pegando o cesto de suas
mãos, caminhando para o fogão, acendendo a boca onde a panela com o óleo
ficaria.
— Você tira toda a diversão desse velho pai — reclamou, puxando
uma cadeira e sentando, observando-me.
— O senhor já fez toda a parte difícil — garanti, vendo as bolinhas
ganharem cor rapidamente. — Pode passar no açúcar quando eu tirar do fogo
— sugeri.
Meu pai caminhou até os armários pegando uma vasilha de porcelana
cinza, a mesma que mamãe costumava usar. Por alguns segundos, apenas
olhou-a, como se pudesse vê-la sorrindo pela cozinha enquanto o ouvia
contar as histórias dos seus alunos na aula e preparava o seu lanche.
Minha mãe amava cozinhar.
Algumas das minhas melhores memórias com ela eram exatamente
nessa cozinha. Muitas delas, eu ainda nem conseguia alcançar a mesa ou a
pia direito, tendo que recorrer ao uso de cadeiras.
Nós dois tínhamos aventais de tecido que ela mesma costurou. O dela
era branco com algumas palavras escritas. Eu gostava de passar o dedo
pelas letras e imaginar as palavras que formavam. Mais tarde, quando
aprendi a ler, enquanto ela cozinhava, eu soletrava as palavras, sentindo-me
o cara mais esperto do mundo por conseguir lê-las. Em geral, ganhava algum
docinho quando decifrava as palavras, mas, melhor do que isso, era o
sorriso orgulhoso que marcava seu rosto.
O meu avental, o primeiro e que mamãe ainda guardou por muitos
anos e agora estava em uma caixa do meu armário, era cinza, com três bolsos
pretos, onde deixava alguns elementos quando necessários, como colher de
pau. O símbolo do Batman, o primeiro herói de quem gostei, ficava bem
centralizado em meu peito e eu me sentia o próprio. Capaz de tudo.
Soltei um suspiro com a lembrança, ao mesmo tempo em que meu
coração doía, novamente.
Uma coisa que eu havia aprendido durante esses anos, é que a
saudade não nos abandonava nunca e momentos como esses, costumavam me
deixar ainda mais nostálgico.
— Como passou o dia? — quis saber, enquanto meu pai, já de volta à
mesa, rasgava o saco de açúcar jogando uma generosa quantidade na vasilha
e eu começava a jogar os bolinhos no óleo já aquecido.
— Só mais do mesmo. — Deu de ombros.
Contou sobre algumas brigas que aconteceram na vizinhança por
causa do som alto que um dos vizinhos tinha deixado no carro em frente à
sua casa; que a esposa do senhor Osvaldo, um velhinho bem bonzinho da
casa à frente, descobriu que o homem tinha outra família — pelo visto, ele
não era tão bonzinho quanto pensávamos. Reclamou sobre Roseane, a
secretária do lar que havia contratado para manter a casa em ordem duas
vezes na semana. Segundo meu pai, ela sempre fazia as coisas erradas. Mas
a verdade era que, independentemente de como tudo fosse feito, o fato de
não ser mamãe a fazê-las, sempre as tonaria erradas.
Eu aproveitei para falar sobre o trabalho absurdo que Antonella
havia me dado.
— Não acho que seria uma ideia ruim dar um espaço público para a
mulher. — Deu de ombros.
— O senhor, decididamente, não deve estar bem hoje, pai. — Olhei
para o homem com o cenho franzido.
— Ora, se existe quem escreva, certamente existe quem leia.
Balancei a cabeça em negativa.
— Se existem cabeças-ocas que escrevam, infelizmente existem
cabeças de vento para ler essa pornografia.
Meu pai riu, mas não uma risada de quem achou engraçado. Uma
daquelas de quem queria dizer que eu estava errado.
— Você já teve a oportunidade de conhecer uma dessas histórias?
— Mas é claro que não, pai — afirmei, como se não houvesse a
menor lógica no que perguntava. — E, aliás, pretendo continuar assim.
— Sabe o que eu acho? — Cruzou os braços, encarando-me. — Que
nós não devemos julgar algo antes de saber exatamente do que se trata.
— De sexo — garanti. — Eu vi as redes sociais da mulher. Homens
sem camisa e trechos absurdamente... Nem sei como explicar. Além do mais,
os comentários? Um bando de mulher dizendo que queria sentar, ou que
gostaria de estar no lugar da mocinha e daí pra baixo. Com certeza, aquilo
ali é um manual escrito do Kama Sutra. Uma vergonha.
— Bom, esse é o seu sentimento. Mas, se a garota faz sucesso,
certamente, existe quem goste, não é? Afinal, existem escritores e leitores do
Arcadismo, assim como do Realismo e também do Romantismo. Pessoas
diferentes leem coisas diferentes e gostam de coisas diferentes.
— As pessoas deviam ler coisas de qualidade, não isso. — Fiz uma
careta.
Deu de ombros.
— E voltamos à premissa, se você não leu, não pode dizer que não é
de qualidade. — Puxou a cadeira, sentando-se enquanto me assistia tirar do
fogo alguns dos sonhos. — Escrevi um poema hoje, enquanto ouvia Elis
Regina me garantir que até a lua se arriscava no palpite, que o nosso amo
existia, forte ou fraco, alegre ou triste.
— Ela amava essa música — comentei, sorrindo, enquanto levava-os
para que meu pai pudesse finalizá-los, e, em minha mente, ouvindo a voz da
minha mãe cantando Madalena enquanto papai secava a louça que ela tinha
acabado de lavar. — Gostaria de ler. O que o senhor escreveu para ela.
Meu pai apenas balançou a cabeça em negativa.
— Não enquanto não estiverem boas o suficiente.
Suspirei, um pouco frustrado. Não conhecia ninguém que escrevia e
acreditava que seu texto estava bom o bastante. Exatamente por isso era
importante ter alguém que o lesse para apontar falhas e opinar. Nós sempre
seremos eternos inseguros sobre o que escrevemos.
Meu pai era professor de História, mas um escritor nato.
Desde pequeno, tinha um enorme amor pelos livros, pelas palavras.
Minha mãe contava, orgulhosamente, sobre como papai sempre deixava
bilhetes com poemas escritos à mão e especialmente para ela. Foi assim,
escrevendo palavras bonitas para ela, que ele a conquistou. Naquela época,
a diferença de idade não era uma coisa tão absurda. Meu pai era mais velho
quando começou a namorar a garota que, anos antes, havia sido sua aluna.
Mamãe os guardava, todos eles. Ela dizia que papai devia juntá-los e
publicar em uma editora, mas ele nunca quis. Sempre disse que aquelas
palavras eram para ela.
Depois de sua morte repentina, escrever, para ele, tornou-se mais
difícil. Minha mãe era a única pessoa a quem ele confiava ser a primeira a
ler seus escritos. Em seguida, lia para mim. A opinião da minha mãe era,
sem dúvida, a que ele mais almejava. Como se fosse um norte. Sem ela, era
como se ele não conseguisse ter certeza de que conseguia escrever.
— Quando o senhor quiser, pai — garanti, ainda que incomodado,
afinal, escrever era a minha profissão e, claro, houve muito da sua influência
quanto à minha escolha.
Papai gostava de fazer charadas para que eu respondesse, e isso
instigava muito a minha imaginação. Resolver os pequenos mistérios que
criava, acabou levando-me a ir bem nas matérias como português e produção
de texto. Em um dos projetos na escola onde estudei, fiquei responsável por
escrever uma matéria sobre como a falta de investimento do governo nos
esportes era prejudicial para a população, percebi que ser jornalista, apurar
fatos e ajudar a população a ver coisas que, habitualmente, não enxergava,
era, decididamente, o que eu queria fazer da vida.
E, depois de anos, a essa altura do campeonato, ele já devia confiar
em mim o suficiente para mostrar-me seus escritos em primeira mão.
Comecei a tirar da fritadeira os últimos sonhos. E, enquanto limpava
a bagunça que havia feito com o óleo que, agora, estava em todas as partes
da cozinha, meu pai terminava de passá-los no açúcar e, assim que nossas
tarefas foram concluídas, fomos para a sala lanchar juntos, assistindo a
Casablanca, um dos seus filmes favoritos e, segundo mamãe, o filme que
assistiam quando meu pai a beijou pela primeira vez.
Enquanto assistíamos, ele contava, mais uma vez, que o filme foi
roteirizado ao longo das filmagens e que, apesar da enorme desconfiança que
surgiu no meio cinematográfico por conta disso, acabou tornando-se um
grande sucesso.
Por mais que eu já o tivesse ouvido falar sobre aquilo milhares de
vezes, não me cansava, nunca. Eu sabia que, um dia, ele não estaria mais ali
para contar-me velhas e repetidas histórias, então eu, atentamente, ouvia-as,
ainda que várias e várias vezes.
Quando bocejou, despedi-me dele, caminhando para casa, pensando
em como seria viver em um mundo em que meu pai não estaria mais
presente. E, sinceramente, eu não conseguia imaginar tal coisa.

Já estava cansado quando abri a porta de casa.


Loki, como sempre, esperava-me na porta com o rabo abanando, feliz
com a minha chegada. Latiu, pulando sobre mim, apoiando as patas
dianteiras em meus ombros, mantendo as traseiras no chão e lambeu meu
rosto com animação.
— Quem é o meu garoto lindo? — perguntei, passando as mãos
carinhosamente por sua cabeça. — É você, meu garotão. Você mesmo.
Loki voltou a ficar de quatro, e agitou-se, esperando que eu brincasse
com ele, sumindo das minhas vistas logo em seguida. Pus minha sacola no
sofá, onde apoiei-me e, usando o pé direito tirei o tênis esquerdo, invertendo
o processo para conseguir ficar descalço.
Meu cão retornou trazendo consigo uma bola na boca. Joguei em
direção ao corredor, para onde eu ia também.
Precisava de um banho, roupas limpas, e um pouco de descanso seria
bom, entretanto, pelo visto, Loki hoje estava animado demais e eu não podia
negar a ele um pouco de atenção, já que passava a maior parte do dia
sozinho.
Peguei a toalha, jogando-me no chuveiro em seguida. Deixei que a
água quente pinicasse minha pele pelo máximo de tempo possível até que, de
fato, incomodasse. Não me importei em tomar o melhor dos banhos, já que
eu aproveitaria para dar uma corrida com meu cachorro. Os dálmatas tinham
bastante energia e, em geral, eram sociáveis. Mas precisavam de, pelo
menos, três passeios diários. Deixá-los muito tempo sozinhos, podia gerar
neles ansiedade além de lhes dar munição necessária para a destruição da
casa.
Saí do banheiro com a toalha enrolada na cintura, vesti um short
folgado, prendi meu iPod à braçadeira, pus os fones prendendo a guia nele, e
seguimos, tranquilamente, rumo à orla.
A praça na rua onde morava estava cheia de crianças que passeavam
com as babás já impacientes, desejando suas próprias casas. Saímos da rua
onde moramos no Morro do Cristo, e, embora eu passasse por lá todos os
dias, sempre parava para admirar como o céu azul encontrava-se com o azul
do mar sob a benção do nosso próprio Cristo particular.
Corremos por toda a Avenida Oceânica até chegarmos à Barra que,
ao final da tarde, costumava ficar cheia tanto pelas pessoas que esperavam
para ver o pôr do sol e aplaudi-lo, quanto por quem, como eu, aproveitava o
momento para realizar alguma atividade física.
O sol já tinha caído quando Como nossos pais foi interrompido pelo
toque do meu celular. Diminuí o ritmo dos passos e com a respiração
entrecortada por conta da corrida, peguei o aparelho do meu bolso. Era uma
mensagem de Diana, uma das minhas trepadas ocasionais, dizendo que
estava livre, se eu queria companhia.
E, bem, realizar atividade física nunca era demais. Aliás, a atividade
que praticaríamos juntos, melhorava a circulação sanguínea, reduzia a
pressão arterial, combatia o estresse, e, o melhor de tudo, prevenia o câncer
de próstata. Logo, eu me sentia incapaz de recusar aquele convite sabendo
que podia prejudicar o meu amigo.
— É, amigão, parece que nosso passeio vai acabar aqui. Mas o papai
promete compensar depois, ok? — Passei a mão por seus pelos curtos e ele
latiu, como se concordasse que dizer não àquele convite era impossível. —
Bom garoto — falei, alisando novamente seu pelo e começando nosso
caminho de volta.

Diana não demorou a chegar à minha casa depois que eu enviei a


localização. Da primeira vez tínhamos transado na casa dela, mas hoje,
apesar da fome, eu não estava com disposição de ir atrás do lanchinho.
Ela carregava nos lábios um sorriso safado e, assim que fechei o
portão principal, jogou seu corpo contra o meu, colando nossas bocas.
O beijo era faminto e cheio de desejo.
Do jeito que eu gostava, sinônimo de sexo, sexo e sexo.
Aparentemente, não poderia ter pedido nada melhor para a noite.
— Eu estava mesmo precisando de você, Valentim — sussurrou em
meu ouvido, mordiscando-o, e, sem pudor algum, desceu as mãos por minha
barriga, enfiando-a dentro do meu short onde meu pau já estava animado.
Achei que seria indelicado da minha parte dizer que eu estava
precisando mesmo era de um bom sexo. Já estava há dois dias sem comer
ninguém. Então, a companhia, em si, não ia fazer diferença, desde que não
tivesse um pau entre as pernas.
Gemi quando suas mãos o rodearam e a mulher fez movimentos de
vaivém. Apertei minhas mãos em sua cintura, soltando um suspiro alto.
Sim, ela estava animada.
— Sem perder tempo, vamos direto à ação. Quero que você me faça
gozar — pediu.
— Seu pedido, baby, é uma ordem.
Sem perder tempo, acabamos na sala, sentados no sofá.
Suas pernas ficaram uma de cada lado do meu corpo, enquanto nos
beijávamos até que ficamos sem ar.
Apertei os seus seios, ainda sobre o tecido da blusa, ouvindo-a soltar
um gemido de prazer. Os bicos intumescidos mostravam que não usava sutiã.
Os seios eram grandes, e, só de lembrar as sensações de ter meu pau
entre os enormes seios, meu amigo latejava contra seu corpo, ainda vestido,
em meu colo.
Deu uma pequena rebolada, fazendo-me gemer e pressioná-la ainda
sobre mim.
Esfreguei meu rosto contra o seu pescoço, mordiscando, chupando
enquanto suas mãos quentes encontraram um caminho por de baixo da minha
camisa, e ela afundava as unhas contra minha carne. Minhas mãos
percorriam seu corpo lentamente e arfou quando meus dedos encontraram a
abertura no meio de suas pernas, inicialmente brincando, torturando,
massageando. Mordeu meu ombro quando, sem nenhum aviso prévio, dois
dedos encontraram sua boceta, completamente encharcada, fazendo-a rebolar
em meus dedos.
Sua respiração rápida e entrecortada, apenas fazia aumentar o desejo
de estar dentro dela, ouvindo-a gemer e rebolar em meu pau.
— Não pare — pediu, quando comecei a retirar os dedos, já que meu
amigo, lá embaixo, não cansava de deixar claro que também queria
participar da brincadeira.
Recomecei, passando a introduzi-los mais fundo. Mais rápido. Mais
devagar. Ela arfava, pedindo que continuasse.
Meus dedos foram tomados pela sensação quente do seu gozo.
— Era isso parte do que eu precisava — falou, encostando a cabeça
em meu ombro. Respirava pela boca, ruidosamente.
— Parte — perguntei?
— Sim. — Ergueu a cabeça, sorrindo para mim. — Ainda temos a
noite toda para que eu possa gastar minhas energias na outra parte.
E foi exatamente o que fizemos.
Transar a noite toda como um louco, pelo menos, me deixaria com
um humor melhor para enfrentar o caótico e infernal de amanhã com a
profana vendedora de sexo.
Capítulo 5

Olhava-me através da janela do carro assim que desci. Abri o


aplicativo para dar cinco estrelas ao motorista. Era simpático, conversador e
divertido. Contou que estava trabalhando como Uber, além do trabalho que
já possuía, para ajudar a pagar a faculdade da filha que estudava para ser
psicóloga. Simpatizei-me com o homem.
Levei alguns segundos encarando-me, enquanto tentava decidir se a
roupa que havia escolhido passava uma imagem de profissional séria, mas
ao mesmo tempo descolada, jovial e merecedora de ser destaque.
Era uma grande oportunidade, eu sabia disso. Infelizmente, o meu
estômago também. Se eu tinha crises de dor de barriga antes dos
lançamentos, imagina só como meu sistema digestivo estava reagindo
faltando poucas horas para o encontro com o jornalista que eu tanto
admirava?
Minha cama, nesse momento, era um emaranhado de todas as peças
que havia experimentado. Calça jeans, camisa de manga, blusa de alça,
cropped, saia longa, midi, salto alto, sandália de couro, para, no fim das
contas, acabar usando um vestido longo, sandália rasteira, meu cabelo solto
e, como ainda era dia, maquiagem natural. Escolhi uma bolsa pequena de
tiras finas pondo a alça em meu ombro.
Pensando bem, vestido era uma péssima ideia, casual demais e pouco
profissional... Será que dava tempo de voltar em casa e mudar a roupa?
Apertei o botão na lateral do meu aparelho, observando a tela
acender. Não, eu estava muito em cima da hora. Voltar não era uma opção.
Pus a unha do indicador na boca, mordiscando um pouco. Parei. O
esmalte ia sair. Oh, disgrama. Olhei para o dedo tentando garantir que minha
imagem ainda estava bonitinha. Tudo ok na Bahia.
Mandei uma selfie no nosso grupo e, mais uma vez, as meninas
garantiram-me que eu estava um arraso. De acordo com elas, Valentim me
daria todo destaque do mundo assim que me visse entrando no lugar onde
tínhamos combinado.
Como ele queria me encontrar para um café da manhã, sugeri a Casa
Castanho. O lugar era rústico, tranquilo e muito bonito. Ficava pertinho do
Cien Fuegos, meu restaurante mexicano preferido. Por fora o lugar não
parecia grande coisa, era uma casa antiga de fachada cinza com três grandes
janelas de madeira e vasos de plantas em suas beiradas. O nome ficava
preso em um suporte, no alto, formato circular, oco por dentro e com as
mesmas plantas que estavam nos beirais das janelas.
Passei pelo corredor principal, que dava acesso à sala. Ao passar
pela porta de vidro com o nome do lugar, em que a parte interior era
climatizada e contava com dois andares, dei de cara com uma parede rústica
de tijolo onde estava também instalada uma escada de madeira e corrimão
pretos que dava acesso ao segundo andar.
Na parte inferior, ao centro do espaço, uma mesa de madeira,
possivelmente, pensada para famílias e grandes grupos, ainda estava vazia.
Lustres rústicos abrigavam as lâmpadas Thomas Edison[3], estilo retrô, em
formatos diferentes. Havia também, em um dos cantos, uma mesa projetada
especialmente para o sofá pequeno e em formato de L que estava na quina
entre duas paredes.
Era lá que ia sentar, quando meu celular vibrou. Valentim havia
enviado uma mensagem de texto informando que estava no segundo andar.
Subi as escadas, erguendo um pouco o vestido para evitar que pisasse em
sua barra e acabasse me estabacando no chão.
Graças a Deus eu fiz isso, porque, puta merda!
Eu seguia o Valentim em suas redes sociais e costumava babar em
suas fotos, sabia que as pessoas em geral tinham tendência a serem mais
bonitas pessoalmente, mas, minha nossa senhora dos homens
deliciosamente maravilhosos, e que a forma só foi utilizada uma única vez,
para o desespero geral das solteiras.
Serve de avatar, hein?
Será que ele toparia posar sem camisa e aparecer na capa de um dos
meus livros? Eu, certamente, lamberia meu Kindle todas as vezes que o
abrisse.
Sorri, vendo-o levantar e tentando não parecer uma idiota afetada
pela beleza inegável do homem. Os olhos esverdeados, mas que em alguns
momentos poderiam parecer castanhos claríssimos, combinavam com o rosto
bem-desenhado e queixo fino. Barba por fazer, orelhas pequenas, nariz
proporcional ao rostinho lindo que Deus havia desenhado, à beira do mar,
para aquele homem.
— Bom dia. — Ergueu a mão em minha direção assim que o alcancei
na mesa que já havia escolhido para nós.
— É um enorme prazer estar aqui e, finalmente, conhecê-lo
pessoalmente, senhor Fernandes.
— Só Valentim — corrigiu, apontando a cadeira para que eu me
sentasse, fazendo o mesmo, logo depois de mim.
— Eu não quero parecer uma dessas surtadas, sabe, mas eu gosto
muito de receber feedback nos meus livros e estou aqui torcendo para que o
senhor... — ele ergueu a sobrancelha — ...você, para que você goste
também. Eu simplesmente amo a sua coluna. O acompanho há anos e tenho
que dizer, antes mesmo que as redes sociais se tornassem uma febre, você já
era um grande influenciador. Muitas das viagens que destacou estão na minha
lista de coisas a fazer antes de morrer.
— Fico feliz em ser útil, então — falou, sendo, em seguida,
interrompido por uma das garçonetes que vieram ver se já tínhamos decidido
o que queríamos pedir.
Ele escolheu tostada de abacate, enquanto eu preferi os waffles.
— Que dividir uma jarra de suco? — perguntou, analisando o
cardápio.
— Laranja? — perguntei. — Tenho alergia a abacaxi.
— Por mim, tudo bem. — Deu de ombros, enquanto a garçonete que
só faltava babar no homem anotava, mas ele pareceu nem notar.
Assim que a mulher nos deixou, falamos amenidades, enquanto, meu
coração parecia querer saltar de tanta ansiedade no peito. A cada vez que
ele abria a boca, pensava que começaríamos a falar sobre o que realmente
havia me trazido até aqui, porém, a cada nova palavra, nada. Meu coração só
tinha que continuar a bater até que chegássemos, enfim, ao final da conversa.
Falamos sobre o tempo que havia mudado bastante, do sol
escaldante, a chuva torrencial, e agora de volta ao sol, embora ainda tímido.
Sobre como a comida, que a garçonete havia deixado em nossa mesa
instantes antes, cheirava bem, e depois, sobre como estava, de fato,
apetitosa, como pudemos comprovar depois das primeiras garfadas. Já
tínhamos terminado quando ficamos em silêncio por alguns instantes.
— Bom, Talita, vamos então ao assunto que nos trouxe aqui, tudo
bem? — falou, repentinamente. Assenti, com o sangue congelando em minhas
veias, por, enfim, começarmos a falar sobre o que me interessava. — Minha
chefe e eu falamos sobre você. Foi ela quem me indicou seu trabalho e pediu
que eu averiguasse se você, realmente, merecia destaque. É por isso que
estamos aqui hoje. — Assenti. — Eu queria te conhecer, saber da sua
história, começo com a literatura... Então, vou fazer algumas perguntas. Não
precisa ficar nervosa, é só um papo entre amigos.
Usou um tom diferente na última palavra, e não sabia por qual
motivo, desgostei completamente daquela ênfase. Mas assenti, novamente.
— Se importa se eu gravar? — Balançou o aparelho celular em
minha direção. — Acho que minha chefe vai gostar de ouvir, e, caso a
matéria realmente for publicada, vai me ajudar a não deixar nada de fora.
— Tudo bem — aquiesci.
— Gostaria de saber primeiramente, como se deu o seu contato com
a literatura. — Deu de ombros, mudando a postura um pouco. — Crendo, é
claro, que antes de ter começado a escrever, você já tivesse o costume de
ler.
— Sim, claro.
Sorri, vendo-o tomar um gole do seu suco e virar o aparelho celular
em minha direção para que captasse bem a minha voz. O lugar estava vazio o
suficiente para que não tivesse dificuldade em gravar.
Além de nós, um casal com pequena menina, possivelmente filha
deles, também estavam lá, no andar de baixo e ocupavam a maior mesa; e um
grupo de três garotas, estilo blogueiras, acabavam de passar pela porta.
— Minha mãe sempre lia para mim e meu irmão, Nicholas, quando
éramos crianças, antes de dormir. — Sorri. — Ela chegava muito tarde do
trabalho, cansada, mas ainda assim, sempre tirou um tempo para nós.
— Isso é bom — falou, com um sorriso de lado. — Faz muita
diferença na vida das crianças.
Assenti, ainda sem falar nada.
— E o que costumavam ler, algo especial?
— Um pouco de tudo — contei com um enorme sorriso, lembrando-
me dos momentos de nossa infância. — Minha mãe gostava de acreditar que
a prática da leitura nos tornaria criativos. Eu gostava, particularmente, do
Sítio do Pica Pau Amarelo. Fingia que era a Emília porque gostava de falar
muito e Nick queria ser o Pedrinho porque gostava de aventuras.
Os olhos do homem sentado à minha frente eram intensos e curiosos,
não deixavam dúvidas de que era do tipo que nasceu para a profissão. Atento
a tudo, observava o que acontecia ao seu redor, olhando para os lados como
se não quisesse perder nada do que se passava.
— Lobato. Um clássico — pareceu admirado. — E à medida que foi
crescendo, o que mais costumava ler?
— De tudo um pouco. Minha mãe sempre tinha um livro nas mãos, e
eu acabava os roubando quando ela não via. Na adolescência, os livros de
banca, em especial — confessei, dando um gole em minha bebida em
seguida. — Mas eu li muito José de Alencar, Machado de Assis, Jorge
Amado, Zélia Gattai. Até bula de remédio, quando estava entediada.
— E quando notou que possuía talento para, além da leitura, a
escrita?
Contei-lhe brevemente sobre minha história com os livros, como
descobri as plataformas digitais, as amizades e incentivos que tive para dar
início às minhas próprias histórias, depois como as coisas foram andando
normalmente. Ele assentia, aos poucos, à medida que ia ouvindo.
— Eu tenho uma curiosidade — falou, inclinando o corpo para
frente, mostrando que, de fato, estava interessado. — Pude perceber que,
dentro todos os gêneros, você tem uma preferência por romances. —
Assenti, concordando. — Mas me pergunto, tendo tantas vertentes, romance,
suspense, terror, comédia, poemas, poesias, qual motivo a levou a escolher
escrever sobre sexo?
A forma como ergueu a sobrancelha, deixou claro que ele era uma
das muitas pessoas que não gostavam dos livros hot. Já estava acostumada
com aquilo. Ele não seria o primeiro, tampouco, infelizmente, o último.
Mas, ainda assim, a pergunta me incomodou. Valentim era um homem
viajado, divertido e que conhecia muitas pessoas e culturas. Não esperava
mesmo ouvir aquele tom de deboche.
Inspirei fundo, antes de explicar:
— A questão não é escrever sobre sexo — comecei. — Eu conto
histórias de pessoas que poderiam ser reais. De situações que podem
acontecer em nosso dia a dia. Seus conflitos, alegrias, tristezas, superações,
aprendizados. É como a vida. — Passei as mãos pelo cabelo, começando a
fazer um coque, mas desistindo em seguida. — Pessoas reais, além de passar
por problemas muitas vezes como os descritos nos livros, fazem sexo. Você
não acha?
— Sim, eu acho. — Riu, encostando o corpo na cadeira. — Eu sou a
favor do sexo, mas exatamente onde ele deve acontecer. Não narrado em
forma de X-vídeos literário. Sexo entre duas pessoas e de forma privada,
como deve ser.
— E, claro, papai e mamãe também. — Foi a minha vez de erguer a
sobrancelha. — Talvez a sua visão sobre sexo seja bastante... — fiz uma
pequena pausa como se buscasse palavras — ...limitada, por assim dizer.
— A questão aqui, é que os livros hot são um desserviço, em
especial, para mulheres.
— Desculpe, como? — Franzi o cenho em sua direção, incapaz de
acreditar que estava ouvindo aquelas palavras de alguém que eu costumava
admirar tanto.
— Ler essas coisas que vocês escrevem, esse pornô literário...
— Pornô literário? — interrompi, falando alto demais, em seguida
olhando ao nosso redor para ter certeza de que a garotinha lá embaixo não
tinha ouvido.
— Sim — confirmou, acenando com a cabeça. — Pornô literário —
repetiu, desafiador.
— Para quem, claramente, possui preconceitos literários, você
parece muito bem inteirado no assunto.
— Depois que Antonella descobriu você, dei uma olhada nos livros
mais vendidos na plataforma em que costuma publicar suas histórias e fiquei
assustado com a quantidade de degradação moral entre eles.
Eu não tinha um espelho, mas não era necessário tê-lo para saber que
a minha expressão havia mudado completamente.
Sabe quando você é uma criança que é levada ao parque de
diversões e lá, além de ganhar um sorvete, tem a chance de sentar no balanço
e, no ápice de sua felicidade, é empurrada pelo valentão do parque, que
derruba seu doce e ainda faz com que um enorme machucado no seu joelho?
Era como eu estava me sentindo.
Porém não era o joelho que doía, mas o meu coração.
Admirava o Valentim. Era um jornalista, de fato, brilhante. E saber
que um homem esclarecido como ele era apenas mais um dos muitos
preconceituosos com que eu já tinha esbarrado por aí, me fez sentir raiva.
— Você sabia que o Brasil está entre os países que menos leem no
mundo?
— E claro que, levando em conta o tipo de livros que são
apresentados à população, fica cada vez mais óbvio os motivos. — Ergueu a
mão direita, movendo-a de forma a deixar claro que eu era um desses
motivos. Filho da puta! — Se as pessoas lessem histórias como as de José
de Alencar, Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, uma literatura consagrada
e que realmente tem algo a agregar, com certeza, o nível não apenas de livros
lidos ao ano, como de pensamento crítico e a cultura neste país seriam
infinitamente maiores.
— Com todo o respeito que tenho aos autores que foram os pioneiros
neste país, e que, de fato, possuem histórias que estão entre as minhas
preferidas, tenho que lhe dizer que não — interrompi, com menos paciência
do que gostaria. — Na verdade, esse tipo de livro, como você disse, tem
feito com que os brasileiros retomem a leitura, aumentando assim a
quantidade de leitores e livros lidos por ano. E não é pelo erotismo, como
você pode pensar, mas, muito mais do que isso. São histórias com conteúdo
e que informam ao leitor e, sim, os levam à reflexão, sobre os mais variados
temas.
— Sim, as melhores posições do Kama Sutra, eu imagino. — Deu
uma risada cínica, e eu quis matá-lo. — Essas histórias, são sim, um
desserviço às mulheres. Faz com que elas se sintam cada vez mais
insatisfeitas com suas próprias vidas além de não trazer nenhuma reflexão
sobre assuntos importantes para a sociedade.
— Desculpe, mas se as mulheres com quem você transa se sentem
insatisfeitas com a sua performance, recomendo que leia um pouco. Talvez
assim, você possa aprender alguma coisa com o desserviço que prestamos
— falei, irritada, pegando minha bolsa e pronta para levantar.
Valentim riu, soltando um som engraçado.
— Os livros são produtos intelectuais para expressar conhecimento,
alguns foram feitos para contar histórias de amor, superação, crítica social
— argumentou. — Com classe, elegância. Os jovens de hoje deviam se
preocupar com isso. Cultura. Transar, eles já sabem demais.
— Eu parto de um princípio diferente. Muita gente diz por aí que não
gosta de ler sem nem ao menos ter aberto um livro na vida. Você não sabe o
duro que nós damos, realizando pesquisas para trazer aos leitores
informações verídicas sobre os mais variados assuntos e ainda sermos
julgados por algumas cenas em que o casal faz tudo aquilo que, com certeza,
os casais da vida real fazem. — Parei por um segundo, para puxar o ar que
já faltava em meus pulmões. — A não ser, é claro, que você ainda acredite
na história que devem ter te contado sobre os bebês virem das cegonhas, aí,
neste caso, lamento te desiludir.
— Sou bem grandinho para saber como os bebês são feitos —
garantiu, deixando as palmas abertas viradas em minha direção,
possivelmente se divertindo.
Aproveitei a breve pausa para dar um gole no suco. Minha garganta
estranhamente estava seca, devolvendo-o à mesa em seguida com tanta raiva
que pensei que o copo se partiria em alguns pedaços.
— Ótimo! Então, se uma pessoa que não gosta de ler, passa a ter esse
hábito graças a um livro que tem uma ou duas cenas de sexo, foda-se. Vence
a literatura. Vence uma pessoa que está adquirindo conhecimento, diversão,
entretenimento depois de oito horas trabalhando, mais duas horas no trânsito,
isso sem contar o duro em casa. Lavar, passar, fazer almoço, janta... —
Parei, completamente irritada e ciente de que as pessoas estavam olhando
para nós dois. — Sabe de uma coisa, Valentim — levantei-me, ele, com um
sorriso no rosto, fez o mesmo —, eu vim aqui hoje, disposta a impressioná-
lo. Queria fazer o melhor para que merecesse destaque. Mas, sinceramente,
você e seu preconceito fizeram com que perdesse o meu respeito e
admiração. — Dei um passo, mas parei, sentindo meu corpo fervilhar de
raiva. — E só mais uma coisa — peguei, na mesa, meu copo de suco ainda
quase cheio, jogando-o em sua cabeça —, isso é para você deixar de ser um
cretino.
Feito isso, virei às costas saindo do ambiente.
Desci as escadas completamente irritada com aquele jornalista de
mequetrefe. Quem ele achava que era para falar comigo daquele jeito?
Injuriada, desci as escadas ouvindo o protesto do homem. Eu
conseguia sentir o olhar das pessoas sobre mim, o que me deixou um pouco
constrangida. Odiava fazer cena em público.
— Mamãe, como os bebês são feitos? — a garotinha que estava com
a família, perguntou.
Senti pena da mãe por alguns segundos.
Tudo culpa daquele canalha.
Paguei minha conta, deixando o troco para lá e saí já pegando meu
celular para deixar de segui-lo, esperando, nunca mais vê-lo em minha vida.
Capítulo 6

Eu gosto das mulheres.


De uma forma bem ampla e geral.
Gostava das que eu comia e das que não comia também.
Das altas, das baixas, das magras, das gordinhas, de olhos claros,
escuros, negras, loiras, morenas, ruivas.
Todas.
Cada uma delas.
Com apenas uma exceção:
Talita Gomes.
A mulher que descia, enfurecida, as escadas para ir embora, era até
bonitinha. Corrompida, é verdade, mas bonitinha.
A cintura fina era bem destacada pelo vestido esvoaçante que usava.
O cabelo solto combinava perfeitamente com a pele clara, talvez precisando
de um pouco de sol. Viver com a cara na tela de um computador devia fazer
isso com as pessoas.
Minha intenção era chegar lá, desmoralizá-la e ir embora, entretanto,
quando ela sorriu pela primeira vez, meu amigo lá embaixo reagiu e, se ela
fosse qualquer outra pessoa, a levaria para o banheiro e ia foder aquela
gracinha com todo o meu empenho. Enfim, eu não poderia simplesmente ir
embora com a barraca armada, então enrolei o máximo possível.
O rosto dela era muito bonito também.
Os olhos escuros, sobrancelhas grossas, lábios levemente rosados e
aquele sorriso filho da puta que deixava meu pau cada vez mais duro.
Até começarmos a falar sobre o solo sagrado literário e dizer que
não havia problema em maculá-lo com pornografia.
Decididamente, ela não merecia um segundo de destaque em minha
coluna e Antonella, sem dúvidas, ia concordar comigo assim que me visse
com a camisa manchada de laranja e a minha calça tão molhada na frente que
parecia que eu havia feito xixi.
Assim que ela foi embora, feito louca, eu segui o seu exemplo, já
pensando em todas as coisas que diria à Antonella.
Se minha chefe não ficasse do meu lado e decidisse apoiar aquela
doida derramadora de suco, eu realmente precisaria rever meus conceitos
sobre as pessoas que podiam palpitar sobre meu trabalho. O que ela faria
depois? Ia me enviar para alguém capaz de enfiar uma bala em meu peito?
Definitivamente, suco era o limite.
A porta do elevador abriu no meu andar.
— Ei, cara, o que houve? — Mathias, que trabalhava na seção de
política, ia entrar, mas desistiu ao me ver e resolveu que sair atrás de mim
era mais interessante.
Mathias e eu tínhamos nos tornado amigos três anos atrás, quando ele
chegou aqui. Um dos caras mais inteligentes do prédio, e, com o tempo,
tornou-se um irmão para mim.
— Uma doida jogou suco em mim. — Parei, apontando para meu
corpo. E voltando a caminhar despreocupadamente até minha mesa, mesmo
com todos me olhando estranhamente. — Antonella vai ter que me dar
crédito desta vez. Pus minha vida em risco só porque ela queria dar destaque
a uma pessoa que não merecia. — Joguei minhas coisas no chão, ao lado da
cadeira da minha mesa. — Mas, felizmente, já resolvi isso.
— A vida em risco? — Riu. — No máximo, tá parecendo uma
criança que não sabe comer ainda sem fazer bagunça. — Parou à minha
frente analisando-me. — Na verdade, é exatamente isso que você é, uma
criança grande fazendo bagunça.
Ri.
— Eu podia ficar aqui e te mostrar quem é a criança, mas preciso me
vangloriar com a manda-chuva. — Bati com a mão no peito de Mathias.
— Vai lá, mas eu duvido que ela pense muito diferente de mim.
Segui para o quartel general da minha chefe. Dei duas batidas na
porta, tentando conter o sorriso vitorioso no rosto e, mesmo sem sua
resposta, abri a porta, entrando.
— Você não pode dizer que eu não tentei — falei, adentrando a sala e
fechando a porta em seguida.
Ela bufou com os olhos vidrados na tela do computador e o fone nos
ouvidos. Antonella era o tipo de mulher que lia e escrevia ouvindo música, o
que não fazia o menor sentido para mim. Mas é como dizem, se as mulheres
podem fazer tudo o que nós, homens, fazemos usando salto alto, como não
conseguiriam manter a concentração nas palavras ouvindo música, não é?
— Você tentou. — Riu de forma irônica, finalmente olhando em
minha direção. A cara não estava boa, e, sinceramente, a menos que aquela
escritorazinha tenha ligado para minha chefe antes, seria impossível que ela
soubesse o que aconteceu. — A única coisa que você, certamente, tentou
fazer hoje pela manhã, foi destruir com a sua carreira e ferrar ainda mais o
meu jornal, seu idiota.
Apoiou as mãos espalmadas na mesa, erguendo o corpo,
repentinamente assumindo uma postura assustadora.
— Que porra é essa que você tá falando? — Franzi o rosto,
assustado com sua reação. — Eu vim aqui te dizer que eu tentei, fiz minha
parte, encontrei com aquela mulher, e olha só o resultado. — Apontei em
minha direção.
— Eu sei. — Riu sem humor, balançando a cabeça em negativa.
— Ela já ligou para fazer fofoca? Que coisa feia — semicerrei os
olhos na direção da minha chefe —, achei que a mulher fosse um pouco mais
adulta, depois de todo aquele papo sobre saber de onde vem os bebês.
— Antes ela tivesse me ligado, mas não, Valentim. Não foi ela quem
me contou. — Virou a tela do notebook em minha direção, mostrando
exatamente a cena em que ela derramava o suco em minha cabeça e me
chamava de cretino. — A merda dessa cena viralizou. Está em todos os
lugares e o mundo inteiro está se perguntando que caralho você falou pra
ela.
P U T A Q U E P A R I U.
— Não falei nada de mais, juro.
— Ah, claro. — Revirou os olhos, voltando o computador para ela.
— Você, com certeza, foi um completo cavalheiro e não ofendeu a garota
nem um pouco.
— Com certeza, cavalheiro total. — Passei as mãos, nervoso, pelo
cabelo grudento. — Talvez tenha feito uma crítica ou duas ao estilo literário
dela, mas, se ela não pode aguentar uma opinião sincera, deveria trabalhar
com outra coisa... lidar com público, tem dessas.
Dei de ombros, vendo-a soltar o ar com força.
— Você é um idiota, Valentim. Graduação, mestrado, doutorado, mas,
claro, eu sou uma burra que ainda acreditou em você — apontou o indicador
em minha direção —, em achar que seria profissional o bastante para fazer a
merda do seu trabalho.
— Mas eu fiz o meu...
— Você... — parou, respirando fundo — ...eu fui processada
recentemente. E eu não hesitei nem um segundo antes de mandar aquele
canalha do Antônio pro inferno.
— Opa, são casos absurdamente diferentes, você não pode mesmo
estar me comparando com ele — apontei, dando um passo para frente, sem
acreditar no que estava ouvindo.
— Se o que você disse a ela puder configurar assédio, de qualquer
tipo, eu juro por Deus, que te demitir vai ser fichinha. Eu farei com que não
consiga arrumar trabalho em nenhum botequim de fim de feira.
— Não configura, juro.
A mulher assentiu, em silêncio.
Parecendo pensar um pouco, sentou. Eu fiz o mesmo.
— O que você acha que pode acontecer — passou a mão no rosto,
parecendo repentinamente cansada — se essa mulher fizer alguma
declaração em suas redes sociais, você acha que te prejudicaria de alguma
forma?
Pensei sobre isso por alguns instantes.
— Eu dei a minha opinião — falei, depois de repassar a conversa em
minha cabeça. — Ela pode não concordar comigo, muitas pessoas podem
não concordar, mas não acredito, realmente, que isso possa, de alguma forma
trazer prejuízo a mim, ou ao jornal. E, de qualquer forma, liberdade de
expressão ainda é fundamental, não acha?
Antonella pressionou a ponte de nariz com o indicador e polegar,
com os olhos fechados, como se ponderasse.
— Eu não acho nada, Valentim. Tenho certeza de uma coisa. — Abriu
os olhos, me encarando. — Estou cansada, trabalho no ramo há anos e não
vou deixar que vocês, jovens estúpidos que se acham melhores que o resto
do mundo, estraguem o que eu lutei anos para conquistar.
— Olha só — cheguei meu corpo mais para frente na cadeira —, eu
juro que isso não vai se repetir.
— Não basta — olhou para a tela do computador, como se visse o
vídeo mais uma vez —, o que você vai fazer é procurar essa mulher, se
desculpar, e garantir a coluna com ela.
— Ah, não. — Neguei com a cabeça dando ênfase às palavras. —
Não mesmo. Não vou fazer isso.
— Vai, sim. — Suspirou. — Vai, ou terá que procurar outro jornal e
outra coisa que goste tanto assim para escrever, porque essa coluna que você
assina é minha.
— Não, eu não vou — falei, firme.
— Você tem duas opções, Valentim: escrever a porra dessa coluna e,
pra variar, fazer algo que mandam, ou pode arrumar as suas coisas e sair do
meu prédio.
— Você não pode estar falando sério, né? Isso — apontei para o
computador — é uma bobagem.
— Isso pode se transformar em uma bomba — garantiu. — Pense na
coluna como uma chance de você abrir essa cabeça jovem e tão dura para
algo novo. Tenho certeza de que, no fim, você vai me agradecer.
Apontou com o rosto para a porta indicando que a conversa havia
chegado ao fim.
Maldita escritora de pornô.

Estava sentando em minha mesa. Já tinha ido à minha casa e trocado


de roupa. O horário de encerrar o trabalho estava próximo, e eu nunca tinha
me sentido tão ansioso para ir embora.
Ainda não havia visto Antonella. Ela entrou e saiu de algumas
reuniões hoje e eu cuidei para que, em todos os momentos em que a mulher
caminhasse pela redação, eu estivesse em algum lugar o mais distante
possível da minha mesa. Tinha certeza de que depois de um tempo para
esfriar a mente, minha querida general que disponibilizava mensalmente
generosos cheques em minha conta, mudaria de ideia.
Fazer-me ir atrás daquela mulher e pedir para que ela aceitasse
ganhar espaço em uma coluna tão requisitada?
Pedir?
Não. Era impossível.
Mas, decididamente eu não podia perder meu emprego. Era com a
minha coluna que pagava a casa onde morava e também algumas das
despesas do meu pai.
— Se eu ouvi bem, você não deveria estar aqui, tão despreocupado.
— Mathias sentou-se na ponta da minha mesa.
Semicerrei os olhos em sua direção.
— Que eu saiba, seu andar é o dos intelectuais.
— Eu gosto dos mentecaptos. — Piscou.
Mathias era um cara bem-apessoado. Usava uma camisa social azul-
claro, calça jeans e um sapato mocassim marrom. Vê-lo menos que elegante
era impossível. Ele sempre dizia que o fato de ser negro já o colocava na
mira desde revistas policiais truculentas a uma série de ações
preconceituosas da população e, mesmo estando sempre bem arrumado,
passava por situações e insinuações das quais ninguém deveria passar.
— Ela vai mudar de ideia — garanti. — Não querendo ser
presunçoso...
— Mas já sendo — interrompeu.
— Minha coluna é o destaque deste lugar. Ela não teria coragem de
me colocar na rua.
Meu amigo riu, descrente.
— Sabe, não nego que você seja um profissional como poucos aqui,
mas nunca, nem por um segundo, Valentim, pense que você é insubstituível.
O mercado de trabalho está cheio de gente talentosa e sempre tem um doido
pra roubar o seu lugar. — Apertou um pouco meu ombro.
Suspirei, abrindo a boca para responder, mas o som de uma porta se
abrindo e passos vários passos apressados denunciaram que a última reunião
do dia na sala de Antonella havia chegado ao fim.
Abaixei-me um pouco, tentando passar despercebido, caso ela
resolvesse aparecer na porta.
— O que você está...
— Shiiiii. — Apertei o indicador contra os lábios, como se fosse
uma criança brincando de esconder. — Não quero que Antonella me veja
aqui.
Mathias riu.
— Muito maduro da sua parte — meu amigo comentou, chegando à
cadeira mais perto da minha mesa, tentando fazer parecer que era ele quem
ocupava o espaço.
Amigos de verdade, mesmo implicando, acabam te cobrindo, sempre.
— O que está fazendo na minha redação, Valentim?
A voz de Antonella, vindo de trás, me fez dar um sobressalto e bater
a cabeça na mesa.
Droga.
Ergui o corpo, como se fosse uma coisa normal me esconder dela.
— Não sei se lembra, mas eu trabalho aqui — retruquei, girando
minha cadeira em sua direção.
— Bom, se não conseguir a coluna que eu te mandei, não manterá o
posto por muito tempo. — Cruzou os braços, mantendo uma postura de quem
não iria sucumbir.
Passei a mão pelo cabelo, irritado.
— Você não pode estar falando sério, Antonella. Nós combinamos
que eu faria a coluna se ela me impressionasse, o que, claramente, não
aconteceu.
— Pouco me importa se ela te impressionou ou não, Valentim. Eu e
os sócios deste jornal decidimos. Ela estará na coluna, já você, não podemos
garantir.
Balancei a cabeça em negativa, vendo que ela realmente estava
falando sério.
— E o que você espera que eu faça? — Ri, esperando uma resposta
milagrosa. — Se acredita mesmo que ela possa aceitar, talvez você não
tenha visto o vídeo muito bem.
— Você, com certeza, foi bastante criativo para irritá-la. Tenho
certeza de que será bem mais desta vez. — Deu um passo em minha direção.
— Nem que você tenha que lamber o chão para que ela pise, Valentim. —
Pressionou o indicador em meu peito. — É o seu trabalho que está em jogo,
não se esqueça disso.
Antonella deu um sorriso irritante para mim e, em seguida, virou-se
caminhando até o elevador.
— É, meu amigo — Mathias deu um passo em minha direção parando
ao meu lado —, eu acho mesmo que você está em apuros. O que vai fazer?
Ri, pensando na ironia daquilo.
— Pelo visto, ceder à depravação. Afinal, tudo neste país acaba com
duas pessoas peladas em uma cama, de uma forma ou de outra.
Desliguei a tela do meu computador, sendo seguido por Mathias, que
ria divertindo-se de todos os planos mirabolantes para fazer com que a
vendedora de sexo topasse fazer a matéria.
Pelo visto, eu teria que vender a minha alma ao moço lá de baixo.
Capítulo 7

Eu me sentia completamente enfurecida com aquele canalha. Isso


ficou claro quando deixei de segui-lo nas redes sociais. Mais do que isso, na
verdade. O bloqueei.
Maldito preconceituoso literário.
Babaca.
Filho da... Não. A mãe dele, certamente, não tinha culpa pelo macho
escroto que havia colocado no mundo.
Em momentos como esses, eu chegava à conclusão de que deveria
existir no mundo um departamento de devolução dos filhos que deram
errado.
Se eu escrevia um capítulo e não gostava, podia apagar. Por qual
motivo as mães de homens que, parafraseando-o, eram um desserviço à
sociedade, não deveriam poder fazê-lo?
Revirei os olhos. Eu sei que é idiotice. Mas ninguém podia me culpar
por ter pensamentos do tipo contra um completo energúmeno.
Assim que saí daquele desastroso café da manhã e o carro solicitado
chegou, enviei um enorme áudio expressando toda a minha revolta e
frustração às minhas amigas. O sentimento era tão grande, que o pobre
motorista ficava olhando para mim pelo retrovisor interno como se estivesse
absurdamente assustado com as minhas palavras e com medo de que a minha
raiva direcionada aos homens se voltasse contra ele.
Logo que cheguei ao condomínio, subi as escadas para o nosso
apartamento — tinha desistido de pegar o elevador em uma vã tentativa de
ocupar minha mente, quando o celular vibrou em minha mão.
FI-NAL-MEN-TE.
Àquela altura do campeonato, sem fôlego — maldita a hora em que
resolvi subir trilhares de degraus, eu queria mesmo colocar tudo que sentia
para fora.
Foi de Pietra a primeira mensagem.
“Não acredito que ele te disse isso.”
A revolta era quase palpável em seu tom de voz.
“Que cretino!”
“Babaca, desgraçado, maldito delicioso idiota.”
As mensagens vieram seguidas e, embora irritada, foi impossível
deixar de rir um pouco com a última.
“Alô, é pra gente compartilhar o ranço que sentimos daquele
homem. Não para falar da aparência”.
Rolei os olhos enquanto segurava o botão com o microfone,
indicando que o áudio estava sendo gravado.
“Desculpa, mas eu tenho olhos. É como aqueles boys literários, a
gente odeia, mas a vontade de sentar não tem como controlar, né?
Claramente temos um caso de nem guindaste. Idiota, filho da mãe, mas
impossível deixar de lado o desejo de ser comida por ele.”
“Você é uma cretina” devolvi o áudio à minha amiga, rindo.
“Uma cretina com bom gosto.” Eu podia vê-la dando de ombros,
como se fosse óbvio. “Entretanto, claro, eu o odeio. Com todas as minhas
forças. Juro, amiga!”
“Obrigada por cumprir seu papel de amiga” brinquei.
A resposta veio em seguida.
“Você devia aproveitar essa raiva que está sentindo e providenciar
logo o próximo protagonista gostosão. Pensa só como seria divertido um
emines to love entre personagens do mesmo meio de trabalho e que se
detestam? Já quero! E não seria difícil tendo aquele monumento como
inspiração, hein?”
“Sabe de uma, você é uma péssima amiga, Pi. Não vou mesmo dar
um personagem gostoso pra aquele homem das cavernas” retruquei,
bloqueando a tela do aparelho ao chegar, enfim, ao meu andar.
Abri a porta que dava acesso às escadas com os pulmões em chamas.
Sim, eu até fazia exercício às vezes, mas aquela coisa bem sem
compromisso. Tipo aquelas pessoas que viviam prometendo que segunda
iam começar uma vida fitness, só não informavam a segunda de qual ano
aconteceria o evento.
Senti o aparelho vibrar em minha mão. Desbloqueei a tela assim que
consegui adentrar minha sala vendo a contagem para o lançamento diminuir
cada vez mais. Fechei a porta e corri para o aplicativo de mensagem
enquanto caminhava para o sofá.
“Uau, vim contar um babado, mas, ao ler as mensagens, agora
tudoooooo fez sentido.”
Franzi o cenho para a mensagem de Andréa, aguardando que ela
completasse, já que o digitando seguido dos três pontinhos estavam em
evidência logo abaixo do nome do nosso grupo — As três espiãs demais, em
referência ao desenho amávamos em comum na infância, e ao fato de que nós
três estávamos por dentro de todas as tretas que aconteciam no planeta —
fosse no mundo literário, na vida dos artistas, de qualquer coisa de
relevância (ou não) em nossas vidas.
“Eu estava me perguntando por qual motivo você e o jornalista
gatão tinham se tornado um meme nacional” completou.
“Como assim??????” perguntei, curiosa.
Meu coração bateu acelerado no peito enquanto, novamente, Andréa
digitava algo. Dessa vez, um link.
Cliquei, sendo direcionada ao aplicativo de vídeos que tinha se
tornado febre entre jovens, adultos e até idosos por conta dos áudios
divertidíssimos e inúmeras possibilidades que ele nos apresentava para
interações.
Q U E M E R D A E R A A Q U E L A?
A imagem, infelizmente, era familiar.
O mesmo vestido que ainda cobria meu corpo, a bolsa que, agora,
repousava ao meu lado no móvel confortável.
Eu tinha acabado de falar alguma coisa e a expressão em meu rosto
não era mesmo das melhores. Em seguida, peguei o copo, virando-o na
cabeça do cidadão à minha frente. O vídeo não era grande, poucos segundos.
Apenas as últimas palavras e a cena do copo virando sobre ele.
Olhei, desesperada, a quantidade de views e compartilhamento, e
puta merda, aquilo era um viral. Nos comentários as pessoas queriam saber
quem eram as duas pessoas que protagonizaram a cena.
Alguns comentários apontavam o jornalista.
O ângulo, felizmente, não favorecia o meu reconhecimento,
entretanto, eu tinha certeza de que se alguma das meninas do meu ciclo mais
próximo literário olhasse atentamente, saberia que era eu.
“Não acredito nisso” Pietra enviou, depois de alguns minutos, e eu
li pela barra de notificações, enquanto ainda lia os comentários. “Uoooou,
arrasou, garota. Olha só isso! Já assisti a esse vídeo um montão de vezes,
e, minha nossa senhora das garotas que lutam pelo que querem, ri em cada
uma delas.”
Merda. Merda. Merda.
“Eu não sabia que estávamos sendo filmados.”
Foi a única coisa que consegui responder, ainda pela barra de
notificações, com os olhos vidrados no vídeo que repetia, de novo e de novo
na tela do meu celular.
A sensação que eu tinha era que, infelizmente, aquilo não acabava
ali.

Era indescritível a quantidade de mensagens por inbox no meu ig —


de uma outra conta, já que eu havia bloqueado a dele —, chamadas perdidas,
mensagens em meu aplicativo e, mais que isso, por SMS. Quem, hoje em dia,
mandava SMS, a não ser operadoras telefônicas, banco, ou algum
desocupado em uma tentativa de fraudar seus dados e te enfiar em dívidas
astronômicas?
Realmente, aquele homem era uma praga quando não queria dar paz
para alguém. O silêncio mostrava uma coisa: eu não tinha o menor interesse
em falar com ele e ponto final.
Até porque, por culpa dele, tinha passado metade da noite anterior
explicando, depois que fui descoberta, que sim, era eu no vídeo com o
cretino e que ele tinha sido um escroto comigo, o que me levou a ter aquela
reação.
Mal havia aberto os olhos e lá estava meu celular vibrando com o
nome daquela peste, mais uma vez. Respirei fundo, apertei o botão do
volume na lateral fazendo com que a vibração cessasse.
Fechei os olhos e tentei dormir.
Não rolou.
Desde ontem, depois que falei com as meninas, meus sentimentos
variavam o tempo inteiro. Já havia passeado pela sensação de susto,
incredulidade, vontade de voltar no tempo e ia cedendo à raiva que sentia ao
lembrar as palavras daquele homem.
Acabei seguindo a ideia de minha amiga e começando um conto. Uma
história bem curta sobre um duque que havia acabado de perder o pai e caiu
de paraquedas em uma sociedade de um jornal renomado.
O homem em questão detestava romances, acreditando que eles
colocavam ideias malucas na cabeça de mulheres como, por exemplo, que
elas eram capazes de ser muito mais que mães e esposas. O problema era,
mas que precisaria lidar com uma mulher forte e cheia de opinião que estava
certa de que não casaria nunca, já que só aceitaria subir ao altar por amor, e
não acreditava ser capaz de amar ninguém.
Por acaso, a mesma mulher era filha do seu sócio e que mantinha um
romance semanal em seu periódico que abordava tudo aquilo que ele mais
detestava. Coisa que ele queria, mais do que tudo, cancelar.
Ia aproveitar a oportunidade para destilar toda a raiva que estava
sentindo daquele cretino no personagem. Possivelmente, nem seria uma
história para ser publicada. Só mesmo uma chance de mostrar àquele idiota
que ele não podia tratar as pessoas do jeito que quisesse. A mocinha, sem
dúvida, ia pisoteá-lo a ponto do infeliz nem ao menos saber o que o havia
atingido.
Depois de horas, parada em frente ao computador escrevendo uma
nova história que me lembrava a todo instante o ser humano detestável que
ele era, desejava a todo custo esquecê-lo e toda aquela situação terrível.
Para isso, precisava, com urgência, de algo que preenchesse a minha
mente. Claramente, resolvi fazer o que toda mulher com um pingo de senso
odiava, ir ao supermercado.
Quem, em sã consciência, gostava de enfrentar aquelas filas
intermináveis com pessoas mal-educadas e carrinhos superlotados enquanto
espera a sua vez lá no fim da fila? Especialmente quando você não tem tanto
dinheiro como a pessoa do carrinho da frente e fica comparando as compras.
A vida do pobre brasileiro não é fácil, não, é roupa cara, comida
cara... Quem inventou que a vida do adulto tinha que ser tão difícil? Eu era
uma criança burra achando que crescer era a melhor coisa do mundo.
Ah sim, maldita Eva!
Nicholas voltaria para casa daqui a dois dias e por isso eu sabia que
precisava abastecer a despensa. A volta do meu irmão me deixava muito
feliz. Estava cansada de ficar sozinha, mas ao mesmo tempo já sentia falta do
meu irmão que, quinze dias depois, voltaria para a plataforma.
Estava concentrada em uma tentativa vã de fazer com que minha
mente focasse na comparação dos preços, melhores marcas versus custo-
benefício e afins. Não naquele projeto de mau caminho bonito como um
mocinho e que, no fim das contas, era um vilão mesmo.
Eu o odiava.
Era engraçado como os sentimentos mudavam. Até algumas horas
atrás, eu admirava o Valentim e o considerava um dos melhores jornalistas
do nosso país. Agora ele era o detentor de toda a minha antipatia.
Basicamente como meu ex-amado Tamilin, que, no fim, foi só
decepção, fazendo-me entregar meu coração ao Grão Senhor, macho feérico
mais delicioso da vida — que sabia sim satisfazer uma ex-humana feérica.
Inclusive, se ele quisesse vir me satisfazer, eu estava totalmente à
disposição.
Sim. Eu estava acostumada a receber aquele tipo de crítica. Mais
ofensivas, até. E não apenas de homens, boa parte, na verdade, de mulheres.
E, infelizmente, a maior parte delas se considerava melhor que nós —
escritoras de cenas hot — por serem mais puritanas.
As belas e recatadas de Taubaté.
Eu não me incomodava com as pessoas que não curtiam o gênero, era
uma questão de gosto, eu, por exemplo, evitava ler ou assistir a um par de
coisas. Entretanto, entre não gostar e atacar havia uma enorme diferença, e
sim, apesar de estar acostumada, doía e irritava.
Do jeito que o energúmeno falou, parecia que eu estava contribuindo
para a indústria pornográfica, entretanto, meus livros não falavam SOBRE
sexo. Eles mostravam uma parte natural da vida de um casal, afinal, todo
mundo transa, inclusive, aquele babaca que, certamente, tinha um pinto
pequeno e brochava.
Grande babaca.
Grande babaca do pau minúsculo.
Encostei meu carrinho de compras na seção de hortifrúti. Peguei um
melão, colocando-o próximo ao meu ouvido e balançando-o. Sementes
soltas, fruta no carrinho. Dei alguns passos para frente, escolhendo um
mamão, dois abacaxis e alguns cachos de uva.
Caminhei para outra direção, enfiando-me na seção de enlatados,
seguindo para os frios e estava indo para as massas quando me bati com
alguém que me segurou pela cintura, evitando minha queda.
Ai. Que. Pegada.
Credo, quero.
— Te peguei — a voz simplesmente estragou o momento.
Aquele timbre ainda estava muito vívido em minha mente.
Credo, credo mesmo!
— Pode tirando as suas patas sujas de cima de mim — falei, irritada,
empurrando aquelas mãos enormes e firmes da minha cintura. — Hoje,
decididamente, não é o meu dia — reclamei, vendo-o dar um maldito sorriso
sensual de lado.
Certamente que o desgraçado tinha que sorrir daquela forma
destrutiva aos corações — não ao meu, claro. O pior é que a imagem visual
que tinha do meu duque, inconscientemente, acabou sendo muito similar com
ele e eu não queria que meu personagem fosse fisicamente inspirado nele.
Precisava reestruturar isso.
Com urgência.
— Olha só — ergueu a mão como se quisesse mostrar que havia me
soltado —, além de dar banho de suco e arruinar minha carreira, a gatinha
também é brava.
— O banho foi mais que merecido. — Agarrei com força o carrinho,
tentando passar pela porta que havia se instalado bem à minha frente. —
Além do mais, foi até melhor para você, já que estava fedendo mais que um
gambá.
— E mentirosa, ainda por cima. — Deu um passo em direção ao
mesmo lugar onde eu havia acabado de virar o carrinho.
— Não menti, e certamente vou falar as palavras mais sinceras de
toda a minha vida: você é um cretino.
— Essa foi direto no coração. — Colocou a mão no peito, fingindo
dor.
Rolei os olhos, dando a volta pelo homem que me seguiu.
O sorriso estúpido no rosto me fazia querer afogá-lo. Acho que
resolveria essa vontade no meu próximo livro. Procuraria uma forma bem
dolorosa — para ele, e divertida para mim —, de resolver esse problema.
— Eu estava aqui pensando — parei, cruzando os braços e olhando-
o enviesada —, o que a vossa elegância poderia querer comigo?
Infelizmente, minha amiga estava certa.
O homem era sim altamente sentável. Usava uma bermuda cáqui,
camisa de manga curta cinza, no pulso usava duas pulseiras masculinas, a
primeira de couro e a segunda com pedras estilo olho de tigre e marrom e
tênis também claro. O estilo casual com os cabelos bagunçados dava um
toque desgraçadamente gostoso naquele filho da mãe odiável.
— Eu? — Curvou os lábios para baixo em um gesto de dúvida. —
Estava passando aqui, despreocupado, pelos corredores deste mercado,
quando a avistei.
Balançou a mão como se não fosse nada de mais.
Infelizmente, o gesto destacou os músculos proeminentes. Por que
tinha que ser um cretino gostoso, Senhor? Vamos combinar de só fazer
homem bom quando o caráter fizer jus a capa para cobrir os ossos?
Desperdício gastar corpo gostoso para a gente que não valia nada, Pai do
céu!
— E resolveu vir falar comigo. — Semicerrei os olhos para o
homem soltando um riso pelo nariz, e voltando a caminhar com o meu
carrinho.
— Claro. — Deu aquele maldito sorriso de lado. Se não fosse esse
tão odioso, eu ia chorar, só não digo por onde. — Afinal, é falando que
conhecemos melhor a pessoa sobre quem vamos escrever.
Parei. Apertei, com mais força, o cabo do carrinho de compras.
— Desculpe. — Virei-me em sua direção. — Como?
— Nossa coluna, não lembra? Nós falamos por telefone sobre o
interesse em tê-la como destaque, e, olha só, aqui estamos!
— Você — comecei alto demais, inspirei e expirei, tentando manter a
calma —, com certeza, tem algum distúrbio de personalidade ou lapsos
grotescos de memória.
— Não entendo o que quer dizer. — Sorriu, cínico.
— Eu acreditei ter deixado bem claro quando eu disse que você tinha
perdido o meu respeito e admiração, que ali era uma recusa. E, para bom
entendedor, sabemos que meia-palavra basta. Logo, quando você não obtém
nenhum retorno de mensagens ou ligações, fica mais certo ainda, que a
pessoa não quer falar com você. O que é exatamente este caso.
— Ah, não posso acreditar que aquele pequeno mal-entendido de
ontem tenha te levado a desistir de aparecer em uma coluna que pode abrir
muitas portas para você. — Ergueu o lado esquerdo dos lábios em um
maldito meio-sorriso exatamente como os morenos, sarcásticos e deliciosos
dos livros.
A porcaria do meu coração estava batendo apressado. Sem dúvida,
podia morrer de raiva daquele cretino a qualquer momento.
— Poderia fazer a gentileza de sair do meu caminho? — respondi,
passando o carrinho pela lateral do homem.
— Não sabia que era do tipo que desistia fácil. — Acompanhou
meus passos, fazendo-me bufar.
Ela era inacreditável.
— Tem coisas que a gente não desiste, se livra. É assim que tenho
pensado em relação à coluna. Livrei-me de perder o meu precioso tempo
com alguém que não vale a pena. — Dei um passo, parando, antes de me
virar em sua direção. — Só para deixar claro, estou falando de você.
Voltei a caminhar.
Parecendo um pouco sem paciência, o homem deteve-se à minha
frente, impedindo-me de andar.
Mordisquei o lábio inferior.
Quanto de força será que eu devia usar para fazer aquele carrinho
passar por cima de um ser humano?
Não de qualquer um, só daquele em específico.
— Olha só — parou à minha frente, passando a mão pelo rosto —,
me desculpe, tá bom? — cuspiu as palavras como se custasse muito dizê-las.
Os olhos fixos nos meus, tornando o ar um pouco mais pesado. — Não devia
ter dito aquelas coisas.
Semicerrei os olhos em sua direção.
Era claro como dois mais dois são quatro, que não havia uma gota de
sinceridade em suas palavras.
Mordi o canto inferior do lábio, curiosa para saber o motivo da
repentina mudança do homem.
A não ser que ele acreditasse que a culpa pelo vídeo era minha, e
quisesse se vingar, me descredibilizando em sua coluna.
Era bem possível, aliás.
Ou seja, mais um motivo para que eu não aceitasse a proposta dele.
— Se está aqui por causa do vídeo, não tive nada com aquilo. —
Sorri, indiferente, mais uma vez direcionando o carrinho de forma que eu
pudesse passar por ele. — Inclusive, os fbi’s digitais me encontraram e eu
tive que confirmar que era eu mesma naquele vídeo. Eu nunca havia me
envolvido em uma treta antes, então te odeio ainda mais.
Valentim deu um passo para o lado, impedindo-me.
— Você não foi a única a ter que responder perguntas sobre aquilo.
Se não tivesse feito aquela cena, o vídeo não existiria, logo, sim, você tem
tudo a ver com a palhaçada.
— Bom, e se você não fosse um babaca, eu não teria reagido à altura
e o vídeo não existiria. No fim das contas, a culpa é sua. — Ergui a
sobrancelha passando por ele, mais uma vez, mas também já sentindo que,
infelizmente, não conseguiria me livrar daquela praga tão cedo.
— E se você não escrevesse... — Parou, parecendo pensar melhor
nas próximas palavras. Expirou com força. — Olha só, eu vou ser sincero,
porque amo o que eu faço e, como todo bom jornalista, trabalho com fatos. O
fato é que eu realmente não gosto do seu gênero de escrita, se é que podemos
chamar isso assim. — Olhei-o, irritada. — Ok, desculpe. Entretanto, por
mais que eu ache isso uma burrice, minha chefe quer você no Merece
Destaque, então, eu preciso que você reconsidere.
Parei de caminhar por alguns segundos, encarando-o, mordiscando a
parede interna da boca, parecendo pensar sobre o assunto.
— Ok. Reconsiderei. — O homem soltou o ar, aliviado. — A
resposta continua sendo não, mas obrigada pelo convite. Desejo sorte na
escolha do próximo destaque.
Sorri, mais uma vez, caminhando e o deixando para trás. Ouvi
quando soltou um palavrão que foi parcialmente encoberto pela chamada no
alto-falante da loja, indicando promoção de frios.
— Você não pode recusar. — Suspirou, apressando os passos para
me alcançar.
— Ah, posso sim. A lei me garante o livre arbítrio, felizmente. E eu
não tenho interesse.
— Eu preciso que você aceite — confessou. — Digamos que meu
emprego está em jogo.
Expirei de forma ruidosa, olhando-o.
Sua expressão era engraçada. Um misto de orgulho ferido e a certeza
de que conseguiria me fazer mudar de ideia. Estava com as mãos no bolso,
nervoso.
Pensei um pouco sobre aquilo.
Sim, eu estava gostando daquele momento. Vinte e quatro horas atrás,
ele estava todo soberbo se achando a última gota gelada de Coca-Cola do
deserto, e agora estava aí, com uma cara de buldogue em apuros, precisando
justamente da minha ajuda.
É verdade, o mundo capota mesmo!
— Então a sua permanência na coluna depende do pornô literário?
— Ergui uma sobrancelha.
Ele soltou o ar com força.
— Algo assim — falou, com uma careta de desgosto.
— Sabe de uma coisa? Acho que é melhor mantermos assim como
está. Você no seu canto, eu no meu. Afinal, quando formos encontrar com os
deuses literários, não vou querer ouvir de figuras como José de Alencar que,
durante o meu tempo na Terra, corrompi um leitor conservador. — Franzi o
cenho. — Não tenho vocação para queimar no mármore do inferno.
A expressão em seu rosto foi impagável.
Ele acreditava que conseguiria me convencer com facilidade.
Possivelmente era bem o tipo que não estava acostumado a ouvir não das
mulheres. Especialmente quando, de fato, sua coluna era conceituada o
bastante para que as pessoas rastejassem aos seus pés por ter apenas uma
pequena menção em suas páginas.
— Eu amo aquela coluna — falou ao alcançar-me. — Sério. Amo
como se fosse parte de mim. Na verdade, não, aquela coluna é parte de mim.
Não sei se você ama alguma coisa dessa forma, mas... imagine que alguém
pode te arrancar todas as possibilidades de fazer aquilo que você mais ama.
Você sabe como é isso? — A expressão em seu rosto mostrava o claro
desespero. — Você ama escrever, não é? Como se sentiria se não pudesse
mais ser escritora?
Por um segundo, tentei me imaginar impossibilitada de escrever. Não
foi legal. Criar mundos, dar vida aos meus personagens era o que dava
sentido aos meus dias e, certamente, estar à frente do computador era o
momento mais esperado de todos.
Sem isso, eu não sabia o que faria.
— Eu sei que fui um babaca — falou, antes mesmo que eu pudesse
respondê-lo. — Realmente amo o meu trabalho, e faço de tudo para não
perder aquele pedaço da minha vida. Qualquer coisa. Quer os melhores
elogios? Considere feito. Divulgação para seu novo livro? Para todos os
livros. Não importa o que pedir, estou à sua disposição.
Meu coração bambeou um pouco. Não pelo que ele tinha oferecido,
mas pela paixão que demonstrou pelo que fazia.
— Valentim — comecei, reticente. Eu me conhecia bem o bastante
para saber que se não me afastasse daquele homem em segundos, acabaria
cedendo ao pedido, e, por mais que eu tivesse me solidarizado com sua
situação, não sabia se valia a pena todo o estresse. — Realmente, sinto
muito por você, mas minha resposta ainda é não. Eu tenho um lançamento
para me preocupar. É um período desgastante e o melhor para mim, vai ser
focar nisso.
A expressão em seu rosto era como se tivesse tomado um soco no
estômago e, Deus sabe o porquê, me senti um pouco incomodada ao perceber
que eu era quem tinha causado aquela dor a ele.
— Mas, se não tivéssemos nos desentendido ontem, você teria
topado.
— Sim — afirmei. — Teria topado, pois eu admirava seu trabalho e,
nem em um milhão de anos, teria motivos para acreditar que pudéssemos ter
problemas de convivência. — Dei de ombros. — Desculpe, mas eu não
posso perder tempo me irritando com você sempre que nos encontrarmos.
A forma como seu rosto demonstrou sentir-se derrotado, fez, mais
uma vez, eu pensar em reconsiderar. Balancei a cabeça em negativa, antes de
acabar cometendo essa burrice. Sentindo-me péssima, caminhei, novamente,
seguindo em direção ao local onde eu tentava chegar há tempos.
— Qualquer coisa — falou, com a voz distante por conta dos passos
que já havia dado.
Fechei os olhos, fingindo que não era comigo. Afinal, eu podia seguir
e fingir que aquilo não tinha acontecido. Sabia que não ler o Merece
Destaque seria estranho e, talvez, ele nem acabasse sendo demitido de
verdade.
O fato era que o desgraçado era um ótimo escritor e sabia bem nos
levar a seguir suas dicas.
Entretanto, uma ideia passou pela minha cabeça.
Talvez fosse proveitoso, enfim.
Parei por alguns segundos e, percebendo que eu podia reconsiderar,
Valentim não demorou para se aproximar. Virei-me na direção do cretino
preconceituoso literário.
— Tenho uma proposta para fazer, se você topar, talvez eu
reconsidere a minha decisão.
— Qualquer coisa. Considere feito. — Ergueu as mãos, balançando-
as em um gesto de dentro para fora na direção do seu peitoral, como se
garantisse suas palavras.
— Eu aceito, se me prometer ler os livros que eu escolher para você
e jurar ser sincero em sua opinião.
Riu, balançando a cabeça em negativa e passando o polegar no lábio
inferior.
Um gesto despretensioso e sexy pra caralho.
Oh, inferno!
— Você vai escolher aqueles livros, não é? — Tinha o olhar
divertido.
— O que você chama de pornô literário? — Ergui a sobrancelha. Ele
soltou uma risada discreta. — Ah, sim. Sem dúvidas.
— Não acredito que você vá conseguir mudar minha opinião quanto
a isso.
— Além de ler, vai dar um Merece Destaque ao gênero. Pegar ou
largar.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, como se ponderasse os
ônus e bônus da oferta, em seguida, ergueu a mão em minha direção.
Os dedos firmes e quentes apertaram com firmeza minha mão,
indicando que estava feito.
Aquelas mãos quentes, que me seguraram com força, instantes atrás,
me levaram a pensar na pegada que o filho da mãe devia ter. Balancei a
cabeça em negativa. Perímetro, decididamente, proibido.
Tínhamos um acordo, e se não nos matássemos nesse meio-tempo, eu
o faria perceber o quão babaca, injusto e preconceituoso ele tinha sido. No
fim das contas, tinha certeza de que ele usaria a maldita influência para a
disseminação do bem para nós, autores.
Entretanto, mais do que um acordo, foi a sensação de formigamento
que perpassou por todo meu corpo.
Suspirei, sentindo que aquilo era um péssimo presságio.
Capítulo 8

Sim, ela era uma pessoa horrível.


Terrível.
Como não detestar a mulher que descia do banco de carona do meu
carro seguindo em direção ao porta-malas com aqueles passos, com certeza,
cruelmente pensados para enfeitiçar até o cara lá de baixo?
Tinha um cheiro suave de flores. Jasmim.
Naqueles momentos, desde o supermercado, até vários minutos
enfiado com ela em um carro fechado, descobri que detestava jasmim.
O pior, é que aquele rebolado no quadril a cada passada, fazia o
cabelo preso em um rabo de cavalo ir de um lado para outro, e dava a ela um
toque ainda mais sensual e, ao mesmo tempo, absurdamente natural.
Infelizmente, sexy pra caralho e odiável na mesma medida.
Meu pau ainda não tinha processado que nós não a comeríamos, já
que latejava bastante contra o zíper da minha roupa. Seria a primeira vez que
eu negaria a ele uma diversão, mas era para o nosso próprio bem.
Ele entenderia isso e me agradeceria, depois.
Sim. Eu teria sido capaz de rastejar ou lamber o chão que ela
pisasse, como Antonella havia sugerido. Faria de tudo para proteger o
trabalho pelo qual me dediquei tanto nos últimos anos.
Mas, para bem ou mal, ela escolheu barganhar.
Uma barganha irritantemente infeliz.
Ser obrigado a fazer meus olhos sangrarem lendo aquelas palavras
grotescas em livros.
A que ponto eu cheguei.
Os últimos anos da minha vida foram dedicados, integralmente, à
minha coluna. Era uma coisa da qual me orgulhava muito e não deixaria meu
trabalho ser jogado no lixo por causa de uma mulher, certamente, infeliz com
a própria vida e que precisava encontrar consolo com sexo proporcionado
por homens inexistentes e pior, com cenas escritas por ela mesma.
Pura imaginação.
E, apesar de Valentim Fernandes nunca, nunca mesmo, ter precisado
pedir a alguém para que topasse participar da coluna, eu teria sido capaz de
montar acampamento em frente ao seu apartamento até ouvir um sim sair
daqueles lábios pequenos e carnudos — digo, horrendos e totalmente
hipnotizantes. Digo, droga...
Balancei a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos da minha
mente. Eu a odiava, mas meu copo não entrava muito em concordância
comigo. Decididamente, aqueles lábios e quaisquer outras partes dela não
deviam, de forma alguma, passar perto dos meus pensamentos.
— Você não precisa fazer isso — falou, pela milionésima vez desde
que eu ofereci carona ao invés de, como sugeriu, nos encontrássemos no
shopping. Onde que eu daria a ela a chance de repensar a decisão? Dessa
vez, reclamava vendo-me pegar algumas das sacolas de compras.
— Não tem problema — devolvi, abrindo mais o espaço entre os
dedos no intuito de conseguir aumentar a quantidade de sacolas em minha
mão.
Talita não estava muito feliz com a minha presença.
Também não era do meu agrado estar ali, com aquela mulher. Meu
pau, em contrapartida, estava gostando muito da companhia. Entretanto, eu
tinha pouco menos de uma quinzena para escrever algo útil sobre ela e a
mulher tinha o coração frio o bastante para se recusar a responder qualquer
pergunta que eu fizesse sobre ela, a menos que eu, no mínimo, tivesse lido os
livros que ela escolheu.
E era por conta da sua teimosia que estávamos ali, retirando suas
compras do fundo do meu carro no estacionamento do prédio onde morava,
para, em seguida, irmos à busca de algo decente — mais provável que não,
neste caso — para que eu pudesse ler.
O condomínio ficava em uma parte bem localizada da cidade. Um
bairro residencial ladeado por mangueiras enormes, condomínios de luxo
onde personalidades famosas moravam e mansões que haviam sido
transformadas em museus, como o Museu de Arte da Bahia.
— Uau... acho que preciso mudar de ramo — brinquei, seguindo-a
até o elevador, mas mantendo os olhos fixos nos carros ao nosso redor.
Ela soltou o ar pelo nariz em uma risada presa.
— Não que seja da sua conta, mas divido as despesas com meu
irmão. — Parou, apertando o botão, e antes mesmo que eu pudesse processar
qualquer coisa, a porta abriu.
Entramos em silêncio total. Talita batia o pé, irritada, de forma
ritmada. Um. Um, dois. Um. Um, dois.
A sandália que usava tinha um tom neutro. As panturrilhas e coxas
bem-torneadas mostravam que ela devia fazer alguma atividade física. O
short jeans que acabava no meio das coxas, seguia até metade da cintura,
deixando uma pequena parte da pele exposta e, em seguida, começava um
cropped de crochê com alças finas que se prendiam atrás do pescoço.
A porta se abriu no sétimo andar, ela saiu e, mais uma vez, a segui.
Levou alguns instantes até que conseguisse abrir a porta, afastando-se para
me dar espaço.
A sala era ampla e charmosa. Havia um porta-retratos sobre uma
pequena mesa redonda, próxima ao sofá. Um casal mais velho sorria junto a
ela e um rapaz, que supus ser o irmão de quem falou anteriormente.
Um sofá enorme fazia a divisão entre a sala de estar e jantar. A TV
ficava em frente a um sofá de dois lugares, seguido de duas cadeiras
individuais, todos creme e uma mesa de centro parecendo uma cesta de palha
completavam o ambiente. Um conjunto de bule e xícaras repousavam ao lado
de um pequeno frasco com biscoitinhos.
Do outro lado, a mesa de jantar ocupava um espaço considerável.
Toda de madeira, com oito lugares, contava com dois pequenos jarros de
flores.
Entretanto, o que realmente havia me chamado atenção, foi a varanda
que possuía porta de vidro, facilitando a vista. Era impossível ignorar a
visão do mar ali de cima e a forma como ele parecia unir-se ao céu.
— Fique à vontade, mas nem tanto — falou, fechando a porta e
seguindo em frente enquanto eu estava no mesmo lugar. — Ei — chamou,
fazendo-me encará-la —, por aqui.
Segui-a pelo corredor onde diversos vasos de plantas variando o
tamanho estavam dispostos em posições diferentes, mas em harmonia.
Isso acabou lembrando-me da minha mãe. Ela adorava cultivá-las e
eu a adorava. Então, assim como passávamos tempo na cozinha, aprendi
bastante sobre jardinagem com ela.
A cozinha seguia o mesmo padrão. Bonita. Os armários em tons
claros combinavam com a ilha de mármore com pés de madeira e três
cadeiras bem-posicionadas, permitindo que quem quer que estivesse no
comando da cozinha, pudesse contar com, pelo menos, um papo divertido.
— Aqui. — Apontou para a ilha e pus as sacolas no centro, como ela
havia feito com as poucas que carregava.
— Muito bonita sua casa.
— Obrigada. — Ficou de costas para mim, abrindo a porta do
armário e ficando na ponta dos pés para pegar dois copos. — Aceita alguma
coisa? Suco, água?
— Água, por favor.
Observei-a enquanto enchia um copo, repetindo o processo com um
segundo, antes de erguer um deles em minha direção.
Por acaso, também a assisti enquanto dava goladas na água e,
infelizmente, vi quando uma gota escorreu, passando pelo cantinho de sua
boca, deslizando até que caísse perto do seu seio.
Respirei fundo, mudando a direção do olhar quando Talita ergueu a
mão, limpando-a. Contei, mentalmente, até vinte imaginando carne estragada
para conter a porra da ereção involuntária que surgiu.
Desde quando um ato simples como beber água fazia o pau de um
homem trabalhador subir?
— Só um minuto e podemos ir, tudo bem? — A enviada do satã
interrompeu meus pensamentos, erguendo as mãos para pegar meu copo.
Deixou-os na pia e seguiu de volta para o corredor.
Assenti, saindo com ela da cozinha. Enquanto a mulher seguia pelo
corredor em direção às demais portas da casa e sumia em uma delas, que
supus ser seu quarto. Eu sabia que devia voltar para sala. Mas eu era um
jornalista, afinal.
Caminhei na mesma direção que a mulher, querendo ver o que mais
havia por ali. Os vasos com plantas seguiam por toda a extensão do
ambiente. A primeira porta estava aberta, indicando o banheiro social. Segui
na missão de reconhecimento do campo inimigo encontrando, em seguida, um
escritório repleto de livros.
Olhei para o corredor, tentando garantir que a mulher não estava
vindo. As paredes eram cobertas de estantes de madeira com livros
organizados por autor. Foi fácil perceber isso, ao ver uma montanha de
autores como Megan Maxwell, Nicholas Sparks, Carina Rissi, e, claro, o
pervertido Christian Grey de E. L. James. Nomes conhecidos e também que
nunca tinha ouvido na vida seguiam pelas prateleiras abarrotadas por todos
os lados.
Caminhei por todo o lugar. Um espaço com mesa e cadeira estava na
parede oposta, possivelmente onde ela devia escrever.
Retornei para perto de uma das prateleiras passando o indicador
pelos títulos. Mister O, Bem Safado, Vergonha, A escrava, Adorável
Cretino, Segure a minha mão e não solte, Um acordo entre cavalheiros, As
infinitas possibilidades do nunca, Devasta-me, Show de vizinho, Encontro,
Imoral...
— O que você está fazendo aí? — A voz vinda da porta me assustou.
— Ah — virei em sua direção —, nada de mais, só dando uma
olhada. — Dei de ombros. — Sério que você ia me fazer gastar uma grana,
mesmo tendo tudo isso — fiz o gesto de um círculo usando o indicador —
neste lugar.
— Ia não, VOU. Esses são livros pessoais, e, certamente, não os
emprestarei a um cretino como você. Vai devolvê-los cheios de orelhas, ou
pior — deu alguns passos em minha direção com os olhos semicerrados —,
você pode gostar tanto deles, que nem vai me devolver.
Eu ri. De verdade.
— Pode ter certeza, vou levá-los contando os minutos para que possa
trazê-los de volta à casa original de cada um deles. — A mulher torceu os
lábios por alguns segundos fazendo uma careta engraçada, aproveitei para
pegar um deles, lendo o título: Onze leis a se cumprir na hora de seduzir.
Sério, isso? — Eu teria que jogá-los no lixo depois, se você me obrigar a
comprar essas coisas. — Balancei o livro em sua direção. — Pensa no bem
que vai fazer ao planeta e às árvores. — Ergui uma sobrancelha.
— Mais um motivo para que eu não os empreste. — Caminhou em
minha direção retirando o livro de minha mão. — Eu não confio em você, e
com meus bebês, confio menos ainda.
Devolveu o livro ao lugar onde, instantes antes, havia uma lacuna.
— Agora que já estabelecemos essa questão, podemos ir embora.
— Você vai me negar o empréstimo de um livro, mesmo tendo tantos
aqui? — questionei, incrédulo.
— Ah, pode ter certeza de que nada aqui de dentro, nada mesmo, vai
para as suas mãos, nunca.
Os olhos dela estavam brilhando.
Determinados e confiantes.
Eu podia sentir que havia ali uma promessa implícita. Nosso contato
seria puramente profissional. Claro, embora ela fosse um tesão, não podia
concordar mais.
Apenas trabalho.
— Vamos. — Apontou para porta. — Você pode até achar que eu sou
desocupada, mas não tenho o dia todo a seu dispor.
— Com certeza você tem um trabalho bem excitante para fazer. —
Ergui a sobrancelha e ela bufou, irritada.
— Sai logo daqui, antes que eu desista de vez dessa porcaria.
Eu ri, fazendo exatamente o que ela dizia.
O shopping estava lotado demais para um dia de semana. Talita
andava pelos corredores onde agora podiam ser encontrados apenas os
livros de autores nacionais com a tranquilidade de quem caminhava por sua
própria casa.
Um, inclusive, já estava em suas mãos. A única coisa que pude ver
sobre ele, é que possuía muitas partes verdes em sua capa, além de um
fragmento de cabeça feminina.
Mantinha a ponta da unha de seu indicador na boca enquanto
vasculhava os títulos com muita atenção.
Segurou um livro nos braços, enquanto caminhava e pegava outro e
mais um. Em seguida, ergueu os olhos para uma prateleira bem acima de sua
cabeça, sorrindo para algo que viu. Olhou para mim por alguns segundos e
fez uma expressão que deixava claro estar tramando algo, ficou na ponta dos
pés pegando o livro que estava no alto.
Analisou o título, virando-se em minha direção e, pela forma como
sorriu, eu tive certeza de que gostaria ainda menos dessa escolha.
Caminhava lentamente, com um olhar divertido e predador ao mesmo
tempo. Umedeceu os lábios assim que chegou perto de mim. E senti, mais
uma vez, o cheiro de jasmim que emanava dela.
Suave e doce como a primavera.
Cheiro desgraçado.
— Pronto para se tornar um ávido leitor de pornô literário? —
Ergueu a sobrancelha, desafiando-me.
— Ah, não vejo a hora.
Rolei os olhos, observando sua expressão de vitória no rosto.
— Vamos começar com um dos meus preferidos. — Virou para mim
o livro com a capa verde. Infelizmente, eu gostaria que fosse a única coisa
possível de se ver, entretanto, havia mais.
Além da cor de fundo, havia uma mulher parcialmente de costas e
com, pelo menos, um terço dela à mostra, já que os botões de sua roupa
encontravam-se meio abertos. As mangas do vestido estariam prestes a cair,
se não fosse pelo braço curvado e os óculos que segurava nas mãos.
— Época, sério? — Ergui o rosto olhando para o teto. — Você só
pode estar brincando. — Ela sorriu, provocadora.
— Pensei que gostasse dos clássicos com todo aquele papo de José
de Alencar e tal...
— Clássicos, com toda certeza, não... isso. — Franzi o cenho
apontando para o objeto em suas mãos.
— Daqui a alguns dias, essa carinha de desprezo vai ser a última
coisa que verei em seu rosto. — Piscou, entregando-me o livro.
Suspirei.
Passar algumas horas envolto em anáguas e rouge e sei-lá-mais-o-
quê que as mulheres usavam nessa época, estavam absurdamente fora do meu
plano de coisas a se fazer.
Antes mesmo que eu pudesse ler a sinopse, ela ergueu outro em
minha direção.
— Além do olhar[4] — falou, erguendo o livro com um homem
cadeirante em minha direção, colocando-o em meu braço —, Prove[5], Além
das aparências[6] e... — Fez uma pequena pausa, como se quisesse dar mais
drama à situação e se divertindo com minha aflição. — Cinquenta tons de
cinza.
Ergueu a sobrancelha para mim.
— Não. Pelo amor dos deuses literários! — Balancei a cabeça em
negativa, sendo obrigado a equilibrar, em meus braços, os livros que ela
empurrava. — Homem sem camisa na capa? E o senhor acinzentado, sério?
Eu realmente tenho uma reputação a zelar.
— Estou certa de que você vai amar e me agradecer pelas escolhas
maravilhosas.
— Pode ter certeza de que isso, definitivamente, não vai acontecer.
Sério, não podemos trocar isso aqui? — Apontei, com o queixo, para a capa
acinzentada onde uma gravata estava estampada.
— Com toda certeza, não — falou, segura. — Cada um desses livros
foi escolhido a dedo para você mudar completamente a sua visão sobre
histórias com algum tipo de conteúdo hot.
— E eu posso saber o que deveria aprender com essas coisas?
— Se eu contar, com certeza, não será surpresa. Vamos pagar?
Antes mesmo que eu tivesse a chance de responder, ela começou a
caminhar em direção ao caixa que, felizmente, estava vazio.
Olhei, mais uma vez, para as capas dos livros, frustrado pelos
péssimos dias que eu teria pela frente.
— Olá, tudo bem? — Talita cumprimentou animada a caixa, que
respondeu empolgada também.
— Vai levar só isso hoje?
— Ah, hoje não são compras para mim. — Apontou o polegar em
minha direção, fazendo-me encará-la com a expressão séria. — Ele adora
livro hot, sabe. Sempre tem algum truque novo para aprender. — Piscou para
a mulher que riu, sugestiva.
— Amigo, é sempre bom apimentar a relação. — Usou um tom de
cumplicidade. — Até porque, a imaginação dela é ampla demais. Uma hora,
ter inspiração é bem-vinda. Vocês vão...
— Ah não — falamos, ao mesmo tempo.
— Não, não, não... Eu não sou — Talita balançou as mãos em frente
ao corpo. — Quer dizer, nós não... Ele só...
— Ah, por que não assumir que nós adoramos fazer um sexo quente e
sem nenhum tipo de compromisso. — Aproveitei para fazer uma coisa que
pensava desde que a vi, de costas para mim, pela primeira vez. Dei um tapa
em sua bunda.
Não foi difícil notar a forma como trincou os dentes e olhou-me de
forma enviesada. Antes que eu pudesse prever, senti um pisão forte em meu
pé.
— Ai. — Levantei o pé, apoiando o peso do corpo no outro,
encarando-a, incrédulo. Se ela tivesse o poder de incinerar alguém com o
olhar, eu já tinha virado pó tempos atrás.
Talita olhou para a atendente tentando deixar a expressão mais leve,
já que a pobre mulher não tinha culpa dela me odiar.
— Nós. Não... — sibilou, parando e respirando fundo, soltando o ar
com força em seguida, ao notar a forma divertida como a mulher no caixa
nos olhava. — Só, passe logo esses livros, por favor, Mari.
A mulher fez o que Talita pediu dando uma risadinha que tornava
evidente seus pensamentos.
Não demorou e estávamos saindo da livraria.
— Bom, eu tenho algumas coisas para fazer — comentou, virando em
minha direção. — Acho que é aqui que nos despedimos.
— Então quer dizer que depois de me fazer passar vergonha lá
dentro, você me dispensa dessa forma tão fria?
— Você tem muito trabalho a fazer se realmente quiser conversar
comigo sobre qualquer coisa. — Apontou para as sacolas em minha mão.
— Sabe de uma coisa, no meio disso tudo, pelo menos uma lição foi
aprendida: nunca, jamais, brigue com uma escritora de pornô literário, isso
pode, com certeza, foder a sua vida.
Talita riu, divertida, pela primeira vez.
— Você sabe quando me procurar. Adeus.
— Até breve — retruquei, vendo-a me dar as costas e seguir o
corredor repleto de lojas.
— Ah! — Virou-se em minha direção. Alguns fios de cabelo
prenderam-se aos lábios por causa do batom grudento que usava. Passou as
mãos pelo rosto, removendo-os. — Se alguma vez você fizer aquilo
novamente, eu juro por Deus, vai ter que aprender a digitar com os pés,
porque, sem dúvida, eu vou arrancar as suas mãos.
Sorriu, de forma diabólica, antes de, novamente, virar as costas, mas,
dessa vez, de verdade.
Olhei para os sacos em minha mão, desanimado.
É, meus olhos sangrariam muito pelos próximos dias, entretanto, não
sabia explicar o porquê, mas, de certa forma, estava meio ansioso para ler
todas aquelas palavras.
Capítulo 9

— É claro que não, mamãe — respondi, sorrindo, ao drama que


minha mãe sempre fazia quando nos falávamos. Em especial, através de
chamada de vídeo, como agora. Os cabelos longos e volumosos estavam
presos em um coque. Há alguns anos, ela havia começado a pintá-los de
preto para esconder os fios brancos que sugiram.
Usava uma blusa vermelha caidinha nos ombros e um short na altura
das coxas. Nós tínhamos um ritual de, sempre que possível, cozinharmos
juntas. Estávamos cortando cebolas para fazer um bife acebolado. Era
sábado e minhas amigas vinham almoçar comigo.
— Claro que sim. Já vai fazer dois meses que vocês não visitam essa
pobre mãe abandonada. Meu Deus, que filhos ingratos eu tenho. Alimentei,
vesti, limpei as bundas e, agora, isso. — Secou a lágrima que escorria por
conta da cebola que cortava, mas fingia ser pelo drama.
— A senhora sabe que Nicholas está com a vida corrida por causa
da faculdade. Se tudo der certo, ele finaliza este semestre — expliquei, mais
uma vez, pondo as cebolas já em rodelas em uma panela, pegando a próxima
cebola, cortando-a. — Eu estava no processo de escrita. Difícil arrumar
tempo livre e a senhora bem que podia vir passar um tempo com a gente.
— Você sabe que eu detesto essa cidade — retrucou.
Era verdade, podíamos contar bem quantas vezes ela havia feito a
travessia no mar.
— Prometo que em breve vou passar uns dias com a senhora.
— Não, tudo bem. — Fungou. — Podem continuar ignorando essa
pobre mãe. Meu velho coração ainda aguenta mais um pouco de desgosto.
Ri, balançando a cabeça.
— E você não vai me contar mesmo, como a história termina? — Os
olhos brilharam de expectativa olhando em direção à câmera.
— Não, mãe. — Ela abriu a boca para protestar, porém, antes que
tivesse a chance, continuei apertando os olhos por conta do ácido da cebola
— Caso não se recorde, tenho mensagens que provam que a senhora me
pediu para recusar qualquer pedido, pois queria ler depois de lançado para
sofrer menos.
— Ai, uma mãe sofre nesta vida. — Rolei os olhos, achando graça.
— Faltam apenas alguns dias. A senhora vai sobreviver até lá.
Minha mãe soltou um muxoxo, o que tornou a cena ainda mais
divertida.
Quando decidi que minha profissão seria a escrita, pensei que ela
detestaria. Que brigaria comigo e diria que eu continuasse trabalhando como
advogada, mas foi o extremo oposto. Minha mãe disse que esperava que
algum dia eu despertasse meu lado artista já que, desde pequena, eu criava
pequenas histórias mostrando meu talento. Ela e Nicholas me incentivaram a
fazer exatamente o que me faria feliz.
— E a reportagem, quando vai sair?
Senti, por um segundo, o sangue parar de correr por minhas veias, e
depois meu rosto esquentar. A cena do dia de ontem se desenrolava à minha
frente mais uma vez.
Balancei a cabeça, incrédula, ao lembrar-me da Mari sugerindo que
eu e aquele pedaço de mau caminho, digo, aquele horripilante homem das
cavernas íamos praticar, juntos, as cenas dos livros.
Onde já se viu?
Que absurdo!
Eu e aquele... aquele... cretino safado!
Nem em um milhão de anos eu iria para cama com aquele homem.
Um boçal que desrespeitava a minha profissão.
Odioso. Detestável.
E essas “qualidades” me faziam pensar automaticamente no meu
personagem, o duque Valentino. Outro cretino, safado e libertino — como a
mocinha, ainda sem nome, o chamava. O típico personagem que cadela
muito a mocinha depois que se apaixona. Tinha os olhos claros, cabelos cor
de cobre e um gênio não muito fácil de lidar. Porém a senhorita Semog
conseguia colocar o homem bem em seu lugar.
O nome dos personagens apareceu para mim em sonho e eu achei que
combinava com ele, já que o Valentino foi criado para que eu expressasse
meu descontentamento com o Valentim. Como agora, só de ouvir minha mãe
mencionar seu nome.
— Vai sair, em algum momento. Estamos finalizando alguns dos
termos para começarmos.
Dei de ombros, mesmo que ela não pudesse ver, concentrada em
contar as cebolas.
— Ah, eu não vejo a hora de mostrar para todos os moradores daqui
que a minha filha, meu bebê, é um enorme destaque. — Balancei a cabeça
em negativa, achando graça.
— Mãe, se a senhora e Nicholas tiverem orgulho de mim, eu já estou
mais do que feliz.
— Nós temos, e muito, querida. — Parou, olhando para a câmera. —
Mas o mundo inteiro merece saber a mulher incrivelmente talentosa que você
é. Eu tenho sorte de ter os melhores filhos que o universo poderia ter me
dado.
— A senhora fala isso porque é minha mãe.
— Falo isso, porque estou certa — devolveu, piscando para mim.
— Opinião de mãe é completamente imparcial, mas eu aceito o
elogio — cantarolei.
Ela riu, dando uma pequena espiada no meu progresso com o almoço.
— Sabe o que eu acho?
— Se eu disser que não quero saber, serei obrigada a ouvir?
— Claro que sim, filha. Sabe quantas histórias você quis me contar
em sua infância em momentos que eu decididamente não queria ouvir, mas
que poderiam causar enormes traumas em você, se eu dissesse isso?
Parei, mantendo a faca firme, por alguns segundos, na mesma
posição.
— Então quer dizer que é a minha hora de retribuir? — Ergui uma
sobrancelha para ela, segurando a faca contra a tábua de carne de madeira.
— Fico tão feliz por ter filhos inteligentes e que nunca precisem que
eu explique o que quero, realmente, dizer. Mérito meu, claro, que os fiz. Mas
ainda bem que vocês que herdaram de mim.
— Como não, mãe. Se a senhora é perfeita, os filhos também tinham
que ser, não acha?
— Esse é o ponto, filha... Eu estava pensando, eu sou uma mãe
perfeita que fez filhos perfeitos e que ainda não tem nenhum netinho perfeito.
— A expressão mudou, imediatamente, para a tristeza mais fingida de todas.
— E sabe, aquele jornalista... A qualidade do esperma dele deve ser
incrível. E, caso não tenha entendido, isso quer dizer que combinado com o
seu útero, eu teria os netos mais lindos de todo o planeta.
Senti uma ardência no dedo, dando-me conta de que tinha feito um
pequeno rasgo no indicador.
— Ai, cacete! — reclamei, levando o dedo aos lábios.
— Olha a boca suja, garota! — mamãe reclamou.
Sim, eu podia escrever cenas fantásticas sobre sexo que ela,
inclusive, adorava, mas xingar em sua frente, nem pensar, me fazia parecer
ter seis anos novamente.
Ignorei seus protestos caminhando até a pia, ligando a água e
deixando que levasse o sangue, enquanto garantia a ela que estava tudo bem
e me concentrava em analisar o corte.
Culpa dele, claro!
Minha mãe vinha, há algum tempo, tentando bancar o cupido com
moradores da nossa pequena cidade, com amigos que saíam comigo e com
todos os atores pertencentes à rede aberta e também a todos os streams. Isso,
depois de me dizer com todas as letras que os homens eram mentirosos.
Vai entender.
No fim das contas, minha mãe só queria garantir que eu conhecesse o
meu príncipe encantado, o homem clichê, àquele que ela, tantos anos atrás,
me disse que não existiam.
Claro que se Valentim fosse só um cara gostoso e rolasse um clima,
sim, eu ficaria feliz em algumas noites de sexo com ele, porque eu podia ser
muitas coisas, mas cega eu não era. Porém ele tinha que ser um péssimo ser
humano e não valer nem mesmo o ar que respirava.
Ei, Deus, já pedi para usar saco de cobrir ossos mais feios para os
caras que não valem nada?
Irritada, corri até a pequena cesta na ilha tirando uma folha de papel
toalha, apertando-o contra meu dedo, garantindo a ela que estava bem.
— Então, se ficou nervosa a ponto de se machucar, é sinal de que eu
estou bem perto da verdade?
Ri.
Só minha mãe mesmo para ter essas fantasias.
— Na verdade, mãe — parei, retirando o papel toalha, e olhando o
corte com um pouquinho de atenção —, na verdade, não podia estar mais
longe da realidade. Nós não nos gostamos nem um pouquinho. Essa coluna
será uma espécie de provação em minha vida. Será como andar no vale da
sombra da morte e eu espero muito que Deus seja bom em cumprir
promessas e esteja comigo, porque eu gosto de manter meu réu primário.
Mamãe deixou a faca de lado, limpando as mãos.
— Como se isso fosse um problema. — Fez um gesto com as mãos
indicando que era bobagem, virou-se, indo até os armários. — Como é
mesmo que vocês chamam aquelas histórias... — Abriu a porta pegando uma
frigideira e apontando em minha direção — de casais que brigam e depois
descobrem que se amam?
— Emines to love? — Ri, dessa vez de verdade. — Pode esquecer,
amor da minha vida. Eu e ele, impossível de acontecer.
— Não foi exatamente isso que Darcy falou sobre a Lizzie? — Jogou
as cebolas na frigideira.
— Acredite, mamãe, não. — Apontei o indicador em sua direção,
com os olhos semicerrados, ultrajada pela comparação. — Darcy disse que
ela não era bonita o bastante para tentá-lo, a chamou de pobre, falou que a
família dela não possuía modos e era interesseira, mas também que ele
enfeitiçou seu corpo e alma. Mas nunca, nunca mesmo, duvidou do caráter
dela. A senhora está proibida de mencionar o homem perfeito Darcy na
mesma frase que homem horrível que nós odiamos.
— Eu também o odeio? — Franziu o cenho para mim.
— Claro! Nós já conversamos que quando uma de nós não gosta de
alguém, a outra, automaticamente, não gosta também.
— Ah, querida, você já viu as fotos daquele homem? Ele é lindo e,
como eu disse, faria filhos maravilhosos. — Suspirou.
MINHA MÃE SUSPIROU!
— Mãe, não que eu goste de falar mal de criancinhas, mas os filhos
dele seriam, com certeza, péssimos bebês — protestei. — Se eu tiver filhos,
com certeza metade da carga genética deles não será do Grinch, o terrível e
assustador monstro de criancinhas.
— Bom, não está mais aqui quem falou. — Ergueu os braços em
rendição. — Juro que serei uma sogra nada exigente, e a mais babona das
avós.
— Não, mãe. A senhora já devia ter se conformado, inclusive que
não vai ter genro, sabe. Se não for como os homens dos livros, não quero. E
como sabemos, eles não existem.
Minha mãe soltou um suspiro derrotado.
— Amor, você precisa deixar esse coração lindo se abrir para
pessoas reais. Amar alguém pode machucar sim, mas é o que nos faz
aprender tantas e tantas coisas.
Balancei a cabeça em negativa tentando descobrir como essa mulher
que queria me arrumar um pretendente podia ser a mesma pessoa que disse
que eu deveria pensar primeiro em mim.
— Não preciso de amor, mãe. Só de sexo. — Dei de ombros. —
Dependendo do cara, é até melhor fazer isso sozinha mesmo.
— Meu Deus, desse jeito eu nunca serei uma vozinha que vai mimar
e estragar os netinhos lindos. — Sua expressão de desespero chegava a ser
divertida.
— Não se preocupe, mãe. Juro, juradinho que um dia, quando estiver
pronta, vou adotar uma criança linda e a senhora vai poder encher de mimos
e beijinhos — prometi, vendo seus olhos brilharem apenas pela
possibilidade.
— Tali, errei com você, amor. Te incentivei a procurar nos livros
algo que eu precisava para suprir minhas emoções naquela época. Você não
precisava disso. Precisava viver sua vida e ter suas experiências.
— Não, mãe — interrompi. — A senhora me tornou forte. Eu vejo
como muitas garotas vivem por aí sofrendo por homens que não valem nada
e cada vez mais me convenço de que a senhora foi exatamente a mãe que eu
precisava, me ensinando o que eu tinha que saber.
— Você não aprendeu nada de muito útil sobre o amor — pontuou.
— Claro que aprendi, mãe. E não sei se a senhora sabe, mas é isso
que eu faço, mãe. Crio histórias de AMOR — brinquei.
— Para personagens, Talita. Você precisa parar de criar, inventar
histórias, e viver a sua própria. Sua história feliz.
— Mãe — parei, virando-me em direção à tela do meu celular —, eu
faço isso. Eu sou muito feliz com todos os livros que leio e com todos os
homens por quem me apaixono.
Mamãe balançou a cabeça em negativa.
— Eu não devia ter te incentivado a se apegar tanto nos livros. —
Rolou os olhos.
— Mãe — falei, parando o que estava fazendo e a encarando. — Sou
bem-sucedida, sou feliz fazendo o que amo. Estou bem sozinha. Se isso um
dia me incomodar, vou mudar essa situação. Mas ainda não.
Suspirou, resignada.
— Tá bom, filha. Tá bom. Mas, olha, enquanto você não deixar de se
esconder em suas cicatrizes passadas e criar expectativas em histórias que
seguem um roteiro, vai continuar se enganando e fingindo ser feliz sem algo
que eu tenho certeza de que você quer. E eu não gostaria que você vivesse
assim. Quero que você viva feliz. Quero que seja feliz, meu amor.
Balancei a cabeça em negativa.
Eu era feliz e não precisava de um cara menos do que aquilo que
sempre sonhei, eu merecia exatamente aquilo que queria, e não entregaria
meu coração a nada além disso.
Em outras palavras, seguiria me apaixonando por mocinhos
literários.

— Chega pra lá — Pietra pediu ao mesmo tempo em que empurrou


Andréa, quase derrubando-a da minha cama.
— Ai, modos, por favor. — Andréa empurrou-a de volta, como se
tivessem três anos.
— Sério que vou ter que colocá-las de castigo? Sério? — brinquei,
pegando o controle da TV na mesinha ao lado da minha cama, e agarrando o
pote de pipoca que havia deixado no mesmo lugar para começar a arrumar
um espaço para mim.
— Ei, está lendo este? — Pietra ergueu o Kindle, mostrando a capa
do livro que eu estava lendo.
Cada versão sua, da Victória Gomes, era um romance interracial
muito bom. Fazia parte de uma série, e eu estava com uma enorme
expectativa esperando seu lançamento.
— Sim, muito bom, por sinal. — Me movi na cama sentando entre
minhas amigas e encostando meu corpo na cabeceira estofada rosé.
Tirei o celular do bolso, zapeando pelos filmes disponíveis na
plataforma de streaming enquanto Andréa elencava os que havíamos visto
— quase todos, por sinal.
— Ei, já sabe quando vai começar um livro novo? — Pietra
interrompeu, me dando uma cotovelada de leve.
— Estou com uma ideia — menti, fingindo que não havia começado
um conto para falar mal daquele homem horrível. — Mas ainda nem cheguei
a lançar esse, vou acabar ficando maluca com o tanto de gente falando na
minha cabeça.
— Ai, por favor, pode começar a escrever? Estou prestes a entrar em
abstinência.
Não falaria sobre a história nova. Muito menos que todas as vezes
que começava a escrever, via a mesma coisa: os olhos esverdeados, mas que
também podiam se tornar castanhos em algum momento. O rosto infelizmente
bem-desenhado, barba por fazer, daquelas que dava vontade de passar o
dedo e sentir o corpo inteiro arrepiando quando seu rosto tocava o pescoço.
— Vamos ficar em abstinência por algum tempo — afirmei, fazendo
uma careta quando a imagem do homem se materializou à minha frente.
Oh, disgrameira.
— E o Valentim? — Andréa perguntou, fazendo meu coração parar
pelo susto.
Eu tinha falado o nome dele em voz alta?
— O que... — Tossi, tentando encontrar minha voz que falhou à
menção ao seu nome. — O que tem ele?
— Entrou em contato? Leu algum dos livros? Nadinha dele? — Meu
coração galopou no peito de alívio.
— Sinceramente, acho que desistiu. — Dei de ombros. — No fim
das contas, vai ser melhor assim. Eu podia ir presa e gastar meu réu
primário.
— Bom, contanto que você sentasse antes de matar, eu não veria
nenhum problema — Pietra falou, digitando alguma coisa rapidamente em
seu celular.
Ri, bufando da minha amiga.
Por mais que fosse difícil confessar, nas primeiras vezes que meu
celular tocou, depois que o deixei no shopping alegando ter coisas para
fazer, fiquei esperando que ele fosse falar algo. Se comunicar de alguma
forma, mensagem, postar nos stories que estava lendo, sinal de fumaça,
enfim, qualquer mínima coisa, mas não.
Ele sumiu.
Claro, eu não estava, de forma alguma, ansiosa por saber dele. Na
verdade, estava mais que convencida da desistência.
Havia sobrevivido sem nenhuma matéria até o momento, sem dúvida
podia seguir assim. Mas, caramba, ele podia, ao menos, avisar, não é?
— É o dentista delícia? — perguntei, observando Pietra que sorriu
para o aparelho como uma idiota apaixonada.
— Sim. — Franziu o cenho. — Acho que ele gosta mesmo de mim.
— E já marcaram alguma coisa? — Déa quis saber, se esgueirando
para ler sobre o que falavam. — Vão sair ou vão continuar se enrolando?
— Não estamos enrolando. — Minha amiga rolou os olhos. — Só
não queremos apressar nada. Hugo é um cara sensível e quer fazer as coisas
bem direitinho. Vamos sair com calma e, sem dúvida, terei uma noite de
princesa. Você, com certeza, vai ter muito material para escrever em meu
romance próprio.
Ri.
— Pode deixar, amiga. Prometo que sua mocinha e o galã terão uma
primeira noite daquelas. — Dei uma cotovelada de leve em sua cintura. —
Se seu dentista não fizer acontecer na vida real, certeza que no livro vai
valer muito a pena.
— Amiga — suspirou —, você acha mesmo que um homem como
aquele não saberá utilizar o material que Deus deu a ele? Sem dúvida, vai
ser fogo no parquinho a noite toda.
Rimos, enquanto Pietra, mais uma vez, respondia ao dentista delícia.
— Podíamos assistir a esse novamente, o que acham? — Andréa
pediu, puxando o controle da minha mão assim que o cursor passou por One
Tree Hill.
— Você só pode estar brincando — Pietra argumentou, roubando o
controle das mãos dela.
— Ei, eu sei que você também ama o Lucas. Preciso de um amor
sincero em minha vida, por favorzinho. — Fez um biquinho.
— Lucas é tão sem graça. — Rolou os olhos. — Tenho certeza de
que, um dia, você vai ver que Nathan é merecedor do seu amor.
Senti meu celular vibrar e, rindo da briga boba das meninas, não
estava preparada para o nome de Valentim e a notificação de mais três
mensagens estarem me aguardando.
Sorri ao ver a foto dele deitado no sofá, o livro em seu tronco
coberto por uma camiseta branca. A capa de Uma semana para se perder
contrastava com a escolha da roupa.
“Iniciando”, dizia a mensagem, seguido por um emoji de rolando os
olhos.
Mordisquei o lábio tentando conter um sorriso que queria formar-se
em meu rosto.
“Aproveite a leitura”, respondi, bloqueando a tela do meu celular.
Estranhamente, ansiosa para saber o que ele ia achar.
— Com quem você está falando? — Andréa perguntou, se
aproximando e espiando por cima do meu ombro.
— Com a menina dos banners. — Bloqueei rapidamente meu celular,
pondo-o de cabeça para baixo sobre a cama. Antes que ela pudesse pedir
para vê-los, peguei o controle dando play.
Puxei um travesseiro colando-o ao meu corpo. Suspirei, sentindo
meus braços se afundarem contra a espuma macia.
Era isso.
Ele não era ninguém e, sem dúvida, eu estava ficando louca por
pensar nele nesse momento.
Encostei a cabeça no ombro de Pietra enquanto assistia a Chad
Michael, o icônico Lucas, andando pela ponte com a bola de basquete
enquanto a primeira frase de I Don’t Want To Be tocava.
Ignorando o celular vibrando mais uma vez, tentei conter a
curiosidade para saber o que mais ele havia dito e me concentrar na vida de
Lucas. Afinal, ele era o único homem que deveria habitar nos meus
pensamentos por algumas longas horas de maratona.
Capítulo 10

Ponderei bastante em relação a qual das torturas da lista seria o


primeiro a me fazer sentir vontade de cortar os pulsos. Achei que começar
com algo que fizesse me lembrar, ao menos, de alguns dos clássicos que se
tornaram meus favoritos ao longo da vida pudesse ser menos pior.
Entretanto, clichê foi a primeira coisa que pensei após ler a
apresentação dos personagens.
Uma mocinha de boa família sentia que não iria se casar, nunca. Por
isso, fez uma proposta maluca ao cara mais irresistível da cidade para livrar
a irmã de uma furada. Eles sentiam uma clara atração. Um beijo forçado.
Compartilharam um momento especial e passaram a ter empatia pelo outro.
Previsível.
Com toda certeza, acabariam juntos já que, na primeira oportunidade,
o cara ia tirar a roupa da mocinha virgem — o que seria um terrível
tormento, levando em conta que eu não conseguiria desler as palavras depois
que meus olhos as captassem. Depois, por uma questão de honra, o homem
iria pedi-la em casamento, descobrindo, tempos depois, que estava
apaixonado.
Casamento por causa de uma noite de sexo. Zero romantismo e uma
forma de inserir o erotismo nos livros.
Onde estavam os pedidos grandiosos de casamento? O primeiro
olhar que faria com que o protagonista sentisse que a pessoa era especial, ou
ainda melhor, que os tornassem inimigos e, com o tempo, os levaria a
perceber que, na verdade, estavam apaixonados?
Perda de tempo esperar por isso.
E olha que foi fácil chegar a essa conclusão sobre a história sem nem
ao menos ter chegado ao fim do primeiro capítulo.
Esfreguei as mãos no rosto, sentindo-me um idiota por ser obrigado a
ler essa coisa. Duzentas e oitenta e oito páginas do mais profundo desespero
para mim.
Suspirei, jogando o livro ruidosamente na cama ao meu lado.
Será que se eu dissesse que li, ela perceberia? Afinal, eu já sabia
como as coisas se desenrolariam. Continuar a leitura só me faria perder uma
coisa muito importante nos dias atuais: tempo. Exatamente o que eu
precisava se quisesse escrever alguma coisa sobre aquela mulher terrível ou
seria a pior coluna da minha vida, tendo em vista que eu já a tinha na minha
lista de pessoas que eu desgostava por natureza.
O problema é que eu nunca tinha escrito uma coluna ruim e não daria
a ela o gostinho disso acontecer, e pior, de que fosse a primeira.
Valentin Fernandes era, certamente, o cara que todos amavam a
escrita e continuariam a gostar, ainda que eu tivesse que falar sobre pessoas
desagradáveis, como ela.
Desagradável, porém bonita.
Foi impossível conter o pensamento ao recordar-me da forma como
olhou para trás, tentando fazer com que os fios de cabelo desgrudassem
daqueles lábios que pareciam implorar por um beijo daqueles que os
deixassem tão vermelhos que não seria necessário nenhum batom para dar
cor àquela boca nunca mais.
Merda!
Esfreguei as mãos no rosto.
Não. Não mesmo.
Até porque, apesar da brincadeira, eu senti que a ameaça foi séria.
Se existia alguém que poderia mesmo arrancar minhas mãos, de alguma
forma, eu suspeitava que seria ela.
E, sem dúvida, ainda seria uma destruidora da felicidade dos meus
leitores a gostosa do caralho.
Balancei a cabeça em negativa.
Aquela mulher não saía da minha cabeça. E eu sabia exatamente
como isso funcionava, até que nós dois estivéssemos na horizontal... não, na
vertical... de quatro também servia... enfim, até que nós dois estivéssemos
pelados e praticando a melhor atividade física do mundo, eu não conseguiria
tirá-la dos meus pensamentos.
Maldita escritora.
Respirei fundo, chegando à conclusão de que o melhor que eu tinha a
fazer naquele momento era, com certeza, voltar a ler. Aparentemente, ou
meus olhos sofriam ou minha mente — e consequentemente meu amigo lá
embaixo.
Olhos. Com certeza, melhor os olhos sangrarem.
Abri o livro novamente passando os olhos pelas linhas de forma
dinâmica e finalizei o primeiro capítulo.
Que os deuses literários me ajudassem, pois, com certeza, eu
precisaria e muito.

Contive um bocejo que anunciava meu cansaço.


Por mais que meu corpo dissesse que precisava de descanso, minha
cabeça decidiu que precisava saber o que aconteceria no resto da história.
Era uma porcaria isso.
Não foi preciso muito para deixar a leitura dinâmica de lado para
realmente começar a prestar atenção na droga do livro. Apesar de achar
muitas situações inacreditáveis, o enredo em si não era dos piores.
O canalha não era simplesmente um cafajeste, mas um cafajeste com
princípios. E vê-lo tentar não sucumbir ao inevitável, era divertido. A
mocinha era uma geóloga, e isso foi uma enorme surpresa, especialmente se
levarmos em conta que, naquela época, mulheres deviam preocupar-se
apenas com serem boas donas de casa e garantir herdeiros aos seus maridos.
Eu gostava disso.
Esperava, a princípio, uma mulher frágil, recebi, porém uma garota
do tipo durona e que corria atrás dos seus sonhos.
No fim das contas, queria mesmo saber onde a aventura do mentiroso
patológico e da menina determinada ia terminar.
Levantei, levando o livro comigo, e caminhei até a cozinha.
Tinha um tamanho considerável. As paredes em tom de cimento e
marcenaria de linhas retas encaixavam-se completamente em uma bancada
de granito preto, com fogão e geladeira de aço inox, enquanto os armários
brancos deixavam o ar mais leve e moderno.
Caminhei até a bancada onde ao lado de uma torradeira, minha
cafeteira elétrica ficava com algumas cápsulas. Deixei o livro, pegando uma
para fazer uma xícara de expresso, mas acabei mudando de ideia.
Abri uma das portas do armário passando os olhos pelos potes até
encontrar o pó de café. Nada melhor do que aquela bebida quente no ponto
exato entre o doce e amargo, e coado na hora.
Abrindo outro dos armários, escolhi uma panela pequena e a enchi de
água, levando-a ao fogo em seguida. Parei, de frente para a bancada,
enquanto aguardava a água ferver, abrindo o livro na página onde havia
parado instantes antes, passando os olhos pelas palavras novamente.
Por mais que fosse difícil admitir, a escrita da autora era boa e,
apesar de ser um tanto previsível em alguns momentos, era impossível sentir
vontade de parar.
Maldita fosse aquela infeliz que agora me fazia perder uma noite de
sono.
Mesmo ouvindo o barulho da água fervendo, esperei finalizar o
capítulo antes de passar o café e, quando o fiz, tentei ser o mais rápido
possível.
Não demorou até que estivesse de volta ao meu quarto, com uma
xícara cheia do líquido amargo e fumegante, o maldito livro entre meus
dedos e chegando cada vez mais à conclusão de que terminaria, ainda essa
noite, a porcaria dessa história, ou não conseguiria fazer mais porra nenhuma
imaginando como a aventura na qual se enfiaram seria finalizada.
Mas, de uma coisa eu tinha certeza, todas as malditas cenas de sexo
que não deveriam estar ali naquela porcaria de livro, eu não leria.

— Não que sua cara seja agradável nos demais dias da semana, mas
hoje, especialmente, você parece péssimo.
Mathias sentou na cadeira vaga da mesa ao lado da minha, girando de
forma que ficasse sentado virado em minha direção.
Fiz como ele, girando a cadeira e ficando de frente para meu amigo.
— Fiquei acordado até quase os primeiros raios de sol surgirem,
lendo a porcaria do livro — admiti.
Mesmo tendo saído de casa no horário de sempre e ido tomar café
com meu pai, meu corpo parecia ter continuado na cama, de olhos fechados e
sem a menor vontade de viver.
Ele riu.
— É, eu sabia que algum dia uma mulher ainda mandaria em você.
— O que eu não faço pra manter esse trabalho, hein? — Recostei a
cabeça no apoio da cadeira.
— Mas, se não largou a história a noite inteira, pelo menos deve ser
boa, hein? — Deu um sorriso de lado, e eu tinha certeza de que queria me
sacanear.
— Uma porcaria, como eu sabia que seria — menti.
Por pior que me custasse admitir até para mim mesmo, a história era
mesmo muito boa. A forma como a autora mostrou o quanto às mulheres
eram desvalorizadas, sem ter as opiniões levadas em consideração e deviam
buscar um casamento, de preferência com vantagens financeiras foi, no
mínimo, interessante. O que me levou a pensar que, por mais que muitas
décadas separassem o período da história da década atual, muitos dos
problemas ainda pareciam os mesmos.
Profissões em que os homens são claramente mais valorizados,
recebem salários maiores, as quais mulheres ainda são recebidas com
olhares tortos e bocas retorcidas.
O livro havia me impressionado, mas eu preferia cortar um braço —
o direito para que eu pudesse continuar a escrever, claro — a admitir isso.
— Pelo menos, ela disse que você pode dar sua opinião sincera. —
Deu de ombros, imitando meu gesto anterior e encostando a cabeça no
descanso.
Pus a mão na boca para disfarçar o bocejo. Senti quando meu celular
vibrou no bolso.
Tinha que ser ela.
Havia avisado, ainda de madrugada, sobre a finalização da leitura.
Eram quase 10h e a mulher não deu o menor sinal de vida.
“E então, o que achou?”
“Sexo demais, livro de menos. Como eu disse, basicamente um
pornô.” Digitei, batendo o indicador no braço da cadeira, enquanto o
digitando aparecia logo abaixo do nome dela.
Pior do que dizer que a porra do livro era bom, seria ter que afirmar
que aquelas cenas eróticas também eram inacreditavelmente boas.
Puta que pariu.
O casal não transou de primeira. Foram, de capítulos em capítulos na
porcaria de preliminares que davam ainda mais vontade de que fizessem
sexo de vez. Até eu estava torcendo para que eles se trancassem em um
quarto, um banheiro, na porcaria do telhado de qualquer instalação e
chegassem aos finalmentes.
E, cada vez que eu pensava que EU, Valentim Fernandes, apaixonado
por livros de qualidade, havia chegado ao ponto de desejar que aquelas
malditas cenas que traziam vergonha ao mundo literário finalmente
acontecessem, me sentia angustiado.
Para piorar, cada maldita palavra foi lida.
Cada uma delas.
E, caralho, se tivesse tido a chance, teria colocado a porra da cena
em prática. Pior ainda, era ter a noção de que quando meu pau resolvia se
atiçar pelas cenas, era na mulher que, agora, digitava infinitamente, que eu
pensava.
Eu estava mesmo fodido.
“Tanta coisa na história e você conseguiu se ater apenas às cenas
de sexo. Sabe o que eu acho? Você estava ansioso por elas. Confesse que
gostou.”
Involuntariamente o canto esquerdo dos meus lábios se ergueu um
pouco em um meio-sorriso.
Ela não podia estar mais certa.
“Te disse. Isso nunca vai acontecer” devolvi, garantindo.
“É o que veremos.” Enviou, em seguida, uma carinha piscando.
— Tá falando com ela, né? — Mathias questionou, fazendo-me parar
a resposta no meio e olhar para ele rapidamente, apenas para vê-lo com um
enorme sorriso no rosto.
— Queria saber minhas considerações sobre a história.
Voltei os olhos para o aparelho em minhas mãos, finalizando a
mensagem e a enviando.
“Um livro foi lido. Podíamos nos encontrar para que você me
responda algumas perguntas. Afinal, uma coluna não é escrita em um dia,
e cada minuto que passa, são sessenta segundos perdidos. Lembre-se que é
a sua carreira em risco.”
Mais uma vez o digitando apareceu. Sumiu. Apareceu. Sumiu,
quando finalmente reapareceu, ela parecia mais disposta a dar uma resposta
definitiva.
— Sabe de uma coisa? — Mathias levantou-se, arrumando o blazer
que usava. Não respondi, ele falaria ainda que eu negasse. — Você, meu
amigo, está completamente fodido.
E essa era a parte ruim de ter amigos. Eles pareciam saber a verdade
sobre você, ainda que não fosse necessário o uso das palavras.
— Não sei do que está falando — menti, sentindo o aparelho vibrar
em minha mão. Olhei para a tela que agora anunciava duas mensagens e não
uma.
— Você vai trepar com ela. — Usou um tom não tão baixo, o que me
garantiu alguns olhares e um sorriso sugestivo de Marina que, com certeza,
acreditou que nossa saída para o jogo estava mais que certa e, ainda por
cima, acabaria na cama. O que, claro, se saíssemos, ia acontecer.
Devolvi a gentileza, sorrindo de volta.
— Desta vez você está enganado, Mathias — garanti. — Não vou
misturar as coisas. Vou me comportar como um maldito eunuco.
— Isso vai ser engraçado de ver. — Sorriu, dando as costas.
E deixando-me sozinho para, finalmente, saber o que aquela bruxa
que tinha adentrado meus pensamentos havia dito.
Antes de desbloquear a porcaria da tela, não pude deixar de pensar
na ironia da situação. Passaria os próximos dias lendo sobre sexo, falando
sobre sexo, e impedindo meu pau de praticar sua atividade preferida.
A vida, meus amigos, era mesmo uma tremenda filha da puta.
Capítulo 11

— Talitaaaaaaaaaaaaaa. — A voz do meu irmão ecoava enquanto ele


caminhava pelo corredor que o levaria até meu quarto. — Talitinhaaaaaa.
Estava jogada na cama, na televisão passava as imagens de um filme
qualquer que eu não assistia, mas mantinha ligada apenas para ouvir o som
de algo, enquanto eu conferia os banners que havia recebido.
Estavam mesmo lindos. Esperava que chamativos o suficiente para
atrair a atenção de leitores.
Quem dera só escrever um livro fosse suficiente.
Bloqueei a tela do meu celular esperando que meu irmão abrisse a
porta do quarto, o que não demorou de acontecer.
— Boa tarde, flor da tarde! — Nicholas tinha um enorme sorriso no
rosto, de quem estava realmente feliz por estar em casa.
— É tocante sua felicidade ao me ver — brinquei, vendo-o revirar
os olhos e se aproximar.
— É incrível como você acha que é a última gota de Coca-Cola
gelada do deserto, não é, garota? Estou feliz porque passei em meu quarto e
já vi minha cama. — Deu um peteleco em minha testa, antes de se jogar,
deitado, ao meu lado.
— Sabemos com quem eu aprendi a ser assim. — Pisquei para Nick
que sorriu, negando com a cabeça.
— Ai, como eu estava com saudade de estar em casa. — Fechou os
olhos, relaxando o corpo. — O que fez nos últimos dias, além de chorar de
saudade do melhor irmão do mundo?
Rolei os olhos, ainda que ele não pudesse ver. Mas era um
convencido mesmo.
— Pra ser sincera, nem notei que estava fora — menti. O sorriso em
seu rosto alargou-se, sabendo disso. — Aproveitei muito com minhas
amigas, escrevi bastante, surtei com o processo e agora espero conseguir
fazer com que meu corpo entenda que não precisa me fazer lançar outro livro
diretamente do banheiro.
Meu irmão riu.
— O livro já está todo pronto? Pronta para o grande dia se
aproximando? — quis saber, se mexendo um pouco.
— Em teoria, acabei sim. Vou reler e fazer a diagramação quando a
Déa me enviar esta noite. E não. Nem um pouco pronta. — Franzi o cenho
pensando em ter que ler, novamente, a história.
Não era à toa que, depois de lançados, eu demorava muito para reler
minhas próprias histórias. Até que o arquivo fosse publicado, eu já conhecia
cada palavra escrita de cor e salteado. Só lia novamente quando começava o
processo para transformá-lo em físico. Ler, reler, ler novamente depois da
diagramação para garantir que tudo está certinho.
— Me manda. Quando acordar, mais tarde, vou ler — pediu. Meu
irmão sempre lia meus livros antes de lançá-los.
Assenti, feliz.
Eu gostava que minha família se empolgasse em realmente ler,
comentar o que pensavam e contar aos quatro ventos que a filha/irmã era
uma escritora — de acordo com os parâmetros deles —, bem famosa, entre
os autores nacionais contemporâneos. Esse apoio, com certeza, me levou a
continuar correndo atrás do meu sonho até que conseguisse me estabilizar
como escritora.
— Mamãe quer nos ver em breve — comentei.
— Eu sei. Ela falou comigo. — Fez uma careta engraçada.
— Já sei, te falou sobre os netos dos quais tanto quer? — Ri, vendo a
careta em seu rosto.
— Eu nem saberia o que fazer com um bebê. Sério! Sem falar que
eles têm aquele negócio mole na cabeça e são pequenos demais. — Tremeu
o corpo como em um arrepio. — Nasci pra ser tio. Prometo ser o melhor do
planeta. Não, da galáxia!
Ri.
— É, acho que mamãe vai continuar só querendo, mesmo.
— Temos que reconhecer nossos limites. Eu seria um péssimo pai.
— Deu de ombros.
— Eu seria, com certeza, uma péssima pessoa para alguém se
apaixonar. Mas discordo, você seria um ótimo pai. Sempre esteve aqui
quando precisei, é muito mais que um irmão mais velho.
— Ser irmão mais velho é diferente de ser pai. E eu sempre estarei
aqui. — Belisquei sua cintura. — E você seria uma ótima pessoa para um
homem decente se apaixonar. Só precisa parar de achar que os homens
podem ser como nos livros.
— Ou seja, isso nunca vai acontecer. A mamãe nunca será avó
porque eu não daria, jamais, aos meus filhos, um doador de esperma como o
que tivemos.
— Não se você resolver ter uma produção independente. — Apertou
os olhos como se pensasse sério sobre o assunto. — Seria a solução dos
nossos problemas.
— Como assim? — perguntei rindo, já sabendo que me arrependeria
por querer entender o que se passava naquela cabeça oca.
— Se você tiver um filho, a mamãe vai ter um neto. Não vai mais
precisar de mim — falou, como se fosse a coisa mais lógica da vida.
— E como isso resolve os meus problemas? — Cruzei os braços,
aguardando a explicação épica.
— Você me ama. Então, se eu não tenho um problema, você está feliz.
— Sua cara de pau me assusta, Nick — falei, rindo da idiotice do
meu irmão.
— Não custa nada tentar. — Ergueu as mãos, como se tivesse feito a
sua parte. — Mas, pensando bem, a melhor parte de não ter planos de fazer
um bebê é, com certeza, seguir praticando com muito vigor. Pelo menos,
podemos garantir à mamãe que estamos tentando.
— Isso é verdade.
— Falando nisso, precisamos comemorar minha volta. Amanhã? —
Finalmente abriu os olhos, me encarando enquanto aguardava a resposta.
Nick e eu tínhamos uma rotina. Sempre que ele retornava, nós saímos
para nos divertir e, em geral, voltávamos para casa acompanhados.
O melhor de morar com Nicholas, era justamente que ele não era um
desses caras falsos moralistas que achava ter mais direitos a transar do que
eu. Inclusive, ele foi a primeira pessoa a quem contei quando tive minha
primeira vez.
— Amanhã, com certeza, será um bom dia. Vou precisar descontar a
raiva em alguma coisa. — Nick ergueu uma sobrancelha, mostrando que não
havia conseguido acompanhar. — Eu vou encontrar com o cara lá da coluna.
— Bufei, em desgosto.
As meninas haviam me convencido, pela manhã, que ele estava certo.
Era bom ter um tempo para refletir sobre o que aconteceria. Deixar para
cima da hora, poderia ser prejudicial para nós dois.
No fim das contas, acabei aceitando encontrá-lo para responder
algumas perguntas.
— O babaca que falou mal dos seus livros? — Ergueu uma
sobrancelha.
— Sim. — Fiz uma careta. — Ele me convenceu a deixá-lo escrever
a coluna.
— O bom é que você pode escrever um personagem para ele e
depois torturá-lo até a morte.
Mordisquei o lábio, sem saber se devia contar ao meu irmão que ele
já era, por mais que eu negasse, o protagonista da minha mais nova história.
Quem, em pleno lançamento, já estava com os dedinhos trabalhando? Eu era
muito louca. Mas o duque e a filha do seu sócio não paravam de falar
comigo. A história estava fluindo bem do jeito que eu queria, eles se bicando
e me divertindo com as tretas.
Entretanto, cada vez mais era possível ver Valentim nas atitudes do
meu personagem que não devia nem de longe ter semelhança alguma com
aquele homem terrível. Mas, como seria uma história para deixar na gaveta,
não tinha problema com essas coisas.
Ninguém leria, mesmo.
— A Pietra falou a mesma coisa — contei, franzindo o cenho. — Até
comecei a rascunhar algo. Tem me ajudado a sentir menos vontade de matar
o idiota.
— Bom, pelo menos você tem alguma forma de se livrar de quem te
atormenta. — Pareceu afundar mais o corpo na cama.
— Me conte quem está te irritando que eu juro que posso resolver
isso pra você. — Dei um cutucão em sua costela. — Acidente de carro?
Uma morte sofrida e lenta? Deixo até você dar sugestões.
Ele riu, balançando a cabeça em negativa.
— É só uma garota que está me fazendo de idiota. — Suspirou. —
Mas é aquela premissa, né? Se você não quer, tem quem queira.
— Isso aí. Você está proibido de ficar triste por causa de mulher.
Meu irmãozinho é bom demais pra isso, e se ela não te valoriza, ela quem
perde — falei, vendo-o dar um riso misterioso.
— E já decidiu? — perguntou, me encarando e aguardando uma
resposta para uma pergunta que eu nem sabia a que se referia. Ele percebeu
minha confusão, explicando melhor: — Como vai torturar o jornalista, no
livro — completou, depressa. — Lembra que torturar de verdade ainda é
crime.
Rolei os olhos.
Ainda não, mas com certeza seria algo bem doloroso. Decidi isso
depois que nos falamos pela manhã.
Valentim afirmava não ter gostado do livro, mas eu tinha certeza do
contrário. Havia escolhido as histórias a dedo. O cara é jornalista, afinal.
Com certeza, se interessaria pelos diversos temas abordados e pesquisaria
algo sobre o assunto.
Todo livro, afinal, nos ensinava algo.
Não demoraria para que ele deixasse o orgulho de lado e assumisse
isso.
— Tudo que sei, é que vai ser bem cruel. — Dei de ombros. — É
livro de época. Tenho bastante coisa à minha disposição.
— Isso vai ser divertido. Só tome cuidado quando for pesquisar as
formas de fazer isso, porque, maninha, imagina só se resolvem fazer uma
busca em seu histórico de navegação? — Parou um pouco, parecendo levar o
pensamento bem a sério. — Até que você consiga convencê-los que é uma
escritora e não uma criminosa que deveria passar anos e anos atrás das
grades pelos crimes mais insanos vistos pela sociedade brasileira.
Ri, porque esse era o medo mais real do autor.
— Ah, eu sei que meu irmão lindo vai me defender se, por acaso, um
dia isso acontecer.
— Oxe! Você tá doida? — Me olhou como se tivesse dito um
absurdo. — Se Pedro negou a Jesus, por que eu não posso fazer o mesmo?
— Irmão maravilhoso, hein? — Dei um tapa em sua barriga, rindo da
comparação com o apóstolo.
— Mas, me conte, como pretende torturar o jornalista?
As cenas de tortura anteriores voltaram, dessa vez com mais força.
Merda.
Tinha que mudar de assunto ou fazer qualquer coisa para limpar meus
pensamentos da porcaria daquele homem que havia grudado em minha mente
pior que Bel Marques gritando chiclete em plena avenida no Carnaval.
— Ah, não quero falar dele. Essa preocupação fica pra depois. Quer
comer alguma coisa?
Levantei-me, sendo seguida por meu irmão até a cozinha, onde
resolvi esquentar algo para comermos, contando sobre os planos de colocar
a matéria atrasada em dia, e como estava feliz por, finalmente, acabar a
faculdade.
— Meu Deus, passou um furacão por aqui? — Percebeu ao olhar a
cozinha que, realmente, estava um caos.
— As meninas dormiram aqui e eu estava com preguiça demais de
arrumar depois. — Fiz uma careta, olhando a pilha de pratos na pia que
parecia ter triplicado de tamanho.
— Ah, droga. — Soltou um suspiro ruidoso. — Se eu soubesse que
teria duas gostosas em casa me esperando, depois de quinze dias confinado
no mar, com certeza teria pegado a primeira viagem de helicóptero. Será que
as meninas topariam um ménage pelo bem de um pobre trabalhador
necessitado?
— Ah, sim. Um pobre trabalhador necessitado... Sei. — Rolei os
olhos.
— Você bem que podia escrever uma cena dessas, não é? Eu, Andréa
e Pietra, numa cama e...
— Pare com isso, Nick — Olhei para meu irmão, firme. — Você
sabe que minhas amigas são proibidas pra você.
Imitou-me falando, usando a mão como uma boca.
— Você podia ser mais generosa comigo. — Curvou os lábios para
baixo, fingindo estar abalado.
— Tô falando sério. Transar com um cara desconhecido, que
pegamos em uma balada, nos aplicativos e afins, é uma coisa. Transar com
irmão de amiga, certamente, é algo que dá problema.
— Chataaaa — cantarolou. — Agora, falando sério, imagina só um
protagonista com meu nome, intrépido, como eu. Tão forte, atlético e gostoso
quanto eu — ergueu os braços mostrando o muque —, na cama com duas
mulheres ao mesmo tempo? Sucesso de vendas, garanto.
— O preço que eu pago por ter ouvidos é alto. Olha o tipo de coisa
que preciso escutar, meu Deus. — Passei a mão no rosto, fingindo estar
espantada com o quão convencido meu irmão podia ser quando queria.
— Pense sobre isso. Juro que seria seu avatar e nem te cobraria para
ir à Bienal do livro com você, posar para fotos com suas leitoras. Acho que
isso te garantiria mais vendas, inclusive. — Deu um sorriso de lado. —
Devia pensar nisso, mana.
Ri.
— E olha só quem tá se achando a última gota de Coca gelada no
deserto, mesmo?
Deu de ombros.
— Você sabe que eu estou certo.
E pior que estava.
Desde que minhas amigas o descobriram, sonhavam em usá-lo como
protagonista de suas histórias. Mas, claro, ele jamais permitia que alguém,
além de mim, usasse sua imagem.
Enquanto começava a organizar nosso almoço, continuei ouvindo
meu irmão e divertindo-me com as histórias que contava.
Entretanto, ao sentir meu celular vibrar no bolso do meu short, meu
coração deu uma leve batucada de peito. De susto. Claro.
Alguma coisa me dizia que era ele.
E, por mais que tentasse negar, de alguma forma, eu estava na
expectativa para saber o que ele queria.
Exatamente por saber que estava ansiosa demais, me forcei a prestar
ainda mais atenção nas palavras de Nicholas.
Não permitiria, de jeito nenhum, que aquele cretino se enfiasse, mais
uma vez, em meus pensamentos.

Conseguia ouvir o som dos acordes de Do lado de cá perfeitamente,


mesmo estando a uma boa distância do pequeno grupo observando os últimos
raios de sol esconder-se atrás da linha do mar, ao mesmo tempo em que as
pessoas agradeciam, com palmas, a vida, o universo e, quem sabe, a Deus,
por presenciarem, mais uma vez, esse momento.
Por estarem vivas no fim de mais um dia.
Meus pés estavam molhados, pois momentos antes eu estava descalça
na areia, sentindo a água morna do mar brincar nos dedos dos meus pés.
Às vezes, eu gostava de vir aqui só para admirar mesmo. Para sentir
a brisa fresca, respirar um ar puro e me sentir próxima do mar.
O céu, ainda que o sol já estivesse completamente escondido,
possuía, em alguns lugares, pontos alaranjados, como se fosse uma pintura
aquarela, o que só comprovava que, a meu ver, esse era o momento mais
majestoso que a natureza era capaz de produzir.
O rapaz que tocava estava sentado a uma boa distância de mim e
tinha uma voz digna do top 1 das plataformas digitais. Embora estivesse
sentado, dava para notar que era bem alto, negro retinto e com lábios grossos
daqueles que nos faziam pensar logo em mil maneiras de aproveitá-los, os
ombros largos estavam parcialmente cobertos por camiseta deixando à
mostra os músculos dos braços.
Suspirei, já com o roteiro para o homem em mente. Um músico de rua
que viralizou nas redes sociais e engatou um romance com uma produtora
musical, ex-namorada de um cantor famoso que queria fazer de tudo para
reatar a relação, inclusive, foder com as chances do cara conseguir apoio de
uma gravadora. Afinal, quem não gosta de um vilão para odiar?
As palmas foram cessando aos poucos e, assim, a única coisa que
podia ouvir era o barulho das ondas chocando-se contra as pedras, levantei-
me, passando as mãos no fundo do meu short, tentando evitar que pedaços de
grama ficassem presos à minha roupa.
Peguei o celular para pedir um carro pelo aplicativo, porém enquanto
digitava o nome da rua onde morava e antes que pudesse processar o que
estava acontecendo, ouvi um grito distante quase que ao mesmo tempo que
um baque em minhas pernas fez com que eu me desestabilizasse e fosse parar
no chão. Em seguida, lambidas e latidos no meu rosto.
— Loki! Ai, caralho!
A voz inconfundível me fez ter vontade de que o chão se abrisse e me
engolisse por alguns segundos.
Sério, Deus?
— Com tanta gente no mundo, é claro que meu cachorro ia escolher
você para brincar. — Deu um sorriso enigmático. Sim, eu escrevia,
literalmente, sorrisos em meus personagens, logo, odiava não saber o que a
porcaria daqueles lábios levemente estendidos na lateral esquerda queria
dizer. — Você tá bem? — o homem perguntou, tentando regularizar a
respiração já que, ao que parecia, tinha corrido para chegar até aqui e
segurando a guia do cão, tentando fazer com que ele parasse de lamber meu
rosto. As faces estavam coradas pelo exercício, os cabelos empapados de
suor e algumas gotas desciam pela testa. Pela expressão em seu rosto,
parecia um tanto sem jeito pelo acidente.
Levando em consideração que tinha caído como uma jaca madura no
chão na frente da única pessoa do universo de quem eu desgostava
absurdamente, não, minha autoestima tinha sofrido um enorme abalo.
— Depois de ter sido atacada? Vou sobreviver — respondi, um
pouco mortificada com a quantidade de pessoas que haviam se voltado para
prestar atenção na cena.
Fiz uma careta ao tentar levantar depois que ele conseguiu segurar o
cachorro, sentindo um pouco de dor no cóccix e quase sorri ao pensar que
essa seria uma cena interessante para acontecer com meu duque e sua futura
esposa, a senhorita Semog.
Valentim firmou a mão na guia, trazendo o cão para mais perto do seu
corpo para que eu pudesse levantar e estendeu a mão em uma tentativa de me
ajudar, mas, ao tentar, o cachorro avançou novamente quase derrubando o
dono, dessa vez, em cima de mim.
— Quieto, Loki — falou, firme, mas acariciando a cabeça do enorme
dálmata. Eu nunca tinha visto um pessoalmente. O mais próximo que havia
chegado de um cão da raça, foi assistindo a 101 Dálmatas na infância ou,
mais recente, Cruella. — Ele não te atacou. Só queria brincar com você.
Infelizmente, meu cachorro não tem demonstrado um bom gosto em suas
escolhas, ultimamente.
— Deve ter começado quando se juntou a você. Certamente odeia os
autores, assim como o dono — retruquei.
Analisei, por alguns segundos, a mão estendida em minha direção,
deixando clara a intenção de me ajudar a levantar, mas pensando em quanto
tempo levaria para que o cachorro derrubasse nós dois, dessa vez.
— Você está bem? — Um homem mais velho, e estranhamente
familiar, se aproximou de nós dois, parecendo genuinamente preocupado,
erguendo a mão.
Aceitei.
Não podia desfazer da gentileza gratuita de alguém realmente gentil.
— Estou sim. — Sorri, um pouco sem graça depois de conseguir
ficar de pé, passando a mão no fundo do short para limpá-lo. O cachorro
continuava a forçar o corpo para frente, como se quisesse me cumprimentar.
— Foi só um susto, não é, bonitão?
Abaixei-me para acariciar a cabeça do cachorro que parecia ansioso
por um pouco de atenção. Ele latiu, feliz, com o contato.
— Talita, você está bem mesmo? — Valentim perguntou, parecendo
preocupado, passando os olhos pelo meu corpo atentamente como se
quisesse garantir que eu estava sendo sincera. — Quer ir ao hospital ou algo
assim?
Ergui meu corpo, encarando, pela primeira vez de verdade, o homem
à minha frente.
Minha boca ficou seca e eu quase suspirei.
Quase.
Foi preciso lembrar que eu o detestava para conter o ato
involuntário. Valentim usava uma camiseta preta e sem mangas, short e tênis
casual. Estava um pecado ambulante.
Será que ninguém podia prender esse homem por atentado à sanidade
feminina? Porque, de repente, se ele não fosse ele, eu teria dado uma moral.
— Vocês se conhecem? — o homem, que agora passava as mãos na
cabeça de Loki, quis saber.
— Ah, ela é a... — Valentim parou, procurando as palavras —
...sabe, a escritora de quem te falei, pai.
Claro! O pai dele!
Valentim já tinha postado foto com ele nas redes sociais. Eu devia ter
reconhecido o homem. Afinal, até alguns dias atrás, era meio que stalker do
cretino.
— Talita, esse é meu pai, Antônio.
Dei o sorriso mais sem graça, já visto pela humanidade.
Se Valentim era um preconceituoso, o pai devia ser pior.
— A que você disse que vende sexo? — questionou, diretamente ao
filho.
Tô dizendo?
Uma maçã não podia cair não longe do pé.
Por um segundo, trinquei os dentes com raiva, abrindo a boca em
seguida pronta para começar a falar sobre como os dois eram idiotas. Não
tinha a intenção de levar nenhum outro desaforo para casa.
Entretanto, ele sorriu.
Não um sorriso presunçoso, ou que denotasse estar rindo da minha
profissão, mas como se estivesse admirado.
— Sim, sou a escritora que vende sexo — retruquei, com o queixo
erguido, o que fez com que o homem alto e já grisalho à minha frente,
sorrisse, de verdade.
Ergueu a mão em minha direção e eu aceitei o gesto.
— Antônio, como dito anteriormente, pai do cara que não gosta de
vendedoras de sexo, mas juro que não me importo com isso, se cada um
puder ler o que gosta e o respeito reinar. — Balançou nossas mãos unidas,
mas sorrindo. — Ouvi falar bastante de você.
Sorri. Gostei dele.
— Muito mal, eu imagino. — Semicerrei os olhos na direção de
Valentim, que pareceu repentinamente sem graça. — Seu filho me tem em
baixíssima conta, já que, para ele, eu ajudo a promover a imoralidade do
país.
Valentim gemeu, contrariado.
— Não foi exatamente isso que eu disse — contestou.
— Algumas das opiniões do meu filho devem ser descartadas. Em
especial, as que levam em conta assuntos sobre os quais ele não
compreende. — Fez um gesto, deixando claro que devia ignorar Valentim. —
Soube que tem feito meu filho abrir a mente em relação à leitura. Acho que te
devo um agradecimento.
— É um pouco demais colocar as coisas dessa forma, pai. — Tentou
interromper, mas foi ignorado por nós dois.
Meu Deus, como podia pai e filho serem tão distintos?
Pior! Como podia um homem que deveria ser conservador, na
verdade, ter a mente mais aberta que um cara jovem, viajado e que devia ser,
o mínimo, esclarecido, como Valentim?
— Enfim, estou feliz que esse cara tenha a chance de experimentar
algo novo. — Seu Antônio sorriu para mim, piscando em seguida. — Não
sei se Valentim te contou, mas eu escrevo poemas.
— Sério? — Sorri, animada, para o homem. Eu adorava conhecer
escritores nacionais, em especial, que fossem da mesma região que eu. — O
senhor tem algum livro publicado? Talvez, eu possa ter em minha estante.
Mordisquei o lábio inferior visualizando os nomes de autores em
minha estante. Infelizmente, nenhum com o nome do homem.
— Não. Não tenho talento para tanto. Só mesmo alguns cadernos
velhos e rabiscados em casa. Escrevia para minha falecida esposa, que Deus
a tenha.
Fez a cruz, batendo o indicador na testa, tórax, e dos dois lados dos
ombros, beijando a ligação entre o indicador e polegar depois.
— Sinto muito por sua perda.
Nunca havia, na vida real, perdido alguém que amava. Entretanto, já
havia escrito sobre mortes o bastante para saber como era doloroso o
processo de perda e luto.
Valentim mudou a posição, ajustando o peso do corpo para a outra
perna, parecendo incomodado com o assunto em questão. Talvez preocupado
que eu pudesse levar o pai para o mau caminho.
— Já faz tempo. — Deu um sorriso murcho indicando que,
independentemente do tempo, a dor ainda estava lá. — E você? Pelo que sei,
estou diante de uma grande estrela da literatura nacional.
Senti meu rosto corar.
— Eu não colocaria dessa forma — falei, desconfortável, sentindo o
olhar quente de Valentim sobre meu corpo, como se me inspecionasse.
Foi impossível controlar minha respiração, que pareceu falhar.
— De acordo com o que ouvi, é por esse caminho, sim. — Sorriu. O
gesto transmitia, não sabia explicar por qual motivo, uma paz. Talvez fosse
por conta do tom de voz tranquilo e confortável. — Se tiver um tempinho
para um velho que adora história, gostaria de saber como descobriu o
caminho das palavras.
Apontou para a parte da rua com pequenos estabelecimentos onde
poderíamos nos sentar e comer alguma coisa enquanto conversávamos.
— Eu...
Estava prestes a aceitar, mas lembrei que isso era exatamente o que
Valentim precisava. Descobrir alguma coisa sobre mim. Pelos poucos
segundos que passei em sua frente, usar um senhor gentil para conquistar
algo que queria muito, seria exatamente o tipo de coisa que faria.
— Entendo se não puder. — Sorriu, gentilmente. — É tão raro
conhecer algum escritor vivo. Os que ocupam espaço em minha estante,
infelizmente, nem chegaram, em sua maioria, a viver no mesmo período que
eu, para que pudesse conversar. Se estiver com tempo, podemos tomar um
suco, talvez.
Ai, merda.
Como negar, agora?
Hesitei um instante, olhando para a tela do meu celular. Não estava
tarde, podia muito bem ficar alguns minutinhos com o senhor, não é? Era só
ignorar o filho que tudo sairia bem com o pai.
— Se tiver algum compromisso, não quero te incomodar...
— Ah, não — falei, querendo bater em mim mesma por dentro. —
Podemos conversar, sim.
Seu Antônio ergueu o braço, indicando que eu devia ir à frente, e
acompanhou meus passos em seguida. Valentim vinha um pouco atrás, com o
cachorro fazendo companhia, já mais calmo. Embora não falasse, estava
atento a tudo que era dito.
Fomos atendidos logo que sentamos e, para o meu completo alívio,
gostei ainda mais do senhor Antônio. Era um homem divertido, encantador e
completamente diferente do filho. Mal tinha notado o tempo passar ouvindo
suas histórias e compartilhando minhas experiências.
Valentim falou pouco e Loki, diferente de momentos antes, não tentou
me atacar nenhuma vez. Muito pelo contrário, ficou bem quietinho,
aconchegando-se aos meus pés e recebendo, muito feliz, alguns carinhos em
sua cabeça. O dono do cachorro, por sua vez, pareceu espantado com o
animal e, vez ou outra, eu o pegava me encarando. Algumas vezes, parecia
só tentar me entender, outras, parecia avaliar meu corpo.
Por mais que me custasse dizer, eu gostei.
— Imagine só o orgulho que você deve sentir ao pegar seus livros
nas mãos? — falou, depois de me ouvir por alguns minutos explicando o que
era a publicação digital e como funcionava a publicação independente, como
eu costumava fazer com meus livros físicos. Contei sobre os perrengues que
já passei e como fui, aos poucos, encontrando meu caminho e conquistando
leitores. — Minha esposa sempre dizia que eu devia publicar meus poemas.
Imagine só meu nome em uma capa de livro.
— Ainda há tempo, pai — Valentim falou, olhando carinhosamente
para o homem. Nas poucas vezes em que abriu a boca, sempre tinha uma
palavra de ânimo e incentivo para o pai. O que, tinha que confessar, eu
achava fofo.
— Não. Já passou da minha época. — Deu de ombros. — Isso é
coisa para os mais jovens. Além do mais, hoje em dia as pessoas não devem
gostar de poemas.
— Claro que gostam! Tenho alguns exemplares em casa e conheço
vários leitores do gênero — garanti, sorrindo. — Se o senhor quiser, eu
posso te dar algumas dicas, ajudar no que for necessário para fazer esse
sonho acontecer.
— E te fazer perder tempo comigo? — Balançou a cabeça em
negativa, como se fosse um abuso grande demais.
— Vai ser um enorme prazer, eu juro — falei séria, pousando as
mãos sobre as dele. — Nunca é tarde para realizar um sonho e, se o senhor
quiser, posso te ajudar com isso. Não será incômodo algum. Muito pelo
contrário.
— Considerarei a proposta — respondeu, não senti tanta firmeza,
mas eu tinha certeza de que ele toparia. Ninguém resiste à possibilidade real
de alcançar um sonho.
Seu Antônio pediu licença, deixando-me sozinha com o filho.
Ficamos em silêncio por algum tempo, enquanto eu esperava o homem
retornar para me despedir. Precisava mesmo ir para casa.
— Obrigado por isso — Valentim interrompeu o silêncio, de repente.
Franzi o rosto, deixando claro que não fazia ideia do que queria dizer. —
Por incentivá-lo. Foi importante para ele.
— Não foi nada. — Dei um sorriso fraco, achando fofa a maneira
como ele queria que o pai realizasse seu sonho. — E, se serve de consolo,
não pretendo corrompê-lo.
Passou o polegar pelo lábio inferior, com um sorriso brotando em
seu rosto.
Por algum motivo, meu estômago revirou.
— Não estou preocupado com isso — garantiu. Era engraçado como
conseguia simpatizar com o homem por alguns instantes e, em seguida,
detestá-lo novamente. Com certeza, jamais deixaria o homem escrever algo
que julgasse imoral. — Eu comecei o outro — confessou, parecendo
surpreso por ter soltado as palavras em seguida.
— Qual? — perguntei, surpresa, mas também, de alguma forma,
satisfeita com a revelação. Meu coração pareceu se aquecer um pouco com a
notícia inesperada. Talvez o homem estivesse, realmente, empenhado.
— O da modelo. — Assenti. Além das Aparências.
— O que está achando? — Ergui uma sobrancelha para ele, em um
desafio mudo a dizer que era só sexo.
Definitivamente, os temas abordados na história eram de uma grande
relevância para a sociedade, mas, infelizmente, pouco discutidos. Como, por
exemplo, quem inventou que toda mulher havia nascido para ser mãe. Além
do mais, tinha o Vítor, assim como ele, um jornalista.
Certeza de que havia se identificado. A grande diferença era que o
Vítor era um homem maravilhoso que conquistou meu coração, enquanto
Valentim ainda precisava evoluir muito na vida, era um cretino detestável.
Valentim chegou um pouco para frente, fazendo com que o corpo
ficasse mais próximo do meu. Os ombros largos evidenciados, assim como
os músculos bem à mostra, já que usava roupa de atividade física.
O ar pareceu ficar tão denso, que seria possível pegá-lo, e meu corpo
pareceu esquentar rápido demais com a proximidade inesperada, fazendo-me
sentir uma comichão em um lugar muito específico lá embaixo.
Uma brisa resolveu passar bem naquele momento.
O homem era um tesão, e cheiroso pra caralho.
Ei, Deus, dá uma ajudinha aqui, né? Ele podia ter, sei lá, mau
hálito.
Valentim pareceu sentir o mesmo que eu. Seus olhos ficaram um
pouco mais escuros e dilatados. Quase em brasa, enquanto me encarava de
volta.
— Te respondo quando você falar comigo. — Deu uma risada de
lado, descendo o olhar por meu corpo.
Semicerrei os olhos em sua direção.
— Levando em conta que falei um monte agora, tenho certeza de que
já possui muito material. — Ergui a sobrancelha. — Mereço saber sua
opinião.
— Você falou com meu pai, não comigo, escritora. — Piscou.
— Seus ouvidos, infelizmente, estavam aqui, jornalista.
— Mas foi a sua boca que não parava de falar, não te obriguei. — O
olhar desceu para meus lábios, fixando-se neles por tempo demais.
A atmosfera, por alguns instantes, pareceu ficar mais pesada.
Valentim não falou nada.
Nem eu.
Ficamos ali, por alguns segundos, mas que pareceu tempo demais,
apenas nos encarando. Olhos nos olhos. Olhos nos lábios. Língua
umedecendo lábios. Respirações completamente alteradas.
Ele abriu a boca para falar alguma coisa e, com certeza, seria uma
resposta daquelas que ele considerava sacana, pela forma como sorriu.
— Pronto. — A voz de seu Antônio nos trouxe de volta para a
realidade, antes que ele pudesse ter dito algo. — Já paguei a conta.
Valentim limpou a garganta.
Eu passei a mão pelo rosto.
Que merda foi aquela?
QUE MERDA FOI AQUELA?
Levantei, avisando que chamaria um carro. Seu Antônio fez questão
que me deixassem em casa.
Infelizmente não pude negar.
Acabei quase não falando durante a volta, mas minha mente não
parava de repassar aquele rápido momento que tivemos.
Foi um momento.
Só um momento.
Com certeza, eu precisava de sexo. Não com ele, claro. Mas, poxa, o
cara era lindo, e eu estava trabalhando tanto, que mal tive tempo de ficar
com alguém.
Era isso.
Eu ia transar, e aquele tipo de momento, com ele, nunca mais
aconteceria.
Nunca mais.
Capítulo 12

Três e quarenta da manhã.


Vou repetir.
T R Ê S E Q U A R E N T A D A M A N H Ã.
Eu não conseguia, simplesmente, largar o livro. Nem lembrava que
havia um homem sem camisa na capa e a única coisa que eu queria era
devorar a história completamente.
Havia terminado o outro livro poucas horas antes. Fui parando em
alguns momentos para realizar pesquisas sobre o assunto e fazer algumas
observações nas laterais das páginas.
Além das Aparências contava a história de uma mulher que, contra
tudo aquilo que a sociedade tenta pregar, não tinha o desejo de ser mãe e
entregou o filho, fruto de um abuso sexual, para adoção.
Peguei-me pensando um pouco sobre o quesito. Em geral, nos filmes,
novelas, comerciais, vemos as famílias tradicionais, mães alegres, felizes e
realizadas. Somos levados a crer que todas as mulheres almejam ser mãe, e
pior, que apenas depois do casamento e filho, uma mulher pode ser vista
como completa diante da sociedade.
Sou curioso. Gosto de investigar fatos.
Pesquisei e descobri que era uma realidade de muitas. Entretanto,
falar sobre, sempre foi tabu. Em geral, eram criticadas. Se fosse em outros
tempos, certamente seriam queimadas em fogueiras como as bruxas.
Anotei em meu bloco de notas o nome de alguns artigos sobre as
mulheres que entregavam os filhos para adoção, assim como frases absurdas
que costumavam ouvir ao revelarem a falta de desejo em relação à
maternidade. Coisas como “Mulher nasceu para ser mãe”, “Quem vai cuidar
de você quando ficar velha?”, “Está fugindo de sua responsabilidade
social”, “Você é egoísta por não querer ser mãe”, e muitas outras frases
absurdas.
Chega a ser engraçado pensar que um homem, quando diz que não
quer ser pai, é respeitado. Entretanto, uma mulher só pode ser considerada
“útil” para a sociedade depois que se torna mãe.
Além disso, a história abordou também abuso sexual, uma prática,
infelizmente, que crescia muito em nosso país. Quantas mulheres e crianças
eram vítimas desse crime por anos e, em muitos casos, acabavam não dando
em nada?
Quando a revolta ao me dar conta da gravidade das situações que o
livro retratou começou a diminuir, peguei o outro livro e, caralho!
Eu só queria abraçar os negros deste país.
Aliás, isso nem deveria ser considerado um livro, mas uma
emocionante aula de história.
Nunca fui um idiota alheio aos assuntos do mundo. Sabia sobre o
racismo, o preconceito, me incomodava e causava revolta por saber o que
acontecia com outras pessoas. Entretanto, lendo a história de André, foi
como se conseguisse sentir na pele exatamente as situações que ele passou.
No livro, André, um homem negro que perdeu os pais quando
criança, se tornou diretor financeiro de uma grande empresa e começou a
namorar com Gabi, uma menina branca. Logo, a família dela era contra o
relacionamento. A princípio, pensei que fosse exagero da autora, afinal,
estamos no século XXI. Ninguém seria babaca o suficiente para ser contra
uma relação por conta da cor da pele, mas, logo caí do cavalo.
Sim. Encontrei relatos sobre pessoas que passaram a ser
menosprezadas pela família por conta da cor da pele do parceiro. O livro
também promoveu discussões importantes, sobre promoção de políticas
públicas que visavam erradicar o racismo no país, sobre a importância das
cotas que, diferente do que muitos pensavam, não eram para favorecer um
grupo, mas sim uma forma tardia, diga-se de passagem, de tentar reparar a
falta de acesso a uma educação de qualidade que muitos tiveram.
Sem contar também a menção à “abolição da escravatura” que não
necessariamente aconteceu, já que, quando os escravos foram libertos
também foram deixados à própria sorte. Sem emprego, moradia,
alimentação, acesso à educação, sendo marginalizados, como se não
existissem.
Chegava a ser cômico pensar que os livros, como ela mesma havia
me dito em nosso primeiro encontro, tinham o poder de trazer informações
que, muitas vezes, não teríamos acesso de outras formas, ou não nos
levassem a refletir tanto, sem nos colocar no lugar da pessoa.
Para além do racismo, o livro ainda abordou temas como
endometriose, adoção e abuso infantil. Meu pai estava mesmo certo. Julgar
sem conhecer era um enorme erro.
Agora, ansioso para saber onde a história me levaria, com certeza,
não conseguiria largar o bendito livro até chegar ao fim.
Já não estava lendo por causa do trato que fiz com Talita, mas por
vontade de conhecer mais sobre o assunto. De pesquisar e de, com certeza,
abordar esses temas na minha coluna. ONGs, associações, abrir um espaço
para que pessoas reais que passavam por situações reais perseverando e
alcançando seus objetivos também pudessem participar do Merece Destaque
inspirando outras pessoas.
Tudo isso graças à vendedora de sexo.
Um sorriso se formou em meu rosto ao pensar nela. Havia sim ficado
um pouco incomodado com a forma como meu pai estava a ouvindo e
pensando sobre lançar seu livro. Coisa que, há anos vinha tentando
convencê-lo a fazer, mas o homem não me escutava. Entretanto, bastou a
Talita sugerir, e ele ficou todo animado.
Tudo bem. Não podia culpá-lo, no fim das contas. A mulher, quando
abria a boca para falar, parecia uma sereia, hipnotizando-nos com seu canto.
Embora não tenha sido uma entrevista formal, eu gostei de ouvi-la contando
sobre como começou a trabalhar com livros.
Gostei, especialmente, de como seu sorriso se abria para quase tudo
que meu pai falava. De como se dispôs a ajudá-lo, mesmo que nunca o
tivesse visto antes, e pior, mesmo sendo meu pai. Da sua paciência em
explicar processos.
Mas, o momento em que em mais... não sei se gostei era exatamente a
palavra que caberia. Talvez sim. Foi quando, naquela rápida troca de farpas
já comum, nos aproximamos e estivemos a milímetros de enfiar a língua um
no outro. Eu, claro, a queria. Meu amigo lá de baixo me alertava sobre isso
desde que a vi pela primeira vez, porém hoje ficou claro que, embora eu não
fosse sua pessoa preferida no mundo, existia uma atração entre nós dois.
Talita era inteligente, divertida, dona de uma sensualidade sem
tamanho e, com certeza, uma das mulheres mais gostosas que eu tinha visto
na vida. E aquela boca? Só de pensar naqueles lábios envolvendo meu pau,
cacete.
Salvador nem era uma cidade tão grande, como raios eu não esbarrei
com ela em algum barzinho antes?
Eu ia amar vê-la chamar meu nome enquanto a conduzia até o ápice.
Porém ela já me odiava.
Começamos com o pé esquerdo e eu podia ter sim, parte da culpa.
No fim das contas, depois das coisas que eu havia dito sobre sua profissão e,
eu confesso que depois de ler essas histórias, talvez tenha sido um pouco
injusto, levá-la para cama seria uma missão impossível, ainda que eu fosse o
próprio Tom Cruise.
É como eu costumo dizer: a vida é uma filha da puta.
Mas, pelo menos, dessa vez eu tinha meus livros.

— Valentim, agora — Antonella chamou da porta de sua sala,


fazendo com que eu sobressaltasse em minha mesa.
O rosto amassado tinha marcas das dobras da camisa por conta do
braço que usava como travesseiro.
Estava exausto.
Não era mais um jovem que podia passar a noite inteira acordado,
sem sentir-me cansado no dia seguinte.
Pus a mão na boca para disfarçar um bocejo, o que não deu certo.
Minha boca se abriu tanto quanto a de um hipopótamo.
Caminhei lentamente até a sala da minha chefe que não tinha uma
expressão de contentamento ao me ver.
— Posso saber o que você está fazendo? — perguntou, antes mesmo
que eu tivesse tido a chance de fechar a porta para levar a bronca com
dignidade.
— Exatamente o que você me pediu — retruquei, sentando na cadeira
em frente à sua mesa.
Ela riu, achando graça.
— Não me lembro de ter, em momento algum, te pedido para dormir
em minha redação.
— Segundo me consta, pediu que eu contornasse a situação com a
vendedora de sexo, ela me impôs condições, e eu tenho que cumpri-las, caso
contrário, perco meu emprego.
Fechei a mão, pondo-a contra minha boca enquanto bocejava
novamente, mas, dessa vez, com a boca fechada.
Merda. Que sono.
Nem os três copos de café que já havia tomado logo depois de um
banho tão frio quanto o inverno europeu, conseguiram fazer com que meu
corpo despertasse.
Antonella inspirou o ar por tanto tempo que cheguei a cogitar que os
pulmões poderiam explodir ao se inflarem tanto.
— E como anda o progresso? — perguntou, enfim.
— Bem, poderia dizer. — Dei de ombros. — Três dos cinco livros
que ela escolheu para mim estão lidos. Hoje à tarde vamos nos encontrar
para a primeira parte da entrevista.
— Por favor, Valentim, me diga que está levando esse trabalho a
sério.
Ri, movendo a cabeça para os lados.
Sério isso?
— Antonella, eu estou lendo livros de sexo. Você realmente acredita
que existe alguma chance de não estar levando isso a sério?
Minha chefe ergueu os lábios em um riso contido, cruzando os braços
e aconchegando-se no encosto da cadeira.
— E então, aprendendo muito? — O brilho divertido em seu olhar
não deixava nenhuma dúvida sobre qual era o assunto do seu interesse.
Cheguei meu corpo para frente, pousando os cotovelos em sua mesa.
— Você acredita se eu te disser que sim? — Arregalou os olhos,
parecendo ser pega completamente de surpresa com a minha revelação. —
Não da forma que você está pensando, claro. Quanto a isso, tenho um dom
natural. Mas, sabe aquela sensação de quando saímos da faculdade e
pensamos que podemos mudar o mundo inteiro com a nossa voz por ver o
quanto o mundo pode ser cruel e prometemos fazer o melhor com essa
oportunidade que nos foi dada?
— Está pensando, por acaso, em uma coluna sobre conselhos
sexuais? Porque, por mais que seja a sua cara...
— Não, não. Nada disso — interrompi, soltando o ar com força em
seguida. — Na verdade, as histórias falaram sobre assuntos que, bem...
talvez possamos fazer algo a respeito, sabe?
Contei à Antonella então sobre os roteiros, os temas abordados e que
havia feito algumas pesquisas sobre os assuntos. Expliquei sobre minha
ideia de que, de alguma forma, nós podíamos também aproveitar nosso
espaço para informar ao leitor, e, ao mesmo tempo, apresentar pessoas que
podiam inspirá-las a superar seus limites, correr atrás dos seus sonhos,
apresentar histórias que poderiam fazer com que a população se
identificasse, se motivasse, buscasse, de alguma forma, equidade e respeito
entre todos. Acessibilidade, racismo, homofobia, sobre a importância de
políticas públicas, de termos mulheres assumindo posições e profissões nas
mais diversas áreas, mas tudo com leveza. De uma forma acessível e
divertida.
Por alguns instantes, depois de me ouvir, ela permaneceu em
silêncio, encarando-me. O rosto tão sério e impassível que não seria capaz
de identificar seus pensamentos.
Tirou os óculos do rosto, esfregando os olhos. Os pôs em cima da
mesa, e riu.
— Se eu soubesse que acrescentar erotismo à sua vida o tornaria
mais eficiente, teria, eu mesma, encomendado alguns desses livros para
você.
— Entenda bem — ergui o indicador —, não estou dizendo que eu
gostei. Disse que, diferente do que pensei, os livros, de fato, trazem
informações que em geral são ignoradas pela população. Quando que eu
conseguiria entender tão bem o que é a endometriose, e perceber que muitas
mulheres possuem, sem nem ao menos saber?
— Eu gostei disso, Valentim — falou, parecendo um pouco
orgulhosa. — Se fosse te dar um conselho, diria para não parar de ler esses
livros, nunca.
Sorriu, tirando onda com a minha cara.
— Felizmente, conselho a gente dá a quem pede, e eu não me lembro
de ter solicitado nenhum.
— Então aqui vai mais um conselho não solicitado: eu ainda faço o
pix, então quando quiser dar um conselho, você ouve sem reclamar. —
Piscou para mim.
— Espere — pedi, pegando meu celular do bolso —, pode repetir?
Acho que isso configura como abuso de poder. Quando te ganhar em um
processo, posso simplesmente comprar isso aqui, te tornar minha funcionária
e enviá-la para uma reportagem em uma pequena cidade escondida no final
do mundo. Talvez a envie até com passagem apenas de ida.
Antonella revirou os olhos, antes de colocar os óculos novamente no
rosto.
— Vai pra casa dar um jeito nessa cara, Valentim — falou,
gesticulando de forma a deixar claro que estava me expulsando. — Não
quero que Talita pense que você está assim, desleixado, apenas por ser uma
entrevista com ela.
E, por um instante, eu fiquei animado por saber que, em algumas
horas, eu iria vê-la.
Isso não era mesmo bom.
Capítulo 13

Soltei o ar com força assim que a portaria me ligou para confirmar se


estava à espera de alguém chamado Valentim Fernandes.
Infelizmente, sim.
E dessa vez eu não estava descontente em encontrá-lo apenas por ser
ele, mas por aquele homem que se achava o centro da moral literária ter
ultrapassado todas as fronteiras do aceitável quando resolveu se instalar nos
meus sonhos.
NOS MEUS SONHOS.
Sério isso?
Aqueles lábios estavam muito ocupados no meio das minhas pernas,
enquanto as mãos apertavam de forma excitante meus seios. Podia recordar-
me perfeitamente da expressão de prazer em meu rosto quando ficava cada
vez mais perto de gozar.
Infelizmente, meu despertador tocou no exato momento em que
chegava ao clímax.
Felizmente, meu despertador tocou, quero dizer.
Vê-lo, certamente não faria nada de tão bom assim à minha mente que
já andava afetada por aquele babaca, e eu não conseguia entender isso.
Valentim estava muito, muito, muito distante do meu tipo de homem.
Não fazia o menor sentido pensar nele e desejá-lo daquela forma. A não ser
por uma coisa: carência.
Os últimos meses foram tão dedicados a trabalhar que eu nem tinha
tido tempo para estar com ninguém.
Logo, eu precisava, desesperadamente, transar.
Por sorte, íamos para alguma balada essa noite, o que me garantiria
sair de lá acompanhada e aliviar a tensão do meu corpo com qualquer
pessoa que não fosse o cretino.
Outra questão que me deixava desesperada era que, em geral, nesse
tipo de entrevista, sempre perguntavam sobre relacionamentos e inspirações
literárias. Bem, já sabíamos que meu cupido era um filho da puta que decidiu
que eu seria a tia dos gatinhos — tia, se meu irmão resolvesse dar os netos
que mamãe tanto queria.
Certamente, para alguém que já me criticava pelo que escrevia, falar
sobre minha atual falta de relações amorosas estava fora de cogitação. Logo,
estava torcendo internamente para que ele não resolvesse que seria
interessante abordar o assunto.
Respirei fundo, tentando me concentrar no presente. Não
demoraríamos muito, imaginava. A quantidade de perguntas dependeria
bastante do que ele havia conseguido avançar em leitura nos últimos dias.
Até onde eu sabia, dois livros apenas.
Estranhamente, o homem estava demorando muito mais que o
esperado para aparecer em minha porta. Não que eu quisesse adiantar o
processo, mas quanto mais ele demorasse, mais tempo levaria para ir
embora, e, querendo ou não, a expectativa estava me matando.
Será que havia se perdido?
No exato momento que peguei o celular para enviar uma mensagem,
por fim, o som da campainha soou.
Expirei com força antes de caminhar até a porta.
— Ei, pode entrar! — falei, ao abri-la, com um sorriso reticente no
rosto.
Puta que pariu! Ele precisava mesmo ter TÃO gostoso? Usava uma
calça jeans e camisa branca que deixava à mostra os braços que, horas antes
— em meus sonhos, agarravam com força a minha bunda enquanto roçava a
barba por fazer na parte interna da minha coxa, aumentando a expectativa do
contato de sua língua com a parte de mim que implorava por sua atenção.
Tossi, tentando afastar as imagens quentes da minha mente. E lembrando-me
que eu o odiava.
Ele é um cretino, Talita.
Um cretino delicioso, mas ainda assim um cretino.
Dei um passo para o lado, abrindo caminho para o homem, que
permaneceu parado enquanto os olhos passeavam pelo meu corpo, fazendo-
me sentir uma comichão.
Depois de muito pensar sobre que roupa usar, escolhi uma coisa
casual. Um macacão que chegava à metade das pernas. Tinha um decote em
V que terminava exatamente por conta de três pequenos botões em fileira que
impediam a peça de abrir-se e um cordão passava pela cintura, modelando-
a. Um colar de búzios preso ao pescoço e quase nenhuma maquiagem. Tinha
aproveitado o look e gravado, mais cedo, alguns vídeos para as minhas
redes sociais.
— Ok, eu sei que para você, sou apenas uma vendedora de sexo, mas
juro que não vai encontrar um quartinho vermelho por aqui — falei, com um
pequeno sorriso debochado nos lábios.
— Como? — Pareceu não ter entendido.
Ri. De verdade, dessa vez.
— Acho que ainda não chegou ao Christian Grey, mas para deixar
mais claro, só queria saber mesmo se vamos entrar ou ficar aqui na porta
para sempre — falei, olhando para dentro do apartamento. — Pode ficar
tranquilo. Prometo que não vai ter chicote, algema, corda de alpinista ou
nada do tipo.
— Acredite, fico muito, muito mesmo, tranquilo em saber — ele
falou sério, o que me fez soltar um gemido de frustração em seguida.
Sério, já vamos começar o pé esquerdo?
Valentim havia mesmo pensado que só porque escrevia cenas
eróticas, meu apartamento seria uma espécie de casa de meretrizes?
E eu achando que ainda havia salvação para ele.
Por fim, o homem entrou. Os olhos, exatamente como da primeira vez
que esteve aqui, caíram na varanda. Um dos meus lugares preferidos da casa.
— Acho que podemos conversar lá mesmo, se quiser. — Apontei
com o rosto na direção do ambiente.
Ele assentiu, seguindo-me.
Não podia negar o quanto estava nervosa. Quer dizer, já havia sido
entrevistada algumas vezes, entretanto, nunca assim, presencialmente. E, por
mais que ele fosse um calhorda, ainda era o Valentim Fernandes. O homem
tinha muita influência para qualquer coisa.
Também seria impossível não admitir que sim, havia um tipo de
faísca diferente no ar. Talvez, claro, fosse culpa minha e do maldito sonho,
mas a verdade era que, depois que ele havia entrado em casa, o clima ficou
completamente diferente e o dia pareceu esquentar além dos quase 35ºC que
faziam.
Logo que adentramos o espaço, deixei com que escolhesse onde
queria sentar e, durante o processo, os olhos correram por todo o espaço. O
armário de palha com alguns jogos como WAR, xadrez, quebra-cabeças,
entre outros.
Sentei-me à sua frente, completamente desconfortável.
— Só queria que soubesse que terminei mais um livro além daquele
da modelo — falou, abrindo uma sacola transversal que carregava. — E, pra
ser bem sincero, já comecei mais um.
— Olha só, isso quer dizer que temos um novo ávido leitor? — Ergui
a sobrancelha, divertida.
— Isso quer dizer, que tenho direito a mais perguntas do que você
tinha planejado, com certeza.
Droga. Ele estava certo.
Fiz uma careta.
— Quais você já leu, então? — quis saber, me mexendo um pouco na
poltrona.
— O de época, o da modelo, o do diretor financeiro e comecei o da
cadeira de rodas. — Sorriu, parecendo satisfeito.
— Então, qual o veredito?
— Ah não — riu —, hoje, quem faz as perguntas sou eu. Trato é trato
e estou lindamente fazendo a minha parte.
Tirou o aparelho celular da sacola, fazendo-me rolar os olhos.
Mais uma vez, ele estava certo.
O fato de não saber o que estava por vir, fez com que eu ficasse
ainda mais nervosa. Acho que nós, autores, temos um complexo de Deus ao
escrever nossas histórias por já saber o fim. Em geral, sabemos o que
esperar, o que nos ajuda a resolver qualquer novo obstáculo que possa
querer tirar nosso foco da final já esperado. Entretanto, qualquer coisa que
possa nos pegar de surpresa, é absurdamente desconfortável. Especialmente
em casos como esse, quando já temos um histórico com a pessoa que estará
coordenando as perguntas.
Enquanto pegava o material — a agenda onde deviam estar anotadas
as perguntas e uma caneta — falava amenidades.
Elogiou o apartamento, falamos sobre o clima que ultimamente
andava bastante quente, Valentim comentou sobre o pai e como ficou
animado após conversar comigo e, depois que tinha me feito rir um pouco,
assumiu um tom mais sério, informando que começaríamos a entrevista.
Falou também que se precisasse de uma pausa, era só pedir antes de lançar a
primeira pergunta.
— Vamos começar aqui, sendo sinceros. — Franziu um pouco o
cenho. — A sua gravação, a da outra vez, eu perdi. Bem, apaguei em um
momento de raiva — confessou.
Fiz uma careta.
— Isso quer dizer que terei de passar mais tempo em sua companhia.
— Rolei os olhos.
— Pode fazer essa cara, mas eu sei que é uma honra. — Ergueu a
sobrancelha.
— Vamos só começar isso, sim? — pedi, vendo-o erguer o canto da
boca sorrindo descaradamente e anuindo em seguida.
Ele começou com perguntas que já havia respondido anteriormente.
Como, por exemplo, como foi contar à minha família a respeito da minha
profissão. Falei sobre a admiração que sentia por minha mãe ter nos criado
sozinha e como a amava com todo meu coração. À medida que falava, ele
escrevia algumas coisas em sua agenda.
Era como ir ao psicólogo e ficar pensando se ele já me achava
desequilibrada por contar que os personagens falavam comigo, como se
sentisse medo de reprovar em algo.
Seguiu escrevendo enquanto me ouvia falar sobre minha relação com
meu irmão, seu incentivo, nossa relação por morarmos juntos e, em seguida,
quis saber sobre os desafios no meio literário.
— E seu pai? — perguntou repentinamente.
— Eu não tenho pai — falei, direta. Mas respirei fundo, lembrando-
me que era uma entrevista importante. — Minha mãe foi pai e mãe toda a
nossa vida. Foi perfeita. Trabalhava muito por nós enquanto ele
simplesmente foi embora. Então, não. Eu não tenho pai, mas tenho a melhor
mãe do mundo.
Valentim assentiu.
— Sua mãe deve ser uma mulher incrível — comentou, olhando-me
com uma expressão diferente.
— Você nem imagina. — Sorri para ele.
Aos poucos, as perguntas se tornaram um pouco mais, não sei...
substanciais em relação à minha profissão. Questões do tipo: “Como explica
o sucesso de seus livros?”, “Você acredita que os leitores se identificam com
seus personagens? Por qual motivo?”, “Alguma situação nos livros já
aconteceu com você na vida real?”, “De onde veio a ideia para o seu
primeiro livro?”, “Para você, existe algum método para escrever um livro?”,
“Como é a sua relação com os leitores?”.
Ele pareceu estar bem concentrado em cada uma das respostas.
Era uma faceta diferente dele.
Sabia quem era o Valentim colunista, levando em conta tudo aquilo
que eu lia nas matérias que eu tanto gostava antes de conhecê-lo de verdade,
antes de saber quem era o Valentim preconceituoso que eu, sem sombra de
dúvidas, odiava. Mas esse homem sentado à minha frente em nada me fazia
lembrar o que eu odiava profundamente e que devia habitar nos lugares mais
profundos da Terra. Era sério, responsável, concentrado, atento e curioso.
Um aspecto importante para trabalhar no duque. Ele, como homem de
negócios, precisava também ser sério e focado quando se tratava do
trabalho.
Fizemos uma pequena pausa para que ele pudesse ir ao banheiro, e
eu aproveitei para pegar o celular, enfim.
No grupo, minhas amigas estavam ansiosas para saber se nós dois
estávamos vivos ou se eu já havia gastado o meu réu-primário. Assim que
enviei a primeira mensagem, elas ligaram através de vídeo.
Olhei para o lado, tentando garantir que ele não estava próximo antes
de atender.
— Como foi tudo? — Pietra perguntou, ansiosa.
— Ele ainda está aqui. Só pediu para ir ao banheiro.
— Tem certeza de que ele pediu para ir ao banheiro, ou você está só
pensando em uma forma de se livrar do corpo? — Andréa semicerrou os
olhos em minha direção. — Caso seja a segunda opção, pisque duas vezes, e
em dez minutos chegamos aí para ajudar.
Gargalhei.
Tenha amigas que, sem pestanejar, te ajudem a esconder ou trucidar
um corpo.
— Ele está vivo, garanto — as tranquilizei, limpando os cantos dos
olhos, por conta de pequenas gotas de lágrimas causadas pelo riso.
— E então, como está tudo?
— Estranhamente tranquilo. E felizmente, estamos focando apenas
em carreira e família.
— Ele ainda não perguntou sobre esse coração? — Pietra perguntou.
— Toda celebridade fala sobre o coração.
— Mesmo as que possuem coração peludo como você, que mata os
personagens, faz com que eles sofram... Enfim, são más.
Ri do drama de Déa.
— Não sou nenhuma celebridade, ele não tem motivos para
perguntar.
— Ah, fala sério, seria até engraçado, imagine só, a escritora sem
amor? A quantidade de homem se oferecendo para te fazer acreditar no
amor, cê ia ter que fazer que nem naquele filme lá, do homem que precisa de
uma noiva para herdar a herança e uma centenas de mulheres prontinhas pra
casar saem correndo atrás dele — Déa comentou, começando a rir em
seguida.
— Isso é golpe, isso sim. O tipo de clichê que eu passaria facinho —
respondi, rindo. — E eu acredito no amor. Só não quero essa droga que
machuca e magoa as pessoas para mim.
Estremeci o corpo, só de pensar na possibilidade de sofrer com o
coração partido por algum babaca que não merecia as lágrimas da mulher
maravilhosa que eu era.
— Mas sério, imagine se esse anúncio em uma matéria não te faria
conhecer o amor da sua vida? Um clichê, do jeitinho que você gosta.
Rolei os olhos.
— Não é esse o tipo de clichê que eu ia querer, com certeza. —
Olhei para a porta, tentando garantir que ainda estava sozinha. — E eu estou
muito bem, mesmo sozinha.
— Clichê é clichê, amor é amor, a gente não escolhe muito. Homem
bom tá em falta, lembre-se — Andréa argumentou.
— Pra mim só o que importa é sexo e orgasmo. Depois nos falamos,
tá certo? — respondi, já sabendo que Valentim tinha saído há algum tempo e
podia voltar a qualquer momento.
— Avise quando acabar. Vamos querer saber de tudo — Pietra pediu,
piscando para mim e, em seguida, nós desligamos.
Peguei-me pensando no que minha amiga tinha dito. Discordava,
clichê não era sempre clichê, eu tinha tipos específicos, aqueles em que o
cara ficava apaixonado logo pela mocinha sendo fofo e romântico e nos
fazendo suspirar pelas coisas lindas que diziam.
Valentim chegou pouco depois, voltando ao seu lugar de sempre.
— Podemos falar sobre os livros que leu agora ou ainda tem
perguntas a fazer? — quis saber, ao vê-lo pegar o caderninho de anotações.
— Acho que tenho bastante material por hoje. — Sorriu,
acomodando-se de forma mais despojada, como se o ar profissional pudesse
ser ignorado por alguns instantes. — Já consigo começar a coluna e, pelo
visto, você tem chances de ganhar algumas boas referências.
— Chances não — retruquei —, tenho certeza de que a coluna será
só elogios.
Riu, achando graça da forma que falei.
— Se formos levar em conta que você não é exatamente a minha
pessoa preferida no mundo, eu manteria o “algumas”.
— Esqueci que para te impressionar, eu teria que ter nascido no
século passado, ser homem e, de preferência, celibatário.
— Algo assim. — Sorriu de lado.
— E então, o que achou? — perguntei, enfática.
— Os assuntos retratados são relevantes. Gostei disso. — Pareceu
sincero, mexendo-se até encontrar uma posição confortável. — Gostei de
como os autores souberam conduzir os enredos. Os casais eram do tipo que
se complementam, e se impulsionam a serem a melhor versão de si mesmos.
Crescem e amadurecem com as situações adversas. Enfim, posso dizer que
pude aprender coisas novas.
— Mas... — Lancei a ele um olhar torto.
— Sigo discordando da ideia de usar de subterfúgios como sexo nas
histórias. Apesar dos temas que os livros retratam serem muito bons, o
erotismo não acrescenta em nada na vida do leitor. — Enrugou o nariz.
Rolei os olhos.
— Eu tentei, Senhor, não tem salvação. Pode mandar o anjo da morte
vir buscar — falei, vendo-o dar risada.
— Você não acha mesmo que narrar cenas de sexo nas histórias não
pode prejudicar, por exemplo, adolescentes, fazendo-os despertar para a
sexualidade mais cedo?
Nada de novo. Já tinha ouvido indagações como aquela antes.
— A primeira coisa que preciso ressaltar, neste caso, é que não
escrevo para adolescentes. Meu público é voltado para jovens adultos e
adultos.
— Mas você não pode ser inocente a ponto de acreditar que nenhuma
adolescente leu alguma de suas histórias por aí — falou, e não senti ofensa
na forma como questionou, o que me levou a seguir a conversa sem
problemas.
— Sim. Acredito que devem sim ter por aí adolescentes que já leram
livros meus, ou livros que sim, possuem conteúdo adulto. Neste caso, vale a
pena ressaltar que cabe aos pais estarem cientes daquilo que seus filhos
leem. Dito isso, nestes casos, eu prefiro acreditar que conhecimento e
informação são transmissores de poder. — Fez uma careta como se não
concordasse. — Quando discutimos, por exemplo, sobre a necessidade de
normalizar a falta de desejo na maternidade, ou, quando abordamos temas
como abuso sexual e trazemos dados estatísticos alarmantes sobre essa
situação, estamos dando aos leitores informações sobre assuntos que devem
ser debatidos, você não concorda?
— Sim, eu concordo. E posso notar que isso não tem nada a ver com
sexo também.
— Agora, pense comigo — interrompi. — Apesar dos nossos livros
não serem destinados a adolescentes, deixar claro para eles a importância
de, por exemplo, de usar camisinha, ou sobre como é importante que o
homem saiba ouvir não, quando a mulher o disser, também é uma forma de
levar conhecimento, não acha?
— Sim, porém...
— Quantas meninas já disseram que não queriam e depois foram
persuadidas a acharem que sim, estavam no clima e, por serem jovens e
inexperientes, acabaram se deixando levar? — interrompi, novamente. —
Quando uma situação como essa é abordada em uma história e o mocinho
entende, ela percebe que não tem nada de mais em não querer. E quando ele
não entende, ela então passa a saber o que aconteceu com ela. Ela sabe que
pode negar e que sua vontade deve ser cumprida.
Valentim ficou em silêncio por alguns instantes como se ponderasse
sobre o assunto.
— Sim, mas...
— E qual o problema de uma mulher se excitar? — Ergueu uma
sobrancelha. — Sabia que cenas eróticas ajudam muito as mulheres com o
conhecimento do seu próprio corpo? Você se surpreenderia com a
quantidade de mulheres que cresceram ouvindo mentiras sobre como saber o
que as estimula é errado. Como se elas precisassem de um homem a vida
inteira para gozar e, acredite, muitos nem isso conseguem fazer. — Dei de
ombros. — É errado que elas possam buscar prazer sozinhas, quando
necessário? Que talvez queiram apimentar uma relação que possa estar
morna?
Ele pareceu não ter justificativa quanto a isso.
— Tá, mas e quanto aos seus relacionamentos. — Ergueu a
sobrancelha. — Seu namorado não se importa que você escreva essas cenas?
Soltei o ar pelo nariz em um riso mudo.
— Eu não tenho namorado — afirmei.
— Mas aí imagina que você conhece um cara, gosta dele e tudo
mais... Se ele pedir que abandone a escrita, o que faria?
— Minha mãe uma vez me disse que eu não devia deixar de ser quem
sou por ninguém. Na época, não tinha entendido bem o que ela queria dizer,
mas hoje faz todo sentido. Se um dia conhecer alguém que goste de mim, ele
vai amar, inclusive, a minha profissão. Eu não vou deixar de ser quem eu sou
ou quero ser por ninguém.
Valentim assentiu.
— Faz sentido. Mas como os homens costumam reagir ao que você
escreve? — quis saber, inclinando um pouco o corpo para frente.
— Eu poderia dizer que é engraçado, mas é muito mais para
frustrante mesmo. O julgamento por acharem que é uma profissão sem futuro,
a princípio. Depois, quando a curiosidade ataca e vão ver o que eu escrevo,
pensam logo que eu posso parar na cama deles mais fácil que qualquer outra
mulher. — Rolei os olhos. — Isso sem falar, claro, no assédio. A quantidade
de fotos de pau que tanto eu quanto minhas colegas escritoras recebemos nas
redes sociais é inacreditável. Parece que só por escrevermos algumas cenas
sensuais, a palavra puta à disposição está escrita em neon em nossas testas.
— Uau, por essa eu não esperava.
Uni minhas sobrancelhas em descrença.
— Sério? Estava pronta para ouvi-lo dizer que basicamente nós
estamos pedindo por isso.
— Eu conheço os limites, Talita. E assédio não é engraçado, nem
deve ser algo para que passemos pano, em nenhuma situação.
Movi a cabeça para o lado um pouco, surpresa.
— E como vocês costumam agir quando situações assim acontecem?
— Pareceu interessado no assunto.
— Costumamos alertar umas às outras para que os perfis sejam
bloqueados. Algumas já fizeram denúncias, mas, no fim... — Dei de ombros,
deixando claro que ficava meio que por aquilo mesmo.
— Lamento mesmo por isso — falou, parecendo sincero. Sorri em
resposta. — Então, hipoteticamente falando, se um namorado te diz que quer
que você pare de escrever sobre sexo... — Deixou a frase no ar.
— Automaticamente ele deixa de ser meu namorado — concluí. —
Amor não é sobre regras ou amarras, mas sobre parceria e apoio. Eu amo o
que faço, meus leitores também, minha família, as pessoas mais importantes
para mim, me apoiam. Você acha mesmo que eu deixaria de escrever por
algum namorado?
— É, eu acho que não. — Deu uma risada divertida que fez cócegas
em meu coração. — Nisso, eu concordo com você. Fazer o que ama e não
deixar que ninguém atrapalhe os seus sonhos.
Assenti.
Ficamos em silêncio por alguns segundos.
Ele me encarava com intensidade. A mesma intensidade da noite
passada quando estávamos com seu pai.
— Bem, acho que... Eu devia... — falou, mas não se moveu. Como se
estivesse grudado na cadeira.
— Ir — completei.
Não nos movemos.
Nenhum de nós.
Valentim pegou a bolsa transversal, prendendo-a ao tronco e usando-
a de forma a cobrir a virilha.
— Isso. Ir.
Assenti.
Mal conseguia respirar, na verdade.
Ergui meu corpo em seguida, indo em direção à sala. Ele me seguiu,
e meu corpo estava bem ciente da proximidade dele.
Sabia que detestava, mas, por Deus, o homem era uma delícia.
Meu corpo reagiu, como se eletricidade e, não sangue, corresse por
minhas veias.
Onde estava o ar, mesmo?
Parei em frente à porta, segurando a maçaneta antes de voltar o corpo
em sua direção.
— Quando finalizar os dois livros, terei mais algumas perguntas —
falou, passando por mim.
— Você cumpre a sua parte, e eu a minha — garanti, com um sorriso
nervoso.
Ele estava muito perto.
Muito mesmo.
Um alerta piscava em minha mente.
Sem pensar, ele se aproximou fazendo com que minha boca ficasse
seca e meu corpo, automaticamente, se arrepiasse.
Uma das mãos parou em minha cintura, segurando-a e trazendo-me
para um pouco mais perto. Os lábios foram parar em minha bochecha,
fazendo com eu sentisse um leve tremor em excitação, correspondendo ao
gesto, depois os lábios alcançaram o outro lado do meu rosto.
— Nos vemos em breve, então. — Afastou-se, dando um sorriso.
Meu estômago deu uma revirada enquanto fechava a porta atrás de
mim.
Eu esperava que fosse fome.
Capítulo 14

A pista de dança estava cheia demais, o que fez com que Mathias e
eu decidíssemos que preferíamos ficar um pouco em uma mesa. Depois de
pegar nossas bebidas, escolhemos um local mais tranquilo para observar o
movimento e avaliar quem nós levaríamos para casa.
Não que eu quisesse companhia em minha cama hoje.
Para ser sincero, meu desejo mesmo era ficar em casa e finalizar os
livros que faltavam. Claro, para finalizar logo a minha penalização e poder,
enfim, me dedicar só à minha coluna, como sempre tinha sido. Já estava
perto de acabar o penúltimo e, enfim, iria para a última história.
Além do mais, eu precisava decidir o que faria com a conversa que
havia ouvido da Talita com as amigas. Uma escritora de romance que não
acreditava no amor. Era absurda a ironia da coisa.
Se eu incluísse essa informação na matéria, possivelmente seria uma
boa chamada. Impulsionaria as vendas e leituras. Um choque, com certeza,
para todas as bookstagrans e leitoras que tanto a admiravam. Em
contrapartida, sem dúvida isso acabaria prejudicando, de alguma forma, a
maneira como as suas leitoras a viam e, embora eu não concordasse
exatamente com o tipo de livros que escrevia, não era a minha intenção
prejudicar ninguém.
No fundo, Talita era uma boa pessoa, não gostaria de causar nenhum
dano a ela.
Balancei a cabeça, tentando concentrar-me em qualquer coisa que
não fosse a mulher linda que estava construindo um tríplex em minha cabeça.
Aproveitei o momento longe do som alto e compartilhei com Mathias as
ideias que tive para a coluna e que havia também levado à Antonella que
estava pensando em como encaixar. Se em uma nova coluna mais específica,
ou se mantínhamos o Merece Destaque apenas, e ele deixaria de ser
quinzenal para se transformar em uma coluna semanal.
Daria mais trabalho, mas com certeza, depois de todas as reflexões
que tive nos últimos dias, seria impossível ignorar o que agora parecia gritar
dentro de mim.
— Olha só, quem diria que os livros de baixaria que a vendedora de
sexo te indicou iam te levar a algo que jamais supus que você fosse capaz.
— Ergui meu olhar para ele, já enviesado, sabendo que uma gracinha viria,
com certeza. — Pensar.
Rolei os olhos.
— Vai pra casa do caralho, Mathias — respondi, prendendo um
sorriso e dando uma golada em minha bebida.
— Não, sério. Só que, você sabe, né? Com todas aquelas cenas
obscenas, encontrar temas tão bons chega a ser absurdo, você não concorda?
Tinha um ar divertido ao falar.
— Cara — soltei um suspiro —, pior que essa porra não é assim. As
histórias são boas mesmo, sabe? Tem alguns plots surpreendentes e bem
desenvolvidos, abordam assuntos sérios e, sinceramente, eu me peguei bem
envolvido com algumas delas — confessei. Tinha mesmo me envolvido com
todas aquelas histórias, porcaria!
Mathias então gargalhou.
Isso não era um amigo, mas sim um tormento.
— Eu sabia que isso aconteceria — falou, quando a crise de riso
passou. — Minha irmã e uma das minhas primas são leitoras assíduas da
Talita e conhecem todos os livros que você leu. Disseram-me que a menos
que você fosse um cretino sem coração e alma, ia se render às histórias.
Quanto a ser cretino, não posso discordar, você é. Mas, debaixo dessa
carcaça de pilantra existe um ser humano que não é de todo ruim.
Balancei a cabeça em negativa.
— Quantos anos essas meninas têm, mesmo? — quis saber, curioso.
— Vinte e vinte e um. — Deu uma golada na bebida com o indicador
erguido, demonstrando que ainda tinha algo a acrescentar. — Essas porras
de histórias, meu amigo, fazem as meninas ficarem mais espertas. Elas me
contaram que uma amiga descobriu que tinha sido trocada na maternidade
por causa do tipo sanguíneo de um personagem que não batia com o dos pais.
Minha prima contou que evitou uma possível gravidez quando leu que a
mocinha engravidou porque o cara lá colocou só a cabecinha durante o rala
e rola. O ex dela garantiu que não teria problema, mas ela lembrou-se da
história no automático e recusou.
Ri, balançando a cabeça em negativa.
— É aquela máxima, não é? Informação é poder. — Mathias
concordou, enquanto dávamos mais um gole na bebida, em silêncio. No fim
das contas, Talita estava mesmo certa. — Enfim, eu preciso da sua ajuda.
Mathias me encarou, como se eu tivesse falado algo absurdo.
— Olha só, nada contra você experimentar coisas novas e tal, mas eu
não tenho nenhum interesse em ser seu cobaia, caso queira descobrir outros
aspectos sexuais.
Ergui o dedo do meio para meu amigo que riu.
— Quanto ao trabalho, porra. Queria que você me ajudasse em um
artigo. — Esfreguei o rosto com as mãos. — O cenário político atual,
sabemos que está uma merda. Pensei em você escrever uma coluna falando
sobre o assunto. Não de forma a puxar sardinha para um lado, mas levando o
leitor a compreender onde, de fato, estão os interesses políticos e tudo que
estará envolvido nas eleições do ano que vem. Acredito que, sei lá, talvez
assim o povo possa refletir melhor antes de tomar partido de algum dos
lados que só está pensando mesmo é em foder com a maior parte da
população brasileira.
— Gosto disso — falou, movendo a cabeça como se estivesse
concordando em câmera lenta.
Em seguida, Mathias começou a falar sobre como poderíamos
trabalhar a questão política de forma dinâmica. Eu não era uma pessoa
alienada quando se tratava da maioria dos assuntos, mas depois de conversar
com Mathias, parecia que um caminhão tanque havia passado por cima de
mim e me massacrado. Ele era, de fato, um dos caras mais inteligentes que
eu conhecia e sabia abordar diferentes cenários políticos como ninguém,
conseguindo, inclusive, fazer um link com desde a porra da colonização até
os governos atuais de forma que, além de compreender, você realmente
prestasse atenção no assunto e ficasse com cara de otário, querendo ouvir
mais.
No fim das contas, deu certo.
Mathias ia me ajudar com a coluna, e eu tinha certeza de que seria um
enorme sucesso.

Já passava da meia-noite e eu ainda não tinha descoberto o motivo


pelo qual continuava aqui vendo a enorme quantidade de pessoas dançarem,
se beijarem, beberem.
— Já podemos ir? — perguntei ao meu amigo que tinha olhos de
águia nas mulheres à nossa frente.
— Qual é, cara. Quem é você e o que fez com meu amigo?
— Só tô cansando. — Dei de ombros.
— Foi isso que você disse àquela gostosa que tava te dando mole na
redação? Ainda não acredito que você recusou as entradas dela. — Ergueu
uma sobrancelha sugestiva, deixando claro que não era só no jogo que
pensava.
— Outra hora, talvez. — Bebi o resto do líquido que havia em meu
copo, ignorando Mathias dizer o quanto eu era um filho da puta sortudo.
— Ei, aquela ali não é a escritora? — Olhei para Mathias e, em
seguida, segui seu olhar sentindo-me estranhamente ansioso. Assim que pus
os olhos naquela cintura terrivelmente atrativa, onde minhas mãos estiveram
horas antes, não restaram dúvidas de que era mesmo ela.
— Mas que porra ela está fazendo aqui? — perguntei, sem desviar o
olhar do corpo que remexia ao som da música de forma sensual, fazendo meu
pau acordar.
Usava uma saia preta de couro que chegava até metade das coxas e
uma blusa de manga curta daquelas com aspectos envelhecidos. A frase “I’m
bad and i like it” estava rodeada por imagens sombreadas do chifre da
Malévola, a coroa da Rainha Má e os cabelos arrumados para cima da
Úrsula. Nos pés, um all star vermelho chamava atenção.
Dançava, sorridente, ao lado de duas amigas. Uma era negra e usava
um vestido justo, vermelho, que também destacava as curvas muito bem
acentuadas. A outra era mais baixinha, parecia nova demais para estar em
uma balada como aquela, e parecia ter saído diretamente de um dorama.
— Pelo visto, se divertindo. — Meu amigo cruzou os braços, a
observando, bem interessado. — Ela é mesmo solteira, né?
Fui pego completamente desprevenido com a pergunta. Quer dizer,
sério? Ele ia mesmo se interessar por ela? Eles nem fariam um casal bonito.
— Sim — semicerrei os olhos em sua direção —, por quê?
Fez com que os cantos dos lábios se movessem para baixo em um
gesto de desdém.
— Ela é gostosa, né? E você disse que não tem interesse.
Garanti que não ia pegar. Corrigi mentalmente.
— Não. E nem você — afirmei, me sentindo estranhamente
incomodado ao pensar em vê-la dançando com meu amigo segurando em
qualquer parte do seu corpo. Era uma coisa que só eu podia fazer, e eu nem
sabia dizer quando havia decidido aquilo.
— E desde quando você decide quem eu vou pegar ou não? Aliás,
desde quando você decide quem ela vai pegar? — Ergueu uma sobrancelha
em minha direção.
A música acabou, fazendo com que ela e uma das amigas voltassem
para a mesa, enquanto a outra sumiu entre as pessoas. Até poderia supor que
foi ao banheiro, mas todo mundo sabe que mulher nunca vai sozinha.
— Ela é uma mulher ocupada — retruquei. — Está ocupada com o
lançamento do próximo livro e sem tempo para essas coisas.
Meu amigo deu um sorriso de quem discordava completamente.
— Bem, ela está aqui, bem-disposta, e como diria Viny, ela mexe a
cadeira, muito. Muito, mesmo. Acho que consegue alguns minutos, se ela
quiser. — Deu de ombros, dando um passo para frente.
— Não. — Segurei sua roupa. Mathias apenas me encarou,
esperando que eu explicasse. Bem, eu não sabia o que diria, mas precisava
de algo para ontem. Dei um sorriso de lado. — Espere. Tenho uma ideia
melhor para chamar sua atenção.
Pedi uma bebida e pedi ao garçom para entregá-la. Ficamos, nós
dois, sentados, assistindo, enquanto o homem levava a bebida. A princípio,
ela recusou. Em seguida, quando o homem apontou em minha direção,
pisquei para ela que fechou a cara, murmurando alguma coisa.
A amiga pegou o copo oferecido, enquanto ria fazendo algum
comentário.
— Acho que você não causou uma boa impressão. — Mathias riu ao
meu lado.
— Você nem imagina — afirmei, dando dois tapas em tom de
camaradagem no seu ombro.
Em seguida, passei a driblar milhares de corpos suados, entretanto os
olhos seguiam focados na mulher sentada em uma pequena mesa. Sussurrava
alguma coisa para as amigas. O rosto estava corado por conta da dança de
instantes antes, o olhar, no entanto, também não abandonava o meu.
Esbarrei em algumas pessoas levemente alcoolizadas que
reclamavam por minha pressa. Mathias seguia atrás, desculpando-se por
mim em alguns momentos. O som alto estava quase inaudível para mim, e
nada seria capaz de desviar minha atenção dela.
— Boa noite, meninas — falei, dando um sorriso que eu sabia ser o
tipo que derretia algumas calcinhas por aí.
Novamente, os meus olhos não abandonaram os de Talita por nenhum
segundo. Três vozes responderam. As amigas pareciam mais animadas,
enquanto Talita moveu apenas os lábios, encarando-me, como se também não
pudesse desviar o olhar.
Permanecemos em silêncio.
A garota que estava com Talita, olhava de um para o outro,
esperando quem quebraria o silêncio. Eu, admirando os lábios vermelhos
que pediam para serem sugados. Ela, parecendo concentrada demais em meu
rosto.
— É impressão minha ou você está me perseguindo? — quebrou o
silêncio semicerrando os olhos em minha direção.
— Podia dizer o mesmo a seu respeito. — Arqueei uma sobrancelha.
— Acredite, você seria o último homem na face da Terra por quem
eu perderia meu tempo perseguindo — garantiu.
— Ai, escritora, assim você magoa o coração desse pobre colunista.
Posso? — Apontei para a cadeira vaga, não esperando resposta e sentando
em seguida. — É pra beber, sabia?
Com o rosto, indiquei a bebida sobre a mesa.
— Vindo de você? Nada me garante que não tem algumas gotinhas de
veneno para que não precise gastar seus preciosos dedos escrevendo sobre
mim.
Os olhos brilhavam, divertidos.
— Ah, o que é isso? Faria questão de deixar uma nota em sua
homenagem, lamentando a tragédia com a grande escritora local. — Ela
revirou os olhos, e eu observei as amigas na mesa também. — Não vai me
apresentar?
— Claro que não. Só apresento para minhas amigas pessoas que
valem a pena, Valentim. Inclusive, uma delas revisa as histórias das quais
você tanto detesta, melhor evitar a fadiga. — Deu de ombros.
— Valentim Fernandes. E esse é meu amigo, Mathias Nobre. — A
ignorei, apontando para meu amigo e erguendo a mão para a garota em uma
apresentação. — É um enorme prazer te conhecer.
A amiga aceitou de bom grado a apresentação e pareceu muito gentil,
inclusive. Descobri que se chamava Pietra. Bem receptiva, mais do que a
própria Talita que, pelo visto, não esperava me encontrar por aqui e não
parecia nem um pouco feliz com isso.
É o que dizem: um dia da caça, outro do caçador.
Ela me encontrou em uma saída com meu pai, eu a encontrei em uma
saída com as amigas.
Às vezes, a vida não era exatamente uma filha da puta.
— Pietra, fico lisonjeado em conhecê-la. — Sorri. — Deve saber
sobre a coluna que a amiga de vocês será destaque, e saibam que tudo que
quiserem me contar sobre ela, será muito bem aproveitado pelo melhor
jornalista da redação. Estamos todos entre amigos.
Mathias riu.
— Segundo melhor — falou, puxando a cadeira onde estava sentado
mais para frente. Viraram-se em sua direção. — Também sou jornalista.
— Mais um, meu Deus. O que eu fiz pra merecer isso? — Talita
revirou os olhos.
— Não, sou melhor. Seção de política — retrucou meu amigo.
— Desculpe, mas, pra mim, é ainda pior, então — Pietra, respondeu
séria. — Nada que venha desse meio presta.
— Acredite, gata. Você está completamente certa. Por isso eu existo,
para mostrar às pessoas toda a merda escondida embaixo do tapete.
— Ou para simplesmente fingir que não a viu quando algumas notas
caírem em sua conta. — Ergueu uma sobrancelha em sua direção.
— Neste caso, minha chefe já teria arrancado meu... bem, minha
cabeça fora.
Ela deu uma risada como se tivesse entendido o que realmente
Antonella arrancaria.
Os dois continuaram a conversar, mas eu já não prestava atenção,
meus olhos pousaram, novamente, em Talita. Ela mexia, com o canudo, a
bebida que estava em seu copo.
— Então, você também gosta de dançar — afirmei.
— Vai dizer que de acordo com seu manual do escritor, eu também
não posso gostar.
— Ei — ergui as mãos em frente ao meu corpo com a palma aberta
em sua direção —, estou em missão de paz. Juro. Só quero mesmo entender
o que você gosta e não gosta. Vai ser bom para a coluna. Será que podemos
fazer uma trégua? — pedi. Ela apertou os olhos em minha direção, como se
não acreditasse no que estava ouvindo. — Juro que não vou mais
menosprezar o seu trabalho, mas ainda preciso te entender.
Talita não respondeu, dando um gole em sua bebida.
Na que ela tinha pedido, a que eu enviei ainda seguia intocada na
mesa.
— Podemos tentar — falou, por fim.
E, por algum motivo, eu me senti muito aliviado com aquelas
palavras.
Não queria mais brigar com ela.

A conversa, no fim das contas, foi bem legal.


Pouco depois, Andréa, a amiga dos doramas, chegou à mesa também
e contaram muitas histórias divertidas sobre Talita, sua carreira e como os
personagens deviam ser reais, especialmente, segundo Pietra, que garantiu
que os homens eram todos os mentirosos, egoístas e filhos da puta.
Nicholas, seu irmão, havia se juntado a nós também, pouco depois,
que Andréa. Ele bem que tentou trocar alguns olhares com a baixinha, mas
ela estava mesmo determinada a ignorá-lo.
— Quer dançar? — perguntei à Talita que, volta e meia, olhava a
pista de dança.
— Dançar, sim. Com você, não — respondeu, com um riso de canto
de boca.
— Assim você destrói minha autoestima. — Pus a mão no coração,
mostrando-me magoado. Ergui a mão em sua direção em um convite mudo.
— Podemos entender isso como um momento de selar a paz.
Ela balançou a cabeça em negativa. Levantou-se, apesar de não ter
aceitado a minha mão.
— Uma música e só.
Assenti.
Deixei-a seguir em minha frente apenas para observar o maldito
corpo que fazia o meu reagir. A noite inteira, sentado ao lado dela,
observando suas risadas, caretas, a forma como punha o canudo na boca e
como até mesmo respirava, fazia meu amigo lá embaixo reagir.
— Seu amigo — Talita falou alto, para que eu pudesse ouvi-la.
Sério? Ela ia me perguntar pelo Mathias? — Minha amiga não está muito
bem hoje, e acho que ele pode estar pensando em... você sabe... —
Interrompeu a frase, parando à minha frente.
Olhei para a nossa mesa que estava bem distante. Mathias, de fato,
demonstrou um interesse em especial pela Pietra, mas se ele notasse que a
garota não estava em um dia bom, ele mesmo iria brecar qualquer possível
interesse. Eu confiava nele.
Balancei a cabeça em negativa.
— Relaxa, ele não oferece perigo a ela, eu garanto.
Talita mordeu o lábio olhando para o lado, como se quisesse vê-los e
confirmar o que eu havia dito, mas a mesa estava distante e ela não possuía a
altura necessária para conseguir enxergá-los. Suspirou, notando que só
restaria mesmo acreditar em minha palavra.
O som estava alto, as pessoas ao nosso redor, animadas, e algumas
delas já bem altas por conta da bebida. Aos poucos, começamos a mover
nossos corpos separados, mas mais próximos que o ambiente permitia.
A forma como dançava naturalmente, apenas se divertindo, chamava
a atenção, e não apenas a minha. Estava bem ciente de todos os filhos da
puta que mantinham os olhos na forma como seu quadril se movia, como seus
cabelos iam de um lado para o outro seguindo o ritmo da música, como
jogava os braços para cima e como ria durante todo o processo.
Distraído demais por ela, não contava com o empurrão de alguém
atrás de mim, fazendo com que nossos corpos tombassem e que, para evitar
que ela caísse, minhas mãos fossem parar em sua cintura.
Nossos olhares se fixaram um no outro.
Não falamos nada.
Não nos movemos.
Seus olhos ficaram mais escuros e a respiração falhou. Minhas mãos
subiram alguns centímetros. Pouco. Mas o bastante para que sua pele se
arrepiasse. Para que meu corpo inteiro parecesse tão quente quanto um
vulcão prestes a explodir.
O tempo pareceu lento demais. Como se todas as pessoas que antes
estavam animadas ao nosso redor agora estivessem em câmera lenta.
Talita mantinha os olhos fixos nos meus, esperando. Baixei um pouco
o rosto, deixando claro as minhas intenções e dando espaço suficiente para
que ela recusasse, se quisesse.
Ela não quis.
Recusar, no caso.
Suas mãos se encaixaram em meus cotovelos, e eu pensei que
naquele momento ela recuaria. Mas também não aconteceu.
Meu rosto se aproximou ainda mais até que pudesse sentir seu hálito.
Uma mistura de hortelã e limão por causa da última bebida que havia
pedido. E, sim. Eu estava prestando atenção. Uma parte de mim parecia
querer enumerar as coisas que já sabia sobre ela.
1. Ela ria como um anjo.
2. Tinha cheiro de jasmim.
3. Amava a família.
4. Defendia com unhas e dentes as pessoas e coisas nas quais
acreditava.
5. Era paciente.
6. Gostava de aprender.
7. Falar sobre livros a deixava feliz.
8. Eu queria saber o gosto do seu beijo.
Puxei, com cuidado, seu corpo um pouco mais para perto do meu.
Suas mãos traçaram um caminho por meu braço, até chegar ao pescoço onde,
enfim, se aninharam. Sua respiração acelerou. Uma das minhas mãos pareceu
ter agido sem nenhum comando do meu cérebro, que só pensava, àquela
altura, em como seus lábios deviam ser macios, e roçaram sua mandíbula,
erguendo, em seguida, seu rosto ainda mais em minha direção.
No mesmo instante em que nossos lábios se tocaram, meu corpo foi
completamente tomado por um formigamento. Uma necessidade de mais. O
que havia começado com um roçar sutil de lábios, em instantes se
transformou em algo mais feroz.
Nossas línguas se envolveram e ela gemeu, como se apreciasse o
momento. Eu achei que seria impossível ficar ainda mais duro, mas foi
exatamente o que aconteceu.
Esquecendo-me completamente de onde estávamos, puxei seu corpo
para ainda mais perto, precisando acabar com a distância que já nem existia
mais entre nós.
Suas mãos puxaram os fios do meu cabelo próximos à nuca. Prendi
minha mão na base de sua coluna. Talita ficou na ponta dos pés, tentando
diminuir a diferença de nossas alturas.
Cedo demais, ela interrompeu o beijo. Os olhos arregalados, como
se soubesse que aquilo não devia ter acontecido, mas os olhos tão quentes
que me fizeram ter certeza de que, no fundo, ela não havia se arrependido.
Estava certo de que, agora, ela me empurraria e iria embora
querendo a minha cabeça em uma bandeja. Mas não foi isso que aconteceu.
Ela me puxou, novamente.
A língua invadindo minha boca. Minha mão repousou em sua
bochecha, primeiro de forma carinhosa, em seguida, indo para seu pescoço,
ajudando-a nos movimentos enquanto nossos lábios pareciam ávidos demais
para descobrir quem conseguiria mais do outro.
Suas mãos, novamente, vieram para meu cabelo e me puxaram para
mais perto. Usei os braços como um gancho para mantê-la presa a mim por
todo tempo em que ela quisesse continuar. Se o mundo fosse justo, ela ficaria
por muito, muito tempo.
A verdade era uma só: nenhum de nós conseguia parar.
Mordisquei seu lábio arrancando um suspiro. Gemi.
Sua mão, sei lá como, chegou à barra da minha camisa,
embrenhando-se por dentro, em minha barriga.
Arfei com o contato.
Os dedos quentes em contato direto com minha pele.
Porra. Aquilo era quase o céu.
Quase.
O mais perto do paraíso que eu estive.
Minha mão se apertou ainda mais em seu cabelo que tinha o mesmo
cheiro inebriante de jasmim.
Eu precisava de mais dela.
Infelizmente, havia milhares de pessoas à nossa volta.
Como se tivesse se dado conta do mesmo, Talita se afastou, dessa
vez com mais cuidado.
Naqueles instantes que pareceram uma eternidade, eu descobri mais
duas coisas sobre ela:
9. Talita beijava com intensidade, e eu sabia que depois daquele
beijo, precisava de mais.
10. Eu estava completamente fodido.
Capítulo 15

Que caralho eu tinha feito?


Com certeza, havia um enorme B de burra em minha testa.
Mais certo ainda que ela brilhava na porra de um rosa pink.
Beijar Valentim Fernandes?
Onde eu estava com a cabeça?
Ok, eu sabia onde eu estava com a cabeça. Naquela carinha
ridiculamente bonita e em sua boca absurdamente desenhada, convidativa e
que gritava: ME BEIJE.
E.
QUE.
BOCA.
O filho da mãe sabia usar os lábios e a língua bem até demais para a
minha sanidade.
A vontade que o chão se abrisse e me tragasse depois daquele beijo
foi enorme. Especialmente por ter tido certeza de que, se não estivéssemos
em um lugar público, teríamos terminado de muitas formas diferentes. Parte
de mim queria que tivesse acontecido exatamente isso.
Meu rosto ardia só de lembrar.
Para piorar, assim que cheguei em casa, soube que tinha que colocar
isso para fora. Por isso, meus protagonistas, a senhorita Semog e o duque
Valentino, haviam dado um beijo superquente em um baile da alta classe e,
se não tivessem sido interrompidos pelo som de passos que estavam
próximos demais do jardim onde eles estavam, a mulher teria perdido a
virgindade bem no meio de plantas e flores.
Dois dias já havia se passado. Ele não tinha entrado em contato
comigo e, claro, muito menos eu falei qualquer coisa com ele.
Eu só queria ir para balada, arrumar um cara para transar, mas não,
arrumei foi um motivo para voltar para casa e me aliviar sozinha mesmo.
Maldito jornalista que havia deixado aquele beijo impregnado em
mim.
O pior era saber que, querendo ou não, eu teria que encará-lo para a
finalização da entrevista.
Passei as mãos pelo rosto, nervosa só de pensar.
Como eu ia encarar aquele homem depois DAQUELE BEIJO, sem
querer repetir a dose?
Não surte, Talita. Foi só um beijo.
Um beijo que, pelo visto, ele nem tinha gostado tanto, já que havia
desaparecido da face da Terra.
Eu devia estar feliz com isso, não é?
Então, por que raios eu não conseguia deixar de me sentir frustrada
por Valentim não ter mandado pelo menos uma mensagenzinha, nem que
fosse para dizer que sabia que eu não resistiria a ele?
Isso me faria responder.
Ele responderia de volta.
Claro, eu não poderia deixá-lo no vácuo e falaria alguma coisa já
revirando os olhos.
Revirar os olhos, aliás, devia ser uma coisa que Valentim com
certeza me faria fazer na cama e...
Calma, Talita. Você é uma mulher madura, não uma adolescente
que acabou de perder o BV com o colega de sala.
Foi só um beijo.
Um beijo que eu claramente queria mais.
Um beijo que não ia se repetir.
Foi um erro.
E nem foi tudo isso.
Com certeza, a falta de sexo estava me fazendo maximizar as coisas.
A quem eu estava querendo enganar? Foi mais, bem mais que tudo
isso. Foi o primeiro beijo mais perfeito da história dos primeiros beijos. Eu
conseguia sentir tudo. Cada suspiro, cada sensação, cada batida dos nossos
corações que se misturavam. Era difícil saber qual pertencia a quem. Como
se, só com aquele beijo, nossos corações tivessem encontrado o próprio
ritmo de se expressarem, juntos.
Era isso.
Aquele beijo havia me estragado para a porcaria do resto dos outros
beijos.
Onde eu ia encontrar alguém que beijasse tão bem e fizesse com que
eu derretesse todinha por dentro?
Resgatar um contatinho?
Não. Nenhum dos caras com quem saí fez com que meus órgãos
internos se revirassem todinhos por dentro.
Esse foi um beijo daqueles que só conseguíamos encontrar em livros.
Para o meu desespero. Porque ele era um cretino, não o meu
mocinho.
— Oi, Deus, sou eu de novo, por favor, por favorzinho, desta vez
estou pedindo um macho mesmo. Um clichê em minha vida para que eu possa
tirar esse homem e esse beijo desgraçadamente maravilhoso, da minha
cabeça, por favor? — clamei.
Apertei os olhos com força tentando me concentrar em finalizar a
diagramação do livro e os abri novamente, encarando a tela do computador à
minha frente onde eu trocava todos os asteriscos por imagens que indicavam
a quebra na cena.
— Ainda pensando naquele desentupidor de pia? — meu irmão
falou, sentando ao meu lado com uma tigela de pipoca de micro-ondas,
colocando-a entre nós e abrindo o refrigerante que, pouco antes, havia
deixado na mesinha de centro.
Como se fosse pouca a vergonha, meu irmão tinha visto a maldita
cena e não parava de encher minha cabeça.
— Não sei do que está falando — retruquei, segurando o computador
com a mão esquerda, enquanto com a direita pegava o controle ao meu lado,
abrindo o aplicativo de streaming em que assistiríamos ao filme que
introduzia um novo personagem à fase quatro da Marvel.
Nick colocou o meu copo no descansador preso no braço do sofá ao
meu lado, começando a encher o seu próprio copo e pousando no suporte ao
seu lado.
— Ah, não se lembra de você e o jornalista... — Fez uma boca com
as duas mãos, enfiando uma mão na outra enquanto simulava um beijo.
— Quantos anos você tem, Nick? Três? — perguntei, vendo-o abrir
um sorriso.
— Dez — respondeu, dando uma cotovelada de leve em meu braço.
— Não tem nada de mais em você querer beijar o cara de novo, mas me
avise antes porque, decididamente, não quero ver sua língua sendo enfiada
na goela do cara que, segundo me consta, você odiava.
— Odeio. — Rolei os olhos.
— Ah, sim. Claro. E aí você tropeçou e caiu com a boca na dele.
Quem sou eu para julgar, né... — Revirei os olhos, o ignorando. Nick fechou
a tampa do refrigerante e abriu a boca como se quisesse me contar alguma
coisa, mas acabou mudando de ideia. — Vai demorar muito? — perguntou,
apontando com o queixo para a tela do computador.
— Não. — Fiz uma careta rápida. — Só faltam trinta e sete
asteriscos.
Nick gemeu de frustração.
— Tá, acaba isso que não vou assistir dublado, de jeito nenhum.
Meu irmão encostou a cabeça no sofá, soltando um suspiro.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntei, indo até o próximo
asterisco usando o pesquisar e inserindo a imagem de duas alianças unidas.
— Só preocupações normais.
— O que seriam preocupações normais e por qual motivo eu acho
que aquela garota que te esnoba tem alguma coisa com esse desânimo? —
quis saber, partindo para onde devia inserir a próxima imagem.
— Meu trabalho final para a faculdade que está atrasado. Meu
supervisor que me odeia e quer me ferrar no trabalho. Mamãe pedindo um
neto a cada ligação. — Ergueu a cabeça rapidamente. — Ei, acho que se eu
contar a ela sobre seu beijo com o jornalista, ela vai sair do meu pé, né?
Olhei feio para meu irmão.
— Não se atreva, Nicholas. Eu te mato! — Apesar da ameaça, sabia
que ele não faria isso. — Mamãe me disse, da última vez que nos falamos,
que eu preciso parar de idealizar o homem dos meus sonhos em personagens
literários. — Bufei, demonstrando minha insatisfação com o que havia dito.
— E ela está certíssima — falou. — Eu sei que pra você é mais fácil
acreditar nos homens de livros, quando o roteiro está pronto e você já sabe
que o final será feliz. Também sei que o nosso pai...
— O doador de esperma — cortei.
Nick riu pelo nariz.
— Sei que ele ter nos abandonado tem muito com a sua
personalidade sonhadora e que espera sempre um príncipe, diferente dele.
Pra você ou é alguém como nos livros, ou morrer sozinha.
— Eu não sou assim.
— Claro que é, Tali. Você sonha em viver algo como na ficção. A
vida inteira esperando um romance de livro, mas sem confiar em ninguém.
Sempre esperando o pior das pessoas. Mas na vida não sabemos o que vai
acontecer. Não podemos controlar. As melhores coisas podem vir de
surpresa, os melhores sentimentos também. E, algumas vezes, por pessoas
que nem esperamos. — Fez uma careta ao finalizar. — Você não pode achar
que na real as coisas também podem seguir um roteiro e que vai se apaixonar
por um cara perfeito como se a vida fosse uma história de ficção.
— Vocês dois só podem estar de brincadeira comigo — falei,
irritada, cruzando os braços e virando-me em sua direção. — Isso não é
verdade. Eu só estou bem me relacionando com meus personagens.
— Isso já passou de ser “precaução” para não se apaixonar por um
babaca. Eu lembro quando você era mais nova e dizia que não queria se
apaixonar porque não queria não acabar como a mamãe, com dois filhos e
sozinha. — Segurou minha mão, soltando um suspiro. — Os livros eram sua
distração, deixar de viver, de apaixonar, esperar por um cara como nesses
clichês, irmã, isso não é saudável.
Fiquei irritada com a comparação. Sim, se fosse para viver um amor,
que fosse um clichê bem gostosinho, mas não parei a minha vida ou passei a
ter isso como obsessão. Eu esperava mais do que os meus relacionamentos
me deram. Queria romance, confiança, parceria. Isso nem era nada de mais.
— Você não entende, Nick — retruquei.
— Nem todo mundo é como o papai. — Fiz uma careta. — O doador
de esperma. Você precisa confiar nas pessoas às vezes e deixar as
idealizações pra lá. — Rolei os olhos, já irritada com a conversa.
Odiava quando Nick ou mamãe falavam sobre esse homem. O cara
que nunca fez nada por nós. Sequer nos procurou para saber se estávamos
vivos ou precisando de algo. Se a minha vida fosse um livro, ele seria o
vilão, com certeza.
— Precisa enviar até quando? — perguntei, do nada, vendo sua
expressão mudar para confusão. — O trabalho, até quando precisa enviar?
— Tenho mais um mês, mas na plataforma o clima não está dos
melhores, então não sei se terei tempo hábil de adiantar alguma coisa por lá.
— Então eu vou ser uma irmã bem legal e vamos ver logo o filme,
antes que a pipoca esfrie.
— Você não tem que subir o arquivo? — perguntou, franzindo a testa.
— Bem, eu tenho. Mas se a gente assistir logo, você vai poder voltar
a fazer seu trabalho e mais tarde vou poder te ajudar.
Dei de ombros como se não fosse nada de mais.
Meu irmão assentiu, pegando um bocado de pipoca com as mãos,
enquanto eu dava play no filme.

O filme acabou sendo muito surpreendente.


Depois da saída do Capitão América, da morte do Tony, do Thor
barrigudo e o Hulk, confesso que estava bem desanimada com o que viria a
seguir, entretanto, minha nossa, os caras sabiam como nos manter sempre
focados em assistir a todos os filmes que pretendiam lançar.
Agora, enquanto esperava Os Eternos, com a maravilhosa Angelina
Jolie, só me restava sofrer. Estava, finalmente, dando os retoques finais na
diagramação enquanto assistia à Encantada e via Amy Adams cantando
Como ela sabe que a ama, enquanto o Patrick morria de vergonha das
pessoas cantando ao redor deles com a Giselle, quando a campainha tocou, o
que era estranho, já que não tinha sido avisada de ninguém chegando.
Com certeza eram as meninas. Deviam ter encontrado com Nicholas
na portaria, ele tinha ido assistir a uma aula de reposição na faculdade para
uma matéria que faria prova, ainda essa semana. Pietra, Andréa e eu
combinamos de tocar café juntas, vendo um filme. Nossa amiga estava muito
estressada com o dentista de uma figa e precisava desabafar.
Com um sorriso no rosto, abri a porta, para apenas sentir o sangue
congelando em meu corpo.
— Oi. — Valentim tinha um sorriso no rosto, mesmo assim, não
parecia tão seguro de si pela primeira vez na vida. O braço apoiado na porta
deixando evidente o bíceps marcado pela bainha da manga de sua camisa
cinza.
— Oi — respondi, desconfiada.
Quer dizer, o cara me deu o maior beijo da história e, em seguida,
desapareceu da face da Terra.
A menos que ele tivesse sido abduzido por E.T.s, nada justificaria.
Mas, ao mesmo tempo, vê-lo fez me lembrar das sensações em meu
corpo enquanto nossos lábios estavam ocupados demais explorando um ao
outro. A vontade de que pudéssemos ir mais longe. A forma como seu corpo
correspondeu quando meus dedos passearam por dentro de sua camisa, e
como eu pude sentir seu pau pulsante enquanto nossos corpos pareciam
desafiar a física que garante a lei da impenetrabilidade.
— Eu posso... — Deixou a frase morrer apontando para dentro do
apartamento.
— Ah, claro. — Franzi o cenho, em dúvida, abrindo espaço para ele.
Valentim entrou.
Fechei a porta.
Tá quente aqui, né?
Como ele não falou nada nem pareceu ter algo para falar, apontei,
com a mão erguida, a sala onde poderíamos sentar.
Talvez, pela forma como chegou, parecendo desnorteado, ele tivesse
recebido alguma notícia desfavorável quanto à coluna.
Sentei no sofá, esperando que ele fizesse o mesmo. O que não
aconteceu.
Valentim parecia estranho, agitado.
— Aconteceu alguma coisa? — quis saber, observando enquanto
batia o pé no chão, parecendo organizar os pensamentos.
— Não. Sim — falou. — Na verdade, eu queria falar com você.
— Sim — respondi, aguardando que ele desse continuidade.
— Você pode... — Fez uma pausa. — Você pode levantar, por favor?
Movi a cabeça um pouco para o lado, franzindo o cenho para o
estranho pedido.
— Tá. — Fiz o que ele pediu, levantando-me. — Você está me
assustando um pouco. Aconteceu alguma coisa?
Valentim umedeceu os lábios e, merda, esse gesto não devia parecer
tão erótico, mas parecia. E muito.
— Eu pensei em um bocado de coisas pra te dizer quando chegasse
aqui — deu um passo em minha direção, depois mais outro —, mas eu
esqueci tudo — confessou, quando o corpo estava tão próximo ao meu que
podia sentir sua respiração quente pinicando meu rosto. O braço esquerdo
me prendendo junto ao seu corpo. Nossos troncos levemente afastados,
apenas o suficiente para que pudéssemos olhar um para o outro. — Pra ser
sincero, isso acontece muito quando eu a vejo. O mundo entra em suspenso, e
a única coisa que eu vejo é essa sua boca. — Passou o indicador pela minha
mandíbula, fazendo-me estremecer. Meu coração, claro, tinha parado de
bater, eu nem sabia o motivo. — E aí, tudo morre. Porque eu só penso em
beijar você, a porra do tempo todo.
Era idiota, eu sabia.
Mas a primeira coisa que pensei foi que eu beijava bem. Porque,
caralho, se o cara que eu dei o melhor beijo da minha vida não sentisse o
mesmo, puta que pariu, que vergonha.
— E, se quando eu te conheci, não conseguia parar de pensar em
como seria te beijar — continuou —, agora, a única coisa em que penso é
que, sem dúvida, eu preciso fazer isso de novo. E, sinceramente, eu acho que
quando beijar você de novo, não vou conseguir parar, Talita. — Valentim
deu um passo em minha direção e mais outro, até que pouco espaço restasse
entre nós. — Então, por favor, diz que eu não estou louco e que você quer a
mesma coisa que eu também.
Eu não conseguia falar.
Minha boca estava seca demais para até lembrar como a abrir.
Meu Deus, eu estava de volta à puberdade?
Não devia querer que ele me beijasse, não é? Quer dizer, nós nos
detestávamos. Fizemos uma trégua na boate, e olha só onde viemos parar...
Seria um erro.
Mas tem erro que vale a pena, certo?
Engoli em seco, umedecendo os lábios, ainda em dúvida.
Errar ou viver na vontade de repetir aquele momento?
— Então — falei, dando um passo em sua direção, colando ainda
mais nossos corpos —, pare de falar e me beije.
Ele riu, e então não foi preciso que mais nada fosse dito.
No instante seguinte, os lábios estavam grudados aos meus. A língua
pedia espaço na minha boca e eu cedi. Óbvio. Admitir que queria beijá-lo
antes que ele fizesse isso era uma coisa, mas agora que ele tinha confessado
que também queria mais, foda-se. Eu queria e muito.
A familiaridade com que nossos lábios e corpos se reconheceram era
estranha, afinal, nós nos odiávamos.
Mas, cara, isso era, ao mesmo tempo, inacreditavelmente bom.
Fomos caminhando, trôpegos, até que estivéssemos no sofá. Valentim
caiu sentado, levando-me junto com ele. Sua mão segurava minhas costas,
tentando evitar que eu caísse e, ao mesmo tempo, prendendo-me ao seu
corpo quente e macio.
Aconcheguei-me junto a ele. Minhas pernas ao redor das suas
fazendo com que estivesse em seu colo, sentindo o cutucão causado por sua
ereção.
Seus lábios deixaram os meus e eu gemi em frustração, mas, em
seguida, encontraram um outro caminho. Valentim deixou um rastro de beijos
do meu queixo até o lóbulo da minha orelha, fazendo-me arfar e friccionar
meu quadril contra o dele.
Foi a sua vez de gemer.
Parecendo um animal com fome, os lábios voltaram a atacar os meus.
Ora firme. Intenso. Ora delicado. Sensual.
Minhas mãos encontraram o caminho até sua nuca, reconhecendo os
fios em que meus dedos estiveram emaranhados dias atrás. Passei os dedos
com delicadeza primeiro, antes de puxá-los, tentando trazer seu rosto para
mim novamente e intensificar aquele momento.
Ele ia me matar apenas com beijos.
Afastei, a contragosto, o rosto, precisando de ar.
Valentim mordiscou meu lábio. Passou a mão pelas laterais do meu
rosto, admirando-o.
— Você é perfeita — falou, mais como uma constatação para si
mesmo do que para mim.
A forma intensa como ele me olhava, seria o suficiente para me levar
ao clímax. Eu sabia que não era feia. Mas ele não disse que eu era bonita.
Perfeita.
Foi essa a palavra que ele usou.
Talvez ninguém tenha me dito isso antes. Ou talvez sim, mas não de
forma tão intensa e que me fazia acreditar.
Erguendo o lábio esquerdo em um maldito sorriso que me fez, com
certeza, molhar ainda mais a calcinha, se aproximou do meu rosto, sem
pressa.
A língua passeou pelo contorno dos meus lábios de forma sensual.
Provocante. Enlouquecedora.
Ele tinha gosto de maracujá. Suave. Inconfundível. Forte.
Tranquilizante.
Arquejou, quando a língua encontrou minha boca.
Suas mãos passaram também a mover-se. Os dedos brincaram com a
barra da blusa que usava.
Meu corpo retesou, um pouco.
Rápido demais?
— Muito rápido? — perguntou, afastando um pouco nossos lábios,
como se pudesse saber exatamente o que eu pensava.
— Acho — parei, ofegante —, acho que sim.
Valentim concordou, com um sorriso travesso.
Nós nos encaramos.
Silêncio.
Eu não me movi. Não me afastei.
Valentim esperou, aguardando o meu próximo movimento para saber
como deveria agir.
Nós éramos adultos, livres e sexo casual era a coisa mais normal do
mundo. Quem nunca, não é?
Não falávamos, mas podia sentir seu polegar brincando, ainda sobre
a camisa, em meu corpo.
A forma como me encarava, deixava claro que queria.
Sejamos justos, eu também.
— Posso ir embora, se você quiser. Podemos parar por aqui — as
mãos abandonaram minha cintura, subindo-as pelos meus braços —, mas eu
espero que saiba, que isso é só uma pausa, Talita. Porque eu tenho certeza de
que isso é algo que nós dois queremos.
— Bem que dizem que autoestima de homem devia vender
encapsulada. Você, por exemplo, é bastante presunçoso.
Ele riu, sem falar nada. Apoiou as mãos em minhas costas, puxando
meu corpo, lentamente, para mais perto do seu.
Os lábios beliscaram meu pescoço, deixando beijos em seguida.
Mordiscou minha clavícula, o lóbulo de minha orelha.
— Valentim — falei, soltando o ar com cada vez mais força.
— Só estou provando a você que não é presunção. É fato. Química.
Você sabe que quer. — As mãos desceram, delicadamente, por minha coluna,
fazendo-me arrepiar. — Porque eu sei bem o quanto eu quero — sussurrou
em meu ouvido, friccionando nossos corpos mais uma vez, mostrando o
tamanho da sua excitação.
— E você acha que pode chegar aqui e pegar o que quer?
— Não — negou. — Mas eu sou o tipo de cara que não desiste
quando sabe muito bem o que não lhe sai da cabeça. E, caralho, você está
grudada em meus pensamentos, escritora.
Soltei o ar com força pela boca quando apertou minha cintura.
Ele não saía dos meus também. Isso era inegável.
Era só uma vez, que mal faria?
Beijei seu queixo, levando sua mão, delicadamente, até onde estava,
instantes antes. Na barra da minha camisa. Esperou para saber se eu tinha
certeza. Soltei um gemido de frustração com a demora, e ele entendeu. O
tecido da peça era leve e solto, o que facilitou e muito a exploração.
Os dedos acariciaram, com calma, a minha cintura. Apertando em
alguns momentos, e friccionando nossos corpos, fazendo-o gemer em um
misto de alívio e desespero.
Um som gutural saiu de seus lábios quando os dedos encontraram
meus seios, sem sutiã. O polegar roçando o mamilo fazendo com que meu
corpo fosse capaz de causar um incêndio com a proximidade de qualquer
objeto inflamável.
Parecendo dividido entre usar as duas mãos para dar atenção aos
seios, e manter uma em minha cintura para garantir que eu continuasse presa
a ele, escolheu a segunda opção, passando, em seguida, a mão para o outro
mamilo a fim de dar-lhe atenção também.
Arfei com o contato.
A língua quente continuava a explorar minha boca, fazendo com que
eu me esquecesse do mundo. O pau dele estava cada vez mais duro e eu me
sentia orgulhosa por saber que eu era o motivo da excitação. Rebolei o
corpo contra o seu, sentindo a respiração falhar de tesão.
Valentim nos afastou por alguns segundos, apenas o suficiente para
que olhasse em meus olhos enquanto as mãos desciam até a barra da minha
camisa em busca de aprovação.
Para facilitar, ergui os braços.
Valentim sorriu, enquanto tirava a peça, jogando-a longe. Os olhos
ardiam como em brasas, enquanto encaravam os seios à sua frente. Arqueei o
corpo em sua direção quando a boca encontrou meu mamilo.
Puta que pariu, como isso é bom.
Valentim passava a língua na aréola, brincando, alternando com
mordiscadas no bico do seio já intumescido, enquanto com umas das mãos,
brincava com o outro seio, alternando a posição para, em seguida, poder
chupar o outro seio.
— Você é gostosa demais — falou, quando afastou o rosto,
encarando-me. — Eu quero fazer isso desde a primeira vez que a vi.
— Se você não tivesse sido um otário completo — falei, tentando
manter a concentração nas palavras, enquanto os dedos brincavam com o cós
do short que eu usava —, eu teria pensado em algo desse tipo também —
confessei, jogando a cabeça para trás quando senti os dedos invadirem o
short e a calcinha.
— Você se importa? — perguntou, descendo dois dedos, aos poucos,
até que estivessem em meu clitóris.
— Fique à vontade. — Arfei, movendo o corpo de forma que ele
pudesse ter mais acesso.
Seus dedos encontraram a minha entrada e ele gemeu.
— Porra, você tá prontinha pra mim. Molhadinha pra mim —
grunhiu, passando a ponta do dedo do meio em minha abertura e parando em
seguida.
— Não — pedi. Apertando as mãos em seu ombro quando notei que
ele retirava a mão.
— Você vai ter que confiar em mim, gata. Vou te fazer gozar, mas
primeiro, preciso sentir o seu gosto na boca.
Só não gozei naquele momento, porque queria mesmo saber do que a
língua dele era capaz.
Valentim, com cuidado, deitou meu corpo no sofá, colou nossos
lábios por alguns segundos e, em seguida, foi deixando uma trilha de beijos.
No queixo, garganta, vão entre os seios, barriga, umbigo, virilha.
Meu corpo arqueava em expectativa.
Seus dedos engancharam em meu short e eu ergui o corpo o bastante
para que ele pudesse, também, remover a peça.
Minha respiração estava alta.
O coração disparado.
Expectativa.
Ele abriu minhas pernas, beijou minhas coxas, dessa vez subindo.
Meu Deus, não me deixe morrer antes de gozar, por favor.
Os beijos foram subindo, até pararem no lugar exato onde devia ter
continuado. Gemi, frustrada.
Ele riu.
— Sabe de uma coisa, escritora? — Ergui o quadril. Foi
involuntário, mas um pedido mudo para que ele continuasse. — Ler aqueles
livros foi a porcaria de uma tortura, porque cada maldita vez que eu
precisava ler alguma cena de sexo, eu só conseguia pensar em você. Só
conseguia fantasiar você ali, nua, molhada pra mim, de quatro, de lado, de
qualquer forma. Pra mim, Talita.
Brincou, com a ponta do indicador, no meio das minhas pernas.
— Você sabe o mal que isso me fez? — perguntou.
Não tinha capacidade cognitiva necessária para responder aquela
pergunta.
— Sabe? — Brincou com o clitóris, tirando o dedo em seguida.
Falei alguma coisa ininteligível.
— Responda, Talita — pediu, mais uma vez. — Sabe o que isso fez
comigo? Sabe o quanto eu desejei e esperei por este momento? Pra sentir
seu gosto?
— Não — murmurei, sentindo-me mais excitada com suas palavras.
Ele riu.
— Então, se prepare, porque agora, você vai saber.
Sem delongas, puxou um pouco minhas pernas enfiando o rosto entre
elas.
Acho que morri e fui para o céu.
Essa era a sensação de sua língua brincando com minha boceta. Será
que ele toparia ficar aqui para sempre? Porque, porra, isso era bom demais.
Soltei um gemido alto demais, e poderia ser constrangedor se ele não
tivesse tomado isso como um incentivo.
Ele lambeu meu clitóris com uma lentidão exagerada e de forma
absurdamente provocante. Novamente, arqueei o corpo, buscando
intensificar o contato e, em seguida, encontrei, com as mãos, sua nuca. Puxei-
a para mais perto, como se tentasse prendê-lo lá embaixo.
Ele riu, mordiscando o clitóris em seguida.
Acho que vou enfartar.
Era muito, muito bom!
Valentim era bom demais nisso.
Ele deu atenção a todas as áreas, mordiscou, assoprou, lambeu,
chupou com vontade. Rápido. Devagar. Rápido. Mais lento que uma
tartaruga.
Senti aquela coisa crescer dentro de mim. Apertei, com força,
qualquer coisa que encontrei pela frente. Acho que uma almofada.
Queria gritar, quando comecei a sentir que ia explodir.
Os gemidos se intensificaram.
— Valentim — chamei.
Ele murmurou alguma coisa.
Eu ia morrer.
A campainha tocou.
Não, não, não, não.
— Continue — pedi, e ele obedeceu. Apertei com força a almofada.
Campainha. Campainha. Campainha.
— Abra logo essa porcaria, Talita. — A voz irritada de Pietra quase
me fez chorar de frustração.
— Eu não acredito nisso — resmunguei quando percebi que estive
perto demais de gozar, mas agora, com minhas amigas gritando na minha
porta, minha chance era zero vírgula zero. — Já vou — gritei de volta.
Não tenho amigas.
Valentim sentou no chão, frustrado também.
— Suas amigas não podiam ser mais inconvenientes — brincou.
— Nem me fala — respondi, passando as mãos pelo rosto.
Sem falar nada, Valentim levantou, pegando as minhas peças de
roupas jogadas pelo chão. Irritada, frustrada e querendo matar minhas
amigas, vesti-as.
— Por favor, me espere no escritório e pega UM — frisei a palavra
—, só um livro. Preciso de uma boa desculpa para você estar aqui.
Ele assentiu, se aproximando e dando um beijo rápido em meus
lábios antes de seguir pelo corredor.
— Meu Deus, precisa quebrar a campainha? — gritei, passando as
mãos pelo cabelo tentando deixá-lo apresentável.
— Preciso — minha amiga gritou. — Você demora demais.
— Pronto, desesperada. — Abri a porta para as duas que entraram
em seguida.
— Que demora! — reclamei.
— Eu estava no escritório com... — Antes que terminasse de falar, a
voz de Valentim interrompeu, já do corredor.
— Achei — falou, caminhando até a sala.
Tussi, vendo o título em sua mão.
— Olá, meninas — cumprimentou minhas amigas, dando dois
beijinhos no rosto de cada. Os lábios que pouco antes estavam entre minhas
pernas fazendo maravilhas.
— O que ele está fazendo...
— Ah, eu vim buscar um livro dela para ler. — Balançou uma das
minhas histórias em nossa direção. — Afinal, como vou falar da escritora,
sem que tenha lido nada que ela escreveu?
Andréa sorriu.
Pietra semicerrou os olhos em minha direção.
— Bom, ótimo. Agora você já pode... — Apontei com o rosto em
direção à porta.
— Ah, e a entrevista — falou. — Já acabei os livros. Confesso que
foi basicamente tudo que fiz nos últimos dias. Estava doido pra acabar logo
pra gente se ver e... marcar nossa entrevista.
Ele fez uma pausa, como se tivesse percebido que foi uma péssima
escolha de palavras. O que, eu confesso, me deixou com o coração
quentinho. Foi por isso que ele sumiu nos últimos dias? Para adiantar as
leituras e conseguir encontrar comigo logo?
Soltei um suspiro sem querer, o que fez minhas amigas me olharem
de forma estranha.
— Ah, eu só posso depois do lançamento. Acho que daqui a dois
dias.
Assentiu.
— Dois dias, então — repetiu, como se quisesse deixar claro que
nosso assunto inacabado de hoje teria continuidade.
Acompanhei-o até a porta, abrindo-a.
— Daqui a dois dias, na minha casa. Não quero que tenhamos
interferência novamente, porque eu cumpro minhas promessas, Talita. E eu
vou fazer você gozar tanto, que nem ao menos vai lembrar o seu nome.
— É o que veremos — falei, dando uma risadinha de lado.
— Você nem sabe o que a espera, escritora. Pode ter certeza de que
será uma noite inesquecível.
Sorri. Valentim olhou para trás querendo ver se estávamos sendo
observados e, em seguida, colou nossos lábios rapidamente.
— Dois dias — repetiu.
Assim que deu as costas, fechei a porta, voltando meu corpo para a
sala.
— Você tem muito o que nos contar, querida — Andréa pontuou.
Sim, eu tinha, mas antes precisava matá-las.
Capítulo 16

Meus dedos digitavam frenéticos fazendo com que o som das teclas
soasse de uma forma quase ritmada.
Eu adorava esse som.
Significava, especialmente, que minha mente estava conseguindo
conectar bem as palavras e que, em breve, eu poderia finalizar mais um
trabalho saindo em busca do próximo.
Embora eu estivesse muito feliz por, na primeira parte da entrevista
com Talita, ter conseguido muitas informações e adiantado bastante a coluna,
assim como no dia que a encontrei com meu pai e depois na festa, quando
conheci suas amigas. Talita possuía muitos lados.
A menina de família, a amiga divertida, a amiga leal, a irmã que fazia
de tudo pelo irmão, a garota falante, ao mesmo tempo em que sabia respeitar
silêncios assim como conseguia ser uma boa ouvinte.
Além de tudo, ela tinha um lado sensual, mas era tão natural que
chegava a ser inocente. Havia também o lado quente.
Ela era entregue.
Dois beijos, e eu sabia que estava viciado. O gosto dela, a sensação
do corpo quente. O som que fazia quando gemia quando eu a tocava.
Tudo isso era música aos meus ouvidos.
Uma sinfonia dos deuses e, só de me lembrar do seu corpo delgado
contra o meu, era motivo para que, lá embaixo, uma comichão tivesse início.
Porra, eu não ia conseguir respirar enquanto não a tivesse em meus
braços. E ainda faltavam algumas horas para que isso acontecesse.
Estava tão duro quando saí de sua casa que nem um banho frio daria
jeito. Precisei me aliviar, sozinho, pensando em seu gosto, em seu rosto, em
seus lábios e em como foi uma das melhores coisas que eu já fiz, dar prazer
àquela mulher.
Infelizmente, tínhamos sido interrompidos.
E agora eu contava os minutos para poder vê-la novamente.
Depois do nosso beijo, o primeiro, eu soube que não conseguiria, de
forma alguma, parar ali. Assim que cheguei em casa devorei os livros
restantes querendo, mais do que tudo, vê-la.
Não a tinha procurado antes de propósito.
Já havia passado algumas horas desde que nos beijamos pela
primeira vez e queria pensar que, na verdade, tudo aquilo foi um delírio.
Coisa de um momento regado a álcool.
Mas, não.
Assim que meus olhos caíram sobre ela, esqueci completamente a
desculpa que tinha arrumado para ir à sua casa de propósito. A blusa em sua
maior parte verde com pequenas flores brancas, bem soltinha no corpo, mas
marcando bem o contorno do sutiã combinava muito bem com o short jeans
um pouco acima das coxas já me deixaram doidos.
Senti quando minha garganta secou.
O momento exato em que soube que eu estava fodido completamente.
Eu estava atraído pela escritora, e, com certeza, precisava dela.
Não podia dizer que a conhecia como ninguém, mas gostava das
nuances que havia conhecido.
Estava disposto a conhecer ainda mais.
Desde a primeira vez que a vi, quis fazer muitas, muitas coisas com
ela. Entretanto, não podia. Afinal, ela representava muito do que eu,
decididamente, não concordava.
Conhecê-la, porém, mudou muito. Quase tudo.
Eu a compreendia.
Talita falava com propriedade e convicção sobre o que acreditava, e
ela não via nenhum motivo para que os livros eróticos não existissem. Passei
os últimos dias ponderando sobre o assunto.
Os livros que li contavam histórias de pessoas tão reais que podiam
ser meus vizinhos. Pessoas com sentimentos bons, como alegria, esperança,
confiança, empatia, compaixão, amor e também sentimentos que são
considerados ruins, ciúme, inveja, raiva, frustração. Como toda pessoa que
passa por diversos problemas e inúmeras situações, o sexo sempre fará parte
de nossas vidas. Então, por que não faria da vida dos personagens?
No fim das contas, Talita me fez perceber que, para começar, os
romances eróticos recebem esse nome por não se tratarem exatamente sobre
sexo, mas o ato sexual faz parte da vida dos dois, como faz parte das nossas.
Algo normal. Existia um envolvimento romântico entre eles, um
amadurecimento, e as cenas de sexo são apenas um bônus, era como ver a
química do casal, além dos seus conflitos.
Foi basicamente isso que acabei percebendo também nas histórias
que eu li. No fim, as cenas estavam ali, não era o ponto central da história
diferente do que eu havia pensado, inicialmente.
— O que tá fazendo? — Mathias perguntou, puxando a cadeira
giratória da mesa vaga ao lado da minha.
— Trabalhando — retruquei, sem nem olhar para ele. — Você não
devia fazer o mesmo?
— Não. Deixo isso para os fracos. — Aproximou a cadeira da
minha. — Afinal, por qual motivo personagens literários não devem
transar se o sexo faz parte das nossas vidas de forma natural? — Mathias
leu a última frase que eu havia escrito. — Como está indo a coluna?
Dei de ombros.
— Bem. No fim das contas, ambos sobreviveremos.
— Então você agora é defensor dos livros de sexo? — perguntou
com uma cara debochada.
— O nome é romance erótico — corrigi no automático.
— Ele faz a defesa da profissão da morena dele. — Mathias riu,
atraindo a atenção de alguns de nossos colegas.
Ergui o dedo do meio para ele.
— Eu acho que — rodei a cadeira, ficando de frente para o Maria
fifi do meu amigo —, sei lá, quem não gosta não lê e ponto final.
— E está mudando de opinião por algo que você chegou à conclusão,
ou quer agradar uma certa autora? — Apertou os olhos em minha direção.
— Você acha mesmo que eu mudaria de opinião para cair nas graças
de uma mulher? — Ergui uma sobrancelha.
— Isso é uma pergunta retórica, né? — Fechei o semblante para o
idiota que riu. — Ok, eu sei que não. A menos que você estivesse muito,
muito, muito a fim de pegar ela.
— Não é o caso aqui, pode ter certeza. Não sei você percebeu, mas
eu passei os últimos dias com a cara enfiada em livros e mais livros.
— E gostou bastante, pelo que andei ouvindo.
— Seu andar não está precisando de você? — Ele me ignorou,
girando a cadeira.
— Então quer dizer que, diferente do que havia contado antes, está,
realmente, interessado na Talita? — Mathias perguntou, puxando a cadeira
da mesa vaga ao lado da minha.
Era impressão minha ou as pessoas aqui tinham muito tempo vago?
Ninguém mais trabalhava nessa empresa, não? Onde estava Antonella para
dar um jeito nisso?
— Não sei do que está falando. — Ignorei, novamente.
— Eu lembro muito bem quando, aqui mesmo, você me garantiu com
todas as letras, que não estava interessado. — Ergueu a sobrancelha para
mim.
Dei de ombros.
— Não estava, mas as coisas mudam, não é?
— E esse interesse é interesse mesmo, ou ela estará à disposição
daqui a algum tempo?
Apertei os dentes com força.
Decididamente, não.
Eu sabia que nosso lance, possivelmente, seria uma coisa de uma
noite. Mas, mesmo assim, existia a ética dos amigos. Amigo não pega
mulher dos outros.
— Vai caçar em outra floresta, Mathias — respondi.
O sorriso em seu rosto se alargou.
— Então é sério mesmo, hein, jornalista? — Ironizou a palavra por
conta da forma como a Talita me chamou algumas vezes na balada. — Rolou
algo mais depois do beijo?
— Pensei que sua área fosse política, não fofoca — brinquei.
Se dizem que as mulheres são fofoqueiras, é porque elas nunca
tiveram a chance de ver um homem quando está com a língua coçando para
falar da vida alheia, ou da vida deles mesmo, quando querem.
— Seria fofoca se estivéssemos falando pelas costas de alguém, mas
estou aqui de frente com uma das partes envolvidas. Logo, isso é
compartilhamento de informações.
Balancei a cabeça em negativa.
— Nós temos química, tesão. Aquela coisa que, caralho, quando
acontecer, não resta dúvidas de que será explosivo, sabe?
— Isso significa que você será domesticado novamente?
Rolei os olhos.
— Quer dizer que nós vamos transar até a gente enjoar. Não tenho
pretensão de me envolver sério, tão cedo..
— Uma hora vai acontecer, você sabe — falou, pegando dois lápis
do meu organizador de mesa e usando como baquetas de bateria, contra
minha mesa.
— Não tenho nada contra. — Dei de ombros. — Não tenho mais
vinte anos. Não vou ser idiota de repetir o erro.
— O bom da vida é que podemos, pelo menos, cometer erros novos e
bem mais gostosos. — Eu ri.
— Eu vi você de flertes com a amiga dela. Como era mesmo o
nome... — Fingi ter esquecido.
— Pietra — completou rapidamente.
Ri, e ele me mostrou o dedo do meio ao perceber que havia caído,
exatamente como eu queria que acontecesse.
— Sabia que tinha rolado um clima... E aí?
Balançou a cabeça em negativa.
— Ela não estava muito bem. Tinha descoberto que o cara que ela
estava flertando com ela, era noivo. — Deu um giro com a cadeira. — A
garota só queria mesmo beber e afirmar, com convicção, que os homens
deviam ser, todos, enviados de tobogã direto para o quinto dos infernos.
Franzi o cenho.
— Talita comentou algo sobre isso. Infelizmente, o mundo está
recheado de idiotas assim — falei. Mathias concordou, concentrado demais
em não perder o ritmo na sua bateria de mentira. — Uma pena que a noite
não tenha sido como você imaginou.
Mathias riu, como se tivesse um segredo divertido.
— Na verdade, foi ainda melhor do que eu tinha imaginado.
— Como assim? — quis saber, apertando os olhos em sua direção.
— Peguei o número dela, e apesar de não ter mandado mensagem
ainda, só estou com essa sensação estranha.
Eu tinha certeza de que era mais do que isso, mas, quando se tratava
daquela noite, havia detalhes muito melhores com os quais me preocupar.

— Oi, pai — gritei, ao entrar em sua casa.


Loki latiu.
Havia passado em casa para pegar meu cão e levá-lo para um
passeio. Nos últimos dias, concentrado em ler, acabei negligenciado o
coitado, levando-o para passeios curtos. Agora ele cobrava atenção e
precisava perder toda aquela energia extra que tinha.
Meu pai não respondeu, o que fez com que o sangue parasse de
circular em meu corpo por alguns segundos.
— Pai? — chamei, novamente, com o tom mais preocupado.
Será que algo havia acontecido com ele?
Entrei, ainda de sapato. Nas costas, uma pequena mochila onde
carregava alguns sacos para recolher a sujeira de Loki enquanto
estivéssemos andando pelas ruas, segurando com ainda mais força a guia em
minhas mãos, como se precisasse dela para me garantir que nada de ruim
havia acontecido.
Em meu coração, o medo de, assim como anos atrás, encontrar meu
pai caído no chão com o corpo gélido.
Caminhei, apressado, por toda a casa, com meu companheiro de
corridas ao meu lado. Loki pareceu entender meu medo, pois estava quieto,
não latiu, mas farejava o cheiro do meu pai.
— Vai lá, garoto. — Soltei-o. Seria mais fácil se meu cachorro o
encontrasse, no fim das contas.
Loki parou na porta do seu quarto, latindo. Entrou, em seguida.
O mundo entrou em pausa até eu chegasse à porta do cômodo. Papai
estava deitado. Agora passava as mãos pelo rosto em um bocejo enquanto
Loki apoiava as patas dianteiras em suas pernas, tentando lamber seu rosto.
— Eu sei, também senti saudade, garotão — falou, passando a mão
em suas orelhas.
Respirei, aliviado.
Na cama, estavam abertas muitas das suas antigas agendas e
cadernos, velhas companheiras de composições.
— Oi, filho. — Ergueu os olhos em minha direção que ainda estava
na porta do quarto sentindo meu coração encontrar o ritmo certo da batida.
Meu pai tirou os óculos quadrados do rosto. Respirei fundo, sentindo o
alívio ao vê-lo bem. — Acho que cochilei.
Bocejou novamente, erguendo o corpo para sentar enquanto ainda
brincava com o enorme dálmata que clamava por atenção. Coitado.
Precisei de mais alguns segundos para que meu coração retomasse as
batidas no peito.
— Acho que sim, pai. — Caminhei em sua direção.
— Está aqui há muito tempo?
— Não. — Balancei a cabeça em negativa, aproximando-me dele.
O quarto não era enorme, mas tinha um tamanho considerável. A
cama box ficava posicionada bem ao centro da maior parede. Ao lado, uma
mesinha onde uma enorme foto do casamento deles ficava no porta-retratos
maior e outra dos meus pais, comigo nos braços, em meu primeiro
aniversário.
O ambiente era arejado e claro, ainda que estivéssemos no final da
tarde.
— O que está fazendo? — quis saber, sentando ao seu lado na cama e
pegando uma das agendas mais antigas.
— Não sei. — Curvou os cantos da boca para baixo, para enfatizar
as palavras, recebendo algumas lambidas animadas non rosto. — Estava
aqui, sozinho, e me peguei pensando em sua mãe. — Suspirou. — Resolvi
reler alguns dos bilhetes que escrevi.
Folheei o caderno em minhas mãos, vendo as letras bem-desenhadas
sobre o papel de linhas e colado nas folhas, também amareladas, da agenda
de capa preta.
“Dou-te todo meu amor.
Te darei as cores, as flores, o alvorecer e todas as palavras já
escritas.
Dou-te também as inventadas.
As que possam expressar emoções novas. Coisas nunca sentidas.
Dou-te toda a verdade, toda a intensidade, todo o brilho do céu.
O mel de todas as abelhas e só preciso de uma centelha
Para te jurar eternidade, amor e fidelidade
Uma vida ao infinito, ao seu lado é mais bonito
E enfim, tudo que quero para mim.”
— Ela tinha muito orgulho de você. — Sorri, passando para ele a
agenda que tinha em mãos, onde havia uma marcação.
Papai leu o trecho em questão, engolindo em seco em seguida,
emocionado.
— Sua mãe deu razão para cada um dos meus dias. — Passou os
dedos pelas palavras. — Eu espero que um dia você encontre alguém tão
especial para viver uma história como a minha e de sua mãe.
— E hoje é um daqueles dias em que o solteiro não tem um segundo
de paz sem encontrar alguém querendo convencê-lo das maravilhas do
relacionamento. — Ri, lembrando-me da conversa com Mathias mais cedo.
— Na hora certa, pai. Não vamos apressar nada.
— Longe de mim querer apressá-lo. — Ergueu as mãos, como se
estivesse se rendendo. — Mas, se serve de consolo, sua mãe e eu sabíamos
que ela não era a garota certa.
Soltei o riso pelo nariz.
— Não se preocupe, pai. Quando conhecer alguém com quem queira
compartilhar o resto da minha vida, vou procurar saber a sua opinião antes
de tomar qualquer passo que possa me ridicularizar novamente.
— Quando se trata de amor, ser sincero com seus sentimentos nunca
quer dizer se ridicularizar — repetiu o mantra de sempre.
— Diga isso quando o senhor tiver se tornado um meme nacional. —
Franzi o cenho para ele.
— Você não pode deixar que as experiências do passado interfiram
no seu presente e moldem o seu futuro, filho. — Ficou mais sério ao me
olhar. — Uma experiência ruim deve servir de aprendizado, não como
âncora.
Assenti.
Não pensava no meu passado como âncora, mas também aprendi que
não precisava ser apressado. Algumas coisas aconteciam quando deviam
acontecer, como deviam acontecer e com quem devia acontecer.
Ainda sonhava em ter uma esposa, filhos, casa com cerca branca
seria bom, mas inviável. Eu queria um amor. Alguém com quem compartilhar
minha vida, como meus pais compartilharam a deles. Mas não tinha
acontecido ainda.
Na hora certa, com a pessoa certa, eu saberia.
— Pode deixar, pai. Prometo que não vou deixar.
Meu pai ficou em silêncio novamente, parecendo preso em outra
dimensão. As mãos ainda passeando pela cabeça de Loki que gostava do
carinho. Era um folgado, meu cachorro.
— O senhor está pensando sobre o livro, não é? — perguntei,
pegando outro caderno que seguia o mesmo padrão. Bilhetes deixados para
minha mãe, escritos à mão, colados nas páginas em branco.
A data, na parte superior da folha, escrita por ela, em um lembrete de
quando havia recebido. Passei algumas páginas lendo os bilhetes. Em
algumas folhas, mamãe usava como uma espécie de resposta, às vezes,
referindo ao bilhete do dia, outras há algum momento emocional que
passava.
— Eu pensei, mas depois vi que pode não dar em nada. — Puxou o
ar com força. — Melhor deixar essa ideia pra lá.
Balancei a cabeça em negativa entregando a ele o caderno que tinha
em mãos. Na página, o bilhete colado por mamãe, a data escrita por ela, e,
embaixo, sua letra também reforçava algo.
“Ele não desiste de mim, mesmo quando eu acredito que possa se
cansar de sermos apenas nós. Espero que saiba que também não desistirei
dele nem dos seus sonhos. Eles nos dão asas para voar. E eu sei que
poderá chegar longe.”
— Ela acreditava em você, pai. Sempre acreditou. Acho que está na
hora do senhor acreditar também. Pode não dar em nada, mas também pode
ser algo que vá lhe trazer uma grande realização pessoal. O senhor não deve
desistir. — Sorri, pondo a mão em seu joelho, da mesma forma como
costumava fazer comigo quando eu era mais jovem e tinha algum conselho
sábio para me dar. — Está na hora de voar, meu velhinho.
Meu pai encarou a página por alguns segundos.
— Não deviam ser os pais a incentivar os filhos a saírem do ninho?
— brincou, com o olhar repleto de orgulho.
Dei de ombros.
— Acho que o senhor fez um bom trabalho. Agora, depois de tanto
me incentivar, pode ser a minha vez de te ajudar a voar.
Ele sorriu.
Realizar sonhos independiam da idade, e eu, certamente, faria tudo
que estivesse ao meu alcance para ajudá-lo em tudo que desejasse.
Capítulo 17

— Deixe eu adivinhar — Nicholas perguntou assim que me entrei na sala


—, não dormiu nada.
Não. Não tinha mesmo.
Começar uma nova história tinha sido uma ideia maravilhosa, porém, agora
eu precisava, cada vez mais, que meu dia tivesse bem mais que as usuais vinte e
quatro horas. Tinha escrito, nos últimos dias, trinta e cinco mil palavras e
negligenciava lindamente a releitura do meu lançamento. Foi exatamente tentando
remediar esse erro que havia passado a noite em claro.
Relendo a história que devia ter sido o meu foco. Porém Valentino e a
senhorita Semog haviam chegado mais longe que o beijo da última vez que se
encontraram. Ela já não o odiava tanto, e ele a achava atraente demais para a sua
sanidade mental. Valentino, inclusive, estava sendo muito colaborativo com os
periódicos que sairiam nas próximas edições do jornal. A mudança foi estranha,
mas, de alguma forma que a Semog não conseguia explicar, os dedos do duque
foram parar dentro da sua flor que derramara muito mel.
Valentino havia aprovado o gosto.
A mocinha seguia virgem e, tanto eu quanto ele, ansiosos para que
resolvessem o problema.
— Pelo visto, nem você. — Sentei ao seu lado no tapete confortável onde
livros e mais livros de Química estavam misturados. Fiz uma careta ao olhar a
tabela periódica.
Ele bocejou, erguendo os braços para se espreguiçar. As olheiras estavam
profundas, deixando os olhos castanhos mais escuros. Os cachos sempre tão
comportados e dos quais sempre invejei pareciam ter passado pelo olho de um
furacão.
— Não podia. Preciso acabar algumas coisas. — Apontou para o
emaranhado de letras e fórmulas misturadas.
— Quem inventou isso devia ir para o inferno — comentei, pegando um dos
livros e sentindo a cabeça doer instantaneamente. — Ainda bem que existe um
equilíbrio em nossa família, o cara feio dos números, a menina gata das letras.
Nick riu.
— E aí, nada ainda? — quis saber, referindo-se ao link do livro que ainda
não havia dado o menor sinal de vida.
— Não. — Soltei o ar com força. — Passei a noite toda relendo chamadas,
organizando banners por categorias, criando grupos comigo mesma para enviar os
materiais e, meu Deus, quando finalmente esse link sair, eu juro, nem sei como
conseguirei fazer alguma coisa. Já estou esgotada. Esse livro vai ser um fiasco e eu
vou flopar. Certeza.
— Todo escritor tem esse quê de drama, ou isso é uma particularidade sua?
— brincou, pendendo o corpo um pouco para trás e jogando o seu peso sobre os
braços apoiados no chão.
— Não é drama, tá?
— Ué, mudaram o nome para qual então? — Franziu o cenho em uma careta
de dúvida. — Preciso aprender o novo termo politicamente correto.
— Nicholas, às vezes você é tão idiota — falei, atirando uma bola de papel
que estava próximo ao seu caderno em sua cabeça.
— Olha, se você já espera por não ir tão bem, nem devia se preocupar
tanto. — Deu de ombros.
— Essa não é a hora em que você deveria dizer que eu estou errada? —
Semicerrei os olhos para meu irmão.
— Se tem uma coisa que eu aprendi, querida irmã, é que é melhor se
surpreender do que se decepcionar. — Fiz um biquinho, concordando com ele. —
Entretanto, se serve de consolo, tenho certeza de que você vai arrasar, como
sempre. E, por mais que seja tendencioso, eu adorei a história.
Meu irmão piscou para mim.
Ri, sentindo meu coração dar um pequeno salto no peito. Eu amava quando
minha família realmente gostava do que eu escrevia.
— Só pra você saber, gosto quando é tendencioso. — Nicholas rolou os
olhos.
— Gosta do ego sendo amaciado, isso sim. — Meu irmão olhou para as
páginas dos livros com tristeza antes de soltar um suspiro triste. — Mamãe estava
cem por cento certa quando disse que eu não devia desacelerar o ritmo e pegar
menos matérias só por ter passado em concurso. Ter que estudar agora é ainda mais
cansativo.
— Bom, pra sua sorte, mamãe adora estar certa. Mais ainda, adora dizer
que nós estamos errados, então tenho certeza de que ela ficará muito feliz ao ouvir
isso da sua boca. — Fez uma careta. — Mas você tem uma irmã muito boa que vai
arrumar alguma coisa para comermos e ajudar a aliviar esse cansaço.
— Correção — falou, sem nem ao menos erguer os olhos —, eu tenho uma
irmã que, certamente, está tão ansiosa que é capaz de comer os rebocos da nossa
casa e vai fazer algo para ocupar a mente.
— É incrível como você consegue fazer uma alma genuína como eu passar
por uma pessoa má e interesseira — reclamei, levantando-me.
Nicholas nem se deu ao trabalho de responder, afinal, sim, ele estava certo.
Ia comer um bocado agora, e depois passar horas no banheiro passando mal de
ansiedade.
É essa a vida da escritora da atualidade.

As horas passaram, porém, fora isso, quase nada tinha mudado em nossa
casa. Nick ainda estudava, eu ainda esperava o link sair. A diferença era que, pelo
menos, estávamos alimentados.
Eu estava deitada no sofá com a TV ligada no mute para não atrapalhar meu
irmão. Vez ou outra atualizava minha página de livros na publicados, mas nada
mudava.
Deixei o celular ao meu lado, suspirei fundo e fechei os olhos tentando tirar
pelo menos um cochilo. O aparelho vibrou, me fazendo tomar um enorme susto.
Com certeza era alguma das minhas amigas que queriam saber se já tinha
alguma novidade para contar. Assim que desbloqueei a tela, a foto de Valentim me
chamou atenção.
Ele já tinha me enviado mensagem depois que nos vimos pela última vez,
mas, sendo sincera, eu o estava ignorando.
Tudo que fizemos foi maravilhoso.
Maravilhoso mesmo.
Se eu queria mais?
Sim, com certeza.
Mas minhas amigas me confundiam. Pietra achava que não tinha nada de
mais em tirar uma casquinha, afinal, seria uma transa só e sem compromisso como
tantas que eu já tive. Até porque, nem nos gostávamos, mas era impossível negar
que existia uma tensão sexual muito forte entre nós dois.
Andréa ainda partia do pressuposto que o fato de estarmos trabalhando
juntos podia, de alguma forma, ser prejudicial. Talvez ela estivesse certa, mas
alguma coisa dentro de mim dizia que não seria bem assim. Por mais que eu o
detestasse, Valentim parecia outra pessoa quando se tratava de trabalho, não o
babaca que achava que eu era só uma vendedora de pornografia literária e, nesse
aspecto, não parecia ser o tipo de pessoa que prejudicava ou beneficiava alguém
por conta de, bem... interesses pessoais.
Mas, aquelas poucas palavras, de alguma forma, fizeram com que meu
estômago, que já doía, me incomodasse ainda mais.
“Te desejaria sorte, mas sei que vai arrasar no lançamento. Então, já
deixo aqui registrado os meus parabéns.”
Foi impossível conter o sorriso que se esboçou em meu rosto.
“Obrigada. Mas não estou tão certa de que será um sucesso.”
Antes mesmo que eu pudesse sair da página da nossa conversa, ele começou
a digitar.
“Se formos levar em conta as movimentações nas redes sociais, posso
dizer que você já está completamente no topo.”
“Não vamos sonhar tão alto. Esperemos que, pelo menos, eu consiga ter o
retorno do investimento.”
“Você é best-seller. Vai ter mais que isso, escritora.”
Escritora.
Eu gostei.
Quando Valentim começou a me chamar assim, era meio que de uma forma
pejorativa. Agora não.
A forma como ele falou e o contexto no qual ele usou a palavra escritora
não foi uma forma de me depreciar, mas de afirmar a minha profissão.
Gostei daquilo.
“Bom, mesmo que seja um fracasso total, obrigada, jornalista.”
Esperei, ansiosa, pela resposta.
Não sabia por qual motivo.
“Relaxa. Seu livro vai ter tudo, menos um fracasso.”
Sorri, pousando o aparelho celular no peito enquanto um tipo novo de
felicidade me atingia. Ele tinha lembrado, e, sei lá por qual motivo, gostei daquilo.

Já tinha postado vídeo nas redes anunciando o livro com o link


direcionando para as vendas, soltado quotes nos stories, chamadas com banners em
milhares de grupos do face e os igs parceiros estavam me ajudando também com a
divulgação. Nos grupos de leitura coletiva, algumas das meninas haviam começado
e todo o retorno que recebi, até então, foi positivo.
Atualizava o link do site onde o livro estava disponibilizado a cada cinco
minutos e ainda nada de posição no ranking.
Suspirei, nervosa. Certamente passaria mais uma noite sem dormir, mas
dessa vez ansiosa para saber o que tinham achado do livro.
“PARABÉEEEEEEEEENS, AMIGAAAA!!!”
“O livro está em primeiro lugar no ranking geral em todas as categorias
dele.”
Li, pela barra ainda, a mensagem de Andréa em nosso grupo.
Ai. Meu. Deus!
Meu livro estava em primeiro lugar no ranking?
Agitada, corri para o link do livro sendo direcionada para a página mais
uma vez. Passei o dedo pela tela, descendo até chegar aos detalhes do produto,
onde pude comprovar: primeiro lugar!
Nem sabia o que fazer primeiro, chorar? Rir? Gritar aos quatro ventos?
Sambar?
Sentei para ler as mensagens que não paravam de chegar. Essa era, sem
dúvida, a melhor parte do meu trabalho: ter pessoas que gostavam de mim e se
alegravam de verdade comigo.
O grupo com minhas amigas estava cheio de mensagens, assim como o
grupo da família e todos os grupos literários que eu fazia parte. Fui conferir
primeiro o que acontecia por lá ao perceber que havia muitas marcações.
Mamãe, no grupo da família, tinha enviado um print de tela do ranking no
grupo com suas irmãs, com meu livro em primeiro lugar. Circulou, em azul, várias
vezes, o número 1. As mensagens em seguida eram repletas de “parabéns,
querida”, “minha sobrinha inteligente”, “que orgulho de você”, “o orgulho da
mamãe” e a pior e mais constrangedora de todas “Tá vendo, Marcela. Você devia
ser mais assim como sua prima”.
Certeza de que eu seria a prima mais odiada no Natal.
“Ai, meu Deus, primeiro lugar?”
Mandei no grupo das minhas amigas.
“SIIIIIIIM!!! Você já entrou no ranking em primeiro, amiga!” Andréa
enviou um áudio, animada. “A mais barril de todas!!!”
Não podia reclamar das minhas colocações nos livros anteriores, porém
nunca tinha tido antes um lançamento que fosse direto para a primeira posição. Era
aquela famosa frase do casal de ex-BBB mais famoso do momento: “Quem vê o
close não imagina o corre”. Muito suor e dedicação para que isso fosse possível.
E agora, lá estava.
Minha garganta estava seca e minhas mãos tremiam um pouco.
Era normal chorar e sorrir ao mesmo tempo, não é?
Meu coração parecia quase explodir no peito. Direto para o top 1, sério!
Depois de meses me dedicando a esses personagens, era um orgulho
absurdamente sem tamanho.
É possível morrer de felicidade, meu Deus?
“Você devia acreditar mais em mim.”
Sorri, para a mensagem que apareceu na minha barra de notificações.
“Ainda não recebi nenhum indício de que esse jornalista em especial é
uma fonte exatamente confiável.”
Respondi imediatamente.
“Isso me ofende, escritora. É estatisticamente impossível encontrar fonte
mais confiável que nós jornalistas. Damos nosso sangue e suor para
credibilidade. Tudo pelos nossos leitores.”
Ri. Antes que pudesse responder, ele enviou outra mensagem.
“Parabéns! Você, certamente, merece.”
“Vindo de um leitor tão crítico, é um elogio e tanto. Obrigada.”
Respondi, fechando a conversa e indo para o grupo responder às minhas
amigas que estavam surtando de felicidade também.
Não demorou para que a notificação aparecesse em minha tela novamente.
“Só falei a verdade. Em breve, comemoraremos.”
Mordisquei o lábio, sentindo uma súbita ansiedade.
Era uma promessa e eu nunca estive tão ansiosa para que um
comprometimento se tornasse real.
Capítulo 18

— Uau, isso está muito bom, mesmo! — minha chefe falou, balançando a
cabeça em afirmação depois de exigir ler o que já havia escrito, até então, da
coluna. Pelo visto, ainda não confiava em mim cem por cento para o trabalho
mesmo que tenha me obrigado a fazê-lo.
— De nada — agradeci. — Mas você sabe, não é? Estou fazendo apenas o
meu trabalho. Em outras palavras, sendo brilhante, como sempre.
Antonella riu pelo nariz, dando uma olhada mais uma vez no texto.
— Namorados? — perguntou. — Ela não tem nenhum?
Balancei a cabeça em negativa.
— Não.
— E você tem algum motivo especial para não ter incluído essa informação
na matéria? Nenhum questionamento sobre a importância de amar alguém para
escrever sobre o amor? — Apontou para a tela do seu notebook.
Dei de ombros.
— Não achei que era importante — menti, trincando os dentes.
Na verdade, era eu que não tinha muito interesse em saber se ela já tinha
alguém que amasse muito, ou se teve alguém em sua vida que a marcou para
sempre.
Antonella pareceu achar graça.
— Quem vê, até acha que você está meio... como é que vocês costumam
dizer hoje em dia? — Apertou os olhos, mirando outro lado. — Ah, claro —
estalou o dedo, simulando que havia lembrado —, afim dela.
— Nem viaja, Antonella. — Rolei os olhos.
Ela sorriu.
— Pressione ela — exigiu, passando as mãos pelos cabelos grisalhos. —
Quero saber mais sobre isso.
— Não sei se devíamos focar nessa questão — falei, duvidoso.
— Tá brincando? Imagina só se essa menina só escreve sobre amor sem
nunca ter vivido um? Um furo desses — sorriu de lado —, vai vender como água.
— Talvez sim, mas...
— Pressione ela até que a garota comente sobre o assunto, Valentim. Você
sabe ser inconveniente como ninguém quando quer. — Deu o assunto por encerrado
pegando o copo de café e dando um gole.
Assenti, ainda incerto de que devia fazer algo sobre isso. Alguma coisa
dentro de mim não queria fazer nada que pudesse magoá-la.
— E quando terei a versão final? — quis saber, baixando a tela do
computador, encarando-me.
— Amanhã ou depois. Pronto, revisado e preparado para a publicação.
Assentiu.
— Dei uma olhada no livro que ela lançou ontem e me surpreendi bastante.
Muitas avaliações para um livro lançado em poucas horas, muitos trechos
compartilhados nas redes sociais. As pessoas estão engajadas e gostando bastante
da história — afirmou, como se eu não soubesse de tudo isso.
— Sucesso que fala. — Dei de ombros. — Aparentemente ela faz bem mais
sucesso do que havíamos imaginado.
— Só para corrigir, do que você imaginou, já que foi você quem não a
considerava digna de ser mencionada pelo inestimável Valentim.
— Águas passadas, Antonella. Ela provou o seu ponto, tem uma carreira, as
pessoas gostam dela, pelo que pude ver nos vídeos em suas plataformas, é bem
desenvolta e comunicativa.
Eu tinha passado o dia anterior a stalkeando, mais ansioso do que deveria
para baixar o livro e lê-lo. Enquanto o maldito link não saía, aproveitei para
vasculhar suas redes mais profundamente. Queria ver apenas uns dois, mas fui
assistindo, assistindo, me divertindo e, quando me dei conta, havia visto quase
todos os seus vídeos das principais plataformas.
Parei, apenas quando vi rumores de que o livro já estava disponível para
leitura. Depois disso, me dividi entre ler e acompanhar o desenvolvimento do
lançamento nas redes sociais.
A história era muito boa, inclusive. Um jogador de futebol que acordou em
um quarto de hospital depois de uma partida importante. O problema, era que o
homem tinha acordado quatro anos depois e encontrou o amor da sua vida prestes a
se casar com outro, seu melhor amigo, inclusive. O pior? O melhor amigo também
criava seu filho, do qual ele não fazia a menor ideia que existia. Estava em trinta e
sete por cento da leitura e gostando muito. Tanto que ainda não havia finalizado por
não querer chegar ao final da história e saber que não teria mais os conflitos dos
personagens.
— Conversei com meus sócios sobre as suas sugestões, Valentim —
Antonella falou, fazendo-me lembrar que nossa reunião ainda não havia acabado.
Arqueou o corpo, depois o encostou, mais uma vez, no encosto de sua cadeira.
— E então? — quis saber, ansioso, chegando o corpo para frente.
— Estão ponderando sobre o assunto, mas eu estou otimista — falou. —
Gostaram da sua proposta e a ideia de conversar com um público mais jovem de
forma leve garante mais cliques, podendo também aumentar consideravelmente a
venda dos jornais impressos que, convenhamos, já não é exatamente como antes.
— Tudo pelo bem da empresa, querida chefe — brinquei, vendo-a bufar
para mim.
— Agora você pode deixar de puxar o meu saco e fazer algo de útil, como,
por exemplo, colocar esses dedos ociosos para trabalhar em algo.
— Dez minutos atrás, e eu tinha escrito um texto maravilhoso. Agora meus
dedos estão ociosos. Você precisa se decidir, Antonella. Sou bom demais no que
faço, ou preguiçoso demais para a empresa? — retruquei.
— Já sabe sobre o que vai falar na próxima quinzena? — perguntou,
ignorando-me.
— Sim — me movi na cadeira antes de continuar —, abordarei a forma
como os jornalistas são tratados. Quase como reféns em cativeiro sem a menor
consideração pelos editores déspotas que existem no mercado.
— Vá em frente. Espero que também aborde como alguns funcionários
dormem em suas mesas durante o horário de trabalho. — Ergueu uma sobrancelha,
em seguida, abrindo uma das gavetas da mesa e procurando por alguma coisa.
— Isso só aconteceu uma vez e, em minha defesa, tinha passado a noite
lendo para escrever essa maravilha de coluna que, pouco tempo atrás, você elogiou
tão eloquentemente.
— Valentim, realmente, a você não podemos dar nem a unha do dedo
mindinho do pé que já acha que pode tomar o corpo inteiro.
Eu ri.
Minha mãe costumava falar a mesma coisa.
— E só pra constar, eu sou um ótimo jornalista. E ótimos jornalistas sempre
sabem o que fazer a seguir, logo, claro que já sei sobre o que falarei no próximo
Merece Destaque. — Franzi o cenho.
Antonella ergueu a sobrancelha para mim.
— Posso saber o que anda planejando?
— Fiz um acordo com a escritora, tenho que escrever uma coluna contando
sobre o que achei das minhas leituras. — Soltei o ar com força.
Minha chefe riu.
— Sabe de uma coisa? Já estou ansiosa para ler suas considerações,
Valentim.
— Você não perde por esperar, Antonella.
— Espero mesmo que a espera valha a pena, Valentim. Agora, tire essa cara
feia da minha frente, porque felizmente tenho toda uma redação para dirigir. — Fez
um gesto com a mão indicando a porta.
— Além dos maus tratos, ainda tenho que aturar bullying com a minha
aparência. Acho que vou fazer uma visitinha ao RH — brinquei, levantando-me.
Antonella revirou os olhos, mas assim que cheguei à porta, me chamou de
volta.
— Sabe? Estou orgulhosa de você, Valentim. Está fazendo limonada com os
limões.
Sorri, feliz.
— Bom, pelo visto, se nada der certo na vida, posso abrir, ao menos, uma
barraquinha em frente à minha porta. — Dei de ombros, fazendo-a rir. — Obrigado,
Antonella. Sua aprovação conta muito para mim — falei, fechando a porta em
seguida.
E era a mais pura verdade.
Além do mais, eu jamais deixaria de ser grato por tudo que, ao longo dos
anos, eu aprendi com ela. Mais ainda, por todas as vezes que ela me estendeu a
mão, ajudando-me a me tornar um profissional melhor e, consequentemente, um
homem melhor também.
Movi o mouse do meu computador, sentando na cadeira em seguida.
Desbloqueei a minha tela e abri o novo arquivo onde começaria a dar forma para a
coluna da próxima quinzena sobre os livros lidos. Afinal, promessa é dívida.
Inclusive, eu tinha uma dívida muito interessante para liquidar.

A mulher sentada à minha frente estava um espetáculo. Usava um vestido


longo e bem solto. A frente continha pequenos botões que iam até pouco acima do
joelho, permitindo uma fenda que ressaltava quando ela caminhava. Embora
tentasse evitar, meus pensamentos estavam concentrados em abrir cada uma das
casinhas daqueles botões e deixar à mostra o corpo que eu já sentia falta de ter em
meus braços.
Balancei a cabeça de forma quase imperceptível. Profissional. Primeiro o
profissional, Valentim. Por favor.
Limpei a garganta, fazendo mais uma pergunta em seguida.
Talita me contou sobre a emoção de ver seu livro na primeira posição do
ranking geral e de todas as categorias das quais a história fazia parte. Contou sobre
as mensagens que estava recebendo, sobre o apoio das leitoras, as avaliações que
estavam aquecendo seu coração. Falamos das críticas que recebia também e como
lidava com elas, sobre os planos para a Bienal, planejamos para próximos livros e,
especialmente, sobre seu processo de escrita enquanto também dividia seu tempo
com as redes sociais.
— Talita — chamei, olhando para as últimas perguntas que tinha anotadas.
Justamente as que eu não estava com muita disposição de descobrir as respostas.
— Você me disse que é solteira, certo?
A mulher semicerrou os olhos em minha direção, assentindo em seguida.
— De onde vem a inspiração para os seus romances, então?
Deu uma risada discreta, como se fosse algo muito comum de ser
questionado. Eu gostava das risadas dela.
Das gargalhadas.
Das discretas.
Das provocantes.
Dos sorrisos para fotos.
De todos eles.
— Letras de músicas, histórias que eu leio, filmes, de casais que eu vejo
andando pela rua, felizes. — Deu de ombros. — Na verdade, tudo me inspira a
criar histórias.
— Você não acha que é mais difícil escrever sobre histórias de amor
quando não está amando ninguém? — quis saber, aproveitando o momento para dar
um gole no copo de água que havia posto na pequena mesa de canto ao lado do meu
sofá.
— Na verdade, não. — Riu, atraindo a total atenção dos meus olhos. Era
incrível, mas, de certa forma, era engraçado como eu gostava de fazê-la sorrir. —
Quando estou escrevendo, eu não sou a Talita. Eu sou a personagem, eu sinto o
medo que ela sente, sinto a tristeza, a felicidade, se ela sorri, eu sorrio também. Se
ela franze o cenho, eu me pego fazendo a mesma coisa. Então, ainda que, naquele
momento, meu coração não esteja ocupado por alguém em específico, ele está, ao
mesmo tempo, completamente apaixonado por aquele personagem, da mesma forma
que a minha mocinha.
Assenti, vagarosamente. Fazia mesmo sentido.
— Então, você nunca viveu um grande amor como nos livros? —
questionei. Talita pareceu nervosa por alguns segundos, lívida, eu diria.
— Tive... — Pôs a mão em frente aos lábios, tossindo, para esconder que a
voz havia falhado. — Tive relações normais. Caras com quem me dei bem, mas se
tivesse vivido uma história como nos livros, certamente não estaria mais solteira,
você não acha?
— Não sei. — Cruzei os braços, encostando-me no sofá. — Algumas
histórias, os personagens costumam se encontrar depois de uma longa passagem de
tempo. De repente, amanhã você pode reencontrar um grande amor que ficou no
passado. — A encarei, em um desafio mudo.
Talita riu novamente, e eu gostei mais do que devia daquele som.
— Acho difícil, mas agora que você mencionou, ficarei mais atenta —
brincou, passando a mão pelos cabelos e jogando-os para o lado.
Senti-me um pouco incomodado. Mesmo sabendo que seria improvável, já
que ela havia confessado nunca ter se apaixonado, não gostei de saber que existia
mesmo a possibilidade de alguém retornar à sua vida.
Fechei as mãos, abrindo-as em seguida, tentando acabar com o incômodo
que sentia.
— E você já usou alguma experiência da vida real nos personagens,
alguém, por exemplo, que já esteve em sua vida?
Mordeu os lábios como se buscasse a melhor forma de responder.
— De certa forma, sim. As pessoas que estão à minha volta possuem
características que admiro e, volta e meia, meus personagens carregam algumas
delas.
— Então, talvez, se um ex-namorado ler alguma história sua, pode ser que
ele se encontre? — Ergui uma sobrancelha.
— Talvez sim, talvez não. — Sorriu.
— Neste caso, tenho que tomar cuidado ou posso virar um vilão em algum
enredo — pontuei, vendo-a alargar ainda mais o sorriso.
— Talvez tomar cuidado seja mesmo uma coisa sábia a se fazer —
retrucou, com um olhar divertido.
Segui com a entrevista, satisfeito. Eu fiz o que Antonella pediu,
pressionando-a a falar sobre o amor — ou a falta dele —, porém não funcionou.
Era loucura achar que ela me contaria algo tão pessoal e eu nunca fiquei tão feliz
por um entrevistado esconder algum fato de mim.
Talita seguiu contando sobre sua vida, as redes sociais, como costumava
utilizá-las e, apesar da área de formação não ter nada a ver com
empreendedorismo, ela, sozinha, estava indo muito bem.
Agradeci a entrevista, desligando o gravador em seguida, quando já
tínhamos todas as perguntas respondidas e eu estava satisfeito com o rumo que
seguimos. Tínhamos material suficiente para que eu escrevesse, pelo menos,
cinquenta matérias sobre ela.
— Não sei se estou ansiosa ou temerosa em relação à matéria — confessou,
com um sorriso no rosto.
Estávamos na cozinha. Eu havia oferecido, logo que acabamos, uma taça de
vinho e ela, felizmente, aceitou.
Estava doido para vê-la caminhando com aquela calça que marcava seu
corpo e a blusa soltinha que balançava um pouco enquanto andava.
Minha alegria era saber que, em pouco tempo, ela estaria sem nenhuma peça
na minha cama. Abri os armários, pegando as taças, enquanto Talita se recostava ao
meu lado, cruzando os braços, analisando o que eu fazia.
— Acredito que não tenha nada com que se preocupar — garanti, depois de
pôr nossas taças ao seu lado e esticar o braço por cima do seu corpo, nos deixando
o mais próximo possível. Sua respiração pinicava em meu rosto. Aproximei-me um
pouco mais, até que meus dedos alcançassem a garrafa na adega modulada ao
armário de MDF. — Você foi muito bem respondendo as perguntas.
Afastei-me pouco, apenas para que nos olhássemos. Sorri de lado.
— Sem dúvida — concordou, fazendo com que o hálito doce me atingisse.
— Meu problema, na verdade, é o jornalista encarregado do caso.
Semicerrou os olhos em minha direção.
— Ah, ouvi alguns boatos na redação. — Baixei o tom ao falar com ela,
olhando diretamente para sua boca. — Dizem que ele é um dos melhores.
Talita ergueu os lábios em um sorriso.
Foi o suficiente para que eu não conseguisse mais me controlar. Colei
nossos lábios por alguns segundos, surpreendendo a ela e a mim .
— Gosto quando sorri — confessei, selando nossos lábios mais uma vez.
— E estava esperando a tempo demais para sentir seu gosto novamente.
— Bom, então acho melhor tomar cuidado, ou vai acabar se viciando. —
Ergueu uma sobrancelha.
— Não tenha dúvidas — brinquei, pondo uma mecha do seu cabelo atrás da
orelha, afastando-me e voltando ao armário.
Eu gostava disso.
Talita sabia exatamente o que queria. Não fazia joguinhos. Eu a queria e ela
também estava interessada.
Sem problemas, ressentimentos ou ninguém colocando dificuldade. Enchi
nossas taças, entregando-a uma.
— Mora sozinho? — perguntou, olhando o ambiente ao redor.
Assenti.
— Quando me mudei para esta casa, pensava em trazer meu pai comigo.
Mas o velho é cabeça-dura demais e bateu pé firme que não abandonaria a casa
onde viveu com minha mãe por tantos anos — expliquei. Talita formou uma linha
com os lábios.
— Deve ser difícil — comentou. — Perder o amor da sua vida, quer dizer.
Assenti, dando um gole no líquido vermelho em minha taça.
— Sim. Me preocupei muito que ele não fosse conseguir viver, mas, olha só
— fiz um gesto de aprovação com os lábios —, ele me surpreendeu positivamente.
— Seu pai está levando a ideia do livro a sério? — quis saber, dando um
gole na taça.
— Aparentemente, sim. — Sorri, lembrando-me de como estava debruçado
sobre seus livros. — Ele está feliz com a ideia, especialmente por ter ouvido de
alguém experiente no assunto.
— Bom, como disse, estou à disposição para ajudá-lo no que precisar.
— Acredite, vou me lembrar disso. Não pretendo enlouquecer sozinho —
brinque. Talita sorriu, dando mais um gole na bebida. — E, falando em livros —
dei um gole em minha própria taça, pondo-a na bancada em seguida, e dando um
passo em direção à mulher à minha frente —, acho que temos uma comemoração
pendente.
Semicerrou os olhos em minha direção.
— Posso saber o motivo da comemoração, jornalista?
— Tenho alguns motivos — falei, aproximando-me um pouco mais. —
Primeiro: uma certa autora que eu conheci recentemente, mostrou-se um enorme
sucesso do meio literário. — Dei mais um passo em sua direção e, dessa vez estava
perto o bastante para enlaçar sua cintura, sentindo seu corpo macio coberto apenas
por uma blusa fina, contra minhas mãos. — Segundo: um certo jornalista que você
conhece conseguiu um destaque com essa escritora que, por sinal, é muito gostosa.
E, por último, e não menos importante, terceiro: te dar algumas ideias de como seus
próximos personagens podem fazer as pernas de uma mulher ficarem bambas.
Ela sorriu, passando os dentes pelos lábios em seguida.
— Você não acha que é muita presunção da sua parte? — perguntou. As
mãos subiam vagarosamente por meus braços até que estivessem em meus ombros.
— Não é presunção quando se fala a verdade — comentei, aproximando-me
e mordiscando seus lábios apenas para afastar-me por alguns centímetros. — E
como já disse, eu cumpro promessas, Talita.
Como que para provar o que dizia, apertei as mãos mais firmes em sua
cintura, fazendo-a arfar. Aproximei o rosto de sua mandíbula sentindo o cheiro
doce de jasmim que emanava do seu corpo. Inspirei o ar perto de seu pescoço,
fazendo com que movimentasse o rosto de forma que eu pudesse explorá-la melhor.
Beijei o ponto abaixo do lóbulo de sua orelha.
Ela gostou.
Senti quando soltou o ar com força, firmando, ao mesmo tempo, as mãos em
mim como se precisasse manter-se firme.
— Estava com muita saudade disso — falei, passando a ponta do nariz por
toda a extensão da mandíbula de um lado a outro. — Do seu cheiro.
Ergui um pouco seu rosto, mordiscando o lóbulo de sua orelha.
— Acho que não deu tanto tempo assim para que sentisse saudade — falou
com a voz estremecida.
— Ah, acredite. EU senti. E muita — afirmei. — Senti saudade do seu
cheiro, do seu gosto, de seu sorriso, das suas respostas. — Segurei seu queixo
elevando o rosto até que nossos olhares se cruzaram. — Senti falta de você, Talita
— confessei.
Seus olhos dilataram um pouco enquanto escrutinava meu rosto como se
buscasse algum indício de que eu estava brincando.
Não estava.
Eu sabia disso. Meu corpo. E as batidas intensas em meu coração também
tinham essa noção.
Eu realmente ansiei muito por esse momento.
Talita abriu a boca para falar, mas pareceu não saber o que dizer. A
respiração começava a ficar pesada demais. O ar denso, como se pudéssemos
segurá-lo a qualquer momento. Meus dedos fizeram uma trilha por seus braços,
subindo cautelosamente, enquanto observava os pelos do corpo se eriçarem.
Nossas respirações estavam aceleradas. O ar quente que saía da boca
entreaberta pinicava em meu rosto. O cheiro de jasmim misturava-se ao do vinho
que, instantes antes, bebia.
Seus olhos desceram para os meus lábios. Aproximei o rosto do seu, vendo-
a abrir um pouco os lábios em expectativa do que viria a seguir. Sorri, passando a
ponta do meu nariz no seu, em um gesto de carinho.
Nossas bocas a centímetros de distância. Nossas respirações misturando-se
e a lembrança de como seus lábios macios eram, de fato, como um sonho. Aos
poucos, fui me aproximando. Ela esperou, paciente. Eu queria aproveitar cada
segundo daquele momento.
Cada sensação.
Cada toque.
Seus dedos acariciaram os fios na minha nuca fazendo um tremor passar por
todo o meu corpo.
Eu estava ridiculamente ansioso por esse momento. Muito. O ritmo
descompassado das batidas em meu peito deixava isso claro.
O tesão que sentia por ela, caralho, era sem limites. E, se apenas com a
lembrança do seu beijo e o desejo de que nossos lábios estivessem unidos mais
uma vez, quando, por fim, a tivesse debaixo do meu corpo, eu poderia enfartar.
Deus, por favor, me deixe ao menos comê-la primeiro.
Ri, com o pensamento idiota. Talita olhou-me como se quisesse saber qual
o motivo da graça, mas apenas balancei a cabeça em um gesto negativo, quase que
imperceptivelmente.
Ela não precisava saber que eu estava negociando uma possível morte para
só depois de tê-la experimentado.
Timidamente, nossos lábios se encontraram, enfim. A princípio, apenas um
roçar suave. Mas isso durou pouco, como se a proximidade tivesse despertado algo
em mim.
Em nós.
Talita puxou-me em sua direção fazendo com que nossos corpos estivessem
mais colados. Gemeu, quando minha língua encontrou espaço em sua boca. Minhas
mãos moveram-se até seu rosto, segurando-o em um misto de delicadeza e
desespero.
Eu a queria mais.
Mais dela. Mais perto de mim.
Os lábios deliciosamente macios retribuindo os gestos e movendo-se como
se precisasse daquilo, daquele beijo, tanto quanto eu sentia que necessitava.
Meu pau estava duro como pedra, e eu nunca o havia sentido daquela forma.
Ele estava certo quando, lá atrás, deixou claro as intenções com a escritora.
Felizmente, agora teria seu momento de glória.
Ainda com os lábios unidos, pressionei mais meu corpo contra o seu. Ela
gemeu novamente, mas, desta vez ao sentir o contato do meu pau necessitado dela,
com o seu corpo. Arfou, prendendo-se mais a mim, como se quisesse senti-lo mais
perto.
Eu ia gozar sem nem ao menos ter tido a chance de estar entre suas pernas.
Puta merda! Havia voltado ao colegial?
Talita pareceu ficar na ponta dos pés e entendi o motivo quando forçou o
corpo contra a bancada na qual estava encostada, sentando-se sobre ela e abrindo
as pernas em seguida para que eu me acomodasse entre o vão em suas pernas.
Nossos lábios, em nenhum momento, se desgrudaram. Pareciam ter um
acordo próprio de aproveitar o máximo possível. De descobrir ainda mais coisas
sobre o outro.
Gemi quando ela se movimentou rapidamente, roçando os seios contra meu
tórax. Podia sentir o bico entumescido, mesmo que houvesse, entre nós, os tecidos
finos de nossas roupas.
Sem sutiã.
Ela queria mesmo me matar.
De repente, tudo que eu queria era chupar, lamber e morder aqueles seios
deliciosamente perfeitos. Depois, enfiar meu pau entre eles e fodê-los.
Meu pau endureceu ainda mais com o pensamento.
Sim, essa mulher ia me matar.
Talita moveu o rosto intensificando ainda mais o beijo. Cheio de desejo.
Como se fosse a coisa mais certa a ser feita, e se aprofundava cada vez mais.
Nenhum de nós estava disposto a ceder. A parar.
Era como se precisássemos daquilo mais do que do ar.
Minhas mãos, desesperadas por mais. Uma delas posicionada
estrategicamente na base de sua coluna, mantendo-a o mais próximo a mim
possível, enquanto a outra encontrou um caminho por suas pernas através da parte
aberta do vestido. Ela soltava pequenos suspiros à medida que meus dedos
avançavam sobre seu corpo.
A pele delicada como seda arrepiava-se a cada milímetro que meus dedos
avançavam.
Talita era um misto de sons adoravelmente excitantes. Eu sentia que podia
explodir ali mesmo de tanto tesão.
Quando interrompeu o beijo mordiscando meu lábio, buscou ar. Segui seu
exemplo. Meus dedos pararam no meio das coxas, enquanto ela passava a ponta das
unhas pela minha pele.
Mordi o lábio sentindo os dedos descerem do meu pescoço onde estavam
entrelaçadas, encontrando a barra da camisa que vestia e subindo, brincando, com a
ponta das unhas, com meu abdômen. Engoli em seco com o gesto. Os lábios
alcançaram meu pescoço deixando beijos, enquanto os dedos seguiam explorando
meu corpo.
Gemi, fechando os olhos com força.
Era uma sensação boa para caralho. Ainda que não pudesse ver nada sob a
camisa, parecia querer memorizar cada pedaço do abdômen rígido.
Minhas mãos pareceram ganhar vida e seguiam, lentamente, por debaixo do
seu vestido.
Meu coração batia forte contra o peito, enquanto eu lutava para guardar
cada sensação que aquela mulher despertava em mim. Cada reação, sons, tudo. Eu
queria me lembrar de tudo sobre ela. Sobre a maneira como reagia a cada um dos
meus toques.
Aguentei, o máximo que pude, até que, com um grunhido, apertei sua coxa
com uma mão enquanto com a outra trazia seus lábios de volta aos meus que
sentiam sua falta.
Nossas línguas, lábios e corpos pareciam encontrar uma sincronia perfeita.
Minha mão seguiu explorando por baixo do seu vestido, sentindo o arrepio de sua
pele.
Talita arfou alto quando minha mão encontrou o vão entre suas pernas.
— Valentim — chamou em um gemido.
Não sabia se de ansiedade, de desejo, de alerta.
Mas tinha certeza quanto a mim: eu precisava senti-la.
Usando dois dedos, ainda por cima da calcinha, a acariciei ouvindo-a
murmurar algo. Meus lábios se afastaram apenas para encontrarem sua mandíbula,
o lóbulo de sua orelha, seu pescoço e sua clavícula. Alternando entre mordiscadas
e beijos, ouvindo-a suspirar e gemer, sentindo como me puxava para mais perto
enquanto meus dedos ainda brincavam com o tecido rendado que usava por baixo
do vestido.
— Valentim — sussurrou, mais uma vez, quando meus lábios alcançaram o
colo, descendo em direção aos seios ao mesmo tempo que chegava à calcinha para
o lado —, não pare — pediu. Nem precisava.
Eu tinha que ser louco para isso. E eu podia ser muitas coisas mesmo, mas
doido, certamente, eu não era. No momento, loucamente desesperado para foder
essa mulher, mas apenas isso.
Ela estava molhada, e só de sentir a sensação em meus dedos, a vontade de
enfiar meu rosto entre suas pernas novamente se acendeu. Talita tinha um gosto
muito bom, o melhor que eu já havia provado na vida, e eu já estava ansioso para
ter minha cara no meio de suas pernas outra vez.
Senti suas unhas sendo cravadas em minhas costas com cada vez mais força
enquanto meus dedos desciam mais, em direção à sua abertura. Tombou a cabeça
para trás, gemendo alto e apertando ainda mais a unha em mim quando enfiei os
dois dedos em sua boceta, sem aviso.
— Puta que pariu — falei, sentindo meus dedos rodeados por sua boceta.
— Você tá tão molhada, cacete.
Movi os dedos lentamente.
Sua respiração estava cada vez mais audível e Talita movia o corpo de
forma a facilitar o contato dos meus dedos com sua boceta.
— Isso... é... muito... bom — falou, cortando as palavras, como se fosse
incapaz de pronunciá-las.
Eu gostei daquilo.
De saber que Talita estava gostando tanto quanto eu.
Ela gemeu, quando enfiei os dedos mais fundo e, com o polegar, acariciava
o clitóris, fazendo-a gemer ainda mais alto. Beijei seu colo, erguendo a mão que
antes estava em sua coluna para manter seu corpo mais perto de mim até os botões
na frente do seu vestido, abrindo-os sem a menor paciência.
Desci os beijos do colo até os seios. Os bicos túrgidos, convidando meus
lábios, minha língua, para uma brincadeira deliciosa.
Talita jogou o corpo para trás, dando-me mais acesso aos seios, como se
tivesse acabado de ler meus pensamentos. A nova posição acabou fazendo com que
meus dedos a penetrassem cada vez mais fundo.
Suas mãos se moveram até estarem em meus ombros, e os apertaram com
força ao sentirem as estocadas dos meus dedos fortes e firmes.
Beijei o seio, passando, em seguida, a ponta da língua no bico direito.
Talita mordeu o lábio inferior, entretanto, não conseguiu suprimir o gemido
que escapou dos lábios.
Abocanhei o seio, vendo-a arquear o corpo em minha direção, como se
precisasse ainda mais do contato da minha língua com sua pele. Brinquei com a
aréola. Mordi o bico, fazendo-a suspirar e murmurar alguma coisa ininteligível.
Removi os dedos e ela soltou um murmúrio de reclamação. O enfiei
novamente. Ela soltou um grito de prazer.
Continuei os movimentos. Lentos. Rápidos. Lambidas. Mordiscadas.
Gemidos. Unhas roçando por meu corpo. Chupões. Mordidas.
A respiração entrecortada, os sons de prazer que soltava, a forma como
murmurava coisas sem sentido. Tudo isso me deixava ainda mais excitado.
Querendo mais.
Vê-la sentir prazer era algo que eu, decididamente, descobri que amava
fazer.
Eu a sentia se contraindo em meus dedos.
Seu corpo parecia pegar fogo, assim como o meu. Os batimentos estavam
intensos e a expressão de prazer em seu rosto era regozijante. Meu pau respondeu
ficando ainda mais duro, coisa que eu acreditava ser humanamente impossível.
Ela estava perto.
Murmurava alguma coisa incompreensível enquanto o ritmo constante era
mantido com as minhas estocadas. Um de seus braços formou um arco em meu
pescoço, prendendo mais meu rosto contra seu peito.
Mordisquei o bico. Soprei. Lambi. Chupei. Repeti o processo com o outro.
Senti quando seu corpo se contraía mais e mais.
— Deixe vir, Talita — falei, abandonando seus seios e subindo o rosto com
beijos até alcançar seu ouvido. — Goze pra mim — pedi em um sussurro.
Como se estivesse esperando apenas o comando, Talita soltou um grito,
gozando, apertando-me contra seu corpo trêmulo.
Eu a achava linda sorrindo, mas, puta merda. Ela era simplesmente uma
deusa gozando, e eu tive certeza de que naquela noite eu a faria ser endeusada
muitas outras vezes.
Encostou a cabeça em meu ombro, recuperando o fôlego.
— Pode ser sincera — falei, passando a mão por seu rosto e pondo uma
mecha de cabelo atrás de sua orelha. — Esse é só o começo, e foi melhor do que
qualquer mocinho de história, não acha?
Talita sorriu antes de erguer o rosto para me olhar.
— Acho que você vai ter que fazer muito mais para me impressionar —
retrucou.
— Sem problemas. Tenho a noite inteira para maravilhar.
Antes mesmo que ela pudesse responder, passei meu braço por debaixo de
suas pernas, prendendo-a contra meu corpo como uma criança.
— Ei — gritou, rindo. — O que está fazendo?
— Como eu disse, eu cumpro promessas — anunciei, acomodando-a melhor
em meu colo. — Vamos subir e te garanto a melhor noite da sua vida.
Ela sorriu, mas não negou.
Eu precisava estar nela o mais breve possível, porque, caralho, aquela
mulher ia me destruir.
Capítulo 19

O quarto estava iluminado pelo abajur que repousava em uma mesa


ao lado de sua cama.
E que cama.
Eu até gostava da minha, mas estava pensando seriamente em como
poderia roubá-la quando estivesse saindo. Será que ela passava pela janela
sem que ele notasse?
Valentim estava parado, de pé, ao lado da cama, olhando-me como se
eu fosse uma deusa que devia ser reverenciada. E eu nunca havia sido
desejada da forma como ele parecia me querer em toda a minha vida.
Seus olhos brilhavam enquanto removia todo aquele tecido
desnecessário que cobria seu corpo.
Ainda sentia o corpo latejando pelo orgasmo de instantes antes. E,
para ser sincera, era impossível afirmar que teria conseguido chegar ao
quarto se ele não tivesse me carregado.
Não achava nada ruim. Inclusive, se ele quisesse me transportar junto
ao corpo quente, firme e ao mesmo tempo macio por muitas outras ocasiões,
eis-me aqui. Estava à disposição.
— Não acha que devia tirar a roupa também? — perguntou, jogando
a camisa branca em algum lugar completamente irrelevante no quarto.
Os gominhos em seu abdômen que eu estava tão habituada a ver
através das fotos que ele postava nas praias da vida, agora estavam ali, ao
alcance das minhas mãos.
— Huuum — franzi o cenho como se fingisse pensar —, na verdade,
estou gostando de assistir ao show daqui.
Valentim riu, abrindo de forma sensual, quase como se fosse uma
espécie de Gogoboy, o botão da bermuda que usava, que deslizou com
facilidade pelas pernas depois que o zíper foi aberto também.
A cueca branca não era capaz de esconder sua ereção, tampouco a
espessura e tamanho do seu pau. Percebendo que havia captado minha total
atenção, ele pôs as mãos na lateral da última peça que o cobria.
— Espere — pedi, erguendo a mão aberta para frente, reafirmando
minhas palavras.
Valentim olhou-me de forma engraçada, como se não tivesse
entendido nada.
— Eu sei que é grande, gata. Mas pode ficar tranquila, vai caber
direitinho. — Piscou, mais uma vez, segurando as bordas da cueca.
— Tenha calma — pedi.
Levantei da cama com o vestido preso ao meu corpo apenas pelas
alças, já que, ainda na cozinha, Valentim havia conseguido destruir quase
todos os botões. Os olhos automaticamente desceram para meus seios que
balançavam a cada passo que eu dava.
Valentim umedeceu os lábios, enquanto eu sentia a boca salivando a
cada instante que me aproximava do homem enorme parado no centro do
quarto.
Ele tentou agarrar minha cintura, mas me desvencilhei. Arqueou a
sobrancelha em um gesto desafiador. Sorri, aproximando-me, sorrateira. Pus
as mãos em seu ombro, ficando na ponta dos pés, depositando um beijo
rápido em seus lábios e, antes que ele tivesse a chance de aprofundar o
beijo, corri os dedos por toda a extensão do seu tórax abaixando-me à sua
frente.
Valentim pareceu prender a respiração ao notar o que eu faria.
— Você não precisa...
— Eu sei — interrompi, erguendo o rosto e encarando seus olhos. —
Mas eu quero.
Passei a língua pelos lábios, umedecendo-os. Mordi o canto do lábio
inferior, levando as mãos até as laterais de sua cueca. Sua respiração se
tornou oscilante e era fácil perceber que seus músculos estavam tensos.
Assim que deslizei a peça por seu corpo, o pau completamente duro e ereto
surgiu à minha frente.
Ele era enorme, grosso e, sem dúvidas, o pau mais bonito e apetitoso
que já havia visto na vida. Minha boca, mais uma vez, se encheu de água.
Envolvi o pau pulsante com minha mão, ouvindo-o soltar um gemido alto
demais, o que me deixou ainda mais empolgada.
Valentim estava gostando. E, puta que pariu, depois de ter me dado
um orgasmo maravilhoso, que teriam sido dois, se minhas amigas não
tivessem resolvido atrapalhar o momento, ele merecia ser retribuído com o
melhor boquete de sua vida.
Ainda segurando-o firme, olhei para cima para ver sua expressão. Os
olhos estavam mais escuros, como se estivessem em brasa. Ergui uma das
laterais da minha boca em um sorriso atrevido, movimentando minha mão em
um vaivém lento. Ele gemeu, jogando a cabeça para trás.
Alisei sua extensão ainda mantendo os movimentos firmes e, com a
mão livre, brinquei com suas bolas. Valentim fechou as mãos com força na
lateral do corpo, como se não quisesse encostar-se a mim para que não me
sentisse pressionada a nada.
A cada novo movimento, a cada novo som de aprovação que ele
fazia, sentia-me compelida a fazer mais. Quando nem mesmo eu conseguia
aguentar de ansiedade, parei.
Valentim respirou fundo por alguns segundos e, assim que abriu os
olhos focando em mim, fiz o que queria desde o princípio.
Toquei com a língua a cabeça do seu pau. Valentim me olhava com
admiração, enquanto eu continuava brincando com a língua no membro
pulsante e completamente duro. Seu quadril se moveu. Pouco. Mas eu soube
que havia gostado. Repeti o gesto, mas dessa vez, lambendo-a. O som grave
que saiu de sua garganta preencheu o quarto, assim como o gemido que veio
em seguida.
Sorri, satisfeita.
Enfiei a cabeça em minha boca, chupando sem pressa. Valentim
soltou o ar com força. Repeti o gesto recebendo um gemido de aprovação.
— Puta merda, Talita. Isso é... — Parou, quando enfiei ainda mais o
pau na boca, vendo-o fechar os olhos como se precisasse se controlar
enquanto eu seguia chupando até que toda a extensão estivesse fora dos meus
lábios.
— É o quê? — quis saber, erguendo o rosto em sua direção.
— A primeira maravilha do mundo — falou, com dificuldade. — Sua
boca em meu pau, juro, é a primeira maravilha do mundo.
Ri.
— Você ainda nem viu nada — afirmei, enfiando, dessa vez, tudo que
era humanamente possível, já que seu pau era grande demais, na boca,
segurando a base e fazendo movimentos contínuos com a mão.
Ora rápido.
Ora devagar.
Valentim segurou meu cabelo em uma espécie de rabo de cavalo,
movendo os quadris em minha direção.
O som dos seus gemidos era a única coisa que preenchia o quarto e,
também, todo o estímulo que precisava para continuar.
— Talita — murmurou, com a voz rouca. — Você precisa parar
agora.
Eu sabia o que viria a seguir. Seus músculos ficaram tensos,
indicando que estava prestes a gozar.
Ao invés de fazer o que havia pedido, intensifiquei os movimentos
com a mão em sincronia total com os lábios. Ele tentou afastar-se quando
sentiu que não podia mais segurar, mas não permiti. Prendi seu corpo
mantendo o pau em minha boca. Valentim arqueou as costas e eu senti quando
o jato preencheu minha boca.
Ergui o rosto em sua direção. A expressão em seu rosto era incrível.
Os lábios abertos sugando o ar com força, o rosto suado e vermelho. Os
olhos possuíam uma espécie de névoa.
— Agora sim, eu posso parar — falei com um sorriso travesso nos
lábios.
— Isso foi — parou, olhando para cima por alguns segundos —,
incrivelmente perfeito. — Valentim ergueu a mão, ajudando-me a levantar.
— Decididamente, meu pau achou o novo lugar favorito.
Valentim enlaçou minha cintura, trazendo seu corpo para mais perto
do meu, iniciando um beijo que mais parecia uma dança de valsa ensaiada.
Era como se nós dois soubéssemos exatamente o que fazer para arrancar
gemidos, sorrisos e excitar um ao outro.
As mãos de Valentim aos poucos foram descendo e, mesmo com a
língua enfiada em minha boca, dava pequenos passos levando-me junto com
ele. Senti quando minhas panturrilhas colidiram com o estofado macio da
cama.
— Acho que está na hora do round 3 — sussurrou em meu ouvido.
— Bom saber — falei, passando a mão por seu pescoço. — Ainda
preciso tirar umas dúvidas sobre sua performance, sabe? — Arqueei a
sobrancelha em sua direção.
— Não me preocupo. — Beijou meu lóbulo antes de continuar: —
Daqui a pouco, você terá muitos motivos para ter certezas.
Mordiscou minha mandíbula, passando as mãos com delicadeza por
meus ombros, derrubando as alças que prendiam o vestido aberto ao meu
corpo, fazendo-o cair no chão. Satisfeito, Valentim ergueu-me em seus
braços, colocando-me na cama com cuidado antes de cobrir-me com seu
corpo enorme.
Estremeci quando suas mãos alcançaram minha cintura, apertando-a
com firmeza.
— Sabe, você não é nada daquilo que eu havia imaginado antes —
comentou. Passou a mão pelo meu cabelo pegando uma grande mecha e
cheirando em seguida.
— E como você tinha me imaginado? — quis saber, passando o
indicador do centro de sua testa até o fim do seu nariz.
Balançou a cabeça em negativa, como se não importasse mais.
— A única coisa que me interessa é a forma como eu te vejo agora
— confessou, colando nossas testas e brincando com as pontas dos nossos
narizes.
— E como você me vê agora? — não pude deixar de perguntar.
— Como uma mulher foda pra caralho — afirmou, deixando um
beijo na ponta do meu nariz. — E como se isso não fosse a porra de um
tormento, também é gostosa o bastante para foder com a minha cabeça.
Franzi o cenho para ele.
— Eu espero que isso seja um elogio — brinquei, encarando seus
olhos que pareciam dilatados.
— Pode ter certeza de que é sim. E como é.
Valentim me beijou. Ganancioso. Frenético. Quente.
Quente como o inferno, gostoso como o pecado.
As mãos subiram, aos poucos, por meu corpo. Arfei quando os dedos
passaram por minhas costelas subindo mais até estarem em meus seios.
Provocador, tornou o beijo mais lento. Como se agora não tivesse
mais pressa em me provar. Muito pelo contrário. Beijava-me de forma a me
saborear. Querendo descobrir todos os meus gostos, sabores e sons.
A língua passeava por minha boca como se quisesse me desbravar
até que faltou o ar e precisamos nos afastar para respirar. Valentim beijou
minha testa, meu nariz, meu rosto. Ele mordeu, com cuidado, meu lábio
inferior.
Colou nossas testas, mais uma vez, olhando-me nos olhos.
Eu podia sentir sua ereção cutucando minha barriga e era difícil
acreditar que já estava duro novamente. Minhas mãos passearam por suas
costas, o indicador marcando a linha dos seus músculos enquanto seus lábios
salpicavam beijos por minha mandíbula, pescoço, colo.
Valentim aproveitou para provocar meus seios usando a ponta dos
dedos. Eles se enrijeceram automaticamente com o contato, como se
reconhecessem o seu toque.
Era incrível. Ele não precisava de muito para me deixar pronta para
ele. Para ser sincera, era só mesmo aparecer à minha frente com todo aquele
porte para que todo meu corpo se acendesse em chamas.
— Olha só — Valentim chamou minha atenção, olhando para meus
seios. — Perfeitos para mim.
Encaixou as enormes mãos em meus seios.
Arfei quando ele os apertou de forma sensual, alisando-os com o
polegar em seguida.
Arqueei o corpo quando senti a língua brincar com meu mamilo como
havia feito antes. Provocante. Ele lambeu. Sugou. Chupou.
Valentim era firme em cada um dos seus movimentos, o que fazia com
que meu corpo sempre correspondesse prontamente a cada toque. Como se
ele fosse a combustão necessária para que eu ardesse em brasas, sempre.
— Eu poderia passar a vida inteira só chupando esses seus peitos,
escritora — falou, mordiscando a ponta do meu mamilo, em seguida,
fazendo-me soltar um gemido.
Ele continuou, alternando os lábios entre os seios e os estimulando
com os dedos. Aos poucos, uma das mãos foi descendo até encontrar o meio
das minhas pernas.
Arfei quando senti seus dedos dentro de mim. Cargas elétricas
perpassaram todo o meu corpo.
— Ai, caramba — murmurei, fincando minhas unhas em suas costas e
sentindo uma onda de prazer quando ele girou os dedos em minha boceta
encharcada.
— Você já está pronta para mim, escritora. — Tirou os dedos
fazendo com que eu me sentisse vazia, levando-os aos lábios e saboreando
meu gosto. Cacete, meu coração deu uma sambada no peito em expectativa.
Levou os lábios até o meu pescoço onde os afundou em beijos e chupões. —
E eu não aguento mais esperar. Contei cada minuto dos últimos dias
aguardando ansiosamente por este momento, Talita.
Beijou minha bochecha, o canto da boca, os lábios.
Mordiscou meu lábio inferior, dando uma leve puxada.
Soltou um suspiro, como se lembrasse de algo, erguendo a mão e
abrindo a gaveta da sua mesinha. O som do plástico rasgando me fez lembrar
de um detalhe muito importante. Camisinha. Não demorou para que ele a
vestisse e, um segundo depois, se posicionasse sobre o meu corpo.
Valentim brincou com o pau em minha entrada, dando leves e
excitantes batidas com ele em minha boceta que parecia implorar para ser
preenchida por toda a sua extensão.
Ele me encarava como se quisesse assistir a cada uma das minhas
reações quando estivesse entrando. Arqueei o corpo, mordendo o lábio
inferior quando sua cabeça me invadiu.
Valentim também soltou um grunhido enquanto entrava devagar e
cada vez mais fundo em mim. Ergui o corpo, buscando mais daquele contato
que parecia preencher a cada milímetro de seu corpo que se conectava ao
meu.
Uma conexão surreal. Como eu nunca havia sentido na vida.
Sua respiração falhou.
Meu coração errou uma batida.
O mundo entrou em colapso.
— Não pare — pedi, sentindo que a fricção entre nossos corpos
diminuiu.
— Não vou — falou, como se fosse uma promessa, erguendo o
quadril e tocando em um ponto que me fez soltar um gritinho de prazer
enquanto sentia meus olhos revirarem.
Valentim afundou o rosto em meu pescoço dando um chupão.
— Faz isso de novo — pedi em um sussurro.
Ele não negou. Repetiu o gesto.
Agarrei suas costas, pressionando as unhas contra ela, erguendo o
quadril, tentando sentir aquela coisa mais uma vez.
Era bom.
Demais.
Valentim ergueu o rosto um pouco, apenas para colar nossos lábios.
Urgente.
Voraz.
Faminto.
— Talita — chamou com a voz rouca, fazendo-me arrepiar. — Eu
quero que você cavalgue em mim. Quero ver sua expressão quando gozar.
Deixou um beijo preguiçoso em meus lábios segurando firme minha
cintura enquanto girava na cama, mudando nossas posições, deixando-me por
cima. Não podia negar que havia gostado da ideia. Especialmente pela forma
como ele me olhava.
Com desejo.
Como se, ainda que o mundo acabasse agora, ele ficaria bem por
estar aqui, comigo.
Movi-me, sentada em seu quadril, arrancando um sibilar dos seus
lábios. Mexi o corpo novamente, rebolando em seu pau, ouvindo-o gemer.
Eu descobri que amava ouvi-lo gemer.
As mãos escorregaram, fincando-se em minha bunda, ajudando-me
nos movimentos. O som dos gemidos e dos corpos colidindo era o único no
ambiente.
Paramos por um segundo enquanto seus lábios tomavam os meus. Ele
retirou o pau por completo me fazendo sentir vazia. Murmurei, reclamando,
enquanto ele parecia divertir-se brincando com a cabeça do pau pincelando
minha entrada.
Respirei fundo quando ele entrou mais uma vez. Lento. Como se
quisesse prolongar o momento. Me beijava, enquanto seguia com
movimentos lânguidos. As mãos percorreram meu corpo com determinação
até firmarem-se nos seios que balançavam com os movimentos sincronizados
que nossos corpos encontraram. Ele gostava disso, já havia reparado que
tinha uma espécie de tara, parecendo hipnotizado sempre que tinha a chance
de observar e tocá-los.
Tombei o rosto para trás com um gemido intensificando os
movimentos. Cavalgando. Rebolando. Esfregando.
Nossos olhares fixos. Desejosos.
Mordi os lábios quando seu pau tocou novamente um ponto que me
fez gritar de prazer. Valentim ergueu o quadril fazendo com que o pau fosse
ainda mais fundo.
Rebolei novamente
As respirações ofegantes.
— Mais rápido — pediu.
Em seguida, comecei a intensificar os movimentos. Como se
soubesse que era exatamente o que eu queria, seus dedos alcançaram meu
clitóris, esfregando-o com o polegar. Arfei, sentindo que meu coração podia
parar a qualquer segundo de prazer.
— Continue — foi minha vez de solicitar.
Rebolei sobre seu pau enquanto seus dedos faziam círculos
aplicando a pressão exata em meu clitóris.
Meu corpo começou a comprimir-se e eu tive certeza de que estava
prestes a chegar lá. Intensifiquei os movimentos.
— Caralho — murmurou, voltando as mãos para minha cintura.
Eu não conseguia formular um pensamento coerente. Deixei meu
corpo cair sobre o seu. Eu estava quase lá.
— Valentim... — Deixei a frase morrer, sentindo que não conseguia
nem, ao menos, me lembrar de quem eu era naquele momento.
— Eu sei — concordou. — Eu também.
Ergui um pouco o corpo, lembrando-me que ele havia dito que queria
me ver gozando para ele. E, sendo sincera, queria olhar sua expressão
também. Os olhos transbordavam prazer.
Não havia mais palavras a serem ditas. Podia sentir o orgasmo se
aproximando.
— Olhe pra mim — pediu. — Me deixe te ver. — Passou as mãos
pelo meu rosto com ternura. — Você é linda pra caralho — falou,
depositando um beijo na minha têmpora.
Valentim ergueu o quadril me atingindo em cheio.
— Goze pra mim, Tali. Quero você gozando em meu pau, agora.
Apertei os olhos com força enquanto ele dava mais algumas
estocadas tenazes. Minha boceta se comprimiu apertando seu pau ao mesmo
tempo em que suas coxas tensionaram.
Eu ia gozar.
Ele também.
Naquele momento, tudo ficou turvo. E a expressão ver estrelas nunca
tinha se encaixado tão bem em uma frase.
Senti quando ele gozou, quase que ao mesmo tempo que eu. Perdi o
equilíbrio, e ele me segurou firme antes de deixar-se tombar para trás,
levando-me junto.
Um misto de sensações tomou conta de mim. Entre elas a certeza de
que, sem sombra de dúvidas, eu ainda acabaria em sua cama outras vezes.
Valentim era irritante e todo errado, estava longe de ser aquele
mocinho apaixonante desde as primeiras linhas que víamos nos livros. Era
muito mais um anti-herói que, em algum momento, quando menos
percebemos, já nos afeiçoamos e torcemos para que fique com a mocinha.
Não que eu fosse uma mocinha, ou que queria que ele ficasse comigo,
mas uma coisa eu podia garantir: Valentim era aquele tipo de anti-herói
irritante que devia vir com aviso, algo do tipo: sério risco de querer mais.
E não restavam dúvidas de que eu estava correndo seriamente esse
perigo.
A noite com Valentim foi muito, muito mesmo, mais do que eu
esperava. Realmente, ele sabia como fazer as coisas muito bem.
E o pior era que ele sabia como deixar uma pobre mortal querendo
mais. E eu podia muito bem ter mandado mensagem para ele hoje, em uma
tentativa de mais uma noite de muito prazer, entretanto, Déa precisava de
mim, e a regra era clara, amigas antes de pau.
— Ei, fiquei feliz quando perguntou se podia dormir aqui — falei,
abrindo a porta para Andréa.
Minha amiga deu um sorriso sem graça, entrando e deixando a
mochila na parede ao lado da porta.
— Obrigada por me aceitar. — Mordiscou o lábio. — Está difícil
trabalhar em casa hoje.
— Você sabe que é um prazer tê-la aqui. — Seguimos para a sala
onde me derramei no tapete felpudo. — Aconteceu alguma coisa? Se quiser
conversar, sabe que estou aqui, né?
— Só mais do mesmo. — Deu de ombros. — Meu pai apostou
novamente. Perdeu muito dinheiro, o dinheiro que nós íamos usar para pagar
o aluguel, inclusive. Já pode imaginar como as coisas acabaram.
— Sim. — Soltei o ar com força.
— Eu só precisava de um lugar com paz, sabe? — Afundou o corpo
no sofá, soltando um suspiro de satisfação.
— Bom, aqui você vai ter toda paz do mundo. Nick está estudando e
eu só me divulgando e empacotando mimos. — Dei de ombros.
— Nicholas não vai se incomodar que eu esteja aqui? — Pareceu
preocupada.
— De onde você tirou isso? Nicholas não se importa em ter vocês
aqui.
Déa fez uma careta. Um misto de alívio e preocupação. Depois
fechou os olhos.
— Pode trazer meu computador aqui, por favor? — pediu, ainda com
os olhos fechados.
— Ah, você quer paz e uma escrava, claro. — Riu.
— Bom, dizem que é pra isso que servem as amigas.
Rolei os olhos, levantando-me, voltei para a porta pegando a mochila
e prendendo-a em meu ombro.
— Ei, seu namoradinho mandou mensagem. — Déa virou o celular
aberto na conversa com ele em minha direção. — Que tal reservar o final
de semana para mim? Acho que merecemos comemorar de maneira
apropriada — recitou as palavras sem nem olhar, com um sorriso enorme no
rosto.
— Ele não é meu namorado e comemorar quer dizer sexo. — Dei de
ombros.
— Tá bom, se você diz... — Deixou a frase no ar.
— E antes que você comece a fanficar, ele não gosta de mim —
lembrei. — Além do mais, ele é insuportável, sabe? Com todo aquele
negócio de livro não pode isso, nem aquilo e tudo mais. É uma coisa que não
daria certo, você sabe disso.
— Sim, eu sei. Eu te entendo, juro. — Deu de ombros, tentando
conter um sorriso e pegando a mochila que estendi em sua direção. — Vai
aceitar o final de semana, né?
— Ei, Tali, pediu comida? — A voz de Nicholas nos interrompeu.
Usava um abafador de som caído no pescoço e, sem camisa, tudo que vestia
era uma bermuda fina. — Ah, oi, Andréa. Não sabia que estava aqui.
— Oi, Nicholas. — Engoliu em seco com o rosto ficando vermelho.
— Espero que ficar aqui não atrapalhe seus planos.
— Não, de forma alguma. — Meu irmão sorriu friamente. — Na
verdade, nestante estou saindo. Marquei de sair com uma garota que tô
conhecendo.
— Ah — falou, parecendo decepcionada e mordendo os lábios com
força, abrindo a tela do computador com a mochila já aberta jogada aos seus
pés no chão.
Não precisava ser muito inteligente para saber que havia alguma
coisa entre os dois, porque Nicholas não tinha plano nenhum de sair de casa
há dois minutos. Trinquei os lábios com força. Sempre disse que ficar com
minhas amigas daria problema e ele não me ouviu.
Idiota.
— Pensei que tinha pedido alguma coisa pra gente jantar. Enfim, vou
me arrumar para sair. — Piscou para mim, voltando para o quarto em
seguida.
— Eu quero saber o que aconteceu aqui? — perguntei à minha amiga
que balançou a cabeça em negativa. — Vou acreditar em você.
Sentei ao seu lado pegando meu celular de suas mãos. Eu podia
reservar o final de semana para ele, mas a pergunta era, por que eu queria
tanto isso?
Capítulo 20

A vida sexual de um cara normal e que, em geral, não busca


relacionamentos e, de repente, sente um enorme tesão por uma mulher em
específico é bastante simples:
1. Ver a tal mulher (isso pode acontecer nos mais diversos lugares).
2. Ficar excitado.
3. Bater um papo com ela.
4. Ter certeza de que estão na mesma sintonia e querem a mesma
coisa.
5. Verificar se ela não está bêbada ou algo do tipo.
6. Confirmar se ela quer, realmente, transar.
7. Transar.
8. Garantir que ela tenha gostado.
9. Voltar ao item 1 com a próxima mulher que te deixar de pau duro.
Eu jurava que o tesão se desvaneceria com o tempo, mas estava
completamente errado.
Já tinham passado alguns dias desde que Talita e eu transamos, mas
eu ainda estava preso ao item dois sempre que pensava nela ou me lembrava
de como fazer sexo com ela tinha sido mais do que bom.
Tudo que eu pensava era que queria de novo. Que queria mais.
Isso, claramente, estava atrapalhando minha vida. E da última vez
que pensei tanto em uma mulher, não foi exatamente por um motivo bom. Foi,
justamente, pela minha derrota.
— Tem alguém aí? — meu pai chamou, estalando os dedos em minha
frente.
— Desculpe, pai — pedi, voltando o olhar para minha mão, onde
quatro das sete peças iniciais de dominó ainda restavam. — Falou alguma
coisa?
Ele riu.
— Várias, mas, pelo visto, não consegui chamar sua atenção. —
Soltou um suspiro dramático. — Ser um pai maravilhoso tem dessas, muitas
vezes somos ignorados.
— Você tem mesmo uma alma de artista, pai. Sempre dramático
demais — brinquei, vendo-o colar uma peça que deixava a sena na ponta.
Fiz uma contagem mental das peças, as duas últimas senas do jogo
estavam comigo. Uma bucha, e a peça que me garantiria a vitória.
Sorri, colando uma pedra na outra ponta, já começando a saborear o
gostinho que raras vezes na vida tive de vencer o meu pai. Ele era o melhor
jogador de dominó que eu conhecia e sempre perdia. Não importava o
quanto me esforçasse, nunca entendia a mágica que ele fazia enquanto
jogava, adivinhando todas as peças que estavam à mão dos jogadores, até
que um dia ele me ensinou sua mágica para jogarmos páreo a páreo.
— E você, está na cara que tem mulher na jogada.
Rolei os olhos, ao mesmo tempo em que tentei mudar a expressão
para que ele não acabasse descobrindo quem era a mulher em questão.
— Nem todos os problemas têm duas pernas, sabichão — apontei,
esperando que ele colocasse sua pedra.
— Mas o seu tem, sim. Duas pernas, nome e sobrenome, muita
coragem e, o mais importante, uma cabeça brilhante e desafiadora.
— Não sei do que está falando, pai. — Dei duas batidas com o
indicador na tábua, tentando apressá-lo para o jogo. — Aliás, sei muito bem
o que está fazendo. Me distraindo para fingir que ainda existe alguma chance
de ganhar.
Ergueu as mãos próximas ao corpo.
— Tudo bem, fui descoberto. Mas isso não quer dizer que não estou
certo. — Apertou os olhos em minha direção. — Acho que você achou
alguém que vale a pena deixar seus medos do passado para trás.
Soltei um suspiro forte, denunciando minha falta de vontade de falar
sobre o assunto.
— Sua vez, pai — lembrei novamente.
Ele fez o esperado e posicionou a bucha de quadra na ponta livre.
— Eu quero que você tenha o que eu e sua mãe tivemos, Valentim.
— Sei disso — confirmei. — Só que, se tem uma coisa que aprendi
com a Cristina... — Senti minha garganta arder ao pronunciar seu nome. Para
mim, ela devia ser exatamente como “aquele que não deve ser nomeado”. —
Foi a não apressar as coisas. Além do mais, meu convívio com a Talita foi
por uma questão de trabalho. Ainda esta semana, quando sair a coluna, não
teremos motivos para manter contato.
Por mais que quisesse negar, meu peito deu uma apertada e perdi o ar
por alguns segundos ao perceber que nosso contato estava com os dias
contados.
Será que Antonella conseguiria atrasar a matéria até que todo o tesão
que eu sentia por Talita fosse sanado?
Meu pai formou uma linha com os lábios, parecendo frustrado.
— Alguém que te leva a repensar conceitos antigos e dos quais você
parecia tão certo, não é o tipo de pessoa que devia deixar passar assim por
sua vida. — Pus a bucha de sena, esperando que ele jogasse ou passasse a
vez para que eu finalizasse o jogo. — Pessoas que nos acrescentam e com
quem podemos sempre aprender, nos dando a chance de tornarmos cada vez
melhores, são ótimas para que possamos caminhar juntos durante a vida,
filho. Tenho certeza de que o mesmo bem que ela faz a você, você faz a ela.
Sorri, balançando a cabeça. Duvidava, e muito, disso.
— Além do mais — continuou, jogando sua pedra e baixando a
última, já sabendo que o jogo seria meu. — Eu os vi juntos no barzinho.
Diria que apenas trabalho não é exatamente o que vocês têm.
Dei de ombros, batendo o jogo com um sorriso triunfante de quem
amava ganhar do pai, depois de muitos anos de massacre e derrota.
— Ganhei — anunciei, mesmo sem necessidade.
Ele riu pelo nariz.
— Nem sempre é sobre ganhar, Valentim. Muitas vezes, é sobre não
deixar uma oportunidade de aproveitar algo bom passar.
Eu soube que ele não estava falando mais sobre o jogo, e talvez ele
estivesse mesmo certo.

— Eu sei, garoto. Desculpe — falei, assim que desci do carro com


Loki já à minha espera, latindo. — Demorei muito mais do que esperava.
Passei as mãos por sua cabeça, fechando a porta do carro e seguindo
para o espaço montado para ele. Devia estar com fome, o coitado.
Loki me seguiu, latindo, pulando e querendo atenção. Abaixei-me,
brincando com ele em seguida. Ele pareceu entender que seria nosso
momento de diversão, saindo correndo e retornando com uma bola para que
eu jogasse. Ansioso, latia, corria, dava voltas tentando pegar o próprio rabo.
Levantei-me depois de algum tempo e fui até o armário reservado para ele,
pegando o porta-ração, voltando para perto de sua casinha e enchendo sua
tigela.
Loki pareceu esquecer-se de mim imediatamente, voltando sua
atenção para a comida.
O que era péssimo.
A animação do meu cachorro estava mantendo longe de mim a
vontade louca de ligar para Talita e repetir a dose.
Entrei em casa, jogando-me no sofá e ligando a televisão. Mudei os
canais por algum tempo, soltando um suspiro exasperado.
Por que a porra da minha cabeça não conseguia tirar aquela mulher
dos pensamentos?
Joguei a cabeça para trás, encostando-a no sofá, e as imagens de
Talita me fazendo um oral, depois cavalgando em mim voltaram com força,
assim como a forma como sorriu depois de termos transado quando quis
saber qual a classificação de mocinha com pernas bambas eu ganharia —
como em um post que ela havia feito em seu perfil.
A vontade podia não ter passado na primeira vez, mas na segunda
devia melhorar, com certeza. Não seria uma coisa horrível transar com ela
mais uma vez, se ela também quisesse, não é?
E, como meu pai havia sabiamente aconselhado, eu não podia deixar
passar a oportunidade de algo bom.
Tirei o celular que ainda estava no bolso, justamente para evitar que
eu fizesse exatamente o que estava fazendo agora, procurei seu contato onde
havia uma nova foto de perfil. Sorria com um Kindle na mão, mostrando a
capa do novo livro. Rolei os olhos para a imagem do homem seminu. Ao seu
lado, uma ampulheta com areia dourada na parte superior, como areia
mágica, e uma mulher na parte inferior.
O livro era muito bom, mas aquela capa. Sério? Precisava mesmo
daquele homem pelado?
De repente, meu coração sentiu uma pontada.
Será que era aquele tipo de homem que Talita esperava? Passei os
olhos pelo meu corpo, completamente vestido, rapidamente. Eu não era de se
jogar fora, sabia disso. Mas também não era o tipo de cara que estava lá
exposto naquela capa.
Será que ela achava que eu não era bom o bastante para ela? Não que
eu quisesse isso. Longe de mim, até porque nós só íamos transar mais uma
vez, mas e se quando ela estivesse comigo, no fim das contas, pensasse em
caras como aqueles?
Estalei os dedos, nervoso.
Não. Não adiantava me preocupar com isso.
Como eu já sabia, isso era tesão e tesão era resolvido com sexo. Em
pouco tempo, isso seria um assunto resolvido.
“Ansiosa para nosso final de semana?”
Enviei, começando a digitar novamente.
“Preocupada, na verdade. Vai que o destino é um terreno baldio e
dar um fim no meu corpo para ter uma vendedora de sexo a menos no
mundo?”
Foi impossível não rir.
“Se algo como isso estivesse nos planos, acredite, ia precisar de
mais tempo para aproveitar seu corpo. Só de lembrar de você pelada, em
minha cama, escritora, eu fico duro feito pedra.”
Minha respiração começou a sair estranhamente mais rápida, ansioso
pela resposta.
Com certeza, a vontade de poder estar dentro dela mais uma vez.
Meu coração bateu acelerado no peito quando o aparelho vibrou em
minha mão.
“Mal posso esperar para quicar nessa pedra.”
Respondeu, em seguida, mandando um emoji roxo com chifres na
cabeça.
Ela tinha gostado e também queria mais. Era o que importava.
E por mais que fosse idiota, eu fiquei feliz.
Capítulo 21

— Olha só como ela anda felizinha da silva nos últimos dias —


Andréa comentou, sentando ao meu lado no tapete felpudo da sala de Pietra,
enquanto eu digitava uma resposta rápida a Valentim.
Andréa só topou vir porque estávamos na casa de Pietra, antes disso,
deu todas as desculpas inimagináveis para ler conosco por chamada de
vídeo. Era óbvio que algo estava acontecendo entre ela e meu irmão, embora
ambos jurassem que nada havia acontecido.
— Pois é, né? O que uma sentada naquele deus do jornalismo não faz
— Pietra completou, gritando lá da cozinha. A voz de quem tinha acabado de
acordar, mas ainda dormia por dentro, fazendo-me rolar os olhos e bloquear
a tela do celular.
— Eu nunca disse que ele é um deus — me defendi.
— “O pau mais apetitoso que eu já vi”, “Delirei cavalgando nele”.
— Sua voz foi se aproximando até que estivesse na sala trazendo iogurtes e
distribuindo para nós. — Oi, Deus! Você ainda se lembra dessa sua filha
desiludida e recém-desempregada, né? — falou, olhando para o teto. — Se
não me engano, o Senhor falou algo sobre sorte no jogo e azar no amor.
Soltei uma gargalhada enquanto a observava sentando ao nosso lado.
— Com certeza, Ele não falou isso — garanti, vendo-a fazer uma
careta.
— Não importa. — Semicerrou os olhos em minha direção, erguendo
o olhar para o teto mais uma vez. — Tô com azar nos dois. Aceito uma
ajudinha aí. — Deu uma piscadela.
Pietra jogou o corpo para o lado, deitando-se no meu colo, soltando
um gemido de frustração.
Tínhamos combinado de ler a matéria que sairia hoje na minha casa,
mas viemos dormir na casa dela ontem, que ficou muito mal após receber,
por mensagem, a notícia de que havia sido demitida e deveria cumprir, em
casa, o aviso prévio.
O dentista salafrário havia contado à noiva que uma de suas
assistentes o estava perseguindo e a mulher, ensandecida, tinha armado um
barraco com Pietra, enquanto minha amiga estava saindo do consultório e
indo para casa. Mesmo tendo mostrado as mensagens que o homem trocava
com ela, quase sempre iniciando os flertes e dizendo, com todas as letras,
que era solteiro. A noiva do demônio ainda teve a pachorra de dizer que
minha amiga era uma oferecida quando o noivo — um santo, quase — era
homem e não era de ferro.
Era inconcebível saber que em pleno século XXI algumas mulheres
ainda pensavam dessa forma. Passando pano e normalizando atitudes
machistas de homens mau caráter.
Passamos mais da metade da noite tentando garantir à minha amiga
que gastar o réu-primário com aquele safado traidor não valeria a pena e, ao
mesmo tempo, lembrando-a que o fato de ainda não ter concluído a
faculdade não lhe garantiria nenhum tratamento especial.
Foi o que bastou para que ela cedesse à raiva, mas só depois que eu
garantisse que usaria o nome do homem em um vilão e que o faria sofrer
muito no final.
O celular vibrou mais uma vez e eu tentei ignorar. Primeiro, porque
estava gostando demais de falar com Valentim o tempo todo. Assuntos
sérios, memes idiotas, e flertes que, algumas vezes, acabavam comigo
chamando um carro e indo para sua casa.
No fim das contas, minhas amigas não estavam completamente
enganadas. Sim, eu estava animada. Não tinha nada com a sentada que havia
dado nele, muito menos, na quantidade de sentadas que daria no final de
semana.
Minha teoria de que depois da primeira vez com ele, ia meio que
deixar de ser novidade e eu perderia o interesse, mas foi o extremo oposto.
Peguei-me várias vezes desejando-o.
Assim como a Semog desejava ardentemente o homem que detestava
na mesma intensidade. Ainda não havia contado às meninas sobre o livro que
estava escrevendo e eu me sentia uma péssima amiga por manter esse
segredo.
Por falar nisso, Valentino e a senhorita Semog já tinham ultrapassado
todos os limites. Agora, ele queria casar e ela havia negado a proposta.
Recusava-se a dividir o leito com um homem por quem estava nutrindo
alguns sentimentos diferentes de tudo que já havia sentido antes, ao mesmo
tempo em que não queria prendê-lo a um casamento de convenção, já que, de
acordo com ela, o rompimento de um hímen não devia ser motivo o
suficiente para destruir a vida de duas pessoas que não se amavam.
— Não é nada disso. Ele só quis saber se já li o jornal. — Dei de
ombros. — É difícil saber quem está mais ansioso.
— Huuuum, eu diria que ele. Não quer decepcionar a morena dele
— Pietra brincou, fazendo referência a música do Luan Santana.
— Não tem isso de morena dele — respondi, imediatamente. — Foi
sexo. Foi bom. — Dei de ombros apertando o botão lateral do aparelho
checando as horas mais uma vez. Mais um pouco e a coluna estaria
disponível. — Tá se sentindo melhor? — perguntei, mudando de assunto,
passando os dedos por seus cabelos.
— Melhor, mas com raiva. O mundo é um filho da puta machista. —
Pôs as mãos no rosto, tapando os olhos que com certeza estavam cheios de
lágrimas. — Eu odeio os homens e o mundo. Você jura que vai se vingar
deles por mim, né? Vai me deixar escolher o final? — pediu, tirando as mãos
do rosto, imitando a cara do gatinho do Shrek.
— Juro, juradinho.
Ficamos as três, sentadas em um silêncio confortável de amiga até
que o interfone tocou. Levantamos no mesmo instante correndo até a porta e
torcendo para que fosse o porteiro do prédio. Ele disse que não se
importaria de nos levar o jornal logo que começasse a circulação.
— Foi aqui que pediram uma entrega especial? — O homem grisalho
sorriu, apontando o jornal em nossa direção.
— Ai, seu Borges, o senhor é um anjo, eu juro — Andréa falou,
pegando o maço de papel enrolado de suas mãos. — Muito obrigada.
— Imagina, vocês são meninas maravilhosas — afirmou e riu em
seguida ao perceber que Déa tinha sido roubada por mim.
Meu coração batia forte no peito enquanto desenrolava o jornal e o
segurava em minhas mãos.
Minha amiga falou mais alguma coisa com seu Borges, enquanto
Pietra estava atrás de mim e tão perto que podia sentir sua respiração em
meu rosto.
— Abra logo isso — ordenou, impaciente, ao notar que eu não me
movia.
— Eu vou — afirmei, mesmo que ainda continuasse completamente
imóvel. — Acho que estou com medo — confessei.
E estava mesmo.
Muitos anos de empenho e trabalho duro estariam ali, descritos
naquelas páginas por uma pessoa que, embora tenha mudado sua percepção
sobre mim, não demonstrava ter muitos avanços quanto ao que pensava a
respeito do romance hot.
E se ele tivesse me pintado como uma vendedora de sexo como
costumava dizer? E se o homem tivesse escrito algo que pudesse destruir
com anos de dedicação?
— Quer saber, não quero ler — falei, segurando as folhas com mais
força e fechando os olhos, como se assim o jornal fosse sumir da minha
frente.
— Tá, deixa que eu leio para você, então. — A voz de Déa surgiu ao
meu lado ao mesmo tempo em que ela o arrancou de minhas mãos.
Abri os olhos com o susto e minha amiga, já a alguns passos de
distância, folheava as páginas em busca da que nós queríamos.
— Não, ela quem tem que fazer isso — Pietra reclamou, alcançando-
a e pegando-o de volta, retornando para perto de mim em seguida. —
Respire, amiga. Nós sabemos que deve ser realmente assustador não saber o
que está aqui, mas eu tenho certeza de que você só encontrará coisas boas. É
impossível não gostar de você ou não se apaixonar por seu empenho e
dedicação ao seu trabalho. Esse é um passo importante. — Parou à minha
frente, pondo o jornal em minhas mãos e segurando, em seguida, meu ombro
com força. — Tenho certeza de que será um divisor de águas em sua
carreira. Então, deixe de surto e vamos ler.
Pietra sentou no tapete, levando-me com ela e acabei ficando entre
ela e Andréa.
— Ponto? — perguntou, com os olhos pequenos vidrados em meu
rosto.
— Não. Mas vamos nessa.
Folheei as páginas até que cheguei à sua coluna, com o coração
saindo pela boca. Nunca tinha me sentido tão aflita em minha vida desde que
meus pais leram meu primeiro livro.
Como sempre acontecia com suas colunas, fui fisgada já pelas
primeiras palavras e a coluna ganhou minha total atenção.
“Alguns dias atrás, eu recebi muitas mensagens curiosas sobre um
certo vídeo que viralizou na internet. Falaremos sobre esse fato, já que ele
tem uma ligação direta com o Merece Destaque de hoje, com o colunista
que vos fala, assim como com tudo que eu aprendi nos últimos dias.
Sempre fui um ávido leitor. De Shakespeare, Dostoiévski, Tolkien,
Brontë e Austen aos nacionais mais aclamados como José de Alencar,
Machado de Assis, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos e Carlos
Drummond de Andrade. Por ser criado entre os grandes nomes, entendi
desde cedo que a literatura era algo sagrado. Histórias que deveriam
estimular pensamentos críticos com aquela pitada de romance que todo
ser humano, por mais que negue, gosta.
Talvez meu gosto tenha me tornado um tanto orgulhoso tratando os
demais gêneros literários como totalmente irrelevantes e, em muitos casos,
desnecessários.
Vamos falar sobre algo que também é novo para mim. O que eu
aprendi e gostaria de compartilhar com vocês. Quem, decididamente,
Merece Destaque hoje é a Talita Gomes, uma talentosíssima escritora
nacional que chamou a atenção da minha chefe através de tags nas redes
sociais. Ao analisar seu perfil, a primeira coisa que pensei foi: não vou
macular os santíssimos nomes da literatura com pornô literário.
E, sim, o vídeo do banho de suco foi, merecidamente, comigo. Assim
que deixei claro a minha visão sobre a literatura hot, ela fez questão de
deixar claro o que pensava sobre mim também. Meninas, se alguém as
desrespeitarem como eu fiz com a Talita, ficaria desapontado se não
fizessem algo semelhante.
Mas, afinal, quem é Talita Gomes?”
Senti o coração retumbar no peito com o questionamento. Quem eu
era? Como ele me descreveria para todas as pessoas que leriam a coluna?
Sentindo que podia desmaiar a qualquer momento, segui a leitura.
Valentim foi muito fiel às minhas respostas. Contou sobre minha infância e
como os livros sempre fizeram parte da minha vida, falou a respeito da
minha decisão de tornar-me escritora, mostrou meu lado vulnerável e
divertido e aproveitou para vender meu peixe abordando um pouco dos meus
livros. As capas de todos estavam ali, estampados, em destaque, no maior
jornal de circulação da minha cidade.
Valentim também foi sincero em relação ao combinado que fizemos,
já anunciando que o próximo Merece Destaque seguiria a mesma linha, mas
dessa vez com ele contando sobre os livros que havia lido por escolha
minha.
“Mas a verdade é que conhecer Talita também me mudou. Eu
consegui compreender que o mundo é plural. Ainda que eu não prefira
algum gênero em específico, ele terá seu público-alvo e pessoas que
gostem dele.
E, afinal, compreendi também que não se trata de pornografia
literária, mas sim de histórias de vida, as lutas, recomeços e aprendizados
dos personagens. Sobre os temas abordados e relatados com muita
propriedade e responsabilidade pelas autoras, os enredos muito bem
pensados e desenvolvidos a nos instigar. O sexo, no final das contas, faz só
parte da história por também fazer parte de nossas vidas.
Então sim, diferente do que costumava pregar por aí, romances que
contenham cenas sexo, também conhecidos como livros hot são sim,
literatura. E das boas, ouso afirmar.
Vale também a pena destacar que o Brasil é, de fato, um dos países
com menos leitores do mundo, ainda que existam fatos comprovados sobre
os benefícios de ler. Além de a leitura ser uma importante fonte de
informações, ela também aumenta o foco e a concentração, fortalece o
pensamento crítico, exercita o cérebro, estimula a criatividade e nos leva a
ler/escrever melhor. Nos torna também mais empáticos ao sofrimento do
outro.
Então, se vale a dica, assim que acabarem de ler a coluna deste
jornalista que vos fala, devo dizer que vocês deveriam começar a leitura
do lançamento do nosso prodígio baiano, afinal, tanto “Destinado a você”
— que eu já li, vale a pena ressaltar, quanto a talentosíssima Talita
Gomes, na minha opinião, merecem destaque.”
Meu coração ainda não havia decidido se me faria ter uma
taquicardia ou se pararia de vez, levando-me a um infarto fulminante.
— Meu Deus, isso foi perfeito. — Pietra arrancou o jornal das
minhas mãos como se quisesse ela mesma conferir tudo que havíamos
acabado de ler. — Muito melhor do que eu estava esperando, inclusive —
confessou.
E sim, ela estava certa.
— E ele leu seu livro, caramba, amiga! Você sabia disso? — Déa
perguntou, olhando-me com expectativa.
Balancei a cabeça em negativa um pouco atordoada demais para
falar qualquer coisa. Ele havia lido meu livro e dado destaque.
Não sabia se estava mais feliz por saber que havia ganhado uma
notoriedade dentro da minha cidade, algo que sempre sonhei, ou se aquelas
três palavrinhas que ecoavam em minha cabeça é que faziam meu coração
acelerar dentro do peito.
Na minha opinião.
— É, parece que você deixou mesmo uma boa impressão no
jornalista ex-anti pornô literário — Pietra brincou, batendo com o cotovelo
de leve em meu braço. — O final de semana vai ser muito, muito mesmo,
bem aproveitado.
Sorri, sentindo a boca seca.
É, acho que tinha mesmo feito isso.
Nós dois não tínhamos nos matado. Eu meio que passei a curtir sua
companhia e o tinha feito abrir os olhos em relação ao amplo mercado
literário.
De quebra, ganhei alguns orgasmos fantásticos.
As coisas foram muito melhores do que havia imaginado.
Para ser sincera, esperava que Pietra estivesse certa, porque eu
queria muito aproveitar o final de semana.
E, se eu fosse um pouquinho parecida com a senhorita Semog, eu
diria que o coração dela parou de bater por alguns segundos e um
pressentimento a havia tomado. Muita coisa podia mudar dali em diante.
Mas eu era eu e, embora tivesse ficado emocionada, grata e até com
o coração aquecido, sabia que ele tinha sido profissional, apenas.
Era isso.
Por mais que algumas vezes eu pudesse sentir vontade de que ele
sentisse alguma coisinha, por menor que fosse, por mim, tinha convicção de
que era apenas diversão, e era exatamente assim que as coisas tinham que
continuar.
Senti o celular vibrando em minhas mãos, imaginando que ele queria
saber minha opinião sobre a matéria, porém, fiquei feliz e meio apavorada
ao mesmo tempo ao perceber que além da mensagem de Valentim, havia
outra de alguém de quem eu tinha aprendido a gostar bastante, seu pai.
— O senhor tem certeza disso? — perguntei, assim que o seu
Antônio explicou o que queria.
Havia, inicialmente, pensado que ele só queria me dar os parabéns
pela matéria que estava rendendo bastante. Dois dias depois e não parava de
chegar novos seguidores. Algumas editoras vinham me sondado, querendo
saber se eu tinha interesse em contrato para publicação.
Pietra estava me ajudando bastante a analisar os contratos, o valor
que eu teria que investir para que fosse publicado tendo a chance de ter meus
livros — finalmente — vendidos em grandes livrarias e sites. Porém, por
enquanto, nada que me impressionasse. Continuar vendendo de forma
independente ainda seguia como o maior custo-benefício.
— Sim — afirmou, entregando-me uma xícara com café fumegante.
— Você é uma mulher experiente na área e eu nem ao menos sei por onde
começar. Isso, é claro, se não for te atrapalhar. Imagino que sua vida esteja
bem corrida.
Balancei a cabeça em negativa.
— Depois da coluna, não posso negar que o trabalho ficou mais
intenso, mas será um enorme prazer ajudá-lo a realizar seu sonho — garanti,
com um enorme sorriso.
Estávamos sentados na cozinha de sua casa. O cheiro de pão assando
me fazia sentir em casa. Bem, na casa da minha mãe, quando ela se inspirava
e fazia receitas especiais para nós.
— Fico satisfeito em saber que as palavras do meu filho foram
benéficas para você.
Sorri em agradecimento.
— O senhor já tem em mente quais vai querer publicar? — perguntei,
apontando para as agendas espalhadas pela mesa.
— Algumas, sim. Outras, gostaria de sua opinião.
Assenti, pegando uma das agendas que ele estendia em minha
direção. Seu Antônio possuía uma sensibilidade incrível e a forma como,
através de palavras, ele demonstrava seu amor à esposa era lindo de se ver.
Quanto mais eu lia, mais emocionada me sentia.
— Eu gostaria de tê-la conhecido — confessei, depois de quase ter
finalizado a minha agenda. — Vocês devem ter sido incríveis juntos.
Ele anuiu.
— Minha esposa é o amor da minha vida. Ela sempre será.
— Como vocês se conheceram? — Pus a agenda sobre a mesa, e
pousando os cotovelos no mesmo móvel para encará-los.
— Marília tinha sido minha aluna no colegial. Era meu primeiro ano
ensinando e assim que a vi, fiquei encantado por sua beleza. Tinha os
cabelos longos soltos, usava uma franja que combinava perfeitamente com
seu jeito pacato. — Sorriu, como se lembrasse da cena. — Ela era minha
aluna, então, claro, eu mantive distância. A cada aula que dava, percebia o
quanto era inteligente, tinha um pensamento rápido, era dedicada e muito
engraçada também. Mas minha aluna, menor de idade. Foi nessa época que
comecei a escrever poemas para ela. Mesmo que jamais os lesse. E então,
quando o ano acabou, ela foi embora.
— Histórias com passagem do tempo, adoro. — Mudei de posição,
prestando ainda mais atenção em suas palavras.
— Nós nos encontramos dois anos depois. Eu tinha sido aprovado
em uma especialização na mesma faculdade onde ela estudava. Foi por
acaso, e então passamos a nos ver todos os dias. E cada dia em que
estávamos juntos escrevia um poema para ela. — Suspirei. Isso era uma
história que daria um belo livro, com certeza. — Aqui. Esse foi o poema que
escrevi para pedi-la em casamento.
Apontou a agenda na página correta.
Involuntariamente, meus olhos se encheram de lágrimas enquanto lia
as palavras no bilhete colado com vários corações desenhados com lápis de
cor, por ela, ao seu redor.
Sério, esse homem realmente existia?
— Sabe, o senhor daria um ótimo mocinho de livros. Um daqueles
que não achamos nunca na vida real — brinquei, devolvendo a ele a agenda.
— Todos nós fazemos coisas especiais por pessoas pelas quais nos
apaixonamos, querida.
Fiz uma careta deixando claro que discordava.
— Li sobre seu pai. — Segurou minha mão, apertando-a um pouco
em uma demonstração de carinho — É difícil acreditar quando não tivemos
alguém em quem nos inspirar, mas eu sei que você vai poder viver sua
própria história de amor, e perceber que, como nos livros, as histórias não
precisam ser sempre iguais.
Sorri um pouco, mesmo sabendo que isso jamais aconteceria.
— E o Valentim, ele não devia ser uma espécie de o último
romântico tendo o senhor e sua esposa como exemplos? — perguntei,
tentando parecer desinteressada no assunto.
— Às vezes, colocamos expectativas demais em amores errados e
demoramos a perceber quando encontramos o certo — falou, retirando a mão
da minha, e segurando a xícara dando uma golada no líquido preto e amargo.
— Então ele é um cretino que teve o coração partido. — Dei um
sorriso de lado.
— Todos nós temos uma história sobre coração. — Bateu o dedo
indicador na mesa. — Todos já tivemos o coração partido alguma vez na
vida, independente de quem tenha sido a pessoa a fazer isso.
Assenti. Ele tinha razão. O meu coração foi partido não de uma forma
romântica, mas por ver o quanto minha mãe havia sofrido por um doador de
esperma que nem a merecia.
— Acho que ele vai ficar feliz com sua decisão. — Apontei, com o
queixo, para as agendas na mesa.
— Não — negou, convicto. — Não quero que ele saiba. Não ainda.
Franzi o cenho, em dúvida.
— O senhor vai esconder isso dele? — questionei, sem acreditar que
manteria segredo da pessoa que mais o apoiava. — Eu posso não conhecer
seu filho muito bem, mas tenho certeza de que ele ia amar fazer parte do
processo de tudo isso.
— Eu sei..., mas quero que isso seja uma surpresa — explicou. —
Quero que meu filho se orgulhe com o resultado. Você sabe o que fazer,
como fazer isso, eu não. Posso confiar que manterá esse segredo? Um
segredo de escritor para escritor.
No fim das contas, era um segredo bom. E o livro era dele. Nada
mais justo que fazer as coisas ao seu modo.
Assenti.
Um pequeno segredo não faria mal a ninguém, até porque Valentim e
eu nem tínhamos nada.
Nada de importante, pelo menos.
Capítulo 22

— Preparado para assumir mais uma coluna? — Mathias perguntou


ao meu lado enquanto andávamos pelo corredor de saída do prédio do
jornal.
— Ainda não foi confirmada. — Dei de ombros. — Acho que temos
boas chances, mas nada certo ainda.
— Tá brincando? — Mathias deu um tapa em minhas costas, rindo.
— Se você pedir uma parte da sociedade deste jornal, eles vão te dar. Você
sabe, né? Depois daquele sucesso estrondoso que correu o país todo.
Rolei os olhos.
Mathias estava certo. O sucesso foi mesmo estrondoso, mas não
graças a mim. Talita estava certa quando disse que possuía leitores de todos
os lugares. Com a ajuda de suas leitoras que compartilharam a matéria,
muitos jornais entraram em contato comigo, interessados em oferecer-me
uma vaga como colunista. Boas vagas.
Se fosse há algum tempo, eu podia considerar. Mas agora, não sabia.
Queria ficar.
— Pois é, uma hora meu talento teria que ser reconhecido por aí. —
Dei de ombros.
— E pensar que você não queria escrever sobre a vendedora de
sexo. — Recebi, de forma inesperada, uma cotovelada nas costelas,
enquanto meu amigo ria.
Não eu.
De uma hora para outra, Talita não era mais uma vendedora de sexo,
era a escritora. Seu último livro realmente era muito bom. Abordava o que
acontece na vida de uma pessoa que acorda depois de um coma e como é
difícil lidar com os novos rumos que a sua vida e das pessoas que estavam
ao seu redor tomaram enquanto ainda estava dormindo.
Não era sexo. Não era vender pornografia. Eram histórias que, de
fato, nos transportava para outras realidades nos levando a aprender e
pensar sobre assuntos dos quais, possivelmente, nunca teríamos pensado a
respeito.
— Não chame ela assim — reclamei com uma careta.
— Defendendo a namoradinha? — brincou, apertando os olhos em
minha direção.
— Ela não é minha... — Parei, balançando a cabeça em negativa. —
É só que, não é isso. Os livros. Não são como eu imaginava.
— Sim, deu pra notar que você mudou de opinião quando a coluna
foi lançada. Como eu disse, ajudando a morena a ganhar o suado dinheirinho.
— Quer saber, é isso que você quer, e eu não vou cair na sua.
Ele riu confirmando minhas suspeitas.
— Ei, garotos. — A voz de Mari soou atrás de nós dois, fazendo-nos
virar em sua direção.
— Oi, Mari — respondemos ao mesmo tempo.
— Fiquei esperando sua resposta sobre o jogo. — Suspirou,
aproximando-se de mim e passando o braço ao redor do meu. — Acabei
indo sozinha.
Fez um biquinho desolado.
— Desculpe, estive ocupado. — Ela não precisava saber que minha
ocupação tinha nome e sobrenome.
— Sim. O Destaque sobre a escritora. Ficou muito bom, comecei a
ler os livros dela, inclusive. — Mordeu o lábio, me olhando de forma
sugestiva. — Bem, tenho outro jogo para cobrir, sabe? Estava pensando,
podíamos ir juntos ao jogo e, de repente, pôr em prática algumas coisas que
eu andei lendo nos últimos dias.
Ergueu uma sobrancelha.
Bom, eu já disse que gosto de mulheres que não fazem jogos. Mari
era exatamente o tipo de mulher que valeria a pena. Sabe o que quer e deseja
a mesma coisa que eu desejo — ou desejava, difícil saber. Porque, por mais
que eu estivesse bem sem me comprometer com ninguém, foi nela em que
pensei.
E, embora não tivéssemos nada sério, não faria isso com ela.
— Desculpe, Mari. Não vai rolar. Tô saindo com uma pessoa. — Dei
de ombros.
— É sério, então? — perguntou.
— Não sei — fui sincero —, mas não sou do tipo que saí com duas
pessoas ao mesmo tempo. Enquanto estiver rolando com ela, tô com só ela.
Mari sorriu.
— Que pena para mim, então. — Deu um tapa em meu bíceps, onde
sua mão pressionava instantes atrás. — Quem sabe, numa próxima.
— É, quem sabe? — confirmei.
— É aqui que eu fico. — Apontou para a rua, na direção contrária
onde Mathias e eu íamos.
Nós nos despedimos e cada um seguiu seu caminho.
— Você transou com a escritora, não foi? — meu amigo perguntou
com uma nota de diversão na voz.
— Digamos que sim — confirmei.
— É, amigo. Vou te falar uma coisa: acho que essa mulher vai te
pegar de jeito. Isso, se já não o fez.
— Não é o que está pensando. — Rolei os olhos. — Só que ela já
tem motivos demais para não confiar nas pessoas. Não quero contribuir para
piorar a situação.
— E você quer que ela confie em você? — Ergueu uma sobrancelha
em minha direção.
— Quero que ela não desconfie de mim. Gosto dela e não quero
magoá-la. Além do mais, vamos passar o final de semana num glamping. Vou
escrever sobre ele, sair com outra pessoa seria meio que fazer o papel de
canalha com ela.
— Vai passar o fim de semana com ela? — A voz continha toda a
descrença que era possível a um ser humano.
— Vamos comemorar — retruquei, indiferente.
— O amor?
— Não, idiota. — Rolei os olhos. — O sucesso da matéria.
— Huuum, o sucesso. Sei... — Riu, divertido. — E é assim, amigos
e amigas, que se começa uma perdição.
Empurrei seu ombro enquanto Mathias seguia rindo, crente que isso
de sexo entre duas pessoas que tinham aprendido a conviver pacificamente
ia dar errado.
Mas era impossível.
Talita e eu, depois desse final de semana, íamos conseguir resolver
toda aquela tensão que sentíamos quando estávamos juntos e depois
seguiríamos a vida como sempre.
Sexo casual com o próximo estranho.
Trinquei o maxilar assim que o pensamento me tomou. Não queria
imaginar Talita transando com mais ninguém além de mim.
Pelo menos, por algum período.
Capítulo 23

— Uau, não acredito que nunca tinha ouvido falar sobre este lugar —
falei, me aconchegando melhor na cama superconfortável da pousada no
meio do nada para onde Valentim havia me levado.
O lugar era simples e aconchegante. Não havia quartos luxuosos,
muito pelo contrário, todos tinham formato de cabanas triangulares e
cheiravam a mato e madeira.
Rústicos e simples, mas ao mesmo tempo lindo de morrer. A cama de
casal onde eu me deitava sem nem ao menos demonstrar preocupação em
deixar espaço para Valentim deitar também, ficava do lado esquerdo. A
colcha clara mantinha o toque hippie do ambiente e um enorme buquê de
flores — que eu já havia posto do meu lado e tido todo o cuidado para não
machucar enquanto testava o colchão — estava, agora, entre mim e a parede
em cima da cama.
Do outro lado do quarto, do lado direito, dois filtros dos sonhos de
macramê eram ligados por um cordão luminoso com bolinhas brancas. Um
tapete cinza demarcava a área de um ambiente bem estilo Pinterest. Duas
cadeiras pretas, uma pequena mesinha de centro e três pequenas gaiolas no
chão tornavam o ambiente ainda mais encantador.
— Gostou? — perguntou, parecendo ansioso.
— Isso é lindo. — Entrei, ouvindo-o dar um passo para frente
também e colocar nossas sacolas no chão. Sorri, enquanto meus olhos
vasculhavam o ambiente tentando memorizar cada detalhe porque,
certamente, ele seria narrado em alguma história. — Como você encontrou
este lugar?
Franzi o cenho em sua direção, vendo-o apoiar os joelhos na cama,
se aproximando e pondo as mãos uma de cada lado do meu rosto.
Seus olhos estavam brilhando, como se estivesse mesmo feliz por eu
ter gostado do lugar. Deu um passo em minha direção, deixando nossos
corpos bem colados.
— Sou um jornalista, escritora. É minha obrigação conhecer os
melhores lugares possíveis. — Valentim passou um dedo de forma carinhosa
por meu rosto, antes de segurar meu queixo, erguendo-me um pouco em sua
direção e dando um beijo rápido em meus lábios. — Achei que você fosse
gostar daqui, especialmente já que, segundo você, período de lançamento é
bastante estressante. E, mais ainda, achei que merecíamos um lugar para
comemorar o sucesso do seu livro e de uma certa matéria maravilhosa que
um jornalista fantástico escreveu para você.
Semicerrei os olhos em sua direção.
— Você é muito convencido, Valentim — falei, vendo-o suprimir um
sorriso.
Mas ele estava certo. A matéria tinha mesmo sido um sucesso. Em
poucas horas, meu número de leituras, que ainda estava muito bom, subiu
ainda mais e o mais impressionante, emissoras locais entraram em contato
querendo marcar entrevistas comigo.
Tudo isso em menos de seis horas.
— Diria que sou um cara assertivo. — Passou as mãos por minhas
costas, prendendo-me a ele.
— Acho que está mais para convencido, mesmo — sussurrei.
Já conseguia sentir sua ereção, mesmo com o tecido de sua calça e
meu vestido mantendo uma barreira entre nós, quando senti seus lábios se
aproximarem novamente.
— Não vou brigar com você por isso. — Mordiscou meu lábio
inferior. — Com o tempo, vai me dar razão.
Meu coração parou de bater.
Ele tinha mesmo planos de passar tempo o bastante comigo para que
nós nos conhecêssemos melhor? Alguma coisa aconteceu em minha barriga,
e se não tivesse descrito tantas vezes a sensação de borboletas no estômago,
poderia dizer que era algo do tipo, entretanto, parecia muito mais com uma
manada de búfalos dançando Macarena em minha barriga.
Não. Me corrigi rápido. Isso é fome, com certeza.
Valentim aproximou-se mais e, pelo que via em seus olhos, sabia que
tinha pretensões de começar a esquentar as coisas, mas, claro, meu corpo
resolveu atrapalhar fazendo-me passar vergonha produzindo o som de RONC
em letras garrafais exatamente como em um quadrinho do Maurício de
Sousa.
Valentim roçou os lábios nos meus, afastando-se em seguida, achando
graça.
— Ok, vamos alimentar essa monstrinha antes da diversão. — Colou
nossos lábios rapidamente antes de entrelaçar nossos dedos e beijar a palma
da minha mão, fazendo-me passar as mãos por seu rosto em seguida. —
Volto já.
Levantou-se, passando pela porta. Fechei os olhos por alguns
segundos tentando absorver como as coisas estavam completamente
diferentes de dias atrás. Eu havia jurado detestar Valentim para sempre e
agora estava aqui, em uma pequena viagem não programada na Reserva
Sapiranga em Mata de São João, próximo à Praia do forte. A reserva possui
mais de 500 hectares de Mata Atlântica preservada, e por mais que tínhamos
visto basicamente o caminho para chegar ao charmoso glamping[7] do qual
nunca tinha ouvido falar, mas já tinha me garantido algumas inspirações.
Não demorou tanto assim para que ele retornasse ao quarto, mas de
mãos vazias, fiz uma careta em protesto.
— Vem comigo, quero te mostrar uma coisa. — Ergueu a mão, me
fazendo aceitá-la.
Valentim entrelaçou nossos dedos novamente e um calor gostoso
passou por meu corpo.
— Posso saber para onde vamos? — quis saber, encostando minha
cabeça em seu ombro. Ele riu.
— Só confie em mim — pediu, dando um beijo em minha testa logo
que passamos pela porta.
O sol começava a esfriar indicando que o dia estava próximo de
chegar ao fim. Nós rodeamos a cabana chegando à parte de trás e eu perdi
um pouco o ar com a cena que vi. Ok, ele tinha seu lado irritante, mas sabia
ser um fofo quando queria.
No fundo, havia uma banheira posicionada sob um pequeno deque de
madeira, algumas samambaias que davam um toque charmoso ao ambiente.
Um tapete redondo de palha com duas almofadas ficava próximo à banheira.
Vasos de barro, cestas de palha, uma cadeira branca de sol, mas, bem ao
cantinho, uma mesa de madeira continha uma enorme vastidão de alimentos.
Frutas, pães, uma jarra de suco de laranja, um bolo de chocolate com
cobertura de brigadeiro e o cheiro estava maravilhoso.
Valentim puxou a cadeira para mim, sentando-se em seguida. A
conversa estava fluindo bem. Ele me contou a história do seu trabalho, os
lugares por onde passou e mais gostou, seus hobbies.
A notícia ruim é que quanto mais eu o conhecia, mais eu gostava e
queria conhecer. A maldita frase que ele havia dito mais cedo ainda
martelava em minha cabeça, “com o tempo você vai me dar razão”. Parte
de mim queria acreditar nisso. Que, como eu, ele também queria aproveitar
um tempo comigo, da mesma forma que eu, estranhamente, queria estar mais
com ele.
— Você não pode estar falando sério. — Franzi o cenho para ele. —
Jura?
— Juro. — Ergueu as mãos para mostrar que não havia nenhum dedo
cruzado. — Eles correram atrás de mim e eu achei que viraria churrasquinho
de pele tipo o Jack Sparrow em Piratas do Caribe.
Ri, balançando a cabeça em negativa.
Valentim era divertido. Sabia fazer uma mulher rir, e caramba, isso
era um feito e tanto. Era inteligente e conseguia falar sobre os mais variados
assuntos, entretanto, diferente da maioria das pessoas, não era esnobe por
estar sempre por dentro das coisas. Admirava pessoas assim. E mais do que
tudo, gostava de como cuidava do pai e da forma como se referia à mãe.
Se tivesse a chance de conhecê-lo, mamãe diria que era o genro que
havia pedido a Deus, mas felizmente eu pouparia a nós dois dessa vergonha,
especialmente por não fazer a menor ideia de onde isso ia dar, por mais que
eu estivesse com vontade de mais.
— Alguns anos depois, eu voltei lá, mas dessa vez já não era mais
um menino doido para impressionar o chefe, era um cara que queria voltar
para casa com a integridade física em dia. — Ri. — Sua vez — pediu,
apontando o rosto em minha direção.
— Eu ouço vozes — confessei, com uma careta, tentando evitar
pensar em planos futuros que jamais aconteceriam.
— Como o cara de O sexto sentido? — perguntou, prendendo uma
risada. — Você fala com gente morta?
— Quase isso. — Rolei os olhos. — Os personagens falam comigo o
tempo inteiro. Quando eu quero dormir, especialmente. Eles não calam a
boca.
— E o que você faz? — quis saber, apertando os olhos em minha
direção.
— Me rendo — ergui a sobrancelha —, ligo o computador, e deixo
eles falarem comigo. Se ignorar, no dia seguinte já esqueci tudo.
— Tava pensando aqui... Acho que essa era a hora perfeita para eu
fugir — sussurrou, se aproximando um pouco. — De repente, uma dessas
vozes pode pedir para que você me sufoque durante a noite.
— Preferia fazer isso em um livro. Prezo pelo meu réu-primário —
falei a segunda parte mais baixo.
— Isso é uma coisa boa de saber, mas por precaução, tenho outros
planos para você esta noite. — Olhei para ele de forma estranha. — Vou te
manter acordada, a noite toda. — Arqueou a sobrancelha, uma das mãos
descendo pelas minhas pernas sobre o tecido do vestido que usava, e em
seguida suas mãos passaram a subir, mas já em contato com minha pele,
deixando um rastro quente por onde seus dedos me tocavam. — Porque eu
quero que você me deixe sem ar, mas de muitas outras formas, escritora.
Instintivamente soltei um arquejo.
— Acho esse um bom plano. — Sorri, movimentando a perna para o
lado, dando a ele mais espaço para me tocar.
Valentim mordiscou o lóbulo de minha orelha.
— Tenho uma ideia perfeita — sussurrou.
As mãos, rápidas, brincavam com a alça fina do vestido que usava,
fazendo-o escorregar por meus braços e arrepiando minha pele. Mal percebi
e a roupa já não cobria meu corpo. Valentim sorriu, admirando a lingerie
vermelha de renda que vestia. Em seguida, beijou meu ombro. Salpicou
beijos até que os lábios tocassem a linha da minha mandíbula.
— Posso saber qual? — Minha voz soou falha e rouca.
Não respondeu, passando o indicador por meu braço. Em seguida,
seus braços estavam ao redor de minhas pernas e eu estava em seus braços.
Não reclamei, podia mesmo me adaptar muito bem a isso.
Mas, diferente do que pensei, Valentim não entrou em nosso quarto.
Muito pelo contrário. Me pôs no chão no deque, próximo à banheira.
Ele sorriu em minha direção começando a retirar a camisa de forma
lenta e sensual, deixando à mostra a pele firme e os gominhos em sua
barriga. Minhas mãos pinicaram de vontade de senti-las novamente sob meu
toque. De vê-lo reagir a mim. Mordisquei o lábio enquanto o assistia
remover também a calça que vestia ficando apenas com uma cueca branca
que destacava muito bem o pau enorme que possuía. Mal podia esperar para
tê-lo em minha boca, em minha boceta, onde ele quisesse enfiá-lo, para ser
sincera.
Por experiência própria, sabia que aquele pau era dos que nos faziam
ter vontade de continuar sentando incessantemente.
— Vou ficar ressecado desse jeito. — Usou um tom de zombaria que
me fez franzir o cenho em sua direção. — Com você me secando desse jeito.
Balancei a cabeça em negativa, sorrindo.
— Não tô secando você, que nem é tudo isso — devolvi, dando um
passo em sua direção —, mas não posso negar que estou ansiosa para
rebolar em seu pau novamente. Ele sim é a melhor parte que você possui. —
Dei de ombros.
— A maior, você quer dizer. — Riu, erguendo uma mão em minha
direção. Eu aceitei e, em seguida, nossos corpos estavam colados. — Mas
eu te entendo. Meu pau, há dias, só pensa em comer você também.
Ofeguei quando uma de suas mãos apertou minha bunda ao mesmo
tempo que me puxava para mais perto dele. O pau estava completamente
duro e senti-lo tão próximo me fez ter certeza de que precisava e muito
sentar naquele homem.
— Eu quero que você faça uma coisa pra mim, tudo bem? — pediu,
com a voz rouca e sexy, enquanto os dedos acariciavam a minha bunda.
— O quê? — quis saber, excitada.
— Apesar de querer muito enfiar minha cara nesses seios e te chupar
com vontade só pra depois meter com força o pau em sua boceta, que já está
molhadinha para mim. — Levou a mão que estava na bunda para o meio das
minhas pernas, pressionando o indicador entre o tecido fino e minha entrada,
como se quisesse comprovar sua teoria. Valentim gemeu ao notar que estava
certo. Eu gemi, querendo que aquele contato continuasse. Ele desceu a mão
chegando até metade das minhas coxas. — Quero que você se toque pra
mim. Quero ver você se dando prazer — sussurrou em meu ouvido —, como
se estivesse em seu quarto, sozinha, pensando em mim.
Ofeguei, imaginando a cena e sentindo sua mão brincar em minhas
coxas, subindo até bem próximo da minha boceta que clamava por atenção.
Assenti, um pouco atônita, dando um passo em direção ao quarto,
mas ele segurou meu braço.
— Lá não. Aqui. — Apontou para a banheira.
Olhei ao nosso redor. Apesar de haver uma boa distância entre os
bangalôs, havia sempre o risco de alguém nos ouvir.
Nunca havia feito nada assim. Quer dizer, transar em um lugar onde
as pessoas pudessem nos descobrir, e pensar daquilo, de alguma forma, me
deixou com ainda mais tesão.
Antes que pudesse mudar de ideia, pus os pés dentro da banheira em
formato circular, sentando sobre o deque. Valentim assistia com o olhar
vidrado enquanto eu abria as pernas, tentando ser sensual o bastante, porém
morrendo de medo de parecer uma idiota.
Ele sorriu com os olhos cheios de tesão, sentando-se de frente para
mim, como se quisesse assistir melhor ao show.
— Você é perfeita demais — falou, passando os olhos lentamente por
meu corpo, fazendo-me corar. — Eu quero ver, Talita. Quero ver você se
tocando para mim — pediu, mais uma vez.
Sorri, olhando o volume em sua calça.
Uma das minhas mãos passeou pela minha cintura, lentamente, até
chegar ao seio. Fechei os olhos e o apertei com força, imaginando que eram
as suas mãos ásperas, grandes, mas ao mesmo tempo cuidadosas. Brinquei
com o bico entumescido passando as unhas em seguida e sentindo uma
sensação gostosa tomar conta do meu corpo.
Soltei um som que, ao que parece, havia sido bem recebido por
Valentim. Enquanto uma mão brincava com um seio e, em seguida, passava
para o outro, a outra mão, a direita, fazia o caminho inverso. Descia pela
cintura. Com a ponta do indicador fazia movimentos circulares pelo meu
abdômen, sentindo minha pele se arrepiar.
Meus dedos estavam trêmulos ainda, mas seguiram descendo e
encontraram o caminho para onde exatamente Valentim a queria. Ele soltou
um gemido quando minha mão entrou pela peça pequena e rendada,
brincando com a boceta. Levava o dedo até o clitóris e voltava, gostando da
sensação. Mordi o lábio, me sentindo cada vez mais excitada.
Nunca havia feito aquilo.
Sim, claro, já havia me masturbado antes. Mas não com um homem
me olhando. Me admirando.
— Fale o que você quer, Talita — pediu.
— Seu pau — respondi com a voz repleta de tesão. — Quero seu pau
entrando em mim, Valentim.
Valentim soltou o ar com força e, mesmo sem abrir os olhos, soube o
que ele estava fazendo. Também estava se tocando enquanto me observava
tocar meu corpo para ele.
Soltei um gemido enquanto fazia movimentos circulares em meu
clitóris.
— Isso. Continue assim — pediu.
Fiz o que ele queria. Continuei ali, realizando movimentos circulares
e contínuos, enquanto o ouvia ofegar, assistindo-me. Meu corpo começou a
pedir, implorar por mais.
Eu estava amando aquilo. Era bom. Uma sensação de poder. De estar
viva.
Com a mão que antes tocava os seios, comecei a, desesperada,
retirar a calcinha, enquanto a mão direita continuava os movimentos
circulares. Ergui as pernas por um momento, dando a ele uma visão mais
ampla do meu corpo já quase completamente nu enquanto removia a
calcinha.
Valentim soltou o ar com força e deu um gemido em seguida.
Meus dedos deslizaram para dentro de mim. Não pude me conter.
Gemi alto movimentando os dedos.
— Continue — Valentim pediu. A voz de quem estava sofrendo uma
tortura, mas uma boa. Daquelas que não podíamos parar nem mesmo se
quiséssemos.
Meu corpo inteiro tinha encontrado um ritmo próprio. Cada vez mais
meus dedos iam mais fundo. Um, dois dedos. Arqueava o corpo tirando
minhas costas do chão frio. Podia sentir as gotas de suor se formando.
Nossos sons, nossos gemidos misturando-se em algum lugar na distância que
nos separava.
Estava tão entretida em todas as sensações do meu corpo e tentando
evitar a explosão que parecia cada vez mais perto de chegar, que não notei
que Valentim era apenas mais um mero espectador até que suas mãos
estivessem segurando com firmeza minha cintura. O olhei em sua direção e
depois para o pau ereto e já coberto pela camisinha.
— Eu ia esperar você gozar, mas que se foda. Agora eu vou comer
você, Talita. Forte. Rápido. Do jeito que você gosta. — A voz parecia
desesperada. Eu podia gozar só de ouvi-lo. — Esta noite e por quantas mais
eu quiser, você é minha, escritora. De mais ninguém, só minha.
Sabe aquele tipo de frase que tem certeza de que só gostaria dos
livros? Que se foda. Porque tudo o que eu queria, era ser dele. Ser fodida
por ele e gozar enquanto sussurrava sacanagens em meus ouvidos.
— Então me coma — pedi.
Valentim tirou a minha mão, pincelando seu pau em minha entrada.
Murmurei alguma coisa e, em seguida, ele fez o que prometeu.
Entrou com força, fazendo-me erguer o corpo com o nosso contato.
Arfei. Valentim apertou minha cintura com mais força enquanto começava
com os movimentos de vaivém.
Ele beijou meu queixo, meu pescoço. Jogou o sutiã de lado
abocanhando meus seios e as sensações eram tão boas que eu já mal sabia o
meu nome.
Só sentia que eu queria mais.
Nunca havia tido um sexo assim. Intenso demais, com alguém que se
encaixasse tão bem. Alguém que me fizesse senti-lo em cada poro do meu
corpo.
Alguém que eu desejasse tão intensamente.
Sentia a respiração presa na garganta cada vez que os dedos
exerciam mais pressão em minha cintura. Por Deus, como era bom. Eu podia
sentir isso para sempre.
De alguma forma, consegui rebolar, fazendo com que Valentim
soltasse um sonoro ruído de satisfação que me levou a repetir o movimento.
— Ah — gemeu, sussurrando em seguida. — Isso. Faça isso —
encorajou.
Repeti o movimento algumas vezes, recebendo cada vez mais
estímulos para continuar.
As estocadas foram ficando mais intensas. Pressionei a cabeça com
mais força no chão, sentindo que Valentim ia cada vez mais fundo.
Nossas respirações aceleradas provavam que ambos estávamos
perto.
O mundo inteiro pareceu girar e ir mais rápido ao mesmo tempo. As
estrelas pareciam prestes a explodir no céu e se transformarem em pequenos
pontinhos brilhantes.
— Vou gozar — anunciou com a voz entrecortada.
Senti quando seu corpo tensionou e o líquido quente jorrou em mim.
Valentim soltou um som gutural e duas estocadas depois era a minha vez.
O mundo explodiu em um milhão de pedacinhos para mim, e aquele
tinha sido o melhor orgasmo da minha vida. Se a cada vez que transássemos
nós conseguíssemos melhorar eu, sinceramente, não iria querer parar com
aquilo nunca.
O corpo suado de Valentim caiu sobre o meu. Automaticamente,
minhas mãos pararam em suas costas, subindo e descendo em um vaivém
gostoso até que nossas respirações estivessem normais outra vez.
— Isso foi muito bom — comentei, brincando com os fios de cabelo
de sua nuca.
— Foi perfeito — concordou. — E eu espero que você tenha muito
fôlego ainda. Prometi que tinha planos para a noite toda e não estava
brincando. Esta vai ser uma noite que você nunca vai esquecer.
— Você é o cara mais convencido que conheço — brinquei, com a
respiração ainda ruidosa.
— Como eu disse, isso é ser assertivo.
Ele colou nossos lábios e fez exatamente o que havia prometido. Foi
assertivo mais cinco vezes naquela noite.
E eu amei cada uma delas.
Capítulo 24

Uma transa para aplacar o tesão e garantir que não repetiríamos a


dose nunca mais, rapidamente se transformou em uma viagem curta para
aproveitar um momento a sós e, enfim, em uma viagem para aproveitar o
final de semana. No fim das contas, algumas semanas havia se passado e nós
ainda costumávamos dividir bastante a cama.
Sinceramente, eu estava disposto a quanto mais tempo ela quisesse.
Torcia para que ela quisesse alguns muitos meses mais. Muitos mais, se eu
fosse bem sincero.
Ter Talita comigo era bom. Como se fosse o lugar certo a se estar.
Claro, era só sexo. Nada além disso.
Mesmo que eu gostasse de estar com ela, mesmo que meu coração
batesse mais forte quando uma mensagem dela, ou quando, não importasse
como o dia fosse péssimo, seu sorriso conseguisse colorir o meu dia de uma
forma inexplicável.
Lidar com Talita não era difícil. Entendê-la, muito menos. A falta do
seu pai acabou causando uma lacuna em sua vida e um bloqueio em seu
coração, mas ao mesmo tempo era completamente entregue às pessoas à sua
volta. Vivia com intensidade os momentos, era leal e preocupada com quem
estava ao seu redor e, além de nos darmos muito bem, nos entendíamos muito
bem na cama.
Eu confiava e me importava com ela.
Talita tinha me apoiado demais nos últimos dias, em especial. Com o
lançamento da nova coluna, compartilhou comigo muitas ideias de como
torná-la mais interativa e atrair, em especial, o público jovem para questões
importantes para eles, para a nossa cidade e para o nosso futuro.
A primeira coluna havia saído algumas semanas atrás e logo de cara
foi um enorme sucesso. A ideia era falar sobre acessibilidade, entretanto, o
veto da distribuição de absorvente e a discussão sobre a pobreza menstrual
me fez mudar de ideia.
Pesquisando sobre o tema, descobri informações alarmantes, como o
fato de muitas mulheres usarem miolo de pão por não terem acesso ao
absorvente. Como o intuito da nova coluna também era abordar políticas
públicas, era um tema necessário.
Juntamente com esclarecimentos acerca do assunto, foi lançado uma
hashtag que rapidamente atingiu os trends topics do Twitter, mobilizando
pessoas a assinarem um abaixo-assinado contra o veto da lei e, mais
importante, divulgando projetos sociais que realizavam distribuição gratuita
de materiais femininos de higiene.
O resultado foi ainda melhor do que eu imaginava. Muitas pessoas
que nunca nem haviam ouvido sobre o assunto foram procurar informações e
as doações para as ONGs aumentaram significativamente, poucas horas
depois da matéria ter sido publicada.
Resumindo, foi um sucesso.
Antonella queria que nós seguíssemos essa linha das ações usando as
redes sociais para chamar ainda mais atenção para os assuntos que
abordássemos. Segundo ela, traria mais visibilidade para a coluna, além de
abranger ainda mais o tema.
Tudo estava bem demais. Demais mesmo. Eu já não estava
acostumado a ter algo legal e por tanto tempo com uma única mulher. Estava
menos acostumado ainda a querer isso. A desejar estar com ela.
Em especial, pela mulher em questão ser a pessoa que fazia a porra
do meu coração bater desesperadamente rápido e minha boca ficar seca
constantemente.
E apesar de não querer nada disso, eu queria na mesma medida.
Talita tinha muitas nuances. Estava longe de ser uma mulher normal e
comum. Achava engraçado sobre como ela costumava falar normalmente das
muitas vozes que conversavam com ela em sua cabeça.
Se eu tivesse um pingo de juízo, possivelmente teria fugido enquanto
havia tempo.
Não agora.
Agora eu já estava sob o feitiço do canto da sereia.
E talvez eu estivesse mesmo me apaixonando pela garota que não
amava ninguém. Certamente essa era uma coisa que eu não queria.
Apaixonar-me por Talita estava fora de cogitação. Eu precisava
parar aquilo sem, necessariamente, parar de vê-la.
Não conseguiria parar.
Estava completamente viciado nela. Assim como era viciado em meu
trabalho, em escrever.
Suspirei, saindo do carro e caminhando em direção à casa do meu
pai. Estava prestes a gritar seu nome quando ouvi risos. E não foi a risada do
meu pai que me chamou atenção, mas da pessoa que estava com ele. A risada
que fazia a porra do meu coração acelerar.
Pé ante pé e com cuidado segui os sons até estar na cozinha. Meu pai
e Talita riam, cúmplices. As agendas da minha mãe, empilhadas na mesa, o
computador dela aberto, mas distante dos dois que viam algumas fotos
minhas de infância.
Cocei a garganta, fazendo um som alto o bastante para que eles
notassem a minha presença.
— Ei — Talita falou, levantando-se, assustada, como se tivesse
acabado de ser pega fazendo algo errado. — O que você tá fazendo aqui?
Franzi o cenho, cruzando os braços e entrando vagarosamente na
cozinha enquanto meus olhos percorriam seu corpo. Usava um short jeans no
meio das coxas e uma blusa cropped que ia de ombro a ombro com mangas
um pouco bufantes, franzido na cintura, fazendo minhas mãos formigarem de
vontade de se atracarem naquele espaço. O tecido verde com flores
vermelhas valorizava perfeitamente seu tom de pele e o destaque no colo me
deixava louco. Nem parecia que ainda ontem tínhamos dormido juntos em
minha casa. A forma como meu pau respondia à Talita era sempre imediata.
Perdia apenas para meu coração que sempre errava as batidas por ela.
— Eu é quem devia estar fazendo essa pergunta, já que estamos na
casa do meu pai. — Semicerrei os olhos em sua direção e a expressão de
culpa se tornou mais forte.
— Acho que nós nos distraímos, Tali — papai falou, com um sorriso
nada sutil no rosto.
Tali? Desde quando meu pai a chamava daquele jeito cheio de
intimidade?
— Acontece quando a companhia é agradável — Talita respondeu,
dando um sorriso daqueles sinceros que só ela sabia dar.
Eu podia ter um ataque cardíaco só por vê-la sorrir daquela forma.
— Quer sentar conosco, filho? — Apontou para uma cadeira vazia.
A mais próxima dele, claro.
Assenti, caminhando.
Podia sentir as faíscas entre mim e Talita mesmo que estivéssemos a
uma boa distância. Acho que meu coração e meu corpo nunca se
acostumariam a vê-la.
Não apenas por ela ser linda, mas por ser única.
Por, de fato, eu querê-la tão enlouquecidamente.
— Será que alguém pode me situar aqui? — perguntei, alternando o
olhar de um para o outro.
— Um velho homem não pode receber a visita de uma amiga?
Amiga? Desde quando meu pai e Talita são amigos?
— Amigos? — Olhei diretamente para Talita. Ela estava encontrando
meu pai escondido de mim?
— Seu pai me pediu ajuda há um tempo — falou, parecendo tentar
descobrir se eu estava bravo. — Estamos trabalhando no projeto do livro.
Olhei fixamente para Talita por alguns segundos, antes de encarar
meu pai.
— O seu livro? — perguntei, em um misto de felicidade e
incredulidade. Ele estava mesmo produzindo o livro e seguindo o sonho de
sua vida?
Assentiu.
— O meu livro. — Sorriu. — Na verdade, Talita veio aqui hoje me
mostrar o resultado. Vimos juntos por algum tempo, e agora paramos para
fazer um lanche.
— E me envergonhar mostrando as fotos de família — brinquei,
rolando os olhos. — Posso ver? — perguntei ao meu pai, e não seria
necessária nenhuma explicação para que ele soubesse exatamente o que eu
queria.
Foi Talita quem se moveu. Pegou o computador dela sobre a mesa,
passando o dedo no touchpad do notebook e fazendo com que a tela se
acendesse. O arquivo estava aberto, mas ela fez questão de voltar para a
primeira página, dessa forma eu poderia ver tudo.
— Seu pai e eu lemos todos os poemas e escolhemos alguns —
Talita explicou antes que eu pudesse passar para a página seguinte. — Essa é
a prova da diagramação. Queria saber se ele estava gostando de como estava
ficando tudo — explicou, enquanto virava o computador com o arquivo na
primeira página em minha direção.
Ainda não havia uma capa, e em seu lugar uma página em branco. As
páginas seguintes continham algumas informações pelas quais ela também
passou, parando na página com a sinopse fazendo com que meus olhos se
enchessem de lágrimas ao ler os primeiros indícios de uma linda história que
seria narrada nas próximas páginas.
O conceito de agenda foi mantido, além das letras cursivas como se
cada página tivesse sido escrita à mão pela minha mãe. A diagramação
estava simplesmente fantástica. As imagens nas bordas, que podiam chegar
até o meio da folha sem atrapalhar a pena, variavam entre flores delicadas,
pedaços de árvores floridas e pássaros voando por entre algumas pétalas
que caíam dos troncos.
— Está... — Parei. Não havia uma palavra que pudesse explicar
como tudo estava absurdamente perfeito.
— Sim, está. — Meu pai se aproximou pondo a mão em meu ombro.
— Ela teria amado, pai.
Não respondeu, apenas apertou a mão com um pouco mais de força,
como se estivesse concordando comigo.
Ver aquelas páginas era como se eu pudesse tê-la aqui, próxima a
mim, mais uma vez. E, no fim das contas, Talita trouxe mais uma coisa boa à
minha vida, a realização do sonho da pessoa mais importante para mim.
Talita havia recusado a carona que ofereci para que não precisasse
pegar um carro por aplicativo. Felizmente, eu nem precisei convencê-la do
contrário, já que meu pai havia deixado claro que não aceitaria uma
negativa. Eu a deixaria em casa e pronto.
A não ser pelo som baixo que saía da rádio que ela mesma havia
sintonizado, o carro estava em um silêncio sepulcral. A mulher sentada no
banco do carona parecia nervosa demais, como se fôssemos completos
estranhos.
— Você está bravo comigo, né? — perguntou, tomando coragem e me
olhando ansiosa. Sua expressão era engraçada. Como se não quisesse ter me
magoado. — Desculpe. Eu sei que devia ter te contado, com certeza você ia
querer participar desse momento com seu pai, já que sempre o incentivou,
mas ele me pediu segredo e não achei certo quebrar a confiança que ele
havia depositado em mim.
Falou tudo de vez, precisando respirar em seguida. Mantive uma
expressão séria no rosto, o que a fez soltar um pequeno resmungo.
— Estou bravo sim, Talita. — Fez uma careta abrindo a boca para,
possivelmente, se desculpar, mas continuei: — Estou muito bravo por você
não ter jogado aquele suco em mim antes. Por não ter te conhecido antes. —
A encarei, aproveitando que o sinal havia fechado. — Você ajudou meu pai a
realizar um sonho antigo. Algo que ele sempre quis fazer, mas nunca achou
possível. Nunca me ouviu o bastante para seguir seu sonho. Acredite, a
última coisa que estou, é bravo com você.
Talita sorriu, aliviada.
Eram em momentos como esses que eu acreditava que, apesar de
demonstrar pouco, ela sentia algo por mim. Que não era só sexo para ela,
como também havia deixado de ser há tempos, para mim.
— Eu pensei que você fosse ficar chateado — falou, aliviada por
saber que estava tudo bem, relaxando o corpo e dando um enorme sorriso em
seguida.
— Estou feliz. E grato — admiti. — Foi uma bela surpresa. Isso com
certeza me fez te — mordi a língua refreando, surpreso, a palavra que quase
escapou dos meus dedos — admirar mais — completei, nervoso e vendo
como seu rosto ficou tenso por alguns segundos, antes que ela soltasse um
suspiro, relaxando a expressão novamente.
— Fico feliz em saber. — Virou um pouco o rosto em minha direção
mantendo a cabeça apoiada no banco do carro.
— Obrigado por isso — falei, deixando a marcha do carro,
entrelaçando nossos dedos e levando sua mão unida à minha até meus lábios
onde depositei um beijo.
Embora tenha engolido as palavras, eu sabia exatamente o que se
passava em minha mente. Aquilo havia feito com que eu a amasse mais.
Amasse.
No fim das contas, não era tão difícil de admitir. Eu a amava. Sabia
disso. Só não tinha certeza de que Talita estava pronta para esse sentimento.
Mas tudo bem, eu sabia esperar.
Afinal, o meu amor é paciente e por ela valia a pena a espera.
Capítulo 25

Estava jogada no tapete da sala, exausta depois de gravar alguns


vídeos para as redes sociais. A cabeça repousando nas pernas do Valentim,
que sempre acabava rindo das minhas dancinhas estranhas e ajudava nos
roteiros dos vídeos. No fim das contas, ele também havia pegado o gosto
pela coisa e até arriscado uns passos mal coreografados em suas redes.
A casa cheirava a flores por causa dos buquês que Valentim havia me
enviado durante a semana. Havia buquês pela sala, na varanda, em meu
quarto... Sinceramente, eu estava amando ser mimada. Como agora, por
exemplo.
Valentim fazia um cafuné em minha cabeça, enquanto eu editava
alguns vídeos pondo quotes e capas de livros meus e também histórias que
eu gostava e indicava. Ele estava relendo o artigo que seria publicado em
nova coluna que havia estreado no jornal algumas semanas atrás. O conteúdo
da semana era sobre o trabalho de ressocialização de detentos em uma das
penitenciárias de Salvador, conquistado através de bom comportamento e
com psicólogos, assistentes sociais e seguranças do presídio.
Os detentos trabalhavam em empresas de diversos ramos, como
empresas de construção civil e também órgãos do governo, tal como a
própria Secretária de Administração Penitenciária e o Tribunal de Justiça da
Bahia. Uma parte do salário ficava depositado em uma conta conhecida
como pecúlio, em que eles teriam acesso quando soltos, enquanto outra parte
— na maioria dos casos — era entregue à família. Todos tinham
expectativas de que, quando saíssem da prisão, poderiam continuar no
trabalho, visando um recomeço em suas vidas. Valentim estava focando
bastante em como esse era um estímulo importante ao detento, pois ele sabia
que podia sair dali de uma forma muito melhor do que havia entrado. Isso
era o bastante para dar-lhes esperança.
Ele estava curtindo muito a nova coluna e empenhava-se ao máximo
em ambas. O que significava algumas vezes passar alguns dias sem vê-lo.
Apesar da falta que sentia, também gostava de ver como ele realizava sonhos
que nem lembrava mais que tinha, e ficava ainda mais de saber que estava ao
seu lado vivendo e compartilhando esses momentos.
Valentim e eu acabamos nos tornando mais que o sexo que fazíamos.
Havíamos nos tornado parceiros, confidentes e conselheiros um do outro.
Além disso, ele também acabava lendo os livros que eu indicava e sabia que
gostaria. Claro, seguia reclamando das capas com homens “pelados”,
entretanto, os roteiros acabavam o fisgando.
“Ei, tá aí?” Madá, uma amiga escritora, chamou pelo direct.
“Aqui” respondi imediatamente.
“Viu isso?” Enviou um post falando sobre um concurso literário.
Cliquei no post para ler as regras e meu coração saltou com a
possibilidade. O concurso era de uma das editoras mais conceituadas do
país e seria um sonho publicar com eles. Além de abranger os leitores que
me conheciam, tornar minha escrita conhecida dentro de um lugar tão
respeitado como a editora em questão, ainda que eu não passasse, já seria
um ganho. Tipo “eles sabem que eu existo”.
Precisava participar.
Desanimei um pouco ao perceber que eles queriam um original e o
prazo era curto demais. Não conseguiria escrever um bom livro dentro do
período que eles deram.
A única história que eu vinha, preguiçosamente, trabalhando no
momento era “As palavras dizem que te amo.” Nome — horrível — e
provisório que havia escolhido para o que deveria ser um conto, mas estava
se tornando meu maior livro até então, de Valentino e Semog. O livro nem
estava bom. Era uma brincadeira. Com certeza, eles me odiariam por ler
algo tão sem nexo e depois diriam que eu era uma vergonha para a profissão.
Entretanto, pensar em deixar essa possibilidade passar também era
de doer o coração.
Talvez eu pudesse mandar para as meninas. Se elas gostassem da
história, era algo a se pensar.
“Não tinha visto ainda!!! Muito obrigada!”
Respondi Madá, voltando à nossa conversa no direct.
“Só lembrei de você que não para de falar sobre essa editora.”
Respondeu me fazendo rir. “Faça logo sua inscrição. Farei a minha
também. Quem sabe....”
“Já imaginou nós duas com um contrato com eles? Eu morro!”
Seguimos conversando mais um pouco sobre essa possibilidade.
Quando, por fim, nos despedimos, aproveitei para responder às demais
mensagens e ver o que havia de novo nas solicitações.
Algumas pessoas estavam lendo meus livros e eu sempre me sentia
uma idiota por não saber como reagir a tanta emoção.
Respondi todas as mensagens, seguindo então para as solicitações e
divertindo-me com os depoimentos e marcações no aplicativo. Soltei um
suspiro bravo quando me deparei com mais uma imagem daquelas.
— O que foi, escritora? — Valentim quis saber, parando com o
carinho em minha cabeça.
Curioso do jeito que eu sabia que era, com certeza estava tentando
espiar a mensagem.
— Só mais um babaca mandando foto de pau. — Rolei os olhos.
Antes que eu pudesse perceber, o aparelho havia sumido da minha
mão. Valentim deixou o computador, que antes disputava espaço comigo em
sua perna, ao seu lado com tanta força, que eu pensei que teríamos que levá-
lo para o conserto logo em seguida.
— Babaca é pouco. — Levantou-se, assim que sentei, liberando seu
colo. — Isso é crime, porra! — esbravejou, irritado.
— Relaxa, é só deletar a solicitação e...
— Só deletar isso lá na casa do caralho, Talita — falou, bravo
mexendo no aparelho.
— Ei, o que vai fazer? — perguntei, me aproximando quando percebi
que havia começado a digitar alguma coisa.
Entretanto, o que fez a seguir me deixou completamente embasbacada
e sem atitude.
Travada, literalmente.
Valentim baixou as calças e tirou uma foto do próprio pau que,
apesar de não estar completamente ereto, mostrava estar pronto para o
serviço.
— O quê... — comecei a questionar, mas as palavras fugiram.
Aproximei-me rapidamente, ainda sem crer no que meus olhos
haviam visto, mas a mensagem já tinha sido enviada.
Seu rosto estava vermelho, furioso.
Bradava alguma coisa sobre falta de respeito, que merecia ter a cara
quebrada e sei lá mais o quê. O mundo literalmente entrou em suspenso
quando as palavras começaram a fazer sentido em minha mente.
“Filho da puta, não precisa se incomodar em mandar foto desse
pau pequeno, porque minha garota já tem um que a serve muito bem.”
Continuei parada no mesmo lugar, sentindo minhas pernas
bambearam um pouco.
Meu coração parou, dando, em seguida, um solavanco em meu peito.
Cadê o ar mesmo?
Minha garota.
Sério? Ele me considerava mesmo a sua garota?
Quer dizer que ele não tinha só tesão em mim? Que talvez ele
gostasse de mim?
Senti minha respiração falhar com a possibilidade.
Por que meu coração estava doendo tanto, mesmo?
— Ei, Tali. — Sua voz me despertou. Valentim tomou meu rosto entre
as mãos, parecendo preocupado. As mãos geladas indicavam o nervoso que
sentia. — Você tá bem? Merda, eu fiz tudo errado, né? — Soltou um suspiro,
passando as mãos pelo rosto. — Desculpe, eu sei agora, pensando melhor,
talvez não devesse mesmo ter feito isso. É seu trabalho e isso pode te
prejudicar, mas esse cara — apontou para o aparelho em minha mão —,
sério? Como tem gente que pode fazer uma merda dessas?
Parte de mim queria rir, mas a outra parte, e mais forte, pelo visto,
me impedia, sequer, de piscar.
— Porra, gata, me perdoe. Eu juro que da próxima vez, eu... —
Parou. — Quer dizer, não posso jurar. Na próxima vez, eu posso querer
quebrar mesmo a cara de um filho da puta que...
— Não. — Sorri como uma idiota, interrompendo seu devaneio. —
Pra ser sincera, gostei bastante. Ninguém tinha feito uma coisa assim por
mim antes. Você é doido, sabia?
Engoliu em seco, antes de responder:
— Eu, bem... — Passou as mãos com força pelo rosto novamente,
parecendo frustrado. — Você me deixa assim, doido e com vontade de fazer
coisas que eu nunca fiz antes.
— Como mostrar seu pau para um estranho? — perguntei, me
divertindo.
— Sim. — Franziu o cenho. — Como mostrar meu pau para um
desconhecido. Possivelmente vou receber várias propostas para verem meu
pau mais de perto quando isso viralizar. Pesada é a coroa de quem carrega
um enorme equipamento entre as pernas.
Ri, beliscando sua barriga.
— E você vai dizer pra todo mundo que já tem quem sente nesse pau.
Rodeou minha cintura, trazendo seu corpo para mais perto do meu.
— Então quer dizer que você não gosta de dividir, escritora? —
Ergueu a sobrancelha para mim, com uma das mãos chegando até minha
bunda.
— Bom, enquanto isso aqui estiver rolando, posso dizer que só quem
vai se divertir com isso — passei a mão na frente de sua bermuda,
apertando-o — sou eu.
— Esse é o tipo de fala que me dá muitas, muitas ideias, mesmo. —
Valentim apertou minha bunda, esfregando-se ao meu corpo.
— Essa é uma coisa boa de saber. Eu realmente adoro novas ideias.
— Então, vem aqui — sussurrou, encostando os lábios em meu
ouvido e sussurrando algumas ideias das quais gostaria de pôr em prática.
Sorri, sentindo meu coração batendo acelerado no peito. A manada
de elefantes dançava com força em meu estômago e eu podia ter um treco a
qualquer momento.
O sangue parecia congelar em minhas veias por alguns segundos. Por
que meu coração estava batendo rápido, afinal?
Abri e fechei as mãos, nervosa.
Era felicidade. Certeza.
Estar com Valentim me deixava feliz.
Ele sorriu antes dos lábios encontrarem os meus. Um beijo doce e
delicado que falava muito mais do que palavras seriam capazes de
expressar. A forma como meu coração retumbou no peito e, ao mesmo
tempo, queria sair voando de felicidade deixava claro uma coisa: Valentim
estava se tornando especial para mim porque a forma como meu coração
demonstrava, era possível que uma catástrofe estivesse próxima a acontecer.
O planeta Terra colidir com um cometa?
O sol podia nunca mais brilhar?
Toda a água do planeta desaparecer?
Nada disso seria péssimo o bastante, porque a realidade era que,
naquele beijo, eu me dei conta de que Valentim era absurdamente errado
para mim e, além do mais, eu não queria nada além de sexo, mas ele me fazia
sentir coisas que nunca tinha sentido.
E isso era assustador.
Porque de todas as coisas que eu sabia sobre ele, tinha certeza de
uma: eu não podia gostar dele, embora meu coração parecesse disposto a
discordar de mim.
E era por isso que eu sabia que, em algum momento, tudo acabaria
dando errado.

— Não acredito que você estava escondendo o livro novo da gente


— Pietra falou e, pelo tom de voz, estava mesmo chateada. — Esse,
simplesmente, é o meu novo livro preferido.
— Até eu escrever o próximo. — Rolei os olhos.
— Não, sério. Eu morri de rir, depois fiquei com o coração batendo
forte no peito e completamente apaixonada por aquela coisa linda que é o
Valentino. — Suspirou. — Ai, como ele ganhou meu coração... Então, isso
me leva novamente à pergunta inicial: por que raios escondeu essa
preciosidade de suas melhores amigas?
O ar frio da orla de Itapuã me fez tremer o queixo um pouco,
passando as mãos com força pelos braços em uma tentativa de aquecer-me.
Havíamos tirado a noite para comer acarajé em um dos melhores pontos da
cidade, o acarajé da Cira, e depois o tradicional beiju recheado. O melhor
da cidade. Tinha pedido o de sempre: queijo com carne do sol.
Simplesmente perfeito.
O ambiente estava bem animado. Próximo ao ponto do beiju, um
outro oferecia cover e a banda em questão resolveu focar nos pagodes
românticos. Eu não tinha, decididamente, nada a reclamar.
— Escondendo é uma palavra muito forte... Só preferi, sei lá, manter
a história pra mim. A ideia do livro foi sua, afinal. Era só mesmo para
colocar pra fora a raiva daquele escritor mequetrefe. — Dei de ombros. —
No fim das contas, nem acreditava que daria em nada mesmo.
E era verdade. Tudo começou por conta da sugestão da Pi e da minha
enorme vontade de arrastar aquela cara bonitinha do cretino no asfalto
quente, mas, no fim das contas, à medida que eu o conhecia, os sentimentos
foram mudando. A história acabou ganhando páginas e mais páginas. Já que
tudo começou em uma conversa com elas, nada mais justo do que deixar que
minhas amigas lessem a história em primeira mão para opinarem sobre o
envio para a editora.
Minha amiga arqueou a sobrancelha, enquanto eu mordia um enorme
pedaço do beiju soltando um gemido de apreciação.
— O escritor mequetrefe que agora é seu namorado? — Fez uma cara
sugestiva e eu rolei os olhos.
— A gente não tá namorando — expliquei, rolando os olhos — Só
concordamos em não transar com mais ninguém enquanto estivermos
dormindo juntos.
E eu gostei disso.
— Bom, se um cara mostra o pau pra outro cara para me defender, eu
poderia dizer que o consideraria meu namorado facinho, não concorda,
amiga? — perguntou à Déa.
— Pois é, você precisa assumir a sorte que tem. Ultimamente,
ninguém quer mostrar nada pra mim. — Mexeu com o canudo, brincando
com as pedras de gelo no refrigerante do seu copo.
— Nem o Nicholas? — Pietra arregalou os olhos, começando a
tossir ao mesmo tempo.
Déa soltou um gemido de descontentamento.
Ok, não ia ficar sozinha no esparro. Alguém tinha que ir para o fogo
cruzado comigo.
— Você e o Nick estão se pegando? — Pi perguntou, alarmada.
— Também gostaria de saber o que está rolando com eles. —
Semicerrei os olhos para Andréa.
— Não é nada. Nada mesmo, juro. Até diria que era palavra de
escoteiro, mas nunca fui uma.
— Vocês transaram? — perguntei, direta. Mas ela fez aquela cara
inexpressiva que só ela sabia fazer. — Sério, o Nick não quis contar, você
precisa me dizer.
— Por que ninguém aqui está falando sobre as mensagens que Pietra
anda trocando com o amigo do jornalista? — Foi a minha vez de arregalar os
olhos.
— Pietra? — perguntei, aumentando o tom de voz.
— São só mensagens inofensivas. — Bufei, vendo-a erguer as mãos
em frente ao corpo em defensiva.
— Que bom que eu mantive o livro em segredo então, já que minhas
melhores amigas também possuem segredinhos.
— O que nos leva ao assunto principal — Pietra retomou. — Você
ainda não percebeu?
— Não percebi... — Parei a frase, esperando que ela completasse.
Elas riram. — Sou escritora, não leio mentes.
— Você ainda não percebeu, mesmo? — Pietra chegou um pouco
mais perto de mim. — A Semog, agora senhora Valentino, se apaixonou pelo
marido.
— Óbvio. Ela tinha que se apaixonar — frisei, sentindo um enorme
incômodo pelos rumos da conversa. — É um livro, eles precisam perceber
que se amam para ficarem juntos e jurar amor eterno à vida toda. É um
clichê, vocês sabem disso.
— Já pensou se os sentimentos da sua personagem estão refletindo os
seus próprios sentimentos? — questionou.
Ri, achando graça.
— Vocês acham que eu estou me apaixonando por ele? — quis saber,
com o coração batendo mais forte em meu peito.
— Palavra de quem já se apaixonou um milhão de vezes, você está
apaixonada pelo jornalista — garantiu, como se fosse a espertalhona.
Ri, sentindo que o sangue por todo o meu corpo havia congelado.
Será?
— Claro que não — garanti, balançando a cabeça em negativa em
seguida. Não podia permitir que elas mexessem com a minha cabeça. — É
só sexo e pronto.
— Pare com isso — Andréa rolou os olhos. — Vocês trocam um
monte de mensagens que eu sei. Se isso não é transformar o contatinho em
algo mais, não consigo imaginar o que poderia ser.
— Que o fato de só queremos transar não significa que não possamos
ser amigos. — Dei de ombros.
Diferente dos outros caras com quem eu namorei, compartilhar meus
pensamentos com Valentim não era difícil. Ele vibrava com as minhas
conquistas e eu fazia o mesmo com ele. Formávamos um bom time.
— A Semog e o Valentino, são a reprodução dos seus próprios
sentimentos por ele.
— Claro que não — garanti. — No começo, sim. Quando eu o
odiava e eu escrevia para falar mal dele. Mas depois, as coisas sobre eles
dois foram se desenvolvendo. Não tem nada comigo e com Valentim.
— Quando eu sugeri que você começasse essa história, era só pra
colocar no papel o que estava sentindo por estar estressada com o lance da
entrevista, e ficar nervosa com isso tão perto do lançamento, te deixaria mais
ansiosa e tudo. Porém você e Valentim, contrariando as possibilidades e por
mais impressionante que seja, tomaram outros rumos. — Ergueu uma
sobrancelha. — Bem parecidos com os da sua personagem, aliás.
— Sim, nos entendemos, mas isso não quer dizer que as coisas
tenham mudado.
Os personagens, inclusive, estavam se entendendo muito bem, mas,
apesar de saber que eles tinham se casado, a, agora duquesa de Valentino,
tentava fingir que não estava completamente apaixonada pelo marido que
fingia ser indiferente a ela e seguia o baile do jeito que a esposa queria.
Claro que, muitas vezes, ela o queria de forma marital e, para evitar brigas,
ele sempre cedia aos desejos da esposa. Marido sábio que fala, né? Agora
eles só precisavam ter um grande desentendimento, depois a declaração final
e pronto.
Déa riu pelo nariz. Fiz uma careta de dúvida em sua direção.
— Você fez muito mais que isso — falou. — Está vivendo uma coisa
com o Valentim e transformando isso em um romance, um do jeito que você
se permite viver, uma história. Assim não precisa assumir que gosta dele.
— Claro que não. — Fiz uma careta. — Eu gosto como pessoa e só.
Ele é cínico e convencido e irritante.
Engoli em seco, me lembrando do que minha mãe e meu irmão
haviam me dito. Eu esperava pelo homem perfeito. O homem que eu havia
lido sobre milhares e milhares de vezes. A pessoa que sempre idealizei amar
e que nunca sairia dos livros para viver comigo.
— Você gosta dele — Pietra afirmou, esperando que eu me
pronunciasse.
— A história não é sobre ele, Pi — respondi, bebendo um gole do
refrigerante no copo à minha frente. — Tá, no começo sim, mas é só isso.
— E a Semog ser escritora é uma coincidência?
— Ela tinha que ter uma profissão. — Dei de ombros, apontando o
óbvio. Minha amiga abriu a boca para retrucar, mas continuei falando: —
Não viaja, Pi. É só uma história. Começou com algo que eu estava sentindo
sim, sobre nós. Depois, como em todo livro, ele seguiu seus próprios rumos
e tudo se tornou o Valentino e a Semog. Duas pessoas completamente
diferentes de mim e do Valentim.
— Se você diz — Déa retrucou, dando uma mordida no seu beiju. Fiz
o mesmo.
— Já reparou que está sempre com o celular na mão, esperando que
ele mande mensagem, e que quando o faz, fica com um sorriso sonhador no
rosto?
Abri a boca para protestar, mesmo sentindo meu rosto esquentar,
sabendo que sim, eu realmente ficava com o celular sempre por perto
esperando que ele falasse comigo, mas Déa interrompeu antes que eu
pudesse falar:
— Vocês querem complicar uma coisa que devia ser simples. Nós
estamos fazendo só sexo. Nada diferente disso — garanti. — Estamos bem
com isso. Claro que íamos desenvolver algum tipo de intimidade, mas é só.
É pele, tesão, sexo.
As duas fizeram uma cara de quem, claramente, não tinha acreditado.
— Não estamos falando pra você casar com o cara, ou que encontrou
o amor da sua vida. Mas é só que não vemos você assim, feliz e à vontade
com um cara desde... sempre.
Balancei a cabeça negativamente sabendo que as meninas estavam
certas. Valentim e eu tínhamos um magnetismo único. Éramos como duas
peças de quebra-cabeça que se encaixavam muito bem. Opostos, mas ao
mesmo tempo, iguais.
E sim, eu gostava muito dele.
Mas não era amor, era sexo.
— Valentim pode não ter sido o cara perfeito a princípio ou seguir o
roteiro que sempre idealizou, amiga. Mas talvez ele seja o cara perfeito pra
você.
Bufei, não querendo mais render o assunto e dei uma enorme mordida
no meu beiju, tendo cuidado para não desperdiçar nem um pouquinho o
recheio. Mas aquela maldita frase pareceu grudar em minha mente.
E se ele fosse, mesmo com tudo que eu não gostava, perfeito para
mim?
Capítulo 26

— Você não acha que está muito exigente? — perguntei, voltando


para a cozinha da casa de Talita para fazer mais pipoca.
— A culpa é da Sandy — gritou, deixando-me confuso por alguns
minutos. — Ela ensinou que quem quiser amor, do jeito que eu sou, tem que
amar, me cuidar e sempre, sempre me adorar etc e tal.
Soltei uma gargalhada, enquanto ligava o fogo e colocava óleo e
milho em uma panela, e organizava tudo mais para o nosso lanche. Retornei,
pouco depois para a sala, vendo-a olhar o notebook com uma expressão que
eu já havia aprendido a identificar bem. Dúvida.
Aproximei-me, pondo o balde de pipoca afastado dela e trazendo-a
para mais perto de mim.
— Ainda não enviou? — perguntei, olhando o formulário de
inscrição em seu computador.
Fez uma careta para a tela. Talita havia há alguns dias postado uma
foto comigo em seu perfil, agradecendo a matéria que havia escrito. Suas
leitoras brincaram, perguntando onde ela havia conseguido conhecer um
mocinho de livro, se estava disponível, tinha um irmão, primo ou algo do
tipo.
Um bando de assanhadas.
Mas, apesar de implicar com ela por causa disso, havia aprendido a
entrar na brincadeira e me divertia bastante com os comentários.
— Sim — confessou, soltando um suspiro. — Essa é, com toda a
certeza, a editora que eu gostaria de publicar meus livros. Sério. É tipo meu
sonho de escritora, sabe?
— E posso saber o motivo de não ter enviado seu livro ainda? —
quis saber, passando a mão por sua perna.
Deu de ombros.
— Sei lá. Ainda sinto que ele não está pronto. Falta alguma coisa. —
Esfregou o rosto. — E se eles odiarem e eu ficar conhecida como a escritora
que enviou o pior livro do mundo para eles? Seria tipo, o meu pior pesadelo.
— Ei, escritora — fechei a tela do computador, colocando-o no
tapete, enquanto puxava suas pernas para o meu colo —, seria impossível
eles não gostarem de algo que você escreveu. Não sei se sabe disso, mas já
li boa parte dos seus livros. Falo com conhecimento de causa.
Rolou os olhos, achando graça.
— É sério — reclamou com um sorriso no rosto, dando um tapinha
em meu braço. — Eles não publicam qualquer livro ou qualquer pessoa. Só
histórias que realmente possuem um grande potencial.
— E posso saber por qual motivo você acha que seu livro não possui
um grande potencial?
— Não é que ele não tenha um grande potencial, mas é que tem tanta
gente melhor por aí que vai se inscrever... — A voz soou bem desanimada.
— Ei, a vida é uma questão de tentativas, escritora. — Bati a ponta
do indicador em seu nariz — Você bem sabe como J.K Rowling foi recusada
várias vezes antes de se tornar um fenômeno mundial, escritora. Então, não é
sobre ser recusada, mas sim sobre seguir lutando por seus sonhos.
— É diferente — falou, franzindo o cenho.
— Não tem nada de diferente. Envie o livro, eu posso apostar meu
rim que eles vão amar sua história. — Arqueei a sobrancelha.
— Acho que sua opinião é completamente imparcial. — Riu.
— Foi você mesma que acabou de dizer que a Sandy a ensinou a
querer um cara perfeito ou mais. Eu sou ótimo em tudo que faço e, com
certeza, ser o maior fã e incentivador da sua gata está no manual para ser um
dos melhores.
— Então quer dizer que você pretende ser o cara perfeito? —
Semicerrou os olhos para mim.
— O mais perfeito deles, sem sombra de dúvidas — garanti, dando
uma piscadela descarada.
Ela sorriu, parecendo contente com minhas palavras, passando a mão
delicadamente por suas bochechas enquanto a olhava bem em seus olhos,
aproximando-me para um beijo rápido.
— Posso garantir que está no caminho certo, está chegando bem
perto de se tornar o cara perfeito.
— Então falta pouco pra você se apaixonar por mim? — perguntei.
Sua respiração se tornou tensa, irregular, assustada.
— E por qual motivo eu deveria querer me apaixonar por você? —
perguntou, com um tom divertido.
Mordisquei seus lábios.
— Por que eu serei o namorado perfeito? Quem não quer um
namorado perfeito? — respondi firme.
— Perfeição é uma coisa relativa, não acha? — O questionamento
me pegou completamente desprevenido. — O que é perfeito pra você pode
não ter o mesmo significado pra mim.
Ri, soltando o ar pelo nariz.
— Talvez, sim — dei um beijo em sua mandíbula, erguendo o corpo
para encará-la —, mas pra mim, perfeita é você. Acho difícil que discorde.
Talita ergueu os cantos dos lábios em um sorriso que me fez ter
certeza de que havia dito a coisa certa.
— Bom, não posso discordar. — Semicerrou os olhos em minha
direção. — E falar essas coisas podem sim acabar sendo um enorme motivo
para me fazer apaixonar, a qualquer momento.
— Então é melhor eu não parar. — Passei o polegar, de leve, por seu
rosto. Senti quando seu corpo se arrepiou. — Você é uma mulher incrível. —
Beijei seus lábios. — Inteligente. — Beijei novamente. — E toda vez que
estou com você, eu percebo que é o único lugar do mundo que eu quero estar.
Ela sorriu, parecendo feliz.
— Temos uma coisa em comum, então — confessou, com o coração
batendo mais rápido.
— Somos um casal perfeito? — quis saber.
— Não, bobo. Mas quando estou com você, é exatamente onde quero
estar também.
Senti uma pontada no peito.
Uma pontada boa.
Meu coração pareceu bater aliviado no peito com aquela
constatação.
Era a primeira vez que Talita falava sobre algo do tipo. Um
comentário que daria a mínima esperança de que ela poderia abrir o coração
para mim.
Ela podia gostar de mim e eu faria tudo para que continuasse assim.
Porque sabia que nós dois éramos bons juntos, e podíamos ir muito além.
— Bom, isso já é um enorme começo. — Beijei sua testa, depois
suas bochechas e a ponta do seu nariz. — Eu posso trabalhar com isso,
porque no final, eu sei que você vai acabar me amando.
— É você quem diz. — Ergueu uma sobrancelha em minha direção.
Ela sorriu. O sorriso que ela costumava dar sempre que estava
comigo.
O sorriso que fazia, mais do que tudo, o meu coração parar.
— Se você estivesse no lugar do protagonista, o que o tio Wayne [8]

te diria a respeito de seus relacionamentos anteriores? — Talita perguntou,


do nada, enquanto estávamos deitados no sofá de sua sala, depois de
assistirmos ao filme.
O queixo encostado em meu peito enquanto os olhos castanhos me
encaravam, aguardando uma resposta.
— Não muito. — Franzi os lábios, fazendo com que os cantos da
boca pendessem para baixo. — Pra ser sincero, quase nada. A maioria dos
meus relacionamentos foram baseados em necessidades físicas, sabe? Já te
expliquei como fazer sexo faz bem para o coração, além de melhorar a pele?
Talita rolou os olhos com um pequeno sorriso.
— Tô falando sério. — Beliscou minha cintura e eu segurei sua mão,
rindo.
— Eu também — respondi, passando meus braços por sua cintura e
apertando-a mais contra meu corpo.
Apesar de adorar fazer coisas com Talita, com certeza, ver filmes
com ela era uma das que eu menos gostava. Sempre havia alguma pergunta
que me soava muito como um teste, e soube logo depois de ver o título do
filme “Minhas adoráveis ex-namoradas” que haveria algum tipo de
pergunta assim que chegássemos ao final da história.
— Você nunca namorou? — questionou, direta dessa vez.
— Nunca é uma palavra muito forte.
— Então...
Soltei um suspiro forte.
Sabia que em algum momento falaríamos sobre relações anteriores, e
com exceção dos meus pais e de Mathias, ninguém mais sabia dessa história.
Entretanto, se eu confiava nela, não tinha nenhum problema em deixá-la
saber dos fantasmas do meu passado.
— Tive namoradinhas no colégio, claro — contei, brincando com seu
cabelo que caía pelos lados do rosto. — Mas no último ano da escola,
comecei a namorar sério com uma garota. Eu gostava bastante dela. Quando
estávamos no último ano de nossas faculdades, decidi que ela era a pessoa
com quem eu gostaria de casar. — Soltei uma risada fria ao me lembrar da
reação dos meus pais quando contei a eles que a pediria em casamento. —
Mesmo com todos os alertas dos meus pais sobre como eu estava me
precipitando, e que eu era jovem demais para isso, fui em frente. Sabia o que
queria. Então, fiz o pedido. Um enorme pedido de casamento no meio da
faculdade com um milhão de pessoas nos assistindo. E então... — Dei de
ombros, deixando que ela mesma chegasse a uma conclusão.
— Ela disse não? — perguntou com os olhos arregalados.
— Ela disse não — confirmei.
— Depois disso, você decidiu que não queria mais um
relacionamento sério.
Assenti.
Talita ficou em silêncio por alguns segundos, pensando sobre isso.
— Ela podia, sei lá... ter aceitado e vocês podiam terminar de uma
forma discreta depois. O que ela fez não foi nada legal — reclamou, com o
rosto irritado.
— De todo modo, foi melhor assim — falei, lembrando-me
exatamente da sensação de frustração misturada à tristeza. — É tipo sentir a
dor de vez, sabe?
Eu pensei que estava nervosa, que por isso suas mãos estavam
geladas e tremendo. Pensei que estava emocionada, e que por isso seus olhos
tinham lágrimas prestes a cair. Depois, a expressão de horror. Ela dizendo
que gostaria que eu tivesse perguntado o que ela queria antes, e que casar
comigo não era algo que estava em seus planos.
E então foi embora.
Felizmente, havia deixado o fatídico pedido para o nosso último
semestre na faculdade, o que garantiu que eu mal a veria e que a piada da
universidade estava prestes a deixar aqueles muros para trás e começar uma
nova vida.
Permanecemos em silêncio por algum tempo. Meus dedos subiam e
desciam por suas costas, enquanto os seus dedos acariciavam os fios do meu
cabelo.
— Eu sinto muito por você — falou, e pelo tom que usava, realmente
sentia.
— Tudo bem. Já faz tempo. — Beijei o topo de sua cabeça, gostando
cada vez mais da sensação de tê-la junto a mim. — No fim das contas, ela
estava certa em recusar. Nenhum de nós dois seria feliz por muito tempo, ela
só foi mais esperta e percebeu isso antes.
— Vocês conversaram depois?
— Não. Não nos reencontramos depois que terminamos nossos
cursos, na época, eu estava muito magoado para conversar. Ela até tentou,
mas eu não quis.
— Olha só, temos um coração machucado aqui — brincou, descendo
a ponta do indicador do meu nariz até que o estivesse sobre meu coração.
— Não mais. — Franzi o cenho. — Eu entendi uma coisa com o
tempo, que às vezes as pessoas ficam em nossas vidas para nos ensinar algo,
para que possamos aprender com elas. Eu pude aprender muita coisa com
esse relacionamento, coisas que me melhoraram como pessoa. Mas, às
vezes, algumas pessoas têm que ir embora, para que a pessoa certa, a que vai
ficar lá pra sempre, possa chegar.
Talita assentiu com uma expressão pensativa. A puxei para mais
perto do meu corpo.
Poderia fazer isso para sempre, porque, por mim, ela poderia ser
aquela pessoa que ficaria para sempre.
Capítulo 27

Respiração acelerada, boca seca, mãos trêmulas, borboletas voando


no estômago.
Podia estar falando de algum personagem se dando conta de que
estava se apaixonando, ou de qualquer pessoa percebendo que ia cair na
maior cilada de todas: se apaixonar e quebrar a cara, mas não. Eram as
minhas reações quando Valentim se aproximava, ou quando eu simplesmente
me lembrava de algo que ele fez ou disse. Ou pior, quando pensava nele.
Quando foi que saímos do “te odeio, cretino” para “não paro de
pensar em você, jornalista”, mesmo?
Tá, eu podia estar, claramente, tendo um treco e teríamos que mudar
nosso passeio para um hospital, ou podia ser muito, muito pior. E se minhas
amigas estivessem certas e eu estivesse começando a nutrir sentimentos por
ele?
Era mais fácil escrever uma personagem notando seus sentimentos.
Quer dizer, eu nem tinha motivos suficientes para gostar dele, não é?
Pior, eu confiava nele?
Gostar de alguém requer confiança. Será que eu estava pronta para
confiar em alguém?
Bastou apenas um segundo para chegar a essa resposta. Lembrar-me
de como minha mãe ficou arrasada ao descobrir como o doador de esperma
a havia enganado. Não queria isso. Não queria me magoar com ninguém.
Eu não estava apaixonada.
Soltei o ar com força. Um misto de felicidade com alguma outra
sensação estranha.
Sorri por um instante ao ver como minha mãe parecia feliz demais
conversando com Valentim. Era isso que estava confundindo minha cabeça,
com certeza. Qualquer pessoa que fizesse minha mãe sorrir daquela forma,
sem dúvida, faria com que meu coração esquentasse um pouco, o que me
levaria a ficar confusa. Era normal.
Ver minha mãe aparecendo com algumas sacolas na porta de nossa
casa foi, no mínimo, assustador. Minha mente fértil só conseguia pensar na
quantidade de exames que ela deveria ter marcado para fazer. Certamente
havia descoberto alguma doença e precisava de consultas urgentes. Só
depois de conseguir, enfim, me tranquilizar e garantir que não havia nada de
errado com sua saúde e que o único motivo para estar na cidade que mais
odiava era a enorme saudade dos filhos, pude curtir sua chegada, ainda que
não completamente convencida das suas reais intenções.
Já tinha marcado a ida à Cidade da Música com Valentim e quando
liguei para desmarcar, ele havia sugerido que levássemos minha mãe, já que
pouco saía para se divertir. A princípio, não gostei da ideia, mas pensando
bem, seria de fato renovador para ela ter um pouco de diversão. A presença
do seu pai, no entanto, foi uma surpresa enorme para mim.
Eu não conseguia prestar atenção na conversa, já pensando que minha
mãe, com certeza, começaria a agir da mesma forma que uma amiga,
desejando me enfiar em um relacionamento com um cara só porque ela
gostou dele.
Minha nossa senhora das mães que querem casar os filhos, me
proteja.
— Ei, você tá bem? — Valentim perguntou, assim que minha mãe
voltou um pouco da atenção para meu irmão, passando a mão em minha
cintura, fazendo-me olhar em sua direção.
— Sim, tudo bem — assenti, balançando a cabeça ao mesmo tempo.
— Não gostou daqui? — Franziu o cenho, me encarando sério. —
Sua mãe não gostou? Se quiserem, podemos ir pra outro lugar.
— Eu estou amando, juro. — Sorri, achando graça de sua
preocupação. — E minha mãe, com certeza, está apaixonada por você.
— É um dom que eu tenho, sabe, fazer com que as mulheres se
apaixonem por mim. — Deu de ombros e eu bati em seu braço.
Valentim tinha que escrever para o Merece Destaque sobre a Cidade
da Música que tinha acabado de ser inaugurada, próximo ao Mercado
Modelo e Elevador Lacerda, tendo como uma de suas vistas, a baía de todos
os santos.
O espaço era dividido entre térreo e mais três pavimentos onde
podíamos conhecer a história dos ritmos e movimentos culturais que
marcaram gerações. Além do depoimento de artistas, da história dos bairros
de Salvador e suas músicas, fornecia também acesso a nomes consagrados e
assim como a novos talentos.
Interativo e muito divertido, também contava com um karaokê e sala
de trap rap.
— Você está linda, sabia? — Beijou minha bochecha, fazendo com
que o sangue corresse mais rápido por meu corpo e depois meu rosto
esquentasse. Sim, eu estava corando.
Obrigada, Valentim!
— Eu sou linda — retruquei, tentando disfarçar meu constrangimento
enquanto observava minhas amigas escolherem a música que iam cantar.
— Não estou aqui para negar. Fica especialmente linda quando está
embaixo de mim, fazendo coisas que nem o horário nem o local me permitem
falar, mas quando você fica gata assim pra mim — desceu um pouco as mãos
na minha coluna, encostando em minha bunda —, fica indecentemente mais
perfeita.
— E você acha que eu me esforçaria para te agradar? — Olhei para
ele com expressão de deboche.
— Não. Eu tenho certeza. — Encostou os lábios nos meus
rapidamente.
— Já disse que a autoestima de macho devia ser vendida em
cápsulas, né? — brinquei, beliscando sua barriga.
Valentim apenas riu, passando o braço por meu corpo e eu encostei a
cabeça em seu ombro.
— Valentim, como uma mãe orgulhosa, não posso deixar de dizer que
fiquei impressionada com a matéria que escreveu sobre a minha filha —
mamãe falou, tomando a atenção de Valentim, mais uma vez. — Claro que
por ser mãe dessa coisa linda, sei bem como é talentosa e como merece cada
palavra, mas aquela coluna estará sempre eternizada em meu coração. Eu até
emoldurei e pus em minha sala, em destaque, mesmo.
— Não foi nada, dona Suzana. O mérito, como a senhora mesmo
disse, é todo dela. — Valentim olhou para mim com um sorriso nos lábios e
o olhar brilhante.
Meu coração errou a batida com a intensidade do olhar. E, por mais
que eu tentasse, não conseguia desviar.
Era orgulho.
Valentim estava mesmo orgulhoso de mim, a vendedora de sexo.
Quem diria?
— Sua filha é uma mulher encantadora. — Ouvi, ao longe, a voz de
seu Antônio, enaltecendo-me por tê-lo ajudado com o livro que já tinha
saído da gráfica e chegaria às nossas mãos a qualquer momento.
O homem era um poço de ansiedade e eu também. Estava doida para
ver, em mãos, o fruto do nosso trabalho escondido por tantas semanas.
— Seu Antônio, se eu fosse o senhor, não abria espaço para que
minha mãe elogie algum dos seus filhos, vai ser difícil fazê-la parar — Nick
brincou, sentando-se ao nosso lado no pufe.
Minha mãe fez um gesto de desdém com a mão.
— Sim. Paciente, dedicada, trabalhadora, sabe o que quer e vai
atrás, sabe? — Suspirou. — Tenho muita sorte com meus filhos. Uma pena
que nenhum deles quer me tornar uma avó.
Engasguei com minha própria saliva, esperando uma reação similar
do meu irmão. Nick ajudou-me dando algumas batidas em minhas costas,
diferente do que eu havia pensado, riu.
Quem era aquele homem sentado ao meu lado e o que ele havia feito
com meu irmão?
Antes que eu pudesse desviar o assunto, fui interrompida.
— Olhando daqui, nossos filhos fariam crianças lindas, não é? —
seu Antônio perguntou à mamãe, nos olhando depois.
Soltei um gemido de frustração.
— Sabe que eu falei isso à minha filha, algum tempo atrás? —
Mamãe suspirou. — Seriam os netos mais lindos do mundo.
Outro gemido.
Eles não tinham outro assunto para falar?
— Ok — Valentim interrompeu falando baixinho, beijando minha
têmpora —, melhor mudar de assunto antes que você saia correndo daqui.
— Fale qualquer coisa — pedi em um sussurro.
— Pai, o senhor já contou à dona Suzana sobre o seu livro? —
perguntou, despretensioso.
— Você também é um escritor? — Mamãe pareceu maravilhada.
Os dois começaram a falar sobre livros. Pronto. Por ora, meu útero,
ou a falta de uso dele, não estariam em discussão.
— Você tá tensa — Valentim comentou, passando a mão por meu
braço.
— Claro — rolei os olhos —, minha mãe tá adorando me fazer
passar vergonha. Parece que tenho quinze anos novamente e minhas amigas
ficavam tentando me empurrar para os caras bonitos da escola.
— Se você não se importar com meu pai pedindo um neto, juro que
não ligo pra sua mãe fazendo o mesmo — falou, segurando minha mão e
entrelaçando nossos dedos.
Encarei-o, fingindo pensar sobre o assunto.
— Justo. — Encostei a cabeça em seu ombro, rindo das minhas
amigas estragando a música que cantavam.
— Alguém devia fazê-las parar — meu irmão comentou com uma
careta.
— Quer tentar? — perguntei, com a sobrancelha erguida em sua
direção.
— Estar vivo é uma boa coisa a se fazer. — Jogou o corpo para trás,
sentando mais confortável, mas os olhos seguiam focados em apenas uma
delas. Andréa.
Minha amiga seguia cantando, feliz, nem notando a forma como Nick
a olhava. Mas, em uma rápida virada para olhar em direção à pequena
plateia, quando seus olhares se cruzaram, ficou bem claro que embora
houvesse um sentimento ali, ela estava magoada com Nick.
— Ei, você saiu com a garota? — perguntei ao meu irmão, referindo-
me há quase um mês, quando minha amiga tinha ido passar a noite em nossa
casa.
— Não. Fui dormir na casa de um amigo — confessou.
— Nick, seja lá o que estiver acontecendo entre vocês, por favor,
não a magoe — pedi.
— Acredite, você está falando com a pessoa errada.
— O que ela... — comecei a questionar, mas as meninas chegaram à
mesa logo em seguida, sentando-se, animadas.
— Espero que tenham gostado de destruir uma música tão linda.
Nunca mais conseguirei ouvir Saulinho Fernandes da mesma forma —
brinquei, recebendo uma careta em troca.
— E você, não vai cantar? — Pietra perguntou, sentando ao lado de
Nick e enroscando o braço ao do meu irmão que, instantaneamente, ajeitou o
corpo, passando os braços por seu ombro.
— A não ser que vocês estejam planejando sair daqui debaixo do
maior toró, acho melhor recusar a oferta.
— E seu amigo, Valentim, desistiu de vir? — Pietra perguntou,
mexendo no cabelo, tentando disfarçar o interesse.
— Ele precisou fazer uma viagem a trabalho. Foi ao interior do
estado averiguar a denúncia sobre uma família de políticos que tem por lá —
completou.
Pietra trocou um olhar discreto, mas muito significativo comigo.
— Alguém que já ouvimos falar no jornal? — perguntei, dando de
ombros.
— Acho que não, família Castro, se não me engano. Estão sendo
acusados de um monte de coisas e se alguém for preso, muita gente grande
acaba caindo também. Mas não conseguimos conversar bem, mas Mathias
deve me explicar melhor quando voltar.
— Bem, é uma pena que ele não tenha vindo. Mathias é um cara bem
divertido — dessa vez foi Andréa quem se manifestou, recebendo olhares
estranhos de Pietra e Nicholas.
Cantar não parecia tão ruim agora.
Tentando dispersar o clima tenso que havia se instalado, entreguei o
microfone ao meu irmão e assim o objeto foi revezado várias vezes. Para
minha surpresa, mamãe decidiu cantar e se divertiu bastante também.
— Estou apaixonada pelo seu namorado, filha — falou, assim que
escolhemos a mesa onde sentaríamos para fazermos um lanche no café da
própria Cidade da Música.
Valentim, seu pai e Nick tinham saído para fazer os pedidos no
balcão, enquanto nós escolhíamos uma mesa.
— Ele não é meu namorado, mãe, mas acredite, ficou muito claro que
a senhora gostou dele. Para deixar ainda mais claro, só precisava lamber o
homem — brinquei, rolando os olhos, enquanto sentava na mesa que
havíamos escolhido.
— Estou detectando um pouco de ciúme? — Andréa perguntou,
escolhendo o lugar à minha frente e batendo com o indicador em meu nariz.
— Ha-ha-ha, muito engraçada você — retruquei, me ajeitando na
cadeira, observando os lugares sendo preenchidos e o espaço ao meu lado
permanecendo vago.
Minhas amigas eram todas umas crianças, só podia. Não que eu fosse
reclamar, gostava mesmo de estar perto dele, recebendo alguns beijinhos às
vezes.
— Vocês estão aqui no maior clima de namoro, se fosse só sexo, com
certeza não iam precisar de todos esses beijinhos aqui e lá. — Pietra sentou
ao lado de mamãe.
— Isso não quer dizer nada. Quer dizer que, por só dormimos juntos
sem compromisso, não podemos aproveitar um pouco da companhia do
outro?
— Você está perguntando se o fato de ficarem cheio de grudes quer
dizer que estão comprometidos sem estarem? — mamãe perguntou.
Soltei o ar com força.
— Não estamos comprometidos — respondi, séria. — É só sexo.
Vocês têm uma enorme mania de romantizar tudo. A gente tá transando e uma
hora vai acabar, vida que segue. Pronto. Simples assim.
Ninguém falou nada por um tempo absurdamente longo.
— Só tinha laranja com cenoura e abacaxi, Talita — falou, ainda
pelas minhas costas, mas passando o braço por cima do meu corpo,
pousando o copo com o líquido bem alaranjado na mesa à minha frente. Ele
usou meu nome, não escritora. E eu acho que teria preferido que
esbravejasse comigo. A forma fria como meu nome soou em seus lábios me
fez arquejar por um segundo, como se o ar me faltasse. — Você tem alergia a
abacaxi.
Engoli em seco, constrangida e sem saber o que fazer. Nós dois
sabíamos que nossa relação era baseada em satisfação mútua, mas também
existia carinho e respeito. Não queria magoá-lo.
— Obrigada — respondi baixo, vendo-o distribuir os demais copos,
dando a volta pela mesa e sentando na cadeira mais afastada de mim.
Eu pude ouvir quando meu coração se partiu.

— Ei, podemos conversar? — pedi, assim que Valentim parou o


carro em frente ao nosso prédio.
— Melhor não — respondeu, sem ao menos dirigir o olhar para mim.
Eu não estava gostando da sensação de tê-lo tão distante. Era como se,
mesmo ao meu lado, estivéssemos a um oceano de distância. — Preciso
levar meu pai.
— Ah, não seja por isso — mamãe interrompeu. Olhando-a pelo
retrovisor, eu soube que ela também esperava que nós conversássemos. —
Seria um enorme prazer poder oferecer ao seu pai uma xícara de chá. O que
acha, seu Antônio?
— Maravilhoso. Depois de comer tanto bolo, acho que uma xícara de
chá me faria muito bem. — Seu Antônio, apesar de não fazer ideia do que
havia acontecido, parecia ansioso para que Valentim e eu voltássemos ao
modo de anteriormente, quando estávamos atraídos feito ímã.
Antes mesmo que pudéssemos responder, os dois já haviam pulado
para fora do carro. As meninas e meu irmão, quando perceberam o clima que
havia ficado mais cedo, arrumaram desculpas mirabolantes para não
voltarem conosco.
Não julgo, possivelmente teria feito igual.
— O que foi? — perguntou, pouco depois que nossos pais se
afastaram. Ambas as mãos firmes no volante e os olhos vidrados à nossa
frente, como se dirigisse uma estrada perigosa.
— Nada, eu só queria pedir desculpas pelo que eu disse e...
— Você não precisa pedir desculpas, Talita. Só falou a verdade. —
Deu de ombros, mas ainda sem me encarar.
Fiquei em silêncio por alguns segundos. Ele também não disse nada.
— Era só isso? — perguntou, bravo.
— Você não vai subir? — questionei, mordiscando os lábios e
torcendo para que ele aceitasse ou ao menos olhasse em minha direção.
— Está tarde. Tenho que dar um pouco de atenção ao Loki. — Batia
os dedos no volante, como se quisesse fugir o mais rápido possível.
— Podemos pegar ele, se quiser. Aí o trazemos para casa, nada que
não tenhamos feito antes. — Torci as mãos no colo, ansiosa.
Valentim apenas soltou o ar de forma ruidosa.
— Não, Talita. Vou pra casa cuidar do meu cachorro. Se puder, por
favor, peça ao meu pai para ser breve. — Assenti, sentindo dificuldade em
respirar.
Alguns segundos depois, seu corpo começou a mover-se em minha
direção e senti o mundo parar de girar novamente. Ele ia me abraçar e as
coisas poderiam voltar ao normal.
Mas não, ele só abriu a porta, quase me expulsando.
Olhei em sua direção, sem acreditar.
— Diga à sua mãe que eu amei conhecê-la e que mandei um beijo —
pediu, por fim.
— Tá — respondi em um sussurro. Desfivelei o cinto de segurança,
sentindo que meu coração estava sendo pisoteado por uma manada inteira de
elefantes. — Valentim — chamei em uma última tentativa.
— Boa noite.
Foi tudo que ele disse. Frio. Sem erguer o rosto em minha direção.
— Boa noite — respondi de forma quase inaudível, saindo e
fechando a porta em seguida.
Pela primeira vez, eu entendi o que um personagem queria dizer
quando deixava claro sentir que naquele momento estava perdendo alguém
para sempre.
— O que aconteceu, querida? — Mamãe sentou ao meu lado na cama
onde eu fazia exatamente o que havia jurado jamais fazer: chorar.
Eu estava chorando por ele.
— Valentim me odeia, mãe — falei, sentindo suas mãos carinhosas
em um cafuné muito bem-vindo.
Mamãe soltou o ar pelo nariz em uma risada desajeitada.
— Ele não te odeia, meu amor — garantiu. — Talvez ele esteja
chateado, mas não te odeia.
— Odeia, mãe. Ele nem olhou para mim.
Minha voz chorosa me deixava com ainda mais raiva. Eu não devia
estar chorando. Não chorava por ninguém. Há anos, havia decidido que
nunca nenhum homem me faria derramar lágrimas.
— Sabe o que eu vi hoje? — perguntou, segurando meu rosto e
fazendo com que eu a encarasse. Balancei a cabeça em negativa. — Vi um
homem apaixonado por você, e vi uma mulher que, embora goste dele, se
recusa a permitir-se a chance de viver algo lindo.
Senti as lágrimas se formarem em meus olhos. Pisquei, tentando fazê-
las retrocederem.
— Isso não é verdade. Nós não... quer dizer, a gente só combinou de
se divertir, sabe?
— Eu sei, filha. — O tom condescendente demais, era sinal de que a
seguir viriam palavras das quais não me deixariam nem um pouco satisfeitas.
— Mas às vezes as coisas saem do nosso controle. Não podemos mandar no
coração. E se você não se importasse com ele, não estaria chorando agora.
Como o esperado, solucei, dando-me conta do que suas palavras
queriam dizer.
— Uma vez, quando eu era pequena, a senhora me disse que eu não
devia confiar nos homens, nem deixar de seguir meus sonhos por ninguém,
porque os príncipes não existiam — falei, nervosa. — Eu entendi, ao longo
dos anos, o que a senhora quis dizer com aquilo. Nós confiamos nas pessoas
e elas nos dão uma facada quando menos esperamos. O doador de esperma
foi isso para você.
Mamãe balançou a cabeça em negativa.
— Seu pai pode ter me magoado, mas ele me deu as pessoas que eu
mais amo, Tali. Eu não me arrependo de nada. — Apertou um pouco minhas
mãos. — Eu tive as minhas experiências. Era jovem demais, imatura demais
quando conheci seu pai, mas hoje o mundo é outro e você é mil vezes mais
esperta do que eu, meu amor. Eu tinha medo de que você se tornasse uma
versão de mim, sozinha, tendo que se virar em trabalho para criar vocês. Eu
dei o meu melhor, mas queria mais para os meus filhos.
— A senhora foi a melhor, e continua sendo. E eu tenho muito
orgulho da senhora.
— E eu de você, meu amor — falou, segurando meu queixo para que
pudesse olhar em seus olhos.
Mamãe me abraçou por bastante tempo, permitindo que eu chorasse
em seus braços.
— Eu sinto muito, filha. Não devia ter passado meus medos e
inseguranças para você. A vida pode não ser como num livro, mas ela é bem
melhor, justamente por ser real. Algo a ser vivido. — Passou a mão por meu
rosto, tirando alguns fios que haviam grudado em minha pele. — Não espere
pessoas perfeitas, filha. Pessoas idealizadas, comerciais. Queira pessoas
que te amem, com seus acertos, com seus erros, com todas as diferenças e,
ainda assim, te incentivem, te motivem e te querem por perto. Se permita
viver a sua história ao invés de escrever histórias que gostaria de viver.
Assenti, refletindo sobre isso.
Talvez minha mãe estivesse certa. Talvez estivesse na hora de
mostrar a ele que o amava e que via um futuro em nossa relação.
E eu sabia como fazer isso.
Depois de se assegurar que eu estava bem, deixou-me sozinha.
Peguei meu computador. Duque Valentino e a senhora Valentino teriam um
final feliz, e dessa vez, se tudo saísse como eu esperava, eu também.
Capítulo 28

Tinha dormido muito mal nas últimas noites. Ter duas colunas e uma
interativa era mais trabalhoso do que eu havia imaginado, mas também era
bom. O contato que passei a ter com pessoas que tinham histórias de vida
muito incríveis me fizeram repensar muito sobre aspectos importantes da
minha vida.
A coluna dessa semana ia falar sobre um projeto muito interessante
em que um professor havia se juntado com alguns amigos e começado um
curso de informática em uma comunidade carente do município, visando que
nos dias atuais, saber mexer com tecnologia era o que faria muita diferença
na vida das crianças.
Os computadores, todos doados e alguns que eles mesmos pagaram
para consertar. Podia parecer pouco, mas para os meninos que faziam parte
do projeto, era a coisa mais especial do mundo. Eu estava feliz por poder
escrever a matéria sobre eles.
Espreguicei-me, olhando as horas e chegando à conclusão de que
valia a pena descansar um pouco. Era hora de ir para casa.
Não tinha falado com Talita desde que havia deixado ela e a mãe em
casa, depois da Cidade da Música, alguns dias atrás. Também não havia
respondido às suas mensagens ou atendido as ligações.
Sim. Era só sexo.
Nenhuma novidade.
A diferença era que eu acreditava que podia estar acontecendo algo a
mais. Que ela podia sentir algo por mim. Eu não correria atrás dela, se fosse
só isso que eu representava de verdade. Diversão, apenas. Foi bom, sim.
Mas não valia a pena o desgaste por algo que não daria em nada. Era
exatamente por isso que as pessoas deviam continuar praticando o sexo
apenas uma vez, evitava todo tipo de complicações.
Além do mais, saber disso era uma coisa completamente diferente de
ouvir da boca dela dizendo aos quatro ventos que não sentia nada por mim.
O mínimo entre duas pessoas que saíam juntas há algum tempo era
justamente se afeiçoarem. Achei que aconteceria da parte dela, mas me
enganei.
Agora eu sabia exatamente como as mulheres se sentiam quando os
caras que prometiam ligar no dia seguinte não ligavam.
Desliguei o computador e estava arrumando minha sacola, quando
ouvi passos.
— O pessoal lá de cima precisa te dar mais trabalho, você não cansa
de vir supervisionar o meu — brinquei com Mathias, mas não obtive
resposta de imediato.
— Se as vozes falarem mais comigo, com certeza vão me internar o
mais rápido possível. — Ainda de costas, pelo seu tom de voz, era fácil
notar como estava nervosa.
Permaneci parado alguns segundos encarando o nada, tentando
controlar a droga dos meus sentimentos que pareciam confusos demais.
Com cuidado, virei-me. Perdi o ar assim que meus olhos pousaram
nela, da mesma forma que meu coração galopou no peito. Estava linda com
um vestidinho de alças finas que chegavam até metade das coxas. Tudo que
eu queria era poder tocá-la. Sentia falta de tudo nela. Dos sorrisos, das
bobagens, do sexo. De nós dois.
Meu coração doeu.
De alegria.
De tristeza.
— O que está fazendo aqui? — Minha voz saiu muito mais fria do
que pretendia. Talita formou uma linha com os lábios, parecendo sem graça.
— Você não responde às minhas mensagens. — Deu um passo para
frente, como se quisesse testar minha reação.
— Não. Não respondi.
Talita mordiscou os lábios, como se pensasse no que dizer em
seguida. Aparentemente, eu não estava seguindo o que quer que tinha
planejado. Olhou em volta, o que me levou a fazer o mesmo. Olhos curiosos
estavam à nossa volta, como se fôssemos a atração do momento.
— Eu mandei o livro para a editora — informou, mexendo os dedos
na frente do corpo, como costumava fazer quando ficava nervosa. — Pensei
muito no que você me disse e resolvi tentar.
— Fico feliz por você. — Voltei o corpo para o aparelho em minha
frente, conferindo se havia desligado corretamente, antes de encará-la mais
uma vez.
— Desculpe — falou, deixando os ombros caírem um pouco. — Não
devia ter dito aquilo.
Balancei a cabeça em negativa.
— Não precisa se desculpar, você estava certa. Foi só sexo,
deixamos isso claro logo a princípio. — Talita soltou o ar enquanto eu
pegava minha mochila e passava a alça por meu corpo, prendendo-a ao
ombro.
— Não foi só sexo pra mim — falou baixo, possivelmente tentando
evitar os ouvidos curiosos dos colegas que ainda estavam na redação. — Eu
menti — deu um passo em minha direção —, eu só não queria ter que admitir
para mim, nem para ninguém que, no fim das contas, você tinha tomado um
espaço maior do que eu esperava em minha vida. Que a pessoa mais irritante
que eu conheci tinha, de alguma maneira, encontrado um espaço em meu
coração, Valentim. — Se aproximou mais um pouco. — Eu menti por medo,
medo de perceber que estava apaixonada por você.
Soltei o ar com força, notando que havia, em algum momento,
prendido a respiração em expectativa. Talita me encarava, apreensiva,
possivelmente torcendo para que eu não a rejeitasse.
— Você não tem mais medo? — quis saber.
Ela deu um sorriso daqueles que apenas ela sabia dar, fazendo meu
coração dar um salto no peito.
— Sim, tenho — aproximou-se mais um pouco —, mas agora eu
percebi, meu maior medo é de não ser sincera e me arrepender. Meu maior
medo agora, Valentim, é de não ter mais você em minha vida.
Meu corpo, certamente, tinha encontrado uma forma nova de manter-
me vivo porque o sangue já não circulava mais em minhas veias.
Sorri.
— Então temos mais uma coisa em comum, escritora. Porque eu
também não quero que você saia da minha.
Talita sorriu e no instante seguinte, estava pendurada em meu corpo,
com os braços em volta do meu pescoço. Assim que nossos lábios se
encontraram, eu soube que ali, com ela, era exatamente onde eu queria estar.
Capítulo 29
Sair da editora e chegar à sua casa foi um enorme desafio. Estava
com tanta saudade de suas mãos em meu corpo que, por mim, teríamos
transado no elevador. Nunca havia experimentado, devia ser bom.
Tínhamos que tentar um dia.
Entre os passos apressados, abrindo a porta com lábios colados
como dois adolescentes cheios de tesão, havíamos conseguido, enfim,
chegar. A roupa que usava estava jogada em algum lugar. Eu tentava arrancar
do seu corpo a camisa que já tinha os botões completamente abertos.
Ele também não queria me perder.
Senti meu coração bater mais depressa ao me dar conta do que suas
palavras significavam. Valentim não me queria apenas para sexo. Embora,
quisemos e muito transar nesse momento.
Valentim pôs as mãos por de baixo de minha bunda, erguendo-me e
caminhando comigo colada ao seu corpo. Lábios nos lábios. Minhas pernas
circundavam seu corpo e não era nada difícil sentir a ereção mesmo que ele
ainda usasse calça.
Depois de passarmos por alguns cômodos, Valentim deitou-se na
cama, posicionando-se sobre mim. Gemi, sentindo nossos corpos
friccionando-se.
Arfei, em meio a um sorriso, enquanto Valentim beijava meu pescoço
mordiscando o lóbulo, em seguida.
Adorava aquilo.
Apertei a unha em suas costas largas quando pressionou mais nossos
corpos, fazendo com que sua ereção roçasse contra minha calcinha.
― Estava com tanta saudade disso ― confessou em meu ouvido ―,
de você, dos sons encantadores que faz quando estamos juntos ― sussurrou,
mordiscando meu lóbulo. ― Eu não vejo a hora de me afundar em você
novamente e matar essa saudade que estava me sufocando.
Passei as mãos por sua nuca, brincando com alguns fios do seu
cabelo. Puxei um pouco seu rosto para trás, para olhá-lo.
― Também senti sua falta ― confessei. ― Muita.
Valentim sorriu antes de aproximar seu rosto novamente, colando
nossos lábios.
Era um beijo diferente, acompanhado de muitas sensações novas.
Saudade, medo, desespero, desejo.
Ora voraz, ora delicado.
Era brisa e furacão.
Duas pessoas dispostas a dar tudo naqueles momentos. A dar o
melhor de si um para o outro.
Não demorou para que o universo estivesse quente como o inferno.
As mãos ávidas buscavam meus seios, beijando. Mordiscando, beliscando,
lambendo.
Era tudo tão diferente do que estava habituada. Havia coração
batendo. Coração na boca. Coração quente. Havia frio na barriga. Medo,
insegurança, desconhecido.
Eu detestava o desconhecido, mas gostava dele. Valia a pena
arriscar.
Nossos corpos pareciam saber exatamente o que fazer, como se
estivessem acostumados demais um ao outro. Como se estivéssemos fazendo
aquilo há uma vida inteira.
Era estranho. Mas um estranho muito bom.
Os dedos de Valentim afastaram um pouco minha calcinha, e com a
ponta dos dedos, torturava-me. Arqueava o corpo, querendo mais. Gemendo.
Implorando que ele matasse aquela louca saudade que sentia dos nossos
corpos unidos em um ritmo único.
― Valentim ― sussurrei. Ele sabia o que eu precisava.
Dele.
Cada parte, cada pequena parte do meu corpo o queria.
Não precisei pedir mais de uma vez. Ele colou nossos lábios
rapidamente, movendo o corpo um pouco para o lado e abrindo a gaveta da
mesinha de cabeceira. Não demorou para que ele tivesse vestido a camisinha
e se posicionado entre as minhas pernas.
Diferente das outras vezes, Valentim segurou minhas mãos e
entrelaçou nossos dedos. Nossos olhares se encontraram e uma coisa
estranha aconteceu em meu peito.
Uma dor. Uma paz.
Era bom.
Ele sorriu. Em seguida, investiu o corpo contra mim.
Arfei, sentindo-me preenchida por seu corpo. Como se fosse algo
certo. Como se tê-lo dentro de mim fosse a melhor coisa do mundo e sem ele
ali, as coisas perdiam um pouco do sentido.
― Porra, eu podia morar aqui pra sempre ― falou, colando nossas
testas. ― O mundo faz mais sentido quando estou aqui.
Assenti, arfando.
― Você pode continuar, então. Não me oponho, jornalista.
Ele sorriu, beijando a ponta do meu nariz.
As estocadas não tinham aquela urgência. Ferocidade. Era como se
nós precisássemos sentir mais um do outro. Como se nossos corpos
estivessem em uma incrível sintonia e soubessem como tornar a experiência
ainda mais perfeita.
Eu gostava daquilo.
Eu sentia como se o planeta Terra tivesse entrado em suspenso. De
alguma forma, o mundo e as demais milhares de pessoas existentes nele não
estivessem mais ali. Como se nenhuma delas fizesse mais sentido. A única
coisa que importava éramos nós dois.
A forma como seus olhos brilhavam ao olhar-me. A forma como meu
coração parecia reluzir quando via a expressão que estava em seu rosto.
Era intenso. Diferente e bom.
Valentim apertou ainda mais nossas mãos enquanto os movimentos
tornavam-se lentos, porém com significado.
Queríamos prolongar aquele momento.
Guardar em nossas memórias para sempre. Era especial para ele
também, tinha certeza disso.
Rebolei um pouco, da forma que sabia que ele gostava. Valentim
emitiu um gemido alto.
Valentim sorriu, mordiscando meu lábio inferior e o puxando
levemente.
Arfei, sentindo suas mãos fazerem um caminho até meus seios. Ele
beliscou o bico, fazendo-me arquear o corpo de encontro ao seu, desejando
mais proximidade. Mais daquilo que estávamos fazendo e que conseguia
deixar-me com o coração batendo em um ritmo novo.
Parte de mim sentia como se tivesse aguardado por aquilo a vida
inteira. Por aquele sentimento de encaixe perfeito.
Senti meu corpo tensionando por alguns segundos.
Era como nos livros. Nós brigamos, depois nos entendemos e eu me
dei conta, pela primeira vez, que talvez ele fosse uma espécie de mocinho
para mim.
― O que foi? ― quis saber, preocupado. Certamente algo em minha
expressão havia denunciado meus pensamentos. Minha mente parecia em
choque.
― Nada. ― Balancei a cabeça em negativa por alguns segundos. ―
Não é nada. Só me beije.
E ele o fez.
Dessa vez, enquanto nossos lábios encontravam seu ritmo, algo
dentro de mim parecia ter mudado. Como se estivesse adormecido, até então.
Não tive muito tempo para prestar atenção ou tentar entender o que
acontecia. O ritmo de seu corpo se intensificou, levando-me a erguer ainda
mais o corpo, gemendo mais alto.
Valentim passou o dedo pelo meu rosto com cuidado. Os olhos
brilhando encarando os meus.
― O quê? ― perguntei, ofegante.
Ele balançou a cabeça em negativa abrindo o sorriso de lado que fez
meu coração errar uma batida.
― Gosto de te ver gozar pra mim. Você fica especialmente linda.
Sorri.
― Você é um convencido ― falei, sentindo uma de suas mãos
descerem por minha barriga, chegando ao meu clitóris.
Arfei quando começou com os movimentos circulares.
Seu olhar era intenso, como se esperasse por mim, para que
pudéssemos chegar lá juntos.
O único som do seu quarto era dos nossos gemidos e corpos se
chocando. Toquei seu nariz com a ponta do indicador, tracei a linha dos seus
lábios. Foi involuntário, mas uma parte de mim queria registrar cada
momento em minha mente como uma lembrança boa.
Meu corpo começou a sinalizar sobre o que aconteceria.
― Goze comigo, escritora ― pediu, com a voz entrecortada.
Logo em seguida, aconteceu.
Gozamos juntos.
Seu corpo caiu sobre o meu, a respiração ofegante. Beijou meu
pescoço, jogando o corpo para o lado e puxando-me para si. Minha cabeça
repousava em seu peito e meu indicador traçava desenhos em seu tórax.
― Isso foi perfeito ― falou, parecendo feliz.
Assenti.
Meu coração batendo forte demais. Meu corpo prestes a se entregar
ao cansaço por alguns segundos, sentindo-se incrível.
De alguma forma, eu sentia que ali se iniciava um novo capítulo em
minha vida.

Namorando.
Meu status atual.
Já tinha foto de namorado nas redes sociais e meu namorado era um
rendido que sempre fazia as minhas vontades.
Obrigada, Sandy. Aprendi direitinho.
Estava deitada na cama com Valentim ao meu lado, de conchinha.
Mamãe havia saído. Meu namorado ofereceu nossa companhia a ela, mas,
ainda assim, disse que queria ir só. Que precisava aprender a deixar suas
marcas para trás, se esperava que eu fizesse o mesmo.
Hoje era o dia de Valentim escolher o que veríamos, e acabamos
maratonando, mais uma vez, Loki.
Meu namorado tinha uma fixação pelo homem, sério. Não que eu
esteja reclamando, claro. Afinal podia ver o Tom Hiddleston à vontade.
Estávamos concentrados vendo Sylvie e Loki esperando pelo fim deles,
quando meu celular tocou, me assustando.
— Sério? Agora? — perguntou, fazendo uma careta quando peguei o
aparelho.
— Vida de escritor não para nunca, jornalista — brinquei, descendo
a barra de notificações e paralisando em seguida.
Era a resposta da editora.
Com medo da recusa, tentei ler o que havia no corpo sem abrir o e-
mail em si, mas não conseguia ver nada além das saudações iniciais.
— Foto de pau novamente? — perguntou, se aproximando.
— Não. — Expirei com força, levantando o rosto para olhar. — A
editora, eles responderam.
— E o que eles disseram? — Valentim correu para o meu lado na
cama, tentando ler também, mas a tela seguia da mesma forma, apenas a
parte de apresentação do e-mail visível.
— Não quero ler. — Joguei o aparelho na cama e pus as mãos no
rosto.
— Como não quer? Você está esperando essa resposta há semanas,
escritora.
Senti sua respiração se aproximar aos poucos de mim.
— Não — franzi o cenho, mesmo que ele não pudesse ver —, e se
eles não tiverem gostado? Ai, meu Deus, e se me acharem uma fraude?
Valentim riu.
— Pare com isso. — Me puxou contra seu corpo, tirando minhas
mãos do rosto e fazendo com que eu me aconchegasse a ele. — Eu tenho
certeza de que são boas notícias. Mas ainda que eles não queiram publicar
seu livro dessa vez, isso não quer dizer que você é uma fraude ou menos
talentosa. Só que, no momento, não era o tipo de livro que eles estavam
buscando.
Mordisquei a unha, encarando-o.
— É, né? — perguntei, cheia de dúvidas.
— Sim, é. Você vai ver que eu tenho razão. — Beijou minha
bochecha. — E você tem tantos leitores que, sem dúvida, isso prova que se
tem uma coisa que a minha namorada não é, é fraude.
Namorada.
Meu coração ainda não havia se acostumado a isso.
Sorri, involuntariamente.
— Tá — com medo, ergui a mão e peguei o aparelho estirado sobre
a cama —, vamos lá, então.
— Vamos — confirmou, dando um beijo em meu ombro.
Desbloqueei o aparelho, seguindo para a caixa de entrada. Soltei o ar
com força antes de clicar no e-mail não lido e passar os olhos correndo
pelas palavras, até que fizessem sentido para mim.
Com o coração quase saindo pela boca, aos poucos as palavras
foram tomando forma e, enfim, o termo aprovado para publicação quase fez
com que eu tivesse um infarto.
— Ai, meu Deus, eles vão me publicar! — gritei, me jogando sobre
ele em seguida. Os braços de Valentim me rodearam, apertando-me com
força. — Ai, meu Deus, eu não acredito nisso!!! Eles gostaram do meu livro.
— Claro que eles gostaram, você é uma escritora fantástica. —
Apertou ainda mais nossos corpos.
Meus olhos se encheram de lágrimas.
Era a realização de um sonho, de um sonho enorme e que eu nunca
pensei que daria certo.
— Viu só que vale a pena acreditar em você e nos seus sonhos? —
sussurrou em meu ouvido.
— Obrigada por acreditar em mim. — Abracei-o mais forte.
— Agora que ele já foi selecionado, será que eu poderia ler o novo
livro da minha namorada famosa? — Semicerrou os olhos em minha direção.
— Não. — Dei um beijo rápido em seus lábios. — É uma surpresa.
E eu espero que você goste.
— O quê? — perguntou, passando os lábios sobre os meus de forma
provocante. — Uma dedicatória? O agradecimento ao melhor namorado do
mundo? Vou gostar, sem dúvida.
Sorri, vendo como seus olhos brilhavam enquanto falava. Valentim
estava mesmo feliz e orgulhoso por minha conquista. Era, realmente, como
os personagens que eu amava escrever, que se envolviam com os problemas
e se alegravam com as vitórias das mulheres que amavam.
Era como o meu Valentino.
— Estou ansiosa para que você leia. — Sorri, suspirando em
seguida. — Acho que esse será um grande passo em minha carreira.
— Com certeza, será. Você vai longe, escritora. Tenho certeza de que
sim — garantiu, afastando um pouco nossos corpos para que pudesse me ver.
— Não sou mais uma vendedora de sexo? — quis saber, passando o
indicador por seu rosto.
— É, sim. Mas a minha vendedora de sexo. E se você quer mesmo
saber, acho que vender sexo tem lá suas vantagens.
Ri, sentindo um beijo em meu pescoço.
Estava ansiosa para que Valentim lesse o livro.
Eu não sabia para onde o destino estava me levando, mas, com
certeza, estava gostando muito de caminhar com ele, até esse momento.
Capítulo 30

— Caralho, como estão lindos — falei, pegando um dos livros da


caixa.
Ele tinha a essência da minha mãe. Meu coração batia forte no peito.
Um misto de orgulho, realização do sonho do meu pai e saudade da minha
mãe que amaria estar aqui para compartilhar conosco esses momentos. De
certa forma, ela também estava realizada, de onde quer que estivesse.
— Eu nem sei explicar o que estou sentindo. — A voz embargada do
meu pai demonstrava o quanto estava emocionado, sentado no sofá, passando
as páginas do seu livro, agora em versão física.
— Sei bem como é, seu Antônio. — Talita sentou ao seu lado,
segurando a mão trêmula do velhinho que eu mais amava na vida. — E se
posso te dizer algo é que, sem dúvidas, a sensação é sempre a mesma.
Quando chegarem os próximos livros, o senhor se sentirá exatamente assim.
Meu pai soltou um muxoxo.
— Próximos livros. — Balançou a cabeça em negativa. — Vê lá se
eu tenho idade para lançar outro livro.
— Claro que o senhor tem idade. Idade e talento, ouso dizer. —
Talita balançou a mão de forma engraçada, deixando claro que não
considerava o que meu pai dizia. — Ainda terá muitas outras noites de
autógrafo. Vai ver.
Ri, vendo meu pai rolar os olhos.
Talita tinha feito questão de organizar uma noite de autógrafos em um
restaurante pequeno onde meus pais costumavam almoçar sempre aos finais
de semana. Era o preferido dela. Assim que souberam da história, abriram as
portas imediatamente.
Ela estava empenhada demais em fazer da noite que aconteceria
daqui a alguns dias, um enorme sucesso, ao mesmo tempo em que se
preparava para a publicação do seu livro. O e-book seria liberado a
qualquer momento e, diferente dos lançamentos anteriores, não precisou se
estressar com nada. A editora realmente era focada em um bom marketing e
de acordo com os posts que fez nos últimos dias, seria um enorme sucesso.
Inclusive, o título da história já estava nos trends topics mais uma vez.
A capa havia sido liberada alguns dias atrás. Na capa, um homem —
vestido, amém — com uma coluna de jornal atrás. Acredito que era essa a
surpresa que ela tinha para mim. O duque, protagonista do livro, era
jornalista. Segundo Tali, o primeiro nome que havia escolhido foi “As letras
dizem que te amo”, mas não era comercial. No final das contas, gostaram
dos personagens secundários também que acabaram fechando contrato para
uma trilogia que deram o nome de Escândalos entre páginas, o primeiro
livro carregava o nome de A redenção do Duque cretino.
Estava ansioso para conhecer a história, Talita falava muito pouco
sobre o livro, mas costumava dizer o tempo todo que seria uma surpresa, e
que torcia para que eu gostasse.
E, mesmo preocupada com o lançamento do seu livro, dentro de
algumas horas, estava aqui, segurando a mão do meu pai emocionado e já
preocupada em lançar outros livros dele.
Talita era incrível e merecia mesmo todo o sucesso do mundo.
— Ganho meu autógrafo agora, ou tenho que esperar como os meros
mortais e comparecer à sessão de autógrafos? — perguntei, caminhando até
o lado do meu pai no sofá.
— Óbvio que na sessão, jornalista. — Talita rolou os olhos. —
Precisamos de um ambiente bonito, fotos decentes, não vou permitir que meu
pupilo não tenha nada menos que merece, e ele merece uma noite
maravilhosa com o filho como primeiro na fila.
Piscou para mim, fazendo meu pai se divertir ao ver nossa interação.
O homem ficou feliz ao saber que Talita e eu tínhamos reatado o que
havíamos dado início tempos atrás, mas agora de uma forma mais oficial.
Inclusive, queria dar um jantar entre as nossas famílias e amigos mais
próximos para comemorar, como se estivéssemos na década de quarenta. Por
mais que eu soubesse que Talita tinha odiado a ideia, ela aceitou.
— Acho que você encontrou alguém para mandar em você, filho. —
Meu pai riu e eu rolei os olhos.
— É tudo uma questão de área de atuação, pai. Eu entendo de jornal,
não de livros. Melhor deixar essa parte com quem sabe o que diz. —
Pisquei, como se fosse essa a verdade.
A real é que eu faria mesmo, sem nem ao menos pensar, qualquer
coisa que ela me pedisse, apenas por ser ela. A pessoa que me fazia feliz.
— Obrigado mesmo, minha filha. — Papai segurou as mãos de Talita
entre as suas. — Se você não tivesse cruzado o caminho do meu filho,
certamente esse sonho não se realizaria.
— Imagina, seu Antônio. — Talita sorriu para ele. — Eu é que
agradeço a confiança. Estou muito feliz em, mesmo que um pouquinho, ter
feito parte desse momento tão importante para vocês.
Meu pai a abraçou por alguns instantes.
— Temos que ir — anunciei, olhando o relógio. — Preciso passar na
redação ainda para resolver algumas coisas e Antonella disse que quer falar
comigo. — Dei de ombros.
— Tudo bem. Só preciso beber uma água antes. — Assenti,
assistindo-a passar pelo corredor e andar pela casa como se sempre tivesse
feito parte dela.
— Sua mãe a teria adorado — meu pai comentou, olhando para mim.
— Sei que sim — garanti, com um sorriso no rosto, mas balançando
a cabeça de forma negativa.
— Ela a teria aprovado. Na verdade, teria pedido a mão dela por
você.
— Não duvido nada que o senhor acabe fazendo isso. — Ri,
suspirando e passando as mãos pela capa do livro que ainda carregava. —
Estou orgulhoso do senhor, pai.
Pus uma mão em seu ombro, ambos emocionados.
— Eu também, meu filho. Estou muito orgulhoso do homem que você
se tornou.
Abraçamo-nos e permanecemos assim por muito tempo. Era bom ver
alguém que amamos fazendo algo que sempre sonhou. Eu estava mesmo
muito orgulhoso do meu pai. Pensei que ele não superaria perder a minha
mãe e meu maior medo era perdê-lo logo depois disso, e hoje, vê-lo aqui
com uma enorme conquista nas mãos, era algo que nenhum dinheiro no
mundo poderia comprar.
— Não tenha medo do futuro, filho. Coisas boas acontecem quando
estamos dispostos a deixar o passado para trás.
Assenti.
Ele estava certo.
— Pronto? Podemos ir. — A voz de Talita denunciava que estava
perto.
Meu pai não precisou dizer mais nada, eu sabia o que era a coisa boa
a qual ele se referia.
— Vai me oferecer um aumento? — perguntei à minha chefe, assim
que sentei na cadeira em frente à sua mesa. — Ganhar mais dinheiro é
sempre bom.
— Não, Valentim. — Olhou-me de forma divertida. — Sua conta
bancária vai muito bem, obrigada, e eu sei disso justamente por ser quem
paga o seu salário. Te chamei por outro motivo.
Fiz uma careta em sua direção.
— Não me diga que vai me dar mais trabalho. — Soltei um suspiro
dramático. — A não ser que vá me fazer escrever uma matéria sobre as Ilhas
Maldivas. Quero deixar registrado que topo, nem precisa insistir.
— Cale a boca, Valentim. — Usou um tom de deboche. — Recebi
uma ligação hoje, e achei que seria melhor falar com você antes.
— Sou inocente. Não recebo um banho do qual não queria há
bastante tempo — garanti, erguendo as mãos.
— Até porque, a última pessoa que fez isso com você, acabou
colocando-o em uma coleira. — Deu um suspiro. — Devia ser madrinha
dessa relação, afinal, tudo começou por minha causa. Me deve sua
felicidade, moleque.
— Quer mais o quê? Minha alma também? — Cruzei os braços, me
mexendo na cadeira até que estivesse em uma posição confortável.
— Um editor me ligou hoje, Valentim. De um grande jornal de São
Paulo — falou vagarosamente, tentando me dar tempo para processar a
ideia. — Nós somos amigos há anos e ele quis me avisar antes que irão te
fazer uma proposta.
Apertei os olhos em sua direção.
— Proposta para...
— Sua coluna está indo bem. — Descansou os cotovelos na mesa,
cruzando os dedos e pousando o queixo nos dedos, como se formassem uma
mesa de apoio. — O Merece Destaque sempre foi um sucesso, mas sua
segunda coluna está quebrando barreiras, garoto.
— Agradeço o elogio. — Dei de ombros.
— Não foi um elogio. Na verdade, você está fazendo apenas sua
obrigação — lembrou.
Dei de ombros novamente, sorrindo.
— Vale a pena tentar. Mas, sobre o seu amigo? Ele ligou para nos
parabenizar, ou o quê?
— Ele quer você, Valentim. — Arregalei os olhos como resposta.
— Como?
— Quer você na equipe dele — explicou, como se eu fosse um idiota
que mantinha o rosto congelado. — Vai te oferecer um emprego. Um
daqueles que fazem os olhos de todos os jornalistas que querem crescer na
vida saltarem.
Meu coração bateu mais rápido no peito.
Eu amava o meu trabalho, mas isso? Ter a chance de escrever para
um dos maiores jornais do país era incrível.
— E você está me contando isso, porque... — Deixei a pergunta
morrer no ar.
— Por conhecer você e a sua lealdade — explicou, cruzando os
braços e recostando-se na cadeira. — Acho que deve aceitar.
— Antonella... — comecei, assustado.
Fez um gesto rápido com a mão, dando a entender que eu devia ficar
calado.
— Você sabe que esse seria um grande passo em sua carreira. Todo
bom jornalista, todo jornalista que pensa em crescer e construir uma carreira
sólida saberia que essa é uma oportunidade sem igual.
— Eu nunca disse que não seria, na verdade, nem tive tempo de
processar a ideia. — Aproximei meu corpo da sua mesa, sentando-me mais
na ponta da cadeira. — É sim uma chance enorme. Mas eu não posso ir.
— Por quê? — quis saber. — Pela namorada? Por seu pai? Para
continuar em um lugar onde você está acomodado?
— Porque eu amo este lugar, eu amo as minhas colunas e não penso
em deixar meu pai aqui — afirmei.
— Seu pai já é grandinho o bastante e sabe se cuidar sozinho muito
bem. Você pode ir muito mais longe saindo daqui. Eu te treinei para grandes
oportunidades, Valentim. E essa é uma das muitas que vão se abrir. — Deu
um pequeno sorriso, como uma mãe orgulhosa. — Agora, sai da minha sala.
Tenho muito trabalho a fazer e não ganho dinheiro para escrever sobre
lugares bonitinhos, não. — Rolou os olhos, fazendo um gesto com a mão,
expulsando-me.
Levantei, caminhando para a saída, mas parei com a mão na
maçaneta.
— Você me treinou para amar o que faço. Eu amo o que faço aqui.
Não vou deixar que você decida o que farei por mim. — Pisquei, vendo-a
erguer o canto direito dos lábios como se já esperasse algo similar de mim,
em seguida pôs os óculos no rosto, mirando a tela do computador.
Assim que passei pela porta de sua sala e voltei minha atenção para
a mesa, encontrei um par de olhos castanhos me encarando.
— Quem é vivo sempre aparece — brinquei, logo que me aproximei.
— Bem, aparece, mas ainda não aprendeu muito bem a qual andar pertence.
— Reclama, mas estava chorando por mensagem, clamando pelo meu
retorno — retrucou, rolando os olhos e girando na cadeira antes de voltar a
deixá-la de frente para mim.
— Sonha, Alice. — Ri, dando um gole na bebida e pousando a
caneca na mesa. — Como foram as coisas por lá?
— Chatas. Mentiras, mentiras e mais mentiras de políticos corruptos,
como sempre. — Deu de ombros. — E por aqui? Perdi a chance de vê-lo
com a sogra, hein? Namorando com direito a fotinhos em redes sociais e
tudo... Viva o amor!
Bufei, mas, de verdade, não me importava. Estava achando até bem
divertido.
— Eu conheci a sogra, mas você estava sendo bem requisitado por
lá. Andréa e Pietra sentiram sua falta. — Mathias me encarou, intrigado.
— Digamos que diferente de você, eu sei deixar uma boa impressão
por onde passo. — Piscou um dos olhos para mim. — Mandei mensagem
para a Pietra quando voltei daquele pedaço de terra que mal possuía internet
direito, mas ela não me respondeu.
— Acho que está ajudando a Talita. O livro dela sai hoje. Elas
querem estar a postos para divulgar e tudo mais. — Roubei a cadeira vazia
ao lado da minha mesa, sentando-me também.
— A parte boa de querer sair com a amiga da sua garota, é que
mesmo que eu não saiba onde ela está, você pode me dizer. — Sorriu, dando
mais um giro em minha cadeira. Ele ia estragar essa porcaria. — E a manda-
chuva, alguma novidade?
Ergueu a sobrancelha em direção à porta da sala de Antonella.
— Vou receber uma proposta de São Paulo — contei, sentindo que
pela primeira vez desde que Antonella falou sobre a ligação, meus ombros
relaxaram um pouco.
— Uau. — Fincou os pés no chão, cessando os giros ao me encarar,
boquiaberto.
Contei tudo que Antonella havia me dito instantes antes e sobre como
ela queria me obrigar a aceitar a proposta que eu ainda nem havia recebido
oficialmente.
— E você vai aceitar? — quis saber, por fim.
— Não sei. — Soltei o ar com força.
— Como assim? — perguntou, surpreso com minha indecisão. —
Antonella está certa, essa é uma oportunidade maravilhosa.
— Eu sei, cara. — Apoiei a cabeça no encosto da cadeira.
Sabia disso. Só não tinha certeza mesmo se queria deixar uma certa
escritora para trás. Todo livro tem um plot twist perto do fim, e eu sentia que
esse seria o nosso.
Essa decisão podia mudar uma coisa que estava dando certo para
sempre.

Loki estava deitado ao meu lado na cama, enquanto eu seguia


atualizando a página de Talita na plataforma on-line da editora.
Passei as mãos na cabeça do meu cachorro que grunhiu.
— Se tivermos uma casa nova, será que você vai se adaptar, amigão?
Como se pudéssemos nos comunicar, meu cachorro latiu.
— Tá, agora você precisa traduzir. Isso foi um sim ou um não — quis
saber, passando mais uma vez as mãos em sua cabeça.
Outro latido.
— Tá bom, você não facilita desse jeito. Que tal um latido para sim,
dois para não?
Latiu. Duas vezes?
— Você tá me assustando, garoto! — brinquei rindo, acariciando o
corpo do meu amigo de quatro patas. — Eu sei, é uma grande decisão que
pode mudar tudo para nós — continuei meu monólogo que fingia ser um
diálogo. — Eu gosto dela. Você também, não é?
Latiu uma vez.
— Ir ou não ir, eis a questão... — Usei o tom dramático de Hamlet.
Atualizei a página novamente e, enfim, estava lá. O livro da minha
garota. Cliquei no link, aguardando o livro aparecer em minha biblioteca do
Kindle. Sim, eu tinha um agora.
Rolei os olhos para a capa tendenciosa, tirando uma selfie e
enviando para Talita, mostrando que havia começado a leitura, passando o
dedo sobre a tela e seguindo para a dedicatória.
“Para todas aquelas que sonham com um duque cretino.”
Bom, a surpresa não era a dedicatória, com certeza.
O livro, diferente dos anteriores dela, foi escrito em terceira pessoa.
Logo no começo pude conhecer a história da senhorita Semog, uma mulher
solteira e bem-resolvida com isso, diferente das meninas da época que
pensavam em casar-se e ter filhos. A mulher era filha do sócio do pai de
Duque Valentino que havia acabado de falecer e precisaria assumir os
negócios do pai.
Precisei reler o primeiro capítulo, assim que o nome do Duque foi
mencionado. Era uma coincidência, tinha que ser.
Segui lendo.
À medida que os capítulos passavam, ficava cada vez mais claro que
nada ali era uma coincidência. O nome do Duque, a personalidade dele, a
cena em que ela jogava um copo de chá inglês no homem, as brigas com
Semog, uma mulher que queria seguir trabalhando, escrevendo romances no
jornal em que há muitos anos fazia suas publicações com o consentimento do
seu próprio pai e do pai do Duque — pai do Valentino.
Não conseguia parar de ler, mas dessa vez não pela ansiedade de
saber como a história finalizaria. Quais rumos tomaria.
Uma coisa estava clara, Talita havia escrito um livro sobre nós dois,
e eu precisava saber até que ponto ela tinha ido. Que limites entre o
aceitável e o antiético ela havia quebrado.
E então eu não dormi.
Absorvi cada palavra, cada pensamento, cada gesto.
Até que o Duque revelou sobre o seu passado. Naquele instante, duas
coisas aconteceram: a confiança que eu havia depositado nela provou-se
inútil e que me provou que Talita não media esforços para chegar aonde
queria.
E eu podia permitir muitas coisas, mas não isso.
Jamais ser usado dessa forma.
Capítulo 31

Eu mal havia dormido de tanta ansiedade, atualizando a cada


segundo. Queria saber se já haviam entrado avaliações, se o ranking tinha
sido atualizado, se as pessoas estavam gostando.
Recebi muitas marcações em minhas redes sociais de pessoas que
haviam começado a leitura. E a sensação era algo do tipo “vou morrer de
felicidade”. Meu livro foi publicado pela editora dos meus sonhos, as
pessoas, de acordo com as marcações, estavam gostando do livro, e eu,
inesperadamente, estava namorando com um cara que eu gostava.
Tudo estava indo bem.
Exceto pelas olheiras em meu rosto, mas eram ossos do ofício. A
cada lançamento, elas pareciam maiores. Embora estivesse jogada na minha
cama entre meus lençóis, bocejando, meu corpo seguia nem um pouco
disposto a descansar. A adrenalina, o medo de todo mundo odiar a história e
a vontade de acompanhar cada post que fizessem, me levava a ficar cada vez
mais desperta.
O som da campainha soou. Estava prestes a sair da cama, quando
ouvi a voz da minha mãe seguida pela de Valentim.
Era melhor esperar na cama, de qualquer forma terminaríamos aqui
mesmo.
Meu coração batia mais forte enquanto aguardava que ele entrasse no
ambiente, pronto para dizer o que havia achado da história e do final de
Valentino e Semog. Será que ele havia gostado? Será que estava disposto a
ter um final daqueles comigo?
— Ei — falei, sorrindo, logo que abriu a porta.
O sorriso morreu assim que nossos olhares se encontraram. Já havia
visto Valentim desapontado comigo, mas a forma como me olhava nesse
momento, como se estivesse mais que desapontado.
Furioso.
Triste.
Irritado.
Magoado.
Sem dizer uma só palavra, ergueu o Kindle em sua mão.
— Que porra é essa? — O tom de voz era tranquilo, como se
estivéssemos conversando normalmente, porém, ao mesmo tempo, tenso.
— Você não gostou? — perguntei, saindo da cama e tentando me
aproximar.
Valentim deu dois passos para trás.
Os olhos sem vida. Opacos.
— Como eu poderia gostar, Talita! — Não estava mais tranquilo.
Bravo. Irritado. Contido como um animal enjaulado. Não havia o menor
traço do homem leve e divertido. Apenas uma pessoa ferida. — Você
simplesmente... Você escreveu a porra de uma história sobre nós dois sem
nem ao menos procurar saber o que eu achava.
— Porque era uma surpresa — falei, tentando me aproximar. —
Pensei que você fosse gostar. — Ele deu um passo para trás novamente. —
Você leu tudo? Chegou até o final? Porque no final... — quis saber, um tanto
desesperada.
Ele riu pelo nariz.
— Você contou coisas pessoais para todo mundo saber, Talita. — O
tom de voz havia aumentado um pouco. Quase imperceptível. Talvez, na
verdade, tenha tido a impressão por sua voz estar totalmente ríspida. — Você
contou da Cristina! Que tipo de pessoa faz uma coisa dessas?
— Foi diferente — tentei me defender.
— Diferente? — Riu sem humor, clicando no botão do aparelho,
abrindo uma página com uma enorme marcação. — O duque confessou que
havia sido deixado no altar no dia do seu casamento. Ele gostava bastante
dela. A amava, na verdade. A ponto de desejar passar a vida inteira ao seu
lado. Contra o desejo do pai, havia feito o pedido.
— Valentim — chamei, sentindo o coração batendo mais forte
enquanto meus lábios tremiam e meus olhos enchiam-se de lágrimas.
— Não. — Balançou a cabeça em negativa erguendo a mão em um
gesto de pare. — Não acabou ainda, na verdade, fica ainda melhor. E enfim,
estavam lá, no grande dia, rodeado por todos os membros importantes da
cidade, ele queria provar a todos que ela, enfim, seria dele para sempre.
Então, ela disse não. Havia dor em seus olhos ao relatar como seu coração
se partiu ao ser abandonado em frente a todos os que conhecia. Ao ver a
senhorita Cris erguer o vestido branco e seguir em busca de outro sonho,
um que não o envolvia. — Passou a língua pelos lábios, umedecendo-os,
mas não um gesto de tesão, como havia feito milhares de vezes, mas sim, em
um gesto de derrota. Exausto. Triste.
— Não foi essa a minha intenção, Valentim — falei, desesperada, ao
ver a forma como me olhava.
A maneira como meu coração doía. Nunca havia sentido algo tão
forte antes. Era como se minha pele queimasse. Incontrolável, intenso,
dolorido.
Pisquei algumas vezes, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu
rosto.
— Eu só queria que você soubesse, de uma forma pública, que eu
quero ficar com você. Esse livro, ele nem devia ter existido, era só...
Ele riu.
— Finalmente algo em que concordamos Talita — foi enfático. —
Este livro — balançou o Kindle que estava grudado com força em sua mão
—, não devia mesmo ter existido.
Saiu do quarto em apenas alguns passos.
— Valentim, espere! — chamei, segurando seu braço.
Sem esforço, ele conseguiu soltar-se de mim.
Não podia deixá-lo ir. Da última vez, quase foi para sempre.
Valentim precisava me ouvir.
— Espere, por favor, vamos conversar — pedi, tentando controlar as
lágrimas.
— Conversar sobre o que, Talita? — falou, virando-se em minha
direção tão rápido que me bati contra seu tórax. — Não existe nada que você
possa falar para mudar os fatos.
— Quais fatos? — perguntei, confusa.
— Que eu não posso confiar em você. — Foi uma afirmação tão
firme, que senti meu corpo inteiro estremecer. — Que você usa as pessoas
ao seu redor para conquistar seus objetivos. Parabéns, Talita — prendeu o
Kindle debaixo do braço, batendo palmas por alguns segundos —, você
conseguiu o que queria. O idiota aqui foi exatamente o que precisava, um
experimento.
— Isso não é verdade. — O mundo parecia girar ao meu redor. Meu
coração batia forte ao mesmo tempo que parecia ter parado. — Eu só queria
que você soubesse a verdade, Valentim. Que eu... — Parei, engolindo as
palavras, mas eu precisava dizê-las. Ele tinha que saber, ou não havia mais
outra chance para nós. — Que eu te amo. Que eu amo você. — Limpei as
lágrimas do meu rosto, erguendo a mão para tocá-lo.
Valentim recusou meu toque, andando para trás mais uma vez.
— Você não me ama, Talita — falou, seguro demais. — Não ama
ninguém. Usa as pessoas como escada.
— Isso não é verdade — sussurrei, sentindo-me sufocar.
Não era verdade. Eu o amava.
Meu coração se despedaçando era a prova viva disso.
Eu o amava, e só queria que ele soubesse.
— Na verdade, você não tem coração.
— Eu só queria que todo mundo soubesse, Valentim. Queria que o
que você passou de ruim pudesse se tornar uma coisa boa. Uma declaração.
— E foi. Uma declaração de que você consegue dar finais felizes aos
seus personagens. Mas nunca vai conseguir um para você.

— Ei, filha — as mãos delicadas de minha mãe em meu cabelo me


fizeram chorar ainda mais —, o que aconteceu? Encontrei com Valentim lá
embaixo. Ele parecia irritado, vocês brigaram?
Assenti, soluçando ainda mais.
— O que foi, meu amor? O que houve? — A voz tranquila era um
misto de preocupação com carinho. O que me fazia sentir ainda pior.
— Ele odiou o livro, mãe — consegui falar entre os soluços.
Seu rosto demonstrava uma enorme confusão.
— O que o livro tem com tudo isso? — perguntou com o cenho
franzido.
Arrastei-me, deitando a cabeça em seu colo e, enquanto mamãe fazia
cafuné em minha cabeça, contei a ela tudo que havia feito.
— Filha...
— Eu sei, mãe — minha voz estava embargada —, eu pensei que
seria uma coisa boa, sabe? Tipo, ele perceber que deu errado uma vez, e que
foi horrível o que ela fez, mas que o destino acabou nos colocando na vida
um do outro e que eu queria, mãe. Queria ficar com ele, de verdade. Queria
que ele entendesse que eu realmente queria que desse certo, que eu... que eu
o amava. Era a minha forma de mostrar isso a ele, mãe.
Recomecei a chorar, enquanto mamãe, pacientemente, seguia fazendo
cafuné em minha cabeça.
— Agora ele me odeia, de novo. — Ri, em meio às lágrimas. — Ele
me odeia pra sempre, mãe.
— Ele está chateado, com razão. Você não pode usar a história das
pessoas, algo que ainda traz dor a eles. Não sem consentimento, querida.
Brincar com roteiros, com personagens é uma coisa. Você não pode brincar
com o sentimento das pessoas.
— Eu não queria brincar com os sentimentos dele, mãe — tentei me
explicar novamente. — Não queria. Só precisava que ele soubesse que...
— Eu sei, querida, mas ele ainda não. Dê um tempo a ele, amor. —
Mamãe deu um beijo em minha testa. — Eu tenho certeza de que vocês vão
se acertar.
Mamãe ficou comigo, acalentando-me até que eu conseguisse pegar
no sono.
Eu sonhei com ele.
Valentim estava me deixando.
Quando eu acordei, me dei conta mais uma vez que não era sonho,
era a vida real. Ele havia me deixado.
E uma parte, uma enorme parte do meu coração também.
Capítulo 32

Uma tela em branco, para um pintor, era sempre uma oportunidade de


trazer à vida algo novo. Para colorir. Uma forma de se expressar livremente.
Eu costumava ver desta forma as páginas em branco do meu
computador. Telas em branco prontas para a minha mágica. A minha forma
de expressão. O que eu mais amava fazer.
Não agora. Não enquanto minha mente estava uma bagunça.
O lançamento do livro da Thalita foi um sucesso. Top 1 no ranking
geral há uma semana. Uma semana exata em que ouvia muitas vezes a mesma
pergunta “O livro foi inspirado em você?”.
Sim.
Tinha sido. E, sem dúvida, foi a pior parte da minha vida.
Não havíamos nos falado, desde então. Desta vez, diferente da
anterior, ela não havia tentado entrar em contato. O que só provava que
estava certo. Talita queria uma história nova. Certamente uma aventura que
ajudasse a dar-lhe o que contar.
Hoje, mais cedo, finalmente havia arquivado as nossas fotos nas
minhas redes sociais. Queria ter feito isso no mesmo dia, porém poderia
trazer ainda mais repercussão ao meu caso. Mais pessoas perguntando se a
história tinha ou não a ver comigo.
Decididamente, algo que não queria.
Para ela, as coisas continuaram bem. Mas algumas coisas haviam
mudado em seu perfil nos últimos dias. Os posts eram mais genéricos.
Banners, alguns vídeos que já havia gravado anteriormente. Sabia disso,
pois estava ao seu lado, rindo, na maior parte deles. Dela, em si, nada.
Estava desaparecida.
Era tortura, eu sabia. Mas, por algum motivo, não conseguia deixar
de buscar informações sobre ela. E isso estava me matando.
Olhei para a data no canto da tela do meu computador. Ainda tinha
alguns dias para dar a resposta à proposta que realmente havia recebido.
Mudar para São Paulo.
Era um grande passo. Grande, mesmo.
Meu pai me apoiava, embora tivesse deixado claro que não iria
comigo.
Eu não sabia o que fazer. Deixar meu pai para trás não era algo que
eu queria, mas também seria uma enorme chance de crescer
profissionalmente e, ao mesmo tempo, deixar tudo para trás.
— Bem legal sua matéria, precisamos de óculos especiais pra ler?
— Mathias apontou, encostando o dedo na tela do meu computador. — Não,
não. Precisamos ser um idiota, tipo você, pra conseguir enxergar alguma
coisa aí, é isso? — Soltei um suspiro, girando minha cadeira em sua direção.
— Sim. Ser um idiota, com certeza. Ver coisas onde não existem é
minha especialidade.
— Eu diria que ser um idiota é sua especialidade. — Recostou o
corpo em minha mesa. — Mas sério, como você está?
— Bem. Meu pai está animado com a noite de autógrafos. Não para
de falar nisso.
— E você vai vê-la? Quer dizer, ela estará lá?
Assenti, passando as mãos pelo rosto.
— Vai. Grande parte de tudo isso foi por causa dela, no final das
contas. Não seria justo que não estivesse presente.
— Já sabe o que vai fazer em relação a São Paulo? — quis saber.
Balancei a cabeça em negativa.
— Sabe quando você vê uma torta apetitosa no mostruário de uma
loja? Você só sabe se é boa mesmo quando experimenta. Devia ir lá e fazer
um teste. Ver se, de repente, se adapta à redação e ao novo trabalho. — Deu
um tapa de incentivo em meu ombro.
— Sabe de uma coisa, quando não está atrapalhando o trabalho
alheio, você até tem ideias inteligentes.
Mathias deu uma risada.
— Uma inteligência acima da média. — Deu de ombros, apontando
para a cabeça em seguida. — Sou jornalista.
Peguei o celular, abrindo o aplicativo de mensagens e seguindo a
conversa com o meu possível novo chefe e explicando o que gostaria. Uma
semana conhecendo a redação e escrevendo para que eles verificassem se
meu estilo se adaptava ao que esperavam.
A resposta não demorou a chegar.
Ele aceitava.
Era isso, eu podia ir embora e começar uma nova etapa longe, bem
longe, dela.

— Ei, cara — Nicholas chamou de longe ao me ver no corredor do


shopping, acenou e começou a caminhar em nossa direção.
Tínhamos ido comprar uma mala. Meu pai dizia que dava azar viajar
para procurar emprego com uma mala velha.
Vai entender.
Pouco antes de sair da redação, havia tomado a decisão. Liguei para
o senhor Ricardo, o amigo de Antonella. Seria o melhor para mim.
Era um teste, na verdade.
Passaria alguns dias em São Paulo, escreveria duas colunas e,
dependendo de como as coisas fossem, poderia aceitar ou recusar.
Precisava tentar.
— Fala cara — cumprimentei, quando se aproximou.
Nicholas sorriu e trocamos um abraço rápido daqueles com tapinhas
nas costas e ele repetiu o gesto com meu pai.
Era engraçado como nunca havia reparado antes, mas ele e Talita se
pareciam muito. Tanto, que fazia o coração doer.
O mesmo sorriso contagiante de quem realmente está sendo sincero
com o gesto, não uma risada de bajulação ou de fingimento.
— E aí, beleza? — perguntou quando chegou mais perto.
Fale dela. Fale dela. Fale dela.
Meu coração batia, pedindo insistentemente.
Não. Não. Não.
Você não quer saber, Valentim. Não desde que passou por aquela
porta. Não desde que ela o traiu.
Assenti.
— Tá chegando o grande dia, seu Antônio! Como anda o coração? —
Olhou para meu pai, referindo-se à noite de autógrafos que aconteceria
amanhã.
— Desesperado. — Meu pai passou as mãos pela testa como se
limpasse o suor que não existia. — Não sei por que permiti que sua irmã
fizesse uma coisa dessas comigo. Tenho certeza de que não teremos nem uma
dúzia de pessoas lá.
— Segundo Talita, todos os escritores precisam passar por uma
experiência como essa, ao menos uma vez na vida.
Formei uma linha com os lábios tentando não sorrir ao lembrar-me
de como ela havia usado este mesmo argumento com ele, alguns dias antes.
— Aquela garota consegue, sem dúvidas, convencer qualquer pessoa
de que o mar é rosa e que sempre vimos errado. — Nicholas sorriu.
— Não posso negar. — Deu de ombros. — Vai viajar?
— Haaaan, sim. — Passei a mão livre pelo cabelo, nervoso. —
Recebi uma proposta de emprego. Vou averiguar as coisas.
— Uma proposta muito boa, diga-se de passagem — meu pai
interrompeu. — São Paulo — sussurrou, como se eu não pudesse escutá-lo.
— Uau... Então você está indo embora? — perguntou, olhando a mala
mais uma vez.
— Talvez. Vamos ver no que vai dar.
Nicholas assentiu.
— Bom, fico feliz por você. — Sorriu.
Era sincero.
— Obrigado.
Nicholas soltou um suspiro pesaroso, de quem diria algo. Sobre ela.
Meu coração batia em um ritmo desesperado. Queria saber dela, mas
também não queria.
— Sinto muito — falou, finalmente. — Sinto muito por vocês.
— Também sinto, mas a vida tem que seguir, não é? — Ergui uma
sobrancelha.
— Seguir é diferente de fugir — meu pai falou. — Mas o importante
é que você está feliz, não é?
Sim. Eu estava.
E não estava fugindo. Estava seguindo em direção a uma chance que
nem nos meus maiores sonhos esperaria viver.
Estava me dando uma chance.
Capítulo 33

Soltei o ar com força, olhando ao redor.


A parede de tijolinhos cor de terra era decorada com pratos antigos.
No centro havia uma janela de vidro com divisórias. Em uma pequena mesa
de madeira, os livros do seu Antônio estavam separados em uma pilha com
um deles de pé dando destaque à capa.
Pequenos vasinhos de cerâmica continham flores delicadas que
davam um toque especial. O local estava iluminado corretamente com
pequenas lâmpadas de filamento retrô.
Tudo perfeito.
Faltava apenas uma coisa, o seu Antônio.
Meu coração doía só de pensar que, em instantes, veria Valentim,
pela primeira vez, desde a briga. Será que ele ainda estava bravo comigo?
Esperava que não.
— Pronta, maninha? — Nicholas chegou ao meu lado batendo nossos
quadris.
— Não. — Franzi o cenho.
— Ele vai chegar a qualquer momento. Já sabe o que vai fazer?
— Torcer para que ele não me ignore. — Mordisquei o lábio.
— Irmã, tem uma coisa que descobri. — Parou à minha frente, pondo
as mãos em meus ombros.
— Pela sua cara, uma coisa não boa, imagino.
Nick franziu o cenho.
— Ele vai embora — falou, de supetão, fazendo com que o mundo
parasse de girar por alguns segundos.
— Como... como assim? — perguntei, sentindo que minhas pernas
haviam parado de sustentar meu peso.
Nick ajudou a me manter de pé.
— Ele recebeu uma proposta. Um jornal de São Paulo o quer e ele
vai tentar.
Pisquei por alguns segundos, tentando fazer com que aquela
informação jamais tivesse chegado aos meus ouvidos.
— Quando você ficou sabendo disso, Nicholas? — Apertei os olhos
em sua direção, ainda sentindo meu coração bater lentamente.
— Ontem. — Soltou o ar, fazendo com que os ombros cedessem. —
Nos encontramos por acaso e ele estava com uma mala — explicou,
cuidadoso.
Meus olhos se encheram de lágrimas por ele.
Mais uma vez.
Amar alguém era trabalhoso. Magoava.
Doía.
Não queria essa dor.
— Sinto muito, irmã. — Nicholas me acalentou com um abraço.
Mordi o lábio, soltando o ar com força, em uma tentativa de fazer
com que os meus lábios parassem de tremer. Havia um bolo em minha
garganta impedindo-me de respirar.
— Não devia ter feito aquilo — falei. Meu irmão passou as mãos por
minhas costas, tentando me acalmar. — Não devia. Agora ele me odeia. Ele
vai embora. Eu o perdi.
— Sabe, todo livro que você escreve, antes do final feliz, do casal
ficar junto de verdade, eles têm um grande problema para resolver. — Deu
de ombros. — Entenda isso como o seu grande problema.
Ri.
— Eu juro que nunca mais vou comparar minha vida a um livro
novamente. Foi assim que essa bagunça começou. — Nicholas deu risada,
jogando a cabeça para trás.
— Bem, não posso dizer que você está errada.
— Eu achei que ele seria o meu final feliz. — Soltei o ar com força.
— Ainda não é o final. — Bateu o quadril com o meu. — Ele pode
ser o seu protagonista, mas também pode ser só um secundário que precisava
te ensinar algo importante. No fim, a história é sobre você. Você é a
protagonista.
Sorri, embora não fosse exatamente essa a sensação. Sentia que eu
era, na verdade, a vilã. A pessoa que destruiu algo bom.
— E sorria — falou, parando ao meu lado. — O senhor Valentino
acabou de chegar.
Meu coração parou quando nossos olhos o alcançaram.
Valentim estava lindo. Usava uma camisa social branca com as
mangas dobradas até os cotovelos. Os botões abotoados e uma calça jeans
escura. O rosto sério ao caminhar em minha direção. Seu Antônio estava ao
seu lado, sorridente, mas nervoso.
Por um momento, Valentim me encarou. Foi rápido.
Ar. Ar. Ar.
A cada passo que dava, o mundo ficava em suspenso.
Eu podia enfartar aos vinte e poucos?
— Olha só isso — seu Antônio falou, girando o indicador como se
mostrasse o espaço. — Este lugar está incrível.
— Obrigada. — Sorri. — A noite será um sucesso, tenho certeza. O
senhor merece.
Seu Antônio acenou para mamãe que começava a vir em nossa
direção. Nick foi se afastando junto com ele, até que a encontraram em meio
ao caminho.
— Isso tá ótimo. Obrigado — Valentim falou, sem me olhar,
formando uma linha com os lábios em seguida.
— Por nada. — Torci as mãos em frente ao meu corpo. — Você...
— Eu preciso ir. — Apontou com o rosto na direção de Mathias, que
já estava no restaurante tentando ganhar a atenção de Pietra que parecia
nervosa com sua presença.
E ele foi.
Evitou-me durante toda a noite.
Tudo estava dando certo.
A noite estava perfeita. Seu Antônio havia conseguido lotar o
restaurante e vender todos os exemplares da tiragem. Uma tiragem
relativamente alta para o primeiro livro de alguém. As cento e cinquenta
cópias foram vendidas.
Um sucesso!
As pessoas conversavam, animadas, enquanto alguns garçons
passavam servindo as bebidas e pratos que haviam solicitado para que o
restaurante servisse na noite de hoje.
Ele estava parado, com um sorriso bobo nos lábios, admirando como
o pai estava feliz.
Valentim me ignorou a noite inteira. A droga da noite inteira.
Ele precisava me ouvir.
— Ei — falei, me aproximando do homem parado com o olhar mais
orgulhoso que já havia visto em alguém. — Grande dia, não é?
— Sim. — Balançou a cabeça como se afirmasse ainda mais o que
dizia. — A noite foi maravilhosa, Talita. Obrigado. Meu pai nunca vai
esquecer isso.
— Por nada. — Sorri, olhando para o seu Antônio distribuindo
simpatia e conversando com todos que tinham ido pegar o autógrafo. —
Valentim, eu queria conversar sobre o que aconteceu.
— Não. — Foi enfático. — Não precisamos conversar. Eu já falei
tudo que tinha para dizer, Talita.
Cortava meu coração todas as vezes que ele me chamava pelo meu
nome. Quando agia como se alguns dias atrás não estivéssemos agindo como
dois adolescentes apaixonados.
— Eu não devia ter feito aquilo — falei, ainda assim. — Não pensei
que isso poderia te deixar bravo, eu só achei que... — Suspirei. — Achei
que você podia gostar. Que ficaria feliz.
Balançou a cabeça em negativa.
— Você só provou que eu não posso confiar em você, Talita. —
Usava ainda o tom de voz que eu detestava. Frio e distante. — Que, no fim
das contas, você não era a pessoa que eu imaginava. — Expirou. — Mas
quer saber, não faz diferença. Não mais.
Olhou em minha direção por alguns segundos.
Resquícios daquele homem que eu havia conhecido estavam ali
ainda. Bem escondidos, mas estavam. As pupilas dilataram um pouco e os
olhos brilharam.
Foram segundos, mas eu percebi.
Fazia diferença, sim. Para mim fazia toda a diferença.
Eu ia provar a ele que as coisas não tinham sido assim. Ele não era
um degrau em minha escada.
Era muito mais que isso.
Valentim era a chance que eu havia dado para o amor.
— Você está bem, amiga? — Pietra perguntou, enquanto terminava de
passar o delineador líquido em meus olhos.
— Huuuum, será que existe alguma possibilidade de fazer essa live
do banheiro? Corro sérios riscos de precisar usar o vaso sanitário. — Fiz
uma careta. — Será uma vergonha e minha carreira vai acabar justo quando
realizei um sonho.
Andréa riu.
— Ah, não esquenta. Você vai virar meme. — Deu de ombros. —
Ninguém jamais esquece um bom meme.
Rolei os olhos.
— Escolhi as piores amigas do mundo, é sério.
— Sabe de uma coisa? Vou te deixar com bochechas iguais as da
Chiquinha — Pietra reclamou, batendo o pincel do blush em meu rosto.
— Menos você, Pi. Você é minha melhor amiga.
— Vendidaaaaa — Andréa cantarolou, terminando de arrumar o ring
light, ligando-o e prendendo meu celular para testá-lo.
— Pronto. Você está deslumbrante, meu amor.
Olhei meu reflexo no espelho. Não havia o menor sinal das enormes
olheiras que estavam em meu rosto, instantes atrás.
— Você não faz maquiagem, Pi. Faz milagre. — Sorri, ensaiando a
cara de feliz que teria que fazer a noite inteira.
Ter um coração partido não é fácil, mesmo.
— Faltam três minutos e por aqui, tudo ok! — Andréa anunciou,
afastando-se do espaço que montamos para a live em meu quarto.
Soltando o ar com força, me posicionei em frente à câmera, abrindo
o aplicativo e aguardando ser convidada para a live.
As meninas balançaram os aparelhos em minha direção, avisando
que entrariam para fazer volume.
— Olá, boa noite! — Camila, editora que apresentaria a live,
começou. Fiquei assistindo até que chegasse a hora de entrar. — Espero que
esteja tudo bem com vocês. Confesso que estava muito ansiosa por esta
noite, para que pudéssemos conversar sobre o livro que se tornou um dos
mais comentados em nossas redes sociais. E agora, vou trazer aqui para nós,
a nossa Talita Gomes.
Camila enviou a solicitação e, com as mãos trêmulas, aceitei.
— Bem-vinda, Talita. — Sua voz soou animada. — Tudo bem com
você?
— Boa noite, Camila. E boa noite a todos que estão aqui nos
assistindo. — Acenei para a câmera. — Estou bem nervosa, então, se eu
desmaiar, fiquem tranquilos. Tudo ok!
Camila riu.
— Estou muito feliz em tê-la aqui, e tenho certeza de que nossos
leitores também. Separei muitas perguntinhas e mal vejo a hora de saber a
resposta para cada uma delas. Inclusive, quem tiver alguma curiosidade,
pode mandar aqui que vamos nos esforçar para descobrir tudo que há para
saber sobre ela. — Deu uma piscadela de incentivo. — E, para começar,
estamos ansiosos para saber... O que te levou a começar a escrever?
Pergunta básica de início de entrevista. Sorri, simpática dando início
à resposta. E segui assim. Ela não brincou quando garantiu que havia muitas
perguntas, e a caixinha também colaborou muito. A entrevista que deveria
ser por uns quarenta minutos, já levava mais de uma hora e, sem dúvidas,
conseguiríamos conversar mais duas horas, sem problema.
— Bom, então quer dizer que você gosta de se apaixonar por homens
literários, né? — Riu. — Não te julgo, também somos todos assim. E sua
relação com a família? Eles sempre te apoiaram muito?
Contei sobre minha mãe, meu irmão, nosso vínculo e todo apoio que
recebia deles.
— Você tem mais sorte que a maioria, infelizmente, conheço muitos
que precisaram deixar de fazer o que ama ou vivem por trás de pseudônimos
para esconder dos familiares sua profissão.
— Sim. — Concordei com um aceno. — Também conheço muitos na
mesma situação.
Comentamos um pouco sobre o assunto, concordando que ninguém
deveria se meter naquilo que nos faz feliz. Família deve estar lá para apoiar
sonhos, não para destruí-los.
— A conversa está muito boa, Tali. Mas está chegando a hora de dar
tchau. — Fez uma careta divertida. — Mas antes, me conte... esse seu
coraçãozinho, ouvi dizer que tem um novo dono... — Ergueu a sobrancelha,
deixando a pergunta no ar.
O sorriso dele foi a primeira coisa em que pensei.
Às vezes em que ficávamos deitados sem fazer nada, ou transando
como dois coelhos, trabalhando em silêncio juntos ou só, juntos, rindo.
Eu queria aquilo de volta.
Meus olhos encheram de lágrimas no mesmo momento.
Respirei fundo, pronta para dar minha resposta padrão. Mas não
consegui. Eu precisava ser sincera, pela primeira vez na vida. Queria que as
pessoas me conhecessem por quem eu era. Mais do que isso, queria que ele
soubesse que não o usei, mas acostumada a grandes gestos românticos como
nos livros, me deixei levar.
Mas me enganei.
— Sabe, a resposta padrão a essa pergunta era não — ri —, mas não
da forma como vocês podem estar pensando, não era um não do tipo “não
estou apaixonada no momento”, mas algo como “nunca vou me
apaixonar”. — Limpei uma lágrima que caiu. — Cínico da minha parte, eu
sei. Quer dizer, a escritora de romance que não quer se apaixonar. Mas era
a verdade. — Fechei os olhos por alguns segundos. — Cresci vendo minha
mãe sofrer por ter tido o coração partido por meu... bem, pelo homem que a
ajudou na minha concepção.
Parei, respirando fundo.
— Então, eu decidi que nunca ninguém entraria em meu coração.
Nunca. Porque se tinha algo na vida que eu não queria, era sofrer por alguém
como tinha visto minha mãe sofrer a vida toda por alguém que não a merecia.
E eu morria de medo de que vocês descobrissem isso porque, bem... Eu falo
sobre amor. Escrevo sobre isso. Mas eu não quero mais mentir. Quero que
vocês me conheçam, de verdade. Com meus medos e traumas e com minha
vontade de fazer o certo também.
Os comentários seguiam subindo. Alguns surpresos, outros de apoio,
e mais alguns me chamando de cínica. Eu merecia, sabia disso.
— Eu mantive segredo, continuei me apaixonando pelos únicos
homens nos quais eu podia confiar. Os homens dos livros. Mas aí —
continuei, dando de ombros —, eu conheci alguém. — Ri, sentindo as
lágrimas caindo em meu rosto ao mesmo tempo. — E ele era um idiota.
Totalmente imperfeito, um cínico. Mas, eu me apaixonei. E foi assustador,
mas também a melhor coisa que aconteceu comigo. Mas aí eu estraguei tudo
e fiz uma coisa horrível, o magoei. Não era a minha intenção, mas traí sua
confiança. Então, eu que passei a vida dizendo que não entregaria meu
coração a alguém, perdi o meu. Acho que pra sempre.
Funguei.
— Respondendo à sua pergunta, sim — assenti. — Meu coração tem
dono, mas eu fui estúpida o bastante para perder o dele.
Limpei mais uma lágrima que caiu.
Camila e eu ficamos em silêncio por algum tempo.
— Isso é... — falou, depois de algum tempo. — Uau, em suas
histórias, você sempre fala sobre segundas chances. E eu espero que esse
homem que conquistou seu coração perceba o quanto você merece uma. —
Sorriu. — E, Tali, se apaixonar dá medo, mesmo. Que bom que foi corajosa
para assumir. Às vezes as melhores coisas surgem em nossas vidas fora
daquilo que havíamos roteirizado.
Assenti, passando as mãos pelo rosto.
Era verdade.
De tudo que eu havia planejado em minha vida, Valentim jamais
havia feito parte do roteiro.
Mas foi uma surpresa, uma incrível surpresa.
E eu esperava que eu pudesse ser isso para ele também.
Capítulo 34

— E então, o que está achando da redação? — seu Ricardo


perguntou, assim que passamos pela porta de vidro da sua sala.
— Gostei muito. — Sentei, olhando para a janela.
A terra da garoa. A maior região metropolitana do país.
Da enorme janela atrás do senhor Ricardo, a única coisa que podia
ver além do céu cinzento ao longe, eram os enormes prédios.
O homem rechonchudo de cabelos grisalhos era uma figura. Do tipo
que fazia piada com tudo e mantinha o bom humor dentro daquelas paredes.
Às vezes, era difícil lidar com tantas notícias, em sua maioria ruins.
Ter uma pessoa alto-astral na equipe era fundamental. Melhor ainda, quando
era o próprio chefe.
Tinha gostado dele. Assim como Antonella, era, acima de tudo, ético.
O lugar era enorme, quatro vezes mais do que eu estava acostumado,
mas, ao mesmo tempo, aconchegante e acolhedor. O plano de carreira
também não deixava nada a desejar.
Eu me via trabalhando ali, mas ao mesmo tempo não conseguia me
enxergar feliz ali.
A minha primeira coluna tinha saído hoje e o retorno do público já
estava satisfatório. Ricardo havia ficado muito contente com isso, e, claro,
eu também. Segundo ele, eu seria um grande acréscimo para a empresa,
conseguia me comunicar com o público jovem e elevar o interesse dos
leitores mais tradicionais a assuntos pouco debatidos.
— Então o que mais preciso para te convencer a ficar aqui? — O
homem deu a volta em sua mesa, sentando-se.
Ri.
— Não tenho nenhum motivo para não aceitar. — Dei de ombros,
sentando à sua frente.
— E, pelo visto, nenhum para aceitar.
— São as variáveis — respondi, com um sorriso lateral.
— Então existe algo que prenda você à sua cidade natal?
Franzi o rosto.
Não. Nenhum sorriso. Ninguém que faria meu coração bater mais
forte.
Nada.
— Não — respondi, mesmo que sentindo que era a resposta errada.
Havia uma parte que tinha, em pouco tempo, se tornado importante
para mim. Infelizmente, eu não tive sorte com as mulheres que amei na vida.
— Então, se eu fosse você, não esperava mais. É uma boa
oportunidade e você sabe disso.
Assenti.
Eu não tinha, mesmo, motivo para recusar.

“E aí, como estão as coisas?"


Mathias quis saber por mensagem de texto.
“Boas, eu acho. A redação é enorme, a equipe colaborativa, a
coluna teste fez sucesso... não tenho nada para reclamar.”
“Isso é bom!”
“Sim, muito bom. Preciso só escrever minha última matéria aqui,
antes de declarar o período de teste encerrado.”
Ele digitou alguma coisa e apagou algumas vezes. Certamente, ia
contar alguma fofoca da redação.
“O que achou sobre ter seu nome nos trends topics? Pensei que
fosse comentar algo, mas nada...”
Franzi o cenho.
“Como assim?” perguntei, sem entender do que falava.
“Não viu ainda?”
Balancei a cabeça em negativa, como se ele pudesse ver. Havia
evitado as redes sociais nos últimos dias, estava prestes a abrir o Twitter
quando recebi outra mensagem dele com um link, e pedindo que, antes de
qualquer coisa, eu assistisse aos minutos finais.
Cliquei, sendo direcionado para a página da editora em um vídeo em
forma de live e seguindo para o tempo exato em que Mathias havia enviado.
Meu coração pareceu parar de bater por alguns instantes, enquanto
via a imagem de Talita com os olhos cheios de lágrimas, exatamente como na
manhã em que fui ao seu apartamento. Vidrado, olhando-a, não consegui
prestar atenção em suas palavras, até que ouvi a mediadora falar meu nome.
Pisquei duas vezes, voltando um pouco o vídeo para onde meu amigo
havia instruído anteriormente.
“Mas antes me conte... — a mediadora tinha um ar de alcoviteira
com um sorriso no rosto —... esse seu coraçãozinho, ouvi dizer que tem um
novo dono... — Ergueu a sobrancelha deixando claro que era a deixa
dela.”
O público aguardava uma resposta. Rolei os olhos, já conhecendo a
resposta padrão de Talita. Soltei um riso pelo nariz. Ela devia ser sincera ao
menos uma vez na vida e contar que era incapaz de se permitir ser amada e
também de entregar seu coração a alguém.
“Sabe, todas as vezes que me perguntaram isso, a resposta era
sempre não. — Riu, não achando nenhuma graça em suas palavras.
Apertei os olhos em direção à tela do meu aparelho, como se isso fosse me
fazer ouvi-la melhor. — Mas não da forma como vocês podem estar
pensando, não era um não do tipo ‘não estou apaixonada no momento’,
mas algo como ‘nunca vou me apaixonar’. — Uma lágrima caiu dos
enormes olhos castanhos. Ela limpou dedicadamente. — Cínico da minha
parte, eu sei. Quer dizer, a escritora de romance que não quer se
apaixonar. Mas era a verdade. — Talita fechou os olhos como se custasse
a ela falar aquelas palavras e respirou o mais fundo que pôde em seguida.
— Cresci vendo minha mãe sofrer por ter tido o coração partido por meu...
bem, pelo homem que a ajudou na minha concepção. Ele a abandonou e foi
tão fácil, para ele, simplesmente desaparecer. Mas não foi fácil para ela.”
E então ela seguiu falando.
A cada palavra que saía dos seus lábios, sentia que uma enorme
cratera se formava em meu coração. Ela estava ali, sendo sincera, por mim.
A raiva que ainda sentia pareceu desmoronar, especialmente quando
ela deixou claro que havia perdido o coração. Que havia me perdido.
Ainda não sabia o que pensar quando percebi que havia outra
mensagem de Mathias, dessa vez direcionando-me para o Twitter.
Entre os assuntos mais comentados, estava o meu nome. Mas não
como eu havia me habituado. Por conta das matérias que andei escrevendo.
A hashtag #TalitaTeAmaDeSalvadorAté... estava em primeiro lugar
nos trends topics. A legenda vinha acompanhada de milhares de mulheres
segurando uma plaquinha onde estava escrito “Talita te ama de Salvador
até...” e, em seguida, o lugar onde elas moravam. Rio de Janeiro, São Paulo,
Salvador, Espírito Santo, Acre, Amapá, Manaus. Ela tinha conseguido
mobilizar pessoas de todo o Brasil para ajudá-la.
“O que é isso?” perguntei a Mathias, depois de passar um bom
tempo vendo as fotos no aplicativo.
“Aparentemente, várias leitoras dela tiveram a ideia de chamar
sua atenção. Talita ficou meio reticente no começo, mas acabou topando.”
Ri, balançando a cabeça em negativa.
“Bom, ela conseguiu chamar minha atenção” respondi.
“E o coração? Ela vai conseguir também?”
“Isso você vai ter que esperar para descobrir”
Saí de sua conversa, respirando fundo. Ela havia feito isso para mim.
Por mim.
Será que eu tinha sido injusto em não a ouvir? Não tentar entender o
que havia acontecido em sua cabeça?
Talvez eu tivesse feito tudo errado.
Porque, por mais distante que eu tentasse permanecer, meu coração
parecia saltar no peito sempre que ouvia seu nome. Sempre que pensava
nela.
Eu podia ter feito as coisas de uma forma diferente, mas preferi agir
no impulso. Talvez ainda desse tempo de ajeitar as coisas. Se ela estava
disposta a assumir os erros por mim, eu devia fazer o mesmo, porque uma
coisa era certa, não importava o quanto eu tentasse me enganar, eu a amava.
Toda história, antes do final feliz, passava por uma grande provação.
Era tipo como se aquela situação pudesse colocar à prova o amor que o
casal sentia um pelo outro.
Talvez essa fosse a nossa grande prova. Eu precisava saber isso.
Ignorei as mensagens que Mathias havia me mandado, procurando a
conversa com Antonella. Ela podia ser de grande ajuda.
E, talvez, se as coisas dessem certo, ela poderia mesmo ocupar o
cargo de madrinha.
Capítulo 35

— Nada dele ainda? — Pietra quis saber, enquanto andávamos


caminhávamos até a padaria.
Ainda era cedo demais e minha mente, tampouco meu corpo, estavam
despertos. Nem minha mãe, habituada a acordar cedo, estava de pé. Só
pensava em retornar para a cama e dormir o máximo que pudesse.
— Não. — Franzi o cenho em sua direção.
— Bem, talvez ele ainda não tenha tido a chance, ou...
Rolei os olhos.
— Não, amiga. Tudo bem sermos sinceras. Ele não quer mais saber
de mim, e tudo bem, eu agi mal com ele. — Dei de ombros, desanimada.
— Pelo menos, você aprendeu a lição. Quando se apaixonar
novamente, por favor, não escreva sobre o cara sem ele saber. — Minha
amiga me deu uma cotovelada.
— Isso vale para você que vive me pedindo uma protagonista —
apontei, erguendo minha sobrancelha em sua direção.
— Meu futuro namorado, problema meu.
Ri.
Estava frustrada. Achei que Valentim fosse entrar em contato, que
fosse, sei lá, querer, pelo menos me ouvir, conversar, mas ele havia tomado a
sua decisão de seguir em frente. Só me restava aceitar.
Era minha culpa e eu realmente havia quebrado sua confiança.
— E sua família, como está? — quis saber.
Pietra havia tido uma discussão com o pai ontem à noite. Eles
queriam que ela retornasse para a cidade deles e assumisse namoro com o
filho de um senador, para que os boatos sobre roubos e mortes que recaíam
em suas costas ficassem ofuscados pelo brilho de uma iminente união entre
famílias de elite. Minha amiga se recusou, claro.
— Ainda não falei com nenhum deles hoje, mas com certeza virão até
aqui tentar me arrastar pelos cabelos.
— Ei, eu podia escrever sobre eles, já consegui jogar um amor pela
janela, quem sabe não conseguiria destruir o império deles?
Pietra riu, e com certeza havia gostado da ideia.
— Juro que toparia, se não me preocupasse tanto com seu bem-estar.
Seria icônico ver minha família de ladrões sendo explanados em um livro.
— O sorriso se alargou em meu rosto. — Pensa só? Um jornalista
investigativo que precisa descobrir podres da família mais rica da região e
se apaixona pela filha dos vilões.
Rolei os olhos.
— Consegue, por escrito e registrado, a assinatura do Mathias
concordando com isso, por favor? Já tenho problemas demais — pontuei.
— Não estou falando do Mathias. — Semicerrou os olhos em minha
direção.
- Arram, sei bem. E, falando nele, já parou de ignorá-lo? — quis
saber, passando a mão pelos cabelos e fazendo um coque no alto da minha
cabeça.
Negou, balançando a cabeça.
— Não posso. Não quero que ele saiba que faço parte do clã. — Fez
uma careta.
— Você é diferente deles, Pi — garanti.
— Sim, mas tenho o mesmo sangue correndo nas veias. Infelizmente.
Não quero arriscá-lo.
— Valentim. — O nome saiu rasgando pela minha garganta. Ainda
doía. — Estava escrevendo sobre mim, e você disse que eu devia sentar.
— Sua família é legal, a minha é um bando de lobos em pele de
cordeiro. Não, obrigada!
— Como você saiu tão diferente deles, amiga?
— Fui criada pelas babás. — Virou o rosto um pouco de lado em
minha direção em uma expressão de “óbvio”.
— É, isso explica muita coisa — brinquei, levando um beliscão de
minha amiga que riu.
Seguimos caminhando por alguns minutos sem falar nada. Cada uma
presa em seu mundo de pensamentos.
— Ei. — Ouvimos alguém gritar ao longe.
Pietra olhou para trás, virando o rosto rapidamente.
— Merda — murmurou.
— O quê? — Olhei para trás também, vendo uma mulher baixinha de
cabelos na altura do ombro, correndo em nossa direção.
— Não olhe — falou, puxando meu braço e andando mais rápido.
— Quem é ela? Você a conhece?
— Sim. — Rolou os olhos. — É a namorada do dentista escroto —
explicou, puxando minha mão com mais força, nos obrigando a andar mais
rápido. Porém a mulher não estava nada disposta a se dar por vencida e nos
alcançou, pouco depois.
— Uau, vocês são rápidas. — Parou, apoiando as mãos no joelho
como se estivesse realmente muito cansada. — Eu só queria dar uma palavra
com você.
Expirava e inspirava com força.
— Não temos mais nada para falar. Você já me disse tudo que
pensava da última vez que nos vimos — minha amiga foi direta, puxando
meu braço e dando a volta no corpo da mulher ofegante.
— Desculpe — quase gritou, segurando o pulso de Pietra. — Me
desculpe. De verdade. — Minha amiga, ainda de costas para ela, puxou o ar
com força, como se precisasse disso para não surtar, depois voltou o rosto
na direção da mulher que ainda a segurava. — Eu sou uma idiota. Uma idiota
com I maiúsculo mesmo. Acreditei naquele salafrário quando você tentou
abrir meus olhos.
Pietra mordeu o canto da boca, como se ponderasse.
— Você não é uma idiota. Ele que é — falou, por fim, pousando sua
mão no lugar onde ela ainda a segurava pelo pulso e lhe dando um aperto de
conforto.
Os olhos dela encheram-se de lágrimas instantaneamente.
— Sabe, a gente aprende que precisa competir pela atenção dos
homens, para sermos sempre melhores que as outras mulheres, e acabamos
os acostumando com isso. Deixando de acreditar em pessoas que só querem
mesmo nos ajudar. — Soltou um suspiro. — Eu sinto muito, mesmo.
— Não tem problema. — Minha amiga sorriu para a mulher que
pareceu aliviada.
— Claro que tem problema. Tem problema, sim. Eu achei que ele me
amasse e, nossa... quando um homem daqueles olha pra gente, a sensação é
meio que como se tivéssemos ganhado na loteria, sabe? — Afirmou. — Ele
fez a mesma coisa com a assistente que assumiu seu lugar, depois com a
próxima. Era um padrão. Ele é mau caráter, mesmo. E você só queria me
ajudar.
— O que importa é que você se livrou dele.
A mulher assentiu.
Pietra a abraçou. Estava realmente feliz pela mulher. Ninguém
merecia ser feita de otária por um babaca que, só por ser bonitinho, acha que
pode sair dando em cima de todo mundo e trair como se tudo fosse um jogo
para ele.
Eu também senti paz naquele instante. Quem dera que todas as vezes
que mulheres precisassem, de alguma forma, se afirmar sobre outras por
causa de homens, o final fosse assim.

— Pietra, abra a porta — resmunguei, deitada no tapete felpudo.


Chegamos tão cansada que a única coisa que tinha feito foi me jogar no chão
e esperar Pietra voltar do quarto com alguns lençóis, enquanto escolhia um
filme, só mesmo para gastar energia, porque meu plano era dormir
novamente — Você tá mais perto.
— Eu tô no sofá, deitada, coberta. Você acha mesmo que eu vou me
mover aqui? — Como que para comprovar o que estava dizendo, ergueu um
pouco mais o lençol até ter apenas seus olhos do lado de fora.
— Vaca! — sussurrei, ouvindo-a rir.
Levantei-me irritada com a pessoa do outro lado que não parava de
tocar a campainha, como se o mundo estivesse em chamas.
— Desculpe incomodar assim, cedinho, dona Talita. — Seu José, o
porteiro do dia, parecia constrangido ao ver minha cara de quem não queria
estar fora da cama. — Mas é que deixaram isso aqui lá embaixo e pediram
para que eu entregasse nas mãos da senhora.
Olhei para a mão estendida do homem, pegando, sem entender nada,
o jornal de suas mãos.
— Um jornal? — Franzi o cenho.
— Sim, senhora — assentiu. — Se me dá licença...
Deu as costas, retirando-se em seguida.
Um jornal? Sério?
— O que é isso? — minha amiga perguntou, sentando no sofá e
coçando os olhos.
Balancei o jornal no ar para que ela pudesse ver, tirando as páginas
do plástico.
Segui em direção ao sofá onde minha amiga havia aberto um espaço
para que eu sentasse, mas parei no meio do caminho, assim que desdobrei o
jornal e dei de cara com a primeira página.
— Ei. — Pietra levantou, jogando o cabelo para o lado e correndo
até mim. Arregalou os olhos assim que espiou a página e se deparou com o
mesmo que eu.
“Abaixo o amor – Por Valentim Fernandes”
— Será que é uma resposta ao seu vídeo? — perguntou, me puxando
pela mão até o sofá.
— Acho que é a forma dele de dizer que eu não devo mais mencioná-
lo de forma alguma, ou levarei um processo nas fuças — brinquei.
— Vai logo, lê. Ele se deu ao trabalho de deixar aí para você, duvido
que tenha te dado um fora nacional. — Abriu o jornal por inteiro para que
pudéssemos ver toda a página. — Você o pôs nos trends topics com uma
declaração fofa, meu amor. Ninguém seria tão insensível.
— Uma pessoa muito magoada seria — apontei, evitando encarar as
páginas no meu colo e descobrir o que havia sido escrito.
— Se você não for ler, eu leio — anunciou.
Expirei com força.
Sempre dizem que o amor é o mais forte dos sentimentos. Que o
amor quebra barreiras. Que o ápice do amor é o “felizes para sempre” e
que as pessoas que não encontram aquele sentimento ensinados através
dos contos de fadas, dos romances, dos filmes, nas novelas, não terá uma
vida plena.
As pessoas fazem questão de exaltar as partes boas e esconder as
ruins. Amar é bom, mas também pode ser uma droga.
O amor machuca, e muito.
De tanto machucar, pode nos fazer querer desistir de amar. De dar
outra chance. Nós nos fechamos tanto, que podemos perder a oportunidade
de amar intensamente. Nos apegamos à dor que nos foi causada e
esquecemos que podemos aprender com ela.
Eu, Valentim Fernandes, fui um desses. Tive, muitos anos atrás,
meu coração dilacerado por alguém que eu acreditava ser o meu destino.
Assim, eu escolhi outro caminho. Um onde eu não esperava o amor. Até
sabia que ele estava lá, em algum lugar.
Sabia que ele estava no relacionamento dos meus pais, da minha
chefe e de alguns amigos. Saí muito, conheci pessoas legais, me diverti.
Tive exatamente aquilo que busquei.
Não queria amar. Não estava disposto a isso.
Não queria me magoar mais uma vez.
Mas parando para pensar, o erro foi meu. A idealização do amor
levou-me a afastar pessoas incríveis da minha vida.
Somos levados a, pelos mais diversos meios, acreditar que o “amor
verdadeiro” chega às nossas vidas como um conto de fadas: fácil. Que um
belo dia, aparecerá alguém que vai facilitar a nossa vida, que ao olharmos
para aquela pessoa, descobriremos que ele/ela é a solução para os nossos
problemas.
Idealizamos os primeiros encontros. O esbarrão no meio do
primeiro dia de aula da universidade, as mãos se tocando quando forem
pegar os materiais que caíram no chão. O amor de nossas vidas entrando
em nossa sala de aula no último ano do ensino médio com o cabelo
balançando por causa do vento e fazendo nosso coração palpitar. A
trombada com um copo de café na Starbucks e uma roupa que precisa ser
trocada. Com aquele chefe que acabamos de brigar por uma vaga no
estacionamento sem nem ao menos imaginar que ele/a pagará nosso
salário pelos próximos meses.
Todos temos um ideal de amor.
Mas se tem uma coisa que ninguém nos diz também, é que o amor
não é assim. Ele não pode ser marcado, ele simplesmente acontece.
Você está lá e, de repente, um copo de suco voa diretamente à sua
cabeça.
Você está lá e sente o coração bater mais forte pela pessoa que
jurou que detestaria.
Você está lá e ele surge.
Você nem sabe como começou, mas tem certeza de que não existe
maneira de voltar atrás, porque sem que você perceba, aquela pessoa
entrou em cada partícula de seu organismo.
E aí você pensa que é o momento do felizes para sempre.
E não é.
Como eu disse, o amor magoa.
Afinal, o amor é feito de duas pessoas imperfeitas que, juntas,
estão tentando aprender a serem perfeitas uma para a outra.
Então o amor exige entrega, exige perdão, exige reconhecer seu
erro.
Exige decidir estar ao lado de alguém nos momentos bons e ruins.
Amar é torcer pelo outro, é querer vê-lo feliz e realizando seus sonhos.
Amar é ajudar o outro a brilhar também.
E você, caro leitor, deve estar se perguntando: “Valentim, onde
está o abaixo o amor neste texto?”
Eu te digo!
Quero propor algo a vocês. Quero que sejamos Abaixo esse amor
que criamos em nossas mentes. Esse amor que querem pôr em nossas
mentes e nos deixar cada vez mais infelizes comparando nossas vidas com
o que lemos, o que vemos, o que esperamos.
Abaixo esse amor em que pessoas perfeitas formam casais
perfeitos. Abaixo esse amor que só mostra felicidade.
O amor não é isso.
Ele é real.
Vamos amar pessoas reais, que erram, que querem aceitar. Não
vamos esperar pelo príncipe encantado, pela princesa da Disney.
O amor, muitas vezes, não facilita. Ele nos tira de nossa zona de
conforto. Bagunça nossa vida.
Nos motiva a querer ser melhores. A dar nosso melhor sempre.
Abaixo todo esse amor idealizado.
Finais felizes não existem. Mas eu garanto que, vivendo o amor
real, até os momentos ruins se tornarão felizes quando você está ao lado
da pessoa certa, pois eles trarão aprendizado.
Abaixo o amor que querem enfiar em nossas goelas, e viva o amor
real.
E eu sei que te disse que você jamais teria o seu final feliz. Mas eu
menti. Você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa para ser feliz,
você é forte, tão imperfeita quanto eu, e sabe de uma coisa, eu acho que
nossas imperfeições são estranhamente perfeitas juntas.
E por mais que eu queria te prometer um final feliz digno de livros,
eu não acredito mais nisso. Porém, se você ainda me quiser, se você me
escolher, eu quero que saiba que me comprometo completamente a buscar,
todos os dias, a felicidade, juntos. Mesmo quando você me odiar, mesmo
quando queira me afogar em um copo de suco — mereça eu ou não —
mesmo quando você achar que não vale mais a pena, eu prometo lutar
para fazê-la feliz. Porque quando você está feliz, Talita, querendo ou não,
eu estou também.
Então me escolha, por favor. Eu estou aqui esperando por você,
para vivermos essa vida cheia de surpresas, cheia de incertezas, mas
também repleta de amor.
— Ai, meu Deus — sussurrei, com a respiração falha.
Meu rosto estava banhado em lágrimas.
— Ele te ama, boba — Pietra falou, dando um beliscão em minha
cintura.
Meu coração errou uma batida e, de repente, eu não conseguia mais
respirar.
— Ele me ama — falei, ainda baixo.
Minha amiga assentiu com um sorriso orgulhoso nos lábios.
— Ele te ama. Então, por favor, sejam perfeitamente imperfeitos
juntos. — Assenti, tentando limpar as lágrimas que caíam em meu rosto.
Pietra me abraçou forte por alguns segundos. — Agora vai, ele está te
esperando.
Com os pensamentos completamente fora de ordem, assenti.
— Onde ele...
Pietra apenas balançou o rosto em direção à porta.
— Você sabia de tudo? — perguntei, incrédula.
— O que posso fazer, se sou uma amiga maravilhosa. — Deu de
ombros, sorrindo. Levantei, correndo até a porta, e estava prestes a abrir,
quando Pietra me chamou. Voltei o corpo em sua direção, ansiosa. — Ele
pode não acreditar em finais felizes, mas eu acredito em começos, meios e
fins. Então vai lá e seja feliz, você merece.
Sorri, tentando não chorar.
— Obrigada — sussurrei, voltando meu corpo para a porta e
abrindo-a.
Valentim estava lá, como um deus grego. As mãos dentro dos bolsos
da frente da calça. Parecia nervoso, como se não soubesse o que esperar.
Meu coração doía, nervoso e, principalmente, de felicidade.
— Apesar de não ser um Merece Destaque, você se superou. Já
temos meu artigo preferido — comentei, engolindo em seco e com minha
mente em branco.
— Parece que eu vou ter que passar a vida tentando me superar. —
Deu um passo para frente.
Sorri.
— A vida toda? — Meu coração galopou no peito.
Valentim assentiu.
— Sim. A vida toda. — Passou o indicador por meu rosto com
cuidado, erguendo-me um pouco em sua direção.
— E você não acredita em finais felizes? — brinquei.
— Não mesmo. — Valentim ergueu os lábios em um sorriso que fez
meu coração parar.
— Tudo bem. — Dei de ombros. — Terei a vida inteira para te
convencer.
Então nossos lábios se encontraram.
Foi doce, foi meigo, foi repleto de saudade, mas também de certeza.
Estávamos apenas no começo de nossa história. E eu sabia que como
éramos dois imperfeitos juntos, teríamos um meio e um final repleto de
felicidade.
Nós dois seríamos para a vida inteira.
Epílogo

Um ano depois

— Eu me demito! — Pietra jogou-se no sofá da casa para onde


Valentim e eu havíamos acabado de nos mudar, depois que ele havia me
pedido em casamento.
— Olha só, quem pode dar chilique aqui sou eu — falei, passando a
mão na enorme protuberância em minha barriga. — Você não sabe como ter
um ser dentro de sua barriga, sugando suas forças, pode, simplesmente, te
deixar exausta e de péssimo humor.
— Você fala isso porque sabe que eu sou uma vendida pra essa
coisinha linda aí dentro. — Fez uma voz de criança para minha barriga.
— Ela é uma vaca — Andréa concordou, dando língua para mim,
como se tivesse dois anos.
Minha amiga tinha passado o último ano em seu país de origem e
havia recém-retornado ao Brasil. Ainda estava decidindo se ficaria ou não, e
embora nunca tenha contado nada a ninguém, eu sabia que o que aconteceu
— ou não aconteceu — entre ela e meu irmão tinha muita influência em sua
decisão.
— Cada um joga com as armas que possui. — Dei de ombros.
— Não, sério, juro por Deus que se tiver que ler mais algum contrato
hoje, eu corto meus pulsos. — Fez uma careta para os papéis em sua mão.
— Quer meu trabalho para você? — Andréa estendeu os papéis do
roteiro.
ROTEIRO!
Meu livro fez tanto sucesso, que uma produtora entrou em contato
comigo querendo os direitos para um audiovisual. Eu topei, claro. O
primeiro filme, Destinado a você, foi um enorme sucesso. O livro voltou a
estar entre os mais vendidos do país e acabei fechando contrato para
publicação internacional também. Menos de um mês do lançamento, e a
produtora estava tentando fechar contrato com a editora em que o Duque foi
lançado. Em breve, ele estaria nas telas de todo país.
Nós não definiríamos nada no roteiro, claro. Mas eu podia opinar
sobre possíveis alterações bruscas que pudessem ser realizadas na história.
E com eu, era importante ressaltar que nós opinávamos.
— Pensem pelo lado positivo, vocês estarão à frente de todas as
negociações e vão tietar de perto os atores bonitões que foram escalados. —
Ergui uma sobrancelha. — Gostaram muito de fazer isso da última vez,
segundo me consta.
Minha amiga soltou um alto suspiro.
— Nem acredito que o gostosão da maior emissora do país vai ser o
mocinho do seu filme nas telas. — Pietra suspirou. — E eu vou poder
abraçar aqueles braços deliciosos, olhar naqueles olhos castanhos e...
— Ei, safada. — Joguei uma almofada em seu rosto.
— Vai dizer que não pensou o mesmo. — Fiz uma cara engraçada.
— Enquanto eu só pensar, ok!
Gargalhei.
— Pois é, nunca vou superar o Valentim saindo em todas as fotos,
segurando em sua cintura daquela forma “ela é minha” típico dos mocinhos,
com ciúme dos pobres dos atores. — Andréa riu, o que me fez rir também.
— Acredita que ele me perguntou se não queria usá-lo em uma capa
de livro? Disse que prefere que eu admire o tanquinho dele, ao invés de
passar horas da minha vida, procurando imagens de homens alheios nos
bancos de imagens... — Ri, lembrando-me da situação.
— Nãaaaao — Pietra comentou, rindo, mudando de posição no sofá
para poder me ver melhor. — Ele pediu isso, mesmo?
— Disse que ia emoldurar e colocar na sala, pra eu não precisar
ficar babando em capas com outros homens.
— E você? — perguntaram juntas.
— Disse que fazia uso melhor do corpo dele no quarto. — Fiz um
biquinho convencido.
— Eca! Informação demais! — reclamou com uma careta.
Se alguém me contasse, meses atrás, que minha vida estaria como
está hoje, eu riria. Jamais acreditaria que poderia ter minha própria família,
que amaria alguém tão intensamente como eu amava Valentim e que eu
estaria tão feliz com a chegada de uma nova vida.
Nada disso me assustava mais. E eu disse sim.
Bem, quase nada.
Já havia escrito alguns partos, mas, agora, prestes a ter o meu
próprio, sim. Eu estava com medo. Da dor. Não de ser mãe, não de colocar
no mundo alguém que teria tantos medos quanto eu tive.
Eu entendi que a minha história não precisava ser, necessariamente,
igual à dos meus pais. Que eu usaria tudo aquilo que me magoou e faria o
inverso.
Nosso bebê teria um bom pai, alguém que iria zelar por ele, cuidar,
amar. Alguém que não o abandonaria e o ensinaria a ser uma pessoa do bem.
Além do mais, minha mãe, seu Antônio e Nicholas estavam tão animados
que, sentir-se abandonado, seria a última coisa que nosso bebê sentiria na
vida.
Nem havia nascido ainda, e já era uma criança de sorte.
— Lembra quando você começou a escrever? — Andréa perguntou
com um sorriso nostálgico.
Assenti.
— Nunca pensei que chegaria tão longe. Quer dizer, sempre quis ser
publicada pela Editora Encanto, mas... Uau. — Soltei o ar com força,
olhando ao meu redor. — Nunca teria imaginado que minha vida mudaria
tanto.
— Você se consolidou na profissão, encontrou seu mocinho perfeito,
foi publicada pela editora dos sonhos e está dominando o mercado literário
internacional e, também, o cinematográfico. — Franziu o cenho para mim.
Assenti, passando a mão pela protuberância em minha barriga.
— E tenho minha própria família.
— Ei — a voz animada de Valentim soou atrás de nós, fazendo com
que todas olhassem em sua direção —, olha só quem chegou.
Mamãe e seu Antônio surgiram logo depois dele. Sorri, vendo
algumas das pessoas que eu amava ali, reunidas.
— Cadê o menino mais lindo do mundo — mamãe falou com voz
infantil ao se aproximar e começar a brincar com barriga.
— Opa! Presente. — Nicholas ergueu a mão direita, apresentando-
se.
— Você foi reduzido ao segundo menino mais lindo — brinquei,
vendo meu irmão me dar língua, mas, em seguida, se abaixar também para
falar com o bebê.
Seu Antônio estava reluzente de felicidade. Tinha conseguido fechar
um contrato para o segundo volume dos poemas para sua esposa, mas desta
vez com uma editora especializada no gênero. Eu não tinha dúvidas de que
uma terceira edição viria.
Mamãe também havia deixado seus temores para trás. Começou a
cursar Enfermagem na universidade, um antigo sonho. A princípio, estava
temerosa por ser a mais velha da turma, mas não demorou nada para que se
enturmasse. Estava feliz e com um paquerinha, e eu não podia estar mais
contente por vê-la realizando seus sonhos.
Sorri, observando as pessoas que amava ali, juntas.
— Posso saber o que você tanto pensa? — Valentim sussurrou em
meu ouvido.
— Na sorte que eu tenho. — Dei de ombros.
— Bom, pode-se dizer que sim. Um noivo dos sonhos, um bebê
amado, pessoas que torcem por você.
Franzi o cenho.
— Quase isso — falei, passando as mãos ao redor do seu pescoço.
— Não diria que tenho o noivo dos sonhos, mas o perfeitamente real
possível.
Valentim sorriu colando nossos lábios ao mesmo tempo que o bebê
manifestou sua presença.
Fiz um carinho na protuberância do meu ventre.
Príncipes encantados, como minha mãe bem havia dito, podiam não
existir. Não precisava deixar de ser quem era por ninguém, muito pelo
contrário, havia me tornado alguém melhor. Livre. Leve. Alguém que jamais
imaginaria ser.
Então sim, o amor transforma.
Ele transformou a minha história para melhor.
Bônus
Encarava o meu reflexo no espelho.
As rugas no meu rosto mostravam o quanto o tempo havia passado.
Em geral, as pessoas costumam assustar-se com as marcas na pele.
Não eu.
As marcas evidenciavam apenas algo muito bom: a vida foi vivida.
E a minha, foi muito bem vivida, ao lado do amor da minha vida.
As fotos na bancada mostravam exatamente o que eu dizia. Três
filhos, dois netos, muitos sorrisos, coisas com as quais jamais sonhei.
— Eu sei, você tem um marido maravilhoso — meu marido, grisalho,
com as mesmas marcas de tempo, mas ainda lindo, disse.
Tão lindo quanto da primeira vez que o vi.
Balancei a cabeça em negativa, rindo.
— Estava pensando em uma coisa — falei, virando-me em sua
direção.
Os olhos claros brilharam mais intensamente ao encontrar os meus.
— Em quê? — quis saber, com o rosto franzido.
— Você, uma vez, me disse que não acreditava em finais felizes —
falei, vendo-o dar o maldito sorriso de lado que fez meu coração bater forte
no peito. — Olhando essas fotos, só consigo pensar no quanto você estava
errado. Nós tivemos um final feliz.
Meu marido fez um bico, contrariado.
— Lamento discordar da minha esposa.
Franzi o cenho, chocada com sua afirmação.
— Não tivemos um final feliz? — Cruzei os braços, vendo-o rir.
As mãos pousaram em meus ombros e desceram, lentamente, por
meus braços até que nossas mãos estivessem entrelaçadas.
— Posso afirmar que tivemos uma vida fantástica. Com mais amor
do que a maioria das pessoas, mas, sem dúvidas, ainda estamos longe do
final. Me vejo em uma longa, longuíssima vida ao seu lado.
Mordi o lábio contendo um riso.
— Sendo assim, posso repetir que estou certa daqui a alguns anos. —
Sorri.
— Sendo assim, tenho uma ótima ideia de coisas que podemos fazer
lá em cima. — Ergueu o olhar, dando um sorriso safado em seguida.
Segurei sua mão com firmeza.
Eu iria.
Com ele.
Para onde quer que fosse.
Para sempre.
Agradecimentos

Escrever, diferente do que todo mundo pensa, não é uma tarefa solitária. Muito pelo contrário, é
uma tarefa conjunta. Nós surtamos, choramos, temos bloqueio, passamos horas na frente do
computador sem escrever uma linha e, em meio a tudo isso, sempre temos pessoas que nos apoiam das
mais diversas formas. Então, tenho muito a agradecer.
Primeiramente, à minha família, que compreendem (mesmo quando não conseguem
compreender, de fato), as horas trancada no quarto. Sem o apoio de vocês, certamente seria impossível.
À minha beta Danielle que sempre topa minhas ideias, ouve, aconselha, nota incoerências, passa
raiva e morre de amores. Obrigada, amiga, por sempre, sempre, topar minhas loucuras.
À Bárbara Pinheiro, que não é puxando saco, mas é como sempre digo, a melhor revisora do
mundo e, sem dúvida, uma das pessoas mais fundamentais que Deus colocou em minha vida. Nossa
amizade é um presente de Deus para mim.
Ao CLAV-BR, só posso garantir o quão afortunada eu sou por tê-las em minha vida. Crys,
Lucy, Ari, Vall e Bah (novamente), obrigada por serem família para mim, mesmo cada uma morando em
um canto deste país. Conviver com vocês é uma escola, e eu aprendo demais todos os dias. Obrigada
por tanto.
Crys e Lucy, obrigada por nesses meses de surtos, com o Valentim, por ouvirem os medos e
incertezas, pelos toques, conselhos e empenho em me ajudar a contar essa história.
Taiane e Fabi, minhas amigas queridas, obrigada por serem tão fundamentais. Minhas
conterrâneas, amigas e irmãs. Vocês são as irmãs que a vida me deu.
À Talita, Bia, Tati, Bruna e Lays. Obrigada de todo coração por tudo que fazem por mim todos
os dias. Vocês são maravilhosas! P.s: Talita, pega o Valentim que é seu! HAha
As meninas do Amores da Ray. Obrigada por estarem sempre presentes, dia após dia, seja para
rir ou chorar. Amo vocês todinhas!
E agradeço a você, querido(a) leitor(a), que chegou até o final desta história. Espero que tenha
gostado do Valentim e da Talita, e, espero também, vê-los em breve em outras aventuras.
Mil beijos, Ray.

[1]
Orgulho e Preconceito
[2]
Apenas mais uma canção de amor – Rosa de Saron
[3]
Lâmpadas de filamento de carbono, geralmente utilizadas para varal de luzes em
casamentos.
[4]
Livro da Nana Pauvolih
[5]
Ariane Fonseca
[6]
Crys Carvalho
[7]
Glamping é uma combinação de "glamoroso" e "camping", e descreve um estilo de
camping com amenidades e, em alguns casos, serviços de estilo resort geralmente não associados ao
camping "tradicional".
[8]
Personagem do filme Minhas adoráveis ex-namoradas.

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