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Capa
Oneminute

Diagramação
Katherine Salles (Imagens Depositphotos e Freepik)

 
Revisão e Preparação de Texto
Ana Roen

 
Livro Digital
1ª Edição

Aline Damasceno
 
Todos os direitos reservados © Aline Damasceno.

É proibido o armazenamento ou a reprodução de qualquer parte

desta obra, qualquer que seja a forma utilizada – tangível ou


intangível, incluindo fotocópia – sem autorização por escrito do

autor.

Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas, acontecimentos e


locais que existam ou que tenham verdadeiramente existido em
algum período da história foram usados para ambientar o enredo.

Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.


Índice

 
Nota da autora
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Epílogo
Bônus
Agradecimentos
Sobre a autora
 

CEO desconfiado e solitário + virgem + criança rejeitada +


cachorro fofo

Marcado pela rejeição dos pais, pelas brigas conjugais deles


e pelas mentiras, Hadrian Falkenberg, um milionário de

descendência alemã, podia contar nos dedos da mão em quem ele


confiava, e uma dessas pessoas era o seu primo Ignaz, alguém a
quem ele amava como um irmão. O que ele não esperava era que

um dia Ignaz o traísse, roubando não apenas a presidência da


empresa da família, mas também toda a sua capacidade de confiar
em alguém novamente.

Solitário e controlando com mão de ferro quem poderia


conviver com ele por ter medo de ser machucado novamente, o
CEO nunca mais deixou alguém se aproximar emocionalmente até

descobrir outra traição do seu primo: Ignaz o designou em

testamento como guardião de sua filha rejeitada, Verena, apenas


para obrigá-lo a fazer as empresas deixadas para ela prosperarem.

Depois de descobrir que a criança era criada em um internato

frio, sem receber nenhuma visita dos pais, Hadrian jurou dar à
menininha que inesperadamente entrou em sua vida tudo o que ele
não teve na infância antes que o seu avô viesse para os Estados

Unidos: amor incondicional e um lar. O que ele não contava era que
a paternidade fosse muito mais difícil do que imaginava e que ele

iria precisar da ajuda da sua faxineira Ana, uma jovem doce e

carinhosa que rapidamente conquistou o coração de Verena,


enchendo-a de amor, e que também devolveria a ele a capacidade

de confiar em alguém outra vez...

 
Nota da autora

Ufa! Mais um livro da série “Virei Papai” que veio ao mundo.

Confesso que ainda tenho meus receios em relação a lançar


livros que compõe uma coletânea, mas, ao mesmo tempo, estou

animada, já que, nesse exato momento, estou escrevendo mais um


livro para a série e tenho vários outros na cabeça. Explorar os
diferentes tipos de paternidade tem sido divertido, e confesso que
acho que há muito mais a explorar, então pretendo escrever mais

sobre pais de coração.


Mas por que outro livro com essa temática, Aline? A história

de Hadrian vinha rondando a minha cabeça há um tempo e decidi


contá-la. Foi difícil. Eu queria dar a Hadrian uma personalidade que
ele não aceitava de jeito nenhum, até que eu entendi que não podia

forçá-lo. Não sei bem ao certo se consegui passar o que eu queria,


ainda mais a execução sendo tão diferente do planejado.

Uma Criança Inesperada para o Milionário, assim como Uma


Família Inesperada para o Cowboy, não é uma comédia romântica.

É a história de um homem traído com problemas de confiar nas

pessoas, de uma criança rejeitada pelos pais e de uma mocinha


que, apesar dos sonhos, vive uma relação de abuso psicológico

com o seu meio-irmão. Aqui contém muitos gatilhos: abandono


parental, agressão física e psicológica, dependência emocional e

tentativa de violência sexual (pelos vilões). Se você sente

desconforto com esses temas, não continue, por favor. Sua saúde
mental é muito mais importante para mim do que sua leitura, fora

que tenho livros mais leves para você. A violência psicológica aqui

retratada é feita pelo personagem de forma sutil. Tentei mostrar que


nem sempre é fácil sair desse tipo de relação, mas se consegui, eu

não sei dizer, então, desde já, peço desculpas por qualquer

equívoco da minha parte leiga. Adiciono a importância de sempre


procurar ajuda psicológica, até mesmo para conhecer a si mesma. 

Uma última adição: apesar de ser o segundo livro da série,


esse é um livro independente, com começo, meio e fim, e nenhum

personagem dessa história aparece no primeiro. Fique à vontade

para começar por aqui.

Beijos,
Prólogo

Nova York, oito anos atrás

— Obrigado a todos por comparecerem nesta reunião de

última hora…
Franzi o cenho ao escutar a voz do meu primo Ignaz quando

passei pela porta entreaberta da sala de reuniões da casa que

dividíamos, cômodo que raramente era usado, já que vivíamos

viajando, visitando nossos escritórios espalhados em várias cidades

dos Estados Unidos e na Alemanha, muito menos às onze horas da

noite.
Já que não era da minha conta o que ele fazia, dei de ombros

e decidi ir direto para o meu quarto, tomar um banho e tentar dormir


um pouco, tinha que acordar às quatro da manhã para uma

videoconferência. Sentia todos os meus músculos doerem por


passar mais de doze horas, com escalas, em um avião. No entanto,
antes que eu pudesse continuar o meu caminho, a voz de Mendel,

um dos conselheiros da Falkenberg, me deixou paralisado no lugar.


— Tem certeza de que ele não vai ficar sabendo? 

Um calafrio percorreu a minha espinha e automaticamente


todos os meus instintos ficaram em estado de alerta.

Que merda ele estava fazendo ali?


Fiquei desconfiado. Tinha quase certeza de que Mendel e
Ignaz não tinham outros negócios em comum, ainda mais quando,

pelo meu primo, o conselho da companhia já teria sido dissolvido há


meses. Ele considerava os membros que meu avô havia escolhido

para compor o quadro um grande entrave na adoção de medidas


mais radicais na gestão da empresa.

— De toda forma, a partir da decisão que tomarmos hoje, ele


acabará sabendo que nos reunimos sem ele — comentou Ignaz.
— Não é melhor a gente fazer essa reunião em outro lugar?

— Uma mulher perguntou. Embora a voz me fosse familiar, não


recordei o nome dela. — Não me parece apropriado falarmos do

futuro da Falkenberg aqui e…


Um som estranho interrompeu a mulher. A menção da

empresa que eu e meu primo herdamos após o falecimento do


nosso avô fez com que a suspeita tomasse grandes proporções em

meu interior, mais do que comumente.


— Hadrian me disse que voltará apenas amanhã à noite de
viagem, então não temos com o que nos preocupar — Ignaz falou.

Senti como se tivesse levado um soco na boca do estômago,


embrulhando-o, fazendo com que bile subisse até alcançar a minha

garganta.
Poderia muito bem dizer que a principal característica que me
define é a desconfiança. Tinha aprendido, a duras penas, que nem

todos mereciam confiança e lealdade, inclusive as pessoas que te


colocaram no mundo.

Meus pais, embora dissessem se amar, não hesitavam em


trair um ao outro, não só física, mas também emocionalmente.

Chantagens, brigas e mentiras fizeram parte do cotidiano dos dois, e


nenhum deles se importou que o caos que eles criavam em seu
entorno pudesse resvalar na criança que tiveram.
Várias foram as vezes que os dois me usaram nos jogos
doentios que faziam um contra o outro, sem se preocuparem com o
meu emocional, nem mesmo com as consequências das suas

ações.
Anos se passaram até que, se instalando nos Estados

Unidos, meu avô paterno, Félix, finalmente me tirou daquele inferno,


mas, ainda que fosse grato por todo o suporte e carinho que ele me
deu, os danos em mim já tinham sido feitos, e se tornaram cada vez

maiores com o passar dos anos.


À medida que crescia, fui compreendendo que, por ter

dinheiro e ser herdeiro de um grande império, a maioria das


pessoas só se aproximava de mim por interesse. Não gostavam de

mim pelo que eu era, mas, sim, pelo que eu tinha a oferecer. Não
tinham hesitado em mentir e fingir sentimentos como ternura,
amizade e amor.

Depois de descobrir através da mídia que uma ex me traía


com um ator qualquer minhas barreiras ficaram ainda mais altas.

O ceticismo com relação ao caráter das pessoas tornou-se a


minha segunda pele. Conseguia contar nos dedos em quem eu
realmente confiava, e meu primo estava entre essas pessoas. Se
me perguntassem, diria que Ignaz era a última pessoa que acharia
que me apunhalaria pelas costas.
Meu primo era a segunda pessoa que eu mais amava no

mundo e era meu melhor amigo. Foi ele quem havia enxugado o
meu pranto quando perdemos o nosso avô. Ignaz tinha me

mostrado que, por mais que a ausência do nosso avô sempre fosse
doer, tínhamos que seguir em frente por ele, que sorrir e brincar não
nos tornava uns filhos da puta.

Shwanz[1]! Mesmo com toda a dor que meus pais haviam me

causado, eu tinha aberto uma exceção para ele.

Ignaz era o irmão que eu nunca tive. Ele me conhecia melhor


do que ninguém, até mesmo mais do que o meu avô. Eu havia

exposto meus sentimentos, medos e vulnerabilidades, dei tudo de

mim, mas agora sabia que confiar nele tinha sido um erro que eu

pagaria caro. Deveria ter me fechado com ele também.


Bile subiu pelo meu estômago e senti um gosto ácido na

minha boca enquanto a decepção e a dor duelavam pelo controle do

meu corpo.
— Por que nos chamou aqui, Falkenberg? — Alguém falou,

se fazendo ouvir entre os burburinhos. — Estou velho demais para

estar acordado a essa hora. 


Risadas.

— Todos sabem que Hadrian possui bastante poder de


decisão na gestão da empresa… — meu primo começou a dizer

com voz pastosa.

Era um tom que eu conhecia muito bem e que tinha uma


única finalidade: persuadir os outros a fazerem aquilo que ele

queria.

Meu primo sempre foi um pouco manipulador, uma

caraterística bastante perigosa em algumas pessoas, mas que não


era no mundo dos negócios. Por mais contraditório que fosse, não

podia negar que muitas vezes admirei essa sagacidade dele, mas,

agora, não sabia de mais nada. Ele me apresentava uma outra


versão dele que nunca tinha visto antes.

— Ele não é o único. Você também detém metade das ações

que não foram adquiridas por Sociedades Anônimas e é o vice-


presidente — a mulher falou o óbvio.

Ignaz bufou.

— Minha situação é diferente, já que Hadrian, como o

presidente escolhido pelo meu avô, é quem tem a decisão final. Um


vice-presidente nem sempre pode fazer algo…

— Ele…? — Alguém perguntou, hesitante.


— Faz tempo que ele vem pensando em adotar uma série de

medidas que poderão difamar a credibilidade da Falkenberg no

mercado mundial, o que geraria uma grande crise que poderia levar
a Companhia a parar de crescer como meu avô gostaria, e sem nem

mesmo consultar vocês — fez uma pausa, parecendo chateado. —

Eu tentei convencê-lo, já que eu também sou acionista majoritário,

mas ele é bastante imaturo, não tem a mesma maldade que adquiri
com a prática, e não quer ouvir a voz da experiência. Ontem mesmo

acabamos brigando por conta disso…

— Isso é um absurdo!
As pessoas começaram a falar alto.

Eu deveria estar sentindo ódio de Ignaz, raiva por ele

questionar minha honra, mas a dor era imensurável e não deixava

espaço para outros sentimentos. Meu primo parecia me apunhalar


várias vezes no peito e torcia a faca para alcançar minha carne mais

fundo, me dilacerando ainda mais.

Tive que usar todas as minhas forças para controlar a minha


respiração, que ficava cada vez mais ofegante.

O colarinho da minha camisa social apertou o meu pescoço e

eu desabotoei-a, mas, ainda assim, parecia que havia algo me

sufocando.
Scheiß[2]!

— Ele não pode fazer nada sem nos ouvir — alguém falou. —

Seu avô nunca tomou uma decisão sem deliberarmos antes.


 Senti outra punhalada.

— Eu sei, mas Hadrian… não se importa. — Meu primo

suspirou alto, dramatizando. — Se vocês não acreditam em mim,


nessas pastas vão encontrar cópias dos documentos que provam o

que o meu primo está disposto a fazer.

Outro calafrio me percorreu. Como se fosse possível, a

angústia ficou mais forte.


Ignaz forjou informações apenas para me derrubar?

Diante daquele caos emocional, eu finalmente me perguntei o

porquê. Por que ele estava indo tão longe? O que ele ganharia com
isso?

— Foi por causa dessas informações que convoquei todos

vocês, não podia mantê-las apenas para mim — Ignaz disse, depois

de um tempo que só ouvi murmúrios incrédulos. — Precisamos


detê-lo, antes que seja tarde demais e ele acabe destruindo tudo o

que vovô construiu. Milhares de pessoas perderão seus empregos.

— E como faremos isso?


Antes que meu primo pudesse responder, guardando toda

tristeza e a decepção que a situação me causava no fundo do meu

peito, abri a porta em um rompante, e ignorei os sons das pessoas

que foram pegas de surpresa.


Todo o meu foco estava no homem que me destruía, naquele

que me ensinou, mais uma vez, que não deveria confiar em

ninguém. A pessoa que não parecia sentir remorso nenhum por


tramar contra mim, pelo contrário, ostentava um ar zombeteiro.

Mascarei os meus sentimentos e a amargura perante ao

pensamento de que tudo o que vivemos não passou de mentiras.

Remoeria isso depois.


— Então, primo, como faremos? — perguntei friamente,

quando ninguém disse nada.

— Saiam — Ignaz praticamente gritou com os conselheiros.


Com o canto do olho, vi que eles rapidamente saíram com o

rabo entre as pernas. Se eu não estivesse tão ferido, provavelmente

teria achado graça que as pessoas que meu avô tinha confiado

tanto se mostraram verdadeiros covardes em não ficarem para


discutir a questão na minha frente.

Depois de eu trancar a porta, ficamos nos encarando por

vários minutos sem dizer nenhuma palavra.


— Por que fez isso, droga? — Diferente do que imaginava,

não consegui disfarçar a minha dor, principalmente quando ele


continuava a me encarar daquela forma caçoísta. — Eu confiava em

você!

— Não se faça de tolo, Hadrian, sabe muito bem a razão pela

qual fiz o que fiz — falou entredentes.


Pela primeira vez, vi a raiva dele sendo direcionada a mim, ira

que, por mais que tentasse, não conseguia compreender.

— Não consegue somar dois mais dois, Hadrian? —


Gargalhou friamente. — Tolo! Então vou te ajudar. Era eu quem

deveria estar à frente da companhia, não um pirralho sem

experiência que acabou de sair da faculdade, mas aquele velho


senil…

— Não fale assim dele, scheiße[3]! — Explodi, a raiva me

tomando, e bati a mão sobre a mesa com força, sentindo a minha

palma latejar.

Ignaz poderia ter me traído para ficar com a presidência da


Falkenberg, mas não o deixaria insultar nosso avô.

— Ou o quê? Não tenho medo de um frangote como você! —

zombou, tamborilando os dedos com impaciência na mesa. —


Prefere que eu chame vovô de traidor?
Voltei a bater a mão na superfície de madeira, contendo a
minha vontade de socar a cara dele mesmo que ele merecesse, e

meu primo riu.

— Porque é o que ele é — falou raivosamente. — Vovô me


traiu no momento em que deixou no testamento que você seria o

presidente da companhia com o falecimento dele, não eu. Ele pouco

se lixou com o tempo que eu me doei completamente a empresa,


com as horas que passei insone para resolver problemas que

surgiam, negligenciando meus outros negócios.

Balancei a cabeça em negativa, mas não retruquei.

Por mais que ele diga que se dedicou a Falkenberg para fazê-
la prosperar, isso não era verdade. Ele passava mais tempo em

viagens, frequentando festas e se divertindo com mulheres do que

nas reuniões de negócios. Foi por essa razão que, embora meu avô
tenha dado o cargo de vice-presidente para ele, Félix não o colocou

à frente de tudo.
— Félix não deu a mínima para o amor que eu tinha pela
empresa da família, o quanto era importante para mim me tornar o

CEO da companhia, aquele que iria seguir os passos dele… — Fez


um gesto em negação. — Ele não passa de um traidor desgraçado
que, até depois de morto, não hesitou em fazer distinção entre nós
dois, mostrando quem era o seu predileto.
— Ignaz…

— Ah, o coitadinho do Hadrian! O garotinho que não confia na


própria sombra e que precisa de amor e proteção. O bastardo
completamente indesejado pelos pais…

Riu com as próprias palavras.


O deboche dele, que me fez ciente que, no seu íntimo, meu
melhor amigo sempre pensou isso de mim, fez com que a decepção

e a tristeza se tornassem ainda mais fortes, mas me apeguei à raiva


que era igualmente intensa.
— O garoto de ouro que nunca errou. O neto perfeito, o

exemplo a ser seguido! — Deu um sorriso irônico. — O magnata


impecável! Um fantoche! Um homem que esconde o seu mau
caráter. Se pensar bem, os dois até se merecem.

— Chega, Ignaz! — Voltei a socar a mesa e falei friamente: —


O único traidor que tem aqui é você.

— Não, fedelho, eu só estou tomando aquilo que é meu por


direito, aquilo que você me roubou!
— Eu não te roubei nada…
— Sim, você me roubou! Em nenhum momento pensou em
mim, naquilo que eu sentia e desejava. Me chama de traidor, mas foi
você quem jogou sujo, me apunhalando pelas costas ao aceitar o

cargo que deveria ser meu!


— Não fui eu que convocou uma reunião com o conselho,

mentiu para os membros e até mesmo criou documentos falsos para


convencê-los do meu papel de vilão. Tem a minha assinatura neles,
não é mesmo?

Apontei para as pastas sobre a mesa e me lembrei da vez


que havia assinado uma papelada que ele havia me entregado sem
ler perante a pressa. Eu tive que lutar contra a dor quando os olhos

dele brilharam, triunfantes.


— Nunca me mostrou o seu desejo de se tornar presidente da
Falkenberg, pelo contrário, fingiu felicidade por mim… — falei em

um tom baixo.
— Você deveria saber — estalou a língua. — Era
supostamente meu amigo!

— Não teria hesitado em dar a você o controle de tudo.


Não era mentira. Por mais que a companhia fosse importante

para o meu avô e também para mim, os laços que tinham me unido
a Ignaz eram muito mais importantes do que poder, dinheiro e
status.

— Não sou nenhum idiota para acreditar em você, Hadrian —


sibilou. — Todos sabem que você é ambicioso.
— Sim, eu sou… 

Não completei a frase. Poderia ter as minhas ambições nos


negócios, mas nunca passei por cima dos outros para alcançar o

que eu queria.
— Você não me deu escolha, Hadrian…
Quis rir do seu comentário, tamanha a ironia de ele me culpar

pela sua decisão.


Colocando as minhas mãos nos bolsos da calça, fiquei
encarando o rosto desfigurado pela raiva por um bom tempo,

ponderando. Tentava vencer os sentimentos confusos que


rodopiavam em meu interior, mas não conseguia.
Quanto mais olhava para o homem que me machucou, mais

náusea eu sentia. Sabia que deveria agir com racionalidade, sem


estar de cabeça quente, mas, para mim, só havia um caminho:
afastar-me. Por completo.

— Que seja, Ignaz — falei, reprimindo o suspiro cansado. —


Faça o documento e deixe na minha mesa que eu assino a minha
renúncia. Fique à vontade para assumir a presidência.

Os olhos dele se arregalaram e eu abri um sorriso, amargo.


Scheiße! Doía pra caralho abrir mão daquilo, mas eu havia
perdido muito mais do que dinheiro e poder. Perdi um “irmão”.

Continuei:
— Amanhã, toda a minha parte da companhia estará à venda
para você, ou para os membros das Sociedades Anônimas que já

detém ações, tenho certeza de que vocês ficarão interessados em


adquirir.

— Não pode fazer isso! — Ignaz sibilou. — Sabe que isso


fará com que a Falkenberg perca valor…
— Não é problema meu. — Dei de ombros. — De todo modo,

só estou procedendo da forma que você falou para todos:


destruindo a empresa.
— Hadrian!

— Nos próximos dias, todas as minhas coisas serão retiradas


daqui, você pode fazer o que quiser com a casa. — Fui frio.
— Não haja como um garoto malcriado, Hadrian.

— Ou o quê? — repeti as palavras dele, estalando a língua


em reprovação, fingindo uma indiferença que não sentia. — Você,
melhor do que ninguém, sabe que não costumo voltar atrás na
maioria das minhas decisões.
— Nosso avô ficaria decepcionado com você — sussurrou,

parecendo desesperado.
Por alguns segundos, o semblante de Félix cruzou os meus
pensamentos e, como se fosse possível, fiquei ainda mais

machucado.
Nunca quis decepcioná-lo. De alguma forma, ao vender a
minha parte, abrindo mão daquilo que ele batalhou tanto para

construir, era como se eu falhasse com ele, ainda mais quando


prometi que a companhia passaria para os meus filhos, netos,
bisnetos…

— Não menos do que estaria com você — retruquei, instantes


depois, fingindo que as suas palavras não mexeram comigo, que

isso não me fazia hesitar. — Então, acho que estamos no mesmo


patamar.
— Não serei eu o responsável por acabar com a

Falkenberg…
— Tenho certeza de que um homem experiente como você
contornará essa situação… — fiz uma pausa. — Se isso é tudo…

Dei as costas para ele e caminhei em direção a porta.


— Não, não é — gritou. — Seja homem, Hadrian!
— Adeus e até nunca mais, Ignaz — sussurrei ao girar a

chave e a maçaneta.
Assim que passei pela porta, senti-me quebrado, sofrimento
que eu escondi daquelas pessoas que esperavam do lado de fora e

que poderiam não serem completamente culpadas, mas que, por


mais que tentasse, nunca mais iria confiar.
Na verdade, depois de hoje, duvidava muito que conseguiria

crer em outro ser humano, por mais que soubesse que seria
impossível, já que eu não poderia ter o controle de tudo. No entanto,
iria dar o mínimo de abertura a quem quer que fosse. Não permitiria

que as pessoas me machucassem mais uma vez.


— Hadrian! — Ignaz começou a praguejar e a gritar feito um
louco.

— Fiquem à vontade para voltarem para a reunião. Ignaz tem


algo para dizer para vocês — falei ao passar pelos conselheiros,

que murmuravam, perguntando o que estava acontecendo, porém


não respondi.
Me sentindo aéreo, caminhei automaticamente pelos

corredores e, pegando a mala que ainda não havia desfeito, fui para
fora da casa. Nem me preocupei em vestir um casaco.
Assim que o vento frio soprou no meu rosto e dei um passo
para descer as escadas, me senti vazio, solitário. Provavelmente,

essa solidão nunca mais seria preenchida, e o único culpado, talvez,


fosse eu mesmo…
Capítulo um

Boston, Massachusetts, dias atuais


 

— Preciso trabalhar, sabia? — falei para o cachorro, que me

impedia de passar ao deitar seu corpo grande, coberto por pelos


pretos e dourados, nos meus pés.

Sua resposta foi colocar a língua para fora e bater o rabo


contra o assoalho de madeira.

Sorri para o animalzinho.

Apesar de que quando eu comecei a trabalhar no

apartamento, há seis meses, eu ter tido medo dele pela sua


aparência ameaçadora e brava, Órion, o cachorro do meu

empregador, era um verdadeiro amor, e não havia nada mais que


ele gostasse do que carinho e beijinhos. Bem, havia sim: petiscos!

— Está querendo um biscoitinho, né? — Coloquei as mãos

nos meus quadris.


Quando a cauda se movimentou com mais vigor, eu suspirei,

resignada.

Felizmente, o senhor Hadrian Falkenberg, o milionário para


quem eu trabalhava, diferentemente de outros patrões, não me

impedia de dar guloseimas para o seu cachorro e nem de brincar

com ele no meu tempo vago.


— Tá bom, seu meliante, te dou um ossinho se você me

deixar fazer o meu trabalho.


Órion latiu, parecendo mais animado.

Girei sobre os meus calcanhares e caminhei em direção ao

armário da cozinha onde estavam a comida e os petiscos dele.

Como sempre, Órion me seguiu.

— Pronto! — Estendi o osso para ele, que o abocanhou e

saiu trotando em direção a uma das suas inúmeras caminhas, que


ficavam espalhadas por todo o apartamento.
Gargalhando com a atitude do sapeca, lavei as mãos e
finalmente consegui entrar na lavanderia para continuar o meu

serviço.

O cansaço, temporariamente esquecido durante a interação

com o cachorro, voltou a pesar sobre os meus ombros, minhas

pálpebras quase se fechando com o sono.  

Embora o apartamento, localizado em um dos bairros mais


luxuosos de Boston, com vista privilegiada do Rio Charles, não

fosse um dos maiores que eu já tinha trabalhado, tinha metros

quadrados o suficiente para fazer todos os músculos do meu corpo

doerem.

As tarefas pareciam intermináveis, ainda mais quando eu

tinha dormido muito pouco a noite, já que meu meio-irmão e os

amigos decidiram ficar gritando a madrugada inteira enquanto


jogavam videogame, atrapalhando também o descanso dos

vizinhos. Não adiantava muito reclamar, ou pedir para diminuir o

volume do jogo, pois Liam ficava bravo e eu tinha medo da sua

ignorância e ameaças, medo de ele me agredir em seu

descontentamento.

Respirei fundo e o cheiro do perfume picante e delicioso do


meu chefe, que tinha ficado nas roupas sujas, impregnou as minhas
narinas. Abri a tampa da máquina para colocar as peças dentro,

tentando não pensar na minha posição vulnerável, mas era


impossível.

Meu maior sonho, além de cursar uma faculdade, era me ver


livre das garras do meu irmão.
Podem me perguntar: por que uma garota de vinte anos, que

tem o seu próprio dinheiro e trabalha desde muito nova, não foi
embora ainda? Além de Liam ficar com boa parte do meu

pagamento, falando que era para pagar as contas básicas —


praticamente, eu arcava com tudo sozinha enquanto ele ficava se

divertindo com os amigos —, eu não me sentia capaz, por mais que


tentasse lutar contra esse sentimento.
Temia perder a única pessoa que ainda me restava, pelo

menos a mais próxima, já que os parentes da minha mãe estavam


todos na Tailândia e os do meu falecido padrasto não me

consideravam da família.
Eu me achava fraca, uma medrosa, sem capacidade de dar

um passo à frente e tomar o controle da minha própria vida.


E o pior de tudo é que, embora eu sonhasse alto e até fizesse
algumas tentativas, como prestar os exames para admissão em

uma universidade, eu tinha certeza de que nada mudaria.


— Tem sorte de ter um emprego, Ana — murmurei para mim

mesma ao terminar de colocar as roupas na máquina e jogar as


cápsulas de sabão líquido e o amaciante.

O senhor Falkenberg me pagava muito mais do que a maioria


remunerava uma doméstica, e eu deveria estar contente com isso,

ainda que ele fosse meticuloso, frio e igualmente desconfiado. De


certa forma, era estranho fazer a limpeza no apartamento de um
homem que te obriga a manter sigilo a respeito de tudo, sob pena

de ser processada caso você abra a boca. Somente a agência que


eu era cadastrada, o secretário e os porteiros do prédio sabiam que

eu era empregada dele. Nem mesmo Liam tinha conhecimento para


quem eu trabalhava, o que tinha gerado uma discussão feia entre
nós e resultado em uma mancha roxa no meu braço por ele tê-lo

apertado com força.


Meu estômago retorceu com a lembrança e fiz de tudo para

apagá-la da minha mente, então fui tirar as peças que estavam na


secadora, colocando-as dentro do cestinho. Erguendo o cesto

pesado, o que fez meus braços doerem ainda mais, o carreguei até
a estação onde ficava o ferro. Peguei uma camisa social, que
deveria custar mais caro do que todas as minhas peças de roupa

juntas, e comecei a passá-la, tomando cuidado para não a queimar.


Não queria nem pensar no que poderia acontecer comigo se eu
acabasse estragando a roupa.
— Essa boca sua é terrível — falei para o bichinho minutos

depois, sem no entanto desviar a minha atenção daquilo que fazia,


ao ouvir suas unhas raspando no chão. — Nem deu tempo de você

se divertir direito!
Ri do meu próprio comentário, pousando o ferro para dobrar a
camisa da forma que me foi ensinada e que meu chefe apreciava.

— Hey, o que você está fazendo aí? — Franzi o cenho, me


virando para olhar para o cachorro que estava me cheirando. Revirei

os olhos. — Está jogando na minha cara que tô fedendo?


Ele me encarou com aqueles olhos grandes e negros,

balançando a cauda.
— Você deveria cheirar o próprio rabo — provoquei-o, sendo
muito infantil.

Com um gesto da mão, fiz o cãozinho se afastar, mas ele logo


retornou.

— Cachorro terrível! — Revirei os olhos e dei atenção à pilha


enorme de roupa, que nunca conseguiria terminar de passar se eu
ficasse olhando para o bichinho que daqui a pouco me daria a pata,

querendo brincar. — Sorte sua que eu te amo, Órion.


Ele latiu e eu soltei uma gargalhada.
Continuei a tagarelar com o cachorro, perdendo-me na tarefa,
passando peça por peça, conferindo se não havia ficado nenhum

vinco.
Suspirei quando vi que no cesto restavam apenas as cuecas

do senhor Falkenberg. Senti meu coração se acelerar. Era inevitável


não as deixar por último, mesmo que fossem uma peça de roupa
como outra qualquer.

Eu preferia fazer qualquer tarefa, inclusive lavar mil

banheiros, do que ter que passar as cuecas. E toda vez que eu


chegava naquela parte, me perguntava por que era necessário

passá-las se, além de acabarem ficando amarrotadas no corpo,

ninguém iria ver.

Bem, não era muito verdade, já que uma namorada, amante,


ou sei lá o quê que ele tivesse, veria.

Balancei a cabeça em negativa, meu cabelo, preso em um

rabo de cavalo, pendulando nas minhas costas, então afastei


aqueles pensamentos que não me levariam a lugar nenhum, e que

também não eram da minha conta. Embora admitisse que era

impossível não ficar curiosa acerca de quem estava se envolvendo


com um homem fechado igual a ele, minha curiosidade não seria
saciada, já que fazia anos que o último envolvimento dele saiu nas

colunas de fofoca.
Peguei a primeira peça com os meus dedos subitamente

trêmulos. Foi imediato para mim ficar consciente das várias

sensações estranhas que me tomavam, o que sempre acontecia


quando eu segurava uma das cuecas dele. Sempre disse a mim

mesma que era por, de alguma forma, eu estar invadindo a

privacidade dele, e não por causa de que todas as vezes eu

acabava pensando no homem alto e largo, de cabelos loiros e barba


cerrada, usando uma das boxers e mais nada, imaginando como

seriam os gominhos que compunham o seu abdômen, a força

presente na musculatura dos seus bíceps, que eram evidenciados


pela camisa justa. Minha respiração ficando cada vez mais ofegante

e rápida, no entanto, me denunciava.

Eu estava vermelha, e comecei a me sentir quente, ainda que


o ar- condicionado deixasse o ambiente frio.

— Tola! — Xinguei a mim mesma.

Lutando contra a minha imaginação, me forcei a terminar

aquela tarefa o mais rápido possível.


Não deveria estar tendo esses tipos de pensamento com o

senhor Falkenberg. Tudo bem que ele era um homem bonito, mas
era algo extremamente impróprio, além de saber que era um sonho

inalcançável.

Órion latiu.
— Agradeço sua defesa, querido, mas sou uma idiota — falei,

divertida, embora minha vontade fosse de chorar, porque, no fundo,

era isso que eu era: uma imbecil.

E mesmo ciente da minha idiotice, eu continuava sendo boba,


deixando-me levar pela imaginação de ver o meu chefe seminu.

— Mesmo, senhorita Khampha?

Dei um pulinho no lugar ao escutar a voz do meu patrão, e


fechei os olhos, desejando sumir.

Droga! Ele realmente me escutou dizendo isso?

Respirando fundo, pousando o ferro sobre a base, me virei

em direção a ele.
Elegantemente vestido com o seu terno feito sob medida,

meu chefe estava agachado, apoiando todo o seu peso sobre os

calcanhares enquanto acariciava o cachorro, que tentou me alertar


da presença do seu dono, mas que eu simplesmente havia

ignorado.

Por dez segundos ou mais, apenas contemplei o cachorrinho

sapeca, antes de voltar a encarar o meu patrão, que sempre parecia


suavizar a sua expressão ao brincar com o animalzinho.

Sorri, involuntariamente.
Como se soubesse que eu o encarava, ele ergueu o rosto e

me flagrou.

Seus olhos escuros tornaram-se subitamente desconfiados; o


momento de leveza foi soterrado debaixo da terra.

Um desconforto surgiu no meu peito. Meu sorriso morreu e eu

engoli em seco.

— Realmente sou uma grande idiota — sussurrei,


entrelaçando minhas mãos na frente do corpo.

— Todos nós já fizemos papel de idiota um dia, fräulein[4]…

Deu um sorriso sem graça, antes de se erguer, ficando sério.

Órion lambia os dedos dele, dando várias rabadas no ar,


roçando o seu corpo na sua calça, exigindo atenção. O senhor

Falkenberg não parecia se importar com os pelos que ficariam na

peça.

— Infelizmente, sim… — falei, depois de abrir e fechar a


boca, não sabendo ao certo o que dizer.

Não era como se não tivesse conversado com o senhor

Falkenberg antes, mas não havia passado de coisas banais, como a


forma como meu chefe gostaria que eu limpasse determinado

ambiente ou objeto.

Por mais que ser feito de bobo parecesse ser um tema

bastante seguro, minha intuição dizia que poderia muito bem


esconder camadas muito mais profundas. Ninguém carregava

aquele olhar repleto de desconfiança à toa.

A desconfiança dele era algo íntimo, tão íntimo quanto tocar e


passar as cuecas dele…

O cachorro latiu, me tirando daqueles raciocínios absurdos.

— Uns mais e outros menos — completei em um sussurro.

Respirou fundo e passou a mão pela barba.


— Sim… — Deu de ombros, e, mesmo sob várias peças de

roupa, deu para notar que ele parecia tenso.

Ficamos em silêncio, que era quebrado apenas pelo latido e


sons do cachorro, que passou a correr de um lado para o outro,

querendo atenção de qualquer um, e meu chefe voltou a ceder,

afagando a orelha de Órion.

— Posso te ajudar em algo, senhor Falkenberg? — Tomei a


iniciativa ao desentrelaçar meus dedos, recordando-me do meu

papel e que o milionário não iria até a lavanderia à toa.


— Preciso que você varra e passe pano no meu escritório —

falou em um tom suave, que era oposto à sua expressão hesitante.


— Um certo alguém deixou várias bolas de pelo por lá. Não é,

freund[5]?

Órion latiu e colocou a língua para fora.

— Precisa ser nesse momento, senhor? Estou terminando de


passar as roupas. Só faltam as cuecas… — Senti uma vergonha

enorme me invadir por estar falando das roupas íntimas dele.

— Tudo bem, alguns minutos a mais não farão diferença.

— Quer que prepare algo para o senhor comer ou beber? —


Ofereci, mesmo sabendo que isso não era parte das minhas

obrigações.

— Não é necessário, senhorita Khampha, obrigado — disse


educadamente.

— Okay! — assenti.

Outra vez, ficamos nos encarando em silêncio. Dessa vez,

tive a sensação de que era analisada, até que ele desviou o olhar,
deixando-me a sensação que havia falhado no teste dele, de quê,

não sabia dizer, mas, de alguma forma, esse sentimento fez-me

recordar que não era apenas o escritório dele que ficava trancado,
mas também a suíte que ele usava.
O fato do senhor Falkenberg permitir que eu limpasse aqueles
cômodos apenas quando ele estava presente deixava muito claro

que ele não confiava em mim. Eu deveria me sentir insultada por ele

duvidar do meu caráter, ainda mais quando, nesse tempo todo,


nunca tivesse dado motivo algum para ele suspeitar de mim, mas eu

não conseguia.

Isso era mais uma prova da minha imbecilidade. Quem


aceitaria trabalhar para alguém que suspeita de você como se fosse

uma criminosa?

Uma pessoa que precisa de dinheiro!

— O senhor pode abrir o seu quarto para eu guardar as


roupas no closet? — pigarreei, tentando dissolver o bolo que se

formou em minha garganta. — Sei que o senhor é bastante

ocupado, mas se tiver um tempo disponível hoje, posso limpar sua


suíte também.

— Precisa de quanto tempo, senhorita? — Olhou no seu


relógio de pulso de marca caríssima.
— Como eu fiz uma faxina pesada lá há cinco dias, acho que

umas duas horas.


— Certo. — Balançou a cabeça e fez uma careta ao olhar
para o cachorrinho. — Creio que irá precisar passar um aspirador de
pó lá também e trocar as roupas de cama. Mais pelos…
Não consegui conter uma gargalhada quando o cachorrinho
começou a latir, e isso atraiu a atenção de Órion para mim.

— Posso escová-lo — falei, acariciando os pelos macios.


— Estava pensando em fazer isso mais tarde…
— Acho que é melhor tirar o excesso de pelo, senão vai sujar

tudo de novo — sugeri, mesmo que não devesse, mas conhecia


Órion o suficiente para saber que nada o impediria de entrar
novamente naqueles cômodos.

— Não tinha pensado nisso — murmurou. — Como terei um


tempo agora, cuidarei disso. Depois, pedirei que o meu secretário
marque a ida dele ao pet shop.

— Agradeceria. — Sorri, perante a consideração dele.


Não era todo patrão que se preocupava se teríamos ou não
que refazer as nossa tarefas. Pelo contrário, alguns tinham até

prazer em nos dar retrabalho.


Quando ele sorriu de volta, sem que eu pudesse me controlar,

minha pulsação se acelerou e uma onda de calor assolou o meu


corpo. A vergonha voltou a me invadir e tive que me controlar para
não ruborizar.
Estava sendo ridícula. Não era o primeiro homem bonito que
me sorria com gentileza, e nem seria o último. Mil vezes tola.
— Vamos, Órion?

Completamente alheio às minhas emoções, depois de dar as


costas para mim, ele estalou os dedos para o cachorro antes de

começar a caminhar. Sem precisar de mais incentivo, trotando e


abanando o rabo, o animal o seguiu.
Fiquei estacada no lugar até que, após se passarem alguns

minutos, a máquina de lavar me avisou que a roupa já estava


lavada; só então saí do transe.
Maldizendo-me pela minha idiotice, foquei nas tarefas que

exigiam a minha atenção.


Infelizmente, enquanto terminava de passar as cuecas, não
consegui controlar a antecipação e nem mesmo os arrepios que

tomavam o meu corpo por saber que tinha que limpar os "cômodos
proibidos”. Os meses não haviam me feito acostumar com a tarefa.
Por si só, o escritório e o quarto dele eram pessoais demais,

já que a decoração, que era uma mistura de austera com o


industrial, parecia refletir a personalidade dele: sombras e mistérios,

fora a intimidade de saber que ele ficava nu lá dentro. No entanto,


era o fato de ficar ciente dos olhos escuros do meu chefe pousados
sobre mim, acompanhando cada movimento que eu fazia, que me
deixava sempre nervosa, olhar que o Senhor Falkenberg não

procurava por nenhum momento disfarçar e que provocava vários


choques em mim, deixando todos os pelos da minha nuca e braços
eriçados.

Infelizmente, nem mesmo a presença do cachorro, que


trançava de um lado para o outro, latindo, tentando brincar com o

pano que usava na limpeza, ajudava a diminuir aquele mar de


sensações que me deixava com a garganta seca e trêmula da
cabeça aos pés, além de confusa.
Capítulo dois

— Posso entrar, senhor? — perguntou após bater na porta,


que estava com uma fresta entreaberta, sua voz soando um pouco

trêmula, e eu desviei a minha atenção do e-mail que escrevia.

Antes que eu pudesse responder, Órion correu em direção a


entrada, balançando o rabo, e assim que alcançou a soleira,

esperto, o cachorro passou o focinho e a escancarou, deixando eu


ver a garota parada próxima a soleira, equilibrando vários materiais

de limpeza. Os baldes e o aspirador portátil estavam perto dos seus

pés.
Não respondi, apenas contemplei a mulher, cuja blusa grande

e a calça larga que usava para trabalhar não escondiam o corpo


pequeno e delicado. O rosto redondo, as maçãs das bochechas

altas, os olhos puxados e a pele de aparência aveludada pareciam

torná-la ainda mais frágil, deixando-a com uma aparência bastante


jovem. Nem mesmo o nariz grande, que contrastava com os traços

finos, e as mechas de cabelo que saíam do rabo de cavalo no topo

da sua cabeça destruíam a harmonia que havia nela.


Ela era linda sem nenhuma dúvida, ainda que parecesse uma

boneca de porcelana que se estilhaçaria em mil pedaços ao ser

tocada.
Contra meu bom senso, a fragilidade e a beleza sutil dela me

atraíam, ainda que estivesse bastante ciente de que a garota era


doze anos mais nova do que eu, fato que tornava a atração algo

mais surpreendente ainda. Não me recordava se alguma vez tinha

chegado a ter a minha atenção capturada por uma mulher tão

jovem. A inquietação que sentia quando os lábios generosos dela se

curvavam em um sorriso, deixando os olhos ainda mais puxados, ao

ponto de quase não os enxergar, me sobressaltava; mas a centelha


de interesse que ela suscitava em mim não passaria disso: uma

faísca, que logo morreria.


As aparências enganavam. Rosto e corpo bonitos não
significavam nada, a beleza escondia muitas facetas. Por mais que

ela fosse uma boa funcionária, perfeccionista, e respeitasse as

normas que eu tinha imposto no contrato, isso não dizia muita coisa

sobre ela e o seu caráter. Não seria o ar frágil que a impediria de

contar mentiras e viver vários papéis.

— Senhor Falkenberg? — chamou em um tom baixo, tirando-


me das divagações.

— Entre, senhorita Khampha — minha voz soou mais grossa.

Ignorando-a, olhei para o meu cachorro que, emitindo vários

sons, roçava nas pernas dela, querendo atenção e afagos, o seu

corpo grande ocupando a entrada da porta. 

— Se Órion deixar, é claro — brinquei.

— Compro ele com mais um ossinho, não é, querido?


Balançando a cauda com vigor, o animal latiu, concordando

com a ideia, e se esfregou nela, fazendo charme para ganhar o

petisco.

— Meliante…

A garota riu suavemente, o que chamou a minha atenção

para os lábios rosados curvados em um sorriso enquanto ela


acariciava os pelos pretos e dourados do cão. Eu fiquei hipnotizado,
uma espécie de desejo me invadindo, que fiz de tudo para sufocar,

sem tanto sucesso.


Movi-me na minha cadeira, desconfortável.

Ela permaneceu brincando com Órion por alguns instantes,


até que estacou, recordando das suas obrigações.
Rubor subiu pelo seu pescoço e rosto, e foi impossível não

pensar em outras circunstâncias onde a senhorita Khampha ficaria


ruborizada, todas elas envolvendo uma ânsia primitiva minha que se

tornava mais aflorada nos últimos tempos.


— Mais tarde, querido. — Deu uns tapinhas na cabeça do

pastor alemão que lambeu os dedos dela. — Preciso limpar a sua


bagunça.
Órion latiu.

Ela finalmente entrou no meu escritório. Ainda que parecesse


se divertir com as travessuras do meu cachorro, que só tinha

tamanho e que continuava a trançar pelas pernas dela, impedindo


seus movimentos, a linguagem corporal da garota não escondia a

tensão que sentia.


Quis rir com o pensamento de que não era a primeira vez que
isso acontecia. Sempre que tinha que limpar meu escritório ou

minha suíte, ela parecia desconfortável, ficando ainda mais quando


percebia que eu acompanhava os seus movimentos, mas era

inevitável para mim não estar presente enquanto ela trabalhava


nesses cômodos.

Muitos poderiam pensar que era uma obsessão, mas não


confiava em ninguém o suficiente para deixar quem quer que seja

ficar sozinho no meu escritório e na minha suíte.


Um mês depois de descobrir a traição de Ignaz para ficar com
a presidência da Falkenberg, acabei tomando conhecimento que o

meu primo estava de posse de várias informações que ele obteve


por ter livre acesso aos computadores e documentos que guardava

no meu quarto e nos escritórios. Ele não apenas divulgou a minha


situação financeira na mídia, como retaliação pela venda da minha
parte na companhia, mas também de alguns investimentos que

pretendia realizar e que me gerariam bastante lucro, fazendo com


que alguns concorrentes me atravessassem.

Não fiz nada para revidar, apenas engoli a dor de mais uma
apunhalada.

Um ano após o ocorrido com meu primo, eu peguei um


funcionário mexendo em alguns relatórios que estavam na minha
mesa, que tratavam sobre as novas tecnologias mais sustentáveis

que estavam sendo desenvolvidas pela Home, um conglomerado


que havia herdado do meu genitor e que, depois de algumas
expansões, passou a produzir artigos de uso doméstico, como
bombas elétricas para piscinas e aspiradores. Os mandantes? Ignaz

e alguns concorrentes, que queriam roubar tecnologias e refrear o


crescimento da minha companhia. Felizmente, não haviam obtido

sucesso.
Tinha dito a mim mesmo que não faria mais papel de idiota,
mas acabei fazendo mais um. Agora, não mais.

— Aqui, Órion — ordenei quando vi que meu cachorro


brincava de tentar pegar as cerdas da vassoura.

Os dois pararam o que estavam fazendo e me fitaram: a


senhorita Khampha parecendo surpresa com o meu comando, e

meu cachorro indignado por eu interromper sua brincadeira.


— Pare de atrapalhar a senhorita Khampha — continuei e ele
latiu, passando a patinha pelo focinho comprido, e eu fingi que

estava bravo: — Que eu saiba, você não tem dinheiro para pagar a
hora extra dela. E duvido muito que ela aceitará lambidas como

pagamento.
O pastor alemão emitiu um grasnar baixinho.
— Ainda mais quando tenho isso de graça — ela disse em um

tom risonho, gargalhando quando o animal voltou a choramingar.


Novamente me peguei encarando o rosto dela, focando nos
olhos quase sumindo em meio à risada. Dos olhos, passei a fitar a
boca levemente rosada e, dessa vez, senti um impulso de roçar as

pontas dos meus dedos nela, para sentir a maciez de seus lábios.
Desviei o olhar.

— Ninguém fecharia esse negócio com você, Órion! — Falei


ao cortar o rumo dos meus pensamentos, minha voz soando mais
grave do que gostaria por estar irritado.

— Não mesmo — comentou, ainda gargalhando, e voltou a

passar a vassoura.
— Aqui, garoto! — repeti em um tom mais firme, ao apontar

para a caminha dele que ficava próxima a minha mesa.

Minha tentativa de parecer severo com o cachorro

desmoronou quando o vi deitar sobre o piso de madeira e ficar com


a barriga para cima, sacudindo o rabo. Balancei a cabeça em

negativa, sorrindo.

Órion era o único que podia me enganar, pois, diferente das


pessoas, sabia que suas maquinações caninas não iriam me ferir.

— Te dou um petisco — falei para o animal, mexendo o pote

que ficava sobre a minha mesa, para depois pegar uma pelúcia e
mostrar para ele: — Ou isso.
Não precisei de mais nada para que ele viesse correndo até

mim, parecendo feliz.


Ouvi um suspiro resignado em meio a animação do cachorro,

que pegava o brinquedo da minha mão e trotava em direção a sua

caminha. Esperava que isso fosse o suficiente para entretê-lo, pelo


menos, por uma meia hora.

Lançando um último olhar para o animal, encarei a garota,

que varria com movimentos precisos, formando uma bola de pelos

com a vassoura. Por mais que tentasse disfarçar, estava ciente da


tensão que voltou a dominá-la, do seu desconforto.

Sabia que ela não tentaria mexer nos meus itens pessoais

comigo ali, mas ainda assim estava em alerta. Tentei focar no e-mail
que redigia, porém, sem controle dos meus atos, meu olhar era

atraído pelos seus gestos, pelos sons, como se eu não tivesse nada

mais importante para fazer do que admirá-la.


Eu ficava ainda mais ciente da presença dela com os sons

baixinhos que ela emitia. Observei seus cabelos pretos, que iam um

pouco abaixo dos ombros e ricocheteavam contra as suas costas

com os movimentos que fazia, e também a força escondida atrás da


fragilidade.
Deslizei o olhar pelo corpo dela. Fiquei fodidamente deliciado

com os pequenos arrepios que pareciam percorrê-la no momento

em que nossos olhares se cruzavam, flagrando um ao outro em


nossa observação.

O contato durava poucos segundos, mas me davam uma

sensação de que aquele tempo era suficiente para causar

rachaduras em mim.
Fechei os olhos, tombando a minha cabeça contra o encosto

da cadeira. Quis rir do quão ridículo esse pensamento era e

recordei-me dela se chamando de idiota. Se havia um tolo naquela


sala, esse alguém era eu. Ou um carente, que estava dando

atenção demais a olhares que nada significavam, afinal, eu era um

maldito invasivo que não parava de encará-la mesmo que não

houvesse tanta necessidade de ser tão vigilante.


— Não vai atender, senhor? É a segunda vez que toca —

questionou ao desligar o aspirador de pó por um momento, e só

então escutei o som que saía do celular em meio aos latidos de


Órion, que tinha voltado a rodear a garota, provavelmente querendo

brincar com o eletrodoméstico.

Scheiße!
Olhei para o visor do meu celular, que vibrava em cima da

mesa, e soltei outra praga quando vi que era o diretor-executivo da


empresa varejista de médio porte que atendia os estados federados

da Baixa Saxônia Alemã.

Embora eu não pudesse questionar o modo como ele


administrava a Market, nem mesmo os resultados que ele obteve

nos dois anos de gestão, não podia negar que ele testava a minha

paciência ao me ligar sempre que precisava tomar uma decisão

importante na empresa, o que aumentava ainda mais a minha


desconfiança em relação a capacidade dele de resolver um

problema caso eu não possa estar presente, mesmo que por

telefone.
Emiti um som de cansaço e, antes que a chamada caísse na

caixa postal, atendi:

— Ruschel — fui mais ríspido do que o necessário.

— Senhor Falkenberg, que bom que atendeu — falou em


alemão com o seu sotaque suíço em um tom alto que rivalizava com

os latidos de Órion, parecendo um pouco hesitante. — Estava

prestes a te ligar no seu número pessoal.


Franzi o cenho, um pouco desgostoso.
Sem precisar pedir, vi minha funcionária segurar meu

cachorro pela coleira e arrastá-lo de maneira cômica para fora do

escritório, já que ele conseguia ser bastante teimoso quando queria,

e fechar a porta, me dando privacidade para tratar dos meus


assuntos.

Por um momento, ou dois, prestei atenção em Órion

arranhando a porta, querendo entrar, mas o barulho logo parou.


— O que houve? — Fui direto ao ponto, não querendo perder

mais tempo, e acomodei-me melhor na cadeira, consciente de que

ele me tomaria uma boa meia hora.

— Um grande problema, senhor, e não sei como explicar. —


Senti receio em seu tom.

— Comece do início — ordenei.

À medida que ele falava, meu semblante ficava cada vez mais
sério e eu anotava alguns pontos na minha caderneta. O estresse

me dominava. A meia hora se tornou horas, em que eu emendava

uma série de ligações uma na outra, fazendo videoconferências,

enviando e-mails e pedindo pareceres técnicos para a empresa


responsável que, em parceria com a minha, distribuía o suposto

produto “contaminado” na minha rede de lojas.


Eu perdi a noção do tempo. Estava em uma nova ligação,

quando a garota voltou a bater na porta.


— Senhor Falkenberg?

— Te ligo daqui a pouco — falei para a pessoa do outro da

linha e desliguei a chamada. — Sim, senhorita Khampha?

— Mesmo que o senhor não tenha pedido, preparei um café


para o senhor. — Seu tom pareceu envergonhado. — Posso entrar?

Fiquei surpreso por um momento, mas acabei dando

permissão.
Tanto ela quanto Órion entraram. Meu cachorro, que estava

mais tranquilo, deitou na sua caminha, provavelmente cansado de

brincar. Também não me passou despercebido o semblante abatido


da garota, como se estivesse exausta.

— Obrigado — agradeci quando ela colocou a bandeja sobre

a minha mesa, e vi que ela tinha preparado algo para eu comer

também. — Não necessitava ter feito sanduíches.


O cheiro do café passado na hora impregnou as minhas

narinas, e eu não hesitei em tomar um gole da bebida quente.

— Não custava nada, senhor, já que acabei preparando um


para mim também — deu de ombros. — O senhor quer mais alguma

coisa?
Fiz que não ao pousar a xícara, e finalmente olhei as horas no
relógio, constatando que ela já deveria ter ido embora há muito

tempo. Se eu fitasse a janela, veria a escuridão da noite.

— Pode ir para casa, senhorita Khampha, está tarde — falei


quando vi que ela não havia se movido e me encarava.

— Preciso terminar de limpar aqui e também de guardar as

suas roupas.
Colocou uma mecha que havia soltado do rabo de cavalo

para trás, e minha atenção foi momentaneamente atraída pelos

piercings delicados na bordinha da orelha. Ignorei a visão e o desejo

de tomar aquela região sensível entre os meus dentes,


mordiscando-a, de fazê-la estremecer com o calor do meu hálito.

— Amanhã cedo você faz isso, ainda estou ocupado. —

Beberiquei um pouco mais o meu café, soltando um gemido baixo


de apreciação.

— Tudo bem, senhor Falkenberg. — Emitiu um suspiro. — Só


irei guardar tudo para que não fique espalhado no meio do cômodo.
— Claro.

Com um acenar, ela começou a recolher todas as coisas


enquanto eu tomava mais do líquido preto e forte e devorava o
sanduíche, nem havia percebido que estava com fome. Enquanto
comia, fiz de tudo para não ficar olhando para a bunda dela, ainda
que fosse instintivo para um homem encarar aquela parte do corpo
em específico de uma mulher.

— Deseja que eu coloque Órion para fora? — perguntou ao


pegar o aspirador de pó.
Olhei para o animal, que estava quieto.

— Não é necessário.
— Então boa noite, senhor.
— Boa noite, senhorita Khampha.

Dei um sorriso para ela, que retribuiu, o que transformou o


seu rosto cansado. Um arrepio percorreu toda a minha coluna e
meu coração bateu mais forte, sem nenhuma explicação.

Vi a garota caminhar em direção a porta e acabei olhando


para o traseiro dela de novo. Apesar de não ser redonda e
empinada, a bunda era bastante grande para um corpo tão

pequeno; formava quase um coração invertido e tinha bastante


carne para pegar. A agitação tomou o meu corpo que, com um

pouco mais, poderia ficar rígido.


— Porra! — praguejei.
Fechando os olhos, a irritação voltou a me consumir, até se

transformar em raiva, que era voltada para mim mesmo. Quando o


toque do meu celular ecoou outra vez nos meus ouvidos, senti mais
raiva por ter esquecido temporariamente das minhas obrigações. É,
talvez a garota não fosse a única que estava exausta por aqui;

cansaço era a única justificativa para o meu lapso.


Emiti um som longo e profundo, dizendo a mim mesmo que

realmente estava cansado e que o estresse causado pelo problema


que poderia prejudicar a imagem da minha empresa também não
ajudava. Ainda assim, isso não diminuiu a minha fúria que acabou

resvalando na pessoa do outro lado da linha.


Capítulo três

— Não há nada que eu possa fazer por você, Ruschel —


disse em um tom ríspido, acariciando a lateral da minha têmpora

que latejava.

O alemão do outro lado da linha só ajudava a aumentar ainda


mais a minha dor de cabeça.

Merda! Não compreendia por que eu ainda não o havia


demitido.

— Tenho certeza que você consegue resolver esse problema

sozinho — sentenciei.
Como se não bastasse o escândalo envolvendo o produto

adulterado que foi vendido na minha rede varejista, problema que


estava sendo solucionado pela minha equipe de advogados, houve

também um erro na campanha de marketing, e ao invés da

divulgação de uma determinada marca, foi realizada de outra.


— Mas, senhor Falkenberg… — continuou a argumentar

sobre a questão.

Apoiando o celular entre minha orelha e o ombro, abri a


gaveta e tirei de lá um frasco de analgésicos. Engoli o comprimido a

seco, e o senti deslizar dolorosamente pela minha garganta.

— Se você acha que não é capaz, por que não se demite


logo? — falei, por fim, interrompendo o homem, perdendo toda a

minha paciência, que naquele momento era pouca.


— Se-nh-or Fal-ken-be-rg? — gaguejou.

— Resolva isso com o departamento de marketing e, se for

necessário, faça cabeças rolarem pelos seus erros — sentenciei.

— Ma-m-as…

— Você tem até amanhã à noite, seu horário local, para

contornar a situação, senhor — usei ironia. — Se não conseguir


resolver, considere-se demitido.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, encerrei a
ligação.

Ciente de que ele provavelmente tentaria me ligar novamente,

mesmo sabendo que poderia receber outras ligações importantes,

coloquei o aparelho no modo silencioso e joguei-o displicentemente

sobre a mesa.

— Que inferno! — Passei a mão exasperadamente pelos


meus cabelos, desalinhando os fios.

Deixando a mão cair com força sobre a minha coxa, tombei a

cabeça contra o encosto da cadeira e me permiti fechar os olhos por

um tempo, esperando que o remédio fizesse efeito rápido.

Porra! Ainda que fosse quase o final do expediente, eu tinha

várias pendências para resolver, documentos para ler e redigir, e

também analisar como foi o fechamento das bolsas de Nova York,


Frankfurt e outras menores, fora o relatório com os resultados do

teste de um novo produto para cuidados de pisos que, além de ser

atóxico para o meio-ambiente, a fórmula era cem por cento vegana.

Resignado a afundar-me no trabalho, emiti um suspiro

cansado e abri os olhos, passando a mão pelo meu queixo, sentindo

que precisava aparar os pelos da minha barba que haviam crescido


bastante, mas estava exausto demais para fazer isso.
Quando estava prestes a ligar o meu notebook, que havia

caído no modo suspenso, o ramal que me comunicava com o meu


secretário tocou.

— Porra! Se for Ruschel, juro que demito ele agora!


Voltando a passar a mão pelos meus cabelos, sentindo a
minha têmpora pulsar só com a possibilidade, acabei soando

bastante seco:
— Sim, Gabriel?

— O advogado que representa Ignaz Falkenberg gostaria de


uma reunião com o senhor — falou em um tom neutro.

Senti o meu sangue esfriar e o meu humor, que estava


bastante instável, tornou-se mais sombrio só de escutar o nome do
meu primo. Meu corpo ficou tenso e meu maxilar trincou. A dor e a

tristeza voltaram com tudo.


Caralho! Nunca pararia de doer?

Tentei afastar aquele sentimento pensando nas inúmeras


possibilidades do porquê ele queria uma reunião, mas nenhuma me

pareceu coerente. O que essa pessoa iria querer comigo? Eu e


Ignaz não tínhamos mais nada em comum além do sangue que
carregávamos.
— Ele tem hora marcada? — Modulei meu tom, tentando

mascarar o incômodo que sentia para o meu funcionário.


— Não, senhor Falkenberg, mas o senhor Keppler disse que

é de caráter urgente.
Fiquei em silêncio ponderando se eu o receberia ou não; por

um lado a curiosidade me tomava, enquanto a perspectiva de me


decepcionar com meu primo mais uma vez fazia meu estômago
revirar.

— Peça a ele para entrar — falei depois de minuto, dizendo a


mim mesmo que nada que ouvisse poderia me machucar ainda

mais.
No fundo, eu sabia que estava contando uma mentira para
mim mesmo. Meu ex-melhor amigo, mesmo depois de oito anos

sem nenhum contato, tinha muito poder de me ferir.


— Depois de nos servir água e café, está dispensado —

continuei.
— Sim, senhor.

Remexi na minha cadeira, desconfortável, a tensão tornando-


se algo incontrolável dentro de mim.
— Entre — pedi, quando meu secretário bateu na porta.
— Boa noite, senhor — o homem loiro, baixo, de meia-idade,
com o rosto tomado por sardas, falou com sotaque forte ao entrar.
Por um momento, apenas fiquei o encarando, tentando me

lembrar se eu já o tinha visto antes, porém minha memória ficou em


branco.

O fato de eu não o ter reconhecido fez com que a minha


desconfiança natural aumentasse exponencialmente.
— Sente-se — convidei, apontando para a cadeira à minha

frente.
— Obrigado por me receber, senhor.

Não respondi, tornando a pensar no porquê dele estar aqui.


Ficamos em silêncio até meu secretário entrar carregando

uma bandeja e a deixar no canto da minha mesa, proferindo em


seguida uma despedida.
— Café?

O homem fez que não com a cabeça e tirou um envelope da


pasta de couro.

A sua atitude grosseira fez com que eu arqueasse a


sobrancelha para ele.
— O que deseja falar comigo, senhor Keppler? — questionei

em alemão, indo direto ao ponto.


Não queria amortecer a dor que sabia que viria. O gosto da
traição parecia impregnar a minha boca, mesmo que nada ainda
tenha acontecido.

— Tenho certeza de que não veio até aqui para trocarmos


amenidades ou discutir sobre o tempo. Devo contatar meus

advogados? — Fui seco.


— Depois dessa conversa, acredito que sim, senhor — falou
em um tom baixo, e o pesar nos olhos azuis deixou-me ainda mais

apreensivo.

— Compreendo. — Olhei-o com desconfiança ao colocar as


duas mãos sobre a mesa, entrelaçando os meus dedos em uma

tentativa de controlar aqueles sentimentos ambíguos. — O que

Ignaz fez dessa vez? Vai me acusar de continuar o roubando?

Processar-me pelo estado decadente que a Falkenberg se


encontra? Eu não tenho mais nada a ver com isso…

Uma pontada de culpa me invadiu ao pensar no quão mal-

administrada vinha sendo a companhia que meu avô tanto amou,


mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Eu não detinha

mais nenhuma parte da empresa para contestar algo.

— Temo que seja mais grave do que isso, senhor…


Mexeu-se, parecendo desconfortável. Abriu e fechou a boca

antes de continuar:
— Veja bem… Não existe jeito fácil de dizer isso.

— Mesmo? — falei, sentindo a apreensão tomar conta de

mim.
A dor, como se fosse possível, se tornou ainda maior.

— Seu primo se envolveu em um acidente de carro em uma

autoestrada de Munique, que, infelizmente, resultou em fatalidade…

— O quê? — questionei em um tom mais alto do que o


normal, sem acreditar naquilo que tinha escutado.

— Sinto muito pela sua perda, senhor. — Olhou-me com

pesar.
Fiquei paralisado. Eu estava errado, muito errado. A dor que

senti ao escutar a notícia foi ainda maior do que esperava.

Ignaz estava morto? Não, não podia ser...


Meu primo estava indo longe demais com essa brincadeira

cruel de fingir a própria morte apenas para me ferir.

Eu comecei a lutar para encher os meus pulmões de ar, mas

uma bigorna opressora parecia impedir o oxigênio de circular dentro


de mim. Meu corpo estava trêmulo. Se eu não estivesse sentado, eu

cairia da minha cadeira.


— Não pode ser… — murmurei. Depois de um tempo, não me

preocupei em esconder a vulgaridade nas minhas palavras, nem

mesmo a minha descrença: — Porra, você está de sacanagem


comigo?

— Não, senhor, temo que não. — Balançou a cabeça. —

Tenho uma cópia do registro da morte dele caso queira ver.

Ponderei, lutando contra mim mesmo se eu deveria acreditar


ou não no homem à minha frente, até que decidi pegar o documento

que ele me estendeu e o percorri buscando por sinais de

falsificações. Não, era real.


A realidade se abateu sobre mim.

— Não pode ser — repeti, em estado de negação, e as

lágrimas começaram a se formar em meus olhos. Eu não queria

acreditar.  — Como?
— Seu primo estava dirigindo sob efeito de álcool e outras

substâncias ilícitas — seu tom foi sério, não escondendo o quanto

abominava a prática de beber e dirigir. — Além da acompanhante


dele, todos que estavam no outro veículo envolvido no acidente

também não sobreviveram…

— Merda, Ignaz!
Soltei o papel e dei um tapa na mesa com raiva, a dor pela

perda sendo substituída pela fúria. 


Porra! A imprudência dele tinha matado outras pessoas! Isso

foi a pior coisa que ele havia feito. Tramar contra mim, tentando

roubar as tecnologias da minha empresa, não era nada se


comparado a isso.

— Filho da puta desgraçado! — Tornei a bater na mesa,

indignado.

— Sou obrigado a concordar — o homem falou e eu olhei


para ele. Havia até me esquecido dele.

— As famílias das vítimas estão amparadas? — Tentei ser

prático em meio a fúria.


— Como representante legal dele, tomei providências em

relação a isso, cuidando do bem-estar de todas as famílias

envolvidas — emitiu um som cansado —, não que o dinheiro possa

trazer as pessoas de volta.


— Não, não pode.

— Se o senhor quiser, tenho os extratos bancários e a

documentação que prova que procedi da maneira correta.


— Depois eu vejo isso.
Levei a mão a têmpora, minha dor de cabeça retornando com

ainda mais força. Porra, era muita coisa para processar!

— Não veio até aqui apenas para me informar da morte do

meu primo, não é mesmo? — perguntei depois de um tempo. — Eu


poderia ter sido informado por telefone. Ele já foi…?

— Sim, senhor Falkenberg, no jazigo familiar, uma semana

atrás.
— Entendo.

Voltei a ficar tenso, embora nenhuma notícia que o advogado

poderia me dar pudesse ser pior do que a da perda.

— De maneira sucinta: estou aqui para tratarmos do futuro da


herdeira que o seu irmão deixou.
Capítulo quatro

— Herdeira? — Não escondi  a descrença no meu tom e na


careta que fiz para o homem.

Tudo bem que eu evitava ficar sabendo coisas a respeito do

meu primo, mas me surpreendia o fato de ele, em algum momento


nos últimos anos, ter se casado, principalmente por, ao contrário de

mim, ser um grande mulherengo e sair com várias mulheres ao


mesmo tempo. Fora que ele adorava participar de orgias, ménages

e coisas do tipo, algo que nunca me atraiu. Saber que Ignaz tinha

uma esposa parecia uma grande piada. O homem perdeu qualquer

credibilidade para mim, se é que ainda existia alguma.


— Você não deveria ir falar com a mulher dele? — questionei

com sarcasmo.
— Não se trata de uma esposa — explicou, estendendo-me

outro documento —, mas, sim, de uma filha.

— Filha? — sussurrei, incrédulo, sentindo os meus dedos


trêmulos ao pegar o papel das mãos dele.

Meu coração bateu mais forte ao percorrer lentamente a

certidão de nascimento. Depois de checar o nome do meu primo,


fiquei encarando o nome Verena Falkenberg por minutos a fio

enquanto várias sensações me percorriam e conflitavam entre si.

Estava chocado com a notícia, feliz pela existência dela, triste


pelo fato de ela ter perdido o pai tão nova, com raiva por Ignaz ter

falecido como consequência da própria imprudência, e igualmente


amargo ao pensar que se ele não tivesse me traído, eu teria

participado da vida dela. Que eu não teria ficado tão sozinho.

Deus! Esse último pensamento doeu.

Era irracional, mas machucou mais do que saber que Ignaz

havia falecido e levado pessoas junto com ele para o túmulo.

— Quantos anos ela tem? — Sei que a data de nascimento


estava escrita na certidão, mas as emoções não me permitiam

pensar coerentemente.
— Cinco. Realmente não sabia da existência dela, senhor?
— Não.

— Lamento! — Ele falou.

Olhei para ele, sem realmente fitá-lo, tentando digerir tudo.

— Como ela está?

— Acredito que bem, na medida do possível, embora deva

ser um pouco confuso para a cabeça dela — respondeu.


Culpa. Mais um sentimento que se unia aos outros.

De alguma forma, saber que você não estava presente

quando necessitavam de sua ajuda era o fator mais pesado de

todos.

—  A mãe?

— Faleceu no acidente também.

— Deus! — O peso da responsabilidade tornou-se ainda


maior.

Porra! Era lancinante pensar no sofrimento da menina que

perdeu ambos os pais ao mesmo tempo.

— Ela está com os familiares por parte materna?

Senti uma pontada de esperança por Verena não estar

completamente desamparada, sozinha.


No que dizia respeito aos Falkenberg, duvidava muito que um

dos meus tios tivesse se interessado em pegar a responsabilidade


para si. A família do lado materno de Ignaz não era das melhores

também.
— Não, senhor, e é por isso que estou aqui, já que a situação
de Verena é um pouco peculiar…

Senti vários calafrios percorrerem a minha espinha. Eu tinha


certeza que nunca havia ficado com tanto medo como agora, nem

mesmo em meio às discussões dos meus pais.


Algo estava muito errado, e toda a minha intuição me dizia

que a situação só pioraria.


— Seu primo deixou expresso em seu testamento o desejo de
que o senhor se tornasse o guardião legal da senhorita Verena em

caso do falecimento dele, pois, de acordo com as palavras dele, o


senhor seria o único capaz de gerir o patrimônio que ele deixou sem

prejuízo para a menina.


A raiva voltou a me queimar lentamente quando uma

possibilidade me passou pela mente.


Entrei novamente em negação. Meu primo não jogaria tão
baixo.
— Não é pela criança, não é? — Minha voz era perigosa,

mesmo que o advogado não tivesse culpa pelas escolhas de Ignaz.


— Ele me nomeou o guardião dela apenas para aumentar o

patrimônio dele, correto?


O desconforto do senhor Keppler me dizia tudo o que

precisava saber, e isso foi o estopim para que o vulcão de fúria que
havia adormecido dentro de mim entrasse em erupção.
Eu queimava por dentro, ao mesmo tempo que tentava não

demonstrar ao homem o quão prestes eu estava de descontrolar-


me.

— Onde está Verena? — perguntei em um tom frio após


vários minutos, incerto se eu queria ou não ouvir a resposta.
— Em um colégio interno no interior de Minnesota —

murmurou.
Trinquei os dentes, o meu corpo todo ficando ainda mais

tenso
Porra, nunca imaginei que, depois de todas as vezes que

Ignaz havia me consolado perante a tristeza de eu ter sido rejeitado


e manipulado pelos meus pais, depois do meu primo chamá-los de
covardes, ele acabaria fazendo isso com a própria filha.

Droga!
Junto com a raiva, veio a dor, a compaixão pela menininha.
— E a mãe? Ela deixou a menina ser criada em um internato?
— Para eles, essa era a melhor opção, já que nenhum dos

dois queria ter filhos — falou em um tom sério.


Meu maxilar doeu ainda mais com a pressão que eu exercia

sobre os dentes cerrados.


— Meu primo convivia com ela pelo menos? — insisti. — Ou a
mãe?

— Não. Eles não visitavam a menina nem mesmo em datas


comemorativas.

— Entendo — falei, revivendo a falta de amor e carinho dos


meus próprios pais, colocando-me no lugar da menina.

Fiquei ainda mais furioso.


— O que você pretende fazer, senhor? Pretende continuar a
manter Verena morando lá?

Rosnei para o senhor Keppler, irritado, passando as mãos


pelos meus cabelos.

— Isso está fora de cogitação — fui rude.


— Entendo, senhor.
Por mais que ela estivesse sendo bem cuidada e até mesmo

recebesse carinho das cuidadoras e professoras, me mataria


primeiro antes de negar a ela o direito de ter um lar. De ser amada.
De ter um pai para protegê-la, auxiliá-la em tudo o que precisasse.
De ter alguém que irá beijá-la e abraçá-la, e que também irá

consolá-la e limpar as suas lágrimas, tudo que tinha sido me negado


antes de Félix, meu avô, me resgatar.

Não tinha ideia de como eu faria aquele papel. Nunca me


passou pela cabeça ser pai, muito menos que seria nessa
circunstância extrema. Eu não tinha experiência nenhuma com

crianças, meu contato com elas tinha sido praticamente nulo.

A insegurança me invadiu.
Eu seria suficiente para ela?

Eu conseguiria cuidar dela?

Eu conseguiria ser um amigo para ela, da mesma forma que o

meu avô foi para mim?


Teria paciência?

Conseguiria dar o amor que Verena necessitava?

Engoli o bolo que se formou na minha garganta, as perguntas


me sufocando.

— O que será então, senhor? — Saí do transe em que eu

estava e fitei o senhor Keppler.


— Ligarei para os meus advogados para iniciarmos o

processo de adoção legal dela — falei, pegando o meu aparelho


celular para discar para a minha equipe, pouco me ferrando pelo

tardar das horas.

Enquanto ordenava a presença dos meus advogados, foi


impossível não me sentir desconfiado, mas dessa vez a sensação

me sendo muito mais amarga, já que nesse instante eu duvidava de

mim mesmo e da minha própria capacidade de zelar pela garotinha.


Capítulo cinco

Meu dinheiro e influência haviam conseguido diminuir o tempo


de espera de todos os processos para que eu pudesse trazer

Verena para Boston, mas, ainda assim, diante da minha

impaciência, esperar quase uma semana foi tempo demais. Tinha


utilizado esse período para supervisionar a equipe que redecorara

um quarto de hóspedes do meu apartamento, para que Verena


pudesse se sentir mais à vontade na minha casa, e para resolver

pendências, o que, para o meu desgosto não incluía a demissão de

Ruschell, mas, sim, uma teleconferência com os diretores da


Falkenberg, já que o conselho havia sido dissolvido logo depois da

minha saída.
Eu estava irritadiço. A raiva que sentia por Ignaz e pela mãe

da minha priminha não havia arrefecido, pelo contrário, parecia cada

vez mais latente. Meu humor sombrio era visível, tanto que Órion
parecia não querer se aproximar de mim. Até mesmo a senhorita

Khampha, que sempre parecia ter um sorriso para me dar e gostava

de trocar alguma amenidade, estava mais retraída, como se


temesse que eu fosse descontar minha ira nela, o que era um

tremendo absurdo. De alguma forma, estava esperando que ela

fizesse alguma pergunta a respeito do quarto decorado para uma


criança, mas ela apenas o limpou em silêncio, o que me

surpreendeu.
Estalei a língua, reprovando-me pelos meus pensamentos

terem ido em direção a senhorita Khampha. Mesmo no caos que me

tomava, a mulher, sem nenhuma razão, estava na minha mente.

Queria dizer que eu pensava na porra dos olhinhos puxados

dela, porém eram os lábios rosados e delicados que me

atormentavam, boca que eu queria provar furiosamente,


esmagando-a com a minha. Queria usar o corpo dela como uma

válvula de escape para as minhas frustrações, para a minha fúria,


cedendo a depravação que eu nem sabia que havia dentro de mim.
Essa perversão toda era canalizada apenas na senhorita Khampha,

já que outras mulheres não despertavam em mim nenhuma centelha

ou faísca de atração.

Emiti um som irônico, falando a mim mesmo que tinha coisas

mais importantes a fazer do que pensar na minha obsessão, que se

justificava pelas circunstâncias que me encontrava, mas, no fundo,


sabia que o desejo que sentia por ela existia há muito mais tempo

do que a descoberta da existência de Verena. Os acontecimentos só

abriram as comportas da ânsia furiosa que sentia pela minha

funcionária.

Colocando minha mente em branco, tentei descansar, mesmo

que soubesse que era inútil; a ansiedade não deixaria.

— Chegamos, senhor Falkenberg — o motorista falou depois


do que pareceu horas, e eu assenti.

Passando as minhas mãos suadas pela minha calça, peguei a

pasta com os documentos que o responsável pela instituição

poderia exigir, antes de abrir a porta e deixar o veículo.

Fitei a fachada cinzenta e austera do prédio enorme e

quadrangular com uma única torre no centro, que abrigava o colégio


interno mais seleto do país, e senti uma inquietação que não se
explicava. Forcei-me a subir a pequena escadinha de pedras e usei

a aldrava de bronze com uma besta entalhada, que destoava


bastante do propósito da instituição. Eu era um homem crescido,

mas, mesmo assim, os cabelos da minha nuca ficaram eriçados.


— Idiota! — murmurei para mim mesmo, mas meus dedos
seguraram a pasta com mais força.

Estava prestes a bater na porta novamente, quando uma


fresta dela foi aberta.

— Em que posso ajudá-lo, senhor? 


A mulher de meia-idade e de aparência severa me olhou de

cima a baixo. Arqueei a sobrancelha perante a arrogância dela.


— Estou aqui para conversar a respeito da interna Verena
Falkenberg.

A expressão fechada transformou-se em surpresa.


— Quem procura por ela?

— Hadrian Falkenberg. Creio que meus advogados deixaram


um aviso que eu viria buscá-la.

— Não me repassaram que o senhor tinha hora marcada —


retrucou ao se recompor.
— Era necessário? — Meu tom foi seco e eu olhei-a de cima

a baixo, com indiferença, assim como ela havia feito comigo,


demonstrando presunção.

Ela assentiu.
— Tenho certeza que a sua supervisora não verá problema

nisso — ameacei —, e muito menos você.


Ela engoliu em seco.

— Verei se ela poderá te atender, senhor.


Fez uma vênia e, sem me convidar para entrar, fechou a porta
na minha cara.

Rilhei os dentes, controlando a minha raiva. Depois de hoje,


nunca mais veria essa mulher, então não compensava o desgaste

de lidar com ela.


— Siga-me, senhor — falou naquele mesmo tom arrogante ao
retornar. — A senhorita Merril disse que poderá atendê-lo.

Eu não respondi, apenas fui atrás dela.


A cada passo que eu dava, a minha inquietação aumentava.

Não sabia explicar o motivo, talvez fosse por conta dos corredores
estreitos e o teto baixo.

— Com licença, senhorita — a funcionária que me levou até o


escritório austero, que mais parecia uma réplica daqueles que via
em filmes de terror, disse para a outra mulher, antes de sair e fechar

a porta atrás de mim.


— Espero que a educação que vocês dão para as internas
não seja a mesma que deram a sua funcionária — fui irônico.
— Sente-se, por favor, senhor Falkenberg — a tal senhorita

Merril não respondeu a minha ironia.


A frieza com que ela me fitava atrás da sua escrivaninha era

enervante. Que porra de pessoas eram aquelas? Nem pareciam que


lidavam com crianças!
Senti os pelos da minha nuca eriçarem outra vez, a

desconfiança me invadindo. Havia algo de muito errado nesse


comportamento.

— Não é necessário — fui igualmente gélido ao aproximar-


me, ignorando aquelas garras invisíveis, colocando a pasta na frente

dela. — Os documentos que provam que eu sou o tutor legal dela se


encontram aqui.
Seu olhar fixou-se no objeto sobre a mesa e eu imaginei que

ela não faria nenhum movimento para pegá-lo, até que ela o fez. A
mulher não teve pressa nenhuma em conferir a documentação.

— Há uma multa a ser paga pela retirada da criança do


internato antes do prazo estipulado em contrato — começou a dizer,
desprovida de emoção, fechando a pasta. — E há uma outra por

não ter sido informado previamente.


— Isso não é problema para mim, senhorita. — Poderia
retrucar, mas só queria acabar com aquilo logo. — Onde assino os
papéis para tirar a minha prima dessa escola?

— Tenho que informar que, caso o senhor realmente queira


levar a senhorita Verena, isso irá prejudicá-la — fez uma pausa, e

eu senti um outro calafrio. — Além dela estar bem adaptada à rotina


e à disciplina do colégio, o senhor é um completo estranho.
Pensando no bem-estar dela, acredito que seja melhor que ela

permaneça conosco.

Fiz que não com a cabeça. Ela continuou:


— Sugiro que, para benefício dela, o senhor se limite a

apenas realizar o pagamento da mensalidade.

Fitei-a, incrédula.

— A senhorita está dizendo que eu nem mesmo deveria vê-


la? — questionei, e novamente fiquei à beira de um ataque de fúria.

— O senhor é um homem solteiro, provavelmente muito

ocupado, que não terá tempo para cuidar de uma criança. — Fez
uma pausa. — Que bem o senhor faria para a senhorita Verena? Ela

tem tudo o que precisa aqui e muito mais.

— A senhorita não me conhece e muito menos sabe o que é


melhor para a minha prima — cuspi. Eu tive que me controlar para
não descontar a minha raiva e explodir.

— Estou apenas alertando o senhor. A senhorita Verena é


uma criança agitada e geniosa, que necessita de correção e pulso

firme.

— Não me importa, senhorita Merril. — Meu tom era perigoso,


meus sentidos ficando em alerta.

Eu poderia não saber o porquê, mas, mais do que nunca, eu

queria tirar a menina desse lugar.

— Eu exijo vê-la agora. Quero levá-la imediatamente!


A mulher pareceu pensativa e eu pensei que ela iria negar.

— Se o senhor insiste... — Deu de ombros. — Só preciso que

assine os documentos de desligamento e faça o pagamento. Vou


preparar os papéis.

— Com prazer. — Tirei o meu celular do bolso da calça,

abrindo o aplicativo do banco, me preparando para fazer a


transferência.

Enquanto eu fazia a transação e assinava os papéis, a mulher

pediu para alguém trazer a minha prima e colocar todas as coisas

dela em uma mala.


Outra vez, senti meus dedos suarem e o coração disparar no

peito com a expectativa de ver Verena pela primeira vez.


Como seria o seu rosto? Ela seria parecida com Ignaz? E se

ela fosse uma cópia do meu primo? Por uma fração de segundos,

ocorreu-me o maldito pensamento de que eu poderia sentir dor


todas as vezes que olhasse para ela caso se parecesse com o

homem que me machucou tanto. Massacrei esse pensamento como

se fosse um inseto. Não importava. Verena era uma criança

inocente e que merecia acolhimento, não mais uma pessoa para


rejeitá-la por um motivo tão fútil quanto a sua aparência. Isso não

me faria muito melhor que Ignaz.

A mera comparação foi um soco na boca do meu estômago.


E, perversamente, isso fez com que a fala da desgraçada que

estava na minha frente alimentasse ainda mais minhas

inseguranças.

E se eu falhasse com Verena , não sendo capaz de dar o


mínimo que ela precisava? Se eu não conseguisse educá-la ou

oferecer o carinho que ela necessitava? O pior: e se ela não

gostasse de mim? Tivesse medo, ou receio, de ficar perto de mim?


Afinal, eu era um completo desconhecido e estava tirando-a de tudo

o que ela conhecia.

Ela se adaptaria a sua nova rotina? Verena precisaria de uma

figura feminina em sua vida? Uma mãe?


Caralho, eram tantas questões, tantos ses. Eu tinha medo de

cada uma delas.


— Terei que ir buscá-la pessoalmente, senhorita Merril? —

perguntei ironicamente, me remexendo no assento, quando se

passaram vários minutos.


Ela arqueou a sobrancelha para mim, mas não me

respondeu.

Perdendo completamente a paciência, pouco me fodendo

para tudo, me ergui da minha cadeira, disposto a ir procurar Verena,


porém, assim que virei o meu corpo, vi a criança parada na porta.

Fiquei paralisado no lugar. Minha pulsação se acelerou tanto

que eu pude ouvir o ecoar dos meus batimentos cardíacos. Várias


emoções explodiram dentro de mim, e nenhuma delas foi negativa.

Eu estava abobado, feliz, emocionado, e igualmente trêmulo, tudo

junto, tentando assimilar que ela realmente era minha priminha.

Com cabelos loiros escuros e longos, enormes olhos verdes


acinzentados e rosto ovalado, Verena, sem dúvida alguma, era

bastante parecida com o meu primo, apesar de aparentar ser

franzina para idade. O lábio superior mais cheio do que o inferior, o


formato do nariz, e a pele dourada ela deve ter herdado da mãe.
Linda era uma boa palavra para descrevê-la, mas parecia

triste.

A felicidade evaporou-se, e eu senti minha garganta se

apertar. Dadas as circunstâncias, esperava encontrar certo


abatimento nela, mas não estava preparado para ver tanto medo e

tristeza em alguém de tão pouca idade, nem mesmo tamanha

apatia, já que ela não havia se movido sequer do lugar.


Senti garras apertando no meu peito. Engolindo o nó que

havia se formado, com passos hesitantes, me aproximei da menina

e vi certa curiosidade brilhando em seus olhinhos, mas que logo

desapareceu.
Parei na frente dela e fiquei sobre os meus calcanhares para

que ficássemos na mesma altura.

Caramba! Tive que lutar para não demonstrar o quanto a


tristeza no olhar dela me incomodava, ainda mais quando parecia,

de alguma forma, refletir a dor que havia nos meus próprios olhos

quando eu era um pouco mais velho que ela.

Se sem conhecê-la eu me sentia ligado a Verena, frente a


frente a conexão pareceu ainda mais intensa. Meu corpo todo ficou

arrepiado com a força da nossa ligação.


— Oi — falei com a voz trêmula, hesitante, quando nenhuma

das presentes parecia disposta a me apresentar ou me ajudar.


Ergui minha mão para tocar o rostinho dela, mas parei no

meio do caminho, ciente de que eu não tinha o direito de tocá-la

sem pedir.

— Oi. — Quase não escutei a voz dela de tão baixa que soou.
— Sabe quem eu sou? — questionei, não tendo certeza se eu

estava começando do jeito certo.

Imaginei que ela não iria responder, ainda mais que era uma
pergunta besta, mas Verena balançou a cabeça negando.

— Eu sou primo do seu pai, e eu me chamo Hadrian. — Fiz

uma pausa ao ver dor em seus olhos. — Você sabe que seu pai e
sua mãe…

Ela fez que sim e voltou a ficar apática quando um pigarrear

ecoou na sala. Instantaneamente todos os meus músculos ficaram

tensos.
Com raiva, girei meu pescoço para trás e fiz uma cara feia

para a senhorita Merril, que parecia indiferente ao desconforto da

criança, e a suspeita de que algo não estava certo tornou a me


invadir.
Voltei a encarar Verena, que continuava parada no mesmo
lugar.

— Agora que o seu papai e a sua mamãe foram morar lá no

céu — menti, pois duvidava muito que pessoas como eles tinham
redenção —, o primo veio buscar você para morar com ele, lá em

Boston.

A menininha não demonstrou nenhuma emoção, e uma gota


de suor frio deslizou pela minha coluna.

— Você quer ficar aqui? — questionei em um fio de voz,

inseguro.

Por mais que eu tivesse sua tutela e ela fosse muito nova
para tomar uma decisão, eu não teria coragem de negar um pedido

dela.

Verena não respondeu, apenas olhou para a mulher que a


tinha trazido até aqui e depois para a senhorita Merril. Os lábios da

criança tremeram, como se estivesse com medo. Aquilo foi a gota


d’água para mim. A única coisa que me impedia de estourar era a
presença da menininha, já que não queria que ela me temesse, e

meu autocontrole, mas jurei a mim mesmo que não ficaria assim.
Meu primo e a companheira poderiam ter tido a sua parcela de
culpa por ter deixado a menina tão fragilizada, mas aquele colégio
também tinha.
Eu não ameaçaria ninguém, mas mandaria investigar o que

acontecia ali e só pararia quando esse local estivesse fechado.


— Escute, Verena… — comecei e coloquei a mão em seu
ombro.

Optei pelo contato físico, tentando transmitir segurança a ela.


O fato dela erguer um pouco o queixo para me fitar e não
desvencilhar do meu toque me pareceu algo positivo.

— Não precisa ter medo de me perguntar algo, de conversar


comigo — continuei a dizer —, eu nunca irei brigar com você, ou te
castigar, por conta disso.

Os olhinhos dela mostraram insegurança, então continuei:


— O primo vai cuidar de você, se assim você quiser,
prinzessin...

— Sou uma princesa? — perguntou em um fiozinho de voz,


compreendendo a palavra em alemão, e tornou a olhar para trás de

mim, ficando trêmula.


Senti mais raiva ainda da diretora, e emiti uma série de
impropérios mentalmente. Não senti nenhum orgulho de mim com a

vontade que tive de destruir aquele escritório


— Sim — balancei a cabeça, concordando. — Você é a
princesa do primo e vou construir um castelo para você!
Os lábios dela começaram a se abrir em um sorriso, porém

ela voltou a olhar para a pessoa atrás de mim e sua expressão


tornou-se desprovida de emoção.

Porra! Eu tinha que sair logo dali para não surtar.


— Você precisa de tempo para pensar, Verena? — indaguei.
— Ou você prefere morar aqui? O primo virá te visitar caso queira

ficar. Eu prometo.
Ela ficou estacada no lugar e eu apenas esperei,
pacientemente, até que ela fez um gesto de negativa.

Ignorei o som irritado da diretora.


— Então me dê um abraço — pedi, inseguro, duvidando de
que Verena me atenderia, ainda mais que a garotinha permaneceu

parada, me encarando, receando se ela podia ou não fazer o que


pedi.
Para a minha surpresa, ela se aproximou de mim, e quando

os braços finos envolveram o meu pescoço, uma ternura me tomou


e meus olhos ficaram úmidos. Sem hesitar, a abracei de volta,

sentindo o calor do corpo pequeno se infiltrar no meu terno e o


cheiro do shampoo dela penetrar em minhas narinas. Acariciei os
fios longos de seus cabelos e suspirei ao sentir meus dedos ficando
trêmulos.

Não houve nenhum abraço melhor do que aquele. Era puro e


doce, pena que acabou rápido demais, já que os braços dela se
afrouxaram e Verena deu um passo para trás, afastando-se. A

pequena se encolheu como se tivesse cometido um grande erro e


parecia esperar pela punição. Ergui o braço para tocá-la e meu

estômago embrulhou com a revolta que senti ao vê-la ficar mais


arisca. Foi impossível não imaginar se algum dia ela foi ameaçada
ou se ocorreu alguma agressão de fato. Os braços não tinham

marcas, mesmo assim…


Baixei a mão. Caralho!
— Obrigado pelo abraço, prinzessin.

Sorri para ela, mascarando a minha ira, antes de me erguer e


encarar a atendente.
— Onde estão todas as coisas que ela possui? 

— Aqui, senhor. — Apontou para uma única maleta, que


provavelmente só deveria ter algumas poucas peças de roupa e
mais nada.

Pelo visto, teria que passar num shopping para comprar


algumas coisas para minha priminha, mas não hoje, já que
chegaríamos de noite em Boston.

Contendo vários palavrões, segurei a alça da mala e depois


fui até a mesa para pegar a pasta com os meus documentos,
colocando-a debaixo do braço, sem olhar para as duas mulheres.

Me voltei para Verena e, sorrindo, estendi a mão para a garotinha.


— Vamos para o nosso castelo, princesa?
Verena hesitou antes de pegar a minha mão com a sua

pequenininha.
Sorri ainda mais, querendo passar confiança para ela. Sem

me despedir, deixei o escritório, prometendo mais uma vez que


cuidaria de descobrir o que acontecia nessa escola.
Durante todo o percurso até o aeroporto, Verena ficou em

silêncio, respondendo as minhas perguntas apenas com gestos e


sim ou não, e senti como se tivesse dado vários passos para trás na
minha tentativa de conquistá-la.

Estava ciente de que ela precisaria de tempo para assimilar


tudo, bastante amor, carinho, atenção e cuidado, e também do
acompanhamento de um psicólogo, mas, depois de cinco horas de

voo em que Verena parecia mais uma boneca inanimada, foi difícil
não sucumbir ao desespero.
Senti que havia falhado com ela sem sequer ter começado.
Capítulo seis

— Daqui a pouco estou saindo — falei para Órion, que


raspava a pata contra a porta do banheiro que eu utilizava para

trocar de roupa no fim do expediente.

Revirei os olhos quando ele latiu, continuando a fazer


bagunça.

— Não tenho nenhuma culpa se você não quis entrar antes.


Agora você me espera!

Suspirei. Sabia que não deveria tê-lo deixado entrar pela

primeira vez, mas acabou acontecendo e se tornando algo


recorrente quando o senhor Falkenberg não estava em casa. O

cachorro grandão era um verdadeiro grude!


Suspirei quando ele continuou a latir e, dando-me por

vencida, destranquei e abri a porta para o animal, que entrou

trotando.
— Você é um mimado — resmunguei ao soltar os meus

cabelos do rabo de cavalo.

Órion deitou sobre o meu pé e eu olhei para ele, que fazia


uma carinha bastante convincente.

Sorrindo, comecei a desembolar os fios dos meus cabelos

com um pente e, dando-me por satisfeita, coloquei as minhas coisas


no lugar. Tirando o bichano do meu pé, peguei a minha bolsa e

deixei o banheiro.
— Você vai ficar… — Antes mesmo que eu terminasse minha

fala, Órion passou por mim em disparada, o que significava que

provavelmente o dono dele havia chegado.

Dando de ombros, segui Órion, e mesmo que não devesse,

experimentei um friozinho de antecipação na barriga com a

perspectiva de ver o senhor Falkenberg.


— Idiota! — xinguei-me, e dessa vez, estava sendo realmente

burra com muita razão.


Estava claro que a namorada dele, ou até mesmo noiva,
estava se mudando com uma criança para o apartamento, então,

sentir-me ansiosa para ver o meu chefe era um absurdo.

Quando estava prestes a entrar na sala, estaquei

momentaneamente ao escutar a voz do senhor Falkenberg, que

parecia apresentar Órion para alguém. Sem razão, senti-me afundar

com a possibilidade de ser a mulher e a criança. Tendo a certeza de


que eu era uma garota ridícula, aproximei-me de onde eles estavam

e, diferente do que eu imaginava, meu olhar não recaiu sobre o

senhor Falkenberg, mas, sim, na menininha loira, que eu poderia

afirmar que era a criança mais bonita que eu já tinha visto. E

também a mais triste. Mesmo que eu não estivesse perto o

suficiente, claramente faltava o brilho que as crianças costumavam

ter, mesmo que estivessem cansadas.


Enquanto ela acariciava com certo receio os pelos de Órion,

como se tivesse medo dele, meu coração se apertou por aquela

menininha que nem conhecia.

O que havia acontecido para que um serzinho tão inocente

como ela carregasse essa tristeza?

Me dei conta que só havia os dois. Continuei a encará-la e


percebi que havia certos traços em comum com o homem que
estava ao lado dela. Os cabelos loiros, as maçãs do rosto...

Como se soubesse que era observada, ela me encarou com


seus olhos cinzentos enormes, antes de baixar a mão e dar um

passo para trás, parecendo assustada.


O recuo dela fez com que o senhor Falkenberg me encarasse
e eu me encolhi por dentro, mas sem desviar o olhar do dele. Só

então percebi o quanto ele parecia cansado e também frustrado.


— Eu não quis assustar vocês — falei, desviando o olhar do

homem, me sentindo sem graça pela situação —, principalmente,


você, querida.

Dei um sorriso para ela, mas a garotinha não retribuiu. Vi


Órion jogar o corpanzão sobre a menina querendo mais afagos,
granindo quando o dono dele fez um comando para que ele

sentasse.
— Não precisa ter medo de tocá-lo, prinzessin, ele nunca vai

te morder, sabe por quê? — o homem disse pacientemente para a


menininha, pegando a mãozinha dela e colocando sobre os pelos do

cachorro.
Balançou a cabeça, negando. Mesmo parecendo receosa,
voltou a segurar os pelos do cachorro, que balançava a cauda

freneticamente, a língua para fora.


— Ele é o guardião do seu castelo e sempre irá proteger sua

princesa. Não há ninguém mais leal do que ele, tirando eu —


sussurrou e eu achei tocante a maneira como ele falava com ela.

A menina fez com que iria sorrir, porém se conteve, e eu


percebi mais frustração vindo dele.

— Não deveria já ter ido para casa, senhorita Khampha? —


Ele perguntou suavemente, encarando o meu rosto.
— Perdi a hora enquanto guardava as compras nos armários

e na geladeira. — Coloquei uma mecha atrás da orelha.


— Obrigado. — Fez uma pausa e abriu um sorriso que fez

meu coração palpitar. — Quero que conheça a nova princesa do


castelo.
Mesmo que não fosse uma ordem, me aproximei deles e

fiquei sobre meus calcanhares.


Quis envolvê-la em um abraço ao contemplar seus olhos

verdes receosos, querendo tirar todo o medo que havia nela.


— Oi, princesa — falei suavemente, entrando no jogo que

meu patrão tinha criado, sorrindo para a pequena.  — Qual é o seu


nome?
Sem deixar de acariciar Órion, ela olhou para o homem, como

se estivesse pedindo permissão para responder, os lábios tremendo.


Isso fez algo dentro de mim sangrar.
O senhor Falkenberg assentiu para ela, concordando, e a
menina pareceu pensativa.

— Sou a senhorita Khampha, mas pode me chamar de Ana.


— Resolvi me apresentar

— Princesa Ana? — sussurrou.


Pela primeira vez vislumbrei alguma emoção no rosto dela,
mas não me encarou nos olhos, ao contrário do homem ao lado

dela. Ainda que eu mantivesse todo o meu foco na garotinha, eu


sentia o peso do olhar dele sobre mim.

— Não, querida — respondi, passando a mão em Órion que,


emitindo vários sons, estava de barriga para cima —, não nesse

castelo.
“E de castelo nenhum”, pensei comigo mesma, mas ignorei
aquele pensamento triste.

— Mas isso não impede que possamos ser amigas —


continuei.

Talvez eu estivesse passando dos limites, já que nem sabia


se a mãe dela aprovaria o contato, mesmo que o senhor Falkenberg
tenha me apresentado a menininha.
A garota me encarou com os olhos espantados e, depois de
buscar confirmação com o homem, fez que sim. De alguma forma, o
consentimento dela foi especial para mim. Muito.

— Amigas sabem o nome uma da outra… — insisti.


— Verena! — disse depois de um tempo.

— Lindo nome, princesa!


Ela ia começar a sorrir, mas algo fez com que ela travasse, se
fechando em um casulo.

Continuei mantendo contato visual com a menina, tentando

construir algo, até que ela se virou na direção do senhor Falkenberg


e nitidamente ficou claro que ela temia algo.

— O que foi, prinzessin? — Meu chefe a questionou

suavemente, tocando o rostinho dela.

— Estou com fome — murmurou.


— Posso preparar algo para você comer, Verena — ofereci.

— Não é necessário, senhorita Khampha — ele fez uma

pausa —, já trabalhou demais, e está ficando tarde.


Neguei.

— Rapidinho eu faço algo — continuei.

Ousei olhar para os olhos dele e, embora visse uma pontada


de alívio, havia também aquela costumeira desconfiança que o
senhor Falkenberg sempre parecia ter.

Me senti inconveniente, afinal, por que ela comeria uma coisa


simples que eu prepararia enquanto o meu chefe poderia

proporcionar a garotinha tudo do bom e do melhor, o que incluía

comidas muito melhores do que a minha?


— Tem certeza de que não será um problema?

— Não, claro que não. — Fiz uma pausa, sorrindo. — E para

o senhor?

— Desde que coma com a gente, senhorita…


Não escondi a minha surpresa.

— O que você acha, prinzessin?

Virou-se para a garotinha, abrindo um sorriso enorme para


ela.

Ainda que não fosse direcionado para mim, senti que uma

parte de mim se derretia. Ele era tão lindo!


Outra vez me repreendi, me recordando da existência da mãe

da menininha, que devia ser a namorada dele.

E olhando os dois, ainda me xingando mentalmente por não

pensar na mulher, me veio o estalo: provavelmente Verena era filha


dele!
Questionei-me que tipo de pai ele era para não apenas

esconder uma filha, mas também, até então, não conviver com ela?

Um pai teria há muito tempo um quarto para a filha em casa, não?


Ou deixaria ela passar algum tempo no próprio apartamento, certo?

De alguma forma isso era decepcionante.

“Mas também não era da minha conta”, pensei comigo

mesma.
Verena acabou fazendo que sim, acariciando as orelhas do

animal, e Órion bateu o rabo para ela.

— Não é certo — comentei, fazendo o cachorro latir.


O homem virou-se para mim com o cenho franzido.

— Por que não? Você está sendo gentil em preparar algo

para nós comermos…

— Mesmo assim, senhor…


— É o banquete de boas-vindas dela. Todo castelo tem um.

Fiquei encarando-o e nos olhos dele vi que era praticamente

uma ordem e que o senhor Falkenberg não aceitaria ser contrariado,


mas também pareceu haver algo a mais, um certo anseio e também

expectativa.

— Tudo bem — coloquei a mecha atrás da orelha, ficando de

pé —, posso ajudar com a mala?


— Não é necessário. Verena tem poucas coisas e creio que

dou conta sozinho.


— Okay.

Ele ergueu-se também e, pegando a mala, estendeu a mão

para a menininha.
— Vamos ver o quarto que o primo preparou para você? —

perguntou suavemente.

Vi a criança concordar antes dos dois passarem por mim para

irem em direção ao quarto. Órion, como o fiel guarda-costas que o


senhor Falkenberg tinha dito, seguiu os dois, trotando, balançando a

cauda freneticamente.

Enquanto ouvia os passos deles se afastando, fiquei


paralisada no lugar, confusa por ele ter se chamado de primo, ao

mesmo tempo eufórica por jantar com os dois. Balancei a cabeça

em negativa e, tentando conter aqueles sentimentos, girei o meu

corpo e obriguei-me a reagir. Eu tinha um jantar para preparar e


rápido, já que não queria deixar a menininha com fome, não por

muito mais tempo.


Capítulo sete

— Órion, não! Senta! — Ordenei antes que ele subisse em


cima da cama de Verena e ele parou ao meu comando.

Sentou-se e virou o pescoço, olhando para mim, parecendo

indignado. Passou a patinha pelo focinho, fazendo charme, porém


apenas ignorei-o, colocando a bagagem da menina próximo ao

guarda-roupa. Abri a mala para começar a guardar as roupas de


Verena, me sentindo capaz de executar aquela pequena tarefa, que

não parecia tão difícil. Com o canto do olho, procurei pela pequena

até que a encontrei parada em frente a estante, olhando para o urso

enorme e dourado com um lacinho marrom enfeitando o pescoço.


— É bonito, não, prinzessin?

Vi a pequena balançar a cabeça, concordando, e quando


percebi que ela continuou parada, apenas olhando, soltei a blusa de

qualidade duvidosa se comparada ao valor que era a mensalidade

do colégio, me aproximei dela. A cada passo, eu controlava minha


raiva das pessoas que criaram esse receio nela.

Girei-a para que me encarasse.

— Tem medo de tocá-lo? — Usei um tom suave, para que ela


não se retraísse.

Fez que sim.

— Por quê? — perguntei, mesmo sabendo que corria o risco


de não obter uma resposta.

Verena abaixou a cabeça e permaneceu em silêncio até que


se fez ouvir:

— Vai me colocar de castigo?

— Não, Verena, não vou te castigar por isso — sussurrei. —

Tudo o que tem aqui é seu, e você poderá brincar sempre que

quiser com todos os brinquedos.

Ela ergueu o rosto e me encarou com os olhos cinzentos e


grandes.

— Promete? — sussurrou.
— Sim, Verena. — Toquei o queixo dela. — Não sei o que
você passou, prinzessin, mas eu prometo que nunca vou te

machucar, mentir para você, e muito menos te abandonar. Não está

mais sozinha e pode ser quem você quiser, princesa.

Verena ficou me olhando por um tempo, parecendo insegura,

mas finalmente se aproximou para tocar o bichinho de pelúcia. Logo

estava abraçando o ursinho. Querendo atenção da menininha, Órion


foi para perto dela e mordeu a perna do bicho.

— Não pode! — Segurei o animal pela coleira, puxando-o

para trás. — Esse é dela, não seu, Órion.

Ele latiu para mim e, para minha surpresa, Verena mostrou a

pelúcia para o cachorro. Não impedi que os dois brincassem um

pouco. Erguendo-me, voltei à minha tarefa de guardar todos os itens

pessoais dela no armário. Senti raiva com a escassez de coisas e


também pelo modo como foi tudo jogado na mala, parecendo feito

com descaso. Teria que pedir a senhorita Khampha para passar as

peças depois. Encontrei certa dificuldade na tarefa relativamente

simples de dobrar as blusas, mas consegui.

— Por que não toma um banho, prinzessin? — sugeri, depois

de terminar.
Virando-me para eles, encontrei os dois brincando no tapete

felpudo, Órion estava lambendo as mãos dela. A felicidade que


havia no semblante da pequena se esvaiu ao me encarar.

— Você sabe tomar banho sozinha? — Estava incerto.


Embora tenha sido criança um dia, pouco sabia sobre o
desenvolvimento delas. Caralho!

— Sim — respondeu baixinho. — Eu posso?


Olhei-a confuso.

— Você tinha horário para tomar banho?


Fez que sim.

— Entendo — murmurei, consciente de que eu deveria ter


questionado a diretora a respeito de horários.
Porra! Era tanta coisa para pensar e gerir...Outra vez, senti

que falhava com a menininha.


— Acho que é melhor jantar de banho tomado — falei, não

tão certo.
Assentiu, e guardando a pelúcia, como um robô, ela se dirigiu

ao armário para pegar as coisas dela.


Ajudei-a pegando a toalha, e fui ensinar a ela como mexer no
registro.

— Eu estarei no quarto se você precisar de mim.


Assentiu.

— Vamos, garoto?
Estalei os dedos para o cachorro que me ignorou. Emitindo

um som resignado, novamente segurei o animal pela coleira e tive


que sair puxando para fora do banheiro, com ele emitindo vários

ruídos que demonstraram seu desagrado. Queria deixar a porta


encostada, mas sabia que um focinho iria acabar abrindo-a. Órion
começou a arranhar a superfície de madeira querendo entrar.

— Você é terrível, Órion. — Fiz uma careta para o animal e


me sentei na poltrona para aguardar a menininha.

Fechei os olhos por um momento, cedendo ao cansaço ao


mesmo tempo que tentava organizar uma lista de tudo o que
precisava ser feito. Meus pensamentos acabaram se voltando para

a senhorita Khampha. De alguma forma, me senti tocado por ela ter


se oferecido para preparar algo para Verena comer e também por

ter sido amigável com a menininha, falando que elas poderiam vir a
ser amigas, mas, ao mesmo tempo, era impossível não me

questionar se minha funcionária não viu na fragilidade da criança


uma oportunidade para obter algo no futuro. Infelizmente, isso era
mais comum do que deveria hoje em dia, e eu tinha que tomar

precaução para proteger minha prima.


A ideia de que talvez ela pudesse vir a ser esse tipo de
pessoa deixou um gosto amargo na minha boca, mas não procurei a
razão pela qual isso me incomodava. Não deveria me surpreender

caso a senhorita Khampha fosse uma interesseira qualquer.


Descartei meus pensamentos em relação a minha empregada

e voltei a tentar fazer minha lista mental de coisas que eram


necessárias, mas emiti um som frustrado quando notei que não
eram apenas coisas demais, mas que algumas delas eu só

conseguiria saber perguntando a Verena.


O latido animado do meu cachorro fez com que eu saísse do

transe de pensamentos e fitasse a porta, vendo a garotinha abrir


uma fresta para passar por ela vestindo um pijama vários tamanhos

maiores que o número dela. Meu maxilar pareceu travar de raiva,


mas logo eu relaxei quando vi a menina estender as duas mãos em
direção a Órion para acariciar os pelos dele.

— Teve algum problema para controlar a temperatura da


água? — Me ergui do meu assento.

Fez que sim.


— Estava muito frio? — Parei de frente a ela, me sentindo
culpado.

— Não. Quente.
— Me desculpe, prinzessin — coloquei uma mecha atrás da
orelha dela —, da próxima vez, o primo irá ajustar para você.
— Tá bom.

— Irei tomar um banho também. Você se incomoda de ficar


com a senhorita Khampha?

Fez que não com a cabeça e pareceu ficar com vergonha.


— Que foi, Verena?
— Posso ficar brincando? — Virou-se para apontar para o

cachorro e também para a pelúcia.

— Claro! — Contive a minha vontade de deixar um beijo na


sua testa. — Mas qualquer coisa que você quiser, você pode

procurar a senhorita Khampha.

— Tá! — Fez que sim.

Assisti a pequena lentamente ir até o brinquedo, como se


tivesse receio de que eu mudasse de ideia, e pegá-lo. Órion foi atrás

dela, trotando, e em segundos, eles estavam brincando no tapete.

Passando a mão no queixo, achando que os dois ficariam


bem, caminhei para fora do quarto, mas deixando a porta aberta.

Entrei na minha suíte e comecei a remover o meu terno

enquanto ia até o banheiro.


Emiti um som cansado. Sabia que não deveria colocar tal

responsabilidade sobre a minha funcionária, mas eu não tinha


escolha. Estaquei no lugar com o pensamento súbito de que eu

necessitaria de contratar alguém para me ajudar com Verena.

— Caralho! — Passei a mão pelo meu queixo, irritado, por


não ter pensado nisso antes.

Era mais do que óbvio que Verena iria precisar de uma babá,

já que, por mais que estivesse disposto a modificar minha rotina

para ficar com ela, brincar e também ganhar a sua confiança,


inevitavelmente teria que participar de reuniões que não poderia

levá-la comigo.

Comecei a praguejar enquanto terminava de remover as


minhas roupas e entrava para o banho.

Debaixo do chuveiro, abri o registro e senti a água fria

deslizando pelos meus músculos tensos, que pareceram ficar ainda


mais rígidos ao pensar que teria que ter outra pessoa dentro da

minha casa, que eu precisava de alguém que não fosse machucá-la,

que tivesse paciência com os altos e baixos dela, e que Verena

também se sinta à vontade para conversar, para pedir algo que


desejasse. 
Isso era muito mais grave do que não permitir que entrem no

meu quarto ou tenham acesso a documentos.

Poderia colocar câmeras para me sentir um pouco no controle


da situação, mas a respeito da segurança física e emocional da

menina eu estaria sempre vulnerável.

— Deus! — Peguei o xampu e comecei a lavar os meus

cabelos.
Com várias questões na minha mente, tomei um banho rápido

e vesti uma camisa e uma calça quaisquer, já que por enquanto ficar

sem camisa não era uma opção. Com passos rápidos, aproximei-me
novamente do quarto de Verena e parei no batente da porta,

encostando a lateral do meu corpo na soleira, e fiquei contemplando

a garotinha brincando com o meu cachorro de cabo de guerra. Foi o

sorriso suave nos lábios dela que me fez apenas ficar assistindo os
dois.

Pela primeira vez em horas, ela parecia se permitir ser a

criança que era. O semblante iluminado tornava-a ainda mais


bonita, tanto que fez meu coração disparar e uma onda de ternura

me invadir.

O momento terminou no momento em que Órion me viu e

começou a latir como se me convidasse para brincar com eles


também, e ela ficou rígida, soltando a pelúcia. Recebi um soco na

boca do meu estômago na hora.


— Vamos, prinzessin? Não estava com fome?

Balançou a cabeça e a vi pegar o urso do chão e guardar na

estante.
Depois de lavarmos as mãos, fomos para a cozinha e assim

que a senhorita Khampha nos viu, deu-nos um sorriso.

— Chegaram na hora — a minha funcionária falou

animadamente assim que nos aproximamos.


— O cheiro está delicioso. — Elogiei, sentindo o meu

estômago roncar de fome. Vi a menininha brincar com Órion, que

lambia suas mãos.


— É só purê, verduras e bife. — Deu de ombros e pareceu

ficar ruborizada. — Vou preparar a mesa na sala de jantar. Ou

preferem comer aqui mesmo, na cozinha?

— Pode ser aqui.


— Okay, senhor. Quatro pratos?

Franzi o cenho.

— Quatro? — questionei, confuso.


— Para a sua namorada, caso ela chegue, senhor.
Fiquei ainda mais perdido e encarei o rosto dela, que ficou

ainda mais vermelho.

Nossos olhares se cruzaram por alguns segundos e meu

sangue pareceu circular mais rápido dentro de mim. Tentei controlar


a minha excitação que era mais do que imprópria nesse momento. 

— Namorada? — Não consegui desviar o meu olhar do dela.

— Sim.
— Não tenho namorada, senhorita Khampha. — Acariciei a

minha barba.

— Entendo… — Cruzou as mãos na frente do corpo,

parecendo sem graça. — A mãe de Verena?


Fiz que não e vi na expressão dela uma centelha de alívio.

Provavelmente, era apenas minha imaginação, mesmo assim,

a excitação se espalhou pelo meu corpo.


Tolo!

— Depois conversamos sobre isso, senhorita — as palavras

saíram da minha boca antes mesmo que eu pudesse contê-las.

— Claro, senhor! — Fez uma vênia antes de ir até um


armário, pegando alguns pratos.

Que caralho estava pensando? Porra, ela era uma

desconhecida e eu deveria ter aprendido a minha lição sobre não


me abrir completamente com um estranho, mesmo que uma

partezinha de mim dissesse que necessita disso.


Droga!

Idiota!

Olhei para a garotinha, que tocava Órion sem cerimônia,

embora ainda se controlasse para não sorrir.


— Vamos lavar as mãos de novo? — Falei com ela, e com o

canto do olho, percebi que a minha funcionária se movimentava de

um lado para o outro.


Sem responder, Verena foi em direção ao banheiro do

corredor, sendo seguida do cachorro que se tornou um verdadeiro

grude com ela. Minha atenção se voltou para senhorita Khampha.


Enquanto ela ajeitava tudo — o que incluía colocar uma almofada

em uma das cadeiras para a menina —, no automático, meu olhar

recaiu na bunda dela quando ela se inclinou sobre a mesa.

Porra!
Vários pensamentos asquerosos percorreram a minha mente,

o que envolvia me enterrar dentro dela, sentindo suas nádegas

baterem contra a minha pelve. Desviei o olhar antes que ela me


pegasse em flagrante.

Minutos depois Verena retornou.


Caralho!
— O que vocês querem beber? — A senhorita Khampha se

aproximou de nós. 

— Para mim, pode ser suco — falei.


— E você, princesa?

— Tem refrigerante? — perguntou em um fiozinho de voz.

A senhorita Khampha me encarou, como se pedisse


permissão.

Maneei a cabeça, concordando, mesmo não tendo a certeza

se deveria permitir.

A mulher sorriu para mim e eu peguei-me sorrindo de volta,


sentindo um calor se espalhar por todo o meu corpo.

— Qual sabor você quer?

— Tem de limão? — Usou aquele mesmo tom.


— Sim, querida, vou pegar para nós.

Piscou para ela e Verena quase sorriu, mas se conteve. 


Enquanto a mulher tirava o suco e o refrigerante da geladeira,
arredei a cadeira para Verena se sentar. Órion se colocou próximo

aos pés dela.


— Assim está bom, ou precisa de outra almofada? —
perguntei para ela.
— Tá bom, primo! — Sorri para ela e segurei a outra cadeira
que provavelmente seria ocupada pela senhorita Khampha.
— Obrigada, senhor Falkenberg. — Minha funcionária ficou

sem graça quando puxei o assento para ela.


— É um prazer, senhorita.
Como se fosse possível, ficou ainda mais vermelha e sem

jeito.
Dei de ombros, tomando meu lugar e servi as bebidas.
Comecei a comer. Embora a comida fosse simples, estava

muito gostoso. O parmesão dava um toque a mais em tudo.


Enquanto mastigava, fiquei ciente do desconforto da minha
funcionária por estar jantando conosco. Embora ela tentasse

encarar mais a menina do que a mim, vez ou outra, flagrava o olhar


dela pousado sobre mim, o que parecia deixá-la ainda mais sem
jeito. E como vem sendo recorrente, aqueles malditos olhares, que

não duravam nem dez segundos, eram o suficiente para alimentar o


desejo insano que eu tinha por ela e que, nesses últimos dias, eu

não parecia ter nenhuma força para controlar.


— Não gosta de batatas, princesa? — a senhorita Khampha
perguntou em um tom calmo, que contrariava o seu incômodo, e eu
vi que a menininha não havia tocado em seu prato ainda. — Posso
preparar outra coisa para você comer, se quiser.
— Gosto!

— Então por que não está comendo, querida? — Cortei um


pedaço do meu bife.

— Preciso de permissão — demorou alguns minutos para


responder.
Engoli a carne que pareceu entalada na minha garganta.

Meu olhar encontrou o da senhorita Khampha do outro lado


da mesa e vi tristeza na sua expressão pela criança.
Tornei a olhar para a menininha.

Porra! Verena necessitava dar satisfação em tudo o que ela


fazia, com medo de retaliação?
Pousei meus talheres sobre a mesa.

— Não precisa da minha autorização para comer, princesa —


falei suavemente. — Sei que terá algumas regras para seguir, como
horário de dormir, de ir para escola, de brincar e ver filmes e

desenhos, mas comer e fazer suas necessidades básicas, não será


necessário.

Fiz uma pausa.


— Tudo bem?
Verena balançou a cabeça em concordância e pegou o garfo
e a faca para começar a comer.

Observei-a por um tempo, contente por Verena comer com


tanto gosto, e de alguma forma, orgulhoso por ela saber usar tão
bem os talheres. Vez ou outra, ela lançava um pouco de comida

para o cachorro, que latia, choramingava e provavelmente fazia uma


cara pidona. Não ralhei com Verena por dar pedacinhos de carne

para ele, mas, quando ela não tivesse mais tanto medo, explicaria
que não podia fazer isso.
— Amo tanto batata! — A criança falou.

O fato de ela ter tomado a iniciativa em conversar me pegou


desprevenido, tanto que não escondi minha surpresa. Verena
também parecia igualmente surpreendida, tanto que levou uma mão

à boca.
— Mesmo? — A senhorita Khampha perguntou em um tom
doce ao terminar de mastigar, e a criança fez que sim com a

cabeça. — Então temos algo em comum, pois eu também amo,


principalmente se forem fritas!
Verena me olhou e eu sabia que ela estava se controlando

para não parecer animada.


Recebi um soco na boca do estômago outra vez. Criança

alguma deveria reprimir os seus sentimentos.


— Nunca comi. — Seu tom era baixinho, e ela se afundou na
cadeira, seus ombros caindo.

Mantendo contato visual com a criança, minha funcionária


estendeu a mão e tocou a de Verena.
Ainda que eu achasse que a pequena iria rejeitá-la, a

pequena permitiu que a minha funcionária acariciasse o dorso da


sua mão.

— Se o seu primo me permitir, um dia desses, posso fazer


para você.
Continuando a fazer carinho nela, a senhorita Khampha

pareceu ainda mais desconfortável, como se receasse estar


passando dos limites, e eu suprimi a vontade de fazer uma careta
para ela. Tomei um gole do meu suco.

— Claro! Podemos fazer o dia da batata frita — disse.


Sorri para as duas e vi os lábios da menininha se curvarem
levemente para cima, mas Verena acabou disfarçando ao bebericar

o refrigerante, removendo a mão debaixo da de minha funcionária,


parecendo tensa.
Elas voltaram a comer em silêncio e eu me obriguei a fazer o
mesmo.
Com o canto do olho, percebi que minha priminha abriu a

boca em um bocejo.
— E o que você gosta além de batatas, princesa? — Minha
funcionária tentou puxar assunto, sorrindo para a menininha ao

fincar o garfo em um aspargo.


— Leite — respondeu baixinho, parecendo tímida.
— Com cereal é bom, não é?

A menina balançou a cabeça concordando.


— Principalmente o de pasta de amendoim…
Fez uma cara engraçada, como se estivesse babando pela

comida, e eu escutei um ruído vindo da menina, como se ela


estivesse sufocando uma risada. Não aguentei e acabei rindo da

situação. Não sei como aconteceu, mas nós três passamos a rir e o
cachorro a latir, pulando alto.
— Deus! — A senhorita Khampha continuou a rir quando o

cachorro subiu em cima dela. Ela o segurou pela coleira quando o


animal tentou roubar o bife do prato dela. — Não pode, meliante!
— Órion, senta! — dei o comando.
Ainda que ele estivesse animado, ele me obedeceu,
balançando o rabo e colocando o linguão para fora.

— Eu também gosto de bonecas — Verena praticamente deu


um gritinho, continuando a responder a pergunta da minha
funcionária, que bebia seu refrigerante para tentar se recompor da

risada.
O grito chamou a minha atenção e a do animal, que foi até
ela, trotando.

A felicidade que iluminava o rostinho de Verena, deixando-a


linda, transformou-se em tristeza de repente.
— Hey, querida, o que houve? — A mulher tornou a acariciar

a mãozinha de Verena.
A menininha pareceu se retrair dentro de si mesma.
— Se não quiser me contar, não tem problema, Verena. —

Fez uma pausa e deu um sorriso que não escondia sua tristeza. —
Quando você quiser, estarei aqui para ouvir.

A paciência da senhorita Khampha com Verena era tocante.


Uma parte de mim queria muito acreditar que não havia nenhum
interesse suspeito nisso, mas não podia. Também era a primeira

interação delas, o que não era parâmetro para nada; estava sendo
absurdo.
A menina fitou a mulher com seus olhos acinzentados
enormes e assentiu de forma apática, voltando a comer.

A refeição continuou em um silêncio perturbador, que foi


apenas quebrado pelos sons de Órion, que estava animado por

receber pedaços de carne cada vez mais generosos da menina


sonolenta.
— Vamos para cama, prinzessin? Foi um dia cansativo —

questionei ao vê-la bocejar e piscar os olhos. Estava quase


dormindo em cima da mesa.
Balançou a cabeça e arredou a cadeira para se erguer, e eu

fiz o mesmo.
— Vou retirar a mesa — a senhorita Khampha falou.
— Obrigado — agradeci e dei a mão para Verena.

Órion nos seguiu, trotando.


— Precisa ir ao banheiro primeiro? — perguntei ao
chegarmos no quarto dela.

— Só vou escovar os dentes.


Ela soltou a minha mão e foi ao banheiro. Assim que voltou,

foi direto para a cama. O cachorro subiu em cima do colchão e eu


revirei os olhos com a safadeza dele.
— Deixe que eu te cubra — pedi quando ela puxou o

edredom sobre si.


Ficou parada me encarando, tentando lutar contra o sono.
Aproximei-me, puxando a coberta sobre ela, para depois ficar

de joelhos no chão.
— Está confortável na sua cama nova?

— Sim — sussurrou.
— Que bom, prinzessin.
Toquei o rostinho dela e percebi que ela estremeceu um

pouco.
— Não está acostumada a receber carinho, não é? — Foi
uma pergunta retórica, já que eu sabia a resposta.

Ela emitiu outro bocejo e assentiu.


— Tenho certeza que você irá se habituar, pois o primo tem
muito amor para te dar. — Deixei um beijo na testa dela.

Era uma verdade. Eu não sabia que, depois de tudo o que


havia passado, de toda a desconfiança que sentia de tudo e de
todos, ainda tinha algo bom dentro de mim que pudesse ser dado de

forma genuína, sem nenhum medo.


O mais fantástico de tudo era a instantaneidade de como isso
ocorreu, o quanto essa sensação de não precisar estar sempre em
alerta, com medo de ser ferido, era um alívio que eu nem sabia que
precisava.
Plantei outro beijinho em sua têmpora e acariciei os cabelos

dela.
— Pode deixar a luz acesa? — perguntou em meio a um
bocejo.

— Claro.
— Ele pode ficar comigo?
— Só se você quiser ouvir os roncos dele — brinquei e o

animal emitiu um som ressonar alto. — Órion pode te chutar em


meio ao sono, prinzessin.

— Tá bom. — Piscou os olhos.


Continuei a acariciar os cabelos dela, a tocar o seu rostinho, e
lentamente a vi ceder ao cansaço. Sua expressão foi se tornando

mais suave, sem nenhum peso, sem nenhuma tristeza.


Fiquei ali por um bom tempo até que, temendo acordá-la, dei
um último beijo nela e me levantei. Lançando um olhar para o meu

cachorro, vi que dormia de barriga para cima, roncando alto. Deixei


o quarto, não sem pensar no quanto esses dois ainda aprontariam
juntos.
Capítulo oito

Joguei fora o restante das comidas que sobraram nos pratos


e coloquei as porcelanas no lava-louças. Emiti um suspiro. Embora

no início sentar-me na mesma mesa que o meu patrão tenha sido

um momento constrangedor, ainda mais quando o senhor


Falkenberg me pegou o admirando como uma tola apaixonada

várias vezes, logo tornou-se mais “fácil” quando a nossa atenção


praticamente permaneceu na menininha, mas acho que ultrapassei

os limites e temo o que poderia acontecer comigo.

Bom, “fácil” não era a palavra exata que definia a situação. 

Só de pensar na tristeza da pequena quando ela mencionou as


bonecas, minha garganta se apertou e meus olhos marejaram. Não

precisava ser muito inteligente para perceber que, por mais que ela
as adorasse, por alguma razão, ela não teve acesso aos

brinquedos. E o pior de tudo, a privação de bens materiais parecia

ser o menor dos problemas dela. Faltou afeto.


— Como alguém pode fazer isso com uma criança?

— Me pergunto a mesma coisa, senhorita Khampha. — A voz

grossa do meu chefe ecoou nos meus ouvidos e eu fechei os olhos.


Merda!

Virei-me para ele, sem graça por ele ter me escutado mais

uma vez, e flagrei-o me encarando fixamente da sua cadeira na


mesa da cozinha.

Engoli em seco.
— Porra! Não sabe quantas malditas vezes me perguntei

isso… — Passou a mão pelos cabelos, puxando-os com força.

Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer, se é que ele

gostaria que eu dissesse algo.

Deu-me um sorriso que mais parecia uma careta.

— Não imagina o quanto me odeio pela retração dela —


estalou a língua desdenhosamente —, e também quanta raiva sinto

pelo que estou prestes a fazer.


Um calafrio percorreu a minha coluna e eu abri e fechei a
boca, sem reação.

— Sente-se — ordenou.

Hesitei, meu estômago embrulhando diante do estalo de que

eu tinha ido longe demais ao interagir com a menina.

Ele arqueou uma sobrancelha para mim. Consciente de que

era funcionária dele e que eu deveria obedecê-lo, aproximei da


mesa e me sentei. Automaticamente entrelacei meus dedos suados.

O senhor Falkenberg ficou me encarando. Os olhos negros

expressavam pura desconfiança, o que me deixava mais nervosa.

— Me desculpe por tocá-la, senhor Falkenberg, e também em

me oferecer para fritar batatas para ela. — Minha voz era

estrangulada. — Sei que fui longe demais e comportei-me de modo

inapropriado.
— Não por isso. — Torceu os lábios, parecendo desgostoso

comigo, e temi ainda mais o meu futuro. — Se você pode brincar

com o meu cachorro, por que não pode conversar com Verena?

É, fazia sentido. Ele continuou:

— Não, senhorita Khampha. — Os olhos dele ficaram mais

escuros e ele acariciou os fios loiros da barba, que pareciam mais


compridos, mas que não tiravam a beleza dele. — Acha mesmo que
seria um monstro em negar a ela afeto depois do que você viu?

Depois de você tê-la conhecido?


Fiz que não.

— Talvez eu devesse... — sussurrou, e essas palavras


doeram mais do que qualquer tapa que ele poderia me dar. — Mas
minha prima foi privada de tanto, que eu não posso.

— Prima? — murmurei. Fiquei atônita por descobrir que


Verena não era filha dele.

— Sim…
Pareceu pensativo e vi o olhar dele ficar sombrio, os lábios

voltando a se curvar com o desprazer.


— Acha que eu faria uma criança sofrer, senhorita Khampha?
— Seu tom era perigoso, pausado, cheio de raiva. — Pensa que sou

filho da puta suficiente para colocar uma filha em um internato


quando o lugar dela seria comigo? Que eu terceirizaria o papel de

pai?
— Não tinha como saber… — Me arrependi assim que abri a

minha boca.
— Não, não tinha.
— Mas ela tem traços seus... — tentei me justificar.
— Pode não acreditar, senhorita Khampha, mas ela é ainda

mais parecida com o meu primo.


— Ela é filha do senhor Ignaz Falkenberg? — Falei a queima-

roupa, surpresa, ao recordar do alemão que várias vezes apareceu


nos tabloides, que eu sabia ser o único primo do senhor Falkenberg.

Arqueou a sobrancelha para mim.


— Sim.
— Mas como?

— Gosta de acompanhar revistas de fofocas, senhorita


Khampha?

Engoli em seco, mesmo sabendo que ler notícias de famosos


não era um crime.
— Devo temer o fato da senhorita procurar pela minha vida

por aí? — Foi sarcástico.


Senti que ficava vermelha da cabeça aos pés. Droga!

Deu uma risada desprovida de humor, continuando a me


encarar daquele modo enervante, e eu quis sair correndo.

— Achou algo interessante sobre mim, senhorita Khampha?


— Temo que não — falei para dentro.
— Orgia? Festas? Mulheres?

— Não!
— Imaginei que não, afinal não teria me perguntado sobre a
minha namorada— disse seco, parecendo um pouco decepcionado. 
— É… — Não tinha por que mentir, eu tinha vasculhado a

vida dele na internet.


Se ele achasse que era um bom motivo para me demitir, não

havia nada que eu pudesse fazer, mas eu não havia quebrado


nenhuma regra do contrato.
Ficamos em silêncio.

Controlei-me para não tremer diante da análise minuciosa que


ele fazia de mim, como se quisesse chegar no meu interior, o que

era impossível só com um olhar.


Uma partezinha de mim, a que provavelmente estava

cansada pelo dia puxado, desejou que o senhor Falkenberg me


fitasse de forma diferente, como mulher, alguém atraente aos seus
olhos…

— Não estou aqui para falar da minha vida pessoal, ou a falta


dela — interrompeu os meus pensamentos.

— Não é obrigado a me falar da sua priminha também,


senhor, nem me dar explicações. — Tentei ser sensata, por mais
que algo dentro de mim não gostasse da ideia e quisesse que ele

confiasse em mim. — Sou sua empregada, nada mais.


— Sim, é.
Tornou a ficar calado e pareceu se afundar em pensamentos.
Havia receio, suspeita, em seus olhos, mas ele também

parecia estar tomado pela dor, medo e angústia.


— Mas eu preciso, senhorita Khampha — o tom quebrado

revelava sua vulnerabilidade. — Por mais que não deva, por mais
que isso possa me foder, ainda que falar me torne um idiota outra

vez. Schwanz[6]!
Balançou a cabeça em negativa, como um animal ferido.

— Sabe como senti quando descobri que meu primo estava

morto?
Senti meu coração bater apertado por ele.

— Posso imaginar, senhor Falkenberg — disse suavemente.

Contive a vontade de erguer o meu braço e tocar a mão

grande e forte dele, oferecendo alguma espécie de conforto que não


sabia se ele desejava.

— Dói, dói bastante — continuei quando o senhor Falkenberg

não disse nada. 


Senti minha própria dor ao lembrar da perda da minha mãe,

uma tristeza que nunca passaria e que fazia meu peito doer.
Tentei me concentrar no homem à minha frente que

claramente sofria, e que tinha me escolhido para se abrir, ainda que


não confiasse em mim.

Ignorei a vozinha na minha cabeça que me chamava de

imbecil por sentir compaixão por alguém que suspeitava que eu


fosse trair a confiança dele.

— Ele pode ter me traído, mas eu o amava — sussurrou.

Não soube o que dizer.

— Ele era o meu melhor amigo, o segundo homem que mais


admirava. — Tornou a balançar a cabeça. — A notícia foi um

choque, que logo se transformou em pura raiva, ao saber que ele

tinha uma filha e que não pude participar da vida dela. Ódio por
saber que ele e a mãe foram capazes de relegar a própria filha,

colocando a menina desde pequena em um internato enquanto

viviam na farra, em festas.


— Sinto, senhor Falkenberg.

— Eu sinto muito mais por ela, Ana. — Meu nome dito com o

sotaque alemão fez com que o prazer se espalhasse pelo meu

abdômen e alcançasse o meu baixo-ventre. — Sinto por não ter


estado presente.
— Não pode se culpar, senhor, ainda mais quando nem

sequer sabia dela…

— Isso não muda o fato de que Verena sofreu sabe-se lá o


que no internato, que ela sequer teve uma visita durante o tempo

que esteve lá. Ela não pode fazer um gesto sequer sem que sinta

medo ou culpa. Não permitiram que ela fosse criança. Os pais dela

roubaram a felicidade da filha. Verena foi abandonada por todos


Segurei as lágrimas.

— Ela está aqui agora, não está? — Minha voz soou mais

apaixonada do que deveria. — Você não pode dizer que todos a


abandonaram.

O senhor Falkenberg ficou apenas me encarando, e eu nunca

imaginei que veria aquele homem poderoso tão fragilizado.

— E se for tarde demais, Ana?


Fiz que não.

— Não será tarde para nenhum dos dois, senhor… — Movida

pelos meus sentimentos confusos, acabei cobrindo a mão dele com


a minha.

O calor de pele contra pele me deixou nervosa e acalorada.

Os olhos escuros me encarando atentamente pareciam intensificar


aquelas sensações descontroladas, que me viravam do avesso,

acumulando-se no meu abdômen.


Forcei-me a não me afastar do toque e a não fugir do

escrutínio dele.

— Pode não ser fácil, mas tenho certeza que, indo a um


psicólogo, e com o carinho que o senhor dará para ela, Verena

perderá todo o medo de brincar, de sorrir — falei, mas minha voz

saiu rouca demais, de repente minha boca ficando seca.

— Como pode ter certeza, Ana? Eu não tenho experiência


com crianças, nem mesmo tive contato com elas, e agora me vejo

sendo responsável por uma — disse em desespero, alheio ao caos

que ateava em mim. — E se eu…


— Falhar? — Completei, acariciando o dorso da mão dele. —

Provavelmente o senhor cometerá muitos erros.

— Isso não me encoraja muito.

— Só estou falando a verdade, senhor.


Dei de ombros e ele abriu um sorriso que pareceu divertido,

mas logo a diversão dele morreu quando olhou para baixo e viu os

nossos dedos que, sem querer, eu tinha entrelaçado.


Fiquei paralisada com a minha audácia. Removi rapidamente

a minha mão.  Rubor espalhava pela minha pele, a minha cara


queimava.

— Desculpe-me, senhor…

— Desculpe-me — retrucou, brincalhão, mas a expressão

séria dele deixava evidente que tinha se incomodado com o meu


toque.

Quis rir de desespero.

— Eu não quis… Eu...


— Está tudo bem, Ana.

Sorri fracamente, querendo acreditar nisso, e coloquei minhas

mãos firmemente sobre o meu colo para não correr mais riscos de

tocá-lo indevidamente.
— Não sei por onde começar — confessou.

— Ela não é a única que precisará de tempo para se adaptar.

— Não, mas… Merda!


Emitiu um suspiro cansado, balançando a cabeça em

negativa.

— Enquanto você não encontrar uma babá adequada, posso

tentar ajudar em algumas tarefas, ou ficar com ela quando


necessário, já que emergências do trabalho podem acontecer —

ofereci.
O silêncio pesado e a desconfiança que não havia em sua

expressão enquanto o senhor Falkenberg fazia um resumo de tudo


o que havia acontecido foram outro tapa na minha cara, só que

dessa vez um bem mais doloroso, tanto que me encolhi na minha

cadeira.

— O que ganha com isso, senhorita Khampha? — A pergunta


foi feita em um sussurro ríspido.

Ele foi capaz de me machucar ainda mais, principalmente

quando semicerrou as pálpebras, mostrando ainda mais sua


desconfiança.

Tola. Eu era muito tola.

— Senhorita Khampha? — insistiu.


— Preciso ganhar algo? — Elevei a minha voz, um pouco

surpresa por responder meu patrão naquele tom. — Só fico feliz em

ajudar.

Olhou-me com mais descrença.


— Respeito sua decisão de não querer minha ajuda, senhor

Falkenberg. — levantei da cadeira, dando um sorriso sem graça,

recolhendo os talheres sujos para colocar na lava-louças. — Não


tenho dúvidas que o senhor será um bom “pai” para Verena. É

inegável o carinho que sente por ela.


Sei que era uma atitude rude da minha parte, mas dei as
costas para o meu chefe, para terminar as minhas tarefas antes de

ir embora.

— Espere, Ana! — Escutei os passos dele.


Quando me virei na direção da voz, encontrei o senhor

Falkenberg parado atrás de mim, e, pela primeira vez, fui consciente

do quão alto e largo meu chefe era comparado a mim. E também


forte. Senti meu estômago rodopiar. Centímetros separavam nossos

corpos; estávamos tão perto que, se eu esticasse um pouco a minha

mão, eu poderia tocar o seu peitoral, que subia e descia com uma

cadência suave, bem ao contrário do meu peito, que parecia um


tambor.

Joguei um pouco a minha cabeça para trás para fitar

diretamente o rosto dele, que estava inclinado em direção ao meu.


O ar quente que saía das narinas dele a cada respirar tocava a

minha pele, deixando-a formigando. Para minha mortificação, não


consegui não fitar os lábios dele, muito menos disfarçar. Os olhos
escuros dele cintilaram, e minha boca quis encontrar a dele, beijá-lo.

Ficamos paralisados, presos no olhar um do outro, e


diferentemente do que eu imaginava, percebi que ele ofegava e que,
naquele momento, meu chefe não estava tão tranquilo.
Arfei. Não sabia como deveria me comportar perante aquela
atração súbita, que parecia proveniente de um sonho distante de tão
irreal que era, mas que queimava e era latente, dominando todo o

meu corpo.
— Sim, senhor Falkenberg? — perguntei depois de vários
minutos, minha voz saindo rouca ao vê-lo fitando também a minha

boca.
— Eu…
Como se saísse de um transe, respirou fundo, uma, duas

vezes, como se buscasse algum controle, e deu um passo grande


para trás, colocando uma distância entre nós.
— Eu aceito a sua ajuda momentânea. — Voltou a passar a

mão pelo queixo, seu rosto parecendo tomado por frustração. —


Obrigado por se oferecer.
— Tem certeza, senhor?

— Sim. — Deu de ombros e meu olhar acompanhou o


movimento dele. De alguma forma, ele pareceu ficar rígido.

— Você não confia em mim — completei em um murmuro,


ficando arrependida logo em seguida do comentário.
— Eu não confio em ninguém, senhorita Khampha —

retrucou.
Com um sorriso irônico, voltou-se para a cadeira onde esteve
sentado e deixou o seu corpo cair languidamente sobre ela.
Engoli o nó que se instaurou na minha garganta com a

implicação das suas palavras.


— Entendo. — Foi a única coisa que consegui dizer.

Viver sem conseguir confiar em alguém deveria ser


extremamente desgastante.
Tentei não pensar muito nisso enquanto guardava o restante

da comida que sobrou em potinhos e terminava de arrumar a mesa,


mas foi impossível. Aquele homem parecia impregnado na minha
mente, e saber que ele acompanhava cada movimento meu não

ajudava em nada.
Meia hora depois, vesti o meu casaco e peguei minha bolsa,
que guardava num armário na área de serviço, e aproveitei para

conferir o meu celular, que não tinha nenhuma ligação de Liam, o


que era estranho, já que ele ficava sempre preocupado com os
meus atrasos.

Senti-me extremamente culpada por torcer para ele estar com


os amigos ou as ficantes. Eu deveria estar agradecida pelo meu

meio-irmão querer me proteger, mas queria não ter que responder


suas perguntas excessivas, porque eu não podia dar respostas.
— Você precisa de mais alguma coisa, senhor? — questionei
ao passar pela cozinha e encontrá-lo sentado no mesmo lugar,

parecendo pensativo.
— Não, agradeço — falou ao se levantar. Tirou do bolso do
moletom uma carteira, que jurava não estar lá antes. — Deixe-me

pagar o táxi para que volte para casa em segurança.


Estendeu-me uma nota de cem dólares.

— Não é necessário, senhor.


Arqueou a sobrancelha para mim.
— São quase dez da noite, e não deixarei que volte de ônibus

sozinha, que não esteja segura.  — Foi autoritário.


— Ficarei bem, obrigada pela preocupação. — Sorri, me
achando uma idiota por sentir um calorzinho por ele se importar

comigo.
— É o mínimo que posso fazer depois de ter me oferecido
sua ajuda. Prefere que eu chame o meu motorista para te levar para

casa?
— De verdade…
— Senhorita Khampha… — seu tom era perigoso.

— Tudo bem, obrigada. — Peguei a nota da mão dele,


odiando fazer aquilo, e a guardei na minha bolsa. — Amanhã eu te
trago o troco.

Ele fez uma careta desgostosa.


— Boa noite, senhor, e até amanhã. — Sorri.
Ele não disse nada e eu voltei a caminhar.

— Ana? — Chamou quando já estava no hall do apartamento


dele e nem percebi que ele havia me seguido.
— Sim, senhor Falkenberg? — Virei-me para ele.

— Amanhã, vamos ao shopping para comprar algumas


roupas mais adequadas para Verena. — Fez uma pausa. — Você

pode ir com a gente?


— Claro, será divertido. — Falei sem pensar.
Tinha esquecido de que provavelmente seria um daqueles

centros comerciais opressores com lojas caras e pessoas esnobes.


— Boa noite, Ana.
Abriu um sorriso cheio de alívio que fez com que qualquer

negativa que eu tivesse para dar, todas as ressalvas que tinha, se


desmanchassem.
Apenas assenti e, surpreendendo-me, antecipou-se e em um

gesto de cavalheirismo e abriu a porta para mim. Meu coração


disparou e, fazendo papel de tola, agradeci novamente antes de
passar pelo loiro, que ficou me encarando até que eu entrasse no
elevador.
Quando as portas da caixa de metal se fecharam, apoiei todo

o meu corpo contra a parede e fechei os olhos, respirando fundo.


Droga! O senhor Falkenberg tinha deixado minhas pernas
completamente bambas apenas com um sorriso e um olhar.
Capítulo nove

Olhei novamente para o retrovisor, desviando por alguns


segundos a minha atenção do trânsito. Tinha perdido as contas de

quantas vezes havia encarado Verena e Ana naquele curto trajeto

do meu apartamento ao shopping.


Caralho! Embora as duas estivessem em silêncio naquele

momento, vê-las de mãos dadas no banco de trás sem que Verena


a rejeitasse era hipnótico e me deixava confuso.

Eu queria muito acreditar que o carinho que que minha

funcionária dispensava a criança, os sorrisos, as tentativas de


conversar com ela, fossem reais, e não apenas uma farsa. Desejava

crer que seu oferecimento fosse altruísta, mas não conseguia.


Ainda que tivesse visto certa tristeza na garota enquanto

ponderava se deveria ou não aceitar a ajuda dela, isso não

significava que ela estava sendo verdadeira. Mesmo assim, a


angústia dela me fez hesitar e, somado ao meu desespero, acabei

concordando. Só esperava que não estivesse errado.

Puxei ar com força para o meu pulmão. Confiando ou não


nela, era inegável que Ana tinha a capacidade de roubar o controle

de mim mesmo. Culpava as poucas horas dormidas pelo caos dos

meus pensamentos.
Tinha sido difícil conciliar o sono com o meu corpo coberto de

tensão pelo dia cansativo depois da raiva que me queimou quando


terminei a ligação com o meu investigador particular, que sondaria o

internato em que Verena estava, e principalmente com o desejo

suscitado pelo beijo que eu quase dei em Ana, beijo que eu poderia

dar nela nesse exato momento.

O brilho que ela havia passado nos lábios deixava-os mais

convidativos para a minha boca. Era como se os lábios dela


pedissem para deixá-los marcados com a sofreguidão dos meus. Eu

queria ceder a essa irracionalidade, à minha frustração e ao


cansaço do meu corpo, a minha obsessão momentânea. Desejava
agir por impulso…

— Mistkerl[7]! — murmurei, sacudindo a cabeça, virando o

volante para fazer a curva e entrar na Stuart St.

— O que disse, senhor?

— Que estamos chegando — falei o óbvio.

— Desgraçado — Verena cochichou, denunciando-me para

Ana.
Fiquei surpreso por ela saber essa palavra, tanto que eu

quase freei o veículo.

— Quem te ensinou essa palavra, prinzessin? — perguntei

suavemente, mas por dentro eu sentia raiva daquelas malditas

pessoas do internato.

Ela não respondeu e, de relance, vi que a pequena se retraiu


no assento de elevação, como se eu tivesse acabado de bater nela.

Segurei o volante com força, até que os nós dos meus dedos

ficassem brancos, tamanha fúria que me dominou.

Malditos monstros! Fiquei ainda mais determinado em acabar

com aqueles filhos da puta.

— Está tudo bem, querida — Ana falou. — Seu primo não


está brigando com você.
— Não, não estou, princesa — reforcei, entrando com o carro

no estacionamento do shopping.
Rapidamente encontrei uma vaga e, removendo o meu cinto,

movido por um senso de urgência, deixei o veículo e abri a porta do


carona, para olhar diretamente para a menina.
— Não vai me colocar de castigo? — Verena perguntou num

fiozinho de voz enquanto eu desafivelava o cinto de segurança


dela. 

Fitei Ana por um momento, que parecia sofrer pela


menininha, mas que se mantinha em silêncio. Não gostei muito do

fato da mulher me olhar tão apreensiva.


— Claro que não, prinzessin — segurei o queixo da garotinha,
voltando toda a minha atenção para ela —, por que faria isso?

— É feio!
— Sim, é muito feio. O primo não deveria ter dito essa

palavra.
Fez que sim.

— Alguém disse isso para você? Te chamou de miststück[8]?


Outro assentir.

— Meu professor — sussurrou. — Eu sou?


— Claro que não. — Mascarei a raiva que sentia desse

desconhecido. Porra, eu poderia muito bem surrá-lo pelo que disse.


— Você é uma princesa. A princesa do primo. Ele que é um bobão.

Os lábios dela se curvaram para cima, mas Verena logo


conteve o sorriso. No entanto, o brilho nos olhos acinzentados era

tudo o que eu precisava para me sentir mais leve.


Sorri.
— Vamos? — Estendi a mão para Verena.

Ela balançou a cabeça em concordância e, quando colocou


sua mãozinha sobre a minha, ajudei a garotinha a descer do

esportivo, que era alto demais para ela. Surpreendendo-me, Verena


permaneceu de mão dada comigo. Travei o carro assim que, sem
dizer uma palavra, Ana também deixou o veículo. Ana... estava

gostando de chamá-la assim, mais do que deveria.


Começamos a caminhar pelo estacionamento, meu cenho se

franzindo, consciente da distância que Ana tinha colocado entre nós,


ficando para trás.

Parei de andar e me virei em direção a ela, encarando-a,


contendo um sorriso ao ver o rosto corado.
Inevitavelmente, deixei que o meu olhar percorresse

lentamente o corpo miúdo, prestando atenção em cada uma das


curvas delicadas, que eram ressaltadas pela blusa e calça jeans
justa. Os cabelos soltos, ondulados nas pontas, só a deixavam
ainda mais sedutora

Caralho, ela era gostosa. Jovem, mas muito gostosa. E minha


depravação...

Fui subindo com o meu olhar novamente.


Embora seus seios fossem bastante pequenos, as coxas
eram grossas para o seu biotipo. Seria bastante fácil me deixar levar

pela fantasia de aninhar meu rosto na carne macia, mas não dei
margem para tal pensamento lascivo.

— Por que está tão longe de nós, Ana? — questionei quando


senti Verena puxar a minha mão para que eu continuasse a andar.

— É o correto, senhor.
Ergui uma sobrancelha para ela.
— Existe esse tipo de etiqueta?

— Sim.
— Não quando você estiver comigo, senhorita. —

Praticamente dei uma ordem.


Segurando a bolsa com mais força, vi que ela ficou sem graça
pela minha frase, que não foi intencional ter duplo sentido, dando a
entender que poderia haver algo entre nós, embora fosse o que
fodidamente meu corpo desejava.
— Nem com Verena… — Tentei consertar as coisas,

voltando-me para a garotinha. — Você quer que a Ana fique para


trás?

Ela fez que não.


— Tudo bem — concordou, resignada, e se aproximou de
nós.

Pegando-nos desprevenidos, Verena, depois de olhar para

mim e para Ana, segurou a mão da mulher.


Ana me encarou, perguntando silenciosamente o que deveria

fazer, e eu apenas dei de ombros, sorrindo. Minha funcionária emitiu

um suspiro longo antes que nós três voltássemos a andar.

Quando entramos no shopping, encarei Verena, que


continuava a segurar as nossas mãos e que, sem perceber,

balançava os braços animadamente, saltitando, olhando de um lado

para o outro, parecendo encantada com as vitrines das lojas, que,


para mim, nada tinha demais. Toda a raiva e frustração que eu

sentia se dissolveu naquela alegria simples dela.

Porra, eu daria muita coisa para não ver mais Verena se


fechando em uma concha.
Por alguns segundos, o meu olhar e o da Ana se cruzaram, e

pude sentir que ela parecia contagiada pela felicidade da menininha,


embora também notasse que parecia estar um pouco oprimida pelo

local e desconfortável com os olhares curiosos que eram lançados

para nós três. Sem dúvidas, tanto ela quanto Verena chamavam a
atenção por estarem comigo, já que as pessoas poderiam estar me

reconhecendo e provavelmente sabiam que fazia muito tempo que

não era visto publicamente com ninguém, ainda mais de mãos

dadas. Eu mesmo não sabia como me sentir a respeito de ser alvo


dessas pessoas, das possíveis fofocas.

— Vamos entrar nessa loja, senhor? — Ana perguntou.

Estagnei no lugar, só então me dando conta de que Verena


havia soltado a minha mão.

Maldizendo-me por ter me distraído, virei-me para as duas

que estavam há alguns metros de distância e olhavam para a vitrine


com alguns vestidinhos.

— Você gostou de alguma coisa, prinzessin?

Verena apontou para uma blusinha xadrez de alcinha que

combinava com um short jeans.


— Então vamos experimentar?
Tomando a mão dela, entramos na loja onde uma atendente

nos recepcionou.

Sequer encarei a mulher, preso no brilho que havia no rosto


de Verena ao encarar um enorme laço fixado na cabeça de um

manequim, que parecia exagerado demais para mim.

— É a última moda, senhor, todas as crianças estão usando

— a vendedora tentou atrair a minha atenção.


Contive a vontade de fazer uma careta.

— Pode ajudar Verena a escolher tudo o que quiser, Ana? —

falei com a minha funcionária. — Eu não sou bom nessas coisas.


— Claro, se…

— Hadrian. — Em um impulso, murmurei o meu nome ao me

inclinar em direção a orelha dela, em uma demonstração de

familiaridade indevida.
Respirei fundo. O cheiro suave do perfume da Ana infiltrou-se

nas minhas narinas. Nesse momento, eu poderia muito bem perder

a minha racionalidade perante aquela fragrância.


Quando repeti o que eu havia dito, a vi estremecer levemente.

De alguma forma, ser consciente de que eu a afetava daquela

maneira me fez querer rugir, como um homem bárbaro. Dei um


passo para trás, surpreso com a reação visceral que me fazia querer

beijá-la com força e me enterrar dentro dela. 


Ana olhou-me atordoada, seus lábios levemente se

entreabrindo, como se esperasse um beijo, me deixando agitado.

No entanto, não falou o meu nome, apenas aproximou-se de


Verena, que continuava a olhar o laço, dando aquele sorriso que

fazia seus olhos sumirem.

— Acho que ficará lindo com a blusa da vitrine — Ana falou.

Verena olhou para ela e assentiu.


Um pouco irritadiço e confuso por Ana ter se recusado me

chamar pelo meu primeiro nome, e também pelo desejo insatisfeito,

sentei em uma poltrona, aceitando um café que me ofereceram.


Observei as duas que, de mãos dadas, pareciam à vontade uma

com a outra. Eu não podia negar que Ana parecia bastante paciente

com Verena, perguntando se ela gostava ou não de determinada

coisa, sugerindo algumas combinações, demonstrando tato quando


a garotinha se mostrava insegura, ou tinha medo de expor a opinião.

Ana a tocava, sorria, e não impunha sua vontade, ganhando

lentamente a confiança da pequena.


Verena não conseguia esconder a alegria, e, entres idas e

vindas ao provador, tinha flagrado a garotinha tímida retribuindo os


sorrisos da minha funcionária.

A facilidade com a qual Ana alcançava a criança me fazia

questionar se eu tinha tomado a decisão certa em deixá-la participar

da vida de Verena, mesmo que por pouco tempo. Estava claro que,
sem nunca ter recebido carinho antes, a menininha iria se apegar a

ela.

Não queria que machucassem Verena ainda mais, mas, ao


mesmo tempo, não podia privá-la de afeto de outras pessoas por

conta dos meus próprios medos, com base na minha experiência.

— Ficou lindo em você, senhorita — a vendedora falou

animadamente assim que a menina saiu do provador em um vestido


esquisito que parecia um grande camisolão.

— Não gostou, não é?

Ana tocou o rostinho da menina quando ela hesitou em falar.


— É feio — disse a pequena.

— Sou obrigado a concordar — falei, divertido. — Nada

adequado para uma princesa.

Pisquei de um olho só e ela abriu um sorrisinho para mim que


balançou toda a minha estrutura.

Porra! Eu não sabia que apenas um sorriso de Verena

poderia me deixar trêmulo e abobado. Meu peito pareceu prestes a


explodir.

— Querem olhar mais alguma coisa, senhorita?


Balançou a cabeça em negativa.

— Irá levar tudo o que foi escolhido, senhor? — A atendente

voltou-se para mim.

— Sim, tudo.
— Até aquele chapéu? — Verena disse em um fiozinho de

voz, apontando para algo atrás de mim.

Virei-me, encontrando uma boina que parecia um morango.


— Por que não?

Outra vez me deu aquele sorriso que roubou o meu coração.

Sem pensar muito, levantei-me e parei na frente da


menininha. Colocando meu peso sobre os calcanhares, afastei a

mecha do cabelo dela que cobria seu rosto.

— Por que não escolhe uma roupa para usar e que combine

com o chapéu, prinzessin? Ana pode te ajudar.


— Eu posso?

— Deve.

Não precisei dizer mais nada para a menininha que, depois


de pegar a peça da mão da vendedora, se voltou para Ana e a
puxou para dentro do provador As gargalhadas das duas logo me
alcançou. Acabei contagiado e também ri.

— Agora, sim, você está parecendo a princesa que é — falei

quando Verena saiu pela última vez do provador, usando um vestido


marrom que destacava o seu chapéu, e também com uma bolsinha

colorida à tiracolo.

— Foi a Ana que escolheu — a criança disse baixinho,


parecendo tímida com o elogio ao brincar com a alça do acessório.

— Tem muito bom gosto, Ana — murmurei.

— A modelo fica linda em tudo, não é mesmo, querida?

Verena ergueu o rosto para encará-la e acabou concordando


com a mulher, dando um sorrisinho antes de tornar a segurar a mão

da minha funcionária. Sem hesitar e nem me preocupar com o que

as pessoas achariam, segurei a outra mão livre da menina e nós


três fomos até o caixa.

Saímos de lá comigo carregando várias sacolas, tantas que


nem sequer sabia como conseguia segurar todas elas. 
— Por que não me esperam naquele banco enquanto guardo

tudo no carro antes de passarmos na próxima loja?


A pergunta saiu antes que pudesse contê-la, e eu realmente
ponderasse o significado delas, que estava confiando que Ana
manteria Verena segura, mesmo que eu não fosse demorar nem
dez minutos no estacionamento.
Recordei-me que, de todo modo, iria precisar desse tipo de

suporte, querendo ou não. Ainda assim, não era fácil.


— Tá bom, primo. — Assentiu.
Antes que Ana pudesse dizer qualquer coisa, Verena

começou a andar. Por um momento, apenas contemplei a


menininha que desabrochava sob meus olhos.
Quando as duas se sentaram e vi que estava ali parado

fazendo papel de bobo, obriguei-me a caminhar.


Retornei pouco tempo depois, e tive que mascarar o alívio
que senti por ver as duas no mesmo lugar, sentimento que de

alguma forma estava ciente de que era absurdo.


O que esperava? Que Ana iria raptar a menina? Que ela iria
perdê-la no shopping?

Devo ter demonstrado a minha insegurança para Ana, já que


a alegria que havia nela enquanto tagarelava algo com Verena

pareceu morrer, o semblante ficando mais sério, ainda que tentasse


disfarçar.
Não deveria me importar, mas não gostei de ver sua

expressão, muito menos saber que foi a minha desconfiança que


causou o abatimento nela.
— Prontas para seguir? — questionei em um tom mais
desprovido de humor.

Verena fez que sim com a cabeça, então continuamos as


nossas idas de loja em loja.

Embora a menininha falasse e estivesse empolgada, a minha


funcionária parecia mais contida no que dizia respeito a mim.
Merda! Mil vezes merda pelo que estava prestes a fazer, mas,

porra, eu não era tão completamente arrogante para não assumir


minha parcela de culpa naquela apatia. E algo dentro de mim
precisava mudar aquela situação, precisava ver o sorriso dela

direcionado para mim outra vez.


Por quê? Não queria saber.
— Desculpe-me, Ana — murmurei depois de saímos de mais

uma boutique.
Ela virou-se sutilmente para mim enquanto andava,
parecendo levemente surpresa.

— Pelo quê, senhor?


— Por não confiar em você. Na verdade, em ninguém.

— Não me deve nenhuma desculpa…


— Sim, eu devo, ainda mais quando você não tem obrigação
nenhuma de estar aqui comigo.

— Tudo bem, senhor.


Deu um sorriso, mas que não chegou aos olhos. 
— Ana… — Antes que eu pudesse dizer algo, senti um puxão

na minha mão. Olhei para a garotinha. — O que foi, prinzessin?


Verena não emitiu nenhum som, apenas indicou uma vitrine.

Segui a trajetória e vi que ela apontava para uma boneca. Fiz


contato visual com a menina, ficando na sua altura.
— Você quer uma, não é mesmo?

Balançou a cabeça em positivo, e eu escutei um som baixinho


vindo da minha funcionária.
Nossos olhares se encontraram e havia súplica neles,

pedindo silenciosamente que eu desse uma boneca para a menina,


o que era desnecessário. Eu poderia não estar agindo de forma
adequada ao ceder a todos os caprichos dela, mas ela a menina

tinha passado por tanta privação que era impossível não a mimar.
Não que eu estivesse fazendo isso, porque Verena era uma herdeira
e como seu tutor cabia a mim garantir o seu bem-estar.

— Todo mundo tem uma, menos eu — Verena falou baixinho,


parecendo se fechar dentro de si mesma de novo.
Senti um nó na minha garganta.

— Então vamos comprar uma, ou melhor duas.


— Três? — Falou animadamente.
— Melhor quatro, não? — brinquei.

Verena deu um gritinho animado, o que chamou a atenção de


algumas pessoas que estavam perto de nós, e correu em disparada
em direção à loja. Mais rápida do que eu, Ana foi atrás dela e

segurou-a pela mão, fazendo com que a menininha parasse na


soleira da loja.

— Não pode correr assim, querida — escutei Ana falar,


quando as alcancei.
Talvez eu devesse intervir, dizer que não cabia a minha

funcionária repreendê-la ou ensinar Verena como se comportar, mas


o modo doce como falava com ela e o contato visual que mantinham
fez com que eu me mantivesse em silêncio e só observasse,

sentindo-me estranho.
— Por que não? — Ela fez biquinho, parecendo prestes a
chorar.

— É perigoso, princesa, você pode se machucar ou se perder


de nós — continuou em um tom doce, acariciando o rostinho dela.
— Mas…
— Você não quer se perder, não é, querida? — Verena fez
que não, fungando. — Eu detestaria perdê-la também.
— Por quê?

— Porque gosto muito de você, por ser a minha nova


amiguinha.
— Mesmo? — Deu um sorrisinho.

— Sim.  Então não faça mais isso, okay?


— Tá. — Verena virou-se para mim, com certo medo. —
Desculpa, primo. 

— Está tudo bem, prinzessin.


— Ainda vou ganhar as bonecas? — falou, temerosa.
— Sim, irá, desde que não corra mais.

— Tá bom — fez uma pausa antes de falar baixinho: —


Podemos ir logo?

Soltei uma gargalhada e fiz que sim, ganhando um abraço


rápido da menininha nas minhas pernas, o que foi bastante especial
para mim.

Ficamos os dois vigiando Verena andar de um lado para o


outro da loja, querendo levar todos os brinquedos. Confesso que
tive que me conter para não dar tudo o que ela queria levar.

— Obrigada, senhor — Ana murmurou.


— Pelo quê, Ana? — Olhei para a mulher que parecia
acanhada pelo comentário.

— Por isso! — Mostrou a menininha empolgada.


Balancei a cabeça em negativa.
— É só o meu dever.

— Não, não é só isso, é bastante sensível da sua parte.


Voltou a sorrir para mim, atraindo a minha atenção para seus
lábios. Ao fitá-los, não pude ter mais nenhum pensamento coerente;

tudo o que pensava era em experimentar aquela boca. E o brilho


nos olhos escuros indicavam que ela parecia estar ciente do quanto
eu queria beijá-la.

— Já escolhi, primo — Verena deu um gritinho e vi a minha


funcionária dar um pulinho de susto, antes de olhar para a menina.
— Mesmo?

— Eu quero essa, essa, essa, aquela e a outra também. —


Começou a apontar.

Franzi o cenho.
— Você escolheu cinco, prinzessin, não quatro, como a gente
tinha combinado.

Balançou a cabeça, concordando.


— Então…
— É para a Ana brincar comigo. — Sem se dar conta do que
fazia, sorriu, sapeca, tentando me convencer. — Ela vai precisar de

uma também.
— Você pode emprestar as suas para ela — sugeri.

— Não, primo. — Arqueei a sobrancelha para ela.


— Uma boa princesa tem que saber dividir as coisas,
principalmente com as amigas.

Verena fez que sim, depois fez que não.


— A Alice quer ir com a gente…
— Alice?

Apontou para uma bonequinha.


— Deus! — Eu e Ana rimos. — Você já deu nome para as
bonecas?

— Alice, Ema, Sara, Sofia e Mia. — Começou a mostrar todas


elas.
Gargalhamos.

— Tudo bem — suspirei, dando-me por vencido ao olhar


aquele rostinho angelical suplicante —, mas você tem que perguntar

se a Ana irá querer uma boneca para brincar com você.


— Tá. — Virou-se para a mulher, movendo o pé impaciente, e
vi que Ana reprimiu uma risada. — Você vai querer uma boneca
também, não vai?

— Não sei, faz tempo que não tenho uma boneca e nem sei
se ainda consigo cuidar de uma.
— Ah! — Verena fez um muxoxo.

— Você me ajuda?
— Sim! — Deu um gritinho, antes de sair correndo atrás das

bonecas, seus bracinhos não conseguindo segurar todas as caixas.


Eu e Ana nos fitamos, como se fôssemos cúmplices, e caímos
na gargalhada.

Ainda estávamos rindo quando deixamos a loja. Saindo dali,


fomos direto para um restaurante qualquer na praça de alimentação,
afinal, depois de tantas compras, eu tinha sete bonecas famintas

para alimentar.
Capítulo dez

— Olha, primo! — Verena falou animadamente em meio aos


latidos de Órion, que sempre reagia a garotinha, emitindo sons e

balançando o rabinho.

— O quê?
— Meu desenho!

Desviei a minha atenção do trabalho e olhei para a menininha


que se levantava do tapete felpudo onde estava colorindo e,

pegando uma folha, ela veio na minha direção, com o cachorro a

seguindo. Embora os olhos ainda mostrassem um pouco de receio,

um sorriso suave brincava em seus lábios.


Fazia cinco dias que ela estava morando comigo e, apesar de

ser pouco tempo e ela ainda ter seus momentos de retração, Verena
se comportava cada vez mais como uma criança, brincando,

sorrindo e também conversando, ganhando mais confiança de que

eu não iria levantar a voz para ela, bater nela ou ameaçá-la por
algum motivo.

Parando do meu lado, estendeu-me o papel para mim e eu o

peguei, observando o modo como as cores saíam pouco da margem


do desenho e, em alguns pontos, o colorido parecia mais fraco,

como se ela tivesse se cansado.

Com o canto do olho, vi que o rosto dela transformou-se em


ansiedade e apreensão, querendo saber o que eu achava.

— Está lindo, prinzessin — falei e a escutei soltar o ar que


segurava em seus pulmões —, mas o primo conhece uma técnica

de colorir que fará o desenho ficar ainda mais bonito.

— Mesmo?

Fiz que sim com a cabeça.

— Me ensina? — Pareceu animada.

Lancei um breve olhar para as planilhas que eu precisava


terminar de analisar até o dia seguinte e depois para a menininha,

que parecia expectante.


Apesar de Verena ser uma garotinha quieta, não dava para
negar que conciliar meu papel de figura paterna com os

compromissos do trabalho tem sido um processo bem difícil.

Embora não pedisse nada a mim diretamente, eu fazia de tudo para

suprir as necessidades de afeto e atenção que ela tinha, e isso, de

algum modo, exigia que eu deixasse muito trabalho acumular e até

mesmo alterasse os horários de uma reunião para brincar e


conversar com ela.

— Por que não? — Falei depois de minutos e senti raiva de

mim mesmo por aquela fração de tempo ter feito a menininha

murchar.

As duas mãozinhas postas na frente do corpo revelavam toda

a sua fragilizada.

— Vô te atrapalhar? — perguntou em um tom baixo quase


que inaudível, tornando a ser aquela garotinha que eu encontrei

pela primeira vez. Não gostei nada de vê-la assim.

— Claro que não, prinzessin — menti —, eu adoro colorir

também.

— Mesmo?

Fiz que sim. 


— Que tal escolhermos umas imagens legais para imprimir e

pintar? — sugeri, tentando animá-la.


— Boneca? — Os olhinhos dela brilharam.

— Pensei que iria sugerir carrinhos — provoquei-a.


Ela franziu o cenho para mim, fazendo uma careta e eu sorri,
divertido.

— Carrinho é coisa de menino! — Deu um gritinho, fazendo


com que Órion latisse mais alto, girando em torno de si mesmo,

querendo a atenção que negávamos a ele.


— Quem disse isso?

Estalei a língua, reprovando aquele pensamento conservador,


e completei:
— Carrinho também é coisa de menina!

— Verdade? — Me deu um sorrisinho ao esticar a mão para


tocar o cachorro, que emitiu um som de deleite.

— Sim, prinzessin — confirmei. — Tanto que quando você


crescer, você irá dirigir um carro.

— Ah! — Cruzou os braços na frente do corpo. — Falta muito.


— Passa rápido. — Brinquei com Verena ao levar meus
dedos ao nariz dela e o apertar. — Agora, vamos escolher o que

vamos colorir.
Fiz um gesto para ela se aproximar do computador para que

pudéssemos olhar juntos. Com as variadas opções, ficamos uns


bons vinte minutos escolhendo, e acabei imprimindo um punhado de

desenhos, que levaria anos para poderem ser coloridos. Verena


animadamente voltou para o lugar onde estava antes.

Sentei-me no tapete junto a ela e escolhi uma figura qualquer.


— Não, Órion! — ralhei, quando o cachorro, que adorava
chamar a atenção, colocou a pata em cima do desenho que eu iria

colorir, amassando a superfície.


Verena deu uma risadinha, que se tornou uma gargalhada

quando, tentando remover o papel, a cauda do animal bateu na


minha cara.
— Assim vai ser impossível colorir qualquer coisa! — bufei no

momento que o cachorro começou a subir em cima de mim.


Verena pareceu não se importar, rindo bastante com as

travessuras do animal e a minha tentativa de tirá-lo de cima de mim


e das folhas que, além de ficarem amassadas, rasgavam com o

peso do bichano.
Logo Órion foi atraído pela risada da menininha e começou a
atacá-la com a língua, deixando lambidas por toda e qualquer parte.
— Para! Para! — Verena pediu em meio as risadas, lágrimas
escorrendo pelo seu rosto. — Tá doendo a minha barriga!
O animal não parou e, quando vi, os dois estavam rolando no

chão, Verena deixando beijinhos no focinho do cachorro, que


retribuía os carinhos dela.

Sorri ao contemplá-los, sentindo o coração bater rápido. Não


importava se iríamos conseguir colorir os desenhos ou não, a
verdade era que só me importava vê-la feliz, sorrindo, a tristeza e

melancolia se tornando algo bastante distante.


Aquela felicidade, de alguma forma, me contagiava e me

tornava menos amargo, fazendo-me esquecer do quanto o mundo


era doloroso, que as pessoas estavam mais do que prontas para

ferir umas as outras. Vê-los assim me tornava mais o homem que


eu sempre cobicei ser, mas não podia me render por completo, ser
alguém que podia acreditar, se permitir, sem medo.

Poderiam fazer meros cinco dias, mas, de alguma forma, não


era apenas a menininha que havia mudado, mas eu também,

lentamente, admito, me permitia, mesmo que eu lutasse para ficar


em terreno seguro, o que me impediria de sofrer novamente.
Um suspiro longo e profundo em meio a brincadeira fez com

que eu saísse do transe e fitasse a mulher parada na porta do meu


escritório que tinha toda a sua atenção voltada para a dupla de
amigos brincando. Havia um sorriso nos lábios chamativos da
mulher que, com a proximidade imposta, mexia com a minha libido,

com meu juízo.


Porra! Eu a desejava. Desejava muito.

Todas as manhãs, eu me controlava, mas nas noites e


madrugadas, sozinho no meu quarto, cedia a luxúria que me
consumia e não hesitava em fantasiar com Ana das mais diferentes

formas, que iam desde um roçar de lábios inocente, testando o

encaixe das nossas bocas, até um sexo mais bruto, em que meus
quadris batiam furiosamente contra os dela a cada investida, sendo

recebido com fervor, nossos gemidos guturais ecoando pelo

ambiente.

Não havia pudores na minha imaginação, pelo contrário, todo


o tipo de depravação a dois passava pela minha mente,  usando

várias partes do corpo algo que eu nunca havia feito antes.

Eu perdia o sono ao ficar extremamente rígido, latejando, mas


não me oferecia nenhum consolo com minhas mãos. Um lado

perverso meu gostava da autotortura de ficar só nas fantasias,

deixando-me mais sensível e também a beira do limite de perder


minha sanidade.
Sentindo o meu olhar sobre ela, Ana girou um pouco o rosto e

nossos olhares se encontraram, e nos tornamos reféns um do outro.


Meu corpo todo reagiu a aquele escrutínio, ficando inquieto.

Quando os lábios dela se entreabriram, como se esperasse o

meu beijo, fogo percorreu as minhas veias, e eu precisei de toda a


minha força de vontade para não me erguer e pelo menos roçar

minha boca na dela, dando um pouco de vazão ao desejo mútuo

que havia entre nós.

O gritinho de Verena e o latido alto de Órion tiraram Ana do


transe, fazendo com que a mulher olhasse para os dois pestinhas

que rolavam pelo tapete.

— Deus! — Levou a mão ao peito, de modo dramático. —


Que bagunça!

A risada da minha funcionária fez com que o cachorro

parasse de lamber a garotinha e a fitasse, balançando a cauda


freneticamente.

Gargalhando também, a menininha, aproveitando a

oportunidade, saiu debaixo do animal, sentando de pernas

cruzadas. Seu rostinho redondo estava completamente corado pela


risada e brincadeira, os olhos cintilavam de alegria enquanto ela

removia os cabelos que haviam caído sobre os olhos.


— Tamu pintando, Ana! — Verena deu um gritinho.

— Mesmo? — Deu um sorriso enorme e caminhou em nossa

direção.
Lutei para não fitar o balançar provocante dos quadris.

A menininha sacudiu a cabeça freneticamente.

— Pensei que estavam brincando de rolar no chão — Ana

falou, divertida, apoiando todo o peso sobre os calcanhares, e


piscou para a garotinha. — É a brincadeira favorita de Órion, depois

das pelúcias, é claro.

— Minha também! — Verena deu um sorrisinho, tentando


segurar a cauda do Órion que balançava freneticamente. 

O cachorro aproveitou para deixar umas lambidas na face de

Ana que não hesitou em coçar a parte traseira do animal, que se

contorceu ao toque dela.


Não consegui suprimir o pensamento de como me sentiria ao

ter os dedos finos tocando meu peitoral, minhas costas, meus

ombros, muito menos a tensão que a imagem me causava. Caralho!


— Quer pintar também? — perguntou Verena, animada. —

Meu primo disse que eu posso pintar carrinhos.

— Verdade? Hum, parece bastante divertido — disse Ana.


Procurou uma folha com o desenho de um carro e estendeu o

papel amassado para Ana, que o pegou.


O sorriso da minha funcionária ficou maior, e meu olhar e o

dela voltaram a se cruzar, mas, para a minha decepção, durou

menos de cinco segundos.


— E qual cor você vai usar?

— Rosa! — Verena bateu palminhas.

— Ficará lindo! — Ela a incentivou.

Subitamente, a menininha se virou para mim, parecendo


pensativa:

— Existe carro rosa, primo?

Fiz que sim.


— De todas as cores, prinzessin.

— Você tem um? — questionou depois de alguns segundos,

demonstrando curiosidade.

— Um o quê? — Automaticamente peguei um lápis e comecei


a passar pelo papel amarrotado.

— Um carro rosa!

— Ainda não, prinzessin…


— Ah! — Fez biquinho, parecendo decepcionada. — Eu

queria um!
— Falta muito tempo para você ter idade para dirigir, querida

— Ana falou suavemente.

— Ah! — repetiu. — Quanto?

— Como você tem cinco, faltam onze anos para você poder
fazer o curso prático.

O bico de Verena se tornou ainda maior e Ana acariciou os

cabelos da garotinha, consolando-a.


— Passa rápido, princesa — murmurou, continuando a fazer

carinho nela, mesmo que um focinho tentasse impedi-la.

Ouvi a pequena suspirar, se aninhando na mulher, e eu

apenas fiquei paralisado, observando-as. A sensação de que havia


algo de maternal no toque, como sempre ocorria, me invadiu, e eu

tornei a dizer a mim mesmo que era apenas algo criado pela minha

mente perturbada e, de alguma forma, pelo desejo de que o afeto


genuíno que Verena tinha por Ana fosse retribuído. Mas medo de

Ana estar apenas interpretando um papel de alguém carinhoso para

benefício próprio, persistiam.

Racionalidade e desejo duelavam dentro de mim, de


diferentes formas, mas, em momentos como aqueles, que elas se

olhavam, sorrindo uma para a outra, parecendo nutrir sentimentos

recíprocos, conversando sobre o “carro rosa”, eu me questionava se


realmente o carinho que Ana parecia ter por Verena, mesmo

naquele pouco tempo, era realmente algo criado apenas pelos meus
anseios. O pensamento que ela realmente se sentia conectado à

menina era perigoso...para mim. Abriria ainda mais as comportas da

minha irracionalidade, dos meus anseios e da minha solidão

emocional autoimposta.
— O primo vai me ensinar a pintar diferente — a fala gritada

de Verena me tirou do transe.

— Não sabia que tinha dons artísticos, senhor Falkenberg —


Ana disse em um tom brincalhão, arqueando a sobrancelha para

mim.

— Nada que posso chamar de dom, Ana… — Dei de ombros.


— Entendi.

Os olhos dela sumiram com o sorriso e o calor se espalhou

pelo meu peito.

— Preparei um sanduíche para vocês, está na geladeira —


falou ao se erguer.

— Obrigado, Ana.

— Vocês precisam de mais alguma coisa antes que eu vá,


senhor? — Foi formal.

— Você já tá indo? — Verena murmurou.


Respirei fundo, sentindo um incômodo no peito por ter
chegado aquele momento do dia: o da separação.

A alegria que havia no rosto da garotinha enquanto tagarelava

com a mulher e brincava com o cachorro sumiu em minutos.


Verena se retraiu, os lábios tremeram. O medo cintilou nos

olhos verdes cinzentos. A dependência emocional que ela já sentia

pela minha funcionária ficou mais evidente.


Ainda que a psicóloga de Verena tenha dito que era algo

natural, visto a falta de afeto que ela passou, eu não sabia lidar com

aquele sentimento. Eu tendia a querer superprotegê-la, mas sabia

que não podia.


— Está na hora de eu ir, princesa. — Ana pousou as duas

mãos nos ombros da menina, tentando passar conforto, mas a

expressão dela parecia condoída. — Segunda-feira eu volto.


— Não pode ficar aqui? — Verena tornou a usar um tom

baixo.
— Não, querida. — Fez que não com a cabeça, para enfatizar
sua fala.

— Por que não?


— Meu castelo fica em outro lugar, princesa, eu não moro
aqui com vocês — repetiu a mesma coisa que havia dito no dia
anterior, paciente.
A menina se encolheu, apenas para no segundo seguinte
erguer o queixo, parecendo esperançosa:

— Você pode morar!


— Não é assim que funciona, Verena — forcei-me a intervir.
— Por que não? — Virou-se para mim.

— Ana tem a vida dela fora daqui, prinzessin, e não inclui nós
dois — sussurrei.
— Mas… — As lágrimas vieram, fazendo Órion, que até então

estava quieto, quase uivar.


Eu soube naquele instante que não usei as palavras certas
para explicar o porquê Ana não podia morar conosco.

Caralho! Isso era tão difícil!


Sem que eu me desse conta, fitei Ana, pedindo por ajuda, e
ela acabou assentindo. 

— Venha aqui, Verena! — a mulher pediu em um tom doce,


voltando a ficar agachada.

Chorosa, a menina obedeceu.


— Apesar de sermos muito amigas — colocou uma mecha
atrás da orelha dela —, eu trabalho para o seu primo. Você me vê

fazendo as coisas aqui, não vê?


— Sim — choramingou.
— Eu tenho horário para chegar e para ir embora também.
A menina fungou, fazendo um gesto de negação.

— Mas você pode morar…


— Não, meu bem, funcionários não moram com o patrão.

— Por que não?


Abriu um sorriso que não chegou aos olhos.
— Porque normalmente tanto o funcionário quanto o patrão

têm uma família. — Fez uma pausa. — Imagine se todos os


empregados do seu primo e as famílias deles morassem com
vocês? Seu primo teria que comprar muitos apartamentos iguais a

esse para caber todo mundo.


— Verdade?
— Sim.

— Tá. — Pareceu pensativa e acabou soltando: — Cê tem


uma família? Tem namorado? Tem um bebê?
Eram perguntas simples, mas que me deixaram tenso.

Enquanto fantasiava em enterrar meu pau no corpo de Ana e


obter um prazer imenso no ato, nunca me passou pela cabeça que

ela poderia ter um namorado ou... marido.


Me senti mal com a possibilidade de estar obcecado por uma
mulher comprometida, e pior: continuar cobiçando-a.

— Deus, não! — Soltou uma gargalhada e eu senti o alívio


em cada um dos meus poros. — De onde tirou essa ideia, mocinha?
— Família é mamãe, papai e filhinhos — retrucou e tornou a

ficar amuada, lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto. — Eu não


tenho família porque não tenho uma mamãe e nem um papai.

Senti como se levasse uma punhalada no peito, e lutei contra


a maldita raiva que vinha à tona ao pensar em Ignaz. Não era hora
de me deixar levar pela fúria por tudo aquilo que o meu primo fez

para Verena.
— Não, prinzessin — sussurrei, minha voz soando mais
áspera do que gostaria, o que fez a menina me encarar —, família é

quem amamos, e como eu amo você, você é a minha família. E


como o Órion também te ama, ele também é.
— De verdade?

— De verdade!
Verena surpreendeu-me ao correr na minha direção e eu a
apertei com um abraço. Seu braço fino envolveu o meu pescoço.

O suspiro fez com que eu olhasse para Ana outra vez e a


encontrei sorrindo para nós, mas minha atenção logo recaiu na
menina. Quando Verena afrouxou o aperto, aproveitei para fazer

cócegas nela e deixar uma série de beijos, tentando distrai-la. A


risada dela ateou fogo em Órion, que começou a latir e me rodear,
dando cabeçadas e rabadas.

— Para, primo! — Verena falou, ofegante.


— Estou só começando — deixei vários beijos no rosto dela
até que a menina se contorcesse para sair dos meus braços.

Foi a minha vez de fazer um bico de todo tamanho, o que fez


com que tanto Verena quanto Ana caíssem na risada.

— Primo? — Ela ficou séria de repente.


— Oi, prinzessin?
— Você vai ter filho?

Franzi o cenho.
— Por enquanto não. — Poderia dizer que eu já tenho uma,
mas isso só complicaria a cabecinha dela.

— Por que não?


— Você é muito curiosa, princesa! — Estiquei meu braço para
tornar a fazer cócegas nela.

— Primo! — deu um grito.


— Tá, tá! — Soltei-a. — Agora vá dar um beijo na Ana para se
despedir.
Verena deu passos vacilantes na direção dela e a abraçou.
— Cê não pode ficar mais um pouquinho?
Ana fez que não.

— Vou perder o meu transporte e a tia está cansada, querida


— deixou um beijo na bochecha dela —, mas prometo que, se tiver
um tempinho, brinco com você na segunda.

— Promete?
— Prometo. Mas tenho certeza que nem sentirá minha falta,
porque você têm Órion e o senhor Falkenberg para brincar. Agora

me dê meu beijo!
Ela ficou parada por uns instantes, mas acabou dando um
beijo estalado na bochecha da minha funcionária.

— Qualquer coisa você pede para o seu primo me ligar, tá?


— Tá bom! — Afastou-se de Ana e, parecendo mais

confortada, voltou a se sentar no tapete e pegou o lápis até então


esquecido.
— Tenha uma boa noite, senhor Falkenberg.

— Boa noite, Ana.


Dando um último sorriso, ela se virou e caminhou para fora do
meu escritório, sendo seguida por Órion. De forma doentia, olhei
para a bunda dela, ciente de que aquela parte em específico do
corpo dela ocuparia boa parte das minhas divagações noturnas.

Logo o cachorro voltou, indicando que ela tinha ido embora.


— Primo?
Parei de fazer papel de bobo e me virei para a menininha, que

me encarava com os seus olhos enormes verdes acinzentados,


curiosos.
— Sim, prinzessin?

— Por que você não beijou a Ana também?


Caralho! Abri e fechei a boca, sem saber como responder
aquela questão embaraçosa.

— Porque não é certo. — Passei a mão pelos meus cabelos,


me sentindo um pouco exasperado.
Com a confiança de que eu não brigaria com ela, Verena

vinha se tornando uma metralhadora de perguntas.


— Por que não?

— Não podemos beijar as pessoas sem a permissão delas,


Verena.
— Não?

— Não.
— E se ela deixar?
— Deus, menina!
Joguei a cabeça para trás e ri, gargalhando até que lágrimas

saíssem pelos meus olhos. Aquela menininha era inteligente demais


até mesmo para mim.

— Não entendi! — Verena fez beicinho.


— Que tal o primo te ensinar a técnica dele de colorir? 
Tentei desviar o foco dela. Definitivamente não queria falar de

beijos e Ana. Além de impróprio para a idade dela, mesmo que para
Verena se tratasse de um mero beijo no rosto, o assunto “beijar”
Ana me era tentador demais.

Ela ficou me encarando, outra vez refletindo.


— Tá!
Fiquei aliviado ao ver que ela foi pegar a folha amassada e o

lápis. Ensinei a ela como fazer pequenos círculos para colorir,


tomando cuidado com a margem do desenho.
Eu tinha escapado por pouco da minha pequena

questionadora.
Capítulo onze

Encolhi-me ainda mais dentro do meu casaco assim que eu


desci do ônibus e fui atingida por uma rajada de vento. Embora o

verão fosse marcado pelo calor, há alguns dias o frio vinha tomando

conta da cidade, para minha tristeza.


Não havia nada que detestasse mais do que temperaturas

amenas e o céu nublado, que, junto com a poluição, não permitia


que visse com nitidez as estrelas. Além de parecer mais difícil sair

da cama em dias gelados, o clima afetava o meu humor, deixando-

me extremamente melancólica, com vontade de chorar sem nenhum


motivo aparente. Eu precisava do calor e do sol como necessitava

do ar.
Os dias de neve, na minha percepção, eram mais um

transtorno do que uma benção. Ainda que faltassem meses para a

estação mais infernal do ano, eu estremeci só de pensar nela. Bem,


não só com o pensamento, mas também por sentir outra rajada na

minha nuca, que arrepiou os meus pelos.

Apesar da melancolia e tristeza que o clima me trazia, eu me


obrigava a sorrir, algo que não era difícil ao pensar em Verena.

Eu sabia que dez dias era muito pouco tempo, mas os laços

que eu tinha com Verena eram inexplicáveis e foi imediato.


Eu estava bastante apegada à menininha, que se tornava

cada vez mais falante, parecendo mais alegre, e agarrava qualquer


oportunidade que tinha para ficar e brincar com ela, tanto que na

hora de eu ir embora para a minha casa, me sentia triste por partir,

principalmente ao ver o semblante abatido e as lágrimas, mesmo

que eu prometesse voltar no dia seguinte.

Contra todo o meu bom-senso, eu queria permanecer no

apartamento do meu chefe, para continuar a brincar, a rir, e a


receber os beijos e abraços dela.
De alguma forma, ao ter contato com Verena, descobri o quão
carente de afeto eu me encontrava, e agarrava com todas as

minhas forças qualquer carinho que a criança me dava, mesmo que

fosse errado da minha parte.

Tentando não pensar nas minhas falhas em me aproveitar do

conforto que a menina me trazia, envolvi-me em um abraço e

apressei um pouco os meus passos, querendo chegar o mais rápido


possível em casa. Embora fosse pouco mais de sete da noite, as

ruas do bairro, conhecido por ser o centro da cultura preta, estavam

praticamente desertas, mas, ainda assim, me sentia bastante

segura em andar por elas.

— Graças a Deus! — falei aliviada, quando, ao virar a quadra,

avistei o prédio de tijolos vermelhos.

Rapidamente alcancei a entrada e finalmente entrei no


edifício.

Nunca agradeci tanto pelo calor proporcionado pelo sistema

de calefação antigo do prédio, que precisava urgentemente de

conserto.

Enquanto subia as escadas para o terceiro andar, o alívio que

banhava as minhas veias foi substituído pela angústia e pelo medo.


E também culpa.
Era uma sensação horrível temer entrar na sua própria casa.

Ou melhor, temer a pessoa que morava dentro dela, ainda mais


quando estávamos brigados, e ele provavelmente estaria irritado.

Estremeci outra vez. Por mais que eu tenha tentado ignorar o


ocorrido, de madrugada, eu e Liam acabamos discutindo por ele ter
chegado não só com os amigos, mas também com umas garotas,

para beberem e transarem. Não era a primeira vez que ele fazia do
nosso apartamento alugado de motel, mas, dessa vez, ele não teve

pudor nenhum e não usou o próprio quarto. A raiva fez eu reagir no


calor do momento, mas agora me arrependia do meu impulso. Eu

temia o que meu meio irmão poderia fazer. Talvez fosse me bater.
Ali, paralisada no meio das escadas, pela milésima vez, me
questionava  por que que eu me sujeitava aquilo, por que me

colocava em uma situação tão precária.


Porque eu não era capaz! Eu nunca teria forças o suficiente

para seguir em frente sozinha, por mais recursos que tivesse. Fora
que a culpa, se eu me afastasse, me assolaria.

Como Liam iria se manter sem o meu salário? Arrumar um


emprego não era tão fácil. Ele poderia não ter o meu sangue, mas
era minha família.
“Família é quem amamos”. Lembrei a frase dita pelo meu

chefe e eu senti um nó na minha garganta. Eu amava Liam, mas ele


me amava?

Uma vozinha na minha cabeça sussurrou que não, mas logo


a calei, dizendo que o modo de ele amar era diferente do meu e que

isso era o suficiente.


Mas alguém que te ama ameaça te agredir? Alguém que te
ama te inflige medo?

Engolindo em seco, sentindo minhas palmas úmidas e


lágrimas querendo se formar em meus olhos, obriguei-me a subir os

degraus restantes.
Cada passo que dava, fazia meu coração bater mais rápido
ao passo que eu parecia ficar mais gelada.

Estaquei em frente a porta, embora tudo em mim quisesse dar


vários passos para trás, colocando distância entre nós.

— Menina, o que você está fazendo aí? — Minha vizinha


falou em um tom sério.

— Ah! — dei um gritinho, pulando no lugar, assustada, saindo


dos meus pensamentos.
Levando a mão ao peito, sentindo como se o meu coração

fosse saltar dele, olhei para a senhora de cerca de sessenta anos


que tinha o cenho franzido.
— Oi, senhora Lennon — minha voz saiu entrecortada, eu
ainda tentava me recuperar do susto.

— Tá tudo bem?
— Sim, obrigada por perguntar, e com a senhora? — Respirei

fundo, procurando me acalmar e ser simpática com a idosa que,


embora não fosse a pessoa mais amigável do mundo, também não
era a mais difícil.

— Foi difícil dormir à noite… — respondeu com um resmungo,


sua expressão ficando carrancuda.

— Desculpe-me por isso, senhora Lennon…


Encolhi-me no meu casaco, envergonhada pelo ocorrido de

madrugada, ainda que não fosse completamente minha culpa, já


que, de qualquer modo, duvidava muito que ela não acabaria
escutando os barulhos feitos pelo meu irmão e os amigos. Na

verdade, provavelmente quase todo o prédio deveria ter ouvido.


— Eu deveria ter chamado a polícia — grunhiu.

Meu estômago embrulhou. Não sabia se uma pessoa poderia


ser presa por isso, mas a perspectiva de algo acontecer a Liam me
deixou atordoada.
Para minha surpresa, o semblante dela se suavizou, ternura
refletindo nos olhos acinzentados pela catarata. Outra vez, quis
chorar.

— Não importa — fez uma pausa —, não é a primeira, e nem


será a última, não é mesmo?

— Temo que não — dei um sorriso sem graça, me sentindo


culpada —, sinto muito por isso.
— Sei que sim.

— Desculpe, de verdade — repeti.

Balançou a cabeça.
— Tenha uma boa noite, Ana.

— A senhora também. — Vi minha vizinha fechar lentamente

a porta.

Permaneci estacada no lugar, mas antes que algum outro


morador fosse tirar satisfação comigo, coloquei a chave na

fechadura, encontrando alguma dificuldade pelos meus dedos

estarem trêmulos.
Respirei fundo. Estava sentindo um medo absurdo do meu

irmão, mesmo assim, entrei em casa.

Coloquei minha bolsa no cabideiro, removi o casaco e tirei as


botas. Mesmo que usasse meias, os dedos dos meus pés se
retraíram com o frio do piso. Como desejei que o apartamento

tivesse carpete, como noventa por cento dos lares da América.


Suspirando, com passos hesitantes, passei pelo corredor e,

felizmente, quando alcancei a sala, não encontrei meu irmão

esparramado no sofá. Sei que estava sendo uma covarde, mas torci
fortemente para que ele estivesse com os amigos, ou na casa de

uma garota qualquer. Depois de um banho e comer alguma coisa,

poderia me trancar no quarto e não o ver, pelo menos não esta

noite.
Apegando-me aquela esperança frágil, mesmo sabendo que

estava agindo como uma tola, caminhei em direção ao banheiro.

Sem querer, bati meu quadril contra a quina da mesa. Chiei de dor,
levando a mão a região. Com certeza, ficaria um roxo enorme e

dolorido por um bom tempo.

— Merda!
Fechei os olhos por alguns segundos e quando os abri

novamente, não sei por que razão, minha visão capturou a ponta de

um envelope entre as revistas pornográficas do meu irmão, que

estavam em um cesto e que tinha nojo só de ver. Poderia ser


qualquer coisa, mas eu fiquei curiosa o suficiente para me

aproximar.
Estiquei meu braço para pegá-lo, mas, por um momento,

hesitei em tocar o papel, principalmente com medo de ser flagrada

pelo meu irmão mexendo nas coisas dele, mas a curiosidade me


venceu.

Puxei o envelope, que já tinha sido aberto por Liam, e senti

um nó na garganta ao ver a logo da Universidade Tufts no papel,

bem como o meu nome. Provavelmente ali continha a resposta se a


minha candidatura foi aceita ou não pela instituição.

Duvidava muito que havia conseguido entrar, já que a minha

nota no exame era um pouco mais do que a média, minhas


atividades extracurriculares não eram significativas e eu fui mal na

redação que eles pediram. A única coisa de bom que eu tinha eram

as minhas notas e as recomendações de alguns professores e do

diretor da escola onde cursei o High School.


Mesmo desesperançosa, meu coração começou a bater mais

forte, o ritmar ecoando nos meus ouvidos, a expectativa me

corroendo por dentro.


Não pensei em mais nada, nem mesmo na possível razão

pela qual meu irmão tinha escondido isso de mim, apenas tirei a

carta do envelope e deixei meus olhos percorrerem cada uma das

palavras impressas.
Lágrimas começaram a deslizar pela minha face, molhando o

papel, e eu precisei ler e reler cada frase, pois não acreditava nelas.
— Eu consegui! — Caí de joelhos, chorando

convulsivamente, incrédula, me sentindo nas nuvens. — Eu

consegui!
Comecei a rir e chorar ao mesmo tempo e, pela primeira vez,

senti que não era um verdadeiro fracasso. Pelo contrário, aquela

pequena conquista me fez enxergar que eu poderia muito bem

alcançar os meus sonhos por mais difícil que fossem.


Deus! Eu consegui entrar na Tufts!

Ela poderia não ser tão reconhecida mundialmente como a

Harvard, que ficava a poucas milhas de distância, mas a sensação


de saber que eu poderia ter um diploma e melhorar a minha vida era

indescritível. Voltei a pegar o papel que tinha caído dos meus dedos,

para ler tudo de novo.

— Por que caralho você está rindo tão alto, garota? — Meu
irmão esbravejou e a risada morreu instantaneamente. — Estava

dormindo!

Sentada no chão, ergui meu rosto e encarei a expressão


fechada do meu meio-irmão, filho do meu falecido padrasto. Ainda

que estivesse raivosa e amassada pelo sono, Liam tinha traços


incrivelmente bonitos. Os cabelos escuros, olhos verdes, queixo

quadrado e corpo definido deixavam mais do que claro por que as

garotas e minhas amigas, que acabei me afastando, corriam atrás

dele.
— Me desculpe — mal escutei minha própria voz, um calafrio

percorrendo a minha espinha —, não queria te acordar, Liam, mas

eu…
— O quê? — Cruzou os braços na frente do corpo.

Engoli em seco, mas logo tentei manter o meu otimismo: pelo

menos ele não estava me xingando, ou me ameaçando. Senti certo

alívio por ele não estar batendo nas paredes, ou na mesa, sendo
ignorante.

— Estava feliz demais para me controlar — continuei,

tentando esconder a felicidade que parecia transbordar dentro de


mim.

Eu poderia gritar ou dançar no meio da sala.

— E por que está tão alegre? — Franziu o cenho. — Ganhou

um aumento? Precisamos de grana extra para pagar o meu cartão.


— Não. — Sabia que talvez eu pudesse irritá-lo, mas acabei

questionando: — Você não pagou a fatura com o dinheiro que te

passei na semana passada?


Bufou.

— Precisei usar para comprar umas coisas. Tudo tá caro. —


Deu de ombros.

— Entendi.

Guardei para mim mesma que o maior problema não era a

comida, mas, sim, as cervejas e as pizzas que ele bancava para


todos. Ao mesmo tempo, senti uma onda de culpa por não oferecer

os poucos dólares que tinha guardado para uma emergência para

ele pagar a fatura.


— E então?

— Eu fui aceita na Tufts! — falei quase que em um gritinho.

Acabei sorrindo. A minha ficha ainda não havia caído.


A expressão de Liam ficou sombria.

— Como você soube? — perguntou em um tom desprovido

de emoção depois de um tempo em silêncio.

Apontei para a carta no meu colo.


— Sua mãe deveria ter te ensinado a não mexer nas coisas

dos outros — prosseguiu, repreendendo-me.

— Mas a carta é minha, não é mesmo? Tenho o direito de


pegar aquilo que você escondeu — retruquei, sem conseguir

dominar minha raiva por ele falar desdenhosamente da minha mãe.


Nos encaramos e eu estremeci, temendo a fúria que via nos
olhos verdes do meu irmão. Nunca o vi tão bravo, nem no nosso

desentendimento de madrugada.

Ele puxou ar com força.


— Levante-se — ordenou severamente.

Como um cordeirinho medroso, fiquei de pé. Encurtando a

distância entre nós dois, Liam segurou o meu rosto.


O toque dele me causava repulsa e eu disse a mim mesma

que era apenas medo.

— Não compreende, Ana? — sussurrou. — Eu só escondi a

carta para te proteger.


— Não entendo…

— Nunca poderá pagar a anuidade nessa universidade, mana

— pareceu chateado —, por mais que seu salário seja alto.


— Eu…

— Duvido muito que o banco te dê crédito para um


financiamento estudantil — balançou a cabeça em negativa —, fora
que você não irá querer começar a sua vida “profissional” já com

uma dívida astronômica.


Ouvir as palavras dele foi como receber um tapa.
— Ambos sabemos que você não tem nenhuma habilidade
que poderá te dar uma bolsa, Ana.
Deu um sorriso sem graça quando comecei a chorar, agora

de tristeza. Todas as esperanças que eu tinha de ser alguém, de me


realizar, pareceram massacradas pela realidade.
Por mais que eu dissesse que não, que estivesse em

negativa, no fundo, sabia que Liam estava certo.


Eu fui do céu ao inferno em menos de meia hora.
— Agora você entende? — murmurou. — Se fosse uma mais

barata…
Sei que não deveria, mas acabei passando os meus braços
em torno do corpo do meu meio-irmão, procurando algum conforto.

Ele não me abraçou de volta, mas também não me repeliu.


— Eu preciso me arrumar para sair, Ana — Liam falou uns
segundos depois e eu baixei meus braços, dando um passo para

trás.
Passei a mão pelo rosto com força, querendo limpar o rastro

do choro, mas as lágrimas não paravam de deslizar pelas minhas


bochechas.
— Está muito frio lá fora, Liam.

— Existe coisa pior do que isso.


Encolheu os ombros e, sem dizer mais nada, caminhou em
direção ao banheiro, nem um pouco preocupado com o fato de que,
depois do trabalho, impregnada de suor pelo esforço físico, eu

estivesse louca por um banho. Mas também não importava, Liam


tinha sido até gentil diante da minha tristeza, comprovando que ele

me amava.
Peguei a carta de aceite que estava jogada no chão e fitei as
palavras de aprovação. Tentei pensar em uma maneira de pagar as

taxas, mas minha mente estava em branco.


Ter meus sonhos desfeitos fez com que uma mão invisível
apertasse o meu peito, tamanha a dor que me invadiu.

Para não desmoronar outra vez, correndo o risco de Liam


achar ruim com o meu “escândalo”, como um zumbi, fui até o meu
quarto. Tranquei a porta e joguei meu corpo sobre a cama. Chorei

até dormir e só fui acordar com um estrondo vindo do apartamento


de cima quando o morador deixou algo pesado cair.
Capítulo doze

Consciente de que era observada, ergui o rosto do que estava


fazendo e encontrei o meu patrão parado próximo a porta, com os

braços cruzados.

Vestido com um terno cinza escuro que destacava seus


músculos, com a barba aparada e os cabelos loiros penteados

elegantemente para trás, o senhor Falkenberg fez com que eu


prendesse o meu fôlego por alguns segundos.

Não que ele não fosse bonito sempre, mas, vestido como o

empresário bem-sucedido que era, exalava uma aura de poder e

controle que me deixava bamba.


Mentirosa! Não era sentir a autoridade que o senhor

Falkenberg emanava que me deixava trêmula, arfando, com o


coração acelerado e os pelos arrepiados, mas, sim, ter aqueles

olhos negros e intensos sobre mim, olhar que percorria cada

centímetro do meu corpo, como se me despisse lentamente,


fazendo com que uma espécie de calor se espalhasse pelo meu

baixo-ventre.

Apertei o cabo de vassoura com mais pressão, tentando me


manter de pé, sentindo que ruborizava.

Por mais que tentasse, desde o nosso quase beijo, eu não

podia mais negar que o senhor Falkenberg me queria. Ele não


conseguia esconder.

Como tinha feito um homem como aquele me desejar? Não


tinha ideia.

Eu era bonita? Bom, segundo o meu irmão, eu era

“ajeitadinha”, mas estava muito longe dos padrões que agradavam

milionários como ele. Meu chefe deveria ter uma fila de mulheres

bonitas correndo atrás dele.

Mesmo estando ciente de que estava bem aquém das


modelos que ele deveria conhecer, a ânsia tornava-se ainda mais

forte e recíproco a cada dia, já que uma parte insensata de mim


queria ser beijada e tocada por ele, como desejava agora, já que o
senhor Falkenberg me encarava com cobiça, como se eu fosse a

água que mataria a sua sede momentânea, porque era essa a

verdade: a atração que ele sentia por mim era passageira. Ainda

assim, queria ter os lábios dele sobre os meus, sentir suas mãos me

afagando, e também poder acariciá-lo, sentindo a força dos

músculos dele sob o meu tato…


Sabendo que estava deixando os meus pensamentos

vagarem para longe demais, balancei a minha cabeça e adotei uma

postura mais profissional.

Tinha que me recordar que não encontraria emprego melhor

em lugar algum, e que sem ele as coisas ficariam piores do que já

estão, fora que eu daria motivos para Liam brigar comigo, e com

razão.
Emiti um suspiro longo ao recordar que daqui a cinco dias o

prazo da minha matrícula se esgotaria e eu perderia minha chance

de estudar na Tufts.

Embora ajudar o meu chefe a cuidar de Verena tenha

desviado a minha atenção dos meus sonhos desmoronados, isso

não tornava mais fácil o fato de eu ter que desistir de ingressar no


curso superior por falta de dinheiro. Era doloroso, e mesmo que não
fosse a minha última chance, eu sentia como se fosse a minha

única.
A tristeza desceu sobre mim como uma tormenta.

— Posso ajudá-lo em alguma coisa, senhor Falkenberg? —


Forcei-me a perguntar, minha voz soando estrangulada.
O desejo morreu nos olhos negros. Ele fitou o meu rosto com

seriedade, e eu tive a impressão de que estava analisando a minha


alma.

— Está tudo bem, Ana? — Sua voz era suave, e até mesmo
um pouco preocupada.

— Sim, claro. — Mentira! — E com o senhor?


Arqueou a sobrancelha para mim, provavelmente por eu
continuar chamando-o de senhor e não de Hadrian, como ele

gostaria, mas precisava colocar uma barreira naquela insanidade


toda que parecia nos consumir.

— Bem. — Ele continuou a me examinar. — Preciso que me


faça um favor.

— Se eu puder ajudar. — Sorri, tentando ser gentil.


— Infelizmente, preciso participar de uma reunião de
negócios em Nova York que não posso mais adiar e não posso levar
Verena junto. — Emitiu um som cansado. — Tem algum problema

para você cuidar dela sozinha?


— Claro que não, senhor. Nós duas nos damos tão bem que

não é problema nenhum para mim. — Sorri ao pensar em ter uma


manhã e tarde brincando com ela e Órion. — Na verdade, adoraria

— completei, quando ele não falou nada.


Meu chefe ficou em silêncio, continuando a me analisar, e
isso de alguma forma jogou um balde de água fria em mim quando

recordei que, embora houvesse desejo por parte dele, o senhor


Falkenberg não confiava em mim, mesmo que ele buscasse

disfarçar. Nem mesmo a minha boa relação com Verena , vendo o


carinho que tinha por ela, o senhor Falkenberg me dava um voto de
confiança. A desconfiança sempre estaria lá, independente do que

eu fizesse.
Tentei me apegar ao fato de ele ter dito que agia assim com

todo mundo, mas isso não me consolava e nem diminuía a tristeza


que me tomou.

— Tem certeza, Ana? — perguntou.


— O senhor tem certeza de que acha que sou capaz de
cuidar dela? — acabei retrucando, demonstrando uma mágoa que

sabia que era descabida.


Ficou em silêncio, parecendo atônito, e eu quis me bater pela
minha burrice.
— Acho que não tenho escolha, não é mesmo? — sussurrou

pausadamente.
Eu vi algo parecido com dor nos olhos negros enquanto ele

me dava um sorriso desprovido de humor. Meu estômago revirou.


— Não, acho que não — falei baixinho.
— Você será bem recompensada por isso, Ana.

Ele foi capaz de me atingir ainda mais com aquelas palavras.


Nas entrelinhas, era o mesmo que me chamar de mentirosa e

interesseira, que eu faria aquilo apenas pelo dinheiro, não pelo


carinho que nutria pela menininha doce, que com certeza achava

que era falso.


Quis me encolher, mas apenas respirei fundo e ergui o meu
queixo, tentando mascarar a minha decepção para com ele, mas

provavelmente falhava, já que eu era péssima em fingir. O que


realmente importava era a minha verdade, não a dele, e a realidade

era que se eu pudesse, faria de tudo pela menininha.


Deus! Eu deveria ficar triste pela minha faculdade, não por um
homem, um cara que era apenas o meu patrão e que nunca

passaria disso.
— Tenho certeza que será bastante generoso, senhor —
comentei, abrindo um sorriso.
Os olhos dele se semicerraram perigosamente, os lábios se

crispando com irritação. Se era comigo ou não, não sabia dizer.


— Você quer que eu prepare o seu café da manhã?

— Não, eu estou atrasado, obrigado por oferecer. — Seu tom


era áspero. — Deixei o meu número pessoal anotado caso vocês
precisem falar comigo e dinheiro se Verena quiser comer algo

diferente.

— Okay, senhor.
— Devo voltar lá pelas cinco. — Fez uma pausa. — Não

precisa acordar Verena, ela foi dormir tarde ontem.

— Tudo bem. — Senti uma onda de preocupação pela

garotinha, mas não o questionei. Ele não me esconderia se ela


tivesse passado mal. — Deseja mais alguma coisa?

— Isso é tudo, Ana.

Assenti.
— Tenha um bom dia, senhor.

— Bom dia, Ana.

Voltei a varrer o chão da cozinha. Minutos se passaram, e,


sem que eu precisasse fitá-lo, sabia que o senhor Falkenberg
estava parado no mesmo lugar. Meu corpo todo estava ciente dele e

do seu olhar sobre mim. Meus pelos estavam todos eriçados.


— Não disse que estava atrasado, senhor? — perguntei

baixinho, me sentindo patética por reagir a ele mesmo depois da

ofensa.
— Provavelmente… — Isso fez com que eu o encarasse, de

cenho franzido.

— Então?

— Está me mandando ir trabalhar, senhorita Khampha? —


Provocou-me, tentando dar um toque de leveza no ar, algo que

nenhum de nós parecia sentir. Éramos tensão pura.

— É o senhor quem vai perder o voo…

— Scheiß[9]! — Passou a mão pela barba. — Você tem razão.


Dei de ombros e ele estalou a língua.

— Qualquer coisa você me liga? — perguntou, inseguro.

— Na hora, senhor… tenho certeza que ficaremos bem. Se


eu não conseguir falar direto com o senhor, entro em contato com o

seu secretário.

Abri um sorriso fraco, contendo a minha vontade de

estremecer, ferida pela insistência dele.


Pareceu pensativo antes de assentir.
— Até mais tarde, Ana.

— Até.

Com um último olhar, que fez com que o desejo me varresse


de cima a baixo, ele deu as costas para mim e caminhou para fora

da cozinha com passos rápidos.

Instantes depois, ouvi o baque da porta da frente se

fechando.
— Deus! — murmurei uma blasfêmia em meio a um arfar,

sentindo meu corpo quente e bambo.

Fechei os olhos enquanto buscava controlar a minha


respiração, mas fui bombardeada por imagens do meu chefe me

encarando, lascivo.

Imaginei logo as mãos grandes e fortes do loiro me tocando,

os lábios dele acariciando o meu rosto até encontrar a minha boca


em um beijo faminto. Abri minhas pálpebras, assustada quando a

ânsia se tornou um incômodo no meio das minhas pernas, e eu

senti que fiquei bastante vermelha, como se eu tivesse sido pega


em flagrante por ele.

— Merda! — Praguejei.

Comecei a me xingar baixinho de várias coisas diferentes.

Nunca imaginei que eu seria tão estúpida. Eu poderia muito bem


ouvir meu meio-irmão dizendo o quanto eu seria tola se eu cedesse

aquele impulso, pois homens como o senhor Falkenberg comiam e


jogavam fora. Talvez esse fosse o objetivo dele: transar comigo e

me descartar.

Quis rir com o pensamento. Acabei soltando uma gargalhada


ao recordar que não eram apenas milionários que faziam isso. Liam

saía com as garotas, fazia sexo com elas por um tempo e, quando

enjoava, partia para a próxima.

— Quer isso para si, Ana? — conversei comigo mesma. —


Logo você, que jurou que não seria tão tola quanto elas que

acabavam chorando no final? Quer perder sua virgindade com um

cara que nem confia em você? Um que vai te mandar embora


depois? É mais idiota do que imaginei.

O pensamento me deixou amarga e incomodada comigo

mesma, e descontei a raiva na limpeza. Os vidros da sacada não

tinham uma marca sequer de mão quando escutei os latidos,


misturados com a vozinha de Verena chamando por Hadrian. Havia

perdido a noção do tempo.

Sorri. A menininha fazia meu humor melhor


instantaneamente.
Percebendo que o tom da garotinha ficava mais agitado,

preocupada, soltei o pano e os materiais de limpeza e fui até ela.

— Oi, princesa — falei assim que a vi perambulando pela

sala.
Os cabelos loiros e longos estavam desgrenhados, o pijama

comprido, amarrotado, mas era a carinha de medo que fez meu

coração afundar.
— Oi — disse em um tom baixinho ao se virar para mim, e

correu na minha direção sendo seguida pelo Órion, que trotava atrás

dela, latindo, achando que os dois estavam brincando.

— Estou suada — murmurei quando ela me estendeu os


bracinhos, querendo um abraço.

Ela balançou a cabeça em negativa, sua expressão ficando

triste. O cachorro deu um beijo no rostinho dela.


Com um suspiro, apoiei todo o meu peso sobre os

calcanhares e a envolvi em um abraço. Seus bracinhos

entrelaçaram o meu pescoço e eu inspirei fundo o cheiro delicioso

do seu xampu.
— Bom dia, querida.

Deixei uma série de beijos no rostinho dela enquanto ganhava

uma série de rabadas de Órion, porém, dessa vez, Verena não


gargalhou e nem me abriu um sorriso gostoso.

— Cadê o primo Hadrian? — questionou em um fiozinho de


voz no momento em que saiu do meu abraço.

O medo dela era dilacerante. Engoli em seco. Eu faria de tudo

para não ver mais aquela expressão no rosto dela.

— Ele precisou ir em uma reunião em Nova York, meu amor.


— Coloquei uma mecha atrás da orelhinha dela.

— Fica muito longe?

— Um pouco. — Poderia falar que umas duzentas milhas,


mas não sabia se ela já compreendia o sistema de medição.

Verena pareceu ficar ainda mais retraída e com medo, e isso

fez com que Órion ficasse em alerta e também agitado. No que se


referia a menina, ele era sempre superprotetor e carinhoso.

— Mas ele volta ainda hoje — completei, tentando animá-la.

— Ele só não te levou porque não ia mais nenhuma criança.

— Verdade?
— Eu não mentiria para você, princesa.

Minhas palavras não fizeram nada para acalmá-la, pelo

contrário, a tensão dominava seu rostinho e os ombros estavam


caídos.

— E se ele não voltar?


— Por que seu primo faria uma coisa dessas?
— Porque ele pode não gostar de mim...

Uma lágrima escorreu pela bochecha dela e eu a abracei

novamente, ignorando o focinho que se interpunha entre os nossos


corpos e o choramingar canino.

A dor dela tornou-se minha, rasgando o meu peito. A raiva de

mim mesma foi esquecida, e também a tristeza por não realizar


meus sonhos, tudo foi enterrado diante do sofrimento dela.

Verena poderia ser pequena, mas conhecia bem o que era a

rejeição. Temia que isso a marcasse para sempre... Não. O amor do

primo dela e das pessoas que ela ainda conheceria seriam o


suficiente.

Não sei por quanto tempo ficaria na vida dela, mas quis

pensar que o carinho que eu tinha por Verena também faria a


diferença.

— O seu primo te ama, princesa — murmurei, engolindo o


meu próprio choro, acariciando as costas dela.  — Ele já não disse
isso várias vezes?

Ela fez que sim com a cabeça.


— Ele nunca vai te deixar, querida.
Plantei um beijo na sua testa.
— Promete?
— Sim! — Não hesitei em fazer essa espécie de promessa,
mesmo que eu não possa garantir cem por cento o que outra

pessoa faria.
A raiva que o senhor Falkenberg sentia dos pais dela devia
dizer alguma coisa, mas as pessoas eram hipócritas...

A pequena ficou me encarando enquanto acariciava Órion,


como se decidisse se iria acreditar em mim ou não, mas a análise
dela não me era incômoda como a do seu primo, porque não havia

malícia, apenas medo de ser abandonada outra vez.


— E eu estou aqui, princesa — completei ao passar a mão
pelo rosto molhado dela, secando uma trilha de lágrimas. — Seu

primo me disse para nós nos divertimos bastante enquanto ele está
trabalhando.
— Mesmo?

— Claro! — Abri um sorriso para ela. — Ah, tenho que ir ver


como a minha “filhinha” está.

— A Alice me disse que quer fazer compras hoje —


sussurrou, movimentando o pezinho, seu semblante ficando menos
abatido.

— Verdade?
Fez que sim.
— Podemos fazer compras depois de você escovar os
dentes, trocar de roupa e comer, mocinha — falei em meios aos

latidos de Órion.
— Preciso mesmo? — perguntou baixinho.

— Precisa, sim.
— Ah!
— Vou te esperar na cozinha com um copo de leite e cookies.

Pisquei para a menininha, sabendo que ela não iria resistir em


comer as guloseimas.
Com um gritinho animado, ela correu na minha direção e

deixou um beijo estalado na minha bochecha, seguindo logo depois


para o banheiro para fazer a sua higiene matinal; o cachorrinho foi
atrás dela.

Balancei a cabeça enquanto abria um sorriso abobado. Nas


horas seguintes, todos os meus pensamentos estavam na garotinha
e na sua alegria ao comer cookies e levar as bonecas para fazer

“compras”. Livre das obrigações domésticas, era muito fácil passar a


tarde inteira com a menina, que tinha uma imaginação para lá de

fértil. Me distraí tanto que havia me esquecido da promessa de


Hadrian de voltar no fim da tarde até que ele ligou, falando que a
reunião se prolongaria mais do que o previsto, e que chegaria
somente a noite.

A partir desse momento, Verena esmoreceu, perdendo todo o


seu brilho, os sorrisos morrendo. Convencê-la que o primo dela não
a abandonaria tornou-se uma tarefa bastante árdua. Nem mesmo

Hadrian havia conseguido animá-la quando prometeu que iria voltar


logo. 

Enxugar as lágrimas dela, ver o seu sofrimento, foi bastante


doloroso. Era impossível não ceder a melancolia, tristeza que
pareceu oprimir ainda mais o meu peito quando, cedendo ao

cansaço, a menininha dormiu, me deixando sozinha com os meus


pensamentos, que envolviam os medos dela, as sensações
despertadas em mim pelo senhor Falkenberg, e também o prazo de

matrícula na faculdade, que voltou a martelar na minha cabeça


como uma sentença cruel.
Capítulo treze

— Droga! — fechei os olhos, batendo a minha cabeça contra


o assento de couro, sentindo-me cansado e frustrado por inúmeras

razões.

Durante todo momento em que estive na reunião com a


diretoria e os acionistas da Falkenberg, fiquei preso a sensação

sufocante de que eu estava sendo manipulado por Ignaz, fazendo


aquilo que ele desejava de mim ao me nomear tutor de Verena. E a

impressão me deixava amargo, fazendo com que a raiva que sentia

pelo meu primo se tornasse ainda maior.


Não havia nada que eu odiasse mais do que ser usado. Isso

me irritava ao extremo, mas eu sabia que o meu caráter não me


permitiria assistir de braços cruzados não só a Falkenberg ruir, mas

também todo o patrimônio de Verena. O desgraçado me conhecia

bem demais, como sabia que exigiria muito de mim reorganizar as


empresas que ele destruiu com a sua “boa” administração.

Não duvidava que meu primo tenha me incumbido dessa

tarefa como uma espécie de retaliação, o que tornava a atividade de


reconstruir todas as companhias de Ignaz ainda mais dolorosa.

Outra vez, me senti machucado e traído por ele, mas a dor e

a mágoa não eram nada se comparadas ao medo da minha


priminha de eu não voltar para casa, abandonando-a, assim como

os pais fizeram.
Escutar o choro dela enquanto eu tentava consolá-la, falando

que iria voltar o mais rápido possível e que eu a amava, havia

rasgado o meu peito ao meio.

Porra! Era pedir demais querer tirar essa insegurança dela e

transferi-la para mim? Infelizmente, era.

Meus punhos se cerraram com força automaticamente e eu


senti os nós dos meus dedos doerem.  A impotência era

angustiante.
— Caralho! — Disse entre dentes, abrindo os meus olhos.
Antes que eu tivesse mais tempo de me martirizar sobre a

situação da Verena, meu motorista parou o veículo na garagem do

prédio em que eu morava.

— Precisará de mim ainda hoje, senhor Falkenberg?

— Sim, para levar Ana em casa — murmurei, abrindo a porta

e pegando a minha maleta. — Boa noite, Don.


— Okay, senhor. Tenha uma boa noite.

Com um acenar, caminhei em direção aos elevadores, meus

passos ecoando contra o chão de cimento. Assim que as portas se

fecharam, soltei vários palavrões ao sentir meu corpo tenso e

igualmente faminto por Ana.

As preocupações e o cansaço não eram suficientes para que

eu deixasse de desejá-la, pelo contrário, a exaustão física e mental


parecia ser um combustível para alimentar minha vontade de beijá-

la, de tomá-la, sentindo sua pele de aparência suave deslizando

contra o meu corpo enquanto os gemidos dela ressoavam baixinho

no meu ouvido.

Meu pau não parecia importar-se nem um pouco com o fato

de eu ter sido um filho da puta com Ana mesmo que a tristeza


estivesse estampada nos olhos dela, muito menos que a machuquei
bastante ao deixar mais do que evidente de que, mesmo depois

desse tempo, eu não acreditava na genuinidade dos sentimentos


dela e a tratava como uma irresponsável, inapta para cuidar de

Verena.
Vigiando-as pelas câmeras que eu havia mandado instalar no
apartamento, vendo a ternura dispensada a minha priminha, só tive

mais certeza de que fui um babaca.


Na verdade, quem era eu para questionar a competência da

senhorita Khampha sendo que eu mesmo estava aprendendo a


atender as necessidades de uma criança? Quando era eu quem

precisava da ajuda dela para explicar certas coisas para Verena


para as quais eu não tinha resposta, que me ajudava em algumas
tarefas, como encontrar uma boa escola para minha prima, que tive

que pedir a opinião dela e ainda saí carregando-a a tiracolo para


visitar os colégios? Que colocava responsabilidades nas costas da

mulher, como se ela fosse a minha companheira, não uma


funcionária?

— Hipócrita! — xinguei-me ao entrar no meu apartamento.


Comecei a tirar o blazer do meu terno e em seguida a
gravata, ainda dominado pela agitação, pela raiva que sentia de

mim.
Eu precisava de uma porra de um whisky.

Determinado a tomar uma dose dupla do destilado, apressei o


meu passo em direção a cozinha, mas estaquei, sentindo as minhas

vísceras se retorcerem ao passar pela sala e ver a mulher sentada


no sofá em uma posição que demonstrava derrota.

Emiti um pigarrear e Ana, que estava de cabeça baixa,


tombou o pescoço para me fitar. Os olhos dela se arregalaram
quando se deu conta da minha presença, mas toda a minha atenção

estava na vermelhidão deles, o que indicava que ela estava


chorando.

Se eu precisasse de qualquer confirmação das lágrimas, o


fato de ela passar as mãos com força pela bochecha me deu a
certeza.

Vê-la assim foi como receber um tapa na minha cara.


— Desculpe-me por isso, senhor — tentou imprimir na voz

uma força que não parecia sentir.


— Não está chorando por causa de Verena, não é mesmo? —

Dispensei as desculpas, elas não me serviriam de nada.


— É triste ver o medo dela, mas não é por isso — me deu um
sorriso triste —, mas não é nada com que precise se preocupar.
Arqueei a sobrancelha para ela, colocando as minhas mãos
dentro dos bolsos da calça.
— Como ela está?

Perguntei por perguntar, pois pela câmera tinha visto que,


depois de muito chorar, Verena havia acabado pegando no sono.

Também tinha visto a mulher à minha frente abraçando a criança,


deixando vários beijinhos pelo rosto molhado, sussurrando palavras
de conforto, expressando uma fé quase cega de que eu cumpriria a

minha palavra de voltar.


— Ela chorou bastante pelo medo de que o senhor não

voltasse para casa, mas acabou dormindo. — Suspirou. — Seria


bom o senhor ir vê-la para dizer que chegou.

— Daqui a pouco eu vou — murmurou.


Ela balançou a cabeça em concordância e, sem que ela
pudesse controlar, uma lágrima deslizou pela sua face, seguida logo

de outras.
Ana me deu um sorriso fraco, mas ver aquelas malditas

lágrimas voltaram a me incomodar.


— Sou uma idiota! — Tornou a secar o pranto com o dorso da
mão.
— Talvez não mais do que eu! — Retribuí o sorriso ao pensar
no quanto eu ainda era refém do meu primo e de seus atos. — Quer
me contar por que está triste?

Ela me olhou atordoada. Eu tinha que confessar que estava


um pouco surpreso comigo mesmo. Menti para mim, dizendo que

era o mínimo que eu poderia fazer por Ana depois de tudo o que ela
fez por mim e por Verena, não porque eu estava curioso e queria
afastar a tristeza de seu rosto.

— Acho que o senhor tem coisas mais importantes para fazer

do que me ouvir — murmurou. — Também deve estar cansado.


— Nada que me impeça de escutá-la por alguns minutos.

— Não precisa fazer isso, senhor Falkenberg… — Suspirou

outra vez. — E o motivo é fútil.

— Não para você…


— É…

Brincou com uma mecha de cabelo. Eu esperei, embora algo

me consumisse por dentro.


— Não que eu não goste de trabalhar aqui e que a profissão

que exerço hoje não tenha o seu valor — pareceu envergonhada

pelas próprias palavras —, mas eu quero ser muito mais do que


uma empregada doméstica.
— Ter ambição de crescer não é errado, Ana — repliquei 

suavemente. —Eu mesmo tenho o desejo de expandir minhas


empresas.

— Sim, eu sei, e tenho certeza que irá conseguir.

Dei de ombros, sentindo os meus músculos tensos.


— Você também…

— Não tenho tanta certeza disso — novas lágrimas

ameaçaram cair —, pelo menos, não por enquanto.

— Não compreendo…
— Eu fui aceita na School of Arts and Sciences da Tufts.

— Isso não me parece ser um motivo plausível para chorar.

— Não, não é… — Fungou. — Mas não ter dinheiro para


pagar as taxas anuais, sim. É uma Universidade cara…

Sem controle, a mulher baixou a cabeça e voltou a chorar.

— Sim, eu sei.
— Sei que vou ter outras oportunidades, mas doí tanto ter que

abrir mão da minha vaga... — Fez uma pausa. — Sabe-se lá se irei

bem nos próximos testes.

— Pode tentar uma bolsa… ou um empréstimo estudantil…


— Com que talento? Com que nome? — Balançou a cabeça

em negativa. — Eu tentei pensar numa forma de pagar, mas meu


irmão estava certo, sou uma inútil.

Senti meu maxilar ficar rígido pela raiva. Removendo as mãos

de dentro do bolso, passei uma delas pelo meu cabelo. Não


conhecia aquele homem, mas já sabia que ele era um grande

babaca.

— Não, Ana, ele está errado. Não o deixe te desmerecer. —

Minha voz soou mais ríspida do que gostaria.


Ela me olhou assustada e deu um pulinho no sofá.

— E sobre a faculdade, eu me encarregarei de pagar as

taxas, não se preocupe.


— Senhor… — Um sorriso brincou nos lábios dela, mas ela o

conteve.

— Hadrian!

— Isso não é certo…


— Como não é certo você fazer dupla função, cuidando de

Verena…

— Eu faço porque gosto dela.


— E eu vou custear seus estudos porque eu quero!

— De verdade?

Saltou do sofá como se o corpo dela tivesse uma mola. A

esperança que tomava conta dela fez com que eu sorrisse, o


reboliço dentro do meu estômago por vê-la triste cessando quase

que instantaneamente.
— Sim, Ana — confirmei —, você pode fazer sua inscrição.

— Obrigada, Hadrian! — Praticamente deu um gritinho.

De forma clichê, saboreei o meu nome dito pela primeira vez


por ela.

Enquanto fantasias de ouvi-la chamando o meu nome em

outras circunstâncias povoavam a minha mente, senti Ana me

envolver em um abraço de agradecimento. Um arrepio percorreu


toda a minha espinha dorsal e fui consciente dos pelos se eriçando.

A proximidade inocente foi como tacar pólvora no meu desejo

e eu não hesitei em abraçá-la de volta, fazendo com que meu


peitoral, que subia e descia em uma frequência frenética, colasse

nos seios dela.

O suspiro de prazer ao sentir Ana, pelo encaixe perfeito dos

nossos corpos, foi inevitável.


Nós dois não pudemos deixar de nos encarar fixamente,

presos na tensão sexual que nos unia.

— Senhor…
Os lábios dela se entreabriram, surpresos com a sua própria

audácia de ter me abraçado, mas também me convidando em


prová-los.

Os seios pequenos atritaram com mais velocidade contra meu

peito, e nós dois arfamos.  Ver o desejo cru da mulher arruinou todo

o meu controle, que já estava por um fio. Sentindo o meu pênis


começar a endurecer, fodidamente excitado, apertei-a ainda mais

contra mim.

Baixando a cabeça, diminuí a distância que nos separava e


finalmente rocei minha boca nos lábios macios que vinham me

perturbando há dias, os sentindo estremecerem contra os meus. O

prazer daquele mero roçar banhou as minhas veias. Eu queria muito

dizer que a beijei docemente, experimentando o encaixe do nosso


beijo, mas não havia nenhuma ternura em mim.

Traçando os lábios macios com a língua, umedecendo-os

com a minha saliva, saqueei a boca de Ana com volúpia, saciando a


minha fome por ela, exigindo que ela retribuísse o meu desespero.

Com um gemido baixo, Ana deslizou a língua contra a minha, mas

correspondia o meu beijo de forma incerta, o que me forçou a ir

devagar. Por um momento, obedeci, embriagado com o gosto dela,


mas o som gutural que deixou a minha garganta pareceu liberar

todo o desejo que havia nela e seus lábios passaram a se mover

sobre os meus com intensidade, enquanto seus dedos se infiltravam


pelos meus cabelos. Quando puxou os fios, seus olhos pareceram

ficar mais escuros com a ânsia, então senti meu corpo ficar ainda
mais rígido.

Intensifiquei o beijo, provando cada recanto da boca dela, e

minhas mãos que estavam nas costas dela ganharam vida. Ana

jogou um pouco a cabeça para trás, me olhando surpresa quando


minha mão roçou sua bunda, mas sem dar tempo de ela pensar,

capturei seu lábio inferior com os dentes, puxando-o suavemente,

apenas para tomar a boca deliciosa novamente em um beijo


sôfrego.

Bocas e línguas duelaram ferozmente pelo controle do beijo,

e eu perdi a batalha ao enterrar meus dedos em uma das nádegas


dela, a carne macia e generosa enchendo minha mão.

Ana arqueou-se contra mim, esfregando seu sexo na minha

ereção, enquanto a ponta da língua brincava com o céu da minha

boca.
Porra! Ela era gostosa pra caralho!

Acariciar aquela bunda era a minha maior perversão, e agora

que a toquei, não queria parar mais. Tomei o controle do beijo,


emitindo um ruído de prazer, quando os dedos dela brincaram com

os cabelos da minha nuca.


— Hadrian! — sussurrou em meio a um ofego no momento
que meus lábios afagaram a sua bochecha.

Continuei a trilhar meu caminho em direção ao pescoço,

beijando o maxilar enquanto a minha mão livre explorava as curvas


suaves dela, mapeando seu corpo.

Ela suspirava e estremecia contra mim, ficando mais bamba e

com a respiração entrecortada ao sentir a minha barba arranhando


sua pele sensível. Deixei beijos e mordidas até alcançar a base da

garganta.

Regozijo se espalhou pelo meu corpo. Apertei a nádega com

mais força ao escutar seu choramingo quando lambi toda a


extensão do pescoço dela, sentindo seu gosto.

Eu não contive meus grunhidos ao impregnar minha língua

daquele sabor, perdendo-me na irracionalidade de tê-la, de senti-la.


Minha boca e meus dedos se tornaram ávidos e, para a

minha maldição ou paraíso, os de Ana também.


Ela explorava os meus ombros, braços, costas, e desejei
sentir as pontas dos dedos dela contra a minha pele nua. Meu corpo

todo vibrou quando ela pareceu concordar comigo e, sem desgrudar


nossos lábios, deu um pequeno passinho para trás, começando a
abrir os botões da minha camisa.
Cada fricção dos dedos dela sobre o meu peitoral e abdômen
fazia com que um gemido escapasse dos meus lábios, e tudo em
mim ficou em expectativa. Minha respiração era um caos, meu

corpo estava dolorido pela necessidade, mas me mantinha parado,


refém daquela tortura que ia muito além das minhas fantasias
eróticas.

— Caralho! — chiei, jogando a cabeça para trás quando os


dedos dela passaram pelo cós da minha calça para puxar a barra da
minha camisa.

Meu pau pulsava dentro do confinamento, implorando pelo


alívio, mas assim que as mãos dela espalmaram no meu peito, vi a
mudança instantânea no semblante dela, e Ana parou de me beijar.

Ela ficou imóvel, me olhando como se estivesse despertando


de um pesadelo, e ver a chama do desejo morrendo no semblante
dela, mesmo que os lábios úmidos pelos meus beijos ainda

implorassem para que continuássemos, fez com que a mão que


estava na bunda dela caísse.

Meu corpo esfriou no momento em que a mulher deu um


grande passo para trás.
Os dedos dela, que me aqueciam e excitavam, deixaram a

minha pele e a solidão invadiu-me de uma forma estranha que eu


não sabia explicar.
Contive a vontade de dar um sorriso amargo, bem como a
vontade de agarrar o pulso dela e fazer com que Ana voltasse a me

tocar, me dando o prazer que há muito tempo me negava.


Porra! Algo dentro de mim sabia que eu talvez não precisasse

mais nada além das mãos dela sobre mim para me fazer explodir.
Ficamos nos encarando, completamente ofegantes, e eu vi as
marcas deixadas pela minha barba e pelas minhas mordidas na sua

pele clara. Mesmo frustrado, mapeei cada uma delas, gravando na


minha mente cada arranhar, cada pressionar dos meus lábios para
lembrar mais tarde, quando continuaria dando vazão a minha

selvageria. Consumir-me com as lembranças do cheiro e do gosto


era a única coisa que me restava.
— Obrigada, Hadrian — murmurou, torcendo os cabelos que

haviam se soltado do coque, seu rosto e pescoço ficando vermelhos


com a vergonha.
Por um momento, fiquei calado, me odiando por, em meio ao

beijo, não ter tocado nos fios negros, sentindo a maciez das mechas
contra o meu tato. Finalmente, respondi:

— Eu te devo um pedido de desculpas, Ana — retruquei.


Os olhos dela pareciam feridos e eu senti fagulhas de
esperança brotando no meu peito.

Otário!
— Desculpas? Não depois do que você fará por mim.
Ela balançou a cabeça em negativa freneticamente, os

cabelos tornando a cair pelos seus ombros.


Voltei a colocar as minhas duas mãos nos bolsos para não

ceder a minha vontade de tocar os fios.


— Te ajudar a estudar não me dá o direito de te beijar, Ana,
nem de agarrar a sua bunda.

Ela arfou, ficando ainda mais ruborizada.


— Podemos esquecer o que aconteceu, afinal de contas, foi
só um beijo como qualquer outro — sugeriu.

Fiquei em silêncio, sentindo-me incomodado, mais do que


deveria, por ela tirar a importância do beijo.
— E não é como se amanhã você não pudesse beijar outra —

continuou em voz baixa.


Bufei, semicerrando os olhos.
— Não, não irei.

A desconfiança dela sobre o meu caráter me irritou. Estalei a


minha língua.
— Nunca se sabe…

— Fique certa de que eu sei de mim mesmo, Ana.


— Entendo.
Entrelaçou as mãos na frente do corpo, parecendo sem

graça.
Dei um sorriso de predador, que há muito tempo não dava.
Ana mordeu um dos lábios, deixando-o ainda mais vermelho,

e eu senti que contemplar o gesto foi como receber uma descarga


elétrica, que tinha como epicentro o meu pau.

Irracional, me aproximei dela e peguei-me dizendo contra sua


orelha:
— Como também tenho certeza que para mim, Ana, não foi

um simples beijo…
Os olhos dela se arregalaram, mas antes que pudesse dizer
qualquer coisa, os sons de latidos, de patas arranhando no piso e

da vozinha frágil e triste da minha priminha fizeram com que ela se


afastasse de mim, colocando uma distância que achei irritante.
— Primo Hadrian! — A menininha gritou e minha atenção se

voltou para ela, que corria na minha direção. O semblante, embora


amassado pelo sono, estava mais animado.
— Oi, prinzessin — falei, sorrindo para Verena, e assim que
ela se aproximou de mim, peguei-a no colo.
Enchi o rosto da menina de beijinhos e ela enlaçou o meu

pescoço, com medo de cair.


— Não falei que voltava para você, doçura?
Tentava me equilibrar com Órion trançando nas minhas

pernas.
— Falou! — sussurrou ao enterrar o rosto no meu ombro,
como se estivesse tímida ou com receio de que eu fosse brigar com

ela.
— O primo nunca vai abandonar você, princesa, ele te ama
demais — sussurrei. — Eu nunca vou deixar você sozinha.

— Tá!
Dei outro beijo nela, ajeitando-a melhor no meu colo.

— Você não gostou de passar uma tarde só com a Ana?


— Gostei.
— Terá dias que o primo precisará viajar, prinzessin, ou ficar

no escritório dele, mas ele sempre deixará Ana cuidando de você.


— Tá!
— Agora me conte por que acordou, mocinha…

Ficou em silêncio.
— Tava com medo.
Uma bigorna pareceu pousar sobre os meus ombros quando

os bracinhos me envolveram com mais força, as lágrimas molhando


a minha camisa.
Meu olhar cruzou com o de Ana, e tive a impressão de que

conversávamos através dos olhos. Foi algo intenso.


— Acho que vou aproveitar que seu primo chegou para ir para
minha casa — ela falou e se aproximou para deixar um beijo no

rosto de Verena.
Com o gesto, seu seio acabou roçando no meu braço. Engoli
o desejo fora de hora.

— Tem que ir mesmo? — Verena falou, e eu quase endossei


o pedido da menininha.
— Sim.

— Amanhã você volta? — Ela parecia insegura.


— Volto, meu amor. — Deixou outro beijo na bochecha dela.

— Prometo.
Verena pareceu pensar até que soltou um tá.
— Boa noite, senhor Falkenberg, e obrigada pela ajuda.

Balancei a cabeça em resposta, e me veio o estalo de que


Ana estava se apegando aquela oportunidade para fugir. De mim.
— Don está esperando na garagem para te levar para casa…
— Não precisa… — Um arquear de sobrancelha impediu que

ela continuasse. — Obrigada.


— Boa noite, Ana — sussurrei.

Lembrando-me de uma conversa que tive com Verena, acabei


me inclinando para deixar um beijo na bochecha da mulher.
Ela me encarou, mais do que atordoada, e eu sorri para ela.

Ficou ali, até que, com um acenar, completamente ruborizada, Ana


passou por nós para pegar a bolsa dela.
Enquanto Órion latia e ziguezagueava de um lado para o

outro, ela deu mais um tchau para Verena e deixou o meu


apartamento.
Ri ao notar o quanto eu a havia deixado desconsertada.

— Que foi? — Verena perguntou em um tom curioso.


— Por que você não me conta o motivo de ter ficado com
medo enquanto o primo come alguma coisa? Eu estou faminto. —

Forcei-me a ficar sério e, sem esperar uma resposta, caminhei em


direção à cozinha.

Agora, tinha que pensar nas necessidades de Verena,


focando no meu papel de “pai”.
Capítulo quatorze

— Boa noite, Don — murmurei, sentindo que ficava


extremamente vermelha ao abrir a porta do carro. — Obrigada por

me trazer até em casa.

— Nada. Tenha uma boa noite.


Dando um sorriso nervoso, com passos apressados, entrei no

prédio onde eu morava. Assim que fechei o portão do saguão,


escorei meu corpo em uma parede e respirei fundo.

Eu estava me comportando como uma grande boba, e tudo

por conta de um beijo que eu mesmo disse que nada significava.


Fechei os olhos e levei a mão aos meus lábios, que ainda

formigavam com a lembrança da pressão da boca de Hadrian sobre


a minha. E por mais indiferente que tentava ser, tinha as minhas

dúvidas que a sensação nos meus lábios iria passar tão cedo.

Suspirei.
Tinha sido um erro mergulhar na irracionalidade do momento,

deixando-me ser beijada e também acariciada de modo muito

íntimo. Pensar nas mãos fortes de Hadrian percorrendo o meu


corpo, agarrando a minha bunda, enquanto a boca dele me fazia

gemer, fez com que as minhas pernas ficassem bambas e eu me

sentisse quente ao ponto de não conseguir disfarçar.


— Merda! — Soltei o ar com força.

Se Liam visse o meu estado, sem dúvida faria um


interrogatório sem fim sobre a minha agitação e, com certeza,

desconfiaria de que eu estaria mentindo. Nem queria imaginar o que

o meu meio-irmão faria caso descobrisse que eu tinha retribuído o

beijo e os toques do meu chefe. Ele surtaria, além de me dizer que

eu era uma burra por colocar tudo a perder. E ele não estaria

errado.
No fundo, eu sabia que era mil vezes mais idiota por ter

gostado da pressão dos lábios de Hadrian sobre os meus, da língua


reclamando a minha. Burra por sentir, mesmo agora, meu sexo
latejar com o desejo de ir muito mais além do que havíamos ido.

Otária por acreditar nas palavras dele quando disse que para ele

não foi um simples beijo.

Quantas outras mulheres não deviam ter caído nesse

discurso? Muitas.

Xinguei-me ainda mais por a partir de hoje fazer parte desse


número.

Baixei a minha mão que ainda estava nos meus lábios e abri

os olhos, como se isso me impedisse de continuar a sonhar

acordada com Hadrian.

Hadrian…

Desde quando passei a ter o direito de chamá-lo pelo primeiro

nome? Eu não tinha nenhum.


Dei uma risada, irritada comigo mesma.

A única coisa que eu poderia fazer era me sentir eternamente

agradecida por… pelo senhor Falkenberg pagar pelos meus

estudos!

Um friozinho de antecipação surgiu no meu estômago. Sem

que eu conseguisse me controlar, ri alto e comecei a rodopiar no


meio do saguão sem me importar que alguém pudesse me flagrar.
— Eu vou para a universidade! — Soei esganiçada em meio

ao choro de felicidade.
Repeti isso várias vezes em voz alta, como se o ato de

pronunciar fizesse com que a minha ficha caísse mais rápido, mas
tinha certeza de que só acreditaria realmente que eu iria cursar
bioquímica quando estivesse sentada na sala de aula.

Eufórica, sem pensar muito e precisando conversar com


alguém, comecei a subir os degraus e rapidamente alcancei o meu

apartamento, de onde vinha um som infernal.


Algo dentro de mim esmoreceu um pouco ao perceber que

teria que pedir ao meu irmão para baixar o volume, o que geraria
discussão. Sempre gerava, não havia nada de novo nisso.
Respirei fundo e, criando coragem diante do inevitável, girei a

maçaneta, sabendo que a porta não estaria trancada.


Embora não fosse uma das “orgias” na sala, não consegui

esconder o meu sorriso desgostoso ao contemplar o sofá e o chão


sujos, cheios de embalagens, latas abertas e migalhas. Havia até

uma mesmo uma grande mancha grudenta no piso. Nunca Liam e


os convidados dele limpavam o que sujavam.
Um suspiro cansado escapou da minha garganta. Colocando

a minha bolsa em cima da mesa, fui em direção ao quarto de Liam


de onde vinha o som.

Não precisei me aproximar muito para sentir o cheiro de


álcool misturado a algo parecido com vômito. Fiquei nauseada, e a

sensação se tornou maior ao ver meu irmão com um baseado na


boca.

Maconha! Eu sabia que o meu irmão fazia uso recreativo de


drogas, mas Liam nunca tinha feito o consumo dentro do nosso
apartamento, o que era inadmissível, uma total falta de respeito por

mim.
Meu estômago revirou, a raiva se apoderando de mim tanto

quanto o medo. Eu era uma covarde.


— Abaixe o som, Liam, por favor — forcei minha voz a sair
alta para vencer o volume da música, mas fiquei olhando para o

chão.
Medrosa, não tive coragem de questionar a maconha. Liam

me ignorou, soltando uma baforada.


— Por que não se junta a nós, Ana? — Um dos amigos do

meu meio-irmão, que não me recordava o nome, fez o convite,


dando-me um sorriso lascivo que me fez estremecer.
Encolhendo-me no lugar, fiz que não com a cabeça.
— Essa daí é chata pra caralho, não sei como você quer
comer ela! — O cara que reconheci como Duke disse em tom de
zombaria.

Riram, como se tivessem ouvido uma piada, e eu me encolhi


ainda mais, me abraçando. Eu me sentia suja sob o escrutínio

deles.
— Ana é gostosa! — O rapaz deu de ombros e gargalhou. Em
seguida, esticou a mão para roubar o baseado que estava nos

lábios de uma garota.


— Não sei aonde — a moça, que era mais ou menos da

minha idade, disse em um tom jocoso, e subiu em cima dele. — Ela


nem peito tem.

Gargalharam ainda mais.


Mesmo sendo humilhada, continuei parada no lugar, sem
reação.

— Sim, uma tábua seca. — Meu irmão foi ainda mais


maldoso. — Tenho dó de quem irá comer isso daí!

Riram de novo de mim, e eu senti que meus olhos


começaram a lacrimejar, meu mundo de felicidade desabando.
Nunca me senti tão ferida pelo meu meio-irmão. Eu não sabia

que ele poderia ser tão cruel em rir da minha aparência.


Tentando me consolar, disse a mim mesma que não era ele
quem falava, mas as drogas. Ele várias vezes tinha me dito que eu
não era tão horrível assim, e eram nas palavras ditas quando estava

sóbrio em que eu acreditaria. Ou tentaria pelo menos.


Era impossível não me sentir para baixo. De alguma forma, a

fala de Liam me fez questionar o beijo que um homem bonito como


Had… o senhor Falkenberg me deu. Sem dúvida, eu era só uma
brincadeira sem importância.

O grupo de amigos pararam de prestar atenção em mim,

imersos nas risadas e também nas drogas.


Respirei fundo, no entanto me arrependi no segundo seguinte

quando o cheiro impregnou as minhas vias respiratórias, fazendo-

me não apenas ficar enojada, mas também me deixando tonta. Me

aproximei do aparelho que o som alto feria os meus ouvidos e


abaixei a música.

— Por que fez isso, caralho? — meu irmão gritou.

Liam se ergueu, furioso, e encolhi-me com medo do que ele


iria fazer. Ele segurou o meu braço com força, fazendo com que eu

choramingasse de dor, e eu encarei o rosto dele, que estava

transtornado. Os olhos estavam avermelhados e as pupilas,


dilatadas. Tremi.
— Responda, vadia!

— Está incomodando os vizinhos. — Traguei em seco o bolo


que se formou na minha garganta.

— Que se fodam os vizinhos!

Balancei a cabeça, concordando.


— Desculpe.

Não disse mais nada, apenas pareceu aplicar mais força no

seu agarre.

— Desculpe — tornei a dizer.


— Não faça mais isso, Ana, senão eu te quebro — rosnou,

fazendo os amigos rirem.

— Eu posso “quebrar” ela pra você — o amigo lascivo falou a


palavra quebrar com segundas intenções, e não consegui conter as

lágrimas, o medo tornando a minha respiração mais difícil.

— Ela não vale a pena — Liam soltou-me para aumentar o


volume do som, dessa vez muito mais alto.

Um vizinho gritou que iria chamar a polícia, mas não havia

nada que eu pudesse fazer. Já tinha ido longe demais.

— Obrigada, Liam. — Me apeguei às palavras dele de que


não deixaria os amigos dele me molestarem.
— O que ainda está fazendo aqui? — Meu meio-irmão foi

ríspido, semicerrando os olhos.

— Preciso te contar uma coisa — falei.


Me sentia uma tola por ainda querer compartilhar a minha

felicidade com Liam, mas eu precisava, mesmo depois de ele ter me

causado tanta dor.

— Tem a ver com dinheiro?


— Em partes, sim. — Acabei sorrindo, contagiada pela

esperança que momentaneamente suplantou o medo. — Eu vou

para a universidade.
Liam ficou me encarando antes de rir. Riu alto.

— Com que dinheiro, sua idiota? Já falei que você não vai

conseguir um empréstimo, nem nada do tipo.

— Meu chefe vai me ajudar… — falei, animada.


Diferentemente do que imaginava, meu irmão não ficou feliz

por mim, pelo contrário, a expressão dele ficou sombria. Ele me

jogou em uma banheira de gelo, destruindo a minha empolgação.


— Por que ele faria isso?

— O senhor… — me contive a tempo, recordando de que o

contrato que eu havia assinado não permitia que eu falasse o nome

dele.
— Está dando para ele, sua puta?

— Claro que não! — defendi-me.


— Ninguém ganha setenta mil dólares anuais sem fazer

nenhuma merda. — Tornou a segurar o meu braço, usando a toda

sua força para me sacudir. — Sua vagabunda! Tão piranha quanto a


mãe!

— Não fale assim dela! — cuspi em um arremedo de

coragem.

— Me surpreende que alguém pague por você!


— Eu não me vendi…

— Não se faça de tola, puta.

— Eu…
Sacudiu-me.

— Seu pescoço está marcado!

Arfei, ficando vermelha de vergonha. Tinha me esquecido

completamente de que as mordidas e o arranhar da barba do meu


chefe estariam marcados na minha pele.

— Essa não tem nada de santa — a mulher debochou e os

amigos dele gargalharam.


— Ao contrário do que eu achava. — Liam sorriu

maliciosamente e tive ainda mais medo dele. — Você deve ser


muito gostosa para ganhar um cachê desses.

Tentei me afastar do homem repulsivo, pois estava com

vontade de vomitar, mas quando ele não me soltou, tive que

controlar a ânsia. Sentia nojo dele, da situação toda. Comecei a


chorar.

— Mas quem sou eu para reclamar, não é? É o dinheiro mais

fácil que vamos conseguir.


— Sim! — um amigo dele gritou.

— Graças ao brocha. — Meu meio-irmão continuou. — Só um

pinto mole iria querer essa minha irmãzinha.

— Me solta, por favor, Liam — pedi.


— Quero oitenta por cento de tudo, maninha.

— Não! — Gritei. — Eu vou para a Tufts!

— Não seja idiota, Ana — rugiu, sacudindo-me como se eu


fosse uma boneca de pano, me deixando mais nauseada. — Pra

que gastar dinheiro à toa? Nós dois sabemos que será a troco de

nada.

— Não, não será! — Minha voz saiu quebrada.


— Sabe que sim. — Seu tom diminuiu vários decibéis. — Eu

tentei te proteger, mas você nunca me escuta. Pode até ter

conseguido o dinheiro para entrar na universidade, mas não vê? Por


ser difícil, vai acabar desistindo no meio do caminho. Quando as

reprovações chegarem, você vai sofrer.


— Não, eu não vou reprovar — me defendi.

— Você vai, Ana — sussurrou. — Sabe que não é

inteligente…

Engoli em seco. Uma pontada de dúvida brotou no meu peito.


Eu daria conta de me formar?

— Trabalhar e estudar será difícil… — Respirou fundo e

finalmente me soltou. — Podemos sair do aluguel…


— Não! Ele vai me dar o dinheiro para estudar! — Fui firme.

— Não seja tão egoísta, mana. — O tom de voz voltou a ser

ríspido. — Nós dois podemos mudar de vida.


— Não, eu não irei mentir para ele…

A suavidade que havia no rosto dele se transformou em uma

expressão desfigurada de ira. A mão dele se ergueu em direção ao

meu rosto e eu esperei pelo golpe forte, com o meu coração prestes
a sair pela boca, porém a mulher que tinha debochado do meu

corpo interferiu. Ela chegou por trás e segurou o pulso dele.

Para minha surpresa, meu meio-irmão não a empurrou.


— Não vale a pena, amor. — A mão da garota percorreu o

abdômen de Liam até alcançar o cós da calça enquanto mordiscava


a orelha dele. — Ela vai acabar fazendo o que você quer. Enquanto
isso, nós cinco podemos ir lá para casa fumar um narguilé e nos

divertir. Minha boceta está doida para ser comida por vocês hoje.

Ela abriu um sorriso e Liam, virando-se para ela, baixou a


mão.

Por mais que o assunto fosse asqueroso, encarei a mulher

por cima dos ombros do meu irmão e agradeci o que fez, mas ela
me ignorou.

— Eu vou te foder do jeito que você gosta, vadia… —

Segurou os cabelos dela com força e puxou-a para um beijo.

Não fiquei ali para assistir. Descompassada, fugi de fininho e


corri para o meu quarto, trancando a porta. Assim que fiquei segura,

caí no chão, minhas pernas não sustentando o meu peso. Meus

joelhos, ralados, com certeza doeriam como um inferno, mas o


medo de ser agredida e a tensão eram maior do que a dor física.

Acabei chorando. Com o passar dos minutos, as lágrimas


diminuíram o aperto que sentia no peito.
Inevitavelmente, um fiozinho de esperança de mudar meu

destino através da graduação num curso universitário preencheu o


meu peito. Por mais que temesse que Liam brigasse comigo ou me
batesse, que ele achasse que eu era incapaz de obter um diploma,
eu não abriria mão daquele sonho, não quando era a única coisa
que eu tinha, além do carinho da priminha do meu chefe.
Eu me apegaria aos dois com a minha vida!
Capítulo quinze

Olhei o meu relógio de pulso, constatando que faltava pouco


mais de meia hora para que Verena saísse da escola.

Era o primeiro dia de aula dela na nova escola e confesso que

estava muito ansioso, principalmente pelo fato da garotinha ter


ficado apática e retraída, com medo por não ter eu ou a Ana ao lado

dela.
Para o meu desgosto, depois do café da manhã, tive que ir ao

escritório para uma série de reuniões, ficando preso até agora, e

não pude levá-la ao colégio. Ana me enviou uma mensagem mais

cedo, dizendo que a menina tinha se agarrado a ela, chorando, não


querendo entrar na instituição, o que foi confirmado pelo meu

motorista, e isso só fez com que a minha tensão aumentasse.


Sabia que eu era muito superprotetor com relação a

menininha a qual eu já amava com força. Amor de pai era um

sentimento que nunca imaginei que pudesse ser tão intenso, mas o
era. Não que eu fosse me denominar dessa forma, afinal o

desgraçado do meu primo era o pai dela, embora só de nome. Eu

era muito mais pai dela do que Ignaz foi um dia.


Pensei que eu teria medo das obrigações e do sentimento

que envolviam a paternidade, mas, com o passar dos dias, os meus

temores foram amenizando, e eu tornava-me cada vez mais


confiante na minha função, mas, em momentos como esse em que

Verena dava vários passos para trás, voltando a ser um bichinho


assustado, eu me questionava bastante se estava fazendo o que

era correto para a menina ou não. 

Batuquei impacientemente meus dedos no apoio no meio do

banco, olhando para algumas mães e babás que começavam a

chegar. Don, meu motorista, ficou em silêncio, não questionando

meu nervosismo.
Na verdade, só podia torcer para que Verena acabasse se

adaptando à rotina escolar e encontrasse amiguinhos para brincar e


conversar. Teria que fazer várias tentativas até que ela se adaptasse
a uma instituição de ensino, já que, por mais que o

homeschooling[10] fosse permitido, não abriria mão de que ela

frequentasse uma escola. A psicóloga de Verena disse que a

menina precisava socializar com crianças da idade dela, e tanto eu

quanto Ana concordávamos com ela.

Pensar em Ana fez o meu corpo reagir, ficando tenso. Lutar

contra os meus desejos já era algo difícil, mas conhecer o gosto da


boca dela e o modo como seu corpo se encaixava ao meu, ter

sentido a responsividade de Ana, não tornava mais fácil a minha

situação.

Porra! Exigia tudo de mim não a tocar mais do que o

necessário, mas eu não conseguia parar de encarar os lábios dela

quando Ana falava, de comer o corpo dela com os olhos, de querer


fazê-la minha repetidas vezes.

Emiti um som frustrado.

Não era o desejo brutal por ela que me assustava, mas, sim,

o fato de eu me abrir cada vez mais para a minha funcionária, sendo

que eu prometi a mim mesmo não ficar mais vulnerável depois do

que sofri. Por mais que eu tentasse colocar um pé atrás, tentando


pensar em coisas absurdas sobre o caráter dela para me proteger, a

verdade era que eu começava a confiar nela.


Eu não mais olhava pelas câmeras o que as duas faziam,

permitia que Ana levasse Verena sozinha no Charles River


Esplanade, parque que ficava próximo ao meu apartamento, quando
eu não estava em casa. Não sei quando aconteceu, mas passei a

acreditar que ela tinha sentimentos genuínos em relação a minha


priminha. Eu fiz várias tentativas de mentir para mim mesmo, mas

sabia que Ana tinha um carinho especial por Verena. Essa verdade
estava em cada beijo e abraço trocado entre as duas.

Elas eram amigas, cúmplices e confidentes. Pensar nessa


tríade sempre me levava ao pensamento de que Ana e Verena
pareciam mãe e filha, o que era perigoso, pois sabia que era uma

relação que não aconteceria.


Depois de olhar para os pais e as mães ali na porta da escola,

me dei conta de que, em contato com outras crianças, a ausência


de um pai e de uma mãe poderia ser ainda mais sentida por

Verena…
Senti uma pontada no peito. O instinto paterno dentro de mim
queria protegê-la disso. Culpei novamente Ignaz pelo que a menina

estava tendo que passar.


— Acho que já deu a hora, senhor — Don falou suavemente e

só então me dei conta que algumas pessoas já começavam a ir


embora com suas crianças.

— Vou buscá-la.
Removi o cinto e abri a porta do carro. Ajeitei o meu terno e

me dirigi para o portão.


Não era arrogância, mas enquanto eu caminhava em direção
a entrada da escola, senti vários olhares pousados sobre mim, algo

que, por mais que vinha se tornando recorrente, eu não conseguia


me acostumar.

— Vim buscar a aluna Verena Falkenberg — falei para uma


das funcionárias responsável pela saída das crianças.
— Claro, senhor. Pode me mostrar um documento de

identificação, por favor?


Fiz que sim e tirei a minha licença de motorista da carteira.

Depois de verificar se eu estava autorizado a buscar a criança,


pediu que fossem chamá-la. Esperei alguns minutos até que vi a

menininha se aproximando. Sorri ao notar o enorme laço que


prendia os cabelos dela em um rabo de cavalo, que foi colocado por
Ana e deixava a beleza da pequena ainda mais evidenciada. Verena

era uma verdadeira princesa!


— Olá, prinzessin — disse em um tom alegre.
— Oi, primo. — Deu-me um sorrisinho.
Abaixei-me para pegá-la no colo e, ajeitando-a, deixei um

beijo na sua bochecha redonda.


— Como você está? — questionei, me virando para irmos

para o carro.
— Bem! — Falou naquele tom entre tranquilo e animado.
— Hm.

— Oi, princesinha — Don mexeu com ela ao abrir a porta do


veículo.

Quando ele fez uma mesura exagerada, minha priminha deu


uma risadinha.

— Fale oi para o Don — instruí, colocando-a no chão para


remover a mochila das costas dela. — É falta de educação não
retribuir o cumprimento.

—  Tá! Oi, Don, tudo bem?


— Agora bem melhor — piscou para ela, fazendo outra

reverência, arrancando mais uma risadinha dela. — Posso ver que


você também.
— Sim!
Verena não disse mais nada. Após colocar a mochila dela no
piso do carro, alcei a garotinha para acomodá-la sobre o assento
elevado e passei o cinto em torno dela.

— Soube que você chorou bastante de manhã, não querendo


entrar na escola — falei, puxando assunto com Verena assim que o

automóvel se colocou em movimento. Não negligenciaria os


sentimentos da criança, por mais que achasse que fosse algo
pequeno.

— É? — sussurrou.

— Sim, a Ana e o Don me contaram.


—  Ah! — Ela fez biquinho. — Cê tá com raiva de mim?

— Não, por que estaria?

—  Eu não queria ir pra escola.

— Está tudo bem, prinzessin, mas por que você não queria
entrar? — fui suave.

— Eu queria ficá brincando com a Ana — falou em meio um

gritinho.
— Mas você também precisa estudar, Verena.

— Por quê?

— Para ficar inteligente.


— Mas eu quero brincá, primo.
— Eu sei.

Ficou em silêncio e eu vi o semblante dela ficar abatido.


— Que foi, prizessin? — Acariciei a curva do rostinho dela.

Ela me encarou, os olhos dela ficando arregalados.

— Então eu não vou podê mais brincá. — Falou como se


fosse algo óbvio.

Franzi o cenho.

— Quem disse que não?

Verena não me respondeu e não a pressionei, mas a vi baixar


a cabeça e brincar com as pregas do short-saia.

— As professoras brigam. — Sua voz era um fiozinho.

— Hey, prizessin! — Toquei o seu queixo, para que ela me


fitasse. — Nem todas as professoras vão brigar com você. Não

pode generalizar.

Ignorei a minha própria hipocrisia em tentar ensinar para a


minha priminha que não podia julgar a partir de um pré-conceito.

Não era eu que colocava todo mundo no mesmo lado da balança?

— O que é gene-liza?

— Generalizar é quando a gente acha que todo mundo faria a


mesma coisa, ou que todo mundo é igual.

— Ah, tá — pareceu pensativa —, igual pizza e chocolate.


— É um bom exemplo. Os sabores são diferentes, não são?

Um é salgado e o outro é doce.

Fez que sim.


— Mas os dois são comidas — completei.

— É.

— Nem todas as professoras vão brigar com você, prinzessin,

e se brigarem, o primo vai tomar providências. — Sorri e continuei:


— Tem uma diferença entre corrigir e brigar, sabia disso?

— É?

— Sim!
— Qual?

Tive certa dificuldade em explicar a diferença para ela, por

mais simples que fosse, mas tentei.

Não tive mais tempo de perguntar mais nada sobre como foi o
dia dela, pois logo chegamos no nosso prédio. No elevador, ela

começou a tagarelar animadamente de como andava a “vida” das

bonecas dela. Assim que coloquei meu dedo e abri a porta do


apartamento, Verena começou a correr em busca de Órion, que a

encontrou no meio do hall, derrubando-a no chão. A risada dela

flutuou no ar e eu balancei a cabeça em negativa ao ver o animal

lamber o rosto de Verena.


— Que bom que vocês chegaram — Ana apareceu e sorriu

ao ver os dois amigos rolando no chão.


Franzi o cenho.

— Não era para você estar a caminho da Universidade? —

Verena não era a única a retomar os estudos hoje, Ana também


iniciaria o semestre esta noite.

— Ana! — Verena chamou por ela, tentando sair debaixo do

cachorro agitado, que ainda exigia sua atenção.

— O professor cancelou a aula — falou suavemente,


continuando a observar a menina e o cachorro. — Oi, querida.

Não me passou despercebido o quanto o rosto da minha

funcionária se iluminou ao falar das aulas da graduação, e muito


menos o quanto a alegria dela fazia minha pulsação acelerar. Mudo,

fiquei paralisado, como um tolo apaixonado, observando-a,

capturando aquela emoção.

Sorri. De alguma forma, fiquei feliz por poder proporcionar


isso a ela, mesmo que eu não devesse me dar crédito só por pagar

a anuidade. Não foi surpreendente o fato de que nossos olhares se

encontraram, a descontração se tornando tensão. Sem parecer


perceber, Ana umedeceu os lábios, como se quisesse o meu beijo.
Eu senti o maldito desejo começar a se apoderar de mim, mas ali

não era hora e nem lugar.

— Não era para você estar indo para casa então? — Forcei a

minha voz a sair, sufocando todas as impropriedades.


Ela desviou o olhar para a garota que se erguia do chão.

— Eu estava preocupada com Verena — murmurou, os olhos

demonstrando sua aflição.


Engoli em seco. Eu não poderia dizer que a preocupação dela

era algo dissimulado. Havia também um senso de proteção forte,

que não poderia ser fingido.

Novamente, aquele sentimento de que a mulher se infiltrava


nas rachaduras que havia nos meus muros deixou-me próximo a

desmoronar.

— Pode parecer exagerado, mas… — continuou.


Parecendo sem graça, se abaixou para receber o abraço e o

beijo da menina.

— Não é exagero. — Mal reconheci minha própria voz, nem a

minha defesa.
— É um pouco, ainda mais que sabia que ela ficaria bem. —

Deixou vários beijos no rosto dela e fez cócegas em sua

barriguinha, arrancando risadas e latidos. — Estou agindo igual


aquelas mães que não podem deixar o filho na creche, que sofrem

mais do que a criança.


Emitiu uma risada. Nesse instante, uma emoção estranha me

dominou por estar pensando exatamente a mesma coisa uma hora

atrás. Diferentemente de mim, não havia malícia no pensamento

dela.
— Como foi na escola hoje, princesa? — perguntou quando

parou de fazer cócegas na menina. Verena ficou de pé, encarando

Ana enquanto Órion cheirava e lambia as mãos dela.


— Foi legal — murmurou, ficando corada, como se estivesse

envergonhada.

Abri um sorriso, sacudindo minha cabeça. Crianças!


— Te falei que seria legal. — Ana colocou uma mecha que

havia saído do coque, que agora estava torto, atrás da orelha. —

Fez amiguinhos?

Fez que sim.


— A Jane é muito legal!

— Fico feliz em ouvir isso, princesa! — Sorriu.

— A gente brincou do jogo das sílabas…


— Que bacana! Vou querer saber tudo!

— Tá!
— Mas primeiro banho, mocinha!
— Ah, não, Ana! — Bateu os pezinhos no chão, indignada.

— O que eu disse sobre obedecer, Verena?

— Tá bom. — Estendeu a mão para a Ana. — Você fica no


quarto comigo?

— Claro, princesa!

Ana se ergueu e entrelaçou os dedos nos da menina.


Assisti as duas deixarem o hall, seguidas de Órion, que nem

sequer me deu uma lambida.

Fiz uma careta por ter percebido que havia sido ignorado,

sentindo uma pontada de ciúmes, mas acabei sorrindo enquanto


seguia para dentro da casa. Eu teria o meu momento com a

menininha e eu não tinha dúvidas de que, mais tarde, ela repetiria

tudo para mim.


Eu não tinha coragem de separá-las, não mais...

 
Capítulo dezesseis

— As projeções tornam o investimento muito mais atraente —


falei, pensativo, tentando assimilar todas as informações

repassadas pelo meu sócio e CEO de uma das maiores companhias

de alimentos da Ásia Meridional.


— Existem riscos, ainda mais que o mercado é instável —

Ziad fez uma pausa, curvando os lábios para cima —, mas não
chegamos onde estamos sem arriscar.

— Não — concordei —, mas me sentiria mais seguro se você

me desse alguns dias para que eu… — Um gritinho infantil cortou o

ar, seguido dos latidos de Órion, o que interrompeu minha fala.


Verena!

Meu coração se apertou e eu ergui-me da minha cadeira,


largando a videoconferência. Não havia nada mais importante na

minha vida do que ela.

— Está tudo bem, Hadrian? — A voz do homem soou séria.


— É a minha priminha, preciso ver o que aconteceu — falei.

— Vá, depois conversamos.

Não disse mais nada, apesar de agradecer mentalmente o


homem por entender.

Com um senso enorme de proteção, fui em direção ao quarto

da menininha para ver o que estava acontecendo.


— O que foi que aconteceu, prinzessin? — Agachei-me ao

encontrar Verena no meio do corredor.


Ela envolveu o meu pescoço com os seus bracinhos e eu a

abracei, traçando círculos pela sua costa. Órion enfiava o focinho

nos cabelos da menina, oferecendo seu consolo canino.

— Hey, querida, está tudo bem, não precisa chorar —

murmurei, sentindo as lágrimas dela empapando a minha camisa.

Repeti várias vezes a mesma coisa, mas o choro dela tornou-


se convulsivo e nada do que eu dizia parecia acalmá-la.

— Teve um pesadelo? Você está sentindo alguma dor?


Senti um nó na minha garganta ao pensar que ela poderia
estar doente, então fui consumido pelo desespero.

Ela não me respondeu.

— Verena, conta pra mim o que aconteceu… — pedi em tom

suave mesmo que estivesse em pânico, prestes a me erguer e levá-

la para o hospital.

— A Ana… — Senti uma pontada de alívio pela menina não


estar doente, mas, mesmo assim, não foi o suficiente para me

acalmar.

— O que que tem ela?

— Ela foi embora… — sussurrou.

— Mas ela vai voltar amanhã, meu amor…

Deixei vários beijinhos no rosto molhado e vermelho.

— E se ela não voltar? — Soluçou.


— Ela não voltou todas as vezes, prinzessin?

Verena não respondeu, apenas continuou a chorar.

Órion latia e uivava, suas unhas raspavam o piso.

Não me recordava se alguma vez meu cachorro tinha ficado

tão agitado.

Respirei fundo e apertei o meu abraço, tomando cuidado para


não a machucar.
— Eu quero a Ana — choramingou depois de um tempo.

— Ana está na faculdade, meu amor.


— Ela vai me deixá sozinha — repetiu, fazendo o meu peito

se apertar.
Acariciei os cabelos dela que estavam um pouco embolados.
— Não vai, Verena. — Não podia fazer essa promessa, mas

acabei prometendo.
— Ana vai embora igual o papai e a mamãe!

— Claro que não.


Por mais que eu tentasse, não conseguia acalmá-la, já que

ela repetia que queria Ana várias e várias vezes. Tentar distraí-la
com as bonecas que ela tanto amava provou-se infrutífero.
Sabia que Verena poderia ter essas “crises”, afinal, o

abandono e a solidão cobravam o seu preço. Talvez levasse anos


para que essa insegurança passasse, mas não imaginava que ela

pudesse ficar tão inconsolável. Das últimas vezes que teve um


pesadelo, lentamente consegui acalmá-la até que dormisse de novo.

Com a angústia se tornando cada vez maior dentro de mim,


depois de mais de meia hora, acabei me apegando a única
alternativa restante:
— Por que não vamos até Ana para ver se ela está bem e

para perguntar se ela voltará amanhã? — sussurrei, removendo os


fios de cabelo do rosto dela.

— A gente pode ir mesmo? — Ela tornou a fungar, as


lágrimas ainda caindo em abundância.

— Sim, prinzessin. — Beijei a testa dela.


Verena balançou a cabeça, se aferrando ainda mais a mim.
Ajeitando-a, segurei-a com um braço e me ergui. Busquei

pela minha carteira, colocando-a no bolso. Como já havia


dispensado o motorista e não queria deixar Verena sozinha no

banco de trás do carro, resolvi pedir um táxi. Dei um osso para


distrair o cachorro que, como Verena, continuava a choramingar.
Quando estava saindo do apartamento, lembrei-me que,

embora o tempo tenha esquentado, o tecido do pijama da menina


era fino, então voltei para buscar um casaco para ela. Após isso,

finalmente nos pomos a caminho.


— Não precisa continuar a chorar, Verena — sussurrei,

fazendo carinho nos cabelos dela.


A resposta dela foi um gemido baixo.
— Daqui a pouco você vai ver Ana, meu amor — continuei.

— Tô com medo — falou em um tom baixinho.


— Medo de quê?
— Da Ana fugir.
— Fugir? — Franzi o cenho.

— É. — Ergueu o rostinho marcado pelas lágrimas para me


encarar, mesmo na escuridão do carro.

— Por que ela fugiria? — Somei dois mais dois, imaginando


que ela falava do pesadelo.
— Num sei.

Eu poderia rir com a resposta engraçada, mas o fato de


Verena retornar a chorar e eu sentir vários estremecimentos vindo

do corpinho dela me preocuparam.


— Está tudo bem, senhor? — O taxista perguntou ao olhar

pelo retrovisor central.


— Ela teve um pesadelo com alguém que ela gosta, mas ela
logo ficará bem. — Expeli o ar com força, me sentindo cansado. —

Obrigado por perguntar.


— Nada, senhor.

Não houve mais conversa. Eu então continuei a afagar os fios


loiros, penteando-os com as pontas dos dedos enquanto Verena
continuava a chorar baixinho. Os minutos se passavam lentamente

e as milhas que o carro percorria pareciam nunca acabar.


A universidade era longe. Muito longe.
Se era tão afastado do meu apartamento, não queria nem
imaginar quanto tempo Ana levaria para voltar para a casa dela

usando o transporte público. Ela deveria chegar extremamente


cansada e tinha que acordar cedo para ir trabalhar no dia seguinte.

Torci meus lábios. Por mais que estivesse ciente de que isso
fazia parte da rotina de milhares de pessoas, não me parecia certo,
não quando eu podia fazer algo quanto a isso. Eu contrataria

alguém para levá-la e buscá-la, independentemente se ela quisesse

ou não. Não aceitaria uma recusa.


— Tá chegando? —Verena perguntou baixinho.

Como os soluços e o fungar tinham acabado, imaginei que ela

tivesse caído no sono.

— Sim, senhorita. Daqui cinco minutos chegaremos —


respondeu o motorista.

— Tá bom!

Demorou um pouco menos do que ele havia dito.


— Você pode me esperar aqui? — questionei o taxista

quando ele estacionou em frente ao prédio do curso da Ana. —

Posso deixar paga a corrida.


— Não é necessário, senhor.
— Okay. — Assenti. — Vamos procurar Ana, prinzessin?

— Vamos! — Falou animadamente, como se não tivesse


passado a última hora chorando. Tinha que ir me acostumando ao

jeito da criança.

  Saímos do carro e fomos em direção a entrada. A verdade


era que eu não tinha a mínima ideia de como a acharíamos. Talvez

ela nem mesmo estivesse mais ali.

Caralho! Por que não fui suficientemente inteligente para ter

pensado em mandar uma mensagem para ela antes?


— Por quê tá falando coisa feia, primo?

Fiquei atônito.

— O primo nem percebeu que falou um palavrão em voz alta.


— Tá bravo?

— Não, querida. Eu só estava pensando em uma forma de

achar Ana mais rápido.


— É?

Antes mesmo que eu pudesse me identificar para o porteiro

do bloco, um burburinho vindo da escada chamou a minha atenção

e eu olhei para lá. Havia cinco pessoas, mas os meus olhos


recaíram na mulher de cabelos escuros, olhos puxados e sorriso

que fazia meu coração disparar no peito. No entanto, Ana não


estava sorrindo para mim, mas, sim, para o rapaz que conversava

animadamente com ela e que a tocava, como dando um meio

abraço nela.
O ciúme que cresceu em meu interior era infernal e

assustador. Tive que usar todas as minhas forças para não fechar a

cara, muito mais para caminhar até eles e não ir remover aquela

mão suja do ombro dela, acabando com aquele atrevimento.


Quem o filho da puta pensava que era para tocar e sorrir

lascivamente para a mulher que eu desejava, que me incendiava?

De encostar na minha mulher?


— Ana! — Verena gritou estridentemente fazendo com que o

grupo se calasse e olhasse para nós, curiosos.

Não dei atenção a eles. Estava preso nos olhos arregalados

de surpresa.
Assim que coloquei a menina, que se tornou inquieta, no

chão, ela correu em direção a Ana, agitando os braços. Sorri por ver

minha priminha mais animada. Segui atrás dela.


— Verena — murmurou Ana, incrédula, ao baixar e receber o

abraço da menininha que se agarrou a ela. — Hadrian!

— Oi.

— O que houve? Está tudo bem?


Fiz que sim com um aceno.

— Não entendo por que vieram até aqui então — sussurrou e


beijou o topo da cabeça da menina, alisando as costinhas dela.

— Estou reconhecendo esse cara de algum lugar — ouvi o

maldito que estava tocando Ana falar. Foi automático erguer a


minha sobrancelha de modo arrogante.

— Não é o CEO da Clean, aquela empresa de produtos do lar

que saiu em uma reportagem recentemente? — Uma mulher disse

animadamente.
— Falkenberg, não é? Acho que é ele mesmo.

— O que será que ele está fazendo aqui?

Ignorei todos eles. Estava pouco me fodendo se estávamos


sendo alvos de curiosidade, se, ao estar ali, eu mostrava minha

própria vulnerabilidade, minha dependência. Nada me importava

mais do que o bem-estar da minha garotinha.

Voltei minha atenção para Ana que me questionava


silenciosamente com o olhar enquanto fazia carinho na menina.

— Verena teve um pesadelo, e eu não consegui acalmá-la. —

Dei um sorriso triste. — Ela chorou bastante e queria você, então


eu… Bem, aqui estamos.
— Entendi — murmurou, o rosto dela sendo tomado pela

tristeza. — Com o que você sonhou, princesa?

— Você tava fugindo de mim. — Fungou, e eu soube que a

criança provavelmente iria recomeçar a chorar.


Dito e feito. O pranto foi instantâneo.

— Nunca vou fugir de você, princesa. — Fez uma pausa

antes de perguntar: — Por que eu faria uma coisa dessas?


— Ela disse que não sabe — respondi quando Verena não

falou nada.

— Amigas nunca abandonam uma à outra, querida.

— Mas…
— Muito menos fogem — falou suavemente. — Então não

precisa chorar, porque nunca vou te deixar. Eu amo você.

Fiquei estacado, sem reação às palavras de Ana.


Um duelo pareceu se travar em meu interior. O homem

calejado que eu era sentiu raiva daquelas palavras, dizendo que não

passavam de mentiras, mas um que eu nem sabia que ainda existia

dentro de mim ansiou para que não fossem palavras ditas ao léu.
O ar que puxei queimou meus pulmões.

— Verdade? — perguntou a pequena a ela.

— Sim, e muito. Como não poderia?


Verena deu uma risadinha. Como se só agora se desse conta

do que havia falado, Ana me encarou, tomada pelo rubor.


Busquei a verdade nos olhos dela e senti que prendia o meu

próprio fôlego ao constatar que os sentimentos dela eram reais.

Como e por que, não sabia dizer, mas Ana realmente a amava.

Vários arrepios me tomaram, minha pulsação parecendo


audível de tão acelerada.

— Saiba que se a gente se afastar, vai ser contra a minha

vontade — continuou a mulher.


Engoli em seco. Eu era o único que poderia separá-las,

impedindo o contato.

— Tá bom! — Riu, dando um passinho para trás.


— Não vou a lugar nenhum, está bem? Passou o medo? —

Ela sorriu para Verena.

— Sim! — Verena deu um gritinho, mas depois ficou

pensativa e fez que não com a cabeça.


— Sim ou não?

— Você pode dormir comigo? — murmurou.

— Não pode pedir algo assim, prinzessin — avisei


suavemente, mas com firmeza suficiente para ela não achar que eu

estava brincando.
— Por que não? — perguntou e tornou a abraçar Ana,
grudando nela.

Passei a mão na cabeça, tentando pensar em um argumento

lógico.
— Ela precisa descansar, Verena.

— Ela pode descansar na minha cama!

— Não é assim que funciona, princesa…


— Eu não me importo — Ana sussurrou. — Só precisaria

passar em casa para pegar algumas coisas.

Olhei para a mulher e vi que ela parecia implorar com os

olhos. Fitei Verena e ela também me fitava de um jeito pidão.


— Tudo bem, vocês venceram.

Puxei e soltei o ar com força. Mesmo sabendo que estava

sendo manipulado por elas, acabei sorrindo quando as duas riram.


— Vamos? — Ana se ergueu.

Verena assentiu e deu a mão para ela.


Despediu-se de alguns colegas que ainda estavam ali,
inclusive o babaca que assistia a cena com cara emburrada. Sabia

que não devia, mas, comportando-me de forma idiota, apoiei a


minha mão na base da coluna de Ana, marcando o meu território
sobre ela. Poucos milímetros me impediam de tocar a bunda dela,
local que meus dedos sentiam falta de tocar.
Ana estremeceu e me encarou, surpresa, o rosto ficando

corado enquanto entreabria a boca...


Porra! Os lábios pediam pelos meus...
— Obrigado, Ana — inclinei-me sobre ela, beijando sua

bochecha, apesar de, na verdade, queria arrancar no mínimo um


selinho.
Ana ficou ainda mais vermelha e só assentiu com a cabeça

antes de voltar a caminhar.


Não afastei a mão da lombar dela, pelo contrário, sorri, como
uma fera selvagem depois de uma bela refeição. Deixaria para

pensar nas minhas fragilidades depois.


Capítulo dezessete

Suspirei ao fechar o registro do chuveiro, grata pela água


quente ter relaxado todos os meus músculos tensos, estado que

vinha se tornando uma grande constante em minha vida.

Por estar alcançando parte dos meus sonhos, era para eu


estar no momento mais feliz da minha vida, mas, de alguma forma,

por mais que eu tentasse, meu meio-irmão conseguia me fazer


sentir culpada. Eu era uma covarde total! Me sentia extremamente

mal por Liam ter acreditado na minha mentira a respeito de ter

conseguido um empréstimo estudantil.


Felizmente, se é que posso falar assim, as drogas não

permitiam que ele se recordasse de que eu tinha dito que seria o


meu chefe quem me daria o dinheiro, o que geraria ainda mais

discussão do que o tal empréstimo já causou. Sabia que os

palavrões eram o de menos. Se Liam soubesse que era Hadrian


quem estava custeando tudo, sem dúvidas ele me agrediria por eu

não abrir mão do meu sonho de estudar para que ele pudesse

gastar o dinheiro da forma que quisesse.


Terminando de me enxugar, vesti o meu pijama. Inutilmente,

tentei engolir o nó que surgiu na minha garganta, e o aperto se

tornou ainda maior com o medo que ainda percorria o meu corpo
por ter passado em casa para buscar minhas roupas e outros itens

pessoais e não avisar ao meu irmão que dormiria fora. Liam ficará
furioso quando descobrir, e isso poderá fazê-lo finalmente se

lembrar do que contei naquela noite e me acusar de me prostituir

em troca de dinheiro.

Um calafrio percorreu toda minha espinha e involuntariamente

estremeci, mas não só pelo medo do que Liam poderia fazer

comigo, mas também pelo desejo que me tomava.


Estava cada vez mais difícil não ceder ao impulso de me

entregar aos beijos e toques de Hadrian… do senhor Falkenberg...


tentei me corrigir, sem sucesso.
Uma parte louca de mim queria que me jogasse em cima dele

e me entregasse, sem pensar nas consequências dos meus atos.

Sabia que se eu me insinuasse para ele, meu chefe me beijaria e

iria muito mais além...

— Ana? — Verena bateu na porta, cortando meus

pensamentos. — Cê tá acabando?
— Sim, querida. — Não consegui sorrir mesmo ouvindo a

vozinha da menininha.

Embora não chorasse e às vezes mostrasse um lampejo de

alegria, sabia que Verena estava com medo por dentro, e isso era

de partir o coração.

— Posso entrar? — perguntou naquele fiozinho de voz que

roubava meu coração.


— Claro!

Eu não conseguiria negar nada a ela, mesmo que o fato de eu

ser permissiva com Verena pudesse ser prejudicial para ela.

Por mais que o meu chefe não confiasse em mim e não

acreditasse nos meus sentimentos pela priminha dele, eu a amava.

Para muitos, talvez fosse exagero da minha parte, mas eu sabia que
o meu amor por ela seria duradouro.
Não menti quando disse que se nos afastássemos seria

contra a minha vontade, mas eu sabia que inevitavelmente esse dia


chegaria, por inúmeros fatores. Não queria pensar nisso, não

quando só de pensar eu sentia dor.


— Ana?
— Estou indo. — Desvirei a chave e abri a porta para ela.

Tanto Verena quanto Órion, balançando a cauda


vigorosamente e mostrando a língua, entraram.

— Acho que o banheiro está pequeno para nós. 


Dei uma risada quando quase tropecei no animal, que deitou

seu corpo no meio do caminho. A menina também riu.


— Que aventura — brinquei, finalmente chegando em frente a
pia.

Mexi na minha frasqueira em busca de creme facial e meu


pente. Removi a touca molhada.

— O que tá fazendo? — perguntou quando tombei minha


cabeça para aplicar um óleo na minha face.

— Passando vitamina no rosto.


— Pra quê?
— Para eu não ficar com cara de velha antes da hora. —

Massageei minha pele para espalhar o produto.


Com o canto do olho, vi que ela ficou pensativa.

— Passa em mim também? Não quero ficar velha!


Franzi o meu cenho.

— Você está muito nova para se preocupar com isso,


princesa. Sua pele é tão lisinha quanto a bunda de um neném.

Ela fez uma careta, mas logo a expressão dela se alegrou.


— Vou passar pra ficar bem novinha! — Deu um gritinho,
animado.

Minha gargalhada foi instantânea e os latidos de Órion


também.

— Por quê tá rindo?


— É impossível o creme te deixar mais nova, Verena.
— Por quê?

— Eles só atrasam algo que é natural da vida. — Não sei se


tinha sido clara, então acabei replicando: — Todo mundo envelhece,

não tem como ficar mais novo.


— Ah! — Fez beicinho, batendo os pés. — Mas eu quero ficar

mais nova, Ana!


— Virar um bebê? — Virei-me para ela.
— Sim!
— Mas pra quê? — Pegando o tubo, coloquei um pouco de
hidratante para terminar o meu falso skin care.
— Todo mundo gosta de bebês!

— Nem todo mundo ama bebês, Verena — falei.


— Não? Quem não gosta de bebês?

— Apesar de achá-los bonitinhos, confesso que não tenho


vontade de ter um tão cedo. 
— Ah! Mas por quê?

— Eles requerem bastante cuidado, atenção…


— Como as bonecas?

— Muito mais que uma boneca. — Peguei o pente e comecei


a desembolar os cabelos. — Você tem que alimentar, trocar fralda,

dar banho, vigiar a todo o momento. Ele chora, fica doente. Tem que
acordar de madrugada para cuidar dele.
— É muito chato… — Olhando de canto, vi que ela fez uma

cara engraçada.
— É cansativo, mas chato? Não sei dizer. — Suspirei ao

colocar minhas coisas de volta na bolsa. — Eu estou pronta. Vamos


dar boa noite para seu primo e deitar, ok?
— Tá! — Concordou.
Dando a mão para mim, fomos à procura de Hadrian, com o
cachorro nos perseguindo. Não precisamos procurar muito, já que
ele estava na sala.

Ele abriu um sorriso assim que nos viu. Os olhos dele


deslizaram pelo meu corpo lentamente, como uma carícia, o que fez

com que minha pele queimasse e eu sentisse vergonha mesmo que


o meu pijama fosse comportado. Meus pelos ficaram eriçados e
minha boca subitamente seca, tanto quanto a minha garganta.

— Nós já vamos nos deitar — forcei-me a falar.

Ele assentiu.
— Está bem tarde — concordou.

— E eu estou morta de cansaço — brinquei, emitindo um

bocejo.

— Acho que também vou… — Se levantou e veio em direção


a nós, provavelmente para se despedir. — Juro que posso dormir

em pé!

— Como um elefante? — A menina tagarelou.


— Eles dormem em pé? — Fui curiosa.

— Foi minha professora que falô…

— Não sabia.
— Muito menos eu… — Hadrian me fitou de modo jocoso, e

demos uma risada.


— Você vem dormir comigo, primo? — Verena perguntou à

queima roupa, mudando completamente de assunto.

Hadrian estacou no lugar e eu franzi o cenho novamente,


confusa. Meu patrão abriu e fechou a boca, surpreso.

— Mas você não vai dormir com a Ana? — perguntou em um

tom rouco.

— Vou!
— Então…?

— Mas quero dormir com você também…  — Fez uma pausa,

pensativa. — E com Órion também.


Fiquei muda, incapaz de dizer qualquer coisa tamanho meu

atordoamento. Meu sangue começou a correr veloz e parecia

impossível pensar.
— Minha cama é grande… — disse ela em um fiozinho de

voz.

— Não posso, Verena — meu patrão se recobrou mais rápido

do que eu.
— A Jane disse que, quando ela tem medo, ela dorme com os

papais dela — continuou em um tom choroso que fez Órion se


agitar.

O cachorro começou a latir e uivar. Verena se abraçou.

Chantagem ou não, senti meu peito parecer ter sido perfurado


e começar a sangrar.

Da menina, olhei para o meu chefe. Ele não escondia a sua

indecisão, muito menos a gama de sentimentos, que pareciam uma

mistura de dor e culpa, como se Hadrian tivesse alguma pelo que


havia acontecido com Verena, o que era absurdo.

Hadrian olhou para mim. Vi nele uma fragilidade que se

tornou ainda maior quando a menina, chorando, foi até ele e esticou
os braços, pedindo colo. Ele atendeu o pedido, mas não sem antes

engolir em seco.

— Desculpe-me, Verena, mas eu não posso fazer isso —

murmurou.  — Posso fazer várias coisas por você, mas não isso.
Eu…

Compaixão e algo mais que não sabia definir tomou-me,

exigindo que eu fizesse algo impulsivo, ou melhor, insensato:


— Se não for um problema para o senhor, nós podemos

atender o pedido dela.

— Não se sinta obrigada a isso, Ana. Eu não posso dar tu…

Fiz que não com a cabeça, o que o calou.


Sabia que ele não podia dar o mundo para ela, nem remover

todas as barreiras e frustrações, mas já havia tantas questões para


um serzinho tão pequeno lidar na terapia, que a frustração de

receber esse não poderia ser lidado de outra forma.

— Não estou sendo obrigada. — Fiz uma pausa. — No


entanto, também não quero te obrigar a nada. Sei que é muito…

— Íntimo?

— Demais para uma funcionária. — Dei um sorriso fraco.

Pareceu irritado com minha fala, mas eu ignorei.


— Tem certeza, Ana?

— A única certeza que eu não tenho é de que a cama dela vai

caber nós quatro.


— Vai, sim! — A menina disse entre o choro. — Ela é grande.

— Nem tanto, prinzessin. — Ele abriu um sorriso e um pouco

da tensão pareceu deixá-lo. — Mal cabe você e o Órion.

— Vou ficar dobrada…


— Quis dizer encolhida?

— É.

— A cama do meu primo é grandona.


— É mesmo!
 Hadrian olhou para a menina em seu colo e lhe deu um beijo

na ponta do nariz.

Enquanto eles estavam imersos um no outro, foi a minha vez

de ficar paralisada.
Aquele quarto era proibido para mim e agora eu dormiria

nele? Engoli em seco.

— Vamos? — Hadrian me encarou.


— É… Sim.

Obriguei-me a segui-lo, sentindo as minhas pernas bambas.

Quando ele não precisou destrancar a porta do quarto dele foi

como receber um tapa forte, muito forte. Ainda que Hadrian me


desse certa liberdade com Verena, sempre que ele não estava no

apartamento, o quarto dele e o escritório ficavam trancados. Ele não

precisava de palavras para dizer que meu caráter era questionável.


— Vocês podem se acomodar, eu só vou trocar de roupa —

falou, alheio ao meu estado de espírito.

— Okay.

Colocando a menina no chão, caminhou até o armário dele.


Verena e Órion não se fizeram de rogados e correram em

direção a cama, subindo logo em cima dela.


Pegando o que precisava, Hadrian me encarou de cima a

baixo, dando atenção especial para o decote v da minha blusa, que


não deixava nada a mostra, e se detendo em minhas coxas, que

estavam metade nuas, para a minha inquietação.

Sorriu e me deu as costas, caminhando em direção ao

banheiro. Fiquei observando a superfície de madeira quando ele


fechou a porta.

— Não vem, Ana? — Verena perguntou.

— Vou. — Obriguei-me a reagir e encarei a menina, que já


estava debaixo das cobertas, no meio da cama. Órion estava

esparramado nos pés dela.

— Por que você tá vermelha?


Senti que ruborizava ainda mais com a pergunta inocente.

— Er…

— Tá com febre?

— Não, não, meu bem. — Tentei pensar em algo rápido


enquanto deitava do lado dela. — Às vezes fico assim, do nada.

Ela pareceu não acreditar. Na verdade, nem eu acreditei.

— Sabia que de vez em quando você também fica corada? —


desconversei.

— Sim!
— Fica assim quando está alegre…
— E correndo!

— Sim. — Acariciei o rosto dela.

Ficamos em silêncio, sorrindo abobadas uma para a outra.


Logo escutamos passos e Verena ficou dominada pela

euforia.

Como um imã, meu olhar foi atraído para Hadrian, e senti que
ficava mais vermelha ao fitar não o seu rosto, mas o peitoral

desnudo que tantas vezes havia imaginado quando passava as

malditas cuecas dele. Bem, ele não estava de cueca, usava uma

calça moletom, mesmo assim, o corpo do meu chefe era de roubar o


fôlego.

Cada músculo dos braços dele e cada gominho do abdômen

malhado pareciam terem sido entalhados. Cada linha do corpo era


tão bem-feita que, como uma escultura clássica, dava vontade de

roçar as pontas dos dedos para sentir se era real.


Não era difícil de me imaginar acariciando Hadrian com as
minhas mãos e…lábios... língua...

— Nada de pular na cama, prinzessin — Hadrian falou, e eu


me virei para Verena.
— Tá!
Me senti péssima por cobiçá-lo estando ao lado de uma
criança e por também nem ter prestado atenção naquilo que a
menina fazia, com o olhar preso no abdômen do primo dela.

— Tá ficando mais vermelha, Ana — a garota disse em tom


animado, quase rindo.
Deus! Queria sumir.

— Está mesmo — meu chefe brincou, parando próximo a


cama.
Os olhos dele brilhavam. Também tinha um sorriso malicioso

brincando nos lábios ao deitar do lado vazio de Verena.


Hadrian sabia que eu tinha estado admirando-o e pelo jeito
gostou muito disso.

Gemi. Acho que nunca me senti tão constrangida na vida.


Reuni toda a dignidade que ainda havia dentro de mim e
deitei de lado, para a menininha ficar no meu campo de visão, mas

ela não era a única pessoa que via. Também deitado de lado, era
impossível não ficar olhando para a pele descoberta de Hadrian.

Cada polegada dele era força, poder e beleza. Gostoso!


— Você fica vermelho também, primo?
Mil vezes droga!

— Não me recordo, prinzessin.


Os lábios curvados deram uma aparência cretina a ele, e eu
soube que esse homem quando queria podia se transformar em um
devasso.

— Ah!
Verena abriu o bocão em um bocejo.

— Por que não tenta dormir, princesa?


A ternura me invadiu quando ele esticou a mão e acariciou os
fios longos dos cabelos da menina de um modo paterno, o

semblante dele se tornando suave. Qualquer vergonha que sentia


se dissolveu naquela cena doméstica, apesar de eu ser uma intrusa
ali.

— Conta uma história para mim, primo? — pediu com voz


sonolenta.
— Era uma vez uma princesa chamada Verena…

— Da Alemanha? — questionou.
— Da Alemanha…
Hadrian continuou a história enquanto afagava a menininha,

sendo paciente com as perguntas dela, que se tornavam cada vez


mais espaçadas, o sono a vencendo.

Ela ficava cada vez mais próxima do corpo do primo,


provavelmente buscando o calor que ele parecia emanar.
Suspirei. Não podia negar que a voz baixa e suave de
Hadrian estava me levando ao meu próprio torpor. Ficar acordada

estava se tornando difícil.


Passaram-se minutos e não houve mais nenhuma pergunta
de Verena, que acabou dormindo.

Eu e Hadrian ficamos nos encarando, sorrindo um para o


outro. Na minha cabeça maluca, parecia que compartilhávamos

muitas coisas, embora estivéssemos em silêncio. Pode parecer


loucura, mas foi naquela conversa sem som e olhando para o meu
chefe que acabei caindo no sono também…
Capítulo dezoito

Suspirei ao sentir o sol tocando a minha pele. Por um


momento, de olhos fechados, apenas apreciei o calor proporcionado

pelo astro, mas logo tive que quebrar aquele torpor ao sentir uma

vontade imensa de urinar.


A urgência fez com que eu despertasse e, assim que a

claridade permitiu enxergar, a primeira coisa que vi foi o rosto


angelical de Verena, que parecia imersa no seu sono, sons

baixinhos escapando pelos lábios entreabertos.

Sorri. Era apaixonado por ela. Com cuidado para não a

acordar, me movimentei para deixar a cama. Quando ela se moveu,


pensei que havia falhado no meu intento, mas ela apenas virou para

o outro lado que estava vazio, o lugar que tinha sido ocupado por
Ana.

Ana...

Enquanto caminhava em direção ao banheiro, vários flashes


da noite anterior percorreram a minha mente, e eu me perdi

naquelas emoções que se sobrepunham e que poderiam ser

definidas em uma única palavra: afeição, afeto que, embora tenha


descoberto há poucas horas, estava consciente de que foi

construído lentamente, dia após dia, nas conversas simples e bobas

que careciam de profundidade. Era estranho pensar que depois de


anos me autoprotegendo, me controlando, eu desenvolvia

sentimentos românticos por alguém, e não fazia nenhum esforço


para reprimir isso simplesmente porque queria me permitir sentir.

Poderia dizer que era por estar solitário por muito tempo, que

eu estava necessitado, mas sabia que era mentira. Era Ana quem

havia entrado em mim através de Verena, conquistando-me com

sorrisos, gestos, bondade e afeto. Pela compaixão. Pelo suporte.

Eu gostava dela. Eu a respeitava e confiava nela o suficiente


para deixar que se deitasse ao meu lado e de Verena. Se não
confiasse nela, não teria permitido. Só o fato de eu não me sentir
agoniado por saber que meu escritório estava aberto dizia muito.

Dormir juntos era algo íntimo, doméstico. Não era

simplesmente corriqueiro, pelo contrário, compartilhar a mesma

cama criava laços, principalmente naquelas circunstâncias.

Olhando-me agora no espelho, terminando minha higiene, vi

um homem que parecia livre... em paz. Quanto duraria essa


sensação? Não sabia, mas algo me dizia que eu deveria apenas

senti-la, e era isso o que eu faria.

Com passos silenciosos, deixei o banheiro e saí do quarto,

não sem antes olhar para a menininha esparramada no meio da

cama.

Meus pés e a fome repentina me conduziram até a cozinha,

mas parei ao ver Ana mexendo no balcão.


Eu era um filho da puta, mas, como ela não se virou na minha

direção, eu apenas fiquei ali contemplando a visão que ela era na

minha cozinha.

Já tinha visto a mulher várias vezes ali, porém nunca de

pijama. Observei as alças finas da blusa e o short que batia na

metade das coxas. Embora fossem peças bastante comportadas,


era um pijama comum, deixava muita pele à mostra, pele que me
seduzia, que eu sabia ser macia, cremosa, gostosa, e que eu queria

provar novamente, dessa vez, lentamente, conhecendo cada poro,


fazendo com que Ana estremecesse.

Sentindo-me irracional, agitado, andei em direção a Ana, e


quando estava bem próximo de alcançar o objeto do meu desejo, o
latido de Órion fez com ela se virasse na minha direção com um

saltinho.
Fiz uma careta desgostosa para o cachorro que não estava

nem aí para mim e voltou a morder o seu osso.


— Oh, bom dia, senhor — falou em um tom rouco.

Não respondi, sentindo meu peito subir e descer com mais


cadência, apreciando a admiração e o desejo que havia nos olhos
dela ao percorrer de cima a baixo o meu torso.

Em momento nenhum ela fitou o meu rosto, parecendo


hipnotizada pelo meu corpo.

Sorri, faminto. Ela queria me tocar, me beijar, sentia isso, e eu


igualmente desejava que Ana me tocasse e me beijasse, tanto que

meu pau começou a ganhar vida, enrijecendo.


Vê-la inconscientemente mordiscar o lábio inferior, de modo
provocante, suas coxas firmes parecerem ficar mais coladas uma na

outra, fez com que eu desse vários passos à frente, um erro, já que
a mulher pareceu se recobrar e, ficando mais vermelha que um

tomate, encarou o meu rosto.


— Espero que tenha dormido bem, senhor. — Cruzou as

mãos na frente do corpo e pigarreou.


Arqueei a sobrancelha, contendo a irritação pela formalidade.

— Acho que muito até — falei, depois de olhar pela janela,


vendo que o sol estava forte.
Porra! Provavelmente era quase meio-dia, o que significava

que havia perdido várias reuniões. Também não duvidava que havia
uma série de ligações do meu secretário querendo saber o que tinha

acontecido.
Merda!
Deveria estar incomodado, mas tudo o que eu conseguia

fazer era sorrir e me sentir contente.


— Nunca perdi tanto a noção de tempo. — Passei a mão pelo

meu peitoral, chamando a atenção dela propositalmente, e fiquei


eufórico ao conseguir. — E você, Ana?

— Bem, tanto que estou completamente atrasada com as


tarefas — pareceu envergonhada. — Me desculpe por isso.
Dei outro passo à frente, depois mais outro, até que fiquei tão

próximo, que em um movimento eu poderia prensá-la contra o


balcão.
— Não por isso, Ana — sussurrei, fazendo ela arregalar os
olhos quando estiquei meu braço e rocei meus dedos na sua

bochecha —, não depois do que você fez por mim e por Verena.
Suspirou com a minha carícia e o som excitou-me.

— Não foi nada. — Os olhos dela se iluminaram. — Faria mil


vezes se fosse preciso.
— Sim, eu sei — fiz uma pausa, passando um dedo sobre os

lábios dela, vendo-a estremecer —, hoje eu sei… Obrigado, Ana…


— sussurrei, abaixando a minha cabeça em direção a dela.

Meus dedos que acariciavam o rosto redondo foram


deslizando até encontrar a nuca da mulher, embrenhando-se nos

cabelos escuros e sedosos.


Porra! Os fios eram muito macios. Deliciosos.
Sem deixar de olhar para os meus olhos, ela estremeceu ao

sentir minha respiração quente contra si. Abri um pouco a minha


boca quando minha outra mão alcançou a base do seu pescoço,

meu toque sentindo sua pulsação acelerada, o que indicava sua


excitação.
— Não sabe o quanto eu quero beijá-la outra vez, Ana…  —

Minha voz era áspera.


— Hadrian…
Impulsionando meus quadris em direção aos dela,
prendendo-a contra o balcão, deixei que sentisse a minha dureza

por ela. Rocei meus lábios nos seus, ficando eletrizado ao sentir o
calor e maciez dela e gemi baixinho quando Ana tomou a iniciativa

do beijo.
Deslizando os lábios suavemente, sem usar a língua, ela
moldava nossas bocas, provocando, explorando, enquanto as mãos

dela escorregavam dos meus ombros em direção às minhas costas.

Me senti bambear com as carícias como nunca, como se eu


estivesse sendo beijado pela primeira vez na vida.

Suor percorreu toda a linha da minha coluna e eu arfei. Me

entreguei a Ana, deixando que me beijasse suavemente, e comecei

a massagear os cabelos dela, sentindo-me regozijar quando ela


emitiu um som abafado, repleto de desejo.

A morosidade dos lábios já não me era mais suficiente, então,

apertando-a ainda mais, fazendo com que ela sentisse minha


ereção e ânsia, dominei o beijo, minha língua invadindo a boca

gostosa com fome. Sedutora pra caralho, ela retribuiu aos meus

movimentos furiosamente, e eu me senti no meu paraíso particular


por ver aquela mulher ficar mole com o meu toque que, tão ousado
quanto os lábios, se perdia na suavidade da pele arrepiada,

excitada.
Respirávamos com dificuldade. Gemidos baixos, prazerosos,

escapavam das nossas gargantas formando uma única música. As

salivas se mesclavam, tornando-se um único sabor. As línguas


duelavam, deslizando uma contra a outra, rodopiando, tocando o

céu da boca. Mãos se exploravam sem sossego, deixando-nos

suados com o frenesi. Quadris se excitavam ao se roçarem, os

tecidos não nos impedindo de sentir prazer.


Grunhi, tombando um pouco a cabeça para trás, ao sentir as

unhas curtas cravando na minha lombar. Ana me puxava de

encontro a si de uma maneira selvagem, mas, porra, era gostoso


sentir seus arranhares, tanto que reverberou no meu pau, que

latejou em resposta.

Ana era surpreendente. Fodidamente perfeita para o meu


corpo. Minha ânsia por ela ao invés de ser aplacada, parecia

aumentar ainda mais.

A distância durou segundos, pois logo nossos lábios voltaram

a se colar com fúria, sem nos importar se ar enchia nossos pulmões.


O beijo me intoxicava, arrancando ruídos cada vez mais altos de

mim, roubando a minha noção de tempo, espaço e pudor. Minha


mão se infiltrou no short e alcançou a calcinha que ela usava.

Quando apalpei a pele nua da nádega, meu pênis ficou mais rígido,

um pouco mais sentiria o pré-gozo escapar pela minha glande, me


melando.

— Não, Hadrian! — Subitamente, Ana interrompeu o beijo e

me empurrou pelos ombros.

Removendo minha mão, recuei. Ainda estava atordoado pelas


sensações da boca dela sobre a minha, mas tive o bom senso de

me afastar.

— O que aconteceu? — Olhei para o rosto corado, achando-a


linda.

— É errado!

— Para mim, somos muito certos juntos, Ana… — murmurei.

Estiquei a mão para acariciar seus lábios, a respiração dela


fazendo com que eu estremecesse.

— Mais do que eu poderia imaginar, zuneigung[11] — continuei.

— Órion — disse, ofegante, ao apontar para algo atrás de

mim. Só então me dei conta que o cachorro latia para nós. Não tinha
ideia como Verena não havia acordado. — E Verena também pode

aparecer a qualquer momento. Não é certo ela nos ver nos beijando

e nos tocando dessa forma. Um beijo inocente, até ia…


Sorri com a fala dela.

— Tem razão, Ana — deixei um selinho no canto dos lábios


dela —, não é apropriado. Vamos nos restringir aos lugares em que

tenhamos uma porta para trancar, então.

A mulher ficou extremamente atordoada com a minha


provocação. Meu sorriso ficou ainda maior.

— Deixa eu preparar o nosso café... ou almoço... sei lá —

falou, cheia de constrangimento, deslizando para o lado, pondo uma

distância entre nós.


Resmunguei, contrariado.

— Você pode acordar Verena? — Caminhou até a geladeira e

eu a segui, como Órion fazia. — Ela vai se atrasar para ir para


escola se não se levantar logo.

— Certo.

Deixei um beijo no ombro dela, exposto pela alça fina.

Ela estremeceu, inclinando um pouco a cabeça para trás em


um espasmo. Perfeita!

— Hadrian… — Arfou o meu nome, e eu beijei o pescoço

dela, arrancando um gemido ofegante. — Pare com isso.


  — Okay!
Após deixar um beijinho na orelha cheia de piercings dela,

fazendo com que ela resmungasse um palavrão e me mandasse de

novo ir acordar Verena, a obedeci. Órion passou trotando ao meu

lado, como se soubesse aonde eu ia.


Parei um instante para fitar o corpo da mulher que logo seria

minha, e ela me xingou.

Joguei a cabeça para trás e ri. Estava feliz demais para me


importar com a boca suja da minha mulher. Na verdade, eu achava

divertido. Muito.
Capítulo dezenove

— Está muito apertado? — questionei, ao dar o laço na parte


de cima do biquíni de Verena.

— Acho que não.

— Acha? — Arqueei a sobrancelha para ela.


— É.

— Okay. Se precisar que afrouxe, me avisa.


— O que é afrox…? — Olhou para mim.

— Bem… Como vou explicar? — Suspirei. — É o contrário de

apertado.
— É? — Colocou as duas mãos na cintura, olhando-me

interrogativamente.
— Às vezes você dá um nó na cabeça da gente — falei,

divertida, apertando uma das bochechas redondas. — Mas tenho

certeza que você entendeu. Agora, vá colocar a calcinha, eu ainda


tenho que me trocar e seu primo está esperando a gente.

— Tá! — Deixei a cabine do banheiro, mantendo uma fresta

da porta aberta para caso dela precisar de mim, o que duvidava


muito. Verena era muito independente para a idade que tinha.

— Tô pronta! — Deu um gritinho animado nem depois de um

minuto.
— Cadê seu vestido? — perguntei ao ver que ela só estava

com o biquíni.
Apontou para o chão.

— Você precisa vesti-lo…

— Por quê?

— Não pode andar só de biquíni no shopping, Verena.

— Por que não pode?

— Todo mundo vai olhar para você…


— Mas todo mundo olha pra mim, né?
Eu não conseguia ter um argumento contra isso. Sim, as
pessoas olhavam e muito. A menina despertava atenção por onde

passava, principalmente por causa de Hadrian, o que era de se

esperar, já que ele insistia em manter-se em silêncio a respeito dela.

Como eu no início, muitos achavam que Verena era filha dele, e

meu chefe nunca desmentiu isso.

Queria dizer que Verena era a única a chamar atenção, mas


não era. A cada passo que dava de mãos dadas com o milionário,

para minha vergonha, sentia um olhar diferente sobre mim também.

Ainda tinha que lidar com as perguntas dos meus colegas sobre a

presença de Hadrian na universidade. Detestava ficar em evidência.

— Ana?

— Biquíni é só para usar nas praias e nas piscinas, meu

amor. — Baixei para pegar o vestido do chão.


— Ah!

Verena pegou a peça da minha mão e acabou vestindo sem

mais perguntas, então a conduzi até Hadrian, que esperava do lado

de fora e segurava a guia de Órion, que estava bem excitado pelo

passeio. Rapidamente voltei para o banheiro e comecei a trocar de

roupa, colocando o biquíni que meu chefe tinha pagado e que


provavelmente não usaria em outra ocasião.
Assim que amarrei a parte detrás das costas e coloquei a

calcinha, foi impossível não me encarar no espelho enorme à minha


frente.

Em uma cor próxima ao vinho, cheio de babados e com


manguinha., era um conjunto lindo, mas foi impossível não me sentir
horrorosa nele. Sensação que se tornou maior ao recordar do meu

irmão e dos amigos dele zombando de mim. Era quase sem curvas,
magra demais... uma tábua... embora as coxas me ajudassem um

pouco, dando a impressão de que pelo menos em algum lugar eu


tinha carne.

Levei as mãos aos peitos, tentando encontrar os meus seios


inexistentes. Me abracei, sentindo uma vontade enorme de chorar.
Realmente? Quem ficaria atraído por isso?

— Pare com isso, Ana… — sussurrei para mim mesma,


desviando o meu olhar do espelho e tratando de vestir o short e a

regata de volta.
Eu não podia estragar a animação de Verena em ir pela

primeira vez à praia com as minhas inseguranças tolas. Não se


tratava de mim.
Respirando fundo, deixei o banheiro do shopping.

— Vamos? — perguntei, fingindo um sorriso.


Hadrian me olhou de forma estranha, mas não teceu nenhum

comentário.
— Sim.

Busquei pela mão da garotinha, que entrelaçou os dedos aos


meus e começou a tagarelar, empolgada, fazendo bastante

perguntas que tanto eu quanto Hadrian não sabíamos responder.


Enquanto ele prendia o cachorro no cinto de segurança
canino, ajeitei a menina no assento elevado.

— Acha que precisamos de mais alguma coisa, Ana? —


perguntou, assim que se sentou no banco do motorista.

— Acredito que não — falei ao passar o cinto pelo meu


tronco, encarando Hadrian com o canto do olho —, mas faz tanto
tempo que não vou à praia que nem sei.

— Hm. — Deu partida no carro.


— Coloca música, primo. — Verena pediu.

— Vou colocar baixinho para não incomodar Órion.


— Tá.

Uma musiquinha de um dos desenhos que Verena assistia


soou no alto-falante e a menininha começou a cantarolar com a sua
voz infantil aguda e desafinada. O cachorro decidiu acompanhar a
cantoria com seus latidos e uivos, e também batendo a cauda contra
o assento.
Rindo, encarei Hadrian, que tinha um sorriso relaxado no

rosto. Como sempre, o achei ainda mais bonito. Lindo.


Quem não iria querer um homem como aquele? Rico,

poderoso, sexy... mas, desde o amasso na cozinha, eu estava


fugindo dele, não dando oportunidade para ficarmos a sós em um
lugar onde pudéssemos fechar a porta.

Como se soubesse que eu o encarava, pousou a mão grande


e pesada sobre a minha coxa nua, e um calor passou a irradiar dali

para o meio do meu sexo, que ansiava por alívio. Se eu tivesse


algum senso, afastaria a mão de Hadrian, mas eu parecia não ter

nenhum. Talvez eu fosse a puta que Liam disse que eu era...


Não!, uma voz gritou dentro de mim. Eu tinha o direito de
sentir desejo, como qualquer outra pessoa, e não havia nada de

errado nisso. Talvez meu único equívoco fosse me interessar por


esse homem, que me deixava inflamada, ansiosa, sonhando em ser

beijada outra vez…


— Por que você não tá cantando, Ana? — A voz de Verena
me trouxe de volta para a Terra.  — Você gosta dessa música.
Só então me dei conta que era uma música que
costumávamos cantarolar em dueto.
— Desculpe-me, querida. — Me senti uma boba. — Você

pode voltar no início dela, Hadrian?


— Claro — disse, rindo roucamente.

Quando ele removeu a mão para mexer no aparelho de som,


choraminguei baixinho pela perda do contato.
Tratei de prestar atenção na minha parte do dueto. Tivemos

que repetir quando eu acabei desafinando horrorosamente.

Cantarolamos as músicas infantis durante todo o restante do


percurso, ou melhor, tentamos, pois acabávamos caindo na risada

com as gracinhas que fazíamos.

— Posso levar Órion? — Verena pediu enquanto Hadrian

colocava a guia nele.


Embora o animal fosse grande, ele era bem treinado para não

puxar a garotinha.

— Claro!
Rapidamente pegamos todas as coisas, que parecia um

exagero para um dia na praia, e finalmente alcançamos a extensão

de areia quente, que praticamente estava deserta, já que o trecho


era propriedade particular de um clube.
— É gigante! — A menininha falou em tom de empolgação e

eu encarei o rosto dela.


O sorriso de Verena tomava seu rostinho, os olhos

acinzentados brilhavam mais do que o sol com a empolgação. Ela

estava completamente encantada.


— Será que tem tubarão?

— Nessa parte não, prinzessin, senão a gente nem poderia

nadar — Hadrian respondeu.

— Ah! Queria ver um!


— Deus me livre, querida! — Estremeci só de pensar nisso.

— Você não tem medo dos dentes afiados?

— Eu não…
— Quando você ficar mais velha, podemos nadar com eles…

— disse Hadrian.

A menina deu um gritinho de felicidade, o que chamou a


atenção de algumas pessoas e também de Órion, que se agitou e

começou a latir.

— Hadrian! — Arfei.

Ele deu de ombros, dando-me um sorriso safado que fez


minhas vísceras se retorcerem.

— Aqui está bom? — ele perguntou.


— Sim. 

Coloquei as coisas que carregava no chão e tirei meus

chinelos, enterrando meus pés na areia fina. Suspirei. Não me


recordava do quão relaxante era entrar em contato com esses

grãozinhos. Mesmo que Boston tenha várias praias, na última vez

que fui a uma eu deveria ter uns doze anos e estava mais

preocupada em entrar na água, como Verena, que tagarelava,


brincava com a areia e corria com Órion de um lado para o outro.

Peguei uma toalha e estiquei no chão para me sentar.

— Vamos, primo! — A menina pegou no braço do meu chefe,


puxando-o, querendo entrar na água.

— Protetor solar e boias primeiro, princesa. — Bateu no nariz

dela de leve.

— Ah! — Ela ia fazer um bico, mas acabou sorrindo.


— Vem cá que vou te ajeitar — falei, mexendo na sacola para

pegar o tubo de protetor.

Verena soltou a guia do cachorro, que começou a rolar na


areia feito um louco. Ela parou na minha frente, rindo da travessura

do animal. Nem queria ver o trabalho que daria para limpá-lo depois

disso.
Hadrian inflava as boias para colocar nos braços da menina.

Comecei a espalhar o produto por todo o corpinho dela e ela me


pediu para terminar mais rápido para ir logo brincar. Em minutos ela

estava pronta, bem como Órion, que usava um colete que

combinava com a cor do equipamento da garotinha.


— Pronto, primo!

— Eu preciso passar em mim também — disse ao começar a

remover a camisa.

Não consegui não olhar para o abdômen perfeito que eu me


pegava sonhando em tocar outra vez, para sentir rigidez e também

a contração dos “gominhos” ao meu toque.

Minha boca secou, o desejo tornando a latejar com força.


Desviei o olhar para o rosto dele e vi que suas pupilas

pareciam mais escuras, repletas de luxúria.

Merda!

— Para ir mais rápido, você pode me ajudar, prinzessin —


Hadrian disse em um tom neutro, se sentando para que a menina

passasse protetor nele.

A menina pegou o tubo da minha mão e ficou mais do que


feliz em ajudar o primo.
Como uma tola, fiquei observando os músculos das costas

dele e as pequenas pintinhas que salpicavam a pele enquanto eles

riam juntos.

A ponta dos meus dedos coçaram por tocá-lo também,


querendo mapear aquelas marquinhas, sabendo que Hadrian

estremeceria sob o meu tato.

Balancei a cabeça e foquei minha atenção no mar, o que era


muito mais seguro, mas, como um imã, eu era atraída para ele, para

a linha dos seus músculos, para os cabelos loiros e macios, para as

pintas que eram camufladas pelo protetor que Verena passava em

excesso.
Logo, incentivado pela menininha afoita, em meio a gritos

alegres, os três correram pela praia indo em direção ao mar.

Sorri. Contagiada pela euforia deles, puxei o meu celular do


bolso do short para registrar aquele momento para mim em fotos e

vídeos, por mais que achasse que não tinha esse direito. Carinho se

espalhou pelo meu peito ao ver Órion entrando com tudo na água

enquanto Hadrian, segurando a mão de Verena, ajudava a


menininha a vencer as ondinhas.

Passando protetor nos braços, perna e rosto, e muito, para

não ficar dolorida pelas queimaduras e tão vermelha quanto um


pimentão mais tarde, fiquei uma boa meia hora ali sentada

contemplando-os, suspirando apaixonada, e também alerta caso


algo acontecesse com Órion, mas ele obedecia a todos os

comandos de Hadrian.

Parecendo ter feito amizade com uma outra criança, que tinha

parado para mexer com o cachorro e era acompanhada pelos avós,


Verena correu na minha direção, mas apenas para pegar os baldes

do kit de fazer castelinho e voltar rapidamente para a beira da água.

Sabendo que Verena estava segura brincando com o


cachorro e o amiguinho, Hadrian caminhou até onde eu estava.

Com os cabelos loiros jogados para trás, ele ficava ainda mais

charmoso, sexy.
Suspirei, admirando cada pedaço dele, dos ombros largos às

panturrilhas firmes. Se estivéssemos em uma praia lotada, não tinha

dúvidas que todo mundo o cobiçaria para si.

Ignorei a pontada de irritação que o pensamento me trouxe,


consolando-me no sorriso predatório que era direcionado para mim.

Hadrian parou na minha frente, franzindo o cenho.

— Vai ficar assim, Ana?


—  Assim como?

— Vestida…
— Ah.
Olhei para a minha roupa, mas fiquei paralisada, minha

insegurança retornando com força ao recordar o quão horrível me

senti ao me olhar no espelho.


— Não vai tirar? — sussurrou.

Respirei fundo e fiz que sim, me erguendo.

Como se removesse um curativo doloroso, mas que não era


apenas metafórico, já que as palavras de Liam e amigos ecoavam

com força na minha cabeça, colocando-me ainda mais para baixo,

abri o botão do short e o baixei, retirando a regata em seguida.

Não que eu fosse desprezível, eu sabia que não era verdade,


mas me sentia medíocre, e olhar para baixo, contemplando o meu

próprio corpo, só me fazia sentir pior.

— Você é linda, Ana... e ficou ainda mais com esse biquíni —


Hadrian disse com uma voz extremamente rouca.

Senti as pontas dos dedos dele tocarem o meu braço,


acariciando-o com um toque leve como se fosse uma pena.
— Se você diz… — Ele alimentou um pouco meu ego.

— Talvez a calcinha pudesse ser um pouco menor. — Estalou


a língua.
— Hadrian! — Encarei-o, incrédula pelo comentário dele.
Sem cerimônia ou pudor, continuando a me tocar, Hadrian
examinava cada pedaço de pele desnuda, demorando-se nos meus
seios e principalmente na parte de baixo.

— Porra! Você é uma tremenda gostosa!


Abri e fechei a boca, ficando extremamente quente quando o
olhar dele e o sorriso, não as palavras, me fizeram sentir como uma

mulher realmente linda e sensual, o que provavelmente era uma


ilusão.
Atordoada e paralisada, o vi se movimentar, parando atrás de

mim. O arfar baixo dele deixou a minha nuca toda eriçada.


— Sexy!
— Eu…

Minha boca e garganta estavam secas. Meu peito quase


explodiu de tão rápido que subia e descia.
— É, a calcinha poderia ser bem menor — falou contra a

minha orelha. — Que caralho de bunda gostosa!


— Hadrian… — sussurrei o nome dele, bamba.

Olhei na direção de Verena quando ela gritou por Órion,


preparada para reagir, sentindo-me aliviada ao ver que o animal só
estava rolando em cima do castelo que as duas crianças faziam.
  — Vamos passar protetor, não quero que você queime ao
ponto de não poder te tocar depois — falou depois de um tempo que
pareceu quase que suspenso, em que, na minha percepção, tinham

se passado horas, não minutos.


Engoli em seco, sentindo o desejo no meu baixo-ventre se

acumular, tornando-se maior quando ele deixou um beijo na ponta


da minha orelha. Depois, prendeu o meu cabelo em um coque
afrouxado e senti as mãos fortes espalhando o protetor pelos meus

ombros.
Minha respiração ficou mais curta instantaneamente. Ainda
que passar protetor fosse uma coisa trivial, forcei-me a olhar para

Verena e Órion ao invés de fechar os olhos. O toque de Hadrian não


tinha nada de ingênuo, embora somente eu pudesse sentir a
malícia, o desejo.

As promessas contidas nas carícias me deixavam tão tensa


que meu corpo parecia a corda de uma harpa. Ficar de pé era difícil,
bem como conter os suspiros de prazer. Minha mente era um

torvelinho, em que o meu único pensamento era o “mais tarde”. 


Naquele momento, eu era de Hadrian para fazer o que ele quisesse.

Forcei-me a sair daquela nuvem quando vi Verena, com os


baldinhos na mão, correr na direção onde estávamos. Órion vinha
atrás.
— Primo?

— Oi, prinzessin?
Diferente de mim, meu chefe não parecia nem um pouco
perturbado. Ressenti-me da experiência dele se comparada a

minha.
— A gente precisa de mais água! — gritou, animada.

— Falando em água, está na hora da senhorita beber algo —


disse
— Ah, Ana! — Fez beicinho.

— Sem ah! — Me afastando de Hadrian, ignorando o bufar


dele, fui em direção ao cooler para pegar um suco para ela. — Não
quero que você fique com insolação e ter febre por desidratação.

Estendi uma garrafinha para ela e também dei água para


Órion que, diferente da menina, assim que despejei o líquido em
uma vasilha, atacou.

— Pronto! Agora a gente pode ir, primo? — pediu, entregando


o recipiente para mim.
— Tentando me enganar, mocinha? — Arqueei a minha

sobrancelha para ela, ao constatar que ela não havia bebido quase
nada.
— É… — Me deu um sorrisinho, safado.

— Não pode fazer isso, Verena. — Hadrian se abaixou, para


olhar a menina de igual para igual, colocando uma mão no ombro
dela. — Além de mentir ser feio, é uma atitude rude. O primo não

gosta de mentiras. Não há nada que eu deteste mais do que isso.


Os lábios dela tremeram. Embora meu coração doesse pela
vulnerabilidade ela, sabia que Hadrian estava certo em corrigi-la.

— Nunca minta para mim, nem para a Ana, okay?


— Tá — sussurrou em um tom quebrado.

— E se um de nós dois pedir para você fazer alguma coisa,


você tem que obedecer. Sem reclamar, bater o pé ou chorar.
— Tá bom.

— Agora dê um abraço em Ana e peça desculpas.


Fez o que ele pediu, abraçando as minhas pernas.
— Desculpa, Ana!

— Desculpas aceitas.
Inclinei-me para deixar um beijo no topo da cabecinha dela,
dando-me conta de que alguns grãos de areia haviam grudado nos

fios.
— Agora termine logo de beber o suco.
— Tá bom!
Pegou a garrafa da minha mão e bebeu um bocado,
principalmente quando o amiguinho dela se aproximou e aceitou
uma bebida também.

Luke era um garoto adorável, inteligente e engenhoso, um


verdadeiro amor. Eles ficaram brincando por uma boa hora, antes
que o menino precisasse ir embora, não sem muito choro por parte

dos dois. Hadrian acabou prometendo que voltaríamos na semana


seguinte para que eles brincassem mais, o que apaziguou os dois.
— A gente pode ir na água de novo, primo? — A menina

pediu, cansada de encher o brinquedo com areia.


— Estou quase conseguindo fazer a base do castelo —
murmurou ele, parecendo concentrado, e eu revirei meus olhos.

Era a quinta vez que ele tentava, mas quando colocava algo
em cima, acabava desmanchando.

— Por que não deixamos esse bobão aí e vamos eu, você e


Órion?  — falei ao me erguer, tirando o excesso de areia da bunda.
Irritantemente, os grãozinhos grudavam no meio das bandas.

— Hey! — Hadrian fechou a cara para mim enquanto a


menina soltava um grito e o cachorro latia.
Dei de ombros e segurei a mão da menininha, saindo

correndo em direção à beirada da praia, onde pequenas ondas se


quebravam. O sol estava quente, mas a água estava extremamente
gelada, tanto que eu estremeci, mesmo assim, me forcei a entrar um

pouco mais.
— Que onda gigante! — Verena tagarelou.
— Sim… — de fato, era grande para ela, mas longe de ser

para mim. — Quando eu disser pula, você pula.


— Tá! — Ela deu uma risadinha.
Com o canto do olho, vi que ela estava expectante.

— Pula!
Antes mesmo que ela pegasse impulso, ergui-a pelo braço, e
atravessamos a onda.

A menina acabou gargalhando alto, e eu sorri.


— De novo? — perguntou, vendo outra onda se formando.
Sem esperar resposta, a levantei novamente, fazendo com

que ela gargalhasse, eufórica.


— Outra vez, Ana!

— Só se for comigo agora! — Hadrian falou.


Tomei um susto com a aproximação dele, tanto que soltei a
mão de Verena e acabei me desequilibrando com a onda, tomando

um verdadeiro “caldo”.
— Deus! — Murmurei entre tossidas, ouvindo a risada dos
dois.

— Tá tudo bem, Ana? — Verena pareceu preocupada.


— Sim…

— Olha outra! — Antes que pudesse reagir, outra onda me


engolfou.
— Droga! — praguejei.

— Vamos ajudar a tia Ana, prinzessin? — Hadrian zombou


em meio à gargalhada, e eu bufei.
— Vamos! — gritou ela.

Verena me deu a mão e, determinada a não estragar a


brincadeira dela, mesmo ainda tossindo e desnorteada pelo último
caldo, prestei mais atenção, e pulei.

— EEEEE! — berrou, animada.


Eu e Hadrian olhamos um para o outro e erguemos a
menininha. Logo Verena se cansou e decidimos fazer uma pausa

para beber e comer alguma coisa debaixo de um sombreiro. Uma


hora depois, estávamos fazendo guerrinha na água outra vez. Fazia

tempos que não me divertia tanto. Sem dúvidas, guardaria aqueles


momentos para sempre, torcendo para que eles me incluíssem na
próxima ida à praia também.
Capítulo vinte

Deixei um último beijo têmpora de Verena e, nas pontas dos


pés, lançando um último olhar para a menina e o cachorro, que

dormia de barriga para cima, deixei o quarto e encostei a porta.

— Dessa vez ela dormiu rápido — Hadrian falou ao entrar na


cozinha.

— Era de se esperar — murmurei, recolhendo a tigela e os


talheres que Verena havia usado para comer.

Não era surpreendente que, depois de tanto brincar com

outras crianças, correr e pular, Verena dormisse logo. Assim que

chegamos no apartamento, Hadrian a ajudou a tirar todos os grãos


de areia grudados nos cabelos no banho e a fez comer alguma

coisa.
— É.

Assim que coloquei os utensílios no lava-louças, me virei na

direção dele e encontrei-o apoiado em uma coluna, seus braços


cruzados na frente do peitoral desnudo.

Engoli em seco. Deveria me acostumar a vê-lo sem camisa.

Eu não podia ficar babando todas as vezes que o via assim, como
se ele fosse um pedaço suculento de carne.

— Quer que eu prepare algo para você comer antes de eu ir?

— Passei a mão pela lateral do meu short.


Hadrian balançou a cabeça em negativa. Se descolando da

parede, caminhou com passos lentos na minha direção. Parou na


minha frente.

— Fique — falou em um tom baixo que era quase uma

súplica.

Encarei o rosto dele. Os olhos negros eram insondáveis.

Uma espécie de nervosismo misturado com desejo se

espalhou rapidamente por mim. Eu sabia o que ele me pedia, mas


temia por mim, pelos meus sentimentos, por mais que o meu corpo

todo implorasse para que eu cedesse a paixão que me consumia.


— Fique, Ana — repetiu. Inclinou-se na minha direção, a
respiração quente e ofegante fazendo cócegas na minha pele. —

Fique comigo essa noite e coloque um fim na minha agonia, porque

eu não consigo mais viver sem o seu toque, sem o seu beijo, sem o

seu gosto, sem ter o seu corpo de encontro ao meu.

— Isso me parece um exagero — sussurrei, tentando

convencer a mim mesma disso.


Ele deu um sorriso sem graça.

— Queria dizer que é exagero, mas estaria mentindo para

mim mesmo... — fez uma pausa —, e eu detesto mentiras.

Dei uma risada fora de hora ao lembrar da sua fala para

Verena, mas ele continuou sério.

— Eu tentei colocar a culpa na minha frustração, mas hoje

não tenho mais desculpas. — Sua voz era áspera. — Eu não te


quero mais como uma válvula de escape, eu te desejo

simplesmente porque eu anseio pelas sensações que você produz

em mim.

— O que eu faço com você, Hadrian? — disse a queima-

roupa, curiosa.

Sem pensar, levei meus dedos ao interior do bíceps dele.


Seus olhos ficaram mais escuros.
— Além de me deixar duro, fodido de excitação com muito

pouco, como agora? — Deu uma risada.


Eu olhei para o cós da bermuda dele e notei que o pênis se

avolumava. Ver o pau dele reagir a mim fez um ponto no meio das
minhas pernas pulsar.
— Você me faz admirá-la, me faz ser capaz de gostar de você

pelo seu jeito meigo — segurou o meu rosto —, mas a verdade,


Ana, é que o que mais gosto é me sentir capaz de confiar em

alguém outra vez.


— Hadrian… — Não sabia o que dizer além do nome dele.

Poderia questioná-lo, sondá-lo sobre o que o tinha


machucado ao ponto de ele ter que usar a desconfiança como
autodefesa, mas sabia que não era o momento. Devia ser algo

doloroso demais, fora que a pessoa deveria se sentir confiante para


falar.

— Fica comigo essa noite, Ana? — perguntou novamente,


dessa vez, parecendo inseguro.

Poderia inventar uma desculpa, dizer que eu precisava


estudar ou fazer um trabalho, o que seria uma meia-verdade, mas
não podia e nem desejava. Eu queria ser de Hadrian essa noite, não

importando as consequências e o que isso significava.


— É a minha primeira vez — sussurrei, envergonhada,

mesmo que não devesse.


Todo mundo já foi virgem um dia e, por mais que eu não

tivesse habilidade, sabia que meu corpo agiria por instinto.


Um brilho cruzou os olhos dele e Hadrian deslizou o polegar

pela minha boca, fazendo com que ela formigasse.


— Serei carinhoso, eu prometo, Ana. — Seu tom era baixo
— O fato de eu ser virgem não te incomoda? — Era uma

pergunta besta, já que a resposta estava estampada no rosto dele.


Hadrian deu um sorriso predatório.

— Você não se importa com o fato de eu estar enferrujado?


— provocou-me. — Faz anos que não saio com ninguém.
Mostrei descrença.

— Sem mentiras, lembra? — disse ele.


— Uhum. — Acabei sorrindo.

— E então?
— Desde que você me leve para o quarto — brinquei.

— Com maior prazer, zuneigung…


Deixou um beijo suave nos meus lábios e, entrelaçando
nossos dedos, conduziu-me em direção ao quarto dele. A cada

passo que eu dava, sentia o friozinho no meu ventre ficar maior,


sem acreditar que realmente eu transaria com esse homem, que ele
me desejava.
Quando passamos pelo batente, Hadrian me soltou e fechou

a porta atrás de nós, trancando-a. Não cheguei sequer a me mover,


pois, segurando-me pelo braço, ele me virou e me empurrou de

encontro a porta com o seu corpo, sua ereção pressionando a


minha barriga enquanto o rosto pairava sobre o meu.
Sentir o calor da respiração dele contra a minha pele e seu

pênis semiereto só aumentava a minha expectativa de tê-lo me


preenchendo, mesmo que tenha ouvido que a primeira vez não

fosse muito prazerosa.


— Fodidamente gostosa... e minha! — Demonstrou

possessão, mas não dei a mínima ao sentir os lábios pressionando


os meus.
Por um momento, nossas bocas ficaram paradas, sentindo-se

novamente, até que, com um grunhido, Hadrian deslizou os lábios


pelos meus com lentidão enquanto com uma mão segurava os

meus quadris.
Suspirei, me entregando ao beijo, e passei a acariciá-lo
também, sentindo toda a força presente na musculatura dos ombros

e das costas. O meu toque pareceu ativar algo nele, tornando seus
lábios mais vorazes sobre os meus e o aperto na minha anca mais
forte, possessivo, o que espalhava fagulhas pelo meu corpo.
Enquanto uma de minhas mãos subia e descia, alisando-o, com a

outra, enterrei meus dedos nos cabelos loiros, arrancando um som


gutural dele.

Ele diminuiu a intensidade do contato, moldando nossos


lábios suavemente, provocando pequenos estalos, e eu
choraminguei, puxando seus cabelos com um pouco mais de força,

as pontas dos meus dedos pressionando sua lombar. Eu precisava

ser beijada de verdade!


Deslizando a minha língua pelo lábio inferior dele, umedeci-o

com a minha saliva para depois tomá-lo entre os meus dentes,

fazendo os olhos dele brilharem. Subindo com a mão pela lateral do

meu corpo, traçando as minhas curvas inexistentes, Hadrian abriu a


boca para mim e eu mergulhei nela, sem conseguir conter um ruído

rouco quando ele esfregou o pênis contra o meu ventre, gemendo

com o atrito.
Não tive tempo de controlar o beijo, já que, segurando o meu

queixo, ele diminuiu o ritmo das nossas línguas, tornando o encontro

quase que insuportável, tão infernal quanto o ardor no meio das


minhas coxas com o roçar da ereção, que se tornava cada vez mais
dura. Lutei pelo controle das nossas bocas, sem sucesso. Os lábios

e a língua dele não tinham nenhuma pressa em me explorar, nem


mesmo as mãos, que subiam e desciam em um afago suave.

Um som estrangulado escapou da minha garganta, pondo fim

a qualquer protesto que estava prestes a emitir no momento em que


seus dedos acariciaram a lateral do meu seio. Me apoiei nos ombros

dele quando senti as minhas pernas bambas. Parecia que tinha

perdido um pouco da minha capacidade de retribuir o beijo e

também as carícias que ele fazia em mim de tão mole que fiquei.
Me espichei e bati a minha cabeça contra a porta, sentindo

uma pontada de dor com o impacto, quando o polegar dele roçou o

meu mamilo por cima da blusa, que já estava excitado pelo contato
com o peitoral dele.

— Hadrian — ofeguei.

Me segurei nele com mais força ao sentir seu dedo


trabalhando com mais afinco no bico, deixando-o mais duro e

sensível, enquanto dava mordidinhas por toda a linha do meu

maxilar, arranhando-me com a barba no processo.

— Hm — gemeu antes de tomar o meu lóbulo da orelha e


puxá-lo, fazendo com que eu arqueasse minha pelve contra a dele
com o choque de prazer que percorreu todas as minhas

extremidades.

Mordi meus lábios, impedindo um som alto de sair por eles,


quando Hadrian aumentou a fricção no meu mamilo, enquanto seus

dentes contornavam toda a borda da minha orelha.

— Gosta, Ana? — perguntou em um tom rouco.

Eu me desmanchava contra as carícias que ele fazia no meu


mamilo. Ele voltou a mordiscar meu lóbulo.

— Sim… — tornei a enterrar meus dedos nos cabelos dele,

arfando —, muito.
Hadrian deu uma risada ofegante e eu o puxei novamente

para mim, tragando o som ao beijá-lo, minha língua encontrando a

dele de modo urgente, faminto.

Sim, eu tinha fome daquele homem como nunca tive por


ninguém, tanto que minhas mãos passaram a explorar toda a

extensão de pele, sem comedimento, me sentindo poderosa ao vê-

lo estremecer e suar contra o meu tato. Nossas bocas se moviam


em uma sincronia perfeita, o ar se tornando mais difícil de chegar

aos pulmões, mas não queríamos descolar um do outro. Nossos

quadris se encontravam, excitando-se, e um ponto na minha vagina

parecia pulsar.
A mão, que até então segurava os meus quadris, alcançou a

minha bunda e ele apertou-a, enquanto a outra deslizava para


baixo, acariciando a minha lateral. Amassei minha boca na sua,

movendo meus lábios com fúria sobre os dele ao sentir sua palma

contra a minha barriga. Ter sua pele quente contra a minha me


deixou irracional e úmida de uma forma desconhecida, então eu o

puxei ainda mais para mim, prendendo a mão dele entre nossos

corpos.

Chiei baixinho quando ele recuou, colocando algumas


polegadas de distância entre nós, mas pensei que iria entrar em

colapso quando a mão dele segurou o meu seio em concha. Como

eu consegui viver sem aquela carícia que me deixava tensa de cima


a baixo, ainda mais excitada?

— Caralho, Ana! — Com a mão ainda no meu seio, enterrou o

rosto na curva do meu pescoço, inspirando meu cheiro. —

Maravilhosa!
Não disse nada, suprimindo um flash de memória ao lembrar

da palavra “tábua”, a melhor definição para os meus mamilos. Não

iria estragar aquele momento com insegurança.


O grunhido dele ao acariciar o glóbulo de cima a baixo era o

que eu necessitava para me sentir realmente maravilhosa.


Reivindiquei a boca dele novamente, me perdendo na

exigência que Hadrian empunha, na precisão do toque que deixava

meu corpo mais mole, minha vagina mais lubrificada e meu coração

acelerado. Em meio ao beijo, ele começou a erguer minha blusa e,


me contorcendo, o ajudei a remover a peça, passando os braços

pelas mangas. Assim que fiquei nua da cintura para cima, Hadrian

deu um passo para trás e olhou para o meu peito. Outra vez, a
insegurança me dominou, mas me mantive parada.

— Lindos — falou em um tom rouco ao segurar meus seios,

ou melhor, tentar, já que não havia quase nada para pegar. — E

meus.
Ficou olhando para eles, como se realmente os admirasse,

antes de se aproximar novamente. Sua boca não tomou a minha, foi

direto para o meu pescoço, e os beijos molhados, juntos a carícia da


barba e a respiração quente, me fizeram contorcer. Fechei os olhos,

desfrutando de todas as sensações deliciosas que me tomavam

pela primeira vez. Seus dedos acariciando delicadamente a minha

costela eram um deleite à parte.


Alternando lambidas, sucções, mordidas e beijinhos que

faziam minha mente rodopiar, senti que ele baixava a cabeça cada
vez mais e, por instinto, projetei meu tronco a frente, oferecendo um

dos meus seios.


Abri os olhos no momento que os lábios dele se fecharam no

bico e começou a sugar. Baixei meu rosto e ver que me encarava

com intensidade enquanto um som de prazer escapava dele fez

com que, involuntariamente, meu corpo espasmasse e meu sexo se


contraísse com uma força quase que dolorosa.

Os gemidos escapavam de mim sem nenhum controle e isso

pareceu aumentar o desejo que eu via nos olhos dele, fazendo


crescer ainda mais meu anseio por algo que ainda me era um

mistério, sensação que se tornou ainda mais forte quando ele

passou a sorver meu mamilo com mais ímpeto, grunhindo, sua mão
dando atenção para o outro, beliscando o bico excitado para depois

acariciá-lo gentilmente.

Abandonando a protuberância, ele começou a traçar com

lambidas a pequena curva do mamilo em uma tortura agonizante,


deslizando a boca para percorrer todo o meu tórax, até abocanhar o

outro seio, fazendo as mesmas carícias que tinha feito com o

primeiro. Suspirei ao escutar os sons que ele emitia ao me sorver,


como se obtivesse muito prazer no ato. Fechei as pernas e rocei

uma na outra, tentando aplacar o incômodo no meio das minhas


coxas. Não pude negar que a fricção no jeans me dava um pouco
de alento, mas novamente me veio o sentimento de que faltava

algo, embora fosse incrivelmente bom.

Levei a mão aos cabelos dele e, segurando os fios, fiz


Hadrian tombar a cabeça um pouco para trás, afastando-o do meu

peito.

— Te machuquei, Ana? — Pareceu preocupado ao se erguer,


e meu coração se encheu de ternura, principalmente com a

delicadeza com que me tocava, o modo como me fitava.

— Não… — emiti um gemido quando ele torceu o meu

mamilo lentamente. — Eu…


— Sim, zuneigang?  — Deu-me um selinho.

— Eu preciso de mais — sussurrei.

— Hum… — Sorriu, malicioso, os olhos brilhando, cheios de


diversão. Se inclinou em direção a minha orelha e sussurrou: — Por

que não falou logo?


Estremeci, sem conseguir dizer nada. Com o desejo pulsando
no meu sexo, me deixei ser guiada por ele até próximo a cama,

pronta para o que quer que ele quisesse fazer comigo, desde que
fizesse aquela ânsia passar. Confiava nas palavras dele que não iria
me machucar.
— Permaneça de pé, Ana — ordenou em um tom rouco
quando fiz menção de subir em cima do colchão.
Obedeci. Hadrian ficou encarando os meus seios por uns

instantes, depois me puxou para um beijo breve, mas igualmente


intenso, onde me deixou arfando e um pouco desnorteada pelo
desejo e fome que havia nele. Gemidos tornaram a escapar de mim.

Senti vários arrepios quando Hadrian começou a trilhar um


caminho com beijos pelo meu maxilar e meu pescoço enquanto as
palmas deslizavam pela extensão dos meus braços. 

— Heiß[12] — ronronou, depois de deixar uma mordida na

base da minha garganta para depois chupar.


Não sabia o que significava a palavra, mas também não me
preocupei em perguntar o significado, presa nas sensações

proporcionadas pelas mãos e lábios que, descendo, não deixavam


de tocar nenhum pedaço da minha pele. Eu estremecia, suspirava,
meus quadris ondulando contra os de Hadrian, antecipando o que

ele poderia fazer, enquanto minhas mãos acarinhavam o pescoço,


os cabelos, os ombros, arrancando sons baixos dele. A todo

momento, nós nos encarávamo-nos, criando uma conexão mais


profunda.
Hadrian fez com que eu curvasse todo o meu tronco para
trás, mas quando pensei que teria que implorar pelo desconhecido,
ele deslizou a língua pelo vale dos meus seios, grunhindo ao traçar

círculos lentos por um dos bicos. No momento que começou a


descer a boca, lambendo lentamente as gotinhas de suor da minha

pele, brincando com o meu umbigo, enquanto as mãos trabalhavam


para abrir o meu short, eu soltei um suspiro longo de deleite e puxei
os cabelos dele de uma forma que parecia gostar

Depois de devorar-me com os olhos, sua boca foi deslizando


pela minha pele enquanto ele baixava meu zíper, de forma lenta e
torturante, aproveitando para acariciar os meus quadris e minha

lombar no processo.
— Gosta? — A voz era rouca ao me perguntar outra vez.
Me senti tocada pela preocupação dele com aquilo que eu

curtia ou não.
— Muito — forcei a minha voz a sair quando a sua palma
adentrou o meu short, tocando-me sobre a calcinha.

Com um grunhido, puxou-me mais de encontro aos seus


lábios e dentes, me permitindo descobrir que a região dos meus

quadris era extremamente sensível, tanto que eu me esfreguei no


rosto dele. Ele me ajudava a movimentar, lançando-me sorrisos
lascivos.

Pegando-me desprevenida, Hadrian colocou-se de joelhos, e


quando aproximou o rosto da minha vagina, respirando fundo, eu
estremeci com a lava quente que se acumulou no meu centro,

fazendo com que eu ficasse mais úmida do que já estava.


—  Hadrian…

— Porra, Ana! Você é gostosa, e o seu cheiro… 


  Ele tornou a inspirar, as duas mãos agarrando as minhas
nádegas com força. Eu gostei da pegada mais bruta e do olhar

selvagem que ele me lançava.


Arfei quando o nariz dele tocou a minha virilha, fazendo com
que eu sentisse ao mesmo tempo cócegas e prazer.

— Caralho! — beijou a região e eu tive que me controlar para


não fechar minhas pernas na cara dele. — Deixa minha boca
salivando ainda mais…

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele


habilidosamente desceu meu short, juntamente com a calcinha, com
um puxão rápido.

Provavelmente estava vermelha, mas, dessa vez, não tive


vontade de cobrir a minha nudez, pois a cobiça de Hadrian, o toque,
o olhar e o sorriso cafajeste, de alguma forma, me transmitiam

segurança com relação ao meu próprio corpo.


Sim! Eu poderia não ser linda aos olhos de todos, mas,
perante ao loiro, eu me sentia a gostosa que ele disse que eu era.

Aproveitando que ele estava paralisado, me olhando da


posição que estava, saí da poça em que se transformaram as
minhas roupas e joguei as peças para o lado. Meu movimento

pareceu tirá-lo do torpor e ele passou a acariciar a minha panturrilha


com as pontas dos dedos, provocando outra vez cócegas. Não

contive uma risada quando ele acariciou a parte de trás do meu


joelho, que se transformou em um ruído no momento em que um
Hadrian sorridente segurou o meu tornozelo e ergueu a minha

perna, colocando-a sobre a cama, me deixando mais aberta para


ele. Ele me expor dessa forma fez com que o meu sangue corresse
mais veloz e meu sexo latejasse querendo-o ainda mais.

— Hadrian? — questionei quando ele pareceu se colocar bem


debaixo da minha vagina.
A resposta à minha pergunta foi outro aspirar fundo, o que me

deixou mole, seguido de uma palavra provavelmente dita em


alemão. Não tive tempo de raciocinar, pois logo os lábios macios
tocaram o interior da minha coxa em um beijo carinhoso que fez
meu sexo latejar.
Ele passou os braços pelas minhas pernas, de modo que

suas mãos alcançassem a minha bunda. Mais uma vez, senti meu
canal se apertar em um espasmo. Ouvi o meu próprio soluço
quando Hadrian deixou um tapa numa nádega antes de segurá-la

com firmeza.
— Porra, mulher! — grunhiu, quando, perdendo meus
pudores, esfreguei minha vagina no rosto dele.

Gemi. O instinto e a necessidade falavam mais alto. Eu


precisava dele.
Seus dedos aplicaram mais força na minha carne enquanto,

gemendo, deixava uma série de beijinhos e mordidinhas na minha


pele, que estava mais sensível pelo roçar da barba dele, o que

parecia intensificar o ardor na minha boceta, fogo que se tornava


mais intenso quando ele beijava a parte de fora do meu sexo,
provocando várias comichões e fazendo minha respiração ficar

ainda mais curta. As carícias que eu fazia nele eram suaves, mas
tentei não pensar no meu egoísmo em não dar a ele o mesmo
prazer que me proporcionava.
— Hadrian! — Falei o nome dele, excitada, quando ele
passou a dar atenção para a outra coxa, os beijos alcançando a

minha virilha, apenas para tornar a descer, mas nunca chegando no


local que eu queria, o que me deixava frustrada.
Poderia ser virgem, mas eu sabia que ele me chuparia, só

não entendia o porquê de não começar logo; estávamos sedentos...


Ele riu quando tornei a choramingar. Deu outro tapa na minha bunda
que reverberou no meu sexo.

— Por favor — pedi quando parou os beijos e passou a


lamber o interior das minhas pernas.
 A língua dele percorreu a entrada do meu sexo, mas sem me

penetrar, fazendo com que eu me arqueasse, meu canal se


contraindo.
Fiquei desapontada quando o toque dele continuou gentil,

mas, de um minuto para o outro, segurando minha bunda com mais


pressão, ele trouxe minha pelve mais contra seu rosto. Prendi o ar

ao sentir seus lábios me abrindo para ele e pensei que iria


desmoronar no chão, ao ter a língua me invadindo milímetro a
milímetro.

O instinto me fez segurar a cabeça dele para que não parasse


com a invasão e nem com as pequenas lambidas que ele dava nos
meus grandes lábios. Deixava-me tensa ao me explorar lentamente,
provando o líquido, que parecia se acumular ainda mais dentro de

mim por ter a sua boca trabalhando sobre aquela parte do meu
corpo, como se fosse uma bebida cara.

Hadrian grunhiu, mas sem deixar de movimentar a língua e os


lábios por aquele ponto. Movendo um pouco a cabeça para fitar o
meu rosto, apertou a minha bunda com mais força. O ar pareceu

preencher um pouco mais os meus pulmões, porque os olhos


escuros me davam muita certeza de que ele apreciava o fato de eu
ainda o estar pressionando contra mim.

Eu ofegava, o prazer se espalhando por cada célula do meu


corpo com as carícias que ele fazia em mim, ainda que ele ainda
estivesse longe de atacar aquele ponto dolorido, que clamava pelo

afago dele e que eu intuía que me faria explodir.


A língua continuou rodopiando em cada pedaço do meu sexo,
os lábios provocavam-me, e eu cravei as unhas nos ombros dele,

tombando um pouco a cabeça para trás, quando ele tomou um dos


pequenos lábios entre os dentes, puxando-o suavemente. Repetiu

as mordidas do outro lado, me deixando mais tesa, fazendo com


que eu balançasse meus quadris em direção ao rosto dele, mas
nada se comparou com o momento em que a língua finalmente

resvalou no meu clitóris.


Quando ele lambeu aquele ponto, choques irradiaram de
onde ele tocava para todo meu corpo, me fazendo sentir muito viva

e consciente de cada músculo do meu ventre. Em retorno, o


presenteei ao deslizar minhas palmas pela pele escorregadia,

fazendo os olhos dele cintilarem.


Os círculos que traçava fazia meu corpo arquear-se em
direção a boca dele. Meus toques eram descoordenados, minha

respiração arfante e sons desconexos escapavam dos meus lábios


pela espiral de desejo.
Atormentando-me, levando-me mais alto na busca do

orgasmo, continuou a provocar o meu clitóris, lambendo e dando


pequenas pancadas nele, o que fez com que minha vista ficasse
mais desfocada, minha mente sendo incapaz de ter pensamentos

coerentes, focada em nada que não fosse o meu próprio prazer.


Arrepiada, falei o nome dele em meio a um suspiro longo e, pela
milésima vez, puxei os cabelos dele assim que os lábios de Hadrian

substituíram a língua e envolveu aquele ponto. Suspirei outra vez no


momento em que passou a sugar devagarzinho, dando aquilo que o
meu corpo mais ansiava.
Um misto de tensão e torpor deslizou em mim como um raio.
Meus quadris passaram a se mover contra ele instintivamente e
gememos em uníssono. Observá-lo chupar o meu clitóris, que ora

ele aumentava, ora diminuía a pressão que exercia, me levava a


sentir mais prazer no ato. Deslizei a mão pelo pescoço dele, zona
que parecia excitá-lo, já que a sucção se tornou mais forte.

— Porra! — chiei o palavrão quando ele tocou um outro ponto


desconhecido que me deixavam tensa.
Subitamente, ele diminuiu a pressão, movimentando-se

passando a brincar com meu clitóris, me fazendo retorcer, mas eu


fiquei mais mole ao receber uma sugada mais forte.

Quando começou a alternar sucções, lambidas e rodopios


com a ponta da língua, eu não consegui mais me controlar. Tudo em
mim era um caos e eu me deixei levar por essa sensação.

Arqueando, eu tinha praticamente virado uma massa sob o toque de


suas mãos e lábios.
Como se soubesse que eu estava por um fio, Hadrian raspou

os dentes suavemente pela carne latejante e tornou a sugar, dessa


vez com velocidade e pressão, até que eu me joguei naquele
abismo de sensações e me senti estilhaçar em mil fragmentos sob a

língua.
Meu corpo tremeu e o grito que parecia preso na minha
garganta escapou na forma de um som oco, minha mente não

sendo capaz de processar nada além do fato de que Hadrian


continuava a trabalhar sobre o meu clítoris, estendendo aquelas
sensações que não conseguia denominar, apenas experimentar…
Capítulo vinte e um

Segurando-a com mais afinco, percebendo que Ana parecia


ter perdido todas as forças para continuar de pé, continuei a

prolongar o orgasmo dela. Não contive um grunhido de desejo ao

vê-la mordiscar os lábios quando um espasmo a tomou. Inspirando


fundo, sentindo o cheiro delicioso do seu gozo impregnando as

minhas narinas, continuei a chupá-la, viciado no gosto almiscarado


de Ana.

Porra! Eu começaria tudo novamente só para vê-la

choramingar o meu nome e poder observar cada nuance dela ao

receber prazer, mas meu pau pulsava enquanto uma gota de pré-
gozo escorria pelo comprimento. Precisava mais do que tudo sentir

o interior dela me apertando a cada invasão, até que eu eliminasse


toda a tensão que me consumia, por mais que para Ana pudesse a

vir ser bem doloroso.

Rodopiei minha língua uma última vez na carne inchada e


ouvir o gemido doce de Ana aumentou ainda mais minha ânsia por

ela. Relutantemente, cessei o meu toque, mas prometi a mim

mesmo que continuaria aquela exploração depois.


Baixei a perna dela que estava apoiada sobre a cama e a

coloquei no chão, mas deixei um beijo no seu monte antes de me

levantar.
Foi a vez do meu corpo estremecer quando ela me puxou de

encontro a si. Sua língua deslizou pelos meus lábios antes de


saquear a minha boca em um beijo desesperado, ao qual retribui

com a mesma intensidade.

Deixei que ela sentisse o seu gosto em minha língua, e o

pensamento de algum dia ela me provar com sua boca fez meu

pênis ficar mais duro.

Com a fantasia daqueles lábios deliciosos percorrendo toda a


minha extensão, sem apartar o contato de nossas bocas, comecei a

remover a calça e a cueca.


Ana me ajudou, e ter as mãos pequenas e desajeitadas sobre
a minha pele, enquanto a boca dela fazia amor com a minha, fez

com que eu cedesse ao desespero em tê-la, agonia que se tornou

ainda maior quando Ana me abraçou e meu pênis roçou em seu

ventre.

Sua boca deslizou pela minha bochecha, deixando uma trilha

de beijinhos até alcançar a lateral do meu pescoço. Usando o


restante das minhas forças, obriguei-me a ficar parado durante a

tortura mais deliciosa que eram aqueles beijos tão suaves quanto

uma pluma e as mãos percorrendo meus ombros, descendo pelo

meu bíceps, me apertando, apenas para tornar a subir.

Os gemidos dela deixavam todos os meus pelos eriçados,

meu pênis mais dolorido e a respiração mais curta, mas eu não me

importava. Eu confiava o meu corpo completamente a ela.


Compreendi que, naquele momento, eu entregava uma parte de

mim a essa mulher. Por mais estranho que parecesse esse

pensamento, era como se fosse a minha primeira vez também.

Grunhi quando ela sugou onde minha pulsação batia forte e

senti sua mão mapeando as minhas costas, até alcançar a minha

bunda. Um som estrangulado brotou da minha garganta quando Ana


apertou a minha nádega, assim como eu tinha feito com a dela, mas
logo se transformou em um gemido alto ao ter suas unhas raspando

por toda a extensão de minha pele enquanto me beijava e sugava, a


língua tornando-se mais confiante em lamber e traçar movimentos

lentos.
— Porra! — grunhi.
Segurei firmemente os cabelos dela quando seus dentes se

enterraram na minha jugular, me mordendo com certa força. Doeu e


sei que ficaria marca, mas, caralho, eu queria que ela repetisse a

dose, mas Ana parou, como se estivesse envergonhada.


— Te machuquei? — Deixou um beijo no meu queixo.

— Um pouco — confessei, trazendo a cabeça dela para


próxima da minha. Vi culpa nos olhos puxados. — Mas adoraria que
você mordesse o meu corpo inteiro. Tenho certeza que você fará

isso, zuneigung, e eu exibirei com orgulho cada marca.


— Hadrian… — Os lábios dela formaram um O.

— Posso ser sincero, Ana? A dor mais insuportável é a no


meu pau, que está louco para estar dentro de você.

Emitimos um som cheio de desejo quando esfreguei meu


pênis duro na pelve dela, o que nos deixou ainda mais excitados.
Meus lábios capturaram os dela em um beijo exigente, que

mostrava a minha fome. Inclinei a cabeça dela, ganhando um novo


acesso a sua boca e, suspirando, Ana enterrou os dedos nos meus

braços, como se precisasse de apoio para ficar de pé. Nossos


quadris ondulavam um contra o outro, e, a cada movimento, eu

sentia que todo o meu controle ia se esvaindo, ao ponto de eu


duvidar que conseguiria ser o homem carinhoso que ela precisava

que eu fosse.
Espalmando a mão livre sobre as costas dela, tombei-a de
encontro a cama, até que ela estivesse sobre o colchão e eu sobre

ela.
Continuamos a nos beijar, a nos tocar, com a minha ereção

roçando nela ao ter os nossos corpos colados, os seios deslizando


pelo meu peitoral ao nos movermos para nos acomodar melhor
sobre a cama.

Apartei o beijo e, passando minhas pernas pelo corpo miúdo,


fiquei de joelhos, apoiando meu peso sobre eles, afundando o meu

quadril nos dela. Ofeguei por ter a minha ereção tão próxima de
preenchê-la, sentindo várias gotinhas de suor se acumularem na

minha lombar.
Vi os olhos dela procurarem os meus, enquanto uma mão
deslizava pelas minhas costas e a outra apertava o meu bíceps.

— Por que parou? — A voz dela parecia insegura.


Não respondi de imediato, apenas contemplei os cabelos
escuros esparramados contra o travesseiro, o rosto redondo e
angelical avermelhado, os olhos estreitos, os seios pequenos e

sedutores subindo e descendo rapidamente, os bicos


completamente tesos.

— Você é linda, sabia?  — murmurei, afundando mais os


meus quadris nela. — Muito.
Ana segurou-me com mais força, um suspiro escapando pelos

lábios rosados ao passo que o tronco dela se erguia em um


espasmo.

Baixei-me para deixar um selinho em um dos cantos da sua


boca, depois no outro, o que fez com que se retorcesse debaixo de

mim. Ela emitiu um chiado quando não intensifiquei o beijo e tornei a


descolar os nossos troncos.
Senti sua mão envolvendo o meu pau. Ela começou a deslizar

pela minha extensão, subindo e descendo em uma cadência


desgraçada de tão gostosa.

Um sorriso malicioso tomou os lábios dela quando eu uivei de


dor e desejo, assim que intensificou as carícias que fazia no meu
membro. Joguei um pouco meus quadris para trás e arremeti contra

a mão dela, por instinto.


— Porra, Ana! — Ela apertou a minha glande, seu corpo se
insinuando em direção ao meu. — Eu não vou aguentar assim.
— A culpa é sua, Hadrian… — sussurrou.

Talvez fosse mesmo...


Ela tentou fechar as pernas embaixo de mim, mas como não

conseguiu, então começou a esfregar seu sexo contra as minhas


bolas, parecendo perdida em seu prazer.
Tornei a estocar quando envolveu meu pau novamente, me

masturbando, levando-me ao limite. Segurei a mão dela, precisando

que parasse antes que me esvaísse nos dedos dela.


Ela ficou me encarando, de cenho franzido, lábios torcidos em

irritação.

— Hadrian?

— Camisinha.
— Oh!

Dei uma risada com a sua expressão.

Deixando um beijo em sua testa, rolei para o lado e estiquei


meu braço em direção a mesa de cabeceira e abri a segunda

gaveta. Tateei até encontrar o pacote de camisinhas. Peguei uma,

descartando o restante sobre o tampo da mesinha. Rasgando a


embalagem com os dentes, rapidamente encapei o meu pau e tornei
a subir em cima dela, dessa vez, me acomodando bem próximo a

sua entrada.
— Está tudo bem? — perguntei, tocando o rosto de Ana que

parecia tensa.

— Sim. — Voltou a me tocar, traçando círculos pelas minhas


costas.

— Está com medo? — Meus lábios deixaram vários beijos no

rosto dela a fim de relaxá-la, e a mulher suspirou baixinho. — Não

precisamos fazer isso se você não quiser.


— Eu quero… 

Inclinou os quadris em direção ao meu, roçando seu sexo no

meu pau. Foi a minha vez de grunhir.


— Por que está tensa? — Apoiando meu peso sobre os

cotovelos, procurei me concentrar naquilo que a incomodava, não

no modo como seu corpo se esfregava no meu. 


— Nada que valha a pena…

— Se te incomoda, eu quero saber…

Voltei a beijar os lábios dela, moldando as nossas bocas em

um contato lento e preguiçoso que contrariava a urgência que me


dominava. A carícia suave que ela fazia na minha nuca em nada me

ajudava a controlar meu desejo.


— Então?

— A camisinha — falou à queima-roupa.  — Fico feliz por

você ter, mas…


— Para que eu comprei se não tenho ninguém, não é?

— É… — Pareceu constrangida.

— Porque eu precisava me prevenir caso eu acabasse

atacando a mulher que está agora debaixo de mim…


Dei um sorriso malicioso ao ver sua expressão surpresa e

tornei a beijá-la, não deixando mais espaço para questionamentos e

dúvidas; meu corpo falaria mais do que as minhas palavras.


Nossas bocas moviam-se na mesma sincronia que as mãos,

as línguas se emaranhavam tanto quanto as salivas se misturavam.

Os sons que escapavam de nossos lábios e dos nossos corpos se

atritando tornava tudo uma única composição. Os quadris dela


encontravam os meus com cada vez mais intensidade, me deixando

insano. Os olhos nublados, sedentos, eram reféns um do outro, o

que tornava tudo mais intenso.


Rosnei quando ela tornou a acariciar o meu pau, em um

pedido silencioso para que eu a preenchesse, enquanto os dentes

tomavam meu lábio superior e o puxava até estalar. Não precisei de

mais nada para dar vazão ao desejo que me consumia.


— Abra as pernas para mim, Ana — pedi em um tom rouco.

Ataquei o pescoço macio com beijos, arranhando-a com


minha barba, o que fez com que ela gemesse baixinho e

entreabrisse suas coxas para me receber.

Mordiscando-a e lambendo-a, tentava distrai-la da dor que


viria. Sentia todos os músculos da minha costa tenso.

Envolvi o meu pau com uma mão e o encaixei em sua

entrada. Percebi os olhos dela se arregalarem e sua respiração ficar

mais entrecortada. Gemi contra o pescoço dela ao escorregar


lentamente o meu pênis no interior delicioso que, por mais

lubrificado que estivesse, se contraía com a invasão, me

proporcionando ainda mais prazer.


Segurando o rosto dela, encarando sua expressão, tornei a

capturar a sua boca em um beijo enquanto meus quadris iam um

pouco para trás, antes de penetrá-la em um tranco firme, rasgando

a barreira. Instantaneamente, Ana ficou rígida, parando de me


beijar, os dedos me agarrando com força. Meu coração se apertou

ao ver os olhos dela lacrimejarem.

— Sinto muito — falei, beijando cada uma das bochechas


dela.
Apoiando o meu peso nos cotovelos, usei todas as minhas

forças para me manter imóvel enquanto o canal dela espremia meu

pênis.

Porra, era muito difícil ficar parado quando eu desejei este


momento por muito tempo.

— Dói — sussurrou em uma voz fraca.

— Eu sei… — Deixei beijinhos nas pálpebras dela quando as


fechou. — Se você quiser, eu saio.

— Não— murmurou, acariciando os meus cabelos de maneira

terna.

Ela movimentou um pouco os quadris, o que fez meu pau


pulsar, e eu fiquei ainda mais tenso.

— Tome seu tempo, zuneigung — falei suavemente.

— Huhum…  — Abriu os olhos. — Me beije, Hadrian.


Meus lábios roçaram nos dela e eu a provoquei antes de

moldar nossas bocas em um beijo delicado, ao passo que erguia

uma mão para acariciar a curva do seu rosto.

Ana ondulava os quadris, seu corpo parecendo ter se


acostumado com a presença do meu pau. Os seus suspiros

baixinhos de deleite a cada mover me levavam ao meu próprio

inferno, ainda que estar dentro dela era o meu céu.


Deslizando a língua pelos meus lábios, saqueou a minha

boca, intensificando o beijo. Ao ver que não havia tanta dor na sua
expressão, comecei os meus próprios movimentos, recuando e

avançando sem sair de dentro dela. Sua pelve passou a

acompanhar minhas pequenas investidas.

Entrelaçando nossas línguas, arranquei um som suave que


reverberou em todo o meu corpo e alimentou o meu lado selvagem,

tornando-me um pouco irracional, já que me removi por completo.

Investi outra vez, sentindo os músculos dela se esticando para me


receber, e um gritinho ecoou pelo quarto, os dedos dela me

apertando, o que me deixou em alerta.

Parei.
— Te machuquei, Ana? — perguntei em meio a um ofegar.

— É incômodo, mas é bom. — Sorriu, afundando o quadril no

colchão, para erguê-lo um pouco mais.

— Caralho!  — rosnei.
Joguei meus quadris para trás, preenchendo-a outra vez,

começando os movimentos de vai e vem lentamente, gemendo a

cada investida com o prazer de tê-la me puxando para um beijo


sedento e se contorcendo embaixo de mim. Nossos corpos, cada
vez mais, moviam-se pelo instinto, encontrando um ritmo próprio,
deslizando em meio ao suor, estalando a cada estocada.

Com um grunhido, removi meu pênis e a penetrei novamente

em um tranco firme, sentindo os músculos dela ficarem mais


contraídos, sugando o meu pau, querendo prender-me dentro de si.

O prazer passou a me guiar, bem como a urgência pelo ápice.

Deslizando a minha língua pela dela, aumentando a velocidade do


beijo, sem deixar de entrar e sair do seu canal, coloquei a mão entre

nossos corpos até alcançar o monte. Saí de dentro dela, só

deixando a cabeça do meu pau, e quando a penetrei novamente,

inseri também um dedo, buscando pelo clitóris que sabia que estava
tão dolorido quanto o meu pênis.

O meu nome dito em meio a um arfar enquanto esfregava a

carne dura, com os dedos dela explorando toda a minha pele, a


boca me lambendo e sugando, me arrancou um som gutural e fez

com que as minhas investidas se tornassem mais fortes e rápidas.


Eu não conseguia mais controlar a minha ânsia, não quando
percebi que os olhos dela ficavam mais desfocados. Grunhindo,

apliquei mais pressão no seu ponto de prazer, fazendo Ana se


contorcer e me morder. Esfreguei o clitóris sem nenhuma gentileza,
continuando a bombear meu pau nela naquela busca insana pelo
ápice. Arriscando, a mulher gostosa se abria ainda mais para mim,
testando os movimentos dos seus quadris, fazendo com que eu
chegasse mais fundo dentro dela, meu pau resvalando em um outro

ponto que alimentava seu prazer.


Meu pênis parecia prestes a explodir contra o látex a cada
estocada, mas forcei-me a segurar um pouco mais, querendo dar a

ela mais prazer enquanto meu dedo continuava a pressionar seu


clitóris, fazendo com que ela se remexesse e choramingasse. No
entanto, quando Ana mordeu o lóbulo da minha orelha e o puxou,

contraindo seus músculos em torno do meu pau em um espasmo,


eu falhei miseravelmente.
Jogando a minha cabeça para trás, um som primitivo escapou

dos meus lábios quando eu a penetrei uma última vez, a minha


porra preenchendo a camisinha em um jato rápido, o que fez com
que o alívio tomasse cada poro do meu corpo.

Sem me tirar de dentro dela, deixei todo o meu peso cair


contra ela, pressionando-a para baixo no colchão. Meus sentidos

pareciam completamente atordoados pelo êxtase, de um jeito que


nunca senti antes, meus músculos exaustos até para se mover. As
únicas coisas que ainda pareciam funcionar em mim eram os meus

lábios, que retribuíam ao beijo doce e gostoso daquela mulher.


Capítulo vinte e dois

Senti Ana se movimentar para sair da conchinha que


formávamos e meu braço apertou o torso dela, como se fosse uma

barra de ferro, e a trouxe mais de encontro a mim.

— Onde você ia? — perguntei com voz sonolenta contra a


orelha dela, mordiscando o lóbulo.

— Está na hora de levantar. — Suspirou quando continuei a


provocá-la, fazendo-a  roçar a bunda contra a minha pelve.

Grunhi ao sentir meu pau ganhando vida contra as nádegas

macias, pensando no quão delicioso seria tomá-la por trás.


Minha mão subiu em direção ao seio para acariciar o mamilo

pequeno, e senti o bico já duro. Ela arfou.


— Ainda está cedo, Ana — ronronei em seu ouvido depois de

um tempo.

  Não tinha ideia de que horas eram, mas não me importava.


Comecei a deixar uma série de beijos pela curva do pescoço dela.

— Nesse horário, era para eu estar dentro do ônibus, Hadrian

— protestou, se virando nos meus braços para me encarar.


— Que bom que você não está.

Abri um sorriso lascivo enquanto ela revirava os olhos.

Rindo baixinho, beijei os lábios sedutores e convidativos,


enquanto apalpava a bunda. Segurando-me pelo queixo, ela

intensificou o beijo, sua língua acariciando cada canto da minha


boca, e eu a puxei pelas nádegas para que Ana ficasse colada a

mim enquanto minhas pernas se entrelaçavam as dela.

— Caralho, gosto de começar o dia assim! — cochichei contra

sua bochecha.

Com meus dedos roçando na fenda entre as nádegas, tornei

a deslizar minha boca na dela, nossas línguas voltando a se


encontrar com avidez ao passo que nossos corpos se buscavam,
meu pau tornando-se mais duro ao resvalar no sexo e no abdômen
plano dela.

— Eu preciso levantar — falou, as duas palmas apoiadas no

meu peitoral me empurrando para trás.

Franzi o cenho.

— Não, não precisa, zuneigung. — Acariciei os lábios

entreabertos dela, sentindo a gema dos meus dedos formigarem. —


Você pode ficar o dia inteiro nessa cama.

Ana arqueou uma sobrancelha para mim.

— Não, não posso, e você sabe disso.

— Sei? — Provoquei-a, acariciando os  quadris dela com

movimentos preguiçosos.

Ela respirou fundo, mas acabou soltando um som de prazer.

— Eu sou sua funcionária, Hadrian, nada mudou.


— Não, tudo mudou, Ana… — falei a verdade, acariciando os

cabelos macios. Vi vários sentimentos percorrem as suas feições.

Depois de termos feito amor, não chegamos a conversar

como ficaríamos dali por diante, apenas ficamos nos braços um do

outro, nos tocando, até que a urgência dela de tomar um banho

apareceu. Para o desconcerto dela, eu a segui até o box e me juntei


a ela. Peguei o sabonete e passei em seu corpo, aproveitando para

conhecer outros pontos nela que a faziam gemer e ficar mole.


— Eu não sei…  — acabou falando baixinho.

— Eu sei que sim. — Sorri. — O que temos é algo bom, e eu


pretendo continuar a explorar o que há entre nós.
Talvez estivesse pensando muito a frente, mas eu não era um

moleque sem responsabilidade emocional que descartava os


sentimentos dos outros. Eu já tinha estado nessa posição que

ninguém deveria estar.


— E se o que tivermos se mostrar só sexo? — perguntou em

um tom urgente. — Se for uma atração passageira? Como vou


ficar? É egoísta o que vou falar, mas, até o fim da faculdade, eu
preciso desse emprego.

Fiz uma careta desgostosa.


— Poderemos lidar com isso de forma amigável caso

aconteça, Ana, por nós, por Verena.


Minhas palavras pareceram mentiras, já que eu não tinha

certeza se conseguiria encarar tão bem a situação assim, mas não


quis pensar em algo tão negativo, não agora.
Ela ficou me encarando, pensativa, e maneou a cabeça em

concordância.
— Independente do que acontecer, juro que vou continuar a

pagar a sua faculdade e que você continuará a ter o seu emprego…


Se não dermos mais certo e você não aguentar olhar mais na minha

cara, eu ainda pagarei o seu salário.


A possibilidade de que isso aconteça fez minhas vísceras se

retorcerem.
— Acho que não chegarei a tanto — murmurou, as pontas
dos dedos brincando com o meu peitoral. — E você pode não

querer mais olhar para a minha cara também.


— Não chegarei a tanto — repeti as palavras dela, fazendo-a

gargalhar quando desferi um tapinha no traseiro dela.


— Que bom… — Deu-me um selinho.
— Mas vamos parar de pensar sobre os “ses”? Temos coisas

muito mais interessantes para fazer. — Subi uma mão pelas costas
dela até alcançar sua nuca.

— Mesmo?
— Sim. — Rocei meus lábios nos dela e fui deslizando uma

mão pela sua barriga até alcançar o meio de suas pernas.


Segurei o sexo dela, demonstrando posse. Ana arfou,
surpresa com a carícia.

— Deus! Me envolvi com um grande pervertido…


Os olhos dela brilhavam, os seios subindo e descendo
rápidos, enquanto movia os quadris contra a minha palma. Minha
boca secou ao sentir os pelos úmidos nos meus dedos.

Porra! Ana estava encharcada por mim.


— A culpa é sua, zuneigung — brinquei, sentindo-me

fodidamente poderoso ao ver a expressão transtornada de prazer.


— A culpa é sua por ter me feito imaginar todo o tipo de depravação
que eu quero fazer com você.

— Isso soa como algo bom.


Passou a língua pelos lábios e o gesto fez com que meu pau

crescesse ainda mais.


— E é…

Rocei meu dedo na fenda dela, me lambuzando com a sua


excitação. Gostosa!
— E por que não está demonstrando?

— Quem sabe um dia — falei preguiçosamente, removendo a


mão do seu sexo e levando-a em direção ao mamilo.

— Hadrian… — queixou-se.
— Tenho outros planos para agora…
Gargalhando ao ouvir o bufar irritado, torci o bico do seio

suavemente fazendo com que ela se contorcesse, e comecei a


deixar vários beijos e mordidas pela pele sedosa, já marcada pelas
minhas carícias da noite anterior, até alcançar o sexo dela.
Um grito abafado escapou dos seus lábios quando,

segurando os quadris dela, a obriguei a se manter parada, enquanto


minha língua deslizava pelos pequenos e grandes lábios, seguida

de um dos meus dedos. Só parei quando seu corpo se convulsionou


contra a minha boca, o canal tentando em vão apertar a minha
língua, com seu gosto se misturando a minha saliva. Sorri, quando

vi a expressão enlevada em seu rosto. Não tive dúvidas de que

queria começar vários dos meus dias assim.


Capítulo vinte e três

— Cê vai dormir com o meu primo de novo, Ana? 


Verena ergueu o rosto do livro de atividades escolares e me

encarou cheia de curiosidade.

— Por quê? — murmurei, sentindo que ficava vermelha com a


pergunta simples.

— Porque já tá de noite e você sempre vai embora quando


fica de noite — falou em um tom sabichão.

— Ah!

— Cê vai dormir aqui?

— Provavelmente sim, princesa — respondi.


Verena continuou a me encarar. Como se fosse possível,

fiquei mais envergonhada com o sorrisinho que ela me deu.


Fazia quase duas semanas que Verena tinha batido na porta

do quarto de Hadrian,  porque não conseguia dormir, e me

encontrou na cama dele. Como ela era curiosa, fez várias


perguntas, mas, felizmente, o primo conseguiu responder todas elas

com tranquilidade, saciando a curiosidade infantil do motivo de eu

estar deitada ali, dizendo a ela que estávamos em um


relacionamento, o que era uma meia-verdade. Transávamos,

conversávamos sobre coisas banais, tentando nos conhecer, mas

nenhum de nós dois parecia pronto para falar sobre temas mais
profundos, como aquilo que fez Hadrian tornar-se desconfiado ao

extremo, ou até mesmo sobre a minha relação com Liam. As


pessoas não compreendiam o meu amor por ele, ou por que o amor

me fazia sempre ceder as vontades dele.

Pensar em Liam fez com que culpa viesse à tona. Eu pouco

parava em casa, mas, mesmo quando estava, raramente o via, já

que nossos horários não se encontravam, e aos fins de semana ou

ele ficava com os amigos e as fodas dele ou estava dopado demais


para se lembrar da minha existência. Eu mantinha a casa limpa, o

que não durava nem dois dias com o meu meio-irmão, mas as
minhas omissões pesavam em minha consciência, e depois de fazer
sexo com o meu chefe, os segredos tornavam a culpa maior.

— Você não gosta que eu durma aqui? — Fiz uma pergunta

tola quando a menininha continuou a me encarar, afastando aqueles

pensamentos sombrios sobre Liam.

— Gosto — disse em um tom alegre, para depois parecer

amuada —, mas por que você nunca dorme comigo, só com o meu
primo?

Deus!

— Quer que eu durma com você?

Ela fez que sim com um assentir de cabeça e o meu cenho se

franziu.

— Por que não me pediu antes, princesa? Eu teria dormido

com você. — Toquei a mãozinha dela sobre a mesa. 


— Porque eu já sou adulta, e adulto dorme sozinho! — falou

com convicção, contrariando as suas ações.

Por um minuto, fiquei atordoada demais para falar algo, e

fiquei mais ainda com a próxima pergunta dela:

— Mas se adulto dorme sozinho, por que você dorme com o

meu primo? — Parecia confusa.


— Quem disse que adultos dormem sozinhos, Verena?
— O Dylan. Ele falou que só bebê chorão dorme com os pais

e eu não sou bebê. Sou uma adulta.


— Deus! — Não consegui conter uma risada. — Você não é

adulta, meu bem. Você é criança. E o que o seu coleguinha disse é


uma bobagem.
— É?

— Sim. Eu durmo com o seu primo e estou longe de ser um


bebê chorão. Você acha que seu primo é um bebê chorão também?

Ela fez que não com a cabeça.


— Ele é um gato.

— Um gato?
— É… Muito gato.
Era obrigada a concordar, mas me surpreendeu ouvir Verena

chamá-lo de gato. Com certeza alguém tinha dito isso a ela.


— Um gostoso! — Deu um gritinho.

Engasguei com o ar, e a tosse fez com que Órion saísse da


sua soneca e viesse xeretar, rondando a mesa.

Tossi com mais força. De onde ela tirou isso?


— Tá tudo bem, Ana? — Verena pareceu preocupada.
— Sim — falei em meio a tosse —, só estou surpresa.
Ela deu uns tapinhas nas minhas costas, mas pude vê-la

franzir as sobrancelhas loiras.


— Surpresa?

— Sim, que você chame seu primo de gostoso. — Acariciei o


topo da cabeça de Órion, já que ele estava me dando cabeçadas.

— Mas ele não é? Foi a Loren que falou isso para a Camila.
— É feio escutar conversa dos outros, Verena — ralhei. —
Não faça mais isso, querida.

Ela fez beicinho.


— Tá bom. Mas por que ela falou que ele é gostoso se ele

não é comida? — Tombou a cabeça para o lado. 


Merda! Como explicaria isso?
— Quem é gostoso, Verena? — A voz grossa e áspera ecoou

na sala e eu dei um pulinho na minha cadeira com o susto. 


Olhei para o homem impecável que tinha o semblante

fechado.
Suprimi uma risada ao ver que ele parecia com ciúmes.

— Algum garoto? — insistiu.


— É você, primo.
Hadrian fez uma careta.

— Quem disse isso?


— A Loren… — repetiu.
Ele tornou a fechar a cara e eu imaginei o que Hadrian estava
pensando.

— Verena ouviu uma conversa que não devia, só isso —


expliquei.

— Vai brigar comigo, primo? — A menina se encolheu na


cadeira. — Não vou fazer mais isso.
Meu olhar encontrou o dele e tive a impressão de nos

comunicarmos em silêncio.
— Tudo bem, prinzessin, sei que não fará — aproximou-se de

onde estávamos e deixou um beijo nos cabelos dela —, mas só


acho que isso não deveria estar sendo falado dentro da escola.

— Não, não deveria… — concordei.


— Por que não?
— É coisa de adulto.

— Eu sou adulta!
Hadrian olhou para ela e para mim, confuso.

— Longa história — falei em meio a uma risada.


— Sei… — Coçou a barba. — E a minha pequena adulta já
acabou de fazer o exercício? O primo já fez a parte dele para poder

brincar com a minha filhinha Ema.


— Tô terminando!  —  Falou animadamente.
— Hm.
Se ela precisasse de um incentivo para fazer os deveres de

casas, brincar com Órion e as bonecas era o melhor deles. Era


engraçado pensar que até mesmo Hadrian havia “adotado” uma das

bonequinhas.
Rapidamente, Verena pegou o lápis, que em algum momento
havia soltado, e olhou para o exercício, recomeçando a fazer a

tarefa.

— Você vai brincar com a gente também, Ana? — questionou,


tornando a me encarar.

— Eu preciso estudar para uma prova, princesa — respondi.

— Mas você não tá terminando também?

Fiz que não.


— Ainda nem comecei.

Franziu o cenho para mim.

— Mas você já não tava estudando?


— É outra matéria, querida. Você não tem inglês, matemática

e ciências?

Fez que sim.


— Eu estudo química e também células e organismos…
— Ah! — Fez bico. — Parece chato… 

— Coisas de adulto — provoquei-a, piscando de um olho só.


Ela deu uma risadinha e eu acabei gargalhando.

— Essa conta está errada, prinzessin. Desde quando quatro

mais dois é cinco? — Hadrian pegou uma borracha para apagar a


resposta.

— Não é?

— Não. Não adianta fazer a tarefa de qualquer jeito só para

terminar rápido. Vou corrigir tudo. Eu sei que você sabe isso,
mocinha.

— Tá.

Sorri ao vê-la contar nos dedos. Hadrian sentou na cadeira ao


lado, ajudando a menina no que fosse preciso. Sabendo que não

tinha tempo a perder, enfiei a cara no meu livro de biologia celular.

— Agora a gente já pode brincar, primo? — A vozinha infantil


estridente roubou a minha concentração.

— Primeiro banho, Verena.

— Ah, primoooo! — Ficou emburrada.

— Nada de ah. Já para o banho.


— Tá bom.
Hadrian se ergueu e arredou a cadeira de Verena para trás. A

menina deu um pulinho e saiu correndo, com um cachorro animado

atrás dela. Quando nenhum dos dois estava mais à vista, o loiro se
aproximou de mim e, automaticamente, eu ergui o meu queixo para

receber o beijo que eu sabia que viria. Os lábios quentes roçaram

nos meus em um beijo lento que deixava a minha boca toda

formigando de desejo.
Segurei os cabelos da nuca dele, pedindo que ele

intensificasse o contato. Gemi quando passou a ponta da língua

pelos meus dentes, atiçando-me. Com um som rouco, a língua dele


finalmente encontrou a minha com voracidade, fazendo com que

todas as minhas terminações nervosas ficassem excitadas. Suspirei,

rendendo-me a pressão de sua boca, ao gosto dele, ao olhar

faminto.
— Gostoso — murmurei contra a boca dele.

Preenchi o meu pulmão com ar enquanto tocava o cós da

calça dele, sentindo seu pau se avolumar.


— Então eu sou gostoso? — perguntou em voz pastosa, os

olhos escuros brilhando com diversão.

— É o que dizem por aí…

Dei de ombros e a expressão dele ficou um pouco sombria.


— Isso é ridículo. Eu deveria tomar providências. Crianças de

cinco anos não deveriam estar aprendendo essas coisas.


Arqueei a sobrancelha para ele.

— Seria um exagero. É um comentário inofensivo que Verena

nem deveria ter escutado.


— Inofensivo, é?

— É. Tenho certeza que várias outras pessoas comentam e

pensam o mesmo, principalmente funcionárias suas.

— Isso não te incomoda?


Fiz que não com a cabeça e a cara dele pareceu ficar mais

fechada.

Não conseguia sentir ciúmes de comentários, pensamentos


ou até mesmo de olhares. Alto, loiro e elegante, Hadrian era bonito

demais, para não dizer outras coisas. O que realmente poderia vir a

me incomodar era se o tocassem, ou dessem em cima dele na cara

dura. Como isso nunca aconteceu e sabia que Hadrian cortaria na


hora, não me martirizava sobre o quão eu parecia apagada ao lado

dele, mesmo que vez ou outra as palavras de Liam ainda ecoassem

na minha mente.
— Isso não é muito lisonjeiro, Ana. — Estalou a língua em

reprovação.
— Mas é a verdade — abri um sorriso, acariciando os cabelos

dele —, fora que poucos sabem que você realmente é um tremendo

gostoso.

— Sim…
Roçou os lábios nos meus antes de tornar a me beijar, dessa

vez, com delicadeza, mas as bocas e línguas logo ficaram afoitas.

Não foi nenhuma surpresa nos entregarmos ao desejo que sempre


nos consumia e parecia nunca ter fim, até que nós dois

perdêssemos o fôlego.

— Por que você ainda está sério? — Acariciei a bochecha

dele, os pelos da barba provocando cócegas em mim. — Aconteceu


alguma coisa nas reuniões que te preocupa?

— Não, zuneigung. Os negócios estão tudo dentro do

esperado. Alguns problemas e divergências, mas nada preocupante.


— Hm.  — Deixei um selinho nele. — Então o que foi?

— Lembra de eu ter comentado que usei os meus contatos

para iniciar uma investigação no internato em que Verena morava?

— Sim, o que que tem?


Fiquei tensa.

— Eles são mais filhos da puta do que eu pensava.  — Raiva

cintilava nos olhos dele, e o maxilar de Hadrian pareceu trincar. —


Eles podem não ter agredido nenhuma das crianças fisicamente,

mas, além de quase mal vesti-las, a alimentação era extremamente


precária. Isso quando lhes era permitido comer, já que se as

meninas fizessem algo considerado errado, ficavam sem comida

para aprender.

— Deus! — Meu coração se apertou pelos pequenos que eu


nem sabia como eram seus rostos.

— Não podem gritar, brincar, perguntar, nada. Tudo precisa

de permissão. Tudo é regrado, tudo é feito para que elas se tornem


robôs.

Um nó se formou na minha garganta.

— Fora o trabalho de limpeza do local, que é todo feito pelas


meninas como forma de aprenderem a ser uma boa esposa e ter

disciplina — continuou. — Porra! Elas só têm cinco anos ou menos!

Engoli o bolo que se formou na minha garganta.

Algumas tarefas eram normais, como arrumar a própria cama,


mas cuidar do ambiente que viviam já era demais.

Ele balançou a cabeça furiosamente enquanto andava de um

lado para o outro, como um animal selvagem, para estacar de


repente.

Levantei e me aproximei de onde ele estava.


— E Ignaz sabia disso, Ana… — a voz dele era tomada pela
dor, pela decepção. — Ele sabia e, mesmo assim, estava

condenando a filha a isso.

Deu uma risada amarga. Eu o abracei, controlando a minha


vontade de chorar, querendo tomar a dor e a raiva que ele sentia do

primo para mim. Me questionei se Ignaz  não teria deixado marcas

mais profundas nele, mas não ousei perguntar, apenas deixei-me


ser envolvida em um abraço forte que me dava a impressão de que

poderia quebrar os meus ossos.

— Sinto muito, Hadrian — murmurei.

— O que viria depois? Um casamento arranjado? — cuspiu.


— Eu poderia matá-lo se ele ainda estivesse vivo…

Arfei, chocada.

— Não fale assim, Hadrian…


Desafrouxou um pouco o aperto dos braços e me olhou,

parecendo sombrio.
— É a minha verdade, Ana, por mais podre que seja — falou
em um tom baixo.

— Ele não pode machucar mais vocês… — Seus olhos


faiscaram, mas eu não soube interpretar os sentimentos dele. Tive
que lutar para não me encolher nos seus braços. — E o que vai
acontecer com o internato? Com as crianças?
— A essa hora, os investigadores devem estar prendendo os

responsáveis, fechando a instituição, e as meninas sendo levadas


para os pais. Não que adiante muito, não?
— Infelizmente, não…

Emiti um suspiro triste ao pensar que elas só seriam


depositadas em um outro lugar, como se não fossem seres
humanos.

Hadrian começou a soltar uma série de palavrões baixinho.


Eu acariciei os cabelos dele, deixando beijinhos no rosto zangado
até que ele me pressionou contra seu corpo rígido e me deu outro

beijo, descarregando um pouco da raiva que sentia.


Ao escutar os latidos de Órion e os passos de Verena se
aproximando, afastei-me de Hadrian e o escutei bufar de irritação,

antes de se virar na direção da menina.


— Minha porquinha está limpinha? — provocou-a.

Colocou-se sobre os calcanhares, ganhando uma lambida no


rosto.
— Não sou porquinha! — Ficou emburrada, cruzando os

braços na frente do corpo.


Ele jogou a cabeça para trás, dando uma risada, o que atiçou
o cachorro, que fez uma festa. Verena continuou de cara amarrada.
— Não sou eu que não queria tomar banho — falou em meio

à risada.
— Eu ia tomar depois!

— Sei… agora vem cá para eu ver se você está cheirosa


mesmo…
A pequena saiu correndo em direção aos braços esticados de

Hadrian e se jogou neles.


— Hm… — Ele inspirou fundo o pescoço dela, brincando. —
Acho que aqui está fedendo!

— Primo!  — Gritou com ele, mas logo passou a rir quando o


homem começou a fazer cócegas nela e deixou beijos barulhentos
nas bochechas coradas.

Verena se contorcia, rindo, pedindo para ele parar em meio


aos latidos e a bateção de cauda de Órion. A tensão de minutos
atrás não mais existia.

— Vamos brincar e deixar a tia estudar? — Soltou-a.


— Ela precisa estudá mesmo, primo?

— Sim, querida, eu preciso — respondi por Hadrian.


— Ah!
— Por que não usa o meu escritório? — Se levantando, ele
pegou a menina no colo, para o deleite dela. — Você terá mais paz

lá. 
Piscou para mim enquanto a menina fazia perguntas tipo por
que eu teria paz lá. Eu apenas assenti, sentindo estranheza com a

sugestão, embora não fosse a primeira vez que ele houvesse


sugerido que eu usasse seu local de trabalho. Eu era grata pela

demonstração de confiança dele em mim, mas era impossível não


me sentir desconfortável estando sozinha no ambiente que muitas
vezes me foi proibido de entrar. Eu me sentiria uma intrusa, mesmo

que eu tivesse permissão para estar lá e não mexesse em nada.


— O que querem para jantar? — Sai daqueles pensamentos,
que provavelmente ficariam estampados na minha cara e geraria

perguntas.
— Não se preocupe com isso, Ana, vou pedir pizza para nós!
— Abriu um sorriso.

— Eeeeee! — A menina deu um grito empolgado, fazendo


com que o cachorro saltasse neles. — De três queijos?
— Estava pensando de pepperoni — ele falou.

— Eca! — Ela fez uma careta.


Balancei a cabeça em negativa e fui logo pegando as minhas

coisas em cima da mesa, para ir para o escritório de Hadrian.


Aquela discussão dos dois provavelmente duraria uns bons dez
minutos, ainda mais que, pelo que eu saiba, a menina nunca tinha

experimentado a carne para dar uma opinião.


Assim que me aproximei do cômodo austero, respirei fundo,
me sentindo uma boba por estar com medo de entrar no escritório,

como se um leão estivesse lá dentro prestes a me atacar. Forcei


meus passos para seguir em frente, mas dei um sorriso chocho

quando percebi que eu tinha deixado a porta aberta, como se, ao


deixá-la assim, diminuísse a opressão que eu sentia por estar ali.
Boba!
Capítulo vinte e quatro

— Chupa essa porra direito, vagabunda! — Puxei os cabelos


dela com mais força, enterrando meu pau em sua garganta sem me

importar se ela engasgaria.

O gemido baixo e o aumento da velocidade das sucções me


indicavam que Kelly adorou a minha brutalidade, e eu repeti meus

movimentos, sentindo minhas bolas batendo contra o queixo dela.


— Com mais força, ou não vou deixar você foder com Jack —

ordenei, indo mais fundo nela.

Kelly não hesitou em me tomar mais fundo e sugar com mais

força enquanto me ordenhava, seus dedos subindo e descendo pelo


meu pau.

Deveria estar irritado com ela por querer chupar Jack, que era
conhecido pelo seu pinto grande e grosso, mas os lábios e língua

daquela desgraçada eram habilidosos demais para eu estragar o

momento. Talvez eu a punisse mais tarde.


Jack riu da minha cara.

— Eu não quero Kelly, quero a boquinha de Ana no meu pau.

— De novo isso, porra? — Fechei a cara, meu aperto nos


cabelos da mulher não conhecendo limites. — Quer me fazer

brochar?

— Se você brochar com uma puta dessas te chupando, cê tá


com problema, mano.

Trinquei os dentes, sentindo raiva dele e da puta da minha


meia-irmã, mas não retruquei, apenas continuei a estocar na boca

de Kelly, até que eu senti meu líquido escorrendo pela língua dela.

A safada engoliu tudo, tomando-me até que eu ficasse mole,

e isso apaziguou o meu ego.

— Agora posso? — Olhou de canto para o meu amigo.

— Ainda não, vadia, quero ver você me deixar duro outra vez.
— Mostrei os dentes, puxando mais os fios loiros até que ela

sentisse dor.
Soltei um gemido quando ela esfregou a ponta da língua pela
minha glande.

— Você é terrível, mano! — Jack gargalhou.

Me contorcendo contra o colchão, olhei para ele e o vi inspirar

a cocaína. Senti um desejo insano pelo pó, mas não restava mais

nada sobre a mesa.

Porra! Senti ódio e descontei na vadia a minha raiva.


— Mas, de verdade, não tô a fim de trepar com essa daí… já

com a sua irmã…

— Pare de falar dela, caralho!

— Pena que ela está sendo comida por outro!

Puxei a cabeça de Kelly para trás com força, impedindo que

continuasse. A mulher soltou um som de dor, mas não me preocupei

com ela.
— O que você disse?

— Que Ana anda trepando com um carinha aí. — Soltou uma

gargalhada estridente. — Tá vendo, não sou o único doido!

— Como sabe disso? — rugi, achando que ele estava

blefando.

Kelly começou a acariciar o meu pau e eu senti meu membro


latejar contra os dedos dela, mas Jack gargalhou, rindo tanto, que o
ódio só foi crescendo ainda mais dentro de mim que nem dei

importância. Filho da puta!


— Mentiroso do caralho — cuspi.

Ele balançou a cabeça, negando, apenas para rir ainda mais.


— Tem um monte de foto deles junto, mano.
Kelly continuou a me masturbar, mas eu tinha dificuldade para

me manter duro.
— Ela deve chupar bem pra caralho… ou é uma puta safada

na cama. Com aquela carinha... Delícia. — Jack riu.


— Caralho, ela é minha irmã! — Bradei, sentindo meu pinto

amolecer de vez.
A vadia me olhou com ironia e fez como se fosse passar para
o meu amigo, mas não deixei que se afastasse. Segurando-a pelos

cabelos outra vez, esfreguei meu pau no seu rosto. Ela não gostou,
mas estava pouco me fodendo para isso.

— Não finja que se importa. — Gargalhou outra vez. — Você


tá pouco se fodendo para ela.

— É…
— Como a sem sal conseguiu um gostoso rico como aquele
não tenho ideia. Queria ser eu dando para ele... — Kelly falou com

voz sufocada, fazendo beicinho.


— O cara tem muita grana mesmo... — Jack fez uma pausa e

franziu o cenho —  ...tanto que tá pagando a faculdade dela.


Bufei, ainda mais irritado com o assunto.

Eu tinha tentado colocar alguma razão na cabeça daquela


idiota, mas, como sempre, Ana era uma maldita teimosa e não me

escutou. Será questão de tempo ela ver o quão inútil foi a sua
tentativa de seguir com algo que não dará certo.
— A tola conseguiu um empréstimo — cuspi.

A expressão de Jack tornou-se zombeteira.


— Mano, a maconha tá fazendo mal para sua cabeça! —

Gargalhou mais uma vez.


— O caralho que tá — gritei.
— Tá sim, mano. — Jack sacudiu a cabeça. — É o cara que

fode ela que tá pagando.


— Não viaja…

— Verdade, ela mesmo disse — a vadia falou, se esgueirando


de mim quando meu aperto se tornou mais brando, ficando de pé.

— Parem com essa desgraça! — Estiquei a mão para pegar


um cigarro, acendendo-o ao firmá-lo entre os lábios.
— Tô falando!
Jack jogou a cabeça para trás e gargalhou ainda mais. A puta
também riu.
Dei uma tragada com força, soltando a fumaça na cara de

Jack, que não se importou.


— Tava tão chapado que nem lembra.

— Do quê? — Franzi o cenho.


— Da sem-sal contando toda feliz que o chefe dela iria pagar
a faculdade — Kelly respondeu primeiro. — Cê até quis bater nela.

Senti meu corpo ficar tenso enquanto tentava me recordar


desse dia, mas minha mente permanecia em branco.

— Ela me disse que conseguiu um empréstimo…


— Mentira dela. — Kelly revirou os olhos.

— Quem diria que ela iria mentir para você — Jack zombou.
— Ela não faria isso… — Fumei mais um pouco.
— Tô falando… — Fez um gesto em negativo. — Em quem

você acredita mais? Em nós ou nela?


Uma fúria cega me invadiu e eu levantei com um salto.

Desgraçada egoísta! Esse tempo todo estávamos passando


aperto, quando poderíamos gastar o dinheiro que esse brocha
enfiava no cu dela com coisas mais importantes do que aquele

capricho de cursar a universidade. 


Porra! Eu vou dar uma surra nela para que a vagabunda
nunca mais se esqueça de pensar em mim.
— Aonde você vai, cara?

— Ensinar essa cadela a nunca mais me enganar.


Capítulo vinte e cinco

— Oi, senhora Lennon — cumprimentei a mulher ao dar de


cara com ela nas escadas.

— Está sumida, menina.

Lançou-me um olhar curioso de cima a baixo e eu fui tomada


pelo acanhamento.

— Estudando bastante.
Desviei o olhar e fitei meus próprios pés.

— Homem por acaso é estudo, menina? — reprovou-me.

Encarei-a, aturdida. Abri e fechei a boca, sem saber o que

dizer, denunciando-me.
— Um bonitão rico… Até eu…

— Como…?
— Vi várias fotos suas aos beijos com o milionário, e de mão

dadas com uma menininha — falou suavemente, os olhos brilhando

de curiosidade.
— Ah! — Foi a única coisa que consegui responder.

Era como se um tornado de coisas ao mesmo tempo

passasse pela minha mente. Para quem acompanhava os sites de


fofoca como eu fazia, era tolice não se recordar de que eu poderia

acabar aparecendo em um deles.

Um calafrio percorreu a minha espinha com o pensamento de


que Liam pudesse ver essas fotografias. Eu já podia sentir a sua

fúria, ainda mais quando ele somasse dois mais dois e descobrisse
a minha mentira.

Como pude ser tão ingênua? Minha pulsação se acelerou,

meu peito se apertando.

— A menina é filha dele? — questionou a vizinha, mas sem

conseguir me tirar dos pensamentos sombrios.

— Não sei dizer — menti.


— Como não, garota? — Fechou a cara para mim. — É claro

que você sabe!


— Ér…
— É filha dele, não é? — perguntou baixando a voz. — Ela é

a cara dele!

Dei de ombros.

— Esses milionários, sempre fazendo filhos por aí... —

Chacoalhou a cabeça.

Não respondi.
— Mas como conseguem esconder por tanto tempo? —

insistiu ela.

— Não sei…

— Só toma cuidado, menina. — Deu um suspiro cansado, e

eu vi algo de maternal nela. — Pode parecer uma boa engravidar de

homem rico, mas não será nada legal quando ele impedir você de

ficar com o bebê.


— Claro, senhora Lennon — concordei, dando um sorriso

amarelo, engolindo o insulto que notei nas entrelinhas, o de ser

chamada de interesseira ou sem caráter para dar o golpe da barriga.

— Que pena que eu preciso ir. — Fez um muxoxo. —

Aparece um dia lá em casa para tomarmos um café e você me

contar as novidades.
— Sim, eu irei — menti, já que não pretendia contar nada a

respeito da minha relação com Hadrian e Verena. — Tenha uma boa


noite.

— Boa noite, filha. Estarei te esperando.


Assenti e passei por ela, mas não cheguei a subir dois
degraus quando ouvi a voz da senhora Lennon novamente:

— Ana?
— Oi?

— Liam está furioso, acho que ele quebrou alguma coisa. —


Olhou-me com pesar.

Engoli em seco, o medo deslizando sobre mim de forma


brutal.
— Obrigada por avisar, senhora Lennon — minha voz soou

esganiçada pelo medo.


Ela ficou me olhando por alguns instantes, seu rosto cheio de

pena, antes de assentir e descer as escadas.


Fiquei paralisada, apenas respirando, o terror levando a

melhor sobre mim.


— Você precisa limpar a casa, Ana — sussurrei para mim
depois de um tempo. — O que quer que seja que esteja
acontecendo, você não pode negligenciar o seu irmão mais do que

vem fazendo.
Tentei afirmar a mesma coisa milhares de vezes para mim

mesma enquanto me obrigava a subir. A cada degrau vencido, a


minha apreensão tornava-se maior, ao ponto de me sentir

sufocando. Meu corpo estava tomado por suor frio e eu tive


dificuldade em girar a maçaneta da porta.
— Olá, mana — Liam disse em um tom perigoso assim que

entrei.
Olhei em direção ao sofá e o encontrei esparramado nele. Eu

nunca vi seu rosto tão transtornado pela fúria. Dei um passo para
trás, o medo me envolvendo.
— Ou devo dizer traidora?

Me deu um sorriso desdenhoso ao ver que eu recuava mais


um pouco.

— Não sei do que você está falando — murmurei, sentindo


um gosto amargo na boca, sabendo muito bem ao que meu meio-

irmão se referia.
A risada cheia de sarcasmo me deu a confirmação e eu fechei
os olhos. Novamente estava paralisada no lugar, mas, dessa vez, o
pavor era muito maior e fazia meu estômago revirar, fincando suas
garras no meu coração.
Liam me machucaria, eu tinha certeza disso, mas o pior de

tudo era saber que eu não me defenderia. Além de ser mais forte,
eu nunca teria coragem de fazer nada de mal contra ele, embora o

tenha ferido com a minha mentira.


— Você é uma cadela egoísta! Eu deveria ter esperado isso
de você — acusou-me, tocando meu pescoço com uma gentileza

estranha.
 Eu inspirei fundo e senti o cheiro forte de cigarro impregnado

nas roupas dele, o que embrulhou ainda mais o meu estômago.


Engoli em seco, me forçando a olhar para ele, mas me arrependi. A

fúria nos olhos dele era assustadora.


— Você é uma vadia imunda que nem a sua mãe!
— Não fale assim… 

Antes que pudesse completar a frase, ele cuspiu em mim, me


humilhando. Não fiz nada, como sempre. Continuei ali,

passiva...uma boneca viva.


— As duas foram a maior desgraça das nossas vidas…
Maldito dia que meu pai conheceu essa vagabunda!
Segurou o meu pescoço e eu esperei pelo momento em que
ele iria apertá-lo para me estrangular. Liam iria me matar sufocada?
Era uma possibilidade.

— Eles se amavam — sussurrei, mergulhando em


lembranças dolorosas. — Ela cuidou dele.

Riu, um riso maldoso.


— Ele estaria vivo se não tivesse que levar aquela
desgraçada ao médico.

As palavras dele me machucaram e muito, mas, ao mesmo

tempo, senti compaixão pela dor que havia em seus olhos verdes.
Nós dois nunca havíamos conversado sobre a perda que tivemos

por causa do acidente automobilístico que matou nossos pais, mas

a dor sempre esteve ali.

— Caralho, eu odeio vocês! Odeio muito mais você, sua


piranha mentirosa! — falou entredentes. — Achou que eu não

descobriria a verdade, vagabunda?

Pensei que ele iria apertar o meu pescoço, mas ainda não o
fez. Liam queria me deixar em suspenso.

— Eu… — senti meus olhos lacrimejarem. — Por favor, não

me machuque. Liam.
— Por que eu não deveria fazer isso? — Gargalhou. — Você

merece uma surra, sua vadia, uma que você não vai esquecer
nunca mais…

— Por favor, Liam, não…

— Não?
— Hadrian pode te machucar — sussurrei, em desespero.

Liam poderia ser agressivo, mas Hadrian tinha dinheiro o

suficiente para se vingar das atitudes do meu meio-irmão. Não

queria vê-lo ferido, nem mesmo preso por conta de uma bobagem.
— Então o nome do cara que tá te comendo é Hadrian?

— É…

Tombou a cabeça, parecendo pensativo. Tirei forças não sei


de onde para dar um passo para trás, depois outro, tentando me

afastar do agarre dele, mas ele me seguiu e me prensou contra a

porta. Estremeci, não conseguindo conter o choro de pavor.


— Ele tem tanto dinheiro assim, maninha?

— O suficiente para mandar que alguém venha atrás de você.

— Não tinha por que esconder quem Hadrian era, já que ele acharia

essa informação em qualquer lugar.


— Interessante!
Os lábios dele se curvaram para cima, num sorriso perverso,

e outro calafrio percorreu minha coluna quando ele se afastou um

pouco de mim. Aproveitei para respirar fundo várias vezes, tentando


me acalmar, mas sem sucesso. O medo ainda era latente. 

— Por favor, Liam, não — implorei por algo que eu nem sabia

o que era.

— Por que nós dois não podemos ter o que queremos? —


falou em um tom pastoso, numa calma que era contrária a situação

toda.

Temi essa reação mais do que a agressão.


— Não entendi.

Ele deu uma risadinha e se aproximou de mim. Espichei-me

contra a parede, tentando me manter afastada.

— É simples, maninha. Já que você se prostituiu para pagar a


faculdade, você pode continuar a se vender para nós conseguirmos

muito mais. — Pareceu alegre ao falar isso.

— Prostituir? — Falei a palavra como se ela contivesse


veneno.

— Não se faça de santa, Ana. Não sei o que esse cara viu em

você para querer te comer, mas podemos conseguir bem mais do

otário…
Tornou a me segurar pelo pescoço. Tive dificuldade de engolir

o bolo que havia se formado na minha garganta.


Nunca havia me sentido tão suja na vida como agora. Mesmo

achando que se prostituir não era um pecado, ou algo condenável,

afinal muitas, e muitos, não tinham outra alternativa, a forma como


Liam disse aquilo me fez sentir como uma imoral, mesmo que eu

não fosse.

— Eu não sou uma prostituta… — mal consegui me

pronunciar.
Ele gargalhou.

— Conta outra. — Fez um gesto desdenhoso, para depois

adotar um tom suave: — Sabemos que ele não está apaixonado por
você. E você não é burra para acreditar que ele irá te amar um dia.

Queria desmenti-lo, dizer que Hadrian me amava, mas não

podia. Não sei o porquê, mas constatar esse fato doeu.

— Nós dois sabemos que para ele você não passa de um


brinquedinho, que logo, logo será descartado. Se fosse outro

homem, eu até acreditaria ser possível, mas um rico? Não...Pelo

menos você é inteligente o suficiente para aproveitar…


— Eu… — Abri a boca para retrucar, mas tornei a fechá-la.

Outra vez, me senti suja.


— Você foi egoísta em não pensar em mim quando escolheu

o curso, Ana — deu um sorriso triste —, mas você pode mudar isso.

— Você está…

— Peça mais dinheiro a ele. Por nós, mana… — Fez uma


pausa. — Chupa o pau dele, dê o cu, faça ménage, pega outra

mulher, sei lá.

Fitei Liam e era como se eu o estivesse vendo pela primeira


vez em anos. Minha mente processava toda a conversa que

estávamos tendo e eu só conseguia enxergar um homem que me

tratava como uma prostituta e via meu corpo como uma moeda de

troca, o que eu não era. Minha relação com Hadrian não era
questão monetária, por mais que meu meio irmão achasse que

fosse. Eu nunca me venderia, muito menos pediria dinheiro para

Hadrian ou faria aquelas coisas que ele tinha me dito para fazer,
ainda mais para ele gastar tudo com drogas, mulheres e os tais

amigos.

— Não — falei, erguendo o meu queixo numa demonstração

de coragem que nem sabia que existia dentro de mim. — Eu não


farei isso, Liam.

A expressão dele se fechou e eu vi a fúria de quando eu

entrei em casa retornar às suas feições. As narinas do meu irmão se


dilatavam a cada respirar, parecendo um touro raivoso.

— Você o quê?
— Não pedirei mais dinheiro para ele…

Um som de dor escapou dos meus lábios quando, pegando-

me desprevenida, ele segurou os meus cabelos com força,

puxando-os tanto que eu pensei que Liam iria arrancar os meus fios.
— Isso dói! — choraminguei quando ele aplicou mais força no

seu agarre.

— Ainda não sabe o que é dor, mana. — Deu um sorriso


malévolo. — Não seja burra, garota.

Minha bravura morreu no momento em que eu senti uma

lâmina sendo pressionada contra o meu peito. As lágrimas, que em


algum momento haviam cessado, retornaram com força.

— Você fará o que eu mandar, Ana. Não tem escolha, não se

quiser viver…

— Ele… — Pressionou a faca com mais força.


— Não estará nem aí para você. — Os lábios dele se

curvaram para cima com desdém. — Tenho certeza que ele tem

uma lista de mulheres mais gostosas para comer.


— Liam…
— Morrer não vai ser o pior que vai te acontecer. — Deu uma
risada estridente que fez todos os pelos da minha nuca se

arrepiarem com o medo, meu coração parecendo prestes a parar de

bater. — Jack está louco por você, sabia?


— Liam, por favor, isso não… — Chorei ainda mais, sentindo

o meu corpo todo ficar trêmulo.

Eu não conseguia acreditar que meu irmão deixaria que eu


fosse estuprada.

Deus, meu meio-irmão me odiava tanto assim? Podia

compreender a raiva dele pela perda do pai, mas o ódio por mim ser

tão grande assim? Não entendia isso...


— Ele vai adorar comer sua boceta usada…

— Liam!

— A escolha é sua, Ana — sentenciou. — Ou você pede o


dinheiro ou eu te entrego para Jack e depois acabo com você.

Meus pensamentos corriam acelerados e eu tentei pensar em


uma alternativa que o apaziguasse para me dar tempo para eu
poder fugir dele.

— Tá, eu vou conseguir o dinheiro — menti com a voz


falhada, sentindo-me um pouco mal por isso, enquanto as lágrimas
caíam silenciosamente. — Mas não me machuque, Liam, por favor.
Farei o que você quiser.
Ele ficou em silêncio, me analisando, e eu lutei para não

deixar tão na cara que eu mentia e que não tinha nenhuma intenção
de fazer o que me mandava.
Meu estômago estava embrulhado de medo, a faca ainda

permanecia rente ao meu peito.


— Acha que consegue dez mil até sábado, mana?
— Sim.

— Tem certeza?
— Sei fazer umas coisas que agradam a ele. — Minhas
palavras me enojaram.

Liam arqueou a sobrancelha, como se não estivesse


acreditando em mim, o que me deixou outra vez em expectativa.
Engoli em seco.

— Conto com isso, mana, senão já sabe…


Baixou a faca e deu um passo para trás.

Espalmei as duas mãos na porta, apoiando-me nela. Estava


completamente bamba.
Respirei fundo várias vezes, tentando controlar o choro, o

coração acelerado, mas duvidava que iria conseguir me acalmar


estando no mesmo ambiente que meu meio-irmão.
Hoje, meus olhos haviam sido abertos por ele de uma forma
bastante cruel e tudo o que eu queria fazer era sair correndo de

perto dele.
Eu sentia a adrenalina do medo escorrendo pelas minhas

veias. Estava com nojo de mim mesma e também com uma


vergonha nunca antes sentida.
Estava envergonhada por ter deixado a situação chegar a

esse ponto, por não ter saído disso antes, por ter preferido fechar os
olhos para o quanto Liam era mal e por ter tentado justificar todas as
ações dele que me feriram colocando a culpa na bebida e nas

drogas. Por ter aceitado as atitudes de Liam por amá-lo!


As gotas que deslizavam pelas minhas bochechas pareceram
ficar mais grossas. Ainda que soubesse que estava sendo cruel

comigo mesma, me sentia uma pessoa fraca.


Deus! Eu era muito ridícula. Patética.
Em meio a vergonha, surgiu a culpa, que se tornou ainda

maior ao pensar na minha mãe. Ela sentiria desgosto por ver o rato
que me tornei.

— Mais uma coisa, Ana… — A voz divertida de Liam me


trouxe de novo a Terra.
Levantei a cabeça e o vi sentado displicentemente no sofá.
Me senti pior ainda.

— Sim? — Forcei a minha voz a sair.


— Não irá contar nada do que aconteceu aqui para o idiota.
Não tenho medo desse otário, mas não quero que você estrague

nosso esquema. Vamos conseguir uma boa grana com ele.


— Sim, vamos — concordei, sentindo um amargor na boca.

Liam não precisava me pedir isso. Por mais que omissões


fossem algo pesado dentro de um relacionamento, o pensamento de
contar para Hadrian que o único parente que eu tinha, alguém que

eu amava, tinha ameaçado me matar e propunha que eu o usasse


para ganhar dinheiro me causava uma vergonha enorme.
Como eu explicaria para Hadrian a razão de eu ter aceitado

ser tratada assim? Como mostraria para ele a pessoa fraca que eu
era? Totalmente dependente, incapaz?
Por mais ferida que eu esteja me sentindo agora, ainda era

capaz de nutrir carinho por um monstro como Liam. Como explicaria


isso?
— Vai ficar parada aí? — Franziu o cenho para mim e como

uma tola, eu estremeci. — Essa casa está imunda!


— É. Desculpe-me, estava ocupada com os estudos e…
— Dando pro cara, sei…

Não disse nada enquanto respirava fundo para lidar com a


repulsa.
— O que está esperando? — Apontou para o chão cheio de

embalagens vazias e restos de porcarias de fast food.


— Estou meio lerda hoje… — Obriguei-me a caminhar,
colocando a minha bolsa em cima da mesa.

— Só hoje?
Não respondi.

Com o canto do olho, vi Liam se levantar e caminhar em


direção a porta. Mantive-me calada, controlando o meu instinto de
perguntar para aonde ele iria.

Ele parou com a mão na maçaneta e virou-se para olhar-me


para mim de cima a baixo.
— Não me decepcione outra vez, Ana — sentenciou antes de

sair.
Mesmo após ouvi-lo trancar a porta, continuei paralisada no
lugar por minutos até que os meus joelhos fraquejaram e eu caí no

chão, cedendo a dor e ao desgosto comigo mesma. E para me


machucar ainda mais, as lembranças de cada palavra maldosa dita
por ele, de cada ameaça, de todas as vezes que senti medo e
também solidão voltaram a minha mente.
A verdade era esfregada na minha cara com toda a sua força.

Me senti como se eu acordasse pela segunda vez no dia.


Amargurada, me ergui para limpar mais ou menos a sujeira,
depois, iria pegar minhas coisas e ir embora. Não pretendia voltar

nunca mais.
Ao sair do apartamento, segui vagando, sem rumo. Foi só
quando estava a uma distância segura do bairro onde eu morava,

que eu senti um pouco do aperto no meu peito se afrouxar.


Agora eu não tinha um teto... O peso em meus ombros se
tornou ainda maior ao saber que eu teria que olhar para o homem

por quem estava me apaixonando sem poder dar nenhuma


explicação a ele do que havia acontecido comigo, não uma

satisfatória. Evitei pensar no que isso poderia causar na nossa


relação, mas, no fundo, sabia que a minha omissão só iria machucá-
lo, talvez muito mais do que ele já foi pelas outras pessoas.
Capítulo vinte e seis

— Posso entrar? — Ana perguntou.


Sorri, sentindo a excitação percorrer o meu corpo só de

escutar a voz dela.

Desviei a minha atenção dos relatórios administrativos da


Falkenberg e de outras empresas deixadas por Ignaz que

inevitavelmente faziam meu estômago revirar. Mesmo que eu


tentasse convencer a mim mesmo de que eu fazia isso por Verena,

não pelo meu primo, eu não conseguia me livrar da sensação de ser

manipulado. De alguma forma estava. A situação dos negócios era

tão precária que exigiu uma grande injeção de capital da minha


parte para tentar salvá-los. Felizmente, quando Verena se tornasse

maior de idade, ela teria empresas mais lucrativas e estabilizadas


no mercado para assumir.

Para quem vivia dizendo que eu era um franguinho que não

sabia de nada, meu primo se mostrou uma merda de administrador.


— Hadrian?

— Entre! — Pigarreei.

Focando na mulher gostosa que abriu a porta com uma


cautela desnecessária, como se tivesse medo de estar me

atrapalhando, e fiquei fascinado pelo movimento sensual dos

quadris dela quando caminhou na minha direção.


Sem desviar a minha atenção dela, empurrei a cadeira para

trás em um convite para que se sentasse no meu colo, algo que


praticamente se tornou uma rotina quando ela chegava da

faculdade. Meu pau começou a endurecer com a perspectiva de ter

a pelve dela encaixada na minha, de poder tocá-la e beijá-la, de

sentir seu cheiro... Talvez a amasse aqui mesmo, já que estava há

horas sem tê-la...

Logo o desejo diminuiu ao contemplar o rosto dela quando


contornou a minha mesa. Apesar de ter um sorriso nos lábios, os

olhos dela estavam tristes e bem vermelhos.


— O que aconteceu, zuneigung? — questionei, preocupado,
puxando-a pelos quadris.

— Nada, Hadrian.

Franzi o cenho e Ana envolveu o meu pescoço com seus

braços finos. Segurando-a pela bunda, fiz com que ela sentasse

escrachada no meu colo, seus olhos ficando na altura dos meus.

— Como não, Ana?


Fiquei sério, sentindo-me desgostoso com a mentira

descarada.

Não queria enganos entre nós, não quando eu estava ficando

cada vez mais apaixonado por essa mulher, quando me sentia cada

vez mais preparado para expurgar meus próprios demônios, abrindo

todas as minhas dores do passado para ela, entregando-me por

completo, como nunca antes.


Eu falaria da minha infância, do meu avô e principalmente da

traição de Ignaz e como isso me marcou para sempre. Por mais que

eu quisesse negar, ainda doía e muito. Estava prestes a dar um

passo à frente, pensando no futuro, um futuro que a incluía.

— Você pode até tentar me enganar, mas dá pra ver que você

esteve chorando. — Pressionei-a, mesmo que não devesse.


— É…
O sorriso dela também ficou triste e eu não gostei de vê-la

assim tão destruída.


Mais do que nunca, quis afastar aquele sentimento dela, pois

queria vê-la irradiando alegria, desejava suas provocações, sua


empolgação com coisas banais...
Ansiava pelos beijos que me deixavam queimando, que me

faziam ser um outro homem, um que não pensava demais, um que


não se escondia e não temia. Um homem que voltou a confiar em

alguém.
Mas agora, eu apenas seria o homem que ela precisava que

eu fosse: o amigo.
Rocei meus lábios na testa dela.
— Não tenha medo de me contar o que está te fazendo

sofrer, zuneigung — falei em um tom suave.


Ana me encarou por uns instantes, em silêncio, e vi várias

emoções passando pelo seu rosto, todas elas negativas, enquanto


ela acariciava os meus cabelos.

O tempo passava e eu me corroía ao pensar que Ana não me


responderia, me mantendo em suspenso.
— Briguei com o meu meio-irmão — sussurrou e uma lágrima

escorreu pelas suas bochechas.


— Sinto muito, Ana. — Enxuguei o pranto dela.

— Obrigada. 
Ela não havia falado muito sobre o meio-irmão dela, um tal de

Liam, para mim, mas sabia que ela o amava e que era o único
familiar dela que residia nos Estados Unidos.

— Você quer me contar o que aconteceu? — Acariciei a curva


redonda do rosto dela.
— Foi por algo banal que não vale a pena dizer, Hadrian…

Respirou fundo, soltando o ar bem devagar.


Me contive para não arquear a minha sobrancelha e retrucar,

exigindo a verdade, já que duvidava fortemente que eles brigaram


por algo fútil. A mentira dela me incomodava e eu não sabia o que
fazer com esse sentimento.

Uma parte de mim quis reconstruir as barreiras de


autoproteção que Ana havia derrubado, mas eu sabia que todo o

progresso que estava fazendo iria ruir e que eu não apenas voltaria
à estaca zero, mas me tornaria ainda mais fechado do que eu era

antes de Verona e ela entrarem na minha vida. Por mais difícil que
fosse, que eu acabasse me machucando no final das contas, eu
confiaria em Ana. Eu precisava disso, talvez mais do que qualquer

coisa.
— Liam consegue ser muito temperamental — quebrou o
silêncio, se justificando. — Qualquer coisa, ele começa a brigar.
— Não é muito diferente de Ignaz.  — Senti um certo amargor

ao pensar no meu primo.


— Fazer o quê, né?

— É. 
Tentando não pensar mais nisso, nem em Ignaz, puxei o rosto
de Ana em direção ao meu e deixei um beijo suave nos lábios dela.

Um gemido escapou da mulher, mas antes que eu pudesse


infiltrar minha língua pela boca deliciosa, ela apartou o contato.

Grunhi, enterrando os meus dedos nela. Ana rebolou contra


mim por instinto e eu arfei, meu pau crescendo de forma rápida.

— Você se importa de eu ficar aqui algum tempo até eu


encontrar um lugar para morar, Hadrian? — perguntou em um tom
sério. — Acho que é melhor eu me mudar de lá.

— Claro que não, zuneigung.— Abri um sorriso zombeteiro ao


acariciar a parte interna das coxas dela, sentindo a mulher

estremecer. — Afinal, você já não vive aqui?


— Isso é uma reclamação?
— Eu pareço estar achando ruim?
Ela ofegou quando eu rocei meu dedo no seu sexo coberto
pelo jeans.
— Não, acho que não…

Segurou-me pela nuca e a boca dela deslizou suavemente


pela minha, beijando-me lentamente. Meu braço a circundou,

achatando os pequenos mamilos contra o meu peitoral. Gemi e


ergui minha pelve da cadeira para roçar no sexo dela, quando,
depois de traçar meus lábios com pequenas lambidas, deixando-os

úmidos, Ana mergulhou a língua na minha boca e intensificou o

beijo, tornando-o mais afoito, me fazendo esquecer de tudo o que


não fosse o calor dos seus lábios, seu gosto, a sensação de tê-la se

derretendo e se esfregando contra mim.

Apesar da intensidade com que nos  explorávamos, eu ainda

via a pontinha de tristeza nos olhos dela. Por mais que eu a


quisesse, não iria tê-la naquelas circunstâncias.

Coloquei um fim ao beijo e ela piscou os olhos várias vezes,

parecendo atordoada.
— Por que parou? —  questionou, respirando fundo.

— Você está chateada, Ana, e deve estar cansada também.

— Deixei um beijo na testa dela, para depois deixar um beijinho na


ponta do nariz.
— Um pouco — suspirou baixinho, acomodando-se melhor no

meu colo —, e louca por um banho.


— Que tal uma hidromassagem? — sugeri, malicioso.

— Pensei que… — Coloquei um dedo sobre os lábios macios.

— Um banho apenas, zuneigung…


— Sei.

Revirou os olhos e eu dei uma risada.

— Não precisamos fazer amor para passarmos um tempo

juntos…
— Sempre terminamos fazendo sexo, Hadrian — falou, se

erguendo do meu colo.

— Hoje não…
— Difícil acreditar. — Apontou para a ereção no meio das

minhas pernas.

— Okay — ergui minhas duas mãos em defesa —, só alguns


toques e beijos.

— Por que será que eu não acredito? — murmurou.

Poderia questioná-la também, falando que ela havia mentido

para mim, mas o humor que havia surgido nos olhos dela, apagando
um pouco a tristeza, fez com que eu relevasse.
— Por que você não vai na frente enquanto eu desligo os

equipamentos aqui?

— Tá!  — disse, mas ficou parada no meu colo, sem se


mover.

— Ana?

— Tem certeza que não será incômodo eu ficar aqui,

Hadrian?
Fechei a cara.

— Não, zuneigung… Por mim, você nem precisaria encontrar

um outro lugar para morar. 


Aquelas palavras saíram da minha boca sem que eu

pensasse no seu significado: que estava dando um passo a mais no

nosso relacionamento, um enorme.

— Hadrian! — Os olhos dela se arregalaram, e ela pareceu


ficar assustada.

Merda!

— Minha cama fica vazia sem você, Ana — falei em tom de


brincadeira, tentando suavizar aquilo que eu tinha dito.

— Só a cama, é? — provocou-me.

— O box do banheiro, o chão do meu quarto, a sacada —

relembrei nossos momentos e senti certo deleite em ver que ela


ficou vermelha.

— Deus!
— Vá! — mandei. — Daqui a pouco eu te encontro lá.

Pisquei para ela e Ana ficou ainda mais corada.

Tombei a cabeça, gargalhando, quando ela se levantou


depressa do meu colo. Deu as costas para mim e caminhou em

direção a porta, mas minha risada se tornou um gemido quando Ana

deu um tapinha estalado na própria nádega, sabendo o quanto eu

não resistia a bunda dela, antes de sair do escritório.


Olhei para o meu pau que voltou a endurecer.

— É, eu estou fodido! 

Balancei a cabeça em negativa, não contendo um sorriso


enorme. Eu amava estar fodido dessa forma.
Capítulo vinte e sete

Abrindo a geladeira, procurei por morangos e outras frutas


vermelhas, e também uvas, e fiquei satisfeito quando encontrei tudo,

isso graças a Ana, que não tinha obrigação nenhuma de me ajudar

a fazer compras de mercado, mas, que mesmo assim, acabava


ficando com a responsabilidade para si. Fiz uma careta ao pensar

no quão folgado eu era e o quanto ela acabava exercendo várias


funções fora das suas tarefas de limpeza.

Droga! Eu era um grande filho da puta explorador!

Tentando não pensar no quão abusado eu era como

empregador, acomodei tudo nos potinhos em cima da bandeja e


peguei mais algumas coisas, como bolachinhas, queijos e suco. Não

que estivesse tentando ser o último romântico, mas, conhecendo-a


um pouco, sabia que ela não deveria ter comido nada. Equilibrando

tudo, caminhei até a minha suíte. Só parei o meu percurso para

trancar a porta do quarto para não correr o risco de Verena entrar e


nos flagrar.

Assim que cheguei no banheiro, senti minha boca secar, a

minha respiração ficar mais ofegante e meus dedos ficarem


instáveis ao segurar a alça da bandeja ao vê-la removendo a blusa,

deixando à mostra a linha bem-feita da coluna, os cabelos escuros

contrastando com a pele cremosa com algumas pintinhas.


Sabendo que eu a observava, Ana começou a tirar a calça,

rebolando provocantemente, para passá-la pelas pernas, fazendo o


mesmo com a calcinha. Comecei a ficar duro.

— Caralho, heiß[13]! — praguejei.

  Quando ela ficou completamente nua, coloquei depressa a

bandeja em cima da pia, antes que a deixasse cair.

Meu pau esticou contra a minha calça ao olhar para aquela

bunda linda. Como um maldito obcecado, aproximei-me de onde ela


estava sem deixar de fitá-la.
Abracei-a por trás, espalmando a minha mão no abdômen
dela, puxando-a de encontro a mim, acomodando meu pênis

inchado no meio das suas nádegas.

— Você torna a minha vida difícil, Ana, muito — murmurei

contra sua orelha, fazendo com que ela oferecesse o pescoço para

mim.

— Mesmo? — perguntou, se fazendo de inocente,


esfregando-se em mim.

Arfei.

— Não sabe o quanto queria que você se apoiasse na borda

da banheira e ficasse de quatro. — Deslizei a minha palma até

alcançar um local bem próximo ao seu sexo, brincando com ela.

— E o que me impede de fazer isso? — provocou-me, a

respiração dela ficando mais áspera e os olhos castanhos


desfocados.

— Nosso momento a dois sem sexo, lembra-se? — Recuei

um passo, e deixei de tocá-la.

Se virou na minha direção, cruzando os braços na frente do

corpo, mas pude ver os mamilos já excitados, os seios mais

empinados. Porra! Era difícil não usar a língua para acariciá-la ali,
muitos menos não usar os lábios e dentes para segurar e sugar os

pontinhos protuberantes, sabendo que isso faria Ana gemer.


— Está determinado a isso, né?

Fiz que sim.


— Quero que você se sinta melhor, zuneigung, que apenas
relaxe — sussurrei, dando um sorriso. — Não apenas por esse dia

triste, mas pela semana cansativa. Terá dias muito mais difíceis pela
frente com os trabalhos que você tem que entregar.

Ana abriu um sorriso.


— Quer me fazer chorar? — Ficou na ponta dos pés e

acariciou o meu rosto, e vi que os olhos dela pareciam ter ficado


úmidos — É muito fofo da sua parte se preocupar comigo.
— Não por isso, Ana. Por mim, eu faria muito mais. — Dei um

selinho nela e apontei para a banheira cheia de espuma. — Por que


não entra na hidro?

— É, daqui a pouco a água vai estar fria.


— Nada que não possamos resolver. É só encher novamente.

— Pisquei para ela.


— Extravagante! — Ela revirou os olhos e eu gargalhei.
Como um cavaleiro, segurei a mão dela e a ajudei a entrar na

banheira alta.
— Deus, isso é muito bom. Hummm — falou em meio a um

suspiro depois de afundar o corpo dentro da nuvem branca de


espuma, colocando os pés para fora.

Deixei um beijo na testa dela e caminhei em direção a


bandeja temporariamente esquecida. Uma euforia me dominou,

centralizando no meu pau, ao saber que ela devorava o meu corpo


enquanto eu andava.
— O que é isso? — perguntou em um tom abafado, mas

curioso.
Voltei-me para ela e sorri ao ver Ana umedecendo os lábios

ao encarar fixamente meu pênis, que crescia perante o modo


faminto que me olhava.
— Comidinhas para você — disse com a voz rouca, tentando

controlar o meu desejo ao colocar o tabuleiro sobre o móvel lateral.


— Hm.

— O que você quer primeiro? — Falei as opções enquanto


abria os botões do punho da minha camisa, dobrando as mangas

até os cotovelos.
Me coloquei de joelhos e vi que ela parecia surpresa.
— Uva.
Sorrindo, peguei a fruta e levei aos lábios dela. Ela não abriu
a boca, pelo contrário, ficou me olhando atordoada.
— Abra a boca, Ana — pedi.

— Não precisa fazer isso, Hadrian — murmurou —, digo, me


dar comida na boca…

— Mas farei mesmo assim. — Soei um pouco arrogante. — É


só uma forma de demonstrar carinho, de cuidar.
Os olhos dela brilharam, a pele ficando avermelhada. 

— Por que não? — Soou divertida antes de entreabrir os


lábios para mim.

Aproximei a uva de sua boca. Me encarando com malícia, ela


deu uma mordida, mastigando lentamente, antes de abocanhar a

outra metade.
Não contive um gemido alto quando a língua tocou a ponta do
meu dedo, lambendo-o de maneira maldosa, fazendo com que eu

recordasse da sensação de tê-la deslizando a língua pelo meu pau


enquanto seus dedos brincavam com as minhas bolas, o que me

deixou mais tenso.


Porra!
Tentei ignorar minha ereção incômoda suscitada pela

lembrança dela me chupando, como se eu não tivesse encontrado o


meu prazer dentro dela na noite passada, mas falhei, principalmente
ao pegar um morango e a língua dela continuar as provocações,
traçando círculos, arrancando ainda mais grunhidos de mim. Manter

meus quadris parados era um inferno, e ela sabia disso.


— Caralho, mulher! — praguejei, quando praticamente tomou

o dedo todo em sua boca, lambendo o suco da fruta que havia


escorrido. — Eu já estou fodido aqui e você me fode ainda mais!
Ana gargalhou. Jogando a cabeça para trás, a apoiou na

borda da banheira, os seios se projetando à frente em um arquejar

que me fez suar frio com a ânsia. O movimento fez com que um
pouco da espuma transbordasse, respingando na minha camisa.

— Hadrian! — choramingou quando não resisti em beliscar o

mamilo atrevido.

Foi a minha vez de rir. Me curvando na direção dela, soprei


sua orelha, fazendo-a se contorcer, os dedos segurando a lateral da

hidro com força.

Usei os dentes para provocar o lóbulo e ela gemeu algo


incoerente. Tornei a gargalhar.

— Quer um pouco de queijo, zuneigung? — Usei todas as

minhas forças para parecer indiferente ao me aprumar.


— Claro! — Falou em um tom áspero, tentando aparentar

controle.
Voltei-me para a bandeja para pegar o petisco.

— Esse não — falou, sem nem mordiscar o pedaço de tilsit[14].

— Hey!  É uma delícia! — Fingi que me sentia insultado.

— Se você acha...
Deu de ombros. Comi o pedaço que ela não quis, o sabor

suave do cominho fazendo minha boca encher d’água.

— Vocês americanos que gostam de coisas ruins — falei em


tom de provocação, sabendo que ela iria entender a referência.

Peguei mais um naco do queijo. Porra, era muito bom!

— Não fale assim do meu cheddar!

— Cheddar? Coisa horrorosa!


Suprimi uma risada, e fui pegar outro morango, oferecendo a

ela.

— Vou cozinhar coisas com cheddar por um mês — falou ao


mastigar a fruta.

A língua voltou a brincar com a ponta do meu dedo e eu gemi,

sabendo que Ana iria continuar a me torturar.

— Duvido que você tenha tantas receitas assim…


— Nada fica ruim com cheddar, então…
Estremeci, antes de dar outra fruta a ela.

— Acho que nunca agradeci tanto a existência de

restaurantes… — Emiti um suspiro de alívio.


— Besta!

Riu e deixou um beijinho na ponta do meu dedo.

Gargalhei, e ela acabou rindo também, brincando com a

espuma da banheira.
Não resisti em jogar os cabelos dela para o lado e passar o

meu nariz pela curva suave do pescoço, inspirando o cheiro do

sabonete que já havia impregnado na pele dela.


— Hadrian!  — Arfou, tremendo com o arrepio que

provavelmente a percorreu.

— Sim?

Beijei a nuca.
— Nada de sexo, lembra-se?

— Hm? — Deixei uma trilha de beijinhos até alcançar os

ombros dela, sorrindo ao ouvir o gemido baixo. — Mas falamos de


beijos e toques para relaxar.

— Relaxar, sei… — disse em meio a um ofegar.

Minha risada saiu abafada porque meus lábios permaneciam

grudados nela. Estava muito ciente de que Ana ficava mais tensa.
Pensar na umidade que havia no meio das pernas dela, convidando-

me a deslizar no seu canal, que me apertaria a cada investida, fez


meu pau latejar.

Porra!

Um suspiro audível deixou os lábios dela quando não apenas


minha boca, mas também minhas mãos começaram explorar seu

corpo, subindo e descendo pelos braços, brincando com a região do

cotovelo, sabendo que era uma zona erógena nela. Os nós dos

dedos dela que apertavam a louça da banheira ficavam mais


brancos.

Não consegui controlar meus próprios sons de prazer por

acariciá-la, por deixar Ana cada vez mais perdida nas sensações
que eu proporcionava. Removendo os pés da borda da banheira,

Ana praticamente se sentou, esfregando as pernas uma na outra em

busca de alívio.

A água derramou para fora do recipiente, voltando a respingar


na minha roupa.

O gemido dela ecoou pelo banheiro, se misturando ao meu

que escapou quando notei os joelhos dela se movendo um contra o


outro, as coxas oferecendo certo atrito.

— Caralho! — soltei ao morder seu ombro.


Os seios arfantes se projetaram para frente e ela

choramingou, mostrando sua ânsia.

Arranhando a pele frágil com a minha barba, tornei a subir os

beijos pelo pescoço, até encontrar a linha da mandíbula,


mordiscando o queixo.

Levando a mão molhada aos meus cabelos, segurou os fios

com pressão e virou o rosto em direção ao meu, puxando-me para


um beijo. Nossas bocas se moviam suavemente, moldando-se como

se fosse a primeira vez que se encontravam, mas havia algo de

diferente no contato, o reconhecimento de que aquele beijo simples

era tão prazeroso quanto um mais intenso. Nossos olhos diziam


tudo.

As pontas dos meus dedos voltaram a acariciar a pele macia,

tocando cada pedaço, enquanto minha boca tomava seus suspiros.


Ana se contorcia dentro da água, suas carícias se tornando mais

descoordenadas.

Gemeu meu nome quando afundei meus braços na água para

acariciar o bico duros dos seus seios. Ela lambeu os meus lábios
com lentidão, fazendo-me abrir a boca para receber sua língua

desejosa pela minha. Meus movimentos nos mamilos

acompanharam o ritmo do beijo. Friccionando suavemente,


arrancava sons baixos e ofegantes, fazendo-a arquear o tronco

vindo em direção as minhas mãos, pedindo que eu aumentasse a


pressão com que eu a tocava.

Usando os dentes, mordiscou os meus lábios, puxando-os

suavemente. Eu ergui um mamilo enquanto a gema do polegar a

estimulava. Tomei o controle do corpo dela e da boca, beijando-a


com toda a fome que havia em mim, traindo as minhas palavras ao

fazer amor com ela com meus lábios, com meus toques.

Eu não conseguia mais resistir, não quando Ana estremecia


sob os meus afagos, retribuindo ao meu beijo e olhando-me com

aquele desejo cru, implorando para que eu a saciasse, com sua

língua entrelaçando a minha em um bailar frenético, deslizando,


lambendo, nos transformando em um só.

Ela emitiu um som baixinho, agitando-se quando pincei o bico

e o torci suavemente. Estava consciente de que isso faria com que

uma comichão a percorresse, deixando-a mais necessitada.


Mesmo que a espuma não me permitisse vê-la, quando

arqueou o corpo para frente isso me excitou ainda mais, meu pau

latejando em resposta ao gemido que ecoou pelo banheiro.


Esfreguei o mamilo com mais força, fazendo Ana se curvar

outra vez, jogando água para tudo que é lado, dando-me uma breve
visão dos seios e do abdômen, antes de repousar novamente as
costas contra o encosto da banheira.

Os lábios se tornaram mais sôfregos, a língua sorvendo a

minha. Os dedos que brincavam com os meus cabelos, no entanto,


se afrouxaram e Ana baixou a mão, escorregando-a pelo seu corpo,

passando a se tocar.

Traguei em seco, sentindo meu coração bombear o sangue


com força com a sensualidade do ato, e, dessa vez, odiei ainda

mais a presença da camada branca que me impedia de contemplá-

la, principalmente quando Ana abriu as pernas.

Uma gota de suor escorreu pela minha coluna e senti o pré-


gozo se acumular na minha glande quando ela mordeu os lábios

para conter um ruído e fechou os olhos, provavelmente se

penetrando.
— Porra! — Grunhi o palavrão.

Marquei o pescoço dela com um beijo nada gentil, que


envolvia lábios e dentes, ao mesmo tempo que apertava os glóbulos
pequenos de seus seios, ao ver a água ondular na banheira com o

arquear dos seus quadris contra os próprios dedos, em uma cena


erótica que poderia muito bem ser fruto da minha imaginação
perversa, mas Ana se masturbando na minha frente pela primeira
vez, sem nenhum pudor, era muito real.
Porra! Tudo que eu mais queria nesse momento era tirar o

pau latejante das calças e envolvê-lo com meus dedos, me aliviando


ao olhar para o rosto enlevado, para o corpo que subia e descia em
uma cadência ritmada. Por mais dolorido que me sentia, apenas me

obriguei a continuar a beijá-la, mordê-la, sugá-la, lambê-la e deixar


que ela se explorasse, se desse prazer.
Observar a fisionomia dela, com os lábios entreabertos

buscando por ar, os olhos ficando mais enevoados, era glorioso,


mas eu descobri que também era ciumento, já que queria que Ana
gozasse com as carícias feitas por mim.

— Hadrian! — Protestou, arfando, quando eu afundei meu


braço completamente na água e segurei o punho dela.
— Nada de sexo, lembra? — provoquei-a, puxando

suavemente um dos brincos na curva da orelha dela com os lábios.


— Com você!

Ela tentou movimentar os dedos novamente, porém meu


agarre a impedia. Soltei uma risada ao vê-la irritada.
— Você fica tão linda brava — falei, ainda rindo.
— E você é um chato por não me fazer gozar — chiou,
ofegante. Bufou, os olhos dela se estreitando.
Esfregou o sexo na minha mão, gemendo com o atrito, e eu

rosnei, me sentindo desafiado com suas palavras. Eu tinha brincado


com fogo ao tocá-la e, agora, eu me queimava. Talvez, no fundo, no

meu inconsciente, eu soubesse que terminaríamos assim, mas não


importa.
Provoquei-a, deixando pequenas lambidas no pescoço dela,

raspando a barba em sua pele até que Ana se contorcesse e


implorasse por mais.
Um resmungo ficou preso em seus lábios quando,

abruptamente, soltei o seu punho e afastei a sua mão para substituí-


la pela minha. Segurei sua vagina com posse, como ela gostava, e
com a outra mão acariciei um dos mamilos delicadamente,

oferecendo um contraponto que deixava a pele dela arrepiada.


Ana brindou-me com um som ofegante e esfregou-se mais em
mim, ondulando a pelve, se insinuando.

Porra! Essa mulher ateava fogo no meu corpo, deixando-me


mais retesado, me  proporcionando um prazer indescritível. Saber

que eu a estava ajudando a chegar mais próximo ao orgasmo me


levava lentamente a atingir o meu. Eu não tinha mais nenhum
controle sobre meu pau, que começava a ficar babado.

Um suspiro longo, cheio de deleite, escapou da sua garganta


quando passei a brincar com as dobras sensíveis pela excitação,
percorrendo todas as paredes dos grandes e pequenos lábios. Ela

segurou o meu braço, cravando suas unhas nele, forçando a minha


mão a continuar explorando-a, falando coisas incoerentes enquanto

se movimentava.
— Hm! — gemeu alto quando, sem cerimônia, enfiei dois
dedos dentro dela ao mesmo tempo que traçava círculos com a

boca pelos ombros.


Meu gemido gutural propagou-se pelo cômodo ao sentir os
músculos dela se esticando e se contraindo com a invasão. Eu não

me contive, então, como se fosse o meu pau, não os meus dedos,


comecei a me remover de dentro dela, apenas para penetrá-la outra
vez, fazendo com que a água oferecesse um pouco de atrito no seu

sexo. Ana soluçou baixinho, as unhas curtas aplicando mais força


contra a minha pele
Saí e entrei, roçando no clitóris inchado, arrancando um

espasmo delicioso do seu corpo, deleitando-me com a pressão das


coxas que me prendiam. Belisquei seu seio para depois brincar com
a curva do mamilo, me perdendo nas minhas carícias. Com os

movimentos comprometidos, agitei meus dedos no canal cada vez


mais contraído, conhecendo outros pontos dela que não apenas
tornavam sua respiração mais irregular, mas faziam as pupilas

ficarem mais dilatadas e o corpo, convulso. Beijei o pescoço dela,


descendo até alcançar a nuca arrepiada, continuando a esfregar o
clitóris lentamente.

— Querido, por favor! — Implorou em um tom rouco, jogando


os braços para trás, tentando segurar-me pelo pescoço.

Acelerei meus movimentos, esfregando o ponto de prazer


com mais força, a pelve dela acompanhando-me. A cada
movimento, os sons que a deixavam se tornavam mais altos.

— Abra as pernas — ordenei, mal reconhecendo a minha voz.


Girando a ponta do meu dedo sobre o pontinho sensível, me
senti fodido quando as paredes dela se tencionaram, agarrando-me

com força.
— Ana... — Demorou a me obedecer, o raciocínio dela
parecendo lento, presa na espiral do desejo. — Isso, zuneingun!

Ganhando espaço, comecei a entrar e sair do seu canal, em


um ritmo mais forte, e, abandonando o mamilo, deslizei a mão pelo
abdômen plano até alcançar a vagina tensa, para depois subir
novamente, tocando cada local prazeroso.
Continuando a estocá-la, adicionei um terceiro dedo e, com

movimentos precisos, comecei a estimulá-la de modo que sabia que


faria Ana se estilhaçar.
Aumentei a intensidade com que roçava o clitóris à medida

que os gemidos dela se tornavam mais altos. Ela tombou a cabeça


para trás, encostando-a na borda da banheira, e eu inclinei meu
rosto em direção ao dela, nossas respirações se mesclando. Retirei

meus dedos e entrei outra vez ao encostar meus lábios nos dela, e
senti sua tensão aumentar. Mergulhando minha língua na boca
convidativa, voltei a trabalhar no clitóris, deixando-a mais perdida. O

beijo, a ondulação do quadril dela, meu agarre sobre o seio e as


carícias na carne inchada logo se tornaram síncronas, movendo-se

em um só ritmo, até que, com um ofegar baixinho, projetando o


corpo para frente, ela pareceu deixar-se arrebatar.
Gemi, faminto, em meio ao beijo, e provoquei-a, prolongando

o orgasmo de Ana, sentindo a tensão aumentar no seu canal com a


carícia e a invasão, até sentir o corpo dela relaxar, presa no torpor.
Apesar da tensão que me recobria, com meu pênis bem

ereto, meu beijo tornou-se suave e meus dedos a tocavam


lentamente, dando a Ana o carinho e o afago que ela necessitava
depois da chateação com o irmão dela.

— Você fica mais linda gozando — brinquei, roçando meus


lábios pelo seu rosto, deixando vários beijinhos.
Ela emitiu uma gargalhada rouca para depois emitir um

suspiro baixo, quando resvalei o dorso da minha mão nos mamilos.


— Muito gostosa — continuei.
— Hm.

Parecendo se recobrar um pouco do torpor, Ana me puxou


para um beijo, me fazendo suspirar.
— Maravilhosa — deixei um selinho na comissura da boca

dela —, e minha.
— Isso é bem clichê — falou em meio à risada.
Eu comecei a massagear os ombros dela. Não era um expert,

mas senti vários nós de tensão nos seus músculos.


— Isso é bom!  — curvou-se para frente.   — Um pouco mais

para baixo!
Rindo, deslizei minhas mãos e usei minhas habilidades
precárias para percorrer toda a extensão das costas até a lombar,

aplicando mais pressão onde parecia mais tensionado. Para


complementar, também deixei vários beijinhos.
Ana achou graça quando dei tapinhas com a lateral dos
dedos.

— Acho que chega — murmurou.


— Eu estava só começando — soltei um muxoxo.

— A água está muito fria.  — Estremeceu e senti que ela


ficava arrepiada.
— Verdade! 

— Fora que estou ficando toda enrugada.


Olhou para as pontas dos dedos e deu outra risadinha.
Ela se ergueu, me dando uma visão deliciosa da sua bunda, o

que fez meu pau latejar. As gotas escorrendo por seu corpo
ressaltavam as pintinhas que ela tinha, e eu tive que me controlar
para não as beijar. Engolindo o desejo de me enterrar bem fundo

nela, estiquei a mão para pegar a toalha no suporte e comecei a


secá-la enquanto ela passava o tecido felpudo nos cabelos.
— Hadrian! — A voz soou abafada quando não resisti e deixei

um beijo na parte de dentro do joelho.


— Eu sou terrível, eu sei — murmurei.

— Que bom que sabe.


Saindo de dentro da banheira, caminhou até o local onde
estava pendurado um hobby.
Puxei o tampão da banheira para esvaziá-la. Com o canto do

olho, a vi vestir a peça de seda azul marinha estampada com flores


brancas, que a deixava exótica e sexy, principalmente por ser curto
e deixar as coxas e pernas de fora. Não era exagero falar que

estava salivando por Ana. Meu pau babava com o desejo insatisfeito
e também por ter feito minha mulher gozar.

Erguendo-me, fiz uma careta com o tanto de água e espuma


que havíamos feito transbordar para fora da hidro.
— Amanhã eu limpo — falou e eu vi que ela me encarava

através do espelho.
— Tudo bem.
Cocei a minha barba, sem graça por ter dado mais trabalho

para ela, o sentimento que eu era um grande filho da puta


retornando.
— Não precisa ficar amuado por causa disso, Hadrian, eu já

ia lavar amanhã mesmo.


Começou a mexer nas coisas dela que estavam em um canto
da pia, provavelmente procurando o creme que, na minha opinião,

ela não precisava usar.


— Sinto que te exploro — comentei, abrindo os botes da
camisa ensopada.
— Você me paga muito bem, custeia meus estudos... — fez
uma pausa, passando algo no rosto e eu joguei a camisa num canto
—, mas se quiser, aceito um aumento.

Ri, balançando a cabeça.


— Boa ideia — falei.
Enquanto lidava com a calça, escutei a gargalhada dela.

— Estou só brincando…
— Sei…
Emiti um som baixo, ofegante, ao resvalar meus dedos no

meu pênis. Porra! Eu estava muito sensível.


Baixei a calça junto com a cueca, ficando nu.

Olhei para a minha pelve e emiti um suspiro, como se eu


fosse um martirizado, e busquei Ana através do espelho. Felizmente
ela estava concentrada demais no seu tratamento de beleza. Não

queria que se sentisse pressionada a resolver o meu problema.


Fui direto para o box e acionei o comando de água gelada.
Fiquei minutos debaixo da água, sentindo a ereção diminuir

lentamente, até que finalmente meu pau estava mais ou menos


controlado. Precisaria de muito mais do que uma ducha fria para
ficar “normal”.
Comecei a me lavar, ensaboando o meu corpo, sofrendo para
limpar aquela região que tinha vontade própria, pois com o pouco

que toquei, voltou a crescer.


Outro som frustrado escapou da minha garganta.
Com a visão periférica, vi Ana se aproximar da banheira e

recolher a bandeja que praticamente permaneceu intocada. Terminei


meu banho o mais rápido possível e fui até o quarto. Quando
terminava de colocar a boxer, ajeitando meu pau nela, escutei os

passos dela retornando. Ergui o rosto, sorrindo ao vê-la bocejar


depois de trancar a porta.
Sem dizer uma palavra, observei Ana ir em direção a cama.

Fiz o mesmo caminho e, subindo em cima do colchão, deitei de lado


e puxei a mulher pequena para os meus braços.

Apoiando a cabeça no meu bíceps, aninhou-se contra o meu


peito e emitiu um suspiro.
Nossas pernas automaticamente se entrelaçaram e a

respiração quente contra a minha pele provocou-me cócegas, mas


eu amava a sensação de tê-la encolhida contra mim, prestes a
dormir nos meus braços.

Sorri.
Amar...Esse era um verbo que deveria ter medo, mas que

Verena me ajudou a não mais temer.


— Você terminou de comer as frutas? — Coloquei uma mexa
do cabelo úmido atrás da orelha dela, me sentindo preocupado com

seu bem-estar.
— Estou sem fome — murmurou.
— Deveria ter comido, zuneigung — ralhei com ela, como se

fosse uma criança pequena.


— Eu sei. Amanhã eu me alimento melhor. — Deu um sorriso
amarelo e acariciou meu peito.

— Bom mesmo, mocinha.


Beijei a testa dela e Ana retribuiu ao colar os lábios no meu
peitoral. O contato inocente fez com que eu me mexesse, mas tentei

não esfregar minha pelve nela.


Minha mão desceu por suas costas, acariciando-a sobre o

tecido que poderia ser caro e macio, porém, não se comparava a


maciez de sua pele.
— Ou o quê, Hadrian? — Piscou lentamente.

— Vou ter que te prender nesse quarto até que você coma
direito…
— Por que não me parece uma má ideia? — Foi maliciosa.
Gemi, som que se tornou mais alto quando os dedos dela

ficaram bem próximos da minha pelve.


— Você também é terrível, mulher.

— É…  — Começou a abrir um sorriso, mas que foi desfeito


pelo bocejo. — Hadrian?
— Sim, zuneigung? — Ofeguei quando ela alcançou o meu

pênis que latejou ao toque suave.


— Tem certeza que não quer fazer sexo?
Fiz que não.

— Estou bem assim. — Alcancei a nádega dela, apertando-a


suavemente. — Não será a primeira nem a última que ficarei
excitado por você. E temos o direito de não estarmos a fim, por

estarmos cansados…
— Verdade.
Sorriu, brincando com o meu braço.

— Não quero que nossa relação se baseie só em sexo, Ana.


— Fui sério, acariciando a bochecha dela com o dorso da mão,
falando o que sentia. — Somos uma novidade ainda um para o

outro, mas não somos apenas isso. Somos amantes, somos


amigos, somos companheiros e espero sermos muito mais…
As palavras confidentes e confiança passaram pela minha
cabeça, mas não trouxe o assunto à tona.
Ana ficou em silêncio, e novamente vi várias emoções

percorrendo o seu semblante.


— Eu realmente não sou um brinquedo para você, Hadrian?

Você não vai me descartar amanhã?


— Não, não irei. — Fiz uma pausa, fazendo uma careta, e

perguntei: — Eu sou um brinquedo para você?


— Não. Eu gosto de você, Hadrian. — Deu outro beijo onde
meu coração batia acelerado.
A euforia se espalhou por todo o meu corpo e eu a envolvi
com mais força em meus braços, como se ela pudesse fugir,
levando o sentimento de mim.

— Estou me apaixonando por você, Ana — confessei em tom


baixo, surpreso pelo quanto a confissão saiu facilmente de mim.
— Não sei o que dizer…
— Só sinta, zuneigung.
Beijei-a suavemente, ouvindo o suspiro baixinho se

misturando ao meu. Acariciei o antebraço dela, enquanto tentava de


tudo para suprimir a vozinha na minha cabeça que dizia: e é por isso
que eu quero que você confie em mim e me fale a verdade.
— Obrigada, Hadrian. — Acariciou o meu rosto, e eu vi uma
lágrima escorrer pela bochecha.
— Pelo quê?

Engoliu em seco. A interroguei silenciosamente com meu


olhar.
— Por tudo. — Tentou conter um bocejo, mas sem sucesso.
— Por tentar me fazer sentir melhor, por me tratar como uma
princesa...
— E consegui?

— Sabe que sim…


— Da próxima vez, eu trato você como uma rainha —
brinquei, dizendo uma meia-verdade.
Cada vez mais, ela se transformava na rainha do meu castelo
imaginário.
Os olhos dela brilharam, sorridentes, e, como uma gatinha, se

aninhou ainda mais em mim.


Nenhum de nós disse mais nada. Ali, nos observando, nos
braços um do outro, acabamos pegando no sono.
Capítulo vinte e oito

— O que a gente disse sobre sair correndo na frente,


Verena?  — Hadrian ralhou com ela quando a alcançamos e ele

conseguiu segurá-la pelo braço, impedindo-a de prosseguir.

A menina ergueu o rosto para encará-lo, o semblante


entusiasmado transformando-se.

— Que não pode — disse em um fiozinho de voz, colocando


as mãozinhas na frente do corpo.

— Isso!

— Desculpa, primo.
— Tudo bem, prinzessin. — Deixou um beijo no topo da

cabeça dela. — Só não faça mais.


— Tá bom, mas aqui é tão legal! — Balançou o pezinho.

— Sim, querida, realmente muito divertido — falou.

— A gente pode ir lá? — Apontou para umas vitrines


coloridas, dando um sorrisinho charmoso para Hadrian, que era um

babão por ela e acabou sorrindo também.

— Vamos! — antecipei-me, também empolgada para ver tudo.


Nunca estive em um “museu” de brinquedos antes e era

impossível não me sentir contagiada pelas cores, por tudo, tanto

que antes mesmo de entrarmos no local, tive que pedir para Hadrian
tirar uma foto com a girafa enorme feita de bloquinhos, com direito a

cílios e batom, que ficava na entrada. Eu também me comportava


como uma criança, assim como Verena.

Dei a mão para ela. Afobada, com uma risada feliz, a menina

nos arrastou em direção a atração.

— Uau! — A menina deu um gritinho ao parar em frente ao

expositor onde havia uma pequena cidade feita de pecinhas de

montar, com direito a prédios “altos”, calçadas, ruas, árvores e


também carros de rodas quadradas.
Tinha que confessar que não sabia para onde olhar, eram
tantos detalhes, que eu poderia ficar horas ali. Realmente era de

tirar o fôlego.

— Olha, primo, o Órion! — mostrou um cachorrinho da cor do

animal, colocando o dedo na vitrine.

— Estou vendo, prinzessin — falou em um tom divertido. —

Mas não pode tocar o vidro.


Sem precisar dizer outra vez, ela tirou o dedo e inclinou o

rosto para ele.

— Por que não?

— Ele é feito para impedir as pessoas de tocar nos objetos e

também é frágil.

— É? — Tornou a encarar a cidadezinha. — Mas por quê?

— O quê?
— Por que não pode brincar com eles?

— Porque as pessoas iriam desmontar, roubar as pecinhas...

— explicou.

— Ah! — Franziu o cenho de leve.

Demos uma risada com a expressão dela.

— O que é roubar? — perguntou, depois de andar


rapidamente por toda a extensão da vitrine, como um caranguejo.
— É pegar algo que não é seu.

— O que é errado — completei.


— Eu vi o Dylan pegar o lápis da Melissa — murmurou, como

se tivesse sido ela e não o garoto que havia pegado.


— E ele não devolveu?
Fez que não.

— Ele queria que eu pegasse também…


Hadrian suspirou fundo e nossos olhares se encontraram. Vi

certa preocupação nele antes de se voltar para Verena.


— Você chegou a pegar o lápis da coleguinha?

— Não, primo. A Melissa ia chorar muito!


— Que bom, prinzessin. Lembre-se de nunca pegar nada dos
outros sem pedir — falou.

— Até mesmo o seu lápis?


— Sim!

— E o da Ana também?
— Também.

— Tá bom!
O assunto morreu quando, voltando a ficar animada, Verena
começou a andar de um lado para o outro, apontando, mas sem

tocar no vidro, para várias coisas. Tagarelava sem parar, nos


fazendo rir com os seus comentários. Ela tinha uma imaginação

extremamente fértil e criava um monte de historinhas com o que via.


— Essa é eu, esse aqui é o primo Hadrian e essa daqui é a

Ana.
Desviei a minha atenção do carrossel feito de várias

pecinhas, que tentava compreender como era capaz de girar, e olhei


para onde a menina apontava.
Eram três bonequinhos de mãos dadas, com um sorriso de

adesivo colado no rosto amarelo.


— É, parece com a gente — Hadrian falou em um tom rouco.

Não precisava encará-lo para saber que tinha os olhos


escuros pousados sobre mim, os pelos da minha nuca eriçados
indicavam isso.

— Não é, Ana? — A menina se virou para mim.


— Sim — forcei-me a dizer, sentindo minha garganta seca.

— Só faltou o Órion! — Verena deu um gritinho.


— Verdade, prinzessin.

Ficamos encarando a vitrine, como se estivéssemos presos


por um torpor.
— A gente pode ser uma família para sempre, primo? —

perguntou baixinho e eu engoli em seco com as implicações da


pergunta dela.
Meu coração batia rápido, quase saindo pela boca, e eu e
Hadrian tornamos a nos encarar.

Havia tanta intensidade nos olhos escuros, tantas coisas não


ditas, que covardemente me virei para a vitrine.

— Você gostaria disso, Verena? — ele sussurrou.


— Sim, primo! Eu amo você e a Ana…
— Deus! — As lágrimas se formaram instantaneamente em

meus olhos.
Emocionada, passei por Hadrian para abraçar a menina. Era

a primeira vez que ela verbalizava seus sentimentos por mim, e a


emoção era gigante.

— Eu também amo você, minha princesinha. — Deveria ser a


milésima vez que eu falava isso. — Muito!
— Então vamos ser uma família pra sempre? — perguntou.

Não soube o que responder sem deixar a cabecinha dela


confusa ou contar uma mentira.

— Por que não? Eu e a Ana estamos namorando… —


Hadrian disse suavemente.
Encarei o homem sorridente e abri e fechei a boca, atônita.

Minha pulsação ecoava nos meus ouvidos.


A menina, eufórica, saiu do meu abraço e começou a dar
pulinhos.
Antes que eu pudesse falar algo, meu celular começou a

tocar.
— Não vai atender, Ana? — disse ele.

— Claro!
Senti que estava fazendo papel de boba, encarando-o como
se um par de chifres começasse a crescer na testa dele.

Puxei o celular e destravei-o. Qualquer felicidade que sentia

naquele dia morreu quando o nome de Liam apareceu no visor.


Tive que me controlar para não engolir em seco e mostrar a

Hadrian o pavor que se apoderou de mim.

Ontem, tinha sido o dia que havia combinado de entregar o

dinheiro a ele, o que nunca ocorreria. Me surpreendeu ele não ter


me ligado mais cedo, e eu fui ingênua o suficiente para nutrir a

esperança de que ele tivesse esquecido por estar bêbado ou

drogado.
Poxa! Não deveria sequer ter pensado nessa possibilidade.

Ele é o meu meio-irmão e, apesar de tudo, da dor, eu continuava

amando-o, e deveria desejar que Liam se livrasse desse vício


maldito.
Minhas vísceras se retorceram e minhas palmas pareceram

ficar úmidas.
Eu não deveria querer o mal dele, como não deveria mentir

ou esconder coisas do homem que estava apaixonado por mim e

por quem eu também me apaixonara. Pensar nos sentimentos de


Hadrian por mim provocava várias borboletas no meu estômago,

borboletas que foram esmigalhadas quando recebi aquela ligação.

O toque cessou, mas, segundos depois, voltou a ecoar.

— Está tudo bem, Ana? — A voz de Hadrian fez com que eu


reagisse e deslizasse meu dedo na tela, para recusar a chamada.

— Sim, é só o telemarketing — menti, bloqueando o número

de Liam. Encarei o homem que tinha uma expressão séria. — Eles


estão tentando me empurrar um cartão de crédito, mas eu não

preciso.

Hadrian demonstrou descrença e meu coração se afundou no


peito.

Desviei o olhar. Coloquei meu celular no silencioso, caso meu

irmão usasse o celular de algum amigo.

Estava lutando contra a minha vontade de chorar. A mentira


amarga colocava não apenas um abismo entre nós, mas também
acabava com toda a doçura do momento, das palavras lindas de

que éramos uma família e que eu e Hadrian estávamos namorando.

Eu não o merecia. Não merecia o carinho, a paixão que ele


tinha para me dar. Ele não era digno das minhas palavras falsas, de

alguém que escondia coisas dele.

Se eu fosse sensata, colocaria um fim em tudo, mas eu era

mesmo a egoísta que Liam tinha falado que eu era. Eu queria


aquele homem, ansiava pelo seu amor e pelas coisas boas que ele

me proporcionava, que nada tinham de materiais. Desejava todas as

noites da minha vida me aninhar contra o seu corpo quente, que me


oferecia conforto e a sensação de que tudo ficaria bem.

Engoli um som de dor que me denunciaria ainda mais.

— Um dia você não vai temer me contar a verdade,

zuneigung, como eu também não vou ter medo de me abrir


completamente com você — sussurrou contra o meu ouvido, a

respiração quente provocando arrepios em minha nuca.

— Hadrian.
Girei o meu pescoço para olhar para ele, e a compreensão

que me oferecia fez com que eu me sentisse ainda menos

merecedora dele.
Eu sabia que exigia muito de Hadrian, de algo que era frágil

para ele: confiança. Toda a desconfiança que ele nutria por mim no
início, quando me contratou, transformou-se em crença, sentia isso.

Como se pudesse ler meus pensamentos, Hadrian envolveu a

minha cintura e me deu um abraço forte. Precisando mais do que


nunca dele, o abracei de volta.

— Vamos trabalhar juntos nisso, Ana, como um casal —

continuou. Conter as minhas lágrimas tornou-se muito difícil nesse

momento.
— Casal? — Apoiei meu queixo no peitoral dele.

— Sim! — Abriu um sorriso. — Futuro, lembra?

— Sim…
— E agora família… — brincou.

Sem se importar com o lugar em que estávamos, seus lábios

tocaram os meus em um beijo suave, que me acalentou e me deu

esperança, tanto que me deixei levar pela maciez da sua boca, pela
pressão do beijo.

A tensão e o medo se dissolviam a cada deslizar dos nossos

lábios.                         Novamente, nos braços dele, tive a certeza de


que ficaríamos bem.

— Por que vocês se beijam toda hora?


A vozinha infantil fez com que apartássemos o beijo e

olhássemos para a menina, que tinha as mãos apoiadas na cintura.

Hadrian riu e eu acabei gargalhando também. Verena era hilária.

— Precisamos de uma razão, prinzessin? — falou em meio à


risada.

— Sim!

— Ok.
— Por quê? Fala, primo! — Bateu o pezinho no chão.

— Porque gostamos. — Ele deu de ombros.

— Ah! — Pareceu pensativa. — Vou gostar também?

Segurei a minha risada com a carranca que Hadrian fez com


a pergunta dela. Era nítido que o primo dela se reviraria de ciúmes

quando ela crescesse. Herdeira de uma fortuna e linda, não havia

dúvidas que teria vários caras atrás dela.


— Espero que não — murmurou, coçando a barba.

— Por que não, primo?

— Por que você é a princesinha do primo…, só do primo… e

só pode beijar ele — falou.


Verena tombou a cabeça para o lado, parecendo confusa,

mas acabou concordando com um acenar.


— Acho que vou gostar — a menina disse depois de um

tempo, e eu acabei gargalhando de novo quando ele bufou.


— Nem sempre! — ele disse, sério.

— Hadrian! — ralhei e ele pareceu fumegar de irritação.

— Posso pedir…

— Deus! Não!  — Hadrian a interrompeu, praticamente


gritando em exasperação, impedindo-a de continuar ao passar a

mão pelos cabelos, chamando a atenção das pessoas.

— Por que não?


— Você é muito nova para pensar nisso, querida. — Tentei

apaziguar a situação.— Quando você ficar mais velha, aí sim…

— Ana! — Ele rosnou para mim e eu dei de ombros.


— Mas vamos esquecer esse assunto… — falei em meio a

uma risada sufocada.

— Por quê?

— Seu primo ciumento está mais vermelho do que um


pimentão…

Hadrian bufou outra vez e Verena deu uma risadinha da cara

dele.
— Tá bom — falou animadamente, antes de se virar para

apontar para uma espécie de piscina cheia de bloquinhos onde


algumas crianças brincavam. — Eu posso ir ali?
— Tudo que afaste os garotos da sua cabeça — Hadrian falou

baixinho, entre dentes, e eu arqueei a sobrancelha para ele.

— O quê, primo?
— Parece divertido — disse depressa. — Depois, podemos ir

lanchar.

—  EEEEEEEE! — Verena saiu correndo e nós dois fomos


atrás.

Não tive mais tempo para pensar nas minhas mentiras, em

Liam e no quanto eu era indigna de Hadrian e do amor da garotinha.

Mergulhei na alegria infantil de tentar montar algo com as pecinhas


na piscina. Fiquei surpresa em ver como Verena era extremamente

habilidosa e criativa para fazer bichinhos e outros tipos de

construção com os blocos. Já eu, fiquei bastante feliz em saber que


eu daria uma boa bioquímica.

— Eu posso morar aqui, primo? — A menina perguntou em


um tom animado quando estávamos próximos de ir embora. — Aqui
é tão legal!

Hadrian franziu o cenho.


— Mas a casa do primo também é legal, não é?
— É… mas aqui é mais!
Ele fez muxoxo e eu ri.
— Posso, primo? — Pareceu esperançosa.
— Não, o primo ficaria muito triste sem você.

— Ah! — Foi a vez da menina fazer bico, mas logo depois o


semblante ficou radiante de novo. — Mas você pode morar comigo!
O Órion e a Ana também.

— Mas aonde vamos dormir? — perguntei, achando graça do


diálogo.
— Ali! — Mostrou um banco colorido.

Gargalhei quando Hadrian estremeceu, como se estivesse


com calafrios.
— Não parece muito confortável — ele disse em meio um

arfar —, nem sei se dá para eu ficar todo esticado.


— Você pode dormir no chão. — Demonstrou entusiasmo
com a ideia.

— Ca… — começou a dizer um palavrão, porém se conteve.


— Minha situação só piora!

— Sim. — Minha risada ficou mais estridente, e ele acabou


gargalhando também.
— Por que vocês tão rindo? 
— Não podemos morar aqui, princesa — expliquei, tentando
me controlar. — Primeiro porque é desconfortável, segundo, aqui é
um espaço público.

— Mas você pode comprar pra nós! — Deu um grito animado


que chamou a atenção dos que estavam perto de nós.

— Não é assim que funciona, prinzessin. O primo não pode


comprar tudo.
— Ah!  — Fez outro bico enorme. — Eu posso?

Não fazia ideia se ela tinha consciência de que era uma


grande herdeira, ou se a pergunta foi ingênua.
— Também não, querida — repliquei.

— Mas podemos voltar outro dia — Hadrian foi esperto na


resposta. — Que tal passar na lojinha para comprar bloquinhos para
você?

— Mesmo? — Deu aquele sorrisinho sapeca que conseguia


tudo o que ela queria.
— Sim — falou.

— Podemos ir agora?
— Claro!

Mais um som animado se fez ouvir. Eu e Hadrian nos


encaramos, cúmplices, e acabamos sorrindo.
Dando uma mão para mim e a outra para Hadrian, Verena
começou a saltitar, gargalhando, alegre, quando eu e o primo dela a

tirávamos do chão. Outra vez, me esqueci completamente de tudo


que não fosse aquele momento, principalmente quando, deixando o
centro cultural,  nós três caminhamos juntos no Sylvester Riverfront

até que as luzes da cidade começassem a aparecer.


Capítulo vinte e nove

— Cara, esse trabalho foi chato pra caramba! — Dick, uns de


meus colegas de classe, comentou, passando a mão pelo queixo

com barba por fazer.

— Nunca mais quero ver estequiometria[15] e meio ambiente

na minha frente — outra menina da turma, a Julie, reclamou,


revirando os olhos.

— Mas tenho certeza que aquele filho da puta vai cobrar na


prova…

— Merda! — Resmungou, e todos riram da cara dela.


Fiquei em silêncio, começando a guardar minhas coisas

dentro da bolsa.
Diferente dos meus colegas, eu achava bastante interessante

estudar os impactos de algumas substâncias químicas no meio

ambiente, nos ecossistemas, e toda a pesquisa que tem sido


desenvolvida pelos pesquisadores para um manejo mais sustentável

do solo. Sei que muitos ririam de mim, falando que é coisa de

caloura, mas, até o momento, por mais difícil que fosse e


encontrasse certas dificuldades, não desgostava de nada. Tá! Havia

um professor bastante chato, mas pessoas enjoadas e complicadas

de se lidar ainda haveria aos montes em qualquer lugar.


— Eu preciso beber! — Julie falou.

— Eu também! — Dois caras disseram em uníssono, e uma


outra colega acabou concordando.

— Tem umas cervejas na geladeira, também tem vodka e

algumas coisas para comer, e se precisar de mais, tem um

mercadinho vinte e quatro horas na esquina. — Dick deu um sorriso

enorme.

— Maravilha, Dick!
— Bom, vou indo nessa — falei, pegando a minha bolsa e me

erguendo.
— Não vai ficar com a gente? — Dick fez um muxoxo.
— Eu não gosto de beber.

— Que sem graça — Julie zombou e todo mundo riu, até eu.

— Sim, muito sem graça! — Concordei em tom de

brincadeira.

— Você não precisa beber, Ana, tem refrigerante também. —

Dick insistiu.
— Infelizmente, não posso ficar mais, tenho um compromisso

e já estou mais de uma hora atrasada.

Era verdade. Tinha combinado de sair com Verena, Hadrian e

Órion para comer pizza em um local pet friendly[16], e estava

entusiasmada com a experiência. Infelizmente, demorou mais do

que o imaginado para concluirmos o trabalho.

— Ah, o sugar daddy — Dick gozou, cheio de desdém,


arrancando risadas dos outros. Eu fiquei extremamente irritada com

o comentário.

— Não tem nenhuma graça nisso, Dick.

— Ué, não é verdade?

— Não que seja da sua conta, ou de alguém aqui, mas ele

não é meu sugar daddy e eu não estou com ele por interesse — fui
tão ríspida, que mal me reconheci.
Eu não retrucava, eu era passiva demais, mas algo dentro de

mim se rebelou contra o insulto a mim e a Hadrian.


— Xi, cara! Se fodeu! — Um dos colegas riu.

Dick fez uma careta.


— Só estava brincando, Ana! — Ergueu as duas mãos para
se defender.

— Eu preciso ir — falei, ainda bastante irritada. — Tenham


uma boa noite, pessoal.

— Boa noite, Ana. — Julie piscou para mim.


— Tenho certeza que ela vai ter, quem não teria? — uma

outra garota zombou.


Contive um suspiro e, ignorando a moça, prometendo a mim
mesma nunca mais fazer algum trabalho com ela, na verdade, com

nenhum deles, caminhei para deixar a sala.


— Eu te levo até a porta, Ana. — Escutei a voz de Dick soar

atrás de mim, provavelmente me seguindo até a saída.


— Obrigada — tentei ser um pouco mais diplomática.

— Okay! — murmurou.
Chegamos a porta e ele a abriu para mim.
— Não quis te ofender, Ana. — Acariciou a nuca.

— É, mas ofendeu. Eu não sou uma puta.


— Eu sei. — Deu um sorriso sem graça. — Te vejo na

segunda?
— Sim. Até.

Sem sorrir para ele, passei pela porta e, com passos mais
apressados, sendo extremamente rude, fui em direção às escadas,

saindo do seu campo de visão.


Estranhamente, uma espécie de alívio me invadiu. Não que
eu fosse tímida nem nada do tipo, mas era desgastante fazer

trabalho em grupo, ainda mais com pessoas que não se tem muita
afinidade.

Desci os degraus e, antes de sair para rua, verifiquei se tinha


alguma mensagem de Hadrian, mas tirando um estamos te
esperando, só havia um emoticon de coraçãozinho e outro

mandando um beijinho.
Sorri, completamente abobada, o coração batendo forte pela

paixão.
Por mais ingênuo que fosse da minha parte, torcia para que

eu e Hadrian ficássemos apaixonados por um bom tempo. Melhor,


para sempre.
Balancei a cabeça em negativa, dizendo a mim mesma que

eu deveria apenas aproveitar o momento, sem pensar muito no


amanhã. Guardei o meu celular na bolsa e caminhei para fora do
prédio.
Embora ainda não fosse nem oito da noite, a rua estava

deserta e se fazia um silêncio absurdo. Havia apenas um carro


antigo estacionado rente ao meio fio, parado de forma irregular.

Sem nenhum motivo, um calafrio de medo percorreu a minha


espinha e eu me achei tola por conta da sensação. Era apenas um
bairro calmo, nada além disso.

Quando eu ia dar um belo passo para trás, para voltar para a


portaria e esperar um táxi por lá, senti o pavor aumentar quando um

cheiro forte de maconha adentrou as minhas narinas e algo frio


encostou nas minhas costas.

— Pensou que ia conseguir fugir de mim para sempre,


maninha? — A voz fria do meu irmão me deixou trêmula da cabeça
aos pés.

— Eu… — Engoli em seco.


Deveria tentar correr, porém estava paralisada no lugar. No

entanto, duvidava que a arma que meu irmão pressionava contra


mim iria me deixar ir muito longe.
— Sua puta desgraçada e mentirosa! — rosnou contra a

minha orelha, engatilhando a pistola. — Eu deveria estourar suas


tripas aqui mesmo.
Eu não tinha dúvidas de que ele faria isso. A fúria dele comigo
era tão grande que ele poderia muito bem atirar sem titubear. E o

fato de estar alterado pelas drogas seria ainda mais combustível


para a sua violência.

Ele era um monstro! Um demônio. Eu não podia mais negar


isso.
— Por favor, Liam, não me mate — supliquei em meio a um

ofegar, as lágrimas começando a brotar nos meus olhos. — Me

desculpe.
— Sorte sua que você vale mais viva! — cuspiu. — Vai

andando, vadia, e sem fazer gracinha.

— Liam! Para com isso! — pedi.

— Cala a boca e anda, piranha, antes que alguém nos veja —


ordenou. — Nada de gritar.

Cutucou as minhas costas para me obrigar a andar.

Minhas pernas pareciam de chumbo, pesadas a cada passo


que eu dava. Minha garganta parecia fechada, de tão apertada que

estava, e respirar se tornou difícil. A dor pelo meu meio-irmão estar

fazendo aquilo comigo me cortava.


— O que… o que… você v-a-i fa-zer co-mi-go? — gaguejei.
Alcançamos o carro e Jack abriu a porta do carona.

— Entre!
Sem vontade própria, obedeci, sentando-me ao lado do amigo

do meu irmão, que tinha um sorriso lascivo no rosto que fez com

que meu estômago revisasse e o choro ficasse mais intenso.


— Preciso te amordaçar, delícia — falou, passando um pano

imundo na minha boca.

Tive vontade de mordê-lo, mas o metal frio contra a lateral da

minha cabeça impediu-me de me mover.


— Fica muito gostosa assim… — Passou a mão pelo meu

rosto e eu tive que engolir o vômito que queria subir por minha

garganta e poderia me sufocar.


O medo e também o nojo me dominavam.

Liam cumpriria sua palavra e deixaria Jack me abusar?

O pensamento fez com que eu ficasse ainda mais paralisada.


Me senti como uma boneca de pano nas mãos deles, deixando que

fizessem o que queriam comigo.

Não ofereci resistência ao sentir o nó forte que machucava

meus punhos e que com certeza deixaria feridas.


Foi um alívio quando meu irmão afastou a arma da minha

têmpora, fechando a porta, porém, a sensação durou pouco, já que


Jack sacou uma pistola também e a apontou para a minha cintura,

colocando a mão livre sobre a minha coxa, os dedos bem próximo a

minha virilha.
— Hu-hu-hu… — Tentei pedir para ele tirar a mão, mas era

impossível falar com o trapo me amordaçando.

Com os braços atados, lutei para afastá-lo, mas a pressão do

cano se tornou mais forte e eu fiquei quieta, como se isso pudesse


de alguma forma me salvar.

Meu desespero e submissão pareceram agradar bastante

Jack, que gargalhou e se inclinou mais na minha direção.


— Mais tarde, delícia — sussurrou contra a minha orelha. —

Quero ver se essa sua boceta é realmente tão gostosa ao ponto de

um riquinho querer comer.

Riu ainda mais e Liam gargalhou também.


Meu pranto tornou-se mais convulso, as lágrimas me eram

amargas.

O movimento do carro, que era dirigido pelo meu meio irmão


desgovernadamente, e o cheiro de maconha e bebida tornavam

muito difícil segurar a ânsia de vômito.

Não consegui reparar no trajeto que Liam fazia, porque minha

vista estava nublada e ele usava ruas que eu desconhecia, além de


que o pavor de ser violentada, ou até mesmo morta, roubava minha

capacidade de raciocinar e me situar. Liam e Jack conversavam e


riam, pareciam totalmente fora de si, mas não conseguia captar

nada, nem mesmo se eles falavam de planos para mim.

A única coisa que conseguia fazer era torcer e muito para que
algum policial parasse o veículo por alta velocidade ou condução

imprudente, esperança que diminuía segundo a segundo.

Poderiam ter se passado horas ou apenas poucos minutos,

não sabia dizer. Eu só saí do meu torpor quando o carro deu uma
freada brusca que fez meu corpo se projetar para frente e bater com

tanta força no encosto do banco ao ponto de eu sentir dor com o

impacto. Tive sorte, se é que poderia dizer isso, de não ter sido
jogada para fora do carro, já que estava sem cinto, e também pela

arma de Jack não ter disparado em mim.

— Venha, vadia! — meu irmão falou ao abrir a porta.

Como não me movi, Liam agarrou o meu braço com força, em


um agarre tão forte como eu nunca havia sofrido antes, tanto que

não consegui conter um choramingo, mas os sons que eu emitia

eram abafados pela mordaça.


Desprevenida, quando ele me puxou para fora do veículo, eu

tombei no chão como uma fruta podre, batendo o rosto no chão, e


uma dor irradiou por toda a lateral do meu corpo. Meu coração

bateu apertado ao ouvir a risada dele e a do amigo.

— Sua filha da puta, desgraçada. — Deu uma bicuda na

região do meu abdômen que me fez perder o ar e me encolher em


um gesto de proteção.

— Por que fez isso, cara? — Jack perguntou em um tom

áspero.
— Ela merece! — Cutucou novamente com a ponta do pé o

local dolorido e eu gemi. — Esqueceu que essa puta não nos deu o

dinheiro?

— Não, mas…
— Te garanto que a vadia ficou com tudo pra ela! — cuspiu

bem próximo ao meu rosto. — Ela é uma ladra mentirosa que nem a

mãe dela! Meu pai era um idiota por deixar aquela filha da puta tirar
nossa grana, mas eu não.

A mordaça me impedia de retrucar, mas mesmo sem ela, nem

tentaria argumentar que ela usava o dinheiro para comprar comida,

sabia que era inútil.


— Pra que isso, cara? — Jack perguntou quando Liam tornou

a me agredir, rindo do meu sofrimento.

— Quer a porra da sua parte ou não, caralho?


— Quero, lógico, só não quero comer ela toda fodida.

Ao invés de sentir alívio, meu medo aumentou. Preferia mil


vezes as agressões de Liam do que ser violentada.

— Tá! — Meu meio-irmão foi ríspido. — Levante-se, cadela.

Sem forças, fiquei imóvel no chão. Impaciente, meu meio-

irmão me segurou pelos cabelos.


— Anda logo!

Ele puxou os fios com tanta força que não tive outra escolha a

não ser me erguer. Tropegamente, fiquei de pé.


Ainda mantendo o aperto firme, fez com que eu caminhasse

no escuro, as pernas mal me sustentando. Meu couro cabeludo doía

tanto, que parecia estar sendo arrancado da cabeça. Acabei


tropeçando em algo e por pouco não caí de novo. Como eles

conseguiam se movimentar por ali, não sabia dizer. Andamos por

vários minutos, até entrarmos em um cômodo sujo, com cheiro de

urina, bosta e lixo. Sem dúvidas, havia ratos, baratas e insetos


naquela imundície.

Quando Liam me empurrou para sentar em um local próximo

a uma pilastra, fez com que eu esborrachasse na sujeira. Me senti


degradada como nunca antes e um grito sufocado saiu de mim no

momento que um camundongo passou perto dos meus pés.


— Amarra ela naquela pilastra— meu irmão mandou,
estendendo uma corda para ele enquanto na outra mão mantinha a

arma apontada para a minha direção.

— Com prazer.
Dando um sorriso malicioso, pegou o objeto e aproximou-se

de mim.

— Pode desamordaçar ela, cara — continuou. — Essa puta


não ousará gritar. Mesmo que grite, ninguém vai ouvir mesmo.

Gargalharam. Quando Jack se aproximou de  mim, aproveitou

para tocar os meus seios. Tentei me erguer, lutando para me afastar

daquele toque asqueroso, porém ele tornou a me empurrar.


— Quietinha, gostosa — murmurou. — Não queremos que

Liam estoure seus miolos, não é?

Riu e deixou um beijo nojento na minha bochecha.


Fechei os olhos, respirando fundo, me arrependendo no

segundo seguinte, já que o cheiro podre me nauseou. O fedor


pareceu me impregnar e não deixava minhas narinas. Jack me
amarrou fortemente contra a pilastra, praticamente espremendo a

minha barriga com a corda, e quando baixou a mordaça, passei a


respirar pela boca.
— Por favor, não me toque — pedi, minha voz saindo rouca e
chorosa quando ele tornou a roçar os dedos no meu mamilo. Asco
me tomou e eu me movimentei, querendo me afastar dele. — Isso

não.
— Para o riquinho diz sim, mas para mim é só não? —
Segurou o meu queixo com força, ao ponto de machucar meu

maxilar. — Meu pau vai te satisfazer melhor, sua vagabunda. Sua


boceta só vai me querer quando me experimentar.
— Não! — gritei.

Apertou o meu mamilo com força e o lamurio de dor que saiu


pelos meus lábios pareceu animá-lo.
— Isso que vamos ver! — Deslizou a língua pelos lábios e

deu batidinhas no meu rosto. — Mas por mais gostosa que você
seja, não ganha do baseado.
Engoli um que bom, que seria uma bravata desnecessária e

que poderia encorajá-lo a cumprir suas ameaças. Ele brincou com o


outro bico e, gargalhando, se levantou e se afastou de mim, indo

para fora do cômodo.


A distância não foi o suficiente para remover o nojo e o pavor
do que poderia vir a acontecer comigo. Livrei-me de um algoz para

ganhar outro.
Com um sorriso maldoso e com passos calculados, Liam se
aproximou de mim e colou o cano da arma na minha testa.
Engoli em seco.

— Por-fa-vo-r, Liam, so-mos ir-mãos. Eu-te-amo! — gaguejei.


Ele jogou a cabeça para trás e riu.

— Ama? — Deu um sorriso de escárnio. — Onde estava o


seu amor quando você mentiu para mim e me deixou a madrugada
inteira te esperando?

— Eu… — Doeu muito ouvir aquilo. Era insano, mas me fez


sentir culpada.
Não conseguia compreender como, depois de tudo, das

ameaças, dele me entregar ao amigo como se eu não fosse nada,


eu ainda me sentir culpada, como se a criminosa fosse eu, não ele.
— Ou quando bloqueou minhas chamadas? — continuou,

brincando com a arma na minha fronte. — Ou quando ficou com o


dinheiro todinho pra você?
— Liam…

— Sua vagabunda! — Fúria cintilou nos olhos verdes. —


Como você diz me amar quando deu as costas para mim? Uma

hora dessas, eu poderia estar morto!


— Mor-to? — sussurrei, a perspectiva de ver meu único
parente vivo morto era inimaginável.

As lágrimas, que em algum momento haviam parado de cair,


retornaram com força.
Iria me manter distante dele? Sim! Mas queria vê-lo bem...

— Sim, mas você não se importa, não é, Ana? Agora que


conseguiu uma vida de luxo, você ficou ainda mais egoísta! —

Parecia ferido.
— Liam…
— Mas isso não ficará assim! — rosnou, a face dele ficando

transtornada pela raiva, assumindo as feições de uma besta


endemoniada. — Vou pegar aquilo que é meu!
— O que vo-cê vai fazer co-mi-go? — Meu corpo tremeu e eu

respirei fundo, esquecendo-me do cheiro horrível. — Se você me


der mais um prazo, posso conseguir o dinheiro que pediu, até mais.
Sim, engoliria meu orgulho e falaria com Hadrian. Quem sabe

ele poderia me emprestar...


Meu meio-irmão riu, e riu muito, ao ponto de lágrimas
escorrerem pela bochecha magra.

— Acha mesmo que vou acreditar nisso?  — Estalou a língua.


— Não sou burro, desgraçada, e nem deixarei você mentir para mim
outra vez.

— Não…
— Calada, ou eu atiro, piranha! — Comandou. — Chega de
mentiras!

Destravou a arma e eu fechei os olhos, fazendo uma prece,


esperando o momento em que ele iria atirar, mas o tiro não veio, só
a risada dele e de Jack, que havia voltado.

— Infelizmente você vale mais viva…  — Desencostou a arma


de mim.

— E muito! — O melhor amigo dele concordou lascivamente,


e tornou a rir.
Abri os olhos e vi que Jack parecia ainda mais louco.

— Mas vamos acabar logo com essa merda — Liam falou. —


Cadê seu telefone, cadela?
Olhei para ele, confusa.

— Meu celular?
— Pare de se fazer de burra, caralho! — Foi a vez de Liam
apertar meu maxilar.  — Onde está ele?

— Na minha bolsa — minha voz saiu estranha.


— Ficou no carro — Jack comentou.
— Vai lá buscar, cara!  — Liam ordenou.
— Tá!  — Tornou a sair.
— O que você vai fazer? — Forcei a minha voz a sair, sem
gaguejar.

— Vamos ver o quanto a sua boceta e seu cuzinho são


importantes para o riquinho — falou ao se inclinar na minha direção.
— Aposto que muito pouco! — A gargalhada dele ecoou pelo

recinto.
Diferentemente do meu irmão, pela primeira vez naqueles
intermináveis minutos, ou horas, sei lá, senti um pinguinho de

esperança. Nesse instante, me senti uma verdadeira tola por não ter
contado o que estava acontecendo para Hadrian, já que ele iria
acabar descobrindo toda a verdade. Eu não duvidava de que ele me

salvaria, só torcia para que não fosse tarde demais para mim.
Capítulo trinta

Com o celular na mão, esperava a resposta de Ana a mais


uma das minhas mensagens, porém o tempo passava e não recebia

nenhuma. Cada minuto sem notícias dela aumentava a minha

apreensão. Os planos de irmos à pizzaria se evaporou, já era muito


tarde. Verena comeu um sanduíche e, cansada, acabou cochilando

no sofá enquanto víamos um filme, uma tentativa minha de distraí-la


da demora de Ana. Felizmente, ela aceitou sem choro o meu

argumento de que a “titia” estava estudando e que por isso o

passeio teria que ficar para outro dia quando a levei para o seu

quarto.
Há uma hora, acharia normal o atraso. Já fui estudante e

sabia que trabalho em grupo era um inferno. O fato de ela não


responder minhas mensagens era o que me preocupava, ficando

fácil me deixar levar por pensamentos sombrios, principalmente por

saber que ela estava fazendo trabalho com o babaquinha abusado.


É, eu sabia que isso era apenas o ciúmes falando e tentava

convencer meu lado racional disso.

Diferente dos meus relacionamentos passados, eu preferia


acreditar que Ana não me trairia. Ela merecia minha confiança,

como eu também tinha a dela nesse sentido, então, qualquer

pensamento negativo que me vinha à mente, eu tratava de


massacrar, mas, porra, era difícil. Difícil demais.

Agoniado, cansado de esperar, resolvi ligar, mas chamou até


cair.

— Scheiße[17]! — praguejei, passando a mão pelos meus

cabelos, desarranjando-os.

Tentei mais uma vez, porém não obtive resposta. Talvez

estivesse no silencioso.

Coloquei o aparelho em cima da mesa do meu escritório e,


girando a minha cadeira, ergui-me e caminhei até a janela. Fiquei ali

fitando a noite escura, sem estrelas. Apoiei meus braços contra o


vidro, suspirando profundamente. Lembrei-me de que tínhamos
instalado um aplicativo que permitia acessar a localização um do

outro a fim de tranquilizar Verena, mas não iria olhar. Isso seria trair

a confiança dela e também iria regredir vários passos no nosso

relacionamento.

Os minutos se passavam dolorosamente lentos e eu brigava

comigo mesmo a cada segundo.


Ceder aos velhos hábitos era muito fácil e isso fazia com que

me sentisse bastante amargo. Um dia, eu conseguiria me livrar

desses impulsos que me sabotavam, me fazendo me fechar em mim

mesmo.

Senti meus dentes baterem com força um no outro e minhas

mãos se fecharem em punho. Estava quase perdendo a batalha,

tentado a imaginar aquele babaca tocando a minha mulher, quando


o toque do meu celular ecoou nos meus ouvidos. Como se um

demônio tivesse se apossado de mim, com passos rápidos,

aproximei-me da minha mesa e peguei o aparelho.

— Ana? — falei, sem olhar de fato quem era, mal

reconhecendo o tom da minha voz. Eu era pura aflição.

Uma risada grossa, desdenhosa, ecoou nos meus ouvidos, e


eu franzi o cenho, extremamente irritado com a pessoa e também
por não ser Ana.

— O que você quer, caralho? — falei, sendo grosso, sem me


importar se eu teria que pedir desculpas depois.

— O seu riquinho tá nervosinho — zombou, rindo ainda mais.


— Se não me falar o que quer, irei desligar — ameacei, me
achando um imbecil por ainda dar confiança a pessoa que

gargalhava.
— Se fosse você, idiota, não desligaria, não se você quiser

ver a sua putinha viva. — Riu de novo. — Ou melhor, minha irmã.


O frio que percorreu minha espinha pareceu congelar as

minhas veias. Por um momento, fiquei apenas escutando a risada,


até que, pensando ser um trote de mau gosto, finalmente olhei o
número do visor.

Ver zuneigung fez com que minhas pernas fraquejassem e


um medo descomunal apertasse meu peito, tornando respirar difícil.

— Olha, mana, bom sinal — falou em meio à gargalhada —, o


seu idiotazinho ainda não desligou. Ponto para ele!

— Ana…
— Ela ficará bem se você fizer o que eu mandar, desgraçado,
— falou em um tom seco.
Me sentia impotente, sem saber o que fazer. Temia dizer

alguma coisa que o contrariasse, porque isso poderia prejudicar


Ana.

— O que duvido muito — continuou. — Com certeza, você


tem coisa melhor para comer do que uma puta que nem peito tem!

Um nervo do meu músculo pulsou com a raiva que senti por


ele falar assim da própria irmã se mesclando ao medo desse filho da
puta machucá-la.

— O que você viu nela, cara? Ela é boa mesmo? Ou é por


que ela realiza todas as suas perversões doentias?

Gargalhou de novo, mas eu fiquei em silêncio, sentindo os


nós dos meus dedos ficarem brancos de tanto que eu apertava o
aparelho.

— Xii, mana, ele não consegue nem dizer o que gosta em


você! — debochou.

— Pelo menos eu sei — uma voz masculina diferente gritou.


Outro calafrio percorreu a minha coluna. Como se fosse

possível, senti mais medo por ter uma segunda pessoa com ela.
— Te entendo, cara... — Usou aquele tom de voz que me
enchia de fúria pelo menosprezo que percebia que ele sentia por
Ana. — Como ver algo bom em uma mulher sem graça que só quer
o seu dinheiro?
— O que você quer?  — Fui ríspido, sem conseguir me conter.

Ana era linda, doce, amorosa, tinha um sorriso lindo e um corpo que
era capaz de me deixar eletrizado só de pensar nele.

— Ele ficou bravinho! — zombou. — O otário se importa


mesmo com a cadela interesseira. Vai entender...
— O que ele gasta com a puta não deve nem arranhar a

conta bancária dele — o outro falou.


— Verdade!

Os dois riram.
— O que você quer? — Repeti, mas não consegui esconder a

minha urgência e também o medo em meu tom.


— O idiota realmente se importa com a vadia! — Pareceu
surpreso, mas acabou gargalhando de novo. —  É, mana, quem

diria que sua boceta fosse tão boa, hein?


Fiz uma careta enquanto o desespero me consumia por

dentro, queimando as minhas vísceras. Pressionei meus lábios com


força para conter o grito de raiva, de tensão, de pavor... Sufocar os
sentimentos tornava tudo mais doloroso.

— Ande logo — insisti.


— Não é você que dá as ordens aqui, riquinho filho da puta.
— Parou de rir, sua voz pura fúria. — Se quer que essa piranha não
leve um tiro, é melhor se lembrar que tem que seguir à risca o que

eu mandar você fazer! Me dê um baseado, Jack, esse cara tá me


irritando!

— Tá!
Minha garganta apertou e eu sentei na minha cadeira, não
conseguia mais ficar de pé.

— Não a machuque — sussurrei, quase implorando.

— Isso dependerá de você, riquinho. — Fez uma pausa


longa, deixando-me ouvir a respiração ofegante e o som dele

fumando, o que aumentou a minha apreensão. — Primeiro, nada de

polícia, não precisamos de complicações. Deixamos isso só entre

nós, um assunto de família.


— Okay! — Concordei, entrando no jogo dele, embora ele se

intitular como família me enchesse de desgosto.

— Não estou brincando, idiota! Se você chamar a polícia, eu


acabo com ela. — A voz soou lânguida e imaginei que seria pelo

consumo da droga.

— Entendido…
— Entendeu mesmo? Ah, não importa. — Estalou a língua,

dando uma risadinha em seguida. — Quero meio milhão em


dinheiro vivo até amanhã ao meio-dia, senão, já sabe o que vai

acontecer, não é? Vou estourar os miolos dessa puta!

Não respondi, minha cabeça a mil pensando o que fazer.


Cada músculo do meu corpo estava dolorido com a tensão.

— Tá me ouvindo?

— Te dou o dinheiro se você prometer não a machucar —

obriguei-me a falar. — Posso providenciar a transferência agora


mesmo.

— Cê pensa que sou burro, riquinho? — rosnou. — Isso só

chamaria atenção. Não sou otário que nem você! Amanhã, ao meio-
dia, nem um minuto a mais ou a menos! — repetiu, como se eu

tivesse alguma dificuldade cognitiva para compreender o que dizia.

— Onde?
— Na minha casa, você deve saber onde é. — Fez outra

pausa. — Nada de gracinha, senão eu surro ela antes de estourar

os miolos dela. Ah, melhor, deixo meu amigo comer ela primeiro.

Gargalhou e eu fiquei congelado, o coração batendo


apertado. Ele seria tão desumano ao ponto de deixar a meia-irmã

ser violentada?
Raiva, repulsa e impotência se misturavam ao mesmo tempo

dentro do meu corpo. Pensei que odiava Ignaz por tudo aquilo que

ele fez a Verena, mas descobri que odiava muito mais o meio-irmão
de Ana.

Meus dedos estavam trêmulos e os dentes tornaram a

chocar-se um com os outros, a violência me atingindo como um raio.

Se aquele desgraçado estivesse na minha frente, não me


surpreenderia se o esmurrasse até que perdesse a consciência.

— Quem me garante que você não irá machucá-la nesse

meio-tempo? Que ela ficará bem? 


— Terá que acreditar em mim, cunhadinho. — Fez deboche.

— Você confia nessa cadela mentirosa que tá pouco se fodendo

para o próprio irmão, então será bem fácil. Mas podemos negociar

uma garantia, riquinho…


Gargalhou.

— Negociar? 

— Garanto que não acontecerá nada com ela se você pagar o


dobro, filho da puta…

— Como é?

— Teremos que confiar um no outro, riquinho — disse em tom

jocoso. — Eu cuido de Ana e você trata de me entregar o dinheiro.


Antes que eu pudesse falar algo, desligou na minha cara. Foi

instintivo tentar ligar novamente, porém chamou até cair. Liguei


outras vezes, sem sucesso.

Fiquei minutos olhando para a tela do celular, os

pensamentos correndo velozes, incoerentes, mas todos iam para


um único lugar: imaginava toda sorte de atrocidades que eles

poderiam fazer com Ana.

Estava vivendo um pesadelo acordado. O medo me

dilacerava.
Meu maxilar ficou ainda mais rígido.

Porra! Eu não queria perdê-la. Não podia perdê-la. Queria

Ana em minha vida. Para sempre.


Pensar em nunca mais tocar o rosto dela, em ganhar um

sorriso seu, de não poder mais beijá-la ou olhar dentro de seus

olhos era algo agonizante e me causava uma dor imensurável.

Diante desse sentimento, soube que não era apenas paixão


que sentia por Ana, porque paixão não fazia esse estrago. Em

algum momento, por mais rápido que pudesse parecer, eu passei a

amá-la.
Eu faria tudo o que tivesse ao meu alcance para vê-la bem.

Não havia limites. Daria a minha vida por ela e por Verena.
Eu não podia ficar parado, de braços cruzados, esperando as

horas passarem. Tinha que fazer alguma coisa!

Tentei ligar novamente, porém, outra vez, chamou até cair.

Pelo menos o filho da puta não havia desligado o celular dela, o que
era bom, já que daria para rastrear onde ela estava.

Eu não ia dar uma de super-herói, sabia que não era capaz

de agir por conta própria, tinha que procurar ajuda. Por mais que a
raiva e o instinto me impulsionassem a fazer algo impensado, tinha

que me controlar; minha valentia poderia fazer bastante mal para

ela.

O meio-irmão de Ana tinha ameaçado machucá-la caso eu


chamasse a polícia, mas tinha que correr esse risco. Ele e o tal

amigo estavam drogados, sabe-se lá o que eles poderiam fazer com

ela.
Herói ou não, covarde ou não, eu tinha muito dinheiro e

contatos, usaria minha influência para salvá-la.

Comecei a fazer algumas ligações, mas isso não fez com que

o aperto no meu peito se tornasse menor, muito menos ajudou a


diminuir o medo que sentia. Temia que todos os meus recursos não

fossem o suficiente para trazê-la de volta para mim e para Verena.


Capítulo trinta e um

— Seu riquinho é muito otário ou muito louco para gastar uma


grana tão alta com alguém como você — meu irmão falou em meio

à uma risada e deu mais uma tragada no seu cigarro de maconha.

Não respondi. Não havia nada a ser dito. Além do mais, se eu


falasse que Hadrian gostava de mim, só arrancaria mais zombaria.

— Louco mesmo — Jack também gargalhou, como se o meu


irmão tivesse contado uma piada. — Mas o que esse dinheiro é pra

ele? Nada.

Meu irmão pareceu focado no seu baseado por um tempo,

olhando-o como se contivesse a resposta para tudo.


— Realmente, não é nada — concordou, continuando a olhar

o cigarro parecendo pensativo. — Acha que eu pedi pouco?


— Meio milhão é muito mais do que podíamos imaginar, Liam,

até mesmo descontando a minha parte, e em dinheiro vivo? Cara, é

o paraíso! — Jack falou animadamente.


— Um milhão se a gente não tocar mais na puta, você ouviu a

conversa — corrigiu ele.

— Como assim? — O amigo do meu irmão franziu o cenho,


parecendo confuso.

— Cê tá me tirando, cara? Ou a droga já fodeu os seus

miolos? —  Liam rosnou. 


Jack riu bastante, ao ponto de começar a tossir com força e

meu irmão ter que dar várias batidas nas costas dele.
— Caralho, Jack — zombou.

— Acho que estou fodido mesmo — falou entre tossidas,

parecendo divertido. — Mas o que você quer dizer com não tocar

nela?

— Deixa de ser burro! — Meu meio-irmão pareceu ficar

irritado. — Você não vai comer mais ela!


Toda zombaria que havia em Jack pareceu morrer e a

expressão dele tornou-se sombria. Um medo descomunal me


percorreu, mais do que já sentia.
— Nós combinamos outra coisa… — Chacoalhou a cabeça

como uma besta furiosa, e começou a andar de um lado para o

outro.

— Os planos mudaram. — Meu meio-irmão foi seco, sua

expressão também parecendo transtornada.

Liam era pura fúria e frieza. Se ainda tinha alguma dúvida, eu


soube nesse momento que aquele homem era capaz de todo o tipo

de violência. Me encolhi, amedrontada.

— Não! — Jake gritou e se aproximou do meu meio-irmão,

peitando-o. — Eu quero experimentar a vagabunda!

— Mas não vai! — Liam disse friamente e puxou a arma do

cós da calça, apontando para ele.

Jack ergueu as duas mãos, em sinal de rendição, já que a


pistola dele estava em cima de uma mesinha no fundo da sala, fora

de alcance.

Como se a arma estivesse voltada para mim, grudei ainda

mais minhas costas no pilar, sentindo uma gota de suor escorrer

pela minha espinha e o coração bater mais acelerado.

Tentei me movimentar, buscando encontrar uma forma de


escapar ou de me esconder atrás da pilastra, temendo que eles,
com a mente turva pelas drogas, acabassem brigando pela arma e

acontecesse um disparo acidental, mas as cordas que me atavam


estavam tão apertadas, que a única coisa que consegui foi ferir

ainda mais a pele sensível dos meus pulsos e machucar a barriga.


Engoli o meu gemido de dor, que poderia chamar a atenção para
mim.

— Não precisa disso, cara! — Jack ofegou.


— Você não me dá escolha — rosnou. — Grana é grana!

Jack deu um passo para trás, depois outro.


— Não vou perder dinheiro por causa de você… — continuou

Liam.
— Claro que não, cara, podemos negociar. A boceta e o
cuzinho dela nem valem tudo isso!

Meu irmão arqueou uma sobrancelha.


— Não, não valem — Liam concordou. — Ou melhor, ao que

parece, sim.
Riu estridentemente e Jack também gargalhou, achando

graça, mesmo que ainda estivesse sob a mira da pistola.


— Riquinho otário! — meu meio-irmão debochou.
— É…  — Jack deu um sorriso asqueroso — Me dá mais cem

mil e eu não toco nela.


Meu irmão fechou a cara outra vez, levantando mais a arma,

mirando agora na cabeça dele.


— Por que eu faria isso? Você já vai ganhar uma boa grana!

— Somos irmãos, cara. Eu já aliviei sua barra várias vezes!


— É…

— Tamo juntos em tudo, até nessa merda. Não te traí e


também não fugi como uma menininha… — prosseguiu.
Os dois riram. Eu senti meu estômago revirar por estar sendo

negociada como uma ovelha de um rebanho.


— Guilhermo é uma puta! — Liam fez uma careta.

— Não sei como tolera ele.


— Ele tem uns bagulhos legais.
— Já cheirei melhores.

— Duvido. — Liam finalmente baixou a arma.


— Tô te falando.

— Sei…
— E então? — questionou. — Ainda vai te sobrar oitocentos,

cara.
— Verdade… — Colocou a arma na cintura.
— E tô devendo o Dick! Ele disse que vai castrar as minhas

bolas.
— Que merda! Ele jurou me enforcar — meu meio-irmão falou
em um tom sombrio e virou-se na minha direção, olhando-me como
se eu fosse algo repugnante, e não o lixo, as baratas e os ratos que

andavam pelo local. — E essa prostituta egoísta, ao invés de me


ajudar, preferiu ficar com a grana pra ela…

Meu peito doeu, a culpa corroendo o meu estômago mesmo


que não devesse me sentir assim.
Como eu podia ser tão idiota? Como conseguia me sentir mal,

como se fosse eu que tivesse falhado com ele?


— Se eu soubes…

— Calada, puta! — meu irmão gritou. — Não finja que você se


importa, porque sabemos que não.

Engoli em seco, mas não consegui conter as lágrimas


dolorosas.
— Sua desgraçada mentirosa, pare de fingir! — Liam

aproximou-se de mim com passos rápidos e agarrou o meu rosto,


me machucando.

Emiti um gemido de dor quando ele me apertou com mais


força.
— O dinheiro, cara, lembra do dinheiro! — Jack se aproximou,

segurando o braço de Liam.


Pensei que Liam não iria me largar, mas, depois de um tempo
que pareceu durar horas, meu irmão finalmente me soltou, não sem
emitir uma série de palavrões, xingando eu e Hadrian.

Desvencilhando-se de Jack com um safanão, andou em


direção a mesa com passos pesados, como se estivesse batendo os

pés no chão. O amigo foi atrás dele. Logo os dois estavam fumando
outra vez. O cheiro forte do baseado misturou-se ao do lixo e
pareceu impregnar as minhas narinas, o que revirou o meu

estômago.

— Te arrumo um dos bons — Jack falou, depois de dar uma


tragada, e mostrou o cigarro.  — Melhor do que essa merda.

Meu irmão pareceu pensativo.

— Fechado, cara! — Estendeu a mão para Jack que a

segurou. — Mas se não for, vai se ver comigo.


— Relaxa, maninho, nunca te deixei na mão. — Deu um

sorriso lânguido.

— Até agora — Liam falou em um tom mais sombrio e os


pelos da minha nuca se arrepiaram. — Não faça nada que mude

isso!

— Claro que não, mano, somos um só. Pode confiar em mim


sempre, já te falei.
— Tá.

Liam se sentou na cadeira desajeitadamente.


— O que vamos fazer agora? — Jack coçou o queixo,

parecendo confuso. Aproveitou para pegar sua arma, colocando-a

na cintura.
— Esperar dar a hora de ir para o meu apartamento, ué. —

Meu meio-irmão revirou os olhos, como se o amigo tivesse

perguntado algo óbvio. — Mas você vai ficar aqui, vigiando essa

puta.
Jack franziu o cenho.

— Pensei que você iria entregar a vadia a ele…

— Vou, mas não lá, quando a vadia pode foder com tudo. —
Fez uma pausa para dar mais uma tragada no cigarro. — Não posso

controlá-la com a arma no prédio, alguém pode nos ver e vai fazer

um monte de perguntas.
— É…

Não prestei mais atenção naquilo que eles falavam, meu

corpo todo parecia ter congelado diante da perspectiva de ficar a

sós com o amigo dele. Liam poderia confiar em Jack, mas eu temia
que ele cumprisse a sua ameaça de me violentar; algo em seu rosto

me dizia que ele faria isso. Grudei minhas costas ainda mais na
pilastra, sentindo o meu corpo todo estremecer com a repulsa da

lembrança do quanto o simples toque dele havia me enojado. Meu

nojo se tornou maior quando um rato passou pelo meu pé. Não
contive um grito.

— Que merda é essa?! — Liam se ergueu de um pulo, sua

cadeira tombando para trás.

Alerta, removeu a arma da cintura e, depois de apontar em


direção a porta, acabou mirando na minha direção.

— Por que gritou, puta? — berrou, caminhando na minha

direção, a expressão transtornada.


— Um rato! Ele passou no meu pé...— falei baixinho. O medo

de ele tornar a me agredir retorceu as minhas vísceras. 

Meu irmão rosnou para mim, continuando a empunhar a

arma.
— E precisa gritar, porra? Me deu um susto do caralho.

— Me desculpe, Liam…

— Sua desgraçada, tenho certeza de que fez isso de


propósito. — falou entre dentes.

— Não! — Me defendi.

Liam balançou a cabeça em negativa.

— Mentirosa, você sempre foi maldosa! — foi ríspido.


— Eu…

— Essa carinha angelical sempre escondeu uma pessoa


egoísta, exibicionista e cruel.

Não respondi, engolindo o pensamento de que era ele quem

tinha um rosto belo, mas que escondia muita podridão dentro de si.
— Você é mais nojenta do que um simples rato, Ana — falou,

cuspindo nos meus pés, o que fez com que Jack gargalhasse alto.

— Te garanto que ele é muito mais limpo do que você!

Tornou a cuspir.
— Até mesmo essa barata é mais limpa que você… —

Apontou para o inseto asqueroso que passava na frente dele.

Com uma expressão maldosa, sem dó e nenhuma piedade,


esmagou o bicho.

Engoli em seco, sentindo uma nova onda de tremor perpassar

o meu corpo.

Meu meio-irmão colocou a arma na cintura novamente e dar


as costas para mim.

— Nem mais um grito, puta — rosnou, sentando-se

languidamente na cadeira.
Quando outra barata passou pelo meus pés, me encolhi e

mordi meus lábios com força, para conter qualquer som alto que
pudesse suscitar a ira do meu irmão.

Os dois começaram a conversar sobre drogas, mulheres e o

que fariam com o dinheiro que Hadrian daria a eles. Um nó se

formou na minha garganta quando, achando que era fácil extorquir


Hadrian, planejavam outro sequestro para conseguir mais grana

dele. Só o pensamento de passar por isso uma segunda vez dava-

me náuseas tão fortes que eu lutava contra a bile que queimava


meu esôfago.

Cada minuto que passava ficava mais agoniada. Não sabia

como sobreviveria a espera dolorosa até de manhã, e ainda tinha a

parte do tempo que eu ficaria sozinha com Jack.


Fechei os olhos e comecei a rezar incessantemente. Mesmo

que fizesse algum tempo que não conversava com Deus, pedi que

me protegesse, não deixando que nenhum outro mal me


acontecesse, que fizesse um milagre e me tirasse dali. Poderia ser

algo tolo, mas pedi também que ele iluminasse Liam e que o

perdoasse.

Fiquei naquele transe, me dividindo entre rezar e me esquivar


dos insetos e ratazanas que passavam por mim, até que sons de

freada de carros e o grito do meu irmão me fizeram sair daquele

torpor.
— O que é isso? — Liam ergueu-se sobressaltado,

removendo a arma da cintura e apontando-a para mim, como se eu


fosse a causadora do barulho.

— Que merda… — Jack também reagiu, colocando-se de pé

e pegando a pistola, mas sem saber para onde mirar.

— Você disse que ninguém usava esse lugar, cara — Liam


aparentou nervosismo.

— E não usava. — Jack defendeu-se.

Ele caminhou em direção a uma janela imunda, que eu


duvidava muito que deixava ver alguma coisa, e olhou para fora.

— Merda! — Jack deu um passo para trás, colocando a mão

livre na têmpora.
— Que foi, caralho?

— Estamos cercados! — disse em um sussurro, virando-se

em direção ao meu irmão.

— O quê? — Liam deu um grito, incrédulo.


— Estamos cercados, caralho! — Sua voz soou esganiçada.

— Por quem?

— Deixa de ser idiota, pela polícia…


Jack parecia transtornado, andando de um lado para o outro.
Com a esperança preenchendo o meu peito, foi instintivo me
mover. Queria me libertar e correr em direção aos policiais, para a

segurança que eles representavam, mas, outra vez, tudo o que

consegui foi aumentar os machucados no meu pulso e fazer meu


abdômen doer ainda mais.

Engoli um choramingar.

— Riquinho desgraçado! — meu irmão rosnou e emitiu vários


outros palavrões.

— Você disse que não teria polícia, mano! — Jack falou em

um tom baixo e trêmulo, depois aumentou o tom, repetindo: — Você

disse que não teria polícia.


— Eu sei!

— Você prometeu, Liam! — gritou, erguendo o braço e

apontando a arma em direção ao meu irmão. Eu temi pela


segurança de Liam. — Você prometeu que não aconteceria nada,

agora estou fodido por sua causa.


Jack deu alguns passos para frente, a expressão dele
beirando a loucura.

— Eu acreditei em você, cara, agora vou pra cadeia por nada!


— falou, desesperado.
Mesmo armado, meu irmão recuou um passo para trás, como
se isso fosse colocá-lo em segurança.
— A culpa é da vadia! Dela e do riquinho de merda! — Liam

defendeu-se em um tom fraco. 


— Não era pra eu estar aqui... não era pra eu estar aqui,
caralho! — falou com urgência, balançando a cabeça em negativa.

Jack ficou nervoso com o silêncio do meu irmão, ficando


ainda mais quando a polícia se anunciou, pedindo que eles se
entregassem.

— Merda! — Jack praguejou. — Eu não posso ser preso! Eu


não fiz nada!
— Calma…

— Calma o caralho, Liam! — Ele ergueu um pouco o braço.


— Você mentiu para mim! Você me traiu. E vai me pagar por isso!
Antes que Jack pudesse acionar o gatilho, Liam, dando um

grito cheio de raiva e agindo de forma insana, se jogou para cima


dele, os dois indo ao chão. Passaram a lutar ferozmente um contra

o outro enquanto a polícia mais uma vez mandava que se


rendessem.
Eu fechei os olhos, sentindo o medo retorcer as minhas

vísceras, torcendo para que esse pesadelo findasse logo. Meu


corpo tremia. Estava tão tensa quanto uma corda de um instrumento
prestes a arrebentar.
O som do tiro ecoando por todo o cômodo fez com que o grito

reprimido de pavor escapasse da minha garganta. Meu corpo


chacoalhou com mais força, as lágrimas nublando a minha visão,

quando escutei um gemido alto e animalesco do meu meio-irmão. O


temor que senti pela vida de Liam era real.
Não tive tempo de processar mais nada, pois logo outro

disparo se fez ouvir e um caos enorme se instaurou no cômodo com


a invasão da polícia. Apenas tornei a rezar, torcendo para que todos
nós ficássemos bem, principalmente meu meio-irmão.
Capítulo trinta e dois

Passei a mão pelos cabelos nervosamente, interrompendo


abruptamente os meus passos, apenas para girar o meu corpo e

voltar a andar, acompanhando com o canto do olho a equipe policial

cercar todo o prédio. Uma equipe de atiradores treinados parecia


estudar o local para se colocar em posição, embora estivesse muito

escuro e apenas as luzes carregadas por eles iluminassem o


ambiente.

— Scheiße[18]! —— praguejei baixinho.

Por mais que contatar a polícia e mexer os pauzinhos para

que uma operação de resgate fosse feita tenha sido rápido, esperar
de mãos atadas era agonizante. Cada segundo sem saber se Ana

estava bem, sem tê-la em meus braços, era uma tortura que parecia
consumir minha alma. E saber que ela estava tão próxima de mim,

dentro daquele prédio, e ter que ficar a distância, junto com a equipe

de paramédicos, só aumentava aquela tortura. Era muito difícil e


frustrante.

Caralho! Felizmente o celular não foi desligado e isso permitiu

que a polícia pudesse localizá-la facilmente.


Continuei a andar de um lado para o outro, perdido, sentindo

cada grama do meu corpo doer com a tensão, até que ouvi o

negociador da polícia pedir para que o irmão dela e o amigo se


rendessem e que assim ninguém se machucaria. Meu coração

bateu com mais força contra meu peito diante da expectativa, com
uma vozinha sussurrando na minha cabeça que o irmão de Ana não

se entregaria sem o dinheiro. Suor frio cobriu minhas palmas e

começou a empapar minha camisa ao pensar que ele poderia reagir

mal e cumprir sua promessa de matá-la.

— Você tinha que arriscar — falei para mim mesmo, mas

minhas palavras não me ofereceram nenhum consolo.


Repetiram a ordem, porém nada aconteceu. O pavor fincou

suas garras com todas as suas forças em minha alma.


Diferentemente das pessoas ao meu redor, minha inquietação
tornou-se maior.

— Ana! — Um grito escapou pela minha garganta, o

desespero apertando o meu peito, quando o som de um disparo

alcançou os meus ouvidos, seguido da voz desesperada da minha

mulher.

Sem pensar em mais nada, com lágrimas se formando em


meus olhos perante o medo de perdê-la, tentei correr em direção ao

prédio.

— Não pode ir, senhor — uma voz grossa soou próxima ao

meu ouvido e uma mão forte segurou o meu braço com força, me

impedindo de prosseguir.

— Me solte! — Fui ríspido, tentando me desvencilhar.

— Não, senhor! — Outro policial se colocou na minha frente.


— Para trás, agora!

O agente me empurrou quando tentei avançar.

— Não! — gritei no momento em que houve um segundo

disparo.

Tentei avançar, mas sem sucesso, já que, além da barreira

que os dois formavam, minhas pernas fraquejaram.


Não consegui mais conter o meu choro. O fracasso, a culpa, a

dor da impotência e do medo da perda me sufocavam.


Passei a chamar o nome de Ana com a voz baixa,

implorando, como se isso a trouxesse para mim, enquanto era


arrastado para trás da viatura pelos policiais.
Todos os sentimentos que me tomavam eram profundos e

caóticos e me machucavam, deixando um vazio estranho. Era uma


sensação que experienciei poucas vezes, como na morte do meu

avô, na traição de Ignaz e na descoberta de que meu primo tinha


rejeitado a própria filha.

Não prestei atenção mais nos sons e naquilo que acontecia


ao meu redor. Parecia estar preso em um buraco profundo e eu não
tinha forças para sair dele. Poderia ter se passado uma hora ou dez

minutos, a única coisa que ainda estava consciente era que


continuava a pronunciar o nome dela incessantemente enquanto

lágrimas quentes e dolorosas escorriam pelo meu rosto.


Os paramédicos passando por mim correndo me trouxeram

de volta a realidade e, com ela, a dor dilacerante. Mil possibilidades


passavam pela minha mente e todas elas deixavam meu peito em
carne viva. O desespero fez com que eu ficasse fincado no lugar,

sem saber o que fazer, além de assistir o ir e vir da equipe.


— Ana! — murmurei ao vê-la saindo do prédio apoiada por

dois paramédicos. — Ana! — gritei, não conseguindo conter um


sorriso de alívio em meio às lágrimas enquanto corria na sua

direção.
Ela ergueu o rosto e nossos olhos se encontraram mesmo a

distância.
— Deus, Ana! — Sussurrei em meio a um gemido, que
descarregava um pouco a tensão que ainda percorria o meu corpo,

ao parar de frente para ela.


— Hadrian! — A voz dela saiu áspera, como se não bebesse

água há algum tempo.


Sentia raiva pelos machucados que, mesmo com a luz
escassa, podia ver que cobria seu rosto e provavelmente seu corpo,

mas, naquele momento, minha felicidade e alívio em vê-la viva


sobrepujava qualquer outro sentimento.

Eu tremia da cabeça aos pés. Ana não tinha sido arrancada


de mim e eu teria um futuro pela frente com ela!

Ergui minha mão para tocar a bochecha lesionada, porém


desisti, temendo causar mais dor a ela, o local parecia bem inchado.
Percebendo a minha hesitação, Ana cruzou a pequena

distância que havia entre nós e seus braços finos circularam o meu
tronco. Tremendo pela emoção de tê-la contra mim outra vez,
devolvi o abraço, controlando-me para não a esmagar como a
minha mente pedia, principalmente quando a ouvi emitir um gemido

de dor.
Mas, porra, eu sentia uma necessidade enorme de confirmar

que Ana não era uma ilusão criada pela minha cabeça, não era fruto
da minha imaginação.
— Obrigada, Hadrian, obrigada por me salvar… — sussurrou,

começando a chorar, seu corpo pequeno convulsionando com os


soluços.

Engoli o sentimento de impotência, pois eu não havia feito


nada no fim das contas. Como eu queria ter feito mais!

— Gott[19], Ana, eu tive tanto medo de te perder… — Inspirei

fundo, sentindo o cheiro dela misturado a suor, sangue e lixo, mas,


isso não importava. — Caralho, eu ainda estou com muito medo de
te perder!

Ela segurou a minha camisa com desespero, erguendo um


pouco o rosto para me encarar.

A raiva queimava em meu interior. Raiva do irmão dela por


não ter cumprido a sua palavra de não a machucar, raiva do
comparsa dele que participou da agressão, e raiva de mim mesmo
por não a proteger como ela merecia. Mesmo que não soubesse de
nenhum perigo iminente, eu deveria ter contratado uma equipe de
segurança para ela e para Verena. Isso teria evitado essa merda

toda.
Senti um gosto amargo na boca, gosto do fracasso.

— Eu tive tanto medo, Hadrian… 


— Posso imaginar, zuneigung, posso imaginar… — falei
depois de tragar o ar com força, acariciando suavemente os cabelos

dela.

Ficamos em silêncio por uns instantes, procurando conforto


no calor do corpo um do outro. Lentamente, nossos corações foram

se acalmando, embora as lágrimas ainda deslizassem pelas nossas

faces.

— Me sinto uma tola — murmurou, a vergonha deixando sua


pele avermelhada.

— Xiu… — Coloquei uma mexa de cabelo atrás da orelha

dela. — Não pense nisso agora, Ana.


— Eu…

Calei-a com um selinho suave. Nunca um contato de lábios,

mesmo que breve e gentil, me pareceu tão poderoso. Aquele beijo


representava a vida, o futuro que construiríamos juntos.
— Teremos tempo para conversar depois, amor…

O rosto dela pareceu se iluminar, os olhos brilhando, quando


me ouviu usar a palavra amor.

Sorrindo, beijei a testa dela e depois a bochecha machucada,

e a senti estremecer outra vez. Me xinguei mentalmente pelo meu


ato imprudente.

— Eles te machucaram muito? — questionei o que parecia

óbvio.

— Uns tapas no rosto e chutes na barriga…


A fúria tornou a inundar as minhas veias, bem como a

sensação de derrota.

— O outro cara te violentou?


— Não, mas ele esteve muito perto disso, Hadrian. Eu… — se

interrompeu quando um calafrio a percorreu, e as lágrimas tornaram

a acumular nos seus olhos.


Não prosseguiu, apenas me abraçou com mais força, e

começou a chorar, cedendo ao desespero. Meu corpo ficou

completamente tenso ao pensar no filho da puta, que nem sabia o

rosto, abusando da minha mulher.


— Se acalma, amor, ele não pode te fazer mais mal algum —

sussurrei, traçando círculos pela costa dela.— Eu estou aqui com


você. Ele não pode mais te tocar…

Ela fungou e se agarrou com mais força em mim, um lamurio

de dor deixando seus lábios. Apoiou o queixo no meu peito, os olhos


pequenos se arregalando, e me encarou.

— Promete? — Mal ouvi sua voz.

— Sim, zuneigung… — Deixei mais um selinho em sua boca.

— Eu falhei uma vez com você, mas isso não acontecerá uma
segunda vez…

— Hadrian… 

Dei um sorriso amarelo, movimentando os meus ombros,


meus músculos se contraindo com a tensão, e a abracei de novo.

Permanecemos assim em silêncio. Eu ignorava a

conversação ao nosso redor, focado na mulher em meus braços.

Nunca mais ela sairia do meu campo de visão.


— Verena… — Pareceu preocupada com menina. Mesmo

que fosse algo inerente da natureza de Ana, me senti tocado.

— Eu a deixei dormindo, não quis assustá-la.


Ana pareceu um pouco aliviada, mas a inquietação ainda

estava ali.

— Não se preocupe. Don e a esposa estão no meu

apartamento caso ela acorde — respondi a pergunta muda dela.


— Hadrian! — Arfou, sabendo o quão difícil era para mim

confiar os cuidados de Verena a outra pessoa que não fosse um de


nós dois.

— Não podia deixá-la sozinha…

— Me desculpe por forçá-lo a fazer isso, amor — falou


baixinho e eu me deleitei por ela me chamar de amor também.

— Sei que Don me ligaria na hora se precisasse de mim —

tentei demonstrar confiança em minha voz, mesmo que eu não

tivesse toda a certeza disso.  — E eu preciso começar a confiar em


outras pessoas também.

— Você vai conseguir, Had… Liam! — Deu um grito ao ver

uma equipe de paramédicos passar por nós empurrando uma maca.


Desvencilhando do meu abraço, Ana foi atrás deles. Por um

momento, fiquei parado, preso ao pensamento de que aquele

desgraçado não merecia a preocupação dela, não depois de tudo o

que tinha feito, mas tentei me colocar no seu lugar.


Eu não fiz o mesmo por Ignaz? Mesmo ele tendo me

quebrado, me fodido de inúmeras formas, eu não tinha sofrido

quando soube da morte dele? No meu íntimo, eu ainda não sofria


por ele?
Engoli em seco. Por mais que eu quisesse esmurrar esse

cara, eu não poderia julgar Ana por ainda amá-lo.

— Ele vai ficar bem? — questionou em um fio de voz quando

eles estavam prestes a fechar a porta da ambulância.


Coloquei uma mão sobre o ombro dela, querendo prestar meu

apoio. Ela girou um pouco o pescoço para me encarar e eu vi medo

de ser julgada em sua expressão. Foi como receber um golpe forte


no abdômen.

— Sim, senhorita, o tiro não pegou em nenhuma região vital

— falou um dos socorristas.

— Obrigada — um som audível de alívio escapou dela e meu


toque ficou mais firme.

O homem assentiu antes de fechar a porta e eu afastei Ana

para que ela não se machucasse.


— Vamos cuidar de você agora, mocinha?  — falei, depois de

assistirmos o veículo partir. — Quero ter certeza de que você

realmente está bem.

Sem esperar uma resposta, a conduzi até uma outra


ambulância. Só respirei aliviado quando estávamos a caminho do

hospital para que ela fizesse um check-up completo, mesmo sob

seus protestos.
Capítulo trinta e três

— Está tudo bem, amor? — Hadrian perguntou, acariciando


suavemente o dorso da minha mão.

Estávamos no táxi, retornando para o apartamento dele. Sorri

pela preocupação dele e também pela ternura em sua voz, mesmo


que a minha bochecha doesse ao fazer isso.

— Só estou muito dolorida e louca para me livrar desse cheiro


horrível…

— Você está não está fedendo, Ana.

— Eu sei…  — murmurei, olhando para o rosto cansado pela

noite passada em claro.


Enquanto esperávamos o resultado de todos os exames para

ver se a agressão de Liam havia machucado algo internamente,


Hadrian havia providenciado não apenas itens para um banho

longo, mas também roupas limpas.

— Acho que essa sensação nunca vai me deixar, o cheiro


parece impregnado em mim — continuei, contendo a vontade de

estremecer quando as lembranças de tudo correram pela minha

mente em flashes que fiz de tudo para interromper, mas que


surgiam de forma indesejada. 

— Mas não está — curvou-se na direção do meu pescoço e

inspirou —, está cheirando a sabonete.


— É, eu sei.

Respirei fundo e senti o cheiro ruim, mesmo que de fato não


estivesse mais suja.

— Vai passar, Ana — falou com uma convicção que eu não

conseguia sentir, entrelaçando nossos dedos para apertar a minha

mão. — Enfrentaremos isso juntos. Um dia de cada vez.

— Obrigada pelo apoio, Hadrian… — agradeci pela milésima

vez.
— Não por isso, amor… — Sorriu gentilmente.
Desviei o olhar, fitando a calçada em movimento através da
janela do carro.

Mesmo que eu e Hadrian ainda não tivéssemos tido tempo

para conversar, eu esperava ver julgamento em suas feições,

principalmente por eu ainda me preocupar com Liam, que,

felizmente, tinha sido baleado na coxa, mas não corria risco de

morte, porém tudo o que encontrei nele foi compreensão.


Hadrian me dava carinho, oferecendo palavras de conforto,

coisas que achava que não merecia, como também não era

merecedora das lágrimas de angústia e do desespero que ele sentiu

por minha causa.  Ele deveria estar com raiva de mim, furioso com

as consequências das minhas ações que trouxeram para ele apenas

dor de cabeça. Deveria estar colérico por eu ter mentido mesmo

sabendo que odiava essa atitude. Outra pessoa, provavelmente,


nem olharia mais na minha cara.

Poderia não saber o que aconteceria com a gente no futuro,

mas, no momento, eu o agradecia enormemente por não ter virado

as costas para mim.

Deus! Precisava e muito daquele toque, de sentir o calor de

pele contra pele, de ouvir a voz dele, da segurança que emanava de


Hadrian. Era incrível como a presença dele me dava a garantia de
que tudo acabaria bem, de que Liam e Jack não poderiam mais me

ferir só porque ele estava ali do meu lado.


— Vamos? — perguntou suavemente e só então me dei conta

que o táxi havia parado em frente ao prédio onde morávamos. —


Verena deve estar desesperada para ver você.
— Claro! — concordei, abrindo a porta do carona, sentindo

um aperto no peito.
Para tentar acalmar a menina por nenhum de nós dois estar

presente quando ela acordou nessa manhã, havíamos conversado


com ela por telefone por vários minutos até que o choro diminuísse

consideravelmente e ela tivesse a certeza de que nós dois


voltaríamos em algumas horas. Não havíamos contado o que tinha
acontecido, mas estava ciente de que assim que visse os

hematomas pelo meu rosto e braços, a garota esperta faria


perguntas, além de com certeza ficar assustada.

Não podia mentir para Verena, mas também precisava ser


cuidadosa na escolha de palavras para não a apavorar. Ela não

precisava saber dos detalhes do que havia acontecido comigo. 


Deus! Seria tão difícil...
— Está tudo bem, Ana, o pior já passou. — Hadrian

entrelaçou os nossos dedos, tornando a apertá-los.


— Verdade — concordei. Tentava colocar isso na minha

mente. — Estou me comportando de forma idiota.


— Hey! Também não precisa se maltratar assim. Você passou

por muita coisa e levará tempo para processar tudo.


Reprimi as lágrimas que teimaram em cair por causa da

doçura das palavras dele.


Em silêncio entramos no prédio. Fiz de tudo para não me
encolher quando cruzamos no hall dos elevadores com um homem

elegante de cabelos negros, vestido com um terno verde escuro,


que me olhou de forma tão analítica e fria que foi impossível não me

sentir perturbada e exposta. O estranho também não fez nada para


esconder a curiosidade. Hadrian não se incomodou, apenas
cumprimentou-o educadamente.

Assim que as portas de metal se fecharam atrás de nós, emiti


um suspiro longo e cansado. Hadrian não disse nada até chegarmos

no nosso andar. Em instantes, estava digitando a senha para abrir a


porta. Assim que pisamos no hall, escutei o choro estridente de

Verena. Foi instintivo para mim, mesmo que meu corpo todo doesse,
correr em direção ao som. Ouvi os passos de Hadrian atrás de mim.
Meu coração pareceu ser partido ao meio ao ver a garotinha

sentada no colo de uma mulher que supus ser a esposa de Don e


que tentava acalmá-la com um tom gentil e maternal. Órion, protetor,
cheirava os pés de Verena calçados com meias e também distribuía
lambidas pela perna dela.

— Ana! — gritou antes mesmo que eu me aproximasse,


correndo até mim.

— Oi, meu amor, eu estou aqui — falei, abaixando-me para


poder ser envolvida pelos braços fininhos.
Não consegui controlar as minhas lágrimas ao sentir o calor

do corpinho dela, o cheiro docinho do seu perfume infantil invadindo


minhas narinas. Inspirei fundo várias vezes, deixando que a

fragrância dela afastasse a sensação de que eu estava imunda da


minha mente. De alguma forma, o cheirinho dela ajudou a amenizar

aquela sensação.
Deus! Nem sabia o quanto eu necessitava daquele abraço da
minha princesinha.

Chorei ainda mais com o medo agora infundado que me


invadiu de nunca mais vê-la, de nunca mais receber os seus

sorrisinhos alegres e arteiros, tanto que eu a abracei com mais


força, como se ela fosse escapar de mim.
Eu amava Verena mais do que a mim mesma. Não sei por

qual razão, enquanto era cativa de Liam e de Jack, não pensei nela
e na possibilidade de nunca mais poder olhar para o seu rostinho.
Talvez uma parte de mim tenha reprimido a perspectiva dolorosa.
— Pensei que você tinha ido embora! — choramingou.

Fungando, se apegou ainda mais a mim.


— Nunca vou te abandonar, meu amor, se lembra? — voltei a

falar com a voz embargada. Afastei-me um pouco para olhar para o


rostinho transtornado dela, ignorando o focinho de Órion que se
colocava entre nós duas. — Eu te amo demais!

— Mary falou isso, mas não sabia se era verdade! — disse

baixinho. Eu olhei por cima do ombro de Verena e agradeci


silenciosamente a mulher.

— Como não, princesa? — fingi que estava indignada.  — Já

disse que eu amo você várias vezes.

— É… — Ela deu um sorrisinho envergonhado, as lágrimas


ainda marcando o rosto avermelhado.

— Eu falei que voltaria quando conversamos pelo telefone,

querida. — Acariciei uma mecha do cabelo loiro macio. — Eu não


descumpriria com a minha palavra. Nem o seu primo.

— Eu sei, Ana, mas eu tava com medo. — Fungou.

— Não precisa ter mais medo, princesa. Eu e o seu primo


estamos aqui agora.
— Don e Mary também — Hadrian brincou.

— Sim! Eles me deram cookies e leite!


— Estava gostoso? — Não questionei a escolha de café da

manhã feita por eles.

— Muito! — Soou empolgada.


Demos uma risada com o entusiasmo dela e Órion acabou

latindo também.

Verena ficou me encarando com os olhos acinzentados

arregalados, parecendo pensativa, analisando o meu rosto, ao


passo que o cachorro me cheirava. Será que o animal sentia

também o cheiro de lixo em mim?

— Que que aconteceu? — Tocou o inchaço na minha


bochecha com as pontas dos dedinhos e eu estremeci de dor,

porém o contato era um bálsamo para as minhas feridas. — Por que

tá machucada? Você não tava na casa dos seus coleguinhas?


— Sim, eu estava.

— A gente ficou esperando você um tempão pra gente ir na

pizzaria — ralhou comigo, baixando a mãozinha. Eu não contive um

sorriso com a bronca infantil. — Órion também.


— Eu sei, princesa. Me desculpe por isso.

Tornou a assentir em concordância, mas ainda estava séria.


— Mas por que você tá machucada? — Seu rostinho se

franziu e vi novas lágrimas deslizando pelas bochechas dela. —

Você caiu, Ana?


— Infelizmente não, meu bem. — Meu sorriso ficou triste. —

Deus, é tão difícil de explicar!

— É só contar, ué…

Quis rir diante da simplicidade dela, mas não consegui.


— A Ana foi sequestrada por dois homens maus — falei,

suprimindo que um deles era o meu próprio irmão. Isso só

confundiria a cabecinha dela.


— O que é sequestada…?

— É quando alguém é levado a algum lugar contra a vontade

dele, gatinha — Don explicou em um tom grave.

Verena abriu e fechou a boca para dizer algo, mas acabou


voltando a chorar.

— Agora está tudo bem, princesa — murmurei, voltando a

abraçá-la, querendo transmitir uma segurança que nem eu mesma


sentia —, está tudo bem.

Tracei círculos pelas suas costas dela.

— Por-que que e-eles fi-ze-ram iss-o? — perguntou entre

soluços.
— Eles queriam dinheiro, querida. — Meu sorriso tornou-se

fraco.
Pensar que meu meio-irmão fez tudo aquilo por dinheiro seria

uma ferida que, diferentemente dos hematomas e a dor das lesões,

tão cedo se curaria, se é que um dia eu conseguiria superar.


Talvez fosse exagero, mas sentia que eu tinha perdido Liam

para sempre e, com isso, o que restava da minha família.

— E você tinha dinheiro? — a menina perguntou tempos

depois, me cortando o fluxo de pensamento e eu acabei rindo do


tom que usou: uma mistura de consternação e inocência.

— Não, não tinha — falei, fazendo com que ela desse uma

risadinha.
— Mas se você não tinha dinheiro, por que eles te levaram?

— Por que eu namoro o seu primo, Verena, e ele tem

bastante dinheiro. — Relanceei um olhar para Don e para Mary, em

busca de julgamento, mas não encontrei nada além de


preocupação. — Eles sabiam que Hadrian daria o dinheiro que eles

queriam.

— Ah! — Pareceu pensativa novamente. — Eu também daria!


Sensível por tudo, a confissão dela atingiu a minha alma, e eu

chorei, fazendo com que Verena também tornasse a chorar.


— Por que cê tá chorando? — Fungou várias vezes, dando

um passo para trás.

— Por que eu te amo, Verena, e fico muito feliz que você me

ia me ajudar…
— Também amo você, Ana! — Deu um gritinho e pegando-me

desprevenida, deixou um beijo na minha bochecha machucada. Não

consegui conter um gemido dolorido.


— Verena, não pode beijar a Ana assim.

— Por quê? — Virou o rosto para Hadrian.

— É porque dói, meu bem — falei.

— Muito? — Pareceu ficar chateada, os olhinhos brilhando


com o pranto.

— Muito!

Fez beicinho.
— Eu vou cuidar de você!

— Cuidar? — perguntei, surpresa.

— Sim, que nem a enfermeira! — Moveu a cabeça de

maneira afirmativa.
— Hm… — Fingi pensar no caso dela, mas eu era muito

frouxa, já que cedi na primeira vez que ela demonstrou insegurança


e também agitação. — Por que não? Será divertido ter uma

enfermeira particular.
— EEEE! — Ao grito dela, Órion fez uma algazarra, latindo,

batendo o rabo com força no chão.

Sorri, agradecendo a Deus silenciosamente por me permitir

assistir e participar daquela festa outra vez.


— Já tomou café, senhorita…? — Mary questionou.

— Pode me chamar apenas de Ana — respondi. — Não,

ainda não comi nada. Meu estômago parece revirar só em pensar


em comida.

Era verdade. Só de pensar em ingerir algo, por menor que

fosse, me causava enjoo.


— Tem que comer, Ana! — Verena brigou comigo, colocando

as mãozinhas na cintura, batendo os pés no chão de maneira

impaciente.

— A prinzessin está certa!  — Senti a mão de Hadrian pousar


no meu ombro. — Você está a mais de horas sem comer, Ana!

— Eu…

— Você vai comer tudinho, Ana — a menininha continuou


naquele tom de comando e eu virei o rosto, trocando um olhar

divertido com Hadrian.


Escutei umas risadas abafadas.
— Ah, mas não quero — provoquei-a.

— Não tem que querer, mocinha! — Verena bateu o pé no

chão outra vez. Fez biquinho para mim.


Arqueei a sobrancelha, sentindo um pouco de dor com o

movimento.

— Tudo bem, eu só preciso tomar um banho antes — falei,


em concordância.

— Enquanto isso, vou preparar algo para vocês comerem.

— Obrigado, Mary — Hadrian agradeceu.

— Obrigada. — Me senti constrangida, já que era eu quem


era paga para fazer essas tarefas.

— Vou deixar vocês a sós — Don falou. — Fico feliz que

esteja bem, senhorita, e que nada muito grave aconteceu.


Agradeci outra vez.

— Vamos? — Verena pegou a minha mão.


— Aonde? — Me ergui.
— Tomar banho, ué! — Me olhou como se fosse óbvio.

— Ah, é.
— Vamos! — Começou a me puxar.
Emitindo uma risada, escutando o “cuidado” de Hadrian,
deixei-me ser puxada pela garotinha em direção ao banheiro do
quarto dela, onde não havia nada meu. Não me importei, não

quando minha pequena enfermeira mandona cuidou de mim com


tanto carinho, como se eu fosse uma das suas filhas bonecas, muito
menos quando, ralhando comigo, me forçando a comer, Verena me

fez esquecer temporariamente tudo de ruim que passei nas mãos de


Jack e Liam.
Capítulo trinta e quatro

Suspirando, abri os meus olhos, sendo recebido pela


escuridão. Não era uma surpresa eu ter dormido tanto, não depois

de estar extremamente cansado da noite insone e agonizante. Meu

corpo tenso tinha implorado pelo descanso e, com minhas duas


meninas ao meu lado, bastou eu pousar minha cabeça sobre o

travesseiro que o sono veio.


Pensar nelas fez com que eu me movesse no colchão com

cuidado para não as acordar, porém, para a minha decepção,

nenhuma das duas estava ali. Pela frieza do lençol, deveria fazer

um bom tempo que elas estavam acordadas. Conformado, deixei a


cama e, depois de usar o banheiro para passar uma água na minha

cara superamassada e ajeitar os cabelos arrepiados, fui procurar


por elas.

Passei pelo quarto de Verena e decidi dar uma espiada por lá.

Acabei encontrando a menininha adormecida, os cabelos longos e


loiros esparramados pela fronha, enquanto Órion estava deitado nos

pés dela. O animal ergueu a cabeça ao me ver, porém não emitiu

nenhum som. Sorri pela inteligência dele em não acordar sua


protegida.

Fechei a porta suavemente e fui atrás de Ana. Acabei a

encontrando na varanda, sentada em um pufe, olhando o céu com


algumas estrelas enquanto levava uma caneca aos lábios. Um filete

de luz iluminava o seu rosto melancólico e distante.


—  Você não deveria estar descansando? — murmurei.

— Estou descansando, não vê? — Girou um pouco o pescoço

para me encarar e me mostrou a caneca.

Sorri perante a brincadeira dela, mesmo que ainda houvesse

seriedade em sua expressão. Com passos preguiçosos, me

aproximei de onde ela estava.


— Deveria estar dormindo — provoquei-a.
— Não preciso ficar o dia inteiro na cama, Hadrian, não estou
tão mal assim— retrucou.

— Que bom para você, amor, pois eu poderia dormir por uma

semana…

— Por que não continuou na cama?

— Precisava fazer xixi e queria ver onde vocês estavam. —

Ana acabou sorrindo para mim. — Nem vi vocês saindo.


— É, você estava dormindo feito pedra. — Deu uma

risadinha.

— O estranho é Verena ir dormir na cama dela… — Passei a

mão pela barba, sentindo que eu precisava aparar os pelos.

— Ela disse que você estava roncando demais, mais do que

Órion — caçoou de mim. 

Fiz uma careta de todo tamanho com a comparação com o


cachorro e a risada dela tornou-se mais alta.

— Só espero que não venha a se tornar algo recorrente…

Bufei, fingindo irritação, fazendo Ana gargalhar ainda mais.

Joguei meu corpo displicentemente em um pufe.

— Venha cá, Ana — convidei-a para se aninhar em mim.

Ainda rindo, pousou a caneca sobre a mesinha e não hesitou


em se colocar ao meu lado. Passei um braço em torno dela,
enquanto sua cabeça pousava contra o meu peitoral, seus dedos

trilhando um caminho pelo meu bíceps. Inspirei o cheiro dos cabelos


dela, achando engraçado sentir a fragrância do shampoo de Verena.

Ana emitiu um som dolorido.


— Está tudo bem, amor? — perguntei pela milésima vez em
pouco tempo.

— Fisicamente sim, mas não emocionalmente — se


acomodou ainda mais em mim, soltando um outro barulho tristonho.

— Eu sei — foi a minha vez de suspirar profundamente.  —


Você quer conversar sobre o que você está sentindo? Sei que não

sou um profissional, mas…


Senti meu corpo ficar tenso quando ela não respondeu,
desejando muito que Ana abrisse seus sentimentos para mim. No

fundo, sabia que estava sendo injusto. Eu não poderia exigir dela
algo que ainda não tinha oferecido: meus medos, minhas mágoas,

minhas dores, aquilo que me machucou. Se eu quisesse que


realmente nossa relação fosse transparente, eu teria que dar o

primeiro passo e me abrir com ela, mas, porra, estava com medo.
Muito medo. No entanto, esse medo em nada se comparava a
perspectiva de passar uma vida inteira tendo que mascarar minhas

angústias por temer ser ferido, de esconder-me de Ana e, a longo


prazo, colocar tudo a perder. Eu sabia que esse seria o fim

inevitável, em que tudo o que construímos se transformaria em pó.


Deslizei minha mão pelo braço dela, acariciando-a

suavemente. Talvez não fosse o momento certo, já que fazia menos


de vinte e quatro horas que ela tinha passado por algo tão pesado,

mas eu precisava contar a ela.


— Eu entendo o que você está sentindo, zuneigung. — Mal
reconheci a minha voz tamanha rouquidão. — Sei o que é ser

machucado pela pessoa que mais se ama.


— Mesmo? — Ela ergueu um pouco o rosto para me encarar,

não escondendo a surpresa.


— Não da forma que você foi, mas, infelizmente, sim, Ana. —
Dei um sorriso sem graça, toda a dor e a amargura causadas por

Ignaz naquele dia retornando de forma angustiante. —Acho que a


traição me dói até hoje.

— Por isso você tem problemas de confiar nas pessoas? —


Continuou a dedilhar a minha pele, brincando com os pelinhos.

— Sim.
— Foi uma mulher? — Seu tom era curioso.
— Você deve ter lido sobre os dois caras na minha cama —

provoquei-a.
— Sim. — A vi ficar avermelhada com a admissão. — Foi o
escândalo do mês.
— Sim, foi.

— Você a amava? — perguntou depois de vários minutos em


silêncio.

— Não, não amava, não dá para se amar alguém que você


nem sequer confia — respondi com uma convicção que deveria me
assombrar.

Ela engoliu em seco.


— Entendo.

— Ser chifrado só me serviu para relembrar do que as


pessoas são capazes de fazer, mas, não, Ana, não foi uma mulher

que me machucou. Foi o meu primo.


— Ignaz…
Foi instintivo trazê-la mais de encontro ao meu corpo,

buscando conforto enquanto remexia em coisas tão dolorosas.


— Sim, o homem que eu mais amava depois do meu avô —

respondi amargamente. Uma vez que comecei, não consegui parar


de falar, dizendo tudo o que vinha a minha mente, cutucando as
feridas mais fundo, talvez soando incoerente: — É claro que antes

tive minha dose de feridas causadas pelos meus pais. Além de ser
um objeto na guerra particular de ego que eles travavam, as
inúmeras mentiras contadas por eles cobraram o seu preço no meu
corpo e mente. Eram mentiras atrás de mentiras. Brigas,

escândalos... Até o meu avô vir da Alemanha para os Estados


Unidos e me levar para morar com ele, quando eu era ainda criança,

por muito tempo eu odiei a minha existência. Porra, não sabe


quantas vezes pedi para não ter
nascido.                                                                                                

                                                                                                             

                                                                                                             
                                                                                                             

                                                                                                             

                                                                                                             

                                                                                                             
                                                                                                             

                                                                                                             

                                                                                                             
  

Parei para tragar o ar com força.

— O problema era eles, não eu… — falei baixinho. — Não eu,


que tentei de tudo para que eles me amassem.
— Claro que não, Hadrian, você era só um menino. — Deixou

um beijinho no meu queixo.


— Sim, eu era. Vovô me ensinou o que é amor, que eu valia a

pena, que existiam pessoas boas… Ele me fez aproximar de

Ignaz…
Me deu outro beijo, que tocou a minha alma ferida, ajudando

a curá-la de alguma forma.

— Meu primo, naquela época, foi a segunda coisa mais

importante que me aconteceu. Eu ganhei um amigo, um confidente,


um protetor… — senti como se uma mão invisível espremesse o

meu peito. — Um irmão…

Ela fungou baixinho.


— Em partes, foi ele quem ajudou a colocar na minha cabeça

que eu não tinha culpa nenhuma das merdas dos meus pais… —

Fiz outra pausa, ela não disse nada. — Ignaz era o meu super-herói
e, por toda a minha adolescência, eu me espelhei nele, mais até do

que no meu avô.

— Imagino.

— Eu teria dado a minha vida por ele, Ana. Teria dado tudo o
que eu tenho e o que sou. Eu o amava. Muito. Mesmo assim, isso

não impediu Ignaz de me apunhalar pelas costas.


— O que ele fez? — murmurou, parecendo prestes a

chorar...por mim.

Porra! Ela é tão empática, como se a minha dor fosse a dela.


Beijei a fronte de Ana, demonstrando toda a minha gratidão a ela.

— Meu avô, um pouco antes de falecer, escolheu-me para

ocupar a presidência da Falkenberg, já que meu primo, apesar de

ser o vice-presidente, não tinha comprometimento com o cargo.


Festas, bebidas, mulheres, drogas, dinheiro, extravagância, tudo

roubava o foco dele.

— Engraçado você não ter seguido por esse caminho.


Franzi o cenho. Nunca tinha parado para pensar nisso.

— Acha mesmo?

— Visto a influência do seu primo sobre você, seria o caminho

natural. Me surpreende que não tenha virado um playboy festeiro e


mulherengo.

Ela deu uma risadinha quando bufei.

— Provavelmente foi porque não queria ser igual aos meus


pais, sempre brigando, fingindo estar em um relacionamento

saudável, mas que no fundo era caótico e cheio de infidelidade de

ambas as partes — confessei. — Não queria estar pouco me

fodendo para tudo, ter uma vida vazia.


— O que é vazio para mim, pode não ser para você, Hadrian

— comentou suavemente. — Existem várias formas de se


preencher, e tem gente que gosta de ter uma vida social atribulada.

— É... — Amargo, não concordava muito com isso.

— O estilo de vida deles não justifica o abandono e os danos


que causaram em você — emendou. — Eles não tinham o direito de

machucar uma criança.

— Não, não tinham… é estranho como meus olhos sempre

estiveram abertos para os erros dos meus pais, mas nunca para os
do meu primo… Fiz vista grossa para todos os defeitos dele, até o

maldito dia em que Ignaz decidiu marcar uma reunião com todos os

conselheiros, inventar um monte de mentiras sobre mim, apenas


para ficar com a presidência. Porra! Ele chegou tão longe, ao ponto

de forjar documentos para me incriminar!

Balancei a cabeça, meu coração sangrando com a enorme

fresta aberta por Ignaz.


Ana distribuiu vários beijinhos pelo meu queixo.

— Eu não sabia que a presidência era tão importante para ele

— continuei. — Se ele tivesse me falado, eu teria renunciado


imediatamente.

— Por amor…
— Por amor — repeti as palavras dela, dando um sorriso

triste. — Pelo meu avô. Por Ignaz. Não sabe o quanto desejei que

ele tivesse me dito o que sentia, que ele não tivesse fingido que

aprovava as minhas decisões finais, que não tivesse tentado me


roubar, usando informações que ele tinha acesso porque eu

confiava nele e permitia que mexesse nas minhas coisas. Como

queria que Ignaz não tivesse me tirado a capacidade de confiar em


alguém, algo que tinha sido aniquilado pelos meus pais.

— Ele não roubou isso completamente de você — sussurrou.

— Você sabe que sim, Ana. Você sentiu na pele a minha

desconfiança. Por muito tempo agi assim. — Olhei para frente, mas
não podia dizer que enxergava algo.

— É…

— Eu me fechei em uma concha, não deixei que ninguém se


aproximasse, para não ser ferido outra vez. Não tenho amigos e não

consegui levar nenhum relacionamento adiante, porque eu sempre

espero o pior das pessoas. — Até mesmo de você, uma vozinha

falou na minha cabeça. Silenciei meus pensamentos. — Mas a


chegada de Verena mudou tudo, e eu tive que aprender a confiar

outra vez. E você me fez ver que eu posso acreditar em alguém

outra vez, Ana.


Uma lágrima escorreu pela bochecha dela.

Vi a culpa tomar seus olhos e o sentimento também se refletiu


no modo como ela saiu dos meus braços, como se não fosse

merecedora de estar próxima a mim. Se aninhou em si mesma,

parecendo extremamente solitária.

Um misto de angústia, raiva e dor por vê-la agindo assim me


assolou.

Porra! Não queria que ela se retraísse em si mesma. Não

queria que ela se sentisse sozinha.


— Mesmo eu tendo escondido coisas de você, Hadrian? — A

voz soou trêmula. — Como você ainda pode confiar em mim quando

não contei que o meu meio-irmão tinha mandado eu usar o meu


corpo só para conseguir arrancar dinheiro de você? Quando senti

vergonha e nojo de mim mesma por ter concordado com ele só para

escapar de uma agressão?

O choro se tornou abundante, mas antes que eu pudesse


dizer qualquer coisa, Ana continuou:

— Como você pode me querer, Hadrian, me aceitar, quando

eu poderia ter te contado a verdade, mas preferi fingir que nada


tinha acontecido? Como você pode me abraçar depois de tudo que

te causei? Olhar na minha cara? Como você ainda é capaz de ser


gentil com uma mulher fraca, que fechou os olhos para as maldades
do meio-irmão, uma mulher que fez de tudo por ele, mas que nunca

foi o suficiente? Alguém que não é nada, mas que vive da ilusão de

que um dia pode ser muito mais do que um zero à esquerda?


— Por que eu amo você, Ana — sussurrei, chacoalhando a

cabeça, tentando absorver todas as suas palavras, que me

mostraram não apenas uma mulher machucada, mas também


destruída emocionalmente. Provavelmente, foi vítima de abusos

psicológicos e era inconsciente disso. A raiva daquele canalha fez

meu sangue ferver, porém não era hora de falar sobre isso. —

Porque confiar é mais do que palavras, é se entregar a outra


pessoa, é acreditar que essa pessoa não vai te ferir, não vai te usar.

Você poderia ter me usado, mentido para conseguir o dinheiro, mas

não fez isso. Mas isso não importa, não quando eu aprendi também
a te amar.

— Hadrian! 
Encarei-a, vendo os olhos dela arregalados, cheios de
surpresa, a bochecha inchada molhada pelo choro.

— Não só me apaixonei por você, zuneigung, mas também


passei a te amar e a desejar uma vida inteira ao seu lado, Ana —
prossegui, minha voz embargando ao passo que o coração estava
disparado. — E isso, significa acreditar em você, nas suas escolhas.
É também ser paciente, aguardar o momento que se sinta segura
para se abrir, como você também terá que ter paciência comigo, já

que tenho tantos medos, tantas feridas abertas a serem


cicatrizadas, tanto a dizer…
— Deus!

— Eu amo você, e é por isso que eu te quero, que te desejo,


que estou disposto a recomeçar. Sem mentir, sem me esconder.
Desejo expor minhas falhas e inseguranças, quero me entregar

completamente a você, Ana. De corpo, alma. Anseio ser seu amigo,


seu companheiro, seu homem… e não há nada que eu queira mais
do que a sua entrega completa, que você seja a minha mulher.

Estendi a mão na direção dela.


— Aceita recomeçar comigo, zuneigung? — Dei um sorriso
ansioso, sentindo meu estômago embrulhar. — Sem mentiras, sem

omissões? — perguntei.
— Sim. — Ela colocou a palma sobre a minha.

Soltei o ar que eu havia prendido, sentindo meus músculos


relaxarem com a euforia que transbordava de mim.
Sem que eu precisasse dizer mais nada, sorrindo, Ana se

aproximou de mim, sentando ao meu lado no pufe. Inclinando-me


sobre ela, rocei meus lábios suavemente nos dela, apreciando
aquele deslizar moroso, delicioso. Infelizmente, ela estremeceu com
a dor quando, sem querer, toquei sua bochecha para intensificar o

beijo. Me afastei.
— Desculpa. — Ela pareceu sem graça.

— Não por isso — falei, enterrando minha mão na parte de


trás da cabeça dela, massageando os fios. — Só tenho que lembrar
que não posso tocar sua bochecha.

— É… — As bocas voltaram a se encontrar e, dessa vez,


tomei cuidado para não a machucar.
Nossas línguas brincavam uma com a outra, se explorando,

os gostos se misturando, gemidos surgindo à medida que o beijo se


tornava urgente. Sem fôlego, interrompemos o contato e tornei
acomodá-la contra o meu peitoral.

— Será que um dia irá passar? — perguntou baixinho,


quebrando o silêncio confortável em que estávamos.
— O quê?

— Essa dor.
— Não sei. — Preferi falar a verdade. — Por um momento,

achei que havia amenizado, mas, quando eu menos vejo, o


sentimento está lá, vivo. E a dor ganhou ainda mais força quando,
outra vez, a verdade de quem Ignaz era foi jogada na minha cara.

Suspirou.
— É errado continuar amando meu meio-irmão, Hadrian?
Mesmo depois de ele apontar uma arma para mim, me bater? É

errado querer que ele fique bem? Sinto que errei tanto com Liam…
talvez se eu… — calou-se.

A resposta poderia ser bem óbvia, mas não era.


— É errado eu dizer que, apesar de tudo, ainda amo o meu
primo? — respondi com outra pergunta.

Ela não disse nada.


— Não somos culpados por amar, Ana. Não somos culpados
por nos doar a pessoas que não precisam e não querem o nosso

amor. Amar não é um erro, não valorizar aquilo que foi dado é que
é. — Beijei a testa dela.
Ela emitiu outro som baixo.

— Me sinto tão sozinha…


— Você não está sozinha, zuneigung. Você tem a mim, tem
Verena, tem Órion. Sua minifamília.

— Minifamília? — Um sorriso começou a se formar na boca


gostosa.
— Sim.

— Você realmente me ama, Hadrian?


Franzi o cenho.
— É uma pergunta boba, não? — provoquei-a.

Ana continuou séria.


— Sim, amo. — Vi que ela não parecia acreditar. — Nada de
mentiras, lembra?

— Sim! — O sorriso finalmente se abriu. — Só é difícil de


acreditar.

— Não vejo por quê.


— Talvez tenham me feito acreditar que isso é algo
impossível… — Ela não precisou dizer quem havia falado isso.

— Seu meio-irmão estava errado. — Controlei-me para soar


suave, guardando a raiva que sentia do desgraçado para depois. —
Tudo bem que descobri isso em um momento não muito oportuno,

mas eu não tenho dúvidas que amo você, Ana. Sei que minha
declaração não foi muito poética e romântica, mas…
— Foi perfeita! — Me interrompeu. — Acho que amo você

também.
Minha sobrancelha se ergueu.
— Só acha?
— Tenho certeza de que em breve vou ter certeza — falou em
um tom brincalhão.
Bufei, o que fez ela gargalhar.

— Talvez amanhã? — provoquei.


— Quem sabe — disse em meio a risada.
Rosnei, fingindo estar irritado, mas acabei caindo na

gargalhada também.
Logo as risadas se transformaram em silêncio e assim
permanecemos até que uma certa menininha e um cachorro a

tiracolo apareceram, completando a reunião da nossa família.


Capítulo trinta e cinco

— Não precisa ficar tão tenso, amor, Verena está bem — falei,
desviando a atenção do cálculo que fazia para olhar para o homem

que mais uma vez emitiu um suspiro longo e preocupado.

— Eu sei, mas sabe o quão difícil é para mim. — Ouvi outro


som interminável e dolorido.

— Sim, mas você está lidando com a situação muito bem.


Hadrian bufou.

— Não tenho tanta certeza disso… estou quase surtando. —

Passou a mão pelos cabelos, puxando-os.

— Não é para tanto, Hadrian…


Balançou a cabeça, discordando, e eu revirei os olhos antes

de voltar a atenção para a minha equação.


— Eu não deveria ter deixado ela ir — falou depois de um

tempo. — Droga! Nem sei como vocês me convenceram disso.

— Hadrian! — gritei, exasperada, e voltei a fitá-lo. Ele fez uma


careta.

— Ela é muito nova para passar a noite fora.

— É só uma noite do pijama, amor, quase todas as crianças


nos Estados Unidos já participaram de uma festa assim. — Desisti

de estudar.

— Mesmo assim…
— Todas as amiguinhas dela estão lá…  E os Mortons são

confiáveis. Você não tem negócios com eles?


— Não é a mesma coisa — resmungou.

— Tenho certeza de que ela está se divertindo bastante. —

Me ergui e, depois de sair puxando o cachorro para fora e trancar a

porta, caminhei na direção de Hadrian. — Nem deve lembrar que

nós dois existimos.

— Que coisa horrível de se dizer, zuneigung. — Fez uma


careta de todo tamanho.
— É a verdade, Hadrian. — Dei um sorriso quando ele me
puxou na sua direção, trazendo-me para o seu colo. — Ela é só uma

criança, e crianças tendem a esquecer de tudo quando estão

brincando.

Me acomodei melhor contra o homem que eu amava,

encaixando-me sobre os quadris dele e envolvendo seu pescoço

com os braços.
Sim.  Eu o amava, embora ainda não tivesse dito isso em voz

alta.

Embora tivesse se passado mais de um mês do sequestro e

que Hadrian havia se declarado para mim, em partes, eu ainda me

sentia um caos de sentimentos. A dor física poderia ter passado, as

marcas deixadas pelos hematomas quase sumido, mas a minha

tristeza ainda era palpável, principalmente por saber que Liam


passaria muito tempo preso não só por sequestro, mas também por

ter, naquela confusão toda, acabado assassinando Jack.

Meus sentimentos pelo meu meio-irmão eram caóticos e eu

esperava aprender a lidar com eles da melhor maneira com a ajuda

da terapeuta que comecei a frequentar há duas semanas, e também

ao verbalizar aquilo que eu sentia para Hadrian. Mais e mais,


falávamos do passado, daquilo que nos machucava, e por mais que
o meu namorado não me julgasse, ele me fazia ver a situação por

um outro ângulo, uma perspectiva que me machucava ainda mais,


já que Hadrian me fazia enxergar o quanto não eram legais algumas

atitudes do meu meio-irmão, tornando-se impossível para mim não


me questionar se eu estava sendo cruel demais ou hipervalorizando
a situação, transformando Liam em um vilão.

— Acho que deveria ligar para ela para ver se está tudo bem.
— Meu namorado me trouxe de volta à realidade com essa frase.

— Você não vai fazer isso, Hadrian! — Franzi o cenho.


— Por que não? — A carranca dele ficou maior. Sua mão,

que estava no meu quadril, passou a acariciar minhas costas


possessivamente.
— Porque não faz nem uma hora que falou com ela, você

sabe que ela está bem. — Brinquei com os cabelos da nuca dele.
Hadrian continuou carrancudo. Eu sorri.

— Confie nela. Ela ligará se quiser que a busque. Verena é


uma mocinha inteligente.

— Mas…
Interrompi a fala dele com um beijo, o qual ele retribuiu, a
boca movendo-se contra a minha furiosamente, provocando vários

estalos, arrancando de mim gemidos altos. Lambendo a boca


convidativa, mergulhei minha língua dentro dela, aprofundando o

contato, e me esfreguei contra sua pelve, sentindo o pau dele


começando a crescer. As duas mãos espalmaram a minha bunda

com força e ele me fez roçar contra seu corpo até que eu sentisse a
umidade se formando no meio das minhas pernas, o desejo me

percorrendo inteira.
— Daqui a pouco está na hora de você ir buscá-la, Hadrian.
— Arfei contra os lábios dele quando interrompemos o beijo em

busca de ar.
Ele me fez sentar nele com um pouco mais de pressão.

Gememos com o contato.


— É, só faltam treze horas e vinte e três minutos, Ana —
sussurrou.

Atordoada, parei de me movimentar.


— Você está contando até os minutos?

— Perdi as contas em meio ao beijo, confesso.


— Tá brincando, né?

— O que você acha?


— Que terei um trabalho enorme em te distrair… — falei,
maliciosa, deixando uma mordida no queixo dele. Ele suspirou em

meio a um gemido.
— É uma ideia interessante, zuneigung. Vamos ver se você
irá conseguir. — Apertou a minha nádega.
Hadrian deu-me um sorriso lascivo que era pura provocação

e, mordendo a isca, rebolei contra o pau dele, o que o fez ofegar.


Segurando-o pelo queixo, o puxei para outro beijo, e não houve

comedimento da minha parte. Sugando os lábios dele, observando


seus olhos brilharem de luxúria, mergulhei em sua boca, suspirando
de prazer ao encontrá-lo ávido por mim. Apertando mais o queixo

dele, controlando o beijo, forcei-o a adotar um ritmo lento ao deslizar


minha língua pela sua enquanto ondulava meus quadris para frente

e para trás suavemente, roçando meus seios no seu peitoral,


deixando o bico dos meus mamilos tesos. Queria Hadrian duro,

enlouquecido, implorando pelo meu corpo, pelas minhas mãos e


meus lábios.
Pensei que ele tomaria a frente de tudo, se impondo, mas

Hadrian apenas deixou-se beijar, acompanhando meus movimentos,


submetendo-se.

Na maioria das vezes, era ele quem me dominava na cama,


controlando quando iríamos gozar, porém, nos momentos em que
Hadrian se deixava ser conduzido, um prazer indescritível tomava
conta do meu corpo, me levando muito mais além, tanto que só a
perspectiva de fazê-lo delirar me deixou ainda mais excitada.
Soltando o queixo dele para explorar os músculos tensos e

delineados dos ombros, sentindo toda sua força, provoquei o céu da


boca dele e ele grunhiu, apertando minha bunda com mais força

antes de apalpá-la por cima do short.


Voltei a deslizar minha língua pela dele, enroscando-nos,
impregnando minha boca do seu gosto. Eu o marcava pela milésima

vez como meu e Hadrian sabia disso. Inclinou levemente a cabeça,

dando-me um novo acesso.


— Caralho! — rosnou contra os meus lábios quando passei a

rebolar no colo dele, pressionando o pau cada vez mais rígido.

Capturei novamente os seus lábios em um beijo urgente,

desconcentrando-me levemente ao sentir os espasmos da minha


vagina quando a ereção dele roçou um ponto específico que me

deixava trêmula e ofegante, com uma vontade imensa de fechar os

olhos. Sons incoerentes escapavam em meio ao beijo e no choque


de quadril contra quadril. Dos ombros, minhas mãos desceram para

o peitoral, procurando os botões da camisa social. Beijá-lo e

desnudá-lo ao mesmo tempo tornou-se quase impossível quando


Hadrian continuou a friccionar seu pau no meu ventre e uma das
mãos habilidosas se infiltrou pela minha blusa para acariciar as

minhas costas enquanto a outra dava pequenos tapinhas na minha


nádega.

Vingando-me, eu tocava cada pedaço de pele dele, sentindo

que ele estremecia a menor das minhas carícias. Observei que a


respiração de Hadrian ficava mais entrecortada à medida que eu

descia as mãos.

Arqueei minhas costas, sentindo uma gotinha de suor

escorrer pela minha coluna quando os dedos dele encontraram o


meu mamilo. Choraminguei, parando minha mão nas últimas casas

da camisa, no momento que o polegar estimulou o bico sensível,

provocando vários choques que irradiavam daquele ponto para


todos os meus membros, eletrizando-me. Apliquei mais força nos

meus joelhos em uma tentativa de me firmar.

Hadrian beliscou a pequena protuberância, fazendo minha


vagina se contrair em resposta à carícia, ao passo que deixava uma

mordida na base do meu pescoço.

— Hadrian, eu que deveria te entreter. — Tentei protestar

quando trilhou uma série de beijos por toda a extensão da minha


garganta, mas, no fundo, eu estava mole, desejosa que ele

continuasse a me provocar.
Uma comichão me percorreu quando ele me lambeu de cima

a baixo, sensação intensificada pelo som baixo de prazer que

escapou de seus lábios. A barba dele e a respiração quente contra a


minha pele, naquele subir e descer, arrepiavam os pelos da minha

nuca e faziam com que eu rebolasse contra ele, ansiosa para que

começasse a apagar aquelas chamas que havia ateado em mim.

— Estou bastante entretido, Ana — murmurou, tomando o


lóbulo da minha orelha entre os dentes e puxando.

— Estava pensando em outro tipo de entretenimento. — Usei

todas as minhas forças para segurá-lo pelos cabelos e interromper a


mágica que sua boca provocava em mim.

Pareceu atordoado por uma fração de segundos antes que

um sorriso lento e malvado surgisse.

— Mesmo? — Acariciou a curva do meu rosto.


— Sim.

— Acho que terei que pagar para ver. — Deu-me um selinho.

— Você vai gostar do fim — falei, levando minhas mãos


novamente aos botões da camisa dele.

— Não tenho dúvidas que irei — mostrou-se convencido,

colocando as duas mãos atrás na cabeça, tombando um pouco a

cadeira para trás.


Estalei a língua, reprovando-o. Hadrian não tinha ideia da

surpresinha que eu havia preparado para ele.


Removendo o último botãozinho da casa, espalmei minhas

duas mãos sobre a pele quente e suada.

Ficamos nos encarando, nossas respirações ruidosas


ecoando pelo escritório. Um gemido ofegante escapou dele quando

brinquei com o abdômen trincado e senti que ele se retesava ao

meu toque. Inclinei-me em sua direção e nossas bocas voltaram a

se encontrar.
Sem pressa, meus lábios fizeram amor com os dele, ao passo

que meus dedos subiam e desciam, atiçando-o, fazendo com que

naturalmente ele arqueasse os quadris para encontrar os meus.


Éramos apenas suspiros e entrega, corpos pegando fogo querendo

se encontrar.

Gemendo, intensifiquei o beijo, minha mão deslizando pela

barriga dele para encontrar o cós da calça. Capturei o som


estrangulado que saiu de sua boca no momento que meus dedos

roçaram na sua ereção. Comecei a esfregar a carne por cima do

tecido, provocando-o, percebendo nos olhos escuros a ânsia e


também o desafio que me impelia a ir mais rápido. Não mordi a isca,
pelo contrário, voltei a beijá-lo lentamente, ignorando o pulsar do

meu clitóris que pedia pelos afagos dele ou meus.

— Está mais para tortura do que entretenimento — a voz era

rouca, quando, precisando de ar, deixei os seus lábios para beijar as


suas bochechas, depois a garganta.

— Posso parar se quiser. — Usei a língua na parte de trás da

orelha dele, ciente que Hadrian estremeceria.


— Nem fodendo, Ana. — Segurou meus cabelos e sua boca

esmagou a minha com fome, dominando-me.

Suspirei, o prazer me percorrendo em várias ondas,

rendendo-me a intensidade do desejo que aquele homem tinha por


mim e que parecia interminável. Eu me sentia uma tremenda

gostosa ao ser beijada daquela forma. Retribuindo aquela sensação

que tirava meus pés do chão, dei atenção novamente ao cós da


calça dele, desabotoando-a sua calça e abrindo o zíper.

Ouvi um rosnado baixo quando apartei o beijo, Dei uma

mordidinha na base do pescoço dele e sai de cima do seu colo.

Arrastando a cadeira para trás, Hadrian terminou de remover a


camisa com um puxão. Poderia impedi-lo, mas apenas escorei na

mesa e fiquei assistindo ele tirar os sapatos e meias, e, erguendo

um pouco os quadris, tirar a calça junto com a cueca, ficando nu.


Brindando-me com um sorriso cheio de malícia, deitou o

corpo na cadeira e abriu as pernas em um convite.


Percorri lentamente o corpo perfeito e dourado pelo sol,

admirando cada músculo e linha bem-feita. O homem era gostoso e

sabia disso. O pênis ereto, roçando no abdômen, fez minha boca

salivar e o meu baixo-ventre se contrair, querendo sentir toda a


extensão dele me preenchendo.

Outra vez, ignorei a vontade de arrancar as minhas roupas e

sentar nele até senti-lo explodindo dentro de mim e tornei a me


aproximar.

Os olhos dele ficaram ainda mais escuros, o peito subindo e

descendo em uma cadência rápida e excitada.


Curvando-me em sua direção, rocei meus lábios nos dele,

provocando-o, enquanto a minha mão deslizava pela pele suada, o

que o fez ofegar. Mordiscando e lambendo a boca macia, infiltrei

minha língua para aprofundar o beijo ao passo que meus dedos


encontravam a carne inchada. Hadrian cerrou as pálpebras,

segurando com força a lateral da cadeira quando acariciei todo o

comprimento volumoso, alcançando a base, tornando a subir até


encontrar a cabeça sensível.
Não contive o meu próprio gemido ao acariciar a fenda com
círculos precisos, sentindo o líquido dele acumular na ponta do meu

dedo. Deixei sua boca e comecei a deslizar meus lábios pelo

pescoço, lambendo a pele úmida, deixando vários beijos e


mordidas, que provocavam vários espasmos em Hadrian. Ele

parecia cada vez mais enlouquecido, sussurrando o meu nome em

meio a palavras ditas em alemão.


Com o desejo pulsando na minha vulva, me sentindo

poderosa e também incentivada, apliquei mais pressão nos meus

movimentos enquanto baixava o corpo cada vez mais, capturando

todas as gotinhas de suor que deslizavam pelo abdômen com minha


boca, dando atenção a cada ondulação, usando a língua para

brincar com o umbigo.

Hadrian subiu os quadris em um espasmo, como se estivesse


me penetrando, apenas para pousá-los contra o assento outra vez,

o que deixou meu corpo completamente em chamas. Continuei a


atiçá-lo, beijando, tornando a explorar a extensão do pau que
pulsava ao meu tato, alternando o meu olhar entre o pênis dele e a

expressão de prazer do meu homem, que continuava de olhos


fechados.
— Olhe para mim, Hadrian — ordenei ao me ajoelhar na
frente dele, deixando um beijo no interior de uma das coxas.
Mordisquei a pele sensível quando não me obedeceu,

deixando de acariciar a glande excitada.


Ele emitiu um chiado em protesto e me encarou com os olhos
ainda semicerrados. Não dei o que ele queria até que Hadrian me

fitasse, expectante e pedindo com os olhos que eu tomasse seu pau


entre os lábios.
Olhei novamente para o pênis rígido e, segurando-o pela

base com uma mão, usei a outra para circundar o membro,


masturbando-o, aplicando pressão em alguns pontos, o que o fazia
começar a estocar nos meus dedos, comandando o ritmo dos meus

movimentos.
Os sons incoerentes de Hadrian, o modo como me encarava,
com o prazer estampado nas suas feições, a vontade de senti-lo fez

com que eu reunisse o máximo de saliva possível e, segurando-o


com mais firmeza, levasse a ponta do pênis aos meus lábios.

— Caralho, Ana! — Arquejou, falando outro palavrão no


momento que comecei a sorver seu pau, ao mesmo tempo que
minha mão trabalhava incessantemente em toda a extensão,

sentindo toda a textura e comprimento.


Minha resposta foi gemer e passar minha língua na fenda,
misturando nossos fluidos, fazendo Hadrian emitir outro palavrão e
se retorcer contra a cadeira. O gosto dele impregnado na minha

boca me fez gemer de novo.


Ver Hadrian com o maxilar trincado, ofegante, tentando se

controlar, me fez sentir minha excitação molhando a calcinha. Tive


uma vontade insana de me tocar me enquanto continuava a usar
minha boca e língua para provocar cada uma das terminações

nervosas dele, sem tomá-lo por inteiro, mas me segurei.


Ele enrolou os meus cabelos em uma das mãos pedindo por
mais, mas eu diminui o ritmo da sucção e o deslizar das minhas

mãos. Rosnou, aplicando mais força no agarre, mas não cedi, e


continuei o sorvendo lentamente, brincando com a glande,
lambendo, passando a acariciar os testículos, torcendo-os

suavemente. Gostas de suor brotaram no vale dos meus seios, o


anseio por fazer Hadrian gozar crescendo em meu interior.
Aumentei a pressão dos meus lábios, sugando com mais

intensidade, tomando-o mais fundo, até que, lentamente, eu


engolisse toda a extensão pulsante, lembrando-me de controlar a

minha respiração para não ficar enjoada.


Alternava sucção e lambidas, usando lábios, dentes e mãos
para estimular a extensão e o saco, dando prazer ao meu homem,

que lutava para manter os olhos abertos para me assistir chupando-


o e também para conter os sons que se tornavam cada vez mais
altos. O pré-gozo preenchia a minha boca, sendo o combustível

para que eu o sorvesse com mais força.


— Porra! — Estremeceu quando passei as unhas pela virilha

dele, arranhando-o levemente. Usei a parte de trás da língua para


acariciar a carne sedosa e babada.
— Gostoso! — murmurei, voltando a lambê-lo e abocanhá-lo.

Segurando minha cabeça com firmeza, começou a investir


para dentro da minha boca. Não mais controlei nem a ele e nem a
mim, numa busca cega para levá-lo ao orgasmo e também para

prolongar meu prazer, e nós dois suspiramos.


Logo, passamos a nos mover em sintonia, em um único ritmo,
Hadrian encontrando-me na metade do caminho enquanto nossos

olhos ficavam presos um no outro, eu observando o quanto ele


gostava das minhas carícias e Hadrian vendo o quanto eu amava e
ficava excitada em chupá-lo.

Gemi baixinho, sentindo meu clítoris pulsar. Engoli o pau dele


mais fundo, até que o senti na minha garganta. O uivo alucinado
que ecoou pelo escritório fez com que eu segurasse o pênis pela

base e o mantivesse ali, movendo-me de modo que só o tirasse um


pouco para voltar a ter todo seu membro em minha boca.
Compreendendo o que eu queria, agarrou meus cabelos com mais

firmeza e passou a estocar na minha boca com penetrações curtas.


A tensão se apoderava de nós, o desejo movendo-se em
várias ondas até que Hadrian perdeu completamente o controle,

penetrando-me com mais velocidade, até que, com outro urro, o


senti começar a se esvair na minha garganta. Engoli tudo e Hadrian

gemeu quando eu continuei a bombeá-lo até que o pau dele ficasse


flácido e ele tombasse na cadeira, fechando os olhos e lutasse por
ar.

Sentindo o meio das minhas pernas arder, me ergui com as


minhas pernas bambas e, mesmo que ele não estivesse me
observando, removi rapidamente a minha roupa, ficando apenas

com a calcinha minúscula e frágil. Insegurança me invadiu, embora


Hadrian já tivesse visto o meu corpo inúmera vezes.
Tentando reprimir o sentimento, inclinei na direção de Hadrian

e beijei os lábios entreabertos enquanto acariciava os cabelos


úmidos. Ainda de olhos fechados, ele me beijou de volta enquanto
acariciava o meu rosto, sentindo o próprio sabor na minha língua.
Suspiramos, intensificando ainda mais o contato.
— Bela distração, gostosa — murmurou contra a minha boca.

— Hm.
Com um último selinho, dei um passo para trás, fazendo com
que finalmente Hadrian me encarasse.

O olhar dele percorreu o meu rosto, deslizando lentamente


para os meus seios desnudos, e passou a atormentar os bicos com
leves torções, o que deixava meu canal mais contraído. Estufei o

meu peito, oferecendo-me para ele, mas Hadrian apenas continuou


a estimular os bicos até que eles ficassem duros.
— Caralho! — Arfou, deslizando as mãos pela lateral do meu

corpo. — Porra, Ana!


Toda a insegurança que havia em mim transformou-se em

regozijo ao ver a fome dele por mim. Confiante, antes que ele
alcançasse minhas ancas, virei-me de costas e, removendo o laptop
para o lado, tombei o meu corpo um pouco contra a mesa para

empinar minha bunda para ele, ressaltando ainda mais a pequena


renda preta no meio das minhas nádegas. Ouvi uma palavra
abafada e incoerente.
— Essa calcinha é muito pequena para você, amor? —
provoquei-o, já que Hadrian sempre falava mal das peças que eu

usava, principalmente do biquíni.


Ele não respondeu e eu girei meu corpo na direção dele para
encará-lo.

Hadrian parecia paralisado, a boca levemente aberta


enquanto os olhos brilhavam de luxúria, o pênis voltando a crescer.
— Perdeu a fala, querido?

Dei uma reboladinha que fez o meu homem emitir um ruído


alto. Deixei de encará-lo, antecipando o momento em que ele
reagiria. Demorou menos de um minuto para que eu sentisse o

corpo dele colar-se ao meu, sua mão grande deslizando pelo meu
abdômen enquanto a outra reunia meus cabelos. A respiração
quente contra a minha pele fazia com que todos os pelos do meu

corpo se arrepiassem e uma espécie de calor líquido me percorreu,


deixando minhas pernas bambas. Meu sexo se contraía com vários

espasmos.
— Caralho, zuneigung, você quer me enlouquecer? — Beijou
a minha nuca, esfregando seu pau contra a minha bunda, e o senti

crescendo ainda mais. — Você está conseguindo…


Os lábios foram deslizando pela minha pele, deixando um
rastro molhado por onde passavam, e minha resposta foi emitir um

som baixo e ofegante. Arqueei meu corpo para trás quando a mão
dele alcançou a minha vagina. Ele brincou com a renda frágil da

minha calcinha, não me surpreenderia se a rasgasse ao meio.


— Porra! Me chupar te deixou tão molhada assim? — gemeu,
passando um dedo por entre o tecido, provocando os meus grandes

lábios, me roubando a capacidade de raciocínio.


Penetrou a ponta de um dedo e eu arfei.
— Sabe que sim — minha voz soou rouca.

— Hm.
Tirou o dedo e eu choraminguei. Ele se afastou um pouco
para dar um tapa estalado na minha bunda.

— Você está muito gostosa, amor, mas, com certeza, sabe


disso. — Passou as costas das mãos por toda a linha da minha
coluna, provocando um outro tipo de tensão.

Não respondi, apenas me deixei levar pela sensação


proporcionada pelos lábios macios, que voltaram a beijar minhas

costas, pela barba que me arranhava e também pelos toques


precisos de Hadrian pelo meu corpo, que só me inflamavam ainda
mais e me faziam gemer baixinho o nome dele, vários arrepios

varriam a minha coluna.


Sem deixar de trilhar beijinhos por cada centímetro de pele,
suas mãos finalmente encontraram a minha bunda outra vez. Os

suspiros de deleite do meu homem ao apalpar a minha carne


aumentava o meu prazer, minha excitação, e também minha aflição.

— Hadrian! — Arfei o nome dele quando, pegando-me de


surpresa, puxou o tecido frágil, esticando-o até que rasgasse. — Por
que fez isso?

A resposta dele foi tocar a minha coluna e inclinar-me sobre a


mesa, fazendo com que metade do meu tronco ficasse deitado
contra a superfície. A expectativa corroeu as minhas veias e ouvi um

rosnado quando abri minhas pernas para Hadrian, me expondo


ainda mais. Ele deu um tapa leve e estalado em cada uma das
bandas da minha nádega, provavelmente deixando marcas, impacto

que reverberou diretamente no meu canal, antes de agarrar as


polpas, empinando minha bunda ainda mais para ele, facilitando sua
penetração.

— Caralho! Já disse o quanto amo a sua bunda? — A voz era


rouca.
Ele voltou a deixar beijos por toda a minha espinha e a lamber
o suor. Eu arqueei em direção a boca habilidosa, enquanto, sentindo
o peso dele sobre mim,  o escutei mexer em uma gaveta onde havia

algumas camisinhas guardadas.


— Várias vezes, é quase uma obsessão sua — brinquei,
ouvindo o som do pacote sendo rasgado.

— É… ela é perfeita!
Suspirei quando deixou mordidinhas na carne sensível,
marcando o território como dele. Tornou a subir com a boca, ao

passo que colava seu pau encapado na minha bunda e levava uma
mão ao meu seio.

Hadrian friccionou a lateral do meu mamilo de cima a baixo,


provocando vários choques no meu centro, e eu choraminguei com
a tensão insatisfeita que tornava cada vez mais difícil ficar ali

arreganhada sobre a mesa. Torci para que Hadrian usasse os dedos


logo para me acariciar enquanto me penetrava por trás, algo que
sempre me fazia explodir.

Não tive mais tempo para pensar nem ansiar, pois,


diferentemente do que eu desejava, tornando a segurar a minha
bunda, Hadrian se posicionou na minha entrada. Minhas pernas

ficaram instantaneamente bambas e um gemido alto escapou da


minha garganta ao sentir o pau dele preenchendo lentamente meu
canal que, excitado, contraía com a invasão, agarrando-o.

Grunhindo de forma faminta, Hadrian removeu-se um pouco


para tornar a deslizar com um tranco, fazendo minha bunda chocar-
se contra a pelve dele e um estalo ecoar no ar, ao mesmo tempo

que um som incoerente escapava de nós. Cravando as pontas dos


dedos na minha bunda, começou a entrar e sair de dentro de mim
em uma dança morosa, excitando-me, à medida que também

aumentava a agonia crescente no meu ventre, brincando com todas


as minhas terminações nervosas.
Pequenas gotas de suor se acumulavam na minha pele e as

batidas do meu coração pareciam retumbar em meus ouvidos,


misturando-se ao chocar dos nossos corpos, que estalavam a cada

investida vagarosa e lenta. Lenta demais para o meu gosto.


Firmando meus pés no chão e apoiando-me mais na mesa,
passei a rebolar no pau dele, ajudando-o com os movimentos,

sabendo que ver o meu traseiro se movendo contra ele deixaria


Hadrian mais rígido e prestes a perder o controle, o que o faria
aumentar o ritmo daquele vai e vem torturante.

— Ana! — Chamou-me em um tom pastoso, removendo-se


alguns centímetros para tornar a entrar, tentando alcançar mais
fundo, desferindo um tapa em minha nádega, que reverberou em

cada célula do meu sexo.


Meus músculos se fecharam em torno dele, oferecendo mais
resistência, e eu não consegui conter um som rouco quando,

erguendo-me mais um pouco, Hadrian conseguiu um novo ângulo, o


que fazia o pênis latejante roçar no meu clitóris a cada penetração,
deixando-o mais sensível e também pulsando.

Minha mente estava cada vez mais presa na espiral crescente


do desejo e me mover tornava-se mais difícil, mas tentei continuar a
rebolar contra o meu homem que, ficando mais ofegante, aumentou

a velocidade das estocadas; o estalar tornando-se mais alto.


Nãos nos contemos, pelo contrário, estávamos presos
naquela busca cega e desenfreada pelo prazer. A cada entrar e sair,

eu perdia a capacidade de retribuir e, mais forte do que eu, ele


segurou-me pelos quadris e me ajudou a deslizar pelo pau dele,

intensificando suas investidas.


Lutando por ar, cravei meus dedos na superfície de madeira
em busca de apoio enquanto Hadrian continuava naquele vai e vem,

que me deixava mais tensa e delirante, mais ciente da pressão


exercida por todo o meu aparelho pélvico.
Meu corpo parecia ser feito de um material tão frágil, que tive

a impressão de que estava prestes a desintegrar. Um grito alto


deixou os meus lábios e eu me estilhacei em vários fragmentos

quando, segurando-me com mais vigor, Hadrian me penetrou, a


cabeça do seu pau roçando várias vezes no ponto de prazer. O
êxtase me percorria em várias ondas, deixando-me mole, e o que fui

capaz de sentir foram as várias estocadas, que pareciam prolongar


aquelas sensações.
O ouvindo sussurrar meu nome de forma incoerente entre as

estocadas, usei o restante das minhas forças para empinar ainda


mais a bunda para ele. Com um último penetrar, que bateu no fundo
do meu útero, Hadrian rosnou e, prensando minhas pernas contra a

mesa, tombou o corpo sobre o meu. A respiração rápida soava


contra a minha orelha, o coração batia feito um louco e o pênis,
ainda encaixado dentro de mim, pulsava, enquanto os lábios

deixavam vários beijinhos nas minhas costas e as mãos me


afagavam com gentileza.
Passado vários minutos, tirou o pênis flácido de dentro de

mim e removeu a camisinha, dando um nó na ponta para depois


jogar fora. Me erguendo, segurou o meu rosto e me virou na direção

dele. Sua boca encontrou a minha em um beijo carinhoso, cheio de


amor, e eu não consegui controlar meus suspiros de deleite com
aquele mover lento e gostoso. A carícia na minha face só
intensificava as sensações do beijo.

Pisquei quando ele interrompeu o contato com um gemido


baixinho e, com facilidade, pegou-me no colo e voltou a se sentar na

cadeira. Acomodei-me melhor contra ele, sentindo-me relaxada,


como sempre me sentia nos braços dele.

— Você foi perfeita — falou, mordiscando minha orelha,


enquanto estendia o braço para entrelaçar meus dedos aos dele,
conectando-nos.
Sorri. Estava apaixonada por aquele homem que tinha me
tomado com volúpia e agora me dispensava inúmeros carinhos,
deixando beijinhos doces enquanto a outra mão deslizava pela

minha pele suada.


— Você sempre diz isso, Hadrian.
— Porque você é perfeita, amor — ronronou, alimentando o
meu ego e fazendo com que uma espécie de calor preenchesse o
meu peito.

— Só acha isso porque me ama — provoquei-o.


— Talvez… — Cheirou o meu pescoço.
— Hadrian!  — Fingi que estava indignada.
Ele gargalhou roucamente, seu peito subindo e descendo
oferecendo atrito contra as minhas costas. Acabei rindo também,
feliz demais para me importar com a provocação.

— Somos como um quebra-cabeça, zuneigung. Somos peças


diferentes que, mesmo que à primeira vista não se encaixem,
sabemos que elas acabam por se complementar. — Apertou meus
dedos com mais pressão.
Senti lágrimas se formarem em meus olhos.
— Talvez nem sempre seja fácil ver o encaixe, porque somos

peças desgastadas à sua maneira pela vida, mas nós dois sempre
trabalharemos para encontrar uma saída — continuou, parando
apenas para distribuir vários beijos em meu rosto, deixando-me
sentir aquelas palavras na minha alma. — Sei que você tem os seus
defeitos e manias, e eu tenho os meus…
— E não são poucos… — brinquei, me ajeitando para olhar

para ele.
— É… — Deu-me um sorriso antes dos lábios dele cobrirem
os meus. Retribui ao beijo com todo o amor que sentia por ele. —
Suas imperfeições te tornam perfeita para mim, Ana. Não apenas
porque eu te amo, mas porque eu amo te amar. Eu quero continuar
te amando todos os dias, todas as tardes, todas as noites, Ana.
Para sempre.
— E eu sei que vou te amar para sempre, Hadrian — declarei-
me por entre as lágrimas.
Os olhos dele brilharam.

— Farei com que você nunca se arrependa de me amar,


zuneigung — sussurrou, emocionado.
Segurando o rosto amado entre meus dedos, puxei Hadrian
para outro beijo e, mais uma vez, entreguei-me a ele de corpo e
alma, recebendo os sentimentos dele de volta. Os beijos tornaram-
se mais intensos e, deitando-me no chão, meu homem me amou

pela segunda vez.


Capítulo trinta e seis

— Ele é tão legal! — Verena deu um gritinho empolgado,


fazendo Órion latir, e eu contive a minha vontade de revirar os olhos

e bufar. — Primo, ele fez um coelhinho sair da cartola!

— Sim, você me disse — minha voz soou mais irritada do que


deveria.

Ganhei uma cotovelada de Ana na altura das costelas, que


doeu pra caralho, mas não gemi, apenas tentei me concentrar no

trânsito à minha frente.

— Ele também desapareceu!

— Parece que foi bem divertido — Ana falou e eu bufei.


— Muito! — resmunguei.

Outra cotovelada, dessa vez mais forte, roubou


temporariamente o meu ar.

Desde que Verena conheceu o irmão de uma das amiguinhas,

um garoto que animou a temível “festa do pijama”, a menina não


parava de falar o quão divertido ele era, o que estava longe de ser

verdade, pelo menos para mim. Sabia que ele era um idiota que só

tinha carisma e mais nada. Se eu fosse defini-lo com alguns


adjetivos, seria: babaca, filhinho da mamãe e egocêntrico.

— Faz anos que não vejo alguém fazendo um truque — Ana

comentou.
— Ah… — Verena pareceu triste por alguns segundos antes

de gritar. — Será que ele vai tá na festa da Juju? Ele é muito, muito,
muito legal!

— Não sei…

— Espero que não — falei ao mesmo tempo que Ana.

— Amor! — Minha mulher gritou comigo, indignada.

Fiz uma careta horrorosa. Não acreditava que Ana estava

contra mim.
— Por que você tá bravo, primo? Você não gosta do Max? —

Verena questionou em um tom confuso. Pelo retrovisor, a vi acariciar


Órion que, além de latir, arranhava o vidro da janela, querendo que
eu abrisse uma fresta para ele.

— Seu primo não suporta que ele não seja o centro da sua

atenção — Ana falou em tom de provocação, não conseguindo

conter a risada quando eu emiti outro bufar.

— Não entendi — Verena disse em um tom engraçado.

— Seu primo está morrendo de ciúmes de você, princesa. Ele


não aguenta ouvir você falar bem de outro homem. — Ana colocou

a mão na minha coxa, apertando-a suavemente

— Ah!

— Isso não é verdade — defendi-me, diminuindo a velocidade

do veículo ao ver o semáforo piscar no amarelo.

— Sei… — Ana sussurrou, a carícia que ela fazia

apaziguando um pouco o meu mau-humor.


— Eu não estou com ciúmes, é que eu garanto que sou muito

mais divertido — retruquei.

— Tá vendo, querida? — Ana cutucou-me de novo.

Emiti um som de desagrado, o que fez Verena dar uma

risadinha. Órion endossou a risada com os seus latidos frenéticos,

como se também achasse graça da minha cara.


— Eu sou mais legal, não sou? — questionei, inseguro,

tornando toda a coisa mais ridícula.


— Deus! — Minha mulher acabou gargalhando.

— É, primo você é muiiiito legal! — Verena deu um gritinho.


— Obrigado, prinzessin — me achei nesse momento.
— Você me dá sorvete! E cookies... e chocolate! — Ela

continuou a tagarelar.
— Só por isso? — Fiz muxoxo e girei o volante para entrar no

estacionamento da praia. — Pensei que você iria falar que eu te


faço rir, que eu brinco com você de boneca, que eu tenho o melhor

abraço do mundo...
— Ah! Isso também. Você conta historinhas, pinta desenhos
comigo…

— Hm… melhor assim! — murmurei, dando um sorriso


convencido.

— Só é chato quando manda fazer dever de casa…


— Mas é necessário, prinzessin. — Ela me jogou um balde de

água fria. — Aprender é divertido.


— Não é não! — A menina emitiu um resmungo, para depois
gritar: — Eu amo você de montão, primo!

Desliguei o carro e removi o cinto.


— Eu também te amo, Verena! — Virei-me, para mandar um

beijo para ela, que me deu aquele sorrisinho que sempre roubava o
meu coração.

Retribuindo o sorriso, abri a porta do carro e fui direto pegar a


menininha.

— Você é o meu primo favorito! — Falou quando, depois de


tirá-la da cadeirinha, peguei-a no colo.
— Hm… — Enchi o rosto já corado de beijinhos e ela deu a

risada mais gostosa do mundo.


— E eu?  — Foi a vez de Ana fazer drama enquanto libertava

o cachorro, que enchia o rosto dela de lambidas.


Coloquei Verena no chão e ela começou a andar de um lado
para o outro perto do carro, seguida de Órion. Fui até o porta-malas

para pegar nossas coisas.


— Você é minha titia favorita! — abraçou Ana pelas pernas,

pousando o queixo contra elas. — Posso ter amiguinho favorito


também?

— Claro que sim, querida, quantos você quiser! — Ana


respondeu e curvou-se para dar um beijo no topo da cabeça dela.
— EEE!
Verena voltou a correr de um lado para o outro, atraindo de
novo a atenção do cachorro, que parecia eufórico.
— Desde que eu seja o único príncipe da sua vida — falei em

tom divertido.
— E ainda diz que não é ciumento — Ana resmungou e eu a

vi revirar os olhos.
— Tá. Sou muito ciumento com as minhas meninas! — admiti.
— No que me meti… — Estalou a língua, balançando a

cabeça em negativa e eu grunhi.


— Vamos pra praia, primo? — Verena puxou a barra da minha

bermuda.
— Claro, prinzessin!

— Quem chegar por último lava as louças do jantar — Ana


falou, começando a correr, sendo seguida por Órion, que entrou na
brincadeira e saiu em disparada.

Verena foi logo depois e eu permaneci ali, estacado no lugar,


com inúmeras coisas para levar. Assisti Verena dar a mão para Ana,

que diminuiu o passo para que a menininha conseguisse


acompanhá-la. Com um sorriso no rosto, deixei-me ser derrotado
por elas, mas não me senti um perdedor, afinal eu havia ganhado

algo muito mais importante: duas garotas lindas e inesperadas a


quem amar. Por elas, eu iria todos os dias da minha vida fazer o
meu melhor para não apenas protegê-las, mas também para fazê-
las rir, sorrir e me amar de volta.

Olhei para o horizonte à minha frente e prometi a mim mesmo


que eu iria dar as costas para o passado e todas as suas dores. O

presente e o futuro com elas era onde estava a minha felicidade e


eu não mais abriria mão de ser feliz.
Epílogo

Um ano depois…
 

Sentindo que a água havia esfriado demais, levantei-me da

banheira e, depois de torcer um pouco meus cabelos, estiquei o


meu braço para pegar uma toalha. Rapidamente me sequei e

apanhei outro tecido felpudo para envolver o meu corpo, um suspiro


me deixando.

Estávamos em uma cidadezinha do interior da Alemanha de

aparência bucólica que transpirava charme e romantismo. Poderia


soar como um exagero, mas nunca imaginei que um dia eu iria pisar

em um castelo, muito menos de que eu iria ficar hospedada em um.


Nesse último ano, tudo parecia um grande sonho e eu temia

que fosse acordar a qualquer momento, mas todos os dias quando

eu abria os meus olhos e via o rosto de Hadrian e o de Verena, eu


sabia que não era apenas um devaneio e, sim, algo real.

Aproximei-me da pia e comecei a secar os meus cabelos com

o auxílio do secador, me arrumando para o banquete que Hadrian


daria, para o deleite da menininha que não parecia conter a

ansiedade. Sorri ao sentir meu coração acelerar, o amor banhando

as minhas veias.
Eu havia enterrado Liam o mais fundo no meu coração depois

de, mais e mais, ter entendido que toda preocupação que eu achava
que ele tinha por mim não passar de uma artimanha para me

dominar, me minar, e que em Hadrian, Verena e Órion eu tinha

encontrado uma família que eu amava muito.

Dar as costas para o meu meio-irmão não foi uma tarefa fácil.

Eu lutei por vários dias comigo mesma, decidindo se eu deveria ou

não o visitar na prisão, mas tive que aprender a não continuar me


submetendo, por mais doloroso que esse processo fosse. Foi muito
importante para mim poder contar com o apoio de Hadrian, que em
nenhum momento julgou o meu desejo irracional de ver Liam.

Hadrian era o pilar que me sustentava. Ele me incentivava a

seguir em frente, assim como ele também fazia. Nesse um pouco

mais de um ano juntos, passei a amá-lo mais. Não houve mais

mentiras, nem omissões. Juntos, com diálogos abertos e sinceros,

construímos uma relação que ficava cada vez mais forte; não tinha
dúvidas de que seria algo duradouro. Quem sabe, esse não era o

meu felizes para sempre…

— Ana? — Uma vozinha gritada chegou aos meus ouvidos,

superando o som do secador.

— Pode entrar, princesa — gritei de volta, continuando a

secar os fios.

Pelo espelho, vi a minha garotinha, que estava com o rostinho


tomado pela ansiedade, entrar trajada com um roupão e uma toalha

enrolada na cabeça.

Sim! Verena era a minha menininha amada, tanto quanto ela

era por Hadrian, embora eu nunca tivesse declarado essa

possessividade em voz alta. Ela era a minha filha do coração, e

mesmo que a vida algum dia me separe do primo dela, Verena


sempre será a minha pequena, não importando que só me visse
como sua amiguinha. Denominações não importavam. Não há nada

nesse mundo que possa destruir o sentimento que eu tinha por ela.
— Tá acabando?

— Falta a maquiagem e me vestir — falei. — E por que você


ainda não está vestida, mocinha?
— Você pode me ajudar a botar a roupa hoje? — Me deu um

sorrisinho. — Quero ficar beeeem bonita!


— Mas você é bonita sempre, meu amor — brinquei com ela,

desligando o secador, dando-me por satisfeita.


— Quero ficar muito, muito, muito bonita, Ana! — falou de um

jeito engraçadinho que sempre me deixava com vontade de abraçá-


la.
— Vamos ver se eu consigo. Vamos sentar na penteadeira do

quarto? — abri um sorriso para ela.


Verena fez que sim com a cabeça e saiu correndo em direção

a suíte que eu dividia com o primo dela, que deveria estar


explorando a propriedade, deixando a toalha cair. Gargalhando,

peguei a peça do chão, colocando-a em um suporte e, vestindo um


roupão, que me deixaria mais confortável, segui a menininha,
encontrando-a sentada na cadeira da penteadeira, batendo as

pernas de maneira impaciente.


— Feche os olhinhos — pedi. Selecionei uma sombra com

brilho que combinaria com a cor do vestido dela.


— Você não vai passar aquele negócio? — Se movimentou

na cadeira.
Franzi o cenho.

— Que negócio?
— Aquele negócio que passa na cara toda.
— Ah, base?

— É.
— Feche os olhos, princesa — pedi novamente e ela me

obedeceu dessa vez. — Sua pele é perfeita, não precisa daquele


negócio.
Esfreguei o pincel na sombra e passei na pálpebra dela.

— Eu quero ficar muiiiitoooo bonita!


— Acho que já tivemos essa conversa.— Suspirei — Seu

primo não vai gostar de ver que eu coloquei muita maquiagem no


seu rosto. E você não precisa.

— Pa...Ah… o primo não vai brigar. Ele te pergunta tudo!


— Deus!
Não consegui controlar a risada, pois ela estava certa.

Hadrian não apenas pedia minha opinião nas coisas relacionadas a


ela, mas também me deixava tomar as decisões. Ele confiava
plenamente em mim, tanto que às vezes era eu quem ia às reuniões
da escola, algo que me fazia sentir mais mãe dela ainda.

— Às vezes você é inteligente demais para o meu gosto,


Verena. — Concentrei-me na maquiagem, porque a menina se

movia bastante, o que exigia que desse total atenção ao que fazia.
— É verdade, ué.
— Sim… — Dei outro suspiro. — Bom, mas não vou passar a

base em você, porque provavelmente ficaria muito pálida. E não


queremos que você se pareça com um fantasminha, não é mesmo?

— É… — Concordou.
Logo, a menina começou a fazer suas perguntas infindáveis,

o que me divertia e fazia com que eu caísse na gargalhada.


Demorou quase uma hora para que terminássemos nossa
sessão de cabelo e maquiagem e nos vestíssemos com as roupas,

que achei um verdadeiro exagero apenas para um jantar a três.


Verena parecia uma verdadeira princesa com o seu vestidinho

branco rodado, cintinho prata e casaquinho de pelo falso


combinando.
— A gente esqueceu de pegar as coroas! — A menina deu

um gritinho.
— Coroas? — Não escondi a minha surpresa.
— As coroas de princesa e de rainha — continuou naquele
tom animado.

Abri e fechei a boca, sem saber o que dizer, mas antes que
pudesse falar alguma coisa, a garotinha saiu correndo do quarto.

Fiquei estagnada no lugar, confusa, e ainda permanecia no mesmo


lugar quando Verena retornou, saltitante, equilibrando duas caixas
nas suas mãozinhas.

— O que é isso? — Peguei as coisas das mãos dela e

coloquei sobre a penteadeira.


— As coroas, ué! Princesa tem que botar coroa na cabeça,

né?

— Sim, mas…

— Então a gente tem que botar na cabeça…


— Tá — concordei, não muito certa do que ela estava

falando.

Enquanto Verena continuava a tagarelar, abri a caixa menor,


que provavelmente era onde estava a tal “coroa” dela. Ver a peça

delicada, prateada e cravejada de pedrinhas, que eu não duvidava

que fossem pedras preciosas, me assombrou.


— Deus!
— Que foi, Ana? — Ela olhou para mim, parecendo

preocupada.
— Nada, meu bem, só fiquei surpresa. — Dei um sorriso para

confortá-la.

— Por quê?
— Porque as pedras são verdadeiras.

— Você não gostou da minha coroa?

— Não, não, é linda, mas é que essas pedras são caras!

— Ah, tá!
— Vira pra eu colocar em você.

— Tá bom! — Fez o que eu pedi e eu comecei a ajeitar a

peça nos cabelos loiros.


— Ficou uma verdadeira princesa. Acho que nunca te vi tão

linda, querida.— Suspirei ao contemplar a imagem da menininha no

espelho. Ela se esticava toda, tentando se ver também.


Ela deu uma risadinha e bateu palminhas.

— Cadê a sua, Ana? — perguntou em meio um grito.

Ainda que meu estômago revisasse, temendo o que eu iria

encontrar, balancei a cabeça, fazendo com que uma mecha


escorregasse pelo meu rosto, e me virei para a penteadeira. Com os

dedos subitamente trêmulos, peguei a caixa maior e lutei contra o


fecho. Se a coroa de Verena havia tirado a minha fala, a tiara com

vários diamantes incrustados roubou o meu fôlego. Exagerada,

cara, era uma joia que provavelmente usaria uma única vez na vida,
mas era a coisa mais linda que eu já havia visto.

O sentimento de que eu não merecia algo tão delicado e

perfeito me assolou, mas eu fiz de tudo para suprimi-lo, não

cedendo as vozinhas que me diziam que aquela peça era demais


para alguém como eu e que eu nem deveria usá-la.

— Cê não gostou da sua coroa, Ana? — A voz de Verena

soou tristinha.
— É claro que gostei, meu amor — respondi.

— Por que cê tá chorando então?

— É que estou emocionada, só isso… É muito linda.

— Pa…o primo deixou eu escolher.


— Você que escolheu?

— Uhum. Mas o pap… — tampou a boquinha com as mãos,

olhando-me assustada e eu franzi o cenho. Não me passou


despercebido que nos últimos dias ela parecia se embolar quando

se referia a Hadrian. — O primo queria a outra, porque ele disse que

tem que ter um monte de diamante, mas eu disse pra ele que essa

aí é mais bonita, aí ele pegou essa.


— Entendi — falei, colocando a peça no topo da minha

cabeça.
Meu coração bateu mais rápido no peito e várias emoções me

percorreram.

Não era apenas Verena que estava linda. Com um vestido


prata cheio de brilho, tomara que caia e em formato sereia, eu me

sentia como se tivesse saído de um conto de fadas moderno. A tiara

só tornava tudo mais etéreo e perfeito. Acho que nunca me senti tão

bonita.
— Tá parecendo uma rainha, Ana! — Deu um gritinho

animado.

Não olhei para ela, porque não conseguia desviar os olhos da


minha imagem no espelho de tão fascinada que estava.

— Estou? — Passei a mão pelo corpete do vestido.

— Sim!

— Obrigada, meu bem — sussurrei.


— Cê tá muitoooo lindaaaa!

Sorri com o entusiasmo dela. Finalmente saí do transe em

que estava e abaixei-me para dar um abraço apertado na minha


garotinha.

O beijo que ganhei no rosto me fez sorrir ainda mais.


— Vamos lá pra baixo, Ana? Meu primo tá lá esperando a

gente. — Soou eufórica.

— Okay! — Me aprumei, dando a mão para ela. — Só temos

que descobrir onde ele está.


— Eu sei onde ele tá…

Surpresa, deixei-me guiar pela menininha. O castelo poderia

não ser tão grande, mesmo assim, tinha cômodos o suficiente para
eu me perder.

Para o deleite de Verena, que tudo era uma grande aventura,

erramos umas três vezes o caminho, até que encontrássemos

Hadrian numa sala. Não reparei em nada ao redor, apenas no


homem, que usava uma espécie de fraque e tinha os cabelos loiros

penteados para trás. Fiquei paralisada quando ele girou o corpo e o

olhar dele recaiu sobre mim, nem mesmo prestei atenção na


bagunça de Órion, que latia e batia a cauda no chão.

Hadrian não escondia a admiração, muito menos o desejo

que via arder em seus olhos. Minha pele ficou quente e arrepiada,

como sempre acontecia, e eu lutei contra as sensações mais


íntimas que ele produzia em mim e que eram inapropriadas nesse

momento devido a presença da pequena.


Eu não conseguia parar de querer aquele homem, mesmo

que eu já o tivesse tido de várias formas e incansáveis vezes, até


que meu corpo estivesse cansado e suado, meu sexo dolorido. O

modo como Hadrian me encarava prometia que, assim que

estivéssemos a sós, iríamos nos consumir, cedendo a ânsia que

nunca parecia acabar.


Hadrian desviou a atenção de mim quando, com um grito,

Verena correu na direção dele. Ele abriu um sorriso enorme e, assim

que a menina se aproximou dele, fez uma mesura exagerada que


arrancou uma risada dela.

— Tô bonita, pa… primo? — perguntou em um tom manhoso,

fazendo um gesto com a saia, o que chamou a atenção do cachorro,


que começou a cheirá-la enquanto batia o rabo freneticamente.

Hadrian pegou uma mãozinha e deixou um beijo no dorso,

como um cavalheiro, fazendo a menina parecer tímida. Suspirei,

encantada.
— Uma linda princesa, mas não é nenhuma surpresa, não é

mesmo? — brincou.

— É.
Ela deu uma voltinha em si mesma, mostrando o vestido.

Rimos e o animalzinho latiu.


— Mas a Ana também tá muito linda, né? — perguntou
depois, acariciando o cachorro.

Hadrian tornou a me olhar, me devorando lentamente.

— Uma rainha — murmurou em tom rouco e caminhou na


minha direção com passos lentos —, a minha rainha.

Senti que ruborizava com o olhar fixo dele sobre mim.

Quando se postou na minha frente, curvou-se em uma mesura


elegante, como se fosse o meu servo, antes de pegar a minha mão

e dar vários beijos nela, o que me deu choques, como se eu fosse

feita de fios desencapados.

— Está linda, Ana.


— Você também, amor… mas acho que você já sabe disso.

Os olhos dele ficaram mais escuros.

— Nunca me canso de ouvir… — provocou-me, dando uma


piscada de olho só e deixou mais outros beijinhos no meu dorso.

— A gente já pode ir, primo? — Verena parecia ansiosa e eu


estranhei.
— Claro, prinzessin. Vamos, Ana?

— Onde?
— Para o nosso banquete, minha rainha.
— Okay.
Dando uma mão para mim e a outra para Verena, conduziu-
nos por longos corredores até chegarmos a uma escadinha estreita
que nos levaria a outro andar; Órion ia atrás de nós. Assim que

entramos em um pequeno salão, em tons de dourado e azul, o ar


pareceu faltar por breves segundos nos meus pulmões. O ambiente
era iluminado por velas dispostas em candelabros, que projetavam

uma luz suave em todo o local. Rosas vermelhas enormes


enfeitavam pedestais de bronze. Uma banda começou a tocar uma
música clássica suave, dando um aspecto ainda mais romântico a

tudo.
Suspirei. Tudo era bastante diferente do que eu havia
imaginado. Outra vez tive a sensação de que estava em um conto

de fadas.
Desvencilhando de Hadrian, Verena saiu correndo pelo salão
e Órion foi atrás dela. Logo a menininha começou a rodopiar, para o

delírio do animalzinho, que latia bastante, mais alto do que a


música.

Como a tola apaixonada que eu era pelos dois, sorri, me


perdendo na alegria deles.
— Dança comigo, zuneigung? — ele sussurrou contra a

minha orelha, provocando vários pequenos arrepios no meu corpo.


Virei-me para ele, abrindo e fechando a boca, vendo certa
ansiedade nos olhos escuros.
— Eu...eu não sei dançar, amor, muito menos valsa.

— Nem eu… — Abriu um sorriso lento, brincalhão.


Arqueei uma sobrancelha.

— Faremos um papel ridículo — comentei.


— Quem se importa? — Deu de ombros e eu vi certa tensão
sobre os seus ombros.

— Hm.
— E então?
— Só se você prometer não pisar nos meus pés — brinquei

com ele.
— Tentarei.
Deu-me um selinho e, pegando na minha mão, conduziu-me

em direção a pista de dança de forma cavalheiresca.


Ao chegarmos no centro da sala, ele parou de frente para
mim e a música mudou. Com uma mesura, tornou a se aproximar e,

envolvendo minha cintura com um de seus braços fortes, trazendo-


me de encontro ao seu corpo rígido, esticou a mão. Coloquei minha

mão na sua, entrelaçando nossos dedos, e Hadrian começou a me


conduzir no ritmo lento. Em cima dos saltos, tinha certa dificuldade
em acompanhá-lo, por mais que os passos fossem simples, e a
cauda do vestido não ajudava também. No entanto, estar nos

braços de Hadrian era delicioso, principalmente pelo modo


apaixonado como me encarava; lutava para não me derreter contra
ele.

Com o canto do olho, vi que uma Verena agitada tinha parado


a sua “dança” para nos encarar. Ela estava com um sorriso enorme

no rosto. Órion decidiu ir cheirar os músicos.


— Você mentiu pra mim — ralhei, depois de ele me fazer
girar. Sentia o suor se acumulando no vale entre os meus seios.

— Claro que não, amor. — Deu uma risada, dando um passo


à frente, fazendo com que eu fosse para trás. — Tenho certeza que
valsa é a última coisa que estou dançando.

Como para provar o ponto dele, puxou-me ainda mais contra


seu corpo enquanto os lábios exigentes desciam sobre os meus em
um beijo afoito, a língua invadindo a minha boca com fome e um

desejo cru. Me senti mole contra Hadrian e, perdendo os meus


pudores, gemi baixinho. Ele roubava todo o meu fôlego, toda minha
sanidade, e quando fechei os olhos, todas as sensações

despertadas por ele pareceram se intensificar.


Em um momento, eu estava sendo beijada, no outro, eu não

estava mais nos braços dele. Abri os olhos quando a música foi
interrompida e encontrei Hadrian de joelhos, me olhando
expectante.

— Hadrian — murmurei o nome dele, levando a mão aos


lábios quando ele removeu uma caixinha do bolso com as mãos
trêmulas.

Meu coração parecia prestes a sair pela boca, as lágrimas


nublando as minhas vistas. Ele… Ele…

— Você deve estar cansada de ouvir o quanto eu te amo, Ana


— a voz dele era rouca, estava claramente embargada.
— Nunca! — sussurrei em meio a um sorriso, sentindo o

pranto escorrer pelas minhas bochechas.


Ele sorriu para mim.
— Eu te amo, zuneigung. Eu te amo, e pretendo dizer isso a

você todos os dias da minha vida. Eu desejo acordar todos os dias


ao seu lado, assim como anseio ser seu para sempre… Bem… , na
verdade, eu já sou seu, com todo o meu ser, mas eu quero ser o seu

esposo e que você seja a minha mulher aos olhos da lei e também
dos homens … — Fez uma pausa. — Ana, você aceita ser a rainha
do meu castelo? — Eu senti todo o meu corpo tremer com esse
pedido.
— E também ser a minha mamãe? — Verena deu um gritinho

e eu me virei na direção dela.


Como se fosse possível, chorei ainda mais, sem acreditar que
estava sendo pedida em casamento e que a menininha também me

pedia para ser a mãe dela, algo que eu ansiava e muito.


— Mamãe? — perguntei, abobada.
— Uhum!

— Deus! — murmurei.
Fiquei paralisada, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Venha cá, Verena — Hadrian pediu.

A menina obedeceu e o cachorro veio atrás dela. Eu


acompanhei os passos dos dois com os olhos nublados.

Para minha surpresa, Hadrian entregou a caixinha para


Verena, que abriu o invólucro e revelou um anel com um único
diamante lapidado em formato de coração.

A pequena estendeu a caixinha para mim, fazendo Hadrian rir


e dar um abraço nela. Após deixar um beijo em sua bochecha, se
virou em minha direção.
— Ana, você aceita se casar com a gente? — Soou
esperançoso.

O cachorro latiu, parecendo se incluir no pedido.


— E com Órion também? — Hadrian completou em tom de
diversão.

— Sim! — murmurei, continuando a chorar. — Mil vezes sim!


— Agora, eu tenho uma mamãe e um papai! — Verena deu
um gritinho animado, virando-se para Hadrian, e o animal também

fez festa.
— Sim, prinzessin, você tem.
— EEEE! — Devolveu a caixinha para Hadrian e foi na minha

direção.
Agachei para receber o abraço mais delicioso: o da minha
filha!

— Eu amo você, querida. — Deixei vários beijos no rostinho


dela.

— Eu também te amo, mamãe…


Senti uma nova leva de lágrimas escorrer pelo meu rosto por
ouvi-la me chamar de mamãe. Demoraria para que eu assimilasse

que ela realmente me considerava assim.


— Ser a sua mãe é o meu maior presente, filha — falei, minha
voz falhando. — Você não sabe o quanto isso me faz feliz. Eu

prometo nunca te abandonar, nunca te machucar. Meu amor por


você é algo de alma.

Tornei a abraçá-la, sentindo suas lágrimas molhar a pele


desnuda pelo decote do meu vestido.
— Eu te amo, filha — continuei, sentindo o focinho gelado de

Órion se colocando entre nós. — Prometo que eu e seu papai


faremos de tudo para que você seja a menininha mais feliz do
mundo!

Meu olhar cruzou com o de Hadrian. Vi que ele estava com os


olhos marejados, sua expressão confirmando que ele também faria
de tudo pela garotinha. Vê-lo chorando me emocionou de mil formas

diferentes e, como se fosse possível, o amei ainda mais.


Eu e Verena permanecemos abraçadas até que ela se
desvencilhou de mim, não sem antes deixar um beijo estalado na

minha bochecha. Ergui-me e, aproveitando a brecha, Hadrian se


aproximou novamente.

— Posso? — perguntou, me mostrando o anel.


— Claro. — Dei uma risadinha.
Estendi minha mão para ele e, com uma devoção extrema,

Hadrian pegou a joia. Após guardar a caixa no bolso, segurou os


meus dedos.
— Você está tremendo — sussurrei.

— A mulher que eu amo sempre me deixa assim…


— Sortuda ela, hein? — brinquei.

— Eu sou bem mais.


Senti o metal frio de encontro a minha pele quando ele
deslizou o aro pelo meu dedo anelar. A pedra era de tirar o fôlego.

Hadrian circundou a minha cintura e me puxou de encontro a


ele, nossas bocas se encontrando em um beijo doce e igualmente
apaixonado.

Uma mãozinha começou a puxar o meu vestido, fazendo com


que eu interrompesse o beijo e olhasse para baixo. Hadrian soltou
um resmungo.

— Sim, prinzessin? — perguntou ele.


— Cê deixa a mamãe dançar comigo? — murmurou.
— Claro! — Meu noivo respondeu, fazendo com que a

menina sorrisse.
Com uma mesura, deu um passo para trás e fez um gesto
para os músicos, até então esquecidos, voltarem a tocar.
Não sei o porquê, mas me veio a lembrança uma festa na
escola que os alunos apresentaram uma dancinha, o que tirou
Hadrian do sério pela pouca inclusão das crianças que não tinham

os pais, ou que enfrentavam outra situação familiar adversa. Isso


não era mais o caso da nossa menininha. Ela agora tinha uma
mamãe e um papai, como ela disse há pouco.

Logo, uma música começou a soar e eu peguei as mãozinhas


de Verena, começando a me mexer ao som dos acordes lentos.
Acho que não demos nem cinco passos quando um certo animal se

intrometeu.
— Ah, não, Órion! — Verena fez beicinho, mas o cão

continuou a tentar se colocar entre nós, latindo quando nos


movemos para o lado.
— Que tal uma dança em família? É muito mais legal —

sugeri, sabendo que o cachorrinho não iria desistir. 


Os olhos cinzentos brilharam e, balançando a cabeça em
concordância, soltou as minhas mãos e correu em direção ao papai

dela, apenas para puxá-lo para a roda. Nós três entrelaçamos


nossas mãos e começamos a nos mexer, arriscando passos
estranhos e divertidos.

É, dança em família era muito mais divertido.


Bônus

Cinco anos depois…


 

— Ele é tão lindo! — Verena falou em um tom baixinho.

Com uma devoção extrema, minha filhinha tocou a mãozinha


enrugada do nosso pequeno Pietro, que sugava avidamente o seio

de Ana. Embora seus olhos estivessem meio arroxeados,


mostrando seu cansaço pelas noites insones, minha esposa tinha

um sorriso no rosto. Órion, protetor, estava deitado nos pés dela.

— Sim — concordei em meio a um suspiro emocionado. —

Ainda mais que ele se parece tanto com a mãe. — Sorri, abobado.
Com cabelos pretos, olhos puxados e nariz mais avantajado,

Pietro era uma cópia de Ana.


— Ele vai continuar com os olhinhos assim, papai? — Verena

falou com um tom de voz um pouco mais alto, o que chamou a

atenção de Órion, que saiu da sua soneca e ergueu o rosto, curioso.


— Ops! Desculpa!

— Pietro está acordado, princesa, então não tem problema.

— Okay, mamãe.
Verena ficou em silêncio mesmo assim, apenas tocando a

mão do irmão, enquanto o nosso cãozinho voltava a deitar.

Ver os quatro de alguma forma conectados pelo toque fazia


com que o meu peito inflasse com ternura e orgulho. Não havia

cena mais linda de se contemplar. O amor entre eles era palpável.


Talvez eu estivesse bastante sensível, mas observá-los assim

sempre me deixava trêmulo e a beira das lágrimas.

Cinco anos haviam passado depressa, talvez depressa

demais, mas foi um período cheio de conquistas. Minha esposa

finalmente havia conseguido o seu diploma de bacharel em

bioquímica e, para minha surpresa, ela tinha decidido entrar no


Master em química, apesar de ter ficado grávida nesse meio tempo.

Embora a formação fosse voltada mais para o campo profissional,


ela tem toda a intenção de seguir no mundo acadêmico. Eu não
tinha dúvidas de que Ana seria uma excelente professora, pois era

paciente e dedicada. Já podia imaginá-la participando em vários

congressos, apresentando suas pesquisas.

Sobre o meu cunhado, Ana não teve mais nenhum contato

com ele, o que sei que foi bastante doloroso para ela, mas, para

protegê-la e me deixar mais tranquilo, mantinha-me informado sobre


o que acontecia com o infeliz. Liam se enfiava cada vez mais na

merda, caçando confusão dentro do presídio. Mesmo que eu

devesse deixá-lo se foder, como deveria ter quando paguei a dívida

dele com o traficante, relutantemente, resolvi mexer meus

pauzinhos e consegui transferi-lo para outra unidade prisional para

tentar salvá-lo, ou acabaria morto na cadeia. No mais, não tocava

no nome dele com Ana, deixando-o no passado.


— Depois dele arrotar, posso segurar ele um pouquinho,

mamãe? — Verena me tirou dos pensamentos com seu pedido.

— Se ele não dormir antes, meu amor — Ana falou, fazendo

contato visual com a nossa filha, que, por sua vez, não tirava os

olhos do pequeno e não deixava de tocá-lo.

— Tá bom!
Verena se apaixonou pela ideia de ser a irmã mais velha

assim que contamos a novidade para ela. Mesmo que já esteja se


tornando uma adolescente, deixando-me de cabelos brancos com

as idas ao shopping com as amiguinhas e os malditos garotos, ela


continuava sendo aquela menina doce, meiga e inteligente.
Assim que eu e Ana nos casamos, entramos com a papelada

de adoção socioafetiva, o que tornava minha esposa legalmente sua


mãe. Sobre a empresa e os outros patrimônios deixados por Ignaz

para ela, consegui colocar tudo em ordem, mas, infelizmente, a


sensação de ser uma peça manipulada por uma mente doentia

nunca me deixou por completo. Felizmente, esses cinco anos


permitiram que eu aprendesse a lidar melhor com a questão da
confiança e minhas paranoias lentamente me deixavam.

— Acho que ele não quer mamar mais, mamãe — Verena


falou o óbvio quando Ana tentou trocá-lo de mama e Pietro começou

com o seu chorinho.


— É! — Ela emitiu um bocejo, cansada, e colocou o bebê em

posição de arrotar. — Pronto, pronto, meu amor!


Minha esposa começou a cantar uma cançãozinha e, com
uma voz desafinada, Verena se juntou a ela. Órion, já idosinho, não

reagiu. De alguma forma, as duas conseguiram acalmá-lo. Desde a


barriga da mãe, Pietro parecia adorar ouvir a voz de Ana e Verena,

sempre se agitando mais com elas do que quando eu falava com


ele. É, eu não podia vencer todas as batalhas.

— Dê-me ele aqui — pedi ao ver que o garoto havia pegado


no sono.

Ana esticou os braços, estendendo-me nosso pequeno, e o


peguei com cuidado no colo. Ter aquele corpinho contra o meu
produzia várias sensações em mim. Eu ainda me sentia desajeitado,

grande demais para ter um ser tão miudinho nas mãos, mas ao
mesmo tempo, o calor dele me fazia bem, aquecia a minha alma,

me deixava eufórico. Ana, Verena e Pietro me completavam de


maneiras inimagináveis, e eu não tive dúvidas de que eu era um
homem de sorte por tê-los, por amá-los e ser amado por eles.

Odiando me desfazer do contato que me acalentava, coloquei


meu filho no bercinho. Ele se moveu um pouco, mas não acordou.

Velei o sono dele por alguns minutos, observando a boquinha


se mover, admirando cada uma das ruguinhas de seu rosto,

perdendo a noção de tempo e espaço. 


Saindo do transe, peguei a babá eletrônica e me virei para
deixar o quartinho. Ao olhar em volta, descobri que estava sozinho,

excetuando por Órion, que mantinha sua guarda. Balançando a


cabeça, deixei o quarto, mantendo a porta entreaberta. Fui procurar
as minhas meninas e as encontrei na minha suíte.
Assim que entrei no cômodo, Verena fez um gesto pedindo

silêncio, apontando para Ana adormecida; ela havia cedido ao


cansaço. Sorri para minha filha ao vê-la cobrindo a mãe. Nas pontas

dos pés, aproximou-se de mim e juntos deixamos o quarto.


— O que vamos fazer agora, papai?
— Você já fez o seu dever de casa, prinzessin?

— Já!
— Que tal assistirmos uma série?

— Só se eu escolher… Seu gosto é muito ruim!


— Hey! — Fiz uma careta. — As séries que escolho são

ótimas.
— Só se for para uma criança de colo…
— Você ainda é criança, querida — provoquei-a.

Verena revirou os olhos.


— Não ao ponto de ver desenho para bebês.

— Você gostava!
— Quando tinha seis anos.
— É… — cocei minha barba —, mas você sempre será minha

princesinha, mesmo quando tiver cabelos brancos.


— Papai! — Bateu o pezinho no chão.
— Tá, tá — concedi quando chegamos na sala. — Você
escolhe.

— Ótimo!
Demorou uns bons quinze minutos para que ela escolhesse o

que iríamos ver, já que, soltando uns resmungos, eu tinha vetado


algumas opções, umas que sabia que tinha muitas cenas explicitas
e inadequadas de sexo.

Sobre o que era a série, não sabia dizer, porque peguei no

sono pouco tempo depois. Só fui acordar, assustado, quando


Verena me sacudiu, avisando que o irmãozinho dela estava

chorando, provavelmente precisava trocar a fralda. Eu podia ser

vigilante, mas minha filha era muito mais.

Agradeci, pela milésima vez, pela minha sorte em ter uma


família inesperada tão linda.

 
Agradecimentos
 

Não tenho muita certeza se você amaria essa história, mãe,

mas, de onde você estiver, deve saber que cada linha que escrevo
sobre amor paterno e materno é inspirado em você. Sua ausência

ainda me doí muito, até mesmo quando digito essas palavras. Daria
os céus e o mundo para ouvir você falar mais uma vez que eu não
preciso comprar tantos papéis, ou que quer mais um capítulo,
horrorizada por ter terminado assim, mas seu amor vive, vive em

mim, na minha irmã, em cada lembrança, e nos nossos caracteres.


Nós três somos almas ligadas pelo seu ventre.
Amanda. Sem você não estaria aqui hoje. Você é o pilar que

me sustenta, o porto seguro que me mantém navegando contra os


meus medos, que não são poucos. Obrigada por me amar quando

eu me sinto um peso, obrigada por me abraçar, por me levantar. Eu


te amo, irmã.

Ana. A distância hoje pode nos separar fisicamente, mas eu,


você e Pedro sempre estaremos perto um do outro. Amo vocês e

agradeço muito o carinho e zelo que você tem em lapidar o meu

livro, tornando-o ainda melhor.


Um agradecimento em especial as autoras Alicia Bianchi,

Maria Amanda Dantas, Mia Lennox, Monique Fernandes e Heidy


Silva por estarem lendo meus desabafos, mandando energias

positivas, por me ajudarem a evoluir e a criar mais enredos que não

preciso.
Um agradecimento especial para as meninas do meu grupo

de Whatsapp que se tornaram minhas verdadeiras amigas: Amanda

R., Franciara, Eulália, Dina, Danny, Patrícia, Valdete, Iandra, Gisele,


Edna, Fernanda, Nedja, Débora, Cristina, Ionara, Glei, Yslai, Ju,

Leila, Thaty, Wilzanete, Helenir, Helineh, Tatiane, Talita, Rosi, Eryka,

Mari, Roseane, Elisângela, Dri, Vânia, Thais A., Valéria, Jennifer,


Ellen, Caroline C., Mônia, Athina, Adriana, Larissa, Patrícia, Abigail,

Michelly, Caroline, Regina, Jéh, Nalu, Rosana, Naiane, Cris,


Danusa, Maria, Juscelina, Bianca, Lauryen, Laís, Natália, Luciana

(Nana), Amanda L, Márcia, Isabella, Kelliane, Bárbara, Karol,

Roseane, Rose, Adriana, Edi, Beeh, Sirleni, Kaká, Jéssica Luiza,

Vanessa, Paulinha, Fabi, Erika, Juhh, Thamy, Sueli, Lizzi, Cami,

Kelly, Naiane, Vera, Isis, Ariane, Naira, Fátima, Fernanda, Eugênia,

Lara, Eliaci, Emily, Lindce, Thais Sennah, Laysa, Magda, Sabrina e


Simone.
A você, leitor, que amou, detestou, mas que chegou até aqui,
um grande obrigada por ter dado uma oportunidade a essa história.

A autora Aline Damasceno não existiria sem vocês e está sempre

aberta a críticas, sugestões e jogar conversa fiada fora no privado.

Espero que vocês estejam sempre comigo

Com amor,
Leia também

Uma família inesperada para o cowboy


Livro 1 da série “Virei Papai”

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Sinopse

Cowboy protetor e infértil + virgem + bebê fofo + segundas

chances
Herdeiro de vários hectares de terras cultivadas, João Miguel

desde criança teve uma relação conturbada com o seu avô, Leôncio
Fontes, um homem de coração ruim que plantava maldade onde

pisava.

Quando Leôncio demite vários trabalhadores, inclusive o Zé,

um empregado da fazenda que tem João como um filho e que


ensinou ao menino o amor pela terra, pelos animais e pelas

pessoas, o garoto quase cometeu uma besteira, mas é impedido

pelo bondoso homem. Nesse mesmo dia, o adolescente jurou, em


meio a despedida, que faria de tudo pelo seu pai de coração.  O que

o milionário não esperava era que essa promessa iria ser cobrada,

nove anos depois, por uma garota que fugiu com uma bebê que não

era dela e que precisava da sua proteção, muito menos que ao

oferecer refúgio para elas, o cowboy ganharia uma linda família


inesperada…

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Sobre a autora

 
Mineira, se apaixonou por romances há alguns anos, quando

comprou e devorou um romance de banca que adquiriu em um

supermercado. Após aquela leitura, não parou mais de comprar


livros e ler. Encontrou no mundo da literatura um lugar de prazer e

refúgio. E agora se aventura em escrever suas próprias histórias.  


 
Siga Aline no Instagram:
https://www.instagram.com/autoraalinedamasceno/

 
 

[1]
Caralho.
[2]
Merda ou porcaria.
[3]
Caralho.
[4]
Senhorita.
[5]
Amigo.
[6]
Caralho.
[7]
Desgraçado, bastardo ou filho da puta.
[8]
Desgraçada.
[9]
Caralho.
[10]
Modalidade de ensino onde a educação é realizada em domicílio.
[11]
Carinho.
[12]
Gostosa.
[13]
Gostosa.
[14]
Queijo de origem alemã de casca fina e coloração amarela, de sabor suave.
[15]
Matéria que realiza os cálculos referentes a quantidade das substâncias (reagentes ou
produtos) numa reação química com base nas leis da química.
[16]
Locais onde aceitam a presença de animais.
[17]
Merda.
[18]
Porra
[19]
Deus.

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