Você está na página 1de 520

 

 
 
 
 
 
 
Copyright © 2023 Jessica D. Santos
 
Capa: @designerttenorio
Beta: Lari Batista (@alaritalendo)
Leitura crítica e preparação de texto: A.C. Nunes
Revisão: Andrea Moreira
Diagramação: Independente
Imagens: AdobeStock_267423556
AdobeStock_248738662
AdobeStock_573384178
shutterstock_1395651050
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, acontecimentos descritos
são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes,
datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
 
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento e/ou
reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios, sem a
autorização da autora. Ressalva para trechos curtos usados como citações
em divulgações e resenhas, com autoria devidamente identificada. A
violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/1998
e punido pelo artigo 184 do código penal.
 

Sumário
NOTA DE AUTORA
SINOPSE
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
PARTE II
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS

 
 

Dedico este livro para quem ama um romance “proibido” com o


irmão mais velho e gostoso da melhor amiga. Apenas se deliciem com
Bernardo Guerra!
 
Se você chegou até esta página é porque está prestes a ler o livro e
se interessou por ele. Escrever “As gêmeas do homem errado certo” foi
até hoje o meu maior desafio, eu nunca escrevi livros que fossem divididos
em duas fases (completas em um livro só), e ter saído da minha zona de
conforto foi bom, mas ao mesmo tempo assustador, porque ali existia
insegurança e admiração. Em meio a um turbilhão de sentimentos,
finalmente consegui colocar tudo o que tinha em mente dentro deste livro. E
por mais que você olhe (ou não) para ele e pense “é só mais um clichê”,
vou te dizer:

É, realmente é, mas com a minha essência. EU costumo dizer que


podem existir MILHARES de clichês, com mesmo título, tema e etc., mas
SEMPRE com uma essência diferente, porque cada autor tem o seu modo
de escrever.

É isso. Espero que deem uma oportunidade ao Bernardo


(Bernababy) e a Ayla, o.k.? Se apaixonem pelas razões do meu estresse
assim como me apaixonei.

Meu e-mail - autorajessicasantos@gmail.com


Instagram (me sigam lá para saber das novidades de primeira
mão!):
@autorajessicadsantos

O único gatilho que vocês terão aqui são lágrimas, surtos e


muito amor! Por favor, preparem os lencinhos, porque já estou com os
meus prontos.

Leiam sem moderação!


BERNARDO GUERRA é um poderoso CEO que comanda uma
das maiores empresas de marketing do país. Aos trinta e três anos, está
centrado nos negócios e não deseja se envolver emocionalmente com
ninguém.

Aos vinte e três anos, AYLA DANTAS é recém-formada, dona de


uma personalidade forte, ousada e bastante determinada. Sendo órfã de pai,
vive com a mãe, com quem tem uma ótima relação. Mas Ayla carrega um
grande dilema em sua vida.

Ela não devia, mas se apaixonou pelo irmão da melhor amiga, dez
anos mais velho. Aos dezoito anos, ao se declarar e ser rejeitada, jurou a si
mesma que nunca mais se apaixonaria.

Cinco anos depois, o destino os colocou cara a cara outra vez.

Eles só não contavam que algo aconteceria a partir daquele encontro


inesperado.

Um final de semana em uma casa de praia.


Uma noite tórrida.

E, mais uma vez, ele partiu o seu coração. Com a diferença de que
agora ela estava grávida de não só um bebê, mas de gêmeas.

Será que ele era realmente o homem errado?


 
Bem perfumada.

Usando um vestido sensacional.

Atrairei alguns olhares para mim, com certeza.

Não é por nada, mas estou belíssima.

— Estou gostosa pra caralho! — Rio, olhando-me no espelho e


avaliando cada pedacinho do meu corpo.

Eu já disse que autoestima é tudo? Pois, então!

— Hum-hum...

Um pigarro vindo da porta me assusta e, ao olhar para o lado,


encontro Bernardo encostado no umbral, com os braços musculosos
cruzados e um sorrisinho irritante.

— Que susto! — exclamo, levando a mão ao peito.


— Cadê a Beatriz? — Escrutina o quarto à procura da irmã mais
nova, já com a expressão séria.

— No quarto da tia Rúbia, fazendo um penteado — digo, sentindo


meu rosto arder de vergonha por ele ter presenciado o meu momento de
glamour no espelho.

— O.k. — murmura. E em vez de ir embora, fica parado me


observando.

Disfarçadamente, noto que ele encara as minhas pernas torneadas


pelos três anos de academia e vai subindo até encontrar o meu rosto.
Quando percebe que vejo o que está fazendo, ele desvia o olhar
rapidamente.

— Terminou? — Mordo os lábios, bem atrevida.

— O quê? — desdenha, com a sobrancelha ruiva arqueada.

— De ficar me admirando. Sei que gosta do que vê. — Ouso ir até


ele, balançando o quadril dentro do meu vestido vermelho-sangue com
lantejoulas.

Bernardo apenas balança a cabeça e ri baixinho quando paro na


frente dele.

— Não me interesso por crianças, Ayla. Eu te vi crescer — retruca,


como se ele fosse um velho de setenta anos, e não apenas uma década mais
velho do que eu.
— Primeiro, tenho dezoito anos, sou maior de idade. E segundo, não
estou entendendo esse “te vi crescer”. Não estamos fazendo nada de errado.
— Cruzo os braços e acabo apertando meus seios no decote do vestido.
Bernardo dá uma olhadinha básica e desvia rapidamente, como se eu não
tivesse notado

— Eu tenho certeza de que não estou, mas você, sim, e sabe do que
estou falando. — Ele dobra a manga da camisa branca até o cotovelo.

— Não, eu não sei. — Faço-me de desentendida.

— Acha que não sei do seu amor platônico por mim? — inquire,
convencido.

Rio da sua audácia.

Deus me livre ter uma paixonite por um homem egocêntrico e


controlador como Bernardo. Assim como ele não vai muito com a minha
cara, eu não vou com a dele, só nos toleramos porque as nossas famílias são
amigas muito antes de existirmos.

— Credo! A mulher que tiver sentimentos por um ranzinza como


você só pode estar louca! — Meu coração dispara.

Ele fecha o semblante e, em seguida, arruma a postura.

— Esqueça essa conversa, Ayla. Vim aqui para ver a minha irmã, e
como não a encontrei, estou indo. Daqui a pouco os convidados chegam e
eu preciso recebê-los. — Limpa a garganta e me dá as costas, saindo antes
que eu possa abrir a boca.
Argh, como ele me irrita!

— Não acha que esse vestido está muito curto? — pergunta minha
melhor amiga enquanto se olha no espelho, estudando a vestimenta em seu
corpo que ela cismou que está curta demais. Agora estou sentada na cama
dela, mexendo em meu celular.

— Você já me fez essa pergunta cinco vezes, Beatriz. — Suspiro,


avaliando novamente seu vestido preto de lantejoulas. Estamos usando o
mesmo modelo de vestido, a única diferença são as cores.

— Mas está curto ou não, amiga? — choraminga.

— Não, Bea. — Largo o celular e vou em sua direção. — Ele está


maravilhoso. Moldou bem as suas curvas. — Seguro-a pelos ombros e ela
me encara através do espelho.

— O meu medo é que o Bernie reclame na frente dos seus amigos e


eu passe vergonha — murmura.

Reviro os olhos quando ela menciona o irmão. Ele é muito protetor,


e o fato de ela ainda ter dezessete anos o torna ainda mais um irmão urso,
tanto que às vezes a sufoca.

— Ele não vai, tenho certeza. O.k. que o insuportável do Bernardo é


o seu irmão mais velho, mas você está linda, e ele não vai fazer você passar
vergonha, porque mesmo que seja um ranzinza, ele te ama — consolo-a. —
Agora se olhe nesse espelho e veja o quanto está gostosa nessa roupa, como
a cor do vestido destacou a sua pele, o seu cabelo. Tudo. — Sorrio.

— Eu te amo, Ayla — ela sorri —, obrigada. — Vira-se para mim e


me abraça.

— Também te amo. — Rio, abraçando-a fortemente.

— A festa começa daqui a pouco e estou ansiosa. É a primeira vez


que Bernardo me deixa participar de uma festa dele com os amigos — diz,
afastando-se de mim.

— Ele tem sorte por ter uma irmã maravilhosa como você, porque
em seu lugar, eu já teria participado de muitas. Iria de penetra. — Jogo meu
cabelo cacheado para trás.

— Amiga, você fala isso porque Bernardo não é seu irmão — diz, e
acabamos rindo.

— Ainda bem! — Respiro aliviada.

— Não estou reclamando. Bernardo é o melhor irmão desse mundo


e eu o amo muito — fala, orgulhosa.

— Só é um pouco mandão. — Faço careta.

— É o jeito dele — defende-o.

— O.k., né. — Gargalho.


— Acho que já podemos ir para o salão de festas. — Ela passa a
mão no vestido.

— O.k. Só vou enviar uma mensagem para a minha mãe avisando


que hoje vou dormir aqui — digo e Beatriz assente.

Pego meu celular e envio uma mensagem para mamãe avisando que
não irei embora. Ela reclama por ser meu terceiro dia na casa dos Guerra,
mas não tenho culpa se a minha amizade com Bea é tão forte quanto
amizade do pai dela com o meu quando ainda eram vivos. Para não alongar
a troca de mensagens com minha mãe, envio um te amo com alguns emojis
de coração e ela envia alguns também, porém me pedindo para ter juízo,
porque conhece a filha que tem.

Rindo, guardo celular na gaveta do aparador.

— Do que está rindo? — indaga Beatriz, desconfiada.

— Da minha mamãe. Ela me pediu para ter juízo. — Rindo, vou até
a minha amiga e entrelaço meu braço ao dela.

— Como se isso fosse o suficiente para te impedir de fazer alguma


coisa, né? — Rimos do que ela fala enquanto deixamos o seu quarto.

— Exatamente! — Estalo a língua.

— Ah, não vejo a hora de fazer dezoito anos. Quem sabe assim o
meu irmão me deixa ter liberdade para sair com algum garoto, sem ficar em
cima de mim — diz, olhando para todos os lados do corredor extenso.
— Sabe, no fundo, concordo com o chato, ele só quer proteger a
irmãzinha. O que tem de garotos filhos da puta por aí querendo enganar
meninas inocentes... — murmuro, encarando-a.

— Mas eu não sou nenhuma inocente, Ayla! — fala baixinho assim


que nos aproximamos da escada e vemos alguns convidados sendo
recebidos pela governanta.

— Me diga quantas vezes você já beijou ou se relacionou


intimamente com um homem, Beatriz? — Bufo enquanto descemos o
primeiro degrau da escada.

— Só uma vez. Mas nem foi beijo de verdade, só encostamos os


lábios rapidinho, porque o meu irmão estava me procurando para que
pudéssemos cantar os parabéns — resmunga.

Então me lembro desse episódio, na sua festa de quinze anos, afinal,


fui eu que a acobertei para que desse uma escapadinha do salão de festas
para ficar com o garoto que ela gostava longe dos olhos do irmão urso dela.

— Às vezes, me sinto triste por ser filha única, só que assim que me
lembro do Bernardo Guerra, meu humor muda rapidamente e eu comemoro
isso.

— Não fala assim do meu irmão — minha amiga me belisca e eu


solto um gemido —, ele é um amor! — me repreende, mas sorri ao mesmo
tempo.

— Boa noite, princesas, para onde estão indo? — diz Maria, a


governanta, fechando a porta e nos encarando com a sobrancelha arqueada.
— Estamos indo para o salão de festas, Maria — respondo por
Beatriz.

A senhora de cinquenta e cinco anos, funcionária dos Guerra há


mais de vinte, coloca a mão na cintura e nos avalia com desconfiança.
Tímida, minha amiga encosta o corpo no meu.

— Por acaso, o Bernie sabe que estão indo para a festa dele?

— Ele sabe, Má, dessa vez me deixou participar — explica Beatriz


rapidamente.

— Hm, o.k., podem ir. — Apesar de desconfiada, a mulher


concorda.

Ainda com os braços entrelaçados, seguimos para o salão de festas.


No meio do caminho, encontramos algumas mulheres mais velhas que nos
observam da cabeça aos pés, mas não dizem nada. Certamente devem achar
que estamos lindas para nos olhar com tanta atenção.

Entramos no local e eu fico boquiaberta com a quantidade de


pessoas. As festas de Bernardo nunca são um simples encontro de amigos,
sempre aparece um amigo de um amigo e assim vai. Por sorte, a casa dos
Guerra é enorme, cabe muita gente.

— Não estou vendo o Bernie — diz Bea, procurando-o no meio de


tantas pessoas espalhadas pelo salão.

— Boba, aproveita que ele está longe para se entreter com outras
pessoas. Se fosse para ficarmos grudadas no seu irmão, nem precisávamos
ter vindo — falo, cutucando-a na costela.
— Vou procurá-lo. — Ignora-me completamente. — Você vem
comigo? — indaga e eu nego.

— Pode ir, amiga — murmuro.

Ela assente e se afasta.

Observo a movimentação de alguns convidados no bar, onde o


bartender faz algumas performances enquanto prepara as bebidas. Sorrio ao
ver o homem piscar com charme para as convidadas e continuar com os
seus movimentos acrobáticos.

Até que ele é gatinho, e quando sorri fica ainda mais bonito.

Hm, acho que preciso de uma bebida.

Pronta para ir até o bartender bonitão, sinto um toque de uma mão


masculina em meu ombro. Sobressalto e me viro assustada, deparando-me
com um dos amigos de Bernardo sorrindo para mim.

Pedro Henrique Vilaça é filho de um dos fazendeiros mais ricos de


Minas Gerais e mora aqui em Salvador há mais de dez anos, desde que se
formou em administração.

— Te assustei, bebê? — indaga ele, risonho, passeando os olhos por


meu corpo como se fosse me devorar.

O modo como me chama e me cobiça faz meu estômago embrulhar.

— Você é? — Faço-me de desentendida, dando passos para trás


disfarçadamente.
— Pedro Henrique Vilaça, amigo do dono da festa. E você nem
precisa se apresentar, já sei o seu nome e sobrenome. — Ele estende a mão
para mim e, mesmo receosa, aperto a mão dele.

— Isso era para ser surpreendente? — Arqueio a sobrancelha.

— Bebê, estou de olho em você desde o ano passado, mas o


Bernardo é muito... Como posso dizer — passa a mão no queixo, rindo —,
muito careta. Não me deixou chegar em você — confessa, voltando a me
lançar aquele olhar de desejo.

Engolindo em seco, dou um sorriso forçado.

O.k., admito que tenho apenas fogo no rabo, sou o tipo de pessoa
que demonstra ser ousada, mas na hora H é a maior frouxa que existe.
Ainda mais quando se trata de alguém que não estou a fim e dá em cima de
mim.

— Qual a sua idade mesmo, Pedro? — indago, corajosa.

— Trinta e quatro, meu amor. — Umedece os lábios e tenta se


aproximar.

O “meu amor” me deixa nervosa. Claramente estou sendo assediada


por um homem dezesseis anos mais velho do que eu.

— E você sabe a minha idade? — Respiro profundamente.

— Hm, agora não me recordo, mas com esse corpão vou chutar uns
vinte e dois anos. — Só falta ele gemer para me deixar mais enojada.
Neste momento, um garçom passa ao nosso lado e nos oferece uma
bebida. Com um sorriso falso, pego as duas taças de champanhe e o porco
assediador sorri malicioso achando que vamos brindar. Assim que o garçom
se afasta, olho ao nosso redor e noto que as pessoas estão distraídas em seus
falatórios, e outras dançando na pista de dança ao som de Alok.

— Errado, bebê. — Estendo a taça na sua direção. Pedro tenta


pegar, mas não deixo, o babaca gargalha pensando que estou brincando com
ele. — Fiz dezoito anos mês passado, você é mais velho do que eu
dezesseis anos. E seus olhares e comportamento são muito nojentos para
alguém da sua idade. — Penso em jogar as taças de champanhe no rosto
dele, mas mudo de ideia porque não quero estragar a festa do Bernardo.

— M-me d-desculpe... Estávamos conversando e eu pensei que você


queria... — gagueja, pálido.

— Você não deveria pensar nada, Pedro Henrique. Um homem tem


obrigação de ver os sinais de uma mulher quando ela sente que o seu espaço
está sendo invadido, e a primeira coisa que ele tem que fazer é recuar.
Respeitar. — Junto as taças cheias e empurro em seu peito. — Agora pegue
isso e vá arrumar uma mulher da sua idade e que queira te dar mole. — Dito
isso, dou as costas para ele e saio dali pisando duro, para procurar a minha
melhor amiga.
— Essa festa para mim foi a pior de todas desse ano — resmungo
para Beatriz, que está sentada ao meu lado no sofá, emburrada. O Bernardo
não a deixou dançar porque, segundo ele, há muitos marmanjos na festa e
ele não a deixaria descer até o chão com um vestido tão curto.

— Nem me fale! Se eu soubesse, não teria nem saído do meu quarto


— choraminga, com os olhos fixos na pista de dança, onde alguns casais se
divertem. Entre eles, está o Bernachato com uma loira roçando a bunda em
seu pau.

Idiota. Safado. Ridículo. Ruivo gostoso e irritante.

— Pois as regras foram feitas para serem quebradas. Se o Bernardo


pode ficar quase transando na frente de todos em uma pista de dança,
podemos nos divertir também — determino, pegando no braço dela, que me
encara com os olhos arregalados. — Vamos para lá dançar, não precisamos
de nenhuma companhia masculina para tornar a nossa noite sensacional. —
Levanto-me e a puxo comigo.

— Mas e o…?

— O seu Bernie está quase indo para um dos quartos com a loirona,
ele nem vai nos notar, Beatriz. — Tento convencê-la.

— Ayla, você é muito louca! — Sorri, com os olhos brilhando.

— Lógico, amiga, em nossa amizade tem que existir o caos e a


calmaria! Você é a minha calmaria e eu sou o seu caos, somos o par
perfeito. — Eu a abraço e depois rimos.

— Te amo, sua maluca. — Ri assim que nos afastamos.


Conforme caminhamos na direção da pista, as pessoas abrem espaço
para nós. O dj começa a tocar Hear Me Now do Alok e luzes coloridas
tomam conta do ambiente. Os amigos de Bernardo começam a ficar
agitados, e é neste momento que eu e minha amiga aproveitamos para
dançar.

— Eu sempre soube que as festas do meu irmão eram badaladas! —


ela grita por causa do som alto.

— Nem começamos ainda, amiga! — Rio em seu ouvido e entrelaço


nossas mãos. — Rebola essa bunda! — ordeno, rebolando e sorrindo.

Em questão de pouco tempo, me afasto da minha amiga e começo a


balançar os quadris no ritmo da música. Rebolo de maneira lenta e sensual,
vez ou outra, puxo a barra do meu vestido para baixo quando o sinto subir
em minhas coxas.

Fechando os olhos, esqueço tudo ao meu redor, porque adoro uma


boa música, principalmente dançar. De repente, sinto braços fortes me
envolverem e me puxarem para trás. Me sentindo invadida, tento me
afastar, mas a pessoa que me segura não deixa. Olho por cima do ombro e
vejo Pedro Henrique, notando que seus olhos estão vermelhos.

— Me solta! — grito, assustada, ao sentir o seu pau cutucar minhas


costas.

— Você estava tão gostosa dançando que não resisti — diz.

Ao sentir o cheiro de álcool, meu estômago fica embrulhado.


Que nojento! As pessoas estão tão distraídas que nem reparam no
que está acontecendo. Procuro por minha melhor amiga e não a encontro
em canto algum.

— Eu disse para me soltar! — Piso com o salto no pé dele, só assim


para ele se afastar.

Vejo Bernardo a poucos metros de distância, e assim que percebe o


que está acontecendo, ele vai até o dj, pede para parar a música e caminha a
passos largos em nossa direção, com as pessoas abrindo caminho para ele.

— Que porra é essa, PH? — Bernardo rosna, me puxando para


longe do amigo, que nos encara sorrindo. Ele está completamente bêbado.

As pessoas ao redor param para nos observar e eu me encolho nos


braços do irmão da minha melhor amiga, que surge ao nosso lado com os
olhos arregalados.

— Qual é, amigo? Vai ficar do lado da pirralha em vez do meu? —


desdenha.

— Você tem noção do caralho que estava fazendo? Ela é só uma


menina, seu merda! — Ele está prestes a avançar no amigo, mas eu o
seguro pela camisa.

— Acha mesmo que vou cair nessa, Bernardo? — provoca,


sorrindo.

— Dê o fora da minha casa, seu fodido! — Expulsa o ex-amigo.


Pelo estado que se encontram, acredito que a amizade deles não existe mais.
— Ela, um mulherão desses, rebolando na pista de dança como se
quisesse uma companhia, e você me diz que ela é uma menina? Aposto que
está comendo a novinha. —Isso é o suficiente para que Bernardo me afaste
dele e avance em Pedro Henrique, socando-o repetidas vezes.

— Bernie! — grita Beatriz, assustada, vendo o irmão jogar o amigo


no chão e socar a cara dele várias vezes. As pessoas ao nosso redor
começam a filmar enquanto outros amigos mais próximos tentam apartar a
briga. — O que aconteceu, amiga? — indaga, tocando em meu braço.

— O porco do Pedro Henrique estava me assediando! Você estava


onde? — Soluço e observo os dois homens serem erguidos do chão.

— E-eu… fui ao banheiro. Te vi tão distraída dançando que não quis


chamar para ir comigo. Quando volto, me deparo com isso — explica, a voz
embargada.

— Não perca o seu tempo, Bernie, o PH está bêbado, cara! — fala


Murilo Campos, o melhor amigo do Bernardo.

— Foda-se, Murilo! Acha que vou deixar que ele assedie uma
menina mais nova do que ele? Pelo amor de Deus! — grita, irritado, antes
de olhar para mim, seus olhos claros estão escuros, furiosos. — A festa
acabou! Levem esse saco de bosta para longe da minha casa! — Bernardo
se solta dos amigos e vem em nossa direção.

— Irmão, como você está? — pergunta Beatriz, preocupada, ao vê-


lo sujo de sangue.
— Vocês duas — aponta para mim e para ela, ignorando-a por
completo —, subam. A festa para vocês terminou também! Vamos, deem o
fora daqui! — ordena com grosseria.

— O-obrigada! — agradeço, mesmo notando a sua ira.

— Subam agora! — Ele me ignora também, sequer olha para mim.

— Você é um babaca, Bernardo Guerra! — grito, mesmo sabendo


que tem pessoas nos vendo.

— Sou mesmo! O fato de ter permitido que duas crianças viessem


para a minha festa comprova isso — retruca, respirando fundo.

— Vamos, Ayla, ele está nervoso — diz Beatriz, me puxando pelo


braço.

— Não temos culpa se o seu amigo é um velho tarado! — Cuspo as


palavras e faço questão de passar por ele e bater meu ombro em seu corpo.

Definitivamente, odeio Bernardo!

Sempre que ele tem oportunidade, me chama de criança, sendo que


não sou, mas adora dar ênfase a isso. Talvez a minha revolta seja porque
quero que ele me enxergue como adulta, e não uma adolescente.
— Beatriz, acho que vou pedir pra minha mãe se encontrar comigo
no caminho pra casa. Não vou dormir aqui hoje — falo para a minha amiga,
que está penteando o cabelo.

— Para com isso, Ayla, você não vai a lugar algum. — Suspira,
olhando-me através do espelho da sua penteadeira. — E você já está de
camisola, ter que se vestir novamente para ir pra casa seria muito
trabalhoso! Sei que o Bernardo foi um pouco grosseiro, mas ele estava
nervoso. Não é para tanto a sua revolta com o Bernie.

— Como sempre, defendendo o Bernie, não é? Óbvio, é o seu irmão


— resmungo, me levantando da cama.

Estamos há uma hora trancadas no bendito quarto e nada do mandão


aparecer, provavelmente nem irá. Deve ter acabado com a festa e saído com
uma das suas conquistas, enquanto nós duas ficamos trancafiadas, porque a
minha amiga insiste em querer obedecer ao bonitão para que ele não se
chateie com ela.

— Não estou do lado de nenhum dos dois, Ayla. Assim como ele foi
grosso, você está sendo infantil em querer sair daqui uma hora dessas,
sendo que disse que ficaria — reclama, chateada. — Já são quase onze da
noite, quer mesmo ir embora? Peço ao nosso motorista para te deixar no seu
condomínio. — A mágoa em sua voz é nítida.

De Alphaville até Piatã, o bairro onde moro, não demora muito,


coisa de sete minutos, mas sei que minha melhor amiga está emburrada
porque quero ir para casa, e não pelo horário. Já cansei de sair daqui para
Bosque Verde tarde da noite e nada aconteceu.
— O.k., eu fico. Só vou lá embaixo beber um copo de água antes de
dormir — falo, amarrando meu cabelo com uma mecha em um coque
folgado.

Feliz por eu desistir de ir para casa, Beatriz sorri e comemora. Ela


iria se sentir um pouco sozinha, já que a mãe está em São Paulo a negócios
com o marido e só retorna daqui a três dias.

— Quer que eu te ajude a arrumar o seu quarto ou vai dormir no


meu? — inquire, sorridente.

Sim, tenho meu próprio quarto na casa dos Guerra desde os meus
quinze anos – foi quando mamãe permitiu que eu dormisse aqui. A tia
Rúbia fez questão de me ceder um dos quartos de hóspedes para que eu
pudesse decorá-lo como desejasse.

— No meu, amiga. Só vou arrumar a cama, o restante ajeito pela


manhã antes de ir embora — murmuro, bocejando.

— O.k., então, boa noite — deseja, vindo até mim.

— Boa. — Eu a abraço rapidinho e saio do seu quarto.

No corredor, lembro que esqueci meu celular, mas decido pegá-lo no


outro dia. Descendo os degraus da escada da sala, deparo-me com Bernardo
de olhos fechados e sem camisa, com as costas recostada no sofá e a cabeça
inclinada para trás.

Ele não saiu. Meu pensamento me faz sorrir como boba.


No último degrau, respiro profundamente e avalio o seu abdômen
branco e sarado. Quase babando pelo irmão da minha melhor amiga, mordo
os lábios e tento ignorar a sua presença, mas escuto-o pigarrear.

— Ayla, preciso falar com você — diz, então se levanta e vem na


minha direção.

A cada passo que ele dá, meu coração dispara.

Por que ele tem que ser tão lindo? O seu cabelo naturalmente ruivo
está bagunçado, e a sua expressão séria causa um reboliço no meu
estômago. Quando Bernardo para na minha frente, engulo em seco ao
avaliar de perto por alguns segundos o seu abdômen cheio de gominhos e
sardas sexys antes de erguer o rosto para o monumento de um metro e
noventa e sete de altura.

— Fala. — Coloco a mão na cintura.

Instintivamente, ele observa o meu movimento e luta para não olhar


para o meu pijama, que embora seja fofinho com desenhos de unicórnios,
tem um decote rendado bem generoso em meus seios.

— Como você está? — indaga. O seu pomo-de-adão sobe e desce ao


avaliar meu rosto.

— Estou bem, Bernardo. — Suspiro, sem querer olhar para ele


porque ainda estou chateada com a forma arrogante com que tratou a mim e
a sua irmã.

— Pela carinha de emburrada sei que está brava. — Seu tom soa
engraçado, mas permaneço séria.
— Óbvio que sim. — Encaro-o com a sobrancelha arqueada. — Se
ponha em nosso lugar. Imagine se a Beatriz fosse mais velha do que você e
te tratasse com arrogância na frente de tantas pessoas depois de uma amiga
dela ter assediado o seu melhor amigo? — Cruzo os braços.

— Reconheço que fui grosseiro, mas estava nervoso com tudo o que
aconteceu. Foi a primeira vez que fui agressivo com algum amigo meu. Ex-
amigo, na verdade. — Coça a nuca.

— Você vive nervoso, mas obrigada por ter me defendido —


murmuro, não deixando passar despercebido que ele quebrou o vínculo com
Pedro Henrique por minha causa.

— Não exagere, Ayla, a forma como fala parece até que sou um
monstro — defende-se, como se estivesse ofendido.

— Não disse que é um monstro, só falo o que penso ser verdade. —


Viro-me para ele e nossos olhares de encontram.

— Nunca imaginei que eu, um homem de vinte e oito anos de idade,


iria ter que me explicar para uma adolescente, mas…

— Sabe o que mais odeio em você? A maneira como me trata! É


como se uma adolescente estivesse diante de você. — Bufo, interrompendo-
o.

— E você é o quê? O que sabe da vida para ser tratada como uma
adulta, Ayla? — Respira longamente.

— Você é mesmo um babaca, não enxerga o que está em sua frente.


— Quase bato os pés, mimada, mas me controlo para não dar razão a ele.
— Por Deus, o que está dizendo? — Massageia a ponte do nariz e
fecha os olhos por alguns segundos.

— Mais cedo, você esfregou na minha cara que eu tenho um amor


platônico por você, mas o que me diz sobre os seus sentimentos por mim?
— Coloco-o contra a parede com as minhas palavras.

O irmão da minha melhor amiga arregala os olhos e quase


empalidece.

— Não existe sentimento algum — responde rapidamente.

— E os seus olhares para mim são o quê? — Dou um passo para a


frente, acabando com a nossa distância.

— Ayla, não começa. Você já está indo longe demais. — Engole em


seco e fica com a respiração entrecortada quando espalmo em seu peito.

— Eu ainda não cheguei nem perto, Bernardo. — Ergo o rosto e


vejo os seus olhos castanho-claros ficarem mais abertos.

— Você só tem dezoito anos, e eu, vinte e oito. Começando por aí,
já é errado — justifica, tentando se afastar, mas eu pego as suas mãos e
coloco em meu quadril.

— Seria errado se eu não quisesse, Bernie — chamo-o pelo apelido


carinhoso. — Você não está me obrigando a nada, tenho idade suficiente
para saber o que é certo e errado, e não tem nada de errado quando duas
pessoas se querem.

A sua mão aperta a minha carne e eu quase derreto.


— Pensei que me odiasse, encrenqueira. — Ele olha para a minha
boca.

— Mas eu odeio, só que de um jeitinho diferente. Não tem como


gostar de um cara ranzinza e arrogante — falo, colocando minhas mãos em
cima das suas e mordendo os lábios.

— Como pode ser tão atrevida assim? — Ergue a sobrancelha.

— É uma das minhas qualidades, Bernababy.

Arranco uma risada baixinha dele ao chamá-lo por um apelido que


dei com quinze anos só para irritá-lo, mas tive que parar porque mamãe me
repreendeu.

— Ayla, é o seguinte. — Não sei o que ele pensa, mas tira suas
mãos de mim e volta a pôr a máscara de sério. — Você é linda, mas prefiro
que continuemos como antes, você me odiando, pensando que te odeio.
Será melhor assim. — Decide por nós dois.

— Eu quase me declaro para você e é isso que tem para me dizer?


— Minha garganta arranha.

Bernardo se afasta de mim e fica de costas.

— Nossos pais foram melhores amigos até o último dia de vida


deles, quase irmãos. — Seu tom triste e cheio de saudade me lembra que o
pai dele e o meu morreram em um acidente aéreo. Eles estavam a negócios
na Inglaterra quando, na volta para casa, houve uma falha no motor e o
piloto não conseguiu aterrissar. O desastre aconteceu há anos, mas ainda
sentimos a mesma dor e tentamos conviver com ela.
— Mas isso não nos torna irmãos… Ou seja lá o que esteja
pensando — digo, nervosa com o seu raciocínio.

— Sei que não, jamais olharia para a minha irmã do jeito que te
olho, não estou louco. — Vira-se para mim com o semblante retorcido. —
Eu praticamente te vi nascer, crescer… E você é a melhor amiga da minha
irmãzinha, quase da mesma idade que ela. — Passa a mão no pescoço.

— Não tem nada a ver! — Irrito-me com a sua comparação.

— Ayla, nossas mães são amigas, a Fernanda confia a sua segurança


a mim, tanto que te deixa dormir aqui em casa mesmo quando a minha mãe
não está. Eu não vou quebrar a confiança dela por causa da sua paixão
adolescente. — Ele me quebra sem nem ao menos perceber. — Sou um
homem formado, tenho uma carreira promissora na empresa da minha
família, e você, daqui a uma semana, vai começar a faculdade. Temos uma
realidade muito diferente, nem mesmo poderíamos estar tendo essa
conversa — declara, duramente.

Comprimindo os lábios, seguro as lágrimas.

— O.k., você tem razão. — Engulo o choro.

— É melhor assim — diz.

— Sabe que eu te odeio ainda mais, não é? — Deixo claro, porque


não sou obrigada a guardar os meus sentimentos, nem mesmo os mais
raivosos.

— Sim.
— Que bom. — Uma lágrima desce por minha bochecha sem que eu
tenha controle. — Tenha uma ótima noite, Bernardo Guerra. Espero que
você encontre uma mulher que quebre o seu coração também. — Eu não
deveria rogar praga, mas é inevitável.

— Ayla — repreende-me quase em um gemido. — É difícil para


mim também ter que me manter afastado, mas ao contrário dos outros
homens, quero respeitar a sua idade. Você ainda é muito nova para mim,
preciso que entenda isso.

Ignorando-o, sigo para a cozinha sem olhar para trás. Essa conversa,
além de ter me dado mais sede, me deu fome.
 
5 anos depois

— Que orgulho tenho de você, filha! Nem acredito que vai começar
a trabalhar! — fala mamãe, avaliando-me assim que termino de tomar meu
iogurte.

Antes de responder, limpo meus lábios com o guardanapo e sorrio


para ela.

— Mainha, ainda não está nada certo. Como eu disse, será apenas
uma entrevista, e se eu for selecionada para trabalhar na empresa, irão me
ligar — lembro-a, que faz uma careta engraçada.

— Mas os Guerra são nossos amigos de anos, acredito que Bernardo


não vai pensar duas vezes para te contratar, minha princesa — diz com tanta
certeza, que se eu não soubesse o que aconteceu entre mim e o irmão da
minha melhor amiga anos atrás, eu estaria segura de que a vaga é minha.

— Mãe, não é bem assim. Estarei lá para ser entrevistada como


qualquer outra pessoa, não acho justo passar na frente de tantas candidatas
que devem ser tão esforçadas quanto eu só porque a nossa família tem um
vínculo muito forte com os donos da empresa — declaro.

Ela revira os olhos e enfia o garfo em um pedaço de mamão.

Para não alongar a conversa, meneio com a cabeça e fico calada.


Depois do fora que Bernardo me deu, a nossa relação ficou balançada. Após
aquele acontecimento constrangedor, nunca mais o vi com os mesmos
olhos, passei todos esses anos o evitando e fingindo que jamais tentei
convencê-lo a me querer, me ver como uma mulher e não uma adolescente.

Precisei de uma semana para refletir as minhas ações, e quando me


dei conta da loucura que fiz, passei a frequentar menos a casa dos Guerra,
nem mesmo minha amiga entendia o meu afastamento, somente Bernardo
sabia a razão das minhas visitas na casa dele terem se tornado raras.
Quando entrei na unifacs para cursar designer gráfico, encontrei a desculpa
que estava precisando: dizia que estava muito focada nos estudos quando
Beatriz ou a tia Rúbia perguntavam o motivo do meu distanciamento. Para
elas, foi uma boa justificativa, já que a minha melhor amiga nunca soube da
rejeição do seu irmão, muito menos a sua mãe.

Eu amo de coração a Beatriz, mas entre mim e o Bernardo, ela


certamente ficaria do lado dele. Assim como guardo a sete chaves os meus
sentimentos pelo primogênito dos Guerra até hoje, preferi manter a minha
primeira desilusão amorosa decepcionante só para mim.

Hoje, aos vinte e três, sou uma mulher cheia de sonhos e que
aprendeu aos dezoito anos a colocar o amor em segundo plano. Por ora,
entrar em um relacionamento ou me apaixonar não faz parte da minha lista
de desejos. Embora receba convites de alguns colegas de profissão ou até
mesmo do meu círculo social para encontros, conto nos dedos de uma mão
quantos deles aceitei.

Ao longo desses anos, saí somente com quatro homens, mas


nenhum deles conseguiu me convencer a embarcar em um romance. Se
muito, eu troquei alguns beijos com dois, transar com um – que me
arrependo até hoje, o cara gozou rápido demais e não me fez gozar, logo
descobri a razão; ele ainda estava apaixonado pela ex-namorada, e só
conseguia pensar nela.

E o último foi um babaca que só queria namorar comigo para me


convencer a conversar com mamãe para ajudá-lo a abrir o seu primeiro
negócio no ramo de hotelaria. Ela é uma socialite que tem muitos contatos
por ser dona de uma rede de imobiliárias espalhada pelo país.

Enquanto eu mal tentava dar certo com alguém, Bernardo ficou


noivo de uma cirurgiã-dentista por um ano, mas o noivado não foi adiante.
Ele descobriu que além de ser corno, ela estava tentando engravidar dele
sem o seu consentimento. Na época, foi um escândalo, até saiu nos
tabloides. Alguém próximo aos Guerra soltou essa bomba e a mídia não
perdoou, claro. Rolou até processo por parte da tia Rúbia, ela quase acabou
com a carreira da ex-nora, porém, o filho não permitiu que levasse para a
frente o processo para não ampliar mais o escândalo e comprometer a
agência.

Durante todos esses anos, nós não tivemos mais oportunidade para
ficarmos sozinhos, muito menos para conversar, se bem que não temos nada
para falar. Cada um seguiu com sua vida, eu acho que foi melhor assim,
para ambos.
— Mainha, estou indo — aviso, depois de alguns minutos.

— Boa sorte na entrevista, querida — deseja ela, sorridente.

Na mesa, meu celular começa a tocar. Com a sobrancelha arqueada,


vejo o nome de Beatriz. Ainda são nove. Estranho o fato de a minha amiga
estar acordada uma hora dessas, normalmente ela se levanta depois das dez.

— Obrigada. Com licença, mamãe. — Sorrio de volta e, em


seguida, pego meu celular e a minha bolsa na cadeira ao lado.

Saindo da sala de jantar, atendo a ligação.

— Bom dia, flor do dia! — fala, animadamente.

— Que animação, Bea! Bom dia! — Coloco a alça da bolsa no


ombro e abro a porta da sala. Ao sair, deparo-me com o sr. Zeca, o nosso
motorista, me aguardando para me deixar no Wall Street Empresarial, em
Patamares, onde fica a sede da empresa dos Guerra. — Bom dia, Zecaaaa!
— Afasto o celular e o cumprimento como sempre faço – enérgica e
sorridente.

Zeca está conosco desde os meus dez anos de idade, temos um


enorme carinho por ele e sua família, que trabalha aqui também. Menos a
filha caçula, que entrou na universidade meses atrás e eu convenci mamãe a
pagar ao menos dois anos de mensalidade, até eles terem mais condições
para assumirem o compromisso. Poderíamos dar um emprego a Letícia,
mas achei melhor fazermos isso por ela até que consiga se estabilizar nos
estudos e tenha certeza de que vai conseguir conciliar um trabalho com a
universidade.
Não existe nada pior do que estudar e se sentir pressionado com
outra coisa. Embora nunca tenha precisado trabalhar, tive colegas na
universidade que me falavam da dificuldade para conciliar estudo e
trabalho. Uma das minhas colegas de classe, de quinta a domingo fazia
alongamentos de unhas para pagar as mensalidades, e quando se formou
deixou os pais orgulhosos.

— Bom dia, dona Ayla! — responde o senhor baixinho de cabelo


grisalho.

— Desculpa ter cortado a sua fala, amiga, estava cumprimentando o


sr. Zeca — explico.

— O.k. Quero te fazer um convite e não aceito um não como


resposta. Faz anos que você não vai conosco. — Ela faz um ar de mistério
e eu franzo o cenho, curiosa.

— O que é? — inquiro, vendo Zeca abrir a porta do carro para que


eu entre.

— Estamos indo para a casa de praia em Guarajuba amanhã e


vamos ficar até segunda à tarde. O que me diz? — Sua voz esperançosa
mexe comigo.

Realmente, faz anos que não coloco os pés na casa de praia dos
Guerra. A minha desculpa para ficar longe do Bernardo afetou até as nossas
viagens para aquele paraíso.

— Quem vai? — Suspiro, me acomodando no banco de trás do


carro e apoiando o celular no ombro para colocar o cinto de segurança.
O motorista entra no carro e dá partida.

Ah, céus! Estou tão nervosa, tomara que tudo dê certo.

— Hm, eu, Raissa, Clara, Daiane, Bruna, com os namorados, o


meu novo paquera, Mateus, e um amigo dele maravilhoso que você vai
adorar conhecer — diz, dando uma risadinha. — Vamos, Ayla, será bom
para você. Acha que eu te perdoei por ter me abandonado todos esses anos
por causa da faculdade?

— Amiga, posso pensar? Hoje tenho entrevista na empresa da sua


família, e nem sei se depois disso vou ser capaz de sair — murmuro,
mordendo os lábios.

— Céus, como você mudou, Ayla! Poxa, saudade da minha amiga


divertida, parece que você envelheceu cem anos. — Ela exagera e eu
gargalho.

— Responsabilidades, responsabilidades, amiga — cantarolo,


observando o porteiro na guarita acenar para Zeca e depois liberar a nossa
saída do condomínio.

— Vou falar para o Bernardo te contratar logo, assim você vai


conosco — sugere, dengosa e determinada.

Com os olhos arregalados, balanço a cabeça.

— Está maluca? Não pense em fazer isso nem em sonhos. — Meu


coração erra as batidas.
— Não sei por que fica irritada quando menciono o Bernie. Às
vezes, até me esqueço que vocês se odeiam. — Suspira como se estivesse
entediada.

Na cabeça dela, eu e o irmão nos odiamos porque ele foi grosseiro


conosco naquela festa.

— Não nos odiamos, só não somos melhores amigos. Ou amigos —


falo ao depositar a minha bolsa no banco.

— O.k. Não vou falar nada a ele. Boa sorte na entrevista. O


Bernardo está com um humor horrível, ontem, alguém no condomínio bateu
o carro na traseira da Land Rover dele. Pense numa pessoa puta! —
revela.

Estremeço ao saber que meu futuro chefe estará azedo na entrevista.

— Realmente vou precisar de sorte. — Massageio minha têmpora


ao mirar a orla que a essa hora já tem muitas pessoas – algumas correndo,
outras andando de bicicleta.

— Pense direitinho no meu convite. Depois que enfrentar o lobo


mau do Bernardo, vai precisar relaxar. — Ri baixinho.

— Obrigada, você me ajudou muito, Beatriz. — Bufo.

— Estou brincando, amiga, é só dar aquele sorriso que só você


sabe para o Bernie que ele fica derretido.

— C-como assim? — gaguejo.


— Hm, vou tomar um banho agora para ir até o spa na Barra,
marquei um horário com as meninas. Também estou precisando relaxar, a
minha semana foi muito corrida! Beijos, Ayla, te amo. — Ignora a minha
pergunta sonsamente e encerra a ligação.

Será possível que Beatriz sabe de alguma coisa ou desconfie? Eu me


sinto péssima em não contar para ela o que aconteceu entre mim e o seu
irmão, mas, caramba, ele é o Bernardo, o irmão mais velho dela. Ela jamais
me apoiaria em uma relação com o seu irmão. Desde o princípio, fui
avisada sobre isso e até concordei porque éramos adolescentes bobas que
faziam promessas uma para a outra, uma delas era em hipótese alguma me
envolver com ele.

— Zeca, desce um pouco o vidro, por favor — peço, sentindo minha


cabeça latejar.

Abaixo os óculos de sol da minha cabeça e cubro meus olhos com a


lente preta, em seguida, respiro profundamente sentindo o vento bater em
meu rosto e o cheiro da maresia da orla impregnar em minhas narinas.

Puxando o ar para os pulmões, encaro o arranha-céu de vidro e aço


do Wall Street Empresarial assim que Zeca para o carro em uma vaga no
estacionamento.
Nervosa e sentindo minhas mãos ficarem geladas, pego minha bolsa
e aperto a alça. No caminho para cá estava tudo bem, mas agora,
observando o prédio da empresa dos Guerra, meu corpo inteiro está
trêmulo.

Eu consigo.

Vou conseguir.

Será mesmo que vou conseguir ser entrevistada por Bernardo


Guerra sem demonstrar meu nervosismo? Sim, eu vou. Sou uma Dantas. As
mulheres da minha família são fortes, muito fortes.

— Zeca, se quiser fazer alguma coisa enquanto estou aqui, pode ir,
tá? — aviso, e ele me olha pelo retrovisor.

— Tem certeza, dona Ayla? Posso esperar, é o meu trabalho — diz,


receoso.

— Claro! Vá dar uma volta, tomar um café, fazer alguma coisa que
não te deixe entediado nessa vaga de estacionamento — sugiro, pronta para
sair do carro.

— Vou fazer melhor. A Janete me pediu para comprar algumas


coisas mais tarde, vou dar uma passadinha no Atakarejo para ver como
estão os valores. — Seu tom é animado.

— O.k Quando eu tiver terminado por aqui, entro em contato com


você. — Abro a porta e saio, sentindo o sol escaldante bater contra o meu
rosto. Ainda bem que estou usando uma base com protetor solar.
— Obrigado!

— Não me agradeça! — Bato a porta.

— Boa sorte, menina — deseja e eu sorrio.

— Estou precisando. — Rio, nervosa, olhando por cima do ombro o


centro empresarial com duas torres interligadas pelo pavimento térreo,
compostas por algumas lojas e empresas pequenas. Todos os andares da
outra torre acomodam as instalações da MKTDA GUERRA.

Guardo os óculos de sol na bolsa e tomo coragem para subir a


escada que dá acesso ao hall de entrada do prédio. A cada passo que dou,
minhas pernas amolecem, ainda assim, mantenho a minha postura de
mulher fatal e sigo até a recepção com a cabeça erguida.

Passo por algumas pessoas que me encaram dos pés à cabeça,


provavelmente, devem achar que sou uma empresária pelo modo como
estou vestida – um terninho cor bege feito sob medida que ganhei de
presente da minha mãe –, mas mal sabem que vim para a entrevista do meu
primeiro emprego como designer gráfico.

Chego ao balcão da recepção e mostro o meu documento. Quando a


atendente vê o sobrenome Dantas e me reconhece, logo libera a minha
passagem e me entrega um crachá de visitante. Sigo para o elevador
sentindo os olhares dos funcionários do local.

Linda sei que sou, mas não tinha noção de que hoje atrairia tantos
olhares, devo estar realmente maravilhosa com essa roupa elegante.
Confesso que estou me sentindo uma mulher de negócios, uma verdadeira
ceo.

Depois de passar o crachá no leitor magnético da catraca, entro na


caixa metálica e aperto o meu andar, em seguida, vejo o horário em meu
relógio nude, a mesma cor dos meus saltos. Já são quase oito da manhã,
ainda bem que consegui chegar antes do horário marcado.

Ufa. Ao menos chegarei na hora certa.

Meu celular começa a tocar e eu o pego na bolsa, quando vejo que é


Beatriz, atendo logo, porque sei que se demorar irá ficar me ligando sem
parar.

— Amiga, já chegou?

— Sim, Bea, já estou subindo para o andar do poderoso chefão —


brinco e ela ri.

— Tenho uma novidade para você, só não surta, por favor — pede,
manhosa.

— Morro de medo das suas novidades, amiga, mas me diga o que é.


— Encaro-me no espelho.

— Então, eu tinha convidado o Bernie para ir conosco para


Guarajuba, mas ele não quis. Faz poucos minutos que ele me ligou e disse
que mudou de ideia, e agora também vai.

Céus, acho que vou desmaiar.


Meu Deus. Bernardo vai também.

— Está me ouvindo, Ayla? Acho que vai chover, o Bernardo


querendo viajar comigo e com a minha muvuca encrenqueira, como diz ele.
— Ela gargalha.

— É...

De repente, o elevador para no décimo terceiro andar e eu estranho,


porque apertei para ir ao vigésimo, onde se encontra o escritório do chefão
da empresa. Assim que as portas se abrem, um homem negro de terno, porte
atlético, elegante e bonito surge, mas não o reconheço de imediato até ler o
nome em seu crachá. Luiz Miguel Cardoso. Lembro-me então que ele é o
chefe do departamento de designer da mktda guerra.

— Bom dia — o bonitão me cumprimenta e entra no elevador,


ficando ao meu lado.

— Bom dia — respondo, educadamente. O cheiro gostoso do seu


perfume preenche o ambiente.

— Ayla! — Por um instante, até me esqueci da Beatriz.

— Amiga, já estou quase chegando ao meu andar e o sinal está


ruim, posso te ligar depois? — Nem espero a resposta, porque sei que ela
vai dizer não, só encerro a ligação. Antes de colocar o celular em modo
avião, envio alguns emojis de coração para ela.

— Se não me engano, você é Ayla Dantas, certo? — puxa assunto,


enquanto guardo meu celular na bolsa.
— Sou, sim. — Passo a mão em meu cabelo liso e comprido que
alisei ontem no salão, que chega até a minha bunda.

— Está vindo visitar ou irá trabalhar conosco?

Arqueio a sobrancelha com a sua curiosidade.

— Entrevista. — Encaro-o e ele sorri.

— Acredito que muito em breve seremos colegas de trabalho — diz,


ainda sorrindo.

— Então, você será o meu chefe se eu for aprovada para trabalhar


aqui. — Abro um sorriso.

— Com certeza será contratada. — Pisca para mim com charme.

— Espero que sim. — Acabo ficando séria ao me lembrar que


Bernardo é quem vai decidir isso. Mesmo que eu esteja indo para uma
entrevista para trabalhar em outro setor, misteriosamente, é o primogênito
dos Guerra quem fará a entrevista.

Em questão de poucos minutos, as portas da caixa metálica se abrem


e chegamos ao andar do presidente. A secretária dele se levanta
rapidamente assim que nos vê, mas antes de se aproximar, seu olhar me
estuda por alguns segundos.

— Bom dia, senhores — nos cumprimenta Rosa. Ela trabalha na


empresa há mais de dez anos.
— Bom dia, Rosa — cumprimento-a, olhando ao nosso redor. Não
há ninguém aqui.

Será que estou atrasada ou cheguei cedo demais?

— Bom dia, Rosinha linda! — Luiz Miguel pega nas mãos dela e as
beija, deixando-a derretida.

Rindo baixinho, balanço a cabeça.

Um galanteador, temos aqui.

— Rosa, tenho uma entrevista para trabalhar no departamento de


artes com o sr. Guerra. — Franzo o cenho. — Estou atrasada ou cheguei
cedo demais? Não estou vendo mais nenhum candidato — questiono,
curiosa.

— Você veio para a entrevista de emprego? — inquire e eu


confirmo. — Estranho. O chefe não me disse nada. Ele acabou de sair de
uma reunião, mas não me informou nada, talvez, tenha dito para a estagiária
que estou treinando. — Coça o pescoço e olha para o homem à sua frente.

— Deve ter sido isso. — Respiro aliviada.

— Mas quem vai selecionar a pessoa para o departamento de artes


sou eu. O Bernardo entrevistaria alguém que fosse ocupar a vaga de
secretária dele, como fez com a novata que Rosa está auxiliando —
intromete-se Luiz Miguel, me deixando confusa.

Era só o que me faltava.


— Para acabar de uma vez com essa confusão, vou perguntar ao
chefe o que de fato está acontecendo — informa Rosa, chamando a nossa
atenção.

— O.k. Vou esperar aqui — murmuro, pensativa.

— E você, Luiz Miguel, o que quer? Já resolvo tudo de uma vez —


diz a secretária.

— Preciso que marque uma reunião com o chefe para a próxima


semana. Tenho que mostrar a ele a nova identidade visual que criamos para
a propaganda da vaslec.

— O.k., anotado! Depois entro em contato com você. — Pisca para


ele. — Ayla, já volto. Com licença! — Ela nos dá as costas e segue para a
porta fechada do lobo mau, como disse Beatriz.

— Foi bom te encontrar, Ayla, espero que nos vejamos outras vezes
— fala o homem, depois segue para o elevador.

Me ajude, Senhor. Que tenha sido um engano e Bernardo não queira


me entrevistar.

Ele não pode fazer isso, não pode me dar esse “privilégio”, sendo
que os outros não vão passar por ele.

De onde estou, escuto o “entre” dele com aquela voz masculina que
faz o meu corpo estremecer. Engolindo em seco, procuro um lugar para me
sentar, e assim que o faço no sofá luxuoso preto, cruzo as pernas e respiro
fundo tantas vezes que perco a conta.
Passaram-se cinco minutos.

Cinco minutos. O que está acontecendo lá dentro?

Olho para o meu relógio e jogo meu cabelo para trás. Ao erguer os
olhos, meu coração quase salta pela garganta ao ver Bernardo saindo da
sala, acompanhado da funcionária. Seu cabelo ruivo está bem penteado e
ele usa um colete cor vinho e camisa com as mangas dobradas até os
cotovelos.

Os anos fizeram bem a ele, está mais musculoso, tem um corpo de


quem frequenta a academia. A barba ruiva está bem aparada e as linhas do
seu rosto estão mais másculas e a mandíbula bem-definida. Se antes, com
apenas vinte e oito anos já arrasava corações, agora, sendo um homem de
trinta e três, deve molhar várias calcinhas por aí com apenas um olhar ou
um sorriso.

— Provavelmente, a estagiária deu a informação errada, Rosa. Essa


tarefa não é minha! — fala, irritado, sem notar a minha presença.

— Mas, senhor…

— Quem é a garota que vai ser entrevistada? Mande-a para o Luiz


Miguel — ordena de maneira firme.

— A senhorita Dantas? — A mulher dá a entender que não disse a


ele quem é a candidata a vaga.

— Senhorita o quê?

Juro que noto um vacilo em sua voz.


Nossos olhares se cruzam e eu, neste momento, estaria no chão se
não estivesse sentada com a olhada intensa que ele me lança. Levanto-me e
o encaro, com a mesma determinação que tive anos atrás para me declarar.

— Bom dia, sr. Guerra. — Trato-o formalmente enquanto ele me


observa como se eu fosse uma miragem.

Faz muitos anos que não temos um encontro desses.

Eu diria que a minha presença deixa Bernardo Guerra sem palavras


e reação. Seus olhos castanho-claros passeiam descaradamente por meu
corpo até chegar ao meu rosto, e pelo brilho em seu olhar e a sua expressão
surpresa, noto que o deixei boquiaberto.     

— Ayla? — Limpa a garganta, meio aturdido.

— Bom, vou ao refeitório tomar um café, sr. Guerra — interfere


Rosa, percebendo que o chefe está um tanto perdido, parece não conseguir
dar atenção a nada mais.

— Pode ir, Rosa. — Ele a libera e a mulher se afasta toda sorridente.

— Pelo que entendi, houve um equívoco por parte da estagiária, sr.


Guerra. Não se preocupe, seguirei para o andar certo. Passar bem. — Dou
as costas para ele, com o queixo erguido e sem demonstrar rancor algum,
porque isso não existe, não nessa minha nova versão.

— Está enganada, srta. Dantas. — Travo os pés com a sua voz rouca
e sexy. — A sua entrevista é comigo, pode entrar em minha sala.

Ofego baixinho com a sua declaração.


— O quê… — Viro-me e encontro-o com a expressão séria.

— Não temos muito tempo, venha logo. — Então me dá as costas e


entra em seu escritório.

Que merda ele quer comigo?

Marcho para a sua sala, puta da vida, mas mantenho a expressão


suave para que ele não perceba que conseguiu me enfurecer com o seu jeito
mandão. Encontro-o sentado em uma poltrona de luxo, com uma bela vista
nas janelas de vidro às suas costas. Fixo meus olhos nele, que está girando
uma caneta entre os dedos.

— Sente-se. — Aponta para a cadeira.

— O.k. — Assinto, me sentando em frente à sua mesa e cruzando as


pernas.

— Pode começar. — Aponta a caneta para mim.

— Oi? — Arregalo os olhos. De repente, a minha bolsa, que


minutos atrás estava leve em meu ombro, se torna pesada e eu a coloco no
chão ao lado da minha cadeira.

— A sua entrevista acaba de começar, se apresente — diz, sem tirar


os olhos de mim.

Pigarreio e o xingo em várias línguas mentalmente.

— O meu nome é Ayla Dantas, tenho vinte e três anos, estou em


busca do meu primeiro empre… — Calo-me ao vê-lo erguer a mão pedindo
silêncio.

— Essa parte já sei, vamos para a próxima. — Filho de uma mãe


maravilhosa. — Qual seu objetivo ao se candidatar a vaga, srta. Dantas? —
Avalia-me com a sobrancelha arqueada, mas sem perder a pose de todo
poderoso.

— Eu sempre fui apaixonada pelo curso em que me formei. — Ele


sabe muito bem, o seu olhar travesso faz o meu sangue queimar. — E a
mktda guerra é uma empresa onde sei que vou poder expandir os meus
conhecimentos e me tornar uma excelente profissional na área de designer
— termino de falar sem gaguejar.

— Por que você quer esse trabalho? — Espalma uma mão na mesa.

— Admiro muito o trabalho de vocês e quero poder fazer parte disso


— comunico, segura.

— Por que acha que devemos te contratar? — Bernardo se recosta


na poltrona e olha bem em meus olhos.

Preciso ser tão implacável quanto ele.

— Embora esse emprego seja a minha primeira experiência, tenho


certeza de que sou capaz de produzir bons resultados e que estou alinhada à
cultura da empresa. Sou uma mulher inteligente e aprendo tudo muito
rápido. — Descanso as mãos em meu colo e depois jogo o cabelo para trás,
deixando meu pescoço à mostra. Não sei o que ele pensa, mas olha demais
para o local e limpa garganta como se algo o incomodasse.
— O.k., srta. Dantas, entrevista encerrada — avisa, depois de alguns
segundos. — Ligaremos para os candidatos na segunda-feira no primeiro
horário, aguarde o nosso retorno e boa sorte. — Bernardo se levanta e eu
faço o mesmo.

Não demoramos nada, mas ao mesmo tempo senti como se estivesse


sendo torturada por sua presença.

— Obrigada — agradeço-o, desviando meu olhar do dele e seguindo


para a saída.

— Ayla — chama.

Eu o olho por cima do ombro, com o coração batendo


descompassado.

— Sim? — Minha respiração fica pesada.

— Você esqueceu a sua bolsa — avisa, apontando para o chão.

O que eu estava pensando que ele iria fazer? Me chamar para


almoçar? Lógico que não, mas isso não quer dizer também que Bernardo
não estava prestando atenção em mim, eu nem mesmo me lembrava da
bendita bolsa.

Sem dizer uma palavra sequer, pego a bolsa e saio do escritório dele.
Com os joelhos tremendo, sigo para o elevador, e a cada passo que dou
meus olhos ardem e se enchem de lágrimas.

É cedo ou tarde demais para um antigo amor renascer em meu


coração traidor?
Juro que pensei que lidaria bem ficando frente a frente com ele, mas
depois dessa entrevista que durou poucos minutos, percebi que esse maldito
ruivo arrogante ainda é dono do meu coração.
Nunca fui um homem de acreditar em pragas rogadas até uma se
concretizar em minha vida. E quem a rogou foi uma garota de dezoito anos,
melhor amiga da minha irmã caçula que sempre foi apaixonada por mim,
que quando tomou coragem para se declarar, eu a magoei ao dispensá-la.

Após ter desiludido Ayla, só consegui sair com alguém depois de


duas semanas. Meus casos nunca eram duradouros. Em um mês, já estava
saindo com outra mulher, contudo, nunca dava certo. E assim os anos foram
passando, nenhuma garota alcançava as minhas expectativas, e mais uma
vez, estava lá eu, sozinho.

Fiquei por dois anos com Ayla em meus pensamentos, me


martirizando por ter feito a menina chorar, ainda assim, não procurei saber
como estava depois daquele dia. Foi então que ela decidiu se afastar da
minha casa e passou a frequentar menos os locais que eu ia para não me
encontrar.

Foram vinte e quatro meses pensando na garota e me julgando por


me sentir atraído por uma menina dez anos mais jovem do que eu, mas não
era só isso. Ela não era uma pessoa qualquer. Era filha dos melhores amigos
dos meus pais, e eu, sendo um homem experiente, jamais poderia cair na
loucura de ceder aos meus anseios.

Que tipo de homem eu seria se tocasse na garota que vivia enfiada


na minha casa brincando com a minha irmãzinha? O.k. que Ayla já era
maior de idade, só que para mim, dezoito anos, se comparando aos meus
vinte e oito, era muita coisa. Eu já tinha uma profissão, já havia frequentado
uma faculdade, já cuidava dos negócios da família. E ela? Ainda ia para o
seu primeiro dia de aula em seu curso de designer gráfico.

Ayla Dantas não sabia nada da vida, embora parecesse ousada e


bancasse “a garota vida louca”. Mas, no fundo, sabia que aquilo tudo não
passava de fachada, por trás daquela menina linda com a língua afiada e
destemida, existia uma garota inocente que estava deslumbrada pelo irmão
mais velho da amiga. Eu não poderia corrompê-la sendo ela tão jovem e
inexperiente.

Se não tivesse a dispensado, eu iria ser o primeiro homem da vida


dela e, com certeza, não permitiria que outro fosse o último, mas ela
merecia ter mais. Ter uma profissão, conhecer outras pessoas e ter outras
experiências, se prender a mim por causa de uma paixão adolescente que já
tinha experimentado de tudo não era justo.

“Eu espero que você um dia encontre uma mulher que quebre o seu
coração também.” Essas foram as palavras dela para mim, cinco anos atrás,
com o rosto banhado em lágrimas. Acho que ela passou dias, meses ou até
mesmo anos desejando que eu pagasse caro por ter sido rejeitada naquele
dia, porque no primeiro relacionamento sério que tive com uma mulher – há
dois anos –, além de ter me traído com o dono da clínica de odontologia que
trabalhava, a vagabunda fazia suruba com alguns colegas de serviço.

Não foi apenas isso. Minha querida noiva estava tentando


engravidar sem que eu soubesse, achando que poderia acelerar o nosso
casamento e se aproveitar ainda mais do meu dinheiro. Em três meses de
noivado, eu a tirei de um apartamento em Rio Vermelho e a coloquei em
uma cobertura de luxo em Ondina. Aquela desgraçada não conseguiu que
eu a levasse para o altar, mas me deu um prejuízo de um milhão e meio com
os empréstimos que eu fazia a ela prometendo me devolver quando o juiz
liberasse a parte da herança que tinha direito com a morte do pai. Quando
descobri que nunca houve herança, era tarde demais.

Para falar a verdade, meu envolvimento com Lavínia Brandão não


começou de um modo convencional. Ela me foi apresentada através de
amigos em comum, e no início, parecia ser uma boa mulher, ótima para um
homem se relacionar, mas é como dizem, esmola demais até o santo
desconfia. Nosso namoro aconteceu rápido demais, e o noivado, nem se
fala. Lavínia jurou que seria assim com o casamento, até que Murilo, meu
melhor amigo, acabou descobrindo os podres dela, através de boatos, que o
maldito Pedro Henrique estava tendo um caso com ela.

Para se vingar da surra que dei nele anos atrás para defender Ayla –
o que nos levou a acabar com a nossa amizade –, ele decidiu jogar a merda
no ventilador para nossos amigos em comum para que chegasse aos meus
ouvidos. O filho da puta achou que me foderia, mas o que PH não sabia era
que Lavínia nunca ocupou um lugar em meu coração, ela só era o meu
passatempo, nenhuma mulher poderia ocupar algo que já tinha dona. Por
mais que eu negue até hoje, meus sentimentos e pensamentos nunca
abandonaram a filha dos Dantas.

Posso ter rejeitado Ayla no passado, mas foi por um bem maior e
não me arrependo. Só que agora que ela se tornou uma mulher adulta, de
vinte e três anos, e tem a sua profissão, posso tomá-la para mim, fazê-la
minha sem receio.

Foram cinco anos de distanciamento. Até hoje.

Eu não sabia que Ayla viria para uma entrevista na minha empresa.
Beatriz não me disse nada, e olha que ela vive falando da amiga como se
quisesse que eu ficasse atualizado de tudo, só que dessa vez eu estava no
escuro. E se a secretária de estágio não tivesse feito essa confusão toda, eu
só a veria em Guarajuba.

Em outra ocasião, ficaria muito irritado com o descuido da minha


funcionária, mas não é o caso. Ela nem imagina o favor que me fez
colocando no meu caminho alguém que quero me aproximar há tempos.

Sim, fui pego de surpresa ao ver Ayla do lado de fora do meu


escritório, por alguns instantes jurei estar diante de uma miragem. A minha
secretária me passou a informação pela metade, e não a culpo, já que a
minha manhã não estava sendo uma das melhores e o meu humor se
encontrava dos infernos. Eu queria dispensar a tal candidata para o andar do
nosso chefe do departamento de designer, mas ao me deparar com a linda
mulher sentada no sofá, vestida elegantemente e com o seu belo cabelo
negro longo e solto, pernas torneadas cruzadas, encarando-me com aqueles
olhos castanho-escuros completamente determinada, a minha postura de ceo
implacável desmoronou em questão de segundos.
Puta que pariu. Não que tenhamos ficado todos esses anos sem nos
vermos, mas estarmos tão próximos foi uma sensação diferente. O perfume
adocicado dela impregnou em minhas narinas quando se levantou, e mesmo
que estivéssemos a poucos metros de distância, pude saber que se chegasse
mais perto um pouquinho eu não resistiria. Certamente, colocaria o seu
cabelo para o lado e cheiraria o seu pescoço só para sentir mais um pouco
do seu aroma.

Ela pode não ter notado, mas vê-la jogar o cabelo para trás e deixar
o pescoço à mostra me tentou pra caralho. Criei cenas em minha mente em
como seria delicioso passar a minha língua por sua pele negra enquanto
sentia o cheiro do seu perfume marcante.

— Ainda não estou acreditando que você vai para Guarajuba ficar
no meio de tantos adolescentes por causa da sua paixonite pela Ayla — fala
Murilo Campos, lembrando-me que só voltei atrás da minha decisão em ir
para a casa de praia porque ela mencionou que a melhor amiga também
estaria lá.

— Fale baixo, porra! — rosno, me segurando para não dar um soco


na cara dele. Estamos na minha casa e a qualquer momento ela ou Beatriz
podem aparecer na sala.

Após a entrevista com Ayla, pedi a Rosa que cancelasse meus


compromissos e liguei para Murilo atrás de conselhos, mas vejo que foi
uma péssima ideia.

— Pode negar o quanto quiser, mas a mim você não engana,


Bernardo! Um homem bonitão como você, solteiro, vai deixar de comer
água [1] com algumas gatinhas no final de semana no Morro de São Paulo,
para se juntar a um bando de pirralhos?! — Bufa, depois toma um gole do
seu vinho.

— Não sei por que te chamei aqui. Em vez de me aconselhar, você


está fodendo ainda mais com os meus pensamentos — resmungo, levando o
copo de uísque à boca.

— Toma uma atitude, homem. Vai ficar aí pelos cantos chorando


pelo leite derramado até quando? A garota não tem mais dezoito anos!
Antes, a idade que era o seu problema, mas agora ela já tem vinte e três,
está perdendo tempo porque quer! — retruca, impaciente.

— E você quer que eu faça o quê? Vá até a casa dela e diga: “Agora
que você já se formou, está quase empregada na minha empresa e se tornou
uma mulher adulta podemos nos envolver”? — Arqueio a sobrancelha,
encarando Murilo, que dá uma risadinha.

— Irmão, se você não correr atrás da novinha, outros vão na sua


frente, pode acreditar. — Fico incomodado pra cacete com a possibilidade.
— E olha, Ayla Dantas é um mulherão, com todo respeito. Se você não
fosse louco por ela, eu investiria naquela mulher, além de linda, vem de
uma boa família, não tem como o cara não ficar interessado. — Um ciúme
bobo me corrói por dentro.

— Você pode parar de ficar chamando-a de novinha? O jeito como


fala é como se eu fosse o velho da lancha. — Irrito-me e ele gargalha.

— Deixa de ser ranzinza, Bernardo Guerra! — Revira os olhos.

Respirando fundo e tomo outro gole do líquido cor âmbar.


— Eu não iria para Guarajuba se Ayla não fosse mencionada,
Murilo, mas essa é minha chance de ficar mais próximo — confesso,
mirando-o, que passa a mão no cabelo castanho e encaracolado, depois de
depositar o copo vazio na mesa de centro.

— Você teve meses, anos, para fazer isso, Bernie. Por que só agora?
— Olha-me com curiosidade.

— Eu acho que você não escuta direito o que eu falo, né? — Coloco
o copo na mesa de centro e recosto-me no sofá. — A idade não era só um
empecilho, sabe muito bem que nossas famílias têm um vínculo de anos.
Embora nossos pais tenham morrido naquele trágico acidente, nossas mães
continuaram amigas e seria horrível ser acusado por Fernanda de estar
querendo me aproveitar da sua filha. Ter afastado Ayla foi a melhor e a pior
coisa que fiz na minha vida, mas foi necessário. — Suspiro, fechando os
olhos e sorrindo ao vê-la em meu escritório, toda corajosa, respondendo às
perguntas que eu fazia.

— Por Deus, Bernardo, você nem beijou a menina e está sorrindo à


toa! — zomba meu amigo e eu mostro o dedo do meio para ele.

— Vá se foder, Murilo! — Rio baixinho.

— Nunca imaginei que o inabalável ceo da mktad guerra fosse


romântico. Nunca parou com uma mulher só, era o garanhão da turma, e
agora está de quatro por uma mulher que sequer tocou. — Franze a testa,
divertido.

— Murilo, vou te chutar para fora da minha casa. — Fecho a


expressão.
— Eu diria que ela coou o seu café com a calcinha, mas não deu
tempo para isso. — Ele fica pensativo.

— Você é um péssimo amigo, péssimo conselheiro, tudo. —


Massageio minhas têmporas.

— Sou o seu único melhor amigo, vai ter que me suportar pelo resto
da vida. — Murilo se gaba.

— Estou quase te fazendo desocupar esse posto em minha vida —


falo ao ouvir passos vindos da escada. Quando olho por cima do ombro,
vejo minha mãe e Beatriz descendo juntas.

— Mas demora — garante.

— Boa tarde, Murilo — minha mãe cumprimenta meu amigo.

— Boa tarde, Rúbia. Você está mais linda a cada dia que passa. Já
disse para o Bernie que vamos nos casar assim que eu fizer quarenta anos
— o desgraçado me provoca, e eu jogo uma almofada em seu rosto.

— Murilo, respeite a minha mãe, ela já está em um relacionamento!


— reclama Beatriz, enfurecida, porque adora o nosso padrasto.

Em vez de levar a sério o que meu amigo palhaço fala, nossa mãe
sorri.

— Você não faz o meu tipo, Murilo, sinto muito — dona Rúbia o
dispensa e eu gargalho, sendo acompanhado por minha irmã.
— A senhora acaba de partir o meu coração, nenhuma mulher nunca
me rejeitou —diz, levando a mão ao coração e fazendo uma expressão de
dor.

— Já, sim. — Dessa vez Beatriz chama a minha atenção.

— Como é? — interesso-me e meu melhor amigo parece se


engasgar com a própria saliva.

— Não é nada, só pensei alto — minha irmã se corrige tão rápido


que fico desconfiado, alternando o olhar entre as três pessoas diante de
mim.

— Espero que você não tenha dado em cima da minha irmãzinha,


Murilo. Eu arranco o seu pau — ameaço, com o dedo em riste.

— Bernardo Guerra, que linguajar é esse?! — reclama minha mãe.

— Lógico que não, meu amigo, a Beatriz nem saiu das fraldas
ainda. Por favor! — Ele se levanta, em seguida, pega o seu blazer e joga no
ombro.

— Eu estou aqui, caso não tenham percebido! E eu que não iria me


interessar por um velhote como você, Murilo. Seus trinta e cinco anos não
me interessam nem um pouco, gosto de homens da minha idade — fala a
ruiva, apontando para si, parecendo irritada.

— É porque nunca esteve comigo. — Ele pisca para ela,


convencido.
— Essa conversa de vocês é muito jovem para mim. Me deem
licença, vou ver como está a preparação do jantar — diz nossa mãe, saindo
da sala.

— Murilo, olha como fala com a minha irmã! — repreendo-o, me


levantando.

— Ela começou — defende-se.

— Só falei a verdade, não sei por que se doeu — Beatriz alfineta.

— Parem os dois! — falo, olhando feio para Beatriz, que bate os pés
no chão como uma criança.

— Bernie, vou embora, depois nos falamos — diz meu amigo,


decidido a ignorar minha irmã, que está vermelha de raiva.

— Vá lá — murmuro, vendo-o assentir e seguir para a saída.

Quando Murilo some do nosso campo de visão, viro-me para


Beatriz, que resmunga algo que não entendo.

— Ele já deu em cima de você alguma vez? — Cruzo os braços e


ela fica pálida.

— Claro que não! — responde rápido demais. Sei que está


mentindo, já vivi isso com Ayla, vivíamos trocando farpas.

— Hm, sei. Pois quero você a milhares de quilômetros de distância


do Murilo. Ele pode ser meu melhor amigo, mas é um galinha, não serve
para você. — Coço a sobrancelha.
— E você serve para a minha melhor amiga, não é? — Coloca a
mão na cintura e arqueia a sobrancelha.

— O que disse? — Sorrio, nervoso.

— Acha que sou boba, Bernardo? Em todos esses anos, você não
tinha ido para Guarajuba, bastou que eu dissesse que Ayla vai para você
mudar de ideia, como jamais havia feito antes. — Enfrenta-me, e eu sinto
um nó se formar em minha garganta.

— Não é nada disso — defendo-me, mesmo sabendo que é inútil.

— Assim como me conhece, eu te conheço, irmão. E você não é de


voltar atrás de uma decisão.

— Desde quando sabe? — Respiro fundo.

— Que você gosta dela e ela de você? — Vejo os seus olhos verdes
que puxaram ao nosso pai brilharem de ódio.

— Sim. — Limpo a garganta.

— Eu ouvi e vi vocês cinco anos atrás, ela se declarando e você


partindo o coração dela. — Beatriz expressa revolta na voz.

Jamais chegaria a essa conclusão.

— Não te ouvimos e nem…

— Eu fui bem silenciosa para não chamar atenção de vocês quando


ouvi suas vozes — me interrompe. — Foi então que descobri que a minha
melhor amiga que dizia odiar meu irmão mentia para mim. Toda aquela
raiva dela por você, na verdade, era um amor reprimido, mas eu também
não era boba, já desconfiava, só faltava a confirmação. — Seu tom é
magoado.

Outro medo meu era balançar a amizade das duas, agora percebo
que fiz isso mesmo sem querer.

— Eu não vou mais para Guarajuba, pode seguir com os seus


amigos — decido, notando que é loucura me enfiar no meio das suas
amizades, sendo que já passei da idade para esse tipo de curtição.

— Só mostra que realmente só iria se ela fosse — responde depois


de um tempo avaliando-me.

— Para com isso, Bea. — Tento me aproximar dela, mas ela recua.

— Quando vai parar de fazer somente as coisas que são do seu


interesse? Antes, estar no mesmo ambiente que os meus amigos não servia
para você, porque é um empresário renomado, isso e aquilo, mas quando se
trata da Ayla, você muda da água para o vinho — desdenha, chateada.

— Não vamos discutir — falo, passando por ela, pronto para subir
para o meu quarto.

— Vai embora mesmo, Bernardo, é só isso que você sabe fazer


quando quer ser o dono da razão! — exclama, raivosa. — Ainda bem que
amadureci e percebi o quanto você é controlador! E espero que a Ayla vá
mesmo nessa viagem, porque vou apresentar um amigo do Mateus para ela.
Quem sabe minha amiga não se dá bem.
Apertando os olhos, inclino a cabeça para trás e respiro
profundamente para suportar o momento de criança mimada de Beatriz.

— Faça o que quiser, minha irmã. Ayla é adulta e livre, pode ficar
com quem desejar. — Dou uma resposta à altura e subo a escada a passos
largos.

Não vou mais nesse caralho de viagem, mas agora estou com o
ciúme injetado em minhas veias com a possibilidade da mulher que me
interessa se envolver com outro. Como, em menos de vinte e quatro horas,
minha vida virou de cabeça para baixo?

Porra!
— Filha, como foi a sua entrevista ontem? — inquire mamãe, me
observando com curiosidade ao parar de mexer em seu iPad. Ela não
dormiu em casa, estava na casa do Arthur, o seu namorado que mora na
Barra. Eu não a vi mais depois da manhã de ontem.

Na última noite mal dormi pensando no passado que achei que


tivesse abandonado, que agora ressurge em meu coração como uma
avalanche. Eu gostaria de continuar sendo aquela garota de cinco anos atrás,
mais atrevida e desafiadora, não que eu tenha perdido a minha essência,
mas quando atingimos um certo amadurecimento, até o nosso
comportamento muda.

Depois de ter saído da empresa dos Guerra, vim diretamente para a


casa, mas antes de deixar o prédio, tratei de limpar os vestígios de lágrimas
do meu rosto para que Zeca não notasse que estive chorando e comentasse
com a minha mãe.

— Bem — murmuro, encarando as unhas longas que terminei de


pintar de vermelho minutos atrás.
— Quando vão ligar informando que você foi contratada? —
Arqueia a sobrancelha negra.

— Na segunda-feira, irão ligar para os selecionados — falo, vendo-a


fazer uma careta.

— Você ainda vai passar por uma seleção sendo amiga dos donos da
empresa? — reclama.

— Sim, mainha, é exatamente isso.

A indignação em seu olhar é evidente.

— Pois vou ligar agora para Rúbia e pedir para ela falar com o
Bernardo! — Ela está prestes a se levantar do sofá quando eu nego
rapidamente.

— Mãe, se fizer isso, vou ficar chateada, eu já disse — irrito-me.

— É só um emprego, filha — justifica.

— Não é “só um emprego”, é o meu primeiro emprego. E mesmo


que não fosse, quero sentir o sabor dessa conquista pessoal, e se eu for
contratada terá que ser por mérito próprio — argumento.

— O.k. — Ela parece entender. — Tem razão. Às vezes, me excedo


demais, me desculpe. — Ela larga o iPad no sofá e se levanta.

— Não precisa pedir desculpa, sei que quando se é mãe, somos


capazes de tudo pelos nossos filhos — falo.
— Exatamente — ela vem até mim —, é o instinto materno — diz,
em seguida, se inclina e beija a minha testa.

— Mãe, preciso de um conselho — digo, quando ela se afasta.

— Adoro dar conselhos. — Dá uma risadinha.

Limpo a garganta e esfrego as mãos em minhas coxas por cima do


tecido fino da minha saia. Além da minha mãe, não há mais ninguém com
quem eu possa me abrir. Me sinto uma traidora por não conseguir ser
sincera com Beatriz, mas ela vai ficar triste comigo, irá me odiar por ter
mentido para ela, e quero evitar que fiquemos afastadas por um sentimento
que tive por seu irmão anos atrás que agora está querendo dar as caras.
Antes de qualquer decisão, preciso ter certeza do que quero, agir no calor
do momento não é bom.

— Você já gostou de algum homem mais velho? — Ergo os olhos


para ela, que se senta ao meu lado e me abraça pelos ombros.

— Esqueceu que o seu pai era quatorze anos mais velho do que eu,
filha? Quando eu tive você, tinha a sua idade e ele trinta e sete — diz,
sorrindo, com os olhos cheios de lágrimas.

Nossa! Verdade! Esqueci-me desse detalhe. Painho e mainha


começaram a namorar quando ela tinha dezenove anos, e ele, trinta e três.

— Por um instante me esqueci. — Sorrio, ficando emocionada


também.

— Sabe, eu nunca gostei de homens mais novos do que eu, ou da


minha idade. — Encolhe os ombros. — Sei que vai de gosto, mas, para
mim, os homens mais velhos são os melhores. Com o seu pai eu me sentia
segura, amada, valorizada, mas infelizmente ele se foi jovem demais e nos
deixou aqui. — Sua voz fica embargada.

São dez anos da sua partida e ainda parece que foi ontem. Ela pode
se relacionar com outro homem, mas jamais esqueceu meu pai. Mamãe
nunca esquecerá as boas lembranças que viveram. Mesmo que ele não
esteja entre nós, nosso amor permanecerá vivo.

— Não chore, porque se fizer isso, vou chorar também — digo e


limpo o canto do olho com o dorso da mão.

— Não vou chorar, prometo. — Ri, mas as lágrimas já caem por seu
rosto maquiado. — Vamos, vá logo direto ao que quer me perguntar, Ayla.
Eu te conheço muito bem, minha menina, sei que há algo por trás do seu
interesse. — Pisca para mim.

— Quando eu era adolescente, tive um amor platônico por um rapaz


dez anos mais velho. Ele nunca me levou a sério, achou que fosse uma
paixonite. — Minha garganta arde ao notar que mamãe está com os olhos
avaliativos demais. — Aos dezoito anos, me declarei para ele, só que por
ser mais experiente, ele me rejeitou e as suas justificativas eram a minha
idade, nossa família e o fato de que eu estava prestes a entrar na faculdade.
— Nervosa, passo a mão em meu cabelo que hoje lavei e voltei para os
cachos.

Fernanda Dantas não demonstra surpresa alguma, está calada, com a


testa franzida e os lábios comprimidos.
— O que mais me magoou foi por ele sempre ter me visto como
uma garotinha. Fiquei com raiva dele por alguns dias, mas depois parei para
refletir e vi que no fundo o B… — Arregalo os olhos por quase me
entregar. — O cara por quem eu estava apaixonada tinha razão. Só que
agora ele está de volta na minha vida e acho que tive uma recaída. Quando
o vi depois de tantos anos, senti as mesmas coisas do passado, coração
acelerado, o friozinho na barriga, os joelhos trêmulos. — Umedeço os
lábios.

— Eu já te disse que sou a sua mãe? — Ela quebra o silêncio depois


de alguns minutos e eu a encaro, confusa.

— Não entendi. — Prendo a respiração porque sei o que quer dizer.

— Toda adolescente tem um primeiro amor, e o primogênito dos


Guerra foi o seu e, pelo visto, continua sendo.

Pega de surpresa com a sua revelação, eu pigarreio.

— Você sempre soube? — Minha voz vacila.

— Uma mãe de verdade conhece o filho, e eu te conheço como a


palma da minha mão, Ayla — responde.

— É, eu sei. — Rio, com o coração martelando no peito.

— Eu nunca te questionei sobre os seus sentimentos por Bernardo


porque quis que se sentisse pronta para se abrir comigo — revela.

— Acho que demorei demais, não é? — Mordo os lábios.


— Filha, tudo tem seu tempo.

— Sim, é verdade. — Balanço a cabeça.

— A Rúbia disse que a Beatriz vai para a casa de praia, mas não te
vi mencionando nada sobre ir também. — Mamãe ergue a sobrancelha.

— Ela me convidou, mas não sei se vou, o Bernardo vai estar lá. O
que é estranho, já que esse tipo de viagem não tem a cara dele, ainda mais
quando se trata dos amigos da irmã. Você sabe, ele é um homem jovem com
alma de velho. — Coço a ponta do nariz.

— E você não vai por causa do Bernardo, minha querida? — Bufa.

— Sim.

— Nada disso! Essa não é você. A filha que eu conheço estaria lá


em cima, arrumando as malas para sair com os amigos! Os incomodados
que se mudem! Então, se o irmão da sua melhor amiga não se sentir bem
com você no mesmo ambiente, ele que vá embora — resmunga e se levanta.
— Vá arrumar as suas coisas, vou pedir a Vera para preparar um lanche
enquanto você separa os seus melhores biquínis para o fim de semana. —
Pisca para mim.

— Mainha! — Gargalho com a sua jovialidade.

Mamãe sempre foi uma mulher liberal, soube me educar muito bem,
e eu jamais precisei que ela me controlasse, porque eu sabia dos meus
limites.
— Ayla, você é adulta, logo será independente como tanto deseja.
— Revira os olhos, me arrancando uma risadinha. — E se você quer ter
algo com o Bernardo, não vai ser fugindo dele que conseguirá isso, não é?
— Coloca a mão na cintura, me deixando perplexa com a sua suposição.

— Eu não disse que quero algo com ele — argumento, quase me


engasgando.

— Minha princesa — ela se aproxima e toca em meu rosto,


erguendo-o —, esses olhinhos lindos que eu fiz já falam por você, nem
precisa me dizer nada. — Acaricia meu rosto.

— E você, mesmo sabendo disso, concorda? Digo, caso eu me


envolva com o Bernardo. — Engulo em seco.

— E por que não? — pergunta.

— Sei lá. — Encolho os ombros.

— Ayla, coloque uma coisa em sua cabeça, você é maior de idade,


nunca que eu iria te impedir de se relacionar com alguém só porque é mais
velho! Não importa se ele tem quarenta ou cinquenta, o seu consentimento
já é o suficiente. Algo que jamais aceitarei é que você se envolva com um
homem de má índole — fala, olhando em meus olhos.

— Eu não sei se quero ter algo com o Bernardo, mãe. Pode parecer
bobo, mas bem lá no fundo, mesmo que não admita, ainda estou magoada
por ter me rejeitado. — Suspiro e conto detalhadamente como aconteceu
naquele dia, na cozinha dos Guerra.
— Ele fez certo não ter se envolvido com você, filha. — Ela toca
em meu cabelo. — Ele foi um lorde ao te respeitar. Bernardo, acima de
tudo, foi um homem de verdade, não pensou só nele, pensou em você
também. — Ela se inclina e beija minha cabeça.

— Sim, realmente — acabo concordando.

— Agora você tem idade suficiente para viver um romance como


nos livros — diz, risonha.

— Não sei se quero um romance, mainha — falo, encarando-a.

— Viva uma aventura, então. Você é jovem, ainda precisa curtir


muito na vida.

— Está sugerindo que eu… só me aventure com o Bernardo? —


Arqueio a sobrancelha.

— E por que não? Não são só os homens que podem se aventurar, as


mulheres também. Direitos iguais. — Sorri abertamente. — Mas se você
perceber que quer mais do que isso e ele também, sentem e conversem,
sempre há uma solução para tudo.

— Isso é loucura. Nem sei se ele está saindo com alguém, não sei
nada dele — confesso, mordendo a minha bochecha.

— Está solteiríssimo, pode acreditar — garante, tranquila.

— Como sabe disso? — sondo-a, desconfiada.


— Preciso ficar a par dos passos do meu futuro genro — diz, com os
olhos brilhando.

— Mamãe! — repreendo-a, rindo.

— Rúbia e eu somos melhores amigas, Ayla, é claro que falamos


dos nossos filhos. Ela me disse que depois daquela noiva golpista, ele nunca
mais foi o mesmo para se envolver com alguém, fora que ela foi a única
mulher que ele chegou a apresentar para a família.

Eu queria ter sido apresentada como a sua primeira e única noiva,


mas nem tudo é como planejamos.

— Verdade — murmuro.

— Não sei se deveria falar isso, mas a Rúbia chegou a me


questionar o motivo do seu afastamento da casa dela, três anos atrás —
confidencia.

— E o que disse a ela?

E eu achando que ninguém tinha percebido nada.

— Que você estava focada nos estudos, mas ela não acreditou, e foi
então que me disse que sabia da sua paixão pelo filho dela. E que se fosse
para vocês ficarem juntos, que ficariam, não importava quantos anos
fossem passar — revela.

— Então quer dizer que eu, esse tempo todo, fui a inocente da
história achando que nossas famílias não desconfiavam de nada, mas
sabiam de tudo? — Ofego e mamãe balança a cabeça.
Se tia Rúbia e minha mãe já desconfiavam… então Beatriz, que é a
minha melhor amiga, com certeza também desconfiou. Como pude ser tão
boba a ponto de colocar uma venda em meus olhos? Aquelas insinuações
dela para sorrir para Bernardo porque ele ficaria derretido agora fazem
muito sentido.

Puta merda, Ayla!

— Preciso arrumar as minhas malas, tenho que ir para Guarajuba


conversar com Beatriz. — Minha cabeça lateja.

— Mas vocês não combinaram de irem juntas? — inquire, se


afastando.

— Não. Fiquei de responder a ela ontem, mas acabei me distraindo


e nem retornei. — Massageio minhas têmporas.

— Você sabe o endereço e já foi convidada, é só pedir para o Zeca te


levar — recomenda.

— É o que vou fazer. — Decido, me levantando.

Peço licença e subo para o meu quarto. Não vou ligar para Beatriz,
chegarei de surpresa, mas caso ela me ligue, digo que estou a caminho.
Aposto que esse será o final de semana mais longo da minha vida. Será
quase uma hora de viagem, o bastante para que eu me prepare para ficar
diante da minha melhor amiga para convencê-la de que em momento algum
quis que os meus sentimentos pelo irmão dela nos separasse por tanto
tempo.
Só queria um tempo e eu acho que magoei demais a garota que
considero como irmã. Fui uma péssima amiga e dói me dar conta disso só
agora.

 
 
A viagem até Guarajuba, em Camaçari, foi tranquila, ainda que o
meu pensamento estivesse voltado para o fato de que todos esses anos, não
só a minha mãe, como tia Rúbia e a minha melhor amiga sabiam dos meus
sentimentos por Bernardo.

Neste momento, a portaria está se comunicando com Beatriz para


liberar a minha entrada no condomínio Lago Azul. O segurança não é o
mesmo que da última vez que vim para cá. O sr. João certamente deve ter se
aposentado, pois já era um homem de idade.

— Menina Ayla, acho que hoje não vai dar praia, o tempo está
fechando — comenta Zeca.

Instintivamente, olho para o céu e vejo que o sol está sendo


substituído por nuvens carregadas.

— Espero que não chova — choramingo.

— Talvez o tempo abra de novo. — Ele ri e tenta me animar.


— Espero. Não vai ter graça alguma vir para cá e não ter sol para
aproveitar o mar — falo, abrindo a minha bolsa e pegando meu celular.

— A sra. Guerra liberou a entrada de vocês, me perdoem a demora


— avisa o segurança encostado no parapeito da janela antes de abrir o
portão.

Zeca dá a partida no carro, enquanto eu desbloqueio meu celular e


vejo uma mensagem de áudio de Beatriz e outro de mamãe. No final, a
minha vinda para cá não foi uma surpresa, minha amiga ficou sabendo de
algum jeito.

Priorizo o áudio da minha mãe, que me pede para avisar quando eu


chegar.

“Já chegou, Ayla? Me diga aí.”

— Sim, mainha, cheguei, só esqueci de avisar — digo, aproximando


o celular do rosto.

Olho para um lado e para o outro, vendo que, nos últimos anos,
fizeram reformas em algumas casas. Mamãe, em questão de segundos, me
responde com um “tenha um ótimo final de semana e se for se aventurar por
aí, use camisinha”. Rapidamente meu rosto queima ao ler a sua mensagem.
Falar sobre sexo entre nós nunca foi tabu, mas ainda me sinto tímida
algumas vezes, afinal, é a minha mãe.

— Mudaram tantas coisas nesse lugar, mal me recordo qual é a


residência dos Guerra — diz Zeca, procurando entre as casas de alto
padrão.
— É a casa número trinta seis, quase no final do condomínio —
lembro-o, ao abrir a mensagem de Beatriz e reproduzir o áudio dela.

“Nem me avisou que estava vindo, poderíamos ter vindo juntas.” O


tom dela é quase chateado.

— Decidi em cima da hora, amiga, mas o importante é que estou


chegando. — Envio um áudio para ela e suspiro ao vê-la me responder tão
rápido.

“Estou feliz que tenha vindo, mesmo não sendo juntas, isso é
detalhe.”

Ao fundo, ouço uma música tocando e algumas risadas. Em vez de


enviar uma mensagem de voz, digito “verdade” e guardo meu celular na
bolsa.

Inclinando a cabeça para trás, fecho os olhos e meus pensamentos


voam para Bernardo. Mesmo sem querer, acabo pensando nele, e a ideia de
ficarmos no mesmo ambiente por alguns dias – mesmo que sejam poucos –
me incomoda. Pergunto-me onde se encontra a mulher fatal que decidi ser.
Ter conversado com mamãe só remexeu mais no que estava adormecido por
anos e agora tenho que lidar com as consequências.

O meu problema, essa inquietação toda em volta desse sentimento


infernal, é que agora é diferente. Sou uma mulher adulta, há certas coisas
que não posso fazer e culpar a minha idade depois. Qualquer passo que eu
der na direção de Bernardo Guerra com segundas intenções terá que ser
calculado.
— Chegamos — avisa o motorista.

Abro os olhos, deparando-me com a casa luxuosa cor branca com


salmão.

Não mudaram nada. Os dois pés de palmeiras continuam no mesmo


lugar, em frente à propriedade, as janelas de vidro e a porta enorme de
madeira ainda estão como antes, assim como o portão de madeira branco ao
lado.

— Estar aqui é tão nostálgico — falo alto e suspiro ao ver, através


das madeiras separadas do portão, as palmeiras altas e o mar.

Ainda me recordo de correr descalça pelo gramado ao lado da casa


junto a Beatriz, enquanto nossos pais ficavam na área de lazer preparando o
churrasco, e nós duas brincávamos de pega-pega, sendo repreendidas por
Bernardo que só gostava de ficar enfiado na piscina com os seus amigos. A
implicância toda do ruivo ranzinza era porque, depois de brincarmos,
queríamos pular na piscina e fazer bagunça.

Rindo baixinho, olho para o céu e vejo que as nuvens carregadas


estão sumindo aos poucos.

— Zeca, pode abrir o porta-malas, por favor? — peço.

Ele assente, sai do carro e abre a minha porta para que eu saia
também.

Pego minha bolsa e a coloco em meu ombro, então observo o


motorista fechar o porta-malas e puxar minha mala preta na minha direção.
— Quer que eu deixe a sua mala lá dentro? — pergunta ele.

— Nem está pesada, pode deixar que eu levo — falo, sorrindo e


pegando a minha pequena bagagem.

— Tá bom! — concorda.

— Tenha um ótimo final de semana, Zeca! E aproveite para levar a


Vera à praia, desde o mês passado ela tem falado que quer ir ao Farol da
Barra — digo, risonha.

— Você também, dona Ayla. Mas a mulher vai ficar retada, porque
esse final de semana marquei com alguns amigos de irmos bater o baba no
clubinho — confessa, envergonhado, e eu gargalho. — Um homem de vez
em quando merece uma partidinha de futebol pra descansar, né?!

— Zeca, Zeca, a Vera vai pegar ar com você! — Coloco a mão na


cintura, rindo.

— Pega nada! — garante. — Se ela ficar com raiva, logo passa


também.

— Se você diz. — Sorrio, protegendo os olhos do sol com a mão


quando ele bate em meu rosto.

— Tem certeza de que não quer ajuda? — indaga novamente.

— Tenho certeza, Zeca, pode ir, eu assumo daqui — informo.

Ele concorda, já entrando no carro.

— Até mais! — profere, acenando para mim.


— Até segunda-feira. — Aceno para o motorista, que manobra o
carro para sair do condomínio.

Sem esperar que Zeca suma do meu campo de visão, caminho na


direção do portão branco de madeira. O Lago Azul é um lugar de muita
segurança, os portões podem ficar abertos que ninguém entra – se não for
convidado –, mas como sou de casa, posso entrar sem problema algum.

Ao atravessar o gramado e dar alguns passos, ouço o som não muito


alto vindo dos fundos, logo reconheço a voz de Léo Santana cantando
“Zona de Perigo”. Aposto que será o novo hit do carnaval do próximo ano.

— Beatriz? — chamo a minha melhor amiga ao estranhar não ouvir


vozes.

O vento forte bate em meu cabelo solto e ele voa livremente, me


causando uma enorme nostalgia. Passeio meus olhos pela piscina de
azulejos azuis e faço uma inspeção, confirmando que os Guerra mantêm o
padrão de anos atrás. O cercado ao redor da propriedade em formato X
ainda estão ali. Sorrindo, noto que só a rede não é a mesma, mas está no
mesmo lugar, próxima ao cercado com alguns bancos por perto.

— Bea? — Mais uma vez chamo por ela ao pisar no chão de azulejo
que imita madeira da área gourmet.

Oxe, cadê esse pessoal? Com a testa franzida, encaro a


churrasqueira acesa e alguns utensílios postos na ilha. A televisão
pendurada acima da pia está ligada, é dali que sai a bendita música que
passa em um canal do Youtube. Não é possível que tenham saído e deixado
essas coisas ali. Arrastando minha mala, passo ao lado da mesa de sinuca e
vejo que as portas de vidro estão abertas.

Entro na casa e encontro algumas bolsas jogadas no sofá, então me


viro e prendo a respiração ao me deparar com o Bernardo em frente a
geladeira aberta, usando apenas uma bermuda vermelha de tecido fino, com
o abdômen trincado à mostra. Travada para dar qualquer passo, aperto meus
dedos na alça da mala e respiro fundo ao vê-lo notar a minha presença e
ficar mais pálido do que já é.

— Ayla? — Fecha a geladeira e tira algo dos ouvidos, então tenho a


minha resposta. Ele estava usando fones, por isso não me ouviu e nem se
deu conta de que eu estava aqui até olhar em minha direção.

— Sim. — É o que consigo dizer enquanto avalio o seu abdômen


definido e o delicioso formato v nas virilhas, olho demais e acabo mirando
no volume do seu pau. — Cadê todo mundo? — Constrangida, levanto o
rosto e noto que ele está quase puxando um sorriso de canto.

— Foram à praia gravar vídeos para o TikTok. Segundo a Beatriz,


um dos amigos dela é Tiktoker e tem milhões de seguidores na plataforma.
— Faz uma leve careta.

A minha amiga tem muitos amigos, principalmente influencers.

— O.k. — falo, desconcertada, quando ele volta a abrir a geladeira e


tirar duas garrafinhas de Heineken.

Ai, Deus… Eu e ele ficaremos sozinhos sabe-se lá por quantas


horas.
— Quer? — Ergue a garrafa de cerveja.

— Quero — Assinto rapidamente, porque preciso me refrescar.

Bernardo abre as cervejas e o meu coração acelera ao perceber que


os anos realmente o deixaram mais gostoso. Minha nossa, o seu peitoral
está mais musculoso, nada exagerado, mas está tão másculo e sem nenhum
pelo, e as sardas sexys o deixam mais atraente.

Droga, imagina a delícia que seria ele saindo da piscina e as


gotículas de água deslizando por sua pele.

Sem aquele terno, esse homem é uma verdadeira perdição, uma


ruiva tentação diabólica.

— A viagem foi muito cansativa? — indaga, estendendo-me a


Heineken.

E eu o encaro, confusa.

— Não, por quê? — Mordo os lábios e os seus olhos seguem o meu


movimento.

— Você estava suspirando.

Meu coração bate tão rápido que tenho certeza de que ele pode
ouvir.

— Impressão sua. — Pego a cerveja da mão dele e dou um gole


generoso, sentindo o líquido descer gelado na garganta.

— O.k. — Ouço a sua risada divertida.


— Preciso guardar minhas coisas, já definiram os quartos? —
inquiro, ao me recordar que vieram quatro casais e, certamente, vão dormir
em quartos separados.

— Como são seis dormitórios, eu posso dormir na sala, e o amigo


do namorado da Beatriz na sala de estar. — Os olhos dele faíscam de raiva
ao mencionar o rapaz que ainda não conheci, mas que desperta nele algum
tipo de fúria.

— Vai sobrar um quarto e você é o dono da casa. Não posso me dar


ao luxo de dormir no macio, e você, no duro — falo, deslizando meu dedo
na garrafa e com os olhos fixos no ruivo.

— Está me convidando para dividir a cama com você? — Ele se


aproxima demais, o suficiente para sentirmos a respiração um do outro.

De olhos arregalados, ergo o rosto, espantada com o atrevimento


dele. Ele nunca agiu assim comigo.

— Não disse isso. — Semicerro os olhos, ouvindo a sua risadinha


baixa.

— Estou brincando, Ayla. — Toca em meu cabelo e coloca uma


mecha cacheada atrás da minha orelha. — Eu nunca faria algo sem o seu
consentimento. — Então olha para a minha boca, enquanto olho para a dele.

— Sei que não. — Engulo em seco.

— Me deixe levar as suas coisas lá para cima — decide, se


afastando e colocando a cerveja dele na mesa atrás de nós. — Enquanto
isso, pode olhar as carnes que deixei na ilha lá fora?
— Claro. — Puxo o ar para os pulmões e entrego a ele minhas
coisas.

— Não demoro. — Pisca para mim com charme.

Esse lado do Bernardo nunca conheci.

Céus, ele está galanteador, menos ranzinza, e fico confusa se seu


charme para cima de mim é sincero ou uma brincadeira.

 
Não estava em meus planos vir para a casa de praia da minha
família nesse sábado ­— não depois de ter decidido que não viria mais na
quinta-feira à noite após a discussão que tive com Beatriz, mas fui pego de
surpresa às seis da manhã de ontem, ao me deparar com ela em minha
porta, pedindo para que conversássemos.

Permiti que tivéssemos uma conversa, mesmo em meio a um clima


estranho por ela saber que a sua melhor amiga me atrai loucamente e isso a
incomodar de um modo que nem deveria. Minha irmã me pediu desculpas
por ter agido no momento da raiva e exigiu um abraço dizendo que me
amava, e que se eu me mantivesse distante da melhor amiga dela, não teria
motivos para brigar comigo.

Por fim, nós nos entendemos, porque se eu fosse dar importância as


suas birras, não iríamos muito longe. Fui o primeiro a pegar a estrada. Saí
mais cedo de casa para comprar algumas coisas no mercado, porque sabia
que eles só iriam trazer bebidas e bobagens para comer, e eu não sou um
homem de me alimentar de doces ou salgadinhos, gosto de comida de
verdade.
Beatriz chegou a Guarajuba duas horas depois com os seus amigos e
já me encontrou limpando a churrasqueira e prestes a preparar as carnes
depois de ter feito uma salada e uma farofa de cuscuz para acompanhar.
Como eu imaginava, nenhum deles se dispôs a me ajudar, e pelo falatório,
imaginavam que iriam encontrar uma funcionária à disposição deles. Minha
irmãzinha esqueceu de avisar aos amigos que sempre que viemos para cá,
nos viramos sozinhos, temos esse costume desde que éramos crianças.
Nossos pais jamais contratavam funcionários ou traziam os de casa para
Guarajuba.

Somente duas diaristas fazem a limpeza uma vez por semana para
que os cômodos não fiquem empoeirados, de resto, é a nossa
responsabilidade. Temos muito dinheiro, mas não quer dizer que não
conseguimos fazer uma comida ou nos servir.

— Tem certeza de que não quer ajuda? — Escuto a voz de Ayla


atrás de mim enquanto passo o papel filme nas vasilhas das carnes.

— Está tranquilo, por enquanto — falo, olhando-a por cima do


ombro e ela sorri.

Faz alguns minutos que deixei suas coisas no quarto e ela ficou aqui,
me esperando voltar. Quando retornei, eu a encontrei sentada na mesa de
sinuca, com os olhos vidrados no mar. Enquanto Ayla admirava as águas
cristalinas, eu a observava com atenção e sorria.

— Hm, o.k. — Assente, pegando a sua garrafa de cerveja. Ela está


na terceira, e eu, na quarta. — Será que não deveríamos ligar para a
Beatriz? Já tem um bom tempo que ela saiu, não é? — Seu tom é
preocupado.
Vou até a churrasqueira com uma das vasilhas de carne.

— Você conhece a sua amiga, Ayla, ela está bem — digo, dando a
entender que não é necessário ligar. Minha irmã é maior de idade e sabe o
caminho de casa.

— Verdade — murmura.

Espalho as carnes na grelha da churrasqueira, sentindo o olhar da


garota em mim a cada movimento meu. Viro-me para ela e sorrio ao passear
meus olhos por sua roupa.

Ayla ainda não se trocou, de repente, pego-me pensando em como


será vê-la usando biquíni. Se com esse short jeans que aperta a sua bunda
redonda e empinada estou babando, imagina sem ele.

Ah, porra, não é do nada que estou reparando nela. Estou nessa há
cinco anos, e agora eu posso olhar, desejar tocar, apalpar, morder… Tudo.
Ela não é mais uma garotinha de dezoito anos, é uma mulher adulta de vinte
e três.

— O que tanto olha? — pergunta, desconfiada.

— Você não trouxe biquíni? — Sou direto enquanto coloco a vasilha


vazia na ilha. Lavo as mãos na pia e me encosto nela, com os braços
cruzados.

— Sim, eu trouxe. Mas por que a pergunta? — Ergue a sobrancelha.

— Nada, só estou estranhando não te ver usando. Normalmente, em


casa de praia, as pessoas não ficam tão vestidas assim. — Dou uma
justificativa meio bosta, mas é o que sai.

Instintivamente, os olhos castanho-escuros dela passeiam por meu


corpo e param justamente no volume do meu pau por cima do tecido da
minha sunga, que substituí pelo short minutos atrás. Não sei se é proposital,
mas ela lambe os lábios e dá um sorrisinho malicioso. Sem dizer uma
palavra, ela vira a garrafa do álcool na boca.

Ela gostou do que viu, com certeza gostou.

Ayla pula da mesa de sinuca, larga a cerveja ali e me encara com


uma expressão que conheço muito bem – a mesma de anos atrás, a mesma
da menina travessa que adorava me tirar do sério e me chamar de
“Bernachato”.

— Eu ia esperar a Beatriz para me trocar, mas como ela não


aparece… — faz uma pausa dramática e passa a mão no pescoço — vou
fazer isso agora, já venho — avisa, dando as costas para mim e entrando na
casa.

Espero que nenhum de nós aja movido pelo álcool, uma vez que
estamos bebendo, se bem que dificilmente fico muito bêbado, a ponto de
cair ou acordar no dia seguinte de ressaca. Posso ficar mais animado, mais
solto, mas não passa disso.

Passo alguns minutos parado no mesmo lugar, olhando para a porta


por qual Ayla passou. Só me movo ao sentir o cheiro da carne queimando.

— Eita, porra! — Corro para a churrasqueira.


Parece que estou em uma abstinência sexual, meus pensamentos
pervertidos estão me incomodando absurdamente. Até parece que nunca vi
uma mulher de biquíni antes. O problema disso tudo é que ela não é
qualquer uma, nunca poderia ser. E é por isso que estou tão inquieto e
ansioso para que desça e se junte a mim novamente.

Com os lábios comprimidos, largo a carne assada na tigela que


arrumei na ilha, depois entro na casa e pego outra bebida para me refrescar
ao sentir o calor em meu corpo. Vou culpar o sol que está mais quente, e
não a minha imaginação por essa quentura infernal em cada centímetro da
minha pele.

Será que não me precipitei em me misturar com a minha irmã em


um final de semana que deveria ser dela e dos seus amigos universitários?
Reconheço que foi loucura vir para essa viagem, essa garotada só quer viver
na algazarra e eu acho que eles vão me ver como um empecilho, em
especial o namoradinho de Beatriz, que ela insiste em dizer que é um
“paquera”.

Não quero bancar o tiozão, até porque nem idade para isso tenho,
mas de alguma maneira me sinto deslocado. Eu poderia ter esperado até
segunda-feira para tentar me aproximar de Ayla, ou pôr meus planos em
prática para me reaproximar dela, mas não, vim parar aqui.

Certamente ficarei chateado com algumas atitudes dos amiguinhos


da Beatriz, notei que são folgados, e eu não deixei de trabalhar hoje para
virar empregado deles. Embora tenha sido minha a ideia fazer churrasco,
não vou passar pano para pessoas preguiçosas. Se pensaram que viriam para
cá só para se divertirem e bagunçar, estão enganados.
— Bernie! — A voz animada de Beatriz chama a minha atenção do
outro lado do cercado.

Minha irmã está risonha e com o cabelo ruivo preso em um coque


bagunçado, parecendo um camarão de tão vermelha.

Com a testa franzida, observo os seus amigos, todos estão com uma
garrafa de cerveja nas mãos, provavelmente passaram em algum lugar. As
quatro garotas estão enroscadas com seus namorados, e Beatriz, com o
namorado dela beijando o seu ombro, enquanto o único a segurar vela é o
cara moreno, quase tão alto quanto eu, de cabelo ondulado.

Esse é o carinha que Bea quer apresentar a Ayla. O rapaz é um


frangote, magrinho, sem músculos, tem cara de sonso, aposto que nem sabe
chupar uma boceta direito. Com os olhos semicerrados, aceno para minha
irmã caçula e ela começa a rir de algo que fala para que só o seu grupinho
ouça, logo eles riem também e eu fecho a expressão.

— Está se comportando com a nossa convidada, não é? — indaga


alto e depois gargalha, parece que alguém exagerou na bebida.

Coçando a nuca, suspiro.

— Chega de passeios por hoje, Beatriz — digo.

O Mateus entende o meu recado, porque a segura na mão e a guia


até o portão ao lado para entrarem.

— Painho já morreu há anos, Bernardo! — resmunga a ruiva,


balançando a cerveja e a deixando cair no gramado.
Respirando fundo, olho para os amigos dela e noto que não estão
mais risonhos, perceberam o quanto estou sério com o comportamento da
minha irmã.

— Você não disse que ia gravar só uns vídeos para o TikTok,


Beatriz? Passaram em que lugar para conseguir essas bebidas? — Cruzo os
braços, avaliando-a se afastar do namorado e ir para a rede, que deve estar
com o tecido quente por causa do sol.

— Você sabe que no condomínio todos conhecem a nossa família,


não é? Os Rodrigues estão fazendo uma festa, e quando me viram na praia
nos convidaram para dar uma passadinha lá. — Encolhe os ombros e solta
um gritinho escandaloso ao sentir que a rede está quente demais.

— Mateus, leve a Beatriz para dentro. — Era para sair como um


pedido, mas acaba sendo uma ordem.

O garoto loiro e tatuado assente rapidamente.

— Vou fazer isso — garante ele, segurando Beatriz pela cintura e a


conduzindo para a casa.

— Acho que eu quero me sentar um pouco — diz minha irmã,


apontando para a mesa com sombreiro que fica entre a piscina e a cobertura
da casa.

Impaciente com a bebedeira dela, pego-a no colo e a coloco sobre a


mesa de sinuca, sentada de frente para mim.

— Você está bêbada mesmo ou é algum tipo de birra que está


querendo esconder atrás do álcool? — Toco em seu rosto avermelhado.
— Eu disse que ele ia cair na minha! — De repente, Beatriz fica
normal e sorri abertamente.

Com o sangue fervendo, afasto-me dela, irado com a sua atitude


infantil.

Eu preocupado, e ela fingindo estar bêbada? Logo vi que estava


risonha demais do outro lado do cercado.

— Qual a porra do seu problema, Bea? Que idade você tem? Eu


aqui preocupado, e você se comportando como uma adolescente? —
Explodo em raiva, mas controlo meu gênio puxando o cabelo para trás.

— Foi só uma brincadeira, cara. — Mateus se envolve e eu faço um


sinal para que fique calado.

Respiro fundo e encaro a ruiva que está com o semblante


emburrado.

— O.k., foi só uma brincadeira, mas não faça mais isso, sabe que
me preocupo. — Suavizo minha expressão para que ela não passe vergonha
na frente dos amigos.

— Desculpa, Bernie, não achei que fosse se chatear tanto —


murmura Beatriz, pulando da mesa de sinuca e vindo até mim.

— Já passou — falo, com sinceridade.

— Perdi algo? Faz alguns minutos que estou lá em cima tentando


terminar de me ajeitar e escutando uns burburinhos sem entender nada.
Quando Ayla atravessa a moldura da porta, meus olhos
instintivamente fixam em seu corpo. Preciso puxar o ar para os pulmões
quando ela ajeita os seios fartos no maldito biquíni que mal os acomoda e
arruma a parte da frente da peça de baixo, que é outra que deixa margem
para a imaginação.

— Não perdeu nada! Só fiz uma brincadeirinha com o Bernardo! —


fala Beatriz, sorridente.

Sentindo a garganta seca, busco pela minha garrafa de cerveja na


mesa. Porra! É preciso dar um gole generoso na minha bebida a fim de me
obrigar a levar os olhos para longe, quando meu pau começa a ganhar vida
na minha sunga. Não leva muito tempo até que a encaro novamente e ela
joga seu cabelo longo e cacheado para trás dos ombros.

— Entendi! — Ayla sorri e eu juro que ouço suspiro dos marmanjos


comprometidos. — Que bom que você chegou, estava quase pedindo ajuda
ao seu irmão no protetor solar. — Ela ergue o produto em sua mão
esquerda.

Ah, merda… Esse povo deveria ter chegado mais tarde.

— Eu te ajudo, amiga, sem problemas — se oferece Bea, se


aproximando de Ayla.

Não sei o que está acontecendo comigo, mas, particularmente,


desejei que fosse eu a deslizar o produto por sua pele negra. Imagino o
quanto deve ser macia e, caralho, como daria tudo para poder não só tocá-
la, como também beijá-la. Desde que a entrevistei em meu escritório, eu
anseio por isso. Merda! Vou ficar louco com Ayla mexendo com o meu
juízo desse jeito. Isso que dá reprimir um sentimento por tanto tempo, estou
parecendo um adolescente punheteiro que não aguenta ver uma mulher sexy
que já quer bater uma.

— Não vai apresentar a melhor amiga, Beatriz? — se manifesta o


frangote, dando passos na direção delas. Por pouco não me ponho na frente
dele.

— Claro que sim, né! — Minha irmã sorri, em seguida, coloca as


mãos nos ombros de Ayla. — Pessoal, essa é a famosa Ayla Dantas, a
minha irmã de coração! Amiga, esses são meus amigos da faculdade, menos
o Gustavo, ele é o colega do Mateus, mas veio aqui só para te conhecer.

Acho que o sangue foge do meu corpo, porque me sinto pálido,


estou tendo quase um infarto com as palavras da minha irmã.

— Olá, pessoal, é um prazer conhecer vocês. — Acena Ayla, um


pouco envergonhada. — Hm, é um prazer te conhecer também, Gustavo. —
Estende a mão para ele, que pega e deposita um beijo ali, olhando nos olhos
dela.

Prazer é o caralho… E que porra é essa? Esse bundão está em que


século para querer bancar o lorde? Filho da puta safado está jogando
charminho na frente de todos.

Cacete, estou exagerando, demais, muito. Se controla, Bernardo


Guerra. Que ciuminho idiota. Eu e ela nem somos nada para que o ciúme
tome conta de mim.
— O Guto é filho do juiz Estevão Annenberg, um dos mais
renomados da Bahia, ou melhor, do Brasil. E logo o filho irá seguir pelo
mesmo caminho — minha irmã fala com tanto entusiasmo.

E o sou o ceo de uma empresa, foda-se!

Incomodado com tanta bajulação, limpo a garganta.

— Já tem carne assada, mas pela demora de vocês, já deve ter


esfriado. É só colocar na grelha novamente para esquentar — recomendo,
largando minha cerveja na mesa e passando pelos convidados, antes de
pular na piscina com os pensamentos fervilhando.

Esse final de semana será o meu maior desafio. Onde já se viu, eu,
um homem maduro, ter que disputar a atenção de uma mulher com um
franguinho exibido desses.

Já é noite e eu nunca senti tanto tédio em minha vida quanto hoje, e


olha que é o primeiro dia. Estou sendo obrigado a ficar ouvindo a conversa
de merda dos amigos da minha irmã, cada vez que eles abrem a boca, eu me
pergunto como aquelas garotas são capazes de namorar um bando de
meninos imaturos.

O assunto principal deles é falar de mulheres, mesmo com suas


namoradas presentes, a única exceção é Mateus, que apenas ri uma vez ou
outra, mas ao imaginar que estou de olho neles, fica sério. Ele nem é louco
de sacanear a minha irmã abrindo a boca para falar de outras, soco a cara
dele e ainda a esfrego no asfalto, para que aprenda a valorizar o que tem.

Estou a poucos metros dos moleques que bebem, jogam sinuca em


dupla e riem alto enquanto falam besteiras, principalmente das “gatinhas”
que viram passar na praia usando biquíni fio-dental. É um puta desrespeito
com suas namoradas que estão na sala conversando, enquanto estamos na
área gourmet. Se elas estão ouvindo tudo, eu não sei, mas daqui, perto
deles, consigo ouvi-los muito bem e quase reviro os olhos com a
maturidade dos “homens”.

— Ela é muito massa, cara. Se a Beatriz conseguir fazer essa


gatinha ficar comigo, vou beijar os pés dela! — Quase me engasgo com a
cerveja ao ouvir o frangote falar de Ayla perto de mim, como se eu fosse
invisível. — Vocês viram na hora que ela entrou na piscina? O biquíni
enfiado naquela bunda grande e empinada, ai papai!

Fecho os punhos e sinto meu coração acelerar.

— Guto, seja mais respeitoso, o irmão da minha namorada está te


ouvindo e ele é como um irmão para a Ayla. — Mateus me encara sem
graça, como se pedisse desculpa, em seguida, bate o taco na bola de sinuca.

Irmão o caralho! O tanto que estou me segurando para não esmurrar


a cara desse moleque fodido, mas aí eu gastaria o meu réu primário, não só
isso, o pai do desserviço realmente é um juiz muito influente.

— Por acaso ele tem ciúmes da irmã dele de sangue com você? —
O imbecil está mesmo querendo sair daqui a pontapés, só pode.
Deus, não me deixe mostrar a esse garotinho o meu lado perverso,
eu posso ser muito ardiloso quando quero.

— Não, mas... — Meu cunhado fica aparentemente nervoso ao me


ver largar a cerveja na mesa e ir até eles.

— Somos homens, Teus, acha que ele vai ligar? — o babaca diz ao
me ver se aproximar deles.

Com um sorriso falso no rosto, alternando o olhar entre os quatro


garotos, noto que o único que se mantém prepotente é o filhinho do juiz,
que realmente acha que eu apoio o que ele diz de Ayla na minha frente de
um modo tão escroto só porque somos homens.

— Posso me juntar a vocês nessa conversa? — pergunto, sorridente,


mas por dentro estou fervendo de ódio.

— Claro, cara! — Gustavo Frangote sorri abertamente.

— Do que estavam falando mesmo? — Faço-me de desentendido.

Mateus tem uma crise de tosse, e os outros dois amigos dele


arregalam os olhos, somente o Guto banca o machão e tem a audácia de me
responder.

— Eu, da garota que estou a fim, já eles, só estão ouvindo. — O


babaca encosta o queixo na ponta do taco da sinuca.

— Hm, entendi. Imagino que esteja falando da melhor amiga da


minha irmã, já que as outras garotas já são comprometidas, não é? —
Avalio-o, com o semblante divertido.
Gustavo, por alguns instantes, fica sem entender.

— Eu disse para ele que a Ayla é como uma irmã para você,
Bernardo. — O namorado da minha irmã tenta intervir. Eu nem o conheço
direito, porque não foi apresentado formalmente para a família.

— Estou sim, algum problema? — O garoto tem a coragem de me


desafiar com o seu olhar, mesmo que o amigo tente arrumar as cagadas
dele.

Será que o fato de ser filho de um homem importante o faz achar


que tem direito de agir como se fosse o dono do mundo?

— Primeiro, Mateus, a Ayla não é como uma irmã para mim. —


Toco no ombro do loiro, que se retrai, nervoso, em seguida vou até Gustavo
e puxo o taco da mão dele com força. O coitadinho quase cai, então o
seguro pela gola da camisa de marca e o faço me encarar com os olhos
arregalados. Ele está quase se borrando na calça. — Segundo, Guto, os seus
pais não te ensinaram como se deve tratar uma mulher? — Aperto a gola ao
redor do pescoço dele e ele começa a tossir. É neste momento que as
meninas saem da casa e presenciam a cena, mas nem assim o largo.

— O que é isso, Bernie?! — exclama Beatriz, quase pálida ao se


aproximar.

— A minha vontade era socar essa sua cara de engomadinho até


encher de hematomas, mas não quero me sujar por causa de um franguinho
cheio de testosterona que não aguenta ver uma mulher gostosa e já acha que
pode enfiar o pau — digo, ignorando a minha irmã e a plateia que me
assiste arrastar Gustavo até a borda piscina ao lado.
— Me largue, porra! — Gustavo se debate e tenta me atingir com o
seu punho.

— O que está acontecendo aqui? — A única preocupada é a minha


irmãzinha. Instintivamente, meus olhos caem em Ayla, que está com a mão
na boca, sem acreditar no que está vendo. As outras garotas se juntam aos
seus namorados e começam a observar a cena, parecendo espantadas. —
Bernardo, para com isso já!

É, querida, agora posso te mostrar o lado adulto que você não


conhecia.

— Eu quero você fora da minha casa ainda hoje, moleque. Dê o fora


daqui antes que eu acabe com a sua raça — ameaço, e inclino o seu corpo
na piscina, fazendo-o empalidecer. — A próxima vez que você se reunir
com os seus parceiros para falar da Ayla como se ela fosse a porra de um
objeto sexual, vou arrancar todos os seus dentes. — Aponto para ele com o
dedo em riste e o frouxo assente, com medo de que eu o jogue na água.

— E-eu e-entendi, me desculpe! — pede Guto, assustado.

Vendo que ele entendeu o meu recado, trago o seu corpo para cima e
o largo. O fracote cambaleia e Beatriz, junto a Mateus, vai acudi-lo.

Sem olhar para o grupinho de universitários, passo por eles. De


repente, Ayla segura meu braço e me obriga a encará-la.

— O que foi isso? — inquire, baixo e raivosa.

— Se estivesse ouvindo o que aquela criança estava falando de


você, não estaria com essa expressão de irritada! Vocês deveriam escolher
melhor as suas amizades! — Acabo soando grosseiro e me afasto dela ao
entrar na casa.

Ter dinheiro não é sinônimo de caráter. Um cara que é rico, vem de


uma boa família e, ainda assim, é um bosta.

Subindo a escada, noto que estou sendo seguido, nem preciso olhar
para trás para saber que é Ayla, pois conheço o perfume dela.

— O seu comportamento só está fazendo a Beatriz passar vergonha


na frente dos amigos dela! Eu não pedi que armasse um show para me
defender, eu sei fazer isso muito bem! — ela diz.

Entro no quarto onde deixei as suas coisas para ir ao banheiro.

— Ah, sabe? — Rio baixinho, com os olhos fulminando ao vê-la


fechar a porta atrás de si.

— Lógico que eu sei, sempre soube! — retruca, ousada, colocando a


mão na cintura. Ela está usando uma tentadora saída de praia de crochê
branca e curta que dá para ver o seu biquíni vermelho.

— Não, não sabe. — Dou passos em sua direção e suas costas batem
na porta.

— Não preciso que me defenda, nunca precisei. — Sua respiração


fica pesada ao me ver colocar os braços de cada lado do seu corpo.

— E do que você precisa? — indago, olhando para os seus lábios


carnudos e pintados de vermelho.
— Que você fique longe de mim! — Fica desconcertada com o meu
olhar e me empurra pelo ombro de leve, sem muita pretensão de me afastar
dela.

— Mas quem veio atrás de mim foi você. — Estalo a língua e ela se
enfurece.

— E-eu… — gagueja e eu gargalho.

— Foi o que pensei. — Inclino meu rosto para o seu e provoco-a ao


roçar nossos narizes, depois me afasto e sigo para o banheiro.

— Por que você é tão irritante e exibido, Bernardo Guerra? —


resmunga.

Mordo os lábios, contendo a risada. Consegui deixá-la bravinha.

— Quando sair, feche a porta — peço, sonso, entrando no banheiro,


mas ela insiste em me seguir.

— Esse quarto é meu! Lá embaixo não tem banheiro? — questiona,


me fazendo encará-la.

— Gosto mais desse. Pode me dar licença, por favor? — Finjo um


suspiro.

— Não estou te reconhecendo, não sabia que era tão… — Ela se


cala ao me ver tirar a camisa. Seus olhos caem em meu abdômen e logo fica
sem palavras. — O que está fazendo? — Arregala os olhos.

— Eu pedi licença — defendo-me.


Eu só quero mijar, mas para vê-la sair dos trilhos, tirei a camisa.

— Insuportável como sempre, nunca muda. — Cruza os braços e


bate os pés no chão.

— É porque ainda não viu o meu lado safado.

Eu a deixo boquiaberta a ponto de ela sair do banheiro sem olhar


para trás.

Sorrindo, encosto-me no umbral da porta e vejo-a deixar o quarto


resmungando. Juro ter ouvido um “ruivo gostoso dos infernos”. Pelo visto,
ainda há esperança para mim.

 
 
“É porque ainda não viu o meu lado safado.”

Como se em algum momento tivesse me permitido tal proeza.

Bernardo é um idiota, age como se nunca tivesse tido a idade dos


amigos da irmã, só fica tentando ser o certinho. O.k. que Gustavo passou a
tarde inteira me paquerando, mas ele não é o meu tipo. Guto não tem as
características, muito menos o caráter, de um homem por quem eu me
interessaria. Em poucas horas na companhia do famoso filho do juiz, eu
quis revirar os olhos em cada palavra dita por ele.

Mas aquele ruivo irritante não tinha motivos para quase agredir o
rapaz só por ele estar falando coisas sobre mim. Se for me importar com o
que falam de mim, eu estarei perdida. Sou o tipo de pessoa que não se deixa
abalar por pouco e, certamente, a razão do surto do Bernardo é por Gustavo
estar me elogiando, como fez mais cedo na piscina.

— Ayla, cadê o meu irmão?

Assusto-me com a voz alterada de Beatriz enquanto desço o último


degrau da escada.
Os seus olhos estão avermelhados, ela estava chorando. Respiro
profundamente, passo a mão por meu cabelo e encaro a minha amiga.

— Lá em cima — murmuro, vendo-a assentir e passar por mim a


passos largos. — Bea, temos que conversar. Estou desde cedo querendo
falar com você, mas está se esquivando. — Sei que não é momento para
isso, só que é a única saída que encontro para ela não subir e discutir com o
irmão.

Se esses dois brigarem, adeus fim de semana. Beatriz é muito


impulsiva, é bem capaz de ir embora e nos deixar aqui.

— Podemos fazer isso amanhã? Não acho uma boa hora, e também
bebi demais. Não estou sóbria o bastante para termos uma conversa sensata
— avisa, virando-se para mim.

Desde cedo tento abordá-la para falar do passado, no entanto, notei


que tem se esquivado e buscado um jeito de não me dar espaço.

— Você vai brigar com o Bernardo? — indago.

— Ayla, o meu irmão está sendo patético! — Ela limpa o rosto


molhado com o dorso da mão. — Estávamos bem antes de sairmos de casa,
foi só chegar aqui para tudo desandar — diz, entredentes e em um tom
baixinho, para que os seus convidados não nos escutem.

— Bea, ele também está bebendo, todos nós estamos, não pode dar
uma trégua? Sei que nada justifica as atitudes dele, mas acho que não
deveria discutir com o seu irmão por algo que já passou.

Beatriz ergue a sobrancelha e cruza os braços.


— Você? Defendendo Bernardo? — Ela me julga com o olhar
estreito.

— Não estou defendendo. Não foi certo o que ele fez, mas estamos
com álcool no sangue, talvez amanhã ninguém vá se lembrar de nada —
justifico, engolindo em seco.

Me preocupa que ela queira sair uma hora dessas, quase dez da
noite, de Camaçari para Salvador. Ainda mais que estava bebendo até pouco
tempo atrás. Não é só com a minha amiga que me preocupo, o fato de
Bernardo também estar tomando cerveja me apavora. Imagina se ele decide
pegar a estrada. Já perdemos nossos pais, não suportaria perder nenhum
deles.

— O Bernie me fez passar vergonha na frente de todos! O Gustavo


está querendo ir embora a essa hora, porque o meu irmão simplesmente se
esqueceu que essa casa não é só dele, é minha e da minha mãe também! —
Ela bate os dedos no guarda-corpo de vidro da escada e olha para o andar de
cima.

— Ninguém vai embora, amiga, respira fundo e tenta relaxar. —


Vou até ela e toco em seu rosto. — Até nas melhores famílias as confusões
acontecem, certo? — Olho bem em seus olhos e ela assente.

— Sim — murmura.

— Vá ficar com o seu namorado. Esfrie a cabeça e deixe que o seu


irmão faça isso também, tenho certeza de que ele está envergonhado pelo
que fez e irá te pedir desculpas mais tarde. — Não tenho muita certeza
disso, mas é o que tenho para dizer.
— Eu vou sair — decide.

— Beatriz Guerra — meu coração acelera —, você não vai sair


hoje. Se quiser podemos ir embora amanhã, mas hoje você não sai daqui —
falo, nervosa, segurando em seus ombros.

— Ayla, não precisa disso tudo. — Ela sorri. — É que os Rodrigues


nos convidaram para uma festa, estão curtindo desde cedo, e me disseram
que eu poderia aparecer a hora que quisesse — explica, e eu fico mais
aliviada.

— Você quase me matou do coração agora — confesso.

— Vou chamar o pessoal para me acompanhar. Quer ir? — inquire.

— Se eu disser que não, vai ficar chateada? — Analiso a sua


expressão, que não é nada surpresa.

— Você não gostou do Guto, né?

— Não… Ele não é o meu tipo. — Comprimo os lábios ao ouvir a


sua risadinha.

— Só o meu irmão que é? — Soa mais como uma afirmação do que


uma pergunta.

— Bea... — Meu coração aperta ao vê-la balançar a cabeça.

— Esse showzinho do Bernardo é porque ele está com ciúme de


você.

— O quê? — Minha voz quase falha.


— O meu irmão veio para essa bendita viagem na esperança de te
ver — confidencia, quase triste. — E, no fundo, sei que essa confusão é
minha culpa. Se o Guto veio foi porque quis apresentá-lo a você para ver se
esquece o Bernardo.

Não era assim que eu queria começar a nossa conversa, mas já


estamos fazendo isso e correndo o risco de alguém nos ouvir.

— Nunca desejei ver vocês juntos porque sabia que ficaria estranho.
Eu perderia o meu irmão e a minha melhor amiga. — Ela está quase
chorando.

— Beatriz... — Subo um degrau, mas minha amiga pede silêncio


com um gesto de mão.

— Não adianta tentar esconder nada de mim, Ayla. Eu sempre soube


o que aconteceu anos atrás, e todo esse tempo esperei que pudesse me ver
realmente como a sua melhor amiga e me contasse. — Sua risada é forçada.

— Amiga, eu nunca quis que isso fosse um segredo. Como você


soube? Ele te contou? — Meus olhos ardem e minhas pernas tremem.

— Descobri sozinha. — Soluça, com o semblante magoado.

— Como? — Deixo uma lágrima escapar do meu olho.

— Naquela mesma noite da festa, lá em casa. — Beatriz narra o que


aconteceu entre mim e seu irmão anos atrás.

Mesmo que ela esteja visivelmente triste, vou ao seu encontro e a


puxo para um abraço. Até penso que não vai retribuir, mas me abraça e
chora.

— Todos esses anos senti saudade da nossa amizade, e o fato de


saber que você se distanciou de mim por causa do meu irmão, partiu o meu
coração — revela, fungando.

— Fizemos uma promessa há sete anos que jamais deixaríamos que


um garoto ficasse entre nós, principalmente o seu irmão, e eu simplesmente
a quebrei na primeira oportunidade. Me perdoa. — Deixo as minhas
lágrimas caírem ao me lembrar o que prometemos uma para a outra.

— Precisamos fazer uma promessa, amiga! — exclama Beatriz,


pausando a série “Amigas para sempre” na Netflix e me encarando logo
em seguida.

— Qual, Bea? — indago, colocando o pote de sorvete de chocolate


na mesa de centro.

— Não importa a nossa idade, sempre vamos priorizar a nossa


amizade. E que nem um menino vai atrapalhar a lealdade que temos uma
com a outra, nem mesmo o Bernie — diz.

O meu coração fica acelerado quando ouço risos vindos da porta,


entre eles reconheço a de Bernardo.

Ao vê-lo só de bermuda e com a camisa no ombro, com aquele


sorriso galante, perco até o raciocínio, nem consigo prestar atenção no que
Beatriz fala, mas ela também se cala ao perceber que não estamos mais
sozinhas.
O irmão da minha melhor amiga está com os amigos, fazendo uma
festa na piscina, e agora estão voltando da rua, pois tinham ido comprar
bebidas. Antes eram só os garotos, agora vejo algumas meninas e uma
morena em particular tenta se pendurar no pescoço de Bernardo. Mas
assim que ele nota a nossa presença, diz algo para a sua acompanhante e
ela assente antes de se afastar.

— Olha as pirralhas ali! — Murilo tira sarro e os “adultos” riem,


principalmente as meninas.

— Para com isso, cara, elas estão quietas — reclama o ruivo, nos
encarando.

— Você poderia deixar elas participarem da nossa festinha também,


Bernie, já estão grandinhas! — sugere Pedro Henrique, sorridente. Ele é o
mais velho do grupo.

— Está maluco, porra? Elas ainda são crianças, não devem se


misturar com a gente. O nosso ambiente não é para a minha irmã e nem
para a Ayla! — Bernardo repreende o amigo, já com o semblante fechado.

— O.k.! — PH rola os olhos e as meninas riem como hienas.

— Ayla e Beatriz, comprei acarajé para as duas, vou deixar na


cozinha — avisa Bernardo, em seguida, chama os amigos para irem à
piscina.

Ele nem nos dá a oportunidade de agradecer a ele.

— Céus, por que os homens são tão idiotas? Ainda bem que Bernie
é uma exceção — se manifesta a minha amiga.
— Quando tivermos a idade do Barnachato também iremos fazer
muitas festas na sua casa e chamaremos alguns amigos, principalmente
garotos bonitos! — Cruzo os braços, tentando disfarçar o ciúme em minha
voz.

— Se eu não soubesse que odeia o meu irmão, diria que está com
ciúme! — Me cutuca no braço e eu gargalho.

— Credo, Bea! Bernababy é muito insuportável, e ele é muito mais


velho do que eu! — minto, sorrindo.

— Hm, mas isso não te impede de gostar dele um pouquinho! Uma


vez, mainha disse que o amor e o ódio andam lado a lado! — Pisca para
mim.

— Deus me livre gostar do seu irmão. — Faço o gesto com o dedo


na garganta, como se fosse vomitar.

— Ótimo, assim não perco a minha amiga para o meu irmão! —


Respira aliviada e o meu coração se aperta.

Como se algum dia eu pudesse ter alguma chance com Bernardo


Guerra.

— Exatamente! — concordo.

— Então, vamos fazer a nossa promessa?! — lembra-me.

— Qual? — Por um instante fico perdida, mas logo me lembro das


suas palavras de minutos atrás.
— Nenhum garoto, não importa quem seja ele, poderá ficar entre
nós. — Ela se vira e fica de frente para mim, estendendo o dedo mindinho
em minha direção.

— O.k., aceito. — Entrelaço meu dedo no dela para selarmos o


nosso acordo.

— Pode passar muito tempo, jamais deixaremos um homem nos


afastar — diz, sorridente, e eu repito as suas palavras antes de nos
abraçarmos. — Agora vamos pegar o acarajé, não quero mais sorvete! —
fala, animada.

Não cumpri com a minha palavra, ela não valeu de nada.

— Quem diria que o garoto que ficaria entre nós seria justamente o
meu irmão. — Ela ri baixinho, se afastando de mim. — Mas não importa,
éramos crianças, nem sabíamos o que estávamos fazendo. — Limpa o rosto
e eu faço o mesmo assim que ouvimos passos vindos do andar de cima.

— Não, Beatriz, eu tinha noção do que estava fazendo. Reconheço


que errei com você. — Meus lábios tremem.

— Mas não escolhemos de quem iremos gostar, não é? — inquire,


com um sorriso triste.

— Infelizmente, não — murmuro, erguendo o rosto e vendo


Bernardo surgir com outra roupa e o cabelo molhado.

— Algum problema? — pergunta ele, descendo a escada ao


perceber que estávamos chorando.
— Não. — Limpo a garganta.

— Está tudo bem — Beatriz responde, se recompondo.

— Beatriz, quero te pedir desculpas por ter me exaltado na frente


dos seus amigos, mas não me peça para me sentir culpado pelo que fiz com
Gustavo. Ele agiu como um moleque, e se ouvisse o que estava falando da
Ayla, me daria razão. — Bernardo se aproxima e toca no ombro dela, que se
afasta.

— Você defende tanto a Ayla, que se vocês não se gostassem, eu


poderia dizer que seriam ótimos irmãos, afinal, você é tão protetor com a
integridade dela — zomba minha melhor amiga, parecendo esquecer o meu
pedido em não discutir com o irmão.

— Vai começar? — Bernardo passa a mão no rosto, frustrado.

— Não, meu irmão. Diferente de você, sei como usar a boa


educação que recebi, não fico dando showzinho na frente dos outros. —
Beatriz se afasta e segue para fora, sem olhar para trás.

— Beatriz! — Bernardo rosna a plenos pulmões e tenta passar por


mim, mas seguro a mão dele.

— Para com isso, só vai piorar a situação. Por favor. — Suspiro,


sentindo a minha cabeça latejar.

Estou quase ligando para a mamãe enviar o Zeca para me buscar. A


causadora dessa desavença dos Guerra sou eu. Não deveria ter vindo.
— Desgraça, ela está sendo infantil! — xinga, irritado, olhando na
direção por onde a irmã foi.

— Enquanto os dois não esfriarem a cabeça, nada será resolvido —


digo, passando a mão em minha testa.

— Vou embora dessa porra, só assim isso vai acabar! — ele decide,
vermelho de raiva, antes de soltar a minha mão.

— Não vai, Bernardo, está tarde! — Puxo-o pelo braço.

— Já sou bem grandinho, Ayla, posso tomar as minhas decisões. —


Bufa, subindo a escada.

Sem saber o que fazer, sigo para a área gourmet e encontro o grupo
de amigos de Beatriz indo em direção ao portão dos fundos que dá para a
praia. A passos largos, eu os sigo e sinto minha respiração ficar ofegante ao
alcançá-los.

— Bea, eu vou com vocês — informo, com a mão no peito,


respirando rápido.

Os amigos de Bea me olham, menos Gustavo, parece que o susto


que Bernardo deu nele surtiu efeito.

— Você fica. — Ela soa grosseira.

Arregalo os olhos com o seu tratamento.

— Mas eu quero ir — falo de maneira firme.


— Se resolva com o meu irmão, vocês precisam fazer isso — decide
por mim, antes de me dar as costas.

— Que horas volta? — Minha garganta arde.

— Não sei — responde de maneira seca.

Por que fui ter uma paixão pelo homem errado? É nítido que Beatriz
está com ciúme de nós, mesmo sem termos feito nada. Essa mágoa dela está
passando dos limites, mas ao mesmo tempo ela consegue fazer com que eu
me sinta culpada. Não há nenhum santo nessa história, mas estou
carregando o maior fardo.

Respirando fundo, sento-me na rede ao lado e abaixo a cabeça.

— Droga! — resmungo e me deito na rede, balançando-a em


seguida.

Uno as mãos e as descanso na barriga. Sentindo o cheiro da maresia


e ouvindo o som das ondas, aproveito para relaxar meus músculos tensos.

O vento começa a bater em mim e um friozinho gostoso faz com


que os pelos dos meus braços fiquem eriçados.

Nunca foi tão difícil ter que fazer uma escolha, se bem que não há
nada para escolher. Eu me fechei para o amor faz tempo, e a pessoa que me
fez tomar essa decisão é a razão de tantas incertezas.

Jamais escolheria entre Bernardo e Beatriz, seria ridículo, eles são


irmãos e eu os…
— Ayla. — A voz rouca e baixa de Bernardo me assusta.

Como não o ouvi chegar? Estava perdida demais em meus


pensamentos.

— V-você não ia embora? — gaguejo e sinto meus joelhos trêmulos


com o susto que levei. Sento-me na rede e o encaro, procurando a sua
bagagem, mas ele está com as mãos vazias.

— Não vou sair como um foragido da minha própria casa. Beatriz


está se comportando como uma criança mimada. Ela tem que entender que
vocês são melhores amigas, mas que ela não tem o direito de interferir nas
suas escolhas, muito menos nas minhas. — Ele dá passos em minha
direção, diminuindo a nossa distância.

Meu corpo inteiro volta a se arrepiar, e não é por causa da brisa ao


nosso redor, é pelo olhar cálido e penetrante que Bernardo me dá ao se
agachar na minha frente e tocar em meus joelhos.

— Se em algum momento, em alguma hora, eu e você quisermos ter


algo, não será a minha irmã que irá nos impedir. — Seu olhar para em
minha boca.

Minha respiração fica pesada com as palavras dele, meu peito sobe e
desce.

— E você me quer? — Não penso nas palavras, somente deixo a


pergunta sair.

Em resposta à minha grande boca descontrolada, Bernardo espalma


as mãos másculas em minhas coxas e olha diretamente em meus olhos.
— Eu sempre quis — confessa, passando a língua nos lábios
naturalmente rosados.

— Bernardo... — Minha voz sai quase em um gemido, porque ele


acaricia a minha pele com os seus dedos longos.

— Eu quero você, Ayla. A Beatriz não vai me fazer mudar de ideia


por conta de um ciúme bobo. — Seu tom é firme, determinado.

Meu Deus, ele me quer.

— E-eu... — Fico desorientada ao vê-lo inclinar o rosto para perto


do meu.

— Eu te quero, você me quer, não vejo empecilho algum. — Ele


encosta a boca na minha, roçando nossos lábios e fazendo meu coração
errar uma batida.

Sonhei tanto com esse dia, mas ele está prestes acontecer na hora e
no lugar errado. Fechando os olhos, lembro-me dos conselhos de mamãe
em me aventurar.

— Não sei exatamente o que quero, Bernardo, não neste momento.


— Afasto-o pelos ombros e um vinco se forma em sua testa. — Mas se tem
algo que não posso negar é que ainda me sinto atraída por você. — Toco em
seus braços e deslizo minha unha por sua pele vermelha por causa do sol.

— O que quer dizer com isso? — Olha-me confuso.

— Não quero me envolver emocionalmente com ninguém, mas não


descarto a possibilidade de nos divertirmos esta noite. Somos adultos. —
Massageio o seu pescoço e ele fica arrepiado.

— Está sugerindo que…

— Eu quero ser sua só por esta noite, depois seguiremos os nossos


caminhos — interrompo-o, deixando-o mais branco do que é.

— Está querendo só uma transa? — Não esconde a surpresa na voz.

— Sim, é o que posso oferecer no momento. — Assinto de maneira


firme.

O bom de esclarecer tudo é que ninguém sairá machucado.

— Eu aceito — diz, depois de pensar por alguns segundos.

— Vamos entrar, alguém pode nos ver aqui. — Estou tratando-o


como o meu segredinho sujo, e mesmo assim ele concorda ao entrelaçar a
sua mão na minha e me puxar para a casa.

Céus! O que estou fazendo? Será que valerá a pena me entregar a


esse sentimento desconhecido? Estou oferecendo sexo sem compromisso,
mesmo sabendo que na segunda-feira posso me tornar a sua funcionária.

 
 
— A sua mão está gelada — comento com a mulher que está com os
dedos entrelaçados nos meus enquanto caminhamos até o quarto.

— Estou nervosa — confessa, olhando para nossas mãos unidas.

— Quer desistir? — Desde que subimos a escada, percebi que está


inquieta.

O meu propósito em vir para Guarajuba não era para convencer Ayla
a me dar uma única noite de sexo. Só que quando ela me propôs algo tão
surpreendente, fiquei sem palavras, mas acabei aceitando como se a minha
vida dependesse disso. Não é que eu esteja desesperado, contudo, ouvi-la
dizer que tudo o que tem a me oferecer é somente uma transa me afetou, e
eu não posso deixá-la escapar mais uma vez das minhas mãos.

— Não! — fala rápido, encarando-me.

— Ayla, é o seguinte. — Paro de andar e fico de frente para ela,


então solto a sua mão e toco em seu rosto. — Se acha que vim para cá com
a pretensão de só transarmos está enganada, em momento algum quero que
sinta que está sendo usada. — Acaricio seu rosto e ela fecha os olhos.
— Jamais pensaria isso. — Ela morde o lábio inferior e me encara.

— Você só está nervosa mesmo? Tem certeza? — Deslizo o polegar


até seus lábios carnudos pintados com um batom vermelho.

— Sim, Bernababy — brinca, abrindo um sorriso e chamando-me


pelo maldito apelido.

— O.k. Você vive cheia de apelidos para mim, preciso arrumar um


para você — murmuro, com uma careta.

— Nem pensar! — Fica horrorizada com a ideia.

— Ah, e em mim você pode colocar esses apelidos feios? — indago,


divertido, ao vê-la inclinar a cabeça para trás e gargalhar.

— Bernababy, ruivo e Bernachato não são feios! — defende-se.

— São péssimos, vamos ser sinceros — resmungo, pegando em sua


cintura com uma mão e seu rosto macio com a outra.

— Não são, eu os adoro, combinam com você. — Ela olha para a


minha boca e eu para a dela, vendo o seu sorriso perfeito contornar ali.

— Porra! — xingo, não conseguindo mais me conter. — Eu estou


louco para beijar essa boca gostosa — pronuncio, vidrado em seus lábios
deliciosos. Ayla cobre minha boca com seus dedos macios, calando-me.

— Pois me beije, só me beije… Bernardo — pede, quase em um


tom de súplica.
Meu corpo todo se acende com o seu pedido e eu sinto meu pau
inchar na cueca antes mesmo de tomar sua boca para mim e… caralho!
Quando finalmente diminuo a distância existente entre nossos corpos,
abraçando a sua cintura fina e assaltando seus lábios num beijo fervoroso,
sou incapaz de segurar o rosnado que atravessa a minha garganta. Fico
ainda mais enlouquecido ao sentir o sabor adocicado da sua língua na
minha.

Puta merda… Todos esses anos de espera valeram a pena.

Ao beijá-la, saboreando a sua língua e os seus lábios macios,


entendo o porquê do meu medo em tomá-la para mim anos atrás. Se eu
tivesse aceitado Ayla em minha vida tão cedo, certamente ela se tornaria o
meu maior vício e eu nunca iria deixar nenhum outro homem a ter, porque
eu seria a porra de um egoísta possessivo.

Apertando a sua cintura com uma mão, sugo a sua língua e ela
geme, arranhando a minha nuca. Com o coração acelerado e o pau pulsando
contra a sua barriga, desço a mão até a sua bunda redonda e deslizo-a para
debaixo da sua saída de praia, pressionando meus dedos em sua carne.

Gostosa pra caralho. Muito gostosa! Só com esse beijo ela


conseguiu me deixar duro e com o pau babado de tesão.

Ayla interrompe nosso beijo completamente ofegante e me dá


alguns selinhos, em seguida, olha-me por alguns segundos antes de tocar
em meu rosto e encostar sua testa na minha.

— Depois de ter te beijado, não me contento com esses selinhos —


digo, massageando a sua bunda.
— Hm, se viciou tão rápido em meu beijo? Em um único beijo? —
provoca-me, roçando nossos lábios.

— Eu o esperei por muitos anos. — Puxo seu lábio inferior com os


dentes e ela geme fogosa, então olho em seus olhos. — Além do mais, sou
muito ganancioso, gosto de me fartar — declaro, vendo-a sorrir de lado.

— Temos algo em comum, Bernardo Guerra, eu também sou muito


gananciosa. — Ousada, ela se afasta um pouco e apalpa o meu pau e é
impossível conter o gemido de satisfação. — Por isso, quero que você me
foda logo e me mostre como é o seu lado safado que tanto se gabou mais
cedo — lembra-me, com a expressão safada.

— Pode ter certeza de que será inesquecível conhecer essa minha


versão. — Trocamos olhares quentes e cheios de promessas.

— Pois me mostre, estou ansiosa. — Ela enfia a mão dentro da


minha camisa e apalpa meu peitoral, deslizando-a até parar em meus
gominhos. Essa garota consegue me deixar ainda mais aceso, mesmo eu
achando que não era mais possível.

Pressiono sua bunda com mais força, aproximando seu corpo


perfeito um pouco mais do meu.

— Será um prazer te mostrar todas as minhas qualidades e


habilidades — prometo contra seus lábios deliciosos, com minha voz rouca
de tesão.

Abaixo-me minimamente e, com um pequeno impulso, eu a tiro do


chão e logo sinto suas pernas torneadas em volta do meu quadril. Ouço o
barulho de suas sandálias caírem no chão e firmo minhas mãos ao redor da
sua cintura. Quando encaro seus olhos, quero que ela tenha a certeza do
quanto essa noite será importante pra mim.

— Vai me colocar de quatro e surrar a minha bunda enquanto o soca


o seu pau bem fundo na minha boceta? — Sua pergunta extremamente
ousada me pega de surpresa e faz a minha mente girar, a ponto de aumentar
o meu tesão num grau incalculável.

Para piorar, sua boca vai de encontro à minha orelha, causando


arrepios nos pontos certos e fazendo meu pau pulsar. Segurando o rosnado
animalesco na garganta, estapeio sua bunda, sentindo minha palma arder.

A safada arfa em meus braços e eu a fito.

— Minha intenção é te colocar em todas as posições possíveis


enquanto te fodo duramente na minha cama — revelo.

Ela solta um gemido manhoso e captura meu lábio inferior. Beijo


sua boca com urgência, e assim que desgruda nossos lábios, sorri
tentadoramente para mim.

— Ai, céus. Precisamos entrar logo nesse quarto — pede, enlaçando


meu pescoço.

Assinto e nos conduzo em direção à porta que está fechada. Ayla


inclina a cabeça, levando sua boca até o meu pescoço e beijando a minha
pele de um modo tentador, então lembro-me que tenho uma tara pelo
pescoço dela. Mal vejo a hora de tê-la peladinha e arreganhada para mim,
pronta para que eu faça o que desejar com o seu corpo. Juro que se pudesse
eu a prenderia em minha cama toda nua e passaria horas olhando e
aproveitando com a minha boca, língua e dedos, a preciosidade que deve
ser a sua boceta.

Entro no quarto com ela em meus braços e tranco a porta. Minha


atenção se volta para Ayla quando me aproximo da cama.

— Quero que esta noite realmente seja inesquecível — me diz,


desejosa.

— Também quero muito isso, e prometo que tornarei realidade essa


nossa vontade — garanto.

Apoio um joelho sobre o colchão e a coloco no meio da cama, então


me sento ao seu lado e tomo seu rosto com uma mão e fito seus olhos
enquanto faço círculos com meu polegar em sua bochecha. Assisto-a
umedecer seus lábios e prender o inferior entre os dentes.

Corro meu olhar da sua boca até seu colo, notando sua respiração
ofegante. Sou surpreendido quando sinto sua mão em meu membro
endurecido, que demarca o tecido da minha bermuda. Um gemido de pura
luxúria me escapa e, por alguns segundos, aprecio seu toque quente em
mim.

— Pare de me olhar com essa expressão de quem está louco para me


devorar e me beije, Bernardo. Me sinto órfã das suas mãos pelo meu corpo.

Meu pau pulsa e ela ri baixinho.

— Eu diria que adoraria apreciá-la um pouco mais, mas estou tão


ansioso quanto você para te ter em minhas mãos — falo, ansioso para vê-la
completamente nua.

Sento-me na cama e puxo Ayla para o meu colo.

— Você nem imagina o quanto desejei estar assim, Bernardo, em


cima de você e fazendo isso. — Ela se move no meu membro e eu solto um
gemido, então espalmo as mãos em seu quadril.

— Só isso? — Atiço-a e aperto meus dedos em sua carne.

— A lista é enorme, mas agora preciso que me ajude com algo. —


Ela ergue um pouco o quadril e eu entendo o seu recado, levantando a sua
saída de praia para tirá-la do corpo. — Ótimo, assim fica mais fácil para
fazer o que quero — diz, se inclinando e grudando nossas bocas.

Seus lábios macios se abrem nos meus, sua língua encontra a minha
e logo aprofundamos o beijo. Suspirando e com a respiração pesada,
passeio minhas mãos por suas costas e bunda enquanto ela esfrega a
bocetinha em mim.

Chupo a sua língua e ela solta um gemido safado, rebolando no meu


pau como se estivéssemos fazendo sexo.

Lascivo por ter a melhor amiga da minha irmã que é dez anos mais
nova do que eu esfregando-se em mim de um modo provocante e beijando-
me sofregamente, desfaço o laço do seu biquíni da parte de cima e vou
subindo a mão até chegar a sua nuca. Ali seguro um punhado do seu cabelo
cacheado e afasto a sua boca da minha.

— Não vou te deixar gozar se esfregando em mim, você merece


mais do que isso. — Meus olhos miram os seus lábios inchados do nosso
beijo fervoroso e imagino que o meu esteja assim também, então desço por
seu colo até fixar em seus seios fartos, mas que cabem perfeitamente em
minhas mãos e boca.

— Sim, eu mereço. — Ela segura a minha mão e coloca no meio das


suas pernas, e, como a porra de um adolescente, sinto meu pau melar minha
cueca.

Parece que estou em uma porra de sonho de tão perfeito que está
sendo. Nesse meu sonho, Ayla e eu estamos prestes a trepar bem gostoso,
mas ao vê-la conduzir minha mão até a sua boceta, estremeço da cabeça aos
pés.

Há tantas coisas que quero fazer com ela. Ainda não sei se primeiro
coloco a minha boca em seus mamilos que estão com os biquinhos
enrijecidos, ou se chupo a sua boceta, que deve ser deliciosa.

Febril, tomo iniciativa e afasto a calcinha do biquíni para o lado e


dedilho-a. Ela geme alto com o meu toque e segura o meu ombro. Percorro
dois dedos em seu sexo escorregadio e sorrio perverso ao erguer o rosto.

— Você está molhadinha, quase pingando em meus dedos, e eu


ainda não fiz nada. — Deslizo os dedos em seus fluídos e espalho a sua
excitação em seus lábios vaginais. Ayla prende os lábios nos dentes e
suspira.

— Céus, B-bernardo, não me provoque assim! — Leva o quadril


para a frente e para trás, enquanto vagueio meus dedos em seu clitóris
endurecido. Deslizo-os em torno dos lábios avantajados e ali brinco um
pouco.
— Vamos ver se você é resistente. — Uma risadinha me escapa e
ela semicerra os olhos.

— Não sou — resmunga, arfante

Insiro um dedo em seu buraquinho, mas não penetro tão fundo ao


sentir que a sua entrada é bastante estreita.

— Você ainda é virgem, Ayla? — inquiro, curioso.

— Não — confessa, com naturalidade.

Quando penso em minhas escolhas, sinto-me um merda por estar


jogando meu discurso de horas atrás no lixo. Só de imaginar que houve
outro alguém em sua vida que não fui eu, sinto-me preenchido pelo ciúme.

— Então você não é mais virgem.

— E isso te impede de algo? — Um vinco se forma em sua testa.

— Pelo contrário. — Sorrio, vendo a sua expressão ficar suave


novamente.

— Antes de qualquer coisa, quero te fazer um pedido. — Nossos


olhares se encontram.

O que ela irá me pedir? De repente, a seriedade a toma e eu fico


curioso.

— Diga o que é. — Afasto a mão da sua boceta e toco em sua coxa.


— Depois dessa noite, amanhã voltaremos ao normal. — Massageia
meu ombro e faz uma pequena pausa. — Mas preciso que cada detalhe
entre nós seja inesquecível. Você está com os seus exames em dia? Esteve
com outras mulheres sem camisinha alguma vez?

— Faz um mês que saí com alguém, em uma viagem para a


Inglaterra, mas estou limpo. Nunca transei sem proteção, nem mesmo com
a minha ex-noiva — xingo-me mentalmente ao mencionar o demônio que
passou pela minha vida.

— O.k. — Assente enquanto tento saber aonde ela quer chegar.

— Por que as perguntas? — Estudo-a.

— Preciso tê-lo dentro de mim sem nada. Quero sentir a sua pele
deslizando na minha enquanto me penetra, mas antes precisava ter certeza
de que está limpo. — Suas palavras esquentam o meu corpo.

— Sim, estou — garanto.

— Eu também.

— Mas você toma anticoncepcional? — indago e ela arregala os


olhos.

— Sou bem precavida, tomo há alguns anos, então não corremos


risco de uma gravidez indesejada — declara, tranquila.

Subitamente, olho para a sua barriga lisa e acabo imaginando-a com


um barrigão de grávida. Cacete, meus pensamentos foram longes demais.
Filhos. Nunca cheguei a pensar neles desde que assumi a empresa da minha
família e decidi focar completamente nos negócios. E eu peguei um trauma
de bebês depois do que Lavínia fez comigo.

Se em algum momento eu for pai terá que ser planejado. Meu filho
será bem-vindo, por ora, crianças estão fora de cogitação.

— Certo — concordo, depois de um tempo.

— Concorda em fazermos sexo sem camisinha? — inquire, ansiosa


por minha resposta.

— Sim, podemos fazer.

— Então não vamos mais perder tempo, eu te quero muito,


Bernardo Guerra, me faça sua de uma vez. — Ela aproxima o rosto do meu
e beija meus lábios.

— É o que pretendo fazer agora mesmo. — Levo a mão ao laço do


biquini e desfaço um lado, depois o outro.

— Não tenho preferência com posições, não agora, só quero que me


coma.

Ergo o seu quadril e tiro a peça de uma vez do seu corpo e jogo no
chão.

— Quando meu pau tiver dentro de você, prometo que será mais que
memorável a sua primeira vez. — Com uma mão, seguro em seu queixo e a
faço olhar para mim. — Socar forte e gostoso nessa bocetinha será apenas
um adjetivo perto do que iremos cometer nessa cama. Todas as vezes que eu
ou você viermos para Guarajuba, iremos lembrar de cada detalhe feito nesse
lugar, principalmente do nosso suor e gemidos se tornando um só.

Ayla ofega sob o meu olhar cheio de promessas.

— Apenas me dê tudo de si, me possua, marque o meu corpo com a


sua boca, com tudo o que desejar. Eu sou sua. — Vibra intensamente.

— Sim, você é minha. — Um lado possessivo que desconhecia


nasce dentro de mim.

— Somente por essa noite — lembra-me.

Se ela pensa que só teremos essa noite, está enganada. Eu quero


mais dela sem nem mesmo a ter possuído ainda. Ayla Dantas e eu iremos
para a cama mais de uma vez, iremos nos perder um no outro por diversas e
incontáveis vezes, isso eu garanto. Na segunda-feira, farei questão de ligar
pessoalmente para parabenizá-la pelo emprego. Não tarefa minha dar uma
notícia de contratação, todavia, ela será uma funcionária especial. Ela já é.

— Só por essa noite. — Reforço as suas palavras, mesmo sabendo


que estou mentindo. Vejo uma certa decepção em seus olhos, mas ela tenta
disfarçar com um sorriso.

— Eu já estou nua para você, agora você precisa ficar para mim. —
Instintivamente, meu olhar vai para o seu corpo. 

Cinturinha fina, quadril largo, barriga chapada, seios fartos e coxas


grossas. Ayla é muito gostosa, o seu corpo é deliciosamente curvilíneo. 
— Me ajude a tirar a roupa — peço, baixo e rouco, ao mirar em sua
boceta lisinha. 

— Estava ansiosa por isso. — Dá um sorriso, avaliando-me.

— Imagino que sim. — Com o dorso da mão, acaricio o seu rosto e


a vejo segurar na barra da minha camisa e levantar. 

Ergo os braços e Ayla me ajuda a tirar a minha camisa, logo após,


olhando para mim, ela segura a peça e leva ao nariz, lentamente soltando
um suspiro leve.

— O seu cheiro está impregnado nela, mas ainda prefiro sentir o seu
aroma na sua pele. — Seu tom sensual me afeta diretamente no pau. 

— Alguém já te disse que você é muito sedutora em todos os


sentidos? — Ergo as sobrancelhas e ela ri baixinho, negando. — Pois,
então, Ayla Dantas, você é uma bela sedutora, bastam pequenos gestos para
enlouquecer um homem. — Como está fazendo comigo neste momento. 

— Sério? Nunca percebi — brinca, passando a mão livre em meu


peitoral e arranhando com as unhas levemente. 

— Seríssimo. E eu adoro que seja assim. — Olho para a sua boca


quando ela morde os lábios. 

Sempre soube que essa garota seria a minha deliciosa queda quando
a tivesse em meus braços.

Tiro minha camisa da sua mão e a jogo no colchão, em seguida,


espalmo no quadril dela e a puxo mais para a frente. Quando a sua boceta
roça em minha ereção, ela entreabre os lábios e geme baixinho. 

Em poucos minutos com Ayla em meu colo e nua para mim,


descobri que gosto de apreciar cada detalhe dela sem me preocupar que as
horas passem. Estou tão fascinado com a ideia de tê-la que não sou mais
capaz de suportar um minuto sequer. 

— O quanto posso ser direto com você na cama? — Deslizo meus


dedos por suas costas e ela se arrepia. 

— Não quero que me trate como se eu fosse uma flor delicada,


porque não sou. Quero que você me mostre como é ser fodida por Bernardo
Guerra. Sem reservas. — O modo como ela é direta me excita. — Pode
surrar a minha bunda, me colocar de quatro, me foder forte, duro, como
desejar.

Minha respiração fica pesada ao imaginar a cena e o meu pau


coberto pelo tecido da bermuda empurra o zíper. Estou a ponto de explodir
de tesão com as palavras dela. 

— Vai ser a minha putinha na cama, mas fora dela será tratada como
uma rainha. É isso que você quer? — Instintivamente, agarro o seu cabelo e
trago o seu rosto para perto do meu. — Me responda, Ayla, é isso? —
Fecho a outra mão em sua bunda e aperto meus dedos ali. 

— Aham, isso. — Seu timbre é baixo e sedutor. 

— Pois vou te dar o que quer, do jeitinho que você merece. — A


respiração dela acelera no mesmo instante. — Você já chupou um pau
alguma vez, Ayla? — pergunto, vendo-a ofegar com a minha pergunta.
— Não, só cheguei a masturbar. — Limpa a garganta,
envergonhada, mas não sabe como gosto do que acabo de ouvir.  Mesmo
sem querer, vou ser o primeiro dela em muitas coisas. 

— Mas sabe como chupar? — Toco em sua boca e, com o polegar,


acaricio seus lábios e passeio os olhos por seu colo e mamilos. 

Estou louco para mamar neles. 

— Sim, já assisti alguns vídeos em sites — garante, dessa vez num


tom firme. 

— Então vai conseguir me pagar um boquete gostoso, não é? —


Basta que eu erga o olhar para ver que seus olhos brilham de excitação.

— Uhum. — Assente, saindo do meu colo. Ela está prestes a


prender o cabelo quando toco em seu quadril e aperto de leve. 

— Não prenda, quero segurá-lo enquanto me chupa. — Meus lábios


se curvam em um sorriso torto e safado. 

Tenho uma porra de tara por cabelo longo na hora do sexo. 

— O.k. — O peito dela sobe e desce.

Levanto-me da cama e abaixo a bermuda com a cueca, chutando as


peças para longe em seguida. Ayla se aproxima e o meu pau duro pulsa
violentamente com a olhada que dá para ele e para o meu corpo. 

— É maior do que eu imaginava — comenta, sem perceber.

Sorrio com a sua espontaneidade.


— Pode fazer o que quiser com ele, por ora, é seu para usar e
abusar. — Pego a mão dela e trago até meu pau. Seus dedos macios tocam
em minha glande e eu preciso segurar o gemido quando ela me provoca ao
fazer um inocente movimento ali. 

O seu toque causa algo similar a uma corrente elétrica suave que
percorre em meu corpo, arrepiando-me dos pés à cabeça. E o mais afetado é
o meu pau, que fica ainda mais ereto. 

— Posso mesmo? — inquire, fitando-me com uma expressão


marota.

— Aham, é todo seu — falo, aos gemidos, ao começar a ser


masturbado. A princípio, ela faz timidamente, mas ao notar que estou com
uma expressão de puro êxtase sem nem ao menos ter começado direito, ela
me lança um olhar lascivo e inicia uma punheta rápida e extraordinária.
Seus movimentos são na medida certa, basta que eu olhe para o seu corpo
despido para que o tesão aumente e um gemido animalesco atravesse minha
garganta. — Enquanto me fode com a mão, vou chupar os seus peitinhos —
aviso, ofegante, olhando bem em seus olhos travessos. 

— Faça o que desejar. — Me dá passe livre. 

Inclino a cabeça para baixo e capturo um dos seus peitos na boca.


Ela geme alto e me masturba fortemente quando sugo o biquinho do seu
mamilo marrom, sentindo-o endurecer em minha boca. 

— A-a-hhh, B-bernado! — ronrona, movimentando a mão fechada


em meu membro para cima e para baixo. Estou quase gozando e, pelo visto,
ela também, porque acabo de tocar em sua boceta molhada e deslizar três
dedos em seu feixe de nervos. Ayla está encharcada, se eu descer mais um
pouco eu a penetro com facilidade. 

— Vamos gozar juntos — digo, após tirar seu biquinho inchado da


boca e encará-la. 

Puta merda, é a melhor visão que tenho. Ela está com a boca
entreaberta e com os olhos fechados. À medida que aperto seu mamilo com
o indicador e médio, pressiono o seu clitóris entre meus dedos da outra
mão. 

— Céus! — exclama, rebolando timidamente em minha mão. 

— Vamos lá, Ayla, estou prestes a gozar e quero que faça isso
comigo. — Inclino o rosto e falo em sua orelha, logo a garota estremece. 

— E se eu disser que prefiro que goze em minha boca em vez de nos


meus dedos?

Foda-se o meu autocontrole. Como ela pôde soltar uma dessas


enquanto me tem em sua mão?

— É só se ajoelhar e enfiar meu pau entre meus lábios. — Dedilho


sua boceta ensopada e Ayla apoia a testa em meu peito, mas não por muito
tempo. Logo ela se ajoelha na minha frente, decidida a me chupar. — Não
use os dentes, por favor — recomendo, lembrando-me que ela só viu
vídeos, nunca fez. 

— Sim, senhor — brinca, voltando a tocar em meu ponto mais


sensível. 
— Te ver de joelhos me deixa com um tesão do caralho — admito
em voz alta, um pouco atiçado pela cena que presencio dela segurando meu
pau com as duas mãos. 

— Gosto do Bernardo boca suja, é excitante, me deixa molhada,


pingando entre as pernas — confidencia, e se cala ao se inclinar em direção
ao meu pênis que ela segura e o coloca ao alcance dos seus lábios. 

Ela dá um beijo na cabeça rosada, em seguida chupa devagarinho só


a glande, enquanto bate punheta segurando pela base. 

— Puta que pariu, Ayla. — Fecho os olhos, sôfrego, com as curtas


lambidas que dá ao redor da minha glande.

Ela para a masturbação e lambe toda a extensão devagar, deixando-o


molhado, depois chupa minhas bolas, e eu sou incapaz de segurar o gemido
alto quando faz isso. 

Ayla me engole todinho, por pouco não se engasga com o meu


tamanho. Ela se lambuza com a sua saliva e o meu pré-gozo, posso dizer
que está fazendo uma bagunça deliciosa. A sua boquinha safada e gulosa
me mama em um vai e vem tão gostoso que chego a revirar os olhos com a
pressão feita por ela. 

Empurro o quadril em seu rosto, até que ela reduz o boquete e me


suga devagarinho, como se estivesse saboreando um doce. Preciso agarrar
os seus cachos em meus dedos ao senti-la cobrir a metade do meu pau com
sua boca novamente, para iniciar uma chupada apetitosa. Como posso
permitir ter essa sensação só uma noite? Eu quero essa mulher, caralho, e
por vários motivos. É divino ver minha porra escorrer pelos cantos dos seus
lábios e pingar em seu colo. Ondas de arrepios e espasmos me fazem uivar
como um animal enjaulado ao perceber que a melhor amiga da minha irmã,
mesmo vendo que estou gozando, não deixa de me chupar.

— Caralho, você vai me enlouquecer! — Arfante, fito-a engolir o


meu sêmen.

Ayla faz isso diante meus olhos sem pudor algum. E como se não
fosse suficiente esse chá de boquete que me dá, a diaba ergue o olhar para
mim com a boca aberta e põe a língua para fora, mostrando-me a minha
porra. Basta isso para que eu volte a ficar duro em questão de segundos. 

— Fui bem? — Ela se levanta e eu me vejo hipnotizado com seu


sorriso e olhos escuros. 

— Ainda me pergunta? — Com um sorrisinho sacana, toco em sua


boca e limpo os resquícios do meu gozo no canto dos seus lábios. 

— Não deveria? — Toca em meu peito e acaricia. 

— Não, porque você foi maravilhosa. — Puxo-a pelo quadril para


mim e ela geme. 

— Eu sou maravilhosa. — Seus olhos brilham, mas antes que eu


possa respondê-la, ela me empurra para trás e minhas pernas batem na
cama.

— Também. — Me sento no colchão e Ayla segura em meus


ombros, me empurrando para que eu me deite.
— Vou montar em você, Bernardo Guerra, e eu quero que me coma
assim — avisa, com a voz determinada, e eu deixo que faça o que quiser
comigo. 

Ela sobe em mim e encaixa o seu corpo no meu, sua boceta molhada
roça em meu pau e é a porra mais excitante. Provocante, Ayla se inclina
sobre mim e arreganha-se numa flexibilidade deliciosa, esfregando-se no
meu pau. 

— Agora é a minha vez de retribuir o delicioso boquete — digo,


batendo em sua bunda com força e sentindo um calor descomunal tomar
conta do meu corpo.

— Vai me chupar também? — Geme, roçando a boceta escorregadia


em meu comprimento. 

— Eu não perderia essa oportunidade por nada nesse mundo. —


Giro nossos corpos e fico por cima dela, apoiando o peso do meu corpo em
um braço. 

— Você é surpreendente — elogia e ofega ao sentir a minha mão


deslizando na sua boceta. 

Junto três dedos, fazendo um movimento circular em seu clitóris. A


ponta dos meus dedos roça nos lábios inchados e Ayla grita ao ser dedilhada
com velocidade. 

— B-bernardo!!! — Seus lábios tremem e se abrem para mim. 

Inclino-me, toco em seu rosto com a outra mão e grudo minha boca
na dela, beijando-a lentamente, sentindo gemer entre respirações pesadas
com o prazer que estou proporcionando a ela.

Afasto nossos lábios e beijo-a na mandíbula, pescoço e orelha, então


faço uma trilha até o seu colo e, por fim, com a boca salivando, abocanho
um dos seus mamilos intumescidos. Ela chia e enfia a mão atrás da minha
cabeça, entre os meus cabelos.

Por mais que a minha vontade seja ficar por mais tempo
mamando nela, lembro que talvez tenhamos pouco tempo para aproveitar
mais um do outro, já que a qualquer momento minha irmã pode retornar
com os seus amigos. Desço beijando-a em direção à sua barriga até chegar
ao meio das suas pernas. 

Finalmente vou sentir o gosto dela. Curvo-me e coloco o seu clitóris


lambuzado em minha boca. Ayla parece gostar de me ter devorando-a,
porque se move em meu rosto. Agarro uma perna dela e habilidosamente
passeio a língua por seus lábios vaginais inchados. 

— Aii... aiii... Bernardo, a sua barba f-faz c-cócegas, mas é uma


delícia — fala. 

Começo a chupá-la sem pressa propositalmente, o suficiente para


atiçá-la e fazê-la me pedir por mais assim que põe as pernas nos meus
ombros. Soco a ponta da língua em sua entrada e ela solta um grito
embevecido e intenso. A cada estocada e chupada, Ayla se desmancha, ela
está escorrendo de excitação, sujando o meu rosto.  Ela se contorce
arquejante e pedindo por mais. Os seus quadris se elevam a cada sugada
que dou nela. Disposto a não permitir que ela goze tão rápido, ponho-me de
joelhos entre suas pernas e seguro meu pau com a outra mão. 
— Me faça logo sua, já não aguento mais, não quero esperar — diz,
com a boca entreaberta e o peito subindo e descendo.  — Nem eu. —
Inclino-me um pouco e coloco meu pau na sua entrada
encharcada. Gememos juntos com esse contato. É uma sensação apreciável
para ambos. — Se sentir dor, me peça para parar, não quero te machucar —
aviso.

Ela assente e eu passo a glande no seu feixe de nervos inchado. 

— Pode ir, não se preocupe — incentiva, então empurro para dentro


dela, sentindo a sua vagina me apertar. Ela solta um gritinho como se
estivesse sentindo dor.

— A-ayla, eu te machuquei? — pergunto, notando que ela não se


move. 

— Não.

Olho em seus olhos e encontro sinceridade neles. 

— Posso continuar? — Movo-me lentamente nela, que balança a


cabeça. 

Ao entrar todo dentro dela, minha respiração fica pesada ao perceber


que Ayla é bem apertada. A sua boceta é pequena e estrangula meu
membro, mas é a sensação mais deliciosa que senti em minha vida. 

— I-isso é t-tão bom! — Ela suspira e eu estoco vigorosamente ao


som dos seus gemidinhos. 
— É sim, muito. — Minha voz sai abafada.  Nossos olhares se
encontram e Ayla sorri lindamente para mim, enquanto nossos corpos se
movem em uma perfeita sincronia antes de ela pegar em uma das minhas
mãos e entrelaçar nossos dedos.  Aproximo nossos rostos e capturo seus
lábios, então nos beijamos como se fosse a última vez. Para ela pode ser,
mas não para mim.

Não sei em que momento ela toma o controle, mas quando vejo,
estamos trocando de posição e Ayla fica por cima, sem eu ter saído da sua
boceta. 

— Acha mesmo que iríamos terminar essa noite sem que eu


descobrisse como é ser fodida por você assim, ruivo? Daqui de cima a visão
é muito melhor... A-ahh — inquire, rebolando, quicando rápido e mordendo
a boca. 

— Posso dizer o mesmo daqui de baixo. — Seguro em seus quadris


e ela começa a descer e subir no meu pênis com rapidez. O seu corpo e
peitos chegam a chacoalhar pelo ritmo selvagem. — Gostosa é pouco pra te
chamar — murmuro, tendo a visão dela se deitando sobre meu peito e o
arranhando de leve enquanto a sua boceta me engole.

— Bernardo… — geme baixinho, subindo e descendo em reboladas


que me alucinam. 

— Ayla… — Deslizo uma mão em suas costas enquanto a outra vai


para a sua nádega, onde surro com algumas palmadas fortes. 

— Ahhh, c-céus, me bate mais. — Seus gemidos enchem meus


ouvidos, então estapeio cada lado da sua bunda e ela ergue o rosto para me
encarar, e assim fodemos olhando nos olhos um do outro. 

Uma onda de excitação passa por mim, então agarro um punhado de


cabelo dela e trago a sua boca para perto da minha. Nossos lábios se roçam
por alguns segundos, até que Ayla soluça de prazer e a sua respiração torna-
se arfante a ponto de mudar o seu semblante. 

— A-c-cho que vou…

Ela treme e fecha os olhos. 

Rebola uma. Duas. Três vezes. 

A sua vagina se retrai ao meu redor e pequenos choques percorrem


por seu corpo. Posso senti-la tremer ao diminuir seus movimentos.

— Goza para mim, meu bem. — A sensação de plenitude em vê-la


subir o corpo e espalmar as mãos em meu peito enquanto se move
freneticamente em busca do prazer é inesquecível. 

Incentivando-a a gozar, toco em seu clitóris com dois dedos e faço


movimentos rápidos, arrancando gritinhos dela. Ayla espreme meu pau com
força e quica com vontade, então gozo violentamente dentro dela.

Em questão de poucos segundos, ela deixa os seus fluidos se


misturarem com os meus, lambuzando minha pelve e virilha. 

Trêmula, Ayla volta a se deitar em meu peito e o seu cabelo cai


sobre o seu rosto. Carinhosamente, afasto algumas mechas dali e acaricio
sua bochecha com o dorso da minha mão.
Mesmo que estejamos em silêncio, aproveitando o momento, posso
ouvir as batidas dos nossos corações se tornando um só. É clichê pra
caralho, mas gosto muito desse momento íntimo.

— Obrigada — agradece baixinho. 

— Pelo quê? — murmuro, deslizando os dedos por sua bunda. 

— Pela noite incrível. — Levanta o rosto e me encara. 

— Então, quem deveria estar agradecendo sou eu. — É indescritível


ter estado e ainda estar dentro de Ayla. 

— Sempre irei me lembrar desse dia. — Beija meu peito. 

— Acho que seremos dois. — Enrolo seu cabelo em meus dedos e


trago para perto do meu nariz, sentindo o aroma do xampu de coco. — Você
disse que seria somente essa noite, não é? — Testo-a, jurando vê-la quase
negar com um meneio de cabeça.

— Sim. — Limpa a garganta, mas não sai de cima de mim e nem


fica indiferente.

— Eu preciso de mais, Ayla, preciso te comer em outras posições, e


você não vai me negar isso — confesso, como um viciado.

— Não… E nem quero. — Se remexe e ao notar que ainda estou


duro dentro dela, acaba gemendo.

Como pode ter se tornado o meu vício em minutos? Esse que é o


famoso chá de boceta? Porque se for, é o primeiro que tomo na vida.
— Quero te comer na varanda do quarto, ouvindo o som das ondas e
dos seus gemidos ao pé do meu ouvido — informo.

— Está maluco? Os vizinhos irão ver! — Explode em uma risada


deliciosa.

— Vai ser no escurinho, ninguém nos verá — sugiro, atiçando-a.

— Por que isso me excita? — pergunta mais para si antes de


mordiscar minha pele.

— Porque você ainda quer me dar. — Bato em sua bunda.

— Quero muito, mas antes preciso de um banho, estou toda melada.


— Balança a cabeça e sai de cima de mim, se jogando ao meu lado.

— Nada disso, vou comer a sua boceta desse jeito, com a minha
porra ainda grudada em suas pernas. — Fico de frente para ela e seguro em
seu queixo. — Dessa vez, você vai ser fodida de costas e em silêncio. Toda
vez que alguém passar do outro lado daquele cercado, curioso com a
estrutura da casa, e olhar para cima, ou se algum vizinho aparecer em uma
das varandas despretensiosamente, vou me afundar cada vez mais forte em
você. Sua boceta vai engolir cada centímetro do meu pau, e você vai ficar
caladinha. Se fizer escândalo quando gozar, vou te dar uma palmada na
bunda para aprender a ser obediente. — Desço a mão por seu pescoço e
puxo o seu rosto para perto do meu.

O brilho nos olhos escuros dela faz meu pau aumentar de tamanho.

— Estamos entendidos, Ayla? Vou socar nessa bocetinha fundo e


forte, mas se deixar alguém ouvir os seus gemidos, vou te punir. — Olho
para a sua boca atrevida que se curva em um sorriso desafiador.

— Vai ser uma punição boa ou ruim? — Ergue as sobrancelhas.

— Vai depender de você. Agora coloque o biquíni e vá para a


varanda — peço, afastando-me dela e saindo da cama para pegar minhas
roupas.

Ayla rapidamente encontra o biquíni e começa vesti-lo. Eu coloco


apenas a cueca, em seguida, vou até ela e a ajudo a dar um nó na peça de
cima, não perco a oportunidade para colocar o seu cabelo para o lado e
chupar o seu pescoço.

— Ai. — Em vez de reclamar, ela roça a bunda gostosa no meu pau.

— Vá lá, minha putinha, encoste os cotovelos no parapeito da


varanda e finja que está observando o céu estrelado — recomendo, beijando
sua orelha e massageando a sua barriga.

— Por acaso, vamos recriar alguma cena de filme? — zomba, rindo


baixinho.

— Se for de pornô, sim. — Devolvo a provocação.

— Você é muito safado, não fazia ideia disso. — Finge um


resmungo, e eu sorrio contra a sua pele.

— Pois agora já sabe. Vá antes que eu te coloque de quatro aqui


mesmo. — Afasto-a de mim e bato em sua bunda.
Disposta a me provocar, Ayla segue para a varanda rebolando e
massageando a bunda enquanto solta uns gemidinhos.

— Está ardendo, Bernardo, você me paga — promete, olhando-me


por cima do ombro com um olhar sem vergonha.

— Você gostou, eu sei. — Pisco para ela, que bufa e segue de uma
vez para a varanda.

Busco pelo interruptor da varanda, e assim que desligo as luzes lá de


fora, sigo ao encontro da bela mulher que está sendo iluminada pela luz da
lua. Esbelta e tentadora, Ayla ouve meus passos e me olha por cima do
ombro enquanto arruma seu cabelo longo e preto nas costas.

Sexy, gostosa e inesquecível. Não me lembro a última vez que estive


com alguém assim.

— Não está tão escurinho como você prometeu, Bernababy —


reclama, risonha, quando a agarro por trás e mordo o seu ombro.

— Retiro as minhas palavras — falo em sua orelha e ela gargalha.

— Pois deveria mesmo. — Empurra a bunda em minha virilha.

— Está pronta? — Olho para as palmeiras que balançam por causa


da ventania.

— Para? — Ela se faz de desentendida ao encostar a cabeça em meu


peito e erguer o rosto.
— Me deixar te comer caladinha. — Seguro-a nos quadris e esfrego
a minha ereção nela.

— Ao menos posso gemer baixinho? — Morde os lábios.

— Só se chamar por meu nome.

Ela sorri deliciosa.

— Eu chamarei em sussurros por você, Bernardo. — Então geme,


mostrando como é capaz de enviar um homem, no caso eu, diretamente
para o inferno só em criar cenas sacanas na cabeça com a porra de um
gemido.

— Vou adorar ouvi-la. — Afasto-a um pouco e desço a minha


cueca, depois coloco a calcinha do seu biquíni para o lado.

— Que loucura estamos fazendo — acusa, quase nervosa, mas


empinada para mim.

— Será muito bom, vai ver. — Seguro na base do meu pau e no


quadril dela.

— Já estamos aqui mesmo. — Suspira quando é curvada por mim.

— Posso meter tudo? — Empurro o pau entre suas pernas e vou


subindo até chegar aos seus lábios vaginais.

— Não aceito menos do que eu mereço. — Essa resposta é o


bastante para que eu me enterre nela novamente e arranque da sua boquinha
atrevida um gemido quase silencioso.
— Então toma tudo, minha putinha gulosa. — Passo o braço para a
frente do seu pescoço e ali fecho a mão.

Seguro com mais força em seu quadril e arremeto nela por trás,
ouvindo as suas lamúrias.

— Abre mais as pernas e coloca os peitos para fora, depois os


massageie — ordeno, não peço.

— V-você é louco! — condena, mas faz o que mando sem


pestanejar.

— Agora rebola em meu pau. — Dessa vez peço em baixo tom,


lambendo seu pescoço e metendo em sua vagina lambuzada pelo nosso sexo
anterior e a excitação atual.

— Assim está bom? — Rebola o quadril, me enlouquecendo.

— Maravilhoso. — Soco fundo nela.

— C-como ficar caladinha desse jeito? Impossível! — Arfa


enquanto nos movemos simultaneamente, sua bunda arrebitada batendo
contra minha pelve.

— Me dá a sua boca aqui. — Ergo seu rosto para mim, e estou


pronto para beijá-la quando ouvimos risadas altas do outro lado do cercado
se aproximando.

Ao ouvir vozes, aquele fogo de Ayla em estar comigo parece ser


substituído por milhares de camadas de gelo. Ao reconhecer a voz de
Beatriz, ela se afasta de mim como se eu tivesse algum tipo de doença
contagiosa

O seu comportamento me frusta a ponto de fazer meu apetite sexual


morrer e no mesmo instante meu pau fica mole.

— Ela pode nos ver — se manifesta, me pedindo desculpas com os


olhos.

— Você não é nenhuma adolescente que está namorando escondido


dos pais, Ayla. É maior de idade, Beatriz não pode te controlar assim! —
Irrito-me, notando que está nervosa enquanto olha na direção de onde a
amiga está vindo.

Eles voltaram cedo demais.

— É a minha melhor amiga, Bernardo, você não entende! Somos


como irmãs! — defende-se, passando por mim e eu a sigo, furioso.

— Vai deixar que a minha irmã te controle desse jeito? — reclamo,


puto com a sua covardia.

— Ela não está… Preciso sair daqui antes que nos vejam. — Ela
tenta arrumar o biquíni desesperadamente e o cabelo, que está um pouco
bagunçado.

Respirando fundo, coço a nuca.

— Não vai adiantar nada sair daqui nesse desespero. Mesmo que
tente disfarçar, vão sentir e ver a minha porra escorrendo por suas pernas.
— Aponto para o local melado e ela arregala os olhos, se dando conta da
realidade.

— Senhor… — Põe a mão na testa.

— Nesse final de semana o quarto é seu, quem está saindo sou eu —


aviso, já começando a pegar minhas roupas.

Que se foda! Não tenho motivo para esconder nada de ninguém,


muito menos que estava transando com Ayla. Somos maiores de idade e
Beatriz precisa entender isso, ela tem que compreender que a amiga e eu
não somos suas marionetes, pelo menos eu não sou.

Mesmo sabendo que Ayla pode ter um infarto com o que faço, jogo
minhas roupas no ombro e saio do quarto sem me importar de ser visto por
minha irmã e os amigos dela.

 
Ontem, após Bernardo se irritar comigo e deixar o quarto sem olhar
para trás, senti o choro ficar preso em minha garganta, porém, respirei
profundamente e tentei me manter forte com muito custo. Mal dormi
pensando nas palavras dele, passei a madrugada revirando na cama e com
um desejo enorme de procurá-lo e pedir desculpas pela minha atitude
infantil. Droga, ele tem razão, eu tenho idade suficiente para decidir o que é
melhor para mim. Mas só percebi isso depois que cometi a idiotice de
dispensar o Bernardo. 

Reconheço que a minha atitude não foi das melhores. Se eu não


tivesse sido impulsiva, poderíamos ter continuado nos curtindo, mas não, o
meu medo bobo em decepcionar a minha melhor amiga falou mais alto.
Naquele momento, não analisei com clareza, porém, ele está certo, deixei
que o desejo de Beatriz nos ver longe um do outro acabasse com o clima
gostoso que tínhamos criado na ausência dela. 

Eu ofereci a ele uma noite sem compromisso, mas não foi pensando
em mim, e sim na minha melhor amiga, para não balançar ainda mais a
nossa amizade. Uma única noite e agora me encontro arrependida, porque
ela não terminou como eu queria ou imaginava. Ter Bernardo dentro de
mim, beijando a minha boca, acariciando a minha pele, puxando meu
cabelo e me chupando me fez perceber que o ter somente uma vez não será
o bastante para que eu siga em frente sem olhar para trás. Embora tenhamos
passado pouco tempo juntos, foi inesquecível, principalmente o modo como
adorou cada parte do meu corpo com glória. Já se passaram horas, mas
basta fechar os olhos para que me lembre do dorso da sua mão máscula
acariciando-me, dos seus olhos castanhos encarando-me com aquela
intensidade de arrancar suspiros. E sem contar o seu sorriso perfeito e
sacana para mim. 

Bernardo Guerra nunca esteve tão marcado em mim quanto agora. E


fez isso em uma única noite. Com ou sem pretensão, me fez tatuá-lo em
cada centímetro da minha pele. 

Atravesso as portas de vidro esfregando minhas pernas uma na outra


disfarçadamente por sentir minha boceta ficar molhada ao me lembrar da
noite anterior na varanda, sendo comida por trás enquanto sua mão estava
em volta do meu pescoço. 

Como pude oferecer algo a Bernardo sem saber se eu seria capaz de


cumprir o acordado entre nós? Ah, merda, estou frita, porque não consigo
tirá-lo da minha cabeça um segundo sequer desde que me tornou sua. 

— Olha quem apareceu! — Beatriz fala de dentro da piscina, onde


está com seus amigos.

— Bom dia, pessoal! — cumprimento a todos, sorridente,


antes de arrastar uma cadeira para me sentar e espalmar as mãos na madeira
da mesa, voltando a ficar com o pensamento distante. 
— Ontem, você dormiu muito cedo, amiga — comenta a ruiva,
chamando a minha atenção. 

Se ela soubesse que eu estava fazendo tudo, menos dormindo... 

— Estava com enxaqueca — minto descaradamente. 

— Hum, imaginei que algo tivesse acontecido. Eu fui até o seu


quarto, mas nem quis incomodar porque vi as luzes apagadas, até a mesmo
a da varanda.

Meu coração acelera com a menção da varanda. 

— Er… Sim, estava tudo apagado. — Limpo a garganta. 

— Já tomamos café, se quiser comer algo, está na geladeira — diz,


agarrando o namorado e beijando o pescoço dele. 

— O.k., obrigada — agradeço-a.

Estou me sentindo levemente derrotada, ainda mais agora, que fui


bem comida e quero ser de novo. Sempre sonhei em saber como seria uma
transa com Bernardo... E, minha nossa, ele só tem cara de certinho, porque
entre quatro paredes é um safado que fala putarias que te excita ao extremo.

Céus, fico molhada só em fechar os olhos e visualizar o Bernardo


segurando-me pelo quadril e me fodendo deliciosamente, me abrindo com o
seu pau grosso e com veias protuberantes. 

Apesar de estar na sombra e longe do sol escaldante da manhã, sou


rodeada por um calor infernal só de pensar nele. Parece que vou entrar em
combustão.  Será que ele foi embora? Não o vi ainda e isso está me
matando. 

Passo a mão por meu coque embolado que improvisei logo cedo
quando terminei de fazer minha higiene matinal. Em seguida, fito a piscina
onde os casais conversam e riem alto, a única sobrando aqui sou eu e o... Só
neste momento noto a ausência do filho do juiz. Ele deve ter ido embora,
certamente. 

— Beatriz, cadê o seu irmão? — pergunto de uma vez, encorajada.

O silêncio ensurdecedor toma conta da piscina como se eu tivesse


perguntado algo errado. 

— Pensei que perguntaria pelo Gustavo — brinca e, instintivamente,


fecho a expressão. Ela sabe muito bem que não gostei dele, ela está sendo
inconveniente. — Estou brincando, boba! Mesmo que não esteja
perguntando por ele, o Guga foi embora ontem à noite com uma amiga que
estava na casa dos Rodrigues, e o Bernardo saiu umas sete para correr na
praia e ainda não voltou. — Os olhos dela fitam-me com firmeza, como se
procurasse algo neles. 

— Entendi. — Encolho os ombros, fingindo indiferença. 

— Está querendo alguma coisa com ele? — Chama a minha


atenção. 

— Não é nada de mais, só quero saber algo sobre o emprego. —


Mordisco o lado esquerdo da bochecha, mantendo meu olhar no dela para
que não desconfie das minhas intenções. 
— Ah, certo. — Sorri e relaxa ao ser beijada no rosto pelo
namorado.

— Vou pôr um biquíni para me juntar a vocês, já volto — aviso,


olhando para minha camisola. 

— Coma algo, logo iremos começar a beber e de estômago vazio,


você pode passar mal — recomenda, carinhosa, me deixando com o peito
apertado. 

— Farei isso. — Levanto-me, pronta para entrar na casa


novamente. 

Ao menos, Bernardo não foi embora. Quando retornar, eu o


chamarei para conversar, não quero que ele fique com uma má impressão.
Não sou mais aquela garotinha imatura de anos atrás. Sou uma mulher
adulta e tenho que lidar com os meus problemas.

As pessoas ao meu redor se divertem sem que eu consiga fazer o


mesmo. Meus pensamentos estão bem longe daqui. Eu diria que o dono
deles é um certo ruivo que supostamente saiu para correr e não voltou
ainda.  A manhã passou e Bernardo não apareceu. Já são duas da tarde,
almoçamos, tomamos banho de piscina e agora o pessoal está bebendo,
enquanto as meninas descem até o chão ouvindo uma playlist aleatória de
swingueira[2]. 

— Eu gosto dessa, amo! — exclama Raissa, amiga de Beatriz,


rebolando e rindo com as outras garotas quando outra música começa. 
— Você está tão calada e olhando demais para a praia. Aconteceu
alguma coisa? — indaga Beatriz, abraçando-me pelos ombros.

— O seu irmão realmente não foi embora? Você disse que ele saiu
bem cedo e até agora nada de voltar. — Demonstro preocupação. 

E se ele foi para o mar e… Não, não quero pensar besteira.


Certamente está por aí, deve ter passado na casa de algum vizinho. Mas o
Bernardo não é disso, não gosta de ficar enfiado na casa dos outros. Pelo
menos o antigo, não. 

— O Bernie é tipo uma estrela no condomínio, Ayla. Quando os


vizinhos o veem, ficam animados, ainda mais em se tratando do ceo da
mktad guerra passando um final de semana na casa de praia — fala Bea,
com tranquilidade, envolvendo agora seus braços pela minha cintura. —
Relaxa, ele está bem, só deve ter sido sequestrado por algum vizinho para
falar de negócios ou alguma mulher o encantou — brinca, tentando me
fazer dançar ao se movimentar atrás de mim. 

Meus ouvidos só capturam “mulher” e, mesmo sem querer, fico com


a cabeça martelando. Será que ele trombou com alguma conhecida e agora
está com ela? Meio incomodada, ouço a risadinha da minha melhor amiga. 

— Você ficou dura com o que eu disse, isso está me cheirando a


ciúme. — Ri baixinho.

— Não seja boba, Beatriz. — Bato de leve em sua mão. 

— Me diz, você e o Bernie se resolveram? — inquire, perto da


minha orelha. 
Agradeço por estar de costas para ela, assim não vê meus olhos
arregalados e o meu rosto perdendo a cor. 

— Sim, conversamos.

Fizemos mais do que isso, mas você ainda não precisa saber. 

— Hm, que bom. — Soa sincera. 

— Sim. — Respiro fundo. 

— Quando você for trabalhar na empresa, pelo menos estará mais


tranquila em relação ao Bernardo. — Cada palavra dita por ela me faz sentir
que estou pisando em ovos. 

— Nem sabemos se serei selecionada. — Encolho os ombros ao


senti-la se afastar quando o Mateus se aproxima com duas garrafas de
cerveja nas mãos. 

— É óbvio que vai, você é inteligente — elogia-me.

Eu viro-me para ela, os seus olhos claros estão brilhando na minha


direção enquanto vira na boca a garrafa de Heineken que o seu namorado
deu a ela. 

— Espero que esteja certa. — Sorrio de volta. 

— Teus, a Ayla acha que a empresa da minha família não irá


contratá-la. Você acha que não? Eu já disse a ela que sim, mas essa teimosa
continua insegura. — Ela cutuca o namorado, que a observa
carinhosamente, todo apaixonado. 
— Se a minha ruivinha disse que vai, é verdade, Aylinha. — Pisca
para mim, em seguida abraça a namorada pela cintura e a beija no rosto. 

— Aylinha? — Gargalho, divertida. 

— Ruim demais? — pergunta Mateus, fazendo careta. 

— Péssimo! — falo e caio na gargalhada. 

— Você não quer uma bebida, amiga? — Avalia-me, Beatriz. 

— Hoje, quero ir com calma, mais tarde bebo algo —


murmuro, começando a balançar o corpo no ritmo da música que colocam
para tocar. Dessa vez é um brega funk gostoso de ouvir.

— Eitaaaa, que agora sim a festa começou! — Minha amiga atrai a


atenção de todos ao me ver começar a dançar.

— Para de besteira! — Rio, colocando as mãos nos joelhos e


rebolando ao perceber que aumentaram o volume da música.

— Agora sim você deixou de ser ranzinza! — Beatriz sorri


abertamente e eu faço uma careta com o seu comentário.

— Me respeite, safada! — resmungo, vendo-a se pôr ao meu lado e


dançar comigo. 

As outras garotas se juntam a nós e dançam também, enquanto os


garotos começam a assobiar para elas. O primeiro a decidir mexer o
“esqueleto” é o Mateus, que se põe atrás da namorada e dança com ela, logo
os outros homens fazem o mesmo. Só eu que fico sem companhia, mas nem
por isso desanimo. Vez ou outra, olho na direção da praia na esperança de
que Bernardo apareça. 

— Acho que eu vou beber um pouco, fiquei com sede depois dessa
— aviso a Beatriz, que está com as mãos entrelaçadas nas do namorado e
descendo até o chão. 

— Ayla, me traz meio copo de licor de jenipapo? Está na geladeira,


na parte de cima — pede, meio ofegante por causa da dança. 

— Vai misturar? — preocupo-me. 

— Amiga, já tomei batida de gengibre artesanal, caipirinha, cerveja,


acho que um licorzinho não vai fazer mal. — Franze o cenho, meio
pensativa. 

— O.k., só não exagere, por favor — peço, e ela balança a cabeça. 

— Pode deixar, gatinha. — Manda beijo para mim no ar.

Girando nos calcanhares e pronta para buscar uma bebida para mim
e para Beatriz, sinto um pressentimento ruim, então olho por cima do
ombro e no mesmo instante arrependo-me. O “meu homem” fujão se
encontra a alguns metros de distância, sem camisa e com uma bermuda
vermelha, de costas e muito bem acompanhado. Vejo uma mulher quase da
altura dele, magra, cabelo acima dos ombros, escovados em um tom loiro
de farmácia, usando apenas uma saída de praia.

Meu mundo parece congelar quando ela coloca o cabelo atrás da


orelha, fazendo charme e sorrindo para ele. É, parece que ele levou a sério a
minha proposta de só uma noite, já está com outra. 
— Ah, olha o Bernie ali, amiga — avisa Beatriz. 

— Estou vendo. — Meu coração fica acelerado.

— Aquela é a Carla, filha dos Rodrigues. Ela é pediatra e dona de


algumas clínicas em Salvador. — Beatriz e sua mania de passar o currículo
das pessoas. 

— Não me lembrava dela. — Passo a mão no pescoço, aliviada por


terem diminuído o volume da música. 

— Ah, ela vive indo e voltando do exterior, fica mais fora do país —
explica a ruiva, que está bem-informada.

— Entendi. Ela e o seu irmão são amigos? — Limpo a garganta,


cruzando os braços e vendo Bernardo gesticular para a mulher que mexe no
celular dela toda sorridente. 

Eles devem estar trocando números. E eu nem tenho o número dele. 

— Que eu saiba, não — responde Beatriz. 

— Mas agora parecem bem íntimos. Até no celular dele, ela está
mexendo. — Mordo os lábios, corroendo-me de ciúmes por dentro. 

— Talvez negócios. — Surpreendo-me com Bea tentando amenizar


a situação. 

— Hm, vou buscar nossas bebidas. — Controlo minha voz trêmula


ao olhar mais uma vez para o casal, que continua conversando sem nem
prestar atenção no lado de cá. 
Giro o corpo na direção da porta e respiro fundo, suavizando minha
expressão. 

— Amiga, as bebidas estão ali, você vai para onde? — Beatriz


chama a minha atenção ao apontar para o refrigerador que está ao lado da
pia. 

— Ah, verdade! — Bato na testa, levemente atordoada. 

— Maluquinha. — Ri junto a Mateus e eu sigo até o refrigerador. 

Por que as pessoas precisam ser tão curiosas? Droga, falo por mim.
A minha maldita curiosidade me impede de fingir que nada está
acontecendo. Quando viro o rosto na direção de Bernardo, vejo a mulher
tocar no ombro dele e passar a mão no cabelo, sorrindo toda derretida para
o ruivo. Daqui não consigo ver se está sorrindo, mas o fato de ele permitir
que ela o toque, deixa claro que está gostando. 

Ciúme. Estou morrendo de ciúme, e mesmo que eu tente esconder,


meu semblante não permite. 

 — Porcaria — resmungo ao abrir o refrigerador. Pego as bebidas e


as coloco sobre o mármore da pia.

De repente, baixam o volume da música e eu sorrio por dentro.

— Amiga, fecha o refrigerador! — exclama Bea.

E é neste momento que o ruivo infernal decide notar a nossa


presença ao me dar uma olhada rápida antes de voltar a falar com a
médica.  O filho da mãe nem se deu o trabalho de me olhar por muito
tempo.  

Segundo Beatriz, o irmão saiu para correr, mas que corrida foi essa
que durou uma manhã inteira? Eles estavam juntos? Será que já não tinham
algo antes daqui? Bernardo é solteiro, um homem livre. E a mulher é
lindíssima, consigo notar o quanto o prende com a sua conversa, já que
estão parados papeando há um bom tempo. 

Depois de pegar tudo o que quero, sigo até a minha amiga sem ousar
olhar para o lado errado. 

— Aqui está — falo, assim que me aproximo do casal. 

— Obrigada, você é um anjo — agradece, mandando beijinhos no ar


e pegando a sua bebida. 

— Sou nada. — Rio, vendo Mateus me estender uma cerveja que


ele acaba de abrir. — Obrigada, Teus — agradeço e tomo um gole.

É impossível não dar uma espiadinha. Sempre fui uma garota


curiosa, agora não seria diferente. 

Eles se despedem com um aperto de mãos e depois um abraço


rápido, então a doutora gira nos calcanhares e vai embora. 

O Bernardo passa pelo portãozinho de madeira do cercado e vem na


direção da casa, com os olhos semicerrados por conta do sol, mas não perde
a postura arrogante. Cada passo que ele dá me faz prender ainda mais a
minha respiração ao avaliar o seu corpo malhado, com algumas sardas
espalhadas por seus ombros, peitoral e abdômen. Ele não tem músculos
exagerados, não é uma muralha, tem um corpo delicioso, um tanquinho
cheio de gominhos sexys pra caramba. 

Gostoso é apelido para esse homem. Em vez de ele ficar bronzeado


com o sol, está corado, mas da mesma forma continua suculento.     

Credo, estou comparando-o com um pedaço enorme de bife. 

— Estava quase chamando a polícia para te encontrar, Bernie —


brinca Beatriz quando o irmão está perto o suficiente. 

— Não exagere, Bea. — Seu tom é suave.

Disfarçadamente, percebo que ele olha devagar para o meu corpo ao


ver que estou com um biquíni branco, mas logo disfarça e presta atenção na
irmã.    

— Não querendo ser intrometida, mas o que estava fazendo com a


Carla? — A malícia na voz da ruiva faz meu estômago ficar gelado. 

— Negócios. — Ele é sucinto, logo passa por nós e ruma para


dentro da casa. 

Que tipo de trabalho é esse que ela fica tocando nele e de sorrisos
em um final de semana na casa de praia?      

— Bernardo, preciso falar com você. Em particular. — Encorajo-me


a dizer na frente de todos e sigo os seus passos sem olhar para trás, mesmo
sentindo que estou sendo observada por minha melhor amiga. 
Apressando os passos, vejo-o subir a escada, ignorando-me
completamente. Será que ele ainda está irritado por ontem, e por isso está
agindo dessa maneira tão fria? Ele sequer se preocupa em me falar um "a"
ao notar que estou o seguindo até o andar de cima. 

— Bernardo, caramba, você pode me esperar? — pergunto, quase


arfante ao alcançá-lo entrando em um dos quartos. 

— No que posso te ajudar, Ayla?

Puxo o ar com força ao ouvir seu tom baixo.

— Sobre ontem…

— É passado — corta-me.

Fico petrificada com a sua frieza.         

— Você está sendo um babaca. — Limpo a garganta, vendo o seu


pomo de adão subir e descer. — Pelo visto, já encontrou outra companhia
para passar o fim de semana, por isso está agindo assim. — Cruzo os braços
e ele solta um riso de incredulidade. 

— Ayla, olhe bem para mim e se pergunte novamente, se eu,


Bernardo Guerra, um homem de trinta e três anos, tem tempo ou idade para
me comportar como um moleque. — Seus lábios se curvam em um sorriso
irônico.

— E por que sumiu a manhã inteira? Queria conversar com você


sobre o que aconteceu ontem à noite. — Dou passos em sua direção. 
— Eu achei que ontem mesmo havíamos resolvido tudo. — Franze
o cenho. 

— Me desculpe, Bernardo, reconheço que fui imatura. Você tem


razão, a Beatriz não pode me controlar, nos controlar — falo baixinho,
tocando em seu rosto com as duas mãos enquanto ele me observa. — Não
dormi direito pensando em você. — Inclino meu rosto para perto do dele,
mas o ruivo tira minhas mãos do seu rosto e segura em meus pulsos. 

— O que vou te dizer agora não é para que se sinta humilhada, Ayla.
— Olha bem em meus olhos, me fazendo quase encolher. — Eu não preciso
esconder de ninguém um relacionamento, sou um homem independente. Se
você quiser ficar comigo, vai ter que enfrentar as consequências, caso
contrário, cada um vai para o seu lado. — Solta-me, deixando-me abalada
com a sua seriedade. 

— Fala como se fosse simples. — Meus olhos ardem, mas não


choro, nem mesmo a minha voz vacila.

— E é, basta você querer. — Passa a mão na barba por fazer e


suspira. 

— Eu quero — digo, lambendo os lábios. 

— Você me quer como um segredinho sujo, Ayla, e eu não vou me


sujeitar a isso só porque tem medo da Beatriz romper a amizade de vocês.
— Respira fundo.

— Não é isso — defendo-me, mesmo sabendo que ele tem razão. 


— Ontem foi gostoso, inesquecível, mas é só isso mesmo. Foi
apenas uma noite, exatamente como você propôs, só estou cumprindo a
minha parte do acordo. — A determinação dele me machuca. 

— Bernardo — balbucio, vendo-o girar nos calcanhares e empurrar


a porta à sua frente. 

— Quando me quiser sem precisar se esconder, me procure — diz


tão calmo que fico em choque.

— Vai ser assim? — Suspiro longamente, com medo da sua


resposta. 

— Eu gosto de você, mas o amor-próprio, por ora, vem em primeiro


lugar. — Fita-me por alguns segundos. — E não se preocupe com o seu
emprego, se você for selecionada, nada mudará. Jamais irei misturar o
pessoal com profissional, será muito bem-vinda à minha empresa — avisa,
e eu sinto um calafrio. 

— O.k. — Balanço a cabeça, perturbada. 

— Tenha um ótimo final de semana, Ayla. — Ele dá a entender que


está indo embora hoje, não amanhã, nem domingo. 

— Você também — murmuro, perplexa. 

Não é somente ele que vai embora, eu também. Para mim,


Guarajuba já deu. Em partes me arrependo de ter vindo, em outras, não. 

Droga, estraguei tudo.


A essa altura, Ayla já deve ter recebido a ligação da empresa
avisando que foi selecionada para a vaga e deve estar a caminho para
formalizar a sua admissão. 

Voltei para casa no sábado mesmo, mas nem assim consegui tirar a
bendita dos pensamentos e esquecer a nossa noite naquele quarto, naquela
varanda. Cada detalhe está marcado em minha memória, seus gemidos
baixinhos, a sua entrega, o seu corpo pequeno que se encaixou
perfeitamente ao meu como se tivesse sido feito sob medida para mim. 

Se distanciar para evitar ter contato com ela não mudou muita coisa,
não que eu quisesse, porém, a melhor amiga da minha irmã quis assim ao
dar a entender que Beatriz sempre será a sua prioridade. Sendo que uma
coisa não tem nada a ver com a outra. É imaturidade alguém colocar na
cabeça que uma amizade pode ser afetada por um relacionamento amoroso,
digo, às vezes pode sim, mas não seria o meu caso e o de Ayla. 

Elas iriam permanecer sendo amigas, o nosso envolvimento jamais


seria um empecilho, de forma alguma eu prejudicaria propositalmente o
vínculo que as garotas têm desde criança. Mas na cabeça da minha irmã
caçula, me relacionar com a sua amiga seria um desastre, a maior desgraça
da Terra. Não é exagero da minha parte, é o que Beatriz tem demonstrado
com o seu comportamento infantil e bobo. 

— Sr. Guerra, o que acha dessa ideia? — Desde que entrei nesta sala
de reunião, não prestei atenção em uma palavra sequer do que estavam
falando. 

Porra, não sou nenhum adolescente para ficar distraído pensando em


mulher e esquecendo o meu trabalho. É a segunda vez que o meu diretor de
arte pede a minha opinião no projeto de um cliente e eu nem sei o que está
acontecendo. Preciso ficar a par de cada detalhe, já que a aprovação tem
que vir de mim. 

— Pode repetir, por favor? — Balanço a cabeça de um lado a outro


para dissipar os pensamentos que estão todos voltados para um certo
alguém desde o sábado. 

— Sim, senhor. — Luiz Miguel limpa a garganta, meio


desconcertado, e pede à sua auxiliar que volte a imagem. — Se quiser,
posso começar do zero, não há problema — sugere e a sua equipe, mesmo
que tente disfarçar, arregala os olhos com a possibilidade de começar tudo
novamente. 

Não seria justo, quem está disperso sou eu. 

— Você trabalha comigo há anos, Luiz, confio na qualidade do seu


trabalho e na sua equipe. Tenho certeza de que será um resultado ótimo para
o nosso cliente — elogio-os, vendo as pessoas ao meu redor sorrirem. —
Apenas me mostre o que preciso aprovar, é o suficiente. — Respiro fundo,
notando que Rosa, minha secretária, se levanta e vai até a copeira que está
ao lado do aparador desde que iniciamos a reunião. 

— Tudo bem. Posso falar resumidamente, sabe que sou bem


detalhista e você não ficar a par de tudo é como se estivesse faltando algo
— fala ele, decidido.

Gosto de Luiz Miguel, ele é um funcionário competente. Ele poderia


se aproveitar e fazer um trabalho por cima, afinal, já tem muito tempo como
diretor de artes e sendo meu homem de confiança. Mas, como sempre, o
homem é dedicado. 

— O.k., prossiga, por favor. — Afrouxo um pouco a minha gravata


e passo a mão no pescoço. 

— Alexandre Valesca disse que quer manter a antiga paleta de cores


na nova identidade visual, mas deseja que a futura logomarca seja atrativa e
que a essência permaneça, então, avaliei as informações que ele passou e fiz
uma junção com as minhas ideias — explica, apontando para a tela onde
aparecem duas imagens, uma é a atual logo da empresa valesc e a outra é a
que elaboramos. — E esse foi o resultado. Fizemos a troca das fontes,
algumas texturas... — narra e finalmente presto atenção. 

Em questão de poucos minutos, ele detalha até o conceito que será


usado na propaganda assim que enviar para aprovação a nova identidade
visual para o cliente, e eu não poderia ficar mais satisfeito com a
competência de Luiz Miguel. 
— Eu gostei, é interessante para o mercado. As pessoas costumam
julgar pela aparência. Elas se atentam à beleza do produto e alguns só
compram por isso. Somente depois pelo conteúdo, e essa parte não é com a
gente, é uma função da valesc. — Infelizmente é verdade, mas fazer o quê?
Nosso trabalho é criar uma identidade atrativa para o público-alvo do nosso
cliente

— Exatamente! — exclama Luiz Miguel, sorridente. 

— Eu aprovo o projeto, pode marcar uma reunião com a empresa e


apresente a eles a nossa ideia. Tenho certeza de que terá uma aceitação
imediata — digo, olhando para Luiz, que parece contente. 

— O.k., reunião encerrada, pessoal. — Ele olha para a equipe dele,


que já se mobiliza para recolher os seus materiais.

De repente, começo a ficar com calor em uma sala que tem uma
temperatura agradável. Que merda é essa? Acho que hoje não é o meu dia,
com certeza. 

— Rosa, baixa mais a temperatura do ar, aqui está um calor infernal


— peço à minha secretária, que já aparece na minha frente com uma xícara
de café nas mãos.

Ela se inclina ao meu lado e me estende a bendita xícara, como se eu


fosse tomar algo quente uma hora dessas. O olhar duro que lanço para a
minha funcionária a faz se encolher. 

— O senhor não quer? — murmura, para que só eu ouça, ao ver que


Luiz Miguel e os outros funcionários estão prestes a deixar a sala de
reunião. 

— Mulher, em um calor dos infernos acha que eu vou beber café?


— Bufo e a ouço soltar uma risada nervosa.

Rosinha tem uma década ou mais trabalhando conosco, é normal


que tenhamos um grau de intimidade. 

— Parece que o senhor acordou com o diabo nas costas, todos estão
comentando que você apareceu na empresa com um humor do cão. Mal
cumprimentou seus súditos — cochicha e eu arregalo os olhos com a
audácia dela. 

Assim que o pessoal sai, minha secretária se solta como se fôssemos


amigos de infância.

— Agora virei a fofoca do dia dos desocupados, é? Pois me fale o


nome de cada um, vou fazer cabeças rolarem. — Uso um tom baixo e
ameaçador, mas ela não se abate, em vez de ficar apavorada começa a
gargalhar e se afasta de mim.

— Se fizer isso, vai ter que demitir a empresa inteira. Acho que vai
ser difícil montar um grupo tão eficiente novamente — avisa, devolvendo a
xícara com o maldito café para a copeira, que está com o rosto pálido. 

— Você, pode se retirar — falo para a pobre mulher que está quase
tremendo com a possibilidade de ser demitida. Ela sai da sala na velocidade
da luz, quase bate o carrinho na parede. — E você, reorganize a minha
agenda, hoje vou sair mais cedo. Remarque minhas reuniões para o decorrer
da semana e avise aos seus coleguinhas fofoqueiros que se eu souber que
estão pelos corredores com o meu nome na boca, vou demitir todos. E você
irá junto. — Aponto para Rosa, com os olhos semicerrados.

Ela coloca a mão na frente da boca e começa a rir.

— Sim, sr. Guerra. — Fica séria, depois bate continência como se


fosse um soldado. 

— Rosa, estou falando sério, não teste a minha paciência, mulher —


rosno, levantando-me da poltrona e tirando meu paletó. — Posso te demitir
agora mesmo por estar sendo muito folgada com o seu chefe. — Aponto
para ela com o dedo em riste e com a expressão fechada. 

— E-eu… e-estava brincando, senhor. — Finalmente consigo afetá-


la, seu rosto empalidece e suas mãos tremem. 

— Você começa e não aguenta, está vendo? — Gargalho, passando


por ela e batendo em seu ombro. — Não posso demitir a minha melhor
secretária, quem iria me trazer café sem açúcar e quente, mesmo fazendo
um calor da porra? Quem iria suportar as minhas chatices? — lembro-a,
sorrindo.

Rosa volta a relaxar ao perceber que eu não estava falando sério. 

— O senhor quase me matou do coração. — Respira aliviada.

— Fique tranquila, Rosinha, sou o melhor chefe de toda Wall Street


Empresarial. E o mais bonito também. — Pisco para ela e sigo na direção
da porta. 
— Bonito é. Os funcionários e os clientes falam isso, mas eu gosto
mesmo é de um homem negro, bem musculoso.

Engasgo-me com a informação dela. 

— Pelo amor de Deus, mulher, me respeite. Sou o seu chefe, não me


fale as suas intimidades! — Começo a tossir, certamente vou ficar
vermelho. 

— Foi sem querer, chefinho! — Ela se apressa para me socorrer e,


sem que eu peça, bate em minhas costas como se fosse me ajudar, mas só
piora. 

— Um dia desses, você me mata! — resmungo, tentando controlar a


tosse. 

— Oxe, está repreendido! — Ela para de bater em minhas costas ao


ver que já estou me recompondo. 

Sou o primeiro a sair da sala, logo atrás vem ela se benzendo e eu


segurando a risada presa na garganta. Não posso sair rindo pela empresa,
mas a minha secretária me diverte com as suas maluquices. É por isso que
ainda trabalha para mim. 

— Rosa, se recomponha, não quero que falem por aí que você tem
regalias. — Pigarreio, arrumando minha gravata e a ouvindo bufar. 

— E não tenho? Quando você chegou à empresa só faltei trocar as


suas fraldas! Não sabia de muita coisa, então eu mereço sim ter regalias —
garante, colocando a mão na cintura. 
— Vá trabalhar antes que eu te demita — ameaço ao olhar ao nosso
redor e ver que não há ninguém.

— Eu ligo para a sua mãe e falo que você quer me demitir, ela não
vai deixar — retruca. 

— Minha mãe não manda aqui. Agora suma da minha frente antes
que eu mude de ideia. — Comprimo os lábios. 

— Sim, senhor! — Bate continência mais uma vez e sai a passos


largos na direção da sua mesa. 

Falta pouco menos de trinta minutos para o meio-dia, constato ao


observar o relógio pendurado na parede. Vou sair mais cedo para almoçar.
Hoje, minha mãe pediu que eu fosse comer em casa, mas embora seja mais
perto, não quero lidar com Beatriz tão cedo. Estou ocupado demais com as
minhas próprias coisas para ficar ouvindo lamúrias da minha irmã caçula. 

Meu celular começa a vibrar no bolso da calça, então eu o pego e


vejo que é o meu melhor amigo me ligando. 

— Que tipo de amigo você é, Bernardo Guerra? Soube que chegou


de Guarajuba e nem me ligou — reclama ele assim que atendo. 

— Estamos em um relacionamento agora e eu não sei? — Bufo,


caminhando para o meu escritório. 

— Você não faz o meu tipo, fique sabendo disso — esclarece.

Seguro a risada ao passar por funcionários, que me encaram


desconfiados, eles nem imaginam que Rosa me contou que sou a fofoca do
dia.

— E pra que diabos você queria que eu te ligasse? — Apoio o


celular no ombro para vestir novamente meu paletó. 

— Para me manter atualizado da fofoca — diz o palhaço. 

— E eu lá tenho cara de quem gosta de ficar fazendo essas coisas,


Murilo? Porra, não fode, você parece uma Maria Fifi! — Meu tom sai
baixo. 

— Cala a boca e me conta se rolou, cara. — Meu melhor amigo me


ignora.

— Rolou o quê? — indago, trocando o celular para o outro ombro


para terminar de vestir o paletó. 

— Pegou a novinha?

Quase rolo os olhos com o linguajar de um exímio advogado. Quem


o ouve falando assim, nem diz que come o rabo de muitos nos tribunais
com os seus argumentos. 

— Fala direito, caralho — repreendo-o, mesmo entendendo o que


quis dizer. 

— Você e a Ayla conseguiram se resolver, idiota? 

— E é da sua conta? — Semicerro os olhos ao passar por Rosa e vê-


la lixando as unhas, completamente distraída. — Quero a minha agenda
pronta depois do almoço, não falhe comigo — aviso-a, que se endireita na
cadeira. 

— Que falta de educação, Bernardo, estamos conversando! —


repreende Murilo. 

— Sim, sr. Guerra. — Minha secretária arruma a postura e larga a


lixa na mesa. 

— Seria tão bom se pudéssemos dar um soco através do celular,


Murilo, eu já teria te dado um para calar essa boca. — Suspiro, empurrando
a minha porta. 

— Você está azedo que é uma beleza — zomba, do outro lado da


linha. 

— Você não tem nenhum caso para cuidar, não? Está fazendo o que
agora? Aposto que está com as pernas em cima da mesa, fazendo bolinhas
de papel para jogar na lixeira — provoco-o ao entrar em minha sala e fechar
a porta. Não quero ser incomodado. 

— Sou o chefe, posso fazer o que eu quiser. — Se gaba. 

— Isso que dá ser herdeiro. — Rio baixinho, porque sei que ele vai
ficar puto. 

— E você é o quê? Por acaso é filho de um dos funcionários que


lutou muito para conseguir subir na empresa? — retruca, puto. 

— Fala baixo. — Puxo minha cadeira um pouco para trás e me


sento. 
— Vá se foder, Bernachato. — Me chama pelo apelido que Ayla me
deu no passado. Essa porra me afeta, meu humor volta a ficar horrendo. 

— Tenho que desligar, Murilo, estou cheio de contratos para revisar.


— Limpo a garganta. 

— Não desligue — pede, percebendo que meu humor mudou. 

— O que foi agora? — Remexo-me na cadeira e encaro o monitor à


minha frente. 

— Vamos almoçar naquele restaurante que serve frutos do mar?


Quero comer uma moqueca, uma comida baiana.

— O.k. Murilo, vamos lá. Quando eu estiver saindo, eu envio uma


mensagem — murmuro. 

— Beleza. Vou fazer uma reserva para nós. — Ele se anima. 

— O.k., até daqui a pouco. — Encerro a ligação, depois pego o


telefone ao lado e ligo para Rosa, que me atende rápido. — Verifique, por
favor, se Ayla Dantas já esteve na empresa ou se ainda está, quero todos os
detalhes — peço.

Ela diz que não demora para me retornar.

Inquieto, tamborilo na madeira da mesa. Não contente, levanto-me e


sigo para as janelas de vidro e observo a paisagem, os carros passando lá
embaixo e algumas pessoas caminhando na calçada. 

Será que Ayla está na empresa?


Ela deve ter ficado feliz com a notícia de que fará parte da nossa
equipe. Ela é apaixonada pela profissão. 

Por Deus, vou enlouquecer só de ficar pensando nessa mulher. Só a


tive uma vez e parece que meu pau se viciou nela rápido demais.

Encosto minha testa no vidro e fecho os olhos ao me lembrar do


gosto dela. Cacete, estou ficando louco. Ao pensar no cheiro da sua boceta
molhadinha para mim, meu pau cresce na cueca e pulsa.

O telefone toca, então retorno para a mesa e, já conformado de que


não vou parar de pensar em Ayla tão cedo, visualizo-a nua, curvada na
minha mesa e com a bunda arrebitada e durinha para mim, esperando que
eu a foda. 

Que desgraça! Movo a cabeça de um lado a outro e arranco a


imagem da mulher das minhas fantasias ao atender ao telefone. 

— Sr. Guerra, a Ayla ainda está na empresa. Ela ficou para


conhecer os colegas de trabalho e o departamento onde irá atuar. Amanhã
será seu primeiro dia de trabalho — comunica Rosa. 

Hm, interessante. 

 — O.k. Obrigado — agradeço-a.

— Senhor, que horas posso sair para o almoço? — inquire.

— No horário de sempre, Rosa, nada mudou. 

— Certo. Obrigada — agradece. 


— Não esqueça de remarcar as reuniões — lembro-a antes de
encerrar a ligação. 

Seria excitante acompanhar o tour de Ayla pela empresa, mas vou


permanecer na minha decisão até que ela tome uma atitude. Mesmo louco
para agarrá-la pelos braços e enfiá-la em algumas dessas salas para devorar
a sua boquinha atrevida e a sua boceta deliciosamente apertada, eu me
seguro. 

Preciso respirar três vezes profundamente antes de deixar a minha


sala para não mudar o roteiro e seguir para o setor de artes, em vez de ser
para fora da empresa.

A viagem de Patamares até o restaurante Ostras do Mar, na praia


Stella de Maris, levou menos de treze minutos de carro, já que o trânsito
estava tranquilo. Cheguei antes do Murilo, o safado me disse que ia se
atrasar alguns minutos porque uma antiga paquera apareceu em seu
escritório e tiveram que ter uma reunião urgente. Ele pensa que me engana. 

No caminho, liguei para a minha mãe e avisei que estava indo


almoçar com Murilo, prometi a ela que no decorrer da semana almoçarei
em casa. Como a mãe sempre conhece os filhos, ela me perguntou se estava
tudo bem entre mim e a minha irmã. Óbvio que eu disse que sim, o que não
é mentira, Beatriz e eu não nos desentendemos, só não quero dar espaço
para ela procurar briga por algo sem fundamento. Minha mãe logo se
convenceu e encerrou a ligação. 

— Sr. Guerra, posso lhe trazer a nossa carta de vinhos? — Escuto a


voz do garçom ao meu lado na mesa, então paro de observar o mar que está
com a maré baixa e fito-o com atenção. 

Meu melhor amigo adora esse restaurante por ele ser à beira-mar e
os funcionários sempre solícitos.

— Pode, sim, Rogério. — Leio o seu nome em seu uniforme. O


jovem arregala os olhos por eu chamá-lo pelo nome, alguns clientes nem
olham no rosto do funcionário, normalmente fazem um gesto com a mão
para serem atendidos. — Quero dar uma olhada, por favor.

Ele assente e pede licença antes de se afastar. 

Com três botões da minha camisa aberta, dobro as mangas até o


cotovelo e pego os óculos de sol no bolso, colocando-os no rosto.

Cadê o filho da mãe do Murilo? Ele está cinco minutos atrasado,


que porra de trepada é essa que demora tanto? Quando chegar, vou torcer o
pescoço dele por marcar algo comigo e se atrasar por conta de uma boceta
que poderia ter deixado para comer depois. 

Inconformado com a demora, pego meu celular e ligo para ele.

— Desgraçado — murmuro, quando não sou atendido. 

Recosto-me na cadeira e guardo o celular no bolso. O garçom


retorna com a carta de vinhos e estende para mim. 
— Aqui está, senhor.

Pego o cardápio da sua mão. 

— Obrigado — agradeço. 

— Já quer fazer o pedido? — Levo meus olhos ao cardápio quando


ele menciona.

— Ainda não, estou aguardando o meu amigo — digo, voltando a


minha atenção para a carta de vinhos.

— O.k. Quando precisar é só chamar. — Ele se afasta um pouco


com a mesma postura e coloca as mãos nas costas. 

Avalio cuidadosamente os nomes listados e reconheço a garrafa de


vinho que era a preferida do meu pai. Château Cheval Blanc Saint-Émilion,
saboroso e suave, ele adorava tomar uma taça quando chegava tarde da
empresa. 

— Vou querer uma garrafa deste. — Aponto para o nome e o rapaz


se aproxima para verificar. 

— Já trago para o senhor — avisa, retirando-se de perto de mim e


levando o cardápio de bebidas. 

Cruzo os braços e olho ao meu redor. O restaurante não está cheio e


nem vazio, do jeito que gosto, e a mesa que Murilo pediu é afastada, mas
tem uma vista privilegiada para o mar. Daqui consigo ver toda a faixa de
areia.
Instintivamente, giro o rosto até a entrada do restaurante e deparo-
me com o meu amigo entrando, com o cabelo desgrenhado. A roupa que ele
usa está amassada e o seu blazer está sobre o ombro. Ele parece ter sido
atropelado por um caminhão e só restou os cacos, mas demonstra que nem
se importa, porque está com a expressão mais calma do mundo. 

— Finalmente. — Bufo baixinho.

Assim que ele me vê, acena e vem em minha direção. 

— Desculpa a demora, Bernie, a Jaqueline me fez perder a noção do


tempo. — Suspira de um modo tarado e eu faço uma careta. — Já pediu
algo? — Puxa uma cadeira e se senta.

— No seu carro não tem espelho? Por enquanto, pedi um vinho. —


Ignoro as suas primeiras palavras e coloco os óculos na cabeça. 

— Tem, mas nem me importo com isso. — Encolhe os ombros e


olha ao nosso redor. — Parece que acabei de ter uma transa selvagem? —
Ergue a sobrancelha. 

— Por Deus, Murilo, não me dê detalhes. — Fecho a expressão,


ouvindo-o rir. 

— Não sei se lembra da Jaque, ela é filha de um dos meus melhores


clientes — ele se recosta na cadeira, retira os óculos de sol do bolso e põe
no rosto —, e, meu amigo, aquela mulher sabe como enlouquecer um
homem. Ela chegou no meu escritório já se ajoelhando e me pagando um
boquete, depois sentou no meu colo e…

Faço um gesto com a mão para que se cale. 


— Poupe-me dos detalhes, guarde isso para você. — Murilo
Campos é uma porra sem filtro. 

— Você é um pau no cu mesmo, Bernardo. Parece um velho


ranzinza, não sei como ainda somos amigos — reclama, mas sorri. 

— Sou mesmo. — Minha mandíbula fica tensa.  

— Hm, me fala, o que resolveu com a Ayla? Se pegaram muito em


Guarajuba? — pergunta, sem rodeio. 

Estou prestes a responder quando o garçom surge trazendo o meu


pedido. Ao ver Murilo, ele o cumprimenta e avisa que irá pegar outra taça
para o meu amigo, que educadamente o agradece. 

— Vamos, Bernie, não se faça de difícil e me fale logo o que


aconteceu entre vocês — praticamente implora, como um fofoqueiro
sedento por algo quente. 

— Nós transamos, mas depois, ela ficou receosa pela Beatriz, que se
comportou como uma amiga e irmã ciumenta. Perdi a paciência. —
Massageio minhas têmporas. 

— Puta merda, a sua irmã também é uma mimada do caralho —


reclama, indignado. — Ela não está de namoradinho novo? Por que não
deixou vocês em paz? Ela pode trepar e vocês não? — inquire, baixinho,
me fazendo arregalar os olhos. 

— A Bea é mimada, sim, mas olha como fala dela. É minha


irmãzinha, desgraçado! — Fecho o punho. 
— E eu estou mentindo, Bernardo? Beatriz pode namorar e você
não? A amiga dela também não? Que hipocrisia é essa? — Ele está irritado.
— Se ela passasse uns dias comigo, daria umas palmadas nela para que
aprendesse a ser uma boa garota. — Comprime os lábios. 

— Você pode parar de falar dela assim? Que caralho, nunca que
você vai dar umas palmadas nela, ela não é para o seu bico. — Aponto para
ele. 

— Eu que não sou para o dela, ela não aguentaria uma horinha
comigo — se gaba, por pouco não lanço a garrafa de vinho no rosto dele. —
E pare de taxar a Beatriz como santa! Ou você acha que ela levou o
namorado para Guarajuba e ficaram só nos beijinhos? — zomba. 

— Eu sei disso, babaca, mas quero continuar pensando que a minha


irmãzinha ainda não tem uma vida sexual ativa. — Sinto um filete de suor
descer pela lateral da minha testa. 

— Hm, fica aí se iludindo. Ainda bem que tenho um irmão, eu iria


morrer do coração se tivesse uma irmã. — Respira fundo. 

— Então cale a sua boca e não fale mais da Beatriz — recomendo e


ele levanta as mãos em modo de rendição. 

— Aqui está a outra taça, senhores. — Retorna o garçom. Ele nos


pede licença e começa a servir o vinho, e quando se afasta, Murilo ri
baixinho e me deixa confuso. 

— Qual a graça agora? — indago, antes de bebericar o Château


Cheval Blanc Saint-Émilion.
— Você está tão tenso, daqui posso ver. Sem contar que te conheço
há anos

— Uma pena — resmungo, e bebo todo o líquido da taça, enchendo-


a novamente.

— Olhando bem para o seu rosto — avalia-me demoradamente —,


dá para perceber que a garota te deu um chá de boceta. E agora que levou
um fora, está mal-humorado. — Torce os lábios, irritando-me.

— Seja mais educado, Murilo, estamos em um restaurante —


repreendo-o, notando que o garçom está parado a poucos metros, com o
rosto vermelho de vergonha. É claro que ele nos ouviu. 

— Sou cliente assíduo, ninguém se importa. — Encolhe os ombros e


toma seu vinho. 

— Ela se arrependeu de me dispensar e me procurou, mas eu não


quis — falo depois de um tempo, quebrando o silêncio ensurdecedor. —
Ayla é muito fiel a Beatriz, tem medo de perder a minha irmã, e eu não sou
um moleque, Murilo. Eu quero aquela mulher, mas não vou deixar que me
torne o seu segredinho sujo por medo de Bea causar um alvoroço e acabar
com a amizade. — Suspiro, decepcionado. 

— É, eu te apoio, meu amigo — concorda comigo, dessa vez mais


sério.

— Hoje, eu quis largar tudo na minha sala e mostrar para ela cada
cantinho do setor que vai trabalhar, mas mantive a minha promessa em não
a procurar. Me segurei — comento, passando o polegar na borda da taça. 
— E se ela te procurar, você vai ceder? — pergunta, curioso. 

— Depende, Murilo. Quero muito a Ayla, mas para isso ela vai ter
que enfrentar a Beatriz e determinar que o nosso envolvimento não será às
escondidas. — De repente, meus pensamentos voam até a nossa conversa
no sábado. — Jamais vou me contentar com pouco, eu a quero por inteiro.
É tudo ou nada. 

— Admiro muito que consiga manter a sua palavra, se fosse eu…

— Que nada, amigo, é porque ainda não encontrou uma mulher que
te enlouqueça de verdade. — Noto que seu pomo de adão sobe e desce. 

— Nem quero, prefiro viver como estou, se apaixonar é um porre.


— Ele faz uma careta. 

— Vamos pedir logo a comida. Ainda tenho que retornar para a


empresa — lembro-o, que assente e chama o garçom para fazer o nosso
pedido. 
Faz algumas horas que estou na empresa. Embora conheça tudo por
aqui desde criança, não iria falar para os meus futuros colegas de serviço
que já a conheço como a palma da minha mão. Exceto pelo dia da
entrevista, fazia anos que não vinha aqui, mas tudo continua igual. Em
poucas horas de treinamento, fiz amizade com muitos funcionários, todos
simpáticos e animados.

Agora, sou oficialmente funcionária da mktda guerra. Eu já sentia


que seria selecionada, mas só tive a certeza depois da conversa com
Bernardo, o modo como falou sobre que o que aconteceu entre nós não
afetaria em nada no trabalho. Ele entregou ali, foi então que entendi que
iriam me contratar, mas o clima estava tão tenso naquele dia que nem tive
oportunidade para ficar animada. 

Quando ele foi embora, horas mais tarde, fui também. Beatriz tentou
me convencer a voltar no domingo pela manhã, mas falei que não podia e
que precisava me organizar para segunda-feira, caso me ligassem para
acertar a minha contratação. Ela não se impôs, apenas me desejou boa sorte
e ficou em Guarajuba com o namorado e o restante dos amigos. 
Mais tarde, recebi uma mensagem de áudio onde ela falava que
sabia que eu tinha ido embora por causa do irmão, que nem adiantava negar,
pois o cheiro dele estava impregnado em mim. E como fui embora logo
depois do Bernie, ela tinha certeza de que só fui para lá porque sabia que
ele iria também. Ela teve a coragem de me dizer que eu já tinha escolhido
um lado e que tinha sido a gota d’água para ela. Fiquei tão chocada, que
nem tive como argumentar, simplesmente a deixei sem resposta, porque
estava cansada de mentir.              

Passei a noite de sábado e domingo sozinha em casa porque mamãe


havia saído com o namorado e só retornou na segunda-feira. O tanto que me
senti sozinha naquela casa grande e sem ninguém para desabafar foi
horrível, mas eu não ia atrapalhar o final de semana da minha mãe com as
minhas frustrações. 

Como nunca fui de ter muitas amizades, e a minha melhor amiga,


infelizmente, não seria a pessoa certa para conversar sobre o fato de ter
voltado a ter sentimentos pelo irmão dela e ela saber que nos envolvemos,
tive que ficar com as minhas desilusões para mim. 

Hoje, como Bernardo tinha comunicado na nossa entrevista dias


atrás, me ligaram avisando que eu fui selecionada para preencher a vaga e
pediram para levar todos os meus documentos para oficializar a
contratação. Dei pulinhos de alegria por ter recebido essa ligação, pelo
menos, algo de bom estava acontecendo, depois de um final de semana que
era para ser maravilhoso e que se tornou desastroso por minha culpa. 

— Qual o bairro que você mora, Ayla? — Me cutuca a minha colega


de trabalho, uma das estagiárias que foi selecionada para fazer parte da
equipe da empresa. 
— Piatã — falo, observando meu chefe passar algumas informações
para os outros funcionários na sala.

— Ah, que massa! Moro ali em Itapuã, no Alto do Coqueirinho,


praticamente vizinhas! — diz, sorridente, passando a mão em seu cabelo
afro. 

— É. — Sorrio de volta, reparando em seu aspecto. Ela é uma


garota muito bonita, facilmente poderia se tornar uma modelo.  Corpo
esguio, tem altura. Seus olhos são puxados para o verde, lindos. Assim
como eu, Juliana é negra. 

— Como você vai vir todos os dias? Ônibus ou Uber? — indaga.

— Nenhum dos dois. E você? — sondo-a.

— Ônibus. O jeito vai ser acordar às seis para chegar às oito, mas
vai valer a pena, trabalhar nessa empresa sempre foi meu sonho! — Encara-
me ao soltar um suspiro.

— Entendi. — Gostaria de oferecer a ela carona todos os dias, mas


preciso conhecê-la melhor antes.

— Você tem carro? — Ela me observa, curiosa.

— Sim — falo, limpando a garganta.

Ela assobia baixinho e arregala os olhos.

— Uau, colega, parabéns. Um dia conquisto o meu também! —


Gosto de como ela soa, realmente se mostra contente.
— Tenho certeza disso! — Pisco para Juliana. 

— Sabe, nem acredito que fui selecionada! Mainha e painho ficaram


felizes demais. Eles queriam tanto que eu arrumasse um emprego na minha
área, e quando recebi a ligação foi uma avalanche de sentimentos! Agora
vou ganhar melhor do que na barraca que eu trabalhava na praia da Sereia e
vou ter a carteira assinada. O que essa empresa oferece para os estagiários é
muito bom, vai me ajudar muito! — relata, emocionada. 

— Que bom, Juliana. — Minha garganta arranha.

— E você, o que fazia antes daqui? — Avalia-me cuidadosamente.

— Nada. É o meu primeiro emprego. — Passo a mão em meu


terninho e ela segue meus movimentos com o olhar. 

— Ah! Eu já trabalhei em tantos lugares, fui até cobradora de


ônibus, acredita? Tinha dias que era muito puxado, chegava morta de
cansada. Mesmo assim não desisti, porque precisava ajudar meus velhos
com as contas de casa — fala, orgulhosa. 

Essa garota é surpreendente. Como diz Zeca, ela é correria. Eu gosto


dela, acho que será a colega que mais terei aproximação aqui, é bem
espontânea e muito calorosa. 

— Juliana, você conseguiria se deslocar de Itapuã até algum ponto


de ônibus em Piatã? Se conseguir, posso te dar carona todos os dias,
podemos vir juntas. — Aquela história de conhecê-la melhor acaba indo por
água abaixo.

— Sério? — Arregala os olhos, perplexa. 


— Sim. — Balanço a cabeça. 

— Mas… Vai querer dividir a gasolina? — Ela se preocupa. 

— Não. Vou gastar a mesma coisa se vier sozinha. — Encolho os


ombros. 

— Tem certeza? — Vasculha meu rosto. 

— Não se faça de difícil, Juliana, é óbvio que tenho! — Bufo, e ela


ri. 

— Obrigada! É claro que quero! — diz, saltitante. Nossos colegas


junto ao chefe nos encaram curiosos, mas logo desviam a atenção. — Meu
irmão roda moto táxi, vou pedir a ele para me deixar em frente ao
Atakarejo, pode ser? — O sorriso dela é puro. 

— Claro que sim, te pego lá todos os dias.

— Combinado para amanhã, então?

— Sim. Me passa o seu número depois, assim ficamos em contato


— peço, pegando meu celular dentro da bolsa. 

— O.k., anota aí. — Diz o número dela e pede para que eu salve
como Juli, porque seus amigos a chamam assim e ela gosta mais também. 

— Pronto, salvo! — aviso. 

— Pessoal, por hoje, encerramos. Amanhã quero que todos estejam


aqui às oito, o.k.? O material para o trabalho estará disponível na mesa de
cada um, mas na falta de algo é só nos avisar que providenciaremos —
profere Luiz Miguel, olhando para cada um de nós.

— Sim, senhor — dizemos em uníssono. 

— Ayla, muito obrigada mesmo por me oferecer carona, é muito


gentil da sua parte — diz Juliana, tocando em meu ombro.

Pelo canto do olho, vejo os nossos colegas saírem da sala onde


iremos trabalhar.  O espaço é enorme, um escritório com mesas e cadeiras
com estilo padrão espalhadas pelo local. Mais cedo, quando fizemos o tour
por aqui, Luiz Miguel nos mostrou que todos os materiais são novos,
principalmente as máquinas. 

— Acredito que faria o mesmo por mim — digo, observando alguns


funcionários antigos trabalhando. 

— Com certeza — garante Juliana.

Neste momento, meu celular começa a tocar na bolsa.


Envergonhada, peço licença à minha colega e saio da sala. Com o celular já
nas mãos, vejo o número de mamãe, aposto que quer saber como fui na
empresa. 

— Só me diga que ocorreu tudo bem aí, Ayla Dantas! — pede,


assim que a atendo. Nem me dá oportunidade de dizer um boa tarde. 

— Nem vai me dar uma boa tarde, mainha? — Rio baixinho,


ajeitando a minha bolsa no ombro e seguindo em direção a um dos
elevadores. 
— Boa tarde, querida! Pronto, agora me diga. Como foram as
coisas? — pergunta, ansiosa. 

— Eu e os outros colegas ficamos para o treinamento e amanhã,


começo a trabalhar! — Sorrio, entro no elevador e aperto o botão do térreo.

— Parabéns, querida. Agora preciso desligar, acabou de chegar um


cliente importante — diz, animada. 

— O.k. mãe, te vejo à noite. — Nos despedimos e logo em seguida


encerro a ligação.

Ao erguer o rosto, o meu sorriso some ao me deparar com Bernardo


diante de mim. Nervosa, saio do elevador e ele se afasta para que eu passe.
Limpo a garganta e avalio-o demoradamente. Ele está tão lindo e não é o
seu terno caríssimo sob medida que destaca a sua beleza. Noto seu cabelo
vermelho um pouco bagunçado, o paletó em uma mão e as mangas da
camisa dobradas até os cotovelos. 

Será que ele tem noção do quanto está sexy e irresistível? Imagino
que tenha deixado algumas mulheres babando para trás. 

— Boa tarde, srta. Dantas — cumprimenta-me. O seu tom não é


seco, mas o fato de não me chamar pelo nome faz meu peito apertar. 

Ele disse que não iria misturar a vida pessoal com a profissional e
não estava mentindo.

— Boa tarde, Bernardo. — Suspiro, vendo-o me observar com


curiosidade. 
— Fiquei sabendo que foi contratada. Parabéns, seja bem-vinda à
empresa — diz, dando passos para dentro do elevador e pedindo o seu
andar.

— Bernardo… — chamo-o.

— Sim? — Um vinco se forma em sua testa. 

— Eu quero falar com você. — Ainda não estou trabalhando, posso


me referir a ele informalmente. 

— Agora?

Volto para dentro do elevador antes que as portas se fechem. Não sei
quando terei outra oportunidade para conversarmos, então preciso
aproveitar que já estamos aqui para esclarecer as coisas de uma vez.

— Eu sei que ainda está chateado comigo. — Fico de frente para


ele, que me fita com uma intensidade que faz meu coração acelerar. Os seus
olhos me desconcertam tanto. 

— É impressão sua, Ayla. — Solta um suspiro pesado.

— Está sim, eu te conheço mais do que você imagina. — Comprimo


os lábios. 

— Acha isso só porque te chamei de srta. Dantas? — Franze o


cenho. 

— Sim.
— Estamos no nosso ambiente de trabalho, é bom nos
acostumarmos a nos tratar formalmente — responde com tranquilidade. 

— Nem comecei a trabalhar, Bernardo, hoje foi só uma visita —


murmuro, com um tom magoado, cheio de saudade. 

— Eu sei. — Não desvia o olhar do meu. 

— Senti a sua falta. — Acabo com o espaço entre nós e sinto a sua
respiração bater em meu rosto. 

— Ayla, temos câmeras aqui e, neste momento, devemos estar


sendo ouvidos pela segurança, já que elas têm áudio — diz baixinho,
olhando para os equipamentos no teto e depois voltando a atenção para
mim.  

— Não estamos fazendo nada de errado — digo, tocando em seu


ombro. 

— Só o fato de eu ser o dono da empresa e você a funcionária… —


Ergue a sobrancelha. 

— Vou mudar o andar que você pediu — aviso.

— O que você quer de mim? — Um brilho diferente enche o seu


olhar. 

— Eu quero você, Bernardo Guerra. — Em um ato impulsivo,


avanço nele e seguro-o pelo rosto, olhando bem em seus olhos antes de
grudar nossas bocas. 
No início, ele é resistente, talvez seja por causa das câmeras, mas
logo me puxa pela cintura e junta nossos corpos. 

Bernardo emite um som grave ao aprofundar nosso beijo usando a


sua língua, causando-me arrepios deliciosos. Suas mãos passeiam pelo meu
corpo que já se encontra quente. Seguro nos fios macios do seu cabelo ao
sentir algo endurecer em minha barriga. 

Ele se esquece que estamos dando um show para as câmeras e gira


nossos corpos, me empurrando contra a parede metálica e segurando em
meu pescoço, beijando-me com mais ganância e brutalidade. Seus dentes se
chocam com os meus e gememos no processo, mas nem isso é suficiente
para nos fazer parar. 

Bernardo me ergue do chão sem tirar minha boca da dele e eu


envolvo minhas pernas ao seu redor.

Arfante e com o ritmo cardíaco acelerado, acaricio o pescoço dele


com as unhas e o beijo como se fosse a última vez. 

É intenso. 

Explosivo. 

Inesquecível.

Essa loucura que está sendo cometida diante de câmeras é apenas


duas pessoas que se gostam muito, e que mesmo que tentem se manter
distantes, não conseguem. Porque é inegável essa química avassaladora
entre nós. 
Bernardo e eu paramos de nos beijar ao notar que o elevador está
parado. Buscando por fôlego, ele me tira do seu colo e passa a mão por seu
cabelo, meio desorientado. 

— Agora só falta o elevador ter quebrado — murmura.

— Sr. Guerra. — Assusto-me com a terceira voz. — Nós paramos o


elevador há alguns segundos, o senhor estava ocupado — diz o homem, e
eu sinto meu rosto arder. 

É o operador de monitoramento. Céus, agora estou em choque ao


notar que, por pouco, não teríamos feito algo pior na frente dos funcionários
da empresa. Nem sei onde enfiar a minha cara neste momento. Uma coisa é
saber que estão vendo, outra é ter a confirmação de que o funcionário parou
o elevador para o chefe não ser interrompido. 

— Pois coloque para funcionar, quero sair daqui — fala, autoritário,


sem olhar para mim. 

— Sim, senhor — responde o funcionário. Logo o elevador volta a


funcionar. 

O elevador faz o percurso dos comandos anteriores e, logo após,


voltamos para o térreo. Se ele está arrependido por ter me beijado, não sei, e
nem tenho como saber. A sua postura está ereta e seus olhos fixos na
parede, em momento algum os desvia para mim. 
Ainda sentados à mesa após o jantar, espero minha mãe contar a
novidade que me disse que tinha, mas que só poderia dizer na presença do
seu namorado.

— Temos uma novidade para você, filha. — Mamãe e o namorado,


Arthur, entrelaçam as mãos em cima da mesa.

Eu imagino somente uma coisa – casamento. 

Faz anos que eles estão em um relacionamento. Desde que papai se


foi, ela só teve o Arthur como homem e o ama muito. Mas, por mais que se
amem e tenham um namoro de anos, jamais tinham tomado a decisão de
morar juntos. Se realmente for o que estou pensando, irei apoiá-los, minha
mãe merece ser feliz do modo que desejar. 

— Casório? — sondo-os, sorridente, mas eles negam ao balançar a


cabeça. 

— Eu quero, mas a sua mãe está me deixando de molho — acusa


Arthur e nós rimos. 

— Não fale assim, amor, ainda é cedo para um casamento. Só isso!


— defende-se, piscando para ele. 

— E eu pensando que eram os homens que fugiam de compromisso.


— Ele finge um resmungo e eu gargalho. 

É, parece que é de família fugir dos homens que amamos. 

— Quando chegar o momento certo, nós vamos nos casar! — decide


mamãe, dando esperança ao pobre homem, que sorri abertamente. 
— Agora sim! — diz meu padrasto, animado, pegando a sua taça de
vinho. 

— Estou esperando a novidade e vocês aí me enrolando. Fiquei


curiosa — aviso, colocando um pouco de suco de maracujá em meu copo. 

— Eu e o Arthur iremos viajar. Estamos indo para Londres semana


que vem — comunica, vibrante. 

— Já vai tirar férias? Normalmente sai em setembro ou outubro,


ainda estamos em janeiro. — Beberico meu suco.

— Não são férias, querida. — Seus olhos brilham. — O seu


padrasto foi promovido e será transferido para a Inglaterra, e eu vou
acompanhá-lo — revela, olhando com carinho para ele, que segura na mão
dela e beija seu dorso. 

— Uau, meus parabéns, Arthur! Você merece. — Parabenizo-o de


coração, ele realmente é uma pessoa sensacional. 

— Obrigado, Ayla! Estou muito feliz, foi uma alegria saber que vou
expandir meus conhecimentos fora do país. Ter sido promovido foi uma
oportunidade de ouro. — Ele é diretor executivo em uma empresa da bolsa
de valores. 

— Ah, querido, sortudos são as pessoas que irão ter você por lá —
elogia dona Fernanda, se inclinando e beijando o rosto dele, marcando a sua
pele branca com o batom vermelho. 

— Vocês são tão lindos juntos que deveriam se casar logo. Só acho.
— Encolho os ombros.
Mamãe joga um guardanapo em minha direção, fazendo-me rir
baixinho. 

— Eu também acho! — concorda Arthur, sendo meu cúmplice. 

— Vocês dois demoram para se juntar, mas quando inventam de


criar um complô, sobra para mim. — Finge chateação, mas está sorrindo. 

— Não seja dramática, mainha. — Semicerro os olhos. — A


senhora pretende ficar quanto tempo em Londres? — inquiro, curiosa. 

— Ainda é algo indefinido. Como tenho funcionários de confiança


para cuidar dos meus negócios aqui, posso viajar com tranquilidade.

Isso é verdade, ainda existem pessoas honestas e dispostas a ajudar.

— Já estou sentindo saudade antecipadamente — murmuro,


observando-a. 

— Venha comigo, filha — sugere, dengosa. 

— Querida, e o emprego dela? Como vai largar tudo assim? —


interfere Arthur, preocupado comigo.

— Sim, mainha, tenho meu trabalho, vou começar amanhã. Não


posso simplesmente largar tudo para viajar. — Suspiro, ficando com os
pensamentos distantes ao lembrar do meu beijo com Bernardo no elevador
da empresa. 

— Vou deixar o convite de pé. Se quiser ir para lá, é só ligar. —


Avalia-me cuidadosamente e eu assinto. 
— O.k. — Balanço a cabeça. 

Sair do país no momento não é uma opção, não está em meus planos
deixar meu lar tão cedo. Ainda mais quando estou prestes a começar no
meu primeiro emprego.

 
Os próximos dois minutos vão decidir o meu destino.

Com o peito pesado como se tivesse uma tonelada nele, encaro a


embalagem aberta do teste de gravidez que está em cima da caixa acoplada
do vaso sanitário. Eu só o comprei porque me dei conta de que a minha
menstruação ainda não tinha vindo.

Faz dois meses que sei o que é pisar no céu e no inferno.

Nunca fui de prestar muita atenção no meu ciclo menstrual, já que


sempre foi regular, então não havia motivos para que eu ficasse atenta. Até
que comecei a suspeitar que algo estava errado ao me sentir cansada
demais, ter muito sono. No início, achei que estava associado a falta de
alguma vitamina, mas ao ficar enjoada com a minha comida preferida –
acarajé –, me dei conta de que poderia estar grávida, uma vez que fiz sexo
sem preservativo com Bernardo na casa de praia. Então não tinha mais
como adiar, precisava fazer um teste.

Quando comecei a tomar anticoncepcional, a minha ginecologista


me alertou que não era 100% eficaz, que era bom fazer uso da camisinha
como mais um contraceptivo, além de evitar ist, mas quando eu estava com
Bernardo mal me lembrava desse detalhe. Somente assegurei a ele que não
correríamos o risco de uma gravidez inesperada, o que não era totalmente
verdade, se pensar bem. Fui completamente inconsequente, naquele
momento eu só queria saber de ser dele, da paixão avassaladora que nos
pairava, de termos uma noite inesquecível, e olha só agora, talvez ela vá
fazer jus ao meu pedido.

— Amiga, faltam três minutos para terminar o horário de almoço.


— Assusto-me ao ouvir as batidas à porta da cabine do banheiro.

Deus, esqueci que ela me acompanhou quando eu contei que


finalmente iria tirar minhas dúvidas sobre a possível gravidez.

— E-eu… estou… Espera só mais um pouco. — Um filete de suor


desce em meu pescoço e eu encaro o teste. Meu coração bate desenfreado e
eu engulo a saliva que desce rasgando em minha garganta.

— Você não sabe olhar o resultado? — inquire, preocupada.

Queria não saber, mas eu sei, infelizmente.

— Eu sei, Juli, só estou nervosa. — Uno minhas mãos ao senti-las


geladas, estou fria como um cadáver. — Se quiser, pode ir, não vou sair
daqui tão cedo. Preciso ficar um tempo sozinha, e não quero que tome uma
advertência por minha causa. — Minha voz treme.

— Ayla, não saio daqui sem você. Se me advertirem será a primeira


vez, mas vai valer a pena. Somos amigas, estarei aqui para você — diz, e
meus olhos enchem de lágrimas.
Estou me sentindo sozinha sem a minha mãe, ela era a minha
companheira e agora está tão longe. Mamãe já foi para Londres com Arthur,
mas nos falamos quase todos os dias. Ela está encantada com o Reino
Unido e quer que eu vá ficar com eles, já que estou me sentindo tão sozinha
em casa. Ela me trata como se eu ainda fosse a sua garotinha, e às vezes
acho que até sou. Por ser filha única, acabo recebendo o seu mimo em
dobro.

— Tudo bem. — Controlo meu tom embargado ao pegar o teste para


conferir o resultado.

Uma linha. Negativo.

Duas linhas. Positivo.

Encarando o objeto, sinto o chão e o ar faltarem. Chego a cambalear,


mas encontro apoio atrás de mim – a porta.

— Ayla? — chama Juli, apreensiva, mas não consigo responder a


ela.

— Deus, o que eu fiz? — Deixo escapar o soluço que estava preso


na garganta desde que entrei no banheiro disposta a descobrir a verdade de
uma vez por todas.

Positivo. Deu positivo. Estou grávida. Engravidei do irmão da


minha melhor amiga. Do homem, que aos olhos dela, deveria ser proibido
para mim.

Eu disse para ele que não havia risco de nada. Mas depois de dois
meses, descubro que estou esperando um filho dele.
Desde o meu último beijo com Bernardo no elevador, não tivemos
mais contato. O setor onde trabalho fica bem longe do dele e isso faz com
que quase nunca nos encontremos. Para não dizer que não o vejo, semana
passada, quando saí um pouco mais tarde, eu o vi no estacionamento indo
embora, mas a distância e a distração dele com o celular não o deixaram
perceber a minha presença.

Ele é um homem de palavra e se mantém afastado mesmo estando


tão perto. É doloroso, mas são as consequências dos meus atos. Para ele, eu
escolhi a Beatriz, mas em momento algum abri a minha boca para afirmar
essa decisão.

Jamais colocarei um à frente do outro, ambos são importantes, mas


não querem ver isso. No fundo, eu não sou a única errada, eles também são,
estão cegos. E eu estou sendo castigada com a ausência deles, que acham
que há um lado para ser escolhido.

Com os lábios trêmulos e aos prantos, abro a porta e saio da cabine.


Juliana me observa com os olhos arregalados e segue meus passos ao me
ver caminhar para a pia.

— Amiga, deu positivo? — indaga, baixinho.

— S-sim, J-Juli, estou grávida. — Balanço a cabeça ao lavar as


mãos, sentindo minhas lágrimas deslizarem por minhas bochechas e colo.

— Oh, Ayla, não fica assim. Para tudo tem um jeito. — Ela vem e
me abraça.

Sensível, choro com mais vontade.


O meu trabalho na empresa tem sido uma experiência incrível, a
minha amizade com Juliana se firmou ainda mais nesses últimos meses. Ela
tem sido a minha companhia na vinda para o trabalho e em alguns finais de
semana. Às vezes, vamos à praia aos finais de semana ou para outros
lugares. Juli tem se saído melhor do que encomenda em minha vida. Ela
ouve meus desabafos e me aconselha mesmo sem ter noção de que o cara
que menciono e por quem estou apaixonada é o ceo da empresa em que
trabalhamos. E agora, pai do meu filho.

— Não para esse, Juliana — respondo, depois de um tempo,


fungando.

— Tem sim, amiga. E o pai? Por que você não fala com ele? Tem
medo de ele não querer assumir? — Me enche de perguntas.

— Neste momento, nem sei o que pensar ou como agir. — Soluço,


voltando a sentir meus olhos arderem.

— Você não quer fazer um exame no laboratório para confirmar?


Amanhã podemos ir, assim você estará mais segura do resultado. Talvez
tenha sido um falso positivo, pode acontecer — aconselha, afastando-se de
mim.

— Eu não vou fazer Juli. — Limpo meu rosto. — E sobre o exame,


todos os indícios indicam que estou grávida. Estou enjoando com acarajé,
lembra? Minha menstruação não veio. Esse cansaço e sono não são
normais, o exame de farmácia deu positivo, eu realmente estou esperando
um… — Calo-me ao ver a porta sendo aberta e uma das nossas colegas de
trabalho entrar.
— Finalmente encontrei vocês — fala Aline, assim que nos encara,
soltando uma respiração de alívio.

Para tentar disfarçar meu choro, viro-me de lado e passo a mão no


rosto, mas acho que ela percebeu que há algo errado.

— O que aconteceu, Aline? — pergunta Juliana, curiosa.

— Daqui a pouco vamos entrar em reunião para apresentar um


projeto ao ceo. O chefe selecionou quatro garotas para participarem —
avisa a nossa colega, animada, me deixando nervosa.

— Sério? — Juli se anima. Se ela soubesse que não estou nem um


pouco feliz.

— Sim, Juliana! Eu, você, Bianca e Ayla fomos selecionadas por


causa do nosso ótimo desempenho para desenvolver a campanha de uma
clínica de uma médica renomada.

Quase perco a força das pernas ao ouvir Aline.

— E-eu? — Viro-me, mesmo correndo o risco de ser alvo de


perguntas.

— Sim! Vamos logo, o sr. Cardoso está atrás de vocês. Ele quer
conversar com a gente antes de entrar na sala do sr. Guerra. — diz Aline,
suspirando com a menção do Bernardo.

— Eu não vou. — Toco em minha testa e sinto que estou fria.


— Está maluca, amiga? É uma ótima oportunidade para mostrar o
nosso talento ao ceo — interfere Juli, se aproximando de mim.

Já mostrei ao Bernardo mais do que o meu talento.

— Juliana, ainda não me sinto bem. Se eu for e estragar a


apresentação de vocês, vai ser pior — justifico, respirando fundo. — Vou
enviar uma mensagem para o sr. Luiz Miguel avisando da minha
indisposição. Ele irá entender, eu acho — murmuro, vendo as duas garotas
ficarem perplexas.

— O.k., qualquer coisa me ligue ou mande uma mensagem —


concorda minha amiga, soando preocupada.

— Pode deixar.

— Ayla, o que aconteceu para estar chorando? — Aline franze o


cenho, encarando-me preocupada.

— Não estou me sentindo muito bem — informo, tocando na testa


ao me lembrar que deixei a porta da cabine aberta. Se ela olhar naquela
direção, poderá ver o verdadeiro motivo de eu estar chorando, e a notícia da
minha gravidez pode chegar aos ouvidos de Bernardo muito antes do que o
planejado.

— Amiga, vai para casa! Se quiser, eu aviso ao sr. Luiz Miguel que
você não está bem — diz, solícita.

— Obrigada, Line, mas não precisa. De verdade. — Suspiro,


alternando o olhar entre as duas garotas.
— O.k., mas se cuide. Você está com os lábios pálidos. — A loira
passa a mão no cabelo escovado e sai do banheiro sem olhar para trás.

— Amiga, eu te acompanharia, mas…

— Nada disso, Juli, retorne para as suas atividades, eu me viro aqui.


— Observo Juliana, que parece apreensiva.

— Promete que me liga mais tarde? — pede, avaliando-me.

— Farei isso.

— O.k. Se cuida. — Ela toma a iniciativa de me abraçar e eu


retribuo.

— Obrigada por tudo — agradeço-a, assim que nos afastamos.

— Não agradeça — diz, em seguida, sai do banheiro e eu fico


sozinha, com meus pensamentos que voltam a me assombrar.

Inspiro fundo e solto o ar pela boca, em seguida, sinto meu coração


titubear no peito ao pensar no desastre que seria se eu virasse motivo de
burburinho na empresa. Com os joelhos tremendo, procuro meu celular na
bolsa. Ao encontrá-lo, disco um número e sou atendida no primeiro toque.

— Hello, princess — me chama de princesa em inglês e logo solta


uma risadinha. Ela está feliz, gosto de vê-la assim.

— Por que está falando comigo em outra língua mesmo? — Meus


olhos ardem e eu sorrio, imaginando o seu sorriso também.
— Só para conferir se o seu inglês está em dia para quando vier me
visitar — diz, risonha.

— Está sim, mamãe. Não se preocupe, o seu investimento com as


minhas aulas de inglês valeu a pena. — Mordisco o interior da bochecha,
deixando as lágrimas caírem por meu rosto.

— Sua voz está embargada, o que aconteceu? — Ignora o que eu


falo.

— Já são que horas aí? — desconverso, mesmo sabendo que a


diferença de fuso-horário do Brasil e Inglaterra é de três horas.

— Ayla Maria Dantas, eu te conheço, garota. Me fale o que está


acontecendo — insiste, do outro lado da linha.

— Eu nem tenho Maria em meu nome, mainha. — Tento rir, mas


deixo um soluço escapar e começo a chorar.

— Oh, filha, o que aconteceu? Conta para mim. Eu também sou a


sua amiga, esqueceu? — Ela fica sentimental.

— P-promete q-que n-não v-vai surtar com o que vou dizer? —


Minha cabeça lateja e minha visão fica embaçada.

— Só me diga o que é, minha querida, preciso saber o que você


tem. — Seu tom é embargado.

— E-espera, vou fazer algo. — Sigo até a porta e a fecho com a


chave para que ninguém entre.
— Ayla, você vai me matar com esse mistério! Me fale antes que eu
pegue o primeiro voo e volte para Salvador — diz, quase chorando.

— Estou grávida — falo, baixinho, mesmo sabendo que ninguém


vai ouvir.

— Você o quê? — A pergunta dela quase não sai.

— Estou grávida, o Bernardo é o pai. — Limpo a garganta.

— Meu Deus, filha! Mas você não se cuidou? Não usaram


camisinha? — Ela está em choque.

— Eu achei que estivesse tudo bem, mãe. — Conto a ela tudo o que
aconteceu detalhadamente entre mim e Bernardo, deixando-a sem palavras.
— Eu estou desnorteada, sem saber o que fazer — confesso.

— Pois eu serei o seu norte. Já contou a ele? — inquire, por fim.

— Descobri há alguns minutos, ainda não tive tempo — murmuro,


ouvindo batidas à porta.

— Pois trate de contar, ele é o pai e merece saber — aconselha.

— Sei que sim — concordo, notando que as batidas ficam mais


fortes. — Já vai! — digo para quem quer que seja.

— Chegou alguém aí? — pergunta mamãe, curiosa.

— Sim, mais tarde falo com você. Beijos. — Encerro a ligação e


corro para a cabine, limpando a minha bagunça ao jogar tudo no lixo.
Depois lavo as minhas mãos e meu rosto, para apagar o vestígio de choro.
— É da limpeza! — diz a pessoa do outro lado da porta, com a voz
impaciente.

Abro-a e me deparo com uma senhora e um carro-funcional ao seu


lado.

— Me perdoe a demora, pode entrar. — Dou espaço para que ela


passe, logo em seguida recolho minha bolsa e sigo pelo corredor vasto na
intenção de alcançar o Bernardo antes que deem início à reunião.

Antes de virar no corredor que dá para a sala de reuniões, ouço meu


nome ser chamado em um tom baixo. Achando que estou ficando maluca,
continuo andando e seguro firmemente a minha bolsa.

— Ayla!

Meus pés travam ao ouvir a voz de Beatriz. Em choque, viro-me e


dou de cara com ela vestida de forma elegante. Em sua mão esquerda, ela
balança as chaves do seu carro, parecendo estar muito nervosa, então me
avalia demoradamente.

— Oi, Bea — chamo-a pelo apelido.

— A primeira vez foi por cinco anos, e a segunda, por dois meses
— começa, me fitando com rancor e batendo os saltos no piso. — A
terceira vai ser por quanto tempo? Dez anos? Vinte? Ou será que teremos
um nunca mais? — questiona-me, cruzando os braços.

— Beatriz… — Suspiro, mas ela faz um gesto com a mão pedindo


para que eu me cale.
— Você se distanciou de novo, Ayla, está me evitando desde o dia
em que te mandei aquele áudio, nem sequer me retornou para se defender,
dizer que eu estava errada. Agora que trabalha na empresa só piorou, não
me liga, não me procura para mais nada, é como se tivesse apagado a minha
existência da sua vida — acusa, revoltada, sendo que foi ela a deduzir que
eu tinha escolhido um lado.

Passo a mão no pescoço ao notar a pequena movimentação de


alguns funcionários no corredor.

— Aqui não, amiga, podem nos ouvir. Vamos a algum lugar —


sugiro, mesmo vendo que o grupo some do nosso campo de visão.

— Essa droga de empresa também é minha, então teremos a nossa


conversa aqui! — Eleva o tom de voz e eu fico com raiva.

— Você está alterada, veja bem como fala comigo — peço, me


controlando para não explodir ao nível dela.

— É óbvio que estou. A garota que achei que fosse a minha melhor
amiga mentiu para mim. — Ela dá passos em minha direção e segura em
meu rosto. — Você, mais uma vez, colocou o meu irmão entre nós. — Seus
olhos ficam vermelhos.

— Eu nunca coloquei nada, Beatriz! Vocês estão obcecados com


essa ideia de que escolhi um lado! Eu gosto dos dois, eu os a…

— Então admite que está dormindo com o Bernardo? Eu sabia! —


Gargalha.
— Eu só dormi com ele uma vez, não houve outras vezes — admito,
cansada do seu comportamento.

— Você se tornou uma pessoa tão mentirosa, que eu não sei se


acredito nas suas palavras. — Ergue a sobrancelha.

— Beatriz, chega, não quero mais te ouvir. Você está se


comportando como uma criança birrenta! Não estou bem para ter essa
conversa com você. — Passo a mão por meu cabelo e a sinto tremer.

— O meu irmão já te trocou? Soube que ele tem feito negócios com
a filha dos Rodrigues — comenta, maldosa.

— Está vendo quanto está sendo inconveniente só para me


machucar? Já reparou que só está pensando no próprio umbigo? — Deixo
um soluço escapar e tiro a mão dela do meu rosto.

— Você realmente vai acabar com a nossa amizade por causa do


Bernardo, não é? — Ela me ignora, dando uma risada baixa.

— Não vai parar até conseguir o que quer, né? — Sensível, começo
a chorar sem me importar que vejam. — Quer saber? Eu gosto do seu
irmão, sim. Pensei que depois de cinco anos, esse sentimento tinha sido
eliminado, mas não, assim que o vi, tudo mudou. Os sentimentos voltaram e
quando me entreguei para ele tive certeza de que uma vez só em seus
braços era pouco demais. Eu te amo, Beatriz, mas sou uma mulher adulta e
decido o que eu quero. Não vou deixar você me magoar com as suas
paranoias. — Entre lágrimas, sorrio, porque estou farta de suas acusações.

Rindo e com a expressão preenchida pelo ódio, ela bate palmas.


— Uau, digna de um prêmio de atriz revelação! — Beatriz crava a
faca em mim sem perceber. — Agora, só me falta vocês descobrirem uma
gravidez, se casarem e viverem felizes para sempre. E a otária aqui ser
jogada de uma vez para o esquecimento pelo irmão e a ex-melhor amiga. —
Quase perco o ar com o seu tom de escárnio.

Já estou grávida, isso você não precisa mais esperar. Já aconteceu.

— Está rompendo comigo? — Puxo o ar para os pulmões e enxugo


o canto dos meus olhos com o dorso da mão.

— Só estou oficializando, Ayla. Não somos mais amigas há cinco


anos e eu não queria enxergar isso. — Ela faz uma careta.

— Isso é o que você diz. — Meu coração se parte em milhares de


pedaços.

— Nunca pensei que você fizesse o tipo interesseira, mas o que não
entendo é que você não precisa disso. É tão rica quanto nós.

A sua fala me deixa perplexa.

— Está dizendo que só quero o seu irmão por causa da empresa? —


Minha voz fica embargada.

— Espero que vocês se curtam bastante antes de um filho ou um


casamento.

Começo a chorar e ela me encara friamente, sem se importar com os


meus sentimentos.
— Está se ouvindo? — indago, controlando a vontade que sinto de
passar a mão em minha barriga para proteger o meu filho.

— Adeus, Ayla. Faça um bom proveito da mktda guerra. Espero que


você se destaque muito por aqui. — Ela me ignora e olha ao redor com
desprezo.

— Nunca vou te perdoar por estar se comportando como uma vadia


má, Beatriz — aviso, aos prantos, abraçando meu corpo.

— Eu não preciso do perdão de ninguém. — Ela me olha dos pés à


cabeça e insinua que sou ninguém para ela.

Quase desidratada de tanto chorar, giro nos calcanhares e corro na


direção da saída da empresa. Nervosa, destruída por dentro e por fora, passo
pelas pessoas e entro no elevador, apertando o botão do térreo. Sentindo-me
tonta e com a cabeça latejando, observo-me na parede espelhada da caixa
metálica e noto que estou com a aparência horrível.

As portas do elevador se abrem e eu saio a passos largos, quase


caindo ao trombar com um dos seguranças. Por sorte ele me segura
enquanto as pessoas do hall me olham, curiosas ao ver o meu estado.

— O-obrigada — agradeço ao segurança uniformizado com um


terno elegante e um crachá de identificação da empresa.

— Tenha mais cuidado, senhorita — diz.

Eu assinto e saio do prédio sem olhar para trás e com a mão dentro
da bolsa procurando a chave do meu carro.
Nunca achei que a minha melhor amiga poderia ser tão cruel
comigo. Nem mesmo anos atrás, quando tive o meu coração partido pela
primeira vez, doeu tanto quanto agora. Beatriz só apareceu na empresa para
acabar de destruir o resto da minha serenidade.

Se ela me odeia por ter me envolvido com o seu irmão mais velho,
imagina quando souber que estou esperando um filho dele. Que ela vai ter
um sobrinho. Ela vai me odiar para sempre e eu não posso culpá-la, muito
menos tentar fazê-la mudar de ideia.

De agora em diante, cada qual com as suas escolhas.

 
Atravessando o hall de entrada da minha empresa com a valise na
mão esquerda, noto um burburinho entre os funcionários e juro ouvir o
nome da Ayla ser mencionado por uma das recepcionistas, mas quando eu
me aproximo, elas se calam e mudam de assunto.

Acredito que tenha sido coisa da minha cabeça ouvir o nome da


melhor amiga da minha irmã. Desde o nosso beijo naquele maldito
elevador, só fico pensando nela. Foram dois meses de tormento, entretanto,
combati meus anseios e mantive pulso firme, mesmo desejando estar com
ela, beijá-la, fazê-la minha muitas e muitas vezes.

Fiquei impressionado com a iniciativa dela em me beijar diante das


câmeras do elevador, gostei da ousadia, mas apenas aquilo não bastava para
mim, muito menos o seu “eu quero você”, e só provei que estava certo por
ter passado os últimos dois meses infernais sem contato algum com ela.
Segui arduamente com a ideia de que ela tomasse uma atitude, e ela nada
fez. Marchando até o elevador, estico o pulso em frente ao rosto para
conferir as horas no relógio. São oito da manhã e essas mulheres já estão
fofocando, a minha empresa é um verdadeiro clube da fofoca quando não
estou presente. Mas basta que eu lance um olhar para que rapidamente
retomem suas posturas e comecem a trabalhar.

Entrando no elevador, ergo o rosto depois de apertar o botão que


leva ao meu andar e vejo uma das funcionárias que está sempre com Ayla
vindo na mesma direção. Se não me engano, ela se chama Juliana. Soube
que elas moram perto e acabam vindo juntas.

Como eu sei dessas coisas? Simples. Tenho uma secretária muito


eficiente, além de ser útil em seu trabalho, é a chefe da fofoca no arranha-
céu da Wall Street Empresarial. Não existe um “babado” que Rosa não
saiba, como ela costuma dizer. Às vezes, preciso mandá-la trabalhar quando
me traz um cafezinho no calor infernal só para me contar uma fofoca
quentíssima. Ela acha que vai me converter a fofoqueiro e me arrastar para
o time dela. Vê se pode, a mulher adora uma bagunça, então preciso ser
rigoroso, pois, se deixar, ela fica o dia todo no meu escritório me
atualizando das novidades.

Encarando-me na parede espelhada, avalio meu rosto. Minha barba


está um pouco maior, mas bem-aparada, assim como meu cabelo. Embora
eu tenha algumas olheiras, não estou com a aparência tão ruim assim. Nos
últimos meses, tenho priorizado mais o meu trabalho do que a minha saúde
física. Anteontem, Murilo me chamou para irmos a uma festa no iate de um
amigo na Bahia Marina à noite, mas eu o dispensei com a desculpa de que
iria revisar alguns contratos. Na verdade, estou resolvendo algumas coisas
em relação à reforma da minha cobertura, já que pretendo me mudar da
casa da minha mãe. Eu já deveria ter feito isso há muito tempo, porém,
dona Rúbia me convenceu a ficar morando com ela para que não se sentisse
sozinha com a minha irmã.
O filho da puta do meu amigo teve a coragem de tirar sarro da
minha cara ao dizer que estou com as bolas roxas há meses por causa da
Ayla.

Pior que ele não está mentindo.

Não consigo me envolver com outras mulheres, mesmo que não


tenhamos nenhum relacionamento. Por ora, estou me contentando em bater
algumas punhetas.

As portas do elevador se abrem e meus olhos fixam em Rosa


sentada à sua mesa, cochichando com a secretária de Luiz Miguel. A
conversa está tão boa que nem notam a minha presença.

Bufo baixinho, pronto para rumar até minha sala, mas ouço algo que
chama a minha atenção.

— Pois é, menina, foi babado. A Ayla passou chorando pelo hall e


foi embora no meio do expediente, estão todos comentando — diz a
secretária do meu diretor de artes.

Ayla chorando? Quando aconteceu isso?

— Já estou sabendo de todos os detalhes! — fala Rosa.

Limpo a garganta, chamando a atenção das duas mulheres. Elas se


assustam e, ao olharem em minha direção, ficam pálidas.

— Vamos parar de fofoca, senhoritas? Deixem esse falatório para o


horário do almoço, ou para o intervalo do café daqui a pouco? — Olho para
o relógio em meu pulso, em seguida, sigo para a minha sala, com os
pensamentos bagunçados.

Preciso saber o que aconteceu na empresa para a Ayla ter ido


embora. Mesmo sem querer, vou ter que recorrer à minha secretária. Pelo
que ouvi, Rosinha sabe o que houve e se eu desse mais espaço, saberia o
que levou a garota a se tornar o assunto dos meus funcionários.

Entro em meu escritório e logo deposito minha maleta na mesa,


então tiro meu paletó e o descanso no espaldar da poltrona. Girando nos
calcanhares, vou até as paredes de vidro atrás da minha mesa e observo o
dia lá fora.

Um pouco aflito com a possibilidade de ter acontecido algo grave


em minha empresa e envolvendo uma funcionária minha que secretamente
é muito importante para mim, tiro minha gravata ao ter a sensação de ela
estar me apertando, e a enfio no bolso.

Será que ela foi assediada? Alguém fez algo que a magoou?
Impaciente por não ter respostas aos meus pensamentos, ando de um lado a
outro, em seguida, deslizo meus dedos até a minha camisa branca e abro
três botões.

Respiro fundo, me sento na cadeira e recosto-me nela, olhando para


o teto.

Quando batem à porta, eu já sei quem é. A porta se abre um pouco e


uma mão com as unhas pintadas de rosa com glitter aparece. Rosinha.
— Chefinho, posso entrar? — inquire ela, colocando a metade do
corpo dentro da sala.

— Pode. — Arrumo a minha postura na poltrona.

Rosa entra toda tímida, o que não é do feitio dela, e se põe à minha
frente com a expressão tensa.

— O que aconteceu para você estar assim? Agora há pouco, não


estava em uma conversa animada? — pergunto, cruzando os braços.

— O senhor ouviu alguma coisa? — sonda-me, envergonhada, me


fazendo estranhar a pergunta.

— Não — minto, olhando-a pelo canto do olho e a vendo se sentar


na cadeira à minha frente.

— Como ainda não está sabendo do que aconteceu? Na empresa só


se fala disso desde o dia do ocorrido — murmura, sem querer olhar em
meus olhos.

Tenho um pressentimento de que já sei do que se trata, mas prefiro


confirmar.

— Me fale de uma vez, mulher, não me mate de curiosidade. —


Passo a mão pelo meu cabelo, desalinhando-o com os dedos.

— Sabe, eu gosto muito de conversar, falar das novidades, mas


dessa vez é meio complicado. Algo mais sério. E eu tenho que ter cuidado
para falar ao senhor, é isso — enrola, me deixando agoniado.
— Rosa, só me diga o que aconteceu. — Minha pulsação acelera.

— Faz dois dias que a Ayla não vem para o trabalho. — Ela faz
mistério, então fixa os olhos em mim. — A sua irmã, a Beatriz, veio à
empresa e elas discutiram feio no andar que a menina trabalha. Parece que a
coisa ficou tão pesada entre elas, que a Ayla saiu aos prantos no horário de
trabalho e não voltou mais.

— Hm, entendi. — Finjo não me importar.

— As más línguas falam que estavam brigando por causa de algum


namorado.

Sinto um calafrio percorrer a minha espinha e a garganta ficar seca.

— Acho que não, Rosa, Beatriz e Ayla são melhores amigas desde
pirralhas, você sabe disso, e a minha irmã está num relacionamento sério —
argumento.

— Verdade, né, deve ser coisa de amiga. — Rosa sorri.

— Isso. — Pressiono meus dedos em meu pescoço.

— O senhor aceita um café? Parece que vai chover, está bom para
um cafezinho. — Ela muda de assunto.

— Por que você gosta tanto de me enfiar esses cafés? — Bufo,


querendo sorrir.

— Café é vida! — retruca.

— Não gosto de café quando está fazendo sol — defendo-me.


— Mas hoje não está. Vou pedir um café pelo delivery, abriu um
Starbucks no shopping da Paralela. — Olha para as unhas.

— Você quer gastar o meu dinheiro com essas coisas, isso sim. —
Faço uma expressão irritada e ela arregala os olhos.

— O senhor…

— Vá, Rosa, pode comprar esse tal café, mas vou descontar do seu
salário — interrompo-a de maneira firme, e a coitada quase se engasga.

— O-o quê? — gagueja.

— Estou brincando, mulher. Vá buscar esse café para mim, hoje eu


aceito — informo, girando um pouco a poltrona ao ouvir o barulho da
chuva bater contra o vidro das janelas.

— Sim, senhor. — Ela se anima rapidamente.

— Rosa, depois me traga a minha agenda, por favor — peço,


encarando-a.

— Hoje, você tem uma reunião com a sra. Carla Rodrigues, ela
ligou ontem, e como o seu dia está tranquilo, eu disse para ela vir —
informa.

— O.k. — Meneio com a cabeça.

— Com licença, senhor — pede, e sai da minha sala.

Dois dias que Ayla não vem para o trabalho. Faz dois dias que a
Beatriz e eu discutimos na mesa de jantar, porque ela me acusou de ter feito
algo para separá-la da amiga.

— Como está sendo ter a Ayla trabalhando ao seu lado, Bernie? —


pergunta minha irmã, chamando a minha atenção.

Largo a taça de vinho e ergo meu rosto para encará-la.

— Como assim? — Franzo o cenho.

— Ué, vocês não estão mais próximos depois desse emprego dela na
empresa? — desdenha, infantil.

— Óbvio que não, Beatriz. Eu fico em um andar e a Ayla em outro.


Raramente eu a vejo, que dirá nos falarmos — murmuro, focando em meu
arroz de polvo no prato.

— Conta outra, Bernardo! Dois meses e vocês estão distantes? — Ri


baixinho, e nossa mãe limpa a garganta.

— Beatriz, já chega. Estamos jantando, não é hora para ficar


discutindo com o seu irmão — alerta nossa matriarca, séria. Mas a minha
irmã caçula está disposta a não ceder.

— Mãe, você sabe que o Bernardo e a Ayla estão de casinho às


escondidas? E me acham muito imatura para ficarem escondendo esse
relacionamento de mim?

Exasperado, pego o guardanapo, limpo minha boca e o jogo com


força na mesa antes de me levantar.
— Beatriz, cresça, porra! Amadureça, vá viver a sua vida e me deixe
em paz, deixe a Ayla viver a vida dela como bem quiser — rosno. — Mãe,
me perdoe por minhas expressões, mas a sua filha me deixou no limite. —
A veia em meu pescoço pulsa e eu fecho um punho.

— você é sonso, bernardo! — explode e eu gargalho.

— Oi? — Comprimo os lábios.

— Foi para Guarajuba só para dormir com a minha amiga, e como


sabe que ela te ama desde adolescente, está aproveitando para fazê-la se
distanciar de mim — acusa, revoltada.

— Você está ficando maluca! E quer saber? A vida é minha, não


devo satisfações a você, ao contrário da sua amiga, que morre de medo de
você por ter se tornado essa coisinha antipática! Nunca pedi nada para a sua
melhor amiga, se ela se distanciou de você, certamente é porque não
aguenta mais esse seu gênio — falo, com o dedo em riste.

— Já chega os dois! — Nossa mãe bate na mesa e eu arregalo os


olhos.

— Mãe… — Beatriz tenta falar algo.

— O seu irmão e Ayla são adultos. Se eles se gostam, querem ficar


juntos, você não pode impedi-los. Pare com isso, está feio.

A ruiva se abala com a defesa de dona Rúbia e sai da mesa a passos


largos.

Suspirando, abaixo a cabeça.


— Vou me mudar, será melhor assim — aviso, erguendo o rosto. —
Já faz alguns dias que quero comunicar essa decisão para a senhora, e
depois de hoje, não posso mais adiar. Eu só quero ter paz, e estar no mesmo
ambiente com Beatriz não me trará isso. — Respiro fundo, em seguida,
abraço minha mãe, que não fala nada, mas sei que concorda comigo.

A razão da briga de Ayla e Beatriz sou eu, acabo de confirmar ao


ligar os pontos.

Passei a manhã trancado em meu escritório procrastinando, não


consegui me concentrar em nada relacionado ao meu trabalho. A cada linha
de algum documento que eu pegava para ler, largava no mesmo instante
quando vinha em minha cabeça a conversa que tive com Rosa, e o fato de
que minha irmã e a amiga dela se tornaram o assunto mais comentado da
semana.

Porra, só consigo pensar no escândalo que seria se caísse nos


ouvidos errados que a razão dessa algazarra toda criada por Beatriz é
porque eu e a Ayla nos envolvemos, e a minha querida irmã está doente de
ciúme pensando que destruí a amizade delas.

Com a cabeça inclinada para trás, olho fixamente para o teto em


silêncio por alguns segundos, até que o telefone na mesa toca. Com o cenho
franzido, arrasto minha cadeira para a frente e o atendo, reconhecendo a voz
da minha secretária.
— Sr. Guerra, a sra. Carla já está aqui para a reunião.

Cacete, me esqueci do compromisso com essa mulher. Há cerca de


um mês, ela tem se insinuado para mim, na verdade, sinto que o interesse
dela em contratar a minha empresa para fazer uma campanha publicitária da
sua clínica é só pretexto para que possamos ficar mais próximos. Carla é
belíssima, um ótimo partido, porém, não é a mulher que me interessa.

Não vou ceder às investidas dela. Sou um homem experiente, sei


que ela espera de mim mais do que eu posso oferecer, e no momento, não
tenho condições de suprir as expectativas de nenhuma mulher, exceto as de
Ayla Dantas.

— O.k. Rosa, mande-a entrar — peço, olhando para a porta.

— Sim, chefe — diz, e encerra a ligação.

Antes que Carla entre em meu escritório, arrumo os botões da minha


camisa e as mangas, então coloco o paletó. Não quero parecer informal em
uma reunião de negócios, se ela me vir tão à vontade, pode confundir com
uma intimidade que não existe entre nós.

No mesmo instante que volto a me acomodar na cadeira, ouço


algumas batidas à porta.

— Pode entrar — digo, ao passar a mão no pescoço e lembrar que


esqueci de colocar a bendita gravata.

— Boa tarde, Bernardo — me cumprimenta a doutora.


— Boa tarde, Carla. — Educadamente, levanto-me e vou até ela
para cumprimentá-la.

Ela sorri abertamente para mim e estende a mão para que eu a


pegue, só assim noto que a mulher tem uma sacola e na frente há uma logo
bem conhecida na região.

Ela trouxe vinho.

— Como vai? — Olha-me com uma certa admiração.

Eu nunca me insinuei para ela. Nunca deixei que criasse


expectativas sobre algo entre nós. Mas não a culpo, muito menos a mim,
nunca chegamos a ponto em que eu precisasse deixar claro para ela que não
podemos nos envolver.

— Bem, e você? — Afasto-me dela e lhe dou as costas, pronto para


me sentar, mas ela se põe na minha frente.

— Vou ficar melhor agora. — Ela se aproxima de mim e me estende


a sacola. — Trouxe para você, não aceito um não como resposta. — Pisca
para mim, risonha.

— Carla — repreendo-a, mas ela ri baixinho.

— Por que você é sempre tão fechado assim? Quando sorri, é mais
bonito, sabia? — Passa a língua nos lábios.

— Vamos começar a nossa reunião? — desconverso, apontando a


cadeira para que ela sente.
— Posso ser sincera? Não vim aqui para uma reunião — murmura,
avaliando-me demoradamente.

Eu sabia disso desde o instante que pôs os pês em minha sala.

— Não? — Um vinco de forma em minha testa.

— Somos adultos, não somos? — Assinto, sério. — Você sabe que


eu não vim para falarmos da minha campanha, os meus trajes já deixam
isso evidente. — Ela vem na minha direção, em seguida, segura em minha
mão e põe a alça da sacola em meus dedos. Para não causar um estrago no
chão, seguro-a, mesmo não tendo aceitado o seu presente.

Respiro fundo e olho bem nos olhos de Carla.

— Você é bonita, tem uma carreira, mas...

— Ah, droga, Bernardo, não vem com esse discurso — me


interrompe, chateada, ficando bem mais próxima de mim. Estou quase
sentindo a sua respiração. — Eu venho notando você desde aquele dia, na
casa de praia. Você foi tão educado, atencioso mesmo que estivesse
curtindo o final de semana — discursa, tocando em meu braço e deslizando
os dedos ali.

— Carla, eu sinto em te decepcionar. De verdade, você é incrível,


mas já existe uma mulher em minha vida, não posso te dar esperança de
algo que nunca irá acontecer. — Suspiro, vendo-a dar um sorriso fraco.

Estou sendo fiel a Ayla, mesmo sem estarmos em um


relacionamento.
— Não é de agora que te acho um homem admirável, faz anos que
acompanho a sua carreira na empresa, e quando tivemos aquela conversa
em Guarajuba sobre a possibilidade de trabalharmos juntos, fiquei na
expectativa de tentar algum encontro para nos conhecermos melhor — diz,
ignorando as minhas palavras.

— Me desculpe, Carla, mas não posso te iludir, não sou esse tipo de
homem. — Toco em seu rosto para que me encare. — Um dia, vai encontrar
alguém que goste de você, pode ter certeza disso. — Sorrio para ela,
ouvindo a porta ser aberta de repente, mas nem olho na direção, porque
imagino que seja Rosa querendo algo, e ao ver a cena e interpretar de
maneira errada, acabou desistindo e se retirou.

— Está mesmo me dispensando, Bernardo Guerra? Quem é essa


mulher que roubou o seu coração? Preciso parabenizá-la. — Ela ri, bem-
humorada, não está com raiva, parece entender.

— É segredo. — Sorrio, pensando na garota que não sai da minha


cabeça nem com uma reza brava.

— Ah, agora fiquei mais curiosa. — Gargalha e passa a mão em


meu braço.

— Pois irá continuar — falo, encolhendo os ombros.

— Estou achando que ela nem existe, você que não quer nada
comigo — acusa, provocante.

— Pode acreditar, ela existe.

— Está mesmo me dispensando? — Faz um biquinho.


— Sim — digo, com a expressão séria.

— Uma pena, mas pelo menos dê uma olhada no vinho que eu


trouxe — pede, ansiosa.

— Carla, não posso aceitar. — Olho em seus olhos e ela fica


surpresa. — Sei que vai dizer que é bobagem, mas não posso aceitar esse
presente. Bem lá no fundo, sei que se eu fizer isso, você vai ter alguma
esperança, e eu não gosto de iludir ninguém. — Penduro a sacola em seu
punho, em seguida, me inclino e beijo o seu rosto.

A porta do meu escritório é aberta, de repente, sinto-me aliviado por


Rosa entrar e nos interromper.

— Me deixa ao menos saber qual o gosto do seu beijo. — Tenta me


beijar, mas viro o rosto e a seguro pelos ombros.

— Para com isso, Carla — peço, baixinho, então ouço um soluço


alto. Confuso por não identificar quem seja por estar de costas, viro-me no
mesmo momento que a porta é fechada bruscamente.

Por que a minha secretária iria chorar ao me ver tão perto de outra
mulher? Não faz sentido. Será que aconteceu alguma coisa na casa dela?
Desconcertado, saio da sala sem olhar para trás, e do lado de fora encontro
a mesa de Rosa vazia, nenhum sinal dela.

Passo a mão na nuca, olho para Carla ainda dentro do meu escritório
e a vejo com o semblante pensativo.

— Sr. Guerra, precisa de alguma coisa?


Ergo os olhos e noto que Rosa está com o rosto maquiado, sem
nenhum sinal de choro, e segura uma embalagem que parece ser de um
lanche.

— Ér-e… Onde você estava? — Estou atordoado e sem ter a


resposta para esse sentimento estranho que se apossa do meu peito.

— Fui lá embaixo pegar isso aqui com o motoboy. — Mostra a


embalagem e me analisa, confusa.

— Alguém entrou na minha sala e saiu tão rápido que nem vi quem
era. — Coço a nuca, preocupado em ter tido a minha privacidade invadida.

— Ah, deve ter sido a Ayla. Quando eu estava descendo, ela estava
vindo para cá — minha secretária diz com tranquilidade, sem saber o
quanto isso me afeta.

— A-ayla? — gaguejo pela primeira vez.

— Uhum. Eu ia avisar ao senhor que estava indo buscar um lanche,


mas vi que estava ocupado… — Na primeira vez realmente foi a Rosa, mas
na segunda, a Ayla.

O soluço.

Ela estava chorando?

Caralho, ela entendeu tudo errado!

— Sabe dizer se ela ainda está aqui no andar? — Ando de um lado a


outro.
— Não, senhor. — Ela me encara de maneira estranha.

— Porra! — rosno, assustando-a e sabendo que Carla assiste a tudo.

— Quer que eu procure saber dela com alguém do setor de artes? —


inquire Rosa.

— Não, eu faço isso. Obrigado — agradeço-a, sentindo a minha


cabeça latejar.

— O.k. — Minha funcionária assente, logo em seguida eu entro em


minha sala.

— Carla, vamos deixar a nossa reunião para outro dia, o.k.? Mas, a
partir de hoje, o Luiz Miguel irá tratar com você sobre a sua campanha. É
ele que fica à frente desse tipo de trabalho — aviso, passando por ela e
recolhendo meu celular na mesa e o guardando no bolso da calça.

— Ayla não é aquela menina que é melhor amiga da sua irmã? —


sonda-me, mas não vejo o porquê devo dar satisfação da minha vida
particular.

— Tenha uma ótima tarde e me perdoe por esse imprevisto — falo e


saio da sala.  

— Bernardo! — ela me chama, mas caminho a passos largos e sigo


para o elevador.

Devo ligar para ela? Pego meu celular no bolso, mas então me
lembro que nem temos o contato um do outro. Não tivemos a oportunidade
para isso.
Droga!

Posso conseguir o número dela com o rh, mas ainda prefiro explicar
pessoalmente o que estava acontecendo na minha sala quando ela entrou.
Eu sei que não tenho motivo para correr atrás de Ayla e esclarecer as coisas,
mas me sinto na obrigação de fazer isso.

Aperto o botão do andar térreo e entro na caixa metálica. Impaciente


com a demora, ando de um lado ao outro e acabo ficando tonto.  

— Que inferno de elevador! — Puto, mordo meu punho fechado.

Nunca, em tantos anos comandando a empresa, reclamei da


velocidade do elevador, mas hoje parece que está demorando uma
eternidade.

Batendo os pés no chão, olho para os números e assim que chego ao


térreo, saio em direção ao hall a passos firmes.

Alguns funcionários me encaram, principalmente as recepcionistas,


devo estar com a cara de alguém muito desesperado.

Engolindo em seco, puxo meu cabelo para trás e olho ao meu redor.
Nada dela. Então, faço um gesto com a mão para um dos seguranças e ele
se aproxima.

— Sim, senhor? — indaga, atencioso.

— Por acaso você viu uma mulher passando por aqui? — Dou as
características de Ayla.
— Passou, sim, tem mais ou menos dois minutos — revela.

— Tem certeza? — Ele meneia com a cabeça, então bato em seu


braço e o agradeço, indo para o lado de fora do prédio.

Desço a escada e sigo para estacionamento do Wall Street.


Realmente, não há nenhum sinal dela, já deve estar longe daqui e me
odiando.

Será que eu e ela estamos fadados a ter tantos desencontros? A vida


é uma filha da puta e sempre sou eu que acabo me fodendo.
 

 
 

 
 
Um ano e dois meses depois

“Parabéns, mamãe, você está grávida de gêmeas.” Essas palavras


foram como um choque para mim assim que entrei na décima sexta semana
de gestação. Quando a obstetra que estava acompanhando o meu pré-natal
me noticiou que eu seria mãe, não só de um bebê, mas de dois, eu me vi
desesperada, imaginando como seria cuidar de duas crianças, sendo que
nem experiência eu tinha para tal coisa. Cheguei a me culpar por ter sido
tão imprudente ao engravidar. O fato de ter me decepcionado com pessoas
que achei que me amassem foi mais um incentivo para que a minha cabeça
se tornasse uma bagunça e eu chorasse todas as minhas frustrações no
consultório da minha obstetra.

Naquele dia, eu precisei ser amparada por minha mãe e o meu


padrasto, que assim que me receberam na casa deles em Londres, não
soltaram a minha mão. Eles se tornaram ainda mais presentes em minha
vida, principalmente o Arthur. Foi ali que percebi que as minhas filhas
tinham ganhado um avô.
Me ver grávida do homem que partiu o meu coração duas vezes, me
tornou refém da melancolia por um tempo. Houve situações em que eu nem
me reconhecia, só chorava e me lamentava.

Passei seis meses sendo consolada por minha família, mas assim que
me dei conta de que qualquer sentimento que eu tivesse, fosse bom ou ruim,
poderia ser passado para as minhas meninas e isso as prejudicaria, engoli a
minha dor e decidi ser forte.

A princípio, não foi fácil me ver como mãe, mas renasci dia treze de
setembro de dois mil e vinte e três, às duas horas da madrugada quando
Heloísa e Helena nasceram. Elas vieram prematuras, tão miúdas que
cheguei a imaginar que as perderia, então tiveram que ficar um tempo na
maternidade sendo acompanhadas. Não houve um segundo sequer que eu
não lembrasse do pai delas quando ia visitá-las. Chorava em silêncio,
deslizando meus dedos pelo vidro de proteção da incubadora, sentindo-me
insuficiente por não ter conseguido mantê-las protegidas dentro de mim o
tempo necessário. E quando elas tiveram alta, eu também chorei, contudo,
era o meu primeiro choro de alegria depois de meses.

Se não fosse por minhas filhas, não sei se teria essa garra que tenho
hoje. Lola e Lena não foram planejadas, mas com certeza são a melhor
coisa que poderia ter me acontecido. Minhas meninas se tornaram a minha
âncora, aprendi a me reinventar e buscar uma versão melhor minha.

Odiei o Bernardo por não estar comigo naquele momento,


segurando a minha mão e me dizendo que nossas filhas iriam ficar bem.

Odiei a mim mesma por ter fugido como uma garotinha assustada
do Brasil. Eu quis esquecê-lo, apagá-lo de uma vez dos meus pensamentos
e vida, só que agora é diferente, não posso fazer como anos atrás, fingir que
nada aconteceu. Não há como esquecer a existência das nossas filhas.

Faz um ano e dois meses que estou na Inglaterra, desde então tenho
residido na mesma casa que mamãe e o Arthur. Eles me ajudam a criar as
gêmeas mesmo antes de elas virem ao mundo.

Se não fosse por minha família, acho que estaria bem encrencada.

Não é fácil ser mãe, mas eu tive que aprender em todos os sentidos.
Embora Heloísa e Helena já estejam com seis meses de vida, vez ou outra
enfrento dificuldades em algumas coisas, e nem sempre a minha mãe está
disponível para me socorrer. Eu também não posso abusar da boa vontade
dela e do meu padrasto, que têm os seus próprios compromissos.

— Como posso esquecer o pai de vocês se vieram a cópia dele? —


choramingo, deslizando carinhosamente o dedo indicador na bochecha
gordinha de Lola, enquanto alterno o olhar entre a Lena, que morde o
mordedor e emite sons fofinhos.

Nem se eu quisesse esconder a paternidade delas conseguiria, elas


são um copia e cola do pai – ruivas e com os olhos castanhos puxados para
o verde, e a pele é tão branca, que quando fazem qualquer esforço, ficam
com o rostinho vermelho.

— Sra. Ayla, o banho das meninas já está pronto.

Ao ouvir a voz de Olivia, a babá das meninas, ergo o rosto para


encará-la.
Ela tem dupla nacionalidade, nasceu na Inglaterra, mas a sua mãe é
brasileira, embora fale com um pouco de sotaque inglês, tem um português
perfeito. Na época que selecionamos algumas babás para me ajudar, Olivia
estava entre as candidatas, e o que me fez contratá-la foi por acreditar que
seria mais fácil ter alguém comigo que entendesse a minha língua nativa,
uma vez que prefiro me comunicar dessa maneira.

— O.k. Ollie, obrigada. — Sorrio para ela, que vem em nossa


direção.

— Já separei as roupinhas, como havia me pedido — avisa,


gentilmente.

— Você é maravilhosa, Olivia. — Pisco para ela, em seguida,


empurro um pouco para trás o carrinho duplo das meninas e desafivelo o
cinto em volta da barriguinha delas.

Sem conseguir conter tamanha fofura das minhas gêmeas, inclino-


me sobre o carrinho e simulo uma mordida na barriga gorducha de uma,
logo ouço a gargalhada deliciosa vinda de Helena, então faço o mesmo com
Heloísa, que solta gritinhos e agarra o meu cabelo.

— Elas são tão lindas — a babá elogia ao pegar Helena nos braços.

— São, sim — falo, orgulhosa, ao segurar nas mãozinhas de Heloísa


para que solte o meu cabelo. — Filha, você vai deixar a sua mãe careca. —
Rio ao afastar minha cabeça e pegá-la no colo, que bate as perninhas e
começa a balbuciar sons infantis.

Como é possível ser uma mãe tão coruja?


— Sra. Ayla — Olivia chama a minha atenção.

— Eu já não disse que só o primeiro nome basta, Ollie? Sou tão


jovem quanto você. — Franzo o cenho e ela ri baixinho.

— É hábito, senh… Ayla — diz, sorridente.

— Já deveria ter se acostumado, está comigo há cinco meses —


murmuro, então cheiro a bochecha da minha ruivinha.

Por mais que minhas bebês sejam tão pequenas, sei descrever a
personalidade de cada uma. Lena é calma, como o pai. A Lola é mais
agitada, como eu.

— Prometo tentar — profere, com os olhos fixos em Helena, que a


encara curiosa.

— Ollie, você preparou os lanches que pedi? — Vou levar as


pequenas ao parque para tomar um ar fresco, quero aproveitar que estamos
na primavera para fazer um passeio com elas e um piquenique.

— Sim, já preparei tudo e coloquei na sacola. — Ela olha para mim


e eu meneio com a cabeça.

— O.k. Agora vamos dar um belo banho nessas garotinhas. —


Trago Lola para mais perto e beijo a curva do seu pescoço, fazendo-a
gargalhar.

— Vamos, sim. — Sigo na direção do quarto e Olivia vem logo atrás


com Lena.
O banho demorou mais do que o planejado, as meninas aprenderam
a bater as mãos na água semanas atrás, e essa descoberta é o novo
divertimento delas, para o meu desespero. E cada tentativa de ensaboá-las
era ouvindo suas risadinhas e gritinhos quando viam a água cair para fora
da banheira. No final, a babá e eu saímos com nossas roupas molhadas.

— Meu Deus, Ayla, cada dia que passa elas ficam mais espertas! —
exclama a mulher, risonha, vendo Helena tentar ficar sentada na cama. Mas
não demora muito para cair para trás, nos travesseiros que servem como
apoio.

— Pois é, estão quase mocinhas — brinco, fechando a fralda de


Heloísa e começando a vesti-la, uma vez que a irmã já está pronta.

Deus, elas já estão com seis meses, logo completarão um ano e o pai
não sabe da existência delas. Eu poderia me sentir cruel por isso, mas não
foi por falta de tentativa. Na minha primeira semana na Inglaterra, tentei
entrar em contato com Bernardo ligando do celular da minha mãe, já que o
meu deixei no Brasil para que nenhum dos Guerra entrasse em contato
comigo. Eu estava chateada, no limite, agi no calor do momento.

Juro que não foi maldade ter tirado o direito de Bernardo conviver
com nossas filhas. Eu liguei para o celular dele na primeira vez, mas
ninguém atendeu. Mamãe sugeriu que eu ligasse para tia Rúbia, porém, não
quis, era um assunto que deveria ser tratado entre mim e ele, e entrar em
contato com Beatriz estava fora de questão. Ela destruiu o que tínhamos de
mais bonito, a nossa amizade, e eu fiquei com raiva dela por um bom
tempo. E acho que até hoje sinto rancor pelas suas duras palavras
direcionadas a mim naquele dia, na empresa.

Ainda me recordo que liguei para Bernardo para contar a ele que
estava morando em outro país e que havia descoberto uma gravidez. Dias
depois, as ligações nem completavam, então me frustrei e desisti após quase
duas semanas de tentativas sem sucesso. A última que fiz, me destroçou ao
ser atendida por outra pessoa.

Mesmo brava com o filho da sua amiga, mamãe me incentivou a


contar a ele sobre a paternidade. Ainda é tudo tão fresco e doloroso em
minha memória.

— Ele não me atende, vou desistir. — Instintivamente, passo a mão


em minha barriga e solto um suspiro ao ver mamãe me encarar com os
olhos entristecidos.

— Nada disso, filha, tenta, uma hora ele atende — incentiva,


tocando em meu braço.

— Mãe, já estamos quase na segunda semana e nada de ele me


atender — murmuro, com a garganta ardendo e lembrando-me da razão de
ter deixado a Bahia para me refugiar em Londres.

— Ayla, ele é o pai do seu filho e merece saber da sua gravidez. Não
importa o que aconteceu, é a obrigação dele assumir as responsabilidades
— fala de maneira firme e eu balanço a cabeça concordando.
— Eu sei. Apesar de tudo o que aconteceu, eu e ele não tínhamos
um relacionamento, não havia razão para o Bernardo… — Calo-me ao
notar que a ligação não foi atendida novamente. — Não vai, mãe, eu já
disse que ele não quer atender, ou sei lá o que está acontecendo. — Minha
voz fica embargada.

— Me deixe ligar para a Rúbia ou para a Beatriz, Ayla, será mais


fácil — aconselha.

— Não, mãe! Vou insistir… E a Beatriz está fora de questão, ela me


magoou e ainda insinuou que em breve eu iria aparecer grávida só por
causa do dinheiro do irmão dela! — Seguro o soluço e respiro fundo.

— O.k. Ayla — concorda, abraçando-me pelos ombros.

— Vou tentar só mais essa vez, e se ele não me atender, vou


entender que não quer saber de mim. — Limpo a garganta, voltando a
minha atenção para o celular em minhas mãos.

— Certo. — Mamãe por fim entra em acordo comigo e eu disco o


número dele outra vez.

— Então? — inquire, avaliando-me.

— Está chamando — aviso, suspirando, até que sou atendida.

— Alô? Quem é? — Congelo ao ouvir a voz feminina do outro lado,


institivamente meus olhos enchem de lágrimas. — Quem é?

Mamãe percebe meu estado de choque e gesticula para mim, então


peço que espere um pouco com um gesto de mão.
— E-eu posso falar com o Bernardo? — pergunto, engolindo o
choro.

— Ah, o Bernardo está tomando banho, quer deixar recado ou liga


depois? — fala, e as lágrimas descem por meu rosto.

— P-prefiro ligar depois — minto, contendo o meu soluço e


encerrando a ligação.

— Ayla, o que houve? — indaga, com seriedade, ao me ouvir chorar


e entregar o celular para ela.

— Ele estava ocupado, uma mulher que atendeu — conto, aos


prantos, passando a mão na barriga.

— Oh, minha filha...

— Está ouvindo isso?

Assusto-me com a voz alta da Olivia, e assim saio dos meus


devaneios.

— Não, o quê? — Franzo a sobrancelha e encaro Heloísa,


terminando de vestir sua roupa.

— A Lola estava balbuciando — diz Ollie, sorridente, mas ainda


não entendi a sua animação.

— Mas elas já não fazem isso? — Meu tom sai mais como uma
confirmação.
— Mas dessa vez é diferente, é um som novo. — A babá aponta
para a Heloísa, que esfrega a gengiva no dorso da mão com força e começa
a babar.

— Como, Olivia? — Fico confusa, observando minha filha coçar a


gengiva e balbuciar.

— Pá-pá.

Meu coração quase sai da caixa torácica ao ouvir minha filha mais
velha chamar “pá-pá”. Emocionada, acabo sentindo um misto de emoções,
mesmo que ela não esteja chamando por papai.

Trêmula e sem reação, sinto meus olhos arderem.

Imagina se ele estivesse aqui e ela o chamasse de papai? Como


Bernardo reagiria vendo a filha chamando por ele?

Algum dia, quando ele souber que temos duas filhas lindas e muito
espertas, ele não poderá me culpar por não ter tentado contar a ele sobre
elas. Porque eu tentei. Eu desisti depois de quase quinze dias, mesmo assim,
quando completei dezesseis semanas de gestação, enviei uma mensagem
para ele avisando que seríamos pais de gêmeas.

Esse nosso desencontro de quase dois anos tem uma parcela de


culpa dele também.

Fiz o que pude, mesmo que ele tenha partido meu coração da pior
maneira. Um dia, Bernardo terá que saber da existência de Heloísa e
Helena, afinal, nunca foi a minha intenção escondê-las dele.
— Jurei que ela tinha falado papai, mas foi só impressão mesmo —
diz a babá.

— Ela disse pá-pá, não papai, até porque ela não tem contato com o
pai. — Esfrego minhas mãos, sentindo-as suadas.

— Me perdoe, senhora.

— Está tudo bem, Ollie, não se incomode com isso — interrompo-a,


abrindo um sorriso fraco.

Olivia sabe muito pouco do pai das meninas, eu não falo sobre o
Bernardo, mas ela sabe que elas não foram registradas por ele. Minhas
filhas só carregam o meu sobrenome “Dantas”, mas sei que o correto seria
“Helena Dantas Guerra e Heloísa Dantas Guerra”.

Eu poderia reivindicar o direito de terem o sobrenome do pai na


certidão, mas após um parto difícil passei um bom tempo magoada, e no dia
de registrá-las, as feridas em meu interior ainda estavam abertas e
sangrando. Eu não queria nada que vinculasse os Guerra à minha vida,
exceto, minhas garotas.

— Você quer que eu termine de vestir a Lola? — inquire Olivia,


num tom preocupado.

— Faça isso, por favor. — Meio desnorteada, levanto-me.

Por que essa enxurrada de lembranças justamente hoje? Depois de


tanto tempo vivendo a minha vida? Por qual razão estou nervosa com
acontecimentos do passado? Certamente Bernardo deve ter me superado, e
eu aqui me martirizando com o impossível. Ele é um homem poderoso, se
quisesse me encontrar já teria feito isso.

Respirando profundamente, deixo o quarto das gêmeas.

No meio do caminho, ouço um barulho vindo da fechadura.


Estranhando a movimentação, caminho pelo corredor que dá para a cozinha
e sigo na direção da sala. Sem esperar por isso, encontro mamãe entrando
com Arthur, que a ampara e murmura algumas coisas que não consigo
entender.

— Mãe, o que aconteceu? Por que voltaram cedo? — Eles saíram


para almoçar em um restaurante no centro e depois fariam uma visita ao
museu britânico com alguns amigos de trabalho do meu padrasto.

Ela está com uma expressão espantada e os olhos arregalados.

— Você ainda vai sair? — pergunta, meio aflita.

— Sim, as meninas já estão prontas. Por que a pergunta? — Avalio


o seu rosto.

— Ayla, se acalme, tenho algo para te contar. Mas te peço para


manter a calma — pede mamãe, aproximando-se de mim com o Arthur ao
seu lado.

— Mãe, para com esse mistério e diz logo, por favor! — Alterno o
olhar entre o casal.

— Vi o Murilo, ele estava no mesmo restaurante que nós, mas


saímos antes que pudéssemos ser vistos — narra ela, apreensiva.
Murilo Campos, o melhor amigo do pai das minhas filhas. Um
quase irmão de Bernardo. Se duvidar, Bernardo é mais próximo do amigo
do que da irmã.

— Só o Murilo? — Puxo o ar para os pulmões, tentando me


recompor.

— Sim. Sua mãe não quis que ele nos visse, ela acha que ele pode
contar ao Bernardo — explica meu padrasto, uma vez que minha mãe
parece em choque.

— Tem certeza de que ele estava sozinho? — murmuro,


amedrontada.

— Certeza, não, mas se o amigo estivesse com ele nós o veríamos


— afirma Arthur.

— Sim, concordo. Foi só uma triste coincidência, Bernardo deve


estar no Brasil, cuidando dos negócios. — Sorrio, nervosa e com as mãos
tremendo.

Meses atrás vi que a mktda guerra se tornou notícia internacional


nos tabloides e o Bernardo até saiu na capa da revista Forbes, como
destaque de empresário de sucesso do Brasil.

O tempo passa e ele continua envelhecendo como vinho. O


desgraçado só vai ficando mais atraente.

— E se não estiver, Ayla? — finalmente mamãe consegue falar.


— Londres é enorme, dona Fernanda, é impossível que nos
reencontremos aqui — garanto, mesmo não tendo tanta certeza disso.

Eu não posso viver a minha vida cheia de inseguranças, pensando na


possibilidade de o Bernardo aparecer na minha porta me cobrando o direito
dele sobre Heloísa e Helena.

Eu não sou a mesma, muito menos ele deve ser.


Mamãe é muito apegada às netas e está mais assustada do que eu
com a possibilidade do pai delas bater à nossa porta. Mesmo com a notícia
de que haviam visto o Murilo, eu iria ao parque com as gêmeas, mas minha
mãe me pediu para evitar a rua pelo menos hoje.

Para não contrariar a sua intuição, decidi obedecê-la e fiquei em


casa, o único que volta a sair é Arthur. Horas mais tarde, ele recebeu uma
ligação da empresa que comanda para resolver alguns assuntos importantes
e teve que ir até lá.

No sofá, observo minha mãe brincar com Heloísa em seu colo,


enquanto amamento a Helena. Ainda que eu queira amamentá-las até a
idade recomendada, gosto de conciliar o leite materno com as papinhas de
frutas e legumes.

Suspirando, acaricio com a ponta do indicador o nariz afilado da


minha pequena, ele é tão perfeito quanto ela – pequeno e bonito.

— Quem é a coisa linda da vovó? Quem? — A avó mais coruja do


mundo brinca com a neta e a faz soltar gargalhadas.
Rindo baixinho, balanço a cabeça e me concentro na criaturinha
ruiva que tem a mãozinha espalmada em meu peito.

Será que ele realmente está em Londres com o melhor amigo?

Se eu pudesse, voltaria atrás e não teria entrado no primeiro voo que


encontrei para a Inglaterra. Deveria ter esperado a minha cabeça esfriar
depois da cena que presenciei e Bernardo saberia que em breve seria pai. E
então eu poderia seguir o meu destino sem estar com a consciência pesada.

— Tantas vezes me peguei pensando em como seria ter o seu pai


cuidando de vocês, vendo vocês engatinharem — murmuro, observando
Helena adormecer e largar o peito. — Mesmo que eu tenha me
decepcionado com ele, sei que teria sido um pai maravilhoso. — Ajeito
meu seio na blusa, em seguida, minha filha em meus braços, então ergo os
olhos para mamãe, que “baba” a neta cheirando o seu pescoço gordinho.

— Mainha, pode colocar a Lena no berço e me passar a Lola para


que eu dê de mamar a ela? — peço, num tom baixo para que Helena não
desperte.

Todas as noites, eu as alimento antes do jantar para que possam


dormir mais cedo e eu tenha algumas horinhas para mim, uma vez que o
dou total atenção a elas durante o dia.

— Claro, filha. — Mamãe vem até mim e logo fazemos a troca das
meninas.

Heloísa, quando vem para meus braços, solta um gritinho que quase
acorda a irmã e eu arregalo os olhos, com a animação dela.
— Você tem a quem puxar, Lola. Sua mãe era exatamente assim
quando bebê — dona Fernanda diz mais para mim do que para a minha
filha, porque seus olhos estão fixos em mim.

— Lena será a calmaria da Lola. — Sorrio, sentindo meu peito


apertar ao lembrar de um momento meu com Beatriz.

“Você é a minha calmaria e eu sou o seu caos, somos o par perfeito.”

Eu achava que poderia ser o caos, mas a tia das minhas filhas
mostrou o contrário, ela que se tornou o meu. Ela foi um dos motivos que
me fizeram partir sem olhar para trás ou a quem.

— Vou colocar nossa garota no berço, já volto — fala, notando que


estou com os pensamentos distantes.

— Mãe, pode procurar algo para jantar, não se preocupe comigo.


Logo a Heloísa dorme também — comunico.

— O.k. — Eu amo tanto o seu apoio, mesmo quando não é


necessário, ela está do meu lado.

— Agora é a sua vez de encher a barriguinha, sua sapeca. — Sento-


me com Lola e logo começo a amamentá-la. — Estou parecendo tão
despreocupada na frente da sua avó, mas só porque não quero que ela fique
aflita por minha causa. Ela faz demais por nós e, no fundo, mesmo que eu
não demonstre, está difícil deixar a ficha cair. — Engulo o nó que se forma
na garganta.

Deslizo os dedos entre seus fios vermelhos e lisos, enquanto


cantarolo baixinho para Heloísa.
— Se o Bernardo realmente estivesse em Londres e soubesse de
vocês, ele já teria me procurado, tenho certeza. Então não vou me
desesperar. — Meu coração bate acelerado.

Por que estou tentando me convencer de que ele teria vindo nos
procurar? Bernardo pode muito bem…

Não, chega de especulações. Se eu continuar dessa maneira, vou


ficar maluca com tantas perguntas sem respostas.

Achei que Heloísa dormiria tão rápido quanto a irmã, já que estão
acostumadas a fazer isso depois de se alimentarem, mas não, dessa vez ela
deu um pouco de trabalho. O seu dentinho está querendo nascer e começou
a incomodar, foi então que minha filha choramingou, e acalmá-la custou um
pouco.

Após ter conseguido fazê-la dormir, coloquei-a no berço em seu


quarto e fui procurar algo para comer, mas me encontrava com a cabeça tão
perturbada, que nem consegui jantar direito. Fui para o meu quarto tentar
ler um pouco, mas nem o livro que tem prendido a minha atenção
conseguiu me fazer tirar por algumas horas o pai das minhas filhas da
cabeça.

Não são pensamentos amorosos, faz muitos meses que não penso
nele assim. Meus sentimentos como mulher por ele tranquei em meu
coração no dia que fui desiludida pela segunda vez.

E nada doeu mais do que ter meu coração partido novamente pelo
mesmo homem, que demonstrava me querer, mas que por trás estava se
envolvendo com outra mulher.

A mesma que eu vi naquele dia, na casa de praia.

A mesma que a minha ex-melhor amiga fez questão de esfregar na


minha cara que era uma mulher renomada e com quem o seu irmão estava
envolvido. Por um instante, não quis acreditar nas palavras de Beatriz, achei
que fosse só mais veneno que queria destilar. Mas não, descobri que havia
verdade em suas palavras quando voltei dois dias depois à empresa, para
contar ao Bernardo que a nossa noite que desejei que fosse tão inesquecível
tinha mesmo se tornado, porque eu me encontrava grávida dele.

Ter presenciado um momento tão caloroso entre o homem por quem


eu era apaixonada com Carla me destruiu ainda mais do que eu já estava. E
mesmo que eu tente, jamais vou conseguir apagar aquela cena da minha
cabeça.

Se eu fechar os olhos e pensar nele, não vejo coisas boas, somente


aquele maldito dia em que saí da empresa dele aos prantos pela segunda vez
na mesma semana.

Não o odeio, só tenho raiva por não ter sido honesto.

Ele me dizia com tanta seriedade que era um homem e não um


moleque, mas no final, agiu como um.
Fiquei longe do trabalho para tentar me recuperar da discussão com
Beatriz, precisava de um tempo para poder assimilar a reviravolta que se
sucedia em minha vida.

A cada passo que dou em direção ao escritório de Bernardo, solto


uma lufada de ar e sinto meus joelhos tremerem. Segurando a bolsa
firmemente na mão direita, rumo à sua sala e, no meio do caminho, deparo-
me com Rosa, que me cumprimenta rapidamente. Eu acho que a mulher
está tão distraída essa manhã, que nem se dá conta de que estou indo até o
chefe dela. Melhor assim, pelo menos me sentirei mais à vontade. Não que
Rosa seja uma má pessoa, eu que não me sinto preparada para que outras
pessoas saibam ainda da minha gravidez.

Hoje, quando acordei, decidi que viria até Bernardo. Mamãe tem
razão, ele é o pai e precisa saber. Eu jamais deveria ter adiado esse dia, e
agora estou uma penca de nervos, mais frágil do que dias atrás.

Ao encarar a porta fechada à minha frente, esfrego as mãos e respiro


fundo

— Você consegue, Ayla — murmuro, fitando a madeira da porta.

E se ele estiver ocupado? E se hoje não for um bom dia para dar
essa notícia?

Se eu ficar pensando nos “e se” nunca vou ter coragem de contar a


ele.

Toco na maçaneta e empurro a porta vagarosamente, mas meu


sangue gela ao ouvir a voz de Bernardo falando “eu não gosto de iludir
ninguém”. Ergo os olhos na direção dele e fico estática com a cena – ele
está de costas e tem uma mulher em sua companhia, que carrega uma sacola
nas mãos, como se fosse um presente. Nenhum dos dois nota a minha
presença, porque continuam ali como um casal. O Bernardo parece estar se
inclinando para perto dela.

— Me deixa ao menos saber qual o gosto do seu beijo.

É a Carla, reconheço rapidamente pela voz. Fico tão atordoada, que


nem consigo ouvir mais nada, somente ver Bernardo a segurar pelos
ombros. Se ele vai corresponder não sei, apenas deixo um soluço doloroso
escapar dos meus lábios.

“O meu irmão já te trocou? Soube que ele tem feito negócios com a
filha dos Rodrigues.” A voz de Beatriz atinge os meus ouvidos como se
fosse um diabinho e eu deixo minhas lágrimas embaçarem meus olhos, em
poucos segundos estou chorando por ter que dar razão a ela.

Ela me avisou porque queria ser maldosa, mas ao menos me alertou.

Antes que me vejam, corro dali aos prantos sem olhar para trás e
sem pretensão de retornar para dizer ao Bernardo sobre a gravidez. Confusa
e magoada, alcanço o elevador e, com os dedos trêmulos, toco no botão do
andar térreo. Assim que as portas se abrem, eu entro no elevador.

Com os lábios tremendo, encosto-me na parede gelada abraçando a


minha barriga plana e tento não dar um show para as câmeras, mas é
impossível não chorar com a situação em que me encontro.
Bernardo está seguindo em frente enquanto eu estava tentando
provar a ele que o queria. O nosso último beijo era uma despedida, eu teria
de ser adivinha para saber.

Eu deveria, naquele dia, ter batido na porta antes de abri-la ou ter


pedido para ser anunciada quando me encontrei com Rosa. Se tivesse feito
uma dessas coisas, nada disso teria acontecido. Ele saberia que seria pai e
eu seguiria a minha vida normalmente com nossas filhas. Não tenho rancor
por ele estar com outra mulher, afinal de contas, não tínhamos um
compromisso, éramos livres para fazermos o que quiséssemos. Bom, foi um
choque, confesso que não contava com aquilo, mas serviu para que eu visse
as coisas com mais clareza e desapegasse de um sentimento de
adolescência.

Virando de um lado a outro na cama, deito-me de barriga para cima


e olho para o teto, logo sinto meus olhos arderem ao ver a cena de Carla e
Bernardo tão íntimos.

Não consigo pregar os olhos.

— Como pôde me magoar pela segunda vez? E por que, mesmo que
eu saiba que não foi intencional, dói tanto? — Deixo as lágrimas
escorrerem por minhas bochechas.

Bernardo não me traiu, mas eu sinto que o seu envolvimento com a


doutora foi como uma traição, e o fato de ter ligado para ele naquele dia e
outra mulher ter atendido, me magoou profundamente. Só que eu não a
culpo, ele era um homem livre, só estava fazendo o que me alertou –
seguindo em frente.
— Por que estou chorando mesmo? — Rio baixinho, limpando meu
rosto e sentando-me na cama.

Essa ferida foi fechada há tempos, não há motivo para que eu a


reabra. Se o pai das minhas filhas tem alguém…

Mas se ele tivesse, eu saberia. O ceo da mktda guerra está


frequentemente nas capas de revistas internacionais pelo sucesso que tem
feito em sua empresa. Se Bernardo possuísse uma esposa, certamente isso
seria informado em suas entrevistas, ou talvez não, já que ele é um homem
bem reservado e raramente fala da vida particular.

— Eu já te esqueci e faz tempo, se penso em você, se agora estou


pensando, é por causa das nossas filhas. Somente por elas. — Tento me
convencer, é assim que tem que ser.

Uma mentira nunca fica escondida por muito tempo, e algo dentro
de mim me diz que Bernardo e eu estaremos frente a frente em breve. Não
sei a hora, nem o dia, mas logo nos reencontraremos, e dessa vez não será
como aquele dia em que me entrevistou em seu escritório.

Tenho que estar pronta para que em algum momento os Guerra


descubram que a família cresceu há seis meses, e que o primogênito de
Rúbia e Daniel é pai de gêmeas.

 
 

 
 
Estou há três dias fora do Brasil, só meu melhor amigo para me tirar
de lá no meio da semana para vir até a Inglaterra com ele. O filho da mãe
insistiu bastante para que eu viesse, uma vez que ele fechou sociedade com
outro advogado aqui em Londres. Ele e Declan Jones, um dos advogados
mais conceituados de Londres, estão prestes a abrir um escritório. Já faz
algum tempo que estão trabalhando nisso, mas só agora conseguiram
realmente resolver algumas burocracias para inaugurar o prédio da empresa
deles.

Ontem, Murilo saiu para almoçar com o sócio para conversarem


sobre alguns advogados que irão selecionar para serem seus associados,
enquanto eu ficava no hotel. Estava tudo certo para acompanhá-lo, mas ao
receber uma ligação importante para falar sobre Beatriz, pedi que ele fosse
sem mim. Eu não seria uma boa companhia depois de ter falado ao celular
com minha mãe. Em um ano e dois meses, muitas coisas mudaram. A
minha vida deu um giro de 360 graus desde que Ayla foi embora da minha
empresa após a confusão com Beatriz. Naquela mesma semana, fui
notificado por Luiz Miguel que uma das funcionárias dele se demitiu via e-
mail, essa pessoa era a Ayla. Tentei tirar algumas informações do chefe de
artes, mas ele apenas disse que a justificativa para a demissão era por um
motivo pessoal. Como estava claro que Luiz não sabia muito, desisti e
busquei os meus métodos para chegar até ela. Consegui o seu número no rh
e tentei contato, mas não fui atendido, as ligações caíam na caixa postal. No
mesmo dia, em um almoço com a minha mãe, ela revelou que soube por
Fernanda que a filha estava indo embora, mas não deu detalhes.

Naquela mesma semana, eu tive que bloquear o número da filha dos


Rodrigues, para que ela não me incomodasse mais, até cancelei a campanha
dela antes que as coisas se agravassem.

Deitado na cama de barriga para cima e com o braço debaixo da


cabeça, pisco três vezes e olho para o teto escuro, em seguida, suspiro ao
notar que realmente não vou conseguir dormir. Já é madrugada e eu não
sinto sono. Algo dentro de mim me incomoda, só não sei explicar do que se
trata.

Estou assim desde que entrei no quarto, após o jantar. Meu peito
está apertado, não sei descrever exatamente a sensação, contudo, é como se
um pressentimento ruim me envolvesse.

Se algo tivesse acontecido com a minha irmã, minha mãe teria


ligado e eu já estaria sabendo. Notícias ruins chegam rápido.

Eu sou a prova disso. Recebi duas em menos de um ano.

Inquieto, ligo o abajur ao lado na mesa de cabeceira e coloco minhas


pernas para fora da cama, apoiando os pés no tapete felpudo. Então espalmo
as mãos no colchão e respiro profundamente.
— Que porra é essa? Nunca fui de sentir essas coisas — murmuro,
olhando para o relógio de mesa ao lado da cabeceira.

São quase duas e meia da madrugada.

Meu celular começa a tocar na cama e o meu coração bate


disparado. Desde quando um maldito toque me deixa em alerta?

Virando-me, alcanço o telefone e logo visualizo na tela o nome do


meu melhor amigo. Será que o safado mentiu para mim e saiu para beber, e
neste momento está bêbado? Vindo do Murilo, não duvido nada.

Meses atrás, ele se embebedou em Stella Maris em plena luz do dia


e eu tive que deixar a empresa para buscá-lo, porque o gerente do
restaurante em que ele é cliente assíduo me ligou para que eu fosse socorrer
o meu amigo, que estava dando um show para os outros clientes ao liberar
bebidas de graça.

— Não me diga que você saiu novamente depois que jantamos —


falo, assim que o atendo.

— Antes fosse isso, é a uma coisa bem pior. — Sua voz está
arrastada e eu me preocupo.

— O que aconteceu? — Levanto-me da cama.

— Acho que a comida não me fez bem — revela, com a voz


enjoada.

— Puta merda. — Coço a nuca, procuro pelo interruptor e ligo a luz.


— Eu nunca ia imaginar que aquela banoffee e a trifle iriam me
fazer mal — resmunga, em seguida, escuto um som de vômito. Preciso
afastar o celular por causa disso.

— Devia ter algum ingrediente estragado — reclamo, como se eu


fosse o seu irmão mais velho.

— Só pode ter sido isso. Irmão, acho que vou precisar de um


médico, além de vomitar, estou com dor no abdômen. — Geme, do outro
lado da linha.

— Vou pesquisar algum pronto-socorro próximo, Murilo. Pegue os


seus documentos, o resto eu resolvo — aviso, encerrando a ligação.

Faço uma busca rápida na internet e encontro um hospital nas


redondezas, em alguns minutos estaremos lá. Deposito o celular na mesa de
cabeceira e sigo até o closet para procurar algo adequado.

Não demoro a me arrumar e vou ao encontro de Murilo, hospedado


no quarto ao lado. Com um punho fechado bato à porta, ele não demora a
atender. Encontro-o com o rosto pálido.

Preocupado, avalio-o por alguns instantes e afasto-me para o lado


para que ele saia do quarto.

— Você está péssimo — falo, ouvindo-o gemer baixinho.

— Estou sentindo uma dor do caralho. Nem lembro a última vez que
tive essa merda, ou se já tive — reclama, cabisbaixo.

— Logo passa — digo, vendo-o fechar a porta.


— Espero que sim — grunhe.

— Pegou os documentos? — indago, bufando ao notar que estou me


comportando como se eu fosse o pai ou mãe dele.

— Peguei. — Limpa a garganta e faz uma leve careta de dor.

— O.k. Vou providenciar um Uber — comunico, então seguimos na


direção do elevador.

Chegamos ao hospital, e assim que Murilo e eu colocamos os pés


para fora do carro, ele quase vomita, mas consegue se controlar. Pago a
corrida e rapidamente seguimos para dentro.

— Puta merda, parece que estou levando vários socos no estômago


— reclama, com a mão no abdômen enquanto passamos pelas portas do
local.

— Você vai ter que aguentar, o lugar está movimentado —


murmuro, observando algumas cadeiras amarelas, muitas ocupadas.

— Eu acho que vou morrer, meu amigo — diz Murilo, de maneira


dramática, me fazendo rir baixinho.

— Por Deus, pare com esse drama. — Bufo, olhando ao redor e


visualizando o balcão de atendimento para preencher a ficha. — Vou até ali
buscar informações para que você possa ser atendido — aponto para as
duas mulheres do outro lado do balcão —, enquanto isso, sente-se em
algum lugar.

— Não estou tão morto assim, vou também — avisa, e eu concordo.

Enquanto caminhamos até as recepcionistas, as pessoas nos olham


curiosas, mas só consigo reparar na ala ao lado, também lotada. Pelo visto,
Murilo terá que passar pela triagem. Mas não sei se no estado dele irá
aguentar esperar por muito tempo.

— Ele está passando mal, achamos que é intoxicação alimentar. —


Calo-me ao notar que a mulher franze o cenho e não entende nada do que
estou falando, repito em inglês, logo a sua expressão suaviza.

— Me passe os seus documentos, por favor — pede a recepcionista.


Murilo prontamente entrega para ela. — O.k. Só peço que o seu esposo
preencha essa ficha e logo ele será encaminhado para a triagem.

Eu e Murilo tossimos ao mesmo tempo com a insinuação da mulher.

Qual é? Hoje em dia não se pode mais ter amigos verdadeiros que se
disponibilizam a acompanhar o outro a um hospital por estar moribundo?
Eu e o Murilo gays? Agora que deu! Nada contra, mas dificilmente o meu
amigo mulherengo iria se interessar pelo que ele tem entre as pernas.

— Somos amigos — ele a corrige, afastando-se um pouco de mim.

A recepcionista pede desculpas e logo entrega a ele a ficha para que


preencha com os seus dados.
— Hm, está tudo o.k. Daqui a pouco você será chamado, mas se
piorar é só avisar — diz, encarando-nos.

Pior do que está?

— Ele está vomitando e com dor no estômago, isso não parece ruim
o suficiente? — Soo irritado.

— Senhor, há pessoas em piores condições que estão esperando para


serem atendidas também — argumenta ela, com os olhos semicerrados.

— Murilo, vamos embora daqui, eu arrumo um médico p…

Um choro alto e infantil me faz calar a boca por alguns instantes,


mas nem olho na direção para ver quem é a criança escandalosa, apenas
encaro firmemente a funcionária do hospital, pronto para falar o que está
engasgado em minha garganta. Como podem falar dessa forma? Uma piada
ela falar que tem pessoas em um estado pior.

Estou para insistir quando ouço passos pesados na nossa direção e o


choro do bebê soar mais perto.

— Moça, faz uma hora que estou esperando e nada da minha filha
ser atendida. Já são quase três e dez da madrugada!

Parece que tudo ao meu redor some quando a voz que eu não ouvia
por mais de um ano soa em meus ouvidos.

Em choque, cambaleio ao notar que estou raciocinando devagar,


mas consigo compreender muito bem Ayla mencionar a filha dela. Eu estou
de costas para ela, mas sinto o cheiro do seu perfume, é o mesmo de tanto
tempo atrás.

— Que desgraça, digo, puta que pariu! — Murilo fala em português.

— Meu Deus! — Ayla ofega, notando a nossa presença.

Com o corpo inteiro tremendo pela surpresa de reencontrá-la em um


lugar improvável, eu giro nos calcanhares. Sinto meu coração parar de bater
por alguns instantes e minha garganta apertar ao encarar a bebezinha que
Ayla carrega nos braços. Ela é linda, com cabelo ruivo igual ao meu.

Assombrado e sem palavras, arregalo os olhos para ver se não estou


alucinando.   

Nossa filha.

Ayla Dantas engravidou de mim.

Teve uma filha minha e me escondeu.

Essa criança tem o quê? Uns seis meses?

Ela foi embora da porra do país carregando um filho meu e não me


contou!

Ela não fez isso.

Eu quero acreditar que ela não fez isso.

Com os olhos ardendo e quase sem fôlego, dou passos em sua


direção, que recua como se eu fosse causar algum dano a ela e tenta
esconder a bebê de mim ao abraçá-la. Mas a criança me olha com seus
olhos vermelhos e faz um biquinho de choro.

— Eu nem vou te fazer uma pergunta que é tão óbvia — murmuro,


com a voz trêmula, analisando a minha filha chorando enquanto a mãe tenta
acalmá-la.

Meu Deus, sou pai.

— Shhh, filha, já vamos embora. — Ayla tenta me ignorar, mas


parece que está vendo um fantasma.

— Cara, você é pai! — fala Murilo, estático.

Eu não consigo tirar os olhos da mulher à minha frente que se


encontra com o rosto banhado em lágrimas.

— B-bernardo… — Sua voz sai embargada, quase desesperada, dos


seus lábios brancos.

— Filha, já vão atender a Lola.

Perco o ar quando reconheço a voz de Fernanda Dantas. Ao tirar


meus olhos da filha dela, fito-a e entro em choque mais uma vez ao ver que
em seu colo há uma outra ruivinha choramingando.

Eu tenho duas filhas, gêmeas idênticas, e nem sabia da existência


delas. Até agora.

As duas mulheres diante de mim se encolhem como se eu fosse


algum tipo de monstro, talvez seja a expressão de raiva que aparece em meu
rosto.

— Quando você ia me contar que sou pai de duas meninas, Ayla?


Não tente me dizer que não são minhas, eu não sou idiota, porra! — Sinto
um misto de emoções me envolvendo, mas a fúria continua sendo a mais
implacável no momento.

Eu perdi quase um ano da vida delas. Não pude acompanhar a


gravidez. Nada.

Sinto ódio. Raiva. Rancor. Culpa, por não ter ido a fundo para saber
mais sobre a sua partida.

— E-eu te contei, não se faça de desentendido! — acusa,


enraivecida e confusa.

Assim como eu também estou, porque não é possível que ela esteja
afirmando que eu sei que sou pai e nunca busquei os meus direitos em
poder conviver com as minhas filhas.

Meu olhar encontra o de Ayla e ela estremece ao notar que estou


decepcionado.

— Eu não sabia de nada! Quando? — Rio baixinho e uma lágrima


desliza em minha bochecha. — Ia esperar elas terem idade suficiente para
procurar pelo pai delas? — Indignado, encaro as duas bebês que são tão
miúdas e delicadas. Minhas.

Minhas filhas. Minhas ruivinhas.


— Senhores, o que está acontecendo aqui? — Dois seguranças
uniformizados se aproximam.

Eu, por um momento, me esqueci onde estamos.

— Assunto de família — responde Murilo, em inglês.

— Aqui não é lugar para isso, vocês estão chamando muita atenção.
Vou pedir que se retirem, por favor — fala um dos seguranças, tentando
tocar no ombro de Ayla, então dou passos na direção dela.

— Está tudo resolvido já. Vamos ficar aqui, precisamos de


atendimento — digo, controlando a raiva que sinto da mãe das minhas
filhas e enfrentando o homem que tem dois metros de altura, mas que
concorda com o que eu falo ao perceber que meu semblante não é dos
melhores.

— O.k. senhor, só peço que sejam mais discretos, ou seremos


obrigados a retirá-los daqui —avisa.

— O.k. — Nem olho para ele, estou ocupado marcando todos os


movimentos de Ayla.

— Bernardo, acho que estão me chamando na outra ala, vou lá —


avisa meu melhor amigo em um tom preocupado.

— Pode ir — digo, alternando o olhar entre as Dantas.

Meu melhor amigo e os seguranças se afastam ao mesmo tempo e


eu cruzo os braços, esperando uma boa justificativa da parte dela. Bom, se
ainda não abriu a boca, é porque não existe.
— Filha, vão passar a vez da Heloísa, precisamos ir — insiste
Fernanda, me ignorando.

Ela parece estar com raiva de mim? E não, isso não é uma pergunta,
estou afirmando.

Heloísa. Esse é o nome de uma das minhas garotas.

— O que a minha filha tem? — questiono, dando um sorriso bobo


ao alternar o olhar entre minhas duas cópias. As coisas mais lindas do
mundo.

— Ela está com febre, é o dente — confessa Ayla, preocupada, e eu


fico também.

— Já está nessa fase? — Me pego afetado com a informação. Não


sei nada sobre bebês, mas agora me encontro interessado.

— Sim. — Ayla assente, olhando para a nossa filha que balbucia,


fazendo meu coração saltitar no peito.

— Eu vou também — informo, me aproximando dela e tocando na


mãozinha da pequena. Fico derretido com o seu olhar curioso para mim. —
Oi, filha, sou o seu pai — declaro, com a voz embargada e sorrindo.

— Bernardo, fique com a Helena e minha mãe. Eu vou com a Lola.


— Ayla me tira da minha bolha ao decidir por mim.

Helena e Heloísa… São nomes lindos.


— Eu vou, Ayla, você já me tirou muito tempo da vida das minhas
filhas. Não vou permitir que faça isso nem mais um segundo — aviso,
fitando com admiração as miniaturas gordinhas de bochechas vermelhas.

— O.k.— Suspira, porque sabe que não vou desistir. — Mãe, fique
com a Lena, por favor — pede. Logo as duas fazem a troca das gêmeas.

Sem olhar para mim, Ayla, com a nossa filha nos braços, segue na
mesma direção que Murilo entrou minutos atrás. Apressado para não as
perder de vista, sigo-as e pego-me imaginando como teria sido se ela não
tivesse ido embora e me contado da gravidez.

Eu quero muito acreditar que Ayla só soube que estava grávida


quando chegou a Inglaterra e algum imprevisto aconteceu para que não
conseguisse me contar a verdade.

Mas que caralho de imprevisto é esse que durou tanto tempo? A


minha filha está na fase de nascer os dentinhos, e se não fosse essa
intoxicação alimentar de Murilo, eu nem saberia disso.

A tal ala para os pacientes serem atendidos é extensa, e cadeiras


estão lado a lado contra as paredes, entre elas não encontro o meu amigo,
que já deve estar sendo atendido.

— Com licença, já colocaram outra pessoa no lugar de Heloísa


Dantas? — indaga Ayla para uma recepcionista, porém, só foco no
sobrenome.

As meninas não têm o meu sobrenome. É óbvio que se ela fosse me


indicar como o pai das gêmeas no ato do registro, eu seria notificado. Por
que tenho a impressão de que Ayla quis mesmo esconder nossas filhas de
mim? E eu aqui, como um idiota, tentando aliviar para o lado dela?

— Entrou um casal com um menino, já que chamaram duas vezes e


ninguém apareceu — responde a senhora.

— Mas nem demoramos tanto! — grunhe ela, colocando a mão na


nuca de Lola e cheirando o seu rostinho.

— Vou ver o que posso fazer — digo, atraindo a sua atenção.

— Não precisa, Bernardo. Cuido das minhas filhas há meses, sei me


virar muito bem sem a sua ajuda — retruca Ayla, agindo com arrogância
pela primeira vez.

— Não são só suas, são minhas também! Farei o que for necessário,
até mesmo o impossível por elas — retruco, exasperado.

— Você supostamente nem sabia da existência delas até minutos


atrás, estava vivendo todos esses meses normalmente, e agora que
“descobriu” que é pai quer vir exigir coisas? — Olha-me pelo canto do
olho.

— Se eu não soube da paternidade é por…

— Heloísa Dantas. — Somos interrompidos por uma voz feminina,


então ergo o rosto e vejo a pediatra de cabelo loiro e jaleco rosa com alguns
animais espalhados pelo tecido procurando o seu próximo paciente pelo
corredor, encostada no umbral da porta do consultório.
— Estou indo, doutora, é a minha filha. — Ayla passa por mim e
segue até a sala à nossa frente.

Antes que a mulher feche a porta, entro na sala e já encontro a


teimosa sentada na cadeira, com Lola no colo.

— Esse senhor está com você? — inquire a médica.

Se eu entrei é porque estou. Óbvio.

— Sou o pai. — É o que precisa para se calar e se acomodar em sua


mesa.

— Me diga, senhora, o que a Heloísa tem? Na ficha diz que está


com febre e irritação na gengiva superior. — A médica avalia o prontuário e
observa Ayla com a criança em seguida.

— Sim, isso mesmo. — Ela suspira, como se estivesse cansada. —


Tem alguns dias que a Lola está assim, eu acho que é algum dentinho, mas
esta madrugada ela começou a chorar muito, e quando vi, estava queimando
em febre — narra, ficando com o corpo ereto quando me ponho atrás dela
na cadeira e apoio as mãos no espaldar.

— Vamos colocar a bebê ali para que eu possa examiná-la. — A


profissional aponta para a maca e, em seguida, se levanta colocando as
luvas.

Ayla segue as instruções da doutora, e assim nossa filha começa a


ser examinada.

Eu sou pai. Não é um sonho. É real.


— Mamamama — Heloisa começa a balbuciar e chorar quando a
médica toca na sua gengiva.

Mesmo sendo novidade a ideia de ser pai, sinto nascer em mim uma
vontade louca de carregar a minha filha nos braços e tentar fazê-la parar de
chorar, beijar a sua testinha e dizer que tudo vai ficar bem, mesmo que ela
não vá entender nada.

— Realmente é um dente, ele está rasgando a gengiva. Não tem


muito com o que se preocupar, é um processo natural, mas que causa
irritação e mau humor — informa a profissional, afastando-se e jogando as
luvas na lixeira. — Tire o casaco dela, por favor. Vamos ver em quanto está
essa febre. — Ela pega um termômetro para medir a temperatura.

Quantas vezes Ayla teve que sair de casa no meio da madrugada


para trazer nossas filhas ao pronto-socorro e eu não estava presente para
ajudá-la?

Eu perdi tantas coisas relacionadas a Heloísa e Helena.

Os minutos passam e o termômetro finalmente apita.

— Ela está com 37,6º C, ainda não é considerado febre, mas vou
prescrever um medicamento por precaução. Vou recomendar também que
dê a ela picolé com o leite materno para amenizar o incômodo. — A médica
volta para a sua mesa e começa a prescrever no receituário.

— Acho que passei tanto tempo lá fora esperando que a temperatura


dela baixou, mas isso é bom, fico mais tranquila — murmura Ayla, vestindo
o casaco na bebê que tenta colocar a mão na boca, mas a mãe não deixa.
— Aqui está a receita. — Vou até a doutora e pego a folha.

— Ela já está liberada? — pergunto e a médica balança a cabeça

— Obrigada, doutora. — Agradece Ayla, mas logo fica tensa


quando vê que eu me aproximo e estendo as mãos na direção de Lola. — O
que está fazendo? — Quase gagueja, se afastando parecendo assombrada.

— Calma, Ayla, não precisa ficar com medo, não vou roubá-la de
você. Só quero pegar a nossa filha no colo. Você já me escondeu as meninas
por muito tempo, acho que mereço ser recompensado — digo, com as mãos
ainda estendidas.

— Aqui não, vamos sair do consultório primeiro — pede.

Eu concordo, mesmo contrariado.

Gentilmente, abro a porta para Ayla e a sigo em silêncio. Chegamos


à outra ala e encontramos Fernanda quase cochilando com a neta dormindo
em seus braços. Olho ao redor em busca do Murilo e não o encontro em
lugar algum.

— Onde você mora? — pergunto, vendo-a estremecer.

— Vou te passar — diz, quase baixinho.

— Espere, vou anotar no celular. — Pego meu telefone e abro o


bloco de notas.

— St. James’s Place… — Ela me passa o seu endereço completo.


— O.k. Vou ver como está o Murilo e daqui a algumas horas vou te
encontrar para que possamos conversar melhor. — Meu timbre deixa claro
que não aceito um não como resposta.

Porra, estou no meu direito de estar puto com essa situação.

— Fico te aguardando. — Ayla não quer me encarar, mas em algum


momento terá que fazer isso.

— Me dê um número para contato — peço.

— O endereço já basta, não vou a lugar algum. — Respira fundo.

— Espero que não — digo, com um tom autoritário.

Ayla se afasta de mim e vai ao encontro da mãe, que nem faz


contato visual comigo. Fernanda me odeia por alguma razão desconhecida,
e antes a mulher gostava de mim, me tratava muito bem.

Alguma coisa está muito errada e eu preciso descobrir o que é.

— Ayla não seria nem louca de ter ido embora do Brasil grávida só
por causa da briga dela com Beatriz, ou seria? — Observo as mulheres
saírem do hospital com as minhas filhas.

Passo alguns minutos parado com os pensamentos tumultuados, até


que decido procurar Murilo.

 
 

 
Fiquei com Murilo até que ele fosse liberado. Meu amigo foi
devidamente medicado e, duas horas depois, recebeu alta. Ele realmente
teve intoxicação alimentar, mas depois de tomar os medicamentos
receitados, logo estará melhor.

Pedi desculpa por não poder acompanhá-lo até o hotel. Ele teve a
audácia de me xingar, perguntando o que eu ainda estava fazendo ali em
vez de ir atrás da Ayla exigir saber por que ela me escondeu a gravidez. Eu
ajudo esse filho da mãe e ele ainda me dá sermão.

Ele seguiu para o hotel e eu peguei um Uber, indo para o endereço


que Ayla havia me informado.

Por mais que eu tenha ficado com meu melhor amigo naquele
hospital, a minha cabeça se encontrava em outro lugar – nas gêmeas e na
mãe delas. Não houve um minuto sequer que eu não tenha pensado nelas ou
nos motivos que levaram Ayla a me esconder as meninas. Pensei em por
que, mesmo depois do nascimento das meninas, ela não me procurou, não
exigiu que eu assumisse as minhas responsabilidades como pai.
Porra, tudo bem que eu não tivesse planos de me tornar pai tão cedo
por causa do golpe que minha ex-noiva tentou aplicar em mim, mas custava
Ayla me informar que a nossa noite em Guarajuba nos rendeu duas
ruivinhas mais lindas do mundo? Será que ela não entendeu que quando eu
disse que era um homem, e não um moleque, estava falando em todos os
sentidos? Como eu poderia rejeitar o meu próprio sangue? Que diabos
passou pela cabeça dela para me tirar o direito de conviver com nossas
garotas? Ela não tinha esse direito e eu estou puto.

Eu não vi a barriga dela crescer com o passar dos meses. Nem para
sentir quando elas mexeram na barriga da mãe pela primeira vez.

Não participei do pré-natal. Muito menos do nascimento delas.

Não estava lá para ajudar na escolha dos nomes das minhas


meninas.

Eu perdi muitos detalhes inesquecíveis.

Não estive presente em nenhum momento, e sinto-me culpado,


mesmo não sendo minha culpa. E dói saber disso.

Em frente à casa com fachada de estuque, olho para o interfone ao


lado do portão e não penso duas vezes para apertar. São cinco da
madrugada e o sol ainda não nasceu, imagino que as bebês já devem estar
dormindo, mas isso não me impede de vê-las ou conversar com a mãe delas,
que depois do nosso reencontro inesperado, nem deve ter pregado os olhos.

Toco o interfone pela segunda vez ao ver que ninguém me atende,


resmungo baixinho e insisto até que alguém sai da casa. Reconheço Arthur,
o padrasto de Ayla, que vem na direção do portão com uma expressão
fechada.

Pelo visto, não sou bem-vindo. Que merda fiz? Esse clima ruim
começou com o olhar matador de Fernanda em minha direção e agora o
namorado também.

— Bom dia, Bernardo — me cumprimenta, assim que fica próximo


do portão preto.

— Eu realmente queria que fosse um bom dia, Arthur — murmuro,


vendo-o movimentar nas mãos um molho de chaves, em seguida, abrir o
portão para mim.

— Entre — é só o que diz, nem me encara diretamente.

— Obrigado — agradeço ao entrar na propriedade e avaliar o local.

Minhas filhas estão crescendo em um lugar elegante e


aconchegante, mas aqui não é o lar delas. Eu as quero comigo no Brasil,
para poder participar de suas vidas.

— Pode seguir na frente — pede ele.

Balanço a cabeça concordando.

— Arthur, não gosto de rodeios. O que eu fiz para vocês estarem me


tratando como se fosse a pior pessoa do mundo? A Fernanda, que antes me
tratava bem, me olhou com raiva, e você, apesar de não termos sido tão
próximos, está do mesmo jeito — digo, ao caminhar até a casa com ele ao
meu lado.
— Esse é um assunto que deve ser tratado entre você e a minha
enteada. Eu te peço que não a magoe mais, aquela menina é como uma filha
para mim, e a Lola e Lena, como netas. Eu não vou aceitar que a machuque
novamente — avisa.

Eu paro de andar e fito-o com a sobrancelha franzida.

Eu a magoei? Ficamos por dois meses afastados, mas não me


recordo de ter feito nada de errado.

— Eu não fiz nada de errado, pelo contrário, sempre agi certo com
ela. Nada justifica a Ay…

— Bernardo, converse com ela — ele me interrompe, passando por


mim e abrindo a porta.

Suspiro ao vê-lo fazer um gesto com a mão para que eu entre na


casa.

— Vou chamar a Ayla, ela está no quarto das bebês — avisa, e eu


assinto ao olhar para a sala luxuosa que está vazia. — Enquanto isso, pode
se acomodar no sofá — murmuro um “obrigado” e ele completa ao sair: —
Com licença.

Mas eu mal o ouço, atraído pelo que vejo perto do aparador ao lado
do sofá. Há dois porta-retratos ali e, num deles, Ayla está sorridente, as
mãos na barriga enorme. Apesar do sorriso, seu olhar é triste. Mesmo
parecendo abatida, estava linda com um barrigão.

Com a garganta arranhando, observo a segunda foto, que retrata


minhas filhas recém-nascidas nos braços da mãe em um quarto de
maternidade.

Tomado pela emoção, analiso cada parte da sala em busca de mais


coisas relacionadas às gêmeas e encontro mais fotografias. Do outro lado,
há uma estante somente com fotos na prateleira de cima. Sem ter controle
sobre minhas ações, instintivamente, rumo até o móvel, mesmo correndo o
risco de ser flagrado bisbilhotando.

— Deus, eu perdi tantas coisas boas — sussurro, pegando um retrato


com moldura vintage em que estão Heloísa e Helena nos braços de Arthur e
Fernanda. Eles estão sorridentes e Ayla está ao lado deles apagando uma
velinha personalizada em cima de um bolo com o tema da princesa Sofia e
os nomes das gêmeas, indicando que estavam comemorando os dois meses
de vida das minhas filhas.

A emoção me atinge com força e o meu peito parece estar sendo


perfurado por facas quando avalio as outras fotografias. Eles capturaram
cada momento delas, desde o primeiro dia de vida até os seis meses,
enquanto eu não tive nada, nem migalhas.

Devolvo o porta-retratos para a cômoda com meus dedos


formigando, morrendo de vontade de ficar mais tempo admirando minhas
filhas.

Como posso manter a minha postura inabalável diante de tantas


fotos fofas? Minhas princesas são lindas e elas vieram iguais a mim,
fisicamente. Talvez esse tenha sido um “castigo”, para a mãe delas se
lembrar da minha existência a cada maldito segundo que as mantivesse
longe de mim.
— Bernardo, já estou aqui.

A voz quase baixa ressoa em meus ouvidos, então giro nos


calcanhares e deparo-me com Ayla descalça, usando uma roupa diferente da
do hospital e com o cabelo cacheado preso em um coque que parece ter sido
improvisado.

— Como estão as nossas filhas? — Uma palpitação toma conta do


meu peito.

— Bem e dormindo — murmura.

Agora, com mais calma, tenho a capacidade de notar as mudanças


nela. Foi somente um ano e dois meses, contudo, os traços do seu rosto
estão mais maduros, não se parece em nada com aquele rosto de garotinha
em um corpo de um mulherão, mudou completa e positivamente.

Ela continua linda, atraente, o seu corpo ganhou mais curvas no


quadril, os seus seios estão maiores, mas há algo que chama mais a minha
atenção – os seus olhos, eles estão mais ferozes. A firmeza que mantém em
nossa troca de olhares deixa claro que ali há uma mãe que é capaz de fazer
tudo pelas filhas.

— Veio à minha casa na madrugada para ficar olhando para mim?


— inquire, vindo em minha direção.

— Claro que não — retruco, notando suas olheiras.  

— Então, pergunte de uma vez o que você quer saber. — Cruza os


braços e quebra nosso contato visual.
— As minhas filhas, Ayla, quero saber sobre elas. Eu quero as
meninas.

A mulher treme diante de mim e cambaleia para trás, em choque.

— Está me dizendo que vai tomá-las de mim? — pergunta,


embravecida, fechando os punhos.

— Você é quem está dizendo isso, não eu! — defendo-me.

— Bernardo Guerra, acha que é só vir aqui, exigindo ter a Lola e


Lena? Com que direito? — Ela solta um soluço e lágrimas inundam os seus
olhos.

— De pai, Ayla! — esbravejo, revoltado.

— Agora você é pai? Em que droga de lugar você estava quando


precisei do seu apoio? Do outro lado do mundo, talvez reconstruindo a sua
vida! — desdenha, já chorando.

— Como eu ia te apoiar se não sabia de nada? Me diga? Por acaso


acha que eu tenho uma bola de cristal? — Exasperado, puxo meu cabelo
para trás e começo a andar de um lado a outro.

— Eu te liguei várias vezes para contar, você não me atendeu. E na


última tentativa, uma mulher fez isso por você! — acusa, magoada e aos
prantos, abraçando o próprio corpo.

— Se tivesse me ligado, eu teria atendido, e não outra pessoa! —


Rio, com amargura e um aperto infernal no coração.
— Está dizendo que estou mentindo? — Limpa o rosto com o dorso
das mãos.

— Quando me ligou? — indago, atormentado pela confusão,


baixando a guarda por alguns segundos. Se ficarmos nessa briga de quem é
mais alfa, não chegaremos a lugar algum.

— Eu já estava aqui. Liguei várias vezes durante quase duas


semanas, só que a última vez, a sua namorada atendeu dizendo que você
estava no banho. Quando completei dezesseis semanas, enviei uma
mensagem de texto falando que estava grávida de dois bebês, e nem assim
você me procurou. — Soluça, olhando-me com desprezo. — Foi ali que
entendi que já tinha colocado a sua vida para andar e que não queria saber
de nós. — Funga.

— Ayla, eu nunca recebi nada — afirmo, sério.

— Para acabarmos de uma vez com isso, vou te provar que não é
verdade o que está dizendo. — Ela gira nos calcanhares e sai da sala.

Desnorteado, passo a mão no cabelo e respiro fundo.

Nunca houve mulher alguma. Ela nunca entrou em contato comigo,


há algo de errado nessa confusão toda. Nervoso, ando de um lado a outro,
até que Ayla retorna com a expressão dura e mexendo em um celular.

— Aqui está a sua prova, Bernardo, já que não acredita em mim. —


Ela se aproxima e me estende o aparelho, mostrando-me a mensagem salva
no contato nomeado como “Bernardo”, que realmente diz sobre as bebês.
— E aqui são as tantas ligações que te fiz. — Limpa a garganta e volta a me
mostrar um histórico de ligações na tela, mas não é isso que chama a minha
atenção, são os números.

Rindo, afasto-me dela ao me sentir aliviado, culpa sendo expulsa do


meu coração.

— Esse número não é meu há sete anos, e por incrível que pareça, o
meu atual é parecido com esse, só mudam os dois números finais — revelo,
ao tirar meu celular do bolso. — Esse é o meu número certo. — Mostro
meu contato em minha defesa, e vejo choque em seu rosto ao ver que não
estou mentindo.

— Mas… Como poderia uma coincidência assim? Como não pensei


nisso? — pergunta mais para si.

— Coincidências existem, Ayla e foi isso que aconteceu conosco.


Acredite, se eu soubesse das nossas filhas, nunca que deixaria vocês
desamparadas. — Respiro fundo, vendo-a ficar desconcertada. — Mas me
diga, por qual motivo você foi embora? Antes de vir para cá já sabia que
estava grávida, não é? — É a pergunta que não quer calar.

— Eu fui até a empresa te contar, mas te vi beijando a Carla e o meu


mundo desabou! O.k., sei que não tínhamos nada sério, mas me senti traída,
decepcionada com você e comigo por ter me permitido mais uma vez me
iludir. — Encara-me, com os olhos avermelhados. — Eu estava destroçada
porque Beatriz esfregou na minha cara que o irmão dela estava me trocando
por outra. Isso doeu, mas não mais do que confirmar que as palavras dela
eram verdadeiras.
— Carla e eu nunca tivemos nada, caramba. Você está enganada!
Assim que eu soube que tinha aparecido em meu escritório, fui atrás de
você, mas não te encontrei — esclareço, mas Ayla não se comove.

— Eu vi vocês, Bernardo, não adianta dizer que não tinham nada —


insiste, magoada.

— Por um ângulo errado. — Irrito-me.

— Se vocês se beijaram ou não, não é da minha conta, ambos eram


solteiros. Mas agora isso não importa mais, é passado. — Respira fundo,
tentando suavizar o semblante com um sorriso falso.

— Você me acusa duramente de não ter me importado com nossas


filhas e não ter sido a sua rede de apoio. Não acha que se quisesse mesmo
entrar em contato comigo, procuraria alguém da minha família? Por que
não ligou para a Beatriz ou para minha mãe? — questiono-a, impaciente
com a sua acusação descabida.

— A única pessoa para quem eu devia satisfação era a você,


Bernardo, eu não queria que outras pessoas soubessem antes — responde.

— Bobagem, Ayla. Se tivesse ligado para uma das duas, não


estaríamos tendo essa conversa desagradável!

— Eu errei, reconheço, mas acha que eu iria mesmo ligar para a sua
mãe? E se ela contasse para a sua irmã? — Soa tristonha, distante. — Sabe
o que a Beatriz me disse quando brigamos? Que só faltava uma gravidez
inesperada para que pudéssemos ser felizes para sempre, sem contar que ela
insinuou que eu só queria ficar com você por causa da sua empresa. — Ela
ri baixinho.

Puta merda.

Eu nunca soube da versão de Ayla, muito menos a de Beatriz. E


depois da partida de Ayla, minha irmã se transformou em outra pessoa,
começou a agir como uma adolescente em busca de atenção. Nem mesmo a
nossa mãe conseguiu controlá-la. Beatriz se tornou uma enorme dor de
cabeça ao faltar às aulas na faculdade para ir a baladas com os amigos ou
com o namorado. Apenas uma desgraça seis meses atrás, que mudou
completamente sua vida, foi capaz de conter seu comportamento
irresponsável.

— A Beatriz…

— Não me fale da sua irmã. A nossa amizade acabou há muito


tempo, nada relacionado a ela me interessa — sou interrompido por uma
Ayla rancorosa.

Se ela soubesse o que aconteceu com aquela Beatriz imatura.

— O.k., está no seu direito. — Comprimo os lábios.

— Com certeza. — Cruza os braços.

— Eu quero te pedir duas coisas. — Avalio-a e vejo que fica


desconfiada.

— O que é? — Ela está apreensiva, seus olhos quase lacrimejados a


entregam.
— Quero que as gêmeas tenham meu sobrenome o quanto antes, sou
o pai delas! — afirmo, e o seu rosto suaviza. — E preciso que venham
comigo para o Brasil, a minha vida é lá, e não posso viver sem ter as
minhas filhas ao meu lado. Quero acompanhar o crescimento das meninas,
recuperar o tempo perdido.

— V-você está se ouvindo? — gagueja, com os olhos arregalados.

— Sim, estou, e não tiro uma vírgula do que falei. — Dessa vez, eu
cruzo os braços.

— Não posso largar tudo o que construí aqui para ir atrás de você —
fala, decidida.

— O que você construiu, Ayla? Uma bolha de mentiras? Porque é só


isso que eu vejo — digo, friamente.

— Bernardo, eu não vou voltar para o Brasil. A minha família está


aqui, eu já me acostumei com esse lugar. Voltar para lá não está mais em
meus planos. — Continua com a teimosia.

— Agora está. Você e minhas filhas voltam comigo para o Brasil,


daqui a alguns dias — comunico de maneira firme, sem intenção alguma de
negociar.

— Não pode fazer isso! O que pensa que sou?! Acha que é simples
assim? Entra na minha casa e decide por mim? — esbraveja, revoltada.

— Agora, o jogo virou, Ayla. — Lambo os lábios.

— O que quer dizer com isso?


— Eu quero conviver com Heloísa e Helena, mas se elas morarem
em outro continente, não irá funcionar. Você decide. Ou vem comigo ou me
entrega as minhas filhas. — Eu jamais tiraria nossas meninas dela, mas
preciso ameaçá-la se quiser dobrá-la à minha vontade.

— V-você não faria isso… — Sua voz falha e seus olhos se enchem
de lágrimas.

— Vou providenciar tudo para que em breve estejamos em solo


brasileiro — informo, resoluto.

— Bernardo… — me repreende.

— Você me tirou o direito de saber que seria pai, me tirou a


oportunidade de acompanhar a sua gravidez, me tirou tudo, Ayla! Te dou
até amanhã para me dar uma resposta, ou serei obrigado a pedir ao Murilo
que entre com um pedido de guarda.

Basta que eu me cale para que a mulher avance em mim e tente me


estapear. Instintivamente, seguro os seus pulsos com cuidado para não a
machucar.

— Nunca darei a guarda da Lola e Lena! Você está se comportando


como um abutre, um desgraçado! Fui eu que sofri sozinha por elas, que
passei o maior sufoco por terem vindo prematuras. Todos os dias chorava
me sentindo uma inútil, e onde você estava quando se encontravam
internadas? Me diga, Bernardo?! — Ela começa a chorar, desesperada.

Então fico com raiva por ter sido tão duro com ela.
— Não pode jogar a culpa em mim, ambos erramos. Eu errei em não
ter te procurado mais, ter desistido tão rápido, e você, em não insistir em
fazer o mesmo. Só peço que tenha calma e me escute. — Solto os seus
pulsos e toco em seu rosto com as duas mãos, pedindo para que ela se
acalme através da nossa troca de olhar. — Agora somos pais, não somos
mais Ayla e Bernardo, há duas menininhas lindas que precisam dos pais, da
nossa união, do nosso amor. — Limpo a sua bochecha com o dorso da mão,
vendo-a relaxar aos poucos e diminuir o choro.

— Vai mesmo me obrigar a voltar para o lugar onde fui tão


magoada? — Por fim me encara, com o semblante melancólico.

— Nunca foi a minha intenção te obrigar a nada, Ayla, mas eu


preciso das minhas filhas. — Suspiro e ela se afasta de mim.

— Só tem algumas horas que as viu, e...

— E eu já posso dizer que as amo — interrompo-a.

— Eu preciso mais do que um dia para te dar essa resposta,


Bernardo. Há muitas coisas em jogo. Não posso mudar toda a minha vida
me baseando só no seu desejo de ser um pai presente. — Passa a mão no
pescoço e me dá as costas.

Algo vem em minha mente e eu me sinto desconfortável com o meu


pensamento, tanto que abro a minha boca sem nem pensar direito.

— Por acaso tem alguém, e é por isso que não quer ir? — sondo-a,
sendo tomado por uma inquietude infernal.
Como eu posso odiar e me sentir atraído por Ayla Dantas na mesma
proporção?

Ela não me responde e isso é o suficiente para mim. Assim, entendo


que as únicas coisas que posso recuperar são minhas filhas, porque a mãe
delas é carta fora do baralho.

— Pelo seu silêncio sei que tem alguém. — Limpo a garganta,


controlando meu lado enciumado que despertou de repente.

— Não, Bernardo, não tenho nenhum relacionamento. — Gira nos


calcanhares e me encara.

Meu coração bate acelerado e quase sorrio com a notícia, mas


consigo me segurar.

— E o que te impede de vir comigo? — Um vinco se forma entre


minhas sobrancelhas.

— Eu não tenho mais ninguém no Brasil. A minha mãe e o Arthur


são a minha família, eles me ajudam em tudo — confessa. — Não quero
ficar sozinha.

— E quem disse que lá irá ficar sozinha? — Dou passos em sua


direção.

— Como assim? — pergunta, confusa.

— Está pensando que vai morar na sua antiga casa, Ayla? — Estudo
o seu rosto e os seus movimentos. Ela se retrai a cada passo que dou. —
Quando eu falo em vocês se mudarem para o Brasil, é para morarem
comigo. Na minha casa — acrescento, assustando-a.

— Juntos? — Sua voz sai em um sussurro.

— Sim. Eu, você e nossas filhas — afirmo.

— Eu pensei que…

— Eu não quero ficar nem mais um segundo longe delas, Ayla, e


você morar na sua antiga casa não faz sentido algum.

A respiração dela fica pesada.

— E a nossa privacidade, como irá ficar? Você deve ter alguém e…

— Também não tenho ninguém — esclareço de uma vez.

— Eu preciso pensar, Bernardo — pede, gentilmente, fingindo não


ter ficado afetada com a minha revelação.

— Te dou até amanhã.

— É muito em cima, mas tudo bem. — Massageia as têmporas.

— Preciso voltar para o Brasil o quanto antes, e quero que venham


comigo, não depois. — Advirto para que entenda a razão da minha pressa.
— Eu tenho uma empresa que precisa da minha administração, não posso
passar muito tempo fora dela.

— O.k.
— Eu posso vir à tarde, ou à noite para ver as meninas?

— Sim. — Morde os lábios e eu acabo prestando mais atenção do


que deveria.

— O Murilo é um intrometido, com certeza vai querer vir também,


posso trazê-lo? — Coço a nuca, vendo-a assentir.

— Claro que sim, não tem problema.

— Então, estamos quase resolvidos, não é? Vou te deixar em paz,


imagino que esteja com sono e cansada. — Avalio-a dos pés à cabeça.

— Uhum, estou realmente morta, mas é assim mesmo, depois vem a


recompensa. — Massageia o ombro e, em seguida, boceja com uma mão na
boca.

— Verdade — concordo.

— Vou te acompanhar até a saída — diz, bocejando pela segunda


vez e caminhando até a porta da sala.

Seguindo-a, não deixo de confirmar que ela de fato evoluiu em


todos os sentidos. Uma mulher fatal é apenas um sinônimo para o que a
mãe das minhas filhas se tornou.

 
 
Por diversas vezes, eu me peguei criando cenários em minha cabeça
de como seria o dia em que Bernardo descobriria que eu tinha engravidado
dele, mas em nenhuma delas era em uma madrugada, em um hospital com
nossas filhas. Parece que estamos fadados a ter reencontros inesperados e
surpreendentes. 

Ele não esperava me encontrar ali, muito menos eu, embora já


estivesse com a sensação de que em algum momento pudéssemos nos
trombar em uma esquina de Londres. 

Mamãe estava preocupada com a possibilidade de o Bernardo tomar


as netas de mim por eu ter as escondido tanto tempo dele, afinal, quando ele
quer, pode ser implacável. Mas a preocupação dela foi em vão. Quando algo
tem que acontecer, simplesmente acontece.

Bernardo sabe que é pai e isso tirou o meu sono. Por mais que eu
estivesse cansada por ter passado a madrugada acordada cuidando de
Heloísa, não consegui pregar os olhos. Minha cabeça não parou de trabalhar
com pensamentos negativos e positivos até que eu visse o sol nascer por
completo desde que chegamos do Hospital. Perambulei pela casa, até
cheguei a fazer o picolé com meu leite materno para dar a Lola mais tarde.

Neste momento, estou sentada na poltrona no quarto das minhas


filhas, observando-as dormir enquanto penso no pai delas, que foi embora
há algumas horas, depois de ter me assustado ao dizer que as quer. 

Eu quis socá-lo por se atrever a me dizer que quer Heloísa e Helena.


Eu me vi com sangue nos olhos mesmo que tivéssemos esclarecido a
confusão das ligações e mensagens, me tornei uma leoa por causa das
minhas garotinhas. Mas assim que ele tocou em meu rosto e pediu para que
eu me acalmasse, olhando no fundo dos meus olhos e explicando a sua
verdadeira intenção, eu me acalmei. Mesmo que a situação fosse
desesperadora. De um jeito estranho, o toque de Bernardo me acalmou e eu
senti confiança nele, em suas palavras.

O toque dele fez a minha pele formigar e o meu coração acelerar. 

Como posso sentir essas coisas, sendo que até um dia atrás eu estava
praticamente o odiando por acreditar que ele e Carla estavam vivendo um
romance? Talvez seja por ter visto a firmeza no olhar dele ao dizer que não
tinham nada, que eu me confundi. Se tem algo que Bernardo Guerra não
tem problema algum em fazer é falar a verdade, e hoje ele fez isso, sem
quebrar o nosso contato visual.

Descruzando os braços, passo a mão no pescoço e bocejo, sentindo


meus olhos lacrimejarem. Ao ouvir um chorinho de bebê, eu me levanto
para me certificar qual das gêmeas está acordada, logo descubro que é
Lena. 
— Aposto que está com fome, mocinha — Ela está com os olhinhos
abertos, chupando os dedinhos. Depois de limpar seus dedos com uma
fralda, eu a pego no colo. — Agora, você e a sua irmã terão o pai de vocês
presente. Ao menos, é isso que ele está demonstrando — murmuro, ao me
sentar na poltrona com ela em meus braços.

Ele quer que eu volte para o Brasil com as meninas, mas não sei se é
uma boa ideia. Eu e Beatriz não nos falamos mais e ele mora com a família.
Seria horrível ter que conviver com alguém que não te faz mais bem, sem
contar que eu preciso de privacidade. Morar com Bernardo só por ele ser
pai das meninas não faz sentido algum para mim. Tudo bem que ele tem
direito de querer as bebês por perto, contudo, dividirmos o mesmo teto
como se fôssemos um casal é demais para mim.

— Você está mesmo com fome — sussurro, ao colocar o peito na


boca de Helena e ela sugar com força.

Suspirando, deslizo a ponta dos dedos nos fios lisos cor de cobre.
Elas têm tantas coisas em comum com ele, até parece que só emprestei o
meu útero para aquele bendito ruivo.

Que continua lindo. Com o mesmo ar arrogante e com um jeito de


mandão.

— O seu pai quer nos levar para morar com ele e eu não sei o que
fazer. Já construí uma vida aqui. — Minha garganta arranha e minha
ruivinha deposita a mãozinha em meu seio e solta um suspiro bastante
relaxado enquanto fecha os olhos. — Ele está bravo por eu ter escondido
vocês dele, agora talvez queira me punir por isso, mesmo que a intenção
seja ter vocês por perto. — Engulo em seco.
Bernardo falou que está solteiro, mas isso não quer dizer que ele não
irá se relacionar com ninguém. Eu posso soar arrogante e egoísta, porém,
não sei como reagirei se souber que ele vai sair com alguém, morando sob o
seu teto. Será inevitável não ter ciúme se ele voltar para casa com a camisa
suja de batom, o pescoço marcado por uma noite quente ou cheiro de
perfume feminino impregnado em seu corpo.

Morreria por dentro.

Tenho até amanhã para dar uma resposta a ele, e pelo modo
exigente, sei que não irá aceitar um não como resposta. É aquele famoso
“vai por bem ou por mal”, mas não sei nem se quero seguir por qualquer
um desses dois caminhos.

Deixar Londres para morar no Brasil é uma mudança que precisa de


preparação. Heloísa e Helena podem ser afetadas nisso tudo, mesmo que
sejam pequeninas, sei que irão sentir falta da avó e do Arthur, que é como
um avô para elas. Mamãe e ele não vão poder estar sempre indo ao Brasil, e
muito menos eu vir sempre para cá. Enquanto elas forem pequenas, não
quero ter que ficar viajando.

Não se trata mais de mim, há muito mais envolvido, minhas filhas.


Ter me tornado mãe mudou o meu modo de pensar, preciso priorizar o bem-
estar delas. E se Beatriz desprezá-las? Não me importo com a opinião dela
sobre mim, , mas não aceitaria de forma alguma que maltratasse Lola e
Lena. Uma coisa é me magoar, outra é usar as minhas filhas para me atingir,
e a minha ex-melhor amiga se tornou uma pessoa tão desconhecida para
mim, que espero tudo vindo dela.
— Vou te colocar no berço — falo, observando Helena dormindo
depois de ter se alimentado.

Coloco Lena no berço e fecho a cortina, não quero que a claridade


acorde as duas tão cedo, preciso descansar um pouco também.

Beijo as minhas meninas e sigo para o meu quarto. Esticando o


corpo de um lado a outro, caminho pelo corredor e me deparo com a mamãe
vindo em minha direção, com uma xícara de café nas mãos, usando ainda
sua camisola e pantufas.

— Madrugou? — inquire, avaliando-me.

— Sim. — Coloco a mão na boca e bocejo.

— O Arthur disse que o Bernardo esteve aqui mais cedo —


comenta.

— Sim, esteve. — Meneio com a cabeça.

— O que ele quer, minha filha? — Sua expressão é preocupada.

— Quer reconhecer as meninas como filhas dele. — Mordo os


lábios, ponderando se falo ou não a proposta de Bernardo.

— Só isso? — Franze o cenho.

— Ele quer que eu volte a morar no Brasil. Quer que a gente vá


morar com ele — revelo.

— Assim, do nada? — sonda, curiosa, com os olhos arregalados.


— Vamos para sala, a história é longa — sugiro.

— Vamos — concorda, então seguimos para a sala.

Mamãe e eu nos acomodamos no sofá. Depois que ela beberica um


pouco do seu café, coloca a xícara no aparador ao lado.

— O Arthur já saiu para trabalhar? — pergunto.

— Faz pouco tempo — diz, e eu balanço a cabeça.

— Eu acho que todo esse tempo fui injusta com o Bernardo. —


Minha mãe fica confusa. — Nós conversamos, e embora no começo
tenhamos nos estranhado um pouco, ele esclareceu as coisas. Aquele
número para qual liguei não era mais dele. Por coincidência, o dono
também se chamava Bernardo por isso não houve retorno nas mensagens,
muito menos nas ligações. Foi uma coincidência maluca, mas foi… —
confesso. Então conto que ele nunca se envolveu com a Carla, que está
solteiro e o seu interesse em ter as gêmeas por perto para acompanhar a
vida delas, detalhando uma boa parte da nossa conversa.

— E o que você decidiu? — Encara-me com aquele olhar de


preocupação depois de me ouvir atenciosamente.

— Agora eu sou mãe, não posso me dar ao luxo de tomar uma


decisão precipitada que acabe prejudicando as minhas filhas. — Suspiro,
cansada.

— Então, não vai com ele?


— Ainda não, mãe. Preciso pensar direito, mas o Bernardo só me
deu até amanhã. — Massageio meu ombro.

— Ayla, mas é pouco tempo para avaliar se é o certo! — diz,


perplexa.

— Ele disse que não pode ficar longe da empresa por muito tempo,
e quer que as filhas vão no mesmo voo que ele.

— Eu sempre gostei do Bernardo, mas com esses acontecimentos de


vocês no passado me chateei com ele, e agora sabendo que tudo não passou
de engano, fico até envergonhada — confidencia.

— Infelizmente, sei que ele não errou comigo em momento algum.


— Meu coração fica apertado.

— Não tinha como você saber, Ayla, não pode se culpar por algo
que aconteceu quando você estava muito vulnerável, e nem tinha como
imaginar que poderia ser uma coincidência, em um momento tão caótico.
— Ela tenta me consolar ao me abraçar pelos ombros.

— Sim, é verdade, mas hoje, eu só penso no bem-estar das minhas


filhas, sabe? Eu aprendi a colocar as duas acima de qualquer vontade
minha. Sei que vai ser bom para elas crescerem com o pai ao lado, ainda
mais agora que eu sei que ele quer ter as duas na vida dele. — Meus olhos
ardem.

— E se você sabe que isso é o melhor, por que está tão receosa? —
Toca em meu rosto e me faz encará-la.
— Se eu voltar para o Brasil, seremos somente eu e as meninas, não
terei você e o Arthur para me apoiarem. Mesmo que o Bernardo tenha me
dito que se mudou, vou ter que conviver com os Guerra, perto da Beatriz,
que foi uma cretina comigo. E se ela maltratar as meninas, não vou suportar
— confesso o meu maior medo.

— Filha, olhe bem para mim e escute a sua mãe. — Ela olha no
fundo dos meus olhos. — Você acha que Bernardo, sendo quem é, irá deixar
a irmã ser má com as filhas dele?

— Claro que não, mas se ela só mostrar as garras por trás? Eu


cheguei a uma fase em minha vida que só quero paz, não tenho mais
paciência para as atitudes infantis de Beatriz. E um ano e dois meses não é
muita coisa para alguém tão mimada como ela mudar — murmuro.

— Muitas coisas podem ter acontecido, sabia? Você não pode


afirmar que ela continua a mesma. — Acaricia meu rosto com o dorso da
mão.

— Se você está indo por esse caminho é porque quer que eu vá, não
é? — Dou um sorriso fraco.

— O que você sente em seu coração, além do medo de fazer essa


mudança? — Ela responde a minha pergunta com outra.

— Insegurança. Eu preciso de alguém que me dê estabilidade —


revelo, respirando fundo.

— E o pai das suas filhas não está te oferecendo isso? — sonda.


— Pelo modo como falou, sim. — Mordisco a parte interna da
bochecha.

— E por que o medo? De ele não ser um bom pai? Do Bernardo não
suprir as suas expectativas na paternidade?

— Não, mãe! Eu acredito que o Bernardo será incrível para as


filhas. Você precisava ter visto como ele olhou as fotos delas nos quadros,
estava tão admirado. — Sorrio ao me lembrar da cena. 

— Mas se não é isso, do que você tem medo de verdade? — Me põe


contra a parede.

— Talvez de me apaixonar novamente por ele? Confundir as coisas


com a proximidade por causa das gêmeas? Ele disse que não tem ninguém,
mas pode vir a ter. — Um gosto amargo sobe por minha garganta.

— E por acaso você deixou de gostar dele, querida? — Franze o


cenho.

— Será que sou masoquista por continuar nutrindo sentimentos por


ele, depois de ter passado por isso tudo? — Rio baixinho. — Antes, eu
sentia raiva, mas essa sensação passou essa madrugada.

— Eu queria poder dizer que se você contar a ele o que sente, tudo
vai ficar bem, mas não é assim. O tempo passou. E se ele ainda gosta de
você como mulher, não apenas como mãe das filhas dele, com certeza vocês
terão a oportunidade de se aproximarem novamente. Precisam ter a
confiança do outro de novo, é crucial para que entrem em uma relação, se
assim for o desejo de vocês — aconselha, deixando-me pensativa.
Minha prioridade não é focar em um romance, por ora, não. Heloísa
e Helena são minhas prioridades, é nelas que devo pensar. E se tiver que
voltar para a casa, para o país que nunca esqueci e que amo de coração for a
única alternativa para que as gêmeas tenham um pai presente, assim o farei.
Cresci sem o meu pai, sei a falta que faz não ter uma figura paterna
enquanto crescia. E eu quero que em datas comemorativas as minhas
meninas tenham o pai ao lado.

— Você tem razão — digo, tocando na mão dela.

— É claro que tenho, sou sua mãe. — Pisca para mim, sorridente.

— Eu já tomei a minha decisão. — Puxo o ar para os pulmões.

— E vai fazer mistério? — brinca, risonha.

— Promete que vai ligar sempre?

Os olhos dela enchem de lágrimas, assim como os meus.

— Você fala como se nunca mais fôssemos nos ver, lógico que vou
ligar. Vou fazer muitas chamadas de vídeo! — resmunga e eu rio. — Eu até
iria com vocês, mas o homem que eu amo está aqui, tenho que estar onde
ele estiver. — Encolhe os ombros. — E você deve fazer o mesmo, Ayla,
estar onde o pai das minhas netas mora, ao lado dele, cuidando das nossas
princesas — aconselha mais uma vez.

— E você irá nos visitar? — Arqueio a sobrancelha.

— Óbvio. Vou aparecer no Brasil sempre que der — promete. —


Está esquecendo que tenho uma empresa lá? Vou aproveitar para visitar a
imobiliária, ver como estão as coisas pessoalmente. Embora eu tenha
alguém de confiança, preciso ver com meus próprios olhos — esclarece.

— O.k., mainha, me convenceu. — Sorrio, agora mais leve por ter


desabafado com ela.

— Apenas organize a sua viagem com minhas netas e vá ser feliz,


querida. O céu é o limite. E se Bernardo tomou essa decisão é porque está
certo do que quer. Uma vez, a sua avó me disse “Quem quer filhos, quer
mãe também.” — fala de um jeito engraçado.

— Mas ele não disse que me quer, dona Fernanda! — Gargalho.

— Ainda não — garante.

— E eu também não estou pensando em um romance ou algo do


tipo.

— Ah, vai me dizer que não reparou o quanto ele está mais bonitão?
— Me cutuca.

— Mãe! — Gargalho ainda mais.

Sim, ele está maravilhoso.

— Eu só quero ver como será a convivência dos dois sob o mesmo


teto, quando começarem a se animar, ninguém segura vocês.

— Mãe! Isso que dá ter a mãe como melhor amiga, olha a conversa
que estamos tendo! — Dou tanta risada, que lágrimas saem dos meus olhos.
— Eu sempre serei a sua melhor amiga para tudo, filha. Seja para
chorar, rir, gritar, passar vergonha. Para tudo. Eu sempre vou estar aqui para
te apoiar e te proteger, não importa se você vai ter trinta ou quarenta anos, a
sua idade apenas será um número para mim. — Ela se emociona e isso me
afeta também.

— Só você mesmo para me fazer chorar uma hora dessas. — Minha


voz fica embargada.

— Podemos estar a milhares de quilômetros de distância uma da


outra, basta me fazer uma ligação que eu corro para você e minhas netinhas.

— Digo o mesmo para você.

Mamãe abre os braços e eu me aproximo, abraçando-a com força.

— Eu te amo muito, Ayla, só quero que encontre a felicidade. —


Acaricia meu cabelo.

— Em algum momento, isso irá acontecer — prometo.

— Sim. E talvez essa seja a oportunidade para você alcançar voos


mais altos ao lado do homem que ainda mexe com o seu coração. —
Afasto-me dela e ela limpa o meu rosto. — E não precisa forçar nada agora,
apenas deixe rolar. Se for para acontecer, acontecerá.

— Sei que sim. — Balanço a cabeça em concordância.

— E me prometa uma coisa, querida. — Segura em meu queixo.

— Sim?
— Nunca mais deixe ninguém te machucar, não importa quem seja
— diz com firmeza.

— Eu não vou. — Sorrio abertamente.

— Tenho certeza disso. Agora vá tirar algumas horas de sono.


Quando Lola e Lena acordarem, Olivia e eu estaremos aqui para cuidar
delas, não se preocupe. — Ela se inclina e beija minha testa.

— O Bernardo disse que vem mais tarde vê-las, quero estar presente
— comunico-a.

— Apenas vá descansar, você está um caco, precisa repor as


energias. Deixe que eu lido com o pai das minhas netas, vou ficar atenta a
todos os detalhes.

— Realmente preciso, estou com a cabeça a mil com tantos


pensamentos. — Por fim, concordo, levantando-me.

— Durma o quanto quiser, não se preocupe — fala gentilmente.

Eu sei que não preciso me preocupar, tenho excelentes pessoas


comigo, que me ajudam mais do que o necessário.

— Obrigada, mãe — agradeço-a, sentindo meus olhos ficarem


pesados e minha cabeça latejar. Consequências de uma noite em claro.

Bocejando, deixo a sala e sigo finalmente para o meu quarto. Tenho


certeza de que é me deitar na cama para o sono chegar.
Acordo tarde, sentindo os meus músculos mais relaxados depois de
ter dormido por algumas horas. Após tomar um banho, eu me sinto uma
nova mulher. 

Eu realmente precisava dormir, estou renovada. 

De pé, observo um quadro onde estou com as gêmeas, na época com


dois meses. Contratamos um fotógrafo para tirar algumas fotografias para
que pudéssemos pôr no álbum “Lola e Lena”, nele há imagens do
nascimento até os seus seis meses de vida.  Sorrindo, passeio meus olhos
pela cômoda onde há outro quatro com uma foto recente que tirei com meu
celular, de Lena e a irmã estavam no carpete da sala com alguns brinquedos
espalhados, mamãe e Arthur estavam presentes nesse dia, nem eles
conseguiram esconder o quanto podiam ser avós corujas. 

 Ao ouvir leves batidas à porta, me desperto dos meus devaneios e


vou ver quem é. Logo reconheço a voz de Olivia. 

— Dona Ayla, a sua mãe pediu para ver se você já está acordada. O
sr. Bernardo está aqui.

Meu coração dispara com a notícia. 

— Está?
Claro que está, ele disse que viria. Normalmente, Bernardo cumpre
com o que promete. 

— Sim, ele chegou há dez minutos e estava conversando com a sua


mãe. Agora que ela me pediu para te avisar. — Ollie sorri para mim. — Se
eu estiver sendo muito intrometida, peço que me perdoe, mas Lola e Lena
são a cara dele, sem contar o cabelo ruivo. — O rosto de Olivia fica
levemente vermelho. 

— Sim, elas são a cópia dele — murmuro, rindo do tom


avermelhado nas bochechas da minha funcionária. 

— São, sim — concorda, envergonhada. 

— A minha mãe e o Bernardo estavam tendo uma conversa


tranquila, certo? — inquiro. 

— Sim, estão bem tranquilos — revela, me deixando aliviada. 

— Ótimo. — Passo a língua entre meus lábios. — Pode ir, já vou


indo atrás — Olivia assente, logo após me pede licença e gira nos
calcanhares.

Sem ter controle sobre minhas ações, vou ao espelho e dou uma
breve conferida em mim. Ao ver que estou bem, saio do quarto e rumo para
a sala. Por que estou mesmo me preocupando com o que ele vai pensar da
minha aparência? Estou ficando maluca. 

A cada passo que dou, consigo ouvir as gargalhadas gostosas das


gêmeas e a voz do pai delas. Ele está brincando com as filhas. Confirmo a
minha suspeita ao pisar na entrada da sala e me encostar no umbral para
observá-los sem que notem a minha presença.

Preciso puxar o ar para os pulmões com a cena linda que presencio.


Bernardo está sentado na poltrona, alternando o olhar entre as gêmeas que
estão sentadas em suas pernas lado a lado, com as mãos servindo de apoio
para as costas delas.

Mamãe e Ollie os observa completamente encantadas. Ele está tão


relaxado, nem parece que é a primeira vez que as pega nos braços. Pior que
nem posso julgá-las, também me encontro fascinada vendo minhas
garotinhas conseguindo prender a atenção do pai. 

Bernardo Guerra, um homem de quase dois metros de altura, com


uma aparência implacável e que tem uma personalidade forte, está sendo
domado por duas miniaturas. 

Quem diria… 

Não foi como eu imaginei, mas é bem melhor. Ele encara as nossas
filhas com tanta adoração. 

— Vocês são as coisas mais lindas desse mundo. Eu e a mãe de


vocês fizemos um belo trabalho. — Ele usa um tom fofo e faz cócegas
nelas, que gargalham por isso. 

Sorrindo, limpo o canto do meu rosto com o dorso da mão ao notar


que estou com os olhos cheios d’água. 

— Boa tarde — chamo a atenção de todos.


E neste mesmo instante o ruivo de barba bem-aparada ergue o rosto
e me encara com aqueles olhos castanho-claros que encontro em Lola e
Lena todos os dias. 

— Boa tarde — Bernardo é o primeiro a responder, logo depois a


mamãe e Olivia. 

— Agora que você chegou, eu e Ollie vamos fazer umas coisinhas.


— Dona Fernanda pisca para mim e se levanta, fazendo um gesto com a
mão para chamar a babá. — Vamos deixar vocês com as crianças. Com
licença. — Minha mãe e Olivia saem da sala sem olhar para trás, me
deixando com Bernardo e nossas filhas. 

— Você realmente veio. — Dou vida aos meus pensamentos ao falar


alto e bom som. 

— Eu sempre cumpro o que prometo, Ayla. — Sua voz é profunda e


rouca, me causando um arrepio estranho pelo corpo. 

— É, eu sei. — Meu tom soa o mais gentil possível, enquanto vou


até ele.

— Você conseguiu descansar depois de ter dormido? — pergunta,


curioso.

Eu balanço a cabeça ao parar em frente às gêmeas, que me encaram


com os olhinhos brilhando. 

— Consegui — murmuro, inclinando-me e beijando a cabeça de


Lola e depois de Lena. No processo, vou de encontro ao rosto de Bernardo
e sinto a respiração dele bater em minha boca. — Desculpe. —
Desconcertada, afasto-me como se tivesse levado um choque. Nossos
olhares se encontram por alguns instantes e eu preciso prender a minha
respiração. 

— Não se preocupe — diz, sem demonstrar emoção.

Pelo visto, só eu fiquei tocada com a aproximação, ou ele sabe


disfarçar bem. 

— Como foi carregá-las no colo? — A pergunta é para ele, mas


estou fitando Helena, que pede meu colo ao estender os bracinhos e se jogar
para a frente para que eu a pegue. 

— Elas são tão pequenininhas, que no começo fiquei com receio de


machucá-las, mas a Fernanda me orientou e no final deu tudo certo.
Consegui pegar minhas filhas sem fazer nenhuma besteira. — Bernardo
sorri derretido para as meninas tão parecidas com ele.

Minhas. Ou melhor, nossas. 

— Eu já tenho uma resposta para você sobre nos mudarmos para o


Brasil — digo de uma vez.

Ele franze o cenho, só que parece se lembrar da sua exigência e


suaviza a expressão, mas nem tanto assim. 

— Já se decidiu tão rápido? — sonda-me, desconfiado. 

— Mais ou menos. — Engulo em seco, Lena ainda pedindo por


mim com os braços. — Ela quer vir para o meu colo — aviso a ele, sem
quebrar o nosso contato visual ao pegar Helena e deixá-lo somente com
Heloísa, que enfia a mão na boca e começa a balbuciar.

— Me diga, Ayla, o que te fez tomar uma decisão? Até poucas horas
atrás era absurda, certo? — A sua desconfiança é válida.

— Eu preciso pensar em Lola e Lena, Bernardo, elas são a única


razão por eu estar aceitando voltar com você para o Brasil. Sei que você não
estava me dando uma opção entre um sim e não. De qualquer maneira, iria
me fazer voltar para o nosso país — explico ao me sentar no sofá.

— Não fale como se eu fosse sequestrar você e nossas filhas — me


repreende, fitando Heloísa, que está com os dedos babados.

— Não coloque palavras em minha boca — murmuro.

— Jamais fiz isso. Só acho estranho você ceder tão rápido, sem lutar
— acusa, intrigado.

— Apesar de não falar claramente, sei que sente rancor pelo que fiz,
mas…

— É passado — interrompe-me.

— Bernardo, eu disse que vou com você, mas com duas condições.
— Ajeito Helena em meus braços e vejo Heloísa começar a estranhar o pai
ao choramingar na minha direção, assim como a irmã fez há alguns
minutos, pedindo para que eu a pegue ao erguer os bracinhos.

— Estava fácil demais. Me diga quais as suas exigências —


desdenha, levantando-se e levando Lola com ele.
— Não quero conviver com a Beatriz, a convivência com a sua irmã
não será saudável. E a outra coisa é que eu preciso de pelo menos uma
semana para arrumar as minhas coisas e das meninas. Um dia é muito
pouco para resolver uma mudança.

Ele não parece disposto a me contrariar, apenas balança a cabeça.

— Tudo bem, já que não iremos morar com a minha família, Ayla,
mas Beatriz não é a mesma pessoa de antes. — O modo como fala da irmã
não soa de um defensor, é algo mais semelhante à pena.

Mesmo curiosa com o tom de Bernardo, não pergunto o que fez


Beatriz ter essa mudança.

O choro de Heloisa nos interrompe. E então Helena faz o mesmo.


Quem vê as duas, até pensa que combinaram, mas uma não aguenta ver a
outra aos prantos sem fazer o mesmo.

    — O que elas têm? — Ele se desespera e balança Lola no


colo, que apesar disso, não para de chorar.

— Normalmente, ficam assim quando estão com fome ou com sono.


Mas como a Lola está com o dentinho nascendo, deve ser isso. E a Helena
deve estar com fome ou só está acompanhando a irmã — informo.

— Como você sabe disso tudo? — É uma pergunta óbvia, mas o


coitado está desorientado.

— Com o tempo você vai entender o que estou falando. — Sorrio


para ele, que beija a cabeça da filha.
— Espero que sim. — Bernardo está concentrado na pequena, que
está vermelha como um pimentão. — O que você tem, filha? — inquire
carinhosamente.

Eu me derreto ao ver Heloísa fazer um biquinho e começar a chorar.


O pai, mesmo sendo de primeira viagem, tenta contornar a situação a
balançando e conversando com ela como se a bebê fosse entender algo. O
impressionante é que ele consegue com sucesso calá-la com uma conversa.
Mesmo que ela não entenda, de alguma forma a sua voz a deixa calma.

Basta que a irmã mais velha se cale, para Lena fazer o mesmo.

— Eu acho que você acaba de conseguir fazê-la parar de chorar com


apenas a sua voz. — Arregalo os olhos.

— Acho que já estou pegando jeito. — Ele sorri tão lindamente que
preciso disfarçar o quão afetada fico.

— Você pode me ajudar em algo na cozinha? — Limpo a garganta,


meio desconcertada.

— Claro — concorda.

— Eu vou pegar o picolé para dar a Lola, e uma frutinha para


Helena — esclareço.

Ele franze o cenho um tanto confuso, mas provavelmente se lembra


da recomendação da doutora. Instintivamente, seus olhos passeiam por
meus seios e eu sinto meu rosto arder de vergonha.

— O.k. — Balança a cabeça.


— Você quer tentar dar frutinha ou o picolé? — pergunto, girando
nos calcanhares e rumando para a cozinha, com Bernardo me seguindo.

— Eu nunca fiz nem um nem outro, então tanto faz.

Assim que entramos na cozinha, vou até o congelador tirar os


cubinhos de picolé que fiz para Heloísa.

— Não quer que eu a segure enquanto você prepara as coisas? —


Ele oferece ajuda.

— Seria bom. — Fecho o congelador e vou até ele, que apoia Lena
em um braço e pega a Lola em outro. — Obrigada — sussurro, olhando em
seus olhos.

— Nunca me agradeça por nada que eu faça por nossas filhas. Tudo
o que farei será de bom grado — diz.

Eu me afasto para preparar a frutinha e depois partir para tirar o


picolé da forma.

Mordendo os lábios, busco pelos utensílios nos armários e noto pelo


canto dos olhos que o pai das minhas filhas observa todos os meus
movimentos em silêncio, como se estivesse me estudando. Fico um pouco
desconcertada, mas continuo fingindo normalidade ao cortar o morango e o
amassar.

— Elas comem frutas desde quando? — Ele quebra o silêncio.

Quando ergo o rosto para encará-lo, vejo a cena mais linda do


mundo – as gêmeas com a cabeça apoiada nos ombros do pai, me
encarando com aqueles olhinhos brilhantes.

— Há alguns dias. A pediatra recomendou que eu começasse a


alternar nas alimentações delas — revelo ao terminar de amassar o morango
no pratinho cor-de-rosa. — Você pode me passar a Lena para que eu dê a
frutinha a ela, enquanto você dá o picolé a Lola? — pergunto, ao me sentar
na banqueta.

Bernardo vem até mim e me entrega a nossa caçula, Helena, em


seguida, pego o picolé na forma de silicone.

— Será que ela vai gostar? — pergunta mais para si do que para
mim ao se sentar na outra banqueta e colocar Heloísa sentada na ilha, de
frente para ele. — Olha o aviãozinho, princesa do papai. — Ele faz
manobras e a filha acha graça, soltando uma risada gostosa. Bernardo
simplesmente faz o mesmo, por achar lindo.

Ele pode ser pai de primeira viagem, mas está dando de dez a zero
em muitos que já são há anos. Sem conter a risada, fito-o antes de começar
a dar a fruta para Helena. O picolé que ele dá para a filha se torna uma
bagunça, ela baba e suja a roupinha.

— Ela pressiona as gengivas com força, é como se estivesse


coçando muito, e ao fazer isso tem um certo alívio. — Bernardo repara nos
pequenos detalhes sem que eu precise explicar.

Solto um suspiro de arrependimento ao perceber que nunca deveria


tê-lo deixado tanto tempo sem viver momentos importantes com as
meninas.
— Bernardo, a He… — Quando vou falar é tarde demais. Com as
mãozinhas sujas de leite e baba, a Lola segura o rosto do pai.

Deus, ela o sujou com o meu leite do peito.

Sem palavras, prendo a respiração ao vê-lo respirar fundo e me


olhar com o semblante sério. Por um instante acho que vai surtar, mas me
surpreende ao jogar a cabeça para trás e gargalhar.

— Acho que essa mocinha não quer ser a única a tomar banho aqui.
— Ele age como se nada tivesse acontecido e continua dando a ela o picolé.

Heloisa e Helena já o têm nas mãos. Em poucas horas, ele parece


estar totalmente entregue.

A filha o sujou com leite materno e ele sorriu.

Eu vivi para ver Bernardo Guerra ser dobrado em situações como


essa.

 
Murilo não quis vir comigo porque ainda não se sentia cem por
cento para sair. Ele me aconselhou a ir com calma com Ayla, afinal, agora
somos pais. Não vou dizer que me surpreendi com o conselho dele, ainda
que seja um verdadeiro palhaço quando quer.

Em poucas horas, o comportamento de Fernanda comigo se tornou


outro. Não que eu esteja reclamando, só estranhei ser bem recebido, já que
horas atrás nem queria olhar direito para mim.

Não sei que tipo de conversa mãe e filha tiveram depois que fui
embora mais cedo, contudo, acredito que algo tenha mudado. A mulher está
sendo gentil desde o momento em que cheguei, fui até convidado para ficar
para o jantar. Como eu queria passar mais um pouco de tempo com as
minhas filhas, decidi aceitar o convite para me reunir com eles esta noite.

Fernanda está na cozinha preparando o jantar com o Arthur, que


chegou há algum tempo. O homem me cumprimentou educadamente, e eu
pude notar que não havia mais aquela tensão nos olhos dele como antes.
Parece que todos decidiram baixar a guarda para mim, certamente, Ayla
esclareceu o mal-entendido entre nós e que eu nunca agi de má-fé.

Estou acompanhando a rotina de Lola e Lena a tarde toda e em


poucas horas memorizei o cotidiano delas. Por ser muito observador,
percebi que mesmo tendo Olivia à sua disposição, Ayla não deixa nossas
filhas integralmente na responsabilidade da babá. E com a minha presença,
a garota trabalhou menos, só a vi quando cheguei e se esgueirou para outro
cômodo da casa, com Fernanda. Não sei se foi combinado entre as duas,
mas me deixaram à vontade com Ayla por longas horas.

Nunca imaginei que a ex-amiga da minha irmã seria a mãe dos meus
filhos, mas com certeza ela é a pessoa certa, mesmo que não tenhamos
planejado isso. 

Eu tenho uma família e foi Ayla quem me deu.

— Elas já vão dormir? — questiono, curioso, ao alternar o olhar


entre a bebê no carrinho e a outra no colo da mãe.

— Sim, eu gosto de colocá-las para dormir antes de jantarmos — ela


explica.

— Você quer ajuda com algo? — Me disponibilizo por saber que a


babá já foi embora e eu sou o único na sala com ela. 

— Por ora, não. Esse horário é mais tranquilo para mim, Lola e
Lena estão menos agitadas, é mais fácil lidar com elas. — Sorri para mim.

O meu peito saltita com o seu sorriso doce e sincero.


— Vou só observar, então? — Inclino-me no carrinho de bebê e
pego na mãozinha de Lola, que agarra meu dedo.

— Se você tiver um peito com leite, pode me ajudar — Ayla brinca.

Eu gargalho ao notar que logo em seguida ela arregala os olhos, suas


palavras foram espontâneas. 

— Essa ajuda é mais complicada para mim — digo, divertido,


olhando para meu peitoral na camisa preta e depois para ela, que desliza a
alça da blusa pelo ombro para alimentar Helena. 

— Eu estava brincando, não seja bobo — fala, risonha.

— Sei disso. — Sorrio ao encarar minha filha, que tenta levar meu
dedo até a sua boca. Eu o puxo devagar para que ela não se assuste. — Oh,
princesinha, além de querer esmagar o dedo do papai, você quer tentar
morder? — Uso uma voz tão calma que eu até estranho.

Conforme falo com Lola, toco sua barriga com a ponta dos dedos e
faço cócegas. Ela balança as perninhas e solta gritinhos, que me faz sorrir
abobalhado. Heloisa é mais serelepe que Helena, isso me lembra da
amizade que a tia delas tinha com Ayla. Mesmo que achasse uma bobagem
elas falarem que uma era a calmaria e a outra o caos, só agora entendo o
significado disso. 

Enquanto Lola é agitada, Lena é serena. Elas são perfeitas juntas e


me lembram duas pessoas. 

— Bernardo, você não me deu a resposta sobre o prazo que te pedi


para fazermos essa viagem — Ayla diz depois de um tempo em silêncio.
— Prazo? — pergunto, olhando-a por cima do ombro. 

— Sim, eu te pedi pelo menos duas semanas para que eu possa me


organizar. — Ela passa a mão na cabeça ruiva de Helena e fita-me
esperançosa. 

Ah, isso. Realmente não lhe dei nenhuma resposta. 

— Somente duas semanas, certo? — indago. 

— Sim, é o suficiente para que eu me prepare — diz. 

— O.k. Ayla, pode ser — concordo. — É o tempo que preciso para


providenciar a inclusão do meu sobrenome na certidão de nascimento das
meninas. 

— Ótimo.

Volto a minha atenção para Lola, que me olha com aqueles olhos
grandes e curiosos. 

— Vou providenciar um jato particular para voltarmos para o Brasil,


não precisa se incomodar com os gastos da viagem, irei arcar com tudo —
aviso. 

— Tudo bem — murmura, então voltamos a ficar em silêncio. —


Bernardo?

— Sim? — Seguro a mãozinha de Heloísa e a balanço devagarinho,


arrancando uma risada fofa da bebê. 
— Quando eu trabalhava na sua empresa, fiz amizade com outra
funcionária, a Juliana. — Ela limpa a garganta.

— Sei quem é. Mesmo estando afastados, eu sabia quase tudo sobre


você — interrompo-a, faltando pouco para dizer que a única coisa que não
esteve ao meu alcance foi saber da sua gravidez. 

— A Juliana ainda está trabalhando lá? — sonda-me, quase


gaguejando, por ter ficado afetada com as minhas palavras.

— Sim, continua — respondo. 

— Fico feliz por ela — murmura, um pouco distante. 

— Soube que ela é uma boa funcionária — comento, lembrando-me


que dois meses atrás estive em uma reunião com Luiz Miguel e ele soltou
que a Juliana havia recebido um bônus por ser a funcionária destaque do
mês. 

Foi naquele dia que descobri também que eles estavam saindo. O
homem ficou um pouco receoso por estar se relacionando com a
funcionária, mas eu o tranquilizei dizendo que não tínhamos nenhuma regra
na empresa que os impedissem de namorar. Pedi que ele tivesse cuidado
para que os outros funcionários não começassem a especular em relação ao
bônus de Juliana e vissem o envolvimento deles como uma vantagem para
isso ter acontecido. Luiz Miguel me garantiu que iria ser muito cuidadoso
para não causar nenhum burburinho.

— Ela é muito empenhada, o sonho dela era trabalhar na sua


empresa — revela. 
— E qual era o seu sonho? — Não me limito a perguntar. Vejo Lola
tentar levar a mãozinha que estava segurando meu dedo à boca, então eu a
impeço e ela choraminga. 

— A-a Lena dormiu, vou colocá-la no berço. Você pode ficar com a
Heloísa por enquanto? — Não responde a minha pergunta, somente tenta
fugir dela. 

— Eu fico, pode ir. — Sem olhar para Ayla, sinto a sua


movimentação ao meu lado. Ela se levanta e sai da sala com nossa filha, só
depois que olho na direção em que ela foi que respiro profundamente. — É,
princesa, eu não consigo sentir raiva por muito tempo da sua mãe. Confesso
que ainda estou chateado por ter escondido você e a sua irmã de mim. —
Converso com a bebê, que me encara sem entender nada. Rio baixinho por
estar dialogando com um serzinho lindo tão inocente que nem entende a
gravidade da situação. 

— Eu estou louco para contar para a minha mãe que ela é avó, mas
quero fazer uma surpresa, acho que será mais emocionante. — Levanto-me
e tiro Lola do carrinho. Ela bate as perninhas como se comemorasse por
estar ganhando um colo. — A sua avó vai amar a ideia. Há duas semanas,
ela estava me pedindo um neto e agora ela tem duas. Olha a lei da atração,
do nada, descubro que sou pai. — Espalmo a mão nas costas da ruivinha e
ela aperta os dedinhos no tecido da minha camisa no meu ombro. 

Sorrindo, beijo a cabeça de Heloísa e o meu coração salta no peito. 

— Bom, a sua tia mudou muito depois do que aconteceu, e por mais
que tenhamos nos afastado um pouco, a minha irmã jamais teria coragem de
ignorar vocês. Acredito que ela vai adorar saber que é tia. — Meus olhos
ardem e minha garganta fecha ao me lembrar que a vimos muito mal no ano
passado. 

Ao ouvir passos atrás de mim, giro nos calcanhares e encontro Ayla


vindo na minha direção, com a expressão suave. Pelo visto, ela não me
ouviu. Sei que mesmo que ela e minha irmã tenham rompido o vínculo
delas, as duas ainda se gostam, contudo, estão magoadas. 

— Desculpa a demora, Lena quase acordou…

— Sem problema — digo, enquanto ela se aproxima. 

— Me passe ela, por favor.

Eu o faço, e sem demora ela retorna para o seu lugar de antes.

Parado em frente a Ayla, eu a observo cheirar a testa de Heloísa,


depois sorri para a nossa filha, que solta um gritinho. Sinto uma desordem
dentro de mim que me faz sorrir com a cena. 

— Não vai se sentar? — inquire ela, dando de mamar a Lola. Minha


filha logo esquece o mundo à sua volta e fecha os olhinhos, enquanto pousa
a mão no seio da mãe. 

Apenas balanço a cabeça e me sento em uma das poltronas. Fico ali


hipnotizado por tanto tempo observando-as, que nem me dou conta do
momento em que Fernanda e Arthur surgem na sala, só me desperto ao
ouvir as vozes deles. 

— Não tem como você adivinhar, amor, pergunte a ele — diz


Fernanda. 
— Verdade — fala Arthur, erguendo os olhos e me encarando.

— Pergunte, homem! — Incentiva a avó das minhas filhas,


cutucando o marido na costela. 

— Bernardo, você aceita alguma bebida? — pergunta gentilmente. 

— Agradeço pela gentileza, Arthur, mas dei uma pausa na bebida há


dois meses — aviso, com os olhos fixos no casal mais velho. 

— O.k., sem problemas.

— O jantar está pronto. Só vou ajudar o Arthur a colocar a mesa e já


chamo vocês. É o tempo de Lola dormir — fala Fernanda, se pondo atrás do
sofá e espalmando a mão no encosto para observar a filha e a neta. 

— Podemos deixar o jantar para outro dia? Tenho que retornar para
hotel, preciso resolver algo importante ainda hoje, havia me esquecido —
minto, ao me lembrar que estou aqui só pelas minhas filhas. Depois que elas
forem dormir, não há mais nada para ser feito. Eu me sentiria deslocado,
mesmo que todos estejam me tratando tão bem. 

Ayla fita-me por alguns instantes parecendo confusa.

— Se é importante, não vamos prender você aqui — fala a mãe das


minhas filhas. 

— Me passem o contato para falar com vocês — peço, alternando o


olhar entre o casal e Ayla. 

— Mãe, dê o meu, por favor — ela pede. 


— Pode falar, vou anotar no celular. — Tiro o aparelho do bolso da
frente e desbloqueio a tela, pronto para anotar o número. 

A mãe de Ayla me fala os números e eu os anoto. 

— Obrigado — agradeço-a.

— Você vem amanhã? — sonda-me, ao ajustar a manga o body de


Lola. 

— Venho para visitar as meninas e pegar os documentos para


registrá-las — informo.

Suas pupilas dilatam e um brilho diferente toma conta das suas íris. 

— Tudo bem.

— Posso dar um beijo de boa noite na Lola? — indago, uma vez que
ela ainda está alimentando a nossa filha. 

— Pode sim — cede, mas antes cobre os seios com a fralda de pano.

Eu me aproximo e me agacho de um modo que dê para eu alcançar a


cabeça da bebê. 

— Tchau, princesa, até amanhã. — Deposito um beijo na sua


cabecinha e ela abre os olhinhos para mim por alguns segundos, mas logo
volta a fechá-los como se nada tivesse acontecido.

— Vou te levar até a saída — diz Fernanda, assim que eu me afasto


da filha dela. 
— Obrigado.

A mulher ruma até a porta e eu vou atrás, mas antes me viro e


encontro Ayla me fitando. E mesmo sendo pega no flagra, ela não para de
me olhar. 

— Bernardo? — Fernanda me chama e eu viro meu rosto em sua


direção. 

— Sim? — Observo-a abrir a porta e sair, então eu a acompanho até


o lado de fora. 

— Preciso pedir uma coisa para você — murmura, puxando a porta


para que ela feche. 

— Pode falar.

— Me prometa que não vai deixar ninguém maltratar a minha filha,


muito menos as minhas netas — pede, me pegando desprevenido. 

— E por que eu deixaria que isso acontecesse? Você está querendo


falar de alguém em específico, é isso? — Cruzo os braços, confuso. 

— A Ayla e Beatriz não se falam mais, eu não sei como será a


relação delas…

— A minha irmã não irá fazer nada, Fernanda, pode acreditar em


mim — asseguro. — Eu não estou levando a sua filha e as minhas para
outro país para que sejam maltratadas. Me perdoe ter que dizer isso, mas
você está equivocada se pensou que eu poderia permitir tal coisa. A mesma
qualidade de vida que vou dar para as minhas filhas, darei para a sua. Ayla e
eu podemos não ter um relacionamento, mas ela é muito importante para
mim. Ela é a mulher que me deu duas crianças lindas e eu vou protegê-la de
tudo e de todos — faço um discurso, mesmo sem ter tido a intenção. 

Fernanda Dantas perde as palavras diante das minhas, mas é


necessário para que ela entenda as minhas intenções. 

— Eu confio em você, Bernardo. — Sorri, então seguimos para o


portão. 

— Agradeço por isso. — Meneio com a cabeça. 

— Tenha uma boa noite — deseja.

— Fernanda? — chamo quando já estou na calçada.

— Sim? — Ela se vira para mim. 

— Se ainda tiver o número da minha mãe, ligue para ela —


aconselho, deixando-a envergonhada. — Até hoje ela não entende a razão
de você ter ido embora e não se comunicado mais. A minha mãe acha que
você a odeia por algum motivo — confesso.

— E-eu tenho sim. — Ela abaixa a cabeça e limpa a garganta. 

— Minha mãe gosta muito de você. Se for ligar, não fale sobre as
meninas, quero fazer uma surpresa para ela — peço. 

— O.k. — diz, ainda envergonhada. 

— Boa noite para você também, Fernanda — despeço-me dela e me


viro para ir embora. 
AYLA

No dia seguinte, Bernardo não apareceu, mas ligou para avisar que
estava resolvendo a parte burocrática no Consulado Brasileiro para
conseguir registrar as meninas. O tempo que pedi a ele para me organizar
para a viagem serviu para que ele pudesse fazer isso. Por sorte, Murilo tinha
alguns contatos no consulado e conseguiu agilizar os trâmites.

Ontem, finalmente fomos ao local no horário agendado e


conseguimos fazer a mudança da certidão delas. Agora minhas filhas não
carregam somente o sobrenome Dantas, mas o Guerra também. E o pai
delas está estonteante com isso, o brilho nos olhos dele é notório.

Faz quase duas semanas que Bernardo sabe da existência das


gêmeas, contudo, parece que é pai há anos. Ele tem sido muito prestativo e
atencioso, além de carinhoso.

Por ora, estamos nos dando muito bem, e espero que continuemos
assim até a nossa ida para o Brasil, que está marcada para daqui a dois dias.
Já estou com as malas prontas e com nossos passaportes em dia para
sairmos da Inglaterra.

Bernardo confirmou que vamos em um jato particular para termos


uma viagem mais tranquila. Quando ele me disse isso, fiquei tentada a
perguntar se a família dele sabe que ele não está voltando para casa sozinho,
porém, deixei a minha curiosidade de lado e decidi ver pessoalmente o que
me espera em meu Nordeste.

Ontem à noite, minha mãe ligou para casa e avisou a Janete e Zeca
que logo voltarei. Eles estão felizes com o meu retorno e ansiosos para
conhecer as gêmeas. A minha mãe deu com a língua nos dentes ao dizer que
é avó de gêmeas. O casal que trabalha há tantos anos para nós ficou
deslumbrado com a novidade.

Quando vim para cá, somente mamãe e Juliana sabiam da gravidez.


Um dia antes da minha viagem para a Inglaterra, pedi para a minha amiga
não dizer nada a ninguém e tudo indica que ela guardou meu segredo, já
que Bernardo ficou surpreso ao conhecer as meninas. Isso pode significar
que não chegou aos ouvidos dele que saí da Bahia grávida. Como não
mantivemos contato, eu não soube ser grata como deveria.

— Filha, você colocou os álbuns das meninas na mala?

Assusto-me com a voz de mamãe atrás de mim, nem percebi quando


ela entrou na cozinha, estava tão distraída. 

— Não vou levar todos, mãe — aviso.

Ela ri ao se aproximar de mim. 

— E se quiserem ver as fotos da Lola e Lena? — inquire, colocando


a mão em meu ombro enquanto lavo o pratinho. 

— Mãe, temos dois álbuns com as mesmas fotos, esqueceu? —


Franzo a testa. 
— Ah, verdade, esqueci que fizemos uma cópia de tudo — diz,
animada.

— Exatamente — murmuro, colocando o pratinho amarelo com


desenhos infantis no escorredor. 

As meninas comeram frutas há alguns minutos, e eu estou


terminando de lavar o que sujei. Hoje, a Olivia não veio trabalhar, e
infelizmente, ela não poderá ir conosco para o Brasil, sua família toda está
aqui.

— Bernardo está se saindo um ótimo pai. Quando passei na sala, eu


o vi todo bobo brincando com as meninas, confesso que fiquei emocionada
com a cena — comenta mamãe baixinho, como se o Bernardo fosse algum
tipo de ser sobrenatural que pode ouvir a nossa conversa de uma distância
tão grande. 

— Saber que o privei disso por tanto tempo faz meu coração doer —
revelo, suspirando.

— Você não pode ficar se lamentando para sempre. Tente fazer as


coisas do jeito certo agora — aconselha. 

— Sim, eu sei. — Mordo os lábios. 

— Bernardo é um homem incrível, e eu também me sinto péssima


por ter desconfiado da índole dele. E ele está há mais tempo do que deveria
longe da empresa para registrar as filhas e ficar perto delas.

Mamãe tem razão.


Ele ficou mais dias na Inglaterra por causa de Lola e Lena. E mesmo
que tenha muitas coisas para resolver na empresa, em momento algum
demonstrou insatisfação ou arrependimento pela decisão. 

— Tenho observado tudo, mamãe — digo. 

— Pois ele…

Ela se cala assim que Bernardo passa pela porta da cozinha, com os
olhos arregalados e com a Helena chorando em seu colo. Não entendo o que
está acontecendo até ver a sua camisa azul suja. 

— Eu estava brincando com ela, e acho que a balancei. Não sei o


que aconteceu, mas a Lena vomitou. — Bernardo me encara desnorteado.

Enxugo minhas mãos rapidamente para poder pegar Helena, que


ainda chora. 

— Não precisa ficar nervoso, Bernardo, eu deveria ter avisado que


depois que as meninas comem, tem que dar um tempinho para balançar —
falo, pegando-a do colo dele. — Respire fundo e relaxe, acontece. — Tento
tranquilizá-lo enquanto limpo o canto da boca dela. Logo a minha garotinha
para de chorar, mas faz charme, com o seu biquinho lindo e os olhinhos
vermelhos. 

— Ela vai ficar bem? — A insegurança dele se torna fofa, para


quem nunca demonstrou ter. 

— Vai sim, não se preocupe — murmuro, avaliando a sua camisa


suja. — Mãe, você pode ficar com a Lena enquanto ajudo o Bernardo a
limpar a camisa dele, por favor? — Viro-me para ela, que está nos
observando em silêncio. 

— Claro. Vou levá-la para sala, assim fico de olho em Lola também.
— Mamãe vem até mim e pega a neta dos meus braços, então sai da
cozinha. 

— Não sei se um pano resolve muita coisa, mas ajuda. —


Comprimo os lábios, fitando-o.

— Toda ajuda é bem-vinda.

— Vem comigo — chamo-o, seguindo até a área de serviço. — Você


não quer uma camisa do Arthur emprestada? Não sei se vai servir em você,
já que é mais alto do que ele. Acredito que você não vai querer ficar com a
metade da barriga para… — Viro-me para falar com o Bernardo e perco a
voz ao vê-lo com a camisa na mão. 

Céus! O abdômen dele está mais malhado, com os gominhos sexys e


as sardas espalhadas por seu peitoral. O formato v definido dá margem para
a minha imaginação ao ver algumas veias ali. Preciso piscar algumas vezes
para sair do transe. 

Que vergonha. Pela expressão dele, não fez de propósito ou para


tentar me seduzir, o seu semblante está sério, sem vestígio algum de quem
está pensando em sacanagem. Não que eu esteja, mas…

Foco, Ayla! 

— Eu ia tentar limpar no seu corpo mesmo — falo, lutando para que


a minha voz saia firme. 
— Se quiser, posso vestir novamente.

— N-não precisa — gaguejo, estendendo a mão para que ele me


passe a peça de roupa. 

— Obrigado.

— Você quer uma camisa do Arthur? Vou colocar a sua na máquina,


logo ela estará pronta para vestir — digo, de costas para ele, procurando o
sabão. 

— Pode ser. 

— Mas saiba que vai ficar um pouco curta — aviso, ouvindo o seu
resmungo. 

— É isso ou nada, certo? — Assinto, rindo baixinho. — O.k. 

— Fique aqui, já volto — peço, risonha, reparando que o seu rosto


está vermelho.

Rumo até a sala para pedir à mamãe permissão para pegar uma
camisa de Arthur, mas no meio do caminho lembro-me que tenho um
casaco unissex que fica enorme em mim, ele bate em meus joelhos. Aposto
que irá servir no Bernardo, ele é bem folgado e longo. 

Em poucos minutos, encontro o casaco entre as poucas peças de


roupas que pretendo deixar aqui, então retorno para a área de serviço e
deparo-me com o pai das minhas filhas lavando a camisa dele. Limpo a
garganta e ele ergue o rosto. 
— Eu deveria ter feito isso — aviso, aproximando-me dele. 

— Não é um trabalho seu, Ayla. — Seus olhos pousam no casaco


marrom. 

— Mas foi a Lena que sujou — justifico, estendendo a peça para


ele. 

— Ela também é minha filha, não custava nada eu limpar a bagunça


que causei — retruca, sem maldade. 

— O.k., senhor teimoso. Pegue esse casaco, vai servir em você, ele
é enorme.

Bernardo leva as mãos à torneira e depois pega a roupa. 

Meu coração acelera ao vê-lo torcer o nariz. Será que o casaco está
com um cheiro ruim? Eu não lembro se o lavei da última vez que usei. 

— De quem é? — pergunta, enfiando um braço na manga, depois o


outro. 

— É meu. — Massageio meu ombro, desconcertada por ver um


sorriso tomar conta do seu rosto. 

— Imaginei que fosse. — Seu tom é distante enquanto veste a


roupa. — O seu cheiro continua o mesmo, principalmente o xampu de coco.
— Então olha-me no fundo dos olhos e meu peito dispara como louco. 

Mesmo que ele não diga com palavras, acaba de confessar que não
esqueceu o meu cheiro. Ele reconhece o meu perfume depois de tanto
tempo. 

Eu só mudei de país, permaneço usando o mesmo xampu e perfume.


E se pudesse voltar no tempo, ainda estaria no mesmo lugar e, talvez, nos
braços dele todas as noites.
 
Minha família não sabe que estou voltando para o Brasil. Não avisei
por dois motivos. Um, quero fazer uma surpresa para a minha mãe. Dois,
quero dar um tempinho para nos recuperarmos do jet lag. Tenho certeza de
que assim que desembarcarmos e dona Rúbia souber das netas, irá começar
um alvoroço e seremos bombardeados com perguntas. Quero proporcionar
de antemão o descanso das minhas filhas, e é isso que farei assim que
aterrissarmos em solo brasileiro.

— Eu não acredito que só vou conhecer as minhas sobrinhas direito


porque vou viajar com vocês! Aquele dia eu fiquei muito perto das
meninas, então não conta — reclama Murilo, usando um tom dramático.

Ele está sentado à minha frente, na poltrona do jato particular ainda


estacionado. Sua voz me faz voltar ao mundo real, então eu me viro em sua
direção, parando de observar a pista de decolagem lá fora. Viemos para o
aeroporto na frente, embora eu quisesse que Ayla tivesse vindo junto,
quando passei em sua casa para buscá-la. Mas ela me pediu duas horas a
mais para se despedir da família porque queria passar um tempo com eles
antes de viajar.
— Vou fingir que não estou ouvindo isso.

Meu melhor amigo rola os olhos e pega a xícara de café na mesa em


frente à sua poltrona.

— Seu insensível. — Dá uma risadinha e beberica o líquido.

— Não sei por que ainda te suporto, você é um saco — digo, e ele
ri.

— Isso é um elogio para mim — retruca, mordendo uma torrada e


mastigando de um modo irritante para me tirar a paciência. — Eu acho que
esse seu mau-humor é porque não tomou café no hotel. Vou chamar a
aeromoça para que ela traga alguma coisa pra você — sugere, piscando para
mim.

Saímos do hotel sem tomar o bendito café. Murilo queria se


alimentar antes de sair, mas não deixei, porque quanto mais cedo voarmos
para o Brasil, mais cedo chegaremos lá. Saindo daqui pela manhã,
estaremos em Salvador no final tarde, no máximo.

— Depois eu como, estou ansioso demais para pensar em comida —


murmuro, olhando para a janela ao meu lado.

— O.k. — diz, ficando em silêncio, mas não dura muito tempo. —


Vai mesmo matar a sua mãe do coração, meu amigo? Deveria ter dito a ela
que já é avó. Até semanas atrás, a coitada só tinha um par de sapatinho de
crochê e um sonho, e agora, do dia pra noite, é vovó de gêmeas — comenta,
todo engraçadinho.
— Deus, você é horrível, Murilo. — Rio, fazendo uma careta. — A
minha mãe é muito saudável, dificilmente enfartaria. E outra, ela não faz
crochê, pare de inventar coisas. — Estalo a língua e ele gargalha.

— Mas diga que é mentira? Você não disse que ela queria ser avó?
— inquire, fazendo-me olhar para ele com a sobrancelha arqueada.

— Não sei por que ainda te conto as minhas coisas. Quando você
cisma com algo é uma merda — reclamo.

— Sou incrível, sei disso. Além de ser um dos melhores advogados


do país, sou um excelente melhor amigo, filho, namorado. Melhor em tudo.
— Gaba-se, enquanto limpa a boca com o guardanapo.

— Nem namorada você tem. — Bufo.

— Ah, é verdade. Mas se eu namorasse, seria o melhor namorado da


vida da minha garota — diz, com um sorriso largo.

— Pobre garota que cair em suas garras — zombo.

— Por que está falando assim da sua irmã? — pergunta, alfinetando-


me.

— Murilo... — repreendo-o, com os dentes cerrados.

— Sabe que estou brincando. A Beatriz não gosta de mim, nem


mesmo se eu fizesse um feitiço do amor, ela iria me querer — fala, com
tranquilidade.

— Você não faz o tipo dela, só isso — garanto.


— Como não? Eu, Murilo Campos, faço o tipo de todas! — Aponta
para si. Eu respiro fundo, observando-o. — Sou rico, quase loiro, olho azul,
abdômen trincado, muito gostoso e bom de cama. Como a sua irmã não tem
olhos para mim? Aquela garota tem algum problema.

Sem expressão alguma, eu encaro meu amigo.

— Guarde esses atributos para as suas conquistas, não me


impressiona, muito menos a minha irmã — afirmo.

— Se antes ela não me queria, agora que não vai querer — diz, com
o olhar distante.

— Exatamente. Agora cale a boca, você fala demais — peço,


massageando minhas têmporas.

— Vou mandar uma mensagem para a Beatriz perguntando como ela


está hoje. Acho que se eu bancar o cavalheiro, ela não me ignora. Mas se
bem que já sou um, não preciso fingir nada. — Conversa sozinho como se
eu não estivesse o ouvindo.

— Murilo, se você não fosse o meu melhor amigo, seria um homem


morto — ralho.

— Não enche, Bernababy. — O desgraçado age como se eu que


estivesse sendo o inconveniente. Ele tira o seu celular do bolso e começa a
digitar.

E não é que ele vai mesmo enviar uma mensagem para a minha
irmã?
— Não me chame por esse apelido idiota — aviso.

— Se fosse a Ayla, você estaria todo sorridente — provoca,


distraído com o aparelho em suas mãos.

— Vá s… — Nem consigo completar, porque o meu celular começa


a tocar.

— Hm, a ruivinha Guerra me respondeu, ela deve ter acordado de


bom humor. — Ele não tem medo do perigo.

Irritado, pego o aparelho e visualizo a tela. Ao ver o nome de Ayla,


meu coração estranhamente acelera, nem penso duas vezes para atendê-la.

— Bernardo?

Além de estar ansioso pela chegada dela e das minhas filhas, sinto-
me receoso em ela mudar de ideia em cima da hora. Embora tenha sido
firme em pedir que viesse morar comigo no Brasil, jamais teria coragem de
pedir a guarda de Lola e Lena caso ela não aceitasse. O lugar delas é ao
lado da mãe e do meu também, mas foi Ayla que esteve esse tempo todo
cuidando delas. Seria injusto se eu tomasse uma decisão dessas.

— Sim? — Limpo a garganta, saindo do transe.

— Cheguei ao aeroporto, estamos do lado de fora — diz, tirando um


peso dos meus ombros e coração.

— O.k. estou descendo. — Ergo-me da poltrona de couro luxuosa.

— Tudo bem — diz antes de desligar.


— Quer ajuda com as bagagens? — inquire Murilo.

— Sim. — Balanço a cabeça.

Sou o primeiro a sair do jato, com Murilo logo atrás. Ainda no topo
da escada, vejo Ayla e a família a alguns metros de distância do jato, perto
do carro em que vieram. Sem conter o sorriso ao ver minhas filhas no colo
da mãe e da avó, desço os degraus com os olhos vidrados nelas.

— Eu ainda estou sem acreditar que você é pai. Mas vou te dizer,
meu amigo, você está se saindo bem, viu? Até comprou um bebê conforto
para as gêmeas. Já está pensando como um pai — comenta Murilo, que
ficou calado tempo demais.

— Pois é, prioridades. — Sorrio, dando passos largos até a razão do


meu sorriso sincero a essa hora da manhã.

— Elas são muito fofas. Vou pegar muitas gatinhas com a ajuda
delas. As mulheres adoram um pai solo, facilmente irão pensar que são
minhas quando eu for à praia. E se você não me deixar levar as minhas
sobrinhas para sair, vai ver o que eu te faço — diz ele, se pondo ao meu
lado enquanto vamos até Ayla.

— Fale isso para a mãe delas, ela vai adorar saber do seu plano. —
Rio baixinho.

— Esse meu plano não inclui uma mãe brava, ainda mais a Ayla.

— Se tem amor ao seu precioso, é bom manter a língua dentro da


boca — aconselho.
— Obrigado pela parte que me toca — resmunga.

— Agora fique calado, não vá assustar a minha família com suas


pérolas — aviso, olhando pelo canto do olho ao notar que estamos quase
perto do carro.

— Família, é? — Ouço sua risada.

— Sim, idiota, as minhas filhas — corrijo-me.

— Eu não sei se te disse, mas adoro uma mãe solo também, e já que
você e a...  

— Nem continue, vai se arrepender — ameaço, baixinho.

— Ciúme, Bernie? — o filho da mãe diz assim que paramos na


frente da Ayla e sua família. Por sorte, estão distraídos com as meninas que
não ouviram nada.

— Bom dia — cumprimento e eles respondem em uníssono.

— Bom dia. Para quem não me conhece, sou o Murilo Campos,


melhor amigo do Bernardo — diz, sorridente, estendendo a mão para
Arthur e o cumprimentando, em seguida, faz com Fernanda. Ao chegar a
vez de Ayla, ela ergue a sobrancelha.

— Já nos conhecemos, Murilo. — Sorri para ele.

— Não faz mal eu me apresentar de novo. — Pior que ele nem está
mentindo.
— Se você diz — Ayla concorda, aceitando o cumprimento de mão
dele.

— Agora me deixa conhecer as minhas sobrinhas, estava ansioso


por isso — meu amigo revela, arrancando risadas.

— Está frio, Murilo, na aeronave você faz isso. — Observo minhas


filhas, que estão com as bochechas e a pontinha do nariz vermelhas.

— Você reclama de tudo, Bernardo, por isso está cheio de rugas. Se


estressa demais. Cada vez que você se irrita com pouca coisa, seu
envelhecimento acelera, mas dessa vez concordo com você — ele tagarela.

Aproximo-me de Ayla e passo a mão nas costas de Lola em seu


colo, em seguida, inclino-me e beijo a cabeça da minha filha, que está toda
agasalhada. Enquanto aqui está um gelo, na Bahia dá até para fritar um ovo
na calçada. Espero que com a mudança de clima elas não adoeçam.

— Cadê as suas coisas? — indago Ayla ao tocar em seu ombro e


olhar em seus olhos.

— No porta-malas.

— O.k. — Afasto-me dela e vejo que Arthur e Murilo já estão com


as bagagens nas mãos. — Só vai levar isso? — pergunto, notando que há
somente cinco malas.

— Sim, é suficiente — explica.

— Certo. — Meneio com a cabeça.


Antes de ajudar com as bagagens, passo por Fernanda e beijo a
cabeça de Lena. Rumamos todos até o jato e, vez ou outra, eu pego Ayla
avaliando-me pelo canto dos olhos. O que ela pensa, não sei, mas fico
curioso com os olhares que lança para mim.

— Bernardo, cuide bem delas, o.k.? — pede Fernanda, quando


estamos dentro do jatinho, com os olhos lacrimejados.

— Eu vou — prometo.

Ela me entrega Helena, com uma expressão de partir o coração.


Imagino o quanto está sendo difícil para ela essa despedida.

— Faço as palavras da Fernanda as minhas, rapaz — se manifesta


Arthur, pegando em minha mão.

— Pode deixar. — Balanço a cabeça, sério.

— Filha, me deixa te dar um abraço — pede Fernanda, indo até


Ayla, que dá Lola para o padrasto segurar.

— Você não vai me fazer chorar na frente de todos, não é? — Ela é


a primeira a chorar quando a mãe a abraça. — Eu vou cumprir todas as
minhas promessas, principalmente fazer ligações de vídeo para que veja
Lola e Lena — diz, soluçando.

— Se não me ligar, pego um voo correndo para o Brasil! — Funga


Fernanda.

Acabamos rindo do diálogo delas.


— Só assim para você voltar, né? — brinca e elas riem.

— Claro que não. Daqui a um mês vou visitar vocês — fala a mãe,
afastando-se da filha e limpando o rosto molhado.

— Eu já disse que não precisa parar a sua vida por minha causa,
mamãe — diz Ayla, tocando no ombro dela.

— Vocês são a minha vida.

Chego a ficar afetado com as palavras de Fernanda quando alterna o


olhar entre as netas e a filha.

Ao chegar a vez de Ayla e o padrasto se despedirem, a mãe dela


beija a testa das netas e quase chora novamente, mas se controla.

— Tenham uma ótima viagem — deseja Arhur, me entregado


Heloísa.

Com minhas filhas nos braços, vejo Ayla segurar o choro quando o
padrasto e a mãe saem do jato. Sensibilizado com a cena, vou até ela, que
no calor do momento me abraça. Ela só se afasta quando um dos pilotos
surge para fechar a porta e informar que já estão prontos para levantar voo.

Dois dias depois


Sentado no sofá da minha cobertura situada em Alphaville, verifico
em meu iPad alguns e-mails enviados por Rosa. Os dias que passei a mais
na Inglaterra sobrecarregou a minha agenda para essa semana, mas foi por
uma boa causa. Um tempo atrás, a empresa estava no topo das minhas
prioridades. Mas agora, as duas meninas que se tornaram pedaços vivos do
meu coração são a minha prioridade. 

Deixo meu iPad de lado para observar a minha família. Sim, é a


minha família. A mulher com o cabelo cacheado preso de forma bagunçada
e usando roupas simples sentada no chão atrai a minha atenção com a sua
expressão serena e algumas risadas que dá enquanto segura Lena pelos
braços. Ela me faz sorrir como um bobo algumas vezes sem que eu consiga
disfarçar. Minha menina está começando a ficar de pé, com os joelhinhos
trêmulos apoiando o peso. Ontem, eu soube que ela já fez isso várias vezes,
mas hoje foi a primeira vez que presenciei. Até me tornei sensível a ponto
de enxugar uma lágrima no canto do olho ao ter visto a cena mais cedo,
quando minha filha se segurou no braço de Ayla, que amamentava Heloísa,
e se levantou. Ela caiu de bunda no chão um instante depois, e a mãe sorriu
lindamente, acostumada a ver as primeiras vezes das nossas meninas.

Um cheiro ruim chega ao meu nariz, cortando totalmente meu


momento de contemplação.

— Parece que alguém precisa de um banho — diz, gargalhando. 

— Eu te ajudo. — Ofereço-me, mesmo não sendo tão bom quanto


ela.

Ayla me olha e, porra, esses olhares dela estão me matando. Nós


passamos pouco tempo juntos desde que nos reencontramos, mas sinto que
esse tempo separados é esquecido aos poucos.

— O.k., mas vamos logo. Parece que Lola está seguindo o exemplo
da irmã.

Gargalho com o que diz. 

Esse detalhe é o que mais me impressiona – como Lena e Lola


sempre sentem fome ao mesmo tempo, e como acabam sujando as fraldas
uma depois da outra.

— Precisamos achar uma babá para ajudar com tudo isso — sugiro,
levando Lena para o banheiro, com Ayla me lançando um olhar enquanto
carrega Lola. — Amanhã, eu vou voltar para a empresa e você vai acabar
sobrecarregada. — Fico preocupado. 

— Vamos pensar nisso depois. — Mordisca os lábios, meio


pensativa. — Você ligou para a sua mãe? — pergunta, colocando Lola no
trocador e encarando-me logo em seguida. 

— Eu ainda pretendo fazer uma surpresa para ela — justifico e ela


assente. 

— Coitada da dona Rúbia, vai saber que é avó no susto. — Pela sua
expressão, ela pensa em algo que a deixa com um sorriso tristonho. 

— Faz parte — murmuro, então ficamos em silêncio.

Nós não falamos sobre minha irmã, ainda não consegui dizer a ela o
que aconteceu porque Ayla não me dá margem para falar de Beatriz. Esta
noite, a minha mãe ficará surpresa ao me ver com a Ayla e com minhas
duas filhas lindas. E Ayla será surpreendida também ao descobrir que a
minha irmã mudou por completo. 

— Infelizmente — diz, depois de um tempo. Logo nos


concentramos nas gêmeas.

Ayla é mais rápida que eu, logo Heloísa está despida. Nós trocamos
as crianças e ela acaba tirando o que sobra das roupas de Helena.

— Pode me passar o xampu, por favor? — peço, segurando Lola na


banheira e esticando minha mão para segurar o frasco.

Ayla segura o frasco ao mesmo tempo que eu, e o sorriso dela se


desfaz por alguns segundos ao notar a nossa aproximação. Os seus olhos
castanho-escuros observam o meu rosto com um brilho astuto que vi várias
vezes na vida. Institivamente, fito os seus lábios carnudos. Se eu mover a
cabeça por alguns centímetros, dez malditos centímetros que me afastam do
objeto de desejo que é a sua boca, estaremos nos beijando.

Uma das meninas espirra e nossa atenção se volta para a banheira


rapidamente, quebrando o clima e nos tirando daquela bolha que criamos ao
nosso redor.

— Pode usar. — Pigarreia, desconcertada, soltando o frasco.

— O.k. — Balanço a cabeça.


O tempo que levou para terminarmos o banho das meninas foi feito
em um silêncio pesado entre nós.

Em poucos dias, já sei como dar banho em uma criança.

Como vestir uma bebê e trocar as fraldas.

Cuidar de duas. Que loucura maravilhosa, porque estou amando essa


experiência.

— Quer que eu cuide do resto para você se arrumar? — pergunto,


sabendo que ela provavelmente não vai querer sair como está.

— Consegue fazer tudo sozinho, Bernardaddy? — questiona, sem se


dar conta do novo apelido, então desvia o olhar parecendo envergonhada.

— Quando vai parar de me dar apelidos? — Meu tom quase a deixa


murcha, achando que é repreensão.

— Força do hábito, desculpe. — Limpa a garganta, nervosa.

— Não peça desculpas, senti falta disso — admito, sem perceber,


quando ela me entrega Lena.

Acho que estamos deixando as coisas acontecerem sem que


percebamos ou tenhamos controle.

— E-eu… Vou tomar banho, não demoro. — Quase sussurra.

— Posso dar conta daqui — garanto, mesmo não tão seguro das
minhas palavras, mas preciso ser útil e dividir as tarefas com ela.
— Certo — concorda, indo até a mala no armário e tirando peças de
roupas, em seguida, entrando no banheiro.

Coloco as meninas deitadas e pego as fraldas. Ayla riu ontem, nas


primeiras tentativas ao tentar vestir as meninas com fraldas limpas, mas
elogiou o tempo que levei para pegar o jeito.

— Rindo de mim, me faz pensar que já nasceu sabendo fazer isso —


acuso, fingindo indignação, fazendo-a gargalhar.

— Eu surtei nas primeiras vezes — admite, segurando Heloísa


enquanto visto a fralda de Helena. — Elas nasceram tão pequenas, quando
saíram do hospital, eu quase tive um treco. Toda vez que segurava uma
perna, elas choravam.

— Lamento não ter estado por perto. — Meu peito fica apertado.

Eu fiquei puto com Ayla por não ter me contado das nossas filhas,
mas sabia que ela tinha enfrentado tudo sozinha.

— Eu sei que podia ter feito mais — sussurra, me olhando nos olhos
com cautela.

— Não vamos nos ater ao passado. Só não quero mais perder um


segundo da vida delas.

Ela apenas balança a cabeça.

Helena começa a balbuciar e eu volto à realidade. Deixo a menina


com a fralda e começo vestir a de Heloísa, que bate as perninhas e estende
os bracinhos para mim, como se estivesse pedindo colo. Lena começa a
morder os dedos, e apesar de saber que sempre incomoda Ayla, deixo a
menina fazer isso porque é muito fofo.

Que a mãe dela não veja…

— Pá-pá… — Helena balbucia, me deixando derretido, quase sem


reação.

Ainda segurando Heloísa depois de vestir a fralda, olho para Helena


com lágrimas enchendo os meus olhos.

— Sim, minha princesinha — inclino-me para beijar a testa dela —,


é o papai. — Passo a mão em seu cabelo ruivo e sinto meu coração bater
descompassado.

— Dadada. — Ouço o gritinho de Lola e rio ao mudar a minha


atenção da sua irmã para ela.

— Deus, fui presenteado em dobro, e foi a melhor coisa que me


aconteceu. — Toco na barriguinha de Heloísa e faço cócegas com a ponta
dos dedos. A garotinha gargalha e eu vejo o dentinho na sua gengiva
inferior.

Pois é, o bendito dente já nasceu e está bem engraçadinho e fofo.

— Agora vamos tentar colocar a roupa. A mãe de vocês está


ocupada, então o papai tem que se virar. Colaborem. — Pisco para elas, que
mesmo sem entenderem nada, me olham curiosas.

Começo a minha primeira tentativa em vestir Lola, mas ela bate os


bracinhos e as perninhas. Suspirando, tento dialogar com ela para que se
distraia e se acalme, mas a danadinha não está disposta a me deixar colocar
sua roupa. Parto para Helena e ela faz o mesmo que a irmã. O.k., isso só
pode ser um complô. Juro que estou sentindo o suor deslizar por meu
pescoço.

— Filhas, ajudem o papai — peço, pegando no pezinho de cada uma


e balançando de leve. Elas acham graça e soltam risadas gostosas.

Quando ouço a porta do banheiro ser aberta, para que Ayla não se
sinta intimidada com a minha presença, não olho em sua direção. Mas esse
autocontrole não dura por muito tempo, basta que eu sinta o seu perfume
para que erga o rosto e a encare.

— Desculpe a demora — diz, com um pequeno sorriso.

— Nem percebi, Lola e Lena me distraem absurdamente. O que


posso fazer? Olhe só para elas, são perfeitas — comento, mas com os olhos
fixos nela.

Linda é pouco para essa mulher.

Ela usa um vestido estampado verde, o cabelo está preso em uma


trança e o rosto coberto por uma maquiagem leve.

— Vamos vesti-las, ou chegaremos à casa da sua mãe quando a


galinha criar dentes. — Ela se aproxima para pegar Helena.

Sempre achei que fosse difícil reconhecer gêmeos, pensava que os


pais os se confundiam, mas com as minhas meninas, com poucas horas de
convivência, eu soube diferenciar uma da outra. Sei qual é a mais sapeca e a
mais comportada. Agora posso diferenciar as duas até quando estão
dormindo.

Ayla e eu as vestimos com modelos iguais, Lena com um vestidinho


lilás, e Lola um amarelo.

— E a bolsa? — ela pergunta, colocando Helena no colo.

— Você a deixou pronta desde ontem, esqueceu? — respondo,


pegando Heloísa e indo até o armário pegar a bolsa das gêmeas.

— Muita coisa na cabeça — explica.

— Imagino — murmuro, vendo-a ser a primeira a deixar o quarto.

Saímos da cobertura em Alphaville e seguimos até o meu carro.


Quando colocamos as meninas nas cadeirinhas, meus olhos focam o rosto
de Ayla, que parece séria desde que saímos de casa.

— Você está bem? — pergunto, quando entramos no carro.

— Sim, só um pouco nervosa. Depois do que Beatriz me disse, fico


preocupada de ir até a casa dela com as meninas — confessa, sem um
vacilo em sua voz.

— Ayla — sussurro seu nome de forma suplicante e ela me encara


—, Beatriz passou por muita coisa, mas mesmo antes disso, ela não seria
capaz de fazer mal às meninas. Pode confiar em mim? — Nosso olhar se
prende por um tempo longo demais. Meu coração começa a se tornar
inquieto e ela assente após um tempo.
— Confio em você — afirma, colocando o cinto de segurança e eu
faço o mesmo, então sigo para o condomínio onde minha mãe mora.

Meu corpo está inquieto para mostrar à minha mãe as netinhas que
ela tanto sonhou. Se bem que o seu pedido foi um neto, agora tem duas.
Parece até que a mulher estava adivinhando, com toda aquela insistência em
ter netos.

Em quatro minutos, chegamos ao condomínio e temos nossa entrada


permitida. Ao meu lado, ouço Ayla suspirar, então afasto minha mão do
volante e seguro a dela que está em seu colo. Ela não protesta quando
entrelaço nossos dedos e dirijo até a casa da minha família. 

Estaciono o carro e nós descemos. Pegamos as meninas e a bolsa,


então andamos até a porta da casa da minha mãe e eu aperto a campainha.

— Fique calma, sinto a sua tensão daqui. Só relaxe — peço a ela,


que olha para todos os lados no condomínio.

— Estou tentando — sussurra, quase estagnada assim que a


governanta abre a porta e os seus olhos se arregalam ao me ver com a
minha filha nos braços.

Maria está quase pálida e boquiaberta, nem precisa me encher de


perguntas, porque basta olhar para as meninas para ter a resposta.

— Quem é, Maria? — Ouço a voz da minha mãe vinda da sala.

— Quero fazer uma surpresa para ela — digo para senhora de idade,
que balança a cabeça, estática, como se tivesse visto um fantasma.
Aposto que não será só ela que vai reagir assim.

Maria se afasta para entrarmos, então sigo até a sala, com Ayla ao
meu lado. Quem a olha, nem mesmo suspeita do nervosismo. A mulher
caminha em passos firmes com Helena no colo e a cabeça erguida, mas eu a
conheço e sei que está insegura de ficar frente a frente com Beatriz.

— Sou eu, mãe — aviso, surgindo na frente da minha família.

Rúbia Guerra e Beatriz estão sentadas no sofá. Elas se viram em


nossa direção ao mesmo tempo, e o espanto no rosto delas é nítido. A
minha mãe se levanta, com uma expressão de fascínio e confusão.
Bernardo segurar a minha mão é o consolo que preciso para
conseguir enfrentar o meu passado. Minha postura reta e com Helena no
colo ao entrar na casa só é possível porque o pai delas é uma presença
constante ao meu lado.

— Meu Deus, Bernardo, isso é um sonho? — O rosto da mulher está


pálido. Ela está trêmula e tentando sorrir, mas o sorriso vacila e várias
lágrimas descem por seu rosto.

— É bem real, tia Elena — respondo por ele, com a voz embargada
e envergonhada.

Sempre a tive como parte da minha família depois da minha mãe.


Tia Elena é a mulher adulta que mais teve influência na minha vida, e o
peso da culpa cai no meu estômago. Eu a afastei, deixei-a longe por tanto
tempo por causa do meu orgulho. Tinha praticamente escondido as netas
dela. Mamãe também fez isso ao se afastar, uma vez que não podia contar à
melhor amiga que eram avós.
— Me perdoe, tia… — peço, ao ver a mulher se aproximando de
Heloísa, que está no colo do filho dela.

Ela me olha com mais lágrimas descendo pelas bochechas. O rosto


estampa uma expressão de ansiedade, aguardando por uma história. Sinto
meu próprio corpo tremer ao pensar em abrir aquelas feridas que sem
querer Bernardo e eu acabamos causando um ao outro.

A mão dele pousa em minha lombar, me lembrando que ele está


comigo nessa situação. De repente, sinto-me segura por ter o apoio dele,
mas ao mesmo tempo, incerta com essa aproximação.

— Boa noite, Beatriz — ele fala.

Meu olhar finalmente recai sobre o da minha antiga amiga.

Com o peito apertado, encaro a ruiva com mais atenção e meu


coração vacila ao perceber que ela está com o rosto pálido, como se não
andasse ao sol com frequência. As olheiras escuras marcam seus olhos, ela
parece ter perdido muito peso desde a última vez que a vi. Nem mesmo o
cabelo vermelho tem o brilho de antes.

O que aconteceu com Beatriz? , quero perguntar , correr em sua


direção e dar colo a ela, segurar a sua mão e dizer que tudo vai ficar bem,
mesmo que ela não mereça uma atitude dessa de minha parte. Mas eu me
controlo para não agir no calor do momento e respiro fundo, em seguida,
olho para Bernardo que assente, como se enfatizando que tinha me contado
a respeito.
— Ayla? — Rúbia me chama, então tiro os olhos do rosto abatido da
filha para dar atenção a ela. — Como minhas netas se chamam? — inquire,
curiosa.

— Essa que está com Bernardo é Heloísa, que chamamos de Lola. E


essa aqui — indico a menina no meu colo, que está quieta por estar em um
ambiente diferente — é Helena, a Lena. — Sorrio ao terminar de falar.

— Lindos nomes. — Elogia a Rúbia, com os olhos brilhando ao


fitar as netas. — Eu posso pegar? — Seu tom embargado me quebra por
dentro.

Meu coração fica inquieto por um segundo, mas afasto a menina do


meu peito para deixar que a avó a pegue no colo.

Tia Rúbia segura a minha Helena com adoração, beijando o rosto da


menina e soltando uma das mãos para brincar com Heloísa. Pego a bolsa
com Bernardo para colocá-la no sofá, e quando o faço, meu olhar cruza com
o de Beatriz. Ela está com os olhos inundados, quase chorando.

— Nós duas podemos conversar, Ayla? — Sua voz vacila e os seus


lábios tremem.

— Tudo bem. — Eu já imaginava que em algum momento iríamos


ter que fazer isso.

Lanço a Bernardo um olhar apreensivo e ele apenas balança a


cabeça para me incentivar.

Gostaria de poder agir com a razão e não com a emoção, estou


morrendo de pena dela. E odeio saber que o amor que sentia por ela foi
substituído por um sentimento tão ruim.

Ter pena é uma palavra muito forte.

— Obrigada — a ruiva agradece de uma maneira tão calma, que eu


acabo estranhando o seu comportamento.

Então me lembro que Bernardo me disse que ela não era a mesma de
antes.

Sigo Beatriz pela casa, que não mudou muito desde a última vez que
estive aqui. Abraço meu corpo enquanto a sigo até uma sala adjacente. Bea
se senta, suspirando e me observando cuidadosamente, enquanto caminho
até a poltrona longe dela e me acomodo.

— Não sei o que o Bernie te falou sobre o que aconteceu. — O tom


é melancólico, inseguro. Ela não consegue olhar diretamente para mim.
Percebo a forma ansiosa como balança a perna e mexe os dedos de um
modo ininterrupto ao abaixar a cabeça.

— Ele não me contou nada. Eu não quis saber sobre a sua vida —
esclareço, com sinceridade, quando me olha parecendo surpresa.

Ela assente, colocando mechas de cabelo atrás das orelhas.

— E-e-eu sei que você ainda deve ter rancor de mim, mas me sinto
tão sufocada com tudo o que te causei. — Ela ergue o rosto e eu vejo
lágrimas descendo por suas bochechas. — Um pedido de desculpa é o
mínimo que devemos uma à outra depois de tudo.
Contenho a réplica. Beatriz tinha perdido o direito a qualquer
gentileza, a qualquer amizade minha, mesmo que ver a garota que foi como
uma irmã desse jeito me destrua. Não posso permitir que minhas filhas
sofram, por isso, tenho que agir com a razão em vez do coração.

Não estou sendo dura com ela, só preciso ser mais cuidadosa com as
minhas ações.

— Estou te ouvindo — murmuro, respirando fundo e cruzando as


pernas.

— Depois que tivemos aquela briga, eu mudei — conta, voltando a


desviar os olhos dos meus. — Sei que já era mimada e tudo mais que me
acusavam, mas as coisas pioraram depois que Bernardo se mudou. Eu não
ouvia minha mãe, não ouvia ninguém. — Soluça.

Observo a garota que sempre pensei que não teve a oportunidade de


ser uma adolescente rebelde.

— Uma noite, quando estava bebendo com os meus amigos, Mateus


e Gustavo resolveram fazer um racha. Eles estavam muito alterados, todos
estávamos. Eu fiquei incentivando a corrida com as meninas, Gustavo dizia
que se desse merda, o pai dele livrava a gente — sussurra a história,
chorando e balançando a perna mais rápido. As mãos de Beatriz vão para o
seu rosto e ela enxuga o canto dos olhos com o dorso da mão.

— N-nem t-tudo p-pode ser consertado com dinheiro, infelizmente.


— Beatriz solta as palavras como se fossem um tipo de tormento pessoal
dela.
Ela está novamente aos prantos e eu quase seguindo pelo mesmo
caminho ao criar muitas teorias na cabeça. Quando leva a mão à boca para
abafar o choro alto, meus olhos ardem e o meu peito fica apertado.

— Se não tiver condições para continuar, não o faça — peço, quase


obedecendo aos movimentos das minhas pernas que querem criar vida
própria para ir até Beatriz.

— E-eu preciso disso, só me dá um segundo — insiste, quebrada.

— Tudo bem — concordo, sentindo a minha garganta arranhar.

— O-os d-dois dirigiam muito rápido, de repente, Mateus perdeu o


controle do carro e saiu da estrada. — O choque que levo com a revelação
me causa uma dor aguda no fundo do coração. Nunca cheguei a ser próxima
de Mateus, mas ele parecia gostar dela. — O carro de Teus capotou várias
vezes. Os meus amigos me seguraram para não correr em direção ao carro.
Alguém gritava que ia explodir e isso acabou acontecendo. E ele morreu,
Ayla, o Mateus foi engolido por aquelas malditas chamas na minha frente.
Eu o perdi diante dos meus olhos e não pude fazer nada — confessa,
enfiando as mãos no cabelo e chorando desesperadamente.

— Meus sentimentos. — Quase engasgo para controlar o choro ao


vê-la tentar reunir forças para continuar a falar.

— O-obrigada — agradece. Suas pálpebras estão inchadas e tão


vermelhas quanto a cor do seu cabelo. — Depois disso, passei meses em
uma depressão profunda, mal saía dessa casa, perdi muito peso. Bernardo
passava mais tempo aqui, o instinto fraternal falou mais alto.
— Sinto muito. — Lamento de verdade. Tenho certeza de que
Beatriz e Mateus tinham planos, talvez até mesmo de construir uma família.
Ele era tão jovem.

— Eu não te chamei aqui para falar sobre isso, me desculpe —


esclarece, secando o rosto.

— O que quer me dizer, então? — inquiro, curiosa.

— Lamento o que eu disse naquele dia na empresa. Eu estava tão


cega, e, no fundo, me arrependi imediatamente, mas não conseguia deixar
de ser uma escrota do caralho. — A voz de Bea fica aguda ao terminar de
falar.

— Normalmente, aquelas palavras não teriam me afetado tanto —


aviso, fazendo-a me encarar novamente. — Eu tinha acabado de descobrir a
gravidez, estava indo à sala do seu irmão falar com ele sobre isso, mas
depois do que você me disse, não tive estrutura para ir até o Bernardo —
confesso.

— Eu sinto muito, de verdade. — Ela volta a ficar com os olhos


lacrimejados.

Ela realmente mudou. O comportamento, as expressões. A menina


inocente da nossa adolescência não existe, a universitária maluca e dada a
fazer alvoroço também não está mais ali. Beatriz Guerra parece a casca do
que foi antes.

— Sei que provavelmente você me odeia, mas posso segurar as


minhas sobrinhas? — pergunta, nervosa com a possibilidade de recusa.
— Claro — falo, com a voz calma.

— Obrigada por tudo. — Beatriz se levanta e me estuda por um


longo tempo. A forma como as mãos dela se abrem e se fecham em punhos
me deixa atenta, aguardando seu próximo movimento. Mas minha ex-
melhor amiga apenas caminha de volta para a sala, então faço o mesmo.

Rúbia está com as netas no colo, sentada no sofá quando


retornamos. Eu e Bernardo nos entreolhamos e ele parece questionar tudo.
Volto minha atenção para a ruiva, que se ajoelha na frente da mãe e sorri ao
brincar com as meninas.

A matriarca Guerra me lança um olhar inquisidor quando Beatriz


pega Helena do colo, mas eu meneio com a cabeça de leve e ela parece ficar
tranquila.

— Elas se parecem com você, Bernie.

O irmão dela abre um sorriso bobo.

— Mas elas têm o nariz da Ayla — Rúbia se intromete, avaliando-


me com carinho, quando me sento ao seu lado no sofá.

— Eu sinto muito, tia, não era a minha intenção manter você longe
das suas netas — digo, sabendo que a atenção dos Guerra está em mim.

— Por mais que eu queira te dar um puxão de orelha, sei que você
deve ter um bom motivo para ter mantido minhas netas longe da família
delas. — Suas íris brilham, mas o sorriso desaparece.
— Quando eu não consegui entrar em contato com Bernardo, não
aceitei a ideia de falar com você antes dele. Não queria que o seu filho
soubesse sobre as meninas através de outras pessoas. A mágoa só aumentou
com o tempo, e eu não podia simplesmente renunciar as minhas filhas.
Confesso que me tornei uma pessoa egoísta a tudo que envolve as meninas.

— Entendo que se desencontraram, mas você simplesmente deixou


de tentar. Consigo entender a sua raiva de Bernardo, só que nada justifica
você não ter confiado em mim. Sei que vocês se desentenderam, mas
sempre pensei que eu tinha uma importância maior para você, Ayla. — A
voz de tia Rúbia é de pura chateação.

— Mãe… — Bernardo tenta intervir no sermão que recebo.

— Não, Bernardo, ela tem razão, mas não tenho como voltar atrás.
É tarde demais — admito, erguendo o rosto para encará-lo.

Rúbia concorda em silêncio e suspira ao baixar os olhos para a neta


em seu colo.

— Só não me deixe longe delas outra vez — pede, tocando em


minha mão.

— Eu prometo que não vou — murmuro.

— Agora me dê um abraço, querida. Senti muito a sua falta nessa


casa — confessa, então nos levantamos.

— Eu também senti a sua falta, tia. — Eu a abraço com cuidado por


causa da Lola.
— Mamama — chama Heloísa. Eu me afasto da avó dela, vendo a
minha ruivinha esticar os bracinhos para mim.

— Vá para sua Mamama. — Rúbia nos faz rir ao falar como a neta.

— Vem, filha.

Me sento no sofá, embalando Lola para mamar. Não demora muito


para que Lena peça colo ao pai, que faz a vontade dela sem pensar duas
vezes. Beatriz fica admirada ao ver o irmão tão rendido por suas bebês.

— Por que você está chorando, meu anjo? — pergunta, sendo um


pai coruja.

Fico impressionada de como Lola vai se acalmando ao ouvir a voz


dele. Ela segura o nariz do pai com os dedos pequenos e ele ri, suas risadas
preenchendo a sala. Até mesmo a irmã dele dá risada ao ver o irmão, um
homem inabalável, se derretendo por uma menina que tem menos de um
ano de vida.

Assim que Lola dorme em meu colo, eu a tiro do peito e peço ao


Bernardo que a pegue e me dê a irmã dela. Depois da troca, ele põe Heloísa
com o rostinho apoiado em seu ombro. A sua família solta um suspiro ao
vê-lo ser tão adorável com a filha.

Calada, observo Lena agarrada ao meu seio, já com os olhinhos


fechados e muito sonolenta. Pelo canto do olho, vejo Bernardo se sentar no
sofá com sua mãe e irmã o acompanhando. Depois de alguns minutos,
Helena dorme, então limpo sua boquinha e a coloco deitada em meu ombro.
— É melhor nós irmos — Bernardo avisa depois de um tempo, ao
notar que as gêmeas estão adormecidas.

— Por que não ficam aqui? — sugere Rúbia, ansiosa.

Eu e o filho dela nos entreolhamos.

— Mãe, a Ayla e as crianças ainda estão se adaptando a nova rotina


do ambiente. Não tenha pressa, as suas netas estarão sempre aqui para você
— diz Bernardo.

— Só estou um pouco animada Bernardo, mas sei disso. — Rúbia


alterna o olhar entre mim e Bernardo. — Quando podemos visitar vocês? —
inquire, curiosa.

— Quando quiser. — Dou um sorriso gentil.

— Posso te dar um abraço, Ayla?

Paraliso ao ouvir a voz de Beatriz. É um pedido inesperado, mas eu


sei que ela quer fazer isso desde o fim da nossa conversa.

A sala parece ficar mais silenciosa enquanto as palavras ressoam na


minha mente. Olho de Bernardo para a mãe dele e de volta para ela.

— Me desculpe, Beatriz, mas preciso de um tempo. Vamos com


calma, tudo bem? — peço, fitando Bernardo e a mãe.

— Eu entendo, tenha o seu tempo. — A ruiva me dá um sorriso


murcho, mas sincero.
Gostaria de poder abraçá-la, mas quero ir aos poucos, sem pressa,
para não tropeçar e me decepcionar novamente.
Duas semanas depois

Desde que Rúbia e Beatriz descobriram sobre as gêmeas, as duas


visitam a cobertura que estou morando com Bernardo com tanta frequência,
que a babá nova chamada Júlia, que contratamos na semana passada por
indicação da Maria, comenta que está se sentindo meio inútil. Agora mesmo
está repetindo as mesmas palavras de mais cedo.

— A senhora ainda dá risada, é? Estou falando sério. Fico até com


vergonha de dizer que venho trabalhar, já que passo a maior parte do tempo
sem fazer nada. — A mulher passa a mão por seu uniforme cor-de-rosa. Ela
é bonita e um pouco mais velha do que o Bernardo.

— E você quer que eu chore? — Gargalho, vendo-a fazer uma


careta. — Não vou me aproveitar de você só porque é a minha funcionária.
Se a tia e a avó delas estão aqui e querem fazer coisas por elas, eu nem ligo.
Elas adoram ajudar e eu acho bom ter esse auxílio da parte delas.

— Ah, dona Ayla, eu sei, mas só tenho uma semana de emprego e a


senhora é tão boa que fico agoniada e me sinto inútil. A última patroa que
eu tive me fazia carregar a filha de quatro anos pra cima e pra baixo, quase
fiquei com problema na coluna — revela, envergonhada.

— Júlia, vou ser sincera com você. Se não fossem duas meninas,
não contrataria uma babá, iria me virar sozinha. Mas como são, nem sempre
vou dar conta — digo, olhando em seus olhos. — Se a contratamos não foi
para te explorar, foi para me dar uma força se necessário, e quando Rúbia e
Beatriz estão aqui não é. Você me ajuda no resto do dia — esclareço e ela
chega a ficar emocionada.

— Me desculpe se entendi errado, é que não estou acostumada a ter


bons patrões. Na maioria das vezes, só se importam com eles — murmura,
cabisbaixa.

— Pois vamos mudar esse seu pensamento já! Aqui você não é
nossa empregada, é a nossa auxiliar! — Quando me levanto-me do sofá,
piso em um urso de pelúcia que está no chão. Rúbia e Beatriz têm que parar
de trazer presentes, ou logo Bernardo e eu não vamos mais caber nessa
casa.

— Certo. — Ela sorri.

— Deus, esse lugar está cheio de brinquedos. — Agacho-me e pego


o urso, jogando no baú abarrotado no canto da sala.

— Quero só ver quando elas fizerem aniversário, aí sim não vai ter
onde colocar mesmo.

Arregalo os olhos com a possibilidade.


— Vou proibir a entrada de convidados com presentes, Ju — brinco,
passando a mão na testa e encarando as gêmeas, lembrando-me que daqui a
pouco iremos sair.

Heloísa e Helena estão dormindo na cadeirinha, mas já prontas para


sair. Eu coloquei um short e uma blusinha confortável, o calor de Salvador
parece pior depois de passar tanto tempo em Londres.

Mamãe me ligou por chamada de vídeo na noite anterior e disse que


Zeca e Janete estão doidos para conhecer as meninas. Depois de contratar
Júlia, um aperto no meu peito se forma sempre que pronuncio seu nome por
me lembrar da minha antiga amiga Juliana, que me ajudou muito quando eu
estava trabalhando na mktda guerra, principalmente quando descobri sobre
a gravidez. Mas depois que saí do Brasil, não mantivemos contato e eu me
sinto culpada.

Beatriz conseguiu quebrar o meu coração o suficiente para que eu


me desfizesse de qualquer amizade, mas isso está para mudar. Quando
Bernardo saiu para trabalhar essa manhã, eu o fiz prometer que pediria ao
Luiz Miguel para dar um dia de folga para Juliana para eu tentar fazer as
pazes com a minha amiga.

— Dona Ayla, ainda vamos sair? — inquire.

— Iremos. O Zeca já deve estar lá embaixo, ele é pontual. Já são


nove, foi esse horário que combinamos. — Olho para o relógio em meu
punho.

Júlia pega a mala de mão que eu fiz mais cedo e coloca na entrada
da cobertura. Pego a Heloísa na cadeirinha e coloco a bolsa das minhas
filhas no ombro, enquanto a babá pega Helena.

Nós seguimos até o elevador em silêncio. Do lado de fora, vejo Zeca


parado perto do carro novo que minha mãe tinha deixado aos cuidados dele
para assuntos da empresa. Aceno para ele animadamente.

Meu celular sinaliza uma nova mensagem, então pego o aparelho do


bolso do short enquanto andamos até o veículo.

— Não sei o que está acontecendo, mas meu chefe me passou o seu
número e pediu que eu entrasse em contato. E ainda me deu o dia de folga.

Reconheço a voz magoada de Juliana por áudio.

— Sim, é verdade. Agora pegue um Uber e vá até a minha casa em


Piatã, quero muito falar com você — respondo com outro áudio.

— Está bem. Hoje, descobri que Londres não tem acesso à internet
— fala, parecendo irritada.

— Juli, por favor — peço, fechando os olhos por um instante —, me


deixe falar com você.

— O.k., Ayla. Te encontro na sua casa — diz, encerrando a nossa


conversa.

— Problemas, dona Ayla? — Zeca me pergunta, pegando a mala da


minha mão.

— Nem faz ideia, Zeca — admito. — Parece que eu errei com uma
penca de gente.
Zeca sussurra que vai dar tudo certo e coloca a mala no carro. Nós
ajustamos as cadeirinhas e Júlia se senta perto delas, no banco de trás do
carro. Eu me sento ao lado do motorista.

— Elas não se parecem nada com a senhora — ele diz, com um


sorriso bobo no rosto ao elogiar minhas filhas.

— É, Zeca, é a vida da mãe. Carrega as crianças na barriga por


vários meses, e quando nascem, são a cara do pai. — Finjo um resmungo,
fazendo o motorista rir.

— Seu Bernardo deve estar feliz pra caramba — comenta.

— Está, sim — concordo.

Nossa conversa no carro gira em torno das meninas. Enquanto Zeca


dirige de Alphaville até Piatã, meu coração acelera com a nostalgia de estar
na minha terra. Você sai do Nordeste brasileiro, mas ele não sai de você.

No meio do caminho, sorrio ao ouvir as novidades. Zeca vai


comentando sobre os prédios novos, falando sobre tudo que aconteceu
enquanto estive fora, e antes que eu perceba, estamos entrando no
condomínio Bosque Verde.

Em questão de poucos minutos, estamos parados em frente à casa


que chamei de lar por tanto tempo.

— Bem-vinda de volta, dona Ayla. — Zeca me puxa dos meus


pensamentos, em seguida, salta do carro e ajuda Júlia a tirar as meninas. —
Vou chamar a Janete para ver esses anjos, ela vai ficar muito feliz — avisa,
sorridente. Mas antes de sair à procura da esposa, ele me entrega um molho
de chaves quando saio do veículo.

Com as mãos tremendo de emoção, abro a porta e vou até Júlia para
ajudá-la com Lola e Lena. Assim que piso na sala, meu coração saltita e
meus olhos ardem ao ter vastas lembranças de viver ali com mamãe.

Eu fui feliz aqui, não posso negar.

— Ju, pode ficar com as meninas enquanto dou um pulo lá em cima,


por favor? — peço, observando ao meu redor e vendo que Janete manteve a
casa limpa em nossa ausência.

— Vá, eu cuido dessas lindezas — promete.

Coloco Lena no sofá com a bolsa e sigo até a escada sem olhar para
trás.

Seguro em uma pilastra perto da escada e começo a subir os


degraus, com minha mão deslizando pelo corrimão de madeira. A sensação
nostálgica apenas aumenta. Quando abro a porta do quarto em que
costumava dormir, percebo o quanto minha vida era diferente. A prateleira
com livros está limpa, a cama forrada com o lençol floral, minha
penteadeira continua ali, com cremes e perfumes, e em cima da cama, os
bichos de pelúcia que eu costumava adorar.

É como voltar no tempo e perceber que aquele mundo pertence a


uma pessoa diferente. Meu celular sinaliza uma notificação de mensagem,
então o pego e vejo que é a Juliana informando que chegou e está me
esperando do lado de fora.
Guardo o aparelho e saio do quarto, fechando a porta atrás de mim.

Sorridente, desço a escada que não faz nem tantos minutos que subi
e passo por Júlia, que canta para as minhas filhas que já estão no carpete da
sala. Eu me aproximo da porta e a abro, me deparando com a minha amiga
de costas, batendo os pés no chão.

— Juli! — chamo-a, avaliando as tranças grossas em seu cabelo.

Ela gira nos calcanhares e eu não contenho a felicidade ao ver o seu


rosto pessoalmente depois de tanto tempo.

— Sua peste! Eu ainda estou com raiva, mas é muito bom te ver —
diz, vindo até mim e me abraçando com força.

— Tenho tanta coisa para te contar. Vem, entra — digo, enquanto


nos afastamos e entrelaçamos nossos braços.

Ao entrarmos, ela solta um som de empolgação ao ver as meninas


sentadas no carpete da sala. Minha amiga olha para mim com a mão na
boca e os olhos arregalados, é como se neste momento tentasse ligar os
pontos, mas não chega à conclusão, ou prefere deixar de lado o
questionamento das minhas meninas serem ruivas, exatamente como o seu
patrão.

— Deus, são duas! Como se chamam? — Sorri, animada.

— Pois é. Heloísa e Helena. — Aponto para cada uma, que olham


em minha direção. Elas são assim, não aguentam me ver.
— Elas são muito lindas. — O sorriso de Juliana diminui conforme
observa minhas meninas de perto. — Esse cabelo…? — Arqueia a
sobrancelha.

— Elas são filhas do Bernardo, sim, o dono da mktda guerra —


revelo.

— Jesus! — Ju fica boquiaberta. — Como você não me disse que


sua paixão do passado era o nosso chefe? — questiona, caminhando até as
minhas filhas e se sentando no chão para brincar com as meninas, que
parecem nervosas com a estranha empolgada.

— Eu não sabia nem por onde começar a te contar tudo — admito,


me reunindo às garotas no carpete.

— Bom, temos tempo agora. — Minha amiga me olha de maneira


sugestiva, logo ouvimos um pigarreio.

— Dona Ayla, posso tomar um pouco de ar lá fora? — pede a babá,


com o rosto vermelho.

— Claro, Júlia, pode ir.

Sei que ela quer nos dar privacidade, nem me dei conta que estava
prestes a falar do meu passado na frente dela.

— Obrigada — agradece, saindo às pressas da casa.

— Dadadada — balbucia Lena e Ju fica toda derretida.

— Ah, que fofura! — Toca na mão de Helena.


— Amiga, vou te contar tudo do início, mas resumidamente, para
que você entenda bem as minhas razões.

— O.k., estou ouvindo. — Ela fica atenta a mim.

Puxo o ar para os pulmões e começo a narrar como tudo começou.


Alguns minutos passam e eu percebo que contar para a Juliana é mais fácil
do que eu pensei que seria. Minha amiga ouve tudo atentamente e me faz
uma pergunta ou outra quando percebe que não entendeu algo. Até que
fazemos uma pausa para que eu possa dar atenção às minhas filhas na troca
de fraldas, com a ajuda dela. Logo nos sentamos no sofá com as gêmeas,
uma em cada colo.

— Beatriz sempre foi minha única amiga, éramos como irmãs, e


depois do nosso rompimento, só conseguia pensar que não dava mais para
confiar em ninguém — admito ao findar a história. — Me desculpe por
isso, fui ingrata. Desde o começo você me apoiou sem pedir nada em troca.

— Nossa, Ayla, você achou mesmo que eu ia te acusar de dar o


golpe da barriga? Mulher, você já tem uma vida muito boa. No máximo,
poderia dizer que você foi idiota por não tomar cuidado. — Pisca para mim.

  — Fui boba, amiga, me perdoe. Mas me fale de você, soube


que está namorando o Luiz — comento, deixando Juliana sorridente.

— Não sabia que o chefe ficava atento às fofocas do trabalho. —


Rimos. — Estou sim, amiga, mas faz pouco tempo. Estamos mantendo a
discrição no trabalho, porque não queremos que ninguém diga que estou
tendo privilégio por transar com o chefe do setor de artes. — Torce a boca.
— Eu entendo, sei bem o que é isso. — Me compadeço da situação.

Antes que Juliana me responda, ouço passos e olho por cima do


ombro, vendo Janete entrar na casa ao lado do marido acompanhados de
Júlia. Eles cochicham para mulher não nos atrapalhar, mas sorrio ao me
levantar para cumprimentar a esposa do nosso motorista.

— Dona Ayla! Olhe só para você, está ainda mais bonita — elogia,
sem conseguir tirar os olhos das minhas filhas.

— Não me chama de dona, Janete, você praticamente ajudou a me


criar. — Lembro-a e a mulher sorri.

— É o costume. Benza a Deus, como elas são lindas — sussurra a


mulher, encantada. — Elas são a cara do seu Bernardo — diz o que todos
dizem ao vê-las.

Sorrio ao ouvir suas palavras.

— Más línguas falam que só emprestei o útero para ele — brinco e


todos riem.

— Mas o nariz delas…

— Se parece com o meu — concluo, divertida ao me lembrar o que


tia Rúbia disse.

— Isso! — Janete ri.

— Vocês querem pegar um pouco as meninas? — inquiro para o


casal, que aceita rapidamente.
— Tem certeza, dona Ayla? — pergunta Zeca.

— Isso é pergunta que se faça, homem? — A esposa dele o cutuca


na costela.

— Claro que sim. — Rio baixinho.

O casal pega as meninas e por pouco não choram. Eles brincam com
elas, que rapidamente ficam entretidas. Enquanto Janete, Zeca e Júlia
brincam com as meninas, chamo Juliana para cozinha e ofereço à minha
amiga uma taça de vinho, enquanto procuro um suco na geladeira para
mim. Juliana sorri ao me ver pegando a bebida.

— Quando íamos à praia, antes de saber da gravidez, você sempre


bebia uma bela cerveja — lembra.

— Pois é, mas agora tenho que ser cuidadosa, porque tudo que entra
nesse corpo, vai parar aqui. — Indico meus peitos. Ela inclina a cabeça para
trás e gargalha. — Estou tentando ser melhor e mais responsável pelas
meninas — murmuro, ao colocar um pouco de suco no copo.

— Você precisa me visitar. Estou morando sozinha, então é provável


que a gente vá comer miojo e beber cerveja, ou, no seu caso, um suco. Mas
vendem um ótimo acarajé lá perto — sugere.

— Vou adorar, sabe que sou louca por acarajé. — Sinto minha boca
encher de água ao pensar em comer uma das minhas comidas preferidas.

Depois de tanto tempo longe, preciso matar a saudade da culinária


baiana. Bernardo tinha comprado alguns na volta para casa do trabalho, mas
comida nunca é demais.
 

 
 
Meus dias na empresa estão sufocantes, para dizer o mínimo.
Depois de uma semana fora, havia uma pilha de contratos enorme na mesa
que requeriam minha atenção. E eu estou cuidando dela enquanto resolvo
os demais problemas da empresa, reuniões que me obrigam a me deslocar,
ou ficar horas enfurnado no escritório, ouvindo ideias ruins de clientes
importantes.

Meu escritório agora tem fotos minhas com as meninas, das duas
sentadas no carpete, e a minha favorita é a foto em que estou com Heloísa
no colo e Ayla sentada ao meu lado com Helena. Júlia tinha tirado a foto
três dias atrás e eu gostei tanto que a imprimi para colocar na mesa.

Ayla e eu, embora não queiramos admitir, estamos vivendo como


um casal de verdade. Ela prepara jantares e cafés da manhã, nos sentamos
para conversar depois do jantar e ela sorri das minhas conversas sem graça.
Eu não posso negar que estamos vivendo uma experiência maravilhosa.
Com a convivência, estamos nos conhecendo mais agora do que antes. Soa
até engraçado isso, já que nos conhecemos uma vida inteira.
Aproveitei os minutos entre a última reunião da manhã e o horário
que marquei de encontrar com ela no restaurante perto da empresa, para
analisar o contrato que estou prestes a assinar. Mas o telefone toca antes que
eu consiga assinar.

— Sim? — pergunto, assim que encosto o telefone na orelha.

— Bernardo, a segurança ligou e informou que tem um rapaz que


diz ser seu amigo de longa data querendo falar com você — fala Rosa.

— Quem é? — indago, largando a caneta em cima do contrato.

— Não sei, ele não disse o nome, só disse que vocês são velhos
amigos. Posso deixar que ele entre?

Tive muitos amigos ao longo da vida, muitos com quem nem tenho
contato, com o passar dos anos só restou o Murilo. Talvez seja algum que
não consegui manter contato.

— Não, Rosinha. Uma pessoa que nem diz quem é não vai subir.
Vou até lá ver quem é — aviso, ao erguer o braço e olhar para o meu
relógio. — Vou sair para almoçar logo em seguida.

— Tudo bem.

Pego o blazer e o celular, ando em direção à porta e a fecho atrás de


mim. Meus pés me guiam até o elevador enquanto me pergunto quem é a
pessoa do meu passado que está me procurando. Aperto o botão do térreo e
espero enquanto desço os andares.
Saio do elevador, rumando para a saída do prédio. Tenho vontade de
refazer meu caminho para o interior ao ver a pessoa. Pedro Henrique está
ali, usando um terno surrado, cabelo quase todo grisalho e o rosto abatido.

— Ele está insistindo que é seu amigo e que quer entrar para te ver,
sr. Guerra — o segurança diz ao se aproximar.

Se um funcionário antigo estivesse ali e reconhecesse Pedro,


provavelmente ele estaria dentro, foi sorte ser um novato.

— Tudo bem, pode ir. — Assim que o funcionário se afasta, dou


alguns passos até o filho da mãe, ficando em frente ao homem, como uma
parede entre ele e a entrada da minha empresa.

O homem estende a mão em minha direção, mas enfio as minhas


nos bolsos, dispensando o seu cumprimento. Pedro Henrique abaixa a mão,
sorrindo como se estivesse desconcertado, e isso não me afeta nem um
pouco. Como ele tem o descaramento de vir me procurar e dizer ser um
amigo depois de tudo o que fez? Só pode ser piada, e uma bem sem graça.

— Podemos conversar, Bernardo?

Estudo a sua expressão e noto o quanto está acabado fisicamente.

— Acho que tudo que nós tínhamos para falar foi dito no dia que
enchi sua cara de porrada. — Respiro fundo, medindo-o com um olhar
desinteressado.

— Pelos velhos tempos. Não estou procurando confusão, por favor


— argumenta.
— Você tem dois minutos. Estou te ouvindo. — Não saio da frente
da empresa, muito menos dou a esse homem a liberdade de entrar para ver o
que construí enquanto ele estava afastado.

— Sei que errei com você em todos os sentidos e, principalmente,


com a Ayla, naquela noite. Porra, a garota só tinha dezoito anos. Eu já estou
passando dos quarenta, não me sinto bem com as coisas que fiz no passado.
— A voz dele é tão mansa que me causa uma certa estranheza, isso não faz
parte da personalidade dele.

Fico calado observando o rosto do sujeito. Ele enfia as mãos nos


bolsos como se estar frente a frente comigo o deixasse nervoso. Olhando
para Pedro, me pergunto como fui capaz de chamar esse cretino de amigo.
Quando nos conhecemos, lembro-me que fiquei um longo tempo pensando
que ele era um idiota, que talvez não valesse a amizade.

— O que estou tentando dizer é que fui um moleque, o pior é que já


nem tinha idade para ser um. Peço perdão pelo que fiz naquela noite e com
a sua ex-noiva. Se você puder me perdoar, e se em algum momento quiser
retomar a nossa amizade, ficaria muito feliz. Sinto falta de sermos amigos.
— Ele passa a mão no cabelo, meio nervoso.

— Pedro Henrique, você errou na minha casa, desrespeitou pessoas


que são importantes para mim, mas não sou eu que tenho que desculpar
você. — Suspiro, deixando de fora o episódio dele com a safada da minha
ex-noiva. Nem vale a pena, ela nunca foi de grande importância para mim.
Naquela época, eu estava cego, e hoje é como se a mulher nunca tivesse
passado pela minha vida.
— Eu sei, mas você era meu amigo, confiava em mim para estar na
sua casa e eu agi como um babaca. Realmente quero voltar a ser seu amigo,
nossa amizade era importante para mim — justifica, olhando em meus
olhos.

— O que você quer de mim? Bancar o coitadinho em busca de


perdão não faz o seu estilo, me diga de uma vez o que deseja. — Fecho a
expressão, aborrecido com a falsidade do homem.

Podemos ter ficado todos esses anos distantes, mas o conheço muito
bem para saber que ele quer algo de mim.

— E-eu… Quero te pedir uma ajuda, em nome da nossa antiga


amizade — gagueja, envergonhado.

Eu sabia!

— Diga o que é. — Cruzo os braços.

— Será que podemos conversar no seu escritório? — pede, olhando


para todos os lados, mas eu nego ao balançar a cabeça.

— Na minha empresa você não entra, fale de uma vez o que deseja.
— Meu olhar duro quase faz o homem se encolher.

— Nos últimos meses, eu me envolvi em muitas confusões e com


acompanhantes de luxo, viciei em jogos do bicho e estou endividado. Falta
muito pouco para que eu perca o meu apartamento. Peguei um empréstimo
e o dei como garantia no banco — confessa, desviando o olhar.

— Seja mais direto.


— Eu preciso de dinheiro, ou vou perder tudo. A minha família não
quer me ajudar, meu pai, principalmente. — Esfrega as mãos uma na outra.

Solto uma risada baixa e amarga, não acreditando no que estou


ouvindo.

— Eu poderia dizer que sinto muito, Pedro, mas estaria mentindo.


— Comprimo os lábios. — O meu ramo nos negócios não é ser banqueiro,
não posso te emprestar nada, você veio ao lugar errado.

O homem fica pálido.

— Eu prometo que te devolvo tudo…

Estou prestes a perguntar se ele acha que sou algum idiota, mas olho
para o outro lado da rua e vejo Ayla se aproximando com Lola. Júlia a
acompanha, a bolsa das meninas em seu ombro, empurrando o outro
carrinho com Lena dormindo.

Volto meu rosto para o de PH e noto que ele está encarando minhas
filhas com uma surpresa evidente no rosto. O instinto protetor me contorce
quando reparo que o homem sujo observa as minhas filhas um tanto
aturdido.

— Vocês dois estão juntos? — Ele vira o rosto para mim,


boquiaberto.

— Sim — minto, mesmo sabendo que Ayla pode me desmentir,


porque ela está perto o suficiente para nos ouvir.
Lanço à mulher um olhar pedindo para ela não me contrariar. Não
confio nesse merda. Então meus olhos voltam para o sujeito à minha frente.

— Caralho, duas filhas — diz ele, olhando para Lola e Lena dentro
dos carrinhos.

Ayla acaba se movendo, eu a conheço o bastante para saber que falta


pouco para tirar Heloísa e Helena do carrinho e correr com elas para dentro
da empresa.

— Parabéns. — Sorri falsamente. — Aliás, Ayla, me desculpe por


tudo que aconteceu naquela festa. — Ele coça a nuca, fingindo estar
desconcertado ao não receber atenção dela e ser ignorado.

Volto meus olhos para a mulher que está imóvel a quatro passos de
distância. Ela apenas assente como se não entendesse muito bem o que
Pedro faz comigo. Mas mesmo cheia de confusão, ela se aproxima com as
crianças.

— Você chegou cedo. — Olho para ela, que encara Pedro Henrique
com uma certa desconfiança.

— Vim encontrar com Juliana antes de ir ao restaurante —


esclarece, com a voz firme.

— Acho que nós já terminamos aqui, não é, Pedro? — Não é uma


pergunta, é uma afirmação, então PH apenas assente.

— Não vou atrapalhar sua reunião de família. Foi bom ver vocês.
O homem sai andando para longe da minha família e eu coloco o
blazer em cima do meu ombro. Vou até o carrinho em que Lola está,
tentando morder o próprio pé. Logo a minha expressão endurecida
desaparece quando vejo a cena fofa.

— Oi, princesa do papai. — Pego-a no colo e Lola dá uma risadinha


gostosa ao tentar segurar meu nariz. Eu beijo a barriga dela e volto meu
olhar para Ayla, que me encara cautelosa.

— O que ele queria? — pergunta, desconfortável.

— Nada importante, veio se desculpar. — Analiso a sua expressão


tensa.

— Por que disse para ele que estamos juntos? — questiona,


limpando a garganta.

— Não quero que aquele idiota saiba sobre a nossa vida. Não é da
conta dele — justifico, sem delongas.

Apesar de ela tentar disfarçar, vejo os seus olhos escuros parecendo


desapontados. Meu coração salta no peito ao reparar nisso, e antes que eu
abra a boca para dizer qualquer coisa, ela diz:

— Vou falar com Juliana para irmos. — Se afasta e faz um gesto


com a mão para a babá, em seguida, pega Heloísa dos meus braços.
O almoço com Ayla foi a melhor parte do meu dia. Chego a essa
conclusão conforme sigo para casa, no fim do expediente. Antes da chegada
das meninas, eu podia trabalhar até as nove ou dez da noite, mas eu já tinha
perdido tempo demais longe das minhas filhas, então quando dá seis horas,
independentemente do que tenha para resolver, eu me preparo para voltar
para a casa.

Enquanto dirijo, meus pensamentos me levam para a noite no


hospital, ainda preciso agradecer ao Murilo por ter comido algo estragado
naquele dia.

Entro no condomínio cumprimentando os seguranças e sigo até o


meu prédio.

Quando decidi sair da casa da minha mãe por não estar tendo uma
boa convivência com Beatriz, só me importava em ter paz. Agora, tudo
parece ter sido obra do destino para quando as meninas viessem, eu já
tivesse um lar para elas. Nesse lugar, me sinto confortável e seguro em
deixar minhas filhas e minha… bom, Ayla, o dia todo enquanto trabalho.

Deixo o carro na garagem e subo para a cobertura. Assim que as


portas do elevador se abrem, caminho para casa abrindo o colete e
afrouxando a gravata. Ao ficar em frente à porta, meu coração acelera de
ansiedade. Já sei que mesmo que a exaustão esteja grudada no meu corpo,
ver minhas meninas vai me encher de energia outra vez.

Abro a porta e entro no espaço, que se encontra preenchido pelo


cheiro de comida caseira que Ayla prepara quase todas as noites.
— Cheguei — aviso, indo até o cercado no meio da sala onde as
meninas estão brincando.

— O jantar está quase pronto — Ayla diz de onde está.

O ambiente em conceito aberto é muito útil nesse momento da nossa


vida. Da cozinha, conseguimos manter nossas meninas longe do ambiente
perigoso e ficar de olho nelas enquanto preparamos nossas refeições.

— Vou só tomar um banho — informo.

Como as meninas já estão usando pijama, não toco nelas antes de


tomar banho. Depois de passar o dia enfurnado em um escritório, com
pessoas entrando e saindo o dia inteiro, não gosto de arriscar pegar as
meninas com aquela sujeira toda me cobrindo.

Deixo as duas com os braços esticados em minha direção e vou ao


quarto. Ayla e eu temos quartos separados, e Lola e Lena ficam em outro.
Ayla disse que a pediatra que as acompanhava explicou a importância disso.
Mesmo querendo estar sempre com as meninas por perto, ela admite que é
importante deixar que tenham seu próprio espaço.

Entro no banheiro e tiro as roupas sufocantes, em seguida, corro


para tomar o banho que relaxa o meu corpo exausto. Envolvo o quadril com
uma toalha e vou andando até o quarto para me vestir.

Quando finalmente retorno à sala, vejo que Ayla está colocando a


mesa para o jantar. E antes de seguir para ajudá-la, paro na sala para beijar
as meninas. Lola agarra meu nariz quando me aproximo para beijar o rosto
dela, em seguida, me afasto dos dedinhos quentes dela e beijo o rosto de
Lena.

— Elas já jantaram? — pergunto, quando nos sentamos e a mulher


ri ao olhar para os próprios peitos.

— Ainda não. Eu achei que você ia querer brincar com elas antes de
dormirem.

Meu coração se enche de orgulho ao ouvi-la dizer isso.

— Obrigado por isso. — Solto um suspiro de cansaço.

— Como foi o seu dia? — indaga, observadora.

— Foi um caos, a melhor parte foi ver vocês na hora do almoço.

Ela fica desconcertada diante da minha confissão.

— Imagino. Está conseguindo organizar sua agenda? — inquire, já


que tenho falado sobre isso.

— Rosa está conversando com os clientes para remarcar as reuniões.


A nova rotina sem jantares de negócios está causando alguns problemas,
mas quem não quiser trabalhar comigo por conta disso, que se vire e ache
uma empresa melhor — esclareço, ao mexer na comida com o garfo.

— Você só diz isso porque sabe que não vão encontrar— Ayla
declara, me fazendo rir.

Nós terminamos o jantar em silêncio e lavamos os pratos, alternando


os olhares em direção às gêmeas no cercado. Quando tudo está limpo, vou
até a sala e tiro as meninas do cercado para brincar com elas no chão.

— Se importa de olhar as meninas enquanto eu tomo banho? —


pergunta, massageando o ombro.

— Sabe que não, pode ir — incentivo-a.

Assim que Ayla sai da sala, observo minhas filhas.

— Sabe, o papai está adorando morar com vocês. — Helena me


olha enquanto Heloísa agarra meu joelho, tentando ficar de pé. — E a mãe
de vocês tem me surpreendido a cada dia. Ela está tão diferente, mais
madura, não posso negar que muito linda também. — Comprimindo os
lábios, ajudo Heloísa a ficar de pé e a seguro pelo bracinho enquanto ela dá
alguns passos cambaleantes.

— Pá-pá — fala Lena.

Eu a pego com meu braço livre para sentá-la na minha perna. A


menina mastiga os dedos enquanto olha para a irmã que tenta caminhar.

— Papai ama vocês mais que tudo no mundo — sussurro, beijando a


cabeça de Helena e sentindo o cheirinho de bebê.

Puxo Heloísa para minha perna esquerda e deixo as duas se olhando.

— Nunca vou deixar que alguém machuque vocês ou a mamãe —


prometo para as duas, que parecem mais atentas uma à outra do que a mim.

Deixo as duas sobre o tapete outra vez com alguns brinquedos


espalhados na sala. Ayla tem razão, Beatriz e minha mãe precisam parar de
trazer brinquedos para essa casa, ou logo não teremos espaço para viver.

— Voltei.

Ergo o rosto e miro-a lentamente. Minha voz se perde em algum


lugar em meio ao tesão que percorre o meu corpo. Ayla costumava usar
pijamas com unicórnios, e desde que se mudou para a minha casa, ela usa
roupas simples perto de mim, mas neste momento, a mulher resolveu
aparecer com uma camisola curta, de alças finas que parecem frágeis o
bastante para que eu as rasgue com facilidade. Os seios dela estão maiores,
cheios, porque ainda amamenta as meninas. Os quadris estão mais largos, e
a bunda cada vez mais maravilhosa. Meu corpo esquenta imediatamente
quando olho para ela com mais atenção.

— Vou colocar as duas para dormir. — Ouço seu pigarreio enquanto


ela vai até as nossas filhas.

— Te ajudo — ofereço-me, me pondo de pé e indo até elas.

— Obrigada — diz, quando pegamos as gêmeas e seguimos para o


quarto.

Mesmo que ela siga na frente, posso sentir o aroma do perfume


familiar que invade o meu nariz. Pode ser que não seja intencional, mas o
modo como rebola é sensual demais.

Entramos no quarto e ela se senta na poltrona. Enquanto amamenta


Heloísa, Helena começa a se jogar do meu colo para ir para a mãe.

— Não seja apressada, pingo de gente, logo chega a sua vez. — Eu


a seguro com firmeza para que não caia.
— Antes era fácil amamentar as duas ao mesmo tempo, agora não
dá mais para fazer isso — explica, passando os dedos na cabeça de nossa
filha e encarando-me.

Apenas meneio com a cabeça.

Helena começa a emitir sons infantis e desiste de ir para a mãe


quando passo a distraí-la, beijando a sua barriguinha. Minutos depois,
Heloísa dorme. Ayla se levanta com ela, colocando-a no berço logo em
seguida.

— Prontinho, agora vamos para essa apressadinha aqui. — Ela se


aproxima de nós, arrumando a camisola.

— Boa noite, filha. — Antes de entregá-la para a mãe, beijo a sua


cabeça, depois vou até a irmã dela e faço o mesmo. — Vou ficar na sala —
aviso, em um sussurro.

Deixo o quarto e vou até o sofá da sala. Me deito, sentindo minhas


costas reclamarem do movimento. Depois de horas debruçado sobre
documentos, esticar as costas completamente em um sofá faz meus
músculos reclamarem.

Passo os minutos olhando para o teto e pensando em um certo


alguém. É, viver sob o mesmo teto que Ayla tem feito com que eu me sinta
em abstinência, faz um tempo que não saio com ninguém, estou sem sexo
há um tempo e vê-la tão perto de mim tem me causando alguns gatilhos.

Tenho reparado demais nela, noto que a cada dia fica mais gostosa.
E justamente hoje, a bendita põe uma camisola tentadora. Isso é demais
para mim.

É impossível não ficar com tesão.

— Puta merda, Bernardo! — resmungo, fechando os olhos com


força.

— Você está bem?

Assusto-me com a voz de Ayla.

— Você sabe onde está o meu relaxante muscular? — disfarço, ao


abrir os olhos para encará-la. Após ter passado a cuidar da casa, ela guarda
tudo que eu costumava deixar ao alcance das mãos, para evitar acidentes
com as meninas.

— O que você tem? — questiona, me olhando ainda esparramado


no sofá.

— Minhas costas. — O que não é mentira, estou quebrado.

— Quer uma massagem? — oferece, me surpreendendo.

— Se não for um problema para você, aceito. — Pigarreio,


sentando-me reto.

— Se fosse, eu não estaria oferecendo, Bernardo.

— O.k.

Ayla se senta atrás de mim e suas mãos quentes vão até os músculos
das minhas costas. Ela começa a massagear, e eu seguro o meu gemido de
prazer ao sentir o seu toque me pressionando.

— Você está muito tenso. — Seus dedos fazem minha pele formigar.

— É o trabalho — admito, sentindo-a pressionar alguns pontos nos


meus músculos tensos dos ombros.

Quando os dedos dela chegam ao meu pescoço, desfazendo os


caroços de tensão, uma lembrança invade meus pensamentos. Lembro-me
dos seus dedos me masturbando, e de como me puxava para si.

Viro-me no sofá, deixando meu rosto próximo dela.

— Obrigado. — Encaro seus lábios grossos entreabertos.

— Não agradeça — responde, fitando a minha boca.

— É preciso agradecer…

Acabo com a distância entre nós ao unir minha boca com a dela,
com a mão em sua nuca.

Ayla volta as mãos ao meu corpo e eu fervo com o contato,


segurando o quadril dela e pressionando sua carne. Inferno, quero essa
mulher. Talvez seja o tesão acumulado de tanto tempo sem sexo, mas meu
corpo está desesperado por ela.

Movo a mão pela coxa dela, quase tocando sua boceta, quando ela
me impede. A mulher que está com o corpo tão colado ao meu se afasta,
baixando a camisola e fazendo meu coração ficar inquieto.

— Não posso fazer isso. — A sua firmeza me frusta.


— Por que não? — Engulo em seco com a sua rejeição.

— Eu tenho duas filhas, Bernardo — justifica, me fazendo entrar em


extrema confusão.

— Sim, minhas filhas! — lembro-a.

— Sei que são suas , mas não quero parecer que estou sendo fácil.
— Afasta as mãos de mim, segue para fora da sala e me deixa
completamente desnorteado, com o corpo em meio a uma combustão de
desejo. Meu pau se encontra dolorosamente duro na calça, enquanto meu
ego está no chão.

Caralho, ela não me quis.

Frustrado, levanto-me do sofá pronto para ter uma noite infernal.

Antes que eu saia da sala, a mulher retorna com as mãos em punhos


ao lado do corpo. Ayla segue em minha direção em passos firmes. Sem
entender, espero em silêncio para ver o que pretende fazer. Ayla quebra a
nossa distância, ficando na ponta dos pés para envolver meu pescoço e me
puxar para um beijo.

Meu coração dispara e eu a ergo do chão, deixando que enlace meu


quadril com as pernas. Sem romper o contato de nossas bocas, sento no sofá
com a mulher montada em mim.

— O que fez você mudar de ideia? — pergunto, afastando nossas


bocas e percorrendo um caminho para abocanhar o pescoço dela.
— Tenho sonhado com você me comendo quase todas as noites
desde que você saiu daquele quarto em Guarajuba. Tem sido difícil dormir
longe de você, imagina a alguns metros de distância — responde, ofegante
e exalando um gemido quando mordo a pele exposta do pescoço dela.

— Ayla. — Solto um gemido dolorido quando se esfrega no meu


pau duro.

— Me fode, Bernardo, sem reservas, me come forte e duro — pede,


esfregando a boceta em meu pau com mais ousadia.

— É tudo que mais quero — confesso, rouco pelo tesão que me


consome.

— Então faz…

Volto minha boca para a dela, invadindo-a com a minha língua.


Meus dedos envolvem a sua camisola e eu a puxo para cima, livrando-a da
peça de roupa. Os seios dela estão pesados, mas não os observo por muito
tempo, porque ela puxa minha camisa para cima e abraça o meu corpo.

— Senti falta da sua pele na minha — diz, tão baixinho, como se


fosse para ser um segredo.

Deslizo minhas mãos pelas pernas dela até envolver a calcinha que
usa, então afasto a peça de renda para o lado e meus dedos deslizam pelos
lábios vaginais encharcados. Um sorriso se forma no meu rosto ao perceber
que ela está tão excitada quanto eu. Meus dedos percorrem sua carne
lambuzada e eu me concentro em fazer movimentos circulares em seu
clitóris. Ayla exala pesadamente, se movendo no meu colo, ansiosa por
mais.

— Pare de me enrolar, quero o seu pau dentro de mim — diz, com a


voz rouca.

— Você quer mesmo? — Afundo dois dedos na boceta dela.

— Aham, sim… Ahhh.

Fodo-a com meus dedos, e ela quica neles enquanto nos encaramos.

— Isso aqui ainda não é o meu pau te comendo, por que está tão
desesperada? — Sinto água na boca ao mirar em seus mamilos, depois na
sua boceta aberta e pronta para me receber.

— Desgraçado! — Morde a boca, quando tiro meus dedos de dentro


dela.

— Que vai te comer agora. — Arranco a calcinha dela e ela solta o


laço que prende minha calça moletom.

A mulher sai de cima de mim apenas para que eu me livre da peça,


chutando para longe do sofá. Ayla volta a subir em mim e eu a seguro pelo
quadril, apreciando cada detalhe curvilíneo dela.

— Vem quicar nele, é todo seu. — Lambo os lábios ao vê-la deslizar


os dedos finos em minha glande e sujá-los com meu pré-gozo. Em silêncio,
ela se encaixa no meu pau. Meu corpo inteiro parece prestes a explodir
quando sinto a sua boceta quente e molhada me pressionando.
— Bernardo... — Ofegante e com a boca aberta, ela faz nossos
olhares se cruzarem.

— Gostosa do caralho. — Enterro a mão esquerda no cabelo dela,


prendendo os cachos entre os meus dedos e os puxando. — Era isso que
você queria?

Ayla arqueja quando minha mão direita acerta sua bunda.

— Céus… Ahhh.

Ela apoia os joelhos no sofá e começa a cavalgar em mim, com


movimentos lentos que logo ficam tão rápidos que os seios dela balançam
em meu rosto. Me recosto no sofá, abrindo espaço para tocar seu clitóris
com os dedos, enquanto ela sobe e desce em meu pau.

— Ahhh, Bernar… Ahhh. — Morde os lábios com força e eu


inclino sobre ela para capturar um dos seus mamilos. Mas em vez de sugá-
los, chupo ao redor e mordo de leve, afinal, por ora, é a fonte de alimento
das nossas crianças.

De repente, eu nos viro e deito seu corpo no sofá, me colocando de


joelhos enquanto seguro seu quadril. Ayla me olha enquanto deslizo o meu
pau para fora do corpo dela e o enterro outra vez com força. A mulher
chega a exalar um gritinho contido.

Aumento minhas investidas, sentindo os músculos da boceta dela


apertando meu pau latejante. Agarro a bunda com uma das mãos e uso o
meu polegar para massagear o clítoris dela outra vez.
— S-se c-continuar assim, vou gozar rápido. — Ela joga a cabeça
para trás, resfolegando.

Meu corpo se enche de prazer ao ouvi-la, então mudo de posição e


deixo que ela se sente sobre mim outra vez. Ayla segura meu cabelo junto a
nuca e posso sentir as unhas arranhando meu couro cabeludo.

Me sento no sofá com a mulher cavalgando o meu corpo. Ayla


enterra as unhas nas minhas costas, cortando a minha pele. Mesmo sentindo
a maldita ardência, seguro o seu quadril, forçando meu corpo a socar mais
fundo nela.

— Vamos Ayla, mele ainda mais o meu pau com o seu gozo —
peço, com meu olhar no dela, estimulando o seu feixe de nervos enquanto a
masturbo e como sua boceta.

— E-e-eu… v-vou… — Suspira pesado, sem conseguir falar.

Sinto o interior dela me apertando enquanto exala gemidos cada vez


mais audíveis. Meu corpo começa a se contorcer, me deixando senti-la
pingar de tesão. Explodo dentro dela, empurrando meu quadril para a frente
e para trás, enquanto o ar ao redor se torna escasso.

Com nossas respirações arfantes, percorro as mãos em sua cintura e


a puxo contra o meu corpo, ouvindo o seu coração bater disparado. Em um
silêncio ensurdecedor, carrego Ayla pela casa até estarmos em meu quarto.
Ela me observa atentamente, mas não se impõe quando a coloco em minha
cama e me deito ao seu lado.
Envolvo o corpo dela com os braços e sou tomado pelo cansaço,
mas quando desperto na madrugada, estou em uma cama vazia e sem graça,
por não ter mais a presença de Ayla ali. A minha roupa que eu tinha deixado
na sala estão em cima da mesa de cabeceira, mas não há sinal dela.

Certamente se arrependeu e fugiu de mim na surdina. Porra!

 
 
Três dias. Repito mentalmente. Três dias em que eu continuo acesa
cada vez que vejo Bernardo pela casa. O cretino passou a desfilar sem
camisa, expondo aqueles gominhos que me atraem. Com certeza, o sr.
Guerra está querendo guerra, já que tenho evitado falar com ele sobre nossa
noite juntos, nem expliquei a razão de ter fugido furtivamente dos seus
braços. A verdade é que percebi que os sentimentos que nutro por Bernardo
estão mais intensos do que nunca, porém, não tenho mais dezoito anos, ou
estou sozinha para trilhar meu próprio caminho. Há duas meninas que
preciso guiar pela vida.

Minha relação com Bernardo está cada vez mais complicada. Meu
coração deseja desesperadamente tentar, mas sempre que decido sucumbir a
esse sentimento, meu cérebro grita que se não der certo, nossa convivência
vai se tornar mais difícil. E Lola e Lena já estão acostumadas a conviver
com o pai, então não quero isso.

No momento que ele me beijou, senti uma avalanche de


sentimentos, mas consegui ser forte e disse não. No entanto, antes que
conseguisse entrar em meu quarto e resistir àquela tentação, meus pés
criaram vida própria e quando vi, já me encontrava o agarrando como se
fôssemos fazer aquilo pela última vez.

— Ah, inferno — resmungo outra vez e Júlia murmura um “Jesus


Cristo”. Desde que ela chegou, notou que estou inquieta, praticamente
falando sozinha.

— Dona Ayla, a senhora está um pouco avexada[3] hoje — comenta


a babá, fazendo-me encará-la.

— Está tão nítido assim? — murmuro, envergonhada.

— E como! — Sorri, avaliando-me.

— É que eu não tenho dormido direito — admito, fitando Lola e


Lena brincando no carpete com alguns brinquedos.

— Não estou querendo ser intrometida, mas a senhora e o sr.


Bernardo estão brigados? — O rosto dela fica quase vermelho com a
pergunta.

— Não, mas também não estamos em um mar de rosas. E isso me


incomoda muito. — Limpo a garganta.

— Ah, imaginei. Hoje seu Bernardo parecia estar virado no cão,


pensei até que tinha feito alguma coisa que não fosse do agrado de vocês.

Fico até com dó da coitadinha.

— Mas ele te tratou mal? — questiono, mesmo sabendo que ele


jamais faria isso. Não é o estilo dele descontar a sua raiva nos outros.
— Que isso! Ele só estava meio fechado mesmo, mas me tratou bem
— esclarece, rapidamente.

— O.k. Melhor. — Sorrio e bocejo em seguida.

— Se quiser descansar, pode ir, eu fico de olho nas meninas —


sugere, depois de um tempo me vendo bocejar tantas vezes.

— Tem certeza? Mas hoje não é o dia de você lavar as roupinhas


delas? — pergunto, tentada a aceitar a oferta.

— A senhora está mesmo distraída! A primeira coisa que fiz hoje


foi lavar as roupas. Pode dormir um pouco, eu dou conta. — Seu tom é
gentil.

— Então eu vou, Ju, o cansaço está tomando conta de mim. — Dou


um último bocejo e meus olhos se enchem de lágrimas.

Deitada na cama, fico revirando, meus pensamentos não me


permitem fechar os olhos e dormir. Frustrada, levanto-me e deixo a porta
aberta para ouvir se algo acontecer com as meninas. Não que a Júlia não
seja de confiança, mas gosto de sempre estar presente.

— Que droga. — Esfrego a palma da mão na nuca e resolvo fazer


alguma coisa para me distrair.

Ao rumar até o armário, tiro minha mala ainda cheia, pego alguns
cabides e jogo tudo em cima da cama. Penduro as roupas nos cabides e
quando vou guardá-las, encontro uma barata dentro do guarda-roupa. Fecho
a porta com força e jogo as peças de qualquer jeito em cima da mala.
Senhor. Sei que é só uma barata, mas ela é enorme e pode pular em
mim. Não é medo, só acho nojento demais. O grito que fica preso na minha
garganta quase escapa quando abro a porta do armário e vejo-a ainda lá, no
mesmo lugar.

— O que você pensa que está fazendo?

Fecho o armário com força ao me assustar com a voz de Bernardo


ressoando como um trovão em meus ouvidos.

— Você quer fazer a mãe das suas filhas ter um infarto? — Giro nos
calcanhares, com a mão no peito.

— Que porra você está fazendo, Ayla? — questiona, fechando a


porta do quarto com força.

Arregalo os olhos, sem entender o seu tom enfurecido.

— Você entra de repente no quarto, eu nem te esperava em casa esse


horário, e me vem com essa pergunta estranha? — rebato, elevando a voz
ao mesmo volume que a dele.

Com a expressão endurecida, ele aponta com o dedo para a mala


aberta em cima da cama, com as roupas jogadas de qualquer jeito.

— Vai voltar para a Inglaterra? Para onde pensa que está indo com
as minhas filhas?

Ele entende tudo errado, está tão atordoado que nem consegue
raciocinar direito.
— Bernardo, você está…

— Estou o quê? Você está pensando em tirá-las de mim outra vez? É


por isso que foge de mim desde o dia que transamos? Ou você tem
planejado ir embora há tempos, por isso aceitou voltar para o Brasil sem
lutar? — Ele solta uma risada amarga e anda em passos pesados de um lado
a outro.

— Você está entendendo tudo errado!

Bernardo passa a mão por seu cabelo e traz os olhos carregados de


decepção em minha direção. Eles estão cheios de lágrimas e isso me
desarma totalmente, me deixando sem reação.

— Eu estou tentando te entender, tentando dar espaço para que você


resolva o que quer fazer, Ayla. Eu não sou a porra de um robô. Infelizmente,
há um coração nesse corpo que sempre está me levando até você, só para
ser destroçado. — Aponta para o próprio peito. — Você não fala comigo e
quando o faz, sua boca diz uma coisa e seus olhos dizem outra droga
completamente diferente. Estamos há três dias sem nos falarmos direito por
algo que aconteceu entre dois adultos, porque aqui, não existe nenhuma
criança, certo? Então chego em casa sem avisar e te encontro com a mala
aberta e suas roupas espalhadas. Quer que eu pense o quê? Que vai se
mudar para o meu quarto e viveremos felizes para sempre? — Ele ri
baixinho, com raiva.

Em cada palavra que ele disse senti a sua insegurança.

— Pode se acalmar, por favor? — Corto a distância entre nós e


seguro o rosto dele entre as mãos, obrigando-o a me encarar.
— Ia sem me avisar? — Comprime os lábios, sem querer me olhar.

Sinto lágrimas quentes descerem por minhas bochechas ao ver a


aflição no rosto dele. Eu nunca imaginei o quanto ele deve temer que eu
fuja com as meninas, em momento algum pensei o que a minha fuga no
meio da noite significou para ele.

— Não estou indo embora — garanto de maneira firme.

— Eu não sou cego, Ayla. — Respira fundo, tentando se afastar de


mim, mas não deixo.

— Como eu não era cega quando vi você beijando a Carla? —


questiono.

A expressão dele suaviza ao entender o que eu quis dizer.

— Então que caralho está acontecendo aqui? — Fita-me, ansiando


por resposta.

— Eu ainda não tinha desfeito as malas, estive ocupada organizando


o apartamento para impedir as meninas de pegarem algo estranho. Estava
prestes a pendurar as roupas quando vi uma barata no armário. — Faço uma
careta de nojo.

O homem muda da água para o vinho, simplesmente sorri


lindamente para mim.

— Eu sinto muito, Bernardo, por ter ido embora antes, sinto não ter
tentado te contatar um pouco mais, lamento ter ficado tão presa no que
queria que não pensei no que você sentiria — sussurro, com a voz
embargada.

Bernardo limpa as lágrimas do meu rosto com os dedos quentes.

— Não precisa chorar.

— Sei que não posso voltar no tempo e mudar a merda que fiz, nada
vai poder trazer de volta o tempo que você perdeu da vida delas, mas eu
prometo que vou fazer o que puder para que você tenha todas as
experiências daqui em diante. E eu cansei de pedir perdão. A partir de hoje,
quero acabar com esse sentimento de culpa e deixar claro para você que
nunca mais irei a lugar algum — discurso. Ao sentir as mãos dele no meu
quadril, meu coração acelera e engulo em seco. — Eu não vou a lugar
algum, meu lugar é onde vocês estiverem . Só fugi naquela noite e tenho
fugido desde então porque tenho medo de estragar tudo para as nossas
filhas e fiquei com os sentimentos confusos em relação a nós — confesso,
encorajada.

Bernardo fica em silêncio e encosta a testa na minha.

— Você não percebe que sempre foi você? — pergunta baixinho, me


fazendo suspirar com a sua declaração. — Deixar você quando tinha
dezoito anos foi a melhor e pior coisa que já fiz na vida. Eu sabia que se
tivesse tido você naquele tempo, não conseguiria deixar você ir. Eu errei em
Guarajuba, me arrependo disso até hoje. Nunca devia ter te largado naquele
quarto ou ter deixado que ficasse em uma posição difícil com a minha irmã.
— Acaricia meu rosto e eu fecho os olhos.

Respirando fundo, sinto-o deslizar os dedos por minhas costas.


— Quando soube que você tinha saído do país, me senti um lixo. Te
procurei, até que percebi que você não queria ser encontrada. Passei todos
esses meses morrendo pouco a pouco, sem conseguir me relacionar com
ninguém — confessa, me surpreendendo cada vez mais.

— Eu não sabia como me abrir com você depois do que fizemos,


fiquei com medo de que isso afetasse a nossa relação de pais — admito,
abraçando o corpo dele.

Bernardo se afasta de mim apenas para segurar meu rosto com uma
das mãos e me olhar nos olhos.

— Desde a primeira vez que tive você nos meus braços, nunca foi
com a intenção de brincar com os seus sentimentos. Não sou um moleque,
Ayla. Meu coração sempre foi seu para fazer o que quiser. Você nunca foi
uma transa para me aliviar. Porra, desde que nós transamos pela primeira
vez eu não me satisfaço com ninguém. Nenhuma outra mulher me atraiu.
Você acorrentou o meu coração ao seu naquela noite, e não há chave para
quebrar essa ligação.

A sua declaração faz o soluço preso em minha garganta sair.

— O que você quer dizer? — Minha voz sai embargada.

— Quero dizer que pretendo construir uma família com você. Não
importa se temos menos de um mês que nos reencontramos, nós nos
conhecemos uma vida inteira.— Rimos em concordância. — Eu preciso de
você na minha vida, não apenas da Lola e Lena, de você também. Se você
quiser ir com calma, nós iremos, se quiser arrancar minhas roupas e foder
comigo neste instante, eu farei isso. Mesmo que Murilo esteja me esperando
na sala. Posso fazer tudo como você quiser, só preciso que me diga o que
quer.

Choramos ao mesmo tempo.

Seguro o rosto de Bernardo entre as mãos e pouso meus lábios nos


dele em um beijo suave, sem qualquer necessidade de selvageria.

— Eu também quero ter essa vida com você — respondo, fazendo-o


sorrir em minha boca.

— Gosto da ideia de você concordar em ser mais do que a mãe das


nossas filhas. — Sua risada soa sexy.

— O que você veio fazer em casa tão cedo? — indago, quando nos
afastamos.

— Esqueci uns documentos, e quando eu disse que estava vindo


buscar, o Murilo decidiu vir junto para ver as meninas — explica.

— Poderia ter me ligado, eu levaria para você.

— Confesso que foi também uma desculpa para vir ver as meninas
— diz, sorridente.

— Só elas? — Arqueio a sobrancelha.

— Secretamente, você também. — Ele se inclina e fala na minha


orelha.

— Agora sim. — Rimos.


— Vamos para a sala, não confio muito no Murilo. Ele disse que vai
arrumar muitas namoradas com nossas filhas, vai que ele esteja tentando
conquistar a babá neste momento — brinca e eu gargalho.

— Bernardo! — repreendo-o.

— O meu amigo não brinca em serviço, não é bom confiar. — Ele


entrelaça os dedos nos meus quando caminhamos para fora do quarto.

Na sala, encontramos Murilo fazendo cócegas na barriga de Lola,


enquanto Júlia está na cozinha, de olho em tudo.

E para a minha surpresa, Beatriz está no sofá. Ela está com o cabelo
solto, o vermelho dos fios brilhando. A tia das minhas filhas sorri enquanto
observa as meninas com o Murilo. Beatriz parece melhor do que antes, e
vê-la sorrindo traz um alívio ao meu peito, mesmo que eu não saiba o
motivo.

— Não sabia que você vinha, Beatriz — Bernardo se manifesta


primeiro, ao largar a minha mão e ir pegar Helena no chão, entregando em
seguida para a irmã.

— Boa tarde, Bernie. Ayla — nos cumprimenta gentilmente.

— A eles você dá boa tarde toda carinhosa, mas para mim, não? —
reclama Murilo, bufando.

— Murilo, você já me enviou mensagem dando bom dia essa


manhã, há duas horas enviou outra desejando uma boa tarde, e eu respondi
as duas. Não é o suficiente?
— Quer que eu morra agora mesmo, garota? O seu irmão é muito
ciumento, você não pode falar essas coisas na frente dele — ele a
repreende.

Seguro a risada ao ver que Bernardo fica vermelho.

— Murilo, o que eu falei sobre a Beatriz? Fique longe dela! —


ordena.

— Eu sou a melhor coisa que existe na vida da sardentinha, meu


amigo. Aceita que dói menos. E fora que ela adora receber as minhas
mensagens de madrugada.

Passo a mão na boca e arregalo os olhos com o diálogo deles.

— Chega, já chega! Cala a boca, Murilo. Você e o meu irmão


parecem duas crianças brigando por causa de um brinquedo! — Beatriz se
irrita e os dois fazem uma carranca ao mesmo tempo. — Eu vim aqui a
mando da nossa mãe, Bernardo, ela está planejando um final de semana em
família — revela.

— Como sou da família, eu aceito — intromete-se Murilo,


recebendo um olhar nada agradável da Beatriz.

— Continuando — pigarreia —, também usei isso como desculpa


para ver as meninas. Mas estamos pensando em ir para a casa de praia no
próximo fim de semana. Mainha cismou com esse negócio de querer que as
netas cresçam como nós crescemos, com a família toda reunida em
Guarajuba sempre que podemos.
— Eu acho uma ótima ideia. O que você acha, Ayla? — Bernardo
pergunta com um sorriso no rosto.

Todos na sala ficam boquiabertos por ter sido ele o primeiro a


aceitar, não eu.

— Adoraria — respondo.

Beatriz sorri em comemoração e Murilo diz que vai adorar passar o


fim de semana em família.
Amanhã, partiremos para Guarajuba e Júlia me ajudou a fazer a
mala para o fim de semana. Enchi uma mala bem grande só com roupas e
fraldas para as meninas, e na hora de fechar, precisei de uma ajudinha.
Certamente estaremos de volta na segunda-feira de manhã, mas prefiro que
sobre coisas do que falte, já que estaremos em outra cidade.

— Depois desse esforço todo, vou precisar me refrescar — Júlia


avisa, se abanando enquanto olhamos para a mala fechada no sofá.

— Vamos tomar uma limonada, merecemos. — Puxo o ar para os


pulmões e coloco as mãos no quadril.

— O tempo está bom pra praia — diz Júlia

O Bernardo saiu de casa cedo para trabalhar com a promessa de que


passaria no shopping para comprar protetor solar para as filhas. Céus, se
existir outro pai mais coruja do que esse Guerra, digo que é mentira.

— Está sim. — Sorrio ao me lembrar da minha amiga Juliana, que é


louca pelo mar.
— Dona Ayla, a senhora tem certeza de que não vai precisar de mim
no final de semana? — inquire, preocupada.

— Tenho sim, Ju. O nosso acordo de trabalho é de segunda a sexta-


feira, então fique tranquila, tenho tudo sobre controle. Aproveite o seu final
de semana para pegar uma praia com a família e se divertir também. —
Pisco para ela.

— Olha, tomara que eu fique com vocês por muitos anos, são os
melhores patrões — diz, animada.

— Nã… — Sou interrompida pelo som da campainha. Franzindo o


cenho, encaro Júlia.

Quem pode ser? Não estou esperando ninguém.

— Pode deixar que eu atendo, Júlia — digo, indo até porta a passos
largos, porque a pessoa do outro lado não para de tocar. — Já vai! — aviso,
abrindo a bendita porta e me deparando com Beatriz, segurando algumas
sacolas de compras.

— Eu não tinha certeza se devia vir, mas não resisti — admite, me


estudando.

— Sem problemas, entre — peço, me afastando da porta.

— Cadê as minhas sobrinhas? — indaga ao adentrar na cobertura e


vasculhar o local.

— Dormindo. — Sento-me no sofá e ela faz o mesmo, colocando as


sacolas ao seu lado.
— Que pena, queria vê-las. — Morde os lábios.

— Logo elas acordam.

— Quer limonada, dona Beatriz? — pergunta Júlia, da cozinha.

— Por ora, não, mas obrigada, Júlia — diz, em seguida, pega as


sacolas e estende para mim. — Imaginei que você não teve tempo de ir às
compras desde que chegou, então trouxe roupas de banho para vocês três.
Espero ter acertado o seu tamanho. — Seu tom é tímido, como se tivesse
medo da minha reação.

— Obrigada. — Coloco as sacolas no colo e abro uma, tirando dali


um biquíni minúsculo como os que eu costumava usar.

Ela ainda se lembra do meu gosto para biquínis.

Desconcertada, verifico os que ela comprou para as sobrinhas e fico


boba com tamanha fofura. Não contenho o sorriso ao ver o maiô infantil
com estampa de melancias e o outro amarelo com brinquedinhos de praia.
Beatriz comprou dois maiôs para cada uma das meninas, todas as peças
parecem confortáveis.

— Ah, que lindos, obrigada mesmo — agradeço-a novamente.

— Trouxe somente o básico, mas fico feliz que tenha gostado.

Ergo o rosto para encará-la.

— Adorei, de verdade. Como estão as coisas? — pergunto,


guardando as peças de volta na sacola.
— Há dias e dias. Hoje tem sido um dia bom. Essa semana tem sido
boa, na verdade. — Dá um pequeno sorriso. — Saber da existência da Lola
e Lena, poder conviver com elas, é maravilhoso. Elas têm um poder incrível
de me aliviar. Sempre que as vejo, o mundo parece menos pesado —
confidencia, dessa vez abrindo um sorriso alegre.

— Diz isso porque nunca chegou na hora que sujam as fraldas —


brinco, e ela ri.

— Elas são preciosas, Ayla — elogia, com os olhos brilhando.

— São, sim. — O ambiente é dominado por um silêncio


ensurdecedor por um tempinho, até Júlia o quebrar.

— Vou passar as roupas das meninas, dona Ayla.

— O.k., Ju.

A babá se esgueira pelo corredor e logo some do nosso campo de


visão.

— Posso te confessar uma coisa? — Beatriz chama a minha


atenção.

— Claro.

— Quando soube que você foi embora, eu te liguei várias vezes,


mandei muitas mensagens pedindo para você voltar e dizendo que eu estava
errada.

Meu coração se aperta ao ver aquela sinceridade nos olhos dela.


— Eu deixei meu celular aqui no Brasil quando fui embora —
revelo.

— Depois que você saiu do país, eu não fiquei nada bem. Só


conseguia pensar que algo tinha acontecido a você, tentei falar com a sua
mãe, mas ela também não me atendia. Minha mãe tentou e tia Fernanda não
era a mesma, não falava de você, e depois cortou todo o contato. Senti
muito a sua falta, falta das suas mensagens de bom dia e da sua risada.
Depois que você se foi, eu me perdi. Não ache que estou te culpando pelas
minhas decisões. Não é isso — explica apressadamente. — Bernardo foi
embora de casa por não me aguentar e eu me sentia culpada, destruí a nossa
relação com medo de perder vocês dois. Na minha cabeça maluca, vocês
seriam um casal e me deixariam de lado, só que era tarde demais quando
percebi que tinha matado vocês em vida.

Meus olhos ardem ao ouvir suas palavras. Se eu não tivesse a


encontrado no caminho para o escritório de Bernardo naquele dia, nós não
teríamos perdido o tempo que perdemos.

— Eu sei que Bernardo não viu a sua barriga crescer, que não te
acompanhou no pré-natal e que jamais esteve ao seu lado nas madrugadas
em hospitais. E sei que isso foi culpa minha — ela declara, em um soluço.
— Se eu não tivesse sido infantil e estúpida, nada disso teria acontecido,
você continuaria sendo a minha melhor amiga.

— Muitas coisas aconteceram naquela época — falo, cortando o seu


discurso, mas emocionada demais para conseguir fingir que sou forte diante
das suas declarações. — Bernardo e eu erramos, minha mãe errou. Nós não
podemos andar para trás, só nos resta seguir em frente e recuperar o tempo
perdido.
— A pior parte de tudo isso é que sei que sou tia das filhas da minha
ex-melhor amiga, e queria ter feito parte disso. Queria ter te acompanhado e
sido a confidente do seu chá revelação. — Rimos, entre lágrimas. — Me
perdoe, Ayla, por ser imatura, por ter te destruído e por todo o mal que as
minhas palavras te causaram. Hoje, eu entendo o porquê de você não ter me
contado o que sentia pelo meu irmão. — Ela limpa o rosto molhado.

— Eu não tenho motivo para me agarrar aos sentimentos daquela


época. Estou recomeçando, limpando a minha bagunça e tentando recuperar
o tempo perdido. — Olho bem em seus olhos. — Sou uma nova mulher,
sou mãe, tenho minha família para ocupar meu tempo, não posso me
prender aos erros do passado, ou jamais vou ter um futuro. E isso inclui
você, porque elas são parte da sua família também. Sempre pensei que se
tivesse filhos, você seria a madrinha deles, e agora você é a tia.

— Desejo muito voltar a ser sua amiga, Ayla. Quero te ajudar a


organizar festas de aniversário, ajudar quando uma delas estiver doente.
Quero ficar ao seu lado e ao lado do meu irmão nessa trajetória. Nós duas
sempre fomos como irmãs, sinto falta disso — sussurra.

— Vamos deixar rolar. Eu perdoo você, Bea, mas nós ficamos um


tempo longe uma da outra, vamos precisar disso também para que a
confiança volte.

— P-pode dar um abraço? — pede, nervosa.

Em resposta ao seu pedido, levanto-me e ela faz o mesmo. De um


modo desajeitado, Beatriz envolve os seus braços em meu corpo e, sem que
eu espere, ela começa a chorar.
Dou um beijo em sua cabeça e deixo que as lágrimas rolem por meu
rosto também.

Quem sou eu para julgar alguém? Todos merecem uma segunda


chance.

Bernardo e eu saímos de Salvador no sábado bem cedo, quando


chegamos a Guarajuba era perto de meio-dia. Aproveitei a viagem para
atualizá-lo sobre a minha conversa com Beatriz, porque na noite anterior,
assim que chegou, só tivemos tempo de colocar as meninas para dormir.

Quando ele estaciona o veículo na casa da família dele, avisto


Beatriz e Murilo no portão de entrada, eles acenam e logo vem nos ajudar
com as bagagens. Eles vieram na frente, nota-se que já estão aproveitando o
dia ensolarado. A irmã de Bernardo usa um biquíni floral e provavelmente
passou um bom tempo no sol, uma vez que seu corpo está bronzeado.

Saltamos do carro e tiramos as meninas do banco de trás. A irmã


dele e o melhor amigo se dispõem a levar as nossas coisas para dentro,
enquanto seguimos com Lola e Lena logo atrás.

No meio do caminho, encontro tia Rúbia na área gourmet


preparando algumas coisas. Ela diz que, assim que terminar, irá dar um
beijo nas netas. Logo entramos na casa e seguimos para o quarto que iremos
ficar. Mas antes de se esgueirar para a piscina com o melhor amigo que
parece uma criança apaixonada por água, Bernardo vem até mim e me dá
um beijo na testa carinhosamente.

— Vou me vestir e volto para trocar as meninas. — Limpo a


garganta, mirando em Heloísa e Lena.

— Pode ir, eu fico de olho nelas — Beatriz se oferece.

— Obrigada — agradeço-a, indo procurar o meu biquíni na mala.


Assim que o encontro, sigo até o banheiro, mas deixo a porta entreaberta.

— Você e o Bernie já estão se entendendo, não é? — indaga, alto e


bom tom para que eu escute do banheiro.

— Estamos tentando. Bernardo e eu temos uma conexão que não sei


descrever, não consigo ficar longe dele — confesso, tirando meu vestido e
peças íntimas.

— Me pergunto se algum dia vou entender isso — diz, então me


vejo ponderando o que dizer.

— Você se sentia conectada ao Mateus? — questiono, depois de um


tempo, já vestida com o biquíni.

Ela não me responde, falar o nome do seu namorado é como tocar


em uma ferida aberta. Quando saio do banheiro, deparo-me com ela
cabisbaixa e soluçando. A cena me faz abraçá-la com força.

— Você vai ser feliz novamente, Beatriz, tudo tem o seu tempo —
sussurro, tristonha com a sua dor do luto.
— Logo depois da morte de Mateus, seus pais me culparam pela
morte dele, me chamaram de assassina, fizeram com que todas as pessoas
que pensei que fossem meus amigos se distanciassem de mim — desabafa,
aos prantos. — Eles tentaram transformar a minha vida em um inferno, só
pararam quando o Murilo decidiu sem envolver, mesmo sem o nosso
consentimento. Acredita que bastou o idiota do Murilo dizer que iria
processá-los por calúnia e difamação que eles esqueceram da minha
existência? — Ela ri com amargura.

— Bea, não posso dizer que sei como é essa dor que está sentindo,
mas posso imaginar. — Afasto-me dela e seguro o seu rosto. — O Mateus
se foi, infelizmente, e não voltará mais. A pior coisa que você faz é ficar se
martirizando, não foi só você que errou naquele dia. O.k. que o incentivou a
tirar racha, mas o seu namorado não era nenhuma criança, sabia o que
estava fazendo.

— Sim, é verdade, a minha mãe me fala isso — diz, em um


sussurro.

— Agora limpe o seu rosto e vamos aproveitar o sol, quero pegar


uma marquinha. — Para descontrair, pisco para ela, que limpa o rosto com
o dorso da mão. — Me ajude a trocar suas sobrinhas — peço.

Ainda não desfrutei da piscina, mas as minhas filhas, sim, estão


rodeadas de três pessoas que as adoram – o pai, tia e o autointitulado tio. Já
presenciei duas vezes Beatriz e Murilo ficarem de birra um com o outro
como se fossem duas crianças por causa de Lola e Lena. Bernardo teve que
intervir ao afastar as gêmeas deles. Bastou isso para que deixassem de lado
as diferenças e se comportassem como adultos.

Ao lado de tia Rúbia enquanto a ajudo com o churrasco, observo


pela terceira vez Murilo e Beatriz voltando a se estranhar.

— Beatriz, me passe a Lola — ele pede, mas ela nega.

— Vá fazer os seus próprios filhos, Murilo — reclama a ruiva.

Bernardo, com Helena no colo, parece impaciente enquanto os


observa.

— Só se você for a mãe.

Seguro a risada com a cantada que dá nela.

— Deus me livre de você. — Bea faz uma careta.

— Vão começar de novo? Vou tomar a minha filha de vocês, ela não
é um brinquedo para ficar sendo passada de mão em mão — repreende
Bernardo.

— Desculpa, Bernie, é que o seu amigo intrometido não me deixa


em paz — diz Beatriz, antes de beijar a curva do pescoço da sobrinha.

— Você que não me deixa em paz para curtir a minha sobrinha fofa.

Eu poderia dizer que essa implicância é algum sentimento


reprimido.
— Já sei como fazer os dois calarem a boca. — Bernardo vai até o
amigo e entrega a ele a Lena. — Agora cuidem das minhas filhas como se
fosse a vida de vocês, e se eu ouvir um resmungo sequer delas, irão se ver
comigo. — O tom dele é de quase uma ameaça.

— Não exagera, meu amigo — retruca Murilo, bufando.

— Se a minha filha não estivesse tão machucada com a morte do


namorado, eu diria que ela e Murilo estão se gostando — comenta tia
Rúbia, depois de um tempo, enquanto coloca sal em mais alguns pedaços de
carne.

— Quem sabe num futuro próximo — digo, para que só ela me


escute, ao colocar as linguiças no espeto.

— Difícil. Embora ache o Murilo ideal para fazer a minha filha


sorrir novamente. — Encolhe os ombros.

— Vamos dar tempo ao tempo, talvez eles nos surpreendam.

— Sim, é verdade. Eu gosto muito dessa sensação. — Ergo os olhos


para ela.

— Que sensação? — pergunto, curiosa.

— De estar com todos vocês aqui. Algumas das minhas melhores


lembranças estão nesta casa. — Sorri, em nostalgia.

— Eu posso imaginar. — Sou contagiada por seu sorriso.


— Como estão as coisas entre vocês dois? — pergunta, observando
os filhos na piscina com as bebês.

— Nós estamos tentando. — Mordo os lábios.

— Você e Bernardo passaram por muitos desencontros, mas nem


todos têm a sorte que vocês estão tendo. Qual a probabilidade de você fugir
para o outro lado do mundo, de Bernardo ser arrastado justamente para
mesma cidade, e vocês se encontrarem em um pronto-socorro em uma
madrugada, pois o amigo dele teve uma intoxicação alimentar?

O seu raciocínio me faz concordar com cada palavra dita.

— São muito baixas. — Reconheço.

— Se você o ama tanto quanto eu sei que Bernardo te ama, não


percam tempo. Esse negócio de irem devagar é besteira. Nunca sabemos o
tempo que temos ao lado da pessoa que amamos, muitas vezes temos a
impressão de que somos imortais e que podemos perder meses ou anos com
brigas tolas nos distanciando. Não esperem tempo bom e vivam
intensamente sem pensar no amanhã. — Nós nos olhamos por alguns
instantes e eu balanço a cabeça.

— Eu entendo. A senhora tem razão, obrigada pelo conselho. —


Minha garganta arranha.

Desvio meus olhos de Rúbia para a piscina. Minha tia tem razão, às
vezes perdemos tempo demais pensando que as pessoas vão sempre estar
por perto, mas coisas ruins podem acontecer. E eu não quero me arrepender
de nada no futuro, muito menos de não ter tentado.
— Pode ir se divertir com eles, a churrasqueira está acesa, o restante
é detalhe — me incentiva, amorosa.

Carrego a bandeja com as linguiças até a mesa perto da


churrasqueira e a deixo lá, então lavo minhas mãos, depois tiro o short antes
de andar até a borda da piscina e me sentar ali. Beatriz e Murilo riem, se
divertindo com as sobrinhas, que dão altas gargalhadas gostosas, enquanto o
pai delas vem nadando em minha direção assim que se dá conta da minha
presença.

— Finalmente tenho a sua ilustre presença aqui. — Ele se coloca


entre as minhas pernas na piscina. — Voc…

Eu o interrompo ao espalmar a mão na borda da piscina e me


inclinar em sua direção, colando minha boca na dele.

 
 
Mesmo surpreso com a atitude de Ayla em me beijar na frente de
todos, não deixo de corresponder. Assim que os seus lábios carnudos
cobrem os meus, sugo-os lentamente e com paixão ao introduzir minha
língua em sua boca, aprofundando o beijo com avidez. Meu corpo reage
involuntariamente, me deixando duro enquanto minhas mãos percorrem as
costas nuas dela.

Os resmungos do intrometido do Murilo nos tiram da bolha que


criamos ao nosso redor, ainda assim, continuo provando minha mulher.

— Procurem um quarto, ninguém é obrigado a ver pornografia ao


vivo — reclama o imbecil, me fazendo afastar a boca da de Ayla.

— Você só assiste a pornografia entre quatro paredes, não é,


Murilo? — Beatriz rebate, se tornando a nossa maior defensora. — Se
vocês estiverem precisando de privacidade, nós ficamos com elas.

— Educadamente irei ignorar as suas palavras, sarninha. — O meu


amigo não tem medo da morte, a minha irmã só não revida porque estão
segurando as meninas. — Vão logo, antes que vocês constranjam ainda
mais todo mundo — incentiva, bufando.

— Só estávamos conversando — retruco, virando-me para eles,


enquanto Ayla apoia as mãos em meus ombros.

— Com a língua enroscada uma na outra? Você não respeita os mais


velhos, nem os mais novos, né? — O desgraçado aponta para as minhas
filhas e minha mãe, que da área gourmet grita que o único velho é ele, então
rimos.

— Cala a boca, Murilo. Você não é nenhum puritano para ficar


nessa chatice toda — Beatriz o repreende.

— Agora você virou fã número um do casal? — questiona,


ganhando o silêncio dela como resposta.

— Já chega — peço.

— Não precisam ficar bravos um com o outro por nossa causa — se


intromete Ayla.

— Estamos bem, Ayla, eu e a ruivinha somos assim mesmo. O


nosso romance é intenso demais, explodimos algumas vezes.

Dessa vez nem eu consigo segurar a risada ao ouvir as pérolas de


Murilo, que deixa minha irmã vermelha.

— Que romance, doido? Você só pode estar namorando sozinho —


revida a minha irmã caçula.
— Quando eu colocar um anel em seu dedo, vou te fazer engolir
todas essas palavras humilhantes — promete meu amigo.

— Você pode jogar todo o charme do mundo em mim, nunca vai


funcionar, seu mulherengo!

Respirando fundo, ergo o rosto e olho para Ayla, que tem os olhos
brilhando na direção dos dois adultos, que parecem crianças quando estão
discutindo. Pelo visto, ela tem a mesma sensação que eu. Espero que o meu
melhor amigo cuide bem da minha irmã, porque se em algum momento ele
a machucar, acabo com a vida dele.

— Quando você disser que me quer, paro de ser safado e vou ser
todinho seu. Não vou ter olhos para nenhuma mulher — promete, piscando
para ela.

Desisto de me envolver nas briguinhas deles.

— Céus — Beatriz finge não o ouvir e nos encara. — Se quiser,


podem subir, eu e Murilo olhamos a Lola e a Lena, fora que tem a nossa
mãe também — incentiva.

— Tem certeza? — Ayla parece um pouco preocupada.

— Claro. Parece que não temos um pingo de juízo, mas é aparência


mesmo. Jamais seremos descuidados com nossas garotinhas, elas estão
seguras conosco — Murilo responde por minha irmã, que se surpreende
com a seriedade dele.

— O.k. Obrigado.
Saio da piscina e Ayla se levanta da beira da água. Juntos, seguimos
pela casa, com os nossos dedos entrelaçados até chegar ao andar de cima.
Encaro sua bunda exposta no fio-dental e fico tentado com o que vejo.

Como a porra de um adolescente que não aguenta ver uma mulher


gostosa, sinto meu pau ficar tão duro na sunga ao ter a visão do paraíso que
é o rabo grande e redondo de Ayla. Antes que a porta do nosso quarto se
feche completamente, ela me segura junto a si com as mãos ansiosas.
Pressiono o corpo dela contra o meu e tranco a porta do quarto.

— Quer ter calma? — Meu tom é divertido, mas no fundo, estou


igual a ela, louco para devorá-la.

— Não — diz contra a minha boca —, nós já perdemos tempo


demais. — Salta para o meu corpo e eu mal me equilibro para não cairmos
no chão.

Ela afasta a boca da minha e sorri ao me dar alguns selinhos. Como


posso ficar excitado com alguns beijinhos? Bem, já tenho a resposta. Tudo
que tem a ver com ela é interessante para mim. Após o nosso episódio na
quinta-feira em que nos entendemos de uma vez e confessamos nossas
inseguranças, desejos e tudo mais, o meu único intuito é poder cumprir
todas as minhas promessas feitas a ela.

— Quero repetir o que fizemos nesse mesmo quarto… — Roça os


lábios nos meus, e quando vou beijá-la, desce do meu colo. — Posso
começar, não é? — Ela se ajoelha no chão e uma sensação de déjà-vu toma
o meu corpo.

Puta que pariu.


— Sempre que quiser.

Ela me olha de baixo, enquanto desce a minha sunga, revelando meu


pau melado que estremece ao sentir o toque das suas mãos. Ayla o aperta
entre os dedos e logo começa a bater uma punheta firme e forte.

Institivamente, inclino a cabeça para trás e respiro de maneira


ofegante. Se ela continuar nesse ritmo, vou gozar antes que me chupe.

— Ah, porra… — Arfo, ao sentir a sua boca quente encostar em


meu pau, que pulsa incontrolavelmente.

Ela lambe ao redor da cabeça do meu pênis, em seguida, coloca-o


dentro da boca e chupa, fazendo movimentos circulares com a língua. Ayla
me provoca por alguns minutos, só chupando a cabeça do meu sexo,
fazendo questão de erguer os olhos para nos encararmos.

Soltando um ar pesado através dos meus dentes cerrados, agarro o


seu cabelo em um punhado e empurro meu quadril em seu rosto, fazendo-a
engolir meu pênis de uma vez, gemendo. Ela me suga com apetite e com a
mão livre massageia minhas bolas.

— Vou gozar, Ayla… Ahh, caralho! — Meus músculos se contraem


e eu me vejo jorrando a minha porra em sua boca.

Assim que ela se põe de pé, eu a agarro pelo cabelo e escorrego a


mão em sua bunda, apertando a sua carne macia.

— Eu quero retribuir cada gotinha da minha porra que você engoliu


— murmuro, observando os resquícios do meu gozo no canto de seus lábios
entreabertos.
— Pois faça. — Geme baixinho ao receber um tapa na bunda.

— É o que pretendo agora mesmo. — Minhas mãos vão até o laço


que prende o biquíni ao corpo dela e desfaço o nó, deixando os seus seios
livres para que eu possa admirar. — Se livre da parte de baixo e vá para a
cama, depois se sente na beira com as pernas abertas.

Ela ofega com o meu pedido, mas me obedece. Vou ao seu encontro,
com a boca cheia da água. Ajoelho-me diante dela, que está com a boceta
molhada à mostra, e uso minhas mãos para abrir mais as suas pernas, o
suficiente para me encaixar ali e deslizar por suas dobras.

— Você está tão molhada que a sua excitação está encharcando os


meus dedos.

Ela fecha os olhos lentamente e respira com dificuldade quando me


sente tocar seu clitóris.

— V-você g-gosta de me torturar… — acusa, quando deslizo em sua


entrada, mas não a penetro.

— Quando você se tornou tão apressada? — pergunto, adorando vê-


la desesperada por meu toque mais profundo.

— E quando você se tornou tão paciente? — rebate, encarando-me


com um brilho nos olhos, que agora estão mais escuros e tomados pelo
tesão.

— Muitas coisas são melhores quando o tempo age sobre elas. —


Penetro-a e ela morde o lábio para não gemer alto.
— C-como o quê? — Ergue o quadril e rebola na minha mão.

— Vinho — sussurro, galante e com a voz rouca de excitação, ao


encarar os seus mamilos intumescidos.

— A-aahhhh… B-ber… — Ela apoia o peso do corpo nos cotovelos


e joga a cabeça para trás, sentindo fodê-la devagar e depois rápido.

Esboçando um sorriso, inclino-me e abocanho a sua boceta. Minha


língua desliza por sua carne, fazendo-a gemer meu nome outra vez, o desejo
sobrepondo à ansiedade. Eu a como com meus dedos ao mesmo tempo em
que chupo o seu ponto sensível. Apoio as pernas dela em meus ombros, me
dando livre acesso ao corpo, então volto abocanhá-la com fome, circulando
a língua por seu feixe de nervos, fodendo-a continuamente e arrancando
suspiros altos. Em resposta, ela geme lento e baixinho, se movendo ansiosa
por mais atrito.

Afasto minha boca dela apenas para morder o interior de sua coxa e
ouço-a reprimir o grito ao sentir a mordida.

— E-eu n-não e-estou aguentando — admite, em lamúria.

— Mas vai ter que aguentar, você só vai gozar com meu pau dentro
de você. — Paro de tocá-la, ouvindo a sua lamentação através de um
choramingo.

Inclino-me sobre o corpo dela e nossos olhares se encontram, vendo


a mesma devoção quando tivemos a nossa primeira vez nesse lugar. Mesmo
com a expressão de frustração por não ter gozado, seus olhos brilham
carregados de carinho, amor e muito desejo.
Aproximo meu rosto do dela e capturo a sua boca com um beijo.
Ayla abre mais as pernas em um convite que sabe que eu não recusaria,
agarrando-se mais ao meu corpo que arde em expectativa. Eu lambo e sugo
os seus lábios, engolindo os seus gemidos.

— Eu quero te comer de quatro, te foder de costas com a visão desse


rabo gostoso batendo contra a minha virilha — falo, afastando nossas
bocas. Meu pau lateja ao imaginar a cena.

— Não me importo em qual posição serei comida, apenas desejo


que me faça gozar bem gostoso e chamar por seu nome até ficar rouca —
atiça-me, passando a mão por meu ombro e cravando as unhas ali.

— Fica de quatro — peço, ao beijar o seu pescoço e sair de cima


dela.

Assim que ela fica na posição que pedi, me ajeito atrás dela e seguro
sua perna direita, deixando-a mais aberta para mim. Aproveito para passar
meus dedos em sua boceta para ver  quão molhada está, e acabo recebendo
um gemido em resposta.

— Estou tão sensível que poderia gozar apenas em seus dedos —


confessa, rebolando.

— Mas vai gozar no meu pau. — Agarro a sua bunda e a abro com
uma mão enquanto seguro o meu pau com a outra, deslizando para dentro
dela, que solta um gemido baixo e excitante.

Ela arqueja quando meu membro a invade, consigo ver quando


enterra os dedos nos lençóis. Seguro a cintura fina dela e estoco no seu
interior com força, Ayla exala gemidos altos que parecem ressoar do corpo
dela ao meu.

Minha mão envolve o pescoço dela, erguendo-a da cama, então ela


vira a cabeça para que eu a beije.

— Porra, eu sou muito viciado em você — sussurro, contra seu


ouvido.

O cheiro doce do seu perfume invade meu nariz, me fazendo


enterrar o rosto no pescoço dela. O aroma de coco dos cachos se mistura ao
perfume, me deixando inebriado.

Solto o pescoço de Ayla e ela se deixa deitar sobre a cama, com a


bunda empinada em minha direção. Acerto um tapa no lado direito dessa
bunda maravilhosa, ouvindo-a abafar o grito no colchão.

Com o calor me contorcendo por dentro, inclino meu corpo sobre o


dela, envolvendo os dedos dela com os meus e apertando o lençol. Minhas
estocadas se tornam mais rápidas, mais fundas, desejando arrancar cada
som de prazer do corpo dela.

Posso sentir os músculos dentro dela me pressionando com força.

— Isso, goza... Encharca meu pau com essa boceta deliciosa. —


Observo meu pau entrando e saindo dela.

As minhas investidas se misturam aos movimentos de Ayla,


empurrando seu corpo contra o meu em uma sincronia perfeita. O ar a nossa
volta esquenta mais, até que um gemido rouco sai da minha garganta
quando despejo meu gozo em seu interior. Mesmo depois de ter alcançado o
clímax, continuo socando para que ela goze, e não demora muito para que
isso aconteça.   

Ofegantes, saio de dentro dela e me deito ao seu lado. Ayla sorri


com os lábios inchados e o cabelo bagunçado, mas com um olhar de que foi
bem fodida.

Ayla está deitada no meu peito, ofegante. O sol já está se pondo lá


fora, mas me mantenho imóvel na cama com ela desde que subimos na hora
do almoço.

— Eu não preciso me preocupar com outra gravidez, não é? —


pergunto, fazendo Ayla rir.

— Não, dessa vez estou tomando os remédios direito. — Ela me


abraça.

— Não que eu não queira ver você grávida e te acompanhar em tudo


dessa vez, mas por enquanto, acho que merecemos um tempo para que eu
aproveite seu corpo sem reservas.

Ayla ri ao ouvir as palavras e assente, concordando com o que estou


dizendo.

— Você pensa em voltar a trabalhar? — questiono, enrolando um


dos cachos dela no meu dedo.
— Claro que sim — admite.

— Posso organizar para você voltar para a empresa — ofereço. —


Não quero que você se sinta na obrigação de ficar em casa, cuidando das
meninas. Sei que você queria se estabelecer profissionalmente, eu jamais
aconselharia você a não fazer isso.

— Eu aceito a sua proposta, mas quero esperar Lena e Lola


completarem um ano. Não quero deixar as duas antes disso — explica.

— Quando quiser, o cargo é seu — prometo.

Nós ficamos em silêncio, aproveitando a companhia um do outro.


Os olhos de Ayla estão fixos no meu rosto quando eu a puxo para outro
beijo, girando nossos corpos para me colocar sobre ela, com minha língua
brincando com a dela sem pressa alguma.

Ela nos interrompe antes que meu pau comece a ficar duro outra
vez.

— Melhor a gente tomar banho e descer, Lena e Lola precisam


jantar. — Ela se levanta da cama.

Observo os seios inchados, imaginando que já devem estar


doloridos com o excesso de leite. Sigo-a para o banheiro. Ayla liga o
chuveiro no boxe e eu a abraço, fechando a porta de vidro com a mão livre.
Minha boca devora o pescoço dela, sentindo o sabor de suor e a acidez do
perfume já escasso.

Seguro o sabonete que está nas mãos de Ayla e o movo nas minhas
mãos antes de espalhar aquela camada de sabão pelas costas dela. Ela tem
os olhos fechados, aproveitando o meu toque. Sinto meu pau endurecer
outra vez e empurro o corpo dela em direção à parede, com a água caindo
sobre nós, limpando o sabão que eu tinha espalhado por suas costas.

Ayla se abre para mim, me deixando enterrar meu pau na boceta


ainda úmida.

— S-seja r-rápido… aiii — ordena, gemendo.

Largo o sabonete no suporte e seguro o quadril dela, me enterrando


mais rápido em seu interior. Ayla afasta mais as pernas e empina a bunda
em minha direção. Soco meu pau na boceta dela rápido e com força, e Ayla
geme alto no banheiro fechado. A água que escorre por nossos corpos alivia
o calor que deveria estar nos sufocando, mas não diminuo a necessidade
daquele momento. Seguro o corpo dela contra o meu, sentindo nossa pele
conversando entre si. Minha boca vai ao encontro do seu pescoço, saciando
o desejo que ardeu no meu corpo por anos.

— Oh, ahhh… Bernardo! Céus, que delícia, mais rápido. — Soluça,


empurrando a bunda em meu quadril.

Engulo o sabor da sua pele quando volto a lamber seu pescoço,


meus dentes agarrando o lóbulo de sua orelha em seguida.

— M-me c-come de frente — pede, choramingando.

Atendo ao seu pedido e ela se afasta, agarrando o meu pescoço logo


em seguida. Aproveito e ergo-a do chão, com ela enlaçando as pernas ao
meu redor. Volto a me encaixar em sua boceta e empurro seu corpo contra a
parede de cerâmica fria. Ayla me prende mais com as pernas e nossas bocas
se devoram, ao mesmo tempo que meto fundo nela.

Porra, nem a água fria consegue diminuir o calor que consome o


meu corpo. Diante desse fogo que nos rodeia, até algo frio se torna quente.

— Ahhh, céus, Bernardo! — geme, esfolando meu membro com as


contrações que tomam a sua boceta.

Meu corpo estremece contra o de Ayla quando me sinto prestes a


gozar. Caralho, nenhuma mulher antes me fez ter tanto fogo quanto essa.
Ayla afunda as unhas nas minhas costas, soltando um grito quando atinge
um orgasmo. Sinto-a estremecer e seus membros ficarem frouxos ao meu
redor, então me derramo dentro dela mais uma vez.

Assim que me afasto dela, coloco-a no chão. Ao olhar para as


pernas dela, vejo minha porra escorrendo pelas coxas grossas.

— Isso foi incrível — diz, ao se colocar embaixo do chuveiro,


limpando o corpo e voltando a pegar o sabonete.

— Muito. — Observo-a tomar banho até que chega a minha vez


para fazer o mesmo.

Os minutos seguintes são de um silêncio satisfeito. Nós nos


vestimos outra vez e, por fim, descemos as escadas.

Murilo está praguejando com a camisa suja de gorfo. Lena está no


colo de Beatriz, que ri da situação do meu amigo, enquanto mamãe segura
Lola. As bebês começam a esticar os braços em nossa direção quando nos
aproximamos, então eu pego Lena e Ayla pega Lola.
— Do jeito que vocês trabalham, vai aparecer outra criança muito
rápido — se manifesta Murilo, tirando a camisa suja com a maior expressão
de indignação.

— Vou fingir que não te ouvi — Ayla rebate, se sentando no sofá


para amamentar Lola.

— Meu amigo, você calado é poeta — digo, enquanto Murilo


resmunga e larga a camisa no chão.

Alguns minutos se passam e Lola larga o peito da mãe para olhar ao


redor. Nós trocamos as gêmeas, então Ayla começa a amamentar Lena, a
irmã fica empolgada no meu colo tentando segurar o meu rosto.

— Eu acho que ela disse vovó hoje — diz minha mãe, observando
Lola. 

— Mainha, acho que você estava cochilando na espreguiçadeira e


sonhou com isso — intromete-se Beatriz, dando uma risada.

— Você pensou em algo para o aniversário das meninas? — Minha


mãe olha para Ayla, que ainda tem uma Lena gulosa no colo.

— Sim, estava querendo saber sobre isso também — minha irmã


completa, empolgada.

— Com a mudança e tudo mais, não parei para pensar nisso —


murmura Ayla.

— Pois pode confiar que eu tenho tudo planejado. Inclusive pensei


em vários temas. Dá para fazer tanta coisa legal com as duas — Bea fala
empolgada e Ayla ri. — Pensem só todas as histórias com princesas
idênticas. Também podemos fazer algo sobre jardim, acho que ficariam tão
fofas vestidas como joaninhas ou abelhinhas.

— Vocês que lutem com o modo tia de Beatriz ativo. O tanto que as
minhas sobrinhas vão crescer mimadas por causa da tia Barbie delas —
Murilo diz e minha irmã sorri e joga uma almofada nele.

— Você só está com inveja porque elas sorriram para mim hoje e
deixaram você com suas caretas chupando dedo — minha irmã rebate no
meio de uma risada.

Meu coração fica calmo ao ver minha irmã sorrindo. Por muito
tempo, pensei que não a veria sorrir dessa forma outra vez. O alívio é tão
grande que sequer me importo que tenha sido Murilo a fazê-la rir.

Meu amigo a pega pela cintura, carregando minha irmã pela sala,
então saio da frente dos dois para evitar que esbarrem em mim. Bea grita
pela nossa mãe, que está tão petrificada vendo a cena divertida que não se
move para ajudá-la.

— Murilo, não faça isso! — grita Beatriz, batendo nele.

— Você vai para piscina para aprender a ter um pouco de respeito


— avisa, na beira da água.

— Eu tenho respeito! — diz a ruiva, com diversão na voz. —


Sempre respeitei os mais velhos.

— Está me chamando de velho? Agora é que vai mesmo para dentro


d’água lavar essa sua boca suja. — O meu amigo dá um sorriso maldoso.
— Se eu for, você vai junto — Beatriz o agarra.

— Ótimo. — Ele se joga na piscina, com Beatriz agarrada ao corpo


dele.

Lanço um olhar para Ayla e ela sorri ao ver o alívio no meu rosto.
Mamãe parece estar secando lágrimas dos olhos ao ver aquela atitude
simples em Beatriz. Minha irmã parece finalmente estar se curando.

Os dois brigam na piscina até que minha irmã sai da água,


encharcada e xingando o meu amigo. Quando Murilo tenta sair, Beatriz
apoia o pé no ombro dele e o empurra de volta para dentro da piscina.

— Me desculpe. — Meu amigo estende a mão e Bea o olha com


incredulidade. Mas quando ela segura a sua mão para ajudá-lo a sair da
água, Murilo acaba puxando-a de volta para dentro da piscina.

A cena de alegria simples me deixa aliviado. Lola agarra o meu


nariz, voltando minha atenção para ela. Eu vou até a minha mãe e a abraço,
sentindo o corpo dela trêmulo de um choro contido.

Um choro de pura alegria ao ver a filha bem.

— Ela vai se recuperar — Ayla diz.

— Nós estamos aqui por ela — lembro a minha mãe. — Beatriz


sabe que não está sozinha.

— Ela me disse que vocês se acertaram. Obrigada por oferecer esse


perdão a ela, Ayla. Isso foi muito importante para a minha menina. — Os
olhos de Rúbia Guerra brilham.
— Não se preocupe com isso, tia. 

Meus olhos retornam à piscina e eu vejo Murilo e Beatriz


perseguindo um ao outro na água. Se tem uma pessoa que conheço muito
bem é o meu melhor amigo, e quando ele está com a minha irmã caçula se
torna uma criança. Um verdadeiro moleque só para fazê-la sorrir, mesmo
que tenha que passar pelo ridículo com suas palhaçadas que em momentos
inoportunos se tornam engraçadas.

Minha vida está em paz, como há muito tempo eu não sentia estar.
5 MESES DEPOIS

Estou à beira de um colapso nervoso. Helena começou a andar e


Heloísa tenta seguir a irmã pela casa, mas acaba caindo e chorando. Beatriz
deu muitas ideias para a festa das meninas, e usei a maior parte delas. Para
evitar ainda mais dor de cabeça, resolvemos fazer a festa na mansão dos
Guerra, que é onde tenho dormido nas últimas semanas, com Beatriz e eu
montando as lembrancinhas da festa.

Júlia, sem a minha ajuda, termina o dia esgotada, porque correr atrás
de Helena e lidar com o choro de Heloísa o dia inteiro tem sido difícil.

Estou no meio de várias lembrancinhas quando ouço uma batida à


porta, mas estranho que quem quer que seja não tenha entrado, já que só
pessoas da família estão aqui.

— Quem será? — Beatriz é a primeira a estranhar por ainda estarem


batendo à porta.
— Vamos saber agora. Quem é? — inquiro. Sem obter resposta,
peço para a pessoa entrar e arregalo os olhos ao ver quem está diante de
nós.

— Parece que a diversão está aqui. — Mamãe abre um sorriso,

Largo tudo que estou fazendo para ir até ela.

— Finalmente chegou! — Gargalho, pulando em seus braços para


abraçá-la com força.

— Sim, eu não perderia isso por nada nesse mundo — ela responde,
me apertando junto a si. — Demorei para vir te ver porque estava com as
minhas meninas.

Continuo abraçando-a, com o corpo trêmulo por um choro que


contenho ao sentir alívio por sua presença.

Senti tanta falta da minha mãe. Chamadas de vídeo e ligações nem


se comparam com a sensação de plenitude deste momento ao sentir o calor
dos seus braços ao meu redor. Ela é mais do que o meu porto seguro, é a
minha melhor amiga, a que nunca me deu as costas e a quem devo tudo por
ser quem sou hoje.

— Esse abraço de urso é tudo saudade? — indaga, assim que nos


afastamos e rimos.

— Você sabe que sim. — Ela sorri ao ver a minha expressão de


felicidade.
— Oi, tia Nanda. — A voz de Beatriz soa baixa, nota-se a
insegurança na presença da minha mãe.

Eu tinha atualizado mamãe sobre tudo que aconteceu com Beatriz


no tempo em que estivemos afastadas e depois que voltei ao Brasil. Se tem
uma coisa que Fernanda Dantas não consegue ser é rancorosa. Ao saber do
trauma de Beatriz, quase chorou, afinal, ela a conhece há anos, e o carinho
que sente por ela nunca desapareceu, sempre esteve coberto por uma
camada de decepção.

— Oi, Bea — ela a cumprimenta, gentilmente.

— Seja bem-vinda de volta, tia. Vou procurar por minha mãe, com
licença. — A ruiva fica cabisbaixa, e quando está prestes a sair do quarto,
mamãe a segura.

— Vai sair sem nem me dar um abraço, minha linda?

Beatriz quase chora ao ouvir essas palavras e abraça minha mãe


antes de sair.

— Parece que cheguei em uma boa hora. — Mamãe observa ao


redor e suspira.

— Você já viu a tia Rúbia? — pergunto.

— Ainda não, querida. — Me estuda, com seus olhos escuros. —


Depois do que fizemos, não tive coragem de ligar para ela. Rúbia e eu
sempre fomos próximas, mas eu escondi tudo dela. Esconder a sua gravidez
causou tanto mal — lamenta. Ficamos em silêncio, pensativas, até que
ouvimos passos se aproximarem.
— Mas é passado, Fernanda. — Nos viramos ao mesmo tempo ao
ouvirmos a voz de Rúbia Guerra. — Você aproveitou os primeiros meses
com as nossas netas, e eu estou aproveitando desde então, porque elas estão
aqui agora. Não adianta ficarmos nos agarrando ao que aconteceu. Esse
rancor só vai afastar as nossas famílias e eu não quero isso, nunca mais.
Agora venha dar um abraço em sua velha amiga.

— Nanda, que saudade senti das nossas conversas! — confessa


mamãe, indo até ela. As duas se abraçam em um momento de pura saudade
e pedidos de desculpas que têm a ver apenas com as duas.

— Eu deveria te dar uns tapas por ter se afastado de mim, Fernanda,


mas te perdoo por causa das nossas netas lindas! — Rimos com o que a
minha sogra diz.

— Antes, era por minha causa, agora por Lola e Lena? — falo,
fingindo indignação e elas gargalham, ao voltar para a cama. — Injusto,
mas aceito! — Pisco para elas, que começam um falatório e eu volto a
arrumar as lembrancinhas.

— Voltei! — Beatriz entra no quarto com o semblante leve e se


senta na cama comigo, então começamos a trabalhar novamente.

Uma pena que Juliana não pôde vir, se não estaria nos ajudando e
ainda marcaria a sua presença. Ela e o Luiz Miguel foram fazer uma viagem
até o sul da Bahia, para conhecer os sogros dela e irão passar quinze dias
por lá.

— Aproveitando que estão todas aqui — se manifesta mamãe,


atraindo a minha atenção e de Beatriz, porque tia Nanda já tem um sorriso
estampado como se já soubesse do que se trata —, tenho uma novidade
quentíssima. — Ela estica a mão direita e eu vejo o grande diamante na
aliança que usa ali.

— Mentira! — Boquiaberta, coloco a mão na boca.

— Verdade! Arthur me pediu há uma semana, mas eu queria te


contar pessoalmente. — Os olhos dela brilham, a sua emoção é nítida.

Eu me aproximo dela e a abraço.

— Você devia ter me contado antes! — rebato, com lágrimas nos


olhos. — Arthur finalmente te laçou, eu achei até que demorou para isso —
resmungo, e ela me dá um tapa no ombro.

— Ayla! — repreende-me e todas rimos.

— Concordo com a minha nora. Parabéns, Fernanda! — Tia Rúbia


me chamar de nora me deixa toda derretida.

— Agora só falta você se acertar também. — Mamãe pisca para a


amiga.

— Quem sabe um dia, no momento só estou me divertindo. —


Gargalhamos.

Depois de um tempo de conversas animadas de como será a festa de


casamento da minha mãe, nós paramos de fazer as lembrancinhas e eu vou
atrás de Júlia, para amamentar as meninas e liberar a babá para ir para casa.
A noite em família é tão barulhenta e cheia de novidades, que eu me
sinto emocionada, torcendo para aquilo não ser rompido. Bernardo chega
do trabalho com Murilo, que veio “ajudar” com os preparativos da festa.

Hoje, meu café da manhã é um copo de suco, enquanto mordo um


pão e caminho pela casa observando a decoração que está sendo feita. O
bufê começa a ser organizado na cozinha da casa de tia Rúbia e logo a
mansão se torna um caos de pessoas entrando e saindo, carregando
equipamentos, painéis, mesas e o que mais couber dentro daquele salão
onde Bernardo costumava fazer as festas secretas dele quando mais novo.

Eu tinha deixado Lena e Lola no quarto com Júlia, que chegou mais
cedo para nos ajudar com as meninas.

— Não! — grito outra vez para o rapaz que está vasculhando o


salão, procurando uma tomada. — Ali, atrás daquela estante, por favor! —
Aponto e ele assente.

Beatriz está lidando com os últimos detalhes das lembrancinhas,


colocando minha mãe e tia Rúbia para trabalhar naquilo com a governanta.
Bernardo está com Murilo, vasculhando a cidade à procura de uma
costureira milagrosa que Beatriz arrumou para fazer as roupas das meninas.

Engasgo com um pedaço de pão e começo a tossir no meio daqueles


estranhos, e quando consigo me recuperar, descarto o que sobrou dele e
engulo o resto do suco em um gole só.

Meu celular toca em meio ao caos e eu o atendo assim que vejo que
é Bernardo. Neste momento, só preciso de boas notícias para eliminar essa
tensão.

— Me dê uma boa notícia — peço, suspirando.

— Parece que Beatriz caiu num golpe. — É a voz do Murilo, e não


do Bernardo.

— Murilo, se for uma piada, eu vou te esganar. — Coloco a mão na


testa e fecho os olhos.

— Não é piada, mas não se preocupe, estamos indo ao shopping


comprar roupas parecidas por lá — dessa vez é o Bernardo que diz.

— Acho que vou surtar. Nunca pensei que preparar uma festa para
duas crianças fosse tão cansativo. — Lágrimas se formam nos meus olhos.

— Ayla, respire! Nós vamos dar um jeito — promete, tentando me


acalmar.

— E eu tenho que confiar em vocês dois para isso? — questiono, à


beira de uma crise de choro. Sei que não é para tanto, mas essa correria tem
me deixado exausta.

— Relaxa, mulher, é só uma festa. Sem contar que as meninas nem


vão se lembrar dela — se intromete Murilo.

— Mas iremos tirar fotos! — justifico.


— Ayla, vamos chegar aí com as roupas, confie em mim. —
Bernardo encerra a ligação.

Vai dar tudo certo. Já deu. Mentalizo para não enlouquecer de uma
vez ao observar o salão ser decorado. Pelo menos essa parte parece estar
indo bem. Saio do salão carregando o copo e o deixo em uma mesa no
andar de cima. Abro a porta do quarto em que as meninas brincam com
Júlia para verificar se está tudo bem e a fecho antes que me vejam. Assim
que entro em outro quarto onde estão sendo feitas as lembrancinhas, noto
que parece que um furacão passou por ali. Mamãe e tia Rúbia estão rindo
enquanto Bea tem o cabelo cheio de confete.

Fecho os olhos, sem saber como dar a notícia que recebi de


Bernardo e Murilo, porque sei que Beatriz irá surtar.

— Pela sua expressão, aconteceu algo — diz Beatriz, encarando-me


desconfiada.

— Parece que caímos num golpe, não tem fantasia. Bernardo e


Murilo estão indo ao shopping comprar algo para elas vestirem — explano
de uma vez.

— Não pode ser! Espere, eu vou ligar para a mulher. — Beatriz


empalidece, tirando o celular do bolso.

Mainha e tia Rúbia ficam quietas, enquanto Bea leva o celular à


orelha.

— A filha da puta me bloqueou! — xinga.

E qualquer centelha de esperança desaparece depois disso.


— As minhas filhas vão estar vestidas como duas palhaças —
choramingo, preocupada.

Mamãe vem até mim, envolvendo meu corpo em um abraço.

— Não se preocupe, Ayla, Bernardo vai dar um jeito. — Tia Rúbia


tenta me consolar com suas palavras.

— Como vou confiar no Bernardo e no Murilo para comprar isso? E


eu nem posso ir até o shopping, porque está tudo dando errado! — Meus
olhos ardem.

— Se acalme um pouco, vai dar tudo certo — promete Beatriz,


digitando no celular como se quisesse afundar a tela com os seus dedos.

Tudo está pronto para a festa, do bufê até a decoração, e nós


finalmente conseguimos montar as últimas lembrancinhas.

— Queridas, chegamos! — A voz alta de Murilo soa no corredor.

Beatriz e eu rapidamente nos levantamos. Os dois homens entram


no quarto, com o semblante de puro orgulho, e eu preciso me segurar para
não rir do charme que o melhor amigo de Bernardo faz ao entregar as
sacolas para Beatriz.
— Eu não disse que estaria aqui com a roupa das meninas, meu
amor? — diz Murilo, piscando para Bea, que finge não ouvir ao me
entregar uma sacola para que possamos verificar.

— Não leve o crédito sozinho, eu fui o cérebro dessa operação.


Embora você tenha tido que flertar com uma mulher que ia que comprar um
deles. — Bernardo expõe o Murilo sem pensar, fazendo o quarto ficar em
silêncio até a irmã dele se manifestar.

— Aposto que isso não exigiu muito esforço — diz irritada, tirando
a fantasia da sacola enquanto faço o mesmo.

— Claro que sim, foi difícil fazer isso estando apaixonado por outra.
— Murilo coloca a mão no peito, dramatizando toda a cena.

— Coitadinho — desdenha Beatriz.

Bernardo e eu nos entreolhamos. Já desistimos de apartar brigas


desses dois. Vivem como cão e gato.

— É melhor vestirmos as meninas, Ayla, as pessoas começam a


chegar em breve. — Olhamos na direção da porta ao ouvir a voz da minha
mãe, que surge toda arrumada.

— Você não está na Europa, dona Fernanda, as pessoas costumam


atrasar no Brasil, esqueceu?! — diz Murilo, divertido.

— Mesmo assim, é bom os fotógrafos tirarem as fotos antes de


começar a agitação — falo, concordando com mamãe. — Obrigada, Murilo
e Bernardo, mas agora me deem licença, preciso arrumar as aniversariantes.
E vocês, procurem se aprontar também. — Fito os dois homens, que
sorriem orgulhosos.

Mamãe e eu seguimos para o quarto das meninas – que a avó fez


questão de reformar para que elas tenham o próprio canto. Elas se dispõem
a dar banho nelas, enquanto eu separo os sapatos, brincos e enfeites para
cabelo. Quando a babá e mamãe terminam com as crianças, nós começamos
a vesti-las. Assim que finalizamos, fico abobalhada com o resultado.

Eu me vi ansiosa durante os primeiros meses de vida delas,


pensando se algum dia elas teriam toda a família reunida para uma festa de
aniversário, ou se seria só mamãe, Arthur e eu com as duas.

— Hoje é o dia mais importante da sua vida, não é? — mamãe diz,


abraçando meus ombros enquanto observamos as meninas.

— O segundo. — Olho-a por cima do ombro. — O primeiro foi


quando nasceram. — Analiso as gêmeas, que estão completando um ano de
idade.

Céus, o tempo passa voando.

— Sim, é verdade.

— Ju, você pode ficar com as meninas enquanto vou me trocar? —


peço, e ela assente.

Ao entrar no quarto, encontro Bernardo vestido com uma roupa


social. Vê-lo usando camisa branca e colete preto, com a calça justa no
corpo, me faz quase babar.
Esse homem é muito lindo. O meu homem.

Ele ergue os olhos castanho-claros para mim, e ao notar o modo


como eu o encaro, sorri de canto, de um modo sexy, que me faz suspirar.

— Você está lindo — elogio, secando-o mais um pouco com os


olhos.

— Se é você que está dizendo, vou acreditar. — Ele faz charme,


vindo na minha direção e me agarrando pela cintura.

— Estou suada, Bernardo! — eu o repreendo quando ele cola seu


corpo ao meu

— E daí? — Sorri, franzindo o cenho.

— Você já está todo arrumado e fica me agarrando — reclamo, mas


adoro a sua pegada, principalmente a mão que desliza até a minha bunda.

— Não me incomodo. — Inclina o rosto para o meu e roça nossos


lábios.

— Mas eu sim… — Minha boca formiga com o nosso contato.

— Não me importo em tê-la suada ou perfumada, não vejo


problema algum em agarrar a minha mulher descabelada ou com o melhor
penteado — declara, sorrindo contra meus lábios entreabertos.

— Droga, não me fala essas coisas uma hora dessas, estamos


atrasados para o aniversário. — Bato em seu ombro.
— E o que você faria se não estivéssemos? — Ele me atiça ao
apertar minha bunda, massageando minha carne entre seus dedos.

— Você sabe o que aconteceria. — Empurro-o de leve no ombro e o


safado inclina a cabeça para trás e gargalha.

— Quero ouvir sair dessa boca gostosa. — Tenta beijar meu


pescoço, mas não deixo.

— Mais tarde te falo — prometo, tentando me afastar dele, que não


deixa.

— Vou esperar ansioso. — Ele me segura pelo pescoço e volta a


puxar o meu rosto para perto. — Mas só te libero se me der um beijo. —
Suga meu lábio superior e sorri ao me ouvir suspirar.

— Bernardo. — Minha voz deveria sair como uma repreensão, mas


sai como um gemido baixo, porque não demoro para afundar a mão em seu
cabelo para beijá-lo.

— Agora pode ir. — Afasta-se, ainda olhando para meus lábios.

— E nada de me seguir — aviso, ao girar nos calcanhares e olhar


para ele por cima do ombro.

— Não. Mais tarde você é toda minha.

Solto um gritinho ao sentir um tapa forte na bunda.

— Filho de uma mãe incrível! — resmungo, correndo para o


banheiro enquanto ouço a sua risada baixa.
Depois de um banho e uma maquiagem suave, coloco o vestido
vermelho longo que tem uma fenda na minha perna esquerda. O homem me
estuda com atenção, percebendo o caimento do tecido nas minhas curvas.

Esse olhar um dia dissolve todos os resquícios da minha sensatez.

— Pode fechar para mim? — Não consegui fechar o bendito vestido


nas costas, deixei para que Bernardo me ajudasse.

Ele faz um gesto com a mão e eu me aproximo da cama. Bernardo


deixa o celular de lado e se levanta, então puxo meu cabelo para a frente,
deixando o lado direito do meu pescoço livre.

— Você e esse maldito perfume vão me acorrentar a esse desejo por


quanto tempo? Eu amo o aroma dele em sua pele, deveria ser proibido
outras pessoas o usarem, porque parece ter sido feito para você. — Quando
ele enterra o rosto em meu pescoço, eu o sinto inalando o meu cheiro.

— Achei que já tinha se acostumado. — Mordo o interior da


bochecha.

— Me acostumei a não pular em cima de você sempre que a vejo


passar, mas não me acostumei a controlar esse desejo — garante, me
segurando pelo quadril e puxando meu corpo para perto.
As mãos de Bernardo seguram o zíper do vestido e o puxa para
cima, então me viro em sua direção.

— Como estou? — Vejo-o me avaliar, com malícia.

— Tão gostosa que estou tentado a rasgar esse vestido do seu corpo
— diz, exagerado.

— Mais tarde você pode fazer o que quiser com ele — atiço-o, e um
sorriso sacana preenche os seus lábios.

— E eu vou. — Ri baixinho.

— Vamos? — Seguro em sua mão e deixamos o quarto para ir ao


encontro de nossas filhas, mas encontramos o quarto delas vazio. Pelo
burburinho no andar de baixo, já levaram Lola e Lena para lá.

— Sequestraram nossas filhas. — Seu tom é divertido.

— Pois é. —Dou risada.

De fato, mamãe e Arthur estão com elas nos braços e há alguns


convidados ao redor, observando nossas meninas. Vamos para o salão
seguindo o grupo e eu sorrio ao entrar.

— Quem ia imaginar que este lugar que serviu para suas orgias, um
dia ia receber festa de aniversário das suas filhas.

Bernardo não segura a risada.

— Orgias? — resmunga.
— É um dos termos que usávamos para descrever, já que duas
garotas menores de idade não podiam participar — relembro, nostálgica.

— Bom saber. — Ele faz uma careta enquanto rumamos até as


nossas filhas, que assim que nos veem esticam os braços em nossa direção.

Elas ainda não se acostumaram a conviver na presença de muita


gente, certamente a quantidade de pessoas ao redor as assustam. Assim que
a pegamos, o fotógrafo nos pede para posar para algumas fotos. Logo o
restante dos convidados chega, parentes distantes dos Guerra, parentes
distantes do meu lado da família e amigos íntimos. E o meu desespero
começa quando surgem com brinquedos enormes de presente. Ao meu lado,
Bernardo acha graça ao notar que arregalo os olhos com o que um cliente
dele muito importante traz – dois minicarros elétricos.

Céus, como isso vai caber na cobertura? Vou ter que deixar muitas
coisas na casa da avó delas. Minhas filhas já têm de tudo, ainda assim, estão
mimando-as esta noite.

Quem vibra ao pegar os presentes é Beatriz, que fica na entrada


recebendo os convidados, e a cada embalagem que ela vê, sorri
abertamente, parecendo que é para ela. O Murilo está ao seu lado, o pobre
coitado tem tentado conquistar a irmã do melhor amigo, mas ela nem dá
confiança para ele. Quem manda ser mulherengo?

Bernardo e eu passeamos entre as mesas com as meninas no colo,


conversando com os convidados e deixando que elas comam quase tudo que
veem pela frente. E como não poderia faltar nenhuma gracinha do Murilo,
ele dá brigadeiro a Helena ao passar por nós, que estamos sentados e
cansados de tanto andar pelo salão.
— Quem deu doce a ela? — Minha mãe quase infarta quando vê
Lena comendo brigadeiro no meu colo.

Lena aponta para Murilo enquanto termino de limpar a outra mão


dela.

— Mãe, se acalme. Não dá para controlar o que elas comem em um


dia como hoje — murmuro, observando o salão, ansiosa para a festa acabar,
porque não aguento mais as músicas infantis repetindo na minha cabeça.

— Hora do bolo! — Tia Rúbia surge, animada.

Eu me levanto ansiosa com Lena no colo e o Bernardo faz o mesmo.

Quando vamos até o bolo e as pessoas começam a cantar Parabéns,


Lena se assusta e eu rio, beijando a cabeça dela. Mais tarde, quando
estamos distribuindo os pedaços de bolo para os convidados, vejo Beatriz
perto da porta, e Murilo atrás dela, beijando o seu pescoço. Ela bate na mão
dele que está em sua cintura e o afasta assim que me vê. Depois olho para
Bernardo que está cabisbaixo e distraído com nossa filha. Pela expressão
suavizada dele, não viu nada e eu sigo fingindo que também não.

Murilo e Beatriz? Minha nossa… Eles já davam sinais, mas não


imaginei que já estivessem nesse nível de intimidade. É, logo o Bernardo
vai saber que o melhor amigo será o seu cunhado, mas não por mim. Bea e
ele são maiores de idade, que se resolvam e quando decidirem se assumir e
que façam isso por conta própria.

Passa das oito quando as pessoas começam finalmente a ir embora.


Me despeço de todos com Bernardo e as meninas no nosso colo. Só quando
o último convidado vai embora, nos sentamos à mesa com as meninas já
adormecidas nos braços de mamãe e da tia Rúbia.

— Essa montanha de presente não vai caber na cobertura. —


Bernardo toca em meu ombro e observa o local onde os presentes estão.

— Eu estou achando o mesmo. — Suspiro, cansada, sentindo


minhas pernas e pés doloridos.

— Compra uma casa, meu amigo. Você é mais do que rico, deixe de
ser mão de vaca e compre uma mansão para a sua mulher e filhas —
intromete-se Murilo.

E por incrível que pareça, Beatriz nem abre a boca para atacá-lo.

— Concordo, Bernie, vai ser bom um ambiente maior. As meninas


já estão com um ano, logo vão crescer e irão precisar de um espaço maior
para brincar — diz a ruiva, surpreendendo o irmão.

— Vai chover. Você concordando com o Murilo? — Ele semicerra


os olhos e a irmã fica com o rosto vermelho.

— É porque sou irresistível. — Murilo se gaba, apontando para si e


fazendo todos gargalharem.

— A última bolacha do pacote — brinco, fazendo Murilo sorrir e


fitar Beatriz demoradamente. Por sorte, ninguém nota a troca de olhares
deles além de mim, porque mamãe, tia Rúbia e Arthur começam um
falatório.
— Tenho uma surpresa. — Bernardo afasta o cabelo do meu
pescoço ao se inclinar para beijar ali.

— O que é? — Observo-o, curiosa.

— Comprei algo e quero inaugurar com você. — Beija levemente


meu ombro e minha pele queima sob o seu toque.

Olho ao redor ao ouvir os risinhos de todos, como se soubessem


exatamente o que Bernardo está me dizendo e quais os planos dele.

— O que comprou? — Um vinco se forma em minha testa.

— Prefiro que veja pessoalmente. — Beija meu rosto, carinhoso.

— Vá com ele, Ayla, nós ficamos com as meninas — mamãe se


intromete quando olho para nossas filhas. — Me deixe matar a saudade de
passar a noite em claro.

— Aposto que todos já sabem o que é — acuso-os, que sorriem.

— Se convencer a Beatriz a me assumir para o mundo, te falo — diz


Murilo, fazendo biquinho.

— Poxa, dessa vez eu passo. — Faço uma expressão de triste,


depois fito minha cunhada, que me agradece com um olhar.

— Vamos, amor? — Bernardo me chama, levantando-se e


estendendo a mão para mim.

Ao pegar, ele me conduz para fora da casa.


Já estamos a vinte e quatro minutos longe de casa, e a única coisa
que ele me deu como pista foi “Bahia Marina”, mas somente porque o
questionei a demora para chegarmos ao local. Não faço ideia do que está
aprontando, mas só por fazer tanto mistério sinto que será inesquecível.

— Você está amando me torturar com isso, não está? — questiono,


vendo-o estacionar o carro em uma vaga disponível.

— Nunca me diverti tanto na vida — garante, desliga o carro e abre


a porta para mim.

— Vamos a um restaurante? — Olho ao redor, me perguntando onde


exatamente está a surpresa, já que só vejo o mar e alguns iates espalhados.
Mas ao raciocinar direito, vejo que a minha pergunta é idiota, o restaurante
é do outro lado, teríamos que ter seguido por outro caminho.

— Olhe para a sua frente, bem ali. — Ele se põe atrás de mim e
aponta para a frente.

Um iate luxuoso ancorado atrai meus olhos.

— Você comprou um iate? Como não desconfiei de nada? —


Boquiaberta, encaro-o por cima do ombro.

— Sim, ainda pedi a todos que guardassem o segredo — confirma,


sorrindo e entrelaçando nossas mãos. — Queria inaugurá-lo com você.
Precisei ameaçar Murilo algumas vezes, porque ele queria aproveitar o iate,
mas eu tinha jurado que o primeiro passeio seria só seu.

— Por isso estavam todos de risinhos na mesa!

Bernardo aciona o alarme do carro e seguimos até o portão para


passarmos para o outro lado onde se encontra o iate.

— Exatamente — diz, após um tempo.

— Ainda não acredito que você comprou um iate. — Sorrio


maravilhada quando estamos a dois passos dele.

Assim que chegamos, ele é o primeiro a subir no iate, logo em


seguida me dá a mão para que eu faça o mesmo. Quando pisamos no
convés, Bernardo beija minha mão e caminha até abrir a cabine.

— Você sabe pilotar? — Só me dou conta disso ao vê-lo pronto para


ligá-lo.

— Tenho até habilitação. Estive bem ocupado enquanto você estava


na Inglaterra. Aprendi a pilotar isso aqui, quase aprendi russo… — lista,
mas deixa as palavras morrerem quando liga o motor.

Ele começa a navegar e meu coração acelera no peito. Deixamos as


luzes da cidade para trás aos poucos, e logo, à nossa frente está o luar e as
estrelas beijando o oceano. Nós seguimos nos afastando da marina até que
ele desliga os motores em algum lugar no meio do oceano.

Bernardo envolve meu corpo com os braços e eu abraço o pescoço


dele, observando seus olhos.
— O que você pretende fazer para inaugurar esse lugar? — Sei o
que tem em mente, tenho certeza de que é o mesmo que eu.

— Sexo à luz do luar? — responde, olhando para a minha boca.

Esboço um sorriso, inclinando a cabeça e deixando Bernardo beijar


o meu pescoço.

— E quando começamos? — Faço-o rir contra a minha pele.

Bernardo me guia de volta para o convés e eu sorrio ao ver o lugar


iluminado apenas pela lua. Ele segura o vestido que uso e me vira para abrir
o zíper. Deixo a roupa cair amontoada aos meus pés e vou até o corpo dele,
soltando sua gravata e abrindo o colete. Bernardo me ajuda a tirar a camisa
dele e cola a boca na minha enquanto abre o meu sutiã sem alças.

O vento frio faz meus seios enrijecerem.

Abro seu zíper e atiro os meus sapatos pelo convés. Já Bernardo, usa
os próprios pés para se livrar dos dele, em seguida, tiro sua calça com a
cueca e encaro o pau duro dele salivando.

Engulo o desejo, Bernardo chuta as roupas e se senta em um dos


sofás espaçosos embutidos, fazendo um gesto com a mão para que eu me
aproxime, então ele puxa minha calcinha para baixo, me livrando da peça.

— Olha que noite perfeita. — Ele não olha ao nosso redor, mas para
meu corpo. Sob o meu olhar, molha dos dedos com a saliva e enfia no meio
das minhas pernas, deslizando-os por meu clitóris. — Vou comer a minha
mulher ao ar livre — diz, e eu me sento em seu colo.
— E eu vou dar para você bem gostoso — falo, perto da sua boca e
segurando o seu membro na base, fazendo-o gemer delicioso.

— Ninguém pode nos ouvir aqui, então quero que grite o meu nome
bem alto — pede, erguendo meu quadril e me ajudando a colocá-lo dentro
de mim.

— Isso vai te excitar? — Mordo o lábio inferior ao ser preenchia por


seu pau ao descer lentamente nele.

— Muito, agora me deixa te foder. — A sua boca chega à minha, me


devorando. Sua língua me invade e meu corpo cola ao dele. Inspiro fundo,
recebendo o cheiro do perfume dele misturado ao salgado do oceano ao
nosso redor.

— Ahh… Me come, Bernardelícia — Recebo um tapa em cada lado


da bunda ao chamá-lo pelo apelido que ele acha provocante.

— Vou te mostrar o Bernardelícia — rosna, excitado, me deixando


encharcada ao empurrar o quadril para a frente e me foder.

Adorando senti-lo me comer com força, seguro no ferro atrás de nós


e afundo meus dedos em sua nuca, e com movimentos rápidos, desço e subo
em seu pau. Bernardo acerta minha bunda com a mão espalmada, e um grito
escapa da minha boca ao sentir o toque possessivo e firme.

— Porra, você quer me enlouquecer. Mas esta noite não vou te


deixar gozar assim — geme, animalesco, se levantando comigo em seu colo
como se eu não pesasse nada. Ele me deita no chão do convés, ficando por
cima de mim.
Prendo-o ao meu corpo com as pernas quando volta a me penetrar.

— Vai me comer devagarinho? — atiço-o, gemendo ao vê-lo se


mover dentro de mim lentamente.

— Nós dois sabemos que você não é do tipo que sente prazer em
fazer amor com calma. — Ele me deixa acesa quando segura minha perna,
socando o pau para dentro do meu corpo com força.

Meus gemidos se tornam altos ao sentir a sua selvageria. Bernardo


leva a mão ao meu seio esquerdo e seus dedos brincam ao redor do mamilo.
Meu corpo relaxa, se entregando ao prazer do momento com o homem que
se tornou tão parte da minha vida.

— Ahhhh… B-bernardooo… — grito, cravando as unhas em suas


costas e arranhando o seu pescoço, ao inclinar a cabeça para trás.

— Isso, chama o nome do seu homem enquanto ele te come. — Ele


me fode com velocidade e eu tento acompanhar o seu ritmo, rebolando,
gemendo e resfolegando.

Sem estar pronta para gozar, empurro-o pelo ombro e apenas com
uma troca de olhares, ele entende que quero ficar por cima. Ergo meu
corpo, me sentando sobre o seu. Bernardo envolve meu corpo e eu apoio
meus joelhos no chão, sufocando meus gemidos quando acelero as nossas
investidas, percebendo como Bernardo força o corpo contra o meu, se
movendo no mesmo tempo que eu.

Meu corpo fica preso na sensação de ter a pele dele contra a minha.
A sensação de estarmos juntos depois de tantos desencontros e reencontros.
Eu não consigo pensar em outra coisa no instante. Apenas sinto o corpo
dele contra o meu, mesmo a brisa do Atlântico ao nosso redor não é
suficiente para impedir que nossos corpos suem e nosso suor se misturem.

A língua dele desliza pelo meu pescoço, provando o suor de nossas


peles unidas, e eu inclino o corpo para trás, com ele segurando minha
cintura ao socar o seu pau totalmente duro em minha boceta.

— Eu amo você, Ayla — sussurra, me fazendo estremecer.


Lágrimas ardem os meus olhos quando volto a abraçar o corpo dele, me
movendo com uma necessidade faminta. — Passei muito tempo perdido em
meio a vícios e prazeres momentâneos, mas nos últimos tempos, percebi
que sempre vou amar e desejar apenas você. Seu gosto, seu beijo, seu
cheiro, está tudo tatuado no meu coração. E não me arrependo de nada —
declara contra o meu ouvido, bombeando em mim com precisão.

Solto um gemido alto quando o sinto latejar dentro do meu corpo,


sabendo que ele está tão perto de gozar quanto eu.

— E eu sempre amei só você, Bernardo. Nunca deixei de pensar em


você — garanto, soltando o gemido quando arremete com mais força. —
Nossa família é a melhor coisa da minha vida. Obrigada por me dar Lola e
Lena, amor. — Lágrimas rolam por meu rosto e eu sinto uma mistura de
emoção com prazer.

Bernardo se afasta o suficiente para olhar o meu rosto. Sinto meu


coração acelerar no peito e o meu interior se contorcer com o pau dele
estocando dentro de mim. Meu corpo se desfaz quando os seus dedos da
mão livre encontram o meu clitóris e Bernardo mantém o movimento
contínuo, até que meu corpo seja tomado pelos tremores.
— Eu que agradeço a você pela nossa família, elas são as nossas
melhores versões — sussurra, apaixonado.

Levo minha boca a dele, beijando seus lábios com uma fome voraz,
movendo meu corpo sobre o dele em investidas rápidas e firmes, sentindo
os dedos dele puxando meu cabelo e sua outra mão agarrando minha bunda.
No mesmo instante que gozamos, Bernardo solta um palavrão.

Me mantenho imóvel presa ao corpo dele, observando seu rosto


sendo iluminado pelo luar.

 
Deixo as meninas com Júlia logo cedo quando Bernardo e eu
seguimos para a empresa. Voltei a trabalhar como tinha dito a Bernardo que
faria, mas somente três meses depois do aniversário delas. Lena e Lola
estavam se acostumando com a nova rotina longe de nós, mas eu tinha
demorado um pouco para me acostumar com a ausência delas durante o dia.

— Nos vemos no almoço? — Bernardo me pergunta quando estou


prestes a sair do elevador.

— Claro — respondo, sorrindo.

Ele me puxa para um beijo rápido e eu saio antes que as coisas


esquentem, não posso correr o risco de fazer filme pornô em elevador.
Passo pelos corredores e cumprimento todo mundo. O setor de arte é de
longe o que mais gosto na empresa, as pessoas nos outros andares se vestem
com roupas formais, que vão de cores escuras a vermelho, mas no setor de
arte cada um é livre para se vestir como quer. Já vi pessoas indo trabalhar
depois do carnaval com os olhos roxos e um colar havaiano com cores
berrantes.
As pessoas vibram com ideias criativas que me fazem sentir em
casa.

— Juliana — chamo, mas minha amiga continua correndo pelo


corredor. Eu me vejo parada, com a mão erguida, paralisada por ter sido
deixada no vácuo, mas recebo uma mensagem dizendo:

“Fiz merda, preciso resolver, nos falamos à noite.”

Parando para pensar, há algo errado no clima desse andar.


Geralmente, alguém se aproxima contando a fofoca mais comentada do dia,
mas hoje ninguém veio me contar nada. Me sinto meio deslocada,
observando os corredores, pensando a respeito de tudo e imaginando o que
está acontecendo que ainda não sei.

Vou até a sala de Luiz para ver se tem algum projeto urgente para
trabalhar, e quando bato à porta, até mesmo o chefe do departamento parece
ansioso. Ele trava o celular de maneira apressada quando me vê.

— Bom dia — falo, entrando na sala dele.

— Bom dia, Ayla! — cumprimenta com um sorriso.

— Vim ver se tem algum projeto urgente que você precisa de mim.
— Analiso o meu chefe para ver se ele também segue estranho como os
outros, mas não encontro nada de anormal nele.

— Lembra da empresa de laticínios? — pergunta e eu assinto. — O


prazo para o projeto está apertado, e até agora só deram ideias
ultrapassadas.
— Hm, entendi. Vou tentar trabalhar em algo e te envio por e-mail
— aviso e ele concorda.

— Obrigado — agradece, satisfeito com a minha resposta.

— Você sabe o que aconteceu com Juliana? Ela me disse que fez
merda e precisa consertar — inquiro, desconfiada.

— Não se estresse muito com isso. Ela está ansiosa ultimamente e


acabou digitando alguns documentos errados — comenta, com seriedade.

— O.k. — Ergo a sobrancelha ao notar que Luiz olha para a porta


como se estivesse me expulsando. — Vou trabalhar no projeto agora mesmo
— informo.

— O.k., obrigado — repete antes que eu feche a porta.

Vou até a minha sala e ligo o computador, dando de cara com a foto
de Bernardo e as meninas no papel de parede. A foto foi tirada no
aniversário das meninas. Ele segura as duas no colo enquanto sorri para a
câmera e Lola tenta agarrar o nariz dele. A menina simplesmente criou
adoração pelo nariz do pai.

Sorrio ao olhar a imagem antes de iniciar o meu trabalho. A empresa


de laticínios tem uma ideia ecologicamente correta, por isso tinha procurado
nossa empresa para fazer um marketing explicando as diferenças no
tratamento de seus animais com relação a sua concorrência. Comecei a
verificar os detalhes sobre eles e vasculhei o site em busca de informações e
imagens para montar uma base da ideia para mostrar ao Luiz.
O trabalho me consome várias horas da manhã, estou prestes a fazer
uma pausa para almoçar quando recebo uma mensagem de Bernardo
avisando que teve uma reunião de emergência. Ele me diz para almoçar
com Juliana e eu suspiro. Acabo pedindo um lanche no aplicativo e
continuo trabalhando enquanto espero que chegue.

Só paro o que estou fazendo no computador para comer um


sanduíche e tomar o suco que o entregador trouxe até a minha sala. Em
seguida, me vejo estudando o projeto, procurando ver se está tudo atrativo e
claro o bastante para apresentar a ideia ao Luiz.

Normalmente, Juliana e eu montamos ideias juntas, mas como a


minha amiga tinha tomado chá de sumiço por toda a manhã, acabo criando
um projeto sozinha, consumindo mais horas do meu dia.

Passa das três quando envio tudo para o e-mail de Luiz e me recosto
na cadeira, sentindo minhas costas doerem por ter ficado o dia inteiro na
mesma posição. Fecho os olhos, descansando a visão da tela, e ouço um
burburinho no corredor. Como minha sala não tem janelas de vidro, acabo
indo até a porta e a abro.

Há pétalas de rosas espalhadas pelo corredor. Meu coração acelera


em expectativa, me perguntando se Luiz finalmente está declarando
publicamente seu amor por Juliana. Mas a teoria não faz sentido, já que
começa em frente à minha porta. Sigo o caminho de pétalas pelo corredor
vazio. O setor de arte inteiro está estranhamente silencioso.

O caminho acaba em um buquê de rosas vermelhas que está em


cima de uma mesa no meio do corredor.
— Se você chegou até aqui, continue em frente até a sala do Luiz
Miguel. — Leio em voz alta o cartão que está em cima da mesa.

A letra é de Bernardo e isso enche meu corpo com expectativas.


Senti que tudo estava estranho hoje desde que cheguei, mas em momento
algum passou pela minha cabeça que Bernardo pudesse estar por trás de
tudo isso.

Caminho até o lugar e vejo que há um post-it colado na porta.

“Contenha sua emoção, não quero que a mãe das minhas filhas
tenha um treco.”

Rio alto ao ler o bilhete e respiro fundo antes de abrir a porta da


sala. Perplexa, encaro Bernardo de joelhos segurando uma caixinha de
veludo vermelho. Algumas pessoas do setor de arte seguram placas com
frases.

“Você aceita se casar com ele?”

“Você aceita dar juízo a ele?”

“Quer envelhecer com ele?”

Há fotos nossas espalhadas pela sala de Luiz. Sinto meus olhos


arderem ao ver aquelas imagens captando momentos lindos que passamos
juntos ou com as meninas. Me pergunto quanto tempo todos levaram para
organizar isso, e culpo meu foco no trabalho por não perceber que Bernardo
estava preparando algo ali.
— Ayla, você trouxe à tona um lado meu que eu desconhecia
completamente, sou uma pessoa melhor por ter você comigo, nossa família
é mais importante para mim que essa empresa — ele olha ao redor e
sussurra: — Sem ofensa, pessoal.

Gargalho ao ver o CEO receber vaias, mas logo em seguida o


poderoso chefão lança um olhar bravo para eles, e todos riem.

— Acho que é uma pergunta meio redundante, mas lá vai. Depois de


ver o melhor e pior de mim, depois de encontros e desencontros e de todo o
caos que somos um na vida do outro, você quer passar o resto da vida ao
meu lado? — inquire, com a voz rouca.

Eu me aproximo dele, meu coração parece prestes a explodir no


peito. Assinto, sorrindo para ele. Um filme rápido passa em meus
pensamentos, desde os nossos momentos juntos desde aquela noite em que
ele partiu meu coração na casa da família dele, até nossos momentos
enlaçados em qualquer cômodo vazio da nossa casa.

— É claro que eu aceito, amor! — Me emociono e solto um soluço.

Ele se levanta, me segurando pela cintura e me beijando diante de


todos. Bernardo se afasta apenas para colocar a aliança no meu dedo e eu
sorrio, ao recebermos parabéns de todos que compactuaram com a armação
do chefe. Juliana joga o cartaz para cima e se aproxima, me abraçando em
seguida.

— Me desculpa, amiga, eu não ia conseguir guardar segredo se


ficasse perto de você, por isso desapareci hoje — explica, envergonhada.
— Eu imaginei que você tinha uma boa razão. — Pisco para ela.

— Corri o dia inteiro para conseguir tudo isso para o chefe! —


revela, sorridente, encarando-nos.

— Como você impediu esse povo de fofocar? — indago, olhando


meu futuro marido por cima do ombro, que entrelaça a mão na minha.

— Prometi um bônus se ficassem calados, ainda os ameacei falando


que seria mais útil receber um bônus do que uma demissão — confessa
descaradamente, como se estivesse orgulhoso.

— Você é louco! — reclamo, vendo-o dar um sorriso largo.

— Sim, completamente louco pela mulher incrível que eu tenho. —


Ele rouba um selinho e a minha amiga suspira.

Enquanto Bernardo dirige para a casa, eu observo a aliança no meu


dedo. Céus, quando você acha que já recebeu toda felicidade do mundo, o
homem consegue me trazer mais uma.

— Ainda não acredito no que você fez! — admito, boba, encarando


o diamante.

— Fiz e faria de novo.


Nós entramos no condomínio do nosso prédio e saímos do carro.
Bernardo o fecha e subimos para a cobertura, meu corpo completamente
aceso, pronta para colocar as meninas para dormirem para comemorar o
pedido de casamento. Mas quando abro a porta de casa, outra surpresa me
aguarda.

A casa está decorada com balões brancos e dourados, há um jantar


servido sobre a nossa mesa enorme que raramente usamos, e um bolo com
nossos nomes como topo. Encaro Bernardo, que assente, confessando que
aquilo também é obra dele. Mamãe, tia Rúbia, Arthur, Beatriz e Murilo
estão ali, com as meninas.

— É o nosso jantar de noivado — decreta, me abraçando por trás.

— Até você sabia disso, mainha? — pergunto, ansiosa para abraçar


minha mãe, que eu não via desde o aniversário das meninas, uma vez que
ela voltou para a Inglaterra com o Arthur no dia seguinte.

— Sim, vim para o Brasil por causa disso — revela, animada.

— Eu ajudei a pensar nos detalhes do pedido — Beatriz me conta.

— E eu comprei rosas vermelhas para esse imbecil — diz Murilo.

— Esperamos muito por esse dia, o dia em que nossas famílias


seriam oficialmente unidas — tia Rúbia fala, emocionada.

Todos se aproximam para nos abraçar e mamãe analisa minha


aliança, observando a delicadeza da peça que Bernardo tinha escolhido para
mim. Bea me abraça por último, demorando mais no abraço.
Ver todas as pessoas comemorando um pedido de casamento faz
meus olhos marejarem. Bernardo me puxa para um abraço e eu o agarro
com força.

É real, nossa vida juntos, nossa relação com nossas filhas, agora a
ideia do nosso casamento.

— Imagina se eu tivesse dito não, como você ficaria agora depois de


fazer todo mundo se esforçar desse jeito? — questiono, fazendo Murilo se
engasgar com o que quer que ele esteja bebendo. Todos na casa riem com as
minhas palavras.

— Então, eu continuaria tentando colocar uma aliança em seu dedo,


mesmo que se passassem décadas e mais décadas.

Sinto meu coração derreter, mas um pigarreio nos chama a atenção.

— Que lindo, mas em breve estaremos nos reunindo para


comemorar o meu noivado com a mulher da minha vida. — Murilo põe a
mão no peito.

— E quem é a maluca que vai querer se casar com você? —


pergunta a ruiva, fazendo Murilo segurar a mão dela e a beijar.

— É você, minha ruivinha sarnenta.

Beatriz fica sem reação por alguns segundos.

— Sarnenta é a…. — Ela se interrompe ao olhar para Lena e Lola,


que estão no chão da sala, atentas a tudo que está sendo dito. Consigo ver o
rosto da minha cunhada ficar vermelho de fúria quando ela se recompõe,
pensando numa resposta apropriada para dizer na frente das sobrinhas, que
ficam repetindo cada palavra que ouvem.

— A palavra certa é sardenta, seu idiota! E eu não me casaria com


você nem se me oferecesse um milhão de reais — retruca, brava.

Nossa família inteira ri, mas no fundo, me vejo intrigada com a


relação dos dois. O mais interessante é que dessa vez, a Beatriz é o
Bernardo, mas de saia. E o Murilo, sou eu.
 
4 ANOS DEPOIS

Bernardo e eu dissemos sim um ao outro há três anos, na casa de


praia em Guarajuba. Optamos por uma cerimônia apenas para amigos
íntimos e foi a melhor escolha que fizemos, tivemos tranquilidade e
pudemos aproveitar cada segundo ao lado de pessoas que realmente
queriam o nosso bem.

— Amiga, estou em cólicas, fala logo o resultado. — Beatriz quebra


o silêncio de longos minutos que criei após ter saído do banheiro.

Suspirando, encaro as duas mulheres através da tela do celular.


Estamos em chamada de vídeo já faz algum tempo. Desde que contei a elas
sobre a minha suspeita, quiseram fazer a ligação pelo WhatsApp em
conjunto.

— Pois é, concordo com você. — Juliana passa a mão em sua


barriga de trinta semanas de gestação.

— Se acalmem, já digo o resultado — peço, observando o teste de


farmácia em minha mão antes de colocá-lo na mesa de cabeceira.
Ao analisar os dois tracinhos pela segunda vez – a primeira foi
quando saí do banheiro controlando a minha emoção para dar a notícia para
as minhas duas melhores amigas –, começo a imaginar o quanto as coisas
serão diferentes dessa vez. O meu marido vai poder acompanhar a minha
gravidez de perto, diferente do que aconteceu na de Lola e Lena.

— Ayla, não pode negar um pedido de uma mulher grávida! —


repreende-me Juliana, curiosa e sorridente.

Nos últimos anos, a minha amiga tem se dado bem. Ano passado,
ela e Luiz Miguel finalmente se casaram e em breve o primeiro filho deles
vai nascer. O meu afilhado, João Pedro.

— O.k., vocês estão com a expressão de que querem me esganar por


fazer tanto mistério. — Rio com as lágrimas se formando em meus olhos.
— Vocês vão ser titias, sim! — exclamo.

Elas se tornam vibrantes do outro lado da tela.

— Meu Deus, o Bernie vai enlouquecer de felicidade! — Minha


cunhada explode em um sorriso.

— Não só ele, Heloísa e Helena também! — Gargalho, enxugando o


canto dos meus olhos.

— Minhas afilhadas finalmente estão realizando o sonho de terem


um irmãozinho! — diz Ju, risonha.

Bernardo e as gêmeas saíram mais cedo para visitar a minha sogra.


Eu não quis ir, porque acordei indisposta e queria aproveitar o momento
sozinha para fazer o teste de farmácia. Mas logo eles estarão de volta, uma
vez que moramos no mesmo condomínio da Fernanda.

Há quatro anos, Bernardo comprou essa casa, me fazendo uma


grande surpresa. E é claro que não poderiam faltar cúmplices, Murilo e
Beatriz foram os primeiros a ajudá-lo a me preparar essa surpresa, e mãe
dele ficou maravilhada, pois teria as netas mais perto dela.

— Ei, dona Juliana, dessa vez, eu que vou ser a madrinha, o.k.? —
brinca Bea, fazendo a nossa amiga gargalhar e balançar a cabeça.

Juliana e Luiz Miguel são padrinhos de Lola e Lena, eles a


batizaram há alguns anos.

— O quanto nossas mães também irão ficar felizes com essa


novidade, já estou vendo! — fala Bea, com os olhos inundados.

Mamãe e Arthur voltaram a morar no Brasil há três anos, eles não


conseguiram ficar por muito tempo longe de nós.

— Já estou vendo mainha querendo fazer um churrasco no final de


semana para comemorar. — Rio baixinho.

— Pode apostar que vou marcar presença — diz minha cunhada,


piscando para mim. Só então noto que Juliana está distante e olhando para
algum lugar em sua casa.

— Ju, aconteceu alguma coisa? — inquiro, curiosa.

— Amiga, vou precisar desligar. O Luiz acaba de chegar, e você


sabe que mesmo que digam que não, homens adoram fofocar. Vai que ele
comenta algo sem querer com o seu marido antes que você dê a notícia.

Balanço a cabeça concordando, logo ela se despede e sai da


chamada de vídeo.

— Digo pelo Murilo, ele adora uma fofoca, se vacilar, toma o posto
da Rosin…

— Ouvi o meu nome, sardentinha? — Ouço a voz do Murilo soar


atrás dela, que põe a mão que carrega uma aliança no peito.

— Amor, que susto! — reclama, fazendo uma careta.

Pois é, não estou alucinando. Beatriz e Murilo estão casados há dois


anos e têm um filho da mesma idade. O Daniel, que é uma criança adorável
e o xodó do Bernardo.

— O que estão falando de mim? — Murilo surge na tela com o filho


no colo. O garotinho não nasceu ruivo, é loiro como pai, e parece ter um
oceano dentro dos seus olhos. — Bom dia, Ayla! — me cumprimenta com
um aceno de mão e o Daniel segue os passos do pai.

— Bom dia, Murilo. — Sorrio.

— Não estávamos falando de você, só estamos em uma reunião de


garotas — informa, sorrindo para o marido e o filho, que estica os
bracinhos para ir para o colo da mãe.

— O.k. Então vou deixar as garotas a sós. Ah, a sua mãe nos
convidou para jantar na casa dela esta noite e pediu que eu te avisasse —
diz ao depositar um beijo na cabeça de Beatriz e na testa de Daniel. — Até
breve — fala para mim, sumindo do meu campo de visão.

Pelo visto, até o Murilo foi à casa da sogra. Se ele já voltou, é sinal
de que Bernardo deve estar a caminho com nossas filhas, umas mocinhas de
cinco anos que deixam o pai de cabelo branco.

— Amiga, o seu irmão já deve estar vindo, vou desligar. Preciso me


preparar para dar a notícia a ele! — Levanto-me da cama.

— Ia te dizer isso agora. — Ela se levanta do sofá.

A notícia por si só causará um enorme impacto em meu ruivo, mas


quero algo mais emocionante.

— Até mais tarde, beijos.

Encerramos a chamada e eu jogo o celular na cama, então pego o


bastão do exame na mesa de cabeceira, pensando em montar uma
surpresinha, nem que seja básica.

Ainda tenho algumas roupinhas de quando Lena e Lola eram bebês.


Rumando para fora do meu quarto, sigo para um que utilizamos como um
pequeno depósito, onde ficam as coisas que não usamos no dia a dia e os
brinquedos, que até hoje não param de aparecer nessa casa.

Avaliando as prateleiras à minha frente, procuro pela caixa que está


nomeada como “L&L”, assim que a encontro, procuro pelo sapatinho e um
body branquinho para acompanhar.
— Acho que falta só mais uma coisinha para completar —
murmuro, olhando ao meu redor e deparando-me com uma caixa azul com
alguns desenhos infantis.

Vai servir!

Recolho tudo e vou para a sala. Sento-me no sofá e começo a


montar as coisas dentro da caixa. As lembranças infiltram em minha mente,
me levando àquela Ayla que tinha medo do futuro incerto, e que hoje tem
duas filhas lindas, um marido muito amoroso e a vida estável. Nem mesmo
eu diria que chegaria a tanto, se tornar esposa do meu primeiro amor e
muito menos dar a ele três filhos.

Tampando a caixa, após ter a arrumado os itens bem bonitinhos


dentro dela, ouço a porta ser aberta, nem preciso olhar na direção para saber
quem são.

— Mamãe, a vovó comprou para mim e para a Lena um presente.


Duas bonecas enormes! — exclama Lola, então ergo a cabeça e encaro a
minha família passando pela porta sorridente.

— Nem são tão grandes, Lena! — retruca a irmã. Elas começam a


conversar e esquecem da minha existência.

Bernardo fecha a porta atrás deles e vem em minha direção, com um


sorriso charmoso.

— Como está se sentindo? — inquire, avaliando-me e franzindo o


cenho ao notar a caixa em meu colo.

— Bem melhor — murmuro, vendo-o se sentar ao meu lado.


— Tem certeza? — Estuda meu rosto e eu balanço a cabeça em
afirmação.

— Foi uma indisposição passageira, amor, estou bem. — Inclino-me


e beijo o seu maxilar definido e com alguns fios brancos da sua barba
espalhados por ali. — Tenho uma surpresa para você, para vocês, na
verdade. — Fito-o e seus olhos brilham em resposta.

— O que é? — Esboça um sorriso largo, e eu lhe entrego a caixinha.

— Já vai saber, abra a caixa. — Pisco para o meu marido, em


seguida, olho para nossas filhas que ainda discutem sobre o que ganharam
da avó. — Lola, Lena, venham aqui. — Eu as chamo com um gesto de mão
e elas se põem à nossa frente em um segundo.

— O que foi, mamãe? — indaga Lola, que é mais curiosa do que a


irmã.

— É, mamãe, fala! — pede Lena, risonha.

— Ayla… Você está… — diz Bernardo, com os olhos vidrados no


objeto aberto.

— Lembram que vocês ficavam pedindo um irmãozinho ao papai e


à mamãe? — As ruivinhas arregalam os olhos e assentem, enquanto
Bernardo ofega ao meu lado. — Pois então, em breve vocês terão um
irmãozinho ou irmãzinha. Eu estou grávida! — anuncio e nossas filhas
comemoram.

— Está grávida mesmo? — meu marido quase sussurra. Viro o rosto


para ele, com os olhos marejado e meneio com a cabeça.
— Sim, amor, você vai ser pai novamente. E dessa vez vai poder
acompanhar tudo. — Solto um soluço.

— Deus… — Com os olhos cheios de lágrimas, vejo o meu marido


chorar diante de mim, emocionado, ao ver o teste de gravidez novamente.
— Isso é incrível, Ayla. — Encara-me, sorrindo.

— É sim — murmuro, limpando o seu rosto e encostando minha


testa na dele.

Bernardo afasta-se um pouco. Calada, observo-o se inclinar sobre a


minha barriga sem nenhum sinal de gravidez e depositar um beijo. O que
mais me deixa derretida é vê-lo espalmar a mão nela e olhar fixamente.

— Oi, filho, sei que você ainda deve ser um grãozinho de feijão,
mas saiba que papai já te ama. — Ele me faz rir e chorar ao mesmo tempo.
— Era para você ter vindo antes, mas a sua mãe foi malvada comigo e com
as suas irmãs. Mas está tudo bem, o importante é que em breve você estará
aqui.

Soluço alto com o seu diálogo.

— Bernardo, me fazendo chorar uma hora dessas! — Finjo um


resmungo, limpando o rosto e o vendo se erguer novamente.

— E você fala o que de mim? — Seus olhos estão vermelhos, assim


como seu rosto.

— É bom te ver tão sensível, te acho lindo chorando — argumento,


já risonha.
— Malvada — brinca, me dando um selinho.

— Só um pouco. — Rio baixinho e fito nossas gêmeas, que adoram


conversar entre si, no mudinho delas. — Filhas, venham aqui.

Elas se aproximam e se sentam no meu colo e no do pai,


aproveitamos para enchê-las de beijos.

— Mamãe, como vamos chamar nosso irmãozinho? — pergunta


Lena, com o rosto encostado em meu braço enquanto encara o pai e a irmã.

— Logo vamos pensar em alguns nomes, filha — Bernardo


responde por mim.

— E nós podemos também, mamãe? — inquire Lola, curiosa.

— É claro. — Sorrio.

— Hm, só não vamos chamar ele de Eduardo — diz Lena, fazendo


uma careta.

Eu e Bernardo ficamos confusos.

— Por que não? — questiono.

— Ah, mamãe, é porque temos um colega na sala, o Dudu, ele é


chato e já puxou o cabelo da Lena, mas eu fui lá e defendi ela! — explica
Lola, nos deixando de olhos arregalados.

— O que fizeram? — Semicerro os olhos ao ouvir a risadinha delas.


— Eu dei um beliscão bem forte nele para que não puxe mais o
cabelo da Lena — conta, como se fosse algo normal.

— Lola! — o pai a repreende.

Mesmo com a expressão séria, consigo ver a sombra do seu sorriso,


por pouco ele não emite um “essas são as minhas garotas”. Mas tenho
certeza de que em minha ausência fará isso.

— Ah, papai, só estava defendendo a Lena. — Ela cruza os braços e


faz biquinho como se fosse chorar, então o pai coruja beija a testa dela.

— Mas é errado, filha, não podemos sair batendo nos outros —


explica a ela, que assente.

— Desculpa — pede, com os olhinhos brilhando.

Ele começa a conversar com as filhas, me deixando derretida pelo


homem com quem me casei. Bernardo é perfeito em tudo, ao menos para
mim.

Bernardo Guerra, meu primeiro e único amor. E o melhor pai desse


mundo.
 
Eu sempre agradeço a Deus primeiro por cada conquista minha, e
hoje não seria diferente. Obrigada, Pai, por guiar os meus passos e me
fortalecer sempre que eu sinto que não tenho mais forças para continuar. Se
hoje estou aqui, é porque nunca larga a minha mão.

O meu segundo agradecimento vai para A.C. Nunes (Mandy), que


mais uma vez se dispôs a me ajudar em mais um livro. Obrigada por
segurar a minha mão nesse momento de caos, amiga. Você é dez!

Obrigada, Lari, pela betagem, você também foi essencial. Gratidão


também à minha revisora Andrea. A Vanessa Pavan, minha assessora. As
minhas parcerias e leitores. Obrigada pelo apoio!

 
 

[1] Comer água: usamos essa expressão quando queremos falar


sobre beber álcool
 
[2] Pagode baiano é um gênero musical brasileiro criado em
Salvador, Bahia, oriundo da mistura de samba-reggae e pagode.
[3] Avexado: é o que se diz de alguém que está apressado,
impaciente ou agoniado. Mas também pode ser sinônimo de pessoa tímida.  

Você também pode gostar