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Fichamento Ser e Tempo Heidegger

Erick Etiene e Sofia D’Avilla

Temporalidade

Introdução
Após uma discussão acerca do Ser em sua introdução, Heidegger em Ser e Tempo
conjectura um descaso da metafísica tradicional em relação ao Ser, e passou a
desconsiderar a diferença ontológica entre ser e ente. A partir daí, surge um processo de
entificação do ser, resultando na submissão do mundo e da natureza aos domínios da
técnica. Assim, os entes são objetificados com vistas à sua manipulação, uso, controle e
exploração. Esse modo de Ser, próprio da modernidade, não foi conhecido pelos antigos.
Em vez de fixar o ente como algo vigente no presente, ele compreende como sendo no
mundo. O Ser-aí (Dasein, em alemão) é o ente escolhido pelo autor para ser o primeiro
interrogado na questão do ser, cujo sentido reside na temporalidade – o Dasein, esse Ser-aí,
possui um ser histórico. O conceito de tempo heideggeriano conduz ao questionamento
acerca do sentido do ser. De forma resumida, o Dasein é “como e o que” ele já foi. Heidegger
então se põe a recuperar esse passado de forma produtiva para responder ao
questionamento sobre o sentido do ser em geral.

§ 5 A analítica ontológica do Dasein põe-em-liberdade o


horizonte para uma interpretação do sentido de ser em geral.
A análise do Dasein é a primeira tarefa numa elaboração da questão do ser. Uma vez
identificado o ente que deve assumir o papel principal na questão do ser, Heidegger põe a
explicitar o modo mais adequado para se aproximar desse ente. O Dasein se compreende a
partir de sua existência no “mundo”, e nesta compreensão reside “a reverberação ontológica
do entendimento do mundo sobre interpretação do Dasein”. (p.71)
O conhecimento filosófico é alcançado quando uma interpretação existenciária do ser é
feita com base numa análise existencial. As modalidades de acesso e interpretação do
Dasein devem permitir que ela se mostre em si mesma e por si mesma. A “mediana
cotidianidade” (p.73) deve ser revelada, ou seja, “como ele é de pronto e no mais das vezes”.
Dessa cotidianidade deve se abstrair tudo aquilo que não for uma estrutura essencial nos
modos de ser, tais como o eventual e o acidental.
Enfim, Heidegger se propõe a demonstrar como o sentido do Dasein é a temporalidade.
Temporalidade é um movimento extático – o fora de si em si e para si mesmo da existência.
O Dasein só recua se avança a si. O futuro, que atrai a cadeia dos êxtases, é uma
antecipação; o passado retoma o que uma vez foi possível; e o presente é o instante da
decisão. Assim, os êxtases (ek-stasis) da temporalidade corrigem a compreensão vulgar do
tempo, que tem no presente sua fase axial: os momentos pretéritos ficariam para trás e os
porvindouros passariam para a frente, ainda por suceder. Na verdade, o passado ainda está
presente, como mostra a retroveniência. O Dasein ainda é o passado sem deixar de ser
presente. E no presente está comprimido o passado; como no passado se antecipa o futuro.
O conceito de temporalidade está próximo ao continuum, descrito por Husserl, como
experiência preliminar imanente que constitui as vivências. Não há como estabelecer a
gênese da temporalidade a partir de um Eu, pois os momentos desse continuum são os
êxtases. A temporalidade apenas temporaliza cada um de seus êxtases, não remete a
nenhum ente, nem subjetiva nem objetivamente. A temporalização envolve cada vez os três
êxtases numa relação recíproca com os outros dois.
O tempo servirá de horizonte de toda compreensão e interpretação do ser. Ele é a
passagem que constitui o existir do próprio homem, não o espaço pelo qual as coisas
acontecem. Heidegger une o ser e o tempo como se fossem indissociáveis, fazendo com que
a visão de tempo como absoluto, imutável e eterno passassem para relativo e imperfeito.
Ele também indaga como o tempo passou a ter essa função ontológica fundamental e a
funcionar como critério. O alvo principal de toda ontologia se funda no fenômeno do tempo.
Nas palavras de Heidegger, “Se o ser deve ser concebido a partir do tempo e se os diversos
modi e derivados do ser devem ser entendidos de fato a partir da perspectiva do tempo,
então, com isso, é o ser ele mesmo – e não somente algo como o ente que está ‘dentro do
tempo’ – que se faz visível em seu caráter ‘temporal’.” (p.77)
O autor conclui que para se alcançar uma resposta concreta ao questionamento sobre
o sentido do ser, é antes necessária a “exposição da problemática da temporalidade” (p.79).
É o tempo que libera o horizonte para uma investigação ontológica concreta.
Comentário Crítico.
Enxergar o tempo a partir de si mesmo, é enxergar que nós somos o próprio tempo,
pois, como o tempo deve ser algo visto por si e não algo que está fora e nem algo que indica
o que ele pode ser, o que passa e transforma, não é o tempo, e sim nós mesmos. Os dias e
as horas nada mais são do que uma unidade de medida, que generaliza esse tempo
individual para um senso comum. A experiência do tempo se relaciona com a experiência
que se tem em ser (humano).
O que o relógio nos ensina acerca do tempo é apenas que o tempo é algo que se pode
fixar um agora pontual, pois ele mostra uma duração igual, que se repete constantemente e
podemos sempre recorrer. Porém o relógio não define o tempo, ele apenas indica o tempo
continuamente igual, mas a forma que passa para cada um nunca é igual, pois cada instante
é único e singular, e se é singular, é próprio de cada um. Sendo o tempo o ente que nós
mesmos somos, ele é pura possibilidade de ser. O homem não é “o quê”, ele é “como”, pois
vive em constante transformação. Não é intrínseco e imutável, pelo contrário, está sempre
em devir, mudando historicamente (e se muda historicamente é tempo). Nós somos o próprio
tempo porque somos nós que passamos, nós estamos mudando e nós temos uma condição
finita, o que permite que existe o tempo, caso contrário, seria eternidade.
O fato de sermos nós que passamos e não o tempo, está atrelado automaticamente à
condição finita do homem. Todos nós só temos a capacidade de pensar no tempo e entender
ele como sendo a nossa própria passagem, por sermos condicionalmente mortais. Não
haveria definição de tempo se não houvesse morte, e a definição de vida não seria a mesma
que se tem agora.
O tempo é a condição de possibilidade de morte a qualquer momento, pois o fim de
cada passagem particular de cada ser humano pode acontecer a qualquer momento. O
tempo que eu mesmo sou é a finitude, é a condição mortal do homem definida pela morte
como um fim. A vida é finita e nossa relação com ela não se estende na existência de uma
eternidade. Em cada momento porvir, existe a possibilidade da morte.
A própria passagem do tempo é o que nós experimentamos em nós mesmos, portanto,
para compreender o tempo em si, é preciso compreender o que nós somos, relacionando-o
com o tempo. Na medida em que, enquanto estamos vivos, há um “ainda não” que só cessa
com a morte, não há completude enquanto existirmos, então não tem como identificar o ente
que nós somos, pois estamos sempre em constante mudança e a caminho do fim. Enquanto
há vida, somo aquilo que se constitui enquanto existimos, enquanto há vida, mas, quando
chegarmos ao fim, já não somos mais. Quando imaginaríamos encontrar nossa completude,
já não encontramos mais, pois não estamos mais aqui para ver tal completude.
Importante salientar que embora não possamos identificar o ente que somos, podemos
identificar classificar os entes que são, que é o que a ciência faz. Entretanto essa
identificação nunca é completa, ela “cega e desvia de sua intenção mais própria” (p.57)
O homem não tem acesso à própria morte, nem à nenhuma morte. A informação de
alguém próximo que tenha morrido não faz com que haja acesso ao entendimento da morte.
A morte não é apenas um momento futuro distante, é aquilo que nós nos relacionamos a
cada segundo da nossa existência, pois é uma possibilidade presente em cada instante de
nossa vida. A morte em si, é algo que não experimentamos, pois quando ela chega, nós não
estamos mais vivos para saber, mas ela é o que dá sentido interno para a existência
humana, na medida em que dá a possibilidade de conhecer a todo momento. A morte é certa
e indeterminada, sabemos que vamos morrer, mas não temos o conhecimento de quando. A
condição mortal não é apenas um eventual momento futuro, e sim a mais extrema
possibilidade presente, pois é uma possibilidade que nunca está afastada de nós e de nossa
vida.
E tudo isso, segundo o filósofo, é fundamental para se entender a passagem do tempo:
a finitude do homem. Assumindo seu passado, ao mesmo tempo, seu projeto de ser, o
Dasein afirma sua presença no mundo. Dessa maneira, ultrapassa o estágio da angústia e
toma seu destino em suas próprias mãos. O ser por vir é a nossa maneira de ser na medida
em que nós nos damos o tempo. Em outras palavras, o por vir, acompanha a angústia e,
assumindo ambos, o ser-aí ruma à autenticidade, dando-nos o próprio tempo.
Referências Bibliograficas
HEIDEGGER, M. Ser e tempo (1927), Parte I, tradução de Marcia Sá Cavalcante
Schuback, Petrópolis: Vozes, 2005.

HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Tradução de Fausto Castilho. Campinas, SP;


Petrópolis, RJ: Unicamp; Vozes, 2012. edição bilíngue.

NUNES, Benedito. Heidegger e Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

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