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LAPOUJADE, David. Potências do tempo. 2. ed. São Paulo: n-1 edições, 2017.

TEMPO E AFETO
“Sabemos que para apreender a duração, a famosa duração bergsoniana, é preciso senti-la fluindo em nós.
(...) Os ‘dados imediatos da consciência’ são antes de tudo emoções, eles são o efeito que o escoamento do
tempo produz sobre a sensibilidade” (LAPOUJADE, 2017, p.11).

“Mais profundamente, existe uma emoção que está ligada à passagem do tempo propriamente dita, ao fato
de sentirmos o tempo fluindo em nós e ‘vibrando interiormente’. É a própria duração que, em nós, é emoção.
Por outro lado, é apenas através das emoções que somos seres que duram, ou melhor, que deixamos de
nos considerar como seres para nos tornarmos durações, assim como um som existe ou dura pela sua
vibração, nada mais. Na profundidade, não somos mais ‘seres’, mas sim vibrações, efeitos de ressonância,
‘tonalidades’ de diferentes frequências. E o próprio universo acaba se desmaterializando para se tornar
duração, uma pluralidade de ritmos de duração que também se superpõem em profundidade, de acordo
com níveis de tensão distintos” (LAPOUJADE, 2017, p.11).

Experiência em Bergson possui dois lados concomitantes: a inteligência (ou entendimento, vasto plano
superficial em que tudo se desdobra horizontalmente no espaço, segundo a lógica da representação, que só
consegue pensar o tempo à custa de variadas mudanças de natureza; ela o parcela, divide, mede, reconstrói,
mas todas as vezes deixa escapar aquilo que constitui sua verdadeira substância) X a intuição (ou emoção
profunda, um mundo vertical onde tudo se organiza em profundidade, de acordo com uma pluralidade de
níveis ora inferiores, ora superiores ao nível da inteligência, mas sempre paralelos a ele, operando segundo
um tempo e uma lógica de outra natureza) (LAPOUJADE, 2017, p.12).

Inteligência, entendimento ou pensamento espacializado: “plano povoado de visões parciais e de totalidades


recompostas, de ‘objetos’ e de ‘sujeitos’ que se condicionam e se determinam reciprocamente”
(LAPOUJADE, 2017, p.12).

“Os afetos são produzidos no tempo e que, nesse sentido, eles já o supõem” (LAPOUJADE, 2017, p.14).

“É preciso conseguir pensar o escoamento independentemente das coisas que escoam, assim como é
preciso pensar a mudança ‘sem nada que mude’. Então, veremos sobressair o elemento puramente
espiritual do tempo, sua verdadeira substância: a duração. Trata-se de uma redução propriamente
bergsoniana, apreender a duração e a mudança em si, independentemente de tudo aquilo que dura e de
tudo aquilo que muda” (LAPOUJADE, 2017, p.14).

“Mas aquele que vive exclusivamente no presente também não apreende a passagem do tempo, pois ele
rebate as duas outras dimensões do tempo sobre a pontualidade do ‘agora’, sobre a sucessão de
imperativos incessantes, sem nenhuma perspectiva que lhe abra o horizonte, nem estado de urgência
permanente” (LAPOUJADE, 2017, p.16).

“Em todos os casos, o tempo é apenas um limite exterior que não afeta – ou não afeta mais – aqueles que
se fecharam assim; por isso também, nada lhes acontece nunca. São subjetividades fechadas, confinadas
no interior do seu destino. (...) Eles se fecharam em um fora do tempo esvaziado de todo acontecimento e de
todo afeto, onde nada acontece nem pode acontecer, como se recuar no tempo fosse a única possibilidade
de devolver-lhes, simultaneamente, a realidade e a liberdade” (LAPOUJADE, 2017, p.17).

Duração: “(...) ela é aquilo que nos torna efetivamente livres. É nela e apenas por ela que experimentamos a
liberdade – assim como deixamos de ser livres quando estamos submetidos a lógicas intemporais, como a
da melancolia” (LAPOUJADE, 2017, p.18).

“(...) o acontecimento através do qual a duração, a vida, a liberdade são novamente dadas, esse exato
acontecimento é aquele que inaugura o b ergsonismo” (LAPOUJADE, 2017, p.18).

“De fato, na medida em que é a totalidade do nosso passado que se repete todas as vezes, mas ao mesmo
tempo deslocando-se, condensando-se, revolvendo-se, compreendemos que ele se apresenta sempre de
forma diferente em cada ocasião, mesmo que essas ocasiões sejam as mais parecidas umas com as
outras. Deleuze não encontra uma confirmação de tudo isso no fato de que Bergson substitui um eu de
superfície por um eu da profundidade, enquanto que a filosofia verdadeiramente voltada para o futuro deve
destruir até a própria forma do eu? ‘Quanto ao terceiro tempo, que descobre o futuro – ele significa que o
acontecimento e a ação têm uma coerência secreta que exclui a do eu voltando-se contra o eu [...]
projetando-o em mil pedaços, como se o gerador do novo mundo fosse arrebatado e dissipado pelo
fragmento daquilo que ele faz nascer no múltiplo’” (LAPOUJADE, 2017, p.21).

A evolução criadora (1907): “impulso vital” ou élan vital (LAPOUJADE, 2017, p.21).

Duas concepções do virtual em Bergson:


“A primeira define o passado como nunca tendo sido presente ou atual. Uma das teses mais importantes e
mais originais de Bergson consiste em dizer que o passado nunca foi presente; ele já é sempre o antigo
presente que ele foi, a imagem do passado do presente que passa. O passado é um mundo paralelo ao
presente, ele não está atrás de nós, mas ao nosso lado. O passado não tem, portanto, que se tornar
passado, ele já o é, de imediato. Ele acompanha nossa vida presente e se forma ao mesmo tempo, não logo
depois que o presente tenha deixado de ser, mas ao mesmo tempo, como uma imagem no espelho.
Bergson diz com precisão que ‘essa lembrança do presente’ é perfeitamente inútil. Para que poderia servir
essa imagem já que temos o original? É uma memória passiva, inativa, que serve apenas para recolher
automaticamente as lembranças enquanto nossa vida vai se desenrolando. Se ela constitui uma reserva, é
sempre apenas uma reserva de sentido. Essas lembranças são úteis apenas para um outro presente,
diferente daqueles que elas foram e é aí que o passado ilumina de forma útil o presente, exatamente lhe
dando um sentido” (LAPOUJADE, 2017, p.22-23).

“A segunda definição caracteriza o virtual como reserva ou potência, como um conjunto de potencialidades
indeterminadas, surdamente ativas, que agem como uma multiplicidade de tendências ainda implicadas
umas nas outras. A memória não é mais uma reserva de sentido, mas de ‘energia espiritual’. O virtual revela
uma outra forma de memória, uma memória ativa, informada pela vida. Deleuze não confunde as duas
formas, pois ele distingue uma memória ontológica, uma memória do passado em si, a da lembrança pura,
virtual, impassível, inativa e inútil – e uma memória psicológica, ‘encarnada’, que usa o passado para
servi-la. Da ontologia à psicologia, passamos de um virtual ao outro, de um virtual inativo a um virtual ativo
que já é potência, de um virtual em si a um virtual para nós, convertido por isso mesmo em uma reserva de
futuro que se atualiza segundo processos determinados” (LAPOUJADE, 2017, p.23).

“memória-contração” e “memória-lembrança” (LAPOUJADE, 2017, p.25).

“Consequentemente é preciso introduzir uma outra forma de memória. Não se trata mais de uma memória
do presente (contração) nem de uma memória do passado (lembrança), trata-se de uma memória do futuro,
para o futuro” (LAPOUJADE, 2017, p.25).

Memória-espírito: “Não é a memória daquilo que percebemos no presente; não é a memória daquilo que
fomos, é a memória daquilo que somos e nunca deixamos de ser, mesmo que não tivéssemos
conhecimento disso. É ela que imagina o tempo, que abre ou fecha o futuro. Sua presença, às vezes até sua
insistência, explica-se porque existe no passado – e, portanto, também no presente – alguma coisa que de
certa maneira não foi vivida. (...) trata-se aqui de alguma coisa que foi presente, que foi sentida mas não foi
agida, alguma coisa, portanto, que está na reserva, um pouco como a planta acumula uma energia que
servirá depois para o animal” (LAPOUJADE, 2017, p.26).

“De um lado, a emoção se acumula na profundidade do eu, do outro, ela explode num ato livre. Não é a
emoção que constitui a energia espiritual de uma memória-espírito, puramente intensiva, irredutível à
memória-lembrança e suas virtualidades? Se existe um sentido do futuro e se ele pode ser engendrado, é a
partir da emoção e apenas da emoção. Eis-nos, reconduzidos ao afeto do qual partimos” (LAPOUJADE,
2017, p.27).

“A duração é sempre furação de um movimento. Da mesma maneira só existe emoção do movimento (...) A
emoção é o movimento pelo qual o espírito apreende o movimento das coisas, dos seres, ou o seu próprio.
Ou melhor, o movimento é o próprio espírito das coisas e dos seres, é aquilo que nos faz ‘vibrar
interiormente’, na profundidade. Ou seja, a emoção é o movimento virtual – mas real – dos movimentos
atuais que se realizam no mundo (LAPOUJADE, 2017, p.27).
“Ser e nada não permitem pensar adequadamente o tempo. Todo o problema vem de que o pensamento se
apegou aos seres – e não aos movimentos dos seres” (LAPOUJADE, 2017, p.28).

“Se não existe nenhuma dialética da ausência e da presença em Bergson, é porque a duração não está
presa ao ser – nem aos seres –, ela se confunde, pelo contrário, com o puro devir. A emoção da duração é
um afeto que não é mais apego” (LAPOUJADE, 2017, p.29).

CAPÍTULO 1: O NÚMERO OBSCURO DA DURAÇÃO


CAPÍTULO 2: INTUIÇÃO E SIMPATIA
CAPÍTULO 3: O APEGO À VIDA
CAPÍTULO 4: DEPOIS DO HOMEM

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