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TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Os processos cognitivos e as questões de amadurecimento neurológico e


cognitivo perpassam várias fases do desenvolvimento humano, como a infância e a
adolescência. Nessas fases, o indivíduo passa por diversas mudanças físicas,
psicológicas, culturais, tendo como fatores externos questões sociais, questões
comportamentais referentes a fase em que está inserido. No que tange a infância é
importante observar o desenvolvimento psicomotor da criança, o desenvolvimento da
sua linguagem e como ela se relaciona com seus cuidadores. Nesse sentido, o
psicólogo realizará uma entrevista com os responsáveis legais da criança para saber
a queixa principal para a busca da terapia e sobre a história de vida dessa criança:
seus hábitos, gostos, comportamentos.
O profissional deve estar atento à primeira infância desse paciente pelo fato
desse desenvolvimento ser fundamental para a estruturação emocional, cognitiva e
física desse paciente como também as mudanças que ocorrem com o indivíduo nesse
período coincidem com alterações no comportamento cognitivo.
Além disso, nessa entrevista inicial, o psicólogo entrevista a criança, e procura
identificar as queixas dela e a dos pais, como por exemplo, problemas de
aprendizagem, bullying e problemas escolares.
Eventualmente, é importante que o terapeuta tenha como se comunicar com
as redes de apoio dessa criança, sejam elas os próprios responsáveis legais, os
professores, médicos para realizar um trabalho multidisciplinar e eficaz nos
tratamentos propostos para as demandas trazidas no consultório. O psicólogo que se
utiliza da terapia cognitiva comportamental como abordagem de atendimento pode
usar as seguintes ferramentas: instrumentos que avaliem a funcionalidade da criança,
desenhos, brincadeiras lúdicas, avaliação neuropsicológica e terapias específicas
para cada faixa etária para realizar o manejo das problemáticas apresentadas pelo
paciente. Contudo, há de se levar em consideração a maturação neurológica e
cognitiva do paciente que ainda está em formação e que influencia nas capacidades
e habilidades cognitivas dessa criança ao longo da vida. Nesse sentido, o psicólogo
deve se atentar também de realizar um acompanhamento com a família, inclui-la no
processo terapêutico, e, observar se não há nenhum sinal de abuso de nenhuma
natureza para com a criança.
As regiões neurais importantes no processo de desenvolvimento cognitivo de
um indivíduo são: o hemisfério esquerdo, responsável pelo desenvolvimento da
linguagem, de tornar o sujeito capaz de ler, escrever e sequenciar fatos, assim como
o hemisfério direito que é responsável pelo processamento de informações, pelo
campo visuo espacial, pelo processamento afetivo das informações e as percepções
sobre elas e as emoções.
Na adolescência, assim como na infância há de considerar que a maturação
neurológica ainda está sendo formada e para tal, caso o psicólogo julgue necessário
pode realizar uma avaliação neuropsicológica, que consiste em avaliar a
neuroplasticidade, fatores sociais, ambientais, a avaliação do humor, do
comportamento, das funções cognitivas, da memória do paciente. Ademais, o período
da adolescência é de grandes mudanças, instabilidade, e de descobertas, como: de
sexualidade, personalidade, grupos aos quais irá pertencer e também dos riscos da
fase como: comportamentos de ideação suicida, gravidez na adolescência, abuso de
substâncias lícitas e ilícitas. Sendo assim, a presença do psicólogo se torna
imprescindível para o acompanhamento desse adolescente nesses aspectos tão
decisivos em sua vida.

TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL E ADOLESCÊNCIA

A desorganização interior do adolescente natural da idade muitas vezes vem


acompanhada da impulsividade e do desejo de desbravar o mundo. Em meio a esse
mar de emoções e descobertas muitas lacunas não são preenchidas dando origem a
diversos conflitos psicológicos. Para tratar o adolescente é importante considerar a
fase desenvolvimental em que eles estão e suas características como a variação do
humor, a relevância dada aos pares e grupos tal como a necessidade de pertencer a
um grupo, construção da nova identidade, distanciamento da família, preocupação
acentuada com as amizades, momento com grandes dilemas e desafios,
impulsividade e desejo de desbravar o mundo um verdadeiro mar de emoções e
descobertas
De modo geral, a terapia cognitiva comportamental fornece uma base sólida
para trabalhar com crianças e leva a intervenções teoricamente instigantes baseadas
na conceitualização de caso. Os processos e estratégias de intervenção bem
trabalhados podem desenvolver as habilidades necessárias para conduzir uma terapia
cognitiva efetiva. (CS Petersen, 2011)
A TCC é baseada no pressuposto que não são as situações em si que vão
gerar emoções na gente, mas a maneira como interpretamos essas situações.
Portanto, os pensamentos exercem uma influência nas emoções e nos
comportamentos. E esses pensamentos vão estar baseados nas crenças de
significados que a gente tem (de si mesmo, do outro e do mundo). Crianças menores
tendem a beneficiar-se de técnicas cognitivas simples como autoinstrução e
intervenções comportamentais, enquanto adolescentes provavelmente se
beneficiarão de técnicas mais sofisticadas, que exigem análises racionais
(FRIEDBERG, Robert D., 2007).
Para Beck, é importante a gente acessar esse processamento cognitivo para
entender o funcionamento de cada um e modificar o que está trazendo sofrimento, o
que não está adaptativo. As crianças agem dentro de sistemas como famílias e
escolas (FRIEDBERG, Robert D., 2007). Friedberg observou, apropriadamente que
“o foco da TCC (terapia cognitivo-comportamental) está no tratamento de crianças no
interior de seu ambiente natural, seja a família, a escola ou o grupo de iguais”.
Consequentemente, os terapeutas devem avaliar as questões sistêmicas complexas
que circundam os problemas das crianças e elaborar planos de tratamento adequados
às suas necessidades. Sem considerar as questões sistêmicas, os terapeutas ficam
“voando às cegas”.
Na concepção cognitivista, a psicopatologia será sempre considerada o
resultado de crenças excessivamente disfuncionais ou de pensamentos
demasiadamente distorcidos que, em atividade, teriam a capacidade de influenciar o
humor e o comportamento do indivíduo, enviesando sua percepção da realidade. Por
isso, identificar essas crenças e pensamentos e, posteriormente, modifica-los, torna-
se fundamental para o tratamento, promovendo a redução de sintomas.
(FRIEDBERG, Robert D., 2007)

OS OBJETIVOS DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL

Alguns objetivos são identificação, exame e modificação nos pensamentos e


nos sistemas de crenças. Processamento da informação mais preciso, flexível e não
absoluto: Reestruturação cognitiva; então, o primeiro passo para iniciar o processo
da reestruturação cognitiva é identificar quais são os pensamentos distorcidos que
o paciente tem, o auxiliando a aumentar a consciência sobre sua própria cognição.
Isso pode ser feito por meio de técnicas de exposição e até relaxamento.
Transformações emocional e comportamental duradouras.

A TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL E CRIANÇA

As crianças têm capacidades, limitações, preferências e interesses diferentes


dos adultos. Sentar em uma cadeira olhando outra pessoa falar sobre problemas
psicológicos pode parecer estranho e perturbador para os mais jovens. O
comportamento da criança é influenciado por diversos fatores, quais sejam: fatores
ambientais, interpessoais (pais, colegas, profs.), genéticos (pais com algum
diagnóstico?), temperamento (criança mais sensível ou mais agressiva).
(FRIEDBERG, Robert D., 2007). Segundo CS Petersen, esses fatores todos são
utilizados para conceitualização de caso. O primeiro passo ao trabalhar com uma
criança é desenvolver uma conceitualização de caso, para facilitar a tarefa do
terapeuta de adaptar técnicas que se ajustem às circunstâncias de uma criança. A
conceitualização de caso individual orienta a escolha das técnicas, seu ritmo e sua
implementação, bem como a avaliação de progresso.
A infância e a adolescência são os períodos de maior vulnerabilidade, onde a
personalidade está sendo formada. Dependendo das experiências vivenciadas pela
criança, ela carrega essas interpretações feitas na infância para a vida adulta e, muitas
vezes, é uma interpretação disfuncional, uma visão errônea sobre ela mesma, sobre
o outro e sobre o mundo. A forma como crianças e adolescentes interpretam suas
experiências molda profundamente seu funcionamento emocional. Por isso, a TCC
pode atuar de forma preventiva antes da pessoa cristalizar interpretações distorcidas
e, assim, ter uma vida adulta mais saudável (FRIEDBERG, Robert D., 2007).

QUANDO A TERAPIA DEVE SER INICIADA

A TCC pode ser iniciada quando as interpretações das crianças começam a


ficar muito distorcidas da situação real e acaba interferindo nas emoções (que nem
sempre são bem expressadas pelas crianças) e nos comportamentos interferindo no
contexto que a criança vive. É comum que os pais procurem o atendimento quando a
criança está enfrentando dificuldades na escola ou apresenta mudanças bruscas no
comportamento (como o aumento da agressividade). Entre as situações mais
frequentes para a busca pela terapia infantil podemos citar a separação dos pais ou
vivencia de uma situação extrema, como a mudança de cidade ou morte de algum
parente, ou mesmo pelo sofrimento gerado na escola como o bullying (CS
Petersen, 2011).

PARTICULARIDADES DO ATENDIMENTO INFANTIL:

Para Friedberg quando os pacientes são crianças, o terapeuta precisa analisar


as técnicas e adaptá-las ao universo infantil sempre levando em conta cada fase do
desenvolvimento da criança. A TCC com crianças também inclui orientação aos pais,
visita a escola, observação da criança em outros contextos para identificar
comportamentos disfuncionais, ou seja, a psicoterapia infantil não se limita apenas ao
atendimento com a criança, é importante o envolvimento dos cuidadores (dos pais)
para o sucesso do tratamento (CS Petersen, 2011). É fundamental o vínculo entre o
psicólogo e o paciente (a criança), pois a criança precisa se sentir à vontade e segura
no ambiente terapêutico, senão isso pode gerar mais ansiedade para ela (CS
Petersen, 2011).

TÉCNICAS COGNITIVISTAS E COMPORTAMENTAIS USADAS

As técnicas cognitivas e comportamentais aqui presentes normalmente são


utilizadas com crianças e adolescentes. Elas variam em complexidade e no nível de
análise racional exigida das crianças, além de buscarem um panorama geral, sem
enfoque em transtornos ou quadros específicos. Em meio as estratégias de
tratamento estão presentes as técnicas não-refinadas e refinadas, uma não é superior
a outra, a diferença está no momento em que são aplicadas. Podendo variar entre os
primeiros momentos onde o indivíduo está mais desorganizado, e ao longo do
tratamento. (FRIEDBERG, Robert D., 2007).

A terapia cognitiva competente busca ajudar os clientes/pacientes e aplicar de


fato as habilidades adquiridas, que é onde entram as técnicas utilizadas nas sessões.
A aquisição de habilidades x aplicação de habilidades é uma delas, essa técnica
possui um primeiro momento, onde a psicoeducação é marcada pela aquisição de
habilidades, enquanto a psicoterapia pela aplicação de habilidades. Dessa forma, o
paciente além de entender quais estratégias ele pode usar, ele é convidado a praticá-
las de forma prática.

Existem também, algumas técnicas que fazem parte dos instrumentos


comportamentais básicos, e são elas: o Treinamento de Relaxamento, que é uma
técnica comportamental possível de ser aplicada a uma variedade de problemas,
como o enfrentamento de ansiedade e raiva. As sessões de relaxamento com
crianças devem ser breves incluir apenas alguns grupos musculares, também
propõem padrões de fala do terapeuta, suaves melódicos e afetivos; e a
Dessensibilização sistemática, que se trata da inibição recíproca da ansiedade,
classificando os medos em ordem hierárquica, através de escalas que representam
gravidade e intensidade (de 0 a 10). Entender todos os parceria dos medos da criança
é muito importante. Pode-se usar como exemplo a pergunta: “O que torna ..... um 3?”.
Após organizar os medos, a criança é instruída a relaxar e a imaginar uma cena
agradável, então é apresentado o primeiro item da lista. A medida em que ela obtém
domínio daquela situação, outra é apresentada.

Ao se voltar novamente para as esferas de habilidades sociais, encontram-se


técnicas que abordam inicialmente, a habilidade mediante instrução direta, e depois a
prática gradual, que segue a aquisição de habilidades. Estas técnicas consideram que
o ensaio facilita aplicação, juntamente com os ensaios realistas, como o role playing
e o treinamento de habilidades sociais, que podem treinar novas formas de fazer
amigos, manejar sua agressividade, lidar com provocações, dar e receber
cumprimentos, fazer pedidos de ajuda e até mesmo treinar a empatia.

Também faz parte dessas técnicas, o Controle de Contingência, que visa


equilibrar o relacionamento entre comportamento e consequências. Com isso, os
comportamentos novos e mais adaptativos são estimulados, enquanto
comportamentos problemáticos são diminuídos. Para que ocorra o controle é
necessário identificar os comportamentos, e então desenvolver tarefas graduais e
realizáveis para modelagem dos mesmos. O indivíduo, além de ser convidado a
reestruturar sua forma de resposta a algumas situações, pode refletir e fazer previsões
sobre eventos prazerosos e previsão de suas ansiedades. O terapeuta pode auxiliar
na criação de uma programação de atividades agradáveis, o que é muito utilizado com
crianças em depressão. (FRIEDBERG, Robert D., 2007). Além de preparar as
atividades, as crianças descrevem como acreditam que iriam se sentir realizando-as,
e como realmente se sentiram. O mesmo acontece com a previsão da ansiedade,
crianças e adolescentes descrevem qual o grau de ansiedade acredita que irão sentir
ao realizar algo, após realizar descrevem como realmente se sentiram. O que ajuda a
criar uma nova linha de raciocínio.

Além disso, existem as intervenções mais básicas relacionadas a resolução de


problemas avaliação de vantagens e desvantagens. A resolução de problemas se
baseia na identificação do problema, soluções alternativas, avaliação das opções,
planejamento de implementação e recompensa. Já a avaliação de vantagens e
desvantagens procura a questão que precisa de perspectiva, cria uma lista vantagens
e desvantagens, revisa as vantagens e desvantagens e conclui se é vantajoso ou não.

Ainda com base no capítulo A prática clínica de terapia cognitiva com crianças
e adolescentes, outras três técnicas podem ser apresentadas, sendo elas: técnicas
básicas de autoinstrução, técnicas básicas de análise racional e a terapia de
exposição básica. As técnicas básicas de autoinstrução têm como principal foco a
troca de pensamentos não adaptativos por pensamentos adaptativos, de forma a não
aprofundar racionalmente nesses pensamentos, mas sim substituí-los. Essas técnicas
possuem fases a serem seguidas as quais auxiliarão as crianças a passarem por
momentos difíceis e estressantes, sendo elas: preparação (na qual você encoraja a
criança a passar pela fase estressora, focando nas tarefas que serão essenciais para
passarem por essa fase), encontro (é uma forma de controle, na qual a criança irá
estabelecer com ela própria uma conversa, a qual acalmará) e auto recompensa
(consiste em a criança validar sua atitude de autocontrole).

As técnicas básicas de análise racional consistem em alterar o conteúdo e o


processo do pensamento, e dessa maneira podem ser divididas em
descatastrofização, teste de evidência e reatribuição. Na técnica de
descatastrofização são comumente usadas perguntas como “O que de pior poderia
acontecer?”, “Qual é a coisa mais provável que poderia acontecer?” (J.S. Beck, 1995),
“Se a pior coisa que poderia acontecer é altamente provável, como você lidaria com
ela?”, como forma de diminuir a magnitude dos perigos percebidos pelas crianças.
Assim, como forma de intervenção complementar, auxiliar a criança a criar estratégias
de enfrentamento pode vir a ser muito positivo.
Já na técnica de teste de evidência, em contraponto às técnicas básicas de
autoinstrução, requer um pensamento racional profundo da criança e diversas
habilidades, para que de fato o teste funcione. Ele tem como objetivo pôr em questão
generalizações exageradas, em como pensamentos infundados, avaliando então os
fatos que sustentam suas crenças. O TDE pode ser divido em quatro tarefas as quais
os terapeutas irão aplicar na criança, sendo elas: 1) Perguntas como “O que te
convence sem sombra de dúvidas?”, “O que te convence 100% que seu pensamento
é verdadeiro?”, auxiliam a criança a avaliar razões para suas conclusões. 2) Essa fase
busca por evidências contrárias, e é nela que o terapeuta deve ajudar a criança a
analisar evidências não confirmatórias, fazendo uso de perguntas como “Que coisas
abalam suas crenças” ou “O que faz você duvidar de sua conclusão?”. 3) Nessa fase
são úteis perguntas como “O que mais isto poderia significar além de sua conclusão?”,
como forma de raciocinar explicações alternativas aos fatos que apoiaram totalmente
a sua conclusão. 4) Essa é a fase final, na qual se estimula a criança a formar novas
conclusões, de forma a reavaliar seus pensamentos e enxergarem possibilidades de
suas interpretações (bem como entenderem o seu peso). Assim, a última técnica é a
reatribuição, que consiste em encontrar caminhos e respostas alternativas na medida
em que algumas crianças tendem a assumir responsabilidade excessiva daquilo que
está além de seu controle, bem como generalizar incorretamente diferentes situações;
diante disso é útil ensinar a essas crianças perguntarem para si mesmas: “Qual seria
outra maneira de olhar para isto?”.

Uma técnica de atribuição muito interessante, usadas tanto com adultos,


crianças ou adolescentes é a Torta da Responsabilidade, e consiste em “fatiar” a torta
de acordo com que cada fator (cada um terá um certo grau ou porcentagem) contribui
para o evento total (100%), de forma a entender qual a sua responsabilidade e
contribuição no evento.
Figura 1 – Exemplo Torta da Responsabilidade

Por último, a terapia de exposição básica tem como objetivo desenvolver a


autoconfiança através da representação. Geralmente, essas técnicas são usadas nos
transtornos de ansiedade e enfrentamento de raiva, porém podem ser usadas em
qualquer circunstância terapêutica que deseje o enfrentamento de forma positiva em
contextos de excitação negativa, de forma a minimizar e desmistificar o sentimento
negativo. O processo ocorre na terapia na qual a criança é exposta a situações de
fortes emoções, e ali ela treina suas habilidades de enfrentamento, como forma de ir
além de um exercício intelectual, mas sim um exercício desenvolvedor de confiança
de forma autêntica e duradoura.

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: PERÍODOS CRUCIAIS PARA O


DESENVOLVIMENTO DA SAÚDE MENTAL

É na adolescência que a definição dos hábitos exerce impacto na qualidade de


vida do indivíduo, além de ser a fase em que existe uma maior urgência no
fortalecimento de vínculos para a manutenção da saúde mental e da auto estima. A
falta de atenção dada a essa faixa-etária prejudica o seu desenvolvimento pessoal e
suas relações. Dentre alguns problemas de saúde mental mais presentes nessa fase,
encontram-se: ansiedade, depressão, suicídio e transtornos do humor; a expressão
deste, seja ele perturbado ou deprimido é influenciada por diversas questões durante
o crescimento.
As características depressivas são comuns entre crianças, adolescentes e
adultos; porém, a manifestação clínica é diferenciada por influência de aspectos do
desenvolvimento. Para diagnosticar a depressão, o DSM-5 faz uso de critérios
semelhantes para esse transtorno em jovens e adultos, mas, para crianças e
adolescentes substitui-se o “humor irritável” por “humor deprimido”.
As ideações suicidas são comumente relacionadas aos transtornos
depressivos, ocorrendo em todas as faixas etárias; contudo, estão presentes em maior
frequência em crianças e adolescentes com transtornos de humor. Nas crianças, a
imaturidade cognitiva aparenta exercer um efeito protetor contra o suicídio, impedindo-
as não apenas de realizar e idealiza-lo – o que é mais comum em jovens e adultos.
Além disso, o período da adolescência é o mais vulnerável a sofrer ou realizar
violência interpessoal como assassinatos, agressão, violência entre parceiros
sexuais, abuso emocional e bullying/cyberbullying – que tem se agravado com a
excessiva utilização dos meios sociais, potencializando os sentimentos de angústia,
solidão, ansiedade e depressão. Sabendo da importância desta fase para a saúde
mental do indivíduo, os efeitos de curto e longo prazo da pandemia da COVID-19
tornaram essa questão uma preocupação urgente de saúde pública; tendo em vista
que as medidas adotadas para seu combate (como o distanciamento e isolamento
social, impedindo-os de ir à escola, local em que exercem suas habilidades sociais)
fizeram com que os níveis de estresse emocional aumentassem, podendo levar ao
surgimento de transtornos psicológicos ou o agravamento dos quadros de ansiedade
e depressão.
Pesquisas realizadas na Faculdade de Medicina da USP sobre saúde mental
no período pandêmico demostram que a susceptibilidade ao desenvolvimento de
quadros de ansiedade e depressão em crianças e adolescentes é maior, já que os
casos são silenciosos, ou seja, as crianças não possuem o hábito de comunicar suas
angústias. Portanto, ressalta-se a importância do papel da família e da escola como
rede de proteção contra a violência interpessoal e os problemas de saúde mental, já
que ambas são essenciais na formação e no fortalecimento da auto estima do sujeito
e, quando ocorre um enfraquecimento dessas relações, os sentimentos de angústia,
desamparo e crise na valoração do eu são aumentados e potencializados.

ESTUDO DE CASO

1. HISTÓRICO DO CASO
A. Dados de identificação: Sally é estudante universitária, branca, de 18 anos. Vive
em um dormitório da universidade com uma colega de quarto.
B. Queixa principal: depressão e ansiedade.
C. História da doença atual: desenvolveu sintomas de depressão e ansiedade
meses depois de ingressar na universidade. Seus sintomas incluíam:

Sintomas emocionais – tristeza, ansiedade, culpa, perda do prazer e interesse,


desânimo, solidão.
Sintomas cognitivos – pessimismo, dificuldade de concentração e tomada de decisão,
catastrofização leve e autocrítica.
Sintomas comportamentais – afastamento social, esquiva de situações percebidas
como desafiadoras (exemplo: falar com professores).
Sintomas fisiológicos – perda de energia, fadiga, diminuição da libido, choro,
inquietude, incapacidade de relaxar, diminuição do apetite, distúrbio do sono.
Inicialmente, ela se adaptou bem socialmente ao novo ambiente e, posteriormente, se
tornou sintomática e passou a se isolar.

D. História psiquiátrica: não possui histórico psiquiátrico prévio.


E. História pessoal e social: Sally é a filha mais nova de uma família estruturada.
Seu único irmão é cinco anos mais velho. Sua mãe sempre foi altamente crítica
com Sally e o pai, seu maior apoiador, passava a maior parte do tempo fora de
casa trabalhando.
Sally temia professores ásperos na escola e ficava ansiosa com suas notas, além
de se criticar muito por não se equiparar ao irmão.
Ela teve alguns namorados, muitos amigos próximos e manteve um bom
desempenho escolar durante a vida.
F. História médica: nenhum problema médico que tenha influenciado no seu
funcionamento psicológico.
G. Verificação do estado mental: orientada e com humor depressivo.

2. FORMULAÇÃO DE CASO
A. Precipitantes: A saída de casa para a universidade e algumas dificuldades iniciais
nas disciplinas precipitaram o transtorno depressivo.
A ansiedade interferiu na eficiência de seus estudos e Sally tornou-se autocrítica
e disfórica. Conforme se afastou da convivência social, a falta de estímulos
positivos contribuiu para o humor deprimido.
B. Visão Transversal das Cognições e dos Comportamentos: Sally tem
dificuldade para estudar e, quando tenta, tem pensamentos automáticos do tipo:
“Eu não consigo fazer isso; eu sou um fracasso; eu nunca vou me sair bem nesse
curso.”
Além disso, tem uma imagem de si mesma sobrecarregada e perambulando sem
objetivo, o que a leva aos sentimentos de tristeza e a faz sentir-se ansiosa, com
dificuldade de se concentrar. Seu comportamento é sempre voltar para a cama e,
às vezes, chorar.
C. Visão Longitudinal das Cognições e dos Comportamentos: A paciente sempre
teve tendência de se ver como incompetente. Seu desempenho acadêmico era
muito importante, então ela desenvolveu os pressupostos: “Se eu trabalhar com
muita dedicação, vou me sair bem. Mas se não, vou rodar; se eu esconder minhas
fraquezas, vou ficar bem. Mas se eu pedir ajuda, vou expor minha incompetência.”
Depois que ficou deprimida, frequentemente usou a esquiva (do trabalho
acadêmico, de se defrontar com desafios, de oportunidades sociais).
D. Pontos Fortes e Qualidades: Sally era determinada, inteligente, dedicada,
objetiva e facilmente adaptável.
E. Hipótese de Trabalho (Resumo da Conceituação): Sally soube, durante a vida,
que era competente e gostável, mas se via vulnerável ao se sentir incompetente
por no mínimo três razões: (1) sua mãe foi altamente crítica em seu
desenvolvimento; (2) seu pai a apoiava, mas ficava muito tempo ausente; (3) se
comparava desfavoravelmente com os outros. Muitas vezes, ela desconsiderava
seus sinais de competência. Assim, desenvolveu as seguintes estratégias
compensatórias: altas expectativas de si, trabalha com dedicação, é vigilante
quanto às falhas, evita pedir ajuda.

3. PLANO DE TRATAMENTO
A. Lista de Problemas: (1) estudar e fazer trabalhos acadêmicos, (2) apresentar-se
em aula e fazer provas, (3) retraimento social, (4) falta de assertividade com colega
de quarto e professores, (5) passar muito tempo na cama.
B. Objetivos do Tratamento: (1) diminuir a autocrítica; (2) ensinar ferramentas
cognitivas básicas, como Registro de Pensamentos; (3) reduzir o tempo na cama;
(4) encontrar formas mais saudáveis de se divertir; (5) resolver problemas em
relação às obrigações acadêmicas; (4) desenvolver habilidades de assertividade.
C. Plano de Tratamento: o plano é reduzir a depressão e a ansiedade da paciente,
ajudando-a a responder aos seus pensamentos automáticos, aumentar suas
atividades através da programação dessas e desenvolver assertividade por meio
do role-play e da modificação de crenças interferentes.

4. CURSO DO TRATAMENTO
A. Relação Terapêutica: Sally via sua terapeuta como competente e atenciosa, e
aderiu ao tratamento com facilidade.
B. Intervenções/Procedimentos: (1) foi ensinado à paciente ferramentas cognitivas
padrão para examinar e responder seus pensamentos automáticos (permitiu que
ela enxergasse a lógica disfuncional e distorcida, reduzindo significativamente os
sintomas depressivos e ansiosos); (2) Sally fez experimentos comportamentais
para testar seus pressupostos, reduzindo a esquiva e aumentando a assertividade;
(3) a paciente foi ajudada a programar e aumentar atividades prazerosas; (4) foi
trabalhada a solução de problemas de forma simples e direta; (5) foram realizados
role-plays entre terapeuta e paciente para ensinar assertividade.
C. Obstáculos: Nenhum.
D. Resultado: Redução gradual durante os três meses de processo terapêutico e
remissão completa após finalização.

REFERÊNCIAS:
A prática clínica de terapia cognitiva com crianças e adolescentes [recurso
eletrônico] / Robert D. Friedberg, Jéssica M. McClure ; tradução Cristina Monteiro. –
Dados eletrônicos – Porto Alegre: Artmed, 2007. Acesso em 02 out 2022

ABREU, Neander; MATTOS, Paulo e et al. Neuropsicologia e aplicações clínicas.

As maiores causas de morte no brasil e no mundo segundo a OMS. G1, 16 de


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causas-de-morte-de-jovens-no-brasil-e-no-mundo-segundo-a-oms.ghtml>.

BECK, Judith. Terapia Cognitivo-Comportamental - 3.ed.: Teoria e Prática. Estados


Unidos: Artmed Editora, 2021.
BECK, S. Judith, Terapia Cognitivo- Comportamental, 2ª edição.

BUENO, Orlando F.A.; ANDRADE, Vivian Maria; DOS SANTOS, Flávia Heloísa.
Neuropsicologia Hoje, 2ª edição.
CORDIOLI, Aristides, VOLPATO; GREVET; Eugenio Horacio, Psicoterapias:
Abordagens Atuais; 4ª edição.

DINIZ, Leandro F. Malloy; FUENTES, Daniel e et al. Avaliação Neuropsicológica,


2ª edição.

FRIEDBERG, Robert e MCCLURE, Jessica. A prática clínica de terapia cognitiva


com crianças e adolescentes. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.
Pandemia é responsável por cerca de 36% dos casos de depressão em
crianças e adolescentes. JORNAL DA USP, São Paulo, 13 de outubro de 2021
Jornal da USP no Ar. <https://jornal.usp.br/atualidades/pandemia-e-responsavel-
por-cerca-de-36-dos-casos-de-depressao-em-criancas-e-adolescentes/>.

Terapias cognitivo-comportamentais para crianças e adolescentes [recurso


eletrônico]: ciência e arte / Circe Salcides Petersen ... [et al.]. – Dados eletrônicos. –
Porto Alegre: Artmed, 2011. Acesso em 02 out 2022

Uma a cada 4 crianças e adolescentes teve sinais de ansiedade e depressão na


pandemia, aponta estudo. CÂMARA DE NOTÍCIAS, 17 de agosto de 2021, Seção
Saúde. <https://www.camara.leg.br/noticias/774133-uma-a-cada-4-criancas-e
adolescentes-teve-sinais-de-ansiedade-e-depressao-na-pandemia-aponta-estudo/>.

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