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Não sou o único a olhar o céu…

Visiono o mar que habita em mim, em nós. Ouço as ondas que baloiçadas nesse mar, se
preparam para, um dia, arrebentar numa praia de areia branca algures neste planeta
infindo. Algum dia. Mas vão-se preparando para esse fim, que principiará outros inícios.
O mesmo com o sol e com a lua, dançando numa alternância de passos, um dando lugar
ao outro para que possam cumprir os seus propósitos, iluminando os caminhos do dia e
da noite, num jogo de começos e conclusões. Semelhante ocorre com um fruto ou uma
flor em fim de vida, cujas sementes, em arranjo com o vento, são plantadas num sítio
um tanto mais longe da flor original, até que novo rebento brote, sem saber de onde
veio, sabendo apenas de uma morte que lhe deu vida. Sempre ouvi dizer que quando
nascemos, começamos a morrer. Afinal, uma não existe sem  a outra: a vida sem a
morte e a morte sem a vida, sendo o fim uma prerrogativa do início. Habitamos um
tempo que aparenta ser povoado por tantos e diferentes “adeus”: os amigos e família
que amamos e que partiram; o modo de vida que conhecíamos e que se metamorfoseou
numa realidade algo distópica, tão estranha à nossa maneira de ser; as relações
distanciadas; o medo instaurado, induzindo um “adeus” artificial a um modo doce e não
ansioso de estar. Um dos mais temíveis aspetos destes fins é a sensação de que nos foi
tirado algo, de que fomos roubados sem que nos pudéssemos defender, sem nada a
dizer, a fazer, vítimas de um “adeus” inevitável. Numa tarde de um calor esmagador,
resolvi fugir aos trabalhos do dia para aliviar esta busca avassaladora e desconcertante
com algum humor. Resolvi ouvir música. Esta provoca-nos a desafiarmos os absurdos
da vida, o que não compreendemos e sentimos ser incompreensível, as dores, as
angústias, os desafios que se nos apresentam inultrapassáveis, os vários “adeus” e até a
própria morte e fazermos uma escolha: a de tomarmos o caminho da luz, usando das
propriedades mais características de um cristão, a alegria e a fé, mesmo quando o que
mais tememos se nos apresenta à nossa frente. E se fizermos como São Francisco,
deitarmo-nos no chão a olhar o céu. Contemplar as estrelas, não para nos tornarmos
senhoras e senhores eruditos quanto aos segredos dos céus, nem tão pouco porque
achava que lá encontraríamos respostas para os infindáveis porquês sobre estes “adeus”
da vida, mas para que, olhando os astros encontrássemos consolo no realizar do nosso
pequeno tamanho face à magnitude do universo e dos seus elementos, face à dimensão
imensurável da própria vida. Depois de uma noite a olhar as estrelas, encontrámos
algum alívio neste realizar do nosso entendimento sobre a realidade e os seus caminhos,
que por ser ainda tão estreito, tanto lhe escapa sobre a beleza entranhada nas várias
faces da vida, pois mesmo que nem sempre vejamos, sintamos ou compreendamos, nada
existe de mais verdadeiro e real do que o Amor de Deus, e se este é assim, infinito e
exponencial, em tudo será bom nos mistérios, ainda por nós não compreendidos, da sua
criação.

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