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A EXPLICAÇÃO DE TEXTO

Antes de mais é preciso chamar a atenção para o seguinte. Aqui o termo


explicação não tem o sentido que encontramos em Ricoeur quando este autor contrapõe
explicação, cultivada pelas ciências, e compreensão, em que se procura o sentido e que
é praticado pela Filosofia. Neste contexto em que nos encontramos o termo explicação
tem o sentido comum.
Numa obra de metodologia dirigida a alunos dos primeiros anos da universidade.
Dominique Folscheid e Jean-Jacques Wunenburger1 apresentam um capítulo sobre esta
explicação de texto que, devido à sua qualidade, nos limitamos a traduzir.

l. Os princípios de explicação de texto

Modo de usar
- Ler atentamente o conjunto do capítulo;
- Voltar a ler depois de cada exercício prático, conforme as necessidades, até à completa
assimilação.

A explicação de texto não é um exercício entre outros, mais difícil que os outros,
mas o melhor meio de aceder directamente ao pensamento dos filósofos.
Só secundariamente portanto ela é uma função escolar – a sua importância decisiva
para a cultura e reflexão pessoais justifica (justifiant) que possa servir de teste. Com
efeito, ela exprime e manifesta em todo o seu rigor o trabalho directo sobre os autores,
sem interpolação de cursos magistrais ou comentários.
Ela é portanto simultaneamente, indissoluvelmente, uma prova e um alimento. Antes de
dissertar, antes de comentar, é preciso saber o que os autores verdadeiramente disseram.
Antes de pensar por si mesmo, para pensar por si mesmo, é preciso iniciar-se com a
ajuda de pensamentos notáveis (remarcables). É por isso que a explicação do texto é, no
seu princípio, identificável com a leitura aprofundada, que é a leitura filosófica por
excelência.

a – O que não é a explicação do texto

1 - Não é um pretexto para dissertar

Há normalmente um abismo entre a dissertação e a explicação: a primeira trabalha


sobre um assunto, a segunda sobre um texto. Mas o desvio é clássico. Consiste em
apropriar-se (s’emparer) do tema do texto – ou daquilo que se toma por tal – a fim de o
tratar como se faria de um assunto ordinário.
De repente o texto é reduzido à triste condição de pretexto. Um pouco mais tarde,
considera-se logicamente que ele é um tropo. Já mutilado, escamoteado, torna-se então
esse massador de que nos desembaraçamos na primeira ocasião – o que se consegue
geralmente logo na introdução.
Nestas condições, a explicação não é somente deficiente: ela não existe. O autor da
explicação perdeu o seu tempo; texto já não é mais que um resíduo posto de parte.

1 Méthodologie philosophique, Paris: Presses Universitaires de France, 1992, pp. 27- 44


2 - Não é um comentário

Para ser sintético, poder-se-ia dizer que a explicação do texto procura saber o que um
autor verdadeiramente diz, numa dada passagem, enquanto o comentário é uma
interrogação apetrechada (armée) (de referências, nomeadamente) sobre o que ele disse
de verdadeiro.
A explicação é um trabalho bem delimitado, portanto estritamente limitado.
Distinguir-se-ão dois casos: se o texto é apresentado como ocasião de um exercício de
análise de um pensamento filosófico, excluir-se-á toda a erudição relacionada com o
contexto (que não é tido como conhecido) ou com a obra de que ele é um extracto. Pode
acontecer contudo que o conhecimento geral de um autor ou de uma época facilite, sem
a condicionar, a boa interpretação (para o pensamento antigo, por exemplo – consultar a
secção «trabalhos práticos»). Em contrapartida, quando o extracto de texto vem em
complemento do estudo do autor, é aconselhado situar o texto na obra, e fazê-los
dialogar. Convém não confundir as duas provas, e em caso algum permitir aos
conhecimentos exteriores ao texto retardar ou sobrecarregar inutilmente a explicação do
texto apresentado.
Importa portanto primeiramente tomar conhecimento do género de trabalho pedido.
Mas como quer que seja, o que conta e faz fé é trecho que foi seleccionado (découpé), e
que deve ser metodologicamente considerado como um todo suficiente. Para os
pormenores sobre o comentário de texto, consultar-se-á o capítulo III, que lhe é
consagrado.

3 - Não é uma paráfrase

A paráfrase é o pecadilho (péché mignon) dos debutantes que crêem fazer bem. Eles
não dissertam, não comentam, eles tagarelam.
Parafrasear, como a palavra o indica, consiste em frasear ao lado do texto, a propósito
do texto.
Porquê recusá-la? Porque é uma arte de repetir de outra maneira o que é enunciado,
afectando-o simplesmente com um coeficiente multiplicador de quantidade. Dito
abertamente: substitui-se um texto bom e breve por um outro, longo e mau – a obra de
um mestre pela imitação inábil de um aluno.
A paráfrase é anti filosófica porque ela encobre o texto em vez de o explicitar, aplaina
(rebote) as suas peripécias em lugar de as pôr em relevo, ignora o que ele pressupõe,
subentende, cala ou implica em lugar de divulgar, apaga as articulações em lugar de as
exibir. A paráfrase dilui, retira força, enfraquece, torna cego, surdo e mudo.

4 - Não é uma palavra pontilista

Por não ser geralmente a do debutante, esta tentação não é menos temível que a
precedente.
Para explicar um texto, é preciso certamente preocupar-se com as palavras, com
tournure (?), com todos os sinais pertinentes que constituem o sentido. Mas logo que se
faz disso uma técnica mecânica, aplicável a não importa a que texto, o palavra a palavra
torna-se uma destruição sistemática do sentido. O decepar o texto, da primeira à última
linha, pode dar a impressão de uma atenção escrupulosa. Na realidade, isola-se cada
termo do seu contexto explicando-o por si mesmo, sem se preocupar com a rede que lhe
dá o seu sentido.
É apenas útil evocar aqui o bom trinchante, descrito por Platão, para condenar
esta carnificina insensata. Pois não se secciona segundo as articulações naturais, quer
dizer do sentido, mas segundo os interstícios dos sinais. Num tal comboio pode-se
gastar uma hora de «explicação» de uma meia página. Mas nada se faz de filosofia, pois
confunde-se análise e pontilismo.
Quando a análise consiste em partir da totalidade dotada de sentido para a
decompor nos seus elementos, o pontilismo apenas produz partes isoladas, tratadas
como entidades separadas. Como o processo é sistemático, nenhuma selecção é feita. O
essencial e o não essencial é colocado no mesmo plano. Ainda aí o que é pressuposto,
subentendido ou implicado é forçosamente escamoteado pois que não existe sinal
positivo que permita apropriar-se (s’ emparer) disso. No termo do estudo, o texto está
desmembrado, sem outra forma de processo.

Em Síntese
- O texto a explicar não é um pretexto para dissertar:
- explicar não é parafrasear;
- a análise desenvolve (déploie) o sentido, o pontilismo destrói-o.

b – O que é a explicação de texto

1- O seu princípio

No seu princípio, a explicação de texto é a operação mais simples que há (soit).


Ela consiste, como o seu nome indica, em enunciar o que há num dado texto, nem mais
nem menos. Explicar, é desdobrar o que está exposto, pressuposto, implicado,
subentendido ou passado em silêncio por o autor preciso, num lugar bem circunscrito.
Mede-se imediatamente as diferenças com a paráfrase: a explicação não se
contenta em amplificar (brade) o que aparece, ela põe a descoberto (dégage) o que está
escondido, põe em relevo as expressões mais carregadas de sentido, faz sobressair tudo
o que está encoberto (creux), classifica os elementos conforme a sua importância no
movimento do pensamento e não conforme o lugar que ocupam fisicamente,
pormenoriza as articulações geralmente implícitas, ou rapidamente assinaladas por
termos de ligação, a fim de produzir uma argumentação racional.

2 - O seu esquema

Durante a preparação da explicação, estar-se-á vigilante para respeitar os princípios


seguintes, de modo a assegurar que todos eles foram postos em prática no momento da
redacção definitiva. Trata-se de exigências gerais, que constituem o programa de
trabalho, e que será urna vantagem decorá-los para os ter sempre presentes no espírito.
Para tomar as coisas na ordem lógica, a explicação deve portanto:
- descobrir (dégager) o tema (aquilo de que trata o texto) e a tese (o que defende
o autor), a fim de elaborar uma problemática de que se assinalam os dados
postos em jogo);
- identificar o movimento geral do texto, os seus momentos particulares e as suas
articulações, a fim de reconstruir o seu argumento;
- em progressão constante, revelar, analisar e fazer funcionar as noções
filosóficas indicadas pelas palavras, ou subentendidas, ou ainda implicadas;
- tomar posição (statuer) sobre o texto a fim de apreciar a sua natureza e
alcance.

3 - Como abordar o texto?

Para abordar um texto, é preciso antes de tudo pôr-se na atitude exigida, quer dizer em
disposição de receptividade.
No primeiro estádio das operações, o primeiro esforço a fazer consiste em eliminar as
solicitações da memória.
Para ler verdadeiramente um texto, com efeito, é preciso colocar-se ingenuamente
perante ele, sem preconceitos de qualquer espécie, sem expectativas, sem
conhecimentos prévios – ou recordações de conhecimentos. A fazer de outra maneira,
está-se perdido (De outro modo está-se perdido) porque apenas (No texto apenas) se
procurará encontrar conhecimentos adquiridos algures, em vez de procurar confirmar o
que se sabe ou se crê saber.
Resulta daqui que é preciso primeiramente afastar o que se sabe e contentar-se com
aquilo que se lê. De outra forma não se vê nada. Sobretudo não se vê aquelas evidências
massivas que, como bem diz a expressão consagrada, «se metem pelos olhos dentro».
Para os estudantes já cultivados, o mais difícil é fazer calar os comentadores. Os
comentadores interpõem uma grelha de interpretação, que se aprendeu com eles e que
cada um não encontrou por si mesmo, o que muda o olhar e em consequência modifica
o conteúdo objectivo do texto. Além disso, como apenas se retém geralmente as versões
simplificadas, vulgarizadas, corre-se o risco dos maiores perigos.
Por exemplo, é suficiente que se considere tal texto de Aristóteles repetindo-se que este
filósofo é «empirista» e «biologista», para que o mais pequeno sinal seja imediatamente
interpretado corno uma confirmação disso, e os elementos que não se integram nesta
expectativa não serão por isso mesmo tomados em conta. E cai-se de novo na arte
menor do “revestimento», denunciada mais acima (p. 7 do original), enquanto que a
filosofia exige «massivo» (massif). O texto deve ser posto em questão, e não submetido
à tortura.

Observação – No caso de uma explicação de texto inserida num programa de história


da filosofia bem determinado, será preciso, naturalmente, proceder a uma leitura
armada, o que impõe reforçar a atenção de todo um aparelho de conhecimentos. Neste
caso, a explicação tende para o comentário erudito (ver esta rubrica).
Dito isto, a atenção ao texto não perde o seu privilégio. Se alguém pretende dispensar-
se disso, corre o maior dos riscos – muitas vezes confirmado – de não captar o tema, a
tese, os dados postos em jogo, e fazer uso dos seus conhecimentos a despropósito. Cai-
se então num defeito clássico, bem conhecido em dissertação: o tratamento de algo que
não tem a ver com o assunto (o de tratar de outro assunto).
Por isso se vê que a explicação de texto começa efectivamente por uma ascese. A
verdadeira atenção só é possível nestas condições. Não há outro modo.
Uma tal renúncia mete medo. Compreende-se os temores experimentados pelo
estudante que se encontra assim sozinho e nu perante um texto de Rousseau ou de Kant,
e a quem se proíbe além disso todas as defesas habituais. Compreende-se também que
ele procure a todo o custo mobilar esse vazio de que a sua natureza tem horror.
Porém não há razões para ficar desnorteado, pois fica um trunfo decisivo (atout maitre):
o próprio texto. O texto não é somente um objecto obscuro, ele é um guia. É ele que
deve fazer fé, e só ele.
Isso não significa que os conhecimentos filosóficos são inúteis. Somente é
preciso começar por pô-los de alguma maneira entre parêntesis para deixar a atenção
trabalhar em paz, mesmo se os conhecimentos uma vez «adquiridos» («appropriées»)
contribuem para cultivar esta mesma atenção. Os conhecimentos filosóficos prévios
sobre o autor não devem suscitar «pré-conceitos» sobre o que o texto vai dizer. Quando
muito podem permitir evitar – por vezes, se eles são mesmo exactos - interpretações
atrevidas ou intempestivas. Os conhecimentos exteriores ao texto são mais depressa um
abrigo (garde-fou) que um guia; o seu papel consiste em controlar a leitura e não em se
substituir a ela. A ingenuidade reclamada não tem nada, como se vê, de uma estupidez
voluntária.
É aqui que é preciso fazer uma dupla aposta: a do sentido e a das suas próprias
capacidades.
- A aposta do sentido: deve-se partir do princípio de que o texto tem um sentido. Se este
último não aparece (quer se trata da sua totalidade ou de certas partes), ele todavia
existe efectivamente. As dificuldades do texto têm portanto a sua solução no texto. Se
não se percebe nada, é porque se viu mal, se omitiu um termo importante, se esqueceu
de confrontar uma proposição com uma outra.
É preciso então ler, reler e esquadrinhar o texto de uma ponta à outra. Da frente para
trás e de trás para a frente, sem se deixar persuadir antecipadamente que há uma
solução, que essa solução está debaixo dos olhos, mesmo se se não chegou ainda a
descobri-la devido à falta de atenção suficiente ou devido aos obstáculos que impedem a
visão.
Sobretudo, nunca se deve pensar que a solução está algures, noutras páginas, noutros
textos, ou nos comentadores. Metodologicamente falando, é preciso aferrar-se esta
regra: o sentido está efectivamente lá, ele está dado, mesmo se está encoberto por um
véu.
Enfim, é preciso evidentemente proibir-se de pensar que as dificuldades provêm do
autor, que teria escrito qualquer coisa sem saber o que dizia ou que não teria conseguido
exprimir-se correctamente.
- A aposta nas suas próprias capacidades: é o reverso do precedente. Deve-se partir do
princípio de que todos os obstáculos podem ser superados se se considerar mais
atentamente o texto. Nunca se deve à partida incriminar as suas próprias insuficiências
dizendo que nunca mais se chegará lá. Não se trata de um simples exercício de auto-
persuasão, digno do método Coué, mas de uma consequência lógica da atitude
adoptada. Se se luta, ganha-se. A experiência prova-o constantemente.
Evidentemente pode acontecer que a tarefa não resulte tão bem como se desejaria.
Então é preciso assumir, mas não de qualquer maneira. Se alguém se deve render, faça-o
com honestidade, sem invocar a sua fraqueza ou arriscando alguma hipótese incerta,
mas confessando-a como tal.

Em síntese:
- A explicação de texto é primeiramente uma prova de atenção;
- memória e saber devem ser refreados e presos à trela;
- a explicação é primeira que o comentário e precede-o sempre;
- o texto não é somente um objecto passivo, mas um guia;
- o sentido do texto está no texto;
- é preciso dizer que o texto tem sempre razão;
- é preciso explicar todo o texto, mas explicar apenas o texto.

Uma vez afastadas as grelhas, as matrizes e preliminares, pode-se mergulhar no


texto para o considerar tal como ele é em si mesmo. Esta fase positiva é o essencial do
trabalho pedido.
- Armado somente da sua atenção (e um lápis na mão), há que concentrar-se sobre todos
os sinais pertinentes, sistematicamente. Não se deve hesitar em escrever a lápis no
próprio texto, para sublinhar termos, escrever imediatamente à margem as noções
correspondentes. O uso do lápis (se é possível, o que não é o caso quando o livro não
nos pertence!) tem a vantagem de tirar ao texto impresso a sua apresentação monótona
e compacta, que impede de «ver» o essencial. Utilizando os códigos próprios de cada
um (palavras em caixa), expressões sublinhadas, barras de separação lógica, etc.),
poder-se-á objectivar melhor, para a vista, a compreensão das coisas, e ganhar tempo
no momento das múltiplas consultas durante a redacção. Pois é preciso não hesitar em
efectuar releituras, tomando muito cuidado para retomar de cada vez uma espécie de
virgindade do olhar, de esquecer as compreensões anteriores que podem ser
responsáveis por falsos trajectos.

- À medida que se avança, é preciso interrogar-se sem cessar sobre as questões, os


dados postos em jogo, os movimentos, as articulações, a progressão da argumentação,
assim como sobre os pressupostos e as implicações

- É preciso pela mesma razão (pour autam) não perder de vista os pormenores: tudo,
absolutamente tudo deve ser examinado, compreendendo nisso (até mesmo sobretudo)
os elementos que espontaneamente se é tentado julgar desprezáveis, como os
exemplos, a sinuosidade dos percursos, os personagens postos em cena (no caso do
diálogo), os termos de articulação e os sinais tipográficos (pontos de interrogação,
aspas, ele.).

- As respostas não vêm de repente. Se surgissem imediatamente, dever-se-ia temer más


respostas. É preciso deixar-se incomodar pelas perguntas e apontar numa folha, em
estilo telegráfico, as ideias ou hipóteses que aparecem, sem hesitar em modificá-las ou
suprimi-las à medida que se progride.
Vai-se assim até ao fim do texto, sem perder nenhuma decisão irreversível.

- Chegando ao ponto final, regressa-se ao princípio, pondo-se sempre as mesmas


questões, esboçando respostas. Neste jogo de vai e vem entre as partes, vê-se pouco a
pouco emergir um plano de conjunto, um movimento orientado.

4 - O tornar patentes os movimentos

Logo que se assinalou as articulações (que podem muito bem estar disfarçadas) pode-
se começar a descobrir o plano.
Vale para a explicação de texto o que se diz da dissertação: não existe plano tipo. O
plano é simplesmente a forma que toma um pensamento preciso perseguindo um
objectivo preciso. As partes deste plano devem portanto ser constituídas a partir dos
grandes momentos do pensamento do autor.
Desconfiemos: é frequente que as articulações das partes correspondam aos cortes dos
diversos parágrafos; mas pode também não ser o caso.

- Para hierarquizar os momentos, é preciso e é suficiente perguntar o que é logicamente


primeiro ou segundo, inicial ou derivado. Distinguem-se então várias etapas, que é
preciso classificar conforme a sua importância.

- Como o plano é apenas a própria forma do texto, nunca é preciso desordenar esta
forma e reconstruir o texto de modo diferente. Ainda aí se constata que o texto é o
melhor dos guias.
Ponto delicado: quando acontece que a última frase esclarece todo o texto, é preciso
precaver-se de pôr de pernas para o ar a ordem querida pelo autor. Convém então
sugerir este esclarecimento na introdução, pondo uma questão, mas sem mostrar as suas
baterias.

- A estrutura do texto comanda igualmente o equilíbrio quantitativo da explicação. Não


é preciso deixar-se enganar pela aparência das quantidades, pois que a densidade de
um texto pode ser muito desigual. Por exemplo, acontece que uma parte, a abarrotar
de exemplos, seja três vezes mais importante em volume que uma outra parte,
reduzida a uma simples frase. Ainda aí se vê toda a diferença que há entre explicar e
parafrasear um texto.

- Dever-se-á estar muito atento para não deixar a vigilância adormecer à medida que se
progride no texto, o que conduz muitas vezes a negligenciar as últimas linhas, que
podem ser decisivas. As primeiras frases não têm de ser privilegiadas
sistematicamente, pelo simples facto de se encontrarem no começo. Por precaução,
pode-se ir até à planificação do tempo a passar em cada momento de um texto, a fim
de não se deixar surpreender pelo tempo (sobretudo no caso de explicações de texto
em tempo limitado).
Uma vez terminada esta operação de decifração, tem-se a ossatura do texto, que
concretiza e instrumentaliza a argumentação do autor. Estando o quadro assegurado,
passa-se à realização prática da explicação de texto.

Em síntese
- Trabalhar directamente sobre o texto de uma ponta à outra, lápis na mão, tirando
notas;
- descobrir o movimento de pensamento cuja forma estruturada, articulada e orientada.
permite produzir um plano;
- a ordem do plano corresponde geralmente à ordem do texto;
- o equilíbrio das partes deve depender do conteúdo da argumentação e não dos volumes
aparentes.

II. A realização da explicação de texto

a – A introdução

A introdução é uma verdadeira prova na prova. De todos os momentos, é


certamente o mais delicado. Conhece-se por outro lado professores e examinadores que
acabam por preferir a ausência pura e simples de introdução do que suportar o que se
entende geralmente por este nome. Mas nós não analisaremos aqui esta metodologia do
vazio. Pois, inversamente, uma boa introdução, bem organizada e conceptualizada,
dispõe favoravelmente o leitor: neste caso, a introdução serve de imagem em miniatura
do trabalho de conjunto.
Para começar, recordemos que é impossível compor uma introdução digna deste nome
sem ter já resolvido, pelo menos em parte, os problemas postos pelo texto. Primeira na
ordem da apresentação, a introdução virá portanto em último na ordem da produção
(regressar a este ponto nos problemas similares postos pela dissertação).
De seguida, recordemo-nos que uma introdução deve estar totalmente submetida à sua
função – que é de introduzir, justamente -, o que exclui toda a ultrapassagem para a
apresentação retórica ou erudita, a explicação prévia dos termos, o enunciado de
opiniões a favor ou contra, as comparações, as grandes sentenças gerais e sem apelo,
sem esquecer, naturalmente, as conclusões antecipadas que penetram subrepticiamente
na introdução, contra toda a lógica.
A introdução deve portanto antes de tudo sobressair pela sua sobriedade e brevidade.
Por escrito, é aconselhável não ultrapassar meia página; oralmente, dois ou três minutos.
De outro modo, forçosamente se envereda por missões, que não têm aqui o seu lugar.
Salvo necessidade absoluta, é inútil e ocioso fazer uma apresentação do texto
– simples perda de tempo, ocasião de aborrecimento para o leitor ou auditor (excepção:
quando a explicação é o suporte de um comentário erudito numa prova de história da
filosofia).
Na prática: é preciso portanto entrar imediatamente no âmago do assunto, indicando
sucessivamente:
1 – O tema ou objecto do texto, quer dizer aquilo de que trata o autor desta
passagem.
Este pedido parecerá simplista. A experiência mostra contudo que ele é tanto mais
necessário quanto muitas vezes não é satisfeito. Ele é contudo a condição de tudo o
resto. Se não se sabe de que fala o texto, nunca se saberá explicá-lo. Aparecerá o
equívoco ou apenas se reterá tal ou tal ponto que atrai o olhar, ou então se derivará
completamente.
Para satisfazer esta exigência e proteger-se contra toda a derrapagem, há um pequeno
teste muito simples: é necessário e suficiente que o tema corresponda efectivamente à
totalidade do texto, e não a uma ou a outra das suas partes. Enquanto não se satisfez esta
exigência, não se tem o bom tema, não se tem o objecto do texto.
Enfim, para enunciar o tema, é preciso contentar-se com uma frase muito breve. Uma
longa explicação alambicada nunca pode ser um tema.

Observação – Presume-se aqui que a passagem foi bem delimitada e forma realmente
um todo. É geralmente o caso. Mas pode haver excepções, para as quais será preciso
mostrar-se vigilante, a fim de se ajustar o melhor possível Mas não é uma razão para
suspeitar do texto à menor dificuldade. Pelo contrário, é de boa regra metodológica
fazer como se tudo estivesse em ordem.

2 - A tese do autor neste texto, quer dizer aquilo que ele enuncia a propósito do
seu objecto. A tese é a posição filosófica adoptada pelo autor acerca do problema geral
enunciado no tema: a sua enunciação deve permitir identificar claramente a
especificidade, até mesmo a originalidade, da tese defendida. É preciso portanto, ainda
aí, contentar-se com uma forma lapidar, à qual se dará de preferência uma forma
interrogativa, a fim de despertar o interesse e de jogar verdadeiramente o jogo da
interrogação. A tese é o núcleo duro, que é preciso identificar sem erro, exprimir em
algumas palavras, sem o envolver em tagarelices supérfluas, boas precisamente para o
enfraquecer ou para provocar desinteresse.
3 - Os dados postos em jogo pelo texto, tomado ao pé da letra: o que é que um
discurso «põe em jogo»? Os desafios podem ser variáveis conforme o texto, mas devem
sempre permitir avaliar a tese filosófica quanto ao seu alcance e às suas consequências
para o tema geral. Importa antes de tudo fazer compreender o preço a pagar para a
solução teórica, o que ela exclui, o que ela reforça, sublinhando de passagem o interesse
da via adoptada pelo autor.
Esta exposição deve ser breve, até mesmo lapidar: sendo enunciado isto, o que resulta
para aquilo? Quais são os riscos, os ganhos, as perdas, em tal domínio, por causa de tal
enunciado ou de tal posição?

Observação – Perguntar-se-á sem dúvida o que vem a ser a problemática, tão


importante em dissertação.
Numa explicação de texto, a problemática é constituída, em parte, pelo conjunto
formado pelo tema, a tese e os dados postos em jogo. O discurso tido pelo autor a
propósito de um objecto tematizado «faz problema», envolve questões que é preciso
fazer emergir (dégager).
Mas é verdade que a problemática reenvia também para o contexto do texto, até mesmo
para a obra donde o extracto foi tirado, sem contar a obra inteira do autor. Como estes
elementos estão fora de questão, devido à regra do jogo, é preciso abster-se deles. A
solução elegante consiste então em reencontrar esta problemática mais vasta no interior
do extracto, fazendo falar os argumentos, as noções, o vocabulário ou os exemplos.
Sobre este ponto, a cultura filosófica fará toda a diferença.
Os debutantes não devem por isto desnortear-se: o trabalho honesto sobre o extracto tal
como ele é, nos seus limites, permite já cumprir o seu contrato. Se, como todo o
trabalho filosófico, a explicação de texto pode ser considerada como uma tarefa
ilimitada, é preciso saber que ela está bem delimitada quando ela é considerada no
quadro de uma escolaridade.

4 - Os movimentos do texto, quer dizer os diferentes momentos do pensamento do autor,


ligados racionalmente pelas articulações bem precisas, a fim de fazer emergir a estrutura
da argumentação.
Precavamo-nos aqui de estúpidos rituais escolares, que são pura retórica formalista. É
ridículo enunciar uma «primeira parte», a qual será seguida de uma «segunda», e assim
por diante. Prefiramos falar de «momentos», aos quais se dará um título (sempre muito
breve), se possível dando-lhe forma interrogativa.
Evitemos também mostrar as nossas baterias e utilizar os nossos últimos cartuchos na
introdução. Dito claramente: não dêmos as respostas, mas esperemos a conclusão para o
fazer. É preciso sempre espicaçar o desejo do leitor ou do ouvinte, sem hesitar em
inquietá-lo com os problemas que parecem terríveis.

Em síntese
- tornar patente o tema (mettre au jour): aquilo de que trata o texto;
- tornar patente a tese: aquilo que o autor afirma;
- interrogar-se sobre aquilo que o texto põe em jogo;
- indicar os grandes momentos do texto, se possível sob a forma interrogativa; - não
mostrar as suas baterias na introdução, que é feita para questionar e não para
responder.

b – A explicação propriamente dita

Passa-se de seguida à explicação pormenorizada do texto, momento por momento. Para


fazer isso, é preciso, depois da indicação do título da parte sobre a qual se trabalha:
1 - Realçar os termos importantes e extrair daí as noções importantes, que se
devem analisar com cuidado, tendo em conta o contexto.
Quando há noções subjacentes, às quais nenhuma palavra corresponde, é preciso fazê-
las surgir por dedução e analisá-las da mesma maneira.
Para cada noção realçada, é preciso elevar-se ao movimento mais geral do pensamento
a fim de fazer aparecer a sua função.

2 - Realçar os problemas e questões que se encontram, ou que se deduzem por


implicação, num estilo sempre interrogativo, a fim de fazer progredir a investigação.
Em todos os casos, é no seio do próprio texto que se deve procurar os elementos de
esclarecimento e de resposta.

3 - Fazer sobressair as articulações e desenvolvê-las, o que geralmente o autor


não faz, ou o faz de maneira muito rápida ou alusiva. Os termos que fazem as
articulações (se, então, portanto, etc.) devem ser considerados com o maior cuidado.

4 – Explicitar, para introduzir cada novo momento, a questão subjacente às ideias


que vão ser desenvolvidas e que devem ser apreendidas como uma resposta a uma
questão geralmente não formulada pelo texto (ver, por exemplo, o que isto dá a
propósito de um texto de Descartes – cf. Trabalhos práticos, capítulo I. § II).
Tudo isto permite fazer aparecer a argumentação do autor, operação essencial numa
explicação.

5 - Explicar os exemplos quando eles existem, porque eles são sempre trechos de
eleição, que o autor julgou eminentemente significativos.

Progredir-se-á assim, por etapas sucessivas, até ao fim do texto, sem esquecer que a
última frase é por vezes a mais importante ou a mais esclarecedora.

Observação – Estar-se-á desperto para assegurar à redacção uma apresentação


suficientemente clara, mudando de linha depois de cada desenvolvimento, ou deixando
mesmo uma linha em branco entre duas partes grandes (medida de ordem tipográfica
que, lembremo-lo, não poderia em nenhum caso substituir uma articulação ausente).
Em síntese
- Proceder momento por momento, segundo a ordem do texto;
- extrair as noções dos termos importantes;
- criar as noções implicadas;
- analisar cada noção no quadro da sua função;
- explicar os exemplos;
- fazer sobressair e pormenorizar as articulações; - explicar todo o
texto até ao fim; - argumentar sempre.

Conselho importante: é sempre preciso estar vigilante para equilibrar os seus


esforços, a fim de poder acabar a explicação nos limites de espaço e de tempo
concedidos. Todo o trabalho deve estar condicionado por estas condições exteriores.

c – A conclusão

Concluir é uma operação tão delicada quanto perigosa. Geralmente perturbado pelo
tempo, é-se tentado a escrever qualquer coisa, obedecendo aos reflexos escolares
longamente experimentados, mas maus conselheiros.
Para evitar todo o perigo, convém mostrar-se de um extrema sobriedade. Para concluir
é preciso:
1 - Retomar sucintamente as questões essenciais e responder-lhe, se há uma
resposta no texto.

2 - Tomar posição sobre o debate, se isso é possível, sabendo que é aí que o perigo
de derrapagem é maior. Com efeito, é preciso estar vigilante para permanecer no quadro
do seu texto, arriscando ultrapassar um pouco se ele joga um papel significativo e
evidente no seio da obra, ou no debate geral das ideias. Se é pedido um comentário,
poder-se-á ir mais longe e encerrar a discussão (na medida em que isso é possível).

3 - Permanecer comedido e modesto, pondo de parte todo o «ampliação» do


debate no sentido escolar do termo. Nunca é preciso tomar a humanidade e os deuses
por testemunhas, pontuando as suas grandes sentenças ocas com aqueles termos em «-
ismo» com os quais muito erradamente se crê dar consistência ao assunto.
É neste estádio da conclusão que se alinha geralmente o maior número de erros ou
enormidades. Como se se tivesse frustrado de ter seguido docilmente um autor, parece
procurar-se uma pequena vingança querendo mostrar que se é capaz de reflexão. É
preciso resistir com rodas as forças a esta tentação.

Em síntese
- Fazer um rápido balanço do trabalho efectuado;
- deixar-se guiar pelo texto para tomar posição sobre o debate (ou encerrar a discussão);
- nunca perder-se (déborder – ultrapasar) seguindo a sua fantasia ou as suas
recordações.

d – A redacção

Na escrita, segue-se o método utilizado na dissertação, mostrando-se ainda mais


rigoroso em certos pontos.

1. O problema do rascunho

É preciso evitar o rascunho tanto quanto se pode, ao menos para o corpo da explicação.
O ideal é redigir directamente, seguindo o seu plano detalhado, em que devem figurar as
noções importantes, as suas análises, assim como todas as articulações. Para quê este
conselho próprio para chocar mais do que um estudante? Porque o rascunho apresenta
múltiplos inconvenientes:
. constitui uma perda de tempo, pois que é preciso passar a limpo, quando há tantas
coisas a fazer;
. ele não exige nenhuma vigilância, pois que se diz que é apenas um rascunho.
Ele é portanto um incitamento ao deixa andar do pensamento e da escrita;
. oferece um álibi cómodo à negligência, pois que se diz que se corrigirá;
. é muitas vezes vão, pois que a falta de tempo obriga ou a recopiar o rascunho
sem correcções, ou a redigir um novo texto directamente ao passar a limpo quando se
tem a intuição de que o primeiro esboço não convém.

Em contrapartida, é preciso redigir antecipadamente, com cuidado, várias vezes se for


preciso, a introdução e a conclusão, onde os perigos são maiores. Esta redacção
preparatória só se deve fazer quando a explicação estiver inteiramente clara segundo o
plano pormenorizado.
Permanecendo cada um livre de seguir ou não estes conselhos, recomendamos, apesar
disso que façam uma experiência. Se esta última não for conclusiva, cada um pode
regressar à sua técnica habitual, tentando ainda assim aligeirá-la tanto quanto possível
(?).

2 – A arte de permanecer perto do texto

Aqui é preciso precaver-se tanto de fazer demais como de não fazer o suficiente. Ao
redigir, é preciso manter constantemente o texto debaixo dos olhos em vez de o deixar
de lado. É o único meio de não derrapar, de descobrir um erro ou um esquecimento,
Mas nunca é preciso ceder à tentação cómoda de recopiar longas passagens do texto,
para mostrar que se permaneceu atento. É preciso contentar-se com as citações
estritamente necessárias.
Enfim, é preciso evitar perder-se na indicação das linhas e dos parágrafos, o que,
sendo o texto conhecido do corrector, torna inutilmente pesada a leitura.

Em síntese
- Evitar o rascunho, salvo para a introdução e a conclusão;
- redigir seguindo o seu plano pormenorizado, conservando o texto debaixo de olho;
- não se perder na indicação das referências ao texto.»

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