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Modo de usar
- Ler atentamente o conjunto do capítulo;
- Voltar a ler depois de cada exercício prático, conforme as necessidades, até à completa
assimilação.
A explicação de texto não é um exercício entre outros, mais difícil que os outros,
mas o melhor meio de aceder directamente ao pensamento dos filósofos.
Só secundariamente portanto ela é uma função escolar – a sua importância decisiva
para a cultura e reflexão pessoais justifica (justifiant) que possa servir de teste. Com
efeito, ela exprime e manifesta em todo o seu rigor o trabalho directo sobre os autores,
sem interpolação de cursos magistrais ou comentários.
Ela é portanto simultaneamente, indissoluvelmente, uma prova e um alimento. Antes de
dissertar, antes de comentar, é preciso saber o que os autores verdadeiramente disseram.
Antes de pensar por si mesmo, para pensar por si mesmo, é preciso iniciar-se com a
ajuda de pensamentos notáveis (remarcables). É por isso que a explicação do texto é, no
seu princípio, identificável com a leitura aprofundada, que é a leitura filosófica por
excelência.
Para ser sintético, poder-se-ia dizer que a explicação do texto procura saber o que um
autor verdadeiramente diz, numa dada passagem, enquanto o comentário é uma
interrogação apetrechada (armée) (de referências, nomeadamente) sobre o que ele disse
de verdadeiro.
A explicação é um trabalho bem delimitado, portanto estritamente limitado.
Distinguir-se-ão dois casos: se o texto é apresentado como ocasião de um exercício de
análise de um pensamento filosófico, excluir-se-á toda a erudição relacionada com o
contexto (que não é tido como conhecido) ou com a obra de que ele é um extracto. Pode
acontecer contudo que o conhecimento geral de um autor ou de uma época facilite, sem
a condicionar, a boa interpretação (para o pensamento antigo, por exemplo – consultar a
secção «trabalhos práticos»). Em contrapartida, quando o extracto de texto vem em
complemento do estudo do autor, é aconselhado situar o texto na obra, e fazê-los
dialogar. Convém não confundir as duas provas, e em caso algum permitir aos
conhecimentos exteriores ao texto retardar ou sobrecarregar inutilmente a explicação do
texto apresentado.
Importa portanto primeiramente tomar conhecimento do género de trabalho pedido.
Mas como quer que seja, o que conta e faz fé é trecho que foi seleccionado (découpé), e
que deve ser metodologicamente considerado como um todo suficiente. Para os
pormenores sobre o comentário de texto, consultar-se-á o capítulo III, que lhe é
consagrado.
A paráfrase é o pecadilho (péché mignon) dos debutantes que crêem fazer bem. Eles
não dissertam, não comentam, eles tagarelam.
Parafrasear, como a palavra o indica, consiste em frasear ao lado do texto, a propósito
do texto.
Porquê recusá-la? Porque é uma arte de repetir de outra maneira o que é enunciado,
afectando-o simplesmente com um coeficiente multiplicador de quantidade. Dito
abertamente: substitui-se um texto bom e breve por um outro, longo e mau – a obra de
um mestre pela imitação inábil de um aluno.
A paráfrase é anti filosófica porque ela encobre o texto em vez de o explicitar, aplaina
(rebote) as suas peripécias em lugar de as pôr em relevo, ignora o que ele pressupõe,
subentende, cala ou implica em lugar de divulgar, apaga as articulações em lugar de as
exibir. A paráfrase dilui, retira força, enfraquece, torna cego, surdo e mudo.
Por não ser geralmente a do debutante, esta tentação não é menos temível que a
precedente.
Para explicar um texto, é preciso certamente preocupar-se com as palavras, com
tournure (?), com todos os sinais pertinentes que constituem o sentido. Mas logo que se
faz disso uma técnica mecânica, aplicável a não importa a que texto, o palavra a palavra
torna-se uma destruição sistemática do sentido. O decepar o texto, da primeira à última
linha, pode dar a impressão de uma atenção escrupulosa. Na realidade, isola-se cada
termo do seu contexto explicando-o por si mesmo, sem se preocupar com a rede que lhe
dá o seu sentido.
É apenas útil evocar aqui o bom trinchante, descrito por Platão, para condenar
esta carnificina insensata. Pois não se secciona segundo as articulações naturais, quer
dizer do sentido, mas segundo os interstícios dos sinais. Num tal comboio pode-se
gastar uma hora de «explicação» de uma meia página. Mas nada se faz de filosofia, pois
confunde-se análise e pontilismo.
Quando a análise consiste em partir da totalidade dotada de sentido para a
decompor nos seus elementos, o pontilismo apenas produz partes isoladas, tratadas
como entidades separadas. Como o processo é sistemático, nenhuma selecção é feita. O
essencial e o não essencial é colocado no mesmo plano. Ainda aí o que é pressuposto,
subentendido ou implicado é forçosamente escamoteado pois que não existe sinal
positivo que permita apropriar-se (s’ emparer) disso. No termo do estudo, o texto está
desmembrado, sem outra forma de processo.
Em Síntese
- O texto a explicar não é um pretexto para dissertar:
- explicar não é parafrasear;
- a análise desenvolve (déploie) o sentido, o pontilismo destrói-o.
1- O seu princípio
2 - O seu esquema
Para abordar um texto, é preciso antes de tudo pôr-se na atitude exigida, quer dizer em
disposição de receptividade.
No primeiro estádio das operações, o primeiro esforço a fazer consiste em eliminar as
solicitações da memória.
Para ler verdadeiramente um texto, com efeito, é preciso colocar-se ingenuamente
perante ele, sem preconceitos de qualquer espécie, sem expectativas, sem
conhecimentos prévios – ou recordações de conhecimentos. A fazer de outra maneira,
está-se perdido (De outro modo está-se perdido) porque apenas (No texto apenas) se
procurará encontrar conhecimentos adquiridos algures, em vez de procurar confirmar o
que se sabe ou se crê saber.
Resulta daqui que é preciso primeiramente afastar o que se sabe e contentar-se com
aquilo que se lê. De outra forma não se vê nada. Sobretudo não se vê aquelas evidências
massivas que, como bem diz a expressão consagrada, «se metem pelos olhos dentro».
Para os estudantes já cultivados, o mais difícil é fazer calar os comentadores. Os
comentadores interpõem uma grelha de interpretação, que se aprendeu com eles e que
cada um não encontrou por si mesmo, o que muda o olhar e em consequência modifica
o conteúdo objectivo do texto. Além disso, como apenas se retém geralmente as versões
simplificadas, vulgarizadas, corre-se o risco dos maiores perigos.
Por exemplo, é suficiente que se considere tal texto de Aristóteles repetindo-se que este
filósofo é «empirista» e «biologista», para que o mais pequeno sinal seja imediatamente
interpretado corno uma confirmação disso, e os elementos que não se integram nesta
expectativa não serão por isso mesmo tomados em conta. E cai-se de novo na arte
menor do “revestimento», denunciada mais acima (p. 7 do original), enquanto que a
filosofia exige «massivo» (massif). O texto deve ser posto em questão, e não submetido
à tortura.
Em síntese:
- A explicação de texto é primeiramente uma prova de atenção;
- memória e saber devem ser refreados e presos à trela;
- a explicação é primeira que o comentário e precede-o sempre;
- o texto não é somente um objecto passivo, mas um guia;
- o sentido do texto está no texto;
- é preciso dizer que o texto tem sempre razão;
- é preciso explicar todo o texto, mas explicar apenas o texto.
- É preciso pela mesma razão (pour autam) não perder de vista os pormenores: tudo,
absolutamente tudo deve ser examinado, compreendendo nisso (até mesmo sobretudo)
os elementos que espontaneamente se é tentado julgar desprezáveis, como os
exemplos, a sinuosidade dos percursos, os personagens postos em cena (no caso do
diálogo), os termos de articulação e os sinais tipográficos (pontos de interrogação,
aspas, ele.).
Logo que se assinalou as articulações (que podem muito bem estar disfarçadas) pode-
se começar a descobrir o plano.
Vale para a explicação de texto o que se diz da dissertação: não existe plano tipo. O
plano é simplesmente a forma que toma um pensamento preciso perseguindo um
objectivo preciso. As partes deste plano devem portanto ser constituídas a partir dos
grandes momentos do pensamento do autor.
Desconfiemos: é frequente que as articulações das partes correspondam aos cortes dos
diversos parágrafos; mas pode também não ser o caso.
- Como o plano é apenas a própria forma do texto, nunca é preciso desordenar esta
forma e reconstruir o texto de modo diferente. Ainda aí se constata que o texto é o
melhor dos guias.
Ponto delicado: quando acontece que a última frase esclarece todo o texto, é preciso
precaver-se de pôr de pernas para o ar a ordem querida pelo autor. Convém então
sugerir este esclarecimento na introdução, pondo uma questão, mas sem mostrar as suas
baterias.
- Dever-se-á estar muito atento para não deixar a vigilância adormecer à medida que se
progride no texto, o que conduz muitas vezes a negligenciar as últimas linhas, que
podem ser decisivas. As primeiras frases não têm de ser privilegiadas
sistematicamente, pelo simples facto de se encontrarem no começo. Por precaução,
pode-se ir até à planificação do tempo a passar em cada momento de um texto, a fim
de não se deixar surpreender pelo tempo (sobretudo no caso de explicações de texto
em tempo limitado).
Uma vez terminada esta operação de decifração, tem-se a ossatura do texto, que
concretiza e instrumentaliza a argumentação do autor. Estando o quadro assegurado,
passa-se à realização prática da explicação de texto.
Em síntese
- Trabalhar directamente sobre o texto de uma ponta à outra, lápis na mão, tirando
notas;
- descobrir o movimento de pensamento cuja forma estruturada, articulada e orientada.
permite produzir um plano;
- a ordem do plano corresponde geralmente à ordem do texto;
- o equilíbrio das partes deve depender do conteúdo da argumentação e não dos volumes
aparentes.
a – A introdução
Observação – Presume-se aqui que a passagem foi bem delimitada e forma realmente
um todo. É geralmente o caso. Mas pode haver excepções, para as quais será preciso
mostrar-se vigilante, a fim de se ajustar o melhor possível Mas não é uma razão para
suspeitar do texto à menor dificuldade. Pelo contrário, é de boa regra metodológica
fazer como se tudo estivesse em ordem.
2 - A tese do autor neste texto, quer dizer aquilo que ele enuncia a propósito do
seu objecto. A tese é a posição filosófica adoptada pelo autor acerca do problema geral
enunciado no tema: a sua enunciação deve permitir identificar claramente a
especificidade, até mesmo a originalidade, da tese defendida. É preciso portanto, ainda
aí, contentar-se com uma forma lapidar, à qual se dará de preferência uma forma
interrogativa, a fim de despertar o interesse e de jogar verdadeiramente o jogo da
interrogação. A tese é o núcleo duro, que é preciso identificar sem erro, exprimir em
algumas palavras, sem o envolver em tagarelices supérfluas, boas precisamente para o
enfraquecer ou para provocar desinteresse.
3 - Os dados postos em jogo pelo texto, tomado ao pé da letra: o que é que um
discurso «põe em jogo»? Os desafios podem ser variáveis conforme o texto, mas devem
sempre permitir avaliar a tese filosófica quanto ao seu alcance e às suas consequências
para o tema geral. Importa antes de tudo fazer compreender o preço a pagar para a
solução teórica, o que ela exclui, o que ela reforça, sublinhando de passagem o interesse
da via adoptada pelo autor.
Esta exposição deve ser breve, até mesmo lapidar: sendo enunciado isto, o que resulta
para aquilo? Quais são os riscos, os ganhos, as perdas, em tal domínio, por causa de tal
enunciado ou de tal posição?
Em síntese
- tornar patente o tema (mettre au jour): aquilo de que trata o texto;
- tornar patente a tese: aquilo que o autor afirma;
- interrogar-se sobre aquilo que o texto põe em jogo;
- indicar os grandes momentos do texto, se possível sob a forma interrogativa; - não
mostrar as suas baterias na introdução, que é feita para questionar e não para
responder.
5 - Explicar os exemplos quando eles existem, porque eles são sempre trechos de
eleição, que o autor julgou eminentemente significativos.
Progredir-se-á assim, por etapas sucessivas, até ao fim do texto, sem esquecer que a
última frase é por vezes a mais importante ou a mais esclarecedora.
c – A conclusão
Concluir é uma operação tão delicada quanto perigosa. Geralmente perturbado pelo
tempo, é-se tentado a escrever qualquer coisa, obedecendo aos reflexos escolares
longamente experimentados, mas maus conselheiros.
Para evitar todo o perigo, convém mostrar-se de um extrema sobriedade. Para concluir
é preciso:
1 - Retomar sucintamente as questões essenciais e responder-lhe, se há uma
resposta no texto.
2 - Tomar posição sobre o debate, se isso é possível, sabendo que é aí que o perigo
de derrapagem é maior. Com efeito, é preciso estar vigilante para permanecer no quadro
do seu texto, arriscando ultrapassar um pouco se ele joga um papel significativo e
evidente no seio da obra, ou no debate geral das ideias. Se é pedido um comentário,
poder-se-á ir mais longe e encerrar a discussão (na medida em que isso é possível).
Em síntese
- Fazer um rápido balanço do trabalho efectuado;
- deixar-se guiar pelo texto para tomar posição sobre o debate (ou encerrar a discussão);
- nunca perder-se (déborder – ultrapasar) seguindo a sua fantasia ou as suas
recordações.
d – A redacção
1. O problema do rascunho
É preciso evitar o rascunho tanto quanto se pode, ao menos para o corpo da explicação.
O ideal é redigir directamente, seguindo o seu plano detalhado, em que devem figurar as
noções importantes, as suas análises, assim como todas as articulações. Para quê este
conselho próprio para chocar mais do que um estudante? Porque o rascunho apresenta
múltiplos inconvenientes:
. constitui uma perda de tempo, pois que é preciso passar a limpo, quando há tantas
coisas a fazer;
. ele não exige nenhuma vigilância, pois que se diz que é apenas um rascunho.
Ele é portanto um incitamento ao deixa andar do pensamento e da escrita;
. oferece um álibi cómodo à negligência, pois que se diz que se corrigirá;
. é muitas vezes vão, pois que a falta de tempo obriga ou a recopiar o rascunho
sem correcções, ou a redigir um novo texto directamente ao passar a limpo quando se
tem a intuição de que o primeiro esboço não convém.
Aqui é preciso precaver-se tanto de fazer demais como de não fazer o suficiente. Ao
redigir, é preciso manter constantemente o texto debaixo dos olhos em vez de o deixar
de lado. É o único meio de não derrapar, de descobrir um erro ou um esquecimento,
Mas nunca é preciso ceder à tentação cómoda de recopiar longas passagens do texto,
para mostrar que se permaneceu atento. É preciso contentar-se com as citações
estritamente necessárias.
Enfim, é preciso evitar perder-se na indicação das linhas e dos parágrafos, o que,
sendo o texto conhecido do corrector, torna inutilmente pesada a leitura.
Em síntese
- Evitar o rascunho, salvo para a introdução e a conclusão;
- redigir seguindo o seu plano pormenorizado, conservando o texto debaixo de olho;
- não se perder na indicação das referências ao texto.»