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1 INTRODUÇÃO
Michel Foucault (1926-1984) foi um filósofo de nacionalidade francesa
que reuniu as teorias de Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud
para fundar uma das correntes filosóficas mais importantes da idade
contemporânea. Entende-se que as inúmeras obras clássicas do filósofo
estudaram os diferentes modos de subjetivação do ser humano, ou seja,
como o ser humano torna-se sujeito? Segundo Gilles Deleuze (2000), a
problematização do pensamento foucaultiano é constituído por três
raízes: o saber, o poder e a constituição de si.
Na primeira etapa de seu pensamento, o ser-saber, Foucault (1966, 1977,
2012, 2014a) desenvolve uma arqueologia do saber, a relação entre o
sujeito e o conhecimento. O filósofo estava preocupado em pensar como
determinados saberes perderam ou ganharam sentido e como outros
pensamentos construíram novas relações de poder-saber. Os saberes que
surgem em um determinado momento histórico relacionam-se entre e si
e possibilitam uma nova configuração epistêmica (campo discursivo, no
qual os conhecimentos manifestam uma história das condições de
possibilidade). Trata-se de questionar porque determinados discursos
podem ser ditos ou não em uma determinada época. As obras que
constituem a arqueologia do saber são: “História da loucura na idade
clássica”, “O nascimento da clínica”, “As palavras e as coisas” e a
“Arqueologia do Saber”.
2 SUPLÍCIO
O início da obra evidencia o enfoque sobre o corpo que a filosofia
foucaultiana possui. O corpo é o ponto de partida e o palco privilegiado
das punições, tanto no contexto do suplício quanto do sistema punitivo
propriamente dito que se funda entre os séculos XVIII-XIX. Optou-se
por unir os dois primeiros capítulos16 da obra nessa primeira parte da
resenha, pois abordam assuntos parecidos. Por volta de 1757 o corpo dos
condenados sofria torturas físicas (desmembramento de partes do corpo,
esquartejamento, queimavam-se partes do corpo em fogueiras) como
forma de punição realizada em público, no formato de um grande
espetáculo. Tratava-se até então de um suplício que visava marcar
simbolicamente o corpo na carne
Aproximadamente três décadas depois (1787) o “interesse” por esses
tipos de punições foram se modificando, iniciava-se aos poucos um
sistema de casas de detenções com horários rígidos e tempos
determinados (levantar, fazer as refeições, orar, entre outros). Ou seja, vão
se extinguindo as grandiosas festas de punições, suprimem-se os
espetáculos punitivos e o corpo físico enquanto alvo principal das
repressões. A punição, de forma gradativa, foi se tornando uma parte
velada do processo penal até que se chegasse a uma cerimônia penal que
fosse apenas um ato administrativo ou de processo. Aos poucos, Foucault
(2014b) introduz as condições externas e de possibilidade às formas de
punir os corpos no decorrer da obra. Em formato de pergunta, quais
condições externas às próprias punições justificaram o suplício em um
determinado contexto histórico e quais possibilitaram reeducação e
correção dos criminosos?
A punição deixa de ser um espetáculo para assumir uma forma
negativa, já que o homem precisa temer o crime não em função daquelas
cenas públicas, mas pelo fato de ser punido. Desta forma, não fazia mais
sentido torturar o corpo e nem maltratá-lo por qualquer motivo,
características comuns da soberania17. Isso porque o corpo passa a ser
útil para a sociedade, mas cabia discipliná-lo para que este corpo fosse
usado de acordo com interesses e necessidades de cada época/situação.
Foucault (2014b) enfatiza que o sistema penal moderno trazia o corpo
como sendo intermediário e instrumento. Ou seja, era colocado em um
sistema de privação e de coação, de interdições e obrigações. “O castigo
passou de uma arte das sensações insuportáveis para uma economia dos
direitos suspensos” (FOUCUALT, 2014b, p. 16).
Em síntese, pode-se entender que Michel Foucault quer trazer à
reflexão o fato de que o corpo está completamente imerso nos sistemas
punitivos. Estes, com o advento da modernidade, foram colocados em
uma espécie de economia política do corpo. Pois, é sempre deste que se
trata, de sua docilidade, utilidade e de suas forças. Além disso, as relações
de poder e dominação estão inseridas no corpo e este se torna força útil
quando é, simultaneamente, submisso e produtivo. Este novo sistema
penal que foi se solidificando trazia a figura do juiz com um papel bem
diferente do de julgar. Ora, existe uma série de elementos (pequenas
justiças paralelas, peritos, psicólogos, funcionários da administração
penitenciária, educadores, magistrados da aplicação das penas). Logo, o
juiz não julgaria mais sozinho.
Percebe-se então que uma das principais questões desta obra é o corpo
mergulhado em um campo político (relações de poder que o alcançam de
maneira imediata, o marcam, o investem, exigem-lhe sinais, obrigam-no
a cerimônias, o suplicam e o dirigem). O investimento político do corpo
está relacionado com a sua utilização econômica. Sendo assim, existe um
saber do corpo que vai além da ciência de seu funcionamento (processos
fisiológicos e biológicos) e do controle de suas forças. Esse saber e
controle são o que se conhece por tecnologia política do corpo e neste
contexto é que ficam claras as relações de poder e saber.
A partir de uma leitura precisa das obras clássicas foucaultianas
(2014b, 2014c, 2017a) entende-se o que o autor pensa sobre as relações de
poder e saber. Conforme abordado anteriormente na introdução da
resenha, o momento genealógico se debruça sobre como o poder
produz/produziu historicamente os sujeitos. O poder passa a ser
interpretado como algo que se exerce, que gera saber, porém sem que
esteja presente em um determinado ponto específico da estrutura social,
nos moldes de uma Microfísica do poder. A analítica do poder com base
em Foucault (1999) não acredita em um poder propriamente dito, que uns
detém e outro não, mas sim em relações de poder que alcançam todas as
instâncias sociais (hospitais, escola, domicílios, academias de ginástica,
colônias de férias). É o poder atuando no nível dos sujeitos, constituindo-
os e atravessando-os, auxiliado por discursos e práticas, produzindo
inúmeros saberes. As relações de poder produzem saber, ao passo que o
saber produzido se converte em novas relações de poder. O quarto tópico
da presente resenha, a terceira parte do livro, abordará com precisão a
presente temática.
3 PUNIÇÃO
4 DISCIPLINA
4.3 O panóptico
O presente capítulo da obra foucaultiana expõe um importante
dispositivo da tecnologia disciplinar de poder: trata-se no panóptico.
[...] Na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre: esta é vazada de largas
janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida
em celas, cada uma atravessando toda espessura da construção; elas têm duas janelas,
uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior
permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre
central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou
um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se sobre a
claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos
pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e
constantemente visível [...] (FOUCAULT, 2014b, p. 194).
5 PRISÃO
O último capítulo da obra aborda a prisão, uma peça fundamental no
conjunto de punições porque marca um momento importante na história
da justiça penal: seu acesso à “humanidade”. Optou-se por unir os três
capítulos21 em um tópico. É nesse momento da obra que a prisão é
anunciada como o inconveniente necessário, pois de certa forma não se
criou uma alternativa substituível. Entretanto a ação dela sobre os
sujeitos deve ser ininterrupta a partir de uma disciplina incessante, no
formato de uma instituição completa e austera: engloba aspectos da aptidão
do sujeito para o trabalho, o treinamento físico e os comportamentos
morais (FOUCAULT, 2014b).
Se inicialmente a prisão foi pensada como dispositivo disciplinar para
modificar os sujeitos, com o passar dos tempos foi denunciada como um
grande fracasso da justiça penal. As taxas de criminalidade se
multiplicaram e a quantidade criminosos aumentou: a detenção provocou
a reincidência de crimes e a fabricação de delinquentes. O fracasso não
deve ser entendido como algo ingênuo, pois na realidade o que estava
sendo executado era uma espécie de diferenciação das ilegalidades. “A
delinquência, solidificada por um sistema centrado sobre a prisão,
representa um desvio de ilegalidade para os circuitos de lucro e de poder
ilícitos da classe dominante” (FOUCAULT, 2014b, p. 275).
No último capítulo do livro, o carcerário, Foucault (2014b) argumenta
que a rede carcerária (sistema de vigilância, observação, distribuição e
inserção), apesar das falhas e fracasso, fez parte da base para o poder
normalizador, sendo um aparelho de punição condizente com a nova
economia do poder. Além de atender ao sistema disciplinar de fabricação
dos sujeitos, faz parte do sistema e é o sistema em sua forma mais clara
(na prisão as relações de saber-poder não se mascaravam como em outras
instituições disciplinares).
Um dos capítulos da obra “Microfísica do Poder”, O nascimento do
hospital, traz para o campo da reflexão uma nítida proximidade entre a
prisão e o hospital. Foucault (2013c) ressalta que a tecnologia de poder
disciplinar foi a responsável também pela reorganização do hospital. Vale
destacar que a disciplina é antes de tudo a inserção de corpos em um
espaço individualizado, classificatório e combinatório. Assim como nas
prisões, a vigilância perpétua e constantes dos doentes justificou-se a
partir do momento que o hospital passou a ser concebido como
instrumento de cura e distribuição do espaço.
Pela disciplinarização do espaço médico, pelo fato de se poder isolar cada indivíduo,
colocá-lo em um leito, prescrever-lhe um regime etc., pretende-se chegar a uma
medicina individualizante. Efetivamente, é o indivíduo que será observado, seguido,
conhecido e curado. O indivíduo emerge do saber e da prática médicos. Mas, ao
mesmo tempo, pelo mesmo sistema do espaço hospitalar disciplinado se pode
observar grande quantidade de indivíduos. Os registros obtidos cotidianamente,
quando confrontados entre os hospitais e nas diversas regiões, permitem constatar os
fenômenos patológicos comuns a toda população (FOUCAULT, 2014c, p. 188-189).
PARÁGRAFOS CONCLUSIVOS
É provável que os professores, ao lerem a obra Vigiar e Punir, sintam-se
um pouco culpados em relação a educação extremamente disciplinar na
qual os alunos são expostos todos os dias. No entanto, é importante
ressaltar que essa condição se instala no cotidiano como forma de
subjetividade. Está nos livros, baseando nossa teoria, nos meios de
comunicação, nas Instituições, no meio social. A sociedade atual,
contemporânea ou pós-moderna, distancia-se da disciplinar dos séculos
XVII-XVIII, como bem afirma Deleuze (2000), entretanto a presente
resenha mostrou que inúmeras características ainda se fazem presentes.
Outro ponto que merece destaque é a concepção de poder com base
em Michel Foucault. O filósofo nega a concepção de um poder
verticalizado, que atua de cima para baixo, que produz apenas
dominação. O poder também é produtivo, não deve ser entendido apenas
como uma força repressiva que diz não, pois de fato produz discursos e
forma saberes. Trata-se de uma grande rede que atravessa todo o corpo
social, pois toda relação social é atravessada por relações de poder
(FOUCAULT, 2014c).
Utilizamos neste capítulo como exemplo o poder disciplinar
relacionado às Colônias de Férias devido a um projeto maior realizado
por este grupo, projeto este que buscou discutir as relações de poder
nestes eventos. No entanto, é importante considerar que muitas
características presentes no ambiente escolar também são reproduzidas
nas Colônias de Férias o que nos faz inferir que as pontuações aqui
utilizadas e concluídas também podem ser utilizadas quando abordamos
assuntos específicos da Educação Física Escolar.
Faz-se pertinente mencionar a relação existente entre o poder
disciplinar e a saúde e as “modificações” que foram ocorrendo nos
mecanismos de poder. Ora, em um contexto de capitalismo emergente e
do surgimento de sociedades industriais, priorizavam-se formas de poder
capazes de atender ao funcionamento do sistema que se consolidava.
Logo, passou-se a dar ênfase ao cuidado com o corpo de maneira
detalhada, tendo grande importância à eficácia dos movimentos, sua
organização interna, sua economia, além de seu espaço e tempo. Esses
métodos que permitem um controle minucioso das operações corporais
também impõem ao mesmo uma relação de docilidade-utilidade.
Portanto, são chamados de disciplinas.
Cabe a categoria de educadores que tiverem acesso a este livro,
reconhecer que os alunos precisam escolher e criar mais suas próprias
formas educação, seu próprio desenvolvimento através da participação
ativa desse processo. É importante pensar em uma maneira mais
democrática na construção das aulas, dos planos de curso e na escolha
dos conteúdos mesmo considerando as impossibilidades e interferências
que se encontram na prática e na sociedade. Ou seja, com as diversas
formas de controle que nos rondam é necessário que, dentro do possível,
consigamos implantar características reais das práticas corporais no
conteúdo das aulas, sejam elas na escola, na academia, na colônia de
Férias, e em qualquer outro âmbito.
Rever estes espaços/ambientes deve ser considerado para que haja o
entendimento de que a educação é um direito e algo necessário à vida.
Momentos mais livres para escolhas de atividades, resolução de conflitos,
atividades competitivas, entre outros, devem fazer parte de qualquer
ambiente educativo sem que sejam considerados irrelevantes ou motivos
de preocupação para os profissionais envolvidos.
Afinal, com um quadro de submissão, punição e vigilância não é
possível formar um indivíduo crítico, pois ele nunca é o formulador das
questões e sim aquele que apenas recebe ordens e tarefas (CRUZ; DE
FREITAS, 2015). Vale ressaltar que o último estágio do pensamento
foucaultiano (2017b, 2017c) retomou textos clássicos da Grécia antiga (IV
a.c) e do período Helênico-Romano (I e II d.c) para traçar as práticas de
liberdade perante os mecanismos de dominação e os padrões de
comportamento. Esse plano ético percebe que há pontos no diagrama das
relações de poder que possibilitam técnicas de resistência: é impossível
se livrar das relações de poder, porém o sujeito pode ser ponto de contra-
força aos processos normalizadores e de docilização.
REFERÊNCIAS
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15. Segundo Machado (2002), a genealogia da verdade em Nietzsche só pode ser realizada no
âmbito de uma genealogia da moral. Uma análise histórico-filosófica dos valores em que a moral
foi avaliada a partir de um ponto de vista “extramoral”, capaz de atingir as bases morais do projeto
epistemológico.
16. Capítulo 1 – o corpo dos condenados; capítulo 2 – a ostentação dos suplícios.
17. O poder de soberania pode ser entendido como o poder centrado na figura do rei, que atua de
maneira verticalizada, principalmente nos antigos regimes absolutistas. Era o poder que fazia
morrer e deixava viver (FOUCAULT, 1999).
18. Ver GRESPAN, J. Revolução Francesa e Iluminismo: a crítica radical do “Espírito das luzes”,
críticos, céticos e românticos, uma nova ordem social. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2017.
19. Apesar do debate suscitar variadas definições, diz respeito ao século das luzes, do
esclarecimento. Vale ressaltar que não foi uma escola intelectual única, mas um
movimento/corrente de ideias que repudiavam qualquer sistema rígido e acabado de pensamento
(GRESPAN, 2017).
20. A igualdade (L’ Égalite) exibe a Declaração dos Direitos do Homem, documento lançado em
1789 sob influência dos ideais iluministas e um dos principais símbolos da Revolução Francesa: a
superação da concepção tradicional de que os indivíduos nascem distintos por natureza
(GRESPAN, 2017).
21. Capítulo 1 – instituições completas e austeras; capítulo 2 – ilegalidade e delinquência; capítulo
3 – o carcerário.