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FOUCAULT:

“VIGIAR E PUNIR: NASCIMENTO DA


PRISÃO”
Leonardo de Souza Oliveira
Fernanda dos Santos Chagas
Stephany de Sá Nascimento
Eduardo Rodrigues da Silva

1 INTRODUÇÃO
Michel Foucault (1926-1984) foi um filósofo de nacionalidade francesa
que reuniu as teorias de Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud
para fundar uma das correntes filosóficas mais importantes da idade
contemporânea. Entende-se que as inúmeras obras clássicas do filósofo
estudaram os diferentes modos de subjetivação do ser humano, ou seja,
como o ser humano torna-se sujeito? Segundo Gilles Deleuze (2000), a
problematização do pensamento foucaultiano é constituído por três
raízes: o saber, o poder e a constituição de si.
Na primeira etapa de seu pensamento, o ser-saber, Foucault (1966, 1977,
2012, 2014a) desenvolve uma arqueologia do saber, a relação entre o
sujeito e o conhecimento. O filósofo estava preocupado em pensar como
determinados saberes perderam ou ganharam sentido e como outros
pensamentos construíram novas relações de poder-saber. Os saberes que
surgem em um determinado momento histórico relacionam-se entre e si
e possibilitam uma nova configuração epistêmica (campo discursivo, no
qual os conhecimentos manifestam uma história das condições de
possibilidade). Trata-se de questionar porque determinados discursos
podem ser ditos ou não em uma determinada época. As obras que
constituem a arqueologia do saber são: “História da loucura na idade
clássica”, “O nascimento da clínica”, “As palavras e as coisas” e a
“Arqueologia do Saber”.

Por sua vez, a genealogia do poder, a segunda etapa do pensamento


Por sua vez, a genealogia do poder, a segunda etapa do pensamento
foucaultiano (1999, 2014b, 2014c, 2017a) buscou historicamente a origem
dos saberes/discursos a partir das condições externas e de possibilidade
aos próprios saberes/discursos. A pergunta nesse momento é: como o
poder historicamente produziu o sujeito? É a relação do sujeito com o
poder. Em “Vigiar e punir: nascimento da prisão”, por exemplo, o filósofo
estudou as condições externas e de possibilidades discursivas ao próprio
nascimento da prisão, a relação íntima entre discurso e poder. O filósofo
pretendeu entender o discurso em suas relações íntimas com o poder. A
genealogia do poder é uma interpretação descontínua da história que
Foucault herdou de Friedrich Nietzsche15.As obras que constituem a
genealogia do poder são: “Vigiar e punir: nascimento da prisão”,
“História da sexualidade I: a vontade de saber”, “Microfísica do poder”,
“Em defesa da sociedade” e etc.
Em um terceiro momento, o ser-consigo, a preocupação filosófica
estava ao redor da constituição do sujeito como um indivíduo moral. É o
plano ético foucaultiano que estudou a relação do sujeito consigo mesmo
(2017b, 2017c), quando o autor retomou textos greco-romanos clássicos.
As obras “História da sexualidade II: o uso dos prazeres” e “História da
sexualidade III: o cuidado de si” ganham destaque nesse momento.
A filosofia foucaultiana se propôs a estudar o corpo para compreender
as identidades/almas/subjetividades, em oposição a grande parte das
correntes filosóficas da modernidade, ancorada à filosofia nietzschiana.
As tecnologias de poder sobre os corpos produzem o “eu”
(subjetividades). Dessa forma a presente resenha da obra “Vigiar e punir:
nascimento da prisão” pretende articular o pensamento genealógico
foucaultiano sobre as disciplinas com o corpo no âmbito da Educação
Física.
A quadragésima segunda edição da obra, tradução de Raquel
Ramalhete, possui 302 páginas organizadas em quatro partes. A primeira
parte, suplício, aborda as punições com base na tortura e o surgimento de
um novo tipo de interesse sobre os castigos. Por sua vez a segunda parte,
nomeada punição, esclarece a verdadeira arte do poder de punir. A
disciplina, terceira e maior parte do livro, introduz conceitos importantes
da filosofia foucaultiana. São exatamente os conceitos de corpos dóceis,
adestramento e panoptismo que possibilitam possíveis articulações com a
Educação Física. A última parte aborda a prisão propriamente dita.

2 SUPLÍCIO
O início da obra evidencia o enfoque sobre o corpo que a filosofia
foucaultiana possui. O corpo é o ponto de partida e o palco privilegiado
das punições, tanto no contexto do suplício quanto do sistema punitivo
propriamente dito que se funda entre os séculos XVIII-XIX. Optou-se
por unir os dois primeiros capítulos16 da obra nessa primeira parte da
resenha, pois abordam assuntos parecidos. Por volta de 1757 o corpo dos
condenados sofria torturas físicas (desmembramento de partes do corpo,
esquartejamento, queimavam-se partes do corpo em fogueiras) como
forma de punição realizada em público, no formato de um grande
espetáculo. Tratava-se até então de um suplício que visava marcar
simbolicamente o corpo na carne
Aproximadamente três décadas depois (1787) o “interesse” por esses
tipos de punições foram se modificando, iniciava-se aos poucos um
sistema de casas de detenções com horários rígidos e tempos
determinados (levantar, fazer as refeições, orar, entre outros). Ou seja, vão
se extinguindo as grandiosas festas de punições, suprimem-se os
espetáculos punitivos e o corpo físico enquanto alvo principal das
repressões. A punição, de forma gradativa, foi se tornando uma parte
velada do processo penal até que se chegasse a uma cerimônia penal que
fosse apenas um ato administrativo ou de processo. Aos poucos, Foucault
(2014b) introduz as condições externas e de possibilidade às formas de
punir os corpos no decorrer da obra. Em formato de pergunta, quais
condições externas às próprias punições justificaram o suplício em um
determinado contexto histórico e quais possibilitaram reeducação e
correção dos criminosos?
A punição deixa de ser um espetáculo para assumir uma forma
negativa, já que o homem precisa temer o crime não em função daquelas
cenas públicas, mas pelo fato de ser punido. Desta forma, não fazia mais
sentido torturar o corpo e nem maltratá-lo por qualquer motivo,
características comuns da soberania17. Isso porque o corpo passa a ser
útil para a sociedade, mas cabia discipliná-lo para que este corpo fosse
usado de acordo com interesses e necessidades de cada época/situação.
Foucault (2014b) enfatiza que o sistema penal moderno trazia o corpo
como sendo intermediário e instrumento. Ou seja, era colocado em um
sistema de privação e de coação, de interdições e obrigações. “O castigo
passou de uma arte das sensações insuportáveis para uma economia dos
direitos suspensos” (FOUCUALT, 2014b, p. 16).
Em síntese, pode-se entender que Michel Foucault quer trazer à
reflexão o fato de que o corpo está completamente imerso nos sistemas
punitivos. Estes, com o advento da modernidade, foram colocados em
uma espécie de economia política do corpo. Pois, é sempre deste que se
trata, de sua docilidade, utilidade e de suas forças. Além disso, as relações
de poder e dominação estão inseridas no corpo e este se torna força útil
quando é, simultaneamente, submisso e produtivo. Este novo sistema
penal que foi se solidificando trazia a figura do juiz com um papel bem
diferente do de julgar. Ora, existe uma série de elementos (pequenas
justiças paralelas, peritos, psicólogos, funcionários da administração
penitenciária, educadores, magistrados da aplicação das penas). Logo, o
juiz não julgaria mais sozinho.
Percebe-se então que uma das principais questões desta obra é o corpo
mergulhado em um campo político (relações de poder que o alcançam de
maneira imediata, o marcam, o investem, exigem-lhe sinais, obrigam-no
a cerimônias, o suplicam e o dirigem). O investimento político do corpo
está relacionado com a sua utilização econômica. Sendo assim, existe um
saber do corpo que vai além da ciência de seu funcionamento (processos
fisiológicos e biológicos) e do controle de suas forças. Esse saber e
controle são o que se conhece por tecnologia política do corpo e neste
contexto é que ficam claras as relações de poder e saber.
A partir de uma leitura precisa das obras clássicas foucaultianas
(2014b, 2014c, 2017a) entende-se o que o autor pensa sobre as relações de
poder e saber. Conforme abordado anteriormente na introdução da
resenha, o momento genealógico se debruça sobre como o poder
produz/produziu historicamente os sujeitos. O poder passa a ser
interpretado como algo que se exerce, que gera saber, porém sem que
esteja presente em um determinado ponto específico da estrutura social,
nos moldes de uma Microfísica do poder. A analítica do poder com base
em Foucault (1999) não acredita em um poder propriamente dito, que uns
detém e outro não, mas sim em relações de poder que alcançam todas as
instâncias sociais (hospitais, escola, domicílios, academias de ginástica,
colônias de férias). É o poder atuando no nível dos sujeitos, constituindo-
os e atravessando-os, auxiliado por discursos e práticas, produzindo
inúmeros saberes. As relações de poder produzem saber, ao passo que o
saber produzido se converte em novas relações de poder. O quarto tópico
da presente resenha, a terceira parte do livro, abordará com precisão a
presente temática.

3 PUNIÇÃO

3.1 Punição generalizada


Após falar do suplício na primeira parte do livro, Foucault (2014b) explica
na segunda parte que se fazia necessário que a justiça criminal punisse ao
invés de se vingar. Os teóricos e filósofos do direito (magistrados,
parlamentares, juristas) se envolveram em protestos contra a prática do
suplício. Um castigo sem suplício começou a ser formulado, deveria levar
em consideração a “humanidade” do indivíduo, ainda que este fosse o
pior dos assassinos. Foucault (2014b) esclarece que houve uma passagem
de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude e que
isso faz parte de um complexo mecanismo (valorização jurídica e maior
moral de relações de propriedade, aumento das riquezas,
desenvolvimento da produção, métodos de vigilância mais rigorosos). O
autor explica que a prática penal cotidiana vai se formando em uma
estratégia do poder de castigar.
Punir seria uma arte dos efeitos e a punição teria por objetivo fazer
com que o indivíduo não tivesse vontade de realizar o crime novamente e
nem pudesse ter seu exemplo seguido (imitadores de seus crimes). Nesta
lógica, era preciso punir para impedir (não punir menos, mas punir
melhor, inserir no corpo social de modo mais profundo o poder de punir).
Apesar de a punição ter o corpo ainda como objeto, entende-se que nesse
momento a coerção corporal visa a privação da liberdade e o modo de
subjetivação necessário à modernidade (docilidade e utilidade das forças
produtivas).
De acordo com o historiador Jorge Grespan (2017) a Revolução
Francesa de 178918 e o Iluminismo19 , além de terem transformado o
modo de vida, ajudaram a dar forma ao mundo ocidental contemporâneo,
moldando as instituições e os ideias que passam a ser considerados
universais. Finalmente formula-se uma ideia de cidadania, da
participação geral dos homens na tomada política das decisões e os ideais
modernos dos direitos humanos20 e da igualdade de todos perante a lei.
Os ideais iluministas funcionaram como condições externas e de
possibilidade às práticas punitivas que surgiram em meados do século
XVIII.

3.2 A mitigação das penas


Esse capítulo da segunda parte do livro afirma que a punição ideal seria
aquela transparente ao crime que sanciona. Pois, desta maneira, para o
sujeito que “sonhe” com o crime a ideia do delito já despertaria sinal
punitivo. Assim, percebe-se que a arte de punir deve repousar sobre toda
uma tecnologia da representação. Nesta lógica, deve-se encontrar para
um determinado crime um castigo “mais adequado”, por que desse modo
também se encontrará a desvantagem de praticar tal infração. Fica
evidente nesse momento que os discursos e as práticas sobre a punição,
nos moldes de relações de poder, produzem os sujeitos de uma época.
O castigo deve ser utilizado como algo que “estimule e irrite” o
criminoso. Mas, não lhe impondo torturas físicas e, sim, privando o
indivíduo de sua liberdade e o obrigando a trabalhar dentro do sistema
penal. O objetivo da pena deveria ser, também, o de reeducar e reensinar
o infrator e, neste caso, o tempo serviria como um operador da pena.
Além disso, os castigos deveriam ser vistos como uma retribuição que o
culpado faz a cada um dos cidadãos lesados em decorrência do seu crime
(FOUCAULT, 2014b).
Percebe-se então uma reformulação da lei, esta toma seu lugar ao lado
do crime que a violou. E a sociedade recupera suas leis, mas perde o
cidadão que cometeu o crime por que esse indivíduo é isolado e separado
do convívio nesta. Ressalta-se ainda que os discursos têm papel
fundamental neste contexto, pois ele é considerado o veículo da lei.
Começa-se então a entender que existe uma espécie de cidade punitiva
(funcionamento do poder está repartido em todo espaço social, presente
em toda parte como espetáculo, cena, discurso, sinal, legível como um
livro aberto; em cada local: jardins, oficinas, beiras de estradas, entre
outros) e de instituições coercitivas (funcionamento compacto do poder;
enquadramento dos gestos e das condutas dos corpos, uma ocupação
meticulosa deste, adestramento e treinamento do mesmo), consolidando-
se aos poucos.
Segundo o filósofo (2014b) a prisão por si só não é capaz de cobrir todo
o campo da pena, pois acaba sendo incompatível com a técnica da pena-
função geral, da pena-representação, da pena-efeito. Ela é desprovida do
efeito sobre o público como um todo, pois assegura apenas a detenção de
um sujeito dentro do sistema e não a garantia da punição. Entretanto, a
detenção foi se tornando uma das formas mais gerais de “castigos legais”,
por que realizava de certa maneira uma pedagogia universal do trabalho
para os considerados refratários. Tal pedagogia seria muito útil no
processo de reconstituir no sujeito “preguiçoso” o gosto pelo trabalho
(Homoeconomicus). Entende-se essa pedagogia universal do trabalho como
um discurso/prática disciplinar que visa construir subjetivamente no
sujeito a ideia de um homem trabalhador.
No fim do capítulo, Foucault (2014b) afirma que o que se engaja no
aparecimento da prisão é exatamente a institucionalização do poder de
punir e ele traz uma questão interessante: este poder de punir seria mais
bem realizado se investido em instituições coercitivas (reformatório, por
exemplo) ou se escondido sob uma função social geral (cidade punitiva,
por exemplo)?
O próprio autor responde a este questionamento que existem três
maneiras de se organizar o poder de punir. A primeira faz referência ao
velho funcionamento monárquico, a segunda advém dos juristas
reformadores e a terceira é a carcerária. E estas três seriam as tecnologias
do poder de punir (modalidades com as quais se exerce este poder). E que
se impôs de maneira mais veemente foi essa última, trazendo as questões
de coercitividade corporal (treinamento sobre o corpo e sobre os
comportamentos, entre outros).

4 DISCIPLINA

4.1 Os corpos dóceis


Essa é uma das temáticas mais utilizadas e aplicadas em estudos da área
da educação. Trata do nascimento de uma nova tecnologia de poder, a
disciplina. O corpo passa a ser visto como alvo dos mecanismos deste
poder disciplinar. Ou seja, é visto enquanto uma fonte inesgotável de
poder, enquanto máquina, sistema e disciplina porque ao mesmo tempo
em que é dócil e frágil, é exatamente isso que o torna passível de
manipulação e adestramento. Sendo assim, para o autor, “é dócil um
corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser
transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2014b, p. 134).
Foucault (2014b) observou que, no século XVIII, houve um grande
interesse nesses esquemas de “docilidade” e que havia uma diversidade
“inovadora” nessas técnicas. Passou-se a dar ênfase ao cuidado com o
corpo de maneira detalhada, tendo grande importância à eficácia dos
movimentos, sua organização interna, sua economia, além de seu espaço
e tempo. Esses métodos que permitem um controle minucioso das
operações corporais também impõem ao mesmo uma relação de
docilidade-utilidade. A genealogia permitiu evidenciar a fabricação de
corpos obedientes (dóceis) e fortes (úteis) que atendessem à manutenção e
ao funcionamento da sociedade capitalista e industrial emergente nesse
século.
O poder disciplinar é constituído por uma manipulação calculada dos
elementos do corpo, dos seus gestos e comportamentos. As técnicas
sempre são minuciosas e sutis, como por exemplo, a distribuição dos
indivíduos no espaço. São espaços projetados para a fixação, mas
permitem a circulação; são complexos, mas ao mesmo tempo funcionais
como: celas, fileiras, leitos, carteiras escolares com lugares fixos. Sobre
esta organização é admitido um valor de caracterização, estimativa e
hierarquia. Desta forma cada um tem o seu lugar, seu limite e estão
sempre sob supervisão de alguém para que a submissão e obediência
sejam garantidas. Toda a organização tem o objetivo de manter o
equilíbrio e a ordem.
Quando olhamos para a Educação Física e lembramos das fortes
heranças do ambiente militar e do higienismo percebemos a grande
presença dessas técnicas. A própria organização do espaço em filas para
fazer exercícios durante as aulas de Educação Física, ou para o
deslocamento de alunos dentro da escola são exemplos disso. Segundo
Ghiraldelli (2007), a prática cotidiana da Educação Física relaciona-se
com a concepção hegemônica sobre a profissão e com a forma que os
professores incorporam determinadas tendências.
Segundo Foucault (2014b), no século XVIII a ordenação por fileiras
passou a definir a forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar.
Havia filas de alunos nos pátios, nos corredores e nas salas de aula.
Dependendo do comportamento, do desempenho e da idade, cada aluno
poderia estar inserido ora numa fila, ora em outra. Isso permitia um
deslocamento constante numa série de lugares, de cada fileira, ao mesmo
tempo em que marcava uma hierarquia da capacidade, do saber e dos
méritos. Foucault (2014b) analisou três grandes mecanismos responsáveis
pelo bom funcionamento estrutural pertencente à sociedade disciplinar.
São eles: o controle da atividade, a organização das gêneses e a
composição das forças. É interessante pensar que até hoje esses
mecanismos são utilizados principalmente porque auxiliam na
manutenção da ordem.
O controle das atividades traz consigo características fundamentais. O
horário torna-se fundamental no interior de instituições militares e
escolares, aonde era extremamente necessário que se constituísse um
tempo totalmente útil, um controle ininterrupto sobre as atividades
desempenhadas, um aniquilamento das distrações. O corpo receberá
penetração do tempo e de todos os controles minuciosos do poder (a
elaboração temporal do ato). A correlação entre o corpo e o gesto traz a
compreensão de que o controle disciplinar exigirá do corpo uma ótima
relação entre o gesto e atividade global. Na articulação corpo-objeto há
uma introdução do poder de maneira a interligar o objeto manipulado e o
corpo, construindo-se assim um complexo corpo-máquina/corpo-
instrumento. Por fim, a utilização exaustiva do corpo nos faz compreender
a disciplina como organizadora de uma economia positiva. Importa-se
extrair do tempo mais instantes disponíveis, mais forças úteis, ou seja, o
máximo de rapidez deve encontrar o máximo de eficiência (FOUCAULT,
2014b).
Encontra-se nos dias de hoje esses mecanismos até mesmo nos locais
voltados para o lazer que deveriam ser exatamente uma fuga das pressões
exigidas pelas instituições formais como escola, igreja, trabalho e outras.
As Colônias de Férias para escolares são eventos muito difundidos no
Brasil e possuem uma participação importante de Professores de
Educação Física. Isso acontece devido as atividades predominantes
nesses locais, que são jogos, gincanas, esportes, atividades recreativas e
rítmicas, entre outras. Geralmente a finalidade é oportunizar o
preenchimento do período de férias com atividades físicas orientadas,
estimulando o gosto pelas mesmas.
Apesar de serem espaços informais de educação, possuem também
como objetivo a promoção do lazer. Para Nascimento et al. (2017), o fato
de um grupo de profissionais especializados construir previamente o
roteiro de atividades e um cronograma a ser executado pelos
participantes faz com que um conjunto de obrigações seja imposto. Uma
ordem de movimentos deve ser executada de acordo com a prescrição,
duração, amplitude, direção e outros elementos predeterminados. O
controle de atividades acontece a partir de várias formas: o horário de
chegada, de início, de intervalo, de retorno, de cessar e de partida. O
controle do horário em que cada atividade deve ser desempenhada é uma
característica do poder disciplinar.
Ou seja, as Colônias de Férias são como todas as outras instituições
disciplinares, na medida em que se assemelham ao ambiente de trabalho,
seu rigor e a excessiva imposição de ordens aos quais seus membros são
submetidos (MELO; ALVES JUNIOR, 2012). A maioria das instituições
envolvidas com o lazer possui características semelhantes à rigidez
instaurada nos ambientes de trabalho. No entanto, mais uma vez
afirmamos e concordamos com Silva (2008) que é necessário que se
repense esses espaços de maneira crítica e criativa.
Goffman (1974) ao falar das instituições totais afirma que elas são
caracterizadas por serem estabelecimentos fechados que funcionam em
regime de internação, este tipo de instituição como um local de
residência, trabalho, lazer, ou qualquer outro tipo de local para uma
atividade específica. Para o autor as colônias são instituições totais
dedicadas a realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho,
assim como os quartéis, navios, campos de trabalho e escolas internas.
Segundo Foucault (2014b), a colocação em séries das atividades
permitiu um investimento da duração pelo poder, possibilitou um
controle detalhado e uma intervenção pontual a cada instante. Logo, os
indivíduos eram utilizados de acordo com o nível obtido em cada série
percorrida. Sendo assim, o poder se articularia diretamente sobre o
tempo de maneira a realizar um minucioso controle e garantindo a
utilização do mesmo.

4.2 Os recursos para o bom adestramento


Nesse capítulo Foucault (2014b) se preocupa em dissertar sobre a
principal função do poder disciplinar: o adestramento dos corpos. O
adestramento tenta multiplicar as forças com a intenção de utilizá-las
num todo, a partir de três recursos fundamentais para o perfeito
fundamento da disciplina: a vigilância hierárquica (onde todos estão
sendo observados o tempo inteiro), a sanção normalizadora (qualquer
ação que se desvie é passível de punição/correção) e o exame (destaca a
individualidade e a diferença entre os indivíduos). A disciplina cria
aqueles que não possuem as características requeridas, ela investe nas
individualidades e realiza um fichário de singularidades.
O filósofo (FOUCAULT, 2014b) inicia a questão da vigilância
hierárquica a partir do exemplo sobre os acampamentos militares da
época clássica (XVI-XVIII). Nesse contexto o poder exercia-se a partir de
uma visibilidade geral, onde havia técnicas de vigilância múltiplas
permitindo os olhares que devem ver sem ser vistos. As arquiteturas
circulares, utilizadas pelas instituições disciplinares (escolas, hospitais e
acampamentos militares), surgem posteriormente para realizar uma
microscopia do comportamento humano com objetivo de alcançar um
poder contínuo e uniforme. Entretanto o formato piramidal (grandes
oficinas e fábricas) passou a atender de maneira mais eficaz ao olhar
disciplinar, pois especificar a vigilância tornou-se fundamental no
contexto da produtividade.
Segundo Foucault (2014b), em síntese, pode-se afirmar que a vigilância
hierárquica é a responsável por fazer com que o poder disciplinar se torne
um sistema combinado. Podendo ser bem discreto (funciona em silêncio
e de modo permanente) e indiscreto (estando sempre alerta em toda
parte), ao mesmo tempo. Ou seja, “a vigilância se torna um operador
econômico decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça
interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder
disciplinar”.
A sanção normalizadora ressalta a característica que o poder
disciplinar possui de tornar penalizáveis as frações mais tênues da
conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar. O autor afirma que a disciplina é
capaz de trazer consigo maneiras específicas de punir. O castigo
disciplinar teria como principal finalidade reduzir os desvios,
principalmente por punições oriundas dos exercícios (intensificando,
multiplicando e repetindo o aprendizado). Trata-se de um sistema
disciplinar que opera no processo de treinamento e de correção, pois não
visa nem a repressão e nem a expiação. O que acontece são operações que
visam relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares
a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de
diferenciação e princípio de uma regra a seguir.
Por fim, o exame, que segundo o filósofo é responsável por combinar
as técnicas de hierarquia que vigia e a da sanção que normaliza os
desvios. Ou seja, é um controle normalizante e estabelece sobre os
indivíduos uma visibilidade que permite diferenciar e sancionar. É nesse
momento que as relações de poder-saber aparecem de maneira
propriamente dita: “o exame supõe um mecanismo que liga certo tipo de
formação de saber a certa forma de exercício do poder” (FOUCAULT,
2014b, p. 183).
Os mecanismos pelos quais o exame atua, visibilidade, individualidade
e técnicas documentárias, constituem o sujeito como efeito e objeto de
poder e saber. O primeiro mecanismo inverte a economia da visibilidade
para que o poder disciplinar se exerça de maneira invisível, porém
submetendo os “súditos” uma visibilidade obrigatória. O segundo
mecanismo traz consigo um sistema de registro intenso capaz de fornecer
informações a respeito de hábitos, tempo, lugar e progressos nos
diferentes estabelecimentos disciplinares. O terceiro mecanismo faz de
cada sujeito um caso, da forma na qual pode ser mensurado, medido,
descrito e comparado aos outros. Os mecanismos fazem da descrição da
individualidade um meio de controle e de dominação, pois a transcrição
das existências reais funciona como processo de objetivação e de sujeição
(FOUCAULT, 2014b).
Olhando especificamente para a Educação Física escolar encontra-se
muitos desses mecanismos porque a área como um todo teve sua origem
baseada nas características dos militares e dos médicos (DE OLIVEIRA;
VOTRE, 2006; LEVANDOSKI, 2010; MELIM; PEREIRA, 2013). Logo, não
é à toa que sempre solicitamos que nossos alunos fiquem organizados em
filas como já citado anteriormente. Também há um incomodo por grande
parte dos professores quando sua autoridade perante as crianças é ferida
ou quando o ambiente de sua aula deixa de ser organizado e controlado.
Percebemos então, respectivamente, a organização do espaço como
maneira de promover o exame e da vigilância permanente presentes na
Educação Física escolar.
Facilmente podemos discutir outro mecanismo do poder disciplinar
comum na área: a sanção normalizadora. O movimento corporal sempre
funcionou como uma moeda de troca graças a atitudes disciplinares
perpetuadas até hoje. A autora compara as punições que envolvem a
Educação Física escolar com as famosas e cruéis “palmatórias”.
“Professores lançam mão da inatividade física como punição e da
liberdade de movimento como prêmio” (STRAZZACAPPA, 2001, p.70).
Para isso, os alunos considerados indisciplinados são privados do recreio
e das aulas de Educação Física, enquanto aqueles com bom
comportamento são liberados mais cedo para o pátio.
A suspensão da Educação Física na percepção de alunos que foram
privados das aulas por indisciplina demonstrou a ineficácia desta
estratégia. Segundo De Paula, Paixão e Oliveira (2015), ainda que impedir
o aluno de participar da Educação Física resultasse na mudança de
qualquer fato, ele estaria sendo privado de um direito. Rodrigues (2015,
p.21) explica que atualmente encontramos outra forma de punição, que
preserva o corpo do condenado, culpado ou do indisciplinado, mas que
em troca atua através de um ostensivo controle sobre sua vontade, sobre o
uso de seu próprio corpo.
Para a reflexão de qualquer professor vale a consideração das
afirmações de Cruz e De Freitas (2015). Eles explicam que o atual modelo
pedagógico busca tornar todos igualmente submetidos às regras,
vigiando-os constantemente. As punições não visam disseminar os
infratores, mas diferenciá-los resultando na separação em grupos
distintos, fechados e restritos de indivíduos. Este sistema punitivo tem o
objetivo de punir para ensinar, aquilo o que foge à regra (o desviante)
deve ser punido para que se aprenda a fazer o correto.
A sociedade disciplinar tem a finalidade de evitar o sujeito do tipo
criminoso ou improdutivo, pois estes são os sujeitos que danificam a
sociedade. Este modelo visa formar pessoas para atender a produção e
apesar de o tempo passar, e as coisas evoluírem em determinadas
instâncias, poucas coisas mudam mantendo-se o eixo principal deste
sistema. Vários modelos pedagógicos surgem, mas os alunos continuam
sendo passivos e receptores e não formulam nem participam destas
práticas (CRUZ; DE FREITAS, 2015; RODRIGUES, 2015).
Para Ferreira (2015) atualmente o ensino caminha por um processo de
vigilância que delimita condutas resultando na padronização, o que
geram indivíduos com uma incapacidade de romper com estratégias de
poder. Neste sentido os campos da educação esperam alunos dedicados
em seus estudos, mas também apáticos, controlados e domesticados. No
mesmo contexto Carvalho e Roseiro (2015) afirmam que a pedagogia e a
educação se incumbem de gerir a vida e determinar um formato de vida
esperado.

4.3 O panóptico
O presente capítulo da obra foucaultiana expõe um importante
dispositivo da tecnologia disciplinar de poder: trata-se no panóptico.

[...] Na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre: esta é vazada de largas
janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida
em celas, cada uma atravessando toda espessura da construção; elas têm duas janelas,
uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior
permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre
central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou
um escolar. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se sobre a
claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos
pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e
constantemente visível [...] (FOUCAULT, 2014b, p. 194).

O objetivo primordial do panóptico era induzir no detento um estado


consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento
automático do poder. O detento ficava diante de um poder visível (torre
central de onde era espionado) e inverificável (não era possível saber se
realmente estava sendo vigiado). Dentro desse contexto, compreende-se
que “o panóptico é uma máquina de dissociar o par ver – ser visto: no anel
periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver, na torre central, vê-se
tudo, sem nunca ser visto” (FOUCAULT, 2014b, p. 195).
A relação entre o comportamento dos sujeitos e a tecnologia de poder
disciplinar acabava de alcançar patamares elevados. Trata-se de uma
sujeição que se consolida sem o uso recorrente da força, pois a possível
sensação de vigia é capaz de obrigar o condenado ao bom
comportamento, o escolar à aplicação, o doente à observação das receitas
e o operário ao trabalho. Constata-se então que tal dispositivo é
polivalente, uma vez que serve tanto para cuidar dos doentes quanto para
instruir os escolares, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os ociosos,
emendar os prisioneiros e guardar os loucos (FOUCAULT, 2014b).
Entende-se que o presente dispositivo disciplinar de poder produz
saberes interessantes sobre os sujeitos entregues à vigia inverificável. O
comportamento dos indivíduos a partir do esquema panóptico não deixa
de ser um saber produzido pela relação até então proposta. Ou seja, “cada
vez que se tratar de uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor
uma tarefa ou um comportamento, o esquema panóptico poderá ser
utilizado” (FOUCAULT, 2014b, p. 199).
O estudo de Pereira (2006) se propôs a estudar o ginásio, lugar de
excelência para a prática da ginástica de academia, como um local que se
pode comparar ao panóptico. De acordo com a autora, os
comportamentos, as atitudes e os hábitos dos alunos e profissionais não
escapam à vigilância, que por sua fez produz um constante autocontrole.
Obviamente não se trata de uma vigilância nos moldes do panóptico, mas
sim de uma exercida pelas inúmeras câmeras que cercam o espaço, pelos
profissionais sobre os alunos, pelos alunos sobre os alunos e pelos alunos
sobre os profissionais. Além do mais a autora argumenta que alguns
objetos, como o espelho, as máquinas de musculação e as fichas
individuais de treino, por exemplo, possibilitam efetivamente controle
disciplinar, técnico e minucioso sobre as práticas corporais.
As considerações finais do estudo evidenciaram que o ginásio pode ser
entendido como um estatuto panóptico, por conta dos fatores estruturais
que o consolida. A recepção, lugar privilegiado que controla todas as
outras estruturas por conta das câmeras, pode ser comparada à torre
central da estrutura panóptica, O bar, lugar de conversa, práticas
alimentícias e transição para outras estruturas do ginásio, reforça a ideia
do controle dos sujeitos sobre os sujeitos, principalmente pelo discurso.
Por fim, as salas de ginástica e musculação possibilitam, por meio do
espelho, aparelhos de ginástica/musculação e fichas de treino, uma
avaliação constante da performance e comportamentos (PEREIRA, 2006).
Vale ressaltar que as contribuições expostas por Pereira (2006)
permitem o entendimento de alguns conceitos que já foram discutidos
anteriormente, principalmente a partir da temática das colônias de férias.
A ginástica de academia é um método que de certa forma possibilita
controles minuciosos das operações dos corpos, através de imposições
que visam a relação docilidade-utilidade. O comportamento dos alunos
envolvidos com a ginástica se ajusta perante as práticas de vigilância, o
treinamento (adestramento), o exame (fichas individuais de treino) e
também pelo discurso. Assim como na sociedade disciplinar do XVIII,
nos dias de hoje o discurso continua sendo um ótimo veículo para o
adestramento, docilidade e imposições sobre os corpos.

5 PRISÃO
O último capítulo da obra aborda a prisão, uma peça fundamental no
conjunto de punições porque marca um momento importante na história
da justiça penal: seu acesso à “humanidade”. Optou-se por unir os três
capítulos21 em um tópico. É nesse momento da obra que a prisão é
anunciada como o inconveniente necessário, pois de certa forma não se
criou uma alternativa substituível. Entretanto a ação dela sobre os
sujeitos deve ser ininterrupta a partir de uma disciplina incessante, no
formato de uma instituição completa e austera: engloba aspectos da aptidão
do sujeito para o trabalho, o treinamento físico e os comportamentos
morais (FOUCAULT, 2014b).
Se inicialmente a prisão foi pensada como dispositivo disciplinar para
modificar os sujeitos, com o passar dos tempos foi denunciada como um
grande fracasso da justiça penal. As taxas de criminalidade se
multiplicaram e a quantidade criminosos aumentou: a detenção provocou
a reincidência de crimes e a fabricação de delinquentes. O fracasso não
deve ser entendido como algo ingênuo, pois na realidade o que estava
sendo executado era uma espécie de diferenciação das ilegalidades. “A
delinquência, solidificada por um sistema centrado sobre a prisão,
representa um desvio de ilegalidade para os circuitos de lucro e de poder
ilícitos da classe dominante” (FOUCAULT, 2014b, p. 275).
No último capítulo do livro, o carcerário, Foucault (2014b) argumenta
que a rede carcerária (sistema de vigilância, observação, distribuição e
inserção), apesar das falhas e fracasso, fez parte da base para o poder
normalizador, sendo um aparelho de punição condizente com a nova
economia do poder. Além de atender ao sistema disciplinar de fabricação
dos sujeitos, faz parte do sistema e é o sistema em sua forma mais clara
(na prisão as relações de saber-poder não se mascaravam como em outras
instituições disciplinares).
Um dos capítulos da obra “Microfísica do Poder”, O nascimento do
hospital, traz para o campo da reflexão uma nítida proximidade entre a
prisão e o hospital. Foucault (2013c) ressalta que a tecnologia de poder
disciplinar foi a responsável também pela reorganização do hospital. Vale
destacar que a disciplina é antes de tudo a inserção de corpos em um
espaço individualizado, classificatório e combinatório. Assim como nas
prisões, a vigilância perpétua e constantes dos doentes justificou-se a
partir do momento que o hospital passou a ser concebido como
instrumento de cura e distribuição do espaço.

Pela disciplinarização do espaço médico, pelo fato de se poder isolar cada indivíduo,
colocá-lo em um leito, prescrever-lhe um regime etc., pretende-se chegar a uma
medicina individualizante. Efetivamente, é o indivíduo que será observado, seguido,
conhecido e curado. O indivíduo emerge do saber e da prática médicos. Mas, ao
mesmo tempo, pelo mesmo sistema do espaço hospitalar disciplinado se pode
observar grande quantidade de indivíduos. Os registros obtidos cotidianamente,
quando confrontados entre os hospitais e nas diversas regiões, permitem constatar os
fenômenos patológicos comuns a toda população (FOUCAULT, 2014c, p. 188-189).

PARÁGRAFOS CONCLUSIVOS
É provável que os professores, ao lerem a obra Vigiar e Punir, sintam-se
um pouco culpados em relação a educação extremamente disciplinar na
qual os alunos são expostos todos os dias. No entanto, é importante
ressaltar que essa condição se instala no cotidiano como forma de
subjetividade. Está nos livros, baseando nossa teoria, nos meios de
comunicação, nas Instituições, no meio social. A sociedade atual,
contemporânea ou pós-moderna, distancia-se da disciplinar dos séculos
XVII-XVIII, como bem afirma Deleuze (2000), entretanto a presente
resenha mostrou que inúmeras características ainda se fazem presentes.
Outro ponto que merece destaque é a concepção de poder com base
em Michel Foucault. O filósofo nega a concepção de um poder
verticalizado, que atua de cima para baixo, que produz apenas
dominação. O poder também é produtivo, não deve ser entendido apenas
como uma força repressiva que diz não, pois de fato produz discursos e
forma saberes. Trata-se de uma grande rede que atravessa todo o corpo
social, pois toda relação social é atravessada por relações de poder
(FOUCAULT, 2014c).
Utilizamos neste capítulo como exemplo o poder disciplinar
relacionado às Colônias de Férias devido a um projeto maior realizado
por este grupo, projeto este que buscou discutir as relações de poder
nestes eventos. No entanto, é importante considerar que muitas
características presentes no ambiente escolar também são reproduzidas
nas Colônias de Férias o que nos faz inferir que as pontuações aqui
utilizadas e concluídas também podem ser utilizadas quando abordamos
assuntos específicos da Educação Física Escolar.
Faz-se pertinente mencionar a relação existente entre o poder
disciplinar e a saúde e as “modificações” que foram ocorrendo nos
mecanismos de poder. Ora, em um contexto de capitalismo emergente e
do surgimento de sociedades industriais, priorizavam-se formas de poder
capazes de atender ao funcionamento do sistema que se consolidava.
Logo, passou-se a dar ênfase ao cuidado com o corpo de maneira
detalhada, tendo grande importância à eficácia dos movimentos, sua
organização interna, sua economia, além de seu espaço e tempo. Esses
métodos que permitem um controle minucioso das operações corporais
também impõem ao mesmo uma relação de docilidade-utilidade.
Portanto, são chamados de disciplinas.
Cabe a categoria de educadores que tiverem acesso a este livro,
reconhecer que os alunos precisam escolher e criar mais suas próprias
formas educação, seu próprio desenvolvimento através da participação
ativa desse processo. É importante pensar em uma maneira mais
democrática na construção das aulas, dos planos de curso e na escolha
dos conteúdos mesmo considerando as impossibilidades e interferências
que se encontram na prática e na sociedade. Ou seja, com as diversas
formas de controle que nos rondam é necessário que, dentro do possível,
consigamos implantar características reais das práticas corporais no
conteúdo das aulas, sejam elas na escola, na academia, na colônia de
Férias, e em qualquer outro âmbito.
Rever estes espaços/ambientes deve ser considerado para que haja o
entendimento de que a educação é um direito e algo necessário à vida.
Momentos mais livres para escolhas de atividades, resolução de conflitos,
atividades competitivas, entre outros, devem fazer parte de qualquer
ambiente educativo sem que sejam considerados irrelevantes ou motivos
de preocupação para os profissionais envolvidos.
Afinal, com um quadro de submissão, punição e vigilância não é
possível formar um indivíduo crítico, pois ele nunca é o formulador das
questões e sim aquele que apenas recebe ordens e tarefas (CRUZ; DE
FREITAS, 2015). Vale ressaltar que o último estágio do pensamento
foucaultiano (2017b, 2017c) retomou textos clássicos da Grécia antiga (IV
a.c) e do período Helênico-Romano (I e II d.c) para traçar as práticas de
liberdade perante os mecanismos de dominação e os padrões de
comportamento. Esse plano ético percebe que há pontos no diagrama das
relações de poder que possibilitam técnicas de resistência: é impossível
se livrar das relações de poder, porém o sujeito pode ser ponto de contra-
força aos processos normalizadores e de docilização.

REFERÊNCIAS
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n. 53, p. 69-83, 2001.

15. Segundo Machado (2002), a genealogia da verdade em Nietzsche só pode ser realizada no
âmbito de uma genealogia da moral. Uma análise histórico-filosófica dos valores em que a moral
foi avaliada a partir de um ponto de vista “extramoral”, capaz de atingir as bases morais do projeto
epistemológico.
16. Capítulo 1 – o corpo dos condenados; capítulo 2 – a ostentação dos suplícios.
17. O poder de soberania pode ser entendido como o poder centrado na figura do rei, que atua de
maneira verticalizada, principalmente nos antigos regimes absolutistas. Era o poder que fazia
morrer e deixava viver (FOUCAULT, 1999).
18. Ver GRESPAN, J. Revolução Francesa e Iluminismo: a crítica radical do “Espírito das luzes”,
críticos, céticos e românticos, uma nova ordem social. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2017.
19. Apesar do debate suscitar variadas definições, diz respeito ao século das luzes, do
esclarecimento. Vale ressaltar que não foi uma escola intelectual única, mas um
movimento/corrente de ideias que repudiavam qualquer sistema rígido e acabado de pensamento
(GRESPAN, 2017).
20. A igualdade (L’ Égalite) exibe a Declaração dos Direitos do Homem, documento lançado em
1789 sob influência dos ideais iluministas e um dos principais símbolos da Revolução Francesa: a
superação da concepção tradicional de que os indivíduos nascem distintos por natureza
(GRESPAN, 2017).
21. Capítulo 1 – instituições completas e austeras; capítulo 2 – ilegalidade e delinquência; capítulo
3 – o carcerário.

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