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Saberes docentes e a docência

na sociedade contemporânea:
olhares discentes

Teaching knowledge and teaching in contemporary


society: the students’ looks

Paulo Fossatti
Professor do Curso Mestrado em Educação do Centro
Universitário La Salle de Canoas/RS - UNILASALLE.
irpaulo@unilasalle.edu.br

Dirléia Fanfa Sarmento


Professora do Curso Mestrado em Educação do Centro
Universitário La Salle de Canoas/ RS - UNILASALLE.
fanfa@unilasalle.edu.br

Henrique Guths
Professor, Pesquisador e Coordenador do Curso de
Graduação em Fisioterapia do Centro Universitário La Salle
de Canoas/RS - UNILASALLE.
hguths@unilasalle.edu.br

Resumo A discussão sobre os saberes docentes tem como centralidade a ideia de que o pro-
fessor, em sua prática pedagógica, articula-os em diversos tipos. Com base no que discutem
Pimenta, Tardif, Lessard e Lahaye, o artigo analisa os saberes docentes, considerados ne-
cessários para o exercício da docência, a partir das concepções de alunos do ensino médio
de três escolas (duas situadas no Brasil e uma em Moçambique). Os dados foram coletados
por meio de questionário, oficinas e diário de campo. Os saberes que os alunos possuem,
relativos ao ser professor, são fundamentais para se refletir e planejar seu processo de for-
mação, pois, das três turmas, duas estão direcionadas para a formação de futuros docentes.
O processo formativo constitui-se numa relação dialógica entre os diversos atores que nele
atuam e em seus contextos sócio-histórico, cultural e econômico. Os achados do estudo
indicam que, além dos saberes já analisados por Pimenta, Tardif, Lessard e Lahaye, foram
identificados dois outros tipos de saberes, ora denominados saberes de humanização e sa-
beres criativos. A identificação de tais saberes contribui para o avanço da discussão nessa
área, conferindo importância ao estudo realizado.
Palavras-chave saberes docentes, práticas pedagógicas, formação de professores.

Comunicações • Piracicaba • Ano 19 • n. 1 • p. 71-85 • jan.-jun. 2012 • ISSN Impresso 0104-8481 • ISSN Eletrônico 2238-121X 71
Abstract On discussing the teaching knowledge, the central idea is that teachers articulate
different types of knowledge in their pedagogical practice. Based on discussions by Pi-
menta, Tardif, Lessard and Lahaye, this paper analyzes the teaching knowledge considered
necessary for the teacher’s practice based on the conceptions of high school students from
three schools (two of them from Brazil and one from Mozambique). Data were collected
through questionnaire, workshops and field journal. The students’ knowledge of the teach-
ing profession is basic to reflect and plan their training process, because two of these three
classes are directed towards the training of future teachers. The training process is a dialogi-
cal relationship between the several actors and their socio-historical, cultural and economic
context. The study’s findings indicate that, in addition to the knowledge already analyzed
by Pimenta, Tardif, Lessard and Lahaye, there are two other types of knowledge: creative
knowledge and humanization knowledge. The identification of such teaching knowledge
contributes to enhance discussions in this area and gives importance to this study.
Keywords teaching knowledge, pedagogical practices, teacher training.

Introdução

A discussão sobre os saberes docentes tem se acentuado nas últimas décadas, tendo
como centralidade a ideia de que o professor, em sua prática pedagógica, articula e mobiliza
diversos tipos de saberes, que constituem foco de estudo de Pimenta, (2002, 2011), Tardif,
Lessard e Lahaye (1991), cujos pressupostos fundamentam as reflexões ora apresentadas.
Tardif salienta que, no exercício da docência, os saberes dos professores

são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas coti-
dianas […] o que se propõe a partir desse postulado é considerar os professores
como sujeitos que possuem, utilizam e produzem saberes específicos ao seu
ofício, ao seu trabalho”. (2002, p. 113).

A perspectiva de mobilização de saberes remete à ideia de que estes são (re) constru-
ídos continuamente e se apresentam de forma integrada. Para o autor, os saberes docentes
podem ser categorizados em: a) saberes da formação profissional, constituídos na forma-
ção inicial do professor nas instituições que têm por finalidade a formação docente; b) sa-
beres disciplinares, “que correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes
de que dispõe a nossa sociedade tais como se encontram hoje integrados à universidade sob
formas de disciplinas” (TARDIF, 2010, p. 38); c) saberes curriculares, referentes aos “dis-
cursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza
e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados” (idem); e d) saberes expe-
rienciais ou práticos, decorrentes das aprendizagens oriundas das experiências vivenciadas
pelo professor no percurso de suas práticas pedagógicas cotidianas.
No estudo realizado por Pimenta (2002) com seus alunos, provenientes de diversos
cursos de licenciatura, a autora identifica três tipos de saberes: a) da experiência, construí-

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dos pelo professor a partir de sua própria trajetória como aluno, em seu processo formativo,
assim como aqueles que “os professores produzem em seu cotidiano docente, num proces-
so permanente de reflexão sobre sua prática, mediatizada pela de outrem” (ibid., p. 20); b)
do conhecimento, que dizem respeito aos conhecimentos específicos de uma determinada
área com a qual o professor irá atuar (por exemplo, conhecimentos específicos de mate-
mática); e c) pedagógicos, que se referem ao “saber ensinar”, a didática. Assim, conforme
Pimenta, “há um reconhecimento de que para saber ensinar não basta a experiência e os
conhecimentos específicos, mas se fazem necessários os saberes pedagógicos e didáticos”
(ibid., p. 25). Para a autora, os saberes docentes são oriundos das próprias experiências dos
professores em suas trajetórias como alunos, dos processos de formação (inicial e continu-
ada) e de suas práticas cotidianas (cf. PIMENTA, 2002).
A reflexão sobre as tipologias apresentadas pelos autores supracitados viabiliza o es-
tabelecimento de algumas aproximações entre eles. Ou seja, aquilo que Pimenta (2002)
chama de “saberes da experiência”, os preconizados por Tardif (2010) como “saberes da
formação profissional” e os “saberes experienciais ou práticos” guardam similaridades in-
terpretativas entre si. Igualmente, é possível estabelecer a mesma relação entre os “sabe-
res disciplinares” e os “saberes curriculares”, apresentados por Tardif, e os “saberes do
conhecimento”, propostos por Pimenta. Parece que, mais importante do que a discussão
sobre a tipologia adotada por cada um desses autores, é constatar que ambos identificaram
tais saberes em estudos, populações e contextos socioculturais diferenciados, o que pode
ser um referencial de confirmação de seus pressupostos. Corroborando tal convicção, os
achados do estudo que serão apresentados em outra seção também possibilitam identificar
alguns desses saberes.
Com base em tal pressuposto, o artigo discute os saberes docentes considerados ne-
cessários para o exercício da docência, tendo como referência as concepções de alunos do
ensino médio de três escolas de educação básica. A escuta dos alunos fundamenta-se no
fato de que eles possuem saberes relativos ao ser professor, que foram sendo construídos
no decorrer de suas experiências como discentes. Tais saberes, denominados por Pimenta
(2011) saberes da experiência, são fundamentais para refletir e planejar o processo de for-
mação desses alunos, pois, das três turmas participantes do estudo, duas estão direcionadas
à formação de futuros docentes. Eles refletem aquilo que os alunos pensam sobre o ser
professor, o que, de certa forma, poderá influenciar suas futuras práticas pedagógicas. A
partir do pressuposto de que o processo formativo constitui uma relação dialógica entre os
diversos atores que nele atuam, a escuta do outro, seja ele professor ou aluno, pode ser um
dos diferenciais para a problematização dos saberes no processo de constituição docente.
A identificação de tais saberes contribui para o avanço da discussão nessa área, conferindo
importância ao estudo realizado. Feitas tais considerações, o artigo apresenta, na sequência,
a abordagem metodológica do estudo. Na seção seguinte, discute os principais achados
do estudo e, por fim, tece algumas considerações finais, sinalizando para novas questões
investigativas que possam auxiliar no avanço das discussões no que se refere aos saberes
docentes e sua importância para a formação dos professores.

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Metodologia

As reflexões ora apresentadas são decorrentes de uma pesquisa cuja problemática


investigativa focalizou as concepções de alunos sobre o exercício da docência, tendo como
referência os saberes necessários para ser professor. Os estudos realizados por Tardif, Les-
sard e Lahaye (1991), Tardif (2010) e Pimenta (2002) instigaram os autores deste texto a
realizar tal pesquisa, tendo como norteamento as seguintes questões: Os saberes docentes
identificados por estes autores podem ser considerados universais? Ou seja, as concepções
acerca dos saberes necessários e mobilizados no exercício da docência se repetem, inde-
pendentemente dos sujeitos investigados, das questões atinentes ao gênero, dos contextos
histórico-social, cultural e econômico em que estão inseridos? Seria possível afirmar que
a profissão de professor é compreendida de forma igualitária nos dois países? Quando os
alunos chegam ao curso de formação inicial, que saberes eles trazem sobre o que é ser pro-
fessor? Há diferenças entre as concepções sobre o ser professor dos estudantes do ensino
médio que estão num curso de formação para professores e dos que não estão se preparando
para se tornar professores? Existem outros saberes passíveis de serem acrescentados às
tipologias já existentes?
Tendo por base as questões apresentadas, os pesquisadores selecionaram escolas a par-
tir dos seguintes critérios: a) ofertar o ensino médio; b) ofertar o curso normal magistério
em nível médio; c) estar situada em diferentes contextos culturais, sócio-históricos e econô-
micos; c) integrar o conjunto de escolas assessoradas pedagogicamente por um dos pesqui-
sadores; seja no Brasil ou em Moçambique. Conforme Cunha (1989), é importante contex-
tualizar o momento histórico, social, cultural, político, dentre outros aspectos em que se dá
a formação e a prática docente. A hipótese sobre a possibilidade de haver outras tipologias
de saberes ainda não contempladas reforçou a escolha da escola localizada na África, num
cenário em que as pessoas vivem em situação de extrema vulnerabilidade social. O interesse
dos pesquisadores nos estudantes dessa escola foi motivado pela busca de subsídios para
responder à seguinte questão: Teriam os estudantes do ensino médio desta escola africana
outros modelos internalizados sobre o ser professor que pudessem ser traduzidos em outras
tipologias de saberes necessários à docência? Estas especificidades, tão distintas, são impor-
tantes para a problemática da pesquisa na medida em que se busca compreender os saberes
docentes (comuns ou não em diferentes países) exigidos para a docência.
Participaram do estudo de caso, no período de agosto de 2010 a agosto de 2011, 417
alunos, sendo que, destes, 147 realizavam o curso normal magistério (Escola A [EA] e Es-
cola B [EB]), e 270 alunos estavam na 11ª e 12ª classes (Escola C [EC]). No Brasil, optou-
-se por uma escola situada na região Sul (EA) e outra localizada na região Nordeste (EB).
Em Moçambique, a escola denominada C está localizada no interior da savana. A Escola
A está situada no centro de uma cidade do interior do Estado Rio Grande do Sul. Oferece
todos os níveis da educação básica para pessoas pobres e de classe média baixa, atendendo
aproximadamente 400 alunos. A Escola B está localizada num município do interior do
Estado do Maranhão, no nordeste do Brasil, cuja população pobre é superior a 70%. Atende

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aproximadamente 600 alunos de todos os níveis da educação básica. A Escola C localiza-se
no interior da província de Sofala, Moçambique, região central do país. Cerca de 60% da
população de Moçambique é analfabeta. A escola possui 2.049 alunos matriculados da 1ª
à 12ª classes. A inclusão da escuta dos alunos, em sua totalidade, independente de serem
do curso normal magistério ou ensino médio; fundamenta-se no fato de que as práticas pe-
dagógicas direcionam-se e concretizam-se na relação professor-aluno. Desta forma, tanto
professor quanto aluno são protagonistas na ação educativa e, assim, também o aluno busca
espaços e tempos para expor suas concepções. Assim como Pimenta, entende-se que:

Quando os alunos chegam ao curso de formação inicial já têm saberes sobre


o que é ser professor. Os saberes de sua experiência de alunos que foram de
diferentes professores em toda sua vida escolar. Experiência que lhes possibilita
dizer quais foram os bons professores. (1996, p. 76).

Considerando que, do cômputo total dos alunos participantes, 147 estão em processo
formativo para se tornarem professores, a convicção da necessidade de escuta desses sujei-
tos se reafirma. Neste sentido, é oportuno salientar a circularidade dos processos formati-
vos ao considerar que os

professores formadores formam futuros professores, cuja profissão é formar


alunos […]. Mesmo quando teoricamente os objetivos de formação pretendem
a inovação, a tendência é para se reproduzir, na prática, os mesmos vícios e
virtudes do sistema que os formou. (CARROLO, 1997, p. 44).

Esta reflexão conduz à necessidade de se problematizar a influência da formação, seja


ela inicial ou continuada, na constituição do futuro docente. Se, por um lado, se aceita a
ideia de que todos reproduzirão “os mesmos vícios e virtudes do sistema que os formou”
(idem), valeria questionar então qual o sentido dos processos formativos. Por outro lado,
não é possível desconsiderar que grande parte dos professores traduz, em seu fazer, práticas
já vivenciadas, apesar de criticar algumas delas. Tal constatação remete ao distanciamento
entre a teoria e sua tradução nas práticas cotidianas. Entende-se que para tentar romper esta
tendência reprodutiva, salientada por Carrolo, e superar a dicotomia entre teoria e prática,
é necessária a problematização constante de modelos e padrões; a escuta das vozes dos
diferentes atores que atuam no contexto educativo (especialmente os professores e alunos).
Os dados foram coletados por um questionário que contemplava duas perguntas aber-
tas (Em sua opinião, quais são os saberes que deve ter um professor para exercer as suas
atividades com êxito no curso que você está estudando? Quais dos saberes apontados por
você mais se destacam em seus professores? Comente sua resposta). Foram realizadas
duas oficinas, com duas horas cada, com o objetivo de aprofundar e debater criticamente o
conteúdo emanado das duas questões. Por fim, os registros de diário de campo de um dos
pesquisadores que atuou como assessor na formação de professores nas respectivas escolas
nos últimos oito anos contribui para a análise dos dados.

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Para análise destes dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, proposta por
Bardin (1988). Tal análise integra um conjunto de técnicas que possibilitam, por procedi-
mentos sistemáticos de descrição do conteúdo, a realização de inferências acerca da produ-
ção e/ou recepção de determinada mensagem. O processo da análise de conteúdo observou
as três etapas da técnica. Na fase de pré-análise, realizou-se uma leitura flutuante das res-
postas dos alunos estabelecendo o primeiro contato com os conteúdos coletados, tendo-se
presente as seguintes regras: i) exaustividade; ii) representatividade; iii) homogeneidade; e
iv) pertinência. Na fase de exploração foram definidas as categorias em eixos temáticos por
ser considerado o mais adequado para o tipo de estudo proposto (BARDIN, 1988). No tra-
tamento dos resultados, inferência e interpretação, procedeu-se à interpretação dos dados,
procurando não perder a visão de conjunto, considerando elementos contextuais relevantes
e identificando possíveis lacunas, contradições ou avanços. A análise teve por base um
diálogo com os pressupostos de Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Tardif (2010) e Pimenta
(2011). Vale ressaltar que, apesar de o referencial teórico que sustenta o estudo apresentar
tipologias de saberes, os pesquisadores não utilizaram tais tipologias como categorias pré-
vias com o intuito de confirmar ou não sua existência. Ou seja, na análise, os pesquisadores
adotaram a postura de ter um olhar reflexivo para os dados e analisar o que deles emergia.
Assim, a próxima seção terá como foco os resultados e a discussão dos dados.

Resultados e discussão dos dados

Apesar de neste texto não se aprofundar a discussão sobre as questões relativas ao gê-
nero, raça, etnia, cultura e condição socioeconômica, dentre outras variáveis, é possível an-
tecipar que as respostas dos sujeitos participantes da pesquisa denotam similaridades com
o que é defendido por Tardif, Lessard e Lahaye (1991), Tardif (2010) e Pimenta (2002). Ou
seja, tanto o conjunto de respostas dos estudantes que objetivam o exercício da docência
quanto daqueles que não têm por meta tornar-se professor apresentam similaridades no que
se refere ao modelo de um bom professor e dos saberes que este precisa mobilizar para ter
êxito em seu fazer pedagógico. Desse conjunto de respostas, além dos saberes já discutidos
pelos autores supracitados, os resultados da pesquisa apontam outros dois tipos de saberes:
saberes de humanização e saberes criativos. Entende-se que na identificação destes dois
saberes reside o avanço dos achados do estudo da pesquisa ora em discussão, conferindo
relevância ao trabalho realizado. Tais saberes apontam para a necessidade de se (re)pensar
os processos e práticas de formação docente que se direcionem para formar o professor em
sua totalidade, considerando o eu pessoal-profissional. Nesta compreensão, é necessário
ter-se uma visão unitária do professor, que se constitui a partir de sua trajetória de vida e das
relações que estabelece com os outros e com seu meio circundante. Portanto, é necessário
também contribuir para o desenvolvimento e formação da pessoa do professor.
Dito isto, a seguir são apresentadas reflexões atinentes às respostas do conjunto dos
estudantes que foram categorizadas nos seguintes eixos temáticos e que serão trabalhados
de forma inter-relacionada, a saber: a) a docência requer o domínio de conhecimentos es-

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pecíficos; b) a docência demanda modos de saber-fazer em termos didático-pedagógicos;
c) a docência requer um professor humanizado e humanizador; e d) a docência requer
saberes criativos.
Neste estudo emerge, das respostas dos alunos, a necessidade de que, para ensinar, os
professores precisam de saberes do conhecimento, isto é, domínio do “conteúdo” e “saber
a matéria”. No entender dos alunos, o conhecimento é uma das condições necessárias para
uma educação de qualidade. Tais concepções convergem com o já assinalado por Pimenta
(2002, 2011) e por Tardif, Lessard e Lahaye (1991). Para Pimenta (2011), o saber do conhe-
cimento é saber específico ligado à área de conhecimento do professor. Este conhecimento
vai muito além da mera informação, que se dá articulada com a produção da vida humana
em suas diversas expressões. Já para Tardif, Lessard e Lahaye (1991), os chamados sabe-
res disciplinares são os saberes específicos de que dispõe nossa sociedade, sob a forma de
disciplinas. Estes saberes estão relacionados aos diversos campos do conhecimento, inte-
grados nas universidades e incorporados na prática docente.
Os alunos querem professores competentes que auxiliem na construção de uma for-
mação que viabilize a inserção no mercado de trabalho. Almejam se tornar profissionais ca-
pazes de exercer, com qualidade, suas funções, independentemente da profissão escolhida.
Da mesma forma, identificam em suas escolas, professores que ainda não estão capacitados
para aprofundar os conteúdos lecionados. De acordo com o aluno 18 da EA, “já era o tempo
em que o professor sabia tudo e o aluno não sabia nada. Na verdade, um ensina ao outro
no dia a dia”. Essa relação entre o ensinante e o aprendente pressupõe um jeito de ensinar
pautado pelo diálogo, pela abertura e pela convicção de que o professor tanto ensina quanto
aprende. Apesar de haver uma compreensão de que “um ensina ao outro no dia a dia” é
possível perceber que a responsabilidade pelo processo de ensino-aprendizagem ainda é
delegada apenas ao professor. Além de o aluno ser responsável por sua aprendizagem, é
fundamental lembrar Cunha (1989) quando a autora enfatiza que o conhecimento ocorre
dentro de circunstâncias histórico-sociais nas quais vários fatores intervêm neste complexo
processo. Sendo assim, a díade professor-aluno é apenas um dos elementos que interferem
nele. Os alunos das escolas B e C dizem que o professor com formação específica na área
que leciona e com identificação com a disciplina interfere positivamente na aprendizagem
e na formação dos alunos. A seguir fragmentos das respostas dos alunos:
Acredito que, se um professor é formado naquela área é porque ele está capaci-
tado para ensinar melhor para aqueles que realmente querem aprender. (A1, EB).
Acredito que o professor deva ter principal e necessariamente a qualificação que
o curso exige. E como acréscimo, seja verdadeiramente um professor de qualida-
des éticas, morais, religiosas e não um professor de inutilidades. (A7, EB).
Gostaria de ter um professor bem formado com uma boa categoria competente
a aquele nível que ele possa dar matérias compreensíveis. Como professor da-
quela disciplina sabendo planificar bem as aulas, bem preparado antes de dar a
matéria. (A21, EC).

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O domínio dos conhecimentos específicos, na docência, é visto como um ganho para
além da sala de aula:

quando temos um bom professor, que domina o conteúdo que leciona, teremos
também um bom estudante capaz de estancar a pobreza em Moçambique e,
assim, não só o estudante será apreciado por outros países de fora, mas criará
mais ganho para o país. (A2, EC).

Os saberes pedagógicos, conforme já sinalizados por Pimenta (2002), também emer-


gem dos dados coletados. Apresentam-se como os saberes relativos ao saber fazer em edu-
cação. O saber fazer, especialmente nas escolas onde a formação didático-pedagógica foi
frágil, apresenta características próprias de criatividade envolvendo artes cênicas, refle-
xão, aulas práticas, dentre outros procedimentos de cunho metodológico. Neste contexto,
é necessário ter-se presente as demandas atuais no que se refere à gestão dos processos
e práticas educativas nas ações cotidianas no contexto escolar. Os dados apontam para a
organização e a gestão do tempo das situações de aprendizagem dos aspectos atinentes aos
dispositivos de acompanhamento do desempenho do aluno. Para Tardif (2000), na forma-
ção de professores deve-se superar a lógica disciplinar regida pelo conhecimento para a ló-
gica da ação, do saber-fazer. No entender de alguns alunos da escola A, o professor precisa
planejar e organizar suas aulas para ter êxito na profissão. Para o aluno 12, da mesma es-
cola, o professor “deve ser severo, mas mantendo o limite, não se alterando, deve ser orga-
nizado, disciplinado e ter um bom planejamento”. Ao se tratar de características relevantes
na docência de seus professores, os alunos destacam a organização e o bom planejamento
das aulas, conforme ilustra a resposta do aluno 18 da escola A: “sem dúvida, a paciência e a
metodologia. Os professores sempre estão organizados e pacientes para resolver as minhas
dúvidas e as de meus colegas”. Para os alunos 16 e 37 da escola B: “o professor precisa tor-
nar suas aulas agradáveis […] tem que ser uma pessoa que explique as aulas bem” (A16). A
metodologia docente requer “o professor estar bem preparado, ter um bom caráter e grande
responsabilidade sobre seus atos praticados em sala de aula para não prejudicar o aluno,
mas sim, ajudá-lo quando precisa” (A37). Nas palavras do aluno 36 da escola C:

pude verificar o seguinte em minha vida de aluno: o professor que gozava a


superioridade, exibindo o seu nível acadêmico; o professor que não sabia o
porquê, não sabia explicar e nunca quis esclarecer as dúvidas dum aluno; o
professor que não dava preparação para os exames. Então, todo professor que
não tem o espírito de ensinar ou educar deve passar por uma nova formação.
Professor sem habilidade está a estragar alunos. Por favor, ajude-nos.

Os estudantes ressaltam ainda que o bom professor e uma boa aula são identificados
com metodologias acessíveis e significativas para o processo ensino-aprendizagem: “nas
minhas aulas gostaria um bom professor que, na verdade, soubesse conduzir os seus estu-
dantes” (A2, EC). A pesquisa desenvolvida por Cunha (1989) sob o título “O bom professor

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e sua prática” mostra que é fundamental considerar o contexto vivido pelo professor. Neste
contexto, os valores institucionais, a análise da realidade, as relações sociais, as condições
históricas, dentre outras, precisam ser levados em consideração na projeção feita pelos
alunos sobre seus professores. Portanto, para a autora, “o bom professor” sempre deve ser
problematizado dentro de uma determinada concepção de sociedade, de escola e de ensino-
-aprendizagem. Os dados mostram que a docência se dá pelas relações que envolvem os
processos educativos e seus atores. Muitos dos problemas que envolvem as pessoas, em
geral, inclusive os professores, estão na falta de qualidade dos relacionamentos entre estes
consigo mesmos, com seus pares e com seus alunos.
A educação é um processo de humanização e, desta forma, para humanizar e huma-
nizar-se é necessário haver uma integração pessoal, pois a pessoa é um todo indissociável.
A forma como o professor cuida de si é uma das bases e/ou condições para cuidar do outro
que lhe é confiado para educar, ou seja, o aluno. Desse modo, é possível identificar o que os
pesquisadores ora chamam de saberes de humanização. Estes saberes dizem respeito a todos
os saberes implicados e necessários na relação entre professor-aluno. Essa atitude diante da
vida diz da ordem do ser, do saber, do fazer e do conviver num todo integrado da pessoa. Os
processos de humanização, que se mostram no colocar-se à disposição do outro, na postura
de dar atenção, no manifestar empenho e interesse pelo bem comum, enfim, estar por inteiro
diante do outro, aparecem com destaque. Percebe-se, pelas respostas dos alunos, que o mais
importante do relacionamento em si é a realidade de ele demarcar a qualidade dos processos
de humanização das pessoas. Para Tardif (2000), os saberes dos professores carregam as
marcas de seres humanos, de cada aluno em particular, objeto de seu trabalho. Como conse-
quência, o componente ético e emocional sempre se fará presente na trama experiencial da
pessoa docente, levando o professor a um conhecimento de si. A escola também pode dar sua
parcela de contribuição para professores e alunos ao considerar que a

A educação escolar, por sua vez, está assentada fundamentalmente no trabalho


dos professores e dos alunos. Sua finalidade é contribuir para o processo de
humanização de ambos pelo trabalho coletivo e interdisciplinar deles com o
conhecimento, numa perspectiva de inserção social crítica e transformadora.
(PIMENTA, 2011, p. 168).

Em se tratando de humanização, o autoconhecimento e o conhecimento das pessoas


com as quais se convive são essenciais para a construção de um ambiente que viabilize o
desenvolvimento de bom relacionamento entre professor-aluno. Partindo do pressuposto de
que a vida do educador abrange as dimensões pessoal e profissional, compreende-se que a
problematização desta última pressupõe um entendimento sobre os processos de desenvol-
vimento do ser humano no curso de sua existência.
O professor que cuida do relacionamento humano na docência possivelmente con-
seguirá ter postura adequada e assertiva perante a vida e a própria profissão, o que lhe
possibilitará intervir, de modo mais assertivo, no acolhimento de seus alunos. Ao abordar

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as interações sociais no contexto educativo, considera-se a relevância das interações como
elemento mobilizador do desenvolvimento e aprendizagem humanos; a necessidade de o
contexto educativo constituir-se num espaço propício para as interações sociais e a função
do professor no planejamento e organização de espaços e situações de aprendizagem que
viabilizem as interações sociais entre professor-aluno e entre pares com diferentes níveis
de experiências. Assim, as respostas dos alunos sinalizam para o que passa a se denominar
saberes de humanização. Ou seja, cabe ao professor saber se relacionar com seus alunos
e entre pares. Esta relação tem como alicerce, no dizer dos alunos, o respeito, o diálogo, a
paciência, a acolhida, a compreensão, dentre outros. Assim sendo, a pessoa do professor
educa muito além do seu fazer profissional. O modo de ser do professor, dentro e fora da
sala de aula, é muito reclamado pelos alunos envolvidos na pesquisa. Estes acreditam que
a conduta de um bom professor passa pela transparência, honestidade e objetividade em
seus pedidos e ações. Ao professor é solicitado que respeite cada aluno em suas diferenças:

É como dizem: professor não faz, se conquista. Para mim, o professor deve ser
como pai e mãe. Se ele quer que haja uma boa educação, primeiramente tem de
vir dele, da mesma forma é o respeito […] jamais confundir amizade com traba-
lho, pois, vem a prejudicar tanto o aluno quanto o professor. O aluno por se dar
mal no final do ano, e o professor por ser mal visto pela sociedade. (A73, EB).

Para Cunha (1989), a sociedade é dinâmica em suas relações. Neste contexto, o dever-
-ser das pessoas (e neste caso dos professores) sofre alterações ao longo dos tempos. Esse
dever-ser pode colocar os professores em conflito na busca por nova relação que implique
a redefinição de seu papel. Assim, “os professores estão fazendo a sua própria história, mas
a partir de condições dadas, concretas do cotidiano” (CUNHA, 1989, p. 140). Essa leitura
social contextualizada parece não fazer parte do olhar dos alunos que, a partir de um de-
terminado contexto histórico, social, descrevem e exigem postura dos professores, tendo
como único referencial os modelos que já possuem internalizados sobre eles.
No dizer dos alunos, nas atividades diárias do professor são necessárias muita alegria
e disposição para estar com eles e paciência na hora de ensinar. Os dados mostram ainda
alunos que não conseguem olhar criticamente para sua condição de estudantes num contex-
to local, regional e nacional. Projetam no professor uma gama de capacidades exigidas para
a docência sem nunca mencionar as condições sócio-históricas em que estes e a instituição
escolar estão inseridos. Desta forma,

Mesmo nesta perspectiva da sociedade moderna, continua-se reconhecendo


no professor, além da capacidade de ensinar conhecimentos especializados, a
tarefa de transmitir, consciente ou inconscientemente, valores, normas, manei-
ras de pensar e padrões de comportamento que contribuem eficazmente para a
permanência da vida social. As relações são os aspectos mais ressaltados pelos
alunos, ainda que elas não possam ser separadas completamente do todo que é
o professor. (CUNHA, 1989, p. 141).

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Professores que encontram maior dificuldade em lidar com suas questões pessoais são
percebidos por seus alunos como professores que, na maioria das vezes, não conseguem
estabelecer vínculos saudáveis com seus alunos, dificultando o processo ensino-aprendi-
zagem. A paciência, outra característica da ordem pessoal, é salientada pelos alunos das
três escolas por considerarem que cada aluno aprende o conteúdo no seu tempo próprio,
e a devida paciência, por parte do professor, favorece o aprendizado. No entender destes
alunos, o desejo de aprender e estudar determinado conteúdo tem grande relação com o
vínculo que o professor estabelece com seus alunos, com seus processos de humanização,
com a expressão de que é uma pessoa feliz, adulta e integrada na vida e na docência. Dito
de outro modo: “As relações devem ser entendidas pelo lado afetivo, ainda que não apareça
como desejável para o aluno o professor “bonzinho”. O que eles querem é um professor
intelectualmente capaz e afetivamente maduro” (CUNHA, 1989, p. 141). Os fragmentos a
seguir ilustram o entendimento dos alunos:

Eu gosto dos professores que conversam com os alunos […] isto é fundamental
na relação professor-aluno. (Aluno 11, EC).
Eu me sinto alegre e capaz de exercer qualquer trabalho com os professores que
tem boa relação comigo. (Aluno 14, EC).
É importante o professor, ao entrar na sala de aula, não ficar zangado, ter tam-
bém oportunidade de rir com os alunos para que a gente não tenha medo do
professor […] o aluno vai aprendendo com simpatia e amor. (Aluno 20, EC).

A postura dos professores é uma referência para os alunos. Eles destacam que se
inspiram em seus professores no entendimento de que o exemplo educa e seu modo de ser
influencia os futuros professores em suas escolhas e em seu fazer.

O relacionamento interfere, sim, porque quando o professor entra na sala de


aula com cara estranha, os alunos ficam com medo e têm dificuldade de enten-
der a matéria dada. (A12, EC).
O professor deve dialogar bastante […] precisa buscar estar de bem com a
vida, com a Escola e com os alunos […] deve ser bastante claro em suas ideias
e exposições […] tem que abordar temas relacionados à nossa vida, junto ao
nosso curso (A61, EB).
O professor deve ser uma pessoa muito educada, deve ter paciência, ter um
conhecimento amplo sobre as coisas, deve ser amigo e sem dúvida nenhuma,
deve ser criativo. (A11, EA).
O relacionamento entre professor e aluno interfere de maneira significativa,
pois, quando o professor se relaciona bem com o aluno, o aluno acaba se sen-
tindo, mais à vontade em esclarecer as dúvidas expõe a sua opinião sobre os
diferentes fatos ocorridos em sala de aula ou até mesmo fora da sala de aula.
(A29, EA).

Amizade e respeito mútuo são citados pelos alunos da escola C ao afirmar que a
amizade do professor com seu aluno favorece a aprendizagem, bem como a qualidade da

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aula se dá a partir do bom relacionamento e do respeito mútuo. O mesmo entendimento se
encontra nos alunos da escola B. No dizer do aluno 55, desta escola:

Um professor amigo que saiba dialogar em sala de aula presta atenção no que
vai falar, não traz suas amarguras para descontar nos alunos, enfim, um profes-
sor que seja não um professor, mas sim um amigo e também, que tenha moral
para exercer bem a sua profissão.

Os alunos também reconhecem a importância de o professor gostar do que faz, con-


forme exemplifica o fragmento:

O amor à profissão que exercem. Eu destaco essa característica em meus pro-


fessores, porque mesmo sabendo que nem todos os alunos querem realmente
estudar, que nem todos vão dar ouvidos ao que eles falam em sala de aula, mes-
mo assim eles continuam a passar ou pelo menos tentar repassar para nós, algo
que irá nos servir não só hoje, mas também futuramente. (A42 EB).

O cuidado com a amizade exige um movimento, a priori, calcado no cuidado de si


para melhor cuidar do outro, que também vem inscrito numa relação de amizade. Para Tar-
dif (2000), os saberes dos professores também são personalizados e situados, ou seja, cada
professor tem sua história de vida, suas emoções, sua cultura, sua trajetória social. Seu ser
e seu fazer carregam o contexto no qual se insere. Logo, são saberes que vêm associados à
experiência de vida e de trabalho. Estes saberes são construídos pelos professores em razão
dos contextos de docência. O atual contexto exige criatividade por parte dos alunos. A cria-
tividade é uma característica enunciada pelos alunos das escolas A, B e C como elemento
importante na prática pedagógica. O aluno 61 da escola B salienta que: “deveríamos contar
com mais recursos para o curso, pois nosso material para estudo é muito pouco e quase
inexistente; os materiais usados em sala de aula são apenas o quadro e o giz”.
Para dar conta de tal criatividade, exigida hoje na docência, é oportuno retomar a
posição de Tardif (2000) quando afirma que, além de temporais, os saberes dos professores
também são plurais e heterogêneos. São oriundos de diversas fontes (cultura pessoal, cul-
tura escolar, sua história de vida, conhecimentos universitários, conhecimentos advindos
da formação profissional, como os didáticos e pedagógicos, conhecimentos curriculares,
manuais escolares, experiências pessoais e de seus pares, dentre outros). A criatividade leva
os professores a se diferenciarem entre si em seus métodos de ensino, constata o aluno 44
da escola B: “Os professores aqui da escola são muito diferentes uns dos outros, mas aqui
na escola existem professores que têm grande responsabilidade pelos atos praticados em
sala de aula”. Portanto, “motivar os alunos é uma atividade emocional e social que exige
mediações complexas de interação humana: a sedução, a persuasão, a autoridade, a retóri-
ca, as recompensas, as punições etc.” (TARDIF, 2000, p. 17).
As respostas dos alunos permitem identificar também os saberes criativos. Para os
pesquisadores, tais saberes dizem respeito a todos os conteúdos mobilizados pelo professor

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em sua ação cotidiana, o que viabiliza (re)criar e encontrar novas e atraentes alternativas
para aprimorar o ensino e a aprendizagem. São saberes que possibilitam, também, a su-
peração de algumas dificuldades existentes em alguns contextos educacionais, sejam elas
de ordem estrutural, organizacional e/ou econômico-financeira. A conjuntura social atual
denuncia uma crise profunda vivida pela docência dentro de um contexto sócio-histórico.
Mesmo assim, é possível perceber professores voltados para a mobilização de saberes cria-
tivos que contribuem para que ele tenha uma atitude proativa perante as dificuldades e
situações adversas.

Os professores precisam ter criatividade. Mesmo tendo alguns conteúdos que


são muito difíceis, eles encontram uma maneira de torná-los menos maçantes.
Quando o professor coloca gosto e criatividade em seu fazer, ensina com alegria
e leveza, o aluno se identifica e passa a seguir seus exemplos. (A12, EA).
O professor bom que eu gostaria de ter no meu futuro é um professor bom,
simpático, criativo, sorridente, sábio, investigador que possa fazer com que eu
prossiga bem com os meus estudos e que eu possa saber tal como ele sabe e que
ela seja muito paciente e que me ajude a construir um bom futuro e que eu possa
saber como viver na comunidade assim como os colegas. (A18, EA).

Observa-se que os alunos das três escolas destacam a importância de aulas criativas,
dispositivo que aciona a atenção e interesse do aluno, independentemente de a aula ser teórica
ou prática. Os saberes criativos inserem-se na lógica da diferença, da criação, das descober-
tas, da produção de conhecimento na docência. Ser criativo, no entendimento deles, exige do
professor práticas diversificadas. A pesquisa aponta para professores que também repetem
uma pedagogia tradicional, calcada no pressuposto da ação de ensinar, e não uma pedagogia
dialógica, voltada para a produção do aluno, a exemplo do que descobriu Cunha em suas
pesquisas. No dizer da autora, “para uma ação dialógica, transformadora, seria preciso des-
locar do professor para o aluno a produção do conhecimento. Seria necessário modificar o
paradigma que é presente historicamente nas concepções escolares” (CUNHA, 1989, p. 150).
Por fim, os achados da pesquisa sinalizam que os saberes docentes já identificados
por Pimenta (2002, 2011), denominados saberes do conhecimento, e por Tardif, Lessard e
Lahaye (1991), saberes “disciplinares” e “saberes curriculares”, fizeram-se presentes nas
concepções dos estudantes das três escolas. Isto remete à reflexão de que existem modelos
interiorizados, uma construção social sobre o ser professor e os saberes necessários para
o exercício da docência que tendem a ser reproduzidos pelos sujeitos. Nesse sentido, vale
retomar Tardif; Lessard e Gauthier, quando destacam que:
Essa noção de construção social significa que as profissões não são realidades
naturais mas sócio-históricas, por um lado, e por outro, que essas realidades
não são produzidas por qualquer determinismo […], mas sim pela acção dos
atores sociais que agem em contextos já condicionados, mas que oferecem aos
actores algumas possibilidades, algumas margens de manobra, espaços de jogo,
etc. (2001, p. 11).

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Sendo assim, existem elementos que emergiram no estudo e que permitem problema-
tizar a compreensão da profissão professor, sob alguns aspectos, de forma igualitária nos
dois países, nas escolas pesquisadas. Em relação aos saberes indicados pelos alunos do
ensino médio em processo de formação inicial para tornarem-se professores e por aqueles
que não objetivam ser professores, não se observa variações entre as escolas situadas nos
dois países, no que tange aos necessários para o exercício da docência. Ainda nesta dire-
ção, importa destacar que o conjunto de respostas dos alunos das três escolas viabilizou
aos pesquisadores identificar duas outras tipologias de saberes ainda não contempladas nos
estudos dos autores já referenciados: saberes de humanização e saberes criativos.

Considerações finais

O artigo teve como centralidade os saberes docentes considerados necessários para


o exercício da docência. Conforme salienta Borges: “as diferentes tipologias engendradas
[…], além de contribuírem para organizar o campo, corroboram para identificar sua com-
plexidade e, também, as lacunas ainda não exploradas nos diferentes estudos” (2001, p.
59). Dessa forma, além dos saberes problematizados pelos autores, que fundamentaram o
estudo em pauta, foi possível categorizar dois outros tipos de saberes: os saberes de hu-
manização e os saberes criativos. Estes saberes precisam ser problematizados no seu todo,
sem descuidar o contexto social e histórico em que se manifestam. Separados, muito mais
por uma função didática, eles se entrecruzam, se inter-relacionam e acontecem simultane-
amente no ato da docência, assim como os demais saberes já salientados. Entretanto, mais
do que categorizar os saberes, importa salientar a ideia de que o exercício da docência é
complexo e que, nas práticas pedagógicas cotidianas é mobilizado um conjunto de saberes
que se encontram inter-relacionados.
Pimenta (2011) convida à superação da fragmentação dos saberes da docência ao consi-
derar a prática social como ponto de partida e de chegada na formação dos professores, pos-
sibilitando, então, a ressignificação dos saberes. Assim, vistos sob uma perspectiva sistêmica,
dependendo da situação, o professor mobiliza, com maior ênfase, um ou mais saberes. No
que se refere à formação docente, é oportuno reafirmar a posição de Pimenta (2011), quando
a autora enfatiza que os cursos de formação desenvolvem currículos e práticas descontextua-
lizados da realidade das escolas, não dando conta de captar as contradições presentes na prá-
tica social de educar. Para tanto, é necessário superar a fragmentação dos saberes que ocorre
desde a formação inicial do professor. Esta tarefa, não cabe apenas às universidades, mas se
estende a todos os atores do processo formativo como formação inicial e continuada.

Referências
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Dados dos Autores

Paulo Fossatti
Doutor em Educação pela PUCRS e Pós-Doutorando em Ciências da
Educação pela Universidade do Algarve (Portugal).

Dirléia Fanfa Sarmento


Doutora em Educação pela UFRGS e Pós-Doutoranda em Ciências da
Educação pela Universidade do Algarve (Portugal).
Pesquisadora INEP/CAPES.

Henrique Guths
Mestre em Ciências Cardiovasculares pela UFRGS.

Submetido em 19/12/2011
Aprovado em 21/9/2012

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