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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Daltro Campanher

FICHAMENTOS OU RESUMO DO TEXTO “OS PROFESSORES


DIANTE DO SABER: ESBOÇO DE UMA PROBLEMÁTICA DO
SABER DOCENTE”, DE TARDIF

Santa Maria, RS
2019
O texto de Maurice Tardif acá analisado, excerto integrante da 13ª edição de
“Saberes Docentes e Formação Profissional”, publicada pela Vozes em 2012, traz
ponderações acerca do que viria a ser o saber docente e qual a relação do educador
para com cada uma das dimensões desse saber, que não pode ser tido como um bloco
único, mas sim conjunto de diversos saberes: disciplinares, profissionais, curriculares
e experienciais. Cada um desses saberes compõe o que se tem como saber docente e é
de suma importância a fim de que se apreenda uma perspectiva conspícua da
atividade preletiva, uma percepção nítida da própria construção de identidade
enquanto docente (ou papel social, a depender da metodologia de análise), controle
das próprias potencialidades na prática educacional.

Destarte, é tratado como o professor é, clássica e comumente, vislumbrado


enquanto o transmissor do conhecimento, alguém que detém o saber – a saber, seriam
esses os saberes especificamente de ordem disciplinar. Entretanto, há uma
problemática a partir do momento em que analisa mais a fundo, percebendo a
dificuldade de delimitar o caráter da relação de professores para com seus saberes.
São elencados três pontos principais que serão “norte” para toda a dissertação: o saber
enquanto composto de diversos saberes de diversasfontes; a desvalorização do corpo
docente ante os saberes que possui e “transmite”; a compreensão do status especial
dos “saberes experienciais” na perspectiva da (do) docente.

Previamente à elucubração específica de cada um desses pontos, vale salientar


o quão salutar fora o “prólogo” escrito pelo autor, explicitando a inserção do processo
de aprendizagem dentro da lógica produtivista, onde as atividades de formação e de
educação, gradualmente, tornam-se projetos orientados apenas à produção de novos
conhecimentos, o que de alguma forma ignora a necessidade de apreensão de
conhecimentos prévios, por meio de processos de aprendizagem exaustivamente
reatualizados conforme a dinâmica ou dialética social ocorre. De tal modo, consta-se
a inseparabilidade entre os polos da pesquisa científica e dos sistemas educacionais e
de formação, ainda que esses últimos muitas vezes sejam postados em lugar
desprivilegiado em relação ao primeiro.
A posteriori, são delimitadas definições de cada um dos tipos de saberes que
constituem o saber docente. A começar pelos saberes profissionais, conceber-se-ão
enquanto os saberes pedagógicos, em extensa relação com as ciências da educação,
responsáveis pela formação, pelos modelos metodológicos que visam orientar a
prática do professor, ainda que o processo de construção de tais teorias muitas vezes
se dê de forma exterior à prática docente em si, conforme elenca Tardif. Os saberes
disciplinares e curriculares seriam ainda mais exteriores à essa prática: os primeiros
são os saberes sociais – i.e. conjunto de saberes aos quais dispõe uma dada sociedade
– selecionados pela instituição universitária; os últimos, de forma concreta,
apresentam-se enquanto programas escolares que traçam objetivos, conteúdos,
métodos de forma definitiva pela instituição a fim de modelar o processo educacional.
Por fim, mas não menos importante, há ainda os saberes experienciais, os quais
constituem-se, resumidamente, de uma retradução articulada de todos os saberes
supracitados, na medida em que constitui-se de uma mobilização, articulação,
condicionamento de todos esses na prática docente, sendo transmitidos muitas vezes
enquanto habitus, com uma objetividade limitada.

Em seguida, o autor passa a tratar da certa desvalorização que ocorre em


relação à formação profissional docente pelos próprios docentes. A prática docente e
os saberes acabam por constituir “mediações e mecanismos que submetem essa
prática a saberes que ela não produz nem controla” (p. 40-42).

Diversos elementos explicativos aceitáveis para essa condição são elencados e


todos de alguma forma parecem estar relacionados: a divisão do trabalho crescente,
trazendo a especialização para todos os processos produtivos da sociedade, que
influenciou na criação das ciências modernas; o deslocamento da relevância dos
saberes (“saberes-mestre”) para os procedimentos de transmissão dos saberes; a
“racionalização” da formação e da prática docentes, que influencia na fundação da
pedagogia; o maior destaque ao aprender que ao saber possuído pelo professor; a
instituição cada vez mais extensiva da educação primária como política social no
decorrer dos séculos XIX e XX, acelerando a formação de agentes cada vez mais
especializados (formando o que o autor elenca como escola-fábrica); a crescente não-
correspondência entre os saberes transmitidos pela escola e os saberes socialmente
tidos como úteis ao mercado de trabalho, postando em dúvida a “utilidade” dos
saberes escolares; a instituição não mais como lugar de formação, sendo o professor
apenas instrutor em uma escola que é mais um “mercado” onde são oferecidos aos
“consumidores” os “saberes-instrumento”, “saberes-meio”, nas palavras do autor.

Por fim, o autor conclui sintetizando a questão central da subordinação do


saber docente aos saberes os quais estão exteriorizados à sua prática, reiterando a
importância dos saberes experienciais – muitas vezes repassados apenas oralmente, de
forma não sistemática entre colegas docentes, o que expande a capacidade do
profissional em lidar com contextos específicos de situações adversas no seu trabalho
- para a construção dessa prática de forma consistente. Propõe que não se limitem os
docentes apenas ao “campo específico dos saberes” e que tenham mais contato os
“cientistas educacionais” com os professores primários, a fim de que, por assim dizer,
“faça-se justiça” à relevância do saber experiencial enquanto núcleo, nas palavras do
autor, do saber docente.

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