Você está na página 1de 11

17/04 - Aula 3 - Corpo, Conduta e

Cuidado de Si 

- FOUCAULT, Michel. 2007. “Eu e os outros”. In: História da Sexualidade 3:


Cuidado de si.
- _____________________. “O Corpo”. In: História da Sexualidade 3: Cuidado
de si. (Texto para Seminário)
- ________________. 2018. “Ser virgem: Virgindade e conhecimento de si”. In:
História da Sexualidade 4: Confissões da Carne.
A Cultura de Si
- Século II do mundo helenístico e romano: crescimento da austeridade sexual
por pensadores e médicos.
- Insistente questão dos prazeres, em particular os prazeres sexuais, a relação
que se tem com eles e o uso que deve ser feito deles.
- Com raras exceções, essas ideias moralistas não demandaram intervenção por
parte do poder público ou legislações coercitivas. Sua marca é a atenção para
consigo mesmo, vigilância do corpo e da alma em um regime de moral austera.
- Intensificação da relação consigo pela qual o sujeito se constitui sujeito do
seus atos. Tipo de individualismo que confere cada vez mais importância aos
aspectos privados da existência, aos valores da conduta pessoal e ao interesse
do sujeito por si próprio. Desenvolvimento de uma “cultura de si”, que
fundamenta sua necessidade, orienta seu desenrolar e organiza sua prática.

09/05/2023 TÍTULO DA APRESENTAÇÃO 2


A arte de viver sob o signo do cuidado de si
- Embora os gregos já tivessem atenção com o cuidado de si, além de ter se estendido
a várias doutrinas filosóficas, tomou a forma de uma atitude, de se comportar e viver,
constituiu-se uma prática social, que norteou relações interindividuais, trocas,
instituições, enfim tornou-se um modo de conhecimento, a elaboração de um saber e
de um trabalho sobre si.
- Essa cultura de si estava em correlação direta com o pensamento e as práticas
médicas, tendo o corpo como alvo não mais de aumento do vigor físico, mas de
combate aos males da alma e à fragilidade causada pelas doenças. Reconhecimento
da vulnerabilidade humana e da necessidade de se cuidar e ser cuidado.
- Desenvolvimento da reflexão sobre a moral dos prazeres, produzindo efeitos sobre a
elementos constitutivos da subjetividade moral do sujeito.
- O prazer sexual, enquanto elemento ético, é da ordem da força: luta entre o sujeito e
a dominação do seu desejo, sua submissão a critérios éticos e estéticos, seu
autocontrole e sua verdade .

09/05/2023 TÍTULO DA APRESENTAÇÃO 3


Eu e os outros
- Mudanças na prática matrimonial e nas regras do jogo
político geraram impactos na ética dos prazeres e na
moral de tradição masculina, levando a essa nova
problematização da relação do sujeito consigo, a uma
nova estilística da existência.
- Um conjunto de medidas marca progressivamente o
avanço da autoridade pública sobre a instituição
matrimonial, marcando outras transformações de que ele
é tanto efeito como serve de instrumento e ligação. O
casamento vai se tornando cada vez mais uma união
livremente consentida entre o casal, sustentando a relação
pessoal, o compartilhamento da vida, ajuda mútua e
apoio moral. A mulher ganhou em independência. Surge
a ideia de uma comunidade conjugal com valor superior a
de seus integrantes (o “indivíduo conjugal”).
Paradoxos da prática matrimonial
- Busca apoio na autoridade pública, mas torna-se mais
importante na vida privada; libera-se de imperativos
econômicos e sociais, generalizando-se como prática; passa a
ser mais coercitiva para o casal e, ao mesmo tempo, mais
favorável a atitudes independentes. Isola o casal do campo
das demais relações sociais.
- O “estado de casamento” se torna forma de vida, existência
compartilhada, vínculo pessoal e posição dos parceiros nessa
relação.
- O homem deve regular sua conduta não somente por seus
status, privilégios e função doméstica, mas também a partir
do seu papel relacional, que envolve reciprocidade afetiva e
dependência mútua.
- Constituição do homem como sujeito moral na relação de
conjugalidade.
O Jogo Político

- Séc III: declínio das cidades-Estado enquanto entidades autônomas e o recuo da


vida política e valorização da vida pessoal. Ressalta-se a mudança nas condições
para o exercício do poder, em que as elites buscam uma nova maneira de
expressão e relação com o seu status, suas funções, atividades e obrigações.
- A ética anterior voltava-se para uma articulação entre o poder sobre si e o poder
sobre os outros, agora torna-se mais difícil a relação entre o que se é, o que se
pode fazer e o que se é obrigado a realizar, enfim problematiza-se o sujeito ético
de suas próprias ações.
- Cultura de si: procura definir o princípio de uma relação consigo que estabelecerá
as formas e as condições pelas quais uma ação política será possível ou
impossível, aceitável ou inaceitável, caracterizando-se por:
1) relativização (política uma escolha livre e voluntária / é uma vida e uma prática/
engajamento pessoal / mediação e inserção em jogo complexo);

09/05/2023 TÍTULO DA APRESENTAÇÃO 6


2) Atividade política e ator moral (a razão governa o governante / a arte de governar a
si próprio / trabalho ético sobre si).
3) Atividade política e destino pessoal (cada um é artesão de sua própria moralidade.

Em síntese: momento de reelaboração do domínio de si, de revisão da superioridade


sobre si como núcleo ético essencial, de crise da subjetivação diante da dificuldade
na maneira pela qual o indivíduo se constitui como sujeito moral de suas condutas e
na aplicação das regras sobre si. Não desaparece o “heuautocratismo”, mas dá lugar a
certo equilibro entre desigualdade e reciprocidade matrimonial, bem como dá lugar a
certa dissociação entre poder sobre si e poder sobre os outros. Os prazeres tão ligados
à correlação entre exercer o domínio sobre si, sobre a casa e sobre os outros foi,
então, modificado.

09/05/2023 TÍTULO DA APRESENTAÇÃO 7


Confissões da Carne
- Foucault foca o prazer sexual na perspectiva histórica de uma
genealogia do sujeito de desejo/de uma ética do sujeito e no horizonte
das artes da existência, via padres e oradores cristãos dos primeiros
séculos.
- Importância dos textos sobre virgindade, tema já encontrado na moral
pagã (proibidos o adultério, a fornicação e corrupção de crianças). Mas
a prática cristã se distinguiu em 2 ptos: outra significação à abstinência;
fixou outra abrangência e outros instrumentos.
- Necessidade de afastamento do cristianismo à tendência do encratismo
(interdição à relação sexual a todo cristão para a obtenção da salvação).
Então, precisava-se definir qual a experiência virginal privilegiada,
“rara” e positiva. Esse quadro trouxe à tona minúcias da relação do
indivíduo consigo mesmo, com seu pensamento, corpo e sua alma.
- Concepção cristão da carne se estabelece a partir da prática da
virgindade, de uma mística cristã da virgindade.
- Documentos do sec III, ainda sem o desenvolvimento da vida
monástica: a jovem em sua casa e o círculo das virgens.
- Duas tendências: atribuir à abstenção um valor enqto meio para
se aproximar de uma existência santificada; e o estabelecimento
de uma moral rigorosa da abstinência que conferiu estatuto
particular à virgindade.
- Como virtude e ápice de todas as virtudes, como preparação à
realização dos tempos, a virgindade deve ser
não uma rejeição do corpo, mas um trabalho da alma sobre si. É
um modo de relação entre Deus e ahumanidade, movimento da
salvação, em que Deus e a criatura não se
comunicam mais pela Lei e a obediência à Lei, uma vez que a
virgindade não é uma maneira de se submeter ao que foi
ordenado: é um exercício da alma sobre
si, que a transporta até a imortalização do corpo e à união com
Cristo.
- Lugar central do sexo na subjetividade ocidental marca-se já na
formação desta mística da virgindade.
- Séc IV: propagação da vida monástica: ascese da castidade (pureza) /
prazeres sexuais associados ao mal (combate espiritual frente à
tentação, não à falta).
- Subjetivação que relega a segundo plano uma ética sexual centrada
sobre a economia dos atos. Esta subjetivação é indissociável de um
processo de conhecimento que faz da obrigação de procurar e de
dizer a verdade de si mesmo uma condição indispensável e
permanente desta ética. Se há subjetivação, implica uma
objetivação indefinida de si por si (não sendo adquirida de uma vez
por todas, não possui término e é preciso levar o mais longe o
exame e a vigilância dos pensamentos). Esta subjetivação em
forma de busca da verdade de si se efetua mediante relações
complexas com os outros e a alteridade dentro de si.
- Decifração do desejo é condição para uma existência purificada,
retorno do tema da “força” e da “lei”, desviando a questão da arte e
da techne em favor do desenvolvimento das práticas da ascese.
- A confissão aos outros, a submissão a seus
conselhos, a obediência permanente aos diretores
(poder pastoral) são indispensáveis ao combate da
tentação espiritual.

Dica de filme:
Benedetta, 2021

Você também pode gostar