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1) A invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos, escancarou as reações da chamada

extrema-direita, ou nova direita, às instituições constitucionais e a própria


democracia. Que relações podemos estabelecer com esse episódio e a
associações de grupos religiosos a essas perspectivas políticas?

Quando a gente fala de extrema direita ou de nova direita nos Estados Unidos é
importante a gente ter alguns cuidados para matizar o entendimento, e o primeiro
deles é pensar que não estamos falando de um grupo hegemônico com liderança
centralizada e objetivos previamente definidos de ação, estamos falando de grupos
fragmentários que se unem pela defesa pública de pautas cujo foco está na
conservação de um regime moralidades, a centralidade numa noção específica de
família e a defesa de valores racistas salvaguardados por grupos de supremacistas
brancos que encontraram nos modelos de associativismo civil as possibilidades de
manutenção de suas correntes políticas e, consequentemente, as possibilidades de
alguma representação política mesmo mediante a luta incansável de movimentos
sociais de resistência e ao reconhecimento crescente de direitos civis e de direitos
humanos. . Essa insistência em algumas pautas morais, algo bem semelhante ao
pietismo europeu dos séculos após a reforma protestante e ao pietismo estadunidense
do inicio do século XX, foi foco do trabalho da socióloga Sara Diamond cujo doutorado
defendido pela Universidade de Berkley ainda no inicio dos anos 90 resultou num livro
intitulado: “Roads to dominion: right-wing movements and political power in the
United States”. No livro, Diamond falava sobre grupos fragmentários que encontraram
nas campanhas anti-prostituição e pornografia, da guerra as drogas que resultou nas
políticas de encarceramento da população afroamericana e latina, discursos anti
globalização e contra politicas ambientais e na guerra ideológica contra o feminismo,
uma maneira de engajar politicamente um contingente da população americana no
ideal de nação e de liberdade de escolhas e de opiniões.
Nas cenas sobre a invasão do Capitólio em 6 de janeiro, vimos uma população
fantasiada com roupas de animais, exibindo as bandeiras dos confederados,
praticando violência, gritando palavras de ordem. Todas aquelas cenas nos rementem
a essa dimensão fragmentária dos movimentos de extrema-direita ou de nova direita
dos EUA, porém, as indumentárias usadas, os significados que cada corpo passou a
representar, as palavras que foram bradadas pelos corredores do lugar apresentado
como santuário da democracia estadunidense remontam a agenda conservadora e as
pautas que citei acima. Apesar de a gente perceber a presença de grupos religiosos na
invasão, com faixas de apoio a Donald Trump e mesmo com as cruzes em homenagem
a Ku Klux Klan, (considerando que a cruz sempre foi um símbolo importante para
grupos supremacistas brancos), acredito que seja fundamental pensarmos no papel de
determinadas lideranças religiosas no apoio ao Trump e a crença de que as eleições
presidenciais tinham sido fraudadas. É possível destacar duas lideranças religiosas de
alcance nacional, o primeiro deles é Franklin Graham, filho de Blly Graham, um dos
mais importantes evangelistas do século XX. Desde a eleição, Graham tornou-se
"conhecido, acima de tudo, como o aliado evangélico mais vociferante" de Trump. Ele
se opôs fortemente ao processo de impeachment, chamando-o de "inquisição injusta".
Em uma entrevista de 21 de novembro de 2020, Graham sugeriu que a oposição a
Trump era obra de um "poder demoníaco". Em dezembro, quando a revista
Christianity Today, fundada por seu pai, Billy Graham, publicou um editorial chamando
Trump de "profundamente imoral" e apoiando sua destituição do cargo, Franklin
Graham respondeu dizendo que seu pai também votou em Trump. As postagens
constantes de apoio a Trump e de questionamento do resultado das eleições
presenciais, e declarações de defesa da própria posição de Trump em relação a invasão
do Capitólio resultou em várias manifestações contrárias a Graham, com a produção
de uma petição para que ele seja afastado do cargo que ocupa junto a uma associação
de ação humanitária.
Outra liderança religiosa de alcance nacional que me parece fundamental para
pensarmos a crise que resultou na invasão do Capitólio é Robert Jeffress, pastor sênior
da Primeira Igreja Batista de Dallas, uma comunidade que reúne cerca de 14.000
membros, ao ser questionado sobre seu apoio a um presidente cuja trajetória estaria
marcada por atos de violência, Jeffress disse que não tinha absolutamente nenhum
arrependimento por ter apoiado de forma entusiasta a políticaa Trump nos últimos
quatro anos: .
“Ele é sem dúvida o presidente mais pró-vida e pró-religioso da história”, disse Jeffress
por e-mail. “O presidente tem todo o direito de considerar que a eleição foi
fraudulenta e de convidar aqueles que compartilham dessa crença a protestar
pacificamente. Ele não convocou nem tolerou as ações desprezíveis daqueles que
invadiram nosso Capitólio e agrediram a polícia1.
Não estou tentando estabelecer uma relação direta de causalidade entre as posições
publicas dos religiosos que citei aqui e a invasão ou a violência ocorrida no Capitólio, o
que estou pensando na verdade é que o modo como posições públicas podem
funcionar como produtoras de justificativas éticas para ativismos que representam
risco a democracia.

1
https://www.usatoday.com/story/news/nation/2021/01/12/evangelicals-donald-trump-capitol-riot-
voter-fraud/6644005002/

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