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Decolonialidade como

resposta histórica ao
racismo religioso no
Brasil

Profª Dra. Jacqueline Moraes Teixeira (USP)


Email: jacqueline.moraes.teixeira@usp.br
FRUTAS
MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA
Conferir comportamentos,
atitudes, sentimentos com
Qualificar pessoas de acordo base na percepção entre o que
com a percepção “racial” é homem e mulher.
COR SEXO
RAÇA SEXUALID
ADE Classificar pessoas, práticas e
afetos utilizando como critério
a sexualidade dos sujeitos.

CLASSE
classificar e perceber
GERAÇÃO
sujeitos valendo-se de Ordenar pessoas por idade.
critérios econômicos, sociais
e culturais.
Religião

considerar alguém
por sua crença ou
credo
O MÁRMORE E A MURTA: PADRE
ANTÔNIO VIEIRA
• Há umas nações naturalmente duras, tenazes e constantes, as quais dificultosamente
recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados; resistem com as armas, duvidam
com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam,
replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas, uma vez rendidas, uma vez que
receberam a fé, ficam nela firmes e constantes, como estátuas de mármore: não é
necessário trabalhar mais com elas. Há outras nações, pelo contrário - e estas são as
do Brasil -, que recebem tudo o que lhes ensinam com grande docilidade e facilidade,
sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas são estátuas de murta que,
em levantando a mão e a tesoura o jardineiro, logo perdem a nova figura, e tornam à
bruteza antiga e natural, e a ser mato como antes eram. É necessário que assista
sempre a estas estátuas o mestre delas: uma vez, que lhes corte o que vicejam os
olhos, para que creiam o que não vêem; outra vez, que lhes cerceie o que vicejam as
orelhas, para que não dêem ouvidos às fábulas de seus antepassados; outra vez, que lhes
decepe o que vicejam os pés, para que se abstenham das ações e costumes bárbaros da
gentilidade. E só desta maneira, trabalhando sempre contra a natureza do tronco e humor
das raízes, se pode conservar nestas plantas rudes a forma não natural, e compostura
dos ramos.”
PEQUENA HISTÓRIA DO TERMO
“RAÇA”

• Raça =“grupo ou
Séc XIX • Raça = não há raças
categoria de pessoas humanas. Aplica-se
conectadas por uma • Darwinismo Racial – apenas a animais
origem comum” Raça – os atributos • O Termo foi usado
fenotípicos –definia para classificar
moralidades e pessoas em termos
comportamentos
Pós 2ª
negativos
Séc XVI
GM
FINAL DO SÉC. XIX E INÍCIO DO XX
Teorias raciais chegaram no Brasil em meados do século XIX no momento em que a abolição da escravidão
tornava-se irreversível.

Teorias raciais transformaram desigualdades sociais em matéria de natureza – Raça foi introduzida com base em
dados da biologia da época

Releitura Brasileira das teses estrangeiras –


A) Tese da Falência da Nação – Poligenismo e incompatibilidade entre as diferenças
B) Tese do Branqueamento – alinhou o modelo evolucionista (que acreditava a humanidade passar por etapas
diferentes de desenvolvimento), o darwinismo social (que negava o futuro à miscigenação racial) mas positivou a
miscigenação via branqueamento. Essa tese justificaria o incentivo à imigração ainda nos últimos anos do
Império.
QUEM FOI TRAZIDO E ESCRAVIZADO
NO PAÍS DURANTE O SÉCULO XIX?
- Golfo de Benin

As/os africanos vítimas do tráfico e da escravização nesse período eram em sua maioria dos
grupos jejes, nagôs e haussás, apesar de que nas primeiras décadas muitas pessoas ainda
foram trazidas de Angola
Com o avançar dos anos, os nagôs se tornam o grupo mais atingido pelo tráfico e pela
escravização se tornando o grupo mais dominante entre os africanos residentes no Estado da
Bahia
Com a proibição do tráfico negreiro, a partir de 1831, o Brasil passou a priorizar escravizar
crianças, fazendo com que desembarcasse entre 1832 e 1833, 79 mil crianças e adolescentes
africanas no Porto de Salvador
A ESCRAVIDÃO COMO TECNOLOGIA
MERCANTIL
• Estimasse que 12 milhões de pessoas foram trazidas do continente africano para as
Américas para serem escravizadas, 45% desembarcaram no Brasil, ao menos 5 milhões de
pessoas entraram pelos portos brasileiros para serem escravizadas

• A Bahia recebeu 371 mil pessoas nagôs entre 1800 e1850, quase 7 vezes a população da
cidade de Salvador e 1850

• Para o poder escravocrata da época a distinção entre escravo doméstico e escravo de ganho
era tênue pois os proprietários se serviam da população escravizada e as alugava seus
serviços em ambas as situações
NAGÔS
• Os nagôs, também chamados genericamente de sudaneses, eram oriundos de várias etnias, entre elas
os iorubás, mahis e mandingas. O termo nagô, aliás, é igualmente bastante genérico, pois inclui
nações com grande diversidade linguística (e muitas vezes inimigas na África), embora a maioria
partilhasse de uma cultura similar e de uma religiosidade islamizada.

• O grande êxodo desses africanos para o Rio de Janeiro – em ritmo jamais visto antes na história –
começou com a Revolta dos Malês, que sacudiu a Bahia em 1835. O levante, organizado pelos
africanos muçulmanos, tinha como objetivo o fim da imposição do catolicismo, a libertação dos
escravos e a tomada do poder político da província. O governo de Salvador respondeu aos rebeldes
com atos duríssimos, e os proprietários baianos de escravos passaram a temer a “índole rebelde” dos
cativos oriundos da Costa da Mina. Fora isso, a queda contínua do preço do açúcar no mercado
internacional, a partir de 1830, levava os senhores de engenho a buscar novas formas de enfrentar a
crise. Com a Revolta dos Malês, a solução encontrada foi vender, em grande quantidade, seus
escravos para a Corte carioca.
PORTO DE BENIN/ COSTA DA MINA
´NAGÔS´ ESCRAVIZADOS CHEGANDO
NO RIO DE JANEIRO
A RUA ERA DAS NEGRAS E NEGROS
• Viajantes estrangeiros estranhavam ver o quanto as ruas nas cidades brasileiras eram
habitadas por pessoas negras escravizadas, libertas ou livres que atuavam no comercio
informal

• Esse comércio era sustentado em sua maioria por ganhadeiras, mulheres que vendiam
comidas, faziam consertos de roupas e outros consertos pequenos, e ganhadores, homens
que se ocupavam do transporte e distribuição de tudo, inclusive das pessoas

• Jean Baptiste Debret, em visita a Salvador vai dizer:


• “ por aqui, tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é negro” (p.21)
RETRATOS DE DEBRET SOBRE A VIDA
EM SALVADOR
GANHADEIRAS E GANHADORES SEC. XIX
GANHADEIRAS E GANHADORES SEC.
XIX
GANHADEIRAS
GANHADEIRAS
NOÇÃO DE CLASSES PERIGOSAS
• A experiência nas cidades brasileiras no século XIX coloca na instauração da primeira
constituição da república a necessidade de se delimitar as ações em relação as classes
perigosas

• - se constitui uma relação entre pobreza e classe perigosa


• - se constitui uma relação entre abolição e as classes perigosas
• - se constitui uma relação ética entre raça, pobreza, vício e criminoso

• “ o contexto histórico em que se deu a adoção do conceito de “classes perigosas” no Brasil


fez com que , desde o inicio, a população negra se tornasse suspeita preferencial” (p. 27)
SECULAR E RELIGIOSO
• Liberdade Religiosa como princípio constitucional:
 
• a definiçã o sobre a autonomia jurídica das associaçõ es religiosas
• (i)nã o pesa nenhuma restriçã o específica sobre a vida econô mica das associaçõ es
religiosas, cabendo aos seus estatutos estipular as formas de gestã o, relaçã o entre
membros e os objetivos do coletivo;
• (ii) as associaçõ es religiosas ganham personalidade jurídica pelo registro civil de seu
estatuto, o que independe de qualquer autorizaçã o prévia;
• (iii) as associaçõ es religiosas estã o submetidas ao mesmo regime civil das outras
sociedades sem fins lucrativos, sem corresponder a uma figura jurídica distinta e pró pria

O SECULAR E O RELIGIOSO NO BRASIL

• * Noção de cooperação entre Estado e Religião (constituição de 1934)


• * Perseguição as religiões de matriz africana
• * O estatuto da religião no código civil de 1917 a 2003
AS FORMAS DE CRIMINALIZAÇÃO DAS
RELIGIÕES AFRO NO BRASIL
• o código penal de 1890 instituiu a caça aos praticantes da magia e seus sortilégios, ou
seja, ao feitiço. O artigo 157 do primeiro código penal republicano proibia o espiritismo,
a magia e seus sortilégios

• Outro artigo proibia, como até hoje, o “curandeirismo”

• Com estes artigos o Estado brasileiro legitimou a denúncia aos feiticeiros e, desde
então, regulou as acusações, punindo os que usavam seus poderes sobrenaturais para
praticar o mal. Muitos pais e mães-de-santo foram perseguidos, presos e acusados de
praticar  feitiçaria.
ACERVO DE PEÇAS APREENDIDAS PELA
DELEGACIA DE ASSUNTOS RELIGIOSOS
ACERVO MUSEU DA MAGIA NEGRA –
IPHAN RJ
COLONIALISMO E COLONIALIDADE

• Colonialismo diz respeito a uma "relação de dominação direta, política, social e cultural dos
europeus sobre os conquistados de todos os continentes." Ainda afirma que o "colonialismo, no
sentido de uma dominação política formal de algumas sociedades sobre outras, parece assunto
do passado"6 (p. 437).
• A colonialidade é referente ao entendimento de que o término das administrações coloniais e a
emergência dos Estados-nação não significam o fim da dominação colonial. Há, como afirma o
autor, a continuidade da estrutura de poder colonial e, portanto, da dominação colonial, por meio
do que denomina colonialidade sendo, então, posta a necessidade de um movimento teórico-
político de contraposição: o decolonial
DA DESCOLONIZAÇÃO A
DECOLONIALIDADE
• Descolonial em seu significado de desfazer o colonial encontraria maior sentido como
contraposição ao colonialismo e não à colonialidade.
• A noção de colonialidade decorre do fato de que os processos de descolonização não
resultam em mundos descolonizados.

• Não foi completa a primeira descolonização iniciada no século XIX pelas colônias
espanholas e portuguesas e no século seguinte pelas colônias inglesas e francesas. Este
primeiro movimento implicou na independência apenas jurídico-política formal de
Estados-nação construídos como margem.
• a categoria decolonialidade é compreendida assim como uma segunda descolonização
GRADA KILOMBA
GRADA KILOMBA
• Grada Kilomba (Lisboa, 1968) é uma escritora, psicóloga, teórica e artista interdisciplinar
portuguesa reconhecida pelo seu trabalho que tem como foco, o exame da memória, trauma,
género, racismo e pós-colonialismo e está traduzido em várias línguas, publicado e encenado
internacionalmente.
• Com raízes em São Tomé e Príncipe e Angola, reside desde 2008 em Berlim (Alemanha) e a
experiência de crescer, estudar e trabalhar num país com fortes traços colonialistas marca
profundamente o seu trabalho.
Conhecida principalmente pelo espaço híbrido que o seu trabalho cria, onde as fronteiras entre
as linguagens académicas e artísticas se confinam. A multidisciplinaridade da sua obra expande-
se desde à escrita, à leitura encenada dos seus textos, assim como instalações de vídeo e
performance.
Leciona em várias universidades internacionais e recentemente na Universidade de Humboldt,
em Berlim, nas áreas de Estudos de Género e Estudos Pós coloniais
EXPERIÊNCIAS DE VIVER EM LISBOA E
BERLIM
• - responsabilidade de criar novas configurações de poder e reconhecimento

• Lisboa: glorificação da história colonial

• Berlin: lugar onde a história colonial e o imperialismo provocava culpa e vergonha

• Transitar entre esses territórios fez com que Kilomba pensasse em sua obra a necessidade de
se produzir um percurso de conscientização coletiva:
• Negação – culpa – vergonha – reconhecimento - reparação
NA DECOLONIALIDADE É POSSÍVEL PENSAR A DIFERENÇA
ENTRE RESPONSABILIZAÇÃO E MORALIZAÇÃO

“ Uma sociedade que vive na negação, ou até mesmo na


glorificação da história colonial, não permite que novas
linguagens sejam criadas. Nem permite que seja a
responsabilização e não a moral , a criar novas configurações de
poder e de conhecimento”
MEMÓRIAS DA PLANTAÇÃO: EPISÓDIOS
DE RACISMO COTIDIANO

• “ O colonialismo é uma ferida que nunca foi tratada.


• Uma ferida que dói sempre
• por vezes infecta,
• por vezes sangra.”

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