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O ARCO E O CESTO

P. CLASTRES
PIERRE CLASTRES

- Importante antropólogo e etnólogo francês (1934-1977).


- Fundador da antropologia política.
- A Sociedade contra o Estado é sua obra fundamental, composta
por 11 artigos publicados entre 1962 e 1974.
- Crítica à razão ocidental e à razão política.
A SOCIEDADE CONTRA O
ESTADO
-Tese: sociedade civil pode prescindir da figura do Estado
- As sociedades indígenas são sociedades sem Estado porque elas são sociedades
contra o Estado.
- Utiliza dados etnográficos de diversos povos da América do Sul.
- Figura do chefe indígena = autoridade que não detém nenhum poder (ainda que
dotado de alguns privilégios).
- Suas obrigações e habilidades estão relacionadas à generosidade e o dom de
oratória – o chefe indígena é aquele que pode dar e sabe falar.
- Para Clastres não se trata de uma chefia esvaziada de poder, sem poder, mas
impedido pela própria sociedade de ter poder.
A SOCIEDADE CONTRA O
ESTADO
“O chefe está a serviço da sociedade, é a sociedade em si mesma - verdadeiro
lugar do poder - que exerce como tal sua autoridade sobre o chefe. É por isso
que é impossível para o chefe alterar essa relação em seu proveito, colocar a
sociedade a seu próprio serviço, exercer sobre a tribo o que denominamos
poder: a sociedade nunca tolerará que seu chefe se transforme em déspota.

Grande vigilância, de certo modo, a que a tribo submete o chefe, prisioneiro


em um espaço do qual ela não o deixa sair.”
A SOCIEDADE CONTRA O
ESTADO

- Sociedades indígenas deixam de ser vistas como primitivas, atrasadas ou infância


das sociedades modernas, como na abordagem evolucionista.
- Ruptura com o enfoque político e econômico tradicional – abandono do olhar
etnocêntrico.
- Sociedades definidas pela falta (negativamente) = Não são sociedades sem lei, nem
rei ou fé – existência de outras formas de organização.
- Economia de subsistência, por isso não há necessidade de mercado e excedentes.
Entretanto, são sociedades onde há abundância (Sahlins).
- Recusa do Estado em nome da liberdade.
O ARCO E O CESTO
- Trata sobre uma clara distinção e oposição presente na sociedade guaiaqui que
domina a vida cotidiana, baseada na divisão sexual das tarefas.
- Ou seja, dois campos nitidamente separados de atividades voltadas para homens e
mulheres.
- Campos separados e complementares.
- Guaiaqui são nômades e vivem exclusivamente da caça e da coleta – ambas
realizadas por homens (coleta para esse grupo é associada a uma atividade
masculina).
- Monopólio dos homens no plano da “produção” de alimentos.
“A diferença entre homens e mulheres ao nível da vida econômica surge como a
oposição de um grupo de produtores e de um grupo de consumidores” p.73
O ARCO E O CESTO
- Oposição que confere sentido a todo um conjunto de atitudes ligadas às relações sociais
(para além da vida econômica).
- Divisão espacial: signos contrários relacionados à floresta e o acampamento para
homens e mulheres
- Oposição na estruturação do tempo.
- Desequilíbrios que se exprimem na oposição entre o ARCO e o CESTO.
“Cada um desses dois instrumentos é, com efeito, o meio, o signo e o resumo de
dois ‘estilos’ de existência tanto opostos como cuidadosamente separados. Quase
não é necessário sublinhar que o arco, arma única dos caçadores, é um instrumento
exclusivamente masculino e que o cesto, coisa das mulheres, só é utilizado por elas:
os homens caçam, as mulheres carregam. A pedagogia dos guaiaqui se estabelece
principalmente nessa grande divisão de papéis” p.74
O ARCO E O CESTO
- Grande oposição segunda a qual funciona a sociedade guaiaqui é estabelecida por meio de
um sistema de proibições recíprocas.
- Objetos e instrumentos são neutros, exceto pelo arco e pelo cesto.
- Os homens são proibidos de tocarem o cesto, sob o risco de se tornarem panema.
- As mulheres são proibidas de tocarem o arco, sob o risco de o proprietário se tornar
panema.
“Os sentimentos que cada sexo experimenta com relação ao objeto privilegiado do outro são
muito diferentes: um caçador não suportaria a vergonha de transportar um cesto, ao passo
que sua esposa temeria tocar seu arco. É que o contato da mulher e do arco é muito mais
grave que o do homem e do cesto. Se uma mulher pensasse em pegar um arco, ela atrairia,
certamente, sobre seu proprietário o pané, quer dizer, o azar na caça, o que seria desastroso
para a economia dos guaiaqui. Quanto ao caçador, o que ele vê e recusa no cesto é
precisamente a possível ameaça do que ele teme acima de tudo, o pané.” p.75
O ARCO E O CESTO
- Os homens só existem como caçadores.
- Se um homem é vítima de maldição, sendo incapaz de exercer sua função de
caçador, ele perde sua própria natureza e sua substancia lhe escapa.
- O abandono do arco significa a renuncia à masculinidade.
- Ao abandonar o arco o homem torna-se metaforicamente mulher, passando
do arco para o cesto.
O ARCO E O CESTO
- Existência de dois casos entre os guaiaqui de homens que carregavam cestos.
- O primeiro deles era um panema, que não tinha arco e era viúvo.
No entanto, estava também rejeitado no campo simbólico do cesto (apesar de
usar um cesto que lhe havia sido concedido por uma mulher) e seu azar na caça
obstruía seu acesso às mulheres, o que o fazia perder, ao menos parcialmente,
sua qualidade de homem.
- O segundo era um sodomita que vivia como as mulheres.
Ele adotou comportamentos e atitudes próprias do sexo feminino e considerava
que aquele era seu lugar natural, por isso recusava seu contato com o cesto.
O ARCO E O CESTO
- De acordo com relatos da tribo ele era homossexual porque era
panema.
- Por outro lado, talvez seu azar na caça era proveniente de ser um
“invertido inconsciente”.
- Entretanto, sua homossexualidade se tornou oficial (reconhecida
socialmente) quando ficou evidente sua incapacidade de usar o
arco.
O ARCO E O CESTO
- Diferentes aceitações de cada caso por essa sociedade.
- Ambos eram panema, mas um permaneceu sendo homem, enquanto o
outro assumiu sua condição de homem não-caçador, “tornando-se” uma
mulher.
- O panema “homossexual” ocupava um lugar definido, ainda que
paradoxal.
- O panema “homem”, por não se situar em nenhum lugar identificável,
constituía uma espécie de escândalo lógico, pois - ao não se situar em
lugar identificável - ele escapava do sistema e introduzia um fator de
desordem.
O ARCO E O CESTO
- O panema que não abandonou seu lugar de homem era caçoado pela
sociedade.
- Seu modo de carregar o cesto era diferente da maneira feita pelas mulheres
(elas carregavam na testa, enquanto ele o fazia pelos ombros), o que indica que
mesmo sem o arco ele continuava sendo um homem.
- Sentimento agudo de abandono.
- Representava o ponto de contato entre duas regiões normalmente separadas:
permanecer homem sem ser caçador/ utilização de um cesto por um homem.
Em suma, tratam-se de posições que marcam todos os aspectos da vida
guaiaqui, entre eles a relação com o canto.
ASPECTOS SOCIAIS GERAIS
- Tabu da caça
Negativo: a conjunção entre o caçador e os animais mortos, no plano do consumo,
implicaria uma disjunção entre o caçador e os animais vivos, no plano da “produção”.
Positivo: princípio estruturante que funda como tal a sociedade guaiaqui.
Interdição alimentar em relação à própria caça (que força os homens a doarem sua
“produção” e receber de outros o seu alimento) é o fundamento da própria sociedade.
- A sociedade ganha em força o que os indivíduos perdem em autonomia.
Com forte influência estruturalista e do binarismo levistraussiano, Clastres adota as
ideias de troca de mulheres, bens e mensagens como aquilo que funda a sociedade,
engendrando, através das relações de troca e reciprocidade, a própria sociedade.
ASPECTOS SOCIAIS GERAIS
- Excesso de homens em relação ao número de mulheres.

- Diversas opções para a equalização: eliminar os recém-nascidos do sexo masculino,


aceitar a existência de um número de celibatários ou aumentar o número de maridos
reais para cada mulher, instituindo um sistema de casamento poliândrico.

- Sobreposição da poliandria sob a troca de mulheres.

“Os homens suportam a poliandria porque ela é necessária em virtude do déficit de


mulheres, mas suportam-na como uma obrigação muito desagradável” p.83
ASPECTOS SOCIAIS GERAIS
- Analogia estrutural - Aproximação entre a relação do homem com a caça e do marido e
sua esposa.
- A relação entre a caça e o caçador, assim como a relação entre o marido e sua esposa é
mediada por outro homem.
“Constata-se inicialmente que, em relação ao homem como caçador e como esposo, os
animais e as mulheres ocupam um lugar equivalente. Em um caso, o homem se vê
radicalmente separado do produto de sua caça, uma vez que não deve consumi-la; no
outro, ele não é nunca completamente marido, mas, na melhor das hipóteses, um semi-
marido: entre um homem e sua mulher vem interpor-se o terceiro termo: o marido
sedundário. Assim como um homem, para se alimentar, depende da caça realizada pelos
outros, assim um marido, para “consumir” sua esposa, depende do outro esposo, cujos
desejos, sob pena de tornar a coexistência impossível, deve também respeitar” p.84
ALTERNATIVA APRESENTADA
AOS HOMENS
- Para os homens o canto dos caçadores é o lugar da resistência – ocupa uma posição
simétrica e inversa ao tabu alimentar e a poliandria.
- Canto dos caçadores é o espaço da negação de sua posição como caçador e como
marido.

“ Os caçadores guaiaqui encontraram em seu canto o truque inocente e profundo que


lhes permite recusar no plano da linguagem a troca que eles não podem abolir
naquele dos bens e das mulheres” p. 85
ARGUMENTOS CENTRAIS
- Categorização do mundo na sociedade guaiaqui se dá a partir de noções de gênero, ou seja, de
feminino e masculino.
- A divisão sexual do trabalho reflete uma separação nítida entre os espaços físicos, de forma que a
floresta é definida como o espaço masculino por excelência e o acampamento o espaço feminino.
- Oposição no que se refere à vida econômica: homens são “produtores” e mulheres “consumidoras”
- No entanto, o autor mostra, a partir de dois exemplos desviantes, que a noção de gênero não está
totalmente associada ao sexo.
- Exemplos permitem mostrar que na construção simbólica estabelecida pelos guaiaqui, embora haja
uma forte separação sexual do trabalho, que se reflete numa clara divisão das atividades, espaços e
dos instrumentos, há uma construção de gênero que, para além do sexo, possibilita que uma pessoa
assuma um lugar social que difere do seu sexo.

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