Você está na página 1de 17

ROHDEN, F.

Ginecologia, Gênero e
Sexualidade na Ciência do Século XIX
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa
Catarina

Mestre e doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal


do Rio de Janeiro (2000).

É professora adjunta do Departamento de Antropologia da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da


Saúde (NUPACS)

Pesquisadora associada do Centro Latino Americano em Sexualidade


e Direitos Humanos.

Áreas de pesquisa: Relações de gênero, corpo, sexualidade, saúde,


gênero e ciência e história da medicina no Brasil.
Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da
mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001;2009
A arte de enganar a natureza: contracepção, aborto e
infanticídio no início do século XX. Rio de Janeiro: Fiocruz,
2003
Ciências na vida: antropologia da ciência em perspectiva.
Orgs. Claudia Fonseca, Fabíola Rohden e Paula Sandrine
Machado, São Paulo: Terceiro Nome, 2012.
Corpo e Saúde na Mira da Antropologia: Ontologias,
Práticas, Traduções. Orgs. Cecília MacCallum e Fabíola
Rohden (EdUFBA/ABA, 2015)
Antropologia da Ciência e da tecnologia: dobras reflexivas,
Orgs. Claudia Fonseca, Paula Sandrine Machado e Heloisa
Salvatti Paim. RS: Sulina, 2016
Objetivos:

Analisar a emergência da ginecologia brasileira na


2ª metade do século XIX.

◦ Qual a singularidade histórica desta especialidade no


campo da medicina?

◦ Qual a justificativa ideológica para sua consolidação?


2a metade do século XIX => período de significativas transformações
socioeconômicas:
Industrialização
Urbanização crescente
Grandes empreendimentos científicos e tecnológicos
A entrada mais efetiva da mulher no mercado de trabalho
O surgimento de movimentos de reivindicação de direitos => ideário
da Revolução Francesa
◦ Movimento abolicionista
◦ Movimento feminista de ‘primeira onda’: direitos políticos, sociais
e econômicos, ou seja, as demandas eram por direito ao voto,
trabalho remunerado, direito ao estudo e propriedade privada
Consolidação do dimorfismo sexual enquanto
norma e ideal
Segundo Laqueur, a passagem da hegemonia do
modelo de sexo único para o modelo de dois sexos
teria ocorrido entre o final do século XVIII e inicio
do século XIX.
Conforme vimos na aula passada, esse
deslocamento está relacionado a 2 processos:
◦ Transformações epistemológicas – formas de apreensão
do mundo e do indivíduo
◦ Transformações políticas
A partir de um levantamento das teses produzidas
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro entre
1833 e 1940, a autora procura nos mostrar:
O grande interesse em problemas relativos à
sexualidade e reprodução – 22,3% das teses
A desproporção entre os trabalhos que se dedicam
especificamente às mulheres e aos homens em se
tratando destas temáticas diferentemente do
homem, “a mulher é tratada no discurso médico
como eminentemente presa à função sexual
reprodutiva.” (2002, 107)
Emerge como especialidade cirúrgica
Avanços científicos e tecnológicos foram cruciais para seu
desenvolvimento
◦ Anestesia
◦ Anti-sepsia
◦ Assepsia
‘Pais’ da ginecologia –
Ephraim MacDowell = primeira ovariotomia em 1809
J. Marion Sims = cirurgia de fístula vésico-vaginal 1849
Criação do Espéculo de Sims
Consolidação associado ao desenvolvimento de instituições
hospitalares (2ª metade sec. XIX) vinculadas a escolas médicas e ou
voltadas especificamente para mulheres
“Intervindo no terreno da reprodução e sexualidade,
estavam sujeitos aos questionamentos de ordem
moral. Eles aliavam, paralelamente, o prestígio advindo
com a maior precisão das intervenções, eficácia nos
tratamentos e complexificação das teorias, à
fragilidade moral inerente ao seu campo de atuação.”
(2002,115)
◦ Ascenção social da G.O. assoc. a
Sua desvinculação com práticas de aborto e contracepção
Sua definição como “especialidade guardiã da honra feminina e da
regulação das manifestações corporais da mulher, de modo que a
maternidade fosse bem encaminhada, a reprodução garantida e a
ordem social cristalizada.” (2002, 115)
“É a crença na singularidade do corpo feminino como
determinado `a reprodução que possibilitou a formação
dessa especialidade, que definiu as mulheres como um
grupo particular de pacientes e um tipo distinto na
espécie humana.” (ROHDEN, 2002,115)
MOSCUCCI – “A democracia minara a antiga base da
autoridade patriarcal, e, consequentemente, era
necessário repensar a relação entre os sexos segundo
novas linhas. À natureza, não à religião ou à metafisica,
cabia definir o lugar que homem e mulher ocupariam na
nova ordem social.” (MOSCUCCI, 1996, 3 apud. ROHDEN,
2002,116)
Segundo Jamieson (1887), ginecologista e professor de medicina.
Objeto da Antropologia – historia natural da raça humana
Objetivo da Antropologia- criação de classificações distintivas entre
os homens
◦ Grau de civilização
◦ Cor da pele
◦ Tipos de fala
◦ Sexo e diferenças sexuais

Ginecologia Andrologia ::::::


Tensão e tentativa de reconciliação entre unidade da espécie
(Natureza humana) e delimitação de diferenças nem sempre
irredutíveis

Antropologia do séc. XIX até os anos 1930 e a Ginecologia:


◦ Ambas buscavam determinar como se processava a
interação entre natureza e cultura:
corpo e mente
Instinto e razão
Sentidos e faculdades morais
Diferenças sexuais
◦ Não se limitam aos órgãos genitais
◦ Dizem respeito à totalidade da fisiologia e anatomia (corpo) e da
psicologia (mente)
◦ São universais e constitucionais

Sexualidade: um processo biológico dinâmico que transcorre da


concepção à puberdade recorre-se ao modelo unicista para
discutir a origem embrionária e o desenvolvimento sexual
◦ Fascínio pela indeterminação e ambiguidade que também é vista
como maior fonte de perigo: bissexualidade; latente
hermafroditismo
◦ Como indica Laqueur, o modelo do sexo único não desapareceu
com a proeminência do dimorfismo sexual
Buscava-se estabelecer as evidências ‘naturais’ e
‘científicas’ da inferioridade feminina para legitimar
diferenças entre seus papeis sociais:
Homens: mundo público
Mulheres: esfera privada – reprodução da família

O cérebro do homem governaria seus instintos e emoções.


O homem se distingue da mulher pela sua maior capacidade
intelectual

A mulher seria governada pela sua fisiologia inerentemente


patológica. A mulher seria dominada pelas suas funções
instintivas e emocionais
Craniometria: homem:: pelvimetria: mulher

Homens e mulheres especializados para funções


diferentes e complementares
◦ Craniometria: estabelece a ‘superioridade’ do homem
branco
◦ Pelvimetria: estabelece a ‘superioridade’ da mulher branca
“ A relação intrínseca entre a patologia e a natureza
feminina exigia a criação de uma ciência específica; ao
passo que, embora existissem as desordens na próstata
e testículos, a patologia do sistema sexual masculino não
determinava a natureza do homem.” (ROHDEN, 2002, 120
apud MOSCUCCI, 1996, 31-3)
Assimetria entre a antropologia e a ginecologia:
a antropologia tratava da humanidade a partir do modelo
masculino
A ginecologia tem por objeto a ‘natureza’ da mulher a partir
de uma concepção patológica do seu sistema sexual
“O interessante é que ambas têm em comum
o recurso a supostos dados biológicos que
legitimam visões de mundo e hierarquias
sociais” (ROHDEN: 2002, 122)

Você também pode gostar