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3ª.

Aula – dia 10/05/2021 – aula síncrona –


expositiva/dialogada.

Tema: Afeto, Sexualidades e


Homosexualidades em sociedades tribais.

Profa. Sônia Missagia de Mattos


DCSO/UFES
EMENTA
•.
Trajetória das teorias feministas contemporâneas. Implicações teórico-epistemológicas
da noção, de gênero: Transdisciplinaridade, teorias parciais "versus" teorias do
conhecimento universal. Os usos do gênero como categoria analítica. Desafios atuais
das teorias de gênero.

1. OBJETIVO GERAL O objetivo geral dessa disciplina é analisar alguns


desdobramentos da categoria gênero na Teoria Antropológica e em áreas do
conhecimento afins..

2. - OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1. - Compreender, analisar e discutir sexo, gênero e sexualidade na teoria
antropológica.
2. - Identificar diálogos entre a Antropologia do Gênero e Antropologia da Ciência e
da Tecnologia.
3. - Mapear influências de ideologias e práticas colonizadoras e o surgimento de
políticas de patologização de identidades.
. “O que gênero é, o que os homens e mulheres são, e os tipos de
relações que acontecem entre eles não são simples elaborações de dados
biológicos mas, em grande medida, produtos de processos culturais e
sociais”.
No sentido que lhe é atribuído hoje, “gênero” veio abarcar um universo
muito mais amplo. E, apesar de o antagonismo de sexo ser interpretado
ainda em termos comportamentais – como uma questão de relações entre
situações divergentes entre homens e mulheres – as análises deslocaram-se
para o universo simbólico. - ORTENER, Sherry B. and WHITEHEAD, Harriet.
Sexual Meanings. The Cultural Construction of Gender and Sexuality. Introduction
Cambridge University Press. 1992. p. 1.
. Bibliografia de apoio:
- MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. SP. Perspectiva. 4ª edição, 2000.
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1219?show=full

- MALINOWSKI, B. A Vida Sexual dos Selvagens. RJ Francisco Alves, 1983.


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4241179/mod_resource/content/1/Ma
linowski-A-Vida-Sexual-Dos-Selvagens-Livro-pdf.pdf
;

­ EVANS-PRITCHARD, E. E. A Inversão Sexual entre os Azande in Re v i s t



a Bagoas (http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v06n07art01_pritchard.pdf)

– BATESON, Gregory. Naven .São Paulo. Edusp. 2006. (Resenha


disponível)

http://www.rau.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/05/r@uprimeiraedicao-rese
nha-3.pdf

– VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “A relação apihi-pihã: fintando a


afinidade”. In: Araweté – os deuses canibais. RJ. Zahar, 1986 (pp.422-437).
https://monoskop.org/images/c/c3/Viveiros_de_Castro_Eduardo_Arawete_ O
s_deuses_canibais_1986.pdf
• Repensando Gênero
•Sônia Missagia de Mattos

•MATTOS, Sônia Missagia. Repensando Gênero. IN:


AUAD, Sylvia M. Von Atzing Venturoli. Mulher – Cinco
séculos de desenvolvimento na América. Belo Horizonte:
Federação. Internacional de Mulheres da Carreira
Jurídica, CREZ/MG, Centro Universitário Newton Paiva,
IA/MG, 1999.

.
• Resumo: Esse artigo decorre de um esforço
realizado para analisar a construção natural
(determinismo biológico), assim como a construção social
(simbolismo de gênero) de homens e mulheres, e tenta
apresentar uma possibilidade de representação de
gênero que não seja apenas uma metáfora para explicar
diferenças de base sexual entre pessoas.

•Gênero aqui é tratado como um instrumento analítico,


cujos referentes estão ancorados em um imaginário
sexual mas que transcende a sexo, por isso, utilizado
para mapear e desnaturalizar representações fixas e
binárias das chamadas identidades sexuais.
A construção de gênero baseada em características
biológicas acaba por definir homens e mulheres como
categorias naturais, essencializadas1, resistentes às
forças arbitrárias da cultura, da história e da pessoa.

De acordo com Garfinkel, as crenças que constituem


essas categorias naturais são julgadas e mantidas com
uma convicção tal que parece quase impossível mudar a
validade delas. 2

.
• Mas, enquanto gênero permanece algo tão evidente
para aqueles que se prendem a uma atitude natural, ele
tem se tornado um conceito altamente enfocado e
discutido porque esta questão, aparentemente simples, é
muito complexa.

•É complexa devido mesmo às concepções que remetem


para caracteres físicos do corpo o que se vincula às
categorizações pessoais e sociais.

.
. Na vivência do dia a dia, gênero nunca se reduz a
caracteres sexuais, mas sim a um conjunto de
categorizações morais, a um conjunto de
comportamentos socialmente sancionados e
constantemente reavaliados, negociados, lembrados.

- Ou seja, do ponto de vista empírico gênero é algo em


constante processo de produção.

- -Do ponto de vista analítico “gênero não tem em si


mesmo qualidades definicionais, atuando como um
operador de reconhecimento de um campo específico
entre as categorias de diferenciação.” 3
Gênero não se refere a sexo, mas ao
arranjo convencional dos relacionamentos
entre os corpos de homens e mulheres que
são históricos.
l. Strathern mostra que o simbolismo “masculino” e “feminino” pode
sustentar a mesma oposição que as noções de “controle” e,
opostamente, de “adaptação” que estabelecem um relacionamento
de sujeito-objeto entre cultura e natureza.

Para ela, é dessa forma que usamos masculino e feminino em um


sentido dicotômico. Essas categorias representam a espécie
humana dividida em duas metades – de modo que o que uma é, a
outra não o é.
Ainda ,segundo Strathern, a divisão tem um impacto mais
claro em termos biológico-reprodutivo, de forma que há
um constante empenho em se remeter as diferenças
comportamentais para a biologia.

E, apesar de não concebermos sempre a natureza e


cultura como opostos, uma vez que trazemos esses
termos dentro de várias outras relações –“ como um
continuum, um processo, uma hierarquia - essas relações
são redirecionadas às categorias masculino e feminino
para produzir uma série de afirmações não dicotômicas
Dessa forma, do equacionamento entre mulher e
natureza, pode seguir que: as mulheres são mais
“naturais” - em um ponto particular de um continuum; que
o poder da natureza das mulheres pode ser controlado
pelas estratégias culturais - da mesma forma que o
mundo pode ser domesticado, uma questão de processo;
as mulheres são avaliadas como inferiores - valor
hierárquico; que elas têm um potencial generalizado de
realizações, em relação ao potencial particular dos
homens.”
Uma questão fundamental aqui é que, na sociedade, as

noções de masculino e feminino não envolvem apenas

um relacionamento de complementaridade mas de

oposições hierárquicas.

E, a despeito do modo que essas noções sejam

empregadas tende a haver uma equiparação de mulher

com a natureza.
•I - A construção natural de homens e mulheres – o
determinismo biológico - e ideias e atitudes a essa
construção associadas.

•Entre os conceitos da nossa tradição de pensamento, os de


“natureza” e “cultura”, postos de modo dicotômico, são de grande
importância para ajudar a entender o imaginário que elabora essa
construção – uma vez que esse par binário permite entender que
tudo o que existe no mundo ou é natural – dado pela natureza – ou,
cultural – elaborado pelo homem.

•Esse par de opostos, aliado a vários outros fatores, tem uma função
cognitiva e vem servindo como tentativa de explicação da realidade.
Foi justamente ao redor da idéia de “natureza”,
no momento da consolidação do pensamento
científico, que foi sendo construído todo um
sistema de naturalização do sexo e de
discriminações e exclusões entre os sexos. A
divisão hierárquica dos papéis que foram
distribuídos entre homens e mulheres
embrenharam-se no natural.34
.
.
A oposição entre mulher e homem fundada dessa forma,
passa a servir para estabelecer verdades que são
totalmente desconectadas com gênero e com o corpo.

O poder destas verdades advém do modo de como elas


funcionam como dadas, ou premissas primeiras de ambos
os lados de um argumento, de forma que os conflitos dentro
dos campos discursivos são estruturados mais para seguí-
las que para questioná-las.35

Elas possibilitam não só manipular conceitos e definições


mas, também, implementar o poder institucional e político.
36
. As ciências e a medicina foram os mediadores de
nossas idéias sobre natureza, cultura e gênero. Um dos
mais poderosos aspectos das construções médicas e
científicas da sexualidade está na forma, segundo a qual
categorias aparentemente universais tornaram
homogêneas todas as mulheres e, de certa forma, todos
os homens.

Talvez um dos problemas do corrente uso promíscuo da


dicotomia natureza/cultura em relação a gênero seja que
ele tenha tomado como verdadeiros, os argumentos da
ciência ocidental e dessa forma acabado por cair em um
biologismo que cabe às ciências sociais, incluindo a
história e a antropologia, combater. 37
•‘. II - Teoria Feminista: uma reação ao natural
•Foi justamente questionando os arranjos convencionais dos
relacionamentos que reduzem a caracteres biológicos (naturais) a
determinação hierárquica de lugares e postos para homens e
mulheres na sociedade que emergiram os movimentos feministas -
principalmente nos países anglo-saxões.

•Esses movimentos foram equiparado aos movimento dos jovens e


ao movimento. dos trabalhadores e eram ditos, pelo Kaiser
Wilhelm, Alemanha: 1910, como uma das mais perigosas ameaças
para a civilização e ordem social dos tempos.

•Para Simmel, esse movimento influenciaria "o futuro de nossa


espécie de maneira mais profunda do que a própria questão
operária
•De fato, poucos discordariam hoje da grande
importância que representam o movimento e as teorias
feministas para repensar e transformar o modo de
imaginar e representar as relações entre homens e
mulheres, na perspectiva de uma diferença sexual
outorgada e dada como natural - questões não apenas
que envolvem sexo, mas toda a vida social.40

•Em um primeiro momento, os movimentos feministas


fizeram do ideário igualitarista sua linguagem política.
‘. Advogaram a universalidade da dignidade humanas
contra as desigualdades de poder estruturadas, primeiro,
ao redor das diferenças sexuais, tanto que a expansão
dos direitos civis, a entrada das mulheres no mundo
público – institucional e ocupacional – podem ser
atribuídas, em grande parte, ao movimento dos
feministas, que, desde o século passado procuram
argumentar que a exclusão das mulheres de vários
setores da vida, contradizia o ideário liberal de igualdade
e emancipação universal.

Esse movimento identificou a liberação das mulheres,


principalmente, com a expansão dos direitos civis e
políticos.
•“O direito político é, para a mulher, a chave que lhe dará
todos os outros”, escrevia em 1890 a sufragista francesa
Hubertine Auclert (1848-1914).

•Sobre ela, foi escrito em um relatório policial: “Considera-


se Hubertine Auclert acometida de loucura e histeria,
doença que faz ver os homens como seus iguais e
procurar o contato com eles”. 42
•.
Ou seja, no início, o feminismo moldou seu apelo
e sua justificativa em termos da retórica da
igualdade.

Neste processo assumiu e criou uma identidade


coletiva de mulheres – indivíduos do sexo
feminino com um interesse compartilhado no fim
da subordinação, da invisibilidade e da
impotência, criando igualdade e ganhando um
controle sobre seus corpos e vidas
•estudos feministas a respeito da prática
política moderna, argumentam que "os
ideais do liberalismo e da teoria do
contrato, tais como igualdade formal e
racionalidade universal, acham-se
profundamente prejudicados pelos
preconceitos masculinos sobre o que
significa ser humano e a natureza da
sociedade".43
•O ideal de público cívico, de cidadania,
está calcado entre uma oposição entre as
dimensões pública e privada da vida
humana, que corresponde a uma oposição
•estudos feministas a respeito da prática
política moderna, argumentam que "os
ideais do liberalismo e da teoria do
contrato, tais como igualdade formal e
racionalidade universal, acham-se
profundamente prejudicados pelos
preconceitos masculinos sobre o que
significa ser humano e a natureza da
sociedade".43
•"uma vez que o ideal de público cívico exibe uma
vontade de unificar e exige a exclusão de aspectos da
existência humana que ameacem dispersar a unidade
fraternal de formas retas e verticais, especialmente a
exclusão das mulheres". 45
•Nessa perspectiva, homem e mulher são apresentados
como categorias “naturalmente” excludentes, embora o
conteúdo real de ser homem ou mulher (ou ambos) seja
altamente variável de acordo com épocas e culturas. E, as
relações, que são criadas, experienciadas e mantidas
aqui, são relações de subordinação, uma vez que são
definidas e controladas, por um de seus aspectos inter-
relacionais - o homem.46
cidadão racional que pensa poder transcender o corpo e os
sentimentos. Assim, a razão que se quer imparcial e civilizada e
que caracteriza a virtude do cidadão - O Homem Universal - se
eleva acima da paixão e do desejo.
,
•Ela se expressa na política na idéia de público cívico, que tem
unidade e coerência por expulsar e confinar tudo o que ameace a
invadir a prática política com diferenciações, como:
•"a especificidade dos corpos e desejo da mulher, a diferença de
raça e cultura, a variabilidade e a heterogeneidade das
necessidades, as metas e desejos de cada indivíduo, a
ambigüidade e mutabilidade dos sentimentos". 47
A análise e crítica da dicotomia entre uma razão pública
imparcial e objetiva e uma esfera privada ostensivamente
“pré, ou anti-racional”, como apontam os estudos feministas,
tem ignorado a hierarquia de gênero aí existente e modelado,
assimetricamente, a vida dos homens e mulheres em nossa
sociedade.
•E assim se estabeleceu "a esfera privada, como lugar
privilegiado das mulheres - uma vez que elas representam os
desejos e as afetividades - e o público, como lugar
privilegiado dos homens - uma vez que representam o
racional, o político e o cidadão". 48
•50
Na elaboração dessas categorias, dessas esferas de
ação,49 há um subtexto que é decisivo, pois
conceptualiza as identidades sociais de indivíduos
modernos como trabalhadores, consumidores e clientes,
de uma forma universalizante.

O sujeito universal incorporado aqui é o homem branco,


heterossexual, classe média. Mas o Universal, implica em
uma comparação com o específico ou o particular –
homens brancos com outros que não são brancos, ou
não são homens, homens com mulheres. 51

A crítica da ausência, ou invisibilidade, das mulheres no


mundo público e a este sujeito Universal, objeto
pragmático de nossas teorias sociais trazem o “dilema da
diferença” e desvela uma miríade de homens e mulheres
vivendo em complexos de classe, raça, gênero históricos
•Atualmente, os debates e as pesquisas sobre gênero proliferam em
vários campos, chegando mesmo a expressar - por perpassar vários
domínios: corpos sexuados, etnias, classes sociais, sexualidades,
identidades, relações, normas e Os estudos feministas têm criticado as
polaridades dicotômicas existentes no nosso modo de pensar e -
questionando o subtexto de gênero presente nas entrelinhas tanto da
nossas teorizações quanto de nossas instituições sociais - mostra que as
fronteiras entre estas polaridades sempre foram fluidas. Tanto o
movimento quanto os estudos feministas colocaram-se como desafio a
esse artifício que é a rigidez dessas separações, quer mostrando que a
discriminação entre os sexos não se encontra pré-determinada na
constituição do corpo, quanto considerando que as diferenças sociais
entre homens e mulheres - que parecem tão naturais quanto as
diferenças biológicas entre órgãos sexuais e as funções reprodutivas -
mudam.
•.
•Atualmente, os debates e as pesquisas sobre gênero proliferam em
vários campos, chegando mesmo a expressar - por perpassar vários
domínios: corpos sexuados, etnias, classes sociais, sexualidades,
identidades, relações, normas . \

•Os estudos feministas têm criticado as polaridades dicotômicas


existentes no nosso modo de pensar e - questionando o subtexto de
gênero presente nas entrelinhas tanto da nossas teorizações quanto de
nossas instituições sociais - mostra que as fronteiras entre estas
polaridades sempre foram fluidas. T
•.
•. Criticando e deconstruindo polaridades de
categorias do conhecimento (objetividadex
subjetividade, por exemplo); de categorias
sociais (esfera pública, política ou domínio da
produção x esfera privada, íntima, domínio da
reprodução); de identidades sociais (quer seja
como trabalhadores, clientes, consumidores,
cidadãos), a crítica feminista revela que as
categorias sociais são categorias de gênero –
relacionadas, também, com etnia, classe,
orientação sexual, e, outras. 54

•Judith Butler em Gender Trouble, por exemplo –


como estratégia para desnaturalizar e
Recusando as divisões binárias, Bulter mostra que não há uma oposição

necessária entre o simbólico e o material, o abstrato e o concreto, o

individual e o social, a psique e o institucional, o subjetivo e o político. Nessa

obra, a autora, pretende precisamente confundir todas essas distinções

aparentemente claras - que na verdade não são claras, mas cuja falsa

claridade é necessária para ancorar a “atitude natural”. Infelizmente,

segundo ela, a atitude natural não pode ser refutada pela força da lógica ou

da repudiação. Ela tem que ser desnaturalizada e isso requer um

entendimento de como ela opera - não apenas como um abstrato sistema

lógico, mas como uma ideologia que constitui as experiências subjetivas de

gênero, que produz “mulheres e reforça subjetividades normativas.


A base múltipla de seus debates é criada
. através de sua deliberada
abertura interdisciplinar e da competição entre suas abordagens
internas. As diferentes posições dos feministas falam em relação
umas às outras.

Ou seja, uma posição evoca outras.

Dessa forma, o modo pelo qual essas posições são constantemente


recolocadas tem um efeito mais amplo - elas não aparecem juntas
como parte de um todo, mas sim como presenças coevas,
simultâneas, dentro da discussão. Cada uma delas está ancorada na
sua própria proximidade à experiência vivida .
A teoria feminista começou tentando estender e reinterpretar
.
as categorias de vários discursos teóricos, de forma que as
experiências, atividades e relações sociais das mulheres se
tornassem analiticamente visíveis dentro da tradição do
discurso intelectual.

Se a natureza e as experiências das mulheres são tão


sociais quanto a dos homens, então os discursos teóricos
disponíveis deveriam revelar a vida das mulheres com tanta
clareza e detalhes quanto era presumido que as abordagens
tradicionais o faziam com a vida dos homens.

Essas categorias e conceitos, pareciam poder tornar-se


objetivas, no lugar onde elas não eram – ou seja, nas
experiências, atividades e relações sociais das mulheres
. Porém, apesar de ter produzido um corpo teórico altamente
significativo e imprescindível - os feministas ao revisitarem, por
exemplo, as teorias psicanalítica, marxistas, funcionalistas, além de
subverter-lhes conceitos fundamentais, fizeram usos criativos delas -
essas tentativas, levaram à conclusão que os problemas que essas
teorias tentavam resolver não foram gerados pelas experiências das
mulheres e, tampouco, as experiências das mulheres serviam como
teste de adequação para elas.56

Segundo Scott, o que por alguns é chamado de “contradição


incurável” do feminismo é o efeito das contradições da teoria
democrática liberal que oferece garantias universais de inclusão, mas
que estabelece para tal um único padrão. 57

As diferenças e as multiplicidades dificilmente se enquadram nesse


esquema 58, sendo, portanto excluídas. Essa é uma das raízes das
.
As mulheres tiveram que provar uma mesmice de modo a se qualificar
para a igualdade - se atingissem o padrão único (o mesmo padrão da
individualidade masculina), encontravam, mesmo que com dificuldades,
a inclusão.

Porém, elas tiveram que argumentar a sua igualdade enquanto


mulheres, e dessa forma, levantaram a questão de sua diferença.

O dilema da igualdade versus diferença, como observa Scott, não


admite resolução, uma vez que ele é construído dentro do feminismo, o
qual de uma só vez incorpora e protesta contra as contradições da
teoria política liberal.

Assim a origem do problema constitutivo do feminismo não é ele


próprio. E, tampouco, é o feminismo uma resposta inevitável à
O feminismo se tornou possível devido às . contradições das teorias de
igualdade e justiça do liberalismo que são também a origem da
desigualdade e injustiça. O feminismo existe devido a essas contradições e
como uma contradição nas sociedades que se auto representam como
democráticas.
Como não é possível retirar o feminismo de dentro do liberalismo não há,
portanto, como livra-lo – assim como as teorizações feministas - destas
contradições.

Mas são, justamente, essas contradições – assim como as ambigüidades, a


não conformidade, a quebra de limites, a falta de regras, as ameaças - que
têm tornado possível as contribuições mais originais do feminismo para
repensar o caráter plural e conflituoso do mundo real, da vida social, assim
como feito emergir e impulsionado as mais importantes quebras de
pensamento.
O campo dos debates feministas centrou-se, em um
primeiro momento, nos estudos sobre a especificidade
das experiências vividas pelas mulheres, partindo da
constatação de que as teorias sociais e de ação social
existentes eram profundamente androcêntricas.

Mas foram esses mesmos debates que possibilitaram


fazer ver que o androcentrismo, além de impedir que as
mulheres fossem vistas e ouvidas impedia, também, que
fossem vistas e ouvidas a diversidade dos homens – as
suas visões, por vezes dissidentes da homologia
masculino/público/político.

Essas teorias ao homogeneizar o masculino, ao torná-lo


em equivalente implícito do social, retirava dele toda
possibilidade de reconstrução crítica.60
•. III - A construção social de homens e mulheres – o
simbolismo de gênero
•O movimento feminista, sem dúvida, tem produzido um impacto
social e político muito grande. Na produção teórica feminista este
impacto levou a uma maior amplitude no reexame dos chamados
estudos de, ou, sobre mulheres, possibilitando, com os estudos
sobre gênero, um avanço teórico significativo.

•No que diz respeito aos antropólogos feministas - mesmo


lembrando que feministas e antropólogos formam comunidades
acadêmicas diferentes - cabe ressaltar que dois aspectos dos
atuais estudos sobre gênero são importantes para ambos – a
desnaturalização e a dimensão relacional entre homens e
mulheres.
.
Entre os clássicos da antropologia, alguns estudos, principalmente, os de
Malinowski, Bateson e Mead, de certa forma, dedicaram-se a temáticas
que os estudos feministas atuais privilegiam - a sexualidade e a
construção do masculino e o feminino –. Estes últimos viam a cultura
como uma variável determinante, no comportamento diferenciado de
homens e mulheres.

Como está em Mead, enquanto não for possível entender como uma
cultura pode moldar todos os homens e mulheres nela nascidos, de forma
que se aproximem de um comportamento ideal inerente apenas a alguns
poucos, ou restringir a um sexo o ideal de comportamento que outra
cultura logrou limitar ao sexo oposto, não se poderá falar de forma muito
compreensiva sobre diferenças sexuais, ou como acrescentaríamos hoje,
sobre diferenças sexuais e também de gênero.
Sexo e temperamento em três sociedades
primitivas.
•Resenha de autoria de Mariana Boujikian Felippe
e Shisleni de Oliveira-Macedo

•https://ea.fflch.usp.br/obra/sexo-e-temperamento-e
m-tres-sociedades-primitivas

•Escrito por Margaret Mead (1901-1978), Sexo e


temperamento em três sociedades primitivas
(1935), consolidou a antropóloga como autora de
sucesso, abrindo caminho para o seu
reconhecimento como pioneira nos estudos de
relações de gênero. Fruto de trabalho de campo
realizado em Papua-Nova Guiné, na companhia do
antropólogo Reo Fortune (1903-1979), seu marido
na ocasião, o estudo se concentra em três povos
da região do rio Sepik: os Arapesh, os
Mundugumor e os Tchambuli (Chambri)..
Mead observou as personalidades atribuídas a
homens e mulheres em cada uma dessas sociedades,
concluindo que características psicológicas femininas
e masculinas (os temperamentos) não são inatas,
mas padrões culturais aprendidos e ensinados de
uma geração a outra, sustentando, com isso, a ideia
de que a cultura molda o comportamento, assim
como produz a diferenciação de personalidades
entre os sexos, argumento que  irá desenvolver,
posteriormente, no livro Male and female (1949).
.

Página 29
Entre os Arapesh, a antropóloga encontrou uma sociedade em que
homens e mulheres mostravam-se gentis, não agressivos,
cooperativos e atentos às necessidades alheias. Não eram
guerreiros ou vingativos, embora pudessem ocorrer conflitos em
virtude de casamentos, quando estes se davam em razão de fuga
ou rapto.

Além disso, Mead deparou-se com um povo em que homens e


mulheres apresentavam temperamentos semelhantes, inclusive no
que dizia respeito ao cuidado dos filhos. Este traço é especialmente
destacado no livro, pois se nos EUA as crianças eram consideradas
uma incumbência das mulheres, aí também os homens delas se
ocupavam.
Já entre os Mundugumor, a autora se deparou com um
povo violento, implacável e agressivo. Os
comportamentos, por sua vez, não diferiam muito em
razão do sexo: homens e mulheres assumiam atitudes
hostis e havia conflitos por todos os lados.

Por fim, entre os Tchambuli, as atitudes masculinas e


femininas mostravam-se bastante distintas, tendo as
mulheres um protagonismo evidente: elas eram
dotadas de poder dentro das aldeias; eram as
principais fornecedoras de alimentos, também
responsáveis pela pesca, por negociar o excedente em
troca de outros víveres e pela produção da riqueza
(com a venda de mosquiteiros).
Os homens, de seu lado, se dedicavam à arte e
à estética, e eram emocionalmente frágeis. Tal
padrão chama a sua  atenção por ser o inverso
do comportamento tradicionalmente atribuído
aos sexos na sociedade estadunidense da
época: entre os Tchambuli, as mulheres não
desempenhavam funções secundárias ou
desvalorizadas porque mais restritas à esfera
doméstica; ao contrário, eram provedoras e
pouco se dedicavam às atividades ornamentais,
consideradas femininas nos Estados Unidos e
em outros contextos.
Mead também se detém sobre os “inadaptados” em
cada um dos povos estudados, aos quais dedica um
capítulo inteiro da obra. Os inadaptados seriam
aqueles que não se conformariam aos papéis sociais
impostos, não atendendo ao temperamento
socialmente determinado. Incapazes de se
adequarem à personalidade social exigida por sua
cultura, apresentavam atitudes “desajustadas”.

Entre os Arapesh, correspondiam às pessoas


agressivas, eventualmente obrigadas a deixar a
aldeia por algum tempo; para os Mundugumor,
eram os indivíduos excessivamente gentis e
cooperativos; já entre os Tchambuli, eram aqueles
Como citar este verbete:
FELIPPE, Mariana Boujikian & OLIVEIRA-MACEDO, Shisleni de.
2018. "Sexo e temperamento em três sociedades primitivas".
In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de
São Paulo, Departamento de Antropologia. Disponível em: 
https://ea.fflch.usp.br/obra/sexo-e-temperamento-em-tres-soci
edades-primitivas
. Como está em Mead, enquanto não for possível entender como uma
cultura pode moldar todos os homens e mulheres nela nascidos, de
forma que se aproximem de um comportamento ideal inerente apenas
a alguns poucos, ou restringir a um sexo o ideal de comportamento que
outra cultura logrou limitar ao sexo oposto, não se poderá falar de
forma muito compreensiva sobre diferenças sexuais, ou como
acrescentaríamos hoje, sobre diferenças sexuais e também de gênero.
•2 - MALINOWSKI, B. A Vida Sexual dos Selvagens. RJ Francisco Alves, 1983.
•https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4241179/mod_resource/content/1/Malinowski-A
-Vida-Sexual-Dos-Selvagens-Livro-pdf.pdf
;
Bronislaw Malinowski - Vida Sexual dos Selvagens
- ,
https://www.youtube.com/watch?v=C09NMLM9IZY

- La Vida Sexual de los Salvajes & Bronislaw Malinowski


- https://www.youtube.com/watch?v=IZqP5Ot1m2g
.

Página 29
.
.
Em A Vida Sexual dos Selvagens, Malinowski define seu
objeto de pesquisa como sendo a sexualidade.

Mas, ao examinar a sexualidade como sociológica e


cultural que, fundamenta o amor, o namoro, o casamento
e a família, ele estende o enfoque do tema, e abrange
as relações de gênero.

“A fase erótica (...) não pode ser desligada do estatuto


legal do homem e da mulher, de suas relações
domésticas e da distribuição de suas funções
econômicas.“ p29

Mas é uma abordagem de gênero conceitualmente limitada.


Conceitualmente limitada não apenas no que se refere a sexo,

mas a todas as outras relações sociais. Isso porque em sua

abordagem ele inclui apenas o par dicotômico homem/mulher,.

Por outro lado, não tinha separado conceitualmente o sexo doe

gênero. Desse modo, qualquer tipo de relação entre homens e

mulheres era considerada sexual, sendo a sexualidade a mais

visível.
As práticas amorosas, segundo Malinowski são influenciadas:

- pelo modo como os sexos se encaram um ao outro, em público ou em

particular;

- por suas situações respectivas em leis e nos costumes tribais;

- pela maneira como participam de jogos e divertimentos; e

- pela parcela que cabe a cada um na labuta do dia-a-dia.

- Ele chama atenção para as relações de um trobiandês com seu pai, sua

mãe e o irmão de sua mãe, por ser o núcleo do sistema direto materno ou

matrilinearidade, e também por esse sistema governar toda a vida social

dos nativos.
•Em Sexo e Repressão, Malinowski discutindo com a
psicanálise, desafia a teoria edipiana – ao concluir que
o complexo de Édipo não é um fenômeno universal.
Em A Vida Sexual do Selvagem - quando examina a
sexualidade como uma força sociológica e cultural,
incorpora em seus exames as relações de gênero -
muito embora não as denomine assim - sem no entanto
separá-lo de sexo. Porém, se por um lado a sua
concepção de gênero dá margem a que se inclua nela a
dicotomia homem/mulher, deixa de lado as relações que
– EVANS-PRITCHARD, E. E. A Inversão Sexual entre os Azande
(http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v06n07art01_pritchard.pdf)

Evans-Pritchard é um dos mais renomados especialistas nas populações sudanesas

do sul da região do Nilo Branco, ocupando lugar decisivo na história do africanismo e

da antropologia política. Realizou etnografia em diferentes sociedades, defendendo

ser o trabalho de campo um dos pilares do saber antropológico. Concebe o ofício do

antropólogo como uma tarefa de tradução de valores culturais, necessariamente

comparativa, negando assim a possibilidade de existência de uma teoria antropológica

per si, independente ou anterior à pesquisa empírica.


Edward Evan (E. E.) Evans-Pritchard (Crowborough,
21 de setembro de 1902 — Oxford, 11 de setembro de 1973) foi um
antropólogo inglês que tem uma participação fundamental no
desenvolvimento da Antropologia Social. Também foi professor de
Antropologia Social na Universidade de Oxford entre 1946 e 1970.

Nascido em East Sussex, Inglaterra, foi educado no Winchester


College e estudou história no Exeter College em Oxford onde foi
influenciado por R. R. Marett, seguiu os estudos com uma pós-
graduação na London School of Economics (LSE). Na LSE começou
a ser influenciado por Bronislaw Malinowski e especialmente
Charles Gabriel Seligman, fundador da etnografia do Sudão. Seu
primeiro trabalho de campo começou em 1926 com os Azande, povo
da região do alto Rio Nilo, e resultou em um doutorado (1927) e seu
clássico livro Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande (1937).
.

A inversão sexual entre os Azande” é um estudo realizado com um povo que


habitava no atual Sudão do Sul, entre a década de 1920 e 1930.
Nesse trabalho, Pritchard mostra a existência de relações
afetivo/sexuais entre guerreiros casados e rapazes
solteiros com e sem penetração, nas quais, os últimos
vivam temporariamente nas cabanas dos primeiros,
tornando-se rapazes-esposas..

De acordo com Pritchard tal prática acontecia devido à


escassez de mulheres disponíveis para casamento, num
contexto em que os homens ricos tinham verdadeiros
haréns de mulheres, causando desequilíbrio nupcial na
sociedade Azande.
Mas, tão logo conseguiam dinheiro e gado para se casarem,

esses jovens casavam-se com mulheres, vivendo uma relação

heterossexual. Na mesma sociedade, eram comuns relações

afetivas entre mulheres por conta da poligamia em larga escala,

desde que tivessem a permissão dos seus esposos.

Tais relações entre pessoas do mesmo sexo eram comuns,

principalmente, entre os ricos e, particularmente dentro da

realeza.
•ttps://www.google.com/search?q=
Azande+fotos+dessa+popula%C3%
A7%C3%A3o&client=firefox-b-d&sxs
rf=ALiCzsbExA_
.
‘.

•– BATESON, Gregory. Naven .São Paulo. Edusp. 2006. content


/uploads/2015/05/r@uprimeiraedicao-resenha-3.pdf

•Gregory Bateson (Grantchester, Inglaterra, 9 de maio de 1904 —


São Francisco, Califórnia, 4 de julho de 1980) foi um antropólogo,
cientista social, linguista e semiólogo inglês, cujo trabalho abarcou
diversos campos do saber. Na década de 1940, ele ajudou a
estender a teoria de sistemas e a cibernética para as ciências sociais
e comportamentais. Ele passou a última década de sua vida
desenvolvendo uma "meta-ciência" da epistemologia a fim de reunir
as várias formas primitivas de teoria de sistemas desenvolvidas em
diferentes campos da ciência.
•. Bateson fez o trabalho de campo clássico –foi para a Nova Guiné, e passou quinze
meses entre os Iatmul, acompanhando sua vida cotidiana. Em seguida, procurou
estruturar a “lógica interna da vida social Iatmul” (p.24).

•Entretanto, diferentemente de seus mestres, o autor não escolheu apenas descrever o


transcurso natural da vida Iatmul do ponto de vista dos “nativos”, mas fazer uma
composição mesclada e heterogênea de pequenos retratos compostos por dados
etnográficos vistos sob pontos de vista diferentes: sociológicos, etológicos e estruturais.

•O autor fez com que dados e teorias dialogassem, mesmo que essa comunicação
apresente, por vezes, alguns ruídos não muito coerente
‘.

Antropologia | A Cismogênese de Bateson


Vídeo sobre o conceito antropológico de cismogênese apresentado

por Gregory Bateson no livro Naven: A cultura do povo Iatmul da

Nova Guiné.

https://www.youtube.com/watch?v=1hWF0nmk840
. Naven retrata um ritual Iatmul homônimo, no qual, em ocasiões especiais, os

homens se vestem de mulher,e vice-versa. Trata-se de um ritual relativamente

simples, tanto por sua forma, quanto por seus personagens, e o que chama a

atenção é a questão do travestismo.

O naven é um ritual de celebração de “feitos notáveis” realizados por um jovem

pela primeira vez, seja uma ação cotidiana ou extraordinária. A forma mais

acabada dessa encenação era a que celebrava o homicídio e a decapitação–

costume extinto após a colonização..


Nessas ocasiões especiais, o tio materno (wau) vestia-se como

mulher e, mais do que isso, usava os trajes mais imundos da viúva,

visando à criação de um estado de decrepitude, e saía pela aldeia

como um bufão, coxeando e apoiando-se em uma bengala,

assumindo comportamentos que demonstrassem sua inferioridade

perante o sobrinho (laua) ou, mais raramente, a sobrinha..

Do contrário, as mulheres (irmã do pai –iau, irmã –nyanggai, esposa

do irmão mais velho-tshaishi) se vestiam com o melhor traje

masculino.
. Do contrário, as mulheres (irmã do pai –iau, irmã –nyanggai,esposa do

irmão mais velho-tshaishi) se vestiam com o melhor traje masculino.

A atitude do wau de esfregar as nádegas na canela no laua, caso o

encontrasse na aldeia durante a sua performance,era uma parte do

navenespecificamente dedicada aomenino. Esse ato humilhante tinhacomo

objetivo fazer com que o lauao presenteassecom objetos de valor,

reforçando uma aliança.


Aqui estão implícitas uma série de comportamentos e atitudes relativas aos

lugares classificatórios, especialmente no parentesco. A situação do naven

pode ser resumida da seguinte forma: quando uma criança realizava alguma

façanha notável, seus parentes deveriam expressar, de maneira pública, sua

alegria pelo acontecimento. Essa situação era estranha em contextos

normais da vida dos dois sexos. l.


Para os homens, regozijar-se dos feitos de outra pessoa era algo
fora da norma de seu comportamento. Para as mulheres, a
posição era inversa; sua vida cooperativa ensinou-as a expressar
espontaneamente alegria e tristeza desinteressadas, mas não as
ensinou a assumir um papel público espetacular.

.
.

Assim, o naven continha dois componentes: o


elemento de exibição pública que, normalmente, seria
uma característica do ethos masculino, sofreria uma
inversão ao ser atuado pelas mulheres, enquanto o
elemento de emoção pessoal pelo feito de outrem que,
normalmente, seria uma característica do ethos
feminino, seria atuado pelos homens (p. 244).
. Sua análise tomou como elemento central a relação existente

entre o ego, i.e., o laua, e seu tio materno (wau), normalmente o

classificatório, que se comporta, durante o naven, como mãe e

esposa do laua. Assim, o ritual serve como contexto para

determinar a identificação da relação avuncular classificatória e,

consequentemente, o reforço de um tipo particular de aliança.

O navenfortalece os laços de afinidade, impedindo uma cisão da

comunidade (p.14
Desse modo, o autor adotou uma perspectiva sincrônica e dinâmica,
em que a integração da sociedade era um determinado estado de
equilíbrio entre tendências agregadoras e desagregadoras; eraum
fenômeno de comunicação (p. 35).

Bateson estavapreocupado em entender essas diferenciações,


expressas tanto nos diferentes ethossexuais quanto nas posições de
parentesco. Logo, tratou os processos de diferenciações
comocismogênese, para a qual sugeriu a seguinte definição: “um
processo de diferenciação nas normas de comportamento individual,
resultante da interação cumulativa dos indivíduos” (p.223).
Pode-se reconhecer a cismogênese em três aspectos diferentes da

cultura: no ethos, no eidos e na sociologia (p.306). Ele diferencioua

cismogênese em dois tipos: complementar –na qual o grupo

divergente mantém doutrinas antagônicas àquelas do grupo original

–e simétrica –na qual os dois grupos resultantes têm a mesma

doutrina, mas se distinguem e competem entre si.


“A cismogênese complementar poderia ser observada, por exemplo, na

diferenciação entre os sexos e no ato de humilhação do waue m relação ao

laua,entre outros.

A cismogênese simétrica ocorreria, por sua vez, na iniciação, quando as

metades iniciatórias rivais competiam uma contra a outra. Naven e a cultura

Iatmul serviram como esboço para análises comparativas do autor. E a

cismogênese foi expandida para outros contextos, tais como: entre casais,

em situações de contato cultural e na política internacional.


•. Naven
•Publicada originalmente em 1936, Naven: um esboço dos problemas sugeridos por um retrato compósito, realizado a partir de três perspectivas da cultura de
uma tribo da Nova Guiné é uma obra baseada no trabalho de campo que Gregory Bateson (1904-1980) realizou entre os Iatmul (povo das terras baixas do rio
Sepik, Nova Guiné), ao longo de 1929 e 1932. Uma das principais contribuições da obra é fazer do comportamento ritual o centro da investigação antropológica.
•A monografia focaliza as atitudes observadas durante o ritual nativo naven,
analisando-as a partir de diferentes pontos de vista científicos, parciais mas
complementares entre si. A cerimônia que dá título ao livro ocorre para
comemorar realizações culturalmente valorizadas de um jovem iatmul. Sua
principal figura é o tio materno (wau) que, em clima de bufonaria, “traveste-se”
em “repugnantes” (velhas, sujas) roupas femininas. Nesse contexto, procura
seu sobrinho (laua) e, ao encontrá-lo, o embaraça com uma “saudação sexual”:
esfrega suas nádegas na canela do laua, o qual deve dar objetos de valor para
que o wau “fique bom”. . Ainda que este “travestismo” se irradie com modos e
intensidades variadas entre diversos parentes ligados ao laua, e que o naven
não se limite à relação entre laua e wau (o que não passa despercebido por
Bateson), é aí que reside o centro e parte mais significativa da cerimônia, seu
ponto de partida e foco de sua análise.
•As escolhas metodológicas e o modo de exposição dos
problemas nesta obra – primeira e única monografia escrita por
Bateson – fazem ressoar as múltiplas facetas de seu percurso
intelectual. Em Naven, a relação do autor com o estrutural-
funcionalismo, por meio do qual ele trava o seu contato inicial
com a Antropologia, é marcadamente heterodoxa: ainda que
lide com questões relativas à integração social no livro – caras
à tradição britânica na qual se forma – enfatiza ser insuficiente,
do ponto de vista explicativo, tomá-las isoladamente. Nesse
sentido, busca em outros campos disciplinares (como a
psiquiatria) e tradições antropológicas (como a norte-
. Por um lado, através do exame do que denomina eidos iatmul, Bateson explicita modos de pensamento culturalmente
padronizados, premissas e operações de identificação relevantes para o “comportamento naven” do wau, inspirando-se no

trabalho seminal de Radcliffe-Brown (1881-1955) sobre o irmão da mãe na África do Sul. Por outro lado, observa expressões

características da emoção iatmul, de seu ethos, e o valor específico a elas atribuído durante a cerimônia, o que mostra como

a análise do naven encontra-se repartida em um ponto de vista sociológico, um eidológico-cognitivo e outro etológico-afetivo.

Apesar da separação meticulosa dos planos de análise, Bateson esclarece que o material sobre o qual se baseia o estudo é

o mesmo, concluindo, no balanço autocrítico efetuado nos epílogos das edições de 1936 e de 1958, que as perspectivas

adotadas são apenas maneiras pelas quais os cientistas organizam a sua descrição, e que, portanto, nem o ethos, o eidos ou

a estrutura social têm uma existência independente da explicação científica.


Naven não foi uma obra recebida com destaque pelo
establishment antropológico de sua época; recentemente,
contudo, o livro tem fornecido grandes inspirações para a
Antropologia, lembremos a importância do conceito de
cismogênese para a Antropologia de Roy Wagner (1938),
como mostra o seu A invenção da cultura (1975); a
influência da descrição dos ethos sexuais iatmul para as
análises do gênero na Melanésia, realizadas por Marilyn
Strathern (1941) em O gênero da dádiva (1988) e a
relevância do naven para a análise do ritual proposta por
Michael Houseman e Carlo Severi, em 1994. Como se vê,
uma obra que forneceu potências renovadoras ao
pensamento antropológico ao longo das últimas décadas.
É-nos permitido, a partir de agora, afirmar que os traços de caráter

que qualificamos como masculinos e femininos são (...)determinados

pelo sexo, de forma tão superficial como a roupa (...) resultado de

um condicionamento social (...) Não é possível, à luz dos fatos

considerar que traços como a agressividade e a passividade sejam

determinados pelo sexo do indivíduo (...) o mesmo se passa com os

temperamentos masculino e feminino no plano social. Certos traços

comuns a homens e mulheres são consignados a um sexo e

recusados a outros”..
•VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “A relação apihi-pihã: fintando a
afinidade”. In: Araweté – os deuses canibais. RJ. Zahar, 1986 (pp.422-437).
•https://monoskop.org/images/c/c3/Viveiros_de_Castro_Eduardo_Arawete_Os_deuse
s_canibais_1986.pdf
..

Foto Eduardo Viveiro de


Castro
.
.
.
.
.
.
.
. “O que gênero é, o que os homens e mulheres são, e os tipos de
relações que acontecem entre eles não são simples elaborações de dados
biológicos mas, em grande medida, produtos de processos culturais e
sociais”.
No sentido que lhe é atribuído hoje, “gênero” veio a abarcar um universo
muito mais amplo. E, apesar de o antagonismo de sexo ser interpretado
ainda em termos comportamentais – como uma questão de relações entre
situações divergentes entre homens e mulheres – as análises deslocaram-se
para o universo simbólico. - ORTENER, Sherry B. and WHITEHEAD, Harriet.
Sexual Meanings. The Cultural Construction of Gender and Sexuality. Introduction
Cambridge University Press. 1992. p. 1.
•. . Assim, como mostra Strathern, “o simbolismo sexual pode ser
entendido não apenas como estereótipos ou personalidade escolhida, mas
como uma metáfora, que assimila o que foi simbolizado dentro de sua
própria construção. Ou seja, ao tomar gênero como metáfora para as
oposições convencionais que elas impõem ao mundo, as pessoas
estabelecem para sempre aquelas oposições dentro do próprio corpo delas.
É assim, através de imagens de diferenças de base sexual que se ordena
todo um conjunto de valores que passam a ser orientadores de
comportamentos e ações sociais.
•- O conceito de metáfora usado por Strathern está de acordo com o conceito de
metáfora usado por Roy Wagner, ou seja, intercambiado com o conceito de signo e
não em contraste com o signo. Ver: WAGER, Roy. Lethal Speach. Citado por
STRATHERN, Marilyn. The Gender of the Gift. op.cit. p. 71.
. Segundo leitura de Strathern, o artigo de Meggitt, que explora o

relacionamento entre crenças sobre poluição e alinhamentos militares, em

uma sociedade da Nova Guiné, foi um exercício de análise simbólica sobre

as relações masculino-feminino. Como ela mostra, nesse artigo, Meggitt,

ordenou o relacionamento entre uma série de termos, por analogia à lógica

subjacente de oposição entre homem e mulher.


. . Assim, as relações homem e mulher baseadas na biologia - e que refletem
uma série de atributos culturais que não tem qualquer ligação com o
biológico - passaram a servir de fundamentos metafóricos para um universo
simbólico de equações polarizadas, uma classificação social e quando
gênero ganhou corrência, as construções eram tocadas como metafóricas.

As relações entre os sexos eram imagens para a organização de idéias


sobre outras coisas, sobre as forças sociais, políticas e culturais, sobre
valores gerais. As categorias constituídas como uma organização social e o
modelar (em termo dos tempos) das relações entre homens e mulheres
estavam abertas à decodificação, mas a preocupação era com o processo
de significação e com a relação entre os termos.
.
Na Introdução que Levi Strauss faz à Obra de Mauss,
Levi Strauss fala que a noção de Fato Social Total tem
um triplo sentido: bio-psico-social. Por um lado:

1 - Tem o sentido ligado ao Homem total. Fusão dos três

planos. Esse sentido se opõe ao evolucionismo.

.
. Fusão. (sincronia e diacronia).

Esse modelo se opõe ao modelo durkheiminiano. Ao


contrário do modelo durkheiminiano clássico que é
puramente diacrônico, em que as coisas vão

acontecendo, vão se separando ao longo do tempo.


. Isso está presente em Mauss também e você pode

imaginar que a reciprocidade é um fenômeno arcaico e

que no mercado haveria apenas sobrevivências dela,

mas no ESD a reciprocidade é simultaneamente

sincrônica e diacrônica porque ela está presente no

australiano, mas ela está presente em cada momento

histórico da humanidade também.


Então, fazendo a descrição em termos de fato social total, Levi

Strauss diz assim: com a noção de fato social total, Mauss queria

dizer mais que um simples conselho para o etnógrafo que quando

ele descreve a construção das canoas ele tem que levar em conta a

Magia, ele tem que levar em conta a Mitologia, ele tem que levar em

conta a relação homem mulher.

Tudo isso está implícito na noção de fato social total.


Mauss diz isso também:

O Kula é um fato social total. De fato ali está tudo misturado. Todas

as instituições giram na hora em que o Kula funciona. A mesma

coisa para o Potlach, a mesma coisa para outras instituições.

Mas, isso, de certa maneira é o sentido fraco do fato social total


O fato social total não é certamente um fenômeno empírico.

O fato social total é uma perspectiva que você tem a respeito dos fatos

sociais. E é para essa perspectiva que Levi Strauss está chamando atenção

quando ele diz que há uma tripla perspectiva do fato social total.

Quer dizer, além de ter essas várias integrações que compõem o homem, há

a justaposição da sincronia e da diacronia


3 – O terceiro sentido vai criticar a própria noção de sociedade de

Durkheim.

E ai Merleau Ponty em Metafísica no Homem, um texto que está na

coleção Os Pensadores, critica o modelo durkheimiano de

sociedade, sendo que uma de suas críticas é que aquele modelo de

sociedade praticava uma reificação, uma substanciação do conceito

de sociedade dizendo que cada fato social concreto é uma

expressão, uma manifestação da sociedade a ponto de você não

saber mais que diabo é essa sociedade.


Quando Mauss vai dizer que no fato social você tem uma integração,
uma justaposição, uma síntese dos diferentes níveis, dos diferentes
fenômenos que compõe a sociedade, ele está ultrapassando essa
dificuldade durkheimiana.

Ou seja, não se trata mais de dizer que o jurídico é uma projeção do


social, que o econômico é uma projeção do social, que o religioso é
uma projeção do social.

Trata de dizer sim, que o que você tem mais concretamente são
fenômenos mais ou menos específicos.

São fenômenos que sempre se processam em determinados níveis.

Isso que a gente chama de sociedade é justamente a integração,


uma justaposição, uma síntese sempre passageira e mutável desses
diferentes níveis.
O que parece é que Mauss sugere um uso mais nominalista da

própria palavra sociedade.

Ou seja, uma justaposição, uma síntese dos diferentes níveis não é

uma coisa, mas um nome que você dá para um certo aglomerado de

fenômenos, para um certo conjunto de fenômenos, para uma certa

síntese de fenômenos.

Parece que Mauss sugere que você chega na sociedade, e dessa

forma não pode partir dela.


Quando você lê a análise do Kula, ou a análise do Potlach tal como elas estão no
ESD, você percebe isso com toda clareza.

Mauss não resolve o mistério do Kula dizendo: essa é uma projeção da sociedade, é
uma maneira de integrar a sociedade. Ele descreve como é que o Kula se dá.

Ele descreve quais são as relações de troca efetivas no Kula. Ele descreve quais são
as relações jurídicas no Kula. Ele descreve como é que o Kula se dá.

E, o resultado disso é que o Kula é um fenômeno empírico tal como Malinowski


descreveu, mas é também a sociedade melanésia, mas é também a sociedade
trobriandesa que não é nada mais, nada menos que a superposição de todas essas
coisas.

Quer dizer, a sociedade não é uma coisa, ela é, de algum modo, um processo de
integração.
Então, quando Levi Strauss sustenta o triplo sentido do fato social em
Mauss:
essa integração dos níveis sociais;
essa integração dos níveis humanos;
essa integração entre sincronia e diacronia

Levi Strauss está tocando no ponto chave do salto que Mauss dá na história
da Antropologia em relação ao durkheiminismo.

Isso é, ele está tocando no modo que Mauss desembola quase todos os
impasses que havíamos colocado em relação a Durkheim.
Isso foi o que Levi Strauss compreendeu.

Para entender bem a noção de fato social total tem que acrescentar

os textos: Técnicas Corporais; Sobre a Expressão Obrigatória dos

Sentimentos; A Noção de Pessoa; Efeitos Físicos no Indivíduo sobre

a Idéias de Morte Sugerida pela Comunidade.

Quando você junta todas essas coisas é que dá para entender a

verdadeira dimensão do que Mauss está dizendo. Tem um certo tipo

de leitura sobre o ESD que justamente por separar essas outras

contribuições perde esse


. O ESD talvez seja o texto mais comentado que tem na história da
Antropologia. Na Revista Mana (94 ou 95), saiu um texto de
Bourdieu, uma espécie de comentário sobre o ESD onde ele volta à
questão do Dom. É curioso como o texto de Bourdieu é igualzinho ao
final do ESD. Bourdieu nos lembra da necessidade de que esses
princípios de reciprocidade continuem ativos. Com um sentido
político um pouco diferente, Bourdieu retoma as mesmas coisa
tratadas no final do ESD, a concepção de moral, por exemplo.

Também Marilyn Strathern volta à questão da dádiva, à


reciprocidade, ao Kula.
Os anglo-saxões abominam essa ideia de troca de pessoas e no
ESD está a famosa frase do Mauss “trocam-se pessoas por coisas,
trocam-se sentimentos...”
. Sahlins tem uma boa explicação para isso: como o direito anglo
saxão separa o direito das coisas e o direito das pessoas com muito
rigor, eles dizem que quando se troca pessoas por coisas estão
reduzindo as pessoas a coisas.

Como mostra Sahlins, há sociedades em que essa redução não é


pertinente.

Então falar de troca de pessoas por coisas nelas não é nenhum


problema. Não significa igualar as pessoas e coisas, porque lá não
há essa diferença.
. Essa observação de Sahlins é interessante porque esse negócio de Levi
Strauss tem de “troca de mulheres” irrita. Esse negócio irrita porque rebaixa
a pessoa ao estatuto de coisa e, portanto, pega mal. É politicamente
incorreto falar em troca de pessoas por coisas.

No entanto se você admitir que essa troca de pessoas por coisas é um


fenômeno histórico, uma coisa que a ESF mostrou no ESD, qual é o
problema? Se você admitir que nessas sociedades as coisas estão
misturadas, que não há divisão dos fenômenos e que foram os romanos que
inventaram isso ( o direito das pessoas separado do direito das coisas) e
que portanto essa é uma separação histórica, não há porque se irritar.

Você pode tanto dizer que ao fazer a troca de pessoas por coisas você está
rebaixando as pessoas ao estatuto de coisas quanto pode dizer que ao fazer
a mesma troca você está elevando as coisas ao estatuto de pessoas.
Acho que foi Margareth Mead que perguntou para uma africana se

ela não ficava chateada por ser trocada por vacas. Ai a africana

respondeu: e vocês, não são trocadas por nada?


.
. Eu queria voltar ao fato social total. No fato social total tem o
sentido de totalidade, mas o sentido de totalidade em Mauss é
diferente do sentido de totalidade numa sociedade durkheiminiana.
Numa sociedade durkheiminiana você faz parte da totalidade.

No sentido de Mauss, a totalidade é alguma coisa que se produz,


ela não é o ponto de onde você parte. É aí que está a virtude desses
casos privilegiados.

E isso é uma coisa importante em Mauss e eu vou falar daqui a


pouco sobre isso, da virtude desses casos privilegiados.
. Quer dizer, o Kula e o Potlach não são os únicos fatos sociais que
tem reciprocidade. Foi por isso que eu falei que o fato social é uma
perspectiva e não um fenômeno empírico.

Eles não são os únicos fatos sociais que existem, mas há alguns
fenômenos empíricos que são adequados para você perceber.

É isso que Mauss está falando quando diz: “é o momento em que


tudo se agita, é o momento em que a sociedade inteira se
movimenta... porque o Kula e o Potlach é o momento onde você vê o
negócio todo empiricamente funcionando e que portanto você pode
usar isso como uma espécie de modelo para pensar casos nos quais
esse negócio não é tão óbvio assim.
. Porque tem uma outra coisa importante que Mauss faz - não digo
ultrapassar, mas pelo menos - fornecer uma outra resposta que já
vinha sendo colocado desde os evolucionistas e, que Durkheim
resolve a seu modo, que é essa oposição entre a formulação de uma
teoria geral e os estudos de casos particulares, que no fundo é a
questão de oposição entre diacronia e sincronia, e que é uma
metodológica.

Podemos coloca-la nos seguintes termos: bom, nós queremos aqui


formular uma teoria geral, uma teoria universal para a sociedade,
então qual é o método que usaremos para isso?
Muitos casos estudados necessariamente de modo superficial e ai a
gente compara esses casos e ai a gente chega no Universal?

Ou, um caso único bem estudado cujos resultados da experiência

sejam válidos universalmente? Tem a solução tyloriana de um lado

que é o comparativo clássico que é dos evolucionista e a solução

durkheimiana de outro.

Esses são os dois grandes paradigmas que costumavam aparecer

pois o Radcliffe-Brown tem uma posição nitidamente tyloriana,

comparatista.
Malinowski tem uma posição muito mais próxima daquela de durkheimiana.

Em Boas é uma solução meio de compromisso, pois no limite,Boas acha que eu tenho

que comparar tudo para chegar no Universal.

Ai entra uma exigência de rigor tão grande porque ele diz que se tem que estudar

cada caso, tão bem estudado antes de se começar a comparação, que ele não

conseguiu fazer comparação nenhuma, pois, evidentemente, ele morreu antes que

conseguisse fazer isso.

O paradoxo do limite da vida humana inviabilizava o método de Boas. No prático é

isso: como não somos imortais o método de Boas não podia ser praticado .
. O que Boas propunha era estudar todos os casos do mundo até as
últimas conseqüência, então não dava para funcionar.

Mauss trabalha em dois momentos da obra dele com duas


categorias metodológicas interessantes.

No Ensaio sobre a Magia aparece a ideia do que ele chama de


método de resíduos. E, no ESD aparece a ideia do que ele chama
de método dos casos privilegiados.

O método de resíduos ainda é uma coisa mais próxima de Durkheim.

Ou seja, ele pega quase que um caso, ele pega um sistema mágico
muito bem definido, muito bem estudado, analisa, no sentido próprio
do termo, todos os elementos que estão presentes na Magia.
Então: na Magia tem o mágico; na Magia tem o ambiente mágico; na
Magia tem o não sei o que; e vai separando, separando e no fim ele
diz assim.

Bom, por mais que a gente analise, por mais que a gente dissecar a
Magia, tem sempre um resíduo, tem sempre a ideia de uma força
mágica que embebe todos esses elementos, e que não é analisável,
portanto. Ela está presente no Mago, está presente em não sei o
que...

Essa força é o Mana. Ai ele diz assim, bom aqui é que está o centro
para a gente poder entender o que a Magia é. Então ele vai estudar
o Mana.

Ele chega no Mana através desse processo de análise e


decantação até que até fica um resíduo. O método do resíduo é
esse. O resíduo seria esse Mana. E, portanto, é ele que deveria ser
estudado.
No ESD, é uma outra coisa que aparece. No ESD, Mauss não se
contenta com um sistema só. Embora a grande ênfase do ESD seja
dada no Kula Melanésio e no Potlach da Costa Noroeste dos
Estados Unidos, porque, enfim, eram sistemas muito bem descritos,
outros sistemas entram, mas de uma forma razoavelmente rápida. É
apenas um pedacinho que o Mauss fala deles. Mas qual é a idéia?

Não é um dado único que é analisado no ESD tipo que é feito nas
FEVReligiosa e tampouco é uma infinidade de casos para serem
comparados como no modelo tyloriano.

São alguns dados, analisados com uma certa profundidade,


comparados, com a esperança de que as conclusões que você
obtenha através dessa comparação tenham validade universal. Esse
é que é o ponto.

O que é que garante isso? E que existiram alguns casos que é o


que o Mauss chama de casos privilegiados. .
O que são casos privilegiados?

São casos em que você pode detectar alguns máxima. É o termo


que ele usa. Ou seja, coisas que estão presentes em todas as
sociedades, lá se manifestam com toda intensidade.

Nesses lugares, essas coisas que existem em todas as sociedades,


lá se manifestam com toda clareza.

É óbvio que para Mauss a reciprocidade se manifesta em qualquer


lugar, mas o Kula e o Potlach, de diferentes maneiras, revelam uma
espécie de desenvolvimento máximo da reciprocidade.

Eles são casos privilegiados para essa investigação.


E, as conclusões a que você vai chegar não valem
apenas para o Kula e para o Potlach, elas têm uma
validade universal.

Mas você chega a essas conclusões através de uma


experiência bem controlada utilizando casos privilegiados.
O que parece uma terceira solução nessas questões que a
antropologia está vivendo à época.

Você tem o comparatismo clássico, tem uma espécie de unicismo


durkheiminiano e você tem essa posição, pois o Método de
Resíduos de Mauss ainda é uma variação do unicismo
durkheiminiano, e você tem esse famoso Método dos Casos
Privilegiados que é o método que Levi Strauss vai usar nas
Estruturas Elementares do Parentesco, por exemplo.
Nas Estruturas Elementares do Parentesco, qual é a experiência?

São quatro regiões etnográficas a Austrália, China, Índia e Sudeste


da Ásia.

Quatro tipos de sistemas de parentesco, estudados em profundidade, cada


parte do livro estuda um sistema desses e você chega a conclusões que são
conclusões universais.

Esses sistemas são selecionados a partir de uma discussão inicial onde Levi
Strauss mistura dados de todas as partes, mas que é apenas uma maneira
que ele usa para determinar quais são os fatos privilegiados para essa
experiência que ele vai fazer.
. Esse é um ou outro ponto que é ponto fundamental.

É por isso que o ESD é um livro tão lido, porque cada pessoa que vai lendo
o ESD começa a descobrir coisas ali que ela começa a enxergar em outras
partes, à vontade.

Em outras partes, quer dizer em outras sociedades, mas ela começa a


descobrir também em filósofos.

Há estudiosos que aproximamam Mauss de Hobbes, e mostram que o ESD


é uma resposta para a teoria do contrato e que o Dom, do ponto de vista de
Mauss, é o equivalente primitivo do Estado do ponto de vista do Hobbes.
O ESD é virtualmente infinito. A sucessão de interpretações que vêm
depois do Sahlins, você tem interpretações do tipo de Levi Strauss
no qual a reciprocidade é que á a privilegiada. Mas tem também
leituras tipo a do George Batailhe.

Ele vai dizer que o importante não é a reciprocidade, mas o


dispêndio. É a despesa. É como se o Levi Strauss ficasse com o
Haw e o Batailhe com o Potlach
. Levi Strauss fica com o Haw, que é esse sistema de prestações
totais bem equilibradozinho, como se esse fosse o modelo de
funcionamento das sociedades humanas.

Batailhe faz uma cosmologia das despesas. O sol gasta energia, o


cosmos gasta energia, e por ai vai . Ele escreveu isso na década de
30, bem antes de Levi Strauss e os antropólogos nunca deram bola
para ele.
. Então, você tem essa leitura de Levi Strauss

que é a reciprocidade numa sociedade

equilibrada, tem essa leitura do disperdício, da

despesa, que é a leitura que o Batailhe faz, tem

uma leitura fenomenológica que o Claude Leffort

faz, que é uma outra leitura interessantíssima,

que está no livro As Formas da História.


Levi Strauss acusa o Mauss de ter feito uma leitura

fenomenológica do Haw e Leffort diz, pelo amor de deus,

isso não é fenomenologia, fenomenologia é o eu vou

fazer agora.

Ai ele faz uma leitura do ESD, mostrando como é que no

sistema de prestação do Haw as subjetividades se

constituem. .
. Esse texto vale a pena ler. É um texto muito antigo,

quase que da mesma época da Introdução que Levi

Strauss fez do Marcel Mauss. Nenhum antropólogo

também não deu muita bola e ai tem um problema

porque se fundou uma espécie de interpretação

autorizada dos textos do Mauss, especialmente em

relação à reciprocidade.
Tem muitas interpretações do ESD. Parece que ele virou uma espécie de

fato social total onde cada um foi separando e interpretando para vender o

seu peixinho. Vira e meche tem um descobrindo coisas e assim

sucessivamente.

.
A grande crítica que Levi Strauss faz a Mauss, e Leffort no caso
compartilha dessa crítica, é que como se tivesse uma espécie de
resíduo durkheimiano em Mauss, isso é Levi Strauss falando, que é
como se tivesse um certo de resíduo durkheimiano em Mauss, que
não deixa Mauss levar o seu raciocínio até às últimas
conseqüências.

Então, Mauss saca que a troca é fundamental, mas ele já quer


explicar a troca. Ai cai no paradoxo. Se ela é fundamental, no sentido
kantiano de transcendental, se ela é fundadora, como é que você vai
querer explicá-la?
. Quer explicá-la no próprio plano sociológico. E Mauss
certamente tem isso quando ele vai fazer a famosa teoria
do espírito da coisa dada. Ele vai dizer, bom, as coisas
circulam porque as pessoas acreditam que há um espírito
embutido (HAW) nessas coisas dadas que faz com que
essas coisas circulem.
Se você não devolver mais adiante aquilo que você
recebeu de alguém, algum tipo de catástrofe vai acontecer
com você.
O curioso é que tem que ter sempre um terceiro nessa
história ai. Se eu dou alguma coisa para você, pelo espírito
da coisa dada você vai ter que devolver esse negócio para
mim.
. Tem sempre a intervenção de um terceiro para depois a coisa voltar. Mas o

que o Levi Strauss disse é que Mauss se deixou se mistificar por uma teoria

dos nativos. E que aquela nem sequer era uma teoria nativa, mas uma teoria

de alguns nativos.

É uma teoria de alguns sábios maori que refletiram sobre aquele fenômeno e

que chegaram à conclusão que as pessoas devolvem aquilo porque, de fato

existe, uma força na coisa dada que faz com que as pessoas devolvem e faz

com que as coisas circulem.


. Então Levi Strauss faz um joguinho:

Bom, nesse caso os sábios maori estão se comportando como sociólogos

portanto podemos discutir com eles como discutimos com qualquer

sociólogo. É uma certa ranhetice intelectual.

Mas, o Levi Strauss tem que dizer isso, a famosa frase: contra o teórico o

etnógrafo tem sempre razão, e contra o etnógrafo o nativo tem sempre

razão. Essa frase de Levi Strauss é dificilmente conciliável com essa crítica

que ele faz. Se o nativo tem sempre razão, os maori dizem que é isso que

está acontecendo, quem sou eu para duvidar do maori?


. Ai Levi Strauss sai pela tangente e diz, não são os maori, são sábios maori.

E se refletirmos sobre o que eles estão fazendo eles estão se deixando

enganar também. Então é preciso ultrapassar essa interpretação deles. Levi

Strauss diz, não dá para explicar a troca através dessa força espiritual,

porque essa força espiritual é, apenas, o modo consciente, ou, um modo de

tomada de consciência a respeito de um fenômeno objetivo.


. E esse modo de tomada de consciência sobre esse
fenômeno objetivo não pode ser a explicação do
fenômeno. É uma espécie de ideologia nativa.

É um modo deformado, inviável de compreensão do que


está efetivamente acontecendo.

E cabe ao cientista, ao antropólogo, no caso, encontrar a


verdadeira explicação.
. Levi Strauss vai dizer que essa explicação vai estar no
inconsciente, encontra-se no simbolismo que faz com
que as coisas circulem e cada sociedade vai apreender
essa necessidade de uma maneira diferente e igualmente
falsa.

Toda sociedade vai apreender isso de uma maneira falsa


e deturpada. E Mauss se deixou enganar, se iludir por
uma teoria nativa dessas que é a teoria do maori. Na
verdade é uma teoria bem elaborada, mas é apenas uma
teoria nativa, e portanto ela deve ser deixada de lado.
. Uma teoria nativa, uma teoria mística que invoca uma
força que não existe efetivamente.
Então, como é que o Mauss pode converter em
explicação sociológica uma teoria desse tipo?

Levi Strauss fica indignado, de alguma maneira com isso


ai. Bom, de um certo modo, parece que o Levi Strauss
está pensando que o Mauss incorreria nesse nisso
porque está preso a um certo tipo de durkheimianismo.
Ele consegue revelar que a reciprocidade é fundamental.
Mas ele quer encontrar uma explicação sociológica para
ela. E essa explicação sociológica que Mauss dá para ela
vai ser encontrada numa representação coletiva.

Do ponto de vista durkheimiano, a teoria do HAW é


claramente uma representação coletiva.

Sendo uma representação coletiva ela poderia ser


remetida a fenômenos sociológicos propriamente ditos
dos Maori, coisa que Mauss não fala que faz, mas que é
por onde certamente ele está indo.

E ai é que está o ponto onde o Levi Strauss pega


totalmente.
Ele dizia assim, Mauss ainda insistia em uma teoria
sociológica do simbolismo, do mesmo modo que
Durkheim dizia, sem símbolos a existência social seria
uma existência instável, etc..., etc...

Porque para o Durkheim, e o Mauss seguiria obviamente


na mesma direção, a famosa teoria do conhecimento
siginificava uma teoria sociológica do simbolismo.

O simbolismo é originado pela sociedade, tem uma


origem social e cabe ao sociólogo descrever qual é a
origem social dele.
O que Levi Strauss vai dizer e ai é um passo definitivo
para o Kantismo:

é que não dá para fazer uma teoria social do simbolismo.


O que se tem que fazer é uma teoria simbólica da
sociedade.

É o jogo de palavras mais bem sucedido da história da


Antropologia.
Para o Levi Strauss quando Durkheim disse que sem
símbolos a existência social seria uma existência
instável, ele teria que ter dito que sem símbolos não
haveria existência social.

Porque o simbolismo é o a priori da vida social. Está para


além da reciprocidade.

A reciprocidade é apenas uma manifestação particular do


simbolismo – enquanto função sinbólica
O simbolismo, não os simbolismos concreto, isso
significa aquilo, aquilo significa aquilo outro, mas o
simbolismo enquanto função simbólica.

Ë o termo que o Levi Strauss gosta.

O simbolismo enquanto capacidade de simbolizar, que o


homem tem e que é um fenômeno humano.
Essa função simbólica é que seria o grande a priori, seria
o que torna a sociedade ao mesmo tempo possível e
necessária.
Para a questão que já vinha a muito tempo, mas que o
Mauss formulou muito bem, que é a questão
propriamente antropológica da Antropologia, “qual é a
condição de possibilidade de existência da sociedade”, o
Levi Strauss tem uma resposta claríssima: é a função
simbólica.
Essa é a condição de existência e de necessidade da
sociedade humana. Porque?
A gente vai ver um pouco adiante com Levi Strauss.
 
 
 
 
. E esse modo de tomada de consciência sobre esse
fenômeno objetivo não pode ser a explicação do
fenômeno. É uma espécie de ideologia nativa. É um
modo deformado, inviável de compreensão do que está
efetivamente acontecendo. E cabe ao cientista, ao
antropólogo, no caso, encontrar a verdadeira explicação.

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