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Identidade, Orientação e Pertencimento

Elaborador:
Nome do autor: Camila Barbosa de Paiva
E-mail do autor: profcamilapaiva@gmail.com
Telefone: (34) 99976-0842

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Sumário
Introdução

Objetivos

Unidade I: Gênero e Sexualidade


1.1 Conceituando Gênero
1.2 Orientação afetiva/Sexual
1.3 "Desconstruções" necessárias para acolhimento e inclusão
1.4 Teoria Queer

Unidade II: Orientação afetiva/Sexual


2.1 Breve panorama das diversidades afetivas/sexuais.
2.2 Homossexualidade
2.3 Bissexualidade
2.4 Pansexualidade
2.5 Assexualidade
2.6 Heterossexualidade
2.6 Outras orientações afetivas/sexuais

Unidade III: Identidade de Gênero


3.1 Conceituando identidade de gênero
3.2 Cisgênero
3.3 Transgênero
3.4 Transexual
3.5 Travesti
3.6 Intersexual
3.7 Identidades não binárias

Unidade IV: Representação Social


2.1 Movimento LGBTQUIA+
2.2 Surgimento e primeira iniciativas
2.3 Trajetória nacional
2.4 Conquistas contemporâneas

Referências

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Introdução

Temos o prazer de dar as Boas vindas à apostila sobre Identidade, Orientação e Pertencimento,
que integra o curso de Direito Homoafetivo. Ao longo deste material, buscaremos conceituar o
que é gênero, a construção social e cultural de gênero, como esse conceito foi estruturado e
como se dá os desdobramentos sociais e culturais relacionado as questões de performance,
performatividades, binárias e biológicas e concepções acerca do que é tido e lido como “natural”,
“certo” e “errado” socialmente e culturalmente falando.

Inicialmente na Unidade I, investigaremos com profundidade o conceito de gênero, abordando


origens históricas e de diversos campos do conhecimento humano, a fim de averiguarmos sobre
o que realmente diz respeito esta palavra. Também, abordaremos o conceito de orientação
sexual, relacionando sobre o que aprendemos em relação a identidade de gênero e só assim,
analisar a construção social e cultural em processos de construção e desconstrução do conceito.
A partir disso, passaremos a entender tais conceitos e problematizar socialmente e culturalmente
a junção de ambos. Perceberemos também, os processos normativos vigentes e as regras que
tornam-se pradão social e cultural.

Por fim, abordaremos a Teoria Queer como um viés de análise destes conceitos para novas
construções teóricas e contramajoritárias.

Na Unidade II e na Unidade III, refletiremos sobre as diversas orientações afetivas/sexuais e as


identidades de gênero, no intuito de visibilizar tanto as orientações afetivas/sexuais como as
identidade de gênero que vivenciam as margens da sociedade. Conheceremos os significados
representativos e simbólicos de ser quem se é, mediante as diversas masculinidades,
feminilidades e relacionamentos.

Na Unidade IV, por fim, vamos transitar pela história do Movimento LGBTQIA+ no Brasil,
apresentando o panorama histórico das lutas bem como das conquistas que se teve nos últimos
anos.

Objetivos

 Estudar os conceitos de identidade de gênero e sexualidades


 Perceber as diversas orientações afetivas/sexuais e as identidades de gênero
 Refletir sobre as diversidades e os processos de inclusão sua inclusão
 Observar os trânsitos que se deu na história do Movimento LGBTQIA+
 Analisar a trajetória nacional das lutas por direitos LGBTQIA+
 Conhecer as conquistas do Movimento LGBTQIA+ no Brasil, alavancadas nos últimos
anos.

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Unidade I. Gênero e Sexualidade
Nesta Unidade, convidamos vocês para o estudo do conceito de gênero; o surgimento das
práticas e experiências vividas socialmente e culturalmente das categorias de gênero,
apresentação dos objetivos e análises dos conceitos e suas implicações sobre as sexualidades,
identidades, subjetividades e pertencimentos dos indivíduos. Assim, analisando o contexto
histórico e as estruturas que rejeitam as diversidade de identidades de gênero, em alguns
estudos aqui destacados, dentre tantos existentes, o conceito de desconstrução se mostra
necessário, para o desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva. E por fim, a última parte da
unidade se dedica ao estudo da Teoria Queer. Convidamos vocês nessa desconstrução e
construção do ser!

Capítulo 1 – Conceituando Gênero


Conceituar “gênero” é uma tarefa que exige digressões históricas e inserções em diversos
campos do conhecimento humano. Isto porque, mais do que uma palavra, trata-se de uma
categoria de análise, cujo ponto de vista é, também, ponto de partida para se observar a
sociedade e seus fenômenos de forma a decolonizar olhares e conhecimentos. “Aquelas pessoas
que se propõem a codificar os sentidos das palavras lutam por uma causa perdida, porque as
palavras, como as idéias e as coisas que elas pretendem significar, têm uma história.” (SCOTT,
1995, p. 71).

Etimologicamente, segundo o Dicionário Houaiss, “gênero” vem do latim, do vocábulo “genus”,


que significa origem familiar, descendência, raça, tronco, derivando do grego, “génos”. O plural
seria “genera” que, ao passar para o singular, em latim, se tornou “generum”. Isto porque “gen-”,
como elemento de composição presente tanto no latim como no grego, teria como sentido
“nascer, gerar, produzir”, do que adveio também a palavra “gênesis”, que se entende como “fonte,
origem, início”. Deste mesmo elemento, no latim, tem-se “gens” e “gentis”, que remetem a clãs de
famílias, e “gentilis”, que se relaciona a grupo de pessoas de mesma origem. Ou seja, o étimo da
palavra “gênero” em muito se relaciona com origem e com separação em grupos de acordo com
essa origem.

Trata-se, também, de uma palavra cuja conceituação remonta a séculos atrás, sendo trabalhada,
inclusive, por Aristóteles e Platão. Segundo Nicolas Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia,
menciona três significações da palavra: a primeira diria respeito a geração de seres da mesma
espécie; a segunda seria sobre estirpe ou raça como o que “deu ser a uma coisa da mesma
espécie”, como helenos ou jônios, no sentido se serem povos gregos diversos; já a terceira se
relaciona à “substância segunda”, que, assim como a espécie, que seria aquilo que manifesta a
substância primeira de cada coisa à qual se atribui predicados. “Será possível explicar o que é um
homem só aduzindo a espécie ou o gênero; e dizendo-se que é um homem, estaremos
explicando melhor do que se o chamássemos simplesmente animal?” Aduzir predicado seria,
então, dizer-se ser um homem branco, por exemplo. Neste sentido, fala-se Dessa forma, pode-se
notar que tem o significado filosófico relação com o etimológico, haja vista sua concepção de
origem. (ABBAGNANO, 2007, p. 478)
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A primeira significação filosófica assemelha-se à biológica, que, no Dicionário Michaelis é “grupo
morfológico ou categoria taxonômica que reúne espécies filogeneticamente relacionadas,
diferentes das demais por traços específicos, e que integra a principal subdivisão das famílias”. E
assim, o vocábulo possui diversos significados, a depender da área do conhecimento em que se
foca. Para o Dicionário Houaiss, atualmente, segundo a principal significação a ele atribuida,
gênero é um “conceito geral que engloba todas as propriedades comuns
que caracterizam um dado grupo ou classe de seres ou de objetos”, o que quer dizer que, desde
sua origem etimológica, o vocábulo passou por uma transformação de significado.

O significado que mais se assemelha, todavia, ao sentido que aqui buscamos é o gramatical, pois
diz respeito à linguagem e à forma como nos comunicamos, que separa o feminino do masculino,
relacionando gênero a categorias como macho versus fêmea, um como oposto do outro. Segue
significado trazido pelo dicionário Michaelis:

Categoria linguística que estabelece a distinção entre as classes de palavras, baseada na


oposição entre masculino, feminino e neutro, animado e inanimado, contável e não contável
etc.; estabelecida por convenção, essa distribuição das palavras nessas categorias pode ou
não obedecer a noções semânticas, como, por exemplo, em galo/galinha, em que a
oposição se sustenta na diferença de sexos, designando macho e fêmea, sendo as
palavras, respectivamente masculina e feminina; entretanto, outras palavras podem
permanecer alheias a tal critério distintivo, como, por exemplo, em lápis (masculino) e
caneta (feminino).

MICHAELIS, 2019

Porém, a busca aqui realizada não se trata apenas de uma convenção que separa
gramaticalmente o feminino do masculino. A utilização mais espeífica começa a partir das
escritoras feministas, “como uma maneira de se referir à organização social da relação entre os
sexos.” (SCOTT, 1995, p. 72).

Figura 1 – Tirinha

Fonte: https://culturavisualqueer.wordpress.com/2010/07/25/murielhugo-personagens-transviados/

A Problematização do Conceito de Gênero


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A palavra “gênero” passou a ser utilizada em outros formatos e em outros sentidos, na década de
1980, pelas escritoras feministas, que traziam subversão a preceitos academicistas de
imparcialidade e distanciamento, de objetividade e neutralidade, daquele que escrevia em relação
ao tema pesquisado. Elas queriam enfatizar a historicidade de distinções essencialmente sociais
baseadas no sexo, mas especificamente na genitália. As palavras tem história e fazem história,
com o conceito de gênro não é diferente, seguindo a história do movimento feminista
contemporâneo.

No século XIX, no Ocidente, o feminismo surgiu como movimento organizado, principalmente na


virada do século XX, a partir das “sufragistas”, que predendiam estender às mulheres o direito ao
voto. Após se espalhar por vários países, o sufragismo ficou conhecido como a “primeira onda” do
feminismo. A “segunda onda” aconteceu apenas na década de 1960, quando o feminismo deixa
de atender apenas ao interesse das mulheres brancas cisgêneras, o termo cisgênero e
transgênero será explicado mais adiante, de classe média e passou a se voltar para questões
sociais, culturais e políticas. Neste ínterim, questões teóricas também se tornaram uma das
preocupações das feministas, iniciando-se um debate entre estas, de um lado, e seus críticos e
críticas, de outro, com a problematização do conceito de gênero.

Trata-se de um grande processo, localizado em diversos países como França, Estados Unidos,
Inglaterra e Alemanha, cujo marco de contestação e rebeldia foi o ano de 1968. Em um período
em que novos intelectuais e estudantes (mulheres e negros, diferentes grupos de idades
diversas, inclusive mais jovens) passaram a criticar a segregação e o silenciamento sofridos, ante
a discriminação e o vazio do formalismo acadêmico. Assim, livros e revistas foram produzidos
neste sentido, por autoras como Simone de Beauvoir, Betty Friedman e Kate Millet, que
acrescentavam a produção acadêmica às marchas, protestos e grupos de conscientização. E foi
assim que surgiram os estudos da mulher, nas Universidades e escolas.

Os Estudos da Mulher

Um dos principais objetivos das estudiosas feministas foi a visibilização das mulheres em relação
ao silenciamento das mesmas nos estudos, na sociedade e na História. Esta invisibilidade e
silenciamento se deu pela histórica atribuição das mulhere no âmbito doméstico e privado,
enquanto no âmbito público, as ruas, eram destinadas somente aos homens, vivenciando nitidas
segregações de possibilidades e funções. Assim, as mulheres não eram sujeitos de nálises e
problematizações, muito menos, tidas como estudiosas e propulsoras dos estudos. Nesse
sentido, tornavam-se invisíveis de diversas formas e em várias instâncias.

Este contexto se dava também, mesmo com as mulheres que trabalharavam fora. As mulheres
brancas, cisgêneras, heterossexuais e burguesas viviam para os lares e dentro dos lares
cuidando das filhas e filhos, situação não diferente vivenciou e vivencia as mulheres cisgêneras,
heterossexuais e camponesas. Aquelas que enfrentavam situações econômicas e de
vulnerabilidades, a tendencia maior era o estado de rua, de não ter nem o direito ao lar. Diante da
necessidade de subsistência da família, passaram a enfrentar o árduo trabalho em fábricas,
oficinas e lavouras, assim como hospitais, lojs, escolas e escritórios. Todavia, mesmo vivenciando
essas realidades, quando adentravam ao ambiente público e ao mesmo tempo o trabalho fora de
casa, essas mulheres sofriam forte controle por parte de homens, que as comandavam e

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gerenciavam de forma violenta e rígida, colocando-as em posições secundárias e de
dependência.

Os estudos relacionados as mulheres veio de encontro às questões trabalhistas apresentando as


diversas vulnerabilidades trabalhistas, inclusive os ditos trabalhos domésticos, constantemente
ocultados, mesmo que rotineiros e presentes em todos os lares. Os estudos iniciais trataram-se
de descrições na seara da Antropologia, da Sociologia, da Pedagogia, da Literatura, entre outras
ciências. As estudiosas em cada um destes campos denunciavam opressão e submissão
feminina em diferentes setores da sociedade, enumeravam e teciam comentários a respeito de
desigualdades econômicas, sociais, políticas e jurídicas sofridas. Um importante aspecto destes
estudos era, também, registrar, por vezes com críticas e ora celebrações, as características tidas
como “femininas”. Neste sentido, estudiosas se direcionavam a construir e discutir História,
Sociologia, Psicologia e Literatura da mulher, em grupos de estudos, revistas e eventos criados
para tanto. Estes primeiros estudos foram de grande importância, pois transformaram as poucas
e dispersas referências sobre as mulheres em um tema central, coletando informações,
elaborando dados estatísticos, indicaram falhas em registros oficiais. Dando voz àquelas que
foram silenciadas, mencionaram temas fora do âmbito acadêmico, como família e cotidiano,
fazendo-o com sentimento. Isso fez com que os estudos fossem vistos sem reservas, por não
serem, definitivamente, neutros.

Apesar de tais críticas a respeito da falta de neutralidade dos estudos feministas, um dos seus
maiores méritos era a paixão com que se desenvolviam, concernentes ao seu caráter político.
Para Louro (1997), esta foi uma das marcas mais significativas dos Estudos Feministas, por
transgredir, subverter e problematizar o que era antes tido como condição indispensável para a
Academia: objetividade, neutralidade, distanciamento e isenção. Assim, não apenas noções de
gênero e o olhar sobre outros objetos de estudos se colocavam à prova, mas também o modo de
se fazer ciência e quem era desta o sujeito. E isto foi feito com ousadia e de diferentes formas,
sob diferentes perspactivas, algumas que geraram polêmicas (como o “feminismo radical”), porém
sempre com interesses comuns.

Aos estudos da mulher opuseram-se outros que utilizaram-se, geralmente, das diferenças
biológicas entre homens e mulheres como justificativa para as desigualdades. Tais distinções
justificaram desequilíbrios, com papéis secularmente atribuídos por sexo, como argumento final e
irrefutável. Assim, tanto no senso comum como no discurso científico, a distinção sexual serviu
como elemento de compreensão da desigualdade social.

Nota-se que a argumentação a respeito de diversidade sexual e de gênero, como legitimador


para desigualdade social devem ser combatidos. O debate feminista e os estudos da mulher
foram essenciais para o início desses debates, trazendo questionamentos ao status quo, ao
estabelecido e, até então, não questionado.

Conceituando Gênero

Ao se falar de gênero, tem-se uma continuidade ao que Simone de Beauvoir escreveu em sua
obra de dois volumes, “O Segundo Sexo”, em que explicou que ser mulher não é algo biológico,
mas algo produzido pela sociedade.

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Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico
define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da
civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que
qualificam de feminino.

BEAUVOIR, 1967, p. 09

A famosa autora feminista descreve, após a célebre frase por vezes traduzida como “não se
nasce mulher, torna-se”, em vez da versão acima transcrita, o desenvolvimento da criança, em
sua primeira infância, a demonstrar que não existe qualquer diferenciação. Desde que nasce, a
criança passa a crescer e a reconhecer o próprio corpo, bem como as sensações por este
trazidas, de forma semelhante, independentemente de ser menino ou menina, passando pelas
mesmas fases, impulsos e descobertas.

Até os doze anos a menina é tão robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas
capacidades intelectuais; não há terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles. Se,
bem antes da puberdade e, às vezes, mesmo desde a primeira infância, ela já se apresenta
como sexualmente especificada, não é porque misteriosos instintos a destinem
imediatamente à passividade, ao coquetismo, à maternidade: é porque a intervenção de
outrem na vida da criança é quase original e desde seus primeiros anos sua vocação lhe é
imperiosamente insuflada.
BEAUVOIR, 1967, p. 09-10.

Embora não tenha utilizado a palavra “gênero” como aqui pretende-se estudar, seus estudos, que
escancararam a construção social acerca do que é ser mulher e do tratamento social às
mulheres, são a raiz da qual floresceram diversos outros estudos, tão importantes quanto, que
trouxeram outras luzes sobre o tema, levando-o adiante.

A Primeira Utilização

A primeira vez que o termo “gênero” foi utilizado no sentido em que aqui buscamos estudar, em
um trabalho que abarcava teoria antropológica, foi nos escritos da então pós-graduanda da
Universidade de Michigan, Gayle Rubin, antropóloga e militante feminista. Ela apresentou o
conceito em 1975, no trabalho intitulado “Tráfico de mulheres: notas sobre a economia política do
sexo”1, que iniciou a criação do sistema sexo-gênero, com que buscava a origem da opressão
das mulheres. Este trabalho foi um dos precursores dos estudos acerca do gênero e essencial
para o surgimento de uma antropologia feminista nos Estados Unidos.

A autora se apropriou de Karl Marx e Sigmund Freud, sendo o marxismo a teoria progressista que
estava em alta no momento, além de Jaques Lacan e Claude Lévi-Strauss, lendo-os por meio de
Louis Althusser. Assim, estabeleceu uma relação entre tais autores e suas teorias, para então,
gerar uma diferenciação de natureza versus cultura, em uma versão que remetia à antropologia e
ao estruturalismo francês, por meio da teoria dos sistemas de parentesco.

A teoria dos sistemas de parentesco de Lévi-Strauss não diz respeito à vínculos biológicos, “mas
sim sistemas de categorias e de estatutos: formas empíricas e observáveis do sistema sexo-
gênero” (MONCAU, 2018). Neste sentido, o estabelecimento de troca de mulheres, aliada à
proibição do incesto, é essencial. Isso significa a não possibilidade de relacionamento dos
homens com as mulheres com quem possuem vínculo consanguíneo e, por isso, deve
literalmente trocá-las com outros homens, ou seja, relecionar-se com mulheres com quem não

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RUBIN, Gayle. The Traffic in Women: Notes on the Political Economy of Sex. In: REITER, Rayna Rapp. (ed.) Toward an
Anthropology of Women. New York, Monthly Review, 1975.
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tenha vínculos de sangue. Esse sistema seria essencial para a manutenção de instituições como
o casamento e a família, bem como do parentesco e a vida em sociedade.

Assim, durante a formação edipiana, ou na crise de Édipo, momento em que a criança assimila
tabus e regras do que se nomeia de instituição heterossexual, incutida por seus parentes (pai e
mãe), dá-se a divisão dos sexos. Trata-se esta instituição de um sistema de normas culturais que
domestica os seres humanos desde a infância, dirigindo sua libido, sua sexualidade e sua
identidade de gênero. A crise de Édipo, com a assimilação destas regras, e o sistema de
parentesco, com a troca de mulheres e a proibição do incesto, geram as disparidades abissais
entre os direitos de meninas e meninos, de homens e mulheres. Por isso, Rubin defendia que o
feminismo deveria revolucionar tais sistemas.

É importante, ainda, se destacar o contexto em que estes estudos surgem, em relação a


movimentos sociais: “segunda onda do feminismo, a luta contra a guerra do Vietnã, a
contracultura e os movimentos por direitos civis” (MONCAU, 2018). Anos após, em entrevista com
Judith Butler (2003), publicada em inglês em 1994, Gayle Rubin descreveu a ideologia
desenvolvida neste período como um tanto utópica. Todavia, ainda assim, seu trabalho é
marcante e mundialmente importante pela distinção entre sexo biológico e gênero como
contrução social, criando o sistema sexo-gênero.

O Sistema Sexo-Gênero

Partindo da concepção de que as relações humanas e elementos culturais partem de um sistema


mais amplo, de uma estrutura mais abrangente, Rubin buscou entender o papel social da mulher
e como a cultura entende este. Assim, chegou à percepção de que o que se entende por mulher e
por ser mulher não deriva da natureza, da biologia, mas da cultura e das relações que esta cria.
Como exemplos destas condicionantes culturais das relações humanas, pode-se citar a divisão
sexual do trabalho e construções psicológicas a respeito de desejo (como a formação edipiana,
da separação da criança da mãe pelo pai). Assim, tem-se uma cultura que estabeleceu e
estabelece aos homens direitos sobre as mulheres, direitos estes que sequer elas tinham sobre si
mesmas.

A teoria do sistema de sexo/gênero de Rubin, de 1975, explicava a complementaridade dos


sexos (heterossexualidade obrigatória) e a opressão das mulheres pelos homens através
da premissa central da troca de mulheres na fundação da cultura por meio do parentesco.

HARAWAY, 2004, p.240

Assim, Rubin entendia o sistema sexo-gênero como “os arranjos por meio dos quais uma
sociedade transforma a sexualidade biológica em produto da atividade humana” (RUBIN, 1993, p.
02).

O Legado de Rubin

As primeiras escritoras feministas seguiram Rubin na concepção desta acerca da diferenciação


entre sexo e gênero, entre biologia e cultura, em uma tendência da política e da teoria feminista,
utilizando-se de antropologia e psicanálise, além do estruturalismo francês, para tanto,
abandonando as ciências empiricistas dos Estados Unidos e as ciências sociais, para se ter uma
visão sob outro viés.

Assim, através do trabalho destas teóricas anglo-saxãs é que gênero (gender) passa a ser
utilizado como algo diferente de sexo (sex), com rejeição ao determinismo biológico contidas
neste segundo termo, acentuando, por meio da linguagem, a característica sexual das
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diferenciações baseadas no sexo. Isto porque termos como “sexo” e “diferença sexual” contém
implicitamente desigualdades sociais como se fossem naturais. “O conceito serve, assim, como
uma ferramenta analítica que é, ao mesmo tempo, uma ferramenta política.” (LOURO, 1997, p.
21)

Gênero: Local e Tempo

A concepção acima iniciada pela teoria de Rubin não nega as distinções biológicas sobre as
quais são fundamentadas as construções sociais que levam às diferenciações. Apenas enfatiza a
existência de uma construção histórica e social com base nestes distintivos. Afinal, são nestas
esferas em que acontecem as relações sociais e estas se solidificam com o tempo. Assim, o
termo “gênero” possui profundo apelo relacional – isto é, gênero se constrói no âmbito das
relações sociais. Dessa forma, o conceito deve permitir variações a respeito da sociedade e do
momento histórico de que se trata. Neste sentido, estudos passaram a evitar generalizações a
respeito de “Mulher” e de “Homem”, buscando tratar também deste, embora sempre priorizando
as mulheres. Importante destacar também que estas variações se dão inclusive, dentro de uma
mesma sociedade, em um dado momento histórico, ao se considerar diferentes grupos, sejam
étnicos, raciais, religiosos ou de classe. Isto destaca o que se quer dizer sobre as construções
sociais: não existe nada a priori, tudo é um processo.

Estas reflexões geraram debates no âmbito dos Estudos Feministas. Observou-se que o conceito
de gênero deve apropriado e ressignificado em cada sociedade, conforme sua própria realidade.
No Brasil, por exemplo, as feminsitas passaram a utilizar o termo apenas nos anos 80, aos
poucos e, então, amplamente.

Gênero e papéis

Importante entender que, quando se fala de gênero, não se fala simplesmente em “papéis”, o que
seria o papel feminino e o que seria o papel masculino na sociedade, o que se deve
desempenhar, qual a função de cada um, o que seria adequado. Não se trata especificamente
disso, embora tenha uma implicação direta. Se o fosse, seria apenas a imposição de regras
arbitrárias por parte de uma sociedade, que definiria comportamentos, modos de agir, de se
relacionar, de se vestir, o que seria ensinado o que é considerado apropriado, para que os
membros da sociedade correspondam a estas expectativas. Essa análise é muito simplista e
reducionista, remetendo apenas a relações individuais.

Ressalte-se que gênero diz respeito a uma estrutura de relações de hierarquia insitucionalizadas,
de intricadas redes de poder, que aparecem em símbolos, códigos, práticas, discursos e códigos.

Gênero e Identidade

O gênero é constituinte da identidade do indivíduo. E identidade é um conceito complexo, que


varia conforme diferentes óticas. Gênero é um elemento de constituição da identidade do
indivíduo, assim como sua classe, sua etnia e sua nacionalidade; ou seja, faz parte do sujeito. Por
exemplo: Fulano é brasileiro, homem, negro, heterossexal, etc.

Próximo às elaborações mais críticas dos Estudos Feministas e dos Estudos Culturais,
compreendem-se os sujeitos como possuidores de identidades várias, plurais, em transformação,
nunca rígidas ou imutáveis, com possibilidade, inclusive de serem contraditórias. Dessa forma, o
significado de pertencimento a grupos diversos, sejam sexuais, de gênero, de etnia e/ou de
classe (dentre outros), concebe o sujeito e é capaz de levar este a se compreender como se,
como afirma Stuart Hall, “empurrado em diferentes direções” (LOURO, 1997).

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Assim, todos os tipos de relações (aqui destacando-se as de gênero, mas também as étnicas, as
de classe, etc), são produzidas e reproduzem-se em instituições. Isto porque as instituições são
formadas a partir destas relações e, após formadas, tem essas relações acontecendo também em
seu interior. Ou seja, são constituídas e constituíntes de gênero.

Sujeitos são “fabricados” por tais práticas e organizações. Procura-se a compreensão de que
justiça, igrejas, educação ou governo e política, etc, são permeadas por gênero: tais espaços
sociais, instituições e atividades são “generificados”. Isto significa dizer que são produzidos e
engendrados tendo as relações de gênero como ponto de partida. E é importante ter em mente
de que este não é o único ponto de partida, pois neste se compreendem também as relações
étnicas, de classe, dentre outras (LOURO, 1997).

Gênero Instituições Instituições


Gênero

Figura 2 – Demonstrativo do ciclo gênero x instituições

Gênero e Sexualidade

Para avançar no assunto, é importante a diferenciar gênero de sexualidade. Isto será feito neste
subtópico para avançar no tema de gênero, porém o tema da sexualidade ficará mais claro nos
próximos capítulos, quando se tratar do assunto em separado. Todavia, apesar de serem
conceitos diversos, estão intimamente conectados, posto que ao menos uma parcela dos
discursos de gênero abrangem questões de sexualidade. Assim, aqui temos algumas pontuações
a respeito de identidade de gênero e identidades sexuais, que serão detalhadamente tratadas
mais à frente. Nesta seara, apesar de as práticas sociais serem várias e diversas, é importante se
destacar alguns conceitos, mesmo correndo-se o risco de cair em esquemas limitadores.

Sexualidade

A vivência e a expressão da sexualidade pode se dar de várias formas, nem todas condicionadas
ao que uma sociedade ou cultura considera biologicamente coerente a conceitos de macho e
fêmea vinculados ao que se entende como natureza. Isto porque este entendimento a respeito do
que é natural é construído com bases culturais e elementos inconscientemente existentes. Isto
porque o exercício da sexualidade não se dá apenas por meio do contato de corpos, mas do que
circunda este contato, no que tange ao imaginário, costumes e algum protocolo que se siga,
como práticas culturais e/ou religiosas, ou mesmo fantasias individuais de cada ser humano.
Tudo isso é condicionado, construído.

Jeffrey Weeks (1993), no decorrer de suas pesquisas, aduz, em múltiplas oportunidades, que a “a
sexualidade tem tanto a ver com as palavras, as imagens, o ritual e a fantasia como com o corpo”
(p. 06), mencionando, ainda, ser impossível se "compreender a sexualidade observando apenas
11
seus componentes 'naturais'(...), esses ganham sentido através de processos inconscientes e
formas culturais" (p. 21). Neste sentido, Foucault (1988) também entendia a sexualidade como
uma invenção social, e apenas por isso foi capaz de delinear uma “História da Sexualidade”,
como é o título de seu livro. Isto significa dizer que Foucault entende a sexualidade sendo
concebida a partir de inúmeros discursos acerca de sexo: são discursos que tornam “normal”,
regulamentam, conduzem, criam conhecimentos e geram “verdades” (LOURO, 1997).

Identidade Sexual e Identidade de Gênero

A identidade sexual é o modo como as pessoas expressam e vivem sua sexualidade, o que
pode se dar com o sexo oposto, com o mesmo sexo, com ambos os sexos, ou com nenhum. Ou
seja, a identidade sexual tem a ver com desejo, atração, o modo com que o sujeito vive a sua
sexualidade, seja com outra pessoa ou sem parceiros.

Figura 3 – Visualização: Identidade Sexual

Heterossexual
Homossexual

Identidade Sexual Bissexual

Assexual

dentre outras

A idendidade de gênero é a forma que a pessoa se identifica, masculino ou feminino, na


sociedade. Importante destacar também que essa binariedade pode não constar ou se mesclar
em diferentes identidades, de diferentes formas e intensidades, ou desconsiderar tal binariedade.

Feminina

Identidade de Gênero Masculina

dentre outras
Figura 4 – Visualização: Identidade de Gênero

Confundir estes dois conceitos é fácil pois, em nossas linguagens e vivências históricas, elas
estão intricandas, sendo difícil, para boa parte da população, pensá-los de forma separada, como
se um condicionasse/determinasse o outro e vice-versa. Todavia, eles podem se combinar de
maneiras diferentes. Inclusive, conceitos mais tradicionais de identidade sexual consideram a
existência de apenas dois tipos de identidade de gênero (feminino e masculino), enquanto esta
binariedade já é debatida, como se verá e será esclarecido mais adiante.

Por exemplo, quem se relaciona tanto com pessoas de identidade de gênero tanto feminina como
masculina é considerado bissexual, considerando-se esta binariedade de gênero. Por outro lado,
aqueles que se relacionam com pessoas independente de sua identidade de gênero,
considerando inclusive aqueles que estão fora desta binariedade (como intergêneros ou
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agêneros), são chamados pansexuais. Os conceitos de bissexual e de pansexual demonstram de
forma clara o quão embaraçados estão as identidades sexuais e de gênero, e como ambos
influem um no outro.

Portanto, apesar de prounfundamente interrelacionados, identidade sexual (sexualidade) e


identidade de gênero não se confundem. Assim como sexualidade não é o mesmo que sexo e
este se difere de gênero, como já visto anteriormente. Todas estas identidades – tanto sexual
como de gênero – são construídas ao longo da vida do sujeito, que não nasce com ela, ou as tem
de forma automática e bem definida, pois não é possível determinar o instante ou ocasião em que
se constituem. Além disso, tais identidades podem ser transformadas, pois não são estáveis.

Nenhuma identidade sexual — mesmo a mais normativa — é automática, autêntica,


facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não
existe, de um lado, uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para
ser assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha.
Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil, uma relação
social contraditória e não finalizada. (grifos da autora)

BRITZMAN, 1996, p. 74

O que Deborah Britzman escreve sobre identidade sexual se aplica também à identidade de
gênero.

Gênero, Heterossexualidade e a Economia do Casamento

Diante da divisão sexual do trabalho, às mulheres ficou destinado o âmbito interno dos lares, o
privado, com os serviços domésticos, enquanto os homens tomaram o espaço público e o
trabalho fora do lar. Dessa forma, concretizou-se a desigualdade social entre mulheres e homens,
já que um não pode desempenhar o trabalho do outro. Para garantir sua sobrevivência material,
portanto, a heterossexualidade tornou-se compulsória, bem como o centro de opressão das
mulheres.

Todavia, alguns daqueles que estudam a fundo o assunto, como Judith Butler, criticam essa
vinculação redutiva e entre gênero e sexualidade, já que tal relação não é causal. Aponta-se que
usualmente se trabalha gênero sob uma matriz heterossexual, o que acontece devido à opressão
ocasionada pela diferença social trazida pelo influxo entre gênero, instituições e trabalho.

Trata-se de um sistema que transforma a sexualidade biológica, tornando esta o resultado de


atividade humana, que estabelece quais são as necessidades sexuais historicamente produzidas
por esse sistema, de modo que estas necessidades, especificamente, sejam satisfeitas. Assim,
tem-se uma construção psicológica do que é desejo. Junto à divisão sexual do trabalho, este
sistema sexo-gênero produz os seres humanos. Há censura e há policiamento. E como resultado
dessa sistemática instaurada, tem-se o direito dos homens sobre as mulheres. Por isso, a
heterossexualidade compulsória é, tanto o resultado de tudo isso, como a força da opressão para
sustentar este sistema.

Outras autoras também apontaram a heterossexualidade como raiz da opressão das mulheres,
como Adrienne Rich, ou a apontaram como a centralidade desta opressão, como Monique
Witting. O “Mouvement pour la Libération des Femmes” (MLF) tinha uma forte influência do
marxismo tradicional. Todavia, algumas autoras fizeram formulações em sentido diverso,
entendendo estas como explicação para um rompimento definitivo com tal marxismo. O grupo
associado com Witting, na França, possuía como argumento o fato de as mulheres serem
pertencentes a uma classe criada na relação social hierárquica fundada na diferença sexual. Esta

13
daria aos homens poder econômico, político e ideológico sobre as mulheres. Estas ideias foram
muito difundidas por exemplo pela Editora “Questions féministes” (HARAWAY, 2004).

O que faz uma mulher, neste sentido, é a relação de apoderamento estabelecida entre ela e um
homem. A ideia que se tem do que é ser mulher advem de um imaginário social que, porém, é
visto como algo natural, ou seja, é naturalizado. Isso significa que, embora se enxergue, como
noção social e/ou senso comum, de que ser mulher é ser feminina, passiva, submissa, delicada
(dentre outras características atribuídas ao feminino), isto não é algo natural, mas apenas um
conceito imaginário que a sociedade tomou e perpetuou como verdade, justificando como se isso
acontecesse naturalmente, inerente ao sexo biológico, à natureza da fêmea.

Em outras palavras, a “mulher” é, portanto, um ser imaginário, existindo apenas do âmbito das
ideias. Isso porque “mulher”, nesse sentido ideal, é o produto de uma relação social de
apropriação, relação esta que é considerada natural na sociedade, porquanto é definida como o
sexo, como a condição daquela que possui o sexo feminino. (HARAWAY, 2004)

Dentre estas características, algumas se destacam por serem relacionais. Ou seja, são
características que não existem por si próprias, mas dependem de um referencial. Para se ser
passiva, deve existir um ativo; para se ser submissa, deve haver o dominante; e, assim, o homem
é quem assumiria estas outras características, este outro lado, como se complementares. Assim
o discurso hegemônico na sociedade patriarcal, em que os homens dominam os espaços
públicos e as posições de poderes e privilégios, determina.

Como o homem é o referencial, a mulher acaba por ser “o outro”, como traz Simone de Beauvoir.
O outro que precisa do complemento para sua subsistência, haja vista que, por sua posição social
e econômica, tem como necessidade o estabelecimento de uma relação com o referencial para
que sobreviva. Todavia, naturaliza-se essa necessidade como algo natural, e não econômico e
político. Daí se falar em heterossexualidade obrigatória. Assim, o casamento seria a unificação de
dois seres antagônicos, porém coerentes, em uma relação de reificação (coisificação da mulher)
e apropriação (de seus serviços, do sexo e até dos bebês gerados).

A implicação de todo este cenário aqui descrito é o patriarcado. Heidi Hartmann utilizou o sistema
sexo-gênero de Rubin para conceituar patriarcado como um sistema material, e não simples
ideologia, mas, sim:

um conjunto de relações sociais entre homens, que tem base material, e o qual, embora
hierárquico, estabelece ou cria interdependência e solidariedade entre os homens que os
capacita a dominar as mulheres.2
HARTMANN, 1981, p. 14

Neste sentido, no pensamento das autoras acima mencionadas, principalmente Witting, uma
feminista seria aquela que luta em prol das mulheres enquanto classe e pela desapropriação
desta classe. A principal batalha seria pela extinção do sistema social da heterossexualidade, já
que, como categoria política tomada como natural, o “sexo” dá a base da sociedade
heterossexual. Nesta esteira, as ciências sociais que se baseiam no “sexo” também deveriam ser
aniquiladas.

Gênero e Marxismo

Dentre as diversas teorias que buscaram explicar gênero, muitas delas, principalmente as iniciais,
em muito se utilizaram do Marxismo, se apropriando das teorias de Marx e Engels para explicar,
2
“we define patriarchy as a set of social relations which has a material base and in which there are hierarchical
relations between men and solidarity among them which enable them in turn to dominate women”.
14
sob o viés do trabalho, a opressão das mulheres, como visto acima. Além disso, houveram
críticas a respeito deste “casamento” do feminismo com o marxismo, posto que não abarca
algumas relações invisibilizadas no olhar marxista.

O trabalho de Hartmann, enfatiza sua crítica à união do feminismo com o marxismo, destaca a
aliança do patriarcado com o capital para fins de controle, por parte dos homens, do trabalho das
mulheres. Todavia, não se trataria de uma relação dual, afinal, relações patriarcais e relações de
produção estariam totalmente interligadas, consoante defende Iris Young, estimulada por
Hartmann.

A divisão do trabalho por gênero foi a primeira divisão de trabalho que existiu, portanto, foi
através da mudança neste tipo de divisão que se estabeleceu a sociedade de classes. Assim,
patriarcado e capital são aliados sob a perspectiva de classe e gênero. Trata-se de um ponto de
vista branco, que não analisa raça, o que é excluído da tese de Hartmann. Conforme Young
argumenta, as relações patriarcais são sustentadas por toda sorte de divisão do trabalho, à
totalidade das relações de produção. Observar a divisão por gênero, atualmente, revela apenas
uma forma de opressão que deixa de lado uma parte das mulheres, como as mulheres negras.
Isto porque as formulações de Marx e Engels não levaram em consideração alguns tipos de
trabalho, como os domésticos e os sexuais. Dessa forma, Young defende, em sua abordagem
modernista, a autonomia das mulheres para a luta contra o capital, o que seria pragmaticcamente
essencial, mesmo na unicidade das lutas socialistas com as feministas. Essa unificação é
necessária, posto que os adversários também estão unidos: patriarcado e capitalismo.

Nancy Hartsock, por sua vez, prefere utilizar a expressão divisão sexual do trabalho. Isto porque
a autora acredita que assim demonstra melhor a corporalidade do trabalho das mulheres. Ela
também tem foco em trabalhos não historicizados pelo marxismo, como o parto e a criação de
crianças, bem como o trabalho de alimentar e de subsistência. Dessa forma, demonstra como a
realidade de mulheres e completamente diferente das de homens para, então, abrir a
possibilidade para um feminismo materialista. Sua busca era por desmascarar as reais relações
de dominação para, então, se lutar por liberdade. Ela falava, inclusive, em falocracia
caracterizada por sistemas de poder.

Várias feministas deram a sua contribuição para versões, seja independentes ou interligadas, da
teoria feminista da perspectiva. Nesta, o tema central é o debate acerca da divisão sexo-gênero
do trabalho. A gradativa e contínua problematização da categoria trabalho e suas extensões (no
sentido marxista e feminista de reprodição) é essencial para a discussão, no empenho de se fazer
uma teoria acerca da atuação ativa e estatuir as mulheres, na história, como sujeitos.
(HARAWAY, 2004)

Outras Teorias

Os estudos de Gayle Rubin, com a criação da teoria do sistema sexo-gênero, inspirou e ainda
inspira diversas estudiosas e muitos estudiosos, em diversas áreas da ciência humana, para o
estudo da origem da opressão das mulheres, além do que realmente seria o gênero e como este
influencia as relações sociais. Muitos estudos partira da ou para a psicanálise, alguns com bases
marxistas, ou com outros viéses e utilidades. A seguir, citaremos algumas autoras e suas teorias,
que representaram passos à frente nos estudos feministas e/ou se aplicaram com especificidade
em alguma área.

A Complexidade da Política de Gênero

15
Sandra Harding, em seu livro The Science Question in Feminism3, trouxe o desmembramento de
gênero em três elementos, que podem ser interrelacionados de diferentes modos: i) categoria por
meio da qual se atribui sentido a tudo; ii) modo de organização das relações sociais; iii)
estruturação de identidade pessoal.

O desmembramento desses três elementos vem sendo parcela da procura por compreender quão
complexo e quão valorozamente problemática são as políticas que tem por base o gênero. O
sistema sexo-gênero é utilizado por Jeffrey Escoffier para explorar a política de identidade sexual,
nos movimentos gays no pós Segunda Guerra Mundial, argumentando pela necessidade de uma
teoria acerda do surgimento e do que limita os novos modos de subjetividade política, para o
desenvolvimento de uma política compreendida e com posicionamento, sem limites metafísicos
de identidade.

Um exemplo é o texto “Manifesto para os Cyborgs”, de Donna Haraway, em que se desenvolvem


argumentos parecidos, para que seja explorada uma política marxista-feminista direcionada ao
posicionamento das mulheres nos campos da ciência e da tecnologia multinacionais, permeadas
por sistemas sociais, culturais e técnicos.
.
A Sexualidade no Gênero

Catherine MacKinnon4, crítica do marxismo e do gênero, constatou que a sexualidade está para o
feminismo assim como o trabalho está para o marxismo, ou seja:

(...) o que é mais próprio de cada um e o que mais se tira de cada um... A sexualidade é este
processo social que cria, organiza, expressa e direciona o desejo, criando os seres sociais
que conhecemos como homens e mulheres, do mesmo modo como suas relações criam a
sociedade... Assim como a expropriação organizada do trabalho de alguns para o benefício
de outros define uma classe – a dos trabalhadores – a expropriação organizada da
sexualidade de alguns para o uso de outros define o sexo, mulher.

MACKINNON, 1982, p. 515

Para a autora, o que se construiu como sociedade a respeito da mulher, seria material e
ideologicamente objeto do desejo do outro; sendo uma ilusão material, pois diz respeito à
realidade das mulheres. Ao mesmo tempo reificadas e alienadas pois, conforme não são elas
mesmas que produzem a sua reificação, os conceitos se mesclam. Não se trata apelas da
alienação de sua produção, como alerta o marxismo em relação ao trabalho no capitalismo, mas
também é objeto, o que lhe tira a possibilidade de ser sequer um sujeito histórico. Assim, a
sexualidade da mulher é o seu uso.

MacKinnon estabelece em sua teoria, então, que, para e desfazer esta ilusão acerca da realidade
das mulheres, é necessária uma política de conscientização, na política feminista.

Escolas das Teorias Psicanalíticas

São teorias feministas que se utilizam da psicanálise, preocupando-se com a formação do sujeito
e buscando a formação da identidade de gênero nas primeiras fases do desenvolvimento da
criança. A depender da nacionalidade daqueles que aplicam as teorias psicanalíticas ou mesmo
que as fundaram, notam-se diferenciações importantes que os distinguem entre o que esse
chamam de escolas.

3
HARDING, Sandra. The Science Question in Feminism. Ithaca, Cornell University Press, 1986.
4
MACKINNON, Catherine. Feminism, Marxism, Method and the State: an Agenda for Theory. Signs 7 (3), 1982
16
Neste sentido, existem duas escolas, a angloamericana e a francesa. A primeira, utilizando-se da
teoria das relações objetais, estuda as experiências concretas na infância, acerca do que a
criança vê e ouve, principamente com aqueles que cuidam dela, ou seja, seus pais.

Já a segunda, a francesa, se utilizando de teorias estruturalistas e pós-estruturalistas de Freud e


a teoria da linguagem, já se preocupam mais com a comunicação (não palavras propriamente
ditas, mas os sistemas de significação, símbolos, que antecedem fala, escrita e leitura
concretamente). Por seguir a teoria de Lacan, a escola francesa traz o importante papel do
inconsciente, que a angloamericana coloca como última instância. “Para os/as lacanianos/as, o
inconsciente é um fator decisivo na construção do sujeito; ademais, é o lugar da divisão sexual e,
por esta razão, um lugar de instabilidade constante para o sujeito "generificado" (gendered).”
(SCOTT, 1995, p. 81).

Abaixo, uma breve análise de algumas autoras que se utilizam das teorias das relações objetais,
por ser a escola angloamericana mais difundida, citada e influenciadora daquelas que lhe
sobrevieram.

- Escola Angloamericana: Teoria das Relações Objetais

Desenvolvida em especial pela feminista norte americana Nancy Chodorow, a teoria da


psicanálise das relações objetais não utiliza o viés a partir de Lacan produzido por Rubin e
utilizado por diversas escritoras que nela se inspiraram. Ela estudou a educação no interior da
família e a organização social desta educação, que, segundo ela, produziria mulheres mais
capazes em atividades condideradas não hostis. Esta educação voltada a estes tipos de tarefas
não hostis faria com que mulheres se tornassem submissas e com que fossem voltadas para a
maternidade. Para a autora, a divisão entre público e privado tinha um grande papel na
dominação sobre as mulheres.

A predileção pela pscicanálise das relações objetais se opunha a conceitos lacanianos. Aquela,
por sua vez, tem relação com conceitos semelhantes desta, como “identidade de gênero”, com
sua teia de conceitos da ciência social empírica, que se difere da “aquisição de posições de
subjetividade sexuada”, significado este mergulhado ne teoria cultural/textual predominante no
continente. Esta teoria de Chodorow, apesar de muito criticada por trazer a essência da mulher
como relacional, influenciou grandemente as feministas e outros pesquisadores da época, sendo
adaptada para a investigação de um grande leque de outros fenômenos da sociedade.

Carol Gilligan, influenciada por Chodorow, utilizou-se também das teorias psicanalíticas, mais
preocupada com desenvolvimento moral e comportamento. Além disso, alertava sobre a
importância de uma maior consciência das mulheres acerca do contexto além da necessidade de
resistir a abstrações universalizantes existentes, por exemplo, em raciocínios morais. Para tanto,
utilizou-se, também, além de criticar, das teorias neo-kantianas de Lawrence Kohlberg. Gilligan
influenciou grandemente as teoricas que a suscederam.

Uma outra versão da teoria das relações objetais foi trazida por Evelyn Keller, que denunciou
haver uma dominação por parte dos homens na ciência natural, em diversos níveis, tanto na
epistemologia, como na organização. Ela apontou como a construção, no sistema de gênero, de
homens e mulheres afetou, também, a construção da ciência. Como neste sistema, ambos os
gêneros estão diferentemente alocados, de forma psicodinâmica, orientando homens para
impessoalidade e dominação. Alertou, assim, na construção da ciência como um projeto
masculino, enquanto deveria ser um projeto humano.

17
Essas teorias endossam dados espefícivos baseados em observações generalizadas e também
parecem ofertar uma importante formulação teórica concernente ao gênero. Por isso, nos últimos
anos, historiadores feministas foram atraídos por tais teorias, e cada vez mais estudiosos da
história que utilizam do conceito de “cultura feminina” utilizam os trabalhos de Chodorow e
Gilligan. Esse uso se dá tanto para comprovar quanto para explanar suas interpretações. Já
aqueles que possuem algum tipo de contrariedade com as teorias feministas utilizam Lacan.

Gênero e Semiótica

Para Teresa de Lauretis, “mulher” e “homem” são construções sociais, o que, somado à produção
semiótica da subjetividade, seria o gênero. Neste sentido, gênero se relaciona com “a história, as
práticas e a imbricação de sentido e experiência”, ou seja, com “os efeitos constitutivos mútuos na
semiose do mundo exterior da realidade social com o mundo interior da subjetividade” (DE
LAURENTIS, 1984, p. 158-186). De Lauretis usou Charles Pierce, nas teorias deste acerca da
semiótica a fim de elaborar um método para análise da “experiência”, um dos entendimentos mais
discutidos do feminismo moderno, que considera as inserções íntimas da experiência, bem como
as mediações desta por meio de práticas relevantes. “A experiência nunca é imediatamente
acessível” (HARAWAY, 2004, p. 233).

Dessa forma, existe a ideia de que gênero é uma diferenciação semiótica que tomou corpo e que
pode ser fonte de poder e algumas áreas, como no cinema. De Laurentis distingue a existência
de um sujeito feminista particular, por ser marcado pelo gênero, neste sistema sexo/gênero,
construído por meio de múltiplos discursos, sentidos e posições, intrinsecamente contraditório.

Os Outros “Outros”: gênero, classe e cor

O sistema sexo-gênero e também o de ruptura analítica do público/privado, tratava-se de um


discurso universalizante. Ou seja, pretendia abarcar todas as mulheres. Todavia, era produzido
por autoras anglófonas, com visão eurocentrada, em sua maioria mulheres brancas e que
possuíam condições, em sua realidade, para dedicação aos estudos. Assim, principalmente os
primeiros estudos, foram produzidos por mulheres brancas de classe média-alta. Assim,
acabaram por ser etnocêntricos e imperialistas, ao tentar colocar a realidade de tais mulheres
européias e americanas como as de todas.

“Os esforços para utilizar conceitos ocidentais, ou “brancos”, de gênero, para caracterizar a
“mulher do Terceiro Mundo” frequentemente resultaram na reprodução do discurso orientalista,
racista e colonialista.” (HARAWAY, 2004, p. 237). Assim, o conhecimento produzido pelos
estudos feministas até aqui foi duramente criticado por “mulheres de cor”. Deve-se considerar que
as próprias “mulheres de cor” são uma construção social e política ainda mais complexa do que a
construção de “mulher” visto até aqui. Isto porque abarcam em um único sujeito nuances
nacionalidade, raça, sexo e classe, todos entrelaçados. Estes conceitos foram alvos dos estudos,
gerando teorias críticas que denunciaram os sistemas de diferenças hierárquicas, desde o século
XIX e início do século XX, bem como desde o princípio dos movimentos das mulheres.

O envolvimento do pesquisador ou da pesquisadora com a história com inclusão de narrativas


daqueles que são oprimidos bem como um exame da origem e da essência da opressão
daqueles, bem como um entendimento de que as diferenças de poder estão dispostas ao longo
de três núcleos, minimamente, é o que gera o interesse do pesquisador por categorias como
classe, raça e gênero.

A partir dos anos 80, publicações que relecionavam raça e classe ao gênero começaram a ser
publicados, trazendo ao conhecimento as teorías críticas, além de textos radicais produzidos por
18
mulheres de cor. Por isso, o conhecimento “branco” e “ocidental” passou a se tornar cada vez
mais contestável, até que as “mulheres brancas” passaram a ser cobradas para uma prestação
de contas.

No sistema estudado por Rubin, o sistema sexo-gênero, ela explica a heterossexualidade


compulsória, criada por meio da complementariedade dos sexos, e com a premissa principal de
troca de mulheres, pelo sistema do parentesco, como explicação para opressão das mulheres.
Mas o que acontece com as pessoas que estão fora dessa instituição do parentesco? Haviam
grupos inteiros que estavam fora do sistema inicialmente analisado por Rubin, e que, apesar
disso, são construídos com relação a tal instutuição.

Hazel Carby demonstrou como as mulheres negras não tinham a mesma construção social de
mulher, como tinham as mulheres brancas. Devido ao histórico da escravidão, que marcou todo o
mundo e toda a história da humanidade, as mulheres negras foram construídas socialmente de
modo diverso. Enquanto as brancas eram confinadas nos lares, no ambiente privado, tendo sua
sexualidade protegida/controlada, seu corpo coberto/controlado, delas cobrada a pureza e o
cuidado doméstico, para as negras aconteceu o contrario. A escravidão produziu grupos inteiros
de pessoas vistas como propriedades alienáveis, como parte de um discruso legal que as excluiu
do sistema de parentesco.

Mostrando como o “Novo Mundo”, especialmente os Estados Unidos, mulheres negras não foram
construídas como “mulheres” no mesmo sentido que as mulheres brancas, Carby assinalou a
constituição sexual e racial daquelas como mulheres marcadas. Isso significa dizer que a autora
analisou como as mulheres negras foram tidas como animalizadas, sexualizadas, sem qualquer
status, mesmo que parcial, se sujeito de direito. Ou seja, não eram vislumbradas como humana,
como esposa em potencial, como possível portadora do nome da família (do pai). Assim, a
escravidão era a instituição em que estavam instituídas, o que as excluía da cultura que
determinava significados por meio do sistema do casamento.

Aida Hurtado se utilizou da teoria de MacKinnon (vide 2.6.2 desta apostila), que colocou a mulher
como um ser imaginário tornada real quando objeto do desejo do outro para mostrar como
acontecia a diferenciação entre as mulheres brancas e negras. Pois que, enquanto a mulher
branca era casada com o homem branco e herdava mulheres e homens negros, a mulher negra
era propriedade do homem branco, no século XIX. Dessa forma, a necessidade de se ter filhos
racialmente puros, em um patriarcado racista, criou assimetria nos espaços ocupados por
mulheres que eram livres e pelas que não o eram, incompatibilizando-as de diferentes formas,
seja simbólica ou social. Essa diferenciação entre mulheres brancas e negras não acabou com o
fim formal da escravatura. O racismo continua a existir, porquanto elemento estruturador do
“Novo Mundo”.

Hortense Spillers alertou para o fato de que, apesar de o homem ter direito sobre as mulheres e
sobre os filhos menores que nem mesmo estes tinham sobre si, eles ainda assim não eram
propriedade alienável e, além disso, herdavam o nome de seu pai. Já homens e mulheres que
não eram livres, por sua vez, herdavam a condição de sua mãe, que não tinha qualquer controle
sobre eles. Estes não possuíam nome, seja no sentido trazido por Lacan ou por Lévi-Strauss.
Mães escravisadas não poderiam transmitir seu nome, não poderiam se tornaresposas, estando
fora desse sistema de troca matrimocial. Os escravos não pertenciam ou sequer possuíam
qualquer posição no sistema de nomes, estando, assim disponíveis.

Enquanto as mulheres brancas estavam dentro desse sistema como esposas potenciais,
possuidoras de nome ou conduto para nomes de pais e maridos, mesmo que não fossem
consideradas inteiramente humanas, seja simbólica ou legalmente, a situação de escravos era

19
ainda pior. Estes não eram considerados humanos, em qualquer dos sentidos mencionados:
simbólica ou legalmente. Para eles, a posição de sujeitos não existia e suas sexualidades eram
expressas pelo outro, física e biológica. Neste sentido, dar a luz para uma mulher grávida, se esta
fosse branca, significaria parir um herdeiro; enquanto se a grávida fosse negra, significaria parir
uma propriedade. Neste sentido, nenhuma era livre, mas suas condições eram completamente
diferentes.

Assim, atualmente, diante deste cenário passado, a luta por “direitos reprodutivos” é diferente
para mulheres brancas e para mulheres de cor. Para as brancas, esses direitos dizem respeito à
propriedade do próprio corpo, do eu, o que tange à escolha de ter ou não filhos, de ser ou não
mãe, de concepção, engravidar, de abortar e do nascimento dos filhos. Assim, para as mulheres
brancas, o problema é o próprio estatuto como sujeito. Enquanto para as mulheres negras, a
temática dos direitos reprodutivos tange ao controle de seus filhos, no sentido de evitar as
consequências da instituição do racismo: gravidez forçada, esterelização coercitiva, mortalidade
infantil, moradia precária, educação racista, linchamentos, prisão, vício em drogas. Assim, para as
mulheres negras, não está em pauta apenas o próprio estatuto como sujeito mas, também, o de
seus filhos e de seus parceiros (machos e fêmeas). (HARAWAY, 2004)

As questões acima, todavia, foram elaboradas por mulheres afro-americanas. Outras mulheres de
cor como as latino-americanas, por exemplo, terão outras questões, assim como todo e qualquer
grupo do “Novo Mundo”. Assim, o feminismo deve pensar as questões de gênero aliadas a uma
teoria da diferença, para abarcar raça, sexo e classe.

A coerência dominante acerca do que é sujeito foi, portanto, desconstruída pelas feministas,
desconstrução esta que é fundamental. As teorias feministas sobre sujeitos marcados por gênero
e por raça levam em consideração, de modo crítico e afirmativo, subjetividades sociais
emergentes, diferentes, por vezes incoerentes entre si, que exigem atuação, saberes e crenças.
Assim, é necessário um comprometimento com uma mudança social que tranforma, que quebre a
subjetividade dominadora com o respeito à outras subjetividades consideradas imprórpias, em um
momento de esperança embutido nas citadas teorias e em outros discursos que surgiram.

Pós-Estruturalismo e Feminismo

O Pós-Estruturalismo, assim como o feminismo, surgiu na efervescência intelectual do final da


década de 1960. Existem pontos de contato entre produções de autores prós-estruturalistas e as
das pensadoras feministas, porém ainda assim com divergências e desentendimentos. O debate,
dessa forma, é ampliado e acentuado entre tais estudiosos, posto que algumas ideias são
apropriadas por alguns e rejeitadas por outros.

Após algum tempo, movimentos contemporâneos passaram a uní-los, como a teórica Joan Scott,
uma historiadora estadunidense, cujos trabalhos tem muita importância para o tema ora
estudado. Scott foi uma das estudiosas mais conhecidas no campo do pós-estruturalismo, que
deixa claro sua utilização de conceitos de Michel Foucault e Jacques Derrida, o que a autora
considerou difícil, pois não é completamente confortável ou fácil para uma historiadora social
feminista a aproximação e utilização de teorias da Teoria Literária e da Filosofia. Seu artigo
“Gender: a useful category of historical analysis”, escrito em 1986, passou a ser muito utilizado
por todos que tem interesse nas relações de gênero. As implicações de sua abordagem são, por
vezes, observadas de modo supeficial, já que é utilizado por autores dos mais variados pontos de
vista. Mesmo assim, suas ideias tem gerado frutos, mesmo que sejam perturbadoras para alguns
pontos de vista.

20
No citado texto, traduzido no Brasil com o título “Gênero: uma categoria útil de análise”, a autora
passa pela história da utilização do termo “gênero”, destacando que as escritoras feministas que
inicialmente o usaram tinham em mente causar uma revolução nos paradigmas de disciplinas e
das ciências, com a reanálise de premissas e critérios dos trabalhos científicos, além da
introdução de outros temas. Queriam que seus estudos implicassem não apenas em, por
exemplo, uma História da Mulher, mas em uma nova história. Para tanto, Scott destaca que seria
necessário se verificar a medida em que gênero poderia ser utilizado como uma categoria de
análise.

E, para estabelecer o gênero como categoria de análise, Scott perpassa por algumas teorias
anteriores, a respeito do gênero, a criticar alguns pontos ou toda a estruturação destas, de modo
a apontar suas falhas. Assim, critica tanto as teóricas que se utilizam do marxismo como aquelas
que utilizam de teorias psicanalíticas, para, então, demonstrar o modo de utilização de gênero
como uma forma de se pensar e dizer sobre as relações sociais e sexuais, como se verá a seguir.

O problema do marxismo

Joan Scott destaca a utilização de três eixos para estudo dos oprimidos por parte das
pesquisadoras feministas que tinham uma visão política mais global. Tais eixos seriam gênero,
raça e classe. Estes destacavam, primeiramente, o envolvimento da pesquisadora com o tema da
história dos oprimidos e análise da história e do sentido de tal opressão e, em segundo lugar, o
entendimento de que há no mínimo três eixos que estruturam as desigualdades de poder.

Todavia, apesar da constante elaboração de teorias que trazem gênero, raça e classe, os três
termos não possuem estatuto correspondente. O fundamento de “classe” é encontrado na obra
de Karl Marx e nos desenvolvimentos posteriores desta. Ou mesmo aqueles que não se utilizam
do marxismo trazem este para contrapô-lo, mesmo que se utilizem nas noções weberianas, por
exemplo. Assim, para classe utilizam-se de argumentos de determinação econômica e da visão
dialética. Neste sentido, segundo Scott, não há coerência com gênero ou raça. E a utilização
destes conceitos para o estudo do gênero gerou teorias ou simples descrições das relacionais
entre os sexos.

Scott traz ainda uma crítica acerca dos estudos e pesquisas sobre gênero, tanto a respeito dos
estudos de casos, que não dão conta das amplas desigualdade, assim como das teorias, que não
subvertem conceitos pré-estabelecidos, e que, por isso, não tem o condão de abalar o poder por
eles construídos e, muito menos, transformá-los. Assim, a consequência das pesquisas
feministas acerca da história da mulher foi apenas o seu mero reconhecimento como existente,
encerrando-o em um segundo plano, por vezes esquecido, em um domínio apartado do estudo da
história. Bem como o interesse pela participação de mulheres na história foi mínimo.

Neste sentido, é exigida uma análise tanto da relação entre experiências masculinas e femininas
pretéritas, porém ainda da ligação entre o passado e a prática histórica atual. Assim, é importante
que se reflita e que se busque a resposta a algumas questões, por exemplo, acerca do modo de
funcionamento do gênero nas relações sociais, qual a forma que o gênero agrega sentido à
organização e a como se perceve o conhecimento histórico. O resultado de investigações que
busquem tais respostas dependem da utilização do gênero como categoria de análise.

Historiadores femistas utilizam-se de uma variada série de abordagens para analisar gênero,
todavia, essas são passíveis de resumo em três posicionamentos teóricos: 1) a primeira posição,
esta inteiramente feminista, dedica-se à explicação das origens do patriarcado; 2) a segunda, por
sue vez, possui um comprometimento com as críticas feministas, tendo local na tradição marxista;
3) já a terceira é inspirada em diferentes escolas psicanalíticas e tem como alvo explicar a

21
produção e a reprodução da identidade de gênero do sujeito, com fulcro segmentado entre a
teoria das relações objetais (escola anglo-americana) e a teoria pós-estruturalista (escola
francesa).

Scott critica, assim, as teorias marxistas do feminismo, pois a utilização de uma análise histórica
geraria apenas uma abordagem histórica. Ela se contrapõe, ainda, à utilização das diferenças
físicas como base da análise da opressão, por ser tal diferença imutável, com significado
permanente, fora de qualquer construção social ou cultural, tornando fixa a desigualdade de
gênero também, já que torna a-histórico este também. Assim, a exigência de uma explicação
“material” para gênero atrasa o desenvolvimento de novas linhas de pensamento.

Aponta-se Joan Kelly como uma das primeiras estudiosas a trazer certa quebra desse paradigma,
ao analisar que sistemas econômicos e de gênero, apesar de em constante interação, são
independentes, e nenhum dos dois seria causal. Todavia, ela permaneceu dentro do marxismo e
enfatizou os fatores da economia inclusive na determinação dos sistemas de gênero, enfatizando
mais o caráter social que o sexual, ao trazer que a relação entre os sexos opera através das
estruturas sócio-econômicas, além das estruturas de sexo-gênero. Outras autoras se seguiram,
trazendo a psicanálise, com o vínculo entre a sociedade e as estruturas psíquicas, como na
coletânea de ensaios Power of Desire, publicada em 1983, dentre elas Jessica Benjamim.
Todavia, ainda não abandonavam o marxismo. A dificuldade de abandonar explicações
deterministas também foi vista durante a New Left Review, em seus debates mais recentes, com
Michèle Barret e seus críticos, além do abandono das tentativas de reconciliação entre
psicanálise e marxismo.

O que tanto feminsitas ingleses como americanos que trabalham com o marxismo tem dificuldade
é a de relacionar as teorias de Karl Marx com o feminismo. Isso acontece porque o problema
enfrentado por tais estudiosos é que, dentro do marxistmo, o conceito de gênero era tratado, por
muito tempo, como um subproduto de estruturas econômicas, que sempre se modificam. Dessa
forma, não possuía o gênero uma confição independente e propria de análise.

O problema da escola angloamericana (teorias das relações objetais)

Joan Scott destaca a literalidade da teoria das relações objetais como um problema. Isto porque
utiliza-se de interações relativamente pequenas para basear a produção da identidade de gênero.
Isto porque Chodorow se utiliza da divisão do trabalho no interior da família, com o desempenho
concreto dos papéis pela mãe e pelo pai.

Esta interpretação, todavia, traz uma fronteira muito clara ao conceito de gênero, que seria o
âmbito da família e a experiência doméstica, não deixando meios de se conectar tal conceito, ou
sequer o indivíduo, com outras esferas, como os sistemas políticos, econômicos, sociais ou
mesmo os de poder. Não há dúvidas de que está implícito que os arranjos sociais – que
demandam que mães exerçam a maioria das tarefas do interior do lar (criação dos filhos, por
exemplo) e que os pais tenham trabalho fora de casa – geram a estruturação da família e a sua
organização. Porém não há clareza na gênese ou mesmo nos motivos que levam à articulação de
uma divisão sexual do trabalho. Tais teorias também não discutem a desigualdade ou a
assimetria.

Assim, Scott aponta a incapacidade da teoria de Chodorow em explicar a relação entre


masculinidade e poder, o porquê de se valorizar mais a virilidade que a feminilidade, como tais
associações são apreendidas por crianças que não vivem em lares nucleares ou mesmo que
vivem mas no interior destes homem e mulher dividem tarefas domésticas.

O problema da escola francesa


22
A utilização da teoria de Lacan, com sistemas de significado, a diferença sexual tem o tem o falo
como significante central, mas que deve ser entendido como uma metáfora. As regras de
intereção social, neste sentido, são generificadas, já que a relação do masculido e a relação do
feminino com o falo são inevitavelmente diferentes. A identificação com o gênero, neste contexto,
se daria por processo de distinção/diferenciação, que exigem supressão das ambiguidades, posto
se tratar, segundo a teoria lacaniana, de um sistema de significado. Isto tornaria tal identificação
instável, pois a identidade masculina se daria pela repressão de aspectos femininos, e vice-versa,
colocando-o como opostos. Isso geraria conflito entre masculino e feminino, além da repressão
de desejos, que passam a habitar o inconsciente e ser uma grande ameaça à estabilidade da
identidade de gênero. E mais, as ideias de masculino e feminino variam conforme o contexto.
Assim, a imprecisão terminológica, por ser relativa e ter precisar de repressão, gera conflito com a
necessidade de aparência de totalidade do sujeito.

Dessa forma, interpretações desta estirpe tornam problemáticas categorias de “homem” e


“mulher”, por implicar que o masculino e o feminino não são caracteres intrínsecos, mas
construídos subjetivamente, ou de forma fictícia (constructos subjetivos ou ficcionais). No sentido
de tal interpretação, portanto, o sujeito estaria em constante processo de construção, além de
oferecer um modo sistemático de se entender o desejo consciente e insconsciente, ao colocar a
linguagem como objeto apropriado de análise (SCOTT, 1995).

Assim, Joan Scott aponta que as teorias que tem Lacan por base fixam-se exclusivamente no
sujeito individual, sendo reificado o antagonismo entre homem e mulher como dimensão central
do gênero, com tendência a universalizar as categorias masculino e feminino, bem como as
relações entre estes, mesmo deixando em aberto o modo de construção do sujeito. Portanto, os
historiadores teriam uma leitura redutiva de Informações do passado. Todavia, a autora considera
tais interpretações como instrutivas, ou seja, há algo que se aprender delas.

Segundo Teresa de Lauretis, que anteriormente se viu neste material a respeito da ligação feita
por ela entre gênero e semiótica, deve-se refletir a construção da subjetividade de acordo com os
contextos sociais e históricos. Assim, não haveria como tornar preciso tais contextos nos termos
de Lacan, já que eles se situam fora do sujeito. Falta, portanto, uma maneira de se compreender
a realidade social a partir do gênero.

Scott critica, também, noções de causalidade acerca do que é ser homem e do que é ser mulher,
principalmente, para se falar de diferença sexual, com noções a-históricas, baseadas em
pequenas amostras. Neste sentido, critica Carol Gilligan, por se basear apenas em suas alunas
americanas, no final do século XX. E feministas que seguem estas teorizações acabam por no
tipo de pensamento que desejam combater, insistindo em diferenças fixadas, sem analisar a
oposição binária em si.

Existe a necessidade de se rejeitar um caráter fixo e imutável da oposição binária, e há também a


necessidade de uma historicização e uma descontrução verdadeiras dos termos da diferença
sexual. É um dever de todos tornar-se mais autoconsciente da diferenciação entre o vocabulário
de análise e o material que se pretende analisar. É preciso que se encontrem maneiras (mesmo
que não sejam perfeitas), de expor à crítica sem cesar as categorias, e à autocrítica, os próprios
estudos. Se se utilizar a definição de Jacques Derrida sobre desconstrução, essa crítica tem o
sentido de examinar, considerando o contexto, a maneira com que se procede toda oposição
binária, para o deslocamento e reversão de sua criação em hierarquia, ao invés de concordar e
se conformar que seja real e óbvio, ou como se fosse natural. As feministas vem fazendo isso por
muito tempo, evidentemente. A história do pensamento feminista carrega consigo a recusa de tal
construção em hierarquias da relação entre o masculino e o feminino, em suas conjunturas

23
próprias, em tentativas do deslocamento e reversão do funcionamento destas relações. Assim,
historiadores feministas tem uma boa posição, atualmente, para desenvolverem suas teorias e
técnicas e para avançar no gênero como categoria de análise (SCOTT, 1995).

Gênero como Categoria de Análise

A utilização de gênero como um modo de se falar sobre sistemas de relações sociais ou sexuais,
ou seja, como uma categoria de análise, não apareceu até o fim do século XX.

Joan Scott traz sua definição de gênero em duas partes, com subconjuntos interrelacionados,
mas que devem ser analisados separadamente. E assim traz a autora, sobre o centro de sua
definição que se baseia na conexão integral entre duas asserções: “(1) o gênero é um elemento
constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o
gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1995, p. 86).

A primeira proposição de Scott tem outros quatro elementos interligados, sendo que nenhum
pode operar sem o outro, como reflexos mútuos, sem simultaneidade: a) símbolos com suas
representações simbólicas (Eva e Maria como representações bíblicas de mulher na tradição
cristã, além de outros mitos de luz e escuridão); b) conceitos normativos que limitam a
interpretação dos símbolos e contém suas possibilidades metafóricas (doutrinas religiosas,
científicas, jurídicas, por exemplo, que fixam oposições binárias como o que é homem e mulher
ou masculino e feminino), com rejeição/repressão de alternativas, emergindo uma posição
dominante; c) a pesquisa da história deve incluir uma concepção de política, assim como uma
referência às instituições e à organização social, exterminando a noções fixas para se descobrir a
origem da repressão que traz a aparência de uma representação binária do gênero permanente e
intertemporal; d) a identidade subjetiva, com a ideia de transformação da sexualidade através da
enculturção, concordando com Gayle Rubin, porém sem a pretensão universal da psicanálise, já
que há também a relevância da investigação histórica, destacando-se que os historiadores devem
analisar a formação das identidades generificadas, relacionando-as com uma série de atividades,
organizações e representações.

É uma questão para a pesquisa histórica, de fato, tomar consciência de quais são as relações
entre tais quatro aspectos. O esboço proposto por Scott (1995), como ela mesma destaca, acerca
do processo de construção das relações de gênero é passível de ser utilizado para exame de
outras categorias, como a classe, a raça, a etnia, bem como qualquer outro processo social. O
propósito da autora seria o de tornar mais claro e mais específico a maneira que se deve pensar
as consequências do gênero nas relações sociais e institucionais, já que esta reflexão nem
sempre é feita de forma precisa e sistematizada.

A teorização do gênero é desenvolvida na segunda proposição e diz respeito ao gênero como


“forma primária de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 88). Ou seja, é no
interior do gênero que o poder é articulado. Apesar de não ser o único âmbito, ele tem sido
recorrente e persistente como forma de possibilitar a significação do poder, tanto no ocidente,
como nas tradições judaico-cristãs e islâmicas. Apesar de parecer à parte dos conceitos
normativos da primeira proposição, porém os conceitos de poder nem sempre fazem referência
ao gênero em si mesmo de forma literal. A citar o sociólogo francês Pierre Bourdieu e o
antropólogo também francês Maurice Godelier, a autora embasa sua teoria em formulações a
respeito da divisão do mundo referente às diferenças biológicas que organizam a divisão do
trabalho de procriação e reprodução, assim como a sexualidade assombrada pela sociedade,
pois que as diferenças relacionadas ao sexo testemunham as relações sociais que não tem nada
a ver com sexualidade.

Concluindo
24
“Gênero”, como se pode ver, é um conceito criado para se analisar o que e como é ser mulher na
sociedade, problematizando o que foi anteriormente estabelecido; ou seja, é uma categoria de
análise. Portanto, gênero existe como algo que a sociedade criou, pois homem e mulher são
criações da sociedade. Isto significa que homem e mulher não existem na natureza, mas apenas
macho e fêmea. Por isso, se diferencia, nas teorias feministas, o que é um dado da natureza
(sexo biológico) e o que é um dado cultural (gênero). E, sobre estas bases da cultura, é que se
constroem as relações sociais, estabelecidas em termos de hierarquia e poder. Estes últimos,
revelam as teóricas do gênero, estão nas mãos dos homens, devido às construções sociais.

Todavia, gênero não é a única categoria que determinam as dominações: classe e raça também.
Com base em classe, muitas teóricas utilizaram-se do marxismo. Com base na raça, percebeu-se
a necessidade de se utilizar uma teoria da diferença, para que o feminismo não fosse
universalizante de uma forma colonizadora. Colonizador seria aquele que pretende impor a
verdade a partir de uma posição dominante: mulheres brancas.

Assim, o conceito de gênero foi importante para se destacar a opressão das mulheres, todavia,
teve de abarcar outros conceitos nas teorias para incluir outras mulheres que, publicando acerca
de suas diferenças, abriu os olhos das primeiras teóricas sobre outros problemas.

[Para Refletir]
É importante notar que, a cada nova pesquisadora que critica as teorias ou descrições anteriores
de outras estudiosas feministas, tem-se pequenos avanços e/ou mudanças de perspectivas que
abrem os olhos mara maiores/melhores formulações teóricas a se seguirem. Assim, é importante
a leitura das autoras citadas acima em ordem cronológica, para se notar até mesmo o debate
havido entre elas acerca de conceitos, principalmente o de gênero, e como colaboraram para
novos estudos.
[Fim Para Refletir]

Capítulo 2 – Orientação Sexual


É impossível não relacionar gênero a sexualidade, embora sejam conceitos separados e cada um
possua a própria importância e sua história. Ambos são complexos e interrelacionados, pois da
existência de um, no plano da realidade, condiciona-se a existência do outro. O gênero, conforme
se viu ao longo do capítulo anterior, é uma construção social que constrói e controla a
sexualidade. Dos estudos de gênero adveio o conceito de heterossexualidade compulsória, por
exemplo.

No capítulo anterior, mencionou-se superficialmente a sexualidade. Pontuamos que há variadas


formas se se expressar e viver a sexualidade, algumas destas formas podendo ser consideradas
incoerentes ao que a sociedade entende como natural ou correto, sendo tudo isso, todavia,
construção social (mesmo o que se entende por natureza, posto ter bases culturais e elementos
inconscientes vinculados aos conceitos, simbolos e ideias. Exercitar a sexualidade é mais que
contato de corpos, pois tange fantasias, condicionamentos culturais e religiosos, além o que já
vimos acerca do sistema de parentesco e da crise de Édipo.

Sexualidade

É comum considerar-se a sexualidade como algo “dado” pela natureza, algo que todos possuem
naturalmente, inerentemente. Esse pensamento, comum na sociedade, parte da noção de que
todos os seres humanos a vivem da mesma forma, de modo universal. E, para além disso,
assume-se, quase sempre, a necessidade do contato de corpos de sexos opostos e da conjunção
25
carnal. “No entanto, podemos entender que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias,
representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e plurais.” (LOURO,
1997, p. 05)

Todavia, a sexualidade, assim como o gênero, também é uma construção social e histórica. Não
se trata de algo que acontece naturalmente entre os humanos, como o acasalamento dos
animais, e tudo o que o antecede ou que acontece após este. A sexualidade humana é permeada
por cultura, crenças e interesses não apenas dos envolvidos diretamente, mas da sociedade
como um todo, em suas relações de hierarquia e poder, de controle sobre corpos, de
condicionamento de comportamentos, como foi possível observar no capítulo anterior.

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não a uma realidade
subterrânea que se apreende com dificuldades, mas a grande rede de superfície em que a
estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação do discurso, a formação do
conhecimento, o reforço dos controles e das resistências encadeiam-se uns ao outros,
segundo algumas grandes estratégias do saber e dos poderes.
FOUCAULT, 1999, p.99

Em outros termos, é algo inventado pela sociedade, uma vez que se constitui por meio de
inúmeros discursos que regulam, normatizam, instituem saberes e produzem o que seria a
verdade sobre o tema. Ademais, se foi possível para Foucault escrever, como aponta o título de
sua obra, sobre a “História da Sexualidade”, pois a compreende como uma !invenção social”.
Neste sentido, importante saber o que Foucault entende por “dispositivo” trazido no conceito
anterior:

um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações


arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas (...) o dito e o não-dito são elementos
do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos

FOUCAULT, 1993, p.244

Utilizando-se de Foucault, Jeffrey Weeks também deu a sua definição de sexualidade como “(...)
uma ‘construção social’, uma invenção histórica, a qual, naturalmente, tem base nas
possibilidades do corpo: o sentido e o peso que lhe atribuímos são, entretanto, modelados em
situações sociais concretas” e, além disso, “uma descrição geral para a série de crenças,
comportamentos, relações e identidades socialmente construídas e historicamente modeladas
que se relacionam com o que Michel Foucault denominou "o corpo e seus prazeres" (Foucault,
1993)”. (WEEKS, 2000, p. 27-29)

O termo “sexualidade” foi utilizado no século XIX pela sexologia, com um caráter um tanto
universalista, sem reconhecer as variações diversas de prazer e desejo. Desde então, muito se
tem estudado, de modo a se destacar novidades tangendo o assunto. Por exemplo, no século XX,
Sigmund Freud causou diversas reações ao teorizar acerca da sexualidade de crianças, o que até
então se acreditava não existir. O que se tem por certeza maior, desde então, é a multiplicidade
do que é desejado, para além da anatomia.

Até então, todavia, a sexualidade era uma preocupação apenas da filosofia e da religião,
ocupando o centro das preocupações ocidentais, de médicos e reformadores morais. Com o
advento da sexologia, com fundamentos na psicologia, na biologia e na antropologia, teve uma
disciplina própria para o seu estudo, estabelecendo novos termos para o debate. Para além de
uma questão individual, a sexualidade é um assunto político.

A sexologia codificou a forma de se pensar o corpo e a sexualidade. Richard Von Krafft-Ebing foi
pioneiro ao descrever o sexo como um “instinto natural”, que teria "uma força e energia
26
absolutamente avassaladoras, exige satisfação" (VON KRAFFT-EBING, 1931, apud WEEKS,
2000, p. 26). Assim, é posto como uma das necessidades básicas do corpo, ante a busca pós-
darwiniana de explicações biológicas para tudo.

Atualmente, há uma inclinação maior em se conversar sobre o quão importantes são hormônios e
geses como modeladores do comportamento, porém persiste a suposição de que a biologia
estaria no fundamento das coisas todas. Esta suposição, quando o assunto tange sexualidade,
ainda é muito forte. Fala-se sobre impulso e instindo ao se falar de sexo, tratando-o como o que
há de mais natural. Mas seria correto? Existe uma vasta literatura que sugere o contrário.
Segundo estas, a sexualidade seria, na verdade, uma construção social, algo que se inventou em
algum momento da história, tendo como base algumas possibilidades do que se entende como
“corpo”. Todavia, o valor e o significado atrubuídos ao sexo são moldados em situações sociais
de fato, na concretude dos contextos reais. E tudo isso implica profundamente na maneira como
que cada pessoa compreende o corpo, o sexo e a realidade. (WEEKS, 2000)

O sexólogo inglês Havelock Ellis, por sua vez, coloca que "o sexo penetra a pessoa inteira; a
constituição sexual de um homem é parte de sua constituição geral. Há uma considerável
verdade na expressão: “um homem é aquilo que o seu sexo é”" (ELLIS, 1946, apud WEEKS,
2000, p. 27). Com isso, entende-se que a sexualidade não seria apenas essencial para a
construção do corpo da pessoa, mas também em sua personalidade e identidade.

Weeks analisa na linguagem de tais autores, tanto por fazerem analogias com explosões
vulcânicas como por utilizar de termos como “penetra”, e conclui que esta se identifica com a
experiência masculina de sexo. Para autores como o inglês, as mulheres eram “o sexo”,
puramente reativas e “despertas para a vida” pelos homens.

Ambos os autores foram escolhidos por Weeks (2000, p. 28) para ilustrar a história do conceito e
demonstrar como a linguagem evoluiu. Ele traz, por exemplo, a significação inicial de “sexo” como
um termo utilizado simplesmente para se dividir a humanidade em dois segmentos, um feminino e
um masculino. Assim, tal termo aludia, naturalmente, ao que havia de diferente entre homens e
mulheres, mas não apenas isso, referia-se, também, ao modo como homens e mulheres se
relacionavam entre si. O sentido do termo “sexo” sobreu algumas alterações nos últimos dois
séculos, para se tornar mais preciso, referindo-se, então, a anatomia diferente entre homens e
mulheres, ao que os divide, ante a anatomia marcadamente diversa.

Apesar de a linguagem ter evoluído, nossas definições, regras, identidade e comportamentos


sexuais não resultam simplesmente de uma evolução, mas são modelados no interior de relações
de poder. Desde Krafft-Ebing já se notava que a sexualidade feminina era definida em função da
masculina. O Estado e a Igreja tem voltado sua atenção e se preocupado com a forma com que
se exerce ou se pensa a sexualidade, pois esta é um dos marcadores sensíveis de variadas
relações de poder. Assim, regulam, censuram e vigiam.

Weeks destaca a atuação de diferentes áreas informando formas apropriadas para regular as
atividades corporais, como medicina, psicologia, trabalho social, escola e outros. O autor aponta,
ainda, que dados que se tem como naturais e, por isso, inevitáveis, são constantemente forjados,
ante a essencialidade da sexualidade para a atuação do poder na sociedade moderna. Assim,
para o autor, como afirma diversas vezes ao longo de seu trabalho sobre o tema, "a sexualidade
tem tanto a ver com as palavras, as imagens, o ritual e a fantasia como com o corpo” (WEEKS,
2000, p. 06); “ele fala da impossibilidade de se "compreender a sexualidado observando apenas
seus componentes 'naturais'(...), esses ganham sentido através de processos inconscientes e
formas culturais"” (LOURO, 1997, p. 30).

27
Assim, os sujeitos podem viver sua sexualidade, tanto prazeres como desejos sexuais, de formas
variadas, seja com um parceiro do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou nenhum.
Existem, portanto, as diversas orientações sexuais vistas no capítulo anterior, assim como já
destacada a sua relação com o gênero. Isto porque os discursos de gênero abarcam a
sexualidade e suas questões.

Devido a tudo isso, Judith Butler propõe que é "crucial manter um aparato teórico que leve em
consideração o modo como a sexualidade é regulada através do policiamento e da censura do
gênero". (apud LOURO, 1997, p. 29)

Capítulo 3 – "Desconstruções" necessárias para acolhimento e


inclusão
Desconstrução

Desconstrução é o nome que se deu a uma corrente teórico-crítica da linguagem que tem sua
origem em Jacques Derrida. Inicialmente, devido a tal, uma das correntes do Pós-Estruturalismo,
nos no final dos anos setenta até meados da década de oitenta, denominava-se Desconstrução.
Apresentava-se como um pensamento das fronteiras na filosofia: Derrida questionava limites
impostos pela tradição filosófica, como oposições entre ideal e real, arte e natureza, fala e escrita,
humano e não humano, dentre outros, e mesmo o próprio conceito de ciência.

Trata-se a Desconstrução de destruir oposições, ou mesmo invertê-las, pois há hierarquia no que


é colocado em primeiro plano, como superior, e o que é relegado ao segundo plano, na
marginalidade, por filosofias logocêntricas, com seu caráter metafísico. Mais que isso, a
Desconstrução visava, também, e com ainda mais afinco, gerar ou fortalecer as diferenciações
que evidenciem incongruências dos sistema, discursos e instituições, em seu interior. Segundo o
autor, os próprios discursos possuiríam, em si mesmos, a sua desconstrução.

Jaques Derrida, dentre tantos feitos filosóficos, cunhou um neologismo: falogocentrismo. Este,
que combina duas palavras: 1) Falocentrismo: as doutrinas ou crenças que tem como núcleo o
falo, ou seja, que tem princípios e comportamentos fundados na ideia de superioridade
masculina; 2) Logocentrismo: cujo cerne é o logos, o discurso racional, muito relevante no
pensamento ocidental. O então neologismo de Derrida critica, ao mesmo tempo, estas duas
posturas.

Teorizações sobre o falocentrismo advém da psicanálise, mais particularmente de Freud. Quando


a medicina se viu incapaz de tratar dores femininas, por não vislumbrar origem biológica destas,
chamadas de “histeria”, a psicanálise ofereceu esta possibilidade. Isto porque, quando a “histeria”
se transpôs em linguagem, teve-se uma nova descoberta: a visão falocêntrica da mulher. Isso
significa dizer a mulher vista como o inverso ou oposto do homem, a feminilidade como uma
subformação do masculino. Na psicanálise, o falo é o ponto de referência principal, enquanto o
olhar sobre a mulher é condicionado à sua relação com um homem. Assim, Freud estabelece o
masculino como ponto de partida para a origem ou o desenvolvimento do feminino.

[Para Refletir]
É fato que Sigmund Freud foi um gênio, que trouxe grande progresso e desenvolvimento para a
psicanálise, por exemplo, em seus estudos importantíssimos sobre o inconsciente, bem como a
sua visão (que apesar de ser oscilante) sensata sobre a homossexualidade. Todavia, apesar da

28
visão progressita sobre alguns aspectos da psique e da existência humana, Freud foi, ainda
assim, produto da época em que viveu, apresentando algumas posturas conservadoras. A sua
visão sobre o feminino demonstra claramente isso. Vivendo em seu universo masculino, com
suas trocas com homens, na Viena vitoriana, Devido a isso, curvou-se à falocracia que cala e
reprime as mulheres.
[Fim do Para Refletir]

Neste sentido, concordando com Lacan acerca do fato de que masculinidade e feminilidade são
palavras, que estão insertos nas significações destas, assim, há como a mulher subverter a
ordem hierárquica imposta por esta simbologia. Vislumbrando esta possibilidade de subversão,
dessarte, Derrida colocou à disposição uma nova opção para além dos moldes falocêntricos,
evidenciando a possibilidade de deslocamento do patriascalismo.

A desconstrução, neste sentido, seria a escrita ou fala feminista que se afaste da linguagem
dirigida pelo falo, denunciando a inexistência da neutralidade da palavra, e rompendo com a lógia
da linguagem masculina. Um exemplo é não utilização de “homem” como sinônimo de
humanidade ou de humano (“direitos do homem”), ou do uso do masculino no plural quando há
apenas um homem e várias mulheres no grupo a que se refere. Isso porque a diferenciação dos
sexos, a dominação masculina e a submissão feminina estão embutidas na linguagem,
codificadas.

Assim, Derrida teve muito a oferecer, com a Desconstrução, para questões de gênero que
tenham origem na linguagem. Críticas desconstrucionistas que tenham como alvo o patriarcado
tem que abarcar uma crítica à linguagem que toque os fundamentos ideológicos da gramática e
semântica, para correção do sexismo da linguagem.

Para se desconstruir, é necessáirio olhar atento para a o raciocínio e como este se expressa. A
linguagem, portanto, exige uma nova direção, que seja feminina, por um feminismo com
implicações sociolinguísticas, identitárias e culturais.

A desconstrução em Joan Scott

Joan Scott trouxe em suas teorias ideias inovadoras. Dentre elas, a necessidade de se
desconstruir o que ela chamou de “caráter permanente da oposição binária” entre feminino e
masculino. Ela notou ser recorrente nas análises da sociedade um viés de dicotomia e
polarização entre os gêneros. Dentro de uma lógica de dominação, homens e mulheres são vistos
como pólos opostos em uma lógica de dominação e submissão. Para Scott, esse pensamento
deveria ser destruído. Assim, fica clara a influência do pós-estruturalismo e, mais particularmente,
do teórico Jacques Derrida na construção de sua teoria.

Diversos estudiosos e estudiosas acompanham Scott nessas elucidações, posto que apontam,
também, os limites implícitos nesta visão polarizada. O suporte de alguns dos argumentos são
encontrados em Jacques Derrida (vide tópico anterior). Este filósofo alerta para o fato de
dicotomias sempre marcarem o pensamento moderno (exemplo: teoria e prática, ciência e
ideologia, etc), falando em “jogo de dicotomias”, em que aparentemente cada pólo é uni em si
mesmo. Todavia, como ele demonstra, isso não é verdade, já que são plurais, diversos divididos
em seu interior.

A desconstrução trata-se, portanto, de uma estratégia subversiva, que fornece grande fertilidade
para o pensamento. Assim, é importante ter em mente, também, a necessidade de pensar fora
dessa lógica, porém abandoná-la pode não ser tarefa fácil, já que nascemos e aprendemos a
raciocinar dessa forma.
29
Neste sentido, considerando a teoria de Derrida, descontruir a polarização dos gêneros implica
em problematizar, ou seja, questionar, tanto a oposição masculino versus feminino, como a
unidade interna de cada um deles. Isso significaria o reconhecimento de que o masculino contém
o feminino, mesmo que de modo reprimido, desviado, e vice-versa. Além disso, implicaria
também em reconhecer a fragmentação de cada um desses pólos, posto que não existe, por
exemplo, “a mulher”, mas diversas mulheres, diferentes entre si, que podem ser solidárias ou
opostas umas às outras.

O pensamento dicotômico resulta na concepção de correspondência e que um deriva do outro,


havendo prioridade do primeiro elemento, como em outros pares de conceitos como "produção-
reprodução", "público-privado", "razão-sentimento", a que podemos equiparar o “masculino-
feminino”. Isso é um problema para o pensamento feminista, pois atrela o feminino a uma posição
consequente e rígida, em que também se apoia a ideia da diferença “natural” e fixa dos gêneros.

As dicotomias são constituídas não apenas e simplesmente por homens e mulheres. Elas se
constituem de homens e mulheres de diversas raças, classes, idades, religiões, dentre tantas
outras categorias. As solidariedades e antagonismos entre eles podem ensejar combinações
variadas, a contrariar a noção simplista e reducionista de “homem dominante versus mulher
dominada”. Lado outro, é importante destacar a capacidade de grupos oprimidos de transformar
em locais de resistência e exercício de poder as instâncias de opressão.

A noção trazida pela polarização é a de que existe apenas uma forma de maculino e uma forma
de feminino, o que gera a negação e exclusão de todo e qualquer sujeito que não se enquadre
nessa fórmula. É nessa ideia singular de masculinidade e feminilidade em que repousa a
heterossexualidade compulsória e romper com essa visão poderia abalar esse caráter
heterossexual enraizado em toda a estrutura da sociedade e, principalmente, no que se pensa
sobre gênero.

A descontrução não é sinônimo de destruição, mas etimologicamente encontra-se mais próximo


do sentido original de “análise”, que significa desfazer. Dessa forma, quando se tem a
desconstrução como metodologia, indica-se um modo de análise e questionamento com aposta
na desestabilização de binarismos da linguagem e de conceitos, mesmo os binarismos mais
consolidados e naturalizados, como homem e mulher, masculino e feminino, masculinidade e
feminilidade.

A fragmentação dos pólos e a interdependência que existe entre estes torna-se evidenciada com
a desconstrução, que se empenha em deixar evidente a manifesta continência de um pólo no
interior do outro, de forma negada ou abjeta. Assim, a desconstrução demonstra que, para ter
sentido, um pólo possui resquícios do outro e dele é dependente. Caso contrário, um pólo,
mesmo que seja o dominante, careceria de significação. A atividade de desconstruir traz à tona o
quão plural e fragmentado é cada um dos opostos.

Assim, a desconstrução visa trabalhar contra esse raciocínio, para que se perceba que a
oposição é construída, e não algo inerente ou inflexível. Para tanto, deve-se buscar a gênese
dessa oposição, como e em que contexto foi produzida, historicizando a polaridade e a hierarquia
que são implícitas nela. O processo desconstrutivo permite perturbar essa idéia de relação de via
única e observar que o poder se exerce em várias direções. O exercício do poder pode, na
verdade, fraturar e dividir internamente cada termo da oposição. (LOURO, 1997, p. 33)

Capítulo 4 – Teoria Queer


30
O Termo Queer

Queer é uma palavra da língua inglesa que, inicialmente, foi usada para designar o que era
diferente, esquisito, fora do considerado “normal”, exótico, extraordinário, excêntrico, rato, aquilo
que causa estranheza, por vezes utilziado para dizer sobre algo que se considera ridículo. O
termo foi utilizado, nestes sentidos, de forma pejorativa, constituindo um insulto a mulheres e
homens homossexuais, bem como àqueles que, expressando sexualidade diversa desta, não
eram heterossexuais. Foi uma palavra muito utilizada no contexto dos países anglo-saxões, de
forma repetitiva, em reiterados gritos de grupos homofóbicos, conferindo uma situação de
discriminação e abjeção àqueles que são alvo de sua utilização.

Como acontece com diversas minorias, aqueles chamados queer assumiram termo para se auto-
designar, com a atribuição de valores positivos, diferentemente dos outrora homofóbicos que a
utilizaram. Desse processo de apropriação, surgiu o anúncio da existência de corpos e espíritos
diversos. O termo, com a integralidade de sua bagagem de deboche e estranhamento, foi
apropriado por uma vertente dos movimentos homossexuais exatamente para evidenciar sua
intenção de contestar e combater. Assim, para este grupo, queer passou a significar sua oposição
à normalização, qualquer que fosse a origem desta. O alvo mais iminente de sua refutação foi a
heteronormatividade compulsória instaurada na sociedade; e logo o grupo de colocou contra,
também, o movimento heterossexual majoritário, no sentido de combater a normalização e
estabilização de sua política de identidade, que propunham implementar. Queer, portanto,
significa, sem sombra de dúvidas, a diversidade que não quer ser tolerada ou integrada. E, dessa
forma, seu modo de agir é perturbador e transgressor.

Assim, a expressão queer se tornou uma maneira de auto-designação e passou a ser carregado
de conteúdo positivo, como uma forma de manifestar sua diferença com orgulho.

A Teoria Queer

A teoria queer foi a primeira que questionou a utilização do termo gênero dentro do próprio
feminismo, ainda no final dos anos 1980. Teresa de Lauretis e Judith Butler passaram a mostrar
que a utilização do sistema sexo-gênero dentro da segunda onda do feminismo se dava da
mesma maneira que a epistemologia dominante que visava-se questionar. Lauretis questionava
qual o sujeito político que o feminismo visava criar, afirmando que apenas se pode falar em
“teoria” quando esta se auto-questiona a respeito de seus fundamentos e críticas, suas práticas
línguísticas e se proporciona visibilidade (PRECIADO, 2018).

A utilização de repertório comum de autores, a luta contra a heterossexualidade compulsória


(Rich, 1993), a posição contrária a binarismos fáceis, entre outros, são características que
conferem uma aura de transgressão e contestação ao pensamento queer, o que às vezes
pode sugerir, numa abordagem apressada, uma
integração das posições num todo único e compacto.

PEREIRA, 2006, p. 469

Lauretis alertava, ainda, que, reduzindo o sujeitos a “mulheres”, poderia gerar a produção de
normatizações e controle político. Isto porque vários outros vetores de construção de identidade
se esconderiam sob tal: classe, raça, sexo, sexualidade, idade, capacidade, diferenças
geopolíticas e corporais, dentre tantas outras (PRECIADO, 2018). “Em termos lauretianos, o
sujeito do feminismo é inevitavelmente excêntrico, não coincide com "as mulheres", mas se
apresenta como uma força de deslocamento, uma prática de transformação da subjetividade.”

31
(PRECIADO, 2018, p. 118). Por isso, Teresa de Lauretis desenvolve as suas “tecnologias de
gênero”5.

A política queer ingressa nos anos de 1990, com um grupo de intelectuais que passa a utilizar
este termo em suas produções para descrever seu ponto de vista teórico. Trata-se de um grupo
diversificado, mas que possui consonâncias significativas, apesar dos desacordos. Mas todos se
encontram nos seguintes pontos: i) tem apoio no pós-estruturalismo francês e na desonstrução de
um método de crítica social e literária; ii) põe em prática teorias psicanalíticas; iii) apoiam
estratégia descentralizadora ou descontrutiva; iv) contestam os textos e hierarquias dominantes.

Assim, a teoria queer pode ser associada a linhas de pensamento contemporâneos e ocidentais
que problematizaram conceitos de identidade, sujeito, identiicação, e vai além de questões
específicas de teorizações gay e lésbica. Contam com teorizações que radicalmente questionam
a racionalidade da era moderna. Utilizam-se de Michel Foucault sobre sexualdiade, Sigmund
Freud sobre insconsciente e vida psíquica, Jacques Lacan sobre sujeito e identificação, Louis
Althusser sobre a interpelação dos sujeitos pela ideologia, Jaques Derrida sobre desconstrução.

Judith Butler é uma das teóricas mais (re)conhecidas da teoria queer, por produzir novas
concepções a respeito de gênero, sexo e sexualidade. Ela descreve sexo como uma ideia para
regulação que se materializa por meio de uma imposição, pois que ocorre por meio de práticas
fortemente reguladas e que trabalham de forma performativa

Em outras palavras, o "sexo" é um constructo ideal que é forçosamente materializado através


do tempo. Ele não é um simples fato ou a condição estática de um corpo, mas um processo
pelo qual as normas regulatórias materializam o "sexo" e produzem essa materialização
através de uma reiteração forçada destas normas.

BUTLER, 2000

Neste sentido, a autora destaca que a reiteração das normas demonstra que os corpos nunca se
conformam de maneira completa. Assim, existem instabilidades, possibilidades de
rematerialização, em que a norma pode se voltar contra si mesma, colocando em cheque a si
própria. E a performatividade de gênero se relaciona com essa materialização na medida em que
é uma prática reiterativa e citacional, pela qual se produzem os efeitos do discurso. As normas
que regulam “sexo” atuam performativamente para construir a materialidade dos corpos e, mais
especificamente, o sexo do corpo, “para materializar a diferença sexual a serviço da consolidação
do imperativo heterossexual.” (BUTLER, 2000, p. 111).

O conceito de performatividade, Butler retira da linguística, para afirmar que a linguagem não
apenas constata, mas ‘faz’ aquilo que nomeia, ou seja, modela os corpos. O sujeito não decide
sobre o seu sexo, o que o faz são as normas, em um processo constrangedor, pois reiteram, o
tempo todo, pois o sujeito apenas assume dentre as possibilidades que lhe são impostas pela
norma, que, então, reforça a heterossexualidade de forma compulsória. Todavia, ao mesmo
tempo e de maneira paradoxal, a norma abre espaço para corpos que não se adequam a ela: os
abjetos, ou seja, aqueles que não se ajustam à norma. “Mas, precisamente por isso, esses
sujeitos são socialmente indispensáveis, já que fornecem o limite e a fronteira, isto é, fornecem “o
exterior” para os corpos que “materializam a norma”, os corpos que efetivamente “importam”.”
(LOURO, 2001, p. 550).

5
Para saber mais a teoria sobre a tecnologia de gênero, vide: LAURETIS, Tereza de. A tecnologia do gênero. In:
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses – o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994.
32
Os teóricos queer criticam o binarismo apontando que os opostos heterossexual/homossexual
dependem um do outro para existir, pois integrantes de um mesmo quadro de referências. E, por
isso, a afirmação de uma identidade implica na negação da outra. A identidade negada torna-se,
então, seu limite, sua coerência e o assombra com a instabilidade, fazendo parte de sua
identidade, portanto. Por isso, teóricos queer defendem uma teoria e uma política pós-identitária,
como uma outra postura epistemológica, com uma nova estratégia de análise.

Se as identidades deixassem de ser fixas como premissas de um silogismo político, e se a


política não fosse mais compreendida como um conjunto de práticas derivadas dos supostos
interesses de um conjunto de sujeitos prontos, uma nova configuração política surgiria
certamente das ruínas da antiga.

BUTLER, 2008, 213

Unidade II. Orientação Sexual


A segunda unidade convida à reflexão sobre orientações sexuais, partindo não apenas daquelas
mais aceitas, como a heterossexualidade, ou mais conhecidas, como a homossexualidade
(gay/lésbica), mas também as mais estigmatizadas, como a bissexualidade e a pansexualidade,
bem como algumas desconhecidas no geral, como a assexualidade e a pomossexualidade. Para
que diversas pessoas, em suas diversas realidades de gênero e de atração, sintam-se acolhidas
e encontrem um lugar com iguais, para que sintam que sua sexualidade é existente e
reconhecida, nada melhor do que nomes diferentes para identidades sexuais diferentes. Assim,
esta unidade traz algumas orientações invisibilizadas, para conhecimento do leitor, convidando a
vislumbrar a grande diversidade de orientações existentes.

Capítulo 1 – Refletindo sobre as diversas orientações


Como visto na unidade anterior, a orientação sexual é um constructo histórico, cultural, social.
Importante neste ponto dos estudos diferenciar outros conceitos, como, além da orientação
sexual, sexo biológico, identidade de gênero (que será aprofundada na unidade seguinte) e a
expressão de gênero. Na imagem a seguir, tem-se uma explicação ilustrada, para uma melhor
visualização, a demonstrar de forma simplificada a diferença de tais expressões/termos para,
então, ser possível aprofundar nos capítulos seguintes com especificações.

Assim, esse capítulo convida o leitor a estudar com um olhar mais atento variadas formas de se
identificar para a sociedade, ou mesmo de deixar de se identificar, com relação às sua
sexualidade. Isso quer dizer, definir a sua atração, por qual ou quais gêneros ela existe, ou se ela
existe apenas eventualmente, ou sob certas condições, ou, ainda, se ela sequer existe.

Considerando espectros entre feminino e masculino, entre heterossexual e homossexual, entre


monossexualidade e a não-monossexualidade, entre a alossexualidade e a assexualidade,
espectros estes que podem ou não ser representados por linhas, se entrecruzar ou serem
visualizados em triângulos, percebe-se que existe uma infinidade de possibilidades. Restringir e
tentar limitar a expressão da atração de cada um é uma tarefa infrutífera e injusta.

Figura 5 – “Separando as Coisas”

33
Fonte: BRASIL, 2017

Para estes estudos, importante ter em mente que não há livros ou materiais acadêmicos que
contenham partes significativas das histórias ou definições e conceitos de sexualidades ou
gêneros invisibilizados, sendo necessário recorrer a enciclopédias online, fórums e blogs,
especializados ou não, para se obter algumas informações. Por se tratarem de identidades
abjetas, são invisibilizadas na produção intelectual. Atualmente, uma gama maior de orientações
sexuais são objetos de estudos técnicos e acadêmicos, mesmo assim, muito ainda se encontra
em locais online com maior produndidade, ou com mais detalhes, além de relatos de experiência.

As diversas orientações

As inúmeras orientações sexuais dizem respeito às diversas formas com que o ser humano
expressa e vive a sua sexualidade. Esta, por sua vez, é uma soma de práticas e signos que
estruturam identidades, sem negar a biologia, e determinam relações de poder.

A orientação sexual é entendida por uma alusão ao potencial que cada pessoa de tem para uma
relevante atração afetiva ou sexual por outras pessoas, sejam estas de gênero diferente, do
mesmo gênero ou de mais de um gênero, bem como se relacionar de formas íntimas e sexuais
com elas. Assim, podemos exemplificar como orientações sexuais: homossexualidade,
heterossexualidade, bissexualidade, assexualidade, pansexualidade, polissexualidade, dentre
outras.

34
Para além das orientações sexuais, existem, também, as orientações românticas. Enquanto as
primeiras referem-se a atração e desejo sexual, as românticas dizem respeito à afetividade e a
vontade de estabelecimento de relacionamentos, significando por quem o sujeito pode de fato se
apaixonar. Podemos exemplificar as orientações românticas: homorromântica, heterorromântica,
birromântica, arromântica, panromântiva, poliromântica, dentre outras.

Quadro 1 – Prefixos de algumas Orientações


-ssexual
A- -rromântico/a/e
-ssexual
Abro- -rromântico/a/e
-ssexual
Bi- -rromântico/a/e
-ssexual
Cetero- -rromântico/a/e
-ssexual
Demi- -rromântico/a/e
Gray-
-ssexual
Gris- -rromântico/a/e
Cinza-
-ssexual
Hetero- -rromântico/a/e
-ssexual
Homo- -rromântico/a/e
-sexual
Pan- -romântico/a/e
-ssexual
Poli- -rromântico/a/e

Nesta unidade, nos preocuparemos menos com as problematizações e desconstruções relativas


ao “gênero”, e mais na enumeração e descrição dos diversos tipos de orientação sexual. Adianta-
se que a listagem aqui presente não pretende exaurir toda a matéria, mas apenas exemplificar,
com um rol relativamente extenso, o quão variada é a expressão e a vivência da sexualidade
humana, para muito além das barreiras sociais e culturais estudadas na Unidade anterior.

Curiosidade: o site orientando.org possui uma lista de 76 (isso mesmo, setenta e seis!)
orientações (sexuais, românticas, dentre outras), disponível em https://orientando.org/listas/lista-
de-orientacoes/

Orgulho e Visibilidade

Ativistas do Movimento LGBT+ com frequência se utilizam das palavras “orgulho”, como se pode
notar nas Paradas do Orgulho LGBT+, e “visibilidade”, celebrada em datas diversas durante o
ano, para cada tipo de identidade sexual e/ou de gênero.

“Orgulho”, com letra maiúscula, vem de “Pride”, como tradução literal desta palavra que passou a
ser utilizada no ano de 1969, com os atos de resistência que a população homossexual,
transgênera, drag queens e não-binários, dentre outros, ofereceu aos atps intransigentes de
violência policial. A truculência ocorria no bar Stonewall Inn., em Nova York e um ato espontâneo
se tornou o marco moderno do início da luta do movimento. As reações ocorridas no dia 28 de
35
junho de 1969 geraram diversos outros atos de protesto, e a data hoje é conhecida como o Dia
Internacional do Orgulho LGBT. Começou a luta pelo fim da discriminação. A primeira marcha do
orgulho aconteceu exatamente um ano depois e a tradição se espalhou mundialmente.
Atualmente, no Brasil ocorre uma das maiores paradas do mundo, a de São Paulo.

“Visibilidade” é a palavra utilizada no combate ao apagamento histórico, à abjeção pela


sociedade, como resistência a constante reafirmação da normatividade social acerca da
heterossexualidade e cisgeneridade compulsórias.

Orgulho e visibilidade são importantes em uma sociedade que deseja que as pessoas que não
estão em conformidade com a norma padrão tenham vergonha de si mesmos, em uma sociedade
que responde com violência à diversidade.

Assim, dar nomes, chamados de “rótulos” (pejorativamente às vezes), às diferentes identidades,


seja sexual ou de gênero, é importante para demonstrar a existência do diverso. A identificação
entre sujeitos que se sentem de forma igual é importante para gerar um senso de comunidade,
que tem extrema importância para a saíde mental. O reconhecimento de grupos e subgrupos
dentro do amplo movimento LGBT+ se torna, assim, uma ferramenta de visibilidade, também. E o
orgulho pode ser expresso de diversas formas, dentre elas, com a criação de bandeiras
específicas.

Figura 6 – As diversas bandeiras

Fonte: https://lesbianflaghistory.tumblr.com/post/185390167678/seeing-a-lot-of-misinformation-flying-around

[Para Refletir]
É importante ter em mente que bandeira de orgulho não deve ser confundida com bandeira de
fetiche. Existem algumas confusões entre ambas e acaba-se colocando entre as bandeiras do
orgulho LGBT e entre as bandeiras de gênero algumas que não dizem respeito a isso. Exemplos
são bandeiras que identificam pessoas que curtem couro ou látex.
[Fim Para Refletir]

Capítulo 2 – Homossexualidade

A homossexualidade é a orientação sexual da pessoa que tem atração pelo mesmo sexo,
realizando com este as suas experimentações sexuais. Neste sentido, homens que se sentem
atraídos por homens, e mulheres que se sentem atraídas por mulheres. Diz-se também,
superando o sistema binário enraizado na sociedade, pessoas não-binárias que sentem atração
por outras do mesmo gênero ou que tenham gênero parecido com o seu.

36
Homossexualidade Feminina - Lésbica

“Lésbica” é a denominação que se dá a mulheres ou pessoas não bináris que se sentem atraídas
por mulheres ou pessoas de gênero parecido. O termo pode ser utilizado tanto para orientação
sexual como para orientação romântica.

A considerar a variabilidade de gêneros existentes, podem existir pessoas agênero, por exemplo,
que, por se considerarem alinhadas ao gênero feminino e/ou à feminilidade, se identificam como
lésbicas.

A palavra “lésbica” tem origem do nome da Ilha de Lesbos, onde a poetiza Safo escrevia suas
poesias sobre amor entre mulheres e poemas de amor para mulheres. As pessoas nascidas
nessa ilha eram chamadas de “lésbique” até o fim do século XIX. Daí adveio também a
nomenclatura “sáfica”, sinônimo de lésbica, devido à poetiza.

Símbolos Lésbicos

Bandeiras: as bandeiras do orgulho lésbico variaram ao longo do tempo e no interior de algum


grupo, como a utilização da bandeira do arco-íris, que algumas lésbicas utilizaram invertida para
sua identificação. Todavia, não existe uma bandeira lésbica oficial. Abaixo, demonstram-se
algumas utilizadas, porém, por envolverem polêmicas a respeito de terem sido elaboradas por
homens (figura), ou por se tratarem de subgrupos (figuras 9 e 10), ou mesmo por remeterem com
muita proximidade à uma bandeira de subgrupo (semelhança entre figuras 11 e 10), acabaram
em desuso ou sequer tiveram utilização bem estabelecida no Brasil. Atualmente, aparentemente,
tem-se entrado em consenso para utilização da última (figura 12), após uma votação na internet.

Outros Símbolos: a) Lábris: para este símbolo, há algumas explicações, como i) uma espécie de
machado utilizado pela Deméter para rituais que envoliam atos lésbicos como um ceptro; ii)
machado supostamente utilizado em sociedades matriarcais; iii) arma de exército de Amazonas;
b) Triângulo Preto Invertido: era usado na época do nazismo para marcar alguns tipos de
pessoas, como mulheres homossexuais; c) Duplo Vênus

Quadro 1 – Símbolos Lésbicos

Bandeiras Outros Símbolos


Figura 7 – Bandeira do Arco-Íris invertida Figura 13 – Lábris

Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de-orientacoes/

Fonte:
Figura 8 – Bandeira Lésbica de Sean Campbell https://pt.wikipedia.org/wiki/Simbologia_LGBT

37
Fonte 14 – Triângulo Negro Invertido

Fonte:
https://orientando.org/listas/lista-de-orientacoes/lesbica/

Figura 9 – Bandeira das Lésbicas Butch (masculinas) Fonte:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Simbologia_LGBT

Figura 15 – Duplo Vênus

Fonte:
https://orientando.org/listas/lista-de-orientacoes/lesbica/

Figura 10 – Bandeira das Lésbicas Lipstick (femininas)

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Simbologia_LGBT

Fonte:
https://orientando.org/listas/lista-de-orientacoes/lesbica/

Figura 11 – Bandeira Lésbica

Fonte:
https://orientando.org/listas/lista-de-orientacoes/lesbica/

Figura 12 – Bandeira Lésbica

38
Fonte:
https://orientando.org/listas/lista-de-orientacoes/lesbica/

Homossexualidade Masculina

Gays

“Gay” é a denominação que se dá a homens ou pessoas não-binárias que se sentem atraídos por
homens ou pessoas de gênero parecido.

Considerando a diversidade de gêneros que existem, podem existir pessoas agênero, por
exemplo, que, por se considerarem alinhadas ao gênero masculino e/ou à masculinidade, se
identificam como gays.

Símbolos

Bandeiras: a bandeira “gay”, como incialmente o foi, atualmente é utilizada como símbolo
LGBT+, como unificadora de todo o movimento. Isso se dá graças ao histórico de vanguarda em
mobilização e, também sua dominação do movimento, pois, como vimos na Unidade anterior, os
homens estão em uma posição hierárquica e de poder privilegiada no sistema sexo-gênero, o que
se reflete dentro do movimento. Críticas à parte, a bandeira modiicou-se ao longo do tempo. A
primeira bandeira teve oito listras, idealizada por Gilbert Baker, que se inspirou no movimento
hippie, para o qual o arco-íris simbolizava a paz. Tal bandeira foi utilizada em 1978 e, no ano
seguinte, suprimiu-se a listra rosa, restando sete listras, como foi utilizada em 1979; e, logo após,
uniu-se as duas listras azuis em um tom apenas, tornando-se a bandeira atualmente utilizada,
com seis listras.

Outros Símbolos: a) Triângulo Rosa Invertido: era utilizado nos campos de concentração
nazistas para identificação dos homens homossexuais; b) Lambda: a letra do alfabeto grego,
escolhida pela aliança de ativistas gays de Nova York em 1970.

Quadro 2 – Símbolos Gays/LGBT+

Bandeiras Outros Símbolos


Figura 16 – Primeira Bandeira Figura 19 – Triangulo Rosa Invertido
Autor: Gilbert Baker (1978)

39
Fonte: https://orientando.org/2016/08/bandeiras-de-
orgulho/
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Simbologia_LGBT

Figura 17 – Bandeira LGBT+ com 7 listras (1978/79)


Rosa removido

Figura 20 – Lambda

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bandeira_arco-
%C3%ADris_(movimento_LGBT)

Figura 18 – Bandeira LGBT+ atual com 6 listras


(1979 – atual) - Troca das listras índigo e turquesa
por azul.
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Simbologia_LGBT

Figura 21 – Duplo Marte

Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de-
orientacoes/

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Simbologia_LGBT

Capítulo 3 – Bissexualidade

Bissexuais

Pessoas bissexuais são aquelas que se sentem atraídas por dois ou mais gêneros. Na maioria
das vezes, designa-se a pessoa que sente atração por homens e mulheres. Todavia, dizer que é

40
alguém que sente atração pelo mesmo gênero e pelo gênero opsoto se mostra errada devido ao
fato de pessoas agênero, por exemplo, poderem se sentir atraída por homens e mulheres.

Em 1886, o conceito de bissexual como alguém que participa de atividades sexuais tanto
com homens quanto como mulheres foi utilizado pela primeira vez, no livro Psychopathia
Sexualis, de Richard von Krafft-Ebing. Este conceito foi baseado em flores que, por
produzirem tanto gametas “masculinos” quanto gametas “femininos”, podem cruzar com
qualquer um desses dois tipos de gametas. Krafft-Ebing acreditava que pessoas bi tinham
mais de um gênero, porém esta ideia foi descartada posteriormente. Antes disso, bissexual
se referia a pessoas intersexo, especificamente as com genitália ambígua ou
com mosaicismo.

ORIENTANDO.ORG

A bissexualidade foi vista como ilegítima na década de 1960 dentro do “movimento gay”, como
outrora era chamado, ante a necessidade de gays e lésbicas de mostrarem que eram iguais aos
héteros, mudando apenas o gênero de seu amor. O discurso não combinava, então, com a
atração e o amor por dois gêneros, o que tornou os bissexuais abjetos dentro do próprio
movimento. Frequentemente, as pessoas bi são alvos de bifobia, inclusive dentro do movimento,
como resquício de pensamentos como tais.

Símbolos

Bandeira: criada em 1998 por Michael Page, diferentemente das bandeiras anteriores, tem listras
de tamanhos diferentes, tendo a do meio (roxa) a matade do tamanho que as outras duas (rosa e
azul) Page escreveu que “a chave para entender o simbolismo da bandeira bi é saber que os
pixels roxos são misturados imperceptivelmente tanto com a cor rosa tanto quanto a cor azul,
assim como no ‘mundo real’, onde pessoas bi se misturam imperceptivelmente tanto nas
comunidades gay/lésbicas quanto nas hétero” (ORIENTANDO.ORG).

Figura 22 – Bandeira da Bissexualidade Figura 22 – Bandeira da Birromântica

Fonte: orientando.org Fonte: orientando.org

Símbolos: a) Biângulos ou triângulos bissexuais: dois triângulos que se sobrepoem parcialmente,


um rosa e outro azul, com a cor roxa onde se encontram; b) Luas crescentes: elas substituíram os
biângulos
Figura 24 - Biângulos

41
Figura 25 – Luas crescentes bi

Fonte: orientando.org

Fonte: orientando.org
O que é e o que não é a bissexualidade

O primeiro rótulo criado que se desviou de heterossexualidade e de homossexualidade foi a


bissexualidade. Assim, foi o primeiro que esteve disponível para aqueles que não eram
gays/lésbicas e nem héteros. Por isso, qualquer pessoa que não sentia atração por um gênero
específico, passou a se identificar como bissexual.

Existe, inclusive termos como “bi+”, que geram inclusividade e representam comunidades pan,
poli, multi, dentre outras, como um todo, tornando-se um sinônimo de “não-monossexual”.
Todavia a utilização desta expressão “não-monossexual” é problemática, posto ignorar outras
comunidades que podem assim ser consideradas mas estão fora da bissexualidade, como os
assexuais e outras. Além disso, há discordância em comunidades acerca do uso do termi bi ou
bi+ como guarda-chuva, como termo universal para designar qualquer orientação multi (vários
gêneros) ou não-mono (não por apenas um gênero), mesmo porque existe o risco de
invisibilização da existência das demais, bem como de suas especificidades existenciais e de
demandas.

A bissexualidade sempre foi alvo de muitos mitos e preconceitos, alguns muito arraigados na
sociedade e, inclusive, na própria comunidade LGBTQ+. Assim, é necessário que se desmintam
algumas ideias que não são bem-vindas.

De início, é importante ressaltar que a bissexualidade não se trata de uma “fase” ou de uma
“confusão”. Existem pessoas de com pouca idade identificam sua sexualidade como bi e assim
permanecem por toda a sua vida. São pessoas que sentem atração por dois gêneros, não
havendo a necessidade de se decidir por um ou outro, podendo estabelecer relacionamentos com
ambos, sem necessidade de alternância, ao longo de sua vida. Uma mulher pode se casar com
um homem, viver um casamento feliz até o fim de sua vida e não deixará de ser bissexual, por
exemplo, e vice-versa. Mas não será por isso que terá se tornado heterossexual ou que tenha
tomado a sua “decisão”. Quando em um relacionamento monogâmico, é natural que o sujeito não
expresse sua atração por outras pessoas, seja do mesmo gênero ou do oposto.

Este juízo da bissexualidade como confusão ou fase se dá pelo fato de que a comunidade bi é
inclusiva no sentido de acolher aqueles que estão em fase de questionar a sua orientação sexual.
Neste sentido, enquanto as comunidades gay e lésbica exigem certa radicalidade nos
relacionamentos de seus integrantes, é possível que uma pessoa se identifique como bussexual
enquanto em fase de questionamento ou experimentação, até que defina o rótulo mais cabível
para si. É possível que isso aconteça com gays e lésbicas, antes da sua identificação como tal,
devido à heterossexualidade compulsória (estudada na unidade anterior). E é possível de
42
acontecer também com pessoas que, posteriormente, se verão atraídas por mais de dois
gêneros, como so poli ou multissexuais, ou, talvez, por todos, como os pansexuais. Assim, devido
à sua inclusividade, é possível se afirmar que a comunidade bi respeita a fluidez da sexualidade e
a necessidade da autodescoberta ao tempo de cada um. Ademais, não há problemas em trocar o
seu “rótulo” e, além disso, o outro caminho pode ocorrer: pessoas que se identificaram com
outros rótulos se descobrirem bissexuais.

Há a crença errônea de que pessoas bissexuais apenas seriam felizes em um relacionamento


com ambos os gêneros, homem e mulher, ao mesmo tempo. Ou, então, que existiria a
necessidade de estar com mais de um gênero. Todavia, não é verdade. Não necessariamente a
pessoa bissexual precisa estar em um relacionamento poliamoroso para estar feliz e satisfeita,
seja amorosa ou sexualmente. O que existe é a possibilidade de atração por mais pessoas, por
uma variação maior destas. O respeito a um relacionamento monogâmico, se assim estabelecido
entre os envolvidos, é como em qualquer relação, seja entre pessoas hétero, homo ou bissexuais:
não se espera que o(a) parceiro(a) deixe de se sentir atraído(a) por outras pessoas devido ao fato
de estar casado, por exemplo; o que acontece é um acordo de vontades. Todos os sujeitos, em
termos de sexualidade, são capazes de permanecer em um relacionamento fechado, caso assim
o queiram, não havendo maior tendência à traição quando se trata da bissexualidade. Isso não
muda, caso a pessoa seja bissexual e poliamorosa, estando em um relacionamento não-
monogâmico com mais de uma pessoa: não significa que precisa ser uma de cada gênero, bem
como não enseja a infidelidade.

A bissexualidade, como já exposto, é a atração pelos dois gêneros. E isso acontece sem regras
impostas ou de forma prescrita. É possível que em determinados momentos uma pessoa
bissexual se sinta mais atraída por homens e, em outro momento de sua vida, essa atração maior
seja por mulheres, mesmo assim, é pelos dois, porém sendo possível uma preferência que pode
mudar ou que pode se manter fixa por toda a vida, ou mesmo sequer existir. Mas isso não
significa, nem de longe, que pessoas bissexuais em um momento se sentirá atraída apenas pelo
gênero masculino, mudando depois para o feminino. Isso porque a bissexualidade não deve ser
entendida como fluidez. Uma pessoa bi pode sentir a atração por ambos os gêneros com a
mesma intensidade por toda a vida. Existem orientações que são expressamente fluidas, ou seja,
para aquelas pessoas cuja atração muda de tempos em tempos, mas não é a bissexualidade,
como será visto mais a frente.

A inclusão como característica da comunidade bi vai além. Isso porque a bissexualidade não
significa atração por “homens” e “mulheres”, considerando que não são apenas estes que
existem. Assim, como “bi” significa “dois”, é possível que uma pessoa bissexual se sinta atraída
por sujeitos que não estão dentro dessa binariedade. A sociedade e sua aceitabilidade mudou,
assim como o significado das palavras. Há quem, relaiconando-se com a origem ignorante da
palavra “bissexualidade” (que significaria dois sexos no cérebro, considerando que quem se sente
atraído por homem seria “mais mulher” e quem se sente atraído por mulher, “mais homem”, o que
hoje não persiste), ainda se defina como tal, mesmo se sentindo atraído por pessoas que não
estão neste padrão. Ademais, em uma sociedade que constrói a subjetividade de cada um
direcionada para feminino ou masculino, condicionando a isso também a sua sexualidade, é difícil
definir a atração por mais de um gênero que não esteja no interior de tal treinamento censurador
e opressor. Neste sentido, é possível que uma pessoa bi seja atraída, sim, por mais de dois
gêneros; impedí-la de se definir como bi não seria adequado ou justo, dado o contexto social.

Para além disso, é possível que uma pessoa bissexual escolha, mais do que apenas prefira, se
relacionar com apenas um gênero, por diversos motivos ou fatores. Exemplos são vários, como
uma mulher bi que apenas se relacione com o mesmo gênero por ter receio do machismo e/ou
misoginia que pode existir em um relacionamento com um homem, temendo eventual

43
abusividade; um homem bi que escolha se relacionar apenas com mulheres por não desejar
assumir para a família e/ou para a sociedade a sua bissexualidade por medo de não aceitação,
retaliação, LGBTfobia; ou uma mulher bi que se relacione apenas com homens pelo mesmo
motivo do exemplo anterior; ou uma pessoa não-binária ou de gênero neutro que se relacione
apenas com pessoas não-binárias por recear que pessoas binárias não respeitarão seu gênero
dentro de um relacionamento.

É errado também definir o bissexual como aquele com sexualidade entre gay/lésbica e hétero.
Isso porque não é uma sexualidade relacional ou condicionada a outras, mas existente por si só,
autônoma. Ademais, uma pessoa bi pode sentir atração para além dos gêneros binários. Assim,
qualquer questiamento acerca de um bissexual ser mais gay ou mais hétero é inconveniente.
Além disso, homo e a heterossexualidade não devem ser referencial ou base para qualquer outra
orientação.

A comunidade LGBTQ+, por receio de que haja o ingresso de héteros em seu meio, tem o hábito
de impor regras e vigiar a sexualidade de outras pessoas, por exemplo, designando bissexuis
como aqueles que sentem atração pelo próprio gênero e por outros. Todavia, isso seria errado,
posto que uma pessoa bi pode ter sua atração voltada por outros gêneros que não o seu, sendo
ela binária ou não.

Bifluxo

Bifluxo ou biflux é uma orientação sexual que pode ser considerada como um subtipo da
bissexualidade e possui três significados diversos: 1) pessoa que possui atração por dois ou mais
gêneros, porém esses gêneros específicos se alteram com o tempo (exemplo: sente atração por
homens e mulheres, depois por mulheres e não-binários, então apenas por não-binários, depois
também por agêneros...); 2) pode ser aquela pessoa que às vezes se identifica como bi e às
vezes não (exemplo: se atrai por alguns gêneros em um monento da sua vida, depois por apenas
um, depois por nenhum, depois por dois...); 3) pessoa cuja atração por dois ou mais gêneros não
muda, mas a sua preferência por eles sim (exemplo: uma pessoa que passa um período
escolhendo se relacionar apenas com mulheres, depois passa a preferir apenas com homens,
depois não tem preferêcia alguma...).

[Para Refletir]
Para quem ainda não teve muito contato com diversos gêneros e sexualidades para além de
binariedades e do que é considerado mais tradicional, ou mesmo mais antigo no meio LGBTQ+
pode ser difícil absorver alguns conceitos ou entender alguns dos exemplos. Mas uma mente
aberta geram empatia e respeito, que é o primeiro passo para se entender. Na primeira unidade,
o gênero foi estudado, foi analisado como o sistema sexo-gênero oprime e como é necessária a
sua desconstrução. Como consequência, tem-se uma maior liberdade para construção de
subjetividades e identidades, que levam a uma grande gama de gêneros e sexualidades, para
respeito a individualidades, gostos, desejos e tanta cais que a sociedade conservadora nega, mas
que existe. Assim, desconstruindo-se noções patriarcais e falocentricas fixas na construção da
sociedade, pode-se abrir os olhos e o coração para recepcionar toda uma ampla diversidade.
[Fim do Para Refeltir]

Portanto, o que se apresenta como bissexualidade não é rígido e não se impõem conceitos
antigos, ante as constantes desconstruções acerca de gênero e sexualidade que estudos vistos
na unidade anterior, bem como os subsequentes, vem trazendo. O que se deve fazer é respeitar
como cada pessoa se identifica e não invadir a esfera privada de cada um.

Capítulo 4 – Pansexualidade
44
Pansexual ou Pan

Uma pessoa pansexual é aquela que sente atração por qualquer gênero, ou que pode sentir
atração por qualquer pessoa, independente do seu gênero. Trata-se de uma nomeclatura que
surgiu entre as décadas de 1980 e 1990, tornando-se mais popular nos anos 2000. A
panssexualidade representa uma sexualidade que foge do binarismo que ainda comporta a
bissexualidade, como problematizado no capítulo 3 da Unidade anterior. Trata-se de uma
alternativa mais inclusiva, principamente para pessoas não cisgêneras (este conceito será
estudado na próxima unidade).

Símbolos

Bandeira:
Figura 26 – Bandeira pansexual Figura 27 – Bandeira panromântica

Fonte: Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de- Fonte: Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de-


orientacoes/pan/ orientacoes/pan/

Outros Símbolos:

Figura 28 – Símbolo Pan

Figura 29 – Símbolo Panromântico

Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de-
orientacoes/pan/
Fonte: Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de-
orientacoes/pan/
Panfluxo

Panfluxo ou panflux é um subtipo da orientação pansexual. Refere-se àquela pessoa que se


sente atraída por todos os gêneros, porém há preferência que varia de acordo com o tempo. Ou,
similarmente ao bifluxo, pode sentir atração por alguns gêneros mas estes variarem em diferentes
momentos. Há menções desta sexualidade desde o ano 2015, encontradas pela internet.

As diversas identidades “multi”

Como visto no capítulo anterior, existem diversas pessoas que se identificam como bissexuais,
por se sentirem atraídas por mais de um gênero, incluindo ou não o próprio gênero. Assim, por
45
vezes, uma pessoa que se designa bissexual tem sua sexualidade completamente diferente se
outra pessoa que também se identifica como bi. Ou mesmo uma pessoa pode ter a sua atração
direcionada para diversos gêneros. Por isso, houve a criação do termo guarda-chuva “bi+” que
abarcaria diversas sexualidades multi. Todavia, há quem não concorde em se encaixar neste
conceito, preferindo por deixar bem claro a sua sexualidade com um rótulo exclusivo, que vai
designar com maior exatidão a sua atração.

Abaixo, uma lista de algumas sexualidades multi, para exemplificar, porém não limitar, sendo a
pansexualidade e a bissexualidade, assim como o panfluxo e o bibluxo, apenas algumas delas:

Omnissexual: sujeito que se sente atraído por todos os gêneros existentes (esta se difere da
pansexualidade pois o gênero importa para o omni mais que para o pan, podendo haver
preferência ou escolha por parte do omni). Também chamada de omni.

Polissexual: sujeito que se sente atraído por vários gêneros diferentes. O poli se difere do pan
por não sentir atração independente do gênero e do omni porque não sente atração por todos os
gêneros, apesar de ser pela maioria Também chamada de poli. Importante ressaltar também que
esta sexualidade não está diretamente relacionada com o poliamorismo, havendo como
semelhança apenas o prefixo “poli-”.

Ceterossexual: sujeito não-binário que se sente atraído somente por pessoas não-binárias
(podendo ser todos os gêneros não binários ou alguns deles). Não se trata de homossexualidade
pois a não-binariedade pode existir de diversas formas, e duas pessoas não-binárias podem ser
completamente diferentes entre si, mas fora da oposição binária de masculino/feminino. Porém há
ceteros que ficam confortáveis em se identificarm como gays/lésbicas. Também chamada de
cetero, medisso ou allotropo.

Penúltissexual: sujeito que se sente atraído por todos os gêneros, exceto o próprio. Não se trata
de heterossexualidade, pois a pessoa penúlti se sente atraída por pessoas não-binárias. A olhos
menos atentos, a pessoa penúlti pode estar em um relacionamento que pareça ser homossexual,
devido à proximidade do gênero da pessoa não-binária com quem se relaciona o gênero da
pessoa penúlto. Também chamada de penúlti.

Nomassexual: Sujeito que se sente atraído por todos os gêneros, exceto por homens. Ou seja,
abarca qualquer identidade de gênero, menos um homem binário. Dependendo da pessoa, pode
ser que seja excluída de sua orientação, também, qualquer pessoa cujo gênero seja semelhantes
ou próximas do gênero masculino. Também chamada nãomensexual, nãomen, noma.

Nowomassexual: sujeito que se sente atraído por todos os gêneros, exceto por mulheres. Ou
seja, abarca qualquer identidade de gênero, menos uma mulher binária. Dependendo da pessoa,
pode ser que seja excluída de sua orientação, também, qualquer pessoa cujo gênero seja
semelhantes ou próximas do gênero feminino. Também chamada nãolher, nowoman.

Nofinssexual: sujeito que se sente atraído por qualquer outra pessoa, exceto aqueles que se
identifique como pertencente ou próximo do gênero feminino ou que tenha conexão com
feminilidade. Neste sentido, é mais restritivo que o nomassexual, pois pode ser que este sinta
atração por alguém que, não-binário, possua ou expresse alguma feminilidade, enquanto o nofin
não. Também chamado de nofin, nãofemsexual, nãofem.

Noninssexual: Sujeito que se sente atraído por qualquer outro sujeito, exceto aqueles que se
identifique como neutra ou andrógena. Também chamada de nãonessexual, nãotrossexual,
nãoneutressexual, nonin, nãoneutre.

46
Nominssexual: Sujeito que se sente atraído por qualquer outro, exceto aqueles que se
identifique como pertencente ou próximo ao gênero masculino, ou que tenha conexão com
masculinidade. Neste sentido, é mais restritivo que o nomassexual, pois pode ser que este sinta
atração por alguém que, não-binário, possua ou expresse alguma masculinidade, enquanto o
nomin não. Também chamada de nãomascussexual, nãomascsexual, nomin, nãomascu.

Pomossexual: sujeito que se identifica como “não-heterossexual”, porém também não possui
nenhum outro rótulo ou não se identifica com nenhum deles, não sendo capaz de se encaixar.
Embora pouco conhecida, é uma sexualidade. São pessoas que não se estagnam em uma só
orientação mais simples e confortável. O termo “pomossexual” teria sido usado pela primeira vez
no ano de 1997, sendo definida por Carol Queen e Lawrence Schimel, em seu livro
“Pomossexuais: Desafiando suposições sobre gênero e sexualidade”6, então como algo para
além das limitações de gênero, separatismos e noções essencialistas de orientação sexual.
“PoMo”, segundo as autoras, seriam a abreviatura de postmodern, que, em inglês, significa “pós-
moderna” ou “pósmodernidade”. Neste sentido, pode se referir a pessoas: 1) que tem a
sexualidade complexa demais para ser definida, como os novisexuais; 2) aquele cuja atração é
mais ligada a fetiches ou outras características não necessariamente associadas a atração; 3)
quem não consegue definir se sua atração é por gênero, por vários gêneros, por nenhum gênero,
ou se ela é flúida; 4) uma pessoa que acredita que categorizar sua orientação não vale a pena e,
por isso, prefere não fazê-lo.

Novissexual: sujeito cuja sexualidade é tão complexa que não pode ser definida. Se difere do
pomo pois esta é utilizada, muitas vezes, por aqueles que não querem ou não conseguem definir
a sua sexualidade; é diferente também de abro e bifluxo porque não é necessariamente uma
sexualidade flúida.

Sans: são pessoas sem orientação sexual, como preferem se definir. Embora sentir atração
sexual não seja algo raro e aconteça direcionada a vários gêneros, os sans a sentem apenas
ocasionalmente. Possuem semelhanças com outras orientações multi, como abro, pomo, gray,
bibfluxo, bi e a-fluxo. Esta nomenclatura foi criada em 2014.

Capítulo 5 – Assexualidade

Assexuais

Pessoas assexuais são aquelas que não sentem atração por nenhum gênero. Entendendo
assexuais em um sentido amplo, pode haver aqueles que assim se identificam, mas que sentem
atração por alguém, em determinadas circunstâncias. Isto porque existem os assexuais estritos,
ou seja, os que nunca sentem atração; os grayssexuais/cinzasexuais que sentem atração
algumas vezes, de forma aleatória; os demissexuais, que precisam de alguma intimidade ou
admirar a pessoa para se sentir atraída.

A assexualidade trata-se de um espectro, em um ponto fora da linha de atração


heterossexual/homossexual. Por isso, é representado por um triangulo invertido que mostra toda
a possibilidade de atração ou a inexistência desta, podendo nele a pessoa se encontrar com
relação a se e sente atraída ou não e por qual gênero (não se trata de intensidade). A
assexualidade encontra-se em ponto oposto do espectro em relação à alossexualidade.
Alossexuais são aqueles que sentem sentem atração sexual.

6
“Pomosexuals: Challenging Assumptions about Gender and Sexuality”
47
Muitos dos conhecimentos sobre esta orientação vem de fóruns na internet, posto ser
extremamente invisibilisada e mesmo discriminada dentro do Movimento LGBT+. Assim, um
importante locus online de disseminação de informações, ainda que com lacunas, é o blog
chamado AVEN, criado em 2001. Neste ano, pessoas assexuais passaram a se concentrar neste
locus online para debater o tema, se identificando e, a partir de nuances diversos, criar nomes
para outros tipos de sexualidade que a assexualidade, em sentido amplo, passou a abarcar.

Neste ponto, é de extrema importância a distinção de alguns conceitos básicos que ajudam a
entender a assexualidade. Dentre eles: 1) desejo é a vontade do prazer sexual; 2) atração é o
desejo direcionado a uma pessoa, a existência de um objeto de atração; 3) libido é energia
psíquica que pode ou não ser voltada para o prazer sexual, como também pode se voltar para
outras atividades que não são sexuais, que também liberam ocitocina (hormônio do prazer,
também liberado pelo sexo), por exemplo: comer chocolate e fazer atividade física.

Neste sentido, há assexuais que sentem o desejo sexual, podendo, por exemplo, realizar práticas
sexuais solitárias, como a masturbação. Há aqueles que, assexuais em sentido estrito, não
sentem qualquer atração, mas, dentro do espectro assexual, nessa orientação em sentido amplo,
podem sentir em momentos, circustâncias ou pessoas específicas. Já a libido é uma energia que
todos temos. Há assexuais que sentem mais prazer em comer um pedaço de bolo que em fazer
sexo, o que se tornou uma espécie de “piada” interna da comunidade, que passou a se referir
como “bolo” àquilo que lhe deu a sensação de prazer no dia, de modo geral. A libido é a vontade
de fazer coisas que dão prazer.

Importante ressaltar que não há nada de errado nos hormônios dos assexuais, embora não raro
sejam patologizados e tratados como doentes por não sentirem atração. Eles apenas não são
atraídos por outras pessoas ou apenas o são de formas específicas. Em uma sociedade
extremamente sexualizada isso pode parecer estranho, mas é normal.
Assim como costuma se colocar em pólos opostos heterossexualidade e homossexualidade, uma
orientação geral que designa todas as pessoas que sentem atração sexual, em oposição àquelas
que não sentem, também recebe um nome. Aqui, destacamos o impostante conceito da
alossexualidade, que designa todo aquele que sente atração sexual. Da mesma forma que a
heterossexualidade é dominante na sociedade, também está em uma posição de dominância a
alossexualidade, posto que a sociedade e as relações são, em muito, dirigidas, mesmo que de
forma implícita, pelo sexo, pelo ato sexual, pela obtenção de prazer e, fazendo uma referência ao
que já foi estudado neste material, pela simbologia do falo.

Abaixo, uma figura criada no Fórum AVEN para mostrar demonstrar o espectro da assexualidade,
que está fora das orientações alossexuais, porém interligada ao espetro destas. A localização na
parte branca do triangulo designa a alossexualidade, ou seja, quem se sente atraído por outra
pessoa e, conforme se desce no espectro, se adentra à área cinza, em que se tem as
assexualidades em sentido amplo, até se chegar na ponta inferior do triângulo, onde está a
assexualidade em sentido estrito, isto é, o ponto em que nenhuma atração é sentida. A posição
no triângulo demonstra o nível de atração do sujeito, ou seja, se essa existe ou não, mas não a
sua intensidade.

Figura 30 – Triangulo AVEN explicado

48
Fonte: http://assexualidadebrasil.blogspot.com/2017/06/Triangulo-da-AVEN.html

A assexualidade, assim como todas as orientações, não se trata de uma escolha. Por isso, não
se pode confundí-la com celibatários, que se compromete à não realização devido a crenças
religiosas, ou mesmo com a mera abstnência como uma prática voluntária, como a castidade por
dogmas religiosos, por receio de gravidez ou de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).

Algumas orientações do espectro assexual e arromântico

A-fluxo: aquele que possui atração flutuante entre as do espectro “a-”, ou atração flúida que varia
entre existir frequentemente e não existir, modificando sua intensidade de tempos em tempos.

A-pulso: sujeito cuja atração é inexistente na maior parte do tempo, mas que ocasionalmente
possui “pulsos” de atração intensa. Seria uma variação do a-fluxo com maior intensidade e de
forma mais específica.

Akoissexual: sujeito que se sente atraído por outro sujeito e não quer que seja recíproco. No
caso de haver reciprocidade ou de relação, a atração diminui até não existir mais. Também
chamada akoi, akoine, lithsexual ou lith.

Caedossexual: sujeito já sentiu atração, porém esta deixou de existir após evento negativo e/ou
traumático. Apesar de haverem perdido a atração, não perderam a vontad e de sentir prazer ou
de ter relacionamentos. O termo é, portanto, exclusivo para aqueles que sofreram traumas.
Também chamada caedsexual ou caedo.

Clapessexual: sujeito cuja atração lhe foi tirada devido a algum fato como doença, abuso,
neurodivergência, trauma, ou algo similar ou, ainda, uma combinação destes fatores. É um termo
mais amplo que caedo, abrangendo mais circunstâncias. Também chamada clape ou klape.

Cupiossexual: sujeito que não sente ou quase não sente atração, porém sente vontade de ter
relacionamentos. Podem querer fazer sexo e/ou estar romanticamente com alguém, mesmo sem
sentir atração. É possível também se combinar com outras orientações, por exemplo cupiobi,
49
aquele que deseja ter relacionamentos com dois ou mais gêneros, mesmo sem sentir atração.
Também chamada cupio.

Demissexual: sujeito que se sente atraído somente após algum laço especial, o qual pode variar
de acordo com o sujeito. Pode ser, por exemplo atração sexual apenas por pessoas que admira,
ou se sentir atraída apenas após o estabelecimento de alguma intimidade ou amizade (no caso
de amigos, a pessoa demissexual poderia ser também chamada de âmicus), ou, outro exemplo
sente atração após passar muito tempo próxima à outra pessoa, não necessariamente com
envolvimento emocional. É frequente a “piada” em que se diz que não se trata de atração sexual
pela cantora Demi Lovato. Trata-se de uma orientação complexa, que pode ser combinada com
outras. Também chamada de demi.

Grayssexual: Sujeito que raramente se sente atraído, ou sente-se pouco atraído, por poucas ou
raras pessoas. Sua atração é vaga, fraca. É o espaço entre a assexualidade e a alossexualidade.
Também chamada de grissexual, cinzassexual, gray-assexual, ou cinza-assexual.

Mirsexual: sujeito cuja atração pode ser definida por mais de um espectro dentro dos
assexuais/arromânticos. Também chamada myrsexual.

Omniassexual: sujeito que não sente atração, não quer sentir atração e não quer participar de
conversas das quais envolvem tal assunto. Também chamada oniassexual.

Quoissexual: sujeito que sente que o conceito de atração não aplica a si mesmo ou que não vê
sentido no conceito de atração. Neste último caso, pode ser eu a pessoa até já tenha sentido
atração, mas não sabe, por não entender o que é. Neste sentido, pode também não conseguir
definir a sua orientação. Também chamada quessexual, wtfsexual.

Reciprossexual: sujeito só se sente atraído por aquele que demonstra sentir atração por ele. Ou
seja, a outra pessoa tem que demonstrar antes que sente atração. Também chamada
recipsexual.

Capítulo 6 – Outras orientações


A sexualidade humana é tão diversa que é impossível se criar uma lista com todas as orientações
sexuais e, também, românticas, existentes. Por isso, é válido ressaltar que este material não
pretende exaurir o tema ou cair em esquematizações, mas apenas exemplificar e trazer de forma
resumida para tomada de conhecimento do leitor.

Assim, é bom que se tenha a mente aberta para outros tipos de orientações que venham a
receber novas nomenclaturas, dando-lhes reconhecimento, para que se mostrem existentes;
afinal, todas são legítimas. Não se pode limitar o ser humano de viver seus prazeres, conquanto
dentro da legalidade e desde que não cause mau a outras pessoas.

Abaixo, alguns exemplos de outras orientações, não menos importantes.

Outras orientações monossexuais

Monossexual é a designação geral para pessoas que se sentem atraídas por apenas um gênero.
Nesse sentido, são monossexuais os heterossexuais e os homossexuais. Todavia, tratam-se
estas duas orientações de sujeitos que encontram-se dentro da binariedade, identificando-se
como homem ou como mulher. Assim, aqueles que não estão encaixados nisso recebem outros
rótulos para a sua sexualidade, quando monossexuais. Abaixo, dois exemplos.
50
Feminamórique: sujeito não-binário que se sente atraído exclusivamente por mulheres. Também
chamada femininassexual.

Viramórique: sujeito não-binário que se sente atraído exclusivamente por homens. Também
chamada virssexual.

Orientações Flúidas

Fluidez

Fluidez significa a mudança que pode acontecer na orientação sexual de uma pessoa. Pode
haver troca constantes, momentâneas ou simultâneas, seja no gênero ou nos gêneros aos quais
a pessoa se sente atraída, ou mesmo na sua preferência para o estabelecimento de
relacionamentos e/ou relações sexuais. Estas mudanças podem estar concatenadas à fluidez do
gênero do próprio sujeito, por exemplo, ou não ter qualquer relação lógica entre tais mudanças,
bem como a pessoa pode ter a orientação fluida mas o seu próprio gênero ser fixo, e vice-versa.

Algumas orientações flúidas

Abaixo, seguem alguns exemplos de orientações flúidas, ou seja, orientações que sofrem algum
tipo de mudança, seja na atração em si ou na preferência por algum gênero. Nesse sentido,
válido ressaltar que trata-se de uma lista exemplificativa, que não tem a intenção de exaurir as
sexualidades fluidas ou cair em esquematizações, mas apenas elucidar para o bom entendimento
do leitor.

A-fluxo: como vista no capítulo anterior, refere-se aos sujeitos que ora sentem e ora não sentem
atração.

Abrossexual: sujeito que possui atração fluida. A atração é tão fluída que não pode ser definida
ou que pode mudar de rótulo de tempos em tempos, por passar por mudanças. A pessoa é abro
quando a sua orientação se modifica constantemente. Há aquelas pessoas cujas modificações na
atração são tão súbitas que sequer podem ser identificadas, sendo confusas. Há aqueles que
sentem essa confusão apenas em alguns momentos e em outros não. Podem se sentir homo em
um momento, bi em outro, pan por alguns dias. Também chamada de abro.

Duossexual: sujeito que sente atração fluída entre estados que podem ser definidos com rótulos
de outras orientações, geralmente duas ou mais específicas, sempre variando entre as mesmas
(exemplos: pode ser às vezes gay, às vezes bi; alguém que seja às vezes lésbica, outras vezes
pan, mudando para demi). Também chamada de duo e muito similar ao conseito de queerfluxo.

Polifluxo: pode ser aquele sujeito que se sente atraído por vários gêneros, porém há preferência
que varia de acordo com o tempo; ou aquele cuja orientação flui entre várias orientações multi
(exemplo: ora é pan, ora é poli).

Novossexual: sujeito cuja atração muda de acordo com as mudanças do seu gênero. Cabível
apenas para pessoas que experienciam fluidez de gênero, sendo gênero fluído ou similar. Pode
haver alguma lógica nessas mudanças para alguns novo, por exemplo se seu gênero é feminino,
a pessoa se sente atraída por mulheres, mas se seu gênero muda para masculino ou próximo
deste, se sente atraída por homens, ou vice-versa, e se agênero, sentir-se assexual. Mas pode
não haver lógica ou justificativa. Também chamada mudssexual, mud, novo.

51
Omnigayssexual: sujeito que muda a atração de acordo com as mudanças no gênero,
mantendo-se sempre atraído por pessoas do próprio gênero ou gêneros similares.

Pomossexual: já vista com maior detalhamento em capítulo anterior, a pomossexualidade pode


tanto se referir a uma orientação multi que seja complexa demais para ser definida, bem como
pode ser caracterizada por uma sexualidade flúida que não se consegue definir se é por vários
gêneros, todos ou nenhum, por ser muito complexa.

Queerssexual: sujeito que não se considera hetero em um geral, o qual não quer se rotular ou
não quer se definir.

Comssexual: sujeito que sente atração, porém não sabe ou não quer definir orientação para
além da atração, não evidenciando para quem ou que tipo de pessoa é direcionada. Comumente
esta orientação é descrita como posta àquelas do prefixo “a-”, vista no capítulo anterior, porém
diferente dos “alo/zed” por se tratar de uma orientação específica, e não um termo geral. É uma
identidade que não especifica por quantos ou quais gêneros se sente atraída; pode ser que a
pessoa com- preste atenção a outros aspectos que não o gênero para sentir atração; e também
pode ser que a pessoa sinta atração com muita frequência mas não sabe como funciona a sua
atração. É semelhante à pomo por sua indefinição e à novi por sua complexidade; é possível que
seja similar à abro ou à sans se tiver fluidez; e pode ser multi caso haja atração por vários
gêneros. Dessa forma, está inserida em vários espectros.

Acefluide: aquele cuja orientação muda, dentro do espectro da assexualidade, enquanto sua
atração por determinado(s) gênero(s) permanece constante.

Adfectussexual: sujeito cuja atração varia entre existir e não existir, a depender de seu estado
mental, sendo exclusivamente utilizada para aqueles que são neurodivergentes ou que sofreram
algum trauma.

Altsexual: a atração muda a depender da identidade que está no comando, sendo utilizada por
pessoas com transtorno dissociativo de identidade ou semelhantes.

Dentre várias outras.

Orientações flexíveis

Heteroflexível: sujeito que se sente atraído majoritariamente pelo sexo considerado oposto (por
exemplo, mulher por homem e homem por mulher) ou próximo a este, com algumas exceções.

Homoflexível: sujeito que se sente majoritariamente atraído por pessoas do mesmo gênero ou
gêneros similares, porém com algumas exceções.

Tratam-se estas de orientações controversas, principalmente o heteroflexível, por ser alvo de


alguns preconceitos, inclusive dentro da comunidade LGBTQ+. Há quem diga que as pessoas
com as orientações acima conceituadas deveriam se idenfiticar como bi, sendo inclusive
chamadas de anti-bi, posto que se sentem atraídas por mais de um gênero, mesmo que
eventualemente. Ou mesmo devido a héteros que não precisam assumir riscos mas se dizem
oprimidas, ainda assim; todavia, esta é considerada uma crítica monossexista, ao julgar que a
pessoa se assumir monossexual e continuar assim seja melhor por algum motivo.

52
Figura 32 – Tirinha Laerte

Fonte: https://culturavisualqueer.wordpress.com/2010/07/25/murielhugo-personagens-transviados/

Unidade III: Identidade de Gênero


Nesta unidade, o convite ao leitor é para o estudo e reflexão acerca das grande variedade
identitária relacionada a gênero, no sentido da identidade e subjetividade de cada um para se
reconhecer dentro ou fora de tal conceito. Assim, uma pessoa pode se considerar como mulher,
ou próxima a este gênero, dentro do espectro da feminilidade; ou se considerar homem, ou
semelhante a este, no interior do espectro da feminlidade. Ou, ainda, entre ambos
(feminino/masculino), ou como uma mistura dos dois, ou totalmente fora de tais conceitos;
havendo também as mesclas de tais possibilidades. Dessa forma, a identidade de gênero é o
encontro de vastos espectros, que podem subverter ou não as normas socialmente impostas
como padrão.

Capítulo 1 – Refletindo sobre as diversas identidades

Identidade de gênero pode ser compreendida como uma experiência interna e individual do
gênero de cada pessoa, sentida de forma intensa e interior, que pode ou não corresponder ao
sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre
escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e
outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos. Os princípios
de Yogyakarta trazem a definição de identidade de gênero como

estando referida à experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa
tem em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento,
incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha,
modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e
outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos

PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA

Neste ponto, é importante separar alguns conceitos já mencionados neste material, mas que
precisam ser reforçados, e outros novos. Para começar, sexo biológico, que é o conjunto de
características biológicas que pode compreender alguns ou todos dos seguintes elementos:
cromossomos, órgãos genitais, hormônios, capacidade reprodutiva, caracteres sexuais
secundários, dentre outras. Neste sentido, em um primeiro momento, diz-se que a pessoa nasce
fêmea, macho ou intersexo.
53
O gênero, como experiência interna, individual, pode ou não corresponder ao sexo biológico,
embora o sistema sexo-gênero reitere constantemente o suposto dever de tal correspondência,
no que se pode chamar de cisgeneridade compulsória. Esta, por sua vez, “corresponde ao
processo intenso e incessante de fazer com que os indivíduos e as suas ações encontrem-se de
alguma forma em conformidade com a ideologia de gênero.” (ROSSI, 2016). Isso significa dizer
que a normatividade da sociedade, e toda a sua estrutura fundada no sistema sexo-gênero,
compele pessoas e seus corpos a agirem conforme as normas desse sistema.

Figura 33 – Tirinha Laerte

Fonte: https://culturavisualqueer.wordpress.com/2010/07/25/murielhugo-personagens-transviados/

Capítulo 2 – Cisgênero
“Cisgênero” é uma palavra formada pela junção do prefixo “cis”, que, do latim, significa “posição
aquém” ou “ao mesmo lado”, com o radical “gênero. Cisgênero é aquela pessoa cuja identidade
de gênero corresponde ao seu sexo biológico e ao gênero a que foi designada ao nascer. A
utilização desse termo surgiu apenas no século XXI:

São raras as menções ao termo “cisgênero” em textos oficiais, como leis ou resoluções,
trabalhos e artigos acadêmicos e mesmo em dicionários e em publicações referentes aos
estudos de gênero. “Raras” para não dizer completamente inexistentes, apesar do crescente
uso da palavra em espaços da internet, em especial em blogs feministas e militantes. A baixa
utilização ou visibilidade do termo fora destes espaços, como em discursos
oficiais/acadêmicos destoa em relação ao uso dos termos “transgênero”, “travesti” e
“transexual”, sendo estes muito mais correntes, seja no uso acadêmico ou corriqueiro.

BAGAGLI, 2018, p. 14

Cisgênero é, portanto, aquele ser humano que, durante toda a sua vida, vai identificar de forma
completa seu gênero com o seu sexo biológico; da mesma forma, é uma pessoa que será sempre
binária. Isso porque as designações de sexo-gênero dadas ao nascer, seja por pais e mães, seja
por médicos, está sempre no interior de binarismos de gênero, já que respeitam a normatização e
construções sociais impostas. Assim, tais designações serão sempre sexo feminino (mulher), ou
sexo masculino (homem).

Neste sentido, cisgeneridade está ligada a preceitos arraigados da sociedade, sendo uma
construção. É um constructo pois gêneros em pólos opostos, em binarismo e dicotomia, são uma
construção histórica. Quando surgiu o termo transgênero, bem como outras palavras, para se
designar as pessoas que não se encaixavam neste padrão de interrelação entre sexo biológico e
identidade de gênero, é que se vislumbrou a necessidade de criar o termo oposto.

54
Se aplicarmos, mesmo que superficialmente, a Desconstrução de Derrida neste âmbito, vamos
notar que se trata novamente de um dualismo (cisgênero/transgênero), em que aquele que está
no pólo dominante, em posição hierárquica superior na sociedade, é o cis, enquanto ao trans é
relegada posição submissa e secundária. Fala-se, por isso, em cisexismo. Nesta esteira, é bom
sempre tomar cuidado com a linguagem para não cair nas armadilhas cisexistas e,
consequentemente, transfóbicas, que a sociedade impõe no caminho ao entendimento.

O que se deve buscar é sempre a compreensão, qualquer que seja o gênero, já que trata-se aqui
de um estudo do tema. Dessa forma, muito embora este material se utilize da língua portuguesa
formal, eivada por sua binariedade, falogocentrismo e mesmo cexista, procura-se trabalhar o
tema de forma mais inclusiva. Estudar para entender, entender para compreender, compreender
para aceitar, para respeitar, para incluir e se viver bem em sociedade.

Ser cisgênero pode ser considerado majoritário, dominante ou, até mesmo, o “normal”, mas
devemos ter em mente que se trata apenas de algo mais comum e, por isso, elevado à
naturalidade e à normalidade. Escapando dos constructos sociais, todavia, os trans são exemplos
em movimento, solidariedade, subversão e iniciativas de inclusão, luta por direitos e
reconhecimento, entre tantos outros fatores. O movimento trans é admirável.

Capítulo 3 – Transgênero

Transgênero, por sua vez, é a justaposição do prefixo “trans”, que significa “posição além” ou “do
outro lado”, ao radical “gênero”. É a palavra utilizada para designar pessoas cuja identidade de
gênero não coincide com o gênero atribuído ao nascimento, este relacionado ao sexo biológico
ou o que é observável do conjunto de caratéres relacionado a este, podendo incluir transexuais e
travestis. Transgênero é o termo que abarca transexuais e travestis.

Figura 33 – Bandeira do Orgulho Trans

Fonte: https://orientando.org/categorias-relacionadas-a-genero/

Trata-se transgênero, portanto, de um termo guarda-chuva que abarca diversos subtipos de


identidades não-binárias de gênero. Embora estudem-se cada uma separadamente, e embora
também transgênero seja uma categoria por si só, todas estão relacionadas devido à não
conformidade com a binariedade, com designações autoritárias, com a colonização dos corpos,
ou com qualquer conformação com regras sociais que impõem sofrimento e orpimem o diferente.

Por muito tempo abjeta, à identidade trans foi relegada a sargeta. Trata-se de uma população
muito marginalizada, pois a pressão social, os maustratos em casa, o bullying na escola, fazem
com que, sem a rede de apoio, abandonem os estudos e oportunidades, devido à opressão.
Assim, restam destinadas a profissões precarizadas, como prostituição, por vezes exploradas, ou
ao desemprego e vida na rua, ou ao suicídio, cujas taxas são grandes.

55
Figura 34 – Tirinha Laerte

Fonte: https://culturavisualqueer.wordpress.com/2010/07/25/murielhugo-personagens-transviados/

Nos capítulos seguintes, teremos um vislumbre sobre cada identidade trans mais
especificamente.

Capítulo 4 – Transexual
Transexuais seriam também transgêneros no sentido de não sentirem a compatibilidade entra a
sua identidade de gênero e o que lhe foi designado ao nascer. Porém, é um termo utilizado
mormente pelas ciências médicas, como meio de diagnóstico, por terem os transexuais o que se
convencionou chamar de “disforia de gênero”, termo que foi cunhado por John Money em 1973.
Isto quer dizer a incompatibilidade de sua identidade com o corpo físico. Em 1980, a
transexualidade entrou para o rol do Código Internacional de Doenças, um marco para a sua
patologização.
O sentimento de disforia em relação ao próprio corpo, experiência vivida por boa parte da
população trans, não é senão fruto da cisgeneridade compulsória, que afirma a todo tempo,
em todos os espaços, que o ‘homem de verdade” possui pênis, e a “mulher de verdade”,
vagina, dentre outros aspectos mais que se pautam em uma binarização dos corpos em
macho/masculino e fêmea/feminino, da qual não se poderia escapar, e que, como já
afirmamos, é instituída pela ideologia de gênero imposta. Os seus efeitos sobre a população
trans não são pacíficos: o desejo de mudanças bruscas no corpo custe o que custar, ainda
que a própria vida; depressão crônica; síndrome do pânico; insegurança; sentimento de
inferioridade no que se refere às capacidades cognitivas; etc. A população trans sofre um
adoecimento para que a sua patologização seja justificada, e assim seja mantida uma
inteligibilidade cisgênera, que distancia o Outro.
ROSSI, 2016

Dessa forma, os transexuais seriam a parcela da população transgênera que necessitaria da


cirurgia de transgenitalização, devido aos sentimentos de inadequação física entre sexo e gênero,
que lhe causam profundas consequências psicológicas, além da abjeção da genitália. Todavia,a
redesignação sexual não é obrigatória e não são todos os transexuais que desejam se submeter
a ela. Não existe nenhuma codificação ou condição para que a transgeneridade de alguém seja
reconhecida juridicamente. Transexual, todavia, é um termo a cada dia menos utilizado, caindo
em desuso.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) constantemente faz campanhas acerca


do suicídio entre pessoas trans. Alerta que o motivo de estes ocorrerem não é a condição de ser
trans, mas o fato de a sociedade não tratar trans como pessoas. No Brasil, a expectativa de vida
de pessoas trans chegou a 35 anos de idade, o que significa viver menos que a metade do que
se espera que viva um cidadão brasileiro médio, já que a média nacional é de 75 anos.

A associação europeia TransRespect já demonstrou que o Brasil é responsável por 40%


(quarenta por cento, frize-se) dos assassinatos de pessoas trans ocorridos em todo o mundo.
56
Outro fator que leva à morte das pessoas trans é o não tratamento de doenças, por exemplo, por
não terem acesso a saúde, por vezes pelo motivo de não desejarem se expor em sociedade e por
saberem que receberão tratamento degradante em certos espaços, sejam públicos ou privados.

Capítulo 5 – Travesti
Travestis são pessoas transgêneras, ou seja que não tem identidade de gênero completamente
compatível com seu sexo biológico. A origem da palavra advem do verbo travestir, ou seja, se
vestir como o sexo oposto. Todavia, este é um termo que sempre foi utilizado, seja de forma
pejorativa, seja para designar as pessoas que vivem em situações de maior vulnerabilidade,
como periféricos e prostitutas. Com o passar do tempo e o empoderamento dessa população, o
termo travesti foi apropriado por parte da população transgênera que passou a utilizá-lo para se
autodesignar, de forma a resistir a preconceitos e não permitir sua utilização como algo negativo,
tornando positivo, assim, esta palavra. Trata-se sempre de pessoas designadas como homens
que vivem total ou parcialmente os seus dias como mulheres.
Figura 35 – Tirinha Laerte

Fonte: https://culturavisualqueer.wordpress.com/2010/07/25/murielhugo-personagens-transviados/

Capítulo 6 – Intersexual
Pessoas intersexuais são aquelas que possuem algum tipo de variação congenita da anatomia
sexual ou reprodutiva, que faz com que elas não se encaixem perfeitamente no que se tem como
sexo masculino ou sexo feminino. Assim, pode ser que nasça com genitálias dos dois sexos ou
com algum tipo de mosaico genético, havendo em suas células algumas com cromossomos XX e
outras com XY. Por isso, a anatomia intersexo nem sempre pode ser notada logo ao nascer e
pode ser que nunca seja percebida sequer pela própria pessoa. Entre os intersexo estão os
hermafroditas e, também, os pseudo-hermafroditas, mas não apenas estes.

Figura 36 – Bandeira Intersexo


Figura 37 – Bandeira Intersexo

Fonte: https://orientando.org/o-que-e-intersexo/
Fonte: https://orientando.org/o-que-e-intersexo/
Figura 38 – Bandeira Intersexo Brasileira

57
Fonte: https://orientando.org/o-que-e-intersexo/

A Organização Mundial da Saúde estima que 1% da população mundial seja intersexo. E boa
parte deles enfrentam a solidão da desinformação, inclusive acerca de serem intersexo. Dentre
estes, aqueles que apresentam características fisiológicas de mais de um sexo biológico são
submetidos, em sua maioria, a cirurgias chamadas “de adequação”, o que significa a escolha por
um dos sexos com a eliminação cirúrgica das características do outro. Isso ocorre, na maior parte
dos casos, na primeira infância, em que os pais, abordados por médicos que tratam tais
caracteres como tumores, câncer ou futura possibilidade de câncer, concordam na retirada.
Assim, há a designação de um gênero para a criança intersexo.

Neste sentido, existe a identidade Ipsogênero, que designa uma pessoa que nasce instersexual
e se identifica por completo e por toda a vida com o gênero que lhe foi designado ao nascer.

Não é correto se falar que uma pessoa intersexo é hermafrodita. Segundo a origem mitológica
desta palavra, hermafrodita seria aquela pessoa que possui ambos os sexos biológicos
completamente formados e funcionais, o que não existe. É fisiologicamente impossível. Tal
palavra, bem como a “pseudo-hermafrodita” começou a usada no século XIX por profissionais da
área médica, que passaram a notar que era bastante comum o nascimento de bebês com o que
se considerava formações “anormais”.

Capítulo 7 – Identidades não-binárias


Trata-se daquelas identidades em que o sujeito não se considera nem completamente mulher e
nem completamente homem. Pode ser uma pessoa que considera não ter gênero algum
(agênero) ou não ter partes, gêneos neutros, ambínguos, identidades fluidas, ou gêneros
totalmente fora dos binários, dentre outros. Abaixo, alguns exemplos.
Figura 39 - Bandeira do Orgulho não-binário

Fonte: https://orientando.org/listas/lista-de-generos/

Intergênero: um gênero definido por ser intersexo

Andrógine: sujeito que é uma mistura entre os gêneros homem e mulher. Termo também pode
ser utilizado para mistura de outros dois gêneros.
58
Gênero-fluido: sujeito que muda de gênero para qualquer outro gênero de acordo com o tempo e
ocasião.

Agênero: sujeito que não possui gênero, se considera com gênero neutro ou não se encaixa em
nenhum dos gêneros existentes.

Gênero queer: termo para qualquer sujeito que se encaixe na definição de não-binário.

Pangênero: sujeito que possui mais gêneros que consegue definir, podendo conter gêneros
ainda não existentes e/ou rotulados.

Bigênero: sujeito que possui dois gêneros. Podem se manifestar separados, ao mesmo tempo ou
em combinações diferentes.

Poligênero-fluxo: sujeito possui mais de um gênero, porém esses gêneros podem mudar de
acordo com o tempo.

Mosaigênero: sujeito que possui uma identidade formada por fragmentos de diversos gêneros.
Também chamado Portiogênero.

Gênero-borrão: sujeito possui diversos gêneros, porém tem dificuldade de identificar quais são
eles.

Schrodigênero: sujeito que acredita ter e não ter certo gênero ao mesmo tempo. Pode ser um
gênero que é vários gêneros ao mesmo tempo. Também chamado Schrodingênero.

Casgênero: sujeito que não acha o conceito de gênero relevante para si.

Quoigênero: sujeito que não entende de gênero ou não acha que o conceito de gênero aplica
para si mesmo.

Dubgênero: um rótulo para aquele sujeito que não acredita que o seu gênero está correto.

Paragênero: gêneros que são parecidos, porém não são exatamente os mesmos.

Horogênero: sujeito que muda o gênero de tempos em tempos, porém a essência do gênero
permanece a mesma.

Condigênero: gênero que existe somente em determinadas condições.

Gênero-vago: sujeito que não sabe definir qual é o seu gênero.

Intergênero: sujeito que possui o gênero influenciado por ser intersexual.

Poligênero: sujeito que possui vários gêneros. Pode ter todos de uma vez ou alguns por vezes.

Nanogênero: pequena parte do gênero, na qual a outra parte pode ou não existir.

Identidades culturais não-cis: algumas culturas possuem, além de homem e mulher, um outro
gênero, por enxergarem/terem construído tal conceito de outra forma, evidenciando que pessoas
não-cis não são uma novidade.

59
Capítulo 8 – Transformistas e drag queens

Diferentemente das pessoas trasngênero, principalmente das travestis, transformistas são


pessoas cuja performance de genero depende do tempo. O visual é modificado conforme a hora
do dia ou da noite, por exemplo, sendo "homem de dia e mulher a noite" ou vice-versa. Assim,
modifica-se o corpo em prol dessa transformação, com maquiagem, roupas diferentes,
enchimentos para simular seios e quadris. E, quando montada, impossível saber se se trata a
transformista de homem, mulher ou pessoa trans. Estas se preocupam em parecer mulher,
pretendendo ocultar por inteiro o masculino em si.

A diferença com as drag queens é que estas não tem a pretensão de ocultar o masculino como
um todo, ou em parecer uma mulher. A maquiagem é forte, os cabelos coloridos, com perucas
ousadas, os saltos muito altos, as roupas exageradas de alguma forma, geralmente, etc.

[Inicio de Leitura Complmentar ]


Links para Materiais Online
Materiais para leituras complementares

Cartilhas

O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI – Conceitos e Legislação


(Realizada por Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão )
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/pfdc/midiateca/nossas-publicacoes/o-ministerio-publico-e-
a-igualdade-de-direitos-para-lgbti-2017

Diversidade sexual e cidadania LGBT.


(Realizada pela Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Governo do Estado de São
Paulo)
http://www.recursoshumanos.sp.gov.br/lgbt/cartilha_diversidade.pdf

Combater a violência e garantir direitos para população LGBT


(Realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado
do Rio Grande do Sul)
http://www.al.rs.gov.br/FileRepository/repdcp_m505/ccdh/Cartilha%20Direitos%20Popula
%C3%A7%C3%A3o%20LGBT%20-%202018.pdf

Segurança Pública e LGBT


(Realizado por Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Paz Social - SSP/DF, Polícia
Militar do Distrito Federal - PM/DF, Polícia Civil do Distrito Federal - PC/DF, Corpo de Bombeiros
Militar do Distrito Federal - CBM/DF e pelo Departamento de Trânsito do Distrito Federal -
DETRAN/DF)
http://www.ssp.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2018/09/CARTILHA-LGBT-final-13.pdf

Outros Materiais

Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e


Transexuais
(Realizado pelo Governo Federal – Ministério da Saúde)
60
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf

Caderno Escola Sem Homofobia


(Realizado pelo Governo Federal – Ministério da Educação – Programa Brasil sem Homofobia –
Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra LGBT e Promoção da Cidadania
Homossexual)
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2015/11/kit-gay-escola-sem-homofobia-
mec1.pdf

Manual de Comunicação LGBTI+


(Realizada por Aliança Nacional LGBTI, o Grupo Dignidade e a rede GayLatino)
http://www.grupodignidade.org.br/wp-content/uploads/2018/05/manual-comunicacao-LGBTI.pdf

Revista elx #1
Traz informações sobre linguagem inclusiva e diversas outras orientações, glossário, dentre
outros assuntos.
https://orientando.org/elx-1/

[Fim de Leitura Complementar]

Unidade IV. Representação Social

Capítulo 1 – Movimento LGBT

O Movimento LGBT+ Internacional tem como marco moderno de seu início a Revolta de
Stonewall, um bar no bairro do Greenwich Village, em Nova York, ocorrida em 28 de junho de
1969. Tal ato, que começou de forma espontânea, gerada a partir da resistência à truculência
policial direcionada a homossexuais, travestis e drag queens, ficou conhecido como a Rebelião
de Stonewall. No interior do bar, a resistência foi montada. Este é visto como o ato mais
importante pela liberação do movimento gay (como então era chamado) e pela luta de direitos da
população LGBT+, tanto nos próprios Estados Unidos, como no mundo.

Antes de sequer começar a contar sobre as chamadas “Rebeliões de Stonewall”, vale


lembrar que qualquer prática homossexual era considerada crime em todos os
estados americanos até 1962 – e a punição variava entre longa pena em regime
fechado, trabalhos forçados ou mesmo a pena de morte. Logo, o que aconteceu em
Stonewall se deu em um país que havia “legalizado” (com toda ironia e repúdio
nessas aspas) o amor entre pessoas do mesmo sexo somente sete anos antes. (...)
O bar não tinha licença para comercializar bebidas alcoólicas, não tinha saídas de
emergência, não correspondia às exigências sanitárias legais, mas era o único bar
abertamente gay em toda cidade, e que tinha como seu principal atrativo a dança –
nele aos homens era permitido dançar.

PAIVA, 2018.

Figura 41 – Stonewall Inn

61
Figura 42 – Jovens em frente ao Stonewall Inn

Fonte: Hypeness, 2018


Figura 43 – a truculência policial

Fonte: Hypeness, 2018

Figura 44 – Revoltas tomam a rua

Fonte: Hypeness, 2018

Figura 45 – As revoltas continuam por 05 dias

Fonte: Hypeness, 2018

62
A partir deste, anualmente, iniciaram-se as Paradas do Orgulho. A primeira aconteceu em 1970,
em Nova York, diante do bar. Em pouco tempo, diversas cidades dos Estados Unidos começaram
a ter organizações e mobilizações pela lutapor direitos LGBT+. E, em alguns anos, diversos
países do mundo começaram a ter as suas próprias Paradas do Orgulho.

Capítulo 2 – Surgimento e primeira iniciativas

No Brasil, após o golpe militar de 1964, o comportamento torna-se objeto de preocupação do


Estado, mormente após 1968. A sexualidade passou a ser tema afeto à segurança nacional como
documentos revelados por Comissões da Verdade demonstram. Uma necessidade de
saneamento moral da sociedade e uma necessidade de afinar conceitos binários e
heteronormativos, temas estimados pela política conservadora que se instaurara, fez com que
afetos e desejos passassem a ser temas alvo do autoritarismo.

Paradoxalmente, houve o surgimento de inúmeros bares e boates para convivência homossexual,


convivendo com a perseguição neste momento de alta regulação da liberdade sexual. Ademais,
com a economia em alta, houve um etímulo para aqueles que estavam cansados de viver no
armário se revelarem. De 1970 a 1980, durante a busca pela redemocratização e a grande
atividade de organizações da sociedade civil, a crescente busca por cidadania e visibilidade levou
à luta, dentre outros temas, pelo reconhecimento das diversas identidades.

O Movimento LGBT+ no Brasil teria surgido, segundo a bibliografia sobre o tema, na metade da
década de 1970. E o ano de 1978 foi um marco, com o surgimento do Movimento Homossexual
Brasileiro com o pioneiro Somos – Grupo de Afirmação Homossexual, que estimulou o
surgimento de várias outras organizações pelo país. Neste período, jornais e revistas
disseminavam informações, como o Lampião da Esquina; e também o Chanacomchana, lançado
pelo GALF – Grupo de Ação Lésbica Feminista, que se separava do movimento homossexual
devido à misoginia.

O termo movimento homossexual é aqui entendido como o conjunto das associações


e entidades, mais ou menos institucionalizadas, constituídas com o objetivo de
defender e garantir direitos relacionados à livre orientação sexual e/ou reunir, com
finalidades no exclusivamente, mas necessariamente políticas, indivíduos que se
reconheçam a partir de qualquer uma das identidades sexuais tomadas como sujeito
desse movimento.

FACCHINI, 2003, p. 84

63
Figura 46 – Capa do Lampião da Esquina

Figura 47 – Capa do Chanacomchana

Fonte: Nexo Jornal

Fonte: Acervo Bajuba

Curiosidade

As edições do jornal Lampião da Esquina podem ser encontradas em:


http://www.grupodignidade.org.br/projetos/lampiao-da-esquina/. E edições do Chanacomchana
podem ser encontrados em: http://acervobajuba.com.br/?s=chanacomchana

Capítulo 3 – Trajetória nacional

As vitórias do recém-formado movimento da sociedade civil pelos direitos LGBTs já começaram a


vir em 1980, quanto a homossexualidade foi retirada do rol de doenças do Instituto Nacional de
Assistência Médica da Prividência Social. E buscou-se inscrever na Constituição Federal a
expressa vedação à discriminação, o que se conseguiu. Mas haviam também muitos desafios,
como a epidemia do vírus HIV e da AIDS, que chegou a ser denominada peste gay, ante o
sensacionalismo da mídia.

No início dos anos 1980, o Brasil contava com mais de vinte grupos organizados de
homossexuais, já em 1985, apenas seis. A última publicação do Lampião da Esquina foi
publicada em 1981, e o Grupo Somos se dissolveu em 1983.

Nos primeiros anos da década de 1990, a ausência de referências bibliográficas


sobre a continuidade das atividades desse movimento no Brasil era capaz de
produzir a sensação de que, de fato, o início da década de 1980 tivesse assistido ao
apogeu e fim de uma significativa, mas curta trajetória. No entanto, por volta do início
dos anos 1990, houve um reflorescimento das iniciativas militantes. (...) Green cita
uma variedade de fatores que poderiam ter contribuído para um declínio no
movimento: o crescimento da inflação e do desemprego dificultaria a mobilização dos
ativistas; a falsa ideia de que em tempos democráticos os direitos civis dos
homossexuais poderiam expandir-se mais facilmente; por outro lado, o espaço dado
para a homossexualidade em meios de comunicação convencionais e a expansão de
um mercado voltado para homossexuais teriam produzido uma ilusão de liberdade e
de que a organização política não era necessária.

64
FACCHINI, 2003, p.85-95

Nos anos de 1990, as entidades LGBT+ passaram a se profissionalizar e o mercado também


voltou seu olhar, na intenção de obter o “pink money”, ante a existência de diversos
homossexuais bem sucedidos. Mas a força conservadora ainda é grande, causando a morte de
muitos LGBTs pelo Brasil, com números alarmantes, com mais de uma morte por dia.

A primeira parada LGBT do Brasil acontece em São Paulo em 1997, logo tornando-se uma das
maiores do mundo. Esta marca sempre acontece em junho, para rememorar, em território
brasileiro, o que aconteceu em Stonewall.

O processo de cidadanização desencadeado pela redemocratização e reforçado pela


Constituição Federal de 1988 faz emergir o antes movimento homossexual como movimento
LGBT. A primeira parada LGBT do Brasil acontece em São Paulo em 1997, logo tornando-se uma
das maiores do mundo. Esta marca sempre acontece em junho, para rememorar, em território
brasileiro, o que aconteceu em Stonewall.

Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a homossexualidade aparece pela primeira vez
em um documento público federal que não se relacionava à saúde. Todavia, avanços
significativos só vem durante as gestões presidenciais do Partido dos Trabalhadores. Em 2004, é
lançado o Programa Brasil sem Homofobia.

A primeira, uma ênfase na clara delimitação de identidades e o consequente


acirramento dos processos de disputa por visibilidade no interior de um movimento no
qual o sujeito político se torna mais e mais complexo. Multiplicam-se as redes
nacionais e regionais de organizações, mas também as letras do acrónimo que
nomeia o movimento, cuja ordem se estabiliza apenas com a adoção da formulação
LGBT - lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais - na I Conferência Nacional
de Políticas para LGBT, em 2008. Criam-se, ainda, articulações entre LGBT e outros
“segmentos", de modo a const1tu1rgrupos e redes de negras(os) e de jovens LGBT.

REVISTA CULT, 2018

Logo se inicia uma fase mais plural, em que o vocabulário e as demandas são ampliados.
Estudos demonstram especificidades, de forma mais inclusiva a pautas como lesbofobia e
transfobia, em um momento de construção de unidade. Na década de 2010, o movimento LGBT+
já tem uma cara diferente:

(...) o movimento homossexual encontra-se sob nova estrutura social: forte presença
da mídia e de outros movimentos sociais, diálogo com redes internacionais de defesa
de direitos humanos, atuação junto às agências estatais, respostas diante das
organizações religiosas, manifestações de dia do Orgulho Gay. Seu formato
institucional é regido pelo modelo das organizações não-governamentais (ONGs) em
que certa infraestrutura e organização são exigidas pela necessidade do
financiamento e institucionalização.

OLIVEIRA, 2010, p. 380.

Capítulo 4 – Conquistas contemporâneas

Paradas do Orgulho LGBT+

Segundo o Livro dos Recordes (Guinness Book) a Parada LGBT+ de São Paulo é a maior do
mundo. Este título foi obtido em 2006, quando o evento teve a participação de 2,5 milhões de
pessoas, conforme dados da Polícia Militar. Paradas menores, porém significativas acontecem

65
por todo o Brasil todo ano, em diferentes datas, arrastanto mutidões pelas ruas, a tornar visível o
que por vezes se esconde: o diferente da norma padrão heterossexual e cisgênero que ocupa os
espaços públicos na maior parte do tempo. A importância destes eventos é gigantesca.

Figura 48 – Parada LGBT+ de São Paulo em 2019

Fonte: UOL

No ano de 2019, aconteceu a 23ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, que reuniu
3 milhões de pessoas e movimentou 403 milhões de reais.

Adoção

A primeira vez que um casal homoafetivo adotou uma criança foi em 2005, no interior de São
Paulo. Hoje em dia, desde 2008, na certidão de nascimento não constam mais campos
discriminados como “pai” e “mãe”, mas “filiação”, o que torna mais inclusivo o registro de
maternidades e/ou paternidades diversas. Em 2015, Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu o
pedido formulado pelo Ministério Público do Estado do Paraná de anulação de uma adoção de
uma menina de 12 anos por casal homossexual, sob a alegação de que o casal não teriam entre
si uma união estável.

União Estável e Casamento

Tem-se 2011 como o ano em que foi reconhecido o direito à união estável entre pessoas do
mesmo sexo, ante o julgamento, pelo STF, da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277) n°
e da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n°. 132. As uniões
homoafetivas foram equiparadas às heterosexuais. E, assim, tornou-se um núcleo familiar como
qualquer outro, perante os olhos da lei e do judiciário. Ante isto, o Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), publica a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013. Com esta, nenhum cartório em
território nacional poderia se recurar a celebrar um casamento civil entre pessoas do mesmo
sexo.

Transgenitaização

66
O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou em 2002 a possibilidade de ser realizada a
cirurgia de redesignação, do masculino para o feminino, em pessoas transexuais. Em 2008, este
procedimento passou a ser oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde). E a cirurgia para
homens trans foi aprovada pelo CFM em 2010, que também passou a ser oferecido pelo SUS.
Todavia, a fila de espera ainda pode chegar a 20 anos.

Reprodução Assistida pelo SUS

Casais homoafetivos foram possibilitados de realizar o procedimento de reprodução assistida por


meio do SUS em 2013, quando o CFM determinou a sua inclusão para processos de fertilização
in vitro.

Nome Social

A utilização de nome social por pessoas trans em repartições públicas, como no SUS, já é
determinada desde 2009, garantido pela Portaria nº 1.820/2009. Em 2013, sua utilização pasosu
a ser permitida no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Além de várias outras norma
pontuais em órgãos públicos federais, estaduais e municipais.

Retificação do Registro Civil

Primiramente, o STF decidiu, em 2018, que pessoas transgêneras poderiam alterar seu nome e o
sexo no assento de nascimento. Com o Provimento n°. 73 de junho do mesmo ano, o CNJ
passou a autorizar a retificação de nome e gênero de pessoas trans diretamente no cartorio, para
pessoas maiores de dezoito anos. Um dos avanços trazidos no interior deste provimento é a
desnecessidade de laudos médicos (patologização) para a comprovação de ser trans.

Foi, inclusive, na ocasião do julgamento deste tema no Supremo que aconteceu o fato de a
primeira advogada transgênero subir na Tribuna do STF para uma sustentação oral. Seu nome é
Gisele Alessandra Schmidt e Silva e ela defendia a mudança do registro sem a necessidade de
cirurgia. Este é um fato importante, que quebra paradigmas, pois a população trans é muito
marginalizada.

Eleição de candidatos homossexuais a cargos políticos

Em 2006 foi eleito o primeiro deputado federal assumidamente gay, pelo estado de São Paulo.
Foi o famoso estilista Clodovil Hernandez. E 2010, foi eleito Jean Wyllys, professor, como
deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em 2017, teve-se o primeiro prefeito abertamente LGBT,
casado com um homem, na cidade de Lins. Apesar de Jean Wyllys ter deixado seu cargo em
2019 devido a ameaças, quem assumiu como seu suplente foi David Miranda, também
assumidamente homossexual, casado com um jornalista estrangeiro famoso, tendo ambos dado
visibilidade tanto ao fato de serem casados como ao fato de term filhos adotivos.

Presença na Mídia

Em 2011, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) levou ao ar o primeiro beijo entre pessoas do
mesmo sexo, duas mulheres, da televisão brasileira, ocorrido na novela de horário nobre "Amor e
Revolução". Na rede Globo, o primeiro beijo entre dois homens em uma telenovela ocorreu em
2013, em "Amor à Vida". Já em 2016 aconteceu a primeira cena de sexo gay, este na novela
“Liberdade, Liberdade”. Também em 2016, a Avon lançou uma campanha publicitária que tinha a

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cantora drag queen Pabllo Vittar como protagonista. Estes acontecimentos são importantes para
que o resto da população veja os LGBT+s como as pessoas normais que são.

Criminalização da LGBTfobia

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de


Injunção (MI) 4733 foi finalizado no dia 13 de junho de 2019, com o resultado positivo para
reconhecimento da omissão legislativa relativamente à LGBTfobia. A maioria reconheceu a
demora do Poder Legislativo para incriminar atos que atentem contra os direitos fundamentais
dos membros da comunidade LGBT. Assim, a ‘homotransfobia’ restou criminalizada, com a
equiparação ao crime de racismo, e aplicação da Lei n°. 7.716 de 1989 para tanto.

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