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Lidiany de Lima Cavalcante
Lucilene Ferreira de Melo
Organizadoras

ENTRE O DIREITO E O ACESSO:


protoformas de saúde para mulheres
lésbicas e bissexuais

A presente obra foi financiada pela

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Comitê Científico Alexa Cultural
Presidente
Yvone Dias Avelino (PUC/SP)
Vice-presidente
Pedro Paulo Abreu Funari (UNICAMP)
Membros
Adailton da Silva (UFAM – Benjamin Constant/AM)
Alfredo González-Ruibal (Universidade Complutense de Madrid - Espanha)
Aldair Oliveira de Andrade (UFAM - Manaus/AM)
Ana Paula Nunes Chaves (UDESC – Florianópolis/SC)
Arlete Assumpção Monteiro (PUC/SP - São Paulo/SP)
Barbara M. Arisi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Benedicto Anselmo Domingos Vitoriano (Anhanguera – Osasco/SP)
Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira (PUC/SP – São Paulo/SP)
Claudio Carlan (UNIFAL – Alfenas/MG)
Denia Roman Solano (Universidade da Costa Rica - Costa Rica)
Débora Cristina Goulart (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Diana Sandra Tamburini (UNR – Rosário/Santa Fé – Argentina)
Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP – São Paulo/SP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR – Porto Velho/RO)
Evandro Luiz Guedin (UFAM – Itaquatiara/AM)
Fábia Barbosa Ribeiro (UNILAB – São Francisco do Conde/BA)
Fabiano de Souza Gontijo (UFPA – Belém/PA)
Gilson Rambelli (UFS – São Cristóvão/SE)
Graziele Acçolini (UFGD – Dourados/MS)
Iraíldes Caldas Torres (UFAM – Manaus/AM)
José Geraldo Costa Grillo (UNIFESP – Guarulhos/SP)
Juan Álvaro Echeverri Restrepo (UNAL – Letícia/Amazonas – Colômbia)
Júlio Cesar Machado de Paula (UFF – Niterói/RJ)
Karel Henricus Langermans (USP/EcA - São paulo/SP)
Kelly Ludkiewicz Alves (UFBA – Salvador/BA)
Leandro Colling (UFBA – Salvador/BA)
Lilian Marta Grisólio (UFG – Catalão/GO)
Lucia Helena Vitalli Rangel (PUC/SP – São Paulo/SP)
Luciane Soares da Silva (UENF – Campos de Goitacazes/RJ)
Mabel M. Fernández (UNLPam – Santa Rosa/La Pampa – Argentina)
Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM – Manaus/AM)
María Teresa Boschín (UNLu – Luján/Buenos Aires – Argentina)
Marlon Borges Pestana (FURG – Universidade Federal do Rio Grande/RS)
Michel Justamand (UNIFESP - Guarulhos/SP)
Miguel Angelo Silva de Melo - (UPE - Recife/PE)
Odenei de Souza Ribeiro (UFAM – Manaus/AM)
Patricia Sposito Mechi (UNILA – Foz do Iguaçu/PR)
Paulo Alves Junior (FMU – São Paulo/SP)
Raquel dos Santos Funari (UNICAMP – Campinas/SP)
Renata Senna Garrafoni (UFPR – Curitiba/PR)
Renilda Aparecida Costa (UFAM – Manaus/AM)
Roberta Ferreira Coelho de Andrade (UFAM - Manaus/AM)
Sebastião Rocha de Sousa (UEA – Tabatinga/AM)
Thereza Cristina Cardoso Menezes (UFRRJ – Rio de Janeiro/RJ)
Vanderlei Elias Neri (UNICSUL – São Paulo/SP)
Vera Lúcia Vieira (PUC – São Paulo/SP)
Wanderson Fabio Melo (UFF – Rio das Ostras/RJ)

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Lidiany de Lima Cavalcante
Lucilene Ferreira de Melo
Organizadoras

ENTRE O DIREITO E O ACESSO:


protoformas de saúde para mulheres
lésbicas e bissexuais

Embu das Artes - SP


2023

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO
AMAZONAS
CONSELHO EDITORIAL
Presidente
Henrique dos Santos Pereira

Membros
Antônio Carlos Witkoski
Domingos Sávio Nunes de Lima
Edleno Silva de Moura
Elizabeth Ferreira Cartaxo
Spartaco Astolfi Filho
Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

COMITÊ EDITORIAL DA EDUA


Louis Marmoz Université de Versailles
Antônio Cattani UFRGS
Alfredo Bosi USP
Arminda Mourão Botelho Ufam
Spartacus Astolfi Ufam
Boaventura Sousa Santos Universidade de Coimbra
Bernard Emery Université Stendhal-Grenoble 3
Cesar Barreira UFC
Conceição Almeira UFRN
Edgard de Assis Carvalho PUC/SP
Gabriel Conh USP
Gerusa Ferreira PUC/SP
José Vicente Tavares UFRGS
José Paulo Netto UFRJ
Paulo Emílio FGV/RJ
Élide Rugai Bastos Unicamp
Renan Freitas Pinto Ufam
Renato Ortiz Unicamp
Rosa Ester Rossini USP
Renato Tribuzy Ufam

Reitor
Sylvio Mário Puga Ferreira

Vice-Reitora
Therezinha de Jesus Pinto Fraxe

Editor
Sérgio Augusto Freire de Souza
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Dedicatória
À todas as mulheres que fazem das identidades e vivências sexuais
suas plataformas de luta, existência e resistência.

Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, pelo
financiamento da pesquisa;
À Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
CAPES, pelo apoio e financiamento;
À Universidade Federal do Amazonas, pela oportunidade de dedi-
cação à pesquisa;
À Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
CAPES pelo apoio e financiamento;
Aos/às pesquisadores e pesquisadoras do Laboratório de Estudos
de Gênero, pelo compromisso durante a trajetória de descobertas,
incertezas e reflexões, sobretudo pela ousadia para realizarmos uma
pesquisa desafiadora em tempos de pandemia.

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© by Alexa Cultural

Direção
Gladys Corcione Amaro Langermans
Nathasha Amaro Langermans
Editor
Karel Langermans
Capa
Marcelo Ramos Marinho
Revisão Técnica
Lidiany de Lima Cavalcante
Revisão de língua portuguesa
Caroline do Socorro Silvestre Oliveira
Editoração Eletrônica
Alexa Cultural

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C377 - CAVALCANTE, L. L. M528 - MELO, L. F.

Entre o Direito e o Acesso: protoformas de saúde para mulheres lésbicas e bisse-


xuais. Lidiany de Lima Cavalcante e Lucilene Ferreira de Melo (orgs.). Manaus:
EDUA; São Paulo: Alexa Cultural, 2023.
14x21cm -178 páginas
ISBN - 978-85-5467-318-5

1. Serviço Social - 2. Protoformas de Saúde- 3. Lésbicas e Bisexuais - 4. Direi-


to - 5. Acesso aos Servbiçosd Sociais. I- Sumário - II Bibliografia

CDD - 360 / 361.981

Índices para catálogo sistemático:


1. Serviço Social
2. Protoformas de Saúde
3. Lésbicas e Bissexuais
Todos os direitos reservados e amparados pela Lei 5.988/73 e Lei 9.610
É proibida a reprodução parcial ou integral sem a autorização das organizadores e/ou
editora.

Alexa Cultural Ltda Editora da Universidade Federal do Amazonas


Rua Henrique Franchini, 256 Avenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos,
Embu das Artes/SP - CEP: 06844-140 n. 6200 - Coroado I, Manaus/AM
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www.alexaloja.com E-mail: ufam.editora@gmail.com

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Prefácio
A história das mulheres expressa a pluralidade das possibilida-
des e das (im) possibilidades, dos desejos e das opressões. Para Priore
é uma história que não é só delas pois que também é a história “da fa-
mília, da criança, do trabalho, da mídia, da literatura. É a história do
seu corpo, da sua sexualidade, da violência que sofreram e praticaram,
da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos” (2002, p.7).
Descritas como imperfeitas, traiçoeiras e malévolas são culpa-
bilizadas pelas doenças, perda de plantações, morte de gados e até por
transtornos climáticos. Tanto na mitologia grega como na Bíblia a mu-
lher é representada de forma carregada de sentidos negativos, cito ape-
nas algumas: Eva, Lilith, Pandora... responsáveis pelo sofrimento, pelo
pecado, por todas as tragédias.
Para Bolzan as narrativas sobre mulheres presentes nos mitos de
criação fazem parte desde do imaginário social e cultural associando
Pandora, Lilith e Eva “à transgressão, desobediência, curiosidade, pe-
cado, ameaça e, assim, responsabilizadas por disseminar as mazelas do
mundo” (2015,p.25). Essas narrativas justificaram violências, torturas
e mortes.
Subjugadas à dominância masculina, para Lerner as mulheres
foram as primeiras escravas pois a “opressão de mulheres precede a
escravidão” e essa aprendizagem tornou possível a escravidão dos ho-
mens (LERNER,2019,p.148). O homem aprendeu a escravidão pri-
meiramente subordinando as mulheres, e a “invenção cultural da es-
cravidão baseia-se tanto na elaboração de símbolos de subordinação
das mulheres quanto na conquista real de mulheres” (2019, p. 153) ini-
ciando a opressão dentro do grupo e posteriormente incluindo mulheres
prisioneiras, tendo o estupro como forma constante de violência.
Como outra forma de opressão a maternidade sobrevive há mi-
lênios.
Imposta às mulheres seja pelo discurso biológico que destaca
as condições físicas da mulher para gerar e parir, seja pela Igreja com
valorização da Virgem Maria que gerou o salvador do mundo e perma-
neceu virgem e pura. Narrativa que segue vigente contrariando todas as
evidências da ciência.
A maternidade ou a função maternal foi a única forma de ex-
pressão da sexualidade concedida as mulheres desde dentro das seguin-

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tes condições “se subordinar ao marido e dar à luz os filhos com dor”
(LERNER, 2019,p.326).
Nas narrativas poéticas, ditados populares, contos de fadas e/
ou músicas as mulheres são descritas como “complementares” aos ho-
mens, tão boas “quanto” os homens, “atrás” de grandes homens, na
“espera” do príncipe salvador, ou seja, não são descritas por elas mes-
mas, mas como uma versão do homem. A abnegação e subjugação é
inspiradora para músicas que elogiam Amélia como mulher de verdade
pois sem vaidade ou retratam as mulheres sem defeito nem qualidade
de Atenas. Músicas de Mario Lago e Chico Buarque respectivamente.
Bruxas, deusas, divinas, diabólicas, amaldiçoadas, santas, puras,
a narrativa historicamente foi desenvolvida e escrita por homens por
muitos séculos.

Até o passado mais recente, esses historiadores eram homens, e o


que registravam era o que homens haviam feito, vivenciado e con-
siderado significativo. Chamaram isso de História e afirmaram ser
ela universal. O que as mulheres fizeram e vivenciaram ficou sem
registro, tendo sido negligenciado, bem como a interpretação delas,
que foi ignorada. O conhecimento histórico, até pouco tempo atrás,
considerava as mulheres irrelevantes para a criação da civilização e
secundárias para atividades definidas como importantes em termos
históricos. Assim, o registro gravado e interpretado do passado da
espécie humana é apenas um registro parcial, uma vez que omite o
passado de metade dos seres humanos, sendo, portanto, distorcido,
além de contar a história apenas do ponto de vista da metade mas-
culina da humanidade (Lerner,2019, p.35).

As teorias tradicionalistas que fundaram o argumento da “assi-


metria sexual” como um fenômeno natural que justificava atribuições e
papeis diferenciados para homens e mulheres (LERNER, 2019) assim
como as crenças que argumentam em nome de Deus e da religião que
as diferenças biológicas determinam a divisão sexual do trabalho e na-
turalizam a desigualdade sexual e a dominação masculina se apoiam
no pressuposto de que, se a divisão sexual é observada em diferentes
sociedades humanas então deve ser fruto de planejamento divino.
Mas o que isso tem a ver com a coletânea Entre o Direito e o
Acesso: protoformas de saúde para mulheres lésbicas e bissexuais
em quatro municípios do Amazonas? Essa é uma coletânea sobre as
vivências de mulheres lésbicas e bissexuais na interface com a política
de saúde do Amazonas a partir de estudos e investigações realizadas por

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mulheres e homens cisgênero, transgênero e pessoas auto identificadas
como não binárias.
A coletânea coloca o “dedo na ferida” de um sistema de saúde
que se propõe universal e integral, mas que falha no acolhimento e na
garantia desse acesso quando não desvela a hegemonia heteronorma-
tiva. A manutenção da heterossexualidade como padrão hegemônico
repercute na qualidade do atendimento à saúde das mulheres lésbicas
e bissexuais revelando práticas profissionais da saúde impregnadas de
preconceitos e desinformação e por consequência evidencia a importân-
cia das lutas do movimento LGBTI+ e da sociedade por uma política de
saúde universal que atenda toda população de forma humana e integral.
Uma sociedade patriarcal e heteronormativa obstaculiza o de-
senvolvimento pleno das mulheres e por obvio, esses obstáculos se am-
plificam em relação a mulheres lésbicas e bissexuais. Especificamente
no acesso aos serviços de saúde, estudos tem apontado que há cons-
trangimentos, discriminação, preconceito, assédio e até violência física,
obstáculos que, pelas diferenças sexuais somados as condições socioe-
conômicas, geográficas, educacionais facilitam/dificultam esse acesso
(BROWN, et Al, 2024; ANDRADE Et Al, 2021).
Desde junho de 1969 quando gays, lésbicas, travestis e drag
queens se rebelaram contra a violência da polícia americana no que
ficou conhecido internacionalmente como Rebelião de Stonewall e
lançou as bases do movimento pelos direitos LGBT muitas foram as
vitórias, mas longo ainda é caminho a percorrer.
Nessa caminhada histórica essa obra pega pela mão e pelo co-
ração e adentra às experiencias das lutas dos movimentos LGBTI+ no
Amazonas as quais promoveram o nascimento de novas organizações
sociais e novas perspectivas de ativismo. Ao buscar as memórias das
pioneiras, a obra garante que essas lutas e seus frutos fiquem regis-
trados, sejam conhecidos e reconhecidos e, se, nossa humanidade se
expressa na nossa história e no conteúdo de nossas memórias, visitar e
preservar a história é mais do que homenagear os que nos antecederam,
é fortalecer o cordão que nos humaniza e liga uns aos outros.
Destaco na coletânea a centralidade nos desafios do acesso de
mulheres lésbicas e bissexuais à rede de saúde denunciando lacunas
importantes no princípio da universalidade. Destaque também para a
atenção as populações que residem em regiões afastadas, longe dos re-
cursos que de forma desigual estão localizados nas regiões mais urba-

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nizadas apontando os vazios assistenciais em saúde que expõem a po-
pulação, em especial as mulheres que são protagonistas desses artigos.
Estudos apontam que, para mulheres lésbicas e bissexuais o
atendimento em saúde, em especial a consulta ginecológica, é viven-
ciada como exposição tanto do corpo como das formas de ser e se
comportar que podem ser discriminadas nos atendimentos em saúde
(BARBOSA & FACHINI,2009), o que é reiterado nos artigos da cole-
tânea. A heteronormatividade presente na sociedade reflete nas práticas
profissionais e na forma como os serviços da rede são organizados com
repercussões no acesso e na qualidade do atendimento de segmentos da
população vistos como divergentes, discussão que fundamenta a cole-
tânea de forma potente e desafiadora. Essa lógica fragiliza o direito a
saúde com qualidade repercutindo na recusa de muitas mulheres lésbi-
cas e bissexuais em realizar o tratamento adequado ampliando índices
de doenças ginecológicas.
As/os autoras/es destacam ainda, a importância de adensar o co-
nhecimento e a compreensão das experiencias, sensibilidades e singu-
laridades de mulheres lésbicas e bissexuais conectando com o mundo
intersubjetivo. O reconhecimento das identidades sexuais pela socie-
dade em geral e especificamente nas políticas de saúde contribuirá na
prevenção de vulnerabilidades que se colocam na interseccionalidade
entre sexualidade, gênero, classe muitas vezes desencadeadas por abor-
dagens inadequadas.
Apontar essas lacunas e destacar a necessidade do reconheci-
mento da diversidade populacional configura essa coletânea como im-
portante recurso para o fortalecimento do SUS como um sistema de
saúde eficaz, participativo e inclusivo.
Finalmente, ao agradecer o convite para elaborar esse Prefácio,
parabenizo as autoras e autores e reitero a importância dessa Coletânea
que se caracteriza como uma produção consistente com plenas condi-
ções de subsidiar políticas de saúde destinadas a mulheres lésbicas e
bissexuais. São estudos e investigações rigorosas e sensíveis que, ao
tornarem visíveis essas mulheres e seus enfrentamentos promovem os
direitos “nem menos, nem mais. Direitos iguais!”

Maria Isabel Barros Bellini

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Referências

ANDRADE, H.M.; BERALDI, M.L.; MARTINS,E.L.; WILHEL-


M,L.A.. Vivência de Mulheres Cis Lésbicas Durante a Consulta
Ginecológica. Vol 07, N. 03 - Jun. - Ago., 2021.https://portalseer.ufba.
br/index.php/cadgendi
BARBOSA, R.M, FACCHINI, R. Acesso a cuidados relativos à saúde
sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres em São Paulo,
Cad. Saúde Pública 25 (suppl 2) • 2009
BROWN JL, PECHENY M, TAMBURRINO MC, CONDE LL, PER-
ROTTA GV, CAPRIATI A, ET AL. Gynecological care among lesbians
and bisexual women: notes on the situation in Argentina. Interface (Bo-
tucatu). 2014; 18(51):673-84.
BOLZAN, L.M. ONDE ESTÃO AS MULHERES? A HOMOGENEI-
ZAÇÃO DA ATENÇÃO À SAÚDE DA MULHER QUE FAZ USO
DE DROGAS. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Serviço Social-PUCRS, 2015. Repositório PUCRS:
Onde estão as mulheres?: a homogeneização da atenção à saúde da mu-
lher que faz uso de drogas
LERNER, G, 1920-2013 A criação do patriarcado: história da opressão
das mulheres pelos homens / Gerda Lerner; tradução Luiza Sellera. –
São Paulo: Cultrix, 2019
MALLEUS MALEFICARUM. O Martelo das Bruxas. Tradução:
Alex H.S. | site: www.marymad.awardspace.com Malleus Maleficarum
(unifap.br).
PRIORE, M. História das Mulheres no Brasil, Ed. Contexto,1997

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Sumário

Prefácio
Maria Isabel Barros Bellini
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Apresentação
Lidiany de Lima Cavalcante e Lucilene Ferreira de Melo
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SEÇÃO I
MULHERES, HISTÓRIA, POLÍTICAS E DIREITOS

Capítulo 1
Interfaces do acesso ao direito de saúde e a teoria do cuidado para mu-
lheres lésbicas e bissexuais
Denison Melo de Aguiar, Dária Barroso Serrão das Neves e
Márcia Cristina Nery da Fonseca Rocha Medina
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Capítulo 2
Entre ativismos e ativistas: fracionamento e pluralização dos movimen-
tos LGBTI no Amazonas (2004-2019)
Michele Pires Lima
- 37 -

Capítulo 3
Política de Saúde para Mulheres Lésbicas e Bissexuais: um direito para
todas?
Lidiany de Lima Cavalcante
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SEÇÃO II
ENTRE O DIREITO E O ACESSO:
OS RESULTADOS EM FOCO

Capítulo 4
Navegando na rede de atenção à saúde em Itacoatiara-Am: a hora e a
vez das mulheres
Aline dos Santos Atherly Pedraça e Lidiany de Lima Cavalcante
- 69 -

Capítulo 5
Sob os discursos de trabalhadores e trabalhadoras da saúde: o atendimen-
to às mulheres lésbicas e bissexuais no município de Manacapuru/Am.
Romulo Cardoso da Silva e Valéria Barbosa Soares
- 83 -

Capítulo 6
Acessos e desafios para mulheres usuárias das unidades básicas de saúde
-UBS’s: considerações do direito e projeções no atendimento humanizado
Aline dos Santos Pedraça, Daiany Cavalcante Ribeiro.
Roselayne Castro de Souza e Thaís Mirian Helena Pantoja Tarabossi
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Capítulo 7
O lugar de Perséfone na sociedade contemporânea: identidade sexual
de mulheres e o acesso à saúde na atenção básica
Ariadna Nunes Aguiar Batalha, Isadora Lima de Souza, Izabelle Cristi-
na Fragoso do Nascimento e Marcia Helena Nascimento Braga
- 109 -

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SEÇÃO III
A CONSTRUÇÃO NAS PERSPECTIVAS DE INCLUSÃO E RE-
CONHECIMENTO

CAPÍTULO 8
Entrando pelas portas dos fundos nos serviços de saude: a atenção pri-
mária a saúde de mulheres lésbicas e bissexuais em Manaus.
Helen Bastos Gomes, Márcia Irene Pereira Andrade Mavignier e
Evelyn Barroso Pedrosa
- 129 -

CAPÍTULO 9
A informação como estratégia de prevenção à violência institucional
contra mulheres
Lucilene Ferreira de Melo, Thamyres Alves Depietro,
Ruth Pereira de Melo e Fernanda Arruda de Oliveira
- 155 -

Sobre os/as autores/autoras


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Apresentação
Esta obra é fruto de uma trajetória de reflexão sistemática que
o Laboratório de Estudos de Gênero/LEG/UFAM, vem desenvol-
vendo por meio de debates e investigações por seus membros, em
especial, a pesquisa “Entre o Direito e o Acesso: protoformas no
acesso a saúde de mulheres lésbicas e bissexuais em quatro muni-
cípios do Amazonas”, sob a coordenação da Dra. Lidiany de Lima
Cavalcante, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Es-
tado do Amazonas – FAPEAM, por meio do Edital nº 006/2019 –
Programa Universal Amazonas.
O objetivo geral do projeto consistiu em investigar como se
efetiva o direito, o acesso e a atenção à saúde para mulheres lésbicas
e bissexuais na rede básica de saúde, a partir do olhar de usuárias
e profissionais, nos municípios de Manaus, Parintins, Itacoatiara e
Manacapuru. O destaque dos municípios refere-se ao fato de esta-
rem como os mais populosos do Estado do Amazonas. Os objetivos
secundários proporcionaram mapear a rede de atenção básica em
Saúde nos quatro municípios; identificar a existência de programas
de atenção à saúde das mulheres e as peculiaridades quanto ao aces-
so e atendimento de mulheres lésbicas e bissexuais; caracterizar o
cotidiano de atuação dos profissionais junto aos sujeitos da pesquisa,
assim como as particularidades no atendimento e conhecer os desa-
fios das mulheres lésbicas e bissexuais no que se refere ao direito,
acesso e permanência aos programas da atenção básica de saúde.
A mencionada pesquisa foi realizada entre 2020 e 2022, nesse
sentido, não se pode olvidar, o contexto ultra desafiador da pande-
mia da Covid-19, em que foi efetivada, tornando ainda mais urgente
e necessária a socialização da reflexão da temática em tela envolven-
do análise concreta da política pública de saúde, direito e acesso de
mulheres lésbicas e bissexuais. Das reflexões realizadas a partir do
resultado da pesquisa foram produzidos textos dos/das pesquisado-
res/pesquisadoras para a presente coletânea.
Esta coletânea, além do prefácio, esta apresentação e a intro-
dução, contempla 3 seções e 9 capítulos. Entre os autores/as estão os

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pesquisadores do Laboratório de Estudos de Gênero/LEG/UFAM,
mas outros pesquisadores que orbitam em torno da temática foram
convidados a trazerem suas contribuições, tais como, docentes da
Universidade do Estado do Amazonas – UEA, docentes do Depar-
tamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas,
docentes, discentes e egressos do Programa de Pós Graduação em
Serviço Social – PPGSS/UFAM, ainda participam como autores/
as: pós-graduandos do Programa de Pós graduação em Sociedade e
Cultura na Amazônia/UFAM, do Programa de Ciencias de la Educa-
ción- Facultad Interamericana de Ciencia Sociales -FICS/Paraguai e
do Instituto Integralize de Educação Superior – IESLA.
O conteúdo da obra traz como problemática central o direito
à saúde das mulheres lésbicas e bissexuais no contexto amazonense.
Problematiza, por um lado, a Política de Saúde com foco na inclusão
de mulheres lésbicas e bissexuais na atenção básica em municípios
do interior da Amazônia, e, por outro, o atendimento realizado na
visão dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde na respectiva rede
de atenção.
Constata-se na abordagem dos/as autores/as a necessária efe-
tividade da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais, conforme seus preceitos, dire-
trizes e objetivos, demandando do compromisso da esfera pública,
nos diferentes níveis governamentais, para qualificar e operaciona-
lizar o serviço público de saúde com o devido reconhecimento das
especificidades do segmento, sobretudo das mulheres lésbicas e bis-
sexuais aqui tratadas em destaque.
Sabe-se que a Universidade propicia interlocução, debate e
intercâmbio da produção intelectual, tal pressuposto é contemplado
nesta coletânea, pois traz a contribuição de diferentes intelectuais
vinculados/as a diferentes instituições que mais do que produzir e
disseminar conhecimento unem-se em prol da promoção do Direito
e acesso à saúde para mulheres lésbicas e bissexuais e, da população
LGBTQI+, somando forças também pela eliminação de toda forma
de violência, preconceito e discriminação às pessoas com identida-
des sexuais e de gênero dissidentes.

Lidiany de Lima Cavalcante


Lucilene Ferreira de Melo

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SEÇÃO I
Mulheres, História, Políticas e Direitos

- 21 -
- 22 -
CAPÍTULO 1

INTERFACES DO ACESSO AO DIREITO


DE SAÚDE E A TEORIA DO CUIDADO
PARA MULHERES LÉSBICAS E
BISSEXUAIS
Denison Melo de Aguiar1
Dária Barroso Serrão das Neves2
Márcia Cristina Nery da Fonseca Rocha Medina3

Introdução
Há interfaces do acesso ao direito de saúde e a teoria do cui-
dado para mulheres lésbicas e bissexuais que podem ser um instru-
mento para promoção do Direito Humano à saúde para esta popula-
1 Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia. Advogado. Mestre em Direito Am-
biental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado
do Amazonas (PPGDA-UEA). Professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Estado
de Minas Gerias (PPGD- UFMG). Coordenador da Clínica de Direito LGBT (CLGBT-UEA).
Co-coordenador de: i. Programa - Rede de ensino, pesquisa, extensão e assistência de combate
a lesbofobia, homofobia, bifobia e transfobia (LGBTFOBIA+); outras fobias e assédios, pela
cultura de paz e pelo respeito à pessoa humana, na Universidade do Estado do Amazonas
(PROPAZ- UEA) e II. Núcleo de ensino, pesquisa, extensão e assistência à saúde integral
de LGBTI+ da Universidade do Estado do Amazonas (NLGBTI+-UEA). E-mail: denisona-
guiarx@gmail.com; daguiar@uea.edu.br
2 Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Amazonas (1994). Especia-
lização em Tocoginecologia na Maternidade Climério de Oliveira pela Universidade Federal
da Bahia (1995). Residência Médica em Ginecologia -Obstetrícia pela Universidade Federal
do Amazonas (1998). Especialização em Reprodução Humana pela Faculdad Mexicana de
Medicina - Universidade La Salle (1999). Residência Médica em Biologia de la Reproducción
Humana no Instituto Nacional de Ciências Médicas y Nutrición Salvador Zubirán - Univer-
sidad Autonôma del México - UNAM (2001). Mestrado no Programa de Pós-Graduação em
Medicina Tropical e Doenças Infecciosas, linha de pesquisa em IST (2015). Professora do
curso de Medicina na Universidade do Estado do Amazonas. Coordenadora do Serviço de
Ginecologia Endócrina e Preceptora do Programa de Residência Médica da Maternidade Ana
Braga/Universidade do Amazonas (MAB-UEA). Coordenadora do Ambulatório Diversidade
Sexual e Gênero-Processo Transexualizador na Policlínica Codajás. E-mail: dbsneves@uea.
edu.br; daria_neves@hotmail.com
3 Professora do curso de Direito da Universidade do Estado do Amazonas. Coordenadora do
Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho da Universidade do Estado do
Amazonas. Mestra em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Doutora
em Administração pelo FEA-USP. Vice-líder da Clínica de Direito LGBT da Universidade do
Estado do Amazonas. Presidenta da Seção Sindical dos Docentes da UEA. Representante da
Escola de Direito no Conselho Universitário da Universidade do Estado do Amazonas. Conta-
to: mcmedina@uea.edu.br mcmedina@uea.edu.br medina_adv@hotmail.com

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ção em específico. Quando se trata de instrumentalização do Direito
ao acesso à saúde para mulheres lésbicas e bissexuais, vale-se do
contexto histórico e social das quais estas estão inseridas, como o
perfil de violência, preconceito, discriminação, machismo, misogi-
nia, heterocisnormativismo, dentre outras causas de vulnerabilida-
des, vulnerabilizações e até mesmo, das interseccionalidades. Assim
sendo, para se pensar na promoção do Direito Humano à saúde des-
tas, tem-se que obrigatoriamente considerar tais fatos e aspectos.
Neste contexto, o objetivo geral deste capítulo é descrever como
pode ocorrer a promoção do Direito Humano à saúde para mulheres
lésbicas e bissexuais no contexto de interfaces do acesso ao direito
de saúde e a teoria do cuidado. Esta abordagem é importante, pois a
promoção de saúde, como um Direito Humano, tem que ser pensada
de forma aplicada, ou seja, de forma que torne o direito determinado
e embasado na legislação, uma política pública. Logo, a importância
social deste tema está na aplicação específica desta população.
Neste âmbito, o problema de pesquisa pode ser sintetizado
no seguinte: Como as interfaces do acesso ao direito de saúde e a
teoria do cuidado para mulheres lésbicas e bissexuais podem contri-
buir para a promoção do Direito à saúde, na condição de um Direito
Humano e de políticas públicas desta população? A hipótese pode-
-se tecer a partir deste questionamento e ser validada no seguinte:
Ao se considerar as interfaces do acesso ao direito de saúde, como
vulnerabilidades, e interseccionalidades, bem como, a aplicação da
teoria do cuidado para mulheres lésbicas e bissexuais, pode-se che-
gar próximo à promoção do Direito Humano da saúde como uma
política pública.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica com o
levantamento de literatura. Inicialmente, foi feito o levantamento
de artigos científicos sobre saúde à pessoa, mulheres lésbicas e bis-
sexuais, bem como, suas interfaces; posteriormente foi feito um le-
vantamento de marco legal e possíveis políticas públicas sobre o
tema. A abordagem técnica utilizada é a pesquisa crítica, na qual
vislumbra as causas da violação de direito ao acesso à saúde das mu-
lheres lésbicas e bissexuais. Por fim, foi feita uma relação temática
pensando nas políticas públicas.
Ao se tratar das seções deste capítulo, se seguirá o encandea-
mento lógico de acesso à aplicação de saúde às mulheres lésbicas

- 24 -
e bissexuais. No primeiro momento, há de se pensar neste direito a
partir da Constituição da República Federativa do Brasil, bem como
das relações desta com o marco legislativo sobre a saúde, incluído
neste interim, a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, onde a saúde é um direito
humano. A partir deste contexto, refletir a promoção de acesso à saú-
de das mulheres lésbicas e bissexuais perpassa características funda-
mentais e essenciais como a saúde pensada a partir das vulnerabili-
zações e interseccionalidades desta população. Por isso, este acesso
ser refletido a partir e por meio das mulheres lésbicas e bissexuais.

2. Direito ao acesso à saúde para mulheres lésbicas e bisse-


xuais

A Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL,


1988) determina nos artigos 196 a 200, o Direito à saúde. De manei-
ra geral, este um Direito social do povo, do qual o Estado tem como
Dever social e econômico, obrigando-o a tornar Política Pública em
todos os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito
Federal), ou seja, efetivá-lo; obedece a vários princípios generali-
zantes da mesma forma: acesso universal e igualitário considerando
as ações para sua promoção, proteção e recuperação (CRFB, 1988,
art. 196, caput). Por fim, cabe destacar que o Estado, por meio dos
seus entes federativos, possui competência administrativa concor-
rente, isto é, os entes federativos exercem simultaneamente a mesma
matéria por mais de uma autoridade ou órgão (CRFB, art. 200, caput
e incisos).
A CRFB/1988 segue a determinação legal do Direito ao aces-
so à saúde como um Direito Humano. Este está determinado na De-
claração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (OAS), no artigo
XXV, no qual define que todo ser humano tem direito a condições
que lhe permite ter uma vida capaz de assegurar a pessoa humana e
sua família, saúde e bem-estar, o que inclui os direitos sociais como
direito à alimentação adequada, vestuário, habitação, dentre outros.
Isso significa que o direito à saúde não é só um direito à cura de
doenças, mas também a ter a possibilidade e promoção de qualida-
de de vida. Por fim, o Direito humano à saúde não é dissociado da
igualdade entre as pessoas, enquanto princípio jurídico.

- 25 -
A partir deste marco legal há leis específicas à população
LGBTQIA+: 1. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, instituída pela Portaria nº
2.836, de 1º de dezembro de 2011 (BRASIL, 2011) e 2. Portaria N°
859, de 30 de julho de 2013 (BRASIL, 2013), redefine e amplia o
Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde – SUS, com
efeitos suspensos pela PRT GM/MS n º 1579 de 31 de julho de 2013,
da Portaria nº 2.803, de 19 de novembro de 2013 (BRASIL, 2013b).
Dessa forma, até esse momento histórico, a legislação de saúde às
mulheres lésbicas e bissexuais, está inserida nesta política e não é
específica, em que pese, ter uma Política Nacional de Atenção Inte-
gral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004), com enfoque às mulheres
heterossexuais, em especial à saúde reprodutiva destas.
Diante desse exposto, pode-se aferir que não há uma legisla-
ção específica para a promoção e acesso à saúde das mulheres lésbi-
cas e bissexuais. Isso significa que é um caso de omissão política do
legislativo da República, que mostra um quadro de inviabilização,
invisibilidade e total abandono relacionado a essa população. Vale
salientar que, a legislação sobre a saúde da população LGBTQIA+
está centrada no processo transexualizador de uma população tam-
bém marginalizada, invisibilizada que são as Transgêneros. Assim, a
situação é de abandono em relação à população de mulheres lésbicas
e bissexuais em relação à promoção e acesso à saúde, o que consta-
ta as vulnerabilizações, interseccionalidades e invisibilidades desta
população em específico.
Essa omissão do Estado em fomentar políticas públicas signi-
ficativas para a população de mulheres lésbicas e bissexuais está ali-
nhada a um projeto higienista que conta com a colaboração de várias
instituições, inclusive no meio da saúde. Assim sendo, há um desafio
histórico: ser sujeito neste sistema de sujeição. A “sinergia de vulne-
rabilidades” (PARKER, 2000) ampara-se na fragilidade constitutiva
de ações constituídas ao enfrentamento destas discriminações, assim
como de políticas públicas destinadas às necessidades básicas deste
segmento.
As mulheres lésbicas e bissexuais são sujeitos com identi-
dades de gênero e orientações sexuais variadas sobrevivem a ani-
quilamentos e discriminações cotidianas, opressões que se entre-
cruzam nas diversas dimensões. Nessa realidade há a precariedade

- 26 -
social com suas diversas faces: nas relações familiares, escolares,
no mercado do trabalho, no acesso aos serviços públicos de saúde e
na própria condição de existência (SANTOS, 2019). As violências
apresentadas então em todos os âmbitos da existência, ou seja, insti-
tucionalizada pelo Estado e no âmbito social também.

3. Entre vulnerabilidades, vulnerabilizações, interseccionali-


dades e invisibilidades aplicadas ao acesso à saúde da popula-
ção de mulheres lésbicas e bissexuais

As vulnerabilidades, vulnerabilizações, interseccionalidades


e invisibilidades contra a população de mulheres lésbicas e bisse-
xuais são violências e violações de Direitos Humanos contra essa
população. Estas são causas e consequências dos preconceitos, dis-
criminações, misoginia, machismo institucionalizadas e característi-
cas da vida em sociedade como valores e crenças que jamais podem
ser normalizadas e naturalizadas, pois acabam por violar os direitos
e garantias fundamentais no acesso à saúde das mulheres lésbicas e
bissexuais. Por isso se faz necessário sair de uma lógica de violência
para uma lógica de cuidado e acolhimento, isso só sendo possível
por meio de políticas públicas de saúde especializada.
Entende-se por vulnerabilidade uma dinâmica de interdepen-
dências recíprocas que exprimem valores multidimensionais, como
biológicos, existenciais e sociais, no qual se evidencia uma situação
que restringe as capacidades relacionais de afirmação no mundo, in-
cluídas as formas de agência social, gerando fragilização (OVIEDO
et al, 2015, p. 246), ou seja, são situações nas quais há insegurança.
Neste processo as vulnerabilizações são atos, fatos e posturas sociais
que fazem com que determinados grupos fiquem ou sejam levados
ao estado de vulnerabilidades, em especial, por serem hipossuficien-
tes no plano econômico (JANCZURA, 2012, p. 301).
Já interseccionalidade tem como objeto a investigação de
como as relações interseccionais de poder influenciam as relações
sociais nas sociedades marcadas pela diversidade, ademais, como as
experiências individuais na vida cotidiana se apresentam. Na con-
dição de ferramenta analítica, a interseccionalidade considera raça,
classe, gênero, orientação sexual, racionalidade, dentre outras, como
condição inter-relacionadas e moldada mutuamente onde “a inter-

- 27 -
seccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade
do mundo, das pessoas e das experiências humanas (COLLINS et al,
2021, p. 15-16). Complementarmente, “a interseccionalidade é vista
como uma das formas de combater as opressões múltiplas e imbri-
cadas, e, portanto, como um instrumento de luta política” (HIRA-
TA, 2014, p. 69). Com isso, interseccionalidade é a capacidade de
compreender que as desigualdades sociais se somam para replicar
formas explicitas de violências e subordinações contra determinadas
populações, como as mulheres lésbicas e bissexuais (MELLO et al,
2014, p. 168-169).
Por fim, invisibilidades são formas pelas quais as mulheres
lésbicas e bissexuais não são vistas ou são invisibilizadas em decor-
rência do gênero e orientação sexual que possuem e são colocadas
em xeque em decorrência dessas características, o que proporcio-
nam não conseguirem efetivar seu direito ao acesso à saúde de ma-
neira humanística. Uma das evidências mais explicitas destas invi-
sibilidades é que mulheres lésbicas e bissexuais “não são apoiadas,
por parte dos profissionais, no campo da atenção integral à saúde da
mulher, a verbalizar suas orientações sexuais quando buscam assis-
tência” (VALADÃO et al, 2011, p. 1463), o que produz uma exclu-
são e violência simbólica, mesmo que os programas governamentais
preconizarem o contrário. Assim, a violação do Direito Humanos à
saúde se faz evidente.
Trata-se desse modo, das relações interseções para a prática
de violências especificas e endógenas contra as mulheres lésbicas e
bissexuais. Esta violência é baseada em: 1. vulnerabilidades e vul-
nerabilizações, quando as mulheres lésbicas e bissexuais estão ou
são colocadas em situação de fragilidade e hipossuficiência; 2. In-
terseccionalidade, pois possuem vários fatores que as colocam em
situação de desigualdade social, em decorrência do gênero, ao mes-
mo tempo que é um instrumento analítico para ser uma forma de luta
política e por fim, 3. Invisibilizadas, quando até em suas orientações
sexuais não são consideradas ou inviabilizadas em decorrência des-
tas características.
A violência pode ser observada como um dos produtos resul-
tantes da interação social, ao mesmo tempo que são derivadas do
poder exercido de maneira coercitiva. Estas são utilizadas por meio
de padrões culturais que são reproduzidos e/ou impostos socialmen-

- 28 -
te, de maneira heterocisnormativa e que levam a danos físicos, psi-
cológicos, mentais ou morais. De acordo com Minayo (2006), esses
eventos podem ser considerados, conforme as normas vigentes, e ter
sua manifestação socialmente aceita ou condenada.
Dentro dessa realidade de violência a Organização Mundial
de Saúde (2002) classifica a violência em: 1. Violência coletiva:
aquela que está ligada, de forma, intrínseca, a dominação de grupos
e estados; 2. Violência autoinfligida: quando está ligada ao suicídio
e/ou auto abusos e 3. Violência interpessoal: relacionada a violência
comunitária e familiar. Para além destas, Minayo (2006) inclui a
violência estrutural. Essa última está relacionada aos processos so-
ciais, econômicos e políticos, e que são aplicáveis à vulnerabilidade
e violência contra mulheres lésbicas e bissexuais e suas famílias; é
caracterizada por ser aceita de forma velada, quase que encoberta,
isto é, traz o tema para o contexto social, para a cultura de um povo
e para as regras instituídas pela sociedade. Essas categorias facili-
tam a constatação de que o Direito ao acesso à saúde ainda é uma
impossibilidade de ser efetivado e uma forma de violação do Direito
Humano à saúde.

4. Por uma teoria do cuidado para o direito ao acesso de saú-


de das mulheres lésbicas e bissexuais

Pensar e efetivar um atendimento como forma de promoção


de acesso à saúde das mulheres lésbicas e bissexuais é se posicionar
diante de uma mudança de paradigma social e cultural, qual seja, da
lógica da violência (preconceito, discriminação, misoginia, machis-
mo etc.) para uma lógica de acolhimento e cuidado. Vale salientar e
é importante destacar que: “os direitos à identidade e à liberdade de
orientação sexual estão inseridos no conteúdo de tutela da dignidade
da pessoa, pois não se cogita falar em autonomia ético-existencial se
não for dado ao indivíduo sequer o direito ao livre desenvolvimento
de sua personalidade” (MENEZES e OLIVEIRA, 2009, p. 123), ou
seja, o atendimento é pensando como forma de promoção da cidada-
nia das mulheres lésbicas e bissexuais. O atendimento é um meio de
cuidado e respeito à individualidade.
Conforme Costa, Ludemir e Avelar (2009), a violência ocu-
pa uma posição de destaque ao se tratar de saúde coletiva. A saúde

- 29 -
das mulheres lésbicas e bissexuais tem que ser pensadas e refletidas
na perspectiva das ações de promoção, prevenção, e atenção médi-
ca, a partir e por meio das endogenias e especificações, bem como,
analogicamente, sair da dimensão individual para a coletiva num
movimento de cultura pela paz e de respeito por elas, bem como, a
implantação de programas específicos dirigidos a esse grupo popu-
lacional. É buscar a construção da cidadania e observar as necessi-
dades coletivas e individuais da população de mulheres lésbicas e
bissexuais.
Para pensar na melhoria do acesso e do atendimento dos
serviços de saúde é percebível a necessidade de um diálogo com
a Política Nacional de Saúde Integral LGBT (2013), no que tange
ao reconhecimento de vulnerabilidades e atendimento livre de pre-
conceito. O diálogo é um instrumento de promoção de acesso ao
Direito de saúde das mulheres lésbicas e bissexuais, pois estabelece
uma relação amena para que essas mulheres se sintam à vontade e
seguras para assumir sua orientação sexual. Há de se pensar em dar
voz as mulheres lésbicas e bissexuais no que tange saúde delas, em
especial considerando que apresentam vulnerabilidades, vulnerabi-
lizações, interseccionalidade potencializadas por um atendimento
inadequado. Se faz necessário o acolhimento dessas características
para pensar num atendimento com forma de promoção do Direito
Humano à saúde (DA SILVA, 2022).
O atendimento com base no cuidado e no acolhimento das
mulheres lésbicas e bissexuais não podem produzir exclusão e vio-
lência simbólica. Neste processo de pensar o atendimento como
forma de instrumento de promoção de Direitos Humanos, há a pos-
sibilidade de transformação dessas práticas de violações de Direito
a partir da aliança entre: 1. os agentes do campo da política, 2. Agen-
tes do campo da ciência e 3. dos movimentos sociais interessados
nas modificações necessárias para colocar esta temática em pauta
nos discursos e, até mais importantes, nas práticas da atenção à saú-
de das mulheres lésbicas e bissexuais. Para tal, se faz necessário ter
investimentos na formação dos profissionais de saúde, com compe-
tências técnicas para lidar com as diversidades e possam ser agentes
sociais nas práticas de atendimento humanizado e de boas práticas
de saúde voltadas para a diversidade da sexualidade (VALADÃO et
al, 2011, p. 1464).

- 30 -
Logo, pensar nestes usos, é pensar no reconhecimento a esta
existência e renegar os estigmas pautados contra as lésbicas e as
bissexuais. Há de considerar que este pensar envolve medos, dis-
criminações cotidianas, invisibilidades institucionais, experiências
e angústias, e outros práticas violentas, que muitas vezes são pouco
compartilhadas socialmente (FERNANDES et al, 2018, p. 43), além
disso é salientar que: “Lutamos, para que o Poder Público, de forma
articulada, garanta direitos iguais na sua integralidade, para todas as
pessoas, além de promover o reconhecimento e o respeito às dife-
renças e as diversidades humanas. Lutamos pela transformação do
Brasil, para que seja um país mais inclusivo e justo” (FERNANDES
et al, 2018, p. 45).
A invisibilidade, vulnerabilizações, vulnerabilidades e inter-
seccionalidade das mulheres lésbicas e bissexuais inserida no siste-
ma de saúde é um problema que causa violações contra estas. Valen-
do-se destas constatações, há de se pensar como serão efetivados os
direitos ao acesso à saúde das mulheres lésbicas e bissexuais. Um
dos exemplos é pensar e elaborar uma proposta de um protocolo
de atendimento às essas mulheres na Atenção Básica como forma
de contribuição eficaz e positiva para a mudança desse quadro. O
primeiro desafio para a elaboração desse protocolo é a incipiência
de base para tal, pois, não dá para ter como base a Política Nacional
de Saúde da mulher, uma vez que não respeitam as características
endógenas e específicas à saúde das mulheres lésbicas e bissexuais
(VALADÃO et al, 2011, p. 1465).

Considerações finais

As interfaces do acesso ao direito de saúde podem ser con-


sideradas como as vulnerabilidades, vulnerabilizações, interseccio-
nalidades e invisibilidades contra a população de mulheres lésbi-
cas e bissexuais, ao mesmo tempo que a teoria do cuidado pode
ser um instrumento para considerar as endogenias e especificações
para a promoção do direito humano à saúde às mulheres lésbicas
e bissexuais. Essas interfaces se relacionam intrinsecamente contra
a referida população, das quais o são por vários motivos, institu-
cionalizados pela heterocisnormatividade social, com base social de
preconceitos, discriminações, misoginia e machismo que assolam a

- 31 -
dignidade das mulheres lésbicas e bissexuais. Assim sendo, quando
se trata de atendimento e repercussões às mulheres lésbicas e bisse-
xuais, se trata de efetivações do Direito Humano à saúde.
Ao se voltar para o questionamento: como as interfaces do
acesso ao direito de saúde e a teoria do cuidado para mulheres lés-
bicas e bissexuais podem contribuir para a promoção do Direito à
saúde, na condição de um Direito Humano e de políticas públicas
desta população? Temos que dividir a resposta em duas categorias.
Numa primeira categoria se considera somente as interfaces
do acesso ao direito de saúde, como vulnerabilidades, vulnerabili-
zações, invisibilidades e interseccionalidades que acabam por ser
evidências reais de como a violação do Direito Humano à saúde se
efetiva, bem como a complexidade destes ocorrem, por esse motivo
deve ser necessário compreender a partir das complexidades sociais
e por fim, combater. Outro aspecto importante é ter a convicção de
que estas interfaces que proporcionam as violações de Direitos Hu-
manos se relacionam e muitas das vezes são normalizadas e naturali-
zadas no meio profissional e no meio social, assim isso proporciona
uma replicação de comportamento violento, o que prejudica todo o
processo de promoção do Direito Humano à saúde.
Numa segunda categoria de possível resposta, a aplicação da
teoria do cuidado para mulheres lésbicas e bissexuais pode-se che-
gar próximo à promoção do Direito Humano da saúde como uma
política pública somente quando os profissionais de saúde tiverem
formação humanizada para o atendimento desta população especí-
fica e, ao mesmo tempo, que houver uma política nacional de saúde
endógena e especifica, ou seja, que as considerem nas suas dignida-
des humanas.
Para tanto, se faz necessária uma mudança de racionalidade,
de uma lógica de violência para uma lógica de cuidado e acolhi-
mento, com promoção da cultura de paz e dos Direito Humanos. Na
abordagem de um atendimento de cuidado e acolhimento, há de se
considerar a saúde como promoção da cidadania, do acolhimento de
cada individualidade, das identidades de gêneros e das orientações
sexuais a partir da dignidade das mulheres lésbicas e bissexuais, ou
seja, do acolhimento e cuidado, sem juízo de valor e respeitando
cada uma. Por fim, é importante se destacar que, só poderá haver
esta outra abordagem, quando se trata de mulheres lésbicas e bisse-

- 32 -
xuais, quando a sociedade e os profissionais envolvidos estiverem
num processo de mudança histórico-cultural de acolhimento, cuida-
do e cultura de paz.

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- 35 -
- 36 -
CAPÍTULO 2

ENTRE ATIVISMOS E ATIVISTAS:


fracionamento e pluralização dos
movimentos LGBTI no amazonas
(2004-2019)
Michele Pires Lima1
1.Introdução

Vivenciamos recentemente um momento de retrocesso acerca


da cidadania sexual, uma afronta à história de lutas e conquistas
que o movimento social LGBTI+ brasileiro vem protagonizando em
vista da violação dos Direitos Humanos há décadas. Neste capítu-
lo buscou-se historicizar as experiências de luta por cidadania de
Gueis2, Lésbicas, Travestis e Transexuais no Amazonas, entre 2004
e 2019, analisando algumas ações de lideranças que contribuíram
para o desenvolvimento de novas organizações sociais e novas pers-
pectivas de ativismo, em seguida, se abordado mais especificamente
acerca da fundação da primeira associação de/para travestis, transe-
xuais e transgênero a partir das memórias narradas pelas pioneiras.
Para compreender como o movimento social LGBTI+ ama-
zonense chegou a ser o que é, é importante lembrar do Grupo Gay
do Amazonas (GGA), criado em 1992, enquanto uma instituição
fundante do movimento homossexual, aglutinador das homossexua-
lidades e das suas reivindicações no Estado. Com o impacto da epi-
demia da Aids, a crise econômica e de empregos que o Amazonas
vivenciou nos anos 90, o GGA e o Movimento de Luta contra a Aids
1 Possui Licenciatura em História e Mestrado em História Social. Atualmente está Doutoran-
da em História Social pela Universidade Federal do Amazonas/UFAM. Integra o Laboratório
de Estudos de Gênero/UFAM, o Grupo de Estudos Históricos do Amazonas/GEHA/UEA.
Coordena o GT de Estudos de Gênero da Associação Nacional de História/ANPUH – Seção
Amazonas. Tem experiência no campo da História Oral e Memória, História das Transexu-
alidades e Travestilidades, História dos Movimentos Sociais, História das Mulheres e das
Relações de Gênero e Sexualidade e Estudos Decoloniais.
2 Utilizo o termo “guei” e não gay com o intuito de desvencilhar de palavras e conceitos anglo-
saxões, percebendo a importância da valorização das línguas e dialetos latino-americanos.
Para isso, cito o canônico trabalho de TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso: a
homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 4ª ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

- 37 -
(AMAVIDA) se tornaram importantes instrumentos de disseminação
de conhecimento acerca da prevenção e dos mecanismos de trata-
mento da infecção, além de mobilizadores de pesquisa sobre o HIV/
Aids entre as trabalhadoras e trabalhadores do sexo, em Manaus, por
exemplo (QUEIROZ, 1999, p. 64.).
Já no século XXI, percebe-se “(...) uma ruptura com o pa-
drão de baixa abertura política predominante na esfera federal até
então”, passando a “mobilizar e assimilar identidades ‘minoritárias’
em seu leque de investimentos, alianças estratégicas e coalizões par-
tidárias”. Pudemos acompanhar também a fundação de fóruns, coor-
denadorias, conselhos municipais e estaduais com a finalidade de
“propor, executar e/ou fiscalizar a adoção de políticas públicas para
grupos minoritários” (ARAÚJO, ADRIÃO, 2017, p. 9) (MACHA-
DO; et.al, 2015, p. 35-36).

2.Fracionamento e desenvolvimento de “novas” organizações


sociais LGBTI+

Na primeira década do século XXI, Manaus presenciou a


formação de novos movimentos sociais identitários idealizados no
cerne da Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis
(AAGLT). Assim, se particularizou as demandas sociais cujos repre-
sentantes das “novas” mobilizações de lésbicas, travestis e garotos
de programa romperam o cordão umbilical – não definitivamente –
com a AAGLT, entre 2004 e 2005.
Para compreender historicamente esta conjuntura de fracio-
namento, pluralização e desenvolvimento das entidades LGBTI+ na
cidade, me apoio no projeto Nova Cartografia Social da Amazônia,
especialmente o fascículo nº 25, intitulado Movimento de Lésbicas,
Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT) – Manaus/Amazonas.33 Nesta
3 O projeto Nova Cartografia Social da Amazônia está vinculado à Universidade Federal do
Amazonas e à Universidade do Estado do Amazonas, tendo existência desde 2005 sob a co-
ordenação do Doutor Alfredo Wagner Berno de Almeida. Tal projeto objetiva mapear pontos
de sociabilidade e de elevada importância para os “(...) Povos e Comunidades Tradicionais
na Amazônia [... privilegiando] tanto a diversidade das expressões culturais combinada com
distintas identidades coletivas objetivadas em movimentos sociais”. Até o presente momento
foram produzidos pelos membros das comunidades e pelos/as pesquisadores/as cerca de 176
fascículos em diferentes contextos e territorialidades por todo o Brasil, significando que o
projeto Nova Cartografia Social da Amazônia se consolidou como um projeto necessário e
extremamente importante para visibilidade de grupos e sujeitos subalternizados. Disponível
em: http://novacartografiasocial.com.br/fasciculos/. Acesso em: 03 jul. 2021.

- 38 -
edição, a equipe conduzida pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno
de Almeida, junto com os movimentos sociais organizados, produ-
ziram um material ambicionando mapear “(...) os pontos considera-
dos de grande importância para os movimentos sociais”. Mas não
somente isso, pois no documento as narrativas das lideranças do
movimento LGBTI+ amazonense expressam sentimentos, desejos,
angústias e as lutas por reconhecimento das suas identidades sociais
e das demandas da comunidade de destino. Como pondera o antro-
pólogo brasileiro Esmael Alves de Oliveira, houve: “(...) todo um
cuidado para que a produção tenha a ‘cara’ dos movimentos sociais:
suas lutas, suas reivindicações, suas dificuldades, enfim, a vida do
movimento social em si” (OLIVEIRA, 2009, p. 48-49).
Elegi, assim, o vigésimo quinto fascículo do PNCS como
fonte para apreendermos a historicidade e as memórias das insti-
tuições sociais em rede que abriram malhas e cimentaram os cami-
nhos para o associativismo LGBTI+ no presente. Nesse sentido, os
movimentos sociais e seus representantes-participantes do projeto à
época foram: Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis
(AAGLT), presidida por Bruna La Close; Associação de Travestis
do Amazonas (ATRAAM), representada por Weydman Henriques;
Movimento Lésbicas Manaus (MLM) tendo como presidenta Li-
diany Cavalcante; Associação GLBT Orquídeas, representada por
Fabrício Nunes; e, por fim, ], coordenada por Francisco Nery (ME-
NEZES; et. al, 2009, p.1).44
As narrativas cedidas pelos/as ativistas ao projeto apresentam
reflexões acerca da relevância dos movimentos sociais identitários.
E, num lance de retrospecção, o ativista Francisco Nery lembra que:

Para falar de movimento LGBT no Estado do Amazonas, a gente


não pode esquecer do Adamor Guedes. Afinal de contas, há 15 anos
atrás o Adamor deu esse pontapé inicial aqui no Amazonas. Um dos
grandes projetos dele era de estar implementando as ações nos mu-
nicípios do Estado do Amazonas. (...) Então o Adamor começou por
Manacapuru, uma das primeiras Paradas Gay aconteceu em agosto
e o Adamor foi assassinado em setembro de 2005, um mês depois
da parada. Aí ficou um grande legado que seria as outras pessoas
que estavam ao lado dele (...) (MENEZES; et. al, 2009, p.4).

4 A Associação Garotos da Noite foi fundada em 2006, tendo inicialmente como público
específico garotos de programa; posteriormente houve ampliação das categorias prioritárias,
como Trabalhadores e Trabalhadoras do Sexo e Pessoas LGBT. Ainda promove encontros e
palestras em torno da saúde e dos direitos humanos.

- 39 -
A institucionalização da figura de Adamor foi evidenciada por
meio da narrativa de Nery. Com justiça, a construção da memória
dele se encontra naquela personagem, pois a considerou pioneira
nas primeiras mobilizações por Cidadania e direitos para população
LGBTI+, como também pela recognição social, evidenciando com
isso que “o processo de reconhecimento é lento e aparece como de-
manda que pode ser visualizada ou envolta no ostracismo absoluto”
(CAVALCANTE, 2015, p. 131).
O ostracismo do direito à identidade e a cidadania para a co-
munidade LGBTI+ configurou, por muito tempo, uma realidade, um
fato, cujos movimentos sociais tiveram/têm papel fundamental na
somatização e sistematização das necessidades, haja vista a socieda-
de de direito que estiveram/estão inseridos. A assistente social brasi-
leira, Lidiany Cavalcante, pondera que, no tempo presente, mesmo
diante da discriminação e de preconceitos “(...) o Brasil assistiu a
um cenário de avanços. Os direitos previdenciários no que se refe-
re à dependência do parceiro/a foi concretizada. O direito ao casa-
mento civil, divórcio, dissolução de união estável, partilha de bens,
direito de guarda e convivência (...)”. Ou seja, exigências históricas
das redes de mobilizações LGBTI+ que somente nesse século fo-
ram atendidas com muita pressão dessas entidades organizadas (CA-
VALCANTE, 2015, p. 136).
Por meio das folhas coloridas como arco-íris, o fascículo ob-
jetivou mostrar ao leitor/a as facetas de áreas de atuação dos dife-
rentes movimentos sociais do novo milênio (saúde e lazer, espor-
te, Parada do Orgulho LGBT, educação, cultura etc.), esclarecendo
que, mesmo havendo prioridade ao público-alvo, e desenvolvendo
algumas atividades específicas, as organizações sociais manauenses
desembocavam no mesmo rio: os Direitos Humanos. Como narrado
por Fabrício Nunes, “a Associação Orquídea era pra ela trabalhar a
questão da educação e cultura. Porque a A(A)GLT já trabalhava a
promoção à saúde e promoção de direitos humanos. Então a gente
tinha que ter trabalhado nessas outras linhas: educação e cultura”
(MENEZES; et. al, 2009, p.3).
Durante a produção da memória, Nunes, no ato de contar, fle-
xionou o verbo ‘ser’ no pretérito imperfeito do indicativo, ajudando
a entender que o intuito inaugural durante a formação da Associa-
ção Orquídeas LGBT estava localizada nas atividades de educação e

- 40 -
cultura como extensão da necessidade humana, reconhecendo talvez
o pouco destaque para essas áreas por parte da AAGLT, organiza-
ção que possibilitou a “formação de novas lideranças para construir
associações de acordo com suas identidades sexuais e de gênero,
respectivamente”. Não obstante, o verbo foi o sinal que mostra que
as atividades objetivadas nos campos da educação e da cultura não
foram suficientes ou limitadoras ante as exigências da comunidade
LGBTI+, ou quiçá aumentaram o leque de exercícios em consonân-
cia com outros movimentos sociais identitários, como visto nas di-
versas narrativas dos/das representantes das entidades sobre as áreas
eleitas pelo grupo do PNCS (LIMA, 2020, p. 338).
Entre as conquistas, as requisições, os desafios sinalizados
pelos/as colaboradores/as do projeto, algumas chamaram atenção,
pois vão de encontro com a literatura produzida sobre a população
LGBTI+ amazonense, como também a reconfiguração que algumas
dessas conquistas produziram na paisagem social e urbana da cida-
de.
Para o ativista da Associação Katiró, Jeffeson William Perei-
ra, o Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e
Combate à Homofobia “Adamor Guedes” foi legitimamente um êxi-
to do movimento LGBTI+ amazonense, ainda que estivesse aquele
momento em processo de maturação e construção política, funcio-
nando no Centro Histórico de Manaus como consta no mapa situa-
cional confeccionado pelos/as ativistas. De acordo com Jeffeson, o
espaço que levou o nome de Adamor Guedes, como homenagem
pelo pioneirismo e pela perseverança como ativista homossexual,
constituía como polo de encontro e diálogo com as múltiplas organi-
zações sociais – e não somente LGBTI+ – haja vista as mobilizações
reivindicatórias das minorias sociais, as denúncias de violações de
direitos humanos, as lutas por visibilidade e reconhecimento como
grupos silenciados e negligenciados. Para Pereira, à época, o Cen-
tro de Referência se “caracteriza como um porto-seguro onde gays,
lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais possam ser atendidos,
no entanto, queremos mais, é preciso criar outros mecanismos que
protejam o cidadão LGBT” (MENEZES; et. al, 2009, p.9).5
5 A luta por um de espaço de acolhimento é antiga e que somente foi concretizada, em 2016,
como Centro Estadual de Referência em Direitos Humanos “Adamor Guedes” na gestão
governamental de Omar Aziz. O Centro estava vinculado à Secretaria Estadual de Justiça,
Direitos Humanos e Cidadania – SEJUSC.

- 41 -
A representante da AAGLT, Bruna La Close, por sua vez, con-
siderou como um dos grandes resultados das lutas sociais LGBTs
o diálogo com a Segurança Pública do Estado. A procura urgente
sucedeu por meio das denúncias acerca das ações truculentas e arbi-
trárias das forças da ordem, materializadas na polícia militarizada,
contra homossexuais e, de modo mais contundente, com as travestis
e transexuais trabalhadoras do sexo, através de práticas violentas
herdadas do período ditatorial que o Brasil vivenciou. A polícia mi-
litar era um dos problemas a ser enfrentando e resolvido: “a polícia
não queria conversa com gay. E vendo que a gente já teve até pa-
lestra pra 100, 200 policiais foi dado uma abertura pra gente. Então
eu achei que marcou muito o movimento” (MENEZES; et. al, 2009,
p.9).6
Se em determinado momento a polícia não queria diálogo
com gueis baseado, certamente, em preconceitos e machismo, a in-
sistência do movimento social LGBTI+ consolidado e reconhecido
constituiu um mecanismo importante para que tal feito com policiais
fosse efetivado, promovendo palestra para uma quantidade signifi-
cativa de policiais para garantir respeitabilidade e a cidadania. Dessa
vez não tiveram para onde correr. Tiveram que ouvir, sentados, o
que lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais tinham para
dizer sobre os atos do passado, do presente e certamente sobre as
mudanças necessárias nas abordagens e tratamentos para o futuro.
Falar constitui um importante meio de clarificar problemas
sociais que não queremos dar ouvido e enxergar. Como disse Ro-
saly Pinheiro: “chegou uma denúncia para a gente de uma lésbica
que teve que assistir a esposa ser violentada na frente dela, porque
ambas fazem parte dessa linha de produção. Vocês já pensaram que
humilhação?”. Ou a exclamação de Weydman Henrique: “o grande
problema da travesti é que ela mesma tem que se firmar como pes-
soa”. Lidiany Cavalcante aprofunda o debate e cutuca a ferida do
desconhecimento e do desleixo da sociedade:

As políticas não estão preparadas, os profissionais de Manaus, que


trabalham com a causa de proteção aos direitos da mulher, não es-
6 Para entender as históricas ações da polícia contra grupos sociais subalternizados em
Manaus durante a ditadura-civil militar, ver LIMA, Michele Pires; SAMPAIO, Patrícia Melo.
Pederastas e Meretrizes: trabalho, crime e cotidiano nos jornais de Manaus (1967-1972). In:
GREEN, James; QUINALHA, Renan; CAETANO, Márcio; FERNANDES, Marisa (orgs).
História do Movimento LGBT no Brasil. São Paulo: Alameda, 2018.

- 42 -
tão preparados. (...) não temos dados nenhum; não temos política,
não temos projeto social pra trabalhar isso. Os conselhos também
não estão preparados. Políticas públicas que trabalhem a igualdade
dentro da equidade. Então, a grande reivindicação é [...respeitar] a
igualdade de direitos dentro das suas diferenças porque ninguém é
igual a ninguém (MENEZES; et. al, 2009, p.10).

Diante do exercício do exercício reflexivo e analítico em-


preendido até aqui, me ancorado nos aportes teóricos e nas fontes
históricas acerca do protagonismo de ativistas travestis, gueis, lésbi-
cas, bissexuais, surge alguns questionamentos: quais foram as con-
dições históricas para criação de uma associação que abarcava não
somente a identidade travestis, mas de modo mais amplo, transe-
xuais e outras pessoas trans no tempo presente? Em quais frentes de
luta essa organização social atuou e atua?

3.Representatividade de uma associação para/por transgêne-


ro no Amazonas.

O sociólogo Eder Sader em seu livro “Quando novos per-


sonagens entram em cena”, ao discutir a importância da lingua-
gem na articulação política dos trabalhadores, explicita que
“se tomarmos um grupo de trabalhadores residentes numa deter-
minada vila da periferia, poderemos identificar suas carências,
tanto de bens materiais necessários a sua reprodução quanto de
ações e símbolos através dos quais eles reconhecem naquilo que,
em cada caso, é considerado sua dignidade” (SADER, 1987, p,
58-59). Transpondo para o interesse em construir um movimento
trans no Amazonas, é imprescindível a identificação dos obstáculos
e “carências” inerentes às vivências das travestis e transexuais
no acesso aos direitos básicos (educação, saúde, justiça etc.),
causados pela manutenção da cis-heterossexualidade compulsória
radicada na sociedade.7
Desse modo, a percepção de Rebeca Carvalho - uma travesti
branca, loira, periférica e ativista - sobre o lugar de travestis e transe-
7 Para a filósofa norte-americana Judith Butler, a heterossexualidade compulsória produz e
reproduz regimes de poder/discurso como unívoco e hegemônico, regulando e governando
práticas de gênero sobre os corpos de pessoas que rompem com as categorias de sexo, gênero
e sexualidade estabelecidos como “normais”, escancarando sua fragilidade, neste estudo,
pelas categorias travesti e transexual. BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e
subversão da identidade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 11 e 43.

- 43 -
xuais: “(...) nessa guerra, nessa trincheira, nós somos que [es]tamos
na linha de frente. Nós somos os primeiros que são discriminados,
isso aquilo e outro”; explicitando os disparos de transfobia lan-
çados contra pessoas trans no Brasil e, em especial no contexto
amazonense, mas também para o poder de justiça do que ela cha-
mou de “bichinho militante”, ou seja, quando as pessoas são toca-
das e levadas a buscar mudanças sociais por meio da luta coletiva,
tendo em vista o interesse de que: “eu posso fazer alguma coisa, que
se eu tiver lá no meio e der minha opinião, eu vou me tocar”. Essa
narrativa de Carvalho compõe as suas memórias sobre a Associação
de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado do Amazonas
(ASSOTRAM), onde ocupava o cargo de vice-presidente, em 2018
(REBECA. 2018. Informação verbal). Fundada em 16 de agosto de
2017, a Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Es-
tado do Amazonas (ASSOTRAM) é a primeira associação com a
finalidade de abarcar as múltiplas identidades de gênero para não
comprometer o diálogo político em torno de pautas que contem-
plam as categorias.8
As transativistas Flor de Lis e Camila Dantas narram esse
feito como resultado de ausências de organizações sociais de/para
pessoas trans no Amazonas. Flor de Lis ao retornar da Itália, onde
morou por mais de vinte anos, diz que:

(...) voltei a fixar... rever isso em Manaus mesmo, que eu vi que a


gente não tinha... que a gente não tinha nenhuma associação que lu-
tasse pela gente aqui. Foi quando no encontro que a gente teve, né,
que a Bruna chamou a gente, pra gente participar, que a gente
resolveu se reunir. Eu, a Joyce, a Rebeca e a Camila, a gente se
reuniu... que a gente necessitava ter uma associação que lutasse
por direitos pelas travestis e transexuais aqui em Manaus, foi
quando a gente criou a ASSOTRAM, apesar de muitas quedas...
E a gente conseguiu botar a ASSOTRAM aí como é hoje, e é isso
(FLOR DE LIS. 2020. Informação verbal).

Camila Dantas, por sua vez, nos informa que:

Eu já conhecia a Flor, já conhecia a Rebeca, mas não conhecia a


Joyce. Numa acho que… não sei se foi num… acho que foi num
8 Aproveito a oportunidade para esclarecer que as narrativas orais, fontes utilizadas neste arti-
go, têm aprovação das colaboradoras, por escrito e oralmente. Além disso, das quatro colabo-
radoras, apenas uma pediu sigilo da identidade, sugerindo o nome Flor de Lis na identificação
ao longo da narrativa e transcrição.

- 44 -
evento que a gente se conheceu e aí a gente se ajuntemo nós quatro,
e… tivemos… elaboramos essa ideia porque a gente achava que
também a gente achava que não existia é… só existia a sigla… Só
tinha LGBT, tinha LGBT, mas era muito voltado só os meninos…
os gay[s]. Não tinha pras manas trans, né? (...). Então foi quando a
gente resolveu se juntar as quatro e fundar a associação mesmo e
cada uma conversamos e falemo “olha, isso daqui é uma coisa que
vai tomar nosso tempo, a gente tem que tá preparada… isso daí...
(...)”. Então naquela hora ali todas as quatro concordaram dizendo
que cada uma tinha tempo, né? (CAMILA DANTAS. 2020. Infor-
mação verbal).

Historicamente a idealização e a formação de um movimento


trans organizado ocorreu no final dos anos 1970, mas que só teve re-
conhecimento jurídico em 1992, no Rio de Janeiro. A Associação de
Travestis e Liberados – ASTRAL, como se chama, nasceu de dois
fatores: do cansaço e do descaso da polícia que vinha há décadas dis-
criminando e violentando a população travesti, e o boom do HIV/Aids
e a culpabilização dos corpos trans e homossexuais pela epidemia,
recrudescendo o ódio da sociedade e das forças da ordem. A transa-
tivista negra Jovanna Cardoso relembra que: “com tudo que vinha
ocorrendo contra as travestis (...) decidimos que tínhamos que nos
organizar socialmente (...)” e tiveram, então, apoio da Associação das
Prostitutas da Vila Mimosa e do presidente do Instituto de Estudos
da Religião (ISER), Rubens Martins, e assim conseguiram produzir
as documentações necessárias – Estatuto, Ata de Assembleia Geral,
eleição da diretoria – para darem entrada na oficialização.9
Similarmente aos anseios, aos medos e a importância da resi-
liência que tomaram conta das primeiras fundadoras do movimento
social trans brasileiro e dos fundadores dos movimentos LGBTI+
amazonense, a ASSOTRAM foi idealizada e construída com base
nas faltas e na invisibilidade das existências trans em discussões
promovidas pelo movimento LGBT no âmbito das políticas pú-
blicas estaduais e municipais, como salientaram as colaboradoras.
Alguns argumentos estratégicos apontados por Rebeca Carvalho,
Flor de Lis e Camila Dantas concentram ideais comuns que forma-
lizaram a ASSOTRAM, como lutar pelas nossas e por nós mesmos;
9 ARDOSO, Jovanna. Histórico do Nascimento do Movimento Político Social da População
T no Brasil. FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros,
Piauí, sem data. Disponível em: http://www.fonatrans.com/p/historico-do-movimento-de-
-travestis-no.html. Acesso em: 01 jan. 2023

- 45 -
a necessidade de ter uma associação que lutasse pelos direitos de
travestis e transexuais; a percepção das quatro fundadoras de que,
mesmo havendo um movimento LGBTI+, as demandas e atividades
ainda eram direcionadas somente pelos/para homossexuais e que
não havia visibilidade das “manas trans”.
Nichole Oliveira – mulher trans negra e ativista - relembra que
essa instituição se constituiu como uma organização participativa e pro-
dutora de atividades e intervenções para comunidade LGBTI+, e mais
nitidamente à população trans, levando em consideração as parcerias
como ajuda mútua. Seguindo as outras colaboradoras, Oliveira narrou
que a associação trans foi criada para preencher lacunas e necessidades
do público que não estava sendo representado, construindo:

(...) várias parcerias com várias instituições, mas a gente vê que o


grupo, essa entidade LGBT Amazonas (...) quando essa associação
pede ajuda da ASSOTRAM, a ASSOTRAM participa, mas quando
a ASSOTRAM pede ajuda dessa associação, a gente não tem retor-
no (NICHOLE OLIVEIRA. 2019. Informação verbal).22

“As meninas da ASSOTRAM”, como Nichole referenciou ao


apontar a imagem positiva dessa organização nas instituições gover-
namentais, disseram que a atuação necessária garantiu o sucesso de
alguns projetos sobre saúde direcionados à população LGBTI+ e às
trabalhadoras do sexo, como o do governo federal: PreP (Profilaxia
Pré- Exposição). Segundo a colaboradora, antes da participação da
associação no projeto, por meio da presidente Joyce Alves, o grupo
não conseguia atingir a meta de pessoas trans visadas no trabalho.
Ela diz que a equipe do Hospital de Medicina Tropical “(...) conse-
guiram atingir a meta com as prostitutas, eles conseguiram atingir a
meta com as pessoas que eram soro divergente, mas não conseguiam
atingir com as travestis porque eles ficavam esperando as travestis
chegar lá”, e com a inserção da ASSOTRAM “eles fecharam a cota”
(NICHOLE OLIVEIRA. 2019. Informação verbal). Além desse pro-
jeto, outro foi mencionado por Nichole, que se intitulava “Estudo de
prevalência da sífilis e outras infecções sexualmente transmissíveis
entre travestis e mulheres transexuais no Brasil: cuidado e preven-
ção”, com durabilidade entre 2019-2021.10

10 BRASIL, Ministério da Saúde; OPAS, Organização Pan-américa de Saúde. Estudo de


Prevalência da Sífilis e outras Infecções Sexualmente Transmissíveis entre Travestis e
Mulheres Transexuais no Brasil: Cuidado e Prevenção. Relatório formativo, Manaus, 2019.

- 46 -
Esse projeto nacional ocorreu em cinco capitais (São Paulo,
Campo Grande, Manaus, Salvador e Porto Alegre) e teve sua pri-
meira etapa formativa em outubro de 2019, que resultou no relatório
supracitado e concretizou-se, segundo Nichole Oliveira, pela parcei-
ra feita com o movimento social trans. Na segunda etapa do projeto,
a ASSOTRAM prosseguiu dando suporte, haja vista a ciência e a
tecnologia brasileira como um dos caminhos para emancipação so-
cial e reconhecimento.

Então a ASSOTRAM já tá causando bons impactos, já está dando


bons frutos. Esse ano teve de novo com uma adesão muito maior.
Por que teve uma adesão muito maior? Porque tava a ASSOTRAM.
A Fiocruz procurou diretamente a ASSOTRAM pra participar. Aí
ano que vem quando essa pesquisa for realmente colocada em cam-
po, vai ser muito mais facilitada porque a ASSOTRAM vai ajudar
(NICHOLE OLIVEIRA. 2019. Informação verbal).

Algumas ações protagonizadas pela associação, visibilizadas


nas fontes orais e nos documentos escritos, reforçam as ideias apre-
sentadas ao longo desse tópico, em que a sociedade civil organizada
possibilita além da seguridade de direitos básicos garantidos com
esforço e luta, também estabelecem paradigmas de atuação para de-
nunciar, reivindicar, promover e trabalhar outras complexidades que
o Estado não consegue alcançar ou construir soluções.
De acordo com o psicólogo André Luiz Machado das Neves,
os caminhos políticos percorridos pela ASSOTRAM para garantir o
acesso da população trans amazonense aos direitos básicos e univer-
sais, como saúde, demandou construção de alianças colaborativas
e proativas em “(...) diferentes instâncias políticas e administrati-
vas, com diferentes atores (...)”, levando a reconhecer “quatro for-
mas que são mobilizadas estrategicamente em processos de busca
de reconhecimento: as de confronto, de articulação, de produção de
visibilidade e os de colaboração com outros agentes”, tendo como
exemplo dessa assertiva o que foi dito por Flor de Lis, concernente
ao percurso para garantir a legitimidade jurídica da organização so-
cial transgênera (NEVES, 2019, p. 117).
A luta por reconhecimento social das travestis e mulheres
trans, de acordo com as fontes históricas, fundamentam nosso argu-
mento analítico e chama atenção para cidadania plena como cerne
dos debates públicos, e também internos à associação. De acordo

- 47 -
com o advogado Caio Benevides, o sentido de “ser cidadão” está rela-
cionado ao direito de gozar de direitos civis, políticos e principalmen-
te dos direitos sociais concernentes ao “trabalho, educação, moradia,
saúde e benefícios sociais (...)”. Nesse sentido, o que o autor chama de
Cidadania Social “(...) engloba esses direitos cuja proteção era garan-
tida pelo Estado nacional entendido como Estado Social de Direito, e
não mais como Estado Liberal” (PEDRA, 2020, p. 32).
De acordo com Nichole Oliveira, a ASSOTRAM traz em seu
cerne o respeito e o açambarcamento da pluralidade e das diferenças,
tanto entre associadas/os quanto entre apoiadores/as da organização:
“quem quiser ir pra ASSOTRAM pode ir”. E nessa continuidade, as
colaboradoras refletiram durante a conversa a representatividade da
organização no contexto amazônico, tendo: “uma carga muito pe-
sada pra carregar”, “lutando por pessoas que obrigatoriamente têm
que ficar embaixo do tapete, sabe?” (NICHOLE OLIVEIRA. 2019.
Informação verbal).

Por exemplo, o que eu consegui em anos lutando, a luta… a ASSO-


TRAM conseguiu em dois anos, sabe? (...) Como associação, como
coletivo foi muito mais rápido, os resultados vieram muito mais
rápidos do que quando eu tava sozinha. Por isso a ASSOTRAM
é importante, porque ela é um coletivo, a gente luta junto, a gente
estuda junto, a gente batalha junto (NICHOLE OLIVEIRA. 2019.
Informação verbal).

Fomentando um “NOME” com importância social, a associa-


ção conquistou diversos espaços de fala com/pela população trans,
tanto na capital quanto nos municípios interioranos, “porque ela pe-
gou visibilidade, né?”. Isso tudo aconteceu, como narrou Flor de
Lis, por “tá fazendo alguma coisa, que a gente tá mudando alguma
coisa, né, nesse termo de política pras trans, que ainda é pouco”
(Flor de Lis. 2020. Informação verbal). E diante das vicissitudes
presentes nas vivências das transativistas, que emergiu um espaço
de luta e de diálogo a qual as pessoas trans poderiam/podem recorrer
para empoderar-se e irmanar-se.

Considerações Finais

O potencial narrativo e ativo da mudança social protagoni-


zado pelo movimento homossexual dos anos 1990, tendo Adamor

- 48 -
Guedes como precursor, gerou ramos coloridos com novos eixos de
debate e de luta social no novo milênio, causando efeitos importan-
tes em diversos contextos de experiências da população LGBTI+
amazonense. Acredito que para além de historicizar a instituciona-
lização dos movimentos sociais em si, procurei, aqui, materializar
as pessoas que fizeram e fazem as ideias, os projetos, as relações
sociais e o cumprimento do dever estatal funcionar para o bem-estar,
proteção e a cidadanização de homens e mulheres com identidades
sexuais e de gênero dissidentes. Além disso, este capítulo contribui
para a quebra das corretes do silenciamento e da subalternização.
Neste sentido, o presente texto tenta suprir lacunas historiográficas
com cunho político, sanando parte da dívida histórica com a po-
pulação LGBTI+, cujas memórias foram por longo tempo reprimi-
das, “impedidas de circular livremente”, configurando-se, inclusive,
como forma de discriminação, e este trabalho tem a primazia de
combater essas práticas.

Referências

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- 49 -
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- 50 -
CAPÍTULO 3

POLÍTICA DE SAÚDE PARA


MULHERES LÉSBICAS E
BISSEXUAIS:
um direito para todas?
Lidiany de Lima Cavalcante1

1.Introdução

O debate sobre as sexualidades dissidentes do ‘modelo’ he-


teronormativo encontram-se envolvidas no ostracismo que permeia
o lugar e o não lugar de mulheres lésbicas e bissexuais na sociedade
contemporânea. Apesar de o Brasil ter sido pioneiro na realização
e conferências sobre políticas públicas para a população LGBTI
(lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), tem-se o poder
legislativo com cariz cada vez mais conservador, o que consequen-
temente perfaz com que as políticas e proposituras na esfera dos
direitos para o referido segmento populacional esteja contemplado
apenas em resoluções de conselhos e portarias ministeriais, além de
duas demandas protagonizadas em votação pelo Supremo Tribunal
Federal (CAVALCANTE, 2015).
O quadro é desafiador, o que fomenta a relevância do pre-
sente capítulo, que objetiva tecer apontamentos relevantes sobre
o processo de construção das políticas públicas para a população
LGBTI, com particularidades para a realidade de mulheres lésbi-
cas e bissexuais. Por meio de uma reflexão teórica com arcabouços
documentais e de campo, descortina-se a realidade que nos últimos
anos assumiu um mutismo diante das demandas e particularidades,
1 Graduada em Serviço Social/UNINORTE. Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade
na Amazônia/UFAM, Doutora em Sociedade em Sociedade e Cultura na Amazônia/UFAM.
Pós-doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul/PUCRS. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação
em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia/PPGSS/UFAM. Coordena o Laboratório
de Estudos de Gênero/LEG/UFAM. Membro do Grupo de Estudos e pesquisas em Gestão
Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade/GEDHS/UFAM. Membro do Grupo de Estudo
e Pesquisa em Ensino na Saúde e Intersetorialidade/GEPESI/PUCRS. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Família, Serviço Social e Saúde/GFASSS/PUCRS.

- 51 -
já que o cenário de necropolítica implementado no Brasil atinge
também a população alvo do referido estudo. Faz-se necessário o
debate para a amplificação da discussão, pois como dizia Conceição
Evaristo Thiago de Mello: “faz escuro, mas eu canto, porque a ma-
nhã já vai chegar.”

2. Recortes sobre a Saúde no Processo Histórico

Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser. Sabe a arte de
esconder-me e é de tal modo sagaz que a mim de mim ele oculta
(Carlos Drummond de Andrade).

Historicamente, a saúde foi tema que demandou marcos im-


portantes. Discussões sobre problemas sanitários da vida urbana,
epidemias, problemas relacionados a água, pavimentação de ruas
e o destino do lixo, foram algumas das perspectivas que estiveram
na pauta da agenda de cidades desde a Antiguidade. Rosen (1994)
aponta que na Idade Média, a Igreja associava o contágio de doenças
às questões relacionadas à impureza espiritual, assim como determi-
nadas patologias eram consideradas como pragas, sendo vislumbra-
das como ameaças de natureza pública.
O tempo passou e as condições da vida urbana foram tomando
contornos de acordo com as localidades e respectivas realidades, entre-
tanto com o advento do capitalismo, as forças da desigualdade torna-
ram-se ainda mais acirradas as disputas e relações de poder, assim como
potenciais vulnerabilidades, como o acesso às plataformas de saúde.
No Brasil do século XX, as lutas trabalhistas alavancaram a
primeira legislação previdenciária, que ancorou o direito à saúde
por meio de acesso contributivo. Surgem as Caixas de Aposentado-
rias e Pensões – CAP’s, posteriormente transformadas em Institutos
de Aposentadorias e Pensões - IAP’s. O Ministério da Saúde só se
desmembra do Ministério da Educação na década de 1950, ou seja,
fomenta-se a partir de então, a necessidade de visibilidade e prota-
gonismo da saúde como direito social e política pública.
Durante o processo ditatorial, a saúde assume uma prerrogati-
va voltada ao setor privado, conforme as reflexões de Bravo (2009),
trazendo a política como fundamento do que Netto (2008) caracteri-
zou como autocracia burguesa, em que os interesses giravam em tor-
no das demandas de elites dominantes no contexto brasileiro. Nesse

- 52 -
período, a saúde também se constituiu de forma secundária, com
atenção às pessoas que trabalhavam com carteira assinada. Surge o
Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, entretanto não há
uma perspectiva de atenção universal.
A partir da década de 1970, as lutas alicerçadas pelo Movi-
mento da Reforma Sanitária mostraram a necessidade de enxergar a
saúde por um prisma que pudesse dar conta das lacunas históricas e
sociais, para que houvesse um salto que transcendesse o muro criado
para a saúde como política focalizada, direcionada apenas para indi-
víduos da classe trabalhadora com potencial empregabilidade, para
a universalidade no acesso, como pauta para desvelar o reconheci-
mento da referida pauta como direito social. Para Souto e Oliveira
(2016 p.205), o processo “configurou-se como ação política concen-
trada em torno de um projeto civilizatório de sociedade inclusiva,
tendo a saúde com direito universal de cidadania.”
A proposta soprava novos ventos à realidade brasileira, com
a centelhas que abriam as portas para o desmembramento da saúde
das protoformas da previdência, com a discussão sobre a amplitude
do conceito de saúde e da sua aplicabilidade no âmbito da constru-
ção de uma política nacional, a qual pudesse trazer universalidade,
integralidade e equidade. Com o marco da 8ª Conferência Nacional
de Saúde, a proposta de um Sistema Único esboçava rumos a uma
nova história, a qual foi alavancada pela delimitação da saúde como
direito social garantido na Constituição Federal de 1988 e pela Lei
8.080/1990 e a lei complementar 8.142/1990, além da construção
dos parâmetros para as normas operacionais básicas, dentre outras
normativas, legislações, resoluções e portarias ministeriais que com-
põem o Sistema Único de Saúde.
De acordo com a Lei 8.080/1990, o Sistema Único de Saúde
se configura como conjunto de ações que envolvem os serviços de
saúde desde a atenção básica até a alta complexidade, com foco na
prevenção, promoção, reabilitação e recuperação da saúde. Na legis-
lação, a saúde é expressa como direito fundamental ao ser humano,
assim como também assegura a responsabilidade dos três entes fe-
derados composto por Municípios, Estados e União.
No contraponto, é relevante tecer críticas ao conceito de saú-
de estabelecido pela Organização Mundial de Saúde em 1946, como
bem-estar biopsicossocial do indivíduo (OMS s.d.) o qual demanda

- 53 -
críticas, visto os desafios concretos para ponderar a saúde em seu
ápice como qualidade de vida, frente aos aportes de um sistema ca-
pitalista excludente, onde muitas pessoas não conseguem ter acesso,
ou quando este se efetiva, ocorre de maneira precarizada, além de
que a saúde envolve o debate de outras variáveis, tais como: condi-
ções de moradia, renda, acesso aos serviços, condições ambientais,
entre outras.
Mesmo na contracorrente da materialização de um Estado Neo-
liberal, o Sistema Único de Saúde firmou-se no Brasil na década de
1990, apesar da disputa de dois modelos, caracterizados por Bravo
(2009) como Reforma Sanitária e o segundo como Modelo Privatista
de Saúde, sendo o último, com as garras direcionadas ao mercado. A
tensão entre as duas perspectivas fomentou com que as políticas pú-
blicas tivessem sua aplicabilidade de forma precarizada e com lastro
potencial de privatização, o que perdura até os dias de hoje,
Somente a partir de meados do ano 2000, acionam-se os pri-
meiros acordes que alicerçam o caminhar das primeiras conquistas
no bojo da cidadania LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais) no cenário brasileiro, conforme as breves caracteriza-
ções a seguir.
3. Política de Saúde para Mulheres Lésbicas e Bissexuais: a
construção levou aos direitos?
Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço,
não sei, não sei. Não sei se fico ou passo.
(Cecília Meireles).

Se o direito à saúde no Brasil já nasceu com potenciais de


privatização agravados pelo receituário que se tornou ferramenta de
racionalidade neoliberal, como considerar as demandas de mulheres
no âmbito das políticas de saúde?
Freitas et al (2009) enfatiza que historicamente a saúde da
mulher esteve ligada aos protocolos do âmbito materno infantil, no
âmbito do seu reconhecimento como saúde sexual e reprodutiva.
Tais características perduraram até a década de 1980 no Brasil, com a
criação da Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher,
mais precisamente falando em 1983, quando ocorre o rompimento
do paradigma historicamente construído acerca da saúde da mulher
resumida como “produtora e reprodutora da força de trabalho, isto é,
na sua condição de mãe, nutriz, cuidadora” (SOUTO e OLIVEIRA
2008 p. 165). A aprovação de uma política não sinalizou o imediato
- 54 -
protagonismo feminino, visto os alicerces enraizados no patriarca-
lismo e nas expressões da dominação masculina, onde o poder, con-
forme Saffioti (1987) é macho, masculino e branco. Acrescentamos
ainda, de preferência heterossexual (CAVALCANTE, 2015).
O processo de esterilização voluntária, por exemplo, apon-
tado na Lei 9263/1996, que trata sobre o Planejamento Familiar, é
o reflexo do quanto o corpo foi considerado como ferramenta de
domínio conjugal, já que para a realização de laqueadura e vasec-
tomia, havia a necessidade do consentimento expresso do cônjuge.
Somente com a discussão do projeto de Lei 4515/2020 que apon-
tou novos ventos, os quais sopraram e conduziram às discussões em
2022, evidenciando o quanto a legislação em vigor simbolizava o
atraso na concepção da temática, visto que a decisão sobre o assunto
recaia para outra pessoa (cônjuge), retirando assim o direito de mu-
lheres ao próprio corpo.
Dentre os segmentos sociais vulnerabilizados, discriminados
e até criminalizados historicamente, considera-se a população de
lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBTI. O referi-
do segmento enfrentou um processo histórico envolto em mutismos,
seja no âmbito dos direitos sociais, civis e até fundamentais (CA-
VALCANTE, 2015). A seguir é possível ponderar algumas conquis-
tas do segmento LGBTI no âmbito do reconhecimento de direitos.

Imagem 1 – Linha do Tempo de conquistas do segmento LGBTI 1

Organização: A autora.

- 55 -
Os primeiros passos quanto ao reconhecimento efetivo de di-
reitos são datados da primeira década do ano 2000, por meio da
aprovação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Por
meio da parceria entre gestão federal e sociedade civil, o governo
federal fez o lançamento do ‘Brasil sem Homofobia’ em 2004, um
programa voltado ao enfrentamento das formas de violência e dis-
criminação contra a população LGBTI. A construção do documento
contou com o aporte de duas entidades nacionais denominadas asso-
ciação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Inter-
sexos - ABGLT e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais
– ANTRA. Na ocasião, houve a participação de outras entidades
de representação da sociedade civil de dezesseis Estados, incluindo
o Amazonas, representado pela Associação Amazonense de Gays,
Lésbicas e Travestis – AAGLT.
O documento do programa pode ter sido tímido em suas trin-
ta e duas laudas, mas no limiar de novos horizonte, trouxe, entre
outras demandas, os primeiros acordes para o reconhecimento das
peculiaridades da saúde de mulheres, sobretudo as com identidade
lésbica, quando sinaliza a importância da atenção especial às referi-
das mulheres em todas as fases da vida e a promoção da saúde, que
deveria ser feita por meio de ações socioeducativas que contemplas-
sem a diversidade sexual, o apoio às iniciativas de conhecimento
científico sobre as particularidades na tratativa de saúde, os indica-
dores e condições sociais que influenciam na saúde, assim como o
apoio na formação de profissionais de saúde, para mudanças de pa-
radigmas em relação aos usuários inseridos no bojo da diversidade
de identidades sexuais (SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS
HUMANOS, 2009).
Com a implementação de um programa, abrem-se as cortinas
para a amplificação da discussão sobre a cidadania LGBT. Nesse
bojo, o Brasil foi o primeiro país do mundo a realizar uma Confe-
rência Nacional de Políticas Públicas e Direitos GLBT (sigla uti-
lizada na época2), realizada em 2008 com mais de 600 delegados
(CAVALCANTE, 2015). O momento de construção coletiva de po-
2 A 1ª Conferência nacional de Políticas Públicas iniciou-se utilizando a sigla GLBT. A
mudança da sigla foi realizada oficialmente no primeiro dia de atividades. Trazer a letra “L”
para a frente enfatizou a necessidade de fomentar a visibilidade de mulheres lésbicas no âmbito
da construção política, visto o mutismo histórico e a invisibilidade da condição feminina no
âmbito da diversidade sexual, tanto por parte dos movimentos sociais, como dos programas e
projetos governamentais e no âmbito da sociedade civil organizada (CAVALCANTE, 2009).

- 56 -
líticas, fez parte de uma demanda histórica de movimentos sociais e
outros protagonistas da sociedade civil.
O relevante marco impulsionou a criação do documento in-
titulado como Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direi-
tos Humanos de pessoas LGBT’s, o qual orienta-se pelos princípios
da equidade, garantia do respeito à diversidade, universalização no
acesso às políticas e laicidade do Estado (SECRETARIA ESPE-
CIAL DE DIREITOS HUMANOS, 2009).
No âmbito da saúde, desde a 12ª Conferência Nacional de
Saúde, realizada em 2003, fomentou-se discussões sobre a inclusão
dos direitos relacionados à saúde da população LGBT, entretanto
foi apenas na 13ª Conferência de Saúde de 2017, que as categorias
orientação sexual e identidade de gênero foram elencadas como de-
terminação social da saúde. A diretriz do plano nacional fomentou
a Portaria 2836/2011 do Ministério da Saúde, que elenca a Política
Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais. O referido documento sinaliza que:

a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero


incide na determinação social da saúde, no processo de sofrimento
e adoecimento decorrente do preconceito e do estigma social reser-
vado às populações de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transe-
xuais (p. 20).

O reconhecimento de que os processos de discriminação e


preconceito por orientação sexual e identidade de gênero são condi-
ções para as reflexões acerca dos determinantes em saúde. Ressal-
ta-se que as referidas condições humanas não constituem potenciais
vulnerabilidades, mas sim as expressões da Questão Social que po-
dem ser geradas a partir do processo de exclusão e discriminação no
âmbito da sociedade.
Com tais diretrizes, a política foi aprovada pelo Conselho Na-
cional de Saúde em 2009 e pactuada pela comissão intergestores
tripartite, teve como objetivo ponderar estratégias para a saúde in-
tegral da população LGBT, assim como estabelecer enfrentamentos
ao preconceito institucional e reduzir as faces da desigualdade no
acesso aos serviços de saúde, fomentar ações de educação perma-
nente, o fortalecimento dos movimentos sociais no âmbito dos con-
selhos de saúde na perspectiva municipal, estadual e nacional, além

- 57 -
de da relevante produção de conhecimentos científicos, assim como
tecnológicos, que atendam as especificidades da população LGBT
(BRASIL, 2011).
A proposta da política de saúde engloba a prevenção aos no-
vos casos de cânceres em mulheres lésbicas e bissexuais, enfren-
tamentos às expressões da saúde mental, principalmente o que se
relaciona à depressão e suicídio, promoção da autoestima em ações
de saúde, assim como a assistência à população em situação de
violência e a que demanda intervenções no sistema penitenciário
(BRASIL, 2011).
A arena de integração das políticas voltadas ao segmento po-
pulacional LGBT não se constituiu em um cenário de fácil concre-
tização, apesar de que as discussões sobre saúde entraram na pauta
na 13ª Conferência de Saúde, e foram contempladas no texto final
nos seguintes aspectos: assegurar garantia de acesso aos serviços de
saúde, realizar modificações no sistema de informação do SUS para
contemplar campos específicos para incluir as orientações sexuais e
a relevância das estratégias de educação em saúde, com aportes que
contemplam as particularidades das demandas de saúde, incluindo
as de natureza sexual e reprodutiva (BRASIL, 2008). A seguir, apon-
ta-se outras propostas aprovadas, relacionadas às demandas do seg-
mento LGBTI no Brasil.

Imagem 2 – Linha do Tempo de conquistas do segmento LGBTI 1

Organização: A Autora.

Dentre as conquistas alcançadas pelo segmento LGBTI, evi-


dencia-se a portaria do Ministério da Saúde que aprova a Política

- 58 -
Nacional de Saúde Integral LGBT; o provimento 63 de 2017 do
Conselho Nacional de Justiça, o qual dentre outras questões, trata
da possibilidade de inclusão do nome de duas mães ou dois pais
no registro de nascimento, destitui o termo mãe/pai para inserir “fi-
liação”. No âmbito judiciário evidencia-se o direito a alteração do
nome civil, assim como termina a proibição histórica de homens
gays doarem sangue.
Apesar de que as políticas, portarias, resoluções e decisões se
configuram com certo cariz de inclusão em seus textos-base, o ce-
nário de realidade apontou desafios inerentes ao preconceito e a dis-
criminação. Como diz Chauí (2001), criou-se um mito fundador de
que o brasileiro não é um povo que discrimina. Na esteira da autora,
o limiar cotidiano evidenciou que a vulnerabilidade e as especifici-
dades estavam se caracterizando apenas como um segundo violino,
na orquestra da construção de uma sociedade de raízes autoritárias e
com modelo heteronormativo alavancado como regra.
Para Petry e Meyer (2011) a heteronormatividade objetiva
estabelecer mecanismos de regulação das formas de ser e viver os
desejos, a partir do que socialmente foi estabelecido, ou seja, pela
concepção biológica, determinista e acrescentamos, binária (macho/
fêmea). Com raízes patriarcais, a heteronormatividade dita normas
aceitas na sociedade e exclui a perspectiva de reconhecimento de
outras formas e desejos relacionadas ao corpo e às expressões da
sexualidade humana.
Pondera-se que o processo de construção de programas e polí-
ticas em saúde para a população LGBTI não se efetivou por meio de
criação de leis no Brasil. Mas por resoluções de conselhos e portarias
ministeriais, além de temáticas levadas por força da sociedade civil
organizada ao STF (Supremo Tribunal Federal), ou seja, os direi-
tos assegurados apresentam fragilidades no contexto constitucional,
visto a ausência de baliza por meio da força de lei. A vulnerabilidade
do que foi aprovado se expressou sobretudo na gestão Bolsonarista
do Governo Federal, a qual olvidou o arcabouço de direitos elenca-
do para a população LGBTI em nome de uma ideologia de extrema
direita.
No que se refere ao contexto da realidade do Amazonas, em
2021 foi aprovada a Política Estadual de Saúde LGBTI+, a qual foi
criada por meio de diálogos com representantes da sociedade civil

- 59 -
e universidades, dentre outros protagonistas que atuam diretamente
nas plataformas do direito à saúde. O documento se concretiza por
meio da resolução 070/2021 da comissão intergestores bipartite do
Estado do Amazonas (AMAZONAS). Apesar da aprovação, assu-
me-se o desafio de efetivamente institucionalizar a política pública,
para que a população LGBTI, sobretudo mulheres, possam ter aces-
so aos serviços de saúde em todos os níveis, de forma humanizada,
com ênfase nas particularidades de denotam a diversidade humana.
Os acordes dos dados da pesquisa ainda potencializaram o
mutismo diante de políticas e intervenções direcionadas à saúde de
mulheres lésbicas e bissexuais. Trabalhadores e trabalhadoras da
saúde fomentaram discursos de que o Sistema Único de saúde se
direciona a todos, entretanto mostrou-se potencial desconhecimento
sobre as particularidades do referido segmento populacional, sobre-
tudo no que se refere às demandas, características relacionadas às
expressões da diversidade sexual, conforme os relatos a seguir.

Na nossa unidade, todos são atendidos de forma igual e sem pre-


conceito (ALPHA).
Acredito que recebem o mesmo atendimento sim. Na saúde não há
distinção nem para consultas e nem para exames... se tem diferença,
sinceramente eu desconheço. Tem diferença? (CAPELLA)
Sim, recebem o mesmo tratamento. Só intensificamos quando o as-
sunto é relacionado às DST’s (RIGEL).

É relevante enfatizar que trabalhadores e trabalhadoras da


saúde trouxeram discursos sobre o acesso direcionado a todas as
pessoas, o que preconiza o princípio da universalidade dos serviços
de saúde. Entretanto, quando indagados sobre os desafios que mu-
lheres lésbicas e bissexuais encontram, foi comum o traçar de res-
postas com ênfase de que as referidas são o problema da situação, ou
seja, que tais pessoas criam desafios para o atendimento cotidiano
nas unidades básicas de saúde. Nesse bojo, profissionais evidencia-
ram também a negativa (60%) no que tange ao interesse em partici-
par de cursos de formação sobre a saúde de pessoas LGBTI.

- 60 -
Gráfico 1 – Interesse em participar de formações em saúde LGBTI

Fonte: Pesquisa de campo

A ausência no interesse em participar de formações direcio-


nadas à saúde potencializa os desafios de mulheres com sexualida-
des vislumbradas como dissidentes no âmbito da atenção básica em
saúde. Ressalta-se que a criação de planos, programas e projetos
devem estar em consonância com as diretrizes da Política Nacional
de Saúde Integral LGBT, que dispõe dos seguintes aspectos:

I - respeito aos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, tra-


vestis e transexuais, contribuindo para a eliminação do estigma e
da discriminação decorrentes das homofobias, como a lesbofobia,
gayfobia, bifobia, travestifobia e transfobia, consideradas na deter-
minação social de sofrimento e de doença; II - contribuição para
a promoção da cidadania e da inclusão da população LGBT por
meio da articulação com as diversas políticas sociais, de educa-
ção, trabalho, segurança; III - inclusão da diversidade populacional
nos processos de formulação, implementação de outras políticas e
programas voltados para grupos específicos no SUS, envolvendo
orientação sexual, identidade de gênero, ciclos de vida, raça-etnia
e território; IV - eliminação das homofobias e demais formas de
discriminação que geram a violência contra a população LGBT no
âmbito do SUS, contribuindo para as mudanças na sociedade em
geral; V - implementação de ações, serviços e procedimentos no
SUS, com vistas ao alívio do sofrimento, dor e adoecimento re-
lacionados aos aspectos de inadequação de identidade, corporal e
psíquica relativos às pessoas transexuais e travestis; 23 VI - difusão
das informações pertinentes ao acesso, à qualidade da atenção e
às ações para o enfrentamento da discriminação, em todos os ní-
veis de gestão do SUS; VII - inclusão da temática da orientação
sexual e identidade de gênero de lésbicas, gays, bissexuais, travestis
e transexuais nos processos de educação permanente desenvolvi-
dos pelo SUS, incluindo os trabalhadores da saúde, os integrantes

- 61 -
dos Conselhos de Saúde e as lideranças sociais; VIII - produção
de conhecimentos científicos e tecnológicos visando à melhoria da
condição de saúde da população LGBT; (POLÍTICA NACIONAL
DE SAÚDE INTEGRAL LGBT, 2013 p. 22-23).

Dentre as diretrizes da política, aponta-se a inclusão da te-


mática relacionada às expressões da diversidade sexual como plata-
forma de educação permanente do SUS, o que detona a relevância
da realização de formações direcionadas aos/as trabalhadores e tra-
balhadoras da saúde pública, não apenas para fomentar a inclusão,
mas o reconhecimento das diferenças na perspectiva humana.
Ao retratar os dados sobre a mortalidade de pessoas no Esta-
do do Amazonas, pondera-se os seguintes dados: a causa de morte
que se encontra em primeiro lugar no referido Estado envolve pro-
blemáticas do aparelho circulatório, seguida por mortes por causas
externas, dentre elas os acidentes e as agressões. Em terceiro lugar
estão as neoplasias, conforme os dados do Relatório de Gestão da
Secretaria de Estado de Saúde – SES/AM (AMAZONAS, 2021).
Ao analisar as neoplasias, reflete-se que o câncer de colo uterino
é a terceira maior causa de óbitos, atrás apenas das neoplasias que
envolvem a traqueia/brônquios e pulmões, sendo a primeira entre
o público feminino, com cerca de 21,21% dos casos, seguido por
13,86% de casos de câncer de mama (IDEM).
Ainda conforme os dados do Relatório de Gestão da Secreta-
ria de Estado de Saúde do Amazonas, pondera-se os seguintes dados:
Gráfico 2 – Mortalidade populacional por neoplasias

Fonte: Relatório de Gestão da Secretaria de Estado de Saúde/SES/AM 2020


Organização: A autora.

- 62 -
Os dados evidenciam uma realidade atroz no que tange a mor-
talidade por neoplasias no Estado do Amazonas, contudo o relatório
não apresenta divisão por gênero, o que limita a análise da pesquisa,
pois não há como saber o quantitativo de mulheres que foram à óbito
em decorrência do câncer de colo de útero ou de mama.
É relevante ressaltar que as estratégias de autocuidado das
mulheres no âmbito da prevenção às neoplasias, assim como o aces-
so e permanência na atenção básica em saúde se constitui como
desafio que demanda outros estudos, haja vista a existência de um
processo cultural permeado de tabus, vergonha e ausência na busca
de protocolos de saúde ginecológica. Tal realidade agrava-se para o
contingente de mulheres lésbicas e bissexuais, pois conforme a aná-
lise de campo, surgiram os seguintes relatos de mulheres:

As filas são enormes e não tem condições básicas de atendimento,


falta de médico, demora pra conseguir fazer exame, demora para
retorno com o médico. Além disso, os profissionais não estão ha-
bilitados para a realização dos atendimentos (URSA MAIOR, 35
ANOS).
Não gosto de ir ao ginecologista (TAURUS, 51 ANOS).
Acredito que mais por vergonha e por não conseguir encaixar na
agenda. Ainda é um assunto muito estigmatizado (CARINA, 59
ANOS).
Nunca mantive relações com homens e por isso o exame para vir-
gens é difícil de conseguir (DELPHINUS, 29 ANOS).

Pontua-se a dificuldade de acesso aos atendimentos, assim


como tabus relacionados à vergonha e estigmatização, como ele-
mentos presentes no cotidiano de mulheres lésbicas e bissexuais, o
que interfere diretamente no cotidiano de saúde e fomenta proble-
máticas que podem associar-se às neoplasias. Outro ponto de aná-
lise envolve a formação de profissionais para o reconhecimento da
diversidade sexual em todas as suas perspectivas e tratativas, com
acesso a instrumentais específicos para a realização de exames, em
conformidade com a realidade de cada pessoa.

Considerações finais

Os desafios contemporâneos no âmbito da saúde pública,


permeiam não apenas o potencial de privatização da política, como

- 63 -
também seu referencial de inclusão e acesso aos serviços básicos.
No cenário brasileiro, houve conquistas relevantes para o segmento
populacional LGBTI, mesmo antes da 1ª Conferência Nacional de
Políticas Públicas ser realizada, entretanto o panorama conservador
e por vezes reacionário alimenta as agruras de um sistema capitalista
cada vez mais excludente que caminha para a barbárie.
Assiste-se então a elevação do adoecimento humano, sobre-
tudo de mulheres com identidades ainda consideradas dissidentes
para os cânones sociais marcados pela heteronormatividade. Diante
do quadro, o sistema de saúde no âmbito da atenção básica olvida
as particularidades de demandas emergentes que precisam de visi-
bilidade e reconhecimento, trabalhadores e trabalhadoras da saúde
seguem sem uma formação específica para desenvolver as ações de
educação em saúde junto às expressões da diversidade humana.
Ressalta-se ainda que a maioria dos direitos assegurados não
são permanentes, haja vista que as políticas estão constituídas por
meio de portarias ministeriais e resoluções, o que pode ser revogado
a qualquer momento. Apesar dos embates, a luta pela concretização
das políticas continua a adensar o caldo de mobilização da sociedade
civil frente aos ditames do capital ultraneoliberal, pois como já dizia
Marx: “as revoluções são a locomotiva da História.”

Referências

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da Saúde, 1990.
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- 65 -
- 66 -
Seção II
Entre o Direito e o Acesso:
os resultados em Foco

- 67 -
- 68 -
CAPÍTULO 4

NAVEGANDO NA REDE DE ATENÇÃO


À SAÚDE EM ITACOATIARA:
o (não) lugar de mulheres com sexualidades
dissidentes
Aline dos Santos Atherly Pedraça1
Lidiany De Lima Cavalcante2

1. Introdução

As necessidades das populações que vivem em regiões mais


afastadas dos grandes centros urbanos podem ser menos desafiado-
ras se houver estrutura no sistema de saúde que seja capaz de con-
duzir políticas inclusivas e de reconhecimento das populações em
sua diversidade. No cenário de um país onde as políticas públicas
são elencadas pelo ultraneoliberalismo, os segmentos sociais mais
vulnerabilizados são relegados ao ostracismo social.
1 Doctoranda en Ciencias de la Educación- Facultad Interamericana de Ciencia Sociales-
-FICS/Paraguai; Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia pelo Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFAM); Especialista em Políticas Públicas
de Atenção à Família pela Faculdade Salesiana Dom Bosco; Mestranda em Engenharia Elé-
trica Pelo Programa de Pós Graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE) na Universida-
de Federal do Amazonas (UFAM Especialista em Eficiência Energética pelo Instituto de
Graduação &Amp; Pós-Graduação (IPOG); Especializando em Comercialização de Energia
Elétrica (UNINORTE-SER); Coordenadora de Projetos e Qualificação do Instituto Joana
Galante (IJG); Vice-presidente da Aliança Tecnológica e Ações Sociais no Estado do Amazo-
nas (AITAS-AM); Escritora da Academia de Literatura, Arte e Cultura da Amazônia - ALA-
CA Conselheira Consultiva da Associação Brasileira dos Engenheiros Eletricistas -Sessão
do Amazonas (ABEE-AM); Membro do grupo de Estudos Processos Civilizadores da PAN-
-AMAZÔNIA- UFAM; Engenheira eletricista (UNINORTE); Assistente Social (UNINIL-
TON LINS). E-mail: alinepedraca7@gmail.com
2 Graduação em Serviço Social/UNINORTE. Mestrado em Serviço Social e Sustentabilidade
na Amazônia/UFAM, Doutorado em Sociedade em Sociedade e Cultura na Amazônia/UFAM.
Pós-doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul/PUCRS. Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação
em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia/PPGSS/UFAM. Coordena o Laboratório
de Estudos de Gênero/LEG/UFAM. Membro do Grupo de Estudos e pesquisas em Gestão
Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade/GEDHS/UFAM. Membro do Grupo de Estudo
e Pesquisa em Ensino na Saúde e Intersetorialidade/GEPESI/PUCRS. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Família, Serviço Social e Saúde/GFASSS/PUCRS.

- 69 -
O quadro é de reflexão, ao trazer para o rol das discussões a
realidade do sistema de saúde pelo prisma de quem atua ou recebe os
serviços da área, que tem a incumbência de protagonizar e colaborar
para se ter condutividade e capacidade para a manutenção de um
sistema eficiente e direcionado para a inclusão.
A realidade é que a saúde, em suas ações e reconhecimentos,
sente as agruras do desmonte das políticas públicas diante do cená-
rio ultraneoliberal instaurado na realidade brasileira e asseverado
nos últimos anos, o que compromete o acesso e a qualidade dos
serviços oferecidos à população.
A Lei Orgânica da Saúde (8080/1990) protagonizou plata-
formas de planejamento, execução, monitoramento e avaliação de
políticas públicas. Já as NOB’s fundamentaram um trajeto relevante
na construção do processo de municipalização da saúde, colocando
a atenção básica como responsabilidade dos municípios. Apesar dos
desafios, sobretudo na realidade amazônica, os municípios assumem
a atenção básica com base no pacto federativo e na configuração da
gestão tripartite, em que cada ente assume um viés da responsabili-
dade frente ao Sistema Único de Saúde – SUS.
O Objetivo do estudo foi analisar como o sistema de aten-
ção básica em saúde protagoniza a inclusão de mulheres lésbicas
e bissexuais no cenário de acesso e atendimento no Município de
Itacoatiara-AM, assim como também refletir sobre os desafios de
trabalhadores e trabalhadoras de saúde no que se refere a inclusão e
garantia da equidade e universalidade, princípios basilares do SUS.
Com pesquisa de campo realizada entre 2020 e 2022, reali-
zou-se o reconhecimento das unidades básicas de saúde do municí-
pio, conhecimento acerca da realidade de mulheres com identidade
sexual voltada à expressão lésbica ou bissexual, usuárias do sistema
e o contato com profissionais que atuam na atenção básica por meio
de entrevista semiestruturada.
Os resultados mostram a relevância de fomentar projetos e
pesquisas sobre a temática ora apresentada, para que as usuárias
possam efetivamente participar da construção de um sistema de saú-
de eficaz, participativo e inclusivo. Como diria Carlos Drummond
de Andrade: “chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou
um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistifi-
cação.”

- 70 -
2. Itacoatiara: a velha Serpa da Amazônia

A cidade de Itacoatiara é um município do Médio Amazonas,


compondo a Região Metropolitana de Manaus, sendo a terceira ci-
dade mais populosa do estado do Amazonas (atrás apenas da capi-
tal Manaus e do município de Parintins). Desvendar um pouco dos
elementos de importância da cidade e suas atividades e voltar os
olhares para a área da saúde é o que move a realização deste estudo.
O município localiza-se na região metropolitana de Ma-
naus, no Estado do Amazonas, tendo seu nome de origem indígena,
que significa “Pedra Pintada” devido a descoberta de pedras com
gravuras rupestres na localidade. Seus primeiros habitantes foram
indígenas Mura, Jutis, Terás e Barés dentre outras etnias (SILVA,
1998; OLIVEIRA, 2013).
Imagem 1: Mapa do Estado do Amazonas com destaque para o município
de Itacoatiara-AM.

Fonte: Secretaria de Estado de Assistência Social/SEAS com adaptação


das autoras.
Itacoatiara origina-se da pequena incumbência jesuíta locali-
zada à bacia do rio Madeira, sendo em 1759, elevada à categoria de
Vila, posteriormente à condição de uma das cidades mais importan-
tes da mesorregião Centro amazonense (OLIVEIRA, 2007). Atual-
mente, o município figura como um importante centro sub-regional.

O município de Itacoatiara, de acordo com a divisão político-ad-


ministrativa estadual feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

- 71 -
Estatística – IBGE, possui a sede do município estabelecida na mar-
gem esquerda do rio Amazonas, distante 270 km por via terrestre e
a 107 milhas náuticas-MN da capital, Manaus. De barco, o percurso
entre Itacoatiara e Manaus pode levar, dependendo do tipo de em-
barcação, até 12 horas. Ainda, por via terrestre, o percurso entre a
cidade de Itacoatiara e a capital do Estado do Amazonas pode ser
efetuado por meio da rodovia estadual AM-010, cujo trajeto con-
some aproximadamente até 4 horas, atravessando o aglomerado
rural, a exemplo de Rio Preto da Eva. O aeroporto Arico Barros
administrado pelo 7.º Comando Aéreo Regional – 7º COMAR, com
voos regulares, fretado por empresas privadas e públicas da cidade,
o qual localiza-se na Área de Transição entre a sede municipal e a
zona rural (OLIVEIRA, 2007, p. 136).

Segundo dados do IBGE (2021), no identificador Cidades e


Estados, o município de Itacoatiara possui uma área territorial de
8.891,906 km², com uma densidade demográfica de 9,77 hab./km2.
No que se refere a divisão populacional por gênero, Itacoatiara tem
51,15% da população composta por pessoas do gênero masculino e
48,85% feminino, sendo que 66,99% da população reside em área
urbana e 33,01% em área rural. A imagem a seguir apresenta a dis-
tribuição da população por sexo, dividida por faixa etária, para co-
nhecimento.

Imagem 2: Distribuição da população por sexo

Fonte: Censo 2010 do IBGE


A escolaridade de crianças e jovens de 6 a 14 anos é de 95,1%

- 72 -
e o IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) é de
0,644 (IBGE, 2010). Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística também expõe que a mortalidade infantil no município
é de 14,52 óbitos por mil nascidos vivos, e o PIB per capta pode ser
visto na curva ascendente do gráfico 1.

Gráfico 1- A evolução do PIB do Município de Itacoatiara no período de


2010-2020

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021)

A cidade pode se beneficiar de investimentos em infraestru-


tura, o que é perceptível na curva do gráfico do PIB, a partir da
estrada que dá acesso ao município e o porto, para aumentar sua ca-
pacidade de exportação e impulsionar a economia local. O potencial
de Itacoatiara como polo econômico na região pode ser ainda mais
explorado com políticas públicas voltadas para o desenvolvimento
da indústria local e atração de novos investimentos.
O destaque para o potencial de consumo em Itacoatiara que
é um fator a ser considerado pelos empreendedores. A cidade apre-
senta uma população expressiva e um mercado consumidor diver-
sificado, o que pode representar uma oportunidade para negócios.
No entanto, é preciso entender as particularidades do mercado local
e oferecer produtos e serviços que atendam às demandas dos con-
sumidores da região. Outro dado relevante consiste no fato de que
Itacoatiara se configura como um dos poucos municípios do Amazo-
nas que detém infraestrutura para três tipos de transporte: o fluvial,
o aéreo e o rodoviário, o que apresenta potencial dinâmica para os
moradores da localidade.

- 73 -
3. A Saúde no Município: um olhar para a diversidade e a
estrutura

Enfrentar toda a discriminação e exclusão social implica em


promover a democracia social, a laicidade do Estado e, ao mesmo
tempo, exige ampliar a consciência sanitária com mobilização em
torno da defesa, do direito à saúde e dos direitos sexuais como com-
ponente fundamental da saúde (BRASIL, 2013).

Itacoatiara é uma cidade que se expressa no coração do Ama-


zonas, com problemáticas inerentes ao contexto local, sobretudo na
área de saúde. Inhuma (2021) pondera a situação de resíduos dos
serviços de saúde, visto o descarte inadequado. Tal situação coloca
a população em situação de vulnerabilidade, devido ao processo de
exposição às patologias, dentre outros contextos sociais que fomen-
tam a contaminação.
Mota (2022), cita que por se tratar de uma localidade onde
a população tem proximidade com a natureza e os conhecimentos
da população com ervas e produtos naturais, a Etnofarmacologia de
plantas medicinais é muito utilizada pela população nos cuidados
em saúde, sobretudo nas áreas rurais e ribeirinhas do Município de
Itacoatiara.
No que se refere ao quadro de saúde, Arraes (2020), destaca
que as situações de parasitoses, diarreias, indicadores de saúde so-
cioambiental, tem sido um dos mais abrangentes diagnósticos nas
Unidades Básicas de Saúde do Município de Itacoatiara. Os surtos
e situações recorrentes podem ser combatidas com a identificação
dos agentes causadores e a intervenção dos órgãos de controle, para
tanto se faz necessário formalizar os estudos de maneira que estenda
a proteção e que doenças típicas de ambientes desestruturados sejam
minimizados com ações combinadas.
Ferreira (2016), reflete que existe um esforço para a constru-
ção de uma agenda compartilhada visando contribuir para o forta-
lecimento do processo de planejamento em saúde no Município de
Itacoatiara-AM, a Secretaria de saúde busca integrar esforços para
unir diferentes setores em busca da harmonia.
A estrutura voltada para a assistência em saúde do município
apresenta a seguinte configuração: há 31 (trinta e uma) unidades de

- 74 -
atendimento, planejamento e monitoramento em saúde, dentre elas
19 (dezenove) são Unidades Básicas de Saúde UBSs. Itacoatiara
conta ainda com a Unidade de pronto Atendimento -UPA e o Hospi-
tal José Mendes.
A UPA funciona 24 horas e o hospital também, já as UBSs
atendem de segunda a sexta-feira, em horário comercial. A atuação
de maneira excepcional ocorre quando há campanhas de vacinação
e outros movimentos fora da dinâmica cotidiana. O Quadro a seguir
destaca a estrutura das UBSs e a forma de funcionalidade.

Quadro 1- Unidades Básicas de Saúde do Município de Itacoatiara


Funcionamento/
Nº Nome da Unidade Nível de Aplicação
localização
Unidade Móvel de
Unidade de Suporte 2ª a sábado/ Zona
01 Nível Pré-Hospitalar
Básico UBS 01 Urbana
Na Area de Urgência
Unidade Móvel de
Unidade de Suporte básico 2ª a sábado/Zona
02 Nível Pré-Hospitalar
UBS 02 Urbana
Na Area de Urgência
Unidade Básica de Saúde
Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
03 Nicolas Euthemes Lekakis
Unidade Básica Urbana
Neto
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/Zona
04
Manoel Mendes Da Silva Unidade Básica Urbana
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
05
Manoel Eloi Rondon Unidade Básica Rural
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
06
Maria da Paz Rocha Litaiff Unidade Básica Urbana
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
07
Jose Resk Maklouf Unidade Básica Urbana
Unidade Básica de Saúde 2ª a 6ª feira/ Novo
Centro de Saúde/
08 Eudócia de Oliveira da Remanso- Zona
Unidade Básica
Silva Rural
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª A 6ª Feira/ Zona
09
José Alexandre Iporá Unidade Básica Rural
Vigilância em Saúde De Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
10
Itacoatiara Unidade Básica Rural
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
11
Bernardino Dessimoni Unidade Básica Urbana
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
12
Dr. Waldionor de Abreu Unidade Básica Rural
2ª a 6ª feira/ Estrada
Unidade Prisional de Centro de Saúde/
13 Do Canacari- Zona
Itacoatiara Unidade Básica
Rural

- 75 -
Unidade Básica de Saúde 2ªs feiras das 7 às 17
Centro de Saúde/
14 Izolina Cardoso Dos Horas- Rio Arari-
Unidade Básica
Santos Zona Rural
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
15
Paulo Gomes Da Silva Unidade Básica Urbana
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Zona
16
Santo Antônio Unidade Básica Urbana
Unidade Básica de Saúde
Centro de Saúde/ 2ª a 6ª feira/ Vila
17 Francisco Ferreira de
Unidade Básica Lindóia - Zona rural
Athayde
Unidade Básica de Saúde Centro de Saúde/ De 2ª a 6ª feira/ Zona
18
Expedita Holanda da Silva Unidade Básica Rural
Unidade Básica de Saúde Unidade Móvel De 2ª a 6ª feira/ Zona
19
Fluvial Itacoatiara Fluvial Rural
Fonte: Data SUS (http://cnes2.datasus.gov.br/) com organização das
autoras.
Do total de UBS’s, oito (8) estão localizadas nas zonas urba-
nas do município e onze (11) na área rural, para atender as demandas
das comunidades afastadas da sede municipal. Outro dado relevante
é que o hospital da cidade atende os demais municípios do baixo
Amazonas, compreendendo Silves, Urucurituba, Urucará, Itapiran-
ga, São Sebastião do Uatumã, Boa Vista do Ramos, sendo uma for-
ma de acolhimento preliminar, onde o paciente vem encaminhado
do hospital do município de origem para o atendimento no hospital
em Itacoatiara, a partir do sistema de regulação – SISREG. A par-
tir das ponderações sobre a rede de saúde oferecida no município,
faz-se relevante apensar os dados obtidos nas reflexões de campo,
conforme o delinear a seguir.

4.Mulheres Lésbicas e Bissexuais em Cena: navegando no


banzeiro dos dados da pesquisa

O município de Itacoatiara-Am apresenta uma rede de aten-


ção à saúde de natureza pública, direcionada para a população em
geral. A inserção e o acesso de mulheres lésbicas e bissexuais deve-
ria ser uma prerrogativa, em conformidade com a Lei 8.080/1990,
em seus princípios balizados na universalidade, equidade e integra-
lidade, entretanto o contexto das mulheres foi retratado nos resulta-
dos da pesquisa por meio de desafios, conforme os relatos a seguir:

- 76 -
Nunca mantive relações com homens e por isso o exame para vir-
gens é difícil de conseguir (ANDRÔMEDA, 28 ANOS).
Por que não tenho acesso com facilidade (CASSIOPÉIA, 39
ANOS).
Acredito que mais por vergonha e por não conseguir encaixar na
agenda. Ainda é um assunto muito estigmatizado (CENTAURUS,
46 ANOS).
Receio em sair de casa por causa da pandemia (HYDRA, 31 ANOS)
Por não costumar ir ao ginecologista (LIBRA, 51 ANOS).

Os relatos das participantes asseveram o ensejo situacional


relacionado ao acesso aos serviços de saúde. Ainda há o mito re-
lacionado ao fato de que relações entre mulheres não demandam
acompanhamento ginecológico de saúde, o que favorece o quadro
que potencializa o desenvolvimento de patologias diversas, dentre
elas as infecções sexualmente transmissíveis e o câncer de cólon
uterino e mama (CAVALCANTE, 2015). Outro desafio refere-se
ao tabu e estigma criados acerca da saúde de mulheres lésbicas, os
quais envolvem a dificuldade em falar sobre o assunto, a ausência de
preparo profissional e desafios quanto ao processo de protagonismo
identitário individual.
Para Goffman (2009), o estigma se caracteriza como uma
marca, algo que passa a fazer parte de alguém e culturalmente retra-
ta o indivíduo. Ao se criar estigmas, pessoas sentem-se marcadas em
seu cotidiano e no caso das participantes, as expressões de sexuali-
dade aparecem em cena como fator central, o que foi evidenciado
nos relatos de mulheres ao se referir às experiências vivenciadas em
atendimentos nas UBS’s (Unidades Básicas de Saúde) no município
de Itacoatiara-Am.

Em um atendimento, uma médica me disse que era “pecado”, apre-


sentou a Bíblia e apresentou-se como “médica evangélica” (ÁQUI-
LA, 32 ANOS).
Sim. Quando falei que nunca havia me relações com homens, o
pessoal riu e depois ficaram me olhando quando saí (CAPRICOR-
NIUM 44 ANOS).

Os dados ressaltados pelas participantes da pesquisa apontam


os desafios no que tange ao preparo de trabalhadores e trabalhadoras
da saúde no atendimento à diversidade humana, assim como asse-
veram a inclusão das expressões de religiosidades pessoas em aten-

- 77 -
dimentos, o que viola os preceitos constitucionais sobre a laicidade
do Estado.
De acordo com Silva (2019) a laicidade do Estado consiste na
separação institucional e reflete a autonomia do Estado em relação
às religiões. Diante do contexto, pessoas que representam o Estado
em qualquer esfera, seja como servidores ou agentes profissionais,
não podem protagonizar a representação religiosa no desenvolvi-
mento dos serviços direcionados à comunidade.
As plataformas de tradicionalismo, conservadorismos e re-
ligiosidades fomentam a invisibilidade de mulheres no sistema de
saúde, assim como as afasta da rede de atendimento, conforme mos-
tra-se nos dados abaixo:

Gráfico 2 – Dados sobre a realização de exames em UBS’s

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022)

Os dados apontam que, da amostra de vinte e cinco (25)


mulheres participantes da pesquisa no município de Itacoatiara-Am,
dezessete (17) não acessa a rede de atenção em saúde para realiza-
ção de exames de ginecologia, tais como preventivo de câncer de
cólon uterino e câncer de mama. Ainda sobre a pesquisa, apenas
duas participantes informaram já ter ouvido falar sobre política de
saúde para mulheres lésbicas e bissexuais, contudo ressaltou não ha-
ver nenhuma particularidade do referido documento no dia a dia dos
atendimentos em unidades básicas de saúde.

- 78 -
Gráfico 3 – Frequência em consultas com profissional de medicina
ginecológica

Fonte: Elaborado pelas autoras (2022)

Os dados do gráfico mostram que a maior parte das partici-


pantes da pesquisa não comparece regularmente às consultas com
profissionais de ginecologia, assim como há uma minoria que nunca
acessou a rede para as referidas consultas, o que pode comprometer
o quadro de saúde pela ausência de prevenção e acesso aos progra-
mas de educação em saúde. Sobre a situação das mulheres, ponde-
ra-se o relato a seguir:

Na UBS nada é resolvido. As funcionárias tratam mal. Não compa-


reço porque não posso mais me permitir sofrer preconceito. Já ouvi
muitas frases e perguntas inconvenientes. Melhor deixar quieto e se
precisar procuro um pronto socorro (GEMINI, 54 ANOS).

O retrato evidenciado pela participante da pesquisa reforça a


relevância de que seja oferecida uma formação para trabalhadores
e trabalhadoras da saúde, haja vista as demandas relacionadas às
expressões da sexualidade humana, as quais apresentam particulari-
dades no atendimento em saúde, sobretudo na atenção básica.
A Política Nacional de Saúde Integral LGBT preconiza que
sejam realizados:

- 79 -
O desenvolvimento de ações intersetoriais de educação em direitos
humanos e respeito à diversidade, efetivando campanhas e currí-
culos escolares que abordem os direitos sociais; a sensibilização
dos profissionais a respeito dos direitos de LGBT, com inclusão do
tema da livre expressão sexual na política de educação permanente
no SUS; a inclusão dos quesitos de identidade de gênero e de orien-
tação sexual nos formulários, prontuários e sistemas de informa-
ção em saúde; a ampliação da participação dos movimentos sociais
LGBT nos conselhos de saúde; o incentivo à produção de pesquisas
científicas, inovações tecnológicas e compartilhamento dos avan-
ços terapêuticos; a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos e o
respeito ao direito à intimidade e à individualidade; o estabeleci-
mento de normas e protocolos de atendimento específicos para as
lésbicas e travestis; a manutenção e o fortalecimento de ações da
prevenção das DST/aids, com especial foco nas populações LGBT.
• O aprimoramento do Processo Transexualizador; a implemen-
tação do protocolo de atenção contra a violência, considerando a
identidade de gênero e a orientação sexual (BRASIL, 2013 p. 14).

Frente aos desafios na implementação de políticas para a


saúde da população LGBT, pondera-se ainda que durante a gestão
do governo Bolsonaro, nenhuma campanha, sensibilização ou pro-
grama foi efetivado na esfera federal. Além disso, reforça-se que
as políticas direcionadas à população LGBT, configuram-se como
resoluções de conselhos ou portarias ministeriais, ou seja, não são
leis provocadas e aprovadas pelo legislativo brasileiro. Trata-se de
demandas da sociedade civil organizada em movimento, para pro-
tagonizar a luta por direitos considerados essenciais no âmbito da
diversidade sexual.

3- Considerações Finais

As plataformas de atenção à saúde nas unidades básicas


perpassam o reconhecimento da universalidade, integralidade e
equidade a todas as pessoas que buscam o Sistema Único de Saúde,
independente de raça, gênero, condição social, orientação sexual ou
identidade de gênero.
Urge ponderações sobre políticas, programas e projetos que
possam atender as especificidades concernentes às demandas de mu-
lheres lésbicas e bissexuais, sobretudo em municípios do interior da
Amazônia, região ainda dominada por traços históricos, sociais e
culturais em que imperam o patriarcalismo, a misoginia e a ausên-

- 80 -
cia de direitos das mulheres, o que se torna fator potencializador ao
ponderar a inclusão de mulheres com características de sexualidades
dissidentes não heteronormativas.

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-conceituais e suas estruturas normativas de funcionamento. In: Socio-
logias, Porto Alegre, ano 21, n. 51, maio-ago 2019, p. 278-304.

- 82 -
CAPÍTULO 5

SOB OS DISCURSOS DOS AGENTES DE


SAÚDE:
O atendimento às mulheres lésbicas e
bissexuais no município de
Manacapuru/AM11.
Romulo Cardoso da Silva2
Valéria Barbosa Soares3
1.Introdução

As especificidades da saúde de mulheres lésbicas e bissexuais


ganharam a cena de tais estudos como estratégia de compreender os
formatos de serviços oferecidos a essas mulheres e os estigmas que
permeiam a área da saúde. Os estudos voltados para as identidades
sexuais e de gênero fazem parte de uma rede complexa de paradig-
mas e percepções, nos mais diversificados âmbitos da sociedade.
Na área da saúde, há uma quantidade de estudos significativa
que buscam romper com os estigmas sociais que permeiam a po-
pulação LGBTI+, sobretudo a partir dos anos de 1990, sobretudo
ao que diz respeito assuntos voltados para Infecções Sexualmente
Transmissíveis, as IST’s. Sair do campo puramente biológico e das
1 Este capítulo integra a pesquisa “Entre o Direito e o Acesso: protoformas de saúde na
atenção básica para mulheres lésbicas e bissexuais em quatro municípios do Amazonas”, com
fomento da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM, através do
Edital nº 006/2019 – Programa Universal Amazonas.
2 Mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia pela UFAM. Membro do Labora-
tório de Estudos de Gênero – LEG/UFAM. Especialização em Desenvolvimento, Etnicidade e
Políticas Públicas na Amazônia pelo IFAM. Bacharel em Serviço Social pela UFAM. Desen-
volve pesquisas nas seguintes temáticas: Família, Diversidade Sexual e de Gênero e Serviço
Social. Atua como consultor ad hoc. E-mail: romullocardososilva@gmail.com
3 Coordenadora na República Municipal Esperançar, na cidade de Sapucaia do Sul/RS pela
Agência Adventista de Recursos Assistenciais/ADRA SUL. Atuou três anos como Assistente
Social da Casa Miga Acolhimento LGBT. Doutoranda em Serviço Social pelo Instituto
Integralize de Educação Superior. Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
pela UFAM. Graduação pela Faculdade Salesiana Dom Bosco/FSDB. Especialização
em Políticas Públicas no Enfrentamento da Violência Intrafamiliar/FSDB. Membro do
Laboratório de Estudos de Gênero – LEG/UFAM. Tem experiência na área de Serviço Social
com ênfase em Saúde, Políticas Públicas, Movimentos Sociais, População LGBTI+. E-mail:
valeria.ss_soares@hotmail.com

- 83 -
IST’s nos possibilita compreender as mais variadas faces da saúde
dessa população.
O objetivo deste estudo é investigar como se efetiva o direito
ao acesso à saúde de mulheres lésbicas e bissexuais a partir do olhar
de trabalhadores e trabalhadoras da saúde na rede de atenção básica
expressa no município de Manacapuru/AM. Para chegarmos no ob-
jetivo proposto, realizamos um estudo exploratório com trabalhado-
res e trabalhadoras de saúde do referido município. Ao todo foram
12 (doze) participantes das equipes multiprofissionais que atuam no
serviço de saúde do município. Fora realizadas entrevistas semies-
truturadas com perguntas abertas e fechadas, com o intuito de anali-
sar os desafios enfrentados por estes profissionais e de que forma se
efetiva o atendimento às mulheres, público-alvo da pesquisa.
A cidade de Manacapuru, conhecida popularmente como
Princesinha do Solimões, localizada no estado do Amazonas, tem a
população estimada em 85.141 habitantes, conforme censo do Insti-
tuto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE (Censo 2010)4, o
qual 49% da população se identifica com o gênero feminino, no qual
30.197 residem em área urbana e 11.483 em área rural. O município
dispões de 24 (vinte e quatro) estabelecimentos de saúde, conforme
dados do Instituto Brasileiro de Geografia - IBGE.
O lócus da pesquisa se deu a partir da necessidade de com-
preender os desafios presentes na efetivação do direito à saúde de
mulheres lésbicas e bissexuais para além do contexto da capital. Este
estudo está dividido em dois momentos: o primeiro aborda questões
relacionadas à saúde voltada para mulheres lésbicas e bissexuais,
buscando compreender os desafios e perspectivas na efetivação do
direito à saúde e as especificidades no atendimento e serviço; o se-
gundo momento, carrega o intuito de se compreender a realidade
do município de Manacapuru/AM, a partir dos discursos dos pro-
fissionais de saúde que atuam no atendimento a essas mulheres que
utilizam os serviços de saúde.
Ponderar os desafios na efetivação do reconhecimento das
identidades sexuais, a partir do discurso dos agentes de saúde que
atuam na linha de frente do atendimento às mulheres lésbicas e bis-
sexuais, apresentou-se como fator importante para debater e buscar
legitimar direitos sociais, considerando as realidades trazidas por
4 IBGE. CENSO (2010). Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/am/manacapuru/
panorama.

- 84 -
participantes da pesquisa a partir dos relatos expostos, ao que se
refere à legitimação do acesso aos serviços básicos de saúde e os
desafios enfrentados por trabalhadores e trabalhadoras da saúde no
âmbito da atenção básica.

2.Desatando os Nós da Saúde de Mulheres Lésbicas e Bisse-


xuais.

A Política Nacional de Saúde Integral LGBT foi criada no


Brasil no ano de 2011 e desde então pouco se fala sobre a saúde de
mulheres lésbicas e bissexuais. Ao longo da história, em meio essa
sopa de letrinhas, sobretudo os corpos lésbicos têm sido invisibiliza-
dos pelo Estado, pela igreja e pela sociedade.
Tais instituições acabam contribuindo para a reprodução de
processos discriminatórios. Diante disso, desde a década de 1980 a
saúde dessa população tem sido colocada em voga, numa luta que
não cessa, principalmente devido a aproximação dessas mulheres
com as agendas do movimento feminista (BRASIL, PNSILGBT,
2013).
Nesse sentido, embora a saúde seja universal e garantida na
Constituição Federal desde 1988, a falta de equidade, atenção e a
ausência de preparo profissional ainda permeiam o cotidiano das
mulheres lésbicas que acessam o Sistema Único de Saúde (SUS) no
Brasil. Sabe-se que a Política LGBT tem como marco o reconheci-
mento das especificidades desses corpos, com vistas a redução das
desigualdades relacionadas à saúde dessas mulheres, mas as viola-
ções de direitos ainda são uma constante (BRASIL, PNSI LGBT,
2013).
Outra ressalva que aqui se abre para o debate, diz respeito à
garantia na qualidade dos atendimentos que são prestados às mulhe-
res lésbicas, onde o respeito deve ser uma prerrogativa, bem como
suas particularidades de gênero, raça, etnia, geração, orientação e
práticas afetivas e sexuais, que nem sempre são levadas em conside-
ração antes e durante o atendimento (BRASIL, PNSI LGBT, 2013).
Embora compreenda-se que tal política trouxe visibilidade
para as mulheres inseridas no bojo da diversidade sexual, no senti-
do de considerar suas demandas de saúde, sempre se faz necessário
refletir sobre o significado da lesbianidade e bissexualidade, para

- 85 -
que seja possibilitado um acolhimento adequado na perspectiva da
cidadania e da diversidade humana.
A Política Nacional de Saúde Integral LGBT ainda que de-
mostre avanço, não é lei, mas apenas uma portaria ministerial. E sua
implementação no Brasil, depende quase que unicamente da orga-
nização política que os movimentos sociais LGBTI+ trazem para a
arena do debate.
Nos últimos quatro anos, durante a gestão Bolsonaro, o Mi-
nistério da Saúde não trouxe informações sobre a política LGBT, ao
contrário, evidenciou a negativa sobre a tratativa de qualquer polí-
tica pública que envolvesse o universo LGBTI+. Recentemente (ja-
neiro/2023), Luíz Inácio Lula da Silva tomou posse pela terceira vez
como presidente do país, e já existe em voga as tratativas da criação
de uma Secretaria dos Direitos LGBTI+.
As demandas de saúde das mulheres lésbicas e bissexuais se
tornam cada vez mais urgentes. Primeiro porque as dificuldades en-
contradas por elas se dão desde a atenção primária até a mais espe-
cializada. Segundo, porque ainda são escassos os aportes científicos
e políticas públicas mais específicas sobre saúde e as relações afe-
tivas dessas mulheres, sendo que [...] “a produção de conhecimento
ou políticas deve sempre levar em conta toda a diversidade de estilos
de vida, geração, pertencimentos raciais/étnicos ou de classe, pre-
sentes na população” (FACCHINI; BARBOSA, 2006, p. 3).
Quando se trata da especificidade de mulheres lésbicas a in-
visibilidade, o preconceito e o desrespeito aos princípios do SUS,
interfere diretamente na saúde do referido segmento populacional,
principalmente a integralidade e equidade que deveriam se fazer
presentes em todo atendimento clínico de saúde, independente da
demanda do usuário/a (FACCHINI; BARBOSA, 2006). Logo, para
as respectivas autoras, a saúde dessa população historicamente este-
ve associada à marginalização, onde a ideia de direitos sexuais, vem
como ponto de partida para a reivindicação das mesmas em defesa
da saúde, isto é, a partir da expansão e da visibilidade do movimento
lésbico e de ativistas ligadas aos movimentos feministas.
Assim, enquanto denominações que relacionam apenas o
sexo biológico for fator determinante para se pensar a saúde de uma
determinada população, suas especificidades de saúde continuarão
silenciadas, as políticas públicas mais genéricas não irão abarcar a

- 86 -
realidade das demandas que as mulheres lésbicas e bissexuais tra-
zem consigo. Longe de esgotar o tema, é necessário cada vez mais
estudos que o aprofunde esse, na perspectiva da cientificidade.

3.Serviços e Atendimento às Mulheres Lésbicas e Bissexuais


em Manacapuru/AM sob a Ótica dos Profissionais da Rede
Básica de Saúde

O tempo presente é de desafios cotidianos, no campo social,


político, econômico, sobretudo no âmbito da efetivação de políti-
cas públicas. O processo histórico da garantia do direito à saúde
se apresenta como um desafio a ser enfrentado cotidianamente,
principalmente ao pontuarmos as questões que abordam a tratativa
das demandas de mulheres lésbicas e bissexuais no que se refere às
plataformas de atendimento, acompanhamento e serviço oferecidos
no serviço público. Foi com esforço que este segmento da popu-
lação, juntamente com demais integrantes de movimentos sociais
conseguiram o estabelecimento de diretrizes que garantem o acesso
e o atendimento que respeite as identidades sexuais e de gênero,
a partir da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT), do Ministério da
Saúde (BRASIL, 2012).
A PNSI-LGBT garante que o “atendimento à saúde é uma
prerrogativa de todo cidadão, respeitando suas especificidades de
gênero, raça/etnia, geração, orientação e práticas afetivo-sexuais”
(BRASIL, 2012, p. 06). O cuidado com a saúde vai muito além de
algum sintoma, trata-se do cuidado com o corpo, bem-estar social,
psicológico e sobretudo, um cuidado de si.
É no sentindo de romper com paradigmas, preconceitos, que
a PNSI-LGBT busca em sua implementação um atendimento hu-
manizado, com formação da equipe técnica de saúde, instrumentais
que possibilitem atender as especificidades da população LGBTI+,
além da inclusão de documentos para notificação de violência, como
explicitado na Cartilha da PNSI-LGBT, do Ministério da Saúde.
Ademais, acerca dos desafios e as especificidades dos servi-
ços e atendimento às mulheres lésbicas e bissexuais na cidade de
Manacapuru/AM, sob a ótica dos profissionais de saúde que estão
na linha de frente das intervenções, realizou-se entrevistas com 12

- 87 -
(doze) trabalhadores e trabalhadoras da saúde que atuam na atenção
básica do município, onde 08 (oito) atuam de 03 a 05 anos, 02 (dois)
atuam de 06 a 10 anos e 02 (dois) atuam de 10 a 15 anos no aten-
dimento da rede de saúde, dos quais em sua totalidade, 100% têm
contratos temporários.
Os/as trabalhadores e trabalhadoras da saúde atuam à frente
dos serviços de saúde na atenção básica, onde estão os primeiros
contatos com a população que busca algum atendimento referen-
ciado. Ao iniciar o diálogo com as/os participantes entrevistadas/os,
questionou-se se os mesmos tinham conhecimento acerca dos signi-
ficados da expressão “gênero”, como forma de iniciar as primeiras
aproximações com o objetivo da pesquisa. Três responderam que
não sabem do que se trata, mas que já ouviram falar sobre o assunto.
No relato de uma das entrevistadas, que identificaremos como Rosa
Branca, a referida declarou que

“gênero significa as concepções relacionadas aos homens e mulhe-


res na sociedade de hoje” (entrevista, 2022).

Percebe-se uma aproximação com as teorias dos estudos so-


bre gênero e sexualidade da contemporaneidade, onde se pontua
que gênero é uma dimensão da sociabilidade de homens e mulheres,
nos aspectos sociais, culturais e nas subjetividades (GROSSI, 1998;
SCOTT, 1995).
Dentre os demais discursos, permeia a dimensão de que gê-
nero é uma imposição política, a partir de dimensões ideológicas e
partidárias. Nesses relatos, notou-se um afastamento das discussões
dos estudos de gênero, pois as falas permeiam um viés político, onde
coloca-se padrões sociais como únicos, permeados de paradigmas. Há
uma forte onda discursiva moralizante que paira no âmbito das polí-
ticas, nos espaços públicos, que recaem sobre os serviços oferecidos.
Para um dos/das trabalhadores/trabalhadoras de saúde

“[...] ou você nasce homem ou nasce mulher. O que tiver fora disso
é pura invenção.”

O presente discurso reflete que, no âmbito das instituições,


ainda estão enraizados fortes resquícios do conservadorismo e into-
lerância e discriminação, o que dificulta o acesso aos serviços bási-

- 88 -
cos. Diante deste cenário que se faz necessário rompimento com pa-
radigmas que ainda corroboram para uma perspectiva de exclusão,
sobretudo quanto ao universo da diversidade sexual.
Para Barroco (2015), esses discursos surgem carregados de
princípios morais, que desempenham uma função de destaque no
ideário conservador que tem tomado conta dos espaços sociais e po-
líticos. Para a autora “essa visão conduz ao entendimento de que
crises sociais e as expressões da questão social são consequências
de uma degradação moral” (BARROCO, 2015, p.25). Os discursos
que fomentam os estigmas de exclusão são amparados por tais con-
cepções, que se baseiam em princípios da moralidade individual da-
queles que ocupam cargos públicos e que reverberam na sociedade,
determinada forma de segregação.
Os trabalhadores/ trabalhadoras de saúde, ao serem questio-
nados/as se já ouviram falar sobre o termo LGBTI, 11 (onze) res-
ponderam afirmando que sim, apenas 01 (um) disse que não. Ao
indagar se já realizaram atendimentos às pessoas LGBTI, 09 (nove)
responderam que sim e 03 (três) responderam que não.
Quando questionados se na UBS que atuam há atendimentos
frequentes de mulheres que se identificam como lésbicas ou bisse-
xuais? Apenas dois entrevistados responderam sim, e dez informa-
ram que o atendimento não é frequente. Quando ocorre, as mulheres
buscam consultas, preventivos e testes rápidos, conforme dado ex-
presso por um trabalhador da saúde.
A realidade que se mostra a partir do relato de trabalhadores
e trabalhadoras da saúde representa a forma como a saúde ainda é
estabelecida por viés biológico, onde os atendimentos são pautados
em fichas com informações voltadas para atendimentos pontuais, e
não para conhecer o perfil de usuários e usuárias dos serviços de
saúde, tampouco para o aprimoramento dos serviços oferecidos. Tal
realidade, representa um processo histórico de fragmentação da po-
lítica de saúde, o que contribui para a invisibilidade de mulheres
lésbicas e bissexuais que buscam o atendimento. De acordo com o
Ministério da Saúde, essas pessoas sofrem estigmas não somente na
sociedade, mas em particular na área da saúde, o que impede e/ou
dificulta ao acesso aos serviços (BRASIL, 2012).
É perceptível tal invisibilidade, considerando não haver dis-
tinção nos relatos de trabalhadores e trabalhadoras da saúde a res-
peito das identidades de mulheres lésbicas e mulheres bissexuais.

- 89 -
“Acho que não tem muita diferença. Elas são iguais e recebem o
mesmo atendimento.” (Rosa Branca, entrevista/2022).
“Toda mulher deve ser mulher. O que eu penso disso sinceramente
não vem ao caso.” (Azaleia, entrevista 2022).

As expressões sinalizadas por trabalhadores e trabalhadoras


da saúde refletem a ausência de compromisso com o princípio da
equidade na saúde pautado na Lei Orgânica da Saúde (8.080/1990),
assim como o desconhecimento sobre as particularidades que emer-
gem das expressões de sexualidade na condição lésbica ou bissexual.
Pondera-se ainda ensejos situacionais que envolvem o atendimento
(ou na falta dele) quando buscam atendimento humanizado, confor-
me preconiza a Política Nacional de Saúde Integral da População
de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais/PNSI-LGBT
(2012).
Quando questionados acerca do atendimento às mulheres lés-
bicas e bissexuais, oferecido na unidade de saúde, os discursos de
trabalhadores e trabalhadoras da saúde se voltaram para a ideia de
um atendimento igualitário, como preconiza-se nos princípios do
atendimento no Sistema Único de Saúde. Na abordagem de campo,
expressou-se o seguinte discurso:

“todo mundo é atendido da mesma forma, o SUS é de todos e ponto


final” (AZALEIA, entrevista 2022).
“a saúde é para todo mundo, sem distinção” (Crisântemo, entre-
vista, 2022).

Apesar dos relatos destacarem a ideia da igualdade no acesso


aos atendimentos, evidencia-se que a equidade, ou seja, as particula-
ridades no reconhecimento às diferenças não aparecem na pauta de
trabalhadores e trabalhadoras da saúde, o que coloca as demandas
particulares do público-alvo da pesquisa em processo de invisibili-
dade.
No que se refere aos serviços que as mulheres lésbicas e bis-
sexuais buscam, em sua grande maioria, conforme os dados da pes-
quisa, estão os testes rápidos para IST’s. Outro serviço apontado
por trabalhadores e trabalhadoras da saúde é o preventivo. Nesse
sentido, ampliar os atendimentos específicos para atender as deman-
das requer um olhar voltado para as especificidades destes sujeitos,
considerando o contexto social, regional, político, econômico e do

- 90 -
espaço que essas mulheres estão inseridas na sociedade. Vislumbra-
-se uma arena de conflitos na efetivação de políticas que atendam as
demandas do referido segmento da população. A partir dos discur-
sos de trabalhadores e trabalhadoras da saúde é possível identificar
o distanciamento que estes, enquanto operadores da saúde têm na
compreensão das especificidades que podem estar evidenciadas por
trás dos atendimentos de mulheres lésbicas ou bissexuais.
Faz-se necessário a existência de marcos jurídicos, assim
como estratégias de controle social que possibilitem o monitora-
mento e avaliação mais precisa dos serviços oferecidos, sobretudo
nos municípios menores localizados na região amazônica. Mello et.
al (2011) pontua que ações governamentais não são suficientes para
atender às necessidades de todos os segmentos. É imperativo o for-
talecimento do diálogo, políticas intersetoriais, transversais e con-
tinuadas, além da presença da sociedade civil organizada (MELLO
et. al., 2011).
Ainda sobre os dados de campo, ao tecer indagações se os
agentes de saúde já participaram de alguma formação sobre saúde
de pessoas LGBT, em sua totalidade, o acesso, de maneira que seja
garantido o a serviço humanizado e que atenda as demandas a partir
das especificidades dos sujeitos, disposto enquanto um dos objetivos
dessa política, que juntamente com os demais, possibilita articular
estratégia, campanhas e desenvolver ações voltadas para o público
em pauta.
Ao questionar trabalhadores e trabalhadoras da saúde se du-
rante a formação acadêmica houve disciplinas que contemplassem o
assunto da diversidade sexual, dentre as/os entrevistadas/os, apenas
um indicou que sim, os demais informaram que não tiveram nenhu-
ma disciplina a respeito da temática ora expressa. Ainda sobre os
resultados, dentre os participantes da pesquisa, 09 (nove) indicaram
interesse em participar de formações a respeito de saúde para mu-
lheres lésbicas e bissexuais, e 03 (três) trouxeram a negativa sobre a
oportunidade nas formações, contudo, não indicaram as motivações.
Quando questionados se há desafios no atendimento às mu-
lheres lésbicas e bissexuais nas unidades de saúde, todos os agentes
de saúde entrevistados indicaram a inexistência de problemáticas a
serem enfrentadas nos serviços de saúde do município pelo respec-
tivo público usuário. Destacamos o que pontua Mello et. al (2011),

- 91 -
no ideal da construção de uma política para a população LGBT há
desafios, os quais também se colocam de outras formas para a popu-
lação em geral, sobretudo no que diz respeito ao sucateamento dos
serviços públicos, falta de investimentos para o setor, bem como de
capacitação de recursos humanos.
Nesse ínterim, nota-se um desafio a ser desvelado, onde se
faz necessário construir pontes para alicerçar a busca pela efetivação
concreta a partir de diretrizes que possam garantir a Saúde como um
direito universal. Faz-se necessária a busca por uma aproximação de
trabalhadores e trabalhadoras da saúde com a realidade envolta ao
cotidiano das especificidades de mulheres lésbicas e bissexuais. Tra-
balhadores e trabalhadoras da saúde configuram-se como porta de
entrada para os serviços que possibilitam o cuidar de si, bem para o
direito ao atendimento sem discriminação. É importante o desenvol-
vimento de ações voltadas para a capacitação e aprimoramento do
atendimento e das especificidades que esse segmento da população
demanda cotidianamente.

4.Considerações Finais

A atenção à saúde de mulheres lésbicas e bissexuais requer


um desprendimento dos princípios morais que historicamente re-
gem nossa sociedade, para que o direito à saúde possa ser garantido
em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Abordar tal
questão nos faz refletir sobre o modo que o sistema público de saúde
compreende (ou não) as especificidades e as complexidades no aces-
so ao direito à saúde por parte do segmento da população em estudo.
Diante disso, nota-se a necessidade de aprofundamento em estudos
e formações continuadas, direcionados a trabalhadores e trabalha-
doras da saúde, como forma de aproximá-los/las das questões que
permeiam a saúde de mulheres lésbicas e bissexuais.
No município de Manacapuru/AM, a partir da pesquisa reali-
zada com 12 (doze) participantes que atuam como profissionais de
saúde, em seus discursos, percebeu-se a necessidade da ampliação
na esfera das formações e capacitações, a fim de garantir a aproxi-
mações desses agentes com discussões que permeiam as especifi-
cidades no atendimento à saúde de mulheres lésbicas e bissexuais,
com o objetivo de garantir o atendimento efetivo e humanizado, em

- 92 -
consonância com o disposto na PNSI-LGBT, do Ministério da Saú-
de, que preconiza a capacitação continuada na esfera profissional.
Diante do cenário atual, onde o neoconservadorismo e a ne-
cropolítica instaurada a partir de discursos que negligenciam o aces-
so aos serviços e direitos sociais, fomentar discussões para além do
ambiente acadêmico e das pesquisas é de extrema importância para
o combate aos estigmas sociais que permeiam os corpos de mulheres
lésbicas e bissexuais, sobretudo nos espaços dos serviços públicos
de saúde voltados à atenção básica.
Considerando o exposto por trabalhadores e trabalhadoras
da saúde, intervenções se fazem necessárias, assim como rodas de
conversar e demais formas discussão que fomentem a ampliação
dos debates acerca das especificidades referente à saúde de mulhe-
res lésbicas e bissexuais, no que tange o cuidado consigo, nas rela-
ções sexuais, as IST’s, prevenção e acompanhamento contínuo, bem
como um atendimento humanizado que oportunize a elas o acesso
sem qualquer tipo de discriminação.
Face ao exposto, os caminhos a se percorrer na busca por
romper estigmas sociais que fragmentam as políticas e excluem cor-
pos dissidentes configuram-se como uma luta contínua, na qual, os
movimentos sociais, pesquisadores e gestores deverão buscar for-
mas de dialogar ações dentro das possibilidades oferecidas em cada
espaço do sistema público de saúde, sobretudo na atenção primá-
ria, como forma de construir um percurso em que o diálogo entre
os sujeitos possibilite às mulheres lésbicas e bissexuais se sentirem
acolhidas e com o direito garantido nos serviços de atenção primária
no município de Manacapuru/AM.

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SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica.
Educação & Realidade, v. 20, n.2, p.71-99, 1995.

- 94 -
CAPÍTULO 6

ACESSO E DESAFIOS PARA


MULHERES USUÁRIAS DAS
UNIDADES BÁSICAS DE SAÚDE
-UBS’S:
considerações do direito e projeções no
atendimento humanizado
Aline dos Santos Pedraça1
Daiany Cavalcante Ribeiro2
Roselayne Castro de Souza3
Thaís Mirian Helena Pantoja Tarabossi4

1 Doctoranda en Ciencias de la Educación- Facultad Interamericana de Ciencia Sociales-


-FICS/Paraguai; Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia pelo Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFAM); Especialista em Políticas Públicas
de Atenção à Família pela Faculdade Salesiana Dom Bosco; Mestranda em Engenharia Elé-
trica Pelo Programa de Pós Graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE) na Universida-
de Federal do Amazonas (UFAM Especialista em Eficiência Energética pelo Instituto de
Graduação &Amp; Pós-Graduação (IPOG); Especializando em Comercialização de Energia
Elétrica (UNINORTE-SER); Coordenadora de Projetos e Qualificação do Instituto Joana
Galante (IJG); Vice-presidente da Aliança Tecnológica e Ações Sociais no Estado do Amazo-
nas (AITAS-AM); Escritora da Academia de Literatura, Arte e Cultura da Amazônia - ALA-
CA Conselheira Consultiva da Associação Brasileira dos Engenheiros Eletricistas -Sessão
do Amazonas (ABEE-AM); Membro do grupo de Estudos Processos Civilizadores da PAN-
-AMAZÔNIA- UFAM; Engenheira eletricista (UNINORTE); Assistente Social (UNINIL-
TON LINS). E-mail: alinepedraca7@gmail.com
2 Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia - PPGSS UFAM. Membro
da Comissão do Relatório Sucupira do PPGSS/UFAM. Graduada em Serviço Social pela Fa-
culdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO), com MBA em Recursos Humanos pela Fa-
culdade Martha Falcão e Especialização em Serviço Social e Saúde Coletiva pela Faculdade
UniBF. Experiência como assistente social na rede privada, em Organização da Sociedade
Civil e em instituição pública do Estado do Amazonas. E-mail: daianylima@yahoo.com.br
3 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (Campus Manaus).
Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia/UFAM. Membra do Labora-
tório de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora pelo Grupo
de Pesquisa ILHARGAS – Cidades, Políticas e Violências. Atua principalmente nos seguintes
temas: Serviço Social, Gênero, Sexualidade, Saúde e Prisão. E-mail: rocastrods@gmail.com
4 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas. Mestrando em So-
ciedade e Cultura na Amazônia/UFAM. Pós-graduando em Docência do Ensino Superior/
FAVENI. Pesquisador do Laboratório de Estudos de Gênero (LEG-UFAM). No âmbito da
pesquisa tem interesse nos seguintes temas: necropolítica, não-binariedade e direitos sociais.
E-mail: ttarabossi@gmail.com

- 95 -
1. Introdução

Por ocasião da pesquisa se faz conveniente juntar os estudos


com o mesmo perfil de aplicação, realizados em diferentes locais
e pessoas na cidade de Manaus. Assim, a retratação das realidades
apresenta-se de maneira versátil. O presente estudo objetiva apontar
reflexões sobre a situação de mulheres lésbicas e bissexuais no aces-
so aos serviços de saúde na zona sul e Leste de Manaus, através do
levantamento bibliográfico, documentais e de campo.
O direito à saúde é uma garantia constitucional, sinalizada
no Artigo 196 da Constituição Federal de 1988. Soma-se ainda a
criação e implementação da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde),
a qual sinaliza os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde,
tais como: universalidade, integralidade e equidade.
Tem-se ainda a Lei 8.142/90, na perspectiva complementar
a primeira lei, que aborda o formato de financiamento, além das
formas de participação da sociedade civil. O arcabouço do Sistema
Único de Saúde (SUS) não encerra nesse processo legislativo.
Na análise feita por Grossi (2010), o gênero passou a ser es-
tudado, com o início do movimento feminista, em uma busca por
respostas sobre a organização relacional entre os sexos, tendo a dis-
cussão levada nos ambientes diversos, como o da política, do traba-
lho, da casa, da escola e do lazer.
A emergência das NOB’s (Normas Operacionais Básicas),
NOAS (Normas Operacionais de Assistência à Saúde), assim como
as resoluções do CNS (Conselho Nacional de Saúde), portarias e
resoluções, como a Política Nacional de Humanização, lançada em
2003, a qual apresenta como princípios a transversalidade, indisso-
ciabilidade entre atenção e gestão, protagonismo, corresponsabilida-
de e autonomia dos sujeitos e coletivos.
Um dos aportes trata justamente da inclusão da população
LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Inter-
sexuais). Por compreender o lastro de análise, optou-se pelo desen-
volvimento de uma pesquisa que pudesse contemplar o segmento
feminino, o qual apresenta mulheres homossexuais (lésbicas) e bis-
sexuais, visto o mutismo histórico, cultural e social que cercou a
sexualidade feminina, sobretudo em uma cultura fadada aos cânones
sociais, onde a heteronormatividade foi vista como regra. Foucault

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(1988) enfatiza ainda que o preconceito em torno do sexo é algo
histórico.
Historicamente, o termo gênero, adentrou como uma catego-
ria somente como problemática das mulheres. Uma amplitude nes-
se termo começa a ser cobrada, pois se visualiza a necessidade de
marcadores como classe e raça, para inclusão de outros indivíduos
afetados com esse sistema de formas diferentes de opressão.
Uma pesquisa realizada em 2002, pela coordenação DST/
AIDS, do Ministério da Saúde, apontou que entre as mulheres hete-
rossexuais, por exemplo, a cobertura do exame preventivo de câncer
cérvico uterino (Papanicolau), nos últimos três anos, ficou em torno
de 89,7%. Já entre as mulheres lésbicas e bissexuais, a cobertura
cai para 66,7%, mesmo no público com maior renda, escolaridade e
esclarecimento acerca da saúde.
O poder não disciplina pessoas na perspectiva de formas de
governo. O poder disciplina os corpos. Então o poder diz como de-
verá ser o comportamento, forma de vestir, andar, a postura, assim
como as identidades, ou seja, Foucault referia-se ao biopoder.
Ao retratar o contexto situacional das mulheres, o cotidiano
não se difere. Conforme os dados de Cavalcante (2015), mulheres
lésbicas e bissexuais enfrentam dificuldades no que tange ao atendi-
mento nos serviços de saúde de Manaus.
O preconceito, a discriminação e os conceitos firmados em
estereótipos, fomentam aportes para que tais sujeitos estejam à mar-
gem dos direitos, que pareciam garantidos na
Neste trabalho estão relacionados os dados coletados por dois
trabalhos de iniciação científica que apresentam um recorte do pro-
jeto guarda-chuva. A pesquisa contempla etapa de análise documen-
tal e pesquisa de Campo em unidades básicas de saúde na zona sul
e Leste da cidade de Manaus, com a participação de profissionais da
saúde e mulheres com auto identificação lésbica e bissexual, usuá-
rias do serviço, a pesquisa faz uso da análise quantitativa, qualitativa
e do conteúdo descobertos com os dados coletados durante a pesqui-
sa de campo.
Os resultados contribuem para a construção de planos, pro-
gramas e projetos sociais que promovem a inclusão social dos su-
jeitos da pesquisa nas zonas sul e Leste da cidade de Manaus. E que
novas perspectivas dessa realidade sejam postas de uma forma mais

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segura e humanitária, no atendimento básico de saúde como propõe
o próprio Ministério da Saúde.

2. Desenvolvimento do trabalho

A pesquisa buscou situar as condições das quais as mulheres


se encontram na medida que se destinam a procurar o sistema de
saúde, visto os ensejos situacionais que fomentam a hostilidade e a
violência institucional, o que produz um mutismo e o afastamento
dos referidos sujeitos da atenção básica em saúde.
Como a pesquisa foi direcionada a dois nichos de aplicação
com foco nas unidades Básicas de saúde (UBS`s), sendo que Ma-
naus tem uma população em torno de 2.145.444 (dois milhões, cento
e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e quatro habitantes)
segundo o IBGE (2018). Na Zona Sul a população é de aproxima-
damente 338,8 mil habitantes, já na zona leste ultrapassa 542 mil
pessoas, segundo os dados obtidos de IBGE (2017).
Para assegurar um padrão com uma amostragem de 50% das
unidades básicas de saúde dos distrito sul e leste, levantou-se o perfil
das unidades consideradas “tradicionais” que são gerenciadas pela
prefeitura de Manaus, as quais foram preferencialmente escolhidas
por apresentarem um leque mais amplo nas questões interventivas
em saúde, por apresentarem equipe multiprofissional com médicos
ginecologistas, profissionais de Serviço Social, Enfermeiros, Técni-
cos de Enfermagem, recepcionistas, entre outros.
O espaço da UBS tradicional fomenta o desenvolvimento de
programas de educação em saúde e prevenção, tais como: grupo de
acompanhamento de hipertensos, diabéticos, planejamento familiar
entre outros, o que difere das outras UBS´s advindas do programa
saúde da família que funcionam com equipe reduzida.

3.Resultados e Discussão

Nesta seção destaca-se a relação da pesquisa com os resulta-


dos a partir da realização da coleta de informações pelo levantamen-
to de dados nas Zonas Sul e Leste, uma vez que este trabalho faz
uma fusão dos dados de maneira integral e conciliado, dando ênfase
aos objetivos da pesquisa na sua integralidade.

- 98 -
Segundo Bravo (2006), apesar dos avanços na saúde pública
no Brasil ainda são comuns descasos e precariedades no atendimen-
to da população. Apesar da existência das políticas, pondera-se a
ausência de sua aplicabilidade no cotidiano dos serviços de saúde na
realidade de Manaus (CAVALCANTE, 2015).
A questão do acesso de mulheres lésbicas e bissexuais ao
atendimento básico de saúde sob o prisma das limitações impostas
pelo sistema é desafiadora, pois que não absorve as particularidades
no atendimento dessas mulheres pela falta do reconhecimento de
outras sexualidades fora do padrão da heteronormatividade.
Durante a pesquisa, a faixa etária das mulheres residentes na
zona sul, em sua maioria é de 18 a 29 anos de idade, equivalente a
74%, seguida pela faixa etária de 30 a 39 anos com 13% e as demais
somadas também refletem 13%.

Gráfico 1- Faixa Etária das Mulheres que participaram da pesquisa (A)


Zona Sul,

Fonte: Pesquisa de Campo. (2021)

Na zona leste, a referida faixa etária das mulheres entre 18 e


29 anos, corresponde a 80%; entre 30 e 39 anos foi de 13%, entre
40 e 49 anos foi de 7%. Ressalta-se que não houve a participação de
mulheres acima das faixas etárias citadas.

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Gráfico 2- Faixa Etária das Mulheres que participaram da pesquisa na
zona leste

Fonte: Pesquisa de Campo. (2021)

Quando se faz o comparativo das duas zonas, se observa que


na Zona Leste a faixa etária é mais expressiva para mulheres entre
18 e 29 anos com uma diferença de 6%.
O gráfico seguinte evidencia as formas de relacionamento si-
nalizadas pelas participantes da pesquisa, com os seguintes dados:

Gráfico 3- Tipo de relacionamento das participantes da pesquisa – zona sul

Fonte: Pesquisa de Campo. (2021)

No que se refere às formas de relacionamento, 65% das par-


ticipantes se relacionam somente com mulheres, 26% apresentam

- 100 -
relações afetivo-sexuais que independem do gênero e apenas 9%
com homens e mulheres.
Pondera-se aí a diversidade das expressões de sexualidade
humana, as quais podem apresentar expressões de orientações se-
xuais e identidades de gênero. Ressalta-se que ainda há confusão
entre os significados de orientações sexuais, as quais referem-se às
perspectivas da sexualidade voltadas ao desejo afetivo-sexual tais
como a homossexualidade, bissexualidade e heterossexualidade. Já
as identidades de gênero abordam expressões como a cissexualidade
(pessoas que se sentem identificadas com o sexo de nascimento e
pessoas transgênero, as quais não apresentam identificação com o
sexo biológico (JESUS, 2010).
Em continuação dos dados, na zona leste, ponderou-se que
73% das mulheres que responderam à pesquisa relaciona-se apenas
com mulheres; 20% têm relacionamentos de natureza afetivo-sexual
com homens e mulheres e 7% somente com homens, conforme ex-
pressivo no gráfico abaixo.

Gráfico 4- Tipo de relacionamento das participantes da pesquisa – zona leste

Fonte: Pesquisa de Campo. (2021)

Quando o comparativo se refere ao tipo de relacionamento


que as mulheres mantêm na Zona Leste ocorre uma leve expressivi-
dade com relação a Zona Sul, uma diferença de 8% de mulheres que
nutrem relacionamentos com outras mulheres. Vale enfatizar que em
ambas as pesquisas o número de mulheres foi na mesma proporção.

- 101 -
Abaixo pondera-se as informações sobre os lugares com
maior ocorrência de preconceitos, divididos por zona.

Gráfico 5 – Locais que sofreu preconceito – zona sul

Fonte: Pesquisa de Campo. (2021)

Gráfico 6 – Locais que sofreu preconceito – zona leste

Fonte: Pesquisa de Campo. (2021)

- 102 -
A pesquisa mostrou que dentre os lugares com maior ocorrên-
cia de preconceito estão: a família, as igrejas, os meios de transporte,
seja público ou por aplicativo, os ambientes de amigos, escolas e
faculdades, o que mostra os desafios de uma sociedade ainda emba-
sada na heteronormatividade como baliza para os relacionamentos.

4. Levantamento com os profissionais da saúde na Zona Sul


x Zona Leste

Para maior profusão de informações que auxiliem na identi-


ficação dos dados que respondem aos objetivos da pesquisa, onde
se busca identificar a atribuição de direitos e acessos às mulheres
no sistema de saúde, passando pela percepção dos profissionais da
saúde, a primeira instância que relaciona os profissionais que atuam
na Zona Sul, explicita o cotidiano dos trabalhadores da saúde.
Na entrevista feita com os trabalhadores observou-se que
grande parte se mostrou disposta a participar da pesquisa. Nesse
bojo, caracterizou-se profissionais das seguintes áreas: 38% exer-
cem a função de Enfermeiros, 31% são médicos, 19% assistentes so-
ciais e tanto administradores das Unidades Básicas de Saúde, quanto
os farmacêuticos formam cerca de 6% dos trabalhadores.
A porcentagem da faixa etária dos servidores é de 44% tendo
idade entre 40 e 49 anos, 26% tendo idade entre 50 e 59 anos, 19%
tendo idade entre 30 e 39 anos, 7% tendo idade entre 60 anos ou
mais, e apenas 4% com idade entre 18 a 29 anos. Já sobre a escolari-
dade dos trabalhadores da saúde constatou-se que cerca de 52% dos
entrevistados haviam cursado o ensino superior completo, 41% ha-
viam concluído o ensino médio e feito o ensino técnico e 7% tinham
alguma especialização ou mestrado.
Quanto aos profissionais da Saúde da Zona Leste, obteve-se
a participação de 21 profissionais da área da saúde. No que diz res-
peito aos dados referentes aos gêneros das pessoas entrevistadas,
67% se identificam com o gênero feminino e 33% com o gênero
masculino.
Quanto à orientação sexual, 100% identificam-se como hete-
rossexuais, um dado que expressa a relação entre a sociedade e as
orientações sexuais que fogem da heteronormatividade, onde alguns
espaços são majoritariamente ocupados por uma heterossexualidade

- 103 -
compulsória de acordo com Jesus (2010), o que dificulta a abertura
de diálogos para proporcionar modificação nesses espaços.
Na atividade da Zona Sul, a respeito do gênero de identifica-
ção foi avaliado que cerca de 74% dos entrevistados se identificam
como sendo do gênero feminino, 22% se identificam como sendo do
gênero masculino e apenas 4% entraram na categoria outros. Uma
observação feita durante a pesquisa é de que há certa dificuldade
na compreensão do termo que reflete as questões de gênero, tendo
pessoas que se enquadraram na categoria outros por citar falas como
“minha identidade de gênero é normal” (grifos nossos).
Segundo Grossi (2010), a identidade de gênero trata da forma
como aquele ser humano se vê. Não tem nenhuma relação com a
condição do sexo biológico - o que também pode ser mutável caso o
indivíduo deseje – mas sim, com uma identificação pessoal com as
diversidades e as noções de gênero.
Com dada clareza que pode haver influência desse padrão de
expectativas e determinantes que são colocados como inatos ou na-
turais, por mais que sejam parte de uma construção social, os corpos
que quebram com esse padrão podem ser chamados de subversivos,
porque, mesmo encontrando-se dentro do circuito de imposições,
vão contra esses estereótipos e resistem a essa regulação dos seus
corpos e identidades.
Sabendo isso, chega-se à conclusão de que os/as trabalhado-
res/trabalhadoras da saúde ainda trazem no bojo da compreensão
certa confusão sobre os significados de gênero e orientação sexual,
assim como reproduzem discursos de anormalidade da diversidade
sexual, colocando-a como patologia.
Já a respeito da orientação sexual, os dados coletados mos-
tram que cerca de 56% dos entrevistados se autodeclaram heterosse-
xual, 33% homossexual e 11% entram na categoria ‘outros’. Assim
como na coleta de dados sobre gênero e suas especificidades foi pos-
sível observar que parte dos servidores não compreendem os termos
como heterossexual, homossexual e bissexual.
Sendo assim, a maioria das respostas tiveram conotações que
reforçam discursos voltados à LGBTfobia, o enquadrando na pers-
pectiva de anormalidade, estando presentes falas como: “mulher
mesmo”, “eu sou normal” e “homem de verdade”. O que é equivo-
cadamente disseminado, “ao se conceber o que social e culturalmen-

- 104 -
te seria certo ou errado, normal ou anormal, estabeleceram-se dispo-
sitivos que ligariam sexualidade a um poder propriamente inventado
pelo ocidente” (CAVALCANTE, 2015, p.38).
Voltando para a Zona Leste, a faixa etária dessas pessoas da
área da saúde se manifesta da seguinte forma, 43% têm entre 40 a
49 anos, 29% entre 50 a 59 anos, 14% entre 18 a 29 anos, 9% entre
60 anos ou mais e 5% entre 30 a 39 anos. Sobre a escolaridade, 54%
possuem o ensino superior completo, 20% possuem especialização,
10% possuem nível técnico, outros 10% possuem ensino médio
completo, 3% possuem ensino superior incompleto, e 3% possuem
mestrado. As áreas de formação das pessoas entrevistadas mostram
que 48% são formadas em enfermagem, 19% em curso técnico de
enfermagem, 9% em serviço social, outros 9% em medicina, 5% em
farmácia, 5% em fonoaudiologia, e 5% em jornalismo. Nota-se uma
diversidade na formação das pessoas entrevistadas.
Os dados dos profissionais de saúde apontam que 52% dos
entrevistados revelam ter interesse em participar de formações sobre
gênero e diversidade sexual com aplicabilidade no âmbito da saúde.
No ensejo, pondera-se não apenas a necessidade de discutir o tema,
como também os desafios, já que 48% ressaltaram não ter interesse
nas referidas formações, as quais estão previstas no âmbito do pro-
jeto guarda-chuva.
Para os profissionais da Zona Sul, o cotidiano de atuação dos
profissionais, no que tange as particularidades de serviços de saúde
direcionados às mulheres lésbicas e bissexuais o termo LGBTI usa-
do como sigla para especificar as Lésbicas, os Gays, Bissexuais e In-
tersexuais ainda é desconhecido por cerca de 63% dos trabalhadores
da saúde, o que sem dúvida é agravante para a proposta de inclusão
da diversidade na saúde.
A Política LGBT é uma iniciativa para a construção de mais
equidade no SUS (BRASIL, 2013), o que claramente não está sen-
do cumprido se a maioria dos servidores das Unidades Básicas de
Saúde não tem conhecimento se quer da sigla de identificação dessa
minoria social.
Durante a pesquisa com os profissionais da saúde constatou-
-se a baixa frequência de Mulheres lésbicas e bissexuais nas uni-
dades de saúde. Isso pode se dar tanto pelo medo do preconceito e
pelo discurso de que mulheres que se relacionam sexualmente com

- 105 -
outras mulheres não precisam fazer esses atendimentos. Esse pensa-
mento equivocado também tem raízes na heteronormatividade ensi-
nada socialmente (BRASIL, 2013).
O interesse dos profissionais em participar de formações a
respeito da temática também é baixo sendo apenas 37% a favor de
participar e 63% não gostaria de participar de formações com essa
temática, o que também comprova uma grande rejeição a esse pú-
blico.

5.Considerações Finais

Correlacionando os dados da pesquisa se verifica que a in-


vestigação averiguou os fatores que compõem a subjetividade da
população LGBTI, com foco nas mulheres que se autodenominam
lésbicas e bissexuais. Ainda se percebe muitas incertezas e negativas
com relação ao conhecimento e adesão aos processos de saúde, seja
básica ou especializada.
A respeito da pesquisa realizada na Zona Sul, percebeu-se que
a realidade a que as mulheres estão inseridas reflete como a socie-
dade as vê e de que forma isso leva ao julgamento desses corpos. Se
mostrou viável o acompanhamento da realidade das mulheres dentro
do espaço público de saúde e revela a lacuna que tange o acompa-
nhamento ou não de suas especificidades e demandas no sentido de
desconstruir o modelo da heterossexualidade. A reflexão recai sobre
os dilemas dos profissionais de saúde na hora do atendimento e aco-
lhimento das mulheres nas unidades básicas de saúde.
No Caso da Zona Leste, também com relação aos profissio-
nais da saúde, manifestam pouco interesse em conhecer a temática
que aborda a saúde de mulheres lésbicas e bissexuais. Esse dado é
preocupante em razão de aumentar o desafio das mulheres, com-
ponentes da população LGBTI, que por conta própria já tem resis-
tência e que ainda sente essa pressão social que gera resistência na
aquisição de direitos e acessos sem discriminação ou qualquer outra
forma de violência.
Os dados colaboram com o aprofundamento das discussões
e fazem refletir acerca da falta de intermediação e articulação do
estado com a implementação de políticas públicas de enfrentamento
à LGBTfobia nas mais diferentes esferas sociais. A falta de aprofun-

- 106 -
damento nas questões que contornam a saúde sexual e suas políticas
para mulheres lésbicas e bissexuais, que são esquecidas nesses seg-
mentos, com apagamento das identidades, discussões e um mutismo
acerca da inclusão em programas de saúde na cidade de Manaus.
Como resposta aos questionamentos que move os estudos,
pelo intento que almeja a reflexão que paira no tempo acerca do
tema, sugestiona-se a inclusão de programas, a construção de planos
e projetos sociais vislumbrando a dignidade, segurança e humani-
zação no acesso ao sistema único de saúde para mulheres lésbicas e
bissexuais.
Em vista da negativa de mulheres e profissionais da saúde,
reafirma-se a necessidade de alocar estratégias mais abrangentes e
embasadas para que se consiga sensibilizar a todos e todas acerca da
necessidade de pesquisas, formações e diálogos entre a população
LGBTI com os demais segmento da sociedade, com mediação do
Estado e de seus instrumentos, para que haja as formulações, pla-
nejamentos e concretizações de políticas sociais, direitos sociais e
civis, bem como o reconhecimento das especificidades do segmento
LGBTI.
Esses estudos trazem reflexões reais e revelam pontos que
ainda precisam ser explorados, quando se vislumbra as possibili-
dades de um diálogo aberto e sensível às mudanças de paradigmas
e acionar direitos e acessos para as mulheres, indiscriminadamente.
Vale ressaltar um dado relevante, o que concerne às mulheres es-
trangeiras que se identificam como lésbicas e bissexuais, dimensio-
nando isso, se para mulheres brasileiras já há dificuldades, para as
mulheres migrantes é ainda mais difícil potencializar o acesso aos
serviços na atenção básica.

Referências

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Lésbicas e Bissexuais: Direitos, Saúde e Participação Social. Brasília,
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- 107 -
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Nordeste Brasileiro. 1ªed. São Paulo: Alameda, 2015, v. 1, p. 41-56.
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GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed.
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ciais no Brasil: antropologia. São Paulo: ANPOCS, 2010.
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Amazonas | Manaus | Panorama> Acesso em: 12jan. De 2020
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(IBGE). Censo Brasileiro de 2010. Tabela 1.8 - População nos Censos
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ração e a situação do domicílio - 1960/2010 (1) População recensea-
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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativas do
Censo Demográfico - 1980, 2002, 2009 e 2017. Rio de Janeiro: IBGE;
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JESUS, Jaqueline de. Feminismo Transgênero e Movimentos de Mu-
lheres Transexuais. In.: Revista do Programa de Pós-graduação em
Ciências da UFRN, v. 11 n. 2(2010).

- 108 -
CAPÍTULO 7

O LUGAR DE PERSÉFONE NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:
identidade sexual de mulheres e o acesso à
saúde na atenção básica
Ariadna Nunes Aguiar Batalha1
Isadora Lima de Souza2
Izabelle Cristina Fragoso do Nascimento3
Marcia Helena Nascimento Braga4

1.Introdução

Os estudos voltados para Diversidade Sexual Humana come-


çaram a despontar no Brasil, sobretudo a partir dos anos 2000, quan-
do a temática recebeu maior visibilidade na perspectiva científica.
1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (2015). Especialista
em Docência do Ensino Superior pelo UNOPAR (2016) e Instrumentalidade em Serviço So-
cial pela Faculdade Adelmar Rosado (2017). Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade
na Amazônia - PPGSS UFAM (2021) com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Es-
tado do Amazonas - FAPEAM. Assistente Social no Hospital Universitário Getúlio Vargas-
-HUGV/UFAM (2021). Pesquisadora pelo Grupo de Pesquisa em Gestão Social, Direitos Hu-
manos e Sustentabilidade. Membro do Laboratório de Estudos de Gênero da UFAM. E-mail:
anunesaguiar@gmail.com
2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas. Mestranda do Progra-
ma de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia - PPGSS/UFAM,
com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM. Membro
do Laboratório de Estudos em Gênero da UFAM. Bolsista de Apoio Técnico do Projeto “Entre
o Direito e o Acesso: protoformas de saúde para mulheres lésbicas e bissexuais em quatro
municípios do Amazonas (Edital Universal 006/2019 da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Amazonas/FAPEAM. Pesquisadora pelo Grupo de Pesquisa em Gestão Social,
Direitos Humanos e Sustentabilidade. Tem interesse de pesquisa nos seguintes temas: Serviço
Social, Gênero, Inclusão, Diversidade Sexual, Identidade Lésbica e Encarceramento Femini-
no. E-mail: isadoralima694@gmail.com
3 Assistente Social, bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas
-UFAM, especialista em Serviço Social na área Sociojurídica pelo Centro Universitário do
Norte - UniNorte, mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia - PPGSS
UFAM com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas - FAPEAM.
Integrante do Grupo de Pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade na
Amazônia. E-mail: izabellefragoso3@gmail.com
4 Assistente Social e Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade pela Amazônia- Ufam- PP-
GSS. Integrante do Laboratório de Estudos de Gênero da UFAM. Chefa de Média Comple-
xidade da Secretária da Mulher, Assistência Social e Cidadania- SEMASC. Email: mhnbra-
ga1@gmail.com

- 109 -
Apesar dos avanços com estudos e pesquisas, ainda se tem um longo
caminho a percorrer, no que tange ao reconhecimento das pessoas
LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e interse-
xuais), como sujeitos sociais, autores de sua própria transformação.
Este capítulo é fruto de uma pesquisa que se propôs a investi-
gar como se efetiva o direito e o acesso dessas mulheres ao Sistema
Único de Saúde (SUS) no âmbito da Atenção Básica. A proposta faz
parte de um projeto aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Amazonas – FAPEAM, por meio do edital Universal
de 2019, que coletou dados em Manaus e em mais três municípios
(Parintins, Itacoatiara e Manacapuru). No entanto, esse capítulo se
propõe a trazer discussões acerca dos trabalhadores e trabalhadores
de saúde em Manaus/AM e suas implicações para o acesso aos usuá-
rios do SUS, na Atenção Básica.
O capítulo ficou estruturado da seguinte forma: introdução,
desenvolvimento (divididos em seções: 2. Direito e o acesso: a aten-
ção primária na política pública de saúde; 3. Da mitologia grega
ao cenário contemporâneo: o lugar da mulher na sociedade capita-
lista-patriarcal; 4. Os desafios da(o)s trabalhadora(e)s de saúde em
Manaus face a diversidade sexual) e as considerações finais.
Pretende-se no decorrer da discussão, mostrar que apesar das
políticas públicas estarem respaldadas na saúde como prerrogativa
constitucional, o que se visualiza cotidianamente é a ausência de di-
reitos básicos que envolvem a saúde, principalmente quando o tema
envolve mulheres homossexuais e bissexuais, suas particularidades
e reconhecimentos na cidade de Manaus/AM, face uma sociedade
capitalista-patriarcal que que subalterniza as mulheres, impondo
padrões normativos em quaisquer espaços de nossa sociedade, seja
o público ou privado. Assim, os estereótipos de gênero impostos
pelo modelo patriarcal-capitalista, somados a carência no processo
formativo do (a)s trabalhadores, conforme mostremos a seguir, tem
dificultado ou impossibilitando o acesso ou [protoformas] de acesso
às mulheres lésbicas e bissexuais na cidade de Manaus/AM.

2. Entre o direito e o acesso: a atenção primária na política


pública de saúde

O direito à saúde é uma garantia constitucional, conforme o


Artigo 196 da Constituição Federal de 1988 (Constituição Cidadã).

- 110 -
Acrescenta-se ainda a criação e implementação da Lei 8.080/90, a
Lei Orgânica da Saúde, a qual sinaliza os princípios e diretrizes do
Sistema Único de Saúde, tais como: universalidade, integralidade e
equidade. Tem-se ainda a Lei 8.142/90, na perspectiva complemen-
tar a primeira lei, que aborda o formato de financiamento, além das
formas de participação da sociedade civil.
A Atenção Básica de Saúde está posta como uma das princi-
pais portas de entrada do usuário no Sistema Único de Saúde - SUS.
Nesse sentido, cabe à Unidade Básica de Saúde, por meio das ações
dos profissionais de saúde, implementar os programas e serviços no
contexto da Atenção Básica em Saúde. Nos atendimentos a usuários,
as demandas são muitas, para tanto, são desenvolvidas atividades de
acompanhamento da população em geral, por meio de programas e
projetos. São ofertados serviços de prevenção de doenças, exames
médicos, imunização para várias faixas etárias.
Entretanto, mesmo com a garantia do acesso universal à saú-
de, ainda existem obstáculos a serem superados no que se refere a
saúde preventiva de pessoa LGBTI, apesar da existência da Política
Nacional Integral de Saúde para pessoas LGBT, criada por meio da
portaria 2.836/2011 do Ministério da Saúde. Ainda assim é possível
notar que o que segmento de mulheres lésbicas e bissexuais é invi-
sibilizado.
Com os desafios quanto a implementação da política, urge a
realização de estudos específicos, que possam contemplar o olhar
das usuárias dos serviços de saúde, assim como também de pro-
fissionais que atuam, com o objetivo de ponderar estratégias que
possam atender às especificidades de ambos os grupos, para pensar
políticas e programas locais, junto com as respectivas secretarias
municipais, com o objetivo de concretizar o efetivo acolhimento,
assim como as intervenções nas demandas de saúde e prevenção.
Apesar da garantia do acesso universal à saúde, ainda existem
obstáculos a serem superados no que se refere a saúde preventiva da
pessoa LGBTI, apesar da existência da Política Nacional Integral
de Saúde criada por meio da portaria 2.836/2011 do Ministério da
Saúde. É possível notar que o segmento de mulheres lésbicas e bis-
sexuais ainda é invisibilizado.
Destarte, compreendemos a necessidade de evidenciar tais de-
mandas no contexto amazônico, e como são estabelecidas as proto-

- 111 -
formas de acesso à atenção básica em Manaus, para então compreen-
dermos os principais desafios para esta população na porta de entrada
da política de saúde. O acolhimento de mulheres lésbicas e bissexuais
nas unidades de saúde não aponta intervenções com as necessidades
específicas, fator esse que será refletido no decorrer desta pesquisa.
As mulheres historicamente foram classificadas como infe-
riores, subalternizadas e invisibilizadas. Esse cenário é causado por
diversos fatores ainda na contemporaneidade, uma vez que vivemos
em uma sociedade estruturalmente patriarcal, machista e misógina.
Dessa forma seria necessário um processo de desestruturação
e desconstrução de padrões, pois o sujeito feminino foi condicionado
ao papel de coadjuvante ou até mesmo figurante, em grande parte do
contexto histórico da nossa sociedade. Podemos destacar o fato de que
mulheres não tinham direito de estudar ou entrar em uma universida-
de, não votavam, não trabalhavam, estavam na verdade condicionadas
e para algumas “destinadas” ao trabalho doméstico e dedicação exclu-
siva ao marido e família (SOUZA E CAVALCANTE, 2018).
Essa reflexão é essencial para compreender as identidades fe-
ministas na diversidade sexual, pois somente com o “deixar para
trás” desses condicionantes comportamentais poderemos avançar
nas discussões e debates que envolvem sexo, gênero, identidade de
gênero e orientação sexual e assim desvendar tabus e talvez, futura-
mente, termos uma sociedade mais equitativa (IDEM).
As lésbicas têm sido comumente destituídas de sua existência
por meio de sua “inclusão” como versão feminina da homossexuali-
dade masculina. Equacionar a existência lésbica com a homossexua-
lidade masculina, por serem as duas estigmatizadas, é o mesmo que
apagar a realidade feminina mais uma vez.
Da mesma forma a bissexualidade é invalidada, tratada por
alguns como desvio de caráter e até perversão sexual, como afirma
Cisne e Santos (2018). Ainda no cenário contemporâneo é possível
notar uma invisibilização dos sujeitos bissexuais, tendo suas vivên-
cias relacionadas a insegurança, medo e incertezas. O pior nesse ce-
nário é ter de reconhecer que sujeitos LGBTI por vezes se tornam
os responsáveis por essas violências, quando uma mulher lésbica
justifica não se envolver com uma mulher assumidamente bissexual
por medo de ser trocada por um homem ou vice-versa. A realidade
é que existe um grande desconhecimento referente a bissexualidade.

- 112 -
Porém, as pessoas que se identificam como bissexuais (e as pessoas
que são identificadas como bissexuais por causa de suas práticas se-
xuais) muitas vezes são o alvo de discriminações duplas. Frequente-
mente sofrem discriminações por pessoas que se identificam como
heterossexuais e pelas que se identificam como homossexuais, por
não se enquadrarem dentro das categorias binárias normativas da
sexualidade: ou heterossexual, ou homossexual. (...) Para Garber
([1995] 1999), muitas das discriminações contra a bissexualidade
e pressões de se encaixarem em um dos lados do binário heterosse-
xual/homossexual vêm do fato de a bissexualidade perturbar essas
“certezas” da heterossexualidade e homossexualidade. (LEWIS,
2012, p.12)

O impacto dessas noções que envolvem a diversidade sexual


afeta a saúde das mulheres lésbicas e bissexuais dificultando o aces-
so às que buscam atendimento nas unidades básicas de saúde. Nesse
sentido, devido ao contexto pandêmico e isolamento social, foi apli-
cado um questionário online elaborado com a ferramenta Google
Forms e compartilhado via Whatsapp para alcançar mulheres que se
identificam como lésbicas e bissexuais.
Considerando alguns aspectos sociais como idade, trabalho
e preconceito, identificamos quanto a faixa etária das respondentes
que 76,5% (62) possuem entre 18 e 29 anos de idade, 13,6% (11)
entre 30 e 39 anos, 3,7% (3) entre 40 e 49 anos e 6,2% (5) entre 50
e 59 anos de idade. Já com relação ao trabalho, observou-se que a
maioria 59,3% (48) das respondentes trabalha e 31,3% (25) já sofreu
algum tipo de preconceito em unidades de saúde.
Gráfico 1 – Preconceito em unidades de saúde

Fonte: Elaborado com base em dados coletados em pesquisa de campo em 2021.

- 113 -
No presente estudo, mais da metade das respondentes (53%)
declaram não frequentar as unidades de saúde da sua zona. Essa
situação ocorre pelo receio de sofrerem algum preconceito nessas
unidades, decorrente do comportamento heteronormativo dos pro-
fissionais de saúde. Segundo Rufino et al (2018, p.2) “a lógica he-
terossexista, quando valoriza a diferença social entre as mulheres
heterossexuais e as não hétero, configura uma das formas mais sutis
de lesbofobia e bifobia, ao silenciar e invisibilizar mulheres lésbicas
e bissexuais.” O que prejudica a realização de exames essenciais
para a saúde da mulher como preventivo, pré-natal, mamografia etc.,
conforme o gráfico 2 sobre os exames de prevenção.

Gráfico 2 – Exames de prevenção

Fonte: Elaborado com base em dados coletados em pesquisa de campo em


2021.

Sobre a ocorrência de preconceitos e discriminações, apresen-


ta-se os seguintes relatos:

No caso de uma médica que disse que era “pecado”, apresentou a


Bíblia e apresentou-se como “médica evangélica. (AQUILA).
Sim. Quando falei que nunca havia marido ou relações com ho-
mens, o pessoal riu e depois ficaram me olhando quando sai. (CA-
NES).
Teve caso da médica perguntar porque eu me relacionava com uma
mulher depois de ter sido casada com um homem e com três filhos.
Essa pergunta me deixou aborrecida e não respondi da forma que

- 114 -
ela gostaria. Que era de matar sua curiosidade ao invés de indagar
sobre minha saúde (CARINA).

Do universo de 81 mulheres que responderam ao questionário


disponibilizado, apenas 48 realizaram o exame preventivo ou teste
rápido em algum momento, em contrapartida a mamografia possui
o menor índice de exames que nunca foram realizados por essas
mulheres. Quanto a isso, Rufino et al (2018) afirma que há uma su-
posição de que mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM) não
apresentam riscos de contrair Infecções sexualmente transmissíveis.
Ainda sobre isso, aponta-se que:

A crença compartilhada por MSM e médicos de que elas não são


suscetíveis às ISTs e à aids é recorrente, segundo diversos estudos,
favorecendo o desinteresse dessas mulheres na busca por assistên-
cia à saúde. Há evidências da prevalência de ISTs e aids em mulhe­
res com prática sexual exclusiva com mulher, embora em percen-
tuais inferiores aos das mulheres com prá­tica sexual com homem.
Um estudo publicado em 2013 analisou o uso de métodos de barrei-
ra por 1.557 MSM de vários países e mais de 80% delas relataram
nunca ter usado métodos de barreira na prática de sexo oral, com
mulher ou com homem (RUFINO et al, 2018, p.6).

Neste estudo isso é reafirmado a partir das entrevistas reali-


zadas com o (a)s profissionais de saúde, quando indagados sobre
pessoas LGBT que buscam a unidade de saúde, conforme será apre-
sentado na seção 4 (quatro). A seguir mostremos o lugar em que a
mulher tem ocupado na sociedade capitalista-patriarcal, trazendo a
figura mitológica grega- Perséfone-, até a contemporaneidade, onde
o mito, de grande força explicativa, senão para um tempo histórico
específico, reforçam a identidade atribuída, seja mediante uma hete-
rossexualidade compulsória, ou até mesmo o lugar que tem ocupado
a mulher no decorrer da história, quer pela realidade vivenciada,
quer pelas explicações por meio dos mitos repassados no decorrer
dos tempos.

3. Da mitologia grega ao cenário contemporâneo: o lugar da


mulher na sociedade capitalista-patriarcal.

A mitologia grega tem um universo vasto de conhecimentos,


onde podemos identificas expressões que se aplicam a nossa reali-

- 115 -
dade pessoal, social, cultural. O simbolismo traz aos mitos uma es-
sência única, considerando que não podem ser reduzidos a histórias
que lemos normalmente.

Ocorre que um conto mitológico não foi feito para ser lido, mas
para ser ouvido, daí seu sentido etimológico e semântico conto. Se
tivessem sido pensados, em sua trajetória arcaica, para serem escri-
tos, assim seriam chamados. O sentido não era que o ouvinte refle-
tisse sobre o seu sentido léxico e epistemológico, mas, sim sobre o
seu efeito psicológico sobre a conduta ética (comportamental) dos
ouvintes. (ALVES E SOUZA, p. 716. 2019).

Dando continuidade à reflexão, na Grécia Antiga temos como


referência feminina, Safo de Lesbos, uma mulher à frente de seu
tempo. Segundo Costa (2011), também é a principal referência da
lesbianidade na história.

Indubitavelmente, essa mulher esteve à frente de seu tempo, histo-


ricamente se inscrevendo como participante ativa da cidade, pois
sua imagem foi cunha nas moedas da época, assumindo seu lugar
de destaque na sociedade e foi muito respeitada. Considerada uma
transgressora em sua época, já que enfrentou a limitação de sua
condição de mulher, que impunha o lugar do lar e a discrição como
virtudes das mulheres. (COSTA, 2011, p.22).

Sendo considerada uma das musas da inspiração artística e


cientifica.

Zeus, quando destrona seu pai Cronos e aprisiona os Titãs se po-


siciona como o maior dos deuses. De suas uniões nasceram filhos
deuses e semideuses e uma dessas uniões se deu com a deusa Mne-
mósine. A deusa da memória, com ela teve nove filhas, conhecidas
na mitologia como musas da inspiração artística e cientifica. (SOU-
ZA E CAVALCANTE, 2018, p.26.).

Em outro cenário temos Perséfone, vivendo no mundo infe-


rior, Hesíodo (c. 700 a.C.) em sua Teogonia descreve o Tártaro em
quase cem versos com um local obscuro, úmido e inacessível aos
vivos. Perséfone se destaca como referência feminina por modificar
de sua maneira, as formas de viver no submundo.
Perséfone é a filha de Deméter, deusa da prosperidade, da co-
lheita, da fertilidade e traz o arquétipo de mãe superprotetora (CAR-
VALHO, 2019). Durante um passeio em um belo campo, Perséfone

- 116 -
se inclinou para pegar uma flor, que na verdade era uma oferenda ao
deus do submundo, Hades, que já observava a jovem há algum tem-
po e estava apaixonado por ela. Essa então foi a oportunidade perfei-
ta para raptá-la. Hades abriu uma fenda e a puxou até o submundo.
A deusa Deméter ao notar a ausência de sua filha, desceu do Olimpo
em busca da jovem, e por não a encontrar, a deusa então secou a
terra, a deixando infértil e estéril. Enquanto isso, no submundo, Ha-
des fez com que Perséfone se cassasse com ele, a fez selar a relação
comendo uma romã, e assim ficou para sempre ligada ao submundo.
A terra não podia ficar infértil para sempre, por esse motivo
Zeus acaba por intervir na situação e faz um acordo com Hades. Sen-
do assim, Perséfone viveria alguns meses do ano na terra com a mãe e
o restante com seu marido no submundo. O período da primavera até
o fim das colheitas corresponde ao período que ela está com sua mãe e
o inverno equivale ao período em que precisava descer ao submundo.
Existem diferentes formas de interpretar os simbolismos do
mito de Perséfone, no caso deste estudo podemos relacionar a cor
vermelha da romã ao seu primeiro ciclo menstrual; ela deixa então
sua fase de menina, para entrar em uma fase de mais introspecção
e amadurecimento. Esse simbolismo faz referência ao momento em
que Perséfone passa a se enxergar como deusa, literalmente um pro-
cesso de renascimento, simbolizando ainda uma ciclicidade de vida
e morte, entre terra e submundo, de forma simples e direta, um ciclo
vivenciado constantemente por mulheres que tem identidades lésbi-
cas e bissexuais.
Na terra, vivenciam seus desejos e conseguem ser elas mes-
mas. Para essas mulheres a terra representaria um lugar onde en-
contram acolhimento e respeito. Sob esse prisma podemos colocar
as unidades de saúde justamente como o submundo, um lugar des-
conhecido, cheio de perigos, como o Cérbero que protege a entrada
com suas três cabeças. A falta de informação, a falta de empatia e a
falta de conscientização, desmobilizam mulheres lésbicas e bisse-
xuais, visto que não conseguem ter acesso a saúde ou abandonam
o referido acesso, o que seria um direito básico. Sendo assim, estão
fadadas ao óbito precoce, pois sem acesso à saúde, não há prevenção
e sem isso, temos uma política de morte pronta para ser executada.
As mulheres na história foram colocadas à margem da sua
própria história, mas isso não significa que elas não tiveram um

- 117 -
papel importante. Mulheres com identidades lésbicas e bissexuais
sempre existiram, entretanto estavam fadadas ao ostracismo ocasio-
nado por uma heterossexualidade compulsória determinada como
padrão pelo patriarcado.

o patriarcado, embora atinja de forma estrutural a sociedade, dirige


suas implicações centralmente às mulheres”, por isso quando uma
mulher ou até mesmo um homem se corrompem ou vão contra o
que é determinado padrão, são oprimidos e tidos como transgres-
sores. Esse poder estruturante permeia toda a construção social da
humanidade, nem mesmo o capitalismo pode ser colocado como
total culpado da opressão contra mulheres, uma vez que o patriarca-
do está vigente antes mesmo do surgimento do modelo econômico
capitalista. “O capitalismo certamente não inventou a subordinação
das mulheres. Esta existiu sob diversas formas em todas as socieda-
des de classe anteriores. (ARRUZZA, BHATTACHARYA E FRA-
SER, 2019, p.51).

Usaremos a mitologia greco-romana para explicar a questão


da dicotomia do pensamento patriarcal e polarização da sociedade:
homem versus mulher. No que se refere às Amazonas, são ainda
hoje uma referência para a luta feminina e inspiração para muitas
meninas, adolescentes, jovens e até mulheres adultas. Na contempo-
raneidade, temos personas como Diana de Themyscira, atualmente
sob o papel da atriz Gal Gadot em Mulher Maravilha, clássico da
DC Comics. Através do universo cinematográfico, hoje temos a pos-
sibilidade de visualizar claramente as mensagens transmitidas pela
mitologia.

Os costumes das amazonas descritas por Heródoto baseiam-se na


retórica da inversão, uma pretendida universalidade que ignora a
diferença entre o modo de viver dos gregos e o modo com viviam
essas mulheres. Elas recusam o matrimônio, escolhem a função de
guerreiras e excluem duplamente os homens. Vão à caça, rejeitam
os afazeres domésticos e estabelecem seu próprio governo. Com
efeito, uma inversão completa em sua totalidade da sociedade pa-
triarcal grega, onde o espaço público era essencialmente um lugar
de homens (OLIVEIRA, 2018, p.3) apud (HARTOG, 2014, p. 246-
247).

Trazendo essa discussão para a contemporaneidade podemos


notar fatores que estão se tornando comuns, como o fato de mulhe-
res que não querem se casar; preferem investir em uma carreira pro-

- 118 -
fissional; buscam ocupar espaços políticos e tudo isso é visto como
uma ameaça pelo patriarcado.
Esse medo do patriarcado de perder sua posição de poder, de
opressão, também pode ser encontrado nos simbolismos da mito-
logia grega, pois segundo Pitágoras, a mulher é a origem do caos.
Através de Pandora, a primeira mulher criada por Zeus, é criado o
mal, um tipo específico de mal, o mal do engano, que é atraente e
bonito por fora, que parece ser algo bom, mas que esconde coisas
ruins dentro (LAURIOLA, 2005).

Para os gregos, a vitória contra suas oponentes significava mais que


um ato de heroísmo, simbolizava a luta desesperada para a manu-
tenção do mundo dos homens. (...)A instituição de um governo de
mulheres implicaria na destruição do patriarcado, da destituição do
Estado e no estabelecimento do caos. O mito reforçava, portanto, o
papel atribuído à mulher, o de ser boas mães e esposas e gerar filhos
aptos à guerra. (OLIVEIRA, 2018, p.3)

A partir do que foi trazido para reflexão, concluímos que o


não lugar da mulher é justamente o lugar que o patriarcado determi-
na e a história reafirma. Por isso, estudos como este são tão necessá-
rios, para abrir um leque de possibilidades para descontruir padrões
e permitir às mulheres escolherem “o seu lugar” e por fim se apro-
priarem de discursos como o da música de Vivien Carelli,

Triste, louca ou má. Será qualificada. Ela quem recusar. Seguir re-
ceita tal. A receita cultural. Do marido, da família. Cuida, cuida da
rotina. Só mesmo, rejeita. Bem conhecida receita. Quem não sem
dores. Aceita que tudo deve mudar. Que um homem não te define.
Sua casa não te define. Sua carne não te define. Você é seu próprio lar.

4.Os Desafios da(o)s Trabalhadoras/trabalhadores de Saúde


em Manaus Face a Diversidade Sexual

Foram entrevistados presencialmente 10 (dez) profissionais


de saúde em diferentes Unidades Básicas de Saúde da Zona Norte de
Manaus, 27 (vinte) da Zona Sul, 26 (vinte e cinco) da Zona Leste, 06
(seis) da Zona Oeste e 8 (oito) da Zona Rural. Respeitando a iden-
tidade dos profissionais entrevistados foram usados nomes fictícios,
com faixa etária de 18 a 70 anos, com profissionais de nível médio,
técnico e superior.

- 119 -
De acordo com Ferreira (2018), o gênero funciona como um
marcador social que possibilita a identificação de diferentes formas
de expressão que estão presentes na história da sociedade, onde
podemos notar a superioridade masculina marcada na história da
humanidade. A partir disso podemos definir o que é identidade de
gênero, que segundo Grossi, “é um conjunto de convicções pelas
quais se considera socialmente o que é masculino ou feminino. Este
núcleo não se modifica ao longo da vida psíquica de cada sujeito,
mas podemos associar novos papéis a esta “massa de convicções”.
(GROSSI, 1998, p.6)
Ainda de acordo com Ferreira (2018),

Identidade de gênero: é a experiência que cada pessoa tem sobre


qual gênero a sua identidade carrega... não é natural que as pessoas
necessariamente correspondam a essa expectativa e se identifiquem
com ela. Assim definimos cisgêneros como aqueles sujeitos cuja
identidade de gênero concorda como o que socialmente se estabele-
ceu como padrão para o seu sexo. (FERREIRA, 2018, p. 32).

Para Louro (2000)

Os corpos ganham sentido socialmente. A inscrição dos gêneros —


feminino ou masculino — nos corpos é feita, sempre, no contexto
de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultu-
ra. As possibilidades da sexualidade — das formas de expressar os
desejos e prazeres — também são sempre socialmente estabeleci-
das e codificadas. As identidades de gênero e sexuais são, portanto,
compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas
redes de poder de uma sociedade. (LOURO, 2000, p.6).

É imprescindível trazer à baila que o sujeito feminino histo-


ricamente sofre com a opressão do patriarcado e seus mecanismos
heteronormativos, que por consequência, determinam as razões para
que a heterossexualidade seja considerada a orientação sexual aceita
socialmente e a partir das respostas dos entrevistados isso se confir-
ma, pois dos 77 entrevistados, 62 (sessenta e duas) pessoas se de-
clararam heterossexuais, 6 (seis) “normais” (diga-se heterossexuais)
e 4 (quatro) não quiseram responder. E quando perguntados sobre o
segmento LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Interse-
xuais), 91% (69) dos participantes informaram que sabem o que a
sigla significa e 9% (7) não sabem do que se trata.

- 120 -
Ainda foi possível notar que há certo desconhecimento quan-
do tratamos especificamente das mulheres lésbicas e bissexuais, ob-
servando as respostas dos profissionais quando perguntados se exis-
te diferença entre essas identidades:

Acho que não... esse assunto é complicado pra mim... (CAPELLA)


Não saberia responder... acho que não. (ANTARES)
Acho que é a mesma coisa, talvez apenas as palavras são diferentes.
(ESTRELA DE MAGALHÃES).

Para Cavalcante (2015), as mulheres com orientações sexuais


e identidades de gênero não heterossexuais tem dificuldades de cui-
dar da própria saúde, visto a falta de acolhimento, desconhecimen-
to dos profissionais em saúde, em como conduzir os atendimentos,
consultas e demais procedimentos técnico-operativos, ou seja, há
um desconhecimento no que se refere às peculiaridades das referi-
das expressões sexuais, refletidas em dois aspectos nas entrevistas
realizadas com os profissionais, quando questionados se o atendi-
mento é mais frequente para pessoas LGBTI do gênero masculino
ou feminino e se há diferença entre as identidades: mulheres lésbicas
e bissexuais.
Essa não identificação ocorre principalmente pelo receio em
informar a orientação sexual conforme relatos apresentados ante-
riormente. Segundo Rufino et al. (2018) em pesquisa realizada em
todo Brasil de 2013 a 2014, há relatos de vivências recor­rentes de
discriminação contra mulheres que se identificam como lésbicas
(lesbofobia) e mulheres bissexuais (bifobia) e, também de invisi-
bilidade, causadas justamente por atitudes heteronormativas dos
profissionais de saúde. Entretanto, em Manaus, durante a pesquisa,
70% (53) dos profissionais se mostraram dispostos a participar de
formações e adquirir novos conhecimentos sobre a diversidade se-
xual, muito embora 30% (23) não tenham mostrado interesse em
participar, conforme a seguir:

- 121 -
Gráfico 03- Participação em formação

Fonte: Elaborado com base em dados coletados em pesquisa de campo


2021.

Somadas a esse desinteresse em participação de alguma for-


mação, tem-se nessa pesquisa, que 87% (55) das pessoas afirmaram
que não tiveram em seu processo formativo disciplinas que contem-
plassem essa discussão, o que acarreta lacunas à formação profis-
sional e consequentemente ao arsenal técnico-operativo para o seu
trabalho.

Gráfico 4: Disciplina que contemple o processo formativo

Fonte: Elaborado com base em dados coletados em pesquisa de campo


2021.

- 122 -
É imperioso destacar que a Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS, 1996, p. 01), menciona:
A formação profissional deve viabilizar uma capacitação teó-
rico-metodológica e ético-política, como requisito fundamental para
o exercício de atividades técnico-operativas, com vistas à apreensão
crítica dos processos sociais numa perspectiva de totalidade.
Portanto, a necessidade de se debruçar sobre esse tema é
fundamental para que compreendamos seus diversos significados
em diversos contextos/espaços, e principalmente, a existência de
uma disciplina que atenda essa especificidade que se apresenta na
contemporaneidade, para além de um Curso específico (embora
nos refiramos ao Serviço Social) que nos possibilite fazer leituras
acerca desta realidade e dessa forma identificar como fazer e quais
estratégias usar, ou seja uma instrumentalidade, que permita rever,
identificar seus compromissos, com quem estamos comprometidos
e alcançar, dessa forma, seus objetivos.

Considerações Finais

Considerando o estudo realizado, foi possível concluir a ne-


cessidade urgente de se revisitar as políticas de saúde para mulheres
pensada nas especificidades de mulheres lésbicas e bissexuais, bem
como criar programas para que o acesso dessas mulheres à saúde
seja efetivo e humanizado.
Um dos elementos comprovados foi a ascensão dos elemen-
tos patriarcais na sociedade, o grande responsável por potenciali-
zar a superioridade masculina e, consequentemente, conduzir a ho-
mossexualidade feminina aos porões da invisibilidade. Ademais, a
sociedade estabeleceu um poder hegemônico que cristalizou a su-
perioridade da heteronormatividade, fato este que foi responsável
por marginalizar, demonizar, patologizar e tornar silente as homos-
sexualidades até os dias atuais. Para além disso, percebe-se uma
estruturação social extremamente excludente, machista e misógina.
Controlando homens e mulheres, negros e brancos, héteros e homos-
sexuais. Observou-se condicionantes padronizadoras antes mesmo
de nascer.
A intenção da pesquisa não foi trazer respostas imediatas para
o fim do preconceito e das violações de direitos, pois esses resul-

- 123 -
tados demandam um caminho muito árduo para se percorrer. No
entanto, vale ressaltar que ela se configura com um ponto de partida
para a discussão dessa temática. Espera-se que o conteúdo da pes-
quisa possa contribuir em possíveis propostas concretas, em planos,
programas e projetos que possam atender as particularidades de su-
jeitos usuários e profissionais inseridos nas práticas dos serviços de
saúde.
A pesquisa possibilitou a compreensão do movimento de mu-
lheres lésbicas e bissexuais poder reivindicar seu espaço, conside-
rando aspectos de gênero, sexualidade, raça, entre outros. Além de
repensar, quanto as políticas voltadas para a população LGBTI, mar-
cadas a priori pelo controle à epidemia da aids. Nesse sentido, algu-
mas bandeiras passaram a ganhar espaço em documentos e cartilhas.
No entanto, ainda se percebe que as políticas públicas, e de
saúde, ainda se mostram insuficientes no pensar nas problemáticas
de sua construção e nos desafios de sua implementação para mulhe-
res lésbicas e bissexuais. As políticas públicas, tem desafios a serem
enfrentados, em especial o debate que envolve a diversidade sexual,
pois a falta de informação e entendimento afeta a saúde dessas mu-
lheres.
Portanto, é necessário refletir para compreender as identida-
des feministas na diversidade sexual e avançar nas discussões e de-
bates que envolvem sexo, gênero, identidade de gênero e orientação
sexual e assim desvendar tabus, vistas a pensar num futuro, e em
uma sociedade mais equitativa.

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xuais / Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2012.
LOURO, Guacira Lopes. O Corpo Educado: pedagogias da sexuali-
dade. ed.2 Belo Horizonte: Autêntica. 2000.
OLIVEIRA, Adriano Rodrigues. O Mito Das Amazonas Na América
Do Século XVI: uma análise da relação entre imaginário e imagem.
Anais XIV Encontro de História da ANPUH MS. 2018
RUFINO, Andréa Cronemberger. Práticas sexuais e cuidados em saú-
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miol. Serv. Saúde, Brasília, 27(4):e2017499, 2018.
SOUZA, Isadora Lima. Mulheres na História e o Armário da In-
visibilidade Lésbica. Orientador: Lidiany de Lima Cavalcante. 2018.
PIBIC (Serviço Social) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus,
2018.

- 125 -
- 126 -
Seção III
A Construção nas Perspectivas
de Inclusão e Reconhecimento

- 127 -
- 128 -
CAPÍTULO 8

ENTRANDO PELAS PORTAS DOS


FUNDOS NOS SERVIÇOS DE SAUDE:
a atenção primária a saúde de mulheres
lésbicas e bissexuais em Manaus.
Helen Bastos Gomes1
Márcia Irene Pereira Andrade Mavignier2
Evelyn Barroso Pedrosa3
Introdução

Antes da criação do SUS (em 1988), a saúde não era considerada


um direito social. O modelo de saúde adotado até então dividia os
brasileiros em três categorias (...) Assim, o SUS foi criado para ofe-
recer atendimento igualitário e cuidar e promover a saúde de toda a
população (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010)

Parte-se da seguinte indagação: saúde e direitos configuram-


-se em uma equação possível? Argumenta-se que a construção do
1 Doutora em Educação pela UFAM. Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia/UFAM.
Especialista em Saúde da Família pela Faculdade da Grande Fortaleza. Especialista em Polí-
ticas Públicas de Enfrentamento à Violência Doméstica. Especialista em Saúde Pública com
ênfase em Estratégia em Saúde da Família/UEA/ESAP. Professora Adjunto A, nível 1 – De-
partamento de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas/UFAM. Coordenadora
do Programa Observatório dos Direitos da Criança e Adolescente/PRODECA. Pesquisadora
do Grupo de Estudos e Pesquisas de Processos de Trabalho em Serviço Social na Amazônia
(GETRA). Possui graduação em Serviço Social (2011) e Administração Pública (2022). Tem
experiência na área de Serviço Social com ênfase em Política, atuando principalmente nos
seguintes temas: trabalho, direitos, avaliação, exercício profissional, criança e adolescente e
saúde. E-mail: hellenbastosgomes@hotmail.com
2 Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas. Doutora em
Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação/UFAM. Mestre em Sociedade e
Cultura na Amazônia/UFAM. Graduada em Serviço Social/UFAM. É coordenadora do Pro-
grama de Extensão: Observatório dos Direitos da Criança e do Adolescente/PRODECA. Atu-
almente está como Diretora Técnico-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
do Amazonas/FAPEAM. Possui experiência na área de Serviço Social, atuando principal-
mente nos seguintes temas: serviço social, legitimidade profissional, educação, avaliação de
programas sociais e exercício profissional, criança e adolescente, políticas públicas. E-mail:
marciamavignier01@gmail.com
3 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas. Mestre em Serviço
Social e Sustentabilidade na Amazônia/UFAM. Pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de
Estudos Socioambientais e Desenvolvimentos de Tecnologias Sociais na Amazônia/Grupo
Inter-Ação e do Grupo de Pesquisa em Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade
na Amazônia/GEDHS/UFAM. E-mail: evelyn_barroso_@hotmail.com

- 129 -
Sistema Único de Saúde (SUS) deve ser apreendida como um marco
de cidadania em nosso País, consagrado na Constituição Federal de
1988. A partir do entendimento de que a materialização de direitos
de cidadania depende da articulação entre forças políticas e movi-
mentos sociais é que se afirmar que a defesa do SUS constitui-se em
uma defesa intransigente da saúde pública como dever do estado e
direito de todos.
O SUS (lei 8.080/1990) é um sistema único de saúde que deve
ser concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, pres-
tados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e muni-
cipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas
pelo Poder Público. Contudo, mesmo instituído como direito uni-
versal, o SUS é constituído por uma estrutura híbrida de gestão da
saúde, uma vez que seu funcionamento se baseia em uma rede de
atendimento público e gratuito ao cidadão e outra privada, que deve
atuar de maneira complementar e conforme as diretrizes do SUS.
Esse é o caráter contraditório do SUS: a proposta de universalidade
exarada na Constituição federal de 1988 e a atuação complementar
da rede privada que abre o caminho para o processo de privatização
do SUS em tempos de menos Estado e mais capital na área social.
Sempre é bom lembrar que “O Estado brasileiro historicamente es-
timulou o setor privado promovendo a mercantilização da saúde”
(PAIM, 2015, p. 1).
Os princípios doutrinários norteadores do SUS são: universa-
lidade, equidade, integralidade, hierarquização, participação popu-
lar e descentralização política administrativa. O SUS proporcionou
o acesso universal ao sistema público de saúde, sem discriminação,
universal, independentes de raça, gênero ou cor, com vistas a propi-
ciar aos cidadãos acesso à saúde com qualidade, humanidade e con-
tinuidade. É salutar expor que o SUS oferta serviços de saúde para
mais de 200 milhões de habitantes do nosso País, o que representa
sua magnitude e desafios.
Num contexto de pandemia da Covid-19 sob o toque do neo-
liberalismo os desafios para o acesso aos serviços de saúde do SUS
agudizaram-se. Para se ter uma noção acerca do tamanho da proble-
mática no Brasil, o Painel Interativo do Coronavírus Brasil (SAÚ-
DE, 2022) demonstra-nos que 32.830.844 casos confirmados, des-
tes 673.339 óbitos e 31.119.463 pessoas recuperadas, já na Região

- 130 -
Norte têm-se 2.590.516 casos confirmados e 50.384 (JULHO/2022).
De acordo com a Nota Técnica 22, 09 de novembro de 2021
- MonitoraCovid-19 – ICICT/FIOCRUZ, revela-nos que a compara-
ção entre o período de janeiro de 2018 a junho de 2019, considerado
como um período pré-epidêmico com o período de janeiro de 2020
a junho de 2021, considerado como um período, após o início da
epidemia, apresenta uma diferença de 1.7 milhões de internações, só
de internações eletivas são 1.2 milhões.
Além disso, esse estudo revela a queda em ações de prevenção
e promoção de saúde já apresentavam uma diminuição em períodos
anteriores a epidemia de Covid-19, e caso do acesso aos serviços de
atenção básica continuem a diminuir. A tendência é o agravamento
de outras questões de saúde relacionadas ao nível secundário e ter-
ciário do SUS. Tudo isso agravado pela adoção da agenda neoliberal
para as políticas públicas brasileiras, como é o caso da política de
saúde.
Esses elementos aprofundam o processo de desmonte do
SUS, uma vez que a universalização do direito à saúde constitui-se
mais em um ideal do que em uma realidade, visto que vivenciamos
o não cumprimento das diretrizes organizacionais do SUS, pois o
acesso aos serviços de saúde não ocorre na sua integralidade. Por-
tanto, o SUS enquanto conquista democrática não se efetiva na vida
de expressos segmentos populacionais em nosso País.
Ao se buscar discorrer acerca dos serviços de saúde para a
população LGBTQIA+ na cidade de Manaus é vital discorrer acer-
ca desse município da região Norte, capital do estado do Amazo-
nas localizada à margem esquerda do Rio Negro. De acordo com
o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2010) possui uma
população de 1.802.014 habitantes, além disso 84% dos habitantes
manauaras estão localizados no contexto urbano, em contraste que
16% encontram no meio rural. Verifica-se que neste universo de ex-
trema pobreza os dois mais altos índices por faixa etária de idade
encontram-se no intervalo de 25 a 34 anos (21. 600 habitantes) e
de 35 a 49 anos (19. 906 habitantes). Argumenta-se que cidade de
Manaus convive com a modernidade das empresas de tecnologia de
ponta, instaladas no Polo Industrial de Manaus ao lado da exuberan-
te Hileia Amazônica. Esse é o espaço empírico no qual se debruça a
presente reflexão.

- 131 -
Estabelecidos os elementos que contornam a problemática en-
tre saúde e direito, deve-se questionar: Qual o papel do SUS no que
tange as ações de atenção básica para a população LGBTQIA+44?
Como assegurar o acesso com qualidade às ações e serviços de saúde
no SUS face ao seu desmonte, bem como face a diversidade dentro
da diversidade que essa política comporta? No que tange a invisibili-
dade ao atendimento de mulheres lésbicas e bissexuais como assegu-
rar um atendimento integral, sem discriminação, estigma ou precon-
ceito? Como a oferta desses serviços ocorrem na cidade de Manaus?
Problematizar acerca dessa questão não é sob a ótica de privilégios
ou recortes, mais sim pela ótica dos direitos, pois o que a população
LGBTQIA+ pleiteia reside no entendimento de que eles querem “nem
menos, nem mais. Direitos iguais!” (MOVIMENTO LGBT).

As complexidades no que tange a especificidade ao atendi-


mento à saúde LGBTQIA+54.

Política LGBT marca o reconhecimento dos efeitos da discrimi-


nação e da exclusão no processo de saúde-doença da população
LGBT. Suas diretrizes e seus objetivos estão, portanto, voltados
para mudanças na determinação social da saúde, com vistas à re-
dução das desigualdades relacionadas à saúde destes grupos (BRA-
SIL, 2011, p. 10).

A saúde constitui-se em um direito social e uma necessidade


básica de cada cidadão. Como falar da realização desse direito de
forma integral para todos em nosso País se vivenciamos um pro-
cesso pandêmico e desmonte neoliberal das políticas públicas? E
isso se complexifica ainda mais se falamos da saúde da população
LGBTQIA+.
Sobre as políticas públicas direcionadas a população LGBT-
QIA+ no Brasil é conveniente retomar que

4 Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e


Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBT) no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS) foi instituída no dia 1º de dezembro de 2011,
5 A título de esclarecimentos, em alguns momentos desse artigo utiliza-se o termo LGBT,
diferente da a atual LGBTQIA+, isso deve-se ao fato que no momento da elaboração e
efetivação da referida política, o termo LGBTQIA+ não era comumente utilizado. Sendo
assim, quando nos referimos a política pública será utilizado o termo LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Em outras referências optamos por utilizar o
termo LGBTIQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexos, Queer,
Assexuais e outras/os) devido ao potencial inclusivo desse termo.

- 132 -
Tais políticas públicas têm início apenas em 2004 com projetos
como o “Programa Brasil sem Homofobia”, articulado com o movi-
mento LGBT e que promove ações educacionais concomitante com
o “Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos
LGBT”, sendo contemplados por pesquisas promovidas pelo Mi-
nistério da Educação. De acordo com os autores Mello e Avelar
(2012), uma segunda iniciativa que apresenta impacto expressivo
à luz da evolução dos debates de gênero no país, é a I Conferência
Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(FRANCO, 2017, p. 7).

Percebe-se que os avanços e conquistas por direitos de cida-


dania da população LGBTQIA+ encontram-se em sintonia com mo-
mentos mais democráticos e permeáveis a ampliação da cidadania
que ocorreram no País. Assim como, é salutar afirmar que quaisquer
políticas públicas para a população LGBTQIA+ tem como marca o
reconhecimento dos efeitos da discriminação e da exclusão dessa
comunidade aos direitos de cidadania, pois a realidade brasileira é
marcada “[...] pela negação de direitos civis e políticos e os direitos
sociais, quando viabilizados, ainda são tomados como instrumento
de controle do Estado sobre a sociedade.” (MACHADO, 2012, p.
41).
Diante disso, edificar a Política Nacional de Saúde Integral
(PNSI) para a população LGBTQIA+ em um País marcado por um
contexto desigual, exclusão e preconceitos é fruto de um imenso
processo que comporta lutas e resistências (MOSCHETA, 2011). De
fato, ter uma política pública é um reconhecimento de direitos, con-
tudo monitorar e avaliar como essa política materializa-se por meio
de ações e serviços no SUS deve ser um compromisso ético urgente
na atualidade.
Vejamos a linha histórica da política pública de saúde para a
população LGBT desde 1986 a 2013, conforme o quadro a seguir:

- 133 -
Quadro 1: Políticas públicas de saúde para população LGBT: da criação
do SUS à implementação da Política Nacional de Saúde Integral de LGBT
DATA ACONTECIMENTO
1986 Programa Nacional de DST e Aids
1988 Constituição Federal e a criação do SUS
2002 Programa Nacional de Direitos Humanos 2
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher;
Ministério da Saúde cria o Comitê Técnico de Saúde da População
2004
GLTB65;
Programa Brasil Sem Homofobia.
Carta do Usuário do SUS;
2006
Representação LGBT no Conselho Nacional de Saúde
Seminário Nacional de Saúde da População GLBTT na Construção
do Sus;
Plano de Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST entre Gays,
2007
HSH e Travestis;
Plano de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de Aids e outras
DST
Programa Mais Saúde - Direito de Todos;
13ª Conferência Nacional de Saúde;
I Conferência Nacional LGBT;
2008
Portarias Ministério da Saúde nº 1707 e 457 Processo Transexualizador
no SUS;
Consulta Pública da PNSI LGBT.
Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de
LGBT;
CNS aprova a PNSI LGBT;
2009
Plano Nacional de Direitos Humanos PNDH 3;
Versão Preliminar do CAB nº 26;
Política Nacional de Saúde do Homem
PNSI LGBT;
Coordenadoria Nacional de Promoção dos Direitos Humanos LGBT;
2010 Conselho Nacional LGBT;
Portaria nº 233 MPOG - Prenome social;
Caderno de Atenção Básica nº 26 - Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva
Portaria MS nº 2.836 PNSI LGBT;
Plano Operacional da PNSI LGBT;
Resolução nº 17 da CDH da ONU;
Reconhecimento das uniões homoafetivas como famílias e da união
2011 estável no STF;
II Conferência Nacional LGBT;
Redefinição do Comitê Técnico de Saúde LGBT;
Inclusão de quesitos de Diversidade Sexual no SINAN;
Portaria MS 2979 de transferência de recursos – PaticipaSUS.

6 Ressalta-se que a denominação GLTB – Gays, Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais


correspondem à designação tal qual se encontra mencionada na redação dos documentos
oficiais à época.

- 134 -
Portaria MS nº 2.712 redefine procedimentos hemoterápicos;
2013 Portaria MS nº 2.803 Redefine e amplia o processo Transexualizador;
Portaria MS nº 2.807 ParticipaSUS.
Fonte: Laurentino, Arnaldo Cezar Nogueira, 2015.

O quadro 1 revela-nos momentos significativos acerca da luta


por direitos, para tirar o manto da invisibilidade que teima circundar
a população LGBTQIA+ em nossa sociedade. Ademais, é salutar
destacar que mesmo ainda não comportando todos os avanços e as
necessidades desses sujeitos é importante pontuar que

A Política Nacional de Saúde LGBT é um divisor de águas para


as políticas públicas de saúde no Brasil e um marco histórico de
reconhecimento das demandas desta população em condição de
vulnerabilidade. É também um documento norteador e legitimador
das suas necessidades e especificidades, em conformidade aos pos-
tulados de equidade previstos na Constituição Federal e na Carta
dos Usuários do Sistema Único de Saúde. (BRASIL, 2013, p.06).

A PNSI-LGBT expressa princípios e diretrizes progressistas,


além de dar visibilidade às questões de saúde da população LGBT-
QIA+. Sua composição expressa um conjunto de diretrizes e para
que essas diretrizes sejam operacionalizadas urge que se construam
planos eficazes que apresentem estratégias e metas para sua reali-
zação, pois sem isso a PNSI-LGBT não passará de uma carta de
intenções.
Para tanto é necessário que as estratégias e metas que irão
nortear o acesso às ações e serviços de saúde para a população LGB-
TQIA+ devem-se pautar de forma incondicional nas seguintes dire-
trizes, quais sejam:

Art. 3º Na elaboração dos planos, programas, projetos e ações de


saúde, serão observadas as seguintes diretrizes:
I - respeito aos direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, tra-
vestis e transexuais, contribuindo para a eliminação do estigma e
da discriminação decorrentes das homofobias, como a lesbofobia,
gayfobia, bifobia, travestifobia e transfobia, consideradas na deter-
minação social de sofrimento e de doença;
II - contribuição para a promoção da cidadania e da inclusão da
população LGBT por meio da articulação com as diversas políticas
sociais, de educação, trabalho, segurança;
III - inclusão da diversidade populacional nos processos de formu-
lação, implementação de outras políticas e programas voltados para

- 135 -
grupos específicos no SUS, envolvendo orientação sexual, identi-
dade de gênero, ciclos de vida, raça-etnia e território;
IV - eliminação das homofobias e demais formas de discriminação
que geram a violência contra a população LGBT no âmbito do SUS,
contribuindo para as mudanças na sociedade em geral;
V - implementação de ações, serviços e procedimentos no SUS,
com vistas ao alívio do sofrimento, dor e adoecimento relacionados
aos aspectos de inadequação de identidade, corporal e psíquica re-
lativos às pessoas transexuais e travestis. (BRASIL, 2013, p.22-23).

Passados mais de 10 anos da instituição da PNSI-LGBT, mui-


to ainda temos que caminhar. Se a referida política pública deu vi-
sibilidade às questões de saúde dessa população, ainda persistem
questões que fragilizam o atendimento e por vezes não o ofertam
com a qualidade necessária sob o prisma da dignidade da pessoa
humana.
O Instituto brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de
forma inédita lançou a Pesquisa nacional de saúde: 2019 - orienta-
ção sexual auto identificada da população adulta (2022). Trouxe-nos
os seguintes dados:

Em 2019, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde - PNS76, havia


159,2 milhões de pessoas de 18 anos ou mais de idade no País,
das quais 46,8% eram homens, e 53,2% eram mulheres. Nesse con-
tingente, conforme apresentado na Tabela 1, 94,8% das pessoas se
declararam como heterossexuais; 1,2%, como homossexuais; 0,7%,
como bissexuais; 3,4% delas não sabiam ou não quiseram respon-
der; e 0,1% declararam outra orientação sexual (categoria que in-
clui o assexual e pansexual, por exemplo) (IBGE, 2022, p.10).

Os números acima servem para orientar as ações e medidas de


políticas públicas na saúde direcionadas para essa população, pois
permite compreender o tamanho dos serviços a serem ofertados,
suas especificidades, bem como monitorar potenciais desigualdades
de aspectos sociais e de saúde da população LGBTQIA+.
Sobre essa questão, Lucila Vianna (2005, p.4) afirma que
“[...] o processo saúde - doença representa o conjunto de relações e
variáveis que produzem e condicionam o estado de saúde e doença
de uma população, que variam em diversos momentos históricos e
do desenvolvimento científico da humanidade”. Sendo assim, pode-
6
7 Destaca-se que na PNS 2019, foi realizada a captação do sexo biológico dos
indivíduos, não havendo a investigação da identidade de gênero.

- 136 -
mos relacionar com as questões de saúde da população LGBTQIA+.
Neste contexto, as inúmeras vulnerabilidades sociais que afetam essa
população promovem determinações em suas condições de saúde.
Destaca-se algumas que afetam diretamente o acesso da
população LGBTQIA+ aos serviços de saúdes, quais sejam: 1. o
desrespeito do uso do nome social, 2.o preconceito, 3.a heteronor-
matividade em relação às mulheres lésbicas, 4. a falta de aceitação
social e 5. a violência em si, seja física ou psicológica (MARTINS,
CARNEIRO E SILVA, 2021). Além disso, é urgente destacar que
“[...] todas as formas de discriminação como no caso da homofobia,
devem ser consideradas como situações produtoras de doença e so-
frimento” (BRASIL, 2007, p.14).
Nota-se que muito ainda se tem que caminhar para que a po-
pulação LGBTQIA+ tenha de fato, como de direito, uma atenção
integral às questões de saúde, pois

Os desafios que se apresentam são muitos, o lidar com a diferença


e a singularidade dos sujeitos LGBT não podem se restringir aos
muros institucionais. As diferenças não podem ser usadas como
instrumento para tratamentos desiguais e discriminatórios. Contu-
do, a “[...] promoção da equidade para a população LGBT deve
ser compreendida a partir da perspectiva das suas vulnerabilidades
especificas que visem à proteção dos direitos humanos e sociais
dessa população” (BRASIL, 2008, p.572). Uma ação ainda a ser
destacada é a capacitação sobre controle social no SUS de mais de
180 lideranças do movimento LGBT, desde 2013 (BRASIL, 2014
Apud HORTS, 2015 p.10).

Os argumentos expostos reforçam a máxima de que mesmo


instituindo a PNSI-LGBT, o estado brasileiro toma uma posição
político-institucional diante dessa questão, contudo a qualidade e o
acesso aos serviços de saúde tendem a desejar e a obliterar por vezes
os avanços legais conquistados, seja por negação dos demais entes
federados (estado e municípios), quanto por redução de investimen-
tos, impostos pelo ideário neoliberal, como também face ao avanço
do conservadorismo nas políticas públicas brasileiras.
Verticalizando acerca da saúde de mulheres lésbicas e bisse-
xuais, o Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas – Promoção da Equi-
dade e da Integralidade (2006), da autora Facchini e Barbosa, pontua
que a invisibilidade da Mulher Lésbica e Bissexual nos serviços de
saúde ocorre devido a falta de acolhimento e reconhecimento dentro

- 137 -
das unidades de saúde, de sua identidade de gênero e de sua orien-
tação sexual, uma vez que, parcela significativa de profissionais que
atuam nos serviços de saúde não possuem formação que abarque as
singularidades desses atendimentos, mesmo tendo as exigências de
formações, uma vez que a PNSI+LGBT preconiza “[...] um projeto
de qualificação profissional com a inclusão de enfoque especifico
para atendimento à população LGBT, na lógica da garantia da in-
tegralidade nos serviços de saúde do SUS” (BRASIL, 2011, p.40).
No que tange as políticas de saúde da mulher no Brasil nas
últimas décadas, pode-se afirmar que essas políticas se voltaram de
forma significativa para as demandas provenientes das causas femi-
nistas visando o reconhecimento das possibilidades de ser e estar
mulher em nossa sociedade. Vejamos a linha do Tempo das Políticas
de Saúde da Mulher no Brasil:

Figura 1: Linha do Tempo das Políticas de Saúde da Mulher no Brasil.

Fonte: Adaptado pelas autoras, 2022.

Nota-se que os avanços nas conquistas dos direitos à saúde


das mulheres em nosso país apresentam também inúmeros desafios
acerca da operacionalização dessa política. De acordo com o Pro-
tocolo de Atenção Básica: Saúde da Mulher (2016) existem linhas
orientadoras para organizar e priorizar o cuidado da mulher:

- 138 -
Quadro 2: Linha de Cuidado na Atenção Primária a Saúde da Mulher.
Apresenta os principais motivadores de contato
espontâneo das usuárias com os serviços de saúde
que usualmente não estão contemplados nas ações
PARTE 1 programáticas já consolidadas. Tais como problemas
Atenção aos Problemas/ relacionados à: menstruação (sangramento uterino
Queixas mais Comuns anormal, ausência de sangramento menstrual, sintomas
em Saúde das Mulheres. pré-menstruais, entre outros), lesões anogenitais,
corrimento vaginal, mastalgia, descarga papilar, dor
pélvica, avaliação de achados em ultrassonografia
pélvica, perda urinária e disúria.

O acesso ao cuidado do pré-natal no primeiro trimestre


PARTE 2 da gestação, a gestante precisa ser orientada sobre
Atenção Às Mulheres questões referentes a seus direitos sexuais, sociais e
no Pré-Natal de Baixo trabalhistas. Quanto ao puerpério inicia imediatamente
Risco, Puerpério após o parto e dura, em média seis semanas após este,
E Promoção do havendo variabilidade na duração entre as mulheres. A
Aleitamento Materno. importância do aleitamento materno e à alimentação
complementar saudável.

Esse tópico trata do planejamento reprodutivo, chamado


também de planejamento familiar, designa um conjunto
de ações de regulação da fecundidade, as quais podem
PARTE 3
auxiliar as pessoas a prever e controlar a geração e o
Planejamento
nascimento de filhos, e englobam adultos, jovens e
Reprodutivo.
adolescentes, com vida sexual com e sem parcerias
estáveis, bem como aqueles e aquelas que se preparam
para iniciar sua vida sexual.

Neste tópico vai se tratar do câncer de colo do útero,


também chamado de câncer cervical, é o quarto tipo de
PARTE 4
câncer mais comum entre as mulheres. ¹ com exceção
Prevenção de Câncer de
do câncer de pele, esse tumor é o que apresenta maior
Colo do Útero.
potencial de prevenção e cura quando diagnosticado
precocemente.

O câncer de mama é o que mais acomete mulheres em


PARTE 5
todo o mundo, constituindo a maior causa de morte por
Prevenção do Câncer
câncer nos países em desenvolvimento. No Brasil, é o
De Mama.
segundo tipo mais incidente na população feminina.

O climatério corresponde à transição da mulher do


ciclo reprodutivo para o não reprodutivo, ocorrendo
PARTE 6 habitualmente entre os 40 e 65 anos. É uma fase
Atenção às Mulheres biológica da vida da mulher e um período de mudanças
no Climatério. psicossociais, de ordem afetiva, sexual, familiar,
ocupacional, que podem afetar a forma como ela vive
o climatério e responde a estas mudanças em sua vida

- 139 -
Por fim, trata-se da violência contra a mulher que pode
ser definida como “qualquer ato ou conduta baseada
no gênero que cause morte, dano ou sofrimento
PARTE 7
físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera
Atenção às Mulheres em
pública como na esfera privada”. Considera-se como
Situação de Violência
violência sexual qualquer forma de atividade sexual
Sexual e/ou Doméstica/
não consentida. A violência doméstica/intrafamiliar
Intrafamiliar.
“ocorre entre os parceiros íntimos e entre os membros
da família, principalmente no ambiente da casa, mas
não unicamente”.
Fonte: SPM, 2016.

Depreende-se que Política de Saúde tende a verticalizar o cui-


dado da mulher no âmbito da saúde reprodutiva, com a atenção vol-
tada: ao pré-natal, parto, puerpério e planejamento reprodutivo. No
contexto atual, tem chamado a atenção da saúde pública a prevenção
dos cânceres de colo do útero e de mama.
Quando aprofundamos a questão do recorte da orientação se-
xual (mulher lésbica e Bissexual) o documento de Monitoramento e
Acompanhamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
da Mulher e do plano nacional de políticas para as mulheres (2015)
destaca que seu objetivo 11 - Promover a atenção à saúde das mu-
lheres lésbicas e bissexuais, ainda existem muitas preocupações e
respostas a serem dadas a este segmento, que deve contemplar ações
de saúde da mulher com recorte de orientação sexual pautando-se
pelos seguintes indicadores, quais sejam:
1 - Existência de ações de atenção à saúde das mulheres lésbicas;
2 - Números de estados/município com assessoria técnica em saúde
das mulheres lésbicas;
3 - Postergação no atendimento por orientação sexual;
4 - Sistema de informação com dados desagregados por orientação
sexual;
5 - Acesso à informação e insumos para DST e AIDS;
6 - Acesso a prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer de
mama, colo de útero e pulmão;
7 - Existência de coordenação ou área programática específica para
mulheres lésbicas e bissexuais;
8 - Existência de fóruns e outros espaços políticos de participação
da sociedade civil organizada (SPM, 2016, p. 24).

Diante disso, verificamos que existem inúmeros normativos


que permeiam tanto a PNSI-LGBT quanto a Política de Saúde da

- 140 -
Mulher, contudo, a materialização desses normativos em ações e
serviços requer a superação de imenso hiato, pois “[...] o reconheci-
mento dos limites e das fraturas da sociabilidade do capital que não
oferece condições objetivas e subjetivas para acolher os indivíduos
em sua diversidade e resolver toda ordem de discriminação, precon-
ceitos e formas opressivas” [...] (SANTOS, 2009, p. 83) é vital para
que possamos superar esse hiato e avançarmos em direção da oferta
de serviços de saúde que atendam às diversidades e especificidades
presentes na sociedade brasileira.

3. A atenção primária à saúde de lésbicas, mulheres bissexuais


e que fazem sexo com outras mulheres na cidade de Manaus.

[...] é importante o conhecimento, acerca da saúde e dos problemas


que cercam esta população, para que possam tomar as decisões cer-
tas. Lira, 2019, p.21.

Sobre as questões de saúde de mulheres lésbicas e bissexuais


pode-se dizer que programas, ações e serviços que cercam a saú-
de feminina por vezes tendem a reforçar estereótipos de gênero ao
associar diretamente a sexualidade da mulher com a maternidade
(CARVALHO et al., 2013).
Exposto isso, a Política Nacional de Atenção Primária à Saú-
de (PNAB, 2017) constitui-se em um instrumento inicial para se
compreender a atenção básica como uma dimensão constitutiva da
política de saúde. A Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017
revisou as diretrizes da PNAB tendo como pano de fundo o Sistema
Único de Saúde (SUS).
A Estratégia Saúde da Família é o principal alvo de organiza-
ção do SUS e da PNAB, além da organicidade das equipes de com-
posições e dos processos de trabalho. Segundo Gomes et al (2020),
podemos notar o desenvolvimento da PNAB por meio da figura a
seguir:

- 141 -
Figura 2: Linha do Tempo – PNAB

Fonte: Gomes; Gutiérrez e Soranz (2020)

A linha do tempo expressa na figura 2 demonstra todo o pro-


cesso histórico da atenção primária à saúde nos períodos governa-
mentais de 2003 a 2019. Chama-nos atenção na figura acima que a
partir de 2017 a PNAB buscou-se integrar a atenção básica no que se
trata de: financiamento, vigilância, novas atribuições do Agente Co-
munitário de Saúde (ACS) e Agente de Combate a Endemias (ACE).
Ressalta-se que a Política Nacional de Atenção à Saúde
(PNAB) de 2017 subdivide-se em seis (partes) as quais buscam reor-
ganizar a Atenção Primária em Saúde no Brasil. Tal reorganização
perpassa pelos serviços e tem como estratégia integrar todos os as-
pectos desses serviços tendo como perspectiva as necessidades em
saúde da população.
PNAB (2017) tem como centralidade os princípios e diretri-
zes norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e das Redes de
Atenção à Saúde (RAS), quais sejam: I. Princípios - a) Universali-
dade; b) Equidade; e c) Integralidade; II Diretrizes: a) Regionaliza-
ção e Hierarquização: b) Territorialização; c) População Adscrita; d)
Cuidado centrado na pessoa; e) Resolutividade; f) Longitudinalida-
de do cuidado; g) Coordenação do cuidado; h) Ordenação da rede; e
i) Participação da comunidade.
Além disso, a PNAB (2017) define a organização da RAS e
pontua as estratégias para o cuidado integral com as necessidades

- 142 -
da população, articulando de forma clara os vários serviços, dando
destaque a Atenção Básica como sendo a principal porta de entrada
para o sistema. Outro ponto primordial é a infraestrutura, a PNAB,
que se refere ao conjunto de procedimentos que estão interligados
às questões físicas, tecnológicas e aos recursos humanos dentro da
Unidade Básica de Saúde - UBS, com intuído de garantir à popula-
ção a efetivação dos serviços dentro do seu território.
Para tanto, faz-se necessário que a Estratégia de Saúde da Fa-
mília (ESF) possua organicidade com relação a equipe básica da
atenção à saúde que é composta por: enfermeiros, médicos, técnicos,
ACS e ACE entre outros. Logo, é interessante que cada profissional
deve buscar ter um olhar além da doença e perceber que o usuário
tem em sua totalidade fatores determinantes e condicionantes que os
levam a buscar a saúde dentro desses espaços.
O outro ponto estratégico dessa política são os Processos de
Trabalho na Atenção Básica, que tem como finalidade considerar a
singularidade e particularidade da população local na intenção de
produzir a atenção integral, promoção da saúde, prevenção de doen-
ças e agravos, dando possibilidade de diagnóstico, tratamento e rea-
bilitação para que o usuário consiga reduzir os danos e sofrimentos
acometidos.
Toda essa engrenagem depende dos financiamentos, tendo
como base os instrumentos que garantem a execução de todas as
ações relacionadas à saúde básica e das várias hierarquias, quais
sejam: Agendas de Saúde; Planos de Saúde; Relatórios de Gestão;
Plano Diretor de Regionalização (PDR) e a Programação Pactuada e
Integrada (PPI). É válido esclarecer que o financiamento é tripartite
onde a União, Estados, Municípios e Distrito Federal contribuem
para o desenvolvimento das ações de financiamento do SUS em es-
pecial a Atenção Primária em Saúde.
As linhas gerais acerca da PNAB (2017) demonstram como
ela deve ser concebida e operacionalizada. Sendo assim, trazendo
essa questão para a cidade de Manaus e tendo como base a Nor-
mativa Técnica nº 001/2018 que explicita as formas de acesso que
população tem ao acionar as Unidades Básico de Saúde da SEMSA
– Secretaria Municipal de Saúde de Manaus. De acordo com essa
normativa o usuário/a ao buscar os serviços de atenção primária a
saúde deve ser inicialmente acolhido/a pelos profissionais. Com-

- 143 -
preende-se que o ato de acolher como uma prática que deve estar
presente no cotidiano das relações estabelecidas nas UBS e que to-
dos os profissionais de saúde devem saber receber e escutar os usuá-
rios com qualidade e presteza. Vejamos a figura a seguir:

Figura 3: Pontos necessários para o Acesso a Atenção Básica a Saúde.

Fonte: Norma Técnica 0001/2018. (SEMSA)

Ressalta-se que os profissionais da saúde devem estar aptos


para desenvolver e seguir essas normativas, portanto devem acolher
toda queixa ou relato do usuário na intenção de construir vínculos,
validando as demandas e necessidades da população. Nas UBS da
cidade de Manaus esse caminho vem sendo traçado, contudo, inú-
meros desafios são postos, desde a frágil formação dos profissionais,
investimentos incipientes, além do contexto pandêmico que impõe
rotinas mais urgentes no interior dessas unidades. Porém, além des-
ses desafios, tem-se a questão acerca do atendimento à população
LGBTQIA+, no caso desse capítulo das mulheres lésbicas e bisse-
xuais, portanto é

[...] preciso que os serviços de saúde disponham de profissionais


capacitados para o atendimento às mulheres, considerando a possi-
bilidade de parte da clientela ser composta por mulheres que fazem
sexo com mulheres. Isso é necessário para que saibam atender às
mulheres lésbicas dentro de suas especificidades, e respeitando seus
direitos de cidadania (BRASIL, 2011, p. 49).

- 144 -
Dito isto, a Rede de Atenção à Saúde Municipal da cidade
de Manaus é composta por 317 estabelecimentos assistenciais de
saúde:

[...] 204 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 4 Centros de Atenção


Psicossocial (CAPS), 1 Centro Especializado de Reabilitação, 10
Unidades de Saúde de horário ampliado, 1 Maternidade Moura Ta-
pajóz, 1 Vigilância Sanitária (VISA), 1 Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador (CEREST), 6 Clínicas da Família, 46 Servi-
ços de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), 2 Samu Fluvial,
4 Policlínicas, 4 Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs),
6 Laboratórios, 4 Unidades Básicas de Saúde Móvel Terrestre, 2
Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF), 2 Central de Atendi-
mento do Programa Leite do meu Filho e 1 Centro de Controle de
Zoonoses (CCZ). (SITE SEMSA, 2022)

A secretaria encontra-se dividida em duas subsecretarias: Ges-


tão Administrativa e Planejamento e de Gestão da Saúde, as quais
se ramificam e atingem a população com os serviços de atenção
em saúde. Podemos citar dois departamentos que agregam valores,
quais sejam: 1. Atenção Primária - que agrega o Núcleo de Saúde
do Homem e Grupos Especiais (minorias, Migrantes, e LGBTQIA+
etc...) e 2. Gerência da Rede Cegonha que agrega o Núcleo de Saúde
da Mulher) ambos os núcleos tendem a organizar ações de forma
ampla aos diversos grupos da atenção primária.
No que consiste a organização das agendas dos profissionais,
a Normativa 001/2018 fornece uma boa compreensão das ações e
ofertas de serviços destacando a ampliação do acesso, qualificação
dos serviços e racionalização dos recursos. Todo o processo de pro-
moção, prevenção e proteção da saúde devem ser pensadas dentro
da lógica de organização das ações agendadas/programadas e de-
mandadas.
A Norma define programação da agenda de atendimento
como: Atendimentos clínicos: consultas/atendimento com os pro-
fissionais de nível superior, realizados na UBS, no domicílio e/ou
comunidade. E as Ações na APS: atividades necessárias para o fun-
cionamento e coordenação do cuidado – administrativa, coletivas,
programadas, educação permanente e reuniões de equipe. Abaixo
conceitos para compreensão das ações na UBS:

- 145 -
Quadro 2: Conceitos Técnicos - Atendimento na UBS.
Remete à ação de demandar; procura, pedido ou
exigência do usuário; situado entre o desejo e a
Demanda: necessidade. O tipo e natureza de demandas do usuário
variam segundo a necessidade, e dividem-se em
espontânea e programada:
É quando o usuário busca a unidade de saúde de forma
Demanda espontânea: não esperada pelo serviço, independente do motivo ou
do tempo de evolução do problema
É quando o usuário tem agendamento prévio
Demanda para alguma oferta de serviço na UBS (consultas/
Programada: atendimento: médica, de enfermagem, odontológica,
preventivo, serviço social, laboratório, grupos etc.).
Momentos reservados na agenda dos profissionais da
Horários de
equipe de saúde para escuta e avaliação da necessidade
atendimento da
do usuário que busca a unidade de forma não esperada
demanda espontânea:
pelo serviço.
Espaço disponível na agenda para realizar atendimentos
Agenda aberta: no mesmo dia em que o usuário busca a unidade por
demanda espontânea (com ou sem queixa clínica).
Espaços na agenda para marcação de consultas a
usuários com situações que necessitem de avaliação
Agenda em curto prazo. Ex.: exame crítico alterado (VDRL,
intermediária: HIV, BAAR, Dengue, etc.), reavaliação de caso agudo
e situações que necessitem de retorno em curto prazo
(ajuste de insulina e de warfarin) etc.
Fonte: Normativa Técnica nº 001/2018.

Nas Unidades Básicas de Saúde – UBS as agendas são geren-


ciadas pelo diretor com o apoio do Distrito de Saúde (DISA). Sa-
lienta-se que os agendamentos programados no período pandêmico
são: o médico pediátrico (30%), grávidas acompanhadas pela UBS
e assistidas pelo médico ginecologista e enfermeiros. Esses agenda-
mentos são realizados diariamente em todos os horários, preferen-
cialmente no período diurno. As agendas abertas (livre demanda)
estão ligadas aos seguintes serviços: preventivo, vacinação, testes
rápidos para HIV, Sífilis, Hepatite e Gravidez.
Entender o funcionamento da Atenção Primária à Saúde tende
a ser o caminho profícuo para se efetivar os direitos da população,
pois explicita como funciona a porta de entrada de todo o Sistema de
Único de Saúde – SUS em nossa cidade, visto que, possibilita ações
de promoção, prevenção, diagnóstico precoce, tratamento, reabilita-
ção e coordenação do usuário na rede, que são responsabilidades das
equipes que atuam nesse nível de atenção.

- 146 -
Gusso e Lopes (2012) demonstram de forma clara o fluxo de
atendimento da saúde da mulher na Atenção Primária à Saúde, ve-
jamos:

Figura 4: Fluxo de Acolhimento,

Fonte: Gusso e Lopes (2012)

A figura detalha a forma de se buscar ativamente essa mulher


no território e como ela deve ser acolhida para ter acesso aos servi-
ços de saúde. É imprescindível compreender as atribuições comuns
dos profissionais que atuam na Atenção Básica, versam: 1. Acolher
as usuárias de forma humanizada; 2. Conhecer hábitos de vida, con-
dições e estratégias de saúde; 3. Trabalhar em equipe, valorizando
saberes e práticas; 4. Desenvolver atividade educativas, individuais
ou coletivas; e 5. Prestar atenção integral e contínua às necessidades
de saúde da mulher, articulada com os demais níveis de atenção,
com vistas ao cuidado longitudinal (ao longo do tempo).
De forma mais clara os serviços prestados à saúde da mulher
pelas unidades da SEMSA em Manaus são:

- 147 -
Quadro 3: Serviços prestados à saúde da mulher na SEMSA.
O planejamento reprodutivo, chamado também de
planejamento familiar, garantido ao usuário do SUS
pela Lei 9.263/1996, cuida dos direitos sexuais e dos
direitos reprodutivos de homens e mulheres adultos,
jovens e adolescentes com vida sexual, com ou sem
PLANEJAMENTO parceiros fixos, ofertando métodos contraceptivos
SEXUAL E eficientes e seguros. Além de contribuir para uma
REPRODUTIVO prática sexual mais saudável, o planejamento
possibilita o espaçamento de gravidez, a recuperação
do organismo da mulher após o parto e a decisão de
homens e mulheres de quando e quantos filhos desejam
ter. Todos têm direito ao serviço, independentemente
de orientação sexual e identidade de gênero.
A Rede Cegonha é uma rede de cuidados, que assegura
às mulheres o direito ao planejamento reprodutivo, à
GRAVIDEZ E PARTO atenção humanizada à gravidez, parto, abortamento e
puerpério, e às crianças o direito ao nascimento seguro,
crescimento e desenvolvimento saudáveis.
O diagnóstico precoce desses tipos de câncer é uma
estratégia eficaz para detectar o câncer na fase inicial,
PREVENÇÃO AO possibilitando maior chance de tratamento. É preciso
CÂNCER DE MAMA conversar sobre esse assunto. Por isso, deixar de lado o
medo ou a desinformação é essencial para salvar a vida
de muitas mulheres.
O que é o câncer do colo do útero? Esse tipo de câncer é
um tumor maligno causado por uma mutação genética
PREVENÇÃO AO
das células, ele ocorre na parte inferior do útero.
CÂNCER DE COLO
Felizmente, a doença pode ser descoberta durante os
DE ÚTERO
exames de rotina da mulher, aumentando as chances de
cura quando detectado no início.
Fonte: Guia do Usuário do Sus Manaus/Secretaria Municipal de Saúde,
Departamento de Comunicação. – Manaus: SEMSA, 2020.

Os serviços são desenvolvidos nas mais de 204 (duzentas e


quatro) unidades Básicas de Saúde (UBS) de Manaus. Atualmente
as equipes da APS atendem nas UBS e organizam ações para a pro-
moção da saúde pública em espaços comunitários, como em escolas,
igrejas e universidades, por meio de campanhas para incentivar a
vacinação e o combate à dengue, por exemplo, dentre outras.
Um ponto positivo da Atenção Básica é que segundo o Pro-
grama “Previne Brasil” do Ministério da Saúde (2022), Manaus está
em 1º lugar no ranking das capitais no indicador monitoramento de
gestantes com ao menos seis consultas pré-natal realizadas, sendo a
primeira até a 20ª semana de gestação.
- 148 -
Como se pode notar a descrição dos serviços de atenção bá-
sicas na cidade de Manaus comporta generalizações, ressente das
especificidades para o atendimento da população LGBTQIA+, pois
a descrição dos serviços não aprofunda a especificidade do atendi-
mento à mulher lésbica ou bissexual, algo que necessita ser revisto
pela gestão dos serviços de saúde na cidade de Manaus. Isso tende
a levar para a seguinte afirmação: a questão quanto as questões re-
lativas à saúde das populações LGBTQIA+, no caso desse capítulo
das mulheres lésbicas e bissexuais, que as mesmas são bastante inci-
pientes no cotidiano dos serviços ofertados nas UBS.
Por fim, toda a análise empreendida leva-nos a afirmar a ne-
cessidade de se colocar em efetiva operacionalização os serviços
específicos para essa população, com vistas a legitimar a garantia do
acesso ao SUS e a efetivação de uma ética do cuidado, mais quali-
ficada e humana, pois o que a população LGBTQIA+ precisa é de
acesso à Saúde, sem preconceito e sem discriminação! (BRASIL,
2013, p.06).

Considerações finais

Deve-se haver uma mudança cultural no sistema de ensino, com


ações que priorizem a equidade e a inclusão, como maneira de pre-
parar melhor os profissionais de saúde para lidar com demandas es-
pecíficas, livres de preconceitos, tanto para com os usuários, quanto
para os próprios profissionais LGBT. Mansh et al (2015)

Ratifica-se que o SUS assegura a visibilidade das questões de


saúde da população LGBTQIA+. Convém ressaltar que essa Política
Nacional de Saúde Integral LGBT (2011) foi instituída não como
benesse ou bondade do poder estatal, mas sim, emergiu “de baixo
para cima”, a partir da organização de setores da sociedade civil, de
movimentos vinculados às demandas da população LGBT, histori-
camente excluída da agenda pública brasileira.
O SUS ao incorporar tais demandas, institucionalizou-as na
sociedade política, obrigou-a a ampliar seus compromissos e ações,
evidenciando a correlação de forças que compõe a trama do Estado
ampliado. Contudo, essa obrigação não pode ficar somente no âmbi-
to das normas, deve ser construída com recursos humanos, materiais
e financeiros para que se transmute em ações e serviços a serem

- 149 -
ofertados para essa população, garantindo assim, o acesso à saúde
enquanto um direito de cidadania, pois os obstáculos e empecilhos
vivenciados pela população LGBTQIA+ por vezes tendem a afastar
essas pessoas dos serviços de saúde, muitas vezes atrelados à vivên-
cia de situações de preconceito, discriminação ou pouco conheci-
mento por parte dos profissionais (MELLO et al., 2011; SOUSA, et
al., 2014; SANTOS et al., 2015; GARCIA, 2010).
Sendo assim, para se assegurar o acesso com qualidade, as
ações e serviços de saúde devem comtemplar as dimensões psicoló-
gicas, sociais, políticas e ambientais que afetam a população LGBT-
QIA+ no âmbito da sua singularidade, especificidade e diversidade,
porque quaisquer políticas públicas direcionadas a essa população
devem ser “[...] permeadas de peculiaridades, já que o ponto de par-
tida para a sua formulação e implementação é basicamente a neces-
sidade de mudança de crenças, valores e tradições há muito preva-
lecentes no imaginário coletivo” (MELLO; AVELAR; MAROJA,
2012, p. 294).
Aprofundando na pluralidade do termo LGBTQIA+, no que
tange a invisibilidade ao atendimento de mulheres lésbicas e bisse-
xuais urge que se avance no entendimento de que a agenda de ne-
cessidades, ou melhor, de demandas dessas mulheres, diz respeito,
dentre outras, ao atendimento na área da ginecologia, em que os
profissionais partem do pressuposto de que a vida sexual ativa das
mulheres é sempre de caráter heterossexual (BRASIL, 2014).
Em Manaus, os serviços são subsumidos sob o véu da gene-
ralização e as ações ainda são incipientes, com base na descrição
dos serviços feita a partir da normativa 001/2018 da SEMSA, o que
nos leva a afirmar a necessidade de se colocar de forma mais con-
tundente as ações sob a responsabilidade do município para que a
política seja operacionalizada conforme seus preceitos, diretrizes e
objetivos.

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- 153 -
- 154 -
CAPÍTULO 9

A INFORMAÇÃO COMO ESTRATÉGIA


DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA
INSTITUCIONAL CONTRA MULHERES
Lucilene Ferreira de Melo1
Thamyres Alves Depietro2
Ruth Pereira de Melo3
Fernanda Arruda de Oliveira4

Introdução

O presente capítulo é um trabalho bibliográfico, fruto de refle-


xões desenvolvidas pelas autoras em diversas experiências, em di-
ferentes atividades acadêmicas – ensino, pesquisa e extensão – que
circunscrevem a temática da Informação como Direito Humano, e
essa como instrumento e estratégia de prevenção à violência contra
as mulheres.
Este capítulo traz a questão da violência institucional contra
a mulher no Brasil, buscando problematizar e esclarecer esse tipo
de violência, apoiado na perspectiva de gênero que constata a desi-
gualdade construída historicamente em relação às mulheres nas suas
múltiplas faces e fases - raça, etnia, classe social, orientação sexual,
religião e faixa etária.
A percepção da Violência Institucional se funda na dualidade
da sua origem, tendo em vista que, na mesma forma que as institui-
1 Professora Doutora vinculada ao Departamento de Serviço Social e ao Programa de Pós-
-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia - PPGSS da Universidade
Federal de Amazonas - UFAM. E-mail: lucilenefmelo@ufam.edu.br
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazô-
nia (PPGSS/UFAM), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas
(FAPEAM). Membro do grupo de pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabili-
dade na Amazônia (GEDHMAM/UFAM). E-mail: thamyresdepietro15@gmail.com
3 Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia pela Universidade Federal do
Amazonas (UFAM). Membro do Grupo de Pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos e Sus-
tentabilidade na Amazônia (GEDHS/UFAM). E-mail:ruthpmoliveira@gmail.com.
4 Acadêmica do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas, bolsista de
Iniciação Científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), membro do grupo de pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade
na Amazônia e atual presidente do Coletivo Negro Mãe Obá.

- 155 -
ções públicas, ou seja, aquelas do ordenamento governamental ou
estatal, promovem a viabilização dos direitos, também é a que co-
mete tais violações, apresentando práticas que se mostram incapazes
de resguardar os Direitos garantidos nos marcos legais (RAMOS,
2017).
É válido lembrar que a Garantia de Direitos e toda a rede de
estrutura de prevenção às Violências contra as mulheres, é fruto de
luta social, a qual só foi garantida, em todas as suas nuances, por
meio dos movimentos sociais organizados. Uma luta que continua,
pois, a manutenção e existência do aparato legal de proteção, afir-
mado pela Constituição Federal e pelas leis federais, como a Lei
Maria da Penha (11.340/2006), ainda é motivo de interpretações
tendenciosas, uma vez que as violências se moldam no interior das
relações sociais e ressoam nos equipamentos do Estado. Por isso a
necessidade do debate em relação a criação ou reformulação de es-
tratégias adequadas para a prevenção, como é o caso da divulgação,
qualidade e acessibilidade das informações às mulheres.
Essa temática vem sendo reforçada nos últimos anos, como
um instrumento de grande valor para a prevenção das violências,
contemplando a diversidade das discussões que envolvem as mu-
lheres, sobretudo nesta conjuntura de prevalência da desinformação,
principalmente no Brasil, mas também em ambientes semelhantes
no interior da América Latina e no mundo.
Ter no horizonte a utilização da informação como estratégia
de combate e prevenção às violências contra as mulheres, é ter pre-
sente a necessidade do acesso das mulheres em situação de violência
às políticas públicas, ainda, o reconhecimento do que seja violência
e as múltiplas formas de enfrentamento.
O desenvolvimento da discussão deste capítulo está organiza-
do em três tópicos, além desta introdução e das considerações finais.
No primeiro é abordado a violência institucional contra às mulhe-
res, indicando a concepção de violência e sua distinção do que seja
crime. No segundo tópico, está posto a prevenção como forma de
enfrentamento à violência contra a mulher a partir da pressão de mo-
vimentos sociais e feministas. Por fim, no terceiro tópico, apresen-
ta-se a informação como mecanismo de prevenção à violência ins-
titucional contra as mulheres, considerando a desinformação como
um risco que aumenta a vulnerabilidade das mulheres às violências.

- 156 -
1. A violência institucional contra às mulheres

A violência contra a mulher, independente da raça, etnia, clas-


se social, orientação sexual, religião e faixa etária, se evidencia de
várias formas e nos mais diversos ambientes, perpetrada por diferen-
tes agentes, dentre esses a instituição pública.
Desenvolver uma reflexão crítica sobre a violência
institucional requer conceituá-la para que haja um (re)conhecimento
desse tipo de violência. De acordo com Doz Costa (2010) pode-se
dizer que a violência institucional:

[...] denota un tipo de violencia que brota desde instituciones for-


males del estado, o de sus ordenamientos funcionales, y que por
ello mismo se encontraría cubierta de un manto de “legitimidad”
(p. 152).

Nessa concepção, proposta por Doz Costa (2010) o lugar ori-


ginário da violência institucional são as instituições públicas. Esse
espaço mostra-se contraditório, pois ao mesmo tempo que viabiliza
direitos, comete ações que os violam. Acresce-se a essa conceitua-
ção a ideia da naturalidade que as ações assumem quando são pra-
ticadas pelas instituições públicas. A referida autora argumenta que
fatores subjetivos como a cultura política contribuem para o exer-
cício e manutenção desse tipo de violência, uma vez que, muitas
vezes, são silenciadas, sendo inclusive, confundidas com o modus
operandis institucional.
O reconhecimento desse tipo de violência, de acordo com
Doz Costa (2010) implica em observar nas instituições “[...] las le-
yes, en tanto marco legal que las determina, en tanto herramientas de
las que se valen para actuar” (p. 153), bem como “[...] las visiones y
formas con las que en la práctica dichas herramientas son utilizadas,
esto es las interpretaciones y aplicaciones de la ley, por diferentes
instituciones y poderes” (p. 153), ou seja, aspectos objetivos e sub-
jetivos entrelaçados ao ato violento.
As manifestações da violência institucional de acordo com a
concepção de Doz Costa (2010) podem ser perpetradas ou toleradas
pelo Estado. Essa conivência traz à tona a parcialidade do Estado e
sua contribuição como um agente violentador, interditando direitos,
comprometendo a cidadania e revitimizando pessoas em situação de

- 157 -
violência. Nessa direção, o lugar da proteção é concomitantemente
o da desproteção.
Na realidade brasileira, de acordo com o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (2022), meninas e mulheres sofrem discrimina-
ções, violências e mortes frequentemente. “Em 2021, em média,
uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 horas [...] uma meni-
na ou mulher foi vítima de estupro a cada 10 minutos, considerando
apenas os casos que chegaram até as autoridades policiais” (p. 3 - 8).
A violência institucional soma-se ao rol das diversas vio-
lências sofridas pelas mulheres, no Brasil. O Ministério da Saúde
(2002) sinaliza:

Pode incluir desde a dimensão mais ampla da falta de acesso à má


qualidade dos serviços. Abrange abusos cometidos em virtude das
relações de poder desiguais entre usuários e profissionais dentro das
instituições[...] (p. 21).

Mas, como identificar quando acontece? Nesse sentido, o Mi-


nistério da Saúde (2002) orienta e expõe diversas formas de mani-
festações, tais como:

Peregrinação por diversos serviços até receber atendimento; Falta


de escuta e tempo para a clientela; Frieza, rispidez, falta de atenção,
negligência; Maus-tratos dos profissionais para com os usuários,
motivados por discriminação, abrangendo questões de raça, idade,
orientação sexual, deficiência física, doença mental; Violação dos
direitos reprodutivos (discrição das mulheres em processo de abor-
tamento, aceleração do parto para liberar leitos, preconceitos acerca
dos papéis sexuais e em relação às mulheres soropositivas [HIV],
quando estão grávidas ou desejam engravidar); Desqualificação do
saber prático, da experiência de vida, diante do saber científico (p.
21).

Tais atos violentos podem ser direcionados para qualquer um


que demandar um serviço público, entretanto, a violência institucio-
nal apresenta especificidades em relação às mulheres. Cita-se por
exemplo, a violência obstétrica e a revitimização nos casos de vio-
lência doméstica e familiar.
A luta pelo direito de mulheres viverem sem violência tem
sido contínua na sociedade brasileira pelo movimento feminista,
suas conquistas no enfrentamento à violência datam do final do sé-
culo passado.
- 158 -
Somente na década de 1970, as mulheres obtiveram êxito e visibi-
lidade efetiva na esfera pública. Surgindo novas formas de pensar
a relação de gênero, novos dispositivos jurídicos para o enfrenta-
mento da violência e novas representações sociais decorrentes da
violência (CARVALHO, 2018, p. 45).

A despeito das conquistas, a não retração da violência é um


indicador que o enfrentamento da questão, ainda, requer mais inves-
timento. A notoriedade da violência institucional pelo Estado Brasi-
leiro, por meio da Lei 14321, de 31 de março de 2022, que instituiu
o crime de violência institucional que altera a Lei nº 13.869, de 5 de
setembro de 2019, sobre os crimes de abuso de autoridade, represen-
ta mais uma conquista da luta das mulheres.
Apesar de que, a tipificação do crime de violência institucional
pela Lei 14321, de 31 de março de 2022, considera “a vítima de infra-
ção penal ou a testemunha de crimes violentos” (BRASIL, 2022, Art.
15-A), e não abarca outras possíveis manifestações violentas no âm-
bito das instituições, as quais ainda carecem de vigilância. De modo
que, nem toda violência institucional está criminalizada. Sobre isso,
Ramos (2017) observa que há distinção entre crime e violência:

[...] Crime implica a tipificação de abusos, a definição das circuns-


tâncias envolvidas nos conflitos e a resolução destes no plano jurídi-
co. Violência, termo aberto aos contenciosos teóricos e às disputas
de significado, implica o reconhecimento social (não apenas legal)
de que certos atos constituem abuso, o que exige decifrar dinâmicas
conflitivas que supõem processos interativos atravessados por posi-
ções de poder desiguais entre os envolvidos (RAMOS, 2017. p. 97).

Com efeito, diante dos elementos expostos até então, ques-


tiona-se: a criminalização pode acabar com a violência institucional
contra as mulheres? Nessa direção, é oportuno trazer a reflexão de
Fernandes (2015) para refletirmos nas respostas a esse enfrentamen-
to pelo viés da criminalização. A política criminal, nas argumen-
tações de Fernandes (2015) reduz a resposta ao problema da desi-
gualdade de gênero, centrando-se na lógica punitivista. Além disso
evidencia que os sistemas de punição vigentes são contraditórios,
geram mais violência, e são impotentes, pois não surtem o efeito de
combatê-la, revelando-se insuficientes.
Ramos (2017) corrobora com as argumentações de Fernandes
(2015) e denomina que esse enfrentamento recai na judicialização

- 159 -
das relações sociais, tendendo para um risco de encapsulamento cri-
minal da desigualdade de gênero, não sendo o ideal apenas a proibi-
ção de condutas, e nem deve ser o único caminho, mas não podem
ser menosprezadas, pois são conquistas jurídico-políticas das mu-
lheres (RAMOS, 2017, p 76).
De acordo com Fernandes (2015), para proteger direitos são
necessárias ações positivas “que criem condições materiais (eco-
nômicas, sociais e políticas) para a efetiva realização daqueles di-
reitos” (p. 12), os quais devem ser promovidos pelo Estado para
atender a construção efetiva das políticas públicas que abrangem o
enfrentamento à violência.
Os processos que envolvem as manifestações da violência são
complexos. Nesse sentido, a cultura política predominante, baseada
na misoginia, no patriarcado, relações de poder, entre outros, pre-
sentes nas instituições públicas, desafiam ações diversas de preven-
ção da violência contra a mulher.

3 A prevenção como forma de enfrentamento à violência con-


tra a mulher

Formas de prevenir e enfrentar a violência contra a mulher


surgem no Brasil a partir da pressão de movimentos sociais e femi-
nistas. A lei Maria da Penha, de 2006, é um instrumento legal que
traz a ampliação da discussão sobre este tipo de violência. Nesta
define-se formas de violência doméstica e familiar: I – violência fí-
sica, II – violência psicológica, III – Violência sexual, IV – violência
sexual, V – violência moral. Apesar de ser uma grande conquista
essa também recebe críticas já que por se tratar de uma lei utiliza-se
do viés da criminalização para enfrentar a violência doméstica e fa-
miliar contra a mulher.

[...] deve-se atentar para não permanecer somente nesta lógica, pois
ela tende a reduzir essa forma de violência a processos judiciais,
podendo negligenciar a realidade social mais ampla produtora da
violência e não enfrentar as questões que produzem a desigualdade
de gênero (MELO; DEPIETRO; FREITAS, p.4. 2021).

A lei 11340/2006 também busca ir além do caráter penal atra-


vés das medidas de prevenção que envolvem a integração de insti-

- 160 -
tuições e serviços, promoção de pesquisas e estatísticas, o respeito
através dos meios de comunicação social, aos valores tanto éticos
como os sociais de pessoas e famílias, atendimento policial especia-
lizado para mulheres, campanhas educativas, parcerias entre órgãos
governamentais e entidades não governamentais, capacitação per-
manente, promoção de programas educacionais e também a discus-
são sobre o assunto nos currículos escolares em todos os níveis de
ensino.
Nas medidas integradas de prevenção da referida lei, é possível
notar aspectos educativos por meio da capacitação de profissionais,
campanhas educativas e a inserção da discussão nos currículos esco-
lares. Na lei “Vislumbra-se no aspecto educativo um potencial imenso,
pois a prevenção referenciada pelo saber-poder da educação e cultura
em direitos humanos pode servir de instrumento de mudança das men-
talidades.” (MELO; MONTEFUSCO; CARVALHO, 2020, p.32).
No campo das políticas públicas a discussão sobre a preven-
ção da violência trabalha com medidas primárias, secundárias e ter-
ciárias. “[...]a prevenção não se limita às ações que têm por escopo
evitar a reiteração de determinados comportamentos, abrangendo,
outrossim, medidas que colaborem para que tais comportamentos
sejam denunciados.” (CARDIN; MOCHI, 2012, p. 16)

O primário envolve esforços no sentido de impedir que a violên-


cia aconteça, sobretudo por meio de programas educacionais. A
prevenção secundária destina-se às famílias nas quais é verificada
a presença de fatores de risco para a prática do abuso, como al-
coolismo e desemprego. Por último, o terceiro nível diz respeito
às políticas que visam diminuir as consequências provocadas pelos
episódios de violência [...]. (CARDIN; MOCHI, 2012, p. 16).

Percebe-se que as estratégias de prevenção envolvem esfor-


ços não apenas para impedir à violência, mas também reduzir as
consequências provocadas por ela. Ações preventivas são estraté-
gias inovadoras e tornam-se fundamentais como estratégia para re-
dução de crimes “[...] nas últimas três décadas, foram aquelas que
tornaram possível a redução do crime e da violência [...]” (ROLIM,
2007, p. 40).

Todos os tipos de violência estão fortemente associados a deter-


minantes sociais, como governança fraca; Estado de direito fraco;

- 161 -
normas culturais, sociais e de gênero; desemprego; desigualdade
de renda e de gênero; rápidas mudanças sociais; e oportunidades
limitadas de educação (ONU, 2014, p. 9).

No relatório apresentado pela Organização Nacional de Saú-


de (ONU, 2014) sobre a prevenção à violência, mostra-se que apesar
de os países estarem investindo em prevenção essas ações ainda não
são compatíveis com a gravidade das violências. Estratégias que de
fato enfrentem questões mais estruturais das próprias sociedades são
fundamentais para reduzir a violência, podendo os programas serem
direcionados não apenas aos indivíduos que passaram por alguma
violência, mas a comunidade e a sociedade como um todo: “[...]
como escolas, locais de trabalho, organizações não governamentais
e sistemas de justiça criminal” (ONU, 2014, p.27).
Sendo assim, estratégias de prevenção devem ser adotadas
com a finalidade de reduzir as violências, buscando estratégias edu-
cativas, mudanças culturais, leis inovadoras e o trabalho de forma
articulada entre sociedade, instituições governamentais e não go-
vernamentais. Outro aspecto importante quando se trata sobre a
prevenção é também o acesso à informação como é abordado no
tópico seguinte, pois para que ocorra a prevenção é necessário que a
comunidade e as mulheres em situação de violência possam acessar
políticas públicas direcionadas a esse fim.

4. A informação como mecanismo de prevenção à violência


institucional contra às mulheres
A violência é um fenômeno cujas manifestações são diversas
e presentes em todos os tempos, Montefusco, Nascimento e Caval-
cante (2020, p. 20) afirmam que “as expressões de violência se en-
contram presentes desde o princípio da civilização”. Souza et al cor-
roboram “a violência é uma questão presente na sociedade, podendo
manifestar-se de diferentes formas” [...] (SOUZA et al. 2020, p. 69).
Essas formas de violência contra mulher no Brasil têm sido
cada vez mais perceptíveis, e urgem por medidas e estratégias para
seu enfrentamento, a exemplo é a violência institucional, aquela
submissão da mulher à alguma ação preconceituosa e discriminató-
ria, acometida por agente público, diga-se, ação que gera indevida
revitimização da mulher, consequentemente, danos que podem ser
emocionais, morais e espirituais.
- 162 -
Recentemente, como já sinalizado, foi tipificada como crime
pela Lei 14.321, de 31 de março de 2022, no Brasil, contudo, se
não há publicização dessas informações, pouco se avança quanto
ao enfrentamento, inclusive as entidades de defesa dos direitos das
mulheres afirmam que a melhor forma de enfrentar é conhecendo os
direitos. Nesse sentido, a informação como mecanismo de preven-
ção à violência institucional se apresenta como um caminho frutífe-
ro para seu enfrentamento. Embora “o enfrentamento da violência,
com suas múltiplas determinações, nuances e complexidades, é de
cunho histórico e social, demandando diferentes formas de enfrenta-
mento” (MELO; MONTEFUSCO; CARVALHO, 2020, p. 22).
Pode-se dizer que, considerando a violência em sua dimensão,
o enfrentamento também exige criações de formas que abarquem
essa amplitude a qual se configura a violência. Mas a prevenção, no
sentido geral, contempla atividades e medidas que visam evitar a
violência em sua complexidade. Como também se deve compreen-
der que, a violência não é exclusiva da política de segurança pública,
tampouco a prevenção dela. Melo, Montefusco e Carvalho afirmam
que:

A abordagem deve ser multidisciplinar e intersetorial, conectando


as diversas políticas setoriais, como educação, saúde, esporte, assis-
tência social, cultura entre outras, pela transversalidade apresentada
pela problemática, situando o enfrentamento à violência em dife-
rentes lócus (MELO; MONTEFUSCO; CARVALHO, 2020, p. 29).

Tendo em vista que as intervenções preventivas são controles


de riscos, estes que devem ser identificados em cada local (institui-
ção e/ou área), para assim criar mecanismos preventivos de enfreta-
mento da violência, por isso, prevenção também é [...] à necessidade
de identificar, em cada local, os agenciamentos equivalentes para o
crime e a violência e, a partir deste diagnóstico, elaborar políticas
específicas que, tanto quanto possível, os previnam (MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA, 2005).
Vale destacar que, não distante dessas concepções, “a pre-
venção aplicada ao Serviço Social, designa o conjunto de ações e
medidas de cunho social, político, cultural e administrativo (quando
necessário)” (LEAL, 2018, p. 112), ou seja, um conjunto de inter-
venções de caráter abrangente. Além disso, “essas intervenções ou

- 163 -
atividades têm o propósito de evitar ou reduzir os riscos de surgi-
mento, agravamento ou extensão de males ou problemas sociais”
[...] (LEAL, 2018, p. 112).
É importante dizer que, existem diversos fatores de riscos,
no que diz respeito à questão da violência. De acordo com Engel
(2015, p.52) fator de risco é todo “fator que aumenta a probabili-
dade de incidência ou os efeitos negativos de crimes ou violências,
mas não determina a incidência ou os efeitos negativos de crimes e
violências.
Partindo desse entendimento, pode-se dizer que, a falta de
informação se configura um fator de risco para o aumento e agra-
vamento das manifestações da violência, sobretudo, a violência ins-
titucional. Ainda nas argumentações de Engel “quanto maior a pre-
sença de fatores de riscos, e menor a presença de fatores de proteção,
maior a probabilidade de incidência e de efeitos negativos de crimes
e violências (ENGEL, 2015, p. 52).
De tal modo, se reconhece a informação como mecanismo de
prevenção no enfrentamento à violência institucional. “Os sistemas
internacionais de direitos humanos têm destacado o fato de o direito
à informação possuir um caráter facilitador do exercício de outros
direitos humanos” (CAMARGO; BARRETO; SOUZA, 2021, p.
04). Assim, a informação proporciona esclarecimento sobre direitos,
pode-se dizer que, empodera mulheres; em contrapartida, a falta de
informação, tornam as mulheres vulneráveis.
No Brasil, a Lei nº 12.527/2011, Lei de Acesso à informação,
versa o direito de informar, garantia preconizada na Constituição
Federal de 1988. Trata-se de uma lei que tem por objetivo garantir
o acesso às informações, constituindo assim, um dever dos órgãos e
entidades e direito de todos de receber dessas instituições as infor-
mações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral
(BRASIL, 2011). Corrêa (2001, p. 37) afirma que “[...] o direito à
informação e o dever de informar são componentes fundamentais e
presentes em todos as reflexões, nos diferentes códigos de ética dos
profissionais”, isso significa dizer que todas as profissões (portanto
os agentes públicos) possuem como normativa esse dever.
Portanto, conhecer é prerrogativa, e a informação proporcio-
na conhecimento, como mecanismo de prevenção à violência contra
a mulher reduz os riscos, além disso, “[...] a informação possui o

- 164 -
sentido de emancipação humana dos sujeitos sociais” (COGOY et
al., 2018, p. 1), ou seja, prever libertação.

Considerações Finais

Neste capítulo, brevemente se buscou refletir sobre a violên-


cia institucional e a informação como uma das formas de preveni-la.
Entende-se que as violências no cotidiano das mulheres constituem
o principal obstáculo no avanço das superações das desigualdades
de gênero, nas mais diversas esferas, na vida privada e nos campos
institucionais, por óbvio, como vimos nas discussões acima, esse ci-
clo de violência se potencializa nas questões de etnia, classe, gênero,
orientação sexual, geração e território.
O que se conclui é que há um horizonte de construção sólida
de direitos humanos, os quais estão dentro de uma esfera social que
exige a solidificação da cidadania. É nesse momento que o papel
do Estado é fundamental, pois na esfera política e institucional que
prevenção e superação dessas violências podem ser previstas e efe-
tivadas.
Ao longo das últimas décadas observou-se uma alteração nas
instituições que enfrentam a violência contra as mulheres em todos
os aspectos de suas circunstâncias. Essa evolução nas intervenções é
encontrada em documentos internacionais e nacionais. A Convenção
de Belém do Pará, que alerta e orienta que sejam realizadas pesqui-
sas e coletas de estatísticas buscando formas de prevenir, punir e
erradicar a violência contra a mulher é uma delas. O acesso à infor-
mação é mais um dos passos na tentativa da garantia do direito das
mulheres.
Por fim, o cenário que se apresenta é um sistema de proteção
e prevenção que necessita de uma rede informações que seja capaz
de reproduzir além de uma grande quantidade de conhecimento, mas
uma capacidade em responder às urgências individuais e coletivas
dessa sociedade, ou seja, um sistema de informação que dê publi-
cidade a dados, e em estratégias de viabilização de comunicação e
planejamento entre as mais diversas estruturas e ações de enfrenta-
mento e prevenção às Violências contra as mulheres.

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- 168 -
Sobre os/as Autores/autoras

Aline dos Santos Pedraça


Doctoranda en Ciencias de la Educación- Facultad Intera-
mericana de Ciencia Sociales-FICS/Paraguai; Mestra em Serviço
Social e Sustentabilidade na Amazônia pelo Programa de Pós-Gra-
duação em Serviço Social (PPGSS/UFAM); Especialista em Polí-
ticas Públicas de Atenção à Família pela Faculdade Salesiana Dom
Bosco; Mestranda em Engenharia Elétrica Pelo Programa de Pós
Graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE) na Universidade Fe-
deral do Amazonas (UFAM Especialista em Eficiência Energética
pelo Instituto de Graduação &Amp; Pós-Graduação (IPOG); Espe-
cializando em Comercialização de Energia Elétrica (UNINORTE-
-SER); Coordenadora de Projetos e Qualificação do Instituto Joana
Galante (IJG); Vice-presidente da Aliança Tecnológica e Ações So-
ciais no Estado do Amazonas (AITAS-AM); Escritora da Academia
de Literatura, Arte e Cultura da Amazônia - ALACA Conselheira
Consultiva da Associação Brasileira dos Engenheiros Eletricistas
-Sessão do Amazonas (ABEE-AM); Membro do grupo de Estudos
Processos Civilizadores da PAN-AMAZÔNIA- UFAM; Engenhei-
ra eletricista (UNINORTE); Assistente Social (UNINILTON LINS).
E-mail: alinepedraca7@gmail.com

Ariadna Nunes Aguiar Batalha


Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do
Amazonas (2015). Especialista em Docência do Ensino Superior
pelo UNOPAR (2016) e Instrumentalidade em Serviço Social pela
Faculdade Adelmar Rosado (2017). Mestranda em Serviço So-
cial e Sustentabilidade na Amazônia - PPGSS UFAM (2021) com
apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas -
FAPEAM. Assistente Social no Hospital Universitário Getúlio Var-
gas-HUGV/UFAM (2021). Pesquisadora pelo Grupo de Pesquisa
em Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade. Membro
do Laboratório de Estudos de Gênero da UFAM. E-mail: anunesa-
guiar@gmail.com

- 169 -
Daiany Cavalcante Ribeiro
Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
- PPGSS UFAM. Membro da Comissão do Relatório Sucupira do
PPGSS/UFAM. Graduada em Serviço Social pela Faculdade Me-
tropolitana de Manaus (FAMETRO), com MBA em Recursos Hu-
manos pela Faculdade Martha Falcão e Especialização em Serviço
Social e Saúde Coletiva pela Faculdade UniBF. Experiência como
assistente social na rede privada, em Organização da Sociedade Ci-
vil e em instituição pública do Estado do Amazonas. E-mail: daiany-
lima@yahoo.com.br

Dária Barroso Serrão das Neves


Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal
do Amazonas (1994). Especialização em Tocoginecologia na Ma-
ternidade Climério de Oliveira pela Universidade Federal da Bah-
ia (1995). Residência Médica em Ginecologia -Obstetrícia pela
Universidade Federal do Amazonas (1998). Especialização em
Reprodução Humana pela Faculdad Mexicana de Medicina - Uni-
versidade La Salle (1999). Residência Médica em Biologia de la
Reproducción Humana no Instituto Nacional de Ciências Médicas
y Nutrición Salvador Zubirán - Universidad Autonôma del Méxi-
co - UNAM (2001). Mestrado no Programa de Pós-Graduação em
Medicina Tropical e Doenças Infecciosas, linha de pesquisa em IST
(2015). Professora do curso de Medicina na Universidade do Estado
do Amazonas. Coordenadora do Serviço de Ginecologia Endócrina
e Preceptora do Programa de Residência Médica da Maternidade
Ana Braga/Universidade do Amazonas (MAB-UEA). Coordenado-
ra do Ambulatório Diversidade Sexual e Gênero-Processo Transe-
xualizador na Policlínica Codajás. E-mail: dbsneves@uea.edu.br;
daria_neves@hotmail.com.

Denison Melo de Aguiar


Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia. Advo-
gado. Mestre em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas
(PPGDA-UEA). Professor da Universidade do Estado do Amazonas
(UEA). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Estado de Minas Gerias (PPGD- UFMG).

- 170 -
Coordenador da Clínica de Direito LGBT (CLGBT-UEA). Co-coor-
denador de: i. Programa - Rede de ensino, pesquisa, extensão e as-
sistência de combate a lesbofobia, homofobia, bifobia e transfobia
(LGBTFOBIA+); outras fobias e assédios, pela cultura de paz e pelo
respeito à pessoa humana, na Universidade do Estado do Amazonas
(PROPAZ- UEA) e II. Núcleo de ensino, pesquisa, extensão e assis-
tência à saúde integral de LGBTI+ da Universidade do Estado do
Amazonas (NLGBTI+-UEA). E-mail: denisonaguiarx@gmail.com;
daguiar@uea.edu.br

Evelyn Barroso Pedrosa


Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do
Amazonas. Mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Ama-
zônia/UFAM. Pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos
Socioambientais e Desenvolvimentos de Tecnologias Sociais na
Amazônia/Grupo Inter-Ação e do Grupo de Pesquisa em Gestão
Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade na Amazônia/GEDHS/
UFAM. E-mail: evelyn_barroso_@hotmail.com

Fernanda Arruda de Oliveira


Acadêmica do Curso de Serviço Social da Universidade Fe-
deral do Amazonas, bolsista de Iniciação Científica pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
membro do grupo de pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos e
Sustentabilidade na Amazônia e atual presidente do Coletivo Negro
Mãe Obá.

Hellen Bastos Gomes


Doutora em Educação pela UFAM. Mestre em Sociedade e
Cultura na Amazônia/UFAM. Especialista em Saúde da Família pela
Faculdade da Grande Fortaleza. Especialista em Políticas Públicas
de Enfrentamento à Violência Doméstica. Especialista em Saúde
Pública com ênfase em Estratégia em Saúde da Família/UEA/ESAP.
Professora Adjunto A, nível 1 – Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal do Amazonas/UFAM. Coordenadora do Pro-
grama Observatório dos Direitos da Criança e Adolescente/PRODE-
CA. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas de Processos
de Trabalho em Serviço Social na Amazônia (GETRA). Possui gra-

- 171 -
duação em Serviço Social (2011) e Administração Pública (2022).
E-mail: hellenbastosgomes@hotmail.com

Isadora Lima de Souza


Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do
Amazonas. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Servi-
ço Social e Sustentabilidade na Amazônia - PPGSS/UFAM, com
apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazo-
nas - FAPEAM. Membro do Laboratório de Estudos em Gênero da
UFAM. Pesquisadora pelo Grupo de Pesquisa em Gestão Social, Di-
reitos Humanos e Sustentabilidade. E-mail: isadoralima694@gmail.
com

Izabelle Cristina Fragoso do Nascimento


Assistente Social, bacharel em Serviço Social pela Universi-
dade Federal do Amazonas -UFAM, especialista em Serviço Social
na área Sociojurídica pelo Centro Universitário do Norte - UniNor-
te, mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
- PPGSS UFAM com apoio da Fundação de Amparo a Pesquisa do
Estado do Amazonas - FAPEAM. Integrante do Grupo de Pesquisa
Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabilidade na Amazônia.
E-mail: izabellefragoso3@gmail.com

Lidiany de Lima Cavalcante


Graduação em Serviço Social/UNINORTE. Mestrado em
Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia/UFAM, Doutorado
em Sociedade em Sociedade e Cultura na Amazônia/UFAM. Pós-
-doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Cató-
lica do Rio Grande do Sul/PUCRS. Professora do Departamento de
Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Serviço Social
e Sustentabilidade na Amazônia/PPGSS/UFAM. Coordena o Labo-
ratório de Estudos de Gênero/LEG/UFAM. Membro do Grupo de
Estudos e pesquisas em Gestão Social, Direitos Humanos e Susten-
tabilidade/GEDHS/UFAM. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Ensino na Saúde e Intersetorialidade/GEPESI/PUCRS. Membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Família, Serviço Social e Saú-
de/GFASSS/PUCRS.

- 172 -
Lucilene Ferreira de Melo
Professora Doutora vinculada ao Departamento de Serviço
Social e ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Sus-
tentabilidade na Amazônia - PPGSS da Universidade Federal de
Amazonas - UFAM. Assistente Social formada pela Universidade
Federal do Amazonas, com mestrado em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia pela Universidade Federal do Ama-
zonas, doutorado em Ciências Biológicas (Botânica) pelo Institu-
to Nacional de Pesquisas da Amazônia/INPA e Pós-doutorado em
Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/
UFRN. E-mail: lucilenefmelo@ufam.edu.br

Márcia Cristina Nery da Fonseca Rocha Medina


Professora do curso de Direito da Universidade do Estado do
Amazonas. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito
e Processo do Trabalho da Universidade do Estado do Amazonas.
Mestra em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Ama-
zonas. Doutora em Administração pelo FEA-USP. Vice-líder da
Clínica de Direito LGBT da Universidade do Estado do Amazonas.
Presidenta da Seção Sindical dos Docentes da UEA. Representante
da Escola de Direito no Conselho Universitário da Universidade do
Estado do Amazonas. Contato: mcmedina@uea.edu.br mcmedina@
uea.edu.br medina_adv@hotmail.com

Márcia Helena Nascimento Braga


Assistente Social e Mestra em Serviço Social e Sustentabili-
dade pela Amazônia- Ufam- PPGSS. Integrante do Laboratório de
Estudos de Gênero da UFAM. Chefa de Média Complexidade da
Secretária da Mulher, Assistência Social e Cidadania- SEMASC.
Email: mhnbraga1@gmail.com

Márcia Irene Andrade Mavignier


Docente do Curso de Serviço Social da Universidade Federal
do Amazonas. Doutora em Educação pelo Programa de Pós-gradua-
ção em Educação/UFAM. Mestre em Sociedade e Cultura na Ama-
zônia/UFAM. Graduada em Serviço Social/UFAM. É coordenadora
do Programa de Extensão: Observatório dos Direitos da Criança e
do Adolescente/PRODECA. Atualmente está como Diretora Técni-

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co-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Ama-
zonas/FAPEAM. E-mail: marciamavignier01@gmail.com

Michelle de Souza Vale


Assistente Social, Mestra em Sociedade e Cultura na Amazô-
nia pela Universidade Federal do Amazonas. Especialização em An-
tropologia Social, Especialização em Didática do Ensino Superior.
Consultora Acadêmica. Pesquisadora na área de Relações de Gêne-
ro, Mulheres nos Espaços de Poder, Trabalho Feminino, Relações
de Poder e Violência contra a Mulher. Membro do Laboratório de
Estudos de Gênero da Universidade Federal do Amazonas. Orienta-
dora do Curso de Mestrado em Educação pela Universidad del Sol
– UNADES/Paraguai. E-mail: michelledesouz@gmail.com

Michele Pires Lima


Mestra e Doutoranda em História Social pelo Programa de
Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM/FAPEAM). Membro do Laboratório de Estudos de Gênero
(UFAM); do Núcleo de Pesquisas em Tecnologias, Subjetividades
e Decolonialidade (UEMG), Membro da Coordenação da Associa-
ção de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Amazonas (ASSO-
TRAM).

Rômulo Cardoso da Silva


Mestre em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
pela UFAM. Membro do Laboratório de Estudos de Gênero – LEG/
UFAM. Especialização em Desenvolvimento, Etnicidade e Políticas
Públicas na Amazônia pelo IFAM. Bacharel em Serviço Social pela
UFAM. Desenvolve pesquisas nas seguintes temáticas: Família, Di-
versidade Sexual e de Gênero e Serviço Social. Atua como consultor
ad hoc. E-mail: romullocardososilva@gmail.com

Roselayne Castro de Souza


Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do
Amazonas (Campus Manaus). Membro do Laboratório de Estudos
de Gênero da Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora
pelo Grupo de Pesquisa ILHARGAS – Cidades, Políticas e Violên-
cias. E-mail: rocastrods@gmail.com

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Ruth Pereira de Melo
Mestra em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia
pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Membro do Gru-
po de Pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos e Sustentabilida-
de na Amazônia (GEDHS/UFAM). E-mail:ruthpmoliveira@gmail.
com.

Thais Mirian Helena Pantoja Tarabossi


Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do
Amazonas. Mestrando em Sociedade e Cultura na Amazônia/
UFAM. Pós-graduando em Docência do Ensino Superior/FAVENI.
Pesquisador do Laboratório de Estudos de Gênero (LEG-UFAM).
E-mail: ttarabossi@gmail.com

Thamyres Alves Depietro


Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
e Sustentabilidade na Amazônia (PPGSS/UFAM), com apoio da Fun-
dação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
Membro do grupo de pesquisa Gestão Social, Direitos Humanos
e Sustentabilidade na Amazônia (GEDHMAM/UFAM). E-mail:
thamyresdepietro15@gmail.com

Valéria Barbosa Soares


Coordenadora na República Municipal Esperançar, na cidade
de Sapucaia do Sul/RS pela Agência Adventista de Recursos As-
sistenciais/ADRA SUL. Atuou três anos como Assistente Social da
Casa Miga Acolhimento LGBT. Doutoranda em Serviço Social pelo
Instituto Integralize de Educação Superior. Mestra em Serviço So-
cial e Sustentabilidade na Amazônia pela UFAM. Graduação pela
Faculdade Salesiana Dom Bosco/FSDB. Especialização em Polí-
ticas Públicas no Enfrentamento da Violência Intrafamiliar/FSDB.
Membro do Laboratório de Estudos de Gênero – LEG/UFAM.
E-mail: valeria.ss_soares@hotmail.com

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